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1 ANVISA e INDÚSTRIAS QUÍMICAS e FARMACÊUTICAS: proposições para o aprimoramento dessa relação visando melhorias na regulação por Eduardo Ferreira da Silva e Guilherme Perussolo* ARTIGO CIENTÍFICO Encarte da Revista Átomo Nº 4 - SINQFAR CURITIBA 2009 Artigo Revista 4.indd 1 13.05.09 18:36:49

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ANVISA e INDÚSTRIAS QUÍMICAS

e FARMACÊUTICAS: proposições para o aprimoramento

dessa relação visando melhorias na regulação

por Eduardo Ferreira da Silva e Guilherme Perussolo*

ARTIGO CIENTÍFICOEncarte da Revista Átomo Nº 4 - SINQFAR

CuRItIbA 2009

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Sumário

1. Introdução

2. Intervencionismo, um breve histórico

3. Investigação dos fundamentos da intervenção estatal no mercado farmacêutico 3.1. O papel da ANVISA 3.2. Fundamentos da Intervenção Estatal I. Elasticidade da demanda e essencialidade II. Alternativas ao controle de preços

4. Referências Bibliográficas

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1. Introdução

O presente trabalho tem a intenção de apontar alternativas à regulação de mercado

encabeçada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária sobre o setor farmacológico.

Começou-se com um breve histórico das origens do intervencionismo estatal na economia.

Seguindo, localizou-se o papel da ANVISA no controle de preços dos medicamentos no

brasil, abordando os aspectos legais e políticos atinentes a questão. Ato contínuo, foram

identificados os fundamentos que levaram, e ainda levam, a forte regulação do setor

farmacêutico pela dita agência reguladora. Por fim, foram apresentadas alternativas à regulação

de mercado, não sem antes desmistificar os principais argumentos que atualmente

norteiam a política de controle de preços da ANVISA.

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2. Intervencionismo, um breve histórico

O intervencionismo estatal no domínio econômico, tal como o conhecemos atualmente é algo totalmente novo na História, fruto de uma proposta neoliberal, que surgiu para suprir a total deficiência do Estado de bem-Estar. Porém o intervencionismo como forma de ingerência do Estado no domínio econômico já existe há muitos séculos. Exemplificam-se, para tanto, as condições econômicas da Inglaterra do século XVII, com centenas de instituições feudais que faziam com que o Rei possuísse poder absoluto. talvez seja até mesmo por isso, que foi justamente na ilha bretã, que proliferou a maior quantidade de escritos econômicos à época. Entretanto, para o presente escrito, convém limitar-se a épocas de maior relevância para o nosso tempo, possuidoras de maior eco histórico. O primeiro grande crítico do intervencionismo estatal foi Adam Smith (1723 - 1790), descendente de toda tradição iluminista escocesa, sua teoria conquistou hegemonia na ciência econômica até o século XIX, a obra onde a expôs foi An Inquiry into the Nature and Causes of the Wealth of Nations (Investigação sobre a natureza e causas da riqueza das nações). Nela Smith analisa como uma sociedade comercial pode prosperar, apesar de os homens estarem perseguindo os próprios interesses. Ele supõe, porém, um arcabouço de justiça sem o qual a sociedade seria destruída, e é nele que surgem os benefícios da liberdade.1 É com essa obra, também, que surge o lema mais conhecido de toda história da economia, o laissez-faire, laissez-passer - deixai fazer, deixai passar – em outras palavras é uma defesa à liberdade natural, uma terceira opção aos dois sistemas conhecidos pelo autor, o sistema mercantil e o sistema da fisiocracia (agropastoril). Contrapunha-se ferozmente à qualquer tipo de privilégio que o governo pudesse oferecer, entre eles o Monopólio, conforme trecho a seguir:“O monopólio... é um grande inimigo da boa administração, que jamais pode ser aplicada universalmente, mas em conseqüência disso [há] a competição livre e universal, que força todo mundo a recorrer a ela a título de autodefesa.”2

