Porifera Be

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FILO PORIFERA: BIOLOGIA E ECOLOGIA Conhecidas e utilizadas desde a antiguidade pelos povos primitivos as esponjas foram incluídas já no primeiro tratado sobre classificação de organismos, escrito por Aristóteles em 350 a.C., na Grécia clássica. Consideradas inicialmente como plantas, sua natureza animal só foi reconhecida no final do século XVIII, quando se observaram as correntes de água no seu corpo. No entanto, os grandes naturalistas da época (Lammarck, Lineu, Cuvier) classificavam as esponjas como Zoophyta (animais-plantas) ou Pólipos (considerando-as como próximas dos cnidários). Foi o naturalista inglês R.E. Grant quem primeiro compreendeu a anatomia e fisiologia das esponjas e criou o nome Porifera, que significa “portador de poros”. A elevação de Porifera ao nível de Filo, sugerida por Huxley em 1875 e por Sollas em 1884, só foi aceita no início do século XX. Ainda assim, os debates a respeito de sua posição em relação aos protozoários e metazoários permaneceram até recentemente. O Filo Porifera está composto por organismos multicelulares com um nível de organização bem simples, sem a formação de tecidos homólogos às camadas de origem embrionária de outros animais. Apesar de multicelulares, realizam várias de suas funções vitais de forma semelhante a seres unicelulares, como protistas. Devido a estas características, os poríferos, também conhecidos como esponjas, são classificados por alguns zoólogos em Parazoa (do grego: ao lado de, junto aos outros animais), acreditando-se que tenham seguido uma linha evolutiva paralela àquela que deu origem aos metazoários. No entanto, devido a inúmeras características em comum com outros animais, diversos zoólogos preferem incluí-los entre os metazoários e 1

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FILO PORIFERA: BIOLOGIA E ECOLOGIA

Conhecidas e utilizadas desde a antiguidade pelos povos primitivos as esponjas foram incluídas

já no primeiro tratado sobre classificação de organismos, escrito por Aristóteles em 350 a.C., na Grécia

clássica. Consideradas inicialmente como plantas, sua natureza animal só foi reconhecida no final do

século XVIII, quando se observaram as correntes de água no seu corpo. No entanto, os grandes

naturalistas da época (Lammarck, Lineu, Cuvier) classificavam as esponjas como Zoophyta (animais-

plantas) ou Pólipos (considerando-as como próximas dos cnidários). Foi o naturalista inglês R.E. Grant

quem primeiro compreendeu a anatomia e fisiologia das esponjas e criou o nome Porifera, que significa

“portador de poros”. A elevação de Porifera ao nível de Filo, sugerida por Huxley em 1875 e por Sollas

em 1884, só foi aceita no início do século XX. Ainda assim, os debates a respeito de sua posição em

relação aos protozoários e metazoários permaneceram até recentemente.

O Filo Porifera está composto por organismos multicelulares com um nível de organização bem

simples, sem a formação de tecidos homólogos às camadas de origem embrionária de outros animais.

Apesar de multicelulares, realizam várias de suas funções vitais de forma semelhante a seres

unicelulares, como protistas. Devido a estas características, os poríferos, também conhecidos como

esponjas, são classificados por alguns zoólogos em Parazoa (do grego: ao lado de, junto aos outros

animais), acreditando-se que tenham seguido uma linha evolutiva paralela àquela que deu origem aos

metazoários. No entanto, devido a inúmeras características em comum com outros animais, diversos

zoólogos preferem incluí-los entre os metazoários e muitos os consideram em uma posição

intermediária entre um estado unicelular e a multicelularidade mais complexa dos Metazoa. Os

mecanismos utilizados pelas esponjas para a realização de suas funções vitais diferem de todos os

demais metazoários e por esta razão há um consenso de que os poríferos divergiram muito cedo da

linha evolutiva que deu origem ao resto dos animais.

Tradicionalmente, as esponjas eram caracterizadas como “animais filtradores e sedentários, que

utilizam uma única camada de células flageladas para bombear água através de seu corpo” (Bergquist,

1980). No entanto, descobertas recentes já não sustentam esta definição. Em 1995 foi descrito um

grupo de esponjas de profundidade com hábito carnívoro. Este fato foi tão marcante que saiu publicado

(e foi capa) da tradicional revista britânica Nature (Vacelet et al., 1995).

As esponjas são organismos exclusivamente aquáticos, na maioria marinhos (apenas cerca de

150 spp de água doce), que variam desde alguns poucos mm em tamanho até mais de 1 metro. Habitam

todos os mares, dos trópicos aos pólos e desde a zona mediolitoral até profundidades abissais. São, no

entanto, mais abundantes em áreas costeiras não poluídas e em ambientes recifais tropicais.

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Apresentam coloração bem variada, muitas vezes devido à simbiose com bactérias ou algas

unicelulares. Podem ser vermelhas, amarelas, laranjas, verdes, púrpuras, entre outras. No entanto,

perdem a cor fora da água.

Livros didáticos citam mais de 5.000 espécies viventes, porém alguns especialistas, como o Dr.

Muricy da UFRJ, relatam cerca de 10.000 espécies descritas e em torno de 7.800 espécies válidas.

Estão, atualmente agrupadas em 3 Classes: Calcarea, Demospongiae e Hexactinellida. São organismos

bentônicos que crescem sobre substratos duros como rochas, recifes, fragmentos de origem vegetal e

estruturas artificiais, como diques, plataformas petrolíferas e estruturas portuárias. Também estão

presentes em substrato móvel, como lama, areia e cascalho. Apresentam padrões de crescimento que

podem ser incrustante, perfurador, ereto, ramificado, lobado, etc.

De forma geral, a estrutura corporal das esponjas é caracterizada por uma massa de células

embebida em uma matriz protéica, que pode estar enrijecida por espículas diminutas de carbonato de

cálcio ou sílica. Podem ser assimétricas ou de simetria radial. Não apresentam órgão ou tecido

verdadeiro e suas células apresentam certo grau de independência. Possuem apenas elementos

contráteis simples e não foi comprovada ainda a presença de sistema nervoso nem órgãos de sentido.

Considerando toda esta simplicidade estrutural poder-se-ia questionar como as esponjas atingiram a

condição multicelular e chegaram a atingir tamanhos consideráveis. A explicação está no

desenvolvimento de soluções bastante originais, algumas com grande semelhança com protista e outras

exclusivas. Dentre estas, dois atributos organizacionais únicos foram importantes para o sucesso dos

poríferos, além de caracterizá-los: um sistema para circulação de água através de seu corpo, com a

presença de coanócitos, e a grande natureza totipotente de suas células. A grande diversidade de formas

e tamanhos destes organismos ocorreu tanto evolutivamente como individualmente e se deve, em

grande parte, a estas duas características citadas.

