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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PUC/SP
Alan Silva dos Santos
Um estudo sobre o conceito de densidade do conjunto dos
números racionais e do conjunto dos números irracionais: uma
abordagem com tecnologias
Mestrado Acadêmico em Educação Matemática
São Paulo
2017
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PUC/SP
Alan Silva dos Santos
Um estudo sobre o conceito de densidade do conjunto dos
números racionais e do conjunto dos números irracionais: uma
abordagem com tecnologias
Mestrado Acadêmico em Educação Matemática
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Educação Matemática, sob a orientação do Prof. Dr. Gerson Pastre de Oliveira.
São Paulo
2017
BANCA EXAMINADORA
___________________________________
___________________________________
___________________________________
Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou
parcial desta Dissertação seja por processos de fotocopiadoras ou eletrônicos.
Assinatura:_________________________Local e data:_______________________
Dedico este trabalho aos meus pais, Ademário
José dos Santos e Maria Célia Silva dos
Santos, por tudo que me tornei hoje, e a minha
noiva Grasieli pelo amor e carinho.
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a Deus pela vida e por estar presente todos os dias.
Ao meu orientador, respeitosamente, prof. Dr. Gerson Pastre de Oliveira, pelo
seu apoio, incentivo, horas de orientação, em relação à esta pesquisa envolvendo
tecnologias e Educação Matemática.
Aos professores Dr. Ion Moutinho Gonçalves e Dr. Saddo Ag Almouloud, por
aceitarem o convite para compor a banca examinadora: foi uma honra. Além disso,
contribuíram muito com suas excelentes sugestões para conclusão deste trabalho.
A todos os professores Doutores do programa pelas dialéticas e excelente
ensino durante todo o programa de pós-graduação, e contribuições para esta
pesquisa.
Agradeço imensamente a CAPES pelo apoio financeiro, e pela concessão da
Bolsa de Estudos pelo Programa de Pós-graduação PUC-SP / FUNDASP, que
permitiram a conclusão desta pesquisa.
A minha família, meus pais, meu irmão Anderson por estarem sempre no
incentivo, e a minha noiva Grasieli por toda compreensão e amor.
A todos os alunos participantes desta pesquisa.
Resumo
Esta pesquisa tem por objetivo analisar, por meio de uma sequência didática, as
concepções dos alunos do curso de licenciatura em matemática que envolvem
características e propriedades dos números racionais e dos números irracionais,
bem como o conceito de densidade dos respectivos conjuntos no conjunto dos
números reais. A investigação emprega tanto tecnologias digitais, por meio do
software GeoGebra, como tecnologias não digitais. Os estudos efetuados por meio
da revisão de literatura e das atividades propostas permitiram formular/refinar a
problematização em torno da qual se desenvolveram os procedimentos
investigativos, levados a efeito com um grupo de licenciandos em Matemática, e que
envolvia questões relativas às concepções de tais sujeitos acerca das características
e propriedades relativas aos números racionais e irracionais, bem como atinentes ao
conceito de densidade do conjunto dos números racionais e do conjunto dos
números irracionais. A investigação, de caráter qualitativo, utilizou instrumentos de
recolha de dados concebidos como modelos digitais, além de sequências resolvidas
sem o uso de software, em conjunto. Os dados coletados foram analisados
empregando aportes da Teoria das Situações Didáticas, além de elementos teóricos
relativos ao uso de tecnologias em Educação Matemática. As análises empregaram,
também, referenciais ligados às questões representacionais numéricas e às
modalidades de conhecimento matemático (algorítmico, formal e intuitivo). As
análises realizadas sugerem que os modelos e estratégias empregadas foram
eficientes em levantar a forma predominante das concepções dos sujeitos
envolvidos; indicaram, também, que o uso das estratégias didáticas concebidas na
investigação possibilitou avanços na ressignificação do conhecimento matemático
posto em jogo pelos sujeitos.
Palavras-chave: Educação Matemática, Densidade, Números Racionais,
Números Irracionais, Tecnologias Digitais.
ABSTRACT
This research aims to analyze, through a didactic sequence, the students'
conceptions of an mathematics university course that involve characteristics and
properties of rational numbers and irrational numbers, as well as the concept of
density of the respective sets in the set of real numbers. The research employs both
digital technologies, through GeoGebra software, and non-digital technologies. The
studies carried out through a review of the literature and the proposed activities
allowed to formulate/refine the problematization around which the investigative
procedures developed with a group of undergraduates in Mathematics were
developed and which involved questions regarding the conceptions of such subjects
about the characteristics and properties relative to rational and irrational numbers, as
well as concerning the concept of density of the set of rational numbers and the set
of irrational numbers. The research, of a qualitative nature, used data collection
instruments designed as digital models, in addition to sequences solved without the
use of software, together. The collected data were analyzed using contributions from
the Theory of Didactic Situations, as well as theoretical elements related to the use of
technologies in Mathematics Education. The analyzes also used references related
to numerical representational questions and mathematical knowledge modalities
(algorithmic, formal and intuitive). The analyzes carried out suggest that the models
and strategies employed were efficient in raising the predominant form of the
conceptions of the subjects involved; also indicated that the use of didactic strategies
conceived in the research allowed for advances in the re-signification of the
mathematical knowledge put into play by the subjects.
Keywords: Mathematics Education, Density, Rational Numbers, Irrational
Numbers, Digital Technologies.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1. Densidade de ℚ 𝑒𝑚 ℝ e ℝ−ℚ 𝑒𝑚ℝ ]𝑎, 𝑏[= 𝑥 ∈ ℝ 𝑎 < 𝑥 < 𝑏}, 𝑎, 𝑏 ∈ ℝ − ℚ
.................................................................................................................................. 26
Figura 2. Densidade de ℚ 𝑒𝑚 ℝ e ℝ−ℚ 𝑒𝑚 ℝ ]𝑎, 𝑏[= 𝑥 ∈ ℝ 𝑎 < 𝑥 < 𝑏}, 𝑎, 𝑏 ∈ ℚ .. 27
Figura 3. Densidade de ℚ 𝑒𝑚 ℝ e ℝ−ℚ 𝑒𝑚 ℝ .......................................................... 27
Figura 4. Triângulo didático ....................................................................................... 57
Figura 5. Modelo digital “calculadora de verificação para números racionais e
irracionais” (calculadora.ggb) .................................................................................... 68
Figura 6. Modelo digital “racionais entre dois racionais” ........................................... 74
Figura 7. Modelo digital “irracionais entre dois irracionais” ....................................... 76
Figura 8. Resultados obtidos na realização da Atividade 2 ..................................... 102
Figura 9. Pontos D, E e F após a aplicação de diversas operações de zoom ........ 102
LISTA DE TABELAS
Tabela 1. Quantificação das respostas ao item 2 (46 respondentes) ........................ 45
LISTA DE QUADROS
Quadro 1. Atividade 1 ................................................................................................ 62
Quadro 2. Atividade 2 ................................................................................................ 69
Quadro 3. Atividade 3 ................................................................................................ 71
Quadro 4. Resolução do item a da Atividade 1 ......................................................... 84
Quadro 5. Resolução do item b da Atividade 1 ......................................................... 86
Quadro 6. Resolução do item c da Atividade 1 ......................................................... 89
Quadro 7. Resolução do item d da Atividade 1 ......................................................... 93
Quadro 8. Resolução do item e1 da Atividade 1 ....................................................... 95
Quadro 9. Resolução do item e2 da Atividade 1 ....................................................... 96
Quadro 10. Resolução do item f da Atividade 1 ........................................................ 97
Quadro 11. Resultados obtidos na realização da Atividade 2 ................................. 101
Quadro 12. Resultados obtidos na realização da Atividade 3, item 1 ..................... 103
Quadro 13. Justificativas providas para a Atividade 3, item 1 ................................. 105
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 13
CAPÍTULO UM .......................................................................................................... 19
1.1 Conjunto dos números racionais ℚ .................................................................. 19
1.2 Representações decimais finitas x representações infinitas periódicas ........... 20
1.3 Representações decimais finitas e sua escrita na forma de uma dízima
periódica ................................................................................................................ 21
1.4 Representações decimais infinitas periódicas ................................................. 23
1.5 Conjunto ℝ−ℚ dos números irracionais ......................................................... 23
1.6 Conjunto dos números reais ℝ ......................................................................... 25
1.7 Densidade do conjunto ℚ dos números racionais 𝑒𝑚 ℝ; densidade do conjunto
ℝ−ℚ dos números irracionais 𝑒𝑚 ℝ. ................................................................... 25
1.8 Números racionais e irracionais e as funções trigonométricos sen 𝜃 e cos 𝜃 .. 31
CAPÍTULO DOIS ....................................................................................................... 40
2.1 Revisão da Literatura e aportes teóricos .......................................................... 40
2.2 Aportes metodológicos ..................................................................................... 59
CAPÍTULO TRÊS ...................................................................................................... 81
3.1 Análises da Atividade 1 .................................................................................... 81
3.1.1 Análise do item a ....................................................................................... 82
3.1.2 Análise do item b ....................................................................................... 85
3.1.3 Análise do item c........................................................................................ 87
3.1.4 Análise do item d ....................................................................................... 91
3.1.5 Análise do item e ....................................................................................... 94
3.1.6 Análise do item f ........................................................................................ 97
3.1.7 Sobre a análise da Atividade 1 .................................................................. 98
3.2 Análises da Atividade 2 ................................................................................... 99
3.3 Análises da Atividade 3 ................................................................................. 102
3.3.1 Análises do Item 1 da Atividade 3 ........................................................... 102
3.3.2 Análises do Item 2 da Atividade 3 ........................................................... 111
3.3.3 Análises do Item 3 da Atividade 3 ........................................................... 115
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 118
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 123
ANEXOS E APÊNDICES ........................................................................................ 127
13
INTRODUÇÃO
A pesquisa em Educação Matemática pode envolver inúmeros interesses,
bem como ser desenvolvida em torno de distintos objetos e sujeitos. De forma
particular, aqueles que se configuram como potenciais futuros professores de
Matemática – alunos de licenciatura – representam um importante foco para o
desenvolvimento de investigações, como se pode constatar por meio de buscas nas
bases de dados especializadas, como aquelas disponíveis nos sítios da CAPES ou
de instituições que contam com programas de Pós-Graduação nesta área. Desta
forma, serão estas pessoas, cuja formação inicial para a docência se processa, o
principal foco da pesquisa aqui descrita. E o ponto de vista pelo qual a mesma será
considerada indica uma importante conexão:
Pesquisa, portanto, é o elo entre teoria e prática. Claro, em situações extremas alguns se dedicam a um lado desse elo e fazem pesquisa chegando a teorias baseando-se na prática de outros. Outros estão do outro lado e exercem uma prática, que é também uma forma de pesquisa, baseada em teorias propostas por outros. Em geral ficamos numa situação intermediária entre esses extremos, exercendo o que praticamos e refletindo sobre isso, e, consequentemente, melhorando nossa prática. (D’AMBRÓSIO, 2012, p.84)
D’Ambrósio (2012), descreve pesquisa como o elo entre a teoria e a prática, e
posiciona dois modos de fazê-la: (i) chega-se às teorias baseando-se na prática de
outros e (ii) exerce-se a prática baseando-se na teoria proposta por outros. Ambos
os modos podem dar lugar a investigações, bem como as posições intermediárias
entre eles.
Nesta perspectiva, observam-se pesquisas que empregam as tecnologias não
digitais (lápis e papel, por exemplo) e as tecnologias digitais (softwares e recursos
semelhantes) de diversas formas no processo de ensino ou aprendizagem, de
acordo com os posicionamentos teóricos assumidos pelos investigadores. Da
mesma maneira, as distintas mídias, além das possíveis convergências entre elas,
representam possibilidades para auxiliar na construção do conhecimento
matemático a partir de estratégias didáticas (Oliveira, 2015).
Especificamente sobre as tecnologias digitais, Lévy (1993) propõe que o
conhecimento por simulação pode surgir como alternativa em relação às formas
teóricas de constituição e/ou aquisição do saber. Para este autor:
14
O conhecimento por simulação, menos absoluto que o conhecimento teórico, mais operatório, mais ligado as circunstâncias particulares de seu uso, junta-se assim ao ritmo sociotécnico específico das redes informatizadas; o tempo real. A simulação por computador permite que uma pessoa explore modelos mais complexos e em maior número do que se estivesse reduzido aos recursos de sua imagística mental e de sua memória de curto prazo, mesmo se reforçadas por este auxiliar por demais estático que é o papel. A simulação, portanto, não remete a qualquer pretensa irrealidade do saber ou da relação com o mundo, mas antes a um aumento dos poderes da imaginação e da intuição. Da mesma forma, o tempo real talvez anuncie o fim da história, mas não o fim dos tempos, nem a anulação do devir. Em vez de uma catástrofe cultural, poderíamos ler nele um retorno ao kairos dos sofistas. O conhecimento por simulação e a interconexão em tempo real valorizam o momento oportuno, a situação, as circunstâncias relativas, por oposição ao sentido molar da história ou a verdade fora do tempo e espaço, que talvez fossem apenas efeitos da escrita. (LÉVY, 1993, p.125-126)
Lévy (1993) relata que a simulação pelo computador permite a exploração de
conceitos mais complexos pelas pessoas do que a utilização da imagística mental e
de sua memória. O conhecimento por simulação de um sistema modelado não se
assemelha a um conhecimento teórico e nem a uma experiência prática: encontra-
se, igualmente, em posição intermediária entre as abordagens mencionadas. A
simulação pelo computador pode aumentar a capacidade da imaginação e da
intuição de alunos e professores, na medida em que assessora os processos
mentais das pessoas, enquanto, também, realiza funções repetitivas extensas:
cálculos, esquemas, gráficos, figuras, entre outros elementos, que poderiam
demorar muito tempo para serem construídos, podem ser feitos com mais facilidade
por meio das tecnologias digitais, o que permite obter representações dinâmicas em
tempo reduzido. Desta forma, o esforço de compreensão e avanço em determinado
tópico matemático tende a ficar desvinculado destes esforços operacionais.
Inicialmente, Lévy (1993) posicionou as tecnologias voltadas aos processos
de aprender e ensinar como extensões humanas. Para o autor, assim como a escrita
permitiu estender a capacidade da memória, a informática, com base na simulação,
habilitou a extensão da capacidade da “memória de trabalho”, funcionando como um
módulo externo e suplementar em relação a faculdade de imaginar. Segundo este
autor, a simulação pode ser considerada como a imaginação auxiliada pelo
computador, muito mais potente do que a velha lógica formal, no que diz respeito ao
alfabeto, uma vez que auxilia no raciocínio e nas construções de modelos mentais
das situações e objetos que são estudados, desenvolvidos e explorados a partir de
diferentes possibilidades.
15
O discurso de Lévy impulsionou as reflexões acerca da posição das
tecnologias e das mídias na construção do conhecimento, o que levou alguns
autores a propor avanços em relação aos discursos originais acerca das interfaces
entre pessoas e artefatos. Neste sentido, Borba e Villarreal (2005) argumentam que
a produção do conhecimento na contemporaneidade está vinculada a um coletivo
composto por seres-humanos-com-mídias, de forma indissociável. Os autores
partem das asserções de Tikhomirov (1981), de acordo com as quais as tecnologias,
ao serem apropriadas pelas pessoas, reorganizam o pensamento das mesmas, de
modo que tarefas, atividades, problemas e construções passam a ser feitos de outra
maneira a partir da integração das possibilidades abertas pela lógica de uso das
mídias. Desta forma, como indicam os autores mencionados, além de Oliveira
(2015), tem sentido pensar que as intervenções em processos de ensino e/ou de
aprendizagem em Matemática podem ser feitas não apenas por agentes humanos e
nem tampouco pela substituição dos humanos por dispositivos, mas por um coletivo
formado por pessoas e elementos tecnológicos.
Assim, a proposta deste trabalho passa pela compreensão da forma pela qual
estudantes de licenciatura em Matemática desenvolvem e/ou aprimoram
conhecimentos acerca dos números racionais e dos números irracionais, bem como
das propriedades que os mesmos apresentam e que os definem de uma ou de outra
maneira. Além disso, pretende-se discutir aqui acerca da densidade dos conjuntos
dos números racionais e dos números irracionais no conjunto dos números reais a
partir de uma convergência de abordagens com distintas tecnologias, e que envolve
uma configuração de pessoas-com-GeoGebra, a qual, por sua vez, implementa uma
proposta que pode ser estendida para a ideia de pessoas-com-simulações-
computacionais, além do uso de instrumentos como lápis e papel. Por meio de uma
estratégia didática que envolve a configuração mencionada e uma sequência
contendo problemas típicos em relação ao conhecimento matemático em foco,
pretendeu-se, aqui, analisar as produções dos sujeitos tendo por base alguns
elementos da teoria das situações didáticas (Brousseau, 1986) e um enfoque
qualitativo.
16
Em relação às observações iniciais acerca do conceito1 de densidade,
Caraça (1989) escreve que um conjunto é denso quando, no intervalo de dois
quaisquer de seus elementos, existe uma infinidade de outros elementos do mesmo
conjunto. Esta percepção, explorada em processos de ensino e na formação de
professores pode parecer desprovida de complexidades ou de maiores dificuldades,
mas tem sido relatada como causa de incompreensões e dificuldades entre alunos e
mesmo entre professores em formação. Por exemplo, Sirotic e Zazkis (2007)
descrevem haver uma lacuna significativa entre os conhecimentos formal e intuitivo
acerca dos números irracionais por parte de professores em formação entrevistados
em procedimentos de pesquisa. Os autores apontam diversas confusões quanto aos
critérios para representação de números irracionais, além de incompreensões
acerca das propriedades de conjuntos densos. Entre as concepções errôneas
levantadas na investigação, constam algumas das respostas à questão “suponha
que você tome um número aleatório no intervalo entre 0 e 1 (na reta dos números
reais). Qual a probabilidade de pegar um número racional?” (SIROTIC, ZAZKIS,
2007, p.53):
A probabilidade de pegar um número racional é zero porque nós temos um
número infinito de números irracionais entre 0 e 1, mas apenas um número
finito de racionais (p. 58);
Há um número finito de racionais, mas um número infinito de irracionais,
assim a probabilidade de pegar um racional é muito, muito baixa (p. 58);
Número racionais são definidos como números com uma razão. Parece que
poderia haver uma quantidade finita de números racionais e uma infinita de
números irracionais. A probabilidade de pegar um número racional é muito
pequena – eu diria que é de 1% (p. 59).
Entre os motivos para a alegada finitude do conjunto dos números racionais,
consta uma confusão, mencionada pelos autores, em relação aos conceitos de
conjuntos contáveis. Entre os sujeitos da pesquisa, esta ideia parecia significar que
1 O termo conceito deve ser visto neste trabalho no sentido organizador das ideias relativas aos objetos em tratamento, ou seja, de acordo com ABBAGNANO (1998, p. 176), “[...] organizar os dados da experiência de modo que se estabeleçam entre eles conexões de natureza lógica. Um conceito, sobretudo científico, via de regra não se limita a descrever e classificar os dados empíricos, mas possibilita a sua inferência dedutiva (DUHEM, La thêoriephysique, pp.163 ss.). É por esse aspecto que a formulação conceitual das teorias científicas tende à axiomatização: a generalização e o rigor da axiomatização tendem a levar ao extremo o caráter logicamente organizativo do conceito”.
17
os números componentes poderiam ser contados, o que implicaria na finitude do
conjunto, ainda que o termo, na argumentação original de Cantor, não queira
significar isto, mas que o conjunto em questão teria a mesma cardinalidade de um
dado subconjunto dos números naturais. Este trabalho é mais amplamente discutido
na revisão da literatura, mais adiante, bem como outros relativos a assuntos
correlatos.
Da mesma forma, dificuldades em relação aos conceitos ligados aos números
racionais, aos números irracionais e/ou à densidade são trazidas em pesquisas
como as de Pasquini (2007), Brito (2010), Penteado (2004), Boff (2006), Dias (2002),
entre outras, conforme, também, descreve-se nos capítulos subsequentes. Tais
constatações indicam a pertinência da construção deste trabalho2, que procura
empregar a visão já descrita acerca do uso das tecnologias na Educação
Matemática de modo discutir, tendo como sujeitos um grupo de licenciandos em
Matemática, a partir das seguintes questões:
Quais concepções3 acerca das características e propriedades, relativos
aos números racionais e irracionais, são evidenciadas por licenciandos
em Matemática quando envolvidos em uma sequência didática que
emprega tecnologias digitais e não digitais?
Quais concepções acerca do conceito de densidade do conjunto dos
números racionais e do conjunto dos números irracionais são
evidenciadas por licenciandos em Matemática quando envolvidos em
uma sequência didática que emprega tecnologias digitais e não digitais?
Para dar conta desta proposta, o restante do texto tem a seguinte
organização:
No capítulo um estão expostas as ideias relativas ao tratamento
epistemológico e didático relativos aos objetos matemáticos em questão, ou seja,
2 A investigação relativa a este trabalho compõe parte das pesquisas do grupo PEA-MAT, da PUC/SP, e está relacionada com os projetos “Tecnologias e educação matemática: investigações sobre a fluência em dispositivos, ferramentas, artefatos e interfaces” (CNPq – Processo no. 477783/2013-9) e “Processos de Ensino e Aprendizagem de Matemática em Ambientes Tecnológicos PEAMAT/DIMAT” (FAPESP – Processo no. 13/23228-7). Teve, também, apoio a partir da CAPES (Bolsa Mestrado). 3 O termo concepção, neste estudo, toma o sentido de compreensão acerca do conceito.
18
elementos que descrevem e envolvem o tratamento dado, na pesquisa, aos
conceitos relativos aos números racionais e aos números irracionais.
O capítulo dois traz os elementos teóricos e metodológicos deste estudo e dá
conta do marco teórico assumido, dos referenciais, da revisão bibliográfica e dos
procedimentos da pesquisa.
O capítulo três contém os elementos que permitiram e que descrevem as
análises efetuadas, bem como o desenvolvimento da mesma, o que permitiu
articular as produções dos sujeitos, indicadas textualmente nesta parte do trabalho,
e a relação das mesmas com as teorias em uso.
Na última parte do trabalho, constam as considerações finais, contendo aquilo
que se pode chamar de percepções da pesquisa, bem como as recomendações.
19
CAPÍTULO UM
Números racionais, números irracionais, densidade e conceitos correlatos
Este capítulo traz definições relativas aos conjuntos dos números racionais,
irracionais e reais de acordo com Níven (1990), Lima (2013) e Ávila (2006). Também
se detém sobre as funções trigonométricas e o papel das mesmas na identificação
de números racionais e irracionais por meio do seno e do cosseno de um ângulo
(Níven, 1990). Outra abordagem ocorre sobre a definição de conjunto denso, da
forma como exposto em Caraça (1989) e Ávila (2006). Estas definições serão
importantes para o desenvolvimento do conceito de densidade do conjunto dos
números racionais e irracionais no conjunto dos números reais, conceito este
empregado na elaboração dos instrumentos componentes da metodologia deste
estudo.
Desta forma, é possível afirmar que este capítulo possui tópicos importantes
para analisar as respostas dos alunos de licenciatura em Matemática, sujeitos da
pesquisa, em relação aos procedimentos metodológicos que serão aplicados. Um
dos instrumentos requer que o sujeito diferencie um número racional de um número
irracional; para isso, os alunos precisam identificar quais números são racionais e
quais são irracionais, para que, em seguida, possam diferenciá-los, bem como
desenvolver o conceito de densidade do conjunto dos números racionais e
irracionais no conjunto dos números reais, em momento posterior.
1.1 Conjunto dos números racionais ℚ
Em sua investigação, Medeiros (2010) descreve os conceitos adquiridos de
forma equivocada pelos alunos quanto a definição de conjunto dos números
racionais, irracionais e reais, e as dificuldades dos estudantes diante dos exercícios
que envolvem estes conceitos.
Observa-se, entretanto, a importância do estudo do conjunto dos números
racionais, de modo a definir de fato quais números compõem efetivamente este
conjunto, como são representados (seja na forma de representações decimais finitas
ou infinitas periódicas), de modo a diferenciar o referido conjunto em relação ao
20
conjunto dos números irracionais, e preparar o aluno para identificação dos
conceitos frente a exercícios ou problemas. Neste contexto, têm-se a seguinte
definição:
[...] os números naturais 1, 2, 3, 4, 5, ... são fechados em relação a adição e a multiplicação, e que os inteiros
...,-5,-4,-3,-2,-1,0,1,2,3,4,5,... são fechados em relação a adição, multiplicação e subtração. No entanto nenhum desses conjuntos é fechado em relação à divisão, porque a divisão de inteiros pode produzir frações como 4/3, 7/6, −2/5, etc. O conjunto de todas as frações como essas é o conjunto dos números racionais. Mais precisamente, um número racional (ou uma fração ordinária) é um número que pode ser colocado na forma a/d, onde a e d são inteiros e d não é zero. (NIVEN, p.25, 1990).
O conjunto dos números racionais é formado por elementos cuja forma é 𝑚/
𝑛, sendo 𝑚 ∈ ℤ 𝑒 𝑛 ∈ ℤ∗. Tais números possuem representações finitas e infinitas
periódicas: as representações decimais finitas expressam um número racional, pois
atendem a forma prevista na definição, 𝑚/𝑛, sendo 𝑚 ∈ ℤ 𝑒 𝑛 ∈ ℤ∗; as
representações decimais infinitas periódicas são expressas por meio de períodos,
como, por exemplo, 10/9 = 1,1111. .. Muitos alunos tendem a confundir tais
representações com as decimais infinitas e não periódicas do tipo 0,08990765....
Neste último caso, não há um período de repetição entre os algarismos, ou seja, o
número mencionado é irracional, como será observado mais adiante.
1.2 Representações decimais finitas x representações infinitas periódicas
As representações decimais finitas4 consistem em uma das formas de
representação de um número racional. Esse conceito poderá ser utilizado pelo aluno
para diferenciar um número racional de um número irracional, por exemplo, por meio
da observação da forma pela qual se pode fazer esta representação.
Assim, a representação decimal finita pode ser expressa por números
racionais na forma 𝑚/𝑛, sendo 𝑚 ∈ ℤ 𝑒 𝑛 ∈ ℤ∗, como:
1
8= 0,125;
1
4= 0,25;
10
1= 10;
4 Importante ressaltar que uma dada fração somente será equivalente em relação a uma fração decimal se seu denominador é um divisor de alguma potência de 10.
21
Uma representação decimal finita poderá ser escrita por um número racional
na forma irredutível a/b, se e somente se, b tem somente os fatores primos 2 e 5 – e
nenhum outro fator primo além destes. Desta maneira, a fração resultará em uma
representação decimal finita:
1
2= 0,5;
2
5= 0,4;
3
2= 1,5;
De outro modo, será uma representação decimal infinita se o denominador b
de um número racional na forma irredutível a/b for outro fator primo além de 2 e 5.
Nos exemplos seguintes, note-se que os números 97 e 157 são primos:
1
97= 0,0103092783… . ;
1
157= 0,0063694267… . ;
Estes resultados, entretanto, não estão restritos a denominadores primos.
Senão, tome-se o número racional na representação fracionária 1
22. Ora, este número
não é equivalente em relação a uma fração decimal, uma vez que seu denominador
não pode ser escrito como um divisor de uma potência de 10. O que se propõe é
que ou o quociente da divisão do numerador (no caso, 1) pelo denominador (no
caso, 22) é um número finito (ou seja, com o resto, considerado no algoritmo da
divisão de decimais, igual a zero ao final da operação) ou é um número infinito e
periódico, como é o caso. Mais adiante, outros elementos a este respeito são
trazidos.
1.3 Representações decimais finitas e sua escrita na forma de uma dízima
periódica
As representações decimais finitas e sua escrita na forma de uma dízima
periódica podem ser vistas como formas de identificação de um número racional.
Deste ponto de vista, pode-se supor que o aluno, ao observar uma igualdade do tipo
0,99999... = 1, ficará, em um primeiro momento, em dúvida ou com alguma
inquietação, causada pelo conceito inicial que detém, na escola básica, da ideia de
igualdade. Neste sentido, uma verificação relativamente simples, envolvendo uma
22
representação infinita periódica a uma representação finita, poderá ser efetiva em
termos de esclarecer esta tensão conceitual. Senão, tome-se a seguinte proposição:
Proposição. Todo número racional a/b pode ser representado por uma fração decimal finita ou por uma fração decimal infinita periódica; reciprocamente, toda fração decimal, finita ou periódica infinita, representa um número racional. (NIVEN, p.39, 1990)
A verificação mencionada da proposição exposta por Niven (1990) seria de tal
forma que:
1
3= 0,33333….
Não obstante, ao multiplicar os membros desta igualdade por 3, obtém-se:
1
3. 3 = 3. 0,33333….
1 = 0,99999….
Tem-se, neste caso, duas representações, uma finita, expressa por 1, e outra
infinita, representada por 0,99999....
De outra forma, ainda, pode-se escrever:
𝑥 = 0,99999….
Multiplicando por 10, obtém-se:
10𝑥 = 9,9999….
Por meio da subtração:
10𝑥 = 9,9999….
- 𝑥 = 0,99999….
Tem-se:
9𝑥 = 9
𝑥 = 1
Como pode ser verificado, indica-se que 1 = 0,99999..., o que permite verificar
a transformação de uma representação infinita e periódica 0,99999... em uma
representação finita 1, sendo ambos números racionais.
23
1.4 Representações decimais infinitas periódicas
As representações decimais infinitas periódicas são mais um conceito de
identificação de um número racional. O aluno na identificação de uma dízima infinita
e periódica, pode, eventualmente, fazer vários registros informando a quantidade de
algarismos que possui este período ou fazer uso de conversões de fração ordinária
para fração decimal, como verifica-se a seguir:
[...] Podemos agora demonstrar que tais representações decimais infinitas possuem um grupo de algarismos que se repete indefinidamente como, por exemplo,
5
11= 0,454545… 𝑒
3097
9900= 0,31282828…
Por conveniência, usaremos a notação habitual para indicar uma dízima periódica, isto é, usaremos uma barra sobre a parte que se repete:
5
11= 0, 45̅̅̅̅ ;
3097
9900= 0,3128̅̅̅̅ ;
1
3= 0, 3̅;
1
6= 0, 16̅̅̅̅ ; 𝑒𝑡𝑐.
Pode-se ver o porquê da repetição dos algarismos, considerando, por exemplo, a conversão usual da fração ordinária 2/7 em fração decimal:
2 ,00000 ǀ 7 14 0,285714
60 56
40 35
50 2
7= 0, 285714
49
10 7
30 28
2 (NIVEN, 1990, p.37)
As dízimas finitas ou infinitas periódicas são representações de números
racionais, enquanto as dízimas infinitas e não periódicas são representações de
números irracionais. No conjunto dos números racionais, pode-se dizer que são
dízimas finitas ou infinitas periódicas todas as frações deste conjunto.
