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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP José Antônio Baêta Zille A intensificação do agenciamento nos games: do jogador ao jogador-criador DOUTORADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA São Paulo 2012

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP

José Antônio Baêta Zille

A intensificação do agenciamento nos games:

do jogador ao jogador-criador

DOUTORADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA

São Paulo

2012

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José Antônio Baêta Zille

A intensificação do agenciamento nos games:

do jogador ao jogador-criador

DOUTORADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, como exigência

parcial para obtenção do título de Doutor em

Comunicação de Semiótica - Signo e Significação

nas Mídias sob a orientação da orientadora Profª.

Drª. Maria Lúcia Santaella Braga.

São Paulo

2012

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FOLHA DE APROVAÇÃO

José Antônio Baêta Zille

A intensificação do agenciamento nos games: do jogador ao jogador-criador

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, como exigência

parcial para obtenção do título de Doutor em

Comunicação de Semiótica - Signo e Significação

nas Mídias.

Linha de pesquisa: Análise das mídias

Orientadora: Profª. Drª. Maria Lúcia Santaella Braga

Banca Examinadora

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AGRADECIMENTOS

Deposito aqui meus agradecimentos a todos aqueles que de alguma forma contribuíram para a

realização deste trabalho.

Agradeço em especial:

À Profª. Drª. Lúcia Santaella, por acreditar na ideia deste projeto e pelo convívio, atenção e

apoio durante todo o processo de definição e orientação.

À Profª. Maria Guiomar da Cunha Frota, pelos primeiros incentivos nesta empreitada.

Ao Rodrigo, companheiro de muitas caminhadas, presença indispensável, sempre presente

com seu apoio, carinho, atenção e incentivo.

Aos meus familiares e amigos que, cada qual a sua maneira, estiveram do meu lado.

Aos amigos Ciléa, Cibele, Hadler e Eliana, que, com companheirismo incondicional,

fortaleceram laços e deram a contribuição necessária para esta realização.

À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais – Fapemig – pelo suporte

financeiro.

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RESUMO

ZILLE, José Antônio Baêta. A intensificação do agenciamento nos games: do jogador ao

jogador-criador. 2012. 159 f. Tese (Doutorado em Comunicação e Semiótica) – Programa de

Estudos Pós Graduados em Comunicação e Semiótica, Pontifícia Universidade Católica de

São Paulo, São Paulo, 2012.

Os games vêm passando por grandes modificações, principalmente quanto à sua

complexidade e à tendência de intensificação do grau de participação de seus usuários. Isso se

explicita no momento em que seu universo é ampliado, são utilizadas determinadas técnicas e

se lhes inserem certos conceitos, bem como quando “convocam” os usuários a participar de

forma mais efetiva do jogo, deslocando-os da posição de “jogador” para a de “jogador-

criador”. Nossa hipótese é que isso ocorre devido ao aumento do potencial de agenciamento

do game. Esse estado de coisas remete à seguinte questão: quais têm sido as consequências,

para o jogador, do aumento do potencial agenciador dos games?

Sob essa perspectiva, esta pesquisa está voltada às consequências, no sujeito usuário, relativas

ao desenvolvimento da criatividade e a modificações de aspectos cognitivos/perceptivos,

assim como a mudanças na construção da subjetividade desses usuários. Nesse sentido, o

trabalho se funda nos conceitos de agencement, de Deleuze e Guattari (1993), e de agency, de

Murray (1997), para atingir seu objetivo principal, que é discutir os conceitos de

interatividade, de criatividade e aqueles relacionados à construção da subjetividade e do

processo cognitivo, em especial a concepção de uma cognição distribuída. Com base nessas

discussões, são feitas análises dos aspectos contidos no corpus selecionado de games,

denunciando aqueles que ratificam a potencialização das modificações nos usuários, na

medida em que se amplia o agenciamento.

O corpus foi definido levando em conta o desenvolvimento histórico dos games na direção de

um aumento no grau de complexidade no arranjo agenciador e de participação do jogador nos

destinos do jogo, e, ainda, tendo como base suas características narrativas. Nesse sentido,

foram selecionados o Computer Space (1971), com sua narrativa praticamente nula, primeiro

game a ser produzido em grande escala; o Myst (1993), em que se estabelece uma narrativa

interativa fechada; e, por fim, The Sims 3 (2009), que se desenvolve sob uma narrativa

interativa aberta.

Considerando-se os games como um sistema de cultura que possibilita o diálogo por meio de

processos sígnicos entre aquele que o concebe, aquele que dele se utiliza e todo o universo

inerente a eles, games, a pesquisa corrobora a maior compreensão da ecologia desse processo

de comunicação. Entender melhor esse processo e seus reflexos, além de contribuir para uma

compreensão mais ampla das vicissitudes humanas, possibilitará transpor os conhecimentos

obtidos para outros campos do saber. Além disso, estar-se-á proporcionando um

enriquecimento dos sistemas culturais intrínsecos aos games.

Palavras-chave: Games. Agenciamento. Agência. Subjetividade. Criatividade. Cognição.

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ABSTRACT

ZILLE, José Antônio Baêta. Intensification of agency in videogames: from players to

creator-players. 2012. 159 f. Dissertation (PhD in Communication and Semiotics) - Graduate

Studies Program in Communication and Semiotics, Pontifical Catholic University of Sao

Paulo, Sao Paulo.

The increase of complexity and of players’ participation in videogames constitutes important

changes in the development of videogames. When a player’s universe is amplified, when

players partake in a game that changes their role from “players” to “creator-players,” and

when certain techniques are used to allow the player to participate more fully in a game, this

trend in development can be seen. Our hypothesis is that this development is a result of the

agency potential of videogames. This raises the question: how has the increase in the agency

potential of such games affected players?

This research focuses on the user subjects and their changes in cognition/perception and

creativity, and in the increase of their subjectivity. In order to discuss in detail the concepts of

interactivity, creativity, and the increase in subjectivity and the cognitive process, this study

uses the concepts of agencement (Deleuze and Guattari, 1993), and of agency (Murray, 1997).

Based on these discussions, aspects of a selected sample of games were analyzed, bringing to

attention those aspects which confirm an increase of changes in the users as the agency is

amplified.

The sample of games selected for analysis was chosen by considering those whose historical

development exhibited greater complexity in the agency array and a greater level of player

participation; narrative characteristics were also considered. The games selected for this

study were: “Computer Space” (1971), the first mass-produced videogame; “Myst” (1993), in

which there is a closed interactive narrative; and “The Sims 3” (2009), which plays under an

open interactive narrative.

Videogames can be considered to be cultural environments which yield dialogue through sign

processes between the game’s creators, players, and the game’s own universe. It is our intent

to gain a better understanding of the mechanism of this communication process. This

understanding, besides contributing a better understanding of human vicissitudes, will make it

possible for new knowledge to be transposed to other fields of study, and will enrich the

intrinsic cultural environments of videogames.

Keywords: Videogames, agency, subjectivity, creativity, cognition.

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SUMÁRIO

Introdução............................................................................................................... 07

1 O universo dos videogames: histórias, ideias, conceitos, técnicas e

tecnologias............................................................................................................

14

1.1 As primeiras ideias...................................................................................... 14

1.2 Década de 1970............................................................................................ 19

1.3 Década de 1980............................................................................................ 26

1.4 Década de 1990............................................................................................ 35

1.5 Anos 2000..................................................................................................... 44

1.6 Algumas considerações............................................................................... 49

2 Agenciamento dos agenciamentos..................................................................... 51

2.1 Agencement – o agenciamento enquanto arranjo da

multiplicidade...............................................................................................

51

2.2 Agency – o agenciamento enquanto promotor de ação............................. 66

2.3 Algumas considerações................................................................................ 79

3 Imaginar... Abduzir... Criar!.............................................................................. 81

3.1 Do estado criativo......................................................................................... 81

3.2 Da imaginação criadora............................................................................... 86

3.3 Do sopro criativo.......................................................................................... 89

3.4 Da fonte da criação...................................................................................... 100

3.5 Algumas considerações................................................................................ 106

4 Análises e Discussões............................................................................................ 110

4.1 Algumas considerações................................................................................. 110

4.2 Computer Space............................................................................................ 112

4.3 Myst................................................................................................................ 114

4.4 The Sims 3...................................................................................................... 123

Considerações Finais.............................................................................................. 142

Referências.............................................................................................................. 148

Referências citadas.............................................................................................. 148

Referências consultadas...................................................................................... 156

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Introdução

Nos últimos anos, muitos estudos têm sido feitos para se conhecer e compreender o complexo

mundo dos jogos, mais especificamente dos games1. Com o objetivo de ampliar esses

conhecimentos, o meu mestrado teve como foco estudar parte do universo em que os

adolescentes estão inseridos, em particular aquela referente à educação e aos games. A minha

intenção era avaliar os games em seu potencial como geradores de conhecimentos, como

ambientes de interações sociotécnicas, como instâncias favoráveis à construção e

consolidação de identidades e como meio para o desenvolvimento de múltiplas habilidades.

Naquele estágio, confirmando as hipóteses iniciais com que trabalhava, pude avaliar que,

integrando a tecnologia ao lúdico, esses jogos proporcionam acesso à tecnologia e à

possibilidade de o indivíduo ser ator e autor. Pude constatar, ainda, que esses indivíduos não

estão interagindo somente com o jogo, mas com uma intrincada rede, com ramificações e

abrangências inimagináveis, que vão desde o ambiente em que os jogos são criados e

comercializados, passando pelos usuários, que podem estar em qualquer parte do mundo, suas

famílias, a escola, chegando a conhecimentos diversos e de vasta abrangência.

Sob essa perspectiva, meus estudos estiveram focados na relação do usuário com o game,

tomando este último como o produto em si. No entanto, ao considerar que o game é mais um

nó de uma extensa e complexa rede, fui levado a perceber que é preciso entendê-lo dentro de

um processo mais amplo em que os usuários estabelecem um diálogo, dentro de processos

sígnicos, compondo uma ecologia da comunicação.

Nesse contexto, pode-se observar que, ao longo tempo, os games vêm passando por grandes

modificações, principalmente com relação ao adensamento de sua complexidade e à tendência

de intensificação do grau de participação de seus usuários. Isso se explicita no momento em

que seu universo é ampliado e se passa a utilizar determinadas técnicas, e se lhe inserem

1 Para Huizinga (2001, p. 35) “[...] o jogo é uma atividade ou ocupação voluntária exercida dentro de certos e

determinados limites de tempo e espaço, segundo regras livremente consentidas, mas absolutamente obrigatórias,

dotado de um fim em si mesmo, acompanhado de um sentimento de tensão e de alegria e de uma consciência de ser diferente da ‘vida quotidiana’”. Com as devidas reservas quanto à relação tempo e espaço que as

infotecnologias impõem, adotaremos neste trabalho o termo game para esse tipo de atividade, tendo como

suporte um dispositivo computadorizado resultando em uma forma audiovisual, imersiva e participativa, que se

estabelecem em graus diferenciados.

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certos conceitos, bem como se “convocam” os usuários a participar de forma mais efetiva do

jogo, deslocando-os da posição de “jogador” para a posição de “jogador-criador”.

Com o tempo, as grandes modificações experimentadas pelos games os tiraram da posição de

experimento científico, deslocando-os para um universo complexo, que os transformou num

elemento complexo desse universo. O game se constituiu como entidade aglutinadora de

outras entidades, conceitos e técnicas, estabelecendo-se como uma multiplicidade dinâmica.

Esse fato, que pode ser confirmado historicamente, corresponde ao aumento do potencial de

agenciamento do game.

Sob a visão de Deluze e Guatarri (1995), entende-se por agenciamento uma forma de

combinação de elementos heterogêneos (signos, coisas, pessoas, estruturas etc.) que faz surgir

algo novo, uma nova forma de multiplicidade.

Esse estado de coisas remeteu-me à seguinte questão: quais têm sido as consequências

geradas pelo aumento do grau agenciador dos games?

Os videogames sugiram como forma de dar uma perspectiva distinta às tecnologias até então

disponíveis. Daí em diante, pode-se constatar que uma quantidade de ideias, conceitos,

técnicas e tecnologias foi, paulatinamente, sendo criada e desenvolvida em função específica

dos próprios games. Paralelamente, os games, desde a sua gênese até os dias de hoje, vêm se

tornando cada vez mais abertos, ampliando a participação do usuário.

Notadamente, os games tiveram sua dimensão ampliada. O game extrapolou em muito a ideia

de experimento, ou mesmo de puro jogo, para se posicionar como uma subcultura (Game

Cultura). Sob essa perspectiva, o game produz um conjunto de signos capazes de atuar em

vários aspectos da vida, seja em comportamentos, valores, criações e mesmo em instituições.

Além disso, o game é contentor de características e conhecimentos criados, aperfeiçoados,

preservados e partilhados por um grupo de indivíduos, num intenso processo comunicacional

capaz de conferir uma identidade ao mesmo tempo em que constitui um universo único, que

pode gerar sentidos e significados que lhe são próprios.

Dentro desse contexto, ainda há muito por fazer, no sentido de melhor entender esse

fenômeno que vem sendo gerado ao longo de aproximadamente cinquenta anos. No momento

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em que se percebe a maciça presença dos games no mundo contemporâneo, em que atingiu

status de cultura, mais premente se torna dispensar-lhe maior atenção e dedicação.

A despeito dos vários estudos que já vêm sendo desenvolvidos sobre esse tema, é notória a

lacuna quanto a uma melhor compreensão das consequências que os games trazem, para o

usuário/interator/conceptor, dos efeitos produzidos pelo seu universo. É nesse sentido que a

pesquisa proposta se torna relevante, visto que se propõe a contribuir para agregar

conhecimentos relacionados a dois importantes aspectos da cultura – a comunicação e o jogo.

Talvez o pouco conhecimento que ainda paira sobre o universo dos games explique serem

eles objeto de grande preconceito, gerador de críticas superficiais ou argumentadas em

aspectos pontuais. Se, por muito tempo, avaliaram-se os games pelo viés da possibilidade de

uma violência ou uma alienação incutida em seus usuários, poucos os apreciaram quanto às

suas possibilidades não deletérias.

Ao se considerar que o universo complexo dos games envolve uma vasta interdisciplinaridade

de conhecimentos que vão da tecnologia aos códigos que os traduzem numa linguagem na

cultura, há que se considerar, também, que os games não se esgotam em si.

Lemos (2003) lembra McLuhan, ao dizer que Gutenberg nos fez leitores, a Xerox nos fez

editores e os computadores nos fazem autores. Silva (1999) reforça essa ideia quando ressalta

que as novas tecnologias interativas possibilitam uma relação diferente entre usuários,

imagens, sons, textos e conhecimentos, no sentido de um redimensionamento da mensagem,

da emissão e da recepção. A interatividade possibilita ao usuário ser ator e autor, permitindo

que a comunicação não seja apenas um exercício de emissão. O arranjo interativo faz do

usuário participante ativo, corresponsável pela criação da mensagem e da comunicação.

Nesse sentido, o computador se destaca, uma vez que possibilita uma combinação de

elementos distintos. Por sua vez, segundo Turkle (1997), os games, além de permitir a

introdução de uma narrativa capaz de atuar num contexto afetivo, permitem aos jovens, sem

que saiam de suas cadeiras, criar eles mesmos seus próprios mundos e viver e interagir com

outras pessoas no ciberespaço. Dessa forma, dá-se uma dimensão distinta à ação, ampliando-

a, indo muito além de uma relativa passividade do assistir a mundos desfilando à sua frente,

como na tela de uma TV.

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Nesse processo interativo, todo indivíduo cria interpretações e ressiginificações do mundo ao

seu redor. Para Vygotsky (1984, 1989), a cultura e as relações interpessoais são coautores no

desenvolvimento humano. Essa coautoria, completa Oliveira et alli (1997, p. 63), dá-se no

sentido “de reconstrução, de reelaboração, por parte do indivíduo, dos significados que lhe

são transmitidos pelo grupo cultural.”

Silva (1999) ressalta que, para se instaurar um processo interativo de comunicação, são

necessários: 1) Uma dialógica que associa emissão e recepção, sendo esses polos contrários e

complementares na cocriação da comunicação; 2) A intervenção do usuário/receptor no

conteúdo da mensagem ou do programa, esses abertos a manipulações e modificações.

Na modalidade comunicacional interativa permitida pelas novas tecnologias

informáticas, há uma mudança significativa na natureza da mensagem, no

papel do emissor e no estatuto do receptor. A mensagem torna-se modificável, na medida em que responde às solicitações daquele que a

consulta, que a explora, que a manipula. Quanto ao emissor, este assemelha-

se ao próprio designer de software interativo: ele constrói uma rede (não

uma rota) e define um conjunto de territórios abertos a navegações e dispostos a interferências e modificações, vindas da parte do receptor. Este,

por sua vez, torna-se ‘utilizador’, usuário que manipula a mensagem como

co-autor, co-criador, verdadeiro conceptor. (SILVA, 2000, p. 11)

Sob essa perspectiva, verifica-se que, ao longo do tempo, o potencial agenciador dos games

vem se ampliando, tornando-os cada vez mais abertos e permitindo maior participação do

usuário. Essa situação possibilita formular a hipótese de que essas modificações

proporcionam o aumento tanto quantitativo quanto qualitativo da interatividade dos usuários,

possibilitando, com isso, o desenvolvimento de ambientes favoráveis ao estímulo da

criatividade e modificações de aspectos cognitivos/perceptivos, assim como mudanças na

construção da subjetividade desses usuários.

No sentido de se buscar comprovar essa hipótese, o presente estudo tem como objetivos

principais:

Discutir os conceitos de agenciamento, interatividade, criatividade e aqueles

relacionados à construção da subjetividade e da percepção no sujeito;

Analisar os aspectos contidos em um corpus selecionado de games que favorecem o

maior grau de interatividade dos usuários;

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Analisar os aspectos contidos nos games que estimulam o desenvolvimento cognitivo

de seus usuários;

Analisar os aspectos contidos nos games que promovem mudanças na construção da

subjetividade dos usuários;

Analisar a intensificação do agenciamento nos games que estimula a criatividade de

seus usuários.

Para tal, considerando os aspectos peculiares da pesquisa, verificou-se a necessidade de um

aprofundamento em questões relativas a aspectos comunicacionais e a conhecimentos

advindos das ciências humanas aplicados à interface homem-sistema, capazes de expandir o

universo teórico da pesquisa. Dada essa condição, e para dar cabo à proposta, serão abordados

conceitos pertinentes ao universo da cultura dos games, do agenciamento, da mediação, da

interatividade, da criatividade, da cognição e da construção da subjetividade no sujeito.

Optou-se por guiar esta pesquisa considerando o universo comunicacional imerso em

estruturas de significação, em detrimento dos modelos processuais, que enfatizam o processo

em si e adotam a comunicação como a transferência de uma mensagem entre dois pontos,

preocupando-se, basicamente, com os elementos responsáveis pelo envio dessa mensagem.

Diferentemente, na perspectiva semiótica, a comunicação é tida como produção e troca de

significados, situação em que a mensagem é uma construção de signos que produz

significados em suas interações. Assim, ao contrário dos modelos processuais, que assumem a

comunicação como uma série de fases ou etapas pela qual uma mensagem passa, os modelos

estruturais consideram a comunicação como um conjunto estruturado de relações que fazem

com que uma mensagem tenha significado.

No sentido de consolidar a proposta deste estudo, foi definido um corpus, que levou em conta

o desenvolvimento dos games na direção de um aumento no grau de complexidade no arranjo

agenciador, sob as visões de Gilles Deleuze e Félix Guattari (1995) e de participação do

jogador nos destinos do jogo, sob a perspectiva de Janet Murray (1997). Outro aspecto

considerado para a escolha desse corpus foram as características narrativas dos games.

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Nesse contexto último, tomou-se como ponto de partida as ideias de Todorov (2004), que

considera a narrativa como uma estrutura abstrata inerente a todo discurso representativo2, em

que uma dada obra é apenas uma das possíveis formas de realização dessa estrutura.

Ampliando tais ideias e contextualizando-as nos meios midiáticos contemporâneos, pode-se

entender a narrativa como um conjunto organizado de significantes cujos significados são

capazes de recriar um mundo dado como real ou imaginário. Assim, a narrativa se dá pelo

emprego de um discurso representativo, apresentado através de uma determinada técnica,

unida às operações mentais daquele que “lê” tal discurso3.

Antes de qualquer coisa, como salienta Santaella (2001), a narrativa está no universo da ação,

do acontecer (secundidade), e se realiza no universo do transmitir, comunicar, implicitando

uma linguagem (terceiridade) ou suporte através do qual essa ação será narrada, ou seja, uma

história4 passa a existir. Nesse sentido, pode-se afirmar, ainda, que, assim como propõe Jolles

(1966), as narrativas podem ter graus de complexidade distintos.

Sob essas perspectivas, foram escolhidos como corpus para análise o primeiro game

produzido em escala comercial, o Computer Space (1971), em sua narrativa mínima,

praticamente nula; Myst (1993) em que se estabelece uma narrativa interativa fechada (com

começo, meio e fim); e, por fim, The Sims 3 (2009), que se desenvolve sob uma narrativa

interativa aberta.

No intuito de abranger os aspectos que englobam o fenômeno do agenciamento, interatividade

e seus reflexos no sujeito usuário do game, este trabalho foi dividido em três partes. A

primeira delas está distribuída nos três primeiros capítulos e refere-se ao escopo teórico que

fundamenta o estudo. A segunda parte é apresentada no capítulo quatro, em que são feitas

análises do corpus, segundo as bases teóricas levantadas anteriormente e os objetivos

propostos. E, por fim, na última parte, serão apresentadas as conclusões e considerações

finais.

2 “Discurso: existe um narrador que relata a história; há diante dele um leitor que a percebe. Neste nível, não são

os acontecimentos relatados que contam, mas a maneira pela qual o narrador nos fez conhecê-los.” (TODOROV,

1973, p. 211) 3 Atenção para o fato de que, para muitas das mídias contemporâneas, o “leitor” pode também ser autor, ou coautor, que constrói, ou ajuda a construir, a narrativa ao conduzir os desrendamento dos fatos. 4 Aqui se considera a história como um conjunto de acontecimentos, de fatos, reais ou imaginários, que se

manifestam dentro de certo contexto, ou seja, dentro de inter-relações de circunstâncias que acompanham tais

acontecimentos, relações estas que se estabelecem com maior ou menor grau de complexidade e abrangência.

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Assim, o capítulo 1 aborda os games seguindo uma linha cronológica, destacando os eventos

que proporcionaram o seu desenvolvimento e aumento de complexidade. Nesse sentido,

estarão em foco tecnologias, técnicas, conceitos e ideias que foram sendo incorporadas,

apontando para um aumento de se grau agenciador.

Após a demonstração, no primeiro capítulo, da constituição do universo dos games como um

universo agenciador, no capítulo 2 tratar-se-á, fundamentalmente, dos conceitos de

agenciamento. Será abordado o conceito sob a visão de Gilles Deleuze e Félix Guattari, para

os quais agenciamento é tido como arranjo de multiplicidades no universo complexo, e sob a

perspectiva de Janet Murray, para quem o agenciamento remete ao sentimento de ação do

sujeito no universo narrativo midiático.

Estabelecido, no segundo capítulo, que o aumento no grau de agenciamento dos games

proporcionou o aumento da interatividade, no capítulo 3 serão tratados alguns dos aspectos

que esse aumento pode trazer para o sujeito interator. Nesse sentido, esse capítulo abordará

conceitos pertinentes à criatividade e ao modo como esse aspecto se relaciona com as

modificações de aspectos cognitivos/perceptivos, assim como com as mudanças na construção

da subjetividade do sujeito. Outras ideias serão abordadas, sempre no sentido de construir o

arcabouço teórico para melhor compreensão dos conceitos de agenciamento e daqueles a

serem utilizados a posteriori.

Com base no apresentado nos capítulos anteriores, no capítulo 4 serão efetuadas as análises

específicas do corpus, no sentido de comprovar as hipóteses levantadas inicialmente e, assim,

responder à questão propulsora da pesquisa.

Finalmente, serão apresentadas as conclusões obtidas ao longo de todo o trabalho, bem como

tecidas considerações gerais sobre a pesquisa e seus resultados. Serão, também, apontados

possíveis desdobramentos e reflexos dos resultados obtidos.

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1 O universo dos videogames: histórias, ideias, conceitos, técnicas e

tecnologias

Este capítulo abordará, de forma sintética, os videogames, dentro de um contexto histórico. A

intenção não é apenas relacionar esse tipo de jogos, colocando-os numa linha cronológica,

mas, principalmente, destacar os eventos que, de alguma forma, apontam para a construção e

o desenvolvimento do universo e de certa complexidade ligados a eles. Para isso, foram

destacados, desde o seu surgimento até os dias de hoje, as tecnologias, as técnicas, os

conceitos e as ideias que foram sendo assimilados ao contexto dos games5. Será esse

adensamento, justamente ocorrido no contexto temporal linear, que dará as bases para o

desenvolvimento dos conceitos apresentados no próximo capítulo.

1.1 As primeiras ideias

Ao se fazer referência aos créditos a serem dados ao primeiro videogame, está-se entrando

num universo de discussões que parte da própria definição da coisa. Obviamente, se se

considerar que, há algumas décadas, videogame era apenas uma ideia, torna-se no mínimo

delicado arriscar, hoje, uma definição apropriada para o que se tinha naquela época. Assim,

inicialmente, será adotada aqui, como ponto de partida, a ideia contida no próprio nome, qual

seja, a de que um videogame é um jogo apresentado em um dispositivo eletrônico que permite

sua percepção visual.

Com base nessa ideia, pode-se considerar que o primeiro videogame surgiu na segunda

metade da década de 1940. Teria sido desenvolvido em torno de 1947 pelos físicos Thomas T.

Goldsmith Jr. e Ray Estle Mann. Esses pesquisadores eram especialistas em processos de

leitura de sinais de saída em tubos de raios catódicos6. Baseados nas aplicações desse

5 Atenção é requerida para o fato de que o termo game será utilizado aqui como termo genérico para videogames

(jogados através de dispositivos para serem interligados a um aparelho de televisão e joystick), jogos de

computador com seus periféricos e jogos eletrônicos (entre eles, consoles, arcades e celulares). 6 O tubo de raios catódicos (CRT – Cathode Ray Tube) é um dispositivo eletrônico fundamental na visualização de imagens em televisores e monitores. Sua tela é composta por camadas de fósforo, que é atingida

por elétrons através de "disparos" feitos por um canhão localizado no início do tubo. Quando o elétron encontra

o fósforo, uma luz é gerada naquele ponto. Basicamente, é isso que faz com que a imagem apareça na tela do

monitor.

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dispositivo durante a Segunda Grande Guerra com os radares, Goldsmith e Mann

desenvolveram o Cathode-Ray Tube Amusement Device7, apresentado em 1947.

Esse dispositivo analógico simulava o lançamento de mísseis, que deveriam atingir um alvo

colocado ou desenhado sobre uma tela8. O efeito simulador do disparo dos mísseis era obtido

através de um osciloscópio9 (responsável por gerar um sinal eletrônico) conectado a um tubo

de raios catódicos (capaz de traduzir visualmente o sinal gerado no osciloscópio). Por meio de

um potenciômetro, variava-se a inclinação do raio de varredura, o que possibilitava ajustar o

“tiro” na direção do alvo.

Com o desenvolvimento dos computadores de processamento digital no final dos anos 1940,

uma nova perspectiva foi dada ao universo dos jogos eletrônicos. Sob esse aspecto, alguns

autores defendem a ideia de que o videogame só é definido a partir de então. Lembrando que,

por se tratar de experimentos sobre uma tecnologia emergente, há de se pensar numa

definição ainda acanhada para esses dispositivos. Assim, pode-se entender por videogame um

jogo eletrônico gerado através de um computador, usando gráficos exibidos em um

dispositivo de vídeo que possibilita com o usuário uma interface através da qual lhe

proporciona interação.

Sob essa perspectiva, muitos autores irão assegurar que o primeiro videogame teria surgido

em 1952, nos laboratórios de matemática da Universidade de Cambridge, Inglaterra. Na

verdade, tratava-se de um experimento matemático proposto por Alexander Sandy Douglas

com a finalidade de ilustrar sua tese de PhD, que girava em torno da relação homem-

computador. Para tal, Douglas desenvolveu o OXO, como foi chamado, uma versão eletrônica

do jogo da velha, implementado no computador EDCAC (Electronic Delay Storage

Automatic Calculator).

Diferente do invento de Goldsmith e Mann, com a introdução do computador, é dada uma

nova dimensão ao jogo eletrônico. Passa a ser possível implementar no computador as bases

elementares de cálculos estatístico e de probabilidade. Será esse tipo de cálculo que

7 Dispositivo para diversão por tubo de raios catódicos. 8 Naquela ocasião, ainda não se havia desenvolvido tecnologia que possibilitasse ter um ponto fixo ou imagem

na tela, produzidos pelo próprio dispositivo. 9 Instrumento de medida eletrônica, usado para identificar comprimento de onda eletromagnética.

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16

possibilitará os rudimentos da Inteligência Artificial (AI)10

nos games, utilizando-se de um

algoritmo baseado no conceito de Árvore de Busca Binária. Esse princípio permitiria que um

indivíduo tivesse como oponente o computador, que, atuando como um agente inteligente11

,

calculava as possíveis jogadas e indicava uma a ser executada. Aí estão as bases para o

desenvolvimento de vários jogos eletrônicos, versões digitais dos diversos jogos

convencionais de tabuleiro existentes e toda sorte de jogos de cartas.

Os primeiros games criados e que se tornariam a base para o desenvolvimento dos que seriam

comercializados posteriormente foram o Tennis for Two e o Spacewar. O Tennis for Two foi

desenvolvido em 1958 por William Higinbotham, no laboratório americano Brookhaven

National Laboratory de pesquisas nucleares. O game, baseado no princípio da ação e reação,

nada mais era que um ponto luminoso movendo-se na tela de um osciloscópio, e dois

jogadores, através de potenciômetros, controlavam cada qual uma “barra” que, deslocando-se

verticalmente, atuavam como obstáculos na tela, impelindo o ponto luminoso que simulava

uma bola.

O Spacewar pode ser considerado de fato como sendo o primeiro game desenvolvido no

formato que se tem hoje. Foi criado por Steve Russel, no MIT, em 1962. O jogo foi projetado

para dois jogadores que, através de botoeiras, controlavam duas naves representadas na tela,

que, por sua vez, representava o espaço. No centro, um ponto brilhante, imitando uma estrela,

simulava a ação da força gravitacional sobre as naves. Com a botoeira, os jogadores podiam

deslocar suas naves e atirar “mísseis” uma contra a outra. Outra possibilidade dada ao jogador

era, através de um botão, fazer com que sua nave desaparecesse do local em que se

encontrava, reaparecendo em outro lugar da tela, simulando um deslocamento hiperespacial.

10 Segundo Tozour (2002), as técnicas de inteligência artificial utilizadas em jogos diferem da abordagem

acadêmica. Enquanto na vertente acadêmica tem-se o raciocínio como foco, entendendo e construindo agentes

inteligentes (SCHWAB, 2004), nos jogos o que importa é o comportamento do sistema, independente de sua

maneira de “pensar”. Ou seja, o problema não é como o sistema pensa, mas sim como ele age. Assim, cunhou-se

o termo Game AI (FUNGE, 2004) para diferenciar as duas abordagens. Nesse sentido, a interface do jogo com o

usuário, bem como os algoritmos são considerados por alguns desenvolvedores como parte integrante da

inteligência artificial do jogo (BOURG, 2004). De modo geral, a inteligência artificial do jogo refere-se ao

comportamento apresentado por NPCs (Non-Player Characters). 11 Para Jenning e Wooldridge (1999), um agente inteligente é um sistema computacional que é capaz de uma

ação autônoma para atingir seu objetivo de projeto. Os principais agentes inteligentes são os agentes reativo e cognitivo. Os agentes reativos consideram somente os dados disponíveis naquele momento, ou seja, eles não

possuem memória. Os agentes cognitivos aprendem com suas experiências e são deliberativos, podem trocar

informações de histórico e intercambiar planos com outros agentes, criando um sistema mais inteligente.

(PERÚCIA et al, 2005)

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17

Já de início, o Spacewar apontava, ainda que de forma incipiente, para um caminho original

ao apresentar um tema, dando ao usuário um sentido do que estava se desenrolando na tela –

uma guerra espacial, em que um jogador, no controle de uma das naves, enfrentava naves

inimigas. Ao mesmo tempo, era revelada a possibilidade em potencial de se ter ações mais

flexíveis do que aquelas impostas pela rigidez da alimentação de dados e processamento

ininterrupto da máquina. Eram os primeiros passos para o que seria, ao longo do tempo,

potencializado pelos projetistas de games. Ou seja, dar ao usuário, cada vez mais, a

capacidade de intervir na fase de processamento, alterando o caminho linear convencional.

No âmbito da programação, basicamente, não havia grandes preocupações quanto ao

desenvolvimento de softwares. As programações dos primeiros games eram realizadas por

meio de portas lógicas, obtidas com circuitos e seus componentes eletrônicos. No entanto,

inicia-se uma trajetória no sentido de se proporcionar uma comunicação mais fácil entre

homem e máquina, sem, contudo, introduzir mudanças consideráveis no estilo de

programação. A partir da criação das linguagens estruturadas C e Pascal, tem-se a

possibilidade de se escreverem programas moderadamente complexos, de maneira

razoavelmente fácil, o que vai permitir o desenvolvimento de softwares que irão influenciar,

posteriormente, o desenvolvimento de games.

No início da década de 1960, surge outro conceito que irá acompanhar a trajetória dos games

e possibilitar, mais tarde, a expansão do seu universo. Segundo Moore e Kearsley (2007), em

1960 nasce a primeira ideia de comunidade virtual, que, de acordo com Rheingold (2002), se

caracteriza pelo compartilhamento, entre indivíduos, de interesses, conhecimentos e objetivos.

Esse compartilhamento ocorre em um determinado domínio, mediado por ferramentas

disponibilizadas on-line, que permite a construção de um ambiente onde ocorrem as

interações. Preece (2000) ressalta que as comunidades on-line não só compartilham interesses,

necessidades, objetivos e propósitos de forma explícita, mas também estabelecem

mecanismos que estimulam o retorno à comunidade.

É sob essa perspectiva que Moore e Kearsley (2007) consideram o sistema denominado

PLATOS – Programed Logic for Automatic Teaching Operations –, criado pelo então

professor da Universidade de Illinois, Dr. Dom Bitzer. Tratava-se de um sistema educacional

baseado em métodos e técnicas de comunicação fundados no conceito de instruções por rede

eletrônica. Esse sistema, anterior à World Wide Web (WWW), esboçava as primeiras versões

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18

de algumas aplicações que se tornariam, posteriormente, e-mail, groupware, mensagens

instantâneas.

Duas outras ideias, que serão potencializadas ao longo do desenvolvimento dos videogames,

surgiram em meados da década de 1960: a da interatividade e a do console. O germe dessas

ideias apareceu ainda em 1949, quando o engenheiro elétrico alemão Ralph Baer, especialista

em televisores, recebeu a incumbência da Sanders Associates de desenvolver a “melhor TV

do mundo” (BAER)12

. O aparelho deveria possibilitar um sistema de participação interativa

do espectador com o conteúdo que estivesse sendo apresentado na tela.

Para testar as potencialidades, inicialmente relacionadas às possibilidades de respostas aos

elementos apresentados no monitor, sem a presença de conteúdos textuais, Baer concebeu

uma estrutura de jogo. Os frutos dessa empreitada, até 1966, não satisfizeram aqueles que

requisitaram a tarefa, e foram desconsiderados. Ao invés de um aparelho televisor

revolucionário, os testes conduziam Baer a um jogo, realizado por um dispositivo eletrônico,

que se apresentava no aparelho de televisão.

Apesar de terem sido rejeitados os frutos de até então do projeto, Baer continuou a

desenvolver suas ideias e, em 1967, apresentou o Chasing Game. Tal jogo, semelhante ao já

desenvolvido por Higinbotham anos atrás, foi desenvolvido para que até dois jogadores

pudessem usá-lo simultaneamente. Cada jogador, de posse de um controle de duas “barras”

representadas na tela do televisor, podia deslocá-las verticalmente. O objetivo era “rebater” a

“bola” como numa partida de pingue-pongue. No texto do registro de patente, Baer ainda

indica a possibilidade de se afixarem máscaras sobre a tela do televisor, a fim de servir de

fundo para jogos distintos (pingue-pongue, vôlei, futebol e tiro). Esse dispositivo, que seria o

protótipo dos consoles13

, foi batizado como Brown Box (Baer)14

.

12 Disponível em: <http://www.classic-consoles-center.at/stories/how-video-games-invaded-the-home-tv-set >. 13 Os consoles constituem uma das categorias de suporte dos jogos eletrônicos. Na sua maioria, são aparelhos de médio porte, de uso doméstico, responsáveis por emitir sinal de vídeo. Conectados aos aparelhos de televisão ou

monitores, propiciam a eles os lugares onde se realizam os jogos, contidos, pré-programados, neles mesmos, em

cartuchos ou CDs. 14 Disponível em: <http://www.classic-consoles-center.at/stories/how-video-games-invaded-the-home-tv-set >.

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19

1.2 Década de 1970

Na virada da década, numa tentativa de organizar a área da computação, passa-se a adotar

princípios de engenharia na produção e desenvolvimento de softwares (Engenharia de

Software) (NAUR et al, 1969). Nesse sentido, buscava-se sistematizar o desenvolvimento dos

componentes desses softwares – estrutras de dados e algorítimos – englobando suas funções,

métodos, técnicas, ferramentas, módulos, objetos e/ou agentes e ambientes de suporte.

Interconectados entre si, os elementos constituem uma arquitetura (Arquitetura de Software) e

serão processados em sistemas computacionais.

Num primeiro momento, as ideias de engenharia sugeridas por Edsger Dijkstra e David

Parnas foram usadas timidamente nos projetos de games. Apesar de Parnas ter desenvolvido o

conceito de desenvolvimento modular e os fundamentos do que se conhece e ser largamente

usado nos games, a programação orientada a objeto15

, os princípios de engenharia e,

principalmente, de arquitetura de software só virão a ser peça indispensável no

desenvolvimento de games, a patir da década de 1980 (SHAW, 1989).

Por sua vez, a entrada na década de 1970 coincide com o início do processo comercial que

envolverá crescentemente o universo dos videogames. Em 1971, a Brown Box de Baer é

desenvolvida pela Magnabox, resultando no Odyssey, primeiro console a ser comercializado.

Aproveitando-se dos avanços tecnológicos que permitiram o surgimento do transistor, esse

equipamento utilizava-se de placas de circuitos impressos, o que possibilitou a redução no

tamanho e a mobilidade dos controles do jogo. Com o Odyssey, podiam-se jogar 12 jogos

distintos que vinham pré-programados no aparelho. O acionamento do circuito de cada um

deles era realizado através de “cartuchos” (na verdade, conectores). Além disso, os jogadores

deveriam afixar filmes distintos sobre a tela de uma TV, responsável por caracterizar cada

jogo e, dependendo do jogo, jogava-se em conjunto com tabuleiros.

15 O termo programação orientada a objetos, cunhado por Kay (1996), refere-se a um paradigma para o

desenvolvimento de software que se baseia na utilização de componentes individuais (objetos) que colaboram

para construir sistemas mais complexos. Os objetos podem representar entidades físicas, conceituais ou de

softwares que colaboram entre si por meio de envio de mensagens. Com essa forma de pensar a programação,

permitiu-se que um problema passasse a ser mais facilmente decomposto em subgrupos relacionados, o que proporcionou uma simulação do mundo real pelo computador de forma mais coerente. Nesse contexto, cabe ao

programador moldar o mundo dos objetos e definir como esses objetos deverão interagir, dando-lhes indicações

de que tipo de mensagens deverão ser trocadas, quais os objetos as devem trocar e quais as ações devem realizar

frente a mensagens específicas.

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O conceito do Spacewar foi usado comercialmente em 1971, naquele que é considerado como

o precursor dos arcades16

modernos e primeiro videogame explorado comercialmente: o The

Galaxy Game. O único exemplar produzido desse jogo, criado por Bill Pitts e Hugh Tuck, foi

instalado na Tresidder Union – centro de serviços –, da Stanford University, em setembro

daquele ano. Dois meses depois, utilizando-se do mesmo conceito do Spacewar, foi lançado o

Arcade Computer Space, o primeiro a ser produzido em massa. Foi uma criação de Nolan

Bushnell e Ted Dabney, para a empresa Nutting Associates, vindo a constituir um enorme

fracasso.

No ano seguinte, Pong, criação de Nolan Bushnell e Ted Dabney, é lançado. Pong era um

jogo inspirado nos jogos de pingue-pongue, porém a “bola”, além de ser repelida com as

“raquetes”, poderia rebater nas “paredes” do campo de jogo, criando jogadas com trajetórias

em ângulos retos. Um som era produzido cada vez que a “bola” entrava em contato com as

superfícies. Mas o maior feito desse jogo foi ter abrido caminho para o lucrativo e complexo

universo dos videogames. O sucesso imediato do jogo motivou seus criadores a montar a

empresa Atari.

Segundo Johnston (2008), o surgimento de dispositivos como o Computer Space e o Pong fez

com que especialistas passassem a se preocupar com o modo como os usuários deveriam

interagir com equipamentos da mesma natureza, como os microcomputadores que vinham

sendo desenvolvidos17

. Assim, tem início o desenvolvimento do conceito de interface gráfica

do usuário, ou simplesmente interface. A ideia por trás desse conceito era a de facilitar a

acessibilidade e o manuseio da máquina pelo usuário. O mesmo autor afirma que será nesse

momento que o conceito germina, sendo elaborado mais tarde no projeto do PC Macintosh, da

Apple.

16 Os arcades, assim como os consoles, constituem uma das categorias de plataforma dos jogos eletrônicos. Têm

como representantes principais grandes máquinas de uso comercial, são usados em estabelecimentos de

entretenimento, acionados a partir da introdução de moeda ou ficha. Esses jogos são compostos por um gabinete,

no qual está instalado um elemento de visualização do jogo (tubo de imagem-CRT ou monitor), circuitos

elétricos e eletrônicos e, dependendo do fabricante, cartuchos de programação. São considerados arcades (com a

legenda Dedicados) os gabinetes de simuladores. 17 De acordo com o Computer History Museum, o primeiro “computador pessoal” foi o Kenbak-1. O projeto e o

design foram de John Blankenbaker, da Kenbak Corporation, em 1970, e foi lançado em 1971. No entanto, só a

partir de 1977, com o lançameto do Aplle II, teve o uso difundido, dando início à popularização desse tipo de

equipamento. Disponível em: <http://www.computerhistory.org/timeline/?category=cmptr>.

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Segundo o mesmo autor, o desenvolvimento do conceito de interface proporcionou ao usuário

uma transformação na forma de se relacionar com a máquina. Se, até então, a relação com os

computadores exigia o domínio sobre a linguagem técnica, com a aplicação do conceito de

interface nesse tipo de equipamento o usuário tinha a seu dispor um “tradutor” dos códigos

escritos em textos – os comandos – para códigos predominantemente visuais. Assim, com a

ideia de se trabalhar com interfaces gráficas, a Apple possibilitou que se fizessem associações

diretas entre a imagem iconográfica e o comando desejado. Dessa forma, a ideia de interface

se configura como vinculada a um sistema simbólico e, portanto, com uma função

comunicativa.

No que se refere aos videogames, o conceito de interface irá proporcionar a transformação da

arquitetura do espaço das telas dos aparelhos. Nesse sentido, passou-se a investir no

aproveitamento máximo da técnica disponível na ocasião, de forma a se criar na tela, através

de cenários e desenvolvimento temático, uma unidade coesa de sentido para o usuário. Sob

essa perspectiva, a busca pela maior verossimilhança em relação ao tema sugerido tornou-se

uma preocupação importante por parte dos designers de games.

Como resultado dos primeiros estudos sobre interface, surgiu, já em 1973, uma diversidade de

jogos eletrônicos, mostrando o potencial ainda por ser explorado no universo dos games.

Entre esses games estão: Space Race – um jogo para dois jogadores, o qual simula uma

corrida entre naves que devem se desviar de asteróides; Gotcha – onde um agente persegue

outro (controlado pelo jogador) num labirinto; e o Rebound – um jogo de vôlei para dois

jogadores.

