PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … · Registra-se a tendência de crescimento...

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1 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Roberto Nussinkis Mac Cracken ARBITRAGEM NO INVESTIMENTO ESTRANGEIRO – SEGURANÇA JURÍDICA DOUTORADO EM DIREITO São Paulo 2014

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Roberto Nussinkis Mac Cracken

ARBITRAGEM NO INVESTIMENTO ESTRANGEIRO – SEGURANÇA JURÍDICA

DOUTORADO EM DIREITO

São Paulo

2014

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Roberto Nussinkis Mac Cracken

ARBITRAGEM NO INVESTIMENTO ESTRANGEIRO – SEGURANÇA JURÍDICA

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do título de Doutor em Direito, sob a orientação do Professor Doutor Claudio Finkelstein.

SÃO PAULO

2014

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Roberto Nussinkis Mac Cracken

ARBITRAGEM NO INVESTIMENTO ESTRANGEIRO – SEGURANÇA JURÍDICA

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do título de Doutor em Direito, sob a orientação do Professor Doutor Claudio Finkelstein.

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________

Prof. Dr. Claudio Finkelstein (Orientador)

_____________________________________________

_____________________________________________

_____________________________________________

_____________________________________________

São Paulo, 2014

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À minha mãe, Manha, e ao meu

saudoso pai, Sylvio, que, com muito

esforço, paciência e dedicação,

souberam transmitir os melhores

valores do ser humano.

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AGRADECIMENTOS

Ao meu orientador, Professor Doutor Livre-Docente Claudio Finkelstein,

brilhante advogado, alentado educador, pessoa de destacada formação

humanística, um dos maiores conhecedores do instituto da arbitragem, por acreditar

na minha tese e na minha capacidade de defendê-la, e pela constante disposição e

paciência.

Aos Professores Doutores Armando Rovai, que passou de meu aluno a

ilustre mestre, e Antônio Márcio Guimarães, destacado e dedicado mestre, pelos

comentários, no exame de qualificação, que me levaram a aperfeiçoar esta tese.

Aos meus colegas de gabinete, por toda a credibilidade e compreensão

durante o desenvolvimento deste trabalho, principalmente aos meus assessores

Marcelo Luís Ferraro, Pedro Gustavo Pimentel, Cristiano Donizeti Ranzani, Ricardo

Toshiake Thihara, Lucas de Abreu Evangelinos e Rodrigo Franco Soares, por toda a

ajuda e diálogos.

À jovem Luísa Quintão, pelas valiosas discussões e disposição.

Ao Professor Cláudio Lembo, com quem tive o destacado privilégio de

conviver por longo período e, especialmente, apreender os melhores valores

profissionais e pessoais.

Aos meus Colegas da Câmara do Tribunal de Justiça de São Paulo, Gastão

Toledo de Campos Mello Filho, Manuel Matheus Fontes, Thiers Fernandes Lobo,

Sérgio Rui da Fonseca e Hélio Nogueira, detentores de indiscutível brilho do mais

alto saber jurídico, independência e senso de justiça, o meu agradecimento pelo

apoio e destacada paciência.

Ao meu saudoso pai, Sylvio, exemplo de simplicidade, solidariedade e plena

dedicação à família, que esteve e continua sempre ao meu lado.

À minha mãe, Manha, exemplo de luta e dignidade, que me deu a vida, além

de me proporcionar ao longo desta todas as possibilidades que abriram caminhos

para a realização deste estudo.

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À minha querida Ligia, leal e dedicada companheira, por razões incontáveis,

impossíveis de serem enumeradas, mas, principalmente, pelo imenso amor e

enorme carinho.

Aos meus amados e queridos Gustavo, Bárbara e Beatriz, pela beleza da

juventude e do saber, pelo apoio inesgotável e imenso carinho.

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A lição é a seguinte: nunca desista,

nunca, nunca, nunca. Em nada.

Grande ou pequeno, importante ou

não. Nunca desista. Nunca se

renda à força, nunca se renda ao

poder aparentemente esmagador

do inimigo.

Winston Churchill

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RESUMO

A arbitragem é uma forma de solução de conflitos que nasce da vontade de

particulares, com capacidade civil plena, que preferem que a pacificação de sua

contenda seja realizada por outro particular, por eles eleitos, de modo a afastar a

burocracia fixada pela jurisdição estatal.

A sua criação, segundo a doutrina, decorre de tempos remotos, inclusive com sua

aplicação na Roma antiga.

Serão abordados neste trabalho desdobramentos relacionados à arbitragem,

especificamente no plano nacional, no que se refere à ampliação de sua utilização,

visando atrair novos investimentos, com a adequada segurança jurídica, bem como

sua materialização por meio de um instrumento contratual.

Analisar-se-ão, também, a extensão dos efeitos da arbitragem e sua forma de

vinculação, o procedimento arbitral estabelecido pela legislação ordinária, bem como

sua aplicação como forma de “meio alternativo” de solução de conflitos nas relações

internacionais.

O principal objetivo da presente tese, em síntese, é demonstrar as vantagens que a

arbitragem pode trazer, traduzindo-se em efetivos benefícios, que serão detalhados

no transcorrer deste estudo, demonstrando um melhor patamar de segurança

jurídica e, em consequência, maior e melhor possibilidade de investimentos

estrangeiros.

Palavras-chave: Arbitragem; Procedimento Arbitral; Direito Internacional;

Investimento Estrangeiro

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ABSTRACT

Arbitration is a dispute resolution method resulting from the will of the parties with full

civil capability that rather settle their conflict by submitting it to another private

individual, elected by them, so they can avoid the bureaucracy established by the

State courts.

Its creation, according to the doctrine, stems from ancient times, including its

application in ancient Rome.

