Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

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1 PORTO DAS CANOAS O RETRATO DE UM DECLÍNIO

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História da decadência da cidade de Igarapava - SP.

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PORTO DAS CANOAS

O RETRATO DE UM DECLÍNIO

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PORTO DAS CANOAS

O RETRATO DE UM DECLÍNIO

Um retrato preocupante da ascensão

e queda da cidade de Igarapava - SP

Igarapava/SP, julho de 2012.

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Dedico esta obra aos

amigos que ainda acreditam num

futuro melhor para Igarapava, a

minha família, ao querido professor

Walter Bichuete que contribuiu

imensamente com fatos históricos

importantes e aos políticos que não

conhecem a história de nossa

cidade.

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Sumário

Apresentação....................................................... 7

Introdução............................................................. 9

1. O sertão paulista e a “febre do ouro”................ 13

2. A Estrada dos Goyazes.................................... 20

3. As Anselmadas................................................. 29

4. O padre Zeferino Baptista Carmo..................... 42

5. O Arraial de Santa Rita do Paraíso.................. 47

6. Quem foi Santa Rita de Cássia........................ 52

7. Um século de crescimento desordenado........ 54

8. As Revoluções de 1930 e 1932....................... 84

9. O principal golpe contra o crescimento........... 93

10. Os garimpeiros da esperança........................... 100

11. Jesus Maria José – Nosso maior pecado......... 107

12. O Coronel Quito – Anjo ou Demônio?.............. 124

13. O triste retrato do declínio................................ 134

14. Qual a solução para Igarapava?...................... 150

Bibliografia............................................................. 157

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Apresentação

Como é inerente a todo ser humano, os

Igarapavenses não fugiram a regra e estão desperdiçando

o bem mais precioso de suas vidas: o tempo. E de quebra

dilapidando a herança de nossos netos.

Somos os novos bandeirantes, que apenas

garimpam o ouro que a “mina” Igarapava ainda pode

oferecer, e assim que não sobrar mais nada vamos mudar

de endereço, como os mais jovens já fazem atualmente.

Dilapidamos o patrimônio de nossos filhos e

enviamos todos para longe daqui com o objetivo de

“ganhar a vida”. Ora, porque somos obrigados a fugir de

Igarapava para sermos reconhecidos profissionalmente?

Porque não criar uma raiz onde nascemos? Aliás, uma

pergunta: Ainda existem crianças nascendo aqui? Quantas

crianças nasciam da década de 50 e quantas nascem

agora?

Fizemos esta consulta e o resultado é

preocupante e impressionante.

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A cada aniversário de Igarapava costumo fazer

um balanço do que tivemos de positivo e de negativo,

entendendo o negativo como algo que deixamos de fazer

e positivo aquilo que implementamos com o objetivo de

dar um futuro melhor para nossos cidadãos e a conclusão

que tenho tido nos últimos 20 anos é impublicável.

Fernando Couto

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Introdução

Há uma grande discussão, entre diversos autores,

a respeito de quando surgiu o famoso Caminho ou Estrada

dos Goyazes, que deu origem a diversas cidades paulistas

e mineiras. A expedição do segundo Anhanguera, iniciada

em 1.722, pode ser tomada como uma das primeiras

responsável pela abertura do caminho.

A principio é preciso ressaltar que a bandeira do

segundo Anhanguera não foi a pioneira em explorar os

sertões do centro-oeste brasileiro. Pelo contrário, sabemos

que desde o fim do século XVI diversas incursões foram

feitas a procura de riquezas para a coroa portuguesa.

O que podemos afirmar com segurança é que a

Estrada dos Goyazes foi a motivadora para o

estabelecimento de diversos pousos as suas margens,

que posteriormente se transformaram em povoados e

vilas. A história de inúmeras cidades do interior de São

Paulo nasce após a abertura da Estrada dos Goyazes.

A partir do momento em que a trilha tornou-se

conhecida e as notícias da descoberta do ouro goiano se

espalharam, o movimento cresceu rapidamente, deixando

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de ser uma simples trilha para se tornar a passagem para

alcançar o ouro goiano. Esta nova realidade levou o

Governo de Portugal a tomar uma atitude para proteger as

descobertas e passou a conceder as primeiras sesmarias.

Aos olhos de Portugal, a concessão de sesmarias

ao longo da Estrada dos Goyazes seria a única alternativa

para controlar organizadamente o escoamento desta

riqueza.

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Em 1.730, uma Carta Régia proibiu que houvesse

mais de um caminho para as minas de Goiás e Cuiabá. O

controle efetivo da rota não servia apenas para coibir o

contrabando do ouro, mas também para manter a ordem e

vigiar o tráfico humano, bem como cobrar taxas sobre tudo

o que trafegasse em todos os sentidos. A preocupação em

controlar e povoar as margens da estrada se fazia

necessária também para garantir a segurança dos brancos

contra ataques indígenas.

O primeiro lote de sesmarias foi concedido, em

1.726, aos responsáveis diretos pela descoberta oficial do

ouro goiano: Bartolomeu Bueno da Silva, João Leite da

Silva Ortiz e Bartolomeu Paes de Abreu. Tais sesmarias

tinham como objetivo principal servir de vigilância e auxílio

ao tráfego do caminho. Cada uma das sesmarias possuía

o direito de cobrar taxas de passagem sobre os principais

rios atravessados pela estrada: Rio Iguatibaia, Rio Jaguari,

Rio Pardo, Rio Grande, Rio das Velhas, Rio Parnaíba, Rio

Guacurumbá, Rio Meia Ponte e o Rio dos Pasmados, a

cargo de Bartolomeu Bueno da Silva e João Leite da Silva

Ortiz, e os rios Moji e Sapucaí, a cargo de Bartolomeu

Paes de Abreu.

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A distribuição de sesmarias fazia parte de uma

política muito bem definida da Coroa Portuguesa, que

tentava garantir com isso o controle da exploração do ouro

goiano e combater as inevitáveis tentativas de

contrabando. Em todas as sesmarias, a Estrada dos

Goyazes foi indispensável para a constituição dos

primeiros assentamentos populacionais para auxiliar os

viajantes com pouso e comida.

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1. O sertão paulista e a “febre do ouro”

O atual Estado de São Paulo se originou das

Capitanias de São Vicente e Santo Amaro, doadas pela

Coroa Portuguesa no século XVI, aos irmãos Martim

Afonso de Souza e Pero Lopes de Souza, obedecendo às

linhas do Tratado de Tordesilhas firmado entre Portugal e

Espanha em 1.494.

Primeiramente os portugueses fundaram as vilas

de Santos, Itanhaém, Cananéia e São Vicente, todas no

litoral, com o objetivo de construir vários fortes para a

defesa da nova Colônia e somente depois houve a criação

dos povoados no planalto, sendo Santo André o primeiro e

posteriormente o de São Paulo de Piratininga.

Durante o século XVII, a população se dedicou a

captura de indígenas para a escravidão, com o objetivo de

cultivar a terra e buscar metais e pedras preciosas, mas

logo perceberam que os índios seriam de difícil trato para

servirem aos poucos colonos portugueses.

Ainda no final do século XVII, os vicentinos

aceleraram as buscas por riquezas minerais e

descobriram as primeiras jazidas de ouro no sertão, onde

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hoje está situada a cidade de Ouro Preto, em Minas

Gerais e posteriormente descobriram mais ouro nas terras

onde hoje estão os Estados de Mato Grosso e Goiás.

Praticamente todo o deslocamento de

exploradores de São Paulo de Piratininga para o sertão do

ouro era feito pela Estrada dos Goyazes, que cruzava as

atuais terras do triângulo mineiro para alcançarem as

minas de ouro.

Até a primeira metade do século XVIII, a área do

Povoado de Vila de São Paulo de Piratininga se limitava

as Igrejas do Carmo, São Bento e São Francisco e as

lavouras ou roças de subsistência dos paulistanos

estavam onde hoje se encontram os bairros do Brás, a

Rua Santa Efigênia, a Santa Cecília e a Praça da

República.

Já no campo, mais distante destas localidades,

estavam à fartura e a opulência, proporcionadas por uma

produção agrícola diversificada, criação de animais e

indústrias rudimentares, como engenhos de cana, teares

manuais, etc. O ambiente rural, de certa forma lembrava

os tempos medievais; os donos das grandes fazendas – a

maioria, senão a totalidade, obtidas por doação – em geral

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eram austeros, tinham autoridade absoluta sobre a

esposa, os filhos e os escravos.

A “febre do ouro” no período de 1.730 – 1.750

atraiu um numeroso grupo de paulistas para Minas Gerais

e Goiás. Os primeiros anos da exploração do ouro e do

diamante foram marcados pela escassez de produtos de

primeira necessidade e logo surgiu a necessidade de

cultivar roças que foram se estabelecendo ao longo das

rotas do ouro, proporcionando comida e pouso aos

viajantes, aventureiros, tropeiros e comerciantes.

Em 1.763, a sede do Governo Geral da Colônia foi

transferida da Bahia para a cidade do Rio de Janeiro em

virtude da importância econômica do ouro e a Vila de São

Paulo de Piratininga deixou de ser um ativo entreposto

comercial por certo período devido ao desvio das

mercadorias do sertão para a nova sede do governo

através de uma estrada que ligava Goiás e Mato Grosso

ao sul de Minas e a cidade do Rio de Janeiro, deixando a

Estrada dos Goyazes praticamente deserta, estagnando a

Vila de São Paulo de Piratininga e a exploração das terras

as margens do Rio Pardo e Rio Grande e desenvolvendo

a região do Desemboque, atual cidade de Sacramento.

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O recenseamento de Moji-Mirim em 1.776

afirmava que os moradores remanescentes da Estrada

dos Goyazes eram pobres, viviam da caça, da pesca e de

pequenas lavouras; muitos deles da raça branca, vivendo

em agrupamentos indígenas dispersos pela região.

Neste mesmo período começam a se esgotar as

minas de ouro e diamantes e os mineiros do sul de Minas

iniciam um deslocamento para oeste no intuito de buscar

novas terras que proporcionassem novas oportunidades

para a criação de gados e a cultura de algodão e cana-de-

açúcar incentivados pelo Marquês de Pombal, primeiro

ministro português, que nomeou D. Antônio de Souza

Botelho Mourão, o Morgado de Mateus para implementar

as ideias fisiocratas e iluministas do governo.

Morgado de Mateus se empenhou na

diversificação e expansão das atividades agrícolas em

território brasileiro, e aproveitando o momento econômico

do mercado europeu que se ressentia da falta de açúcar e

algodão devido à guerra de independência norte-

americana e os conflitos nas Antilhas, incentivou a cultura

de cana-de-açúcar e algodão em terras de Rio de Janeiro

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e São Paulo, resultando em exportações para Lisboa,

através do Porto de Santos ainda no século XVIII.

No final do século XVIII e inicio do século XIX, a

agricultura do interior paulista foi aos poucos se firmando ,

proporcionando um crescimento econômico.

A última década do século XVIII assistiu uma

migração constante de mineiros para os territórios

paulistas, aumentando significativamente o número de

moradores do chamado Sertão do Rio Pardo, onde

futuramente seriam erguidas as freguesias de Franca,

Batatais e Casa Branca.

Já em 1.805, vendo o avanço dos mineiros sobre

o território paulista, o então Governador Franca e Horta,

cria a Freguesia de Franca, dando inicio a consolidação do

direito paulista à cobiçada região de fronteira. Essa foi a

primeira freguesia criada na região nordeste de São Paulo

que, mais tarde, ficou conhecida como Alta Mogiana.

Uma das fazendas da região que formavam a

Freguesia de Franca, que mais tarde, em 1.821 seria

chamada de Vila Franca d´El Rei e três anos depois, em

1.824, finalmente chamada de Vila Franca do Imperador

era a “Soledade”, sendo uma das de maior destaque.

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Posteriormente a área da Freguesia de Franca foi

sendo desmembrada e dando origem às cidades mais

antigas de nossa região entre elas, já no final de 1860,

Batatais e Casa Branca.

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A área compreendida pela Fazenda Soledade se

destacou posteriormente devido ao solo fértil da região,

que em 1.873 constituiriam o Município de Santa Rita do

Paraíso, atual Igarapava, que se tornou famosa e

conhecida pela grande área que ocupava, na margem

esquerda do Rio Grande, junto aos limites do Sertão da

Farinha Podre, hoje Uberaba.

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2. A Estrada dos Goyazes

5. Resíduos Sólidos: Origem,

É 1.549, e os forasteiros, aventureiros e

mercenários que desembarcavam no litoral brasileiro em

busca de riquezas, olhavam as grandes florestas e as

infinitas campinas, mas não tinham a exata noção das

riquezas que o sertão escondia.

O então governador-geral Tomé de Souza

(nomeado para o período de 1.549 – 1.553), que havia

aportado no Brasil no dia 29 de março de 1.549, vinha

com colonos e seis Jesuítas,

chefiados pelo padre

Manoel da Nóbrega, com

orientações precisas para

organizar o poder político,

fazenda, justiça, defesa e

fundação de uma capital

bem como a catequizar os

indígenas e estimular as

atividades agrícolas e

comerciais.

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Nesta época concedeu o primeiro apoio oficial às

expedições dos sertões para o explorador Francisco Bruza

Spinosa que em 1.553, partindo de Salvador, na Bahia,

começou as primeiras jornadas pelos confins de nosso

sertão e por aquelas ironias ou coincidências do destino

que teimam em nos pregar peças, teve Spinosa o

privilégio de alcançar as nascentes do Rio São Francisco,

o velho Chico, um dos rios mais importantes do Brasil,

localizadas na Serra da Canastra, a 1.000 metros de

altitude, não muito distante do Rio Grande, atual divisa de

Minas Gerais e São Paulo.

Seguiram-se inúmeras expedições sempre com o

objetivo de encontrar pedras preciosas e riquezas naturais

para fazer de Portugal o reino economicamente mais

poderoso do mundo. Outras expedições que partiam para

estas explorações eram organizadas em São Paulo e

levavam na frente um guia conduzindo um estandarte, e

por isso, passaram a serem chamadas “Bandeiras” e seus

chefes “Bandeirantes”, o que posteriormente influenciaria

o governo de São Paulo a dar este nome a uma de suas

principais rodovias.

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Uma destas precárias estradas recebeu o nome

de “Estrada dos Goyazes” cujo ouro que escoou desta

contribuiu fortemente para que

na década de 1.720, o Rei D.

João V pudesse erguer

diversos edifícios suntuosos e

imponentes no setor do ensino

e cultura de Portugal, entre

eles a famosa biblioteca da

atual Universidade de Coimbra

inaugurada em 1.728.

O que a história registra que o explorador

Bartolomeu Bueno da Silva, juntamente com seu filho,

Bartolomeu Bueno da Silva Filho, começaram a explorar a

rota do ouro, abrindo em 1.722 a Estrada dos Goyazes,

que atravessava o Rio Grande, e que em 1.825 foi aberto

um desvio nesta estrada, atravessando as Fazendas de

Ponte Alta e Buritys, formando as coordenadas que

determinam o ponto onde mais tarde surgiria o povoado

de Santa Rita do Paraíso, atual Igarapava.

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A Estrada dos Goyazes não passava de uma trilha

sobre uma picada e as condições de tráfego eram

precárias. Por volta de 1.726, o General Martinho

Mendonça

de Proença,

governador

interino,

expediu

dezenas de

cartas de

“sesmarias”

(distribuição

de terras)

demarcando

as margens

do novo

caminho em

favor dos Bandeirantes, o que não impediu o

estabelecimento de posseiros.

O processo de desbravamento e ocupação do

caminho do ouro se deu pela necessidade de estruturar os

viajantes e as tropas que rumavam para Goiás.

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Era preciso fornecer comida e pousada para os

homens e milho para os animais. Os pioneiros nessa

tarefa devem ter feito, à moda do bandeirante, pequenas

roças

plantadas.

As roças

iniciais

deram

lugar aos

primeiros

pousos,

localidade

s já

melhor

estabeleci

das,

voltadas a

venda de

excedentes aos que seguiam pelo Caminho. A instalação

dos pousos permitiu o surgimento da criação de gado,

dando inicio a uma pecuária extensiva e significativa.

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A primeira alteração significativa da economia ao

longo da Estrada dos Goyazes teria ocorrido quando da

chegada dos primeiros entrantes mineiros. A partir de

então, a pecuária foi introduzida em maior escala,

transformando-se num dos principais sustentos da

população local. Além da venda da carne bovina e da

produção de queijos, destacava-se, também, a presença

de elevado número de cavalos.