1.5 Conjunto ℝ −ℚ dos números irracionais
24
A definição do conjunto dos números irracionais – e a compreensão da
mesma – é muito importante para a percepção acerca da diferença entre este e o
conjunto dos números racionais, inclusive por parte dos alunos e ou professores da
escola básica. Neste sentido, uma definição poderia ser:
No entanto, existem números reais que não são racionais. O número √2,
não é racional [...]. Qualquer número real, como √2, que não é racional, diz-se irracional. De acordo com essa definição, todo número real ou é racional, ou é irracional. A reta, ou eixo, com um número associado a cada um de seus pontos, na maneira descrita acima, é chamada reta real. Os pontos dessa reta se dizem racionais ou irracionais conforme os números a eles associados sejam racionais ou irracionais. Observe que a definição acima, de número irracional, resume-se no seguinte: qualquer número real que não possa ser expresso como razão a/b de dois inteiros, diz-se irracional. (NIVEN, p.46-47, 1990)
Para Ávila (2006, p.25), “podemos conceber números cuja representação
decimal não é nem finita nem periódica. Esses são os chamados números
irracionais.” Da mesma forma, Lima (2013, p.83) assevera: “os números reais que
não são racionais, isto é, os elementos do conjunto ℝ −ℚ, são chamados números
irracionais.”
Para provar a irracionalidade de √2, segundo Niven(1990), pode-se proceder
da seguinte forma: suponha-se que, para que a/b seja uma fração irredutível, a e b
sejam primos entre si, e, por absurdo, √2 ∈ ℚ . Desta forma, ao final da
demonstração que segue, a e b serão pares, contrariando a afirmação de que os
mesmos são primos entre si, provando, assim, que √2 é irracional.
√2 =𝑎
𝑏
(√2)² =𝑎²
𝑏²
2 =𝑎²
𝑏²
2𝑏² = 𝑎²
2𝑏² = (2𝑐)²
2𝑏2 = 4𝑐²
𝑏2 =4
2𝑐²
𝑏2 = 2𝑐²
25
Observa-se, portanto, que 2c² é um inteiro par, assim como b². Conclui-se,
então, que a e b são inteiros pares, o que leva a uma contradição, pois, inicialmente,
a hipótese dava conta de que os números envolvidos eram primos entre si. Ou seja,
não é possível escrever √2 na forma a/b, sendo a e b inteiros, o que leva a concluir
que √2 é irracional.
O conjunto ℝ −ℚ dos números irracionais é formado por elementos que não
possuem dízima periódica em suas representações decimais infinitas. Além disso,
não se pode escrevê-los como fração decimal finita. São irracionais, por exemplo, os
números 0,15643446504..., √2 = 1,4142135…, √3 = 1,732050807…, 𝜋 =
3,14159265…, Tais números não apresentam representação infinita periódica dos
algarismos após a vírgula, nem, tampouco, podem ser escritos por meio de
representações decimais finitas.
1.6 Conjunto dos números reais ℝ
Até aqui, as definições de outros conjuntos têm mencionado conceitos
relativos a ℝ, o conjunto dos números reais. Neste sentido, valem os comentários
acerca dos componentes deste conjunto:
Número real é todo número que é racional ou irracional. Observe que os números naturais e os números inteiros são casos particulares de números racionais, de forma que quando dizemos que um número é racional, fica aberta a possibilidade de ele ser um número inteiro (positivo ou negativo) ou simplesmente um número natural. A totalidade dos números racionais, juntamente com os irracionais, é o chamado conjunto dos números reais. (ÁVILA, p.26, 2006)
Pode-se dizer, de acordo com a definição supramencionada, que a união do
conjunto ℚ, dos números racionais, com o conjunto ℝ −ℚ, dos números irracionais
forma o conjunto ℝ dos números reais. Neste sentido, discute-se a densidade neste
contexto.
1.7 Densidade do conjunto ℚ dos números racionais 𝒆𝒎 ℝ; densidade do
conjunto ℝ −ℚ dos números irracionais 𝒆𝒎 ℝ.
Em relação ao conceito de densidade mencionado, Lima (2013, p.84) indica
que “o conjunto ℚ dos números racionais e o conjunto ℝ −ℚ dos números
26
irracionais são ambos densos em ℝ.” Há outra menção neste mesmo trabalho: “o
conjunto ℚ dos números racionais é denso em ℝ . Também o conjunto ℝ−ℚ dos
números irracionais, é denso na reta. Com efeito, todo intervalo aberto contém
números racionais e números irracionais” (LIMA, 2013, p.82-83). Desta forma,
[...] vimos que a suposição de que o ponto geométrico não tem dimensões leva imediatamente a admitir que, entre dois pontos quaisquer A e B da recta, existe sempre uma infinidade de pontos, e isto por mais próximos que A e B estejam um do outro. Todo o conjunto em que isto se dê, isto é, tal que entre dois dos seus elementos quaisquer exista uma infinidade de elementos do mesmo conjunto, diz-se um conjunto denso. (CARAÇA,1989, p.56)
As figuras 1, 2 e 3, dispostas em seguida, são representações geométricas
para ilustração do conceito de densidade do conjunto dos números racionais e
irracionais no conjunto dos números reais, da forma como foi abordado o tema por
Caraça (1989).
Em síntese, sejam dois pontos A e B quaisquer e distintos na reta real, sendo
estes pontos a representação de números irracionais; neste intervalo, há infinitos
pontos, sendo os mesmos a representação de infinitos números irracionais e
racionais. Verifica-se que o conjunto ℝ−ℚ dos números irracionais é denso no
conjunto ℝ dos números reais. Observa-se, então, que em um intervalo
]𝑎, 𝑏[ qualquer em ℝ, {𝑥 ∈ ]𝑎, 𝑏[, 𝑥 ∈ ℝ − ℚ | 𝑎 < 𝑥 < 𝑏} (figura 1):
Figura 1. Densidade de ℚ 𝒆𝒎 ℝ e ℝ− ℚ 𝒆𝒎ℝ ]𝒂, 𝒃[= {𝒙 ∈ ℝ |𝒂 < 𝑥 < 𝑏}, 𝒂, 𝒃 ∈ ℝ − ℚ
Fonte: elaborado para a pesquisa
Da mesma forma, sejam dois pontos A e B quaisquer e distintos na reta real,
sendo estes pontos a representação de números racionais; neste intervalo, há
infinitos pontos, sendo os mesmos a representação de infinitos números racionais e
irracionais. Verifica-se que o conjunto ℚ dos números racionais é denso no conjunto
ℝ dos números reais. Assim, observa-se que, em um intervalo ]𝑎, 𝑏[ qualquer em
ℝ, {𝑥 ∈ ]𝑎, 𝑏[, 𝑥 ∈ ℚ | 𝑎 < 𝑥 < 𝑏} (figura 2):
27
Figura 2. Densidade de ℚ 𝒆𝒎 ℝ e ℝ− ℚ 𝒆𝒎 ℝ ]𝒂, 𝒃[= {𝒙 ∈ ℝ | 𝒂 < 𝑥 < 𝑏}, 𝒂, 𝒃 ∈ ℚ
Fonte: elaborado para a pesquisa
Sejam a e b dois números reais distintos, digamos, sem perda de
generalidade, a < b. Quando representamos esses números na reta, visualizamos
dois pontos da reta definindo um segmento com infinitos pontos, que por sua vez
representam números reais. Não importa a distância entre os pontos a e b, eles
sempre determinam um segmento com infinitos pontos que se correspondem a
números reais. Mais ainda, nesse intervalo existem pontos que se correspondem a
números racionais e existem pontos que se correspondem a números irracionais,
independente da posição de a e de b. Em linguagem numérica, o que estamos
falando é que dados a, b pertencentes a IR, a < b, o intervalo ]a, b[ intercepta o
conjunto Q dos números racionais e o conjunto IR – Q dos números irracionais.
(figura 3):
Figura 3. Densidade de ℚ 𝒆𝒎 ℝ e ℝ− ℚ 𝒆𝒎 ℝ
Fonte: elaborado para a pesquisa
As reflexões anteriores estão de acordo com a asserção de Lima (2013, p.84),
segundo a qual “o conjunto ℚ dos números racionais e o conjunto ℝ −ℚ dos
números irracionais são ambos densos em ℝ”. Sobre este resultado, o autor propõe
a seguinte demonstração: dado (a,b) um intervalo aberto qualquer em ℝ, nota-se
que existe 𝑞 ∈ (𝑎, 𝑏), 𝑐𝑜𝑚 𝑞 ∈ ℚ. Observa-se que ℝ é arquimediano, pois atende as
afirmações:
Teorema 3: Num corpo ordenado K, as seguintes afirmações são equivalentes: (i) ℕ ⊂ K é ilimitado superiormente; (ii) dados a, b ∈ K, com a > 0, 𝑒𝑥𝑖𝑠𝑡𝑒 𝑛 ∈ ℕ tal que n. a > 𝑏;
28
(iii) 𝑑𝑎𝑑𝑜 𝑞𝑢𝑎𝑙𝑞𝑢𝑒𝑟 𝑎 > 0 𝑒𝑚 𝐾, existe n ∈ ℕ tal que 0 <1
n< 𝑎.
(LIMA,2013, p.75)
As demonstrações em relação a densidade foram realizadas de acordo com
Gimenez (2012) e Lima (2013) com alterações do seguinte modo:
Seja b – a > 0. Assim, existe um número p ∈ ℕ tal que:
0 <1
p< 𝑏 − 𝑎
Decomponha-se a reta ℝ em intervalos de comprimento 1
p, com números
m
p, m
∈ ℤ. Como 1
p< 𝑏 − 𝑎 no intervalo (a,b), então algum
m
p está no intervalo (a,b).
Desta forma, seja
𝐴 = {𝑚 ∈ ℤ; 𝑚
𝑝 ≥ 𝑏}
A é um conjunto limitado inferiormente por b.p, e um conjunto não-vazio de
números inteiros. Seja 𝑚0 ∈ 𝐴 o menor elemento de 𝐴. Então:
𝑏 ≤𝑚0
𝑝
Como 𝑚0 − 1 < 𝑚0, tem-se que
𝑚0 − 1
𝑝< 𝑏
Assim, afirma-se que
𝑎 <𝑚0 − 1
𝑝< 𝑏
Se não fosse assim, ficaria
𝑚0 − 1
𝑝≤ 𝑎 < 𝑏 ≤
𝑚0
𝑝
Logo,
𝑚0 − 1
𝑝≤ 𝑎 𝑒 𝑏 ≤
𝑚0
𝑝
29
𝑚0 − 1
𝑝−𝑚0 − 1
𝑝− 𝑎 ≤ 𝑎 − 𝑎 −
𝑚0 − 1
𝑝 𝑒 𝑏 ≤
𝑚0
𝑝
−𝑎 ≤ −𝑚0 − 1
𝑝 𝑒 𝑏 ≤
𝑚0
𝑝
Isto acarretaria em
𝑏 − 𝑎 ≤𝑚0
𝑝 −𝑚0 − 1
𝑝=1
𝑝, 𝑢𝑚𝑎 𝑐𝑜𝑛𝑡𝑟𝑎𝑑𝑖çã𝑜 𝑑𝑒 0 <
1
p< 𝑏 − 𝑎.
Logo o número racional 𝑚0−1
𝑝∈ (𝑎, 𝑏).
Do mesmo modo, Lima (2013) afirma que o conjunto ℝ −ℚ é denso em ℝ,
propondo a seguinte demonstração: para obter um número irracional no intervalo
(a,b), dever-se notar que existe 𝑖 ∈ ℝ − ℚ; assim, tem-se:
𝑝 ∈ ℕ | 1𝑝 < 𝑏− 𝑎
√2
Ou seja,
1
𝑝 (√2) <
𝑏 − 𝑎
√2 (√2)
√2
𝑝 < 𝑏 − 𝑎
Os números irracionais 𝑚√2
𝑝 / 𝑚 ∈ ℤ , salvo m = 0, dividem a reta ℝ em
intervalos de comprimento √2
p .
Ora,
√2
𝑝 < 𝑏 − 𝑎
Assim, conclui-se que,
𝑚√2
𝑝∈ (𝑎, 𝑏)
30
Assim,
𝐴 = {𝑚 ∈ ℤ; √2
𝑝 ≥ 𝑏}
A é um conjunto limitado inferiormente por b. p, e como ℝ é arquimediano, A é
um conjunto não-vazio de números inteiros. Seja 𝑚0 ∈ 𝐴 o menor elemento de 𝐴.
Então:
𝑚 ∈ ℕ / 𝑚√2
𝑝> 𝑏
Como (𝑚0 − 1)√2 < 𝑚0√2, tem-se:
(𝑚0 − 1)√2
𝑝< 𝑏
Assim,
𝑎 <(𝑚0 − 1)√2
𝑝< 𝑏
Se não fosse assim, ficaria
(𝑚0 − 1)√2
𝑝≤ 𝑎 < 𝑏 ≤
𝑚0√2
𝑝
Assim,
(𝑚0 − 1)√2
𝑝≤ 𝑎 𝑒 𝑏 ≤
𝑚0√2
𝑝
(𝑚0 − 1)√2
𝑝−(𝑚0 − 1)√2
𝑝− 𝑎 ≤ 𝑎 − 𝑎 −
(𝑚0 − 1)√2
𝑝 𝑒 𝑏 ≤
𝑚0√2
𝑝
−𝑎 ≤ −(𝑚0 − 1)√2
𝑝 𝑒 𝑏 ≤
𝑚0√2
𝑝
Logo,
31
𝑏 − 𝑎 ≤𝑚0√2
𝑝−(𝑚0 − 1)√2
𝑝=√2
𝑝
Uma contradição de,
√2
𝑝 < 𝑏 − 𝑎
Logo, o número irracional (𝑚0−1)√2
𝑝∈ (𝑎, 𝑏).
Do que se argumentou até aqui, conclui-se:
(i) O número racional 𝑞 =𝑚0−1
𝑝∈ (𝑎, 𝑏);
(ii) O número irracional i =m0−1√2
p ∈ (a, b);
(iii) Em qualquer intervalo ] a , b [ ⊂ ℝ , com a < b, existe uma infinidade de
números racionais;
(iv) Em qualquer intervalo ] a , b [ ⊂ ℝ , com a < b, existe uma infinidade de
números irracionais.
Todas as demonstrações apresentadas são essenciais para sustentar que
tanto o conjunto ℚ dos números racionais quanto o conjunto ℝ−ℚ dos números
irracionais são densos no conjunto ℝ dos números reais. Tais afirmações serão
empregadas como base das sequências didáticas mais adiante descritas, da mesma
forma que uma forma de verificar se dado número é racional ou irracional por meio
das funções trigonométricas seno e cosseno, como segue.
1.8 Números racionais e irracionais e as funções trigonométricos sen 𝜃 e cos 𝜃
Este tópico possui a demonstração da fórmula deduzida do cosseno da soma
e do seno da soma, e tem por objetivo verificar quando sen 𝜃 e cos 𝜃 representam
um número racional ou um número irracional. No capítulo das análises constituídas
por meio da interface digital, haverá a possibilidade de realizar uma constatação
32
algébrica em relação a sen 𝜃 e cos 𝜃, de modo a permitir a conclusão pela
racionalidade ou irracionalidade de dado número.
Note-se, a seguir, a demonstração, utilizada por Níven (1990), de que a
fórmula deduzida do cosseno da soma 𝑐𝑜𝑠(𝐴 + 𝐵) = 𝑐𝑜𝑠𝐴. 𝑐𝑜𝑠𝐵 − 𝑠𝑒𝑛𝐴𝑠𝑒𝑛𝐵5
permitirá deduzir que 𝑐𝑜𝑠3𝜃 = 4𝑐𝑜𝑠3𝜃 − 3𝑐𝑜𝑠𝜃.
De fato,
cos(𝐴 + 𝐵) = 𝑐𝑜𝑠𝐴. 𝑐𝑜𝑠𝐵 − 𝑠𝑒𝑛𝐴𝑠𝑒𝑛𝐵, sendo 𝐴 𝑒 𝐵 = 𝜃 ; assim, tem-se:
cos(𝜃 + 𝜃) = 𝑐𝑜𝑠𝜃. 𝑐𝑜𝑠𝜃 − 𝑠𝑒𝑛𝜃𝑠𝑒𝑛𝜃
cos(2𝜃) = 𝑐𝑜𝑠²𝜃 − 𝑠𝑒𝑛²𝜃
cos(𝐴 + 𝐵) = 𝑐𝑜𝑠𝐴. 𝑐𝑜𝑠𝐵 − 𝑠𝑒𝑛𝐴𝑠𝑒𝑛𝐵, sendo 𝐴 = 2𝜃 𝐵 = 𝜃, tem-se:
cos(2𝜃 + 𝜃) = 𝑐𝑜𝑠2𝜃. 𝑐𝑜𝑠 𝜃 − 𝑠𝑒𝑛2𝜃𝑠𝑒𝑛 𝜃
cos(3𝜃) = 𝑐𝑜𝑠2𝜃. 𝑐𝑜𝑠 𝜃 − 𝑠𝑒𝑛2𝜃𝑠𝑒𝑛 𝜃; desta forma, substitui-se:
cos(2𝜃) = 𝑐𝑜𝑠²𝜃 − 𝑠𝑒𝑛²𝜃
𝑠𝑒𝑛(2𝜃) = 2𝑠𝑒𝑛𝜃. 𝑐𝑜𝑠𝜃;
𝑠𝑒𝑛2𝜃 + 𝑐𝑜𝑠2𝜃 = 1; logo, tem-se:
cos(3𝜃) = (𝑐𝑜𝑠2𝜃 − 𝑠𝑒𝑛2𝜃). 𝑐𝑜𝑠 𝜃 − (2𝑠𝑒𝑛𝜃. 𝑐𝑜𝑠𝜃). 𝑠𝑒𝑛 𝜃,
cos(3𝜃) = 𝑐𝑜𝑠³𝜃 − 𝑠𝑒𝑛²𝜃. 𝑐𝑜𝑠 𝜃 − 2𝑠𝑒𝑛²𝜃. 𝑐𝑜𝑠𝜃
cos(3𝜃) = 𝑐𝑜𝑠³𝜃 − 3𝑠𝑒𝑛²𝜃. 𝑐𝑜𝑠 𝜃
cos(3𝜃) = 𝑐𝑜𝑠³𝜃 − 3(1 − 𝑐𝑜𝑠2𝜃). 𝑐𝑜𝑠 𝜃
cos(3𝜃) = 𝑐𝑜𝑠3𝜃 − 3𝑐𝑜𝑠 𝜃 + 3𝑐𝑜𝑠3𝜃
cos(3𝜃) = 4𝑐𝑜𝑠3𝜃 − 3𝑐𝑜𝑠 𝜃
Na segunda parte, nota-se a demonstração, a seguir, de que a fórmula
deduzida do seno da soma 𝑠𝑒𝑛(𝐴 + 𝐵) = 𝑠𝑒𝑛𝐴. 𝑐𝑜𝑠𝐵 + 𝑐𝑜𝑠𝐴. 𝑠𝑒𝑛𝐵 chegará em
𝑠𝑒𝑛3𝜃 = 3𝑠𝑒𝑛𝜃 − 4𝑐𝑜𝑠³𝜃.
Assim,
5 Trata-se da identidade que, dados dois arcos quaisquer de medidas A e B, representa a diferença entre os
arcos mencionados. Niven (1990) propõe que se substituam A e B por um único valor – no caso, .
33
𝑠𝑒𝑛(𝐴 + 𝐵) = 𝑠𝑒𝑛𝐴. 𝑐𝑜𝑠𝐵 + 𝑐𝑜𝑠𝐴𝑠𝑒𝑛𝐵; 𝐴 𝑒 𝐵 = 𝜃; tem-se:
𝑠𝑒𝑛(𝜃 + 𝜃) = 𝑠𝑒𝑛𝜃. 𝑐𝑜𝑠𝜃 + 𝑐𝑜𝑠𝜃𝑠𝑒𝑛𝜃
𝑠𝑒𝑛(2𝜃) = 2𝑠𝑒𝑛𝜃. 𝑐𝑜𝑠𝜃
𝑠𝑒𝑛(𝐴 + 𝐵) = 𝑠𝑒𝑛𝐴. 𝑐𝑜𝑠𝐵 + 𝑐𝑜𝑠𝐴𝑠𝑒𝑛𝐵 , sendo 𝐴 = 2𝜃 𝐵 = 𝜃; tem-se:
𝑠𝑒𝑛(2𝜃 + 𝜃) = 𝑠𝑒𝑛2𝜃. 𝑐𝑜𝑠𝜃 + 𝑐𝑜𝑠2𝜃𝑠𝑒𝑛𝜃
𝑠𝑒𝑛(3𝜃) = 𝑠𝑒𝑛2𝜃. 𝑐𝑜𝑠𝜃 + 𝑐𝑜𝑠2𝜃𝑠𝑒𝑛𝜃; desta forma, substitui-se:
cos(2𝜃) = 𝑐𝑜𝑠²𝜃 − 𝑠𝑒𝑛²𝜃
𝑠𝑒𝑛(2𝜃) = 2𝑠𝑒𝑛𝜃. 𝑐𝑜𝑠𝜃;
𝑠𝑒𝑛2𝜃 + 𝑐𝑜𝑠2𝜃 = 1; logo, tem-se:
𝑠𝑒𝑛(3𝜃) = (2𝑠𝑒𝑛𝜃. 𝑐𝑜𝑠𝜃). 𝑐𝑜𝑠𝜃 + (𝑐𝑜𝑠²𝜃 − 𝑠𝑒𝑛²𝜃)𝑠𝑒𝑛𝜃
𝑠𝑒𝑛(3𝜃) = 2𝑠𝑒𝑛𝜃. 𝑐𝑜𝑠²𝜃 + 𝑐𝑜𝑠²𝜃𝑠𝑒𝑛𝜃 − 𝑠𝑒𝑛³𝜃
𝑠𝑒𝑛(3𝜃) = 2𝑠𝑒𝑛𝜃. (1 − 𝑠𝑒𝑛²𝜃) + (1 − 𝑠𝑒𝑛²𝜃)𝑠𝑒𝑛𝜃 − 𝑠𝑒𝑛³𝜃
𝑠𝑒𝑛(3𝜃) = 2𝑠𝑒𝑛𝜃 − 2𝑠𝑒𝑛³𝜃 + (𝑠𝑒𝑛𝜃 − 𝑠𝑒𝑛³𝜃) − 𝑠𝑒𝑛³𝜃
𝑠𝑒𝑛(3𝜃) = 2𝑠𝑒𝑛𝜃 − 2𝑠𝑒𝑛³𝜃 + 𝑠𝑒𝑛𝜃 − 2𝑠𝑒𝑛³𝜃
𝑠𝑒𝑛(3𝜃) = 3𝑠𝑒𝑛𝜃 − 4𝑠𝑒𝑛³𝜃
Com a identidade trigonométrica cos(3𝜃) = 4𝑐𝑜𝑠3𝜃 − 3𝑐𝑜𝑠 𝜃, pode-se verificar
se, de fato, 𝑐𝑜𝑠𝜃 é um número racional ou irracional, e com a identidade
trigonométrica 𝑠𝑒𝑛(3𝜃) = 3𝑠𝑒𝑛𝜃 − 4𝑠𝑒𝑛³𝜃, pode-se efetuar a mesma verificação para
𝑠𝑒𝑛𝜃. O objetivo deste raciocínio repousa na verificação conceitual relativa ao fato
de dado número ser racional ou irracional, pois a verificação numérica será realizada
por meio do software, como se descreverá oportunamente.
Após a resolução por meio das identidades trigonométricas cos(3𝜃) =
4𝑐𝑜𝑠3𝜃 − 3𝑐𝑜𝑠 𝜃 e 𝑠𝑒𝑛(3𝜃) = 3𝑠𝑒𝑛𝜃 − 4𝑠𝑒𝑛³𝜃, utiliza-se o cálculo para possíveis
raízes de um polinômio:
𝑐3𝑥3 + 𝑐2𝑥
2 + 𝑐1𝑥1 + 𝑐0 = 0
34
Desta forma, utiliza-se as razões de 𝑐0
𝑎 e
𝑐3
𝑏 para encontrar as possíveis raízes
da equação polinomial de grau 3.
De fato, uma raiz da equação polinomial de grau 3 será um número racional 𝑎
𝑏
irredutível desde que, ao substituir uma das possíveis raízes, verifique-se a
igualdade da mesma em relação à zero. Pode-se, ainda, fazer a verificação para as
três raízes utilizando o dispositivo Briot-Ruffini. Caso não satisfaça a equação
polinomial de grau 3, nota-se que este número será irracional.
Para um melhor entendimento, observa-se a seguir uma explanação,
tomando como caso a hipótese da racionalidade do cosseno de 20°.
Substitui-se 𝜃 = 20° em 𝑐𝑜𝑠3𝜃 = 4𝑐𝑜𝑠3𝜃 − 3𝑐𝑜𝑠𝜃, de modo que:
𝑐𝑜𝑠3.20° = 4𝑐𝑜𝑠320° − 3𝑐𝑜𝑠20°
𝑐𝑜𝑠60° = 4𝑐𝑜𝑠320° − 3𝑐𝑜𝑠20°
Substitui-se 𝑐𝑜𝑠20° = 𝑥. Da mesma forma, sabe-se que 𝑐𝑜𝑠60° =1
2. Assim:
1
2= 4𝑥³ − 3𝑥
1 = 8𝑥³ − 6𝑥
8𝑥3 − 6𝑥 − 1 = 0
Usando o teorema das raízes racionais de um polinômio6, observa-se, a seguir:
𝑐3𝑥3 + 𝑐2𝑥
2 + 𝑐1𝑥1 + 𝑐0 = 0
8𝑥3 − 6𝑥 − 1 = 0
Determinam-se, em seguida, os possíveis divisores para 𝑐0:
𝑐0𝑎=−1
1= −1
𝑐0𝑎=−1
−1= 1
Determinam-se os possíveis divisores para 𝑐3
𝑐3𝑏=8
1= 8
6 O teorema das raízes racionais de um polinômio é discutido em detalhes no final deste capítulo.
35
𝑐3𝑏=
8
−1= −8
𝑐3𝑏=8
2= 4
𝑐3𝑏=
8
−2= −4
𝑐3𝑏=8
4= 2
𝑐3𝑏=
8
−4= −2
𝑐3𝑏=8
8= 1
𝑐3𝑏=
8
−8= −1
Após a obtenção destes resultados, substituem-se os mesmos respectivamente em
𝑎
𝑏, ou seja, em a = ±1 e em b = ±1,±2,±4,±8.
Assim, obtêm-se as oito possíveis raízes racionais 𝑎
𝑏: ± 1;±
1
2; ±
1
4; ±
1
8
Ao substituir qualquer uma das raízes encontradas, constata-se que não é possível
obter 8𝑥3 − 6𝑥 − 1 = 0. Por exemplo, com x = 1:
8𝑥3 − 6𝑥 − 1 = 0
8(1)3 − 6(1) − 1 = 0
8 − 6 − 1 ≠ 0
Como pode ser observado, cosseno de 20° é um número irracional, pois a
substituição por qualquer uma das possíveis raízes obtidas pelo teorema em 8𝑥3 −
6𝑥 − 1 = 0 não satisfaz a equação polinomial.
Da mesma forma, tomemos o seno de 30° para constatar, pelo mesmo
mecanismo, se o número é racional ou irracional:
Substitui-se 𝜃 = 30° de modo que 𝑠𝑒𝑛3𝜃 = 3𝑠𝑒𝑛𝜃 − 4𝑠𝑒𝑛³𝜃
𝑠𝑒𝑛3.30° = 3𝑠𝑒𝑛30° − 4𝑠𝑒𝑛³30°
𝑠𝑒𝑛90° = 3𝑠𝑒𝑛30° − 4𝑠𝑒𝑛³30°
36
Substitui-se 𝑠𝑒𝑛30° = 𝑥, e iguala-se 𝑠𝑒𝑛90° = 1
1 = 3𝑥 − 4𝑥³
4𝑥3 − 3𝑥 + 1 = 0
Usando a definição de possíveis raízes de um polinômio, observa-se, a seguir:
𝑐3𝑥3 + 𝑐2𝑥
2 + 𝑐1𝑥1 + 𝑐0 = 0
4𝑥3 − 3𝑥 + 1 = 0
Determinam-se os possíveis divisores para 𝑐0.
𝑐0𝑎=1
1= 1
𝑐0𝑎=
1
−1= −1
Determinam-se os possíveis divisores para 𝑐3
𝑐3𝑏=4
1= 4
𝑐3𝑏=
4
−1= −4
𝑐3𝑏=4
2= 2
𝑐3𝑏=
4
−2= −2
𝑐3𝑏=4
4= 1
𝑐3𝑏=
4
−4= −1
Após a obtenção destes resultados, substituem-se os mesmos respectivamente em
𝑎
𝑏, ou seja, em a = ±1 e em b = ±1,±2,±4.
Assim, obtêm-se as seis possíveis raízes racionais 𝑎
𝑏: ± 1;±
1
2; ±
1
4.
Ao substituir as raízes encontradas observa-se, em relação a 4𝑥3 − 3𝑥 + 1 = 0, com
𝑥 = −1:
4. (−13) − 3. (−1) + 1 = 0
37
−4 + 3 + 1 = 0
O que permite concluir que -1 é raiz da equação 4𝑥3 − 3𝑥 + 1 = 0.
Neste caso, de posse de uma raiz, -1, é possível empregar o dispositivo Briot-Ruffini
para obter as restantes:
Seja o polinômio 𝑃(𝑥) = 4𝑥3 − 3𝑥 + 1 O algoritmo mencionado prevê a divisão de
um polinômio por um binômio do tipo 𝑄(𝑥) = 𝑥 − 𝑎. Ora, como uma raiz racional é
conhecida, tem-se, desta forma, que 𝑥 + 1 = 0, ou seja, 𝑥 − (−1) = 0, em atenção à
forma 𝑥 − 𝑎. Assim, no problema em questão, têm-se que 4𝑥3−3𝑥+1
𝑥−(−1). Aplicando-se o
dispositivo:
A b c d
-1 4 0 -3 1
-4 4 -1
4 -4 1 0
Da aplicação supramencionada, vem que 𝑅(𝑥) = 4𝑥2 − 4𝑥 + 1, e 𝑃(𝑥) = 𝑄(𝑥)𝑅(𝑥) +
𝑟, com 𝑟 = 0. Assim, considerando a forma quadrática de 𝑅(𝑥), tem-se que 𝑥 =
−𝑏±√𝑏2−4𝑎𝑐
2𝑎. Desta maneira,
𝑥 =−(−4) ± √(−4)2 − 4.4.1
2.4
𝑥 =4 ± 0
8=1
2
São, portanto, em relação à equação 4𝑥2 − 4𝑥 + 1 = 0, as raízes racionais
𝑥1 =1
2 e 𝑥2 =
1
2. Desta forma, têm-se, para 4𝑥3 − 3𝑥 + 1 = 0, as raízes 𝑥1 =
1
2, 𝑥2 =
1
2 𝑒 𝑥3 = −1, racionais.
