Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio
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PORTO DAS CANOAS
O RETRATO DE UM DECLÍNIO
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3
PORTO DAS CANOAS
O RETRATO DE UM DECLÍNIO
Um retrato preocupante da ascensão
e queda da cidade de Igarapava - SP
Igarapava/SP, julho de 2012.
4
5
Dedico esta obra aos
amigos que ainda acreditam num
futuro melhor para Igarapava, a
minha família, ao querido professor
Walter Bichuete que contribuiu
imensamente com fatos históricos
importantes e aos políticos que não
conhecem a história de nossa
cidade.
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Sumário
Apresentação....................................................... 7
Introdução............................................................. 9
1. O sertão paulista e a “febre do ouro”................ 13
2. A Estrada dos Goyazes.................................... 20
3. As Anselmadas................................................. 29
4. O padre Zeferino Baptista Carmo..................... 42
5. O Arraial de Santa Rita do Paraíso.................. 47
6. Quem foi Santa Rita de Cássia........................ 52
7. Um século de crescimento desordenado........ 54
8. As Revoluções de 1930 e 1932....................... 84
9. O principal golpe contra o crescimento........... 93
10. Os garimpeiros da esperança........................... 100
11. Jesus Maria José – Nosso maior pecado......... 107
12. O Coronel Quito – Anjo ou Demônio?.............. 124
13. O triste retrato do declínio................................ 134
14. Qual a solução para Igarapava?...................... 150
Bibliografia............................................................. 157
7
Apresentação
Como é inerente a todo ser humano, os
Igarapavenses não fugiram a regra e estão desperdiçando
o bem mais precioso de suas vidas: o tempo. E de quebra
dilapidando a herança de nossos netos.
Somos os novos bandeirantes, que apenas
garimpam o ouro que a “mina” Igarapava ainda pode
oferecer, e assim que não sobrar mais nada vamos mudar
de endereço, como os mais jovens já fazem atualmente.
Dilapidamos o patrimônio de nossos filhos e
enviamos todos para longe daqui com o objetivo de
“ganhar a vida”. Ora, porque somos obrigados a fugir de
Igarapava para sermos reconhecidos profissionalmente?
Porque não criar uma raiz onde nascemos? Aliás, uma
pergunta: Ainda existem crianças nascendo aqui? Quantas
crianças nasciam da década de 50 e quantas nascem
agora?
Fizemos esta consulta e o resultado é
preocupante e impressionante.
8
A cada aniversário de Igarapava costumo fazer
um balanço do que tivemos de positivo e de negativo,
entendendo o negativo como algo que deixamos de fazer
e positivo aquilo que implementamos com o objetivo de
dar um futuro melhor para nossos cidadãos e a conclusão
que tenho tido nos últimos 20 anos é impublicável.
Fernando Couto
9
Introdução
Há uma grande discussão, entre diversos autores,
a respeito de quando surgiu o famoso Caminho ou Estrada
dos Goyazes, que deu origem a diversas cidades paulistas
e mineiras. A expedição do segundo Anhanguera, iniciada
em 1.722, pode ser tomada como uma das primeiras
responsável pela abertura do caminho.
A principio é preciso ressaltar que a bandeira do
segundo Anhanguera não foi a pioneira em explorar os
sertões do centro-oeste brasileiro. Pelo contrário, sabemos
que desde o fim do século XVI diversas incursões foram
feitas a procura de riquezas para a coroa portuguesa.
O que podemos afirmar com segurança é que a
Estrada dos Goyazes foi a motivadora para o
estabelecimento de diversos pousos as suas margens,
que posteriormente se transformaram em povoados e
vilas. A história de inúmeras cidades do interior de São
Paulo nasce após a abertura da Estrada dos Goyazes.
A partir do momento em que a trilha tornou-se
conhecida e as notícias da descoberta do ouro goiano se
espalharam, o movimento cresceu rapidamente, deixando
10
de ser uma simples trilha para se tornar a passagem para
alcançar o ouro goiano. Esta nova realidade levou o
Governo de Portugal a tomar uma atitude para proteger as
descobertas e passou a conceder as primeiras sesmarias.
Aos olhos de Portugal, a concessão de sesmarias
ao longo da Estrada dos Goyazes seria a única alternativa
para controlar organizadamente o escoamento desta
riqueza.
11
Em 1.730, uma Carta Régia proibiu que houvesse
mais de um caminho para as minas de Goiás e Cuiabá. O
controle efetivo da rota não servia apenas para coibir o
contrabando do ouro, mas também para manter a ordem e
vigiar o tráfico humano, bem como cobrar taxas sobre tudo
o que trafegasse em todos os sentidos. A preocupação em
controlar e povoar as margens da estrada se fazia
necessária também para garantir a segurança dos brancos
contra ataques indígenas.
O primeiro lote de sesmarias foi concedido, em
1.726, aos responsáveis diretos pela descoberta oficial do
ouro goiano: Bartolomeu Bueno da Silva, João Leite da
Silva Ortiz e Bartolomeu Paes de Abreu. Tais sesmarias
tinham como objetivo principal servir de vigilância e auxílio
ao tráfego do caminho. Cada uma das sesmarias possuía
o direito de cobrar taxas de passagem sobre os principais
rios atravessados pela estrada: Rio Iguatibaia, Rio Jaguari,
Rio Pardo, Rio Grande, Rio das Velhas, Rio Parnaíba, Rio
Guacurumbá, Rio Meia Ponte e o Rio dos Pasmados, a
cargo de Bartolomeu Bueno da Silva e João Leite da Silva
Ortiz, e os rios Moji e Sapucaí, a cargo de Bartolomeu
Paes de Abreu.
12
A distribuição de sesmarias fazia parte de uma
política muito bem definida da Coroa Portuguesa, que
tentava garantir com isso o controle da exploração do ouro
goiano e combater as inevitáveis tentativas de
contrabando. Em todas as sesmarias, a Estrada dos
Goyazes foi indispensável para a constituição dos
primeiros assentamentos populacionais para auxiliar os
viajantes com pouso e comida.
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1. O sertão paulista e a “febre do ouro”
O atual Estado de São Paulo se originou das
Capitanias de São Vicente e Santo Amaro, doadas pela
Coroa Portuguesa no século XVI, aos irmãos Martim
Afonso de Souza e Pero Lopes de Souza, obedecendo às
linhas do Tratado de Tordesilhas firmado entre Portugal e
Espanha em 1.494.
Primeiramente os portugueses fundaram as vilas
de Santos, Itanhaém, Cananéia e São Vicente, todas no
litoral, com o objetivo de construir vários fortes para a
defesa da nova Colônia e somente depois houve a criação
dos povoados no planalto, sendo Santo André o primeiro e
posteriormente o de São Paulo de Piratininga.
Durante o século XVII, a população se dedicou a
captura de indígenas para a escravidão, com o objetivo de
cultivar a terra e buscar metais e pedras preciosas, mas
logo perceberam que os índios seriam de difícil trato para
servirem aos poucos colonos portugueses.
Ainda no final do século XVII, os vicentinos
aceleraram as buscas por riquezas minerais e
descobriram as primeiras jazidas de ouro no sertão, onde
14
hoje está situada a cidade de Ouro Preto, em Minas
Gerais e posteriormente descobriram mais ouro nas terras
onde hoje estão os Estados de Mato Grosso e Goiás.
Praticamente todo o deslocamento de
exploradores de São Paulo de Piratininga para o sertão do
ouro era feito pela Estrada dos Goyazes, que cruzava as
atuais terras do triângulo mineiro para alcançarem as
minas de ouro.
Até a primeira metade do século XVIII, a área do
Povoado de Vila de São Paulo de Piratininga se limitava
as Igrejas do Carmo, São Bento e São Francisco e as
lavouras ou roças de subsistência dos paulistanos
estavam onde hoje se encontram os bairros do Brás, a
Rua Santa Efigênia, a Santa Cecília e a Praça da
República.
Já no campo, mais distante destas localidades,
estavam à fartura e a opulência, proporcionadas por uma
produção agrícola diversificada, criação de animais e
indústrias rudimentares, como engenhos de cana, teares
manuais, etc. O ambiente rural, de certa forma lembrava
os tempos medievais; os donos das grandes fazendas – a
maioria, senão a totalidade, obtidas por doação – em geral
15
eram austeros, tinham autoridade absoluta sobre a
esposa, os filhos e os escravos.
A “febre do ouro” no período de 1.730 – 1.750
atraiu um numeroso grupo de paulistas para Minas Gerais
e Goiás. Os primeiros anos da exploração do ouro e do
diamante foram marcados pela escassez de produtos de
primeira necessidade e logo surgiu a necessidade de
cultivar roças que foram se estabelecendo ao longo das
rotas do ouro, proporcionando comida e pouso aos
viajantes, aventureiros, tropeiros e comerciantes.
Em 1.763, a sede do Governo Geral da Colônia foi
transferida da Bahia para a cidade do Rio de Janeiro em
virtude da importância econômica do ouro e a Vila de São
Paulo de Piratininga deixou de ser um ativo entreposto
comercial por certo período devido ao desvio das
mercadorias do sertão para a nova sede do governo
através de uma estrada que ligava Goiás e Mato Grosso
ao sul de Minas e a cidade do Rio de Janeiro, deixando a
Estrada dos Goyazes praticamente deserta, estagnando a
Vila de São Paulo de Piratininga e a exploração das terras
as margens do Rio Pardo e Rio Grande e desenvolvendo
a região do Desemboque, atual cidade de Sacramento.
16
O recenseamento de Moji-Mirim em 1.776
afirmava que os moradores remanescentes da Estrada
dos Goyazes eram pobres, viviam da caça, da pesca e de
pequenas lavouras; muitos deles da raça branca, vivendo
em agrupamentos indígenas dispersos pela região.
Neste mesmo período começam a se esgotar as
minas de ouro e diamantes e os mineiros do sul de Minas
iniciam um deslocamento para oeste no intuito de buscar
novas terras que proporcionassem novas oportunidades
para a criação de gados e a cultura de algodão e cana-de-
açúcar incentivados pelo Marquês de Pombal, primeiro
ministro português, que nomeou D. Antônio de Souza
Botelho Mourão, o Morgado de Mateus para implementar
as ideias fisiocratas e iluministas do governo.
Morgado de Mateus se empenhou na
diversificação e expansão das atividades agrícolas em
território brasileiro, e aproveitando o momento econômico
do mercado europeu que se ressentia da falta de açúcar e
algodão devido à guerra de independência norte-
americana e os conflitos nas Antilhas, incentivou a cultura
de cana-de-açúcar e algodão em terras de Rio de Janeiro
17
e São Paulo, resultando em exportações para Lisboa,
através do Porto de Santos ainda no século XVIII.
No final do século XVIII e inicio do século XIX, a
agricultura do interior paulista foi aos poucos se firmando ,
proporcionando um crescimento econômico.
A última década do século XVIII assistiu uma
migração constante de mineiros para os territórios
paulistas, aumentando significativamente o número de
moradores do chamado Sertão do Rio Pardo, onde
futuramente seriam erguidas as freguesias de Franca,
Batatais e Casa Branca.
Já em 1.805, vendo o avanço dos mineiros sobre
o território paulista, o então Governador Franca e Horta,
cria a Freguesia de Franca, dando inicio a consolidação do
direito paulista à cobiçada região de fronteira. Essa foi a
primeira freguesia criada na região nordeste de São Paulo
que, mais tarde, ficou conhecida como Alta Mogiana.
Uma das fazendas da região que formavam a
Freguesia de Franca, que mais tarde, em 1.821 seria
chamada de Vila Franca d´El Rei e três anos depois, em
1.824, finalmente chamada de Vila Franca do Imperador
era a “Soledade”, sendo uma das de maior destaque.
18
Posteriormente a área da Freguesia de Franca foi
sendo desmembrada e dando origem às cidades mais
antigas de nossa região entre elas, já no final de 1860,
Batatais e Casa Branca.
19
A área compreendida pela Fazenda Soledade se
destacou posteriormente devido ao solo fértil da região,
que em 1.873 constituiriam o Município de Santa Rita do
Paraíso, atual Igarapava, que se tornou famosa e
conhecida pela grande área que ocupava, na margem
esquerda do Rio Grande, junto aos limites do Sertão da
Farinha Podre, hoje Uberaba.
20
2. A Estrada dos Goyazes
5. Resíduos Sólidos: Origem,
É 1.549, e os forasteiros, aventureiros e
mercenários que desembarcavam no litoral brasileiro em
busca de riquezas, olhavam as grandes florestas e as
infinitas campinas, mas não tinham a exata noção das
riquezas que o sertão escondia.
O então governador-geral Tomé de Souza
(nomeado para o período de 1.549 – 1.553), que havia
aportado no Brasil no dia 29 de março de 1.549, vinha
com colonos e seis Jesuítas,
chefiados pelo padre
Manoel da Nóbrega, com
orientações precisas para
organizar o poder político,
fazenda, justiça, defesa e
fundação de uma capital
bem como a catequizar os
indígenas e estimular as
atividades agrícolas e
comerciais.
21
Nesta época concedeu o primeiro apoio oficial às
expedições dos sertões para o explorador Francisco Bruza
Spinosa que em 1.553, partindo de Salvador, na Bahia,
começou as primeiras jornadas pelos confins de nosso
sertão e por aquelas ironias ou coincidências do destino
que teimam em nos pregar peças, teve Spinosa o
privilégio de alcançar as nascentes do Rio São Francisco,
o velho Chico, um dos rios mais importantes do Brasil,
localizadas na Serra da Canastra, a 1.000 metros de
altitude, não muito distante do Rio Grande, atual divisa de
Minas Gerais e São Paulo.
Seguiram-se inúmeras expedições sempre com o
objetivo de encontrar pedras preciosas e riquezas naturais
para fazer de Portugal o reino economicamente mais
poderoso do mundo. Outras expedições que partiam para
estas explorações eram organizadas em São Paulo e
levavam na frente um guia conduzindo um estandarte, e
por isso, passaram a serem chamadas “Bandeiras” e seus
chefes “Bandeirantes”, o que posteriormente influenciaria
o governo de São Paulo a dar este nome a uma de suas
principais rodovias.
22
Uma destas precárias estradas recebeu o nome
de “Estrada dos Goyazes” cujo ouro que escoou desta
contribuiu fortemente para que
na década de 1.720, o Rei D.
João V pudesse erguer
diversos edifícios suntuosos e
imponentes no setor do ensino
e cultura de Portugal, entre
eles a famosa biblioteca da
atual Universidade de Coimbra
inaugurada em 1.728.
O que a história registra que o explorador
Bartolomeu Bueno da Silva, juntamente com seu filho,
Bartolomeu Bueno da Silva Filho, começaram a explorar a
rota do ouro, abrindo em 1.722 a Estrada dos Goyazes,
que atravessava o Rio Grande, e que em 1.825 foi aberto
um desvio nesta estrada, atravessando as Fazendas de
Ponte Alta e Buritys, formando as coordenadas que
determinam o ponto onde mais tarde surgiria o povoado
de Santa Rita do Paraíso, atual Igarapava.
23
A Estrada dos Goyazes não passava de uma trilha
sobre uma picada e as condições de tráfego eram
precárias. Por volta de 1.726, o General Martinho
Mendonça
de Proença,
governador
interino,
expediu
dezenas de
cartas de
“sesmarias”
(distribuição
de terras)
demarcando
as margens
do novo
caminho em
favor dos Bandeirantes, o que não impediu o
estabelecimento de posseiros.
O processo de desbravamento e ocupação do
caminho do ouro se deu pela necessidade de estruturar os
viajantes e as tropas que rumavam para Goiás.
24
Era preciso fornecer comida e pousada para os
homens e milho para os animais. Os pioneiros nessa
tarefa devem ter feito, à moda do bandeirante, pequenas
roças
plantadas.
As roças
iniciais
deram
lugar aos
primeiros
pousos,
localidade
s já
melhor
estabeleci
das,
voltadas a
venda de
excedentes aos que seguiam pelo Caminho. A instalação
dos pousos permitiu o surgimento da criação de gado,
dando inicio a uma pecuária extensiva e significativa.
25
A primeira alteração significativa da economia ao
longo da Estrada dos Goyazes teria ocorrido quando da
chegada dos primeiros entrantes mineiros. A partir de
então, a pecuária foi introduzida em maior escala,
transformando-se num dos principais sustentos da
população local. Além da venda da carne bovina e da
produção de queijos, destacava-se, também, a presença
de elevado número de cavalos.
