PORTARIA Nº 198/96

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE SÃO PAULO Rua Peixoto Gomide, 768- São Paulo (SP) EXCELENTÍSSIMA SENHORA JUÍZA FEDERAL DA 5ª VARA CÍVEL DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO. Autos n. o 2004.61.00.034549-6 O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL , pelo Procurador da República infra-assinado, e o INSTITUTO NACIONAL DE TRADIÇÃO E CULTURA AFRO BRASILEIRA – INTECAB e o CENTRO DE ESTUDOS DAS RELAÇÕES DE TRABALHO E DA DESIGUALDADE – CEERT , por seu advogado infra-assinado, vem respeitosamente à presença de Vossa Excelência, nos autos desta AÇÃO CIVIL PÚBLICA, oferecer a presente RÉPLICA RÉPLICA à contestação deduzida a fls. 322-366 pelas rés REDE RECORD DE TELEVISÃO e REDE MULHER DE TELEVISÃO , nos seguintes termos: 1

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EXCELENTÍSSIMA SENHORA JUÍZA FEDERAL DA 5ª VARA CÍVEL DA SEÇÃO

JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO.

Autos n.o 2004.61.00.034549-6

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelo Procurador

da República infra-assinado, e o INSTITUTO NACIONAL DE TRADIÇÃO E

CULTURA AFRO BRASILEIRA – INTECAB e o CENTRO DE ESTUDOS DAS

RELAÇÕES DE TRABALHO E DA DESIGUALDADE – CEERT, por seu advogado

infra-assinado, vem respeitosamente à presença de Vossa Excelência, nos autos

desta AÇÃO CIVIL PÚBLICA, oferecer a presente

RÉPLICARÉPLICA

à contestação deduzida a fls. 322-366 pelas rés REDE RECORD DE TELEVISÃO

e REDE MULHER DE TELEVISÃO, nos seguintes termos:

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“Acuso-os de não querer reconhecer aos outros a mesma liberdade e perseguir como inimigos de Deus todos os que não pensam como eles, por mais honestos e praticantes da verdadeira virtude que sejam, ao mesmo

tempo em que estimam como eleitos de Deus os que os seguem em tudo, ainda quando se trata de pessoas moralmente incapazes. Mais criminoso do que isso, e mais nocivo para o Estado, é impossível imaginar alguma coisa”.

(Baruch de Espinosa, Tratado Teológico-Político, cap. XIV)

I. SÍNTESE DAS ALEGAÇÕES DAS RÉSI. SÍNTESE DAS ALEGAÇÕES DAS RÉS

As rés desta ação aduziram, PRELIMINARMENTE, as

seguintes defesas processuais:

a) a incompetência absoluta do juízo, pois caberia ao

juiz criminal decidir sobre o pedido de resposta, nos termos do disposto na Lei de

Imprensa (Lei Federal n.o 5.250/67);

b) a inépcia da inicial porque os autores, contrariando o

disposto na Lei de Imprensa, não apresentaram previamente ao juízo o texto a ser

levado ao ar, e não postularam diretamente, perante as emissoras rés, a

publicação da resposta;

c) a decadência do direito de resposta, porque, nos

termos do art. 29, § 2o, da Lei de Imprensa, o prazo para a formulação do pedido é

de 60 dias da data da publicação ou transmissão;

d) o defeito de representação de uma das entidades

autoras (o INTECAB), uma vez que o estatuto da organização obrigaria o exercício

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conjunto da representação pelo Coordenador Geral e pelo Vice-Coordenador do

Conselho Religioso;

e) o defeito de representação do INTECAB, porque a ata

de eleição refere-se a Toy Vodunnon Francelino de Shapanan como Coordenador

Geral da entidade, ao passo que a procuração judicial foi outorgada por Francelino

Vasconcelos Ferreira;

f) a ilegitimidade ativa do Ministério Público Federal,

pois a defesa de bens sociais e culturais não passa (segundo os réus) de “mero

pretexto” para a defesa de direitos individuais;

g) a ilegitimidade ativa do CEERT, já que as previsões

constantes de seus estatutos seriam por demais genéricas para conferir àquela

organização a legitimatio ad causam;

h) a falta de interesse de agir, pois “representantes dos

Autores, vestidos a rigor, declinaram, por seu porta-voz, em trechos aspeados” que

não iriam se defender das acusações de ligação com o demônio.

Ainda como matéria preliminar ao exame do mérito, as

Rés denunciaram a lide à IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS, pois, em

razão de vínculo contratual vigente, essa entidade religiosa teria assumido integral

responsabilidade pelo conteúdo dos programas transmitidos.

NO MÉRITO, alegam as rés, em breve síntese:

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a) que não há na grade das emissoras programa com o

nome “Sessão de Descarrego” e que o programa “Mistérios” – já não mais

transmitido – é exibido nas madrugadas, não ultrapassando o período de trinta

minutos;

b) que a decisão concessiva da tutela antecipada é nula

porque não houve a degravação das fitas de vídeo anexadas, e que a prova

produzida é “ilícita” uma vez que os programas gravados contém “reserva de

utilização”;

c) que os programas levados ao ar limitaram-se a exibir

o “testemunho de cidadãos ignorados” e que a inicial faz menção a adjetivos e

locuções parciais, sem contextualizá-las;

d) que é inconstitucional “qualquer tentativa de ceifar a

liberdade de expressão e de manifestação de pensamento no tocante à (sic) esta

ou (sic) àquela, prática religiosa;

e) que a laicidade do Estado brasileiro também

“inviabiliza qualquer investida jurisdicional com idêntico desideratum”;

f) que as transmissões juntadas aos autos não contêm

discriminação ou opiniões preconceituosas e que são os próprios membros das

religiões afro-brasileiras quem divulgam as expressões atribuídas às rés;

g) que as religiões de matriz africana praticam ritos

associados à bruxaria;

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h) que os autores, ao afirmarem que “não pretendem

responder às ofensas”, renunciaram ao direito postulado na ação;

i) que os autores “serviram-se do Poder Judiciário para a

autopromoção supostamente voltada a interesses político-eleitoreiros”.

II. RESPOSTA ÀS PRELIMINARES ARGÜÍDAS

A. Não-incidência da Lei de Imprensa.

As três primeiras preliminares argüidas pelas rés partem

do pressuposto de que o procedimento que rege a presente lide é aquele indicado

na Lei de Imprensa (Lei Federal n.o 5.250/67).

Em artigo datado de 20021, o próprio signatário desta

petição defendeu, en passant, que o procedimento cabível para a postulação do

direito de resposta coletivo era o previsto na Lei de Imprensa. Trata-se, porém, de

um equívoco, como tentaremos demonstrar.

Para isso, é preciso reafirmar (uma vez que as rés

insistem em dizer que estamos a discutir interesses “puramente individuais”) que

os direitos fundamentais defendidos nesta ação possuem natureza difusa,2.

1 Fls. 385-399 dos autos.2 Fls. 339.

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Como é sabido, o art. 81, parágrafo único, do Código de

Defesa do Consumidor conceitua interesses ou direitos difusos como “os

transindividuais de natureza indivisível de que sejam titulares pessoas

indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato”.

Como bem reconheceu Vossa Excelência na decisão

antecipatória da tutela3, os valores protegidos pela demanda são os bens que

compõem a diversidade cultural de nosso país, notadamente o respeito e a não-

discriminação (CR, arts. 1º, III e V, e 3º, I e IV).

Tais valores são indiscutivelmente difusos, porque

pertencem a TODOS os seres humanos, pelo simples fato de serem eles humanos.

Segundo a contestação, os direitos em questão seriam

individuais porque “cada cidadão sente à sua maneira e a seu tempo, as eventuais

ofensas que possam ser contra si desferidas”. O argumento é falso, porque

pretende ocultar o ódio social alimentado pelas Rés, convertendo as “eventuais”

(!!!) ofensas religiosas, diariamente lançadas, em problema individual do

telespectador.

A vingar o argumento, também o racismo seria um

problema meramente individual, já que da mesma forma “cada cidadão negro sente

à sua maneira” as ofensas proferidas pelos intolerantes.

Enfim, é evidente que se discutem direitos de natureza

difusa neste processo.

3 Fls. 275.

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Ora, Excelência, qual o único remédio processual que

o Ministério Público e as associações legalmente constituídas dispõem para

defenderem direitos e interesses coletivos? Acaso não é a ação civil pública,

instrumento processual com assento na própria Constituição da República

(art. 129, III)?

