PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE...
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE CAMPINAS
SILMA ÉDINA DE ARAÚJO MONTEIRO
COM RELAÇÃO AO ALUNO ADOLESCENTE... Um Estudo Psicopedagógico
CAMPINAS 2007
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SILMA ÉDINA DE ARAÚJO MONTEIRO
COM RELAÇÃO AO ALUNO ADOLESCENTE... Um Estudo Psicopedagógico
Monografia apresentada à Faculdade de Educação da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, como exigência parcial para a obtenção do título de especialista em Educação e Psicopedagogia Orientadora: Prof.ª Dr.ªMaria Silvia Pinto de Moura Librandi Rocha
PUC-Campinas 2007
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Dedico este trabalho às minhas filhas, Paula e Carolina, adolescentes em busca de um lugar
no mundo, como todos os meninos e meninas, apenas querendo dar sentido no viver.
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AGRADECIMENTO
Não haverá palavras suficientemente boas para agradecer as grandes contribuições que
recebi para a realização deste trabalho. Ao amigo e às amigas da Psicoped que transformaram os
encontros de estudos em oportunidades ímpares de reflexões e aprendizagens, e também em
agradáveis relações de amizade que permanecerão vivas em minha memória. Aos professores e
professoras que tão bem nos transformaram em colegas de trabalho, tamanhas as competências e
habilidades em ensinar a ensinar, buscando transcender às dificuldades no processo ensino-
aprendizagem por meio do conhecimento de como esse se dá, com valor especial à relação e à
mediação entre ensinante e aprendente.
Ao meu esposo, Romeu, que, como em todas as minhas empreitadas, se pôs ao meu lado e,
procurando trabalhar comigo supria a falta que eu lhe fazia. Pai de duas adolescentes e convivendo
com outros tantos, às vezes me servia de baliza e crítico das minhas idéias.
A todos esses e a mais alguns, meus eternos agradecimentos e felicitações.
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SUMÁRIO
DEDICATÓRIA.................................................................................................. 2
AGRADECIMENTOS........................................................................................ 3
RELAÇÃO DE TABELAS.................................................................................. 5
RESUMO........................................................................................................... 6
INTRODUÇÃO.................................................................................................. 7
CAPÍTULO I – DESENVOLVIMENTO DAS RELAÇÕES AFETIVAS............... 9
1 – Sobre o desenvolvimento humano...................................................... 9
2 – Adolescência. Algum problema?........................................................12
3 – Afetividade e processo ensino-aprendizagem.................................. 22
CAPÍTULO II – PROFESSOR-ALUNO ADOLESCENTE: UMA RELAÇÃO
POSSÍVEL?...............................................................................30
CAPITULO III – O ADOLESCENTE TEM LUGAR NA ESCOLA? ..................42
1 – A pesquisa......................................................................................... 42
2 – Metodologia....................................................................................... 44
3 – Resultados da pesquisa.................................................................... 46
CAPITULO IV – MAIS ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ................................. 55
1 – Sobre a escola e o aluno adolescente.............................................. 55
2 – Professor-aluno adolescente: Uma relação possível!........................57
BIBLIOGRAFIA............................................................................................... 73
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RELAÇÃO DE TABELAS
Página
Tabela 1 – Temas das matérias nas quais o adolescente é citado ...........................48
Tabela 2 – Quem fala nessas matérias .....................................................................48
Tabela 3 – Comunidade escolar – Quem fala I .........................................................49
Tabela 4 – Comunidade escolar - Quem fala II .........................................................49
Tabela 5 – População escolar na Rede Estadual do Estado de São Paulo ..............50
Tabela 6 – Tratamento dado ao adolescente ............................................................51
Tabela 7 – Relação professor-aluno ..........................................................................52
Tabela 8 – Comportamento e Relacionamento .........................................................53
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RESUMO As constantes reclamações de professores sobre as dificuldades encontradas nas relações
com alunos adolescentes podem, também, ser justificadas pelo desconhecimento ou
negação das características social e culturalmente constituídas e constitutivas da
adolescência normal. A baixa produção de estudos sobre o sujeito que vive esta fase do
desenvolvimento humano em contexto escolar dificulta o acesso ao conhecimento
necessário e, também por isso, a aceitação ao aluno adolescente com todas as
particularidades de um comportamento que oscila entre a apatia e a agressividade, entre o
isolamento e a euforia, não acontece com a naturalidade que deveria. Mesmo publicação
destinada, exclusivamente, à escola e aos profissionais da educação, cujo objetivo é
contribuir com a qualidade do ensino, não contempla o assunto na proporção de sua
relevância e ou necessidades docentes. O fato é que as dificuldades de relação não param
no comportamento e na falta de conhecimento do desenvolvimento adolescente, mas se
estendem pelo despreparo e insatisfação de professores, cansados e decepcionados com a
profissão, e que já não encontram energia para inovar e criar melhores condições para o
processo ensino-aprendizagem, o que o leva a um mau desempenho de suas funções que,
invariavelmente, reflete no desempenho e comportamento do aluno, levando, assim, a um
círculo vicioso – professor insatisfeito - aula desmotivada - aluno insatisfeito = relações
difíceis. Algumas das possibilidades de superação das dificuldades apontadas estão no
oferecimento de um ambiente acolhedor e flexível às inconstâncias e diversidades do
comportamento adolescente e na abertura da escola e dos professores à participação do
adolescente em atividades coletivas e nos âmbitos de organização e tomadas de decisões
da escola, nos quais o aluno se sentiria responsável, respeitado e ouvido, algumas das
condições necessárias para a afirmação de sua identidade e reestruturação da sua
personalidade, para, a partir daí, ser capaz de estabelecer e manter novas e saudáveis
relações sociais, dentro e fora da escola.
Palavras-chave: adolescência, relação professor-aluno, afetividade
7
INTRODUÇÃO
Talvez por uma questão pessoal, as relações entre adultos e os não adultos
me atraem. As questões voltadas aos relacionamentos me chamam a atenção por
sua susceptibilidade às contingências humanas, temporais e locais. A escola é
ambiente genuinamente produtor tanto das relações quanto das contingências que
condicionarão estas relações. Observar e interpretar as relações em ambiente
escolar é de grande valia para a educação, posto que se conferem elementos que
levam a compreender sua influência nos comportamentos de seus membros e as
implicações desses no processo ensino-aprendizagem.
Isto como premissa, um fato ocorrido durante a realização de um trabalho em
escola pública de Campinas-SP desencadeou, em mim, um sentimento capaz de
despertar uma onipotência momentânea e ilusória (claro!), tamanha a revelação que
se deu, muitas vezes imperceptível àqueles que estão no cotidiano da sala de aula,
com tantas ocorrências e intercorrências atravancadoras da implementação das
inúmeras exigências curriculares e institucionais, às quais têm de responder. A
atitude de uma aluna frente a uma determinada professora configurou-se numa cena
rica em diagnósticos que, se bem trabalhados, trariam grandes contribuições para a
melhoria na qualidade das relações interpessoais na escola e, conseqüentemente,
no processo ensino-aprendizagem.
Felizmente, hoje já se pode perceber uma benéfica diversificação nas reações
e nas relações dos alunos entre si e com os professores. Não se pode mais esperar
a uniformidade nos comportamentos e nos “resultados” do trabalho docente dirigido
ao aluno, embora muitas práticas pedagógicas sejam, ainda, massificadoras,
sobretudo quando se tem uma turma de 40 a 45 alunos explodindo do desejo de
relações interpessoais, tão próprias e intensificadas na escola.
Com base nas diversas teorias já estudadas, arrisco-me afirmar que a mais
importante mediação entre o aluno e o objeto do conhecimento não é exatamente o
professor, mas a relação estabelecida entre este e aqueles, já que o aluno percebe e
tem o aprendizado influenciado pelo domínio e pelo gosto que o professor demonstra
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pelo que ensina. Portanto, a qualidade dessas relações é um dos fatores
fundamentais no desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem.
As intermináveis reclamações frente às dificuldades na relação professor-
aluno, e em especial a relação com o aluno adolescente, sendo que tais dificuldades
são quase sempre atribuídas ao seu comportamento, foi o que me impulsionou para
a realização deste trabalho que, espero, possa contribuir com uma re-interpretação
do comportamento adolescente e com a construção de uma nova imagem do
adolescente, sem estigmas ou estereotipagens.
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Capitulo I O DESENVOLVIMENTO DAS RELAÇÕES AFETIVAS
1- Sobre o Desenvolvimento Humano
Há muito, desde as primeiras teorias filosóficas, se diz que o homem é um ser
relacional – como em Platão e a relação entre o homem e o transcendente, Hegel e a
relação do homem e a consciência, Marx e a relação homem-natureza, ou, ainda,
Nietzsche e a relação o homem consigo mesmo, com a máxima “... nosso corpo é
apenas uma estrutura social de muitas almas” (Nietzsche, Apud, Oliveira 2005).
Sempre que, histórica, antropológica ou ontologicamente se estuda o homem, este
está, invariavelmente, “em relação à”.
Assim, é uma verdade irrefutável que o homem precisa do outro – ou dos
outros – para garantir subsistência, sobrevivência, descendência, assim como o
desenvolvimento individual e o da espécie a qual pertence.
Para subsistir, o homem depende biologicamente de genitores ou de seus
substitutos; para sobreviver depende emocional, psíquica, econômica e
culturalmente de seus iguais; para eternizar a espécie, precisa de um parceiro e
gerar descendentes. Para desenvolver-se, o homem precisa de todos esses e de
mais alguns, de acordo com o tipo de desenvolvimento a que se refere ou que se
pretende.
Outra verdade, cada vez menos contestável, é a de que o homem precisa de
um meio apropriado, favorável ao seu desenvolvimento. Apenas a estrutura fisiológica humana, aquilo que é inato, não é suficiente
para produzir o indivíduo humano, na ausência do ambiente social.
As características individuais (modo de agir, de pensar, de sentir,
valores, conhecimentos, visão de mundo, etc.) dependem da
interação do ser humano com o meio físico e social. Vygotsky chama
a atenção para a ação recíproca existente entre o organismo e o meio
e atribui especial importância ao fator humano presente no ambiente.
[...] Quando isolado, privado do contato com outros seres, entregue
apenas a suas próprias condições e a favor dos recursos da
natureza, o homem é fraco e insuficiente (REGO, 1995, p. 57-58).
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Na maioria das culturas, o primeiro espaço social do indivíduo é a família. Esta
deve proporcionar, em primeiro lugar, seu desenvolvimento biológico, alimentando-o,
protegendo-o. E, já que, “o indivíduo se constitui enquanto tal não somente devido
aos processos de maturação orgânica, mas, principalmente, através de suas
interações sociais, a partir das trocas estabelecidas com seus semelhantes” (REGO,
1995, p.109), a família, natural ou substituta, é extremamente importante para a
estimulação dos primeiros processos do desenvolvimento emocional, cultural e social
da pessoa, o que também não será suficiente por muito tempo.
Em muitas culturas, a maioria das crianças aumenta significativamente suas
relações ainda no início da vida, quando passa, por exemplo, a freqüentar
instituições educacionais. Neste ambiente, principalmente nos primeiros anos, as
relações são, freqüentemente, confundidas com as relações familiares, sobretudo
pela criança que, até que saiba identificar sua personalidade e a dos outros, correspondendo a
primeira ao eu e a segunda à categoria do não-eu, encontra-se num
estado de dispersão e indiferenciação, percebendo-se como fundida
ao outro e aderida às situações e circunstâncias (GALVÃO, 1995,
p.50).
Os ambientes – casa, escola e outros – são diferenciados, mas as funções e o
lugar de educadora e mãe não se encontram, ainda, ordenadas na compreensão da
criança.
Importante lembrar que nessa fase a relação com a professora é intensa,
normalmente, amistosa, sinestésica, inclusive com o uso de tratamento familiar como
“Tia”. Mesmo que haja relacionamentos mais ríspidos, estes se dão com menor
freqüência se comparados aos outros.
Por volta dos 3 anos, aparecem os sinais de que a criança começa a delinear
e a delimitar sua personalidade, por uma afirmação do eu e pela negação do outro,
que pode aparecer separada, concomitante ou, ainda, alternadamente, como
apresenta Wallon que chamou a este período de estágio personalista, marcado por
conflitos interpessoais (Galvão, 1995, p. 55).
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A crise de oposição ao outro constitui uma fase combativa, de
negação e de volta para dentro de si, que se origina da necessidade
da criança de reconhecer a sua existência e de sentir a sua própria
independência em relação ao outro [...] ao mesmo tempo que a
criança se opõe a tudo, apenas para marcar sua posição (DER, 2004,
p.68).
É comum ver os pequenos disputando os espaços, a professora, as atenções,
como fazem em casa, com a mãe e os irmãos, numa atitude hedonista, e numa
insistente tentativa de chamar a atenção sobre si. E, ainda que “para Wallon, a
evolução da criança é descontínua, cheia de conflitos, antagonismos e oposições, e
entre um estágio e outro existem trocas de níveis e mutações” (DUARTE; GULASSA,
2000, p.28), há sempre uma estimativa para a duração ou para a passagem de uma
fase à outra que, no caso da fase descrita acima, deve durar, aproximadamente, até
os 6 anos de idade.
A partir desta idade o grau de exigência na escolarização aumenta e passa a
estimular outras modalidades do pensamento que, por meio das atividades desenvolvidas e os conceitos aprendidos na escola
introduzem novos modos de operação intelectual: abstrações e
generalizações mais amplas acerca da realidade. Como
conseqüência, na medida em que a criança expande seus
conhecimentos, modifica sua relação cognitiva com o mundo (REGO,
1995, p.103-104).
Conforme avança em idade e experiências, a criança vai, ainda, tomando uma real
consciência de si e, com tudo isso, torna-se capaz de certa acomodação das
angustias provocadas pelos consecutivos conflitos, ora pela indiferenciação, ora pela
negação, ora pela oposição, ora pela aproximação, o que vai lhe trazer a percepção
e, por conseguinte, a segurança de que tem um lugar na vida das pessoas e no
mundo.
Dá-se, então, início a uma fase fecunda, o estágio categorial, durante o qual
passa a dominar várias habilidades e capacidades responsáveis por viabilizar a
construção coerente do pensamento.
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[...] A formação de categorias intelectuais possibilita à criança a
identificação, a análise, a definição e as classificações dos objetos e
situações [...]. Toma conhecimento a respeito de si próprio e, cada
vez mais, tem condições de se posicionar diante de situações
conflituosas que emergem do meio (AMARAL, 2000, p.57).
Porém, a “calmaria” não dura muito e, em pouco tempo, vai dando lugar aos
questionamentos e inquietações, agora, da adolescência, que vão provocar novas
transformações na qualidade, na intensidade e na intencionalidade das relações.
O que, num primeiro momento, pode parecer uma questão apenas social, uma
vez que impacta mais visivelmente nas relações, é, também, uma somatória de
fatores biológicos e psicológicos, mais ainda intensificados pelas alterações físicas,
inerentes à puberdade, que, seguramente, vão interferir no comportamento da
pessoa que já não se vê como criança, mas também não se localiza no mundo dos
adultos. Talvez seja esse o principal dilema da adolescência - estágio do
desenvolvimento muito vulnerável aos efeitos da afetividade, justamente por conta
dos conflitos socialmente assumidos como naturais da idade, e que demandam uma
espécie de retomada da estruturação do indivíduo, colocando em cheque sua
identidade para consolidar sua personalidade. Vê-se, portanto, que o conflito eu-outro não é uma vivência exclusiva do estágio
personalista. Na adolescência, fase em que se faz necessária a re-
construção da personalidade, instala-se uma nova crise de oposição.
Com a mesma função da crise personalista, a oposição da
adolescência apresenta-se, todavia, mais sofisticada do ponto de
vista intelectual [...]. Diferente da criança pequena, que é mais
emocional na vivência de seus conflitos, o adolescente procura apoiar
suas oposições em sólidos argumentos intelectuais (GALVÃO, 1995,
p. 55).
2- Adolescência. Algum problema?
Embora correlatas e, normalmente, concomitantes, puberdade e adolescência
não devem ser entendidas como fenômeno único. A primeira é marcada por grandes
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e importantes mudanças físicas, bioquímicas e fisiológicas no organismo que,
somadas às interpretações e expectativas sócio-culturais a partir destas mudanças,
vão desencadear alterações e aquisições psicossociais que caracterizarão a
segunda.
Para a legislação brasileira, conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente
– ECA -, essa fase tem início aos 12 anos completos e se estende até os 18 anos
(CMDCA, 1999, p.7). Nas definições do Aurélio, adolescência é um período que se
estende, aproximadamente dos 12 aos 20 anos. Para alguns estudiosos, como os
adeptos da teoria walloniana sobre o desenvolvimento humano, essa fase começa
em torno dos 11-12 anos (MAHONEY; ALMEIDA, 2007, p.59); para Jesus Palácios, o
período começa a partir dos 12-13 anos e segue até o final da segunda década da
vida (2004, p. 263). Ainda, para Arminda Aberastury e outros, “os fatos indicam que
nas adolescentes [as características da adolescência]1 se estende dos 12 aos 21
anos, e nos rapazes dos 14 aos 25 anos em termos gerais” (1981, p.89). É consenso
entre a maioria dos estudiosos que tais variações se dão por influência do meio
social no qual o sujeito está inserido, o que significa dizer que a adolescência foi e é
social e culturalmente construída e que “o comportamento adolescente é
culturalmente determinado” (MUUSS, 1976), com grandes diferenças nas várias
culturas, etnias, épocas e classes sociais. Bons exemplos disso são os rituais de
passagem que, muitas vezes, beiram a crueldade e que ainda são realizados em
algumas culturas indígenas, nos quais o indivíduo é infante ao ser submetido a uma
espécie de preparação para outra vida e depois de alguns dias de reclusão,
atividades de danças, bendições, orações, testes de resistência, etc., passa,
automaticamente, à condição de adulto e, por conseguinte, à pertença de um clã
adulto e com as conseqüentes responsabilidades.