A superfície externa do corpo das esponjas apresenta aberturas pequenas denominadas poros

dérmicos ou inalantes (termo aplicado, geralmente, quando apenas uma célula participa em sua

formação) ou óstio (quando formado por mais de uma célula). A água penetra por estes poros e passa,

através de canais, para a cavidade corporal das esponjas, chamada espongiocele ou átrio. Esta cavidade

(sem nenhuma relação com cavidades digestivas de outros metazoários) e parte dos canais estão

forrados por uma camada de células flageladas, os coanócitos. Eles são os responsáveis por manter a

circulação da água pelo corpo da esponja através do batimento dos flagelos e também participam na

captura de alimento. A água então sai por aberturas maiores que pode ser única ou em número variado,

denominada ósculo. Este sistema de canais, também chamado por alguns autores como sistema

aqüífero é uma aquisição única das esponjas e, como foi dito, é um dos grandes responsáveis pelo

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sucesso do filo. Esta estrutura simples, aqui descrita pode sofrer graus variáveis de modificação

tornando-se mais complexa e definindo três tipos básicos de estrutura dos sistemas de canais: os tipos

asconóide, siconóide e leuconóide.

Na estrutura asconóide, a mais simples, a água penetra por numerosos óstios ou poros dérmicos

sendo levada a uma espongiocele ampla, revestida por coanócitos. Daí a água sai através de um ósculo

único. As esponjas com esta morfologia são, em geral, pequenas (menos de 10 cm) e tubulares, sendo o

adulto radialmente simétrico. Só ocorrem representantes asconóides dentro da Classe Calcarea, entre os

quais podemos citar os gêneros Leucosolenia (=cone branco), que apresenta diversos indivíduos

tubulares e afilados crescendo em grupos presos por um estolão comum ou ramos a objetos em águas

marinhas rasas e o gênero Clathrina (=treliça), com representantes de coloração amarelo luminoso,

com tubos entrelaçados.

Para conseguir aumentar seu tamanho, o que resultaria em um aumento da área de superfície foi

necessário ocorrer um dobramento da parede do corpo, numa variedade de padrões. Isto é o que ocorre

nos tipos siconóide e leuconóide. No primeiro ocorreu a formação de canais flagelados. As paredes são

mais espessas e mais complexas. Os poros dérmicos desembocam em canais inalantes. Daí a água

passa através de aberturas denominadas prosópilas para canais radiais, forrados por coanócitos. Estes

desembocam na espongiocele, a qual está forrada por células não flageladas, através de poros internos

chamados apópilas. A saída da água ocorre por meio de um ósculo. Dentro deste plano existem graus

variáveis de complexidade. As esponjas siconóides são, geralmente, maiores que as asconóides, com

forma tubular e não tão ramificadas. Durante o seu desenvolvimento apresentam um estágio asconóide

e apenas posteriormente os canais se formam por evaginações da parede do corpo. Devido a este

desenvolvimento, se acredita que as esponjas leuconóides derivem de um estoque asconóide.

Representantes das Classes Calcarea e Hexactinellida podem apresentar este tipo de estrutura. Um

exemplo são representantes do gênero Scypha (=Sycon).

Na estrutura leuconóide ocorrem câmaras flageladas e a sua estrutura mais complexa permite

um aumento do tamanho. Geralmente formam grandes massas com numerosos poros inalantes e

ósculos. A água penetra pelos poros, passa por canais inalantes e daí, através de prosópilas, para

câmaras flageladas, geralmente pequenas e bem numerosas, que estão revestidas por coanócitos. A

espongiocele está reduzida a uma série de canais exalantes ou excurrentes por onde passa a água

quando sai das câmaras através de apópilas, em direção aos ósculos. Ocorre nas Classes Calcarea,

Hexactinellida e em todos os representantes de Demospongiae. Apenas na Classe Calcarea, considerada

a mais primitiva entre as viventes, ocorrem os três tipos de estrutura. As esponjas calcárias leuconóides

passam por estágios de desenvolvimento asconóide e siconóide durante seu crescimento. Apesar de

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estes três sistemas representarem um aumento de complexidade, não implica, necessariamente, uma

seqüência de desenvolvimento ou evolutiva. A forma leuconóide evoluiu de forma independente várias

vezes entre as esponjas. Além disso, nem todas as esponjas passam pelos 3 tipos de estrutura ao longo

do seu desenvolvimento ou de sua evolução. Ademais, é comum encontrar estágios intermediários.

Apesar da forma asconóide ser normalmente descrita como modelo nos livros didáticos, devido a sua

simplicidade, apenas cerca de1% das esponjas apresentam esta morfologia, sendo a maioria (95%) do

tipo leuconóide.

Devido ao fato das esponjas apresentarem um nível de organização ainda celular, com grande

independência das células, a descrição dos seus tipos celulares é imprescindível para o entendimento do

funcionamento destes organismos. A princípio poucos tipos celulares eram descritos. Posteriormente

estudos histoquímicos e outras técnicas revelaram uma quantidade maior de tipos celulares, muitos

deles ainda têm sua função e/ou funcionamento desconhecidos. Os tipos melhor descritos são:

PINACÒCITOS- são células do tipo epitelial afiladas e achatadas cujas margens se sobrepõem. Alguns

apresentam forma de T, com seus corpos celulares se inserindo no meso-hilo, uma matriz protéica que

forma a camada intermediária nas esponjas. Organizam-se na superfície externa formando a

pinacoderme, o que mais se aproxima a um tecido verdadeiro em esponjas. No entanto, a ausência de

membrana basal a difere de camadas realmente epiteliais em outros metazoários. Não obstante,

trabalhos recentes sugerem que uma membrana basal poderia ocorrer entre os Homoscleromorpha. Os

pinacócitos podem também revestir parte da superfície interna, como canais inalantes e exalantes,

sendo denominados endopinacócitos (e os outros seriam exopinacócitos). Na superfície interna estas

células são mais fusiformes e se sobrepõem menos. Na região basal ou de adesão, podem ocorrer

basopinacócitos, células achatadas ou em forma de T que secretam complexo polissacarídeo de

colágeno fibrilar que atua como estrutura de adesão ou fixação. Em esponjas de água doce, os

basopinacócitos podem participar na nutrição engolfando bactérias e também na regulação osmótica,

com muitos vacúolos contráteis e vesículas de expulsão de água. Alguns pinacócitos podem se

modificar em MIÓCITOS, contráteis, os quais normalmente são alongados e se organizam

concentricamente no meso-hilo, formando bandas circulares em torno de óstios e ósculos para regular a

entrada de água. Devido ao arranjo de fibras, se sugeriu que os miócitos seriam homólogos às células

musculares lisas de outros invertebrados superiores. Eles são efetores independentes, com pequenos

tempo de resposta e, ao contrário de neurônios ou fibras musculares verdadeiras, parecem ser

insensíveis a estímulos elétricos.

