Por Que Estudar Direito, Hoje - Roberto Lyra Filho

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    POR QUE ESTUDAR DIREITO, HOJE? 1

    ROBERTO LYRA FILHO 2

    Uma das mentiras mais comuns sustentar que vocs devem, primeiro,conhecer bem as leis e os costumes da classe, grupos e povos dominantes; e, depois, sequiserem, trat-los, em mais largas perspectivas sociolgicas, polticas e crticas.

    Os juristas, duma forma geral, esto atrasados de um sculo, na teoria eprtica da interpretao e ainda pensam que um texto a interpretar um documento

    unvoco, dentro de um sistema autnomo (o ordenamento) jurdico dito pleno e

    hermtico e que s cabe determinar-lhe o sentido exato, seja pelo desentranhamentodos conceitos, seja pela busca da finalidade, isto , acertando o que diz ou para que diz

    a norma abordada.

    Isto ignorar totalmente que o discurso da norma, tanto quanto o discursodo intrprete e do aplicador esto inseridos num contexto que os condiciona, que abremfeixes de funo plurvoca e proporcionam leituras diversas. A moderna lingstica, asemiologia, a nova retrica, a nova hermenutica j assentaram, h muito, que o procedimento interpretativo material criativo, no simplesmente verificativo esubstancialmente vinculado a um s modelo supostamente nsito na dio da lei.

    Desta maneira, assim como a triunfante viso da pluralidade dosordenamentos jurdicos fez explodir a concepo do ordenamento nico, hermtico eestatal, a teoria e prtica da interpretao, considerando, cientificamente, este supostoordenamento nico, em suposta coerncia intra-sistemtica, fizeram implodir o esquematradicional das fontes e da hermenutica.

    Eis a uma questo de grande alcance para a vida do Direito, que se reveloumvel, e no fixo, dialtico e no "lgico".

    A prpria jurisprudncia, e geralmente sem dar por isto, mostra ento o processo cujo dinamismo cabia a doutrina assinalar, analisar e sistematizar - o quegeralmente no ocorre, porque falta ao jurista clssico (o mais comum, o que se preparacom as teses obsoletas de compndios poeirentos e desatualizados) aquela informaoindispensvel sobre o que vem ocorrendo nas cincias da expresso e comunicao, desdeque a pseudocincia dogmtica do Direito se isolou numa redoma de servilismo poltico edefasagem tcnica.

    No posso deter-me, agora, na questo da hermenutica, mas a ela faoreferncia, porque desmoraliza a tese de que h um Direito feito e acabado a conhecer

    1Por que Estudar Direito, Hoje? Braslia: Edies Nair, 1984.2 Professor Emrito da Universidade de Braslia; Fundador da Nova Escola Jurdica Brasileira.

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    como algo suscetvel de paralisao, entre uma lei que o promulga e outra que o revoga,entre uma ordem constitucional que vige, formalmente, e uma "revoluo" ou reforma quemuda as regras do jogo.

    Para dar a vocs apenas um exemplo prtico, lembro que a lei de segurana

    do poder, que se diz de "segurana" de toda a nao, trumbicou-se, em parte, no SupremoTribunal, quando pretendeu definir, com bitola autoritria, o que segurana nacional.

    A reavaliao judiciria estabeleceu-se, no em termos do que a lei trazia,mas da lei feita por ministros liberais e a.luz de pressuposies opostas s dainternacionalidade draconiana e pretensa clareza textual. E o choque de mentalidadesacabou nisto que o eminente Fragoso exprime de forma contundente "a frmula complicadada lei no teve ressonncia na jurisprudncia dos tribunais", isto , no ato de interpret-la eaplic-la, os juzes, apesar de tudo, liam um sentido consentneo com o seuposicionamento, e no com o do legislador.