O art. 1o, caput e inciso IV, da Lei da Ação Civil Pública

(Lei Federal n.o 7.347/85) prescreve expressamente que “regem-se pelas

disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade

por danos morais e patrimoniais causados...” contra qualquer interesse difuso ou

coletivo.

Se assim é, o diploma legal que deve reger a presente

ação coletiva não é a vetusta Lei de Imprensa, mas sim as Leis Federais n.º

7.347/85, 8.078/90 e o Código de Processo Civil (por força do disposto no art. 19

da Lei da Ação Civil Pública - LACP). Em relação à Lei Federal n.o 5.250/67, são

leges speciales e leges posteriores. Portanto, são os diplomas aplicáveis.

Até porque - é preciso dizer - o art. 29 da Lei de

Imprensa não previu (e nem poderia, pois data do ano de 1967) a legitimação

extraordinária do Ministério Público e das associações legalmente constituídas,

para responder a ofensas difusas transmitidas nos meios de comunicação de

massa. Naquele artigo, há tão-somente a legitimação ordinária da “pessoa natural

ou jurídica, órgão ou entidade pública, que for acusado ou ofendido em publicação

feita em jornal ou periódico, ou em transmissão de radiodifusão”.

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Os próprios patronos das rés reconhecem que na Lei de

Imprensa “não consta o proclamado direito coletivo de resposta”4. Portanto, ao

advogarem a incidência da lei de 1967 no presente caso, pretendem, de fato,

negar aos autores o direito à adequada tutela jurisdicional contra as injustas e

reiteradas agressões sofridas por milhões de brasileiros que professam as

religiões afro-brasileiras.

O mero uso da expressão “direito de resposta” na

petição inicial não tem, por certo, o condão de afastar a incidência da lex specialis.

Mais do que o nome5, importa considerar a natureza do bem jurídico tutelado. Se

coletivo ou difuso, a ação não pode ser outra se não aquela prevista na Lei n.º

7.347/85.

No mais, a tutela jurisdicional requerida pelos Autores e

deferida por Vossa Excelência é tout court uma obrigação de fazer, inteiramente

regulada pelo art. 461 do Código de Processo Civil e pelo art. 84 do Código de

Defesa do Consumidor.

Nenhuma nulidade procedimental há, portanto, no

processo. O juízo competente para apreciar a lide não é o criminal, não há que se

falar em decadência do direito e nem havia a obrigatoriedade de apresentação

prévia do texto da resposta, já que o procedimento cabível não é aquele regulado

pela Lei de Imprensa, como esperamos ter suficientemente demonstrado.

4 Fls. 331.5 Afinal, como disse o bardo, "What's in a name? That which we call a rose by any other name would smell as sweet" (Romeo and Juliet, Ato II, Cena 2).

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Querem crer os autores que o Estado brasileiro

consagrou integralmente6 a máxima chiovendiana segundo a qual “o

processo deve dar, quanto for possível praticamente, a quem tenha um

direito, tudo aquilo que ele tenha direito de conseguir”7. Nessa perspectiva, a

obediência aos ritos não pode representar um obstáculo ao cumprimento da

função de proteção dos valores fundamentais, atribuída ao Poder Judiciário.

B. Representação adequada das liticonsortes.

Dizem as rés que há defeito na representação da autora

INTECAB porque o estatuto da organização obrigaria o exercício conjunto da

representação processual, o que não ocorreu na outorga da procuração de fls. 47.

O artigo do estatuto referido é o seguinte:

Art. 16 – A representação do Instituto será feita pelo Coordenador Geral e o Vice-Coordenador Geral do Conselho Religioso ou por substitutos previamente designados.

A interpretação “gramatical” dada ao artigo pelas Rés

não sobrevive porém à própria gramática. Como se sabe, o antepositivo “vice”

designa, em todos os casos, o substituto do titular8. Desse modo, a única

6 No art. 5º, inciso XXXV, da Constituição. Cf. em especial Luiz Guilherme Marinoni, A Antecipação da Tutela, São Paulo, Malheiros, 1999, pp. 20-24.7 Apud Ada Pellegrini Grinover et alli, Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, Rio de Janeiro, Forense, 1992, p. 517. 8 O dicionário registra que o termo latim vice é o ablativo do substantivo feminino vix 'vez, sucessão, alternativa'.

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interpretação possível do artigo estatutário é a que dita que “a representação do

instituto será feita alternativamente pelos dois Coordenadores; à falta do

Coordenador Geral (titular), compete ao Vice-Coordenador (substituto) representar

a entidade”.

Não obstante, para evitar discussões bizantinas, os

Autores requerem a Vossa Excelência a juntada da inclusa PROCURAÇÃO,

subscrita pelos dois Coordenadores (o titular e seu vice), a fim de que não haja

dúvida acerca da vontade da associação autora.

Aproveitam, também, para esclarecer que Toy Vodunnon

Francelino de Shapanan é o nome religioso do coordenador da entidade,

Francelino Vasconcelos Ferreira.

C. Legitimidade do Ministério Público Federal para esta ação.

É preciso deixar claro que as Rés são concessionárias

de um serviço público federal: o serviço de radiodifusão de sons e imagens9. A

faixa de freqüência em que operam é um bem público de interesse de todos

os brasileiros, uma vez que somente por intermédio da televisão e do rádio

se faz possível a circulação de idéias em todo o território nacional. A imprensa

escrita, como se sabe, não alcança número expressivo de leitores no Brasil, e a

Internet, espaço democrático, quase anárquico, de comunicação global, também

possui um universo de usuários muito restrito.

9 Constituição da República, art. 21: “Compete à União: (...) XII - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão: a) os serviços de radiodifusão sonora, e de sons e imagens”.

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A Igreja Universal do Reino de Deus – proprietária,

segundo consta, ao menos de uma das empresas demandada – sabe o enorme

poder social que dispõe os meios de comunicação de massa. Segundo notícia

publicada no Jornal Folha de S. Paulo, uma das prioridades anunciadas por essa

organização religiosa para o ano de 2003 era, justamente, dobrar a participação de

seus parlamentares nas comissões do Congresso que cuidam das concessões de

rádio e TV10.

É conhecida de todos a estratégia política adotada pela

igreja em questão para ampliar sua hegemonia social: trata-se, na síntese de

Reginaldo Prandi, professor do Departamento de Sociologia da Universidade de

São Paulo, da constituição de

“(...) modernas organizações empresariais,

que aplicam técnicas modernas de marketing,

treinam os pastores-executivos para a

expansão e prosperidade material das igrejas

e contam com canais próprios e alugados de

televisão e rádio, além de representação

aguerrida nos legislativos municipais,

estaduais e federal”11.

Menos conhecidas do grande público são as atividades

paralelas desenvolvidas pela mesma organização. Há menos de um mês o

Deputado Federal e Presidente da Igreja Universal do Reino de Deus, Bispo João

Batista, foi detido pela Polícia Federal quando transportava R$ 10,2 milhões, em

espécie.

10 Jornal Folha de S. Paulo, edição de 10 de outubro de 2002, p. 04.11 Segredos Guardados: Orixás na Alma Brasileira, São Paulo, Companhia das Letras, 2005, p. 233.

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Também neste ano de 2005, o Procurador Geral da

República requisitou ao Supremo Tribunal Federal a abertura de inquérito policial

para apurar as relações de líderes da igreja com duas empresas – a Cableinvest

Limited e a Investholding Limited – ambas com sede nas Ilhas Cayman. Segundo

reportagem publicada na Revista Istoé,

“(...) há indícios de que o esquema foi utilizado para a compra da TV Record do Rio, em 1992, e de outras emissoras. As duas offshore enviaram dinheiro ao Brasil, por meio de operações irregulares, para a conta bancária de bispos da Universal e também de ‘laranjas’. Documentos da Receita Federal comprovam essas transações. As remessas e recebimentos totalizam US$ 18 milhões (R$ 44,6 milhões) e comprovariam a evasão de divisas”12.

O caso seria exclusivamente de polícia, não fosse a

igreja usar o espaço público transitoriamente cedido às Rés para vilipendiar as

religiões concorrentes e incitar o ódio social.