No ano seguinte a Atari lança um arcade de corrida em que o jogador deveria “percorrer” uma

pista tentando acumular o maior número de pontos no menor tempo possível. Esse game foi o

Gran Trak 10, o primeiro jogo com memória ROM18

, onde eram armazenadas sprites19

do

carro, da pista de corrida, a pontuação e o temporizador do jogo. Isso permitiu que se tivesse

uma resolução melhorada das imagens, dando o primeiro passo para deixar para trás as

imagens simples, representadas por quadrados e retângulos. Além disso, o jogo inovou nos

18 As memórias ROM (Read-Only Memory) são um tipo de memória que permite apenas a leitura. As

informações nelas gravadas, normalmente pelo fabricante, não podem ser alteradas ou apagadas, somente

acessadas. São memórias cujo conteúdo é gravado permanentemente. 19 Sprites: conjunto de características que irão constituir e representar um objeto na tela.

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controles, sendo dotado de volante, alavanca de mudança de câmbio com quatro posições e

pedais de acelerador e freio.

Em 1974, é lançado o game Qwak, um arcade para um só jogador da Atari. No jogo, que

consistia numa simulação de caça ao pato, o jogador tentava acertar os patos em voo na tela,

com um rifle anexado ao gabinete. A grande inovação desse game foi o uso de um conceito de

Inteligência Artificial, Padrões de Movimento Aleatórios. Segundo Lamothe (1999), um dos

princípios básicos desse tipo de AI são os algoritmos que determinam os padrões de

movimento, tendo os comportamentos dos “personagens” pré-programados ou pré-

processados. Esse tipo de procedimento passou a ser muito usado em jogos de perseguição e

evasão20

.

No ano seguinte, surge no mercado o Gunflight da Midway Mfg. Co. Gunflight tinha como

pano de fundo o velho oeste norte-americano, em que dois cowboys enfrentavam-se em duelo.

O arcade possuía dois controles distintos para cada jogador: uma para mover o personagem na

tela e outro para apontar a arma e atirar. A novidade nesse jogo foi a utilização de

microprocessadores, ao invés de circuitos TTL21

que vinham sendo usados nos games até

então. O Gunflight usava uma CPU Intel 8080. Esse pequeno chip da empresa Intel era o

primeiro dispositivo capaz de processar uma linguagem de máquina, o BASIC, desenvolvida

por Bill Gates e Paul Allen. O uso desses artifícios permitiu ao game uma maior continuidade

e gráficos mais consistentes.

Willie Crowther, programador e espeleologista amador, criou, no final de 1975, o game

Colossal Cave Adventure, com o layout baseado no sistema de cavernas do Parque Nacional

Mammoth Cave, no Kentucky, USA. O Advent, como também era chamado, foi desenvolvido

na linguagem Fortran para rodar no minicomputador BBN’s PDP-10. A primeira interface

desse jogo era apenas texto22

. Mesmo que no início da década já existissem jogos como o

20 O algoritmo de jogos de perseguição verifica a posição de um personagem em relação à posição de outro e

avança em direção a ele. O algoritmo de jogos de evasão faz um dos personagens se distanciar do outro

personagem. Os padrões de movimento fazem com que um personagem se movimente em um determinado

padrão. (LAMOTHE, 1999) 21 Esse tipo de circuito é uma classe de circuitos digitais constituído de transistores e resistores que, devidamente

interligados, possibilitam função lógica (TTL – Transistor-Transistor Logic). Esse tipo de circuito possibilitou o processamento digital eletrônico até o aparecimento dos microprocessadores. 22 Esse tipo de jogo eletrônico, em que os jogadores usam comandos de texto para influenciar no ambiente do

jogo, foi denominado de ficção interativa. No uso comum, o termo se refere a jogos de aventuras de texto, jogo

eletrônico em que toda a interface é textual. Nesse tipo de jogo, os jogadores assumem o papel de uma

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23

Hunt the Wumps e Startrek, que se apresentavam totalmente em texto, Advent inovou por ser

o primeiro game de aventura23

. Nele, o jogador deveria explorar o interior da caverna e

encontrar objetos, deparar-se com elementos fantásticos e se esquivar de algumas criaturas.

Apesar de as cores já terem aparecido em 1975, foi no arcade Galaxian que houve um avanço

significativo no que tange ao uso de cores nos seus gráficos. Suas naves, bem como os

alienígenas que deveriam ser destruídos, eram coloridos, de forma a caracterizar cada um, e

ainda possuíam efeito de animações nas explosões e cores específicas para a pontuação. Além

disso, possuía uma música de fundo e contagem de naves disponíveis ou perdidas, e o

movimento dos personagens era regido por Padrões de Movimento Aleatório.

No início da segunda metade da década de 1970, a empresa Fairchild Camera and Instrument

lançou o console Fairchild Channel. Esse aparelho permitia ao usuário alterar o tempo e a

velocidade da ação do jogo. Além disso, o console introduziu o conceito do joystick no

formato de um manche, propiciando ao usuário maior interação com os jogos, em especial os

de ação, ao mesmo tempo em que lhe conferia maior grau de verossimilhança no movimento

dos objetos na tela.

Sob essa perspectiva, nota-se já uma preocupação em colocar o usuário mais presente no jogo.

Mesmo utilizando o tema original do antigo Spacewar, o Fairchild Channel, ao colocar nas

mãos do jogador um manche, simulando o seu controle da espaçonave, deslocava o usuário da

posição de quem destrói o inimigo, colocando-o na posição de quem está no comando de uma

espaçonave eliminado o inimigo. Essa mudança de perspectiva, simbolicamente, estabelece

um modo distinto de como se dava a apropriação do objeto.

Nesse sentido viam-se, cada vez mais, aqueles dispositivos computacionais se aproximando

dos usuários. Aquelas máquinas estavam deixando seu caráter quase que exclusivamente

utilitário, passando a adquirir um caráter adicional, como lugar de entretenimento. E, na

medida em que tais dispositivos compartilhavam suas existências com os aparelhos de

personagem e recebem informações textuais que descrevem salas, objetos, outras personagens e criaturas

controladas pelo computador. 23 Jogo de aventura é um gênero de videogame no qual o jogador assume o papel de protagonista de uma história interativa. Caracteriza-se, basicamente, pela exploração de cenários, pelos enigmas e quebra-cabeças a

serem resolvidos, pela interação com outros personagens e pelo foco no enredo, diminuindo a importância da

ação. Concentra-se no raciocínio lógico e exploratório envolvendo histórias, na maioria complexas, envolvendo

objetos.

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televisão, proporcionavam, e por que não dizer, exigiam uma postura diferenciada do usuário.

Postura essa que o deslocava da posição de caráter passivo do receptor, convidando-o à

prática de interações no processo de atualização das imagens.

Gradativamente também, os games foram se recolocando dentro do universo da indústria

cultural, propiciando o desenvolvimento de atividades mercadológicas secundárias,

envolvendo uma diversificada linha de produção e consumo de bens culturais. Nesse sentido

surge em 1977 o Chuck E. Cheese. Trata-se de uma combinação de lanchonete, casa de

fliperama, jogos eletrônicos, shows de autômatos, venda de artigos diversos ligados ao esporte

e lazer. Tudo voltado, principalmente para crianças e jovens. A franquia do estabelecimento

foi batizada por seu fundador, Nolan Bushnell, de Pizza Time Theater.

Outro conceito significativo que surgiu no fim da década de 1970 foi o de jogos multiplayers

on-line a que se denominou MUDs – Multi-User Dungeon, Dimension, ou, por vezes,

Domain, um jogo tradicionalmente ambientado em mundos fantásticos, inspirados nos jogos

de RPG (Role-Playing Game)24

, em que vários jogadores interagem simultaneamente. A

intenção era transmitir aos jogadores uma descrição do espaço virtual onde a aventura iria se

passar, de forma a ambientar o jogador na atmosfera do jogo. A partir daí, os jogadores

interpretavam seus personagens, comunicavam-se uns com os outros e participavam das

aventuras e missões apresentadas. Como reflexo desse tipo de sistema de jogo, foram criadas

diversas comunidades de MUD.

Inicialmente, era executado em um BBS – Bulletin Board System25

–, sistema/software que

permite a conexão, via telefone, entre computadores. Os primeiros MUDs, inspirados em

jogos como o Dungeons & Gragons e o jogo de computador Colossal Cave Adventure,

surgiram no sistema PLATO, em 1977.

24 Role-Playing Game (RPG) é um jogo em que os participantes assumem o papel de personagens fictícios.

Existem variedades do jogo, mas a maioria segue o padrão estabelecido pelo primeiro deles, publicado em livro,

o Dungeons & Dragons. Assim, na maioria dos jogos, um jogador especialmente designado, o mestre do jogo

(GM), cria um cenário em que cada jogador faz o papel de um personagem único. O mestre descreve o mundo

dos jogos e dos seus habitantes, os outros jogadores descrevem os objetivos e ações de seus personagens. O

mestre ainda define desafios para os personagens dos jogadores, desafios esses que devem ser vencidos através

do jogo, como as armadilhas a serem evitadas ou adversários a serem enfrentados. 25 Em 1972, o programador de assembly William Crowther desenvolveu um software para roteadores voltado à

ARPAnet (Advanced Research Project Agency of the U.S. Department of Defense). Outros softwares com essa

finalidade surgiram, como é o caso do BBS. Essas ideias possibilitariam os jogos on-line e as comunidades

virtuais, e gerariam, posteriormente, a internet.

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Há que se chamar a atenção para o fato de que a percepção dos games não mais se limita a um

dispositivo eletrônico com interface visual. As tecnologias e conceitos que foram sendo

assimiladas transformaram-no em parte de um sistema de comunicação. Nesse sentido, o

game serve de suporte para que informações sejam transferidas e processadas, possibilitando a

produção de sentido, evidenciando a função comunicativa desempenhada por eles.

No ano seguinte (1978), a empresa Magnavox lança no mercado o Odyssey 2, um esboço do

jogo de RPG eletrônico. Ainda que precariamente, o jogador passava a enfrentar dragões e

outras criaturas. Com esse jogo, nasce o conceito, ainda primário, da narrativa em games. No

jogo, havia uma história a ser contada e, através da intervenção do jogador, um enredo ia se

desenvolvendo.

O objetivo a se alcançar jogando o Lunar Lander (desenvolvido para computadores e lançado

em 1979) era o de fazer uma aterrissagem na superfície da lua com um módulo lunar. Para tal,

o jogador tinha como orientação dados de telemetria apresentados na tela. A inovação desse

jogo tem a ver com sua interface, que era feita através de uma caneta óptica em contado direto

com a tela e de seus gráficos, elaborados por meio de vetores26

.

No final da década de 1970, os jogos eletrônicos demonstravam já um bom domínio sobre os

processos de animação sobre a tela e aprimoravam, cada vez mais, a capacidade de inserção

do usuário em seus contextos. Nesse sentido, viam-se os games se distanciando dos primeiros

modelos, fundados em processos de ação e reação, que testavam os reflexos de seus usuários.

Nesse ponto, os games eram ambientados, tinham cenários. Mesmo que ainda bem

rudimentares, possibilitavam ao usuário a sensação de navegar em ambientes distintos, fosse

espacial, de terror, urbano etc., ampliando, assim, o universo simbólico e sua interação com

esse universo.

26 Há dois tipos de gráficos: o Raster e o Vetorial. O Raster é pré-construído e composto por pixels. São

comumente chamadas de bitmap, que consiste em uma matriz de pontos armazenado na memória. Cada ponto da

matriz é chamado de pixel, seguindo o padrão RGB (Red, Green e Blue). Quanto maior a qualidade da imagem,

mais será requerido em termos de memória e mais trabalhoso será manipular a imagem. Bitmaps são muito

utilizados para fotos digitais e nos jogos que normalmente representam as texturas dos objetos. Os principais

formatos são: JPEG, TIFF, PNG, GIF, BMP e XPM. Já o gráfico tipo Vetorial é construído em tempo real e composto por descrições geométricas. Uma imagem vetorial normalmente é formada por curvas, elipses,

polígonos, texto, entre outros elementos matemáticos. Por serem baseados em vetores, esses gráficos geralmente

ocupam menos memória e não perdem qualidade ao serem ampliados, já que as funções matemáticas se ajustam

facilmente a escalas.

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Os avanços tecnológicos vão rapidamente sendo incorporados aos games, como o processador

de 16 bits, que permitiu o aprimoramento gráfico. É lançado, então, o primeiro console a se

utilizar desse tipo de processador, o Intellivision (Intelligent Television), da Mattel Eletronics,

que apresentava os melhores gráficos da época (160x92 pixels, 16 cores, 8 sprites).

Além disso, o Intellivision trouxe consigo uma série de outras inovações tecnológicas, que

aumentariam, cada vez mais, o poder de comunicação dos jogos eletrônicos. Várias

tecnologias originais foram incorporadas a esse game. Uma delas veio na forma do

Intellivoice, um sintetizador de voz que permitiu a inserção de voz aos personagens do game.

O Intellivision trouxe, também, o Play Cable, que permitia aos usuários de TV a cabo, poucos

na época, comprar jogos que eram carregados na memória do console27

. Esse game tinha

também um adaptador que permitia ao usuário utilizar programas do Atari 2600. Outra

novidade tecnológica presente no Intellivision foi o Entertainment Computer System, um

dispositivo que transformava o console em um sintetizador eletrônico. Assim, através dele, o

usuário podia programar e editar músicas.

1.3 Década de 1980

O avanço no desenvolvimento dos microprocessadores permitiu um investimento cada vez

maior no conceito de interface. Se, na década de 1970, os jogos eletrônicos e os PCs se

transformaram em meios de expressão simbólica, na década de 1980 essa mediação seria

acentuada e expandida.

Seguindo essa direção, jogos de guerra, como o Defender, buscavam um aprimoramento de

seus cenários, na tentativa de estabelecer maior correspondência e verossimilhança. No

entanto, será em Battle Zone, da Atari, que serão apresentados importantes aprimoramentos

nesse sentido. Nesse game, ao jogador eram apresentados elementos que contribuíam para que

ele desenvolvesse uma sensação mais aproximada da ambiência de onde se desenrolava o

jogo. Para tal, utilizou-se, pela primeira vez, a modelagem vetorial em 3D, desenvolvido para

utilização em primeira pessoa.

27 Com o surgimento da internet, esse procedimento passaria a se chamar download.

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27

Para ampliar a sensação de realidade nesse jogo, o jogador se utilizava de um par de óculos

que reforçavam as características tridimensionais do ambiente de jogo. Por conta disso, Battle

Zone tem sido considerado também o primeiro dispositivo de realidade virtual e o precursor

dos principais princípios que passarão a ser incorporados aos simuladores, como Zaxxon

(simulador de voo – 1982), que buscou aprimorar os detalhes, utilizando, pela primeira vez, o

conceito geométrico da projeção isométrica28

, aprimorando a ideia de profundidade e

desenvolvendo a noção de sombras.

Com aprimoramento tecnológico e conceitual, foram surgindo algumas funções ligadas à

arquitetura de softwares e ao desenvolvimento dos games. Um desses profissionais foi o game

designer, que passou a influenciar diretamente no processo de concepção dos jogos. Nesse

sentido, além de se ocupar da elaboração visual, o game designer passou a coordenar as

equipes de profissionais envolvidos na criação e desenvolvimento do game. Dessa maneira,

foi-se delineando uma função ligada aos games que se assemelharia à de um diretor de

cinema. Nessa condição, esse novo profissional passou a ser aquele que coordena uma série

de outros profissionais, tais como produtores, outros game designers, roteiristas, artistas,

programadores, level designers, compositores musicais, especialistas em efeitos sonoros,

testadores, entre muitos outros29

.

Ainda em 1980, a empresa japonesa Namco lança para arcade o game Pac Man. O jogador,

representado na tela por um círculo que dava a ideia de uma “cabeça” redonda com uma boca

que se abre e fecha, deveria deslocar-se em um labirinto repleto de pastilhas e de fantasmas

28 Projeção isométrica é um método de representar visualmente objetos tridimensionais em duas dimensões.

Para isso, se utiliza da noção de três eixos coordenados em que todas as linhas horizontais são desenhadas num

ângulo de 30 graus em relação ao plano de projeção. 29 Produtores: são os responsáveis por supervisionar o desenvolvimento de um jogo. Game designers: são os

responsáveis por projetar o jogo como um todo, desde a formulação do seu conceito até a sua jogabilidade.

Roteiristas: responsáveis por desenvolver e/ou adaptar enredos para os jogos. Artistas: são os responsáveis pelo

desenvolvimento de toda e qualquer coisa que exija arte visual. Podem se encaixar na concepção da arte, na

modelagem 3D dos personagens, do cenário, animação, texturização, iluminação, dentre tantas outras que

envolvam imagem. Programadores: são os responsáveis por desenvolver toda a lógica do jogo. Existem várias

especialidades que podem ser seguidas nessa área, dentre elas o desenvolvimento da física do jogo, da

inteligência artificial, da renderização gráfica, do processamento sonoro, da jogabilidade, da interface do usuário,

dentre inúmeras outras. Level designer: são os responsáveis por criar os desafios, puzzles e até mesmo as fases

do jogo. Assim como os programadores, também escrevem linhas de código, alterando as regras de pontuação,

objetivos e definindo ações importantes para o avanço na história do jogo. Compositores musicais: elaboram

trilhas sonoras que têm a função de colaborar, amplificar e aprofundar a narrativa, fundindo-se com os outros elementos do game para gerar uma experiência sensitiva única. Especialistas em efeitos sonoros: com função

semelhante aos compositores, porém, trabalhando com a criação de sons, a fim de enriquecer o enredo.

Testadores: são os responsáveis por analisar tecnicamente o jogo, com o objetivo de indicar falhas em seu

desenvolvimento.

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28

que o perseguiam. O objetivo era comer todas as pastilhas sem ser alcançado pelos fantasmas,

em ritmo progressivo de dificuldade.

Pac Man foi o primeiro game a se utilizar dos conceitos da arquitetura de softwares. Para tal,

seu criador, Tohru Iwatani, valeu-se dos princípios da arquitetura reativa, caracterizada pela

alteração do ambiente identificada pelo agente, que, a partir de informações coletadas pelos

sensores, realiza uma ação predefinida (D’AMICO, 1995). Sob essa perspectiva, baseou-se na

AI de padrão de movimento com a característica de personalidade. Esse tipo de AI

possibilitava personalidades diferenciadas para cada inimigo (fantasma), possuindo, cada

qual, sua estratégia de perseguição.

No ano seguinte, a Nintendo lança aquele que viria a ser um dos maiores sucessos em game, o

Donkey Kong. Nesse jogo, é introduzido um personagem humano, Jumpman (mais tarde

batizado de Mário), o primeiro herói humano em um game. Donkey Kong é tido como o

primeiro exemplo de uma narrativa completa contada em forma de videogame. O jogo fazia

alusão ao filme King Kong, em que um gorila ameaça a mocinha (Pauline), enquanto o herói

tenta salvá-la. Para propiciar o desenrolar do enredo, é empregado o recurso de corte de cenas,

fazendo avançar suas etapas. Por sua vez, para ambientar a história, os projetistas do jogo

desenvolveram o conceito de plataforma30

, no caso Platform Side-scrolling31

, que

apresentava o jogo sob uma perspectiva lateral, diferente do que se tinha até então, visto que

os jogos eram apresentados sob uma perspectiva frontal.

O universo dos videogames, já bastante ampliado, gera uma demanda quanto ao intercâmbio

de informações entre os muitos profissionais, aficionados e interessados, bem como a

indústria e o comércio, ligados direta ou indiretamente aos games. A revista Play Meter,

criada em 1974, não conseguia suprir essa demanda, uma vez que era voltada para a indústria

dos videogames. O novo contexto, bem mais amplo, requeria algo diferente e com maior

abrangência. Assim, surge, em 1981, no Reino Unido, a Computer and Video Games (ainda

30 Jogo eletrônico de plataforma é o nome dado a um gênero de videogame em que o jogador controla um

personagem que corre e pula entre plataformas e obstáculos. Normalmente, enfrenta inimigos e deve colecionar objetos que lhe proporcionam bônus. Não raro, exige-se, para que o jogador consiga prosseguir no jogo, atingir

algumas metas. 31 Side-scrolling Game é um gênero de videogame em que a ação é vista sob ângulo lateral, e os personagens

normalmente se movem da esquerda para a direita da tela, procurando atingir seus objetivos.

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29

em circulação com o nome de Computer Gaming World, ou CGW), e logo em seguida a

Electronic Games, nos Estados Unidos, com publicação interrompida em 198532

.

Em 1982, a empresa japonesa Namco lança no mercado um jogo de corrida, o Pole Position.

Seus projetistas se utilizaram do conceito da pseudo-3D33

, que dava ao jogador a perspectiva

em terceira pessoa (rear-view format racer34

). Sob essa perspectiva, o jogador se via atrás e

acima do veículo, olhando para a frente ao longo da estrada, tendo o horizonte adiante de si. A

partir desse game, esse continuou a ser o padrão adotado nos futuros jogos de corrida, mesmo

naqueles que se utilizariam da computação gráfica 3D.

Nesse jogo, o jogador “pilota” um carro de Fórmula 1 no Autódromo de Fuji, no Japão. Numa

primeira volta, contra o relógio, dentro de um determinado período de tempo, ele deverá se

qualificar para uma corrida. Após a qualificação, a corrida se dá entre o jogador e outros

carros, em uma prova de campeonato. Ao longo de sua paisagem, podiam-se ver placas e

outdoors anunciando produtos reais. Nesse aspecto, o Pole Position penetra de forma original

no universo publicitário.

Outro conceito, o de God Game, foi apresentado pela primeira vez pela Intellivision, em

1982, no Utopia. Através desse conceito, o jogador é colocado na posição de uma entidade

divina, ou com poderes sobrenaturais. Nessa posição, o jogador interage no contexto do jogo,

contexto esse que contém agentes autônomos, os quais deverá guardar ou influenciar. Na

maioria desse tipo de jogo, o jogador não ganha nem perde, por si só, mas é desafiado a

atingir e manter certo nível de sucesso. Frequentemente, com a ausência de metas ou

objetivos, é dada ao jogador uma maior liberdade e possibilidades do que outros tipos de

jogos.

Se a primeira influência sofrida pelos games, por parte dos temas cinematográficos, teve sua

origem ainda em 1981, com Donkey Kong, que se utilizou do argumento do filme King Kong,

será a partir de 1982 que o universo do cinema vai coabitar mais intensamente o universo dos

games. Em 1982, inicia-se a produção, cada vez maior, de games não só inspirados, mas que

32 Disponível em: <http://forum.outerspace.terra.com.br/showthread.php?t=248279>. 33 A chamada pseudo-3D, ou 2.5D (duas e meia – dimensão), é um termo usado para descrever o fenômeno visual que parece ser tridimensional, mas não é tão completamente, seja por não ser constituído por entidades 3D

verdadeiras, no caso dos gráficos, ou não permitir a movimentação tridimensional, geralmente limitando-o a

duas dimensões. 34 O primeiro game a se utilizar da perspectiva rear-view foi Turbo, da Sega, em 1981.

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30

se apropriavam dos elementos constituintes da narrativa e roteiro de filmes, como é o caso de

Star Trek, Tron e ET.

Enquanto no ano de 1982 houve nova aquisição conceitual por parte do universo dos games,

em 1983 houve novas aquisições no campo tecnológico. Nesse ano, a Cinematronics lança o

arcade Dragon’s Lair que usava, pela primeira vez, a tecnologia laserdisc. Essa tecnologia

permitiu a produção de imagens com característica full motion video35

.

Se, até então, a maioria dos videogames era apresentada por sprites36

, o Dragon's Lair superou

as limitações dessa técnica com o grande potencial de armazenamento do laserdisc, que

aumentou as possibilidades gráficas do game. O jogo apresentava as aventuras de um

cavaleiro chamado Dirk, ‘o destemido’, numa missão de resgate da princesa Daphne. Cada

etapa do jogo era dividida em cenas de desenho animado – armazenadas no disco – que

deviam ser engajadas com seleções de comando. Se a seleção era correta, a cena e a história

se desenrolavam. Se a seleção era errada, aparecia uma cena de Dick morrendo ou sofrendo

algum destino ruim de forma apropriada.

Em março de 1984, a Lucasfilm Games (mais tarde LucasArts Entertainment), de George

Lucas, iniciou a comercialização do game Rescue on Fractalus. Nesse jogo, inicialmente

lançado para console, o jogador controlava uma nave de combate, Valkyria37

, convertida para

busca e salvamento. O jogador, com sua visão em primeira pessoa, deveria navegar sobre a

superfície de um planeta, entre acidentes geográficos, a fim de resgatar personagens perdidos

no planeta. Enquanto isso, deveria se esquivar de baterias antiaéreas, ou mesmo destruí-las.

Essas baterias estavam posicionadas sobre o relevo acidentado do planeta, que foi projetado

35 Full Motion Video (FMV) é qualquer sistema utilizado para fornecer imagens em movimento, vídeo e som em

um ambiente computadorizado. As imagens de vídeo e som são armazenadas no disco; o disco compacto é o

preferido por causa da quantidade de dados necessária. 36 Na ocasião, os sprites eram imagens em duas dimensões, integradas a uma cena maior. Consistiam em várias

séries de bitmaps (imagens não vetoriais) apresentadas sucessivamente, resultando numa animação. Devido às

limitações de hardware da época, as possiblidades gráficas eram muito restritas nos detalhes, na resolução, no

framerate etc. Com a melhoria do desempenho dos computadores, essa técnica se tornou desnecessária, e o

termo evoluiu para referir-se especificamente às duas imagens tridimensionais que são integradas em uma cena. 37 Originalmente, Valkiria foi uma aeronave – bombardeiro de ataque – fruto de pesquisas em aeronáutica

supersônica, na década de 1960. Tornou-se um ícone da aviação moderna, apesar de apenas dois exemplares

terem sido construídos. A ficção científica tratou de incorporar ao seu repertório de naves espaciais uma classe

com o mesmo nome. Essa classe de espaçonave de combate foi aproveitada no filme Star War, de George Lucas.

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31

utilizando, pela primeira vez, o conceito de fractais38

, o que aumentou em muito as

possibilidades de design.

Algumas pequenas novidades acorrem em 1984, como foi o caso do Marble Masness, da

Atari, que utilizou pela primeira vez o som estéreo, ou do Knight Lore, da Ultima Play the

Game, que foi o primeiro do gênero de aventura “isométrica”, exibindo um mundo 3D

detalhado, com perspectiva isométrica. No entanto, nesse mesmo ano, a Apple coloca no

mercado o seu computador pessoal (PC) Macintosh, a custos acessíveis à classe média, o que

permitiu o aumento na disseminação do uso desse tipo de equipamento.

Com a difusão dos computadores pessoais é que se começa a investir, de fato, nesse

ferramental, projetando uma nova perspectiva ao universo dos games. Ao mesmo tempo, o

interesse pelos arcades diminuía, ao passo que os consoles partiam para novas configurações

no uso dos jogos.

Antigas ideias, que ainda eram pouco exploradas, como é o caso dos conceitos de

multiplayers e rede, passaram a ser mais aproveitadas. Em 1985, foi criado o primeiro serviço

on-line, o Quantum Link (ou Q-Link). Foi um serviço disponível nos Estados Unidos e no

Canadá para os computadores pessoais Commodore 64 e 128, operado pela Quantum

Computer Services de Viena, Virgínia, que mais tarde passaria a se chamar America Online,

que é a responsável por operar o serviço AOL. O Q-Link foi uma aplicação comercial dos

princípios da antiga BBS, de 1978. Na verdade, prestava serviço para uma pequena

comunidade de 100 assinantes, que trocavam jogos eletrônicos de Atari pela linha telefônica.

No ano seguinte, a Taito, empresa japonesa, disponibiliza no mercado o game Renegade.

Nesse arcade, o jogador controla um personagem que deve lutar contra uma variedade de

gangues de rua, em seu caminho, para salvar a namorada. O jogo se dá em etapas que se

realizam em ambientes distintos: plataforma de metrô, porto, beco, estacionamento e

esconderijo de uma quadrilha. O que se tem aqui é o já conhecido enredo do herói em busca

38 Um fractal é uma forma geométrica, de aspecto irregular ou fragmentado, que pode ser subdividida indefinidamente em partes, e cada qual é – pelo menos aproximadamente – uma cópia de tamanho reduzido do

conjunto. Um fractal possui a propriedade de autossimilaridade, que está presente em vários elementos da

natureza, como nuvens, montanhas, floco de neve, alguns vegetais. Um fractal pode ser obtido por uma equação

matemática baseado na realimentação e recursividade.

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32

de salvar a mocinha em perigo. No entanto, Renegade foi o marco, pois apresentou um novo

gênero de games que foi denominado Beat’em Up39

.

Aliada aos desenvolvimentos técnicos, gradualmente, a ideia de narrativa foi-se

transformando e se adequando aos games, principalmente aos de aventura. Nesses jogos, o

desenvolvimento de um tema se dava a partir da intervenção do usuário. Jogos como Metal

Gear40

se realizavam pela construção de um trajeto narrativo ao longo do qual o herói

construía sua história. A ideia aqui era transportar o usuário para o lugar do herói. Com base

nesse princípio é que se desenvolverá o gênero RPG, versão eletrônica anunciada no fim dos

anos 1970. Como exemplos desses jogos têm-se The Legend of Zelda41

(Nintendo – 1987),

que traz uma mistura de puzzles, ação estratégica, aventura, jogo de batalha e exploração, e

Final Fantasy42

(Square, atualmente Square Enix – 1987).

A partir daí passará a ser desenvolvida uma série de jogos de guerra (war games) sob a

influência de argumentos literários, principalmente de J. R. R. Tolkien43

. A dinâmica desse

gênero de jogo funda-se na construção de linhas narrativas que são construídas a partir da

inserção do jogador na trama. Assim, tendo como base mundos fantásticos e da fantasia

39 Há quem prefira dizer que Beat’em Ups (também chamados de Scrolling Fighting Games, Fighting Action Games, Scrolling Beat’em Ups ou ainda Brawlers) é um subgênero dos jogos de luta. A particularidade desse

tipo de jogo está no fato de o personagem controlado pelo jogador ter de lutar com vários oponentes

simultaneamente. Normalmente, nos jogos de luta “comuns”, o jogador se limita a lutar contra um só oponente,

adiquirindo pontos ao longo da luta. No Beat’em Ups, a pontuação conseguida com a derrota de oponentes

servirá para que se atinjam fases superiores do jogo. Games como Kung-Fu Master, da Irem Corporation (1984),

preanunciaram esse tipo de jogo, no qual o personagem principal deve lutar contra uma gangue, porém, a luta se

dá com um elemento do grupo de cada vez. 40 Metal Gear é um jogo de espionagem criado por Hideo Kojima e produzido pela companhia japonesa Konam.

É considerado Stealth Game, gênero de videogame no qual o jogador deve evitar a detecção, usando de discrição

para fugir da emboscada ou de adversários. Normalmente, nesse gênero de jogo, empregam-se técnicas como se

esconder na sombra, disfarces e ruídos, que podem desviar a atenção dos inimigos. 41 The Legend of Zelda é um jogo que mistura ação, aventura, quebra-cabeças e role-playing. A trama se

desenvolve na terra fantástica de Hyrule. No enredo, o protagonista Link, da raça de seres mágicos Hylian, é um

guerreiro que tem como missão fundamental salvar a Princesa Zelda do antagonista principal, Ganon. Ao longo

da jornada, Link deve recolher os oito fragmentos da Triforce da Sabedoria, um poderoso artefato.. 42 O jogo conta a história de quatro jovens, The Light Warriors (Guerreiros da Luz), destinados a salvar o mundo

de uma crescente destruição. Cada um dos guerreiros possuía um artefato com poderes, ligado aos quatro

elementos. No entanto, esses artefatos perderam os poderes para quatro monstros, os Elemental Fiends

(Demônios Elementares). O enredo conduz os quatro guerreiros da luz a confrontarem os quatro demônios,

responsáveis pela destruição do mundo. Porém, ao derrotar esses inimigos, é revelado outro demônio mais

poderoso, o Demônio do Chaos, que transporta os quatro ao passado, onde deverão enfrentar outras batalhas.

Quando Chaos é derrotado, o mundo se endireita e os heróis voltam para casa. 43 John Ronald Reuel Tolkien (1892-1973) nasceu na África do Sul, mas desde os 3 anos passou a morar na Inglaterra. Foi filólogo, escritor, poeta e professor universitário. Tolkien é tido como o pai da literatura fantástica

moderna. Dentro desse contexto, delineou o que seria seu mundo secundário, o mundo complexo de vida,

denominado Arda. Nesse mundo se desenvolveriam suas mais famosas aventuras: O Hobbit, O Senhor dos Anéis

e O Silmarillion.

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33

medieval, o software atuava como o agente (elemento-chave do RPG tradicional) que

coordena o processo de realização do jogo, propondo um enredo e aplicações de regras que,

desse modo, viabilizam a ação entre jogadores e a construção da narrativa que se dá

coletivamente.

Essa nova perspectiva dava ao usuário uma participação mais autoral no desenrolar do jogo. O

jogo apresenta uma história, que será explorada por um ou mais jogadores. A estes cabe,

diferentemente de um livro, o entendimento e compreensão da narrativa, e suas ações serão os

elementos determinantes do olhar que eles têm da história narrada44

.

Esse caráter de mediação trazido pelo gênero RPG vai ampliar o aspecto comunicacional em

relação aos jogos eletrônicos, o que Aranha45

formulou como uma nova instância

comunicativa na qual o computador passa a administrar a narração de uma história. Essa ideia

é compartilhada por Smith (2003), que afirma que a relação do jogador/jogo, como

“cúmplice” da narrativa, é uma mudança paradigmática no modo de usar a tecnologia dos

jogos eletrônicos. Essa mudança implicará uma das principais inovações dos procedimentos

comunicativos realizados através desses computadores, que estarão, cada vez mais, presentes

nos games.

Se até o final da década de 1960 o hardware era tido como o foco principal do

desenvolvimento tecnológico, passa-se a ter, então, uma crescente preocupação quanto ao

desenvolvimento dos softwares. Na medida em que os sistemas computacionais foram se

tornando cada vez mais ubíquos em sua diversidade de aplicações, cada vez maiores e

complexos foram se tornando os softwares, abarcando um alto grau em técnicas de abstração.

Nesse contexto, linguagens de programação de alto nível e técnicas de decomposição modular

deixaram de ser suficientes para lidar com muitos dos problemas que foram surgindo nesse

universo.

Nesse sentido, o uso daquelas técnicas que se baseavam única e exclusivamente no uso de

algorítimos, estruturas de dados e de linguagem de programação que os implementavam não

mais eram eficazes. Assim, foram surgindo novas técnicas para conectar módulos, para

gerenciamento de configurações e controle de versões, incluindo o reuso baseado em

44 Disponível em:< http://www.cienciasecognicao.org/pdf/v02/cec_vol_2_m33412.pdf>. 45 Disponível em: <http://www.cienciasecognicao.org/pdf/art1.pdf>.

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componentes46

, projeto de software, classes de componentes, análise de programas e linhas de

produto.

A partir de então, conceitos de arquitetura de software47

passam a direcionar os grandes

avanços que vão sendo desenvolvidos no contexto geral da computação e, principalmente, na

área dos games. Nesse sentido, os projetos passaram a se preocupar com a qualidade e uma

organização otimizada do uso cada vez maior de sistemas distribuídos, tecnologias orientadas

a objetos ativos, sistemas especialistas48

, inteligência embutida e redes neurais artificiais,

entre outros.

Foi dentro desses princípios que, nos últimos anos da década de 1980, os estudos sobre a

Inteligência Artificial passaram a ocupar o centro das atenções de muitos pesquisadores,

principalmente aqueles que estavam voltados para o universo dos videogames. Como

resultado, os vários conceitos que já existiam ou que foram sendo desenvolvidos

gradativamente são implementados aos games, como é o caso de Earl Weaver Baseball

(arcade) e Tony La Russa Baseball (console), ambos de 1987, produzidos pela Electronic

Arts. Esse dois jogos, versão eletrônica de baseball, se utilizavam do conceito de Sistemas

Especialistas. Dois anos mais tarde, a Maxis lança Sim City, o primeiro a fazer uso do método

de Artificial Life (A-Life)49

, empregado em conjunto com a teoria de autômatos celulares50

.

46 O desenvolvimento de softwares baseado na integração planejada de componentes de softwares pré-existentes

é definido como arquitetura de componentes de processo. (BROWN e SHORT, 1997) 47 Segundo Garlan e Perry (1995), a definição de arquitetura de softwares é forjada por David Garlan e Dewayne

Perry, no Software Engineering Institute, da Carnegie Mellon University, como: “A estrutura dos componentes

de um programa/sistema, seus interrelacionamentos, e princípios e diretrizes guiando o projeto e evolução ao

longo do tempo.” 48 Sistemas Especialistas: Imitam o raciocínio de um especialista em certo ramo do conhecimento. Vários

especialistas são consultados, e suas ações frente a certas situações são representadas e programadas no sistema.

O sistema passa então a agir como se fosse um especialista. Também conhecidos como sistemas baseados em

conhecimento. (CARVALHO, 2002) 49 Artificial Life (A-Life) é um campo de estudo associado à análise de sistemas relacionados com a vida, seus

processos e sua evolução através de simulações usando modelos computacionais, robótica e bioquímica. A A-

Life pode se basear em softwares, hardwares ou em processos bioquímicos. O termo Artificial Life é geralmente

usado para se referir especificamente à A-Life, desenvolvida por softwares. (Disponível em:

<http://dictionary.reference.com/browse/artificial%20life> e JOHNSTON, 2008) 50 Um autômato celular é um sistema dinâmico em rede, estudado na teoria da computação matemática e

biologia teórica. O conceito foi forjado por John Von Neumann e Stanislaw Ulam como modelos para estudar

processos de crescimento e autorreprodução. Consiste em uma rede infinita e regular de elementos, cada um podendo estar em um número finito de estados, que variam de acordo com regras determinísticas. Cada elemento

evolui segundo a mesma regra para atualizar-se, baseada nos valores dos seus elementos vizinhos. Cada vez que

as regras são aplicadas completamente à rede, uma nova geração de elementos é produzida. (TYLER, Disponível

em: <http://cafaq.com/>)

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1.4 Década de 1990

Em 1990, a Technosoft lança o Herzog Zwei para o console Sega Mega Drive/Genesis. Nesse

jogo, o jogador deve comandar tropas em guerra. A tarefa do jogador é ocupar territórios e

dominar bases inimigas. Para tal, o jogador pode decidir sobre as armas a usar e sobre o

deslocamento das tropas. Além disso, ainda deve proteger os territórios sob seu domínio. O

objetivo é aniquilar o inimigo em seu território, numa batalha final. Para permitir o

desenvolvimento do jogo, utilizou-se, pela primeira vez em um game, o método de I.A.,

Máquina de Estados Finitos51

, associado à estratégia em tempo real52

.

À medida que novas tecnologias iam sendo desenvolvidas, rapidamente iam sendo

incorporadas aos computadores pessoais e aos consoles. Exemplo disso foi o surgimento de

várias linguagens de programação avançadas desenvolvidas baseadas dentro do paradigma da

arquitetura dirigidas a objetos: Java, C#, C++, Delphi, entre outras, permitindo um avanço no

que tange a representação do real em ambientes virtuais.

Assim, cada vez mais computadores pessoais e consoles aproximavam-se uns dos outros.

Exemplo disso foi o lançamento, pela Commodore, em 1991, do CDTV. Esse dispositivo foi

o primeiro a fazer uso do CD-ROM53

. Com um custo menor que os cartuchos usados até então

e maior capacidade de armazenamento, possibilitou uma revolução no âmbito dos videogames

para micro e consoles. A grande capacidade de armazenamento de informações dos CD-

ROMs permitiu que os dados fossem acessados diretamente desses dispositivos, à medida que

iam sendo requisitados pelo jogo. Isto possibilitou games com maior qualidade de gráficos,

jogabilidade mais elaborada e conteúdos mais complexos.

51 A Máquina de Estados Finitos é uma técnica baseada em um conjunto de eventos (estados) e transições entre

esses eventos que podem ter ações diferentes e finitas. Uma transição é a passagem de um estado a outro,

podendo-se formar uma sequência de ações. No caso de um jogo, para cada objeto é definida uma série de

opções que determina um conjunto de estados seguintes que, por sua vez, determina outros estados. Ou seja, a

cada estado da máquina, essa determina as ações que devem ser tomadas pelos personagens do jogo a cada

momento. A máquina de estado pode também ser vista como uma função que mapeia uma sequência ordenada

de eventos de entrada em uma sequência correspondente (conjuntos de) eventos de saída. (CONWAY, 1971). 52 Jogo de Estratégia em Tempo Real (Real-Time Strategy – RTS) é um gênero de jogo eletrônico de guerra

que não se desenvolve por etapas. Esse tipo de jogo, ao contrário de outros do gênero de estratégia, não é

baseado em etapas em que cada jogador faz sua jogada consecutiva ao outro. As ações são determinadas ao

mesmo tempo, seja entre diversos jogadores, seja entre o jogador e o computador. As estragégias de guerra e

administração de recursos, impostas no jogo, devem ser estabalecidas de forma dinâmica, na medida em que se desenrola o jogo. (Disponível em: <http://dictionary.babylon.com/Real-time%20strategy>) 53 CD-ROM – Compact Disc Read Only Memory – é um disco compacto de armazenamento de memória

somente para leitura, dispositivo que permite a leitura de dados e a execução da programação nele armazenadas,

porém, sem que se possa alterar ou regravar seus conteúdos.

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Jogos com o conceito de tiro em primeira pessoa já vinham sendo desenvolvidos desde a

década anterior. No entanto, em 1992 a Apogee Software reedita o game Castle Wolfenstein

(1981) para computador, desta vez com o nome de Wolfenstein 3D. Esse projeto,

desenvolvido pela Id Software, aborda o mesmo enredo do primeiro, em que o personagem B.

J. Blazkowicz, um agente secreto aliado, está prisioneiro no Castelo Wolfenstein, durante a

Segunda Guerra Mundial. Esse agente deve escapar e, para isso, necessita eliminar guardas,

conseguir informações, destruir projetos de guerra química e acabar com experimentos em

seres humanos, além de ir eliminando figuras-chave da hierarquia nazista.

O jogo se desenrola num labirinto apresentado em 3D. Mesmo sem grandes sofisticações

quanto a relevos e iluminação, pela primeira vez era apresentada ao jogador a possiblidade de

se deslocar em um espaço 3D. Além disso, esse deslocamento se dava numa perspectiva de

primeira pessoa. Uma perspectiva que permitia, ainda, uma visão das armas que os jogadores

deveriam mirar nos oponentes. Mesmo o conceito já existindo desde os anos 70, por conter

essas características, Wolfenstein 3D é considerado o primeiro First Person Shooter54

.

Apesar disso, o grande revolucionário e responsável pela popularização desse tipo de jogo

será Doom (1993), também da Id Software. Esse jogo foi desenvolvido para PCs e se utilizará

do conceito de tiro em primeira pessoa, redimensionando-o.

O software utilizava-se de recursos gráficos inéditos para levar o jogador a um mundo rico em

detalhes imagéticos e sonoros, confrontando-o com criaturas diversas. O artifício para

“transportar” o jogador para o mundo do jogo criava a ilusão de que o que estava à frente do

jogador se passava no seu ambiente. Para tal, os projetistas criaram ambientes com alturas

diferenciadas, paredes não exclusivamente perpendiculares, mapeamento de textura em todas

as superfícies, plataformas que permitiam subir e descer e nível variado de luz. Esse último

“detalhe” possibilitou criar atmosferas adequadas ao enredo do jogo. Cabe aqui lembrar que o

enredo de Doom se baseava numa história de ficção científica de horror. A atmosfera ainda

54 First-Person Shooter – FPS, em português, tiro em primeira pessoa, é um estilo de videogame no qual a ação

se dá sob a perspectiva de primeira pessoa, ou seja, o jogador experimenta a ação através do ponto de vista do protagonista, como se o jogador e personagem do jogo fossem o mesmo observador. Até a década de 1990, jogos

como simuladores de voo também eram considerados FPS. Porém, a partir dessa década, essa denominação

passou a designar jogos em que se controla um personagem livremente pelo cenário, carregando armas, sob o

ponto de vista do protagonista. É sob essa perspectiva que Wolfenstein 3D é tido como o primeiro FPS.

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era reforçada pelo uso de sistema de som estéreo, que tornou possível perceber de que direção

e distância os sons da aventura se originavam.