Através da livre competição os recursos são desviados para as áreas que mais necessitam, os indivíduos são levados pela mão invisível a promover um fim que não fazia parte de sua intenção. O único papel do Estado aí seria o de garantir um sistema de justiça, para que o sistema de liberdade efetivamente funcionasse. tanto os gastos com a justiça como com as forças armadas, embora improdutivos, eram essenciais para o pleno funcionamento do sistema. Outra exceção que Smith acreditava ser um dever do soberano era a de manter as instituições públicas e suas obras, como transporte e educação primária, mas, mesmo assim era favorável à cobrança de pedágios e tarifas, pois assim os usuários pagariam o máximo possível e os empregados, a exemplo dos professores, teriam um incentivo para exercer seu labor da melhor maneira. Já no séc. XIX, surge o primeiro grande contraponto a Adam Smith, baseando-se na economia de David Ricardo, porém transcendendo-a, apresenta-se a figura de Karl Marx (1818 – 1883). Contaminado pelas idéias hegelianas propagadas na universidade de berlim, e acreditando que Hegel, com sua flagrante paralaxe cognitiva, fugia constantemente do mundo real, resolveu aplicar a dialética a todo campo do conhecimento, criando assim o materialismo histórico e acreditando ser ele a fonte da evolução da humanidade, tratando a natureza tão-somente como um plano de fundo a ser dominado e transformado pelo ser humano. Cada fase da história possuía uma classe dominante, comparável à tese da dialética, como sua antítese apareceria a classe de oprimidos que se rebelaria, e, por fim, desse embate, a classe operária, mais numerosa, triunfaria, criando uma nova sociedade (síntese) mais justa e humana. O feudalismo deu seu lugar ao capitalismo, que por sua vez daria seu lugar ao socialismo, e por fim ao comunismo, o estágio mais alto da sociedade, semelhante em vários aspectos a aldeias tribais primitivas, principalmente da América do Sul. Em sua obra máxima, Das Kapital (O Capital), Marx investiga a sociedade capitalista de dentro dela. Segundo o autor, o capital não era simplesmente o dinheiro, mas ele deveria ser inicialmente transformado em meios de produção e força de trabalho, depois em capital no processo de produção, adiante em mercadoria e, enfim, em dinheiro novamente. Essa era a clássica forma D-M-D’ (dinheiro – mercadoria – mais dinheiro).

1 bACKHOuSE, Roger E. História da Economia Mundial. Primeira Ediçao. Estação Liberdade. São Paulo, 2007. p.152. 2 SMItH, Adam. A Riqueza das Nações. Primeira Ediçao. 2 volumes. Martins Fontes. São Paulo, 2003. p.26.

