PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO...

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Aline Rossana Culpi VALIDADE DA PROVA TESTEMUNHAL NOS CRIMES DE PEDOFILIA NO DIREITO PENAL BRASILEIRO CURITIBA 2010

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Aline Rossana Culpi

VALIDADE DA PROVA TESTEMUNHAL NOS CRIMES DE PEDOFILIA NO DIREITO PENAL BRASILEIRO

CURITIBA 2010

VALIDADE DA PROVA TESTEMUNHAL NOS CRIMES DE PEDOFILIA NO DIREITO PENAL BRASILEIRO

CURITIBA 2010

Aline Rossana Culpi

VALIDADE DA PROVA TESTEMUNHAL NOS CRIMES DE PEDOFILIA NO DIREITO PENAL BRASILEIRO

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Dalio Zippin Filho

CURITIBA 2010

TERMO DE APROVAÇÃO Aline Rossana Culpi

VALIDADE DA PROVA TESTEMUNHAL NOS CRIMES DE PEDOFILIA

NO DIREITO PENAL BRASILEIRO

Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do grau de bacharel em Direito, no curso de Direito da faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná.

Curitiba, _____ de _______________ de 2010.

_______________________________________

Curso de Direito da Universidade Tuiuti do Paraná

Prof. Eduardo de Oliveira Leite

Coordenador do Núcleo de Monografias Curso de Direito Universidade Tuiuti do Paraná

Orientador: Prof. Dalio Zippin Filho

Curso de Direito Universidade Tuiuti do Paraná

Prof.

Curso de Direito Universidade Tuiuti do Paraná

Prof.

Curso de Direito Universidade Tuiuti do Paraná

DEDICATÓRIA Ao meu pai, Alcides Culpi, de quem tanto me orgulho e que, mesmo ausente, foi minha grande inspiração. Ao Mauro, amor de uma vida, companheiro de todas as horas, que acreditou em mim, quando nem eu mesma acreditava.

AGRADECIMENTOS

A minha mãe, Ros Mari e meus irmãos, Alisson e Elaine, a quem tanto admiro, e a pequena, mas não menos importante, Sophia, que trouxe luz e alegria a minha vida. As minhas amigas que sempre me apoiaram e ajudaram nessa longa jornada. Aos professores, que me auxiliaram a alcançar um grande sonho. O meu orientador, professor Dalio Zippin Filho, por ter me guiado, com muita dedicação e carinho na realização deste trabalho.

RESUMO

O presente estudo teve como objetivo fazer uma abordagem ampla acerca do tema da Validade da Prova Testemunhal nos Crimes de Pedofilia no Direito Penal Brasileiro, tema este que causa imensa controvérsia doutrinária e se revela ensejador de todo debate, em razão de o tipo penal do crime de estupro de vulnerável, ter como vítima indivíduo incapaz, pessoa considerada por alguns autores, passível de ser corrompida, ou ainda de faltar com a verdade em decorrência da ausência de formação moral e psicológica, e defendida por outros, em razão destes entenderem que estas são puras, e que por isso, somente expressam o que realmente presenciaram. Pois bem, a fim de se chegar a uma noção acerca do crime de “pedofilia”, cabe ao pesquisador abordar as questões pertinentes aos crimes sexuais desde as notícias históricas a eles relacionadas, para, na sequência, analisar as pesquisas acerca da prova penal, com seus conceitos, características, e demais peculiaridades, para somente então, quando do estudo do valor probatório ser possível ter uma noção do procedimento que o julgador adota para valorar as provas produzidas. Ao final, destina-se capítulo especial ao tema principal da presente, com o objetivo de verificar, por meio dos juízos doutrinários, para possibilitar um deslinde do entendimento teórico e prático do tema objeto de estudo. Palavras-chave: Resumo. Processo Penal. Provas. Validade Prova Testemunhal. Crime de Pedofilia. Depoimento Infantil.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.........................................................................................................7 2 DOS CRIMES SEXUAIS CONTRA VULNERÁVEL ................................................9

2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA ..................................................................................9 2.2 DO CRIME DE ESTUPRO...............................................................................12 2.3 DO CRIME DE ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR .....................................15 2.4 A ALTERAÇÃO DECORRENTE DA EDIÇÃO DA LEI Nº. 12.015/2009 E A CRIAÇÃO DA FIGURA DO ESTUPRO DE VULNERÁVEL...................................17

3 DA PROVA NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO.............................................20 3.1 CONCEITO......................................................................................................21 3.2 OBJETO ..........................................................................................................23 3.3 CLASSIFICAÇÃO DAS PROVAS....................................................................24 3.4 OS MEIOS DE PROVA....................................................................................25 3.5 A QUESTÃO PERTINENTE AO ÔNUS DA PROVA NO CPP.........................27 3.6 FINALIDADE DA PROVA ................................................................................28 3.7 DA PROVA TESTEMUNHAL...........................................................................29

3.7.1 Histórico da prova testemunhal .................................................................30 3.7.2 Conceito de prova testemunhal.................................................................32 3.7.3 Caracteres da prova testemunhal .............................................................33 3.7.4 Avaliação da prova testemunhal ...............................................................35 3.7.5 Valor probatório dos testemunhos dados na fase judicial .........................36

4 DA DIFICULDADE PROBATÓRIA NOS CRIMES CONTRA VULNERÁVEIS .....37 4.1 DO TESTEMUNHO INFANTIL ........................................................................38 4.2 QUESTÕES DOUTRINÁRIAS LEVANTADAS EM FACE DO DEPOIMENTO INFANTIL...............................................................................................................40

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................49 REFERÊNCIAS.........................................................................................................52

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1 INTRODUÇÃO

A presente pesquisa objetiva realizar uma análise acerca da dificuldade

probatória nos crimes de pedofilia no âmbito do Direito Brasileiro, a fim de averiguar

como o Poder Judiciário se comporta diante de crimes desta natureza que tanto

ferem a sociedade pela forma em que são praticados e também em razão da

fragilidade das vítimas.

No entanto, um estudo de um tema de grande relevância temática na esfera

do Direito, necessita de vasto amparo doutrinário para justificar um posicionamento

claro ao final da elaboração do trabalho.

Para que seja possível que o Poder Judiciário proceda a aplicação da pena

aos infratores, é necessário que exista uma interpretação maleável das provas

penais apresentadas ao Magistrado, em especial quando se tratam de provas

testemunhais infantis, sendo indispensável ao operador do Direito no caso concreto

o desligamento da letra fria da lei e de seus próprios conceitos, buscando a

racionalidade e o espírito de justiça.

Para tanto, a pesquisa se iniciará com uma análise histórica e evolutiva do

crime de pedofilia, ressaltando o fato de o tipo penal destinado ao assunto no

ordenamento jurídico brasileiro ser o artigo 217-A, denominado de estupro de

vulnerável, o que denota a importância da abordagem das peculiaridades inerentes

a este tipo de delito, desde sua origem até as recentes alterações legislativas que

modificaram consubstancialmente a sua delimitação prática.

Na sequência, passa-se a focar o estudo sobre a forma de produção das

provas no Direito Processual Penal Brasileiro, em especial realizando uma

abordagem geral sobre as provas penais, passando da análise do seu conceito,

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objeto, classificação, meios de prova, e demais questões concernentes ao tema, a

fim de facilitar a compreensão do modo pelo qual o Magistrado interpreta as provas

que lhes são apresentadas no decorrer da instrução do processo.

Feitas tais ponderações, se torna necessário uma prévia realização de uma

verificação em conjunto de ambos os temas propostos, a fim de destacar a

importância da prova testemunhal em sede de crimes contra vulnerável, vez que,

como o próprio tipo penal elenca, são sujeitos passivos do delito de estupro de

vulnerável pessoa menor de 14 (quatorze) anos de idade, que, nos dizeres do

Estatuto da Criança e do Adolescente, são apenas crianças ou adolescentes em

fase inicial de crescimento e desenvolvimento intelectual.

Circunstância esta que prejudica a validade das provas em crimes desta

natureza, pois em decorrência das peculiaridades negativas do depoimento infantil,

vale dizer, as fantasias e a fragilidade da vítima em face de todo o aparato formal

relacionado ao Poder Judiciário, de modo que tal assunto é que ganhará destaque

na pesquisa a ser desenvolvida.

Na sequência, logo após tal abordagem, a pesquisa passa para seu ponto

principal, onde serão elaboradas indagações sobre os métodos de interpretação das

provas e a forma pela qual o Magistrado analisa o depoimento prestado por crianças

ou adolescentes em crimes desta natureza, viabilizando assim uma noção acerca da

efetiva dificuldade na produção de provas nos crimes de pedofilia.

Feito isto, destinar-se-ão algumas laudas do estudo para a elaboração de

considerações finais, as quais serão baseadas em todo o material utilizado na

pesquisa, permitindo um posicionamento prático sobre tema de vasta expressão no

cenário jurídico nacional.

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2 DOS CRIMES SEXUAIS CONTRA VULNERÁVEL

A prática de um crime, seja ele qual for, surge em decorrência da atividade

humana voltada para a inobservância do contexto social em que o agente está

inserido, de modo que tal conduta, ao ser praticada de forma reiterada por agentes

diversos, começa a ocasionar problemas para a sociedade em geral, a qual passa a

exprimir um juízo de valor negativo sobre tal forma de agir.

Para que essa modalidade de ação deixe de ser praticada, as diversas

civilizações que antecederam a modernidade criaram diversas regras voltadas a

coibir essas condutas humanas, criando assim a noção da repressão penal, pois,

por meio da previsão de sanções a conduta reprovada pela sociedade, criou-se a

noção de Direito Penal que perdura até os dias de hoje.

Com essa sistemática, para cada conduta reprovada pela sociedade, o

legislador cria um tipo penal, com a respectiva sanção, o mesmo ocorrendo em

relação aos delitos sexuais em face dos vulneráveis, cuja história remonta à origem

longínqua.

2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA

A pedofilia não possui tipo penal próprio, vez que o Código Penal vigente,

com as recentes alterações sofridas pela Lei nº. 12.015/2009 passou a prever o

crime de estupro de vulnerável, em seu artigo 217-A, o qual se enquadra na conduta

que é adjetivada como pedofilia.

Sobre tal situação, deve ser observado o ensinamento de Bismael B.

Moraes, em artigo publicado no IBCCRIM:

Palavra de origem grega, pedofilia é a "qualidade ou sentimento de quem é pedófilo", e este adjetivo designa a pessoa que "gosta de crianças". Assim, todo pai, toda mãe, os avós, os tios e quantos mais gostem de crianças são pedófilos, mas não são criminosos. Porém, o substantivo pedofilia e o

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adjetivo pedófilo, por uso irregular dos meios de comunicação, vêm se tornando costumeiros na acepção de infrações penais contra crianças, particularmente, ligadas a questões de sexo e outros abusos nessa área. De tanto serem lidas, ouvidas e/ou assistidas nesse sentido, acabam tais palavras por serem assimiladas, pelas pessoas comuns, como verdadeiras. Fala-se de pedofilia como "crime" praticado por pedófilo! (2004, p. 01).

