Porque o Minha Casa Minha Vida So Aconteceria Em Governo Petista
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7/25/2019 Porque o Minha Casa Minha Vida So Aconteceria Em Governo Petista
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Cad. Metrop., So Paulo, v. 18, n. 35, pp. 165-190, abr 2016
htp://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2016-3508
Por que o Programa Minha CasaMinha Vida s poderia acontecer
em um governo petista?
Why could the Minha Casa Minha VidaProgram only have
happened in a government headed by the Labor Party?
Danielle Klintowitz
Resumo
No perodo de gesto do Partido dos Trabalhado-res (PT ) no governo federal, configurou-se uma
dupla agenda para a poltica habitacional: a pri-
meira ligada plataforma de reforma urbana, com
previso de descentralizao e gesto participati-
va, e a segunda consubstanciada na premissa de
reestruturao do setor imobilirio, estruturada
em uma poltica exclusiva de proviso habita-
cional com promoo privada e financiamento
pblico. Esse modelo de governana garantiu adistribuio de benefcios a ambas coalizes que
representavam essas agendas, alm de ter legiti-
mado a poltica habitacional na agenda pblica.
No presente trabalho, analisou-se a trajetria do
principal programa habitacional desenvolvido na
poca (MCMV), discutindo suas implicaes para
o direito moradia e o papel dos atores do setor
habitacional neste contexto.
Palavras-chave:poltica habitacional; reforma ur-bana; mercado imobilirio; Programa Minha Casa
Minha Vida; coordenao de interesses.
AbstractSince the Labor Party has been governing Brazil,
there has been a double agenda for the housing
policy: the first one is linked to the urban reform
platform, with a forecast of decentralization
and participatory management, and the second
is embodied in the premise of restructuring of
the real estate sector, structured in an exclusive
housing policy with private promotion and public
funding. This governance model has ensuredthe distribution of benefits to both coalitions
representing these agendas, and has legitimized
the housing policy within the public agenda.
In this paper, we analyze the trajectory of the
main housing program developed in this period
(MCMV), discussing its implications to the right
to housing and the role of actors in the housing
sector within this context.
Keywords: housing policy; urban reform; real
estate market; Minha Casa Minha Vida Program;
coordination of interests.
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Introduo
Historicamente, a poltica habitacional brasi-
leira agregou em torno de si muitos interes-ses pblicos e privados. Durante o sculo XX,
assistiu-se a uma forte articulao funcional
no relacionamento entre Estado e setor produ-
tivo, o que garantiu a priorizao de polticas
habitacionais mais voltadas ao crescimento
econmico do que ao direito moradia. Com
a redemocratizao e a desestruturao da
poltica federal de habitao at ento estru-turada no Banco Nacional de Habitao (BNH),
emergiram movimentos sociais urbanos, como
o Movimento Nacional de Reforma Urbana
(MNRU) transformado posteriormente em
Frum Nacional da Reforma Urbana (FNRU) ,
que conquistaram o estabelecimento de um
progressista arcabouo jurdico para o desen-
volvimento urbano e praticaram de forma par-ticipativa, junto com governos locais de esquer-
da, algumas experincias de implementao no
territrio, constituindo uma nova matriz rela-
cional com o Estado que ficou conhecida como
o modo petista de governar.
Com a ascenso ao governo federal do
Partido dos Trabalhadores (PT) que teve des-
de sua fundao uma estreita relao com osiderios da reforma urbana, criaram-se amplas
expectativas nos atores ligados a essa platafor-
ma de que o novo momento representaria um
marco de ruptura no legado histrico da pol-
tica habitacional voltada ao desenvolvimento
econmico e o incio de um ciclo virtuoso de
implementao do modo petista de governar
na escala federal.
Ao tornar-se Presidente da Repblica,
Luiz Incio Lula da Silva reconhecendo, de
maneira inovadora, os movimentos de moradia
como playersdo setor, conformou uma estra-
tgia de coordenao de interesses ousada,colocando na mesa de negociao movimentos
de moradia e setor produtivo, coalizes com in-
teresses historicamente opostos.
Estruturou-se, apoiado nesse contexto,
um programa habitacional o Minha Casa
Minha Vida (MCMV) que ganhou status de
poltica por seu vigor de recursos e apoio mul-
tifacetado conquistado. O desenho desse pro-grama atendeu necessidade de sustentao
da reestruturao do setor produtivo da cons-
truo civil e mercado imobilirio, que estava
em curso, com investimentos keynesianos que
impactaram a sustentao macroeconmica
do pas, dialogando pouco com as necessida-
des habitacionais das cidades brasileiras e com
o Sistema Nacional de Habitao de InteresseSocial (SNHIS) que estava em construo desde
2005.
No entanto, apesar dos ganhos assim-
tricos conquistados pelos movimentos de mo-
radia em relao coalizo do setor produtivo
e do enfraquecimento definitivo do SNHIS, a
coordenao de interesses que se estabeleceu
no MCMV tornou-se extremamente eficientee se expandiu para alm dos interesses dessas
coalizes, sendo capaz de se ramificar em v-
rias escalas de coordenao: entre o setor p-
blico e privado; entre os diferentes ministrios;
entre Unio e municpios.
Esse arranjo que se estabeleceu ento
foi capaz de garantir que ambas as agendas
concorrentes de reforma urbana e do setor
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produtivo convivessem de maneira articula-
da, mesmo que preservassem suas contradi-
es. Criou-se um imbricamento cooperativo
que permitiu construir uma poltica habitacio-
nal que se tornou uma das principais forasdesse governo.1
Com o arranjo criado nesse ambiente,
estabeleceu-se um regime de poltica (Couto
e Abrucio, 2003) no qual se alcanou um enten-
dimento quase hegemnico acerca da poltica
habitacional com seu lastreamento em inte-
resses objetivos dos atores envolvidos. Assim,
neutralizaram-se possveis conflitos dos ato-res e suas coalizes com Estado, imbricando e
engendrando-os na defesa da prpria poltica,
mesmo que apenas parte dessa fosse conve-
niente para concretizao de seus interesses e
que apenas parte de seus interesses fosse efeti-
vamente atendida.
Neste artigo, busca-se discutir como se
deu essa coordenao de interesses na cons-truo e implementao do Programa Minha
Casa Minha Vida e quais os rumos que a pol-
tica habitacional nacional tomou a partir dessa
nova configurao.
MCMV: entre o direito moradia e reestruturaodo setor produtivo
No contexto de euforia do mercado imobilirio
com o aumento dos recursos disponveis e com
a reforma institucional que garantia a seguran-
a dos negcios e lanamentos grandiosos, a
crise internacional do subprime de 2008 amea-ou a possibilidade de venda dos empreendi-
mentos em construo, impondo ainda srias
dificuldades financeiras s grandes empresas
que naquele momento detinham grande soma
de investimentos imobilizados em bancos de
terra.
Nesse cenrio, a conjuntura econmicafoi o pretexto determinante para ampliao
dos mecanismos e volume de recursos destina-
dos ao setor habitacional. Atravs do MCMV,
com o objetivo explcito de socorrer o setor
produtivo da construo civil e mercado imo-
bilirio e evitar o aprofundamento da crise do
mercado, o governo federal colocou o proble-
ma da habitao definitivamente nos termospropostos pelo setor imobilirio. Segundo
dados do Ministrio do Planejamento (Brasil,
2014), entre 2009 e 2014 foram investidos
R$251,8 bilhes no MCMV, considerando os
subsdios diretos e linhas de crdito disponibili-
zadas. Esses recursos foram responsveis pela
contratao de 3,75 milhes de unidades habi-
tacionais em todo o Brasil.O MCMV foi elaborado pela Casa Civil e
pelo Ministrio da Fazenda, em dilogo direto
com os setores imobilirios e da construo,
desconsiderando diversos avanos institucio-
nais na rea de desenvolvimento urbano, bem
como a interlocuo com o restante da socie-
dade civil. O Ministrio das Cidades (MCida-
des) que tinha na sua origem um forte imbri-camento com os atores ligados plataforma da
reforma urbana foi posto de lado na concepo
inicial, sendo chamado a contribuir apenas de-
pois de elaborada a macroestrutura de funcio-
namento do Programa.
Inicialmente pensava-se em uma estra-
tgia destinada apenas s famlias de estratos
mdios com renda acima de trs salriosmnimos (SM) com possibilidade de aces-
so a financiamentos e que necessitavam um
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percentual menor de subsdio atrelado a eles.
Como se tratava de um programa destinado
a reduzir as perdas financeiras do setor pro-
dutivo, os empresrios do setor no queriam
correr riscos. No entanto, o MCidades lutoupela entrada das famlias de menor renda no
programa, o que implicava maiores subsdios
pblicos. Os subsdios so fundamentais para
o acesso das famlias de baixa renda ao mer-
cado habitacional e, ao mesmo tempo, trazem
vantagens tambm ao setor produtivo que tem
o mercado habitacional ampliado com famlias
que de outra maneira estariam fora.O Presidente Lula, orientado pela busca
de solues de arbitragem que caracterizou seu
governo (Singer, 2012), viu a uma possibilida-
de tambm de ganho de capital poltico junto
base de menor renda, alm da ampliao do
mercado habitacional fundamental para as em-
presas do setor. Assim, criou-se um programa
com um patamar histrico de subsdios para asfamlias com renda de at trs SM.