Neste caso, o dispositivo Briot-Ruffini permitiu encontrar três raízes 𝑥1, 𝑥2 𝑒 𝑥3,
números racionais, sendo a primeira a raiz de 𝑥 + 1 = 0 e as restantes, as raízes de
4𝑥2 − 4𝑥 + 1 = 0 . Portanto, seno de 30° é um número racional.
Resta indicar que os resultados obtidos dependeram, em parte do teorema
das raízes racionais de um polinômio. É preciso destacar, primeiramente, que tal
teorema não garante a existência das raízes de dado polinômio com coeficientes
38
inteiros, mas permite encontrá-las, casos existam. De maneira geral, então, o
referido teorema indica que, se o número racional 𝑝
𝑞 é raiz de um dado polinômio,
então 𝑝 é divisor de 𝑎0 (o termo independente) e 𝑞 é divisor de 𝑎𝑛𝑥𝑛 (o termo com a
potência mais significativa). Ou seja, indica que, se um número racional 𝑝
𝑞 pode ser
admitido como raiz de uma equação polinomial 𝑃(𝑥) = 𝑎𝑛𝑥𝑛 + 𝑎𝑛−1𝑥
𝑛−1 +
𝑎𝑛−2𝑥𝑛−2 +⋯+ 𝑎2𝑥
2 + 𝑎1𝑥1 + 𝑎0, com 𝑝 e 𝑞 primos entre si e 𝑎0 0, bem como 𝑝 ∈
ℤ, 𝑞 ∈ ℤ∗, então, 𝑎 é divisível por 𝑝 e 𝑎𝑛 é divisível por 𝑞.
De fato, considere-se que, na hipótese de 𝑝
𝑞 ser raiz de um dado polinômio,
seria possível escrever:
𝑎𝑛(𝑝
𝑞)𝑛 + 𝑎𝑛−1(
𝑝
𝑞)𝑛−1 + 𝑎𝑛−2(
𝑝
𝑞)𝑛−2 +⋯+ 𝑎2(
𝑝
𝑞)2 + 𝑎1(
𝑝
𝑞)1 + 𝑎0 = 0
Em seguida, admita-se multiplicar os membros da referida equação por 𝑞𝑛.
Neste caso, ter-se-ia
𝑎𝑛𝑝𝑛 + 𝑎𝑛−1𝑝
𝑛−1q + 𝑎𝑛−2𝑝𝑛−2𝑞2 +⋯+ 𝑎2𝑝
2𝑞𝑛−2 + 𝑎1𝑝1𝑞𝑛−1 + 𝑎0𝑞
𝑛 = 0
Deste resultado, podem-se admitir:
(𝑎𝑛𝑝𝑛−𝑎𝑛𝑝
𝑛) + 𝑎𝑛−1𝑝𝑛−1q + 𝑎𝑛−2𝑝
𝑛−2𝑞2 +⋯+ 𝑎2𝑝2𝑞𝑛−2 + 𝑎1𝑝
1𝑞𝑛−1 + 𝑎0𝑞𝑛 = −𝑎𝑛𝑝
𝑛
𝑎𝑛𝑝𝑛 + 𝑎𝑛−1𝑝
𝑛−1q + 𝑎𝑛−2𝑝𝑛−2𝑞2 +⋯+ 𝑎2𝑝
2𝑞𝑛−2 + 𝑎1𝑝1𝑞𝑛−1 + (𝑎0𝑞
𝑛 − 𝑎0𝑞𝑛) = −𝑎0𝑞
𝑛
E, de igual forma:
(−𝑎𝑛𝑝𝑛)(−1) = (−1)(𝑎𝑛−1𝑝
𝑛−1q + 𝑎𝑛−2𝑝𝑛−2𝑞2 +⋯+ 𝑎2𝑝
2𝑞𝑛−2 + 𝑎1𝑝1𝑞𝑛−1 + 𝑎0𝑞
𝑛)
(−𝑎0𝑞𝑛)(−1) = (−1)(𝑎𝑛𝑝
𝑛 + 𝑎𝑛−1𝑝𝑛−1𝑞1 + 𝑎𝑛−2𝑝
𝑛−2𝑞2 +⋯+ 𝑎2𝑝2𝑞𝑛−2 + 𝑎1𝑝
1𝑞𝑛−1)
Assim, da propriedade distributiva, vêm, para 𝑎𝑛𝑝𝑛 e 𝑎0𝑞
𝑛, evidenciando 𝑞 e 𝑝,
respectivamente:
𝑎𝑛𝑝𝑛 = (−𝑞)(𝑎𝑛−1𝑝
𝑛−1 + 𝑎𝑛−2𝑝𝑛−2𝑞1 +⋯+ 𝑎2𝑝
2𝑞𝑛−3 + 𝑎1𝑝1𝑞𝑛−2 + 𝑎0𝑞
𝑛−1)
𝑎0𝑞𝑛 = (−𝑝)(𝑎𝑛𝑝
𝑛−1 + 𝑎𝑛−1𝑝𝑛−2𝑞1 + 𝑎𝑛−2𝑝
𝑛−3𝑞2 +⋯+ 𝑎2𝑝1𝑞𝑛−2 + 𝑎1𝑞
𝑛−1)
Ora, todos os coeficientes supramencionados são inteiros, da mesma forma
que 𝑞 e 𝑝. Logo, assuma-se:
𝑟 = 𝑎𝑛−1𝑝𝑛−1 + 𝑎𝑛−2𝑝
𝑛−2𝑞1 +⋯+ 𝑎2𝑝2𝑞𝑛−3 + 𝑎1𝑝
1𝑞𝑛−2 + 𝑎0𝑞𝑛−1
39
𝑠 = 𝑎𝑛𝑝𝑛−1 + 𝑎𝑛−1𝑝
𝑛−2𝑞1 + 𝑎𝑛−2𝑝𝑛−3𝑞2 +⋯+ 𝑎2𝑝
1𝑞𝑛−2 + 𝑎1𝑞𝑛−1
E, por consequência:
𝑎𝑛𝑝𝑛 = (−𝑞). 𝑟
𝑎0𝑞𝑛 = (−𝑝). 𝑠
Ou seja:
−𝑟 = 𝑎𝑛𝑝
𝑛
𝑞, 𝑟 ℤ
−𝑠 = 𝑎0𝑞
𝑛
𝑝, 𝑠 ℤ
Assim, 𝑎𝑛𝑝𝑛 é divisível por 𝑞; como 𝑞 e 𝑝𝑛 são primos entre si, tem-se que 𝑎𝑛
é divisível por 𝑞. Da mesma forma, 𝑎0𝑞𝑛 é divisível por p; como 𝑞𝑛 𝑒 𝑝 são primos
entre si, tem-se que 𝑎0 é divisível por 𝑝.
Este capítulo permitiu, então, discutir características, conceitos e definições
relativas aos números racionais e irracionais, além de arrolar procedimentos que
permitem verificar se dado número pertence a um ou outro conjunto. A abordagem
feita aqui pretendeu, então, explorar o caráter epistemológico dos objetos
matemáticos envolvidos na investigação. Na continuidade, o próximo capítulo inicia
as reflexões acerca do suporte teórico da pesquisa, justamente por meio da revisão
da literatura.
40
CAPÍTULO DOIS
REFERENCIAL TEÓRICO E METODOLÓGICO
2.1 Revisão da Literatura e aportes teóricos
Esta seção procura trazer alguns dos trabalhos que guardam correlações em
relação ao tema da pesquisa aqui descrita. Evidentemente, não se pretendeu
esgotar as produções neste sentido, algo que sequer seria possível, mas eleger e
descrever prioritariamente relatos de pesquisa cujos elementos teóricos e/ou
metodológicos de alguma forma influenciaram a construção desta investigação.
No artigo “Irrational numbers: the gap between formal and intuitive
knowledge”, em relação ao qual parte das atividades foram adaptadas para esta
investigação, Sirotic e Zazkis (2007) fizeram um estudo envolvendo 46 futuros
professores de matemática no Canadá, os quais se encontravam, à época, no
estágio final de suas formações, o que lhes permitiria obter a certificação necessária
naquele país para lecionar no ensino médio (ou secundário, em uma tradução mais
“literal” da forma como este nível é chamado lá). Segundo as autoras, as finalidades
do estudo foram prover um levantamento acerca das compreensões e
incompreensões sobre os números irracionais, interpretar como o entendimento
sobre irracionalidade é construído e explicar como e porque ocorrem certas
dificuldades. De forma mais precisa, argumentam:
Understanding of irrational numbers is essential for the extension and reconstruction of the concept of number from the system of rational numbers to the system of real numbers. Previously we focused our analysis on how irrational numbers can be (or cannot be) represented and how different representations influence participants’ responses with respect to irrationality […] In this article we consider participants’ knowledge, intuitions and beliefs with respect to the relationship between the two number sets, rational and irrational (SIROTIC; ZAZKIS, 2007, p.50)7.
Segundo as autoras, ainda, o suporte teórico do estudo que apresentam,
recolhido entre as poucas pesquisas sobre o tema que puderam levantar, parte das
reflexões de Fischbein, Jehiam e Cohen (1995), os quais procuraram levantar quais
7 A compreensão dos números irracionais é essencial para a extensão e reconstrução do conceito de número, partindo do sistema de números racionais para o sistema de números reais. Previamente, focamos nossa análise sobre como números irracionais podem (ou não podem) ser representados e como as diferentes representações influenciam as respostas dos participantes com respeito à irracionalidade. Neste artigo, consideramos o conhecimento dos participantes, intuições e crenças relativas ao relacionamento entre os dois conjuntos, dos racionais e dos irracionais.
41
conhecimentos acerca dos números irracionais possuíam um grupo de 62
estudantes e 29 professores em formação. Neste estudo, o pressuposto foi o de que
os grandes obstáculos, de natureza intuitiva, à aprendizagem de elementos relativos
aos irracionais partiriam de dois constructos essenciais, caracterizados pela
incomensurabilidade dos irracionais, bem como por sua incontabilidade8. Entretanto,
estas presunções iniciais não se mostraram verdadeiras, uma vez que, no lugar
delas, emergiram respostas aos instrumentos empregados que denotaram grandes
dificuldades, por parte dos sujeitos, para definir corretamente os conceitos relativos
aos números racionais, irracionais e reais – ou seja, as dificuldades realmente
apresentadas eram de uma natureza por assim dizer básica, bastante aquém do
nível de maturidade intelectual necessária para a apresentação dos obstáculos
incialmente aventados. Da mesma forma, o trabalho de Arcavi et al (1987 apud
SIROTIC; ZAZKIS, 2007) apontou inúmeras inconsistências em relação ao
conhecimento relativo aos números racionais e irracionais entre 87 professores de
matemática do ensino secundário em processo de formação continuada,
principalmente quando indica que boa parte dos sujeitos apresentava dificuldades
para distinguir racionais de irracionais e que, para a maioria dos indivíduos, a
irracionalidade dependeria de representações decimais.
As autoras descrevem, ainda, outras fontes às quais recorreram, como Peled
e Hershkovitz (1999 apud SIROTIC; ZAZKIS, 2007), os quais, de maneira contrária à
Fischbein, Jehiam e Cohen (1995 apud SIROTIC; ZAZKIS, 2007), não identificaram
questões conceituais como fonte das dificuldades de seus sujeitos (setenta
professores em formação inicial), mas falhas no uso de diferentes representações
relativas aos irracionais, falhas estas decorrentes, principalmente, do uso
inadequado do conceito de limite.
Especificamente, Sirotic e Zazkis (2007) indicam que o estudo que
apresentam parte do que chamam de “três dimensões do conhecimento” (p. 52)
acerca dos números irracionais, e de suas imbricações, e que procuraram explorar
as inconsistências conceituais dos participantes a partir destes pontos de vista. As
autoras asseveram que, tal como discutido em Tirosh et al (1998), tais dimensões
seriam as seguintes:
8 O termo utilizado no original pelas autoras é nondenumerability, no sentido de que o conjunto dos números irracionais não é contável.
42
The algorithmic dimension is procedural in nature – it consists of the knowledge of rules and prescriptions with regard to a certain mathematical domain and it involves a learner’s capability to explain the successive steps involved in various standard operations. The formal dimension is represented by definitions of concepts and structures relevant to a specific content domain, as well as by theorems and their proofs; it involves a learner’s capability to recall and implement definitions and theorems in a problem solving situation. The intuitive dimension of knowledge (also referred to as intuitive knowledge) is composed of a learner’s intuitions, ideas and beliefs about mathematical entities, and it includes mental models used to represent number concepts and operations. It is characterized as the type of knowledge that we tend to accept directly and confidently – it is
self-evident and psychologically resistant (SIROTIC; ZAZKIS, 2007, p. 51)9.
As autoras apontam que estas dimensões têm várias sobreposições, ou seja,
não se apresentam como disjunções absolutas. Ao longo da argumentação, Sirotic e
Zazkis (2007) indicam adotarem uma distinção entre percepções intuitivas acerca do
conhecimento envolvido, que entendem como “componentes evidentes e
intrinsicamente necessários” (p.51), e as crenças, que reputam como constructos
psicologicamente resistentes e que podem revelar incorreções e/ou inconsistências,
como aquela representada pela crença bastante difundida de que “a divisão sempre
resulta menor” (ou seja, na operação de divisão, o quociente é sempre menor que o
dividendo). Neste caso, evidentemente, não se trata exatamente de um erro, mas de
um conhecimento mal adaptado, válido no conjunto dos números naturais, mas não
entre os racionais e os irracionais, por exemplo10.
Desta forma, o texto traz, fundamentalmente, uma discussão acerca de como
as inconsistências em relação ao conhecimento matemático em foco podem ser
provenientes de certo estoque de crenças profundamente arraigadas nos sujeitos,
as quais emergem intuitivamente em situações em que os conhecimentos formais,
por exemplo, no domínio dos números irracionais, deveriam ser acionados. Ou seja,
9 A dimensão algorítmica é procedural por natureza: consiste no conhecimento de regras e prescrições relativas a certo domínio matemático e envolve a capacidade do aprendiz em explicar os sucessivos passos envolvidos em diversas operações padrão. A dimensão formal é representada por definições e estruturas relevantes em relação ao domínio de um conteúdo específico, assim como por teoremas e suas provas: envolve a capacidade do aprendiz em recorrer e implementar definições e teoremas em uma situação de resolução de problemas. A dimensão intuitiva do conhecimento é composta pelas intuições do aprendiz, bem como por ideias e crenças sobre os objetos matemáticos e inclui modelos mentais usados para representar conceitos numéricos e operações. Esta dimensão é caracterizada como o tipo de conhecimento que se tende a aceitar diretamente e confiantemente, e é auto-evidente e psicologicamente resistente. 10 Ainda que este não seja um tópico tratado diretamente por esta dissertação, a questão do conhecimento mal adaptado em determinados contextos matemáticos é tratada por Brousseau (1986) quando este autor define e caracteriza o conceito de obstáculo, e o classifica em distintas naturezas (epistemológica, didática, ontogênica).
43
It seems that people tend to adapt their formal knowledge and their algorithms to accommodate their beliefs, perhaps as a result of a natural tendency towards consistency. Inconsistencies then, might be the result of the counteraction of the deeply engrained procedures that emerge when the person is not watchful of his or her beliefs, but does things automatically instead. In this study we explore several inconsistencies in the participants’ knowledge and discuss those in terms of different dimensions of knowledge (SIROTIC; ZAZKIS, 2007, p.52)11
Assim delimitado o objetivo, as autoras apresentam as questões que
nortearam as discussões realizadas ao longo do texto, que poderiam ser
sintetizadas da seguinte forma:
a) O que os participantes pensam acerca do “tamanho” dos dois conjuntos
infinitos (racionais e irracionais)? Ou seja, o que pensam sobre a
“abundância”12 relativa de um conjunto comparado a outro?
b) O que os participantes pensam sobre como os números racionais e os
números irracionais são dispostos juntos, em ordem, na reta real? Que
dimensões do conhecimento são empregadas para dar suporte às ideias
que apresentam?
c) Quais são as ideias dos participantes da pesquisa a respeito dos efeitos
das operações de adição e multiplicação na racionalidade (ou
irracionalidade) dos resultados? Que dimensões do conhecimento são
empregadas para dar suporte às ideias que apresentam?
d) Quais são as interações entre as diferentes dimensões do conhecimento
em relação aos itens anteriores? Há consistência ou conflito?
A pesquisa indica que três tarefas foram propostas. A primeira delas
relaciona-se a conceitos relativos aos fatos de o conjunto dos números racionais ser
enumerável (ou contável) e o dos irracionais ser não enumerável. Neste sentido, as
perguntas contidas nesta parte do estudo pedem para que os participantes indiquem
qual conjunto é mais “rico”, ou seja, apresenta maior probabilidade de escolha
11 Parece que as pessoas tendem a adaptar seus conhecimentos formais e os respectivos algoritmos para acomodar suas crenças, talvez como resultado de uma tendência natural ligada à consistência. Inconsistências, então, poderiam ser o resultado da oposição em relação procedimentos profundamente arraigados que surgem quando a pessoa não está vigilante em relação a estas crenças, mas faz as coisas automaticamente. Neste estudo vamos explorar várias inconsistências no conhecimento dos participantes e discuti-las em termos das diferentes dimensões do conhecimento. 12 As autoras chamam de “abundância” à “quantidade” de números dos conjuntos envolvidos em algum intervalo da reta real – a pretensão parece ser a de compreender se os participantes percebem o conjunto dos números racionais como um conjunto de medida zero. Além disso, é possível indicar que esta ideia está relacionada à cardinalidade dos conjuntos infinitos.
44
aleatória de um número que lhe pertença em um dado intervalo. A resposta correta,
segundo as autoras, seria a de que os irracionais apresentam esta característica,
justamente em função de sua não enumerabilidade. Entre os participantes,
justificativas matematicamente válidas foram apresentadas em relação a esta tarefa,
revelando recurso à dimensão formal do conhecimento. Além disso, outros
participantes responderam corretamente, alinhando argumentos matematicamente
aceitáveis sem anunciarem qualquer aspecto formal, como foi o caso de um dos
participantes que anunciou intuitivamente raciocínios ligados às demonstrações de
diagonalização de Cantor ou à existência de diferentes ordens de infinidades.
Entretanto, em relação à primeira tarefa, além da parte considerável dos
sujeitos que apontou erroneamente que ambos os conjuntos seriam contáveis (ou
que ambos seriam incontáveis), surgiram algumas respostas corretas com
justificativas insustentáveis. A mais comum foi a de que os irracionais seriam mais
abundantes que os racionais porque os irracionais seriam um conjunto infinito,
enquanto os racionais comporiam um conjunto finito.
Em continuidade, esta primeira tarefa questionou, na sequência, como já
exposto na introdução deste trabalho, acerca da possibilidade de se tomar
aleatoriamente um número racional entre 0 e 1, por meio da seguinte pergunta:
“suponha que você tome um número aleatório no intervalo entre 0 e 1 (na reta dos
números reais). Qual a probabilidade de pegar um número racional?” (SIROTIC;
ZAZKIS, 2007, p.53). Sabe-se que, em razão da não enumerabilidade do conjunto
dos números racionais, e do fato de o mesmo ser um conjunto de medida zero, a
resposta deveria ser, igualmente, zero. Além das respostas equivocadas para este
item, apontando que a possibilidade seria de 50%, por exemplo (baseada na ideia
de que os conjuntos teriam, essencialmente, a mesma “abundância”), respostas
corretas ou parcialmente corretas foram providas, mas a partir de raciocínios
errados, como quando parte dos sujeitos indicou que o fato da possibilidade não
existir (ou ser muito pequena) entre os racionais estaria baseada na finitude deste
conjunto.
A segunda tarefa visava examinar as concepções dos sujeitos acerca do
conceito de densidade nos dois conjuntos, dos racionais e dos irracionais. Assim, as
questões se encontravam estruturadas da seguinte maneira:
45
(a) It is always possible to find a rational number between any two irrational numbers. Determine True or False and explain your thinking.
(b) It is always possible to find an irrational number between any two irrational numbers. Determine True or False and explain your thinking.
(c) It is always possible to find an irrational number between any two rational numbers. Determine True or False and explain your thinking.
(d) It is always possible to find a rational number between any two rational numbers. Determine True or False and explain your thinking. (SIROTIC; ZAZKIS, 2007, p.53)13
Evidentemente, todas estas afirmações são verdadeiras. Entretanto, não só
muitas respostas foram indicadas de forma equivocada como muitos sujeitos sequer
responderam aos questionamentos. A tabela 1, a seguir, permite perceber esta
ocorrência.
Tabela 1. Quantificação das respostas ao item 2 (46 respondentes)
Item Falso Verdadeiro Sem resposta
Racionais entre dois irracionais 12 24 10
Irracionais entre dois irracionais 5 32 9
Irracionais entre dois racionais 3 33 11
Racionais entre dois racionais 10 24 12
Fonte: SIROTIC; ZAZKIS, 2007, p. 63 (adaptado)
Entre os fatos que chamaram a atenção das autoras, consta aquele que
indica que mais de um quarto dos participantes acredita não ser possível encontrar
racionais entre dois irracionais, em função, de acordo com várias respostas dadas,
do fato de os irracionais apresentarem algo como “uma grande proximidade”, ao
ponto de um dos participantes haver usado a expressão “irracionais consecutivos”.
Além disso, quase metade dos sujeitos respondeu erroneamente ou não respondeu
os itens (a) e (d).
Em relação às justificativas apresentadas para as respostas equivocadas,
podem ser alinhadas as seguintes (SIROTIC; ZAZKIS, 2007, p. 64):
Entre pelo menos alguns números racionais só existem irracionais. Deve
ser assim porque existem muito mais números racionais do que
irracionais;
13 (a) É sempre possível encontrar um número racional entre quaisquer dois números irracionais. Determine “verdadeiro” ou “falso” e explique seu raciocínio; (b) É sempre possível encontrar um número irracional entre quaisquer dois números irracionais. Determine “verdadeiro” ou “falso” e explique seu raciocínio; (c) É sempre possível encontrar um número irracional entre quaisquer dois números racionais. Determine “verdadeiro” ou “falso” e explique seu raciocínio; (d) É sempre possível encontrar um número racional entre quaisquer dois números racionais. Determine “verdadeiro” ou “falso” e explique seu raciocínio.
46
Não há muitos números racionais - os irracionais preenchem os espaços
entre os racionais;
Os números irracionais são tão densos que você pode encontrar dois
deles sem qualquer racional no meio;
Os espaços entre os números irracionais podem ser infinitamente
pequenos. Assim, existirão dois números irracionais que são os mais
próximos um do outro;
Duas dízimas não periódicas podem existir sem uma dízima periódica
entre eles. Dois números irracionais podem ser muito próximos sem que
sejam iguais;
Eu acredito que os números sejam alterados: racional, irracional, racional,
irracional, .... Assim, devem existir alguns números racionais tão próximos
entre os quais apenas números irracionais poderiam ser encontrados.
Similarmente, entre dois números irracionais extremamente próximos só
seria possível encontrar um racional, não um irracional.
Entre as justificativas conjecturadas pelas autoras para respostas
caracterizadas por intuições tão infelizes consta o fato de que o conceito de
infinitude não é muito intuitivo, principalmente entre os racionais. Neste caso, a
confusão entre conjunto enumerável e conjunto cujos elementos podem ser
contados é decisiva. Além disso, ainda que denso, sabe-se que os racionais
aparecem de forma muito esparsa quando comparados com os irracionais.
A terceira e última tarefa relacionada neste estudo trazia o seguinte
enunciado, dividido em dois itens:
(a) If you add two positive irrational numbers the result is always irrational. True or false? Explain your thinking.
(b) If you multiply two different irrational numbers the result is always irrational. True or false? Explain your thinking (SIROTIC; ZAZKIS, 2007, p. 54)14.
Neste caso, as duas propostas são falsas. Entretanto, a maioria dos sujeitos
indicou que a resposta seria verdadeira. Entre as justificativas apresentadas para
semelhante equívoco, as mais comuns foram:
14 (a) Se você somar dois números irracionais positivos, o resultado será sempre irracional. Verdadeiro ou falso? Explique seu raciocínio; (b) Se você multiplicar dois números irracionais diferentes, o resultado será sempre irracional.
47
Quando se multiplica dois números que possuem, ambos, uma quantidade
infinita de dígitos, o resultado será ainda um número com uma quantidade
infinita de dígitos;
Dois números que possuem uma quantidade infinita de dígitos não
repetitivos à direita das casas decimais terá uma quantidade infinita de
dígitos não repetitivos em sua soma;
Não se pode somar dois números irracionais porque ambos continuam
indefinidamente, de forma que se teria que somá-los infinitamente.
À guisa de conclusão, as autoras afirmam que boa parte das concepções
errôneas empregadas pelos sujeitos se devem às dificuldades inerentes ao assunto
“números irracionais”, muitas vezes descritas como obstáculos epistemológicos.
Ainda assim, as autoras asseveram que a compreensão relativa aos números
irracionais é extremamente relevante, inclusive para a extensão e reconstrução do
conceito de número e sua ampliação em relação ao conjunto dos números reais.
Para elas, então, uma cuidadosa estratégia didática seria necessária para o
desenvolvimento do conceito em questão.
O trabalho de Sirotic e Zazkis (2007) contribuiu decisivamente para o design
da presente pesquisa, uma vez que um de seus instrumentos, referente à tarefa
dois, foi adaptado e utilizado aqui. Além disso, por se tratar de um estudo cujo tema
é bastante próximo daquele tomado nesta investigação, foi possível empregar
alguns dos conceitos assumidos pelas autoras na concepção teórica que tiveram,
entre os quais – e principalmente – a ideia relativa aos tipos de raciocínio assumidos
pelos participantes da pesquisa frente aos problemas matemáticos, e que podem ser
de natureza algorítmica, formal ou intuitiva, conforme já foi assinalado.
De forma mais específica, a partir do trabalho de Sirotic e Zazkis (2007),
torna-se possível considerar, entre as categorias de análise mais adiante
especificadas, em que dimensão se poderia posicionar o discurso dos sujeitos desta
pesquisa (algorítmica, formal, intuitiva) e as eventuais sobreposições que se
evidenciam quando da apresentação de justificativas para suas conjecturas. Além
disso, entendem-se como autorizadas, a partir do uso do trabalho mencionado,
referências a questões ligadas a enumerabilidade dos conjuntos numéricos
considerados nas atividades desta pesquisa, bem como sua “abundância” e
“riqueza”. Estes elementos, igualmente, são observados nas análises efetuadas a
partir das respostas providas pelos sujeitos às atividades propostas.
48
Da mesma forma, dada a relevância do trabalho de Sirotic e Zazkis (2007)
para a pesquisa que ora se apresenta, entende-se que caiba, em relação às
análises que aqui se procedem, uma comparação entre os resultados obtidos
originalmente e aqueles captados pelos métodos empregados nesta investigação, o
que se faz e se evidencia no capítulo pertinente deste texto.
Em outra pesquisa examinada nesta revisão, Pasquini (2007), na tese
denominada “Um tratamento para os números reais via medição de segmentos: uma
proposta, uma investigação”, introduz os conceitos relativos aos números reais por
meio de um processo de medição de segmentos. No trabalho mencionado, a autora
discorre sobre a infinidade de segmentos, verificada por meio do Axioma de
Arquimedes, e sobre o Axioma da Continuidade, como uma sequência de
“segmentos encaixados” (neste axioma, por exemplo, é possível verificar a
propriedade de densidade do conjunto dos números racionais e irracionais no
conjunto dos números reais). Mais especificamente, o trabalho considera que a
abordagem dos números reais, sob a perspectiva do ensino e da formação de
professores, é bastante deficitária, e propõe, como alternativa, os pressupostos
encontrados no material denominado “Um tratamento, via medição, para os números
reais", construído a partir das ideias de Henri Lebesgue (1875-1941), e contidas no
livro “Measure and Integral”. Segundo a autora da tese, “os autores deste Material,
Baroni e Nascimento (2005) trazem o processo de medição de segmentos para
apresentar uma construção geométrica para os números reais positivos” (PASQUINI,
2007, p. 163). Esta proposta é levada à efeito em um processo de formação de
professores de Matemática. Os dados analisados focam predominantemente nas
discussões relativas às atividades envolvendo a conceituação dos números reais por
meio da medição de segmentos, ou seja, uma abordagem de cunho geométrico, por
assim dizer, para os conceitos envolvidos. Nesta perspectiva, segundo a autora,
passa a ser possível envolver, no processo de compreensão do tema, outros
conceitos que lhe são subjacentes, como o de convergência, continuidade,
completude, entre outros.
Uma das atividades utilizadas neste trabalho envolve o conceito de
densidade, também relevante no contexto da pesquisa, considerada em um intervalo
dado, a partir da seguinte proposta: “[a partir da concepção de dízima periódica],
mostre que há infinitos segmentos que não estão em ℘(U). Podem eles ser todos
49
menores que U?” (BARONI; NASCIMENTO apud PASQUINI, 2005, p. 132)15.
Pasquini (2007) descreve que há uma comparação entre infinitos segmentos que
estão em ℘(U) e U; após se verificar que há infinitos segmentos que não estão em
℘(U), é possível concluir que há infinitos segmentos maiores e menores que U. Esta
infinidade de segmentos pode ser garantida através do axioma de Arquimedes. Ao
dizer que existem infinitos segmentos menores que U, sendo estes não
comensuráveis, a autora os compara a infinitos números irracionais no intervalo
entre 0 e 1. Esta parte de comparação por segmentos, por exemplo, vem ao
encontro de alguns dos instrumentos empregados na presente pesquisa, entre os
quais aqueles que podem ser chamados de modelos digitais, construídos com
emprego do software GeoGebra. Ainda que no presente texto a atividade de
medição não seja diretamente considerada, os modelos digitais introduzem a
possibilidade de “transitar” por um intervalo dado, de modo a subsidiar o
pensamento relativo à densidade nos conjuntos dos números racionais e irracionais.
Em diversas partes de seus comentários, a autora da tese descreve, ainda,
que os temas “números reais” e “medidas de grandezas” são praticamente
ignorados em cursos de formação de professores, do ponto de vista das discussões,
devido à complexidade da qual os mesmos se revestiriam, observando:
As leituras que realizei para considerar o tema “números reais” nesta tese levaram-me a perceber que a introdução dos conceitos de medida de grandezas e dos números reais são dois temas maltratados ou ignorados nos cursos de formação de professores. Devido a sua complexidade e importância dentro da prática escolar, este é um tema que deve ser sistematicamente tratado no espaço de formação de professores (PASQUINI, 2007, p. 164 – 165).