Outra inovação de Doom diz respeito à história de fundo que era fornecida no manual do

jogo. No entanto, a história avança mediante mensagens curtas, exibidas entre cada uma das

fases. Além disso, com a utilização do método Máquina de Estado de Inteligência Artificial,

aumenta a imprevisibilidade na movimentação dos personagens do game. Por tudo isso, esse

game redimensiona os jogos multiplayers em rede.

Graças às possibilidades conceituais de arquitetura como arquitetura de referência, vários

games puderam ser desenvolvidos, tomando como pontos de partida elementos preexistentes.

Dentre esses games, Doom será responsável por potencializar o uso do conceito de game

engine, desenvolvido ao longo dos anos 1980 pela empresa Argonaut Software, de

desenvolvimento de jogos. De fato, a expressão game engine só foi cunhada em meados dos

anos 1990, quando da disseminação do uso da ideia, vinculada a jogos de tiro em primeira

pessoa (FPS) 3D.

Um game engine, ou motor de jogo, é um sistema de softwares utilizado como base de

desenvolvimento de videogames com aplicações em tempo real. Suas principais aplicações

são: motor gráfico para renderização55

de gráficos 2D e/ou 3D, motor de física para simular

ações e reações vinculadas à física, suporte na animação, nos sons, na inteligência atificial, na

gerência de memória, de arquivo, de linhas de execução em suas tarefas, no intercâmbio de

informações entre computadores, além de suporte a gráficos e entidades, bem como a uma

linguagem de script.

Assim, ao invés de se desenvolver um jogo a partir do zero, parte-se do software motor e

criam-se gráficos, personagens, armas e níveis de conteúdo ou agentes do jogo. Com isso,

qualquer game que utiliza como base um motor de jogo terá tempo e trabalho poupados em

55 Renderização é o processo pelo qual se pode obter o produto final de um processamento digital qualquer. É especialmente usado em processamento para obtenção de imagens digitais. Esse processo é essencial em

programas de modelagem e animação, como forma de visualizar a imagem final do projeto bidimensional ou

tridimensional. A renderização é mais aplicada para objetos 3D, fazendo a conversão de um objeto 3D para uma

representação em 2D.

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seu projeto. Com isso, abre-se a possibilidade de adições e modificações personalizadas aos

jogos, os chamados WADs56

.

Frente às possibilidades tecnológicas proporcionadas com a introdução do CD-ROM, com sua

capacidade de armazenamento de dados e possibilidade de acesso a esses dados de forma não

linear, ou seja, de acesso aleatório, a Sega lança um novo conceito em seus games: o Cinema

Interativo. Trata-se de um videogame cujas cenas são animadas ou filmadas como para um

filme, com atores reais e, nesse caso, digitalizadas posteriormente. Ao longo do jogo, as cenas

vão sendo recuperadas do CD, dependendo das alternativas escolhidas pelo jogador. O

primeiro game em que foi utilizado esse conceito foi o Night Trap, da Digital Pictures (1992).

O lançamento de jogos como Night Trap e Mortal Kombat, produzidos pela Mydway (1992),

com seus conteúdos de violência expressos com relativa fidedignidade nas telas, resultou

numa série de debates a respeito da violência nos games. Nos Estados Unidos, os senadores

Joseph Lieberman e Herbert Kohl promoveram investigações para saber como a violência dos

jogos poderiam interferir na vida de seus usuários. Das discussões que se sucederam, foi

criada a Entertainment Software Rating Board (ESRB) e, com ela, a primeira legislação de

regulamentação do uso de games. Esse órgão é responsável pela classificação dos games,

relacionando o conteúdo às diversas faixas etárias. Diferentemente do conselho MPAA –

sistema de classificação para filmes –, a ESRB também leva em consideração a experiência

interativa do usuário. A partir de então, as empresas envolvidas na produção de games se

organizam e, no início de 1994, criam a The Interactive Digital Software Association, uma

associação com foco na defesa de seus interesses.

Ainda dentro do universo dos jogos de luta, é lançado em 1994 o Tekken, da Namco. Esse foi

o primeiro jogo em 3D poligonal57

que aproveitou vários conceitos do Virtua Fighter, da

Sega. Nos jogos de luta de até então, os botões correspondiam à força dos ataques, fortes ou

56 WADs (Where's All the Data?) são pacotes de arquivos que contêm sprites, níveis e dados do jogo. Esses

pacotes de dados consistiam em mods desenvolvidos pelo próprio desenvolvedor do jogo ou por aficionados. No

caso específico do game Doom, essa possiblidade gerou uma verdadeira subcultura no universo dos jogos de

Tiro em Primeira Pessoa. Existem dois tipos de WADs: PWADs e IWADs. IWADs contêm os dados necessários

para carregar o jogo, enquanto PWADs podem conter dados adicionais, tais como novo personagem e sprites

necessários para níveis personalizados. 57 Em computação gráfica 3D, modelagem poligonal é um tipo de abordagem para a modelagem de objetos por

representação das suas superfícies através de polígonos ou por aproximação a esses. A modelagem poligonal está

bem adaptada para a técnica de scanline rendering, em que a figura é obtida linha por linha em suas interseções.

Esse método é frequentemente escolhido para a computação gráfica em tempo real.

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fracos. No Tekken, no entanto, há um botão dedicado a cada um dos membros do lutador. Isso

levava o jogador a um aprendizado intuitivo de golpes de luta mais elaborados, que se dava na

medida em que se observava o resultado da combinação variada de botões pressionados e

golpes produzidos pelo personagem na tela.

No âmbito de processadores, as principais aquisições dos videogames na década de 1990

foram, primeiramente, em 1993, apresentadas pela 3DO Company. Comercializado

inicialmente pela Panasonic, o 3DO Interactive Multiplayer foi o primeiro console a se

utilizar de um microprocessador de 32 bits. Aliado a um CD-ROM de dupla velocidade, esse

aparelho permitiu significativa velocidade de processamento e qualidade de imagens

superiores ao que era apresentado até então, por outros aparelhos que tinham sua arquitetura

de processamento baseada em processadores de 16 bits. Dois anos depois, a Nintendo lança o

Nintendo 64 (abreviado como N 64), o seu terceiro console. Esse dispositivo da Nintendo

podia armazenar todos os dados e programação no cartucho, possibilitando acesso mais rápido

aos dados, diferentemente dos equipamentos com CD-ROM, o que constituía uma vantagem,

pois agilizava sua jogabilidade.

No início da segunda metade dos anos 1990, a Blizzard Entertrainment lança no mercado

mais um jogo de RPG para os PCs: Diablo. Grandes inovações farão o jogador imergir ainda

mais nos ambientes dos jogos. Diablo era o primeiro jogo de RPG on-line. Essa inovação

permitiria que os avatares58

de diversos jogadores pudessem interagir em um mesmo cenário,

dialogando entre si e combinando esforços para a execução de tarefas presentes no jogo.

Outras inovações importantes foram apresentadas em Diablo, como a combinação da trama

narrativa dos RPGs com uma interface rica em recursos e a ênfase nas animações baseadas no

conceito de cinema interativo. Para dar maior verossimilhança às ambientações, o game faz

uso de gráfico com perspectiva isométrica, permitindo maior realismo na percepção visual.

Além disso, esse game usava o recurso de execução do jogo em sistema multiplayer. Dessa

forma, possibilitava a participação de vários jogadores em uma única partida, estabelecendo

diálogos entre seus personagens.

58 Entre as pessoas que trabalham em interfaces de realidade virtual e ciberespaço, um avatar é um ícone ou

representação de um usuário em realidade virtual compartilhada. Nesse ambiente, a representação torna-se uma entidade que responde aos comandos dentro do programa, sob o controle do usuário/interator desse programa. O

termo avatar já foi usado para designar um personagem qualquer. No entanto, com as mudanças conceituais

pelas quais os games foram passando, avatar passou a designar a entidade do mundo virtual personalizável pelo

usuário.

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O enredo desse jogo se desenrola no fictício Reino de Khanduras (situado num mundo

Santuário). O jogador deve assumir o controle de um herói solitário, que deve lutar para livrar

esse mundo de Diablo, o Senhor do Terror. Lutas ocorrem com várias criaturas abaixo da

cidade de Tristram. Aí, o jogador passará por vários níveis de cavernas, até, finalmente,

deparar-se com Diablo e enfrentá-lo.

Outro avanço que Diablo promoveu foi o uso de conceitos avançados de Inteligência

Artificial, o que garantia a ausência de padrão nos ataques e a adoção de diferentes estratégias

por parte dos antagonistas. Nesse mesmo contexto, a Take-Two Interactive lança, em 1996, o

jogo de estratégia com enredo de guerra espacial, Battlecruiser 3000AD. Esse foi o primeiro

game a fazer uso de Redes Neurais59

. Esse recurso de Inteligência Artificial foi utilizado para

que os personagens, controlados pelo computador, tenham comportamentos que se

estabelecem de acordo com o seu “aprendizado” ao longo das partidas. Assim, o jogador,

representante da Galactic Command (GALCOM), formado para manter a lei e a ordem entre

os planetas, combatesse os Gammulans, que se opunham à aliança dos planetas. A batalha é

travada no ano de 3000 dC.

Os conceitos presentes em Diablo e Battlecruiser 3000AD serão ampliados ainda mais no

Ultima Online (1997), sendo o primeiro jogo RPG on-line massivo, ou seja, capaz de operar

com um número extraordinariamente grande de usuários ao mesmo tempo. Este tipo de

estrutura passou a ser chamada de MMORPG (Massive Multiplayer Online Role-Playing

Game). A ideia de jogos on-line já vinha se desenvolvendo desde a década anterior, tendo

como suporte redes, na maioria privadas, que se disseminavam pelo mundo. Mas será a partir

de 1993, com consolidação da World Wide Web (WWW) como principal estrutura de troca

de informações em caráter mundial, livre e gratuíto, que paralelamente se desenvolvem e

proliferam os MMORPS.

59 No âmbito da Inteligência Artificial, as Redes Neurais são sistemas feitos de interconexão de neurônios

artificiais (construções de programação que imitam as propriedades dos neurônios biológicos). As Redes Neurais

artificiais podem tanto ser usadas para ganhar uma compreensão de redes neurais biológicas como para resolver

problemas de inteligência artificial. Assim, esses sistemas tentam gerar inteligência pela aprendizagem e

adaptação, em vez de criar sistemas projetados com o objetivo específico de resolver um único problema. Segundo Lippmann (1997 apud FERNANDES, 2005, p. 57), “As Redes Neurais Artificiais são sistemas físicos

que podem adquirir, armazenar e utilizar conhecimentos experimentais, que podem alcançar uma boa

performance, devido à sua densa interconexão entre os nós da rede. Elas também são conhecidas por: modelos

conexionistas, modelos de processamento paralelo distribuído e sistemas neuromorfológicos.”

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As possibilidades de troca de informações entre vários usuários fomentaram o surgimento e

potencialização de algumas formas de arquitetura de softwares favoráveis a essas trocas.

Nesse caso, arquiteturas como a distribuída e em camadas passaram a ser utilizadas no

desenvolvimento de vários games. Esses tipos de arquitetura permitiram diminuir a

complexidade dos sistemas através de um framework composto de objetos que interagem

entre si para promover um ou mais serviços que ficam disponibilizados em um ou mais

servidores. Quando os objetos são colocados de forma hierárquica (camadas), se relacionam

apenas com seus vizinhos, simplificando a comunicação e facilitando possíveis substituições.

O surgimento e popularização dos telefones celulares de primeira geração, no final da década

de 1970, trouxe também uma nova possibilidade de interface para games. As potencialidades

desses aparelhos foram sendo, gradativamente, aproveitadas, até que, em 1997 surge o

modelo 6110 da Nokia, trazendo programado o jogo Snake. Esse jogo foi uma adaptação do

arcade Blockade, lançado pela Gemlin em 1996.

A ideia desse jogo é que uma cobra pegue tantos "pedaços" da tela quanto possível. A cobra

cresce em comprimento a cada vez que pega um pedaço. Assim, o deslocamento torna-se

progressivamente mais difícil. Como originalmente o jogo foi desenvolvido para telefones

monocromáticos, a interface gráfica se dava por quadrados pretos sob uma tela cinza. O

comando de direção (apenas quatro) era obtido pelo próprio teclado, uma vez que, nessa

época, os telefones celulares ainda não tinham joysticks.

Na medida em que os anos vão passando, com o avanço e surgimento de novas tecnologias, o

universo dos games que utilizam como suporte os telefones celulares vai se expandindo e se

diversificando. Com a integração da tecnologia de GPS, abre-se uma nova perspectiva para os

jogos para celulares. Nasce uma categoria de jogos – a location-based games, jogos baseados

na localização – cujo conceito não só se aproveita da mobilidade do hardware como, também,

integra o posicionamento do jogador no espaço físico. Ou seja, enquanto nos jogos de

dispositivos móveis de até então não se levava em conta a posição do jogador, nesses novos

jogos, são indispensáveis as suas coordenadas e movimentação.

No mesmo ano, a Sony Computer Entertainment publica o Final Fantasy VII, um jogo de

RPG com gráfico 3D para console e computador, desenvolvido pela Square Soft. Uma

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particularidade desse jogo foi a apresentação de seus personagens em SD60

, estilo anime61

.

Além disso, o game apresentava a técnica cutscenes62

: animações computadorizadas que

ajudavam a contar o enredo.

Final Fantasy VII ampliou o universo mercadológico dos games com seus diversos produtos

manufaturados e comercializados, inspirados nos seus personagens e enredo. Entre esses

produtos, podem-se encontrar bonecos, miniaturas, mangás63

, animes.

Se, em 1980, a Nintendo lança a ideia de um jogo eletrônico de mão, com sua série Game &

Watch64

, num pequeno dispositivo com tela de crital líquido, será só oito anos depois que o

console de mão65

será criado e comercializado. A própria Nintendo será a responsável pela

comercialização do primeiro console de mão, porém a Atari foi a primeria a fabricá-lo,

batizando-o de Lynx. O aparelho da Atari possuía tela colorida, ao contrário da tela

monocromática do Game & Watch.

No final da década de 1990, a Sega desenvolve o primeiro console de 128 bits, que operava

baseado no sistema operacional Windows CE, algo que facilitou as conversões de jogos

eletrônicos de e para os PCs. Enquanto isto, a Sony disponibilizava o PlayStation 2 (PS2).

Esse dispositivo inovaria pelo uso do DVD no lugar do CD e por possibilitar o acesso do

usuário à rede internet. Por sua vez, a Nintendo, com o Game Boy Color (GBC), introduz

60 SD, ou Super Deformed, é um estilo específico de caricatura japonesa em que personagens são desenhados de

forma exagerada e desproporcional. Esses personagens povoam o universo dos mangás e animes e foi adotado

por alguns games. O estilo está intimamente, mas não necessariamente, relacionado com o conceito chibi (termo

japonês que significa “pequeno” ou “criança pequena”) e que, por sua vez, se vincula à subcultura Kawaii

(subcultura dos elementos “bonitinhos e fofos” consumidos e cultuados na sua maior parte por adolescentes e

crianças no Japão. 61 Anime, em japonês, refere-se a qualquer desenho de animação. No Ocidente, passou a caracterizar produtos de

animação produzidos no Japão. Podem se apresentar no formato de séries de televisão, filmes ou OVA (Original Video Animation – um ou mais episódios de anime lançado diretamente ao mercado de vídeo). É muito comum

que os animes estejam vinculados a um mangá e vice-versa. 62 Cutscene são sequências que se apresentam num videogame sobre as quais o jogador tem pouco ou nenhum

controle. Na maioria das vezes, essas sequências se apresentam interrompendo o jogo para promover o

desenrolar do enredo ou o desenvolvimento dos personagens presentes. São usadas também para fornecer

informações auxiliares, criar atmosfera, promover diálogo e fornecer pistas. Cutscenes podem ser animadas ou

usar a representação de um ator. 63 Mangá designa um tipo de literatura que, em japonês, refere-se a qualquer história em quadrinho. No

Ocidente, refere-se às histórias em quadrinhos feitas no estilo japonês. Uma das características mais marcantes

desse estilo são os olhos dos personagens, geralmente muito grandes, redondos, cheio de brilho e muitas vezes

em cores vivas. 64 Os Game & Watch eram uma coleção de 59 aparelhinhos de tela de cristal líquido, cada um com um jogo só. Os títulos variavam entre criações originais e remontagens de sucessos dos arcades. 65 Diferente dos aparelhos Game & Watch da Nintendo, que possuíam, cada um, apenas um jogo, não o

caracterizando como um console, os aparelhos que mais tarde foram denominados de consoles de mão operavam

com o dispositivo de cartucho. Assim, num mesmo aparelho, podia-se jogar vários jogos diferentes.

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algumas inovações importantes, entre as quais um sistema de conectividade sem fio. Esse

sistema utilizava uma porta de comunicações de infravermelhos para permitir a troca de

informações entre dois dispositivos. Além disso, o GBC era compatível com versões

anteriores de seus jogos, foram desenvolvidos com a possibilidade de Rumble Packs66

e ainda

possuía sensores de movimento que podem detectar como o jogador move o sistema.

Ainda no universo dos dispositivos, a Sega disponibiliza no mercado o seu console

Dreamcast. Com esse lançamento, a empresa possibilita aos seus usuários jogar partidas on-

line sem a necessidade de, para isso, recorrer a outros dispositivos auxiliares. Com isso,

acrescentava-se ao sistema de console uma característica que até então só era possível aos

computadores. No Dreamcast, havia um modem embutido, o que permitia acesso à internet ou

outras redes, através de um navegador desenvolvido especificamente para esses

equipamentos.

A exemplo do que teria surgido com Doom no início da década, na virada para os anos 2000,

vários jogos que permitem modificações (Mods67

) foram desenvolvidos. Um desses jogos foi

o Half Life (Sierra Studios, 1998), considerado o jogo com a melhor utilização do recurso da

A.I. na época. Esse game utilizava-se do modelo de Máquina de Estado Finito, aliado a

scripts68

. Essa combinação permitiu potencializar o grau de imprevisibilidade dos agentes sob

o controle do computador. Através desse novo método, permitiu-se uma capacidade de ações

mais flexível dos agentes, frente aos estímulos provocados pelo jogador mediante seu avatar,

o que se conseguia somente com a aplicação do método de Estado Finito.

66 Rumble Pak é um acessório que produz vibrações em situações de escolha, como quando disparar uma arma,

receber um tiro, cair ao chão ou receber algum dano. Com ele, a intenção era promover maior imersão do

jogador no jogo. 67 Mods é uma expressão usada para designar o ato de trocar ou criar um “pedaço” de software ou hardware para

fazer uma função que não foi originalmente projetada ou autorizada pelo fabricante. No universo dos games, a

partir do software original, o usuário cria modificações, acrescentando itens, ambientações, ou mesmo criando

jogos inéditos. 68 Scripts são linhas de programação bastante simplificadas, escritas para lidar com tarefas específicas dentro de

um jogo, como controle de fluxo de diálogos, controle de ações, entre outras. Através dos scripts presentes num

game, são executadas sequências de comandos que dão até mesmo certo grau de "inteligência" de automação aos

agentes do jogo, conferindo-lhes características de ação próprias.

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1.5 Anos 2000

Desenvolvido pela Maxis e lançado em 2000 pela Eletronic Arts, The Sims abre o caminho

para uma grande série de jogos de simulação que utilizam a lógica difusa69

e os princípios da

A-Life (Artificial Life). The Sims é um simulador de vida. Nesse jogo, a considerável

participação da A.I. possibilita que seus agentes tenham um alto grau de autonomia. Cabe ao

jogador o controle do mundo virtual dos Sims, habitantes de uma casa num subúrbio de Sim

City. Nesse sentido, o jogador é incentivado a fazer escolhas e se envolver em um ambiente

interativo de atividades diárias de uma ou mais pessoas, incluindo suas relações. Nesse

contexto, o objetivo principal do jogo é organizar o tempo dos Sims, ajudando-os a alcançar

seus objetivos pessoais.

Grand Theft Auto III (2001), desenvolvido pela DMA Design (hoje Rockstar North) e

publicado pela Rockstar Games seria mais um jogo de tiro em terceira pessoa, se não

trouxesse consigo elementos combinados de jogo de corrida e, principalmente, o conceito de

Sandbox. Esse conceito provocou o surgimento de um tipo de jogo cuja jogabilidade se dá de

forma não linear. Nos jogos desse tipo de até então, o jogo se desenvolvia em uma sequência

fixa de desafios. Já num Sandbox Game, o jogador pode escolher, entre várias opções, a que

julgar mais interessante para chegar ao seu objetivo, criando ele mesmo a sua sequência.

Além disso, com a aplicação desse conceito, ao jogador era dada a liberdade de explorar a

grande cidade, Liberty City, onde a aventura se passava, independente dos objetivos

principais do jogo. Para tal, o jogador encarnava o personagem Claude Speed, um criminoso

que fora traído pela namorada depois de um roubo a banco e precisava trabalhar para vários

chefões do crime da cidade, antes de confrontar sua ex-namorada. Esse jogo ainda trazia

consigo um GPS (Global Positioning System) constante que, num minimapa, destacava a

posição do jogador, bem como as posições dos seus objetivos naquela etapa.

Black and White (Electronic Arts, Lionhead Studios, 2001) é um God Game que traz consigo

uma inovação quanto a sua interface. Através da “mão de Deus”, o usuário interage com o

69 A lógica fuzzy, ou nebulosa, aplicada em máquinas de estado fuzzy (fuzzy-state machines, ou FuSM) proporciona resultados de ações que são menos previsíveis, reduzindo o grande trabalho de enumerar a grande

quantidade de regras if-then. A lógica fuzzy permite criar regras usando condições menos precisas, criando

agentes com um conhecimento imperfeito, uma vez que essa lógica é baseada em níveis de incerteza e verdades

em uma sentença. (WOODCOCK, 1999; BOURG, 2004)

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mundo, podendo promover alterações nesse mundo, inclusive junto aos seus personagens.

Além disso, pode realizar milagres e, dessa maneira, o usuário passa a ser cultuado. No

decorrer de suas ações, “Deus” ganha mana70

, obtido à medida que é adorado, e poderá ser

usado para realizar milagres por meio de gestos e sinais misteriosos.

Para gerenciar seus agentes, Black and White foi dotado de A.I. complexa, baseada em redes

neurais. O game ainda se utiliza de princípios de reinforcement learning71

e observational

learning72

, o que da às criaturas comandadas pelo computador (NPCs) a capacidade de

aprender com as decisões realizadas pelo jogador.

No mesmo ano, a Microsoft lança seu console Xbox e, no ano seguinte, um serviço on-line a

que chamou Xbox Live. Tratava-se de um serviço de entrega de conteúdo, como games via

download. Além disso, através desse serviço, podiam-se efetuar partidas multiplayer com

comunicabilidade por voz. Também era dada a possibilidade de se criar uma identidade para

participar de campeonatos mundiais: a gamertag. O Xbox Life disponibilizava grande

variedade de opções para os jogadores, estabilidade técnica e muitas novidades e, ainda,

fomentava a formação de uma comunidade de jogadores que poderiam estar on-line com mais

frequência, jogando em seus consoles pela internet através da Xbox Live.

A história que começou no mundo de Albia teve início em 1996. Nesse mundo, é dada ao

usuário a possibilidade de incubar pequenas criaturas peludas, chamadas Norns. O usuário

ainda poderá ensinar esses seres a falar, alimentar-se e proteger-se contra criaturas perversas,

chamadas Grendels.

Naquela ocasião, Creatures (desenvolvido pela Millennium Interactive) dava os primeiros

passos na utilização de A-Life, sendo, de fato, o primeiro a usar esse conceito em nível

genético. Em 2002, esse conceito será potencializado com a integração de redes neurais e

70 Mana é um termo Melanésio tradicional que exprime o conjunto de forças sobrenaturais provenientes dos

espíritos e que operam num objeto ou numa pessoa. 71 Derivada da teoria da psicologia, de onde toma emprestado o nome, na informática, reinforcement learning

(aprendizado por reforço) é uma subárea de aprendizado de máquina. Atua no comportamento de um agente

indicando como esse deve agir em um ambiente, de modo a maximizar alguma noção de recompensa a longo

prazo. Trata-se de um algoritmo que busca encontrar ações no sentido de mapear os estados do ambiente para dar

ao agente condição de agir frente a tais estados. O foco principal do aprendizado de máquina é, automaticamente, aprender a reconhecer padrões complexos e tomar decisões inteligentes baseadas em dados. 72 Observational learning (Aprendizagem por observação), ou aprendizagem social é o processo mais básico de

aprendizagem. Fundamentado na imitação, é a aprendizagem que ocorre em função de observar, reter e replicar o

comportamento visto nos outros.

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princípios de bioquímica sofisticados, base do desenvolvimento de um DNA Digital. Isso

significa que as criaturas possuíam cada uma um código de DNA, que simulava sua

psicologia e fisiologia, distinguindo cada personagem de forma original. Esse DNA único de

cada personagem ainda lhes permitia se desenvolver e “evoluir” de forma cada vez mais

diversa e imprevisível. Assim, foi dada aos Norns a possibilidade de se reproduzirem,

transmitindo algumas características às gerações seguintes.

Até então, os programas de A-Life atuavam dando aos seus organismos um conjunto limitado

de comandos e parâmetros e, a partir daí, verificava-se se o comportamento dos indivíduos era

realista. A implementação dos conceitos integrados de A-Life, redes neurais e DNA Digital

possibilitou aos seres de Creatures adquirirem comportamentos semelhantes aos seres vivos.

A A.I. presente nos games modernos aumenta a experiência e imersão do jogo, melhorando

sua jogabilidade. Em jogos single-player (para um jogador), reduz a previsibilidade das ações

dos NPCs, além de melhorar a experiência em jogos multiplayer, sem a necessidade de se ter

um grupo de pessoas atuando durante o jogo. Os NPCs “inteligentes” são necessários a

qualquer gênero de jogo para criar a ilusão de que o jogador está num mundo com outros

jogadores inteligentes, além de adicionar profundidade ao jogo.

A ideia de se usarem câmeras em videogames surgiu com alguns arcades, e mesmo consoles,

como a Game Boy Camera (1998), para o Game Boy, da Nintendo. Mas nenhuma delas

apresentava uma resolução como da Eye Toy (Sony, 2003), que, associada à capacidade de

processamento do console Play Station 2, para o qual foi desenvolvida, abriu uma série de

possiblidades impossíveis até então. Essa câmera digital em cores se assemelha a uma

webcam.

O primeiro game disponível para ser usado com a Eye Toy foi o Eye Toy: Play. Na verdade,

trata-se de um pacote de 12 minijogos, entre os quais jogos que podem ser jogados por até

quatro jogadores consecutivamente, em sistema multiplayer. Todos os jogos são controlados

pela movimentação do corpo, ou por parte dele, e são captados pela câmera. O software

reconhece características tais como cabeça, braços, mãos e pernas e, através de seus

movimentos, atuam no jogo. A câmera capta a imagem do jogador, detecta seus movimentos e

mescla a imagem à do jogo. De certo modo, essa tecnologia permite transportar o jogador

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para dentro do jogo, permitindo a interação direta, com o próprio corpo, com elementos

apresentados na tela.

Com o surgimento, no contexto da internet, da perspectiva Web 2.073

, uma série de games

passou a ser desenvolvida com técnicas que utilizam a Web como plataforma ou em

plataformas de redes sociais. Os chamados Jogos 2.0, também, muitas vezes se utilizam de

infomações de outros serviços, como o Flickr ou Google Maps e, com aplicativos abertos,

permitem atualizações por parte dos usuários e interatividade nos conteúdos.

Ainda no universo das tecnologias assimiladas pelos games, têm-se as telas sensíveis ao

toque. Essa tecnologia, o Nintendo DS (Dual Screem – duas telas), surge em 2004. Esse

console de mão apresentou a novidade de ser construído com duas telas, sendo uma delas

sensível ao toque, com sensor de pressão. Essa tela estava apta a aceitar comandos de uma

caneta ou dos dedos. A tela sensível ao toque permite aos jogadores interagir com elementos

de um determinado jogo mais diretamente do que apertando botões. O sistema também possui

um microfone embutido e suporte a conexão sem fio via Wireless para curtas distâncias. Esse

tipo de conexão permite a interação entre jogadores dentro de um raio de no máximo 30

metros. Esssa conexão também possibilita o acesso à Nintendo Wi-Fi Connection, que

permite batalhas multiplayer pela internet. Além disso, o pequeno console permite tocar mp3,

vídeos e programas como msn, ds organize, ebook e word, bastando, para isso, a instalação de

um flashcard74

.

No ano de 2006, a Nintendo revoluciona ao lançar o Wii, um console com comando sem fio.

O Wiimote, como foi chamado o sistema, consiste em um controle conectado ao console via

Bluetooth75

. Esse aparelho, além de controlar os jogos, nas mãos do jogador, capta seus

73 “Web 2.0 é a mudança para uma internet como plataforma, e um entendimento das regras para obter sucesso

nesta nova plataforma. Entre outras, a regra mais importante é desenvolver aplicativos que aproveitem os efeitos

de rede para se tornarem melhores quanto mais são usados pelas pessoas, aproveitando a inteligência coletiva.”

(O’REILLY, 2006. Disponível em: <http://www.cipedya.com/doc/102010>) 74 Flashcard é um dispositivo no formato de um pequeno cartão contendo um chip de memória. Os dados são

armazenados de modo que possa ser facilmente atualizado, se necessário. Além disso, têm a característica de

permitir que os dados nele contidos possam ser apagados e reprogramados eletronicamente. São comumente

usados em PDAs (Personal Digital Assistants), computadores portáteis, leitores de áudio digital, câmeras digitais

e telefones celulares. Ele também se tornou comum no hardware do console de videogame, para salvar os dados do jogo. 75 Bluetooth é um protocolo padrão de comunicação para áreas de redes pessoais sem fio (Wireless Personal

Area Networks – PANs), desenvolvido primariamente para baixo consumo de energia com baixo alcance (de 1

metro a 100 metros). O dispositivo permite a troca de informações entre outros dispositivos, como telefones

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movimentos e os transmite ao console, que, por sua vez, repassa aos jogos. Assim,

personagens dos jogos podem reagir aos movimentos efetuados pelo jogador, abrindo novas

perspectivas com relação à jogabilidade.

A Microsoft vai além da proposta da Nintendo, ao divulgar, em junho de 2009, o Projeto

Natal, para o seu console Xbox 360. Lançado em outubro de 2010, com o nome Kinect, trata-

se de um acessório com tecnologia que permite aos jogadores interagir com os jogos sem a

necessidade de ter em mãos um controlador. O controle é feito através de gestos, comandos

falados e até pela apresentação de objetos ou imagens, que são captados por câmera RGB,

sensor de profundidade e microfone multidirecional. Os dados captados são processados,

permitindo ao Kinect o reconhecimento de formas em 3D, movimentos, facial e de voz.

Essa tecnologia possibilita a identificação do jogador e do espaço ao seu redor, que poderão

ser representados na tela de um televisor. A imagem gerada pode reproduzir todos os

movimentos originais do jogador. Outra possibilidade é que personagens de jogos reajam, em

tempo real, aos movimentos do jogador que o “manipula”. O potencial interativo é ampliado,

com reflexos diretos na jogabilidade, no compromentimento e na imersão do usuário frente ao

game. Transporta o jogador para uma dimensão ampliada da interação, colocando-o numa

efetiva ação perante o jogo. Além de revolucionar o jeito de controlar os jogos e a postura

frente a eles, cria novas perspectivas comunicacionais.

Ainda em 2009, a Maxis produz Sims 3, que será puplicado pela EA Play. É a terceira

geração do jogo The Sims de 2000. Nele, seus projetistas potencializam o que já era

anunciado no primeiro jogo da série, ampliando o grau de participação do usuário e

aumentando a autonomia dos agentes do jogo.

Os Sims, agora, não estão restritos a suas residências: existe toda uma cidade, com seus

diversos ambientes, personagens. Estes, por sua vez, têm suas profissões, relações, desejos

etc. Além disso, cada personagem pode ser “criado” com características físicas e psicológicas

próprias, e ainda ter suas vidas limitadas. Os Sims podem morrer de velhice, ou

prematuramente, de causas naturais ou acidentes. Estão sujeitos às fases de desenvolvimento

progressivo da vida, de bebês a velhos. Com a função story progression, os Sims NPCs

celulares, notebooks, computadores, impressoras, câmeras digitais e consoles de videogames digitais através de

uma frequência de rádio de curto alcance.

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continuam em atividade autonomamente, mesmo sem a atuação direta do jogador. Nesse

sentido, os personagens poderão crescer, conseguir emprego, promoção, casar, ter filhos,

comprar bens, independente de o jogador determinar.

Logo após o lançamento do Sims 3, a EA Play lança o Create-A-World (CAW). Trata-se de

um editor de ambiente que permite ao jogador criar seus próprios bairros e vilas a partir do

zero. Após criar esses ambientes, os jogadores têm a opção de compartilhá-lhos através de

intercâmbio no site oficial do jogo. Também foi disponibilizada para os usuários desse jogo a

The Sims 3 Store, uma loja on-line em que o usuário, mediante uma taxa adicional, pode

comprar e baixar conteúdos para o seu jogo.

1.6 Algumas considerações

Pode-se ver, frente a sua história, que os videogames surgiram como forma de dar uma

perspectiva distinta às tecnologias até então disponíveis. Daí em diante, pode-se constatar que

uma quantidade de ideias, conceitos, técnicas e tecnologias foram, paulatinamente, sendo

criadas e desenvolvidas especificamente em função dos próprios games. Além disso, veem-se

outras ideias, conceitos, bem como técnicas e tecnologias correntes em outros campos, sendo

redimensionados para serem incorporados ao universo dos games.

Nesse sentido, pode-se verificar que os próprios games foram se redimensionando. Tornaram-

se produto de um processo vinculado a sistemas complexos, sendo eles mesmos (os games)

um elemento complexo desse sistema. Os games saíram da posição de “simples” experimento

e passaram ao status de subcultura (Game Cultura)76

. Com isso, quer-se dizer que um game é

capaz de aglutinar elementos e universos distintos, ao mesmo tempo em que torna possível

concatená-los, ampliando seu próprio universo e seus correlatos. Paralelamente, os games,

desde a sua gênese até os dias de hoje, vêm se tornando cada vez mais abertos, ampliando a

participação do usuário.

76 Num sentido amplo, o game pode ser entendido como cultura no momento em que traduz um conjunto

simbólico complexo, que se manifesta em vários aspectos da vida: comportamentos, instituições, valores, criações materiais etc. Além disso, o game detém características e conhecimentos criados e preservados e

também aprimorados através da comunicação e da cooperação. Nesse sentido, simboliza tudo o que é aprendido

e partilhado por um grupo de indivíduos, conferindo-lhes identidade, ao mesmo tempo em que constitui um

universo único, capaz de gerar sentidos e significados que lhe são próprios.

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Essas constatações sugerem o game como um importante elemento agenciador. Sobre esse

conceito discorrerá o segundo capítulo.

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2 Agenciamento dos agenciamentos

Este capítulo tem por finalidade discorrer, de forma mais específica, sobre o conceito de

agenciamento sob as visões dos autores Gilles Deleuze e Félix Guattari e da autora Janet

Murray. O termo usado pelos primeiros, agencement, conduz à ideia de arranjo de

multiplicidades no universo complexo. Já agency, o termo original utilizado por Murray,

remete ao sentimento de ação do sujeito no universo narrativo midiático. Outras ideias serão

abordadas, sempre no sentido de construir o arcabouço teórico para melhor compreensão dos

conceitos de agenciamento e aqueles a serem utilizados a posteriori.

2.1 Agencement – o agenciamento enquanto arranjo da multiplicidade

As primeiras intenções em se promoverem estudos sistematizados a respeito da comunicação

humana tiveram início nos últimos anos do século XIX, com a Escola de Chicago77

, e um

pouco mais tarde com a Escola de Frankfurt78

. No entanto, foi a Teoria da Informação, ou

Teoria Matemática da Comunicação, proposta por Shannon (1948)79

, que proporcionou ao

processo de comunicação uma forma mais imediata em sua compreensão.

Dentro dessa concepção, esse autor estabelece uma relação simples e linear entre os dois

polos da comunicação, quais sejam, o emissor e o receptor. Shannon (1948) queria, com sua

teoria, equacionar matematicamente o processo de transmissão do som estabelecido pelo uso

do aparelho de telefone. Ou seja, definindo as entidades emissor, receptor, informação, canal,

código, mensagem e ruído e estabelecendo suas relações, esse autor procurou explicar o

funcionamento daquela “máquina”.

Porém, apesar de essa concepção comunicacional ter sido elaborada sob uma perspectiva

predominantemente técnica, ela se alargou, generalizando-se para os processos

comunicacionais humanos. Sob essa visão, o processo comunicacional se realiza quando uma

mensagem codificada por um emissor pode ser interpretada por um receptor, unindo

77 Alguns dos principais representantes da Escola de Chicago foram Hebert Blumer (1900-1987), Hebert Mead

(1863-1931), Robert Park (1932-2010), Ernest Burgess (1886-1966), Louis Wirth (1897-1952), Harold Lasswell

(1902-1978), Kurt Lewin (1890-1947), Paul Lazarsfeld (1901-1976) e Robert Merton (1915-1968). 78 Alguns dos principais representantes da Escola de Frankfurt: Theodor Adorno (1903-1969), Walter Benjamin

(1892-1940) e Herbert Marcuse (1898-1979). 79 Disponível em: <http://cm.bell-labs.com/cm/ms/what/shannonday/shannon1948.pdf>.

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diretamente o primeiro ao segundo. Nesse processo, no entanto, análogo a uma transmissão

telefônica, existe a possibilidade da presença de ruídos, que interferem de forma destrutiva,

prejudicando ou interrompendo a comunicação. Assim, para que a comunicação seja eficaz, o

polo receptor deverá ser capaz de reconhecer o conjunto de códigos que a ele chega. Portanto,

o percurso da mensagem deve ser o mais livre possível de interferências, ou, em algumas

circunstâncias, aceitá-las80

, como forma de garantir que cheguem ao seu destino com o

mínimo de falhas, que poderiam prejudicar a assimilação correta da mensagem transmitida.

Em síntese, a ideia intrínseca a esse esquema é de que a comunicação se torna possível e mais

completa quando se eliminam informações estranhas à mensagem que se deseja transmitir. Ou

seja, é preciso que o código que “transporta” a mensagem permaneça indelével, garantindo

que a mensagem transmitida chegue íntegra ao seu destinatário.

Ao ser assimilado no universo da comunicação humana, esse esquema, em que o código é um

dos pontos-chave, se desdobrou de várias formas no estudo dos processos comunicacionais.

Essa perspectiva sobre a comunicação veio ao encontro dos estudos da linguagem com base

no Estruturalismo.

Para Saussure (1995), a língua é um sistema em que cada um de seus elementos só pode ser

definido pelas relações de equivalência ou de oposição que estabelece com os demais

elementos, constituindo um conjunto de relações que compõem a “estrutura”. Sob essa

perspectiva, segundo Caiafa (1999), a linguagem tende à língua, ou seja, a um código pré-

determinado, pré-estabelecido. Será esse código o responsável por organizar os atos de

comunicação.

O ponto de vista estruturalista em lingüística surgiu com a introdução da dimensão sincrônica no estudo da língua. Esta introdução do registro

sincrônico, que devemos a F. Saussure, estipula que um tal estudo não pode

ser reduzido a uma perspectiva puramente diacrônica, quer dizer, histórica.

De fato, a história de uma palavra não permite dar conta de sua significação presente, pois esta significação depende do sistema da língua. Este sistema

reside num certo número de leis de equilíbrio que estão na dependência

direta da sincronia. (DOR, 1992, p. 26. Grifo do autor.)

80 Ao tipo de interferência aceitável dá-se o nome de redundância. Desde que na medida certa, essa interferência

tem a finalidade de garantir que o sinal transmitido será recebido com o mínimo de distorção possível. A

redundância é uma repetição controlada que minimiza o excesso de informações (ruídos) que possa dificultar o

reconhecimento do código e, por sua vez, da mensagem original.

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Essa historicidade, de certo modo, redundará no posicionamento de Bakhtin e Volochínov

(2002) sobre a língua. Para esses autores, os fenômenos comunicacionais nascem de um

fluxo, de “uma corrente de comunicação ininterrupta”. Esse fluxo ocorre no universo

sociocultural, portanto, envolvendo uma “situação extralinguística”, ampliando, assim, o

contexto das interações verbais (BAKHTIN; VOLOCHÍNOV, 2002, p. 123). Essa visão retira

da linguagem a relativa “autonomização” dos fenômenos da linguagem proposta pelo

Estruturalismo de Saussure (1995). É essa “autonomização” que dá aos fenômenos da

linguagem uma independência, fazendo-os parecer valer por si mesmos, independente de

quaisquer outros fenômenos extralinguísticos.

Para Bakhtin e Volochínov (2002), os diálogos são vistos como relações da linguagem entre

interlocutores imersos em um contexto histórico e socialmente compartilhados. Assim, os

processos de comunicação se dão em momento e local determinados, porém, sempre mutáveis

e dinâmicos. Assim, aos interlocutores não importa o sistema de formas normativas da língua

em si. O sistema de regras de uma língua só vale para quem se expressa, se dentro de um

contexto concreto. Portanto, o que mais vale aos interlocutores é a língua dentro desse

contexto, fruto de suas vicissitudes.

É sob essa perspectiva que, para esses autores, “o centro de gravidade da língua” não é “a

conformidade à norma da forma utilizada” e, sim, a “nova significação que essa forma

adquire no contexto” (BAKHTIN; VOLOCHÍNOV, 2002, p. 93). Ou seja,

O essencial na tarefa de decodificação não consiste em reconhecer a forma

utilizada, mas compreendê-la num contexto concreto preciso, compreender sua significação numa enunciação particular. Em suma, trata-se de perceber

seu caráter de novidade e não somente sua conformidade à norma.

(BAKHTIN; VOLOCHÍNOV, 2002, p. 93)

Nesse sentido, na comunicação haverá sempre um processo de ressignificação que permite

aos interlocutores decodificar e compreender não só pela adequação à norma, ou pelo

reconhecimento e identificação do já conhecido e familiar. Na comunicação, também se

constroem significados, sobretudo pelo que de novo possa haver na sua utilização num dado

contexto, pela variação do signo naquele contexto.

Esses autores chamam a atenção para o fato de que, nesse universo, há de se considerar o

dinamismo dos signos que se contrapõem à “rigidez” dos sinais. Estes últimos são

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permanentemente idênticos a si mesmos, fazem “parte do mundo dos objetos técnicos”

(BAKHTIN; VOLOCHÍNOV, 2002, p. 28) e, portanto, são objetos do processo de identificação.

Os signos, por sua vez, são imersos na vida social e na cultura, e sofrem as contingências de

seu contexto. São mutáveis e múltiplos e, consequentemente, objeto do processo de

decodificação.

Para esses autores, a linguagem tem o sinal na sua essência, mas ela, a linguagem, não é só

sinal. Nela está também o signo, que tem seu componente de sinal absorvido por cada nova

qualidade de significação que assume. Ou seja, para ser compreendido, o signo deve ser

percebido para além dos limites constituídos pela sua própria sinalidade.

A partir daí, Bakhtin (1992) irá se preocupar em estudar como se dá o processo de constituição

do signo e como esse signo é capaz de refletir a realidade ou transformá-la. “A língua penetra

na vida através de enunciados concretos que a realizam, e é também através de enunciados

concretos que a vida penetra na língua.” (BAKHTIN, 1992, p. 282). Nesse contexto, esse

autor busca dimensionar a força da palavra e a capacidade de seu conteúdo onipresente de agir

no âmbito das relações sociais, isto é, na sua capacidade de adentrar as relações nas mais

diferentes esferas da vida do sujeito, no seu cotidiano, cultura, política etc.

Para Bakhtin (1992, p. 41), a palavra é tecida a partir de uma “multidão de fios ideológicos”81

e constitui uma trama dentro do contexto das relações sociais. A partir da palavra,

se produzem lentas acumulações quantitativas de mudanças que ainda não

tiveram tempo de adquirir uma nova qualidade ideológica, que ainda não tiveram tempo de engendrar uma forma nova e acabada. A palavra é capaz

de registrar as fases transitórias mais íntimas, mais efêmeras das mudanças

sociais. (BAKHTIN, 1992, p. 41)

Sob essa perspectiva, tudo o que venha a ser enunciado ocorre a partir da interação entre a

língua e o contexto em que se manifesta tal enunciação. Isso significa dizer que a língua tem

base nos processos de enunciação, ou seja, a língua só existe dentro de um processo de

81 Sob a perspectiva bakhtiniana, o termo ideologia remete à ideia de que a cultura também é tida como um tipo de texto. Nesse sentido, a palavra ideologia condensa em si o sentido de exprimir todo o universo de produção

humana. Ou seja, como considera Faraco (2003), o termo ideologia, sob o viés bakhtiniano, exprime o universo

que envolve a filosofia, a arte, a ciência, a ética, a política e todas as manifestações superestruturais das

sociedades.