A primeira vítima da intolerância televisiva patrocinada

pela Igreja Universal do Reino de Deus, diga-se de passagem, foi a imagem de

Nossa Senhora Aparecida. Vossa Excelência deve se recordar que, em 1996, no

dia da celebração da santa, um pastor da Igreja chutou o ícone católico, em

12 Disponível no endereço: www.terra.com.br/istoe/1858/brasil/1858_as_contas_secretas _da_igreja_universal.htm.

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transmissão nacional. A propósito: a transmissão foi feita pela Ré desta ação,

a Rede Record de Televisão.

Pensamos já ter suficientemente demonstrado que os

valores ofendidos pela intolerância religiosa das Rés são de natureza

metaindividuais. Gostaríamos apenas de citar, em reforço, a lição de Barbosa

Moreira, que também abordou a questão, a partir de outro prisma:

“O interesse em defender-se ‘de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221’ enquadra-se com justeza no conceito de interesse difuso. (...) Com efeito: em primeiro lugar, ele se caracteriza, à evidência, como ‘transindividual’, já que não pertence de modo singularizado, a qualquer dos membros da comunidade, senão a um conjunto indeterminado – e, ao menos para fins práticos, indeterminável – de seres humanos. Tais seres ligam-se uns aos outros pela mera circunstância de fato de possuírem aparelhos de televisão ou, na respectiva falta, costumarem valer-se do aparelho do amigo, do vizinho, do namorado, do clube, do bar da esquina ou do salão de barbeiro. E ninguém hesitará em qualificar de indivisível o objeto de semelhante interesse, no sentido de que cada canal, num dado momento, transmite a todos a mesma e única imagem, nem se concebe

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modificação que se dirija só ao leitor destas linhas ou ao rabiscador delas”13.

Como é sabido, o art. 221 da Constituição da República

obriga as concessionárias do serviço público de radiodifusão respeitar os valores

éticos e sociais da pessoa e da família, dentre os quais, indubitavelmente, as

liberdades religiosas e de pensamento.

A violação desses valores confere ao Ministério Público

Federal verdadeiro poder-dever de agir, buscando em juízo a reparação da ofensa

coletiva.

Lembramos que o art. 5º, inciso IV, da Lei Complementar

n.º 75/93 (Lei Orgânica do Ministério Público da União - LOMPU) confere

atribuição expressa ao Ministério Público Federal para “zelar pelo efetivo respeito

dos meios de comunicação social aos princípios, garantias, condições, direitos,

deveres e vedações previstos na Constituição Federal e na lei, relativos à

comunicação social”.

É, portanto, o parquet federal parte legítima para figurar

no pólo ativo desta ação, ao lado das duas associações litisconsortes.

D. Possibilidade jurídica do pedido de resposta coletivo.

13 “Ação Civil Pública e Programação de TV” in Temas de Direito Processual, 6a série, São Paulo, Saraiva, 1997, pp. 243-244. No mesmo sentido, cf. o artigo de Rodolfo de Camargo Mancuso, “Controle jurisdicional do conteúdo da programação televisiva” in Boletim dos Procuradores da República n.º 40, agosto de 2001, pp. 20-29.

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Ensina Canotilho que

“A uma norma constitucional deve ser

atribuído o sentido que maior eficácia lhe

dê. É um princípio operativo em relação a todas e quaisquer normas constitucionais e (...) é hoje sobretudo invocado no âmbito dos direitos fundamentais (no caso de dúvidas deve preferir-se a interpretação que reconheça maior eficácia aos direitos fundamentais)”14.

Pois bem. O art. 5o, inciso V, da Constituição da

República estabelece que “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao

agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”. O termo

“agravo” significa dano, prejuízo, ofensa. Como o legislador constituinte não apôs

nenhum complemento à palavra, não há razão para se entender que o agravo

causado pelo abuso do direito de comunicação deva estar restrito a direitos

individuais da pessoa, notadamente a honra e a imagem.

Vital Moreira, em importante trabalho sobre o tema,

compartilha do mesmo entendimento:

“Se o direito de resposta tivesse por

fundamento apenas a defesa do direito ao bom

nome e reputação ou a garantia da veracidade

da informação relativa às pessoas, melhor

seria que ele se consubstanciasse numa

obrigação de retratação ou de correção do

14 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra, Almedina, 1998, p. 1097.

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próprio órgão de informação, sob determinação

judicial. Só que o direito de resposta consiste no direito de fazer publicar um texto pessoal do próprio interessado, a sua versão dos fatos, independentemente de uma aferição judicial da veracidade das versões em confronto. Por conseguinte, o direito de resposta é também um direito de acesso aos meios de comunicação social, para responder por palavras próprias às referências ofensivas ou inverídicas de que se seja objeto nos meios de comunicação. Ele constitui pois um dos afloramentos de ‘um direito à expressão’ isto é, um direito positivo de acesso aos meios de comunicação”15

.

O que se está a afirmar é que a concepção subjetivista

tradicional do direito de resposta como garantia do direito à honra é incompatível

com a extensão da norma contida no art. 5o, inciso V, de nossa Carta Política. À

semelhança do sistema português, o direito de resposta no Brasil possui, também,

a importante função de permitir o acesso do titular do direito lesado (qualquer

direito, individual ou metaindividual) ao órgão de comunicação social, de modo a

assegurar o contraditório necessário ao restabelecimento da verdade sobre um

fato determinado. Sob este ponto de vista, o direito de resposta não se constitui em

limitação à liberdade de comunicação; ao contrário, cuida-se de verdadeira

garantia da mais ampla liberdade de expressão, exercida contra o monólogo

produzido pelos controladores dos meios de comunicação de massa.

15 O Direito de Resposta na Comunicação Social, Coimbra, Coimbra Editora, 1994, p. 80.

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Nessa perspectiva, a garantia prevista no art. 5º, inciso

V, da Constituição busca dar plena concreção às palavras de Stuart Mill,

pronunciadas em seu libelo On Freedom:

“O único modo pelo qual é possível a um ser humano tentar aproximar-se de um conhecimento completo acerca de um assunto é ouvindo o que podem dizer sobre isso pessoas de grande variedade de opiniões, e estudando todos os aspectos em que o podem considerar os espíritos de todas as naturezas (...). O hábito constante de corrigir e completar a própria opinião cotejando-a com a de outros, longe de gerar dúvidas e hesitações ao pô-la em prática, constitui o único fundamento estável para que nela se tenha justa confiança”16.

Na síntese de Vital Moreira,

“O direito de resposta é, sem dúvida, sobretudo um ‘meio específico de proteção do direito à identidade pessoal face aos meios de comunicação’. Mas é também um meio de acesso individual aos meios de comunicação social, um instrumento de compensação da sua unilateralidade, uma expressão do direito à ‘igualdade de oportunidades comunicativa’ (kommunikative Chancengleichheit) a favor de quem seja por aqueles referido em termos

16 A Liberdade, São Paulo, Martins Fontes, 2000, p. 34.

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inverídicos ou ofensivos. Sendo a relação dos meios de comunicação de massa com o seu auditório uma relação unilateral, ‘vertical’, enfim, monoloquial, o direito de resposta funciona como uma incursão equilibradora, de natureza controversial, coloquial e dialogal”17.

Pois bem. Quando a informação ou opinião causar dano

a direito individual, o direito de resposta será exercido pela “pessoa natural ou

jurídica, órgão ou entidade pública”, que for acusado ou ofendido em publicação ou

transmissão (Lei 5.250/67, art. 29).

Quid juris se a informação ou opinião causar dano a

direitos ou interesses metaindividuais? Nesse caso, o direito de resposta será

exercido coletivamente, pelos legitimados indicados no art. 5o da Lei 7.347/85 e no

art. 82 da Lei 8.078/9018. Ubi eadem ratio, ibi idem jus! A menos, é claro, que se

pretenda sustentar que apenas os direitos individuais gozam da adequada

proteção constitucional em face dos meios de comunicação, o que, evidentemente,

é um contra-senso.

17 O Direito de Resposta na Comunicação Social, op. cit, p. 33.18 Fábio Konder Comparato, no artigo “A Democratização dos Meios de Comunicação de Massa”, também sustenta a possibilidade do exercício coletivo do direito de resposta: “O direito de resposta, tradicionalmente, visa garantir a defesa da verdade e da honra individual. Legitimado a exercê-lo, portanto, é sempre o indivíduo em relação ao qual haja sido difundida uma mensagem inverídica ou desabonadora. Ainda que se não possa nele enxergar um direito potestativo, como quer uma parte da doutrina, é inegável que ele se apresenta como um meio de defesa particularmente vigoroso, em geral garantido pela cominação de pesada multa em caso de descumprimento pelo sujeito passivo. É sem dúvida, necessário estender a utilização desse mecanismo jurídico também à defesa de bens coletivos ou sociais, que a teoria moderna denomina ‘interesses difusos’” (in Eros Roberto Grau e Willis Santiago Guerra Filho (organizadores), Direito Constitucional: estudos em homenagem a Paulo Bonavides, São Paulo, Malheiros, 2001, p. 165).