This work will address all developments related to arbitration, more specifically in a

national dimension with regards to the increasing use of arbitration. It aims at

drawing new investments with the appropriate legal certainty, as well as at its

materialization through a contractual instrument.

It will also be analyzed the extent of the arbitration effects and its binding manner, the

arbitration procedure established by ordinary legislation, and its application as an

"alternative means" of dispute resolution in international relations.

In brief, the main purpose of this thesis is to demonstrate the advantages that

arbitration may bring, which can be translated into effective benefits that will be

specifically analyzed in this study, in a way that may demonstrate a higher level of

legal certainty and, consequently, a greater and better possibility of foreign

investments.

Keywords: Arbitration, Arbitral Procedure, International Law, Foreign Investment

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ....................................................................................................................... 12   1   FORMAS NÃO JURISDICIONAIS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS .............................. 18  1.1   A arbitragem como forma não jurisdicional de solução de conflitos .................... 26  1.1.1   Conceito .................................................................................................................... 26  1.1.2   Evolução histórica da arbitragem ........................................................................... 30  1.1.3   Desdobramentos e Classificação da Arbitragem .................................................. 31  1.1.3.1   Arbitragem facultativa e arbitragem obrigatória ................................................ 34  1.1.3.2   Arbitragem formal e informal ............................................................................... 35  1.1.3.3   Arbitragem de direito e de equidade ................................................................... 36  1.1.3.4   Arbitragem ad hoc e institucional ........................................................................ 37  1.1.3.5   Arbitragem interna e internacional ...................................................................... 37  1.1.4   Princípios Gerais da Arbitragem ............................................................................. 37  1.1.4.1   Princípio da autonomia da vontade ..................................................................... 38  1.1.4.2   Princípio da eleição da lei aplicável .................................................................... 38  1.1.4.3   Princípio da eleição da Lex Mercatoria ............................................................... 38  1.1.4.4   Princípio do devido processo legal ..................................................................... 38  1.1.4.5   Princípio do efeito vinculante da cláusula arbitral ............................................. 39  1.1.4.6   Princípio da inevitabilidade dos efeitos da sentença arbitral ........................... 39  1.1.4.7   Princípio da autonomia da cláusula compromissória ....................................... 39  1.1.4.8   Princípio da Kompetenz-Kompetenz ................................................................... 39  1.2   Natureza Jurídica da Arbitragem – Jurisdição – Polêmica ..................................... 39  1.3   Enfoque Legal – Lei nº 9.307/96 ................................................................................. 44  1.3.1   Desdobramentos sobre os dispositivos legais da Lei de Arbitragem ................ 45  1.3.1.1   Limites impostos pela Lei de Arbitragem ........................................................... 45  1.3.1.2  Convenção de Arbitragem – Cláusula compromissória e compromisso

arbitral – Jurisprudência .......................................................................................... 47  1.3.1.2.1   Constitucionalidade da Arbitragem .................................................................... 55  1.3.2   Dos árbitros .............................................................................................................. 57  1.3.2.1   Órgão de arbitragem institucional ....................................................................... 61  1.3.3   Do Procedimento Arbitral (aplicação do princípio da busca da verdade real

no procedimento arbitral) ........................................................................................ 64  1.3.4   Da Sentença Arbitral ................................................................................................ 69  1.3.4.1   Da Nulidade da Sentença Arbitral – Orientação Jurisprudencial ..................... 70  1.3.5   Prescrição e Arbitragem .......................................................................................... 74  1.3.6   Comentários ao Projeto de Lei do Senado Federal – PJ Nº 406/2013 –

Alteração da atual Lei de Arbitragem ..................................................................... 76  1.3.7   Comentários ao Projeto de Lei nº 7.108/2014 ........................................................ 81   2   ARBITRAGEM SOB O ASPECTO INTERNACIONAL .................................................... 83  2.1   Aspectos Gerais da Arbitragem Internacional ......................................................... 84  2.2   Sentença Arbitral Estrangeira .................................................................................... 89  2.3   Compromisso de Arbitragem Internacional .............................................................. 94  2.4   O Tribunal Arbitral Internacional ............................................................................... 96  2.5   Procedimento na Arbitragem Internacional .............................................................. 97  2.6   Direito Aplicável na Arbitragem Internacional ........................................................ 100   3   A SEGURANÇA DA ARBITRAGEM COMERCIAL INTERNACIONAL PARA O

INVESTIDOR ESTRANGEIRO ...................................................................................... 107  3.1  Arbitragem Comercial Internacional x Arbitragem Internacional de Investimentos 107  3.1.1   O Brasil e a Arbitragem Internacional de Investimentos .................................... 110  3.2   Vantagens da Arbitragem Comercial Internacional para o investidor estrangeiro .. 118  

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3.2.1   Procedimento flexível ............................................................................................ 118  3.2.2   Adequação do procedimento para transações internacionais .......................... 120  3.2.3   Caráter final e vinculante da sentença arbitral .................................................... 121  3.2.4   Fácil execução ........................................................................................................ 123  3.2.5   Neutralidade ............................................................................................................ 124  3.2.6   Árbitros experts ...................................................................................................... 126  3.2.7   Confidencialidade ................................................................................................... 127  3.2.8   Rapidez e custos do processo .............................................................................. 128  3.3   Segurança e efetividade da arbitragem como meio alternativo de solução de

conflitos ...................................................................................................................... 130  3.3.1   Insegurança jurídica do Judiciário brasileiro ...................................................... 132  3.3.2   Risco-Brasil ............................................................................................................. 138  3.4   Responsabilidade do árbitro na Arbitragem Comercial Internacional ................. 142  3.4.1   Responsabilidade do árbitro na lei brasileira ...................................................... 145   4   CONCLUSÃO ................................................................................................................. 147   REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................... 160   ANEXOS ............................................................................................................................ 166  ANEXO – JURISPRUDÊNCIA ............................................................................................. 166  ANEXO – DOUTRINA .......................................................................................................... 249  

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INTRODUÇÃO

O presente estudo apresenta os meios não jurisdicionais de solução de

conflitos: institutos que a doutrina costuma estabelecer como técnicas de solução de

conflitos não jurisdicionais, ou seja, que fazem, às vezes, de jurisdição porque

solucionam conflitos, mas não são jurisdição, principalmente por ser seu tema

central a arbitragem, desde a sua conceituação e evolução histórica até a edição da

lei que regula o tema no Brasil.

