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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC/SP Alan Silva dos Santos Um estudo sobre o conceito de densidade do conjunto dos números racionais e do conjunto dos números irracionais: uma abordagem com tecnologias Mestrado Acadêmico em Educação Matemática São Paulo 2017

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

PUC/SP

Alan Silva dos Santos

Um estudo sobre o conceito de densidade do conjunto dos

números racionais e do conjunto dos números irracionais: uma

abordagem com tecnologias

Mestrado Acadêmico em Educação Matemática

São Paulo

2017

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

PUC/SP

Alan Silva dos Santos

Um estudo sobre o conceito de densidade do conjunto dos

números racionais e do conjunto dos números irracionais: uma

abordagem com tecnologias

Mestrado Acadêmico em Educação Matemática

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Educação Matemática, sob a orientação do Prof. Dr. Gerson Pastre de Oliveira.

São Paulo

2017

BANCA EXAMINADORA

___________________________________

___________________________________

___________________________________

Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou

parcial desta Dissertação seja por processos de fotocopiadoras ou eletrônicos.

Assinatura:_________________________Local e data:_______________________

Dedico este trabalho aos meus pais, Ademário

José dos Santos e Maria Célia Silva dos

Santos, por tudo que me tornei hoje, e a minha

noiva Grasieli pelo amor e carinho.

AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus pela vida e por estar presente todos os dias.

Ao meu orientador, respeitosamente, prof. Dr. Gerson Pastre de Oliveira, pelo

seu apoio, incentivo, horas de orientação, em relação à esta pesquisa envolvendo

tecnologias e Educação Matemática.

Aos professores Dr. Ion Moutinho Gonçalves e Dr. Saddo Ag Almouloud, por

aceitarem o convite para compor a banca examinadora: foi uma honra. Além disso,

contribuíram muito com suas excelentes sugestões para conclusão deste trabalho.

A todos os professores Doutores do programa pelas dialéticas e excelente

ensino durante todo o programa de pós-graduação, e contribuições para esta

pesquisa.

Agradeço imensamente a CAPES pelo apoio financeiro, e pela concessão da

Bolsa de Estudos pelo Programa de Pós-graduação PUC-SP / FUNDASP, que

permitiram a conclusão desta pesquisa.

A minha família, meus pais, meu irmão Anderson por estarem sempre no

incentivo, e a minha noiva Grasieli por toda compreensão e amor.

A todos os alunos participantes desta pesquisa.

Resumo

Esta pesquisa tem por objetivo analisar, por meio de uma sequência didática, as

concepções dos alunos do curso de licenciatura em matemática que envolvem

características e propriedades dos números racionais e dos números irracionais,

bem como o conceito de densidade dos respectivos conjuntos no conjunto dos

números reais. A investigação emprega tanto tecnologias digitais, por meio do

software GeoGebra, como tecnologias não digitais. Os estudos efetuados por meio

da revisão de literatura e das atividades propostas permitiram formular/refinar a

problematização em torno da qual se desenvolveram os procedimentos

investigativos, levados a efeito com um grupo de licenciandos em Matemática, e que

envolvia questões relativas às concepções de tais sujeitos acerca das características

e propriedades relativas aos números racionais e irracionais, bem como atinentes ao

conceito de densidade do conjunto dos números racionais e do conjunto dos

números irracionais. A investigação, de caráter qualitativo, utilizou instrumentos de

recolha de dados concebidos como modelos digitais, além de sequências resolvidas

sem o uso de software, em conjunto. Os dados coletados foram analisados

empregando aportes da Teoria das Situações Didáticas, além de elementos teóricos

relativos ao uso de tecnologias em Educação Matemática. As análises empregaram,

também, referenciais ligados às questões representacionais numéricas e às

modalidades de conhecimento matemático (algorítmico, formal e intuitivo). As

análises realizadas sugerem que os modelos e estratégias empregadas foram

eficientes em levantar a forma predominante das concepções dos sujeitos

envolvidos; indicaram, também, que o uso das estratégias didáticas concebidas na

investigação possibilitou avanços na ressignificação do conhecimento matemático

posto em jogo pelos sujeitos.

Palavras-chave: Educação Matemática, Densidade, Números Racionais,

Números Irracionais, Tecnologias Digitais.

ABSTRACT

This research aims to analyze, through a didactic sequence, the students'

conceptions of an mathematics university course that involve characteristics and

properties of rational numbers and irrational numbers, as well as the concept of

density of the respective sets in the set of real numbers. The research employs both

digital technologies, through GeoGebra software, and non-digital technologies. The

studies carried out through a review of the literature and the proposed activities

allowed to formulate/refine the problematization around which the investigative

procedures developed with a group of undergraduates in Mathematics were

developed and which involved questions regarding the conceptions of such subjects

about the characteristics and properties relative to rational and irrational numbers, as

well as concerning the concept of density of the set of rational numbers and the set

of irrational numbers. The research, of a qualitative nature, used data collection

instruments designed as digital models, in addition to sequences solved without the

use of software, together. The collected data were analyzed using contributions from

the Theory of Didactic Situations, as well as theoretical elements related to the use of

technologies in Mathematics Education. The analyzes also used references related

to numerical representational questions and mathematical knowledge modalities

(algorithmic, formal and intuitive). The analyzes carried out suggest that the models

and strategies employed were efficient in raising the predominant form of the

conceptions of the subjects involved; also indicated that the use of didactic strategies

conceived in the research allowed for advances in the re-signification of the

mathematical knowledge put into play by the subjects.

Keywords: Mathematics Education, Density, Rational Numbers, Irrational

Numbers, Digital Technologies.

LISTA DE FIGURAS

Figura 1. Densidade de ℚ 𝑒𝑚 ℝ e ℝ−ℚ 𝑒𝑚ℝ ]𝑎, 𝑏[= 𝑥 ∈ ℝ 𝑎 < 𝑥 < 𝑏}, 𝑎, 𝑏 ∈ ℝ − ℚ

.................................................................................................................................. 26

Figura 2. Densidade de ℚ 𝑒𝑚 ℝ e ℝ−ℚ 𝑒𝑚 ℝ ]𝑎, 𝑏[= 𝑥 ∈ ℝ 𝑎 < 𝑥 < 𝑏}, 𝑎, 𝑏 ∈ ℚ .. 27

Figura 3. Densidade de ℚ 𝑒𝑚 ℝ e ℝ−ℚ 𝑒𝑚 ℝ .......................................................... 27

Figura 4. Triângulo didático ....................................................................................... 57

Figura 5. Modelo digital “calculadora de verificação para números racionais e

irracionais” (calculadora.ggb) .................................................................................... 68

Figura 6. Modelo digital “racionais entre dois racionais” ........................................... 74

Figura 7. Modelo digital “irracionais entre dois irracionais” ....................................... 76

Figura 8. Resultados obtidos na realização da Atividade 2 ..................................... 102

Figura 9. Pontos D, E e F após a aplicação de diversas operações de zoom ........ 102

LISTA DE TABELAS

Tabela 1. Quantificação das respostas ao item 2 (46 respondentes) ........................ 45

LISTA DE QUADROS

Quadro 1. Atividade 1 ................................................................................................ 62

Quadro 2. Atividade 2 ................................................................................................ 69

Quadro 3. Atividade 3 ................................................................................................ 71

Quadro 4. Resolução do item a da Atividade 1 ......................................................... 84

Quadro 5. Resolução do item b da Atividade 1 ......................................................... 86

Quadro 6. Resolução do item c da Atividade 1 ......................................................... 89

Quadro 7. Resolução do item d da Atividade 1 ......................................................... 93

Quadro 8. Resolução do item e1 da Atividade 1 ....................................................... 95

Quadro 9. Resolução do item e2 da Atividade 1 ....................................................... 96

Quadro 10. Resolução do item f da Atividade 1 ........................................................ 97

Quadro 11. Resultados obtidos na realização da Atividade 2 ................................. 101

Quadro 12. Resultados obtidos na realização da Atividade 3, item 1 ..................... 103

Quadro 13. Justificativas providas para a Atividade 3, item 1 ................................. 105

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 13

CAPÍTULO UM .......................................................................................................... 19

1.1 Conjunto dos números racionais ℚ .................................................................. 19

1.2 Representações decimais finitas x representações infinitas periódicas ........... 20

1.3 Representações decimais finitas e sua escrita na forma de uma dízima

periódica ................................................................................................................ 21

1.4 Representações decimais infinitas periódicas ................................................. 23

1.5 Conjunto ℝ−ℚ dos números irracionais ......................................................... 23

1.6 Conjunto dos números reais ℝ ......................................................................... 25

1.7 Densidade do conjunto ℚ dos números racionais 𝑒𝑚 ℝ; densidade do conjunto

ℝ−ℚ dos números irracionais 𝑒𝑚 ℝ. ................................................................... 25

1.8 Números racionais e irracionais e as funções trigonométricos sen 𝜃 e cos 𝜃 .. 31

CAPÍTULO DOIS ....................................................................................................... 40

2.1 Revisão da Literatura e aportes teóricos .......................................................... 40

2.2 Aportes metodológicos ..................................................................................... 59

CAPÍTULO TRÊS ...................................................................................................... 81

3.1 Análises da Atividade 1 .................................................................................... 81

3.1.1 Análise do item a ....................................................................................... 82

3.1.2 Análise do item b ....................................................................................... 85

3.1.3 Análise do item c........................................................................................ 87

3.1.4 Análise do item d ....................................................................................... 91

3.1.5 Análise do item e ....................................................................................... 94

3.1.6 Análise do item f ........................................................................................ 97

3.1.7 Sobre a análise da Atividade 1 .................................................................. 98

3.2 Análises da Atividade 2 ................................................................................... 99

3.3 Análises da Atividade 3 ................................................................................. 102

3.3.1 Análises do Item 1 da Atividade 3 ........................................................... 102

3.3.2 Análises do Item 2 da Atividade 3 ........................................................... 111

3.3.3 Análises do Item 3 da Atividade 3 ........................................................... 115

CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 118

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 123

ANEXOS E APÊNDICES ........................................................................................ 127

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INTRODUÇÃO

A pesquisa em Educação Matemática pode envolver inúmeros interesses,

bem como ser desenvolvida em torno de distintos objetos e sujeitos. De forma

particular, aqueles que se configuram como potenciais futuros professores de

Matemática – alunos de licenciatura – representam um importante foco para o

desenvolvimento de investigações, como se pode constatar por meio de buscas nas

bases de dados especializadas, como aquelas disponíveis nos sítios da CAPES ou

de instituições que contam com programas de Pós-Graduação nesta área. Desta

forma, serão estas pessoas, cuja formação inicial para a docência se processa, o

principal foco da pesquisa aqui descrita. E o ponto de vista pelo qual a mesma será

considerada indica uma importante conexão:

Pesquisa, portanto, é o elo entre teoria e prática. Claro, em situações extremas alguns se dedicam a um lado desse elo e fazem pesquisa chegando a teorias baseando-se na prática de outros. Outros estão do outro lado e exercem uma prática, que é também uma forma de pesquisa, baseada em teorias propostas por outros. Em geral ficamos numa situação intermediária entre esses extremos, exercendo o que praticamos e refletindo sobre isso, e, consequentemente, melhorando nossa prática. (D’AMBRÓSIO, 2012, p.84)

D’Ambrósio (2012), descreve pesquisa como o elo entre a teoria e a prática, e

posiciona dois modos de fazê-la: (i) chega-se às teorias baseando-se na prática de

outros e (ii) exerce-se a prática baseando-se na teoria proposta por outros. Ambos

os modos podem dar lugar a investigações, bem como as posições intermediárias

entre eles.

Nesta perspectiva, observam-se pesquisas que empregam as tecnologias não

digitais (lápis e papel, por exemplo) e as tecnologias digitais (softwares e recursos

semelhantes) de diversas formas no processo de ensino ou aprendizagem, de

acordo com os posicionamentos teóricos assumidos pelos investigadores. Da

mesma maneira, as distintas mídias, além das possíveis convergências entre elas,

representam possibilidades para auxiliar na construção do conhecimento

matemático a partir de estratégias didáticas (Oliveira, 2015).

Especificamente sobre as tecnologias digitais, Lévy (1993) propõe que o

conhecimento por simulação pode surgir como alternativa em relação às formas

teóricas de constituição e/ou aquisição do saber. Para este autor:

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O conhecimento por simulação, menos absoluto que o conhecimento teórico, mais operatório, mais ligado as circunstâncias particulares de seu uso, junta-se assim ao ritmo sociotécnico específico das redes informatizadas; o tempo real. A simulação por computador permite que uma pessoa explore modelos mais complexos e em maior número do que se estivesse reduzido aos recursos de sua imagística mental e de sua memória de curto prazo, mesmo se reforçadas por este auxiliar por demais estático que é o papel. A simulação, portanto, não remete a qualquer pretensa irrealidade do saber ou da relação com o mundo, mas antes a um aumento dos poderes da imaginação e da intuição. Da mesma forma, o tempo real talvez anuncie o fim da história, mas não o fim dos tempos, nem a anulação do devir. Em vez de uma catástrofe cultural, poderíamos ler nele um retorno ao kairos dos sofistas. O conhecimento por simulação e a interconexão em tempo real valorizam o momento oportuno, a situação, as circunstâncias relativas, por oposição ao sentido molar da história ou a verdade fora do tempo e espaço, que talvez fossem apenas efeitos da escrita. (LÉVY, 1993, p.125-126)

Lévy (1993) relata que a simulação pelo computador permite a exploração de

conceitos mais complexos pelas pessoas do que a utilização da imagística mental e

de sua memória. O conhecimento por simulação de um sistema modelado não se

assemelha a um conhecimento teórico e nem a uma experiência prática: encontra-

se, igualmente, em posição intermediária entre as abordagens mencionadas. A

simulação pelo computador pode aumentar a capacidade da imaginação e da

intuição de alunos e professores, na medida em que assessora os processos

mentais das pessoas, enquanto, também, realiza funções repetitivas extensas:

cálculos, esquemas, gráficos, figuras, entre outros elementos, que poderiam

demorar muito tempo para serem construídos, podem ser feitos com mais facilidade

por meio das tecnologias digitais, o que permite obter representações dinâmicas em

tempo reduzido. Desta forma, o esforço de compreensão e avanço em determinado

tópico matemático tende a ficar desvinculado destes esforços operacionais.

Inicialmente, Lévy (1993) posicionou as tecnologias voltadas aos processos

de aprender e ensinar como extensões humanas. Para o autor, assim como a escrita

permitiu estender a capacidade da memória, a informática, com base na simulação,

habilitou a extensão da capacidade da “memória de trabalho”, funcionando como um

módulo externo e suplementar em relação a faculdade de imaginar. Segundo este

autor, a simulação pode ser considerada como a imaginação auxiliada pelo

computador, muito mais potente do que a velha lógica formal, no que diz respeito ao

alfabeto, uma vez que auxilia no raciocínio e nas construções de modelos mentais

das situações e objetos que são estudados, desenvolvidos e explorados a partir de

diferentes possibilidades.

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O discurso de Lévy impulsionou as reflexões acerca da posição das

tecnologias e das mídias na construção do conhecimento, o que levou alguns

autores a propor avanços em relação aos discursos originais acerca das interfaces

entre pessoas e artefatos. Neste sentido, Borba e Villarreal (2005) argumentam que

a produção do conhecimento na contemporaneidade está vinculada a um coletivo

composto por seres-humanos-com-mídias, de forma indissociável. Os autores

partem das asserções de Tikhomirov (1981), de acordo com as quais as tecnologias,

ao serem apropriadas pelas pessoas, reorganizam o pensamento das mesmas, de

modo que tarefas, atividades, problemas e construções passam a ser feitos de outra

maneira a partir da integração das possibilidades abertas pela lógica de uso das

mídias. Desta forma, como indicam os autores mencionados, além de Oliveira

(2015), tem sentido pensar que as intervenções em processos de ensino e/ou de

aprendizagem em Matemática podem ser feitas não apenas por agentes humanos e

nem tampouco pela substituição dos humanos por dispositivos, mas por um coletivo

formado por pessoas e elementos tecnológicos.

Assim, a proposta deste trabalho passa pela compreensão da forma pela qual

estudantes de licenciatura em Matemática desenvolvem e/ou aprimoram

conhecimentos acerca dos números racionais e dos números irracionais, bem como

das propriedades que os mesmos apresentam e que os definem de uma ou de outra

maneira. Além disso, pretende-se discutir aqui acerca da densidade dos conjuntos

dos números racionais e dos números irracionais no conjunto dos números reais a

partir de uma convergência de abordagens com distintas tecnologias, e que envolve

uma configuração de pessoas-com-GeoGebra, a qual, por sua vez, implementa uma

proposta que pode ser estendida para a ideia de pessoas-com-simulações-

computacionais, além do uso de instrumentos como lápis e papel. Por meio de uma

estratégia didática que envolve a configuração mencionada e uma sequência

contendo problemas típicos em relação ao conhecimento matemático em foco,

pretendeu-se, aqui, analisar as produções dos sujeitos tendo por base alguns

elementos da teoria das situações didáticas (Brousseau, 1986) e um enfoque

qualitativo.

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Em relação às observações iniciais acerca do conceito1 de densidade,

Caraça (1989) escreve que um conjunto é denso quando, no intervalo de dois

quaisquer de seus elementos, existe uma infinidade de outros elementos do mesmo

conjunto. Esta percepção, explorada em processos de ensino e na formação de

professores pode parecer desprovida de complexidades ou de maiores dificuldades,

mas tem sido relatada como causa de incompreensões e dificuldades entre alunos e

mesmo entre professores em formação. Por exemplo, Sirotic e Zazkis (2007)

descrevem haver uma lacuna significativa entre os conhecimentos formal e intuitivo

acerca dos números irracionais por parte de professores em formação entrevistados

em procedimentos de pesquisa. Os autores apontam diversas confusões quanto aos

critérios para representação de números irracionais, além de incompreensões

acerca das propriedades de conjuntos densos. Entre as concepções errôneas

levantadas na investigação, constam algumas das respostas à questão “suponha

que você tome um número aleatório no intervalo entre 0 e 1 (na reta dos números

reais). Qual a probabilidade de pegar um número racional?” (SIROTIC, ZAZKIS,

2007, p.53):

A probabilidade de pegar um número racional é zero porque nós temos um

número infinito de números irracionais entre 0 e 1, mas apenas um número

finito de racionais (p. 58);

Há um número finito de racionais, mas um número infinito de irracionais,

assim a probabilidade de pegar um racional é muito, muito baixa (p. 58);

Número racionais são definidos como números com uma razão. Parece que

poderia haver uma quantidade finita de números racionais e uma infinita de

números irracionais. A probabilidade de pegar um número racional é muito

pequena – eu diria que é de 1% (p. 59).

Entre os motivos para a alegada finitude do conjunto dos números racionais,

consta uma confusão, mencionada pelos autores, em relação aos conceitos de

conjuntos contáveis. Entre os sujeitos da pesquisa, esta ideia parecia significar que

1 O termo conceito deve ser visto neste trabalho no sentido organizador das ideias relativas aos objetos em tratamento, ou seja, de acordo com ABBAGNANO (1998, p. 176), “[...] organizar os dados da experiência de modo que se estabeleçam entre eles conexões de natureza lógica. Um conceito, sobretudo científico, via de regra não se limita a descrever e classificar os dados empíricos, mas possibilita a sua inferência dedutiva (DUHEM, La thêoriephysique, pp.163 ss.). É por esse aspecto que a formulação conceitual das teorias científicas tende à axiomatização: a generalização e o rigor da axiomatização tendem a levar ao extremo o caráter logicamente organizativo do conceito”.

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os números componentes poderiam ser contados, o que implicaria na finitude do

conjunto, ainda que o termo, na argumentação original de Cantor, não queira

significar isto, mas que o conjunto em questão teria a mesma cardinalidade de um

dado subconjunto dos números naturais. Este trabalho é mais amplamente discutido

na revisão da literatura, mais adiante, bem como outros relativos a assuntos

correlatos.

Da mesma forma, dificuldades em relação aos conceitos ligados aos números

racionais, aos números irracionais e/ou à densidade são trazidas em pesquisas

como as de Pasquini (2007), Brito (2010), Penteado (2004), Boff (2006), Dias (2002),

entre outras, conforme, também, descreve-se nos capítulos subsequentes. Tais

constatações indicam a pertinência da construção deste trabalho2, que procura

empregar a visão já descrita acerca do uso das tecnologias na Educação

Matemática de modo discutir, tendo como sujeitos um grupo de licenciandos em

Matemática, a partir das seguintes questões:

Quais concepções3 acerca das características e propriedades, relativos

aos números racionais e irracionais, são evidenciadas por licenciandos

em Matemática quando envolvidos em uma sequência didática que

emprega tecnologias digitais e não digitais?

Quais concepções acerca do conceito de densidade do conjunto dos

números racionais e do conjunto dos números irracionais são

evidenciadas por licenciandos em Matemática quando envolvidos em

uma sequência didática que emprega tecnologias digitais e não digitais?

Para dar conta desta proposta, o restante do texto tem a seguinte

organização:

No capítulo um estão expostas as ideias relativas ao tratamento

epistemológico e didático relativos aos objetos matemáticos em questão, ou seja,

2 A investigação relativa a este trabalho compõe parte das pesquisas do grupo PEA-MAT, da PUC/SP, e está relacionada com os projetos “Tecnologias e educação matemática: investigações sobre a fluência em dispositivos, ferramentas, artefatos e interfaces” (CNPq – Processo no. 477783/2013-9) e “Processos de Ensino e Aprendizagem de Matemática em Ambientes Tecnológicos PEAMAT/DIMAT” (FAPESP – Processo no. 13/23228-7). Teve, também, apoio a partir da CAPES (Bolsa Mestrado). 3 O termo concepção, neste estudo, toma o sentido de compreensão acerca do conceito.

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elementos que descrevem e envolvem o tratamento dado, na pesquisa, aos

conceitos relativos aos números racionais e aos números irracionais.

O capítulo dois traz os elementos teóricos e metodológicos deste estudo e dá

conta do marco teórico assumido, dos referenciais, da revisão bibliográfica e dos

procedimentos da pesquisa.

O capítulo três contém os elementos que permitiram e que descrevem as

análises efetuadas, bem como o desenvolvimento da mesma, o que permitiu

articular as produções dos sujeitos, indicadas textualmente nesta parte do trabalho,

e a relação das mesmas com as teorias em uso.

Na última parte do trabalho, constam as considerações finais, contendo aquilo

que se pode chamar de percepções da pesquisa, bem como as recomendações.

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CAPÍTULO UM

Números racionais, números irracionais, densidade e conceitos correlatos

Este capítulo traz definições relativas aos conjuntos dos números racionais,

irracionais e reais de acordo com Níven (1990), Lima (2013) e Ávila (2006). Também

se detém sobre as funções trigonométricas e o papel das mesmas na identificação

de números racionais e irracionais por meio do seno e do cosseno de um ângulo

(Níven, 1990). Outra abordagem ocorre sobre a definição de conjunto denso, da

forma como exposto em Caraça (1989) e Ávila (2006). Estas definições serão

importantes para o desenvolvimento do conceito de densidade do conjunto dos

números racionais e irracionais no conjunto dos números reais, conceito este

empregado na elaboração dos instrumentos componentes da metodologia deste

estudo.

Desta forma, é possível afirmar que este capítulo possui tópicos importantes

para analisar as respostas dos alunos de licenciatura em Matemática, sujeitos da

pesquisa, em relação aos procedimentos metodológicos que serão aplicados. Um

dos instrumentos requer que o sujeito diferencie um número racional de um número

irracional; para isso, os alunos precisam identificar quais números são racionais e

quais são irracionais, para que, em seguida, possam diferenciá-los, bem como

desenvolver o conceito de densidade do conjunto dos números racionais e

irracionais no conjunto dos números reais, em momento posterior.

1.1 Conjunto dos números racionais ℚ

Em sua investigação, Medeiros (2010) descreve os conceitos adquiridos de

forma equivocada pelos alunos quanto a definição de conjunto dos números

racionais, irracionais e reais, e as dificuldades dos estudantes diante dos exercícios

que envolvem estes conceitos.

Observa-se, entretanto, a importância do estudo do conjunto dos números

racionais, de modo a definir de fato quais números compõem efetivamente este

conjunto, como são representados (seja na forma de representações decimais finitas

ou infinitas periódicas), de modo a diferenciar o referido conjunto em relação ao

20

conjunto dos números irracionais, e preparar o aluno para identificação dos

conceitos frente a exercícios ou problemas. Neste contexto, têm-se a seguinte

definição:

[...] os números naturais 1, 2, 3, 4, 5, ... são fechados em relação a adição e a multiplicação, e que os inteiros

...,-5,-4,-3,-2,-1,0,1,2,3,4,5,... são fechados em relação a adição, multiplicação e subtração. No entanto nenhum desses conjuntos é fechado em relação à divisão, porque a divisão de inteiros pode produzir frações como 4/3, 7/6, −2/5, etc. O conjunto de todas as frações como essas é o conjunto dos números racionais. Mais precisamente, um número racional (ou uma fração ordinária) é um número que pode ser colocado na forma a/d, onde a e d são inteiros e d não é zero. (NIVEN, p.25, 1990).

O conjunto dos números racionais é formado por elementos cuja forma é 𝑚/

𝑛, sendo 𝑚 ∈ ℤ 𝑒 𝑛 ∈ ℤ∗. Tais números possuem representações finitas e infinitas

periódicas: as representações decimais finitas expressam um número racional, pois

atendem a forma prevista na definição, 𝑚/𝑛, sendo 𝑚 ∈ ℤ 𝑒 𝑛 ∈ ℤ∗; as

representações decimais infinitas periódicas são expressas por meio de períodos,

como, por exemplo, 10/9 = 1,1111. .. Muitos alunos tendem a confundir tais

representações com as decimais infinitas e não periódicas do tipo 0,08990765....

Neste último caso, não há um período de repetição entre os algarismos, ou seja, o

número mencionado é irracional, como será observado mais adiante.

1.2 Representações decimais finitas x representações infinitas periódicas

As representações decimais finitas4 consistem em uma das formas de

representação de um número racional. Esse conceito poderá ser utilizado pelo aluno

para diferenciar um número racional de um número irracional, por exemplo, por meio

da observação da forma pela qual se pode fazer esta representação.

Assim, a representação decimal finita pode ser expressa por números

racionais na forma 𝑚/𝑛, sendo 𝑚 ∈ ℤ 𝑒 𝑛 ∈ ℤ∗, como:

1

8= 0,125;

1

4= 0,25;

10

1= 10;

4 Importante ressaltar que uma dada fração somente será equivalente em relação a uma fração decimal se seu denominador é um divisor de alguma potência de 10.

21

Uma representação decimal finita poderá ser escrita por um número racional

na forma irredutível a/b, se e somente se, b tem somente os fatores primos 2 e 5 – e

nenhum outro fator primo além destes. Desta maneira, a fração resultará em uma

representação decimal finita:

1

2= 0,5;

2

5= 0,4;

3

2= 1,5;

De outro modo, será uma representação decimal infinita se o denominador b

de um número racional na forma irredutível a/b for outro fator primo além de 2 e 5.

Nos exemplos seguintes, note-se que os números 97 e 157 são primos:

1

97= 0,0103092783… . ;

1

157= 0,0063694267… . ;

Estes resultados, entretanto, não estão restritos a denominadores primos.

Senão, tome-se o número racional na representação fracionária 1

22. Ora, este número

não é equivalente em relação a uma fração decimal, uma vez que seu denominador

não pode ser escrito como um divisor de uma potência de 10. O que se propõe é

que ou o quociente da divisão do numerador (no caso, 1) pelo denominador (no

caso, 22) é um número finito (ou seja, com o resto, considerado no algoritmo da

divisão de decimais, igual a zero ao final da operação) ou é um número infinito e

periódico, como é o caso. Mais adiante, outros elementos a este respeito são

trazidos.

1.3 Representações decimais finitas e sua escrita na forma de uma dízima

periódica

As representações decimais finitas e sua escrita na forma de uma dízima

periódica podem ser vistas como formas de identificação de um número racional.

Deste ponto de vista, pode-se supor que o aluno, ao observar uma igualdade do tipo

0,99999... = 1, ficará, em um primeiro momento, em dúvida ou com alguma

inquietação, causada pelo conceito inicial que detém, na escola básica, da ideia de

igualdade. Neste sentido, uma verificação relativamente simples, envolvendo uma

22

representação infinita periódica a uma representação finita, poderá ser efetiva em

termos de esclarecer esta tensão conceitual. Senão, tome-se a seguinte proposição:

Proposição. Todo número racional a/b pode ser representado por uma fração decimal finita ou por uma fração decimal infinita periódica; reciprocamente, toda fração decimal, finita ou periódica infinita, representa um número racional. (NIVEN, p.39, 1990)

A verificação mencionada da proposição exposta por Niven (1990) seria de tal

forma que:

1

3= 0,33333….

Não obstante, ao multiplicar os membros desta igualdade por 3, obtém-se:

1

3. 3 = 3. 0,33333….

1 = 0,99999….

Tem-se, neste caso, duas representações, uma finita, expressa por 1, e outra

infinita, representada por 0,99999....

De outra forma, ainda, pode-se escrever:

𝑥 = 0,99999….

Multiplicando por 10, obtém-se:

10𝑥 = 9,9999….

Por meio da subtração:

10𝑥 = 9,9999….

- 𝑥 = 0,99999….

Tem-se:

9𝑥 = 9

𝑥 = 1

Como pode ser verificado, indica-se que 1 = 0,99999..., o que permite verificar

a transformação de uma representação infinita e periódica 0,99999... em uma

representação finita 1, sendo ambos números racionais.

23

1.4 Representações decimais infinitas periódicas

As representações decimais infinitas periódicas são mais um conceito de

identificação de um número racional. O aluno na identificação de uma dízima infinita

e periódica, pode, eventualmente, fazer vários registros informando a quantidade de

algarismos que possui este período ou fazer uso de conversões de fração ordinária

para fração decimal, como verifica-se a seguir:

[...] Podemos agora demonstrar que tais representações decimais infinitas possuem um grupo de algarismos que se repete indefinidamente como, por exemplo,

5

11= 0,454545… 𝑒

3097

9900= 0,31282828…

Por conveniência, usaremos a notação habitual para indicar uma dízima periódica, isto é, usaremos uma barra sobre a parte que se repete:

5

11= 0, 45̅̅̅̅ ;

3097

9900= 0,3128̅̅̅̅ ;

1

3= 0, 3̅;

1

6= 0, 16̅̅̅̅ ; 𝑒𝑡𝑐.

Pode-se ver o porquê da repetição dos algarismos, considerando, por exemplo, a conversão usual da fração ordinária 2/7 em fração decimal:

2 ,00000 ǀ 7 14 0,285714

60 56

40 35

50 2

7= 0, 285714

49

10 7

30 28

2 (NIVEN, 1990, p.37)

As dízimas finitas ou infinitas periódicas são representações de números

racionais, enquanto as dízimas infinitas e não periódicas são representações de

números irracionais. No conjunto dos números racionais, pode-se dizer que são

dízimas finitas ou infinitas periódicas todas as frações deste conjunto.