Fatos da atual conjuntura sócio-econômica nacional, por exemplo,
demonstram grandes diferenças na adolescência vivida por indivíduos de classes
sociais distintas; enquanto adolescentes das classes economicamente mais pobres
são, frequentemente, obrigados a trabalhar antes dos 14 anos, idade a partir da qual,
segundo o ECA, o trabalho é permitido (CMDCA, 1999, p. 22), muitos outros,
1 Destaque meu.
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pertencentes às classes sociais mais ricas, vão se inserir no mercado de trabalho
mais tardiamente, após os 22 anos, quando terminam o ensino superior, mantendo-
se na dependência econômica dos pais por mais tempo.
As responsabilidades impostas pelo trabalho são capazes de proporcionar
certo grau de independência e autonomia, e suas exigências cognitivas e atitudinais
com relação à assiduidade, pontualidade, adequação às regras e normas, etc.,
impõem um amadurecimento pessoal, o que, naturalmente, a pessoa a elas
submetida poderá viver um período reduzido da adolescência, antecipando a
adultidade.
Ainda há os sujeitos que, graças às inúmeras atividades de cunho esportivo,
cultural e de ensino, às quais são inseridos desde muito cedo por seus pais que, na
ânsia de garantir-lhes um espaço na concorrida sociedade, os sobrecarregam com
compromissos, afastando-os da infância e inserindo-os cada vez mais cedo na
adolescência, uma vez que esta também pode ser caracterizada pelo aumento nas
relações sociais estabelecidas pelo sujeito.
Tanto uma situação como as outras poderão contribuir e interferir na duração
e nos modos de manifestação da adolescência e, na medida em que o adolescente não encontre o caminho adequado
para a sua expressão vital e para a aceitação de uma possibilidade
de realização [de acordo com o que seu meio espera e o induz a
desejar] , não poderá jamais ser um adulto satisfeito. A tecnificação
da sociedade, o domínio de um mundo adulto incompreensível e
exigente, a burocratização das possibilidades de emprego, as
exigências de uma industrialização mal canalizada e uma economia
mal dirigida criam uma divisão de classes absurda e ilógica que o
indivíduo tenta superar mediante crises violentas, que podem se
comparar as verdadeiras atitudes de caráter psicopático da
adolescência. Muitas outras vezes, frente a estas vicissitudes, a
reação da adolescência, ainda que violenta, pode adotar a forma de
uma reestruturação egóica revolucionária, que conduz a uma
liberação desse superego social cruel e limitador. É então a parte
sadia da sociedade que se refugia no baluarte de uma adolescência
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ativa, que canaliza as reivindicações lógicas que a própria sociedade
precisa para um futuro melhor (KNOBEL, 1988, p.54).
Nos estudos sobre desenvolvimento humano, duas abordagens são bastante
importantes – a biogenética e a sócio-histórica. O primeiro representante da primeira
e, freqüentemente considerado pai da “Psicologia da Adolescência”, Stanley Hall
criou a lei da recapitulação na qual o indivíduo revive todo o desenvolvimento da espécie humana, desde
o estágio quase animal nas eras primitivas [...] até os mais recentes
modos civilizados de vida que caracteriza a maturidade. [...] Dessa
teoria decorre que o desenvolvimento e seus acompanhamentos
comportamentais ocorrem num padrão inevitável, imutável e
universal, a despeito do ambiente sociocultural (MUUSS, 1969, p.25).
Afirmações extremadas como esta, também por seu caráter generalizante,
podem situar-se ao nível do senso comum, cuja maior característica é a tendência à
generalização na interpretação dos fatos. Essa atitude costuma ser responsável pela
criação de estereótipos e padrões. “Seria, sem dúvida, uma grave supersimplificação
do problema da adolescência atribuir todas as características do adolescente à sua
mudança psicobiológica, como se realmente tudo isto não estivesse ocorrendo num
âmbito social” (KNOBEL, 1988, p.51).
Como toda estereotipagem, o que vem acontecendo com relação à
adolescência beira a injustiça. Embora exista uma infinidade de adultos dramáticos e
vivendo eternos conflitos, não se faz referência à adultez como fase dramática e
conflituosa. Ainda que haja crianças muito agressivas, não se percebe nenhuma
tendência a elevar esse tipo de comportamento ao nível de característica da infância. Estudos antropológicos mostram variedades de manifestações de
vida em comum do ser humano, que logicamente, na adolescência,
marcam-se como características salientes, mas que de nenhuma
maneira implicam uma negação das características básicas
fundamentais que são as que podem descrever o adolescente (Idem,
p. 52).
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Por que, então, imprimir tais estigmas aos adolescentes, uma vez que a
dramaticidade, a agressividade ou qualquer outra expressão podem ser
manifestadas em toda e qualquer fase da vida, não se firmando como exclusividade
do adolescente, além de não necessariamente vividas por todos os que se
encontram nessa idade?
“É importante destacar que foi precisamente um fenômeno social, o
desenvolvimento da delinqüência juvenil nos Estados Unidos da América do Norte,
que influiu enormemente para que se fizessem estudos extensos e prolixos a
respeito da adolescência” (ibid. p.51).
Muuss lembra que no conceito de Stanley Hall, a adolescência é descrita
como um período de Sturm und Drand: ”tempestade e tensão”. É uma analogia a um
movimento literário alemão “cheio de idealismo, compromissos com um objetivo,
revolução contra o arcaico, manifestação de sentimentos pessoais, paixão e
sofrimento [...]. Na teoria da recapitulação, a adolescência corresponde à época em
que a raça humana passava por um período de turbulência e transição” (MUUSS,
1969, p.27).
Transição sim, mas não necessariamente turbulenta, é o que apresenta Jesus
Palácios quando cita uma pesquisa feita pela antropóloga Margaret Mead com meninos e meninas de Samoa que atravessam as mudanças
fisiológicas que levam da infância à maturidade, não apresentam
nenhum sinal especial de tensão, de turbulência ou de dificuldades.
Pelo contrário, parece que na Samoa que Mead observou tudo levava
a realizar uma transição fácil e sem problemas: os meninos e
meninas já vinham sendo introduzidos na vida dos adultos e suas
responsabilidades, ainda que de maneira gradual e adequada às
suas possibilidades [...] A adolescência era, naquela Samoa, uma
agradável época da vida (PALÁCIOS, 2004, p.268).
Isto nos remete a lugares e tempos não muito distantes. Basta sair pelo
interior do Brasil e ouvir as histórias de senhoras e senhores em torno de 60/70 anos
para descobrir essa Samoa aqui mesmo. Ainda muito pequenos, os meninos tinham
de acompanhar seus pais nos trabalhos do campo e as meninas ficavam com suas
mães, encarregadas dos trabalhos domésticos, confirmando-se, assim, as
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observações de Mead sobre as responsabilidades assumidas desde muito cedo.
Como também não havia muito empenho numa formação acadêmica, mesmo porque
o acesso à escolarização era e ainda é muito difícil nas zonas rurais, não se tinha
outra opção a não ser a de se casar e constituir família, o que acontecia muito
precocemente. Por volta dos 13/15 anos as meninas, no início da adolescência, já
estavam assumindo função de mães de família e, por isso, não havia tempo nem
motivos para viver as inconstâncias da adolescência, já que passavam da infância
diretamente à vida adulta. O que se diferencia da “agradável época da vida” vivida
em Samoa, portanto, é que não necessariamente esses fatos são encarados ou
vividos com tranqüilidade em nossa cultura ocidental, sobretudo, em nossos dias. O
fato de terem sido, ou ainda serem, submetidos a essa abreviação da adolescência,
e até da infância, traz certo sofrimento para esses que tem uma importante etapa da
vida suplantada, sem a qual não acumularão a experiência necessária para,
posteriormente, compreender e ou contribuir com a formação de seus sucessores
quando chegarem a essa fase. E, vale ressaltar que essa vivência não é uma opção,
mas uma falta de opção para jovens e adolescentes que se pudessem,
possivelmente, iriam preferir uma vida com mais experiências e maiores
possibilidades de lazer e cultura. Haja vista o êxodo rural iniciado na década de 50
com a construção de Brasília, se intensificando na década de 60 com o processo de
industrialização, e se estendendo com força pelas décadas subseqüentes,
demonstrando, assim, uma insatisfação com a limitação imposta pela monotonia e
precariedade normalmente comuns à vida no campo, limitada ao trabalho e às
responsabilidades assumidas desde muito cedo.
Assim, a adolescência não pode ser um fenômeno determinado apenas por
fatores biológicos, como acontece na puberdade, e nem, tão somente, por fatores
psicológicos. É claro que a idade pode influenciar comportamentos, mas não só. O
contexto, as contingências, as épocas, os ambientes, as questões sociais, enfim, são
tão responsáveis e interferem nas atitudes e comportamentos do adolescente quanto
qualquer outro fator. Na esteira das contribuições da antropologia cultural, tem
havido, nos últimos anos, uma certa tendência a adotar uma posição
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oposta à convencional que consistia em considerar a adolescência
como uma época particularmente agitada. Assim, chegou-se a afirmar
que a adolescência é apenas um produto cultural, e que seu caráter
mais ou menos suave ou agitado é apenas uma das conseqüências
das experiências que cada cultura oferece a seus membros jovens.
Chegou-se a afirmar que a adolescência não é fundamentalmente
uma época de tensões (Ibid).
Penso que Jesus Palácio tem razão quando supõe que a maior parte dos
adolescentes se encontra entre os dois modelos apresentados – a tormenta e a
tranqüilidade.
A nossa atual sociedade urbana alimenta idéias sobre a adolescência que já
estão inculcadas e aculturadas, inclusive, pelos próprios adolescentes, como se pode
perceber na fala de uma estudante que procurava justificar seu estado de ânimo e
comportamento: “Ah! Eu sou meio louca! Um dia estou afim de estudar, outro dia não
me interesso por nada. Fico com preguiça. Bagunço, atrapalho a aula. Sei lá! Acho
que é por causa desses hormônios”. Ou seja, já se aprendeu a justificar o
comportamento única e exclusivamente como uma reação à ação dos hormônios.
Assim, acaba-se por naturalizar atitudes inadequadas, em lugares impróprios para
determinadas posturas, além de mascarar problemas mais abrangentes como
dificuldades de “ensinagem” e aprendizagem.
Com base neste e nos exemplos anteriores, penso não ser imprescindível ser
um cientista, teórico ou especialista para discutir temas tão intrínsecos à vida de todo
e qualquer indivíduo. Viver a infância e conviver com uma criança; ter sido
adolescente ou estar próximo de um; ser idoso ou ter alguém nessa condição, são
situações suficientemente boas para falar e argumentar, com propriedade, sobre as
características dessas etapas da vida, com as especificidades, belezas e dificuldades
próprias de cada uma. O que não se pode é ter um olhar restrito e reducionista, às
vezes, discriminatório e preconceituoso sobre elas, a despeito de um olhar cauteloso,
crítico, capaz de ver além da pessoa, e enxergar os contextos aos quais ela submete
e é submetida.
Justamente pela falta de um olhar capaz de transcender o fato, o sujeito, o ato
em si, muitos são os rótulos estampados na pessoa do adolescente que, na maioria
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dos casos, é visto como transgressor e afrontoso das regras estabelecidas. Há que
se considerar, porém, que o convívio social e nossas estruturas institucionais fazem-nos ver que
as normas de condutas estão estabelecidas, manejadas e regidas
pelos indivíduos adultos da nossa sociedade. É sobre esta
intercorrelação de gerações, e desde o ponto de vista regente e
diretivo, que podemos, e creio eu que devemos, estar capacitados
para observar a conduta juvenil como algo que aparentemente é
seminormal ou semipatológico, mas que, entretanto, frente a um
estudo mais objetivo, desde o ponto de vista da psicologia evolutiva e
da psicopatologia, aparece realmente como algo coerente, lógico e
normal (KNOBEL, 1988, p.29).
As próprias instituições formadoras como a família e a escola tendem a
estigmatizar o adolescente. Não raro o adolescente é, nesses ambientes, nomeado
“aborrescente”, como aquele que aborrece ou está aborrecido o tempo todo.
Como se pode atestar em várias citações neste trabalho, Mauricio Knobel traz
grandes contribuições aos educadores e pais de adolescentes, sobretudo quando
sistematiza, de modo muito coerente, as características da adolescência na
sociedade ocidental, descrevendo a sintomatologia do que ele chama de “síndrome
normal da adolescência”, salvaguardadas as peculiaridades culturais e individuais.
São dez os sintomas como se seguem: 1- busca de si mesmo e da identidade; 2- tendência grupal; 3-
necessidade de intelectualizar-se e fantasiar; 4- crises religiosas que
podem ir desde o ateísmo mais intransigente até o misticismo mais
fervoroso; 5- deslocalização temporal, onde o pensamento adquire as
características do pensamento primário; 6- evolução sexual
manifesta, que vai do auto-erotismo até a heterossexualidade genital
adulta; 7- atitude social reivindicatória com tendências anti ou
associais de diversa intensidade; 8- contradições sucessivas em
todas as manifestações da conduta, dominada pela ação, que
constitui a forma de expressão conceitual mais típica deste período
da vida; 9- uma separação progressiva dos pais; constantes
flutuações do humor e do estado de ânimo (ibid.).
20
Se apresentadas essas atitudes para qualquer profissional sem que se
mencione a idade de quem as executam, poder-se-ia pensar tratar de um psicopata,
mas uma vez declarada a fase adolescente pela qual o sujeito estivesse passando,
para Knobel, tais atitudes, por seu caráter circunstancial e transitório, devem ser
consideradas absolutamente normais.
Infelizmente, nossas escolas, os educadores e os pais, em sua grande
maioria, justamente os que lidam direta e diuturnamente com tais sujeitos, não têm o
conhecimento de tudo isso, o que ocasiona a rotulação, os estigmas já mencionados
e, pior, têm atitudes muito inadequadas frente às atitudes adolescentes, de modo, aí
sim, a criar um clima de conflitos e muitas vezes violentos. “É o mundo adulto que
não suporta as mudanças de conduta no adolescente, quem não aceita que o
adolescente possa ter identidades ocasionais, transitórias, circunstanciais, [...] e
exige dele uma identidade adulta, que logicamente não tem por que ter” (Idem, p.55).
Aliás, segundo Stuart Hall, a identidade permanece sempre incompleta, está sempre ‘em processo’, sempre
‘sendo formada’ [...]. Assim, em vez de falar da identidade como uma
coisa acabada, deveríamos falar de identificação, e vê-la como um
processo em andamento. A identidade surge não tanto da plenitude
da identidade, mas de uma falta de inteireza que é ‘preenchida’ a
partir de nosso exterior, pelas formas através das quais nós
imaginamos ser vistos por outros (HALL, 2004, p.38-39).
Isto leva-nos a uma questão também muito séria. Se nossa identidade tem
como base a idéia do que os outros fazem de nós, e se o adolescente vive uma fase
em que sua identidade está sendo reestruturada, qualquer afirmação que façamos
com relação à pessoa do adolescente vai influir em como ele vai construir essa nova
ou mais elaborada identidade. A conquista do autoconceito [...] vai se desenvolvendo à medida que
o sujeito vai mudando e vai se integrando com as concepções que
muitas pessoas, grupos e instituições têm a respeito dele mesmo, e
vai assimilando todos os valores que constituem o ambiente social
(KNOBEL, 1988, p.31).
21
Mas, essa assimilação não é feita passivamente, compõe-se, também, de
muitas contestações. Justamente pelo fato de que as normas, as condutas, os
valores sociais, são construídos, ditados pelos adultos, muitas vezes, serão
questionados pelo adolescente que tende a se sentir oprimido ou limitado por muitos
desses, até porque ainda não fazem parte de seu mundo, ou ele não faz parte,
ainda, desse mundo. Então, a velha lei da atração e repulsão magnética terá valores
opostos – aqui os iguais se atraem – e, num comportamento defensivo o adolescente
procura a uniformidade em seus pares. “Aí, surge o espírito de grupo pelo qual o
adolescente mostra-se tão inclinado” (Idem, p.36).
Para os pais, o filho passar a pertencer, freqüentar e imitar um grupo é um dos
fatos mais difíceis de suportar, porque pode significar rejeição, separação e
afastamento da família. Pode ser à primeira vista, mas tudo o que grande parte dos
adolescentes não quer é separar-se dos pais, mesmo porque a entrada no mundo
adulto é indefinida, incerta, e suas atitudes são de quem tateia à procura de algo no
escuro. Nesse sentido, as pessoas em quem confia e que já se encontram “do lado
de lá” serão a luz que proporcionará a lucidez que ele precisa alcançar. Essa atitude
adolescente é uma das lutas mais desapiedadas que se desenvolve em defesa da
independência, num momento em que os pais desempenham ainda
um papel muito ativo na vida do indivíduo. É por isso que o fenômeno
grupal adolescente procura um líder ao qual submeter-se, ou então,
erige-se ele mesmo em líder para exercer o poder do pai ou da mãe
(Idem, 37).
