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PONTINHOS DE LUZ OFUSCADOS: a realidade de crianças e adolescentes até 14 anos
que vivem em situação de pobreza no Brasil.
Arislene da Silva Almeida1
RESUMO: A realidade brasileira é reflexo de um país fundado
em desigualdades e injustiças sociais, como a escravidão, o
genocídio dos índios e a ideologia antipopular e racista das
elites nacionais. Não obstante, embora muitos direitos tenham
sido conquistados, o país ainda é palco da miséria e da fome,
típica representação de uma sociedade paupérrima, que clama
pela visibilidade de sua situação, pois é constituída por
pontinhos de luz ofuscados. Sabendo disto, a pesquisa se
desenvolve em torno de uma expressiva parcela deste todo
faminto: as crianças e adolescentes até 14 anos que vivem em
situação de pobreza no Brasil.
Palavras-chave: Pobreza. Crianças e adolescentes. Brasil.
Políticas Públicas.
ABSTRACT: The Brazilian reality is a reflection of a country
founded on inequalities and social injustices, such as slavery,
the genocide of the Indians and the anti-grassroots and racist
ideology of the national elites. Nevertheless, although many
rights have been conquered, the country is still the stage of
misery and hunger, a typical representation of a pauperrima
society, which cries out for the visibility of its situation, because
it consists of blinky little dots of light. Knowing this, the research
develops around an expressive portion of this whole hungry:
children and adolescents up to 14 years living in poverty in
Brazil.
Keywords: Poverty. Children and teenagers. Brazil. Public
policies.
1 INTRODUÇÃO
1 Estudante, Universidade Federal do Maranhão (UFMA). E-mail: [email protected]
A pobreza é um fenômeno recorrente no Brasil, proveniente dos acontecimentos
do processo colonizador e da escravidão, que traçaram o destino do país como aquele onde
vivem muitas pessoas pobres. Após a abolição da Escravatura e do acentuado êxodo rural,
as cidades brasileiras não dispunham das necessárias condições para abrigar tantos
migrantes, o que contribuiu para a expansão da quantidade de pessoas abaixo da linha da
pobreza.
No presente século, é possível perceber como os fatos históricos de
desigualdade social, injustiça e preconceito, estão refletidos no cotidiano das pessoas que
vivem em situação paupérrima, revelando as disparidades regionais em função da
concentração da política e das indústrias no sul do país. De acordo com o Ministério do
Desenvolvimento Social, se encontra na linha de extrema pobreza a pessoa que sobrevive
com uma renda de até 70 reais por mês, o que corresponde a 8% da população brasileira.
Sabendo disto, argumenta-se acerca dos fatores que contribuem para este problema
nacional no século XXI e como solucioná-lo.
Nesta pesquisa, o público-alvo são as crianças e jovens brasileiros, até 14 anos
de idade, que vivem em situação de miséria e fome no país. São denominados “Pontinhos
de luz ofuscados”, por se tratar de pessoas cujos sonhos são frustrados pelas mazelas e
vulnerabilidade de suas realidades sociais.
A pesquisa é caracterizada como bibliográfica e descritiva de caráter qualitativo,
fundamentada em ampla revisão de artigos, livros e legislações, especialmente, o Estatuto
da Criança e do Adolescente (ECA), regulamentado pela Lei nº 8.069, de 13 de julho de
1990 e os dados provenientes do Relatório “Cenário da Infância e Adolescência no Brasil”,
desenvolvido pela Fundação Abrinq em 2017. O referido relatório tem como base os
números mais recentes, do ano de 2015, da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
(Pnad), proveniente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Este
levantamento propicia um controle do Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da
Organização das Nações Unidas, por meio dos quais alguns países, dentre eles o Brasil,
assumem metas para erradicar a pobreza e a fome.
Frente ao exposto, compreende-se que este estudo é de grande relevância por
diversos motivos, principalmente, no que diz respeito aos seus objetivos. A pesquisa tem por
objetivo geral apresentar dados e informações a respeito da condição de pobreza,
vivenciada por crianças e adolescentes brasileiros, com faixa etária de 0 a 14 anos. Para
tanto, como objetivos específicos, pretende-se: a) apresentar a pobreza como um fenômeno
presente na sociedade brasileira do século XXI; b) destacar dados sobre crianças e jovens
vulneráveis e paupérrimos do Brasil; c) suscitar leis e políticas públicas voltadas para a
erradicação da pobreza desta parcela da sociedade brasileira.