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De acordo com Karl Marx, a etapa precedente do comunismo, o socialismo, era constituída pela ditadura do proletariado, na qual era necessária a existência de um Estado inflado, que tivesse controle dos meios de produção, para que posteriormente esse Estado pudesse se auto-dissolver. Dessa forma pode-se considerar Marx o primeiro pensador que já possui a idéia de Estado moderno, e que pugna pela sua intervenção direta, para não dizer seu monopólio, no domínio econômico. É inevitável dizer que a economia marxista influenciou sobremaneira o sistema econômico dos regimes comunistas do séc. XX, mesmo com adaptações todos tiveram como pano de fundo a obra de Marx. Logo após a revolução bolchevique na uRSS, Lênin tratou de imediatamente acelerar o capitalismo no país, pois acreditava que a República Soviética ainda não estava pronta para o salto de um regime tzarista-agrário, para um socialismo-industrial, para tanto adotou medidas que aos olhos de hoje, se assemelhariam muito com as medidas neoliberais de alguns países latinos. Porém, pouco depois as medidas protecionistas foram rapidamente tomando espaço, até a total estatização dos meios de produção e a regulação total do Estado na economia da República. É exatamente nessa fase que surge o intervencionismo como um sistema econômico político, sistema adotado em praticamente todo regime socialista soviético, o chamado NEP, New Economic Policy. Quando parecia que não despontariam mais críticos habilitados a refutar materialmente a teoria marxista, surge toda a escola austríaca com autores como Ludwig von Mises e Friedrich Hayek, e desbancam toda a teoria econômica marxista. A obra máxima sobre o tema foi de autoria de Mises e chama-se Kritik des Interventionismus (Crítica ao Intervencionismo), porém outras obras importantes foram publicadas pelos autores da escola, como Caminho para Servidão, Ação Humana, Sete Lições, etc. Em sua crítica, Mises conceitua intervencionismo inicialmente dizendo que ele foi criado devido à frustração de antigos militantes e membros do politburo em aplicar o puro socialismo, e dessa forma simplesmente trataram de “travar” a economia. Por sua vez, a justificativa para aplicação do intervencionismo em países cuja essência não era socialista, foi que com o controle da competição ocorreria a salvaguarda da propriedade, quando, em verdade, com essa intervenção prejudicava-se ambos, pois ao mesmo tempo em que se reduzia a competição também se restringia o uso da propriedade, esta sim, o verdadeiro objeto núcleo do liberalismo. Neste ponto, especificamente, ele diferencia o intervencionismo do socialismo, pois no intervencionismo o que sobrevinha era uma ordem limitadora de uma autoridade, enquanto no socialismo era impossível haver uma ordem limitadora da propriedade, vez que nela o Estado já era o responsável pela produção e distribuição. Dessa forma, o fenômeno do intervencionismo era um fenômeno que não ocorria necessariamente em países socialistas, mas em qualquer tipo de governo e sistema político. Após o duro embate pró e anti-intervencionistas, vários Estados optam por seguir uma possível terceira via que se lhes apresenta, e esta via é o Estado de bem Estar Social, o Welfare State. Escritores como Sidgwick, Marshall e Pigou introduziram essa teoria, segundo a qual era do Estado o papel de fornecer o bem estar a sua população, ou seja, ele deveria permitir o acesso a todas as necessidades básicas para toda população, e, para além, não só às básicas, mas também às necessidades de acordo com o grau de utilidade momentânea e também de acordo com a necessidade de cada cidadão. Ou seja, uma teoria totalmente embasada no utilitarismo. Porém, com o passar do tempo, para poder embasar as suas teorias os autores tiveram que ir cada vez mais longe e explorar terrenos cada vez mais obtusos, criando uma distinção entre velha teoria do bem estar e nova teoria, e, por fim, Samuelson elaborou a teoria dos bens públicos puros. Esses bens são aqueles que são oferecidos para todos, em que ninguém pode se beneficiar dele sem reduzir os benefícios dos outros. Sua quantidade fornecida será sempre menor que a quantidade desejável. Essas crenças foram amplamente usadas para justificar a intervenção, para que o governo forneça bens que o mercado não suprirá e também para que o governo interfira em nível macroeconômico para garantir o pleno emprego. Como crítica final do Estado de bem estar, já ruindo, surgem teorias sobre o comportamento de eleitores, governos etc.teorias formuladas por James buchanan, Gordon tullock, Mancur Olson e Anthony Downs, questionavam se os governos seriam mesmo organizações desprendidas que agiriam pelo interesse público. Os políticos oferecem políticas que maximizarão o apoio que terão na eleição; e os administradores dirigem suas organizações de maneira a aumentar seu status e renda. Impostos e gastos governamentais seriam o resultado de processos políticos em que interesses concorrentes estavam expressos. Para essa crítica não foi apresentada nenhuma solução de contraponto que sustentasse o Welfare State. Assim, como o Estado já não suportava mais suprir diversas necessidades e não havia mais uma teoria que continuasse justificando a existência desse tipo de modelo econômico, o Welfare State ruía-se, mostrando-se como um modelo fadado ao fracasso.