No entanto, como o crime de estupro é o crime utilizado como referência

para o crime de pedofilia, é interessante traçar um histórico desta espécie delitiva, e

o modo pelo qual era reprimido em períodos mais remotos.

Para tanto, recorre-se à lição de Luiz Régis Prado, o qual leciona:

Os delitos sexuais, entre eles o estupro, foram severamente reprimidos pelos povos antigos. Na legislação mosaica, se um homem mantivesse conjunção carnal com uma donzela virgem e noiva de outrem que encontrasse na cidade, eram ambos lapidados. Mas se o homem encontrasse essa donzela nos campos e com ela praticasse o mesmo ato, usando de violência física, somente aquele era apedrejado. Se a violência física fosse empregada para manter relação sexual com uma donzela virgem, o homem ficava obrigado a casar-se com ela, sem jamais poder repudiá-la e, ainda, a efetuar o pagamento de 50 ciclos de prata ao seu pai. O Código de Hammurabi, de seu turno, definia o estupro no artigo 130, estabelecendo que “se alguém viola a mulher que ainda não conheceu homem e vive na casa partena e tem contato com ela e é surpreendido, este homem deverá ser morto e a mulher irá livre. O termo stuprum, no Direito romano, representava, em sentido lato, qualquer ato impudico praticado com homem ou mulher, englobando até mesmo o adultério e a pederastia. Em sentido estrito, alcançava apenas o coito com mulher virgem ou não casada, mas honesta. O stuprum violentum enquadrava-se na modalidade de crimen vis, delito reprimido pela Lex Julia de vi publica, com pena capital (2006, p. 192-193).

Havia, neste período romano, a divisão entre o stuprum violentum e

voluntarium, dividindo-se este último em proprium, caso ocorresse a defloratio do ato

sexual e improprium, na hipótese de não ocorrer tal resultado, e, por fim, recebiam a

denominação de stuprum qualificatum as cópulas carnais precedidas de violência,

fraude ou sedução (PRADO, 2006, p. 193).

No âmbito do Direito Penal Brasileiro, o crime de estupro recebeu tratamento

semelhante às legislações que a antecederam, o que é fruto da influência

portuguesa que acompanhou o país após a sua descoberta, como é o caso das

Ordenações Filipinas, as quais previam no Livro V, Título XXIII, o estupro voluntário

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de mulher virgem, que acarretava para o autor a obrigação de casar-se com a

donzela e, na impossibilidade de celebrar o casamento, o dever de constituir um

dote para a vítima.

E, ainda, na hipótese de o autor do delito não dispor de bens capazes de

cobrir o valor da indenização arbitrada, era açoitado e ainda degredado, salvo se

fosse fidalgo ou então pessoa de posição social, quando recebia tão somente a

pena de degredo, o que demonstra a forma discriminatória da sanção penal até

então vigente.

O estupro violento era modalidade criminosa que foi inserida somente no

Título XVIII e era reprimido com pena capital, e, ainda existia a possibilidade da

aplicação de pena de morte se o autor do crime não se casasse com a vítima do

estupro.

Em 1830, com a edição do Código Criminal do Império, o crime de estupro

passou a abarcar várias condutas, sendo que o crime de estupro em sentido estrito

passou a ser previsto no artigo 222, com a seguinte redação: “ter copula carnal por

meio de violência, ou ameaças, com qualquer mulher honesta”, cuja pena de prisão

variava de 03 a 12 anos, e ainda a constituição de um dote em favor da ofendida.

Porém, havia uma circunstância que ensejava o que podemos chamar de

causa especial de diminuição de pena, que ocorria na hipótese de a ofendida ser

prostituta, onde a pena prevista era de apenas 01 mês a 02 anos de prisão.

Por fim, o Código Penal de 1890, inovou a matéria até então existente,

intitulando o estupro como a cópula violenta, em seu artigo 269 (PRADO, 2006, p.

193-194).

O Código Penal vigente, até meados de agosto de 2009 previa o crime de

estupro em seu artigo 213, com pena de reclusão, variando entre 06 a 10 anos,

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sendo que limitava o sujeito passivo a mulheres, vez que exigia a copula vagínica

para a sua configuração.

No entanto, seguindo os clamores da sociedade, em meados de agosto de

2009, o legislador ordinário editou a Lei nº. 12.015/2009, a qual passou a prever o

crime de estupro de uma forma mais abrangente, vez que o tipo penal inseriu em

seu texto tanto o delito de estupro propriamente dito e ainda começou a abranger a

então modalidade de delito de atentado violento ao pudor, ou seja, o que houve foi a

unificação das condutas descritas nos artigos 213 e 214 do Código Penal, em uma

única ação, tipificada no artigo 213.

Porém, o estudo das novas modalidades requer um prévio estudo dos tipos

penais que os antecederam.

Além disso, o legislador ordinário criou inúmeras outras formas de repressão

a delitos desta natureza, em especial o crime de estupro de vulnerável, que é

erroneamente denominado de crime de pedofilia ante a peculiaridade relacionada ao

caractere essencial das vítimas de tal ação, quais sejam, ser menores de 14 anos de

idade quando dos fatos.

2.2 DO CRIME DE ESTUPRO

Antes de uma análise acerca do delito de estupro de vulnerável, interessante

tecer alguns comentários sobre o estupro propriamente dito, antes da edição da Lei

nº. 12.015/2009 o que ensejará uma abordagem semelhante ao crime de atentado

violento ao pudor, que era previsto no artigo 214 do Código Penal, e após tal

alteração legislativa passou a ser previsto tão somente, em conjunto com o estupro,

no tipo do artigo 213 do referido ordenamento jurídico.

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Em relação ao bem jurídico tutelado por esta figura típica, Cezar Roberto

Bitencourt leciona:

O bem jurídico protegido é a liberdade sexual da mulher, ou seja, a faculdade que tem a mulher de escolher livremente o seu parceiro sexual, podendo recusar inclusive o próprio marido, quando assim o desejar (2006, p. 02).

No mesmo sentido é a lição de Luiz Régis Prado:

O bem jurídico tutelado é a liberdade sexual da mulher em sentido amplo (inclusive sua integridade e autonomia sexual), que tem o direito pleno à inviolabilidade carnal, mesmo em relação ao marido. Entende-se por liberdade sexual, a capacidade do sujeito – no caso em epigrafe, da mulher – “de dispor livremente de seu próprio corpo à prática sexual, ou seja, a faculdade de se comportar no plano sexual segundo seus próprios desejos, tanto no tocante à relação em si, como no concernente à escolha de seu parceiro (...) na capacidade de se negar a executar ou tolerar a realização por parte de outro de atos de natureza sexual que não deseja suportar, opondo-se, pois, ao constrangimento de que é objeto exercido pelo agente (2006, p. 194).

Antes da edição da Lei nº. 12.015/2009, somente a mulher poderia ser

sujeito passivo do delito de estupro, situação esta que não se repete com a entrada

em vigor da Lei em comento, vez que esta, como já mencionado, fundiu os artigos

213 e 214 do Código Penal em um só tipo penal.

Sobre o tema, manifesta-se Cezar Roberto Bitencourt:

Sujeito ativo, individualmente considerado, somente pode ser homem. Nada impede, porém, que uma mulher seja co-autora de estupro, diante das previsões dos arts. 22, 29 e 30, in fine, do CP. Embora o crime de estupro seja catalogado como crime próprio, pressupondo no autor uma particular condição ou qualidade pessoal, nada impede que a mulher seja partícipe desse delito contra a liberdade sexual. [...] Sujeito passivo é somente a mulher, virgem ou não, recatada ou não, inclusive cônjuge ou companheira. O constrangimento ilegal empregado pelo marido para realizar a conjunção carnal à força não constitui exercício regular de direito (2006, p. 02-03).

Insta salientar que a liberdade sexual é uma modalidade de direito

assegurada a toda a mulher, independentemente de sua idade, do fato de ser

virgem ou não, ou ainda de qualquer aspecto moral, e, o crime de estupro não

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objetiva questionar a vida pregressa da ofendida, pelo contrário, objetiva tão

somente proteger o bem jurídico tutelado.

No que tange à tipicidade objetiva e subjetiva do delito de estupro, em sua

“versão” mais delimitada, recorre-se ao posicionamento de Luiz Régis Prado:

A conduta incriminada pelo legislador no artigo 213 consubstancia-se em constranger (forçar, compelir) mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça (tipo autônomo/simples/anormal/incongruente). Conjunção carnal, elemento normativo extrajurídico do tipo, consiste na cópula natural efetuada entre homem e mulher, ou seja, a cópula vagínica. Qualquer outra forma de coito que não seja a normal configurará atentado violento ao pudor. [...] Verifica-se que o delito de estupro exige, para sua configuração, um manifesto dissenso da vítima expresso pela sua resistência à cópula carnal, que somente é superada pelo uso da violência ou da grave ameaça. [...] A violência a que se refere o tipo penal é a violência física (vis corporalis). A grave ameaça (vis compulsiva) é aquela que causa grande temor à vítima, a ponto de esta, com receio de sofrer mal prometido pelo autor, sujeita-se à conjunção carnal. A ameaça, em tal caso, pode ocorrer de forma indireta, na qual o mal prometido incide contra pessoa estimada pela vítima, o que obriga-a a entregar-se ao agente. O tipo subjetivo é representado pelo dolo, expresso pela consciência e vontade de realizar os elementos objetivos do tipo de injusto. Exige a norma incriminadora o elemento subjetivo do injusto consistente no especial fim de constranger à conjunção carnal. Amolda-se o estupro no grupo dos delitos de tendência (intensificada).(2006, p. 197-198).

Quanto à consumação do delito em apreço, esta se dá quando ocorre a

cópula carnal, ou seja, com a introdução do pênis na cavidade vaginal da vítima,

ainda que de forma parcial, vez que se trata de um delito de resultado e instantâneo,

independentemente de o sujeito ativo lograr êxito em ejacular.

Quando o agente não consegue, por qualquer meio alheio à sua vontade

introduzir o seu membro viril na vagina da vítima, ocorre tão somente o delito de

estupro na forma tentada.

A legislação vigente repudia de tal modo a conduta do estuprador, que inclui

esta modalidade delitiva no rol dos crimes hediondos, estipulando que o regime

inicial para o cumprimento de pena se dá em regime fechado, além de vedar a

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concessão de alguns benefícios legais aos respectivos autores, conforme se extrai

da redação da Lei nº. 8.072/1990.

Por fim, deve ser observado que a pena cominada a este tipo de delito varia

entre 06 a 10 anos de reclusão.

2.3 DO CRIME DE ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR

Feitas estas breves considerações sobre o delito de estupro existente antes

da edição da Lei nº. 12.015/2009 cumpre-nos repetir esta forma de abordagem no

atentado violento ao pudor, vez que ambos os crimes foram unificados, ou seja,

passaram a formar um único tipo penal, de modo que a compreensão da nova

modalidade delitiva criada pelo legislador exige uma noção acerca de tal conduta.