1.5 Conjunto ℝ −ℚ dos números irracionais

24

A definição do conjunto dos números irracionais – e a compreensão da

mesma – é muito importante para a percepção acerca da diferença entre este e o

conjunto dos números racionais, inclusive por parte dos alunos e ou professores da

escola básica. Neste sentido, uma definição poderia ser:

No entanto, existem números reais que não são racionais. O número √2,

não é racional [...]. Qualquer número real, como √2, que não é racional, diz-se irracional. De acordo com essa definição, todo número real ou é racional, ou é irracional. A reta, ou eixo, com um número associado a cada um de seus pontos, na maneira descrita acima, é chamada reta real. Os pontos dessa reta se dizem racionais ou irracionais conforme os números a eles associados sejam racionais ou irracionais. Observe que a definição acima, de número irracional, resume-se no seguinte: qualquer número real que não possa ser expresso como razão a/b de dois inteiros, diz-se irracional. (NIVEN, p.46-47, 1990)

Para Ávila (2006, p.25), “podemos conceber números cuja representação

decimal não é nem finita nem periódica. Esses são os chamados números

irracionais.” Da mesma forma, Lima (2013, p.83) assevera: “os números reais que

não são racionais, isto é, os elementos do conjunto ℝ −ℚ, são chamados números

irracionais.”

Para provar a irracionalidade de √2, segundo Niven(1990), pode-se proceder

da seguinte forma: suponha-se que, para que a/b seja uma fração irredutível, a e b

sejam primos entre si, e, por absurdo, √2 ∈ ℚ . Desta forma, ao final da

demonstração que segue, a e b serão pares, contrariando a afirmação de que os

mesmos são primos entre si, provando, assim, que √2 é irracional.

√2 =𝑎

𝑏

(√2)² =𝑎²

𝑏²

2 =𝑎²

𝑏²

2𝑏² = 𝑎²

2𝑏² = (2𝑐)²

2𝑏2 = 4𝑐²

𝑏2 =4

2𝑐²

𝑏2 = 2𝑐²

25

Observa-se, portanto, que 2c² é um inteiro par, assim como b². Conclui-se,

então, que a e b são inteiros pares, o que leva a uma contradição, pois, inicialmente,

a hipótese dava conta de que os números envolvidos eram primos entre si. Ou seja,

não é possível escrever √2 na forma a/b, sendo a e b inteiros, o que leva a concluir

que √2 é irracional.

O conjunto ℝ −ℚ dos números irracionais é formado por elementos que não

possuem dízima periódica em suas representações decimais infinitas. Além disso,

não se pode escrevê-los como fração decimal finita. São irracionais, por exemplo, os

números 0,15643446504..., √2 = 1,4142135…, √3 = 1,732050807…, 𝜋 =

3,14159265…, Tais números não apresentam representação infinita periódica dos

algarismos após a vírgula, nem, tampouco, podem ser escritos por meio de

representações decimais finitas.

1.6 Conjunto dos números reais ℝ

Até aqui, as definições de outros conjuntos têm mencionado conceitos

relativos a ℝ, o conjunto dos números reais. Neste sentido, valem os comentários

acerca dos componentes deste conjunto:

Número real é todo número que é racional ou irracional. Observe que os números naturais e os números inteiros são casos particulares de números racionais, de forma que quando dizemos que um número é racional, fica aberta a possibilidade de ele ser um número inteiro (positivo ou negativo) ou simplesmente um número natural. A totalidade dos números racionais, juntamente com os irracionais, é o chamado conjunto dos números reais. (ÁVILA, p.26, 2006)

Pode-se dizer, de acordo com a definição supramencionada, que a união do

conjunto ℚ, dos números racionais, com o conjunto ℝ −ℚ, dos números irracionais

forma o conjunto ℝ dos números reais. Neste sentido, discute-se a densidade neste

contexto.

1.7 Densidade do conjunto ℚ dos números racionais 𝒆𝒎 ℝ; densidade do

conjunto ℝ −ℚ dos números irracionais 𝒆𝒎 ℝ.

Em relação ao conceito de densidade mencionado, Lima (2013, p.84) indica

que “o conjunto ℚ dos números racionais e o conjunto ℝ −ℚ dos números

26

irracionais são ambos densos em ℝ.” Há outra menção neste mesmo trabalho: “o

conjunto ℚ dos números racionais é denso em ℝ . Também o conjunto ℝ−ℚ dos

números irracionais, é denso na reta. Com efeito, todo intervalo aberto contém

números racionais e números irracionais” (LIMA, 2013, p.82-83). Desta forma,

[...] vimos que a suposição de que o ponto geométrico não tem dimensões leva imediatamente a admitir que, entre dois pontos quaisquer A e B da recta, existe sempre uma infinidade de pontos, e isto por mais próximos que A e B estejam um do outro. Todo o conjunto em que isto se dê, isto é, tal que entre dois dos seus elementos quaisquer exista uma infinidade de elementos do mesmo conjunto, diz-se um conjunto denso. (CARAÇA,1989, p.56)

As figuras 1, 2 e 3, dispostas em seguida, são representações geométricas

para ilustração do conceito de densidade do conjunto dos números racionais e

irracionais no conjunto dos números reais, da forma como foi abordado o tema por

Caraça (1989).

Em síntese, sejam dois pontos A e B quaisquer e distintos na reta real, sendo

estes pontos a representação de números irracionais; neste intervalo, há infinitos

pontos, sendo os mesmos a representação de infinitos números irracionais e

racionais. Verifica-se que o conjunto ℝ−ℚ dos números irracionais é denso no

conjunto ℝ dos números reais. Observa-se, então, que em um intervalo

]𝑎, 𝑏[ qualquer em ℝ, {𝑥 ∈ ]𝑎, 𝑏[, 𝑥 ∈ ℝ − ℚ | 𝑎 < 𝑥 < 𝑏} (figura 1):

Figura 1. Densidade de ℚ 𝒆𝒎 ℝ e ℝ− ℚ 𝒆𝒎ℝ ]𝒂, 𝒃[= {𝒙 ∈ ℝ |𝒂 < 𝑥 < 𝑏}, 𝒂, 𝒃 ∈ ℝ − ℚ

Fonte: elaborado para a pesquisa

Da mesma forma, sejam dois pontos A e B quaisquer e distintos na reta real,

sendo estes pontos a representação de números racionais; neste intervalo, há

infinitos pontos, sendo os mesmos a representação de infinitos números racionais e

irracionais. Verifica-se que o conjunto ℚ dos números racionais é denso no conjunto

ℝ dos números reais. Assim, observa-se que, em um intervalo ]𝑎, 𝑏[ qualquer em

ℝ, {𝑥 ∈ ]𝑎, 𝑏[, 𝑥 ∈ ℚ | 𝑎 < 𝑥 < 𝑏} (figura 2):

27

Figura 2. Densidade de ℚ 𝒆𝒎 ℝ e ℝ− ℚ 𝒆𝒎 ℝ ]𝒂, 𝒃[= {𝒙 ∈ ℝ | 𝒂 < 𝑥 < 𝑏}, 𝒂, 𝒃 ∈ ℚ

Fonte: elaborado para a pesquisa

Sejam a e b dois números reais distintos, digamos, sem perda de

generalidade, a < b. Quando representamos esses números na reta, visualizamos

dois pontos da reta definindo um segmento com infinitos pontos, que por sua vez

representam números reais. Não importa a distância entre os pontos a e b, eles

sempre determinam um segmento com infinitos pontos que se correspondem a

números reais. Mais ainda, nesse intervalo existem pontos que se correspondem a

números racionais e existem pontos que se correspondem a números irracionais,

independente da posição de a e de b. Em linguagem numérica, o que estamos

falando é que dados a, b pertencentes a IR, a < b, o intervalo ]a, b[ intercepta o

conjunto Q dos números racionais e o conjunto IR – Q dos números irracionais.

(figura 3):

Figura 3. Densidade de ℚ 𝒆𝒎 ℝ e ℝ− ℚ 𝒆𝒎 ℝ

Fonte: elaborado para a pesquisa

As reflexões anteriores estão de acordo com a asserção de Lima (2013, p.84),

segundo a qual “o conjunto ℚ dos números racionais e o conjunto ℝ −ℚ dos

números irracionais são ambos densos em ℝ”. Sobre este resultado, o autor propõe

a seguinte demonstração: dado (a,b) um intervalo aberto qualquer em ℝ, nota-se

que existe 𝑞 ∈ (𝑎, 𝑏), 𝑐𝑜𝑚 𝑞 ∈ ℚ. Observa-se que ℝ é arquimediano, pois atende as

afirmações:

Teorema 3: Num corpo ordenado K, as seguintes afirmações são equivalentes: (i) ℕ ⊂ K é ilimitado superiormente; (ii) dados a, b ∈ K, com a > 0, 𝑒𝑥𝑖𝑠𝑡𝑒 𝑛 ∈ ℕ tal que n. a > 𝑏;

28

(iii) 𝑑𝑎𝑑𝑜 𝑞𝑢𝑎𝑙𝑞𝑢𝑒𝑟 𝑎 > 0 𝑒𝑚 𝐾, existe n ∈ ℕ tal que 0 <1

n< 𝑎.

(LIMA,2013, p.75)

As demonstrações em relação a densidade foram realizadas de acordo com

Gimenez (2012) e Lima (2013) com alterações do seguinte modo:

Seja b – a > 0. Assim, existe um número p ∈ ℕ tal que:

0 <1

p< 𝑏 − 𝑎

Decomponha-se a reta ℝ em intervalos de comprimento 1

p, com números

m

p, m

∈ ℤ. Como 1

p< 𝑏 − 𝑎 no intervalo (a,b), então algum

m

p está no intervalo (a,b).

Desta forma, seja

𝐴 = {𝑚 ∈ ℤ; 𝑚

𝑝 ≥ 𝑏}

A é um conjunto limitado inferiormente por b.p, e um conjunto não-vazio de

números inteiros. Seja 𝑚0 ∈ 𝐴 o menor elemento de 𝐴. Então:

𝑏 ≤𝑚0

𝑝

Como 𝑚0 − 1 < 𝑚0, tem-se que

𝑚0 − 1

𝑝< 𝑏

Assim, afirma-se que

𝑎 <𝑚0 − 1

𝑝< 𝑏

Se não fosse assim, ficaria

𝑚0 − 1

𝑝≤ 𝑎 < 𝑏 ≤

𝑚0

𝑝

Logo,

𝑚0 − 1

𝑝≤ 𝑎 𝑒 𝑏 ≤

𝑚0

𝑝

29

𝑚0 − 1

𝑝−𝑚0 − 1

𝑝− 𝑎 ≤ 𝑎 − 𝑎 −

𝑚0 − 1

𝑝 𝑒 𝑏 ≤

𝑚0

𝑝

−𝑎 ≤ −𝑚0 − 1

𝑝 𝑒 𝑏 ≤

𝑚0

𝑝

Isto acarretaria em

𝑏 − 𝑎 ≤𝑚0

𝑝 −𝑚0 − 1

𝑝=1

𝑝, 𝑢𝑚𝑎 𝑐𝑜𝑛𝑡𝑟𝑎𝑑𝑖çã𝑜 𝑑𝑒 0 <

1

p< 𝑏 − 𝑎.

Logo o número racional 𝑚0−1

𝑝∈ (𝑎, 𝑏).

Do mesmo modo, Lima (2013) afirma que o conjunto ℝ −ℚ é denso em ℝ,

propondo a seguinte demonstração: para obter um número irracional no intervalo

(a,b), dever-se notar que existe 𝑖 ∈ ℝ − ℚ; assim, tem-se:

𝑝 ∈ ℕ | 1𝑝 < 𝑏− 𝑎

√2

Ou seja,

1

𝑝 (√2) <

𝑏 − 𝑎

√2 (√2)

√2

𝑝 < 𝑏 − 𝑎

Os números irracionais 𝑚√2

𝑝 / 𝑚 ∈ ℤ , salvo m = 0, dividem a reta ℝ em

intervalos de comprimento √2

p .

Ora,

√2

𝑝 < 𝑏 − 𝑎

Assim, conclui-se que,

𝑚√2

𝑝∈ (𝑎, 𝑏)

30

Assim,

𝐴 = {𝑚 ∈ ℤ; √2

𝑝 ≥ 𝑏}

A é um conjunto limitado inferiormente por b. p, e como ℝ é arquimediano, A é

um conjunto não-vazio de números inteiros. Seja 𝑚0 ∈ 𝐴 o menor elemento de 𝐴.

Então:

𝑚 ∈ ℕ / 𝑚√2

𝑝> 𝑏

Como (𝑚0 − 1)√2 < 𝑚0√2, tem-se:

(𝑚0 − 1)√2

𝑝< 𝑏

Assim,

𝑎 <(𝑚0 − 1)√2

𝑝< 𝑏

Se não fosse assim, ficaria

(𝑚0 − 1)√2

𝑝≤ 𝑎 < 𝑏 ≤

𝑚0√2

𝑝

Assim,

(𝑚0 − 1)√2

𝑝≤ 𝑎 𝑒 𝑏 ≤

𝑚0√2

𝑝

(𝑚0 − 1)√2

𝑝−(𝑚0 − 1)√2

𝑝− 𝑎 ≤ 𝑎 − 𝑎 −

(𝑚0 − 1)√2

𝑝 𝑒 𝑏 ≤

𝑚0√2

𝑝

−𝑎 ≤ −(𝑚0 − 1)√2

𝑝 𝑒 𝑏 ≤

𝑚0√2

𝑝

Logo,

31

𝑏 − 𝑎 ≤𝑚0√2

𝑝−(𝑚0 − 1)√2

𝑝=√2

𝑝

Uma contradição de,

√2

𝑝 < 𝑏 − 𝑎

Logo, o número irracional (𝑚0−1)√2

𝑝∈ (𝑎, 𝑏).

Do que se argumentou até aqui, conclui-se:

(i) O número racional 𝑞 =𝑚0−1

𝑝∈ (𝑎, 𝑏);

(ii) O número irracional i =m0−1√2

p ∈ (a, b);

(iii) Em qualquer intervalo ] a , b [ ⊂ ℝ , com a < b, existe uma infinidade de

números racionais;

(iv) Em qualquer intervalo ] a , b [ ⊂ ℝ , com a < b, existe uma infinidade de

números irracionais.

Todas as demonstrações apresentadas são essenciais para sustentar que

tanto o conjunto ℚ dos números racionais quanto o conjunto ℝ−ℚ dos números

irracionais são densos no conjunto ℝ dos números reais. Tais afirmações serão

empregadas como base das sequências didáticas mais adiante descritas, da mesma

forma que uma forma de verificar se dado número é racional ou irracional por meio

das funções trigonométricas seno e cosseno, como segue.

1.8 Números racionais e irracionais e as funções trigonométricos sen 𝜃 e cos 𝜃

Este tópico possui a demonstração da fórmula deduzida do cosseno da soma

e do seno da soma, e tem por objetivo verificar quando sen 𝜃 e cos 𝜃 representam

um número racional ou um número irracional. No capítulo das análises constituídas

por meio da interface digital, haverá a possibilidade de realizar uma constatação

32

algébrica em relação a sen 𝜃 e cos 𝜃, de modo a permitir a conclusão pela

racionalidade ou irracionalidade de dado número.

Note-se, a seguir, a demonstração, utilizada por Níven (1990), de que a

fórmula deduzida do cosseno da soma 𝑐𝑜𝑠(𝐴 + 𝐵) = 𝑐𝑜𝑠𝐴. 𝑐𝑜𝑠𝐵 − 𝑠𝑒𝑛𝐴𝑠𝑒𝑛𝐵5

permitirá deduzir que 𝑐𝑜𝑠3𝜃 = 4𝑐𝑜𝑠3𝜃 − 3𝑐𝑜𝑠𝜃.

De fato,

cos(𝐴 + 𝐵) = 𝑐𝑜𝑠𝐴. 𝑐𝑜𝑠𝐵 − 𝑠𝑒𝑛𝐴𝑠𝑒𝑛𝐵, sendo 𝐴 𝑒 𝐵 = 𝜃 ; assim, tem-se:

cos(𝜃 + 𝜃) = 𝑐𝑜𝑠𝜃. 𝑐𝑜𝑠𝜃 − 𝑠𝑒𝑛𝜃𝑠𝑒𝑛𝜃

cos(2𝜃) = 𝑐𝑜𝑠²𝜃 − 𝑠𝑒𝑛²𝜃

cos(𝐴 + 𝐵) = 𝑐𝑜𝑠𝐴. 𝑐𝑜𝑠𝐵 − 𝑠𝑒𝑛𝐴𝑠𝑒𝑛𝐵, sendo 𝐴 = 2𝜃 𝐵 = 𝜃, tem-se:

cos(2𝜃 + 𝜃) = 𝑐𝑜𝑠2𝜃. 𝑐𝑜𝑠 𝜃 − 𝑠𝑒𝑛2𝜃𝑠𝑒𝑛 𝜃

cos(3𝜃) = 𝑐𝑜𝑠2𝜃. 𝑐𝑜𝑠 𝜃 − 𝑠𝑒𝑛2𝜃𝑠𝑒𝑛 𝜃; desta forma, substitui-se:

cos(2𝜃) = 𝑐𝑜𝑠²𝜃 − 𝑠𝑒𝑛²𝜃

𝑠𝑒𝑛(2𝜃) = 2𝑠𝑒𝑛𝜃. 𝑐𝑜𝑠𝜃;

𝑠𝑒𝑛2𝜃 + 𝑐𝑜𝑠2𝜃 = 1; logo, tem-se:

cos(3𝜃) = (𝑐𝑜𝑠2𝜃 − 𝑠𝑒𝑛2𝜃). 𝑐𝑜𝑠 𝜃 − (2𝑠𝑒𝑛𝜃. 𝑐𝑜𝑠𝜃). 𝑠𝑒𝑛 𝜃,

cos(3𝜃) = 𝑐𝑜𝑠³𝜃 − 𝑠𝑒𝑛²𝜃. 𝑐𝑜𝑠 𝜃 − 2𝑠𝑒𝑛²𝜃. 𝑐𝑜𝑠𝜃

cos(3𝜃) = 𝑐𝑜𝑠³𝜃 − 3𝑠𝑒𝑛²𝜃. 𝑐𝑜𝑠 𝜃

cos(3𝜃) = 𝑐𝑜𝑠³𝜃 − 3(1 − 𝑐𝑜𝑠2𝜃). 𝑐𝑜𝑠 𝜃

cos(3𝜃) = 𝑐𝑜𝑠3𝜃 − 3𝑐𝑜𝑠 𝜃 + 3𝑐𝑜𝑠3𝜃

cos(3𝜃) = 4𝑐𝑜𝑠3𝜃 − 3𝑐𝑜𝑠 𝜃

Na segunda parte, nota-se a demonstração, a seguir, de que a fórmula

deduzida do seno da soma 𝑠𝑒𝑛(𝐴 + 𝐵) = 𝑠𝑒𝑛𝐴. 𝑐𝑜𝑠𝐵 + 𝑐𝑜𝑠𝐴. 𝑠𝑒𝑛𝐵 chegará em

𝑠𝑒𝑛3𝜃 = 3𝑠𝑒𝑛𝜃 − 4𝑐𝑜𝑠³𝜃.

Assim,

5 Trata-se da identidade que, dados dois arcos quaisquer de medidas A e B, representa a diferença entre os

arcos mencionados. Niven (1990) propõe que se substituam A e B por um único valor – no caso, .

33

𝑠𝑒𝑛(𝐴 + 𝐵) = 𝑠𝑒𝑛𝐴. 𝑐𝑜𝑠𝐵 + 𝑐𝑜𝑠𝐴𝑠𝑒𝑛𝐵; 𝐴 𝑒 𝐵 = 𝜃; tem-se:

𝑠𝑒𝑛(𝜃 + 𝜃) = 𝑠𝑒𝑛𝜃. 𝑐𝑜𝑠𝜃 + 𝑐𝑜𝑠𝜃𝑠𝑒𝑛𝜃

𝑠𝑒𝑛(2𝜃) = 2𝑠𝑒𝑛𝜃. 𝑐𝑜𝑠𝜃

𝑠𝑒𝑛(𝐴 + 𝐵) = 𝑠𝑒𝑛𝐴. 𝑐𝑜𝑠𝐵 + 𝑐𝑜𝑠𝐴𝑠𝑒𝑛𝐵 , sendo 𝐴 = 2𝜃 𝐵 = 𝜃; tem-se:

𝑠𝑒𝑛(2𝜃 + 𝜃) = 𝑠𝑒𝑛2𝜃. 𝑐𝑜𝑠𝜃 + 𝑐𝑜𝑠2𝜃𝑠𝑒𝑛𝜃

𝑠𝑒𝑛(3𝜃) = 𝑠𝑒𝑛2𝜃. 𝑐𝑜𝑠𝜃 + 𝑐𝑜𝑠2𝜃𝑠𝑒𝑛𝜃; desta forma, substitui-se:

cos(2𝜃) = 𝑐𝑜𝑠²𝜃 − 𝑠𝑒𝑛²𝜃

𝑠𝑒𝑛(2𝜃) = 2𝑠𝑒𝑛𝜃. 𝑐𝑜𝑠𝜃;

𝑠𝑒𝑛2𝜃 + 𝑐𝑜𝑠2𝜃 = 1; logo, tem-se:

𝑠𝑒𝑛(3𝜃) = (2𝑠𝑒𝑛𝜃. 𝑐𝑜𝑠𝜃). 𝑐𝑜𝑠𝜃 + (𝑐𝑜𝑠²𝜃 − 𝑠𝑒𝑛²𝜃)𝑠𝑒𝑛𝜃

𝑠𝑒𝑛(3𝜃) = 2𝑠𝑒𝑛𝜃. 𝑐𝑜𝑠²𝜃 + 𝑐𝑜𝑠²𝜃𝑠𝑒𝑛𝜃 − 𝑠𝑒𝑛³𝜃

𝑠𝑒𝑛(3𝜃) = 2𝑠𝑒𝑛𝜃. (1 − 𝑠𝑒𝑛²𝜃) + (1 − 𝑠𝑒𝑛²𝜃)𝑠𝑒𝑛𝜃 − 𝑠𝑒𝑛³𝜃

𝑠𝑒𝑛(3𝜃) = 2𝑠𝑒𝑛𝜃 − 2𝑠𝑒𝑛³𝜃 + (𝑠𝑒𝑛𝜃 − 𝑠𝑒𝑛³𝜃) − 𝑠𝑒𝑛³𝜃

𝑠𝑒𝑛(3𝜃) = 2𝑠𝑒𝑛𝜃 − 2𝑠𝑒𝑛³𝜃 + 𝑠𝑒𝑛𝜃 − 2𝑠𝑒𝑛³𝜃

𝑠𝑒𝑛(3𝜃) = 3𝑠𝑒𝑛𝜃 − 4𝑠𝑒𝑛³𝜃

Com a identidade trigonométrica cos(3𝜃) = 4𝑐𝑜𝑠3𝜃 − 3𝑐𝑜𝑠 𝜃, pode-se verificar

se, de fato, 𝑐𝑜𝑠𝜃 é um número racional ou irracional, e com a identidade

trigonométrica 𝑠𝑒𝑛(3𝜃) = 3𝑠𝑒𝑛𝜃 − 4𝑠𝑒𝑛³𝜃, pode-se efetuar a mesma verificação para

𝑠𝑒𝑛𝜃. O objetivo deste raciocínio repousa na verificação conceitual relativa ao fato

de dado número ser racional ou irracional, pois a verificação numérica será realizada

por meio do software, como se descreverá oportunamente.

Após a resolução por meio das identidades trigonométricas cos(3𝜃) =

4𝑐𝑜𝑠3𝜃 − 3𝑐𝑜𝑠 𝜃 e 𝑠𝑒𝑛(3𝜃) = 3𝑠𝑒𝑛𝜃 − 4𝑠𝑒𝑛³𝜃, utiliza-se o cálculo para possíveis

raízes de um polinômio:

𝑐3𝑥3 + 𝑐2𝑥

2 + 𝑐1𝑥1 + 𝑐0 = 0

34

Desta forma, utiliza-se as razões de 𝑐0

𝑎 e

𝑐3

𝑏 para encontrar as possíveis raízes

da equação polinomial de grau 3.

De fato, uma raiz da equação polinomial de grau 3 será um número racional 𝑎

𝑏

irredutível desde que, ao substituir uma das possíveis raízes, verifique-se a

igualdade da mesma em relação à zero. Pode-se, ainda, fazer a verificação para as

três raízes utilizando o dispositivo Briot-Ruffini. Caso não satisfaça a equação

polinomial de grau 3, nota-se que este número será irracional.

Para um melhor entendimento, observa-se a seguir uma explanação,

tomando como caso a hipótese da racionalidade do cosseno de 20°.

Substitui-se 𝜃 = 20° em 𝑐𝑜𝑠3𝜃 = 4𝑐𝑜𝑠3𝜃 − 3𝑐𝑜𝑠𝜃, de modo que:

𝑐𝑜𝑠3.20° = 4𝑐𝑜𝑠320° − 3𝑐𝑜𝑠20°

𝑐𝑜𝑠60° = 4𝑐𝑜𝑠320° − 3𝑐𝑜𝑠20°

Substitui-se 𝑐𝑜𝑠20° = 𝑥. Da mesma forma, sabe-se que 𝑐𝑜𝑠60° =1

2. Assim:

1

2= 4𝑥³ − 3𝑥

1 = 8𝑥³ − 6𝑥

8𝑥3 − 6𝑥 − 1 = 0

Usando o teorema das raízes racionais de um polinômio6, observa-se, a seguir:

𝑐3𝑥3 + 𝑐2𝑥

2 + 𝑐1𝑥1 + 𝑐0 = 0

8𝑥3 − 6𝑥 − 1 = 0

Determinam-se, em seguida, os possíveis divisores para 𝑐0:

𝑐0𝑎=−1

1= −1

𝑐0𝑎=−1

−1= 1

Determinam-se os possíveis divisores para 𝑐3

𝑐3𝑏=8

1= 8

6 O teorema das raízes racionais de um polinômio é discutido em detalhes no final deste capítulo.

35

𝑐3𝑏=

8

−1= −8

𝑐3𝑏=8

2= 4

𝑐3𝑏=

8

−2= −4

𝑐3𝑏=8

4= 2

𝑐3𝑏=

8

−4= −2

𝑐3𝑏=8

8= 1

𝑐3𝑏=

8

−8= −1

Após a obtenção destes resultados, substituem-se os mesmos respectivamente em

𝑎

𝑏, ou seja, em a = ±1 e em b = ±1,±2,±4,±8.

Assim, obtêm-se as oito possíveis raízes racionais 𝑎

𝑏: ± 1;±

1

2; ±

1

4; ±

1

8

Ao substituir qualquer uma das raízes encontradas, constata-se que não é possível

obter 8𝑥3 − 6𝑥 − 1 = 0. Por exemplo, com x = 1:

8𝑥3 − 6𝑥 − 1 = 0

8(1)3 − 6(1) − 1 = 0

8 − 6 − 1 ≠ 0

Como pode ser observado, cosseno de 20° é um número irracional, pois a

substituição por qualquer uma das possíveis raízes obtidas pelo teorema em 8𝑥3 −

6𝑥 − 1 = 0 não satisfaz a equação polinomial.

Da mesma forma, tomemos o seno de 30° para constatar, pelo mesmo

mecanismo, se o número é racional ou irracional:

Substitui-se 𝜃 = 30° de modo que 𝑠𝑒𝑛3𝜃 = 3𝑠𝑒𝑛𝜃 − 4𝑠𝑒𝑛³𝜃

𝑠𝑒𝑛3.30° = 3𝑠𝑒𝑛30° − 4𝑠𝑒𝑛³30°

𝑠𝑒𝑛90° = 3𝑠𝑒𝑛30° − 4𝑠𝑒𝑛³30°

36

Substitui-se 𝑠𝑒𝑛30° = 𝑥, e iguala-se 𝑠𝑒𝑛90° = 1

1 = 3𝑥 − 4𝑥³

4𝑥3 − 3𝑥 + 1 = 0

Usando a definição de possíveis raízes de um polinômio, observa-se, a seguir:

𝑐3𝑥3 + 𝑐2𝑥

2 + 𝑐1𝑥1 + 𝑐0 = 0

4𝑥3 − 3𝑥 + 1 = 0

Determinam-se os possíveis divisores para 𝑐0.

𝑐0𝑎=1

1= 1

𝑐0𝑎=

1

−1= −1

Determinam-se os possíveis divisores para 𝑐3

𝑐3𝑏=4

1= 4

𝑐3𝑏=

4

−1= −4

𝑐3𝑏=4

2= 2

𝑐3𝑏=

4

−2= −2

𝑐3𝑏=4

4= 1

𝑐3𝑏=

4

−4= −1

Após a obtenção destes resultados, substituem-se os mesmos respectivamente em

𝑎

𝑏, ou seja, em a = ±1 e em b = ±1,±2,±4.

Assim, obtêm-se as seis possíveis raízes racionais 𝑎

𝑏: ± 1;±

1

2; ±

1

4.

Ao substituir as raízes encontradas observa-se, em relação a 4𝑥3 − 3𝑥 + 1 = 0, com

𝑥 = −1:

4. (−13) − 3. (−1) + 1 = 0

37

−4 + 3 + 1 = 0

O que permite concluir que -1 é raiz da equação 4𝑥3 − 3𝑥 + 1 = 0.

Neste caso, de posse de uma raiz, -1, é possível empregar o dispositivo Briot-Ruffini

para obter as restantes:

Seja o polinômio 𝑃(𝑥) = 4𝑥3 − 3𝑥 + 1 O algoritmo mencionado prevê a divisão de

um polinômio por um binômio do tipo 𝑄(𝑥) = 𝑥 − 𝑎. Ora, como uma raiz racional é

conhecida, tem-se, desta forma, que 𝑥 + 1 = 0, ou seja, 𝑥 − (−1) = 0, em atenção à

forma 𝑥 − 𝑎. Assim, no problema em questão, têm-se que 4𝑥3−3𝑥+1

𝑥−(−1). Aplicando-se o

dispositivo:

A b c d

-1 4 0 -3 1

-4 4 -1

4 -4 1 0

Da aplicação supramencionada, vem que 𝑅(𝑥) = 4𝑥2 − 4𝑥 + 1, e 𝑃(𝑥) = 𝑄(𝑥)𝑅(𝑥) +

𝑟, com 𝑟 = 0. Assim, considerando a forma quadrática de 𝑅(𝑥), tem-se que 𝑥 =

−𝑏±√𝑏2−4𝑎𝑐

2𝑎. Desta maneira,

𝑥 =−(−4) ± √(−4)2 − 4.4.1

2.4

𝑥 =4 ± 0

8=1

2

São, portanto, em relação à equação 4𝑥2 − 4𝑥 + 1 = 0, as raízes racionais

𝑥1 =1

2 e 𝑥2 =

1

2. Desta forma, têm-se, para 4𝑥3 − 3𝑥 + 1 = 0, as raízes 𝑥1 =

1

2, 𝑥2 =

1

2 𝑒 𝑥3 = −1, racionais.