    H, sempre, direitos, alm e acima das leis, at contra elas, como o

    direito de resistncia, que nenhum constitucionalista, mesmo reacionrio, poderdesconhecer; ou o Direito Internacional, que encampa direitos contra os Estados, tal

    como no caso do genocdio praticado mediante leis que oprimem e destroem grupos e

    povos, ou o direito de resistncia nacional contra o invasor estrangeiro, ainda quandoos governos de fato - os Estados, portanto - ordenam a cessao das hostilidades.

    No entanto, para que se determinem os limites jurdicos da prpriainsurreio legtima, forosamente necessrio estabelecer uma abordagem do campoabrangedor e complexo do Direito em totalidade e movimento e dos direitos humanos queno se esgotam nas declaraes oficiais.

    Por outras palavras, preciso encontrar o padro objetivo (mas noimutvel) do Direito interno, no momento histrico determinado.

    A isto se dedica a Nova Escola Jurdica Brasileira Nair, numa viso global,que, pelas razes j explicadas, eu me limito a enunciar, pedindo que procurem, no escritomencionado, o desenvolvimento dessas idias.

    Para a Nova Escola Jurdica Brasileira Nair, o Direito, em totalidade emovimento, padro atualizado de Justia Social militante, que enseja a determinao dascondies de coexistncia das liberdades individuais, grupais e nacionais, com as nicasrestries admissveis, na raiz da validade especfica de toda normao legtima. E so elas, precisamente, que definem, de forma evolutiva e concreta, a essncia manifesta daliberdade, como "direito de fazer e buscar tudo o que a outrem no prejudica".

    Por outras palavras, a liberdade Jurdica no o que resta, depois queum "direito positivo" qualquer impe o que no se pode fazer, seno que as ilicitudesdevem ser constitudas, num Direito legtimo, apenas na medida em que viabilizem a

    liberdade - j que a total liberdade de todos acabaria obstruindo a deste por aquele. Mas

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    tambm no se pode colocar o livre desenvolvimento coletivo num sufoco pblico, senoque em funo estrita do livre desenvolvimento de cada um.

    A fundamentao desses princpios, que emanam do processo histrico e suapolarizao progressista, assim como a concretizao deles, nas diferentes conjunturas, com

    o vetor correspondente assinalando as fronteiras dos direitos humanos em cada etapa - jforam longamente analisados e defendidos no meu livrinho j citado e ao qual me reporto.

    O grande equvoco, evidentemente, confundir o Direito com aquilo que apseudocincia dogmtica isola, para enfocar apenas um aspecto mutilado do Direito, queurge recompor.

    E esta situao continuar prevalecente, enquanto as prprias correntes deesquerda reforarem a posio conservadora, adotando a sua viso do Direito, isto ,encarando este ltimo como simples veculo superestrutural de dominao, para dar-lheapenas outra explicao e destino.

    Nos compndios tradicionais, o boi jurdico vira carne de vaca metafsica (o jusnaturalismo) ou aparece na rabada (positivista), que s aproveita o seu apndiceposterior e inferior. O positivismo s v, no Direito, a bunda estatal.

    Mas o Direito se vinga, cresce, pressiona, conquista alargamentos notveis,brilha nos estandartes dos espoliados e oprimidos, ecoa na voz dos advogados progressistas,transborda nas sentenas de magistrados mais inquietos, encorpa-se e procura umasistematizao no pensamento dos professores rebeldes, sacode a poeira dos tratadosconservadores, rompe as bitolas dogmticas e retempera o nimo dos que, cedo demais,queriam dar a causa Jurdica por indefensvel e perdida.

    Como seria possvel, numa situao ainda pouco propcia, de obstrues

    institucionais e violncia repressiva, - atuar, nada obstante, com vista transformao

    do mundo, sob a gide libertadora do autntico e bom Direito?

    Creio que um paralelo nos pode servir de orientao.

    O maniquesmo mais tolo volta as costas participao no que se pe comoacessvel, para dar-se o consolo triunfalista dum lance nico de "tudo ou nada".