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Com a falência do Estado de bem Estar, surge uma nova proposta, a Neoliberal, que visa a diminuição gradativa do Estado através de privatizações, e, seguindo a Lei De Say, acredita que com o tempo e com a diminuição de poder dos sindicatos o número de empresas e investidores voltará a crescer, “a oferta cria sua própria demanda”. Com a constante privatização criou-se uma tributação regressiva, a ponto de surgir, como na Inglaterra de tatcher, o Poll Tax, ou imposto comunitário. O exemplo da Primeira Ministra foi seguido por muitos, inclusive por Ronald Reagan. Foi nesse cenário de privatização e encolhimento estatal que surgiram as agências e empresas reguladoras, com regime jurídico diferenciado. Elas buscam estabelecer parâmetros e instituir regramentos para certas áreas econômicas, principalmente aquelas que forneceriam bens considerados indispensáveis ou de responsabilidade estatal, mas que, devido à total inviabilidade do Estado atuar nessas áreas, optou por privatizá-las e regulamentar sua fabricação ou seu preço e forma de venda.

3. Investigação dos Fundamentos da Intervenção Estatal no Mercado Farmacêutico

3.1. O papel da ANVISA

A ANVISA ocupa a secretaria executiva da CMED - Câmara de Regulação do Mercado de Medi-camentos, órgão criado para intervir economicamente na atividade farmacêutica. A CMED foi instituída pela Lei n° 10.742/03 e tem como objetivos a adoção, implementação e coordenação de atividades relativas à regulação econômica do mercado de medicamentos, voltados a promover a assistência farmacêutica à população, por meio de mecanismos que estimulem a oferta de medicamentos e a competitividade do setor. Sua competência é delineada pelo artigo 6° do referido diploma legal, o qual transcreve-se abaixo:

“Art. 6°. Compete à CMED, dentre outros atos necessários à consecução dos objetivos a que se destina esta Lei: I - definir diretrizes e procedimentos relativos à regulação econômica do mercado de medicamentos; II - estabelecer critérios para fixação e ajuste de preços de medicamentos; III - definir, com clareza, os critérios para a fixação dos preços dos produtos novos e novas apresentações de medicamentos, nos termos do art.7o; IV - decidir pela exclusão de grupos, classes, subclasses de medicamentos e produtos farmacêuticos da incidência de critérios de estabelecimento ou ajuste de preços, bem como decidir pela eventual reinclusão de grupos, classes, subclasses de medicamentos e produtos farmacêuticos à incidência de critérios de determinação ou ajuste de preços, nos termos desta Lei; V - estabelecer critérios para fixação de margens de comercialização de medicamentos a serem observados pelos representantes, distribuidores, farmácias e drogarias, inclusive das margens de farmácias voltadas especificamente ao atendimento privativo de unidade hospitalar ou de qualquer outra equivalente de assistência médica; VI - coordenar ações dos órgãos componentes da CMED voltadas à implementação dos objetivos previstos no art. 5o; VII - sugerir a adoção, pelos órgãos competentes, de diretrizes e procedimentos voltados à implementação da política de acesso a medicamentos; VIII - propor a adoção de legislações e regulamentações referentes à regulação econômica do mercado de medicamentos; IX - opinar sobre regulamentações que envolvam tributação de medicamentos; X - assegurar o efetivo repasse aos preços dos medicamentos de qualquer alteração da carga tributária; XI - sugerir a celebração de acordos e convênios internacionais relativos ao setor de medicamentos; XII - monitorar, para os fins desta Lei, o mercado de medicamentos, podendo, para tanto, requisitar informações sobre produção, insumos, matérias-primas, vendas e quaisquer outros dados que julgar necessários ao exercício desta competência, em poder de pessoas de direito público ou privado; XIII - zelar pela proteção dos interesses do consumidor de medicamentos; XIV - decidir sobre a aplicação de penalidades previstas nesta Lei e, relativamente ao mercado de medicamentos, aquelas previstas na Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990, sem prejuízo das competências dos demais órgãos do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor; XV - elaborar seu regimento interno.”3

3 Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2003/L10.742.htm>. Acesso em: 15 jul.2008.