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COANÓCITOS- São células ovóides com uma extremidade embebida no meso-hilo e a outra exposta,

na qual há um flagelo circundado por um colarinho de microvilosidades. Estas células forram a

espongiocele, canais e câmaras flageladas. O flagelo cria, através de seu batimento, uma corrente de

água que atravessa o corpo da esponja do óstio em direção ao ósculo. Este fluxo de água criado é o

responsável pelo funcionamento das atividades das esponjas, estando o coanócito intimamente

associado à nutrição. O flagelo, em realidade, tem uma ultra-estrutura de cílio. Parece ser que os

flagelos verdadeiros ficaram restritos às bactérias. No entanto, convencionou-se usar o termo flagelo

quando os cílios aparecem longos e em número reduzido (1 ou 2). A base do flagelo é circundada por

um colarinho de 20 a 35 microvilosidades, ou microvilas adjacentes, conectadas por microfilamentos

formando um dispositivo de filtragem de partículas alimentares na água.

PORÓCITOS- células cilíndricas, similares à tubos, presentes na pinacoderme. Forma o poro inalante e

são contráteis, regulando a abertura. Não se sabe, porém os mecanismos de contração/expansão

utilizados. Alguns podem construir na abertura do poro uma membrana citoplasmática similar a um

diafragma que regula o tamanho do poro.

ARQUEÓCITOS- células grandes, bem móveis, que se deslocam no meso-hilo. São de fundamental

papel no transporte e digestão, apresentando muitas enzimas digestivas como amilases, proteases,

lípases, etc. Podem fagocitar partículas na pinacoderme dos canais de água, receber partículas

fagocitadas pelos coanócitos e tem grande capacidade de diferenciar-se em qualquer um dos tipos

celulares especializados das esponjas, tendo grande importância na reprodução assexuada. Entre os

tipos celulares que normalmente são formados a partir de um arqueócito pode-se citar:

Esclerócitos- São secretores de espículas (estruturas esqueletárias). Apresentam muitas mitocôndrias,

microfilamentos citoplasmáticos e pequenos vacúolos. Já foram descritos vários tipos e se desintegram

após secretar as espículas.

Espongiócitos- Atuam em grupos, secretam fibras de espongina, um tipo especializado de colágeno

exclusivo das esponjas.

Colêncitos- secretam colágeno fibrilar que fica entre as células. Muito similar morfologicamente aos

pinacócitos.

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Lofócitos- secretam grandes quantidades de colágeno, porém são morfologicamente diferentes dos

colêncitos. São maiores, mais móveis e podem ser reconhecidos pela cauda de colágeno que arrastam.

Células esferulosas- grandes, no meso-hilo, com grande quantidade de inclusões químicas. Geralmente

contém os metabólitos secundários bem comuns nas esponjas.

Com relação às estruturas esqueletárias, as esponjas também apresentam uma variedade de

possibilidades. A presença das mesmas confere proteção e sustentação a estes animais, evitando que as

câmaras colapsem. O colágeno é a principal proteína estrutural do Reino Animal. Ele forma a matriz

orgânica intercelular de todas as esponjas, sendo menos abundante entre as esponjas de vidro. Apenas

as Demosponjas podem secretar um tipo diferenciado de colágeno, chamado espongina, organizado

como uma rede fibrosa no meso-hilo. A espongina não é conhecida em nenhum outro animal e pode

também formar a cobertura das gêmulas de esponjas de água doce e algumas marinhas. Estas

substâncias de natureza orgânica podem estar associadas a estruturas esqueletárias inorgânicas

denominadas espículas. Estas estruturas minerais estão em quase todas as esponjas, exceto em algumas

Demosponjas, podendo, inclusive, alguns representantes não apresentarem nem espongina e nem

espículas (Ex: Chondrosia, Euspongia, Halisarca, Oscarella), ocorrendo apenas uma trama de fibras

colágenas.

As espículas podem ser de natureza calcária, formadas por carbonato de cálcio sedimentado na

forma de calcita ou aragonita ou silicosas, formadas por dióxido de sílica hidratado. As esponjas são os

únicos animais a usarem sílica hidratada como material esquelético. As espículas apresentam grande

variedade de formas e possuem enorme valor taxonômico. Na Classe Calcarea, ocorrem espículas

geralmente de carbonato de cálcio cristalino, com 1, 3 ou 4 raios. Na Classe Demospongiae, ocorre

secreção de espongina, associada ou não com espículas silicosas ou calcáreas, ou ainda haver apenas

colágeno formando uma rede. A terceira classe reconhecida de esponjas, Hexactinellida, também

chamadas de esponjas de vidro, apresentam espículas silicosas com 6 raios.

O processo de formação das espículas ocorre no meso-hilo. Esclerócitos são capazes de

acumular cálcio e sílica e depositá-los de forma organizada. Às vezes um esclerócito produz 1 espícula,

outras, vários esclerócitos trabalham juntos produzindo uma única espícula. Em geral, trabalham 2

células por raio da espícula. Em espículas silicosas o processo inicia com a secreção de um filamento

orgânico axial dentro de um grande vacúolo alongado no esclerócito. Enquanto o filamento se alonga

de ambas as extremidades, sílica hidratada é secretada dentro de vacúolos e depositada em volta do

filamento. Em espículas calcáreas não tem filamento axial. São produzidas extracelularmente nos

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espaços intercelulares circundados por muitos esclerócitos. Cada espícula é essencialmente um único

cristal de calcita ou aragonita. As espículas calcárias não podem continuar crescendo, como as

silicosas, devido à ausência de um eixo orgânico

Todas as funções realizadas pelas esponjas dependem da corrente de água através do seu corpo.

A água é levada para as células responsáveis pela captura de alimento e trocas gasosas ao mesmo

tempo em que resíduos digestivos e excretores e os produtos reprodutivos são expelidos pela ação das

correntes. Os alimentos podem ser partículas de detritos, pequenos protistas, algas unicelulares e

bactérias. As esponjas apresentam seletividade de tamanho devido ao diâmetro de suas aberturas,

funcionando como um sistema de peneira progressivo: óstios, canais, prosópilas, microvilosidades do

colarinho e retículo microfilamentoso. Assim sendo, a primeira seleção é feita pelo diâmetro dos óstios

(média de 50 µm) e a última pela largura dos espaços entre a microvilosidades do colarinho (0,1 µm).

Os coanócitos, além de gerarem a corrente de água pelo batimento de seus flagelos, também participam

na captura do alimento. Partículas ficam retidas em seu colarinho e são engolfadas pelo corpo celular.

São responsáveis pela captura de partículas menores (cerca de 80% do carbono orgânico particulado).

Eles realizam parcialmente a digestão intracelular e depois passa o alimento para arqueócitos no meso-

hilo que concluem a digestão. Os arqueócitos também podem capturar partículas alimentícias. A maior

quantidade de alimento é engolfada por estas células nos canais. Os pinacócitos também podem, em

pequena quantidade, fagocitar partículas na superfície. As esponjas podem também utilizar matéria

orgânica dissolvida (MOD) diretamente da água nos canais e engolfar moléculas de proteína nos

coanócitos. A digestão, na grande maioria das esponjas é, exclusivamente, intracelular. Ocorre,

principalmente nos arqueócitos, porém nos tipos asconóide e nas formas leuconoíes mais simples os

coanócitos são os principais responsáveis pela captura e digestão do alimento. Os arqueócitos fazem

também o transporte dos nutrientes para as demais células. As trocas gasosas e a excreção são

realizadas por mecanismos simples de difusão em células individuais, a maioria na coanoderme.

