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POR QUE CONFIAR NA BÍBLIA?

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POR QUECONFIARNA BÍBLIA?

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AMY ORR-EWING

TRADUÇÃO

Meire Portes Santos

POR QUECONFIARNA BÍBLIA?respostas a10 perguntasdifíceis

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Ficha catalográfica preparada pela Seção de Catalogação eClassificação da Biblioteca Central da UFV

Orr-Ewing, Amy, 1975-

Por que confiar na Bíblia? Resposta a dez perguntas difíceis / AmyOrr-Ewing ; tradução Meire Santos. — Viçosa, MG : Ultimato, 2008.

144p.; 21cm.

Título original: Why Trust the BibleISBN 978-85-7779-008-1

1. Bíblia – Crítica textual. 2. Bíblia – História. 3. Bíblia – Crítica,interpretação, etc. I. Título.

CDD 22.ed. 220.4

O75p2008

POR QUE CONFIAR NA BÍBLIA?Categoria: Apologética / Bíblia / Vida Cristã

Copyright © Amy Orr-Ewing, 2005Publicado originalmente por Inter-Varsity Press,Nottingham, United Kingdom.Título original em inglês: Why Trust the Bible

Primeira edição: Julho de 2008Coordenação editorial: Bernadete RibeiroTradução: Meire Portes SantosRevisão: Heloisa Wey Neves LimaCapa: Eduardo Mano

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Sumário

Prefácio 7

Introdução 11

1. Não se trata apenas de uma questão de interpretação? 15

2. Podemos saber de fato o que aconteceu na história? 31

3. Os manuscritos bíblicos são confiáveis? 41

4. O conteúdo dos manuscritos é confiável? 51

5. E quanto ao cânon? 63

6. E quanto aos outros livros sagrados? 71

7. Seria a Bíblia um livro sexista? 87

8. E quanto às guerras? 101

9. A opinião da Bíblia sobre sexo não estariaultrapassada? 113

10. É possível conhecer a verdade? 127

Notas 133

Bibliografia 141

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Ao Frog, meu marido e melhor amigo

* * *

Agradeço de forma especial a várias pessoas que meapoiaram e me ajudaram a levar adiante este projeto:

À minha maravilhosa assistente Hanni Seddon; à SandraByatt e Eleanor Trotter e aos editores da IVP; aos meuscolegas na família RZIM e à minha igreja, All Saints Peckham.

Sou grata a Michael e Anne Ramsden pela amizade delonga data, a Tim e Vanessa Norman por terem permitido queeu usasse a casa deles enquanto escrevia este livro, e a J. John eKilly pelo encorajamento e inspiração.

Agradeço também a Ravi e Margie Zacharias poracreditarem em mim.

Minha gratidão a minha irmã Antje e ao meu cunhadoSimon, pelo apoio e acompanhamento constante.

Finalmente, gostaria de agradecer aos meus pais, Hartmut eJane Kopsch, que têm me inspirado, ao longo dos anos, aamar a Deus e a sua Palavra.

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Prefácio

Há mais de trinta anos viajo pelo mundo dando palestras paraplatéias acadêmicas em países da Europa e do Oriente. Tenhome deparado, em muitos lugares, com a crença pós-modernistalargamente difundida de que, em última análise, devemos nosguiar pelo ceticismo. A diminuição do valor da palavra e a rejei-ção da verdade como conceito para assuntos metafísicos se tor-naram valores populares e celebrados; afinal, tudo é relativo.

No entanto, as palavras de Winston Churchill ainda ecoam:“Em tempos de guerra, a verdade é tão preciosa que precisa viracompanhada de uma comitiva de mentiras”. Esse comentáriosurgiu no contexto dos esforços do serviço secreto e da contra-espionagem durante a Segunda Guerra Mundial.

Creio que esta renúncia à verdade foi o ponto de partida denossa maior crise cultural, pois restringiu o diálogo significativosobre as questões da alma. Aqueles que rejeitam a verdade vãoalém e rotulam de “crédulo” todo aquele que crê firmementena possibilidade de se conhecer a verdade, sugerindo assim queo conteúdo considerado como verdadeiro não passa de “meracrença”. Ao mesmo tempo, eles acreditam em qualquer coisa, eessa crença é considerada aceitável simplesmente por ser hostil àverdade. A “guerra” declarada à verdade e a crescente desvalori-zação da palavra são atitudes autodestrutivas, a menos que

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seus adversários façam afirmações verdadeiras e falem palavrassignificativas.

Nossos métodos nem sempre funcionam quando somosconfrontados com a incontestável relação entre verdade e vida.Um bom exemplo pode ser encontrado numa pesquisa feitaentre jovens no Canadá. A maioria afirmou que seu maiordesejo era encontrar alguém digno de confiança.

A questão, no entanto, permanece: Como conhecer a verda-de? Para o cristão, tudo começa com Deus e com sua revelaçãoatravés da Bíblia. Ele é aquele que sempre existiu, o absoluto. Éele que define nosso propósito de vida e nosso destino. EsteDeus, que é a fonte de toda a verdade, moldou este mundo enossas mentes de tal forma que as leis da razão e da lógica nosconduzem ao conhecimento e à certeza de sua existência.