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interação, não sendo algo acabado e, sim, resultado da vida social, em constante

transformação.

Esse tipo de visão retrata o pensamento desse autor, que considera o sujeito como um “eu”

social, coletivo. Para Bakhtin (1981, p. 176),

um membro de um grupo falante nunca encontra previamente a palavra

como uma palavra neutra da língua, isenta das aspirações e avaliações de outros ou despovoada das vozes dos outros. [...] A palavra ele a recebe da

voz de outro e repleta da voz de outro.

Nesse sentido, cada sujeito é constituído a partir de outros sujeitos, na multiplicidade de suas

vozes. Assim, “a linguagem – em sentido amplo, incluindo mesmo o pensamento – é

entendida como relação, algo intersubjetivo, que liga os indivíduos, que constitui uma ponte

entre eles; como relação dialógica entre enunciados.” (PEREIRA, 2000, p. 41) Isso quer dizer

que, no universo dialógico, está presente a realidade social que se manifesta a partir de uma

rede, constituída de múltiplas vozes, dos diversos sujeitos, e que tem o signo como elemento

mediador entre o individual e o coletivo.

Essa visão bakhtiniana de que o eu social é gerado da ideia de que cada sujeito é constituído a

partir do coletivo é, também, compartilhada por Deleuze e Guattari (1977). Esses autores

valorizam o caráter social da enunciação, rejeitando a ideia da enunciação individual em

detrimento da sua construção coletiva. Nas palavras de Deleuze e Guattari (1995b, p. 18),

“Não há contornos distintivos nítidos, não há, antes de tudo, inserção de enunciados

diferentemente individuados, nem encaixe de sujeitos de enunciação diversos, mas um

agenciamento coletivo.”

A ideia de agenciamento coletivo (agencement collectif) é apresentada por Deleuze e Guattari

em 1975, no livro Kafka – pour une littérature mineure. Nesse trabalho sobre Kafka, os

autores reconhecem o pensamento de Foucault (1987) para discutir a ligação dos enunciados

literários com o espaço da experiência do poder. Sob essa perspectiva, os autores analisam a

obra de Kafka a partir de seu caráter menor frente à literatura “estabelecida”, tida como maior,

a literatura que predomina numa sociedade, uma literatura repleta de preceitos e conceitos

dominantes.

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Uma literatura menor não é a de uma língua menor, mas antes a que uma

minoria faz em uma língua maior. No entanto, a primeira característica é, de

qualquer modo, que a língua aí é modificada por um forte coeficiente de desterritorialização

82. (DELEUZE; GUATTARI, 1977, p. 25)

Sob esse viés, a literatura menor é, de certo modo, transgressora, não por se tratar de uma

literatura realisticamente verdadeira e engajada, mas por ser capaz de intervir no universo das

práticas sociais. Ou seja, o lado realista dessa literatura está diretamente ligado ao sentido

mais amplo da política.

Dessa forma, a literatura menor atua dentro de uma concepção de realismo em que a realidade

pode ser percebida enquanto prática. Sob essa perspectiva, a análise de Deleuze e Guattari da

obra de Kafka não tem a finalidade de compreender o texto literário, nem de interpretá-lo,

procurando seus significados. O que se deseja é descobrir os aspectos relacionados ao

funcionamento desse texto e os efeitos por ele alcançados. Para tal, os autores buscam

elaborar o conceito de “máquina”, bem como o de “agenciamento”, levando-os a coincidir

com a ideia de dispositivo de Foucault (1987), dando-lhe outra dimensão.

Deleuze e Guattari (1995a) utilizam-se da ideia de máquina para ressaltar o caráter de

funcionamento dos agenciamentos que operam nos enunciados, em seus conteúdos

semânticos e pragmáticos. Com isso, os autores buscam evidenciar o potencial e o

desempenho desses aparelhos comunicacionais com relação à produção de significados,

mostrando, assim, como se dá o “funcionamento” dos sistemas de linguagem. Sistemas esses

que devem ser entendidos como um todo organizado, apto a trocas simbólicas com outros

sistemas.

Segundo Zourabichvili (2004), o conceito de agenciamento desenvolvido no trabalho sobre a

obra de Kafka veio substituir o conceito de máquinas desejantes. Se, sob essa visão última, o

82 “A noção de território aqui é entendida num sentido muito amplo, que ultrapassa o uso que fazem dele a

etologia e a etnologia. Os seres existentes se organizam segundo critérios que os delimitam e os articulam aos

outros existentes e aos fluxos cósmicos. O território pode ser relativo tanto a um espaço vivido, quanto a um

sistema percebido no seio do qual um sujeito se sente ‘em casa’. O território é sinônimo de apropriação, de

subjetivação fechada sobre si mesma. Ele é o conjunto de projetos e representações nos quais vai desembocar,

pragmaticamente, toda uma série de comportamentos, de investimentos, nos tempos e nos espaços sociais,

culturais, estéticos, cognitivos.” (GUATTARI; ROLNIK, 1986, p. 323) O conceito de território em Deleuze e Guattari é indissociável dos conceitos de desterritorialização e reterritorialização. Ao referirem a

desterritorialização esses autores afirmam: “A noção com pretensão nova é que não há território sem um vetor de

saída do território, e não há saída do território, ou seja, desterritorialização, sem, ao mesmo tempo, um esforço

para se reterritorializar em outra parte.” (DELEUZE; GUATTARI, 1995e, p.87)

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desejo era tido como uma construção puramente maquínica, na nova visão o desejo é

agenciado e maquinado. A despeito dessas considerações, não é de interesse, aqui, levantar as

questões referentes ao debate acerca do agenciamento e das máquinas desejantes, e, sim, do

desenvolvimento do conceito de agenciamento, sua abrangência e desdobramentos.

Para Deleuze e Guattari (1977), o agenciamento se apresenta em dois eixos, cada qual com

dois polos. Em um dos eixos se encontra, de um lado, o agenciamento maquínico, estrato83

,

entidade concreta, e do outro, o agenciamento coletivo de enunciação, que sustenta um regime

de signos, uma máquina abstrata. No outro eixo se polarizam a territorialização e a

desterritorialização.

Segundo um primeiro eixo, horizontal, um agenciamento comporta dois

segmentos: um de conteúdo, o outro de expressão. Por um lado, ele é

agenciamento maquínico de corpos, de ações e de paixões, mistura de corpos reagindo uns sobre os outros; por outro lado, agenciamento coletivo de

enunciação, de atos e de enunciados, transformações incorpóreas sendo

atribuídas aos corpos. Mas, segundo um eixo vertical orientado, o

agenciamento tem, de uma parte, lados territoriais ou reterritorializados que o estabilizam e, de outra parte, picos de desterritorialização que o

arrebatam. (DELEUZE; GUATTARI, 1995b, p. 29. Grifos dos autores.)

Como tal, os agenciamentos coletivos de enunciação agem diretamente nos agenciamentos

maquínicos, posto que não há como desvincular o regime de signos e seus objetos.

Um agenciamento maquínico é aquele regido por códigos específicos, caracterizados por uma

forma relativamente estável. Esse polo do agenciamento está direcionado para os estratos que

fazem dele uma forma materializada, uma espécie de organismo, ou uma totalidade

significante, ou mesmo uma determinação atribuível a um sujeito (DELEUZE; GUATTARI,

1995a).

O agenciamento maquínico, em simpatia com o agenciamento coletivo de enunciação,

opera as co-adaptações de conteúdo e expressão num estrato, assegura as correlações biunívocas entre segmentos de ambos, pilota as divisões do

estrato em epistratos e paraestratos; depois, de um estrato a outro, assegura a

83 De acordo com Abreu Filho, Deleuze e Guattari concebem a ontologia como geologia das multiplicidades, constituídas por movimentos de estratificação e desestratificação que se conjugam com movimentos de

territorialização e desterritorialização traçados por máquinas abstratas que operam sobre diversos planos de

consistência. Disponível em:

<http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-93131998000200008&script=sci_arttext>.

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relação com o que é subestrato e as correspondentes mudanças de

organização; finalmente, ele é voltado para o plano de consistência porque

efetua necessariamente a máquina abstrata em tal ou qual estrato, entre os estratos e na relação destes com o plano. (DELEUZE; GUATTARI, 1995a,

p. 88)84

Assim, é necessário um agenciamento para que haja a relação entre dois estratos. É preciso

que haja agenciamentos para que os regimes de signos e os “estados de força” tenham suas

relações assimiladas mutuamente.

Um agenciamento, em seu aspecto material – agenciamento maquínico –, está relacionado a

uma sobreposição e conjugação de organismos. É resultado de todas as relações possíveis,

sejam elas de atração, de rejeição, de modificações, dos pactos, das assimilações e

penetrações, das expansões que atingem direta ou indiretamente todos os organismos, uns em

relação aos outros. Ou seja, o agenciamento promove a assimilação de outros estratos, porque

é ele o responsável por organizar a unidade de composição envolvida num estrato, de forma a

gerar relações específicas e não relações aleatórias. Essa organização se dá devido à

coexistência com o agenciamento coletivo de enunciação/máquina abstrata.

Em seu aspecto coletivo ou semiótico – máquina abstrata –, o agenciamento remete a regimes

de signos, a uma máquina de expressão cujas variáveis determinam o uso dos elementos de

uma estrutura. Tais elementos não têm valor por si sós: existem em relação às amálgamas que

eles mesmos tornam possíveis, ou àquelas que tornaram capazes de gerar tais misturas.

84 A realidade, para Deleuze e Guattari (1995a, 1995b, 1995d, 1995e), é abordada através de planos que

coexistem em estado de imanência. Esses planos, que possuem modus operandi distintos, porém indissociáveis, são denominados por esses autores de plano de organização (ou de desenvolvimento) e plano de composição (ou

de consistência). No plano de organização, a realidade surge mediante uma lógica dicotômica e dissociativa.

Esse plano ordena, por operações de transcendência, a realidade que, em processos classificatórios, formam

estratos que se homogeneízam em fluxo constante. Códigos são relacionados aos fluxos, dando-lhes sentido

próprio. “O plano de organização ou de desenvolvimento cobre efetivamente aquilo que chamávamos de

estratificação: as formas e os sujeitos, os órgãos e as funções são ‘estratos’ ou relações entre estratos.”

(DELEUZE e GUATTARI, 1995d, p. 59-60). O plano de consistência é o plano invisível, formado por forças

dinâmicas. Essas forças viabilizam seu funcionamento junto às conexões e aos agenciamentos. Assim, em

processos de expansão e variação contínuos, são gerados novos sentidos, novas formas de expressão. “Nesse

plano de consistência se inscrevem: as hecceidades, acontecimentos, transformações incorporais apreendidas por

si mesmas; as essências nômades ou vagas, e contudo rigorosas; os continuums de intensidade ou variações

contínuas, que extravasam as constantes e as variáveis; os devires, que não possuem termo nem sujeito, mas arrastam um e outro a zonas de vizinhança ou de indecidibilidade; os espaços lisos, que se compõem através do

espaço estriado.” (DELEUZE e GUATTARI, 1995e, p. 223). Para dar sustentação a esses dois planos com suas

forças, agenciamentos, conexões, rupturas, dimensões, estratos, segmentos etc., há ainda um terceiro plano, o

plano de imanência.

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Assim, como o agenciamento maquínico, a máquina abstrata não é uma máquina qualquer.

Nesse caso, está submetida às continuidades, às emissões e combinações, às conjugações, que

não se estabelecem de qualquer maneira.

Uma máquina abstrata em si não é mais física ou corpórea do que semiótica,

ela é diagramática (ignora ainda mais a distinção do artificial e do natural).

Opera por matéria, e não por substância; por função, e não por forma. As substâncias, as formas, são de expressão “ou” de conteúdo. Mas as funções

não estão já formadas “semioticamente”, e as matérias não estão ainda

“fisicamente” formadas. A máquina abstrata é a pura Função-Matéria – o

diagrama, independentemente das formas e das substâncias, das expressões e dos conteúdos que irá repartir. (DELEUZE; GUATTARI, 1995b, p. 99.

Grifos dos autores.)

Por se portar como o diagrama do agenciamento, a máquina abstrata descreve linhas de

representações distintas e continuadas. Por sua vez, o agenciamento concreto se atém às

variáveis, organizando suas relações, que são geradas em função das linhas de representações.

Uma máquina abstrata não é universal ou geral, ela é portadora de uma singularidade. Nesse

sentido, não é atual, mas virtual-real. Também, essa máquina não está imersa num universo de

leis obrigatórias ou invariáveis e, sim, dentro de um contexto de regras variáveis e flutuantes.

Segundo Deleuze e Guattari (1995b), esse estado de coisas determina uma

complementaridade das máquinas abstratas e dos agenciamentos de enunciação, uma

ubiquidade de um no outro.

As máquinas abstratas operam em agenciamentos concretos exatamente pelos outros dois

polos do agenciamento: da territorialização e da desterritorialização. Em um processo de

negociação, o agenciamento estabelece as variáveis ou como elas devem se apresentar,

segundo o grau de desterritorialização. Nesse sentido, são definidas quais variáveis

estabelecerão relações permanentes, que estarão sujeitas às leis obrigatórias, estabelecendo

uma territorialização, ou, por sua vez, quais aquelas que atribuirão um caráter mutável à

variação, abrindo o agenciamento territorializado para novos agenciamentos, novas

possibilidades, novas territorializações.

Para Deleuze e Guattari (1995e), a configuração de um agenciamento se define como um

território. Por sua vez, a produção dessa configuração caracteriza uma territorialização. No

entanto, o agenciamento é mutável, sua condição não está atrelada aos limites de apenas um

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único território, mesmo que esse território já signifique uma multiplicidade de signos. Cada

agenciamento transita por uma diversidade de territórios. Assim, o agenciamento se processa

permanentemente entre desterritorializações e reterritorializações.

Com a desterritorialização se processa uma “desmontagem” de um território que, em seguida,

é “remontado” em uma nova “região”, constituindo, assim, um novo processo de

territorialização, ou reterritorialização. Isso fará com que um novo território seja produzido

com os mesmos signos e materiais, mas sem que seja o mesmo.

É assim que as máquinas são sempre únicas e imanentes: diferentemente dos estratos e

agenciamentos concretos, ignoram a forma e as substâncias, apesar de ligados a elas. Essas

máquinas se constituem de “matérias não formadas e funções não formais” (DELEUZE;

GUATTARI, 1995e, p. 277), são conjunto único e estável de matérias-funções.

Isto se vê claramente num “plano” tecnológico: um tal plano não é composto simplesmente por substâncias formadas, alumínio, plástico, fio elétrico, etc.,

nem por formas organizadoras, programa, protótipos, etc., mas por um

conjunto de matérias não formadas que só apresentam graus de intensidade

(resistência, condutibilidade, aquecimento, estiramento, velocidade ou retardamento, indução, transdução...), e funções diagramáticas que só

apresentam equações diferenciais ou, mais geralmente, “tensores”.

(DELEUZE; GUATTARI, 1995e, p. 227)

Se um agenciamento está propenso a um processo de variação contínua, cada máquina

abstrata pode ser considerada um platô de variação, que permite a continuidade de conteúdos

e de expressões. Nesse processo, o agenciamento, de um lado, tende a uma estabilidade,

porém, frente à fluidez de suas variáveis, está sujeito a trocas permanentes. Assim, a máquina

se define segundo o conjunto de suas relações materiais e de um regime de signos

correspondente.

Portanto, se, por um lado, a máquina é sempre singular, com identificação própria como

grupo ou indivíduo, por outro, o agenciamento de enunciação é sempre coletivo, seja no

indivíduo ou no grupo. Porém, não há primazia do individual sobre o coletivo e vice-versa.

Há uma “in-dissolubilidade de um Abstrato singular e de um Concreto coletivo” (DELEUZE;

GUATTARI, 1995b, p. 45). Não é possível a existência de uma máquina abstrata

independentemente de um agenciamento, bem como não é possível um agenciamento

funcionando independentemente da máquina. Por isso, vale dizer que

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a máquina abstrata ora se desenvolve no plano de consistência cujos contínuos, emissões e conjugações constrói, ora permanece envolvida num

estrato do qual ela define a unidade de composição e a força de atração ou

preensão. (DELEUZE; GUATTARI, 1995a, p. 88)

Assim, em todo agenciamento, seja observado sob o ângulo de sua concretude, seja sob o

ângulo do regime de signos que o sustenta, veem-se suas complementaridades imanentes e

uma multiplicidade que vão além dos limites territoriais.

Existem unicamente multiplicidades de multiplicidades que formam um

mesmo agenciamento, que se exercem no mesmo agenciamento: as matilhas nas massas e inversamente. [...] Um agenciamento é precisamente este

crescimento das dimensões numa multiplicidade que muda necessariamente

de natureza à medida que ela aumenta suas conexões. (DELEUZE; GUATTARI, 1995a, p. 49; p. 17)

Nesse sentido, pode-se afirmar que, para esses autores, não há um “sistema fechado”, mas,

sim, “sistemas abertos” e flutuantes, que agem como sistemas-radiculares, rizoma85

.

O conceito de rizoma foi desenvolvido por Deleuze e Guattarri (1995a) para dar forma ao

agenciamento e assume um caráter ontológico nas suas obras. Se, num sentido clássico, a

ontologia se refere a seres e coisas – de fluxos que se restringem a um conceito –, para esses

autores, a ontologia se refere a um jogo de forças entre o virtual e o real. Ou seja, “está

vinculada ao movimento das diferenças que agem no interior e no exterior das

multiplicidades.” (FERREIRA, 2008, p. 33)

Assim, o rizoma é a maneira encontrada por esses autores para expressar as multiplicidades

sem ter de ligá-las diretamente à unidade. Nesse sentido, o tratamento dado à multiplicidade

foge do esquema binário constituído dos polos uno e múltiplo. Ao invés disso, estabelecem-se

jogos de forças, vetores que se ligam entre si, uma vez que o uno e o múltiplo são dois tipos

de multiplicidade que detêm a imanência de um no outro. Sob essa perspectiva, há uma

permanente proliferação das multiplicidades, propiciando o surgimento de novas misturas,

novas multiplicidades, novos agenciamentos.

85 A ideia de rizoma vem da Botânica e está vinculada a um tipo de caule radiciforme que une sucessivos brotos, que podem ramificar-se em qualquer ponto, assim como engrossar e transformar-se em um bulbo ou tubérculo.

Geralmente são subterrâneos, mas podem ser aéreos. Os rizomas podem funcionar como raiz, como órgão de

reserva de energia na forma de amido ou, ainda, como órgãos de reprodução vegetativa ou assexuada,

multiplicando-se, dispersando e desenvolvendo raízes e caules nos seus nós.

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É nesse sentido que um rizoma funciona como um sistema aberto e sem pontos fixos. O

rizoma não é constituído de uma raiz principal, ao contrário, se constitui de uma

multiplicidade de ramificações secundárias que se ramificam sucessivamente, na medida em

que se desenvolvem.

Um rizoma não começa nem conclui, ele se encontra sempre no meio, entre

as coisas, inter-ser, intermezzo. A árvore é filiação, mas o rizoma é aliança, unicamente aliança. A árvore impõe o verbo “ser”, mas o rizoma tem como

tecido a conjunção “e... e... e...”. Há nesta conjunção força suficiente para

sacudir e desenraizar o verbo ser. (DELEUZE; GUATTARI, 1995a, p. 37)86

Como o rizoma expressa os agenciamentos que emanam dos acontecimentos, é natural que

não tenha uma estrutura definida e, portanto, arbórea, rígida. Dentro dessa perspectiva, os

autores procuram evidenciar o caráter dinâmico dos rizomas e elaboram princípios a eles

intrínsecos, e que, naturalmente, conduzem aos agenciamentos.

O primeiro princípio trata do rizoma quanto às suas conexões. Sob esse princípio, cada ponto

de um rizoma pode se ligar a outro, independente de suas genealogias ou evolucionismos.

Assim, sob esse aspecto, a multiplicidade se consolida na multiplicidade dos agenciamentos,

das conexões crescentes por todos os lados e em todas as direções. Nessas condições, as

conexões propiciam hibridações passíveis de mudança constante, de acordo com os novos

acontecimentos que vão sendo criados. Assim se estabelece a não existência de formas pré-

existentes e determinadas e, à medida que vão surgindo novas conexões, ou mesmo sendo

modificadas, imprimem-se novas direções, condicionando as conexões futuras, porém sem

determiná-las.

A heterogeneidade é o segundo princípio, segundo o qual o rizoma não é de natureza

puramente linguística. Suas conexões têm a linguagem como mais uma de suas linhas de

conexões, podendo ser também atravessado por cadeias biológicas, políticas, materiais,

culturais, econômicas, em todas as suas modalidades e multiplicidades. As linhas de conexões

se estabelecem por agenciamentos entre entidades de natureza heterogênea, sem hierarquia

86 Deleuze e Guattari (1975a) chamam a atenção para o fato de que, na história do Ocidente, é notória a

subordinação do múltiplo pelo uno de tal forma que o uno sempre esteve contido no múltiplo. Além disso, o

múltiplo aparece como forma de garantir o uno por oposição dialética. Dentro dessa perspectiva, o pensamento ocidental se estruturou, e ainda o faz, mediante oposições, separações, conceituações e classificações. Esse tipo

de estruturação está baseado no esquema arbóreo de Platão. É por considerar que o modelo árvore é estático e

limitado, não sendo capaz de dialogar com o conceito de agenciamento, que esses autores propõem o modelo

rizoma como sendo mais condizente com aquele.

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entre elas. O rizoma coloca “em jogo não somente regimes de signos diferentes, mas também

estatutos de estados de coisas. Os agenciamentos coletivos de enunciação funcionam, com

efeito, diretamente nos agenciamentos maquínicos, e não se pode estabelecer um corte radical

entre os regimes de signos e seus objetos.” (DELEUZE; GUATTARI, 1975a, p. 15. Grifos do

autor.)

O terceiro princípio refere-se à multiplicidade inerente aos agenciamentos. Não faz sentido

falar de sujeito ou de objeto, para Deleuze e Guattari (1975a), quando se fala em

multiplicidade. A multiplicidade é dimensionada pela natureza dilatadora dos agenciamentos.

O agenciamento é um constante crescimento de suas dimensões, capaz de, ampliando sua

multiplicidade e conexões, promover mudança na sua natureza. As multiplicidades no rizoma

não são pontos fixos, são linhas. Não existem pontos ou posições num rizoma.

“As multiplicidades se definem pelo fora: pela linha abstrata, linha de fuga ou de

desterritorialização segundo a qual elas mudam de natureza ao se conectarem às outras.”

(DELEUZE; GUATTARI, 1975a, p. 17)87

. Nesse sentido, só se pode pensar em unidade ou

identidade quando se produzem processos de subjetivação ou processos de significação.

Assim, de um lado, a unidade opera numa dimensão vazia de sentido, suplementar àquela do

sistema considerado (“sobrecodificação”). Por outro, o rizoma propicia um plano de

consistência que está sempre em expansão e movimento, escapando de ser assimilado pela

sobrecodificação.

O que resulta daí são dois tipos de multiplicidades: a multiplicidade extensiva e a

multiplicidade intensiva. A primeira se caracteriza pela lógica da matéria, forma e conceitos.

São unificáveis, totalizáveis, organizáveis; conscientes ou pré-conscientes, é uma pluralidade

de coisas. O segundo tipo de multiplicidade, de certo modo, é responsável pelo surgimento da

primeira. A multiplicidade intensiva está vinculada a elementos que só variam entrando em

outra multiplicidade, estão constantemente se fazendo e se desfazendo, comunicando,

conectando umas com outras e consigo mesmas. Seus elementos constituintes mantêm

correlações com suas distâncias, seus movimentos. São quantificadas pela intensidade, são

87 “A linha de fuga marca, ao mesmo tempo: a realidade de um número de dimensões finitas que a multiplicidade preenche efetivamente; a impossibilidade de toda dimensão suplementar, sem que a multiplicidade se transforme

segundo esta linha; a possibilidade e a necessidade de achatar todas essas multiplicidades sobre um mesmo plano

de consistência ou de exterioridade, sejam quais forem suas dimensões.” (DELEUZE; GUATTARI, 1995a, p.

17)

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diferenças de intensidades. Assim, só se dividem mudando de natureza, e, ao fazê-lo, geram

as multiplicidades extensivas. Porém, cabe ressaltar que essa “divisão” não é uma ruptura,

mas, sim, uma continuidade, uma “proliferação”. “Há entre as duas espécies de multiplicidade

uma ‘continuidade’ tal que uma multiplicidade extensiva nada mais é que a expressão espacial

de uma multiplicidade intensiva.” (TADEU; CORAZZA; ZORDAN, 2004, p. 138)

O quarto princípio, ou de ruptura a-significante, está relacionado aos processos de

territorialização e desterritorialização dos agenciamentos. Nesse sentido, responde pela tensão

permanente entre o movimento de criação de formas e organizações, e de fuga e

desmontagem dessas mesmas formas num agenciamento. Ou seja, um rizoma proporciona

linhas de fuga e rupturas, mas também propicia ramificações nas linhas de fuga. Pode romper-

se em qualquer lugar, e também pode retomar as linhas originais ou outras de suas linhas.

O rizoma ainda compreende as linhas de segmentaridade pelas quais é territorializado, ou

seja, estratificado, organizado, significado, atribuído. Por outro lado, o rizoma possui linhas

de desterritorialização, por onde se abre constantemente para outras possibilidades. Apesar da

ruptura das linhas, elas continuam a pertencer ao rizoma e continuam a remeter umas às

outras. Mesmo com o constante movimento de ruptura das linhas, há uma tendência a se

organizar e reestratificar o conjunto de linhas e rizomas. Nesses momentos, emerge um novo

poder de significação, redefinindo um sujeito.

Seguir sempre o rizoma por ruptura, alongar, prolongar, revezar a linha de fuga, fazê-la variar, até produzir a linha mais abstrata e a mais tortuosa, com

n dimensões, com direções rompidas. Conjugar os fluxos

desterritorializados. Seguir as plantas: começando por fixar os limites de

uma primeira linha segundo círculos de convergência ao redor de singularidades sucessivas; depois, observando-se, no interior desta linha,

novos círculos de convergência se estabelecem com novos pontos situados

fora dos limites e em outras direções. Escrever, fazer rizoma, aumentar seu território por desterritorialização, estender a linha de fuga até o ponto em que

ela cubra todo o plano de consistência em uma máquina abstrata.

(DELEUZE; GUATTARI, 1995a, p. 20)

O princípio da cartografia é o quinto. Trata-se de um princípio metodológico da filosofia de

Deleuze e Guattari. Para esses autores, os rizomas traduzem múltiplos agenciamentos, de

forma que configuram uma infinidade de mapas. A cartografia consiste em acompanhar as

dilatações, retrações do rizoma, bem como a sua movimentação, os processos de geração, de

assimilação que o fazem se expandir e se multiplicar, as desterritorializações e

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reterritorializações, na medida em que o mapa é projetado. Assim, o processo de mapeamento

do rizoma é um processo criativo. Como afirma Ferreira (2008, p. 36),

assim como o rizoma é sempre criador, mapear um acontecimento é um

processo de invenção, onde se segue o devir. [...] O cartógrafo é, neste caso,

um analista do desejo, que deve estar sempre atento às formas com que este se expande. Portanto, trabalhar com a cartografia é falar da instância do

ativo-reativo.

É nesse sentido que, para Deleuze e Guattari (1995a), o pensamento sobre o rizoma e os

agenciamentos não deve ser representacional, mas inventivo.

O sexto e último princípio é o da delcaconomia. Esse princípio surge no momento em que se

deseja criar um mapa dos agenciamentos múltiplos relacionados ao rizoma. Produzir um mapa

nessas condições significa reproduzir um decalque de um determinado instante do

acontecimento. Assim, a delcaconomia está vinculada à ideia de se usar a cartografia como

ferramenta para obter um “instantâneo” do acontecimento. O que há de se considerar é que o

uso do decalque é possível em qualquer tipo de sistema, seja ele arbóreo ou radicular, sendo

capaz de descrever os processos de hierarquização ou transcendência dos acontecimentos a

serem mapeados. Assim, o decalque é a tradução imagética e momentânea do mapa. É a

organização, neutralização das multiplicidades, estruturação do rizoma, sendo assim, capaz de

dar-lhe significância. No momento em que se obtém o decalque, um determinado momento do

mapa é “cristalizado”, dando, assim, condições de analisá-lo e avaliá-lo.

Cabe ressaltar, assim como o fazem Deleuze e Guattari (1995a), o fato de não se tomar o

decalque como algo absoluto, posto que ele apenas capta os pontos de estruturação,

entendidos como estabilizações temporárias do funcionamento de criação dos rizomas, dos

agenciamentos. “É preciso sempre projetar o decalque sobre o mapa” (DELEUZE;

GUATTARI, 1995a, p. 23), como forma de se atualizar o mapa que lhe é imanente. Mapa

esse que se encontra em mudanças constantes, se reconfigurando devido aos movimentos de

territorialização e desterritorialização, expansão e retração. Essa dinâmica gera,

incessantemente, novas linhas de fuga, novas possibilidades, novas ramificações.

Num rizoma, ao contrário, cada traço não remete necessariamente a um traço

lingüístico: cadeias semióticas de toda natureza são aí conectadas a modos

de codificação muito diversos, cadeias biológicas, políticas, econômicas, etc., colocando em jogo não somente regimes de signos diferentes, mas

também estatutos de estados de coisas. Os agenciamentos coletivos de

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enunciação funcionam, com efeito, diretamente nos agenciamentos

maquínicos, e não se pode estabelecer um corte radical entre os regimes de

signos e seus objetos. (DELEUZE, GUATTARI, 1995a, p. 15)

Por tudo o que foi visto, há que se considerar que os dois polos do conceito de agenciamento

não são, portanto, o coletivo e o individual, mas, sim, dois sentidos, dois modos do coletivo

em suas multiplicidades. O rizoma é responsável por dar forma ao funcionamento dessa

relação em que as máquinas abstratas operam os arranjos (agenciamentos) dos signos e dos

sistemas semióticos, ampliando suas dimensões. “Nada existe que não sejam essas

estruturações (os “agenciamentos”) que trabalham sobre fluxos semióticos, materiais, sociais

[...].” (MARCONDES FILHO, 2004, p. 140)

Os agenciamentos podem agrupar-se em conjuntos muito vastos que

constituem “culturas”, ou até “idades”; nem por isso deixam de diferenciar o

phylum ou o fluxo, dividindo-o em outros tantos phylums diversos, de tal ordem, em tal nível, e introduzem as descontinuidades seletivas na

continuidade ideal da matéria-movimento. (DELEUZE; GUATTARI, 1995e,

p. 88)

2.2 Agency – o agenciamento enquanto promotor de ação

O tempo, como medida de duração e ordem de transformação dos eventos e das coisas, está

presente em todo o universo e vai além daquilo que está no universo de conhecimento

humano (WHITROW, 2005). É inegável a dinâmica da vida de todas as coisas, sejam elas

organismos ou matérias. A ideia de mudanças ou modificações que, a partir de um momento

ou situação inicial, numa sucessão contínua em que cada novo elemento é, em parte,

determinado ou condicionado pelo(s) anterior(es), é algo inerente ao universo.

Sob essa perspectiva, independente do ser humano, a dinâmica da transformação temporal

está presente em tudo. No entanto, é somente para os seres humanos que o tempo extrapola a

sua condição de imanência e passa a existir como uma ideia. O tempo como ideia é uma

invenção humana, surge no momento em que o ser humano passa a ter consciência desse

tempo “universal” (PRIGOGINE, 1996).

Segundo Castoriadis (1982, 1987, 1999), o imaginário primitivo era regulado e agia em

termos da satisfação das necessidades biológicas. Ou seja, a capacidade de simbolizações

estava regulada biologicamente, ditada pela satisfação das necessidades imediatas de

sobrevivência própria e da espécie. Para Corballis (2003), ao longo da evolução humana, deve

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ter havido um abrandamento das regulações biológicas e instintivas. Esse abrandamento

possibilitou que as imagens criadas resultassem no relato das coisas da vida daquele

hominídeo. Tais imagens eram capazes de representar suas próprias vidas e de suas relações

comunitárias. O resultado desse processo foi o desenvolvimento da capacidade de expressar

relatos de acontecimentos, inicialmente, por uma linguagem ainda gestual.

Donald (2002) chama a atenção para o fato de que esse processo foi resultado de um relativo

distanciamento dos objetos sensoriais concretos, do presente imediato e das reações

instintivas, permitindo, assim, o desenvolvimento da capacidade de abstração simbólica.

Aliado a isso, estava um gradual desvio de atenção dos eventos do ambiente para si mesmo

em relação aos demais membros de sua espécie.

O autor ainda acrescenta que o aumento gradual dessa capacidade de simbolização propiciou

a formação de comunidades de indivíduos dotados de uma protolinguagem, uma cultura e

uma sociedade primordiais. Esse contexto sociocultural emerge na forma pragmática de um

caráter episódico que se manifestava nos conhecimentos gerados no aprendizado, nas

descobertas e invenções que podiam ser compartilhadas narrativamente entre os membros da

comunidade e passados para outras gerações.

Se até então a consciência daqueles seres era apenas biológica, a partir daí se tornara híbrida,

numa “co-evolução bio-cultural” (DONALD, 2002, p. 202). Estariam então prontas as

condições para o surgimento de uma linguagem vocal, totalmente simbólica. Num salto

evolutivo biocultural, surgem estruturas cerebrais especializadas na geração e captação dessa

linguagem vocal. Assim, imagens simbólicas passaram a ter condições de serem criadas para

representar qualquer coisa do nível imagético não verbal, podendo ser traduzidas na forma de

palavras e sentenças. Surge aí a consciência narrativa simbólica humana atual.

O desenvolvimento da narrativa irá permitir aos primeiros seres humanos descrever histórias,

criar seus mitos, transmitir suas genealogias e culturas e toda sorte de conhecimentos88

voltados à sobrevivência.

88 A palavra narrar tem origem no latim e está etimologicamente ligada ao termo narro, verbo derivado de

gnarus, que significa que conhece, que sabe, e tem como antônimo ignarus, origem etimológica do adjetivo

ignorante. (DICIONÁRIO DE LATIM-PORTUGUÊS, 2001)

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Podemos imaginar que nos primórdios a narrativa tenha servido para

descrever onde havia alimento, para alertar sobre perigos ou para transmitir

conhecimentos dos processos e técnicas que cada um vivenciara. Por meio de narrativas, nossos antepassados inventaram cidades, políticas, leis,

filosofia, mas as narrativas também tinham finalidades lúdicas; assim, nos

momentos em que se sentiam seguros, eles se reuniam e contavam anedotas,

aventuras, e a partir dessas narrativas construíam heróis, vilões, mitos, crenças e religiões. (RANHEL, 2009, p. 7)

Murray (2003) chama a atenção para o caráter cognitivo da narrativa. Para essa autora, a

narrativa é um dos mecanismos cognitivos humanos primários que dá ao homem condições de

compreender o mundo. Para Benjamin (1994), por sua vez, a narrativa não se constitui de

elementos comunicacionais aleatórios. Está intrínseca a ela uma finalidade, uma utilidade para

os envolvidos. “Tudo isso esclarece a natureza da verdadeira narrativa. Ela tem sempre em si,

às vezes de forma latente, uma dimensão utilitária.” (BENJAMIN, 1994, p. 200). Nesse

sentido, as narrativas tiveram a função de comunicar os padrões sociais, ratificando-os ou

propiciando movimentos revolucionários nesses padrões. Ou seja, por meio das narrativas

passou-se a promover a organização social e construção das identidades culturais da

humanidade.

Com o passar do tempo, outras formas de comunicação foram surgindo, e as narrativas foram

migrando para outros espaços. O teatro foi uma das primeiras dessas novas formas. Ainda na

Grécia antiga, o teatro se desenvolve como forma narrativa em que se estabelecem os

princípios básicos da maioria dos textos narrativos, e que perdura até hoje.

Aristóteles (2005) estabelece como conteúdo narrativo do teatro a vida e as ações humanas, e

como objetivo deste, os acontecimentos explicitados através do enredo. O enredo, para

Aristóteles (2005), é a mimese da ação. Ricoeur (2005) complementa dizendo que o enredo é

uma configuração de caráter dinâmico, mediadora na relação dos eventos individuais com a

história como um todo, integrando fatores heterogêneos tais como agentes, meios, fins,

interações, circunstâncias. O autor ainda ressalta que essa configuração se dá moldada pelo

tempo e pelo espaço. Nesse sentido, essa narrativa está fundada na descrição de ações e

acontecimentos, calcados em relações de causas e efeitos num determinado lugar e

desenvolvidos no tempo, de forma linear.

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Sob essa perspectiva, o tempo e o espaço são elementos indispensáveis para a organização dos

acontecimentos de uma história. Tempo e espaço se completam, agregando tudo aquilo que

estão neles contidos. Nesse sentido, o tempo é uma entidade imanente a contextos,

responsável por organizar os acontecimentos de uma história na medida em que colabora para

a compreensão dos estados que se transformam sucessivamente na ação. O espaço, por sua

vez, corresponde ao lugar onde se passa a ação e onde se estabelecem a interações dos eventos

e personagens. O espaço, aliado ao tempo, será indispensável na caracterização da

ambientação do contexto em que se desenrolam os acontecimentos dentro da história.

Essa perspectiva linear em que tempo e espaço se complementam será seguida por diferentes

formas de comunicação com base na narrativa. Com o desenvolvimento da teoria geral da

relatividade proposta por Einstein e publicada em 1915, esses princípios passaram a ser

questionados, principalmente no âmbito da literatura.

Até então, os diversos teóricos definiam o tempo na literatura com base num sistema de

oposição – tempo real X tempo literário. A noção de tempo se fundava no movimento

unidirecional, sequencial. Ou seja, o tempo se desenvolvia numa linha contínua que parte do

passado e se dirige para o futuro, caracterizando sua reversibilidade89

.

Bakhtin (1982), notadamente, busca o entendimento das propriedades da nova física para

desenvolver suas ideias sobre a relação entre o tempo da narrativa e o tempo da experiência.

O autor, em sua proposta, parte do princípio de que, na relatividade, o tempo é coordenada

que opera em várias direções, e o ser humano experimenta o tempo como simultaneidades.

Assim, não se pode considerar que haja sequência cronológica dentro ou fora da narrativa

literária. Nesse sentido, tanto na vida como na literatura, o tempo se estabelece mediante uma

série de convenções que definem posicionamentos e apresentam diferentes formas de ver o

mundo – diferentemente da perspectiva unidimensional, em que se coloca o tempo como

ordenador do movimento e do arranjo das situações.

89 Com a contestação da física clássica, newtoniana, passou-se a questionar o caráter do tempo sob aquela

perspectiva. Naquela visão, os fenômenos eram tratados como processos reversíveis, se considerados em sua ordenação matemática. No entanto, essa reversibilidade do tempo é derrubada frente à física quântica, em que se

verifica o indeterminismo inerente à matéria, revelado com a teoria do caos. Prigogine (1996, p. 193) vincula “a

irreversibilidade a uma nova formulação, probabilista, das leis da natureza”, ou seja, passado e futuro deixam de

ser absolutos.

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O tempo, para Bakhtin, é pluralidade de visões de mundo: tanto na

experiência como na criação, manifesta-se como um conjunto de

simultaneidades. A pluralidade de que fala Bakhtin só pode ser apreendida no grande tempo das culturas e das civilizações, quer dizer, no espaço. Eis a

síntese teórica que orientou sua abordagem da narrativa como modelo

artístico de temporalidades. (MACHADO, 1998, p. 35. Grifo do autor.)

Segundo a teoria de Einstein (2000), o tempo é uma dimensão adicional às três dimensões

espaciais. Bakhtin (1982) assume essa premissa ao estabelecer que a noção de tempo está

condicionada ao espaço dialógico das culturas e das civilizações. Dessa forma, tempo e

espaço se apresentam como duas manifestações de um único fenômeno. Assim, se

teoricamente é fato que o tempo é histórico, e o espaço, social, com base nas ideias de

Bakhtin (1982) a relação entre eles é sempre de interação. Esse tipo de interação remete a

narrativa para o universo da pluralidade e para uma noção aberta de tempo. Nesse sentido,

nem a organização da relação tempo-espacial, nem sua representação podem se fixar com

bases na lei da causalidade, “aprisionando” os eventos no tempo e no espaço limitados,

fechados.

Conforme Machado (1998), sob essa perspectiva, o tempo deixa de ser um constituinte

primordial da estrutura narrativa. Por sua vez, serão essas, as narrativas, que se apresentam

como instâncias estéticas de representação do tempo e do espaço.

Nesse sentido, houve algumas modificações em certas formas de narrativa e o surgimento de

outras, principalmente com o advento do que Manovich (2001) chamou de novas mídias. Para

esse autor, essas mídias surgiram como a convergência das trajetórias históricas das

tecnologias computacionais e das tecnologias comunicacionais.

As possibilidades geradas a partir da capacidade de transmissão e armazenamento de dados

proporcionado pela digitalização acarretaram a ampliação das possibilidades na lida com os

diversos tipos de informação. Santaella (2003, p. 70-71) reforça essa ideia ao afirmar que “o

aspecto mais espetacular da era digital está no poder dos dígitos para tratar toda informação,

som, imagem, vídeo, texto, programas informáticos, com a mesma linguagem universal.”

Esse universo possibilitou o surgimento das hipermídias digitais e, com elas, de novas

maneiras de construir narrativas. Murray (2003) afirma que esses ambientes têm requerido e

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71

desenvolvido seus próprios formatos narrativos, que se apresentam não lineares, diferentes

daqueles formatos já há muito consolidados.

Mesmo que ainda muito arraigado nas formas narrativas tradicionais e com alguns limites,

percebe-se uma grande tendência a uma abertura e deslinearização dessas novas narrativas.

Uma de suas características é a possibilidade dada ao “leitor/usuário” de influenciar os

destinos dos protagonistas e demais personagens na trama, seja direta ou indiretamente. Com

isso, propicia-se uma pluralidade na narrativa, tornando-a multiforme e participativa, o que,

até certo ponto, absorve esse leitor, deslocando-o, agora, para uma posição de

usuário/interator90

. Essa condição lhe proporciona um sentimento de agente ativo dentro dos

contextos narrativos91

.

Aliado a isso, as tecnologias emergentes no campo da inteligência artificial dão condições de

criação de agentes inteligentes que são também capazes de modificar os contextos narrativos

de forma autônoma. Tais agentes, independentemente, podem trocar informações de histórico

e intercambiar planos com outros agentes, criando um sistema mais inteligente, de forma que

possam atuar mesmo sem a presença de um interator.

[...] Em vez de ser um observador distanciado [...], esse novo sujeito é agora

implicado no mundo virtual onde está imerso; sua presença ali é ativa, no sentido de desencadeadora de acontecimentos e no sentido também de estar

submetida às forças que ali estão em operação (MACHADO, 2007, p. 229-

230. Grifo do autor.)

Murray (2003, p. 47) ratifica a ideia de que “parte do ímpeto por trás do crescimento das

histórias multiformes vem da física vertiginosa do século XX, que afirma que nossas

percepções de tempo e espaço não são, como acreditávamos, verdades absolutas.” Assim,

através da ação efetiva do interator de um lado, e dos agentes inteligentes de outro,

90 Contrapondo à ideia de usuário, o conceito de interator vem sendo utilizado para caracterizar o sujeito que

atua de forma dialógica com as realidades dos meios digitais. Assim, ao invés de se ter um sujeito que estabelece

uma relação restrita ao uso de um objeto ou mecanismo, tem-se um sujeito que estabelece um processo

bidirecional de interação com eles. Num primeiro momento, esse sujeito é aquele que improvisa os caminhos

determinados pelo autor e pelas obras das mídias interativas. Num segundo momento, se estabelece como

coautor ao se consolidar um processo de comunicação em que os elementos envolvidos podem emitir respostas

abertas, não pré-definidas anteriormente por um dos envolvidos e ainda, com suas ações, o sujeito tem condições

de interferir e transformar o próprio produto, a que a interatividade é inerente. 91 Aarseth (2005) define esse tipo de construção como literatura ergódica. Para esse autor, a literatura ergódica é aquela em que o “leitor” tem uma relação ativa com o texto, ou seja, modifica-o com sua utilização pessoal.