No entanto, o modelo do MCMV im-
plementado privilegiou a concesso macia
de subsdios para faixas de renda mais altas
(Faixa 2) que poderiam adquirir financiamen-
tos maiores com menores percentuais de sub-
sdio. Ao mesmo tempo, tambm se elevou a
faixa de renda financiada pelo Fundo de Ga-rantia sobre o Trabalho (FGTS), com melhores
condies de juros, e parte dessa demanda
poderia ser atendida pelo Sistema Brasileiro
de Popana e Emprstimo (SBPE),2 liberando
recursos do FGTS com financiamento mais ba-
rato para famlias de menor renda (Bonduki,
2014). Assim, apesar dos expressivos subs-
dios concebidos de maneira indita no paspara as faixas de renda mais baixas, o Pro-
grama ainda reproduz as antigas lgicas das
polticas habitacionais, em que o atendimento
no distribudo de acordo com as necessida-
des reais, mas de acordo com os interesses dos
formuladores e implementadores.
As metas do programa por faixa de aten-dimento pouco dialogam com o dficit habita-
cional acumulado por faixa de renda no pas.
Na primeira fase do Programa (MCMV1), en-
quanto 91% do dficit estava concentrado na
faixa 1 (renda at trs SM), apenas 40% das
unidades produzidas destinaram-se a esse
pblico. Como consequncia, apenas 6% do
dficit habitacional das famlias com menorrenda foi atingindo,3enquanto 93% e 95% do
dficit das faixas de renda mais altas (2 e 3) fo-
ram atendidos, respectivamente. Na segunda
etapa (MCMV2), embora a meta para a faixa
1 tenha sido expressivamente ampliada em
detrimento das demais faixas, o combate ao
dficit dessas famlias ainda percentualmen-
te muito inferior ao atendimento s famliascom maior renda.
No modelo institucional desenhado para
o MCMV, a anlise de projetos, bem como a
contratao de obras e medio de etapas fina-
lizadas parte dos procedimentos de respon-
sabilidade da Caixa Econmica Federal (CEF),
no cabendo aos municpios responsabilidade
formal pelos resultados alcanados. Nesse mo-delo, o promotor do empreendimento passa a
ser o setor privado, o poder pblico assume um
papel apenas de financiador e organizador da
demanda. Cabe ao mercado privado a promo-
o dos empreendimentos habitacionais ela-
borados de acordo com as exigncias tcnicas
mnimas do MCMV, principalmente no que se
refere ao clculo do valor da unidade habita-cional, de forma a se enquadrar no perfil finan-
ciado e, ao mesmo tempo, garantir maior taxa
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de lucro possvel em seus projetos. Nesse con-
texto, apesar do histrico patamar de recursos
oramentrios destinados a subsdios para
atender a populao de mais baixa renda no
MCMV, os empreendimentos para essa faixa de
renda so fortemente marcados por uma lgica
de produo do mercado imobilirio privado, o
que nem sempre dialoga com as necessidadesrelacionadas ao direto moradia.
Apesar de existirem outras modalidades,
como o Programa Nacional de Habitao Ru-
ral (PNHR), Minha Casa Minha Vida Entidades
(MCMV-E), o Sub-50, destinado a municpios
com menos de 50 mil habitantes e uma mo-
dalidade para urbanizao, analisando-se os
montantes alocados nos diferentes fundos e asunidades contratadas, observa-se que o ncleo
central do MCMV, desde o incio, foi aquele
voltado para as empresas que acessam direta-
mente os recursos do FAR ou do FGTS,4moda-
lidades com protagonismo do mercado privado
(Brasil, 2014).
Nestas modalidades do MCMV destina-
das a empresas (FAR faixa 1, FGTS faixa
2 e FGTS faixa 3), o fluxo de contratao e
produo desenhado garantem o protagonis-mo direto das empreendedoras. A operaciona-
lizao se d mediante o repasse de recursos
do governo federal para construtoras, que, por
sua vez, constroem os empreendimentos habi-
tacionais. Mesmo na modalidade faixa 1, que
conta com expressivos subsdios, a produo se
d por oferta privada ao poder pblico, isto , a
construtora define a cidade onde pretende fa-zer o empreendimento, o terreno, o projeto e o
nmero de unidades; aprova junto aos rgos
Tabela 1 Metas do MCMV e dficit habitacional acumuladopor faixas de renda
MCMV 1
Faixas de renda*Dficit
acumulado(em %)
Metasdo MCMV 1
(em %)
Dficitacumulado**
(em mil)
Metasdo MCMV1
(em mil)
% Dficitacumuladoatendido
Faixa 1
Faixa 2
Faixa 3
Total
91
6
3
100
40
40
20
100
6.550
430
210
7.190
400
400
200
1.000
6
93
95
14
MCMV 2
Faixas de rendaDficit
acumulado(em %)
Metasdo MCMV 2
(em %)
Dficitacumulado***
(em mil)
Metasdo MCMV2
(em mil)
% Dficitacumuladoatendido
Faixa 1
Faixa 2
Faixa 3
Total
72
15
13
100
60
30
10
100
4.698,76
941,05
850,19
6.490
1.440
720
240
2.400
31
77
28
37
* As faixas de renda do Programa MCMV no so as mesmas faixas estabelecidas pela metodologia da Fundao Joo Pinhei-
ro (FJP) para coleta dos dados. Enquanto o MCMV trabalha com a faixa 2 para famlias com rendimento entre 3 e 6 SM, a FJP
faz o clculo do dficit para famlias com rendimento entre 3 e 5 SM. Optou-se por estabelecer esta relao como proxy, j
que estas so as nicas informaes disponveis. No entanto, as anlises precisam considerar esta pequena distoro.
** com base no dficit habitacional 2000 (FJP, 2004).
***com base no dficit habitacional 2010 (FJP, 2013).
Fonte: Elaborao prpria. FJP (2004 e 2013) e CEF (2013).
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competentes e vende integralmente o que pro-
duzir para a CEF, sem gastos de incorporao
imobiliria e comercializao e sem riscos de
inadimplncia dos compradores.
A implementao do MCMV,o enfraquecimento do SNHISe a desarticulao aos processosde planejamento urbanoe habitacional
Com esse desenho adotado para o programa,fortemente ancorado na promoo das ha-
bitaes pelo setor privado, o MCMV entrou
em choque com os princpios do SNHIS que
era pautado pelo papel estratgico do setor
pblico e pela descentralizao federativa, ig-
norando em larga medida premissas e deba-
tes acumulados em torno do Plano Nacional
de Habitao de Interesse Social (PlanHab)(Krause, Balbim e Lima Neto, 2013; Cardoso,
Arago e Araujo, 2011).
Um dos impactos mais imediatos so-
bre os programas desenvolvidos no mbito
do Fundo Nacional de Habitao de Interes-
se Social (FNHIS) diz respeito eliminao
dos repasses de recursos para as aes de
proviso habitacional para municpios e coo-perativas habitacionais, o que implicou a re-
alizao integral da proviso habitacional
nos termos das modalidades previstas pelo
MCMV, e o FNHIS no pde mais ter progra-
mas alternativos para essa modalidade. Vale
destacar ainda que, a partir de 2010, priori-
zou-se a alocao de recursos desse fundo
em obras complementares a projetos em an-damento financiados com recursos do PAC,
que inclui o MCMV, o que mostra um carter
subsidirio do FNHIS nas decises de poltica
habitacional (Cardoso, Arago, Arajo, 2011;
Relatrio de Gesto do Conselho Gestor do
FNHIS, 2013).
Outra importante implicao para o
FNHIS foi o esvaziamento de recursos dessefundo. Entre os anos de 2003 e 2010, rever-
tendo definitivamente a estagnao presente
Grfico 1 Contrataesdo MCMV 1 e 2 nas diferentes
modalidades (%)
Grfico 2 Contrataes do MCMVnas modalidades destinadas
a empresas e outros (%)
modalidadesempresas
outrasmodalidades
Fonte: Brasil, Balano PAC 2 4 anos de execuo.
Dez 2014.
Fonte: Brasil, Balano PAC 2 4 anos de execuo.
Dez 2014.
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no setor habitacional desde a extino do BNH
em 1986, o investimento federal, incluindo osinvestimentos com recursos onerosos do SBPE
e do FGTS, saltou de R$7,9 bilhes, em 2003,
para R$101,5 bilhes em 2010 (Brasil, 2014).
No PPA de 2012 a 2015, dos 26% dos recursos
do Oramento Geral da Unio (OGU) alocados
para infraestrutura, 32,6% foram destinados
habitao, o que equivale ao montante de
R$389,7 bilhes dedicados ao setor em quatroanos de planejamento oramentrio. Entretan-
to, quando se observam os dados referentes
alocao de recursos, percebe-se claramente
que o FNHIS foi desprivilegiado, apresentando
um significativo declnio a partir 2010, quando
se iniciam as contrataes do MCMV.