O crime de atentado violento ao pudor deixou de ser um delito autônomo

após a edição da legislação acima mencionada, voltando a ser tratado do mesmo

modo que o era no período romano, quando se inseria na própria definição de

stuprum ver vim, punido como crimen vis ou como injúria, ou então, do modo que o

era na Idade Média, quando era punido como stuprum violentum (PRADO, 2006, p.

203).

O bem jurídico protegido por tal espécie delitiva também era a liberdade

sexual, aqui, de forma mais abrangente, pois protegia tanto homens como mulheres,

independentemente da situação (BITENCOURT, 2006, p. 10).

Em relação aos sujeitos ativos e passivos do crime em análise, Luiz Régis

Prado aduz:

Qualquer pessoa, seja do sexo masculino ou feminino, pode figurar no pólo ativo ou passivo da ação incriminada (delito comum). O tipo penal protege até mesmo as prostitutas e homossexuais, que devem ter tutelado o seu direito à liberdade sexual como qualquer outra pessoa e, portanto, não podem ser compelidos a satisfazerem os prazeres lúbricos de outrem. O delito poderá ser praticado por uma mulher contra um homem, ainda que a meta optata seja a conjunção carnal, pois em tal hipótese é impossível que

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se configure o delito de estupro em razão da particularidade do sujeito passivo (2006, p. 203-204).

Em decorrência da própria redação do tipo penal até então vigente, sofre

alteração o tipo objetivo do delito, conforme explanado por Cezar Roberto

Bitencourt:

Constranger tem o mesmo sentido do analisado no artigo anterior. A finalidade, no entanto, neste artigo, é a prática de ato libidinoso diverso da conjunção carnal. Fica afastada, conseqüentemente a cópula vagínica. Na forma praticar a própria vítima obrigada a realizar o ato; na forma permitir, aquela que é submetida à violência de forma passiva. Libidinoso é ato lascivo, voluptuoso, que objetiva prazer sexual. Embora a copula vagínica também seja ato libidinoso, está duplamente afastada: primeiro, pela especialidade do artigo 213; segundo, pela expressa referência deste artigo: diverso da conjunção carnal. (2006, p. 11).

Sendo assim, em caráter exemplificativo desta forma de delito, tem-se a

situação do agente que introduz dedos na vagina da ofendida, caracterizando com

tal proceder o delito de atentado violento ao pudor, e não de estupro.

O tipo subjetivo do delito é representado pelo dolo do agente, consistente na

consciência e vontade de constranger a vítima à prática de ato libidinoso diverso da

conjunção carnal, mediante a utilização de violência ou grave ameaça.

A consumação do crime ocorre no momento da concreção do ato objetivado

pelo agente, ou seja, pela natureza do delito: de resultado e instantâneo. A tentativa,

do mesmo modo que no crime de estupro é cabível, quando, pela impossibilidade da

ocorrência do planejado pelo agente, em decorrência de circunstâncias alheias à

sua vontade.

Do mesmo modo que em relação ao crime de estupro, o atentado violento

ao pudor, quando estava na condição de delito autônomo, figurava no rol dos crimes

hediondos previstos na Lei nº. 8.072/1990, e, por conseguinte, seus respectivos

autores sofriam as consequências inerentes aos delitos que se enquadram nessa

qualidade especial.

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Por fim, a pena aplicada ao referido delito é idêntica à aplicada ao crime de

estupro, qual seja, de 06 a 10 anos de reclusão.

Precipuamente, a única diferença substancial existente entre este delito e o

estupro, na forma em que eram previstos antes da entrada em vigor da Lei nº.

12.015/2009 recaía sobre quem poderia ser sujeito passivo do delito, e também a

forma de execução, vez que este último exigia a cópula vagínica, e o primeiro

delimitava sua punição às condutas que resultassem na prática de qualquer outro

ato diverso da conjunção carnal, o que permitia inclusive o concurso material entre

ambas as infrações penais.

2.4 A ALTERAÇÃO DECORRENTE DA EDIÇÃO DA LEI Nº. 12.015/2009 E A CRIAÇÃO DA FIGURA DO ESTUPRO DE VULNERÁVEL

Conforme reiteradamente afirmado nos tópicos anteriores, a redação dos

delitos de estupro e atentado violento ao pudor sofreu alterações relevantes,

passando de:

Art. 213 - Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça: Pena - reclusão, de seis a dez anos. Art. 214 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal: Pena - reclusão, de seis a dez anos.

Para:

Art. 213 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.

De modo que as condutas que eram tipificadas em delitos autônomos e

independentes entre si, passaram a integrar um único tipo penal, o qual abrange

ambas as formas de ação até então existentes, o que demonstra a intenção do

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legislador no sentido de evitar a complexidade na delimitação do dolo do agente que

praticava tal conduta.

Além disso, o efeito prático desta alteração recai justamente no fato de não

mais ser possível a ocorrência do concurso de crimes, vez que ambas as condutas

estão previstas em um único tipo penal.

Não bastasse tal alteração legislativa, o legislador ordinário criou o delito

denominado de “estupro de incapazes”, o qual é frequentemente denominado pela

mídia de “pedofilia”, e possui a seguinte redação:

Art. 217-A - Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos. § 1º - Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.

Pois bem, conforme se verifica na realidade o elemento que modifica esta

conduta recai em um requisito objetivo do tipo, qual seja, a expressão “menor de 14

anos”, o que indica que a vulnerabilidade está relacionada a tal circunstância fática.

Além disso, nos moldes do § 1º de tal dispositivo, a vulnerabilidade se

estende às pessoas que “por enfermidade ou deficiência mental, não tem o

necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa,

não pode oferecer resistência”.

Ainda não é possível encontrar julgados no sentido de definir qual meio

possa impossibilitar a vítima de oferecer resistência, pois tal expressão pode ser

interpretada de várias formas, por exemplo, se o agente utiliza-se de arma de fogo

em face da vítima, e ameaça-lhe de morte, esta se vê diante de uma situação em

que não pode oferecer qualquer tipo de resistência.

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No aspecto da prova penal, a prova da menoridade da vítima deverá ser

feita por meio de documento hábil a comprovar que esta era, quando da prática da

infração penal, menor de 14 anos de idade, e, portanto, passível de figurar no pólo

passivo do crime de estupro de vulnerável.

Do mesmo modo deve ocorrer com a enfermidade da vítima, a qual deverá

ser provada por meio de laudo médico ou psiquiátrico que demonstre que a

enfermidade que atinge a vítima é capaz de reduzir-lhe consideravelmente seu

discernimento para a prática de atos sexuais.

Não bastasse isso, a criação de um crime específico com vítimas menores

de 14 anos de idade, resultou na revogação do dispositivo legal que dispunha

acerca da presunção de violência em delitos desta espécie, vez que a violência, seja

ela física ou psíquica, deixou de ser elemento essencial do tipo, bastando para o

agente o simples fato de praticar a conjunção carnal ou ato libidinoso em face da

vítima menor de 14 anos de idade, para incorrer nas sanções do artigo 217-A do

Código Penal, o qual prevê pena de reclusão de 08 a 15 anos.

Outra questão merecedora de questionamento na real intenção do legislador

é o fato de um estupro praticado em desfavor de vítima maior de 14 anos, com a

utilização de violência ou grave ameaça, ser punido com pena de reclusão de 06 a

10 anos, enquanto um delito de mesma natureza, praticado sem violência ou grave

ameaça, mas em face de vítima menor de 14 anos de idade, ser punido com pena

de reclusão de 08 a 15 anos, denotando assim uma incongruência, vez que o bem

jurídico tutelado é o mesmo.

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3 DA PROVA NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO

Para que determinada ação penal tenha julgamento do mérito da causa, com

a prolação de sentença condenatória, caberá à parte acusadora, na maioria das

ações o Ministério Público, a realização e a produção de todas as provas capazes

de ensejar o reconhecimento de sua tese, possibilitando assim ao Magistrado julgar

o fato ilícito em conformidade com as provas colhidas durante a instrução

processual.

E justamente neste ponto que recai a importância do instituto a ser analisado

no presente capítulo, não apenas no âmbito do Direito Processual Penal, mas

também em toda e qualquer ação que tenha por objeto uma lide submetida à

atuação do Poder Judiciário.

A base do processo criminal, seja ele ação penal pública ou privada, está

situada em questões de fato, e, por conseqüência de tal situação, os profissionais

que atuam neste ramo do Direito devem observar e atentar-se à importância de cada

meio de prova, analisando a relevância da prova testemunhal, a necessidade da

realização de determinada perícia, a certeza proveniente da confissão judicial ou

extrajudicial, o reconhecimento, a validade dos indícios entre inúmeras outras

questões inerentes ao cotidiano do Promotor de Justiça, do Advogado e do

Magistrado que estão ligados ao Direito Criminal como um todo.

No entanto, a apreciação das provas por parte do Magistrado é algo que

demanda imenso cuidado, a fim de evitar não apenas o cometimento de injustiças

para com aqueles sobre os quais recai a acusação, mas também evitar erros que,

consequentemente afetarão a vida daqueles envolvidos na relação jurídica

processual, fato este que denota a importância da análise das provas quando da

sentença a ser proferida.

21

O processo penal, por si só, baseia-se na prova como elemento essencial,

destinando a maioria de seus artigos ao assunto, importância esta que se torna

ainda mais evidente com a recente edição da Lei Ordinária nº. 11.690/2008, a qual

disciplina o modo de apreciação das provas, alterando parte do Código de Processo

Penal, e ainda estabelecendo que o magistrado deverá formar a sua convicção pela

livre apreciação da prova, desde que esta seja submetida ao contraditório judicial,

não podendo fundamentar sua decisão somente em peças informativas contidos na

investigação policial. Tal legislação ainda prevê a obrigatoriedade da remoção dos

autos das provas obtidas por meios ilícitos, fato este que gera polêmica, pois não há

um procedimento a ser adotado para determinar que a prova obtida por uma das

partes é atingida por qualquer conduta dotada de ilicitude.

No entanto, apesar de parecer tarefa simples, esta questão envolve

inúmeras peculiaridades, as quais passam a ser estudadas de forma separada, a

partir deste instante, com o intuito de facilitar a compreensão do tema.

3.1 CONCEITO

No que diz respeito à noção conceitual, Edílson Mougenot Bonfim explica: “A

prova é o instrumento usado pelos sujeitos processuais para comprovar os fatos da

causa, isto é, aquelas alegações que são deduzidas pelas partes como fundamento

para o exercício da tutela jurisdicional (2010, p. 335)”.