Não há dúvida de que a mensagem cristã está baseada efirmada na autenticidade ou na falsidade da Bíblia. Ao longoda história, milhões de pessoas têm reconhecido que a Bíblia éa Palavra de Deus e fundamentado suas vidas nela, permitindoque seu destino seja definido por ela. Ela dá esperança mesmopara aqueles que estão passando pelo vale da morte. Por suacausa, a bondade tem se propagado de forma extraordinária. Asnações têm instituído suas leis com base na Bíblia. Muitos têmprocurado destruí-la com a mesma intensidade, e o excesso dezelo pela Palavra tem provocado incontáveis males. Ao longo dahistória, nenhum outro livro foi mais estudado e nenhum ou-tro foi mais atacado do que a Bíblia Sagrada.

Não há autoridade mais profunda para nossa vida do que tera Bíblia como espelho para a vida e mapa para a alma. Sua ver-dade e sua confiabilidade têm sido demonstradas ao longo dahistória. Quando vejo um questionador inflexível afirmandoque Deus não nos fornece evidências suficientes, eu me pergun-to se não seriam inquietações disfarçadas de alguém que estáconstantemente em dúvida devido a questões existenciais mais

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PREFÁCIO 9

profundas. Na época atual, é colocado como algo racional, dointelecto, afirmar que a verdade não pode ser conhecida. Masisso talvez seja uma forma de encobrir o verdadeiro problema,que está no coração.

Quando Pilatos perguntou a Jesus: “O que é a verdade?”,Jesus respondeu de forma categórica. Na verdade, o que Jesusqueria saber era se Pilatos estava realmente interessado na res-posta ou se sua pergunta era apenas acadêmica. Jesus não estavameramente testando a sinceridade de Pilatos. Ele estava abrin-do o coração de Pilatos para fazê-lo perceber o quanto ele estavaindisposto a analisar as implicações da resposta de Jesus: “Aque-le que é da verdade ouve a minha voz”. A busca da verdaderequer que tenhamos primeiramente um propósito ou disposi-ção para alcançá-la. O autor George MacDonald disse certa vez:“Revelar a verdade a quem não a ama é fornecer razões suficien-tes para uma interpretação errônea”.

Em várias ocasiões, Jesus deixou de lado algumas palavras daEscritura prometendo revelá-las quando nós a tivéssemos porescrito. Deus se revela nas Escrituras pelo testemunho do pró-prio Jesus. Há verdade em suas páginas para todos nós ou so-mente para aqueles com mentes supersticiosas e ingênuas? ABíblia não passa de mera fantasia, ou é fantasticamente verda-deira? Ela é de fato a Palavra de Deus que veio até nós ou é umafraude, produzida por algumas pessoas que alegam ter autorida-de divina?

Estas são as difíceis questões que minha colega Amy Orr-Ewingcoloca diante de nós. Seu anseio por obter respostas levou-a aestudar na Universidade de Oxford, onde ela se dedicou dili-gentemente à disciplina acadêmica do Novo Testamento. Elasabia muito bem que esta não seria uma tarefa fácil. Ela estudousob a orientação de pessoas que a forçaram a fazer perguntasousadas e intimidadoras e a enfrentar o desafio que tinha diantede si. Seu esforço foi reconhecido e recompensado com honras.

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Conheci Amy e seu marido, Frog, anos atrás. Pude notar suafirme convicção e seu terno coração, e logo percebi a seriedadecom que buscava a verdade. Fiquei feliz quando ela decidiu sejuntar a nossa equipe de trabalho em defesa da fé cristã, depoisde ter concluído seus estudos.

O conteúdo deste livro é, na verdade, um reflexo da vida deAmy e de seus dons. Ela tem enfrentado as platéias mais exigen-tes do meio acadêmico, em várias partes do mundo, e sempreque termina de falar, até o mais intransigente dos céticos reagede forma respeitosa devido à consistência de seus argumentos.Em suas palestras e debates com universitários, ela cativa os par-ticipantes respondendo às perguntas com sinceridade, clareza,humildade e genuíno prazer. Ela reconhece que os desejos maisprofundos do coração humano são freqüentemente ignoradosporque as questões intelectuais são aparentemente obstáculosintransponíveis. As palavras de Churchill são verdadeiras: “Oshomens tropeçam na verdade de tempos em tempos, mas amaioria deles se põe de pé e continua andando como se nadativesse acontecido”. Esse livro procura dar respostas à algumasdifíceis questões e encorajar-nos a diminuir o ritmo e a buscaras respostas e a verdade em nosso próprio coração. Nenhumapergunta é mais importante para nossa vida do que esta: “Deusfala conosco? Como podemos saber se o que ele fala é realmen-te verdade?” Talvez possamos também ouvir, como o profetaJeremias, a graciosa voz de Deus dizendo: “Invoca-me e teresponderei; anunciar-te-ei cousas grandes e ocultas, que nãosabes” (Jr 33.3). Este livro é um guia indispensável para aquelesque desejam reconhecer o chamado de Deus e ouvir o que eletem para nos dizer.

DR. RAVI ZACHARIAS

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PREFÁCIO 11

Introdução

Em alguns países, o livro que estamos discutindo aqui éconsiderado ilegal. Operações de contrabando são montadascom um só propósito: conseguir levar Bíblias para dentro dopaís, burlando a vigilância da fronteira, e para todos aquelesque desejam lê-las. Nunca me esquecerei do dia em que desci deum trem, no interior da China, às quatro horas da manhã, parame encontrar com três líderes da igreja chinesa. Nosso grupolevava sacos cheios de Bíblias para serem distribuídas entre asigrejas situadas no extremo norte da China. Quando nossosamigos chineses abriram os sacos e viram o que havia dentrodeles, as lágrimas começaram a rolar em suas faces. AquelasBíblias eram tão preciosas que eles estavam dispostos a ir para aprisão ou a sofrer perseguição para obtê-las. Fiquei impressiona-da ao perceber que a Bíblia era capaz de inspirar tal coragem esacrifício nos corações daqueles que queriam lê-la.