No final do século XVIII, a maioria das grandes
jazidas de ouro da capitania situada no Polígono do Ouro
e do Sangue (Minas Gerais), achava-se esgotadas; o
índice populacional era elevado e os alimentos escassos,
o que motivou sucessivas migrações, inclusive para o
nordeste paulista, as margens do Rio Grande.
Esta migração foi a responsável pela implantação
de um desvio na Estrada dos Goyazes, feito em 1.825,
com o único objetivo de encurtar o trecho entre o Sertão
da Farinha Podre, a então Vila de Uberaba e a Vila Franca
do Imperador. Durante mais de meio século o desvio
assistiu a passagem dos carros de boi, de tropas e
boiadas. A região era terra de índios Caiapós, índios
Araxás e de escravos fugitivos das senzalas, mas com a
26
chegada dos mineiros, as atividades de criação de gado e
plantação de algodão e cana-de-açúcar eliminaram
praticamente todos os índios.
Estes novos entrantes, ao contrário da maioria que
já habitava as margens da Estrada dos Goyazes,
possuíam recursos para explorar e desenvolver as áreas
que passaram a ocupar. Alguns solicitaram posse de
terras ainda não habitadas anteriormente pelos
exploradores bandeirantes.
Entre os novos entrantes estavam os “Ferreira de
Barcellos”, que se instalaram no Pouso dos Bagres
(Franca) e lá adquiriram terras através de sesmarias. Nas
furnas do Ribeirão Canoas os “Ferreira de Barcellos”
abriram duas fazendas; a primeira teria sido a Fazenda
Pouso Alegre e a outra era a Fazenda Borda da Mata, cujo
dono era Heitor Ferreira de Barcellos, casado com Anna
Angelica de Jesus e tiveram 10 filhos, sendo um deles
Anselmo Ferreira de Barcellos, que posteriormente se
casou com Ritta Angelica do Sacramento.
No distrito de Franca e Rio Pardo, e mais tarde em
Vila Franca do Imperador, Heitor Ferreira de Barcellos,
que tinha Patente de Alferes, teve uma participação
27
discreta na vida pública, exercendo temporariamente
cargos de pequena importância na administração da Vila.
Na figura abaixo a prova de que Heitor Ferreira de
Barcellos era realmente morador da Vila de Franca do
Imperador, conforme censo populacional de 1.835. Estava
com 78 anos e sua esposa Anna Angelica, com 66 anos e
possuíam 10 escravos.
Com o seu falecimento em 1.837, a sede da
Fazenda Borda da Mata passou a pertencer por herança
ao seu filho Anselmo Ferreira de Barcellos. A sede da
fazenda Borda da Mata, construída com esteios de
aroeira, paredes de pau-a-pique e acabamento de
argamassa rústica, até a década de 1.950 ainda estava de
pé, atualmente só restam às lembranças.
28
No censo populacional de 1.835 também podemos
identificar que o Capitão Anselmo já morava em sua casa
juntamente com um escravo de nome Floriano e tinha 36
anos.
Anselmo Ferreira de Barcellos não deixou filhos e
segundo relatos da época era um homem alto, forte, de
voz timbrada, “vermelho como papo de Jacú”, um tanto
áspero e às vezes rigoroso nas atitudes, mas tinha a
virtude da honradez e do cumprimento da palavra
empenhada. A sua fama ganhou notoriedade em todo o
Brasil por força das “Anselmadas”.
29
3. As Anselmadas
O progresso da Vila Franca do Imperador atraia
vários mineiros oriundos da região das catas já esgotadas
e na década de 1.830 tais migrantes já bem instalados e
com suas atividades comerciais bem prósperas começam
a ter privilégios políticos até então exclusivos dos
primeiros entrantes ou pioneiros, entre eles as famílias
“Ferreira de Barcellos” e os “Junqueira”.
Os “Junqueira” eram orgulhosos e se
consideravam legítimos representantes da nobreza rural,
sempre fazendo questão de afirmar serem descendentes
de El-Rei D. Diniz (1.279 – 1.325) de Portugal e tendo
aportado em terras brasileiras, mais precisamente na
Capitania de Minas Gerais, na Comarca do Rio das
Mortes, na Vila de São João Del Rei.
Nesta época, a referida comarca era a maior
produtora de grãos, hortaliças e frutos nacionais, servindo
tanto a Corte no Rio de Janeiro, quanto às regiões de
extração de minério.
30
O português João Francisco Junqueira, oriundo da
região campesina do Minho, no Arcebispado de Braga,
batizado em 1.727, na pequena aldeia de São Simão da
Junqueira, filho de João Manuel e Ana Francisca, casou-
se no ano de 1.758, com Helena Maria do Espírito Santo e
desta união nasceram 12 filhos, entre eles José Antônio
Diniz Junqueira e Francisco Antonio Diniz Junqueira,
amigos do Capitão Anselmo Ferreira de Barcellos.
Fazendeiros e políticos, embora possuidores de
grande patrimônio, representado por extensas áreas de
terras, nunca tinham dinheiro suficiente, em virtude de sua
atividade econômica não ser desenvolvida plenamente, e
desta situação resultava que os donos de fazendas
frequentemente estavam devendo a algum comerciante
local.
Tais comerciantes eram considerados pelos
pioneiros “Ferreira de Barcellos” e “Junqueira” homens
sem instrução e sem nascimento. Entre estes
comerciantes destacava-se Manoel Rodrigues Pombo,
que também viera de Minas Gerais. Comerciante bem
sucedido, Pombo era muito influente na Praça do Rio de
Janeiro, onde recebeu de seu amigo Domiciano Leite
31
Ribeiro, a incumbência de cobrar uma dívida do Capitão
João Francisco Junqueira, fazendeiro em Batatais.
Na tentativa de cobrar o Capitão Junqueira foi mal
recebido pelo devedor e Manoel Rodrigues Pombo
respondeu à altura, resultando em acirrada discussão. A
cobrança foi efetuada por via executiva, revoltando a
família Junqueira, que procurou o amigo, Capitão Anselmo
Ferreira de Barcellos, pedindo-lhe que mandasse
assassinar Pombo e cortasse as orelhas da vítima, uma
prática comum na época.
Anselmo Ferreira de Barcellos também devia certa
importância a outro “homem sem instrução e sem
nascimento” chamado Luiz Gonçalves de Lima, que
tentando cobrar o Capitão, foi mal recebido, a exemplo do
Capitão Junqueira.
Na figura abaixo podemos provar que Manoel
Rodrigues Pombo estava com 44 anos em 1.835 e
realmente morava na Vila Franca do Imperador com sua
esposa, 6 filhos e mais 14 escravos, comprovando sua
riqueza, já que naquela época escravos eram
extremamente valorizados.
32
Nota-se aqui pouca afinidade de princípios entre
os antigos pioneiros e os novos comerciantes, que nos
leva a acreditar na existência de uma briga de classes
bastante comum no Brasil até os dias atuais. As famílias
tradicionais não aceitam os “novos ricos”, temendo a
perda de espaço e prestígio político. Isso acontece até os
dias de hoje em Igarapava.
O Capitão Anselmo Ferreira de Barcellos tinha
muita influência política na Vila Franca do Imperador e
liderava um grupo político onde eram afiliados pessoas
muito pouco honestas e confiáveis, entre eles o Padre
João Teixeira d´Oliveira Cardoso e um trapaceiro que
33
havia fugido de Araxá, chamado Basílio Magno Rodrigues
Alves, envolvido em vários processos e teria se transferido
para a Vila Franca do Imperador a convite de Anselmo,
com o único objetivo de fomentar intrigas entre os
francanos.
Conta à história que uma discussão entre a
cunhada do Capitão Anselmo Ferreira de Barcellos, a
viúva Luciana Angelica do Sacramento e o Sr. Luiz
Gonçalves de Lima (credor e desafeto do capitão), sobre
uma questão corriqueira de uma janela da casa de
Luciana, que teria sido bloqueada com pregos e madeiras,
pelo Sr. Luiz, iniciou uma briga de vizinhos, onde o
Capitão Anselmo, então vereador, dirigiu uma
representação na qual relatava os detalhes do “Caso da
Janela” e pedia providências de punição ao seu desafeto
junto ao Governo. A representação também solicitava a
demissão do Juiz de Paz, Manoel Rodrigues Pombo, por
não ter punido o Sr. Luiz Gonçalves de Lima em favor de
sua cunhada Luciana Angelica do Sacramento.
Como o governo achou a questão sem importância
e não respondeu ao Capitão Anselmo, o mesmo, com a
desculpa da “Questão da Janela”, mas já planejando
34
cumprir a promessa feita à família Junqueira de assassinar
o Juiz de Paz Pombo, começa a sua imposição armada a
Vila Franca do Imperador. Em 1º de janeiro de 1.838,
ocupa a Vila com dezenas de homens armados,
provocando desordens, tumultuando a vida pacata da
população e exigindo a renúncia do Juiz Pombo em favor
do amigo José Joaquim Carmo.
Em seguida a Câmara Municipal de Vereadores
faz diversos relatos do ocorrido ao Presidente da
Província, relatando que o Capitão Anselmo Ferreira de
Barcellos tentava destituir a força o Juiz de Paz “Pombo”.
Houve algumas discussões e o caso foi se arrastando até
o dia 27 de setembro de 1.838, quando o Capitão Anselmo
invadiu novamente a Vila Franca do Imperador, agora com
cerca de 70 homens armados e cercaram a casa do Juiz
Manoel Rodrigues Pombo, matando o seu cachorro,
destelhando a casa e atirando e matando um fiscal. É
neste momento que populares chamam o Padre João
Teixeira d´Oliveira Cardoso, amigo de Anselmo, para
acalmar o mesmo e evitar mais um assassinato.
O Padre consegue acalmar o Capitão, que retira
os seus homens da casa do Juiz Pombo, que dias depois,
35
pede demissão do cargo de Juiz de Paz com medo de
morrer.
Nos dias 1º, 2 e 3 de novembro de 1.838, em
sessões extraordinárias, a Câmara Municipal de
Vereadores se reúne para comunicar a população
francana que a ordem havia sido restabelecida e que o
Capitão Anselmo e o Padre João deveriam ser julgados
pelos fatos ocorridos.
Uma representação foi enviada ao Presidente da
Província relatando os fatos, chamando o Capitão
Anselmo de desordeiro e criminoso e informando
claramente que o Capitão Anselmo havia declarado por
várias vezes que algumas pessoas deveriam sair da Vila
dentro de dias marcados ou seriam mortos. Claro que
estas pessoas eram os “homens sem instrução e sem
nascimento” credores das famílias “Ferreira de Barcellos”
e “Junqueira”.
Para a surpresa de toda a Vila Franca do
Imperador, em 6 de novembro de 1.838, Manoel
Rodrigues Pombo é encontrado morto no local
denominado “Vendinha” de forma brutal e nunca
36
esclarecida. As orelhas foram arrancadas, como havia
sido solicitado pelo Capitão Junqueira.
Além de uma filha natural já casada, Manoel
Rodrigues Pombo, que era de cor parda, deixou viúva e
mais 5 filhas e 1 filho. O Capitão Anselmo foi acusado de
ser o mandante do crime, mas durante o julgamento, a
Justiça não conseguiu reunir provas para condená-lo. O
mais incrível neste episódio é que o Padre João Teixeira
d´Oliveira Cardoso, no cargo de Juiz de Direito Interino e
por isso, chefe da policia, “autoriza”, através de portaria,
datada do dia 6 de novembro de 1.838 (dia do assassinato
do Juiz de Paz Pombo), o Capitão Anselmo Ferreira de
Barcellos a assumir o policiamento da Vila Franca do
Imperador para manter a ordem e a segurança pública.
Essa portaria causou pavor na população de Vila
Franca do Imperador e a família de Pombo, que
ameaçada, foge para um lugar ignorado e os demais
“homens sem instrução e sem nascimento” retiram-se
definitivamente, com medo de terem o mesmo fim de
Pombo.
Com a fuga dos “homens sem instrução e sem
nascimento”, que na maioria, eram vereadores, a câmara
37
foi restabelecida com pessoas de Anselmo, sob a
liderança do Padre João Teixeira d ´Oliveira Cardoso.
Em 23 de novembro de 1.838, a nova Câmara
envia um ofício ao presidente da Província solicitando uma
guarnição da Guarda Nacional para substituir o “pessoal”
do Capitão Anselmo no policiamento da Vila Franca do
Imperador. O ato de troca de guarda entre os homens de
Anselmo e o Comandante do Destacamento vindo da
Região de Moji-Mirim foi intermediado pelo Padre João
Ramalho, político atuante e amigo dos “Junqueira”.
O Governo Central não se manifestou sobre os
acontecimentos em Vila Franca do Imperador devido à
fragilidade das estruturas políticas do Período das
Regências (1.831 – 1.840) que foi marcado por agitações
e revoltas de maior importância que abalavam o império:
1.831-1.832 – Lutas populares no Rio de Janeiro;
1.835-1.840 – Revolta dos Cabanos, no Pará;
1.835-1.845 – Guerra dos Farrapos, no Rio
Grande do Sul;
1.835-1.838 – Sabinada, Bahia;
1.838-1.841 – Balaiada, no Maranhão.
38
E também pela pouca idade do Imperador D.
Pedro II, naquele momento com apenas 10 anos de idade.
Uma revolta envolvendo autoridades corruptas, um
Capitão rodeado de capangas e alguns Padres políticos
ficaram relegados a segundo plano. Mas tal fato viria a
contribuir de forma definitiva para a cultura política na
futura Vila de Santa Rita do Paraíso, atual Igarapava.
Estes episódios foram decisivos para diminuir a
importância da Vila Franca do Imperador, que perdeu em
1.839 a condição de Vila e ficou subordinada a Casa
Branca que foi elevada a Vila e mais tarde a Comarca.
Passados alguns meses, no mesmo ano, a
Comissão de Justiça da Assembleia Legislativa aprovou
diversas modificações, entre elas a criação da Villa de
Batatais, ganhando grande importância como sede da
nova Comarca.
Devido a este fato o processo contra o Capitão
Anselmo Ferreira de Barcellos foi transferido para a nova
Vila de Batatais e deu-se continuidade ao que havia sido
iniciado pelos vereadores que abandonaram a Vila Franca
do Imperador. Nesta época o Capitão já se encontrava
instalado as margens do Rio Grande, num local chamado
39
Bairro Chapadão, em terras da Fazenda Vargem Alegre,
de propriedade de Anselmo, conforme figura abaixo do
censo populacional de 1.842.
40
Para evitar que o episódio das “Anselmadas”
ganhasse repercussão nacional, as autoridades decidiram
julgar o caso na recém-criada Comarca de Batatais. Os
jurados descobriram cedo que estavam diante de uma
decisão complicada, pois entenderam que enfrentavam
uma grande responsabilidade, estando todos sujeitos a
risco de morte. A maioria dos jurados não conhecia
detalhadamente a origem dos crimes e as implicações
políticas que envolviam o caso. A solução encontrada foi a
absolvição do Capitão Anselmo Ferreira de Barcellos.
Como o julgamento ocorreu em terras da Vila de
Batatais, os tumultos provocados pelas “Anselmadas”
tinham ficado na história da população da Vila Franca do
Imperador, quando o Capitão Anselmo Ferreira de
Barcellos retoma suas ações, agora ameaçando invadir a
Vila de Uberaba com sua “gente” para libertar da prisão o
amigo, político e Padre Zeferino Baptista Carmo, um
atuante do liberalismo em Minas Gerais.
As autoridades da Vila de Uberaba conhecendo a
fama do Capitão resolvem libertar o Padre Zeferino que
não era criminoso e estava apenas envolvido em intrigas e
disputas políticas. O episódio ficou conhecido como
41
“Anselmada Mineira” que como nas outras duas invasões
na Vila Franca do Imperador, não foram consideradas um
ato de desobediência a Coroa Portuguesa, mas teve
repercussão na vida política da Província de São Paulo e
por consequência a fundação do Povoado de Santa Rita
do Paraíso.
Os detalhes de todos os julgamentos são bem
explicados em um livro intitulado “Pelos Caminhos da
História de Santa Rita do Paraíso” escrito por Sebastião
Angelo de Souza em 1.985 e publicado pela Editora Vitória
Ltda., até então o único registro de uma parte da história
de Igarapava.
