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19/7/2016 Gonçalves de Oliveira y Oliveira http://www.saccom.org.ar/2002_reunion2/SesionesTematicas/Goncalves_de_Oliveira_Oliveira.htm 1/6 POR UMA ABORDAGEM ECOLÓGICA DO TIMBRE André Luiz Gonçalves de Oliveira y Luis F. de Oliveira Introdução Esse artigo é componente de uma série de outros que estamos trabalhando nesse momento, e especificamente preten investigar a noção de timbre segundo a perspectiva ecológica proposta pela Teoria da Percepção Direta de J. J. Gibso Em primeiro lugar discutiremos a abordagem tradicional de timbre, principalmente como desenvolvida pela acústica física e na psicofísica. Posteriormente iremos propor uma concepção de timbre baseada em conceitos da abordag ecológica. Para tanto, abordaremos, entre outros, os conceitos de wave front e wave trains, postulados por Gibson, al das noções de invariantes, meaningful sounds para caracterizar nosso entendimento de uma noção ecológica do timbre Os parâmetros físicos do som Quando se trata dos parâmetros físicos do som, tradicionalmente fazse referência à: altura, intensidade, timbre duração. Admitese que tais parâmetros possam ser isolados e manipulados independentemente. Com desenvolvimento da música computacional, a manipulação independente de cada um desses parâmetros tornouse u prática comum entre compositores. Em ambientes computacionais é possível tratar de cada um destes constituin extrinsecamente e de maneira objetiva, mas quando se trata de reconhecimento de timbres ou em situações de execuç instrumental isso é bastante controverso. De certa forma parece não haver como negar uma independência entre altu intensidade e duração [1] . No entanto o timbre parece conservar certa dependência dos parâmetros anteriores, ou relação entre eles. A acústica física define altura como sendo a freqüência da onda, e sons de altura determinada podem ser medidos Hz. Intensidade ou amplitude da onda é uma descrição para a energia de propagação, e duração é o tempo em que o so permanece acontecendo. Há sistemas métricos para descrever tanto intensidade (medese em decibéis) quanto duraç (vários sistemas, em segundos, milesegundos, batidas por segundo, unidade de tempo musical, frame etc). No entant interessante observar que o sistema usado para descrição timbrística não é simples como um sistema com uma unida de medida bem definida e padronizada, como no caso principalmente da altura e duração na música ocidental. Além que pode soar bastante estranho se falar em medir um timbre. Notamos que existe uma certa dificuldade em coloca noção de timbre na mesma categoria dos outros parâmetros. Em geral, o timbre é considerado como a qualidade do som que permite identificar as fontes sonoras e os even sonoros. Por outro lado, o timbre permite o reconhecimento de dois sons com alturas, intensidades e durações distin como sendo produzidas por um mesmo instrumento, seja ele acústico ou eletrônico. Observemos o que diz Danhauser (...) o timbre é essa qualidade particular do som que faz com que dois instrumentos não possam ser confundidos entre si, embora produzam um som da mesma altura e intensidade. O ouvido, por menos exercitado que seja, distingue facilmente o timbre de um violino do de um trompete ou de um oboé. (Danhauser, Em Schaeffer 1993.) A organização, isto é, a relação proporcional de altura e intensidade dos parciais harmônicos de um espectro responsável pelo timbre resultante; mas acreditamos que apenas isso não é suficiente para o reconhecimento de timbre. De fato, parece que a percepção do timbre depende de fatores dinâmicos, isso significa que ela é dependente variação dos parâmetros altura e intensidade sobre o fluxo de tempo (overtime). Dessa maneira, parecenos razoá postular que o timbre é dependente dos demais parâmetros, e que a variação destes altera o resultado timbrístico. variação dinâmica da intensidade, ou da altura, ou da duração microtemporal [2] , altera o timbre; isso pode

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POR UMA ABORDAGEM ECOLÓGICA DO TIMBRE