Registra-se a tendência de crescimento das formas de solução de conflitos

sem a necessidade de propositura de demanda judicial e questões polêmicas, como

a natureza jurídica da arbitragem, as posições doutrinárias acerca da semelhança da

arbitragem à atividade jurisdicional do Estado-juiz e a similitude da atividade do

árbitro à atividade jurisdicional como forma de pacificação social e aplicação do

direito ao caso concreto.

Discorre-se sobre os princípios gerais da arbitragem. Dentre eles, o princípio

da autonomia da cláusula compromissória ao contrato em que se encontra inserida,

que é de fazer segundo estudo doutrinário, assemelhando-se ao princípio da

autonomia que vigora das regras pertinentes aos títulos de crédito, pois a nulidade

do negócio jurídico não implica na nulidade da cláusula compromissória,

enfatizando, portanto, a obrigação que as partes pactuam, por meio da cláusula

compromissória. Adicionalmente, indica-se que o compromisso arbitral não se

confunde com a cláusula compromissória, uma vez que ele ocorre com a convenção

da arbitragem após a existência do conflito. Em outras palavras, o conflito já se faz

presente, e as partes o submetem à apreciação de árbitros, afastando-se da

apreciação pelo Poder Judiciário. Assim, pelo compromisso arbitral, as partes

convencionam a eleição de árbitros para solucionar um litígio que já se faz presente,

ao passo que a cláusula compromissória é utilizada quando o litígio ainda não se

materializou.

Trata-se da aplicabilidade do princípio da Kompetenz-Kompetenz, segundo o

qual o árbitro deve verificar se possui competência, para a hipótese de haver

arbitragem, e decidir a respeito e sobre os limites de sua competência.

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Discorre-se sobre a possibilidade de aplicação do princípio da

instrumentalidade das formas no procedimento arbitral, sustentando-se, também, a

aplicação do princípio de que não há nulidade processual sem a demonstração do

prejuízo, ou seja, que meras irregularidades não têm o condão de gerar a nulidade

do procedimento arbitral.

Ressalta-se a aplicação do princípio do venire contra factum proprium nas

relações contratuais que se submetem à solução de seus conflitos pela arbitragem,

caracterizada pela existência de uma conduta inicial, geradora de legítima confiança,

com posterior comportamento contraditório divergente da conduta inicial e que

culmina com um prejuízo, concreto ou potencial, que se extrai dessa contradição.

Portanto, o princípio proíbe a prática de um comportamento contraditório a uma

conduta inicial que teria gerado uma determinada expectativa à outra parte, vedando

a prática de atos incoerentes e que contradizem uma conduta anterior iniciada pela

mesma pessoa e que é capaz de frustrar as legítimas expectativas de terceiros.

Salienta-se a grande divergência doutrinária acerca da natureza jurídica da

arbitragem e, principalmente, se o árbitro exerce poder jurisdicional no caso concreto

e lição doutrinária que sustente a função parajurisdicional da arbitragem. Além disso,

a possibilidade do juízo arbitral decretar a prescrição no caso concreto, pois o

árbitro, muito mais que um mero “juiz privado”, é um pacificador que busca a solução

justa do litígio - nada mais que um anseio do interesse social -, devendo, para tal

fim, aplicar o direito ao caso concreto, sendo esta uma finalidade também verificada

no próprio espírito da Lei de Arbitragem quando estabelece a aplicação de vários

princípios constitucionais, bem como a aplicação de regras legais pelo árbitro para a

solução do conflitos, de modo que pode e deve o árbitro reconhecer e decretar a

prescrição no caso concreto.

Sendo assim, argumenta-se que é indubitável a importância da arbitragem na

resolução dos conflitos hodiernos e, sobretudo, no que diz respeito às controvérsias

internacionais, considerando as cicatrizes históricas que, perenemente, marcam a

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humanidade, ocasionadas pelos conflitos armados entre nações, especialmente

aqueles concernentes à Primeira e à Segunda Grande Guerra.

Centra-se na necessidade de utilização da arbitragem, principalmente

considerando-se que, na Idade Contemporânea, novos ventos catalizaram o

processo de globalização, eclodido em remota época e acentuando, assim, conflitos

comerciais entre países sob o predomínio de fictos, entes de natureza transnacional,

e, consequentemente, ocasionando a necessidade de desenvolvimento de novos

métodos de solução de litígios.

Nesse contexto, ao atuar com agentes e normas de distintos países, assim

como ao conceber princípios e regras próprias, argumenta-se a favor da arbitragem,

que ocupa o papel de protagonista como meio de solução de conflitos advindos das

relações comerciais internacionais.

Com efeito, para o propósito desta tese, considera-se internacional a

arbitragem composta por agentes, situados em países distintos, elegendo-se regras

próprias para a solução do conflito específico e observando-se, ainda, as normas de

direito internacional e as leis cogentes locais.

Merece menção, em tal seara, a Lex Mercatoria e os princípios UNIDROIT.