Neste caso, o dispositivo Briot-Ruffini permitiu encontrar três raízes 𝑥1, 𝑥2 𝑒 𝑥3,

números racionais, sendo a primeira a raiz de 𝑥 + 1 = 0 e as restantes, as raízes de

4𝑥2 − 4𝑥 + 1 = 0 . Portanto, seno de 30° é um número racional.

Resta indicar que os resultados obtidos dependeram, em parte do teorema

das raízes racionais de um polinômio. É preciso destacar, primeiramente, que tal

teorema não garante a existência das raízes de dado polinômio com coeficientes

38

inteiros, mas permite encontrá-las, casos existam. De maneira geral, então, o

referido teorema indica que, se o número racional 𝑝

𝑞 é raiz de um dado polinômio,

então 𝑝 é divisor de 𝑎0 (o termo independente) e 𝑞 é divisor de 𝑎𝑛𝑥𝑛 (o termo com a

potência mais significativa). Ou seja, indica que, se um número racional 𝑝

𝑞 pode ser

admitido como raiz de uma equação polinomial 𝑃(𝑥) = 𝑎𝑛𝑥𝑛 + 𝑎𝑛−1𝑥

𝑛−1 +

𝑎𝑛−2𝑥𝑛−2 +⋯+ 𝑎2𝑥

2 + 𝑎1𝑥1 + 𝑎0, com 𝑝 e 𝑞 primos entre si e 𝑎0 0, bem como 𝑝 ∈

ℤ, 𝑞 ∈ ℤ∗, então, 𝑎 é divisível por 𝑝 e 𝑎𝑛 é divisível por 𝑞.

De fato, considere-se que, na hipótese de 𝑝

𝑞 ser raiz de um dado polinômio,

seria possível escrever:

𝑎𝑛(𝑝

𝑞)𝑛 + 𝑎𝑛−1(

𝑝

𝑞)𝑛−1 + 𝑎𝑛−2(

𝑝

𝑞)𝑛−2 +⋯+ 𝑎2(

𝑝

𝑞)2 + 𝑎1(

𝑝

𝑞)1 + 𝑎0 = 0

Em seguida, admita-se multiplicar os membros da referida equação por 𝑞𝑛.

Neste caso, ter-se-ia

𝑎𝑛𝑝𝑛 + 𝑎𝑛−1𝑝

𝑛−1q + 𝑎𝑛−2𝑝𝑛−2𝑞2 +⋯+ 𝑎2𝑝

2𝑞𝑛−2 + 𝑎1𝑝1𝑞𝑛−1 + 𝑎0𝑞

𝑛 = 0

Deste resultado, podem-se admitir:

(𝑎𝑛𝑝𝑛−𝑎𝑛𝑝

𝑛) + 𝑎𝑛−1𝑝𝑛−1q + 𝑎𝑛−2𝑝

𝑛−2𝑞2 +⋯+ 𝑎2𝑝2𝑞𝑛−2 + 𝑎1𝑝

1𝑞𝑛−1 + 𝑎0𝑞𝑛 = −𝑎𝑛𝑝

𝑛

𝑎𝑛𝑝𝑛 + 𝑎𝑛−1𝑝

𝑛−1q + 𝑎𝑛−2𝑝𝑛−2𝑞2 +⋯+ 𝑎2𝑝

2𝑞𝑛−2 + 𝑎1𝑝1𝑞𝑛−1 + (𝑎0𝑞

𝑛 − 𝑎0𝑞𝑛) = −𝑎0𝑞

𝑛

E, de igual forma:

(−𝑎𝑛𝑝𝑛)(−1) = (−1)(𝑎𝑛−1𝑝

𝑛−1q + 𝑎𝑛−2𝑝𝑛−2𝑞2 +⋯+ 𝑎2𝑝

2𝑞𝑛−2 + 𝑎1𝑝1𝑞𝑛−1 + 𝑎0𝑞

𝑛)

(−𝑎0𝑞𝑛)(−1) = (−1)(𝑎𝑛𝑝

𝑛 + 𝑎𝑛−1𝑝𝑛−1𝑞1 + 𝑎𝑛−2𝑝

𝑛−2𝑞2 +⋯+ 𝑎2𝑝2𝑞𝑛−2 + 𝑎1𝑝

1𝑞𝑛−1)

Assim, da propriedade distributiva, vêm, para 𝑎𝑛𝑝𝑛 e 𝑎0𝑞

𝑛, evidenciando 𝑞 e 𝑝,

respectivamente:

𝑎𝑛𝑝𝑛 = (−𝑞)(𝑎𝑛−1𝑝

𝑛−1 + 𝑎𝑛−2𝑝𝑛−2𝑞1 +⋯+ 𝑎2𝑝

2𝑞𝑛−3 + 𝑎1𝑝1𝑞𝑛−2 + 𝑎0𝑞

𝑛−1)

𝑎0𝑞𝑛 = (−𝑝)(𝑎𝑛𝑝

𝑛−1 + 𝑎𝑛−1𝑝𝑛−2𝑞1 + 𝑎𝑛−2𝑝

𝑛−3𝑞2 +⋯+ 𝑎2𝑝1𝑞𝑛−2 + 𝑎1𝑞

𝑛−1)

Ora, todos os coeficientes supramencionados são inteiros, da mesma forma

que 𝑞 e 𝑝. Logo, assuma-se:

𝑟 = 𝑎𝑛−1𝑝𝑛−1 + 𝑎𝑛−2𝑝

𝑛−2𝑞1 +⋯+ 𝑎2𝑝2𝑞𝑛−3 + 𝑎1𝑝

1𝑞𝑛−2 + 𝑎0𝑞𝑛−1

39

𝑠 = 𝑎𝑛𝑝𝑛−1 + 𝑎𝑛−1𝑝

𝑛−2𝑞1 + 𝑎𝑛−2𝑝𝑛−3𝑞2 +⋯+ 𝑎2𝑝

1𝑞𝑛−2 + 𝑎1𝑞𝑛−1

E, por consequência:

𝑎𝑛𝑝𝑛 = (−𝑞). 𝑟

𝑎0𝑞𝑛 = (−𝑝). 𝑠

Ou seja:

−𝑟 = 𝑎𝑛𝑝

𝑛

𝑞, 𝑟 ℤ

−𝑠 = 𝑎0𝑞

𝑛

𝑝, 𝑠 ℤ

Assim, 𝑎𝑛𝑝𝑛 é divisível por 𝑞; como 𝑞 e 𝑝𝑛 são primos entre si, tem-se que 𝑎𝑛

é divisível por 𝑞. Da mesma forma, 𝑎0𝑞𝑛 é divisível por p; como 𝑞𝑛 𝑒 𝑝 são primos

entre si, tem-se que 𝑎0 é divisível por 𝑝.

Este capítulo permitiu, então, discutir características, conceitos e definições

relativas aos números racionais e irracionais, além de arrolar procedimentos que

permitem verificar se dado número pertence a um ou outro conjunto. A abordagem

feita aqui pretendeu, então, explorar o caráter epistemológico dos objetos

matemáticos envolvidos na investigação. Na continuidade, o próximo capítulo inicia

as reflexões acerca do suporte teórico da pesquisa, justamente por meio da revisão

da literatura.

40

CAPÍTULO DOIS

REFERENCIAL TEÓRICO E METODOLÓGICO

2.1 Revisão da Literatura e aportes teóricos

Esta seção procura trazer alguns dos trabalhos que guardam correlações em

relação ao tema da pesquisa aqui descrita. Evidentemente, não se pretendeu

esgotar as produções neste sentido, algo que sequer seria possível, mas eleger e

descrever prioritariamente relatos de pesquisa cujos elementos teóricos e/ou

metodológicos de alguma forma influenciaram a construção desta investigação.

No artigo “Irrational numbers: the gap between formal and intuitive

knowledge”, em relação ao qual parte das atividades foram adaptadas para esta

investigação, Sirotic e Zazkis (2007) fizeram um estudo envolvendo 46 futuros

professores de matemática no Canadá, os quais se encontravam, à época, no

estágio final de suas formações, o que lhes permitiria obter a certificação necessária

naquele país para lecionar no ensino médio (ou secundário, em uma tradução mais

“literal” da forma como este nível é chamado lá). Segundo as autoras, as finalidades

do estudo foram prover um levantamento acerca das compreensões e

incompreensões sobre os números irracionais, interpretar como o entendimento

sobre irracionalidade é construído e explicar como e porque ocorrem certas

dificuldades. De forma mais precisa, argumentam:

Understanding of irrational numbers is essential for the extension and reconstruction of the concept of number from the system of rational numbers to the system of real numbers. Previously we focused our analysis on how irrational numbers can be (or cannot be) represented and how different representations influence participants’ responses with respect to irrationality […] In this article we consider participants’ knowledge, intuitions and beliefs with respect to the relationship between the two number sets, rational and irrational (SIROTIC; ZAZKIS, 2007, p.50)7.

Segundo as autoras, ainda, o suporte teórico do estudo que apresentam,

recolhido entre as poucas pesquisas sobre o tema que puderam levantar, parte das

reflexões de Fischbein, Jehiam e Cohen (1995), os quais procuraram levantar quais

7 A compreensão dos números irracionais é essencial para a extensão e reconstrução do conceito de número, partindo do sistema de números racionais para o sistema de números reais. Previamente, focamos nossa análise sobre como números irracionais podem (ou não podem) ser representados e como as diferentes representações influenciam as respostas dos participantes com respeito à irracionalidade. Neste artigo, consideramos o conhecimento dos participantes, intuições e crenças relativas ao relacionamento entre os dois conjuntos, dos racionais e dos irracionais.

41

conhecimentos acerca dos números irracionais possuíam um grupo de 62

estudantes e 29 professores em formação. Neste estudo, o pressuposto foi o de que

os grandes obstáculos, de natureza intuitiva, à aprendizagem de elementos relativos

aos irracionais partiriam de dois constructos essenciais, caracterizados pela

incomensurabilidade dos irracionais, bem como por sua incontabilidade8. Entretanto,

estas presunções iniciais não se mostraram verdadeiras, uma vez que, no lugar

delas, emergiram respostas aos instrumentos empregados que denotaram grandes

dificuldades, por parte dos sujeitos, para definir corretamente os conceitos relativos

aos números racionais, irracionais e reais – ou seja, as dificuldades realmente

apresentadas eram de uma natureza por assim dizer básica, bastante aquém do

nível de maturidade intelectual necessária para a apresentação dos obstáculos

incialmente aventados. Da mesma forma, o trabalho de Arcavi et al (1987 apud

SIROTIC; ZAZKIS, 2007) apontou inúmeras inconsistências em relação ao

conhecimento relativo aos números racionais e irracionais entre 87 professores de

matemática do ensino secundário em processo de formação continuada,

principalmente quando indica que boa parte dos sujeitos apresentava dificuldades

para distinguir racionais de irracionais e que, para a maioria dos indivíduos, a

irracionalidade dependeria de representações decimais.

As autoras descrevem, ainda, outras fontes às quais recorreram, como Peled

e Hershkovitz (1999 apud SIROTIC; ZAZKIS, 2007), os quais, de maneira contrária à

Fischbein, Jehiam e Cohen (1995 apud SIROTIC; ZAZKIS, 2007), não identificaram

questões conceituais como fonte das dificuldades de seus sujeitos (setenta

professores em formação inicial), mas falhas no uso de diferentes representações

relativas aos irracionais, falhas estas decorrentes, principalmente, do uso

inadequado do conceito de limite.

Especificamente, Sirotic e Zazkis (2007) indicam que o estudo que

apresentam parte do que chamam de “três dimensões do conhecimento” (p. 52)

acerca dos números irracionais, e de suas imbricações, e que procuraram explorar

as inconsistências conceituais dos participantes a partir destes pontos de vista. As

autoras asseveram que, tal como discutido em Tirosh et al (1998), tais dimensões

seriam as seguintes:

8 O termo utilizado no original pelas autoras é nondenumerability, no sentido de que o conjunto dos números irracionais não é contável.

42

The algorithmic dimension is procedural in nature – it consists of the knowledge of rules and prescriptions with regard to a certain mathematical domain and it involves a learner’s capability to explain the successive steps involved in various standard operations. The formal dimension is represented by definitions of concepts and structures relevant to a specific content domain, as well as by theorems and their proofs; it involves a learner’s capability to recall and implement definitions and theorems in a problem solving situation. The intuitive dimension of knowledge (also referred to as intuitive knowledge) is composed of a learner’s intuitions, ideas and beliefs about mathematical entities, and it includes mental models used to represent number concepts and operations. It is characterized as the type of knowledge that we tend to accept directly and confidently – it is

self-evident and psychologically resistant (SIROTIC; ZAZKIS, 2007, p. 51)9.

As autoras apontam que estas dimensões têm várias sobreposições, ou seja,

não se apresentam como disjunções absolutas. Ao longo da argumentação, Sirotic e

Zazkis (2007) indicam adotarem uma distinção entre percepções intuitivas acerca do

conhecimento envolvido, que entendem como “componentes evidentes e

intrinsicamente necessários” (p.51), e as crenças, que reputam como constructos

psicologicamente resistentes e que podem revelar incorreções e/ou inconsistências,

como aquela representada pela crença bastante difundida de que “a divisão sempre

resulta menor” (ou seja, na operação de divisão, o quociente é sempre menor que o

dividendo). Neste caso, evidentemente, não se trata exatamente de um erro, mas de

um conhecimento mal adaptado, válido no conjunto dos números naturais, mas não

entre os racionais e os irracionais, por exemplo10.

Desta forma, o texto traz, fundamentalmente, uma discussão acerca de como

as inconsistências em relação ao conhecimento matemático em foco podem ser

provenientes de certo estoque de crenças profundamente arraigadas nos sujeitos,

as quais emergem intuitivamente em situações em que os conhecimentos formais,

por exemplo, no domínio dos números irracionais, deveriam ser acionados. Ou seja,

9 A dimensão algorítmica é procedural por natureza: consiste no conhecimento de regras e prescrições relativas a certo domínio matemático e envolve a capacidade do aprendiz em explicar os sucessivos passos envolvidos em diversas operações padrão. A dimensão formal é representada por definições e estruturas relevantes em relação ao domínio de um conteúdo específico, assim como por teoremas e suas provas: envolve a capacidade do aprendiz em recorrer e implementar definições e teoremas em uma situação de resolução de problemas. A dimensão intuitiva do conhecimento é composta pelas intuições do aprendiz, bem como por ideias e crenças sobre os objetos matemáticos e inclui modelos mentais usados para representar conceitos numéricos e operações. Esta dimensão é caracterizada como o tipo de conhecimento que se tende a aceitar diretamente e confiantemente, e é auto-evidente e psicologicamente resistente. 10 Ainda que este não seja um tópico tratado diretamente por esta dissertação, a questão do conhecimento mal adaptado em determinados contextos matemáticos é tratada por Brousseau (1986) quando este autor define e caracteriza o conceito de obstáculo, e o classifica em distintas naturezas (epistemológica, didática, ontogênica).

43

It seems that people tend to adapt their formal knowledge and their algorithms to accommodate their beliefs, perhaps as a result of a natural tendency towards consistency. Inconsistencies then, might be the result of the counteraction of the deeply engrained procedures that emerge when the person is not watchful of his or her beliefs, but does things automatically instead. In this study we explore several inconsistencies in the participants’ knowledge and discuss those in terms of different dimensions of knowledge (SIROTIC; ZAZKIS, 2007, p.52)11

Assim delimitado o objetivo, as autoras apresentam as questões que

nortearam as discussões realizadas ao longo do texto, que poderiam ser

sintetizadas da seguinte forma:

a) O que os participantes pensam acerca do “tamanho” dos dois conjuntos

infinitos (racionais e irracionais)? Ou seja, o que pensam sobre a

“abundância”12 relativa de um conjunto comparado a outro?

b) O que os participantes pensam sobre como os números racionais e os

números irracionais são dispostos juntos, em ordem, na reta real? Que

dimensões do conhecimento são empregadas para dar suporte às ideias

que apresentam?

c) Quais são as ideias dos participantes da pesquisa a respeito dos efeitos

das operações de adição e multiplicação na racionalidade (ou

irracionalidade) dos resultados? Que dimensões do conhecimento são

empregadas para dar suporte às ideias que apresentam?

d) Quais são as interações entre as diferentes dimensões do conhecimento

em relação aos itens anteriores? Há consistência ou conflito?

A pesquisa indica que três tarefas foram propostas. A primeira delas

relaciona-se a conceitos relativos aos fatos de o conjunto dos números racionais ser

enumerável (ou contável) e o dos irracionais ser não enumerável. Neste sentido, as

perguntas contidas nesta parte do estudo pedem para que os participantes indiquem

qual conjunto é mais “rico”, ou seja, apresenta maior probabilidade de escolha

11 Parece que as pessoas tendem a adaptar seus conhecimentos formais e os respectivos algoritmos para acomodar suas crenças, talvez como resultado de uma tendência natural ligada à consistência. Inconsistências, então, poderiam ser o resultado da oposição em relação procedimentos profundamente arraigados que surgem quando a pessoa não está vigilante em relação a estas crenças, mas faz as coisas automaticamente. Neste estudo vamos explorar várias inconsistências no conhecimento dos participantes e discuti-las em termos das diferentes dimensões do conhecimento. 12 As autoras chamam de “abundância” à “quantidade” de números dos conjuntos envolvidos em algum intervalo da reta real – a pretensão parece ser a de compreender se os participantes percebem o conjunto dos números racionais como um conjunto de medida zero. Além disso, é possível indicar que esta ideia está relacionada à cardinalidade dos conjuntos infinitos.

44

aleatória de um número que lhe pertença em um dado intervalo. A resposta correta,

segundo as autoras, seria a de que os irracionais apresentam esta característica,

justamente em função de sua não enumerabilidade. Entre os participantes,

justificativas matematicamente válidas foram apresentadas em relação a esta tarefa,

revelando recurso à dimensão formal do conhecimento. Além disso, outros

participantes responderam corretamente, alinhando argumentos matematicamente

aceitáveis sem anunciarem qualquer aspecto formal, como foi o caso de um dos

participantes que anunciou intuitivamente raciocínios ligados às demonstrações de

diagonalização de Cantor ou à existência de diferentes ordens de infinidades.

Entretanto, em relação à primeira tarefa, além da parte considerável dos

sujeitos que apontou erroneamente que ambos os conjuntos seriam contáveis (ou

que ambos seriam incontáveis), surgiram algumas respostas corretas com

justificativas insustentáveis. A mais comum foi a de que os irracionais seriam mais

abundantes que os racionais porque os irracionais seriam um conjunto infinito,

enquanto os racionais comporiam um conjunto finito.

Em continuidade, esta primeira tarefa questionou, na sequência, como já

exposto na introdução deste trabalho, acerca da possibilidade de se tomar

aleatoriamente um número racional entre 0 e 1, por meio da seguinte pergunta:

“suponha que você tome um número aleatório no intervalo entre 0 e 1 (na reta dos

números reais). Qual a probabilidade de pegar um número racional?” (SIROTIC;

ZAZKIS, 2007, p.53). Sabe-se que, em razão da não enumerabilidade do conjunto

dos números racionais, e do fato de o mesmo ser um conjunto de medida zero, a

resposta deveria ser, igualmente, zero. Além das respostas equivocadas para este

item, apontando que a possibilidade seria de 50%, por exemplo (baseada na ideia

de que os conjuntos teriam, essencialmente, a mesma “abundância”), respostas

corretas ou parcialmente corretas foram providas, mas a partir de raciocínios

errados, como quando parte dos sujeitos indicou que o fato da possibilidade não

existir (ou ser muito pequena) entre os racionais estaria baseada na finitude deste

conjunto.

A segunda tarefa visava examinar as concepções dos sujeitos acerca do

conceito de densidade nos dois conjuntos, dos racionais e dos irracionais. Assim, as

questões se encontravam estruturadas da seguinte maneira:

45

(a) It is always possible to find a rational number between any two irrational numbers. Determine True or False and explain your thinking.

(b) It is always possible to find an irrational number between any two irrational numbers. Determine True or False and explain your thinking.

(c) It is always possible to find an irrational number between any two rational numbers. Determine True or False and explain your thinking.

(d) It is always possible to find a rational number between any two rational numbers. Determine True or False and explain your thinking. (SIROTIC; ZAZKIS, 2007, p.53)13

Evidentemente, todas estas afirmações são verdadeiras. Entretanto, não só

muitas respostas foram indicadas de forma equivocada como muitos sujeitos sequer

responderam aos questionamentos. A tabela 1, a seguir, permite perceber esta

ocorrência.

Tabela 1. Quantificação das respostas ao item 2 (46 respondentes)

Item Falso Verdadeiro Sem resposta

Racionais entre dois irracionais 12 24 10

Irracionais entre dois irracionais 5 32 9

Irracionais entre dois racionais 3 33 11

Racionais entre dois racionais 10 24 12

Fonte: SIROTIC; ZAZKIS, 2007, p. 63 (adaptado)

Entre os fatos que chamaram a atenção das autoras, consta aquele que

indica que mais de um quarto dos participantes acredita não ser possível encontrar

racionais entre dois irracionais, em função, de acordo com várias respostas dadas,

do fato de os irracionais apresentarem algo como “uma grande proximidade”, ao

ponto de um dos participantes haver usado a expressão “irracionais consecutivos”.

Além disso, quase metade dos sujeitos respondeu erroneamente ou não respondeu

os itens (a) e (d).

Em relação às justificativas apresentadas para as respostas equivocadas,

podem ser alinhadas as seguintes (SIROTIC; ZAZKIS, 2007, p. 64):

Entre pelo menos alguns números racionais só existem irracionais. Deve

ser assim porque existem muito mais números racionais do que

irracionais;

13 (a) É sempre possível encontrar um número racional entre quaisquer dois números irracionais. Determine “verdadeiro” ou “falso” e explique seu raciocínio; (b) É sempre possível encontrar um número irracional entre quaisquer dois números irracionais. Determine “verdadeiro” ou “falso” e explique seu raciocínio; (c) É sempre possível encontrar um número irracional entre quaisquer dois números racionais. Determine “verdadeiro” ou “falso” e explique seu raciocínio; (d) É sempre possível encontrar um número racional entre quaisquer dois números racionais. Determine “verdadeiro” ou “falso” e explique seu raciocínio.

46

Não há muitos números racionais - os irracionais preenchem os espaços

entre os racionais;

Os números irracionais são tão densos que você pode encontrar dois

deles sem qualquer racional no meio;

Os espaços entre os números irracionais podem ser infinitamente

pequenos. Assim, existirão dois números irracionais que são os mais

próximos um do outro;

Duas dízimas não periódicas podem existir sem uma dízima periódica

entre eles. Dois números irracionais podem ser muito próximos sem que

sejam iguais;

Eu acredito que os números sejam alterados: racional, irracional, racional,

irracional, .... Assim, devem existir alguns números racionais tão próximos

entre os quais apenas números irracionais poderiam ser encontrados.

Similarmente, entre dois números irracionais extremamente próximos só

seria possível encontrar um racional, não um irracional.

Entre as justificativas conjecturadas pelas autoras para respostas

caracterizadas por intuições tão infelizes consta o fato de que o conceito de

infinitude não é muito intuitivo, principalmente entre os racionais. Neste caso, a

confusão entre conjunto enumerável e conjunto cujos elementos podem ser

contados é decisiva. Além disso, ainda que denso, sabe-se que os racionais

aparecem de forma muito esparsa quando comparados com os irracionais.

A terceira e última tarefa relacionada neste estudo trazia o seguinte

enunciado, dividido em dois itens:

(a) If you add two positive irrational numbers the result is always irrational. True or false? Explain your thinking.

(b) If you multiply two different irrational numbers the result is always irrational. True or false? Explain your thinking (SIROTIC; ZAZKIS, 2007, p. 54)14.

Neste caso, as duas propostas são falsas. Entretanto, a maioria dos sujeitos

indicou que a resposta seria verdadeira. Entre as justificativas apresentadas para

semelhante equívoco, as mais comuns foram:

14 (a) Se você somar dois números irracionais positivos, o resultado será sempre irracional. Verdadeiro ou falso? Explique seu raciocínio; (b) Se você multiplicar dois números irracionais diferentes, o resultado será sempre irracional.

47

Quando se multiplica dois números que possuem, ambos, uma quantidade

infinita de dígitos, o resultado será ainda um número com uma quantidade

infinita de dígitos;

Dois números que possuem uma quantidade infinita de dígitos não

repetitivos à direita das casas decimais terá uma quantidade infinita de

dígitos não repetitivos em sua soma;

Não se pode somar dois números irracionais porque ambos continuam

indefinidamente, de forma que se teria que somá-los infinitamente.

À guisa de conclusão, as autoras afirmam que boa parte das concepções

errôneas empregadas pelos sujeitos se devem às dificuldades inerentes ao assunto

“números irracionais”, muitas vezes descritas como obstáculos epistemológicos.

Ainda assim, as autoras asseveram que a compreensão relativa aos números

irracionais é extremamente relevante, inclusive para a extensão e reconstrução do

conceito de número e sua ampliação em relação ao conjunto dos números reais.

Para elas, então, uma cuidadosa estratégia didática seria necessária para o

desenvolvimento do conceito em questão.

O trabalho de Sirotic e Zazkis (2007) contribuiu decisivamente para o design

da presente pesquisa, uma vez que um de seus instrumentos, referente à tarefa

dois, foi adaptado e utilizado aqui. Além disso, por se tratar de um estudo cujo tema

é bastante próximo daquele tomado nesta investigação, foi possível empregar

alguns dos conceitos assumidos pelas autoras na concepção teórica que tiveram,

entre os quais – e principalmente – a ideia relativa aos tipos de raciocínio assumidos

pelos participantes da pesquisa frente aos problemas matemáticos, e que podem ser

de natureza algorítmica, formal ou intuitiva, conforme já foi assinalado.

De forma mais específica, a partir do trabalho de Sirotic e Zazkis (2007),

torna-se possível considerar, entre as categorias de análise mais adiante

especificadas, em que dimensão se poderia posicionar o discurso dos sujeitos desta

pesquisa (algorítmica, formal, intuitiva) e as eventuais sobreposições que se

evidenciam quando da apresentação de justificativas para suas conjecturas. Além

disso, entendem-se como autorizadas, a partir do uso do trabalho mencionado,

referências a questões ligadas a enumerabilidade dos conjuntos numéricos

considerados nas atividades desta pesquisa, bem como sua “abundância” e

“riqueza”. Estes elementos, igualmente, são observados nas análises efetuadas a

partir das respostas providas pelos sujeitos às atividades propostas.

48

Da mesma forma, dada a relevância do trabalho de Sirotic e Zazkis (2007)

para a pesquisa que ora se apresenta, entende-se que caiba, em relação às

análises que aqui se procedem, uma comparação entre os resultados obtidos

originalmente e aqueles captados pelos métodos empregados nesta investigação, o

que se faz e se evidencia no capítulo pertinente deste texto.

Em outra pesquisa examinada nesta revisão, Pasquini (2007), na tese

denominada “Um tratamento para os números reais via medição de segmentos: uma

proposta, uma investigação”, introduz os conceitos relativos aos números reais por

meio de um processo de medição de segmentos. No trabalho mencionado, a autora

discorre sobre a infinidade de segmentos, verificada por meio do Axioma de

Arquimedes, e sobre o Axioma da Continuidade, como uma sequência de

“segmentos encaixados” (neste axioma, por exemplo, é possível verificar a

propriedade de densidade do conjunto dos números racionais e irracionais no

conjunto dos números reais). Mais especificamente, o trabalho considera que a

abordagem dos números reais, sob a perspectiva do ensino e da formação de

professores, é bastante deficitária, e propõe, como alternativa, os pressupostos

encontrados no material denominado “Um tratamento, via medição, para os números

reais", construído a partir das ideias de Henri Lebesgue (1875-1941), e contidas no

livro “Measure and Integral”. Segundo a autora da tese, “os autores deste Material,

Baroni e Nascimento (2005) trazem o processo de medição de segmentos para

apresentar uma construção geométrica para os números reais positivos” (PASQUINI,

2007, p. 163). Esta proposta é levada à efeito em um processo de formação de

professores de Matemática. Os dados analisados focam predominantemente nas

discussões relativas às atividades envolvendo a conceituação dos números reais por

meio da medição de segmentos, ou seja, uma abordagem de cunho geométrico, por

assim dizer, para os conceitos envolvidos. Nesta perspectiva, segundo a autora,

passa a ser possível envolver, no processo de compreensão do tema, outros

conceitos que lhe são subjacentes, como o de convergência, continuidade,

completude, entre outros.

Uma das atividades utilizadas neste trabalho envolve o conceito de

densidade, também relevante no contexto da pesquisa, considerada em um intervalo

dado, a partir da seguinte proposta: “[a partir da concepção de dízima periódica],

mostre que há infinitos segmentos que não estão em ℘(U). Podem eles ser todos

49

menores que U?” (BARONI; NASCIMENTO apud PASQUINI, 2005, p. 132)15.

Pasquini (2007) descreve que há uma comparação entre infinitos segmentos que

estão em ℘(U) e U; após se verificar que há infinitos segmentos que não estão em

℘(U), é possível concluir que há infinitos segmentos maiores e menores que U. Esta

infinidade de segmentos pode ser garantida através do axioma de Arquimedes. Ao

dizer que existem infinitos segmentos menores que U, sendo estes não

comensuráveis, a autora os compara a infinitos números irracionais no intervalo

entre 0 e 1. Esta parte de comparação por segmentos, por exemplo, vem ao

encontro de alguns dos instrumentos empregados na presente pesquisa, entre os

quais aqueles que podem ser chamados de modelos digitais, construídos com

emprego do software GeoGebra. Ainda que no presente texto a atividade de

medição não seja diretamente considerada, os modelos digitais introduzem a

possibilidade de “transitar” por um intervalo dado, de modo a subsidiar o

pensamento relativo à densidade nos conjuntos dos números racionais e irracionais.

Em diversas partes de seus comentários, a autora da tese descreve, ainda,

que os temas “números reais” e “medidas de grandezas” são praticamente

ignorados em cursos de formação de professores, do ponto de vista das discussões,

devido à complexidade da qual os mesmos se revestiriam, observando:

As leituras que realizei para considerar o tema “números reais” nesta tese levaram-me a perceber que a introdução dos conceitos de medida de grandezas e dos números reais são dois temas maltratados ou ignorados nos cursos de formação de professores. Devido a sua complexidade e importância dentro da prática escolar, este é um tema que deve ser sistematicamente tratado no espaço de formação de professores (PASQUINI, 2007, p. 164 – 165).