Por isso, também, é que as coisas não são fáceis para o adolescente que vive
um processo de ganhos, sim, mas também de perdas muito significativas. A perda do
corpo e do seu papel infantil que não admite como sendo ele a abandoná-los, mas
imagina que lhe são negados, além da perda dos pais infantis que não querem
continuar cuidando e protegendo-o como sempre fizeram. “Mas, a presença
internalizada de boas imagens parentais, com papéis bem definidos, e uma cena
amorosa e criativa, permitirá uma boa separação dos pais, um desprendimento útil, e
22
facilitará ao adolescente a passagem à maturidade, para o exercício da genitalidade
num plano adulto” (Idem, p.57), quando assumirá, ele mesmo, o papel do genitor. Os pais são muito necessários no manejo de seus próprios filhos
adolescentes que estão explorando um círculo social após outro, por
causa da sua capacidade de entrever melhor do que seus filhos
podem, quando esta progressão de um círculo social limitado para
outro ilimitado é rápida demais, talvez por causa dos elementos
sociais perigosos na vizinhança imediata, ou por causa dos desafios
que fazem parte da puberdade e do desenvolvimento rápido da
capacidade sexual (WINNICOTT, 1983, P.87).
Nem todos os processos acontecem ao nível da consciência, ao contrário,
muito são inconscientes, e, “embora conscientemente desejem crescer em todos os
planos e ser como os pais, algo lhes faz temer a condição de adulto e reagem de
uma maneira paradoxal” (ABERASTURY, et al p.68).
3- Afetividade e processo ensino-aprendizagem Há uma premissa vigente no senso comum que considera o aspecto positivo
da afetividade como a própria afetividade e suas manifestações. Apenas as pessoas
carinhosas são definidas como afetivas. E isto aponta para uma outra tendência que
é a idéia de que a demonstração da afetividade se dá por meio do contato físico –
beijinhos, afagos, abraços. Há aí alguns equívocos: em primeiro lugar, a afetividade
não necessita do toque para ser sentida ou expressada. Um olhar, uma palavra, um
murmúrio ou apenas a entonação da voz é suficiente para perceber a afetividade,
tanto quanto a palidez ou o rubor da face são suficientes para expressá-la; em
segundo lugar, não, necessariamente, a afetividade, manifestada pelo toque ou não,
será positiva no sentido de comunicar algo agradável, prazeroso, bom. Se for por
meio de um contato físico, a força nele empregada, o peso da mão de quem toca,
dará o significado e o sentido da afetividade que o sujeito pode identificar como uma
manifestação de raiva, carinho, proteção, contenção, atenção, etc. E, quase
invariavelmente, produzirá uma resposta, uma reação permeada do mesmo sentido.
Ana Archangelo descreve uma situação bem característica quando conta
experiências de professores e alunos em sala de aula:
23
Primeiro dia de aula. Lá no fundo tinha um menino. De repente um
aluno falou: ‘Dona Noemi, o macaco tá acostumado a bater em
professora’. Eles passavam por escola, a professora não agüentava,
mandava embora, expulsava [...] Ele tinha uma cabeleira dessa
altura. Eu, morrendo de medo aqui dentro, fiz igual arregaçar a
manga. Eu falei: ‘Meu avô diz que não pode deixar para amanhã o
que pode resolver hoje. Vamos resolver hoje’. E fui pro lado dele,
sabe? Mas quando eu fui caminhando, eu fui pedindo a Deus que me
desse amor por aquele menino. Quando eu cheguei perto dele e pus
a mão na sua cabeça, sabe aquele gatinho desmilingüir? Ele se
derreteu, não me enfrentou. Eu não pus a mão para agredir, eu pus
com amor. Ficou meu amigo. Ele roubava garrafa da minha mãe,
parou de roubar garrafa. [...] Bom, aí esse menino saiu da escola. Um
dia eu vou lá no abrigo de meninos, tinha uma prisão de crianças. Eu
chego lá, vi o Edson, me deu uma dor no coração. ‘Edson, o que cê
tá fazendo aqui?’ Ele abriu um sorriso: ’dona Noemi, eu não tô preso,
eu sou pedreiro, eu tô consertando o chão’ (2004, 98).
Além de excelente imagem que concretiza a expressão da afetividade pelo toque e a
respectiva resposta, esse é também um exemplo de como a afetividade pode
interferir na formação da personalidade.
A Psicanálise “revelou a existência de vínculos afetivos positivos e negativos
(do sujeito com objetos e situações) que podem assumir diferentes intensidades e se
orientar em estruturas de conduta de personalidade, ou esquemas de reação com
menor ou maior grau de estabilidade” (VISCA, 2000, p.51).
A afetividade refere-se à capacidade, à disposição do ser humano de ser afetado
pelo mundo externo/interno por sensações ligadas a tonalidades
agradáveis ou desagradáveis. Ser afetado é reagir com atividades
internas/externas que a situação desperta. A teoria aponta três
momentos marcantes, sucessivos na evolução da afetividade:
emoção, sentimento e paixão. Os três resultam de fatores orgânicos e
sociais, e correspondem a configurações diferentes: na emoção, há
predomínio da ativação fisiológica, no sentimento, da ativação
24
representacional, na paixão, da ativação do autocontrole (MAHONEY,
ALMEIDA, 2005, p.19-20).
Em todo e qualquer contexto social haverá a incidência da afetividade e, com
intensidades e permanência variadas de acordo com a fase de desenvolvimento
humano e contingências às quais os sujeitos estejam submetidos. Na escola,
sobretudo na sala de aula, professor e aluno são afetados um pelo outro, e, ambos, pelo
contexto onde estão inseridos; a não satisfação das necessidades
afetivas, cognitivas e motoras prejudica a ambos, e isso afeta
diretamente o processo ensino-aprendizagem: no aluno, pode gerar
dificuldades de aprendizagem; no professor gera insatisfação,
descompromisso, apatia [...] (MAHONEY, ALMEIDA, 2005, p.13).
Segundo a teoria do desenvolvimento de Wallon já abordada anteriormente, “o
conjunto afetivo está mais evidenciado nos estágios do personalismo, e da
puberdade e adolescência” (Idem, p.18). Isto explica a intensidade com que as
manifestações afetivas nas relações com e entre os adolescentes, normalmente,
acontecem.
“Em cada estágio do desenvolvimento há uma alternância de movimentos e
direções [...] quando o movimento é para si mesmo (centrípeta) o predomínio é
afetivo. E quando a direção é para o mundo exterior (centrífuga), o predomínio é do
cognitivo” (Idem, p.19). Considerando os sintomas, muitas vezes, visíveis nas
atitudes e comportamentos característicos de cada idade, isso nos leva a entender
porque, normalmente, sentimos maior facilidade em olhar para o outro que olhar para
si mesmo. Talvez seja dessa dificuldade no contato com o mundo interior o fato de
procurarmos, quase sempre, encontrar nos outros a culpa pelos nossos fracassos e
limitações. No plano cognitivo, no qual a racionalidade predomina, é mais factível
julgar e agir a partir do julgamento. Aí, ainda que considerando todo o caráter
abstrato do funcionamento da mente, normalmente, a ação é mais acertada, mais
equilibrada, mais previsível, porque mais objetiva e mais constante entre os sujeitos.
Ou seja, “pensar para fora” é mais fácil. “Pensar para dentro”, é entrar no plano
afetivo, é estar em contato com as emoções, sentimentos e paixões. Plano muito
25
mais subjetivo e imprevisível, posto que envolve sensibilidades e disposições
internas extremamente particulares. Sob um olhar racional, todos concordamos que
“mãe” é a genitora e/ou a responsável pela criação e educação de um indivíduo; sob
um olhar afetivo “mãe” pode ser tudo, desde uma pessoa detestável, até a mais
amável e amada das criaturas. Então, pode-se dizer, também, que a afetividade está
no campo do imprevisível e do imponderável.
A emoção, expressão física da afetividade, está presente desde o nascimento,
e é por meio dela que a comunicação e a interação são estabelecidas com o mundo
exterior. O choro do recém-nascido, por exemplo, é um modo de comunicar que algo
o está afetando, nesse caso, de modo negativo – algo o está desagradando. Quando
um bebê movimenta os membros, ainda que desordenadamente, pode ser uma
manifestação afetiva – dessa maneira ele demonstra alegria ao ver a mãe, por
exemplo – a presença da mãe o afeta. Essa é a primeira função da emoção:
mobilizar alguns que vão satisfazer as necessidades de outros. Ninguém consegue
ficar inerte ao choro, grito ou gesto de uma criança.
Um outro equívoco muito comum é a substituição ou equivalência entre
emoção e afetividade, como se fossem sinônimos. Todavia, não o são. A Afetividade é um conceito mais abrangente no
qual se inserem várias manifestações. As emoções possuem
características específicas que se distinguem de outras
manifestações da afetividade. São sempre acompanhadas de
alterações orgânicas, como aceleração dos batimentos cardíacos,
mudanças no ritmo da respiração, dificuldades na digestão, secura na
boca [...] as emoções provocam alterações na mímica facial, na
postura, na forma como são executados os gestos (GALVÃO, 1995,
p.61-62)
e são altamente contagiantes.
De acordo com as oscilações viscerais e musculares, as emoções podem ser
diferenciadas em medo, raiva, alegria, tristeza, ciúme, prazer, etc. Cada emoção
apresentará sinais característicos que deverão ser interpretados à luz dos contextos,
situações e, principalmente, das motivações no momento de sua expressão. “A
26
emoção dá rapidez às respostas, de fugir ou atacar, em que não há tempo para
deliberar” (MAHONEY, ALMEIDA, 2005, p.20).
A emoção é fundamental para o desenvolvimento mental. A correspondência
aos estímulos internos coloca o indivíduo em contato com o mundo e com os outros,
e é partir destes contatos que ele vai se condicionando a uma adequação das
manifestações de suas próprias emoções, de forma tal que uma convivência social
seja possível. É de extrema importância que o indivíduo tenha espaços onde possa
manifestar suas emoções e, também, que presencie e participe e aprenda com as
manifestações emotivas de outros. Só assim terá condições de comparação e
consciência de outras possibilidades de manifestação ou de controle das emoções.
Um aluno que assiste à professora, embora com muita raiva, dominar uma situação
conflituosa, com ponderação, tolerância e compreensão dos fatos, poderá entender
que a sua própria raiva pode ser administrada e não é pelo fato de existir que tem de
ser levada a cabo, descarregando-a de maneira violenta. Esse exercício proporciona
o amadurecimento cognitivo/afetivo. “A emoção estimula mudanças que tendem a
diminuí-la, ao propiciar o desenvolvimento cognitivo” (Idem, p.21).
A atividade intelectual, como já se viu, vai em direção contrária, portanto
antagônica à emoção. Na vida cotidiana é possível constatar que a elevação da temperatura
emocional tende a baixar o desempenho intelectual e impedir a
reflexão objetiva. O poder subjetivador das emoções (que volta a
atividade do sujeito para suas disposições íntimas, orgânicas)
incompatibiliza-se com a necessária objetividade das operações
intelectuais; é como se a emoção embaçasse a percepção do real,
impregnando-lhe de subjetividade e, portanto dificultando reações
intelectuais coerentes e bem adaptadas (GALVÃO, 1995, p.65-66).
Aqui se apresenta um paradoxo para a educação - se as relações com o
objeto de conhecimento e com o seu mediador, no caso o professor, têm de ser
afetivas para produzir significado levando à compreensão e ao domínio do objeto,
como impedir que as emoções atuem nesse processo de modo a bloquear a
aprendizagem?
27
A resposta vem do sentimento. Como nas fases do desenvolvimento humano,
no caso da afetividade o sentimento pode ser definido como uma fase subseqüente à
emoção. E, segundo a perspectiva do desenvolvimento, uma fase não aniquila a
outra, sendo que o indivíduo poderá re-visitar aquela que supostamente havia
deixado para trás, até que a maturação, ou a amplitude da capacidade mental desse
indivíduo seja tal, que alcance um estado de permanência na fase mais evoluída.
O sentimento “corresponde à expressão representacional da afetividade”
(MAHONEY, ALMEIDA, 2005, p.21). Passa pelo crivo do pensamento, da capacidade
de percepção e diferenciação. Não tem a emergência e a diretividade da emoção. O
sentimento é uma manifestação mais elaborada da afetividade, opõe-se ao arrebatamento, que é uma emoção autêntica: tende a
reprimi-la, impor controles e obstáculos que quebrem sua potência.
Os sentimentos podem ser expressos pela mímica e pela linguagem,
que multiplicam as tonalidades, as cumplicidades tácitas ou
subentendidas. O adulto tem maiores recursos de expressão
representacional: observa, reflete antes de agir, sabe onde, como e
quando se expressar, traduz intelectualmente seus motivos ou
circunstâncias (ibid.).
Talvez, possa-se dizer que os sentimentos são maneiras inteligentes de expressar a
afetividade e as emoções.
Os fatores afetivos estão presentes na escola, e lhes são tão caros e
intrínsecos, como qualquer conteúdo acadêmico, embora, nem sempre, declarados.
Como em TASSONI (2000, p.41), toda aprendizagem está impregnada de afetividade. A trama que se
tece entre alunos, professores, conteúdo escolar, livros, escritas, etc.
não acontece puramente no campo cognitivo. Existe uma base afetiva
permeando essas relações.
Uma sala de aula, sobretudo se constituída por alunos adolescentes e
professor, está carregada de afetos e desafetos, fato que pode determinar a
qualidade das relações, os comportamentos e, conseqüentemente, o clima propício
ou não à aprendizagem.
28
Sendo a aprendizagem processual e perene, está sujeita a alterações de
significados, de efetivação e dos recursos individualmente disponíveis e particulares
do sujeito aprendiz, que são alcançados conforme passa de um estágio do
desenvolvimento a outro. Na adolescência, o indivíduo conta com um recurso próprio
da fase que é a oposição; este recurso o auxilia na concretização do seu
conhecimento e na conformação de uma visão do mundo e de si. É por meio da
oposição “que vai aprofundando e possibilitando a identificação das diferenças entre
idéias, sentimentos, valores próprios e do outro” (MAHONEY, ALMEIDA, 2005, p.24).
Um processo de ensino-aprendizagem que cumpre sua função é o que
permite expressar e discutir tais diferenças e as considera. Apesar da necessidade
de modelos e diretrizes, a construção do conhecimento não prescinde da liberdade e
da criação.
Há que se reconhecer também a existência de indivíduos incapazes de afetos.
O desafeto como definido no Aurélio - falta de afeto, e este tido, apenas, como
manifestações positivas: afeição por alguém; inclinação, simpatia, amizade, amor,
também incorre em discordância com todo o exporto até agora. Aqui, trata-se da
impossibilidade de ser afetado. Consciente ou inconscientemente, o indivíduo não
demonstra, camufla sua afetividade em determinados momentos e contextos. Não
expressa ou recebe qualquer atitude afetiva, como se estivesse impermeável a
qualquer emoção ou sentimento. Isto, muitas vezes, pode significar uma postura de
defesa ou de protesto. O desafeto não é, pois, a demonstração de uma emoção ou
sentimento negativo, como raiva, por exemplo, mas justamente a falta desta e de
outras expressões e recepção da afetividade.
Sobre esta e as outras situações intrínsecas ao contexto escolar é que se dá a
atuação do professor. Maduro que é (ou que, ao menos, deveria ser) e com as
experiências acumuladas que devem ter lhe conferido o conhecimento se si, de suas
possibilidades, competências, limitações, valores, emoções, sentimentos, espera-se
dele que possa dar razões pelas quais escolheu a sala de aula para continuar
desenvolvendo e aplicando as conquistas, advindas de todas as suas vivências. Ser adulto significa ter desenvolvido uma consciência moral:
reconhecer e assumir com clareza seus valores e compromissos com
29
eles que marca o fim da adolescência, cuja característica primordial
foi a luta por essa definição. [...] Esse é um indicador de
amadurecimento: conseguir um equilíbrio entre ‘estar centrado em si’
e ‘estar centrado no outro’ [...] daí a importância do professor adulto:
tem melhores condições para o acolhimento do outro, de seus alunos
e de seus pares (MAHONEY, ALMEIDA, 2005, p.24).
Num primeiro momento, pode parecer exigência demais para um “pobre
mortal” como o professor, com todas as expectativas que já sofre como pessoa,
cidadão e em todas as outras esferas da sua vida. Mas, nenhum outro profissional
tem tantos instrumentos para a realização do trabalho como o professor. E, apesar
das dificuldades na realização do seu trabalho, algumas vezes, sem os recursos
adequados, submetido às leis e diretrizes que lhes são impostas de maneira
verticalizada e que nem sempre condizem com a realidade, falta de apoio e
participação da direção, etc., se ele souber reconhecer e valorizar os instrumentos
que emergem das situações cotidianas vividas com seus alunos, poderá ter mais
chances de propiciar as condições necessárias para melhorar seu trabalho e atingir
os objetivos da educação.
30
Capítulo II PROFESSOR-ALUNO ADOLESCENTE: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL?
“Compreender os padrões culturais pode ser de
inestimável importância para determinar certas
pautas exteriores ao manejo da adolescência, mas
compreender a adolescência em si mesma é
essencial para que estas pautas culturais possam
ser modificadas e utilizadas adequadamente [...]”
(KNOBEL, 1988).