Por Lex Mercatoria, considera-se o conjunto de regras, princípios e instituições,

emanados de diversas fontes, que alicerçam as operações comerciais

internacionais, enquanto que os princípios da UNIDROIT, de ampla aplicação nos

negócios internacionais, foram elaborados com o escopo de mitigar as barreiras

originadas da diversidade de ordenamentos jurídicos.

Destarte, é incontestável a importância da arbitragem nas relações

internacionais que, com regras e instituições próprias, torna-se efetivo instrumento

de pacificação do mundo cada vez mais globalizado.

Em relação aos investimentos financeiros, é possível conceituá-los como a

relação que envolve um negócio a longo prazo, refletindo interesse e controle de

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uma entidade residente em uma economia e uma empresa residente em uma

economia diferente daquela do investidor estrangeiro. E para que ocorram

investimentos de investidores estrangeiros, é necessário haver segurança. Esta

questão é central para este trabalho, que busca identificar como a segurança do

processo de arbitragem comercial internacional pode tornar-se um atrativo para o

investidor estrangeiro no Brasil.

Em relação a essa questão de segurança para os investidores estrangeiros,

esclarece-se, ao longo deste estudo, que o Brasil não integra a lista dos Estados

que participam e que ratificaram a Convenção de Washington, que trata da solução

de disputas por arbitragem internacional de investimentos, envolvendo uma parte

privada e um Estado receptor. Portanto, não é o tipo de arbitragem foco desta tese.

Discorre-se sobre os benefícios da arbitragem comercial internacional como

meio de resolução de conflitos entre um investidor (parte privada) e um receptor

(privado), e sobre como esse método alternativo pode ser a saída para o investidor

estrangeiro que quer aplicar no Brasil, mas não o faz devido às dificuldades e

inseguranças jurídicas existentes no Judiciário brasileiro.

Enfatiza-se, ainda, que as recentes mudanças no cenário internacional de

investimentos revelam que o Brasil deixou de ser um país exclusivamente recebedor

de investimentos para tornar-se, também, um investidor, com empresas nacionais

que adquirem porte de multinacionais, como a Petrobrás, a Vale, a Gerdau e a

Votorantim, entre outras.

Sustenta-se que o pequeno e médio investidores, ao chegarem no exterior,

querem receber o apoio jurídico brasileiro para que possam evitar eventuais conflitos

contra governos internacionais. Ao negar a ratificação desses acordos, o Brasil, por

um lado, tem a seu favor a inexistência de queixas de investidores estrangeiros,

mas, por outro, deixa o capital brasileiro internacional desprotegido.

Por fim, aborda-se que, se, por um lado, acordos internacionais de proteção

propiciam a segurança jurídica necessária à criação de um ambiente favorável aos

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investimentos, por outro, a relutância do Brasil em relação a esses acordos justifica-

se pelo fato de o país ser, tradicionalmente, um receptor de investimentos. Porém,

nos últimos anos, as empresas brasileiras ampliaram a sua atuação no estrangeiro

por verem na internacionalização uma oportunidade e, muitas vezes, uma

necessidade. Essa mudança, portanto, precisa ser reavaliada, e nela entra a

questão da arbitragem.

No cenário global atual, são diversos os motivos pelos quais as empresas

preferem a arbitragem às cortes estatais para a solução de conflitos. Em dimensões

internacionais, tais benefícios podem ser traduzidos, dentre outras vantagens, como

flexibilidade do procedimento arbitral, caráter final e vinculante da sentença arbitral,

possibilidade de adequação das normas às necessidades específicas de cada caso

concreto, neutralidade do tribunal arbitral, expertise dos árbitros, rapidez e

confidencialidade do processo.

Este estudo cumpre demonstrar como a possibilidade de resolução de

conflitos por meio do instituto da arbitragem comercial internacional, revestida das

qualidades mencionadas no parágrafo supra, é uma vantagem atrativa ao

estrangeiro que pretende investir em empresas brasileiras, mas que é desestimulado

pelo que se tratará nesta tese como Risco-Brasil, bem como pelo receio de

submeter suas disputas contratuais ao Judiciário brasileiro.

Esta tese foi dividida em três capítulos e uma conclusão. No primeiro capítulo,

são abordadas as formas não jurisdicionais de solução de conflitos e,

principalmente, o instituto da arbitragem como tal, considerando, inclusive, sua

evolução histórica, desdobramentos, classificações e princípios norteadores, mas,

principalmente, seu reconhecimento no Brasil. No segundo capítulo, é apresentada a

arbitragem sob o aspecto internacional, retratando-se, além das características

específicas do procedimento e tribunal arbitrais internacionais, como são produzidos,

em território brasileiro, os efeitos da arbitragem internacional. No terceiro e último

capítulo, há indicação e explicação dos benefícios e aptidão da arbitragem comercial

internacional para o investidor estrangeiro, bem como demonstração de como essa

via legal garante maior segurança jurídica para o estrangeiro que pretende investir

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no Brasil. Na conclusão, retoma-se, de forma sucinta, o que foi discutido ao longo do

trabalho, mencionando-se a possível contribuição deste estudo, especialmente no

que se refere à segurança jurídica, e a esperança de maior aplicabilidade da

arbitragem como meio de resolução de conflitos.

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1 FORMAS NÃO JURISDICIONAIS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS

A princípio, convém dispor que, além da arbitragem, costuma-se estabelecer

algumas modalidades de solução de conflitos não jurisdicionais, ou seja, que fazem

às vezes de jurisdição, porque solucionam conflitos, mas não são jurisdição

propriamente dita.

A primeira é a autotutela, por meio da qual um dos conflitantes impõe ao outro

a solução do conflito. Nesse caso, então, a solução é imposta pela força a um dos

conflitantes. É, por assim dizer, conduta ilícita, proibida, como, por exemplo, fazer

justiça com as próprias mãos, o que configura ilícito penal previsto no artigo 345 do

Código Penal.