Na visão de Pasquini (2007), a abordagem utilizada em seu trabalho
contribuiu para diminuir o distanciamento entre a prática dos docentes envolvidos no
grupo pesquisado e a formação do professor de matemática, de modo geral.
Justamente neste sentido, o da consolidação conceitual, é que se pretendeu
empregar uma comparação entre esta tese e a pesquisa que aqui se apresenta, no
sentido de verificar se os instrumentos e as estratégias aqui empregadas contribuem
para semelhante efeito.
15 No texto, a autora, utilizando a definição do material por ela empregado na pesquisa, define U como “um segmento padrão para a comparação” (p. 83) e ℘(U) como “o conjunto de todos os segmentos AB proporcionais a U” (p. 84).
50
Brito (2010) em sua dissertação de mestrado “Questionando o Ensino de
Conjuntos Numéricos em disciplinas de Fundamentos de Análise Real: da
abordagem dos livros didáticos para a sala de aula em cursos de Licenciatura em
Matemática”, propõe-se a investigar a forma pela qual os conjuntos numéricos
recebem tratamento em livros didáticos de Análise Real, os quais são utilizados em
cursos de Licenciatura em Matemática. A pesquisa procura, segundo o autor,
construir conceituações sobre o ensino desta parte da Matemática, tomando por
base uma discussão acerca de questões como definição, imagem conceitual, prova
formal, rigor e intuição. A pesquisa teve como sujeitos um grupo de alunos de um
curso de Licenciatura em Matemática e seus resultados tenderam a destacar a
relevância do docente como mediador em um processo que tenta estabelecer o
equilíbrio entre rigor e intuição. Em suas considerações, o autor ressalta a
importância do desenvolvimento daquilo que chama de “maturidade matemática”
tanto para o discente quanto para os seus professores, o que poderia conduzir a
uma influência de caráter afetivo na aprendizagem de Análise Real.
De um ponto de vista que interessa a esta pesquisa, o autor discute algumas
tensões e diferenças em relação aos processos de apreensão matemática
“elementar” e “formal”, relacionando estas categorias com os conceitos de Análise
Real necessários à formação do futuro professor de Matemática. Em sua
perspectiva, o autor discorre sobre a influência do Pensamento Matemático
Avançado, quando considera a necessidade de prover, no âmbito da formação e da
aprendizagem da disciplina, “definições matemáticas precisas” e “dedução lógica de
teoremas” a partir destas definições (BRITO, 2010, p. 27). Estruturalmente, Brito
(2010) discute as tensões entre os papéis da definição formal de um tema, objeto ou
tópico de uma disciplina e a construção, por parte do aprendiz, de sua definição
conceitual, que inclui, também, as abordagens didáticas típicas do conteúdo. O autor
menciona que o trabalho do professor consiste, justamente, na administração e no
equacionamento destas tensões e conflitos, o que inclui, também, as tensões entre
rigor e intuição.
Assim, em termos específicos, o autor analisa, do ponto de vista da
apresentação e abordagem dos conjuntos numéricos, alguns livros didáticos
empregados em Análise Real em algumas universidades nacionais, entre os quais
“Análise Matemática para Licenciatura” (Geraldo Ávila), “Análise Real – Volume 1”
51
(Elon Lages Lima), “Análise 1” (Djairo Guedes Figueiredo) e “Lições de Álgebra e
Análise” (Bento de Jesus Caraça). Após apresentar um pequeno apanhado de cada
obra, especificamente em suas ideias principais, o autor submete os sujeitos a três
questionários:
Questionário inicial, antes do início da resolução de uma série de atividades
envolvendo aspectos formais e intuitivos de conjuntos numéricos. Neste
questionário, os itens abordam o papel das demonstrações em Matemática,
as dificuldades encontradas pelos sujeitos em empregar demonstrações e a
importância deste dispositivo(e do rigor, como consequência) para a formação
do professor de Matemática;
Um questionário de avaliação das atividades, no qual se pergunta acerca das
dificuldades encontradas na realização das atividades, se os estudantes
obtiveram alguma ressignificação acerca do assunto “conjuntos numéricos” ao
desenvolver as atividades e se haveria alguma sugestão acerca das
atividades em si e de seus aspectos didáticos;
O último questionário pedia que os sujeitos se expressassem acerca do rigor
e sua importância para o professor de Matemática, sobre as contribuições de
aspectos didáticos trabalhados na investigação no ensino do tema em tela e
se as dificuldades apresentadas ao longo das atividades encontraram formas
de superação.
Desta forma, as análises ficam restritas às impressões dos sujeitos acerca dos
tópicos destacados no questionário – não há, realmente, o que se poderia chamar
de análise didática, pelo menos do ponto de vista indicado por Brousseau (1986).
Após destacarem alguns aspectos relativos à importância das demonstrações e do
rigor no âmbito dos temas em relevo, do ponto de vista, por exemplo, de embasar a
atividade docente e de fornecer segurança para as abordagens, de representar uma
etapa da aprendizagem de Matemática, de comprovação de verdade, entre outros
aspectos, os estudantes indicaram uma relação entre “provar” e “entender”
determinado tópico.
Do ponto de vista das atividades, não há uma análise específica das respostas
fornecidas pelos sujeitos, mas apenas do questionário supramencionado. Assim, os
principais entraves relatados diziam respeito à forma como as demonstrações
poderiam ser feitas. Brito (2010) descreve que, em relação às dificuldades
52
encontradas pelos alunos diante as tarefas a propostas (inclusive em relação àquela
que envolve a densidade do conjunto dos números racionais e irracionais no
conjunto dos números reais), a mais dramática foi considerada por muitos como
sendo aquela que permitiria que se expressem “matematicamente, no que tange as
ideias”. Neste sentido, a linguagem matemática, vista como grande entrave, criaria
dificuldades para que os alunos construíssem demonstrações usando simbologia
matemática nas tarefas. Como alternativa, os sujeitos buscaram “escrever
matematicamente”, ou seja, “ expressar por palavras” as ideias matemáticas.
Desta forma, Brito (2010) descreve que a dificuldade no escrever pode estar
associada a dois processos, sendo estes “pensar matematicamente” e “descrever o
pensamento matemático”. Segundo o autor, “pensar matematicamente” tem um
caráter intuitivo e influenciado pela imagem conceitual dos alunos em relação as
ideias matemáticas”; já em relação ao “descrever o pensamento matemático”, este
movimento teria um caráter rigoroso, influenciado pela definição conceitual, por meio
do qual os alunos tentar agregar ideias matemáticas.
Em relação ao último questionário, a maior parte dos alunos atribuiu um papel
importante ao rigor na formação matemática dos indivíduos, indicando que todas as
atividades realizadas foram importantes para suas formações.
Na pesquisa que aqui se descreve, uma base teórica distinta é utilizada,
proveniente das observações de Sirotic e Zazkis (2007) acerca dos aspectos formal,
algorítmico e intuitivo do pensamento matemático. Neste sentido, é possível fazer
algumas comparações com o estudo de Brito (2010), uma vez que as abordagens
têm este ponto de contato (de um lado, “rigor” e “intuição”, de outro, “formalismo”,
“algoritmização” e “intuição”), apesar de terem sido desenvolvidas a partir de
dinâmicas e pressupostos distintos.
Em outro trabalho que compõe esta revisão, Penteado (2004), em sua
dissertação de mestrado “Concepções do professor do ensino médio relativas a
densidade do conjunto dos números reais e suas reações frente a procedimentos
para a abordagem desta propriedade”, investiga as concepções dos professores de
ensino médio referentes à densidade dos conjuntos dos números racionais e dos
números irracionais no conjunto dos números reais, a partir de uma investigação que
tem por base a teoria dos Registros de Representação Semiótica e por
delineamento metodológico a engenharia didática. Ao longo das descrições providas
53
pela autora, é possível constatar que os sujeitos da pesquisa, professores de ensino
médio, apresentaram, entre outros resultados, algumas confusões conceituais
relativas aos assuntos em tela, conforme se destaca em seguida:
Durante todo o experimento, em muitas situações, pudemos constatar que os sujeitos associam a irracionalidade do número com a infinitude de sua representação. Aproveitamos todas essas ocasiões para discutir a questão da representação decimal infinita dos números reais. Para alguns dos participantes esta associação manifestou-se até o final do experimento, relacionando a representação decimal infinita, ou o sinal de reticências, com número irracional. Esta associação é evidenciada num comentário feito durante a discussão das questões da atividade IX: "o racional é finito e o irracional é infinito" (PENTEADO, 2004, p.171)
Neste sentido, é possível destacar que, em diversos pontos de suas
observações, Penteado (2004) indica que os sujeitos da pesquisa associam o
conceito de número racional à ideia de finitude, e que não expressam qualquer
definição baseada em dízimas periódicas. Para a autora, problemas conceituais e
falta de rigor conduzem a falhas na compreensão e na percepção correta do objeto
matemático.
Nas análises realizadas no âmbito da investigação, Penteado (2004) descreve
que, em relação à sua Atividade IV, na qual questiona se existem números
irracionais no intervalo de dois números irracionais distintos, as respostas não se
deram rapidamente e houve algumas confusões no momento de formulação da
representação de um número irracional: um dos entrevistados, por exemplo, indicou
" – É dízima, pois 1,22232425..." (PENTEADO, 2004, p.99). Aqui, o sujeito se
referiria a uma dízima periódica. Apesar de restrições deste tipo, no momento da
discussão com outros participantes, foi possível chegar à conclusão de que no
intervalo entre dois números irracionais distintos existem infinitos números
irracionais.
Na atividade V, perguntou-se aos entrevistados se existiriam números
racionais no intervalo de dois números irracionais distintos. Nesta atividade, antes da
validação, surgiram alguns comentários em relação à representação de um número
racional, como, por exemplo, “– Se é racional tem que ser finito” (PENTEADO, 2004,
p.106), indicando problemas de caráter conceitual em relação a este tópico. Sobre o
questionamento inicial, os grupos conseguiram, de forma geral, indicar que, no
intervalo de dois números irracionais distintos, existem infinitos números racionais.
Além disso, os diálogos apontaram tensões relativas às representações: os sujeitos
54
indicaram que a percepção acerca da racionalidade ou irracionalidade de um
número a partir de sua representação pode gerar algumas incertezas, relativas à
percepção da existência ou não de períodos. De forma mais precisa, foi indicado
que o tamanho do período pode influenciar na classificação do número, uma vez que
se a mesma parar antes da expressão completa do referido período e se houver
reticências, por exemplo, o número pode ser considerado erroneamente como
irracional. Entretanto, algumas atividades envolvendo a determinação de um número
racional entre dois irracionais específicos (no caso, 1,232425... e 1,332425...) foram
resolvidas (corretamente, segundo o estudo) com a indicação de um número entre
ambos e com a supressão das reticências, ou sem a garantia de correção, quando
um grupo indicou, por exemplo, 1,233425... – ou seja, sem a supressão das
reticências. Da mesma forma, surgiram respostas corretas e incorretas, ligadas,
predominantemente, aos conceitos de racionalidade e irracionalidade e à
representação de números dos dois conjuntos, quando se solicitou a conversão
entre registros decimal e fracionário em alguns casos.
Na atividade VI aborda a existência de infinitos números racionais no intervalo
de dois números racionais distintos. Nesta atividade, os entrevistados conseguiram
fazer as representações e afirmaram que no intervalo de dois números racionais
distintos existem infinitos números racionais. Porém, conforme esperado pela autora,
não houve, por nenhum dos grupos, a utilização da média aritmética de dois
números racionais como forma de obter um número racional neste intervalo. Em
termos representacionais, surgiram também nesta atividade, algumas discussões
acerca da função das reticências como indicadoras da infinitude, basicamente na
busca da compreensão entre o local em que a mesma se posiciona (depois de uma,
duas, três, enfim, casas decimais) e o que representam, se dízimas periódicas ou
repetições.
Na atividade VII perguntou-se aos entrevistados se existem números
racionais e irracionais no intervalo de dois números racionais distintos,
considerados, no estudo, como mais “próximos” (no caso, 1,333 e 4
3). Sobre a
classificação de um número racional, observa-se a seguinte afirmação de um dos
entrevistados: "– Um número racional é sem reticências" (PENTEADO, 2004, p.118).
Para este participante, a infinitude é associada a irracionalidade do número. Entre
outras observações, alguns sujeitos referiram 4
3 como “número infinito” (p. 118),
55
querendo indicar, provavelmente, o conceito de infinito relacionado ao fato de o
número possuir uma representação periódica infinita. Em outro caso, os sujeitos
posicionaram 1,3330 entre 1,333 e 1,3331, talvez pelo fato de 1,3330 possuir um
algarismo a mais que 1,333, o que representa, segundo a autora, uma confusão
entre o número mesmo e sua representação.
Em relação ao estudo de Penteado (2004), procurou-se destacar aqueles
elementos que guardam maior proximidade com o estudo aqui apresentado, ou seja,
o aspecto representacional e as tensões possíveis. Resta indicar, também, que, ao
trazer esta pesquisa entre os textos da revisão, deve-se entender as distintas
referências a ideia de representação, já que se adota aqui esta referência a partir de
outro ponto de vista, como se explicitará mais adiante (página 73 deste texto). De
todo modo, a inclusão da dissertação de Penteado (2004) tem a utilidade de permitir
a comparação de diferentes pontos de vista acerca das representações possíveis
para números racionais e irracionais, bem como uma análise comparativa das
questões conceituais envolvidas.
Além dos trabalhos já apresentados até aqui, outras abordagens, em caráter
mais pontual, permitem refletir sobre as ideias relativas ao conhecimento das
propriedades relacionadas aos números racionais e aos números irracionais. O
trabalho de Boff (2006), por exemplo, que teve como sujeitos alunos do Ensino
Médio e ingressantes do curso superior de Licenciatura em Matemática, permitiu
verificar que, no universo pesquisado, boa parte dos sujeitos apresentam dúvidas
quanto à recuperação da fração geratriz de uma dízima periódica, bem como não
puderam dar exemplos relativos a ideia de densidade nos conjuntos numéricos
referidos – por exemplo, quando solicitados a apresentar um número racional e um
irracional, compreendidos no intervalo entre 2
3 e
3
4, observou-se que os ingressantes
do ensino superior não puderam descrever nenhum exemplo. Além disso,
praticamente um terço dos sujeitos não compreenderam representações como
0,66666... e 0,010101010101... como números racionais.
Em outro momento da pesquisa de Boff (2006), um dos entrevistados
descreveu, corretamente, que "– Racionais são todos os números que podem ser
escritos sob a forma de fração” (BOFF, 2006, p. 42). Entretanto, em outro momento,
o mesmo sujeito indicou que 𝜋 e √6 seriam números racionais, indicando uma
inconsistência entre o conceito e sua aplicação. A pesquisa destaca, desta forma,
56
entre outros elementos, a dificuldade de empregar conceitos e de compreender as
propriedades dos conjuntos dos números racionais e do conjunto dos números
irracionais. De maneira mais específica, pretendeu-se constatar se semelhantes
incompreensões podem ser identificadas entre os sujeitos desta investigação e se a
abordagem didática empregada aqui pode concorrer para mitiga-la.
Em síntese, esta revisão da literatura trouxe importantes elementos para a
construção da pesquisa, tanto no que diz respeito a sua estrutura quanto no que se
refere aos procedimentos metodológicos. De fato, tanto a abordagem teórica quanto
as atividades contidas em Sirotic e Zazkis (2007) concorreram por inspirar os
elementos investigativos alinhados neste trabalho: as três dimensões do
conhecimento mencionadas pelas autoras servem como uma das categorias de
análise que são empregadas na tentativa de explicar as produções dos professores
ao longo das atividades, bem como suas conjecturas e proposições. De maneira
mais direta, uma das atividades empregadas no trabalho de Sirotic e Zazkis (2007) é
usada diretamente aqui, de modo a procurar consolidar os conceitos relativos aos
números racionais e aos números irracionais, assim como levantar concepções
relativas ao conceito de densidade nos conjuntos já identificados ao longo deste
texto. Da mesma forma, os outros textos trouxeram contribuições, já destacadas
após a síntese da cada um.
Assim constituída a revisão, resta indicar por qual percurso teórico a análise
dos dados coletados pelos instrumentos aqui utilizados seguirá. Em função do
caráter processual desta proposta, e da percepção de que, ao observar o processo
de construção do conhecimento por parte dos professores a partir da proposição de
problemas adequados e de uma postura de não intervenção do pesquisador, pode-
se melhor compreender conceitos, concepções, obstáculos, dúvidas, progressos,
conjecturas, enfim, elementos relativos a uma trajetória investigativa cuja finalidade
é proporcionar, como resposta aos problemas, justamente a consolidação do
conhecimento envolvido nas resoluções. Assim, justifica-se a escolha de elementos
da Teoria das Situações Didáticas – TSD (Brousseau, 1986) como componente do
arcabouço teórico que se procura evidenciar.
O principal enfoque desta teoria reside nas situações didáticas, entremeadas
pelas interações que envolvem o professor, o aluno e o conhecimento matemático.
57
As articulações entre estes elementos constituintes formam o que o autor
denominou como triângulo didático, conforme pode ser visto na Figura 4.
Figura 4. Triângulo didático
Fonte: Almouloud (2007, p. 32)
Desta forma, com relação ao destaque dado a ideia e ao conceito de
situação, vale entende-la como
[...] o modelo de interação de um sujeito com um meio específico que determina um certo conhecimento, como o recurso de que o sujeito dispõe para alcançar ou conservar, nesse meio, um estado favorável. Algumas dessas situações requerem a aquisição “anterior” de todos os conhecimentos e esquemas necessários, mas há outras que dão ao sujeito a possibilidade de construir, por si mesmo, um conhecimento novo em um processo de gênese artificial. (BROUSSEAU, 2008, p.19-20)
Do ponto de vista deste trabalho, interessa indicar que a construção do
conhecimento matemático, segundo a TSD, pode ser promovida por meio da
constituição de situações didáticas, nas quais o professor convida os estudantes à
resolução de problemas adequados em relação ao conhecimento pretendido. Em
função do aspecto de não antecipação de respostas e da renúncia a eventuais
esquemas facilitadores, esta abordagem se caracteriza por permitir ao estudante
avançar em uma trajetória que pressupõe conjecturas, perplexidades, debates e
retroações. Neste sentido, cabe ao professor propor e ao estudante aceitar como
sua a responsabilidade pela resolução dos problemas, o que, no âmbito da teoria,
representa o processo de devolução. À priori, o aluno desconhece aquilo que o
professor pretende ensinar, característica essencial para a constituição de situações
adidáticas, ou seja, nas quais a intencionalidade didática do docente não está posta
ou anunciada. Assim, no lugar de buscar referências na figura do professor, a
propositura dos problemas componentes de determinadas situações prevê um
58
contexto material, didático e teórico de caráter antagônico, o milieu (OLIVEIRA;
MARCELINO, 2015). É neste sentido que se espera que a aprendizagem ocorra a
partir das retroações em relação ao milieu. Desta forma, a trajetória de investigação
desenvolvida pelos participantes face aos problemas proporciona que descobertas,
cujas validades se justificam pela lógica interna da situação, se constituam,
independentemente das intervenções docentes durante o processo.
Neste contexto, as dialéticas de natureza adidática se constituem como um
processo, de acordo com os pressupostos da TSD e indicam que o estudante,
individual e coletivamente, passa por momentos caracterizados por Brousseau
(1986) como de ação, de formulação e de validação. Na dialética adidática de ação,
o aprendiz constitui uma série de ações de caráter pontual, com a finalidade de
produzir um conhecimento operacional. São atitudes experimentais e intuitivas frente
aos problemas, caraterísticas, por exemplo, de uma lógica de jogo, quando se
buscam estratégias que se mostrem eficazes em relação às etapas do desafio ou ao
seu caráter geral. Neste movimento, então, propostas vistas como ineficazes podem
ser descartadas, bem como podem ser gestadas estratégias novas e promissoras.
A dialética de formulação ocorre em momentos nos quais existem trocas de
mensagens entre os aprendizes, o que pode envolver o emprego de linguagem
natural ou matemática, a depender das condições cognitivas específicas das
pessoas envolvidas. A partir deste momento, podem surgir modelos explícitos, que
mobilizam regras comuns e elementos de referência. Aqui, o objetivo primordial
reside no intercâmbio de informações. A ideia é que o aluno consiga construir
paulatinamente “uma linguagem compreensível por todos, que considere os objetos
e relações matemáticas envolvidas na situação didática” (ALMOULOUD, 2007,
p.38).
A dialética de validação se caracteriza pelos momentos nos quais os
estudantes buscam elementos para comprovação das conjecturas constituídas no
âmbito de uma situação. Aos interlocutores, também envolvidos na busca por
soluções para os problemas em exame, submetem-se os modelos matemáticos
propostos, com as devidas justificativas. A partir de então, podem ocorrer debates
acerca da validade daquilo que é proposto, momentos nos quais podem surgir
explicações, refutações, reformulações, refinamentos e/ou rejeições. Desta forma,
pode-se afirmar que “o objetivo principal da situação de formulação é a comunicação
59
linguística, [enquanto] a dialética de validação busca o debate sobre a certeza das
asserções, o que permite organizar as interações com o milieu” (ALMOULOUD,
2007, p 40).
Em momento seguinte ao trabalho dos estudantes, cabe ao professor retomar
o caráter didático da intervenção por meio de sessões coletivas, com o objetivo de
fixar o estatuto formal do conhecimento matemático. Este momento, a
institucionalização, é de atal ordem que “se caracteriza pela passagem, em que o
conhecimento construído como um meio para solucionar as situações de ação,
formulação e validação adquire uma nova referência, passa a ter utilidade para uso
futuro, pessoal ou coletivo” (BROUSSEAU, 2008, p. 4).
Em relação ao estudo que aqui se apresenta, a TSD comporá parte do
referencial considerado nas análises. Especificamente, o que se pretende apontar se
refere à trajetória dos sujeitos quando procuram apresentar conjecturas que
eventualmente podem ser consideradas como resoluções válidas para os problemas
da sequência didática. Vale dizer que o trânsito processual e não linear pelas
dialéticas de ação, formulação e validação precisa ser destacado aqui, de modo que
seja possível correlacionar estes elementos com os tipos de conhecimento
mobilizados, como pensados por Sirotic e Zazkis (2007). De igual maneira, garantir
uma trajetória autônoma para os licenciandos, especialmente no que se refere à
garantia de que as conjecturas serão testadas em relação ao milieu (retroações) é
fundamental para as asserções relativas às questões direcionadoras deste estudo.
Deste modo depois de explorado o quadro teórico aqui exposto, prossegue-se
para a articulação do mesmo com os procedimentos metodológicos, de modo a
entender, inclusive, de que modo se intervirá para a coleta e análise dos dados.
2.2 Aportes metodológicos
Como já se mencionou, no âmbito desta pesquisa, a TSD deverá constituir o
elemento teórico que permitirá articular as análises à proposta metodológica e à
questão do conhecimento matemático. Deste ponto de vista, a investigação aqui
descrita apresenta caráter qualitativo, o que implica em um estudo profundamente
preocupado com as características processuais de um processo de aquisição do
conhecimento (Bogdan e Biklen, 1994). Nestes termos, a pesquisa envolveu, como
sujeitos, dezenove alunos do primeiro semestre do curso de licenciatura em
60
matemática de uma universidade localizada no estado de São Paulo, cuja
participação no estudo ocorreu de forma voluntária. A aplicação das sequências
didáticas, composta por três atividades, ocorreu em três sessões, com duração
aproximada de duas horas cada uma, em horário não coincidente com aquele
reservado para as aulas regulares e foi realizada pelo próprio pesquisador16. Como
já se explicitou, as concepções relativas aos números racionais e aos números
irracionais, suas propriedades e características como a abundância dos conjuntos
(Sirotic e Zazkis, 2007) e a densidade dos mesmos são exploradas ao longo das
atividades. Para apoiar as conjecturas dos estudantes, estão disponíveis dois
modelos digitais, assim definidos a partir da concepção de Lévy (1993), da forma
como se explicita mais adiante.
A primeira das atividades da sequência didática tem por objetivo propor
problemas nos quais o estudante precisa indicar se determinados números são
racionais ou irracionais. O estudante pode utilizar os recursos matemáticos de que
dispor, desde que os justifique. Entretanto, era esperado que os sujeitos utilizassem
as identidades trigonométricas descritas anteriormente neste trabalho, em conjunto,
se for o caso, com o dispositivo Briot-Ruffini – esta expectativa é indicada, inclusive,
no enunciado da atividade. De qualquer forma, os estudantes de licenciatura
envolvidos nas resoluções dos problemas poderiam investigar possíveis soluções,
de modo que, sem a intervenção do pesquisador, transitem pelas dialéticas de ação,
formulação e validação previstas na TSD. Ao final desta parte da sequência, o
pesquisador constituiu a institucionalização, apresentando, inclusive, o método
indicado no capítulo um deste relatório, com base nas identidades trigonométricas e
no teorema das raízes racionais de um polinômio. Esta atividade não previa o uso de
interfaces computacionais, mas permitia, caso os sujeitos quisessem, o emprego de
calculadoras.
Em outras palavras, na atividade 1, em termos das variáveis didáticas
envolvidas, os sujeitos poderiam mobilizar eventuais conhecimentos construídos
previamente, quais sejam aqueles relativos aos conjuntos dos números racionais e
16 Em relação aos papéis desempenhados pelo pesquisador no âmbito das sessões nas quais as atividades foram propostas, deve-se destacar, igualmente, a adesão aos pressupostos da TSD, de modo que as intervenções acerca da resolução das atividades em si praticamente não existiram, a não ser no desempenho de um papel que cabe fundamentalmente à figura docente, que é o da devolução. Assim, também, outras intervenções decisivas ocorreram nos momentos de institucionalização.
61
dos números irracionais, conceitos relativos à trigonometria (seno e cosseno de um
ângulo e sua representação no ciclo trigonométrico), identidades trigonométricas
sen3θ = 3senθ − 4sen³θ para 𝑠𝑒𝑛𝛼, cos3θ = 4cos3θ − 3cosθ para 𝑐𝑜𝑠𝛼, teorema das
possíveis raízes de um polinômio, onde, por meio das razões 𝑐0
𝑎 e
𝑐3
𝑏, as possíveis
raízes da equação polinomial de grau 3 são encontradas, além do dispositivo Briot-
Ruffini. Deste modo, o sujeito poderia estabelecer relações e diferenciar um número
racional de um número irracional.
Deve-se destacar, no instrumento descrito a seguir (Quadro 1), que algumas
questões procuram explorar as concepções dos sujeitos acerca dos números
racionais e dos irracionais, de maneira a fomentar discussões sobre os conceitos
envolvidos. Neste sentido, pretende-se levantar se tais concepções são estruturadas
em torno de conhecimentos formais, algorítmicos ou intuitivos, conforme proposta
teórica sustentada por Sirotic e Zazkis (2007), o que poderá encaminhar reflexões
em torno de eventuais obstáculos que fiquem evidenciados nas respostas dos
estudantes, expressos por erros ou imprecisões.
62
Quadro 1. Atividade 1
Fonte: elementos da pesquisa
Em relação à consecução da atividade um, não estava vedada a discussão e
a busca pela compreensão dos métodos indicados como instrumental teórico dado
pelas identidades trigonométricas e pelo teorema das raízes racionais de um
polinômio, por exemplo, nem eventuais perguntas pontuais dirigidas ao pesquisador.
De todo o modo, esta construção poderia ser evidenciada pelo pesquisador quando
da institucionalização da atividade. Ao se observar os recursos cognitivos
empregados pelos sujeitos nas respostas que apresentem, a indicação dos
elementos intuitivos, quer como crença, quer como busca por uma evidência
matemática a partir de conjecturas poderá surgir (SIROTIC; ZAZKIS, 2007). É
possível, por exemplo, que os sujeitos venham a indicar que a quantidade de casas
decimais, que podem imaginar finitas em algumas situações sem que as mesmas o
sejam, indique a racionalidade de dado número, o que representa uma crença
frequentemente encontrada entre estudantes de todos os níveis, mas que
representa um equívoco.
63
Quanto à Atividade 1, cabem, ainda, algumas justificativas. Neste sentido,
pode-se afirmar que os valores de sen10° e de sen50° foram escolhidos para
verificar se os alunos fariam associações em relação ao tema matemático em estudo
com estes ângulos, vistos como, por assim dizer, “pouco usuais”, uma vez que
exemplos envolvendo atividades similares costumam ser feitos empregando ângulos
notáveis como 30°, 45° e 60°. Neste sentido, a conjectura esperada seria a de que
sen10° e sen50° são números irracionais, e expectativa é a de que a mesma fosse
obtida por meio das identidades trigonométricas. O mesmo pode ser dito a respeito
de cos360°
99.
Em contrapartida, cos60° foi empregado pelo fato de o ângulo de 60° ter o
status de notável, o que permite uma verificação menos trabalhosa e mais intuitiva
de que cos60° representa um número racional. De certa forma, o mesmo se dá com
cos120°, empregado, também, para verificar se o aluno faz conjecturas de que o
ângulo em questão está no segundo quadrante do ciclo trigonométrico, possuindo o
valor de −1
2, um número racional. De igual maneira, empregou-se 𝑠𝑒𝑛
270°
9, incluindo
uma constatação sobre a percepção, por parte do sujeito, acerca de que se trata, na
verdade, da obtenção de 𝑠𝑒𝑛30°, que é um número racional.
As identidades trigonométricas de 𝑐𝑜𝑠3𝜃 = 4𝑐𝑜𝑠3𝜃 − 3𝑐𝑜𝑠𝜃 e 𝑠𝑒𝑛3𝜃 =
3𝑠𝑒𝑛𝜃 − 4𝑠𝑒𝑛³𝜃 foram escolhidas pelo motivo de propiciarem a verificação para
𝑠𝑒𝑛(𝛼) e/ou 𝑐𝑜𝑠(𝛼), em relação a racionalidade ou irracionalidade dos números,
conforme já discutido no capítulo um deste trabalho. O mesmo se dá em relação ao
teorema das raízes racionais de um polinômio.