André Luiz Gonçalves de Oliveira y Luis F. de Oliveira IntroduçãoEsse artigo é componente de uma série de outros que estamos trabalhando nesse momento, e especificamente pretendeinvestigar a noção de timbre segundo a perspectiva ecológica proposta pela Teoria da Percepção Direta de J. J. Gibson.Em primeiro lugar discutiremos a abordagem tradicional de timbre, principalmente como desenvolvida pela acústica nafísica e na psicofísica. Posteriormente iremos propor uma concepção de timbre baseada em conceitos da abordagemecológica. Para tanto, abordaremos, entre outros, os conceitos de wave front e wave trains, postulados por Gibson, alémdas noções de invariantes, meaningful sounds para caracterizar nosso entendimento de uma noção ecológica do timbre. Os parâmetros físicos do somQuando se trata dos parâmetros físicos do som, tradicionalmente faz­se referência à: altura, intensidade, timbre eduração. Admite­se que tais parâmetros possam ser isolados e manipulados independentemente. Com odesenvolvimento da música computacional, a manipulação independente de cada um desses parâmetros tornou­se umaprática comum entre compositores. Em ambientes computacionais é possível tratar de cada um destes constituintesextrinsecamente e de maneira objetiva, mas quando se trata de reconhecimento de timbres ou em situações de execuçãoinstrumental isso é bastante controverso. De certa forma parece não haver como negar uma independência entre altura,intensidade e duração[1]. No entanto o timbre parece conservar certa dependência dos parâmetros anteriores, ou darelação entre eles.A acústica física define altura como sendo a freqüência da onda, e sons de altura determinada podem ser medidos emHz. Intensidade ou amplitude da onda é uma descrição para a energia de propagação, e duração é o tempo em que o sompermanece acontecendo. Há sistemas métricos para descrever tanto intensidade (mede­se em decibéis) quanto duração(vários sistemas, em segundos, milesegundos, batidas por segundo, unidade de tempo musical, frame etc). No entanto éinteressante observar que o sistema usado para descrição timbrística não é simples como um sistema com uma unidadede medida bem definida e padronizada, como no caso principalmente da altura e duração na música ocidental. Além deque pode soar bastante estranho se falar em medir um timbre. Notamos que existe uma certa dificuldade em colocar anoção de timbre na mesma categoria dos outros parâmetros. Em geral, o timbre é considerado como a qualidade do som que permite identificar as fontes sonoras e os eventossonoros. Por outro lado, o timbre permite o reconhecimento de dois sons com alturas, intensidades e durações distintascomo sendo produzidas por um mesmo instrumento, seja ele acústico ou eletrônico. Observemos o que diz Danhauser:

(...) o timbre é essa qualidade particular do som que faz com que dois instrumentos não possam serconfundidos entre si, embora produzam um som da mesma altura e intensidade. O ouvido, por menosexercitado que seja, distingue facilmente o timbre de um violino do de um trompete ou de um oboé.(Danhauser, Em Schaeffer 1993.)

A organização, isto é, a relação proporcional de altura e intensidade dos parciais harmônicos de um espectro éresponsável pelo timbre resultante; mas acreditamos que apenas isso não é suficiente para o reconhecimento de umtimbre. De fato, parece que a percepção do timbre depende de fatores dinâmicos, isso significa que ela é dependente davariação dos parâmetros altura e intensidade sobre o fluxo de tempo (overtime). Dessa maneira, parece­nos razoávelpostular que o timbre é dependente dos demais parâmetros, e que a variação destes altera o resultado timbrístico. Avariação dinâmica da intensidade, ou da altura, ou da duração microtemporal[2], altera o timbre; isso pode ser