No final do século XVIII, a maioria das grandes

jazidas de ouro da capitania situada no Polígono do Ouro

e do Sangue (Minas Gerais), achava-se esgotadas; o

índice populacional era elevado e os alimentos escassos,

o que motivou sucessivas migrações, inclusive para o

nordeste paulista, as margens do Rio Grande.

Esta migração foi a responsável pela implantação

de um desvio na Estrada dos Goyazes, feito em 1.825,

com o único objetivo de encurtar o trecho entre o Sertão

da Farinha Podre, a então Vila de Uberaba e a Vila Franca

do Imperador. Durante mais de meio século o desvio

assistiu a passagem dos carros de boi, de tropas e

boiadas. A região era terra de índios Caiapós, índios

Araxás e de escravos fugitivos das senzalas, mas com a

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chegada dos mineiros, as atividades de criação de gado e

plantação de algodão e cana-de-açúcar eliminaram

praticamente todos os índios.

Estes novos entrantes, ao contrário da maioria que

já habitava as margens da Estrada dos Goyazes,

possuíam recursos para explorar e desenvolver as áreas

que passaram a ocupar. Alguns solicitaram posse de

terras ainda não habitadas anteriormente pelos

exploradores bandeirantes.

Entre os novos entrantes estavam os “Ferreira de

Barcellos”, que se instalaram no Pouso dos Bagres

(Franca) e lá adquiriram terras através de sesmarias. Nas

furnas do Ribeirão Canoas os “Ferreira de Barcellos”

abriram duas fazendas; a primeira teria sido a Fazenda

Pouso Alegre e a outra era a Fazenda Borda da Mata, cujo

dono era Heitor Ferreira de Barcellos, casado com Anna

Angelica de Jesus e tiveram 10 filhos, sendo um deles

Anselmo Ferreira de Barcellos, que posteriormente se

casou com Ritta Angelica do Sacramento.

No distrito de Franca e Rio Pardo, e mais tarde em

Vila Franca do Imperador, Heitor Ferreira de Barcellos,

que tinha Patente de Alferes, teve uma participação

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discreta na vida pública, exercendo temporariamente

cargos de pequena importância na administração da Vila.

Na figura abaixo a prova de que Heitor Ferreira de

Barcellos era realmente morador da Vila de Franca do

Imperador, conforme censo populacional de 1.835. Estava

com 78 anos e sua esposa Anna Angelica, com 66 anos e

possuíam 10 escravos.

Com o seu falecimento em 1.837, a sede da

Fazenda Borda da Mata passou a pertencer por herança

ao seu filho Anselmo Ferreira de Barcellos. A sede da

fazenda Borda da Mata, construída com esteios de

aroeira, paredes de pau-a-pique e acabamento de

argamassa rústica, até a década de 1.950 ainda estava de

pé, atualmente só restam às lembranças.

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No censo populacional de 1.835 também podemos

identificar que o Capitão Anselmo já morava em sua casa

juntamente com um escravo de nome Floriano e tinha 36

anos.

Anselmo Ferreira de Barcellos não deixou filhos e

segundo relatos da época era um homem alto, forte, de

voz timbrada, “vermelho como papo de Jacú”, um tanto

áspero e às vezes rigoroso nas atitudes, mas tinha a

virtude da honradez e do cumprimento da palavra

empenhada. A sua fama ganhou notoriedade em todo o

Brasil por força das “Anselmadas”.

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3. As Anselmadas

O progresso da Vila Franca do Imperador atraia

vários mineiros oriundos da região das catas já esgotadas

e na década de 1.830 tais migrantes já bem instalados e

com suas atividades comerciais bem prósperas começam

a ter privilégios políticos até então exclusivos dos

primeiros entrantes ou pioneiros, entre eles as famílias

“Ferreira de Barcellos” e os “Junqueira”.

Os “Junqueira” eram orgulhosos e se

consideravam legítimos representantes da nobreza rural,

sempre fazendo questão de afirmar serem descendentes

de El-Rei D. Diniz (1.279 – 1.325) de Portugal e tendo

aportado em terras brasileiras, mais precisamente na

Capitania de Minas Gerais, na Comarca do Rio das

Mortes, na Vila de São João Del Rei.

Nesta época, a referida comarca era a maior

produtora de grãos, hortaliças e frutos nacionais, servindo

tanto a Corte no Rio de Janeiro, quanto às regiões de

extração de minério.

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O português João Francisco Junqueira, oriundo da

região campesina do Minho, no Arcebispado de Braga,

batizado em 1.727, na pequena aldeia de São Simão da

Junqueira, filho de João Manuel e Ana Francisca, casou-

se no ano de 1.758, com Helena Maria do Espírito Santo e

desta união nasceram 12 filhos, entre eles José Antônio

Diniz Junqueira e Francisco Antonio Diniz Junqueira,

amigos do Capitão Anselmo Ferreira de Barcellos.

Fazendeiros e políticos, embora possuidores de

grande patrimônio, representado por extensas áreas de

terras, nunca tinham dinheiro suficiente, em virtude de sua

atividade econômica não ser desenvolvida plenamente, e

desta situação resultava que os donos de fazendas

frequentemente estavam devendo a algum comerciante

local.

Tais comerciantes eram considerados pelos

pioneiros “Ferreira de Barcellos” e “Junqueira” homens

sem instrução e sem nascimento. Entre estes

comerciantes destacava-se Manoel Rodrigues Pombo,

que também viera de Minas Gerais. Comerciante bem

sucedido, Pombo era muito influente na Praça do Rio de

Janeiro, onde recebeu de seu amigo Domiciano Leite

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Ribeiro, a incumbência de cobrar uma dívida do Capitão

João Francisco Junqueira, fazendeiro em Batatais.

Na tentativa de cobrar o Capitão Junqueira foi mal

recebido pelo devedor e Manoel Rodrigues Pombo

respondeu à altura, resultando em acirrada discussão. A

cobrança foi efetuada por via executiva, revoltando a

família Junqueira, que procurou o amigo, Capitão Anselmo

Ferreira de Barcellos, pedindo-lhe que mandasse

assassinar Pombo e cortasse as orelhas da vítima, uma

prática comum na época.

Anselmo Ferreira de Barcellos também devia certa

importância a outro “homem sem instrução e sem

nascimento” chamado Luiz Gonçalves de Lima, que

tentando cobrar o Capitão, foi mal recebido, a exemplo do

Capitão Junqueira.

Na figura abaixo podemos provar que Manoel

Rodrigues Pombo estava com 44 anos em 1.835 e

realmente morava na Vila Franca do Imperador com sua

esposa, 6 filhos e mais 14 escravos, comprovando sua

riqueza, já que naquela época escravos eram

extremamente valorizados.

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Nota-se aqui pouca afinidade de princípios entre

os antigos pioneiros e os novos comerciantes, que nos

leva a acreditar na existência de uma briga de classes

bastante comum no Brasil até os dias atuais. As famílias

tradicionais não aceitam os “novos ricos”, temendo a

perda de espaço e prestígio político. Isso acontece até os

dias de hoje em Igarapava.

O Capitão Anselmo Ferreira de Barcellos tinha

muita influência política na Vila Franca do Imperador e

liderava um grupo político onde eram afiliados pessoas

muito pouco honestas e confiáveis, entre eles o Padre

João Teixeira d´Oliveira Cardoso e um trapaceiro que

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havia fugido de Araxá, chamado Basílio Magno Rodrigues

Alves, envolvido em vários processos e teria se transferido

para a Vila Franca do Imperador a convite de Anselmo,

com o único objetivo de fomentar intrigas entre os

francanos.

Conta à história que uma discussão entre a

cunhada do Capitão Anselmo Ferreira de Barcellos, a

viúva Luciana Angelica do Sacramento e o Sr. Luiz

Gonçalves de Lima (credor e desafeto do capitão), sobre

uma questão corriqueira de uma janela da casa de

Luciana, que teria sido bloqueada com pregos e madeiras,

pelo Sr. Luiz, iniciou uma briga de vizinhos, onde o

Capitão Anselmo, então vereador, dirigiu uma

representação na qual relatava os detalhes do “Caso da

Janela” e pedia providências de punição ao seu desafeto

junto ao Governo. A representação também solicitava a

demissão do Juiz de Paz, Manoel Rodrigues Pombo, por

não ter punido o Sr. Luiz Gonçalves de Lima em favor de

sua cunhada Luciana Angelica do Sacramento.

Como o governo achou a questão sem importância

e não respondeu ao Capitão Anselmo, o mesmo, com a

desculpa da “Questão da Janela”, mas já planejando

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cumprir a promessa feita à família Junqueira de assassinar

o Juiz de Paz Pombo, começa a sua imposição armada a

Vila Franca do Imperador. Em 1º de janeiro de 1.838,

ocupa a Vila com dezenas de homens armados,

provocando desordens, tumultuando a vida pacata da

população e exigindo a renúncia do Juiz Pombo em favor

do amigo José Joaquim Carmo.

Em seguida a Câmara Municipal de Vereadores

faz diversos relatos do ocorrido ao Presidente da

Província, relatando que o Capitão Anselmo Ferreira de

Barcellos tentava destituir a força o Juiz de Paz “Pombo”.

Houve algumas discussões e o caso foi se arrastando até

o dia 27 de setembro de 1.838, quando o Capitão Anselmo

invadiu novamente a Vila Franca do Imperador, agora com

cerca de 70 homens armados e cercaram a casa do Juiz

Manoel Rodrigues Pombo, matando o seu cachorro,

destelhando a casa e atirando e matando um fiscal. É

neste momento que populares chamam o Padre João

Teixeira d´Oliveira Cardoso, amigo de Anselmo, para

acalmar o mesmo e evitar mais um assassinato.

O Padre consegue acalmar o Capitão, que retira

os seus homens da casa do Juiz Pombo, que dias depois,

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pede demissão do cargo de Juiz de Paz com medo de

morrer.

Nos dias 1º, 2 e 3 de novembro de 1.838, em

sessões extraordinárias, a Câmara Municipal de

Vereadores se reúne para comunicar a população

francana que a ordem havia sido restabelecida e que o

Capitão Anselmo e o Padre João deveriam ser julgados

pelos fatos ocorridos.

Uma representação foi enviada ao Presidente da

Província relatando os fatos, chamando o Capitão

Anselmo de desordeiro e criminoso e informando

claramente que o Capitão Anselmo havia declarado por

várias vezes que algumas pessoas deveriam sair da Vila

dentro de dias marcados ou seriam mortos. Claro que

estas pessoas eram os “homens sem instrução e sem

nascimento” credores das famílias “Ferreira de Barcellos”

e “Junqueira”.

Para a surpresa de toda a Vila Franca do

Imperador, em 6 de novembro de 1.838, Manoel

Rodrigues Pombo é encontrado morto no local

denominado “Vendinha” de forma brutal e nunca

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36

esclarecida. As orelhas foram arrancadas, como havia

sido solicitado pelo Capitão Junqueira.

Além de uma filha natural já casada, Manoel

Rodrigues Pombo, que era de cor parda, deixou viúva e

mais 5 filhas e 1 filho. O Capitão Anselmo foi acusado de

ser o mandante do crime, mas durante o julgamento, a

Justiça não conseguiu reunir provas para condená-lo. O

mais incrível neste episódio é que o Padre João Teixeira

d´Oliveira Cardoso, no cargo de Juiz de Direito Interino e

por isso, chefe da policia, “autoriza”, através de portaria,

datada do dia 6 de novembro de 1.838 (dia do assassinato

do Juiz de Paz Pombo), o Capitão Anselmo Ferreira de

Barcellos a assumir o policiamento da Vila Franca do

Imperador para manter a ordem e a segurança pública.

Essa portaria causou pavor na população de Vila

Franca do Imperador e a família de Pombo, que

ameaçada, foge para um lugar ignorado e os demais

“homens sem instrução e sem nascimento” retiram-se

definitivamente, com medo de terem o mesmo fim de

Pombo.

Com a fuga dos “homens sem instrução e sem

nascimento”, que na maioria, eram vereadores, a câmara

Page 37: Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

37

foi restabelecida com pessoas de Anselmo, sob a

liderança do Padre João Teixeira d ´Oliveira Cardoso.

Em 23 de novembro de 1.838, a nova Câmara

envia um ofício ao presidente da Província solicitando uma

guarnição da Guarda Nacional para substituir o “pessoal”

do Capitão Anselmo no policiamento da Vila Franca do

Imperador. O ato de troca de guarda entre os homens de

Anselmo e o Comandante do Destacamento vindo da

Região de Moji-Mirim foi intermediado pelo Padre João

Ramalho, político atuante e amigo dos “Junqueira”.

O Governo Central não se manifestou sobre os

acontecimentos em Vila Franca do Imperador devido à

fragilidade das estruturas políticas do Período das

Regências (1.831 – 1.840) que foi marcado por agitações

e revoltas de maior importância que abalavam o império:

1.831-1.832 – Lutas populares no Rio de Janeiro;

1.835-1.840 – Revolta dos Cabanos, no Pará;

1.835-1.845 – Guerra dos Farrapos, no Rio

Grande do Sul;

1.835-1.838 – Sabinada, Bahia;

1.838-1.841 – Balaiada, no Maranhão.

Page 38: Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

38

E também pela pouca idade do Imperador D.

Pedro II, naquele momento com apenas 10 anos de idade.

Uma revolta envolvendo autoridades corruptas, um

Capitão rodeado de capangas e alguns Padres políticos

ficaram relegados a segundo plano. Mas tal fato viria a

contribuir de forma definitiva para a cultura política na

futura Vila de Santa Rita do Paraíso, atual Igarapava.

Estes episódios foram decisivos para diminuir a

importância da Vila Franca do Imperador, que perdeu em

1.839 a condição de Vila e ficou subordinada a Casa

Branca que foi elevada a Vila e mais tarde a Comarca.

Passados alguns meses, no mesmo ano, a

Comissão de Justiça da Assembleia Legislativa aprovou

diversas modificações, entre elas a criação da Villa de

Batatais, ganhando grande importância como sede da

nova Comarca.

Devido a este fato o processo contra o Capitão

Anselmo Ferreira de Barcellos foi transferido para a nova

Vila de Batatais e deu-se continuidade ao que havia sido

iniciado pelos vereadores que abandonaram a Vila Franca

do Imperador. Nesta época o Capitão já se encontrava

instalado as margens do Rio Grande, num local chamado

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39

Bairro Chapadão, em terras da Fazenda Vargem Alegre,

de propriedade de Anselmo, conforme figura abaixo do

censo populacional de 1.842.

Page 40: Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

40

Para evitar que o episódio das “Anselmadas”

ganhasse repercussão nacional, as autoridades decidiram

julgar o caso na recém-criada Comarca de Batatais. Os

jurados descobriram cedo que estavam diante de uma

decisão complicada, pois entenderam que enfrentavam

uma grande responsabilidade, estando todos sujeitos a

risco de morte. A maioria dos jurados não conhecia

detalhadamente a origem dos crimes e as implicações

políticas que envolviam o caso. A solução encontrada foi a

absolvição do Capitão Anselmo Ferreira de Barcellos.

Como o julgamento ocorreu em terras da Vila de

Batatais, os tumultos provocados pelas “Anselmadas”

tinham ficado na história da população da Vila Franca do

Imperador, quando o Capitão Anselmo Ferreira de

Barcellos retoma suas ações, agora ameaçando invadir a

Vila de Uberaba com sua “gente” para libertar da prisão o

amigo, político e Padre Zeferino Baptista Carmo, um

atuante do liberalismo em Minas Gerais.

As autoridades da Vila de Uberaba conhecendo a

fama do Capitão resolvem libertar o Padre Zeferino que

não era criminoso e estava apenas envolvido em intrigas e

disputas políticas. O episódio ficou conhecido como

Page 41: Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

41

“Anselmada Mineira” que como nas outras duas invasões

na Vila Franca do Imperador, não foram consideradas um

ato de desobediência a Coroa Portuguesa, mas teve

repercussão na vida política da Província de São Paulo e

por consequência a fundação do Povoado de Santa Rita

do Paraíso.

Os detalhes de todos os julgamentos são bem

explicados em um livro intitulado “Pelos Caminhos da

História de Santa Rita do Paraíso” escrito por Sebastião

Angelo de Souza em 1.985 e publicado pela Editora Vitória

Ltda., até então o único registro de uma parte da história

de Igarapava.