As afirmações que se fazem com relação ao comportamento adolescente,
rotulando-o como aversivo e afrontoso das instituições nas quais ele está
intrinsecamente vinculado – família e escola – caem por terra quando se lhe dá
oportunidade de escuta, conforme material produzido pelo Fundo das Nações Unidas
pela Infância - UNICEF – A Voz dos Adolescentes – que apresenta: Os alunos da rede pública conhecem a diferença do conteúdo
ensinado nas salas de aula da rede pública e na rede privada. Para
eles, porém, o único obstáculo incontornável é a postura distante dos
professores com relação aos alunos e faltas constantes. Na oficina,
quando soube que o acesso e permanência na escola é um direito da
criança e do adolescente, um adolescente, aluno de rede pública,
reagiu: ‘A professora deveria saber disso.’ Os alunos da rede pública
que não gostam da escola explicam seus motivos: péssima estrutura
física (locais deteriorados, falta de material, condições anti-higiênicas,
falta de liberdade dentro do colégio); professores, funcionários e
diretores que os desvalorizam e desrespeitam (é comum alguns
adolescentes relatarem ter sido xingados de ‘panacas’, ‘infelizes’,
‘burros’, ‘porcos’ e ‘animais’); e ameaças. Para esses alunos,
principalmente das regiões Sudeste e Centro-Oeste, o tratamento
recebido na escola é motivo suficiente para abandoná-la (UNICEF,
2005).
Isto com relação à escola, e sobre os pais, o resultado da pesquisa confirma o
que Knobel diz sobre fenômeno grupal adolescente na defesa de que a pertença a
31
um grupo não significa a desvalorização da família. (1998, p.31) A pesquisa aplicada
a 5.280 adolescentes entre 12 e 17 anos, de todas as regiões do Brasil, aponta que a família é [...] a instituição de referência para os adolescentes [...], é
apontada como a principal responsável pela garantia de direitos e do
bem-estar dos adolescentes - 85%,[...] e 95% dos adolescentes
classificam a família como uma ‘instituição importante’. [...] Além de
importante instituição, a família é fonte de alegria para os
adolescentes. Para 70% dos entrevistados, a convivência com a
família é citada como motivo de felicidade. Nenhuma das outras
opções teve tanto destaque. Estar com amigos foi citado em 63% das
respostas, tirar boas notas em 44%, namorar em 39% e brincar em
35%. Talvez por isso, brigar com a família também seja o principal
motivo de infelicidade, citado por 61% dos adolescentes entrevistados
(UNICEF, 2005).
O adolescente não só valoriza como precisa do adulto para “conversar a
respeito de suas aflições e, principalmente, do relacionamento com os pais e os
estudos [...] eles precisam conversar com adultos que não sejam seus cúmplices
nem seus juizes [...] eles sentem falta desse tipo de interlocução” (SAYÃO, 2007,
p.12). E eles expressam isto em seus gestos, atitudes e, se tiverem oportunidades de
escuta, verbalmente, como mostra estudo de Áurea Guimarães, pesquisadora da
violência escolar, na qual os alunos se manifestaram com reivindicações do tipo: se os diretores chegassem para gente, falassem:’ a gente vai fazer
isso [...] e aquilo’. Se eles dessem apoio para a gente tentar fazer
alguma coisa, mas a gente vai falar com ele, ele desanima a gente,
dona. Eles fala:’ É, mas vocês bagunçam demais, não dá para fazer
nada’. Eles desanimam a gente, dona (GUIMARÃES, 2005, p.86).
A autora observa que os alunos solicitam o apoio da direção sem se dar conta
de que teriam de se submeterem aos seus comandos, no caso de que alguma
proposta fosse apoiada: “Talvez a gente não vai fazer o que eles estão pensando,
então eles pensam que é nós, mas eles também não dá apoio” (Ibid.).
Penso que esse quadro traduz uma impossibilidade da equipe escolar em
perceber, em situações como esta, ótima oportunidade para uma ação conjunta, de
32
troca e de transformações nos comportamentos e na relação com os alunos. Estes
ainda reclamam da falta de incentivo e de confiança na capacidade discente, por
parte dos professores “[...] muitos dos que bagunçam sabe fazer tudo, dona,
aprende, ma só que eles bagunçaram. Eles (os professores) começa a falar que todo
mundo vai repetir, só que vai sobrar um da classe que vai passar só porque ele é
quetinho” (Idem, p.87). O depoimento confirma o que pesquisadores já disseram, ou
seja, nem todos aprendem do mesmo modo e que o fato dele bagunçar, não significa
não aprender e, tão pouco, o fato do outro não bagunçar garante algum aprendizado.
De acordo com Eloísa Fagali, há diferentes estilos de atenção: atenção focada – é
caracterizada pela capacidade de perceber os detalhes das informações usando uma
percepção pontual e local; e a atenção panorâmica-exploratória, que tem como
característica a dificuldade de focar a atenção, mas capta com muita facilidade o todo, buscando descentrações entre fatos e
associações simultâneas. [...] Esses aprendizes geralmente tornam-
se ansiosos ou desmotivados, adquirindo a auto-imagem de
‘bagunçados’, e desenvolvendo um auto-conceito sobre o aprender
carregado de negatividade. [...] Constatamos, portanto, que muitas
das queixas em torno dos problemas de aprendizagem, em função da
desorganização, dizem respeito às dificuldades dos educadores, pais
e outros mediadores envolvidos nessas situações, por negarem
outras formas de se conceber a organização, impossibilitando o
aprendiz de usar o seu ‘estilo’, independente daquele padrão
estabelecido pela cultura da escola ou da família (FAGALI, 2003, p.65
- 66).
A escola como foi constituída e estruturada, e como permanece ainda hoje,
está mais para o conceito de Foucault (Veiga-Neto, 2003, p.77) – uma instituição
dada à docilização de corpos, disciplinadora – que para um espaço democrático
como tem sido o desejo de alguns. É constante, entre alunos adolescentes,
reclamações do tipo: “Essa aí fala demais e não escuta a gente!” ou “A diretora só
escuta os professores, ela nem me deixou falar!” Mas, para se pensar a instituição e as pessoas que fazem parte dela, a
escuta é uma ferramenta fundamental. Ela deve ser de uma natureza
33
tal que procure abarcar os aspectos individuais e sociais em um todo
que só ganha sentido quando analisado a partir das duas
perspectivas e interpretação da interação entre elas (ARCHANGELO,
2004, p.24).
E interessante observar como as coisas no universo educacional funcionam –
ou não funcionam. Do ponto de vista material, pode-se dizer que a melhora para os
alunos é notória: livros didáticos distribuídos gratuitamente pelo Governo Federal;
material escolar e até mochilas foram distribuídas, este ano, pelo Governo do Estado
de São Paulo; também há o Bolsa Escola (agora Bolsa Família); mas, sua voz ainda
não é ouvida. Para o professor, o contrário: este já encontra alguns espaços de
expressão que, aliás, precisam ser melhor explorados pelo professorado: são
reuniões de HTPC – Hora de Trabalho Pedagógico Coletivo; cursos de formação
continuada; aprimoramentos; facilidades para o ingresso no Ensino Superior;
parcerias com as universidades por meio da Pesquisa-ação; porém, com relação aos
benefícios materiais, a precariedade destes continua desestimulante, a começar
pelos salários que, caso a última promessa do Governo Federal (a elevação, em
nível nacional, do piso salarial para professores de escolas públicas) seja
concretizada, a renda dos professores ainda será muito baixa, sobretudo se
comparada à relevância da profissão, já que a existência de todas as outras está
condicionada à existência e à manutenção dessa. Ainda segundo a pesquisada
Áurea Guimarães, há uma profunda e abrangente insatisfação e, mesmo, uma
desilusão docente. O desânimo dos professores [...] refletia-se diretamente na maneira
com que as aulas eram ministradas e na relação com os alunos. Este
ambiente carregava uma revolta que a todo momento explodia dentro
da escola. [...] Um professor dizia: ”Estou vendendo meu diploma
bem barato [...] se tivesse em outro ramo [...] estaria rico [...] não
acredito mais em nada’ E referindo-se às professoras que se dedicam
ao magistério, mencionou que o marido dessas professoras supriria
as necessidades econômicas, dando a elas condições de serem
idealistas” (GUIMARÂES, 2005, p.141).
34
Mas, apesar de todas as dificuldades e decepções vividas pelos professores,
nada disto outorga-lhe o direito de sabotar a formação e a educação do aluno, uma
vez que este é a razão da docência, não sua destruição, por isso não tem o direito de
destruir as expectativas do aluno, ao contrário, é preciso que o aluno encontre
receptividade na escola. A diretora insiste: “Gostaria que os professores tivessem
compromisso com a Educação, mesmo ganhando mal. Que eles compreendessem
que essa profissão é diferente de ser metalúrgico, profissional liberal” (Idem, p.117).
O “produto” do trabalho docente é a formação de pessoas que querem, ainda que
não saibam expressar, e precisam dessa formação para serem aceitas na sociedade
e nela desenvolver e exercer sua cidadania.
Mas, infelizmente, ainda quando um aluno, sobretudo adolescente, não está
conseguindo atender às expectativas do professor, chega-se ao extremo de que este
solicite providências por parte da direção para que se transfira o aluno, como se dar transferência fosse resolver o problema e servisse de
exemplo para os demais alunos. Como pegar uma ação negativa,
punitiva, excludente e tomá-la como exemplo? Exemplo que deve ser
seguido são as ações positivas, e não as negativas (SILVA, 2007).
Como construir num indivíduo que passou por situação semelhante uma outra
concepção de resolução de problemas que não seja, simplesmente, a eliminação do
problema? E um problema pode significar uma pessoa, como teria sido ele próprio,
neste caso. Nesse período da vida, o adolescente se apropria com grande facilidade
de todo tipo de valores disponíveis no seu entorno. Isto para o bem e para o mal,
pois está, de certa forma, permeável ao que é positivo e negativo, e devolve ao seu
ambiente “muito do que recebeu, sempre por meio da ação concreta” (MAHONEY;
ALMEIDA, 2004, p.74).
A acolhida é uma das atribuições da escola e deve ser uma competência do
professor. Esse sentimento de aceitação que o adolescente procura na relação com
a escola, com o adulto e com o grupo é fundamental para o seu desenvolvimento
social, para que construa uma cultura que seja própria da idade, mas pautada no
respeito às culturas vigentes.
35
A exclusão sofrida nessa fase da vida pode acarretar futuras dificuldades de
socialização, de pertencimento à sociedade e, não se sentindo parte desta não
haverá razões para respeitar suas normas e regimentos. Importante considerar que,
como o adolescente busca caminhos ainda desconhecidos, é bom que permaneça
ligado ao ponto de partida até que tenha clareza e segurança no - ou nos - ponto de
chegada. A escola, assim como a família, deve ser lugar de referência no caso do
sujeito adolescente se encontrar perdido na busca pela autonomia, independência,
identidade, individualidade, etc., e não se pode esquecer que a escola está, “hoje, lidando com estudantes que são fundamentalmente diferentes
dos de épocas anteriores [...] No campo comportamental,
experimenta-se uma liberdade que se traduz na busca de opções
ideológicas, religiosas, estéticas, culturais, sexuais, etc., não
experimentadas por outras gerações” (Prefeitura Municipal de Belo
Horizonte, 2007).
Então, assim como para as gerações anteriores aceitar, ou mesmo entender,
essas novidades demandam certo tempo, experiência e o conhecimento delas,
também para que os indivíduos da atual geração compartilhem os valores e
conceitos construídos antes do seu nascimento, estes lhes precisam ser
comunicados e, mesmo, re-elaborados se for o caso. “Encontramos certas condições
sociais, e isso é um legado que temos que aceitar, e, se necessário, alterar; e é isso
que eventualmente passaremos adiante àqueles que se seguirem a nós”
(WINNICOTT, 1983, p.80).
Aceitar o adolescente significa aceitá-lo com todas as suas características e
comportamentos, que muitas vezes, em nossa cultura, se expressam de modos
espalhafatosos e intransigentes, aos olhos de quem se habituou ao ato de impor.
Também por isso, a grande maioria dos adultos, não pode descrever o adolescente
de outra maneira que não seja por meio da palavra “indisciplina”. Sendo assim, é imprescindível reconhecer que o manejo das
questões disciplinares requer alternativas buscadas coletivamente,
que apontem para a presença inconteste e a participação ativa dos
alunos na vida escolar, bem como um teor mais inclusivo das ações
levadas a cabo pelos educadores (AQUINO, 2003, p.52).
36
que ainda têm muitas dificuldades e reservas com relação à chamada “Escola
Democrática” (AQUINO, 2003, p.81). Ainda que tenham sólida(?) formação
universitária e/ou outras formações, sua prática é permeada pela formação primeira,
qual seja pelo modelo das primeiras professoras para as quais as relações estavam
baseadas “na velha correlação mando/obediência”. (Idem, p. 51) A superação de tal
modelo é vivida “por alguns como conquista e por outros como derrota da autoridade
docente.” (Ibid.) O que de maneira alguma é verdade, como Arendt (1992) relembra um fator imprescindível na construção da
autoridade do educador: ‘Embora certa qualificação seja
indispensável para a autoridade, a qualificação, por maior que seja,
nunca engendra por si só autoridade. A qualificação do professor
consiste em conhecer o mundo e ser capaz de instruir os outros a
cerca deste, porém sua autoridade se assenta na responsabilidade
que ele assume por este mundo’ (Apud, AQUINO, 2003, p.59-60).
Assim, entende-se que a autoridade é construída a partir do testemunho e não da
força, como no autoritarismo que pode redundar nas “inflexões disciplinares”
(AQUINO, 2003, p. 8) dos alunos. Além disso, vale lembrar que o modo de vida democrático não é uma
disposição espontânea nem inerente às pessoas. Ele precisa ser
cultivado incessantemente, isto é, posto que se aprende, tem de ser
ensinado sem cessar. Por essa razão, não poderá haver democracias
sustentáveis se não contarmos com escolas orientadas para a defesa
intransigente da liberdade, da dignidade, da justiça, do respeito
mútuo, etc. (Idem, p. 61).
Deve ser consenso na escola e em todas as outras instituições sociais que
um desejo individual não pode, jamais, suplantar um desejo ou necessidade do
coletivo. Segundo LaTaille, ‘disciplina remete a regras. Com efeito, a pessoa
disciplinada segue determinadas regras de conduta. Logo, disciplina
corresponde ao que chamamos de moral: o respeito por certas leis
consideradas obrigatórias. Portanto, a pessoa indisciplinada
transgride as leis que deveria seguir. [...] A indisciplina pode, às
37
vezes, vir em decorrência de bons motivos éticos. Se as regras não
fazem sentido (e há muitas nas escolas) e se derivam de valores
suspeitos (como a subserviência cega à autoridade), a indisciplina
pode se justificar eticamente. [...] Há indisciplinas eticamente válidas,
desobediências legítimas, graças às quais, aliás, a sociedade acaba
por evoluir (La Taille, 2001, p.90-91, apud AQUINO, 2003, p.13).
Neste sentido, as contestações, os questionamentos dos adolescentes na
escola podem ser sinais de evolução dos sujeitos que, hoje, têm maior liberdade de
expressão, sobretudo no caso da categoria discente que, à custa de muitos conflitos
vem conseguindo se posicionar, o que é, realmente, muito bom se a escola, como já
dito, souber aproveitar as oportunidades que os fatos oferecem, em busca da
transformação nas relações no ambiente escolar.
Há pouco tempo, vivenciei uma situação alarmante que denuncia a castração
do desejo de um “lugar”. Um aluno de 8ª série, do período noturno de uma escola
estadual, justificava seu comportamento indisciplinado como resposta à postura da
diretora que, segundo ele, o humilhou, o desrespeitou diante de funcionários e
colegas, apenas pelo fato de ter se atrasado para o início da aula. Ele disse: “Ela não
quis nem ouvir minha explicação, já foi me xingando e gritando comigo. Daí, eu vi
que não adianta não, dona. Se esforçar pra quê? Pra ser xingado?” Esta história
ratifica a afirmação de que a indisciplina é, em grande parte, reflexo de ações
autoritárias. Mas pensemos agora nas formas de indisciplina que ferem as leis
morais, estas definidas como garantias de respeito a direitos
legítimos. Transgressões deste tipo também podem acontecer nas
salas de aula. Por exemplo, o insulto, a agressão física, o tratar o
professor como se fosse um objeto, não ouvi-lo, fingindo que não está
presente, que não existe (Ibid.).
Tudo isto pode ser observado na escola, mas, mais uma vez, pode ser uma
ação reflexa, posto que, também é verdade que o adolescente não é ouvido, parece
inexistir, como dito no início deste trabalho e confirmado no último relato. Pode-se dizer que a instituição-escola, assim como qualquer outra, é
regida por suas finalidades socialmente delimitadas e amplamente
38
difundidas, mas não apenas por elas. Os sujeitos que concretizam a
instituição através de seu trabalho possuem mecanismos destinados
a compatibilizar as demandas institucionais com suas demandas
próprias, internas, e em muitos casos, inconscientes. Isso significa
que o objetivo conhecido da instituição não é o único a atuar e
delimitar o que é feito, dito, ou sentido no interior da escola. Para
além do que é explicitado, há um universo implícito, muitas vezes
não-verbal, que age nas entranhas da instituição, podendo lhe dar
vida ou levá-la à morte (ARCHANGELO, 2004, p.12).
O que leva a crer que atitudes e posturas marcadas por perseguição ou por
indiferença do professor frente ao aluno, sejam maneiras tácitas de dizer de sua
insatisfação, de sua discordância, de seus desafetos para com a escola, a profissão
e colegas, com o objetivo de afastar-se do que realmente pode estar por trás de tudo
isso – um profundo sentimento de mal-estar consigo mesmo.