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Não há, realmente, óbices legais para a concessão do

direito de resposta coletivo, inclusive, se necessário, por via judicial. O art. 5o,

inciso V, da Constituição não estabelece restrição alguma ao pedido. O inciso

XXXV do mesmo artigo, por seu turno, ao consagrar o princípio da inafastabilidade

do controle jurisdicional, declara expressamente que “a lei não excluirá da

apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”19 (individual, coletivo ou

difuso). Em perfeita consonância com este princípio, o artigo 84 do Código de

Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), aplicável a todos os direitos difusos e

coletivos por força da norma de extensão contida no art. 21 da Lei 7.347/85,

estabelece que “na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de

fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou

determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do

adimplemento”.

As normas citadas revelam, como se vê, a especial

preocupação do direito contemporâneo em assegurar a efetividade do processo,

especialmente quando os interesses tutelados possuírem natureza não-

19 “Uma leitura mais moderna deste inciso – observa Luiz Guilherme Marinoni – faz surgir a idéia de que esta norma constitucional garante não só o direito de ação, mas a possibilidade de um acesso efetivo à justiça, e, assim, um direito à tutela jurisdicional adequada, efetiva e tempestiva. Não teria cabimento entender, com efeito, que a Constituição da República garante ao cidadão que pode afirmar uma lesão ou uma ameaça a direito apenas e tão-somente uma resposta, independentemente de ser ela efetiva e tempestiva. Ora, se o direito de acesso à justiça é um direito fundamental, porque garantidor de todos os demais, não há como se imaginar que a Constituição da República proclama apenas que todos têm o direito a uma mera resposta do juiz. O direito a uma mera resposta do juiz não é suficiente para garantir os demais direitos, e, portanto, não pode ser pensado como uma garantia fundamental de justiça. (...) Como diz Camoglio, o problema crucial do acesso à justiça está, em última análise, na efetividade da tutela jurisdicional. Não basta reconhecer, em abstrato, a libertà di agire e garantir a todos, formalmente, a oportunidade de exercer a ação. Limitar-se a tal configuração, no catálogo tradicional das liberdades civis, significa desconhecer o sentido profundamente inovador dos direitos sociais de liberdade, em seus inevitáveis reflexos sobre a administração da justiça. Cabe, portanto – prossegue o professor da Universidade de Pavia -, assegurar a qualquer indivíduo, independentemente das suas condições econômicas e sociais, a possibilidade, séria e real, de obter a tutela jurisdicional adequada” (Novas Linhas do Processo Civil, 4a edição, São Paulo, Malheiros, 2000, pp. 151-152).

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patrimonial, como é o caso dos interesses metaindividuais protegidos pelo direito

de resposta coletivo.

A falta de previsão legal específica não pode obstar o

exercício do direito em questão. A norma constitucional instituidora da garantia

possui eficácia plena, como bem anotou Pontes de Miranda em seus Comentários

à Carta Política anterior20. Ademais, ensina Cândido Dinamarco, “a crescente e

visível tendência moderna à universalização da jurisdição desautoriza o abuso de

bolsões de direitos ou interesses não-jurisdicionalizáveis e impõe que na maior

medida possível possa o Poder Judiciário ser o legítimo e eficiente portador de

tutela a pretensões justas e insatisfeitas. O exagero na exclusão da

jurisdicionalidade alimentaria a litigiosidade contida e, com isso, minaria a

realização de um dos objetivos do Estado”21. Portanto, “em processo civil, a

determinação da possibilidade jurídica faz-se em termos negativos, dizendo-se que

há impossibilidade jurídica quando o Estado, sem levar em conta as características

peculiares da situação jurídica concreta, nega aprioristicamente o poder de ação

ao particular. Inexistindo razão preponderante ou expressa vedação legal, a ação é

admissível”22.

O exercício regular do direito de resposta coletivo não

constitui, evidentemente, censura aos meios de comunicação, pois a faculdade

decorre de norma constitucional expressa23. A emissora de rádio ou TV não está 20 “Se a lei ordinária deixa de regular o direito à resposta, nem por isso fica ele dependente da legislação ordinária; o art. 153, § 8o, 2a parte [da Constituição de 1969] é bastante em si” (Comentários à Constituição de 1967, v. 5, op. cit., p. 163).21 Execução Civil, 3a edição, São Paulo, Malheiros, 1993, p. 380.22 Idem, p. 386.23 Trata-se, portanto, na expressão de Robert Alexy, de restrição diretamente constitucional (cf. a respeito sua Teoria de los Derechos Fundamentales, Madrid, Centro de Estudios Constitucionales, 1997, pp. 267-285). Seguindo a linha de pensamento de Alexy, observa, com propriedade, Canotilho, que as normas constitucionais imediatamente restritivas são, ao mesmo tempo, “normas de garantia de direitos e normas limitativas de direitos: (1) são normas de garantia porque garantem,

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impedida de expressar, livremente, suas idéias. Se tais idéias, porém, atingirem

direitos ou interesses coletivos ou difusos, os legitimados indicados no art. 5o da

Lei 7.347/85 e art. 82 da Lei 8.078/90 poderão postular a retificação ou a resposta.

Além disso, como tentamos demonstrar, o direito de resposta busca, precisamente,

assegurar o contraste de opiniões e o pluralismo de idéias essenciais para a vida

democrática (CR, art. 1o, inciso V)24.

No mais, o direito de resposta coletivo é a restrição

constitucional que menos onera a liberdade de comunicação das emissoras, não

havendo que se falar, portanto, em violação do princípio da proporcionalidade.

E. O interesse de agir dos autores.

Sem meios para se defender do mérito da causa, as Rés

procuram atacar os Autores da ação com argumentos juridicamente frágeis e que

não guardam nenhuma relação com a questão discutida neste processo.

Dizem as Rés que não há mais o legítimo interesse na

publicação da resposta, uma vez que “representantes dos Autores, vestidos a

rigor, declinaram, por seu porta-voz, em trechos aspeados” que não iriam se

defender das acusações de ligação com o demônio25.

constituem ou reconhecem um âmbito de proteção a determinado direito [in casu, os direitos lesados pelo abuso no exercício da liberdade de comunicação social]; (2) são normas restritivas porque estabelecem imediatamente limites ao âmbito de proteção” (Direito Constitucional e Teoria da Constituição, op. cit., p. 1144).24 No mesmo sentido é a posição de Vital Moreira, O Direito de Resposta na Comunicação Social, op. cit., pp. 18-24.25 Fls. 341.

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As Rés referem-se a reportagem, publicada na edição

de 26 de maio de 2005 do jornal Folha de S. Paulo. Na entrevista, o repórter

transcreve uma frase do diretor do programa-resposta gravado às expensas das

associações autoras, no auditório do TUCA, em São Paulo.

A fita contendo a gravação já foi anexada aos autos do

agravo de instrumento interposto pelas Rés, e os Autores aproveitam a

oportunidade para requerer a juntada de cópia idêntica também aos autos desta

ação.

A frase pronunciada pelo diretor do programa, o cineasta

Joel Zito Araújo, foi: “Não vamos nos defender das acusações de ligação com o

demônio. Vamos fazer um talk-show que se chamará ‘Diálogo das Religiões’, para

discutir com diversas religiões uma cultura de tolerância religiosa. A Igreja

Universal nem será citada”.

Cumpre de início esclarecer que o diretor não é,

evidentemente, “representante” dos Autores. Trata-se de um profissional

competente e premiado que, a convite das associações autoras, aceitou dirigir o

programa sem cobrar honorários, porque compartilha, com todas as pessoas de

bem deste país, a mesma indignação contra a intolerância religiosa propagada

pelas Rés.