A segunda atividade envolvia o uso do software GeoGebra, mais
especificamente por meio de uma aplicação que previa a implementação do modelo
proposto anteriormente (capítulo um). Trata-se de um modelo digital, que permite a
exploração de seu conteúdo de forma interativa, o que pode proporcionar que o
sujeito faça inúmeras experiências e visualize os resultados, bem como as
variações, à medida em que os parâmetros do modelo sejam alterados. Estas
possibilidades (experimentações intensivas e visualização) somam-se ao dinamismo
da interface, que reage prontamente às ações dos sujeitos (BORBA; VILLARREAL,
2005, OLIVEIRA; GONÇALVES; MARQUETTI, 2015). Em relação ao modelo digital,
Lévy (1993) argumenta:
64
Um modelo digital não é lido ou interpretado como um texto clássico, ele geralmente é explorado de forma interativa. Contrariamente a maioria das descrições funcionais sobre papel ou dos modelos reduzidos analógicos, o modelo informático é essencialmente plástico, dinâmico, dotado de uma certa autonomia de ação e reação. Como Jean-Louis Weissberg observou tão bem, o termo simulação conota hoje esta dimensão interativa, tanto quanto a imitação ou a farsa. (LÉVY, 1993, p.121)
Um modelo digital possui características que podem favorecer a construção
do conhecimento matemático. Neste sentido, além das já mencionadas
possibilidades dinâmicas de visualizar e experimentar, surge uma ainda mais
instigante e que pode ser resumida por meio da palavra reorganizar. Para
Tikhomirov (1981), efetivamente, as tecnologias reconfiguram a forma como pensam
as pessoas, de modo que
[...] o uso de sistemas computacionais e suas interfaces criam outra forma de intervenção: nela, o computador surge como ferramenta da atividade mental humana. Surge, portanto, uma nova atividade que, por conseguinte, demanda uma nova forma de pensamento. O advento do uso do computador, para o autor, fez mudar o processo de aquisição de conhecimentos (OLIVEIRA; GONÇALVES; MARQUETTI, 2015, p. 477).
O uso de mídias digitais abre diversas possibilidades para a construção do
conhecimento, ainda que, mesmo reorganizando o pensamento (Tikhomirov, 1981),
tais instrumentos não determinem a constituição do conhecimento, mas o
condicionem. Neste sentido, mesmo sendo possível “desenvolver conhecimento na
ausência de determinada tecnologia [...] algumas possibilidades como dinamismo,
visualização múltipla e experimentação intensiva são melhor objetivadas a partir do
uso de tecnologias digitais” (OLIVEIRA; GONÇALVES; MARQUETTI, 2015, p. 478).
Assim, dinâmicas investigativas de temas matemáticos com o emprego de
mídias digitais, da maneira como se procurou fazer aqui, se valem da tríade
experimentação – visualização – dinamismo, que, por sua vez, se constituem nos
atos de experimentar com uso de interfaces e visualizar os efeitos produzidos, com o
apoio típico no dinamismo existente nestes meios. Neste contexto, a
experimentação apoia as conjecturas, o que indica que a mesma não se reduz a
ensaios com movimentações de mouse e pressionamento de botões. Trata-se,
então, considerando as diversas representações em jogo, trabalhar em uma
dinâmica que envolve tentativa e erro, como mencionam Borba e Villareal (2005),
permitindo avançar em relação a pensamentos de natureza mais complexa, de
forma a prover demonstrações, por exemplo.
65
A ideia de tentativa e erro, longe de representar algum improviso em termos
estratégicos, pode compor, isto sim, uma estratégia de resolução de problemas,
quando considera que o empirismo pode promover a construção de hipóteses e o
teste das conjecturas levantadas. Como partes de uma trajetória que envolve o
pensamento de generalização, estas ações podem, como indicam Borba e Villareal
(2005), concorrer para a descrição da lógica das descobertas matemáticas, o que
seria sobremaneira desejável na pesquisa que aqui se expõe. Neste sentido,
argumenta Lévy (1993):
Uma das mais estranhas modificações ligadas ao uso das simulações digitais é a que hoje afeta as matemáticas. Tradicionalmente consideradas como reino da dedução, elas também estão adquirindo um caráter experimental. Simulações de objetos matemáticos podem infirmar, confirmar, ou gerar conjecturas (LÉVY, 1993, p. 104).
O que o autor supramencionado aponta é que experimentação e simulação
surgem como tópicos relevantes no que toca à produção do conhecimento quando
se consideram aquilo que chama de “tecnologias da inteligência”; justamente, então,
este seria o sentido dos chamados modelos tecnológicos digitais. Aqui, refletem
Oliveira e Lima (2017):
No contexto mencionado, simulação e experimentação possuem constituições distintas daquela relativa a um objeto de conhecimento, mas podem funcionar como elementos básicos, precursores, por assim dizer, para a construção dos conceitos em estudo. Ainda que subsistam marcantes distinções entre as tecnologias digitais e as chamadas “tecnologias tradicionais” (não digitais e/ou historicamente constituídas como típicas de uma área – lápis e papel, por exemplo), o que ressalta do discurso teórico aqui defendido pode ser resumido pelo termo “convergência”, o qual significa, de modo diverso da substituição, um postulado que envolve, de acordo com o processo educativo específico, os polos citados por Lévy (1993): oralidade, escrita e informática (OLIVEIRA; LIMA, 2017, p.11).
É preciso compreender, que do ponto de vista dos autores referenciados,
como Lévy (1993), por exemplo, o polo da informática também funcionaria como
extensão da memória, papel desempenhado anteriormente, em termos históricos,
pela oralidade e pela escrita. Entretanto, quando se considera a intervenção dos
dispositivos eletrônicos informáticos, surge a possibilidade de propor a superação
dos raciocínios lineares, tendo por base a simulação, a experimentação e os
recursos multimídia. A partir destas asserções é que surge a proposta do constructo
teórico de Borba e Villarreal (2005), quando advogam que o conhecimento é
produzido pelas pessoas em conjunto com uma determinada mídia ou tecnologia,
66
como inteligência coletiva, não havendo, portanto, sentido em separar esta
configuração.
No que se refere à visualização, Borba e Villareal (2005) expõem, como parte
de suas asserções, algumas definições que auxiliam nos propósitos indicados por
esta pesquisa, e que seguem, na forma como apresentadas por Lima (2016):
De acordo com Ben-Chaim, Lappan e Houang (1989 apud Borba e Villarreal,
2005), a visualização engloba a habilidade de interpretar e compreender
informações de uma figura e a habilidade de conceituar e traduzir relações
abstratas e informações que não estão na figura em termos visuais;
Zimmermann e Cunningham (1991 apud Borba e Villarreal, 2005) apontam
que visualização no contexto matemático é um processo de formação
(construção) de imagens (mentalmente, via lápis e papel ou ainda com
auxílio de [outras] tecnologias) e seu uso tem o objetivo de obter melhor
compreensão e estimular o processo de descoberta matemática;
Para Gutiérrez (1996 apud Borba e Villarreal, 2005), no contexto matemático
"é o tipo de atividade intelectual baseada no uso de elementos visuais ou
espaciais, sejam mentais ou concretos, executada para resolver problemas
ou provar propriedades" (BORBA; VILLARREAL, 2005, p.9);
Há, ainda, a visão ampla de Zazkis, Dubinsky e Dautermann (1997 apud
Borba e Villarreal, 2005):
Visualização é um ato do qual um indivíduo estabelece uma forte conexão
entre um constructo interno e algo ao qual o acesso é estabelecido pelos
sentidos. Tal conexão pode ser feita em ambas as direções. Um ato de
visualizar deve consistir em qualquer construção mental de objetos ou
processos que um indivíduo associa com objetos ou eventos percebidos por
ele/ela como externos. Por outro lado, um ato de visualização deve consistir
em uma construção, em alguma mídia externa como papel, giz ou a tela de
um computador, de objetos ou eventos que o indivíduo identifique com os
objetos ou processos em sua mente (BORBA; VILLARREAL, 2005, p.441).
Ainda em relação à visualização, é necessário lembrar as observações de
Barbosa (2009 apud Oliveira, Gonçalves e Marquetti, 2015), as quais apontam que,
no contexto de tarefas e de problemas matemáticos:
[...] a abstração pode ir além da percepção material, os matemáticos
empregam processos simbólicos, diagramas e várias outras formas ligadas
a processos mentais que envolvem a imaginação e referências mentais.
67
Neste sentido, a visualização cumpre um papel de interpretação, e não
meramente de captação genérica de imagens; e esta interpretação se
constitui a partir de trocas pessoais e sociais, frequentemente oriundas do
contexto escolar e da, por assim dizer, convivência com as representações
matemáticas mais comuns aos indivíduos (LIMA, 2016, p. 38).
Ainda no contexto das tecnologias digitais, e em relação ao seu uso em
processos de resolução de problemas:
Como elemento adicional, consta um dinamismo que pode ocorrer de
maneira típica quando se empregam tecnologias digitais. A prática de
“clicar-e-arrastar”, por exemplo, quando efetuada sobre alguma
representação de objetos matemáticos, pode parecer usual e bem simples
nesta década e meia do século XXI, mas representa um aspecto
revolucionário do acesso a elementos que podem fomentar a construção do
conhecimento. Em um software dinâmico de geometria, por exemplo,
arrastar um ponto e observar a manutenção de certas propriedades ou a
evidenciação de outras pode ser uma oportunidade de bastante valia no
processo de elaboração de conjecturas. A correlação entre experimentar e a
instantaneidade da reação da interface abre um mundo de situações
diferenciadas, em relação às representações de determinados objetos ou
construções, no sentido de compreender, potencialmente, inúmeros casos
particulares e aquilo que pode levar a generalizações (LIMA, 2016, p. 39).
O texto relativo a esta pesquisa, descrito nestas páginas, pretendeu explorar
as possibilidades ligadas às tecnologias digitais, valendo-se, para isto, de uma
sequência de problemas. Indicou-se, desta forma, para os sujeitos da pesquisa, a
proposição de trajetórias de investigação calcadas na resolução de problemas por
meio do Geogebra, que pode ser visto como um software dinâmico de matemática,
de modo que as pessoas envolvidas pudessem se dedicar à busca por soluções em
relação aos problemas apresentados. A partir destas dinâmicas, julgou-se que seria
possível para os sujeitos levantar informações advindas das manipulações e dos
retornos recolhidos no trato com a interface, de modo que, a partir de então,
organizassem argumentações autorais sobre aquilo que percebiam no processo, o
que possibilitaria reelaborar concepções e encaminhar novas explorações em
relação aos estudos que realizavam, sucessivamente.
Na investigação aqui descrita, o uso da lógica que se descreve, relacionada
às interfaces e tecnologias digitais, permitem analisar o fazer dos participantes da
pesquisa, a partir da eleição de categorias, dentre aquelas que serviram às análises,
e que podem indicar as formas pelas quais visualização, experimentação e
dinamismo foram mobilizadas pelos sujeitos na criação e expressão de conjecturas
e de interações. Neste sentido, a reorganização de pensamento, como indicada por
68
Tikhomirov (1981) e por Borba e Villarreal (2005), pode ser constatada, quer de
forma explícita, quer de maneira subjacente.
Especificamente, o modelo em questão (Figura 5) permite que o estudante
manipule um controle deslizante, que é um dispositivo que fornece variações em
diferentes unidades (no caso, em graus), de modo a indicar um ângulo cujo
resultado numérico do seno ou cosseno se deseja verificar em relação à
racionalidade ou irracionalidade. Duas representações estão disponíveis e têm,
respectivamente, caráter algébrico e geométrico. Em termos teóricos, o estudante
pode refletir acerca dos resultados obtidos ao visualizar as representações
matemáticas disponíveis. Da mesma forma, os sujeitos não ficam restritos às
verificações pontuais propostas na atividade anterior, mas têm a possibilidade de
conjecturar em relação a quantos ângulos desejarem (experimentações intensivas).
Assim, a partir da lógica relativa às identidades trigonométricas, já mencionadas
anteriormente, torna-se possível realizar a verificação em relação ao resultado
numérico do seno e/ou cosseno de determinado ângulo representar um número
racional ou irracional.
Figura 5. Modelo digital “calculadora de verificação para números racionais e irracionais” (calculadora.ggb)
Fonte: elaborado para a pesquisa
Em termos operacionais, na interface exposta na Figura 5 o aluno poderá
observar se há ou não igualdade em relação aos resultados numéricos da equação
polinomial de grau 3, ou seja, se, nos termos já apresentados, 4𝑥3 − 3𝑥 = cos (3𝛼)
ou −4𝑥3 + 3𝑥 = sen (3𝛼) após a substituição das possíveis raízes do polinômio,
casos em que poderá admitir que o número examinado é racional. Os
questionamentos propostos na Atividade 2 podem ser vistos no Quadro 2.
69
Quadro 2. Atividade 2
Fonte: elementos da pesquisa
A análise das respostas da atividade 2, como se verá mais adiante, permite
reflexões acerca da forma pela qual os estudantes de licenciatura envolvidos
expressam o uso dos conceitos sobre números irracionais e racionais que
evidenciaram na atividade 1 e as eventuais constatações a partir da apropriação da
proposta de verificação contida na interface digital.
Pode-se perceber que a Atividade 2 tem os mesmos itens de resolução em
relação à atividade anterior, com a substituição das questões finais por duas outras.
A primeira, “faça uma descrição de como você compreendeu o funcionamento da
aplicação”, tem o intuito de verificar se aluno entendeu a aplicação por meio dos
controles deslizantes no software GeoGebra e a relação da mesma com o
conhecimento matemático em jogo. Nesta aplicação, por meio das identidades
trigonométricas, pode-se verificar que os valores podem resultar em uma igualdade
do tipo 1=1, o que indicaria que o número em questão seria racional; de outro modo,
quando os valores possuem uma diferença do tipo, por exemplo, 1≠ 0, verifica-se
que o número em questão seria irracional, tudo conforme evidenciado no capítulo
um. A aplicação aqui mencionada é um modelo digital do tipo “calculadora de
verificação para números racionais e irracionais”, conforme já esclarecido, com seus
70
elementos evidenciados na figura 5. Este questionamento parte do princípio,
defendido por Oliveira (2013), de que a fluência sobre os dispositivos digitais,
corretamente construídos e usados na aprendizagem de temas matemáticos, tem
uma importante relação com a construção do conhecimento matemático em si.
Neste sentido, compreender o funcionamento do artefato passa por entender o
saber matemático no qual o mesmo se baseia.
A atividade 3 é composta por 4 tarefas, exibidas no Quadro 3, exposto mais
adiante. Na primeira, são feitos quatro questionamentos (itens a até d) nos quais o
sujeito é questionado em relação ao conceito de densidade dos conjuntos dos
números racionais e dos números irracionais. Mais especificamente, indaga-se se é
sempre possível encontrar um número racional entre quaisquer dois números
irracionais, se é sempre possível encontrar um número irracional entre quaisquer
dois números irracionais, se é sempre possível encontrar um número irracional entre
quaisquer dois números racionais e se é sempre possível encontrar um número
racional entre quaisquer dois números racionais.
71
Quadro 3. Atividade 3
Fonte: elementos da pesquisa
Estas questões foram adaptadas a partir do uso que foi feito das mesmas em
Sirotic e Zazkis (2007), já descrito anteriormente neste texto. Aqui, espera-se que os
alunos compreendam as quatro afirmações como verdadeiras, no que se refere ao
conceito de densidade dos conjuntos dos números racionais e dos números
Atividade 3
1) Com base nas discussões efetuadas até agora, responda aos seguintes questionamentos:
a. É sempre possível encontrar um número racional entre quaisquer dois números
irracionais. Determine “verdadeiro” ou “falso” e explique seu raciocínio;
b. É sempre possível encontrar um número irracional entre quaisquer dois números
irracionais. Determine “verdadeiro” ou “falso” e explique seu raciocínio;
c. É sempre possível encontrar um número irracional entre quaisquer dois números
racionais. Determine “verdadeiro” ou “falso” e explique seu raciocínio;
d. É sempre possível encontrar um número racional entre quaisquer dois números
racionais. Determine “verdadeiro” ou “falso” e explique seu raciocínio.
2) Abra os arquivos do GeoGebra que o pesquisador indicará, começando por “racionais entre 2
racionais.ggb”. Manipule os controles deslizantes de a até h.
a. A que conjunto pertencem os números exibidos no ponto B?
b. Crie, no GeoGebra, os pontos D = (0.15267787987998, 0) e E = (0.15267787987999,
0). Note que os pontos são exibidos de forma tão próxima na reta real que parecem
ocupar a mesma posição (ainda que isto não seja verdade). Na sua opinião, o ponto F
= (0.15267787987998123, 0) estaria em que posição, considerando D e E?
c. F é racional ou irracional? Existem outros números na mesma posição de F, em
relação a D e E?
3) Agora, abra o arquivo do GeoGebra “irracionais entre 2 irracionais.ggb”. Manipule os
controles deslizantes de a até h, considerando que a inicia com um número irracional.
a. A que conjunto pertencem os números exibidos no ponto B?
b. Crie, no GeoGebra, os pontos D = (sqrt(3) + 0.001, 0) e E = (sqrt(3) + 0.002, 0). Note
que os pontos são exibidos de forma tão próxima na reta real que parecem ocupar a
mesma posição (ainda que isto não seja verdade). Na sua opinião, o ponto F = (sqrt(3)
+ 0.0015, 0) estaria em que posição, considerando D e E?
c. F é racional ou irracional? Existem outros números na mesma posição de F, em
relação a D e E?
72
irracionais, e que justifiquem suas respostas a partir de algum dos três pontos de
vista discutidos em Sirotic e Zazkis (2007), quais sejam o formal (demonstração),
algorítmico (resolução de algum caso, com uso de instrumentação matemática de
argumentação) ou intuitivo (ainda que com base em algum conceito, uso de
justificativas empregando relações não demonstradas entre infinitudes ou deduções
sem base formal, ou mesmo crenças).
Em termos epistemológicos, é preciso compreender, primeiramente, que entre
dois números irracionais quaisquer é possível encontrar, sempre, tanto outros
números racionais quanto outros números irracionais. Senão, veja-se:
a) Suponha-se 𝑥, 𝑦 irracionais, 𝑥 ≠ 𝑦, e afirma-se que só é possível que 𝑥 +
𝑦 = 𝑧, com 𝑧 irracional. Pode-se compreender a possibilidade da
existência de um racional entre dois irracionais por meio de um
contraexemplo. Ora, suponha-se, agora, que 𝑥 = 1 + √2 e 𝑦 = 1 − √2,
ambos irracionais. Neste caso, em 𝑥 + 𝑦, ter-se-ia 𝑧 = 2, que é racional.
Assim, pode-se conjecturar que, entre 𝑥 e 𝑤, 𝑥 < 𝑤, um número racional
existe, e pode ser determinado, em alguns casos, pela soma 𝑥 + 𝑦, 𝑥 <
𝑥 + 𝑦 < 𝑤. Evidentemente, 𝑥 + 𝑦 pode, em outros casos, ser irracional;
b) Agora, suponha-se que se quer determinar se outros números irracionais
entre os irracionais 𝑥 e 𝑤. Para isto, considere-se que, ao fazer 𝑎
𝑏+ 𝑥, 𝑥 <
𝑥 +𝑎
𝑏< 𝑤, com 𝑎, 𝑏 inteiros, o resultado será sempre irracional e estará
entre 𝑥 e 𝑤. Neste caso, usa-se uma prova por absurdo, supondo que 𝑎
𝑏+
𝑥 = 𝑔
ℎ, com 𝑔 e ℎ inteiros, ou seja, admita-se que a soma de um número
racional com um número irracional resulte um número racional. Desta
forma:
𝑎
𝑏+ 𝑥 =
𝑔
ℎ
𝑥 =𝑔
ℎ−𝑎
𝑏
𝑥 =𝑔𝑏 − 𝑔𝑎
ℎ𝑏
Do resultado anterior, depreende-se que ℎ𝑏 é um número inteiro, pois
representa o produto de dois inteiros; da mesma forma, 𝑔𝑏 e 𝑔𝑎, produtos
73
de inteiros, são igualmente inteiros, assim como sua diferença 𝑔𝑏 − 𝑔𝑎.
Desta forma, o quociente 𝑔𝑏−𝑔𝑎
ℎ𝑏 representa um número racional, já que
numerador e denominador são inteiros. Desta forma, 𝑥 seria racional, o
que não é verdade, provando, por contradição, a hipótese indicada.
Em seguida, é preciso entender que entre dois números racionais quaisquer é
possível encontrar, sempre, tanto outros números racionais quanto outros números
irracionais.
a) Em relação aos racionais, basta lembrar que a soma de dois números
racionais resulta sempre um número racional. Desta forma, ao tomar-se dois
números racionais 𝑝 e 𝑞, ter-se-á 𝑝 + 𝑞 racional. Assim:
Seja 𝑝 =𝑎
𝑏 e 𝑞 =
𝑔
ℎ, com 𝑎, 𝑏, 𝑔, ℎ ∈ ℤ. Desta forma:
𝑎
𝑏+𝑔
ℎ= 𝑎ℎ + 𝑏𝑔
𝑏ℎ
Então, se 𝑟 = 𝑎ℎ + 𝑏𝑔 e 𝑠 = 𝑏ℎ, então 𝑟 e 𝑠 são inteiros, uma vez que ℤ é
fechado para a soma e para a multiplicação, com 𝑠 ≠ 0. Assim, 𝑝 + 𝑞 = 𝑟
𝑠, ou
seja, um número racional. Ora, considere-se, para a tarefa em questão,
𝑞 entre 𝑝 e 𝑣, e 𝑝 < 𝑝 + 𝑞 < 𝑣.
b) Em relação aos irracionais, vale a demonstração provida no item b do caso
anterior, já que se pretende, entre dois racionais quaisquer, encontrar um
número irracional.
A tarefa 2 desta atividade foi concebida para tratar da questão da densidade
dos conjuntos numéricos envolvidos nesta investigação com o uso do GeoGebra. A
partir de outros modelos, expostos nas figuras 6 e 7, os sujeitos serão convidados a
conjecturar acerca da densidade tanto dos racionais quanto dos irracionais. O
primeiro modelo (figura 6), chamado “racionais entre 2 racionais” exibe 8 controles
deslizantes e a reta real. Cada um deles determina, de alguma forma, a posição do
ponto B na reta, da seguinte forma:
Controle a: varia de -5 a 5, de 1 em 1; define, portanto, um número
inteiro no intervalo mencionado;
Controle b: varia de -0,9 a 0,9, de 0,1 em 0,1;
74
Controle c: varia de -0,09 a 0,09, de 0,01 em 0,01;
Controle d: varia de -0,009 a 0,009, de 0,001 em 0,001;
Controle e: varia de -0,0009 a 0,0009, de 0,0001 em 0,0001;
Controle f: varia de -0,00009 a 0,00009, de 0,00001 em 0,00001;
Controle g: varia de -0,000009 a 0,000009, de 0,000001 em 0,000001;
Controle h: varia de -0,0000009 a 0,0000009, de 0000001 em
0,0000001.
O ponto B, desta forma, possui as coordenadas (a+b+c+d+e+f+g+h; 0). A
ideia é a de que o sujeito possa alterar a posição do ponto B na reta real a partir da
movimentação livre dos diversos controles descritos. Evidentemente, alguns
controles adicionam ou subtraem valores numéricos maiores ou menores que
outros. A intenção é fazer com que os estudantes percebam que uma grande
quantidade de números racionais pode ser vista desta forma, o que pode leva-los a
conjecturar acerca da densidade do conjunto dos números racionais – ainda que a
aplicação não produza, desta forma, a infinidade característica do conjunto. Os
pontos A e C ficam sempre posicionados em (a+b-1;0) e (a+b+1;0),
respectivamente, indicando que o número racional produzido pela soma
supramencionada sempre pode ser visto entre dois outros racionais. Como se verá
na atividade, descrita um pouco mais adiante, a proposta não se limita a esta faixa
de números, mas propõe outras.
Figura 6. Modelo digital “racionais entre dois racionais”
Fonte: elementos da pesquisa
75
Ainda na tarefa 2, o questionamento do item a indica: “a que conjunto
pertence os números exibidos no ponto B?”. O intuito, aqui, é o de verificar se o
aluno compreende que o número possui um número limitado de casas decimais
após a vírgula, observando, desta forma, que o número representado no ponto B é
um número racional, e, portanto, pertence ao conjunto dos números racionais.
Sobre o item b, traz-se o seguinte enunciado: “crie, no GeoGebra, os pontos
D = (0.15267787987998, 0) e E = (0.15267787987999, 0). Note que os pontos são
exibidos de forma tão próxima na reta real que parecem ocupar a mesma posição
(ainda que isto não seja verdade). Na sua opinião, o ponto F =
(0.15267787987998123, 0) estaria em que posição, considerando D e E?” O intuito é
observar se os alunos compreendem que o ponto F está entre os pontos D e E.
Espera-se, por exemplo, que o aluno faça a média aritmética dos pontos D e E como
um dos recursos para justificar sua afirmação, ou, ainda, que relacione os pontos na
seguinte sequência: D = (0.15267787987998000,0); F = (0.15267787987998123,0);
M = (0.15267787987998500,0) (média aritmética dos pontos D e E) e E =
(0.15267787987999000,0). A percepção de que existem números racionais
“pequenos” entre dois números já vistos com “pequenos” pode ajudar, segundo se
crê nesta investigação, na percepção da densidade do conjunto dos números
racionais.
Em relação ao item c da mesma tarefa, o enunciado indica: “F é racional ou
irracional? Existem outros números na mesma condição de F, em relação a D e
E?”. Aqui, o intuito é verificar se o aluno compreende que o número representado no
ponto F é um número racional, o que pode ser constatado diretamente pela
quantidade de casas decimais finitas, e se o aluno consegue justificar pelo conceito
de densidade do conjunto dos números racionais que existem infindáveis números
racionais na mesma condição de F, isto é, entre os pontos D e E.
O segundo modelo, “irracionais entre dois irracionais” (figura 7), tem o mesmo
princípio de funcionamento do modelo anterior, com a diferença de que parte
sempre de um número irracional, como √2, por exemplo. O controle a varia de 0,5
em 0,5, o que faz com que os números assim obtidos sejam sempre irracionais. Os
demais controles deslizantes têm o mesmo comportamento do modelo anterior
(figura 6). Considerando que as manipulações nos controles deslizantes envolvem
sempre números racionais e que se parte de um número irracional, todos os
76
números providos no modelo para B, no intervalo entre A e C, são irracionais,
conforme já demonstrado. Este questionamento é feito no item a desta tarefa. Os
itens b e c solicitam que se crie um ponto, denominado F, com as coordenadas
(𝑠𝑞𝑟𝑡(3) + 0.0015, 0), que estaria entre os pontos D e E, respectivamente em
(𝑠𝑞𝑟𝑡(3) + 0.001, 0) e (𝑠𝑞𝑟𝑡(3) + 0.002, 0). Questiona-se, então, se F é racional ou
irracional e se existiriam números em situação semelhante a F (ou seja, entre D e E).
O intuito de semelhantes discussões é o de fomentar o surgimento de conjecturas
em torno da densidade do conjunto dos números irracionais, com base na
compreensão de que infindáveis números poderiam, a exemplo de F, posicionarem-
se entre D e E.
Figura 7. Modelo digital “irracionais entre dois irracionais”
Fonte: elementos da pesquisa
Um fator importante a ser discutido aqui, quando se procura prover a análise
epistemológica das questões da atividade, é a razão pela qual o valor expresso em
uma das coordenadas do ponto A é, por exemplo, √2. Isto se dá, justamente, com a
intenção de somar um número irracional com qualquer sucessão de racionais,
providos pelos controles deslizantes, o que permitirá obter, como resultado, números
irracionais, sempre. Na verdade, poderia ser a raiz quadrada de qualquer número
primo, uma vez que todos estes resultados representam números irracionais. Em
relação a esta afirmação, provê-se a seguinte demonstração por absurdo: suponha-
77
se 𝑝 primo, e tome-se, por hipótese, que √𝑝 ∈ ℚ. Entenda-se, então, desta forma,
que √𝑝 =𝑔
ℎ, com 𝑔, ℎ ∈ ℤ e que
𝑔
ℎ representa uma fração irredutível. Assim,
√𝑝 =𝑔
ℎ
𝑝 =𝑔2
ℎ2
ℎ2𝑝 = 𝑔2
Ora, sabe-se, então, que 𝑔2 é um múltiplo de 𝑝, o que permite afirmar que 𝑔 é
um múltiplo de 𝑝, igualmente, ou seja, 𝑔 = 𝑚𝑝,𝑚 ∈ ℤ. Desta maneira,
ℎ2𝑝 = (𝑚𝑝)2
ℎ2𝑝 = 𝑚2𝑝2
ℎ2 = 𝑚2𝑝
Ou seja, ℎ2 é múltiplo de 𝑝, o que permite afirmar que ℎ é um múltiplo de 𝑝,
igualmente. Ora, se 𝑝 é fator de 𝑔 e de ℎ, então 𝑔
ℎ não é irredutível, o que indica uma
contradição. Logo, √𝑝 ℚ, ou seja, √𝑝 é irracional.
Apesar do dinamismo apresentado pelos modelos digitais empregados, é
forçoso dizer que os mesmos não têm qualquer razão de ser se pensados em
desconexão com o conhecimento matemático em foco. Tome-se, por exemplo, as
limitações do primeiro modelo, “racionais entre dois racionais”. Ainda que seja
possível movimentar os controles deslizantes de maneira ampla, é claro que os
mesmos não podem cobrir toda a “abundância”, para usar um termo da literatura
(SIROTIC; ZAZKIS, 2007), dada pela densidade do conjunto dos números racionais.
Assim, é possível, apenas, que o sujeito reflita e construa (ou reforce, reconfigure,
reestruture) suas conjecturas de forma integrada a esta tecnologia. Como modelo, a
simulação não significa, exatamente, a expressão da realidade, mas uma imitação
da mesma, no campo do possível e do factível, contando com certas vantagens,
como a interatividade e a reatividade quase imediata, como mencionado por Lévy
(1993).
78
Mais ainda deve ser dito a respeito do modelo digital “irracionais entre dois
irracionais”. Além das limitações já apresentadas no modelo anterior, agravadas pela
argumentação de Sirotic e Zazkis (2007) acerca da maior “abundância” do conjunto
dos números irracionais, tem-se uma outra questão, já apontada anteriormente por
Oliveira (2015), em relação a um cenário relacionado a conjuntos numéricos: a
opacidade que certas representações conferem a determinados conceitos.
Originalmente, esta discussão foi lançada por Lesh, Bear e Post (1987), quando
afirmaram que algumas representações numéricas podem ser transparentes ou
opacas em relação a propriedades específicas. Por exemplo, como em Zazkis e
Liljedahl (2004), 𝐹 = 17𝑘 é uma representação transparente em relação ao fato de 𝐹
ser um múltiplo de 17; porém, nada pode ser dito em relação à divisibilidade de 𝐹
por 3; ou seja, em relação a esta última característica, a representação é opaca. De
forma mais clara, sobre este conceito, indicam Oliveira e Fonseca (2017):
Esta ideia é apropriada a partir do trabalho de Lesh, Behr e Post (1987). Referindo-se à múltiplas representações dos números racionais, os autores indicam que as mesmas “incorporam” as estruturas matemáticas, no sentido de que as representam em termos materiais. Desta forma, os sistemas representacionais podem ser vistos como opacos ou transparentes. Neste sentido, para os autores, uma representação transparente teria nem mais, nem menos significado do que as ideias ou estruturas que representa, enquanto uma representação opaca enfatiza alguns aspectos das ideias ou estruturas e esconde outros. De posse de variadas possibilidades representacionais, caberia a uma estratégia didática, por exemplo, capitalizar os pontos fortes de um determinado sistema representacional e minimizar suas fraquezas – tais fatores seriam, segundo os autores, de extrema importância para a aquisição e o uso de ideias matemáticas (p. 6).