Os recursos crescentes para o setor habi-
tacional so alocados em outros fundings a fimde financiar programas habitacionais PAC
Favelas e Minha Casa Minha Vida (MCMV)
que no integram o modelo desenhado para
o funcionamento do SNHIS. importante res-saltar, tambm, que os recursos destinados ao
FNHIS no s so menores em termos absolu-
tos em relao aos outros fundingsnesse pe-
rodo, como percentualmente sua participao
nos recursos destinados habitao perde
importncia, chegando a menos de 1% dos
recursos totais oramentrios no final do pe-
rodo estudado.Com quase a integralidade dos recursos,
desenhou-se um programa o MCMV que
acabou se transformando de maneira hege-
mnica no eixo central da poltica habitacional
no Brasil, fixando sua atuao apenas na pro-
duo de novas moradias, atendendo plena-
mente aos interesses do mercado imobilirio e
da construo civil, mas relegando ao esqueci-mento outras modalidades de enfrentamento
s diferentes necessidades habitacionais.
Tabela 2 Recursos oramentrios executados do FNHIS,PAC e PMCMV (2006-2014)
AnoFNHIS PAC Favelas MCMV Total
Bilhes de R$ % Bilhes de R$ % Bilhes de R$ % Bilhes de R$
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
1
0,3
0,8
1,01
0,17
0,51
0,13
0,21
0,05
40
13
23
10
2
4
1
1
0,2
1,52
1,97
2,7
3,88
1,88
2,15
3,2
3,65
2,7
60
87
77
38
22
16
20
19
14
-
-
-
5,25
6,68
10,98
12,55
15,63
16,8
-
-
-
52
77
80
79
80
86
3,52
3,27
4,5
10,62
8,96
13,84
16,09
19,68
19,69
Fonte: Elaborao prpria. SIGA Brasil - Acompanhamento da execuo oramentria da Unio, entre 2006 e 2014.
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O prprio PAC Favelas,5que priorizava
a modalidade de urbanizao, acabou sendo
prejudicado em detrimento do MCMV. O PAC
tem um arranjo institucional em que os gover-
nos locais so promotores das intervenes,tornando o processo mais lento sem propiciar
a celeridade no retorno do capital poltico e fi-
nanceiro empregado pelo mercado imobilirio.
Como afirma Fix (2011), a temporalidade polti-
co-eleitoral do MCMV parece se ajustar melhor
ao ritmo do capital financeiro que promete
atropelar resistncias de todos os tipos do
que quele das lutas urbanas e dos direitos so-ciais que a urbanizao representa.
A desarticulao da estrutura do MCMV
aos processos municipais de planejamento ur-
bano e habitacional suscitou o abandono des-
ses processos de planejamento e desenvolvi-
mento institucional que estavam em curso nas
esferas subnacionais. O governo federal retirou
a capacidade financeira, e consequentementedecisria e de atuao do SNHIS, em detrimen-
to da alocao dos recursos em outro modelo,
e, em consequncia, os municpios tambm se
desmobilizaram no atendimento s regras des-
se Sistema e direcionaram suas energias para a
obteno do maior nmero possvel de unida-
des habitacionais por meio do MCMV (Rolnik,
Klintowitz e Iacovini, 2014).A Lei n 11.977/2009 que dispe sobre o
MCMV, define como um dos critrios de prio-
rizao dos municpios, alm da desonerao
fiscal e doao de terrenos em reas consolida-
das, a implementao de instrumentos do Esta-
tuto das Cidades. No entanto, essas regras de
priorizao nunca foram cumpridas. Segundo
os entrevistados da CEF (Klintowitz, 2015), ascontrataes do Programa no adotam essas
normativas de priorizao porque dependem
da disposio do mercado privado em apresen-
tar projetos nas cidades onde o negcio mais
atrativo; e como a meta estabelecida de con-
tratao de unidades era muito alta (3,75 mi-
lhes somando as fases 1 e 2 do MCMV), noexistiu at o fim da segunda fase do Programa
espao para priorizar os municpios que haviam
cumprido essas disposies legais. As contrata-
es obedeceram apenas a disposio de lucro
do mercado e as anlises de viabilidade da CEF.
O impacto MCMVsobre o direito cidade
No entanto, na literatura sobre o tema ainda
resta a dvida se os municpios que tinham pro-
cessos de planejamento estabelecidos tiveram
vantagens em relao s contraes de uni-
dades no MCMV. Para verificar a existncia dacorrelao entre a existncia dos instrumentos
de planejamento que estavam sendo fomenta-
dos pelo MCidades e a contratao do MCMV
realizou-se uma regresso linear com os dados
de contratao disponveis (Klintowitz, 2015).6
Alm de verificar a correlao entre instrumen-
tos de planejamento e o nmero de unidades
contratadas no mbito do MCMV nos munic-pios brasileiros, nessa regresso buscava-se in-
ferir o que explica o sucesso da contratao
do Programa nos diferentes municpios bra-
sileiros, j que os dados mostram que alguns
municpios extrapolaram o atendimento de
suas metas, enquanto outros no conseguiram
contratar nem a metade da meta estipulada.
Para verificar o sucesso das contrataesem alguns municpios, coletou-se variveis que
poderiam explicar maiores contrataes de
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unidades habitacionais no MCMV em alguns
municpios em detrimento de outros. Para ava-
liar a contrao em cada municpio brasileiro
foi utilizado um banco de dados fornecido pela
CEF. Esse banco de dados continha informaessobre todas as unidades habitacionais contra-
tadas na primeira fase do MCMV que finalizou
com 1 milho de unidades em maio de 2011.
Como varivel dependente elaborou-se um
ndice de sucesso de contrataes que foi
calculado a partir da diviso do nmero de
unidades contratadas pela meta estabelecida
pelo governo federal em nmero de unida-des. Como as metas de contratao do MCMV
so estipuladas a partir do dficit habitacional,
essa varivel relaciona as necessidades habita-
cionais representadas pelos dficits dos muni-
cpios com o nmero de unidades contratadas.
Inicialmente constatou-se que as contra-
taes da modalidade faixa 1 do MCMV no
apresentavam relao direta com os nmerosdo dficit habitacional de cada municpio. Exis-
te uma grande diversidade de situaes nas
relaes entre o nmero de unidades contrata-
das no mbito do MCMV1 e o dficit de cada
municpio. Uma parte significativa de munic-
pios acima de 20 mil habitantes (29%) no tem
nenhuma unidade contratada apesar de terem
metas estabelecidas pelo Governo Federal;40% dos municpios tiveram um range de uni-
dades contratadas entre 10 e 50% em relao
ao seu dficit, enquanto 6% dos municpios
tm mais unidades contratadas do que o n-
mero do dficit habitacional calculado.
Os resultados em relao ao ndice de
sucesso, por sua vez, tambm indicaram que
no existe nenhuma correlao entre a adesodos municpios ao SNHIS, sua regularidade e
implementao dos itens exigidos pelo Sistema
(conselho, fundo e plano) com o nmero de
contrataes. Da mesma forma, a existncia
de instrumentos urbansticos de planejamento
e gesto do solo, no apresentam correlaes
com o sucesso de contrataes do MCMV.Apenas as variveis do bloco de anlise
relacionado s dimenses territoriais demons-
traram correlaes. Essas variveis apresenta-
ram uma correlao positiva entre as tipologias
de cidades identificadas como periferia dos
polos regionais e grandes cidades isoladas
e o sucesso de contratao de unidades do
MCMV1 na Faixa 1, demonstrando que nessestipos de cidades se realizam percentualmente
mais contrataes do MCMV em relao a seu
dficit habitacional. Uma explicao para es-
sa correlao est relacionada ao mercado de
terras desses municpios. Essas tipologias de ci-
dades apresentam menor dinmica imobiliria,
com menor disputa pela terra, em relao a ou-
tras tipologias que no mostraram correlaescom o sucesso de contratao das unidades do
MCMV. A baixa dinmica de terras poderia en-
to ser uma explicao para o maior nmero
de contrataes, pois, os promotores privados
do MCMV escolhem com total liberdade as
cidades onde querem produzir empreendimen-
tos e, segundo entrevistas (Klintowitz, 2015), o
preo dos terrenos tem se apresentado comouma das principais variveis para esta escolha.
Em relao ao porte populacional, obser-
va-se tambm uma correlao positiva entre o
sucesso de contratao e as faixas populacio-
nais entre 50 mil e 500 mil habitantes, demons-
trando que o programa tem dificuldades em
rodar nas cidades maiores, onde novamente
o mercado de solo mais dinmico e a terrapara produo de habitao de interesse social
torna-se mais escassa e cara.
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O resultado demonstrou, ento, que exis-
tem fortes indcios de que a varivel explicativa
mais forte para o sucesso de contratao das
unidades do MCMV realmente o preo da
terra. As variveis relacionadas instituciona-lizao do setor habitacional, que teve grande
fomento nos primeiros anos do MCidades, as-
sim como o investimento na implementao de
instrumentos de planejamento e gesto do solo
urbano do Estatuto da Cidade, no tiveram sig-
nificncia na contratao desse programa.