Na visão de Pasquini (2007), a abordagem utilizada em seu trabalho

contribuiu para diminuir o distanciamento entre a prática dos docentes envolvidos no

grupo pesquisado e a formação do professor de matemática, de modo geral.

Justamente neste sentido, o da consolidação conceitual, é que se pretendeu

empregar uma comparação entre esta tese e a pesquisa que aqui se apresenta, no

sentido de verificar se os instrumentos e as estratégias aqui empregadas contribuem

para semelhante efeito.

15 No texto, a autora, utilizando a definição do material por ela empregado na pesquisa, define U como “um segmento padrão para a comparação” (p. 83) e ℘(U) como “o conjunto de todos os segmentos AB proporcionais a U” (p. 84).

50

Brito (2010) em sua dissertação de mestrado “Questionando o Ensino de

Conjuntos Numéricos em disciplinas de Fundamentos de Análise Real: da

abordagem dos livros didáticos para a sala de aula em cursos de Licenciatura em

Matemática”, propõe-se a investigar a forma pela qual os conjuntos numéricos

recebem tratamento em livros didáticos de Análise Real, os quais são utilizados em

cursos de Licenciatura em Matemática. A pesquisa procura, segundo o autor,

construir conceituações sobre o ensino desta parte da Matemática, tomando por

base uma discussão acerca de questões como definição, imagem conceitual, prova

formal, rigor e intuição. A pesquisa teve como sujeitos um grupo de alunos de um

curso de Licenciatura em Matemática e seus resultados tenderam a destacar a

relevância do docente como mediador em um processo que tenta estabelecer o

equilíbrio entre rigor e intuição. Em suas considerações, o autor ressalta a

importância do desenvolvimento daquilo que chama de “maturidade matemática”

tanto para o discente quanto para os seus professores, o que poderia conduzir a

uma influência de caráter afetivo na aprendizagem de Análise Real.

De um ponto de vista que interessa a esta pesquisa, o autor discute algumas

tensões e diferenças em relação aos processos de apreensão matemática

“elementar” e “formal”, relacionando estas categorias com os conceitos de Análise

Real necessários à formação do futuro professor de Matemática. Em sua

perspectiva, o autor discorre sobre a influência do Pensamento Matemático

Avançado, quando considera a necessidade de prover, no âmbito da formação e da

aprendizagem da disciplina, “definições matemáticas precisas” e “dedução lógica de

teoremas” a partir destas definições (BRITO, 2010, p. 27). Estruturalmente, Brito

(2010) discute as tensões entre os papéis da definição formal de um tema, objeto ou

tópico de uma disciplina e a construção, por parte do aprendiz, de sua definição

conceitual, que inclui, também, as abordagens didáticas típicas do conteúdo. O autor

menciona que o trabalho do professor consiste, justamente, na administração e no

equacionamento destas tensões e conflitos, o que inclui, também, as tensões entre

rigor e intuição.

Assim, em termos específicos, o autor analisa, do ponto de vista da

apresentação e abordagem dos conjuntos numéricos, alguns livros didáticos

empregados em Análise Real em algumas universidades nacionais, entre os quais

“Análise Matemática para Licenciatura” (Geraldo Ávila), “Análise Real – Volume 1”

51

(Elon Lages Lima), “Análise 1” (Djairo Guedes Figueiredo) e “Lições de Álgebra e

Análise” (Bento de Jesus Caraça). Após apresentar um pequeno apanhado de cada

obra, especificamente em suas ideias principais, o autor submete os sujeitos a três

questionários:

Questionário inicial, antes do início da resolução de uma série de atividades

envolvendo aspectos formais e intuitivos de conjuntos numéricos. Neste

questionário, os itens abordam o papel das demonstrações em Matemática,

as dificuldades encontradas pelos sujeitos em empregar demonstrações e a

importância deste dispositivo(e do rigor, como consequência) para a formação

do professor de Matemática;

Um questionário de avaliação das atividades, no qual se pergunta acerca das

dificuldades encontradas na realização das atividades, se os estudantes

obtiveram alguma ressignificação acerca do assunto “conjuntos numéricos” ao

desenvolver as atividades e se haveria alguma sugestão acerca das

atividades em si e de seus aspectos didáticos;

O último questionário pedia que os sujeitos se expressassem acerca do rigor

e sua importância para o professor de Matemática, sobre as contribuições de

aspectos didáticos trabalhados na investigação no ensino do tema em tela e

se as dificuldades apresentadas ao longo das atividades encontraram formas

de superação.

Desta forma, as análises ficam restritas às impressões dos sujeitos acerca dos

tópicos destacados no questionário – não há, realmente, o que se poderia chamar

de análise didática, pelo menos do ponto de vista indicado por Brousseau (1986).

Após destacarem alguns aspectos relativos à importância das demonstrações e do

rigor no âmbito dos temas em relevo, do ponto de vista, por exemplo, de embasar a

atividade docente e de fornecer segurança para as abordagens, de representar uma

etapa da aprendizagem de Matemática, de comprovação de verdade, entre outros

aspectos, os estudantes indicaram uma relação entre “provar” e “entender”

determinado tópico.

Do ponto de vista das atividades, não há uma análise específica das respostas

fornecidas pelos sujeitos, mas apenas do questionário supramencionado. Assim, os

principais entraves relatados diziam respeito à forma como as demonstrações

poderiam ser feitas. Brito (2010) descreve que, em relação às dificuldades

52

encontradas pelos alunos diante as tarefas a propostas (inclusive em relação àquela

que envolve a densidade do conjunto dos números racionais e irracionais no

conjunto dos números reais), a mais dramática foi considerada por muitos como

sendo aquela que permitiria que se expressem “matematicamente, no que tange as

ideias”. Neste sentido, a linguagem matemática, vista como grande entrave, criaria

dificuldades para que os alunos construíssem demonstrações usando simbologia

matemática nas tarefas. Como alternativa, os sujeitos buscaram “escrever

matematicamente”, ou seja, “ expressar por palavras” as ideias matemáticas.

Desta forma, Brito (2010) descreve que a dificuldade no escrever pode estar

associada a dois processos, sendo estes “pensar matematicamente” e “descrever o

pensamento matemático”. Segundo o autor, “pensar matematicamente” tem um

caráter intuitivo e influenciado pela imagem conceitual dos alunos em relação as

ideias matemáticas”; já em relação ao “descrever o pensamento matemático”, este

movimento teria um caráter rigoroso, influenciado pela definição conceitual, por meio

do qual os alunos tentar agregar ideias matemáticas.

Em relação ao último questionário, a maior parte dos alunos atribuiu um papel

importante ao rigor na formação matemática dos indivíduos, indicando que todas as

atividades realizadas foram importantes para suas formações.

Na pesquisa que aqui se descreve, uma base teórica distinta é utilizada,

proveniente das observações de Sirotic e Zazkis (2007) acerca dos aspectos formal,

algorítmico e intuitivo do pensamento matemático. Neste sentido, é possível fazer

algumas comparações com o estudo de Brito (2010), uma vez que as abordagens

têm este ponto de contato (de um lado, “rigor” e “intuição”, de outro, “formalismo”,

“algoritmização” e “intuição”), apesar de terem sido desenvolvidas a partir de

dinâmicas e pressupostos distintos.

Em outro trabalho que compõe esta revisão, Penteado (2004), em sua

dissertação de mestrado “Concepções do professor do ensino médio relativas a

densidade do conjunto dos números reais e suas reações frente a procedimentos

para a abordagem desta propriedade”, investiga as concepções dos professores de

ensino médio referentes à densidade dos conjuntos dos números racionais e dos

números irracionais no conjunto dos números reais, a partir de uma investigação que

tem por base a teoria dos Registros de Representação Semiótica e por

delineamento metodológico a engenharia didática. Ao longo das descrições providas

53

pela autora, é possível constatar que os sujeitos da pesquisa, professores de ensino

médio, apresentaram, entre outros resultados, algumas confusões conceituais

relativas aos assuntos em tela, conforme se destaca em seguida:

Durante todo o experimento, em muitas situações, pudemos constatar que os sujeitos associam a irracionalidade do número com a infinitude de sua representação. Aproveitamos todas essas ocasiões para discutir a questão da representação decimal infinita dos números reais. Para alguns dos participantes esta associação manifestou-se até o final do experimento, relacionando a representação decimal infinita, ou o sinal de reticências, com número irracional. Esta associação é evidenciada num comentário feito durante a discussão das questões da atividade IX: "o racional é finito e o irracional é infinito" (PENTEADO, 2004, p.171)

Neste sentido, é possível destacar que, em diversos pontos de suas

observações, Penteado (2004) indica que os sujeitos da pesquisa associam o

conceito de número racional à ideia de finitude, e que não expressam qualquer

definição baseada em dízimas periódicas. Para a autora, problemas conceituais e

falta de rigor conduzem a falhas na compreensão e na percepção correta do objeto

matemático.

Nas análises realizadas no âmbito da investigação, Penteado (2004) descreve

que, em relação à sua Atividade IV, na qual questiona se existem números

irracionais no intervalo de dois números irracionais distintos, as respostas não se

deram rapidamente e houve algumas confusões no momento de formulação da

representação de um número irracional: um dos entrevistados, por exemplo, indicou

" – É dízima, pois 1,22232425..." (PENTEADO, 2004, p.99). Aqui, o sujeito se

referiria a uma dízima periódica. Apesar de restrições deste tipo, no momento da

discussão com outros participantes, foi possível chegar à conclusão de que no

intervalo entre dois números irracionais distintos existem infinitos números

irracionais.

Na atividade V, perguntou-se aos entrevistados se existiriam números

racionais no intervalo de dois números irracionais distintos. Nesta atividade, antes da

validação, surgiram alguns comentários em relação à representação de um número

racional, como, por exemplo, “– Se é racional tem que ser finito” (PENTEADO, 2004,

p.106), indicando problemas de caráter conceitual em relação a este tópico. Sobre o

questionamento inicial, os grupos conseguiram, de forma geral, indicar que, no

intervalo de dois números irracionais distintos, existem infinitos números racionais.

Além disso, os diálogos apontaram tensões relativas às representações: os sujeitos

54

indicaram que a percepção acerca da racionalidade ou irracionalidade de um

número a partir de sua representação pode gerar algumas incertezas, relativas à

percepção da existência ou não de períodos. De forma mais precisa, foi indicado

que o tamanho do período pode influenciar na classificação do número, uma vez que

se a mesma parar antes da expressão completa do referido período e se houver

reticências, por exemplo, o número pode ser considerado erroneamente como

irracional. Entretanto, algumas atividades envolvendo a determinação de um número

racional entre dois irracionais específicos (no caso, 1,232425... e 1,332425...) foram

resolvidas (corretamente, segundo o estudo) com a indicação de um número entre

ambos e com a supressão das reticências, ou sem a garantia de correção, quando

um grupo indicou, por exemplo, 1,233425... – ou seja, sem a supressão das

reticências. Da mesma forma, surgiram respostas corretas e incorretas, ligadas,

predominantemente, aos conceitos de racionalidade e irracionalidade e à

representação de números dos dois conjuntos, quando se solicitou a conversão

entre registros decimal e fracionário em alguns casos.

Na atividade VI aborda a existência de infinitos números racionais no intervalo

de dois números racionais distintos. Nesta atividade, os entrevistados conseguiram

fazer as representações e afirmaram que no intervalo de dois números racionais

distintos existem infinitos números racionais. Porém, conforme esperado pela autora,

não houve, por nenhum dos grupos, a utilização da média aritmética de dois

números racionais como forma de obter um número racional neste intervalo. Em

termos representacionais, surgiram também nesta atividade, algumas discussões

acerca da função das reticências como indicadoras da infinitude, basicamente na

busca da compreensão entre o local em que a mesma se posiciona (depois de uma,

duas, três, enfim, casas decimais) e o que representam, se dízimas periódicas ou

repetições.

Na atividade VII perguntou-se aos entrevistados se existem números

racionais e irracionais no intervalo de dois números racionais distintos,

considerados, no estudo, como mais “próximos” (no caso, 1,333 e 4

3). Sobre a

classificação de um número racional, observa-se a seguinte afirmação de um dos

entrevistados: "– Um número racional é sem reticências" (PENTEADO, 2004, p.118).

Para este participante, a infinitude é associada a irracionalidade do número. Entre

outras observações, alguns sujeitos referiram 4

3 como “número infinito” (p. 118),

55

querendo indicar, provavelmente, o conceito de infinito relacionado ao fato de o

número possuir uma representação periódica infinita. Em outro caso, os sujeitos

posicionaram 1,3330 entre 1,333 e 1,3331, talvez pelo fato de 1,3330 possuir um

algarismo a mais que 1,333, o que representa, segundo a autora, uma confusão

entre o número mesmo e sua representação.

Em relação ao estudo de Penteado (2004), procurou-se destacar aqueles

elementos que guardam maior proximidade com o estudo aqui apresentado, ou seja,

o aspecto representacional e as tensões possíveis. Resta indicar, também, que, ao

trazer esta pesquisa entre os textos da revisão, deve-se entender as distintas

referências a ideia de representação, já que se adota aqui esta referência a partir de

outro ponto de vista, como se explicitará mais adiante (página 73 deste texto). De

todo modo, a inclusão da dissertação de Penteado (2004) tem a utilidade de permitir

a comparação de diferentes pontos de vista acerca das representações possíveis

para números racionais e irracionais, bem como uma análise comparativa das

questões conceituais envolvidas.

Além dos trabalhos já apresentados até aqui, outras abordagens, em caráter

mais pontual, permitem refletir sobre as ideias relativas ao conhecimento das

propriedades relacionadas aos números racionais e aos números irracionais. O

trabalho de Boff (2006), por exemplo, que teve como sujeitos alunos do Ensino

Médio e ingressantes do curso superior de Licenciatura em Matemática, permitiu

verificar que, no universo pesquisado, boa parte dos sujeitos apresentam dúvidas

quanto à recuperação da fração geratriz de uma dízima periódica, bem como não

puderam dar exemplos relativos a ideia de densidade nos conjuntos numéricos

referidos – por exemplo, quando solicitados a apresentar um número racional e um

irracional, compreendidos no intervalo entre 2

3 e

3

4, observou-se que os ingressantes

do ensino superior não puderam descrever nenhum exemplo. Além disso,

praticamente um terço dos sujeitos não compreenderam representações como

0,66666... e 0,010101010101... como números racionais.

Em outro momento da pesquisa de Boff (2006), um dos entrevistados

descreveu, corretamente, que "– Racionais são todos os números que podem ser

escritos sob a forma de fração” (BOFF, 2006, p. 42). Entretanto, em outro momento,

o mesmo sujeito indicou que 𝜋 e √6 seriam números racionais, indicando uma

inconsistência entre o conceito e sua aplicação. A pesquisa destaca, desta forma,

56

entre outros elementos, a dificuldade de empregar conceitos e de compreender as

propriedades dos conjuntos dos números racionais e do conjunto dos números

irracionais. De maneira mais específica, pretendeu-se constatar se semelhantes

incompreensões podem ser identificadas entre os sujeitos desta investigação e se a

abordagem didática empregada aqui pode concorrer para mitiga-la.

Em síntese, esta revisão da literatura trouxe importantes elementos para a

construção da pesquisa, tanto no que diz respeito a sua estrutura quanto no que se

refere aos procedimentos metodológicos. De fato, tanto a abordagem teórica quanto

as atividades contidas em Sirotic e Zazkis (2007) concorreram por inspirar os

elementos investigativos alinhados neste trabalho: as três dimensões do

conhecimento mencionadas pelas autoras servem como uma das categorias de

análise que são empregadas na tentativa de explicar as produções dos professores

ao longo das atividades, bem como suas conjecturas e proposições. De maneira

mais direta, uma das atividades empregadas no trabalho de Sirotic e Zazkis (2007) é

usada diretamente aqui, de modo a procurar consolidar os conceitos relativos aos

números racionais e aos números irracionais, assim como levantar concepções

relativas ao conceito de densidade nos conjuntos já identificados ao longo deste

texto. Da mesma forma, os outros textos trouxeram contribuições, já destacadas

após a síntese da cada um.

Assim constituída a revisão, resta indicar por qual percurso teórico a análise

dos dados coletados pelos instrumentos aqui utilizados seguirá. Em função do

caráter processual desta proposta, e da percepção de que, ao observar o processo

de construção do conhecimento por parte dos professores a partir da proposição de

problemas adequados e de uma postura de não intervenção do pesquisador, pode-

se melhor compreender conceitos, concepções, obstáculos, dúvidas, progressos,

conjecturas, enfim, elementos relativos a uma trajetória investigativa cuja finalidade

é proporcionar, como resposta aos problemas, justamente a consolidação do

conhecimento envolvido nas resoluções. Assim, justifica-se a escolha de elementos

da Teoria das Situações Didáticas – TSD (Brousseau, 1986) como componente do

arcabouço teórico que se procura evidenciar.

O principal enfoque desta teoria reside nas situações didáticas, entremeadas

pelas interações que envolvem o professor, o aluno e o conhecimento matemático.

57

As articulações entre estes elementos constituintes formam o que o autor

denominou como triângulo didático, conforme pode ser visto na Figura 4.

Figura 4. Triângulo didático

Fonte: Almouloud (2007, p. 32)

Desta forma, com relação ao destaque dado a ideia e ao conceito de

situação, vale entende-la como

[...] o modelo de interação de um sujeito com um meio específico que determina um certo conhecimento, como o recurso de que o sujeito dispõe para alcançar ou conservar, nesse meio, um estado favorável. Algumas dessas situações requerem a aquisição “anterior” de todos os conhecimentos e esquemas necessários, mas há outras que dão ao sujeito a possibilidade de construir, por si mesmo, um conhecimento novo em um processo de gênese artificial. (BROUSSEAU, 2008, p.19-20)

Do ponto de vista deste trabalho, interessa indicar que a construção do

conhecimento matemático, segundo a TSD, pode ser promovida por meio da

constituição de situações didáticas, nas quais o professor convida os estudantes à

resolução de problemas adequados em relação ao conhecimento pretendido. Em

função do aspecto de não antecipação de respostas e da renúncia a eventuais

esquemas facilitadores, esta abordagem se caracteriza por permitir ao estudante

avançar em uma trajetória que pressupõe conjecturas, perplexidades, debates e

retroações. Neste sentido, cabe ao professor propor e ao estudante aceitar como

sua a responsabilidade pela resolução dos problemas, o que, no âmbito da teoria,

representa o processo de devolução. À priori, o aluno desconhece aquilo que o

professor pretende ensinar, característica essencial para a constituição de situações

adidáticas, ou seja, nas quais a intencionalidade didática do docente não está posta

ou anunciada. Assim, no lugar de buscar referências na figura do professor, a

propositura dos problemas componentes de determinadas situações prevê um

58

contexto material, didático e teórico de caráter antagônico, o milieu (OLIVEIRA;

MARCELINO, 2015). É neste sentido que se espera que a aprendizagem ocorra a

partir das retroações em relação ao milieu. Desta forma, a trajetória de investigação

desenvolvida pelos participantes face aos problemas proporciona que descobertas,

cujas validades se justificam pela lógica interna da situação, se constituam,

independentemente das intervenções docentes durante o processo.

Neste contexto, as dialéticas de natureza adidática se constituem como um

processo, de acordo com os pressupostos da TSD e indicam que o estudante,

individual e coletivamente, passa por momentos caracterizados por Brousseau

(1986) como de ação, de formulação e de validação. Na dialética adidática de ação,

o aprendiz constitui uma série de ações de caráter pontual, com a finalidade de

produzir um conhecimento operacional. São atitudes experimentais e intuitivas frente

aos problemas, caraterísticas, por exemplo, de uma lógica de jogo, quando se

buscam estratégias que se mostrem eficazes em relação às etapas do desafio ou ao

seu caráter geral. Neste movimento, então, propostas vistas como ineficazes podem

ser descartadas, bem como podem ser gestadas estratégias novas e promissoras.

A dialética de formulação ocorre em momentos nos quais existem trocas de

mensagens entre os aprendizes, o que pode envolver o emprego de linguagem

natural ou matemática, a depender das condições cognitivas específicas das

pessoas envolvidas. A partir deste momento, podem surgir modelos explícitos, que

mobilizam regras comuns e elementos de referência. Aqui, o objetivo primordial

reside no intercâmbio de informações. A ideia é que o aluno consiga construir

paulatinamente “uma linguagem compreensível por todos, que considere os objetos

e relações matemáticas envolvidas na situação didática” (ALMOULOUD, 2007,

p.38).

A dialética de validação se caracteriza pelos momentos nos quais os

estudantes buscam elementos para comprovação das conjecturas constituídas no

âmbito de uma situação. Aos interlocutores, também envolvidos na busca por

soluções para os problemas em exame, submetem-se os modelos matemáticos

propostos, com as devidas justificativas. A partir de então, podem ocorrer debates

acerca da validade daquilo que é proposto, momentos nos quais podem surgir

explicações, refutações, reformulações, refinamentos e/ou rejeições. Desta forma,

pode-se afirmar que “o objetivo principal da situação de formulação é a comunicação

59

linguística, [enquanto] a dialética de validação busca o debate sobre a certeza das

asserções, o que permite organizar as interações com o milieu” (ALMOULOUD,

2007, p 40).

Em momento seguinte ao trabalho dos estudantes, cabe ao professor retomar

o caráter didático da intervenção por meio de sessões coletivas, com o objetivo de

fixar o estatuto formal do conhecimento matemático. Este momento, a

institucionalização, é de atal ordem que “se caracteriza pela passagem, em que o

conhecimento construído como um meio para solucionar as situações de ação,

formulação e validação adquire uma nova referência, passa a ter utilidade para uso

futuro, pessoal ou coletivo” (BROUSSEAU, 2008, p. 4).

Em relação ao estudo que aqui se apresenta, a TSD comporá parte do

referencial considerado nas análises. Especificamente, o que se pretende apontar se

refere à trajetória dos sujeitos quando procuram apresentar conjecturas que

eventualmente podem ser consideradas como resoluções válidas para os problemas

da sequência didática. Vale dizer que o trânsito processual e não linear pelas

dialéticas de ação, formulação e validação precisa ser destacado aqui, de modo que

seja possível correlacionar estes elementos com os tipos de conhecimento

mobilizados, como pensados por Sirotic e Zazkis (2007). De igual maneira, garantir

uma trajetória autônoma para os licenciandos, especialmente no que se refere à

garantia de que as conjecturas serão testadas em relação ao milieu (retroações) é

fundamental para as asserções relativas às questões direcionadoras deste estudo.

Deste modo depois de explorado o quadro teórico aqui exposto, prossegue-se

para a articulação do mesmo com os procedimentos metodológicos, de modo a

entender, inclusive, de que modo se intervirá para a coleta e análise dos dados.

2.2 Aportes metodológicos

Como já se mencionou, no âmbito desta pesquisa, a TSD deverá constituir o

elemento teórico que permitirá articular as análises à proposta metodológica e à

questão do conhecimento matemático. Deste ponto de vista, a investigação aqui

descrita apresenta caráter qualitativo, o que implica em um estudo profundamente

preocupado com as características processuais de um processo de aquisição do

conhecimento (Bogdan e Biklen, 1994). Nestes termos, a pesquisa envolveu, como

sujeitos, dezenove alunos do primeiro semestre do curso de licenciatura em

60

matemática de uma universidade localizada no estado de São Paulo, cuja

participação no estudo ocorreu de forma voluntária. A aplicação das sequências

didáticas, composta por três atividades, ocorreu em três sessões, com duração

aproximada de duas horas cada uma, em horário não coincidente com aquele

reservado para as aulas regulares e foi realizada pelo próprio pesquisador16. Como

já se explicitou, as concepções relativas aos números racionais e aos números

irracionais, suas propriedades e características como a abundância dos conjuntos

(Sirotic e Zazkis, 2007) e a densidade dos mesmos são exploradas ao longo das

atividades. Para apoiar as conjecturas dos estudantes, estão disponíveis dois

modelos digitais, assim definidos a partir da concepção de Lévy (1993), da forma

como se explicita mais adiante.

A primeira das atividades da sequência didática tem por objetivo propor

problemas nos quais o estudante precisa indicar se determinados números são

racionais ou irracionais. O estudante pode utilizar os recursos matemáticos de que

dispor, desde que os justifique. Entretanto, era esperado que os sujeitos utilizassem

as identidades trigonométricas descritas anteriormente neste trabalho, em conjunto,

se for o caso, com o dispositivo Briot-Ruffini – esta expectativa é indicada, inclusive,

no enunciado da atividade. De qualquer forma, os estudantes de licenciatura

envolvidos nas resoluções dos problemas poderiam investigar possíveis soluções,

de modo que, sem a intervenção do pesquisador, transitem pelas dialéticas de ação,

formulação e validação previstas na TSD. Ao final desta parte da sequência, o

pesquisador constituiu a institucionalização, apresentando, inclusive, o método

indicado no capítulo um deste relatório, com base nas identidades trigonométricas e

no teorema das raízes racionais de um polinômio. Esta atividade não previa o uso de

interfaces computacionais, mas permitia, caso os sujeitos quisessem, o emprego de

calculadoras.

Em outras palavras, na atividade 1, em termos das variáveis didáticas

envolvidas, os sujeitos poderiam mobilizar eventuais conhecimentos construídos

previamente, quais sejam aqueles relativos aos conjuntos dos números racionais e

16 Em relação aos papéis desempenhados pelo pesquisador no âmbito das sessões nas quais as atividades foram propostas, deve-se destacar, igualmente, a adesão aos pressupostos da TSD, de modo que as intervenções acerca da resolução das atividades em si praticamente não existiram, a não ser no desempenho de um papel que cabe fundamentalmente à figura docente, que é o da devolução. Assim, também, outras intervenções decisivas ocorreram nos momentos de institucionalização.

61

dos números irracionais, conceitos relativos à trigonometria (seno e cosseno de um

ângulo e sua representação no ciclo trigonométrico), identidades trigonométricas

sen3θ = 3senθ − 4sen³θ para 𝑠𝑒𝑛𝛼, cos3θ = 4cos3θ − 3cosθ para 𝑐𝑜𝑠𝛼, teorema das

possíveis raízes de um polinômio, onde, por meio das razões 𝑐0

𝑎 e

𝑐3

𝑏, as possíveis

raízes da equação polinomial de grau 3 são encontradas, além do dispositivo Briot-

Ruffini. Deste modo, o sujeito poderia estabelecer relações e diferenciar um número

racional de um número irracional.

Deve-se destacar, no instrumento descrito a seguir (Quadro 1), que algumas

questões procuram explorar as concepções dos sujeitos acerca dos números

racionais e dos irracionais, de maneira a fomentar discussões sobre os conceitos

envolvidos. Neste sentido, pretende-se levantar se tais concepções são estruturadas

em torno de conhecimentos formais, algorítmicos ou intuitivos, conforme proposta

teórica sustentada por Sirotic e Zazkis (2007), o que poderá encaminhar reflexões

em torno de eventuais obstáculos que fiquem evidenciados nas respostas dos

estudantes, expressos por erros ou imprecisões.

62

Quadro 1. Atividade 1

Fonte: elementos da pesquisa

Em relação à consecução da atividade um, não estava vedada a discussão e

a busca pela compreensão dos métodos indicados como instrumental teórico dado

pelas identidades trigonométricas e pelo teorema das raízes racionais de um

polinômio, por exemplo, nem eventuais perguntas pontuais dirigidas ao pesquisador.

De todo o modo, esta construção poderia ser evidenciada pelo pesquisador quando

da institucionalização da atividade. Ao se observar os recursos cognitivos

empregados pelos sujeitos nas respostas que apresentem, a indicação dos

elementos intuitivos, quer como crença, quer como busca por uma evidência

matemática a partir de conjecturas poderá surgir (SIROTIC; ZAZKIS, 2007). É

possível, por exemplo, que os sujeitos venham a indicar que a quantidade de casas

decimais, que podem imaginar finitas em algumas situações sem que as mesmas o

sejam, indique a racionalidade de dado número, o que representa uma crença

frequentemente encontrada entre estudantes de todos os níveis, mas que

representa um equívoco.

63

Quanto à Atividade 1, cabem, ainda, algumas justificativas. Neste sentido,

pode-se afirmar que os valores de sen10° e de sen50° foram escolhidos para

verificar se os alunos fariam associações em relação ao tema matemático em estudo

com estes ângulos, vistos como, por assim dizer, “pouco usuais”, uma vez que

exemplos envolvendo atividades similares costumam ser feitos empregando ângulos

notáveis como 30°, 45° e 60°. Neste sentido, a conjectura esperada seria a de que

sen10° e sen50° são números irracionais, e expectativa é a de que a mesma fosse

obtida por meio das identidades trigonométricas. O mesmo pode ser dito a respeito

de cos360°

99.

Em contrapartida, cos60° foi empregado pelo fato de o ângulo de 60° ter o

status de notável, o que permite uma verificação menos trabalhosa e mais intuitiva

de que cos60° representa um número racional. De certa forma, o mesmo se dá com

cos120°, empregado, também, para verificar se o aluno faz conjecturas de que o

ângulo em questão está no segundo quadrante do ciclo trigonométrico, possuindo o

valor de −1

2, um número racional. De igual maneira, empregou-se 𝑠𝑒𝑛

270°

9, incluindo

uma constatação sobre a percepção, por parte do sujeito, acerca de que se trata, na

verdade, da obtenção de 𝑠𝑒𝑛30°, que é um número racional.

As identidades trigonométricas de 𝑐𝑜𝑠3𝜃 = 4𝑐𝑜𝑠3𝜃 − 3𝑐𝑜𝑠𝜃 e 𝑠𝑒𝑛3𝜃 =

3𝑠𝑒𝑛𝜃 − 4𝑠𝑒𝑛³𝜃 foram escolhidas pelo motivo de propiciarem a verificação para

𝑠𝑒𝑛(𝛼) e/ou 𝑐𝑜𝑠(𝛼), em relação a racionalidade ou irracionalidade dos números,

conforme já discutido no capítulo um deste trabalho. O mesmo se dá em relação ao

teorema das raízes racionais de um polinômio.