Segundo pesquisa divulgada na revista Nova Escola na edição de novembro/
2007, feita com 500 professores de redes públicas o professor adora a profissão, mas não está satisfeito com ela. Sabe
que é parte de sua função preparar os alunos para um futuro melhor
e gosta de ver as crianças aprendendo, porém se ressente por ter de
providenciar a Educação global (valores, hábitos de higiene etc.) que
a família não dá. [...] A pesquisa foi feita com o objetivo principal de
investigar como os professores brasileiros se relacionam com o
trabalho, os alunos e a escola e de que forma eles enxergam o futuro
da profissão (GENTILE, 2007).
Os resultados retratam muito bem esse sentimento de mal-estar visivelmente
presente na comunidade escolar, apontando que apenas 21% dos professores estão
satisfeito com a profissão. Dentre outras razões, 47% dos professores atribuem a
sobreposição de papéis (assumem o papel da família) como principal causa dessa
insatisfação.
No caso do aluno adolescente, o sentimento implícito no seu comportamento
apático ou indisciplinado é gerado por tudo o que permeia a fase que vivencia,
somado ao fato de não se ver contemplado em suas necessidades e desejo de um
39
ensino atualizado, reformulado e dinâmico, e que, por não saber como comunicar
isso, ainda leva a culpa “pelo insucesso do ensino atual” (ARCHANGELO, 2004, p.97),
como aponta, também, o resultado da pesquisa da Nova Escola, onde “os alunos são
vistos como desinteressados e indisciplinados e são percebidos, junto com a família,
como os principais problemas da sala de aula” (GENTILE, 2007).
Na verdade, o professor vive uma sensação de impotência e insegurança em
que se encontra “numa encruzilhada: os tempos são para refazer identidades. A
adesão a novos valores pode facilitar a redução das margens de ambigüidade que
afetam hoje a profissão docente” (NOVOA, 1995), mas ainda não sabe bem como
fazer.
Realmente, há uma clara contradição na percepção do professor por quem,
segunda a revista,
a formação inicial é apontada pela maioria como ’excelente’.
Mas, ao mesmo tempo, reconhecem não estarem preparados
para o dia-a-dia dentro da sala de aula. Como a relação entre a
motivação e a prática de ensino quase não aparece, muitos
provavelmente não se dão conta de como a graduação foi
ineficiente (WEISZ, Apud GENTILE, 2007).
Mais preocupante, ainda, é constatar que “90% dos entrevistados se declaram
satisfeitos com a própria didática” (GENTILE, 2007). Essa avaliação explicita a
incapacidade do professor olhar para dentro de si e da escola e, numa profunda e
honesta reflexão, se reconhecer, com seus alunos, ator e autor da sala de aula, e
que tem nas mãos grande parte da responsabilidade pela criação de um ambiente
favorável ao aprendizado e prazeroso, como deve ser a apropriação do
conhecimento. E que “ao responsabilizar os alunos e as famílias pelo fracasso
escolar, o educador deixa de analisar o papel da escola e as possibilidades que ele
tem de atuar como o agente público que de fato é” (KRUPPA, Apud GENTILE, 2007).
“Quando o profissional não se sente capaz de cumprir sua tarefa – no caso,
planejar, ensinar e fazer com que a maioria adquira conhecimento –, tende a
responsabilizar fatores externos, apontando justamente para os lados mais frágeis do
sistema” (MANTOVANINI, Apud GENTILE, 2007).
40
O fato é que o aluno e o contexto educacional mudaram, “a sociedade mudou
e, hoje, o papel de quem está à frente de uma sala de aula também é educar e dar
carinho. Se todos perceberem que isso existe – e não é um bicho-de-sete cabeças –,
a angústia diminui” (MACEDO, Apud GENTILE, 2007). Obviamente, o professor tem
de desempenhar suas atribuições de forma a atender as exigências do currículo, da
escola, do sistema educacional e da sociedade, mas, de maneira alguma poderá
abdicar-se de atender às reivindicações de seu aluno que também aprendeu a exigir
atenção, por meio de diversificadas reações, às suas outras necessidades, e o
professor deve estar aberto em atendê-lo, se quiser alcançar o principal objetivo de
suas atribuições - a aprendizagem de seu aluno. Nesse sentido, Heloysa Dantas
(1994), num estudo sobre a psicogenética de Henry Wallon, fala da necessidade de
o professor aprender a “ler” os sinais emocionais expressos por seus alunos que,
sutilmente revelam estados internos profundos dos quais dependem a qualidade dos
processos cognitivos. Todo processo de aprendizagem transcende a estruturação cognitiva
porque requer a afetização do objeto e transcende, também, a
afetividade visto que implica na utilização de operações cognitivas;
sem esquecer o que se pode denominar de tematização, ou conteúdo
adquirido mediante os recursos cognitivo-afetivos postos em jogo. É
comum observar como sujeitos que têm alcançado um mesmo nível
intelectual e fazem uso semelhante de sua afetividade, por
pertencerem a diferentes culturas, meios sociais ou grupos familiares,
apresentam tematizações significativamente distintas. Isto deriva
simplesmente do fato de que cada contexto oferece diferentes
crenças, conhecimentos, atitudes e habilidades (VISCA, 2000, 51).
Cada aluno é ser único e singular, ainda que se encontre no mesmo meio,
cultura, nível cognitivo e tenha competências afetivas semelhantes a muitos,
certamente reagirá diversamente às situações e pessoas, com especial atenção ao
adolescente que, se em relação ao outro mantém diferenças, consigo não será
diferente, pois poderá apresentar-se a cada momento de uma maneira, graças às
flutuações no comportamento, bastante comuns na adolescência configurada por
nossa cultura, sociedade e tempo histórico – ora se apresentará eufórico, ora
41
deprimido, isolado. O professor, por sua vez, terá que ser bom o suficiente para dar
um tratamento heterogêneo e flexível.
42
Capítulo III O ADOLESCENTE TEM LUGAR NA ESCOLA?
1- A pesquisa Além da instituição família, a escola é outro importantíssimo espaço, talvez o
mais fecundo para o desenvolvimento processual normal da adolescência, já que é
onde se encontram os pares, os grupos e também adultos que poderão servir de
modelo para a futura adultez – negada e desejada.
Entretanto, quando dei início ao presente trabalho, realizado com intuito de
discutir a relação professor-aluno adolescente, constatei a falta de publicações sobre
o adolescente nos espaços e relações educacionais.
Logicamente, toda e qualquer informação sobre as características básicas do
indivíduo, nas mais variadas fases do seu desenvolvimento, será excelente aporte
para qualquer trabalho que se venha realizar com ele, por ele e a partir dele. Mas, se
o ambiente é tão relevante no desenvolvimento humano como vimos até agora, me
parece imprescindível que se publiquem experiências deste, naquele. Talvez essa
lacuna se explique pelo fato de que, apesar de os primeiros estudos sobre a
adolescência terem valor inestimável, dada a relevância que esclarecem sobre a
adolescência como período de extrema importância no desenvolvimento humano,
talvez tenha sido precoce demais, sendo “necessários outros avanços intelectuais
para que idéias como a de Hall pudessem ser apreciadas” (GALLATIN, 1978, p.48).
O problema é que, em função das discordâncias das suas afirmações, sobretudo no
que diz respeito à uniformidade na qual o processo da adolescência se
desenvolveria, independentemente do ambiente, foram realizados estudos que
apontaram para a plasticidade e maleabilidade da infância a partir dos quais Watson declarou que se os bebês são moldáveis pelas forças
externas, talvez todo o desenvolvimento humano dependa mais do
ambiente do que da hereditariedade [...] Conseqüentemente, sob a
influência de Thorndike e Watson, representantes da nova ‘teoria da
aprendizagem’ e do ‘behaviorismo’, os psicólogos americanos
voltaram sua atenção para a infância, e a adolescência ‘desapareceu
de suas vistas’ (Idem. p.49)
43
ainda que Watson não tenha preconizado a vivência infantil como determinante de
toda a formação do indivíduo, ao contrário, apontou que os processos de
condicionamento acompanham e determinam os sujeitos durante toda a vida.
A importância e o foco, quase exclusivo, que se deu aos estudos da infância
podem ser percebidos até hoje. São inúmeras as teorias e publicações acerca da
infância. Mesmo Piaget e Vygotsky, embora teóricos do desenvolvimento humano,
discorreram sobre suas teorias com extrema ênfase na infância, sobretudo quando
direcionam seus estudos à educação. Sempre que se referem às habilidades,
competências e disposição à aprendizagem, desse ou daquele modo, na escola ou
fora dela, as referências são, invariavelmente, à criança. Wallon, como os anteriores,
dividiu o desenvolvimento em estágios e, embora, chegue a descrever o estágio da
puberdade e adolescência, quando se refere à escola, à educação, às relações,
estas estão, também, relacionadas à criança.
Há, ainda, uma abundante literatura, procedente da observação espontânea. Essas
[...] nem sempre estão bem fundamentadas; não estão
fundamentadas empiricamente na realidade dos fatos dos processos
evolutivos pelos quais passam as pessoas nesta etapa da vida. A
investigação científica a respeito do desenvolvimento da
personalidade adolescente, ainda é escassa (FIERRO, 2004, P. 288).
Em estudos mais recentes, pesquisas envolvendo alunos e professores - esta
relação tão discutida -, questões afetivas nesta relação, comportamento, habilidades
sociais, as dificuldades de aprendizagem e outras, as conquistas, em tudo isso
parece que o adolescente inexiste na escola. Deram férias para ele, ou ele nunca
esteve lá? Aliás, arrisco-me a dizer que, o adolescente tem aparecido na escola,
preferencialmente, na hora da delinqüência, da indisciplina, da reclamação.
A partir dessas constatações, pode-se inferir que os grandes conflitos vividos
na escola, com relação ao aluno adolescente, se dão pelo desconhecimento da
adolescência e, quiçá pela sua negação.
Assim, conhecendo a realidade das escolas públicas e de seus professores, e
sabendo das limitações do acesso à leitura e/ou a estudos aprofundados sobre
qualquer tema, seja por falta de recursos financeiros ou de tempo, optei por
44
pesquisar algum material que, apesar das dificuldades, o professor tivesse algum
contato.
2- Metodologia
A partir da hipótese de que adolescente não tem um lugar na literatura voltada
para o ensino, e daí o desconhecimento por parte dos professores sobre essa fase
do desenvolvimento humano, tão estereotipada e discriminada pela geração adulta,
e, mais ainda, na escola, passei à realização de um levantamento bibliográfico sobre
o adolescente em contexto educacional. O que constatei foi um grande espaço para
a criança na escola, e pouquíssimas produções sobre o aluno adolescente.
Assim, motivada pela escassez de estudos sobre o sujeito adolescente,
escolhi investigar o que a Revista Nova Escola, da Fundação Victor Civita, publicada
pela Editora Abril, traz sobre o tema, uma vez que, por sua linguagem e preço
acessíveis, chega com facilidade às escolas e professores de todo o pais, já que sua
distribuição tem alcance nacional, com edições quase mensais (10 por ano).
O objetivo foi o de procurar no conteúdo de cada matéria, reportagem, artigo,
etc. a presença do adolescente e, quando mencionado, o que falam e quem fala
sobre ele, numa amostragem que compreende um período de dois anos.
Foram lidas e analisadas 11 edições impressas – de junho-julho/2005 a junho-
julho/2006 e 10 edições on-line – de agosto/2006 a junho-julho/2007. Nesse material
a investigação foi na direção de realizar levantamento, prioritariamente, sobre dois
dados:
1- O aluno adolescente está na pauta da revista? Em que tema?
2- Quem fala sobre ele?
Foram tabulados todos os conteúdos nos quais aparece direta ou
indiretamente o adolescente. Ou seja, as palavras-chave procuradas foram:
“adolescente”; palavras que fazem referência ao adolescente, como “turma(s)” e/ou
“aluno(s)” de séries normalmente freqüentadas por ele – de 6ª à 8ª séries e ao
Ensino Médio; a palavra “jovem” que, de acordo com os critérios considerados nesta
pesquisa, está indevidamente empregada para designar ou se referir ao adolescente;
e, ainda, quando se faz referência à idade – aluno(s) de 15 anos, por exemplo. Aqui,
45
a adolescência foi considerada nos termos da legislação brasileira, por meio do
Estatuto da Criança e do Adolescente, qual sejam os indivíduos dos 12 anos
completos aos 18, e que em condições normais, o aluno com 12 anos de idade está
cursando a 6ª série e chega ao final do Ensino Médio em torno dos 17/18 anos.
Não foram analisadas as páginas de propaganda ou divulgação de cursos,
concursos ou materiais impressos, por se considerar que os mesmos não expressam
o conteúdo da revista Nova Escola. Fora isso, foi analisada cada seção, artigo,
informação, opinião, matéria ou enunciado.
Não foram consideradas as referências aos níveis de ensino, mas aos alunos
ou turmas desses, como já exemplificado acima, assim como as palavras
adolescente(s), jovem(s) etc. não foram consideradas quando estas fazem parte de
títulos de projetos, ações, documentos, etc.
Na matéria sobre Arte Contemporânea na seção Reportagem, de Ricardo
Fazetta, da edição on-line de maio/2007, não foi possível realizar a análise na
íntegra, devido a um erro apresentado na página (HTTP 404 Não Encontrado -
significa que o Internet Explorer conseguiu se comunicar com o site, mas a página
desejada não foi localizada. É possível que a página da Web esteja temporariamente
indisponível. O site também pode ter alterado ou removido a página da Web) A
análise foi, então, feita a partir de vídeo disponível na página às 14h45 do dia
27/10/2007, no qual a professora fala de projeto premiado. Assim, a análise foi sobre
o áudio, no qual, embora trate-se de alunos de 6ª à 8ª série, a professora se refere
aos mesmos como “as crianças”. No vídeo 2 alunos falam sobre a exposição que
estão visitando.
Na seção da pesquisa em que se analisa “quem fala sobre o adolescente” há,
dentre as categorias de profissionais catalogadas, uma categoria especificada como
“especialista” para a qual estou considerando profissionais de área ligada ao tema
abordado no conteúdo da matéria analisada e ou envolvidos diretamente na área –
ex.: Coord. da Estação de Ciências da USP, numa matéria sobre astronomia.
Na medida em que a pesquisa foi sendo realizada, além do recorte escolhido
para entender como a Nova Escola aborda o tema central deste trabalho – o aluno
adolescente –, foi se configurando outros interesses, como por exemplo, destacar
46
desta publicação falas de professoras e professores sobre seu descontentamento
com relação à profissão. Embora o tema não tenha sido objeto de pesquisa
exaustiva, esses dados são apresentados em outro capítulo.
Outra questão que no decorrer do trabalho se fez relevante, foi a investigação
sobre o lugar que as relações interpessoais ocupam nas preferências da revista, já
que essas tomam parte importante do presente trabalho. A palavra relação foi
considerada apenas nos contextos em que aparece com as preposições “entre” e
“com”.
Uma das dificuldades encontradas foi, justamente, a falta de objetividade no
modo de se referir ao adolescente, que, na maioria das vezes, é feito indireta ou
equivocadamente, como aponta os resultados da pesquisa.
3- Resultados da Pesquisa
Nos dois anos de publicação analisados, verifiquei que o adolescente é citado,
na grande maioria das vezes, de maneira implícita ou equivocada, ou seja, ele
aparece como criança(s), jovem(s), turma(s) ou aluno(s) de 7ª série, por exemplo.
Poucas vezes aparece explicitamente como “o adolescente”. Mas, embora a
pesquisa procurasse pelo termo ‘adolescente’ as outras expressões também foram
consideradas, já que, ainda que indiretamente, se referiam a ele.
Nas 131 matérias nas quais os adolescentes são citados, 25 foram os temas
abordados, os quais catalogados como se segue:
Atividade de Ensino; Valores; Temas Transversais; Preparação; Formação; Leitura e
escrita; Qualidade Educação/Escola; Informações; Notícias; Dados Estatísticos;
Apoio Pedagógico; Criatividade; Cultura; Comportamento; Relacionamento;
Disciplina; Indisciplina; Violência; Agressividade; Sexualidade; Inclusão; Saúde;
Deficiência; Escola-Comunidade; Parcerias.
Para tratamento do material empírico, os temas foram agrupados e
contabilizados em 11 categorias como se apresenta na tabela 1.