Mas por que o livro mais vendido do mundo é rejeitado portantos? Alguém já lhe falou: “Francamente, você não acreditaem tudo que está escrito na Bíblia, não é?” Lembro-me quecerta vez eu procurava desesperadamente algo digno de créditopara dizer quando um amigo me perguntou diretamente: “Masvocê não acredita na história da arca de Noé, acredita?” Eu

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respondi com um fraco “sim”, que veio acompanhado derisadas das pessoas que almoçavam comigo. Tenho certeza quemuitos de nós já passamos pela experiência tanto de responderperguntas sobre a Bíblia como de fazer perguntas. Depois de terpassado por tal situação, em que me vi sem palavras para argu-mentar, decidi procurar respostas que fossem satisfatórias. ABíblia seria realmente capaz de resistir a um questionamentomais profundo?

Este é o tema deste livro. Muitos bons livros cristãos têmsido escritos com o propósito de dar respostas claras às pergun-tas que os céticos freqüentemente fazem sobre a fé cristã, taiscomo: “Se Deus é amor, por que existe tanto sofrimento nomundo?”, “A ciência não tem demonstrado que Deus não exis-te?”, “E quanto às outras religiões?” Em todas elas, há uma dúvi-da sugerida nas entrelinhas: “Podemos realmente crer na Bíblia?”Embora as respostas dadas sejam extremamente valiosas, chegueià conclusão que as pessoas fazem todo tipo de perguntas sobrea Bíblia, e cada uma delas merece ser respondida da melhorforma possível. É isso que procuro fazer neste livro. Separei asdez perguntas mais freqüentes a respeito da Bíblia, com base emminha experiência no assunto, e procurei respondê-las. A maio-ria das respostas apresentadas aqui foram extraídas de conversasda vida real e transcritas de forma simplificada. Por outro lado,cada capítulo aborda também as questões mais complexas queestão por trás destas perguntas, colocando assim as respostasem um contexto mais amplo.

Minha busca por respostas levou-me a estudar teologia naUniversidade de Oxford. Mas nem em sonhos eu poderia ima-ginar que um dia teria que defender minha fé cristã diante dosdoutores da universidade. Isto é, até fevereiro de meu últimoano. Eu estava estudando a Teologia da Igreja de Cristo, prepa-rando-me para os exames finais, quando tive um sonho. Nosonho, eu havia sido escolhida para ser a “viva-ed” de minha

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INTRODUÇÃO 13

classe! Um “viva voce” é um exame oral no qual o alunodefende sua tese diante de um grupo de examinadores. Estaforma especial de tortura é geralmente reservada aos doutoran-dos. Mas mesmo assim, algumas semanas depois de ter conclu-ído meu curso, quase no final de junho, recebi uma ligaçãotelefônica dizendo que eu deveria comparecer diante do corpodocente de teologia para “responder a algumas perguntas”. Acon-tece que o dia marcado para a minha prova oral era a véspera domeu casamento! Durante a entrevista, os professores fizeram váriasperguntas sobre minhas convicções cristãs. Mas uma delas ficougravada em minha mente, e lembro-me dela tão claramente comose tivesse sido feita ontem: “Honestamente, o que você estáquerendo dizer é que Jesus, na verdade, não disse todas aquelaspalavras registradas nos evangelhos, assim como os eventosregistrados na Bíblia de fato não aconteceram, certo?”

Meu primeiro impulso foi responder com outra pergunta:“Baseado em que você pode afirmar que Jesus não disse todasaquelas palavras?” O enorme preconceito demonstrado por pes-soas extremamente cultas chama nossa atenção para o ceticismocom que muitas pessoas tratam a Bíblia em todas as situaçõesda vida. A convicção de que a Bíblia deve estar errada, defendi-da pela elite intelectual presente no mais alto escalão da exce-lência acadêmica, parece ter sido assimilada pelas camadas po-pulares, de modo que pessoas que nunca folhearam uma Bíbliagarantem que não podem confiar no que ela diz.

Esta prova oral tornou-se a primeira de muitas outras ocasiõesem que tive oportunidade de defender a credibilidade intelectu-al da Bíblia e da fé cristã para diferentes platéias. Em minhasviagens com o Zacharias Trust, tenho respondido a várias per-guntas sobre a mensagem cristã, e pude perceber que muitas sereferem especificamente às Escrituras. Em nossa cultura, quemuitos chamam de “pós-moderna”, os entendidos no assuntoafirmam que as pessoas não se interessam pela verdade, e menos

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ainda por textos de linguagem categórica como a Bíblia.Mesmo assim, é comum surgirem perguntas sobre a Bíbliaem meu trabalho com o Trust.

Inicialmente, fiquei surpresa com algumas perguntas. Elasestavam mais relacionadas à ética e à interpretação do que aosfatos e às evidências. As questões atuais parecem incluir um cer-to grau de pluralismo e pós-modernismo. Todas as perguntasanalisadas neste livro foram feitas por não cristãos, em diferen-tes ocasiões.