Fica evidente que o modelo implementa-
do pelo MCMV dialoga com as lgicas do mer-cado imobilirio, mas no com as lgicas da
poltica habitacional defendida pela plataforma
da reforma urbana e pelo prprio MCidades em
seus primeiros anos, j que a definio de on-
de haver maior nmero de unidades so de-
terminadas pelas facilidades e perspectivas de
maiores ganhos dos produtores privados e no
pela existncia de necessidades habitacionais,planejamento e priorizaes da gesto pblica.
Como as gerncias regionais da CEF
(Gidur) tm metas de contratao, tem-se as-
sistido, ainda, distores entre as necessida-
des habitacionais existentes nos municpios
e a contratao de unidades residenciais nombito do MCVM orquestradas pela prpria
CEF e seus gerentes que tm usado diferen-
tes artifcios para alcanar as metas exigidas
(Klintowitz, 2015). Com a anuncia da CEF e
do MCidades, os municpios menores, onde o
preo da terra urbanizada menor, esto con-
seguindo obter mais unidades do MCMV.
Em consequncia desses fatores, apesarde as capitais dos estados brasileiros concen-
trarem 37,5% do dficit habitacional, o de-
sempenho proporcional apresentado nesses
municpios para os imveis da faixa 1 na fase
1 do Programa muito reduzido (24%) em
comparao com os outros recortes territo-
riais (76%).
Confirmando os dados obtidos na re-gresso linear apresentada, Lima Neto, Krause
Tabela 3 Contrataes para municpios acima de 50 mil habitantes(MCMV 1, faixa 1)
Recorteterritorial
Dficit urbano Faixa 1
Unidades
contratadas famlias atR$1.600 (OGU)(rea urbana)
Unidades
contratadas famlias at
R$1.600 (FGTS)(rea urbana)
Total unidadescontratadas
Desempenhocontrataosobre dficit
> 100 mil
habitantes
50 a 100 mil
habitantes
Capitais estaduais
RM de capitais
estaduais (sem acapital)
826.963
504.594
1.238.247
725.090
272.363
159.278
204.221
179.459
56.518
21.866
32.364
78.268
328.881
181.144
236.585
257.727
33
18
24
26
40
36
19
36
Fonte: Ministrio das Cidades (2014).
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e Furtado (2015), em estudo que busca
desvendar as correlaes entre a produo
dos empreendimentos do MCMV na faixa 1 e
o dficit habitacional, na dimenso intrame-
tropolitana, revelaram que a maior produohabitacional em municpios nas metrpoles es-
tudadas se d nos municpios mais perifricos
e com menor participao na atividade econ-
mica metropolitana. Os autores demonstram,
ainda, que a mdia da distncia dos empreen-
dimentos ao centro de cada RM aumentou no
MCMV2, o que nos permite supor que o efeito
de valorizao imobiliria, decorrida do prprioMCMV1, j apresenta impactos para a prpria
produo dos novos empreendimentos do Pro-
grama. A partir de seus estudos sobre as corre-
laes entre a produo dos empreendimentos
e sua localizao, os autores ainda afirmam
que a nfase do MCMV1 e 2 foi de produo
de casas, e o quesito de localizao e insero
na cidade resultado das foras e interesses co-
nhecidos e presentes na ordenao tpica dourbano e no fez parte da formulao progra-
mtica do MCMV.
A identificao das necessidades habi-
tacionais representada exclusivamente pelo
dficit habitacional, incorporado ao modelo
de poltica habitacional produzido pelo MCMV,
traz resultados muito diversos dos sentidos do
direito cidade defendidos pela plataformada reforma urbana, como se observa na srie
de estudos de caso que tem sido realizados a
respeito da implementao do MCMV nas cida-
des brasileiras.
Tabela 4 Avaliao dos Moradores do MCMV 1, faixa 1,
sobre o atendimento por servios na moradia atual,em comparao com moradia anterior (em %)
Fonte: Elaborao prpria. Pesquisa Rede Moradia Cidade (2014). Chamada MCTI/CNPq/MCIDADES n 11/2012.
Caractersticas avaliadas Melhorou Piorou Ficou igual No respondeu
Acesso
infraestrutura
bsica
Rede de esgoto
Pavimentao
Coleta de lixo
Iluminao pblica
Fornecimento de energia eltrica
Fornecimento de gua encanada
Acesso aos veculos
Caladas
49,7
47,4
40,2
38,0
35,4
32,8
34,8
36,7
8,4
15,2
11,3
19,1
7,2
20,0
23,2
28,5
41,5
36,5
47,8
42,2
57,0
46,9
39,5
34,0
0,4
1,0
0,6
0,8
0,4
0,3
2,5
0,9
Acesso
cidade
Acesso a comrcio
Acesso a equipamentos e servios pblicos
Policiamento
Transporte pblico
Acesso ao trabalho
Acesso escola
Correios
21,3
20,1
26,8
30,2
20,5
26,9
22,3
61,2
44,0
39,9
38,7
44,7
35,9
33,7
17,1
33,5
31,5
30,0
29,4
27,7
42,9
0,5
2,4
1,8
1,1
5,4
9,5
1,2
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A pesquisa realizada pela Rede Moradia
Cidade, 2014,7por exemplo, revelou que a loca-
lizao das novas moradias produzidas no m-
bito do MCMV tem importantes impactos nos
beneficirios em relao ao acesso a servios eequipamentos pblicos. Apesar de no Estado de
So Paulo 43% das famlias pesquisadas terem
vindo de assentamentos precrios e 56% de
reas de risco, enquanto o acesso aos servios
bsicos de infraestrutura melhorou em relao
moradia anterior, as caractersticas classifi-
cadas como de acesso cidade (acesso ao co-
mrcio, ao trabalho, a equipamentos e serviospblicos; policiamento, transporte pblico, es-
cola e aos correios) apresentaram significativa
piora em relao moradia anterior.
A trplice aliana
na coordenao de interessesem torno do MCMV
No Governo Lula, a necessidade de ampliao
das bases e alianas inaugura uma nova es-
trutura de relacionamento do governo com a
sociedade. Enquanto em governos anteriores
o relacionamento Estado-sociedade no setor
habitacional esteve estritamente vinculado sarticulaes do Estado com as coalizes do se-
tor produtivo, no governo Lula, desde sua ori-
gem, os movimentos sociais ligados moradia
so trazidos arena de negociao sem que,
ao mesmo tempo, o Estado se furte a estruturar
uma relao estreita com o setor empresarial.
Cria-se o que se pode chamar de uma triple
aliana, ou uma matriz de relacionamento quepassa a ter trs pontas (Estado, setor empresa-
rial e movimentos sociais), e no mais apenas
duas (Estado e setor empresarial) como nos go-
vernos anteriores.
As trs pontas, no entanto, no so con-
duzidas na busca de uma agenda comum. Para
no contrariar nenhum dos interesses, o gover-no opta por uma coordenao de interesses
com a constituio de duas agendas paralelas,
em que cada um dos interesses se v contem-
plado (Klintowitz, 2015). A habitao passa a
ter duas agendas paralelas para que convivam
no governo em uma estratgia de layering
(Mahoney, Thelen, 2010), que institui camadas
incrementais, tanto sobre os aparatos institu-cionais herdados dos governos anteriores como
em um processo de combinao entre essas
duas agendas em disputa.
A persistncia do SNHIS ao longo do
tempo como o modelo de poltica habitacional
ideal que se busca alcanar e a realpolitikim-
plementada pelo MCMV que utiliza regras que
em nada convergem para o modelo idealizadopelo SNHIS, sem contudo elimin-lo definiti-
vamente, podem ser explicadas pela ideia de
decoupling,trazida por Meyer e Rowan (1977),
na qual h um respeito ritualstico s regras
originrias, isto , apesar de no serem as re-
gras que comandam as instituies, esses mi-
tos geradores permanecem como uma espcie
de direo moral da poltica. Assim, o modeloproposto pela plataforma da reforma urbana
permanece como o modelo utpico SNHIS
que parece dar a direo moral poltica,
enquanto o modelo que favorece ao setor em-
presarial MCMV aplicado na prtica como
a poltica real, inviabilizando a possibilidade
do SNHIS concretizar-se. Oliveira (2010) identi-
fica esse modelo descrito para a poltica habi-tacional, como a prtica geral desenvolvida nos
governos petistas, denominando esse processo
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de Hegemonia s Avessas. Segundo o autor,
nesse governo constri-se uma urea na qual
parece que os atores e suas coalizes histori-
camente dominados passam a comandar a po-
ltica, pois fornecem a direo moral e esto testa de organizaes do Estado e dispem,
ainda, de poderosas bancadas no Congresso
Nacional; no entanto, o conjunto de aparncias
esconde uma nova dominao na qual no
so mais os dominados que consentem em sua
prpria explorao; so os dominantes os ca-
pitalistas e o capital, explicite-se que se con-
sentem em ser politicamente conduzidos pelosdominados, com a condio de que a direo
moral no questione a forma de explorao
capitalista (Oliveira, 2010, p. 27). A defesa do
setor produtivo da indispensvel resoluo do
dficit habitacional explica-se muito bem sob
essa abordagem.