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uma das formas de atuação deste órgão é a regulação de preços, onde a CMED, através de resoluções, estabelece os preços que devem ser praticados pelo mercado farmacêutico. Ocorre que esse excesso de intervenção acaba por inibir o desenvolvimento da atividade farmacêutica, trazendo graves prejuízos tanto para a indústria dos fármacos, quanto para a população. Se o objetivo fundamental da criação dessas agências é o acesso universal à saúde, com estímulo à competitividade no setor e a conseqüente baixa nos preços, não faz sentido engessar o mercado de fármacos. Afinal, é de conhecimento de todos que a regulação dos preços desestimula os investimentos na alma do negócio farmacêutico, qual seja, os investimentos em pesquisas e inovações tecnológicas, as quais propiciam a descoberta de milhares de novas drogas para a nossa população. Por certo que a intervenção excessiva do Estado nos setor afeta toda a cadeia produtiva, causando prejuízos tanto para a saúde da população, quanto para a saúde do mercado farmacêutico. Diante destes fatos, o que se propõe aqui não é a liberdade total do mercado para se auto-regular, mas sim a presença da ANVISA como um órgão monitorador, que é a função que a própria lei lhe outorgou. A Lei n° 9.782/99 que instituiu a Agência Nacional de Vigilância Sanitária prescreveu as competências inerentes às atividades a serem desenvolvidas pela agência, dentre elas a competência para monitorar a evolução nos preços dos medicamentos, conforme dispõe o artigo 7°, XXV:

“Art. 7º Compete à Agência proceder à implementação e à execução do disposto nos incisos II a VII do art. 2º desta Lei, de XXV - monitorar a evolução dos preços de medicamentos, equipamentos, componentes, insumos e serviços de saúde, podendo para tanto: a) requisitar, quando julgar necessário, informações sobre produção, insumos, matérias-primas, vendas e quaisquer outros dados, em poder de pessoas de direito público ou privado que se dediquem às atividades de produção, distribuição e comercialização dos bens e serviços previstos neste inciso, mantendo o sigilo legal quando for o caso; b) proceder ao exame de estoques, papéis e escritas de quaisquer empresas ou pessoas de direito público ou privado que se dediquem às atividades de produção, distribuição e comercialização dos bens e serviços previstos neste inciso, mantendo o sigilo legal quando for o caso; c) quando for verificada a existência de indícios da ocorrência de infrações previstas nos incisos III ou IV do art. 20 da Lei no 8.884, de 11 de junho de 1994, mediante aumento injustificado de preços ou imposição de preços excessivos, dos bens e serviços referidos nesses incisos, convocar os responsáveis para, no prazo máximo de dez dias úteis, justificar a respectiva conduta; d) aplicar a penalidade prevista no art. 26 da Lei no 8.884, de 1994;” 4

Ou seja, a própria lei que criou a ANVISA conferiu-lhe a competência de órgão monitorador, sendo essa a intenção do legislador ao definir as competências da agência, e não de órgão interventor e regulador de preços. Dessa forma, a atuação da ANVISA no mercado farmacêutico seria plausível em momentos de desequilíbrios econômicos, e de maneira provisória até sua estabilização. No mais, sua atuação deve ficar adstrita a função monitoradora.