2 A HISTÓRICA POBREZA BRASILEIRA E SUA SILENCIOSA REVOLUÇÃO
A desigualdade histórica é uma expressiva peculiaridade da sociedade brasileira,
em virtude do processo de colonização, do seu desenvolvimento tardio e da acentuada
dependência econômica, o que contribue para que, embora o país esteja passando por um
acelerado processo de modernização, a pobreza seja um fenômeno constante, transversal e
multidimensional. Sabe-se que esta situação de miséria não é natural, ou pelo menos em
questões de humanidade, não deveria ser. O principal motivo para este acontecimento se dá
em virtude da má distribuição de riquezas e, consequentemente, pelos processos de
estratificação social, advindo em sua maioria das decisões políticas tomadas ao longo da
história de nossa sociedade.
A pobreza assola praticamente todas as cidades do país, especialmente, as
periferias dos grandes centros metropolitanos, onde é expressiva a quantidade de pessoas
que vivem em situação de vulnerabilidade e de extrema miséria. Esta condição resulta de
diversos fatores, dentre eles: a política (corrupção, rompimento com o ideal de democracia),
a economia (falta de abrigos, desigualdade econômica), a sociocultura (discriminação e
exclusão sociais, excessivo crescimento populacional), a história, os desastres naturais, etc.
Todos estes elementos, culminam para uma série de consequências, como fome, doenças,
falta de oportunidades, instabilidade política, violência, emigração e outros, que contribuem
para a fixação de um contínuo ciclo de pobreza.
Mesmo assim, é relevante suscitar que o Brasil tem passado por uma revolução
silenciosa, na medida em que é considerado um exemplo na redução da pobreza, conforme
a Organização das Nações Unidas. Neste sentido, de acordo com o relatório divulgado pelo
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em 2012, mais de 3,5 milhões de pessoas
abandonaram a pobreza no Brasil. No ano seguinte, um relatório apresentado pela
Assembleia das Nações Unidas demonstra que o Brasil investe mais do que todos os
demais membros do BRICS (Rússia, índia, China e África do Sul), apontando-o como o 13º
país que mais dedica capital no combate à pobreza no mundo, em um ranking composto por
126 países em desenvolvimento.
Corroborando com isto, muitas ações têm sido desenvolvidas, por meio de
programas sociais do Governo, em âmbitos nacional, estadual e municipal; por inciativas de
Organizações Não Governamentais (ONGs) e pelo setor privado, no sentido de combater as
desigualdades sociais e erradicar a pobreza.
O programa assistencialista que mais se destaca é o Bolsa Família, criado em
2003. Trata-se de um subsídio oferecido pelo Governo Federal para famílias em situação de
pobreza no país. Apesar das críticas e polêmicas, o programa tem sido considerado
essencial por profissionais da Sociologia e da Economia, ao verificarem que o supracitado
programa não prejudica a economia nacional e é fundamental para a melhoria na qualidade
de vida das famílias brasileiras. Além disto, o Brasil tem servido de modelo para
governantes de outras localidades do mundo, por tomar medidas voltadas para o combate à
pobreza, dentre elas: a diminuição de dependentes do próprio Bolsa Família e a criação do
Cadastro Único, que objetiva coletar dados e informações que identifiquem famílias
brasileiras de baixa renda.
Neste diapasão, como todo Estado Democrático de Direito, a participação de
seus cidadãos se torna necessária. Todavia, diante da extrema desigualdade presente na
nação brasileira, até mesmo a cidadania, ou seja, a participação do povo brasileiro, é
desigualmente distribuída. Isto faz perceber que as chances desiguais de participação
propiciam melhores condições para os incluídos, ao passo que aqueles que vivem à
margem da sociedade, estão cada vez mais invisíveis, não no sentido de estarem em menor
quantidade, mas pelo fato de estarem cada vez mais ofuscados pela extrema pobreza e
mínimas possibilidades de inclusão social.