O mesmo autor, dando uma noção mais técnica sobre o assunto,

complementa o seu estudo sobre as provas penais, aduzindo que:

Assim, para que conceituemos tecnicamente, o que seja prova no direito brasileiro, é necessário, portanto, num primeiro momento, descobrir as variadas significações do vocábulo em português, razão pela qual a prova pode ser entendida e conceituada como: a) a atividade realizada, em regra, pelas partes, com o fim de demonstrar a veracidade de suas alegações (ex: reconhecimento pessoal de “X” pela testemunha, observando o disposto no art. 226 do CPP);

22

b) os meios ou instrumentos utilizados para a demonstração da verdade de uma afirmação ou a existência de um fato (ex: o réu apresenta atestado médico – documento comprovando que no dia Y, horário Z, foi submetida a exames); c) o resultado final da atividade probatória, ou seja, a certeza ou convicção que surge no espírito de seu destinatário (2010, p. 335-336).

Hélio Tornaghi, complementa:

A palavra prova é usada em vários sentidos, todos correlacionados entre si. Ela designa, em primeiro lugar, a atividade probatória, isto é, o conjunto de atos praticados pelas partes, por terceiros (testemunhas, peritos, etc) e até pelo juiz, para averiguar a verdade e formar a convicção desse último (julgador). Quando, por exemplo, se diz que a prova de alegação incumbe àquele a quem ela aproveita (art. 156) o que se quer indicar é que o beneficiário da alegação cabe o ônus de praticar os atos necessários para demonstrá-la (1995, p. 267).

Por fim, a lição de Fernando Capez, segue o entendimento já adotado pelos

doutrinadores pátrios, no seguinte sentido:

Do latim probatio, é o conjunto de atos praticados pelas partes, pelo juiz (CPP, arts. 156, 2ª parte, 209 e 234) e por terceiros (p. ex. peritos), destinados a levar ao magistrado a convicção acerca da existência ou inexistência de um fato, da falsidade ou veracidade de uma afirmação. Trata-se portanto, de todo e qualquer meio de percepção empregado pelo homem com a finalidade de comprovar a verdade de uma alegação. Por outro lado, no que toca à finalidade da prova, destina-se à formação da convicção do juiz acerca dos elementos essenciais para o deslinde da causa (2001, p. 243).

Em síntese, é possível afirmar que a prova, na esfera processual penal,

consiste na reiterada prática de atos processuais praticados pelas partes envolvidas

na relação jurídica processual, e que têm por objetivo principal demonstrar a

verdade fática, para, então propiciar ao Magistrado a formação de sua convicção,

capaz de dar um deslinde à causa submetida à apreciação do Poder Judiciário na

esfera criminal.

Deste modo, seguindo esta definição, quando da ocorrência de um crime, e

depois de observadas as peculiaridades da ação penal aplicável ao caso – pública

ou privada - surge para o Estado, o direito subjetivo do jus puniendi, o qual é

exercido por meio da persecução penal, medida esta que objetiva a colheita de

23

todas as informações possíveis sobre o fato delituoso, as quais são levadas aos

autos de ação penal, onde, após cumpridas todas as diligências necessárias e

atingidas todas as fases processuais, são submetidos à apreciação do Magistrado,

ao qual compete a prolação da decisão baseada nas provas que lhes foram

apresentadas pelos sujeitos processuais.

Sobre o tema, importante mencionar o posicionamento de Hermínio Alberto

Marques Porto:

O direito de punir, para ser satisfeito e efetivado, encontra o meio na atividade persecutória oficial; tal atividade – a persecução penal – justifica os atos investigatórios de levantamento dos informes sobre a violação de norma penal substantiva; justifica, também, a manifestação da acusação para a constituição do processo (2001, p. 01).

Deste modo, não é possível que o Estado exerça o jus puniendi e aplique

determinada condenação criminal ao sujeito acusado da prática do ilícito penal, se

não houver provas concretas de autoria e materialidade do delito, razão pela qual a

prova em processo penal é tema de grande, senão de maior importância dentre os

institutos que o norteiam.

3.2 OBJETO

Definido o que vem a ser prova na égide do Direito Processual Penal,

cumpre-nos, neste momento elencar qual é o objeto deste instituto jurídico, o qual

pode ser resumido como sendo toda circunstância, fato ou alegação referente ao

litígio sobre os quais pesa incerteza, e que precisam ser demonstrados perante o

juiz para o deslinde da ação penal (CAPEZ, 2001, p. 243).

Acerca do objeto da prova penal, saliente-se o entendimento exarado por

José Frederico Marques:

O objeto da prova, ou thema probadum, é a coisa, fato, acontecimento ou circunstância que deva ser demonstrado no processo. Ou como se

24

expressa FLORIAN: é “aquilo de que o juiz deve adquirir o necessário conhecimento para decidir sobre a questão submetida a seu julgamento [...] O objeto da prova pode considerar-se: a) como possibilidade abstrata de averiguação, isto é, como o que se pode provar em termos gerais (objeto da prova em abstrato); b) como possibilidade concreta de averiguação, ou seja, com aquilo que se prova, ou se deve ou pode provar em relação a um determinado processo (objeto da prova em concreto) (2000, p. 331).

O que é assim complementado pelo entendimento de Julio Fabbrini

Mirabete, no que diz respeito ao seu objeto:

[...] é o que se deve demonstrar, ou seja, aquilo sobre o que o juiz deve adquirir o conhecimento necessário para resolver o litígio. Abrange, portanto, não só o fato criminoso e sua autoria, como todas as circunstâncias objetivas e subjetivas que possam influir na responsabilidade penal e na fixação da pena ou na medida de segurança. Refere-se, pois, aos fatos relevantes para a decisão da causa, devendo ser excluídos aqueles que não apresentam qualquer relação com o que é discutido e que, assim, nenhuma influência pode ter na solução do litígio (2000, p. 257).

Assim, resta demonstrado de forma clara que somente pode ser considerado

como objeto da prova penal aqueles fatos, documentos e demais itens que tenham

relevância e pertinência ao caso submetido a julgamento, pois, do contrário ocorrerá,

de modo insanável, o desvirtuamento da solução da lide processual penal existente,

e, por conseguinte, prejudicará o exercício do jus puniendi pelo ente Estatal.

3.3 CLASSIFICAÇÃO DAS PROVAS

A complexidade em se delimitar o objeto das provas penais acompanha a

sua classificação, havendo na doutrina uma série de classificações que baseiam-se

nos mais variados pontos, dentre as quais merece atenção a divisão feita por

Edilson Mougenot Bonfim:

A prova é classificada de acordo com diversos critérios: I – Quanto ao objeto, pode ser direta ou indireta. A primeira demonstra o fato de forma imediata (ex: flagrante, a confissão, o corpo de delito); a segunda, ao contrário, afirma um fato do qual se infira, por dedução ou indução, a existência do fato que se busque provar (ex: indícios, presunções e suspeitas). II – Quanto ao sujeito ou causa, poderá ser real, se surgir de coisa ou objeto (ex: aquela extraída dos vestígios deixados pelo crime); ou pessoal, quando

25

emanar da manifestação consciente do ser humano (ex: a testemunha que narra os fatos que assistiu; o laudo assinado por dois peritos). III – Quanto à forma, são divididas em: testemunhal, documental e material. A prova testemunhal é aquela feita por afirmação pessoal. Documental, ao contrário, é aquela feita por prova escrita ou gravada. Por fim, a prova material é a que consiste em qualquer materialidade que sirva de elemento para o convencimento do juiz sobre o fato probando. IV – Quanto ao valor ou efeito: plena (perfeita ou completa) é aquela apta a conduzir um estado de certeza no espírito do juiz; não plena (imperfeita ou incompleta), caso não seja suficiente por si para comprovar a existência do fato, trazendo apenas uma probabilidade acerca de sua ocorrência (2010, p. 341-342).

Porém, esta classificação não é dotada de efeitos práticos, não gerando

quaisquer efeitos substanciais, sendo que alguns autores entendem que esta

classificação poderá ser reduzida, dividindo as provas como sendo diretas ou

indiretas (NORONHA, 1996, p. 90).

3.4 OS MEIOS DE PROVA

Meio de prova, por si só, recebe definição doutrinária própria, conforme

ensina Julio Fabbrini Mirabete:

Meios de prova são as coisas ou ações utilizadas para pesquisar ou demonstrar a verdade: depoimentos, perícias, reconhecimentos, etc. Como no processo penal brasileiro vige o princípio da verdade real, não há limitação dos meios de prova. A busca da verdade material ou real, que preside a atividade probatória do juiz, exige que os requisitos da prova em sentido objetivo se deduzam ao mínimo, de modo que as partes possam utilizar-se dos meios de prova com ampla liberdade. Visando o processo penal o interesse público ou social de repressão ao crime, qualquer limitação à prova prejudica a obtenção da verdade real e, portanto, a justa aplicação da lei. A investigação deve ser a mais ampla possível, já que tem como objetivo alcançar a verdade do fato, da autoria e das circunstâncias do crime. Nada impede, portanto, que se utilizem provas com a utilização de meios técnicos e científicos, como gravações de fita magnética, fotos, filmes, videofonograma, etc., desde que obtidas licitamente (2000, p. 259).

Tema este que também é alvo de abordagem por Edilson Mougenot Bonfim,

nos seguintes termos:

Meio de prova é todo fato, documento ou alegação que possa servir, direta ou indiretamente, à busca da verdade real dentro do processo. Em outras palavras, é o instrumento utilizado pelo juiz para formar a sua convicção acerca dos fatos alegados pelas partes.

26

Não podemos confundir meio como sujeito ou com objeto de prova. A testemunha, por exemplo, é sujeito, e não meio de prova. Seu depoimento é que constitui meio de prova. O local averiguado é objeto de prova, enquanto sua inspeção é caracterizada como meio de prova. Meio é tudo o que sirva para alcançar uma finalidade, seja o instrumento realizado, seja o caminho percorrido (2010, p. 340).

Da análise destas citações, é possível afirmar que nos moldes da vigente

legislação processual penal, não ocorre a limitação da utilização dos meios de

prova, o que significa dizer que impera neste ordenamento jurídico a autonomia dos

meios de prova, não havendo, portanto, as restrições existentes nas leis civis ou do

direito privado.

Tal situação decorre da própria natureza do Direito Processual Penal, qual

seja, a tutela do interesse público e social de repressão ao crime, de modo que a

investigação é ampla, os meios investigatórios são dilatados, buscando sempre a

verdade do fato e da autoria do delito. E assim sendo, na busca pela verdade real

decorre o princípio da liberdade probatória, o qual denota que as provas no processo

penal não se esgotam no rol descrito entre os artigos 158 a 250 da referida

legislação, sendo admitidas as denominadas provas inominadas, ou seja, aquelas

não previstas expressamente na legislação.

Destaque-se ainda que a Constituição Federal de 1988, como Lei Maior,

prima pela observância de uma série de garantias e direitos fundamentais do ser

humano como tal, tornam-se inadmissíveis aquelas provas consideradas como

incompatíveis com os princípios de respeito ao direito de defesa e à dignidade

humana, os meios cuja utilização se opõe às normas reguladoras do direito, que

regem a vida social de uma população ou um povo.