42
4. O Padre Zeferino Baptista Carmo
O Padre Zeferino Baptista Carmo, nasceu em
Manga, município de Paracatu do Príncipe, província de
Minas Gerais, no início de 1.780; teria frequentado o
Seminário de Mariana, antiga Vila do Carmo, primeira
capital mineira fundada por bandeirantes paulistas em
1.696.
Em 1.818 atuou como escrivão interino do Juízo
da Comarca Eclesiástica de Nossa Senhora do
Desemboque, atual Sacramento e após um período de 2
anos no Arraial, foi transferido em 1.820 para a Vila de
Uberaba, na função de Coadjutor do Vigário Antonio José
da Silva, mais conhecido como Vigário Silva. Era dono da
Chácara do Comércio, localizada no fim da Rua do
Comércio (atual Rua Artur Machado) onde em 1.889 foi
construída a Estação da Companhia Mogyana de Estradas
de Ferro e Navegação.
Ali o Padre Zeferino possuía um pomar com várias
espécies frutíferas, algumas originárias da Europa e
adaptadas ao nosso clima; também possuía parreiras de
uvas das quais fabricou o primeiro vinho de Uberaba.
43
Além de fruticultor, Padre Zeferino Baptista Carmo era
musicista e político. Era um mau orador, porém um político
atuante, membro destacado do Partido Liberal.
Padre Zeferino era simpático, culto, conhecia bem
o latim, escrevia poemas, peças musicais para a Banda de
Música dos Bernardes. Introduziu a Arte dramática no
Triângulo Mineiro e estimulou os amadores a
representarem em palcos improvisados.
Criou também a primeira banda de música, a
Banda do Bernardes, fundada em 1.815 e que sobreviveu
até 1.850.
Ainda em Uberaba foi promotor de capelas e
resíduos e recebeu, em 1830, as escrituras de doação das
Fazendas "Campo Belo", "Fortaleza" e "Paraíso" (de
Campo Belo do Prata, hoje, Campina Verde), doação feita
pelo sertanista paulista João Batista de Siqueira e sua
mulher D. Bárbara Bueno da Silva à Nossa Senhora Mãe
dos Homens, nas quais foi instalado o Seminário dos
Padres Lazaristas, que funcionou a partir de 1842, por
quase 30 anos.
Foi o juiz que presidiu e julgou a primeira medição
dos limites da povoação de Uberaba, em execução da
44
Resolução Provincial Mineira n° 206, de 2 de abril de
1841. Recebeu a nomeação de Cônego Honorário da
Capela Imperial.
Foi vereador secretário da Câmara Municipal de
Uberaba em diversas legislaturas e entre 1.841 e 1.842
auxiliou na construção da Igreja do Rosário que
permanece até os dias atuais em excelente estado de
conservação em Uberaba. Ainda em 1.842, mais
precisamente no dia 18 de julho de 1.842, as forças legais
entram em estado de alerta em Uberaba – consequência
do desdobramento da Revolução Liberal em Minas Gerais
– sendo o Padre Zeferino preso juntamente com outros
correligionários liberais.
Durante o tempo que ficou preso junto com outros
amigos do Partido Liberal em um porão da cadeia de
Uberaba, o pessoal urinava nele através dos buracos do
assoalho. Era um padre notável intelectualmente, mas as
lutas políticas naquela época eram ferozes e sofreu
diversas humilhações. Quando "caiu" o Partido
Conservador, em 2 de fevereiro de 1844, o Padre Zeferino
foi liberto graças as ameaças de invasão da Vila de
45
Uberaba por parte dos homens do Capitão Anselmo, o que
ficou conhecida como a “Anselmada Mineira”.
Padre Zeferino, desgostoso, mudou-se para os
sertões de São Paulo, mais precisamente para a freguesia
de Santa Rita do Paraíso, atual Igarapava, nas terras da
Fazenda Paraíso, de propriedade do amigo Capitão
Anselmo Ferreira de Barcellos e João Gomes. Ali, foi o 1°
vigário colado por ter conseguido em 19 de fevereiro de
1.844, a Provisão para erguer uma Capela em louvor a
Santa Rita e também um Cemitério no Sertão da
Soledade, fundando de forma definitiva e com a
colaboração do Capitão Anselmo Ferreira de Barcellos, o
Povoado de Santa Rita do Paraíso, que graças ao seu
trabalho teve progresso rápido.
Instalado em Santa Rita do Paraíso, o Padre
Zeferino Baptista Carmo realizou, mediante licenças
especiais, batizados em Vila Franca do Imperador e
Capela do Carmo (atual Ituverava), celebrando também
casamentos nas Fazendas Soledade e Paraíso (atual
cidade de Aramina), conforme registros na Paróquia de
Franca.
46
Padre Zeferino permaneceu por mais de trinta
anos na região e no dia 6 de dezembro de 1.873 faleceu
em Uberaba, onde foi sepultado.
47
5. O Arraial de Santa Rita do Paraíso
O Capitão Anselmo Ferreira de Barcellos começou
a sofrer perseguição política por parte de autoridades de
Franca e também percebendo a revolta da população
francana com a sua absolvição no caso do Juiz Pombo,
resolve se refugiar no sertão da Soledade, as margens do
opulento Rio Grande, local de difícil acesso e que
dificultava, aos desafetos de Franca, encontrar o Capitão
Anselmo. O sertão da Soledade ficava localizado cerca de
duas léguas da Fazenda Paraíso, atual Aramina, onde
residia o Padre Jerônimo.
A história diz que o Padre Jerônimo, que possuía
fortes ideais abolicionistas, em 1.815, vindo da Província
de Minas Gerais, fixa residência na Fazenda Paraíso,
transformando o local em um quilombo seguro para os
foragidos de seus senhores. Ali os escravos encontravam
sincera e cordial acolhida e o Padre Jerônimo fornecia-
lhes pequenos lotes de terra, mediante contribuição de
certa porcentagem.
Com o dinheiro, alforriava outros escravos. A
noticia não demorou a correr pela região e em pouco
48
tempo atraiu centenas de escravos, transformando a
Fazenda Paraíso em um porto de tranquilidade e salvação
para almas cansadas e torturadas. Entre estes homens a
procura de um conforto espiritual de um homem de Deus,
surge o Capitão Anselmo.
A padroeira do Arraial do Paraíso era Santa Rita,
cuja imagem ornava o altar de uma modesta capela, onde
o Padre Jerônimo trazia paz aos corações dos moradores
locais.
O recolhimento do Capitão Anselmo Ferreira de
Barcellos, em 1.842, no sertão da Soledade, no Bairro do
Chapadão e a posterior libertação do amigo e Padre
Zeferino Baptista Carmo em 1.844 marcam a criação de
um povoado e posteriormente a fundação do Arraial de
Santa Rita do Paraíso.
Talvez um fato pouco conhecido e até vergonhoso
é a forma como o então Arraial de Santa Rita do Paraíso
inaugurou a sua capela. Com o objetivo de fundar o
arraial, o Padre Zeferino ergueu uma pequena Capela
próxima a um córrego onde foi entronizada a imagem de
Santa Rita de Cássia, trazida da Fazenda Paraíso, atual
Aramina, de forma não muito honesta.
49
Conta à história que o Padre Zeferino ambicionava
criar, em parceria com o Capitão Anselmo, um arraial para
que ambos pudessem governar conforme suas vontades
liberais e com clara intenção de disputar com Uberaba e
Franca a primazia da região. Para tanto, engendraram um
plano maquiavélico que consistiu em erguer uma capela
as margens do córrego ainda sem nome e convidaram o
Padre Jerônimo para proferir a benção de inauguração,
solicitando-lhe, por empréstimo, a imagem de Santa Rita
de Cássia.
O Padre Jerônimo, na sua inocência e acreditando
na amizade com o Capitão Anselmo, leva a imagem de
Santa Rita de Cássia, esculpida em madeira, uma banda
de músicos e cerca de quinhentos fiéis. Os festejos
duraram algumas noites e terminadas as festividades, o
Capitão Anselmo recusa-se a devolver a imagem. Com a
grande facilidade da oratória política, seduz, com
promessas falsas, a maioria dos fiéis presentes a
permanecerem no arraial recém-criado.
O Padre Jerônimo, enganado, desgostoso e com
tristeza na alma, vê seu sonho de uma vila abolicionista e
justa ser desfeito. Abandona a região e se instala em
50
Araxá, onde faleceu anos mais tarde. A partir de então o
córrego recebe oficialmente o nome de Santa Rita. O
número de habitantes do Arraial junto ao Córrego Santa
Rita era muito pequeno, registrando 130 moradores,
sendo 15 brancos, 37 pardos livres, 34 negros forrós e 44
escravos, reunidos em 25 habitações.
A data de 1.842 como o oficial da fundação do
Arraial é controverso, mas utilizado até os dias atuais,
porém o “pouso” das margens do Córrego Santa Rita teria
surgido logo após a abertura do desvio da Estrada dos
Goyazes, em 1.825, e se transformado em arraial de
modestas casas de capim, ainda na década de 1.830. A
primeira referência oficial sobre o Arraial de Santa Rita do
Paraíso é datada de 8 de julho de 1.847, poucos dias após
a Benção da Capela, no vigésimo quinto aniversário da
Independência do Brasil.
Em 14 de abril de 1.873, a Freguesia de Santa
Rita do Paraíso foi elevada à categoria de Vila e em
Comarca no dia 25 de agosto de 1.892 conforme Lei nº 80,
passando a se chamar Igarapava, que em tupi guarani
significa Porto das Canoas.
51
Como a maioria dos povoados brasileiros, no ato
de sua fundação recebeu o nome da sua padroeira. Em
Santa Rita do Paraíso não seria diferente e o nome
primitivo foi substituído por denominação de origem
indígena, formada por uma única palavra ou por duas
combinadas, de preferência que tivesse afinidade com os
acidentes geográficos locais.
Assim, surgiu o nome Igarapava (Porto das
Canoas). A escolha do nome Igarapava para substituir o
nome Santa Rita do Paraíso era justificada pelo fato do
povoado estar à margem do Rio Grande e possuir um
Porto, onde várias canoas auxiliavam a barca na travessia
para Minas Gerais e cujo leito naquele local atingia cerca
de 300 metros de largura.
Defendiam aqueles que propuseram a mudança,
que a existência de várias cidades e povoados com o
nome de Santa Rita, embora acrescido de um designativo,
trazia muita confusão.
“Igara” na língua dos nativos significa Canoa
Pequena, feita de um único tronco de árvore, enquanto
“Pava” significa Porto ou Lugar onde se para.
52
6. Quem foi Santa Rita de Cássia.
Santa Rita era filha única de um casal de idosos, e
nasceu em Rocca Porena, Spoleto, Itália, em 1.381 com o
nome de Margherita.
Desde muito cedo manifestou propensão para o
recolhimento, à meditação e a santidade. Casada, recebeu
do marido os piores tratos; teve dois filhos, que juraram
vingança quando o pai foi assassinado.
Com o pensamento voltado para as coisas divinas,
ela pede a Deus que tire a vida dos filhos, para não vê-los
com as mãos manchadas de sangue; foi atendida. Depois
de prolongada enfermidade e grandes sofrimentos físicos,
Margherita faleceu no Convento de Cássia, a 22 de maio
de 1.457.
Ao ser canonizada, seu nome foi abreviado para
Rita. A igreja deu a Santa Rita, o título de Padroeira das
Causas Impossíveis.
Talvez Igarapava tenha tido a sorte de ter sido
fundada sob a sua benção. Igarapava comemora seu
aniversário no dia 22 de maio em virtude de sua padroeira,
53
que tem tido muito trabalho, já que muitos consideram
Igarapava uma causa perdida há anos.
Um fato que
causa estranheza é
que não existe
nenhum marco ou
monumento no local
onde se deu a
construção da
primeira capela e
que deu a origem ao
povoado de Santa
Rita de Cássia e
nem tão pouco
alguma homenagem
aos fundadores, o Padre Zeferino e o Capitão Anselmo,
por mais violenta e desonesta que tenha sido a fundação
do arraial, estes fundadores deveriam ter seus bustos em
destaque.
54
7. Um século de crescimento desordenado.
Pode-se afirmar com toda segurança que
Igarapava, antiga Santa Rita do Paraíso, teve seu auge
entre 1.870 e 1.970, com certas dificuldades. Desde 1.873,
o Município de Igarapava, ainda com o nome de Santa
Rita do Paraíso, possuía quatro distritos: RIFAINA,
elevado a município em 1.948, BURITYS – atual Buritizal,
elevada a município em 1.952, PEDREGULHO, elevada a
município em 1.952 e ARAMINA, elevada a município em
1.964. Atualmente todos os antigos distritos possuem
crescimento econômico e cultural superiores ao de
Igarapava, demonstrando a diminuição da importância
política e econômica da cidade.
A primeira praça foi construída próxima às
margens do Córrego Santa Rita e continha a primeira
capela do povoado e que foi posteriormente demolida para
a construção da Igreja Matriz há alguns metros do local
original, e a antiga Praça, que tinha o nome de Praça do
Rosário, foi remodelada, passando a ser o ponto de
55
encontro dos jovens da cidade a partir da década de
1.930, que ficou conhecido como o “foot na praça”.
A Praça do Rosário posteriormente teve o seu
nome mudado para Praça da Independência e possuía
uma vida cultural bastante ativa, com um coreto no centro,
recebia grupos musicais como a União Igarapavense,
dirigida pelo maestro e compositor Sr. Santos Filho e a
Euterpe Igarapavense, dirigida pelo maestro Major M.
Antonio dos Santos, que animavam as noites do Porto das
Canoas.
56
Nesta praça também existia em 1.911 um Horto
Florestal administrado pelo jardineiro italiano Felício
Narducci, que distribuía mudas de árvores para a
arborização de toda a cidade e região e possuía mais de 5
mil espécies.
Já na década de 1.960 teve o nome novamente
mudado, agora para Praça Sinhá Junqueira e pode ser
considerada o “Marco Zero” da fundação do povoado, pois
já desde o ano de 1788 servia de passagem e pouso dos
viajantes do sertão ou Bandeirantes.
57
AGRICULTURA
O café se destacou como a principal fonte de
riqueza, com mais de 5 milhões de pés de café com
produção muito superior a outras cidades da região devido
ao bom clima e solo.
Outros
produtos
agrícolas
amplamente
cultivados foram
o arroz, algodão
e o açúcar em
menor
quantidade.
58
Igarapava chegou a ser em 1.929, a segunda
maior produtora de arroz da Alta Mogiana, rivalizando
diretamente com Ituverava na liderança desta cultura.
59
Mas o avanço da cana-de-açúcar foi destruindo as
demais culturas e hoje na cidade não resta um único
pedaço de terra com
plantações de arroz
ou algodão, pois as
usinas de açúcar
inundam a atmosfera
com produtos
químicos para o
crescimento e amadurecimento precoce da cana, matando
toda e qualquer forma de cultura agrícola.
A cultura do tabaco também era bem desenvolvida
na cidade, tendo o
produto uma qualidade
reconhecida
nacionalmente.
Destacaram-se os
produtores José
Marques Rodrigues e a
Família Braz detentores das marcas: “Jorginho”, “Fumo
Azul” e “Torce Folha”.
60
A criação de gado Wisk, Caracu e Zebu com
aproximadamente 70 mil cabeças de gado, 76 mil cabeças
de suínos, cerca de 24 mil caprinos e ovinos, mais de 13
mil cavalos e
algo em torno de
8 mil asininos e
muares
completavam os
plantéis da
cidade.
Na avicultura destacava-se, além da criação de
galinhas, a criação de patos, perus e marrecos que eram
vendidos para Ribeirão Preto e São Paulo.
INDÚSTRIA E COMÉRCIO
Em 1.888, a zona rural possuía pequenas
indústrias artesanais como teares manuais para fabricação
de tecidos grossos, extração de azeite de mamona para a
lubrificação de carros de bois e o suprimento dos
candeeiros domésticos e da iluminação pública, engenhos
61
de cana para a produção de açúcar, aguardente e
rapadura, serrarias e olarias para fabricar telhas e tijolos.