Com a dupla agenda instalada, por um
lado cria-se uma iluso para os atores ligados plataforma da reforma urbana de que um
dia se construir um modelo de planejamento
e gesto habitacional descentralizado com au-
tonomia dos governos locais e de proviso por
meio de autogesto e, por outro, atende-se aos
interesses do segmento produtivo que deman-
da estabilidade de ganhos. As regras e progra-
mas vo se somando e se sobrepondo de formaa agradar todos, sem excluir nenhum interesse
do processo.
As duas agendas da reforma urbana e
do setor produtivo , que caminham paralela-
mente como se ambas fossem prioritrias para
o governo, foram claramente uma das base de
sustentao do lulismo. Singer (2012) deno-
mina lulismo a estrutura de arbitragem parapresidir um governo de coalizo desenvolvida
no Governo Lula. Estruturou-se um modo de
governar em que se buscou agradar todos os
setores e classes de forma a minimizar os con-
flitos, radicalizaes e mobilizaes contrrias
ao governo.
No lulismo, pagam-se altos juros aos
donos do dinheiro e ao mesmo tempo
aumenta-se a transferncia de renda para
os mais pobres. (...) Enquanto os meios de
pagamento crescem, cada frao de clas-
se pode cultivar o seu lulismo de estima-
o. (...) Por isso o presidente pode pro-
nunciar, para cada uma delas, um discurso
aceitvel, usando contedos diferentes
em lugares distintos e, sobretudo, toman-do cuidado para que os conflitos no im-
pliquem em radicalizao e mobilizao.
(Singer, 2012, p. 202)
Assim, enquanto o setor produtivo tem
importantes ganhos materiais com o MCMV
em detrimento da reduo do direito cidade
de milhes de famlias de baixa renda, a po-
ltica habitacional preconizada pelos atoresda plataforma da reforma urbana continua
persistindo no imaginrio e em poucos inves-
timentos institucionais da Secretaria Nacional
de Habitao, como parte dos ganhos dos ato-
res ligados plataforma da reforma urbana. As
atas das reunies do ConCidades mostram esse
processo de layering (Mahoney e Thelen, 2010)
com clareza. Enquanto o MCMV vai tomandoa primazia da poltica habitacional, na mesma
reunio do Conselho se debatem medidas para
melhorar esse programa e discutem-se as preo-
cupaes sobre o contedo dos Planos Locais
de Habitao (PLHIS) como se esses ainda fos-
sem relevantes na conduo da poltica habita-
cional no plano local (Klintowitz, 2015).
Observa-se, portanto, que o prpriolayering criado com essa dupla agenda
um importante artifcio de manuteno da
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arbitragem que busca contentar todos os
atores. O layeringtorna-se mais eficiente, pois
as novas sistemticas esvaziam as anteriores,
trazendo amplos benefcios tanto ao Estado
como ao mercado privado sem, contudo, tra-zer o nus poltico de desmontar o iderio o
SNHIS construdo a partir da luta de um im-
portante movimento social aliado do gover-
no o FNRU. Assim, sem que se desmonte
os mitos geradores (Meyer e Rowan, 1977)
constitudos pelas institucionalidades conquis-
tadas pelos ativistas da reforma urbana, volta-
-se a praticar polticas urbanas e habitacionaissemelhantes s realizadas em momentos an-
teriores da histria brasileira, que favorecem
outros interesses, sem ajudar, contudo, na im-
plementao da reforma urbana.
Alm da manuteno simblica do
SNHIS, a medida mais importante medida
para a sustentao da hegemonia dessa pol-
tica refere-se s alianas estabelecidas e ga-nhos obtidos pelos movimentos de moradia
com o MCMV.
Em um contexto de arbitragem, os em-
presrios do setor produtivo da construo
civil e mercado imobilirio que j tinham
interlocuo estabelecida com o governo, ao
entender que o governo petista era conforma-
do por um ambiente de coordenao de inte-resses em que seriam necessrias a convivncia
entre as diferentes coalizes, e, se possvel, a
construo de alianas entre elas, usaram o
ConCidades, antes mesmo da ideia da formu-
lao do MCMV, para articular sua interlocuo
com os movimentos de moradia em busca da
criao de laos e alianas,8como parte da es-
tratgia para construir uma ampla coalizo emfavor das demandas do setor produtivo, de mo-
do que o governo pudesse implementar seus
planos sem mobilizaes contrrias da socieda-
de, como preconizava o lulismo (Singer, 2012).
Por sua vez, os movimentos de moradia,
vislumbrando a possibilidade de vinculao de
grande volume de recursos para a poltica ha-bitacional, tambm quiseram estabelecer uma
aliana com os empresrios do setor produtivo
em torno da PEC da Moradia Digna que pre-
cedeu a instalao do MCMV. E demonstrando
que a poltica tem a capacidade de reconfi-
gurar os atores e as coalizes, principalmente
quando envolvem importantes recursos ca-
pazes de reconfigurar o curso da poltica p-blica como um todo (Couto e Abrucio, 2003;
Sabatier e Weible, 2007; March, 2010), os
movimentos convictos de sua posio no jogo
poltico, compuseram essa aliana apesar dos
conflitos ocasionados com os aliados histri-
cos, companheiros de FNRU.
O governo, por sua vez, ao mesmo tempo
que reiterava os laos com os movimentos demoradia nas interlocues no ConCidades, mas
principalmente no atendimento s demandas
nos processos de interlocuo estabelecidos
nos gabinetes, estabelecia novos laos com o
empresariado do setor, tanto nas arenas pbli-
cas criadas, como principalmente nos espaos
de gabinetes.
Assim, o ConCidades se constitui, ento,como espao de encontro e articulao entre
os vrios atores. Mas as negociaes eram fei-
tas em outras arenas que eram no pblicas,
dando mais liberdade e autonomia nas nego-
ciaes aos atores envolvidos.
No entanto, mesmo com a ampla coa-
lizo formada em torno da PEC da Moradia
Digna, sua negociao no foi bem-sucedida;j o ncleo estratgico do governo (Casa Ci-
vil, Ministrio do Planejamento e Ministrio da
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Fazenda) era contra sua aprovao pela cren-
a de que a vinculao do oramento engessa
as possibilidades de ao poltica do governo.
Contudo, em 2008, com a crise internacional
adotou-se na prtica, no MCMV, o cenrio deinvestimento proposto pela PEC da Moradia
Digna, alcanando um investimento aproxima-
do de 2% do Oramento Geral da Unio (OGU)
em subsdios habitacionais.
Com os objetivos alcanados, os laos
efmeros entre os empresrios da construo
civil e movimentos de moradia se afrouxaram
(Tarrow, 2009) e cada coalizo passa a cuidarde seu quinho. Mesmo que de certa forma
uma congregao de interesses em torno da
manuteno do MCMV permanea, a atua-
o destas coalizes demonstra que a alian-
a entre elas se afroxou pela busca de seus
prprios interesses. Como descrito por um
empresrio do setor da construo civil: O
sucesso do programa Minha Casa Minha Vida o fracasso da articulao poltica do Mora-
dia Digna (Klintowitz, 2015). No entanto, se
por um lado empresrios e movimentos pas-
sam a no ter mais as mesmas sinergias do
momento anterior, por outro, as alianas des-
sas coalizes com o governo se fortaleceram
enquanto o MCMV vigora com extraordinrio
fonte de benefcios.Essa aliana se manifesta no ConCida-
des no qual apenas os conselheiros dos seg-
mentos acadmicos e profissionais, ONGs
e poder pblico municipal e estadual mani-
festavam-se com crticas a respeito do des-
colamento do MCMV com o SNHIS e sobre a
necessidade de discusso mais profunda do
MCMV nesse conselho, enquanto os repre-sentantes de movimentos de moradia e do
setor empresarial que j haviam negociado
com o Governo anteriormente enxergavam no
Programa a concretizao de seus interesses
(Klintowitz, 2015).
O MCMV e os movimentosde moradia
Contudo, para os movimentos sociais de mora-
dia, mesmo defendendo o programa adiante da
plenria do ConCidades, o percurso do projeto
da PEC da Moradia Digna ao Programa MCMVno foi to direta quanto para o setor produ-
tivo. Assim como o projeto da PEC, que no
havia incorporado a proposta da autogesto,
ao ser anunciado o MCMV destinava-se ape-
nas para a promoo da moradia por empresas
privadas de construo civil. Um fato simblico
que demonstra que inicialmente os movimen-
tos de moradia no estavam contempladoscomo atores que fariam parte dos beneficia-
dos com o MCMV foi a falta de representao
desses movimentos na mesa de lanamento do
Programa em 25 de maro de 2009. Os movi-
mentos precisaram reivindicar sua participao
para serem chamados para o cerimonial.