2.1. A situação de pobreza vivenciada pelas crianças e adolescentes brasileiros com base
em dados do Relatório da Fundação Abrinq e do IBGE
Ao realizar estudo comparativo, em 2017, entre a realidade vivenciada pelas
crianças no Brasil e as metas assumidas pelo país nos Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável (ODS), frente à Organização das Nações Unidas (ONU), a Fundação Abrinq
disponibilizou dados no Relatório “Cenário da Infância e Adolescência no Brasil”,
demonstrando o panorama da situação infantil no país. Os dados, que tinham como
parâmetro o ano de 2015, indicam que 40,2% da população brasileira de 0 a 14 anos de
idade se encontra em situação de pobreza. Além disto, a partir destes dados, é possível
constatar que cerca de 17 milhões de crianças e jovens brasileiros até 14 anos vivem em
domicílios de baixa renda.
São consideradas pobres as famílias que sobrevivem com renda de até meio
salário mínimo per capta, o que correspondia, em 2015, a R$394,00 por pessoa. As regiões
Norte e Nordeste apresentam as piores condições de miserabilidade, uma vez que mais da
metade de suas crianças, respectivamente, 54% e 60,6%, sobrevivem com renda domiciliar
per capita mensal igual ou inferior a meio salário mínimo. Nas demais regiões, por outro
lado, os percentuais são menores, correspondendo a 27,8% no Sudeste, 28,4% no Centro-
Oeste e 23,1% no Sul, conforme se verifique na tabela abaixo:
Tabela 1 – População de 0 a 14 anos com renda até ½ salário mínimo
Brasil e regiões População %
Brasil 17.3322.983 40.2
Nordeste 8.046.951 60,6
Norte 2.525.711 54
Sudeste 4.520.695 27,8
Centro-Oeste 954.726 28,4
Sul 1.274.900 23.1
Fonte: IBGE. Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios).
Sendo a região Nordeste a que tem maior quantidade de brasileiros vivendo em
situação de pobreza, não obstante, os cincos Estados brasileiros mais pobres se localizam
nesta região, sendo eles: Alagoas (66%), Maranhão (62,4%), Ceará (61%), Bahia (60,8%) e
Pernambuco (60,5%). É interessante destacar que o Maranhão é considerado 2º o estado
mais pobre do Brasil e o 1º com mais crianças em situação de pobreza, de acordo com
dados emitidos pela Fundação Abrinq, em 2015.
Em termos de números absolutos, na região Nordeste existe por volta de 8
milhões de crianças e adolescentes vivendo em condição de pobreza familiar. Incluídas
nestes percentuais estão, ainda, as 5,8 milhões de crianças que vivem em máxima pobreza,
com renda per capta inferior a 25% do salário mínimo. Estes dados evidenciam a situação
de extrema vulnerabilidade enfrentada pelas crianças e jovens brasileiros, o que culmina
para a violação de outros direitos, sujeitando-os as mais variadas formas de violência e
trabalho infantil. Confirmando isto, das 153 mil denúncias realizadas, pelo Disque 100, no
ano de 2017, destaca-se o seguinte:
Tabela 2 – Violência de crianças e adolescentes
Tipo de Violência Porcentagem
Negligência 72,8%
Psicológica 45,7%
Física 42,4%
Sexual 21,3%
Fonte: Relatório da Abrinq (2015).
Além das supracitadas, a condição de ser pobre apresenta uma série de outras
consequências contra grupos vulneráveis, as quais são muito prejudiciais ao
desenvolvimento saudável, psicológico, físico e educacional das crianças e jovens
brasileiros, criando uma espécie de ciclo da pobreza em seu meio social. Segundo a
Administradora Executiva da Fundação Abrinq, Heloisa Oliveira (2017): “Há uma relação
entre esses indicadores e as vulnerabilidades sociais. (...) O Brasil é um país muito desigual
e as crianças acabam sofrendo as consequências da desigualdade”.
Uma destas consequências é o trabalho infantil camuflado. Conforme pesquisa
divulgada pelo IBGE em 2017, metade das crianças e jovens brasileiros, o equivalente a
20,1 milhões de pessoas, realiza afazeres domésticos ou é responsável por cuidar de outras
pessoas, para que os pais possam trabalhar e propiciar o sustento da família. Como a
gerente da Pnad, Maria Lúcia Vieira coloca (2017): "(...) às vezes esse trabalho infantil fica
disfarçado. (...) As famílias não veem como um trabalho, mas, às vezes, a criança fica o dia
inteiro cuidando da irmã mais nova e não consegue estudar por isso". Não obstante, estas
funções, muitas vezes, comprometem a frequência e o rendimento escolar, sendo
considerada uma ampla definição de trabalho infantil, nos casos em que impossibilita a
criança de fazer coisas típicas da sua idade e lhe incumbe tarefas excessivas e conflituosas
com sua educação formal.