Já na década de 1.900, surgiram no perímetro
urbano, de propriedade dos primeiros imigrantes italianos
as pequenas indústrias, também artesanais, como a
fábrica de fogos de artifício, uma fundição de ferro, uma
enlatadora de querosene, 4 selarias, 2 ferrarias, 2 fábricas
de macarrão, 20 máquinas de beneficiamento de café, 2
engarrafadoras de cervejas e refrigerantes, 10 máquinas
de beneficiamento de arroz, 2 fábricas de móveis, 50
carpintarias e mais de 120 engenhos de tração animal
62
para a produção de açúcar e rapadura. Além disso, o
comércio era bem diversificado, sendo 75 empórios de
secos e molhados.
TRANSPORTE
Outro fato marcante para a evolução de Igarapava
foi a vinda em meados de 1880, dos trilhos da Companhia
Mogiana de Estradas de Ferro e Navegação, tendo
presenciado a inauguração da estação de Batatais em
1.886 com a presença de D. Pedro II e a Imperatriz Teresa
Cristina, que pernoitaram em Ribeirão Preto.
Com a inauguração do trecho de navegação fluvial
entre Jaguara e Porto da Ponte Alta, Igarapava pode
presenciar os primeiros vapores a navegar pelo Rio
Grande. Entre eles o primeiro chamado “Jaguara”, de
rodas laterais, de força de 12 cavalos, o “Santa Rita”, de
roda à popa e força de 80 cavalos e o vapor “Sapucaí-
Mirim”, a hélice, de força de 50 cavalos, que em 22 de
novembro de 1.888, uma quinta-feira às 12h, naufragou na
corredeira pouco abaixo da Estação de Boca Grande.
63
Em 1.956, com o fechamento da Barragem dos
Peixoto, os restos do Sapucaí-Mirim apareceram no leito
do Rio Grande, e os pedaços da antiga embarcação, como
a hélice, o leme, a bomba de sucção, a âncora e vários
pertences dos tripulantes foram retiradas pelo fazendeiro
local, Francisco Antonio Maciel que poderia ter doado os
restos do lendário barco para restauração e exposição em
Museu na cidade de Igarapava, mas preferiu guardar
somente para si esta parte da história da cidade e após 68
anos deixaram esta relíquia apodrecer e enferrujar em um
pátio de sucata da FEPASA, em Jundiaí, demonstrando o
usual e corriqueiro descaso das autoridades municipais
para com a história da cidade.
Em 1.904, os trilhos da Companhia Mogyana de
Estradas de Ferro, chegavam a Santa Rita do Paraíso, no
Alto Poente, que depois receberia o nome de Estação de
Igaty. Em 1.911 chegava a Igarapava, o engenheiro chefe
das construções da Companhia Mogyana, o Dr. Achiles
Vidulich, para tratar dos preparativos do inicio da
construção da então chamada “ponte mais importante da
América do Sul”, empregando cerca de dois mil
trabalhadores. A ponte ainda existe e está totalmente
64
abandonada devido ao descaso dos administradores
públicos.
A construção dos pilares de concreto ficou a cargo
de uma turma de
escafandristas
contratados pelo
empreiteiro Sr. Carlos
Bucchianeri e foi
utilizado caixões de
aço encomendados
na Alemanha.
A construção da grande ponte sobre o Rio
Grande, que ligaria Igarapava ao Estado de Minas, através
dos trilhos da Mogyana, teve seu inicio oficial 1.913 e sua
inauguração se
deu em 1.918
e era
composta por
quatro grandes
arcos de aço,
medindo cada
65
um, 70 metros de abertura. O lastro da ponte mede 330
metros e teve garantia de construção de sessenta anos,
vencida por volta de 1.975.
Com a construção da ponte, a Estação Ferroviária
de Igaty passou a funcionar com horários de trem para
Araguari-MG, Campinas-SP, Ribeirão Preto-SP e
Uberaba-MG. Para aproveitamento pleno da ferrovia, a
cada dez ou quinze quilômetros eram construídas
pequenas estações permitindo o cruzamento de duas
composições que viajavam em sentido contrário. O tráfego
de trens era
intermitente e
durante as vinte e
quatro horas do
dia as estações
viviam cheias de
pessoas e
mercadorias.
Depois de Ribeirão Preto, havia duas estações,
Barracão e Entroncamento de onde partia o tronco da
ferrovia com destino a Franca e que seguia para o
Triângulo Mineiro, passando por Igarapava. Entre Orlândia
66
e São Joaquim da Barra, havia a estação Jussara e antes
de chegar a Ituverava havia a estação Aracê e depois de
Ituverava, a estação Japué, conhecida como região de alta
contaminação por malária devido ao fato de ter sido
construída em região pantanosa. Pouco adiante existia a
estação Canindé, que posteriormente se transformou em
um povoado com
depósito de
materiais,
alojamentos para
operários, um
pequeno hotel e
uma oficina de
manutenção de
máquinas da ferrovia.
Em Canindé as locomotivas eram abastecidas de
lenha e água. Seguindo em frente, em direção a divisa
com Minas Gerais, foram construídas as estações de
Inderê, Aramina, Igati – próxima ao atual Terminal
Rodoviário de Igarapava, a Estação Igarapava – próxima a
atual Casa da Cultura e finalmente quase as margens do
Rio Grande, a Estação União, que mais tarde receberia o
67
nome de Cel. Quito em homenagem ao fundador da Usina
Junqueira, que utilizava esta estação para escoamento da
produção de açúcar da usina.
Cruzando a Ponte sobre o Rio Grande, a Mogyana
construiu as estações de Delta, Calafate, Tangará,
Ameno, Rodolfo Paixão e Amoroso Costa, todas em
território mineiro e em direção à cidade de Uberaba. Na
estação Rodolfo Paixão havia um novo entroncamento
que passava por Igarapava em direção a Franca. A
estação de Delta se transformou em povoado e as
68
estações de Rodolfo Paixão e Amoroso Costa estão em
áreas urbanas da atual cidade de Uberaba.
A estrada de ferro seguia até a Estação de
Peirópolis, última estação antes do tronco. A estação de
Peirópolis está preservada e recebe inúmeros turistas
diariamente, matando a saudade dos que conheceram a
efervescência da Mogyana.
Em 20 de abril de 1.968 começou a circular um
trem especial, uma vez por semana, no percurso
Campinas - Brasília, com a denominação Bandeirante. A
69
estação de trem foi fundamental para o povoamento e o
progresso da região.
Os trens de passageiros marcavam a hora de
centenas de pessoas, a plataforma da estação era sempre
um ambiente concorrido e com muita movimentação.
O regresso de um amigo ou parente, provocava
alegria, enquanto ao mesmo tempo viam-se mãos
acenando com os desejos de “boa viagem” ou “Deus te
acompanhe”, para os que partiam. O trem levava a alegria
e a tristeza, a esperança e a descrença, a dúvida e a
certeza.
70
A Companhia
Mogiana ajudou a
escrever um longo
capítulo da história
de Igarapava.
Durante mais de
setenta anos, o apito
de suas locomotivas
emprestou um tom de progresso ao município, a partir da
Maria Fumaça até a Mellet e a Rogers. Assim como a
navegação fluvial do Rio Grande um dia foi desativada e
contou com a total omissão das autoridades regionais e
municipais (1.969-1.972).
No dia 9 de
fevereiro de 1.979, às
10h30minh, partia da
Estação do Igaty
(Igarapava), com destino
à Campinas, o ÚLTIMO
TREM. A FEPASA,
antiga Companhia Mogyana de Estradas de Ferro,
oficialmente desativava a estação, causando um
71
retrocesso na qualidade do transporte de pessoas e
mercadorias para a região.
TELECOMUNICAÇÕES
A estrada de ferro contribuiu para a instalação da
linha telegráfica em 1.904, mas a instalação do Telégrafo
Nacional só ocorreu definitivamente em Igarapava no ano
de 1.929. Antes disso em 1.908, uma lei municipal criou o
serviço telefônico urbano,
mantido e explorado por
empresa privada e que foi
adquirida pelo Sr. João
Sinicio, que melhorou sua
infraestrutura,
disponibilizando aos Igarapavenses linhas intermunicipais
entre Igarapava e as cidades de Uberaba, Conquista,
Pedregulho e Ituverava.
Em dezenas de sítios e fazendas foram instalados
telefones rurais, enquanto os distritos de Buritizal e
Aramina passaram a contar com um pequeno serviço
telefônico urbano.
72
Em 1.948 a empresa telefônica de Igarapava
construiu uma linha física até a cidade de Franca, ligando
Igarapava ao resto do país. Em 1.966 a Empresa
Telefônica de Igarapava – agora já com a razão social de
Empresas Telefônicas Reunidas Igarapava-Pedregulho
Ltda., ainda de propriedade da família Sinicio, inaugurou o
serviço telefônico automático em Igarapava.
Esta história de empreendedorismo e luta deveria
ser mais bem divulgada, mas como tudo em Igarapava,
passou por um período em que enfrentou os derrotistas
locais, os politiqueiros e os tão famosos invejosos de
plantão. Sem apoio das autoridades municipais locais, que
não auxiliaram a Empresas Telefônicas Reunidas
Igarapava-Pedregulho Ltda., a mesma foi vendida para
outra empresa do Triângulo Mineiro, obrigando os
empresários igarapavenses a encerrar suas atividades em
31 de julho de 1979.
73
EDUCAÇÃO
Em 1.911 o governo
estadual aprovou a construção da
primeira escola pública em
Igarapava. Tratava-se do “Primeiro
Grupo Escolar”, que em 1.932 ,
como já mencionei, serviu de base
das Forças Militares Mineiras na Revolução de 1.932 e em
1.953 receberia a denominação de “Professor Dantés” em
homenagem ao Professor de música “Edmundo Dantés de
Castro”, um dos primeiros professores da cidade.
Em 1.912 começam também as instalações de
outras escolas, entre elas o “Colégio Imaculada
Conceição, inaugurado em 8 de dezembro do mesmo ano
e que era administrado pelas religiosas da Ordem Jesus
Maria José, de Portugal, que recebiam alunas da região e
ministravam inclusive o ensino de piano".
Ainda na década de 1.910 a 1.920 destacavam-se
o “Collegio Santa Ignez”, para meninos e meninas, dirigido
pela Sra. D. Antonietta Espindola de Lima, o “Externato”
para meninos, do Dr. Arthur Lima, o “Externato Misto”,
dirigido pela Srta. D. Maria de Carvalho e a “Escola
74
Parochial Methodista", dirigida pela Srta. Maria José
Saraiva.
Já na década de 1.920, funcionava também em
Igarapava o “Gymnasio Igarapavense” com os cursos:
Intermediário, Secundário e Comercial e a “Escola Normal
Livre de Igarapava” que ensinava Caligrafia, Língua
Portuguesa, Geografia, Álgebra, Aritmética, Francês,
Música, Desenho, Ginástica e Trabalhos Manuais.
Em 1.936, o
Professor Sebastião
Delfino Machado
fundou o “Gymnasio
São Sebastião” que
em 1.938 seria
transferido para
prédio próprio e transformado em Ginásio Estadual e hoje
recebe o nome de “Martinho Silvio Bizutti”.
Já em 1.948, outra escola já se destacava a
“Escola Industrial de Igarapava” que ministrava cursos
profissionalizantes, passando mais tarde a se chamar
“Alfredo Cesário de Oliveira”.
75
Na década de
1.950, foi instalado o
Colégio Agrícola,
próximo à sede da
Fazenda Vargem
Alegre, onde residiu o
fundador de Igarapava,
Capitão Anselmo Ferreira de Barcellos. O estabelecimento
foi transformado em Escola Técnica Agrícola Estadual de
Segundo Grau Antonio Junqueira da Veiga e atualmente
faz parte do complexo educacional estadual “Paula
Souza”.
No início de 1.960, começou a funcionar a Escola
de Comércio, que ministra até hoje o curso de Técnico em
Contabilidade, atualmente
relegada a segundo plano e
com seu prédio em péssimo
estado, nada lembrando a
escola de contabilidade que
formou todos os contadores da
cidade.
76
IMPRENSA
Para entender a efervescência e a importância do
município, entre 1.904 e 1.928 havia seis jornais
periódicos na cidade: O Rio Grande (1.904) de
propriedade do Sr. Limirio Galvão, Tribuna de Igarapava
(1.908) do Sr. Alfredo Cesário de Oliveira, O Gato Preto
(1.923) do Sr. Antonio Casimiro de Oliveira, Bisturi (1.920)
do Dr. Maia, O Boato (1.928) e o A Verdade (1.928) do Sr.
Antonio C. Oliveira. Muitos poetas e artistas publicavam
seus trabalhos nestes jornais, fato que atualmente não
existe mais, pois não há mais nenhum jornal em circulação
na cidade que seja independente. Há apenas jornais
financiados por políticos que servem apenas para divulgar
assuntos de interesses pessoais.
Já nas décadas de 1.950 e 1.960 havia quatro
publicações: A Noticia de Igarapava, A Folha de
Igarapava, O Cometa e a Voz de Igarapava. A impressa
falada só apareceu em 1.947 com a RÁDIO
TRANSMISSORA IGARAPAVASENSE S/A, com o prefixo
ZYK-7, hoje extinta, claro.
77
CULTURA E DIVERSÃO
Os italianos chamavam Igarapava de “A Terra da
Promissão”, onde todos seriam ricos e as histórias da
América realmente seriam verdadeiras e com este clima
de euforia chegavam à região para cultivar o solo e
traziam a cultura e o espírito latino dos italianos e tiveram
um papel fundamental no incentivo para a diversão e a
cultura de Igarapava, criando a sociedade “XX Settembre”
que possuía mais de 90 associados e organizava bailes e
festas culinárias italianas que infelizmente desapareceram
do nosso território.
78
Vale destacar na história de Igarapava a
instalação do segundo cinema na cidade, graças à
chegada da energia elétrica em 1.911. O PARIS
THEATRO que foi construído pelo Major Nicolau
Bartholomeu, um
imigrante italiano,
profissional da alta
costura masculina,
que passou a dividir
as atenções da
população
igarapavense com a outra casa de diversões existente, o
Cinema XX de Setembro, pertencente à sociedade “XX
SETTEMBRE”, também mantido pela comunidade italiana.
Antes das sessões de cinema, o palco do PARIS
THEATRO assistia as
apresentações dos
músicos locais, entre
eles o professor
Edmundo Dantés de
Castro, mas em 1.960
fechou suas portas, e
79
em 1.977 foi demolido. Era carinhosamente chamado de
“O Poeirinha”.
Duas companhias de teatro, o “Grupo Dramático
Igarapavense” presidido pelo Sr. J. Baptista G. Monteiro
de Barros e o “Grupo Dramático Artur Azevedo” presidido
pelo Sr. Antonio Cabral.
80
SAÚDE
Outro ponto a destacar nesta época gloriosa foi a
fundação, em 1.910, da Santa Casa de Misericórdia de
Igarapava que em 1.922 recebeu apoio das irmãs do
Instituto Jesus Maria José por um breve espaço de tempo.
Em 1.937, a Santa Casa ainda recebia o apoio das
irmãs e registrava os seguintes números: 647
internamentos mensais, 3.577 consultas mensais
gratuitas, 6.323 curativos mensais, 2.829 receitas mensais
aviadas, 57 operações em 30 dias, 46 partos no ano, 162
radioscopias, entre outros procedimentos.
As irmãs deixaram de auxiliar a Santa Casa por
motivos ideológicos relacionados ao grande número de
abortos que eram efetuados naquela época.
Desde 1.902,
Igarapava já possuía serviço
de água potável com
fornecimento a toda a
população gratuitamente,
mas já se estudava a
instalação de hidrômetros.
81
ESPORTE
Desde o inicio de
1.903 a população já se
reunia em alguns pontos e
se dedicavam a diversos
esportes como a
Patinação, a Botia e o
Futebol, que posteriormente em 21 de agosto de 1.919,
acabaria originando o
nosso saudoso e eterno
Igarapava Esporte Clube,
que construiria uma sede
grandiosa que faria parte
da história da sociedade
igarapavenses que assistiu
ali diversos bailes e jantares,
inclusive os bailes de
debutantes, as formaturas e
os concursos de beleza.
82
RELIGIÃO
Um dos motivos pelo qual
mencionamos ser difícil precisar a
real data de fundação do povoado
é a falta de registros da fundação
da paróquia, já que naquela
época, um povoado só era
reconhecido como tal se houve
atendimento religioso.