Nesse tipo de literatura, as escolhas do “leitor” têm um papel fundamental no andamento e na apropriação do

conteúdo. O leitor/utilizador efetua uma sequência semiótica em um movimento de construção seletivo,

assumindo uma responsabilidade noemática na geração do texto.

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estabelece-se uma forma de narrativa dentro de uma nova representação estética do tempo e

do espaço.

Cada meio de expressão tem seu próprio padrão de desejos, sua própria maneira de entreter, de criar beleza, de apreender o que sentimos ser

verdadeiro a respeito da vida; sua própria estética. Uma das funções dos

artefatos iniciais é despertar o público para esses novos desejos, criar a

demanda por uma intensificação dos prazeres específicos que o meio tem a oferecer. Conseqüentemente, o próximo passo para compreender que

encantos ou perigos a narrativa digital trará consigo é olhar mais de perto

seus prazeres característicos, julgar em que aspectos eles dão continuidade às tradições narrativas anteriores e de que maneiras eles oferecem acesso a uma

nova beleza e a novas verdades sobre nós mesmos e sobre o mundo em que

vivemos. (MURRAY, 2003, p. 96-97)

Considerando essa abordagem, Murray estabelece o que seriam os três princípios básicos de

uma estética do digital: a agência (ou agenciamento), a imersão e a transformação.

Valendo-se da perspectiva psicológica dos estudos de Turkle (1997) em torno do mundo

digital, Murray (2003) desenvolve a ideia de agency92

. Para essa autora, experimenta-se do

agenciamento quando uma dada ação se apresenta como resultado tangível, e esse resultado

acarreta uma satisfação de empreendimento na tal ação e ainda, quando se tem a percepção de

que o resultado foi devido a um processo de decisões ou escolhas próprias.

Machado (2002)93

afirma que agenciar é “experimentar um evento como seu agente, como

aquele que age dentro do evento e como o elemento em função do qual o próprio evento

acontece”. Ou seja, a atitude do interator é determinante na construção do enredo que, por sua

vez, será determinado por suas ações e sua capacidade de assumir papéis que modificam as

tramas da narrativa.

Nesse sentido, o agenciamento representa a ideia de participação no contexto narrativo,

usufruindo de algum grau de satisfação por exercer ações significativas. Dessa forma, na

condição de uma espécie de colaborador, estabelece-se a possibilidade de cocriação em uma

obra aberta e dinâmica que se reconstrói a cada ato (SANTAELLA, 2004).

No entanto, ressalta Murray (2003, p. 128),

92 A tradução literal para o termo agency é agência, porém, em Machado (2002) o termo é traduzido como

agenciamento e usado com o mesmo sentido de agência. 93 Disponível em:

<http://galaxy.intercom.org.br:8180/dspace/bitstream/1904/18810/1/2002_NP7MACHADO.pdf>.

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devido ao uso vago e difundido do termo ‘interatividade’, o prazer da

agência em ambientes eletrônicos é freqüentemente confundido com a mera habilidade de movimentar um joystick ou de clicar com um mouse. Mas a

atividade por si só não é agência.

A autora chama a atenção para o fato de que nem toda ação que resulta em alguma atividade

no mundo digital corresponde a um agenciamento, ou que tenha alto grau de agenciamento.

Existem ações que podem não estar relacionadas às intenções e escolas do usuário. O

agenciamento ocorre frente a estados de opções e escolhas do usuário. Assim, o simples clicar

do mouse sobre um ícone, que resulta na abertura de um documento na tela do computador,

significa uma ação de grau de agenciamento ínfimo. Nesse caso, a ação não foi em função de

escolhas que resultariam em outras escolhas, mas num efeito pré-programado e invariável. Ou

seja, não há alterações no curso dos acontecimentos.

Segundo Murray (2003), o agenciamento vai além da participação e da atividade. O

agenciamento está no âmbito estético e, como tal, está vinculado a promover algum grau de

satisfação, ao prazer estético. Nesse sentido, o agenciamento é oferecido a um grau limitado

nas artes tradicionais. Isso porque, apesar de haver um alto grau de possibilidade de prazer

estético, há um baixo grau de atuação do “leitor”. É nesse sentido que a interatividade é

intrínseca ao agenciamento.

Para essa autora, uma das formas de experimentar o agenciamento é “navegando” no espaço

cibernético. A simples percepção da própria destreza em deslocar-se no interior de paisagens

virtuais pode ser prazerosa, independente do conteúdo dos espaços que percorre.

Esse deslocar no ciberespaço pode ser sob uma configuração labiríntica espacial, que

incentiva a explorar os ambientes, ou psicológica, que requer tomada de decisões. Nesse caso,

busca-se uma solução final única, que leve para fora do labirinto. No entanto, na medida em

que se move, desperta no sujeito a sensação de que suas ações são significantes no espaço

virtual. Assim, o prazer estético virá da junção dessa percepção de ator direto da ação com a

solução de problemas cognitivos e situações imprevistas com que vai se deparando pelo

caminho.

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Se, por sua vez, a estrutura se apresenta de forma rizomática, mesmo que sob uma configuração

labiríntica, tem-se ampliadas as possibilidades de navegação, com um grau de abertura maior, e

não apenas uma entrada e uma saída.

[...] os sistemas de hipertexto aparecem como as práticas de um movimento

conceitual que... rejeita as hierarquias autoritárias, “logocêntricas” da

linguagem, cujos modos de funcionamento são lineares e dedutivos, e procura, ao invés disso, sistemas de discurso que admitam a pluralidade de

significados, em que os modos operacionais sejam hipóteses e jogos de

interpretação. (MOUTHROP, 1988, p. 1)94

Pode-se ampliar ainda mais o agenciamento de um ambiente virtual se, aliado a uma estrutura

rizomática, tem-se a possibilidade de redefinir os propósitos no ambiente segundo a vontade do

usuário, a partir das opções disponíveis. O prazer virá com o comportamento autônomo na ação

construtiva que se instaura no processo de apropriação de “materiais” disponíveis e na

redefinição de seu uso conforme o interesse do usuário.

Amplia-se ainda mais o agenciamento no ciberespaço, caso seja dado ao usuário o sentimento

de autoria.

Construir espaços e mover-se através deles de uma maneira exploratória

(quando feito por vontade própria e não para encontrar o consultório do

dentista ou o portão de embarque correto no aeroporto) é uma atividade agradável independentemente de o espaço ser real ou virtual. (MURRAY,

2003, p. 130)

Num ambiente virtual, a autoria está vinculada à ideia de se escrever o próprio texto com as

regras pelas quais o texto se desenvolve, ou seja, criar as propriedades dos objetos e toda a

potencialidade geradora no mundo virtual, bem como as diretrizes processuais pelas quais se

estabelecerão as relações entre as entidades desse mundo, o computador e o usuário. E, ainda,

criar as regras que guiarão o interator e os acontecimentos gerados em resposta às suas ações.

Nesse sentido, o interator, seja como navegador, protagonista, explorador ou construtor, passa

a ser um autor de seu desempenho dentro de um sistema de contextos eletronicamente

gerados, ou, ainda, será o arquiteto de parte de um mundo virtual, gerando novas

possibilidades narrativas.

94 “Seen from the viewpoint of textual theory, hypertext systems appear as the practical implementation of a

conceptual movement that ... rejects authoritarian “logocentric” hierarchies of language, whose modes of

operation are linear and deductive, and seeks instead systems of discourse that admit a plurality of meanings

where the operative modes are hypothesis and interpretive play.”

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Nesse sentido, Murray (2003) chama a atenção para o fato de que há uma distinção entre essa

autoria e a autoria original do próprio sistema95

. O interator não é autor da narrativa digital,

mas adquire o status de coautor e, dessa forma, pode experimentar “um dos aspectos mais

excitantes da criação artística – a emoção de exercer o poder sobre materiais sedutores e plásticos.

Isso não é autoria, mas agência.” (MURRAY, 2003, p. 150)

Sentimento semelhante se dá frente a uma narrativa excitante que pode ser experimentada

como uma realidade virtual, sendo essa narrativa apresentada em qualquer meio. Segundo

essa mesma autora, o cérebro humano está programado para sintonizar-se aos universos de

histórias de tal modo e intensidade que tem a capacidade de desvincular o sujeito do mundo à

sua volta. Essa é uma perspectiva ancestral do desejo humano de vivenciar uma fantasia

(MURRAY, 2003).

Assim, quanto mais persuasiva for a representação de sensações num ambiente ficcional, mais

o sujeito se sentirá presente nesse ambiente, e maior será o agenciamento, denotando um

maior desejo do sujeito em ampliar as ações nesse ambiente.

A experiência de ser transportado para um lugar primorosamente simulado é

prazerosa em si mesma, independentemente do conteúdo da fantasia.

Referimo-nos a essa experiência como imersão. “Imersão” é um termo metafísico derivado da experiência física de estar submerso na água.

Buscamos de uma experiência psicologicamente imersiva a mesma

impressão que obtemos num mergulho no oceano ou numa piscina: a sensação de estarmos envolvidos por uma realidade completamente estranha,

tão diferente quanto a água e o ar, que se apodera de toda a nossa atenção, de

todo o nosso sistema sensorial. (MURRAY, 2003, p. 102)

A imersão está diretamente vinculada à sensação de preenchimento dos espaços

extracorpóreos, indo além dos corpos físicos e do mundo à sua volta. São espaços que os

corpos físicos não podem preencher devido a suas limitações estruturais biológicas. Tem-se a

imersão apenas com um inundar da mente com sensações, numa superabundância de

estímulos sensoriais. Nesse sentido, como afirma Turkle (1997), com o computador,

95 Murray (2003, p. 150) chama essa autoria original pelo nome de autoria procedimental que, “significa

escrever as regras pelas quais os textos aparecem tanto quanto escrever os próprios textos. Significa escrever as regras para o envolvimento do interator, isto é, as condições sob as quais as coisas acontecerão em resposta às

ações dos participantes. Significa estabelecer as propriedades dos objetos e dos potenciais objetos no mundo

virtual, bem como as fórmulas de como eles se relacionarão uns com os outros. O autor procedimental não cria

simplesmente um conjunto de cenas, mas um mundo de possibilidades narrativas.”

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potencializou-se o acesso irrestrito às emoções, aos pensamentos e mesmo a comportamentos

que na vida real estão no âmbito do proibido.

Muitos dos ambientes gerados digitalmente são simulacros espaço-temporais nos quais o ser

humano experimenta estar em outros mundos, regidos por outras regras e normas. Segundo

Baudrillard (2001), esse universo permite ao homem transgredir códigos da primeira

realidade96

, sem com isso ser penalizado por violar as leis. São ambientes que possibilitam

que o ser humano se liberte das limitações naturais, indo até mesmo além daquelas

estruturadas moral ou psicologicamente.

No ambiente digital, a imersão relaciona-se a aspectos desse ambiente (como áudio, gráficos e

os aspectos narrativos) que atraem o interator para ele. Esses aspectos atuam na crença do

sujeito, levando-o a acreditar que aquele ambiente é real. No entanto, entrar num mundo

ficcional não é suspender uma faculdade crítica. Não é um desacreditar. Estar imerso num

mundo imaginário é permitir à mente que se renda, de forma prazerosa, a esse mundo, porém,

exercendo uma faculdade crítica, no sentido de criar uma crença sobre o que se vive. Essa

crença parte do desejo de se deixar ser “absorvido” por aquele contexto e vivenciá-lo. Para tal,

a atenção é concentrada no mundo envolvente e suas vicissitudes, ao mesmo tempo em que se

usam processos cognitivos para reforçar a veracidade da experiência.

Desse modo, narrativas imersivas atuam como um convite permanente para que se participe

da história de forma ativa, tendo à mão um elenco de elementos que servem para rastrear e

recompensar a atenção despendida para dar consistência à imaginação. Se tal narrativa

permite que o sujeito assuma uma identidade alternativa (avatar), exercendo um papel no

ambiente digital, o estado de imersão é ainda mais potencializado.

Os papeis são uma combinação de fantasia pessoal e convenções que são aceitas e

reconhecidas coletivamente. Se bem definidos, os papeis fornecem condições para que cada

96 Bystrina (1995) denomina primeira realidade à realidade comum a todos os seres vivos e à natureza em

geral. Para o ser humano, essa realidade é vivida segundo códigos biológicos e sociais necessários à sua

sobrevivência física. Para sua sobrevivência psíquica, o homem cria, graças à sua competência simbólica, a

segunda realidade. Essa realidade é exclusiva do ser humano, é onde nasce a cultura. Nessa realidade

predominam os signos denominados terciários. Esses, por sua vez, são códigos responsáveis pelos arranjos

simbólicos e textuais e vão além da técnica, do utilitarismo e das necessidades biológicas. São textos criativos/imaginativos, são imprescindíveis à sobrevivência cultural. São todas as criações humanas baseadas em

signos de sensação, como os fenômenos e objetos estéticos e as especulações filosóficas. Nesse território estão

também as criações para superar os problemas trazidos pela ação desses códigos, tais como os mitos, as

religiões, a educação e os meios de comunicação de massa.

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sujeito construa ativamente sua crença no mundo ilusório. E se os ambientes dessas narrativas

são compartilhados coletivamente, haverá um reforço coletivo nessa crença, formando “um

poderoso círculo de encantamento” (MURRAY, 2003, p. 119).

A grande vantagem de ambientes participativos na criação da imersão é sua capacidade de induzir comportamentos que dão vida a objetos imaginários.

O nosso engajamento bem-sucedido com esses objetos sedutores é feito de

pequenos circuitos de realimentação que incitam a um engajamento ainda maior, o qual, por sua vez, conduz a uma crença mais sólida. (MURRAY,

2003, p. 113)

Maior engajamento e solidez nessa crença são dados ao sujeito se o ambiente e a narrativa

possuem elementos com maior verossimilhança. Além disso, resultará em algo ainda mais

prazeroso de se fazer, se esses elementos e o sujeito forem colocados dentro de momentos

dramáticos, de forma que intensifiquem a sensação de participação imersiva e/ou que lhe

sejam dadas condições de atuar como coautor dos contextos narrativos.

Ryan (2001) considera a imersão a partir da relação imaginativa e o universo textual. Sob essa

perspectiva, a imersão é a experiência pela qual o sujeito passa de tal modo que o mundo

ficcional adquire uma manifestação autônoma. Nesse sentido, a autora caracteriza três tipos

de imersão textual, aos quais Santos (2010) acrescenta mais um, ao considerar o universo

hipertextual:

Imersão espacial: sob esse aspecto, o interator desenvolve senso de lugar, adquirindo o

sentimento de estar no local em que os acontecimentos da narrativa acontecem,

compartilhando esse espaço com os personagens.

Imersão temporal: o interator se envolve com os eventos da narrativa de tal forma que

desenvolve um estado de ansiedade com relação aos acontecimentos subsequentes.

Imersão emocional: nesse sentido, a imersão está vinculada ao apego afetivo do interator para

com o personagem, ou avatar, como se este participasse das experiências humanas.

Imersão sinestésica: o interator liga-se ao personagem de tal forma que os movimentos de

um refletem, inconscientemente, nos movimentos do outro.

Segundo Murray (2003), para entrar num mundo imersivo e exercer agência nesse mundo, é

necessário que a narrativa seja adequada para lidar com a multiplicidade inerente aos

ambientes computacionais. Esses ambientes se estruturam num mosaico constituído dos

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vários meios comunicacionais e possibilidades narrativas, criando o que Murray (2003, p.

154) chama de “estrutura caleidoscópica”.

Funcionando com base nessa estrutura, o computador combina a multiplicidade das diversas

mídias e proporciona uma maneira característica de lidar com cada uma delas e relacioná-las.

Trata-se de um caleidoscópio multidimensional no qual se pode rearranjar os fragmentos

indefinidamente, o que permite ao usuário deslocar-se entre os possíveis caminhos fluidos

daquela organização.

O computador captura processos e, portanto, está sempre nos sugerindo

processos, mesmo quando está apenas exibindo informações. Tudo que vemos em formato digital – palavras, números, imagens, animações – torna-

se mais plástico, mais suscetível a mudanças. (MURRAY, 2003, p. 153)

Sob essa perspectiva, abre-se a possibilidade de deslocar a narrativa de uma linearidade para

um estado em que é possível a apresentação de ações simultâneas e de múltiplas formas. Essa

forma narrativa é possuidora de grande densidade espacial e continuidade temporal, que

ampliam o poder imersivo no interator, reforçando sua crença.

Assim, enquanto a máquina permite uma transformação estrutural, seja dela mesma ou das

narrativas de seus textos, transforma também as formas de lidar com essas estruturas e aquele

que lida com elas. Mateas (2000)97

salienta três significados distintos para o que Murray

(2003) classificou como um dos três princípios estéticos dos meios digitais: a transformação.

São eles:

Transformação no sentido de máscara: está vinculada à possibilidade de modificação de

identidade. O interator pode adotar múltiplas identidades.

Transformação no sentido de variedade: está relacionada à possibilidade de variação

temática e aquisição de conhecimentos. Vários temas podem ser explorados, cada um ao

máximo, resultando em aquisição de conhecimentos gerais e específicos.

Transformação no sentido pessoal: relaciona-se ao processo de transformação do sujeito.

Seja na lida com o ambiente/narrativas, seja com outros sujeitos, o interator é induzido a

passar por transformações da subjetividade pessoal.

97 A autora relaciona esses três significados especificamente quando está tratando dos games. Aqui apresentamo-

los de forma generalizada para os ambientes digitais imersivos, que têm nos games de última geração os

melhores representantes.

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O que se tem, portanto, é um meio transformador e de formas mutantes, em que os objetos

podem assumir múltipas representações e, desse modo, como afirma Murray (2003, p. 153),

“trazem à tona os prazeres pela variedade em si mesma”. Assim, as narrativas imersivas se

estabelecem mediante convenções próprias, no sentido de exercer agência e levando em conta

a mutabilidade e os prazeres que se buscam numa literatura de transformações.

Essa perspectiva narrativa remete o interator a vivenciar histórias plurais e mutáveis,

possibilitadas pelo poder caleidoscópico do computador. Essas circunstâncias provocaram e

provocam transformações na maneira de perceber a realidade. Segundo Murray (2003), não se

acredita mais numa realidade singular, numa abordagem do mundo sob uma visão única e

integradora, ou mesmo sob um só ângulo de percepção. No entanto, o ser humano não se

desprendeu do desejo de fixar a realidade e expressar tudo o que vê e percebe, de modo

integrado e simétrico. Será no universo caleidoscópico da tela do computador que o mundo

poderá ser apreendido nas suas múltiplas perspectivas, na sua complexidade, proporcionando-

lhe coerência.

Assim, para lidar com as narrativas geradas nesse universo, exige-se do interator desenvolver

a capacidade caleidoscópica de sua mente e sua capacidade imaginativa, tomando como ponto

de partida múltiplos pontos de vista. A imaginação se desenvolverá cada vez mais livre na

medida em que os ambientes imaginativos e evocativos forem mais flexíveis. Nesse sentido,

tais ambientes facilitam que o sujeito lance suas questões emocionais e, lá, “jogue” com elas

de várias maneiras, até que sejam esclarecidas, proporcionando, assim, a transformação desse

sujeito.

As histórias certas podem abrir nossos corações e mudar aquilo que somos. As narrativas digitais acrescentam um novo e poderoso elemento a esse

potencial, oferecendo-nos a oportunidade de encenar as histórias ao invés de

simplesmente testemunhá-las. (MURRAY, 2003, p. 166)

2.3 Algumas considerações

Ao se considerar o conceito de agencement de Deleuze e Guattari (1977), pode-se verificar

que o game se constitui como um arranjo complexo em meio a um vasto universo de saberes e

entidades. Sob uma estrutura rizomática dinâmica, amplia suas conexões, na medida em que

conforma novas possibilidades de realizá-las. Entre territorializações, desterritorializações e

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reterritorializações, os games definem e redefinem-se, aglutinando elementos que os fazem, a

cada momento, instâncias estratificada de um arranjo e representações abstratas de regime de

signos.

Na medida em que atua como um agencement, os games ampliaram quantitativa e

qualitativamente os processos interativos. Por um lado, eles se estabelecem numa

multiplicidade de dimensões técnicas, de saberes e mesmo institucionais, o que propicia um

maior número de interações distintas dentro desse universo complexo. Por outro, incorporam

uma estética característica do universo digital, evidenciada pela ação direta no “leitor” por

meio dos contextos narrativos98

apresentados por eles, games. É nesse sentido que Murray

(2003) apresenta os três princípios estéticos do universo digital.

Com o gradual aumento da interatividade, os games passaram a “convocar” cada vez mais

intensamente o usuário a imergir e participar ativamente de seu contexto. Dessa forma,

deslocou esse usuário da posição de relativa passividade do leitor para uma posição de ator, e

mesmo de coautor ou autor dos contextos narrativos dos games. Segundo Santaella (2001, p.

394), ao se considerar uma hipermídia e, portanto, os games, “quanto maior a interatividade,

mais profunda será a experiência de imersão do leitor, imersão que se expressa na sua

concentração, atenção e compreensão da informação.” Imersão que corrobora o agency, o

desejo e o prazer de participar ativamente da dinâmica do game, e potencializa

transformações múltiplas no sujeito.

Sobre as transformações, principalmente no que tange ao universo criativo, às quais o sujeito

usuário dos games está potencialmente à mercê, tratará o próximo capítulo.

98

Longe das discussões travadas entre narratologistas e ludologistas, optou-se aqui por adotar o pensamento que

considera o game como um espaço propício ao desenvolvimento de narrativas sofisticadas e diferenciadas dos meios tradicionais. Há algum tempo tem havido um embate entre aqueles que consideram que os jogos são uma

forma de narrar – narratologia – e aqueles que discordam dessa opinião – ludologia. Entre os narratologistas

estão, entre outros, Janet Murray (2003) e Henry Jenkins (2009). Já entre os ludologistas, está a chamada Escola

Escandinava de Ludologia, em que se destacam Espen Aarseth (2005) e Jesper Jull (2003).

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3 Imaginar... Abduzir... Criar!

Os conceitos trabalhados no capítulo anterior permitiram construir a ideia que se estabelece na

relação direta entre o agenciamento como estruturação de arranjos e o agenciamento como

possibilidades de ação ativa no universo digital. Essa relação se dá com o aumento da

complexidade e multiplicidade nos games, que permitiram o aumento das possibilidades

interativas e emissivas, que, por sua vez, possibilitam transformações múltiplas no sujeito

interator. Dentro desse contexto, o presente capítulo abordará conceitos pertinentes à

criatividade, sua gênese e seu desenvolvimento. Procurará, ainda, entender como se dá o ato

criativo e a relação do contexto e do sujeito cognoscente na geração do novo.

3.1 Do estado criativo

Desde o início do séc. XIX, quando Jean-Baptiste Lamarck [1744-1829] sugeriu a primeira

teoria evolucionista, outras propostas foram aventadas quanto ao surgimento e

desenvolvimento das espécies. Mesmo que Charles Darwin [1808-1882] tenha sido um dos

maiores responsáveis por sistematizar uma teoria evolucionista amplamente aceita, outros

tantos a redimensionaram e ajustaram à medida que as ciências avançaram. Basicamente, as

ideias que vêm perdurando até hoje e que, com tais ajustes, chegaram ao que foi chamado de

neodarwinismo (ou teoria sintética da evolução), tem como fatores principais, que culminam

na evolução, a seleção natural, as mutações e as combinações gênicas.

No entanto, os avanços mais recentes da ciência, em especial no âmbito da microbiologia, da

bioquímica e da biologia molecular, têm inspirado e forçado uma revisão dessas ideias e

teorias. As concepções mais determinísticas de uma evolução linear e contínua vêm sendo

repensadas como sistemas compostos por sistemas interagindo com outros sistemas em uma

rede complexa. Sob essa visão, a evolução não é tida como resultante isolada de mutações

aleatórias e de seleção natural, mas de um processo criativo da vida, numa multiplicidade e

complexidade sempre crescentes. Nesse processo inerente a todos os sistemas vivos, não se

descarta a importância da mutação e da seleção natural sobre a evolução biológica, mas

ressalta-se, como ponto de convergência, a criatividade. “A criatividade – a geração de

configurações que são constantemente novas – é uma propriedade-chave de todos os sistemas

vivos.” (CAPRA, 2006, p. 178)

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Sob essa perspectiva, a tendência criativa da evolução foi forjada muito antes do surgimento

dos primeiros animais. Isso equivale a dizer que as bases das variações e da criatividade se

encontram nas bases da vida, e estão presentes em qualquer célula viva, ou mesmo nos mais

complexos dos animais. Ou seja, a evolução é o resultado da tendência inerente da vida para

criar novidade. Tais novidades estão aptas a adaptações às condições ambientais em mudança,

porém, poderão ou não se submeter a elas.

A origem da vida no planeta Terra foi a mesma para todos e para cada espécie, diversificando-

se e traçando uma história particular ao longo do tempo. Será graças ao processo evolutivo,

ancorado no ilimitado potencial criativo da natureza, que a vida desse planeta será conduzida

ao aparecimento dos primeiros primatas, há cerca de 70 milhões de anos. Destes,

aproximadamente 65 milhões de anos se passarão até que, entre milhares de ramificações,

com aparecimento e desaparecimento de espécies hominídeas, surjam os primeiros

representantes do gênero Homo.

Alterações na geologia do continente africano, onde já se sabe ter surgido o gênero Homo,

propiciaram condições ambientais diversas impondo desenvolvimento e adaptações

morfológicas diferenciadas. Postura ereta, oposição do polegar aos demais dedos da mão e

capacidade craniana aumentada possibilitaram maiores condições de sobrevivência.

Relacionar-se com o mundo era um problema de sobrevivência como indivíduo e de

perpetuação da espécie, e esse estado de coisas remetera aquelas criaturas a uma nova

dimensão existencial: o desenvolvimento da consciência, um dos principais atributos que

proporcionaram ao humano traçar um caminho evolutivo distinto de outros primatas. O

momento em que o ser humano passou a ter consciência de si mesmo é o momento em que se

percebe como um indivíduo entre muitos outros.

Será essa a base para se inserir no universo psicológico e cultural, que só se torna possível

com o desenvolvimento da massa encefálica. O desenvolvimento cerebral proporcionou o

desenvolvimento da capacidade organizadora e, com isso, possibilitou a regressão dos

comportamentos geneticamente programados, abrindo espaço para a introspecção (MORIN,

1999).

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Segundo Maturana (1997), um indivíduo é um sistema autopoiético, capaz de produzir seus

próprios componentes e de regular a si mesmo. No caso do sujeito humano, essa autopoiése é

potencializada no momento em que passou a ser possuidor de um sistema nervoso fechado e

plástico operando em congruência com o seu organismo. Porém, essa conformação não está

submetida somente a características internas dos sistemas do sujeito, mas também, às suas

vicissitudes em seu meio. Essas vicissitudes originam um histórico de interações estabelecidas

por um acoplamento estrutural entre organismo e meio, ou mesmo entre organismos.

Assim, por um lado, a necessidade de produzir artefatos que o auxiliassem em suas atividades,

de forma a permitir-lhe adaptar-se ao meio, serviram de grande estímulo para que aquele

primata desenvolvesse uma mente introspectiva. Por outro lado, a necessidade de criar

estratégias de caça, tendo de interagir em grupo e viver em cooperação, estimulou aqueles

indivíduos intelectualmente, refletindo no desenvolvimento de técnicas cada vez mais

eficientes de convívio e comunicação.

A caça nos tempos mais primitivos, quando o homem ainda era mais fraco

que sua presa, deve ter exigido a máxima concentração física e mental.

Nossa concentração e a posição de dependência do homem ao seu ambiente natural produziram uma atitude mental específica, já que a inferioridade do

ser humano precisava ser compensada por um senso de superioridade

artificialmente induzido por uma exacerbação do ego. (LOMMEL, 1979, p. 14)

Na busca de suprir suas necessidades básicas como espécie animal, de se manter são e se

perpetuar como espécie, adaptações e transformações ocorreram, sempre vinculadas ao tempo

e aos contextos geográficos. Assim, a vida biológica humana passou a acontecer na cultura, e

esta, a determinar o modo de vida biológico. Nesse sentido, os conceitos vão sendo

incorporados ao comportamento humano por meio de simbolizações, ingredientes essenciais

de todo comportamento organizado.

É nesse sentido que se pode considerar que o caráter primordial do humano se origina no uso

simbólico – o que permite afirmar que foi o símbolo que transformou nossos ancestrais

antropomorfos em homens e os fez humanos. A capacidade de atribuir significados é uma das

principais características humanas. O ser humano, além de criar e atribuir sentidos,

desenvolveu a capacidade orgânica de usar símbolos, o que proporcionou o surgimento da

cultura.

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Dentro desse contexto, o homem cria instrumentos e ferramentas para satisfazer suas

necessidades e passa a depender da produção deles. À medida que novas necessidades

surgem, novas atividades culturais e novas simbolizações aparecem. Ou seja, as

simbolizações são inerentes ao comportamento cultural. São as modificações do organismo,

originalmente como impulso psicológico, transformadas em valores culturais.

Mais uma vez a natureza inova, dando à criatura a autonomia de criar. Neste ponto, é

interessante ressaltar o fato de que o uso criativo dos objetos da natureza e a criação de outros

tantos transformam a natureza humana. Ao mesmo tempo em que a criação e produção

prosperam, desenvolve-se a cultura humana com toda a simbolização que resultará na

linguagem, religiões, artes, ciências etc.

A sobrevivência humana foi possível graças ao desenvolvimento da capacidade de criar

signos, que, por sua vez, proporcionou a criação de ferramentas, o uso e aprimoramento da

linguagem, o estabelecimento de regras de convívio, de solidariedade e de sociabilidade, ou

seja, de tudo aquilo que se entende por cultura e a maneira como se opera a cultura. A cultura

é essencialmente semiótica, sendo o homem “um animal amarrado a teias de significados que

ele mesmo teceu.” (GEERTZ, 1991, p. 15)

A partir daí, passa a existir a percepção de uma dicotomia entre natureza e humano. Isso leva

o ser humano a se perceber, concomitantemente, como objeto e, acima de tudo, como sujeito,

com uma consciência que brota objetiva e subjetiva.

Para Lukács (1979), somente com a intervenção da subjetividade é possível definir escolhas,

dentre as muitas alternativas apresentadas pela objetividade. Caso contrário, a objetividade

estaria permanentemente sujeita às suas lógicas internas ou submetidas ao acaso. Será pela

subjetividade que surgirá o homem social. Sua história é a história da intervenção da

subjetividade na objetividade. É na relação subjetividade/objetividade que se consubstancia o

sujeito e, com ele, seu poder de ação, limitado pela própria objetividade, limites esses

expressos pelas leis naturais.

Isso não quer dizer, conforme Guattari e Rolnik (1986) e Deleuze (2000), ter-se o sujeito

destacado dos objetos do mundo ou de uma realidade psíquica criada a partir de uma realidade

pensada exterior ao sujeito e dele separada. Nesse sentido, sujeito e objeto se constituem

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mutuamente num plano de forças em que sujeito e mundo vão se construindo mutuamente.

Daí brota a subjetividade, como um processo de produção direcionado aos modos de

existência do sujeito, seu agir, seu sentir, e de ver e expressar o mundo. Interiorizando o

mundo, o sujeito produz esse mundo e a si mesmo.

A instância assim instaurada da consciência proporcionará uma nova dimensão do problema

do existir: a existência do indivíduo como sujeito psicológico. Nesse sentido, a consciência

leva à percepção da irreversibilidade do tempo e de que o meio não propicia informações

completas sobre as coisas e sobre o próprio indivíduo. É na busca de encontrar as respostas e

preencher lacunas que a consciência procura delinear os limites tênues das verdades.

Portanto, a realidade psíquica contém, desde seus primitivos estágios ontogenéticos,

predisposição para interpretar o mundo, seja ele físico ou social, de forma particular e,

também, predisposição para agir sobre tais interpretações. Assim, entre a dicotomia

real/imaginário vão sendo criados as ideias, os mitos e as regras. Dessa forma, o ser humano

integra em si realidades culturais, portanto simbólicas. Ou seja, por meio de um processo

semiótico o sujeito se constitui, assim como à cultura.

Segundo Peirce (1972), um signo não é uma classe de objetos e, sim, aquilo que representa

um objeto na mente humana99

durante o processo semiótico. Representar, para Peirce (2000,

p. 61), “é estar no lugar de, isto é, estar numa relação com um outro que, para certos

propósitos, seja considerado por alguma mente como se fosse outro.”

Ou, como apresenta Santaella (1996, p. 60):

um signo só é signo porque esse corpo material que o constitui está para

alguma coisa que não é ele mesmo. Ele só funciona e age como signo porque

substitui, representa, está no lugar de alguma coisa que não é ele. Nessa

medida, o signo é tão material quanto aquilo que chamamos de realidade, ao mesmo tempo que carrega o poder de representar para alguém isso que é

chamado de realidade.

99 Segundo Santaella (2001), Peirce concebe a mente como um conceito lógico, e não psicológico. Como tal, é

sinônimo de mediação, algo capaz de traduzir um signo em outro signo.

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A realidade exterior, todas as coisas, materiais ou imateriais, fazem sentido ao ser humano

como resultado de uma soma de signos possíveis. Isso porque os signos se interpõem entre o

homem e o real, produzindo e reproduzindo outros signos.

O homem cria e recria seu arsenal simbólico, que tem a propriedade de se multiplicar

infinitamente. O processo de significação é evolutivo, crescente. Nesse processo, o signo

transforma-se em outro signo, num processo de inter-relações lógicas e abstratas entre seus

elementos, responsáveis por criar uma representação dos objetos na mente humana.

Por meio de seu crescente arsenal, o homem se torna capaz de gerar e conservar suas ideias,

comunicá-las a outros sujeitos e transmiti-las aos seus descendentes como herança

cumulativa, fruto de suas experiências. Nesse sentido, vale dizer que a cultura só foi possível

devido ao pensamento e comportamento simbólicos do ser humano, que, ao contrário de

outros animais, desenvolveu a inteligência e, principalmente, a imaginação e as habilidades

para lidar com elas.

3.2 Da imaginação criadora

A humanidade, segundo Castoriadis (2006, p. 66), “emerge do Caos, do Abismo, do Sem-

Fundo. Emerge enquanto auto-criação, fruto do trabalho incessante da imaginação.” O ato de

criar, pois, é precedido da capacidade imaginativa. Bachelard (1993, p. 142) acrescenta que “a

imaginação corresponde ao poder constitutivo do homem e se revela como sujeito de seus

atos”. Nesse sentido, a imaginação se estabelece como um dos fundamentos da existência

humana, existência essa confirmada frente a suas imagens psíquicas, já sedimentadas em suas

mentes, pois surgem no interior mais profundo do psiquismo humano. A imaginação é

geradora de imagens e de pensamentos, origina-se no universo das pulsões, precede o

pensamento organizado e claro.

A imaginação é a capacidade que os seres humanos possuem de emprestar a alguma coisa

uma qualidade que ainda não tem. É a capacidade de dar sentido, de transformar. É

demiúrgica, criadora de novas sintaxes, de novos jogos de signos, indo além dos sentidos

habitualmente dados pelos discursos do real.

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Quando Kant (1987) considerou que imaginação não é uma representação do sensível, e sim

parte das condições de possibilidades do conhecimento objetivo, ele já estabelecia que a

imaginação deveria ser encarada como um estatuto decisivo no sistema das faculdades da

mente humana. Sob essa perspectiva, a imaginação é a faculdade das imagens e, como tal,

tem a capacidade de intervir na sensação, onde a imagem se produz, e na memória, onde se

reproduz. Nesse contexto, a imaginação adota um caráter lógico formal, e será sempre o

resultado do exercício constante da abstração.

Sob esse aspecto, a imaginação é a faculdade de invenção e de renovação. Ela se expressa

num caráter material e dinâmico, em que o homem torna-se um ativo interventor das coisas.

Esse homem demiurgo é um artífice dentro de um mundo que se traduz como constante

provocação concreta (BACHELARD, 2001b). Nesse sentido, o espírito humano está em

constante reformulação. O espírito se transforma mediante os obstáculos, as tensões, o

dinamismo das ações e das dificuldades. É a ação do sujeito, frente às contingências de um

contexto, a responsável por estimular a imaginação, dando subsídios ao espírito humano a se

reformular.

A articulação da imaginação racional e daquela oriunda das experiências do sujeito é que

orienta a intervenção humana sobre a realidade. Para o ser humano, não haveria realidade

alguma se não estivesse dotado de imaginação. É através da imaginação que o homem forma

imagens que transcendem a realidade, descrevem a realidade e permitem que ultrapasse sua

própria condição humana. A imaginação, pois, não é a faculdade humana que apenas forma

imagens da realidade: é a faculdade de formar imagens que ultrapassam a realidade.

Nesse sentido, há uma imanência do imaginário no real, em um fluxo contínuo do real ao

imaginário. A imaginação se processa mobilizando ideias primárias conhecidas, libertando-as

delas mesmas e modificando-as. Assim, se estabelece como processo criador que reconstrói

ou transforma o real. Transformar o real, nesse ponto, não é o mesmo que modificar a

realidade, que consiste no fenômeno físico em si mesmo. Por sua vez, trata-se do real que

constitui as representações mentais da realidade exterior. Dessa forma, libertando-se do real,

como imagens primárias, o imaginário se habilita a inventar, improvisar, simular,

redimensionar tais imagens, aglutinando-as ou, ainda, instaurar correlações entre objetos de

forma inédita e improvável.

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Esse processo, que se constitui na relação entre sujeito e objeto, transita do real, como aparece

ao sujeito, simbolizado em imagens, até a representação possível do real. Essa representação

possível consiste de num potencial contido na diversidade de todas as condições intrínsecas a

algo, ao que Peirce (2000) dá o nome de interpretante.

O termo interpretante tem uma função técnica que visa à precisão e ao rigor. Ao dizer que o signo determina um efeito sobre uma pessoa (ou intérprete),

Peirce está querendo afirmar, genericamente, que o signo não é resultado de

uma atividade subjetiva. O signo não depende de uma atividade individual que venha a introjetar no signo aquilo que lhe falta, isto é, o interpretante. O

signo é capaz de determinar o interpretante porque dispõe do poder de gerá-

lo, ou seja, o interpretante é uma propriedade objetiva que o signo possui em

si mesmo, haja um ato interpretativo particular que o atualize ou não. [...] O devir do interpretante é, pois, um efeito do signo enquanto tal [...].

(SANTAELLA, 1995, p. 85)

Ou seja, a significação do signo é o interpretante, o que equivale a dizer que o interpretante é

o terceiro elemento que, atuando como mediador entre objeto e signo, completa a tríade que

faz emergir a semiose. Assim, o interpretante, através da síntese intelectual frente ao objeto e

o signo, deixa de ser apenas potencialidade para gerar outro(s) signo(s).

Nesse sentido, a imaginação se faz ação antecipatória, orientada para um devir aleatório e

original não previsto. Por sua vez, além dessa perspectiva premonitória virtual, a imaginação

está imbuída de um caráter transgressor do presente que aponta para possibilidades não

realizáveis no presente, porém aptas a se tornarem reais no futuro.

Sob essa perspectiva, a imaginação é criadora, diferente de tê-la apenas como registro passivo

da percepção para, depois, reproduzi-la. Como criadora, revela-se como um poder ampliado

da inventividade. É dessa forma que a imaginação se faz capaz de libertar-se das imagens

inertes, rompendo com as instâncias mais profundas do sujeito e da realidade, materializando

o irreal.

Assim, pode-se dizer que o poder de inventar, de gerar novas formas e criar novas concepções

lógicas conecta a sensibilidade com um modo de saber. Sob esse aspecto, a realidade só pode

ser percebida de forma ativa. Portanto, a imaginação reforça o processo semiótico, como a

capacidade de criar imagens na ausência dos objetos sensíveis. A imaginação, pois, tem por

função conectar os signos às regras do entendimento puro. Ou seja, mediante uma atividade

sintetizante, a imaginação age sobre os signos, de modo a reduzir a um só o diverso

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simbólico. Isso significa que a imaginação, num processo agenciador, coleciona signos ativa e

constantemente, por isso é capaz de dar unidade ao diverso. Ela opera a síntese possível,

mediante a qual se ligam diversidades que receberam a unidade necessária para a construção

do conhecimento.

Dentro dessa perspectiva, Castoriadis (1987, 2006) afirma que a imaginação é a primeira

fonte de criação. Ela, a imaginação, pode ser entendida como uma capacidade humana, que é

a de articular, mentalmente, recursos materiais e lógicos, no sentido de criar e reorientar

significados, num processo permanente e dinâmico. Dessa forma, a imaginação funciona

como um ensaio. Nesse ensaio, a mente articula os dados adquiridos com a experiência do

sujeito, eventualmente aqueles contidos na memória, aqueles da realidade objetiva, no sentido

de constituir novos signos frente às possíveis ações no mundo real. A imaginação não é a

mera capacidade de combinar elementos já dados para produzir outra variante de uma forma

dada; a imaginação é a capacidade de criar formas novas. A imaginação é o que permite criar

o mundo.

3.3 Do sopro criativo

A imaginação humana é uma imaginação que se processa no universo da razão. Nasce da

“capacidade de formular hipóteses, imagens e idéias, na colocação de problemas e nos

métodos infralógicos” (PLAZA, 1998, p. 6-7) e, guiada pelo télos da razão, se estabelece num

processo semiótico crescente. Nesse sentido, o processo imaginativo se desenvolve a partir de

uma imagem mental e, ao gerar uma imagem visual, constitui-se como um processo de

elaboração de conhecimento. Esse processo inicia-se na abdução ao nível de uma quase

consciência, num insight, quando brotam hipóteses, ideias e imagens.

Abdução é o processo de formação de uma hipótese explanatória. É a única

operação lógica que apresenta uma idéia nova, pois a indução nada faz além de determinar um valor, e a dedução meramente desenvolve as

conseqüências necessárias de uma hipótese pura. (PEIRCE, 2000, p. 220) 100

100 Para Peirce (2000, p. 215), “na dedução, ou raciocínio necessário, partimos de um estado de coisas hipotético,

que definimos sob certos aspectos abstratos. [...] consideramos este estado de coisa hipotético e somos levados a

concluir que, não importa como ele possa estar com o universo sob outros aspectos, onde quer que e quando quer

que a hipótese possa realizar-se, alguma outra coisa não explicitamente suposta nessa hipótese será

invariavelmente verdadeira. [...] O fato de isso ser ou não realmente assim é uma questão de realidade, e nada tem a ver com o modo pelo qual estamos inclinados a pensar.”

Por sua vez, “a indução consiste em partir de uma teoria, dela deduzir predições de fenômenos e observar esses

fenômenos a fim de ver quão perto concordam com a teoria. A justificativa para acreditar que uma teoria

experimental, que foi submetida a um certo número de verificações experimentais, será no futuro próximo

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Assim, toda vez que se tem um pensamento, é trazido à consciência algum tipo de sentimento,

imagem, concepção ou outro tipo de representação que se manifesta como signo. Este que,

nas palavras de Santaella (1996, p. 65),

[...] representa alguma coisa, que não é ele mesmo, para alguém. Isto é,

produz nesse alguém um efeito de pensamento ou quase pensamento. Este

efeito já é outro signo. Respondemos ao signo com outro signo. Somos presas dessa cadeia infinita da qual não podemos escapar. [...] Estamos no

mundo como qualquer outro animal, corpos físicos e sensíveis que

respondem e reagem. Contudo, nossas respostas, mesmo quando parecem

diretas e imediatas, são mediadas pelo pensamento que é signo.

Por se tratar de signos, possuem um potencial interpretativo, ou seja, um potencial para gerar

outros signos. Esse potencial, denominado por Peirce, em sua obra, de interpretante, se traduz

indefinidamente em signos/interpretantes, que podem ser interpretantes imediato, dinâmico e

final. O interpretante imediato é a “qualidade de impressão que um signo está apto a produzir,

não diz respeito a qualquer reação do fato” (CP 8.315). É tudo aquilo que um signo está apto a

produzir em uma mente interpretadora. Ou seja, independe de um sujeito interpretador.

Já o interpretante dinâmico é aquele signo/interpretante que se concretiza de forma singular e

particular, adequado ou não, na mente do sujeito. É aquilo que o signo efetivamente produz

em cada mente singular. Esse signo/interpretante se manifesta mediante um processo

dinâmico baseado nas experiências e na realidade do sujeito. Esse processo se inicia valendo-

se de um ponto de instabilidade num universo onde todas as possibilidades existem (caos) e,

na busca de um equilíbrio, realimenta a ação do signo, gerando outros signos, proporcionando

atualizações, podendo ir em direção a um estado final – interpretante final. Ou seja, por sua

vez, o interpretante final é o modo como qualquer mente reagiria ao signo, dadas certas

condições. Melhor dizendo, é uma tendência para o qual o processo dinâmico do signo

aponta.