É interessante suscitar que a pobreza na infância vai além da renda, de tal modo
que o Relatório emitido pela Fundação Abrinq avaliou 23 indicadores sociais, como
mortalidade, nutrição, gravidez na adolescência, cobertura de creches, escolarização, trabalho
infantil, saneamento básico e violência, para determinar os índices de crianças e jovens
brasileiros que vivem abaixo da linha da pobreza. No mais, em 2018, foi lançado um estudo,
denominado “Pobreza na Infância e na Adolescência”, pelo Fundo das Nações Unidas para
a Infância (UNICEF), corroborando com os dados supracitados e confirmando que 61% das
crianças e adolescentes brasileiros vivem em situação de pobreza, em múltiplas dimensões.
Neste viés, no supracitado estudo foram analisados a renda familiar das crianças
e jovens brasileiros, além de seu acesso a seis direitos fundamentais. No conjunto de
aspectos analisados, o saneamento é a privação que afeta o maior número de crianças e
adolescentes (13,3 milhões), seguido por educação (8,8 milhões), água (7,6 milhões),
informação (6,8 milhões), moradia (5,9 milhões) e trabalho infantil (2,5 milhões).
Além disto, é notável que as zonas rurais são mais afetadas dos que as zonas
urbanas, as crianças e adolescentes negros têm mais privações de direitos do que as
crianças e adolescentes brancos, os meninos e meninas das regiões Norte e Nordeste são
mais pobres do que os meninos e meninas das regiões Sul e Sudeste. Estas disparidades
sociais são fortes influenciadores para as múltiplas consequências vivenciadas pelas
crianças e adolescentes que vivem em situação de pobreza, vítimas de um meio social com
poucas perspectivas ou, mesmo que as tendo, são limitadas pelas condições de sua
realidade.
2.2. Legislações e políticas públicas voltadas para a erradicação da pobreza, com ênfase no
público infanto-juvenil.
A proteção dos direitos do público infanto-juvenil no Brasil é fato recente, tendo
em vista que antes da Constituição Federal (1988) e do Estatuto da Criança e do
Adolescente (1990), haviam apenas algumas iniciativas filantrópicas e de caridade voltadas
ao atendimento dos menores, frequentemente, condicionados às situações desumanas de
trabalho, pobreza e estigmatização social. Somente após a inovada legislação brasileira
supracitada, é que as crianças e adolescentes passaram a ser considerados sujeitos de
direitos, conforme se verifica no artigo 227 da CF/88, que diz:
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988).
Corroborando com isto, o Estatuto da Criança e do Adolescente apresenta este
público como sujeitos de direitos que necessitam de proteção integral do Estado, da
sociedade e da família, em seu processo de desenvolvimento, prevenindo-os da violação de
seus direitos e respeitando sua autonomia. O ECA foi um avanço muito importante ao
regulamentar direitos infanto-juvenis essenciais, dentre eles: o direito à vida e à saúde (que
envolve o Programa Bolsa Família), o direito à liberdade, respeito e dignidade (envolvendo o
combate ao trabalho infantil), direito à convivência familiar e comunitária, direito à educação,
cultura, esporte e lazer.
Neste viés, o artigo 7º do ECA dispõe que: “A criança e o adolescente têm direito
a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que
permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de
existência.” Proposto para possibilitar que isto aconteça, destaca-se o “Bolsa Família”, um
programa federal que concede recursos às famílias pobres, conforme os requisitos
estabelecidos pelo órgão gestor.
Este programa é essencial para as crianças e jovens brasileiros, ao promover o
combate à fome e à miséria, pautando-se, especialmente, em três dimensões: o alívio
imediato da pobreza, ao transferir uma quantia monetária para auxiliar famílias pobres; o
estímulo ao exercício de direitos sociais básicos, ao considerar que um dos requisitos para
obtenção e manutenção do recurso é a frequência escolar, a vacinação das crianças de até
6 anos de idade e o acompanhamento pré-natal e pós-natal para as gestantes e mães em
amamentação; e a superação das condições de vulnerabilidade advindas da pobreza, tendo
em vista que o “Bolsa Família” abre portas para a participação em programas
complementares, no sentido de possibilitar maior inclusão da população que vive à margem
da sociedade.