Pois bem, neste trabalho, a opacidade é evidenciada pela forma de
representação dada pelo GeoGebra a um número irracional, a qual não inclui
nenhuma indicação neste sentido. Ou seja, não há qualquer notação ou indicativo de
que o número resultante de uma operação qualquer, por exemplo, seja irracional.
Em grande parte, talvez, possa se aventar que a própria definição de número
irracional contribua para isto – veja-se, por exemplo, a definição de Niven (1990):
“qualquer número real que não possa ser expresso como razão 𝑎
𝑏 de dois inteiros,
diz-se irracional” (p. 46-47). Em outras palavras, um número real que não é racional
é irracional. Assim, quando, por exemplo, se realiza a operação 𝐹 = √3 + 0,002, o
software exibe, como resultado, 1,734050807568877, uma representação que induz,
por ela mesma, a ideia de que 𝐹 seria racional. Isto deve ser visto como uma
limitação, que procura-se resolver, no âmbito da atividade específica, quando se
79
indica que o número que é somado a outros racionais é, inicialmente, irracional, o
que garantiria que o resultado fosse sempre irracional.
Em relação à estratégia assumida nesta investigação, em conformidade com
os princípios advogados por Brousseau (1986) em relação à TSD, as questões
relativas às tarefas às quais os sujeitos foram submetidos tiveram por objetivo que
os conhecimentos relativos à densidade dos conjuntos mencionados sejam
discutidos e estabelecidos como respostas às atividades, e não a partir de
resoluções prévias ou de uma série de exemplos tradicionais. Especificamente,
compreende-se que as interfaces providas pelo GeoGebra compõem o milieu
material, da mesma forma que aquelas providas pelos meios não digitais, ou seja,
da parte do sistema antagonista que, de certa forma, desafia o sujeito, por meio de
instrumentos, a experimentar, visualizar e realizar inferências a partir destes
movimentos cognitivos. Justamente, neste sentido, as retroações obtidas a partir
desta estrutura devem garantir que a compreensão acerca do tema se consolide.
De forma mais específica, seriam três os elementos mais significativos que
comporiam o milieu e que se consideram neste trabalho: os constituintes materiais,
formados pelos objetivos e pelos instrumentos; os constituintes cognitivos,
compostos por aqueles conhecimentos que se fazem necessários à resolução dos
problemas típicos da situação; e os constituintes sociais, que emergem a partir das
interações com outras pessoas que podem, eventualmente, intervir no processo de
construção de uma solução matematicamente válida para o problema em tela
(PERRIN-GLORIAN, 1998). As análises procuram, desta maneira, verificar o
surgimento de elementos que permitiriam responder à questão de pesquisa “quais
concepções acerca do conceito de densidade do conjunto dos números racionais no
conjunto dos números reais e do conjunto dos números irracionais no conjunto dos
números reais são evidenciadas por licenciandos em Matemática quando envolvidos
em uma sequência didática que emprega tecnologias digitais e não digitais?”, a
partir das ações de caráter operatório, das conjecturas, das discussões e das
interações que tiveram lugar entre os sujeitos da pesquisa quando do trabalho
investigativo que realizaram para a proposição de soluções. Em termos da TSD,
trata-se de levar em conta o trabalho de construção do conhecimento dos sujeitos ao
longo das dialéticas adidáticas previstas, quais sejam a de ação, a de formulação e
80
a de validação. Neste sentido, as seguintes categorias de análise direcionam a
construção deste texto:
Concepções acerca dos conceitos e propriedades relacionadas aos
números racionais e aos números irracionais que surgem na resolução
das atividades, falas e interações dos sujeitos;
Concepções acerca do conceito de densidade do conjunto dos números
racionais e do conjunto dos números irracionais que surgem na resolução
das atividades, falas e interações dos sujeitos;
Relevância do uso das diferentes tecnologias empregadas na sequência
didática como subsídio à compreensão acerca dos conceitos mencionados
nesta pesquisa, relativos aos números racionais e irracionais.
Como variável didática mais relevante, do ponto de vista deste estudo,
entende-se o suporte para a realização das atividades, cujos valores assumidos
podem ser digital ou não digital, o que implicará na consideração deste fator nas
análises.
Desta maneira são orientadas as análises e as discussões efetuadas a seguir,
no próximo capítulo.
81
CAPÍTULO TRÊS
ANÁLISES
3.1 Análises da Atividade 1
É forçoso notar que, antes desta atividade, de forma predominante entre os
19 sujeitos envolvidos na pesquisa, permanecia evidenciado o aspecto intuitivo do
conhecimento matemático necessário para a compreensão e resolução das
atividades (SIROTIC; ZAZKIS, 2007). Este aspecto, convém lembrar, é formado:
[...] pelas intuições do aprendiz, bem como por ideias e crenças sobre os objetos matemáticos e inclui modelos mentais usados para representar conceitos numéricos e operações. Esta dimensão é caracterizada como o tipo de conhecimento que se tende a aceitar diretamente e confiantemente, e é auto evidente e psicologicamente resistente (SIROTIC; ZAZKIS, 2007, p. 51, tradução própria).
Neste sentido, algumas crenças podiam ser identificadas, como, por exemplo,
a de que números com “muitas” casas decimais seriam necessariamente irracionais,
além de questionamentos acerca da infinitude do conjunto dos números racionais.
Neste sentido, cabe lembrar que a abordagem deste trabalho parte de pressupostos
distintos daqueles assumidos por Dias (2002), Penteado (2004), Sirotic e Zazkis
(2007) e Boff (2006), ainda que as atividades e elementos teóricos presentes nestes
trabalhos tenham contribuído para este texto. Enquanto nas pesquisas mencionadas
não são trabalhados previamente quaisquer aspectos do conhecimento matemático
envolvido, a primeira atividade desta iniciativa já propõe o engajamento dos
estudantes em um processo investigativo a respeito dos conjuntos numéricos em
questão. Isto permitiu uma revisita a ideias previamente formadas e a consolidação
de outras, por meio dos procedimentos sugeridos no problema e em seus diversos
itens. Isto contribuiu para que fossem descartadas algumas crenças errôneas acerca
da classificação dos números como racionais ou irracionais, ainda que algumas
dúvidas ainda pairassem, como deve ficar esclarecido nos próximos tópicos.
Do ponto de vista didático, é preciso adiantar que o caráter dialético da
situação adidática, neste caso, surgiu predominantemente quando das discussões
acerca do modo pelo qual deveriam ser aplicadas as identidades trigonométricas e o
teorema das raízes racionais, das quais o pesquisador tomou parte da forma menos
82
invasiva possível, intervindo de maneira a auxiliar os sujeitos apenas na
interpretação dos resultados obtidos em relação aos procedimentos adotados em
um primeiro momento. Esta postura procura atender, do ponto de vista das teorias
adotadas aqui, ao pressuposto de que os problemas constantes de uma situação
didática não podem ser de tal forma difíceis que impeçam os sujeitos sequer de
iniciarem os procedimentos operacionais de resolução (Brousseau, 1986).
É importante destacar, também, que ao final de uma análise mais voltada aos
aspectos epistemológicos dos itens presentes nesta atividade, são evidenciados os
aspectos cognitivos e didáticos percebidos.
3.1.1 Análise do item a
Em conformidade com os pressupostos teóricos deste trabalho, e focando no
caráter epistemológico da análise, neste item, procurava-se compreender se 𝑠𝑒𝑛10°
seria um número racional ou irracional. Desta maneira, e empregando as
identidades trigonométricas já mencionadas anteriormente, considerando 𝜃 = 10°,
viria:
𝑠𝑒𝑛3𝜃 = 3𝑠𝑒𝑛𝜃 − 4𝑠𝑒𝑛³𝜃
𝑠𝑒𝑛3.10° = 3𝑠𝑒𝑛10° − 4𝑠𝑒𝑛³10°
𝑠𝑒𝑛30° = 3𝑠𝑒𝑛10° − 4𝑠𝑒𝑛³10°
Substituindo 𝑠𝑒𝑛10° = 𝑥 e considerando que 𝑠𝑒𝑛30° =1
2, tem-se:
1
2= 3𝑥 − 4𝑥³
1 = 6𝑥 − 8𝑥³
8𝑥3 − 6𝑥 + 1 = 0
Usando a definição das possíveis raízes racionais de um polinômio, tem-se:
𝑐3𝑥3 + 𝑐2𝑥
2 + 𝑐1𝑥1 + 𝑐0 = 0
8𝑥3 − 6𝑥 + 1 = 0
Determina-se os possíveis divisores para 𝑐0.
𝑐0𝑎=1
1= 1
83
𝑐0𝑎=
1
−1= −1
Determina-se os possíveis divisores para 𝑐3
𝑐3𝑏=8
1= 8
𝑐3𝑏=
8
−1= −8
𝑐3𝑏=8
2= 4
𝑐3𝑏=
8
−2= −4
𝑐3𝑏=8
4= 2
𝑐3𝑏=
8
−4= −2
𝑐3𝑏=8
8= 1
𝑐3𝑏=
8
−8= −1
Após encontrar os divisores, substitui-se em 𝑎
𝑏, de modo que os valores encontrados
𝑎 = ±1 e em 𝑏 = ±1,±2,±4, ±8.
Desta forma, tem-se, para 𝑎
𝑏, ±1;±
1
2; ±
1
4; ±
1
8.
Ao substituir uma das raízes em 8𝑥3 − 6𝑥 + 1 = 0, observa-se, por exemplo, para
𝑥 = −1:
8. (−13) − 6. (−1) + 1 = 0
−8 + 6 + 1 = 0
−1 ≠ 0
Desta maneira, de acordo com as definições estudadas, 𝑠𝑒𝑛10° é um número
irracional.
Em relação às respostas providas pelos sujeitos, o quadro 4 permite ter uma
visão geral do desempenho nesta parte da atividade:
84
Quadro 4. Resolução do item a da Atividade 1
Nome Resolveu
corretamente Resolveu
incorretamente Resposta correta com erros
no processo Não resolveu
Aluno 01 X
Aluno 02 X
Aluno 03 X
Aluno 04 X
Aluno 05 X
Aluno 06 X
Aluno 07 X
Aluno 08 X
Aluno 09 X
Aluno 10 X
Aluno 11 X
Aluno 12 X
Aluno 13 X
Aluno 14 X
Aluno 15 X
Aluno 16 X
Aluno 17 X
Aluno 18 X
Aluno 19 X
Fonte: dados da pesquisa
Percebe-se, de acordo com o quadro 4, que apenas quatro sujeitos
apresentaram percalços ou incorreções no processo de resolução desta parte da
atividade, sendo que, dentre eles, apenas Aluno 12 não apresentou qualquer
resposta. Dentre as incorreções mencionadas, podem ser evidenciadas as
seguintes:
Aluno 3: expressou a equação como 8𝑥3 − 6𝑥 − 1 = 0, quando a mesma
deveria ser, no caso, 8𝑥3 − 6𝑥 + 1 = 0. Isto levou o sujeito a afirmar que o
número em questão seria racional;
Aluno 10: expressou a equação como 8𝑥3 + 6𝑥 + 1 = 0, quando a mesma
deveria ser 8𝑥3 − 6𝑥 + 1 = 0. Ainda que o estudante tenha indicado a
irracionalidade do número em questão, tal acerto pode ser tomado em conta
de um acidente feliz;
Aluno 15: enquanto a equação de grau três esperada como resposta poderia
ser expressa como 8𝑥3 − 6𝑥 + 1 = 0 ou −8𝑥3 + 6𝑥 − 1 = 0, o estudante
escreveu 8𝑥3 − 6𝑥 − 1 = 0, o que pode levar a considerar sua resposta
correta acerca da irracionalidade do número igualmente como um acidente
feliz.
85
3.1.2 Análise do item b
Aqui, procurava-se descobrir se 𝑠𝑒𝑛50° seria um número racional ou
irracional. Assim, pelos meios indicados anteriormente neste trabalho, e
considerando 𝜃 = 50°, viria:
𝑠𝑒𝑛3𝜃 = 3𝑠𝑒𝑛𝜃 − 4𝑠𝑒𝑛³𝜃
𝑠𝑒𝑛3.50° = 3𝑠𝑒𝑛50° − 4𝑠𝑒𝑛³50°
𝑠𝑒𝑛150° = 3𝑠𝑒𝑛50° − 4𝑠𝑒𝑛³50°
Substituindo 𝑠𝑒𝑛50° = 𝑥 e considerando que 𝑠𝑒𝑛150° =1
2, tem-se:
1
2= 3𝑥 − 4𝑥³
1 = 6𝑥 − 8𝑥³
8𝑥3 − 6𝑥 + 1 = 0
Usando a definição das possíveis raízes racionais de um polinômio, tem-se:
𝑐3𝑥3 + 𝑐2𝑥
2 + 𝑐1𝑥1 + 𝑐0 = 0
8𝑥3 − 6𝑥 + 1 = 0
Determina-se os possíveis divisores para 𝑐0:
𝑐0𝑎=1
1= 1
𝑐0𝑎=
1
−1= −1
Determina-se os possíveis divisores para 𝑐3:
𝑐3𝑏=8
1= 8
𝑐3𝑏=
8
−1= −8
𝑐3𝑏=8
2= 4
𝑐3𝑏=
8
−2= −4
86
𝑐3𝑏=8
4= 2
𝑐3𝑏=
8
−4= −2
𝑐3𝑏=8
8= 1
𝑐3𝑏=
8
−8= −1
Após encontrar os divisores, substitui-se em 𝑎
𝑏, de modo que os valores encontrados
𝑎 = ±1 e em 𝑏 = ±1,±2,±4, ±8.
Desta forma, tem-se, para 𝑎
𝑏, ±1;±
1
2; ±
1
4; ±
1
8.
Ao substituir uma das raízes em 8𝑥3 − 6𝑥 + 1 = 0, observa-se, por exemplo, para
𝑥 = −1:
8. (−13) − 6. (−1) + 1 = 0
−8 + 6 + 1 = 0
−1 ≠ 0
Desta maneira, de acordo com as definições estudadas, 𝑠𝑒𝑛 50° é um número
irracional.
No quadro 5, podem ser visualizadas a natureza das respostas fornecidas
pelos sujeitos, em termos gerais:
Quadro 5. Resolução do item b da Atividade 1
Nome Resolveu
corretamente Resolveu
incorretamente Resposta correta com erros
no processo Não resolveu
Aluno 01 X
Aluno 02 X
Aluno 03 X
Aluno 04 X
Aluno 05 X
Aluno 06 X
Aluno 07 X
Aluno 08 X
Aluno 09 X
Aluno 10 X
Aluno 11 X
Aluno 12 X
Aluno 13 X
Aluno 14 X
Aluno 15 X
Aluno 16 X
87
Aluno 17 X
Aluno 18 X
Aluno 19 X
Fonte: dados da pesquisa
Neste item, sete sujeitos apresentaram incorreções no trabalho de resolução.
Mais uma vez, Aluno 12 não apresentou qualquer resposta. As incorreções
existentes foram da mesma natureza daquelas encontradas no item anterior, sendo
que, neste caso, pode-se afirmar que Aluno 3 indicou erroneamente a racionalidade
do número, enquanto os Alunos 08, 09, 10, 15 e 17 indicaram corretamente a
irracionalidade do número, mas com erros no processo de resolução, o que pode
indicar a ocorrência de acidentes felizes nestes casos.
3.1.3 Análise do item c
No item c da primeira atividade, a ideia era determinar se 𝑐𝑜𝑠 60° seria um
número racional ou irracional. Desta maneira, considerando 𝜃 = 60°, poderia ser
feito:
𝑐𝑜𝑠3𝜃 = 4𝑐𝑜𝑠3𝜃 − 3𝑐𝑜𝑠𝜃
𝑐𝑜𝑠3.60° = 4𝑐𝑜𝑠360° − 3𝑐𝑜𝑠60°
𝑐𝑜𝑠180° = 4𝑐𝑜𝑠360° − 3𝑐𝑜𝑠60°
Assim, considerando 𝑐𝑜𝑠 60° = 𝑥, e sabendo que 𝑐𝑜𝑠 180° = −1, obtém-se:
−1 = 4𝑥³ − 3𝑥
4𝑥3 − 3𝑥 + 1 = 0
Usando a definição das possíveis raízes racionais de um polinômio, tem-se:
𝑐3𝑥3 + 𝑐2𝑥
2 + 𝑐1𝑥1 + 𝑐0 = 0
4𝑥3 − 3𝑥 + 1 = 0
Determina-se os possíveis divisores para 𝑐0:
𝑐0𝑎=+1
1= 1
𝑐0𝑎=+1
−1= −1
Determina-se os possíveis divisores para 𝑐3:
88
𝑐3𝑏=4
1= 4
𝑐3𝑏=4
2= 2
𝑐3𝑏=4
4= 1
𝑐3𝑏=
4
−1= −4
𝑐3𝑏=
4
−2= −2
𝑐3𝑏=
4
−4= −1
Após a determinação dos divisores, substitui-se em 𝑎
𝑏, de modo que os valores
encontrados em a = ±1 e em b = ±1,±2,±4. Desta forma, são obtidas possíveis seis
raízes racionais, a saber: ±1;±1
2; ±
1
4.
Do processo de substituição das possíveis raízes em 4𝑥3 − 3𝑥 + 1 = 0,
considerando, por exemplo, x = -1:
4𝑥3 − 3𝑥 + 1 = 0
4(−1)3 − 3(−1) + 1 = 0
−4 + 3 + 1 = 0
Assim, tem-se que -1 é raiz da equação 4𝑥3 − 3𝑥 + 1 = 0
Por meio do dispositivo Briot-Ruffini, tem-se:
𝑎𝑥3 + 𝑏𝑥2 + 𝑏𝑥 + 𝑐 = 0
Raiz a b c d
-1 4 0 -3 1
4 -4 1 0
O que permite obter:
4𝑥2 − 4𝑥 + 1 = 0
89
𝑥 =−𝑏 ± √𝑏2 − 4𝑎𝑐
2𝑎
𝑥 =−(−4) ± √(−4)2 − 4.4.1
2.4
𝑥 =4 ± 0
8=1
2
Desta forma, as raízes racionais da equação 4𝑥2 − 4𝑥 + 1 = 0 seriam:
{
𝑥1 = −1
𝑥2 = 1
2
𝑥3 = 1
2
Portanto, 𝑐𝑜𝑠 60° é um número racional.
No quadro 6, pode ser conferida a natureza das respostas fornecidas pelos
sujeitos, em termos gerais:
Quadro 6. Resolução do item c da Atividade 1
Nome Resolveu
corretamente Resolveu
incorretamente Resposta correta com erros
no processo Não resolveu
Aluno 01 X
Aluno 02 X
Aluno 03 X
Aluno 04 X
Aluno 05 X
Aluno 06 X
Aluno 07 X
Aluno 08 X
Aluno 09 X
Aluno 10 X
Aluno 11 X
Aluno 12 X
Aluno 13 X
Aluno 14 X
Aluno 15 X
Aluno 16 X
Aluno 17 X
Aluno 18 X
Aluno 19 X
Fonte: dados da pesquisa
De maneira diversa àquela obtida nos itens anteriores, neste caso houve uma
quantidade maior de incorreções e equívocos no processo do que de acertos por
assim dizer “completos”, assim entendidos aqueles que contemplaram completa
correção em todos os procedimentos prescritos. Nesta categoria, as cinco
90
ocorrências agrupadas como “resposta correta com erros no processo” tiveram as
seguintes motivações:
Aluno 2: Por meio da equação 4𝑥2 − 4𝑥 + 1 = 0, o sujeito chegou à conclusão
de que as raízes seriam 𝑥1 = 1; 𝑥2 = 1
2 e 𝑥3 = −
1
2, enquanto a resposta
correta deveria ser 𝑥1 = −1; 𝑥2 = 1
2 e 𝑥3 =
1
2. Ainda assim, o aluno indicou
que 𝑐𝑜𝑠 60° é um número racional (acidente feliz17);
Aluno 7: Expressou a equação de grau 2 como 4𝑥² + 4𝑥 − 2 = 0, quando a
expressão correta deveria ser 4𝑥² − 4𝑥 + 1 = 0. Desta forma, sua indicação
de que 𝑐𝑜𝑠 60° é um número racional pode ser considerada um acidente feliz;
Aluno 8: O aluno cometeu um equívoco na utilização do dispositivo Briot-
Ruffini: ao invés de utilizar -1 como raiz para cálculo, utilizou 1, chegando à
equação 4𝑥2 + 4𝑥 + 1 = 0, quando a equação correta seria 4𝑥2 − 4𝑥 + 1 = 0.
Consequentemente, utilizou -1 como raiz para cálculo no dispositivo
mencionado. Sua resposta correta acerca da racionalidade do número em
questão pode ser vista da mesma forma que as anteriores;
Aluno 10: cometeu erro semelhante àquele cometido por Aluno 7, ao
expressar a equação de grau 2 como 4𝑥2 + 4𝑥 + 1 = 0;
Aluno 15: Em relação à equação de grau 3, o resultado correto poderia ser
4𝑥3 − 3𝑥 + 1 = 0 𝑜𝑢 − 4𝑥3 + 3𝑥 − 1 = 0. No entanto, o aluno escreveu −4𝑥3 −
3𝑥 + 1 = 0. Desta forma, mesmo que tenha conseguido obter as raízes
corretas para a continuidade dos procedimentos e, consequentemente,
indicado corretamente a racionalidade do número, pode-se afirmar que o erro
de certa forma comprometeria o processo;
Aluno 16: aqui, o sujeito comete um erro muito semelhante ao de Aluno 15,
tendo escrito a equação de grau 3 como −4𝑥3 + 3𝑥 + 1 = 0.
Além dos casos supramencionados, deve-se indicar que Aluno 3, após uma
série de incorreções na obtenção das equações de grau 3 e de grau 2, indicou, de
forma equivocada, que 𝑐𝑜𝑠 60° seria um número irracional.
17 Não se pode deixar de considerar a possibilidade de que os sujeitos conhecessem o valor numérico de 𝑐𝑜𝑠 60𝑜, resultado bastante comum por se tratar de um ângulo notável. Desta forma, apesar de inexatidões no procedimento, o sujeito poderia responder de forma correta.
91
Os casos dos Alunos 13, 14 e 18 foram agrupados na mesma categoria
daquele referente à Aluno 3, mas possuem natureza diversa: tais sujeitos
simplesmente não desenvolveram os cálculos relativos aos procedimentos
recomendados, o que levou a crer que as afirmações que fizeram acerca da
racionalidade de 𝑐𝑜𝑠 60° foram baseadas em aspectos intuitivos (SIROTIC; ZAZKIS,
2007).
3.1.4 Análise do item d
O item d da primeira atividade traz como tarefa a determinação da
racionalidade ou irracionalidade de 𝑐𝑜𝑠 120°. Considerando o processo
recomendado, tendo 𝜃 = 120°, poderia ser feito:
𝑐𝑜𝑠3𝜃 = 4𝑐𝑜𝑠3𝜃 − 3𝑐𝑜𝑠𝜃
𝑐𝑜𝑠3.120° = 4𝑐𝑜𝑠3120° − 3𝑐𝑜𝑠120°
𝑐𝑜𝑠360° = 4𝑐𝑜𝑠3120° − 3𝑐𝑜𝑠120°
Assim, considerando 𝑐𝑜𝑠 120° = 𝑥, e sabendo que 𝑐𝑜𝑠 360° = 1, obtém-se:
1 = 4𝑥³ − 3𝑥
4𝑥3 − 3𝑥 − 1 = 0
Usando a definição das possíveis raízes racionais de um polinômio, tem-se:
𝑐3𝑥3 + 𝑐2𝑥
2 + 𝑐1𝑥1 + 𝑐0 = 0
4𝑥3 − 3𝑥 − 1 = 0
Determina-se os possíveis divisores para 𝑐0:
𝑐0𝑎=−1
1= −1
𝑐0𝑎=−1
−1= 1
Determina-se os possíveis divisores para 𝑐3:
𝑐3𝑏=4
1= 4
𝑐3𝑏=4
2= 2
92
𝑐3𝑏=4
4= 1
𝑐3𝑏=
4
−1= −4
𝑐3𝑏=
4
−2= −2
𝑐3𝑏=
4
−4= −1
Após a determinação dos divisores, substitui-se em 𝑎
𝑏, de modo que os valores
encontrados em a = ±1 e em b = ±1,±2,±4. Desta forma, são obtidas possíveis seis
raízes racionais, a saber: ±1;±2;±4.
Do processo de substituição das possíveis raízes em 4𝑥3 − 3𝑥 − 1 = 0,
considerando, por exemplo, x = 1:
4𝑥3 − 3𝑥 − 1 = 0
4(1)3 − 3(1) − 1 = 0
4 − 3 − 1 = 0
Ou seja, 1 = 1.
Por haver a igualdade observada, de acordo com a base teórica aqui adotada,
verifica-se que, de fato, 𝑐𝑜𝑠 120° é racional. Para averiguação, utiliza-se o dispositivo
Briot-Ruffini, com 𝑥 = 1 raiz da equação 4𝑥3 − 3𝑥 − 1 = 0:
𝑎𝑥3 + 𝑏𝑥2 + 𝑏𝑥 + 𝑐 = 0
Raiz a b c D
1 4 0 -3 -1
4 4 1 0
Daí, vem:
4𝑥2 + 4𝑥 + 1 = 0
𝑥 =−𝑏 ± √𝑏2 − 4𝑎𝑐
2𝑎
93
𝑥 =−4 ± √42 − 4.4.1
2.4
𝑥 =−4 ± 0
8= −
1
2
Desta forma, as raízes racionais da equação 4𝑥2 + 4𝑥 + 1 = 0 seriam:
{
𝑥1 = 1
𝑥2 = −1
2
𝑥3 = −1
2
Portanto, cos 120 ° é um número racional.
O quadro 7 indica a natureza das respostas fornecidas pelos sujeitos, em
termos gerais:
Quadro 7. Resolução do item d da Atividade 1
Nome Resolveu
corretamente Resolveu
incorretamente Resposta correta com erros
no processo Não resolveu
Aluno 01 X
Aluno 02 X
Aluno 03 X
Aluno 04 X
Aluno 05 X
Aluno 06 X
Aluno 07 X
Aluno 08 X
Aluno 09 X
Aluno 10 X
Aluno 11 X
Aluno 12 X
Aluno 13 X
Aluno 14 X
Aluno 15 X
Aluno 16 X
Aluno 17 X
Aluno 18 X
Aluno 19 X
Fonte: dados da pesquisa
Neste item da Atividade 1, algumas das incorreções encontradas foram
idênticas àquelas identificadas na atividade anterior. Isto ocorreu com os Alunos 2,
13, 14 e 18, por exemplo.
Outro aspecto a considerar é que os Alunos 10, 15 e 16 completaram esta
tarefa de forma correta, ao contrário do que fizeram em relação à anterior, o que
pode levar a conjecturar, uma vez que a complexidade das tarefas era praticamente
94
a mesma, que as incorreções do item anterior tiveram origem no caráter algorítmico
da tarefa, indicando erros mais pontuais do que estruturais em relação ao aspecto
cognitivo. Da mesma forma, Aluno 17, que havia acertado a resolução anterior,
apresentou incorreções nesta, muito próximas àquelas de seus colegas que
cometeram acidentes felizes no item anterior. Esta observação, desta forma, reforça
o destaque conferido à forma de pensamento de caráter algorítmico (SIROTIC;
ZAZKIS, 2007).
De outro modo, além de Aluno 12 (que não respondeu qualquer das tarefas),
Aluno 3 também não o fez.
3.1.5 Análise do item e
Neste caso, foi necessário realizar um ajuste em meio à aplicação da
atividade. O instrumento original solicitava determinar a racionalidade ou
irracionalidade de 𝑠𝑒𝑛270°
9. Alguns sujeitos confundiram a solicitação e consideraram
que deveriam determinar sua resposta com base em 𝑠𝑒𝑛 270°
9. Para dirimir qualquer
dúvida, solicitou-se que os sujeitos considerassem as duas tarefas, ficando a
primeira como item e1 e a segunda como item e2.
No caso do item e1, tratava-se, apenas, de determinar se 𝑠𝑒𝑛 30𝑜 seria um
número racional ou irracional. Ora, a aplicação das identidades trigonométricas, da
mesma forma como nas tarefas anteriores, leva à equação de grau 3 que pode ser
expressa como
4𝑥3 − 3𝑥 + 1 = 0. Após a aplicação do teorema das raízes racionais de um
polinômio, obtém-se ±1;±1
2; ±
1
4. Após a aplicação do dispositivo de Briot-Ruffini,
tem-se, para a equação em tela, as raízes 𝑥1 = −1; 𝑥2 = 1
2; 𝑥3 =
1
2. Desta forma,
então, 𝑠𝑒𝑛270°
9 é um número racional. Sobre tal conclusão, segue o quadro 8,
indicando um panorama das respostas dos sujeitos da pesquisa.
95
Quadro 8. Resolução do item e1 da Atividade 1
Nome Resolveu
corretamente Resolveu
incorretamente Resposta correta com erros
no processo Não resolveu
Aluno 01 X
Aluno 02 X
Aluno 03 X
Aluno 04 X
Aluno 05 X
Aluno 06 X
Aluno 07 X
Aluno 08 X
Aluno 09 X
Aluno 10 X
Aluno 11 X
Aluno 12 X
Aluno 13 X
Aluno 14 X
Aluno 15 X
Aluno 16 X
Aluno 17 X
Aluno 18 X
Aluno 19 X
Fonte: dados da pesquisa
O quadro 8 parece fornecer uma indicação clara de que os sujeitos passaram
a compreender melhor os procedimentos envolvidos na determinação da
racionalidade ou irracionalidade de um número representado por meio do seno ou
cosseno de determinado ângulo. Todos indicaram respostas corretas, com exceção
de três alunos, os quais não mais participaram das atividades a partir deste ponto.
Neste sentido, percebe-se uma predominância do aspecto algorítmico do
conhecimento matemático, como indicado em Sirotic e Zazkis (2007), ou seja, este
aspecto aparece em relevo nas atividades que contam com um procedimento
previamente sugerido, em detrimento, talvez, dos aspectos formal e intuitivo, ainda
que tenha sido indicado aos participantes que outros procedimentos e raciocínios
poderiam ser empregados. Há, aqui, dois aspectos a destacar:
Mesmo seguindo algoritmos, alguns estudantes mantiveram discussões
que evidenciaram algumas características de números racionais e
irracionais, cujo uso efetivo fica evidenciado nas próximas atividades;
Por outro lado, alguns sujeitos mantiveram seus esforços de resolução
adstritos a uma “zona de conforto”, dada por procedimentos que julgaram
suficientes para o conhecimento em questão. Este pensamento, aliás, teve
que ser desconstruído nas atividades seguintes, que solicitaram outros
percursos cognitivos.