Para analisar quem fala sobre o aluno adolescente, foram construídas as
seguintes categorias: Professores; Professor/Educador Universitário; Professora
Formadora de Professores; Educador; Aluno; Especialista; Pesquisador; Direção
47
Escolar; Equipe Pedagógica; Consultor; Pedagogo; Psicopedagogo; Fonoaudiólogo;
Terapeuta; Psicólogo; Sociólogo; Filósofo; Antropólogo; Historiador; Pediatra;
Psiquiatra; Neurologista; Autoridade; Autor (a); Assessor Educacional; Pais;
colaborador; Coord. de Projetos; Diretor EJA; Autora PCNs; Leitor(a); Membro da
comunidade; Redação/VC; Selecionador Prêmio VC; Diretor de cinema; Vice-
Presidente Estação Cultura USP; Coord. Centro Educativo Espaço Ciência – Olinda;
Diretor Instituto Cervantes; Coord. Programa EJA da Ação Educativa de São Paulo;
Membro da Associação Brasileira Multiprofissionais de Proteção à Infância e
Adolescência; Secretário Geral da Organização dos Estados Ibero-Americanos; Vice-
Presidente do Centro de Cultura Judaica; Coord. do Núcleo de Estudos em
Educação Científica e Ambiental e Práticas Sociais do Estado do Pará; Membro do
Conselho Regional de Educação Física de São Paulo; Secretário Geral do Grupo de
Institutos, Fundações e Empresas – Gife; Diretor do Ação Educativa São Paulo;
Coord. Executiva do Instituto Avisa lá; Coord. do Programa de Educação da Action
Aid Brasil; Coord. Nacional do Projeto Nossa Escola Pesquisa sua Opinião –
NEPSO; Presidente do CENPEC; Presidente do Instituto Airton Senna; Diretora de
Assuntos Culturais do Projeto Pelourinho Dia e Noite do Instituto do Patrimônio
Artístico Cultural da Bahia; Diretor da Faculdade de Educação da Universidade
Federal da Bahia; Coord. dos Núcleos de Ensino da UNESP; Coord. do Programa
Pró-jovem; Presidente da Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da
Educação; Secretário de Apoio dos Municípios do Sindicato dos Trabalhadores da
Educação do Estado do Acre; Vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores em
Educação Pública do Estado; Presidente da Confederação Nacional dos
Trabalhadores em Educação; Representante do IBMEC São Paulo; Coord. do
Laboratório de Estudos Cognitivos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul;
Erasmo de Roterdã; Bertrand Russell; UNECO; CONSED. São 65 categorias ao
todo, agrupadas em 14, como se segue na tabela 2.
48
Tabela 1– Temas das matérias nas quais o adolescente é citado
a b c d e f g h i j k
O QUE FALA
Atividade de Ensino
Qualidade Educação/
Escola Temas
TransversaisComportamento/ Relacionamento
Deficiência/ Inclusão Informações
Comunidade/ Parcerias Saúde Criatividade Cultura Sexualidade
TOTAL DE MATÉRIAS
Quantidade 44 28 14 12 11 7 5 3 3 2 2 131
Participação 33,59% 21,37% 10,69% 9,16% 8,40% 5,34% 3,82% 2,29% 2,29% 1,53% 1,53% 100% Na tabela acima, verifica-se que mais de 54% dos assuntos abordados nas matérias em que o adolescente é citado, são referentes ao ensino e à qualidade da educação e da escola (colunas a e b). Apesar das freqüentes reclamações sobre o comportamento do aluno adolescente e das dificuldades nas relações com ele, e da influência que isso terá sobre a qualidade tão falada, a revista dedica apenas 9% do conteúdo analisado ao assunto (coluna d). Tabela 2 – Quem fala nessas matérias
QUEM FALA a b c d e f g h i j k Qt. Participação Redação/VC 48 26 13 6 12 7 6 5 4 0 2 129 28,60% Professores 32 11 6 5 7 2 5 2 1 1 1 73 16,19% Especialista 17 9 5 3 10 0 2 8 0 1 3 58 12,86%
Prof. /Educador Universitário 12 20 6 9 2 0 3 3 0 1 1 57 12,60% Aluno 9 4 3 3 5 1 3 1 0 1 0 30 6,65%
Equipe Pedagógica 7 7 1 2 2 0 4 0 0 0 1 24 5,32% Autoridades 1 9 2 2 2 0 4 1 0 0 0 21 4,66%
Direção Escolar 1 7 1 5 2 0 1 1 0 0 0 18 3,99% Representantes de Organizações
ligadas à Educação e Cultura 2 7 2 2 0 0 7 1 0 1 0 22 4,88% Pais 0 2 1 0 3 0 2 1 0 0 0 9 2,00%
Autor/escritor/diretor de cinema 1 3 0 0 0 0 0 0 0 0 0 4 0,89% Leitor(a) 0 0 0 1 1 0 0 0 0 0 1 3 0,67%
Autora PCNs 1 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 2 0,44% Membro da comunidade 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 1 0,22%
TOTAL DE FALAS 131 105 41 38 46 10 38 23 5 5 9 451 100,00% Nesta tabela pode-se constatar que a revista procura considerar a participação de vários profissionais e pessoas ligadas à educação, porém, o aluno adolescente é apenas o quarto mais ouvido pela redação da revista que tem quase 30% da posse da palavra, dentre as matérias onde o aluno adolescente é mencionado. Outra análise possível é sobre a discreta participação dos pais, apenas 2%, apesar da sua indispensável e incontestável responsabilidade na educação e na formação do adolescente.
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De todo o período analisado da revista, apenas uma matéria versa, direta e exclusivamente, sobre o
adolescente na escola. Aliás, a matéria proporciona uma excelente oportunidade de reflexão sobre o comportamento
adolescente, sobre a vivência da adolescência no ambiente escolar e, a partir daí, desenvolver orientações ao
professor e à equipe escolar de como a escola pode se adaptar às especificidades adolescentes, de forma a promover
a qualidade no ensino e na relação com esses alunos.
Obviamente, não se espera que a escola resolva todos os problemas dos alunos, mas pequenas mudanças nas
atitudes dos profissionais da escola e alterações nas metodologias de ensino podem fazer grandes diferenças no
comportamento e na resposta do aluno. Nas tabelas 3 e 4, onde estão consideradas apenas as falas da comunidade
escolar, pode-se perceber que o aluno não é, como se discursa, um protagonista na escola. Tabela 3 – Comunidade escolar - Quem fala I
Quem fala a b c d e f g h i j k Qt. Participação
Professores 32 11 6 5 7 2 5 2 1 1 1 73 50,34%
Alunos 9 4 3 3 5 1 3 1 0 1 0 30 20,69%
Equipe Pedagógica 7 7 1 2 2 0 4 0 0 0 1 24 16,55%
Direção Escolar 1 7 1 5 2 0 1 1 0 0 0 18 12,41%
Total Comunidade Escolar 145 100%
Tabela 9 – Comunidade escolar – Quem fala II
Quem Fala a b c d e f g h i j k Qt. Participação
Autoridades escolares 40 25 8 12 11 2 10 3 1 1 2 115 79,31
Alunos 9 4 3 3 5 1 3 1 0 1 0 30 20,69
145 100
50
Considerando os números da população escolar, composta por alunos,
docentes e outras autoridades escolares, como, no caso das últimas tabelas, direção
e equipe pedagógica, verifica-se uma discrepância nas oportunidades de voz e
escuta oferecidas pela revista (considerada aqui como o ponto de referência, mas,
talvez, extensiva a outras produções) que torna-se, ainda, mais evidente se
considerados os seguintes dados, disponíveis nos sites do Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais - INEP e da Secretaria da Educação do Estado
de São Paulo: Tabela 5 – População escolar na Rede Estadual do Estado de São Paulo
Professores Efetivos e Não efetivos de 5ª a 8ª e EM - Escolas Estaduais do Estado de S.Paulo 127.125 Alunos matriculados de 5ª a 8ª - Escolas Estaduais do Estado de S.Paulo - 2006 1.922.254 Alunos matriculados no Ensino Médio - Escolas Estaduais do Estado de S.Paulo - 2006 1.545.115 Total de alunos 3.467.369
Comunidade Escolar - Escola Estaduais do Estado de São Paulo % de
alunos % de
professoresTotal da população escolar 3.594.494 96,46 3,54
Ainda que nos números estejam incluídos professores e alunos de 5ª série,
dos quais os últimos não são, aqui, considerados adolescentes, posto que, estando
em equivalência idade/série, são crianças de 11 anos, a diferença entre as duas
faces da população escolar é gritante. Mais de 96% da escola é composta por
alunos e, quando a revista dá voz à comunidade escolar, apenas 20% das vezes é o
aluno quem tem a palavra. E, quando fala, não é o que deseja, haja vista a lista dos
temas abordados. É o caso, por exemplo, do tema sexualidade, abordado apenas
duas vezes no período analisado, no qual o aluno adolescente sequer foi ouvido
(vide tabelas 1 e 2, coluna k).
Dentre os números analisados, um (edição de abril/2006) traz como
reportagem de capa “Educação Sexual: masturbação, homossexualidade, namoros
calorosos...”. O sumário anuncia que na página 22 está a matéria “Educação Sexual:
Eles querem falar2 de sexo – crianças e jovens descobrem a sexualidade. Nesta
reportagem, você vai saber como ajudá-los a enfrentar essa importante fase da vida”.
Na página 22 a manchete é um pouco mais extensa, mas diz o mesmo. Porém, no
texto, embora citados várias vezes, eles não falam. Sobre esse assunto,
2 Grifos meus
51
especificamente nesta matéria de Paola Gentile, Redatora da Revista Nova Escola,
foram ouvidos professores, consultores e psicólogos (Revista Nova Escola, 2006).
Outros dados passíveis de análise e crítica são que, embora 6 dos atuais 12
anos da Educação Básica obrigatória (Ensino Fundamental e Médio) são, em
situações normais, freqüentados por adolescentes, não se dá, sem a menor sombra
de dúvidas, a devida importância e relevância nas discussões e produções sobre
essa faixa etária na escola. Apesar de 50% do alunado, considerando amostragem
das Escolas Estaduais do Estado de São Paulo, ser composta por adolescentes, a
revista analisada não tem uma seção e nem matérias, regularmente publicadas,
sobre alunos e ou atividades voltadas para alunos dessa faixa etária, como tem para
a Educação Infantil uma seção exclusiva, vários assuntos na grande maioria dos
números, além dos números especiais que chegam a ser esgotados nas bancas,
como informa a redação da revista (Nova Escola, nº. 192, maio/2006, p.8).
Outro fato que me chamou a atenção durante a pesquisa foram os
tratamentos dados ao adolescente. Como dito anteriormente, o termo adolescente,
comparado a outros tratamentos, é pouco usado. Veja tabela abaixo: Tabela 6 – Tratamento dado ao adolescente
TRATAMENTO Quantidade Participação
Jovem 159 42%
Aluno/turma de 6ª à 8ª série e Ensino Médio 128 34%
Adolescente 53 14%
Por idade (aluno de 12 a 18 anos) 36 10%
Total 376 100%
Há que se considerar, é claro, que muitos usam adolescência e juventude
como sinônimos. O próprio Aurélio define juventude como adolescência. Nos estudos
de Muuss sobre a adolescência, ele cita Landis que “acrescenta, como sinônimo
adicional, ‘juventude’, que ele usa para descrever o final do período da adolescência,
enquanto Gesell usa o termo ‘juventude’ para designar o período de dez a dezesseis
anos de idade” (MUUSS, 1969, p.16-17). Para Stanley Hall, juventude é anterior à
adolescência, entre os 8 e 12 anos de idade. (Idem, p.26). As convenções sociais
52
atuais tendem a usar o termo ‘jovem’ como adjetivação da idade adulta – “jovem
senhora” ou “moço jovem”. Porém, independentemente das convenções de cada
época ou critérios escolhidos por cada autor para denominar essas fases, para o
presente estudo, importa enfatizar que o uso explicito da palavra “adolescente” é
evitado.
Como já comentado, há algumas incoerências entre o que se vive na escola e
o apoio que a revista pretende ser ao professor. Dentre as muitas reclamações de
professores e alunos, como se viu em capítulo anterior, as dificuldades nos
relacionamentos estão no topo da lista. Entretanto, nas poucas vezes que as
relações interpessoais são abordadas pela revista, a menor parcela é com respeito à
relação professor-aluno, como aponta a tabela abaixo:
Tabela 7– Relação professor-aluno
TIPOS DE RELAÇÃO Quantidade Participação
Outras relações com e/ou entre pessoas e objetos 35 60,34%
Relações com e/ou entre outras pessoas 15 25,86%
Relação entre Educadores/Professores-Alunos
Adolescentes/Crianças 8 13,79%
Total 58 100,00%
Aqui, a análise foi de todo o conteúdo da revista no período estudado, e considerando todo o tipo de relação entre e ou com pessoas e objetos. Nas relações entre alunos e professores foram considerados todos os alunos, não apenas os adolescentes, o que agrava, ainda mais, a constatação de que a revista não aborda tema tão importante na mesma proporção em que este aflige tantos professores.
Na tabela seguinte, o número de vezes que assuntos sobre
relacionamento/comportamento aparecem, se comparado à freqüência que outros
temas são contemplados (lembrando que foram selecionadas apenas as matérias e
reportagens onde o adolescente está citado), pode-se notar outra contradição; agora
com relação às expectativas dos próprios adolescentes que, consideradas, pode-se [...] perceber que eles se referem à escola como espaço de
formação, educação e saber; de encontro com outros [...] que
vivenciam processos análogos; de busca e troca de referências; de
ampliação do círculo familiar e de trabalho; de relações afetivas e
sociais [...] Nossos alunos, quer queiramos ou não, percebem a
53
experiência escolar como uma totalidade espacial e pedagógica,
onde a busca de conhecimentos, a socialização e as vivências
culturais são vistas como partes de um mesmo processo. Como diz
Dayrell, ‘os alunos parecem vivenciar e valorizar uma dimensão
educativa importante em espaços e tempos que geralmente a
pedagogia desconsidera: os momentos de encontro, da afetividade,
do diálogo (Dayrell, apud Prefeitura Municipal de Belo Horizonte,
2007).
Tabela 8 – Comportamento e Relacionamento
TEMAS Quantidade Participação
Comportamento / Relacionamento 12 9%
Outros Temas 119 91%
Total 131 100%
Esta desconsideração deve-se ao fato de que, a exemplo do que se faz com a
infância, todos ou quase todos os estudo sobre a adolescência, passam pelo crivo do
olhar e da interpretação do adulto sobre esta e aquela. Não é comum que crianças e
adolescentes sejam consultados e tenham a oportunidade de participação ativa nos
estudos e afirmações que fazem a seu respeito, até para ratificar ou discordar do que
dizem sobre eles. Ou, ainda, para solicitar que se diga sobre o que lhes é
interessante dizer, de modo a satisfazer também as suas necessidade e
curiosidades.
Se a criança, muitas vezes, não tem condições cognitivas ou mesmo
lingüísticas para se manifestar, o mesmo não se dá com o adolescente que, devido a sua escolaridade, à maturidade psicossocial, a sua
socialização ampliada, possui, já incorporada em sua relação com o
mundo, uma maior capacidade de discriminação. Essa autonomia se
apresenta no trato com os valores e escolhas como também na
ampliação da capacidade de investigação, de análise, de formulação
de hipóteses e emissão de opiniões, no uso de novas linguagens e na
formalização do pensamento abstrato (Prefeitura Municipal de Belo
Horizonte, 2007),
54
o que o habilita a dar grandes contribuições, inclusive, que possibilitem a criação de
uma pedagogia que considere as especificidades de sua idade e esteja alinhada com
as mudanças sociais e tecnológicas, superando as bases arcaicas nas quais a
educação ainda está fundamentada.
55
Capítulo IV MAIS ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
1- Sobre a escola e o aluno adolescente
Sem querer cair na irresponsabilidade de afirmações infundadas, penso que
os dados coletados nos munem de argumentos para inferir uma negação à
adolescência, uma evitação. “A adolescência é recebida predominantemente de
maneira hostil pelo mundo adulto [...]. Criam-se estereótipos com os quais se tenta
definir, caracterizar, assinalar, [...] se tenta isolar fobicamente os adolescentes do
mundo dos adultos” (KNOBEL, 1988).
Sendo a escola uma grande agência socializadora (ARÓN, MILICIC, 1994,
p.28), esta será acometida pelos mesmos males e benesses de que sofre a
sociedade. Assim, fazendo uma analogia ao positivismo de Durkheim, a sociedade-
escola depende da ordem, no sentido da harmonia entre suas partes, para funcionar
bem. Uma vez que uma das partes esteja com sua função comprometida, o
organismo inteiro padecerá de algum mal. Pode-se dizer, então, numa linguagem
médica que, nesta situação, o organismo-escola passa a “combater” e a “expelir” os
causadores da desordem.
É muito comum, e até natural, que o homem aja de forma a evitar e/ou
repulsar aquele ou aquilo que lhe causa incômodo, que lhe atrapalha, que lhe
confere ameaça. É normal, por exemplo, cruzarmos a rua para evitar passar ao lado
de um mendigo. Ele incomoda, seja por estética ou por ética, por ser uma mostra de
um fracasso da sociedade produtora de tantas desigualdades e misérias. Por outro
lado há uma tendência natural de aproximação daquele e daquilo que é belo, que
agrada, que converge com as nossas expectativas.
Atitudes como essa são muito comuns num ambiente educacional.
Se o adolescente, normalmente, tem sido visto como aquele que incomoda,
que atrapalha, que afronta, que destoa, então, se ignora, se exclui, se nega. Mais
fácil é ‘desviar do mendigo que encarar e sanar as causas da mendicância’. Mais
fácil é falar da criança e do jovem - um aceita o domínio adulto, o outro se aproxima
do pensamento adulto –, que encarar e trabalhar com aquele que contesta as
56
pessoas e às idéias com as quais ele não compartilha; aquele que exige que se saia
do conforto do trivial e obriga a pensar, criar, inovar para atender suas peculiaridades
exigentes, no sentido de que não se satisfaz com pouco ou com um “é assim porque
é, porque eu quero”, “por que sim”, “por que não”, “faça assim ou faça daquele jeito”.
Há que se fazer um exercício de humildade e de se deixar ensinar por aqueles
que procuram uma oportunidade de se fazer entender.
Sem pieguices, quando um bebê chora, os que estão por perto correm para
atendê-lo; quando uma criança grita, na maioria das vezes, até por sua insistência,
procura-se escutar suas reivindicações, ainda que seja para não atendê-las, mas se
ouve e, em situações normais e cotidianas, se lhes dão atenção; quando um adulto
chora ou grita, todos justificam estar com algum problema. Se o adolescente grita ou
chora, logo se diz que é por causa da idade, dos hormônios, e, normalmente, não
têm ouvidos ou, se são ouvidos, muitas vezes, não lhes é conferido crédito.