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2da Reunión Anual de la Sociedad Argentina de las Ciencias Cognitivas de la Música (SACCoM), Quilmes, 2002
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facilmente verificado com a prática instrumental ou eletroacústica. Desta forma, visto o timbre ser dependente dosdemais parâmetros, consideramos que ele deveria ser colocado em outra categoria, diferente da que contivesse osparâmetros altura, intensidade e duração. A abordagem ecológica parece oferecer um sistema conceitual muitointeressante para a descrição do parâmetro timbre, e permite uma adequada classificação deste como parâmetro de alta­ordem, como veremos nas próximas seções. O discreto e o contínuo na percepçãoUm outro aspecto que é, ao nosso ver, condizente com a teoria da percepção direta de Gibson e fundamental paraentendimento de nossa perspectiva sobre o timbre é noção de fluxo temporal intrínseco à percepção. Segundo Gibsonnão há passado e presente divididos por um limite, para a percepção, como existe para a linguagem ou para o verbo quese conjuga. A perception, in fact, does not have an end. Perceives goes on[3]. (Gibson 1979/1986, p. 253). Isso deixaclaro que o fluxo temporal tem papel fundamental e essencial para a percepção, de modo que, quando esse fluxo érepresentado ou descrito por valores discretos está se perdendo um tipo de informação que só está disponível no fluxotemporal.Grande parte das afirmações encontradas em literatura cognitivista relaciona os fenômenos perceptuais com o tempovisto de forma discreta. Desta forma, os eventos entre organismo­ambiente (perceptos) seriam separados em amostrasdiscretas, ou samples, perdendo­se o fluxo temporal. Estas análises ficariam armazenadas e depois seriam,necessariamente, reconstruídas num continuum temporal. Se pensarmos em moldes computacionais, existe anecessidade uma ordenação dessas amostras, de um mecanismo que armazene a ordem com que essas amostras devemser reconstituídas. Nesse sentido, Zampronha (2001a, p. 100) afirma que para que o mecanismo perceptual opere atravésde certos procedimentos sobre elementos discretos é necessário um buffer que armazene tais amostras para a posterioranálise espectral, contudo esse buffer não existe no cérebro[4].Van Gelder (1998) afirma que sistemas dinâmicos, que trabalham com parâmetros sobre o fluxo temporal, têmcaracterísticas essencialmente diferentes de sistemas computacionais, que são discretos. O modelo de sistema dinâmicoé proposto como alternativa ao modelo computacional, e embora ainda haja discussões sobre os limites entre os doismodelos, já fica claro que se pode distinguir alguns aspectos nessa análise. Uma dessas diferenças é apontada como ofato de que os sistemas dinâmicos têm variáveis numéricas e propriedades quantitativas de tempo e estado. (...) therecan be distances between any two overall states of the system such that the behaviour of the systems depends on thesedistances. (Van Gelder 1998, p. 618). Van Gelder considera sistemas dinâmicos como sistemas quantitativos[5]. Sepensarmos dessa maneira, podemos entender o timbre diferentemente do que é proposto pela física e psicofísica, umavez que essas abordagens consideram parâmetros estáticos, ainda que haja uma preocupação o fluxo temporal, isso seconcretiza com a utilização de uma seqüência de amostras, o que não ameniza em nada o efeito da discretização.O fluxo temporal é indispensável num processo perceptual, e não parece ser muito plausível essa análise e síntese, aosmoldes cartesianos, de todos os eventos. A percepção temporal do timbreDe acordo com nossa perspectiva de que a percepção é contínua, não pensamos ser pertinente basear um modeloperceptual do timbre em ferramentas matemáticas discretas, como a análise espectral fundamentada na TransformadaRápida de Fourrier (FFT), ou, a somatória de ondas senoidais estáticas postulada por Helmholtz, ou ainda qualqueroutro método ou função em que se tome dados discretos. A combinação de altura e intensidade dos parciais harmônicosé um fator necessário a percepção do timbre, mas não é suficiente. O objeto sonoro visto como um objeto dinâmicoenvolve parâmetros como a evolução temporal do espectro. Conforme já abordamos, a percepção timbrística parece sermuitas vezes baseada no comportamento temporal do objeto sonoro[6], e desta forma uma discretização temporal iria,no mínimo, ocultar fenômenos importantes. Ferramentas analíticas como as baseadas em FFT discretizam o fluxotemporal em janelas de análise, que realizam uma operação de média ponderada de acordo com um tipo de curvaespecificada a priori (como Hamming, Hanning, Blackman­harris, entre outras). Sendo assim, novamente observa­seque propriedades transientes do objeto sonoro serão perdidas, ou pelo menos mascaradas, nesta operação matemática.A evolução de um objeto sonoro sobre o tempo pode ser destrinchada em algumas etapas: ataque, decaimento,sustentação e extinção. Vale indicar que trata­se de uma discretização do objeto sonoro, mas a utilizaremos apenas paraindicar o que consideramos propriedades transientes que ocorrem em trechos mais ou menos específicos da evolução