Tal hipótese remete a tempos bárbaros, primitivos, de solução de conflitos; é

resquício de tempo histórico. Foi quase totalmente abolida, apesar de ainda

existirem espécies de autotutela lícitas, como, por exemplo: guerra, em alguns

casos; greve; desforço incontinenti (reação imediata que o possuidor pode ter diante

de uma violência à sua posse); legítima defesa; possibilidade de a administração

pública executar os próprios atos (poder público impõe uma solução ao particular

que tenha infringido regra administrativa, como estacionar em lugar proibido e,

consequentemente, ter o veículo guinchado).

A segunda modalidade é a autocomposição, que é a solução negocial do

conflito, denominada de “solução altruísta do conflito” ou “Alternative Dispute

Resolution”, por meio da qual os conflitantes chegam à solução do conflito

voluntariamente, e não pela força.

Esta segunda modalidade, a autocomposição, ao contrário da autotutela, é

incentivada, estimulada. Pode ser de duas formas: a) Extrajudicial, quando realizada

fora da esfera jurídica, fora do juízo; e b) Judicial, quando realizada em juízo.

Atualmente, é muito estimulada a solução de conflitos por meio da

autocomposição. Como exemplo, cita-se casos de separação, divórcio e inventário

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consensuais que podem ser feitos pelo cartório, sem, portanto, haver necessidade

de se recorrer ao Judiciário. Um exemplo adicional que pode ser citado refere-se a

qualquer autocomposição extrajudicial que pode ser levada à homologação judicial

para que se torne título executivo judicial (artigo 475-N, inciso V do CPC).

Quando a autocomposição é judicial, ela é dividida em: a) transação: quando

ambos os conflitantes cedem um pouco, fazendo concessões recíprocas; b)

renúncia: quando o autor abdica a sua pretensão em favor do réu; e c)

reconhecimento da procedência do pedido: quando o réu abdica em favor do autor.

A terceira modalidade de solução de conflitos é a mediação, por meio da qual

um terceiro coloca-se entre os conflitantes para tentar fazer com que eles cheguem

à autocomposição. O terceiro tem o papel de facilitador da autocomposição.

Portanto, ele não decide nada; somente auxilia as partes, é interlocutor privilegiado.

Diferentemente da arbitragem, onde o terceiro decide, nesta modalidade o mediador

não pode opinar.

A quarta forma é a solução de conflitos por Tribunais Administrativos, sendo

que, atualmente, há uma série de tribunais administrativos que resolvem

controvérsias no âmbito administrativo. São soluções de conflitos por

heterocomposição, por um terceiro que julga e decide sobre os conflitos. É o tribunal

administrativo que decide a controvérsia. Entretanto, essa decisão não é definitiva,

uma vez que pode ser revista pelo Poder Judiciário.

Por esse motivo, os tribunais administrativos não exercem jurisdição, haja

vista sua atividade poder ser controlada pelo Poder Judiciário. A exemplo, cita-se:

Tribunais de Contas; Tribunais de Contribuintes; Juntas de Multas do Detran;

Tribunal Marítimo; Justiça Desportiva; e Agências Reguladoras – CADE.

A conciliação seria uma forma de exteriorização da vontade dos próprios

envolvidos no litígio para sua solução, sendo que, no direito positivo pátrio, o Código

Civil, em seu artigo 840, dispõe da transação, como forma de conciliação, ao

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estabelecer que “é lícito aos interessados prevenirem ou terminarem o litígio

mediante concessões mútuas”.

A conciliação pode ser: a) Extrajudicial: celebrada fora do processo e sem a

participação do Estado-juiz - entretanto, nada impede que o acordo seja levado à

homologação judicial, passando a ter, portanto, feição de “título executivo judicial”,

ou seja, similar à sentença proferida pelo próprio Estado-juiz (artigo 475-N, inciso V,

do Código de Processo Civil); e b) Judicial: realizada na presença do Estado-juiz,

caracterizando-se como título executivo judicial.

Sobre o tema, Cândido Rangel Dinamarco afirma que, por motivos culturais e

justiça centralizada nas mãos do Estado, seriam os responsáveis por estabelecer o

monopólio estatal da jurisdição. O autor explica que

a absorção estatal do poder de solucionar conflitos interindividuais deu-se mediante a instauração das cognitiones extra ordinem, que ingressaram no sistema processual romano por volta do séc. III DC. Passou-se do sistema conhecido por ordo judiciorum privatorum, em que o julgamento era feito pelo judex, cidadão privado e verdadeiro árbitro, para um sistema em que o próprio proctor passou a instruir o processo e julgar a causa. Esse movimento, que correspondia à afirmação do poder estatal antes insuficiente para impor-se aos particulares com a marca da inevitabilidade (o processo era um contrato entre as partes), foi o grande responsável pelo mito da exclusividade do Estado e da sua jurisdição como meio de solução de conflitos.1

Esse movimento mencionado pelo autor gerou conotações próprias à

jurisdição, principalmente de imperatividade e inevitabilidade, ausentes nos demais

meios de solução de conflitos, inclusive com a legitimidade para o uso da força

física. Como exemplo, cita2 “a atitude corporativista de entidades desportivas que

proíbem e punem as tentativas de solução jurisdicional de conflitos envolvendo

atletas ou associações”. Observa que somente se poderia falar em monopólio ou

exclusividade estatal quanto aos meios de solução de conflitos interindividuais ou

transidindividuais, sendo que melhor seria se não houvesse a necessidade de tutela

alguma sobre as pessoas e que todos cumprissem suas obrigações, sem a                                                                                                                          1 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. Volume I, 6ª edição. São

Paulo: Malheiros Editores, 2009, p. 121-128. 2 Idem, ibidem, p. 121-128.