96
No caso do item e2, trata-se de determinar se o quociente resultante de
sen 270°
9, ou seja, se
−1
9= −0,111111111… seria um número racional ou irracional.
Ora, não é necessário aplicar as identidades trigonométricas neste caso, o que leva
a um recurso que remete, de alguma forma, ao aspecto formal do conhecimento
matemático em questão (SIROTIC; ZAZKIS, 2007), e que consiste em reconhecer
como racionais os números que admitam representação periódica decimal infinita.
As respostas dos sujeitos, conforme foram até aqui evidenciadas, podem ser vistas
no quadro 9.
Quadro 9. Resolução do item e2 da Atividade 1
Nome Resolveu
corretamente Resolveu
incorretamente Resposta correta com erros
no processo Não resolveu
Aluno 01 X
Aluno 02 X
Aluno 03 X
Aluno 04 X
Aluno 05 X
Aluno 06 X
Aluno 07 X
Aluno 08 X
Aluno 09 X
Aluno 10 X
Aluno 11 X
Aluno 12 X
Aluno 13 X
Aluno 14 X
Aluno 15 X
Aluno 16 X
Aluno 17 X
Aluno 18 X
Aluno 19 X
Fonte: dados da pesquisa
Observa-se que 10 dos participantes responderam corretamente. Aqui, o
recurso foi feito ao aspecto formal do conhecimento matemático (SIROTIC; ZAZKIS,
2007), pois a escolha predominante para a resolução levou em conta a identificação
de que sen 270°
9=
−1
9= −0,111111111… é um número racional por sua representação
ser feita por meio de uma dízima com período infinito. Além disso, neste sentido,
esta representação tem caráter transparente, no sentido de evidenciar esta
conclusão, como indicam Lesh, Bear e Post (1987).
Mesmo os quatro estudantes que responderam incorretamente procuraram se
valer dos mesmos recursos. Os Alunos 9 e 13, por exemplo, não expressaram o
resultado obtido por meio de uma representação contendo um período infinito
(escreveram, como resposta, algo como -0,111). Já Alunos 10 e 11 cometeram o
97
equívoco operacional de considerar, como resultado, um número positivo,
0,11111111... . Neste caso, entretanto, é preciso fazer um reparo: a expressão do
resultado da divisão em um período finito entre estes sujeitos que cometeram estes
erros pode indicar, a exemplo do que foi identificado em Penteado (2004), que os
mesmos relacionam representações infinitas com números irracionais. Ora, como o
número obtido é racional, os alunos em questão não o representaram com o uso de
reticências, o que indicaria, no caso, a infinidade do período.
3.1.6 Análise do item f
O item f solicitava indicar se cos360𝑜
99 seria um número racional ou irracional. A
exemplo do item e2, não seria necessário empregar aqui o longo procedimento
operacional caracterizado pelo emprego das identidades trigonométricas e do
teorema das raízes racionais de um polinômio, bastando recorrer ao aspecto formal
do conhecimento matemático, ao empregar parte das definições relativas aos
números racionais e suas representações, pois cos360𝑜
99= 0,01010101…, um número
racional expresso como dízima periódica.
Em relação às respostas providas pelos sujeitos, o quadro 10 permite visualizar
um panorama das mesmas:
Quadro 10. Resolução do item f da Atividade 1
Nome Resolveu
corretamente Resolveu
incorretamente Resposta correta com erros
no processo Não resolveu
Aluno 01 X
Aluno 02 X
Aluno 03 X
Aluno 04 X
Aluno 05 X
Aluno 06 X
Aluno 07 X
Aluno 08 X
Aluno 09 X
Aluno 10 X
Aluno 11 X
Aluno 12 X
Aluno 13 X
Aluno 14 X
Aluno 15 X
Aluno 16 X
Aluno 17 X
Aluno 18 X
Aluno 19 X
Fonte: dados da pesquisa
98
Como pode ser observado no quadro 10, oito sujeitos acertaram a resposta,
ao indicar que o número em questão é racional, recorrendo ao aspecto formal do
conhecimento matemático e representando-o, inclusive, de forma adequada, ou
seja, como dízima periódica. Entre os seis sujeitos cuja resolução foi considerada
inadequada, também houve recurso ao aspecto formal do conhecimento
matemático, mas, em alguns casos, com base em erros operacionais, como ocorreu
com Aluno 3, Aluno 10 e Aluno 11, que indicaram que o quociente de cos360𝑜
99 seria
3,636363... – na verdade, este seria o quociente de 360
99. No caso de Aluno 13, houve
a representação do resultado como o número racional 0,010101, algo que já havia
ocorrido em relação ao item e2, reforçando a impressão de que este estudante não
relaciona as representações infinitas com números racionais. Aluno 14 e Aluno 15
anotaram 0,11111... como resposta.
3.1.7 Sobre a análise da Atividade 1
A construção de conjecturas e, consequentemente, respostas para os itens
constantes da Atividade 1 revelou alguns aspectos importantes, do ponto de vista
didático. Foi possível perceber, por exemplo, que as discussões existentes estavam
calcadas no caráter algorítmico das tarefas, a não ser no caso dos itens e2 e f. Após
uma intervenção inicial do pesquisador, respondendo questões relativas ao emprego
das identidades trigonométricas e do teorema das raízes reais de um polinômio, em
torno do que, nestes procedimentos, permitiria indicar a racionalidade ou
irracionalidade de um número, o processo de devolução, descrito por Brousseau
(1986) como aquele a partir do qual o aluno aceita como seus os problemas
previstos na situação didática, responsabilizando-se por sua resolução, tornou-se
efetivo: cada um dos sujeitos se engajou no emprego dos dispositivos matemáticos
disponíveis e procurou fornecer as respostas necessárias.
Neste sentido, não pode ser dito que o percurso em torno das dialéticas de
ação, formulação e validação foi percorrido linearmente. Curiosamente, os
movimentos em torno de construções de caráter mais operacional, típicos da
dialética de ação, tiveram lugar apenas em um primeiro momento, de forma
predominante. Após estas experimentações, a dialética de formulação podia ser
identificada quando das aplicações dos procedimentos, o que, por sua vez, indicava,
predominantemente, o caráter algorítmico do pensamento matemático assumido
99
neste ponto pelos sujeitos. Da mesma forma em que certa “segurança” era
assumida no âmbito das conjecturas, posto que os procedimentos tinham o caráter
algorítmico já mencionado, alguns erros de procedimento podiam surgir, dada a
relativa complexidade dos passos envolvidos. Esta dificuldade foi relatada de forma
geral pelos sujeitos. A dialética de validação ocorreu, também, em momentos em
que os resultados eram comparados e mudanças eram realizadas sempre que um
dos sujeitos conseguia convencer um ou dois de seus colegas acerca do acerto de
suas construções. Isto não impediu, como se pode ver, que erros fossem cometidos.
É preciso lembrar que o uso dos procedimentos indicados aqui era apenas
uma sugestão, e que os estudantes poderiam fornecer as respostas por meio de
outros processos ou propostas. Entretanto, isto praticamente não ocorreu e pode ser
explicado por alguns aspectos relativos às dificuldades de representação (ou de
conclusões a partir das representações) que tiveram lugar, como já havia ocorrido
em trabalhos como os de Sirotic e Zazkis (2007), Penteado (2004) e Boff (2006), e
que ficaram evidentes principalmente quando do trabalho com os dois últimos itens
da atividade. Os sujeitos, aliás, indicaram algo neste sentido, como em comentários
realizados por Aluno 1, Aluno 4 e Aluno 6, que deixaram claro que os procedimentos
indicados poderiam ajudar, pois um resultado, simplesmente visto na tela de uma
calculadora, por exemplo, não garantiria racionalidade ou irracionalidade do número.
Se em uma verificação, por exemplo, o resultado é 0,2334567 no display do
dispositivo, nada garante, segundo os alunos, que o período não seria maior do isto.
Isto reforça a visão segundo a qual as representações numéricas apresentam, de
forma predominante, um caráter de opacidade em relação a certas características
(LESH; BEAR; POST, 1987).
Concluídas as análises relativas à Atividade 1, prossegue-se, a seguir, com
as análises relativas à próxima etapa.
3.2 Análises da Atividade 2
Na Atividade 2, os mesmos itens trabalhados pelos estudantes na Atividade 1
foram solicitados, considerando que as verificações seriam realizadas usando o
software GeoGebra. Assim, os estudantes teriam à sua disposição os mesmos
elementos matemáticos que empregaram anteriormente, ou seja, as identidades
trigonométricas já descritas.
100
A primeira observação a ser feita fica por conta da maior interação entre os
sujeitos ocorrida aqui. Os comentários foram, de maneira geral, relacionados àquilo
que os sujeitos acertaram ou erraram quando da realização manual da atividade. Foi
uma oportunidade de (re)validar as conjecturas e conclusões atingidas na primeira
atividade. Neste sentido, os três elementos destacados por Borba e Villarreal (2005)
e Oliveira (2013) surgiram como fatores importantes nas constatações realizadas: a
visualização, o dinamismo e a experimentação.
Estes três aspectos ocorrem de forma integrada. Isto significa, no caso que
aqui se relata, que os sujeitos puderam observar, de maneira quase instantânea, os
efeitos nos modelos matemáticos inseridos – uma característica relacionada ao que
Lévy (1993) chama de tempo real. Ou seja, ao mudar valores de parâmetros ou
variáveis, as mudanças podem ser vistas e avaliadas. Do ponto de vista da
experimentação, no modelo existente nesta atividade, estas alterações puderam ser
realizadas inúmeras vezes, no que diz respeito aos valores dos ângulos de seno e
cosseno ao longo dos itens. Da mesma forma, os sujeitos empregaram recursos
relativos ao dinamismo, pois as estruturas presentes não dependiam de
reconstrução para responder às intervenções dos participantes: ao intervir no
modelo, o processo de reconstrução de acordo com os novos parâmetros ocorria
como uma das propriedades computacionais da aplicação. Entretanto, não se pode
afastar a necessidade do conhecimento matemático, pois todas as alterações e
reconfigurações precisaram ser avaliadas e, no caso desta atividade, transcritas
para o papel.
Outra constatação dos sujeitos, também de acordo com o que pode ser visto
em Oliveira (2013) e Oliveira, Gonçalves e Marquetti (2015), é que o uso do modelo
diminui o trabalho de ordem operacional (realização de cálculos repetitivos e com
grande possibilidade de que se cometa algum equívoco), deixando entrever a
possibilidade do uso dos recursos cognitivos para o aspecto relativo ao
conhecimento matemático em si – no caso, a descoberta da racionalidade ou
irracionalidade de determinado número.
Ainda assim, algumas intercorrências foram observadas, justamente no
momento em que as respostas deveriam ser transcritas para o papel. Aqui, optou-se
por apresentar uma classificação mais geral das atividades, exposta no quadro 11,
uma vez que os erros cometidos foram de apenas um tipo.
101
Quadro 11. Resultados obtidos na realização da Atividade 2
Item da Atividade 2 Acertos Erros
a 11 5
b 11 5
c 16 0
d 16 0
e1 16 0
e2 12 4
f 10 6
Fonte: dados da pesquisa
As incorreções anotadas na última coluna do quadro 11 estão ligadas, de
acordo com o que pode ser observado ao longo das atividades, à dificuldade de
relacionar o conceito de infinidade com os números observados como partes das
respostas nas resoluções das atividades quando os números sob verificação
apresentam dízimas infinitas não periódicas ou dízimas infinitas periódicas. A
incorreção, neste caso, era expressada pela falta de reticências ao indicar o
resultado numérico das propostas em cada caso dos itens c, d, e1, e2 e f. Assim,
observa-se neste estudo falhas semelhantes àquelas encontradas nos trabalhos de
Penteado (2004) e Boff (2006), envolvendo as propriedades que permitiriam
identificar determinados números como racionais ou irracionais. Além disso, a forma
como a interface apresentava os resultados (Figura 8, que explora o caso de
𝑠𝑒𝑛 30𝑜) envolvia um problema de representação, como abordado por Sirotic e
Zazkis (2007) e da forma como teorizado por Lesh, Bear e Post (1987): a
representação fornecida é opaca em relação à racionalidade/irracionalidade, em
função de não expressar, ela mesma, nenhum indicativo de períodos infinitos nas
representações decimais.
102
Figura 8. Resultados obtidos na realização da Atividade 2
Fonte: dados da pesquisa
Nas discussões realizadas com o pesquisador quando da institucionalização
das duas primeiras atividades, foi possível tratar destas incorreções, o que levou
alguns dos participantes a ressignificar as ideias que possuíam acerca das
propriedades que permitiriam identificar os números no âmbito de cada um dos
conjuntos envolvidos nesta investigação. Esta discussão avançou para questões
relativas à densidade dos conjuntos dos números racionais e dos números
irracionais, o que, de certa forma, fez com que os sujeitos começassem a refletir
sobre tais dimensões do conhecimento matemático, fato este que influenciou,
inclusive, no desempenho dos participantes da investigação ao longo da Atividade 3,
como pode ser percebido a seguir.
3.3 Análises da Atividade 3
3.3.1 Análises do Item 1 da Atividade 3
Os problemas envolvidos no item 1 da Atividade 3 tinham uma apresentação
bastante diversa daqueles contidos nas atividades anteriores, pois não envolviam
cálculos. Tratava-se, de outra forma, de refletir sobre questões relativas à densidade
103
dos conjuntos dos números racionais e dos números irracionais, por meio de
respostas às perguntas que aqui se repetem:
a. É sempre possível encontrar um número racional entre quaisquer dois
números irracionais. Determine “verdadeiro” ou “falso” e explique seu
raciocínio;
b. É sempre possível encontrar um número irracional entre quaisquer dois
números irracionais. Determine “verdadeiro” ou “falso” e explique seu
raciocínio;
c. É sempre possível encontrar um número irracional entre quaisquer dois
números racionais. Determine “verdadeiro” ou “falso” e explique seu
raciocínio;
d. É sempre possível encontrar um número racional entre quaisquer dois
números racionais. Determine “verdadeiro” ou “falso” e explique seu
raciocínio.
Em relação ao desempenho geral dos participantes da pesquisa neste item da
Atividade 3, o quadro 12 permite perceber que o número de incorreções foi
significativamente pequeno. Neste sentido, aventa-se que tal desempenho se deveu,
em grande parte, às atividades e discussões realizadas previamente acerca das
propriedades que permitiriam identificar um número qualquer como racional ou
irracional.
Quadro 12. Resultados obtidos na realização da Atividade 3, item 1
Subitens Verdadeiro Falso
A 12 2
B 14 0
C 12 2
D 14 0
Fonte: dados da pesquisa
Ainda assim, e de acordo com a proposta indicada para as análises aqui
detalhadas, julga-se importante apresentar detalhes acerca das incorreções
detectadas na próxima seção, assim como algumas observações sobre as respostas
corretas, em seguida.
3.3.1.1 Sobre as incorreções detectadas no Item 1 da Atividade 3
104
As respostas de Aluno 2 para os subitens desta tarefa foram as seguintes:
a. Não, falso, números dentro dos racionais são racionais, infinitos
números racionais;
b. Verdadeiro, pois há infinitos números irracionais;
c. Falso, dentro dos números racionais não encontramos infinitos
números irracionais;
d. Verdadeiro, pois há infinitos números racionais.
De maneira muito semelhante foram providas as respostas dadas por Aluno
3:
a. Falso, encontramos apenas números irracionais;
b. Verdadeiro;
c. Falso, encontramos apenas números racionais;
d. Verdadeiro.
A primeira observação, mais direta, é que Aluno 2 e Aluno 3 não
compreendem o conceito de densidade no conjunto dos números reais e,
provavelmente, não se apropriaram da relação que os conjuntos dos números
racionais e o conjunto dos números irracionais têm com o conjunto dos números
reais: para estes sujeitos, os conjuntos numéricos mencionados não compõem o
conjunto dos números reais, mas devem ser vistos separadamente, o que impediria
que se encontrassem infinidades de números racionais no intervalo compreendido
entre dois irracionais quaisquer e vice-versa.
Em seguida, é preciso indicar que erros desta natureza foram identificados
em Sirotic e Zazkis (2007) e categorizados entre os aspectos intuitivos do
conhecimento matemático, mais especificamente entre aqueles chamados pelos
autores de “crenças”, justamente o que é visto pelos autores como “componentes
psicologicamente resistentes” no âmbito da dimensão intuitiva do conhecimento
matemático (p. 51). Isto explicaria, então, porque estes estudantes, mesmo depois
de reiteradas discussões em diversos momentos das dialéticas adidáticas
vivenciadas pelos sujeitos, e das discussões coletivas realizadas na
institucionalização das atividades anteriores, mantiveram seu posicionamento, sem
qualquer ressignificação até este momento da coleta de dados. Em outros estudos
examinados como suporte a esta investigação, como em Penteado (2004), Dias
105
(2002) e Boff (2006), incorreções semelhantes – ou com causas próximas – também
foram observadas.
3.3.1.2 Características das respostas corretas do Item 1 da Atividade 3
Conforme pode ser visto no quadro 13, a maioria dos estudantes concluiu, de
forma correta, que as proposições lançadas neste item da atividade eram
verdadeiras. Entretanto, parece importante examinar as justificativas apresentadas,
de modo a compreender, de alguma maneira, os aspectos predominantes da
mobilização do conhecimento matemático em jogo.
Quadro 13. Justificativas providas para a Atividade 3, item 1
Sujeito Justificativa
Aluno 1
Verdadeiro, pois entre dois números irracionais há infinitos números, com isso pode haver um número racional entre eles [resposta para o subitem a]; Verdadeiro, pois entre dois números há infinitos números entre eles [resposta para os subitens b, c, d].
Aluno 4
Verdadeiro, pois mesmo pegando dois números irracionais seguidos, se você aumentar o número de algarismos válidos que vão ao infinito há alguns números, ou melhor, infinitos números racionais [resposta para o subitem a]; Todas as perguntas são verdadeiras, pois entre quaisquer dois números há infinitos números, então há infinitos números racionais e irracionais.
Aluno 5 Verdadeiro. É sempre possível, pois entre quaisquer dois números existem infinitos números, podendo haver racional ou irracional [resposta fornecida para todos os subitens].
Aluno 6 Todas as alternativas são verdadeiras, pois tende a infinitos números, e sempre encontraremos números racionais em números irracionais e vice-versa;
Aluno 7
a) Verdadeiro, pois entre os dois números irracionais podem-se encontrar números racionais; por exemplo, entre 2,987 e 1,857, existe o 2; b) Verdadeiro, pois o número pode sempre ser fragmentado cada vez mais; c) Verdadeiro. Entre dois números racionais, sempre serão encontrados números irracionais; d) Verdadeiro, pois se encontram infinitos números racionais entre outros racionais.
Aluno 8
a) Sim, entre dois números irracionais podem ser encontrados números irracionais; b) Verdadeiro. Entre dois há infinitos números e entre infinitos números há um número irracional; c) Verdadeiro. Entre dois números racionais sempre serão encontrados números irracionais; d) Verdadeiro. Entre dois números racionais há infinitos números e entre eles há um racional.
Aluno 9 Não apresentou justificativas.
Aluno 10 Todas as afirmações são verdadeiras porque entre dois números quaisquer sendo racional e irracional, pois eles são infinitos números.
Aluno 11 São todas afirmações verdadeiras, pois entre dois números há infinitos, sendo eles racionais e irracionais.
Aluno 12 Todas as afirmações são verdadeiras, pois temos infinitas possibilidades de números racionais e irracionais.
Aluno 13 [Respondeu “verdadeiro” para todos os subitens] Os números são infinitos e sequenciais aos intervalos.
Aluno 14 As alternativas (a, b, c, d) são todas afirmações verdadeiras, pois entre dois números temos infinitas possibilidades de números racionais e irracionais.
Fonte: dados da pesquisa
106
Não houve qualquer justificativa que abrangesse os aspectos formal ou
algorítmico do conhecimento matemático, considerando a visão de Sirotic e Zazkis
(2007), pelo menos aparentemente. Nenhum dos sujeitos usou o termo “densidade”,
igualmente, que também não foi mencionado pelo pesquisador e não constava de
nenhum instrumento escrito aos quais os sujeitos tiveram acesso. O que se pode
dizer ao certo, além disso, é que nenhum dos alunos recorreu a instrumentos
formais, como alguma modalidade de demonstração, por exemplo. As discussões
indicaram que, para alguns deles, a densidade nos conjuntos dos números racionais
e dos números irracionais estava estabelecida como patrimônio cognitivo.
Boa parte das justificativas recorreu à ideia de infinidade para indicar que os
conjuntos seriam densos, ressaltando, inclusive, que esta característica ocorreria
tanto em relação aos racionais quanto aos irracionais. Indiretamente, os sujeitos
empregam o conceito segundo o qual o conjunto dos números reais é denso, e é
formado pela união dos racionais e irracionais.
Algumas justificativas apresentadas, no entanto, carecem de apoio do ponto
de vista da correção esperada no contexto de uma atividade matemática:
Aluno 1, como resposta ao item a, menciona que “pode haver um número
racional” entre dois irracionais. A forma condicional como a afirmação é
feita pode indicar uma dúvida, ou a mesmo uma convicção de que a
existência de números racionais no intervalo entre dois irracionais
quaisquer só ocorre em relação a certos números e em certa quantidade –
Aluno 5, de certa forma, também coloca a existência de racionais e
irracionais entre dois números quaisquer como possibilidade;
Aluno 4 indica, também em relação ao item a, que “mesmo pegando dois
números irracionais seguidos, se você aumentar o número de algarismos
válidos que vão ao infinito há alguns números, ou melhor, infinitos
números racionais”. A indicação de que seria possível pegar dois números
irracionais seguidos carece de sustentação, do ponto de vista do
conhecimento matemático: o estudante tenta aplicar, de forma inválida,
características típicas do conjunto dos números naturais, do conjunto dos
números inteiros e do conjunto dos números racionais, que são conjuntos
contáveis e enumeráveis – isto não ocorre com os irracionais;
107
Aluno 6, aparentemente, apresenta alguma confusão ao expressar que
“sempre encontraremos números racionais em números irracionais e vice-
versa” – talvez o sujeito queira mencionar que o conjunto dos números
reais é composto pelos dois outros conjuntos numéricos mencionados;
Aluno 7 expressa uma incorreção bastante comum aos trabalhos aqui
referenciados, como Zazkis e Sirotic (2007), Penteado (2004), Dias (2002)
e Boff (2006), qual seja a de não compreender o que caracteriza um
número como irracional – em sua justificativa, o sujeito indica como
irracionais dois números racionais, 2,987 e 1,857;
Aluno 8 escreve, por exemplo, que “entre dois números racionais há
infinitos números e entre eles há um racional” – este padrão de resposta,
fornecido ao item d, aparece também no item b. Como as respostas dos
outros itens sugerem a existência de números (e não de apenas um
número), é provável que o sujeito suponha, incorretamente, que há
apenas um número nestes casos – poderia ser, por exemplo, a média
aritmética entre os limites intervalares ou algo do gênero;
Aluno 13 indica que os números seriam “infinitos e sequenciais aos
intervalos”, sem esclarecer o que quer dizer com o termo “sequenciais”
neste caso. É possível que esta afirmação revele a mesma crença de
alguns dos colegas, que mantêm a ideia de que os conjuntos numéricos
em foco teriam, entre seus membros, sucessores e antecessores, com no
conjunto dos números naturais, por exemplo.
Apesar de parecer claro que a maioria dos sujeitos compreende o conceito de
densidade e menciona a existência de infinitos números racionais e irracionais no
intervalo compreendido entre dois números quaisquer, a ausência de rigor, como
mencionado em Brito (2010), ou de uma abordagem formal, como querem Zazkis e
Sirotic (2007) parece fazer com que algumas dúvidas, incertezas e incorreções
permaneçam. Tais dúvidas puderam ser acompanhadas nos diálogos estabelecidos
ao longo das dialéticas desenvolvidas pelos sujeitos ao alinharem conjecturas que
pudessem servir como respostas:
108
Aluno 11 – [Lendo para os colegas] É sempre possível encontrar um número racional entre
quaisquer dois números irracionais. Determine "verdadeiro" ou "falso" e explique seu
raciocínio...
Aluno 10 – Não!
Aluno 11 – Se fosse o contrário, sim!
Aluno 10 – Se fosse o contrário, também não!
Aluno 11 – Se fosse um irracional entre dois racionais, sim!
Aluno 12 – Sim, porque se entre os números são infinitos, e entre eles há uma infinidade de
números, um deles vai ser irracional, vai ter infinidade de racional e infinidade de irracionais.
É tudo verdadeiro. Porque entre um número e outro há infinitos números.
Aluno 11 – Então, coloco que a,b,c,d são todos verdadeiros...
Percebe-se que Aluno 10 e Aluno 11 têm suas convicções, provavelmente
baseadas, ainda, em intuições, sobre questões relativas à densidade nos conjuntos
numéricos trabalhados. Suas hipóteses não se sustentam, de forma que são
convencidos por Aluno 12, cujos argumentos tentam se aproximar de uma definição
mais formalizada de densidade, aplicada, aqui, ao conjunto dos números reais. Aqui,
as dialéticas de formulação e validação, como mencionadas por Brousseau (1986)
podem ser distinguidas com facilidade. Como estratégia didática, a atividade parece
cumprir a finalidade de provocar reflexões sobre o tema em tela.
Aluno 1 – É sempre possível encontrar um número racional entre quaisquer dois números
irracionais... Sim!
Aluno 4 – Não!
Aluno 1 – Por que não?
Aluno 4 – Ah não, encontra sim, porque são números infinitos, mesmo que se você tiver um
número seguido do outro número irracional, você diminuía as casas e você vai encontrar um
número racional.
Aluno 1 – É verdadeiro ou falso?
Aluno 4 – É verdadeiro porque, acabei de explicar, mesmo que você pegue dois pontos, um
seguido do outro, se você aumentar o número de casas definidas, você consegue achar um
número racional.
Aluno 1 – Então é tudo verdadeiro, porque os números são infinitos.
Aluno 4 – Sim!
Aluno 1 – Tem que explicar b,c,d...
109
Aluno 4 – Se você tem dois irracionais, mas você considera que entre eles há infinitos
números, então ao mesmo tempo há infinitos números racionais entre eles.
No diálogo, Aluno 4 menciona uma sucessão inexistente entre os números
irracionais, e uma “transformação” que também é bastante questionável, ou seja, a
recomendação de “diminuir as casas” para encontrar um número racional, o que
permite aventar a conjectura de que o sujeito considera a existência de números
irracionais com um número finito de casas decimais – esta convicção (ou crença,
como indicam Sirotic e Zazkis, 2007) aparece expressa na resposta do estudante,
indicada no quadro 13. Trata-se de uma resposta correta com base em justificativas
com incorreções. Esta lógica também ajuda a entender porque Aluno 1 menciona
que pode haver um número racional entre dois irracionais.
Aluno 1 – [Lendo o subitem b] É sempre possível encontrar um número irracional entre
quaisquer dois números irracionais? Sabe por que não é possível? Porque se eu pegar dois
números irracionais seguidos, eu não encontro um número irracional entre eles.
Aluno 4 – Encontra, porque eu acabei de falar, entre dois números há infinitos números, e
você limita a quantidade de casas que você enxerga, e continua existindo infinitos números
entre eles. É que nós não entendemos o infinito, não importa o quanto você conte, eles
continuam sendo infinitos. Qualquer sequência matemática é infinita.
Aluno 1 – É tudo verdadeira!
Em relação ao subitem b, Aluno 4 retoma sua argumentação, indicando que
há infinitos números, racionais e irracionais entre dois números quaisquer, mas
sustenta sua ideia de que há sequências nestes interstícios, e que todas seriam
infinitas, o que não está correto. Desta forma, ainda que compreenda a infinitude nos
intervalos numéricos como uma característica da densidade dos racionais e dos
irracionais, ainda evidencia a crença de que os irracionais seriam contáveis.
Aluno 8 – Você colocou o que na justificativa: entre dois números racionais podem-se
encontrar números racionais? [referindo-se ao subitem d]
Aluno 7 – Por exemplo, entre 2,98 e 1,85, existe o número 2.
A justificativa de Aluno 7 é dada por meio de um exemplo, correto neste caso,
mas que indica mais um caráter algorítmico do que formal do conhecimento. O mais
importante a observar é que o estudante em questão aplica uma generalização
indevida, pois usa o mesmo exemplo para indicar a existência de um número
racional entre dois irracionais, quando afirma “entre 2,987 e 1,857, existe o 2” –
110
evidentemente, 2,987 e 1,857 não são irracionais. Na verdade, pode-se pensar que
a consolidação do conceito de números racionais e de números irracionais não
parece estruturada de forma definitiva no patrimônio cognitivo dos sujeitos
destacados no diálogo.
Aluno 4 - [lendo o que Aluno 7 escreveu] “Os números racionais são dados em uma fração, e
assim por diante, e os números que não tem fim, são ditos por números irracionais: como
exemplo, não faz muito sentido”.
Aluno 4 - [Em resposta ao que Aluno 7 escreveu] Mesmo que ele não faça sentido, se você
continuar acrescentando casas, ele vai criando mais números e mais números, e serão
infinitos números, e entre estes infinitos números, uma hora vai ter sentido e uma hora não
vai ter sentido. Mas você não tem como provar isso no papel. Mas você tem que pensar, se
eu acrescentar uma casa, eu crio outro número, e assim por diante. Ser infinito, tipo, é tudo
verdadeiro. Ele baseia entre dois números, entre quaisquer dois números. Há infinitos
números, então entre infinitos números, há infinitos racionais e infinitos irracionais.
Aluno 4 - [sobre o subitem d] Que nem você entendeu que a dois e a três, é infinito, aí você
vai para um, que é por lógica, que ele pergunta se entre dois racionais há um racional. Se
você partir da ideia anterior, entre quaisquer dois racionais, vai ter infinitos números. Tipo,
para a,b,c, e d, se você entender que é infinito todas são verdadeiras.
Ainda que carecendo de rigor, Aluno 4 apresenta definições corretas acerca
de propriedades características dos números racionais e dos números irracionais, as
quais não emprega diretamente nas tarefas em jogo, como pode ser visto nas
respostas fornecidas e registradas no quadro 13. Por sua vez, Aluno 4 relaciona
ideias sobre infinidade como justificativa e, em meio a algumas afirmações menos
claras, indica que se pode sempre pensar em números racionais maiores ou
menores sem que os mesmos excedam certos limites em um intervalo dado. Seu
maior equívoco, como pode ser acompanhado ao longo das respostas fornecidas
por este estudante, foi o de estender indevidamente esta característica para os
irracionais do intervalo, ao supor que os mesmos podem ser representados como
dízimas finitas, a exemplo dos racionais.