Contudo, acreditando no apoio do Pre-
sidente da Repblica aos seus apelos, os mo-vimentos de moradia solicitaram audincias
especiais com o Presidente Lula e com a Mi-
nistra Chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff,
para requerer sua parte no programa. Essas
reunies privadas resultaram positivas e ape-
sar da estrutura do Programa j estar definida
nesse momento, foi criada uma nova modali-
dade especial o MCMV Entidades voltadaespecificamente para promoo de moradia
por entidades sem fins lucrativos, incluindo as
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associaes e cooperativas habitacionais au-
togestionrias. Kingdon (2011) argumenta que
um bom empreendedor de poltica pblica
capaz de incorporar uma proposta para uma
mudana no fluxo na poltica com a soluode um problema existente que tambm precisa
ser resolvido, articulando assim os problemas,
a poltica pblica e poltica. Assim, Lula, como
bom empreendedor de poltica, aproveitou a
oportunidade trazida pelo MCMV para resolver
tambm o problema dos movimentos de mo-
radia, e ganhar a sua chancela para o MCMV.
Utilizando-se da mesma lgica de arti-culao do setor produtivo que conseguiu es-
truturar o MCMV em audincias privadas nos
ministrios, sem passar pelos foros pblicos
em que estavam inseridos, os movimentos de
moradia tambm negociaram sua modalidade
com o governo em audincias privadas sem
passar por arenas pblicas. Apesar disso, parte
das lideranas, conforme comprovam as atasdas reunies do ConCidades que discutiram o
MCMV,9parecia no se preocupar muito com
as arenas em que se davam a deciso sobre a
poltica, j que tal programa traria importante
benefcios materiais para os movimentos de
moradia. Dessa forma, os prprios movimen-
tos sociais de moradia, defensores histricos
dos espaos participativos de deciso sobre aspolticas urbanas, retiram a negociao da are-
na pblica para a arena privada, conformando-
-se em no fazer parte do processo decisrio
das macroestruturas da poltica habitacional,
desde que sejam atendidos por meio de nego-
ciao nos gabinetes aos quais conquistaram
o acesso.
A estratgia de retirada da negociaodas arenas pblicas para pactuaes indivi-
duais com cada um dos atores enfraquece os
prprios atores que passaram a atuar como
cooperantes do governo, ao invs de crticos
e formuladores (Gohn, 2010). Contudo, se por
um lado os movimentos de moradia continua-
ram a no participar efetivamente dos pro-cessos decisrios da poltica habitacional e as
arenas participativas foram desconsideradas,
por outro, fica claro que esse governo no
deixou mais de lev-los em considerao na
lista de atores contemplados com a distribui-
o dos benefcios dos investimentos na rea,
mesmo que de forma assimtrica se compara-
dos aos benefcios obtidos por outros atores.Garantiram-se, assim, recursos para financiar a
produo social da moradia realizada de forma
organizada, pelos futuros beneficirios e apoio
dos movimentos de moradia ao MCMV (Ferrei-
ra, 2014; Rodrigues, 2013).
Embora o aporte de recursos na moda-
lidade MCMV-E seja muito reduzido diante do
montante global do programa (apenas 2%)(Rodrigues, 2013), no se pode negar que sua
existncia foi uma vitria para essa coalizo e
que est diretamente relacionada ao fato de
que tais movimentos passam a ter um novo
statusde playerno mbito poltico (Rolnik,
Klintowitz e Iacovini, 2014). Esse novo status
poltico trouxe o importante reconhecimento
aos movimentos sociais, e no apenas ao se-tor privado da construo civil, como parceiros
do governo no processo de implementao da
poltica de habitao de interesse social (Ta-
tagiba e Texeira, 2014), e, ao mesmo tempo,
os reafirmou como apoiadores do governo, e
principalmente, do MCMV. Um indicador fun-
damental da importncia dada pelo governo
concertao com os movimentos de moradiafoi a criao de uma assessoria da Presidncia
da Caixa, especialmente para fazer o MCMV-E
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rodar, e que buscava informar para a m-
quina, nas palavras do prprio presidente
poca da CEF Jorge Hereda, que as Entida-
des e sua modalidade MCMV-E eram priorit-
rias para o governo.O MCMV-E passou a ser a principal for-
ma pela qual os movimentos sociais de mora-
dia participam da implementao da poltica
pblica (Ferreira, 2014). Em uma pesquisa (Ta-
tagiba e Texeira, 2014), realizada no mbito
da avalio do MCMV-E, todas as lideranas
entrevistadas afirmaram de forma categrica
o interesse em continuar atuando no MCMV-E,apesar de demonstrarem muita clareza sobre
os problemas e limites do programa.
Conquistado em uma lgica estrutural
privatista que j estava assentada e que se des-
tinava ao protagonismo da promoo privada
da moradia, o MCMV-E surgiu como uma esp-
cie de armadilha perversa. As entidades que de-
sejam produzir com recursos do MCMV-E estoaprisionadas s lgicas do mercado imobilirio
privado e precisam disputar terrenos com as
grandes construtoras do pas. Apesar de parte
de os movimentos de moradia que defendem
historicamente a produo por autogesto, es-
pecialmente a UNMP, estarem tentando utilizar
os recursos do MCMV-E para concretizar pro-
jetos com esse vis, a insero da modalidadepara os movimentos de moradia em um arca-
bouo institucional que j estava estruturado
para a lgica da produo privada, inviabiliza
de muitas maneiras a boa execuo do MCMV-
-E (Rodrigues e Mineiro, 2012).
Nesse esquema que foi criado, mostrou-
-se mais lucrativo para muitas entidades indi-
carem beneficirios do que produzir a mora-dia. Assim, alm do ganho de uma pequena
parte dos recursos do MCMV para a produo
autogestionria, foi significativa a participa-
o dos movimentos na formao das listas
de beneficirios das unidades produzidas pela
promoo privada no mbito do MCMV pa-
ra a faixa 1 em diferentes municpios onde opoder pblico local, responsvel pela indicao
da demanda, tm reservado um percentual
das unidades produzidas para o atendimento
de famlias indicadas por movimentos sociais.
Em muitos municpios do Brasil, a indicao de
um percentual de unidades pelos movimentos
de moradia passou a se constituir como uma
poltica municipal, ampliando muito os ganhosdos movimentos de moradia com o MCMV. Na
cidade de So Paulo, por exemplo, o Conselho
de Habitao decidiu como critrio para prio-
rizao da demanda que 25% das unidades
sero destinadas a benificirios indicados pelos
movimentos de moradia.10
importante destacar que os ganhos de
unidades com o MCMV, obtidos pelos movi-mentos, so importantes para que as lideran-
as possam atender s suas bases, compostas
principalmente por famlias em busca de uma
moradia, uma vez que nisso consistir seu po-
der de convocao junto a novos integrantes
do movimento. Nessa conjuntura, a distribuio
de servios e benefcios sociais passa cada vez
mais a ocupar o lugar dos direitos e da cida-dania, constrangendo no somente a demanda
por direitos, como as prprias arenas pblicas
construdas para esse fim (Gohn, 2010), j que
essa distribuio de benefcios depende apenas
da boa vontade e da competncia de articula-
o com os setores envolvidos. Nesse contexto,
apesar de os ganhos serem reais, no potencia-
lizam mudanas estruturais.Em governos de esquerda os movimen-
tos sociais tendem a valorizar a maior oferta
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de participao estatal e a disputar nessas ins-
tncias seus projetos e interesses. Contudo, ao
mesmo tempo, tendem tambm a orientar sua
ao por uma disposio menos conflituosa e
uma postura de maior conciliao, evitando apresso sobre os governos e diminuindo o uso
do protesto como forma de negociao, seja
para garantir suas demandas, seja para garan-
tir a governabilidade a partir de uma agenda
de esquerda (Dagnino e Tatagiba, 2010). Nesse
cenrio, a identidade desses movimentos passa
a se definir muito mais por sua relao com o
Estado ou com os partidos do que a partir desua localizao societria (Gohn, 2010) com
resultados perversos no que se refere ques-
to da autonomia. Ao mesmo tempo, ao serem
atendido dessa forma, de alguma maneira es-
to dando uma chancela de qualidade da pol-
tica, como no caso do Programa MCMV.
importante considerar que os movi-
mentos de moradia so um tipo peculiar demovimento social. Por um lado, lutam pela
mudana das estruturas da sociedade, sendo
justamente essa caracterstica que os aliou ao
Frum Nacional de Reforma Urbana (FNRU) na
luta pelo direito cidade. Por outro lado, tm
uma base a ser atendida com bens materiais
concretos casas , sendo justamente o que
os levou a estabelecer alianas com os empre-srios do setor produtivo. Essa dupla caracte-
rstica implica, muitas vezes, escolhas prag-
mticas que favorecem alianas que geram
ganhos imediatos, mas que podem, ao mesmo
tempo, implicar o desvio do caminho que leva-
r estagnao das mudanas estruturais que
defendem. Essas caractersticas tambm os
diferencia de outros segmentos que compemo FNRU ONGS, setores profissionais e aca-
dmicos que no esto submergidos pelo o
conflito implcito dos clculos de trade offen-
tre as mudanas estruturais e o atendimento
imediato s bases.