Page 42: Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

42

4. O Padre Zeferino Baptista Carmo

O Padre Zeferino Baptista Carmo, nasceu em

Manga, município de Paracatu do Príncipe, província de

Minas Gerais, no início de 1.780; teria frequentado o

Seminário de Mariana, antiga Vila do Carmo, primeira

capital mineira fundada por bandeirantes paulistas em

1.696.

Em 1.818 atuou como escrivão interino do Juízo

da Comarca Eclesiástica de Nossa Senhora do

Desemboque, atual Sacramento e após um período de 2

anos no Arraial, foi transferido em 1.820 para a Vila de

Uberaba, na função de Coadjutor do Vigário Antonio José

da Silva, mais conhecido como Vigário Silva. Era dono da

Chácara do Comércio, localizada no fim da Rua do

Comércio (atual Rua Artur Machado) onde em 1.889 foi

construída a Estação da Companhia Mogyana de Estradas

de Ferro e Navegação.

Ali o Padre Zeferino possuía um pomar com várias

espécies frutíferas, algumas originárias da Europa e

adaptadas ao nosso clima; também possuía parreiras de

uvas das quais fabricou o primeiro vinho de Uberaba.

Page 43: Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

43

Além de fruticultor, Padre Zeferino Baptista Carmo era

musicista e político. Era um mau orador, porém um político

atuante, membro destacado do Partido Liberal.

Padre Zeferino era simpático, culto, conhecia bem

o latim, escrevia poemas, peças musicais para a Banda de

Música dos Bernardes. Introduziu a Arte dramática no

Triângulo Mineiro e estimulou os amadores a

representarem em palcos improvisados.

Criou também a primeira banda de música, a

Banda do Bernardes, fundada em 1.815 e que sobreviveu

até 1.850.

Ainda em Uberaba foi promotor de capelas e

resíduos e recebeu, em 1830, as escrituras de doação das

Fazendas "Campo Belo", "Fortaleza" e "Paraíso" (de

Campo Belo do Prata, hoje, Campina Verde), doação feita

pelo sertanista paulista João Batista de Siqueira e sua

mulher D. Bárbara Bueno da Silva à Nossa Senhora Mãe

dos Homens, nas quais foi instalado o Seminário dos

Padres Lazaristas, que funcionou a partir de 1842, por

quase 30 anos.

Foi o juiz que presidiu e julgou a primeira medição

dos limites da povoação de Uberaba, em execução da

Page 44: Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

44

Resolução Provincial Mineira n° 206, de 2 de abril de

1841. Recebeu a nomeação de Cônego Honorário da

Capela Imperial.

Foi vereador secretário da Câmara Municipal de

Uberaba em diversas legislaturas e entre 1.841 e 1.842

auxiliou na construção da Igreja do Rosário que

permanece até os dias atuais em excelente estado de

conservação em Uberaba. Ainda em 1.842, mais

precisamente no dia 18 de julho de 1.842, as forças legais

entram em estado de alerta em Uberaba – consequência

do desdobramento da Revolução Liberal em Minas Gerais

– sendo o Padre Zeferino preso juntamente com outros

correligionários liberais.

Durante o tempo que ficou preso junto com outros

amigos do Partido Liberal em um porão da cadeia de

Uberaba, o pessoal urinava nele através dos buracos do

assoalho. Era um padre notável intelectualmente, mas as

lutas políticas naquela época eram ferozes e sofreu

diversas humilhações. Quando "caiu" o Partido

Conservador, em 2 de fevereiro de 1844, o Padre Zeferino

foi liberto graças as ameaças de invasão da Vila de

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45

Uberaba por parte dos homens do Capitão Anselmo, o que

ficou conhecida como a “Anselmada Mineira”.

Padre Zeferino, desgostoso, mudou-se para os

sertões de São Paulo, mais precisamente para a freguesia

de Santa Rita do Paraíso, atual Igarapava, nas terras da

Fazenda Paraíso, de propriedade do amigo Capitão

Anselmo Ferreira de Barcellos e João Gomes. Ali, foi o 1°

vigário colado por ter conseguido em 19 de fevereiro de

1.844, a Provisão para erguer uma Capela em louvor a

Santa Rita e também um Cemitério no Sertão da

Soledade, fundando de forma definitiva e com a

colaboração do Capitão Anselmo Ferreira de Barcellos, o

Povoado de Santa Rita do Paraíso, que graças ao seu

trabalho teve progresso rápido.

Instalado em Santa Rita do Paraíso, o Padre

Zeferino Baptista Carmo realizou, mediante licenças

especiais, batizados em Vila Franca do Imperador e

Capela do Carmo (atual Ituverava), celebrando também

casamentos nas Fazendas Soledade e Paraíso (atual

cidade de Aramina), conforme registros na Paróquia de

Franca.

Page 46: Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

46

Padre Zeferino permaneceu por mais de trinta

anos na região e no dia 6 de dezembro de 1.873 faleceu

em Uberaba, onde foi sepultado.

Page 47: Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

47

5. O Arraial de Santa Rita do Paraíso

O Capitão Anselmo Ferreira de Barcellos começou

a sofrer perseguição política por parte de autoridades de

Franca e também percebendo a revolta da população

francana com a sua absolvição no caso do Juiz Pombo,

resolve se refugiar no sertão da Soledade, as margens do

opulento Rio Grande, local de difícil acesso e que

dificultava, aos desafetos de Franca, encontrar o Capitão

Anselmo. O sertão da Soledade ficava localizado cerca de

duas léguas da Fazenda Paraíso, atual Aramina, onde

residia o Padre Jerônimo.

A história diz que o Padre Jerônimo, que possuía

fortes ideais abolicionistas, em 1.815, vindo da Província

de Minas Gerais, fixa residência na Fazenda Paraíso,

transformando o local em um quilombo seguro para os

foragidos de seus senhores. Ali os escravos encontravam

sincera e cordial acolhida e o Padre Jerônimo fornecia-

lhes pequenos lotes de terra, mediante contribuição de

certa porcentagem.

Com o dinheiro, alforriava outros escravos. A

noticia não demorou a correr pela região e em pouco

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48

tempo atraiu centenas de escravos, transformando a

Fazenda Paraíso em um porto de tranquilidade e salvação

para almas cansadas e torturadas. Entre estes homens a

procura de um conforto espiritual de um homem de Deus,

surge o Capitão Anselmo.

A padroeira do Arraial do Paraíso era Santa Rita,

cuja imagem ornava o altar de uma modesta capela, onde

o Padre Jerônimo trazia paz aos corações dos moradores

locais.

O recolhimento do Capitão Anselmo Ferreira de

Barcellos, em 1.842, no sertão da Soledade, no Bairro do

Chapadão e a posterior libertação do amigo e Padre

Zeferino Baptista Carmo em 1.844 marcam a criação de

um povoado e posteriormente a fundação do Arraial de

Santa Rita do Paraíso.

Talvez um fato pouco conhecido e até vergonhoso

é a forma como o então Arraial de Santa Rita do Paraíso

inaugurou a sua capela. Com o objetivo de fundar o

arraial, o Padre Zeferino ergueu uma pequena Capela

próxima a um córrego onde foi entronizada a imagem de

Santa Rita de Cássia, trazida da Fazenda Paraíso, atual

Aramina, de forma não muito honesta.

Page 49: Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

49

Conta à história que o Padre Zeferino ambicionava

criar, em parceria com o Capitão Anselmo, um arraial para

que ambos pudessem governar conforme suas vontades

liberais e com clara intenção de disputar com Uberaba e

Franca a primazia da região. Para tanto, engendraram um

plano maquiavélico que consistiu em erguer uma capela

as margens do córrego ainda sem nome e convidaram o

Padre Jerônimo para proferir a benção de inauguração,

solicitando-lhe, por empréstimo, a imagem de Santa Rita

de Cássia.

O Padre Jerônimo, na sua inocência e acreditando

na amizade com o Capitão Anselmo, leva a imagem de

Santa Rita de Cássia, esculpida em madeira, uma banda

de músicos e cerca de quinhentos fiéis. Os festejos

duraram algumas noites e terminadas as festividades, o

Capitão Anselmo recusa-se a devolver a imagem. Com a

grande facilidade da oratória política, seduz, com

promessas falsas, a maioria dos fiéis presentes a

permanecerem no arraial recém-criado.

O Padre Jerônimo, enganado, desgostoso e com

tristeza na alma, vê seu sonho de uma vila abolicionista e

justa ser desfeito. Abandona a região e se instala em

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50

Araxá, onde faleceu anos mais tarde. A partir de então o

córrego recebe oficialmente o nome de Santa Rita. O

número de habitantes do Arraial junto ao Córrego Santa

Rita era muito pequeno, registrando 130 moradores,

sendo 15 brancos, 37 pardos livres, 34 negros forrós e 44

escravos, reunidos em 25 habitações.

A data de 1.842 como o oficial da fundação do

Arraial é controverso, mas utilizado até os dias atuais,

porém o “pouso” das margens do Córrego Santa Rita teria

surgido logo após a abertura do desvio da Estrada dos

Goyazes, em 1.825, e se transformado em arraial de

modestas casas de capim, ainda na década de 1.830. A

primeira referência oficial sobre o Arraial de Santa Rita do

Paraíso é datada de 8 de julho de 1.847, poucos dias após

a Benção da Capela, no vigésimo quinto aniversário da

Independência do Brasil.

Em 14 de abril de 1.873, a Freguesia de Santa

Rita do Paraíso foi elevada à categoria de Vila e em

Comarca no dia 25 de agosto de 1.892 conforme Lei nº 80,

passando a se chamar Igarapava, que em tupi guarani

significa Porto das Canoas.

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51

Como a maioria dos povoados brasileiros, no ato

de sua fundação recebeu o nome da sua padroeira. Em

Santa Rita do Paraíso não seria diferente e o nome

primitivo foi substituído por denominação de origem

indígena, formada por uma única palavra ou por duas

combinadas, de preferência que tivesse afinidade com os

acidentes geográficos locais.

Assim, surgiu o nome Igarapava (Porto das

Canoas). A escolha do nome Igarapava para substituir o

nome Santa Rita do Paraíso era justificada pelo fato do

povoado estar à margem do Rio Grande e possuir um

Porto, onde várias canoas auxiliavam a barca na travessia

para Minas Gerais e cujo leito naquele local atingia cerca

de 300 metros de largura.

Defendiam aqueles que propuseram a mudança,

que a existência de várias cidades e povoados com o

nome de Santa Rita, embora acrescido de um designativo,

trazia muita confusão.

“Igara” na língua dos nativos significa Canoa

Pequena, feita de um único tronco de árvore, enquanto

“Pava” significa Porto ou Lugar onde se para.

Page 52: Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

52

6. Quem foi Santa Rita de Cássia.

Santa Rita era filha única de um casal de idosos, e

nasceu em Rocca Porena, Spoleto, Itália, em 1.381 com o

nome de Margherita.

Desde muito cedo manifestou propensão para o

recolhimento, à meditação e a santidade. Casada, recebeu

do marido os piores tratos; teve dois filhos, que juraram

vingança quando o pai foi assassinado.

Com o pensamento voltado para as coisas divinas,

ela pede a Deus que tire a vida dos filhos, para não vê-los

com as mãos manchadas de sangue; foi atendida. Depois

de prolongada enfermidade e grandes sofrimentos físicos,

Margherita faleceu no Convento de Cássia, a 22 de maio

de 1.457.

Ao ser canonizada, seu nome foi abreviado para

Rita. A igreja deu a Santa Rita, o título de Padroeira das

Causas Impossíveis.

Talvez Igarapava tenha tido a sorte de ter sido

fundada sob a sua benção. Igarapava comemora seu

aniversário no dia 22 de maio em virtude de sua padroeira,

Page 53: Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

53

que tem tido muito trabalho, já que muitos consideram

Igarapava uma causa perdida há anos.

Um fato que

causa estranheza é

que não existe

nenhum marco ou

monumento no local

onde se deu a

construção da

primeira capela e

que deu a origem ao

povoado de Santa

Rita de Cássia e

nem tão pouco

alguma homenagem

aos fundadores, o Padre Zeferino e o Capitão Anselmo,

por mais violenta e desonesta que tenha sido a fundação

do arraial, estes fundadores deveriam ter seus bustos em

destaque.

Page 54: Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

54

7. Um século de crescimento desordenado.

Pode-se afirmar com toda segurança que

Igarapava, antiga Santa Rita do Paraíso, teve seu auge

entre 1.870 e 1.970, com certas dificuldades. Desde 1.873,

o Município de Igarapava, ainda com o nome de Santa

Rita do Paraíso, possuía quatro distritos: RIFAINA,

elevado a município em 1.948, BURITYS – atual Buritizal,

elevada a município em 1.952, PEDREGULHO, elevada a

município em 1.952 e ARAMINA, elevada a município em

1.964. Atualmente todos os antigos distritos possuem

crescimento econômico e cultural superiores ao de

Igarapava, demonstrando a diminuição da importância

política e econômica da cidade.

A primeira praça foi construída próxima às

margens do Córrego Santa Rita e continha a primeira

capela do povoado e que foi posteriormente demolida para

a construção da Igreja Matriz há alguns metros do local

original, e a antiga Praça, que tinha o nome de Praça do

Rosário, foi remodelada, passando a ser o ponto de

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55

encontro dos jovens da cidade a partir da década de

1.930, que ficou conhecido como o “foot na praça”.

A Praça do Rosário posteriormente teve o seu

nome mudado para Praça da Independência e possuía

uma vida cultural bastante ativa, com um coreto no centro,

recebia grupos musicais como a União Igarapavense,

dirigida pelo maestro e compositor Sr. Santos Filho e a

Euterpe Igarapavense, dirigida pelo maestro Major M.

Antonio dos Santos, que animavam as noites do Porto das

Canoas.

Page 56: Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

56

Nesta praça também existia em 1.911 um Horto

Florestal administrado pelo jardineiro italiano Felício

Narducci, que distribuía mudas de árvores para a

arborização de toda a cidade e região e possuía mais de 5

mil espécies.

Já na década de 1.960 teve o nome novamente

mudado, agora para Praça Sinhá Junqueira e pode ser

considerada o “Marco Zero” da fundação do povoado, pois

já desde o ano de 1788 servia de passagem e pouso dos

viajantes do sertão ou Bandeirantes.

Page 57: Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

57

AGRICULTURA

O café se destacou como a principal fonte de

riqueza, com mais de 5 milhões de pés de café com

produção muito superior a outras cidades da região devido

ao bom clima e solo.

Outros

produtos

agrícolas

amplamente

cultivados foram

o arroz, algodão

e o açúcar em

menor

quantidade.

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58

Igarapava chegou a ser em 1.929, a segunda

maior produtora de arroz da Alta Mogiana, rivalizando

diretamente com Ituverava na liderança desta cultura.

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59

Mas o avanço da cana-de-açúcar foi destruindo as

demais culturas e hoje na cidade não resta um único

pedaço de terra com

plantações de arroz

ou algodão, pois as

usinas de açúcar

inundam a atmosfera

com produtos

químicos para o

crescimento e amadurecimento precoce da cana, matando

toda e qualquer forma de cultura agrícola.

A cultura do tabaco também era bem desenvolvida

na cidade, tendo o

produto uma qualidade

reconhecida

nacionalmente.

Destacaram-se os

produtores José

Marques Rodrigues e a

Família Braz detentores das marcas: “Jorginho”, “Fumo

Azul” e “Torce Folha”.

Page 60: Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

60

A criação de gado Wisk, Caracu e Zebu com

aproximadamente 70 mil cabeças de gado, 76 mil cabeças

de suínos, cerca de 24 mil caprinos e ovinos, mais de 13

mil cavalos e

algo em torno de

8 mil asininos e

muares

completavam os

plantéis da

cidade.

Na avicultura destacava-se, além da criação de

galinhas, a criação de patos, perus e marrecos que eram

vendidos para Ribeirão Preto e São Paulo.

INDÚSTRIA E COMÉRCIO

Em 1.888, a zona rural possuía pequenas

indústrias artesanais como teares manuais para fabricação

de tecidos grossos, extração de azeite de mamona para a

lubrificação de carros de bois e o suprimento dos

candeeiros domésticos e da iluminação pública, engenhos

Page 61: Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

61

de cana para a produção de açúcar, aguardente e

rapadura, serrarias e olarias para fabricar telhas e tijolos.