A regulamentação de tal disposição constitucional se materializa com a

vedação da utilização das provas consideradas ilícitas na esfera do processo penal

brasileiro materializou-se no âmbito infraconstitucional com a edição da Lei Ordinária

27

nº. 11.690/2008, a qual disciplina o modo de apreciação das provas por parte do

Magistrado, determinando ainda o desentranhamento das provas eivadas de ilicitude

e daquelas que afrontem os preceitos constitucionais e demais princípios a ela

relacionados.

Outro ponto a ser relembrado neste momento é a redação do artigo 332 do

Código de Processo Civil, o qual dispõe que “todos os meios legais, bem como os

moralmente legítimos, ainda que não especificados neste código, são hábeis para

provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa”.

Com isso, da simples leitura do contido neste dispositivo, resta evidente o

fato de que as provas admitidas no processo penal vigente não são apenas aquelas

elencadas na referida legislação, pelo contrário, são cabíveis todos os meios de

prova, desde que estes observem os preceitos legais e principiológicos previstos a

nível constitucional, em especial no que tange às garantias e direitos individuais do

cidadão.

3.5 A QUESTÃO PERTINENTE AO ÔNUS DA PROVA NO CPP

Preliminarmente, antes de um estudo mais amplo sobre a questão que

envolve o ônus da prova, necessário se faz uma definição prévia do vocábulo

“ônus”, para, somente então ser possível se chegar a uma noção do significado da

referida expressão e de sua aplicabilidade na esfera do Direito Processual Penal.

A palavra ônus é de origem latina ônus, significando carga, peso, imposição,

entre outros termos, é deste ponto que a expressão “ônus da prova” ou onus

probandi representa a necessidade de provar o alegado, para ver reconhecida

judicialmente a pretensão manifestada (NORONHA, 1996, p. 90).

28

No que se refere ao ônus da prova no processo penal, Magalhães de

Noronha explica:

A prova da alegação incumbe a quem fizer, é o princípio dominante em nosso Código. Oferecida a denúncia, cabe ao Ministério Público a prova do fato e da autoria; compete-lhe documentar a existência concreta do tipo (nullum crimen sine typo) e de sua realização pelo acusado (1996, p. 90).

Adalberto José Aranha complementa esta assertiva, aduzindo que:

Onus probandi é, pois, o encargo que têm os litigantes de provar, pelos meios admissíveis, a verdade dos fatos, conforme for a distribuição de tal imputação. Produzir prova constitui um ônus processual porque coloca as partes diante de uma alternatividade, classificada como de aquisição, já que diz respeito aos atos instrutórios do processo (1999, p. 08).

Com isso, se torna tarefa fácil atestar que nas ações penais públicas

incondicionadas ou condicionadas à representação, recai sobre o Ministério Público

o ônus da prova, e por analogia conclui-se que nas ações penais privadas, cumpre

ao querelante o ônus da prova.

Quanto à pessoa do réu, não é necessário que este demonstre cabalmente

a prova, bastando apenas que reste a dúvida acerca da autoria ou materialidade

delitiva, pois, em decorrência do princípio do in dubio pro reo ou actore non probante

absolvitur reus, em restando qualquer dúvida acerca da efetiva autoria delitiva,

absolve-se o réu, nos moldes do artigo 386 do Código de Processo Penal,

(NORONHA, 1996, p. 91).

3.6 FINALIDADE DA PROVA

Em sendo a prova penal um instrumento capaz de assegurar ao Estado o

exercício do jus puniendi, tem-se, ao menos por ora, que a sua finalidade reside

justamente na função de formar a convicção do magistrado para a prolação da

sentença.

29

Fernando Capez defende que a prova “destina-se à formação da convicção

do juiz acerca dos elementos essenciais para o deslinde da causa (2001, p. 246)”.

Hélio Tornaghi afirma que “a prova tem por finalidade exatamente conhecer

a verdade histórica a respeito de determinados fatos, saber como eles realmente se

passaram (1978, p. 120)”.

Por fim, Edilson Mougenot Bonfim posiciona-se:

Como se sabe, a aplicação das normas jurídicas tem por pressupostos a ocorrência de fatos que, sob a incidência dessas normas, resultem na produção de efeitos jurídicos. Toda atividade de determinar o direito aplicável em cada caso concreto, portanto, depende de que o julgador conheça o conjunto de fatos sobre os quais a norma jurídica deverá incidir. Pode-se dizer, assim, que a prova tem como finalidade permitir que o julgador conheça os fatos sobre os quais fará incidir o direito (2010, p. 336).

Acerca da finalidade da prova, é possível afirmar que a atividade probatória

objetiva a formação da convicção do Magistrado, servindo para demonstrar a este a

veracidade ou não da imputação que recai sobre a pessoa do acusado, as

circunstâncias que possam influir no julgamento da responsabilidade e da

periculosidade, na individualização de eventual pena a ser aplicada ou finalmente na

aplicação de medidas de segurança, que se faz a prova (TORNAGHI, 1995, p. 268).

Em termos mais simples, tem-se que a finalidade primordial da prova é

tornar o fato denunciado conhecido pelo Juiz, convencendo-o de sua existência. E

as partes, com as provas produzidas, procuram então convencer o Juiz de que os

fatos denunciados existiram ou não, ou ainda, de que ocorreram de uma ou de outra

forma.

3.7 DA PROVA TESTEMUNHAL

Conforme se extrai da simples leitura do Código de Processo Penal, verifica-

se a existência de várias modalidades de provas, das quais citam-se como principais

30

a prova testemunhal, prova documental e prova pericial, sendo que, para a presente

pesquisa, interessa a realização de um estudo aprofundado tão somente em relação

à prova testemunhal, vez que é nesta que recai toda a dificuldade do Magistrado ao

proferir a decisão em crimes de pedofilia, ou, em termos técnicos, crimes de estupro

de vulneráveis.

3.7.1 Histórico da prova testemunhal

Antes de qualquer análise conceitual sobre o assunto em questão,

interessante é traçar seu deslinde na esfera histórica, o que permite a verificação do

modo evolutivo deste e o modo de aplicação nos dias atuais.

A prova testemunhal possui a sua origem ligada aos tempos antigos, vez

que existem relatos na Bíblia Sagrada, onde se tem menção de dos fatos ocorridos

do tempo de Jesus Cristo, de modo que há notícias de que na Palestina, verificar-se

a presença da prova testemunhal como um meio de atestar a realidade de um fato.

Outra questão que demonstra que a prova testemunhal é de origem remota,

é a disposição constante nos 10 Mandamentos, nos quais, há no 9º Mandamento a

proibição de se prestar falso testemunho.

Almeida Júnior, doutrinador processual penal, sintetiza de forma clara o

quadro evolutivo do instituto em análise, asseverando a importância da prova

testemunhal:

[...] as testemunhas de um fato criminoso eram obrigadas, por Lei, a mostrar que não puderam evitar o crime e socorrer a vítima; além disso, eram obrigadas a denunciar o crime e prosseguir na acusação, sob pena de umas tantas bastonadas. O acusador, convencido da calúnia, sofria a pena do crime que imputou. Havia ali, um caso único de acusação e defesa orais: era o processo de julgamento dos mortos perante os curiosos, reunidos às margens do Lago Moeris. Mas este processo, era, em geral, destinado ao exame da conduta dos reis e grandes do Estado, no dia destinado às suas exéquias (1920, p. 73).

31

Conforme leciona Greco Filho “o primeiro meio de prova regulado pelo

Código é o depoimento pessoal (2002, p. 200)”.

Deste modo, o testemunho vem a ser a fonte, por excelência, da certeza

histórica, sendo as testemunhas os olhos e ouvidos da Justiça. Acerca de tal

modalidade de prova, merece ser observada a lição de Fernando Capez o qual

assevera:

Em sentido lato, toda prova é uma testemunha, uma vez que atesta a existência do fato. Já em sentido estrito, testemunha é todo homem, estranho ao feito e eqüidistante das partes, chamado ao processo para falar sobre fatos perceptíveis a seus sentidos e relativos ao objeto do litígio. É a pessoa idônea, diferente das patês, capaz de depor, convocada pelo juiz, por iniciativa própria ou a pedido das partes, para depor em juízo sobre fatos sabidos e concernentes à causa (2001, p. 275).

Em complemento a tal noção, Julio Fabbrini Mirabete aduz:

Testemunha é a pessoa que, perante o juiz, declara o que sabe acerca dos fatos sobre os quais se litiga o processo penal ou as que são chamadas a depor, perante o juiz, sobre suas percepções sensoriais a respeito dos fatos imputados ao acusado. Isto porque, o conhecimento da testemunha a respeito dos acontecimentos lhe é fornecido pelos seus sentidos, em especial a visão e a audição, não se podendo excluir, também, em determinadas hipóteses, o paladar, o olfato e o tato (2000, p. 292).

A prova testemunhal, no entanto, é definida por José Frederico Marques,

como sendo:

[...] a que se obtém com o depoimento oral sobre fatos que se contêm no litígio penal. As pessoas que prestam esse depoimento têm o nome de testemunhas, as quais, segundo definição de Von Kries, são terceiros chamados a depor sobre suas percepções sensoriais, perante o juiz (2000, p. 403).

Assim, com base nestes ensinamentos, torna-se possível afirmar ser a prova

testemunhal, na forma pela qual é concebida, a modalidade de prova de maior

importância na esfera do processo penal, justamente pelo fato de se tratar de uma

das formas na qual aqueles que presenciaram o fato delituoso, esclarecem o modo

32

que este se deu diretamente à pessoa do Magistrado que preside a instrução da

respectiva ação penal.

3.7.2 Conceito de prova testemunhal

O testemunho, como afirmam alguns doutrinadores, vem a ser a fonte, por

excelência, da certeza histórica, ou como preferem outros, que afirmam que as

testemunhas são os olhos e ouvidos da justiça.

A palavra testemunhas deriva, etimologicamente, do latim, mais

especificamente do termo testari, o qual significa mostrar, asseverar, manifestar,

testificar, confirmar, entre outras acepções.

Porém, para fins da presente pesquisa, busca-se a definição jurídica do

termo testemunho, e, por conseguinte o de prova testemunhal, razão pela qual

reputa-se à doutrina a fim de se alcançar tal objetivo. Nesse sentido, há o conceito

fornecido por Fernando Capez:

Em sentido lato, toda prova é uma testemunha, uma vez que atesta a existência do fato. Já em sentido estrito, testemunha é todo homem, estranho ao feito e eqüidistante das partes, chamado ao processo para falar sobre fatos perceptíveis a seus sentidos e relativos ao objeto do litígio. É a pessoa idônea, diferente das partes, capaz de depor, convocada pelo juiz, por iniciativa própria ou a pedido das partes, para depor em juízo sobre fatos sabidos e concernentes à causa (2001, p. 275)

Julio Fabbrini Mirabete busca definir testemunha afirmando que:

Testemunha é a pessoa que, perante o juiz, declara o que sabe acerca dos fatos sobre os quais se litiga o processo penal ou as que são chamadas a depor, perante o juiz, sobre suas percepções sensoriais a respeito dos fatos imputados ao acusado. Isto porque, o conhecimento da testemunha a respeito dos acontecimentos lhe é fornecido pelos seus sentidos, em especial a visão e a audição, não se podendo excluir, também, em determinadas hipóteses, o paladar, o olfato e o tato (2000, p. 292).