Mas podemos afirmar que
por volta de 1.915, a paróquia já existia há mais de 70
anos e a primeira Igreja Matriz que havia na Praça do
Rosário já tinha sido demolida pela Câmara Municipal,
proprietária do terreno e os cultos religiosos eram
realizados em uma Matriz velha e sem conforto situada na
Praça Rui Barbosa.
Em 1.915, a Igreja
mais nova era a da Nossa
Senhora da Abbadia, onde
as religiosas do Collegio
Immaculada Conceição
83
realizavam os cultos. Toda a
população era devota de Nossa
Senhora da Abbadia e realizavam
festas de comemoração em todo
dia 15 de agosto.
Somente em 1.925 foi
finalizada a construção da atual
Igreja Matriz de Igarapava pelo
Vigário Alexandre que lutou
contra parte da população para
que a mesma fosse erguida.
Devemos a este grande homem
um dos pontos turísticos de
maior relevância de nossa
querida Igarapava.
84
8. As Revoluções de 1930 e 1932.
Igarapava teve também um destaque muito
significativo na Revolução de 1.930, pois desde o governo
de Prudente de Morais (1.894-1.898), a sucessão
presidencial foi manipulada e conduzida até a década de
1.920 pela “política café com leite”, ocupando sempre a
Presidência da República, alternadamente, um paulista e
um mineiro.
Fiel a esta tradição, o Presidente de Minas Gerais,
Antonio Carlos Ribeiro de Andrade e Silva, após a eleição
de 1.926, começa os preparativos para lançar sua
candidatura à sucessão de Washington Luiz Pereira de
Souza, então Presidente da República.
Por outro lado, Washington Luiz, via em Júlio
Prestes de Albuquerque, então Presidente de São Paulo,
o candidato ideal para seu sucessor no Palácio do Catete,
lançando a candidatura no mesmo e rompendo a aliança
São Paulo – Minas Gerais.
Com isso Antonio Carlos aproximou-se de Getúlio
Vargas, então Presidente do Rio Grande do Sul, propondo
85
o lançamento da candidatura do último ou a de Borges de
Medeiros. Vargas aceita e é criada a Aliança Liberal.
As eleições acontecem em 1º de março de 1.930 e
o governo federal, usando a máquina eleitoral do Estado,
elege Júlio Prestes. O Congresso Nacional não reconhece
os eleitos pela Aliança Liberal, mas após acordo secreto
entre Washington Luiz e Firmino Paim Filho, reconhece os
eleitos no Rio Grande do Sul.
Getúlio Dornelles Vargas, partidário da luta
armada e com recursos do Governo do Rio Grande do Sul
dá inicio a revolta no dia 3 de outubro de 1.930. No dia 5
de outubro de 1.930, os três estados do Sul, Paraná,
Santa Catarina e Rio Grande do Sul já eram aliados dos
revolucionários e enquanto isso em Uberaba-MG, o 4º
Batalhão de Infantaria ocupa as estações ferroviárias, os
Correios e Telégrafos, o Serviço Telefônico e a Câmara
Municipal. Ocupam as Pontes Bethout (Araguari), Afonso
Pena (Itumbiara), Rio Grande (Delta MG) e o Porto
Cemitério (Barretos-SP).
No dia 8 de outubro de 1.930, 500 homens do 4º e
7º Batalhões da Policia de São Paulo, chegam a Barretos-
SP, Rifaina-SP e Igarapava-SP. Junto à entrada da Ponte
86
de Ferro da Companhia Mogiana, do lado paulista, o Major
Salvador Moya instala um posto avançado de comando
das forças paulistas.
O contingente militar em Igarapava era reduzido,
com apenas 130 soldados e a tropa mineira era composta
de apenas 39 homens, mas haviam reforços aquartelados
em Uberaba-MG, pronto para apoiar em caso de combate.
No sábado, 11 de outubro de 1.930, o Major
Salvador Moya, ordena a 100 de seus homens que
atravessem o Rio Grande há uns 15 quilômetros de
distância da posição em que se encontravam. No dia 12
de outubro de 1.930, os paulistas descendo pela margem
direita do Rio Grande, após uma travessia realizada a
noite, alcançam as terras da atual cidade de Delta MG e
surpreendendo as tropas mineiras, conquistam uma vitória
rápida e retomam a Ponte sobre o Rio Grande.
O Jornal Tribuna de Igarapava e mais alguns
jornais de São Paulo e três de Ribeirão Preto, elogiavam e
enalteciam o feito dos paulistas, enquanto a imprensa de
Minas Gerais e a do Rio de Janeiro davam versões
diferentes e favoráveis às tropas mineiras.
87
Este combate foi o primeiro entre as forças
mineiras e paulistas. No dia 16 de outubro de 1.930, as
tropas mineiras, com reforços de militares de Ituiutaba,
Uberaba e Tupaciguara, regressam a divisa do estado e
retomam Delta, após uma luta intensa que deixou muitos
feridos e alguns mortos de ambos os lados.
As forças mineiras continuaram a investida contra
os paulistas, na tentativa de reconquistar a ponte de
Igarapava e estabelecer posições na margem esquerda do
Rio Grande.
A batalha durou dias e somente cessou em 24 de
outubro de 1.930 após o Major Salvador Moya receber um
telegrama informando que o Presidente Washington Luiz
havia sido deposto no Rio de Janeiro.
No dia 25 de outubro de 1.930 as tropas paulistas,
com 1.336 soldados, se retiram da divisa de São Paulo
com Minas Gerais. Em 31 de outubro de 1.930, Getúlio
Dornelles Vargas chega ao Rio de Janeiro. Assume como
ditador em 3 de novembro do mesmo ano, dissolvendo o
Senado, a Câmara dos Deputados, as Assembleias
Legislativas Estaduais e as câmaras de Vereadores.
88
Os prefeitos e governadores de Estado foram
destituídos e substituídos por interventores nomeados por
Getúlio Vargas.
Washington Luiz embarcou para a Europa e só
retornou ao Brasil após a queda do regime ditatorial de
Vargas, em 29 de outubro de 1.945.
Após a Revolução de Trinta, São Paulo passou a
ser tratado pelo Governo Federal com um território
ocupado. A mais rica unidade da federação passava por
grandes humilhações e não tinha nenhuma participação
na vida política do Brasil, e em 23 de maio de 1.932, a
cidade de São Paulo assiste a uma grande manifestação
de protesto contra o Governo Federal, onde morreram
Mario Martins de Almeida, Euclides Bueno Miragaia,
Drausio Marcondes de Souza e Antonio Américo de
Camargo Andrade, cujos nomes destas vítimas da
repressão policial, foi tirada a sigla MMDC, que seria logo
em seguida, o símbolo da Revolução Constitucionalista,
que teve início em 9 de julho de 1.932.
O entusiasmo tomou conta do Estado Bandeirante
e contingentes de militares e voluntários organizaram-se
para a luta. Os revolucionários paulistas contavam com a
89
promessa de adesão dos Estados de Minas Gerais, Rio
Grande do Sul e Mato Grosso, o que não aconteceu.
Igarapava reuniu cerca de 120 voluntários e
recebeu apoio de mais 50 voluntários vindos de Franca,
que acamparam em um armazém nas proximidades da
entrada da ponte do Rio Grande e aguardaram as tropas
mineiras, que chegaram em 18 de setembro de 1.932 com
cerca de 1.000 homens atacando a ponte e tomando-a
rapidamente devido a grande superioridade numérica de
suas tropas.
90
Os voluntários igarapavenses recuam e fogem
para São Joaquim da Barra, onde ficam acampados. As
tropas mineiras invadem Igarapava e transformam o
Grupo Escolar Dantés em quartel e saqueiam algumas
casas levando alimentos e roupas. Em 28 de setembro de
1.932 os paulistas se rendem.
Os desavisados afirmam que na ponte existem
perfurações de projéteis disparados pelas Forças
Legalistas e pelas Forças Rebeldes, durante a Revolução
de 30, mas as batalhas de 1.930 não chegaram a ocorrer
91
sobre a ponte e sim em território mineiro, na atual cidade
de Delta, causando mortes de paulistas e mineiros.
Durante a Revolução Constitucionalista de 1.932,
mais precisamente no dia 18 de setembro, a ponte é
tomada pelas forças mineiras, que cruzaram a ponte
empurrando com as mãos um único canhão de rodas de
madeira que havia sido construído para a luta entre
Paulistas e Mineiras, em 1930, quando os paulistas
entraram em Minas, por Delta, divisa de Minas e São
Paulo. O carro blindado, criação de Ângelo Zappelli, ex-
soldado combatente da Legião Fiume, Itália, sob o
comando de Gabriel D’Annuazio, era um automóvel que
92
sofreu necessária adaptação nas oficinas mecânicas do
Sr. Alessandro Boscolo, em Uberaba e foi armado com
duas metralhadoras e tripulado por cinco pessoas, isto é,
dois fuzileiros encarregados das metralhadoras, um
carregador, um mecânico e um condutor.
A cidade de Igarapava foi invadida pelas tropas
federais que acamparam no prédio de uma das escolas
existentes na cidade, hoje com o nome de Professor
Dantés. Então, podemos afirmar com absoluta certeza que
as marcas de tiros que aparecem na ponte sobre o Rio
Grande não são de 1.930 e nem de 1.932.
93
9. O principal golpe contra o crescimento
Em 1.911, em um relatório enviado a Câmara
Municipal de Igarapava, o então Prefeito ABSAY DE
ANDRADE, ressaltava a importância da cultura da cana-
de-açúcar para a economia do município. Segue na
íntegra o famoso relatório:
“É uma das culturas que mais se
adaptam ao nosso ubérrimo solo, vantagem
esta até hoje inaproveitada entre nós, senão em
pequenas culturas, a que se pode denominar
“ensaios”, em engenhocas e engenhos a tração
hydraulica e animal de pequena produção". Ha
neste Município, apenas uma indústria
assucareira e de aguardente pelos processos
rotineiros.
A importância do futuro deste
Município, neste particular, pode ser
desvendada pelo arguto e inteligente agricultor
Coronel Francisco Maximiano Junqueira, que
adquirindo neste Município a importante
fazenda denominada “União”, marginal do Rio
Grande, distante desta cidade 10 kilometros,
vae nella em breve, installar uma grande Usina
94
assucareira modelo, cujos machinismos estão
encomendado, e, estão se procedendo no local
aos estudos preliminares, executando-se
plantas, orçamentos dos prédios, etc. Grandes
extensões de mattas estão sendo
transformadas neste momento em grandes
canaviaes.
Com essa grande instalação, nova
phase agrícola se iniciará pois, entre nós, taes
as proporções, grandeza e aperfeiçoamento
que vae dar-lhe o seu abastado e opulento
proprietário, acima referido. Uma Estrada de
Ferro própria ligará a importante “Usina” à Linha
Mogyana, na margem paulista, próximo desta
cidade, na linha que essa Companhia está
neste momento construindo, para dentro de dois
annos ligar-nos à vizinha cidade de Uberaba,
Estado de Minas, com um percurso de 48
kilometros apenas.
Devemos a nímia gentileza do Sr.
Coronel Francisco Maximiano Junqueira,
proprietário da Fazenda União, deste Município,
o podermos offerecer affirmação scientifica da
superioridade do nosso solo para a cultura da
canna, de assucar, podendo-se affirmar que as
espécies examinadas, que não estavam
95
perfeitas, batem ainda assim o “record” da
porcentagem de matéria sacharia no nosso
paiz, e quiçá sobre as cannas dos centros
productores mais afastados do mundo! “A prova
de que não há exagero nas nossas affirmações,
podereis verificar no Apenso nº 4.”
Analisando a quase idolatrada defesa para a
implantação da usina de açúcar em Igarapava, o Prefeito
ABSAY DE ANDRADE deixa claro que recebeu algum
“agrado” do então
Coronel Francisco
Maximiano
Junqueira, pois
não seria aceitável
acreditar que o
mesmo
desconhecia os
aspectos negativos, que se analisados friamente
saberíamos ser mais danosos que vantajosos para a
economia do município.
Centenas de alqueires de florestas nativas, em
grande parte constituídas por madeira de lei com árvores
nascidas há mais de oitocentos anos, foram derrubadas,
96
sem a possibilidade de serem substituídas e até hoje o
então Engenho “União”, atual Usina Junqueira, não foi
cobrada a reflorestar e devolver as florestas derrubadas e
por este motivo
tem uma dívida
impagável com
a população
Igarapavense.
Gradativamente, a tendência da monocultura
(cana-de-açúcar) foi aumentando, e o município, antes
exportador de cereais, passou à condição de importador,
para o próprio consumo.
As caldeiras da “usina” queimaram a lenha que
vinha dos cerrados, capoeiras e até mesmo de restos de
matas ciliares, sem que nenhuma providência fosse
tomada para atenuar a ação do machado.
As florestas existentes no entorno de Igarapava
eram compostas de um verdadeiro tesouro, destacando-se
árvores de jacarandá, cedro, guaiuvira, canella sassafrás,
97
canella preta, canella amarella, canella batalha, angico,
araribá rosa, araribá vermelho, orinduva, guajissára,
caixeta, cabiúna, o faveiro do cerrado, de cuja fava se
extrai um alcaloide chamado sucupyrina, o guaritá, o ipê, o
jatahy, a pereira e a peroba. Sem falar nas diversas
palmeiras, plantas medicinais e frutas.
Por isso, reflorestamento é algo que não é tratado
até os dias atuais pelo município, e as usinas continuam
desmatando áreas de proteção ambiental e soterrando
nascentes de córregos para aumentarem as áreas de
plantio de cana-de-açúcar, com total conivência das
98
autoridades locais, que incentivam esta prática em troca
de apoio político e financeiro em eleições.
O uso de agrotóxicos e herbicidas, que atingem os
pomares e as pastagens, mata a maioria dos animais de
pequeno porte, alcançando os leitos dos córregos, rios e
lençóis freáticos, causando um desastre ambiental de
proporções incalculáveis.
O deslocamento de caminhões e máquinas pelas
ruas da cidade, durante quase 8 meses do ano, gera uma
poeira e um nível de sujeira nas vias públicas que
transformam em péssima a qualidade de vida da
99
população, levando a qualidade do ar a níveis abaixo do
tolerável. Uma das doenças mais comuns no município é a
bronquite alérgica.
Ao longo dos anos surgiram em Igarapava
diversas atividades industriais de pequeno porte, porém, a
maioria não teve sustentação política administrativa,
sendo praticamente extintas em curto espaço de tempo.
Não existiu em aproximadamente 170 anos de
história um administrador público capaz de tomar as
rédeas da preservação ambiental e tão pouco capaz de
atrair investimentos para uma mudança gradual na
economia local.
100
10. Os garimpeiros da esperança.
A relação abaixo mostra o nome de todos os
homens que contribuíram positivamente ou negativamente
para a atual situação econômica de Igarapava. São estes
os políticos que deixaram Igarapava ser destruída, ou
melhor, ajudaram a destruí-la pouco a pouco.
JUIZES DE PAZ
1854 – Alferes José Joaquim de Oliveira;
Manoel Joaquim de Souza Costa;
Francisco Rodrigues Nunes;
1855 – Francisco Rodrigues Nunes;
1856 – Joaquim Rodrigues Nunes;
1857 – Joaquim Leal da Fonseca;
1858 – Antonio Bento Gomes;
1859 – José de Paula e Silva Leão;
1860 – André Ribeiro de Mendonça;
1861 – Joaquim José Gomes;
101
1862 – Joaquim José Gomes;
1863 – Vicente José Gomes;
1864 – Manoel Ribeiro dos Santos;
1876 – Tenente Coronel Thomé Ignácio Vilella de
Andrade;
André Ribeiro de Mendonça;
1877 – João Honório de Campos;
Joaquim Martins Ferreira Costa;
Joaquim Paulino Gouveia;
1883 – Francisco Ignácio da Gama;
Francisco Leal da Fonseca;
Alferes Manoel Joaquim de Souza Costa;
João Caetano Alves;
1886 – Florêncio Antonio Rodrigues do Valle;
1887 – Vicente Ferreira de Mendonça;
Paulino de Souza Machado;
Sérgio Marques da Silva;
1889 – Joaquim Faustino Marques.
102
Proclamada a república, em 15 de novembro de
1889, o Brasil mudou radicalmente a estrutura
administrativa dos municípios. Até então o Juiz de Paz era
a maior autoridade do município, exercendo as funções de
delegado, de legislador, podendo nomear o Juiz de Direito
e o Prefeito.