Algumas espécies parecem expelir pelets fecais formados de matéria não digerida em pequenas

cápsulas recobertas com fina camada de muco. Tanto dejetos alimentares como produtos de excreção

saem do corpo da esponja através do fluxo de saída que passa pelo ósculo. A pressão de saída e/ou a

circulação de correntes na área garantem que estes resíduos sejam lançados para longe da esponja

evitando que penetrem pelos poros inalantes.

O fluxo de água nas esponjas tem que ser lento suficiente para permitir trocas e outras

atividades. O aumento da espessura do meso-hilo provoca uma diminuição no fluxo de água quando

passa pela coanoderme. A área somada das câmaras flageladas é maior que a dos poros inalantes,

garantindo uma diminuição da velocidade do fluxo para as trocas. Não obstante a área dos ósculos é

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ainda menor que a dos poros o que provoca um aumento de velocidade na saída da água para carrear os

dejetos para longe. Isto é fundamental nas esponjas de águas calmas. Em águas agitadas a saída dos

dejetos é garantida pelas correntes. Em algumas esponjas células amebóides podem alterar a forma e a

direção de algumas prosópilas ajudando a controlar a velocidade do fluxo. É importante também

considerar que o dobramento na parede do corpo das esponjas nas formas siconóide e, principalmente,

leuconóide, permitiu o aumento de tamanho solucionando o problema de área X superfície de contato.

Assim sendo, nenhuma célula está a mais de 1 mm de distância do fluxo de água. O volume de água

que passa no interior de uma esponja é enorme. Em um indivíduo de 1 X 10 cm da esponja complexa

Leuconia, passam diariamente 22,5 l de água. Pesquisas registraram esponjas bombeando taxas que vão

de 0,002 a 0,84 ml de água por segundo e por cm3 de esponja. Dessa forma, uma esponja grande

filtraria seu próprio volume em água a cada 10 ou 20 segundos.

O batimento dos flagelos não é coordenado nem sequer em uma mesma câmara. No entanto,

todos os coanócitos estão alinhados e o flagelo bate em direção a apópila e da base para a ponta. Os

flagelos podem também gerar um fluxo contrário que serve para desobstrução. Pode ocorrer também

abertura e fechamento de poros inalante se exalantes e, principalmente fechamento dos ósculos, Isto

ocorre, por exemplo, para evitar obstrução quando há muitas partículas grandes na água. Não se

conhece nenhum sistema de coordenação e aparentemente a excitação se espalha célula a célula. Os

miócitos atuam como efetores independentes sem condução polarizada. Alguns zoólogos consideram a

possibilidade de coordenação através de substâncias químicas carreadas nos canais de água. Outros

consideram a presença de células nervosas, porém nunca foi demonstrado. Estudos em esponjas de

vidro observaram uma resposta do tipo tudo ou nada a estímulos mecânicos e elétricos, porém a

velocidade de condução era baixa demais para ser neuronal e alta demais para ser difusão química.

Além disso, a atividade pode variar com alguns fatores. Por exemplo, a atividade dos coanócitos e o

fluxo diminuem durante o processo de reprodução assexuado e mesmo sob condições normais a

atividade dos coanócitos pode ser interrompida por um tempo.

Em esponjas de água doce, a regulação osmótica é realizada através de vacúolos contráteis e

vesículas de expulsão de água presentes em arqueócitos e coanócitos.

Como foi mencionado anteriormente, a maior parte das esponjas são filtradoras, porém a família

de Demospongiae, Cladorhizidae tem um sistema bem diferente. Estas esponjas são carnívoras, agindo

como predadoras. Perderam sua linha de coanócitos e tem uma espícula modificada, similar a um

gancho ou anzol sai emerge de uma estrutura similar a tentáculo. Organismos que ficam presos nesta

espícula são envolvidos por células arqueocíticas que migram até o local, envolvem a presa ae realizam

digestão extracelular e absorção do material. Este mecanismo totalmente diferente quebra a antiga

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definição das esponjas e demonstra outra estratégia de sobrevivência. A maior parte dos representantes

desta família são de águas profundas porém espécies do gênero Asbestoplua vivem em grutas no

Mediterrâneo, onde o estudo foi realizado (Vacelet et al., 1995). Outra espécie ainda não descrita da

família preda e também consome bactérias metamórficas que vivem simbiontes em seus tecidos

(Vacelet et al., 1998). O consumo de organismos simbiontes é comum também em outras esponjas com

hábito filtrador. Estes organismos vivem nos tecidos das esponjas e podem fornecer parte da matéria

orgânica produzida por eles a seus hospedeiros. Não obstante, quando necessário, a esponja pode usar

estes simbiontes como fonte de alimento. No Brasil ocorre uma espécie da família Cladorhizidae,

Chondrocladia albatrossi, coletada a 4.450 m de profundidade por expedição sueca a cerca de 500 km

da costa.

Outro grande tabu é o caráter séssil as esponjas. Trabalhos recentes (Bond, 1887, 1998)

comprovaram um registro de 100 anos atrás acerca da mobilidade das esponjas. Já era comprovada a

mobilidade das células, em especial as do meso-hilo, porém também ocorre nas células da pinacoderme

e da coanoderme, de forma que toda a estrutura pode se mover como um sistema contínuo. Algumas

células amebóides se arrastam enquanto outras trazem espículas que darão suporte. Foram observados

inclusive amebócitos que saem livre da esponja se movem por conta própria um tempo e retornam para

a esponja parental. A locomoção não dá a esponja capacidade de fuga contra predação, porém, segundo

Bond, o campeão em velocidade consegue se deslocar de forma regular mais de 4 mm por dia.

As esponjas se reproduzem por mecanismos sexuados e assexuados. Entre os assexuados,

algumas espécies podem produzir brotos, externos, que podem se soltar do parental e flutuar para

formar novas esponjas ou pode ficar junto do parental e formar o que alguns autores chamam de

colônia. Outros autores, como Brusca & Brusca preferem tratar as esponjas como organismos

solitários. Eles preconizam que a esponja inteira (ou seja, todo e qualquer material de esponja limitado

por uma cobertura contínua) seria um indivíduo solitário. Desta forma, uma esponja, como um todo,

cresce como um corpo único ditado pelas características ambientais (fluxo de água, contorno do

substrato, etc). As esponjas crescem por adição constante de novas células que se diferenciam segundo

as necessidades, o que normalmente não é visto como reprodução assexuada colonial. A existência de

certa coordenação no comportamento como no caso do bombeamento dos coanócitos reforçam, para

estes autores, a idéia de que cada esponja é, em seu todo, um indivíduo.