3.2. Fundamentos da Intervenção Estatal

“O mercado dos medicamentos apresenta particularidades que o tornam pouco concorrencial, a despeito do grande número de firmas envolvidas na produção e comercialização. Em primeiro lugar, a baixa elasticidade-preço da demanda por medicamentos, em razão da essencialidade do produto, o que faz com que o consumo não diminua sensivelmente em razão de aumento de preços, ou aumente em razão de reduções. A assimetria de informações, na medida em que o paciente, em geral, desconhece a possibilidade de adquirir medicamento substituto ao medicamento prescrito, em particular em razão da referência, nas receitas, a medicamentos de marca, e não à denominação genérica do produto. A interveniência, na decisão de ‘consumo’, do profissional da medicina, não necessariamente sensível à variável preço”.5 (grifou-se)

4 Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2003/L9.782.htm>. Acesso em: 15 jul. 2008.5 Disponível em <http://www.seae.fazenda.gov.br/central_documentos/notas_imprensa/1998-1/3-nt981127>. Acesso em: 15 jul. 2008.

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Os apontamentos retro transcritos foram retirados de uma nota à imprensa emitida pela Secretaria de Acompanhamento Econômico, com o intuito de justificar a implementação de uma dada regulamentação ao setor farmacêutico. Através de tal nota identificamos uma série de falsas premissas que ainda hoje conduzem os órgãos governamentais nacionais a controlar os preços dos medicamentos, como se essa fosse a única saída para a universalização da saúde no brasil. Este tópico tem o intuito, talvez pretensioso, de desmistificar a presente temática, apontando que as características do mercado farmacêutico não conduzem, necessariamente, ao intervencionismo estatal.

I. Elasticidade da demanda e essencialidade

“De acordo com a Pró-Genéricos, atualmente, cerca de 15% da população brasileira é responsável pelo consumo de 50% dos medicamentos comercializados no país. Estima-se que cerca de 50% da população brasileira têm pouco ou nenhum acesso a qualquer tipo de medicamento, em função de seu baixo nível de renda”6

tal gráfico dá conta de demonstrar que o mercado de medicamentos não é exatamente inelástico, como muitos anunciam. Variações de preço podem SIM induzir o consumo de fármacos. Afinal, não obstante a notória essencialidade do produto aqui discutido, ele ainda não é acessível a todos. As variações apontadas pelo gráfico conduzem-nos à conclusão de que a variação do preço de um medicamento tem o condão de induzir ou inibir o seu consumo, exatamente como ocorre em outros setores da economia. A verdade é que para grande parte da população brasileira o preço do medicamento influi substancialmente na decisão de adquiri-lo ou não. Com um preço menor, os fabricantes teriam a oportunidade de atingir uma fatia maior do mercado e, assim, compensar a redução do preço. Entretanto, a forte regulamentação do setor estrangula a concorrência e faz com que os produtores vejam-se desmotivados a buscar processos mais eficientes e competitivos. Ora, os fabricantes têm suas margens de lucro condenadas pela opinião pública e balizadas pelo sistema de controle de mercado da Anvisa. Sem a intervenção da ANVISA, a indústria ver-se-ia inserida em um mercado mais sedutor e, portanto, mais competitivo. Compreende-se a preocupação do governo em relação aos medicamentos. Eles são de fato indis-pensáveis a concretização do desenvolvimento humano. Nada obstante, existe uma infinidade de produtos que também podem ser considerados indispensáveis, e nem por isso o Estado regula seus preços tão ferozmente. É o caso dos produtos da cesta básica, por exemplo. trata-se de gêneros indispensáveis à mesa da família brasileira.Poder-se-ia até compará-los aos fármacos (afinal, a alimentação adequada é um direito de todos, bem como a todos deve ser garantido o acesso aos medicamentos). Se há um aumento generalizado e abusivo dos preços no setor agrícola, ou cartelização, o Estado utiliza-se de instrumentos legais para corrigir tais distorções, o CADE é um bom exemplo. Do contrário, se os preços estão subindo por conta de condições próprias do mercado, como inflação e custos de produção, o governo vale-se de medidas estimulantes da oferta, tal como a concessão de crédito barato e financiamento de produção. Jamais se cogita em impingir ao produtor rural os ônus do subdesenvolvimento nacional. Os preços de tais produtos não restam tabelados, como ocorre com o mercado farmacêutico. Se o Estado quer ver os preços dos medicamentos abaixarem, é só reduzir os custos de sua produção. Grande parte do custo de um medicamento vem da alta taxação do setor. Isso sem falar no sem-número de exigências burocráticas que acabam encarecendo o produto final. Se se demandasse esforços para combater os dois entraves retro apontados como se demanda para controlar os preços, certamente estes reduziriam significativamente.6 Disponível em <http://www.mzweb.com.br/profarma/web/conteudo_pt.asp?idioma=0&tipo=3782&conta=28>. Acesso em: 15 jul.2008.