Já na década de 1.900, surgiram no perímetro

urbano, de propriedade dos primeiros imigrantes italianos

as pequenas indústrias, também artesanais, como a

fábrica de fogos de artifício, uma fundição de ferro, uma

enlatadora de querosene, 4 selarias, 2 ferrarias, 2 fábricas

de macarrão, 20 máquinas de beneficiamento de café, 2

engarrafadoras de cervejas e refrigerantes, 10 máquinas

de beneficiamento de arroz, 2 fábricas de móveis, 50

carpintarias e mais de 120 engenhos de tração animal

Page 62: Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

62

para a produção de açúcar e rapadura. Além disso, o

comércio era bem diversificado, sendo 75 empórios de

secos e molhados.

TRANSPORTE

Outro fato marcante para a evolução de Igarapava

foi a vinda em meados de 1880, dos trilhos da Companhia

Mogiana de Estradas de Ferro e Navegação, tendo

presenciado a inauguração da estação de Batatais em

1.886 com a presença de D. Pedro II e a Imperatriz Teresa

Cristina, que pernoitaram em Ribeirão Preto.

Com a inauguração do trecho de navegação fluvial

entre Jaguara e Porto da Ponte Alta, Igarapava pode

presenciar os primeiros vapores a navegar pelo Rio

Grande. Entre eles o primeiro chamado “Jaguara”, de

rodas laterais, de força de 12 cavalos, o “Santa Rita”, de

roda à popa e força de 80 cavalos e o vapor “Sapucaí-

Mirim”, a hélice, de força de 50 cavalos, que em 22 de

novembro de 1.888, uma quinta-feira às 12h, naufragou na

corredeira pouco abaixo da Estação de Boca Grande.

Page 63: Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

63

Em 1.956, com o fechamento da Barragem dos

Peixoto, os restos do Sapucaí-Mirim apareceram no leito

do Rio Grande, e os pedaços da antiga embarcação, como

a hélice, o leme, a bomba de sucção, a âncora e vários

pertences dos tripulantes foram retiradas pelo fazendeiro

local, Francisco Antonio Maciel que poderia ter doado os

restos do lendário barco para restauração e exposição em

Museu na cidade de Igarapava, mas preferiu guardar

somente para si esta parte da história da cidade e após 68

anos deixaram esta relíquia apodrecer e enferrujar em um

pátio de sucata da FEPASA, em Jundiaí, demonstrando o

usual e corriqueiro descaso das autoridades municipais

para com a história da cidade.

Em 1.904, os trilhos da Companhia Mogyana de

Estradas de Ferro, chegavam a Santa Rita do Paraíso, no

Alto Poente, que depois receberia o nome de Estação de

Igaty. Em 1.911 chegava a Igarapava, o engenheiro chefe

das construções da Companhia Mogyana, o Dr. Achiles

Vidulich, para tratar dos preparativos do inicio da

construção da então chamada “ponte mais importante da

América do Sul”, empregando cerca de dois mil

trabalhadores. A ponte ainda existe e está totalmente

Page 64: Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

64

abandonada devido ao descaso dos administradores

públicos.

A construção dos pilares de concreto ficou a cargo

de uma turma de

escafandristas

contratados pelo

empreiteiro Sr. Carlos

Bucchianeri e foi

utilizado caixões de

aço encomendados

na Alemanha.

A construção da grande ponte sobre o Rio

Grande, que ligaria Igarapava ao Estado de Minas, através

dos trilhos da Mogyana, teve seu inicio oficial 1.913 e sua

inauguração se

deu em 1.918

e era

composta por

quatro grandes

arcos de aço,

medindo cada

Page 65: Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

65

um, 70 metros de abertura. O lastro da ponte mede 330

metros e teve garantia de construção de sessenta anos,

vencida por volta de 1.975.

Com a construção da ponte, a Estação Ferroviária

de Igaty passou a funcionar com horários de trem para

Araguari-MG, Campinas-SP, Ribeirão Preto-SP e

Uberaba-MG. Para aproveitamento pleno da ferrovia, a

cada dez ou quinze quilômetros eram construídas

pequenas estações permitindo o cruzamento de duas

composições que viajavam em sentido contrário. O tráfego

de trens era

intermitente e

durante as vinte e

quatro horas do

dia as estações

viviam cheias de

pessoas e

mercadorias.

Depois de Ribeirão Preto, havia duas estações,

Barracão e Entroncamento de onde partia o tronco da

ferrovia com destino a Franca e que seguia para o

Triângulo Mineiro, passando por Igarapava. Entre Orlândia

Page 66: Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

66

e São Joaquim da Barra, havia a estação Jussara e antes

de chegar a Ituverava havia a estação Aracê e depois de

Ituverava, a estação Japué, conhecida como região de alta

contaminação por malária devido ao fato de ter sido

construída em região pantanosa. Pouco adiante existia a

estação Canindé, que posteriormente se transformou em

um povoado com

depósito de

materiais,

alojamentos para

operários, um

pequeno hotel e

uma oficina de

manutenção de

máquinas da ferrovia.

Em Canindé as locomotivas eram abastecidas de

lenha e água. Seguindo em frente, em direção a divisa

com Minas Gerais, foram construídas as estações de

Inderê, Aramina, Igati – próxima ao atual Terminal

Rodoviário de Igarapava, a Estação Igarapava – próxima a

atual Casa da Cultura e finalmente quase as margens do

Rio Grande, a Estação União, que mais tarde receberia o

Page 67: Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

67

nome de Cel. Quito em homenagem ao fundador da Usina

Junqueira, que utilizava esta estação para escoamento da

produção de açúcar da usina.

Cruzando a Ponte sobre o Rio Grande, a Mogyana

construiu as estações de Delta, Calafate, Tangará,

Ameno, Rodolfo Paixão e Amoroso Costa, todas em

território mineiro e em direção à cidade de Uberaba. Na

estação Rodolfo Paixão havia um novo entroncamento

que passava por Igarapava em direção a Franca. A

estação de Delta se transformou em povoado e as

Page 68: Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

68

estações de Rodolfo Paixão e Amoroso Costa estão em

áreas urbanas da atual cidade de Uberaba.

A estrada de ferro seguia até a Estação de

Peirópolis, última estação antes do tronco. A estação de

Peirópolis está preservada e recebe inúmeros turistas

diariamente, matando a saudade dos que conheceram a

efervescência da Mogyana.

Em 20 de abril de 1.968 começou a circular um

trem especial, uma vez por semana, no percurso

Campinas - Brasília, com a denominação Bandeirante. A

Page 69: Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

69

estação de trem foi fundamental para o povoamento e o

progresso da região.

Os trens de passageiros marcavam a hora de

centenas de pessoas, a plataforma da estação era sempre

um ambiente concorrido e com muita movimentação.

O regresso de um amigo ou parente, provocava

alegria, enquanto ao mesmo tempo viam-se mãos

acenando com os desejos de “boa viagem” ou “Deus te

acompanhe”, para os que partiam. O trem levava a alegria

e a tristeza, a esperança e a descrença, a dúvida e a

certeza.

Page 70: Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

70

A Companhia

Mogiana ajudou a

escrever um longo

capítulo da história

de Igarapava.

Durante mais de

setenta anos, o apito

de suas locomotivas

emprestou um tom de progresso ao município, a partir da

Maria Fumaça até a Mellet e a Rogers. Assim como a

navegação fluvial do Rio Grande um dia foi desativada e

contou com a total omissão das autoridades regionais e

municipais (1.969-1.972).

No dia 9 de

fevereiro de 1.979, às

10h30minh, partia da

Estação do Igaty

(Igarapava), com destino

à Campinas, o ÚLTIMO

TREM. A FEPASA,

antiga Companhia Mogyana de Estradas de Ferro,

oficialmente desativava a estação, causando um

Page 71: Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

71

retrocesso na qualidade do transporte de pessoas e

mercadorias para a região.

TELECOMUNICAÇÕES

A estrada de ferro contribuiu para a instalação da

linha telegráfica em 1.904, mas a instalação do Telégrafo

Nacional só ocorreu definitivamente em Igarapava no ano

de 1.929. Antes disso em 1.908, uma lei municipal criou o

serviço telefônico urbano,

mantido e explorado por

empresa privada e que foi

adquirida pelo Sr. João

Sinicio, que melhorou sua

infraestrutura,

disponibilizando aos Igarapavenses linhas intermunicipais

entre Igarapava e as cidades de Uberaba, Conquista,

Pedregulho e Ituverava.

Em dezenas de sítios e fazendas foram instalados

telefones rurais, enquanto os distritos de Buritizal e

Aramina passaram a contar com um pequeno serviço

telefônico urbano.

Page 72: Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

72

Em 1.948 a empresa telefônica de Igarapava

construiu uma linha física até a cidade de Franca, ligando

Igarapava ao resto do país. Em 1.966 a Empresa

Telefônica de Igarapava – agora já com a razão social de

Empresas Telefônicas Reunidas Igarapava-Pedregulho

Ltda., ainda de propriedade da família Sinicio, inaugurou o

serviço telefônico automático em Igarapava.

Esta história de empreendedorismo e luta deveria

ser mais bem divulgada, mas como tudo em Igarapava,

passou por um período em que enfrentou os derrotistas

locais, os politiqueiros e os tão famosos invejosos de

plantão. Sem apoio das autoridades municipais locais, que

não auxiliaram a Empresas Telefônicas Reunidas

Igarapava-Pedregulho Ltda., a mesma foi vendida para

outra empresa do Triângulo Mineiro, obrigando os

empresários igarapavenses a encerrar suas atividades em

31 de julho de 1979.

Page 73: Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

73

EDUCAÇÃO

Em 1.911 o governo

estadual aprovou a construção da

primeira escola pública em

Igarapava. Tratava-se do “Primeiro

Grupo Escolar”, que em 1.932 ,

como já mencionei, serviu de base

das Forças Militares Mineiras na Revolução de 1.932 e em

1.953 receberia a denominação de “Professor Dantés” em

homenagem ao Professor de música “Edmundo Dantés de

Castro”, um dos primeiros professores da cidade.

Em 1.912 começam também as instalações de

outras escolas, entre elas o “Colégio Imaculada

Conceição, inaugurado em 8 de dezembro do mesmo ano

e que era administrado pelas religiosas da Ordem Jesus

Maria José, de Portugal, que recebiam alunas da região e

ministravam inclusive o ensino de piano".

Ainda na década de 1.910 a 1.920 destacavam-se

o “Collegio Santa Ignez”, para meninos e meninas, dirigido

pela Sra. D. Antonietta Espindola de Lima, o “Externato”

para meninos, do Dr. Arthur Lima, o “Externato Misto”,

dirigido pela Srta. D. Maria de Carvalho e a “Escola

Page 74: Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

74

Parochial Methodista", dirigida pela Srta. Maria José

Saraiva.

Já na década de 1.920, funcionava também em

Igarapava o “Gymnasio Igarapavense” com os cursos:

Intermediário, Secundário e Comercial e a “Escola Normal

Livre de Igarapava” que ensinava Caligrafia, Língua

Portuguesa, Geografia, Álgebra, Aritmética, Francês,

Música, Desenho, Ginástica e Trabalhos Manuais.

Em 1.936, o

Professor Sebastião

Delfino Machado

fundou o “Gymnasio

São Sebastião” que

em 1.938 seria

transferido para

prédio próprio e transformado em Ginásio Estadual e hoje

recebe o nome de “Martinho Silvio Bizutti”.

Já em 1.948, outra escola já se destacava a

“Escola Industrial de Igarapava” que ministrava cursos

profissionalizantes, passando mais tarde a se chamar

“Alfredo Cesário de Oliveira”.

Page 75: Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

75

Na década de

1.950, foi instalado o

Colégio Agrícola,

próximo à sede da

Fazenda Vargem

Alegre, onde residiu o

fundador de Igarapava,

Capitão Anselmo Ferreira de Barcellos. O estabelecimento

foi transformado em Escola Técnica Agrícola Estadual de

Segundo Grau Antonio Junqueira da Veiga e atualmente

faz parte do complexo educacional estadual “Paula

Souza”.

No início de 1.960, começou a funcionar a Escola

de Comércio, que ministra até hoje o curso de Técnico em

Contabilidade, atualmente

relegada a segundo plano e

com seu prédio em péssimo

estado, nada lembrando a

escola de contabilidade que

formou todos os contadores da

cidade.

Page 76: Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

76

IMPRENSA

Para entender a efervescência e a importância do

município, entre 1.904 e 1.928 havia seis jornais

periódicos na cidade: O Rio Grande (1.904) de

propriedade do Sr. Limirio Galvão, Tribuna de Igarapava

(1.908) do Sr. Alfredo Cesário de Oliveira, O Gato Preto

(1.923) do Sr. Antonio Casimiro de Oliveira, Bisturi (1.920)

do Dr. Maia, O Boato (1.928) e o A Verdade (1.928) do Sr.

Antonio C. Oliveira. Muitos poetas e artistas publicavam

seus trabalhos nestes jornais, fato que atualmente não

existe mais, pois não há mais nenhum jornal em circulação

na cidade que seja independente. Há apenas jornais

financiados por políticos que servem apenas para divulgar

assuntos de interesses pessoais.

Já nas décadas de 1.950 e 1.960 havia quatro

publicações: A Noticia de Igarapava, A Folha de

Igarapava, O Cometa e a Voz de Igarapava. A impressa

falada só apareceu em 1.947 com a RÁDIO

TRANSMISSORA IGARAPAVASENSE S/A, com o prefixo

ZYK-7, hoje extinta, claro.

Page 77: Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

77

CULTURA E DIVERSÃO

Os italianos chamavam Igarapava de “A Terra da

Promissão”, onde todos seriam ricos e as histórias da

América realmente seriam verdadeiras e com este clima

de euforia chegavam à região para cultivar o solo e

traziam a cultura e o espírito latino dos italianos e tiveram

um papel fundamental no incentivo para a diversão e a

cultura de Igarapava, criando a sociedade “XX Settembre”

que possuía mais de 90 associados e organizava bailes e

festas culinárias italianas que infelizmente desapareceram

do nosso território.

Page 78: Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

78

Vale destacar na história de Igarapava a

instalação do segundo cinema na cidade, graças à

chegada da energia elétrica em 1.911. O PARIS

THEATRO que foi construído pelo Major Nicolau

Bartholomeu, um

imigrante italiano,

profissional da alta

costura masculina,

que passou a dividir

as atenções da

população

igarapavense com a outra casa de diversões existente, o

Cinema XX de Setembro, pertencente à sociedade “XX

SETTEMBRE”, também mantido pela comunidade italiana.

Antes das sessões de cinema, o palco do PARIS

THEATRO assistia as

apresentações dos

músicos locais, entre

eles o professor

Edmundo Dantés de

Castro, mas em 1.960

fechou suas portas, e

Page 79: Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

79

em 1.977 foi demolido. Era carinhosamente chamado de

“O Poeirinha”.

Duas companhias de teatro, o “Grupo Dramático

Igarapavense” presidido pelo Sr. J. Baptista G. Monteiro

de Barros e o “Grupo Dramático Artur Azevedo” presidido

pelo Sr. Antonio Cabral.

Page 80: Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

80

SAÚDE

Outro ponto a destacar nesta época gloriosa foi a

fundação, em 1.910, da Santa Casa de Misericórdia de

Igarapava que em 1.922 recebeu apoio das irmãs do

Instituto Jesus Maria José por um breve espaço de tempo.

Em 1.937, a Santa Casa ainda recebia o apoio das

irmãs e registrava os seguintes números: 647

internamentos mensais, 3.577 consultas mensais

gratuitas, 6.323 curativos mensais, 2.829 receitas mensais

aviadas, 57 operações em 30 dias, 46 partos no ano, 162

radioscopias, entre outros procedimentos.

As irmãs deixaram de auxiliar a Santa Casa por

motivos ideológicos relacionados ao grande número de

abortos que eram efetuados naquela época.

Desde 1.902,

Igarapava já possuía serviço

de água potável com

fornecimento a toda a

população gratuitamente,

mas já se estudava a

instalação de hidrômetros.

Page 81: Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

81

ESPORTE

Desde o inicio de

1.903 a população já se

reunia em alguns pontos e

se dedicavam a diversos

esportes como a

Patinação, a Botia e o

Futebol, que posteriormente em 21 de agosto de 1.919,

acabaria originando o

nosso saudoso e eterno

Igarapava Esporte Clube,

que construiria uma sede

grandiosa que faria parte

da história da sociedade

igarapavenses que assistiu

ali diversos bailes e jantares,

inclusive os bailes de

debutantes, as formaturas e

os concursos de beleza.