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ocorrência de danos ou, sequer, apresentação de pretensão infundadas. Adiciona

que, como esse ideal é utópico, faz-se necessário pacificar as pessoas de forma

eficiente, eliminando-se os conflitos que as envolvem e fazendo justiça.

Cândido Rangel Dinamarco3 assevera que a renúncia ao bem é uma forma de

autocomposição, podendo variar os meios pelos quais o sujeito pode deduzir sua

pretensão ou se submeter à solução de um conflito. Além das soluções

juridicamente legítimas, estão aquelas atividades reunidas nos conceitos de

autocomposição e de heterocomposição, sendo que esses meios de solução de

conflitos podem ser materializados sem que qualquer processo judicial venha a ser

instaurado ou, ainda, durante a sua tramitação, gerando o seu encerramento, seja

de forma extraprocessual ou endoprocessual.

O autor4 observa que existe autocomposição quando os próprios sujeitos

envolvidos no conflito, ou um deles unilateralmente, encontram caminho apto à

pacificação. Explica que a autocomposição pode ocorrer de duas formas:

unilateralmente, nas modalidades de renúncia ou submissão - isto é, aquele que

deduziu uma determinada pretensão renuncia à ela, fazendo cessar o conflito até

então existente e pendente com o seu adversário, e, assim, renuncia a um direito e

determina a extinção do processo, bem como do próprio direito supostamente

existente (CPC, art. 269, inc. V, e art. 794. inc. III); ou unilateralmente, quando

aquele que promove a resistência à pretensão deduzida resolve submeter-se a ela

e, nessa hipótese, reconhece o pedido deduzido e, quando homologado pelo juiz,

determina a extinção do processo sem que haja necessidade de o juiz julgar a causa

(CPC, art. 269, inc. II).

Tais formas de autocomposição unilateral5 mostram-se legítimas, porque de

natureza altruísta, resolvendo-se em atos de disposição de direitos ou interesses, ao

contrário do que ocorre com a autotutela, como espécie egoísta de autocomposição

unilateral, antissocial e incivilizada, razão pela qual, em princípio, a lei proíbe sua                                                                                                                          3 Idem, ibidem, p. 121-128. 4 Idem, ibidem, p. 121-128. 5 Idem, ibidem, p. 121-128.

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prática (art. 345, Código Penal - crime de exercício arbitrário das próprias razões).

Todavia, existem casos excepcionados pela própria legislação pátria nos quais a lei

autoriza a autotutela, como, por exemplo, o desforço imediato em conflitos

possessórios (CC. art. 1.210, § 1º), caracterizando, na verdade, atos de preservação

de direitos.

Por sua vez, assevera Cândido Rangel Dinamarco6, a autocomposição

bilateral ocorre com a transação em que há mútuas concessões (CC., art. 840) e,

portanto, participa, ao mesmo tempo, da natureza da renúncia e da submissão.

Cada um dos sujeitos promove, de forma parcial, a disposição de seus próprios

interesses, envolvendo, para tanto, direitos e interesses de natureza patrimonial do

próprio titular, sem projeções significativas sobre outras pessoas ou agrupamentos,

tampouco direitos e interesses de pessoas incapazes ou que atinjam o interesse

público, o que se extrai do artigo 841 do Código Civil. É oportuno registrar que esse

dispositivo legal não possui toda a amplitude que dele se poderia retirar a uma

primeira vista, pois, atendidas certas exigências substanciais e formais, também aos

entes públicos é permitido transigir, como se dá nos termos de ajustamento de

conduta, quando a própria lei admite certas formas de transação em matéria não-

patrimonial, como o acordo para a separação consensual ou para a conversão da

litigiosa em consensual (CPC., Art. 447, par., e art. 1.123), ou, ainda, na

quantificação do valor dos alimentos devidos ao filho.

A autocomposição pode ser espontânea ou induzida. É espontânea quando

parte dos próprios conflitantes, sem a intervenção de um terceiro, ao passo que a

autocomposição induzida ocorre mediante a participação de um terceiro,

denominado de conciliador ou mediador.

Cândido Rangel Dinamarco7 leciona que a palavra composição encontra-se

também embutida nos vocábulos autocomposição e heterocomposição, sendo que,

nesse sentido, citando Francesco Carnelutti, sustenta que “Compor a lide significaria

                                                                                                                         6 Idem, ibidem, p. 121-128. 7 Idem, ibidem, p. 121-128.

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criar a norma que a resolve. Todavia, o juiz não compõe a lide nesse sentido, ou

seja, ele não cria a norma do litígio: reconhece sua existência e revela os direitos e

obrigações eventualmente emergentes dela no caso concreto (supra, nº 5 - os dois

planos do ordenamento jurídico).”. Argumenta o citado autor que a composição

realizada pelo juiz, a heterocomposição, ou aquela realizada pelos próprios

litigantes, a autocomposição, não proporcionam a fixação, tampouco a criação de

normas, porém produzem resultados práticos e socialmente úteis, de efeitos

concretos, por meio dos quais haveria a atribuição de bens ou a fixação ou vedação

de condutas, com a consequente eliminação do conflito e pacificação do litígio.

Portanto, nessa hipótese, não se estabeleceriam normas para dirimir a contenda,

mas haveria a própria solução concreta do conflito, produzindo, em alguns casos,

em vista da inexistência de preocupação com a aplicação da norma, resultados

melhores que os da jurisdição estatal. Por isso, o autor considera legítimo falar em

meios parajurisdicionais, principalmente aqueles exercidos em juízo arbitral.