Como se percebe, a criança e o adolescente são pessoas em processo de
desenvolvimento e sujeitos de direitos civis, humanos e sociais, o que inclui os direitos à
liberdade, ao respeito e à dignidade, conforme se verifica do artigo 15 ao 18 do Estatuto da
Criança e do Adolescente. De acordo o art. 18 do referido Estatuto, “É dever de todos velar
pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento
desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor”. Sabendo disto, é essencial
afirmar que existe disposição legal afirmando o combate ao trabalho infantil e, não obstante,
o enfrentamento da violação sexual de crianças e adolescentes, muito frequentes na
sociedade do século XXI.
Com relação ao Trabalho infantil, em 2004 foi criado o Plano Nacional de
Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção ao Trabalhador Adolescente, que
define o trabalho infantil como toda e qualquer atividade realizada por criança ou
adolescente com idade inferior a 16 anos, ressalvada a condição de jovem aprendiz,
possível a partir dos 14 anos. Porém, diante dos dados já apresentados neste trabalho,
ainda é constante que crianças e adolescentes sejam sujeitados ao trabalho, o que
prejudica sua frequência escolar e prejudica seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e
social.
Desta forma, o objetivo das políticas e das ações de combate ao trabalho infantil
e de proteção ao trabalhador adolescente é possibilitar que as crianças não percam sua
infância e que aos adolescentes sejam asseguradas condições dignas de trabalho. As
regulares fiscalizações, nas áreas urbana e rural, auxiliam muito neste processo, pois todo
público infanto-juvenil identificado em situação irregular de trabalho é retirado da atividade e
encaminhado à rede de proteção social.
Outra consequência advinda da pobreza é o afastamento das crianças e
adolescentes do convívio familiar e comunitário, mesmo que existam políticas públicas
voltadas especificadamente para impossibilitar que isto se dê. No ano de 2006, o Conselho
Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente — Conanda — e o Conselho Nacional de
Assistência Social — CNAS — aprovaram e publicaram o Plano Nacional de Promoção,
Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e
Comunitária.
O documento é produto histórico da elaboração de inúmeros atores sociais, com
destaque para o Unicef, com o objetivo de priorizar a manutenção das crianças e
adolescentes no arranjo familiar de origem e romper o tradicional acolhimento institucional,
cabível somente quando o afastamento familiar for inevitável.
Tal proposta é muito significativa frente aos problemas referentes à pobreza
pelos quais muitas famílias brasileiras estão passando. Isto porque com a nova
institucionalidade trazida pela Constituição Federal (1988), pelo ECA (1990), pela Lei
Orgânica da Assistência Social - LOAS (1993) e com a ratificação da Convenção sobre os
Direitos da Criança (1990), a prática de suspensão provisória do poder familiar foi rompida,
não mais sendo os pais considerados incapazes de cuidar de suas crianças somente por
serem pobres. Neste diapasão, conforme o § 8º do artigo 226 da Magna Carta: “O Estado
assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando
mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”.
Não afastando a responsabilidade estatal em promover a relação familiar,
destaca-se que é essencial que as famílias também contribuam neste processo e assumam
o compromisso de cuidar das crianças e jovens da sociedade brasileira, conforme dispõe o
artigo 229 da Constituição Federal: “Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos
menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência
ou enfermidade”.
Acrescenta-se que o acolhimento institucional é uma possibilidade, mas deve ser
excepcional e provisório, a partir de decisão judicial. Uma vez não sendo possível
reestabelecer o vínculo familiar que foi rompido, tem-se como opção a adoção, prática
regulamentada pela Lei Federal nº 12.010, de 2009, muito comum nos dias atuais,
demonstrando que o laço familiar não se constrói por questões de sangue. Por fim, cabe
apresentar o artigo 19 do ECA, o qual propõe: “É direito da criança e do adolescente ser
criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta,
assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente que garanta seu
desenvolvimento integral.”
A condição de ser pobre restringe as crianças e os adolescentes e limita o seu
desenvolvimento enquanto pessoa, não permitindo que possuam as possibilidades
necessárias para o exercício da cidadania e a qualificação para o mercado de trabalho,
embora isto esteja previsto no artigo 53 do Estatuto da Criança e do Adolescente. De acordo
com o mencionado artigo, as crianças e adolescentes devem ter igualdade de condições em
educação, cultura, esporte e lazer. Assim, é responsabilidade do Estado assegurar o acesso
às instituições escolares, inclusive creches e pré-escolas, conforme as especificidades e
capacidades de cada pessoa. Este trabalho deve ser desenvolvido em conjunto com as
famílias, no sentido deque estes devem matricular seus filhos na rede regular de ensino.