Page 82: Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

82

RELIGIÃO

Um dos motivos pelo qual

mencionamos ser difícil precisar a

real data de fundação do povoado

é a falta de registros da fundação

da paróquia, já que naquela

época, um povoado só era

reconhecido como tal se houve

atendimento religioso.

Mas podemos afirmar que

por volta de 1.915, a paróquia já existia há mais de 70

anos e a primeira Igreja Matriz que havia na Praça do

Rosário já tinha sido demolida pela Câmara Municipal,

proprietária do terreno e os cultos religiosos eram

realizados em uma Matriz velha e sem conforto situada na

Praça Rui Barbosa.

Em 1.915, a Igreja

mais nova era a da Nossa

Senhora da Abbadia, onde

as religiosas do Collegio

Immaculada Conceição

Page 83: Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

83

realizavam os cultos. Toda a

população era devota de Nossa

Senhora da Abbadia e realizavam

festas de comemoração em todo

dia 15 de agosto.

Somente em 1.925 foi

finalizada a construção da atual

Igreja Matriz de Igarapava pelo

Vigário Alexandre que lutou

contra parte da população para

que a mesma fosse erguida.

Devemos a este grande homem

um dos pontos turísticos de

maior relevância de nossa

querida Igarapava.

Page 84: Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

84

8. As Revoluções de 1930 e 1932.

Igarapava teve também um destaque muito

significativo na Revolução de 1.930, pois desde o governo

de Prudente de Morais (1.894-1.898), a sucessão

presidencial foi manipulada e conduzida até a década de

1.920 pela “política café com leite”, ocupando sempre a

Presidência da República, alternadamente, um paulista e

um mineiro.

Fiel a esta tradição, o Presidente de Minas Gerais,

Antonio Carlos Ribeiro de Andrade e Silva, após a eleição

de 1.926, começa os preparativos para lançar sua

candidatura à sucessão de Washington Luiz Pereira de

Souza, então Presidente da República.

Por outro lado, Washington Luiz, via em Júlio

Prestes de Albuquerque, então Presidente de São Paulo,

o candidato ideal para seu sucessor no Palácio do Catete,

lançando a candidatura no mesmo e rompendo a aliança

São Paulo – Minas Gerais.

Com isso Antonio Carlos aproximou-se de Getúlio

Vargas, então Presidente do Rio Grande do Sul, propondo

Page 85: Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

85

o lançamento da candidatura do último ou a de Borges de

Medeiros. Vargas aceita e é criada a Aliança Liberal.

As eleições acontecem em 1º de março de 1.930 e

o governo federal, usando a máquina eleitoral do Estado,

elege Júlio Prestes. O Congresso Nacional não reconhece

os eleitos pela Aliança Liberal, mas após acordo secreto

entre Washington Luiz e Firmino Paim Filho, reconhece os

eleitos no Rio Grande do Sul.

Getúlio Dornelles Vargas, partidário da luta

armada e com recursos do Governo do Rio Grande do Sul

dá inicio a revolta no dia 3 de outubro de 1.930. No dia 5

de outubro de 1.930, os três estados do Sul, Paraná,

Santa Catarina e Rio Grande do Sul já eram aliados dos

revolucionários e enquanto isso em Uberaba-MG, o 4º

Batalhão de Infantaria ocupa as estações ferroviárias, os

Correios e Telégrafos, o Serviço Telefônico e a Câmara

Municipal. Ocupam as Pontes Bethout (Araguari), Afonso

Pena (Itumbiara), Rio Grande (Delta MG) e o Porto

Cemitério (Barretos-SP).

No dia 8 de outubro de 1.930, 500 homens do 4º e

7º Batalhões da Policia de São Paulo, chegam a Barretos-

SP, Rifaina-SP e Igarapava-SP. Junto à entrada da Ponte

Page 86: Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

86

de Ferro da Companhia Mogiana, do lado paulista, o Major

Salvador Moya instala um posto avançado de comando

das forças paulistas.

O contingente militar em Igarapava era reduzido,

com apenas 130 soldados e a tropa mineira era composta

de apenas 39 homens, mas haviam reforços aquartelados

em Uberaba-MG, pronto para apoiar em caso de combate.

No sábado, 11 de outubro de 1.930, o Major

Salvador Moya, ordena a 100 de seus homens que

atravessem o Rio Grande há uns 15 quilômetros de

distância da posição em que se encontravam. No dia 12

de outubro de 1.930, os paulistas descendo pela margem

direita do Rio Grande, após uma travessia realizada a

noite, alcançam as terras da atual cidade de Delta MG e

surpreendendo as tropas mineiras, conquistam uma vitória

rápida e retomam a Ponte sobre o Rio Grande.

O Jornal Tribuna de Igarapava e mais alguns

jornais de São Paulo e três de Ribeirão Preto, elogiavam e

enalteciam o feito dos paulistas, enquanto a imprensa de

Minas Gerais e a do Rio de Janeiro davam versões

diferentes e favoráveis às tropas mineiras.

Page 87: Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

87

Este combate foi o primeiro entre as forças

mineiras e paulistas. No dia 16 de outubro de 1.930, as

tropas mineiras, com reforços de militares de Ituiutaba,

Uberaba e Tupaciguara, regressam a divisa do estado e

retomam Delta, após uma luta intensa que deixou muitos

feridos e alguns mortos de ambos os lados.

As forças mineiras continuaram a investida contra

os paulistas, na tentativa de reconquistar a ponte de

Igarapava e estabelecer posições na margem esquerda do

Rio Grande.

A batalha durou dias e somente cessou em 24 de

outubro de 1.930 após o Major Salvador Moya receber um

telegrama informando que o Presidente Washington Luiz

havia sido deposto no Rio de Janeiro.

No dia 25 de outubro de 1.930 as tropas paulistas,

com 1.336 soldados, se retiram da divisa de São Paulo

com Minas Gerais. Em 31 de outubro de 1.930, Getúlio

Dornelles Vargas chega ao Rio de Janeiro. Assume como

ditador em 3 de novembro do mesmo ano, dissolvendo o

Senado, a Câmara dos Deputados, as Assembleias

Legislativas Estaduais e as câmaras de Vereadores.

Page 88: Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

88

Os prefeitos e governadores de Estado foram

destituídos e substituídos por interventores nomeados por

Getúlio Vargas.

Washington Luiz embarcou para a Europa e só

retornou ao Brasil após a queda do regime ditatorial de

Vargas, em 29 de outubro de 1.945.

Após a Revolução de Trinta, São Paulo passou a

ser tratado pelo Governo Federal com um território

ocupado. A mais rica unidade da federação passava por

grandes humilhações e não tinha nenhuma participação

na vida política do Brasil, e em 23 de maio de 1.932, a

cidade de São Paulo assiste a uma grande manifestação

de protesto contra o Governo Federal, onde morreram

Mario Martins de Almeida, Euclides Bueno Miragaia,

Drausio Marcondes de Souza e Antonio Américo de

Camargo Andrade, cujos nomes destas vítimas da

repressão policial, foi tirada a sigla MMDC, que seria logo

em seguida, o símbolo da Revolução Constitucionalista,

que teve início em 9 de julho de 1.932.

O entusiasmo tomou conta do Estado Bandeirante

e contingentes de militares e voluntários organizaram-se

para a luta. Os revolucionários paulistas contavam com a

Page 89: Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

89

promessa de adesão dos Estados de Minas Gerais, Rio

Grande do Sul e Mato Grosso, o que não aconteceu.

Igarapava reuniu cerca de 120 voluntários e

recebeu apoio de mais 50 voluntários vindos de Franca,

que acamparam em um armazém nas proximidades da

entrada da ponte do Rio Grande e aguardaram as tropas

mineiras, que chegaram em 18 de setembro de 1.932 com

cerca de 1.000 homens atacando a ponte e tomando-a

rapidamente devido a grande superioridade numérica de

suas tropas.

Page 90: Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

90

Os voluntários igarapavenses recuam e fogem

para São Joaquim da Barra, onde ficam acampados. As

tropas mineiras invadem Igarapava e transformam o

Grupo Escolar Dantés em quartel e saqueiam algumas

casas levando alimentos e roupas. Em 28 de setembro de

1.932 os paulistas se rendem.

Os desavisados afirmam que na ponte existem

perfurações de projéteis disparados pelas Forças

Legalistas e pelas Forças Rebeldes, durante a Revolução

de 30, mas as batalhas de 1.930 não chegaram a ocorrer

Page 91: Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

91

sobre a ponte e sim em território mineiro, na atual cidade

de Delta, causando mortes de paulistas e mineiros.

Durante a Revolução Constitucionalista de 1.932,

mais precisamente no dia 18 de setembro, a ponte é

tomada pelas forças mineiras, que cruzaram a ponte

empurrando com as mãos um único canhão de rodas de

madeira que havia sido construído para a luta entre

Paulistas e Mineiras, em 1930, quando os paulistas

entraram em Minas, por Delta, divisa de Minas e São

Paulo. O carro blindado, criação de Ângelo Zappelli, ex-

soldado combatente da Legião Fiume, Itália, sob o

comando de Gabriel D’Annuazio, era um automóvel que

Page 92: Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

92

sofreu necessária adaptação nas oficinas mecânicas do

Sr. Alessandro Boscolo, em Uberaba e foi armado com

duas metralhadoras e tripulado por cinco pessoas, isto é,

dois fuzileiros encarregados das metralhadoras, um

carregador, um mecânico e um condutor.

A cidade de Igarapava foi invadida pelas tropas

federais que acamparam no prédio de uma das escolas

existentes na cidade, hoje com o nome de Professor

Dantés. Então, podemos afirmar com absoluta certeza que

as marcas de tiros que aparecem na ponte sobre o Rio

Grande não são de 1.930 e nem de 1.932.

Page 93: Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

93

9. O principal golpe contra o crescimento

Em 1.911, em um relatório enviado a Câmara

Municipal de Igarapava, o então Prefeito ABSAY DE

ANDRADE, ressaltava a importância da cultura da cana-

de-açúcar para a economia do município. Segue na

íntegra o famoso relatório:

“É uma das culturas que mais se

adaptam ao nosso ubérrimo solo, vantagem

esta até hoje inaproveitada entre nós, senão em

pequenas culturas, a que se pode denominar

“ensaios”, em engenhocas e engenhos a tração

hydraulica e animal de pequena produção". Ha

neste Município, apenas uma indústria

assucareira e de aguardente pelos processos

rotineiros.

A importância do futuro deste

Município, neste particular, pode ser

desvendada pelo arguto e inteligente agricultor

Coronel Francisco Maximiano Junqueira, que

adquirindo neste Município a importante

fazenda denominada “União”, marginal do Rio

Grande, distante desta cidade 10 kilometros,

vae nella em breve, installar uma grande Usina

Page 94: Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

94

assucareira modelo, cujos machinismos estão

encomendado, e, estão se procedendo no local

aos estudos preliminares, executando-se

plantas, orçamentos dos prédios, etc. Grandes

extensões de mattas estão sendo

transformadas neste momento em grandes

canaviaes.

Com essa grande instalação, nova

phase agrícola se iniciará pois, entre nós, taes

as proporções, grandeza e aperfeiçoamento

que vae dar-lhe o seu abastado e opulento

proprietário, acima referido. Uma Estrada de

Ferro própria ligará a importante “Usina” à Linha

Mogyana, na margem paulista, próximo desta

cidade, na linha que essa Companhia está

neste momento construindo, para dentro de dois

annos ligar-nos à vizinha cidade de Uberaba,

Estado de Minas, com um percurso de 48

kilometros apenas.

Devemos a nímia gentileza do Sr.

Coronel Francisco Maximiano Junqueira,

proprietário da Fazenda União, deste Município,

o podermos offerecer affirmação scientifica da

superioridade do nosso solo para a cultura da

canna, de assucar, podendo-se affirmar que as

espécies examinadas, que não estavam

Page 95: Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

95

perfeitas, batem ainda assim o “record” da

porcentagem de matéria sacharia no nosso

paiz, e quiçá sobre as cannas dos centros

productores mais afastados do mundo! “A prova

de que não há exagero nas nossas affirmações,

podereis verificar no Apenso nº 4.”

Analisando a quase idolatrada defesa para a

implantação da usina de açúcar em Igarapava, o Prefeito

ABSAY DE ANDRADE deixa claro que recebeu algum

“agrado” do então

Coronel Francisco

Maximiano

Junqueira, pois

não seria aceitável

acreditar que o

mesmo

desconhecia os

aspectos negativos, que se analisados friamente

saberíamos ser mais danosos que vantajosos para a

economia do município.

Centenas de alqueires de florestas nativas, em

grande parte constituídas por madeira de lei com árvores

nascidas há mais de oitocentos anos, foram derrubadas,

Page 96: Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

96

sem a possibilidade de serem substituídas e até hoje o

então Engenho “União”, atual Usina Junqueira, não foi

cobrada a reflorestar e devolver as florestas derrubadas e

por este motivo

tem uma dívida

impagável com

a população

Igarapavense.

Gradativamente, a tendência da monocultura

(cana-de-açúcar) foi aumentando, e o município, antes

exportador de cereais, passou à condição de importador,

para o próprio consumo.

As caldeiras da “usina” queimaram a lenha que

vinha dos cerrados, capoeiras e até mesmo de restos de

matas ciliares, sem que nenhuma providência fosse

tomada para atenuar a ação do machado.

As florestas existentes no entorno de Igarapava

eram compostas de um verdadeiro tesouro, destacando-se

árvores de jacarandá, cedro, guaiuvira, canella sassafrás,

Page 97: Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

97

canella preta, canella amarella, canella batalha, angico,

araribá rosa, araribá vermelho, orinduva, guajissára,

caixeta, cabiúna, o faveiro do cerrado, de cuja fava se

extrai um alcaloide chamado sucupyrina, o guaritá, o ipê, o

jatahy, a pereira e a peroba. Sem falar nas diversas

palmeiras, plantas medicinais e frutas.

Por isso, reflorestamento é algo que não é tratado

até os dias atuais pelo município, e as usinas continuam

desmatando áreas de proteção ambiental e soterrando

nascentes de córregos para aumentarem as áreas de

plantio de cana-de-açúcar, com total conivência das

Page 98: Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

98

autoridades locais, que incentivam esta prática em troca

de apoio político e financeiro em eleições.

O uso de agrotóxicos e herbicidas, que atingem os

pomares e as pastagens, mata a maioria dos animais de

pequeno porte, alcançando os leitos dos córregos, rios e

lençóis freáticos, causando um desastre ambiental de

proporções incalculáveis.

O deslocamento de caminhões e máquinas pelas

ruas da cidade, durante quase 8 meses do ano, gera uma

poeira e um nível de sujeira nas vias públicas que

transformam em péssima a qualidade de vida da

Page 99: Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

99

população, levando a qualidade do ar a níveis abaixo do

tolerável. Uma das doenças mais comuns no município é a

bronquite alérgica.

Ao longo dos anos surgiram em Igarapava

diversas atividades industriais de pequeno porte, porém, a

maioria não teve sustentação política administrativa,

sendo praticamente extintas em curto espaço de tempo.

Não existiu em aproximadamente 170 anos de

história um administrador público capaz de tomar as

rédeas da preservação ambiental e tão pouco capaz de

atrair investimentos para uma mudança gradual na

economia local.

Page 100: Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

100

10. Os garimpeiros da esperança.

A relação abaixo mostra o nome de todos os

homens que contribuíram positivamente ou negativamente

para a atual situação econômica de Igarapava. São estes

os políticos que deixaram Igarapava ser destruída, ou

melhor, ajudaram a destruí-la pouco a pouco.

JUIZES DE PAZ

1854 – Alferes José Joaquim de Oliveira;

Manoel Joaquim de Souza Costa;

Francisco Rodrigues Nunes;

1855 – Francisco Rodrigues Nunes;

1856 – Joaquim Rodrigues Nunes;

1857 – Joaquim Leal da Fonseca;

1858 – Antonio Bento Gomes;

1859 – José de Paula e Silva Leão;

1860 – André Ribeiro de Mendonça;

1861 – Joaquim José Gomes;

Page 101: Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

101

1862 – Joaquim José Gomes;

1863 – Vicente José Gomes;

1864 – Manoel Ribeiro dos Santos;

1876 – Tenente Coronel Thomé Ignácio Vilella de

Andrade;

André Ribeiro de Mendonça;

1877 – João Honório de Campos;

Joaquim Martins Ferreira Costa;

Joaquim Paulino Gouveia;

1883 – Francisco Ignácio da Gama;

Francisco Leal da Fonseca;

Alferes Manoel Joaquim de Souza Costa;

João Caetano Alves;

1886 – Florêncio Antonio Rodrigues do Valle;

1887 – Vicente Ferreira de Mendonça;

Paulino de Souza Machado;

Sérgio Marques da Silva;

1889 – Joaquim Faustino Marques.