Pode ser que aqui esteja uma justificativa pelo comportamento “saliente” de
alguns alunos. Gritam, circulam na sala de aula o tempo todo, se expressam com
gestos largos e bruscos, talvez, na tentativa de chamar à atenção sobre si e de se
afirmar, no caso do adolescente, de se reafirmar – como no estágio do personalismo,
na infância, (DER, FERRARI, 2007, P.65) já que este é como uma “re-edição” na
adolescência.
O adolescente precisa dessa reafirmação, para solidificar sua identidade, sua
personalidade. Precisa encontrar seu lugar, por isso, simbolicamente, anda de um
lado para outro e não consegue ficar sentado na carteira da escola, como os
pequenos que estão numa fase de latência da personalidade.
Embora a escola tenha duas tarefas principais inter-relacionadas: a educação
e a formação (Lindsey, 1987, apud ARÓN, MILICIC, p.28), muitas vezes sua
atividade se restringe ao ensinar – é uma Instituição de Ensino! A atribuição fim do
estudante é o aprendizado, então, a escola ensina, o aluno aprende.
Mas, se é verdade, como diz Vygotsky, que a aprendizagem é um processo
que depende da mediação entre o sujeito e o objeto do conhecimento, há que se
envolver muitos outros fatores para se atingir as finalidades da escola – educação,
formação e ensino - Na escola essa mediação é feita por material didático – livros,
57
vídeos, etc.; material de apoio – lousa, giz, computador, etc.; e, principalmente, pelo
professor. Assim, a relação entre aquele que ensina e aquele que aprende é
inevitável e indispensável num processo de ensino-aprendizagem e, para repetir os
mestres-teóricos que dizem sobre a importância da qualidade das relações pessoais
na escola, colocar o coração, o gosto, a paixão no ato de ensinar, vai fazer toda a
diferença nos resultados do ato de aprender.
Embora, atualmente, venham surgindo estudos imbuídos do esforço por
implementar e qualificar bases mais sólidas das relações inter-pessoais no ensino e
na escola, ainda há, por parte desta e de muitos profissionais da educação, grandes
dificuldades e, até, indisponibilidade para ações e atuação permeadas desse sentido.
Como se viu no material analisado, por exemplo, as relações entre os sujeitos
do ambiente escolar – professor e aluno – não encontram o mesmo lugar que os
teóricos da psicologia da educação tentaram garantir.
2- Professor-Aluno Adolescente: Uma relação possível! O professor pode contar com instrumentos que são próprios do ser humano
em desenvolvimento – seu e de seus alunos. Dele, a partir de sua maturidade
intelectual e afetiva, de sua formação, estudos, experiências e motivações; dos
alunos, a partir de todas as disposições e habilidades que o nível de
desenvolvimento sócio-cognitivo-afetivo em que se encontra, as vivências e
convivências vão lhes proporcionando, além de estudos anteriores e das próprias
motivações.
Um dos instrumentos mais eficazes no ato de aprender é o processo de
imitação, presente durante toda a vida do indivíduo, mas com ação intensificada no
estágio da adolescência. Este processo “mantém uma relação dialética com o
processo de oposição (identificação das diferenças entre idéias, sentimentos, valores
próprios e do outro)” (MAHONEY, ALMEIDA, 2005, p.25).
Ao imitar os adultos modelos, o adolescente fica impregnado dos
valores morais que eles encarnam e, por conseguinte, toma-os como
se fossem seus. Seus valores ainda não se fundamentam em
princípios: os valores morais do adolescente estão ainda colocados
58
aos modelos que imita, não tendo, portanto, nada de abstrato (Idem,
2007, p.65).
As falhas na competência da abstração levam o adolescente a depender, por
muitas vezes ainda, da concretude dos fatos. É preciso que aquilo que vai compor
sua personalidade, seus valores, seu conhecimento acadêmico e do mundo, lhes
seja apresentado de modo sensível.
Rubem Alves disse que “educar é mostrar a vida a quem ainda não a viu”
(ALVES, 2003, p. 116) e mostrar fazendo dá mais sentido, facilita a apreensão. Entre
um discurso sobre a importância da solidariedade, e uma atitude compreensiva por
parte da professora que atendeu o aluno em sua necessidade, sem dúvida, esta
última surtirá maior efeito para esse aluno.
No processo de imitação, o professor é, indiscutivelmente, um dos modelos
mais copiados, quiçá o mais importante deles. Este, por sua vez, na condição de
adulto “pode colaborar para a resolução dos conflitos, não esquecendo que o conflito
faz parte do processo ensino-aprendizagem, pois é constitutivo das relações. A
qualidade da relação é revelada pela forma como os conflitos são resolvidos”
(MAHONEY, ALMEIDA, 2005, p.25-26). O modo como o professor administra os
conflitos em sala, como ele resolve os problemas, como ele fala e ouve, vai refletir
nas atitudes do aluno. A forma como o professor se relaciona com os colegas, com
os alunos e, mesmo com o conteúdo que ensina, pode interferir na construção das
relações que o aluno estabelecerá com todos esses. Se o professor não ouve, não
estará ensinado seu aluno a ouvir, se não respeita, não ensina respeito, se sente e
demonstra prazer e imprime importância no que faz, certamente, o aluno perceberá
importância pelo que o professor faz e ensina, e ficará curioso em descobrir prazer
naquilo que aprende. Assim, uma dificuldade de aprendizagem ou de
comportamento, de conduta, pode ser um problema de ensino e de modelos. Vale
relembrar o poder de contágio das emoções e dos sentimentos – se o professor
demonstra satisfação no ato de ensinar, terá mais chances de despertar no aluno o
desejo em aprender.
59
Aqui, volto a Rubem Alves que, de modo muito divertido, conta sobre uma
experiência pessoal que vivera com uma professora. Ele comia algo de que não
gostava para se aproximar mentalmente da professora. “É como se, através daquela ‘coisa’ que não é a pessoa amada,
fosse possível tocar e acariciar a pessoa amada, ausente. Pois o
mesmo mecanismo acontece na educação. Quando se admira um
mestre, o coração dá ordens à inteligência para aprender as coisas
que o mestre sabe. Saber o que ele sabe passa a ser uma forma de
estar com ele” (ALVES, 2003, p.83-84).
“O educador é leitor de desejos e faltas, faltas e desejos, porque este é o
elemento crucial, fundamental. Sem ele não pode existir a ação de ensinar. Tem de
haver falta, e existe. Educador é educador, porque ensina o que o outro ainda não
sabe” (FREIRE, 2001, p 69).
É preciso que o professor tome consciência e acredite na exponencial
influência da afetividade sobre o processo ensino-aprendizagem e queira afetar seu
aluno de modo positivo e eficaz. A partir da relevante contribuição dada por Abigail
Mahoney e Laurinda de Almeida em aprofundamento sobre a teoria de Henri Wallon,
há alguns pontos sobre os quais os professores interessados em atingir seus
objetivos devem ter clareza. Do ponto de vista do ensino, o professor deve
compreender que: confiar na capacidade do aluno é fundamental; que o ensino
promove o desenvolvimento do aluno e seu; que suas tarefas revelam vários saberes
– conhecimento específico de sua área e como comunicá-lo, habilidades no
relacionamento inter-pessoal, conteúdo da cultura, saberes construídos no tempo e
nos espaços sociais, numa integração cognitivo-afetiva; que a intensidade das
emoções e sentimentos variam, mas estão presente em todos os momentos e
contextos da vida e interferem em nossas atividades. Do ponto de vista da
aprendizagem, que ele considere que o aluno: busca a escola com motivações
diversas; tem características próprias do momento do seu desenvolvimento e de sua
história de vida pessoal e escolar; tem saberes elaborados nas suas condições de
existência; que o aluno funciona de forma integrada: dimensões afetiva-cognitiva-
motora imbricadas (MAHONEY, ALMEIDA, 2005, p.12).
60
O professor que, em sua prática, considerar essas condições vai estimular um
outro fator imprescindível no processo ensino-aprendizagem que é a auto-estima, um
conceito afetivo-cognitvo básico, mas determinante da qualidade do desenvolvimento
pessoal. É uma dimensão afetiva do auto-conceito e está diretamente relacionada a
outros conceitos cognitivos “como lócus de controle e expectativa da própria
eficiência. [...] Inclui dois aspectos principais: um sentido de eficiência pessoal e um
sentido de autovaloração” (Branden, 1981, apud. ARÓN, MILICIC, 1994, p.47). Em
contrapartida, uma auto-estima baixa afeta a sociabilidade do sujeito, podendo levá-
lo ao isolamento, à timidez e a uma séria impossibilidade de se arriscar, de ousar, de
aprender, posto que se sente incapaz.
A tudo isso e a muito, muito mais, o professor precisa estar atento. Deve
observar de modo reflexivo, contínuo e sistemático as suas atitudes diante do
conjunto de alunos – diversas e adversas personalidades; sua postura junto aos
colegas professores e outros profissionais da escola; a imagem que tem de si; a
valoração do seu trabalho e do que ensina; tanto quanto mais forem positivas essas
posições, maiores serão suas possibilidades de sucesso. Porém, sucesso não
significa satisfação. A sensação de estar satisfeito é uma prerrogativa de quem gosta
do que faz, porque faz com prazer, com paixão.
A paixão é a última dimensão da afetividade, “revela o aparecimento do
autocontrole para dominar uma situação: tenta para isso silenciar a emoção [...]
caracteriza-se por ciúmes, exigências, exclusividade” (MAHONEY, ALMEIDA, 2005,
p.21). Nota-se que os professores mais seguros, mais equilibrados, são também os
mais interessados, os mais compromissados com a educação. São exigentes. São
aqueles que não admitem falar mal da escola, da profissão, têm ciúmes. Têm paixão
pelo seu trabalho.
Segundo a pesquisa realizada com cerca de 500 professores e divulgada na
edição de novembro/2007 da Revista Nova Escola, pouco mais da metade, 53% dos
professores, disseram ter no amor à profissão sua principal motivação, e apenas
63% trabalham no que gostam. Para se fazer uso de um raciocínio lógico, não
exclusivamente matemático, mas também interpretativo do que estudamos até aqui,
as informações acima nos levam a deduzir que temos quase 40% dos alunos sem
61
gosto pela escola. Ainda que 83% dos professores, segundo a pesquisa, tenham
consciência da importância da profissão de professor, não convence, os alunos não
o verão como alguém importante nem tão pouco o que vem dele, porque está no
nível da consciência que é abstrato, não está no nível da ação, do concreto, onde é
mais apreensível para o aluno.
São inúmeras e inegáveis as razões que levaram o professor a esse
sentimento pela educação. Mas, nem todas as razões devem ser atribuídas aos
alunos. Estes são o que são por nossas mãos – pais, professores, sociedade. Mas, a
boa notícia é que serão o que serão, também por nossas mãos. Por isso, é preciso
conhecê-los mais e melhor, e o inverso também. É preciso que eles conheçam mais
e melhor a escola e seus mestres.
Não faz muito tempo, estava realizando um estudo numa escola quando uma
professora pediu que eu desenvolvesse um trabalho com seus alunos, adolescentes
de 8ª série. Ela os descreveu da pior maneira possível. Entre outras coisas, ela
disse: “São péssimos. Até droga tem entre eles!” Quando a professora e eu nos
aproximamos da sala, os alunos estavam no corredor e nos receberam com
brincadeiras, sorrisos. A professora reagia com aspereza e dizia: “Você não me
conhece!” e repetia: “Você não me conhece, hein!?” Quando fiz a proposta do
trabalho (eles deveriam elaborar dois textos com os temas: “O aluno que eu sou” e
“O aluno que eu gostaria de ser”), propus que não fizessem naquela hora, que
podiam trazer num dia que eles marcassem. Então, uma aluna disse: ”Não, Dona, é
melhor que seja agora, se ficar pra depois, não vamos entregar. A maioria trabalha,
não tem tempo pra fazer outra hora.” Daí, percebi que não apenas os alunos não
“conheciam a professora” como ela também não os conhecia.
Mais uma vez, é bom observar que houve muitas mudanças na vida, nos
modos de vida, nas famílias, nas suas estruturas, no trabalho. O mundo mudou. Não
poderia ser diferente com a escola. E para poder compreender algumas destas mudanças devemos levar
em consideração as dinâmicas psicológicas, que estão determinadas
não somente pelas realidades sócio-econômicas do mundo em que
vivemos, mas também pelas necessidades psicológicas de uma
adolescência que se prolonga no que antes era uma vida adulta
62
serena, e que hoje não pode ser mais do que uma inquietude, uma
instabilidade, uma sensação de fracasso que se deve tentar superar
de qualquer maneira e a qualquer preço. [...] Somente quando o
mundo adulto o compreende adequadamente e facilita a sua tarefa
evolutiva o adolescente poderá desempenhar-se correta e
satisfatoriamente, gozar de sua identidade, de todas as suas
situações, mesmo das que aparentemente, têm raízes patológicas,
para elaborar uma personalidade mais sadia e feliz (KNOBEL, 1988,
p. 54; 59).
Uma das melhores maneiras para elevar a auto-estima e valorizar o
adolescente na escola é propiciar a sua participação. Ele precisa sentir-se útil,
importante, capaz e, sobretudo, respeitável e respeitado. Envolvê-lo na elaboração e
realização de atividades de interesse comum, dar-lhe oportunidade de tomar
decisões e prepará-lo para isto, é dar-lhe evidências de que percebemos que ele
cresceu em tamanho e responsabilidade, o que poderá ajudá-lo a sair da
contraposição em que se encontra. Isso também é educar e é, portanto, papel da
escola. Quanto ao papel do aluno, que pouco tem de poder de decisão [...]
por ‘talvez’ ser conceituado como ‘desprovido de luz’, é notável que
deva ser mudada essa conceituação, uma vez que o aluno da
contemporaneidade não é mais ‘desprovido de luz’, ele já é um ser
iluminado (Silva, 2007)
e quer professores também iluminados, atualizados, bem informados. “Os alunos
querem um professor intelectualmente capaz e afetivamente maduro, que seja hábil
ao falar e permita intervenções quando necessárias” (Cunha, apud, Silva, 2007). O
professor que não atende a essas expectativas, castrando o desejo e as
potencialidades de seus alunos, por medo ou por incapacidade de aceitação,
assistirá ao boicote de suas aulas, pois eles sabem identificar o que se passa com o
professor. O aluno precisa se sentir parte da escola, da aula, do processo de ensino-
aprendizagem. Se não for assim, não se justificará o gosto pela escola. É preciso
conhecer para gostar, e só conhece por meio da aproximação e participação.
63
A disciplina escolar, frise-se, não é obtida por meio de regulamentos,
e muito menos a partir da ameaça de punição, retaliação, banimento.
Ao contrário, ela é resultado tão somente de acordos entre as partes
[...] Dito de outra forma, a disciplina escolar remete às pautas de
convívio, esboçadas a partir das rotinas, das expectativas e dos
valores característicos das relações escolares, os quais balizam o
que fazemos e o que pensamos sobre o que fazemos no dia-a-dia.
Uma espécie de norte e, ao mesmo tempo, de combustível das
relações – ambos deflagradores dos laços de respeito e parceria
entre alunado e agentes escolares (AQUINO, 2003, p.67).
A partir dessas idéias, se fundamentam os “combinados” entre os membros da
escola. Direção, professores, funcionários e alunos, todos sob a orientação de uma
espécie de lei do relacionamento possível. Evidentemente, sua elaboração deverá ter
a participação e a contribuição de representantes de todos os que se submeterão a
ela. Quanto mais envolvimento, maior compromisso. Quanto mais cedo se fizer,
menos tempo se levará para se naturalizarem. Assim, é algo para se propor já no
início do ano. É saudável para qualquer relacionamento o conhecimento das partes. Vale a pena, já no primeiro encontro, utilizar-se da estratégia de
narrar um pouco de sua história profissional, bem como de ouvir as
que os alunos têm para revelar [...] mas o trabalho inaugural não se
esgota aí. É fundamental o professor dispor abertamente de seu
projeto de trabalho que se inicia, explicitando as exigências e as
condições mínimas para que as aulas transcorram a contento. O
mesmo vale para os alunos. Resumindo: é fundamental esclarecer o
que esperam um do outro (AQUINO, 2003, p.69-70).
As normas deverão ser discutidas, atualizadas e justificadas. Qual seria a
justificativa, hoje, para um “é proibido mascar chicletes na sala de aula”? Então, as
justificativas devem ser plausíveis e convincentes, porque do contrário, as normas
não se legitimarão. Não se deve esperar adesão imediata por parte dos alunos, e
estes só farão sua parte se o professor cumprir com o que foi acordado. [...]
Os alunos sabem o que deve ou não ser feito, mas quem inicia a
64
ação e supervisiona o cumprimento das regras ainda é o professor
[...] Segundo Gotzens (2003, p.60), as regras de trabalho de
convivência devem ser fundamentais para o desenvolvimento do
grupo; no menor número possível; realistas, respeitando as
características e as possibilidades dos alunos; realistas, respeitando
os costumes e os valores do ambiente sócio-familiar,
preferencialmente, expressas em termos positivos; passíveis de
serem cumpridas, evitando as que certamente não serão; adaptáveis
aos interesses e às preocupações dos alunos (AQUINO, 2003, p.71-
73).