A segunda atividade envolvia o uso do software GeoGebra, mais

especificamente por meio de uma aplicação que previa a implementação do modelo

proposto anteriormente (capítulo um). Trata-se de um modelo digital, que permite a

exploração de seu conteúdo de forma interativa, o que pode proporcionar que o

sujeito faça inúmeras experiências e visualize os resultados, bem como as

variações, à medida em que os parâmetros do modelo sejam alterados. Estas

possibilidades (experimentações intensivas e visualização) somam-se ao dinamismo

da interface, que reage prontamente às ações dos sujeitos (BORBA; VILLARREAL,

2005, OLIVEIRA; GONÇALVES; MARQUETTI, 2015). Em relação ao modelo digital,

Lévy (1993) argumenta:

64

Um modelo digital não é lido ou interpretado como um texto clássico, ele geralmente é explorado de forma interativa. Contrariamente a maioria das descrições funcionais sobre papel ou dos modelos reduzidos analógicos, o modelo informático é essencialmente plástico, dinâmico, dotado de uma certa autonomia de ação e reação. Como Jean-Louis Weissberg observou tão bem, o termo simulação conota hoje esta dimensão interativa, tanto quanto a imitação ou a farsa. (LÉVY, 1993, p.121)

Um modelo digital possui características que podem favorecer a construção

do conhecimento matemático. Neste sentido, além das já mencionadas

possibilidades dinâmicas de visualizar e experimentar, surge uma ainda mais

instigante e que pode ser resumida por meio da palavra reorganizar. Para

Tikhomirov (1981), efetivamente, as tecnologias reconfiguram a forma como pensam

as pessoas, de modo que

[...] o uso de sistemas computacionais e suas interfaces criam outra forma de intervenção: nela, o computador surge como ferramenta da atividade mental humana. Surge, portanto, uma nova atividade que, por conseguinte, demanda uma nova forma de pensamento. O advento do uso do computador, para o autor, fez mudar o processo de aquisição de conhecimentos (OLIVEIRA; GONÇALVES; MARQUETTI, 2015, p. 477).

O uso de mídias digitais abre diversas possibilidades para a construção do

conhecimento, ainda que, mesmo reorganizando o pensamento (Tikhomirov, 1981),

tais instrumentos não determinem a constituição do conhecimento, mas o

condicionem. Neste sentido, mesmo sendo possível “desenvolver conhecimento na

ausência de determinada tecnologia [...] algumas possibilidades como dinamismo,

visualização múltipla e experimentação intensiva são melhor objetivadas a partir do

uso de tecnologias digitais” (OLIVEIRA; GONÇALVES; MARQUETTI, 2015, p. 478).

Assim, dinâmicas investigativas de temas matemáticos com o emprego de

mídias digitais, da maneira como se procurou fazer aqui, se valem da tríade

experimentação – visualização – dinamismo, que, por sua vez, se constituem nos

atos de experimentar com uso de interfaces e visualizar os efeitos produzidos, com o

apoio típico no dinamismo existente nestes meios. Neste contexto, a

experimentação apoia as conjecturas, o que indica que a mesma não se reduz a

ensaios com movimentações de mouse e pressionamento de botões. Trata-se,

então, considerando as diversas representações em jogo, trabalhar em uma

dinâmica que envolve tentativa e erro, como mencionam Borba e Villareal (2005),

permitindo avançar em relação a pensamentos de natureza mais complexa, de

forma a prover demonstrações, por exemplo.

65

A ideia de tentativa e erro, longe de representar algum improviso em termos

estratégicos, pode compor, isto sim, uma estratégia de resolução de problemas,

quando considera que o empirismo pode promover a construção de hipóteses e o

teste das conjecturas levantadas. Como partes de uma trajetória que envolve o

pensamento de generalização, estas ações podem, como indicam Borba e Villareal

(2005), concorrer para a descrição da lógica das descobertas matemáticas, o que

seria sobremaneira desejável na pesquisa que aqui se expõe. Neste sentido,

argumenta Lévy (1993):

Uma das mais estranhas modificações ligadas ao uso das simulações digitais é a que hoje afeta as matemáticas. Tradicionalmente consideradas como reino da dedução, elas também estão adquirindo um caráter experimental. Simulações de objetos matemáticos podem infirmar, confirmar, ou gerar conjecturas (LÉVY, 1993, p. 104).

O que o autor supramencionado aponta é que experimentação e simulação

surgem como tópicos relevantes no que toca à produção do conhecimento quando

se consideram aquilo que chama de “tecnologias da inteligência”; justamente, então,

este seria o sentido dos chamados modelos tecnológicos digitais. Aqui, refletem

Oliveira e Lima (2017):

No contexto mencionado, simulação e experimentação possuem constituições distintas daquela relativa a um objeto de conhecimento, mas podem funcionar como elementos básicos, precursores, por assim dizer, para a construção dos conceitos em estudo. Ainda que subsistam marcantes distinções entre as tecnologias digitais e as chamadas “tecnologias tradicionais” (não digitais e/ou historicamente constituídas como típicas de uma área – lápis e papel, por exemplo), o que ressalta do discurso teórico aqui defendido pode ser resumido pelo termo “convergência”, o qual significa, de modo diverso da substituição, um postulado que envolve, de acordo com o processo educativo específico, os polos citados por Lévy (1993): oralidade, escrita e informática (OLIVEIRA; LIMA, 2017, p.11).

É preciso compreender, que do ponto de vista dos autores referenciados,

como Lévy (1993), por exemplo, o polo da informática também funcionaria como

extensão da memória, papel desempenhado anteriormente, em termos históricos,

pela oralidade e pela escrita. Entretanto, quando se considera a intervenção dos

dispositivos eletrônicos informáticos, surge a possibilidade de propor a superação

dos raciocínios lineares, tendo por base a simulação, a experimentação e os

recursos multimídia. A partir destas asserções é que surge a proposta do constructo

teórico de Borba e Villarreal (2005), quando advogam que o conhecimento é

produzido pelas pessoas em conjunto com uma determinada mídia ou tecnologia,

66

como inteligência coletiva, não havendo, portanto, sentido em separar esta

configuração.

No que se refere à visualização, Borba e Villareal (2005) expõem, como parte

de suas asserções, algumas definições que auxiliam nos propósitos indicados por

esta pesquisa, e que seguem, na forma como apresentadas por Lima (2016):

De acordo com Ben-Chaim, Lappan e Houang (1989 apud Borba e Villarreal,

2005), a visualização engloba a habilidade de interpretar e compreender

informações de uma figura e a habilidade de conceituar e traduzir relações

abstratas e informações que não estão na figura em termos visuais;

Zimmermann e Cunningham (1991 apud Borba e Villarreal, 2005) apontam

que visualização no contexto matemático é um processo de formação

(construção) de imagens (mentalmente, via lápis e papel ou ainda com

auxílio de [outras] tecnologias) e seu uso tem o objetivo de obter melhor

compreensão e estimular o processo de descoberta matemática;

Para Gutiérrez (1996 apud Borba e Villarreal, 2005), no contexto matemático

"é o tipo de atividade intelectual baseada no uso de elementos visuais ou

espaciais, sejam mentais ou concretos, executada para resolver problemas

ou provar propriedades" (BORBA; VILLARREAL, 2005, p.9);

Há, ainda, a visão ampla de Zazkis, Dubinsky e Dautermann (1997 apud

Borba e Villarreal, 2005):

Visualização é um ato do qual um indivíduo estabelece uma forte conexão

entre um constructo interno e algo ao qual o acesso é estabelecido pelos

sentidos. Tal conexão pode ser feita em ambas as direções. Um ato de

visualizar deve consistir em qualquer construção mental de objetos ou

processos que um indivíduo associa com objetos ou eventos percebidos por

ele/ela como externos. Por outro lado, um ato de visualização deve consistir

em uma construção, em alguma mídia externa como papel, giz ou a tela de

um computador, de objetos ou eventos que o indivíduo identifique com os

objetos ou processos em sua mente (BORBA; VILLARREAL, 2005, p.441).

Ainda em relação à visualização, é necessário lembrar as observações de

Barbosa (2009 apud Oliveira, Gonçalves e Marquetti, 2015), as quais apontam que,

no contexto de tarefas e de problemas matemáticos:

[...] a abstração pode ir além da percepção material, os matemáticos

empregam processos simbólicos, diagramas e várias outras formas ligadas

a processos mentais que envolvem a imaginação e referências mentais.

67

Neste sentido, a visualização cumpre um papel de interpretação, e não

meramente de captação genérica de imagens; e esta interpretação se

constitui a partir de trocas pessoais e sociais, frequentemente oriundas do

contexto escolar e da, por assim dizer, convivência com as representações

matemáticas mais comuns aos indivíduos (LIMA, 2016, p. 38).

Ainda no contexto das tecnologias digitais, e em relação ao seu uso em

processos de resolução de problemas:

Como elemento adicional, consta um dinamismo que pode ocorrer de

maneira típica quando se empregam tecnologias digitais. A prática de

“clicar-e-arrastar”, por exemplo, quando efetuada sobre alguma

representação de objetos matemáticos, pode parecer usual e bem simples

nesta década e meia do século XXI, mas representa um aspecto

revolucionário do acesso a elementos que podem fomentar a construção do

conhecimento. Em um software dinâmico de geometria, por exemplo,

arrastar um ponto e observar a manutenção de certas propriedades ou a

evidenciação de outras pode ser uma oportunidade de bastante valia no

processo de elaboração de conjecturas. A correlação entre experimentar e a

instantaneidade da reação da interface abre um mundo de situações

diferenciadas, em relação às representações de determinados objetos ou

construções, no sentido de compreender, potencialmente, inúmeros casos

particulares e aquilo que pode levar a generalizações (LIMA, 2016, p. 39).

O texto relativo a esta pesquisa, descrito nestas páginas, pretendeu explorar

as possibilidades ligadas às tecnologias digitais, valendo-se, para isto, de uma

sequência de problemas. Indicou-se, desta forma, para os sujeitos da pesquisa, a

proposição de trajetórias de investigação calcadas na resolução de problemas por

meio do Geogebra, que pode ser visto como um software dinâmico de matemática,

de modo que as pessoas envolvidas pudessem se dedicar à busca por soluções em

relação aos problemas apresentados. A partir destas dinâmicas, julgou-se que seria

possível para os sujeitos levantar informações advindas das manipulações e dos

retornos recolhidos no trato com a interface, de modo que, a partir de então,

organizassem argumentações autorais sobre aquilo que percebiam no processo, o

que possibilitaria reelaborar concepções e encaminhar novas explorações em

relação aos estudos que realizavam, sucessivamente.

Na investigação aqui descrita, o uso da lógica que se descreve, relacionada

às interfaces e tecnologias digitais, permitem analisar o fazer dos participantes da

pesquisa, a partir da eleição de categorias, dentre aquelas que serviram às análises,

e que podem indicar as formas pelas quais visualização, experimentação e

dinamismo foram mobilizadas pelos sujeitos na criação e expressão de conjecturas

e de interações. Neste sentido, a reorganização de pensamento, como indicada por

68

Tikhomirov (1981) e por Borba e Villarreal (2005), pode ser constatada, quer de

forma explícita, quer de maneira subjacente.

Especificamente, o modelo em questão (Figura 5) permite que o estudante

manipule um controle deslizante, que é um dispositivo que fornece variações em

diferentes unidades (no caso, em graus), de modo a indicar um ângulo cujo

resultado numérico do seno ou cosseno se deseja verificar em relação à

racionalidade ou irracionalidade. Duas representações estão disponíveis e têm,

respectivamente, caráter algébrico e geométrico. Em termos teóricos, o estudante

pode refletir acerca dos resultados obtidos ao visualizar as representações

matemáticas disponíveis. Da mesma forma, os sujeitos não ficam restritos às

verificações pontuais propostas na atividade anterior, mas têm a possibilidade de

conjecturar em relação a quantos ângulos desejarem (experimentações intensivas).

Assim, a partir da lógica relativa às identidades trigonométricas, já mencionadas

anteriormente, torna-se possível realizar a verificação em relação ao resultado

numérico do seno e/ou cosseno de determinado ângulo representar um número

racional ou irracional.

Figura 5. Modelo digital “calculadora de verificação para números racionais e irracionais” (calculadora.ggb)

Fonte: elaborado para a pesquisa

Em termos operacionais, na interface exposta na Figura 5 o aluno poderá

observar se há ou não igualdade em relação aos resultados numéricos da equação

polinomial de grau 3, ou seja, se, nos termos já apresentados, 4𝑥3 − 3𝑥 = cos (3𝛼)

ou −4𝑥3 + 3𝑥 = sen (3𝛼) após a substituição das possíveis raízes do polinômio,

casos em que poderá admitir que o número examinado é racional. Os

questionamentos propostos na Atividade 2 podem ser vistos no Quadro 2.

69

Quadro 2. Atividade 2

Fonte: elementos da pesquisa

A análise das respostas da atividade 2, como se verá mais adiante, permite

reflexões acerca da forma pela qual os estudantes de licenciatura envolvidos

expressam o uso dos conceitos sobre números irracionais e racionais que

evidenciaram na atividade 1 e as eventuais constatações a partir da apropriação da

proposta de verificação contida na interface digital.

Pode-se perceber que a Atividade 2 tem os mesmos itens de resolução em

relação à atividade anterior, com a substituição das questões finais por duas outras.

A primeira, “faça uma descrição de como você compreendeu o funcionamento da

aplicação”, tem o intuito de verificar se aluno entendeu a aplicação por meio dos

controles deslizantes no software GeoGebra e a relação da mesma com o

conhecimento matemático em jogo. Nesta aplicação, por meio das identidades

trigonométricas, pode-se verificar que os valores podem resultar em uma igualdade

do tipo 1=1, o que indicaria que o número em questão seria racional; de outro modo,

quando os valores possuem uma diferença do tipo, por exemplo, 1≠ 0, verifica-se

que o número em questão seria irracional, tudo conforme evidenciado no capítulo

um. A aplicação aqui mencionada é um modelo digital do tipo “calculadora de

verificação para números racionais e irracionais”, conforme já esclarecido, com seus

70

elementos evidenciados na figura 5. Este questionamento parte do princípio,

defendido por Oliveira (2013), de que a fluência sobre os dispositivos digitais,

corretamente construídos e usados na aprendizagem de temas matemáticos, tem

uma importante relação com a construção do conhecimento matemático em si.

Neste sentido, compreender o funcionamento do artefato passa por entender o

saber matemático no qual o mesmo se baseia.

A atividade 3 é composta por 4 tarefas, exibidas no Quadro 3, exposto mais

adiante. Na primeira, são feitos quatro questionamentos (itens a até d) nos quais o

sujeito é questionado em relação ao conceito de densidade dos conjuntos dos

números racionais e dos números irracionais. Mais especificamente, indaga-se se é

sempre possível encontrar um número racional entre quaisquer dois números

irracionais, se é sempre possível encontrar um número irracional entre quaisquer

dois números irracionais, se é sempre possível encontrar um número irracional entre

quaisquer dois números racionais e se é sempre possível encontrar um número

racional entre quaisquer dois números racionais.

71

Quadro 3. Atividade 3

Fonte: elementos da pesquisa

Estas questões foram adaptadas a partir do uso que foi feito das mesmas em

Sirotic e Zazkis (2007), já descrito anteriormente neste texto. Aqui, espera-se que os

alunos compreendam as quatro afirmações como verdadeiras, no que se refere ao

conceito de densidade dos conjuntos dos números racionais e dos números

Atividade 3

1) Com base nas discussões efetuadas até agora, responda aos seguintes questionamentos:

a. É sempre possível encontrar um número racional entre quaisquer dois números

irracionais. Determine “verdadeiro” ou “falso” e explique seu raciocínio;

b. É sempre possível encontrar um número irracional entre quaisquer dois números

irracionais. Determine “verdadeiro” ou “falso” e explique seu raciocínio;

c. É sempre possível encontrar um número irracional entre quaisquer dois números

racionais. Determine “verdadeiro” ou “falso” e explique seu raciocínio;

d. É sempre possível encontrar um número racional entre quaisquer dois números

racionais. Determine “verdadeiro” ou “falso” e explique seu raciocínio.

2) Abra os arquivos do GeoGebra que o pesquisador indicará, começando por “racionais entre 2

racionais.ggb”. Manipule os controles deslizantes de a até h.

a. A que conjunto pertencem os números exibidos no ponto B?

b. Crie, no GeoGebra, os pontos D = (0.15267787987998, 0) e E = (0.15267787987999,

0). Note que os pontos são exibidos de forma tão próxima na reta real que parecem

ocupar a mesma posição (ainda que isto não seja verdade). Na sua opinião, o ponto F

= (0.15267787987998123, 0) estaria em que posição, considerando D e E?

c. F é racional ou irracional? Existem outros números na mesma posição de F, em

relação a D e E?

3) Agora, abra o arquivo do GeoGebra “irracionais entre 2 irracionais.ggb”. Manipule os

controles deslizantes de a até h, considerando que a inicia com um número irracional.

a. A que conjunto pertencem os números exibidos no ponto B?

b. Crie, no GeoGebra, os pontos D = (sqrt(3) + 0.001, 0) e E = (sqrt(3) + 0.002, 0). Note

que os pontos são exibidos de forma tão próxima na reta real que parecem ocupar a

mesma posição (ainda que isto não seja verdade). Na sua opinião, o ponto F = (sqrt(3)

+ 0.0015, 0) estaria em que posição, considerando D e E?

c. F é racional ou irracional? Existem outros números na mesma posição de F, em

relação a D e E?

72

irracionais, e que justifiquem suas respostas a partir de algum dos três pontos de

vista discutidos em Sirotic e Zazkis (2007), quais sejam o formal (demonstração),

algorítmico (resolução de algum caso, com uso de instrumentação matemática de

argumentação) ou intuitivo (ainda que com base em algum conceito, uso de

justificativas empregando relações não demonstradas entre infinitudes ou deduções

sem base formal, ou mesmo crenças).

Em termos epistemológicos, é preciso compreender, primeiramente, que entre

dois números irracionais quaisquer é possível encontrar, sempre, tanto outros

números racionais quanto outros números irracionais. Senão, veja-se:

a) Suponha-se 𝑥, 𝑦 irracionais, 𝑥 ≠ 𝑦, e afirma-se que só é possível que 𝑥 +

𝑦 = 𝑧, com 𝑧 irracional. Pode-se compreender a possibilidade da

existência de um racional entre dois irracionais por meio de um

contraexemplo. Ora, suponha-se, agora, que 𝑥 = 1 + √2 e 𝑦 = 1 − √2,

ambos irracionais. Neste caso, em 𝑥 + 𝑦, ter-se-ia 𝑧 = 2, que é racional.

Assim, pode-se conjecturar que, entre 𝑥 e 𝑤, 𝑥 < 𝑤, um número racional

existe, e pode ser determinado, em alguns casos, pela soma 𝑥 + 𝑦, 𝑥 <

𝑥 + 𝑦 < 𝑤. Evidentemente, 𝑥 + 𝑦 pode, em outros casos, ser irracional;

b) Agora, suponha-se que se quer determinar se outros números irracionais

entre os irracionais 𝑥 e 𝑤. Para isto, considere-se que, ao fazer 𝑎

𝑏+ 𝑥, 𝑥 <

𝑥 +𝑎

𝑏< 𝑤, com 𝑎, 𝑏 inteiros, o resultado será sempre irracional e estará

entre 𝑥 e 𝑤. Neste caso, usa-se uma prova por absurdo, supondo que 𝑎

𝑏+

𝑥 = 𝑔

ℎ, com 𝑔 e ℎ inteiros, ou seja, admita-se que a soma de um número

racional com um número irracional resulte um número racional. Desta

forma:

𝑎

𝑏+ 𝑥 =

𝑔

𝑥 =𝑔

ℎ−𝑎

𝑏

𝑥 =𝑔𝑏 − 𝑔𝑎

ℎ𝑏

Do resultado anterior, depreende-se que ℎ𝑏 é um número inteiro, pois

representa o produto de dois inteiros; da mesma forma, 𝑔𝑏 e 𝑔𝑎, produtos

73

de inteiros, são igualmente inteiros, assim como sua diferença 𝑔𝑏 − 𝑔𝑎.

Desta forma, o quociente 𝑔𝑏−𝑔𝑎

ℎ𝑏 representa um número racional, já que

numerador e denominador são inteiros. Desta forma, 𝑥 seria racional, o

que não é verdade, provando, por contradição, a hipótese indicada.

Em seguida, é preciso entender que entre dois números racionais quaisquer é

possível encontrar, sempre, tanto outros números racionais quanto outros números

irracionais.

a) Em relação aos racionais, basta lembrar que a soma de dois números

racionais resulta sempre um número racional. Desta forma, ao tomar-se dois

números racionais 𝑝 e 𝑞, ter-se-á 𝑝 + 𝑞 racional. Assim:

Seja 𝑝 =𝑎

𝑏 e 𝑞 =

𝑔

ℎ, com 𝑎, 𝑏, 𝑔, ℎ ∈ ℤ. Desta forma:

𝑎

𝑏+𝑔

ℎ= 𝑎ℎ + 𝑏𝑔

𝑏ℎ

Então, se 𝑟 = 𝑎ℎ + 𝑏𝑔 e 𝑠 = 𝑏ℎ, então 𝑟 e 𝑠 são inteiros, uma vez que ℤ é

fechado para a soma e para a multiplicação, com 𝑠 ≠ 0. Assim, 𝑝 + 𝑞 = 𝑟

𝑠, ou

seja, um número racional. Ora, considere-se, para a tarefa em questão,

𝑞 entre 𝑝 e 𝑣, e 𝑝 < 𝑝 + 𝑞 < 𝑣.

b) Em relação aos irracionais, vale a demonstração provida no item b do caso

anterior, já que se pretende, entre dois racionais quaisquer, encontrar um

número irracional.

A tarefa 2 desta atividade foi concebida para tratar da questão da densidade

dos conjuntos numéricos envolvidos nesta investigação com o uso do GeoGebra. A

partir de outros modelos, expostos nas figuras 6 e 7, os sujeitos serão convidados a

conjecturar acerca da densidade tanto dos racionais quanto dos irracionais. O

primeiro modelo (figura 6), chamado “racionais entre 2 racionais” exibe 8 controles

deslizantes e a reta real. Cada um deles determina, de alguma forma, a posição do

ponto B na reta, da seguinte forma:

Controle a: varia de -5 a 5, de 1 em 1; define, portanto, um número

inteiro no intervalo mencionado;

Controle b: varia de -0,9 a 0,9, de 0,1 em 0,1;

74

Controle c: varia de -0,09 a 0,09, de 0,01 em 0,01;

Controle d: varia de -0,009 a 0,009, de 0,001 em 0,001;

Controle e: varia de -0,0009 a 0,0009, de 0,0001 em 0,0001;

Controle f: varia de -0,00009 a 0,00009, de 0,00001 em 0,00001;

Controle g: varia de -0,000009 a 0,000009, de 0,000001 em 0,000001;

Controle h: varia de -0,0000009 a 0,0000009, de 0000001 em

0,0000001.

O ponto B, desta forma, possui as coordenadas (a+b+c+d+e+f+g+h; 0). A

ideia é a de que o sujeito possa alterar a posição do ponto B na reta real a partir da

movimentação livre dos diversos controles descritos. Evidentemente, alguns

controles adicionam ou subtraem valores numéricos maiores ou menores que

outros. A intenção é fazer com que os estudantes percebam que uma grande

quantidade de números racionais pode ser vista desta forma, o que pode leva-los a

conjecturar acerca da densidade do conjunto dos números racionais – ainda que a

aplicação não produza, desta forma, a infinidade característica do conjunto. Os

pontos A e C ficam sempre posicionados em (a+b-1;0) e (a+b+1;0),

respectivamente, indicando que o número racional produzido pela soma

supramencionada sempre pode ser visto entre dois outros racionais. Como se verá

na atividade, descrita um pouco mais adiante, a proposta não se limita a esta faixa

de números, mas propõe outras.

Figura 6. Modelo digital “racionais entre dois racionais”

Fonte: elementos da pesquisa

75

Ainda na tarefa 2, o questionamento do item a indica: “a que conjunto

pertence os números exibidos no ponto B?”. O intuito, aqui, é o de verificar se o

aluno compreende que o número possui um número limitado de casas decimais

após a vírgula, observando, desta forma, que o número representado no ponto B é

um número racional, e, portanto, pertence ao conjunto dos números racionais.

Sobre o item b, traz-se o seguinte enunciado: “crie, no GeoGebra, os pontos

D = (0.15267787987998, 0) e E = (0.15267787987999, 0). Note que os pontos são

exibidos de forma tão próxima na reta real que parecem ocupar a mesma posição

(ainda que isto não seja verdade). Na sua opinião, o ponto F =

(0.15267787987998123, 0) estaria em que posição, considerando D e E?” O intuito é

observar se os alunos compreendem que o ponto F está entre os pontos D e E.

Espera-se, por exemplo, que o aluno faça a média aritmética dos pontos D e E como

um dos recursos para justificar sua afirmação, ou, ainda, que relacione os pontos na

seguinte sequência: D = (0.15267787987998000,0); F = (0.15267787987998123,0);

M = (0.15267787987998500,0) (média aritmética dos pontos D e E) e E =

(0.15267787987999000,0). A percepção de que existem números racionais

“pequenos” entre dois números já vistos com “pequenos” pode ajudar, segundo se

crê nesta investigação, na percepção da densidade do conjunto dos números

racionais.

Em relação ao item c da mesma tarefa, o enunciado indica: “F é racional ou

irracional? Existem outros números na mesma condição de F, em relação a D e

E?”. Aqui, o intuito é verificar se o aluno compreende que o número representado no

ponto F é um número racional, o que pode ser constatado diretamente pela

quantidade de casas decimais finitas, e se o aluno consegue justificar pelo conceito

de densidade do conjunto dos números racionais que existem infindáveis números

racionais na mesma condição de F, isto é, entre os pontos D e E.

O segundo modelo, “irracionais entre dois irracionais” (figura 7), tem o mesmo

princípio de funcionamento do modelo anterior, com a diferença de que parte

sempre de um número irracional, como √2, por exemplo. O controle a varia de 0,5

em 0,5, o que faz com que os números assim obtidos sejam sempre irracionais. Os

demais controles deslizantes têm o mesmo comportamento do modelo anterior

(figura 6). Considerando que as manipulações nos controles deslizantes envolvem

sempre números racionais e que se parte de um número irracional, todos os

76

números providos no modelo para B, no intervalo entre A e C, são irracionais,

conforme já demonstrado. Este questionamento é feito no item a desta tarefa. Os

itens b e c solicitam que se crie um ponto, denominado F, com as coordenadas

(𝑠𝑞𝑟𝑡(3) + 0.0015, 0), que estaria entre os pontos D e E, respectivamente em

(𝑠𝑞𝑟𝑡(3) + 0.001, 0) e (𝑠𝑞𝑟𝑡(3) + 0.002, 0). Questiona-se, então, se F é racional ou

irracional e se existiriam números em situação semelhante a F (ou seja, entre D e E).

O intuito de semelhantes discussões é o de fomentar o surgimento de conjecturas

em torno da densidade do conjunto dos números irracionais, com base na

compreensão de que infindáveis números poderiam, a exemplo de F, posicionarem-

se entre D e E.

Figura 7. Modelo digital “irracionais entre dois irracionais”

Fonte: elementos da pesquisa

Um fator importante a ser discutido aqui, quando se procura prover a análise

epistemológica das questões da atividade, é a razão pela qual o valor expresso em

uma das coordenadas do ponto A é, por exemplo, √2. Isto se dá, justamente, com a

intenção de somar um número irracional com qualquer sucessão de racionais,

providos pelos controles deslizantes, o que permitirá obter, como resultado, números

irracionais, sempre. Na verdade, poderia ser a raiz quadrada de qualquer número

primo, uma vez que todos estes resultados representam números irracionais. Em

relação a esta afirmação, provê-se a seguinte demonstração por absurdo: suponha-

77

se 𝑝 primo, e tome-se, por hipótese, que √𝑝 ∈ ℚ. Entenda-se, então, desta forma,

que √𝑝 =𝑔

ℎ, com 𝑔, ℎ ∈ ℤ e que

𝑔

ℎ representa uma fração irredutível. Assim,

√𝑝 =𝑔

𝑝 =𝑔2

ℎ2

ℎ2𝑝 = 𝑔2

Ora, sabe-se, então, que 𝑔2 é um múltiplo de 𝑝, o que permite afirmar que 𝑔 é

um múltiplo de 𝑝, igualmente, ou seja, 𝑔 = 𝑚𝑝,𝑚 ∈ ℤ. Desta maneira,

ℎ2𝑝 = (𝑚𝑝)2

ℎ2𝑝 = 𝑚2𝑝2

ℎ2 = 𝑚2𝑝

Ou seja, ℎ2 é múltiplo de 𝑝, o que permite afirmar que ℎ é um múltiplo de 𝑝,

igualmente. Ora, se 𝑝 é fator de 𝑔 e de ℎ, então 𝑔

ℎ não é irredutível, o que indica uma

contradição. Logo, √𝑝 ℚ, ou seja, √𝑝 é irracional.

Apesar do dinamismo apresentado pelos modelos digitais empregados, é

forçoso dizer que os mesmos não têm qualquer razão de ser se pensados em

desconexão com o conhecimento matemático em foco. Tome-se, por exemplo, as

limitações do primeiro modelo, “racionais entre dois racionais”. Ainda que seja

possível movimentar os controles deslizantes de maneira ampla, é claro que os

mesmos não podem cobrir toda a “abundância”, para usar um termo da literatura

(SIROTIC; ZAZKIS, 2007), dada pela densidade do conjunto dos números racionais.

Assim, é possível, apenas, que o sujeito reflita e construa (ou reforce, reconfigure,

reestruture) suas conjecturas de forma integrada a esta tecnologia. Como modelo, a

simulação não significa, exatamente, a expressão da realidade, mas uma imitação

da mesma, no campo do possível e do factível, contando com certas vantagens,

como a interatividade e a reatividade quase imediata, como mencionado por Lévy

(1993).

78

Mais ainda deve ser dito a respeito do modelo digital “irracionais entre dois

irracionais”. Além das limitações já apresentadas no modelo anterior, agravadas pela

argumentação de Sirotic e Zazkis (2007) acerca da maior “abundância” do conjunto

dos números irracionais, tem-se uma outra questão, já apontada anteriormente por

Oliveira (2015), em relação a um cenário relacionado a conjuntos numéricos: a

opacidade que certas representações conferem a determinados conceitos.

Originalmente, esta discussão foi lançada por Lesh, Bear e Post (1987), quando

afirmaram que algumas representações numéricas podem ser transparentes ou

opacas em relação a propriedades específicas. Por exemplo, como em Zazkis e

Liljedahl (2004), 𝐹 = 17𝑘 é uma representação transparente em relação ao fato de 𝐹

ser um múltiplo de 17; porém, nada pode ser dito em relação à divisibilidade de 𝐹

por 3; ou seja, em relação a esta última característica, a representação é opaca. De

forma mais clara, sobre este conceito, indicam Oliveira e Fonseca (2017):

Esta ideia é apropriada a partir do trabalho de Lesh, Behr e Post (1987). Referindo-se à múltiplas representações dos números racionais, os autores indicam que as mesmas “incorporam” as estruturas matemáticas, no sentido de que as representam em termos materiais. Desta forma, os sistemas representacionais podem ser vistos como opacos ou transparentes. Neste sentido, para os autores, uma representação transparente teria nem mais, nem menos significado do que as ideias ou estruturas que representa, enquanto uma representação opaca enfatiza alguns aspectos das ideias ou estruturas e esconde outros. De posse de variadas possibilidades representacionais, caberia a uma estratégia didática, por exemplo, capitalizar os pontos fortes de um determinado sistema representacional e minimizar suas fraquezas – tais fatores seriam, segundo os autores, de extrema importância para a aquisição e o uso de ideias matemáticas (p. 6).