Com a criação do Conselho de Intendência, que
substituíram as câmaras municipais, os Intendentes, que
eram nomeados, substituíram os Juízes de Paz. Segue a
relação dos Intendentes nomeados para Santa Rita do
Paraíso.
INTENDENTES
1890 – Tenente Coronel Thomé Ignácio Vilella de
Andrade;
1896 – Manoel Machado do Nascimento;
1899 – Capitão Eugênio Alves Ferreira;
1900 – Major Anselmo Ferreira Campos;
1902 – Capitão Joaquim de Paula Nery;
103
1905 – Capitão Manoel Zeferino de Paula;
1906 – Avelino Camilo de Miranda;
1907 – Capitão Manoel Zeferino de Paula.
Em 1908, o regime de Intendências é suprimido, e
os intendentes passaram a ser chamados de Prefeitos.
PREFEITOS
1908 – Capitão Manoel Zeferino de Paula;
1909 – Capitão Francisco Ribeiro Soares;
1910 – Major Francisco Ignácio da Gama;
1911 – Absay de Andrade;
1915 – Capitão Manoel Zeferino de Paula;
1917 – Candido Maximo Balieiro;
1920 – Capitão Francisco Antonio Maciel;
1925 – Gabriel Alves Moreira;
1926 – Capitão Francisco Antonio Maciel;
1929 – Capitão Francisco Ribeiro Soares;
104
1930 – Dr. Theobaldo Pondé de Mendonça;
1931 – Izoldino de Souza Machado;
1932 – Major Luiz de Faria e Souza;
Major Cássio Vidigal;
Tenente Nestor Cravo;
Odilon Cesário de Oliveira;
1933 – João Leopoldino de Azevedo;
Odilon Cesário de Oliveira;
1934 – Kleber Piedade;
1936 – Odilon Cesário de Oliveira;
Dr. Humberto Wanderley Ribeiro;
1937 - Dr. Humberto Wanderley Ribeiro;
1938 – José Ribeiro Soares;
1942 – José Basile;
1944 – Anastácio Agria Filho;
1945 – Aguiar Moreira;
Dr. João Del Nero;
João Gouveia Teixeira;
105
1947 – Dr. Romeu Nogueira Terra;
1948 – Samuel Cabral / Dr. Alcyr Nassif;
1949/1951 – Dr. Romeu Nogueira Terra;
1952/1955 – Dr. Antonio Maciel Filho;
1956/1959 – Dr. Alcides Antonio Maciel;
1960/1961 – Dr. Antonio Ribeiro Soares;
1961/1962 – Limirio Leal da Fonseca;
1962/1963 – Dr. Antonio Ribeiro Soares;
1964/1967 – Dr. Alcides Antonio Maciel;
1968/1972 – João Augusto de Freitas;
1973/1976 – Alberto Faria de Oliveira;
1977/1982 – Eng.º Carlos Augusto de Freitas;
1983/1988 – Prof.º Gilberto Soares dos Santos;
1989/1992 – Eng.º Carlos Augusto de Freitas;
1993/1996 – Eng.º Agr.º Antonio Augusto Gobbi;
1997/1998 – Prof.º Gilberto Soares dos Santos;
1998/2000 – Sérgio Augusto de Freitas;
2001/2004 – Eng.º Agr.º Antonio Augusto Gobbi;
106
2005/2008 – Dr. Francisco Tadeu Molina;
2009/2012 – Dr. Francisco Tadeu Molina.
A esses ditos cidadãos cabe a atual situação
político administrativa de Igarapava. Éramos mais de 38
mil habitantes em 1.929 e hoje, 83 anos depois, somos
menos de 27 mil habitantes. O último levantamento revela
que existem aproximadamente 48 mil igarapavenses
morando fora, que se somados aos 27 mil atuais, teríamos
hoje uma população de aproximadamente 75 mil
habitantes e provavelmente uma cidade mais ativa e
próspera. Somos a cidade do nordeste paulista com a
maior redução de população da história. A todos nossos
administradores a pergunta:
Valeu a pena para vocês?
107
11. Jesus Maria José – Nosso maior pecado.
Conversando com moradores mais antigos,
descobrimos que o Instituto Jesus Maria José que havia
sido fundado por Rita Lopes de Almeida, no dia 24 de
setembro de 1880, em Viseu Portugal. Teve sua primeira
sede no Brasil exatamente na cidade de Igarapava.
Madre Rita foi uma mulher audaz e de Fé
inabalável. Cativava a todos com sua simplicidade e
alegria buscando levá-los para Deus e realizar em tudo a
sua vontade. Possuía um grande amor missionário, dizia:
“Se preciso fosse percorreria o mundo inteiro para salvar
uma só alma”.
Com a revolução de Portugal no ano de 1910,
surgiu a perseguição religiosa a toda a Igreja e então
Madre Rita foi obrigada a fechar suas casas e suas Irmãs
se dispersaram. Todos os bens do Instituto foram
confiscados pelo governo.
108
Ela, não querendo ver acabada uma Obra que lhe
custara tanto sacrifício, enfrenta com coragem e
determinação todos os desafios e, em novembro de 1912,
envia o primeiro grupo de Irmãs para o Brasil que se
instalaram na pequena cidade de Igarapava no interior do
Estado de São Paulo.
Ao despedir-se das Irmãs disse: “Ide minhas
filhas, sede fiéis e observantes a Deus Nosso Senhor e
Ele será convosco. Quanto a mim, jamais vos verei; só no
céu espero abraçar-vos de novo”.
Atualmente o Instituto possui obras nos estados
de São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Santa
Catarina, Distrito Federal, Goiânia, Mato Grosso e Ceará,
expandindo o Evangelho da Conversão e o Carisma Zelo
Apostólico sob a forma de Apelo à Conversão atuando em
Colégios, Educandários, Creches, trabalhos pastorais,
visita às famílias, trabalhando a liturgia e a catequese.
O Instituto atua também em Portugal (voltando ao
berço em 1934), Angola, Moçambique, Cabo Verde,
Paraguai, Bolívia, Peru e México.
109
Para a alegria e ao mesmo tempo indignação
deste autor, descobri que em 2012 o Instituto Jesus Maria
José celebra o centenário de sua presença no Brasil.
Abaixo o relato na íntegra da viagem das primeiras
missionárias ao Brasil que consta nos registros do Instituto
Jesus Maria José.
“Relato da Viagem das Irmãs
Portuguesas que vieram para o Brasil em
1912"
O primeiro grupo de Irmãs saiu no dia
31 de outubro de 1912 com destino a cidade de
Igarapava, situada ao norte do Estado de São
Paulo, diocese, até então, de Ribeirão Preto.
Madre Rita acompanhou as Irmãs até
o cais de embarque e pressentiu que seria a
última vez que as veria neste mundo.
Ao despedir-se das Irmãs, abraçando-
as, disse-lhes: “Ide minhas filhas, sede
observantes e fiéis a Deus Nosso Senhor e Ele
será convosco. Quanto a mim, jamais vos verei;
só no céu espero abraçar-vos de novo”.
110
E seus olhos marejavam de lágrimas.
Unida as suas filhas pelo mesmo amor de Deus,
só Ele, neste momento, podia ser a causa da
separação.
O primeiro grupo de religiosas,
destinado ao novo campo de apostolado em
Terras de Santa Cruz era formado por: Madre
Maria da Anunciação Costa (Superiora), Irmã
Rosalina da Silva, Irmã Bárbara Forte Mateus,
Irmã Ana Rodrigues, Irmã Ana das Neves Vaz e
Irmã Maria José Neves.
A viagem era longa e desconhecida!
Na tarde do dia 31 de outubro de 1912
foram para o cais, onde o navio estava
ancorado e com alegria se aproximaram dele!...
Sabiam que caminhavam para o exílio, mas
para uma religiosa que deixou tudo para seguir
a Jesus mais de perto (e sabe que sua Pátria
definitiva é o céu) de boa vontade se sacrifica
por seu celeste Esposo.
Em pleno oceano, por alguns dias a
viagem flui monótona. Só água e céu. Céu e
água.
111
No Brasil, aportaram no Porto de
Recife em Pernambuco, cujas belezas naturais
às encantaram. Passaram por Salvador, na
Bahia. Nesta cidade, um sacerdote,
companheiro de viagem, arriscou-se a perder o
navio, para ir expedir um telegrama para o
Rvdo. Sr. Padre Manoel da Costa, Vigário de
Igarapava, pedindo-lhe que fosse a Santos
esperar as Irmãs.
Ao chegarem à Baia de Guanabara,
puderam ver as maravilhas com que Deus
enriqueceu a Baia mais bela do mundo.
Finalmente, aproximaram-se de Santos, término
da viagem marítima, para começar outra, por
via férrea, esta com mais probabilidade de
menos sacrifícios.
Madre Ana das Neves Vaz, disse as
Irmãs que restava pouco dinheiro. Então
exclamou: “O que será de nós? Não temos
dinheiro, nem sabemos onde estamos, nem o
que nos falta para chegarmos ao término da
viagem. Provavelmente o Senhor Padre Manuel
(Vigário de Igarapava) não recebeu o nosso
telegrama e não sabemos para onde nos dirigir,
mas tenhamos confiança em Jesus Maria José.”
As boas Irmãs confiaram em Jesus Maria José
112
e entregaram-se à Divina Providência que
nunca falhou. Quando chegou à hora de
partirem, aproximaram-se da bilheteria. “Um
funcionário lhes disse: As Irmãs não pagam
passagem, dirijam-se para aquela sala“. Foi-
lhes entregue um passe para as seis Irmãs até
Jundiaí. O mesmo funcionário lhes disse: “Em
Jundiaí, apresentem este passe e lá lhes darão
outro para prosseguirem a viagem”.
Finalmente chegaram a Ribeirão
Preto.
Tudo estava disposto e preparado,
com antecedência, devido ao cuidado do
Revdo. Vigário de Igarapava, Padre Manoel da
Costa que recebeu com atraso, o telegrama que
lhe tinha sido enviado da Bahia e não podendo
providenciar o necessário para recebê-las aqui
no Brasil, telegrafou então para ao Exmo. Sr.
Dom Alberto José Gonçalves, Bispo de Ribeirão
Preto, para que por seu intermédio obtivesse
hospedagem para as Irmãs em alguma casa
religiosa.
Dom Alberto José Gonçalves, tendo
sido avisado pelo Vigário de Igarapava que as
Irmãs haviam chegado, tinha tudo disposto para
113
acolhê-las e determinou que no dia seguinte,
pela manhã, as receberia para uma audiência.
Quando se dirigiam para o Palácio Episcopal,
foram alcançadas por um carro que conduzia o
Sr. Vigário de Igarapava. Este se desculpou por
não ter ido esperá-las devido o atraso com que
recebeu o telegrama enviado da Bahia pelas
Irmãs.
Embarcaram no trem às 7.00 horas,
acompanhadas pelo Vigário de Igarapava, que
assumiu toda a responsabilidade, não se
esquecendo de telefonar antes de partir, para o
Vigário de Jardinópolis pedindo para
providenciar um almoço e mandar levá-lo ao
trem quando por ali passassem. Logo que o
trem parou na estação de Jardinópolis, já as
esperava o Senhor Vigário acompanhado de um
empregado carregando o almoço pedido. Era o
mês de novembro. As mangas pendiam das
árvores, em abundância, causando admiração
às Irmãs, pois essa fruta era novidade para
elas. Ficaram deslumbradas também, com o
panorama dos cafezais enfileirados, que se
perdiam de vista e uma infinidade de outras
coisas que as encantavam. Para elas eram
verdadeiras surpresas. Durante a viagem, o Sr.
114
Vigário de Igarapava ia esclarecendo, com
muita delicadeza, tudo o que era visto pelas
Irmãs.
No dia 16 de novembro, foram
recebidas em Igarapava pelo coadjutor da
Paróquia - Frei Raimundo, autoridades da
cidade, como o Sr. Galdino Balieiro - Presidente
da Câmara, principais famílias e várias outras
pessoas radicadas na cidade. Todas foram
cumprimentar as Irmãs e dar-lhes as boas
vindas.
Quando chegaram à casa Paroquial,
foram recebidas pela empregada do Sr. Vigário,
algumas zeladoras e outras senhoras, com tudo
pronto para as Irmãs de Jesus Maria José.
O bom Vigário cedeu sua residência
às Irmãs.
No dia da chegada das Irmãs a
Igarapava, à noite, Frei Raimundo reuniu o povo
na igreja, para celebrar a chegada das Irmãs ao
Brasil. Após a oração do terço, se dirigiu à
assembleia louvando a Deus pela bondade que
manifestou ao povo de Igarapava, enviando-lhe
seis religiosas. Estas Irmãs vieram para o nosso
115
meio ensinar as crianças e jovens de nossa
cidade. É muito bom encontrar a Deus através
da experiência das Irmãs. Disse também “Como
é bom o Deus dos cristãos! Aí tendes caros
irmãos, um modelo para imitardes”, exortando o
povo a imitar as Irmãs. Todas ficaram
sensibilizadas com as palavras de Frei
Raimundo.
O Colégio começou a funcionar com
algumas alunas na casa cedida pelo Sr. Vigário.
Em março do ano seguinte, as irmãs se
mudaram para outra casa junto à Abadia. Era o
primeiro colégio do Instituto Jesus Maria
José no Brasil. O começo de uma obra sempre
é acompanhado de sacrifícios, as Irmãs
voltavam - se para Deus a quem tudo
ofereciam, sabendo que as obras de Deus
exigem atos de abnegação.
O Revdo. Vigário interessava-se muito
pelo Colégio. Era verdadeiramente incansável
em trabalhar pelo seu desenvolvimento.
Procurando corresponder a tanta dedicação, as
Irmãs davam catecismo na Matriz aos domingos
e, algumas vezes na semana, davam-no nas
fazendas. Além da catequese, dirigiam o coro
116
da Paróquia. (P.E. 308, 309 e 310). (Patrimônio
Espiritual)
Durante três anos, as Irmãs de Jesus
Maria José dirigiram o colégio com dedicação e
carinho, ficando a população plenamente
satisfeita. Era por todos confirmado, o ardor
apostólico destas jovens que acabam de chegar
do estrangeiro.
A Revda. Madre Ana da Anunciação
Costa escreveu à Madre Fundadora dando-lhe
notícia de como tinha decorrido a viagem e de
como foram recebidas, salientando a
hospitalidade do povo brasileiro. Comunicou-lhe
que o Padre Manoel da Costa, tinha conseguido
por intermédio do Revdo. Vigário de
Jardinópolis (interior de São Paulo) trabalho
para algumas irmãs naquela cidade onde
tencionava fundar um colégio.
A Madre fundadora se regozijou de
alegria com tão agradáveis notícias. Logo que
recebeu a informação de novo trabalho para as
Irmãs no Brasil, começou a reunir na casa onde
residiam 09 Irmãs para prepará-las para a
viagem.
117
Passaram 100 anos e fazemos
memória destas pioneiras em terra de Santa
Cruz.
Continuando sua obra, o Instituto
esteve presente deixando e retomando as
atividades nesta terra que nos acolheu. "Com
ardor e zelo apostólico queremos prosseguir
transmitindo e vivendo os ideais de Madre Rita
acolhendo as crianças jovens e as famílias.”
No ano de 1940, o jornalista José Basile fez na
cidade de Igarapava uma forte campanha sobre a criança
pobre e abandonada.
O Sr. José Marçal Vieira, também via e sentia o
sofrimento das crianças abandonadas. Fez uma doação
para essa finalidade. O Sr. Basile após a doação do Sr.
Marçal, ficou mais entusiasmado, vendo que não estava
sozinho na luta. Depois de fazer um levantamento de
quantas crianças abandonadas havia na cidade partiu
para a parte burocrática.
Em todas as realizações cristãs ou filantrópicas, o
mais difícil é arranjar dinheiro. No caso de Igarapava, não
era esse o problema, mas sim as exigências legais, e aqui
118
começamos a entender como as autoridades locais
possuem o maléfico hábito de atrapalhar tudo que pode
trazer algo de bom para a cidade.
Graças, porém, ao trabalho extraordinário do Sr.
Hermes Bartolomeu, alto funcionário do Departamento
Nacional da Criança, no Rio de Janeiro, foi possível fundar
e instalar em Igarapava a segunda Casa da Criança em
todo o Brasil. A primeira no Rio de Janeiro e a segunda
em Igarapava.