Os diálogos registrados e as respostas fornecidas pelos sujeitos levam a
considerar que, até este momento, parte dos sujeitos não havia consolidado (ou
ressignificado) a conceituação relativa aos números racionais e aos números
irracionais, ainda que expressem algumas características destes números
corretamente e que consigam, com certo êxito, responder às atividades propostas.
111
Algumas das justificativas trouxeram frases e afirmações que testificaram a crença
dos sujeitos, no sentido apontado por Sirotic e Zazkis (2007), de que os irracionais
formariam um conjunto contável ou enumerável. Uma parte desta dificuldade se
deve, muito provavelmente, à opacidade representacional dos irracionais (LESH;
BEAR; POST, 1987), seja em meios digitais, seja em meios não digitais. Esta
questão não encontrou, pelo menos até a conclusão desta atividade, melhor
resolução para alguns sujeitos, mesmo após o uso do modelo digital da atividade
anterior. Já a ideia de que os conjuntos dos números racionais e dos números
irracionais são densos parece melhor equacionada até este ponto.
3.3.2 Análises do Item 2 da Atividade 3
Recupera-se aqui o item 2 da Atividade 3, no sentido de deixar claro aquilo
que tal tarefa solicita (pode-se conferir a figura 6):
1) Abra os arquivos do GeoGebra que o pesquisador indicará, começando por
“racionais entre 2 racionais.ggb”. Manipule os controles deslizantes de a até
h.
a. A que conjunto pertencem os números exibidos no ponto B?
b. Crie, no GeoGebra, os pontos D = (0.15267787987998, 0) e E =
(0.15267787987999, 0). Note que os pontos são exibidos de forma tão
próxima na reta real que parecem ocupar a mesma posição (ainda que
isto não seja verdade). Na sua opinião, o ponto F =
(0.15267787987998123, 0) estaria em que posição, considerando D e
E?
c. F é racional ou irracional? Existem outros números na mesma posição
de F, em relação a D e E?
Como estavam livres para trocar ideias e elaborar conjecturas antes de
apresentar qualquer resposta formal, os estudantes se reuniram, sem qualquer
determinação prévia, em duplas ou pequenos grupos. Alguns diálogos significativos
foram tomados para esta análise.
Aluno 7 – [sobre o subitem a] A que conjunto pertence o número exibido no Ponto B? O
ponto B é o conjunto dos números irracionais, certo?
112
Aluno 8 – Sei não...
Aluno 4 – Você tem que entender, por que B é racional, por que os outros dois pontos o A e
o C, estão programados para estar em uma distância dele, e eles são números “redondos”,
então B é racional.
Aluno 11 – B é racional.
Persistindo em sua crença a respeito da identificação indevida de números
irracionais, Aluno 7 propõe que os números exibidos no ponto B, que se alteram
conforme a manipulação dos controles deslizantes, são irracionais. Usando
elementos da interface digital, com a manipulação do modelo ali contido, Aluno 4
argumenta, com termos poucos formais, que a manipulação realizada a partir de um
número racional gerará outros números racionais. Entretanto, ao contrário do que
pensa Aluno 4, os números que limitam o intervalo não precisam ser “redondos”:
basta que sejam racionais, e qualquer manipulação de outros racionais (os valores
dos controles deslizantes) a partir deles gerará outros racionais. Com conclusões
semelhantes, os demais sujeitos concluíram que os números exibidos em B são
todos racionais. Neste ponto, pode-se notar que as argumentações levaram em
consideração o conhecimento ressignificado até aquele momento, e o apoio da
interface do GeoGebra pareceu auxiliar de maneira importante às conclusões dos
sujeitos.
Aluno 11 – [sobre o subitem b] Na sua opinião, o ponto F estaria em que posição,
considerando D e E? Ah, o ponto F está entre D e E...
Aluno 4 – O F são três casas “maiores”, são três casas definidas a mais.
Aluno 1 – O D e o E são só 14 casas.
Aluno 4 – Um termina no oito e o outro termina no nove, e esse acrescentou 123 depois do
oito.
Aluno 1 – Ele vai ficar no meio.
Aluno 4 – Não, no meio não, ele vai ficar entre os pontos, no meio não, é diferente!
Pesquisador – Como vocês chegaram a estas conclusões?
Aluno 4 – Se você for olhar sem o computador, você vai ver que a diferença em um e outro, é
a última casa que muda um número, em relação ao F eles acrescentam três algarismos, ele
acrescentou 1,2 e 3 no final então são mais três casas que são válidas, mas se você for ver,
são três casas menores, então ele fica um pouquinho, diferente do D. Ele está entre os dois.
Tem como olhar se você der muito zoom, mas como ele pede para você colocar o F. Você vai
113
pelo raciocínio lógico da matemática. Como ele acrescentou casa então ele teve uma
pequena alteração.
Aluno 11 percebe que F é um número entre D e E, ainda que não apresente
maiores argumentações. Nesta atividade, os estudantes não incorreram em certo
tipo de falhas apontados por Sirotic e Zazkis (2007), Penteado (2004) e Boff (2006),
segundo as quais alguns sujeitos identificavam números com mais casas decimais
como maiores que outros, ainda que as casas não fossem mais significativas (por
exemplo, indicar que 1,365 é maior que 1,4). O aspecto do rigor, como advogado por
Penteado (2004), ou do formalismo, indicado como necessário por Sirotic e Zazkis
(2007), também não surgiu. Entretanto, percebe-se que o conhecimento matemático
foi acionado, em conjunto com aspectos de visualização, experimentação e
dinamismo da interface digital: Aluno 4 argumenta que F está entre D e E, pois os
algarismos decimais acrescentados ao final o posicionam entre os números
mencionados, ainda que com mais casas decimais do que ambos. Indica que a
forma de verificar este resultado com o GeoGebra passa por “dar muito zoom”, ou
seja, ampliar a visualização muitas vezes. O que se pode aventar pelo discurso dos
sujeitos neste ponto, e de acordo com as asserções de Lesh, Bear e Post (1987), é
que a representação, em conformidade com os conhecimentos dos sujeitos e com o
uso de interfaces adequadas, pode se tornar mais transparente, o que permitiu que
as respostas fossem dadas de forma correta. Este resultado já havia sido verificado
por Oliveira (2015). Também aqui os demais sujeitos apresentaram respostas
corretas, usando argumentos semelhantes.
Outro elemento relevante se refere à observação de Aluno 4 de que F não vai
ficar “no meio” em relação a D e E, mas entre estes pontos. O aluno considera,
corretamente, que F não representa a média aritmética entre os valores utilizados na
análise, ou seja, das abscissas dos pontos considerados, mas é outro, que se
posiciona entre tais pontos.
Aluno 11 – [sobre o subitem c] F é racional ou irracional? Existem outros números na mesma
posição de F, em relação a D e E?
Aluno 10 – Pergunta: o que é um número racional?
Aluno 12 – Racional é um número em forma de fração, é um número que tem dízima
periódica, tem uma periodicidade.
114
Aluno 10 – Racional tem dízima periódica e se repete, irracional não se repete. Na letra c, F
é racional. [Continuando com o questionamento do subitem] Existem outros números na
mesma condição de F, em relação a D e E?
Aluno 11 – Existem, pois há infinitos números.
A dinâmica gerada na observação dos diálogos produzidos neste ponto
permite afirmar que a pergunta de Aluno 10 é meramente retórica, tanto que o
mesmo estudante indica uma definição, ainda que incompleta e desprovida de
maiores formalismos, logo em seguida. Aluno 12 indica saber que um número
racional pode ser expresso em representação fracionária ou por meio de dízimas
periódicas. Ou seja, assumido este posicionamento, concluem que F é um número
racional e compreendem o questionamento que procura levantar se entendem que
há infinitos números racionais entre D e E, ou seja, que o conjunto dos números
racionais é denso. Ainda aqui, percebe-se que o conhecimento é registrado de
maneira muito pouco rigorosa, ainda que permita trabalhar com os problemas em
certa medida. Entretanto, o fato de Aluno 10 anunciar a recuperação das
propriedades características dos números racionais revela uma indicação de que os
estudantes consideram partir de um conhecimento matemático formal e consolidado,
e estendê-lo para problemas que lhe digam respeito.
Aluno 4 – [ainda sobre o subitem c. argumentando para Aluno 1] Qualquer sequência
matemática é infinita. O que muda é se ele vai ser racional ou irracional, mas existem infinitos
números na mesma condição de F que estão entre D e E. Porque cada casa você
acrescenta... Números racionais, existem diversos, infinitos números racionais, que nós não
conseguimos definir, porque nós acabamos não enxergando uma das coisas que é a dízima
periódica, tem vez que nós não conseguimos enxergar, mas tem outro método de descobrir.
Porque às vezes a dízima é tão grande que nós não percebemos.
Aqui, cabe o destaque para a insistência de Aluno 4 na crença de que toda
sequência matemática é infinita, arraigada do ponto de vista de um conhecimento
intuitivo, mas sem validade (SIROTIC; ZAZKIS, 2007). Não obstante, o estudante
responde corretamente ao questionamento, em um episódio típico da dialética de
validação (BROUSSEAU, 1986), uma vez que usa seus argumentos para tentar
convencer Aluno 1 de sua conjectura. Adicionalmente, Aluno 4 levanta a questão da
existência de períodos de extensão maior do que aqueles costumeiramente exibidos
nos exemplos protocolares.
115
3.3.3 Análises do Item 3 da Atividade 3
O item 3 da Atividade 3 trazia, em seu enunciado, as seguintes solicitações
(pode-se conferir a figura 7):
2) Agora, abra o arquivo do GeoGebra “irracionais entre 2 irracionais.ggb”.
Manipule os controles deslizantes de a até h, considerando que a inicia com
um número irracional.
a. A que conjunto pertencem os números exibidos no ponto B?
b. Crie, no GeoGebra, os pontos D = (sqrt(3) + 0.001, 0) e E = (sqrt(3) +
0.002, 0). Note que os pontos são exibidos de forma tão próxima na
reta real que parecem ocupar a mesma posição (ainda que isto não
seja verdade). Na sua opinião, o ponto F = (sqrt(3) + 0.0015, 0) estaria
em que posição, considerando D e E?
c. F é racional ou irracional? Existem outros números na mesma posição
de F, em relação a D e E?
Basicamente, são questões muitos semelhantes àquelas indicadas na tarefa
anterior, mas no contexto dos números irracionais. Assim, os estudantes fizeram por
continuar as discussões iniciadas no item anterior.
Em relação ao subitem a desta tarefa, os alunos perceberam, após
experimentação intensiva em relação à interface, que o ponto B representava a
soma de todos os valores numéricos assumidos pelos distintos controles
deslizantes, de modo que o referido ponto permanecia sempre entre A e C. Os
estudantes, após algumas discussões, perceberam que, uma vez que um dos
números, representado pelo controle a, era irracional, a soma deste valor com os
demais resultaria, sempre, em um número irracional. Este resultado parece bastante
relevante, pois indica que a ressignificação de alguns teoremas relacionados aos
conjuntos em análise foi feita pelos estudantes.
Em relação ao subitem b, Aluno 3, ao discutir suas conjecturas com Aluno 7,
pergunta ao pesquisador o que seria sqrt. Ao ouvirem que isto era um comando do
GeoGebra para raiz quadrada, ambos partiram do princípio que todos os números
envolvidos eram irracionais. Os outros alunos acompanharam a discussão
atentamente.
116
Aluno 11 – [sobre o subitem b] O ponto F está entre, hein, gente! Pega essa! [apontando
para um dos limites do intervalo] Aqui tem um, dois, três, quatro... quatro casinhas...
[apontando para F] Aqui tem um, dois, três, quatro, cinco... cinco casinhas.
Aluno 10 – Aumentou uma, então ele vai ficar entre.
Aluno 11 – Então ele vai ficar entre, é como se tivesse 0,001 acrescentei o 5, ainda não
chegou no 0,002.
Aluno 12 – É a mesma coisa [do subitem anterior], o ponto F está entre D e E.
Os estudantes chegaram à conclusão de que o ponto F, posicionado na reta
exibida pela interface do GeoGebra, encontrava-se entre os pontos D e E.
Importante a percepção que ressalta da dinâmica da atividade, no sentido de
empregar os elementos providos pela visualização e o dinamismo disponíveis a
partir da integração do conhecimento matemático ressignificado e o uso do software.
Para além de funções elementares como a de contar os algarismos do número, foi
possível observar referências relativas às características dos conjuntos numéricos
em uso tendo por base a manipulação dos controles deslizantes. A discussão e o
uso da interface pelos estudantes foram decisivas para convencer os demais acerca
da conjectura apresentada. Aqui, a estratégia de uso da interface computacional sob
a dinâmica proposta pela TSD (BROUSSEAU, 1986) parece indicar sua eficiência. A
dinâmica que reúne experimentação, dinamismo e visualização surge das
discussões a seguir transcritas, exemplificadas pela Figura 9.
Aluno 1 – Apareceram os três pontos [na reta real exibida pelo GeoGebra, usando o zoom].
Aluno 4 – Apareceu o que? Os três pontos? É porque a distância entre eles é maior. Como
tem menos casas, a distância é mais visível. Se você colocar 0,001; 0,002 e 0,0015; vai ver
que ele está entre um e dois automaticamente. Você testou, o F é aquele do meio?
Aluno 1 – Sim.
Aluno 4 – Então acabou de provar, só que a diferença deste pare este [o ponto D], é que ele
está exatamente entre os dois. Este aqui [um outro ponto, provavelmente colocado para
realizar alguma experimentação] se você reparar, ele está em uma distância de algumas
casas, na frente do D, ele está entre eles, mas ele está mais próximo de um ponto. E esse
[ponto F] está a uma distância igual dos dois pontos.
117
Figura 9. Pontos D, E e F após a aplicação de diversas operações de zoom
Fonte: dados da pesquisa
Aluno 1 indica ter usado a ferramenta “Ampliar” do GeoGebra para visualizar
os pontos D, E, F empregados na tarefa, já que, inicialmente, quando gerados pelos
usuários, apareciam como se estivessem na mesma posição. Após este movimento,
o sujeito confirma sua conjectura e a comunica para os demais. Aluno 4 indica que,
em seu julgamento, a intervenção de Aluno 1 tem o status de prova, o que não pode
ser aceito senão em termos figurados, pois, em matemática, provar demanda utilizar
conhecimentos específicos, solidificados por meio de axiomas, teoremas e demais
elementos desta ordem. Entretanto, semelhante recurso pode servir à verificação de
um resultado como o que se chegou por meio das discussões e da
mobilização/ressignificação do conhecimento matemático em jogo. Aqui, ainda uma
vez, a interface auxilia na ampliação da transparência da representação numérica
utilizada, da maneira como propôs Oliveira (2015), a partir da proposta de Lesh,
Bear e Post (1987).
Em função das discussões realizadas até este ponto, incluindo aquelas
relativas às atividades anteriores, os sujeitos responderam corretamente ao subitem
c da atividade 3, indicando que F é irracional e que haveria uma infinidade de
números na mesma condição do mesmo, ou seja, irracionais entre dois irracionais,
argumentando, ainda que de maneira pouco formal, acerca da densidade deste
conjunto numérico.
118
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A expectativa acerca desta investigação passava, inicialmente, por desvendar
alguns pontos relativos ao uso de uma estratégia que empregava, em atividades em
que os sujeitos podiam argumentar, discutir, conjecturar, validar, reconsiderar, enfim,
trabalhar de forma bastante aberta, tipos distintos de ferramentas, tanto em relação
à abordagem teórica, quanto no que diz respeito às tecnologias envolvidas.
É preciso lembrar que as concepções dos alunos do curso de licenciatura em
matemática participantes desta pesquisa foram relacionadas de acordo com as três
dimensões do conhecimento advogadas por Sirotic e Zazkis (2007), sendo estas
algorítmica, formal e intuitiva. Em meio ao estudo, descobriu-se a relevância da
discussão acerca das representações numéricas como formas de apreensão de
determinadas expressões do conhecimento matemático, e que foram chamadas de
opacas ou transparentes no trabalho de Lesh, Bear e Post (1987).
Com as tecnologias não digitais, inicialmente, os sujeitos foram convidados a
discutir acerca de quais números pertenceriam ao conjunto dos números racionais e
quais outros pertenceriam ao conjunto dos números irracionais. Neste sentido, seria
possível usar qualquer abordagem ou estratégia – no entanto, uma vez que os
números empregavam representações ligadas a senos e cossenos, foi sugerido o
uso de identidades trigonométricas e no teorema das raízes racionais de um
polinômio como formas de construir uma argumentação formal em torno de uma
resposta: indicar se o número seria racional ou irracional. O que se apurou foi a
adesão dos sujeitos aos algoritmos ligados a estes instrumentais, revelando a
predominância do aspecto algorítmico do conhecimento matemático, na visão
advogada por Sirotic e Zazkis (2007).
As incorreções destacadas nas análises indicam um dos preços pagos pelo
emprego sistemático da visão algorítmica do conhecimento matemático: os
equívocos de ordem operacional, gerados, em grande parte, pela necessidade de
engajamento na construção de soluções com passos complexos e detalhados.
Entretanto, quando as atividades focavam números cujas representações surgiam
de forma menos opaca, para usar a argumentação de Lesh, Bear e Post (1987),
como nos casos dos itens e2 e f, a busca por elementos relacionados ao aspecto
formal do conhecimento, com recurso a propriedades, conceitos e definições, surgiu
119
de forma mais intensiva. Neste sentido, cumpre indicar que existe a possibilidade,
evidenciada por estes resultados, de que a representação influencia na forma como
o aprendiz constrói a compreensão acerca do conhecimento dos temas envolvidos
(ou a ressignifica).
Em diversas oportunidades, os participantes, em razão da forma como
concebiam as propriedades e características dos números racionais e dos números
irracionais, bem como a maneira como pensavam acerca do conceito de densidade,
ao recorrerem ao aspecto intuitivo do conhecimento matemático, trouxeram à cena
uma série de crenças, que se viram ao longo das análises relacionadas a equívocos.
Estes equívocos, por sua vez, surgiram ligados a temas como a infinitude dos
conjuntos trabalhados e à própria representação dos números, que não os permitia
identificar de forma correta como pertencentes a determinado conjunto. Esta
ocorrência veio confirmar algumas das asserções tomadas teoricamente aqui, como
a do caráter resistente das crenças, ligadas à intuição dos aprendizes, e que já havia
sido indicada por Sirotic e Zazkis (2007) e por Oliveira (2015).
Por outro lado, alguns dos sujeitos de certa forma rejeitaram eventuais
crenças, quando surgiam, e mesmo não as evidenciavam, usando
predominantemente o aspecto algorítmico do conhecimento matemático, de certa
forma até indicado por alguns procedimentos da investigação. Para tais estudantes,
as concepções dependiam dos procedimentos, e, ainda que tenham evidenciado
alguns conhecimentos prévios, necessitavam da segurança dos algoritmos, por
assim dizer, para garantir suas conjecturas. Aqui, volta-se a destacar, a par de
vários acertos, alguns erros surgiram, ligados ao custo operacional das soluções.
Apenas em questões mais “abertas”, por assim dizer, na qual aspectos relativos às
representações eram mais significativos que as operações ligadas às identidades
trigonométricas e ao teorema das raízes racionais de um polinômio, surgiram, de
forma mais identificável, aspectos ligados ao conhecimento matemático formal.
Desta forma, as concepções iniciais dos estudantes acerca das características e
propriedades dos números racionais e dos números irracionais, bem acerca da
densidade no contexto especificado, surgiram inicialmente eivadas de equívocos
ligados aos próprios conceitos de densidade e de infinitude, bem como às
representações empregadas, na visão de Lesh, Bear e Post (1987), pelo menos
entre alguns sujeitos que evidenciaram erros. Entre os demais, surgiam conectadas
120
de forma muito dependente ao emprego dos algoritmos. Estas observações
permitem, de certa forma, responder às questões norteadoras lançadas quando da
criação da problematização neste texto, quais sejam “quais concepções acerca das
características e propriedades, relativas aos números racionais e irracionais, são
evidenciadas por licenciandos em Matemática quando envolvidos em uma
sequência didática que emprega tecnologias digitais e não digitais? ” e “quais
concepções acerca do conceito de densidade do conjunto dos números racionais e
do conjunto dos números irracionais são evidenciadas por licenciandos em
Matemática quando envolvidos em uma sequência didática que emprega tecnologias
digitais e não digitais? ”. Neste sentido, cabe, também, relembrar que as categorias
de análise eleitas foram:
Concepções acerca dos conceitos e propriedades relacionadas aos números
racionais e aos números irracionais que surgem na resolução das atividades,
falas e interações dos sujeitos;
Concepções acerca do conceito de densidade do conjunto dos números
racionais e do conjunto dos números irracionais que surgem na resolução das
atividades, falas e interações dos sujeitos;
Relevância do uso das diferentes tecnologias empregadas na sequência
didática como subsídio à compreensão acerca dos conceitos mencionados
nesta pesquisa, relativos aos números racionais e irracionais.
É preciso ressaltar, no entanto, que as discussões e debates existentes entre
os estudantes colaboraram para criar progressos em suas respectivas visões sobre
os temas em estudo. Tais características foram oportunizadas em parte pela
estratégia empregada na iniciativa que aqui se relata, principalmente a partir do
momento em que as interfaces digitais entraram em jogo. Tais instrumentos
permitiram colocar em jogo três características importantes, destacadas por Oliveira
(2013) e Borba e Villarreal (2005), e que são representadas pela tríade
experimentação – visualização – dinamismo.
Por meio das experiências efetuadas usando os modelos digitais (Lévy, 1999)
criados para a pesquisa, que foram realizadas inúmeras vezes (a intensidade do
uso, defendida por Oliveira (2015) ), era possível recolher pistas acerca das
questões elaboradas nos instrumentos. A manipulação dos controles deslizantes
permitia reforçar a conjectura acerca da densidade, já constituída em alguns dos
121
sujeitos, e que acabou por surgir na forma de ressignificação do conhecimento ao
final da experiência. Pode-se afirmar que o grupo de estudantes, de forma quase
unânime, passou a compreender melhor os conceitos trazidos à baila com a
pesquisa. Recursos como a ampliação da visualização (ferramenta zoom), mudança
de valores nos controles deslizantes, entre outras possibilidades, somaram-se às
conjecturas que já haviam sido provocadas ao longo do desenvolvimento das
dialéticas adidáticas e retomadas nos momentos de institucionalização em sessões
coletivas com a participação de todos.
É preciso destacar, em adendo ao que foi indicado até aqui, que mesmo
algumas características dos modelos digitais seriam passíveis de outro tratamento, o
que poderá ser feito em pesquisas posteriores a esta. Por exemplo, a forma exposta
na figura 5 da calculadora das identidades trigonométricas, como teorizado por Lesh,
Bear e Post (1987), possui representação opaca quanto a
racionalidade/irracionalidade, pois não apresenta períodos infinitos, ou seja, possui a
ausência das reticências como forma de representar semelhante resultado. Mesmo
assim, no entanto, a partir do uso conjunto das duas interfaces, digital e não digital,
houve maior predominância do pensamento algorítmico, e em seguida, do
pensamento formal dos alunos que obtiveram acertos, pois revisitaram a primeira
atividade, e passaram a ressignificar o conhecimento a partir da revisita ás
conjecturas iniciais.
Claro que é preciso entender que a estratégia adotada nesta investigação,
ainda que tenha revelado eficiências consideráveis, não é uma fórmula mágica para
conduzir estudantes de licenciatura em Matemática aos acertos necessários em
questões que envolvam o tema em análise. Percebe-se, por exemplo, em análise às
respostas dos sujeitos quanto as questões da atividade 3, item 1, sobre as
justificativas acerca do conjunto dos números racionais e irracionais serem densos,
pode-se considerar que parte dos sujeitos não consolidaram adequadamente os
conceitos da racionalidade e irracionalidade, ainda que conseguissem responder
corretamente as atividades propostas. Por meio das justificativas, apesar de parecer
que a maioria dos sujeitos compreenderam o conceito de densidade, mencionando a
existência de infinitos números racionais e irracionais no intervalo de dois números
reais quaisquer, persiste, em muitos casos, a ausência de rigor e formalidade em
relação as respostas, para a sustentação das justificativas. Deste modo, muitas
122
vezes, as respostas dos sujeitos ficaram mais relacionadas ao pensamento intuitivo
de acordo com Sirotic e Zazkis (2007), enquanto outras respostas dos sujeitos
tentaram justificar formalmente o conceito de densidade, apesar de incorreções.
Por outro lado, em relação, por exemplo, às respostas dos sujeitos
apresentadas na atividade 3, item 2, não se verificaram falhas apontadas em outros
estudos, como em Sirotic e Zazkis (2007), Penteado (2004) e Boff (2006). Os
aspectos de formalismo e rigor também não surgiram nas respostas dos
participantes; no entanto, percebeu-se que o conhecimento matemático dos alunos
foi acionado em conjunto com aspectos de visualização, experimentação e
dinamismo da interface digital. A utilização do zoom no software GeoGebra por
muitas vezes foi evidenciada para auxilio nas justificativas das respostas, como já
mencionado. Neste aspecto, as interfaces digitais podem oportunizar visualizações
mais transparentes, de acordo com Lesh, Bear e Post (1987), isto é, as
representações de um número racional ou irracional podem surgir de forma mais
clara, permitindo que os sujeitos apresentem respostas corretas ou, pelo menos,
elaborem conjecturas mais coerentes. Nesta mesma atividade, por exemplo, o aluno
10, em diálogo com outros alunos, anuncia a recuperação e características da
propriedade de um número racional, indicando um conhecimento formal e
consolidado, e utiliza-o para problemas correlatos. Em relação a atividade 3, item 3,
após algumas discussões, os estudantes identificaram que a soma de um número
irracional com um número racional resultaria em um número irracional. Esta
estratégia foi bastante relevante e indica certo formalismo, de acordo com Sirotic e
Zazkis (2007), faltando apenas a demonstração para se enquadrar completamente
nesta linha de pensamento.
Assim, ficam abertas perspectivas para novas pesquisas, principalmente
relativas às formas de pensamento acerca das propriedades e características dos
números racionais e dos números irracionais, bem como em relação ao conceito de
densidade. Também se espera que a questão das representações usando interfaces
digitais encontre melhores soluções futuramente.
123
REFERÊNCIAS
ABBAGNANO, N. Dicionário de filosofia. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
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127
ANEXOS E APÊNDICES
ANEXO A - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
Programas de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática
Mestrado Acadêmico em Educação Matemática
Projeto de Pesquisa: Um modelo de intervenção didática para construção do
conceito de densidade: uma abordagem com o software GeoGebra
Mestrando: Alan Silva dos Santos
Orientador: Prof. Dr. Gerson Pastre de Oliveira
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)
Eu,
______________________________________________________,nascido em
____________, formado em ___________________________, da instituição XXX,
na cidade___________, no estado_________, domiciliado em
________________,estou sendo convidado a participar de uma pesquisa, cujo
objetivos e justificativas são analisar de forma que o uso do computador quanto
ferramenta é capaz de levar os alunos a superar as dificuldades quanto a construção
do conceito de densidade do conjunto dos números racionais e irracionais no
conjunto dos reais. Posteriormente verificar de que forma o uso do software
GeoGebra, auxiliaria na promoção da aprendizagem do educando, e identificar as
implicações do uso das situações didáticas com essa ferramenta.
Sendo assim, a minha participação nesta referida pesquisa seria em
demonstrar aos pesquisadores de como a sequência didática pode viabilizar a
aprendizagem através da tecnologia digital, sendo nesta observada a representação
do conceito de densidade do conjunto dos números racionais e irracionais no
conjunto dos reais.
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) adaptado de Gonçalves (2014, p.142-143)
128
Para tanto fui alertado, que em relação à pesquisa posso esperar benefícios, como:
contribuição para a construção do conceito de densidade do conjunto dos números
racionais e irracionais no conjunto dos reais, sendo este conceito observado através
dos recursos de geometria dinâmica, e do acompanhamento das tecnologias não
digitais.
Recebi, por orientação os possíveis desconfortos decorrentes do estudo,
levando-se em conta que é uma pesquisa, sendo os resultados positivos ou
negativos obtidos somente após a sua realização. Assim, a minha ausência
dificultará o alcance da aprendizagem do conteúdo a ser investigado, em qualquer
uma das sessões referente a experiência.
Estou ciente de que meu anonimato será respeitado, ou seja, meu nome ou
de qualquer outro elemento, será mantido em sigilo. As informações serão utilizadas
somente para fins desta pesquisa, e serão tratadas com confidencialidade e sigilo,
de modo a preservar a minha identidade. Autorizo incluir: destinos e guardas de
documentos, gravações, fotos ou filmagem.
Os pesquisadores envolvidos com o referido projeto são, Alan Silva dos
Santos (orientando/ aluno do curso de Mestrado Acadêmico em Educação
Matemática da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo- PUC/SP) e o Prof. Dr.
Gerson Pastre de Oliveira (orientador-PUC/SP).
É assegurada durante toda a pesquisa, livre acesso a todas as informações e
esclarecimentos adicionais sobre o estudo e consequências, antes e depois de
minha participação.
Enfim, tendo sido orientado sobre minha participação, tudo aqui mencionado,
quanto a natureza e objetivo do estudo, manifesto meu livre e consentimento em
participar, estando ciente que não há nenhum valor econômico, a receber ou pagar,
através de minha participação.
___________, ________ de 20___.
____________________
Alan Silva dos Santos
(pesquisador responsável)
____________________
Aluno:___________________________
(sujeito da pesquisa)
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) adaptado de Gonçalves (2014, p.142-143)
129
ANEXO B - SOLICITAÇÃO DE AUTORIZAÇÂO
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
SOLICITAÇÂO DE AUTORIZAÇÂO
Programas de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática
Mestrado Acadêmico em Educação Matemática
Projeto de Pesquisa: Um modelo de intervenção didática para construção do
conceito de densidade: uma abordagem com o software GeoGebra
Mestrando: Alan Silva dos Santos
Orientador: Prof. Dr. Gerson Pastre de Oliveira
São Paulo, 19 de novembro de 2015.
Ao
Comitê de Ética em Pesquisa da PUC/SP - CEP-PUC/SP
A/c. Prof. Dr. Edgard de Assis Carvalho
Coordenador do CEP-PUC/SP
Autorização para realização de pesquisa
Eu, ____________________ diretor/coordenador/reitor/responsável
da__________________________, venho por meio desta informar a V. Sa. que autorizo o pesquisador
Alan Silva dos Santos aluno do curso de Mestrado Acadêmico em Educação Matemática da Faculdade
de Ciências Exatas e Tecnologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP a
realizar/desenvolver a pesquisa intitulada “Um modelo de intervenção didática para a construção do
conceito de densidade: uma abordagem com o software GeoGebra", sob orientação do Prof.(a). Dr.
Gerson Pastre de Oliveira.
__________________________________________
“Assinatura e carimbo do responsável institucional”