Pois bem, neste trabalho, a opacidade é evidenciada pela forma de

representação dada pelo GeoGebra a um número irracional, a qual não inclui

nenhuma indicação neste sentido. Ou seja, não há qualquer notação ou indicativo de

que o número resultante de uma operação qualquer, por exemplo, seja irracional.

Em grande parte, talvez, possa se aventar que a própria definição de número

irracional contribua para isto – veja-se, por exemplo, a definição de Niven (1990):

“qualquer número real que não possa ser expresso como razão 𝑎

𝑏 de dois inteiros,

diz-se irracional” (p. 46-47). Em outras palavras, um número real que não é racional

é irracional. Assim, quando, por exemplo, se realiza a operação 𝐹 = √3 + 0,002, o

software exibe, como resultado, 1,734050807568877, uma representação que induz,

por ela mesma, a ideia de que 𝐹 seria racional. Isto deve ser visto como uma

limitação, que procura-se resolver, no âmbito da atividade específica, quando se

79

indica que o número que é somado a outros racionais é, inicialmente, irracional, o

que garantiria que o resultado fosse sempre irracional.

Em relação à estratégia assumida nesta investigação, em conformidade com

os princípios advogados por Brousseau (1986) em relação à TSD, as questões

relativas às tarefas às quais os sujeitos foram submetidos tiveram por objetivo que

os conhecimentos relativos à densidade dos conjuntos mencionados sejam

discutidos e estabelecidos como respostas às atividades, e não a partir de

resoluções prévias ou de uma série de exemplos tradicionais. Especificamente,

compreende-se que as interfaces providas pelo GeoGebra compõem o milieu

material, da mesma forma que aquelas providas pelos meios não digitais, ou seja,

da parte do sistema antagonista que, de certa forma, desafia o sujeito, por meio de

instrumentos, a experimentar, visualizar e realizar inferências a partir destes

movimentos cognitivos. Justamente, neste sentido, as retroações obtidas a partir

desta estrutura devem garantir que a compreensão acerca do tema se consolide.

De forma mais específica, seriam três os elementos mais significativos que

comporiam o milieu e que se consideram neste trabalho: os constituintes materiais,

formados pelos objetivos e pelos instrumentos; os constituintes cognitivos,

compostos por aqueles conhecimentos que se fazem necessários à resolução dos

problemas típicos da situação; e os constituintes sociais, que emergem a partir das

interações com outras pessoas que podem, eventualmente, intervir no processo de

construção de uma solução matematicamente válida para o problema em tela

(PERRIN-GLORIAN, 1998). As análises procuram, desta maneira, verificar o

surgimento de elementos que permitiriam responder à questão de pesquisa “quais

concepções acerca do conceito de densidade do conjunto dos números racionais no

conjunto dos números reais e do conjunto dos números irracionais no conjunto dos

números reais são evidenciadas por licenciandos em Matemática quando envolvidos

em uma sequência didática que emprega tecnologias digitais e não digitais?”, a

partir das ações de caráter operatório, das conjecturas, das discussões e das

interações que tiveram lugar entre os sujeitos da pesquisa quando do trabalho

investigativo que realizaram para a proposição de soluções. Em termos da TSD,

trata-se de levar em conta o trabalho de construção do conhecimento dos sujeitos ao

longo das dialéticas adidáticas previstas, quais sejam a de ação, a de formulação e

80

a de validação. Neste sentido, as seguintes categorias de análise direcionam a

construção deste texto:

Concepções acerca dos conceitos e propriedades relacionadas aos

números racionais e aos números irracionais que surgem na resolução

das atividades, falas e interações dos sujeitos;

Concepções acerca do conceito de densidade do conjunto dos números

racionais e do conjunto dos números irracionais que surgem na resolução

das atividades, falas e interações dos sujeitos;

Relevância do uso das diferentes tecnologias empregadas na sequência

didática como subsídio à compreensão acerca dos conceitos mencionados

nesta pesquisa, relativos aos números racionais e irracionais.

Como variável didática mais relevante, do ponto de vista deste estudo,

entende-se o suporte para a realização das atividades, cujos valores assumidos

podem ser digital ou não digital, o que implicará na consideração deste fator nas

análises.

Desta maneira são orientadas as análises e as discussões efetuadas a seguir,

no próximo capítulo.

81

CAPÍTULO TRÊS

ANÁLISES

3.1 Análises da Atividade 1

É forçoso notar que, antes desta atividade, de forma predominante entre os

19 sujeitos envolvidos na pesquisa, permanecia evidenciado o aspecto intuitivo do

conhecimento matemático necessário para a compreensão e resolução das

atividades (SIROTIC; ZAZKIS, 2007). Este aspecto, convém lembrar, é formado:

[...] pelas intuições do aprendiz, bem como por ideias e crenças sobre os objetos matemáticos e inclui modelos mentais usados para representar conceitos numéricos e operações. Esta dimensão é caracterizada como o tipo de conhecimento que se tende a aceitar diretamente e confiantemente, e é auto evidente e psicologicamente resistente (SIROTIC; ZAZKIS, 2007, p. 51, tradução própria).

Neste sentido, algumas crenças podiam ser identificadas, como, por exemplo,

a de que números com “muitas” casas decimais seriam necessariamente irracionais,

além de questionamentos acerca da infinitude do conjunto dos números racionais.

Neste sentido, cabe lembrar que a abordagem deste trabalho parte de pressupostos

distintos daqueles assumidos por Dias (2002), Penteado (2004), Sirotic e Zazkis

(2007) e Boff (2006), ainda que as atividades e elementos teóricos presentes nestes

trabalhos tenham contribuído para este texto. Enquanto nas pesquisas mencionadas

não são trabalhados previamente quaisquer aspectos do conhecimento matemático

envolvido, a primeira atividade desta iniciativa já propõe o engajamento dos

estudantes em um processo investigativo a respeito dos conjuntos numéricos em

questão. Isto permitiu uma revisita a ideias previamente formadas e a consolidação

de outras, por meio dos procedimentos sugeridos no problema e em seus diversos

itens. Isto contribuiu para que fossem descartadas algumas crenças errôneas acerca

da classificação dos números como racionais ou irracionais, ainda que algumas

dúvidas ainda pairassem, como deve ficar esclarecido nos próximos tópicos.

Do ponto de vista didático, é preciso adiantar que o caráter dialético da

situação adidática, neste caso, surgiu predominantemente quando das discussões

acerca do modo pelo qual deveriam ser aplicadas as identidades trigonométricas e o

teorema das raízes racionais, das quais o pesquisador tomou parte da forma menos

82

invasiva possível, intervindo de maneira a auxiliar os sujeitos apenas na

interpretação dos resultados obtidos em relação aos procedimentos adotados em

um primeiro momento. Esta postura procura atender, do ponto de vista das teorias

adotadas aqui, ao pressuposto de que os problemas constantes de uma situação

didática não podem ser de tal forma difíceis que impeçam os sujeitos sequer de

iniciarem os procedimentos operacionais de resolução (Brousseau, 1986).

É importante destacar, também, que ao final de uma análise mais voltada aos

aspectos epistemológicos dos itens presentes nesta atividade, são evidenciados os

aspectos cognitivos e didáticos percebidos.

3.1.1 Análise do item a

Em conformidade com os pressupostos teóricos deste trabalho, e focando no

caráter epistemológico da análise, neste item, procurava-se compreender se 𝑠𝑒𝑛10°

seria um número racional ou irracional. Desta maneira, e empregando as

identidades trigonométricas já mencionadas anteriormente, considerando 𝜃 = 10°,

viria:

𝑠𝑒𝑛3𝜃 = 3𝑠𝑒𝑛𝜃 − 4𝑠𝑒𝑛³𝜃

𝑠𝑒𝑛3.10° = 3𝑠𝑒𝑛10° − 4𝑠𝑒𝑛³10°

𝑠𝑒𝑛30° = 3𝑠𝑒𝑛10° − 4𝑠𝑒𝑛³10°

Substituindo 𝑠𝑒𝑛10° = 𝑥 e considerando que 𝑠𝑒𝑛30° =1

2, tem-se:

1

2= 3𝑥 − 4𝑥³

1 = 6𝑥 − 8𝑥³

8𝑥3 − 6𝑥 + 1 = 0

Usando a definição das possíveis raízes racionais de um polinômio, tem-se:

𝑐3𝑥3 + 𝑐2𝑥

2 + 𝑐1𝑥1 + 𝑐0 = 0

8𝑥3 − 6𝑥 + 1 = 0

Determina-se os possíveis divisores para 𝑐0.

𝑐0𝑎=1

1= 1

83

𝑐0𝑎=

1

−1= −1

Determina-se os possíveis divisores para 𝑐3

𝑐3𝑏=8

1= 8

𝑐3𝑏=

8

−1= −8

𝑐3𝑏=8

2= 4

𝑐3𝑏=

8

−2= −4

𝑐3𝑏=8

4= 2

𝑐3𝑏=

8

−4= −2

𝑐3𝑏=8

8= 1

𝑐3𝑏=

8

−8= −1

Após encontrar os divisores, substitui-se em 𝑎

𝑏, de modo que os valores encontrados

𝑎 = ±1 e em 𝑏 = ±1,±2,±4, ±8.

Desta forma, tem-se, para 𝑎

𝑏, ±1;±

1

2; ±

1

4; ±

1

8.

Ao substituir uma das raízes em 8𝑥3 − 6𝑥 + 1 = 0, observa-se, por exemplo, para

𝑥 = −1:

8. (−13) − 6. (−1) + 1 = 0

−8 + 6 + 1 = 0

−1 ≠ 0

Desta maneira, de acordo com as definições estudadas, 𝑠𝑒𝑛10° é um número

irracional.

Em relação às respostas providas pelos sujeitos, o quadro 4 permite ter uma

visão geral do desempenho nesta parte da atividade:

84

Quadro 4. Resolução do item a da Atividade 1

Nome Resolveu

corretamente Resolveu

incorretamente Resposta correta com erros

no processo Não resolveu

Aluno 01 X

Aluno 02 X

Aluno 03 X

Aluno 04 X

Aluno 05 X

Aluno 06 X

Aluno 07 X

Aluno 08 X

Aluno 09 X

Aluno 10 X

Aluno 11 X

Aluno 12 X

Aluno 13 X

Aluno 14 X

Aluno 15 X

Aluno 16 X

Aluno 17 X

Aluno 18 X

Aluno 19 X

Fonte: dados da pesquisa

Percebe-se, de acordo com o quadro 4, que apenas quatro sujeitos

apresentaram percalços ou incorreções no processo de resolução desta parte da

atividade, sendo que, dentre eles, apenas Aluno 12 não apresentou qualquer

resposta. Dentre as incorreções mencionadas, podem ser evidenciadas as

seguintes:

Aluno 3: expressou a equação como 8𝑥3 − 6𝑥 − 1 = 0, quando a mesma

deveria ser, no caso, 8𝑥3 − 6𝑥 + 1 = 0. Isto levou o sujeito a afirmar que o

número em questão seria racional;

Aluno 10: expressou a equação como 8𝑥3 + 6𝑥 + 1 = 0, quando a mesma

deveria ser 8𝑥3 − 6𝑥 + 1 = 0. Ainda que o estudante tenha indicado a

irracionalidade do número em questão, tal acerto pode ser tomado em conta

de um acidente feliz;

Aluno 15: enquanto a equação de grau três esperada como resposta poderia

ser expressa como 8𝑥3 − 6𝑥 + 1 = 0 ou −8𝑥3 + 6𝑥 − 1 = 0, o estudante

escreveu 8𝑥3 − 6𝑥 − 1 = 0, o que pode levar a considerar sua resposta

correta acerca da irracionalidade do número igualmente como um acidente

feliz.

85

3.1.2 Análise do item b

Aqui, procurava-se descobrir se 𝑠𝑒𝑛50° seria um número racional ou

irracional. Assim, pelos meios indicados anteriormente neste trabalho, e

considerando 𝜃 = 50°, viria:

𝑠𝑒𝑛3𝜃 = 3𝑠𝑒𝑛𝜃 − 4𝑠𝑒𝑛³𝜃

𝑠𝑒𝑛3.50° = 3𝑠𝑒𝑛50° − 4𝑠𝑒𝑛³50°

𝑠𝑒𝑛150° = 3𝑠𝑒𝑛50° − 4𝑠𝑒𝑛³50°

Substituindo 𝑠𝑒𝑛50° = 𝑥 e considerando que 𝑠𝑒𝑛150° =1

2, tem-se:

1

2= 3𝑥 − 4𝑥³

1 = 6𝑥 − 8𝑥³

8𝑥3 − 6𝑥 + 1 = 0

Usando a definição das possíveis raízes racionais de um polinômio, tem-se:

𝑐3𝑥3 + 𝑐2𝑥

2 + 𝑐1𝑥1 + 𝑐0 = 0

8𝑥3 − 6𝑥 + 1 = 0

Determina-se os possíveis divisores para 𝑐0:

𝑐0𝑎=1

1= 1

𝑐0𝑎=

1

−1= −1

Determina-se os possíveis divisores para 𝑐3:

𝑐3𝑏=8

1= 8

𝑐3𝑏=

8

−1= −8

𝑐3𝑏=8

2= 4

𝑐3𝑏=

8

−2= −4

86

𝑐3𝑏=8

4= 2

𝑐3𝑏=

8

−4= −2

𝑐3𝑏=8

8= 1

𝑐3𝑏=

8

−8= −1

Após encontrar os divisores, substitui-se em 𝑎

𝑏, de modo que os valores encontrados

𝑎 = ±1 e em 𝑏 = ±1,±2,±4, ±8.

Desta forma, tem-se, para 𝑎

𝑏, ±1;±

1

2; ±

1

4; ±

1

8.

Ao substituir uma das raízes em 8𝑥3 − 6𝑥 + 1 = 0, observa-se, por exemplo, para

𝑥 = −1:

8. (−13) − 6. (−1) + 1 = 0

−8 + 6 + 1 = 0

−1 ≠ 0

Desta maneira, de acordo com as definições estudadas, 𝑠𝑒𝑛 50° é um número

irracional.

No quadro 5, podem ser visualizadas a natureza das respostas fornecidas

pelos sujeitos, em termos gerais:

Quadro 5. Resolução do item b da Atividade 1

Nome Resolveu

corretamente Resolveu

incorretamente Resposta correta com erros

no processo Não resolveu

Aluno 01 X

Aluno 02 X

Aluno 03 X

Aluno 04 X

Aluno 05 X

Aluno 06 X

Aluno 07 X

Aluno 08 X

Aluno 09 X

Aluno 10 X

Aluno 11 X

Aluno 12 X

Aluno 13 X

Aluno 14 X

Aluno 15 X

Aluno 16 X

87

Aluno 17 X

Aluno 18 X

Aluno 19 X

Fonte: dados da pesquisa

Neste item, sete sujeitos apresentaram incorreções no trabalho de resolução.

Mais uma vez, Aluno 12 não apresentou qualquer resposta. As incorreções

existentes foram da mesma natureza daquelas encontradas no item anterior, sendo

que, neste caso, pode-se afirmar que Aluno 3 indicou erroneamente a racionalidade

do número, enquanto os Alunos 08, 09, 10, 15 e 17 indicaram corretamente a

irracionalidade do número, mas com erros no processo de resolução, o que pode

indicar a ocorrência de acidentes felizes nestes casos.

3.1.3 Análise do item c

No item c da primeira atividade, a ideia era determinar se 𝑐𝑜𝑠 60° seria um

número racional ou irracional. Desta maneira, considerando 𝜃 = 60°, poderia ser

feito:

𝑐𝑜𝑠3𝜃 = 4𝑐𝑜𝑠3𝜃 − 3𝑐𝑜𝑠𝜃

𝑐𝑜𝑠3.60° = 4𝑐𝑜𝑠360° − 3𝑐𝑜𝑠60°

𝑐𝑜𝑠180° = 4𝑐𝑜𝑠360° − 3𝑐𝑜𝑠60°

Assim, considerando 𝑐𝑜𝑠 60° = 𝑥, e sabendo que 𝑐𝑜𝑠 180° = −1, obtém-se:

−1 = 4𝑥³ − 3𝑥

4𝑥3 − 3𝑥 + 1 = 0

Usando a definição das possíveis raízes racionais de um polinômio, tem-se:

𝑐3𝑥3 + 𝑐2𝑥

2 + 𝑐1𝑥1 + 𝑐0 = 0

4𝑥3 − 3𝑥 + 1 = 0

Determina-se os possíveis divisores para 𝑐0:

𝑐0𝑎=+1

1= 1

𝑐0𝑎=+1

−1= −1

Determina-se os possíveis divisores para 𝑐3:

88

𝑐3𝑏=4

1= 4

𝑐3𝑏=4

2= 2

𝑐3𝑏=4

4= 1

𝑐3𝑏=

4

−1= −4

𝑐3𝑏=

4

−2= −2

𝑐3𝑏=

4

−4= −1

Após a determinação dos divisores, substitui-se em 𝑎

𝑏, de modo que os valores

encontrados em a = ±1 e em b = ±1,±2,±4. Desta forma, são obtidas possíveis seis

raízes racionais, a saber: ±1;±1

2; ±

1

4.

Do processo de substituição das possíveis raízes em 4𝑥3 − 3𝑥 + 1 = 0,

considerando, por exemplo, x = -1:

4𝑥3 − 3𝑥 + 1 = 0

4(−1)3 − 3(−1) + 1 = 0

−4 + 3 + 1 = 0

Assim, tem-se que -1 é raiz da equação 4𝑥3 − 3𝑥 + 1 = 0

Por meio do dispositivo Briot-Ruffini, tem-se:

𝑎𝑥3 + 𝑏𝑥2 + 𝑏𝑥 + 𝑐 = 0

Raiz a b c d

-1 4 0 -3 1

4 -4 1 0

O que permite obter:

4𝑥2 − 4𝑥 + 1 = 0

89

𝑥 =−𝑏 ± √𝑏2 − 4𝑎𝑐

2𝑎

𝑥 =−(−4) ± √(−4)2 − 4.4.1

2.4

𝑥 =4 ± 0

8=1

2

Desta forma, as raízes racionais da equação 4𝑥2 − 4𝑥 + 1 = 0 seriam:

{

𝑥1 = −1

𝑥2 = 1

2

𝑥3 = 1

2

Portanto, 𝑐𝑜𝑠 60° é um número racional.

No quadro 6, pode ser conferida a natureza das respostas fornecidas pelos

sujeitos, em termos gerais:

Quadro 6. Resolução do item c da Atividade 1

Nome Resolveu

corretamente Resolveu

incorretamente Resposta correta com erros

no processo Não resolveu

Aluno 01 X

Aluno 02 X

Aluno 03 X

Aluno 04 X

Aluno 05 X

Aluno 06 X

Aluno 07 X

Aluno 08 X

Aluno 09 X

Aluno 10 X

Aluno 11 X

Aluno 12 X

Aluno 13 X

Aluno 14 X

Aluno 15 X

Aluno 16 X

Aluno 17 X

Aluno 18 X

Aluno 19 X

Fonte: dados da pesquisa

De maneira diversa àquela obtida nos itens anteriores, neste caso houve uma

quantidade maior de incorreções e equívocos no processo do que de acertos por

assim dizer “completos”, assim entendidos aqueles que contemplaram completa

correção em todos os procedimentos prescritos. Nesta categoria, as cinco

90

ocorrências agrupadas como “resposta correta com erros no processo” tiveram as

seguintes motivações:

Aluno 2: Por meio da equação 4𝑥2 − 4𝑥 + 1 = 0, o sujeito chegou à conclusão

de que as raízes seriam 𝑥1 = 1; 𝑥2 = 1

2 e 𝑥3 = −

1

2, enquanto a resposta

correta deveria ser 𝑥1 = −1; 𝑥2 = 1

2 e 𝑥3 =

1

2. Ainda assim, o aluno indicou

que 𝑐𝑜𝑠 60° é um número racional (acidente feliz17);

Aluno 7: Expressou a equação de grau 2 como 4𝑥² + 4𝑥 − 2 = 0, quando a

expressão correta deveria ser 4𝑥² − 4𝑥 + 1 = 0. Desta forma, sua indicação

de que 𝑐𝑜𝑠 60° é um número racional pode ser considerada um acidente feliz;

Aluno 8: O aluno cometeu um equívoco na utilização do dispositivo Briot-

Ruffini: ao invés de utilizar -1 como raiz para cálculo, utilizou 1, chegando à

equação 4𝑥2 + 4𝑥 + 1 = 0, quando a equação correta seria 4𝑥2 − 4𝑥 + 1 = 0.

Consequentemente, utilizou -1 como raiz para cálculo no dispositivo

mencionado. Sua resposta correta acerca da racionalidade do número em

questão pode ser vista da mesma forma que as anteriores;

Aluno 10: cometeu erro semelhante àquele cometido por Aluno 7, ao

expressar a equação de grau 2 como 4𝑥2 + 4𝑥 + 1 = 0;

Aluno 15: Em relação à equação de grau 3, o resultado correto poderia ser

4𝑥3 − 3𝑥 + 1 = 0 𝑜𝑢 − 4𝑥3 + 3𝑥 − 1 = 0. No entanto, o aluno escreveu −4𝑥3 −

3𝑥 + 1 = 0. Desta forma, mesmo que tenha conseguido obter as raízes

corretas para a continuidade dos procedimentos e, consequentemente,

indicado corretamente a racionalidade do número, pode-se afirmar que o erro

de certa forma comprometeria o processo;

Aluno 16: aqui, o sujeito comete um erro muito semelhante ao de Aluno 15,

tendo escrito a equação de grau 3 como −4𝑥3 + 3𝑥 + 1 = 0.

Além dos casos supramencionados, deve-se indicar que Aluno 3, após uma

série de incorreções na obtenção das equações de grau 3 e de grau 2, indicou, de

forma equivocada, que 𝑐𝑜𝑠 60° seria um número irracional.

17 Não se pode deixar de considerar a possibilidade de que os sujeitos conhecessem o valor numérico de 𝑐𝑜𝑠 60𝑜, resultado bastante comum por se tratar de um ângulo notável. Desta forma, apesar de inexatidões no procedimento, o sujeito poderia responder de forma correta.

91

Os casos dos Alunos 13, 14 e 18 foram agrupados na mesma categoria

daquele referente à Aluno 3, mas possuem natureza diversa: tais sujeitos

simplesmente não desenvolveram os cálculos relativos aos procedimentos

recomendados, o que levou a crer que as afirmações que fizeram acerca da

racionalidade de 𝑐𝑜𝑠 60° foram baseadas em aspectos intuitivos (SIROTIC; ZAZKIS,

2007).

3.1.4 Análise do item d

O item d da primeira atividade traz como tarefa a determinação da

racionalidade ou irracionalidade de 𝑐𝑜𝑠 120°. Considerando o processo

recomendado, tendo 𝜃 = 120°, poderia ser feito:

𝑐𝑜𝑠3𝜃 = 4𝑐𝑜𝑠3𝜃 − 3𝑐𝑜𝑠𝜃

𝑐𝑜𝑠3.120° = 4𝑐𝑜𝑠3120° − 3𝑐𝑜𝑠120°

𝑐𝑜𝑠360° = 4𝑐𝑜𝑠3120° − 3𝑐𝑜𝑠120°

Assim, considerando 𝑐𝑜𝑠 120° = 𝑥, e sabendo que 𝑐𝑜𝑠 360° = 1, obtém-se:

1 = 4𝑥³ − 3𝑥

4𝑥3 − 3𝑥 − 1 = 0

Usando a definição das possíveis raízes racionais de um polinômio, tem-se:

𝑐3𝑥3 + 𝑐2𝑥

2 + 𝑐1𝑥1 + 𝑐0 = 0

4𝑥3 − 3𝑥 − 1 = 0

Determina-se os possíveis divisores para 𝑐0:

𝑐0𝑎=−1

1= −1

𝑐0𝑎=−1

−1= 1

Determina-se os possíveis divisores para 𝑐3:

𝑐3𝑏=4

1= 4

𝑐3𝑏=4

2= 2

92

𝑐3𝑏=4

4= 1

𝑐3𝑏=

4

−1= −4

𝑐3𝑏=

4

−2= −2

𝑐3𝑏=

4

−4= −1

Após a determinação dos divisores, substitui-se em 𝑎

𝑏, de modo que os valores

encontrados em a = ±1 e em b = ±1,±2,±4. Desta forma, são obtidas possíveis seis

raízes racionais, a saber: ±1;±2;±4.

Do processo de substituição das possíveis raízes em 4𝑥3 − 3𝑥 − 1 = 0,

considerando, por exemplo, x = 1:

4𝑥3 − 3𝑥 − 1 = 0

4(1)3 − 3(1) − 1 = 0

4 − 3 − 1 = 0

Ou seja, 1 = 1.

Por haver a igualdade observada, de acordo com a base teórica aqui adotada,

verifica-se que, de fato, 𝑐𝑜𝑠 120° é racional. Para averiguação, utiliza-se o dispositivo

Briot-Ruffini, com 𝑥 = 1 raiz da equação 4𝑥3 − 3𝑥 − 1 = 0:

𝑎𝑥3 + 𝑏𝑥2 + 𝑏𝑥 + 𝑐 = 0

Raiz a b c D

1 4 0 -3 -1

4 4 1 0

Daí, vem:

4𝑥2 + 4𝑥 + 1 = 0

𝑥 =−𝑏 ± √𝑏2 − 4𝑎𝑐

2𝑎

93

𝑥 =−4 ± √42 − 4.4.1

2.4

𝑥 =−4 ± 0

8= −

1

2

Desta forma, as raízes racionais da equação 4𝑥2 + 4𝑥 + 1 = 0 seriam:

{

𝑥1 = 1

𝑥2 = −1

2

𝑥3 = −1

2

Portanto, cos 120 ° é um número racional.

O quadro 7 indica a natureza das respostas fornecidas pelos sujeitos, em

termos gerais:

Quadro 7. Resolução do item d da Atividade 1

Nome Resolveu

corretamente Resolveu

incorretamente Resposta correta com erros

no processo Não resolveu

Aluno 01 X

Aluno 02 X

Aluno 03 X

Aluno 04 X

Aluno 05 X

Aluno 06 X

Aluno 07 X

Aluno 08 X

Aluno 09 X

Aluno 10 X

Aluno 11 X

Aluno 12 X

Aluno 13 X

Aluno 14 X

Aluno 15 X

Aluno 16 X

Aluno 17 X

Aluno 18 X

Aluno 19 X

Fonte: dados da pesquisa

Neste item da Atividade 1, algumas das incorreções encontradas foram

idênticas àquelas identificadas na atividade anterior. Isto ocorreu com os Alunos 2,

13, 14 e 18, por exemplo.

Outro aspecto a considerar é que os Alunos 10, 15 e 16 completaram esta

tarefa de forma correta, ao contrário do que fizeram em relação à anterior, o que

pode levar a conjecturar, uma vez que a complexidade das tarefas era praticamente

94

a mesma, que as incorreções do item anterior tiveram origem no caráter algorítmico

da tarefa, indicando erros mais pontuais do que estruturais em relação ao aspecto

cognitivo. Da mesma forma, Aluno 17, que havia acertado a resolução anterior,

apresentou incorreções nesta, muito próximas àquelas de seus colegas que

cometeram acidentes felizes no item anterior. Esta observação, desta forma, reforça

o destaque conferido à forma de pensamento de caráter algorítmico (SIROTIC;

ZAZKIS, 2007).

De outro modo, além de Aluno 12 (que não respondeu qualquer das tarefas),

Aluno 3 também não o fez.

3.1.5 Análise do item e

Neste caso, foi necessário realizar um ajuste em meio à aplicação da

atividade. O instrumento original solicitava determinar a racionalidade ou

irracionalidade de 𝑠𝑒𝑛270°

9. Alguns sujeitos confundiram a solicitação e consideraram

que deveriam determinar sua resposta com base em 𝑠𝑒𝑛 270°

9. Para dirimir qualquer

dúvida, solicitou-se que os sujeitos considerassem as duas tarefas, ficando a

primeira como item e1 e a segunda como item e2.

No caso do item e1, tratava-se, apenas, de determinar se 𝑠𝑒𝑛 30𝑜 seria um

número racional ou irracional. Ora, a aplicação das identidades trigonométricas, da

mesma forma como nas tarefas anteriores, leva à equação de grau 3 que pode ser

expressa como

4𝑥3 − 3𝑥 + 1 = 0. Após a aplicação do teorema das raízes racionais de um

polinômio, obtém-se ±1;±1

2; ±

1

4. Após a aplicação do dispositivo de Briot-Ruffini,

tem-se, para a equação em tela, as raízes 𝑥1 = −1; 𝑥2 = 1

2; 𝑥3 =

1

2. Desta forma,

então, 𝑠𝑒𝑛270°

9 é um número racional. Sobre tal conclusão, segue o quadro 8,

indicando um panorama das respostas dos sujeitos da pesquisa.

95

Quadro 8. Resolução do item e1 da Atividade 1

Nome Resolveu

corretamente Resolveu

incorretamente Resposta correta com erros

no processo Não resolveu

Aluno 01 X

Aluno 02 X

Aluno 03 X

Aluno 04 X

Aluno 05 X

Aluno 06 X

Aluno 07 X

Aluno 08 X

Aluno 09 X

Aluno 10 X

Aluno 11 X

Aluno 12 X

Aluno 13 X

Aluno 14 X

Aluno 15 X

Aluno 16 X

Aluno 17 X

Aluno 18 X

Aluno 19 X

Fonte: dados da pesquisa

O quadro 8 parece fornecer uma indicação clara de que os sujeitos passaram

a compreender melhor os procedimentos envolvidos na determinação da

racionalidade ou irracionalidade de um número representado por meio do seno ou

cosseno de determinado ângulo. Todos indicaram respostas corretas, com exceção

de três alunos, os quais não mais participaram das atividades a partir deste ponto.

Neste sentido, percebe-se uma predominância do aspecto algorítmico do

conhecimento matemático, como indicado em Sirotic e Zazkis (2007), ou seja, este

aspecto aparece em relevo nas atividades que contam com um procedimento

previamente sugerido, em detrimento, talvez, dos aspectos formal e intuitivo, ainda

que tenha sido indicado aos participantes que outros procedimentos e raciocínios

poderiam ser empregados. Há, aqui, dois aspectos a destacar:

Mesmo seguindo algoritmos, alguns estudantes mantiveram discussões

que evidenciaram algumas características de números racionais e

irracionais, cujo uso efetivo fica evidenciado nas próximas atividades;

Por outro lado, alguns sujeitos mantiveram seus esforços de resolução

adstritos a uma “zona de conforto”, dada por procedimentos que julgaram

suficientes para o conhecimento em questão. Este pensamento, aliás, teve

que ser desconstruído nas atividades seguintes, que solicitaram outros

percursos cognitivos.

