Porto dos Gaúchos - Entrelinhas Editora · O meu primeiro contato com a preciosa documentação...

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Henrique Meyer Organizador Os primórdios da colonização da Gleba Arinos, na Amazônia brasileir a Port o d os Gaúchos

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Henrique Meyer Organizador

Os primórdios da colonização da Gleba Arinos, na Amazônia brasileira

Porto dos Gaúchos

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Porto dos Gaúchos : os primórdios da colonização da Gleba Arinos, na Amazônia brasileira / Henrique Meyer , organizador. -- Cuiabá, MT : Entrelinhas, 2015.

ISBN 978-85-7992-075-2

1. Amazônia - Colonização 2. Brasil - História 3. Brasil - História - Período colonial 4. Mato Grosso - Colonização 5. Porto dos Gaúchos - Descrição 6. Porto dos Gaúchos - Mato Grosso (MT) - Fotografias 7. Porto dos Gaúchos - Mato Grosso (MT) - História 8. Relatos I. Meyer, Henrique.

15-02609 CDD-981.72

Índices para catálogo sistemático:

1. Porto dos Gaúchos : Mato Grosso : Relatos históricos : História 981.72

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[email protected] – www.entrelinhaseditora.com.br

Editora Maria Teresa Carrión Carracedo

Design gráfico | Tratamento de imagens Helton Bastos

Tratamento de imagens Maike Vanni

Ricardo Miguel Carrión Carracedo

Escaneamento de imagens e paginação Rafael Carracedo Ozelame

Revisão Henriette Zanini

Assistente na edição Walter Galvão

Crédito das imagens

Todas as fotos, com exceção de algumas cedidas pelas famílias, são de propriedade da Conomali.Walter Irgang é o autor das fotos de março de 1955 a maio de 1955 e as de 1956.

De maio a dezembro de 1955, a autoria é de Guilherme Meyer, Alfredo Leandro Carlson, Gustav Adolf Isernhagen e Helmut Goldmeier. As fotos de 1957 e 1958 (parte) são de Johannes Friedrich Hasenack e Max Breul.

Arnaldo César Irgang é autor de parte das fotos de 1958 e as de 1959.

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Dedico

Aos meus filhos, Fabian e Guilherme, e ao meu neto, Henrique.

Para que tenham sempre presente os ideais, os valores e o labor dos que os antecederam.

Apresentação

O meu primeiro contato com a preciosa documentação fotográfica da Coloniza-dora Noroeste Matogrossense (Conomali), deu-se há dez anos, quando editava o livro Geografia de Mato Grosso: Território – Sociedade – Ambiente, de Gislaene Moreno e Tereza Cristina Souza Higa. Em busca de imagens para ilustrar o capítu-lo sobre a colonização em Mato Grosso no século XX, o fotógrafo Mario Friedlän-der nos apresentou reproduções que impressionaram.

À época, Henrique Meyer não só autorizou a publicação das imagens no livro, como identificou com precisão cada uma das 21 fotos incorporadas à obra de re-ferência. Esse conjunto documental permitiu que pesquisadores de diversas áreas, professores e alunos de Geografia, pudessem conhecer um pouco da colonização da Gleba Arinos, realizada por iniciativa particular da Conomali, na década de 1950, na Amazônia mato-grossense.

Agora em 2015, por ocasião do 60º aniversário da cidade, tive o prazer de tra-balhar na edição deste Porto dos Gaúchos: os primórdios da colonização da Gleba Arinos, na Amazônia brasileira, obra de grande fôlego organizada por Henrique Meyer, filho do colonizador Guilherme Meyer. Como editora há 25 anos, tendo trabalhado em centenas de publicações, devo confessar que nunca recebi tão ex-tensa e valiosa documentação tão bem organizada por um autor. Após o impacto no recebimento dos originais, envolvi-me de pronto com a história de Porto dos Gaúchos e a fibra de sua gente, com o livro e o trabalho do seu zeloso organizador.

O conjunto documental apresentado neste livro é realmente impressionante. Mostra uma experiência de colonização particular empreendida na década de 1950, em que o visionário e empreendedor Guilherme Meyer planejou e realizou um arriscado projeto de colonização, a partir de Santa Rosa, no Rio Grande do Sul, para assentar dezenas de famílias, principalmente de origem alemã e italiana, na Gleba Arinos, em meio à floresta, enfrentando as condições mais duras e adversas.