O belíssimo trabalho realizado talvez seja a melhor

resposta à impugnação feita pelas Rés. Assistindo à gravação, Vossa Excelência

poderá atestar que a intenção dos Autores não é alimentar o conflito religioso com

membros da Igreja Universal do Reino de Deus, mas sim usar o espaço público

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que lhe foi assegurado para: a) esclarecer o telespectador que as religiões afro-

brasileiras não são religiões satânicas, tal como divulgado pelas emissoras Rés; b)

mostrar que os ritos, danças e músicas das religiões afro-brasileiras estão

incorporados ao patrimônio cultural da Nação, e refletem, sobretudo, a história do

povo negro no Brasil; c) divulgar a importância, no mundo contemporâneo, de

promoção da paz e da tolerância entre as religiões.

Infelizmente, as Rés não compreenderam a mensagem,

e buscaram, na contestação, atribuir-lhe valor jurídico que não possui.

Repetimos mais uma vez que o escopo desta ação não

é promover a intolerância e a disputa entre as religiões, mas sim patrocinar o

diálogo, o pluralismo de idéias e a defesa de uma cultura de igualdade, tolerância

e paz. Daí a opção deliberada de evitar provocações e referências diretas a

membros da Igreja Universal do Reino de Deus; daí também o convite a sacerdotes

de múltiplas seitas (inclusive evangélicos) para participar das gravações do

programa.

No mais, convém explicitar que o Ministério Público

Federal NOTIFICOU previamente as emissoras a conceder o direito de resposta

coletivo, consoante atestam os documentos de fls. 136-142. As Rés, porém, se

recusaram a cumprir espontaneamente a recomendação ministerial, não restando

aos Autores outro caminho senão o ajuizamento desta ação civil pública26.

Totalmente descabida, portanto, a alegação de “falta de

interesse de agir” formulada na contestação.

26 Fls. 144-146 dos autos.

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F. Impossibilidade de apreciação imediata do pedido de denunciação da lide.

As Rés promoveram, a fls. 344-345, a denunciação da

lide à IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS, porque alegam “vínculo

contratual vigente que as une à ora denunciada, assumindo esta a

responsabilidade integral quanto ao conteúdo dos programas pactuados”.

Estranhamente, os patronos das Rés fizeram a juntada

apenas do contrato celebrado entre a REDE MULHER DE TELEVISÃO e a

denunciada. Não se encontra nos autos a prova do vínculo alegado com a Ré

REDE RECORD DE TELEVISÃO.

Requerem os Autores, portanto, que a REDE RECORD

DE TELEVISÃO seja instada a instruir corretamente o pedido, pena de

indeferimento liminar da pretensão.

Após a juntada do documento, protestam os Autores por

nova vista dos autos, para manifestação sobre o mérito do pedido de intervenção.

III. DO MÉRITO

A. Laicidade do Estado brasileiro e função de proteção dos direitos

fundamentais.

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Muito oportunamente lembraram as Rés que a República

brasileira define-se como um Estado laico. Têm plena razão.

Antes mesmo da promulgação da primeira Constituição

republicana, o governo provisório presidido por Deodoro havia abolido, por

intermédio do Decreto 119-A, de 07 de janeiro de 1890, o sistema de união entre

Estado e Igreja, instituindo, no lugar, o princípio da rigorosa separação entre

assuntos civis e religiosos.

O constitucionalista João Barbalho, em seus

comentários à Carta de 1891, assim explicou o princípio da neutralidade do Estado

em relação às igrejas:

“A fé e piedade religiosa, apanágio da consciência individual, escapa inteiramente à ingerência do Estado. Em nome de princípio algum pode a autoridade pública impor ou proibir crenças e práticas relativas a este objeto. Fôra violentar a liberdade espiritual; e o protege-la, bem como às outras liberdades, está na missão dele. Leis que a restrinjam estão fora da sua competência e são sempre parciais e danosas. É certo que nenhuma poderá jamais invadir o domínio do pensamento, esse livra-se acima de todos os obstáculos com que se pretenda tolhe-lo. Mas as religiões não são coisa meramente especulativa e, se seu assento e refúgio é o recinto íntimo da consciência, têm também preceitos a cumprir, práticas

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externas a observar, não menos dignas de respeito que a crença de que são resultado, ou a que andam anexos.

E, - se ao Estado não toca fazer-se pontífice, sacerdote nem sacristão, e tampouco dominar a religião e constitui-la instrumento de governo, como não lhe cabe tornar-se doutor e mestre ou diretor da instrução e fazedor de programas de ensino, nem arvorar-se em empreiteiro e administrador de obras, etc., (...) e ainda sendo exato, na frase de E. de Laboulaye, que o Estado nada tem que ver com o fiel, com o crente, - mas só com o cidadão, - é fora de dúvida que, na sua tarefa de garantir o direito em todas as suas relações, do poder público é dever assegurar aos membros da comunhão política que ele preside, a livre prática do culto de cada um e impedir quaisquer embaraços que o dificultem ou impeçam, procedendo nisso de modo igual para com todas as crenças e confissões religiosas”27.

O trecho destacado assinala aquilo que Robert Alexy

chamou de “função de proteção dos direitos fundamentais”.

27 Constituição Federal brasileira – Commentarios, apud Elival da Silva Ramos, “Notas sobre a Liberdade de Religião no Brasil e nos Estados Unidos” in Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo n.º 27/28, jan./dez. 1987, pp. 222-223.

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A função de proteção diz respeito ao dever estatal de

adotar medidas positivas destinadas a proteger o exercício dos direitos

fundamentais contra atividades perturbadoras ou lesivas praticadas por terceiros.

As ações estatais de proteção podem ter natureza

normativa ou fática. No primeiro caso, impõe-se ao Estado o dever de editar as leis

necessárias à tutela dos bens jurídicos fundamentais; no segundo, o dever tem por

objeto ações positivas, dirigidas à proteção dos mesmos bens.

O Estado brasileiro é laico, mas não é ateu. A

Constituição da República, como se sabe, consagrou quatro dimensões distintas

do que podemos genericamente chamar de “liberdade religiosa”, a saber: a)

liberdade de crença (art. 5o, inciso VI, primeira parte); b) liberdade de culto (art. 5o,

inciso VI, fine); c) liberdade de associação religiosa (art. 5o, incisos XVII a XX); e d)

liberdade de comunicação das idéias religiosas (art. 5o, IX, c.c. o art. 220).

A fruição dessas liberdades impõe ao Estado não

apenas o dever de omissão em relação aos assuntos eclesiásticos, mas

também a obrigação de proteger os titulares do direito perante eventuais

agressões praticadas por terceiros. Não por outro motivo, a Constituição

brasileira ordenou ao Estado que protegesse os locais de culto e suas liturgias e

assegurasse a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de

internação coletiva (art. 5º, VI e VII). Não por outra razão, o art. 208 do Código

Penal brasileiro tipifica a conduta de quem “escarnecer de alguém publicamente,

por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática

de culto religioso; ou vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso”.

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Ora, Excelência, se é dever do Estado brasileiro

proteger igualmente todas as religiões, não estamos nós - Ministério Público e

Poder Judiciário - autorizados a assistir passivamente a disseminação do

preconceito e da intolerância religiosa em pleno espaço público televisivo.

Ante a omissão criminosa dos órgãos fiscalizadores28,

cabe à Justiça Federal impedir que a democracia religiosa brasileira seja

ameaçada por alguns poucos intolerantes que vêm usando o serviço público de

radiodifusão para ofender as crenças e os ritos praticados por mais de dois

milhões de brasileiros.

B. As ofensas às religiões afro-brasileiras transmitidas pelas rés são fato

notório.

É fato notório que há meses – ou anos – as Rés

(sobretudo a TV RECORD) vêm se prestando ao papel de difusoras do

proselitismo ofensivo de uma determinada seita religiosa.

28 O art. 53 do Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei Federal n.º 4.117/62) estabelece expressamente que “constitui abuso, no exercício de liberdade da radiodifusão, o emprego desse meio de comunicação para a prática de crime ou contravenção previstos na legislação em vigor no País, inclusive: (...) promover campanha discriminatória de classe, cor, raça ou religião”. O art. 10 do mesmo diploma fixou a competência privativa da União para “fiscalizar os Serviços de telecomunicações por ela concedidos, autorizados ou permitidos”. E os arts. 59 e seguintes da mesma lei regularam inteiramente as penalidades administrativas impostas às concessionárias (inclusive a cassação da concessão). Não obstante, os processos administrativos iniciados contra as duas Rés, em razão das reiteradas ofensas às religiões afro-brasileiras propagadas, encontram-se parados, pois o órgão fiscalizatório, contrariando o princípio basilar da separação entre as esferas administrativa e judicial, achou mais conveniente aguardar a solução judicial da lide, para depois cumprir o dever que lhe foi imposto pela lei.