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temporal; de forma alguma estamos afirmando que tais etapas sejam discretizadas no processo perceptual. O ataque é omomento inicial de um som, nele encontra­se grande quantidade de informação (para a identificação da fonte ou eventosonoro) concentrada em um curto período de tempo; o restante: sustentação, decaimento e extinção (chamaremos todasessas etapas de sustentação) apresenta a informação distribuída sobre maior quantidade de tempo, e ainda possui umacaracterística mais estável. Certamente, como demonstrado em experimentos por Pierre Schaeffer (1966), o ataque é aparte mais importante na percepção de timbre em grande parte das diferentes fontes e eventos sonoros. Por exemplo, aose registrar uma nota tocada em um piano sobre fita magnética (ou sobre suporte computacional) pode­se manipular oobjeto alterando sua estrutura e características. Desse modo, pode­se suprimir a etapa do ataque do som e tocar apenas orestante. Conforme Schaeffer nos mostra em sua obra Quatre études de bruits (1948), mais especificamente nosmovimentos Etude Violette e Etude Noire, não se reconhece que tal som foi executado por um piano, além do mais,mesmo com essa supressão é possível perceber ainda a altura e a intensidade – perde­se apenas as propriedadestimbrísticas. Não que um som com ataque ausente não tenha timbre, ele apenas não tem mais seu timbre ordinário quepermite o reconhecimento da sua proveniência. Alguns instrumentos produzem sons onde o ataque é bastante suave(como os do naipe de cordas), e nestes casos a detecção do timbre depende mais da evolução dinâmica do som do quedo ataque propriamente dito, conforme Schaeffer descreve (traduzido por Menezes 1998):

A importância do ataque como elemento de identificação do som com o seu timbre é, portanto, muitovariável, conforme a natureza dos objetos produzidos pelo instrumento:

para os sons muito breves (sons très brefs), o ataque desempenha um papel decisivo; ele écaracterístico de timbre, como no caso das percussões (e do piano);

para os sons um pouco delongados (sons filés), de duração média, a importância do ataque diminui.A atenção começa a voltar­se sobre o som em evolução;

para os sons entretidos (entretenus) com vibrato (como é o caso do habitual), o papel do ataquetorna­se quase negligenciável; pode­se pensar então que o ouvido fica antes de qualquer coisa atentoao desenvolvimento do som que a cada instante prende sua atenção.

Apesar de Schaeffer determinar que nem sempre o ataque é o responsável direto pela percepção do timbre, dependendodo tipo de objeto produzido pelo instrumento, ele reforça que “A escuta musical assim como a prática musical conferemuma importância predominante aos ataques dos sons” (Schaeffer, em Menezes 1998 p.41).O ataque possui um desenrolar temporal bastante característico que foge a uma organização informacional óbvia eprevisível. Muitas vezes ele apresenta um comportamento próximo ao caótico. Nesse estágio observa­se uma quantidadeenorme de informação e ainda não se tem um modelo definitivo de suas propriedades. Conforme já discutimos, asferramentas analíticas de que dispomos não são suficientes para elucidar totalmente aquilo que ocorre nesta fase inicialdo som.É sobre desenrolar temporal de objetos sonoros que focaremos nossa abordagem ecológica do reconhecimentotimbrístico, julgando que podemos demonstrar a aquisição da informação através da detecção de padrões de informaçãode alta ordem dispostos no meio ambiente. Conceitos básicos de uma acústica ecológicaAntes de apresentarmos especificamente uma abordagem ecológica para a noção de timbre, faz­se necessária umaintrodução a conceitos que serão importantes para o entendimento da noção de timbre proposta aqui. A noção deestímulo potencial é um desses conceitos (Gibson 1966, p. 79). Gibson argumenta que há disponível no meio­ambienteum tipo de informação que pode ser adquirida pelo organismo percebedor. E é importante levarmos em conta que, parao autor, informação é uma seta bidirecional, com um lado apontando para o animal, e outro para o meio­ambiente, aabordagem ecológica distingue entre informação­para, e informação­sobre. Na citação que segue, as autoras descrevema relação entre os conceitos: informação­sobre, invariante e parâmetros de alta ordem.

Much of the notion of information­about is expressed by the concept of invariant. From a psychologicalpoint of view, invariants are those higher­order patterns of stimulation that underlie perceptualconstancies (…) (Michaels e Carello 1981, p.40).

Assim a informação­sobre caracteriza o aspecto do meio­ambiente que está sendo percebido, e informação­para, diz

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respeito à análise da informação levando­se em conta o animal, e se relaciona diretamente com a noção deaffordance[7]. No caso do som, é o que um determinado aspecto sonoro do meio possibilita ou mesmo significaimediatamente.