Neste sonho que se realizou, percebemos pelas fotografias, registros do jor-nalista Walter Irgang e outros documentos, que o projeto teve planejamento cui-dadoso e detalhado, e que os homens e mulheres que aceitaram o desafio, tinham muita determinação, coragem, resistência, paciência, organização, apreço estético pelo bem-feito, tudo sustentado pelo enorme desejo de construir uma nova histó-ria em um novo lugar – um novo porto.

Não se sabe ao certo quando é que esta saga da família Meyer começou. Mas sabemos pela pesquisa de Ingrid, que Cristian Mayer, ascendente do colonizador de Porto dos Gaúchos, emigrou de Württenberg, junto à Floresta Negra, na Ale-manha, no início dos século XIX. Ele e seus descendentes passaram pela Galícia, na Espanha, por Varsóvia, na Polônia, por Rozische, hoje na Ucrânia, e voltaram à Alemanha para emigrar para o Brasil em 1908. Assim, em meio à colonização alemã na Colônia Guarani, hoje Santa Rosa, Rio Grande do Sul, enfrentando toda sorte de dificuldades, Hermann e Alvine, pais de Guilherme Meyer, se estabelece-ram, tiveram filhos e prosperam. E Guilherme, seu filho, sem medo de enfrentar o desconhecido, à exemplo dos seus ancestrais, foi em busca do novo, fincando raízes e descendência em plena Amazônia brasileira.

Parte dessa história está registrada neste livro, uma verdadeira preciosidade que deverá ser melhor explorada pelos pesquisadores das universidades e pelos historiadores. A família Meyer e os cidadãos de Porto dos Gaúchos têm muito do que se orgulhar. Não são muitas as cidades brasileiras que podem ostentar registro tão minucioso de suas origens.

Maria Teresa Carrión CarracedoEditora

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Pioneirismo e coragem

Aos 24 anos, morando em Porto Alegre, eu cursava o último ano de jornalismo na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Em março de 1955, a convite de Guilherme Meyer, o Willy, me incorporei, como repórter e fotógrafo, à caravana pioneira da Conomali, que, partindo de Santa Rosa, iniciaria os trabalhos de locali-zação, zoneamento e demarcação das terras da Gleba Arinos.

No ano seguinte, já na condição de diplomado e funcionário contratado pela empresa na função de repórter-correspondente, integrei a primeira caravana de famílias. Na oportunidade, acompanhei e documentei, por terra e água, a heroica viagem das primeiras famílias de agricultores, que, partindo do Rio Grande do Sul, vieram a fincar raízes no atual município de Porto dos Gaúchos. Sou testemunha, portanto, desde o primeiro capítulo, desta dignificante história de pioneirismo, coragem e realização dos Irmãos Mayer, sob a liderança do Willy. Meu fraterno e inesquecível amigo ficaria orgulhoso em ver esta história resgatada, eternizando, assim, a épica aventura da fundação de Porto dos Gaúchos nos anos 50 do século XX.

De minha parte quero, afinal, expressar meu sentimento mais íntimo e sincero, tornando público o que deixei escrito na última página do diário de viagem, no qual registrei os eventos e peripécias que envolveram, de 23 de março a 3 de maio de 1955, o deslocamento da caravana pioneira, desde Santa Rosa até este hoje se-xagenário Porto dos Gaúchos. O que, há 60 anos atrás, brotou na minha mente e transbordou meu coração, quando retornei a Porto Alegre no dia 15 de maio de 1955, encerrando o meu relato de então, ainda hoje permanece válido, verdadeiro e, principalmente, indelével na minha memória:

Finda a viagem, encerro este diário, no mesmo apartamento e na mesma sala onde o iniciei há 59 dias atrás. Viajei por terra, água e ar. Vi e senti coisas maravilhosas. Vivi mo-mentos desagradáveis também. Fiz, na avaliação final, uma ótima viagem. Terei saudades dos companheiros, que deixei no mato. Ansiarei em rever a Gleba Arinos. Guardarei as melhores recordações de todos e de tudo. Sempre relembrarei a expedição recém-finda, com carinho e saudade.