Fonte: Pró-Genêrico

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II. Alternativas ao controle de preços

Atualmente pintam os agentes econômicos privados dos setores da indústria farmacêutica como os grandes vilões da problemática sanitária do país. Não se considera, entretanto, a grande contribuição que tais entidades oferecem para a evolução da saúde no mundo. Afinal, são os grandes laboratórios os responsáveis pelo desenvolvimento das inovações no setor. E isso só ocorre, frise-se, em virtude dos lucros que a indústria almeja alcançar futuramente. Essa é a lógica capitalista para todos os setores da economia. A inovação surge na indústria com o intuito de gerar lucros ao seu criador. Não obstante, tal desenvolvimento tecnológico acaba por beneficiar toda a sociedade. Obstaculizar a lucratividade e a livre regulação do setor farmacêutico é contribui com a estagnação tecnológica. Sem inovação, um sem-número de males que ainda atingem a saúde da população continuarão insolúveis, um evidente retrocesso histórico. Corroborando de tal entendimento colacionamos um recente estudo, o qual apontou que o “tempo médio para lançamento de um medicamento no mercado norte-americano – onde o controle se faz tão somente por meio das compras efetuadas pelo governo e pelos planos de saúde – é de apenas quatro meses, enquanto na França – país com maior controle – os lançamentos se dão após 15 meses”7. Ainda nesta esteira é o estudo do Departamento de Comércio dos EuA, que estima a redução de investimentos em pesquisa e desenvolvimento farmacológico – em termos globais – na faixa de uS$ 5 a uS$ 8 bilhões por ano. Com isso, calcula-se que três a quatro novos princípios ativos deixem de ser desenvolvidos e lançados anualmente no mercado mundial. Números estarrecedores. A verdade é que muitos setores do atual governo, e da classe política brasileira como um todo, ainda são muito reticentes ao conferir uma postura de fato capitalista ao brasil. Atitudes como estas contribuem para que o país continue a chafurdar no subdesenvolvimento econômico e social e fazem com que a nação brasileira fique de fora das inovações tecnológicas que tanto contribuem para o desenvolvimento humano. O problema não está na lucratividade do setor farmacêutico (que, aliás, é bastante salutar). O problema está no “alto” preço dos medicamentos. “Alto”, aliás, em termos. Os medicamentos no brasil são considerados caros porque a população é pobre e o Estado também. Veja-se comparação com outros países.

Note-se que no estudo o brasil aparece como o 4º na lista dos países com medicamentos mais baratos. temos um dos menores preços do MuNDO. tal informação evidencia ainda mais a desnecessidade da regulação aqui debatida. Em um estado liberal, como pretendemos ser, convém ao Estado intervir no domínio econômico tão somente em momentos de deflagrada crise. Não é o que se observa em relação aos fármacos. O que se tem é uma verdadeira bonança no que se refere aos preços dos medicamentos e uma palpável estabilidade nas condições econômico-financeiras do setor. Não há razões plausíveis para a atual política de controle de preços encabeçada pela ANVISA.

Fonte: Tabelas IMS

7 OHANA, Eduardo Felipe. Comparativo Internacional de Preços de Produtos Farmacêuticos em 2005. Edição Eletrônica. São Paulo: 2006.

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15 Ibid.