No caso das ondas sonoras no ar o autor classifica dois tipos de informação disponíveis e as denomina: wave front[8]

wave train[9]. Ele propõe também que cada um desses tipos de informação se refere especificamente à realização dedeterminadas tarefas perceptivas como localização espacial da fonte sonora e reconhecimento do padrão sonoro. Wavefront é a informação disponível que possibilita ao organismo a localização de fontes sonoras no espaço, econseqüentemente possibilita também um tipo de orientação espacial (Gibson 1966, p. 81). Não é por acaso que no serhumano, e em muitas outras espécies, o labirinto se encontre tão próximo da cóclea. Como o presente artigo trataespecificamente de timbre, iremos nos concentrar na noção de wave trains, uma vez que sua aquisição possibilita aidentificação da fonte.Segundo Gibson, wave trains possuem informações que precisam ser analisadas levando­se em conta a linguagem dotempo. O que a física, ou psicofísica, com análises como as de Fourrier (FFT), não fazem, por trabalharem com dadosdiscretos e/ou estáticos. Dessa maneira, o autor nos apresenta as noções de parâmetros de alta­ordem, distinguindo­os deoutros parâmetros de baixa­ordem. Como dissemos acima, para Gibson as noções tradicionais, como a analise por FFTnão levam em conta a linguagem do tempo, ou os transientes, e também entendem que não importa a complexidade deum som para que ele possa ser analisado em uma combinação de puras sensações de alturas (Gibson 1966, p. 86).O autor propõe que passemos a entender os parâmetros físicos do som, como parâmetros ecológicos, ou seja, entreoutras coisas, entendê­los e classificá­los como de baixa­ordem, ou de alta­ordem, e considerar os sons comsignificados[10] – meaningful sounds. Um parâmetro de alta­ordem é aquele que está subordinado ao fluxo do tempo,aquele que não pode ser considerado fora desse fluxo[11]. Conseqüentemente, parâmetros de baixa­ordem são aquelesque não levam em conta o fluxo temporal, e podem ser analisados e descritos discretamente. Assim, como vemos nacitação abaixo, Gibson descreve o que entende por considerar parâmetros físicos como ecológicos, levando em conta ofluxo temporal:

Meaningful sounds, however, vary in much more elaborated ways than merely in pitch, loudness, andduration. Instead of simple duration, they vary (…) in repetitiveness, (…), in regularity of rate, orrhythm (…). Instead of simple pitch, they vary in timbre, or tone quality, in combinations of tone quality,(…) and change of all this in time. Instead of simple loudness, they vary in direct of change of loudness(…). In meaningful sounds, this variable can be combined to yielded higher­order variables ofstaggering complexity (Gibson 1966, p.87).

Um novo conceito de timbreEssa maneira de entender o timbre como um parâmetro de alta­ordem, vem completamente ao encontro da abordagemde Schaeffer, descrita anteriormente[12] e do que estamos propondo nesse artigo: considerar o timbre em uma categoriadistinta da que se considera altura e intensidade. Pensamos que esses últimos podem ser considerados parâmetros debaixa­ordem, pois não são considerados sob o fluxo temporal, (e.g. uma determinada freqüência não sofre alteração sefor aumentada ou diminuída sua duração, ou ainda, uma certa amplitude pode ser mantida inalterada conforme semodifica sua duração). Com o timbre a situação é completamente outra, ele precisa de tempo para acontecer, é umparâmetro completamente baseado no fluxo temporal em que ocorre; a interrupção ou alteração de tal fluxo atrapalha eaté impossibilita seu reconhecimento.Em princípio nos parece que essa é uma alternativa ao entendimento tradicional (da física e psicofísica) em explicartimbre como o realce de harmônicos no espectro sonoro, ou série harmônica, e de analisá­lo com ferramentas comoFFT. Para essa concepção, o timbre depende de como o espectro sonoro e os outros parâmetros se comportam no fluxotemporal. Observe­se que é completamente diferente de dizer que o timbre é um parâmetro físico do som tal como alturae intensidade. A abordagem ecológica nos fornece subsídios para entender timbre como padrão de alta­ordem, ou seja,considerado enquanto ocorrendo no fluxo temporal, e indissociável dele.Fica também clara a noção de timbre associada as wave­trains muito mais do que as wave­fronts, uma vez que ai seencontra toda a estruturação do arranjo acústico resultante da relação entre as diversas séries harmônicas envolvidasatravés do fluxo temporal. Não é o caso de que entendamos wave­train como sinônimo de timbre. O que estamos