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Não se trata da mera “transmissão de relatos de

pessoas simples”, como querem fazer crer os patronos das Rés. Nem da “alusão a

práticas de outras religiões ad incertam personae e sem qualquer animus

injuriandi”. Muito menos do emprego de “locuções isoladas desprovidas de origem

e autoria, além de descontextualizadas”.

Para que os autores – e os milhares de religiosos que

representam - não sejam acusados de algum tipo de delírio paranóide, pedimos

vênia para transcrever os principais trechos do artigo “A Guerra das Possessões”,

redigido pelo doutor em Antropologia Social pela USP e Professor do

Departamento de Antropologia da UNICAMP, Ronaldo de Almeida29. A longa

citação é necessária porque, após anos pesquisando a Igreja Universal do Reino

de Deus, Almeida compreendeu perfeitamente o litígio objeto desta ação:

“O campo religioso brasileiro há algumas décadas vem apresentando profundas transformações que se caracterizam pela diversificação das alternativas associada a um intenso trânsito de pessoas entre elas. A pluralização do campo, contudo, não ocorreu de forma totalmente pacífica. A CONSTITUIÇÃO DA IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS IMPLICOU O VILIPÊNDIO DE OUTRAS RELIGIÕES COMO FORMA DE LEGITIMAÇÃO DE SEU DISCURSO, COMO SE ELA CAVASSE SEU ESPAÇO POR MEIO DE UMA BELIGERÂNCIA ICONOCLASTA, ACIMA DO NÍVEL

29 In Oro, A. P., Corten, A., Dozon, Jean-Pierre (orgs.) Igreja Universal do Reino de Deus: os novos conquistadores da fé, São Paulo, ed. Paulinas, 2003. Disponível também no endereço eletrônico: http://www.cebrap.org.br/pesq_ralmeida.htm.

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PERMITIDO EM QUALQUER SITUAÇÃO DE PLURALIDADE RELIGIOSA.O episódio que simbolizou esse processo conflituoso ficou conhecido como “chute na santa”, quando um pastor da Igreja Universal chutou a imagem de Nossa Senhora de Aparecida no seu dia de celebração, em 1996. Apesar da grande repercussão – que em grande medida deveu-se ao envolvimento de dois importantes atores: a Rede Globo de Televisão e a Igreja Católica –, O VILIPÊNDIO É MARCA PRESENTE NA IGREJA UNIVERSAL DESDE SUA FUNDAÇÃO, EM 1977, E TEM COMO PRINCIPAL ADVERSÁRIO SIMBÓLICO A UMBANDA E DE FORMA MAIS AMPLA TODA SORTE DE CRENÇAS QUE COMPÕE ESSE CALDO RELIGIOSO “CATÓLICO-AFRO-KARDECISTA” BRASILEIRO, POVOADO DE SANTOS, PROMESSAS, TRABALHOS, ESPÍRITOS, FEITIÇOS, MAUS-OLHADOS, ETC.(...)Para a Universal não existe meio termo: o mundo está dividido entre pessoas “libertas” e “não-libertas”, sendo que nestas há a constante atuação do diabo. Ele é o causador de todos os males e infortúnios da vida. Com a finalidade de diagnosticar as pessoas que devem ser submetidas ao exorcismo, a Igreja Universal elencou alguns sintomas mais freqüentes que denunciam algum tipo de possessão demoníaca: nervosismo, dores de cabeça constantes, insônia, medo, desmaios ou ataques, desejo de suicídio, doenças de que os médicos não descobrem as causas, visões de vultos ou audição de vozes, vícios,

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depressão. Em suma, problemas característicos de uma vida urbana contemporânea acrescidos de crenças em espíritos, feitiços e outras coisas mais.SE, POR UM LADO, A IGREJA UNIVERSAL ENUMERA ALGUNS SINAIS DA POSSESSÃO, POR OUTRO, IDENTIFICA A ORIGEM DE TAIS DEMÔNIOS EM OUTRAS PRÁTICAS RELIGIOSAS, EM PARTICULAR NAS AFROBRASILEIRAS.O título de um dos livros do Bispo Macedo especifica melhor a forma que o diabo pode assumir: Orixás, Caboclos e Guias: Deuses ou Demônios? AS ENTIDADES DA UMBANDA E DO CANDOMBLÉ SÃO ESPÍRITOS DEMONÍACOS E A IGREJA UNIVERSAL ENCONTROU NELAS A PERSONIFICAÇÃO DO DIABO E SUA AÇÃO MALÉFICA SOBRE OS HOMENS. ISTO FICA EVIDENTE NAS ENTREVISTAS DOS PREGADORES-EXORCISTAS COM OS ENDEMONINHADOS DURANTE OS CULTOS. A ENTREVISTA VISA DESCOBRIR A ORIGEM DOS DEMÔNIOS, OS MALES CAUSADOS E A MANEIRA PELA QUAL ELES ENTRARAM NOS CORPOS DAS PESSOAS.“Qual é o teu nome?” é a primeira pergunta dirigida ao endemoninhado. (...)À indagação sucede-se uma miríade de entidades: Exu Caveira, Exu Capa-Preta, Exu Tranca-Rua, Maria Padilha, Maria Mulambo, Exu da Morte, Exu do Lodo, Pombagira, Exu 7 Encruzilhadas, Exu Meia-noite, Cigana, Caboclo, Pombagira, Meta-Meta, Erê etc.Nesse instante o diabo revela sua verdadeira origem. Toda a pregação realizada antes da

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entrevista ganha sentido e força no momento em que o diabo “manifesta-se” e se autodenomina. Para ser mais preciso, O DIABO ADQUIRE UMA IDENTIDADE, UM NOME; E NÃO É LÚCIFER, NEM SATANÁS. OS DEMÔNIOS QUE CAUSAM O SOFRIMENTO SÃO AS MESMAS ENTIDADES QUE HABITAM OS TERREIROS. O FIEL TEM DIANTE DE SI A REVELAÇÃO NÃO SÓ DA CAUSA DOS SEUS INFORTÚNIOS (doença e dificuldades financeiras), COMO TAMBÉM DA SUA ORIGEM, LOCALIZADA EM OUTRAS PRÁTICAS RELIGIOSAS COM AS QUAIS A IGREJA UNIVERSAL ENTRA EM DISPUTA. CONFORME AFIRMA O LIVRO DO BISPO MACEDO, AS RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS SÃO COMO MÁSCARAS DE UMA REALIDADE MALIGNA DA QUAL O HOMEM NECESSITA SER LIBERTADO. ASSIM, TODO O CONFLITO RELIGIOSO É ESTRUTURADO COM A FINALIDADE DE PROVAR QUAL RELIGIÃO É CAPAZ DE RESPONDER COM EFICÁCIA ÀS ANSIEDADES DOS FIÉIS.(...)Uma vez feita a dupla associação – o sofrimento é causado pelo diabo que, por sua vez, “manifesta-se” em forma de entidades –, o pastor faz a pergunta derradeira: “Como você entrou na vida dela?”. Basicamente, são duas as possibilidades: a pessoa teve algum tipo de contato com as religiões afro-brasileiras ou alguém lhe fez um feitiço. No primeiro caso o demônio entrou na pessoa porque ela freqüentou, mesmo que de forma descomprometida, algum terreiro. MUITAS DOS

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QUE ESTÃO ALI PRESENTES, DE FATO, RECORRERAM A ESSAS RELIGIÕES A FIM DE OBTER SOLUÇÕES PARA OS PROBLEMAS DA SUA VIDA. NÃO É À TOA, PORTANTO, QUE A IGREJA UNIVERSAL, DENTRE OS INÚMEROS ATAQUES LANÇADOS CONTRA OUTRAS RELIGIÕES, ENCONTROU NA UMBANDA O SEU INIMIGO PRIVILEGIADO.(...)TODA A ENTREVISTA É REALIZADA PUBLICAMENTE E COM FORTE ZOMBARIA DAS OUTRAS RELIGIÕES. É muito comum o pastor mandar o demônio colocar o corpo do endemoninhado de joelhos e aos seus pés. Posteriormente, ordena-lhe “bater a cabeça” no chão três vezes; pois, se o endemoninhado “bate a cabeça” para uma entidade no espaço do terreiro, na Igreja Universal a entidade deverá fazer o mesmo para Jesus. A entrevista transcorre como um grande deboche e escárnio. SEGUNDO O PREGADOR-EXORCISTA, TUDO ISSO É FEITO PARA HUMILHAR O DIABO E TODAS AS RELIGIÕES QUE COM ELE COMPACTUAM, e não a pessoa exorcizada propriamente, pois está sendo manipulada pelo diabo.(...)A IGREJA UNIVERSAL NÃO FUGIU À REGRA. SEU PROCESSO DE EXPANSÃO É PAUTADO POR UM FORTE PROSELITISMO EXCLUSIVISTA QUE RESULTOU NO CONFRONTO ABERTO COM OUTRAS RELIGIÕES E A NEGAÇÃO DE SUAS RESPECTIVAS MENSAGENS. COM ESTA POSTURA BELIGERANTE ELA CONQUISTA SUA