Outra forma de reprodução agamética é a formação de brotos internos ou gêmulas. São

estruturas esféricas pequenas formadas pela junção de arqueócitos no meso-hilo, que realizam mitose

rapidamente. “Nurse cells” ou trofócitos migram para a massa de arqueócitos e são engolfadas por estes

que ficam com uma reserva vitelínica. Esta massa é envolta por uma cobertura de espongina, dispostas

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em 3 camadas, com espículas silicosas microscleras incorporadas. A membrana mais externa não

apresenta espículas. Quando a esponja parental morre as gêmulas sobrevivem e permanecem dormentes

durante períodos de congelamento ou seca. Quando as condições são apropriadas as células saem por

uma abertura denominada micrópila e se desenvolvem em novas esponjas. O primeiro grupo de células

coloniza o substrato e forma uma trama de pinacoderme e coanoderme. O segundo grupo coloniza esta

trama. Algumas gêmulas suportam até –70º C por 1 hora e outra morrem a –10º C. A grande vantagem

deste processo é permitir a sobrevivência da espécie à mudanças estacionais, em água doce, por

exemplo. Também permite a colonização de novos ambientes, pois as gêmulas podem ser dispersas por

rios e/ou animais. As razões pelas quais as gêmulas não eclodem dentro do corpo do parental parecem

ter relação com a secreção de substâncias inibidoras pelo parental e pelo fato de algumas espécies

maturarem a baixas temperaturas (ex. Inverno) e só depois germinarem. A formação de gêmulas é

muito comum es esponjas de água doce (família Spongillidae), onde são mais complexas. Algumas

espécies marinhas produzem gêmulas mais simples, que contem amebócitos também e cuja parede é

menos complexa. Alguns autores preferem chamar estas estruturas de corpos de redução, sendo esta a

única forma destas espécies sobreviverem ao inverno. A dormência das gêmulas pode ser quiescência

quando imposta por condições desfavoráveis e terminando quando as condições melhoram, ou pode ser

uma diapausa, imposta por uma combinação de fatores endógenos e ambientais. Neste caso,

geralmente, para interromper é preciso exposição a temperaturas bem baixas por um certo tempo.

Muitas vezes a produção de gêmulas permite que algumas espécies ampliem sua distribuição

latitudinal, já que isto permitem que elas sobrevivam ao período de inverno.

Na virada do século XX, Wilson demonstrou, pela primeira vez, a assombrosa capacidade de

células de esponjas re-agregarem após serem mecanicamente dissociadas. Este processo tratado como

embriogênese somática é similar a reprodução assexuada por fragmentação e implica em reorganização

celular. O processo fifere em esponjas de complexidade diferente e ainda não se sabe bem como as

células segrega, se aderem e especializam. Existem muitos estudos experimentais onde pedaços de

esponjas dissociadas se reorganizam em 2 ou 3 semanas de migração celular ativa formando uma

esponja funcional e as células originais assumem de volta suas respectivas funções. Também já foi

comprovado reconhecimento entre as espécies, de forma que células de espécies diferentes misturadas

se re-organizam separadamente. Este processo é usado em fazendas de cultivo de esponjas comerciais,

onde pedaços cortados são cimentados em blocos submersos. É lógico que todo este processo implica

uma gande capacidade de regeneração, habilidade comum entre as esponjas e que tem grande relação

com a natureza totipotente de cuas células. No entanto a regeneração é um processo que serve para

recuperar partes perdidas ou lesões e injúrias, o que não implica reorganização de todo o animal.

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Alguns trabalhos citam ainda um outro processo de reprodução assexuado que implica na formação de

uma larva assexuada em algumas esponjas. O tema, ainda pouco estudado e controvertido, pareceria ser

uma forma de garantir um estágio livre dispersivo mesmo quando a fertilização falhou.

As esponjas, assim como outros metazoários, não possuem gônadas verdadeiras. Ocorre a

formação de gametas no meso-hilo, com grande assincronia em uma espécie ou população. A maioria é

monóica, ou seja, hermafroditas, produzindo gametas em épocas diferentes (protrandria ou protoginia).

Pode ocorrer uma vez a troca no tipo de gameta produzido ou alternar constantemente ao longo da vida.

Em uma população pode haver alguns indivíduos dióicos e outros monóicos, no entanto a regra parece

ser sempre a fecundação cruzada. Os espermatozóides são formados a partir de coanócitos que se

modificam. Os ovócitos podem ser formados por coanócitos (Calcarea e algumas Demosponjas) ou por

arqueócitos. A espermatogênese ocorre em cistos espermáticos ou folículos espermáticos formados

quando todas as células de uma câmara flagelada se transforma em espermatogônia ou quando

coanócitos modificados migram para o meso-hilo e se agregam. Sobre a oogênese se conhece pouco.

Informações disponíveis sugerem que oócitos solitários se desenvolvem dentro de cistos circundados

por uma camada de células foliculares e trofócitos ou trofonema. A meiose começa quando a oogônia

tem alimento suficiente aportado pela ingestão dos trofonemas.

A maioria é vivípara, liberando espermatozóides na água. Algumas vezes a liberação é tão

massiva que forma uma nuvem branca e parece que as esponjas estão fumando. A liberação pode ser

simultânea em toda a população ou restrita a alguns indivíduos. Os espermatozóides liberados penetram

no sistema de canais de outro indivíduo e são capturados pelos coanócitos e fagocitados. É interessante

notar que coanócitos se alimentam de espermatozóides de outras espécies de esponjas e invertebrados,

porém reconhecem, não se sabe por quais mecanismos, os gametas de sua espécie. Os coanócitos

perdem o flagelo e o colar, sendo chamadas de coanócitos de transferência (se comportam como células

amebóides) e realizam o transporte até ovócitos no meso-hilo onde ocorre a fertilização. O zigoto é

mantido dentro do parental e recebe nutrientes deste até formar uma larva ciliada a qual é liberada

através do ósculo ou por ruptura da parede. A larva pode assentar logo no substrato, repousar sobre o

substrato até estar pronta para assentar, estratégias comuns em espécies subtidais, ou permanecer no

plâncton por várias horas ou poucos dias, comum em espécies litorais. Outras espécies, ovíparas,

liberam ovócitos e espermatozóides na água, sendo a fecundação externa.