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propondo é que se passarmos a considerar a ação do fluxo temporal como elemento influente no timbre, estaremos nosreferindo a características que Gibson (1966) denomina de wave­trains.Estamos também ressaltando a relação da noção de timbre com o que Gibson (1966) caracteriza como meaningfulsounds. E é o próprio autor que propõe tal relação, conforme citação acima. O que observamos é que essa posiçãomantém intima relação com a posição de Schaeffer (1966), e que essas concepções foram e ainda são fonte de um novoparadigma na concepção dos parâmetros do objeto sonoro. Conceber um novo paradigma para os parâmetros sonorosabre inúmeras perspectivas para a pesquisa sobre técnicas de manipulação sonora e conseqüentemente técnicas decomposição musical, sobretudo em se tratando de música computacional.Por fim, argumentamos em favor de uma nova concepção de timbre, uma alternativa às propostas da acústica epsicoacústica clássicas, que se apóiam em ferramentas de análise estáticas. Uma noção ecológica de timbre deve, emprincípio, conceber o timbre como um parâmetro de natureza distinta dos parâmetros altura, intensidade e duração.Deve, também, levar em conta o fluxo temporal para proceder análises de padrões sonoros, buscar por ferramentas quepossibilitem uma análise dinâmica e ecológica do fenômeno sonoro. Considerações finaisApós as discussões realizadas neste presente artigo, podemos então, sucintamente, enumerarmos nossas conclusões:1 O timbre, assim como os demais parâmetros, pode ser entendido como parâmetro ecológico ao invés de parâmetro

físico, no estudo da percepção2 O timbre como parâmetro ecológico deve ser considerado como estímulo de alta­ordem, e assim está colocado numa

categoria diferente daquela que engloba altura, intensidade e duração (baixa­ordem).3 Tal caracterização do timbre como parâmetro ecológico de alta­ordem pode levar a novos paradigmas perceptuais

quanto ao seu reconhecimento, relacionados aos mecanismos e processos envolvidos.Novos paradigmas perceptuais relacionados ao reconhecimento timbrístico podem gerar interessantes especulaçõestécnicas e estéticas no campo da composição musical contemporânea, principalmente em suas vertentes computacionais.Certamente a abordagem ecológica já vem sendo, ainda que de maneira restrita, utilizada em processos composicionais(por exemplo Keller, Truax e Schafer). Nosso próximo objetivo nesse sentido é propor e caracterizar, em artigo que estáatualmente sendo desenvolvido, um novo paradigma (ecológico) para o reconhecimento do timbre, e ainda, baseado emtal paradigma elaborar um composição musical. Acreditamos que propostas como estas podem mostrar­se frutíferas paraa ampliação do panorama composicional e científico. Referências BibliográficasGibson, J. J. (1966) The Senses Considered as Perceptual Systems. Boston: Houghton Mifflin Company.Gibson, J. J. (1979/1986) Ecological Approach to Visual Perception. Hillsdate: Lawrence Erlbaum Associates

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ANPPOM: Música no Século XXI – Tendências, Perspectivas e Paradigmas. Belo Horizonte: Escola deMúsica da UFMG, v.2, p. 601­605.

Notas [1] Entendemos duração nesse caso como o tempo em que o som permanece acontecendo. Vamos denominar duasabordagens para medir duração, chamaremos macrotemporal quando estivermos nos referindo às relações entre osobjetos sonoros com altura definida ou indefinida. E chamaremos microtemporal as relações que dizem respeito àfreqüência da onda.2 Com respeito a influência da organização microtemporal no resultado timbrístico confira (In: Menezes, 1996) “ATeoria da Unidade do Tempo Musical” de Stockhausen.[3] Percepção, de fato, não tem fim. Perceber vai.[4] Confira Port, Cummins, McAuley 1998.[5] Roughly, a system is quantitative when there are distances in state or time so that distances matter to behavior.(Van Gelder, 1998, p. 618)[6] Segundo Zampronha (2001a) a percepção do timbre é estabelecida, não somente por análise espectral, mas poruma escala de comportamento de acordo com a periodicidade, sendo: periódico, semi­periódico, caótico e a­periódico (ruidoso).[7] Affordances are the acts or behaviors permitted by objects, places, and events. (Michaels e Carello, 1981, p.42). Affordances são atos ou comportamentos permitidos por objetos lugares e eventos. Tradução nossa.[8] Frente da onda.[9] Continuidade da onda.[10] Não se trata da noção de senso comum de “significado”, referimo­nos ao termo específico de Gibson (1966):meaningful sounds.[11] Ver Michael e Carello, 1981, p. 25.[12] Seção 1.2

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