A implicaes do MCMVpara o FNRU
As diferentes naturezas dos segmentos que
compem o FNRU sempre ocasionarma ten-
ses internas a essa coalizo. No contexto do
MCMV, os movimentos de moradia defenderama existncia do MCMV, mesmo que com restri-
es a algumas de suas normativas, e no qui-
seram cobrar do Governo mudanas internas
ao programa pelos canais institucionais ou em
mobilizaes pblicas muito conflituosas, ao
mesmo tempo, os outros segmentos constituin-
tes do FNRU quiseram fazer crticas mais con-
tundentes estrutura do programa e promoverprocessos de presso e enfrentamento pblico
(Klintowitz, 2015).
A falta de consenso interno no FNRU fez
com que essa articulao tivesse um posicio-
namento mais discreto em relao ao MCMV.
Essa contradio, ao mesmo tempo, favoreceu
o Governo que no teve que enfrentar essa
oposio, no entanto, fragmentou e enfraque-ceu a coalizo da reforma urbana que no
conseguiu resolver suas discrepncias internas.
Enquanto esse afastamento ideolgico entre os
segmentos no pareceu afetar os movimentos
de moradia, essa circunstncia teve signifi-
cativa importncia para os outros segmentos
que, por no terem numerosas bases como os
movimentos, ficam enfraquecidos como atorescom poder de presso, mobilizao e negocia-
o junto ao Governo. Os movimentos, por sua
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vez, usaram seus canais diretos de articulao
para negociar suas demandas particulares,
ligadas aos programas, mas no para bus-
car articulaes mais estruturais em torno da
plataforma da reforma urbana, o que tambmfragilizou o FNRU como coalizo e em sua ca-
pacidade de advocacy.
Apesar de diminuir os canais de articula-
o direta e o empenho em busca do apoio ao
governo dos segmentos de ONGs e acadmi-
cos ligados ao FNRU, o Governo no os alijou
totalmente do processo de construo da no-
va poltica habitacional. Ao elaborar a MedidaProvisria (MP 459) que instituiria o MCMV, o
presidente Lula concedeu aos defensores da
plataforma da reforma urbana um captulo
inteiro sobre a regularizao fundiria, sendo
responsvel por levar concretizao de uma
matria de suma importncia para a questo
fundiria no Brasil, e que estava em tramitao
h muitos anos no Congresso Nacional sem si-nais de que teria um desfecho rpido.
O captulo sobre regularizao fundiria
da MP 459/2009 teve sua redao totalmente
baseada em um texto que j havia sido pro-
duzido na Cmara dos Deputados, no mbito
do processo que discute, desde o ano 2000, a
futura Lei de Responsabilidade Territorial Urba-
na (LRTU) (PL 3 057/2000). O texto da MP foiretirado do substitutivo produzido pelo ltimo
relator, o Deputado Renato Amary (PMDB-SP) e
que estava pronto para a votao em plenrio,
mas que enfrentava muita oposio. O proces-
so j havia passado por trs relatores sem su-
cesso (Silva e Arajo, 2013).
Com esse ato, Lula vislumbrou a pos-
sibilidade de contentar com um programa(MCMV) que a princpio os descontentaria ,
os outros atores ligados reforma urbana, e,
tambm, uma parcela importante do eleitora-
do que vive em assentamentos irregulares no
pas. Assim, de forma surpreendente, por no
dialogar em nada com o MCMV, a mesma lei
que o instituiu foi tambm responsvel por es-tabelecer uma normatizao para a regulariza-
o fundiria de assentamentos localizados em
reas urbanas de interesse social, que h muito
se tentava, sem sucesso, aprovar no mbito do
Congresso Nacional.
A coordenao federativado MCMV
Paralelamente, em um governo que tinha um
projeto de manuteno de poder relacionado
articulao federativa, no se poderia desenhar
uma poltica de habitao que no garantisse
ganhos para os municpios e para seus pre-feitos. Sob o pressuposto de que a promoo
habitacional pelos entes locais impedia que
os programas rodassem no ritmo desejado
(Loureiro, Macrio e Guerra, 2013; Klintowitz,
2015), mas com o intuito de que os governos
locais aderissem nova poltica, o modelo do
MCMV foi construdo delegando aos munic-
pios basicamente o papel de organizao dademanda (por meio de cadastros encaminha-
dos CEF para a seleo dos beneficirios) e,
de modo facultativo, criao de condies
para facilitar a produo, mediante a flexibili-
zao da legislao urbanstica e edilcia dos
municpios e/ou da doao de terrenos. Nesse
modelo a necessidade de institucionalidade da
gesto muito pequena, demandando ape-nas a existncia de um cadastro, sendo esse
justamente o instrumento mais presente nos
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municpios brasileiros. Em 2009, ano de incio
do PMCMV, 81% dos municpios j o tinham
(Arretche, 2012).
Indicar a demanda significa, por um lado,
um baixo investimento do ponto de vista finan-ceiro e institucional e, por outro, um grande
recurso no sentido de angariar possveis votos
em pleitos municipais. A influncia dos benef-
cios eleitorais proporcionados pela inaugura-
o de novos empreendimentos habitacionais,
produtos cujo significado vai alm das conside-
raes sobre o seu impacto econmico e social,
tem um importante potencial para gerar capitalpoltico. Os empreendimentos habitacionais
construdos no mbito do MCMV so, assim,
fatos polticos de dimenso local, regional e
nacional, conferindo legitimidade ao exerccio
do poder por sua elevada visibilidade no con-
junto das realizaes dos governos (Camargos,
1993). Cada unidade produzida vale para duas
contagens, ou seja, o capital poltico geradoserve tanto para o municpio quanto para o go-
verno federal (Klintowitz e Iacovini, 2014; Rol-
nik, Klintowitz e Iacovini, 2014).
Vendo a possibilidade de ganhos de capi-
tal poltico com o MCMV, muitos governos es-
taduais tambm esto querendo participar da
festa. Esses governos tm adicionado recursos
aos disponibilizados pelo governo federal paraque se consiga implementar empreendimentos
nas capitais onde a terra mais cara e, com is-
so, tm aproveitado tambm do capital poltico
gerado pelos empreendimentos produzidos. As-
sim, um mesmo programa tem unido diferentes
esferas de governo, de diferentes partidos, em
suas inauguraes.
Se, inicialmente, os governos locais se in-comodaram com o formato do Programa que
tirava deles o protagonismo, com o passar do
tempo perceberam que os benefcios recebidos
seriam tantos ou maiores do que se fossem
os promotores dos empreendimentos, com a
vantagem de que no precisariam despender
muitos esforos para isso. Diante desse quadro, possvel afirmar que polticos locais se bene-
ficiam do programa, o que ajuda a entender
por que a maioria dos municpios concentrou
seus esforos unicamente na viabilizao de
empreendimentos do MCMV em seu territrio,
deixando de lado seus processos de planeja-
mento ou criao de outras alternativas para
soluo das necessidades habitacionais (Rol-nik, Klintowitz e Iacovini, 2014; Polis, 2014).
Trata-se de uma postura pragmtica, que capta
o mximo de benefcios polticos com um mni-
mo de esforo institucional e financeiro. Nesse
contexto, em muitos municpios, como o caso
de So Paulo, foi retirado do oramento munici-
pal o recurso que antes se destinava pasta da
habitao sob o argumento de que a polticahabitacional j tinha o recurso proveniente do
MCMV (Rolnik, Klintowitz e Iacovini, 2014).
Com a estrutura criada inicialmente
para o MCMV, os nicos prejudicados seriam
os municpios menores, que na MP 459 no
estavam contemplados. Originalmente, no
parecia fazer sentido expandir a atuao para
esses municpios, j que no eram municpiosinteressantes ao setor produtivo, principal-
mente na faixa 1, com empreendimentos de
grande escala para reduzir custos e ampliar os
lucros (Shimbo, 2010). No entanto, ao serem
comunicados dos novos rumos da poltica ha-
bitacional, esses municpios menores reivindi-
caram e negociaram no Congresso Nacional a
incluso de uma modalidade para municpioscom menos de 50 mil habitantes. Criou-se,
ento, uma nova modalidade para o MCMV
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SUB 50 a oferta pblica conhecida como
SUB-50. Junto com o MCMV-E e o MCMV-
-Rural, o SUB-50 representa as nicas exce-
es ao modelo de proviso habitacional com
promoo privada.Nessa modalidade, os muncipios tm
um papel mais protagonista sendo respons-
veis por acessar o recurso por meio de edital
disponibilizado pelo MCidades. No entanto,
essas trs modalidades so marginais dentro
do Programa e representam apenas 11% do
total de unidades previstas. Contudo, mesmo
no sendo pensado pelo executivo federal, aincluso desses municpios menores no bolo do
MCMV trouxe importantes apoios pblicos da
CNM (Confederao Nacional dos Municpios)
e Frente Nacional do Prefeitos (FNP) para o go-
verno federal.
Consideraes finais
O que se percebe ao percorrer este caminho
que desvela o arranjo institucional de coorde-
nao de interesses em torno do MCMV criada
para sustentao desse programa que se trans-
formou na nica poltica habitacional do Bra-
sil por dois mandatos presidenciais que esse
arranjo foi tpico do lulismo, em que todos osatores tm seus interesses atendidos, mesmo
que de forma assimtrica, e de modo a garantir
a continuidade dos ganhos apoiam a poltica
estabelecida e o governo de forma mais ampla.