A larva típica das esponjas é denominada parênquímula e está na maioria dos poríferos. È livre

natante, com pouco tempo de vida no plâncton, de corpo mole, com exterior flagelado. Quando a larva

assenta estas células migram para o interior tornando-se coanócitos nas câmaras flageladas. Estudos

recentes, no entanto, questionam este processo. Acredita-se que as células flageladas ecternas são

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Page 12: Porifera Be

simplesmente desprendidas ou fagocitadas durante a metamorfose. Os coanócitos internos seriam

formados a partir de arqueócitos. Em qualquer uma das teorias, sempre da metamorfose resulta uma

forma leuconóide denominada rhagon. Outro padrão de desenvolvimento diferente pode ocorrer entre

as Calcarea e poucas Demospongiae. É formada uma blástula oca denominada por alguns autores como

Coeloblastula (outros tratam diretamente como anfiblástula) com células flageladas voltadas para o

interior. Ocorre então uma inversão, através da invaginação formando o estádio denominado

anfiblástula. Em uma extremidade estão micrômeros formados de células flageladas e na outra

macrômeros de células não-flageladas. Os micrômeros se invaginam, ao contrário do que ocorre em

outros metazoários e ficam rodeados pelos macrômeros. Os micrômeros flagelados originam

coanócitos, arqueócitos e colêncitos e os macrômeros, não flagelados, formam pinacócitos e

esclerócitos. A anfiblástula assenta por extremidade flagelada, originando um estágio inicial chamado

olynthus, que já se alimenta. As esponjas têm uma variedade maior de desenvolvimento embriológico

que outros animais e pouco se sabe sobre os mecanismos de assentamento e metamorfose. Um maior

aprofundamento pode ser conseguido com a leitura de Bergquist, 1978.

A classificação do Filo Porifera é ainda hoje muito debatida, desde a definição das espécies até

as relações entre as classes e subclasses. Os caracteres morfológicos e esqueléticos, insuficientes para

um estudo filogenético amplo do grupo, vêm sendo complementados por uma diversidade cada vez

maior de critérios alternativos (incluindo métodos bioquímicos, moleculares, embriológicos,

histológicos e citológicos) para a taxonomia de Porifera. A grande variabilidade morfológica das

esponjas e a dificuldade de se estabelecerem os limites das espécies complica a situação.

Esponjas são organismos dominantes em muitos habitats marinhos bentônicos. A maioria dos

litorais rochosa abriga um grande número de espécies, e elas são também abundantes em torno da

Antártida, onde boa parte do substrato consolidado deve-se a uma espessa camada de espículas

silicosas. Os padrões de crescimento variam segundo as condições ambientais. A mesma espécie pode

apresentar aparência diferente em locais distintos. A forma do substrato, velocidade das correntes,

disponibilidade de espaço, entre outros fatores, podem interferir. Muitas esponjas litorais crescem

como camadas finas ou espessas sobre substrato duro, no entanto, em substrato móvel, geralmente são

altas e eretas para evitar, assim, serem soterradas pelo sedimento em suspensão no ambiente. Espécies

infralitorais, de águas profundas, que não enfrentam correntes fortes são geralmente maiores e de forma

mais simétrica. Pouco se sabe sobre suas taxas de crescimento, mas os dados disponíveis sugerem uma

grande variação entre as espécies. Por exemplo, a esponja Terpios sp. das Filipinas cresce até 2.3 cm

por mês sobre corais, hidrocorais, moluscos e algas, matando-os através da liberação de uma toxina e

por sofocamento. De modo geral as esponjas parecem ser animais bastante estáveis e de vida longa.

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Page 13: Porifera Be

Embora algumas espécies tenham um ciclo de vida anual (por exemplo, Sycon sp), estimativas

baseadas em taxas de crescimento conferem idades acima de 1500 anos a indivíduos algumas espécies

(Lehnert & Reitner, 1997). Se confirmadas estas estimativas as esponjas seriam os animais com tempo

de vida mais longa do planeta.

Vários animais se alimentam de esponjas, embora o dano causado por estes predadores seja geralmente

pequeno. Alguns moluscos, ouriços e estrelas-do-mar, além de peixes tropicais (donzelas, peixes-

borboleta) e tartarugas, comem esponjas. Muitas espécies são totalmente expostas aos predadores, e na

impossibilidade de bater em retirada apresentam mecanismos alternativos de defesa contra a predação

excessiva. O mecanismo primário de defesa das esponjas é de natureza química. As esponjas produzem

uma ampla gama de compostos tóxicos, alguns bastante potentes. Espécies de alguns gêneros como

Tedania e Neofibularia, podem mesmo causar dermatites dolorosas em seres humanos. Muitas espécies

produzem compostos com atividade antimicrobiana (antibacteriana, antifúngica, antiviral). Além de

defesas antipredação e contra infecções microbianas, as toxinas de esponjas servem também para a

competição por espaço com outros invertebrados, como briozoários, ascídias, corais e até mesmo outras

esponjas. Isto permite a algumas esponjas crescer rapidamente e recobrir a fauna e a flora adjacentes.

Relações de comensalismo envolvendo esponjas são muito comuns. O intrincado sistema de canais das

esponjas e suas defesas antipredação as tornam excelentes refúgios para uma horda de invertebrados

menores (crustáceos, ofiuróides, poliquetos) e alguns peixes (gobídeos e blennídeos). Várias espécies

dependem dessa proteção das esponjas em sua fase de juvenis para manterem suas populações em

níveis estáveis. Por exemplo, conhece-se um peixe no Japão que desova dentro de uma esponja

(Mycale adhaerens), valendo-se da química desta espécie para a proteção de seus ovos. Outros

organismos usam as esponjas como cobertura ou camuflagem, como os caranguejos do gênero Dromia,

que recortam pedaços de esponjas de diversas espécies e os posicionam sobre sua carapaça. Outras

associações muito comuns são aquelas envolvendo esponjas e microorganismos endossimbiontes,

principalmente bactérias e cianofíceas. Presumivelmente, a matriz extracelular das esponjas provê um

meio rico para o crescimento das bactérias, e o hospedeiro se beneficia de um estoque de bactérias

utilizável em sua nutrição. As esponjas são os únicos metazoários conhecidos a manter relações

simbióticas com cianofíceas, que produzem glicerol e compostos fosfatados para a nutrição das

esponjas. Esponjas portadoras de cianobactérias funcionam como produtores primários, e apresentam

um crescimento rápido e alta produtividade primária em recifes de coral.

As esponjas perfurantes (gêneros Cliona e Aka) escavam galerias complexas em substratos

calcáreos como corais e conchas de moluscos. Apesar de causarem danos significativos às culturas

comerciais de ostras, a biorosão causada por estas esponjas em recifes de coral auxilia no processo de

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Page 14: Porifera Be

crescimento do recife. O processo de perfuração envolve a remoção química de pastilhas de carbonato

de cálcio que contribuem para a deposição de sedimentos no local. Esse sedimento será depois

reincorporado ao recife pelo processo de cimentação, que envolve fatores físicos, químicos e biológicos

e que é fundamental para o crescimento do recife de coral. As esponjas auxiliam também por crescerem

sobre os grãos de sedimento, mantendo-os agregados e estabilizados por mais tempo e facilitando a

ação de microorganismos cimentadores.