96

No caso do item e2, trata-se de determinar se o quociente resultante de

sen 270°

9, ou seja, se

−1

9= −0,111111111… seria um número racional ou irracional.

Ora, não é necessário aplicar as identidades trigonométricas neste caso, o que leva

a um recurso que remete, de alguma forma, ao aspecto formal do conhecimento

matemático em questão (SIROTIC; ZAZKIS, 2007), e que consiste em reconhecer

como racionais os números que admitam representação periódica decimal infinita.

As respostas dos sujeitos, conforme foram até aqui evidenciadas, podem ser vistas

no quadro 9.

Quadro 9. Resolução do item e2 da Atividade 1

Nome Resolveu

corretamente Resolveu

incorretamente Resposta correta com erros

no processo Não resolveu

Aluno 01 X

Aluno 02 X

Aluno 03 X

Aluno 04 X

Aluno 05 X

Aluno 06 X

Aluno 07 X

Aluno 08 X

Aluno 09 X

Aluno 10 X

Aluno 11 X

Aluno 12 X

Aluno 13 X

Aluno 14 X

Aluno 15 X

Aluno 16 X

Aluno 17 X

Aluno 18 X

Aluno 19 X

Fonte: dados da pesquisa

Observa-se que 10 dos participantes responderam corretamente. Aqui, o

recurso foi feito ao aspecto formal do conhecimento matemático (SIROTIC; ZAZKIS,

2007), pois a escolha predominante para a resolução levou em conta a identificação

de que sen 270°

9=

−1

9= −0,111111111… é um número racional por sua representação

ser feita por meio de uma dízima com período infinito. Além disso, neste sentido,

esta representação tem caráter transparente, no sentido de evidenciar esta

conclusão, como indicam Lesh, Bear e Post (1987).

Mesmo os quatro estudantes que responderam incorretamente procuraram se

valer dos mesmos recursos. Os Alunos 9 e 13, por exemplo, não expressaram o

resultado obtido por meio de uma representação contendo um período infinito

(escreveram, como resposta, algo como -0,111). Já Alunos 10 e 11 cometeram o

97

equívoco operacional de considerar, como resultado, um número positivo,

0,11111111... . Neste caso, entretanto, é preciso fazer um reparo: a expressão do

resultado da divisão em um período finito entre estes sujeitos que cometeram estes

erros pode indicar, a exemplo do que foi identificado em Penteado (2004), que os

mesmos relacionam representações infinitas com números irracionais. Ora, como o

número obtido é racional, os alunos em questão não o representaram com o uso de

reticências, o que indicaria, no caso, a infinidade do período.

3.1.6 Análise do item f

O item f solicitava indicar se cos360𝑜

99 seria um número racional ou irracional. A

exemplo do item e2, não seria necessário empregar aqui o longo procedimento

operacional caracterizado pelo emprego das identidades trigonométricas e do

teorema das raízes racionais de um polinômio, bastando recorrer ao aspecto formal

do conhecimento matemático, ao empregar parte das definições relativas aos

números racionais e suas representações, pois cos360𝑜

99= 0,01010101…, um número

racional expresso como dízima periódica.

Em relação às respostas providas pelos sujeitos, o quadro 10 permite visualizar

um panorama das mesmas:

Quadro 10. Resolução do item f da Atividade 1

Nome Resolveu

corretamente Resolveu

incorretamente Resposta correta com erros

no processo Não resolveu

Aluno 01 X

Aluno 02 X

Aluno 03 X

Aluno 04 X

Aluno 05 X

Aluno 06 X

Aluno 07 X

Aluno 08 X

Aluno 09 X

Aluno 10 X

Aluno 11 X

Aluno 12 X

Aluno 13 X

Aluno 14 X

Aluno 15 X

Aluno 16 X

Aluno 17 X

Aluno 18 X

Aluno 19 X

Fonte: dados da pesquisa

98

Como pode ser observado no quadro 10, oito sujeitos acertaram a resposta,

ao indicar que o número em questão é racional, recorrendo ao aspecto formal do

conhecimento matemático e representando-o, inclusive, de forma adequada, ou

seja, como dízima periódica. Entre os seis sujeitos cuja resolução foi considerada

inadequada, também houve recurso ao aspecto formal do conhecimento

matemático, mas, em alguns casos, com base em erros operacionais, como ocorreu

com Aluno 3, Aluno 10 e Aluno 11, que indicaram que o quociente de cos360𝑜

99 seria

3,636363... – na verdade, este seria o quociente de 360

99. No caso de Aluno 13, houve

a representação do resultado como o número racional 0,010101, algo que já havia

ocorrido em relação ao item e2, reforçando a impressão de que este estudante não

relaciona as representações infinitas com números racionais. Aluno 14 e Aluno 15

anotaram 0,11111... como resposta.

3.1.7 Sobre a análise da Atividade 1

A construção de conjecturas e, consequentemente, respostas para os itens

constantes da Atividade 1 revelou alguns aspectos importantes, do ponto de vista

didático. Foi possível perceber, por exemplo, que as discussões existentes estavam

calcadas no caráter algorítmico das tarefas, a não ser no caso dos itens e2 e f. Após

uma intervenção inicial do pesquisador, respondendo questões relativas ao emprego

das identidades trigonométricas e do teorema das raízes reais de um polinômio, em

torno do que, nestes procedimentos, permitiria indicar a racionalidade ou

irracionalidade de um número, o processo de devolução, descrito por Brousseau

(1986) como aquele a partir do qual o aluno aceita como seus os problemas

previstos na situação didática, responsabilizando-se por sua resolução, tornou-se

efetivo: cada um dos sujeitos se engajou no emprego dos dispositivos matemáticos

disponíveis e procurou fornecer as respostas necessárias.

Neste sentido, não pode ser dito que o percurso em torno das dialéticas de

ação, formulação e validação foi percorrido linearmente. Curiosamente, os

movimentos em torno de construções de caráter mais operacional, típicos da

dialética de ação, tiveram lugar apenas em um primeiro momento, de forma

predominante. Após estas experimentações, a dialética de formulação podia ser

identificada quando das aplicações dos procedimentos, o que, por sua vez, indicava,

predominantemente, o caráter algorítmico do pensamento matemático assumido

99

neste ponto pelos sujeitos. Da mesma forma em que certa “segurança” era

assumida no âmbito das conjecturas, posto que os procedimentos tinham o caráter

algorítmico já mencionado, alguns erros de procedimento podiam surgir, dada a

relativa complexidade dos passos envolvidos. Esta dificuldade foi relatada de forma

geral pelos sujeitos. A dialética de validação ocorreu, também, em momentos em

que os resultados eram comparados e mudanças eram realizadas sempre que um

dos sujeitos conseguia convencer um ou dois de seus colegas acerca do acerto de

suas construções. Isto não impediu, como se pode ver, que erros fossem cometidos.

É preciso lembrar que o uso dos procedimentos indicados aqui era apenas

uma sugestão, e que os estudantes poderiam fornecer as respostas por meio de

outros processos ou propostas. Entretanto, isto praticamente não ocorreu e pode ser

explicado por alguns aspectos relativos às dificuldades de representação (ou de

conclusões a partir das representações) que tiveram lugar, como já havia ocorrido

em trabalhos como os de Sirotic e Zazkis (2007), Penteado (2004) e Boff (2006), e

que ficaram evidentes principalmente quando do trabalho com os dois últimos itens

da atividade. Os sujeitos, aliás, indicaram algo neste sentido, como em comentários

realizados por Aluno 1, Aluno 4 e Aluno 6, que deixaram claro que os procedimentos

indicados poderiam ajudar, pois um resultado, simplesmente visto na tela de uma

calculadora, por exemplo, não garantiria racionalidade ou irracionalidade do número.

Se em uma verificação, por exemplo, o resultado é 0,2334567 no display do

dispositivo, nada garante, segundo os alunos, que o período não seria maior do isto.

Isto reforça a visão segundo a qual as representações numéricas apresentam, de

forma predominante, um caráter de opacidade em relação a certas características

(LESH; BEAR; POST, 1987).

Concluídas as análises relativas à Atividade 1, prossegue-se, a seguir, com

as análises relativas à próxima etapa.

3.2 Análises da Atividade 2

Na Atividade 2, os mesmos itens trabalhados pelos estudantes na Atividade 1

foram solicitados, considerando que as verificações seriam realizadas usando o

software GeoGebra. Assim, os estudantes teriam à sua disposição os mesmos

elementos matemáticos que empregaram anteriormente, ou seja, as identidades

trigonométricas já descritas.

100

A primeira observação a ser feita fica por conta da maior interação entre os

sujeitos ocorrida aqui. Os comentários foram, de maneira geral, relacionados àquilo

que os sujeitos acertaram ou erraram quando da realização manual da atividade. Foi

uma oportunidade de (re)validar as conjecturas e conclusões atingidas na primeira

atividade. Neste sentido, os três elementos destacados por Borba e Villarreal (2005)

e Oliveira (2013) surgiram como fatores importantes nas constatações realizadas: a

visualização, o dinamismo e a experimentação.

Estes três aspectos ocorrem de forma integrada. Isto significa, no caso que

aqui se relata, que os sujeitos puderam observar, de maneira quase instantânea, os

efeitos nos modelos matemáticos inseridos – uma característica relacionada ao que

Lévy (1993) chama de tempo real. Ou seja, ao mudar valores de parâmetros ou

variáveis, as mudanças podem ser vistas e avaliadas. Do ponto de vista da

experimentação, no modelo existente nesta atividade, estas alterações puderam ser

realizadas inúmeras vezes, no que diz respeito aos valores dos ângulos de seno e

cosseno ao longo dos itens. Da mesma forma, os sujeitos empregaram recursos

relativos ao dinamismo, pois as estruturas presentes não dependiam de

reconstrução para responder às intervenções dos participantes: ao intervir no

modelo, o processo de reconstrução de acordo com os novos parâmetros ocorria

como uma das propriedades computacionais da aplicação. Entretanto, não se pode

afastar a necessidade do conhecimento matemático, pois todas as alterações e

reconfigurações precisaram ser avaliadas e, no caso desta atividade, transcritas

para o papel.

Outra constatação dos sujeitos, também de acordo com o que pode ser visto

em Oliveira (2013) e Oliveira, Gonçalves e Marquetti (2015), é que o uso do modelo

diminui o trabalho de ordem operacional (realização de cálculos repetitivos e com

grande possibilidade de que se cometa algum equívoco), deixando entrever a

possibilidade do uso dos recursos cognitivos para o aspecto relativo ao

conhecimento matemático em si – no caso, a descoberta da racionalidade ou

irracionalidade de determinado número.

Ainda assim, algumas intercorrências foram observadas, justamente no

momento em que as respostas deveriam ser transcritas para o papel. Aqui, optou-se

por apresentar uma classificação mais geral das atividades, exposta no quadro 11,

uma vez que os erros cometidos foram de apenas um tipo.

101

Quadro 11. Resultados obtidos na realização da Atividade 2

Item da Atividade 2 Acertos Erros

a 11 5

b 11 5

c 16 0

d 16 0

e1 16 0

e2 12 4

f 10 6

Fonte: dados da pesquisa

As incorreções anotadas na última coluna do quadro 11 estão ligadas, de

acordo com o que pode ser observado ao longo das atividades, à dificuldade de

relacionar o conceito de infinidade com os números observados como partes das

respostas nas resoluções das atividades quando os números sob verificação

apresentam dízimas infinitas não periódicas ou dízimas infinitas periódicas. A

incorreção, neste caso, era expressada pela falta de reticências ao indicar o

resultado numérico das propostas em cada caso dos itens c, d, e1, e2 e f. Assim,

observa-se neste estudo falhas semelhantes àquelas encontradas nos trabalhos de

Penteado (2004) e Boff (2006), envolvendo as propriedades que permitiriam

identificar determinados números como racionais ou irracionais. Além disso, a forma

como a interface apresentava os resultados (Figura 8, que explora o caso de

𝑠𝑒𝑛 30𝑜) envolvia um problema de representação, como abordado por Sirotic e

Zazkis (2007) e da forma como teorizado por Lesh, Bear e Post (1987): a

representação fornecida é opaca em relação à racionalidade/irracionalidade, em

função de não expressar, ela mesma, nenhum indicativo de períodos infinitos nas

representações decimais.

102

Figura 8. Resultados obtidos na realização da Atividade 2

Fonte: dados da pesquisa

Nas discussões realizadas com o pesquisador quando da institucionalização

das duas primeiras atividades, foi possível tratar destas incorreções, o que levou

alguns dos participantes a ressignificar as ideias que possuíam acerca das

propriedades que permitiriam identificar os números no âmbito de cada um dos

conjuntos envolvidos nesta investigação. Esta discussão avançou para questões

relativas à densidade dos conjuntos dos números racionais e dos números

irracionais, o que, de certa forma, fez com que os sujeitos começassem a refletir

sobre tais dimensões do conhecimento matemático, fato este que influenciou,

inclusive, no desempenho dos participantes da investigação ao longo da Atividade 3,

como pode ser percebido a seguir.

3.3 Análises da Atividade 3

3.3.1 Análises do Item 1 da Atividade 3

Os problemas envolvidos no item 1 da Atividade 3 tinham uma apresentação

bastante diversa daqueles contidos nas atividades anteriores, pois não envolviam

cálculos. Tratava-se, de outra forma, de refletir sobre questões relativas à densidade

103

dos conjuntos dos números racionais e dos números irracionais, por meio de

respostas às perguntas que aqui se repetem:

a. É sempre possível encontrar um número racional entre quaisquer dois

números irracionais. Determine “verdadeiro” ou “falso” e explique seu

raciocínio;

b. É sempre possível encontrar um número irracional entre quaisquer dois

números irracionais. Determine “verdadeiro” ou “falso” e explique seu

raciocínio;

c. É sempre possível encontrar um número irracional entre quaisquer dois

números racionais. Determine “verdadeiro” ou “falso” e explique seu

raciocínio;

d. É sempre possível encontrar um número racional entre quaisquer dois

números racionais. Determine “verdadeiro” ou “falso” e explique seu

raciocínio.

Em relação ao desempenho geral dos participantes da pesquisa neste item da

Atividade 3, o quadro 12 permite perceber que o número de incorreções foi

significativamente pequeno. Neste sentido, aventa-se que tal desempenho se deveu,

em grande parte, às atividades e discussões realizadas previamente acerca das

propriedades que permitiriam identificar um número qualquer como racional ou

irracional.

Quadro 12. Resultados obtidos na realização da Atividade 3, item 1

Subitens Verdadeiro Falso

A 12 2

B 14 0

C 12 2

D 14 0

Fonte: dados da pesquisa

Ainda assim, e de acordo com a proposta indicada para as análises aqui

detalhadas, julga-se importante apresentar detalhes acerca das incorreções

detectadas na próxima seção, assim como algumas observações sobre as respostas

corretas, em seguida.

3.3.1.1 Sobre as incorreções detectadas no Item 1 da Atividade 3

104

As respostas de Aluno 2 para os subitens desta tarefa foram as seguintes:

a. Não, falso, números dentro dos racionais são racionais, infinitos

números racionais;

b. Verdadeiro, pois há infinitos números irracionais;

c. Falso, dentro dos números racionais não encontramos infinitos

números irracionais;

d. Verdadeiro, pois há infinitos números racionais.

De maneira muito semelhante foram providas as respostas dadas por Aluno

3:

a. Falso, encontramos apenas números irracionais;

b. Verdadeiro;

c. Falso, encontramos apenas números racionais;

d. Verdadeiro.

A primeira observação, mais direta, é que Aluno 2 e Aluno 3 não

compreendem o conceito de densidade no conjunto dos números reais e,

provavelmente, não se apropriaram da relação que os conjuntos dos números

racionais e o conjunto dos números irracionais têm com o conjunto dos números

reais: para estes sujeitos, os conjuntos numéricos mencionados não compõem o

conjunto dos números reais, mas devem ser vistos separadamente, o que impediria

que se encontrassem infinidades de números racionais no intervalo compreendido

entre dois irracionais quaisquer e vice-versa.

Em seguida, é preciso indicar que erros desta natureza foram identificados

em Sirotic e Zazkis (2007) e categorizados entre os aspectos intuitivos do

conhecimento matemático, mais especificamente entre aqueles chamados pelos

autores de “crenças”, justamente o que é visto pelos autores como “componentes

psicologicamente resistentes” no âmbito da dimensão intuitiva do conhecimento

matemático (p. 51). Isto explicaria, então, porque estes estudantes, mesmo depois

de reiteradas discussões em diversos momentos das dialéticas adidáticas

vivenciadas pelos sujeitos, e das discussões coletivas realizadas na

institucionalização das atividades anteriores, mantiveram seu posicionamento, sem

qualquer ressignificação até este momento da coleta de dados. Em outros estudos

examinados como suporte a esta investigação, como em Penteado (2004), Dias

105

(2002) e Boff (2006), incorreções semelhantes – ou com causas próximas – também

foram observadas.

3.3.1.2 Características das respostas corretas do Item 1 da Atividade 3

Conforme pode ser visto no quadro 13, a maioria dos estudantes concluiu, de

forma correta, que as proposições lançadas neste item da atividade eram

verdadeiras. Entretanto, parece importante examinar as justificativas apresentadas,

de modo a compreender, de alguma maneira, os aspectos predominantes da

mobilização do conhecimento matemático em jogo.

Quadro 13. Justificativas providas para a Atividade 3, item 1

Sujeito Justificativa

Aluno 1

Verdadeiro, pois entre dois números irracionais há infinitos números, com isso pode haver um número racional entre eles [resposta para o subitem a]; Verdadeiro, pois entre dois números há infinitos números entre eles [resposta para os subitens b, c, d].

Aluno 4

Verdadeiro, pois mesmo pegando dois números irracionais seguidos, se você aumentar o número de algarismos válidos que vão ao infinito há alguns números, ou melhor, infinitos números racionais [resposta para o subitem a]; Todas as perguntas são verdadeiras, pois entre quaisquer dois números há infinitos números, então há infinitos números racionais e irracionais.

Aluno 5 Verdadeiro. É sempre possível, pois entre quaisquer dois números existem infinitos números, podendo haver racional ou irracional [resposta fornecida para todos os subitens].

Aluno 6 Todas as alternativas são verdadeiras, pois tende a infinitos números, e sempre encontraremos números racionais em números irracionais e vice-versa;

Aluno 7

a) Verdadeiro, pois entre os dois números irracionais podem-se encontrar números racionais; por exemplo, entre 2,987 e 1,857, existe o 2; b) Verdadeiro, pois o número pode sempre ser fragmentado cada vez mais; c) Verdadeiro. Entre dois números racionais, sempre serão encontrados números irracionais; d) Verdadeiro, pois se encontram infinitos números racionais entre outros racionais.

Aluno 8

a) Sim, entre dois números irracionais podem ser encontrados números irracionais; b) Verdadeiro. Entre dois há infinitos números e entre infinitos números há um número irracional; c) Verdadeiro. Entre dois números racionais sempre serão encontrados números irracionais; d) Verdadeiro. Entre dois números racionais há infinitos números e entre eles há um racional.

Aluno 9 Não apresentou justificativas.

Aluno 10 Todas as afirmações são verdadeiras porque entre dois números quaisquer sendo racional e irracional, pois eles são infinitos números.

Aluno 11 São todas afirmações verdadeiras, pois entre dois números há infinitos, sendo eles racionais e irracionais.

Aluno 12 Todas as afirmações são verdadeiras, pois temos infinitas possibilidades de números racionais e irracionais.

Aluno 13 [Respondeu “verdadeiro” para todos os subitens] Os números são infinitos e sequenciais aos intervalos.

Aluno 14 As alternativas (a, b, c, d) são todas afirmações verdadeiras, pois entre dois números temos infinitas possibilidades de números racionais e irracionais.

Fonte: dados da pesquisa

106

Não houve qualquer justificativa que abrangesse os aspectos formal ou

algorítmico do conhecimento matemático, considerando a visão de Sirotic e Zazkis

(2007), pelo menos aparentemente. Nenhum dos sujeitos usou o termo “densidade”,

igualmente, que também não foi mencionado pelo pesquisador e não constava de

nenhum instrumento escrito aos quais os sujeitos tiveram acesso. O que se pode

dizer ao certo, além disso, é que nenhum dos alunos recorreu a instrumentos

formais, como alguma modalidade de demonstração, por exemplo. As discussões

indicaram que, para alguns deles, a densidade nos conjuntos dos números racionais

e dos números irracionais estava estabelecida como patrimônio cognitivo.

Boa parte das justificativas recorreu à ideia de infinidade para indicar que os

conjuntos seriam densos, ressaltando, inclusive, que esta característica ocorreria

tanto em relação aos racionais quanto aos irracionais. Indiretamente, os sujeitos

empregam o conceito segundo o qual o conjunto dos números reais é denso, e é

formado pela união dos racionais e irracionais.

Algumas justificativas apresentadas, no entanto, carecem de apoio do ponto

de vista da correção esperada no contexto de uma atividade matemática:

Aluno 1, como resposta ao item a, menciona que “pode haver um número

racional” entre dois irracionais. A forma condicional como a afirmação é

feita pode indicar uma dúvida, ou a mesmo uma convicção de que a

existência de números racionais no intervalo entre dois irracionais

quaisquer só ocorre em relação a certos números e em certa quantidade –

Aluno 5, de certa forma, também coloca a existência de racionais e

irracionais entre dois números quaisquer como possibilidade;

Aluno 4 indica, também em relação ao item a, que “mesmo pegando dois

números irracionais seguidos, se você aumentar o número de algarismos

válidos que vão ao infinito há alguns números, ou melhor, infinitos

números racionais”. A indicação de que seria possível pegar dois números

irracionais seguidos carece de sustentação, do ponto de vista do

conhecimento matemático: o estudante tenta aplicar, de forma inválida,

características típicas do conjunto dos números naturais, do conjunto dos

números inteiros e do conjunto dos números racionais, que são conjuntos

contáveis e enumeráveis – isto não ocorre com os irracionais;

107

Aluno 6, aparentemente, apresenta alguma confusão ao expressar que

“sempre encontraremos números racionais em números irracionais e vice-

versa” – talvez o sujeito queira mencionar que o conjunto dos números

reais é composto pelos dois outros conjuntos numéricos mencionados;

Aluno 7 expressa uma incorreção bastante comum aos trabalhos aqui

referenciados, como Zazkis e Sirotic (2007), Penteado (2004), Dias (2002)

e Boff (2006), qual seja a de não compreender o que caracteriza um

número como irracional – em sua justificativa, o sujeito indica como

irracionais dois números racionais, 2,987 e 1,857;

Aluno 8 escreve, por exemplo, que “entre dois números racionais há

infinitos números e entre eles há um racional” – este padrão de resposta,

fornecido ao item d, aparece também no item b. Como as respostas dos

outros itens sugerem a existência de números (e não de apenas um

número), é provável que o sujeito suponha, incorretamente, que há

apenas um número nestes casos – poderia ser, por exemplo, a média

aritmética entre os limites intervalares ou algo do gênero;

Aluno 13 indica que os números seriam “infinitos e sequenciais aos

intervalos”, sem esclarecer o que quer dizer com o termo “sequenciais”

neste caso. É possível que esta afirmação revele a mesma crença de

alguns dos colegas, que mantêm a ideia de que os conjuntos numéricos

em foco teriam, entre seus membros, sucessores e antecessores, com no

conjunto dos números naturais, por exemplo.

Apesar de parecer claro que a maioria dos sujeitos compreende o conceito de

densidade e menciona a existência de infinitos números racionais e irracionais no

intervalo compreendido entre dois números quaisquer, a ausência de rigor, como

mencionado em Brito (2010), ou de uma abordagem formal, como querem Zazkis e

Sirotic (2007) parece fazer com que algumas dúvidas, incertezas e incorreções

permaneçam. Tais dúvidas puderam ser acompanhadas nos diálogos estabelecidos

ao longo das dialéticas desenvolvidas pelos sujeitos ao alinharem conjecturas que

pudessem servir como respostas:

108

Aluno 11 – [Lendo para os colegas] É sempre possível encontrar um número racional entre

quaisquer dois números irracionais. Determine "verdadeiro" ou "falso" e explique seu

raciocínio...

Aluno 10 – Não!

Aluno 11 – Se fosse o contrário, sim!

Aluno 10 – Se fosse o contrário, também não!

Aluno 11 – Se fosse um irracional entre dois racionais, sim!

Aluno 12 – Sim, porque se entre os números são infinitos, e entre eles há uma infinidade de

números, um deles vai ser irracional, vai ter infinidade de racional e infinidade de irracionais.

É tudo verdadeiro. Porque entre um número e outro há infinitos números.

Aluno 11 – Então, coloco que a,b,c,d são todos verdadeiros...

Percebe-se que Aluno 10 e Aluno 11 têm suas convicções, provavelmente

baseadas, ainda, em intuições, sobre questões relativas à densidade nos conjuntos

numéricos trabalhados. Suas hipóteses não se sustentam, de forma que são

convencidos por Aluno 12, cujos argumentos tentam se aproximar de uma definição

mais formalizada de densidade, aplicada, aqui, ao conjunto dos números reais. Aqui,

as dialéticas de formulação e validação, como mencionadas por Brousseau (1986)

podem ser distinguidas com facilidade. Como estratégia didática, a atividade parece

cumprir a finalidade de provocar reflexões sobre o tema em tela.

Aluno 1 – É sempre possível encontrar um número racional entre quaisquer dois números

irracionais... Sim!

Aluno 4 – Não!

Aluno 1 – Por que não?

Aluno 4 – Ah não, encontra sim, porque são números infinitos, mesmo que se você tiver um

número seguido do outro número irracional, você diminuía as casas e você vai encontrar um

número racional.

Aluno 1 – É verdadeiro ou falso?

Aluno 4 – É verdadeiro porque, acabei de explicar, mesmo que você pegue dois pontos, um

seguido do outro, se você aumentar o número de casas definidas, você consegue achar um

número racional.

Aluno 1 – Então é tudo verdadeiro, porque os números são infinitos.

Aluno 4 – Sim!

Aluno 1 – Tem que explicar b,c,d...

109

Aluno 4 – Se você tem dois irracionais, mas você considera que entre eles há infinitos

números, então ao mesmo tempo há infinitos números racionais entre eles.

No diálogo, Aluno 4 menciona uma sucessão inexistente entre os números

irracionais, e uma “transformação” que também é bastante questionável, ou seja, a

recomendação de “diminuir as casas” para encontrar um número racional, o que

permite aventar a conjectura de que o sujeito considera a existência de números

irracionais com um número finito de casas decimais – esta convicção (ou crença,

como indicam Sirotic e Zazkis, 2007) aparece expressa na resposta do estudante,

indicada no quadro 13. Trata-se de uma resposta correta com base em justificativas

com incorreções. Esta lógica também ajuda a entender porque Aluno 1 menciona

que pode haver um número racional entre dois irracionais.

Aluno 1 – [Lendo o subitem b] É sempre possível encontrar um número irracional entre

quaisquer dois números irracionais? Sabe por que não é possível? Porque se eu pegar dois

números irracionais seguidos, eu não encontro um número irracional entre eles.

Aluno 4 – Encontra, porque eu acabei de falar, entre dois números há infinitos números, e

você limita a quantidade de casas que você enxerga, e continua existindo infinitos números

entre eles. É que nós não entendemos o infinito, não importa o quanto você conte, eles

continuam sendo infinitos. Qualquer sequência matemática é infinita.

Aluno 1 – É tudo verdadeira!

Em relação ao subitem b, Aluno 4 retoma sua argumentação, indicando que

há infinitos números, racionais e irracionais entre dois números quaisquer, mas

sustenta sua ideia de que há sequências nestes interstícios, e que todas seriam

infinitas, o que não está correto. Desta forma, ainda que compreenda a infinitude nos

intervalos numéricos como uma característica da densidade dos racionais e dos

irracionais, ainda evidencia a crença de que os irracionais seriam contáveis.

Aluno 8 – Você colocou o que na justificativa: entre dois números racionais podem-se

encontrar números racionais? [referindo-se ao subitem d]

Aluno 7 – Por exemplo, entre 2,98 e 1,85, existe o número 2.

A justificativa de Aluno 7 é dada por meio de um exemplo, correto neste caso,

mas que indica mais um caráter algorítmico do que formal do conhecimento. O mais

importante a observar é que o estudante em questão aplica uma generalização

indevida, pois usa o mesmo exemplo para indicar a existência de um número

racional entre dois irracionais, quando afirma “entre 2,987 e 1,857, existe o 2” –

110

evidentemente, 2,987 e 1,857 não são irracionais. Na verdade, pode-se pensar que

a consolidação do conceito de números racionais e de números irracionais não

parece estruturada de forma definitiva no patrimônio cognitivo dos sujeitos

destacados no diálogo.

Aluno 4 - [lendo o que Aluno 7 escreveu] “Os números racionais são dados em uma fração, e

assim por diante, e os números que não tem fim, são ditos por números irracionais: como

exemplo, não faz muito sentido”.

Aluno 4 - [Em resposta ao que Aluno 7 escreveu] Mesmo que ele não faça sentido, se você

continuar acrescentando casas, ele vai criando mais números e mais números, e serão

infinitos números, e entre estes infinitos números, uma hora vai ter sentido e uma hora não

vai ter sentido. Mas você não tem como provar isso no papel. Mas você tem que pensar, se

eu acrescentar uma casa, eu crio outro número, e assim por diante. Ser infinito, tipo, é tudo

verdadeiro. Ele baseia entre dois números, entre quaisquer dois números. Há infinitos

números, então entre infinitos números, há infinitos racionais e infinitos irracionais.

Aluno 4 - [sobre o subitem d] Que nem você entendeu que a dois e a três, é infinito, aí você

vai para um, que é por lógica, que ele pergunta se entre dois racionais há um racional. Se

você partir da ideia anterior, entre quaisquer dois racionais, vai ter infinitos números. Tipo,

para a,b,c, e d, se você entender que é infinito todas são verdadeiras.

Ainda que carecendo de rigor, Aluno 4 apresenta definições corretas acerca

de propriedades características dos números racionais e dos números irracionais, as

quais não emprega diretamente nas tarefas em jogo, como pode ser visto nas

respostas fornecidas e registradas no quadro 13. Por sua vez, Aluno 4 relaciona

ideias sobre infinidade como justificativa e, em meio a algumas afirmações menos

claras, indica que se pode sempre pensar em números racionais maiores ou

menores sem que os mesmos excedam certos limites em um intervalo dado. Seu

maior equívoco, como pode ser acompanhado ao longo das respostas fornecidas

por este estudante, foi o de estender indevidamente esta característica para os

irracionais do intervalo, ao supor que os mesmos podem ser representados como

dízimas finitas, a exemplo dos racionais.