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CLIENTELA E, SIMULTANEAMENTE, OBTÉM A VITÓRIA RITUAL SOBRE A CONCORRÊNCIA. (...)Aliás, mais que um sincretismo às avessas, A IGREJA UNIVERSAL NO SEU PROCESSO DE CONSTITUIÇÃO ELABOROU, PELA GUERRA, UMA ANTROPOFAGIA DA FÉ INIMIGA. AS DIVERSAS CRENÇAS DO CENÁRIO RELIGIOSO BRASILEIRO – E EM UM GRAU MUITO MAIOR AS AFRO-BRASILEIRAS – NÃO SÃO APENAS REFERÊNCIAS A PARTIR DAS QUAIS, PELO CONTRASTE, SEJA POSSÍVEL PENSAR A IDENTIDADE DA IGREJA UNIVERSAL. Na realidade, ELAS CONFORMAM, JUNTAMENTE COM OS INFORTÚNIOS VIVIDOS PELA SOCIEDADE BRASILEIRA, O ALIMENTO CONSTITUTIVO DO SEU DISCURSO RELIGIOSO. Em resumo, muito mais do que pela oposição ou pelo contraste, A UNIVERSAL REGE O SEU PROCESSO DE EXPANSÃO POR UMA FAGOCITOSE RELIGIOSA, NA QUAL AS MAIS DIVERSAS CRENÇAS PODEM SER NEGADAS PELA FALSIDADE DO SEU CONTEÚDO ORIGINAL E, AO MESMO TEMPO, PARCIALMENTE ASSIMILADAS NAS SUAS FORMAS DE APRESENTAÇÃO E FUNCIONAMENTO(...)”.

Também o professor de sociologia da Universidade de

São Paulo Reginaldo Prandi relatou, em obra recentemente publicada, o vilipêndio

às religiões afro-brasileiras promovido pelas emissoras Rés:

“O neo-pentecostalismo leva ao pé da letra a idéia de que o diabo está entre nós como ameaça permanente, que deve ser vencida a

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cada momento pelo bom religioso, e incita sem disfarce seus seguidores a divisá-lo nos transes rituais dos terreiros afro-brasileiros. PASTORES DA IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS, EM CERIMÔNIAS FARTAMENTE VEICULADAS PELA TELEVISÃO, SUBMETEM DESERTORES DA UMBANDA E DO CANDOMBLÉ, EM ESTADO DE TRANSE, A RITUAIS DE EXORCISMO, QUE TÊM POR FIM HUMILHAR E ESCORRAÇAR AS ENTIDADES ESPIRITUAIS AFRO-BRASILEIRAS INCORPORADAS, QUE ELES CONSIDERAM MANIFESTAÇÕES DO DEMÔNIO.(...)A DERROTA DAS RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS É ITEM EXPLÍCITO DO PLANEJAMENTO EXPANSIONISTA PENTECOSTAL: HÁ IGREJAS EVANGÉLICAS EM QUE O ATAQUE ÀS RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS E A CONQUISTA DE SEUS SEGUIDORES SÃO PRÁTICAS EXERCIDAS COM REGULARIDADE E JUSTIFICADAS TEOLOGICAMENTE. Por exemplo, na prática expansiva de uma das mais dinâmicas igrejas neopentecostais, fazer fechar o maior número de terreiros de umbanda e candomblé existentes na área em que se instala um novo templo é meta que o pastor tem que cumprir”30.

Citamos, por fim, a análise do professor do Programa de

Pós-Graduação em Ciências Sociais da PUC-RS, Ricardo Mariano:

30 Segredos Guardados, op. cit., pp. 231-233.

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“O proselitismo em rádio e TV constitui o mais poderoso meio empregado pela Universal para atrair rapidamente grande número de indivíduos das mais diversas localidades geográficas à igreja. Por sua capacidade ímpar de introduzir a igreja, sua mensagem e seu apelo religioso nos lares, o evangelismo eletrônico apresenta a vantagem de poder alcançar aqueles que não possuem contato ou relação de confiança, amizade e parentesco com fiéis da denominação.(...)Na Universal, VALE QUASE TUDO PARA "DESPERTAR A FÉ DAS PESSOAS", OU PARA CONVENCÊ-LAS DE QUE A IGREJA PREGA UM EVANGELHO DE PODER, que, além de verdadeiro, "funciona" na prática. As "sessões espirituais de descarrego", criadas no limiar do novo milênio, constituem um de seus mais recentes e populares experimentos sincréticos. Como se pode perceber, não se trata propriamente de culto a Deus, mas de "sessão" dedicada à imprecação de encostos ou demônios que insistem em "encostar-se" nos adeptos e na clientela da Universal. (...)Apesar de a imagem genérica em torno do sincretismo remeter-se comumente a uma suposta e tradicional tolerância religiosa dos brasileiros, A OPÇÃO SINCRÉTICA DA UNIVERSAL, CUMPRE FRISAR, NÃO A LEVOU A SUPRIMIR SEUS ROMPANTES DE INTOLERÂNCIA NEM SUA NOTÓRIA HOSTILIDADE AOS CULTOS AFRO-

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BRASILEIROS. DAÍ UMA DAS PRINCIPAIS RAZÕES DE SEU ENVOLVIMENTO EM DIVERSOS INCIDENTES E CONFLITOS RELIGIOSOS AO LONGO DOS ANOS.

Enfim: as gravações juntadas aos autos, e as

referências pejorativas e preconceituosas aos religiosos da umbanda e do

candomblé (“pais de encosto”, “mães de encosto”), são apenas uma amostra

do festival de ataques promovidos nas transmissões das Rés. A rigor, nem

seria preciso juntar os registros, pois trata-se de FATO NOTÓRIO,

amplamente divulgado pela imprensa nacional, e, portanto, dispensável de

ser provado31:

CORREIO BRAZILIENSE (edição de 05/11/2001):“A Igreja Universal do Reino Unido de Deus é mais uma vez acusada de preconceito religioso. Há seis anos, um dos bispos de Edir Macedo chutou uma imagem da padroeira do Brasil, Nossa Senhora Aparecida durante dois programas da rede Record de televisão. Agora, é acusada de denegrir a imagem das religiões afro-brasileiras e espíritas. Quem faz a denúncia é o Ipade, um grupo formado por adeptos e praticantes das religiões afro-descendentes.”

REVISTA ÉPOCA (edição de 28/04/03):“Boa parte dos freqüentadores da Universal já recorreu a tendas de umbanda ou centros espíritas, onde conheceu o mundo dos transes

31 Código de Processo Civil, art. 334: “Não dependem de prova os fatos: I - notórios”.

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e das incorporações. Curiosamente, a Universal buscou inspiração nas religiões afro-brasileiras para apimentar seus cultos. Edir Macedo, que foi umbandista, adaptou os rituais do terreiro. Os gestos no descarrego copiam a coreografia dos incorporados em tendas. OS DEMÔNIOS QUE OS PASTORES COMBATEM E EXORCIZAM CONFUNDEM-SE COM AS ENTIDADES DA UMBANDA, como Zé Pelintra, Pomba-Gira ou Tranca-Ruas. Os objetos mágicos oferecidos também foram retirados dos terreiros. Arruda com sal grosso são usados para espantar mau-olhado. Alguns pastores adotam o branco, reproduzindo a vestimenta dos pais-de-santo. 'São elementos estranhos ao cristianismo', diz o pesquisador Leonildo Campos, da Universidade Metodista de São Paulo. 'A UNIVERSAL SE APROXIMOU TANTO DA UMBANDA QUE PRECISA MOVER UMA CRUZADA CONTRA AS RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS PARA SE DIFERENCIAR', afirma.