O dinâmico e conhecidíssimo Sr. José Basile,
classificado como um dos mais notáveis filho da terra dos
canaviais, não se deixou levar por opiniões contrárias que
não o demoveu do seu intento, nem vedou o seu
entusiasmo. Hoje o complexo denomina-se: “Associação
de Proteção à Maternidade e Infância de Igarapava”.
Por motivos pessoais o Sr. Basile mudou-se para
Ribeirão Preto. Sua grande preocupação era: quem seria
o seu substituto? Depois de pensar muito, indicou o nome
do Dr. Paulo Bortoletto. A votação foi unânime. E, Dr.
Paulo, sábio administrador de suas fazendas e tendo na
retaguarda sua esposa D. Rosinha Basile Bortoletto,
119
dirigiu a Associação, aumentando o seu patrimônio até
que ela tivesse vida própria.
Por razões imperiosas o Dr. Paulo Bortoletto
entregou a direção da casa às religiosas do Instituto Jesus
Maria José, sob a direção de Irmã Amélia do Sagrado
Coração Bortoletto (sua irmã). As religiosas tomaram
posse no dia 23 de março de 1986 e continuaram
imprimindo à Instituição a mesma marcha do passado.
Permaneceram no local durante 10 (dez) anos.
Sempre procuraram dar tudo de si, para prepararem
aquelas crianças e suas famílias para compreenderem a
complexidade da vida. Procuraram incutir nas crianças o
amor de Deus e aos irmãos, fazendo com que aquela
casa, que era Casa da Criança se tornasse Casa de Deus.
As Irmãs deixaram a casa em 1998, e continuaram
a residir na cidade numa casa adquirida pelo Instituto
Jesus Maria José. Várias Irmãs passaram por aquele
local. Todas com o pensamento fixo em fazer alguma
coisa pelas meninas, sobretudo as mais necessitadas. No
ano de 2008, veio morar em Igarapava, Irmã Eva Ivani de
Souza Lopes, recém-formada em Serviço Social, que
120
auxiliada pelas Irmãs que residiam na casa, começaram o
Centro Social e Escola Amada Bem Aventurada Rita
Amada de Jesus.
Podemos notar aqui a insistência das Irmãs que
desembarcaram em terras brasileiras e escolheram
Igarapava como porto seguro. Não é justo que a cidade
que as recebeu de braços abertos, recém-chegadas de
Portugal, expulsas pela revolução de 1910, fique sem os
trabalhos religiosos e não menos importante do que isso,
sem o trabalho de seus ensinamentos.
A casa onde as Irmãs residem é pequena, mas
tornou-se grande para se fazer um trabalho com as
meninas. As Irmãs ficaram com o indispensável para seu
uso, os demais cômodos ficaram para as meninas. As
meninas são atendidas na parte da tarde. Voltam da
escola onde estudam, almoçam e têm várias atividades
até o fim da tarde quando retornam para suas casas.
Em 2.011, em Igarapava, teve inicio o triênio de
celebrações comemorando os cem anos que as Irmãs
estão anunciando no Brasil o Evangelho da Conversão. As
comemorações começaram às 9.00 horas com a
121
Celebração Eucarística presidida por Frei Sergio Peres de
Paula, Pároco da Igreja Matriz de Igarapava, concelebrada
por Frei Romualdo e Padre Eduardo Ferreira, Pároco da
vizinha cidade mineira – Delta.
Participaram da celebração 62 Irmãs de Jesus
Maria José que trabalham em São Paulo, Rio Grande do
Sul, Santa Catarina, Minas Gerais, Mato Grosso, Ceará e
Distrito Federal. Estavam presentes Irmãs de: Portugal,
Angola, Moçambique, Cabo Verde, Bolívia, Paraguai e
Peru. Estavam presentes, Irmã Leonir Tomazi, Superiora
Geral, do Instituto Jesus Maria José e várias autoridades
religiosas, civis e militares.
Existe uma lei recentemente promulgada em
Igarapava onde “Declara de Utilidade Pública a
Associação Jesus Maria José, Centro Social e Escola
Amada Beata Rita Amada de Jesus”, mas a real
importância e o apoio que as autoridades igarapavenses
deveriam prestar a esta instituição é quase nulo.
Quem conhece os colégios do Instituto Jesus
Maria José espalhados pelo Brasil e Exterior sabe o
quanto as crianças de Igarapava foram privadas de um
122
ensino de qualidade e um apoio humano que nenhuma
escola pública ou particular tem capacidade hoje de
oferecer em solo igarapavense. É uma vergonha darmos
ao Instituto Jesus Maria José apenas uma placa de muito
obrigado por escolher Igarapava.
Igarapava comete o maior pecado de sua história
não apoiando de forma consistente um trabalho tão belo e
sério. As irmãs foram essenciais na administração da
Santa Casa de Igarapava e só abandonaram a mesma
porque a quantidade de irregularidades administrativas
continua nos assolando até os dias atuais. A
irresponsabilidade dos administradores da Santa Casa já
ultrapassou o limite do certo e errado. Nossos dirigentes
políticos estão privando nossas crianças de um ensino de
qualidade. Em um mundo tão cheio de drogas e violência,
Igarapava deveria dar um prédio decente e com total
infraestrutura para que nossas crianças tenham o mesmo
privilégio de outras cidades.
O Instituto Jesus Maria José possui colégios
renomados em São Paulo-SP, Franca-SP, São Miguel Do
Oeste SC, São Simão-SP, Palmeira das Missões RS,
123
Taguatinga-DF, Poços de Caldas-MG, Iturama-MG,
Goiânia-GO, Água Boa-MT e Canarana-MT, sendo em
Taguatinga uma Faculdade de excelência reconhecida
internacionalmente. Como primeira cidade de atuação,
Igarapava não auxiliou as irmãs e as obrigou a manter um
espaço na própria casa de moradia para atender mais de
40 crianças, com pouco espaço e recursos, deixando clara
a inexistência de interesse e a total falta de visão das
autoridades, pois em um mundo cada vez mais violento e
com famílias totalmente desestruturadas, relegar o ensino
de nossas crianças para colégios particulares de
qualidade duvidosa ou apenas deixá-las em escolas
municipais para cumprirem uma obrigação de obtenção de
diploma de ensino básico é revoltante.
Os administradores municipais não possuem
nenhum interesse em formar cidadãos capazes, pois
teriam dificuldades para se perpetuarem no poder se
tivéssemos pessoas mais esclarecidas e bem informadas.
Vivemos numa bolha de isolamento do mundo, sem
informações básicas e sem perspectiva de futuro para
nossas crianças. A realidade dos nossos jovens é
perversa atualmente.
124
12. O Coronel Quito – Anjo ou Demônio?
A participação efetiva no declínio de Igarapava
transforma Francisco Maximiano Junqueira em uma figura
marcante e que não deve ser esquecida.
Como já mencionado
no inicio desta obra, a trajetória
de vida de Francisco
Maximiano Junqueira (o
Coronel Quito), e de sua
esposa Theolina de Andrade
(Dona Sinhá), a Sinhá
Junqueira, tem inicio no remoto
século XVIII, com a então
descoberta de minas de ouro na região central do Brasil.
Tal descoberta atraiu para a Colônia, imigrantes
de várias regiões do globo, a maioria proveniente de
Portugal. Foi nesse período, que por aqui desembarcou o
português João Francisco Junqueira, oriundo da região
campesina de São Simão da Junqueira, filho de João
125
Manuel e Ana Francisca, casal de origem burguesa e
cristã.
O jovem português estabeleceu-se na Capitania
de Minas Gerais, mais precisamente na Comarca do Rio
das Mortes, Vila de São João Del Rei. Nesta época, a
referida comarca era a maior produtora de grãos,
hortaliças e frutos nacionais, servindo tanto a Corte no Rio
de Janeiro, quanto às regiões de extração de minério.
João Francisco Junqueira casou-se no ano de
1.758, com Helena Maria do Espírito Santo e da união
geraram doze filhos, após uma vida inteira de trabalho no
campo, o português veio a adquirir uma propriedade
agrícola alcançando assim, confortável situação financeira.
Faleceu e foi sepultado em 1.819, em São Tomé
das Letras, região onde reside grande parte de seus
descendentes até os dias atuais.
Com o declínio da mineração na região das
Gerais, iniciou-se um fluxo migratório em busca de novas
terras para o plantio e criação de gado, principalmente, por
pessoas que antes residiam na Comarca do Rio das
Mortes.
126
Estes mineiros vieram atraídos pela Estrada dos
Goyazes e trouxeram os rebanhos, a experiência do
preparo da terra e principalmente o capital. A região da
Estrada dos Goyazes possibilitou a preparação dos pastos
e a circulação das mercadorias e a terra de qualidade e o
clima satisfatório para o desenvolvimento da agricultura
facilitou o estabelecimento dos mineiros, entre eles os
Junqueira.
O avô do “Cel. Quito” fixou-se na região do
município de Casa Branca, Guatapará e Sertãozinho, em
terras que totalizavam 78.000 alqueires, onde deram o
nome de Solar do Lajeado.
O Tenente Coronel Francisco Maximiano Diniz
Junqueira, filho de Luiz Antonio de Souza Diniz e pai de
Francisco Maximiano Junqueira (Cel. Quito) morreu no
ano de 1.870 na cidade de Jundiaí, vítima de febre
amarela, deixando ao “Cel. Quito” uma herança
considerável – O Solar do Lajeado, alguns animais e uma
boa quantia em dinheiro.
Neste período, segunda metade do século XIX,
houve uma mudança no cenário agrícola nacional com a
introdução do café. A região de Ribeirão Preto torna-se
127
conhecida como o “Eldorado do Café” sendo a maior
produtora do grão no mundo, vindo a produzir um terço de
todo o café consumido.
Cel. Quito iniciou-se na produção do café, que o
transformou em um homem muito rico e influente na
região. Casou-se com sua prima Theolina Zemilla de
Andrade, na cidade de Franca, no ano de 1.891. Fixou
residência em Ribeirão Preto.
Em 1.902, com o objetivo de facilitar as
exportações de sua produção de café, criou em sociedade
com seus parentes, a “Junqueira Cia. Exportadora” com
128
sede em Santos que operava anualmente algo em torno
de 200.000 sacas de café. Devido ao cenário econômico
mundial a empresa decretou falência em 1.913.
Com a falência da exportadora, o Cel. Quito
comprou do Sr. Frederico Junqueira, sua parte na
Fazenda União e no Engenho Central, localizados no
município de Igarapava, e vendo o cenário desfavorável
para o café, decide investir pesado na produção de
açúcar, que o tornaria no maior usineiro das Américas.
129
As Usinas Junqueira da década de 1.920 se torna
a maior produtora de derivados da cana-de-açúcar do
mundo, o que levou o nome de Igarapava a ser conhecido
em toda a América do Sul.
A cidade não acompanhou o espírito
empreendedor e visionário do Cel. Quito e viveu durante
mais de 70 anos única e exclusivamente da sombra da
Usina Junqueira, o que claramente foi o ponto critico de
declínio da economia local.
130
O Cel. Quito, num processo ininterrupto adquiria
terras que circundavam a usina união. Os vendedores, em
sua grande maioria, eram constituídos por vizinhos sem
capitais, empobrecidos face as constantes divisões
judiciais, as quais deixavam suas áreas extremamente
reduzidas e pouco rentáveis, face às diminutas extensões.
Dentro da agilidade econômica que lhe
caracterizava, o Cel. Quito, continuava comprando novas
terras, caracterizadas por um processo ordenado,
passando por questões judiciais, que foram desenroladas
tal qual um novelo. O empréstimo de dinheiro, com a
hipoteca de terras, constituía-se numa de suas formas
preferidas de aquisição de terras vizinhas. Eram inúmeras
as escrituras em que os outorgantes confessavam serem
devedores do Cel. Quito, e que, naquele momento lhes
transferiam os direitos sobre as terras, incapazes de
saldarem suas dívidas para com o Cel. Quito.
Nos dias de hoje o nome para esta prática seria
“agiotagem”, mas na época, devido à falta de Bancos, era
aceitável e muitos praticavam essa modalidade de
empréstimo a terceiros. Logo a velha sesmaria do Paraíso,
131
em Igarapava, retalhada e pulverizada em pequenos lotes,
seria totalmente arrematada pelo bondoso Cel. Quito.
Os proprietários de terra estavam presos a
arrendamentos cada vez menos lucrativos e as usinas de
açúcar monopolizavam e continuam dominando as
plantações no entorno de nossa cidade.
Como o Cel. Quito e a
sua esposa, Sinhá Junqueira,
não deixaram herdeiros, após a
morte do Cel. Quito, a viúva,
Dona Theolina de Andrade
Junqueira, a chamada “Eterna
Dama” cria a Fundação
denominada “Maternidade Sinhá Junqueira” destinada ao
amparo médico-social da maternidade e infância.
Em 1.947, em São Paulo, D. Theolina redigiu o
seu testamento onde deixou expresso, a disposição de
legar a quantia de dois milhões, duzentos e vinte mil e
quatrocentos e noventa e cinco cruzeiros, que deveriam
ser distribuídos a parentes e funcionários indicados
nominalmente e às dezenas de instituições de saúde,
132
asilos e creches, todos, porém sob a orientação da
recente Fundação Sinhá Junqueira.
Apesar de ser taxativa em seu testamento, onde
deixa claro que os recursos devam ser aplicados para
cuidar da velhice desamparada, dos morféticos pobres e a
pobreza, principalmente das cidades de Ribeirão Preto,
Franca, IGARAPAVA e Colina, estes recursos nunca
foram empregados em nossa cidade.
Analisando o que o Cel. Quito ganhou entre 1.912
e 1.938 somente, Igarapava deveria ter pelo menos o
direito de no mínimo ter suas matas reflorestadas. O
Agiota morreu e Igarapava foi usada por mais um
capitalista, como uns poucos atualmente.
133
A Usina Junqueira é uma das maiores empresas
desmatadoras da história e não realizou reflorestamentos
para reduzir o impacto das derrubadas do inicio do século
e tão pouco aportou recursos para a implantação de
alguma universidade, escola ou centro tecnológico com o
intuito de preparar os trabalhadores rurais para uma
transição mais amena. As pessoas de Igarapava
demonstram uma apatia ao empreendedorismo e se
satisfazem com as migalhas de arrendamentos destinadas
ao plantio de cana.
Um levantamento preocupante feito recentemente
revelou que no início do século XXI a Usina Junqueira
empregava cerca de 5 mil pessoas em suas safras e
devido a mecanização, hoje, 12 anos depois já se
emprega a metade deste número, ou seja, 2,5 mil pessoas
e que o objetivo até 2014 é reduzir o número de
trabalhadores na colheita da cana-de-açúcar para apenas
800 pessoas. O que será feito com aproximadamente 4 mil
pessoas desempregadas?
134
13. O retrato do declínio
Voltando um pouco no tempo, em 1.929,
Igarapava possuía aproximadamente 38 mil habitantes, e
tinha um horto municipal com
mais de 5 mil espécies de
árvores ornamentais que eram
utilizadas na arborização das
ruas da cidade. A cidade já tinha
serviço de distribuição de água potável
e de carne fresca. Hoje, em 2.012,
Igarapava possui menos de 27.000
habitantes efetivamente, ou seja,
aproximadamente 11 mil a menos que
83 anos atrás.
Os Igarapavenses vivem das
lembranças do passado e
simplesmente ignoram os
igarapavenses ilustres nascidos aqui
como a escritora Odete de Barros
135
Motti, o escritor Waldomiro Bariani
Ortencio, o compositor Marciano
Marques de Oliveira, o cantor Jair
Rodrigues, o cantor José Ramiro
Sobrinho (o
Pena Branca da
dupla sertaneja Pena Branca e
Xavantinho), a escritora Maria Luíza
Bartholomeu Silva de Oliveira,
Otacílio Branquinho, dono de um
circo de rodeio que é cantado em
verso e prosa por inúmeras duplas
sertanejas do passado, a Primeira
Dupla Sertaneja Japonesa do Brasil
– Os Irmãos Kurimori.
Outro
personagem muito
famoso, ignorado e
praticamente
desconhecido da
população
136
igarapavense é Hélio Marincek, que foi o menino-prodígio
da aviação brasileira. Filho de Antonio e Antonieta,
aviadores, aos 13 anos, em Ribeirão Preto, foi a primeira
criança no mundo a voar solo.