Depois de seis anos trabalhando no campo da apologéticacristã, estou convencida de que se formos capazes de respondercom sensibilidade às preocupações daqueles que cruzam nossocaminho em busca da verdade, muitos serão conduzidos à fé emCristo Jesus. Por esta razão decidi focalizar neste livro as dezperguntas que ouço com mais freqüência sobre a Bíblia.

AMY ORR-EWING

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INTRODUÇÃO 15

Não se trata apenas de umaquestão de interpretação?

Quando o assunto diz respeito à Bíblia, as pessoas costumamter muitas perguntas e dúvidas. Freqüentemente, a imagem quelhes vêm à mente é a de um livro místico e estranhamente inco-erente, e às vezes até um pouco assustador. Existe também umsentimento comum de que as pessoas religiosas usam a Bíbliapara defender suas próprias opiniões, interpretando-a conformea conveniência de cada grupo. Afirmações desse tipo podemlevar a pessoa a concluir: “Você usa a Bíblia para justificar o quevocê pensa! Como você pode esperar que eu a considere seria-mente?” Em minha experiência esta pergunta tem se apresenta-do de forma ligeiramente diferente ao longo dos anos. Certaocasião eu estava conversando com uma companheira de via-gem no aeroporto. Ela me contou que havia acabado de ler umlivro que afirmava que Jesus havia se casado com Maria Madalenae que ambos viveram felizes para sempre na Mesopotâmia. Ou-tro amigo meu havia lido esse mesmo livro e tirado conclusõescompletamente diferentes. Quando mencionei isso, minha co-lega de viagem não ficou nem um pouco surpresa. Enquantoconversávamos, pude perceber claramente que a fonte históricadaquele material não tinha a menor importância para ela. A

1.1.1.1.1.

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leitura deste novo livro, que ela havia apreciado bastante, eas diferentes conclusões tiradas por pessoas inteligentes, apenasdemonstravam a possibilidade de existir diferentes interpretaçõespara um mesmo texto. Esse conceito se estendeu e passou a seraplicado à Bíblia e ao que está registrado nela. Não há comodeterminar o significado real — o que temos na verdade são inú-meras opiniões válidas, e não há possibilidade de estabelecerqual delas seria de fato a “verdadeira”.

A grande questão que está por trás da quantidade cada vezmaior de perguntas sobre significado e interpretação é se pala-vras e textos podem de algum modo, ter algum significadoinerente. Afinal, não se trata apenas de uma questão de opi-nião? Toda interpretação é válida? Este texto transmite algumsignificado específico ou pode significar o que eu quiser? Meumarido, Francis (apelidado de Frog), entendeu claramente asimplicações relacionadas a essa questão alguns anos atrás. Elefoi convidado, como pastor, para o casamento de um amigo, eeu o acompanhei. Depois da cerimônia na igreja, fomos para arecepção, juntamente com os demais convidados, e nos sentamosem mesas diferentes. Enquanto eu conversava com um jovemque estava sentado próximo a mim, meu marido conversavacom a namorada do jovem, que havia se sentado perto dele.Falamos de vários assuntos, até que de repente o rapaz parou nomeio de uma frase e subitamente me pediu desculpas, dizendoque, por alguma razão, ele não podia mentir para mim. Expli-cou-me então que antes de vir para o casamento ele e sua namo-rada haviam decidido trocar de papéis. Ele era um bem-sucedi-do consultor empresarial e ela era artista. Eles queriam desco-brir se as pessoas os tratavam de acordo com seus status, e assim,resolveram trocar de papéis. Depois de conversarmos sobre omotivo que o levou a se sentir desconfortável em mentir paramim e outros assuntos espirituais, ele olhou para os nossos com-panheiros, na outra mesa, que também conversavam e disse:

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NÃO SE TRATA APENAS DE UMA QUESTÃO DE INTERPRETAÇÃO? 17

— Gostaria de saber se minha namorada conseguiu enganarseu marido...

Orei silenciosamente. Mais tarde, Frog me contou que ajovem também não fora capaz de mentir para ele. Eles tambémconversavam sobre assuntos espirituais até que em um dadomomento ela disse:

— A razão pela qual eu não sou cristã é que, como estudantede literatura inglesa, não creio que as palavras tenham um“significado transcendental”, de modo que posso dar a Bíblia osignificado que eu quiser.

Frog pediu a ela que explicasse melhor, e ela disse queacreditava que as palavras não tinham um significado real — apalavra escrita ou falada teria o significado que o leitor ou oouvinte lhe atribuísse. Para ela, as palavras não tinham nenhumsignificado definitivo porque não há um Deus (o “elementotranscendental”) para dar significado definitivo às palavras. Meumarido olhou para ela e disse:

— Se for assim, ou seja, se as palavras não possuem significado,exceto aquele atribuído a elas pelo leitor ou ouvinte, você con-corda se eu disser que entendo o que você acabou de me dizercomo: “Eu acredito em Jesus e sou uma cristã”?

Ao ouvir isso, ela me pareceu um pouco perturbada, poiscompreendeu que seu argumento não resistia ao seu próprioteste. O critério que ela estava empregando para julgar a Bíbliaera um critério que escapava ao seu próprio raciocínio.

Esta questão sobre o significado das palavras é incrivelmenteimportante, no que diz respeito à fé cristã, quando apresenta-mos a fonte de todo o material sobre a vida de Jesus — os evan-gelhos do Novo Testamento — aos nossos amigos descrentes. Sea Bíblia tem apenas o significado que damos a ela, então não hánenhum propósito em lê-la para descobrir algo sobre Deus.