Esse processo, do estado imediato ao final, salienta o caráter auto-organizacional da mente

que, segundo Peirce, é explicado pela lei da mente. Segundo esse autor,

sustentada quase tanto por verificações ulteriores quanto o tem sido agora, essa justificativa está em que

seguindo firmemente esse método devemos descobrir, a longo prazo, como é que o problema realmente se

apresenta (PEIRCE, CP 5.170). [...] Indução, no sentido próprio do termo, [...] [é] raciocínio experimental

[...].”(PEIRCE, 2000, p. 219-220)

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as leis da natureza são resultados da evolução, esta evolução deve proceder

de acordo com algum princípio; e este princípio será, em si mesmo, da

natureza de uma lei. Porém, ela deve ser igual a uma lei que pode evoluir ou se desenvolver por si mesma [...] Evidentemente ela deve ser uma tendência

à generalização – uma tendência generalizadora [...] (CP 7.515). [...] a lei

primária e fundamental da ação mental consiste numa tendência à

generalização.” (CP 6.101)

É dentro dessa perspectiva que Santaella (1996) constata que essa tendência para um estado

final – causação final, também reconhecida como homeostase, teleonomia, autopoiésis ou

auto-organização, é uma característica de todo processo vivo. Isso significa dizer que

quaisquer processos auto-organizativos, sejam eles biológicos, fisiológicos, neurológicos,

psicológicos ou mesmo sociais, se desenvolvem dentro de uma dinamicidade de seus

componentes, indo a produzir arranjos fixos com características que tendem a ser de maior

eficiência. Em se tratando da mente humana, o seu potencial de gerar novos interpretantes

tende a diminuir, o que acarreta o aumento do grau de previsibilidade da mente. Esse fato será

responsável por proporcionar a memória e estados cristalizados da mente, originando os

hábitos ou instintos.

Por outro lado, essa necessidade da mente de incorporar hábitos mantém uma relação íntima

com o universo dinâmico em que está inserida. Segundo Peirce (2000), existe um princípio de

espontaneidade presente nesse universo que estabelece um estado de continuidade entre as

vicissitudes das experiências. Quer dizer, a mente busca estados de estabilidade, gerando

hábitos que se constituem como platôs, que são incorporados na ação e, por isso, capazes de

proporcionar novas crenças e, com elas, novos hábitos. Ou seja, mesmo cristalizados, os

hábitos se manifestam nas ações, portanto, num processo dinâmico permanente, que

proporciona condições permanentes de atualização na mente. Tais atualizações ocorrem frente

às relações que a mente estabelece no sistema formado pelo cérebro, o sistema nervoso, o

organismo em si e o meio e, com isso, se expande. Essa expansão, por sua vez, ocorre com o

abandono de crenças geradas por instabilidades no estado de equilíbrio da mente, o que

fomenta o pensamento criativo. Novas crenças, por sua vez, são resultado de possíveis

hipóteses explanatórias, frente a uma realidade que se busca entender.

No momento em que se estabelece a conexão entre o mundo e a mente, num estado de

continuidade, o universo torna-se inteligível. Será também, nesse momento, que a percepção

atua num sentido de assimilar as regularidades e notar os processos de geração e formação dos

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estados cristalizados da mente, manifestos nos hábitos ou instintos. Nesse contexto, há uma

tendência permanente de se gerar hipóteses que buscam uma correspondência com a realidade

observada. Desse modo, é observável a presença essencial de uma situação anômala, em

desacordo com a realidade vivenciada, responsável por provocar um “impulso” no processo

de geração de hipóteses.

Em síntese, as situações anômalas invadem o presente instigando atualizações na mente,

dotada de uma memória e dentro de uma trajetória histórica. Essa mesma mente, num

movimento contínuo de resolver os problemas na busca de conhecer a realidade, relembra

experiências e, auxiliada por aquelas ainda não obsoletas, remete-se ao futuro, num continuum

semiótico. Esse processo, portanto, está associado a uma realidade que, a princípio, é uma

possibilidade na mente. Esse estado de existência possível, vinculado à realidade, é a

manifestação da descoberta, da criação. Esse processo que, muitas vezes, passa despercebido,

frequentemente é associado a um determinismo, levando à crença de que a criação se dá

espontaneamente.

De fato, não se pode atribuir um determinismo absoluto aos fatos, sendo eles aleatórios. Isso

equivale a dizer que a lógica não consegue dar conta da realidade integralmente, porque a

realidade se manifesta num processo sígnico contínuo e, portanto, inacabado.

Nas palavras de Silveira (2007, p. 21),

[...] o signo – pertence ao universo fenomênico e só é alcançado em suas manifestações empíricas. É necessário observá-lo onde quer que se

manifeste e tal manifestação, distinguindo-se da pura produção da razão,

dela independe, esconde-se e dissimula-se. Jamais, pois, a Lógica o terá

totalmente exposto à sua explicação, mas precisará buscá-lo no universo da experiência e construir sobre ele hipóteses que o expliquem.

Assim, dentro desse processo de compreensão da realidade, a lógica haverá de construir

hipóteses referentes a essa realidade. Nesse sentido, o pensamento se constitui num

permanente estado de conhecimento e elaboração da realidade. Será com base na estrutura

diagramática da tríade de Peirce que a mente construirá representações do real, imaginando

hipóteses.

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Tais hipóteses são resultado de experiências não apenas mentais uma vez que, segundo

Santaella (2004), possuem um sentido na experiência sensória. Desse modo, as hipóteses

fazem referências às ações no mundo que, por sua vez, geram eventos reais. Portanto, está no

plano da ação a possibilidade de um rompimento nos hábitos. Está também no plano das

ações a possibilidade de um estado premonitório, dentro de possibilidades lógicas. Ou seja,

estabelecem-se condições para a ocorrência de eventos futuros a partir de opções tomadas

num presente.

É nesse estado da mente, em que há a percepção de um evento novo, que se manifesta a

abdução. Para Peirce (CP 6), a abdução sugere conjectura, que deve ser submetida à

experiência, e só tem sentido aceitar tal conjectura se se estabelece algum vínculo com a

realidade. “Por hipótese eu entendo não meramente uma suposição sobre um objeto observado

[...], mas também qualquer outra verdade suposta da qual resultariam tais fatos como foram

observados.” (CP 6.526)

Dentro dessa perspectiva, Peirce, em sua obra, desenvolve sua teoria lógica da criação,

contrariando o pensar de muitos filósofos, para os quais não existe lógica na proposição de

uma hipótese. Muitos desses filósofos acreditam que o surgimento de novas ideias advém de

adivinhações ou palpites. Nesse caso, quando tais filósofos se referem à lógica da descoberta,

estão se referindo apenas aos testes das hipóteses. Por sua vez, há aqueles que não acreditam

na proposição hipotética como um salto mental, mas na existência de uma relação lógica entre

o observado e a hipótese proposta. Porém, nesse caso, não raro, estão colocando a lógica da

descoberta como uma lógica da inferência indutiva, um tipo de indução.

Junto a esses, como ressalta Santaella (2004), estão outros tantos que consideram o

surgimento de uma hipótese como uma “dádiva” atribuída a poucos, tidos como gênios. Nesse

caso, a lógica passa para a dimensão explicativa dos métodos de como testar as hipóteses, já

as tendo concebidas, despreocupando-se de como tais hipóteses foram geradas.

O que Peirce propõe, segundo a autora, é algo que se encontra na mediação do acaso e da

determinação. Seu desejo era de mostrar que existe um raciocínio para o surgimento de uma

hipótese, diferentemente do raciocínio necessário a partir de uma hipótese. Tendo como ponto

de partida essa perspectiva,

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Foi no contexto de sua leitura original de Aristóteles que despontou o

conceito de abdução, logo depois ampliado para a visão de que ela “consiste

no exame de uma massa de fatos, permitindo que esses fatos sugiram uma teoria” (CP 8.209). Um tipo de raciocínio que, sem deixar de ter uma forma

lógica, tem um caráter instintivo e é, antes de tudo, um processo vivo de

pensamento. (SANTAELLA, 2004, p. 92)

Acrescente-se a isso as palavras de Peirce (CP 6.525):

O primeiro impulso de uma hipótese e sua acolhida quer como uma simples

interrogação ou com algum grau de confiança, é um passo inferencial que

eu proponho chamar de abdução. Isto incluirá a preferência por uma hipótese com relação a outras que explicassem igualmente os fatos, sempre

que esta preferência não seja baseada em algum conhecimento prévio

imperando sobre a verdade das hipóteses, nem em qualquer teste de

qualquer das hipóteses após terem sido admitidas em prova. Eu chamo tal inferência pelo nome peculiar de abdução porque sua legitimidade depende

de princípios diferentes dos outros tipos de inferência.

Sob essa perspectiva, a criação de hipóteses é instintiva e, juntamente com os outros dois

modos inferenciais, permitem ao ser humano pensar de forma lógica. Dentro de uma

estruturação lógica, terá certa correspondência entre as hipóteses criadas sobre a realidade e a

própria realidade. Será a partir do momento em que uma hipótese foi gerada e escolhida que

se seguirá o processo de justificação desenvolvido mediante os raciocínios dedutivo e

indutivo. Serão esses os responsáveis por verificar e validar, ou não, a correspondência entre a

hipótese e as leis da natureza.

A abdução ocorre toda vez que uma pessoa se depara com um problema e os muitos fatos

relacionados a ele. Um dado fenômeno se manifesta como problema para um sujeito quando,

ao recorrer aos hábitos cristalizados e memórias, não se consegue uma compreensão clara do

que lhe está sendo apresentado ou já lhe tenha sido apresentado. Nesse momento, a mente

processa tentativas de ordenar os fatos, de forma a auxiliar na solução do problema. A

abdução ocorre quando, após se efetuar insatisfatoriamente esse processo inúmeras vezes,

surge uma ideia assumida como verdadeira, com a qual, subitamente, propicia-se a auto-

organização dos fatos, proporcionando um esclarecimento satisfatório do fenômeno, mesmo

que em parte ou erroneamente.

Segundo Santaella (2007), esse processo ocorre racionalmente, na síntese do ato criativo da

geração de uma hipótese explicativa para um fato original. A geração de uma hipótese tida

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como aceitável ocorre da seleção desta, frente às inúmeras outras que a imaginação

proporciona, na tentativa de entender/resolver o fato/problema. Em outras palavras, a abdução

fomenta a capacidade de se aventar hipóteses e de se escolher, entre elas, as que sejam

possíveis, numa tendência a se encontrar a melhor ou, melhor dizendo, a mais satisfatória. A

abdução permite traduzir o percipuum (percepto captado pelos sentidos) em uma espécie de

juízo perceptivo falível e dubitável. (SANTAELLA, 1998, 2004; PEIRCE, 1998, 2000)

Nesse sentido, a abdução ocorre a partir de uma “avaliação” dos fatos manifestos de um

fenômeno, conduzindo à formulação de uma teoria que seja capaz de explicar tais fatos.

Aliado a isso, inclui-se uma atitude eletiva de uma hipótese sobre as demais que igualmente

explicam os fatos. Ou seja, é a partir de uma situação “incômoda”, não reconhecida nos

estados cristalizados da mente, que a abdução se desenrola. Assim, a abdução é a síntese do

processo lógico inferencial, baseado em dados reais, da criação de uma hipótese frente a um

fato/problema, presente no dia a dia da vida de qualquer pessoa, ou formalizado na ciência, ou

mesmo nas artes.

Por conseguinte, a abdução é um processo que é “disparado” por um fato/problema dentro de

um contexto vivido e, portanto, de um continuum semiótico na história, um trânsito pela

memória e estados cristalizados da mente e por uma propensão da mente por gerar hipóteses

num impulso instintivo. No entanto, apesar de a hipótese ser gerada de um instinto, portanto,

fora de qualquer controle, há uma lógica própria por trás dessa geração.

Nesse sentido, Santaella (2004, p. 115) alerta:

O momento do insight é espontâneo, assim como o ato de adotar hipótese

assoprada pelo instinto é igualmente sentido como um flash. Mas o processo

de construção e seleção da hipótese é consciente, deliberado, voluntário e controlado.

Assim, o processo abdutivo emerge com seu caráter instintivo, porém, ancorado em um

elemento lógico, que brota de uma faculdade natural e, apesar de sua falibilidade, torna-se de

grande valor no sentido de se compreender o ato criativo.

Esta faculdade pertence, ao mesmo tempo, à natureza geral do instinto,

assemelhando-se aos instintos dos animais, na medida em que estes

ultrapassam os poderes gerais de nossa razão e pelo fato de nos dirigir como

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se possuíssemos fatos situados inteiramente além do alcance de nossos

sentidos. Assemelha-se também ao instinto em virtude de sua pequena

susceptibilidade ao erro, pois embora esteja mais freqüentemente errado do que certo, a freqüência relativa com que está certo é, no conjunto, a coisa

mais maravilhosa de nossa constituição. (PEIRCE, CP 5.173)

Contudo, apesar de apoiada numa lógica relativamente frágil, a abdução se encontra na base

da geração de conhecimentos, no sentido de solucionar/entender o mundo. Isso significa que

“sem a abdução nenhuma percepção seria possível, pois até mesmo na percepção mais

automatizada, há sempre o componente hipotético trazido pela abdução.” (PEIRCE, CP

5.181)

Analogamente ao pensamento de Peirce, Debrun (1996) concebe a ideia de que o tempo pode

proporcionar novidades reais, ainda inexistentes no universo. Essas novidades podem ser

geradas a partir da interação entre elementos dispersos e, muitas vezes, pela ação do acaso.

Isso se dá pelo fato de que todo organismo ou sistema tende a se auto-organizar, sempre que

submetido a um desequilíbrio. Essa perspectiva condiciona os aspectos da criatividade, para

esse autor, e irá constituir sua teoria da auto-organização.

De acordo com essa teoria, a auto-organização pode se dar segundo dois processos, quais

sejam: auto-organização primária e auto-organização secundária. O que caracteriza a auto-

organização primária é a reunião de elementos aleatórios que não tenham relação de

dependência preestabelecidas entre si. Assim, ao se associar, esses elementos proporcionarão

condições para o surgimento de algo inédito.

Esse processo se torna possível a partir de dadas condições iniciais necessárias e suficientes

para desencadear o processo de auto-organização. Porém, tais condições não definem como o

processo deverá se desenvolver. Caso isso ocorra, passa a ter um grau baixo de auto-

organização. Segundo Debrun (1996, p. 5) “quanto mais o hiato entre a complexidade da

forma final e a complexidade da soma das influências [...] recebidas das condições de partida

e de outros condicionamentos, maior o grau de auto-organização.”

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Isso equivale a dizer que as condições iniciais devem se integrar ao processo como algo que

provoque uma ruptura com o passado101

, e não como algo que dê continuidade do passado. Ao

romper com o passado, os elementos se tornam aptos a gerar novos processos de interação,

podendo originar formas102

realmente novas. Além disso, os elementos, dentro desse

processo, não podem ser resultado de um fracionamento do que já existe, compondo as

condições iniciais. Ou seja, um processo de auto-organização primária deve originar algo

realmente novo e não somente funcionar como um desvelar de algo já implícito no estado

inicial.

A auto-organização secundária, por sua vez, surge a partir da interação de elementos que

compõem um sistema ou organismo, incluindo os resultados da auto-organização primária.

Esses elementos Debrun (1996, p. 12) qualifica de “semi-distintos”, pois, “para que haja auto-

organização ‘dentro’ do organismo, não deve haver entre suas partes nem exterioridade nem

fusão, mas uma situação intermediária.” O que significa dizer que tais elementos são distintos

entre si, porém possuem um vínculo entre eles. Estão vinculados a um passado, uma vez que

são constituintes de um mesmo todo, sistema ou organismo, e que, devido a certas condições,

mantêm-se em relação no interior desse todo.

Será a partir desse estado inicial que essas relações passarão por modificações, num processo

de aprendizagem, alterando esse estado. Assim, o organismo consegue passar, por meio de

operações próprias, sobre ele próprio, de determinado nível de complexidade para um nível

superior, seja num aspecto corporal, intelectual ou existencial.

Nesse sentido, os processos auto-organizativos articulam-se numa dinâmica interna das

interações entre os elementos que o constituem e neles se resolvem. Ou seja, os resultados de

um processo de auto-organização advêm das próprias interações, que são as responsáveis por

conduzir o processo. Assim, elementos distintos podem se encontrar e constituir formas

novas. Estas, por sua vez, podem ter seu grau de complexidade aumentado por determinações

intrínsecas ao próprio processo.

101 A ideia de “passado” usada pelo próprio autor está vinculada à ideia de status quo, em que dado estado da mente se encontrava e vinha se realizando no momento em que lhe foi proporcionado algum tipo de

desequilíbrio. Esse estado da mente é compatível com o que Peirce chamou de “estado cristalizado da mente”. 102 O autor se utiliza do termo “forma” para designar o resultado dos processos auto-organizativos, que podem se

manifestar como hipóteses, ideias, pensamentos, imagens etc.

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Elementos “realmente distintos” têm entre si uma liberdade de associação

maior do que os elementos afins têm entre si – já que estes últimos são pré-

ajustados por afinidades prévias – sejam químicas, biológicas, psicológicas etc. Logo, se predominarem os elementos distintos, e na medida dessa

prevalência, o potencial de novidade imanente à auto-organização será

maior. (DEBRUN, 1996, p. 14)

Sob essa perspectiva, o sujeito perde o papel de centralizador e controlador do ato criativo, ou

mesmo daquele que o transcende. A posição do sujeito é, então, a de colaborador, no sentido

de regular as interações entre os elementos. Ou seja, o sujeito passa a ser co-integrante do

processo, e não exterior a ele. Assim, o resultado do ato criativo, a novidade surge a partir de

processos auto-organizados, em cujo processo o sujeito, com sua subjetividade, é um dos

elementos. Os resultados que emergem desses processos, portanto, não têm como ser

previsíveis antes de sua manifestação, uma vez que não são formas preexistentes no tempo e

que, dadas certas circunstâncias, se manifestam.

A dinâmica da criatividade humana emerge das interações que se instauram entre elementos

que, mesmo sendo de uma mesma natureza, fazem brotar “interioridades” distintas ou

semidistintas. A partir dessas interações, são esboçadas novas formas que, por sua vez,

instigam novas concepções de organização – concepções ancoradas na melhoria da eficácia

ou adequação na solução de problemas, seja no nível do organismo, seja no nível de um

sistema.

Boden (1999), por sua vez, apresenta algumas dissonâncias com as ideias de Debrun (1996) e

de Peirce. Porém suas ideias se aproximam das de Peirce quando se considera que o sujeito,

na sua busca por explicar o mundo, remete-se, num primeiro momento, aos elementos já

presentes nos estados cristalizados da sua mente. Essa ideia é apresentada, semelhantemente,

pela autora, sob a forma de “espaços conceituais”, espaços estes em que o sujeito irá encontrar

condições para desenvolver certo pensamento criativo. Esses espaços seriam verdadeiros

“caldos de cultura” para a criação, podendo ser explorados ou transformados de forma que,

dependendo de seu grau de complexidade, apresentarão maior ou menor potencial de

desdobramento. É o rompimento dos limites e restrições impostas pelos espaços conceituais

vigentes, o expediente fundamental para modificá-lo, transformando-o e deslocando-o, com

isso, a outro platô conceitual. Basta, para isso, um momento adequado para florescer e sair do

estado latente em que se encontravam, promovendo uma expansão conceitual, surgindo deste

processo um estado original e criativo.

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No entanto, nessas condições, há que se considerar uma diferenciação entre ideias meramente

originais e ideias genuinamente originais. Segundo a autora, o primeiro tipo de ideia pode ser

exposto ou produzido pelo próprio sistema responsável por gerá-lo, bem como a outras ideias.

Já o segundo tipo de ideia é capaz de transgredir o conjunto das regras pelas quais tais ideias

foram geradas.

Nesse sentido, existe a possibilidade de a ocorrência de um ato criativo se manifestar em duas

dimensões distintas, mas não excludentes: dimensão psicológica/particular – criatividade P –

e dimensão histórica/geral – criatividade H.

Uma idéia relevante é P-criativa se a pessoa em cuja mente ela surge não

poderia tê-la concebido antes; não importa quantas vezes outras pessoas já

tiveram a mesma idéia. [...] uma idéia relevante é H-criativa se ela for P-criativa e ninguém mais, em toda a história da humanidade, a teve antes.

(BODEN, 1999, p. 82)

Percebe-se, portanto, que uma ideia pode ser criativa em nível pessoal e dar condições ao

sujeito criador, solucionar os problemas a ele apresentado e nada mais. No entanto, uma ideia

pode ser criativa, a princípio, em nível pessoal, podendo se inserir num contexto sociocultural,

tomando uma dimensão além do próprio sujeito criador. Nesse caso, as estruturas sociais

vigentes desempenham um papel fundamental na criatividade, pois serão suas dimensões,

restrições e limites os responsáveis por identificar e ratificar as ações como criativas. Ou seja,

a sociedade estipulará o grau de valor ao ato criativo.

Nesse sentido,

[...] criativo pode ser empregado como um rótulo honorífico reservado à criatividade-H, em oposição à criatividade-P. Neste caso, qualquer idéia H-

criativa é “mais criativa” do que qualquer idéia meramente P-criativa. De

fato, a última nem sequer seria considerada criativa. (BODEN, 1999, p. 118)

Pressuposto semelhante tem Csikszentmihalyi (1996), que distingue “criatividade” de

“Criatividade”. Segundo o autor, há sempre a possibilidade de contribuições criativas sem

que, no entanto, essas contribuições sejam, em nível pessoal, brilhantes ou mesmo criativas.

Por outro lado, também é possível que alguém criativo nunca contribua em nada para a

cultura. Sob essa perspectiva, a criatividade com “c” minúsculo está na base da resolução dos

problemas diários – equivalente a criatividade-P de Boden (1999) –, enquanto a criatividade

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100

com “C” maiúsculo corresponde à que Boden (1999) chama de criatividade-H, aquela

outorgada em um contexto sociocultural.

É nesse sentido último que a qualidade criativa deve levar em consideração a interação de um

sistema composto de três elementos, quais sejam: um domínio, isto é, um contexto cultural e

seu conjunto de regras simbólicas; uma pessoa capaz de acrescentar algum elemento novo a

esse contexto simbólico, o criador; e um júri, alguém ou grupo que se posicione como apto a

avaliar e creditar a esse elemento novo relevância, reconhecendo sua qualidade inovadora.

Sob essa perspectiva, a criatividade está vinculada a uma ideia ou uma ação nova e também

valiosa, enquanto se sujeita a um julgamento para ser creditada a si um valor dentro de um

contexto. Ou seja, a criatividade é um fenômeno sistêmico, uma vez que qualquer noção de

novo e, principalmente, valioso, deve estar vinculada a algum padrão que passe pelo crivo de

uma avaliação cultural. Portanto, a criatividade existe a partir da interação de pensamentos de

alguém, como indivíduo, com um contexto sociocultural.

No entanto, não se pode deixar de considerar que, independente de um ato criativo ser ou não

outorgado por um contexto social, cada ato criativo se manifesta individualmente e, como tal,

é legítimo no sentido de dar cabo, de forma original, a situações-problema. Ainda que tais

situações sejam corriqueiras, a função maior dos atos criativos se dá na solução, mesmo que

em parte ou temporária, dos dilemas apresentados por tais situações ao sujeito.

Assim, o papel do júri, daqueles que atuam como mantenedores e atualizadores do domínio, é

diminuído. Nesse sentido, passa a ser menor, ou mesmo inexistente, o grau de decisão quanto

à relevância da criação para que seja ou não incluída no universo do domínio. Dessa forma, é

dado ao indivíduo e ao domínio uma maior parcela de responsabilidade para o surgimento do

novo. É sob essas condições que se estabelece a criatividade-P de Boden (1999) ou

criatividade (com “c” minúsculo) de Csikszentmihalyi (1996).

3.4 Da fonte da criação

Todo ato criativo emerge de um sujeito ao lidar com os símbolos de um dado domínio e que,

com essa lida, é capaz de observar novos padrões e/ou gerar uma nova ideia. E mesmo que tal

criação não passe pelo julgamento para ter sua relevância valorada e, então, ser ou não

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101

incorporado a um contexto mais amplo do domínio, haverá sido capaz de ter, em níveis

pessoais, promovido ajustes ao domínio, expandindo-o.

Assim, todo ato criativo surge da relação de um sujeito cognoscente com o seu contexto.

Munido de um número suficiente de informações e conhecimentos, esse sujeito deve ser

capaz de catalisar ideias e, ainda, ser possuidor da competência de selecionar aquelas ideias

que sejam mais eficazes na solução de seus problemas.

Nesse sentido, a criação está diretamente relacionada ao que Norman (1993) denominou de

artefatos cognitivos103

. Segundo esse autor, além dos artefatos físicos ou materiais, como os

vários objetos e equipamentos em contato com o sujeito, têm-se os artefatos mentais, como a

linguagem, a lógica etc., que auxiliam os homens a compreender o mundo. Ou seja, no

sentido de conhecer e operar o mundo, a mente, além de si mesma, conta com o próprio

mundo, bem como com os diversos objetos técnicos criados pelo homem.

Trata-se, portanto, de uma atividade cognitiva que, na concepção de Varela et al (2003), se

desenvolve na interação dos modelos mentais, constituídos de sistemas de símbolos agregados

a uma memória, com sua equivalência física, material, que se modifica constantemente nas

interações com o meio. Nesse sentido, essa condição híbrida e processual pressupõe uma

conformidade dinâmica entre os modelos e as ações.

Desde os primórdios, o ser humano se relaciona com a natureza num sentido de obter

melhores condições de vida, seja em conforto, facilidades ou prazeres. Do ponto de vista

histórico, a criatividade humana vem transformando as relações do homem consigo mesmo e

com a natureza. Esse exercício é constantemente atualizado pela ciência, pela tecnologia e

pela arte. É na dinâmica que se estabelece entre esse universo e o sujeito que os saberes se

diversificam e constantemente se estabelecem condições para que o novo se manifeste.

103 A partir da ideia de artefatos cognitivos de Norman (1993), Clark (2003) a desenvolve quando observa o

agenciamento em torno do corpos-mentes dos sujeitos, o que cria “espaços” acoplados, verdadeiros seres híbridos, simbiontes corpório-tecnolocos com alto potencial semiótico. Em outras palavras, os artefatos

cognitivos são artefatos não biológicos que, quando “acoplados” aos corpos-mentes de seus usuários, modificam,

ampliam ou intensificam habilidades cognitivas inatas. Eles têm a capacidade de gerar domínios de problemas,

por um lado, enquanto, por outro, funcionam como atalhos para soluções de problemas.

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102

Com o desenvolvimento crescente da ciência e das tecnologias, principalmente no que tange

os processos informacionais e da eletrônica, surgiu o conceito de cibernética104

(WIENER,

1965) que, até meados da década de 60 do século passado, esteve focada nas funções de um

sistema em relação com o meio. Nesse sentido, a cibernética de primeira ordem, como foi

classificada por Schnitman (1996), procurava compreender os mecanismos de estabilidade de

um sistema, focando naqueles mecanismos de regulação das trocas com o exterior. Em outras

palavras, a cibernética de primeira ordem está focada nas ações e retroações permanentes do

sistema com o exterior. Por mecanismos de feedback, o sistema se autocorrigia ou se

desorganizava, dependendo de o feedback ser negativo ou positivo.

Sob essa perspectiva, basicamente fundada nas ações e reações, foram desenvolvidas as

incipientes tecnologias da informação. No entanto, gradativamente, esses princípios não

demorariam a revelar dificuldades conceituais e limitações empíricas. Essa situação fomentou

o avanço no campo teórico, fazendo surgir as bases para uma outra forma de encarar os

processos informacionais e comunicacionais. Assim, esses processos começaram a ser

percebidos com um grau de autonomia e possuidores de capacidade de auto-organização.

Além disso, passou-se a considerar as potencialidades evolutivas dos sistemas, concebidos

dentro de uma permanente dinâmica de equilibração. Além dessa capacidade de se auto-

organizar mediante alterações de suas condições internas e/ou externas, a cibernética de

segunda ordem (SCHNITMAN, 1996) passa a valorizar as interações entre os fenômenos e o

sujeito.

Essa nova perspectiva veio influenciar as tecnologias emergentes, que se deslocam de um

modelo sistêmico fechado para um modelo reticular dinâmico e cada vez mais aberto. Dessa

forma, as tecnologias deixam de ser pensadas quanto às suas relações para com o homem num

modelo estímulo-resposta ou ação-reação, passando a ser pensadas quanto às estruturas

emergentes, redes, questões de adaptação e de evolução e de suas interações fluidas com o

homem.

104 Cibernética é uma palavra que tem origem no grego kibernetiké, que significa timoneiro – aquele que

governa o timão/leme de uma embarcação, aquele que pilota ou, num sentido mais amplo, refere-se àquele que

dirige ou regula qualquer coisa; um guia, chefe. A palavra, nos termos em que passou a ser usada por Wiener (1978), está no cerne das questões referentes à comunicação e ao controle da máquina e nos seres vivos. Nesse

sentido, a cibernética fundamenta o estudo das funções humanas de controle e dos sistemas mecânicos e

eletrônicos que se destinam substituir tais funções. Mais ainda, é a ciência que se ocupa do estudo das

comunicações e dos sistemas de controle, qualquer que seja sua natureza.

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103

Essa concepção proporcionou redirecionamentos e avanços nas perspectivas, principalmente

sobre as infotecnologias e, concomitantemente, nas ideias sobre os processos cognitivos e na

relação entre ambas. Nesse contexto, Norman (1991) ressalta que as tecnologias não operam

apenas num viés de ampliação das capacidades ou aptidões, mas, fundamentalmente, numa

perspectiva de transformação cognitiva. Para o autor, mesmo que as tecnologias, como um

artefato cognitivo, tenham a capacidade de melhorar a performance de um sujeito, essa

melhora não resulta apenas de uma ampliação de suas capacidades, mas de uma

transformação na natureza cognitiva da tarefa executada.

Assim, a atividade cognitiva não é uma extensão de alguma propriedade individual e interior

ao sujeito. Essa atividade é um processo de transformação que vai além dos limites do sujeito,

sua interioridade. A atividade cognitiva é distribuída, uma vez que se funda nas interações

existentes tanto interna quanto externamente ao sujeito, seja em processos mentais, em

dispositivos técnicos, ou mesmo em relações sociais (HUTCHINS, 1996). Ou seja, a cognição

está baseada na concepção da cognição como processo partilhado tanto na interação entre

humanos quanto entre estes e artefatos (aqui, com a dimensão de artefatos cognitivos).

Os artefatos transformam a natureza cognitiva da tarefa apresentada ao sujeito como “um tipo

diferente de problema cognitivo que requer um conjunto diferente de habilidades cognitivas

ou uma diferente organização deste mesmo conjunto de habilidades.” (HUTCHINS, 1996, p.

154). Nesse sentido, o artefato não possui o papel principal de mediação, colocando-se entre

duas entidades ou domínios previamente definidos. O artefato é mais um dos muitos

elementos estruturais presentes na realização de uma dada tarefa.

Sob essa perspectiva, a tecnologia é um elemento que traz uma complexidade maior a vários

aspectos do humano. As tecnologias, de um lado, proporcionam o desenvolvimento de um

repertório de habilidades cognitivas e comportamentais. Por outro, instigam a avaliar,

manipular, transformar e aprimorar os conhecimentos, as estratégias de decisão e ação, bem

como os pensamentos, tornando-se um espaço extremamente favorável de geração do novo.

Assim, a interatividade e a interconectividade, favorecidas pelas tecnologias digitais, vêm

contribuindo enormemente para se instaurar uma lógica original, que requer novas habilidades

cognitivas. Dentre essas habilidades estão a realização de multitarefas e a rapidez no

processamento de informações, advindas de diferentes meios simultaneamente. Além disso, o

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104

potencial interativo do universo da realidade virtual permitidos com essas tecnologias

proporciona a ampliação da imaginação e dos pensamentos. Nas palavras de Lèvy (1996, p.

12), o virtual é um “modo de ser fecundo e poderoso, que põe em jogo processos de criação,

abre futuros, perfura poços de sentido sob a platitude da presença física imediata.”

Dentro desse contexto expandido e em constante expansão de artefatos cognitivos, veem-se as

capacidades cognitivas individuais sendo transformadas ao serem mobilizadas no ato da

execução de tarefas ou na lida com o mundo. Assim, no momento em que os processos

cognitivos são distribuídos entre agentes humanos e dispositivos técnicos, tem-se fomentada a

transformação, não só das habilidades cognitivas, como também do mundo e do próprio

sujeito.

Nesse sentido, os artefatos cognitivos, além de auxiliar a cognição e promover mudanças nas

habilidades cognitivas, favorecem a compreensão do mundo de forma mais imediata por

disponibilizar, de forma mais direta, as informações já processadas. Tais processos ainda

podem potencializar o surgimento de novas modalidades de representações, significados,

conhecimentos. Dessa forma, os processos cognitivos extrapolam as atividades cotidianas no

momento em que também se manifestam na complexidade e plasticidade do pensamento

humano.

Assim, na medida em que os artefatos atuam nas formas de representação, permitem que,

como integrantes dos processos cognitivos, assumam a posição de objeto de reflexão e

raciocínio, de onde poderão surgir novas experiências, insights e criações. Nessas condições,

a lida com eventos e coisas pode se dar desvinculada do espaço e do tempo e, ainda, lidando

com ideias apreendidas da essência de situações, coisas e ideias, proporcionar uma gama

extensa de desdobramentos.

Nesse aspecto, os artefatos auxiliam na lida com eventos, assim como com os pensamentos,

representações, ideias e conceitos, atribuindo-lhes uma condição de objetos de análise,

questionamento e transformação. São coisas a serem manipuladas, movimentadas, rastreadas,

acumuladas, alinhadas, estudadas, de todas as formas exploradas e ajustadas. São essas

possibilidades que estão na base dos processos de criação e de transformação de si mesmo e

do mundo. Assim, mesmo que esses processos pudessem ser alcançados sem o auxílio dos

artefatos, a presença deles faz com que tal processo seja potencializado, se torne mais fácil e,

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105

mesmo, com limites ampliados. Isso se torna possível no momento em que se tem o objeto

técnico como objeto cognitivo acoplado, e não apenas como uma expressão, exteriorização ou

fruto da inteligência humana. Nesse sentido, a tecnologia adquire estatuto de elemento

integrante dos processos de pensamento e criação humanos.

Sob essa perspectiva, Murray (2003) chama a atenção para o fato de que uma mídia que tem

um potencial interativo que seduz seus usuários com a possibilidade de criar e navegar em

mundos virtuais, provendo desafios constantes e exigindo tomadas de decisões com presteza

pode possibilitar o desenvolvimento de estratégias cognitivas, como planejamento e

antecipação, bem como das funções imaginativas, criativas, de memória, da atenção, da

percepção. Além disso, outros aspectos cognitivos podem estar presentes e/ou ampliados se

tal mídia permite ir além de seus limites, ou mesmo se se constitui com a participação

coletiva.

É dentro desse universo que Murray (2003) compactua com as bases estruturais propostas por

Lévy (1996), quando das possíveis formas de criação no universo das tecnologias de

informação e comunicação contemporâneas. Nesse contexto, a autora propõe quatro

características dos ambientes digitais que atuam como intensificadores do processo criativo. A

primeira seria o caráter procedimental, que se funda na capacidade da máquina em executar

regras. Esse aspecto favorece a previsibilidade e exequibilidade de ações desejadas de um

lado, enquanto, de outro, atua como obstáculo a ser ultrapassado. Além disso, é importante

lembrar que toda atividade criativa pressupõe regras, que têm caráter distinto das regras

presentes em atividades executivas. O que diferencia o trabalho criativo do trabalho executivo

é que “no primeiro caso as regras representam um desafio, no segundo são apenas um limite.”

(DE MASI, 2000, p. 227)

Em segundo tem-se o caráter participativo/reativo, com grande poder de atuação no

comportamento do sujeito que interage com a mídia. Sob esse aspecto, quanto maiores as

possibilidades de imersão e participação do sujeito no universo digital, maior o potencial

criativo.

O terceiro caráter apresentado pela autora é a espacialidade, o que se manifesta na

possibilidade de navegabilidade no ambiente. O maior grau de navegabilidade favorece

situações inéditas, proporcionando ações originais.

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106

A quarta e última característica é a natureza enciclopédica desses meios. Esse aspecto engloba

o potencial de armazenagem e recuperação de um número enorme de informações num

contexto de memória expandida, principalmente quando lhe são permitidas conexões a bancos

de dados disponíveis em rede. Um maior número de informações disponibilizadas favorece o

pensamento divergente105

e aumenta as possibilidades de reformulação de ideias e conceitos,

constituindo um ambiente favorável ao surgimento de ideias e conceitos novos.

3.5 Algumas considerações

Ao se avaliar os aspectos referentes a um conceito formal do que se pode considerar como

“criativo”, há que se entender que sua dimensão ultrapassa a própria existência da espécie

humana, sendo ela mesma resultado de um turbilhão de movimentos criativos da natureza.

Isso significa dizer que a criatividade está na base da evolução e, portanto, é inata a qualquer

ser humano.

Independente de qualquer tentativa de se formalizar tal conceito, um dos pontos que parecem

ser comuns à maioria, senão todas, as teorias é o fato de que a criatividade está diretamente

vinculada à ideia de novo, ou, melhor dizendo, à criação de algo original.

Em se tratando do humano, seja como criatura em evolução, seja como autônomo criador, a

criatividade se manifesta como processo auto-organizador frente a fatos/problemas que

colocam em xeque a sobrevivência física, ou mesmo psicológica da espécie. Na busca de

entender/resolver tais fatos/problemas tidos como condições anômalas ao cotidiano, a

criatividade se manifesta numa tendência a uma estabilidade transitória.

Foram essas situações que levaram o ser humano a produzir seus artefatos e continuar a fazê-

lo. Acoplando-se a esses artefatos, adapta-se ao meio, visto que eles lhe dão, ao mesmo

tempo, condições para travar uma relação que não é somente de submissão à natureza. Aliado

105 O pensamento divergente (GARDNER, 1996) é uma atividade de produção cognitiva aplicada na solução de

problemas. Segundo Cunha (1980), esse tipo de produção depende, por um lado, da natureza do problema; por

outro, da característica da inteligência do sujeito que busca resolver o problema. Para Novaes (1987), esse tipo

de pensamento tende a soluções criativas e à busca de todas as possibilidades de soluções e da multiplicidade de respostas originais. Por sua vez, o pensamento convergente tende ao conformismo, uma vez que gera conclusões

frente a lógicas estanques advindas das informações recebidas. Há que se ressaltar que, embora inteligência e

criatividade estejam correlacionadas, um sujeito pode ser muito mais criativo do que inteligente, ou muito mais

inteligente do que criativo.

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107

a essa dimensão favorável à introspecção humana, está a condição sociocultural, estimulada a

partir das estratégias de cooperação, convívio e comunicação.

Foram as condições impostas à vida biológica humana que permitiram a cultura, e esta passou

a atuar na vida biológica, gerando as condições ao surgimento das simbolizações. São os

signos e a sua função como mediadores da realidade os elementos essenciais para criar e

atribuir sentido a essa realidade. Desse modo, o ser humano cria e recria signos de forma

evolutiva e crescente.

Assim, percebe-se que o fenômeno que se denomina criatividade pode ser visto como

atividade biológica, cognitiva, semiótica e/ou sociocultural. Inicia-se na percepção,

imaginação e abdução, sempre dentro de um contexto. Em condições humanas, como

organismo em acoplamento estrutural, o sujeito se constitui na sua subjetividade, ao interagir

com o meio. Sujeitos e objetos se constituem mutuamente, num plano de forças em que

sujeito e mundo vão se construindo, exibindo “soluções” ao serem expostos a situações

inéditas e apresentando condutas necessárias e adequadas à sua existência.

Para o sujeito, as ações criativas são adaptações para manutenção de sua identidade frente a

um meio em constante mudança. Portanto, a criatividade está diretamente ligada à

subjetividade e se manifesta nas interações entre o sujeito e o meio, podendo tomar uma

dimensão social. A dimensão individual está relacionada à autopoiése do sujeito, que adapta

suas estruturas sem, no entanto, perder a organização frente a novas situações. Por sua vez, a

dimensão social da criatividade, mesmo podendo ter uma base autopoiética, funda-se na

expansão de domínios consensuais.

Esse é um processo natural, que parte de um sujeito e requer a presença da razão; nasce da

capacidade de formular hipóteses, imagens e ideias num universo imaginativo e, mediante

processos cognitivos, adequa estados internos do sujeito e de suas ações. É mediante as ações

que a mente constrói representações do real, imaginando hipóteses. Dessa forma,

estabelecem-se condições para que a imaginação expresse todo o seu potencial transgressor e,

ao permitir a criação de novas sintaxes, novos jogos de signos, gera novos eventos reais,

contextualizados na história.

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108

Essas condições levaram os seres humanos a criar instrumentos, signos, ideias, técnicas, todos

os seus artefatos cognitivos, ao longo de sua existência, e continuar a fazê-lo

permanentemente. O surgimento das tecnologias da informação, aliadas à eletrônica, geraram

grandes e profundas transformações, tanto conceituais quanto no modus vivendi de cientistas e

pessoas comuns.

Num primeiro momento, os modelos de pensamento e de tecnologia estavam baseados em

sistemas fechados, pensados sob um modelo de estímulo-reposta ou ação-reação. Num

segundo momento, principalmente com as possibilidades da eletrônica digital, as perspectivas

tecnológicas passaram a se basear em modelos reticulares dinâmicos e cada vez mais abertos,

pensados sob modelos rizomáticos, adaptativos e fluidos.

Tais tecnologias permitiram o surgimento de ambientes cada vez mais complexos, graças ao

aumento do grau agenciador neles contidos. Será esse mesmo agenciamento o responsável por

permitir condições para que se instaure um tipo de lógica original na sua lida, requerendo,

com isso, novas habilidades cognitivas. Nesse sentido, quanto mais complexo o ambiente,

mais situações distintas e adversas são apresentadas ao usuário. Assim, são requeridas a esse

usuário habilidades de realizar multitarefas e rapidez no processamento de informações de

naturezas distintas e, para tal, desenvolve um tipo de cognição distribuída entre usuário e

“máquina”, e mesmo entre usuários.

A presença e o desenvolvimento da realidade virtual aumentaram o potencial

agenciador/interativo das tecnologias de informação e comunicação, proporcionando cada vez

mais a ampliação da imaginação e dos pensamentos. Tornaram-se, portanto, ambientes

favoráveis à criação simbólica e de soluções originais a problemas inéditos.

Quando esses ambientes são aqueles dos games, é notório o aumento do grau de

agenciamento que apresentam ao longo dos anos, isso devido à utilização agenciada, cada vez

maior, de tecnologias, conceitos etc. Nesse sentido, esses ambientes se tornaram cada vez

mais complexos, agenciando seus usuários e remetendo-os a condições semelhantes ao

surgimento da própria espécie humana e de suas vicissitudes. Submetem-nos à possibilidade

de criar e navegar nos mundos virtuais, deparando-se com desafios e exigindo tomadas de

decisão com presteza, em situações de “vida ou morte”.

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109

Nesse contexto, portanto, os games requerem do usuário habilidades imaginativas, criativas e

de memória; atenção e percepção e, muitas vezes, quando esses ambientes são

compartilhados, conectados em rede, ampliam ainda mais as habilidades requeridas e

desenvolvidas. Assim, ao usuário são dadas as condições para criar signos, artifícios e

estratégias de decisão e ação; para testar a capacidade de avaliação e manipulação de

informações; para transformar e aprimorar conhecimentos e pensamentos. O usuário é,

portanto, confrontado, frequentemente, por situações propícias a insights e criações.

Implicitamente, pode-se perceber que, quanto mais imerso o sujeito estiver em um ambiente

de game, mais condições terá para criar. Por sua vez, essa imersão se faz maior quanto maior

a eficácia do software em executar regras e, aliada ao grau de navegabilidade e extensão do

ambiente virtual e ao maior número de conhecimentos transitando nesse ambiente, reflete um

maior potencial criativo para o usuário, que pode deixar o lugar de manipulador, passando ao

lugar de interator, podendo chegar à posição de coautor e até mesmo autor.