A conciliação, outra forma de solução de conflitos, ocorre quando um terceiro,

estranho à contenda, interage entre os litigantes a fim de levá-los à autocomposição.

Quando celebrada antes do processo, com o evidente intuito de evitá-lo, é

denominada de conciliação extraprocessual, e quando ocorre no curso do processo,

de conciliação judicial.

A conciliação extraprocessual é capaz de induzir os litigantes à renúncia, à

submissão ou à transação e, materializada uma dessas hipóteses, pode ser

encaminhada para a homologação judicial, atribuindo-se-lhe eficácia de título

executivo (artigo 57 da Lei nº 9.099/95 e artigo 475-N, inciso V, do Código de

Processo Civil).

Cândido Rangel Dinamarco8 finaliza, asseverando que as vantagens dessas

soluções alternativas consistem, principalmente, em evitar as dificuldades que

dificultam a tutela jurisdicional, isto é, os custos do processo, como, por exemplo:

taxas judiciárias, honorários de advogados, perícias etc.; excessiva duração

                                                                                                                         8 Idem, ibidem, p. 121-128.

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temporal do processo; formalismo processual (o necessário cumprimento das formas

processuais). Essas vantagens também são indicadas em prol da arbitragem,

referindo-se ao melhor conhecimento do tema por árbitros especializados; ao menor

apego à rigidez da lei para que possa optar pelo juízo de equidade (CPC, art. 1.075,

inc. IV); e a ausência de publicidade a fim de respeitar a privacidade ou os segredos

empresariais.

Cassio Scarpinella Bueno9, por sua vez, ao discorrer sobre os meios

alternativos de solução de conflitos, enfatiza a existência de projeto de lei a

regulamentar a mediação e ressalta a iniciativa do Conselho Superior da

Magistratura do Egrégio Tribunal de Justiça, que editou o Provimento n. 783/2002,

criando o “Plano Piloto de Conciliação em segundo grau de jurisdição”. Conforme

esse plano, tal mediação contará com conciliadores. Estes devem trabalhar sem

remuneração, sendo selecionados entre aposentados do Ministério Público e

Procuradores do Estado, professores universitários e advogados com ampla e

reconhecida experiência. O autor elogia a iniciativa, por considerar que ela “vai ao

encontro dos anseios das vias alternativas de resolução de conflitos”.

A exemplo de Cassio Scarpinella Bueno, que tratou sobre os meios

alternativos de solução de litígios não jurisdicionais, Elpídio Donizetti10, por sua vez,

argumenta que a tutela jurisdicional não constitui o único meio de eliminação de

conflitos. Salienta que a jurisdição seria, ou deveria ser, a última alternativa para a

pacificação social de conflitos, movimentada para a solução da contenda somente

quando em razão da natureza da relação jurídica ou por imposição legal. Para o

autor, o ideal, mas ao mesmo tempo utópico, seria a total desnecessidade de se

impor alguma forma de tutela às pessoas, bem como que todos tivessem a

consciência de cumprir suas obrigações sem causar danos, ou, tampouco, com

deduções de pretensões protelatórias e contrárias ao direito.

                                                                                                                         9 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil – Teoria Geral do

Direito Processual Civil. Volume 1. São Paulo: Editora Saraiva, 2007, p. 47-49. 10 DONIZETTI, Elpídio. Curso Didático de Direito Processual Civil. 14ª edição. São Paulo: Editora

Atlas, 2010, p. 30-33.

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Elpídio Donizetti, citando Cândido Rangel Dinamarco, assevera que

(...) melhor seria se não fosse necessária tutela alguma às pessoas, se todos cumprissem suas obrigações e ninguém causasse danos nem se aventurasse em pretensões contrárias ao direito. Como esse ideal é utópico, faz-se necessário pacificar as pessoas de alguma forma eficiente, eliminando os conflitos que as envolvem e fazendo justiça. O processo estatal é um caminho possível, mas outros existem que, se bem ativados, podem ser de muita utilidade. 11

Outro aspecto levantado pelo autor é que a função de pacificar conflitos de

interesses não é uma atribuição exclusiva do Poder Judiciário, pois tal competência

também é estendida a determinados órgãos administrativos, os quais apreciarão

litígios relativos a matérias previamente previstas em lei ou na própria Constituição

Federal. Enfatiza que, apesar de constituir forma de heterocomposição, a decisão

por órgão administrativo não possui definitividade, sujeitando-se, portanto, ao

controle jurisdicional e sustentando, em razão de tal situação, sua mera equivalência

à função jurisdicional. Ilustra esse aspecto com os exemplos: “Um desses órgãos

administrativos é o Tribunal de Contas, órgão auxiliar do Poder Legislativo, com

competência para julgar as contas prestadas pelos administradores públicos (art. 71

da CF);” e “Outro órgão administrativo que exerce função jurisdicional - aqui

entendida como a competência para decidir conflitos - é a Justiça Desportiva (art.

217 da CF), que julgará litígios relacionados à disciplina e competições

desportivas”.12

O autor13 também assevera que, da mesma forma, ocorrerá composição

heterônoma dos conflitos nos casos de atuação das Agências Reguladoras -

entidades autárquicas, responsáveis pela regulação da atividade econômica -, uma

vez que possuem competência para solucionar conflitos decorrentes de atividade

econômica que se sujeite à sua atividade reguladora. Cita, como exemplo, o CADE –

“Conselho Administrativo de Defesa Econômica, autarquia com função judicante

para os conflitos envolvendo inflação à ordem econômica (Lei n2 8.884/94, art. 32)”.