    Este caminho foi ardentemente combatido, alis, pela maturidade lcida deMarx, que nos advertia: Cana no est ali na esquina e as foras democratizadoras "nopodem chegar ao poder... sem passar por toda uma evoluo revolucionria de bastantelonga durao". E, noutra oportunidade, reiterava: "vocs dizem que preciso chegarmosimediatamente ao poder ou s nos resta ir dormir... Como os (liberal) democratas fizeramda palavra - povo - um fetiche, vocs fazem um fetiche da palavra - proletariado. Como os(liberal) democratas, vocs substituem pela fraseologia revolucionria a evoluorevolucionria".

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    Temos de absorver toda abertura para alarg-la (no para engolir o seucapcioso dimetro, como os "realistas"); temos de vencer etapas limitadas, para super-las(no para imaginar que com elas se resolva tudo, em lance milagreiro); temos de inserir-nosno contexto, para transform-lo (no para nos julgarmos adstritos a ele, como o perunatalino, em torno do qual se traga um crculo de carvo: ele fica ali, dentro do crculo,

    pensando que intransponvel, at que o venham buscar, para o faco, o tabuleiro e oforno).

    Quando Marx pregou a organizao dos trabalhadores, para intervir,inclusive, no processo eletivo, disse que assim se poderia transformar o sufrgio universal ea democracia parlamentar, de instrumento de engodo, em instrumento de libertao.

    A presso libertadora no se faz, apenas, de fora para dentro, mas, inclusive,de dentro para fora, isto , ocupando todo espao que se abre na rede institucional do statusquo e estabelecendo o mnimo vivel, para maximiz-lo, evolutivamente.

    No Brasil, houve um perodo em que a linha obtusa ou porra-louca deixou asesquerdas num falso dilema - o abstencionismo eleitoral ou as aventuras terroristas (o ques poderia facilitar o jogo da ditadura, de um lado faturando eleies desimpedidas e, deoutro, explorando a repugnncia natural ao terrorismo, revelada pelas grandes correntesoposicionistas, sempre necessrias unio nacional irresistvel).

    Rejeitemos os procedimentos insuportveis do ceticismo paraltico ou daselvageria que "justia" adversrios indefesos.

    Mutatis mutandis, alguns jovens chegaram a pregar o amuo que os afastavados condutos participativos, na estrutura universitria, com o argumento de que elesrepresentavam um buraquinho apertado pela represso. A verificao era exata; mas aconcluso incorreta. Abandonando at esses caminhos, que restava? Esperar que o aparelhorepressivo casse de podre ou explodi-lo numa orgia terrorista. Num caso, a incompetncia;de outro, a lei da selva, em que todos so feras idnticas e apenas com o sinal trocado.

    A alternativa apareceu depois, quando se voltou ao trabalho interno,explorando as contradies e porosidades do sistema legal e recorrendo ilegalidade no-selvagem com lucidez e comedimento, isto , em condies de presso dosada, que fora aabsoro de novos pontos positivos pelo sistema dominante.

    Foi o caso, por exemplo, da ressurreio da UNE, que deixou o governo emposio ambgua e defensiva, sem condies de liquidar a entidade, nem jeito de "salvarface", exceto com expedientes engraados, como dialogar com dirigentes "no-reconhecidos".

    No curso jurdico, h moos que chegam a experiment-lo e, depois, oabandonam, como se o fato de ali descobrirem um muro reacionrio fosse razo para deixarcomo est, cobri-lo de lamentaes ou... transferir-se para outro setor, onde as brechas jesto abertas (como os departamentos de cincias sociais, por exemplo).

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    Isto, no fundo, um comodismo, que s quer engajar-se em batalhaspreviamente ganhas e num terreno onde reconhea a presena j organizada de um grupoprogressista. De que vale bramir, de longe, contra a situao da rea fechada, quem nadafez para alter-la? Ou, pior: de que vale disfarar esse comodismo, com a pretensa certezade que ali no h nada a fazer e, em vez de espancar a ideologia com nova cincia do

    Direito, repetir que o Direito pura ideologia?Que Direito a se considera? O das normas estatais, aceitas dogmaticamente,

    como nico direito pessoal.