Todo esse contexto aponta para as condições que contribuirão para melhor compreender

como a complexidade, proporcionada pelo aumento do agenciamento nos games atua nos

processos intrínsecos à criação. Encontram-se aqui, portanto, juntamente com o que foi

discutido no segundo capítulo: as bases para o que será desenvolvido no capítulo 4.

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110

4 Análises e Discussões

Com base no que foi apresentado nos capítulos anteriores, neste capítulo serão efetuadas as

análises específicas do corpus, bem como discussões no sentido de comprovar as hipóteses

levantadas inicialmente e, assim, responder à questão propulsora da pesquisa. Portanto, serão

apresentados os três games como exemplos do agenciamento Game que, ao longo do tempo,

foi assimilando mais tecnologias, conceitos e ideias, tornando-se cada vez mais complexo.

Também será mostrado como esse adensamento e aumento na complexidade proporcionou

um aumento gradual na participação e imersão do jogador no contexto do game. E, ainda,

como esse estado de coisas proporciona reflexos diretos e crescentes nos aspectos

relacionados ao estímulo da criatividade, deslocando o jogador da condição de mero

manipulador para a de autor/criador. Deslocamento este que, também, pode proporcionar

modificações em aspectos cognitivos/perceptivos, assim como mudanças na construção da

subjetividade dos usuários.

4.1 Algumas considerações

Sob uma perspectiva ampla, os games constituem-se como agenciamentos ao longo do tempo

e têm sua multiplicidade estruturada rizomaticamente. É através desse tipo de estrutura que se

estabelecem as máquinas abstratas que operam os arranjos de signos e dos sistemas

semióticos, ampliando suas dimensões. Ainda sob essa perspectiva, os games se constituem

como sistemas abertos, amalgamando múltiplos estratos, na medida em que novas conexões,

que modificam os arranjos iniciais, imprimem-lhes novas direções, condicionando as

conexões futuras.

Intrínseco ao processo de agenciamento está o constante crescimento em suas dimensões. À

medida que aumentam, ampliando sua multiplicidade e conexões, alteram os regimes de

signos distintos e estatutos de estado das coisas, tornando-os capazes de promover mudanças

na sua própria natureza. Dentro desse contexto fluido de desterritorização e reterritorização

surgem os games, agora pensados num contexto específico.

Nesse sentido último, há que se considerar que cada game corresponde a um arranjo

específico que, dentro do contexto dinâmico, se estabelece como platô bem definido, mapa

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esquemático do agenciamento amplo. Assim, ao se tomar cada um dos games, está se tendo,

para análise, um decalque do mapa do agenciamento Game.

Nesse sentido, mesmo observando cada game como um agenciamento em si, ele é um

“nódulo” rizomático de algo mais amplo. Assim, cada game representa um “instantâneo” do

agenciamento global, uma tradução imagética e momentânea do mapa global. Instantâneo este

responsável por captar os pontos de estruturação, entendidos como estabilizações temporárias

do funcionamento de criação do rizoma, dos agenciamentos.

Além disso, há que se considerar que algumas características de cada game se manifestam

pela capacidade de seus criadores de utilizar as tecnologias disponíveis, que lhes permitirão

agregar outros tantos conhecimentos, bem como utilizar-se desses conhecimentos. Dessa

forma, são estabelecidas as interações que são potencializadas quantitativa e qualitativamente.

Quantitativamente, no momento que as interações passam a ocorrer com uma diversidade

cada vez maior de conhecimentos, e qualitativamente, no momento em que o caráter imersivo

dos games vai sendo intensificado. Essas características e suas manipulações serão

responsáveis por influenciar no potencial de agência de cada game.

Em alguns casos, certas características são vinculadas à classe a que um game pertence. No

entanto, o olhar lançado a essas análises está voltado ao contexto em que passaram a existir,

devido ao adensamento do arranjo agenciador, no momento que este assimilou elementos

anteriormente inexistentes, que, mesmo estando mais presentes em alguns tipos de games do

que em outros, vêm, gradativamente, sendo introduzidos em novos games, ou mesmo nas

versões mais modernas dos já existentes.

Naturalmente, um game, em seu caráter específico, é o decalque de um agenciamento bem

complexo, que envolve tecnologias, técnicas, conceitos, pessoas, estruturas, que vão da

própria estrutura, como game, a estruturas comerciais e institucionais. Sob esse aspecto,

torna-se inviável e desnecessário abordar alguns aspectos desse agenciamento para o fim a

que se destina a proposta deste trabalho. Assim, as análises que serão apresentadas a seguir

ater-se-ão àqueles aspectos considerados relevantes ao proposto e cujas informações

estiveram de alguma forma acessíveis.

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112

4.2 Computer Space

O Computer Space106

foi desenvolvido por Nolan Bushnell e Ted Dabney. Produzido pela

Nutting Associates and Syzygy Engineering em 1971, foi lançado em fevereiro de 1972.

Esse game foi criado tendo como conceito estrutural básico o mesmo utilizado para os já

existentes jogos do tipo pinball107

. Como tal, o Computer Space foi montado em um gabinete

de fibra de vidro, em que foi instalado um televisor portátil, modificado, de tubo de vácuo

preto e branco de 15 polegadas da General Electric.

O sistema de computação interno desse game corresponde a um dispositivo de computação

dedicado, ou seja, feito para se jogar apenas um jogo, no caso, o Computer Space. Esse

dispositivo computacional se constitui de uma máquina de estado obtida por meio de circuitos

integrados do tipo TTL (lógica transistor-transistor)108

da série 74 da Texas Instruments. Os

elementos gráficos são obtidos por meio de circuito de diodos e, por meio de um circuito

analógico de síntese subtrativa109

, conectado ao sistema de som mono da TV, são gerados

quatro tipos de sons diferentes: disparo de mísseis, impulso do foguete, som de giro do

foguete e explosão. Todo o arranjo está instalado em três placas de circuitos impressos

interconectadas.

Trata-se de um game da primeiríssima geração, ainda estruturado sob as concepções da

cibernética de primeira ordem, portanto, sob um modelo fechado com os princípios funcionais

de um sistema de regulação das trocas com o exterior. Assim, foca-se nas ações e retroações

permanentes entre sistema e exterior. Ou seja, partindo de mecanismos de feedback, o sistema

responde aos estímulos externos a ele, constituindo processos de ação e reação.

106 Manual disponível em Nutting Association Inc: <http://www.arcade-museum.com/manuals-

videogames/C/ComputerSpace.pdf>. 107 O pinball é um jogo eletromecânico do tipo árcade em que um ou mais jogadores, por meio de botoeiras,

controlam uma ou mais bolas de metal em um campo de jogo inclinado, tentando evitar que essa(s) bola(s)

caia(m) no espaço existente na parte inferior da área de jogo. A finalidade do jogo é aumentar a pontuação do

jogador. Para isso, deve-se manter a bola o maior tempo possível em jogo e entrando em contato com certos

objetos espalhados pela área de jogo. 108 Máquinas de Estado do tipo TTL são máquinas computacionais abstratas (modelos matemáticos) que

funcionam por meio de circuitos digitais compostos por transistores e resistores que, devidamente arranjados e conectados, proporcionam as operações lógicas básicas E, OU e NÃO. 109 Síntese subtrativa é um método de geração de som em que sinais de áudio parciais são criados e, através de

filtros, são atenuados (subtraídos), de forma a alterar sua frequência, e, amplificados posteriormente, geram sons

de timbres distintos.

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113

O resultado desse agenciamento que proporcionou o Computer Space fez dele um jogo

bidimensional, cuja ação permanece contida numa única tela, sem possibilidades de

navegabilidade e extensão no ambiente virtual, sem diversidade de conhecimentos transitando

nesse ambiente e cujas ações são regidas por regras pouco complexas. Por sua vez, por ter

sido concebido com uma temática específica (guerra espacial110

) como pano de fundo, tem um

potencial de remeter o jogador a um universo figurativo. No entanto, há uma fragilidade no

que tange ao seu potencial narrativo.

Essa fragilidade se dá porque, apesar de apresentar um conjunto de significantes organizados,

a partir dos quais seus significados recriam um mundo imaginário, o conjunto de

acontecimentos se manifesta dentro de um contexto simples e de pouca amplitude – naves

sem qualquer caracterização, vindas sabe-se lá de onde, atacam, sem se saber por qual motivo,

outra nave, nas mesmas condições referenciais das primeiras. Ou seja, os fatos que ocorrem

ao longo do jogo estão limitados a uma sequência repetitiva, sem desdobramentos, e sem uma

quantidade de elementos que exijam um grau de operações cognitivas mais complexas por

parte do “leitor/jogador” para a compreensão do contexto e a construção de uma história que

sustente uma narrativa mais complexa e de alto grau de imersividade.

Assim, mesmo que a participação do jogador seja necessária para proporcionar a dinâmica do

jogo, essa participação se dá de forma bastante elementar, o que está diretamente ligado à

superficialidade do caráter interativo desse game e, neste caso, reflete diretamente no

potencial imersivo e de agência do mesmo. Nesse sentido, o jogador, no Computer Space, é

agenciado apenas no papel de alguém que destrói o inimigo e nem sequer no papel de quem

está no comando de uma espaçonave eliminando o inimigo, o que o coloca na posição de

mero manipulador. Além disso, suas ações não são capazes de trazer qualquer contribuição

significativa para o contexto do game.

Assim, apesar de o universo do Computer Space estar constituído de elementos significantes

e, por isso, requerer operações cognitivas para dar sentido à realidade nele apresentada, não se

mostra como um grande promotor de fatos/problemas que exijam do jogador esforços

expressivos no sentido de entendê-los/resolvê-los. Em outras palavras, poucas são as situações

110 Nesse game, o jogador deve se defender do ataque de um par de discos voadores em constante movimento na

tela, ao mesmo tempo em que tenta atingi-los e destruí-los. Para tal, o jogador tem em, mãos um par de botões

que comandam a rotação (horária/anti-horária) da imagem de um foguete na tela, um botão que comanda o

deslocamento da mesma e um quarto botão, responsável por acionar disparos de representações de mísseis.

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114

anômalas apresentadas ao sujeito que estimulem seu potencial transgressor para que possa

formular hipóteses, imagens e ideias, refletindo no potencial de criação e recriação de novos

signos e novas sintaxes que lhe exijam adequar seu estado interior.

Se, num primeiro momento, há um jogo de forças entre o sujeito e o objeto do game, na

tentativa de se estabelecer um acoplamento estrutural inédito, atuando junto à subjetividade

do primeiro, o resultado é, basicamente, limitado. Em outras palavras, se, com o contato

inicial com o jogo, é requerido do jogador um esforço para compreender as regras e, no

âmbito do imaginário, assimilar o universo do jogo como uma representação de uma realidade

possível, esse esforço se esgota precocemente. Nesse sentido, resta ao jogador exercer, junto

aos comandos, um esforço sinestésico calcado na ação e reação e, em menor grau, em

habilidades no âmbito da atenção e da memória. Assim, se houver algum momento que

requeira soluções criativas, esse momento está amarrado a encontrar ações básicas de controle

de movimentação da imagem do foguete na tela, de forma a se esquivar dos ataques inimigos,

ao mesmo tempo em que se encontram ações semelhantes de ataque ao inimigo.

O que se percebe, no caso do Computer Space, é que se trata de um agenciamento em que se

aproveitaram algumas tecnologias já existentes, redirecionando seus usos. A essas tecnologias

incorporaram-se os conceitos que proporcionaram o game em si. No entanto, o alcance

tecnológico/conceitual resultante desse agenciamento foi capaz, apenas, de colocar o jogador

numa posição de manipulador, com pouca possibilidade de se deparar com fatos/problemas

em número e variedade consideráveis, que exigisse desse manipulador soluções inéditas, ou

seja, criação. Apesar de o contexto do game instigar a imaginação do jogador/manipulador,

trata-se de um contexto pouco complexo, sem um potencial de demanda criativa e cognitiva

relevante.

4.3 Myst

O Myst111

foi desenvolvido pelos irmãos Rand e Robyn Miller e produzido pela empresa

criada por eles mesmos, Cyan World Inc. O game foi lançado em setembro de 1993 pela

empresa Broderbund Software, também responsável pela sua distribuição.

111 Myst Journey.com disponível em:

<http://www.irazoo.com/ViewSite.aspx?q=Myst+Guide&Page=&irp=&Site=http://www.mystjourney.com/>.

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115

Diferente do Computer Space, o Myst foi criado tendo como base a utilização de software

implementado em um computador. Mais especificamente, esse game foi produzido,

inicialmente, para operar com base no sistema operacional Mac OS, desenvolvido pela Apple

Computers Inc. para seus computadores Macintosh, sistema Mac LC112

7.0.1.

Esse sistema foi montado tendo como processador o LC Motorola 68020 ou 68030, num

barramento de dados de 16 bits e CPU de 32 bits. O sistema ainda trazia consigo inovações

como a utilização do conceito de memória virtual, com o uso de disco rígido (de 40 Mb ou de

80 Mb).

Esse tipo de memória, na verdade um sistema de gerenciamento, permite adequar espaços de

memória para a execução de multitarefas. Com essa técnica, possibilita rodar programas que

necessitam de uma capacidade de memória RAM (Random Access Memory) maior que a

disponível. Assim, sempre que a memória do programa excede a memória real do sistema,

apenas as partes mais utilizadas pelo processo em andamento estarão disponíveis na memória

de acesso rápido (memória RAM), enquanto o restante do programa fica armazenado no disco

rígido ou em outro sistema de armazenamento de dados. Desse modo, o processamento das

informações é feito como se houvesse apenas um tipo de memória, a memória virtual, que se

comporta como se fosse endereçável para leitura/escrita, em memória RAM.

O gerenciamento desse sistema de memória, nesse computador da Apple, utiliza o conceito de

gerenciamento por paginação – PMMC (Paged Memory Management Unit)113

, que é

realizado por um processador específico.

Será a possibilidade da “expansão” da memória RAM por meio da utilização do conceito da

memória virtual proporcionado pelo sistema LC 7.0.1, aliado à possibilidade do uso de CD

ROM, além de drive para disquete 1.44-MB, que dará a esse sistema a possibilidade de se

implementar o Myst para, então, ser jogado. Junte-se a isso a utilização do conceito de

interface gráfica, em que as ações podem ser feitas através da manipulação direta dos

112 Sistema LC: low-cost color. 113 O esquema de paginação de gerenciamento de memória é um sistema operacional que recupera dados de

armazenamento secundário no mesmo tamanho de blocos, chamados páginas. Diferente do sistema de segmentação de memória, a paginação permite que o espaço de endereço físico de um processo possa ser não

contíguo a ele. Antes da utilização da paginação, os sistemas tinham de caber inteiros em programas de

armazenamento de forma contígua, o que causava vários problemas de armazenamento/recuperação e

fragmentação das informações.

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116

elementos gráficos apresentados no monitor, por meio de um mouse e/ou teclado. Essa técnica

permitiu ao usuário fazer associações diretas entre as imagens na tela e os comandos

desejados, o que proporcionou ao universo dos computadores vincular-se a um sistema

simbólico ampliado, aumentando sua função comunicacional.

Nesse aspecto, o Mac OS é uma série de sistemas de interface gráfica usuário/máquina, que

utilizava monitores coloridos, padrão RGB de 12” da Apple com resolução de 512X384

pixels em cores de 16 bits, ou um de 13”, de alta resolução, 640X480 pixels, modelo

Trinitron114

, em cores de 8 bits. O sistema ainda possuía uma memória RAM dedicada ao

processamento de imagens VRAM (Video RAM). Nesse caso, uma memória VRAM de 256

KB (expansível a 512 Kb) dá ao monitor alta performance, com apresentação de gráficos

coloridos em alta velocidade e resolução. Porém, em termos de som, possui ainda saída de

áudio em alto-falante, com modo de reprodução monofônico.

Num arranjo rizomático ampliado, se comparado aos primeiros games existentes, o software

do game, juntando-se ao hardware e ao sistema operacional que deram condições à sua

existência, passa a ser mais um elemento a ser considerado no agenciamento que dá origem ao

Myst. Não menos complexo que o hardware e sistema operacional, o software do Myst foi

desenvolvido utilizando-se de vários recursos e conceitos disponíveis naquele momento. Foi

assim que seus desenvolvedores se utilizaram de softwares como o HyperCard e QuickTime

da Apple, que figuraram entre os primeiros programas aplicativos para hipermídia.

Se, por um lado, o QuickTime permitia a manipulação e compactação de vídeo, clips de

mídia, som, texto, animações, música e vários tipos de imagens panorâmicas interativas, o

HyperCard possibilitava combinar a capacidade de banco de dados com uma interface gráfica

de usuário modificável. A flexibilidade da interface podia ser efetivada através da HyperTalk,

uma linguagem de programação para a manipulação de dados e interface do usuário, base para

o desenvolvimento do Myst.

114 Triniton foi o nome comercial dado a monitores com tecnologia CRT (Cathode Ray Tube – tubo de raio

catódico) de alta performance produzido pela Sony. Esses monitores usam o sistema de cores RGB (Red, Green, Blue). Esse sistema é a aplicação de um modelo aditivo em que os três feixes luminosos (vermelho, verde e azul)

são somados, de forma a modificar o comprimento de onda, obtendo, assim, o espectro de cor final. Esse sistema

analógico, baseado na percepção humana, foi desenvolvido com fundamentação na teoria da visão tricromática

das cores de Young-Helmholtz e no triângulo de cores de Maxwell.

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117

O universo de Myst foi construído num espaço 3D discreto, com representação em duas

dimensões. A técnica utilizada, nesses casos, é de se criar uma série de imagens pré-

renderizadas115

, e a movimentação na cena do jogo não é contínua, é feita por cortes entre

uma imagem e outra, dando a ideia de deslocamento. Como a opção dos desenvolvedores foi

de aprimoramento na qualidade das imagens em detrimento da velocidade/resposta imediata,

ou da flexibilidade visual (a tecnologia de hardware disponível não suportava ambos ao

mesmo tempo), essa técnica foi bem empregada, juntamente com a possibilidade da memória

virtual do equipamento da Apple. Nesse sentido, cada quadro ia sendo reproduzido mediante a

demanda, gerando-se imagens estáticas e a elas sobrepondo-se animações e filmes, quando

necessário.

Utilizando gerenciamento de banco de dados e também já as bases do conceito de

programação orientada por objetos, suas mais de 2.500 cenas foram criadas usando-se o

software 3d StrataVision, um pacote de software gráfico que se utilizava de recursos de

modelagem ainda primitivos, mas capazes de gerar texturas e projeção de luz/sombra, criando

ilusão de tridimensionalidade do ambiente e dos objetos. Ainda foram usados como

ferramentas gráficas e de construção: Think Pascal (Symantec), Photoshop (Adobe), Premier

(Adobe), Illustrator (Adobe), Painter (Fractal Design), Morph (Gryphon Software).

Além dos sons de efeitos, uma trilha sonora foi composta. Para a criação dos efeitos e da

música, foram usados os softwares MasterTracks Pro 5 (Passport), Proteus MPS Plus (E-Mu),

Pro Tools Audio Interface (Digidesign), Sound Designer II (Digidesign), SoundEdit Pro

(MacroMedia).

Apesar de não estarem na lista dos softwares básicos e mais usados no desenvolvimento do

game, outros tantos, cada qual na sua especificidade, compuseram o resultado do

agenciamento final: Infini-D (Specular International), De-Babelizer (Equilibrium

Technologies), MovieShop (Apple), ComboWalker (Apple), Picture Compressor (Apple),

ConvertToMovie (Apple), MoviePlayer (Apple), SoundToMovie (Apple), QuickTime

XCMDs (Apple), Fontographer (Altsys), Tilod PICS Import/Export filters (John Knoll).

115 A pré-renderização é o processo em que imagens não são processadas em tempo real pelo hardware em que

se apresentam. Em vez disso, as imagens são gravações previamente processadas em um equipamento diferente.

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118

Myst, assim como outros games que já vinham sendo desenvolvidos, experimentava a

perspectiva de uma cibernética de segunda ordem, passando a valorizar as interações entre os

fenômenos e o sujeito, em interações fluidas. Sob essa perspectiva, a concepção do jogo levou

em conta a participação imersiva do jogador. Nesse sentido, investiu-se no aproveitamento

máximo das técnicas disponíveis na ocasião, de forma a se criar na tela, através de cenários e

desenvolvimento temático, uma unidade coesa de sentido para o usuário.

Os autores buscaram no universo da Odisseia de Homero, na ficção de Julio Verne, nos

romances góticos, nas pinturas e filmes surrealistas e na ficção interativa de Borges a

inspiração para criar o universo de Myst. Sob essa perspectiva, a busca pela maior

verossimilhança em relação ao tema sugerido tornou-se uma preocupação importante por

parte de seus desenvolvedores. Ao mesmo tempo, na busca por desenvolver o tema, uma

história é narrada, e o desenrolar dessa história depende das ações do jogador – nesse ponto,

transformado em interator.

O resultado foi um jogo point-and-click116

de aventura e enigmas, em primeira pessoa, de

percurso não linear, sem limites de tempo, porém com a linha da história previsível, com

ações controladas e com relativa navegabilidade e liberdade de desfecho.

Através da utilização do modelo de câmara subjetiva, o sujeito ocupa a posição de

protagonista no cenário do game, uma vez que passa a observar, na tela, o percurso que ele

mesmo determina ao controlar o mouse. Assim, as imagens que lhe são mostradas

correspondem à visão dada pela câmera, as quais, por sua vez, coincidem com a visão de uma

personagem em particular. Ou seja, eu – jogador – vejo na tela aquilo que a personagem vê no

seu campo visual. Essa técnica propicia ao sujeito se confundir visual e acusticamente com a

personagem da história que se desenrola. Dessa forma, o sujeito é levado a imergir, sendo

“transportado” ao universo figurativo e repleto de significantes do game. É sob essa ótica que

o Myst se estabelece numa trajetória narrativa, em que o jogador/interator é o responsável,

dentro dos limites atribuídos pelos desenvolvedores, pelo desenrolar da narrativa.

116 Point-and-click é o tipo de procedimento que um usuário de computador faz para conseguir que o aparelho

execute alguma ação. Esse procedimento consiste em mover a seta para até um determinado local da tela (ponto)

e, em seguida, pressionar um botão do mouse.

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119

Os autores mesclam a narrativa literária e cinematográfica com a narrativa do próprio jogo,

que se desenvolve a partir da leitura de um livro capaz de teletransportar o leitor para um

universo mítico, uma ilha – a ilha de Myst. O leitor/jogador é conduzido a explorar esse

universo para tentar retornar ao seu próprio mundo. Será dessa forma que, aos poucos, o

enredo vai-se apresentando: Sirrus e Achenar, dois irmãos, e Atrus seu pai, estão aprisionados

em livros mágicos dos quais desejam se libertar.

Assim, o leitor/jogador, logo que começa a jogar, descobre que tem o poder para libertar os

cativos, recuperando as páginas que estão faltando dos livros que os aprisionam. Para tal,

deverá viajar por mundos diferentes, com atmosferas específicas, reforçadas por músicas

incidentais. E, com a descoberta de cada página, mais e mais das suas histórias são reveladas.

É assim que o leitor dos eventos que se sucedem se torna protagonista – interator – e ocupa a

posição do herói, semelhante ao herói da mitologia grega, que deve realizar uma jornada

efetuando inúmeros “trabalhos”. Para encontrar as páginas, requer-se a solução de enigmas

que vão exigir, além do raciocínio, atenção visual e auditiva. Isso porque, além dos enigmas a

resolver, no desenrolar do jogo, deve-se descobrir que existem mensagens, todas elaboradas

pelo mago Atrus. Entre essas mensagens encontram-se informações acerca da origem da ilha,

de outros mundos, de seus habitantes, e pistas para a dissolução dos diversos enigmas

existentes.

Assim, o game proporciona ao interator a possibilidade de explorar os diversos cenários,

podendo retornar a algum ponto, tomar decisões diferentes das já tomadas e, de acordo com as

ações feitas, ou que não foram feitas, levar a trilhar caminhos diferentes. Através de um

esquema de regras no estilo “se-então”, (princípio básico de uma Máquina de Estado), a

narrativa se torna flexível e, dependendo dos caminhos escolhidos, desfechos distintos podem

ser definidos.

Mesmo que exista uma flexibilidade de escolhas, ela é relativa, pois, a experiência do jogo,

em essência, torna-se linear, uma vez que a história controla a forma como os diferentes

elementos estão significativamente ligados. Nesse sentido, ao se explorar o universo do game

com seus significantes, está-se explorando, em certo aspecto, as intenções do designer que,

por sua vez, traçou as possibilidades de escolha até um fim.

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120

Nesse caso, as escolhas do interator o levarão a descobrir o local onde Atrus se encontra

cativo e, então, poderá levar a ele um instrumento mágico que lhe permitirá sair de sua prisão,

recuperando sua liberdade. No entanto, há outras possibilidades de final para a história. Após

ter localizado Atrus, o interator deixa de lhe entregar o instrumento que o leva a libertar-se.

Ao fazer essa opção, o interator irá enfrentar a ira daquele mago, que fica condenado a

permanecer aprisionado por toda a eternidade. Outra possibilidade de final acontece àqueles

que decidem por libertar algum dos dois filhos de Atrus ao invés deste. Nesse caso, tão logo

um desses personagens se liberte, aprisiona o próprio libertador no mesmo lugar em que se

encontrava aprisionado.

Será Atrus o responsável por conduzir a história, pois é através da dissolução de seus enigmas

e suas pistas que a narrativa se desenvolve. Mesmo que seja pelas ações do jogador/interator

que essa narrativa acontece, tais ações nada podem alterar na ordem necessária de eventos

significativos para se chegar ao ponto em que a personagem escolhe jogar para libertar o pai,

ou irmãos, ou para prender-se. Além disso, quase imperceptível é a presença de um

personagem invisível, um agente (os autores) que é delatado quando é encontrado um bilhete

sem assinatura contendo uma pista fundamental para o progresso da experiência.

Se, de um lado, esse game permite uma navegabilidade relativa, na medida em que se

apresenta sob uma narrativa interativa, porém fechada, por outro lado, quando se observa e se

analisa o processo pelo qual essa narrativa se desenvolve, nota-se um grande potencial para

atribuição de novos significados.

Nesse sentido, o game está estruturado de forma a apresentar um conjunto de significantes

organizados a partir dos quais seus significados são capazes de recriar um mundo imaginário

de forma coesa, ampla, ao mesmo tempo que complexa. Ou seja, o ambiente do jogo está

repleto de elementos que exigem alto grau de operações cognitivas para que o leito/interator

possa ter a compreensão do contexto e da construção de uma história capaz de sustentar uma

narrativa complexa e de alto grau de imersividade. No entanto, apesar do caráter imersivo e

agenciador, as contribuições do leitor são pouco expressivas. Ou seja, possui um grau

interativo relativamente baixo (fazer escolhas entre as opções apresentadas), uma vez que,

com sua participação, não promove mudanças significativa no que já fora previsto.

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121

Dentro desse contexto, desde o primeiro momento, o sujeito, enquanto propenso jogador,

“abre” o jogo, depara-se com um mundo imaginário e cheio de mistérios. Sem qualquer

instrução, resta ao sujeito vagar por aquele mundo que, gradativamente, ao mesmo tempo em

que vai se desvelando, vai apresentando dicas e instruções de tarefas a serem realizadas, para

que a narrativa se desenvolva. É dessa forma que, já com o contato inicial com o jogo, passa a

ser requerido do jogador/interator um esforço para a compreensão das regras e, no âmbito do

imaginário, assimilação do universo do jogo como representação de uma realidade possível,

que perdurará por todo o jogo.

Um esforço extra é exigido do jogador/interator ao longo de todo o jogo, uma vez que, para

promover o desenrolar simultâneo da narrativa e do jogo, esse sujeito deve resolver uma série

de enigmas. Tais enigmas foram arranjados de forma que cada um resolve uma questão

pontual, ao mesmo tempo que global. Pontual no sentido de que os desafios cognitivos

específicos que lhe são exigidos têm como objetivo a continuidade da narrativa. Assim, sua

função cognitiva se estabelece como a resolução objetiva do enigma e se estende como

elemento de ligação com o desvendar do enigma integral da história. A solução global, por

sua vez, forma-se a partir da inter-relação das soluções de cada enigma pontual. Ou seja, a

partir de cada solução pontual que se conecta, dá-se o encaminhamento da narrativa como um

todo lógico, conduzindo o game ao seu desfecho. Nesse sentido, a função cognitiva se

estabelece na articulação objetivo/subjetivo, na medida em que cada enigma resolvido

permanece na memória e passa a contribuir para o enriquecimento de significados.

Assim, em Myst, o desafio de superar as limitações relativas às habilidades de observação e de

correlacionar as informações disponibilizadas ao longo do desenrolar da narrativa, ao mesmo

tempo em que ela é construída, passa a ser vital. Isso porque os enigmas do game apresentam

uma diversidade de fatos/problemas, uma vez que as informações, em sua maioria, estão

ocultas e com algumas possibilidades de escolhas.

Nesse contexto, os fatos/problemas recebem significados atribuídos pelo próprio

jogador/interator, ou seja, o significado do real se dá a partir das abstrações e reflexões do

sujeito. Dentro dessa dinâmica surgirão descobertas e soluções, frutos do raciocínio empregado

na construção de inferências e correlações entre objetos, muitas vezes, aparentemente

desconexos.

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122

Através da experiência vivida no game, arquiteta-se uma organização lógica de eventos e

ações, desenvolvem-se ou criam-se conceitos e significados. Na tentativa de se resolver um

enigma ou entender o contexto, forjam-se conceitos e, assim, conscientemente, levam a

compreender o funcionamento de uma solução. Na medida em que o interator, em Myst,

depara-se com algum tipo de enigma ou de artefato, é conduzido a refletir sobre ele: o que é,

que ações levam à sua solução, para que serve, como funciona etc.

Por meio de um movimento especulativo, hipóteses são geradas, proposições inéditas são

criadas. A partir de cada nova evidência, surgem novas possibilidades de reconstruir a questão,

novas possibilidades de ligação e religação entre os fatos. Ou seja, a partir de hipóteses, novos

significados vão sendo criados, seja no âmbito pontual, seja no global.

O mundo de Myst oferece ao seu visitante uma navegação “intuitiva”, que ocorre em meio a

inúmeros fatos/problemas, um número considerável de conhecimentos intrínsecos a ele e até

mesmo em meio a experiências estéticas, implicando incontáveis oportunidades para

desenvolvimento de habilidades e potencialidades cognitivas. Mediante a realização de

multitarefas, observação, atenção, memória, abstração, imaginação, simulação, criação e

generalização, o sujeito se depara com a possibilidade da criação, da experiência estética e

correlata construção de conhecimentos. As múltiplas possibilidades em Myst abrem espaço

para o interagir, de forma que o leitor/jogador é agenciado e, num alto grau de imersão,

transforma-se num interator; como tal, é capaz de criar e de recriar a realidade que o cerca, em

novos signos e sintaxes, o que lhe exige uma permanente adequação de seu estado interior.

Dada a característica desse game, o sujeito estabelece um plano de forças em que ele, sujeito,

o game e o mundo vão se construindo mutuamente, exibindo soluções ao ser exposto a cada

situação inédita, proporcionando condutas específicas à sua existência. Esse processo natural

parte do sujeito e, na presença da razão, desenvolve hipóteses, imagens e ideias num universo

imaginativo; mediante suas ações, a mente constrói representações inéditas do real.

Notadamente, o arranjo agenciado de Myst já é bem mais complexo que muitos de seus

antecessores, aqui representados pelo Computer Space. Para a produção desse game,

aproveitaram-se tecnologias disponíveis, às quais foram assimilados conceitos, ideias e outras

tecnologias desenvolvidas especificamente para o game. O resultado desse arranjo agenciado

proporcionou a criação de um contexto com rara sofisticação até então, aumentando o grau de

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participação do jogador no desenrolar do jogo, o que, dadas as peculiaridades, se mescla com

uma narrativa interativa fechada. Nesse contexto, o jogador sai da condição de manipulador

do Computer Space e passa a ocupar uma posição de interator. Como tal, esse sujeito atua

como coautor da trama que se desenrola acoplada ao jogo. Nesse sentido, o jogador/interator

tem a autonomia de decidir os caminhos que o jogo/narrativa tomará e, até mesmo, que fim

terá. No entanto, essa autonomia ocorrerá sempre dentro das possibilidades, de certo modo

restritas, que os autores do game programaram.

Por sua vez, o agenciamento Myst potencializou em muito o aspecto imersivo dos games,

atuando diretamente na imaginação daquele que o joga. Nesse sentido, a imaginação é

instigada permanentemente, cativando o jogador/interator, aspecto que é reforçado pelos

diversos fatos/problemas a ele apresentados. São estes últimos os responsáveis por gerar uma

diversidade de situações em que o interator se vê “obrigado” a utilizar seu potencial criativo.

Nesses momentos, frente a cada fato/problema, o interator deve considerar possibilidades e,

mediante um processo abdutivo, hipóteses são geradas, no intuito de se encontrar aquela que

venha a proporcionar um entendimento/solução e, assim, poder dar continuidade ao

jogo/narrativa em direção ao fim.

Fica clara a responsabilidade do complexo agenciado que gerou o Myst por ampliar o

universo participativo do jogador e influenciar diretamente em seus aspectos cognitivos e

subjetivos. Por sua vez, é também notório que, mesmo estando sujeito a se utilizar de sua

criatividade, essa participação está limitada aos desígnios, pouco ou nada flexíveis,

estipulados pelos criadores desse game. Nesse sentido, ainda é pouco adequado chamar esse

jogador de autor ou criador, podendo-se atribuir a ele, no máximo, a alcunha de

interator/coautor.

4.4 The Sims 3

The Sims 3117

foi desenvolvido pelo The Sims Studio, baseado nas ideias de Will Wright.

Esse terceiro jogo da série The Sims foi lançado em junho de 2009 nos Estados Unidos, com

distribuição da Eletronic Arts Inc.

117 The Sims 3, site oficial disponível em: <http://www.thesims3.com/>. Manual disponível em:

<http://d37zew79dztttz.cloudfront.net/cached/7450927725934c82bbbea8432a876203/files/manual/sims-3-

mac/SIMS3wmacMAN(US).pdf>.

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124

Assim como o Myst, The Sims 3 foi criado, inicialmente, tendo como base a utilização de

software implementado em um computador. Esse game foi produzido, num primeiro

momento, para operar com base nos sistemas operacionais Microsoft Windows XP Service

Pack 2118

, Windows Vista ou Windows 7 Service Pack 1 e Mac OS X.

Os sistemas da Microsoft foram desenvolvidos em linguagens C, C++ e Assembly, para CPUs

de 32 ou 64 bits, tendo como processadores IA-64 (XP) e Pentium III (Vista e 7). Os sistemas

usam dois processadores físicos sob o conceito de multiprocessamento simétrico, em que os

processadores têm suas memórias compartilhadas sob o controle do mesmo sistema

operacional.

O funcionamento dos sistemas é feito sob uma arquitetura baseada nos princípios de

micronúcleos e um núcleo protegido. A estrutura por micronúcleos permite que cada

componente gerencie e reparta aos demais cada uma das funções do sistema. Essa

configuração proporciona remover, atualizar ou substituir cada módulo sem a necessidade de

alterar outras partes do sistema. Já a estrutura de núcleo protegido garante que certas partes

não possam sofrer alterações em seu contexto e melhora o desempenho geral do sistema.

Para a organização dos sistemas, utiliza-se o conceito de camadas, de forma que cada camada

que se relaciona com a imediatamente superior e com a imediatamente inferior oferece ações

umas às outras. Aliado a esse tipo de organização está o uso do modelo orientado a objetos,

em que alguns recursos do sistema, como arquivos, memórias e dispositivos físicos, são

implementados por objetos e manipulados por métodos a eles associados.

Por sua vez, o gerenciamento é feito por escalonamento FIFO119

, possibilitando que se

executem processos mais viáveis e concorrentes, priorizando determinados tipos em

detrimento de outros. Sob essa perspectiva, esses sistemas operacionais organizam as

prioridades em duas classes: tempo real e variável. Assim, submetido aos seus níveis de

prioridade, as tarefas da classe de tempo real possuem prioridades fixas determinadas no

118 Service Pack são pacotes de correções e/ou acréscimo de novas funcionalidades ao sistema operacional. 119 O algoritmo de escalonamento FIFO é uma estrutura de dados que proporciona o processamento por parte da CPU, por ordem de chegada. Neste contexto, cada processo é executado como um todo, ininterruptamente, para

que, então, possa executar outro, mesmo que esse outro processamento tenha sido requerido enquanto havia um

em andamento. Assim, cada ação requerida só será processada após o término daquela que foi requerida

primeiramente.

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125

momento da criação, enquanto as tarefas da classe variável têm suas prioridades atribuídas de

forma dinâmica.

Outra característica desses sistemas operacionais é o fato de permitirem a execução de

aplicações de outros sistemas operacionais, dando-lhes o suporte que é feito a partir de

subsistemas que são implementados como processos separados, fornecendo ambientes de

execução compatível. Esses ambientes são compostos por uma interface gráfica, um

interpretador de comandos e uma interface de programação compatível com o sistema

implementado.

Essa arquitetura alia-se ao uso do conceito de memória virtual. No caso desses sistemas

Windows, são disponibilizados 32 bits de espaço no dispositivo de memória físico, o que

permite uma memória virtual de 4 GB, podendo ser dividida igualmente ou não entre espaço

para processo do usuário e sistema operacional. Ainda está prevista a expansão para

processadores de arquitetura de 64 bits, permitindo 28 GB de memória suplementar.

A alocação da memória virtual utiliza-se do conceito de paginação, sendo que o

gerenciamento da memória virtual é feito através de algoritmo de paginação por demanda

com clustering. Nesse esquema, quando ocorre falta de instruções em uma página, o

gerenciador de memória comanda seu carregamento com as instruções faltosas, contidas nas

proximidades. Dessa forma, reduz-se o número de acessos ao disco rígido, ao mesmo tempo

em que se reduz o número de leituras individualizadas, permitindo maior agilidade de

processamentos.

Por sua vez, a configuração mínima necessária para suportar o The Sims 3 em PC tendo como

sistema operacional o Windows XP é processador Pentium IV de 2.0 GHz ou equivalente,

memória RAM de 1 GB. Além disso, placa de vídeo com 128 MB RAM para suporte para

Pixel Shader 2.0120

, pacote de aplicativos de comunicação entre software e hardware DirectX

9.0c121

, monitor super VGA (800 x 600), HD de 6,1 GB mais 1 GB de espaço adicional para

120 O Pixel Shader é um programa capaz de trabalhar na estrutura dos pixels depois que um modelo 3D é

rasterizado (convertido de vetores para pixels). Com o pixel shader pode-se criar efeitos na imagem, como efeitos de vidro, rugosidade, desfoque etc. É usado quando se necessita que os processos sejam rápidos, um vez

que é executado na placa de vídeo, deixando a CPU livre para outros tipos de processamentos. 121 DirectX é um conjunto de rotinas e padrões de comandos de estilo e interfaces de objetos, assim como por

administração de objetos que padroniza a comunicação entre software e hardwares. Usado em sistemas

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armazenar conteúdo personalizado e jogos salvos, sistema de som compatível com DirectX

9.0c com caixas de som, DVD ROM, teclado e mouse.

Já com os sistemas operacionais Windows Vista e Windows 7, a configuração mínima

necessária é processador Pentium IV de 2.4 GHz ou equivalente, memória RAM de 1,5 GB.

Além disso, placa de vídeo com 128 MB RAM para suporte para Pixel Shader 2.0, pacote de

aplicativos de comunicação entre software e hardware DirectX 9.0c, monitor super VGA (800

x 600), HD de 6,1 GB e jogos salvos, sistema de som compatível com DirectX 9.0c com

caixas de som, DVD ROM, teclado e mouse.

O sistema Mac, por sua vez, foi desenvolvido em linguagens C, C++ e Objective C, para a

versão OS X 10.5.7 Leopard, com CPU de 32 bits, tendo como processadores PowerPC G3

ou PowerPC G4 (terceira e quarta gerações). Esses processadores da família Power foram

desenvolvidos pelo consórcio Apple, IBM e Motorola. Porém, para comportar as rotinas do

The Sims 3, já é necessária uma série de processadores superiores da Intel, o Core Duo. Esse

processador com duplo núcleo de processamento tem maior velocidade e poder de

processamento.

O sistema OS X é baseado na tecnologia de interface Unix Darwin. Este, por sua vez, é

baseado em vários conceitos, tais como utilização intensiva do conceito de arquivo, formato

simples para armazenamento de dados, dispositivo responsável pelo gerenciamento de

comunicação de dados entre processos, uso de grande número de ferramentas de

programação, pequenos programas intérpretes de linhas de comando alimentando diretamente

o fluxo dos processos, ao invés de todas as rotinas estarem definidas em um programa único.

Organizado sob uma arquitetura de camadas, esse sistema operacional possui muitos

utilitários junto a um programa de controle mestre, o núcleo, que se relaciona diretamente

com o hardware e é executado num espaço de memória específico para ele. Esse núcleo é

responsável por dar condições para que programas se iniciem ou se interrompam; controlar o

acesso ao sistema de arquivos e dispositivos de hardware; gerenciar memória e outras tarefas

de “baixo nível” que outros programas compartilham; coordenar acessos a programas ao

operacionais Windows, fornece instruções para que aplicativos possam lidar com tarefas relacionadas a

multimídia, principalmente games e vídeo.

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mesmo recurso, de forma a evitar conflitos e, ainda, mediar os acessos que refletem na divisão

de espaço do usuário e no núcleo.

Sob essa perspectiva, o Unix se utiliza do conceito de micronúcleos, em que há uma tendência

de se ter um maior número de tarefas sendo processadas em utilitários menores. Executados

em espaços de memória não específicos, esses utilitários fazem a interface entre o usuário e o

núcleo.

Trata-se de um sistema multitarefa monoprocessado, em que uma ou mais tarefas ou

processos podem ser executados, no entanto, sequencialmente, de forma rápida o suficiente

para sugerir simultaneidade. Para tal, o sistema trabalha por escalonamento do tipo

preemptivo. Ou seja, o sistema suspende a execução de um processamento para executar outro

processamento, após se esgotar um determinado intervalo de tempo. Quando ocorre a

interrupção, o Unix salva o contexto do processo (informações necessárias para a execução

desse processo), para que possa ser retomado posteriormente, após executar uma prioridade.

Por ser um sistema multitarefa, o Unix utiliza uma estrutura chamada tabela de processos.

Esse tipo de organização permite o registro das informações sobre cada processo, tais como:

identificação do processo, origem, área de memória utilizada, estado (executando ou

aguardando). Dessa forma, apenas um processo pode ocupar o processador de cada vez,

enquanto os demais ficam aguardando, numa fila de prioridades, para o processamento.

Esse sistema multitarefa/multiusuário tem o controle feito por um subsistema de código

aberto, o Darwin. Esse subsistema fornece um terminal de comunicação para troca de dados

entre processos em execução dentro do mesmo sistema e gerência de memórias

compartilhadas, que são acessadas simultaneamente por vários programas, com a intenção de

proporcionar uma comunicação entre eles ou de evitar cópias redundantes. Esse sistema ainda

gerencia filas de mensagens, de forma a agrupar funções semelhantes e sinalizadores de

controle de acesso a recursos por vários processos em programação paralela.

O sistema de controle Darwin é estruturado sob uma arquitetura híbrida. Essa arquitetura

combina, de um lado, um micronúcleo composto de modelos de processos, rotinas de tarefas e

sistemas de arquivos virtuais, que intermediam o núcleo, e sistemas de arquivos concretos; e,

do outro, uma interface orientada a objeto que se destina a ser usada na comunicação de

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componentes de software uns com os outros. Inclui ainda, especificações de rotinas, estruturas

de dados, classes de objetos, entre outros.

No caso do uso do Mac com sistema operacional OS X 10.5.7 Leopard para instalar o The

Sims 3, a configuração mínima necessária é processador Intel Core Duo, memória RAM de 2

GB. Além disso, placa de vídeo ATI X1600 ou NVIDIA 7300 GT com 128 MB RAM de

vídeo, HD de 6,1 GB + 1 GB de espaço adicional para armazenar conteúdo personalizado e

jogos salvos, teclado e mouse.

Criar imagens dinâmicas e ininterruptas de alta qualidade, como é o caso do The Sims 3, a

partir de dados binários, é um processo complexo. Para gerar uma imagem 3D, é necessário

um número muito grande de dados e cálculos que devem ser efetuados em alta velocidade de

resposta. Inicialmente, os processadores criam, por meio de vetores, uma armação de linhas

retas. Em seguida, esse esquema é rasterizado, preenchendo-se os pixels restantes para, então,

adicionar-se textura, iluminação e cor.