Sobre o conceito de prova testemunhal, há na doutrina a definição dada por

José Frederico Marques:

Prova testemunhal é a que se obtém com o depoimento oral sobre fatos que se contêm no litígio penal. As pessoas que prestam esse depoimento têm o nome de testemunhas, as quais, segundo definição de Von Kries, são

33

terceiros chamados a depor sobre suas percepções sensoriais, perante o juiz (2000, p. 403).

Assim, tem-se a prova testemunhal como o máxime do processo penal, é a

prova por excelência. Como leciona Magalhães de Noronha: “O depoimento é uma

das provas mais antigas e generalizadas. Não há sistema probatório que lhe negue

um lugar mais ou menos importante, entre as demais classes de provas (1996, p.

115)”.

Diante de tais explanações acima elencadas, pode-se afirmar de forma

tênue que a prova testemunhal é a prova mais importante a ser produzida no

processo penal, em razão de que, o Magistrado, pode analisá-la direta e

pessoalmente, sendo capaz de perceber acerca da veracidade ou não das

afirmações feitas pela testemunha, o que permite assim uma influência ao

convencimento do juiz quando este for proferir sua decisão acerca do fato delituoso.

3.7.3 Caracteres da prova testemunhal

Acerca dos caracteres da prova testemunhal, devem ser destacados os

seguintes pontos: a princípio, nos termos do artigo 202 do Código de Processo

Penal, toda pessoa pode ser testemunha, devendo sempre ser levada em

consideração o disposto no artigo 206 da mesma lei, que declara que a testemunha

não se pode eximir da obrigação de depor.

Apesar deste caráter impositivo, admite a lei algumas exceções ao dever de

testemunhar, em razão de que podem deixar de depor o ascendente, o afim em

linha reta, o cônjuge mesmo que divorciado, o irmão, o pai, a mãe ou o filho adotivo

do acusado. Tal exceção se deve ao fato de que tais pessoas, conforme reconhece

34

a lei, dificilmente prestarão o depoimento com a imparcialidade que se espera das

demais testemunhas.

Ainda, no artigo 207 do Código de Processo Penal, é possível encontrar

causas que proíbem o depoimento em juízo de determinadas pessoas, que, em

razão de função, ministério, ofício ou profissão, devam guardar segredo, salvo se,

desobrigadas pela parte interessada, quiserem dar o seu testemunho.

Dentre estas características, destacam-se as seguintes: Judicialidade: ou

seja, só é prova testemunhal aquela produzida em juízo; Oralidade: ou seja, a prova

testemunhal deve ser colhida por meio de uma narrativa verbal prestada em contato

direto com o juiz e as partes e seus representantes. O depoimento será oral, nos

termos do artigo 204 do CPP, salvo o caso de pessoas surdas, mudas ou surda-

muda, conforme regra constante nos artigos 192 c/c 233, parágrafo único da mesma

Lei).

Importante lembrar que a lei veda que a testemunha traga o seu depoimento

por escrito, em razão de que, nesta forma, falta a espontaneidade necessária

revelada em depoimento oral, bem como por não permitir reperguntas pelas partes,

o que violaria o princípio do contraditório.

Outra característica essencial é a objetividade: a testemunha deve depor

sobre os fatos sem externar opiniões ou emitir juízos valorativos. A exceção é

admitida quando a reprodução exigir necessariamente um juízo valorativo;

Retrospectividade: o testemunho dá-se sobre fatos passados, a testemunha deve

depor sobre o que assistiu, e não sobre o que imagina que irá ocorrer; Imediação: a

testemunha deve dizer aquilo que realmente captou imediatamente através de seus

sentidos; e por fim, a individualidade, segundo a qual, cada testemunha presta o seu

depoimento isolada da outra (CAPEZ, 2001, p. 276).

35

3.7.4 Avaliação da prova testemunhal

Apesar de parecer ter o mesmo significado, avaliar a prova testemunhal não

é o mesmo que verificar o valor probatório dos testemunhos, tanto é que a doutrina

separa ambas as situações em temas distintos, como leciona Hélio Tornaghi:

Ao formar a sua convicção, deve o juiz fazer um exame psicológico da testemunha e um estudo lógico do depoimento. Mas as questões de psicologia e de lógica, conquanto muito interessantes, não são objeto da ciência jurídica. Aqui interessam as normas de Direito relativas à ponderação da prova testemunhal (1995, p. 428).

E continua, afirmando que:

Tal como qualquer outra, essa prova é apreciada pelo juiz, no Direito brasileiro, com a mais absoluta liberdade, isto é, sem vinculação a nenhum padrão preestabelecido. É o sistema da livre convicção. O juiz examina o conteúdo e a forma do depoimento; pesa-o, e chega a uma conclusão como qualquer pessoa normal. A própria recusa de depor, embora ilícita, é elemento de convicção e pode levar o juiz a uma interpretação correta das razões dessa atitude e do que ela significa com relação à inocência ou à culpa do réu (TORNAGHI, 1995, p. 428).

Assim, em primeiro lugar, deve ser observada a pessoa do depoente, seja

no âmbito social ou psicológico, retirando deste os fatores de maior ou menor

credibilidade.

Dentre os fatores sociais, podem ser citados, a fim de exemplo os

antecedentes pessoais, a profissão exercida ou ainda as condições essenciais para

o seu exercício. Já quanto ao estado psicológico, podem-se exemplificar com o

estado emotivo revelado quando do depoimento, ou a sugestibilidade ou firmeza das

respostas dadas às perguntas formuladas pelo juiz.

Após isso, deve ser analisado o conteúdo do depoimento como um todo,

onde devem ser feitas observações sobre coerência ou incoerência, para então

realizar uma análise da existência de concordância com elementos secundários do

fato ou não.

36

Em decorrência de tal situação, o CPP, em seu artigo 203 estabelece que a

testemunha deve relatar o que souber, explicando sempre as razões de sua ciência

ou as circunstâncias pelas quais possa avaliar-se sua credibilidade.

Razão pela qual determina o artigo 215 do mesmo ordenamento legal, que

quando da redação do depoimento, o Juiz deverá cingir-se, tanto quanto possível, às

expressões usadas pelas testemunhas, reproduzindo fielmente as suas frases,

situação atualmente que está em desuso, vez que a maioria dos Juízes utilizam-se

de sistemas de gravação digital das audiências, permanecendo os respectivos

depoimentos armazenados em computadores e CD-Rom’s de cada ação penal.

Somente após adotar tais procedimentos é que deve o julgador, passar à análise do

valor probatório dos testemunhos prestados em sua presença, tema este a ser

abordado no próximo tópico da pesquisa.

3.7.5 Valor probatório dos testemunhos dados na fase judicial

Em razão do depoimento ser prestado com base nos sentidos que o

depoente utiliza a fim de formar a “base de dados” sobre os fatos que presenciou,

faz com que, pelo fato de freqüentemente os sentidos nos enganarem, surjam

discussões acerca do valor do testemunho.

É esta questão acerca da precisão do testemunho que faz com que o

mesmo seja um assunto tão conturbado quando da sua apreciação, de modo que,

existe uma tendência da testemunha em diminuir o tempo e as dimensões das

coisas que presenciou, e isso se deve ao fato da pressão pela qual se encontra,

fruto da solenidade do Poder Judiciário, ou ainda em razão de estar na presença do

acusado, bem como inúmeras outras circunstâncias que aqui poderiam ser

elencadas.

37

E por isso, é que alguns doutrinadores fazem algumas observações acerca

do depoimento prestado por determinadas pessoas, como os menores aos quais

será destinado um capítulo próprio, aos policiais ou ainda de meretriz. Ocorre que,

não se pode contestar a validade do depoimento prestado pelos policiais, em razão

de que o exercício da função não desmerece, nem mesmo torna suspeito o titular,

presumindo-se a princípio que os mesmos dizem a verdade, como qualquer outra

testemunha.

Outra questão é a decorrente dos depoimentos prestados por meretrizes, os

quais a princípio possuem validade, desde que o mesmo se ajuste aos demais

fatores de certeza do processo, adquirindo assim força probatória capaz de embasar

uma decisão. Importante lembrar, como ensina Julio Fabbrini Mirabete “que não

vigora no nosso direito o brocado “testis unus, testis nullus”. Uma só testemunha faz

prova bastante para a decisão quando o seu depoimento se harmoniza com o mais

que se apurar no processo (2000, p. 306)”. Assim, conclui-se que não importa a

quantidade de testemunhas arroladas pelas partes, o que importa é a consonância

dos depoimentos com as demais provas produzidas pelas partes, ou seja, o juiz,

quando da decisão, não irá apenas se basear em uma ou em outra prova, mas sim

no conjunto probatório formado no caderno processual.

4 DA DIFICULDADE PROBATÓRIA NOS CRIMES CONTRA VULNERÁVEIS

A dificuldade em se provar condutas delituosas que tenham como vítimas

crianças ou adolescentes recai justamente no fato destas serem “desacreditadas”

pela sociedade, colocando em dúvida o teor dos depoimentos prestados por estes

perante o Juiz, e, por conseguinte, colocando em xeque a decisão do Magistrado em

face de um conjunto probatório frágil.

38

Como analisado no decorrer da presente pesquisa não existem impeditivos

legais que proíbam que o menor, o incapaz ou o vulnerável prestem depoimento

como testemunha no processo penal, e isso se deve ao fato de que, não é possível

escolher quem será testemunha de um fato delituoso, pois este não tem local

definido para acontecer, e quem os presencia, em tese, será arrolado como

testemunha.

A prova de delitos contra vulneráveis se torna tarefa árdua principalmente

em casos onde o crime ocorre no próprio lar da criança ou adolescente, sem haver

nenhuma testemunha que afirme ser o réu ou a vítima a pessoa que esta falando a

verdade dos fatos, o que enseja ao Magistrado a tarefa de somar tal prova às

demais provas corroboradas nos autos de ação penal, para, somente então proferir

uma decisão baseada em sua convicção sobre os fatos delituosos.

4.1 DO TESTEMUNHO INFANTIL

Porém, em situações semelhantes à narrada no tópico anterior é que

surgem inúmeros questionamentos e discussões doutrinárias, e estas se devem em

razão da credibilidade do depoimento prestado pelo menor, ou ainda em razão da

facilidade de a criança ser manipulada por terceiros que tenham interesse no

processo, razão pela qual este tema acaba sendo motivo de inúmeros embates

doutrinários.

No entanto, a fim de facilitar a compreensão do tema, a sua análise será

subdividida em tópicos, os quais em conjunto demonstraram os motivos que

ensejam a dificuldade probatória em crimes contra vulneráveis, em especial os

relacionados à ordem sexual, como é o caso do crime popularmente conhecido

como “pedofilia”.