Algumas espécies de esponjas, principalmente do gênero Spongia e Hippospongia, são ainda

hoje usadas como esponjas de banho apesar da concorrência das esponjas artificiais. Este uso data da

antiguidade, tendo várias menções ao fato sido feitas pelo filósofo grego Homero. O apogeu da pesca e

cultivo comercial de esponjas deu-se na década de 1930, tendo feito muitas fortunas na Flórida, em

Cuba, nas Bahamas, e na Tunísia. No Caribe este apogeu foi seguido por duas epidemias, causadas por

um agente não determinado, em 1938 e 1947. Após isso as populações locais nunca mais voltaram à

abundância anterior e o conseqüente aumento da coleta no Mediterrâneo acarretou um declínio nas

populações nativas deste local. A isso se somaram infestações bacterianas entre 1986 e 1990, que

colocaram a pesca de esponjas e a indústria da espongicultura nos modestos níveis de atividade atuais,

ou seja, produzindo cerca de 10% do material comercializado nos anos 30. Ainda assim, as esponjas

naturais são de qualidade superior às sintéticas, sendo muito valorizadas. Para se ter uma idéia, em

1985 o preço do quilograma de esponja bruta importada pela França variava entre US$ 16 e US$ 86,

dependendo de sua qualidade. Não se conhecem no Brasil localidades com abundância de esponjas de

banho, mas é possível que uma espongicultura fosse viável.

Por serem, na maioria, organismos sésseis e filtradores, a repartição espacial das esponjas é fortemente

influenciada pela qualidade da água, especialmente pelo seu conteúdo em partículas orgânicas e

minerais, poluentes e materiais orgânicos dissolvidos. Elas são, portanto, boas indicadoras da qualidade

da água, e seu uso no monitoramento ambiental tem sido recomendado por alguns pesquisadores.

As esponjas produzem uma grande diversidade de metabólitos secundários, muitos dos quais

têm estruturas originais de grande interesse para a farmacologia e a pesquisa biomédica. Esses

compostos representam um importante recurso natural, pois podem levar à produção de medicamentos

mais eficazes contra o câncer e outras doenças graves, como as causadas por vírus, bactérias ou fungos.

As esponjas são um dos grupos de organismos com maior percentagem de espécies produtoras de

compostos antibióticos, antitumorais e antivirais. Outros invertebrados como briozoários, ascídias e

cnidários não têm tantas espécies com compostos ativos, nem um espectro tão amplo de atividades

quanto as esponjas.

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Page 15: Porifera Be

A atividade antifúngica é menos freqüente em esponjas do que a antibacteriana. Cerca de uma dúzia de

espécies do litoral sudeste têm atividade antifúngica demonstrada. Estes recursos podem ser explorados

por meio de cinco métodos básicos: extrativismo direto, síntese química, aquacultura, engenharia

genética, e cultura de células. Cada um destes métodos tem suas vantagens e dificuldades, e a forma

mais eficaz de exploração pode ser diferente para cada espécie ou envolver o emprego de mais de uma

técnica entre as cinco citadas acima. Suas peculiaridades fazem das esponjas de modo geral um recurso

renovável com amplo espectro de aplicações. A utilização efetiva desses animais no Brasil é porém

ainda bastante reduzida.

QUÍMICA E FARMACOLOGÍA

Em relação a compostos com interesse farmacológico as esponjas também ocupam uma posição

única. Estes organismos bentônicos ocupam um ambiente onde a competição por espaço é

extremamente agressiva. Isto não só à nível físico, pelo recobrimento daquelas espécies menos capazes,

mas principalmente a nível químico, pela produção de diversas substâncias tóxicas, ou alelopáticas, que

fornecem a vantagem competitiva necessária contra espécies concorrentes ou predadores (e.g. Becerro

et al, 1997; Thacker et al, 1998). Possuem reconhecidamente um metabolismo secundário

extremamente diversificado e também uma imensa variedade de microorganismos associados, com os

quais desenvolvem relações intrincadas, e que podem também ser fontes de novos elementos.

Em vista disso, as esponjas são um dos grupos mais promissores no que diz respeito a produção de

novos compostos de interesse. Atualmente tem sido um dos organismos mais estudados do ponto de

vista químico (Dumdei et al, 1997) e a atividade dos seus extratos vem sendo bem documentada em

diversos programas de pesquisa. Como conseqüência, nos últimos 20 anos centenas de substâncias

foram isoladas a partir de esponjas, muitas das quais já foram identificadas e apresentam fortes

atividades biológicas e farmacológicas. Diversos grupos de pesquisa acadêmicos e industriais, como a

Hoffmann-La Roche (através de sua divisão na Austrália, o Roche Research Institute of Marine

Pharmacology) e, mais recentemente, o Harbor Branch Oceanographic Institute, e as companhias

SeaPharm e PharmaMar, têm dedicado crescentes esforços ao seu isolamento. Um exemplo claro

desses esforços pode ser notado nas recentes avaliações realizadas pelo NCI (National Cancer Institute,

EUA), relativas a obtenção de extratos orgânicos de origem natural. Nelas observou-se que, dentre os

diversos grupos de organismos pesquisados, as esponjas são os que apresentam o maior número de

extratos com altas porcentagens de atividade anti-tumoral (Garson, 1994; Munro et al, 1994).

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Apesar do maciço número de substâncias já pesquisadas e descritas, existem vários problemas e

diversas questões ainda devem ser respondidas. Boa parte dos trabalhos em química se baseia em

identificações taxonômicas superficiais, apenas ao nível de gênero, ou pouco fundamentadas. Por outro

lado, parte dos artigos se limita a indicar a presença de alguma atividade biológica em extratos brutos,

sem que haja a identificação do componente responsável. Da mesma forma, são ainda raros os casos

onde à identificação da espécie produtora e de seu respectivo elemento de interesse farmacológico se

segue a caracterização deste composto dentro do contexto orgânico do animal. As subpopulações

celulares responsáveis pela sua produção ou mesmo as áreas de acúmulo destes compostos dificilmente

são identificadas. Dessa forma, as diversas informações que poderiam ser obtidas a respeito do papel

fisiológico e ecológico destes componentes são desperdiçadas. Perdem-se também dados que poderiam

auxiliar no entendimento das vias biossintéticas destes componentes em outros animais.

No Brasil, apenas da região sudeste cerca de 40% das espécies encontradas têm propriedades

farmacológicas conhecidas, e muitas dos restantes 60% certamente o terão, tão logo pesquisadas sob

este prisma. Apenas duas espécies endêmicas (Arenosclera brasiliensis e Clathrina aurea) já

demonstraram possuir atividades antimicrobianas. Os compostos bioativos de A. brasiliensis já foram

isolados, mas seus mecanismos de ação ainda precisam ser caracterizados. As quatro espécies com

espectro de atividade mais amplo na região Sudeste (Amphimedon viridis, Cliona celata, Scopalina

ruetzleri e Tedania ignis) são também muito abundantes e amplamente distribuídas no litoral brasileiro

e no Caribe. A esponja Amphimedom viridis produz a amphitoxina  e a halitoxina, alcalóides

guanidínicos com atividade antibacteriana, citotóxica, ictiotóxica e hemolítica, além de causar redução

do nível de glicose no sangue em cobaias. Extratos brutos de Cliona celata têm atividade

antibacteriana, antifúngica, citotóxica, antimitótica, antiviral e ictiotóxica. Scopalina ruetzleri produz a

ulosantoina, um potente inseticida, e compostos indólicos reguladores do crescimento de plantas.