    Assim se cai na "armadilha kelseniana". E assim tambm se ignora que,apesar de todos os avanos e recuos, ambigidade e formulaes imprudentes apenaseventuais, nem Marx d, em ltima anlise, um apoio quela colocao: o que ele, afinal,combatia era o direito dos dominadores e, especialmente, o direito burgus.

    Organizados, vocs podem atuar, aqui mesmo e apesar de todas asdificuldades, em dois planos, ao mesmo tempo:

    a) o plano institucional-administrativo, em que devem pressionar os rgos etitulares, para que reconheam e absorvam as reivindicaes necessrias, a fim de que ocorpo discente deixe de ser tratado como scubo dum processo "educativo", no qual TUDOlhe imposto -currculo, programas, normas organizacionais, disciplinares e toda a parafernlia autocrtica e repressiva: a meta ser, em cada passo, o plo ideal,progressivamente aproximado, de uma co-gesto universitria;

    b) o plano do ensino e pesquisa em que devem, igualmente, intervir,questionando as teses apresentadas como certas, desde os "dogmas" at os corolrios, quetornam o positivista jurdico um beija-flor de pacotes.

    Mas no se trata, sequer, de rejeitar, em bloco, a erudio de docentesconservadores.

    Estes dividem-se em trs grupos principais: os ceguinhos, que servem adominao por burrice e ignorncia; os catedrticos, que a ela servem por safadeza; e osnefelibatas, que acabam fazendo a mesma coisa, por viverem nas nuvens.

    Vocs os conhecem. O ceguinho aquele que "adota" um compndio dotipo Maluf, para ser decorado pelos alunos, e, nas aulas, disfara a pobreza de esprito,repetindo um outro livro, no citado, que a "cola" do mestre. Descubram este ltimo, e eleest no papo.

    Nos meus tempos de estudante, havia um ceguinho que nos mandava rezar,nas provas, os captulos do Direito Processual Civil, do Gabriel Rezende Filho, e salvavaface recitando nas aulas os verbetes escolhidos duma enciclopdia italiana.

    Os catedrlicos me recordam aquele outro professor da poca, queconsiderava "comunista" o Primeiro-Ministro da Inglaterra e berrava, agitando os culos no

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    ar, como o deputado Amaral Neto agitava o revolver quando se fala nas eleies diretas:"comigo na lei, esto ouvindo? E no Cdigo! E quem critica a lei, a ORDEM CO-MU-NIS-TA!" Ele tinha tanto medo de "comunista" que, a noite, mandava a esposa verificar oque estava debaixo da cama, com receio de que l se ocultasse o sr. Lus Carlos Prestes,junto do penico.

    Mas h tambm os nefelibatas, aqueles que conhecem mil leis, mildoutrinas, mil teorias, mas nem suspeitam o que elas representam, como projeo decircunstncias, classes, grupos, povos em luta, no mundo real e material. E fazem umasalada semelhante que Marx censurava a Stirner, com a "idia do Direito", que tiram dacabea, e das leis, em lugar de v-la em funo das relaes sociais. Assim, leis e doutrinastornam-se "fantasmas", numa pseudocincia de assombraes e porrinhos idealistas.

    No entanto, se vocs souberem fazer a triagem, entre as divagaesalienadas e o que nelas, apesar de tudo, se reflete do que realmente interessa e importa,vero que ali no se deixa de ministrar um conjunto de elementos reenquadrveis numaperspectiva diferente.

    Ideologia l, cincia c um tipo de maniquesmo que sacrifica a dialtica eempobrece a cincia, pois esta nunca deixa de portar certas contradies ideolgicas, talcomo a ideologia no deixa de transmitir certas verdades deformadas.