Nos games mais modernos, como The Sims 3, os computadores devem efetuar esse processo

cerca de sessenta vezes por segundo. Sem uma placa de vídeo para executar os cálculos

necessários, a carga de trabalho para o processador principal do computador seria demasiada,

prejudicando outros tipos de processos. Assim, as placas de vídeo atuam como unidades de

processamento, expansões de CPU, que geram imagens de saída para um display. Trata-se de

um circuito eletrônico dedicado à manipulação de dados sobre cada pixel e alteração de

memória, de modo a acelerar a construção e/ou renderização de imagens.

A potencialidade do arranjo conceitual e tecnológico de processamento de dados disponíveis

irão proporcionar o desenvolvimento do The Sims 3. Esse game foi basicamente desenvolvido

utilizando-se das linguagens C e C++ e vários “estratos” desenvolvidos nessas linguagens,

bem como motores gráficos, de som, de física e de inteligência artificial. Como exemplos,

podem ser citadas várias bibliotecas, como o Portable Network Graphics (PNG) para

manipulação de imagens; Sistema de animação Granny Animation com compatibilidade

Windows/Mac; o nVidia Cg Toolkit, um compilador para efeitos de luz e sombras; Dmalloc,

um depurador de memórias; a biblioteca multimídia e multiplataforma Simple DirecrMedia

Layer.

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129

Para ajudar na ambientação do jogo em que se combinam técnicas gráficas 3D às 2D122

, o

jogo é dotado de sons e de músicas em estéreo. Estas últimas, compostas por Steve Jablonskt

e gravadas pela Hollywood Studio Symphony123

.

Com base estrutural nos sistemas computacionais, vários recursos e conceitos disponíveis até

então vão dar origem ao The Sims 3. Esse jogo, basicamente, é um jogo de simulação de vida

e de simulação social, vinculado a estratégias, em terceira pessoa, de percurso não linear, sem

limites de tempo e com linha da história imprevisível, com ações semicontroladas e com alto

grau de navegabilidade e liberdade de desfecho. The Sims 3 é possuidor de um contexto

narrativo inerente a ele e tem a(s) narrativa(s) construída(s) de forma interativa e aberta, sem

que haja um fim determinado, e intrinsecamente vinculada às ações do usuário.

Esse game incorpora plenamente a perspectiva de uma cibernética de segunda ordem. Sob

essa perspectiva, o foco sobre os processos está nas interações entre os fenômenos e o sujeito.

Interações que se dão sob um modelo reticular dinâmico e aberto, com certo grau de

autonomia e capacidade de auto-organização. Nesse sentido, as tecnologias e os sistemas

originados delas são pensados considerando-se as potencialidades evolutivas dos sistemas,

concebidos dentro de uma permanente dinâmica de equilibração em suas interações fluidas

com o ser humano.

Desse modo, o jogo foi concebido levando-se em conta a participação interativa e imersiva do

jogador. Tal participação se dá pelas interações num cenário com seus agentes, dentro de um

desenvolvimento temático, proporcionando ao jogador uma unidade coesa de sentidos.

Em The Sims 3, são quatro os aspectos fundamentais para se estabelecer a arquitetura dos

avatares e objetivos do jogo: personalidade, necessidades, habilidades e relacionamentos.

Dentro dessa perspectiva, o objetivo o jogo é proporcionar aos personagens (os Sims) uma

vida feliz e tão próspera quanto possível. Quase que como uma celebração ao consumismo e à

vida urbana, o game possui uma estrutura que envolve o jogador em um mundo ficcional que

tem sua própria dinâmica. Nesse sentido, nos conceitos dos criadores, vida próspera

representa adquirir bens, trabalhar e ganhar dinheiro, se apaixonar, alimentar-se e realizar uma

122 Os personagens são renderizados como objetos 3D, e casas e demais objetos são pré-renderizados em

perspectiva. 123 Além das músicas principais, gravadas no Newman Scoring Stage, outras músicas e sons foram feitas por

vários outros compositores, como Darrell Brown, Mauleon Rebeca e D’Agostino Peppino.

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série de atividades domésticas e sociais. E a felicidade, por sua vez, está atrelada à satisfação

de demandas, desde as fisiológicas até a autorrealização.

No entanto, a vida dos Sims é repleta de compromissos (limitadores) paralelos, muitas vezes

complicados, influenciados pela rede social e pelo contexto como um todo, que dificultam a

realização de todas as metas. Assim, o simples fato de desejar adquirir uma casa maior, uma

demanda pelo crescimento da família levam a gastar um valor monetário que dificultará a

compra de alimentos, por exemplo, indispensável para a manutenção de uma vida saudável.

Portanto, o resultado sempre dependerá das escolhas do jogador, no sentido de atingir certos

objetivos. Assim, o jogador, como interator, deverá estabelecer estratégias, permanentemente,

organizando tempo, administrando tarefas e valores.

Uma das principais características de um game baseado em estratégias é a complexidade das

decisões a serem tomadas pelo jogador no ambiente simulado. Nesse sentido, The Sims 3 é

um mundo multivariante de eventos ricos em interações de caráter complexo que é aberto

para a exploração sem fim e extensão124

. Além disso, o jogo é responsável por simular

eventos aleatórios a que mesmo os avatares controlados pelo jogador/interator, bem como

vários agentes auxiliares autônomos (NPCs) fornecidos pelo game, estão sujeitos. E, para se

avançar no jogo, o sujeito deverá interagir com esse contexto e seus eventos.

Nesse sentido, os idealizadores e desenvolvedores do The Sims 3 investiram no

aproveitamento de técnicas e conceitos disponíveis na ocasião. Uma dessas técnicas, base de

um game de simulação dessa natureza e cada vez mais presente em outros tipos de jogos, é a

Inteligência Artificial (AI). Aqui, foram usados alguns dos conceitos mais avançados

disponíveis, explorados no máximo do potencial alcançável.

Nesse universo, um dos conceitos presentes foi a linguagem ontológica, vinculada a uma

arquitetura voltada a objetos, em paralelo ao conceito de affordance125

, proporcionando

objetos inteligentes. Para a aplicação desses conceitos, usam-se estruturas de dados e relações

inerentes às entidades do mundo do game (objetos, espaços tridimensionais etc). Nesse

124 Mesmo que a vida de um Sim possa ter começo, meio e fim, a opção de fim (morte) pode ser desativada e, além disso, mesmo que um personagem “morra”, o jogo pode continuar, se desejado for, indefinidamente, com

outros tantos personagens. 125 A affordance consiste em informações qualitativas de um objeto ou ambiente, que permitem a um indivíduo

executar uma ação própria para aquele objeto.

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sentido, são estabelecidas, para cada objeto e espaço, classes, propriedades (como atributos

físicos e informações funcionais) e as relações possíveis que se estabelecem entre as classes.

Este conjunto de coisas é que define os objetos como inteligentes.

Dentro desse contexto, é natural a combinação da AI com o ambiente virtual em que os

objetos e espaços são inteligentes. No nível de um objeto ou espaço tridimensional, estes se

tornam agentes possuidores de informações que lhes definem ações que podem ou não ser

executadas em/por um determinado objeto. Nesse sentido, cada objeto, ou espaço, é

caracterizado não apenas pela imagem que os representa, mas pelas características

comportamentais e relacionais a eles vinculados, bem como pelas possibilidades de

transformações frente à inter-relação com outros agentes, ou mesmo com o usuário.

Numa abordagem em camadas para os motores de AI, as principais técnicas utilizadas nesse

game são a Artificial Life (A-Life) e a máquina de estado com lógica difusa. Através dessas

técnicas, proporcionam-se formas flexíveis para a criação de comportamentos realistas e

autênticos nos personagens do jogo, como respostas rápidas, usando heurísticas, podendo ser

usadas também em tempo real.

O poder da técnica de A-Life tem suas raízes nos estudos de organismos vivos do mundo real.

É uma técnica que tem por objetivo imitar esses comportamentos através de uma variedade de

métodos que podem usar regras predefinidas ou algoritmos. Ao invés de tentar codificar uma

enorme variedade de comportamentos complexos, os desenvolvedores podem dividir o

problema em partes menores. Esses comportamentos são, então, ligados em algum tipo de

hierarquia de tomada de decisão que os personagens do jogo possam usar em conjunto com

emoções motivadoras, se houver, para determinar que ações eles precisam ter para satisfazer

suas necessidades.

Nesse sentido, em The Sims 3, os desenvolvedores se valeram das ideias de Maslow (1943),

em que o comportamento é explicitado através de cinco níveis de necessidades. Essas

necessidades são dispostas em ordem hierárquica, desde as mais primárias às mais elevadas.

Assim, na base encontram-se as necessidades básicas e reflexivas dos interesses fisiológicos e

de sobrevivência. O segundo nível da hierarquia é constituído por uma série de necessidades

de segurança, de manutenção das condições básicas. Na sequência está a necessidade de

pertencer a grupos e se relacionar. São as necessidades sociais ou de associação. O passo

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seguinte na escala de necessidades é o da estima ou de status, dado pelo reconhecimento e

admiração por parte do grupo. Por fim, a necessidade de maximizar as potencialidades e de

testar a própria capacidade farão com que as ações do indivíduo sejam dirigidas em busca do

sucesso. Este é o nível mais elevado das necessidades humanas, estabelecido na

autorrealização.

Sob essa perspectiva, as interações que ocorrem nos níveis mais baixos de

motivações/necessidades dos avatares estão explicitamente codificadas. Por sua vez, aquelas

interações de níveis mais elevados são postas sem uma programação explícita complexa,

proporcionando formas flexíveis que geram comportamentos mais realistas e autênticos por

parte dos personagens do jogo.

Aliado à hierarquia das necessidades, os desenvolvedores desse game criaram um modelo

baseado nos fundamentos da psicologia das emoções que, atrelado a uma perspectiva teórica

da unidade, proporcionou a interligação entre diversas variáveis qualitativamente distintas.

Nesse sentido, uma necessidade fisiológica básica pode levar a uma resposta emocional que,

por sua vez, transforma-se na força motriz da próxima ação.

Medo, raiva, tristeza e felicidade são os parâmetros que propulsionam as ações dos avatares

nesse game. O medo, por exemplo, faz com que um desses agentes se distancie de outros

agentes que tenham valores baixos de relacionamento. A raiva pode ocorrer em um

personagem quando outro personagem está usando algum recurso desejado pelo primeiro. A

tristeza pode surgir quando configurações da unidade como um todo são baixas, e felicidade,

quando são elevadas.

Configurações semelhantes estão modeladas nos personagens quanto aos estados de satisfação

física e social e vinculadas à sua personalidade, característica física e estilo de vida. Valores

em cada uma dessas categorias refletem na representação do estado geral do personagem.

Assim, se uma personagem se encontra cansada (baixa energia e pouco descanso), solitária

(classificação social baixa) e com frio, provavelmente estará infeliz, dado que as

configurações da unidade se encontram, no todo, baixas. Assim, as ações de um personagem

não se relacionam apenas pela necessidade de otimizar suas classificações de acionamento

(como dormir para descansar), mas também são afetadas pelo estado emocional atual que, por

sua vez, está atrelado à personalidade e estilo de vida do agente. Como as combinações

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possíveis das variáveis são inúmeras, tornam-se também inumeráveis as reações para cada

personagem126

. Assim, um personagem cansado pode estar propenso a ações violentas, porém,

outro, mesmo estando descansado, poderá estar mais propenso a ações violentas.

Esse modelo é bastante eficaz na geração de um conjunto sustentável de interações

equilibradas entre os agentes e entre estes e o usuário. Graças a esse modelo, baseado em

sobreposições normativas das ações dos agentes, as relações entre eles geram um ambiente

bastante realista. Os personagens comportam-se de maneira bastante próxima do que se

poderia esperar dos seres humanos, em sua “previsibilidade imprevisível”, o que reflete

diretamente no caráter imersivo desse game.

Esse caráter é ampliado quando se alia ao poder de agência e interatividade possibilitado pelo

arranjo agenciado que proporcionou o The Sims 3. Como que evocando a mitologia grega, o

jogador/interator se transforma em jogador/coautor que, como uma divindade, manipula a

vida dos seres inconscientes de sua existência. Como naquela perspectiva de mundo e fazendo

o jogo mais intrigante e agenciador é que, como os mortais na mitologia grega, os

personagens do jogo (pessoas simuladas) muitas vezes frustram os planos da divindade com a

sua própria autonomia.

É um mundo de simulação conduzida por um tipo de atores sintéticos compartilhando a

autoria (no caso dos protagonistas) com o jogador. Esse, além de definir parâmetros gerais das

personagens, objetos e ambiente, conduz as ações, estabelecendo uma narrativa que se

constrói dentro de uma improvisação colaborativa. Em parte, a narrativa se dá pela

codificação dos autores, e em parte é desencadeada pelas ações do jogador/coautor no game.

Esse jogo traz os jogadores para seu contexto através de uma combinação de sofisticada

tecnologia, um ambiente de simulação bastante crível, combinados a uma interface de usuário

e a um design de jogo instigante, com alto grau de interatividade. Seja criando personagens,

com todas as nuances que os desenvolvedores colocaram à disposição dos usuários, seja na

utilização dos diversos motores para se criar e construir objetos e o mundo de The Sims 3, os

jogadores desse game podem interagir, interpretar, participar, criar e transformar narrativas,

126 O The Sims 3 possibilita ao jogador caracterizar seu avatares segundo uma série de possibilidades e

combinação delas, desde que não se contradigam. São 13 características psicológicas, 13 físicas, 20 sociais, 18

estilos de vida, mais 8 traços de personalidade chamados de ocultos.

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cenários e relações. O jogador é envolvido como designer na forma como todo o jogo é

jogado, ou seja, ser design do jogo é uma mecânica de jogo no jogo.

Nesse sentido, o sujeito se vê envolvido ao ser dada a ele a possibilidade de exercer controle

sobre o mundo e criaturas virtuais, simulando o cotidiano, ao mesmo tempo em que lhe são

concedidos poderes especiais distintos daqueles vivenciados no próprio cotidiano. Ou seja,

diferentemente dos jogos tradicionais que evocam a criatividade e a fantasia

descompromissadas da vida real, esse jogo se vale do cotidiano como foco sedutor.

Num jogo que usa resultados aleatórios ou o livre arbítrio interpretativo, não se pode construir

uma estrutura que exponha duas ou mais possibilidades, mas que aceita infinitos resultados.

Portanto, é necessário se considerar tanto o sucesso quanto o insucesso, tanto o planejamento

quanto o improviso. Sob essa perspectiva aberta a qualquer tipo de desdobramento é que o

jogo se torna capaz de eliminar a lógica determinística de uma narrativa tradicional e abrir

caminhos para uma narrativa mais ampla. Caminhos emergentes, desde a escolha entre duas

ou mais opções até a chance de os personagens conseguirem encontrar ou construir novas

opções. Ou seja, apresentando ao jogador impasses, conflitos que terão de ser resolvidos de

um modo ou de outro, para dar continuidade ao jogo/narrativa.

Frente a essa constante presença de fatos/problemas, a complexidade da narrativa se apresenta

ao jogador/coautor, que deverá se esforçar por considerar todas as opções e mesmo soluções

totalmente imprevistas e inéditas. E cada decisão, qualquer que seja o desfecho, qualquer que

sejam as consequências, servirá de subsídio, de matéria-prima para futuras maquinações.

Assim, constantemente, o jogador/coautor estará imerso em inventar soluções criativas para

que a narrativa continue, considerando aquilo que suas ações e as ações autônomas dos

agentes lhe apresentam como situação presente.

Dentro desse contexto, o jogador/coautor estará submetido a frequentes fatos/problemas que

se apresentarão a ele, seja pelas demandas dos avatares, seja ao lidar com questões ligadas à

criação de outros agentes, ou mesmo em soluções ligadas a layout, entre outros. Ou seja, o

sistema de jogo está programado para gerar situações inéditas a cada momento em que uma

dada situação-problema tenha sido sanada. Assim, além de lidar com as demandas específicas

de cada agente, o jogador deverá lidar com a gestão completa da narrativa. Isso significa que é

o jogador quem “escolhe” os desafios que irá assumir ou ignorar e, dependendo dessas

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escolhas, surgirão fatos/problemas distintos. Nesse sentido, o jogador tem grande liberdade

para definir as metas que deseja alcançar – metas que vêm com seus desafios acoplados. Será

dessa forma que o jogo vai se tornando mais complexo e colocando o jogador, cada vez mais,

frente a uma diversidade crescente de fatos/problemas, instigando a criação de novas

hipóteses a cada momento.

Assim, desde o primeiro momento, o sujeito, ao “abrir” o jogo, já tomará ciência dos

procedimentos básicos do jogo: deverá criar/modificar um mundo e habitá-lo. Dessa forma, já

no primeiro contato, passa a ser requerido do jogador/coautor certo esforço para lidar com o

ferramental que lhe é disponibilizado. E, à medida que vai criando seus primeiros

personagens, objetos e espaços, vai assimilando, no âmbito do imaginário, o universo do jogo,

como uma representação de uma realidade possível.

Semelhante ao que Myst requeria do jogador/interator, esse jogo requer do jogador/coautor,

ao longo de todo o jogo, um esforço no sentido de promover o desenrolar simultâneo da

narrativa e do jogo. Não se trata de uma narrativa previsível: esta narrativa vai se construindo

mediante as opções e ações no jogo. Dessa maneira, há sempre um desafio cognitivo

específico, no sentido de lidar com algum fato/problema pontual que vai garantir a

continuidade da narrativa. Por sua vez, há um desafio cognitivo que é mais abrangente, que se

instaura a partir da inter-relação das diversas compreensões/soluções específicas, que levarão

à condução da narrativa como um todo lógico, capaz de gerar sentido. Assim, a função

cognitiva se estabelece objetiva e subjetivamente, uma vez que cada compreensão/solução

deve permanecer na memória e, assim, passar a contribuir para a geração de significados.

Desse modo, em The Sims 3, são vitais os desafios de gerir o complexo universo que se vai

apresentando e de lidar com um número de informações crescente, de forma a fazer sentido

dentro de um contexto narrativo, ao mesmo tempo em que se constrói essa narrativa. Isso se dá

devido à infinidade de fatos/problemas que vão surgindo na medida em que as escolhas vão

sendo feitas e o jogo se desenrola.

Nesse sentido, cada nova situação recebe significados que são atribuídos pelo jogador/coautor,

ou seja, através das abstrações e reflexões do sujeito, os significantes passam a ter significados.

Dentro desse processo, vão surgindo descobertas e soluções, frutos do raciocínio empregado na

geração de inferências, e estabelecendo relações entre os fatos. Através da experiência vivida

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no game, organiza-se uma lógica que explicita os eventos e as ações, desenvolvem-se ou

criam-se conceitos e significados. Ao entrar no ambiente do jogo, o sujeito é incentivado, de

certa forma, a realizar o mesmo exercício que qualquer um está sujeito a realizar no mundo

concreto, consigo mesmo e com os outros em torno dele.

Ao jogador, através das personagens, é dada a possibilidade de explorar uma infinidade de

possibilidades do meio, e é por meio de suas ações e intervenções no mundo digital que o

mundo virtual ganha vida. Nesse mundo está a oportunidade de tentar e tentar “de novo” até se

chegar a um resultado a contento. Ele possibilita ao sujeito experimentar, criar possibilidades e

ensaiar múltiplas formas de ver e sentir o mundo.

O The Sims 3 é um mundo de experimentações marcado pela simbiose dos processos midiático

virtual e o civilizatório. Como tal, instaura-se, de forma mais pungente do que em outros

games do passado, um espaço sensível, que tem a capacidade de representar a fina fronteira

entre os espaços ordinários e o virtual. A adoção do modo de visão subjetiva faz com que a

representação gráfica se ausente e o jogador/interator assuma de forma efetiva o seu lugar de

agente no mundo virtual do game. Nessa condição, o sujeito imerge naquele ambiente, tendo a

impressão de experimentar a história como aquele que faz parte dela e não como um

observador externo.

Se, por um lado, imerso no universo do game, o sujeito preserva sua função básica da

percepção primária da realidade objetiva, por outro, está submetido a modificações pela

relação que se estabelece entre o mundo que se dá a perceber e o modo como é percebido pelo

sujeito. Ou seja, mesmo conectado a um mundo virtual, a percepção permanece promovendo a

comunicação do sujeito que sente e o universo sensível em que está inserido. Nesse contexto,

devem ser levadas em consideração as formas que se lhe apresentam nesse universo: por vezes

palpável, por vezes impalpável pela característica da virtualidade, por vezes numa interseção

de ambas as formas.

O que se constata é que o corpo perceptivo continua atuando no espaço virtual 3D, como uma

simbiose da presença do sujeito e de seus avatares. Como tal, o sujeito responde à dinâmica do

mundo virtual como integrante de um sistema que se constitui do próprio corpo naquele

mundo, sem o qual tal mundo não existiria. Assim, mesmo que fruto de informações

codificadas no ambiente virtual e separado pela interface da tela, o corpo sensível do sujeito

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continua sendo o centro de comando das decisões e ações. Naturalmente, dependendo da

competência semiótica desse sujeito e de sua subjetividade e destreza em lidar com os

comandos do game. Nesse sentido, haverá sempre reações perceptivas instantâneas em

sincronia com operações mentais do sujeito, pois, o sujeito só consegue vivenciar o mundo

virtual do game estando submetido a atividades cognitivas dinâmicas e velozes, que ocorrem

mediante a conexão que se estabelece entre o corpo sensório-perceptivo e a mente, de forma a

apropriar-se daquele mundo.

Seja qual for o nível de apropriação, o conjunto de habilidades desenvolvido pelo jogador

implica não somente a sua maneira de jogar, mas também molda seu modo perceptivo. Modo

este que não está sujeito aos limites do game, uma vez que o aprimoramento dessas habilidades

ultrapassa tais limites, proporcionando condições para promover seus reflexos na condição

fundamental do sujeito como agente do mundo concreto.

Ao se lidar com o The Sims 3, incorpora-se uma atividade de organizações, na construção de

um mundo que emerge mediante a participação interativa do sujeito, proporcionando-lhe novos

posicionamentos e significados. Nesse sentido, este game, como um instrumento narrativo, está

propenso a levar os sujeitos, com base em seus desejos e perspectivas culturais, a criar vários

universos atemporais, ou mesmo a criar e incorporar personagem(s) e/ou personalidade(s).

Dessa forma, dentro de uma atitude imersiva, capaz de libertar o jogador da representação do

jogo, esse game evoca leituras, interpretações, imaginação, interferência, numa supressão do

presente convencional. Nesse sentido, as fantasias, os desafios produzidos e enfrentados e as

experimentações vivenciadas nesse game desenvolvem um modo de encarar a vida de forma

diferente.

Essa perspectiva pode ser ampliada quando se considera esse game num viés que o posiciona

como elemento de uma rede de socialização (o que vem sendo possível fazer, com certa

frequência, em muitos outros games). Nesse sentido, amplia o seu arranjo agenciador

rizomático, quando passa a ser ponto de convergência das vozes de vários jogadores/coautores

através da estrutura fornecida aos usuários pela Eletronic Arts.

Mesmo com as limitações impostas a dispositivos dessa natureza, esse jogo proporciona uma

perspectiva ampliada de seu caráter narrativo, permitindo que os jogadores se tornem

membros de uma comunidade, em seu site oficial, que lhes oferece a oportunidade de

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apresentar suas demandas, trocar informações e produtos e escrever e publicar histórias em

formato de diário. Esses diários, como são chamados no site, aparecem como uma nova forma

de apresentação narrativa e comunicacional. Ali são encontrados os resultantes dos desejos

dos jogadores de explorar e especular, sozinhos ou em grupo, outras possibilidades textuais,

compartilhadas on-line. Esses textos são fruto da dinâmica do jogo, e suas narrativas são

marcadas pelas inúmeras experiências, contextos, saberes e criações, narrados pelos

jogadores/coautores, nessas circunstâncias transformados em autores.

Sob aspecto semelhante, no fórum do site, autores e leitores podem conversar sobre as

narrativas, com a possibilidade de gerar, a partir desses encontros, novas atualizações e

redirecionamento das narrativas individuais. Através do jogar, escrever e interagir com outros

sujeitos, cada um acaba por experimentar, de forma lúdica, as diferentes formas de

comentário e discussão, que lhes permitem explicar e relacionar algumas de suas perspectivas

sobre o mundo.

Através dessas interações, os sujeitos acabam por descobrir coisas sobre si e do outro: o que

pensam, o que fariam em determinadas situações, o que temem, o que desejam, qual o

posicionamento frente a certas discussões, entre outras, no sentido de se posicionarem frente a

si mesmos e ao mundo. Por sua vez, por meio dessas interações, revelam-se nuanças distintas

desse tipo de cultura, especialmente no que concerne à sociabilidade, na medida em que os

envolvidos revelam a necessidade do outro e o distinguem em suas realidades concretas e

atuam na consolidação identitária.

Nesse game em que o jogador/coautor deve desenvolver novas formas de vida, gerir sistemas

econômicos, relações sociais, constituir famílias, enfim, simular o real, ele deve antecipar e

planejar ações, desenvolver estratégias, projetar os seus conteúdos afetivos e sociais. Está

permanentemente criando significados, aprende e constrói conceitos cognitivos, afetivos e

sociais mediante as interações que estabelece ao conduzir o jogo e a narrativa a ele inerente.

Sujeito, game e mundo, seja real ou virtual, constroem-se mutuamente, mediante um plano de

forças que se estabelece entre eles. Nesse sentido, soluções surgem a cada situação inédita,

proporcionando condutas específicas, numa dinâmica em que o sujeito, no uso da razão,

desenvolve hipóteses, imagens e ideias no seu imaginário e, mediante suas ações, possibilita à

mente construir representações inéditas do real.

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A multiplicidade de eventos que solicita do jogador/coautor explorar alternativas, em meio a

múltiplos intervenientes e múltiplos objetos conflitantes, ao mesmo tempo em que

experimenta as consequências das decisões, contribui para criar o universo desse game que

proporciona ao jogador/coautor uma dinâmica especulativa que o impele, permanentemente, a

proposições inéditas. Ou seja, frente aos fatos/problemas que vão surgindo a cada momento

no universo do game, novas possibilidades de se construir e reconstruir esse universo vão

surgindo, proporcionando possibilidades de ligação e religação entre os fatos. Assim,

mediante hipóteses, novos significados vão sendo criados, dando sentido ao contexto, seja no

âmbito pontual, seja no global.

Em resumo, The Sims 3 é um game, um platô agenciado, arranjo rizomático, que proporciona

ao jogador ampla liberdade de navegabilidade. Uma navegabilidade intuitiva que se dá na

presença de permanentes fatos/problemas, em meio a um considerável número de

conhecimentos intrínsecos a ele, bem como experiências estéticas, exigindo do seu usuário

permanente interação, implicando oportunidades constantes para o desenvolvimento de

habilidades e potencialidades no âmbito do perceptivo, do cognitivo e do subjetivo.

A lida com a diversidade de tarefas requer do jogador permanente atenção, observação,

memória, abstrações, imaginação, simulação, criação, generalizações e, em alguns casos,

socializações. Dentro desse contexto, o sujeito se vê frente a um modelo e, ao explorá-lo,

aprende a aprender o que o mundo é capaz de lhe proporcionar, gerindo quantidades

significativas de informações, relacionadas com as estratégias e estruturas do jogo, ao mesmo

tempo em que constrói novos conhecimentos e significados.

O mundo de The Sims 3 é um mundo repleto de condições favoráveis a agenciar o jogador.

São múltiplas as situações e as possibilidades de interagir, num alto grau de imersão – uma

participação indispensável ao desenvolvimento do jogo e da narrativa a ele intrínseca. Sob

essas condições, o jogador é levado à condição de coautor e, em determinadas situações, à

condição de autor. Como tal, é capaz de criar e recriar novos signos e sintaxes; cria e recria a

realidade, seja ela do jogo ou aquela em que vive, bem como a si mesmo.

Ao se considerar, portanto, o The Sims 3 como um agenciamento, resultado do acoplamento

de várias tecnologias já disponíveis, conceitos e ideias originais e reaproveitadas, bem como

tecnologias desenvolvidas especialmente para esse game, nota-se ter-se atingido um grau

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único de complexidade. Tal fato é facilmente observável ao compará-lo com os arranjos que

possibilitaram o Computer Space e o Myst, aqui apresentados, e também em seus

contemporâneos.

O resultado do agenciamento que deu origem ao The Sim 3 estabeleceu-se como um contexto

interativo e de alto grau de imersividade, em que estão vinculados o jogo e uma narrativa

participativa e aberta. Se, de um lado, esse game se assemelha ao Myst, por exigir do jogador

uma participação que o distancia da condição de manipulador, diferencia-se no momento em

que lhe foi dada a condição de ir além do que foi estabelecido pelos criadores. Esse estado de

coisas promove outro deslocamento na condição do então manipulador de Computer Space,

que passou a interator em Myst e à condição de criador em The Sims 3. Graças a essa

condição foi dada ao jogador a possibilidade de interagir, com alto grau de liberdade, não só

nos desígnios do jogo/narrativa, como também de criar o mundo em que este se realiza.

Nesse sentido foi que o arranjo agenciado de The Sims 3 teve seu caráter imersivo

potencializado, com reflexos diretos na imaginação daquele que o joga. Como tal, age

permanentemente junto ao imaginário do jogador e, cativando-o, o conduz a imergir no

universo do game, ao mesmo tempo em que o apresenta uma infinidade de fatos/problemas

que garantem uma verossimilhança compatível com o mundo concreto. Dentro desse

contexto, o jogador deve criar uma infinidade de respostas/soluções para que o jogo/narrativa

se desenvolva.

Assim, por um lado, e diferentemente do que ocorre em Myst, o jogador não está limitado às

escolhas pré-definidas por aqueles que desenvolveram o jogo, mas tem a possibilidade de

criar suas próprias escolhas. Por outro lado, também graças ao arranjo agenciado, é dada ao

jogador a possibilidade de, dentro de uma infinidade de possibilidades, criar todo o universo

do jogo, sem o qual esse jogo não existe. Dessa forma, o jogador/criador está

permanentemente sujeito a ter de considerar possibilidades para que, mediante um processo

abdutivo, hipóteses sejam geradas, no intuito de proporcionar entendimento/solução dos

inúmeros fatos/problemas e, assim, poder criar e dar continuidade ao jogo/narrativa.

Como pôde ser observado, o arranjo agenciado desse game abarca um site, sendo este

responsável por propiciar interlocução entre os usuários e entre os usuários e os

desenvolvedores. Essa interlocução, por sua vez, ampliou as dimensões do jogo no momento

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em que possibilitou ao usuário ir além dos limites do jogo em si. Nessa perspectiva, fruto da

ampliação do agenciamento, The Sims 3 trouxe uma dimensão ampliada para o

jogador/criador, uma vez que, através do site, passou a poder apresentar “produtos” por ele

criados e, também, criar sua própria narrativa, apresentando-a de outra maneira que não no

interior do jogo e socializando-a.

Aliando todos esses aspectos, resultado do estágio atingido pelo agenciamento Game, em The

Sims 3 pode-se percebê-lo com um potencial interativo ainda mais ampliado se comparado ao

Computer Space, Myst e seus contemporâneos. Como reflexo, aspectos cognitivos e

subjetivos também são alterados. E, dada a flexibilidade de ações e a presença permanente de

fatos/problemas proporcionados pelas tecnologias e conceitos possíveis e usados nesse game,

o jogador atinge um status inquestionável de jogador/criador.

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Considerações Finais

Mesmo tendo como base o mundo físico, o ser humano cria um mundo em que a realidade

transcende as circunstâncias apresentadas a ele por esse mundo físico. Desde os primórdios, o

homem procura lidar com a natureza para obter melhores condições de vida, seja em conforto,

facilidades ou prazer. E, na ânsia de entender o mundo e a si mesmo, atualiza esse universo

pela tecnologia, arte e pelas ciências. É na dinâmica dessas áreas e de suas vicissitudes que os

saberes humanos se diversificam, que algo de novo se manifesta, ampliando seu universo.

Do ponto de vista histórico, a criatividade humana tem possibilitado transformar as relações

do homem com a natureza e consigo mesmo. Fruto das possibilidades de manifestação dessa

criatividade, têm-se as inúmeras simbolizações que se traduzem em pensamentos, ideias,

descobertas, tecnologias, linguagens etc.

Se, de um lado, é o ser humano que produz seus conhecimentos, de outro, nada impede que

sejam produzidos por eles. Isso equivale a dizer que o ser humano não é autor exclusivo de

suas obras, ou seu mero efeito. Os artefatos produzidos pelo homem promovem diferenças,

desvios, transformações no modo de se pensar e de lidar com o mundo que não podem ser

totalmente deduzidas ou extraídas de um conjunto de capacidades e habilidades mentais

prévias. Nesse sentido, o pensamento humano se distribui, prolifera entre os agentes, levando

ao entendimento daquilo que se costuma atribuir ou à mente humana, ou à técnica. Melhor

dizendo, os conhecimentos emergem e se transformam constantemente, a partir das interações

contínuas entre agentes humanos e agentes técnicos.

Dentro desse contexto, vê-se o pensamento humano, bem como os frutos dele, ampliar suas

relações, o que requer que se ultrapasse uma visão identitária e substancialista de interação a

partir dos objetos existentes. Isso significa que as criações humanas não surgem de processos

cognitivos independentes e estanques; na realidade, constituem-se na mistura, nos coletivos,

nos agenciamentos. Nesse sentido, o que se apresenta como resultado do pensamento é, na

verdade, algo que se constitui sobre heranças de métodos e técnicas intelectuais, tecnologias,

ferramentas, conceitos, ideias etc.

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Assim, a produção humana emerge de um acoplamento cognitivo tecnológico que se constitui

como agenciamento, lugar de interações, de relações amplas e constitutivas. Espaço em que se

definem e redefinem as possibilidades cognitivas, sejam individuais, técnico-culturais ou

socioinstitucionais. Ou seja, os agenciamentos são instâncias responsáveis por conservar e

gerar modalidades de conhecimentos, formas de pensar, tecnologias e modos institucionais de

se organizar e conhecer. Nesse sentido, cada agenciamento é um universo complexo que se

define com um contexto intelectual e semiótico, em suas permanentes relações e

correspondências. São essas relações que, ao transformar os objetos e os sujeitos do

conhecimento, reconfiguram as bases da ecologia simbólica cognitiva.

Sob essa perspectiva, os agenciamentos se estabelecem como sistemas técnicos cognitivos

que se organizam em redes rizomáticas compostas por um grande número de elementos

agenciados de várias dimensões, que podem atingir diversos estados de excitação. Assim, a

unidade é uma forma transitória de manifestar as mudanças de estado dos elementos aos quais

se conectam. Nesse contexto, o paradigma da cognição é apresentado pela inter-relação entre

a percepção e o raciocínio, entendida como o conjunto de processos de desestabilização e de

estabilização, de desterritorializações e reterritorializações, que dá ordem à dinâmica da

complexidade, atribuindo significados.

Tal condição permite pensar que os games possam ser equivalentes a uma organização

reticular de tecnologias intelectuais. Assim, além de serem pensados como agenciamentos

técnicos, podem ser analisados a partir dos sistemas cognitivos e semióticos que os

constituem. Sob essa perspectiva, os games se estabelecem como ferramentas que auxiliam e

configuram o pensamento daquele que o concebe e aquele que interage, tendo nesse

pensamento um papel constitutivo. Concomitantemente, atuam como instrumento de

raciocínio, que amplia e transforma as maneiras de pensar e de se ver o mundo. Dentro desse

contexto, os games podem proporcionar ação, transformando a configuração dos sistemas de

significação, estabelecendo novos agenciamentos, o que lhe atribui novas dinâmicas

interativas de representação e de leitura do mundo.

Com este trabalho, ficaram patentes essas dimensões do agenciamento game, que, ao longo do

tempo, foi se adensando, na mesma medida em que seus arranjos foram se tornando mais

complexos e abrangentes. Tais condições refletiram diretamente no aumento quantitativo e

qualitativo da interatividade junto aos usuários. Por ser o game um agenciamento, este se

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constitui como um universo complexo, da multiplicidade; assim, as interações se dão com as

múltiplas “facetas” que constituem esse universo, numa interdisciplinaridade crescente,

requerendo um maior número de interações distintas. Por sua vez, a qualidade dessa

interatividade promoveu uma maior imersão, dadas as várias técnicas que promovem uma

maior verossimilhança dos ambientes digitais e uma maior participação ativa no contexto do

game, sob a perspectiva de modificar e construir esse contexto.

Nesse sentido, pôde-se verificar que o aumento das relações interativas proporcionou maior

imersão dos usuários no ambiente de jogo e, na medida em que se criaram condições de uma

maior participação desses usuários na construção de narrativas cada vez mais complexas,

aumentava-se também o poder de agenciamento desses usuários por parte do game. Dessa

forma, pode-se ver o jogador/manipulador do Computer Space, em sua narrativa praticamente

nula, transformar-se no jogador/interator de Myst, em sua narrativa interativa fechada, e,

depois, transformar-se no jogador/coautor (com a possibilidade de ser autor) em The Sims 3,

game que se desenvolve sob uma narrativa interativa aberta.

Com essa mudança de perspectiva do usuário com relação à lida com os games, pode-se

verificar que a condição de criador surge, inicialmente, somente numa tímida dimensão

psicológica/particular para, posteriormente, ir se consolidando, acumulando uma dimensão

histórica/geral crescente. Nesse sentido, aquele conjunto de capacidades que permitem a uma

pessoa se comportar de modos novos e adaptativos em determinados contextos vai se

apresentando de forma variada, dependendo do grau de exigência dos games quanto a uma

demanda de compreender/solucionar fatos/problemas. Concomitantemente, vai-se

incorporando a esse contexto a capacidade de criar soluções e produtos que são, ao mesmo

tempo, inovadores e apropriados, o que depende, naturalmente, do aval de um júri, que

estipulará o grau de valor ao ato criativo. Em ambos os casos, expande o espaço conceitual

estabelecido, seja em nível pessoal, seja em nível sociocultural.

Dentro desse contexto, foi notado que o ato criativo resulta na capacidade de estar se

adaptando ao meio e que, quanto mais complexas forem essas interações, mais soluções

criativas são requisitadas. Em sua gênese, o ato criativo é manifestação de uma força inerente

à vida, que busca organizar e regular a si mesma e está continuamente originando novidades.

Porém, em sua complexidade, o ato criativo é um processo que integra conhecimentos de

diferentes origens, utilizando um conjunto de princípios cognitivos que passam pela abdução,

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intuição e dedução, cujo resultado são conceitos e ideias com identidades e estruturas

independentes, mas ao mesmo tempo ligados ao conhecimento original.

Nesse sentido, pode-se notar que à medida que o agenciamento game foi se ampliando e

adensando, foram também crescentes as maneiras de seus usuários criarem. Assim, num

primeiro momento, esse usuário, na condição de apenas manipulador, tinha como universo

criativo poucas situações anômalas que o estimulassem em seu potencial transgressor para

formular hipóteses, imagens e ideias, de forma a criar e recriar novos signos e novas sintaxes.

No entanto, na medida em que esse usuário passa à condição de interator, deverá, dentro dos

limites impostos pelos autores, desenvolver o jogo e construir a narrativa em que está fundado

o jogo. Assim, esse usuário se vê frente a uma diversidade de fatos/problemas que devem

receber significados, exigindo dele abstrações e reflexões constantes. Dentro dessa dinâmica,

surge um esforço no sentido de se produzir uma organização lógica de eventos e ações,

criando e desenvolvendo conceitos e significados. Além disso, frente às várias situações

anômalas que são apresentadas ao interator, gera-se um movimento especulativo em que

hipóteses nascem e proposições inéditas são criadas, novos significados vão sendo criados,

seja num âmbito pontual ou global do jogo/narrativa.

Indo além, e chegando ao usuário como criador, seja como coautor, seja como autor, ele está

sujeito a promover o desenvolvimento do jogo, assim como da narrativa aberta que lhe é

intrínseca. No entanto, esse usuário estará sujeito a tomar decisões frente a uma infinidade de

possibilidades imprevisíveis. Inúmeros impasses, conflitos que terão de ser resolvidos de um

modo ou de outro, para dar continuidade ao jogo/narrativa. Assim, constantemente, o jogador

está imerso em inventar soluções criativas para que a narrativa continue, considerando aquilo

que suas ações e as ações autônomas dos agentes lhe apresentam como situação presente.

Assim, as possibilidades que o tornaram um jogador/criador permitem a ele interagir,

interpretar, participar, criar e transformar narrativas, cenários e relações. Ou, ainda,

interagindo com outros usuários, poderá ser o criador de textos narrativos inéditos e trocar

agentes criados por meio dos vários artifícios presentes no game.

O que o agenciamento game permite é que o sujeito, em seu histórico de interações com os

ambientes, por meio do acoplamento estrutural, dialogue com outros sujeitos presentes no

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histórico constituinte do agenciamento. Assim, estará constantemente propenso a adaptações a

esse meio, com a conservação e variação da organização de sua estrutura. Desse modo,

possibilita a ele atuar em outros domínios e o habilita a se tornar agente de mudança ao

realizar a troca de experiências entre esses domínios.

Considerando ainda o universo dos games, com o passar do tempo, aumentou a quantidade de

interação com o meio e, também, a realização de novos acoplamentos estruturais. Assim, a

partir da percepção, de operações de distinção de unidades simples ou compostas dentro de

um contexto, o sujeito interage com seu meio, exibindo adaptações ao ser exposto a situações

inéditas e apresentando a conduta satisfatória (ou adequada) necessária para lidar com o meio

no qual está interagindo.

Consequentemente, as possibilidades, com o adensamento da complexidade dos games,

proporcionou, também, maior número de operações cognitivas, na medida em que se passou a

ter de lidar com um universo cada vez maior de interpretantes. Nesse sentido, os processos

simbólicos, representacionais, mentais ou cerebrais, aliados aos recursos do mundo material e

objetal, foram ganhando incrementos cada vez mais decisivos na participação da construção

da própria cognição.

Esse novo estatuto do objeto técnico, como coadjuvante da cognição, implica redefinir o

sujeito humano e as relações ou fronteiras entre os dois na atividade cognitiva. Implica, pois,

supor que os sujeitos humanos não apenas pensam sobre objetos ou os fabricam, mas pensam

com e a partir dos objetos que usam e fabricam. Num certo sentido, pode-se afirmar que a

condição do sujeito cognoscente é a delegação de parte de sua função aos objetos cognitivos,

ou seja, é na medida em que não é o agente exclusivo da cognição que o sujeito cognoscente

se constitui como tal. Assim, pode-se notar que esse sujeito se constitui diferentemente frente

a cada um dos games analisados, não só por serem objetos distintos, mas, principalmente, por

se constituírem como estratos compostos com graus de complexidade distintos.

Os games, cada qual a seu grau, oferecem ao usuário, dentro de um processo comunicativo,

uma forma de lidar com os domínios virtuais, a criação e apropriação de novas simbologias, a

troca de referências que trazem a possibilidade de modificar ou reafirmar diversas

perspectivas, e, através de seus dispositivos narrativos, representações inúmeras e fantasias

capazes de alterar a maneira como os sujeitos desenvolvem sistemas de valores, crenças e

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percepções do mundo. Há ainda de se considerar o desenvolvimento de uma possível nova

compreensão de espaço/tempo, e até mesmo de novas habilidades na utilização de

dispositivos comunicacionais.

O caráter comunicacional dos games o coloca como um sistema cognitivo constituído pelas

trocas informacionais que estabelece consigo e com o meio. Essas trocas, porém, não devem

ser entendidas como transporte de informação codificada de um espaço a outro, mas como

processos que engendram e transformam as partes em interação. Nos humanos, tais trocas

contam com suportes corporais, neurais, mentais, simbólicos e também técnicos. Mesmo que

nem todos esses suportes tenham estado presentes desde sempre, foram sendo construídos

pelas próprias trocas com o meio ao longo da história natural e cultural.

Assim, os games integram essa história não como uma projeção, no mundo externo de forças,

funções, qualidades e atributos intrinsecamente dados ao sujeito, mas como um mediador que

participa tanto da constituição da interioridade quanto de suas relações como exterior. É nessa

medida que os games, assim concebido, incitam, cada um no seu grau, tal como se procurou

mostrar, uma redefinição da espacialidade criadora do pensamento humano.

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