O que leva as pessoas a acreditar que quando se tratada Bíblia, tudo não passa de uma questão de interpretação?

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Entender de onde vêm estas idéias sobre interpretação e significadopode nos ajudar a responder esta pergunta.

A idéia de que nenhum texto tem um significado definitivovem se tornando cada vez mais forte no atual contexto pós-moderno, com enormes implicações para a comunicação doevangelho. Um crítico literário escreveu:

A literatura [...] ao recusar atribuir um “segredo” ou umsignificado definitivo ao texto (e por analogia, ao mun-do), libera o que podemos chamar de uma atividadeantiteológica realmente revolucionária, uma vez querecusar-se a estabelecer um significado é, no final, recusara Deus...1

Essa frase certamente faz lembrar as palavras estranhamenteproféticas do filósofo Friederich Nietzsche: “Não podemos noslivrar de Deus enquanto não nos livrarmos da gramática”.2 Estaidéia foi repetida posteriormente pelo ateu Bertrand Russell:“A linguagem atual incorpora a metafísica da Idade da Pedra”.3

O desejo de libertar o ser humano da opressão de um Deus estáfortemente relacionada à questão da linguagem e seu significado.

A linguagem como um jogo

Às vezes, a abordagem daqueles que procuram questionar apossibilidade de um significado definitivo na linguagem parecemais um jogo esquisito. O filósofo Ludwig Wittgenstein (1889-1951) teve grande influência nessa área. Ele afirmou que cadafunção da linguagem ocorre dentro de um sistema separado eaparentemente fechado, com suas próprias regras. Isso significaque qualquer função da linguagem seria semelhante a um jogo.É necessário conhecer as regras do jogo e ter bom senso emrelação ao significado dos termos para usar a linguagem. Cadauso da linguagem constitui um “jogo de linguagem” separado, ealguns jogos têm muito pouco a ver entre si.4

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NÃO SE TRATA APENAS DE UMA QUESTÃO DE INTERPRETAÇÃO? 19

Wittgenstein abandonou explicitamente todo conceito deverdade como correspondência com a realidade, e, ao invés dis-so, caracterizou-a como uma função da linguagem. Isso significaque nenhuma afirmação ou declaração pode ser limitada a umsignificado particular — seu significado depende totalmente docontexto. Deste modo, todo o esforço para se chegar à verdadeou ao significado acaba caindo na armadilha do jogo da lingua-gem em que ele se tornou. Quando aplicado à Bíblia, isso signi-fica que o contexto do leitor é que determina a interpretaçãodo texto. Seria impossível estabelecer um significado único,que fosse aceito por diferentes culturas, línguas, situaçõesou “jogos”.

Atualmente, esta posição é defendida em muitos contextos— evidentemente com menos sofisticação do que a demonstra-da por Wittgenstein, mas a influência de suas idéias é visível.Por trás de declarações como: “Isso foi importante naquela épo-ca, mas a Bíblia foi escrita há milhares de anos!”, encontramos omesmo ponto de vista de Wittgenstein. É claro que todo cris-tão concorda que o contexto é importante para a interpretaçãode qualquer texto. Contudo, isso não significa que o texto nãopossa transmitir o mesmo significado quando fora de seu con-texto original. Nesse caso, poderíamos aplicar as idéias deWittgenstein a ele mesmo, e não teriam nenhuma relevânciahoje. Este, certamente, pode ser considerado um bom argumen-to, mas os cristãos ainda precisam atacar estas idéias, da mesmaforma que pedimos aos difamadores da Bíblia que olhemhonestamente para o Novo Testamento com a mente aberta.

Negando a cosmovisão universal

Ainda dentro da contextualização de significado, há o impor-tante pensamento pós-moderno de que não existem “mitos”ou histórias abrangentes que possam transmitir um significado

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universal para a linguagem. O poder da narrativa épica (ou“metanarrativa”) ao unir os seres humanos do mundo inteiro,integrando-se às histórias de cada lugar, está em decadência.Muitos a comparam a um ditador restringindo a liberdade daspessoas. O pensador Jean-François Lyotard argumenta que a vi-são pós-moderna requer que se faça uma “guerra contra o totali-tarismo”5 — ou seja, uma luta contra qualquer reivindicação aum significado universal. Isto significa que qualquer cosmovisãoou estrutura de significado não vale nada, quer seja o modernomito do progresso, ou o mito do Iluminismo levando os sereshumanos a descobrirem a verdade, ou o “mito” cristão, afir-mando que Deus criou os seres humanos e se revela a eles. Éclaro que a única exceção a esta negação de históriasabrangentes é a idéia abrangente de que não existem idéiasabrangentes!