Page 102: Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

102

Proclamada a república, em 15 de novembro de

1889, o Brasil mudou radicalmente a estrutura

administrativa dos municípios. Até então o Juiz de Paz era

a maior autoridade do município, exercendo as funções de

delegado, de legislador, podendo nomear o Juiz de Direito

e o Prefeito.

Com a criação do Conselho de Intendência, que

substituíram as câmaras municipais, os Intendentes, que

eram nomeados, substituíram os Juízes de Paz. Segue a

relação dos Intendentes nomeados para Santa Rita do

Paraíso.

INTENDENTES

1890 – Tenente Coronel Thomé Ignácio Vilella de

Andrade;

1896 – Manoel Machado do Nascimento;

1899 – Capitão Eugênio Alves Ferreira;

1900 – Major Anselmo Ferreira Campos;

1902 – Capitão Joaquim de Paula Nery;

Page 103: Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

103

1905 – Capitão Manoel Zeferino de Paula;

1906 – Avelino Camilo de Miranda;

1907 – Capitão Manoel Zeferino de Paula.

Em 1908, o regime de Intendências é suprimido, e

os intendentes passaram a ser chamados de Prefeitos.

PREFEITOS

1908 – Capitão Manoel Zeferino de Paula;

1909 – Capitão Francisco Ribeiro Soares;

1910 – Major Francisco Ignácio da Gama;

1911 – Absay de Andrade;

1915 – Capitão Manoel Zeferino de Paula;

1917 – Candido Maximo Balieiro;

1920 – Capitão Francisco Antonio Maciel;

1925 – Gabriel Alves Moreira;

1926 – Capitão Francisco Antonio Maciel;

1929 – Capitão Francisco Ribeiro Soares;

Page 104: Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

104

1930 – Dr. Theobaldo Pondé de Mendonça;

1931 – Izoldino de Souza Machado;

1932 – Major Luiz de Faria e Souza;

Major Cássio Vidigal;

Tenente Nestor Cravo;

Odilon Cesário de Oliveira;

1933 – João Leopoldino de Azevedo;

Odilon Cesário de Oliveira;

1934 – Kleber Piedade;

1936 – Odilon Cesário de Oliveira;

Dr. Humberto Wanderley Ribeiro;

1937 - Dr. Humberto Wanderley Ribeiro;

1938 – José Ribeiro Soares;

1942 – José Basile;

1944 – Anastácio Agria Filho;

1945 – Aguiar Moreira;

Dr. João Del Nero;

João Gouveia Teixeira;

Page 105: Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

105

1947 – Dr. Romeu Nogueira Terra;

1948 – Samuel Cabral / Dr. Alcyr Nassif;

1949/1951 – Dr. Romeu Nogueira Terra;

1952/1955 – Dr. Antonio Maciel Filho;

1956/1959 – Dr. Alcides Antonio Maciel;

1960/1961 – Dr. Antonio Ribeiro Soares;

1961/1962 – Limirio Leal da Fonseca;

1962/1963 – Dr. Antonio Ribeiro Soares;

1964/1967 – Dr. Alcides Antonio Maciel;

1968/1972 – João Augusto de Freitas;

1973/1976 – Alberto Faria de Oliveira;

1977/1982 – Eng.º Carlos Augusto de Freitas;

1983/1988 – Prof.º Gilberto Soares dos Santos;

1989/1992 – Eng.º Carlos Augusto de Freitas;

1993/1996 – Eng.º Agr.º Antonio Augusto Gobbi;

1997/1998 – Prof.º Gilberto Soares dos Santos;

1998/2000 – Sérgio Augusto de Freitas;

2001/2004 – Eng.º Agr.º Antonio Augusto Gobbi;

Page 106: Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

106

2005/2008 – Dr. Francisco Tadeu Molina;

2009/2012 – Dr. Francisco Tadeu Molina.

A esses ditos cidadãos cabe a atual situação

político administrativa de Igarapava. Éramos mais de 38

mil habitantes em 1.929 e hoje, 83 anos depois, somos

menos de 27 mil habitantes. O último levantamento revela

que existem aproximadamente 48 mil igarapavenses

morando fora, que se somados aos 27 mil atuais, teríamos

hoje uma população de aproximadamente 75 mil

habitantes e provavelmente uma cidade mais ativa e

próspera. Somos a cidade do nordeste paulista com a

maior redução de população da história. A todos nossos

administradores a pergunta:

Valeu a pena para vocês?

Page 107: Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

107

11. Jesus Maria José – Nosso maior pecado.

Conversando com moradores mais antigos,

descobrimos que o Instituto Jesus Maria José que havia

sido fundado por Rita Lopes de Almeida, no dia 24 de

setembro de 1880, em Viseu Portugal. Teve sua primeira

sede no Brasil exatamente na cidade de Igarapava.

Madre Rita foi uma mulher audaz e de Fé

inabalável. Cativava a todos com sua simplicidade e

alegria buscando levá-los para Deus e realizar em tudo a

sua vontade. Possuía um grande amor missionário, dizia:

“Se preciso fosse percorreria o mundo inteiro para salvar

uma só alma”.

Com a revolução de Portugal no ano de 1910,

surgiu a perseguição religiosa a toda a Igreja e então

Madre Rita foi obrigada a fechar suas casas e suas Irmãs

se dispersaram. Todos os bens do Instituto foram

confiscados pelo governo.

Page 108: Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

108

Ela, não querendo ver acabada uma Obra que lhe

custara tanto sacrifício, enfrenta com coragem e

determinação todos os desafios e, em novembro de 1912,

envia o primeiro grupo de Irmãs para o Brasil que se

instalaram na pequena cidade de Igarapava no interior do

Estado de São Paulo.

Ao despedir-se das Irmãs disse: “Ide minhas

filhas, sede fiéis e observantes a Deus Nosso Senhor e

Ele será convosco. Quanto a mim, jamais vos verei; só no

céu espero abraçar-vos de novo”.

Atualmente o Instituto possui obras nos estados

de São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Santa

Catarina, Distrito Federal, Goiânia, Mato Grosso e Ceará,

expandindo o Evangelho da Conversão e o Carisma Zelo

Apostólico sob a forma de Apelo à Conversão atuando em

Colégios, Educandários, Creches, trabalhos pastorais,

visita às famílias, trabalhando a liturgia e a catequese.

O Instituto atua também em Portugal (voltando ao

berço em 1934), Angola, Moçambique, Cabo Verde,

Paraguai, Bolívia, Peru e México.

Page 109: Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

109

Para a alegria e ao mesmo tempo indignação

deste autor, descobri que em 2012 o Instituto Jesus Maria

José celebra o centenário de sua presença no Brasil.

Abaixo o relato na íntegra da viagem das primeiras

missionárias ao Brasil que consta nos registros do Instituto

Jesus Maria José.

“Relato da Viagem das Irmãs

Portuguesas que vieram para o Brasil em

1912"

O primeiro grupo de Irmãs saiu no dia

31 de outubro de 1912 com destino a cidade de

Igarapava, situada ao norte do Estado de São

Paulo, diocese, até então, de Ribeirão Preto.

Madre Rita acompanhou as Irmãs até

o cais de embarque e pressentiu que seria a

última vez que as veria neste mundo.

Ao despedir-se das Irmãs, abraçando-

as, disse-lhes: “Ide minhas filhas, sede

observantes e fiéis a Deus Nosso Senhor e Ele

será convosco. Quanto a mim, jamais vos verei;

só no céu espero abraçar-vos de novo”.

Page 110: Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

110

E seus olhos marejavam de lágrimas.

Unida as suas filhas pelo mesmo amor de Deus,

só Ele, neste momento, podia ser a causa da

separação.

O primeiro grupo de religiosas,

destinado ao novo campo de apostolado em

Terras de Santa Cruz era formado por: Madre

Maria da Anunciação Costa (Superiora), Irmã

Rosalina da Silva, Irmã Bárbara Forte Mateus,

Irmã Ana Rodrigues, Irmã Ana das Neves Vaz e

Irmã Maria José Neves.

A viagem era longa e desconhecida!

Na tarde do dia 31 de outubro de 1912

foram para o cais, onde o navio estava

ancorado e com alegria se aproximaram dele!...

Sabiam que caminhavam para o exílio, mas

para uma religiosa que deixou tudo para seguir

a Jesus mais de perto (e sabe que sua Pátria

definitiva é o céu) de boa vontade se sacrifica

por seu celeste Esposo.

Em pleno oceano, por alguns dias a

viagem flui monótona. Só água e céu. Céu e

água.

Page 111: Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

111

No Brasil, aportaram no Porto de

Recife em Pernambuco, cujas belezas naturais

às encantaram. Passaram por Salvador, na

Bahia. Nesta cidade, um sacerdote,

companheiro de viagem, arriscou-se a perder o

navio, para ir expedir um telegrama para o

Rvdo. Sr. Padre Manoel da Costa, Vigário de

Igarapava, pedindo-lhe que fosse a Santos

esperar as Irmãs.

Ao chegarem à Baia de Guanabara,

puderam ver as maravilhas com que Deus

enriqueceu a Baia mais bela do mundo.

Finalmente, aproximaram-se de Santos, término

da viagem marítima, para começar outra, por

via férrea, esta com mais probabilidade de

menos sacrifícios.

Madre Ana das Neves Vaz, disse as

Irmãs que restava pouco dinheiro. Então

exclamou: “O que será de nós? Não temos

dinheiro, nem sabemos onde estamos, nem o

que nos falta para chegarmos ao término da

viagem. Provavelmente o Senhor Padre Manuel

(Vigário de Igarapava) não recebeu o nosso

telegrama e não sabemos para onde nos dirigir,

mas tenhamos confiança em Jesus Maria José.”

As boas Irmãs confiaram em Jesus Maria José

Page 112: Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

112

e entregaram-se à Divina Providência que

nunca falhou. Quando chegou à hora de

partirem, aproximaram-se da bilheteria. “Um

funcionário lhes disse: As Irmãs não pagam

passagem, dirijam-se para aquela sala“. Foi-

lhes entregue um passe para as seis Irmãs até

Jundiaí. O mesmo funcionário lhes disse: “Em

Jundiaí, apresentem este passe e lá lhes darão

outro para prosseguirem a viagem”.

Finalmente chegaram a Ribeirão

Preto.

Tudo estava disposto e preparado,

com antecedência, devido ao cuidado do

Revdo. Vigário de Igarapava, Padre Manoel da

Costa que recebeu com atraso, o telegrama que

lhe tinha sido enviado da Bahia e não podendo

providenciar o necessário para recebê-las aqui

no Brasil, telegrafou então para ao Exmo. Sr.

Dom Alberto José Gonçalves, Bispo de Ribeirão

Preto, para que por seu intermédio obtivesse

hospedagem para as Irmãs em alguma casa

religiosa.

Dom Alberto José Gonçalves, tendo

sido avisado pelo Vigário de Igarapava que as

Irmãs haviam chegado, tinha tudo disposto para

Page 113: Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

113

acolhê-las e determinou que no dia seguinte,

pela manhã, as receberia para uma audiência.

Quando se dirigiam para o Palácio Episcopal,

foram alcançadas por um carro que conduzia o

Sr. Vigário de Igarapava. Este se desculpou por

não ter ido esperá-las devido o atraso com que

recebeu o telegrama enviado da Bahia pelas

Irmãs.

Embarcaram no trem às 7.00 horas,

acompanhadas pelo Vigário de Igarapava, que

assumiu toda a responsabilidade, não se

esquecendo de telefonar antes de partir, para o

Vigário de Jardinópolis pedindo para

providenciar um almoço e mandar levá-lo ao

trem quando por ali passassem. Logo que o

trem parou na estação de Jardinópolis, já as

esperava o Senhor Vigário acompanhado de um

empregado carregando o almoço pedido. Era o

mês de novembro. As mangas pendiam das

árvores, em abundância, causando admiração

às Irmãs, pois essa fruta era novidade para

elas. Ficaram deslumbradas também, com o

panorama dos cafezais enfileirados, que se

perdiam de vista e uma infinidade de outras

coisas que as encantavam. Para elas eram

verdadeiras surpresas. Durante a viagem, o Sr.

Page 114: Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

114

Vigário de Igarapava ia esclarecendo, com

muita delicadeza, tudo o que era visto pelas

Irmãs.

No dia 16 de novembro, foram

recebidas em Igarapava pelo coadjutor da

Paróquia - Frei Raimundo, autoridades da

cidade, como o Sr. Galdino Balieiro - Presidente

da Câmara, principais famílias e várias outras

pessoas radicadas na cidade. Todas foram

cumprimentar as Irmãs e dar-lhes as boas

vindas.

Quando chegaram à casa Paroquial,

foram recebidas pela empregada do Sr. Vigário,

algumas zeladoras e outras senhoras, com tudo

pronto para as Irmãs de Jesus Maria José.

O bom Vigário cedeu sua residência

às Irmãs.

No dia da chegada das Irmãs a

Igarapava, à noite, Frei Raimundo reuniu o povo

na igreja, para celebrar a chegada das Irmãs ao

Brasil. Após a oração do terço, se dirigiu à

assembleia louvando a Deus pela bondade que

manifestou ao povo de Igarapava, enviando-lhe

seis religiosas. Estas Irmãs vieram para o nosso

Page 115: Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

115

meio ensinar as crianças e jovens de nossa

cidade. É muito bom encontrar a Deus através

da experiência das Irmãs. Disse também “Como

é bom o Deus dos cristãos! Aí tendes caros

irmãos, um modelo para imitardes”, exortando o

povo a imitar as Irmãs. Todas ficaram

sensibilizadas com as palavras de Frei

Raimundo.

O Colégio começou a funcionar com

algumas alunas na casa cedida pelo Sr. Vigário.

Em março do ano seguinte, as irmãs se

mudaram para outra casa junto à Abadia. Era o

primeiro colégio do Instituto Jesus Maria

José no Brasil. O começo de uma obra sempre

é acompanhado de sacrifícios, as Irmãs

voltavam - se para Deus a quem tudo

ofereciam, sabendo que as obras de Deus

exigem atos de abnegação.

O Revdo. Vigário interessava-se muito

pelo Colégio. Era verdadeiramente incansável

em trabalhar pelo seu desenvolvimento.

Procurando corresponder a tanta dedicação, as

Irmãs davam catecismo na Matriz aos domingos

e, algumas vezes na semana, davam-no nas

fazendas. Além da catequese, dirigiam o coro

Page 116: Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

116

da Paróquia. (P.E. 308, 309 e 310). (Patrimônio

Espiritual)

Durante três anos, as Irmãs de Jesus

Maria José dirigiram o colégio com dedicação e

carinho, ficando a população plenamente

satisfeita. Era por todos confirmado, o ardor

apostólico destas jovens que acabam de chegar

do estrangeiro.

A Revda. Madre Ana da Anunciação

Costa escreveu à Madre Fundadora dando-lhe

notícia de como tinha decorrido a viagem e de

como foram recebidas, salientando a

hospitalidade do povo brasileiro. Comunicou-lhe

que o Padre Manoel da Costa, tinha conseguido

por intermédio do Revdo. Vigário de

Jardinópolis (interior de São Paulo) trabalho

para algumas irmãs naquela cidade onde

tencionava fundar um colégio.

A Madre fundadora se regozijou de

alegria com tão agradáveis notícias. Logo que

recebeu a informação de novo trabalho para as

Irmãs no Brasil, começou a reunir na casa onde

residiam 09 Irmãs para prepará-las para a

viagem.

Page 117: Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

117

Passaram 100 anos e fazemos

memória destas pioneiras em terra de Santa

Cruz.

Continuando sua obra, o Instituto

esteve presente deixando e retomando as

atividades nesta terra que nos acolheu. "Com

ardor e zelo apostólico queremos prosseguir

transmitindo e vivendo os ideais de Madre Rita

acolhendo as crianças jovens e as famílias.”