Aos 14 anos, no dia 12 de julho de 1939, pilotando
o avião Fairchild F.22 PP-TAY, partiu de
Araguari-MG, e, depois, de pernoitar em
Ribeirão Preto e São Paulo, no dia 14
chegou ao Rio de Janeiro, pousando no
então Aeroporto do Calabouço, hoje
“Santos Dumont”.
O feito foi amplamente
reportado pelos jornais dos Diários
Associados (Assis Chateaubriand) e,
no Rio uma multidão recebeu o piloto
mirim, o qual desfilou pela cidade,
tendo sido, inclusive recebido pelas mais altas autoridades
civis e militares, e pelo então Presidente da República
Getúlio Vargas. Idênticas homenagens se seguiram em
São Paulo, Ribeirão Preto e Igarapava, cidade natal de
Hélio Marincek.
137
Em reconhecimento a esse feito, Hélio e seu irmão
Homilton foram contemplados com matrícula no Colégio
Militar da então Capital da República. Hélio fez brilhante
carreira na FAB chegando a Coronel Aviador e Homilton
formou-se em engenharia.
Como em toda cidade sem administradores e
pessoas realmente preocupadas como o futuro, a
perspectiva de longo prazo para Igarapava é assustadora.
A falta de oportunidades de crescimento
profissional e pessoal levou milhares de igarapavenses a
mudar-se para centros maiores como Ribeirão Preto,
Franca, Uberaba, Uberlândia, Campinas, São Paulo, entre
outros, restando na cidade apenas os aposentados e as
pessoas sem condições financeiras e profissionais para
buscarem uma boa colocação fora dos limites de
Igarapava e claro, os políticos de ocasião, pessoas que
enxergam na vida pública a única opção para terem renda
e serem bem sucedidos financeiramente.
Este é o retrato mais preocupante para uma
cidade, onde pessoas sem qualificação e em alguns
casos, de má índole, se apoderam dos cargos públicos
138
para garantirem uma vida confortável economicamente
para seus familiares.
Assim, aparecem as nomeações de familiares para
cargos de confiança, contratação de empresas de amigos
e financiadores políticos sem licitações, obras fraudulentas
e como em muitas cidades brasileiras, desvios de verbas
públicas com a conivência de todos os atores envolvidos
neste espetáculo macabro.
A compra de votos, a
doação de cestas básicas, de
materiais de construção e de
pequenos “agrados” é algo
comum na política de cidades
deste porte. Não existe
seriedade na administração do dinheiro público e os
órgãos fiscalizadores, em sua maioria estão envolvidos
diretamente com estas irregularidades.
Este retrato, infelizmente, não é uma exclusividade
de Igarapava, mas de um número muito grande de
pequenas cidades do território brasileiro.
139
Políticos oportunistas e população desinformada é
a combinação perfeita para manter uma cidade em estado
de letargia constante, onde os poucos esclarecidos, não
possuem força legal ou política para mudar este cenário, e
o ciclo da desgraça se eterniza.
Igarapava é uma destas cidades que pararam no
tempo e jamais terão uma nova onda de crescimento, pois
a marginalidade política jamais sairá do poder.
As instituições públicas que deveriam ajudar a
população estão em decadência, a saúde, a educação, a
cultura e a segurança, são tratadas sem o mínimo de
140
importância, com ações conhecidas como “tapa-buracos”
ou imediatistas. A cidade não possui planejamento de
longo prazo.
Os administradores públicos não conseguem
vislumbrar um futuro porque também fazem parte daquele
grupo de moradores que não se preparou para o
crescimento, se restringem apenas a levar os dias, um
após o outro. Todos os dias, acordam e repetem a mesma
rotina.
Vale destacar que entre o período de 1.970 a
1.990 a cidade viveu um período de estagnação absoluta,
como reflexo da realidade econômica do Brasil, mas
mesmo assim ainda houve uma tentativa de melhoria das
141
condições locais com a construção de obras públicas que
hoje garantem o mínimo de civilidade, como é o caso da
Casa da Cultura e o Ginásio de Esportes, que raramente
apresenta algum evento para amenizar a triste rotina de
uma cidade morta.
A situação se agravou a partir de 1.993 após uma
política desastrosa de incentivo a imigração de
trabalhadores do corte de cana-de-açúcar oriundos do
nordeste do Brasil. Até então, esta massa de
trabalhadores era deslocado de suas cidades de origem
apenas no período da colheita da cana-de-açúcar,
retornando aos seus familiares no fim da safra.
142
Porém, em virtude de uma visão política
oportunista os administradores públicos amadores
começaram a incentivar a permanência dos mesmos na
cidade, patrocinando a compra ou aluguel de moradias e
claro, a transferência de títulos eleitorais, incrementando o
número de eleitores “moradores”, lembrando em muito as
ações conhecidas no final do século XIX e inicio do século
XX, chamadas de “voto de cabresto”, onde os coronéis
levavam todos os seus funcionários para a votação nas
cidades e posteriormente contavam os votos.
Alias, esta é uma prática habitual em Igarapava
até os dias atuais e se algum “cidadão-colono” votar
143
diferente da orientação do seu coronel é sumariamente
punido. Assistimos isso em Igarapava de forma
descarada. Muitos políticos possuem currais eleitorais e
trocam votos por cestas básicas, dentaduras, tijolos,
cimento, areia e empregos de subsistência.
O cidadão igarapavense se sente realizado com
um emprego público com salário mínimo e a administração
municipal contrata sempre sem licitação, empresas de
políticos para o fornecimento de alimentação, gasolina,
material de escritório, etc, caracterizando a mais famosa
forma de desvio de verbas públicas já praticadas no Brasil.
144
As formas de desvios de verbas públicas são
conhecidíssimas, mas como os órgãos que deveriam
fiscalizar, sempre possuem familiares empregados na
máquina pública, faz-se vista grossa sobre tudo e a vida
continua na mais perfeita ordem no Porto das Canoas.
Hoje milhares de pessoas oriundas de diversos
estados do nordeste circulam pela cidade sem emprego
fixo e o consumo de drogas cresce assustadoramente, os
filhos igarapavenses não possuem nenhuma atividade
esportiva ou cultural para amenizar esse retrato cruel,
restando aos mesmos apenas o uso de drogas ilícitas e
145
lícitas. Igarapava não preparou seus jovens para a
decadência da Usina Junqueira, que hoje emprega apenas
um terço do que empregava há 30 anos.
Muitos cidadãos igarapavenses deixaram a cidade
para conseguir trabalho e estudo e os que ficaram são
submetidos a empregos de segunda classe em lojinhas de
comércio, sem nenhuma perspectiva futura, o que causa
uma sensação de abandono e de total falta de
planejamento para o futuro.
As autoridades locais não possuem capacitação
técnica para planejar o futuro em virtude de não terem sido
146
preparados para isso e a cada ano que passa, a sombra
do comodismo assola um número maior da população.
A cidade perdeu o espírito empreendedor do inicio
do século XX e os mais diversos crimes de pequeno porte
são habituais. O roubo de carros, o arrombamento de
casas, a venda de drogas e medicamentos proibidos e o
roubo em pequenas propriedades rurais passaram a ser
as melhores opções de renda de milhares de pessoas e
algo amplamente tratado como “normal”. Em cada família
de Igarapava existe alguém preso por roubo ou tráfico.
147
Os prefeitos entre os anos de 1.912 e 1.980 não
acompanharam a visão de empreendedorismo do Cel.
Quito e não conseguiram tirar proveitos deste período de
abundância e de exposição positiva da cidade para atrair
mais investimentos e novas empresas.
A monocultura da cana-de-açúcar em todas as
terras de Igarapava deixou os proprietários de terras
acomodados com a facilidade de renda. Praticamente
todas as propriedades rurais da cidade possuem contratos
de arrendamentos com alguma Usina de Açúcar e Álcool
na região, o que eliminou por completo a agricultura e a
148
pecuária. A cidade vive em função do pobre comércio que
aguarda as migalhas dos assalariados que trabalham na
indústria da cana-de-açúcar.
Chega-se a conclusão que a monocultura da
cana-de-açúcar e a Usina Junqueira foram extremamente
danosas ao crescimento econômico local, pois eliminou
por completo o espírito dos bandeirantes conquistadores
de nossos primeiros moradores.
Não há perspectiva de futuro para a população e
os jovens deixam a cidade desde a década de 1.980, em
149
busca de estudo e crescimento profissional no Brasil e no
exterior. Tornamos-nos exportadores de pessoas, à
medida que tratarmos mal quem aqui nasce.
Hoje existem mais igarapavenses morando fora da
cidade do que vivendo nela. Algo está errado. A sua
família contribui para o crescimento ou para o declínio de
Igarapava?
150
14. Qual a solução para Igarapava?
Não podemos ser levianos ao ponto de escancarar
as chagas de uma cidade sem mostrar um caminho para a
solução. Este livro foi pensado durante anos e somente
agora tive a oportunidade de torná-lo realidade e tudo na
vida tem o tempo certo, acredito ser este o momento exato
para abrir os olhos da população e dos administradores
públicos locais.
Igarapava está localizada em uma posição
estratégica, as margens de uma das rodovias mais
movimentadas do Brasil, a Anhanguera, e possui terras
banhadas por um dos mais ricos rios do Brasil, o Rio
Grande, que divide os Estados de São Paulo e Minas
Gerais, com suas águas claras que mesmo sofrendo
diversas transformações radicais com a construção de
inúmeras hidrelétricas, continua atraindo um número
expressivo de turistas que desejam conhecer suas belezas
naturais.
No “Diário de uma viagem pelo sertão de São
Paulo”, realizada em 1904, de Cornélio Schmidt, que
relata uma viagem feita pelo norte-americano Thomaz
151
Canty, o Rio Grande é descrito como um rio muito
diferente daquele que podemos ver hoje. Cornélio Schmidt
era formado pela Escola de Minas de Ouro Preto.
Acompanhou o norte-americano Thomaz Canty durante
dois meses e meio, percorrendo a cavalo a respeitável
distância de 350 léguas em busca de terras públicas do
Estado, ainda pouco povoadas, que pudessem ser
adquiridas para a formação de um núcleo de colonização,
com imigrantes norte-americanos. O diário de Schmidt é
um documento importante, produto de uma visão particular
do sertão paulista, que nos mostra como Igarapava
explora mal o seu potencial turístico, porém não devemos
considerar o livro de Schmidt um documento definitivo e
portador de “verdade” absoluta, cabe aos Igarapavenses
apenas despertar para o potencial das águas que banham
suas terras.
A criação de programas de incentivo a pesca
esportiva, a construção de pousadas e chalés as margens
do Rio Grande e a estruturação de setores chaves como o
hoteleiro, o de alimentação e o de saúde são os primeiros
passos para a criação de um polo turístico. A população e
os empresários locais necessitam de programas de
152
treinamento para atendimento ao turista, a saúde
necessita ser mais bem gerenciada para garantir
segurança aos visitantes.
A cidade precisa ser totalmente sinalizada, o
tráfego de caminhões de cana não deve ser feito dentro da
área urbana, as praças e parques devem ter pontos de
informações ao visitante e a segurança deve ser tratada
como um caso particular, devido ao alto grau de pequenos
delitos praticados por jovens sem emprego e sem
perspectivas de futuro.
Não sou contra a migração de pessoas de
diversas origens para Igarapava, só insisto que este
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incentivo migratório deve ser feito de forma profissional,
planejando Igarapava para o futuro. O político não deve
patrocinar a migração de pessoas somente com o objetivo
de aumentar o número de títulos eleitorais, deve criar
bairros com infraestrutura, escolas, creches, postos de
saúde, postos policiais e principalmente empregos.
Temas como geração de renda e emprego,
educação e desenvolvimento sustentável devem fazer
parte do dia-a-dia das conversas dos gestores públicos e
principalmente da população. Acredito que deveríamos dar
mais valor as Associações de Bairros, realizando reuniões
semanais para identificar os pontos de melhoria. Ouvir as
pessoas é o primeiro passo para desenvolvermos uma
cidade mais humana e progressista.
Infelizmente não possuimos hoje gestores públicos
capacitados para criar um programa de desenvolvimento
sustentável. As usinas de açúcar e álcool da região
eliminam todas as nascentes de água e destroem
patrimoniais arquitetônicos históricos e ninguém toma
nenhuma providência. Deveríamos ter diversas casas
espalhadas pela zona rural que poderiam ser
154
transformadas em excelentes pousadas, mas todas são
destruídas para a plantação de cana.
Igarapava precisa mudar o eixo de sua economia,
pois as usinas da região não contribuem mais para o
desenvolvimento da cidade. O expressivo lucro de todas
não permanece em território igarapavense.
Existem ações de curtíssimo prazo e de
baixíssimo custo que poderiam mudar por completo a
motivação do cidadão. A criação de Parques Ecológicos
para passeios e caminhadas, a melhoria na segurança, a
ampliação de opções de lazer como a criação de piscinas
e quiosques para churrascos nos bairros, o incentivo ao
155
esporte, a utilização das Praças Municipais para
exposição de artistas locais e regionais e outras diversas
atividades. É preciso despertar o prazer de ser
Igarapavense, pois isso foi esquecido. Não existe mais
amor pela cidade. Cabe aos administradores públicos criar
este clima de otimismo.
A solução existe? Claro que existe, mas passa por
um processo de amadurecimento cultural e pela vontade
política. Não existe formação de novos gestores, os
mesmos já não dão mais resultados, estão cheios de
vícios e manias que nada contribuem para o
desenvolvimento da cidade.
Existe mais de 40 mil igarapavenses morando fora
de sua terra natal e são totalmente desprezados. Estes
igarapavenses possuem uma alta capacidade de
contribuição e não são ao menos consultados ou
chamados a darem sugestões de melhoria para a cidade.
Devemos ouvir quem vive no mundo externo, estamos
fechados em uma redoma de vidro, protegidos das
ameaças das opiniões de outros.
Devemos ter a maturidade e a humildade para
reconhecer que não possuimos políticos capazes, mas
156
que podemos e devemos dar oportunidade a novas
pessoas, mas não simplesmente por trocar o “A” pelo “B”,
mas identificando se o “B” tem capacidade técnica para
levar Igarapava a um novo patamar. Este patamar é o
crescimento planejado.
Deveríamos reunir e discutir com a população um
Projeto de Desenvolvimento e Crescimento para os
próximos 30 anos, onde independentemente de quem
estiver no poder, devemos seguir a risca o planejado. Esta
“união” de ideias não deve ser privilégio de um seleto
grupo de pseudos especialistas, mas sim de pessoas de
mente e coração abertos, sem preocupações menores,
sem a intenção de puxar mais brasa para a sua sardinha.
Igarapava precisa de um PROJETO GANHA-
GANHA. Aquele administrador que entender isso terá uma
longa vida na política local e não entrará na história como
mais um que apenas enriqueceu meia dúzia de amigos,
mas sim criou uma cidade, que hoje não somos. Muitos
dirão ser algo utópico, sonhador e até mesmo inocente.
Mas não será isso que Igarapava precisa após 170 anos?
Um pouco de inocência e sonho?
157
Bibliografia
1. SOUZA, Sebastião Angelo de. Pelos Caminhos da
História de Santa Rita do Paraíso. Uberaba - MG;
Editora Vitória Ltda, 1985.
2. GAETA, Maria aparecida Junqueira da Veiga. A
Flor do Café e o Caldo da Cana – Os caminhos de
Sinhá e Quito Junqueira. Uberaba – MG; Editora
Vitória Ltda, 1993.
3. BACELLAR, Carlos de Almeida Prado &
BRIOSCHI, Lucila Reis, orgs. Na Estrada do
Anhanguera: uma visão regional da história
paulista. São Paulo; Humanitas FFLCH/USP, 1999.
4. BRIOSCHI, Lucila Reis. Entrantes no sertão do Rio
Pardo: o povoamento da Freguesia de Batatais
século XVIII e XIX. São Paulo; CERU, 1991.
5. MACIEL, Francisco Antônio. O Naufrágio do
Sapucaí-Mirim. Igarapava; Tipografia N. S.
Aparecida, 1959.
158
6. CAPRI, Roberto. O Município de Igarapava. São
Paulo; Pocai Weiss & Cia, 1915.
7. SCHMIDT, C. Diário de uma viagem pelo sertão de
São Paulo. São Paulo: SCP, 1961.