    Desprezemos os compndios de resumo flatulento e diarria fedida, masconsultemos as fontes criativas que eles assimilam mal e expelem com mentalidadepurgativa.

    Vocs devem, inclusive, aproveitar as lies de seus mestres

    conservadores. Se o ceguinho remi as suas fontes, se o catedrulico irrita com aarrogncia de corteso, se o nefelibata da sono com os seus discursos, onde h prolas

    de erudio sem um fio que as rena em colar de verdadeira cultura - todos eles, sem

    querer, trazem milho para o nosso moinho.

    A questo no comer o milho (no somos galinhas agachadas diante dosgalos de terreiro pedaggico) e, sim "moer" o milho, isto , constituir com "ele" o nossofub dialtico, acrescido com outras malarias que os ceguinhos, catedrulicos e nefelibatas,ou no conhecem ou deturpam; e, em todo caso, no usam, porque eles so do Planalto ens da plancie, democrtica, popular, conscientizada e libertadora.

    Como dizem os ingleses, preciso cuidado para no jogar fora o beb juntocom a gua do banho.

    No se esqueam, tambm, de que, alm dos professores de ndole eposicionamento conservadores, h (embora em minoria) os docentes de intencionalidadeprogressista; e que, sejam quais forem as divergncias entre ns, no devemos perder devista o que podemos fazer juntos; em dois sentidos: 1) a conjugao de esforos para certosobjetivos comuns (por exemplo, o combate dogmtica jurdica ou a introduo, no ensino,do elemento de conscientizao poltica); 2) debate fraternal, em que a crtica dos

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    companheiros com outra formao e modelo pode e deve ajudar-nos a repensar as nossasprprias opes, reavali-las e aperfeio-las, sem deixar que a posio antidogmtica seesterilize na simples troca de um dogma por outro.

    No existe cincia acabada e perfeita, e a noo de um "ncleo de verdade

    invarivel", em qualquer sistema filosfico ou cientfico, transforma o "divino mestre" emdeus a contragosto, para encher a boca de xingamento ao "misticismo" e substitu-lo poruma triste mistificao.

    O domnio da f um "acrscimo de sentido", que fica situado em planodiverso das modestas tarefas empricas e racionais do filsofo e do cientista.

    No honesto jogar, neste terreno, com as cartas marcadas, pois assim seacaba misturando as estaes e transformando a cincia e filosofia numa teologia bastarda enuma dogmtica sacrlega.

    Vou concluir, se vocs me permitem, com algumas sugestes da minhaexperincia intelectual e poltica.

    A mania do velho dar conselhos; mas, desde que ele no pretendatransform-los em diretivas autoritrias, tambm mania inofensiva de quem se angustia,no desejo de converter as lies positivas e negativas do seu itinerrio em um elenco depropostas sobre a maneira de evitar as alocaes do caminho.

    O conselho o avesso dos nossos prprios erros passados, que procuramredimir-se no depoimento e na advertncia: "j ca em muitas armadilhas e custou muitolivrar-me delas. Eis como penso que vocs evitariam perder tempo com mesmos acidentes":

    No pensem que fcil, que cmodo abordar a cincia.

    No esperem que a verdade v surgir de um esqueminha "simples" e "claro".

    Nenhum acervo cientfico dominado sem esforo metdico, demorado,persistente - tanto "mais necessrio", quando se trata de abrir caminho, quebrar as rotinas einovar.

    O bom estudante no borboleta, incansvel pica-pau, capaz de perfurar arija madeira dos conceitos e teorias.

    Lembrem-se, sempre, da carta de Marx a Maurice Lachatre. "Eis oinconveniente contra o qual nada posso fazer, exceto prevenir e premunir o leitorpreocupado com a verdade: no existe uma estrada-mestra para a cincia e s tem chancede acesso aos seus cumes luminosos aqueles que no temem cansar-se, escalando picadasngremes."