Todavia, como se constata no decorrer deste trabalho, é constante que crianças
e adolescentes tenham seus direitos frustrados, na medida em que são sujeitos, desde
pequenos, a trabalho de adulto. Mesmo assim, é importante frisar que existe legislação
específica regulamentando muitos direitos infanto-juvenis e devem, o Estado e os familiares,
assumir o compromisso de assegurar a concretização destes direitos. O Programa Bolsa
Família é um exemplo desta luta socioassistencial em prol das crianças que tem dado certo.
Mesmo assim, os altos índices de crianças e jovens fora da escola é um fator significativo na
manutenção do ciclo de pobreza, tornando evidente a necessária assembleia em busca de
solução para tal problema.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pobreza brasileira é uma realidade com precedentes históricos, sociais e
culturais. Embora o país esteja passando por um silencioso processo de evolução, voltado
especialmente para a situação de vulnerabilidade de muitas famílias brasileiras, é evidente
que a miséria e a fome ainda se destacam na sociedade do século atual. Sabendo disto,
este estudo esteve voltado para os pontinhos de luz ofuscados pela extrema pobreza no
Brasil. São as crianças e jovens até 14 anos que, diariamente, lidam com questões
vinculadas à pobreza de seu meio social e estão restritas às raríssimas oportunidades de
conquistar melhor qualidade de vida.
Nesta pesquisa, fez-se uma abordagem expansiva sobre a pobreza no Brasil,
demonstrando que esta realidade é fruto histórico do processo colonizador e da
dependência econômica brasileira que, verdadeiramente, nunca foram superados. A
pobreza pode ser percebida em todas as regiões brasileiras, com destaque para Norte e
Nordeste, principalmente nas periferias dos grandes centros metropolitanos. Não obstante, a
condição de ser paupérrimo resulta de fatores múltiplos, como economia, cultura, política e
discriminação social. Da mesma forma, as consequências são diversas, prejudicando de
forma desmedida as crianças e adolescentes brasileiros que, muitas vezes, têm que
abandonar os estudos para auxiliar na manutenção do sustento familiar.
A partir disto, fez-se necessário um estudo específico a respeito do público
infanto-juvenil, o que foi possível a partir de dados obtidos por meio do relatório “Cenário da
Infância e Adolescência no Brasil”, desenvolvido pela Fundação Abrinq, e de dados emitidos
pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2017. Com base nos dados
analisados, é possível afirmar que a situação de pobreza assola as crianças e jovens
brasileiros de diversas formas, sendo que os mais atingidos são aqueles cuja particularidade
é considerada por muitos de forma preconceituosa, estabelecendo-se, inclusive, distinção
de gênero, raça e região.
Diante do exposto, buscou-se verificar quais são as ações e políticas públicas
desenvolvidas, especialmente, pelos representantes governamentais no sentido de erradicar
a pobreza infanto-juvenil e propiciar condições de vida digna para as crianças e
adolescentes brasileiros. Constatou-se que, com o objetivo supraexposto, existem
consideráveis programas sociais amparados pelo Governo brasileiro, por inciativas de
Organizações Não Governamentais (ONGs) e pelo setor privado, com base em consagrada
doutrina de proteção integral de crianças e adolescentes, como a Constituição Federal de
1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Lei Orgânica de Assistência Social, sendo
o Brasil um país com tradição de atendimento institucional às crianças e adolescentes em
situação de vulnerabilidade.
Mesmo assim, embora o país tenha sido considerado modelo a ser seguido na
luta contra a situação de pobreza e miséria, segundo relatório emitido pela ONU, ainda é
preocupante o fato de que uma expressiva parcela de pessoas abaixo de 14 anos esteja
vivendo uma constante cronificação da pobreza. Portanto, considera-se fundamental a
reavaliação e mudança das práticas de programas e serviços que prestam atendimento às
crianças e jovens, no sentido de implementar alternativas mais vantajosas para a
erradicação da pobreza infanto-juvenil brasileira e, sobretudo, para garantir os direitos das
crianças e adolescentes, considerando sua voz e opinião, para que estes não permaneçam
sendo pontinhos de luz ofuscados pela desvalorização social.
REFERÊNCIAS
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