Porto Alegre, 23 de março de 2015

Walter Irgang

No detalhe da foto, “Escritório” do jornalista Walter Irgang, na Cachoeira do Pau (19.04.1955)

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À guisa de introdução, 17

1955 Vocação pioneira: do Sul à Amazonia, a Colonizadora Noroeste Matogrossense chega à Gleba Arinos, 19

1956 A chegada das primeiras famílias gaúchas, seguida por paranaenses e catarinenses, 83

1957 As lavouras, os colonos e o empreendimento prosperam, 165

1958 Conomali realiza ligação rodoviária de Porto dos Gaúchos a Cuiabá, 235

1959 Conomali alcança seus objetivos e Porto dos Gaúchos se consolida, 289

A convivência com os nativos, 347

O fundador – visionário de espírito empreendedor traz desenvolvimento à Amazônia mato-grossense, 363

Sumário

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Travessia da barca do rio Paraná, com a frota da Conomali em sua primeira caravana de reconhecimento, na divisa de São Paulo com Mato Grosso, hoje Mato Grosso do Sul (06.04.1955)

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À guisa de introdução

Como sempre, também aos domingos, os velhos acordavam ao clarear do dia. Pa-pai, invariavelmente, dirigia-se ao pequeno depósito nos fundos da garagem para apanhar castanha-do-pará. Balde cheio, distribuía as nozes nos balaios de metal, quatro ou cinco, não me recordo, e os erguia para o alto dos pés de manga, por meio de roldanas.

As araras nativas habituaram-se ao trato. O chiar das roldanas era como um sinal para a aproximação. Hora do café, hora do banquete. Eram muitas, cerca de uma centena, todas da espécie canindé, azuis e amarelas. Lindas, recebem o trato diariamente ainda hoje, transcorridos já cerca de 50 anos.

Seguia então para junto da cozinha externa e, com um machado, lascava os toretes de guarantã, previamente fatiados pelos peões com um traçador. Lenha na churrasqueira, o fogo ardia. Em cerca de duas horas a brasa estaria pronta para receber o assado.

Lembro-me de espetos grandes, com dois a três quilos de carne, que seriam consumidos no decorrer da semana. Costela, chuleta e alcatra, as preferidas. O tempero, sal grosso, somente o sal grosso. Antes das nove da manhã a carne estava no fogo, no alto do fogo, e lá permaneceria até o meio-dia. Os espetos seriam vira-dos uma vez só, após uma hora e meia.

Junto à poltrona, Willy encostava a mesinha de apoio. Sobre ela, uma dose de whisky Old Eight e uma de bitter, em geral, Underberg. A cerveja, viria ela depois. Ainda, um prato com o antepasto, fatias de queijo, linguiça e lombo defumado. Era quase um almoço. O velho comia bem.

Enquanto isso, mamãe subia ao segundo piso e tirava a molecada da cama. Cara de sono e mal lavada, lá vínhamos escada abaixo. Já na churrasqueira, as meni-nas davam um beijo em papai. Os guris, às vezes. No café, pão caseiro, manteiga, schmier1 e leite fresco, ordenhado pela manhã.

Domingo, dia de ouvir história. Ingrid, pronta e atenta. Eu, ‘saco, outra vez? Quem gosta de passado é museu’. Sigrid e Neac brincavam. ‘Cai fora, piá, tira a mão do espeto, saia de perto da churrasqueira’. Mal sabia eu que não eram causos, eram narrativas de fatos reais e verídicos.

Hoje, depois de alguns anos de busca e pesquisa, conheço profundamente a brava luta destes pioneiros. Já há algum tempo não conto mais com o meu pai, e a doença de Alzheimer impede minha mãe, tendo ainda inúmeras questões sem resposta. Tudo tem o seu tempo. Perdi o bonde, mas sigo em frente. Tenho agora que me virar de outras formas.

Meus agradecimentos à irmã Ingrid Marta Meyer, sempre pronta e disposta, de memória incomum. A Neac Meyer Arigbatsa, irmão, pela busca e identifica-ção dos arquivos fotográficos. Ao amigo Roland Alberto Eugênio Sydow, presente desde sempre, em cada detalhe, com muita criatividade e inteligência. À então secretária, Alcione Gonçalves da Silva, pela dedicação e paciência com um chefe estressado.

Henrique Meyer

1 Chimia

Ainda hoje as araras recebem tratamento especial, como se pode ver nesta foto de Roland Alberto Eugênio Sydow, de março de 2015