39

4.1.1 Conceito de vulnerável - menor

Nos termos do Estatuto da Criança e do Adolescente é considerada criança

a pessoa com até doze anos de idade incompletos, passando a ser tratados como

adolescentes as pessoas que possuem entre doze e dezoito anos de idade.

Norma esta que não entra em contradição acerca da menoridade decorrente

do Código Civil, o qual, em seu artigo 5º dispõe que cessa a menoridade quando a

pessoa completa os seus dezoito anos de idade, ficando então habilitada a todos os

atos da vida civil.

Neste sentido, o Código de Processo Penal segue a orientação do Código

Civil, e então por este motivo, são considerados menores aqueles que possuem

menos de dezoito anos de idade.

A expressão vulnerável ganhou espaço recentemente com a edição da Lei

nº. 12.015/2009, a qual criou uma série de condutas relacionadas aos crimes

sexuais, e dispõe:

Art. 217-A - Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos. § 1º - Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência. § 2º - (VETADO) § 3º - Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave: Pena - reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos. § 4º - Se da conduta resulta morte: Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.

Realizando a interpretação contida no texto expresso do Código Penal,

pode-se definir vulnerável a pessoa menor de 14 (quatorze) anos de idade, o que

compreenderia tanto crianças como adolescentes, segundo o Estatuto da Criança e

do Adolescente.

40

A expressão vulnerável, segundo se extrai da simples leitura do referido

dispositivo legal abrange não apenas os menores de quatorze anos, mas também

aquelas pessoas que por enfermidade ou deficiência mental, não possuem o

necessário discernimento para a prática de determinado ato, ou então, por qualquer

outra razão não possa oferecer resistência.

Esta última situação ficou de certo modo incongruente com a efetiva

intenção do legislador, vez que, se o sujeito ativo do crime de estupro estiver na

posse de arma de fogo, apontando-a para a cabeça da vítima, ameaçando-lhe ceifar

a vida na hipótese de não praticar o ato sexual, também se enquadrará tal vítima na

situação de não poder oferecer na resistência.

A nosso singelo modo de ver, tal situação seria melhor explicada, ou teria

uma conotação mais simples de ser compreendida caso fosse mais clara a

expressão “por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência”, pois da forma

com que foi colocada na legislação, levanta questionamentos acerca da possível

interpretação de seu sentido por parte do magistrado, situação esta que pode

afrontar o princípio da legalidade tão defendido na esfera do Direito Penal.

4.2 QUESTÕES DOUTRINÁRIAS LEVANTADAS EM FACE DO DEPOIMENTO INFANTIL

Quando o assunto a ser tratado é o depoimento do menor em juízo

começam a surgir embates na doutrina, com posicionamentos favoráveis e alguns

contrários a tal possibilidade.

Há aqueles que defendem que a criança é inocente e por isso não é

corrompida como alguns adultos que prestam depoimento, enquanto outros

posicionam-se contrariamente ao tema, pois entendem ser a criança ou adolescente

portador de menor discernimento - se comparado com o dos adultos -, e, portanto,

41

passível de ser corrompido por terceiros, e é com base nesta discussão que será

trazido à tona o posicionamento doutrinário acerca deste tema polêmico.

O testemunho infantil, efetivamente, sempre preocupou a justiça penal, em

todas as fases de sua evolução histórica, constituindo-se em fator (ao lado do sexo,

da situação civil, da vida pregressa etc.) que, muitas vezes, incapacitava a pessoa

de testemunhar.

Como no Código de Processo Penal pátrio não há vedação expressa quanto

à proibição de o menor prestar depoimento como testemunha, é acerca do valor

probatório deste depoimento que surge a grande discussão doutrinária.

Deste modo, a criança ou adolescente, igualmente, pela percepção

sensorial, pode tomar contato com o delito, dele despontando como testemunha,

inexistindo qualquer óbice ou escolha para que no processo assuma e desempenhe

essa posição, com o único senão de que não será compromissada.

Admite-se, assim, o depoimento infantil como meio de prova, mesmo

porque, em certos crimes, é a única existente (porém será defeso, o compromisso

de dizer a verdade ao menor de quatorze anos), mas, por outro lado, reconhecem-se

as dificuldades em se estabelecer, por meio dele, a verdade real.

Deve-se, portanto, perscrutar do valor jurídico que se há de conferir ao

depoimento testemunhal (ou mesmo vitimário) infantil, pois vários fatores o

inviabilizam.

Já se asseverou que a criança apresenta pureza de espírito, candura e

ausência de malícia e que, portanto, seus depoimentos deveriam ser tidos como a

exata expressão da verdade, porque se julga a criança tão inocente que sequer

sabe mentir - ex ore puerorum veritas. A maioria dos autores, entretanto, tem

42

criticado a fé cega com que a justiça encara, às vezes, os testemunhos infantis

(CAPEZ, 2001, p. 280).

Fernando Capez ensina:

É perfeitamente admitido como prova; porém, ao menor de 14 anos de idade não será tomado o compromisso. Desfruta de valor probatório relativo, tendo em vista a imaturidade moral e psicológica, a imaginação etc. É mero informante do juízo (2001, p. 280).

Guilherme de Souza Nucci, ao tratar do depoimento do menor traz a questão

do menor comparsa do réu, e explica seu posicionamento:

[...] é admissível. O menor de 18 anos, penalmente irresponsável (art. 27, CP), pode tomar parte ativa do cometimento de uma infração penal, associando-se ao maior. É o que se chama de concurso impropriamente dito ou pseudoconcurso de agentes. Nessa hipótese, deve ele ser arrolado, normalmente, como testemunha, porque, na esfera penal, não pode ser considerado parte na relação processual estabelecida. Tem, pois, o dever de dizer a verdade. Nem se diga que ele precisa ter o mesmo tratamento que o co-réu, tendo direito ao silêncio e não sendo considerado testemunha, porque estaria respondendo – ou poderia vir a responder – pelo que fez na Vara da Infância e da Juventude. Ora, segundo a legislação brasileira, busca-se, em caso de aplicação de medida sócioeducativa, um melhor preparo do menor para a vida adulta, formando-o e reeducando-o apenas. Não se trata de punição, porque ele, segundo a lei, não conseguia compreender o caráter ilícito do que praticou. Assim, exige-se-lhe narração fiel do que houve. Se mentir, caso esteja sob juramento, pode-se tomar providências para outro procedimento no foro competente. O maior de 14 anos será compromissado, enquanto o menor de 14 anos, por força do disposto no artigo 208, deve ser ouvido como informante (2006, p. 446).

O mesmo autor trata do depoimento de crianças e adolescentes explicando

que inúmeros são os relatos de erros judiciários decorrentes dos depoimentos

prestados por crianças ou adolescentes, fundamentando que estes erros são

originados em razão da fragilidade, tanto da criança quanto do adolescente para

elaborar uma narrativa fiel dos fatos por ventura assistidos, sem comentar ainda

qualquer fantasia ou mentiras, as quais são frutos da inexperiência de vida e da

instabilidade psicológica e emocional característico dos seres em desenvolvimento

(NUCCI, 2006, p. 452).

Adalberto José Aranha assevera:

43

Admite-se o depoimento infantil como meio de prova, mesmo porque em certos crimes é a única existente, porém será defeso o compromisso ao menor de catorze anos. O testemunho infantil merece ressalvas; é deficiente e perigoso. Por conter defeitos psicológicos e morais não pode ser recebido como juízo de plena certeza (1999, p. 157-158).

Essa problemática atravessou anos de história, e ainda permanece, porém,

atualmente, ao menos no âmbito do processo penal pátrio, em razão de que, em

nosso ordenamento, a valoração do depoimento do menor não ocorre como se este

fosse alienado, e sim, dependerá do seu conteúdo e ainda de questões como a sua

consonância com as demais provas obtidas no caderno processual.

Outra diferença importante é a ausência de vedação de o menor prestar

depoimento, sendo apenas encontrada a observação de que, aos menores de 14

anos de idade não será feito o compromisso legal (artigo 208 do CPP).

A questão ainda continua a ser cogitada porque o testemunho infantil

contém defeitos psicológicos que impedem que, em relação a determinados

episódios com interesse jurídico-penal, se forme um juízo de plena certeza, sendo

que, somente em situações excepcionais (onde as declarações infantis sejam

coerentes e confortantes de outros dados da prova), poderão estribar sentenças

penais condenatórias.

Os fatores psicológicos que tornam deficientes os testemunhos infantis são

os seguintes: imaturidade psicológica: a) a imaturidade orgânica do infante traz a

imaturidade funcional, com o que o desenvolvimento psíquico será incompleto; b) a

imaginação: atua duplamente na criança: meio de defesa (mentira defensiva ou

interesseira) ou de satisfação de desejos (brinquedos fantasiosos); e c)

sugestibilidade: é bem acentuada nas crianças, surgindo mais ou menos aos cinco

anos de idade, atinge seu ponto máximo em torno dos oito anos para, a partir de

então, entrar em decrescimento.

44

Há também os fatores morais que tornam os testemunhos infantis

deficientes. Pode-se, mesmo, falar em uma espécie de imaturidade moral. A

moralidade não é um fato inato, porém adquirido pela criança com base em

estímulos ambientais e pressões externas.

Ao início, na tenra idade, a criança mente, sem a menor intenção, mas

porque age com força imaginativa, como defesa, como uma arma etc. Depois,

fatores ambientais e pressões sociais exógenas (família, escola, meio religioso etc.)

indicam que a mentira deve ser relegada, ainda que prejudicando o prazer e as

vantagens que pode proporcionar; por fim, a censura exterior interioriza-se e o

superego cuida de evitar a mentira. Assim, a imaturidade moral da criança não

admite um valor pleno ao depoimento infantil.

É de remarcar-se, também, que novas técnicas, produzidas e desenvolvidas

na ciência psicológica, têm contribuído para se realçar o valeur du témoignage des

enfants en justice, sobretudo àquelas que se relacionam aos casos em que as

crianças são vítimas de delitos (principalmente os sexuais).

Por outro lado, não se pode olvidar das situações em que as crianças são

preparadas, apresentando traumatismos adrede produzidos para materializar o

suposto delito, ou então se aproveitam lesões pré-existentes, pois são comuns as

vulvites nas meninas. Atribuem-se então essas lesões a práticas libidinosas, que as

crianças sugestionadas descreverão.

Todos estes aspectos, abordados, demonstram a fragilidade da prova

angariada por meio dos testemunhos infantis. De tal ponto que, quer por fatores

psicológicos, quer por fatores morais, deve ser (haja vista o princípio do livre

convencimento motivado das provas - que inspira o direito processual penal

brasileiro - e que permite o depoimento testemunhal infantil como meio de prova),

45

aceita com reservas a prova testemunhal feita por meio dos testemunhos de

crianças, pois é certo que esta modalidade específica de prova testemunhal é,

muitas vezes, a única de que se dispõe para a perfeita elucidação do delito.

