Por que insistimos em definir a personalidade de uma pessoa só de olhar para ela

1
Por que insistimos em definir a personalidade de uma pessoa só de olhar para ela? Emiliano Urbim Afinal por que rotulamos? Existem 6,62 bilhões de motivos (o número de pessoas no planeta). É justamente por ter tanta gente espalhada por aí e tanta gente diferente que precisamos encaixá-las em formas. Parece contraditório, mas é isso mesmo. Marcos Emanoel Pereira, um psicólogo da UFBA que escreveu um livro cabeçudo sobre o assunto, Psicologia Social dos Estereótipos, explica que não há neurônio que aguente analisar tudo nos mínimos detalhes o tempo inteiro. Para evitar que o cérebro dê pau, criamos rotinas mentais, regras para agir sem precisar pensar muito. Rótulos são exatamente isso. É por isso também que somos mais rotuladores do que os jovens do tempo da sua avó. Pense em quantos grupinhos existem no seu colégio: emos, patricinhas, boys, góticos, nerds, hippies, galra do metal, do skate, do surfe, do hip-hop. No tempo em que sua avó estava no colégio, só rolavam duas opções: ou você era um quadradão ou era um pra-frentex. Mas é claro!, dizem os especialistas. Hoje, você conhece muito mais gente do que sua avó conhecia na sua idade [...] Se você tem mais conhecidos, tem menos tempo para conhecer cada um deles. O cérebro, que não quer pifar, adverte: rótulo neles. Mas organizar o mundo não é o único motivo pelo qual a gente distribui estereótipos por aí. Rotular também é uma estratégia importante de construção de nossa identidade. Primeiro, queremos deixar claro a quais grupos não pertencemos. É por isso que, se você [...] não gosta de usar só preto, vai olhar ara alguém que curta a ideologia gótica e rotulá-lo de bizarro. A ideia é encontrar as diferenças e, por isso, você vai apontar para as características que o incomodam. O segundo caminho é encontrar pessoas que se pareçam com você. E para mostrar ao resto do mundo a que turma você pertence, a tendência é usar códigos visuais (roupas, sapatos, acessórios, cortes de cabelo) que o identifiquem imediatamente. Ou seja, no fundo, o que você quer é ajudar os outros a rotular você, mas usando um rótulo com o qual você sinta confortável. O lado ruim é que, para quem vê de fora, você pode parecer só mais umna turma. O que era para ser sua identidade própria se transforma justamente no contrário. URBIM, Emiliano. Capricho. São Paulo: Abril, ed. 994, p. 107-108

Transcript of Por que insistimos em definir a personalidade de uma pessoa só de olhar para ela

Page 1: Por que insistimos em definir a personalidade de uma pessoa só de olhar para ela

Por que insistimos em definir a personalidade

de uma pessoa só de olhar para ela?

Emiliano Urbim

Afinal por que rotulamos?

Existem 6,62 bilhões de motivos (o número de pessoas no planeta). É

justamente por ter tanta gente espalhada por aí – e tanta gente diferente – que

precisamos encaixá-las em formas. Parece contraditório, mas é isso mesmo. Marcos

Emanoel Pereira, um psicólogo da UFBA que escreveu um livro cabeçudo sobre o

assunto, Psicologia Social dos Estereótipos, explica que não há neurônio que aguente

analisar tudo nos mínimos detalhes o tempo inteiro. Para evitar que o cérebro dê pau,

criamos rotinas mentais, regras para agir sem precisar pensar muito. Rótulos são

exatamente isso.

É por isso também que somos mais rotuladores do que os jovens do tempo da

sua avó. Pense em quantos grupinhos existem no seu colégio: emos, patricinhas, boys,

góticos, nerds, hippies, galra do metal, do skate, do surfe, do hip-hop. No tempo em

que sua avó estava no colégio, só rolavam duas opções: ou você era um quadradão ou

era um pra-frentex. Mas é claro!, dizem os especialistas. Hoje, você conhece muito

mais gente do que sua avó conhecia na sua idade [...] Se você tem mais conhecidos,

tem menos tempo para conhecer cada um deles. O cérebro, que não quer pifar,

adverte: rótulo neles.

Mas organizar o mundo não é o único motivo pelo qual a gente distribui

estereótipos por aí. Rotular também é uma estratégia importante de construção de

nossa identidade.

Primeiro, queremos deixar claro a quais grupos não pertencemos. É por isso que, se

você [...] não gosta de usar só preto, vai olhar ara alguém que curta a ideologia gótica e

rotulá-lo de bizarro. A ideia é encontrar as diferenças e, por isso, você vai apontar para

as características que o incomodam.

O segundo caminho é encontrar pessoas que se pareçam com você. E para

mostrar ao resto do mundo a que turma você pertence, a tendência é usar códigos

visuais (roupas, sapatos, acessórios, cortes de cabelo) que o identifiquem

imediatamente. Ou seja, no fundo, o que você quer é ajudar os outros a rotular você,

mas usando um rótulo com o qual você sinta confortável. O lado ruim é que, para

quem vê de fora, você pode parecer só “mais um” na turma. O que era para ser sua

identidade própria se transforma justamente no contrário.

URBIM, Emiliano. Capricho. São Paulo: Abril, ed. 994, p. 107-108