No ano de 1940, o jornalista José Basile fez na

cidade de Igarapava uma forte campanha sobre a criança

pobre e abandonada.

O Sr. José Marçal Vieira, também via e sentia o

sofrimento das crianças abandonadas. Fez uma doação

para essa finalidade. O Sr. Basile após a doação do Sr.

Marçal, ficou mais entusiasmado, vendo que não estava

sozinho na luta. Depois de fazer um levantamento de

quantas crianças abandonadas havia na cidade partiu

para a parte burocrática.

Em todas as realizações cristãs ou filantrópicas, o

mais difícil é arranjar dinheiro. No caso de Igarapava, não

era esse o problema, mas sim as exigências legais, e aqui

Page 118: Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

118

começamos a entender como as autoridades locais

possuem o maléfico hábito de atrapalhar tudo que pode

trazer algo de bom para a cidade.

Graças, porém, ao trabalho extraordinário do Sr.

Hermes Bartolomeu, alto funcionário do Departamento

Nacional da Criança, no Rio de Janeiro, foi possível fundar

e instalar em Igarapava a segunda Casa da Criança em

todo o Brasil. A primeira no Rio de Janeiro e a segunda

em Igarapava.

O dinâmico e conhecidíssimo Sr. José Basile,

classificado como um dos mais notáveis filho da terra dos

canaviais, não se deixou levar por opiniões contrárias que

não o demoveu do seu intento, nem vedou o seu

entusiasmo. Hoje o complexo denomina-se: “Associação

de Proteção à Maternidade e Infância de Igarapava”.

Por motivos pessoais o Sr. Basile mudou-se para

Ribeirão Preto. Sua grande preocupação era: quem seria

o seu substituto? Depois de pensar muito, indicou o nome

do Dr. Paulo Bortoletto. A votação foi unânime. E, Dr.

Paulo, sábio administrador de suas fazendas e tendo na

retaguarda sua esposa D. Rosinha Basile Bortoletto,

Page 119: Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

119

dirigiu a Associação, aumentando o seu patrimônio até

que ela tivesse vida própria.

Por razões imperiosas o Dr. Paulo Bortoletto

entregou a direção da casa às religiosas do Instituto Jesus

Maria José, sob a direção de Irmã Amélia do Sagrado

Coração Bortoletto (sua irmã). As religiosas tomaram

posse no dia 23 de março de 1986 e continuaram

imprimindo à Instituição a mesma marcha do passado.

Permaneceram no local durante 10 (dez) anos.

Sempre procuraram dar tudo de si, para prepararem

aquelas crianças e suas famílias para compreenderem a

complexidade da vida. Procuraram incutir nas crianças o

amor de Deus e aos irmãos, fazendo com que aquela

casa, que era Casa da Criança se tornasse Casa de Deus.

As Irmãs deixaram a casa em 1998, e continuaram

a residir na cidade numa casa adquirida pelo Instituto

Jesus Maria José. Várias Irmãs passaram por aquele

local. Todas com o pensamento fixo em fazer alguma

coisa pelas meninas, sobretudo as mais necessitadas. No

ano de 2008, veio morar em Igarapava, Irmã Eva Ivani de

Souza Lopes, recém-formada em Serviço Social, que

Page 120: Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

120

auxiliada pelas Irmãs que residiam na casa, começaram o

Centro Social e Escola Amada Bem Aventurada Rita

Amada de Jesus.

Podemos notar aqui a insistência das Irmãs que

desembarcaram em terras brasileiras e escolheram

Igarapava como porto seguro. Não é justo que a cidade

que as recebeu de braços abertos, recém-chegadas de

Portugal, expulsas pela revolução de 1910, fique sem os

trabalhos religiosos e não menos importante do que isso,

sem o trabalho de seus ensinamentos.

A casa onde as Irmãs residem é pequena, mas

tornou-se grande para se fazer um trabalho com as

meninas. As Irmãs ficaram com o indispensável para seu

uso, os demais cômodos ficaram para as meninas. As

meninas são atendidas na parte da tarde. Voltam da

escola onde estudam, almoçam e têm várias atividades

até o fim da tarde quando retornam para suas casas.

Em 2.011, em Igarapava, teve inicio o triênio de

celebrações comemorando os cem anos que as Irmãs

estão anunciando no Brasil o Evangelho da Conversão. As

comemorações começaram às 9.00 horas com a

Page 121: Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

121

Celebração Eucarística presidida por Frei Sergio Peres de

Paula, Pároco da Igreja Matriz de Igarapava, concelebrada

por Frei Romualdo e Padre Eduardo Ferreira, Pároco da

vizinha cidade mineira – Delta.

Participaram da celebração 62 Irmãs de Jesus

Maria José que trabalham em São Paulo, Rio Grande do

Sul, Santa Catarina, Minas Gerais, Mato Grosso, Ceará e

Distrito Federal. Estavam presentes Irmãs de: Portugal,

Angola, Moçambique, Cabo Verde, Bolívia, Paraguai e

Peru. Estavam presentes, Irmã Leonir Tomazi, Superiora

Geral, do Instituto Jesus Maria José e várias autoridades

religiosas, civis e militares.

Existe uma lei recentemente promulgada em

Igarapava onde “Declara de Utilidade Pública a

Associação Jesus Maria José, Centro Social e Escola

Amada Beata Rita Amada de Jesus”, mas a real

importância e o apoio que as autoridades igarapavenses

deveriam prestar a esta instituição é quase nulo.

Quem conhece os colégios do Instituto Jesus

Maria José espalhados pelo Brasil e Exterior sabe o

quanto as crianças de Igarapava foram privadas de um

Page 122: Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

122

ensino de qualidade e um apoio humano que nenhuma

escola pública ou particular tem capacidade hoje de

oferecer em solo igarapavense. É uma vergonha darmos

ao Instituto Jesus Maria José apenas uma placa de muito

obrigado por escolher Igarapava.

Igarapava comete o maior pecado de sua história

não apoiando de forma consistente um trabalho tão belo e

sério. As irmãs foram essenciais na administração da

Santa Casa de Igarapava e só abandonaram a mesma

porque a quantidade de irregularidades administrativas

continua nos assolando até os dias atuais. A

irresponsabilidade dos administradores da Santa Casa já

ultrapassou o limite do certo e errado. Nossos dirigentes

políticos estão privando nossas crianças de um ensino de

qualidade. Em um mundo tão cheio de drogas e violência,

Igarapava deveria dar um prédio decente e com total

infraestrutura para que nossas crianças tenham o mesmo

privilégio de outras cidades.

O Instituto Jesus Maria José possui colégios

renomados em São Paulo-SP, Franca-SP, São Miguel Do

Oeste SC, São Simão-SP, Palmeira das Missões RS,

Page 123: Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

123

Taguatinga-DF, Poços de Caldas-MG, Iturama-MG,

Goiânia-GO, Água Boa-MT e Canarana-MT, sendo em

Taguatinga uma Faculdade de excelência reconhecida

internacionalmente. Como primeira cidade de atuação,

Igarapava não auxiliou as irmãs e as obrigou a manter um

espaço na própria casa de moradia para atender mais de

40 crianças, com pouco espaço e recursos, deixando clara

a inexistência de interesse e a total falta de visão das

autoridades, pois em um mundo cada vez mais violento e

com famílias totalmente desestruturadas, relegar o ensino

de nossas crianças para colégios particulares de

qualidade duvidosa ou apenas deixá-las em escolas

municipais para cumprirem uma obrigação de obtenção de

diploma de ensino básico é revoltante.

Os administradores municipais não possuem

nenhum interesse em formar cidadãos capazes, pois

teriam dificuldades para se perpetuarem no poder se

tivéssemos pessoas mais esclarecidas e bem informadas.

Vivemos numa bolha de isolamento do mundo, sem

informações básicas e sem perspectiva de futuro para

nossas crianças. A realidade dos nossos jovens é

perversa atualmente.

Page 124: Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

124

12. O Coronel Quito – Anjo ou Demônio?

A participação efetiva no declínio de Igarapava

transforma Francisco Maximiano Junqueira em uma figura

marcante e que não deve ser esquecida.

Como já mencionado

no inicio desta obra, a trajetória

de vida de Francisco

Maximiano Junqueira (o

Coronel Quito), e de sua

esposa Theolina de Andrade

(Dona Sinhá), a Sinhá

Junqueira, tem inicio no remoto

século XVIII, com a então

descoberta de minas de ouro na região central do Brasil.

Tal descoberta atraiu para a Colônia, imigrantes

de várias regiões do globo, a maioria proveniente de

Portugal. Foi nesse período, que por aqui desembarcou o

português João Francisco Junqueira, oriundo da região

campesina de São Simão da Junqueira, filho de João

Page 125: Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

125

Manuel e Ana Francisca, casal de origem burguesa e

cristã.

O jovem português estabeleceu-se na Capitania

de Minas Gerais, mais precisamente na Comarca do Rio

das Mortes, Vila de São João Del Rei. Nesta época, a

referida comarca era a maior produtora de grãos,

hortaliças e frutos nacionais, servindo tanto a Corte no Rio

de Janeiro, quanto às regiões de extração de minério.

João Francisco Junqueira casou-se no ano de

1.758, com Helena Maria do Espírito Santo e da união

geraram doze filhos, após uma vida inteira de trabalho no

campo, o português veio a adquirir uma propriedade

agrícola alcançando assim, confortável situação financeira.

Faleceu e foi sepultado em 1.819, em São Tomé

das Letras, região onde reside grande parte de seus

descendentes até os dias atuais.

Com o declínio da mineração na região das

Gerais, iniciou-se um fluxo migratório em busca de novas

terras para o plantio e criação de gado, principalmente, por

pessoas que antes residiam na Comarca do Rio das

Mortes.

Page 126: Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

126

Estes mineiros vieram atraídos pela Estrada dos

Goyazes e trouxeram os rebanhos, a experiência do

preparo da terra e principalmente o capital. A região da

Estrada dos Goyazes possibilitou a preparação dos pastos

e a circulação das mercadorias e a terra de qualidade e o

clima satisfatório para o desenvolvimento da agricultura

facilitou o estabelecimento dos mineiros, entre eles os

Junqueira.

O avô do “Cel. Quito” fixou-se na região do

município de Casa Branca, Guatapará e Sertãozinho, em

terras que totalizavam 78.000 alqueires, onde deram o

nome de Solar do Lajeado.

O Tenente Coronel Francisco Maximiano Diniz

Junqueira, filho de Luiz Antonio de Souza Diniz e pai de

Francisco Maximiano Junqueira (Cel. Quito) morreu no

ano de 1.870 na cidade de Jundiaí, vítima de febre

amarela, deixando ao “Cel. Quito” uma herança

considerável – O Solar do Lajeado, alguns animais e uma

boa quantia em dinheiro.

Neste período, segunda metade do século XIX,

houve uma mudança no cenário agrícola nacional com a

introdução do café. A região de Ribeirão Preto torna-se

Page 127: Porto Das Canoas - O Retrato de Um Declinio

127

conhecida como o “Eldorado do Café” sendo a maior

produtora do grão no mundo, vindo a produzir um terço de

todo o café consumido.

Cel. Quito iniciou-se na produção do café, que o

transformou em um homem muito rico e influente na

região. Casou-se com sua prima Theolina Zemilla de

Andrade, na cidade de Franca, no ano de 1.891. Fixou

residência em Ribeirão Preto.

Em 1.902, com o objetivo de facilitar as

exportações de sua produção de café, criou em sociedade

com seus parentes, a “Junqueira Cia. Exportadora” com

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128

sede em Santos que operava anualmente algo em torno

de 200.000 sacas de café. Devido ao cenário econômico

mundial a empresa decretou falência em 1.913.

Com a falência da exportadora, o Cel. Quito

comprou do Sr. Frederico Junqueira, sua parte na

Fazenda União e no Engenho Central, localizados no

município de Igarapava, e vendo o cenário desfavorável

para o café, decide investir pesado na produção de

açúcar, que o tornaria no maior usineiro das Américas.

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As Usinas Junqueira da década de 1.920 se torna

a maior produtora de derivados da cana-de-açúcar do

mundo, o que levou o nome de Igarapava a ser conhecido

em toda a América do Sul.

A cidade não acompanhou o espírito

empreendedor e visionário do Cel. Quito e viveu durante

mais de 70 anos única e exclusivamente da sombra da

Usina Junqueira, o que claramente foi o ponto critico de

declínio da economia local.

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130

O Cel. Quito, num processo ininterrupto adquiria

terras que circundavam a usina união. Os vendedores, em

sua grande maioria, eram constituídos por vizinhos sem

capitais, empobrecidos face as constantes divisões

judiciais, as quais deixavam suas áreas extremamente

reduzidas e pouco rentáveis, face às diminutas extensões.

Dentro da agilidade econômica que lhe

caracterizava, o Cel. Quito, continuava comprando novas

terras, caracterizadas por um processo ordenado,

passando por questões judiciais, que foram desenroladas

tal qual um novelo. O empréstimo de dinheiro, com a

hipoteca de terras, constituía-se numa de suas formas

preferidas de aquisição de terras vizinhas. Eram inúmeras

as escrituras em que os outorgantes confessavam serem

devedores do Cel. Quito, e que, naquele momento lhes

transferiam os direitos sobre as terras, incapazes de

saldarem suas dívidas para com o Cel. Quito.

Nos dias de hoje o nome para esta prática seria

“agiotagem”, mas na época, devido à falta de Bancos, era

aceitável e muitos praticavam essa modalidade de

empréstimo a terceiros. Logo a velha sesmaria do Paraíso,

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131

em Igarapava, retalhada e pulverizada em pequenos lotes,

seria totalmente arrematada pelo bondoso Cel. Quito.

Os proprietários de terra estavam presos a

arrendamentos cada vez menos lucrativos e as usinas de

açúcar monopolizavam e continuam dominando as

plantações no entorno de nossa cidade.

Como o Cel. Quito e a

sua esposa, Sinhá Junqueira,

não deixaram herdeiros, após a

morte do Cel. Quito, a viúva,

Dona Theolina de Andrade

Junqueira, a chamada “Eterna

Dama” cria a Fundação

denominada “Maternidade Sinhá Junqueira” destinada ao

amparo médico-social da maternidade e infância.

Em 1.947, em São Paulo, D. Theolina redigiu o

seu testamento onde deixou expresso, a disposição de

legar a quantia de dois milhões, duzentos e vinte mil e

quatrocentos e noventa e cinco cruzeiros, que deveriam

ser distribuídos a parentes e funcionários indicados

nominalmente e às dezenas de instituições de saúde,

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132

asilos e creches, todos, porém sob a orientação da

recente Fundação Sinhá Junqueira.

Apesar de ser taxativa em seu testamento, onde

deixa claro que os recursos devam ser aplicados para

cuidar da velhice desamparada, dos morféticos pobres e a

pobreza, principalmente das cidades de Ribeirão Preto,

Franca, IGARAPAVA e Colina, estes recursos nunca

foram empregados em nossa cidade.

Analisando o que o Cel. Quito ganhou entre 1.912

e 1.938 somente, Igarapava deveria ter pelo menos o

direito de no mínimo ter suas matas reflorestadas. O

Agiota morreu e Igarapava foi usada por mais um

capitalista, como uns poucos atualmente.

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133

A Usina Junqueira é uma das maiores empresas

desmatadoras da história e não realizou reflorestamentos

para reduzir o impacto das derrubadas do inicio do século

e tão pouco aportou recursos para a implantação de

alguma universidade, escola ou centro tecnológico com o

intuito de preparar os trabalhadores rurais para uma

transição mais amena. As pessoas de Igarapava

demonstram uma apatia ao empreendedorismo e se

satisfazem com as migalhas de arrendamentos destinadas

ao plantio de cana.

Um levantamento preocupante feito recentemente

revelou que no início do século XXI a Usina Junqueira

empregava cerca de 5 mil pessoas em suas safras e

devido a mecanização, hoje, 12 anos depois já se

emprega a metade deste número, ou seja, 2,5 mil pessoas

e que o objetivo até 2014 é reduzir o número de

trabalhadores na colheita da cana-de-açúcar para apenas

800 pessoas. O que será feito com aproximadamente 4 mil

pessoas desempregadas?

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13. O retrato do declínio

Voltando um pouco no tempo, em 1.929,

Igarapava possuía aproximadamente 38 mil habitantes, e

tinha um horto municipal com

mais de 5 mil espécies de

árvores ornamentais que eram

utilizadas na arborização das

ruas da cidade. A cidade já tinha

serviço de distribuição de água potável

e de carne fresca. Hoje, em 2.012,

Igarapava possui menos de 27.000

habitantes efetivamente, ou seja,

aproximadamente 11 mil a menos que

83 anos atrás.