Por outro lado, esse testemunho pode ser vantajosamente aproveitado,

desde que haja precaução em relação à forma de sua obtenção, concluindo-se que,

até o momento, não se houve a Justiça Criminal de forma exitosa no sentido de

produzir, com segurança, a prova a partir do depoimento das crianças.

Porém, apesar de grande parte da doutrina entender ser de pouco mérito de

valor probatório, alguns entendem que o depoimento deve ser possuidor de valor

probatório, quando a criança relata fato de simples percepção visual e de fácil

percepção, pois, em regra, presume-se a pureza do menor depoente, o que acaba

por lhe conceder uma maior credibilidade.

Destaque-se o fato de a criança ou adolescente não ter interesse em

beneficiar nenhuma das partes, é imparcial e neutra, sobretudo numa certa faixa de

idade, quando ainda não está comprometida com os nossos valores sociais, ainda

não sabe quando certo ato é injusto, limitando-se, então, a mencionar os fatos

objetivamente, como os viu, mesmo porque não sabe bem qual o valor deles do

ponto de vista da justiça, para apurar responsabilidades.

Como é possível perceber, há entendimentos favoráveis e desfavoráveis ao

depoimento infantil no âmbito do processo penal, vejamos o que outros autores

entendem acerca do tema.

É possível ainda trazer a presente discussão a idéia de Delton Croce:

A validade ou não do testemunho infantil comporta três orientações: 1ª) a idade das testemunhas, por si só, não constitui elemento para diminuir-lhes a validade; desse modo, todos os depoimentos podem ter valor equivalente, independentemente da idade das testemunhas (RT, 161:53, 170:91, 262:630, 392:102, 420:89); 2ª) sendo as crianças facilmente influenciáveis e portadoras de fértil imaginação, não deve o julgador ter em conta o depoimento infantil (RT, 430:344 e 579:351; JTACrimSP, ed. Lex, 68:356 e 78:420);

46

3ª) “o depoimento de crianças deve ser levado em conta com reservas, e só aceito como expressão da verdade quando seus relatos guardam coerência de depoimento e linguagem, são harmônicos com restante da prova e encontram apoio em depoimentos de testemunhas adultas” (JTACrimSP, Ed. LEx, 65:27, 70:411, 85:477 e 92:368; RT, 388:110, 390:103, 407:110, 415:87, 417:95, 420:89, 426:348, 436:329, 431:379, 446:379, 451:365, 496:269, 497:20, 514:343, 470:335, 604:333 e 604:425) (1996, p.572).

Todavia, não se pode negar que o testemunho, independentemente da idade

da pessoa que se encontra prestando depoimento é falho, para nele se assentar a

verdade, e não resta dúvidas de que o depoimento da criança, seja pela falta de

experiência de vida, ou ainda pela fraqueza de sentidos ou até mesmo pela alta

sugestibilidade acaba por aparecer eivado de contradições.

Delton Croce opina que:

[...] constantemente os depoimentos infantis apresentam lacunas, erros e incertezas, que os tornam perigosíssimos, sobretudo quando haja em meio o elemento da sugestão. Na infância, a atenção é menos enérgica e fantasia mais livre, não recebendo o freio da crítica, que só se organiza com a sistematização da experiência (1996, p. 573).

Com base nestas noções, Croce defende que não merece crédito o

testemunha prestado por infante, sendo necessário, segundo ele, uma perícia

psicológica para somente após esta, poder o julgador realizar uma averiguação da

credibilidade deste testemunho.

Ocorre que, o processo penal, é permeado pelo princípio da celeridade

processual, e ainda, prevê expressamente um prazo máximo para a produção de

provas, de modo que, a realização desta perícia a fim de avaliar a credibilidade ou

não do depoimento prestado pelo menor, acaba por defrontar tal princípio, e ainda

torna inviável a produção de tal prova testemunhal.

Porém, como julgador, deve o juiz, a princípio, presumir a veracidade dos

homens e de seus depoimentos, pois se o mesmo duvidar das provas que estão

47

sendo produzidas, jamais poderá chegar a uma conclusão capaz de ensejar uma

condenação criminal.

No que se refere à credibilidade ou não do depoimento, Nicola Framarino

Dei Malatesta, brilhantemente explica que:

A presunção, portanto, de que os homens em geral percebem e narram a verdade, presunção que serve de base a toda a vida social, é também base lógica da credibilidade genérica de toda a prova pessoal e testemunho em particular. Esta credibilidade genérica, pois, que se funda na presunção de veracidade humana, é concretamente aumentada, diminuída ou destruída pelas condições particulares, inerentes ao sujeito individual do testemunho ou a seu conteúdo individual ou à sua forma individual [...] (2001, p. 321).

Hélio Gomes, sobre depoimento de infante, preleciona que “a criança não

somente não diz a verdade, mas é incapaz de dizê-la, porque lhe é impossível

discerni-la (1989, p. 237)”.

E continua:

[...] a criança é extremamente maleável: aceita todas as sugestões. A imaginação lhe domina a atividade mental. O romanesco e as aventuras heróicas a fascinam. Daí a tendência a fabulação e a mentira mais ou menos consciente (GOMES, 1989, p. 237).

Já Nelson Hungria sugere que não há de ser desmerecido, prontamente, o

depoimento infantil, nem, acolhido sem reservas, como se contivesse toda a

expressão da verdade, sendo, portanto, aconselhável que este, apresente coerência

com os fatos e demais provas produzidas.

Quanto à sua sugestionabilidade, é um dos vícios do depoimento infantil,

dentro muitos outros suscetíveis, a sua imaturidade moral, o que acaba por reduzir a

sua credibilidade, tornando-o, em determinadas hipóteses insuficiente para, por si

só, fundamentar uma sentença penal condenatória.

E é por isso que o depoimento prestado por menores requer, em especial,

um exame apurado, visto que os seus poderes de percepção, de atenção, de

memória se desenvolvem com a idade, faltando nos infantes o freio da crítica, e a

48

fantasia substitui os dados da realidade pelos fantasmas oriundos de sua

imaginação.

Como é possível constatar, a doutrina que estuda o processo penal

brasileiro equipara o depoimento infantil aos sonhos, às quimeras, à imaginação

artística, mística e mitológica e aos delírios, colocando em evidência a falta de valor

probante do depoimento infantil.

Os psicólogos que se dedicam ao estudo da personalidade da criança têm

concluído, de forma unânime, que o depoimento prestado por infante, de um modo

geral não merece crédito, situação esta que acarretaria na isenção de

responsabilidade de qualquer criminoso que fosse acusado da prática de delitos

sexuais contra vítimas menores de 14 anos de idade, onde não houvesse

testemunhas presenciais maiores 18 anos de idade.

49

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após esta aprofundada análise do modo pelo qual se dá a prova penal em

matéria de crimes sexuais, em especial o “crime de pedofilia”, direcionada em

especial ao fato de a vítima ser, como própria exigência do tipo penal, pessoa menor

de idade, questiona-se a validade ou não do depoimento prestado por menor de

idade ao Juiz Criminal, é possível levantar inúmeras considerações.

Inicialmente, cumpre ressaltar, que restou demonstrado na pesquisa que o

trabalho do julgador, quando o assunto vem a ser a verificação do conjunto

probatório, a fim de, por meio das provas produzidas, se chegar a uma conclusão

capaz de modificar todo o destino de uma pessoa, é uma tarefa árdua e exigente de

todo um procedimento de raciocínio crítico por parte deste.

Com isso, resta evidente que, ao juiz compete uma tarefa que lhe exige

muito trabalho, pois este, ao estudar todo o caderno processual, que em

determinadas ocasiões é possuidor de muitas provas, por vezes contrárias entre si,

faz com que, a decisão final seja baseada em uma ou em outra prova que lhe fora

apresentada.

Além disso, verificou-se que as provas produzidas em Juízo, sejam elas

documentais, testemunhais, periciais devem passar por uma espécie de filtro, para

que, somente então, possam gerar seus efeitos, efeitos estes capazes de modificar

o convencimento do juiz analisador do caso concreto.

Não bastasse as circunstâncias do fato denunciado, ainda é exigido do

julgador uma análise geral das hipóteses previstas no artigo 59 e 68 do Código

Penal, no que concerne à aplicação da pena, ainda é preciso que este, utilizando-se

da totalidade de sua razão, faça o julgamento do fato que lhe é apresentado, até

mesmo em situações em que as provas são contraditórias entre si, para, por meio

50

do poder-dever que lhe é concedido pelo Estado, tomar sua decisão, que poderá

gerar inúmeros efeitos na vida de um ser humano.

E é com base na preocupação acerca do valor probatório que surge toda a

problemática sobre a confiabilidade ou não do depoimento prestado por menor de

idade, vítima de estupro de vulnerável, onde foram encontrados entendimentos

doutrinários totalmente antagônicos, ante o fato de autores defenderem fielmente

que esta espécie de depoimento é importante e que em decorrência da “inocência”

da criança deve ser considerado como válido, porém, há outra corrente doutrinária

que rechaça qualquer possibilidade deste depoimento ser ensejador de uma

condenação criminal, e defendem esta idéia argumentando que em razão da

imaturidade moral e psicológica da criança e do adolescente, estes são passiveis de

serem corrompidos por terceiros, ou ainda, que seus depoimentos podem conter

invenções, mentiras, fantasias, fábulas, oriundas da sua imaginação fértil.

Porém, a consideração a ser feita, é à que se destina a busca de um

entendimento sobre o tema, pois ficou demonstrado que, tanto no âmbito doutrinário,

como no âmbito jurisprudencial há, desde tempos antigos, essa discussão sobre o

valor probatório do depoimento infantil, em qualquer espécie de delito.

A solução, in thesi cabível é aquela que facilitaria o árduo trabalho do

julgador, que, ao analisar o depoimento prestado pelo menor, deverá confrontá-lo

com os demais depoimentos colhidos na instrução processual, se existentes, e ainda

com as outras provas de natureza diversa produzidas. Caso o depoimento infantil

esteja em consonância com o conjunto probatório, deve este ser aproveitado, e,

portanto, possível de ensejar uma condenação criminal.

Todavia, se este depoimento, prestado pelo menor estiver contrário ou

confrontando com aquele ou aqueles prestados pelas demais testemunhas, deveria

51

ser desconsiderado, sob pena de, o juiz, quando de sua decisão, fundamentar esta

em uma prova duvidosa e com pouca credibilidade.

É com base nesta conclusão, que é possível defender a noção daquilo que,

se não o é, é quase óbvio no Direito de que, cada caso deve ser analisado conforme

as circunstâncias que o norteiam, ou como aquele popular brocado de que, cada

caso é um caso, por isso, cumpre às partes do processo, quais sejam elas (juiz,

promotor, assistente de acusação ou defensor) verificar e esmiuçar dos depoimentos

colhidos quando da instrução criminal, o que melhor favorecer os interesses

daqueles que patrocinam, visando com isso a aplicação correta da Lei, dando o

sentido da verdadeira Justiça.

52

REFERÊNCIAS

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