A linguagem como jogo de poder

Acima da rejeição da metanarrativa está a suspeita pós-modernade que qualquer tentativa de atribuir às palavras um significadoobjetivo especial implica usar a força e declarar poder sobreoutros. O escritor Michel Foucault argumenta que não háqualquer fundamento para o conhecimento, que não existeum “significado transcendental” (isto é, Deus) ao qual todosos “significadores” (seres humanos) possam recorrer definiti-vamente.6 Esta idéia tem conseqüências claras e diretas para oscristãos que procuram defender a possibilidade de se depararcom a verdade em Cristo. Mas isso não é tudo. Foucaultcontinua argumentando que existe uma interação essencialentre conhecimento e poder. Lembrando a expressão deNietzsche, “o desejo de poder”, Foucault chama a procurada verdade de um “desejo de conhecimento” que estabelecesua própria “verdade” arbitrariamente. Esta “verdade” pode

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NÃO SE TRATA APENAS DE UMA QUESTÃO DE INTERPRETAÇÃO? 21

então ser imposta a outros, concedendo poder ao orador ouescritor. Pensando desta maneira, o discurso e a busca doconhecimento são considerados uma busca de poder, e estepoder é incorporado e expresso em uma linguageminstitucionalizada:7

O poder produz conhecimento [...] Não existe relação depoder sem a constituição correspondente de um campodo conhecimento, nem algum conhecimento que nãopressuponha e determine ao mesmo tempo relações depoder.8

Isto sugere que ao lermos a Bíblia, devemos suspeitar dosescritores, pois eles estão exercendo poder sobre nós, e suspei-tar mais ainda de qualquer pessoa que tente nos ajudar a inter-pretar a Bíblia. Qualquer tentativa de pregar ou explicar aBíblia não passa de uma tentativa desastrosa de obter podersobre outra pessoa. Isto me faz lembrar um pregador em Oxfordque subiu ao púlpito em um domingo e pregou com todo ocoração. À porta da igreja um jovem cumprimentou-o, umtanto constrangido. Ele havia detestado o sermão. Quando lheperguntaram por que ele não havia gostado da pregação, elerespondeu que considerava ofensiva a maneira como o pregadorhavia pregado, isto é, com convicção, acreditando que tudoque dizia era verdade. Ele discordava do caráter persuasivoda pregação e desconfiava do poder envolvido. Esta é a objeçãopós-moderna ao significado como sendo um poder, expressaem termos simples. Porém, esse raciocínio não resiste ao seupróprio teste. Afinal, alguém ficaria surpreso com o fato deFoucault ser capaz de falar a respeito de relações de poder epalavras sem cair em sua própria armadilha? Como ele podeusar palavras para nos explicar isso sem exercer poder sobre nós?Provavelmente ele seria uma exceção, a única pessoa capaz denos dizer coisas sem exercer poder sobre nós!

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A verdade

Outra conseqüência destas idéias sobre poder e manipulação éa negação do conceito de conhecedor imparcial, o que significanegar qualquer possibilidade de nos colocarmos além da histó-ria e da sociedade humana, em uma posição vantajosa, capaz denos oferecer certo conhecimento. A verdade não é consideradacomo algo teórico ou objetivo — ao contrário, a verdade éalgo “fabricado”, uma “ficção”, um “sistema de procedimentosordenados para a produção, regulamentação, distribuição,circulação e operação de declarações”.9 Este sistema da verdadeparece manter um relacionamento recíproco com os sistemasde poder que o produzem e sustentam. Assim, qualquer tenta-tiva de afirmar a verdade sobre um evento histórico ou sobrequalquer tipo de realidade é vista como jogo de poder. A sus-peita é a de que o escritor ou orador esteja tentando manipularou controlar outros. De acordo com este ponto de vista, aBíblia pode ser considerada um instrumento de manipulação,usado por pessoas poderosas para controlar outras.

Este argumento está sujeito ao mesmo tipo de questiona-mento. Como alguém que acredita em tal argumentação podetransmiti-la a outra pessoa? Se as palavras são ferramentas deopressão usadas pelas pessoas poderosas para controlar outras,Foucault não está fazendo exatamente a mesma coisa ao tentarconvencer as pessoas através de seus livros de filosofia? Mais umavez, um argumento falha no primeiro teste. Se os céticos preten-dem usar essa linha de raciocínio contra a Bíblia, eles precisamser alertados de que devem aplicá-la também à sua própria aná-lise. Isso me faz lembrar a sogra de uma amiga, que está semprecriticando minha amiga e o marido por não ligarem para elaregularmente, quando ela mesma costuma passar alguns mesesviajando sem ligar ou dar notícias para a família. A atitude queela reprova no filho e na nora é exatamente igual à atitude dela

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para com eles. No contexto dos relacionamentos humanos, istoé chamado de hipocrisia. Nas discussões filosóficas, é chamadode “objeção especial”, ou seja, algumas regras só se aplicam aosoutros, não a mim. Este tipo de abordagem precisa ser desmas-carado exatamente pelo que é.

Linguagem e significado

Outras questões sobre linguagem e significado emergem quandopercebemos o efeito arrasador do desejo de se livrar de Deus. SeDeus não existe, não existe fundamento para a linguagem e aspalavras não são capazes de expressar ou apresentar a realidade.O pensador Jacques Derrida levanta as mesmas questões em re-lação às palavras e à linguagem, atacando o que ele chama de“logocentrismo”, isto é, a idéia de que nossas declarações sãorepresentações do mundo como ele realmente é sem a atividadehumana. Derrida nega que a linguagem tenha qualquer signifi-cado fixo conectado a uma realidade fixa e nega que ela revele averdade definitiva. A crença de que a linguagem pode ter signifi-cado faz com que as pessoas busquem a palavra, a presença, aessência ou a verdade definitiva ou alguma realidade fundamen-tal que possa servir de base ao pensamento, à linguagem e àexperiência, ou seja, o “significado transcendental”.10 Mas eleargumenta que tal Deus, ou Idéia, ou Espírito do Mundo,na verdade não existe. Esta interessante abordagem nos mos-tra que sem a existência de Deus, a linguagem não poderiatrazer consigo um significado. Se quisermos rejeitar Deus,temos que eliminar a linguagem.