Os Igarapavenses vivem das

lembranças do passado e

simplesmente ignoram os

igarapavenses ilustres nascidos aqui

como a escritora Odete de Barros

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Motti, o escritor Waldomiro Bariani

Ortencio, o compositor Marciano

Marques de Oliveira, o cantor Jair

Rodrigues, o cantor José Ramiro

Sobrinho (o

Pena Branca da

dupla sertaneja Pena Branca e

Xavantinho), a escritora Maria Luíza

Bartholomeu Silva de Oliveira,

Otacílio Branquinho, dono de um

circo de rodeio que é cantado em

verso e prosa por inúmeras duplas

sertanejas do passado, a Primeira

Dupla Sertaneja Japonesa do Brasil

– Os Irmãos Kurimori.

Outro

personagem muito

famoso, ignorado e

praticamente

desconhecido da

população

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igarapavense é Hélio Marincek, que foi o menino-prodígio

da aviação brasileira. Filho de Antonio e Antonieta,

aviadores, aos 13 anos, em Ribeirão Preto, foi a primeira

criança no mundo a voar solo.

Aos 14 anos, no dia 12 de julho de 1939, pilotando

o avião Fairchild F.22 PP-TAY, partiu de

Araguari-MG, e, depois, de pernoitar em

Ribeirão Preto e São Paulo, no dia 14

chegou ao Rio de Janeiro, pousando no

então Aeroporto do Calabouço, hoje

“Santos Dumont”.

O feito foi amplamente

reportado pelos jornais dos Diários

Associados (Assis Chateaubriand) e,

no Rio uma multidão recebeu o piloto

mirim, o qual desfilou pela cidade,

tendo sido, inclusive recebido pelas mais altas autoridades

civis e militares, e pelo então Presidente da República

Getúlio Vargas. Idênticas homenagens se seguiram em

São Paulo, Ribeirão Preto e Igarapava, cidade natal de

Hélio Marincek.

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137

Em reconhecimento a esse feito, Hélio e seu irmão

Homilton foram contemplados com matrícula no Colégio

Militar da então Capital da República. Hélio fez brilhante

carreira na FAB chegando a Coronel Aviador e Homilton

formou-se em engenharia.

Como em toda cidade sem administradores e

pessoas realmente preocupadas como o futuro, a

perspectiva de longo prazo para Igarapava é assustadora.

A falta de oportunidades de crescimento

profissional e pessoal levou milhares de igarapavenses a

mudar-se para centros maiores como Ribeirão Preto,

Franca, Uberaba, Uberlândia, Campinas, São Paulo, entre

outros, restando na cidade apenas os aposentados e as

pessoas sem condições financeiras e profissionais para

buscarem uma boa colocação fora dos limites de

Igarapava e claro, os políticos de ocasião, pessoas que

enxergam na vida pública a única opção para terem renda

e serem bem sucedidos financeiramente.

Este é o retrato mais preocupante para uma

cidade, onde pessoas sem qualificação e em alguns

casos, de má índole, se apoderam dos cargos públicos

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138

para garantirem uma vida confortável economicamente

para seus familiares.

Assim, aparecem as nomeações de familiares para

cargos de confiança, contratação de empresas de amigos

e financiadores políticos sem licitações, obras fraudulentas

e como em muitas cidades brasileiras, desvios de verbas

públicas com a conivência de todos os atores envolvidos

neste espetáculo macabro.

A compra de votos, a

doação de cestas básicas, de

materiais de construção e de

pequenos “agrados” é algo

comum na política de cidades

deste porte. Não existe

seriedade na administração do dinheiro público e os

órgãos fiscalizadores, em sua maioria estão envolvidos

diretamente com estas irregularidades.

Este retrato, infelizmente, não é uma exclusividade

de Igarapava, mas de um número muito grande de

pequenas cidades do território brasileiro.

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139

Políticos oportunistas e população desinformada é

a combinação perfeita para manter uma cidade em estado

de letargia constante, onde os poucos esclarecidos, não

possuem força legal ou política para mudar este cenário, e

o ciclo da desgraça se eterniza.

Igarapava é uma destas cidades que pararam no

tempo e jamais terão uma nova onda de crescimento, pois

a marginalidade política jamais sairá do poder.

As instituições públicas que deveriam ajudar a

população estão em decadência, a saúde, a educação, a

cultura e a segurança, são tratadas sem o mínimo de

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importância, com ações conhecidas como “tapa-buracos”

ou imediatistas. A cidade não possui planejamento de

longo prazo.

Os administradores públicos não conseguem

vislumbrar um futuro porque também fazem parte daquele

grupo de moradores que não se preparou para o

crescimento, se restringem apenas a levar os dias, um

após o outro. Todos os dias, acordam e repetem a mesma

rotina.

Vale destacar que entre o período de 1.970 a

1.990 a cidade viveu um período de estagnação absoluta,

como reflexo da realidade econômica do Brasil, mas

mesmo assim ainda houve uma tentativa de melhoria das

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condições locais com a construção de obras públicas que

hoje garantem o mínimo de civilidade, como é o caso da

Casa da Cultura e o Ginásio de Esportes, que raramente

apresenta algum evento para amenizar a triste rotina de

uma cidade morta.

A situação se agravou a partir de 1.993 após uma

política desastrosa de incentivo a imigração de

trabalhadores do corte de cana-de-açúcar oriundos do

nordeste do Brasil. Até então, esta massa de

trabalhadores era deslocado de suas cidades de origem

apenas no período da colheita da cana-de-açúcar,

retornando aos seus familiares no fim da safra.

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Porém, em virtude de uma visão política

oportunista os administradores públicos amadores

começaram a incentivar a permanência dos mesmos na

cidade, patrocinando a compra ou aluguel de moradias e

claro, a transferência de títulos eleitorais, incrementando o

número de eleitores “moradores”, lembrando em muito as

ações conhecidas no final do século XIX e inicio do século

XX, chamadas de “voto de cabresto”, onde os coronéis

levavam todos os seus funcionários para a votação nas

cidades e posteriormente contavam os votos.

Alias, esta é uma prática habitual em Igarapava

até os dias atuais e se algum “cidadão-colono” votar

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143

diferente da orientação do seu coronel é sumariamente

punido. Assistimos isso em Igarapava de forma

descarada. Muitos políticos possuem currais eleitorais e

trocam votos por cestas básicas, dentaduras, tijolos,

cimento, areia e empregos de subsistência.

O cidadão igarapavense se sente realizado com

um emprego público com salário mínimo e a administração

municipal contrata sempre sem licitação, empresas de

políticos para o fornecimento de alimentação, gasolina,

material de escritório, etc, caracterizando a mais famosa

forma de desvio de verbas públicas já praticadas no Brasil.

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As formas de desvios de verbas públicas são

conhecidíssimas, mas como os órgãos que deveriam

fiscalizar, sempre possuem familiares empregados na

máquina pública, faz-se vista grossa sobre tudo e a vida

continua na mais perfeita ordem no Porto das Canoas.

Hoje milhares de pessoas oriundas de diversos

estados do nordeste circulam pela cidade sem emprego

fixo e o consumo de drogas cresce assustadoramente, os

filhos igarapavenses não possuem nenhuma atividade

esportiva ou cultural para amenizar esse retrato cruel,

restando aos mesmos apenas o uso de drogas ilícitas e

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lícitas. Igarapava não preparou seus jovens para a

decadência da Usina Junqueira, que hoje emprega apenas

um terço do que empregava há 30 anos.

Muitos cidadãos igarapavenses deixaram a cidade

para conseguir trabalho e estudo e os que ficaram são

submetidos a empregos de segunda classe em lojinhas de

comércio, sem nenhuma perspectiva futura, o que causa

uma sensação de abandono e de total falta de

planejamento para o futuro.

As autoridades locais não possuem capacitação

técnica para planejar o futuro em virtude de não terem sido

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preparados para isso e a cada ano que passa, a sombra

do comodismo assola um número maior da população.

A cidade perdeu o espírito empreendedor do inicio

do século XX e os mais diversos crimes de pequeno porte

são habituais. O roubo de carros, o arrombamento de

casas, a venda de drogas e medicamentos proibidos e o

roubo em pequenas propriedades rurais passaram a ser

as melhores opções de renda de milhares de pessoas e

algo amplamente tratado como “normal”. Em cada família

de Igarapava existe alguém preso por roubo ou tráfico.

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Os prefeitos entre os anos de 1.912 e 1.980 não

acompanharam a visão de empreendedorismo do Cel.

Quito e não conseguiram tirar proveitos deste período de

abundância e de exposição positiva da cidade para atrair

mais investimentos e novas empresas.

A monocultura da cana-de-açúcar em todas as

terras de Igarapava deixou os proprietários de terras

acomodados com a facilidade de renda. Praticamente

todas as propriedades rurais da cidade possuem contratos

de arrendamentos com alguma Usina de Açúcar e Álcool

na região, o que eliminou por completo a agricultura e a

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pecuária. A cidade vive em função do pobre comércio que

aguarda as migalhas dos assalariados que trabalham na

indústria da cana-de-açúcar.

Chega-se a conclusão que a monocultura da

cana-de-açúcar e a Usina Junqueira foram extremamente

danosas ao crescimento econômico local, pois eliminou

por completo o espírito dos bandeirantes conquistadores

de nossos primeiros moradores.

Não há perspectiva de futuro para a população e

os jovens deixam a cidade desde a década de 1.980, em

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149

busca de estudo e crescimento profissional no Brasil e no

exterior. Tornamos-nos exportadores de pessoas, à

medida que tratarmos mal quem aqui nasce.

Hoje existem mais igarapavenses morando fora da

cidade do que vivendo nela. Algo está errado. A sua

família contribui para o crescimento ou para o declínio de

Igarapava?

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14. Qual a solução para Igarapava?

Não podemos ser levianos ao ponto de escancarar

as chagas de uma cidade sem mostrar um caminho para a

solução. Este livro foi pensado durante anos e somente

agora tive a oportunidade de torná-lo realidade e tudo na

vida tem o tempo certo, acredito ser este o momento exato

para abrir os olhos da população e dos administradores

públicos locais.

Igarapava está localizada em uma posição

estratégica, as margens de uma das rodovias mais

movimentadas do Brasil, a Anhanguera, e possui terras

banhadas por um dos mais ricos rios do Brasil, o Rio

Grande, que divide os Estados de São Paulo e Minas

Gerais, com suas águas claras que mesmo sofrendo

diversas transformações radicais com a construção de

inúmeras hidrelétricas, continua atraindo um número

expressivo de turistas que desejam conhecer suas belezas

naturais.

No “Diário de uma viagem pelo sertão de São

Paulo”, realizada em 1904, de Cornélio Schmidt, que

relata uma viagem feita pelo norte-americano Thomaz

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151

Canty, o Rio Grande é descrito como um rio muito

diferente daquele que podemos ver hoje. Cornélio Schmidt

era formado pela Escola de Minas de Ouro Preto.

Acompanhou o norte-americano Thomaz Canty durante

dois meses e meio, percorrendo a cavalo a respeitável

distância de 350 léguas em busca de terras públicas do

Estado, ainda pouco povoadas, que pudessem ser

adquiridas para a formação de um núcleo de colonização,

com imigrantes norte-americanos. O diário de Schmidt é

um documento importante, produto de uma visão particular

do sertão paulista, que nos mostra como Igarapava

explora mal o seu potencial turístico, porém não devemos

considerar o livro de Schmidt um documento definitivo e

portador de “verdade” absoluta, cabe aos Igarapavenses

apenas despertar para o potencial das águas que banham

suas terras.

A criação de programas de incentivo a pesca

esportiva, a construção de pousadas e chalés as margens

do Rio Grande e a estruturação de setores chaves como o

hoteleiro, o de alimentação e o de saúde são os primeiros

passos para a criação de um polo turístico. A população e

os empresários locais necessitam de programas de

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152

treinamento para atendimento ao turista, a saúde

necessita ser mais bem gerenciada para garantir

segurança aos visitantes.

A cidade precisa ser totalmente sinalizada, o

tráfego de caminhões de cana não deve ser feito dentro da

área urbana, as praças e parques devem ter pontos de

informações ao visitante e a segurança deve ser tratada

como um caso particular, devido ao alto grau de pequenos

delitos praticados por jovens sem emprego e sem

perspectivas de futuro.

Não sou contra a migração de pessoas de

diversas origens para Igarapava, só insisto que este

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153

incentivo migratório deve ser feito de forma profissional,

planejando Igarapava para o futuro. O político não deve

patrocinar a migração de pessoas somente com o objetivo

de aumentar o número de títulos eleitorais, deve criar

bairros com infraestrutura, escolas, creches, postos de

saúde, postos policiais e principalmente empregos.

Temas como geração de renda e emprego,

educação e desenvolvimento sustentável devem fazer

parte do dia-a-dia das conversas dos gestores públicos e

principalmente da população. Acredito que deveríamos dar

mais valor as Associações de Bairros, realizando reuniões

semanais para identificar os pontos de melhoria. Ouvir as

pessoas é o primeiro passo para desenvolvermos uma

cidade mais humana e progressista.

Infelizmente não possuimos hoje gestores públicos

capacitados para criar um programa de desenvolvimento

sustentável. As usinas de açúcar e álcool da região

eliminam todas as nascentes de água e destroem

patrimoniais arquitetônicos históricos e ninguém toma

nenhuma providência. Deveríamos ter diversas casas

espalhadas pela zona rural que poderiam ser

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transformadas em excelentes pousadas, mas todas são

destruídas para a plantação de cana.

Igarapava precisa mudar o eixo de sua economia,

pois as usinas da região não contribuem mais para o

desenvolvimento da cidade. O expressivo lucro de todas

não permanece em território igarapavense.

Existem ações de curtíssimo prazo e de

baixíssimo custo que poderiam mudar por completo a

motivação do cidadão. A criação de Parques Ecológicos

para passeios e caminhadas, a melhoria na segurança, a

ampliação de opções de lazer como a criação de piscinas

e quiosques para churrascos nos bairros, o incentivo ao

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155

esporte, a utilização das Praças Municipais para

exposição de artistas locais e regionais e outras diversas

atividades. É preciso despertar o prazer de ser

Igarapavense, pois isso foi esquecido. Não existe mais

amor pela cidade. Cabe aos administradores públicos criar

este clima de otimismo.

A solução existe? Claro que existe, mas passa por

um processo de amadurecimento cultural e pela vontade

política. Não existe formação de novos gestores, os

mesmos já não dão mais resultados, estão cheios de

vícios e manias que nada contribuem para o

desenvolvimento da cidade.

Existe mais de 40 mil igarapavenses morando fora

de sua terra natal e são totalmente desprezados. Estes

igarapavenses possuem uma alta capacidade de

contribuição e não são ao menos consultados ou

chamados a darem sugestões de melhoria para a cidade.

Devemos ouvir quem vive no mundo externo, estamos

fechados em uma redoma de vidro, protegidos das

ameaças das opiniões de outros.

Devemos ter a maturidade e a humildade para

reconhecer que não possuimos políticos capazes, mas

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156

que podemos e devemos dar oportunidade a novas

pessoas, mas não simplesmente por trocar o “A” pelo “B”,

mas identificando se o “B” tem capacidade técnica para

levar Igarapava a um novo patamar. Este patamar é o

crescimento planejado.

Deveríamos reunir e discutir com a população um

Projeto de Desenvolvimento e Crescimento para os

próximos 30 anos, onde independentemente de quem

estiver no poder, devemos seguir a risca o planejado. Esta

“união” de ideias não deve ser privilégio de um seleto

grupo de pseudos especialistas, mas sim de pessoas de

mente e coração abertos, sem preocupações menores,

sem a intenção de puxar mais brasa para a sua sardinha.

Igarapava precisa de um PROJETO GANHA-

GANHA. Aquele administrador que entender isso terá uma

longa vida na política local e não entrará na história como

mais um que apenas enriqueceu meia dúzia de amigos,

mas sim criou uma cidade, que hoje não somos. Muitos

dirão ser algo utópico, sonhador e até mesmo inocente.

Mas não será isso que Igarapava precisa após 170 anos?

Um pouco de inocência e sonho?

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Bibliografia

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