Enquanto se mantm viva a utopia do ca-
minho preconizado pela plataforma da reforma
urbana que alimenta os atores ligados a essa
plataforma; cada um dos atores envolvidos nosetor habitacional, inclusive esses prprios ato-
res, tem ganhos prprios j que, no contexto
geral de formulao do MCMV, foram sendo
criadas concertaes no prprio programa para
beneficiar o maior nmero de atores possveis.
Esse modelo de concertao s pode-
ria ser estabelecido em um governo como ode Lula, que j comeou com o apoio de uma
grande base de movimentos sociais. A inova-
dora articulao da trplice aliana que uniu
empresrios do setor produtivo e movimentos
de moradia, opositores histricos, em defesa
de uma poltica, e de seu governo de maneira
geral, no seria possvel de ser construda em
um governo que no chegasse ao poder coma urea da defesa dos direitos dos excludos e
ao mesmo tempo com o pacto com o empresa-
riado para a garantia do crescimento da econo-
mia do pas e dos ganhos do capital nacional.
As articulaes para a coordenao de
interesses em torno da poltica habitacional
aqui demonstrada ocorreram no mbito das
gestes do Presidente Lula. Embora o receitu-rio tenha sido seguido na primeira gesto de
Dilma, percebe-se que falta a essa presidente
o componente carismtico de Lula e a vocao
para a coordenao de interesses intrnseca a
esse ex-presidente conforme constata Singer
(2012): O sucesso de solues intermedirias
arbitrais, depende em grande medida, da fi-
gura providencial do lder que d a cada umo seu quinho (Singer, 2012, p. 201). O que
garantiu a estabilidade desta poltica foi jus-
tamente a fora da coordenao de interesses
que foi articulada de modo a criar um regime
de polticas pblicas (Couto e Abrucio, 2003)
quase hegemnico.
No governo Dilma, no entanto, a poltica
e os arranjos institucionais e de atores per-maneceram praticamente os mesmos, porm
demonstraram esgaramentos, mesmo antes
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da importante crise poltica que se deflagrou
j no comeo de seu segundo mandato. E
como esses arranjos, no setor habitacional e
tambm em outras polticas pblicas, foram
essenciais para as estratgias para a prpriamanuteno do poder do governo, seu esgar-
amento pode inviabilizar o projeto de manu-
teno mais frente.
Outro fato curioso que surge a partir
da instalao do regime da poltica pblica
do MCMV, a disputa pelo espao entre os
atores. Os poucos espaos de deciso acerca
do MCMV-E, em que se modificam normati-
vas e se disputam recursos, foram ocupados
pelos movimentos de moradia ligados ao
FNRU, mas com a possibilidade do lana-mento da terceira fase do MCMV, assistiu-se
a uma clara disputa das novas lideranas de
moradia que buscavam brechas para que seus
interesses tambm fossem atendidos de mo-
do que passassem a fazer parte da coordena-
o de interesses estabelecida.
Notas
(1) Segundo dirigente da Secretaria Nacional de Habitao, na campanha eleitoral de 2014, as
pesquisas apontaram que o programa com maior recall, isto , o que era mais lembrado pela
populao quando pensavam nas polcas federais, era o MCMV (Klintowitz, 2015).
(2) O FGTS e o SBPE foram criados e regulamentos em 1966 como para promover o respaldo
nanceiro necessrio estrutura organizacional do BNH. O FGTS, tendo como fonte de recurso
a poupana compulsria de parte dos salrios formais captada pelo Governo Federal, at hoje
a principal fonte de recursos de nanciamento do desenvolvimento urbano do pas com juros
mais baixos do que os pracados no mercado. J no SBPE, cujo os recursos so provenientes
das cadernetas de poupana voluntrias desnado para o nanciamento habitacional dos
segmentos de mais alta renda com juros menos subsidiados.
(3) importante notar que, para efeitos metodolgicos, este clculo da focalizao do Programa
MCMV em relao ao dcit assume que todas as unidades produzidas no mbito do programa
esto atingindo as famlias computadas como dficit e que no h nenhum vazamento. No
entanto, sabe-se que parte dos atendimentos no so desnados ao atendimento do dcit
calculado pela FJP. Alm dos vazamentos pulverizados comuns em programas pblicos, parte
do atendimento do MCMV est sendo ulizada para permir o atendimento s famlias quesofreram remoes foradas para a implementao de novos empreendimentos, como no caso
das obras para a Copa do Mundo 2014 e as Olimpadas 2016.
Danielle Klintowitz
Instituto Plis, Urbanismo. So Paulo/SP, Brasil.
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(4) O PMCMV, em sua componente urbana, foi operacionalizado para a modalidade da faixa 1 a
parr da alocao de recursos oramentrios da Unio no Fundo de Arrendamento Residencial
(FAR) inicialmente no montante de 14 bilhes de reais e, em menor grau, ao Fundo de
Desenvolvimento Social (FDS) inicialmente no montante de 500 milhes de reais , ambos
gerenciados pela CEF. O FAR j vinha sendo ulizado na produo de unidades habitacionais para
famlias com renda entre trs e seis SM, dentro do Programa de Arredamento Residencial (PAR),recebendo recursos transferidos do Oramento Geral da Unio (OGU) e do FGTS, e foi ulizado
no MCMV para viabilizar a modalidade que passa recursos oramentrios diretamente para
as empresas. J o FDS um fundo contbil de natureza nanceira que funciona com recursos
provenientes do Oramento Geral da Unio OGU, com prazo indeterminado de existncia,
sendo seus recursos desnados para o nanciamento de projetos de invesmento de interesse
social, nas reas de habitao popular exclusivamente para famlias com renda de at R$ 1600,
por meio da concesso de nanciamentos a benecirios organizados de forma associava por
uma Endade Organizadora EO (associaes, cooperavas, sindicatos e outros), Organizadora
EO.
(5) O PAC Favelas, voltado urbanizao de assentamentos precrios, apesar de no dialogar
diretamente com o SNHIS e de passar por fora do FNHIS, defendido por muitos atores ligados
plataforma da reforma urbana medida que promove uma atuao mais integrada entre as
polcas urbanas (habitao, saneamento, mobilidade) do que a proviso de novas moradias
que atua de maneira exclusiva na construo de casas.
(6) Optou-se por realizar este exerccio estasco apenas nos dados de contratao da primeira
fase do MCMV, pois os dados do MCMV2, disponibilizados pela CEF, apresentavam muitas
inconsistncias e no foi possvel conseguir uma base mais adequada junto ao gestor do
programa at o nal desta pesquisa.
(7) A Rede Moradia Cidade foi uma rede nacional de pesquisadores que se reuniram para realizar
uma avaliao no mbito da chamada MCTI/CNPq/MCidades n 11/2012 sobre a insero
urbana dos conjuntos produzidos no mbito do MCMV em seis estados brasileiros. A rede
foi formada por pesquisadores de 11 instuies (universidades federais do Cear, Par, Rio
Grande do Norte, Minas Gerais, Rio de Janeiro (Ippur e Prourb), universidades estaduais,
USP (IAU e FAU), Poncia Universidade Catlica de So Paulo, Peabiru e Instuto Plis) que
construram uma metodologia em conjunto para idencao de similaridades e diferenas da
implantao desses conjuntos no territrio nacional. Essa avaliao realizou uma pesquisa com
3.900 famlias com moradias de unidades habitacionais produzidas no mbito do MCMV, faixa 1,
nas diferentes cidades estudadas.
(8) Uma fala de um entrevistado de um conselheiro do ConCidades do setor da construo civil
explicita esta estratgia: Como a distribuio de participao do Conselho [das Cidades],
de uma certa forma era um pouco desequilibrada e no fim o governo e os movimentos
sociais acabam tendo uma grande maioria, a gente percebeu que a participao nossa [dos
empresrios] no deveria ser na votao. No nha como a gente ganhar a votao, a gente
sempre perdia. Mas nha a discusso, a discusso no voto, porque na verdade, eu acho que
uma coisa que era legal do Conselho um trabalho de arculao para trabalhar um pouco o
consenso, eu acho que era uma cultura, uma coisa que foi bom, era trabalhoso, mas foi bom.
Ento percebemos que a nossa parcipao deveria ser na arculao polca, na proposta de
ideias, na elaborao de algumas propostas que pudssemos de alguma forma vender as nossasideias (...) Dessa forma ns conseguimos construir uma parceria com os movimentos sociais,
que foi uma coisa muito legal, eu acho que a gente comeou no embate com os movimentos
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sociais, a gente nha vises muito diferentes em algumas coisas, mas conseguimos construir um
consenso (Klintowitz, 2015).
(9) Ata da 20 Reunio do Conselho Nacional das Cidades (MCidades, 2009, s/p).
(10) Valores de imveis podem inviabilizar projetos habitacionais de So Paulo, Rede Brasil Atual.
Disponvel em: . Acesso em: 11 fev 2014.
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7/25/2019 Porque o Minha Casa Minha Vida So Aconteceria Em Governo Petista
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Danielle Klintowitz
Texto recebido em 15/out/2015Texto aprovado em 6/dez/2015
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