Também deverão ser previstas as conseqüências para os que não cumprirem
os acordos, e deverão ser feitos todos os esforços necessários para que essas se
efetivem. O contrário disso levará ao esvaziamento do acordo e se ouvirá: “Ah, não
dá nada não, dona.” Porém, “as sanções devem ter como objetivo o retorno ao
grupo, evitando um caráter meramente punitivo e expiatório. Por essa razão, elas
devem ser discutidas publicamente e aplicadas exclusivamente com vistas à
solidificação dos acordos coletivos” (Idem. p.75).
Uma vez construídas as normas de convivência, outra possibilidade de
participação na qual o aluno e suas questões são protagonistas, são as assembléias
de classes. Criadas há algum tempo e retomadas, agora, como uma afirmação do
espaço escolar democrático, elas são momentos reservados ao diálogo, à escuta,
tão desejados pelos alunos. Numa oportunidade de intervenção psicopedagógica
com turmas de 8ª série, o que ficou mais evidente, naquele trabalho, foi o pedido por
“ouvidos”. O aluno adolescente quer ser ouvido!
A experiência das assembléias de classes tem grandes chances de se
constituir como uma oportunidade para atender a essa necessidade do aluno, mas
também poderá ser mais um instrumento de trabalho do professor que terá
oportunidade de conhecer o que se passa entre os alunos, os seus desejos,
expectativas, suas dificuldades e, se tiver segurança suficiente, poderá ouvir as
críticas que eles tenham com relação a seu comportamento, didática, método de
ensino e conteúdo, e, a partir daí, rever e adequar essas questões com
65
possibilidades de despertar maior interesse nos alunos, sobretudo porque vão,
finalmente, se sentir ouvidos.
Considerando a relevância desse recurso pedagógico, transcrevo Julio
Groppa Aquino que, a partir de Puig Rovira descreve um pouco da execução de uma
assembléia: Para Puig Rovira, as assembléias de classe são [...], um dos valores
democraticamente desejáveis e factíveis no cotidiano escolar. Sua
marca principal é o protagonismo e seu alvo, a co-autoria pela
construção dos valores e das atitudes características da convivência
democrática. [...] Uma assembléia de classe é, portanto, um evento
escolar organizado para o grupo-classe (incluídos os professores)
possa discutir as questões que lhe pareçam pertinentes ou
necessárias, a fim de otimizar a ação e a convivência democráticas.
Para alcançar tal objetivo, a organização das assembléias prevê,
segundo Puig (2002b, p.28-29):
-destinar uma pequena parte do tempo semanal a esse tipo de
reunião, de maneira que todos considerem a assembléia como uma
atividade habitual da sala de aula, que podem usar para alcançar
diversas finalidades.
-dispor o espaço da sala de aula, às vezes, de forma distinta do
habitual para favorecer o diálogo e para fortalecer, com esse
simbolismo, a atitude de cooperação entre todos os membros.
-interromper o trabalho individual da aula e modificar, de certo modo,
os papéis de alunos e professores de maneira que sua participação
seja mais igualitária, embora não idênticas nem igual
responsabilidade.
-empregar o tempo atribuído à assembléia para falar juntos de tudo o
que ocorre à turma, ou de tudo aquilo que qualquer um de seus
membros considera importante e merecedor da atenção dos colegas.
- dialogar com a disposição de se entender, de organizar o trabalho e
de solucionar os conflitos de convívio que possam apresentar-se.
-dialogar, portanto, com a vontade de mudar o necessário para que a
vida da turma seja otimizada, e fazer isso com a vontade de se
comprometer pessoalmente nessas mudanças (...)
66
-finalmente, o modo de realizar as assembléias de sala de aula
depende da idade dos alunos. É evidente que as assembléias não
podem ser realizadas do mesmo modo na educação infantil ou no
ensino médio. Sua necessidade e utilidade podem ser parecidas, mas
a maneira de concretizá-las varia em função da especificidade própria
de cada idade (Puig Rovira, apud AQUINO, 2003, p.83-84).
Percebe-se, porém, em grande parte dos professores certa insegurança para
se arriscar numa inovação, numa ação para a qual não tem certeza de seu domínio.
Parte dessa insegurança e resistência, muitas vezes, deve-se ao fato de sentir-se
sozinho, por isso não ousa inovar, mudar conceitos e atitudes diante e com relação
aos alunos que se encontram agrupados, maneira pela qual o aluno adolescente
tenta sua afirmação.
Todavia, o professor não deve se esquecer dos instrumentos de trabalho de
que pode lançar mão. A idéia do grupo não vale apenas para os adolescentes. O
grupo é lócus da experiência, da força, do aprendizado, da cumplicidade, da
convivência, etc. O trabalho coletivo é educativo e formativo. Ele desenvolve os sentimentos de pertença, de compromisso nos
professores e alunos, sentimentos resultantes das relações
interpessoais fundamentais para o trabalho significativo. [...] Exige-se
hoje um profissional comprometido com o processo educacional, com
os resultados da aprendizagem de seus alunos, com a atualização
constante de seus saberes pedagógicos e culturais. Um professor
envolvido com o exercício contínuo da reflexão sobre a prática. Essas
exigências não se efetivam de maneira isolada. O trabalho coletivo e
o compromisso com o grupo são fundamentais para o cumprimento
desses novos desafios que ocorrem na escola. (SILVA, 2006, p. 80)
Para esse trabalho, o adolescente tem muito a ensinar - sua participação é
marcada pela assiduidade, horizontalidade e compromisso com o ideal do grupo.
Assim, o trabalho coletivo escolar deve obedecer a uma constância, ter objetivos
claros e compartilhados. Também as relações deverão ser de igualdade; num
trabalho coletivo a participação de todos tem o mesmo peso. Todos devem estar
abertos a discutir e refletir sobre as opiniões e sugestões e, principalmente, devem
67
estar abertos à inovação. Não faz sentido criar novos mecanismos para continuar
repetindo as mesmas coisas. Por isso, a participação dos alunos é importante. Eles
trazem novidades, energia e ânimo para o trabalho.
Um exemplo de trabalho coletivo na escola é o Conselho Pedagógico, um espaço de reflexão sobre os objetivos gerais, de formulação de
propostas e de seu encaminhamento prático, pois o coletivo de
professores e orientadores vislumbrava a formação cultural, ética,
estética e social de seus alunos não apenas no plano teórico. Assim,
todos os objetivos traçados para os educando eram também
vivenciados, anteriormente, pelos educadores nos conselhos
pedagógicos, como, por exemplo: desenvolver atitudes de
transparência, de autenticidade, de autoconfiança e confiança no
outro, de segurança, de equilíbrio, de abertura, de disponibilidade, de
participação, de compromisso, de reflexão, de diálogo, de
compreensão e vivência dos direitos e deveres de um cidadão
democrata. (Idem, p.85-86)
Quando o aluno percebe uma escola empenhada, envolvida e atuante,
quando o discurso se transforma em ação – ele vê o professor estudando,
questionando, investigando, então – volto à idéia da imitação –, ele poderá receber
dessas ações a motivação necessária para ser, de fato, aluno e não um transeunte
escolar.
Indispensável subsídio para o bom desempenho na realização das atribuições
docentes é a produção desde todas as áreas de conhecimento, da qual ele pode e
deve lançar mão. Foi-se o tempo em que um profissional se fazia (ou se fingia) auto-
suficiente e dono de todo o saber. Há algum tempo, um mesmo médico tratava do
recém-nascido ao ancião, de uma fratura a um parto. Com o avanço das ciências e
das novas tecnologias, foi possível identificar novas doenças e descobrir tratamentos
para estas; juntando-se ao crescimento demográfico, houve necessidade de ampliar,
também, o número de especialidades para melhor estudar, diagnosticar e tratar as
inúmeras moléstias que vêm surgindo, para algumas das quais, mesmo um
68
especialista não é suficiente, necessitando, muitas vezes, de uma junta médica para
um diagnóstico e tratamento adequado.
Assim se encontra a Educação. Os problemas familiares, emocionais,
financeiros, socioculturais, socioeconômicos chegaram aos bancos da escola,
convertendo-se em problemas de aprendizagem, de comportamento, de
relacionamento, etc. Com isso, a educação passa por um momento de “saúde
fragilizada” e, para “tratar os vários sintomas”, pode e deve contar com a ajuda de
profissionais envolvidos com as questões educacionais, e mesmo com questões
gerais da existência humana, já que concordamos, até aqui, que à escola cabe a
formação integral do indivíduo. Um aluno não é feito apenas de conteúdo acadêmico,
mas de emoções, relações, sonhos, culturas, desejos, amizades, histórias, saúde, e
o professor, assim como qualquer outro profissional não dotado de onisciência,
onipotência, onipresença, pode e deve recorrer aos vários estudos das diversas
áreas do conhecimento que venham a satisfazer suas carências e, assim, poder
corresponder às exigências de suas tarefas.
Porém, não se trata aqui de fazer opção por um hibridismo inconseqüente,
pois “é crucial que os professores tenham acesso ao conhecimento
produzido nos vários campos, mas é preciso dimensionar esse
conhecimento na provisoriedade que o caracteriza, superando-se
modismos apressados, classificações levianas e superficiais. Do
contrário, mais uma vez gato será comprado por lebre e, novamente,
a criança e o professor serão responsabilizados pelo fracasso”
(SOUZA & KRAMER, 1991, p.70 Apud. REGO, 1995 p. 123).
A produção de conhecimento se dá a partir das necessidades humanas.
Quando algo novo é identificado, cientistas e estudiosos se dedicam a investigar,
pesquisar e, então, após muitas experiências e observações, comunicam a
descoberta e ou os resultados de suas observações. As mudanças, e constatações
do comportamento humano na adolescência, chamaram a atenção de alguns
estudiosos que dão grandes contribuições e orientações para uma convivência
respeitosa com o aluno adolescente que, como já comunicado por teóricos e
69
pesquisadores do desenvolvimento humano, não é o mau-elemento, como, muitas
vezes, descrito.
Abaixo, seguem-se algumas considerações sobre a relação professor-aluno
adolescente, feitas a partir da identificação dos reflexos que a relação mantida pelos
professores com seus alunos adolescentes incide sobre seu comportamento: - tentar entender a atitude do adolescente também do referencial dele
e não apenas do seu referencial como adulto;
- evitar oferecer ”munição para ele atirar” – o adolescente se fortalece
no grupo e se sentirá incentivado a desafiar; [...]
- tentar conhecer as representações e conhecimentos que os alunos
têm a respeito de um assunto que se vai trabalhar em classe;
- perceber que as causas da indisciplina têm várias origens, inclusive
a própria estruturação do cotidiano escolar que provoca a indisciplina,
isto é, procurar pensar de forma sistêmica;
- trocar experiências, socializar vivências, inventar, improvisar, ser
criativo;
- refletir sobre seus objetivos pessoais e profissionais. Aonde o
professor quer chegar e que caminho deseja seguir;
- aceitar a complexidade e a natureza do trabalho de professor, não
negar os sentimentos de medo, angústia, impotência, desânimo, o
tédio e a rotina porque negá-los não nos fará capazes de superá-los;
-pensar que se o aluno estiver envolvido em um projeto, ele investirá
esforços para aprender. Procurar então, trabalhar com situações-
problema tiradas da prática social dos alunos;
- aceitar que você não precisa saber sempre como agir de maneira
correta e com rapidez. Muitas vezes, não entendemos uma situação.
Procurar tomar distanciamento para compreender melhor
(PEDROSA, 2007).
Fernandéz, (1991, apud TASSONI, 2000, p. 155) define o processo ensino-
aprendizagem de modo extraordinário: “Para aprender, necessitam-se de dois
personagens (ensinante e aprendente) e um vínculo que se estabelece entre ambos.
[...] Não aprendemos de qualquer um, aprendemos daquele a quem, outorgamos
confiança e direito de ensinar”.
70
Assim, passando às últimas considerações desse trabalho, pode-se reafirmar,
inexoravelmente, que só se aprende na relação, e, preferencialmente, numa relação
prazerosa, de confiança e de conquistas. Cabe ao professor, despertar no seu aluno,
como num exercício de sedução, a atenção, o gosto, a curiosidade, a confiança.
Cabe à sociedade dar/exigir que o professor tenha condições de trabalho e de
formação que o tornem capaz de fazer isso.
Os aspectos afetivos da relação entre professor e aluno adolescente, devem
ser considerados na avaliação das competências e habilidades do aluno, já que são
requisitos para o aprendizado, sobretudo, consideradas todas as especificidades
sócio-afetivas da adolescência. E aqui se encontra um campo de atuação da
psicopedagogia que, certamente, tem muito a contribuir, pois frente um adolescente com problemas na aprendizagem, entender as
características comuns a este período de modo a ajudar os pais (e
professores)3 a obterem uma melhor compreensão da fase pela qual
passa o filho (e o aluno)4 e poderem juntos discriminar o que é fruto
de problemas na aprendizagem e o que faz parte de uma etapa de
desenvolvimento normal dos sujeitos, de maneira a ser realizada uma
adequada intervenção [...] O adolescente encaminhado para
atendimento psicopedagógico está vivendo um período muito
especial de sua vida [...] Geralmente é uma dificuldade que se
arrastou por anos e que somada [...] (aos “sintomas”)5 da
adolescência toma proporções maiores a ponto de levar os pais a
buscar ajuda. (PEGO, 2005)
Contudo, cabe ao professor, na sala de aula, e à escola a diferenciação das
situações de aprendizagem ou de não aprendizagem. Cada aluno tem uma história diferente, uma necessidade diferente,
uma expectativa diferente quando se relaciona com o outro, inclusive
com o professor. Por sua vez, o professor em sala de aula não vê o
aluno com o mesmo olhar de outro professor. O professor não
apenas transmite os conhecimentos ou faz perguntas, mas também
3 Os acréscimos entre parênteses são meus 4 Idem. 5 Idem.
71
ouve o aluno, deve dar-lhe atenção e cuidar para que ele aprenda a
expressar-se, a expor suas opiniões. (OLIVEIRA, 2005)
Ratificando esta última afirmação, e para justificar o interesse e o
desenvolvimento desse trabalho, relato uma experiência encantadora, apaixonante
até, motivadora de uma reflexão profunda sobre a atuação do professor e os reais
reflexos desta na aprendizagem e no comportamento do aluno. Quem tivesse
assistido à cena, dispensaria qualquer teoria:
- Nossa! Eu adoro essa professora! Adoro a aula dela! Ela dá aula de Português.
- Você gosta da professora porque gosta de Português, ou gosta de Português
porque gosta da professora?
- Gosto da professora porque entendo tudo o que ela diz. Agora, me dá licença que
eu preciso ir lá pra frente, senão não aprendo nada.
Ouvir isso de uma aluna parece algo normal, esperado até, não tivesse saído de
quem saiu. Quem tivesse visto o comportamento de Renata6, nas aulas anteriores, e
a sua relação com os professores que antecederam a professora Clara, naquele dia,
certamente não iria, como eu, acreditar no que estava vendo e ouvindo.
Desde a primeira aula, a aluna apresentava um comportamento totalmente
inadequado: dirigindo vários insultos aos professores e colegas, andando e falando
alto enquanto os professores tentavam ministrar suas aulas, jogando bolas de papel
e pegando objetos de outros alunos sem o devido consentimento, etc.
Num determinado momento, durante uma troca de professores, levei um susto
quando aquela aluna de atitudes inoportunas, capaz de desestabilizar qualquer
professor, se aproximou de mim e começou a perguntar coisas sobre minha vida
familiar e a falar sobre a sua. Disse coisas que prefiro não repetir, e, de certa forma,
explicavam um pouco daquele comportamento, ao mesmo tempo em que, nas
entrelinhas, era possível perceber um pedido de socorro, de limites, alguém que
orientasse sua vida, que lhe ouvisse, lhe enxergasse – talvez daí o comportamento
tão saliente – precisava ser vista e ouvida. Era, justamente, o que a professora Clara
lhe oferecia: chamava-lhe pelo nome, se importava se entendera a explicação,
6 Os nomes colocados no trecho são fictícios
72
valorizava os acertos e os erros ajudavam na construção de um conhecimento mais
sólido. A professora circulava pela sala, sentava-se junto aos que, agora,
bagunçavam. Tocava os alunos por completo - física, emocional e cognitivamente.
Mantinha com eles uma relação muito afetiva.
A aluna, agora, contradizia todo o estereótipo criado na escola sobre o adolescente.
Fitava a professora e a lousa. Um conteúdo denso, cheio regras como a gramática
da Língua Portuguesa, era saboreado por ela que “bebia” cada palavra da professora
e interagia a cada explicação. Lindo!
Sim, a relação com o aluno adolescente é possível. O adolescente pode ser
só uma pessoa que tem coragem de dizer o que pensa e de contestar o que não
convence, ainda que por pouco tempo; pode ser humilde o suficiente para, com o
tempo, dizer que estava enganado e que é possível mudar de posição. Ou pode ser
forte o suficiente para provocar mudanças que o adulto vai reconhecendo
necessárias. É alguém cuja energia é capaz de nos mobilizar, de nos tirar do eixo – e
como é bom “des-eixar” – desleixar, de vez em quando, sair da rigidez do centro. De
fora, a partir do outro e do mundo, a visão é melhor, é panorâmica. Embora, por
vezes, tão rígido o adolescente pode ser, perfeitamente moldável, maleável. Não
pela dureza de nossas palavras, mas pela humanidade dos nossos gestos, dos
nossos exemplos. Ele só está procurando ser gente, ser humano, e dar sentido à sua
humanidade.
73
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