    Aproveitem as lies dos mestres conservadores, pois, como j lhes disse,eles no trazem apenas um monte de inutilidades e bobagens; a questo no rejeit-los embloco, mas separar o joio do trigo.

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    A propsito, lembrem-se das observaes exatas e fecundas de AdamSchaff, "ningum teve jamais ao seu dispor a verdade total e todos ns dispomos apenas deteorias que no escapam ao estado de hipteses, pois devem ser constantemente verificadase modificadas. O diferente reduz-se apenas a questo de saber quem possui uma verdade

    mais completa. Mas, embora persuadidos de que a nossa detm esse privilgio, o que natural, no devemos admitir de antemo que as teorias concorrentes so inteiramentedesprovidas do valor da verdade, dado que, teoricamente, at uma teoria oposta nossa apode possuir e esta questo deve ser sempre concretamente estudada e resolvida. assimque a reflexo sobre o carter relativo da verdade de que dispomos engendra a necessidadede tolerncia e at a de nos instruirmos junto do concorrente, o que de nenhum modosignifica que renunciemos a combater - mesmo violentamente - as suas opinies".

    Por outro lado, a conscincia de que s possumos uma verdade relativa nodesanda em relativismo (este ltimo nvel todas as verdades relativas admitindo que tantovale uma como a outra), enquanto na concepo dialtica, uma "verdade processo", procuramos determinar qual a verdade relativa que, no momento, representa o pontovanguardeiro ("tendendo para a verdade absoluta") e, de toda forma, admitimos, comHegel, que as teorias cientficas, tal como as doutrinas filosficas mais avanadas, em cadapoca, vo acrescentando pedras grande, ininterrupta, infinita edificao, econstituem, afinal, os "momentos imperecveis do Todo".

    No devemos ceder ao teoricismo. A Nova Escola Jurdica Brasileirapesquisa as leis, a jurisprudncia, a doutrina, o Direito supralegal e, auscultando a prxis jurdica, sob o ponto de vista dos espoliados e oprimidos, sua conscientizao, seusmovimentos libertadores, traga rumos para a atuao do advogado na prxis, tanto decidado, quanto de profissional.

    "Teoria apenas teoria da pratica, assim como a prtica no seno a prxisda teoria.

    Direito desenganadamente poltica, e a questo no ser poltico ou

    no o ser, pois no o ser e um disfarce que adota a opo poltica de natureza

    conservadora - isto , no quer que o estudante ou professor "faam poltica", porque

    esperam que eles se acomodem docilmente poltica oficial, que j tragou a funo e amaneira de exerc-la: o Estado e o autor da pea; o dirigente da Faculdade e o

    produtor e diretor do espetculo; e a nos cumpriria apenas desempenhar o papel que

    nos foi distribudo, sem "contestar".

    No toa o "direito" que se adapta a esse esquema, dito apoltico (isto ,poltico da direita) s pode ser um "direito" examinado, segundo a teoria "jurdica" de umpositivismo (capado) ou de um jusnaturalismo (brocha).

    Ser poltico, no sentido de plis, de participao ativa na comunidade, docompromisso e deveres sociais, recusar a desintegrao do homem, numa teoria alienada,servindo uma prxis reacionria.

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    Mas ser poltico no ser sectrio; orientar a conduta, em cada etapa econjuntura, pela anlise que determina a viabilidade dos passos presentes, com vistas aoobjetivo final, ainda distante, mas que polariza toda a prxis vanguardeira.

    Dizem comumente que poltica a arte do possvel, ao que Liebknecht

    respondia com o oposto: "poltica a arte do impossvel".Dialeticamente, direi que poltica tornar possvel o "impossvel", isto , o

    objetivo final de toda ao, mediante a "evoluo revolucionria", constituda porsucessivas aproximaes, que pressionam e dilatam as barreiras da reao e doconservantismo, com vista transformao do mundo e, no a adaptao ao mundo dadominao instituda.

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