Novamente, compreende-se o interesse dos governos em tornar o acesso aos medicamentos mais universal. Entretanto, cumpre salientar, que se há algum medicamento de fato indispensável, este deve ser sub-sidiado pelo governo, e não pelas indústrias e distribuidoras privadas. É papel do Estado suprir as necessidades básicas do cidadão. Se este não tem condições de arcar com dado medicamento, cabe ao Estado provê-lo, e não ao setor privado. Neste sentido, podemos citar uma série de medidas que vêm dando certo mundo afora. Os Estados unidos, por exemplo, criaram um sistema de subsídio parcial na compra de fármacos. Ou seja, se o cidadão não tem condições de arcar com o valor integral do tratamento, bancará, ao menos, parte dele. Definem-se faixas de renda e sobre estas são estabelecidos os montantes percentuais de contribuição que o paciente arcará com o próprio tratamento. tal iniciativa tem desonerado de forma significativa o orçamento da Saúde naquele país. Outra possibilidade é obrigar os planos de saúde a fornecer medicamentos dentro de seus planos. tais instituições teriam maior poder de barganha diante da indústria (em virtude do volume das compras) e, assim, conseguiriam melhores preços. Outra possibilidade seria a realização de campanhas voltadas à população em geral. tais campanhas teriam o objetivo de esclarecer a sociedade acerca da compra de medicamentos. um consumidor mais informado teria condições de comparar os preços dos medicamentos, procurando-os através de seu princípio ativo, e não através da marca (resolvendo a problemática da assimetria de informações - citada pela nota à imprensa da SEAD). Alguns países e planos de saúde pelo mundo chegam a estabelecer orçamentos para cada médico. Assim, estes se motivam a procurar alternativas terapêuticas menos custosas ou a indicar medicamentos mais baratos, sem perder de vista, por óbvio, o tratamento mais adequado ao paciente. Enfim, existem uma séria de alternativas à regulamentação do mercado. todas mais salutares que a atual política de controle de preços, pois não inibem a concorrência e a inovação do setor. É claro que os países desenvolvidos também possuem mecanismos de controle de preços de produtos farmacêuticos. trata-se de alternativa que não pode ser ignorada, tendo em vista a relevância do setor para a saúde e para a poupança da população. Entretanto, as medidas de natureza estrutural alhures descritas, uma vez adotadas, poderão assegurar a evolução módica de preços nesse setor. Somos da opinião de que essas medidas devem ser implementadas antes da drástica medida aqui denominada “controle de preços”. tal entendimento leva em consideração os efeitos indesejáveis que a instituição de sistema de controle de preços produz: inibição de investimentos no setor, inclusive em pesquisa e desenvolvimento; contração do processo de liberação de preços; introdução de distorções no funcionamento do setor com relação a preços, substituindo as decisões dos agentes econômicos pelas decisões do Governo. Por fim, cumpre destacar que a regulação do setor farmacológico tem sofrido inúmeras alterações durante os últimos 40 anos. O setor foi submetido a incontáveis regramentos que ora recrudesciam no controle de preços, ora assumiam uma postura mais liberal e menos interventora. Nota-se grande preocupação dos governantes em encontrar a melhor alternativa para o mercado de medicamentos no brasil. Contudo, as seguidas alterações nas “regras do jogo” afugentam o capital financeiro, o que acaba contribuindo ainda mais na falta de competitividade e eficiência do setor. Faz-se mister a adoção de uma política de Estado (e não de governo) séria e comprometida com o desenvolvimento nacional, pensada a longo prazo e que seja capaz de coadunar interesses das indústrias, distribuidoras, consumidores, governo e sociedade em geral.

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* Eduardo Ferreira da Silva e Guilherme Perussolo, autores e ganhadores do 2º lugar do concurso SINQFAR 45 ANOS: Prêmio EDGAR VIANNA RODbARD. Ambos estudantes de Direito da Faculdade de Direito de Curitiba. Contato: [email protected] e [email protected]

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