Os diálogos registrados e as respostas fornecidas pelos sujeitos levam a

considerar que, até este momento, parte dos sujeitos não havia consolidado (ou

ressignificado) a conceituação relativa aos números racionais e aos números

irracionais, ainda que expressem algumas características destes números

corretamente e que consigam, com certo êxito, responder às atividades propostas.

111

Algumas das justificativas trouxeram frases e afirmações que testificaram a crença

dos sujeitos, no sentido apontado por Sirotic e Zazkis (2007), de que os irracionais

formariam um conjunto contável ou enumerável. Uma parte desta dificuldade se

deve, muito provavelmente, à opacidade representacional dos irracionais (LESH;

BEAR; POST, 1987), seja em meios digitais, seja em meios não digitais. Esta

questão não encontrou, pelo menos até a conclusão desta atividade, melhor

resolução para alguns sujeitos, mesmo após o uso do modelo digital da atividade

anterior. Já a ideia de que os conjuntos dos números racionais e dos números

irracionais são densos parece melhor equacionada até este ponto.

3.3.2 Análises do Item 2 da Atividade 3

Recupera-se aqui o item 2 da Atividade 3, no sentido de deixar claro aquilo

que tal tarefa solicita (pode-se conferir a figura 6):

1) Abra os arquivos do GeoGebra que o pesquisador indicará, começando por

“racionais entre 2 racionais.ggb”. Manipule os controles deslizantes de a até

h.

a. A que conjunto pertencem os números exibidos no ponto B?

b. Crie, no GeoGebra, os pontos D = (0.15267787987998, 0) e E =

(0.15267787987999, 0). Note que os pontos são exibidos de forma tão

próxima na reta real que parecem ocupar a mesma posição (ainda que

isto não seja verdade). Na sua opinião, o ponto F =

(0.15267787987998123, 0) estaria em que posição, considerando D e

E?

c. F é racional ou irracional? Existem outros números na mesma posição

de F, em relação a D e E?

Como estavam livres para trocar ideias e elaborar conjecturas antes de

apresentar qualquer resposta formal, os estudantes se reuniram, sem qualquer

determinação prévia, em duplas ou pequenos grupos. Alguns diálogos significativos

foram tomados para esta análise.

Aluno 7 – [sobre o subitem a] A que conjunto pertence o número exibido no Ponto B? O

ponto B é o conjunto dos números irracionais, certo?

112

Aluno 8 – Sei não...

Aluno 4 – Você tem que entender, por que B é racional, por que os outros dois pontos o A e

o C, estão programados para estar em uma distância dele, e eles são números “redondos”,

então B é racional.

Aluno 11 – B é racional.

Persistindo em sua crença a respeito da identificação indevida de números

irracionais, Aluno 7 propõe que os números exibidos no ponto B, que se alteram

conforme a manipulação dos controles deslizantes, são irracionais. Usando

elementos da interface digital, com a manipulação do modelo ali contido, Aluno 4

argumenta, com termos poucos formais, que a manipulação realizada a partir de um

número racional gerará outros números racionais. Entretanto, ao contrário do que

pensa Aluno 4, os números que limitam o intervalo não precisam ser “redondos”:

basta que sejam racionais, e qualquer manipulação de outros racionais (os valores

dos controles deslizantes) a partir deles gerará outros racionais. Com conclusões

semelhantes, os demais sujeitos concluíram que os números exibidos em B são

todos racionais. Neste ponto, pode-se notar que as argumentações levaram em

consideração o conhecimento ressignificado até aquele momento, e o apoio da

interface do GeoGebra pareceu auxiliar de maneira importante às conclusões dos

sujeitos.

Aluno 11 – [sobre o subitem b] Na sua opinião, o ponto F estaria em que posição,

considerando D e E? Ah, o ponto F está entre D e E...

Aluno 4 – O F são três casas “maiores”, são três casas definidas a mais.

Aluno 1 – O D e o E são só 14 casas.

Aluno 4 – Um termina no oito e o outro termina no nove, e esse acrescentou 123 depois do

oito.

Aluno 1 – Ele vai ficar no meio.

Aluno 4 – Não, no meio não, ele vai ficar entre os pontos, no meio não, é diferente!

Pesquisador – Como vocês chegaram a estas conclusões?

Aluno 4 – Se você for olhar sem o computador, você vai ver que a diferença em um e outro, é

a última casa que muda um número, em relação ao F eles acrescentam três algarismos, ele

acrescentou 1,2 e 3 no final então são mais três casas que são válidas, mas se você for ver,

são três casas menores, então ele fica um pouquinho, diferente do D. Ele está entre os dois.

Tem como olhar se você der muito zoom, mas como ele pede para você colocar o F. Você vai

113

pelo raciocínio lógico da matemática. Como ele acrescentou casa então ele teve uma

pequena alteração.

Aluno 11 percebe que F é um número entre D e E, ainda que não apresente

maiores argumentações. Nesta atividade, os estudantes não incorreram em certo

tipo de falhas apontados por Sirotic e Zazkis (2007), Penteado (2004) e Boff (2006),

segundo as quais alguns sujeitos identificavam números com mais casas decimais

como maiores que outros, ainda que as casas não fossem mais significativas (por

exemplo, indicar que 1,365 é maior que 1,4). O aspecto do rigor, como advogado por

Penteado (2004), ou do formalismo, indicado como necessário por Sirotic e Zazkis

(2007), também não surgiu. Entretanto, percebe-se que o conhecimento matemático

foi acionado, em conjunto com aspectos de visualização, experimentação e

dinamismo da interface digital: Aluno 4 argumenta que F está entre D e E, pois os

algarismos decimais acrescentados ao final o posicionam entre os números

mencionados, ainda que com mais casas decimais do que ambos. Indica que a

forma de verificar este resultado com o GeoGebra passa por “dar muito zoom”, ou

seja, ampliar a visualização muitas vezes. O que se pode aventar pelo discurso dos

sujeitos neste ponto, e de acordo com as asserções de Lesh, Bear e Post (1987), é

que a representação, em conformidade com os conhecimentos dos sujeitos e com o

uso de interfaces adequadas, pode se tornar mais transparente, o que permitiu que

as respostas fossem dadas de forma correta. Este resultado já havia sido verificado

por Oliveira (2015). Também aqui os demais sujeitos apresentaram respostas

corretas, usando argumentos semelhantes.

Outro elemento relevante se refere à observação de Aluno 4 de que F não vai

ficar “no meio” em relação a D e E, mas entre estes pontos. O aluno considera,

corretamente, que F não representa a média aritmética entre os valores utilizados na

análise, ou seja, das abscissas dos pontos considerados, mas é outro, que se

posiciona entre tais pontos.

Aluno 11 – [sobre o subitem c] F é racional ou irracional? Existem outros números na mesma

posição de F, em relação a D e E?

Aluno 10 – Pergunta: o que é um número racional?

Aluno 12 – Racional é um número em forma de fração, é um número que tem dízima

periódica, tem uma periodicidade.

114

Aluno 10 – Racional tem dízima periódica e se repete, irracional não se repete. Na letra c, F

é racional. [Continuando com o questionamento do subitem] Existem outros números na

mesma condição de F, em relação a D e E?

Aluno 11 – Existem, pois há infinitos números.

A dinâmica gerada na observação dos diálogos produzidos neste ponto

permite afirmar que a pergunta de Aluno 10 é meramente retórica, tanto que o

mesmo estudante indica uma definição, ainda que incompleta e desprovida de

maiores formalismos, logo em seguida. Aluno 12 indica saber que um número

racional pode ser expresso em representação fracionária ou por meio de dízimas

periódicas. Ou seja, assumido este posicionamento, concluem que F é um número

racional e compreendem o questionamento que procura levantar se entendem que

há infinitos números racionais entre D e E, ou seja, que o conjunto dos números

racionais é denso. Ainda aqui, percebe-se que o conhecimento é registrado de

maneira muito pouco rigorosa, ainda que permita trabalhar com os problemas em

certa medida. Entretanto, o fato de Aluno 10 anunciar a recuperação das

propriedades características dos números racionais revela uma indicação de que os

estudantes consideram partir de um conhecimento matemático formal e consolidado,

e estendê-lo para problemas que lhe digam respeito.

Aluno 4 – [ainda sobre o subitem c. argumentando para Aluno 1] Qualquer sequência

matemática é infinita. O que muda é se ele vai ser racional ou irracional, mas existem infinitos

números na mesma condição de F que estão entre D e E. Porque cada casa você

acrescenta... Números racionais, existem diversos, infinitos números racionais, que nós não

conseguimos definir, porque nós acabamos não enxergando uma das coisas que é a dízima

periódica, tem vez que nós não conseguimos enxergar, mas tem outro método de descobrir.

Porque às vezes a dízima é tão grande que nós não percebemos.

Aqui, cabe o destaque para a insistência de Aluno 4 na crença de que toda

sequência matemática é infinita, arraigada do ponto de vista de um conhecimento

intuitivo, mas sem validade (SIROTIC; ZAZKIS, 2007). Não obstante, o estudante

responde corretamente ao questionamento, em um episódio típico da dialética de

validação (BROUSSEAU, 1986), uma vez que usa seus argumentos para tentar

convencer Aluno 1 de sua conjectura. Adicionalmente, Aluno 4 levanta a questão da

existência de períodos de extensão maior do que aqueles costumeiramente exibidos

nos exemplos protocolares.

115

3.3.3 Análises do Item 3 da Atividade 3

O item 3 da Atividade 3 trazia, em seu enunciado, as seguintes solicitações

(pode-se conferir a figura 7):

2) Agora, abra o arquivo do GeoGebra “irracionais entre 2 irracionais.ggb”.

Manipule os controles deslizantes de a até h, considerando que a inicia com

um número irracional.

a. A que conjunto pertencem os números exibidos no ponto B?

b. Crie, no GeoGebra, os pontos D = (sqrt(3) + 0.001, 0) e E = (sqrt(3) +

0.002, 0). Note que os pontos são exibidos de forma tão próxima na

reta real que parecem ocupar a mesma posição (ainda que isto não

seja verdade). Na sua opinião, o ponto F = (sqrt(3) + 0.0015, 0) estaria

em que posição, considerando D e E?

c. F é racional ou irracional? Existem outros números na mesma posição

de F, em relação a D e E?

Basicamente, são questões muitos semelhantes àquelas indicadas na tarefa

anterior, mas no contexto dos números irracionais. Assim, os estudantes fizeram por

continuar as discussões iniciadas no item anterior.

Em relação ao subitem a desta tarefa, os alunos perceberam, após

experimentação intensiva em relação à interface, que o ponto B representava a

soma de todos os valores numéricos assumidos pelos distintos controles

deslizantes, de modo que o referido ponto permanecia sempre entre A e C. Os

estudantes, após algumas discussões, perceberam que, uma vez que um dos

números, representado pelo controle a, era irracional, a soma deste valor com os

demais resultaria, sempre, em um número irracional. Este resultado parece bastante

relevante, pois indica que a ressignificação de alguns teoremas relacionados aos

conjuntos em análise foi feita pelos estudantes.

Em relação ao subitem b, Aluno 3, ao discutir suas conjecturas com Aluno 7,

pergunta ao pesquisador o que seria sqrt. Ao ouvirem que isto era um comando do

GeoGebra para raiz quadrada, ambos partiram do princípio que todos os números

envolvidos eram irracionais. Os outros alunos acompanharam a discussão

atentamente.

116

Aluno 11 – [sobre o subitem b] O ponto F está entre, hein, gente! Pega essa! [apontando

para um dos limites do intervalo] Aqui tem um, dois, três, quatro... quatro casinhas...

[apontando para F] Aqui tem um, dois, três, quatro, cinco... cinco casinhas.

Aluno 10 – Aumentou uma, então ele vai ficar entre.

Aluno 11 – Então ele vai ficar entre, é como se tivesse 0,001 acrescentei o 5, ainda não

chegou no 0,002.

Aluno 12 – É a mesma coisa [do subitem anterior], o ponto F está entre D e E.

Os estudantes chegaram à conclusão de que o ponto F, posicionado na reta

exibida pela interface do GeoGebra, encontrava-se entre os pontos D e E.

Importante a percepção que ressalta da dinâmica da atividade, no sentido de

empregar os elementos providos pela visualização e o dinamismo disponíveis a

partir da integração do conhecimento matemático ressignificado e o uso do software.

Para além de funções elementares como a de contar os algarismos do número, foi

possível observar referências relativas às características dos conjuntos numéricos

em uso tendo por base a manipulação dos controles deslizantes. A discussão e o

uso da interface pelos estudantes foram decisivas para convencer os demais acerca

da conjectura apresentada. Aqui, a estratégia de uso da interface computacional sob

a dinâmica proposta pela TSD (BROUSSEAU, 1986) parece indicar sua eficiência. A

dinâmica que reúne experimentação, dinamismo e visualização surge das

discussões a seguir transcritas, exemplificadas pela Figura 9.

Aluno 1 – Apareceram os três pontos [na reta real exibida pelo GeoGebra, usando o zoom].

Aluno 4 – Apareceu o que? Os três pontos? É porque a distância entre eles é maior. Como

tem menos casas, a distância é mais visível. Se você colocar 0,001; 0,002 e 0,0015; vai ver

que ele está entre um e dois automaticamente. Você testou, o F é aquele do meio?

Aluno 1 – Sim.

Aluno 4 – Então acabou de provar, só que a diferença deste pare este [o ponto D], é que ele

está exatamente entre os dois. Este aqui [um outro ponto, provavelmente colocado para

realizar alguma experimentação] se você reparar, ele está em uma distância de algumas

casas, na frente do D, ele está entre eles, mas ele está mais próximo de um ponto. E esse

[ponto F] está a uma distância igual dos dois pontos.

117

Figura 9. Pontos D, E e F após a aplicação de diversas operações de zoom

Fonte: dados da pesquisa

Aluno 1 indica ter usado a ferramenta “Ampliar” do GeoGebra para visualizar

os pontos D, E, F empregados na tarefa, já que, inicialmente, quando gerados pelos

usuários, apareciam como se estivessem na mesma posição. Após este movimento,

o sujeito confirma sua conjectura e a comunica para os demais. Aluno 4 indica que,

em seu julgamento, a intervenção de Aluno 1 tem o status de prova, o que não pode

ser aceito senão em termos figurados, pois, em matemática, provar demanda utilizar

conhecimentos específicos, solidificados por meio de axiomas, teoremas e demais

elementos desta ordem. Entretanto, semelhante recurso pode servir à verificação de

um resultado como o que se chegou por meio das discussões e da

mobilização/ressignificação do conhecimento matemático em jogo. Aqui, ainda uma

vez, a interface auxilia na ampliação da transparência da representação numérica

utilizada, da maneira como propôs Oliveira (2015), a partir da proposta de Lesh,

Bear e Post (1987).

Em função das discussões realizadas até este ponto, incluindo aquelas

relativas às atividades anteriores, os sujeitos responderam corretamente ao subitem

c da atividade 3, indicando que F é irracional e que haveria uma infinidade de

números na mesma condição do mesmo, ou seja, irracionais entre dois irracionais,

argumentando, ainda que de maneira pouco formal, acerca da densidade deste

conjunto numérico.

118

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A expectativa acerca desta investigação passava, inicialmente, por desvendar

alguns pontos relativos ao uso de uma estratégia que empregava, em atividades em

que os sujeitos podiam argumentar, discutir, conjecturar, validar, reconsiderar, enfim,

trabalhar de forma bastante aberta, tipos distintos de ferramentas, tanto em relação

à abordagem teórica, quanto no que diz respeito às tecnologias envolvidas.

É preciso lembrar que as concepções dos alunos do curso de licenciatura em

matemática participantes desta pesquisa foram relacionadas de acordo com as três

dimensões do conhecimento advogadas por Sirotic e Zazkis (2007), sendo estas

algorítmica, formal e intuitiva. Em meio ao estudo, descobriu-se a relevância da

discussão acerca das representações numéricas como formas de apreensão de

determinadas expressões do conhecimento matemático, e que foram chamadas de

opacas ou transparentes no trabalho de Lesh, Bear e Post (1987).

Com as tecnologias não digitais, inicialmente, os sujeitos foram convidados a

discutir acerca de quais números pertenceriam ao conjunto dos números racionais e

quais outros pertenceriam ao conjunto dos números irracionais. Neste sentido, seria

possível usar qualquer abordagem ou estratégia – no entanto, uma vez que os

números empregavam representações ligadas a senos e cossenos, foi sugerido o

uso de identidades trigonométricas e no teorema das raízes racionais de um

polinômio como formas de construir uma argumentação formal em torno de uma

resposta: indicar se o número seria racional ou irracional. O que se apurou foi a

adesão dos sujeitos aos algoritmos ligados a estes instrumentais, revelando a

predominância do aspecto algorítmico do conhecimento matemático, na visão

advogada por Sirotic e Zazkis (2007).

As incorreções destacadas nas análises indicam um dos preços pagos pelo

emprego sistemático da visão algorítmica do conhecimento matemático: os

equívocos de ordem operacional, gerados, em grande parte, pela necessidade de

engajamento na construção de soluções com passos complexos e detalhados.

Entretanto, quando as atividades focavam números cujas representações surgiam

de forma menos opaca, para usar a argumentação de Lesh, Bear e Post (1987),

como nos casos dos itens e2 e f, a busca por elementos relacionados ao aspecto

formal do conhecimento, com recurso a propriedades, conceitos e definições, surgiu

119

de forma mais intensiva. Neste sentido, cumpre indicar que existe a possibilidade,

evidenciada por estes resultados, de que a representação influencia na forma como

o aprendiz constrói a compreensão acerca do conhecimento dos temas envolvidos

(ou a ressignifica).

Em diversas oportunidades, os participantes, em razão da forma como

concebiam as propriedades e características dos números racionais e dos números

irracionais, bem como a maneira como pensavam acerca do conceito de densidade,

ao recorrerem ao aspecto intuitivo do conhecimento matemático, trouxeram à cena

uma série de crenças, que se viram ao longo das análises relacionadas a equívocos.

Estes equívocos, por sua vez, surgiram ligados a temas como a infinitude dos

conjuntos trabalhados e à própria representação dos números, que não os permitia

identificar de forma correta como pertencentes a determinado conjunto. Esta

ocorrência veio confirmar algumas das asserções tomadas teoricamente aqui, como

a do caráter resistente das crenças, ligadas à intuição dos aprendizes, e que já havia

sido indicada por Sirotic e Zazkis (2007) e por Oliveira (2015).

Por outro lado, alguns dos sujeitos de certa forma rejeitaram eventuais

crenças, quando surgiam, e mesmo não as evidenciavam, usando

predominantemente o aspecto algorítmico do conhecimento matemático, de certa

forma até indicado por alguns procedimentos da investigação. Para tais estudantes,

as concepções dependiam dos procedimentos, e, ainda que tenham evidenciado

alguns conhecimentos prévios, necessitavam da segurança dos algoritmos, por

assim dizer, para garantir suas conjecturas. Aqui, volta-se a destacar, a par de

vários acertos, alguns erros surgiram, ligados ao custo operacional das soluções.

Apenas em questões mais “abertas”, por assim dizer, na qual aspectos relativos às

representações eram mais significativos que as operações ligadas às identidades

trigonométricas e ao teorema das raízes racionais de um polinômio, surgiram, de

forma mais identificável, aspectos ligados ao conhecimento matemático formal.

Desta forma, as concepções iniciais dos estudantes acerca das características e

propriedades dos números racionais e dos números irracionais, bem acerca da

densidade no contexto especificado, surgiram inicialmente eivadas de equívocos

ligados aos próprios conceitos de densidade e de infinitude, bem como às

representações empregadas, na visão de Lesh, Bear e Post (1987), pelo menos

entre alguns sujeitos que evidenciaram erros. Entre os demais, surgiam conectadas

120

de forma muito dependente ao emprego dos algoritmos. Estas observações

permitem, de certa forma, responder às questões norteadoras lançadas quando da

criação da problematização neste texto, quais sejam “quais concepções acerca das

características e propriedades, relativas aos números racionais e irracionais, são

evidenciadas por licenciandos em Matemática quando envolvidos em uma

sequência didática que emprega tecnologias digitais e não digitais? ” e “quais

concepções acerca do conceito de densidade do conjunto dos números racionais e

do conjunto dos números irracionais são evidenciadas por licenciandos em

Matemática quando envolvidos em uma sequência didática que emprega tecnologias

digitais e não digitais? ”. Neste sentido, cabe, também, relembrar que as categorias

de análise eleitas foram:

Concepções acerca dos conceitos e propriedades relacionadas aos números

racionais e aos números irracionais que surgem na resolução das atividades,

falas e interações dos sujeitos;

Concepções acerca do conceito de densidade do conjunto dos números

racionais e do conjunto dos números irracionais que surgem na resolução das

atividades, falas e interações dos sujeitos;

Relevância do uso das diferentes tecnologias empregadas na sequência

didática como subsídio à compreensão acerca dos conceitos mencionados

nesta pesquisa, relativos aos números racionais e irracionais.

É preciso ressaltar, no entanto, que as discussões e debates existentes entre

os estudantes colaboraram para criar progressos em suas respectivas visões sobre

os temas em estudo. Tais características foram oportunizadas em parte pela

estratégia empregada na iniciativa que aqui se relata, principalmente a partir do

momento em que as interfaces digitais entraram em jogo. Tais instrumentos

permitiram colocar em jogo três características importantes, destacadas por Oliveira

(2013) e Borba e Villarreal (2005), e que são representadas pela tríade

experimentação – visualização – dinamismo.

Por meio das experiências efetuadas usando os modelos digitais (Lévy, 1999)

criados para a pesquisa, que foram realizadas inúmeras vezes (a intensidade do

uso, defendida por Oliveira (2015) ), era possível recolher pistas acerca das

questões elaboradas nos instrumentos. A manipulação dos controles deslizantes

permitia reforçar a conjectura acerca da densidade, já constituída em alguns dos

121

sujeitos, e que acabou por surgir na forma de ressignificação do conhecimento ao

final da experiência. Pode-se afirmar que o grupo de estudantes, de forma quase

unânime, passou a compreender melhor os conceitos trazidos à baila com a

pesquisa. Recursos como a ampliação da visualização (ferramenta zoom), mudança

de valores nos controles deslizantes, entre outras possibilidades, somaram-se às

conjecturas que já haviam sido provocadas ao longo do desenvolvimento das

dialéticas adidáticas e retomadas nos momentos de institucionalização em sessões

coletivas com a participação de todos.

É preciso destacar, em adendo ao que foi indicado até aqui, que mesmo

algumas características dos modelos digitais seriam passíveis de outro tratamento, o

que poderá ser feito em pesquisas posteriores a esta. Por exemplo, a forma exposta

na figura 5 da calculadora das identidades trigonométricas, como teorizado por Lesh,

Bear e Post (1987), possui representação opaca quanto a

racionalidade/irracionalidade, pois não apresenta períodos infinitos, ou seja, possui a

ausência das reticências como forma de representar semelhante resultado. Mesmo

assim, no entanto, a partir do uso conjunto das duas interfaces, digital e não digital,

houve maior predominância do pensamento algorítmico, e em seguida, do

pensamento formal dos alunos que obtiveram acertos, pois revisitaram a primeira

atividade, e passaram a ressignificar o conhecimento a partir da revisita ás

conjecturas iniciais.

Claro que é preciso entender que a estratégia adotada nesta investigação,

ainda que tenha revelado eficiências consideráveis, não é uma fórmula mágica para

conduzir estudantes de licenciatura em Matemática aos acertos necessários em

questões que envolvam o tema em análise. Percebe-se, por exemplo, em análise às

respostas dos sujeitos quanto as questões da atividade 3, item 1, sobre as

justificativas acerca do conjunto dos números racionais e irracionais serem densos,

pode-se considerar que parte dos sujeitos não consolidaram adequadamente os

conceitos da racionalidade e irracionalidade, ainda que conseguissem responder

corretamente as atividades propostas. Por meio das justificativas, apesar de parecer

que a maioria dos sujeitos compreenderam o conceito de densidade, mencionando a

existência de infinitos números racionais e irracionais no intervalo de dois números

reais quaisquer, persiste, em muitos casos, a ausência de rigor e formalidade em

relação as respostas, para a sustentação das justificativas. Deste modo, muitas

122

vezes, as respostas dos sujeitos ficaram mais relacionadas ao pensamento intuitivo

de acordo com Sirotic e Zazkis (2007), enquanto outras respostas dos sujeitos

tentaram justificar formalmente o conceito de densidade, apesar de incorreções.

Por outro lado, em relação, por exemplo, às respostas dos sujeitos

apresentadas na atividade 3, item 2, não se verificaram falhas apontadas em outros

estudos, como em Sirotic e Zazkis (2007), Penteado (2004) e Boff (2006). Os

aspectos de formalismo e rigor também não surgiram nas respostas dos

participantes; no entanto, percebeu-se que o conhecimento matemático dos alunos

foi acionado em conjunto com aspectos de visualização, experimentação e

dinamismo da interface digital. A utilização do zoom no software GeoGebra por

muitas vezes foi evidenciada para auxilio nas justificativas das respostas, como já

mencionado. Neste aspecto, as interfaces digitais podem oportunizar visualizações

mais transparentes, de acordo com Lesh, Bear e Post (1987), isto é, as

representações de um número racional ou irracional podem surgir de forma mais

clara, permitindo que os sujeitos apresentem respostas corretas ou, pelo menos,

elaborem conjecturas mais coerentes. Nesta mesma atividade, por exemplo, o aluno

10, em diálogo com outros alunos, anuncia a recuperação e características da

propriedade de um número racional, indicando um conhecimento formal e

consolidado, e utiliza-o para problemas correlatos. Em relação a atividade 3, item 3,

após algumas discussões, os estudantes identificaram que a soma de um número

irracional com um número racional resultaria em um número irracional. Esta

estratégia foi bastante relevante e indica certo formalismo, de acordo com Sirotic e

Zazkis (2007), faltando apenas a demonstração para se enquadrar completamente

nesta linha de pensamento.

Assim, ficam abertas perspectivas para novas pesquisas, principalmente

relativas às formas de pensamento acerca das propriedades e características dos

números racionais e dos números irracionais, bem como em relação ao conceito de

densidade. Também se espera que a questão das representações usando interfaces

digitais encontre melhores soluções futuramente.

123

REFERÊNCIAS

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127

ANEXOS E APÊNDICES

ANEXO A - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

Programas de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática

Mestrado Acadêmico em Educação Matemática

Projeto de Pesquisa: Um modelo de intervenção didática para construção do

conceito de densidade: uma abordagem com o software GeoGebra

Mestrando: Alan Silva dos Santos

Orientador: Prof. Dr. Gerson Pastre de Oliveira

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)

Eu,

______________________________________________________,nascido em

____________, formado em ___________________________, da instituição XXX,

na cidade___________, no estado_________, domiciliado em

________________,estou sendo convidado a participar de uma pesquisa, cujo

objetivos e justificativas são analisar de forma que o uso do computador quanto

ferramenta é capaz de levar os alunos a superar as dificuldades quanto a construção

do conceito de densidade do conjunto dos números racionais e irracionais no

conjunto dos reais. Posteriormente verificar de que forma o uso do software

GeoGebra, auxiliaria na promoção da aprendizagem do educando, e identificar as

implicações do uso das situações didáticas com essa ferramenta.

Sendo assim, a minha participação nesta referida pesquisa seria em

demonstrar aos pesquisadores de como a sequência didática pode viabilizar a

aprendizagem através da tecnologia digital, sendo nesta observada a representação

do conceito de densidade do conjunto dos números racionais e irracionais no

conjunto dos reais.

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) adaptado de Gonçalves (2014, p.142-143)

128

Para tanto fui alertado, que em relação à pesquisa posso esperar benefícios, como:

contribuição para a construção do conceito de densidade do conjunto dos números

racionais e irracionais no conjunto dos reais, sendo este conceito observado através

dos recursos de geometria dinâmica, e do acompanhamento das tecnologias não

digitais.

Recebi, por orientação os possíveis desconfortos decorrentes do estudo,

levando-se em conta que é uma pesquisa, sendo os resultados positivos ou

negativos obtidos somente após a sua realização. Assim, a minha ausência

dificultará o alcance da aprendizagem do conteúdo a ser investigado, em qualquer

uma das sessões referente a experiência.

Estou ciente de que meu anonimato será respeitado, ou seja, meu nome ou

de qualquer outro elemento, será mantido em sigilo. As informações serão utilizadas

somente para fins desta pesquisa, e serão tratadas com confidencialidade e sigilo,

de modo a preservar a minha identidade. Autorizo incluir: destinos e guardas de

documentos, gravações, fotos ou filmagem.

Os pesquisadores envolvidos com o referido projeto são, Alan Silva dos

Santos (orientando/ aluno do curso de Mestrado Acadêmico em Educação

Matemática da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo- PUC/SP) e o Prof. Dr.

Gerson Pastre de Oliveira (orientador-PUC/SP).

É assegurada durante toda a pesquisa, livre acesso a todas as informações e

esclarecimentos adicionais sobre o estudo e consequências, antes e depois de

minha participação.

Enfim, tendo sido orientado sobre minha participação, tudo aqui mencionado,

quanto a natureza e objetivo do estudo, manifesto meu livre e consentimento em

participar, estando ciente que não há nenhum valor econômico, a receber ou pagar,

através de minha participação.

___________, ________ de 20___.

____________________

Alan Silva dos Santos

(pesquisador responsável)

____________________

Aluno:___________________________

(sujeito da pesquisa)

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) adaptado de Gonçalves (2014, p.142-143)

129

ANEXO B - SOLICITAÇÃO DE AUTORIZAÇÂO

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

SOLICITAÇÂO DE AUTORIZAÇÂO

Programas de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática

Mestrado Acadêmico em Educação Matemática

Projeto de Pesquisa: Um modelo de intervenção didática para construção do

conceito de densidade: uma abordagem com o software GeoGebra

Mestrando: Alan Silva dos Santos

Orientador: Prof. Dr. Gerson Pastre de Oliveira

São Paulo, 19 de novembro de 2015.

Ao

Comitê de Ética em Pesquisa da PUC/SP - CEP-PUC/SP

A/c. Prof. Dr. Edgard de Assis Carvalho

Coordenador do CEP-PUC/SP

Autorização para realização de pesquisa

Eu, ____________________ diretor/coordenador/reitor/responsável

da__________________________, venho por meio desta informar a V. Sa. que autorizo o pesquisador

Alan Silva dos Santos aluno do curso de Mestrado Acadêmico em Educação Matemática da Faculdade

de Ciências Exatas e Tecnologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP a

realizar/desenvolver a pesquisa intitulada “Um modelo de intervenção didática para a construção do

conceito de densidade: uma abordagem com o software GeoGebra", sob orientação do Prof.(a). Dr.

Gerson Pastre de Oliveira.

__________________________________________

“Assinatura e carimbo do responsável institucional”

130

ANEXO C - PARECER DA PUC - SP

131

132

ANEXO D – COMPROVANTE DE APROVAÇÃO PLATAFORMA BRASIL