Tedania ignis produz um macrolídeo citotóxico chamado tedanolide, e seu extrato bruto metanólico

tem atividade antibacteriana, antifúngica, citotóxica e antitumoral. As espécies Aplysina fulva e

Dysidea aff. fragilis, conhecidas do litoral sudeste, apresentam respectivamente atividade

antimicrobiana e cito e ictiotóxica.

Desde 1983 aceita-se a divisão das esponjas em dois subfilos: Symplasma e Cellularia; o

primeiro inclui apenas a classe Hexactinellida enquanto o segundo abriga as classes Calcarea e

Demospongia. No entanto, Bergquist sugeriu em 1985 a separação das Hexactinellida em um filo

distinto, já que os membros deste grupo não apresentam várias apomorfias de esponjas. Esta sugestão,

que implica numa visão merofilética para o grupo em questão, não tem sido acatada pelos demais

esponjólogos. É verdade que a organização das Hexactinellida é diferente das demais esponjas porque é

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constituída por um sincício; as suas espículas portando seis raios são chamadas de hexactinas,

derivando daí o nome da classe, embora alguns membros desse grupo possuam espículas com quatro

raios, as quais podem representar uma redução morfológica das hexactinas ou um caráter plesiomórfico

de espículas de Hexactinellida.

A classificação mais utilizada por especialistas atualmente considera a existência de 3 classes e

está apresentada abaixo, com breve descrição de cada táxon:

SUBFILO CELLULARIA: organização sempre celular.

CLASSE CALCAREA

Todas marinhas, espículas calcárias, retilíneas, com 3 ou 4 raios, sem diferença entre micro e

megaescleras, isoladas ou cimentadas. Sistema aqüífero de três tipos básicos (ascon, sicon e leucon) e

formas intermediárias entre eles.Geralmente pequenas (até 10 cm de altura) tubulares ou em forma de

vasos. Exemplos: Scypha (antes chamada Sycon) e Leucosolenia. Dividida nas subclasses Calcinea e

Calcaronea.

SUBCLASSE CALCINEA: espículas diactinas, triactinas e/ou tetractinas regulares, raramente

irregulares; núcleo dos coanócitos em posição basal; larva celoblástula.

CLASSE DEMOSPONGIAE (gr. Demo, povo + ponges, esponja):

Contém 95% das espécies viventes, a maioria marinha e apenas quatro famílias límnicas. Esqueleto

composto de megascleras diactinas, triactinas e tetractinas silicosas; microscleras variadas. Pode

apresentar colágeno fibrilar + espongina + espículas; colágeno fibrilar + espongina; colágeno fibrilar;

espículas silicosas + colágeno + esqueleto de aragonita ou calcita maciço; esqueleto de aragonita sem

espículas. Sistema aqüífero no padrão leuconóide. Em água doce estão bem distribuídas em riachos e

lagoas bem oxigenados. Incrustam sobre talos de plantas e pedaços envelhecidos de madeira submersa.

Exemplos> Spongilla e Myenia. No ambiente marinho podem ter forma bem variada e chegam a atingir

vários metros em diâmetro. Exemplos: Cliona, Thenea. Neste grupo também estão as esponjas de

banho (Spongia e Hippospongia) que não possuem espículas (chamadas esponjas córneas). Tem 3

subclasses: Homoscleromorpha, Tetractinomorpha e Ceractinomorpha. Esta última contém a família

Spongillidae (de água doce) e também esponjas antes colocadas na Classe Sclerospongiae, não mais

utilizada pela maioria dos zoólogos. Ela incluía espécies com esqueleto calcário volumoso e espículas

silicosas que agora estão distribuídas nas Classes Demospongiae e Calcarea.

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SUBFILO SYMPLASMA: o protoplasma multinucleado não é dividido em células, é portanto

sincicial.

CLASSE HEXACTINELLIDA (esponjas de vidro):

Exclusivamente marinhas, em geral de mares profundos. Espículas silicosas com seis raios

(hexactinas), individuais ou fusionadas, formando uma malha de estrutura similar a vidro. Apresenta

uma rede trabecular de tecido vivo produzido pela fusão dos pseudópodos de arqueócitos. Dentro da

rede trabecular tem câmaras compridas e digitiformes forradas por coanócitos e se abrindo na

espongiocele. Coanócitos apenas com colarinho e flagelo embebidos em um protoplasma, esticadas

entre espículas e conectadas entre si, formando camada sincicial. Ósculo grande pode ser recoberto por

uma placa de sílica em forma de peneira. Não há pinacoderme ou meso-hilo gelatinoso. A superfície

externa e a espongiocele estão forradas por rede trabecular e externamente há uma membrana dérmica

não nucleada forrando a superfície. O esqueleto rígido parece não apresentar miócitos. Ou outros

elementos musculares. A estrutura é adaptada às correntes lentas e constantes do fundo do mar. Pouco

se conhece sobre a fisiologia devido ao habitat. Larva parenquímula incubada. Corpos em forma de

vasos ou funis, geralmente fixas ao substrato por tufo de espículas. Variam de 7,5 cm a mais de 1 m de

comprimento.A malha de espículas similares à treliças confere grande beleza a estes organismos.

Representantes do gênero Euplectella são chamados de cesta de flores de Vênus. Sua estrutura favorece

uma relação ecológica bem interessante. Um casal de camarões (Spongicola) juvenis ainda penetra na

estrutura da esponja de vidro, crescem e não podem mais sair. Eles passam a vida como “prisioneiros

do amor” e, por esta razão, a esponja e seus hóspedes são um presente de casamento tradicional no

Japão, como símbolo de união eterna. Apresenta as subclasses Amphidicophora e Hexasterophora.

A fauna de poríferos da costa Atlântica da América do Sul é uma das menos conhecidas do

mundo, e a  maior parte do conhecimento sobre a espongofauna brasileira vêm de dragagens na

plataforma continental efetuadas por expedições estrangeiras (p.ex. navios "Challenger" e "Calypso").

Das espécies de Demospongiae conhecidas para a Costa Brasileira, cerca de 73% (194/267) foram

registradas por pesquisadores estrangeiros. As espécies litorais, de fácil acesso por mergulho livre, têm

sido pouco estudadas, com coletas esparsas ao longo da costa. Recentemente essa tendência vem se

invertendo, e os poucos grupos de pesquisa dedicados ao estudo das esponjas marinhas do Brasil

(coordenados por Beatriz Mothes e Rosária de Rosa Barbosa na Fundação Zoobotânica de Porto

Alegre; por Eduardo Hajdu e Guilherme Muricy no Museu Nacional, e por Solange Peixinho na

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Universidade Federal da Bahia) começam a intensificar o estudo taxonômico das espécies litorais,

principalmente através de coletas por mergulho autônomo.

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