Se tal “significado transcendente” não existe, o significadodas palavras surge de sua relação com o contexto imediato e nãode algo mais sólido ou absoluto. Isso tornaria a linguagem com-pletamente sem referencial. Imagine como seria frustrante se vocêtivesse uma irmã ou irmão que insistisse em interpretar suas

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palavras como bem entendesse, sem nenhum referencial quepudesse determinar o significado destas palavras. O simples pe-dido: “Por favor, não use minhas roupas sem minha permissão”poderia facilmente ser interpretado como: “Sinta-se à vontadepara usar minhas roupas a qualquer hora e deixá-las sujas e joga-das no chão de seu quarto”. Se o significado das palavras mudacom o passar do tempo e conforme o contexto, a perspectiva decomunicação entre duas pessoas se encontra seriamente preju-dicada. Tal situação significaria não apenas a perda dos textospara nós, mas até mesmo a capacidade dos humanos se comuni-carem. Os relacionamentos estariam completamente destruídos.Quanto à leitura, se as palavras de um texto têm apenas o signi-ficado que eu atribuo a elas, dentro do meu contexto lingüísticoe cultural, então aquele texto não poderia me transmitir nenhu-ma mensagem, pois eu estaria falando a mim mesma. Esta éuma séria objeção e pode ser realmente um problema. Entre-tanto, isso só será problema se considerarmos que Deus nãoexiste e que a linguagem não tem capacidade de transmitir umsignificado real. Mas nesse caso, não poderíamos afirmar issousando palavras, porque novamente a idéia não passaria em seupróprio teste.

Percebemos assim que uma cultura pós-moderna levanta todotipo de questões quanto à possibilidade de textos e palavrascarregarem algum significado. Entretanto, existe uma falha inte-ressante que revela a inconsistência desse raciocínio. Afinal, comoalguém pode nos dizer isso? Se as palavras não possuem signifi-cado próprio, então aqueles que concordam com este argumen-to deveriam ficar calados. Como poderíamos expressar uma idéiaem palavras e ao mesmo tempo negar a essas mesmas palavras apossibilidade de significado? Se quisermos escapar do silênciototal, devemos aceitar a possibilidade de algum significado, demaneira a tornar possível a comunicação.

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Pós-modernismo

— Visão de mundo posterior ao modernismo, que setornou proeminente na cultura ocidental a partirda década de 60.

— Marcado pela desilusão e desconfiança em relaçãoaos ideais do modernismo, tais como a certeza, acrença idealista na ciência e na tecnologia e aconfiança otimista no progresso da humanidade.

— Rejeita qualquer possibilidade de uma verdadeuniversal e absoluta, recusando também a idéia deum Deus que governa sobre todas as coisas.

— Rejeita qualquer história abrangente oumetanarrativa, capaz de transmitir um sentidouniversal.

— Rejeita os valores morais absolutos.

O texto da Bíblia

Se nos dispusemos a aceitar a possibilidade de estabelecer umsignificado, então podemos passar agora a fazer perguntas sobrecomo devemos ler a Bíblia. Podemos começar pelo autor. Pro-vavelmente as perguntas mais importantes aqui são aquelas rela-cionadas à intenção do autor ao escrever. Se observarmos o NovoTestamento, especialmente os evangelhos, podemos notar quedois de seus escritores nos revelam suas intenções. Lucas escre-veu seu evangelho do ponto de vista de um gentio crente emJesus. Ele era médico, um homem da ciência. Ele não desfrutoudo privilégio de ter sido escolhido para participar do grupodos doze discípulos que acompanharam Jesus durante trêsanos e puderam assim conhecê-lo muito bem. Lucas expressasua intenção ao escrever o evangelho logo no início de suanarrativa:

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Visto que muitos houve que empreenderam uma narraçãocoordenada dos fatos que entre nós se realizaram, confor-me nos transmitiram os que desde o princípio foramdeles testemunhas oculares e ministros da palavra, igual-mente a mim me pareceu bem, depois de acurada investi-gação de tudo desde sua origem, dar-te por escrito,excelentíssimo Teófilo, uma exposição em ordem, paraque tenhas plena certeza das verdades em que fosteinstruído.(Lc 1.1-4)

João foi um dos doze discípulos; ele era muito próximo aJesus, e esteve com ele durante três anos, acompanhando deperto seu ministério. João é conhecido como o “discípuloamado”, por ser aquele que estava mais próximo a Jesus. Eleexpõe sua intenção ao escrever seu evangelho já quase no finaldo livro:

Na verdade, fez Jesus diante dos discípulos muitos outrossinais que não estão escritos neste livro. Estes, porém,foram registrados para que creiais que Jesus é o Cristo, oFilho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seunome.(Jo 20.30-31)

Não estou sugerindo que os não cristãos deveriam aceitaros evangelhos como sendo “a verdade” por causa das boasintenções de seus escritores. Podemos questionar as intençõesdo autor e depois de examiná-las cuidadosamente chegar avárias possibilidades:

• É possível que as intenções do autor fossem sinceras, masele pode ter se enganado e passado informação errada.

• É possível que o autor soubesse que estava passandoinformações falsas e estivesse deliberadamente tentando enga-nar o leitor.

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• É possível que as intenções do autor fossem sinceras eque tudo que ele registrou tenha realmente acontecido.