JORNAL O ESTADO DE S. PAULO (edição de 17/04/2005):“O aumento do espaço dedicado à igreja de Edir Macedo na concorrência foi se desenhando à medida que a Record botava em prática a estratégia de desvincular sua imagem da Igreja Universal. De alguns anos para cá, programas religiosos na Record só vão ao ar na faixa da madrugada - são cerca de 4 horas diárias. Mas, para não desprezar os fiéis que abastecem seus templos, Macedo vê vantagens

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em pagar por um bom horário na Gazeta e também despeja atrações do gênero em sua outra emissora, a Rede Mulher (29 - UHF), de alcance bem inferior ao da Record. Mesmo buscando maior crédito no mercado publicitário e tentando se livrar do estigma de ‘TV do bispo’, a Record não se rende a outros credos. A nova versão de Escrava Isaura, produzida pela emissora, teve raras referências à umbanda. A Record foi, entre as TVs comerciais abertas brasileiras, a que menos noticiou a morte do Papa João Paulo II."

C. Outras questões de mérito.

Os demais pontos argüidos pelas rés nem mereceriam, a

rigor, ser impugnados, já que têm natureza puramente protelatória. Em respeito a

Vossa Excelência, porém, esclarecem os Autores:

a) que não localizaram o dispositivo legal que obriga a

degravação de programas registrado em fita VHS, acessíveis a qualquer pessoa

que tenha diante de si um aparelho de vídeo-cassete e uma televisão;

b) que as próprias Rés juntaram fitas VHS aos autos e

não providenciaram a degravação, o que nos leva a concluir que as regras que

pretende impor aos outros não valem para elas próprias;

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c) que cláusula contratual de “reserva de utilização” dos

programas juntados não tem obviamente validade perante o Poder Judiciário; a

menos, é claro, que as Rés pretendam impedir a Justiça brasileira de assistir a

ofensas que foram antes vistas por todo o Brasil;

d) que não compreenderam a insinuação de que os

Autores estariam se servindo do Poder Judiciário “a autopromoção supostamente

voltada a interesses político-eleitoreiros”. Afiançam a Vossa Excelência que o

único desejo que os move é a tolerância religiosa, pressuposto de qualquer Estado

Democrático, sobretudo em tempos sombrios, como estes. O Ministério Público

Federal – e os dois Procuradores Regionais dos Direitos do Cidadão que já se

manifestaram neste processo – não se prestariam jamais a esse papel;

e) infelizmente, os Autores não podem afiançar o mesmo

em relação às Rés. Recordam-se que, mais do que qualquer Igreja, a seita

proprietária da REDE RECORD DE TELEVISÃO é uma das mais competentes

organizações políticas deste país, possuindo em suas fileiras centenas de

prefeitos, vereadores, deputados e senadores, todos fiéis à causa de

evangelização promovida pela Igreja Universal do Reino de Deus32.

IV. CONSIDERAÇÕES FINAIS E PEDIDOIV. CONSIDERAÇÕES FINAIS E PEDIDO

Esperamos ter demonstrado a Vossa Excelência que:

32 De acordo com o jornal Folha de S. Paulo, edição especial de 10 de outubro de 2002, houve um crescimento do número de parlamentares evangélicos eleitos na eleição de 2002 de 25% em relação à bancada anterior.

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a) as Rés são concessionárias de um serviço

público federal33’;

b) a faixa de freqüência em que operam não é

propriedade privada, mas sim um bem público, de uso comum de todos os

brasileiros;

c) a natureza pública do interesse e do serviço

explorado obriga as Rés à observância estrita das normas jurídicas

conformadoras da comunicação social, a começar da própria Constituição;

d) o art. 221, inciso IV, da Constituição de 1988

obriga as emissoras de televisão a respeitarem os valores éticos e sociais da

pessoa;

e) dentre esses valores encontramos, sem dúvida, as

liberdades de crença e culto (CR, art. 5º, VI), a construção de uma sociedade

livre, justa e solidária (art. 3º, I), e a promoção do bem de todos, sem

preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de

discriminação (art. 3º, IV);

f) o art. 53 do Código Brasileiro de

Telecomunicações (Lei Federal n.º 4.117/62) estabelece expressamente que

“constitui abuso, no exercício de liberdade da radiodifusão, o emprego desse

33 Constituição da República, art. 21: “Compete à União: (...) XII - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão: a) os serviços de radiodifusão sonora, e de sons e imagens”.

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meio de comunicação para (...) promover campanha discriminatória de

classe, cor, raça ou religião”;

g) é FATO NOTÓRIO que as emissoras REDE

RECORD DE TELEVISÃO e REDE MULHER DE TELEVISÃO vêm, infelizmente,

se prestando ao papel de difusoras da intolerância religiosa, promovida por

uma determinada seita contra duas centenárias religiões brasileiras, de

matriz africana, as quais congregam mais de dois milhões de seguidores;

h) a intolerância religiosa consiste, especificamente,

no vilipêndio de outras religiões como forma de legitimação do discurso da

ofensora, “como se ela cavasse seu espaço por meio de uma beligerância

iconoclasta, acima do nível permitido em qualquer situação de pluralidade

religiosa”34. Na observação de Reginaldo Prandi, “pastores da Igreja

Universal do Reino de Deus, em cerimônias fartamente veiculadas pela

televisão, submetem desertores da umbanda e do candomblé (...) a rituais de

exorcismo, que têm por fim humilhar e escorraçar as entidades espirituais

afro-brasileiras incorporadas, que eles consideram manifestações do

demônio”35;

i) no passado, a mesma emissora Ré transmitiu um

pastor da seita vilipendiando a imagem de Nossa Senhora Aparecida, no dia

de sua celebração nacional;

34 Ronaldo de Almeida, “A Guerra das Possessões”, op. cit.35 Segredos Guardados, op. cit., p. 233.

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j) a fim de impedir que as inúmeras mentiras

veiculadas pelas Rés consolidem-se em preconceitos, e no exercício da

garantia que lhes foi outorgada pelo art. 5º, inciso V, da Constituição, os

Autores requereram e Vossa Excelência concedeu, com fundamento nos arts.

273 e 461 do Código de Processo Civil, o direito de resposta coletivo;

l) por se tratar de ação coletiva, destinada à proteção de

direitos de natureza difusa, o procedimento que deve reger a presente demanda

não é a vetusta Lei de Imprensa, mas sim as Leis Federais n.º 7.347/85, 8.078/90 e

o Código de Processo Civil;

m) a falta de previsão legal específica não é

obstáculo ao exercício do direito de resposta coletivo. “A crescente e visível

tendência moderna à universalização da jurisdição desautoriza o abuso de

bolsões de direitos ou interesses não-jurisdicionalizáveis e impõe que na

maior medida possível possa o Poder Judiciário ser o legítimo e eficiente

portador de tutela a pretensões justas e insatisfeitas. O exagero na exclusão

da jurisdicionalidade alimentaria a litigiosidade contida e, com isso, minaria a

realização de um dos objetivos do Estado”36.

OS REQUERENTES TÊM PLENA CONVICÇÃO DE

QUE O PODER JUDICIÁRIO BRASILEIRO NÃO PERMITIRÁ QUE O ESPAÇO

PÚBLICO TEMPORARIAMENTE CEDIDO ÀS RÉS CONTINUE A SER USADO

PARA QUE UMA DETERMINADA SEITA FAÇA PROSELITISMO À CUSTA DA

DEMONIZAÇÃO DE RITOS E CULTURAS TÃO ANTIGAS QUANTO A HISTÓRIA

DO MUNDO.

36 Cândido Rangel Dinamarco, Execução Civil, op. cit., p. 380.

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Por todo o exposto, e reiterando os demais termos da

petição inicial, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, o INSTITUTO NACIONAL DE

TRADIÇÃO E CULTURA AFRO BRASILEIRA – INTECAB e o CENTRO DE

ESTUDOS DAS RELAÇÕES DE TRABALHO E DA DESIGUALDADE – CEERT

esperam e confiam que a presente ação será julgada INTEIRAMENTE

procedente, para, mantida a decisão antecipatória da tutela, acolher os

demais pedidos formulados na exordial.

Termos em que,

P. Deferimento.

São Paulo, 01 de agosto de 2005.

SERGIO GARDENGHI SUIAMA

Procurador Regional dos Direitos do Cidadão

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