Em seguida, podemos testar estas possibilidades especifica-mente em relação ao texto. Existem duas maneiras básicas deanalisar o texto: a indutiva e a dedutiva. As perguntas indutivasverificam se o texto do evangelho está inserido em um contextomaior. É possível estabelecer uma relação entre o que está notexto e a realidade em que vivemos? Ou o evangelho abrangeriaapenas uma parte da realidade, de modo que a pessoa teria quese afastar temporariamente do mundo real para podercompreendê-lo? As referências históricas e arqueológicas estãode acordo com as informações que temos sobre este período? Otexto está de acordo com a visão que temos do mundo? Elereconhece e se refere adequadamente à condição humana? Otexto parece ser sincero? Estas perguntas poderão ajudar aquelesque estão em busca da verdade a avaliar se o evangelho emquestão é confiável ou até mesmo “verdadeiro”.

As perguntas dedutivas também precisam ser feitas. Achointeressante o fato de muitos cristãos começarem por aqui, semantes considerar as perguntas mais abrangentes relacionadas aotexto. Apesar de não ser este o nosso ponto de partida, nãopodemos deixar de lado estas perguntas. O texto é consistente?Tem coerência interna? É contraditório? O texto, como um todo,é coerente?

Estes testes ajudarão os descrentes a analisar os evangelhos eos demais livros do Novo Testamento por si mesmos. Nós, comocristãos, precisamos resistir à tentação de forçar as pessoas a acei-tarem o que a Bíblia diz apenas “porque é assim e pronto”.Muitas pessoas precisam examinar a Bíblia por si mesmas, fazerperguntas, analisar os motivos para então encontrar a verdadede Jesus nas páginas das Escrituras.

Lembro-me de alguém que encontrei alguns anos atrás emOxford. Ele era bastante cético e me fez muitas perguntas

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sobre a fé cristã, demonstrando desconfiança em relação aosevangelhos e sobre quem de fato era Jesus. Certa ocasião, ao lerum dos evangelhos, ele começou a questionar alguns milagres eficou surpreso ao ler que alguns dos primeiros seguidores deJesus eram pescadores. Saber que pescadores viram os milagresde Jesus e passaram a segui-lo deixou-o estranhamente abalado.Quando lhe perguntei o motivo, ele me explicou que vinha deuma família de pescadores, na Escócia. Ele sabia bem que erampessoas rudes, pouco propensas a alucinações e que dificilmen-te engoliriam uma mentira. Ele então me disse:

— Se aqueles pescadores viram de fato, eu acredito que elessabiam do que estavam falando. Conheço esse tipo de gente, egente assim não se deixa enganar com facilidade. Para mim issoé o bastante.

Esta provavelmente é a razão mais estranha que alguém já medeu para se tornar um cristão. Ao testar o evangelho quanto àsua veracidade, usando sua mente e sua experiência de vida, elechegou à conclusão de que o relato que estava lendo não eraapenas consistente quanto ao aspecto interno, mas se conectavaa sua própria realidade.

Perguntas indutivas questionam se o texto doevangelho está inserido em um contexto maior. Oleitor conseguiria estabelecer uma relação entre o queestá no texto e a realidade a sua volta? Ou oevangelho abrange apenas parte da realidade, demodo que alguém para entrar teria que se afastartemporariamente do mundo real?

Perguntas dedutivas questionam se o texto doevangelho é consistente. O texto que estamos lendoé coeso? Apresenta coerência interna? Écontraditório? A leitura do texto, como um todo, écoerente?

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A responsabilidade do leitor

Às vezes as pessoas me perguntam: “Sinceramente, você nãoacredita em tudo que a Bíblia diz, acredita?” A importânciadesta pergunta tem aumentado à medida que as pessoas têm setornado cada vez mais assustadas com o avanço do fundamen-talismo em todas as partes do mundo. Após o episódio de 11de setembro, surgiu a idéia de que se as pessoas passassem a crerem tudo que está escrito nos seus livros sagrados, isto poderiaser muito perigoso. A interpretação literal de um livro religiosoé considerada como uma das coisas mais absurdas e desequili-bradas que podemos fazer. É importante observar que simples-mente acreditar no que o livro diz ou interpretá-lo de formaliteral não é necessariamente perigoso. O perigo é determinadopelo conteúdo do livro. O que a leitura daquele livro nos trans-mite? O livro incita a violência? Ele pode ser usado para finsperigosos? Crer no que um livro diz pode não ser algo inerente-mente mau — o perigo está no tipo da mensagem.

Devemos, então, interpretar a Bíblia literalmente? Estapergunta foi feita a G. K. Chesterton que, ironicamente, res-pondeu: “A Bíblia diz que Herodes era uma raposa, mas issonão significa que ele tivesse uma cauda peluda e orelhas pontu-das. Ela também diz que Jesus é a porta, mas isso não quer dizerque ele é de madeira, liso e preso a dobradiças”. Afirmar queum texto pode ter um significado e transmiti-lo ao leitor ououvinte não o isenta da responsabilidade de participar do pro-cesso. O leitor deve questionar as intenções do autor bem comoexaminar suas motivações e reações. O contexto histórico dotexto tem sua função, da mesma forma que o contexto culturaldo leitor.

Eu diria que afirmar dogmaticamente a impossibilidadede qualquer texto ter e comunicar um significado é ter amente fechada. O cristão não pode pedir ao cético para aceitar

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ingenuamente o que a Bíblia diz “porque é assim e pronto”,mas pode pedir a ele que tenha a mente aberta para ler oevangelho e questioná-lo, e então descobrir por si só se suamensagem é ou não verdadeira.