                                                                                                                         11 Idem, ibidem, p. 30-33. 12 Idem, ibidem, p. 30-33. 13 Idem, ibidem, p. 30/33.

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Neste item, foram abordadas as formas não jurisdicionais de conflitos. A

seguir, apresentar-se-á o tema arbitragem.

1.1 A arbitragem como forma não jurisdicional de solução de conflitos

Nesta parte, será apresentado o tema arbitragem como forma não

jurisdicional de solução de conflitos, abrangendo o conceito da arbitragem, sua

evolução histórica, seus desdobramentos e classificação, bem como os diversos

princípios gerais da arbitragem.

1.1.1 Conceito

A arbitragem é uma das várias formas de solução de conflitos. Caracteriza-se

quando partes capazes elegem um particular, denominado de árbitro, para

solucionar uma controvérsia que envolva direitos disponíveis, proferindo, ao final,

uma sentença arbitral. Esta terá efeitos similares àquela proferida pelo Estado-juiz,

obrigando as partes que a convencionaram.

Em tal contexto, é possível afirmar que a arbitragem é uma forma alternativa

para dirimir ou solucionar contendas, isto é, conflitos entre particulares que

outorgam, por meio de uma cláusula contratual, verdadeiros poderes para que uma

pessoa, ou um grupo de pessoas, possam, sem a necessidade de intervenção

estatal, mas, todavia, assumindo tal feição, ou seja, com a mesma eficácia da

sentença judicial, apreciar conflitos relativos a direitos patrimoniais, disponíveis.

É possível asseverar, da mesma forma, que a arbitragem configura um

mecanismo de natureza privada para a solução de litígios, por intermédio do qual um

terceiro, eleito pelos particulares em conflito, profere uma decisão a ser cumprida

por tais litigantes, tendo, portanto, na realidade, característica de impositividade da

solução arbitral. Diferencia-se, assim, da mediação e da conciliação, pois nestes não

há decisão a ser imposta às partes, uma vez que o mediador, ou conciliador,

dependendo do caso, apenas limita-se a oferecer, sem qualquer poder vinculante,

uma mera sugestão.

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Carlos Alberto Carmona14 define o conceito de arbitragem como uma forma alternativa de solução de controvérsias por meio da qual haverá a intervenção de

uma ou mais pessoas (árbitros). Em outras palavras, um juízo arbitral dotado de

poderes em razão de uma convenção privada e, com base nela, proferida sua

decisão no caso concreto, sem intervenção do juízo estatal, decisão essa que terá a

mesma eficácia da sentença judicial. A arbitragem encontra-se à disposição de

quem quer que seja, mas é limitada à solução de conflitos que envolvam direitos

patrimoniais de natureza disponível. Trata-se de meio privado de solução de litígios,

por meio do qual um terceiro, eleito pelos litigantes, impõe uma decisão a ser

cumprida pelas partes.

O autor15 assevera que a característica da impositividade da solução arbitral a

diferencia da mediação e da conciliação, que são meios autocompositivos de

solução de litígios, uma vez que, nestas últimas, não há decisão a ser imposta às

partes pelo mediador ou conciliador, que se limitam à mera sugestão, sem poder

vinculativo. Assim, é possível afirmar que a arbitragem é meio alternativo de solução

de controvérsias, tomando-se como referência o processo estatal - meio

heterocompositivo mais empregado para dirimir conflitos. Enfatiza que Carnelutti

designou a arbitragem como meio que equivale à jurisdição, pois a jurisdição

somente poderia ser exercida pelo Estado, e o juízo arbitral apenas seria

semelhante ao método estatal de composição de lides.

Carlos Alberto Carmona salienta que a denominação "meios alternativos"

encontra-se sob ataque, na medida em que uma visão mais moderna do tema

aponta meios (mais) adequados de solução de litígios, não necessariamente

alternativos, pois, na verdade, é razoável pensar que as controvérsias tendam a ser

resolvidas. Em um primeiro momento, pelas próprias partes interessadas

(negociação, mediação, conciliação) e somente em caso de fracasso desse diálogo

primário (método autocompositivo), os conflitantes recorreriam às fórmulas

heterocompositivas (processo estatal, processo arbitral). Nesse sentido, também                                                                                                                          14 CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo: Um Comentário à Lei nº 9.307/96. São Paulo:

Editora Atlas. 3ª edição, 2009, p. 31-34. 15 Idem, ibidem, p. 31-34.

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enfatiza que “os métodos verdadeiramente alternativos de solução de controvérsias

seriam os heterocompositivos (o processo, seja estatal, seja arbitral), não os

autocompositivos (negociação, mediação, conciliação)”. Para se evitar tal

contradição, melhor seria a referência a métodos adequados de solução de litígios,

em vez de denominá-los de métodos alternativos.16

O autor17 esclarece que a arbitragem, a conciliação e a mediação não se

confundem, pois a arbitragem tem como finalidade a obtenção de uma solução

apresentada por terceiro imparcial, ao passo que a conciliação e a mediação têm por

fim a celebração de um acordo. Desta forma, quanto à arbitragem, há três variações:

na primeira, os litigantes estabelecem as bases para uma mediação, o que autoriza

o mediador a funcionar como árbitro, inclusive proferindo uma decisão com efeito

vinculante; na segunda, denominada “high-low arbitration”, os litigantes estabelecem

limites para o exercício da autoridade pelo árbitro, o que objetiva reduzir os riscos de

laudo arbitral inaceitável; e na terceira, as partes estabelecem uma arbitragem sem

efeito vinculante, uma vez que, se a decisão mostrar-se razoável aos litigantes, eles

a cumprirão; caso contrário, poderão utilizar a decisão arbitral em suas negociações

futuras.

Ainda nesta mesma linha de considerações, Cassio Scarpinella Bueno18

dispõe que a arbitragem é a forma alternativa de solução de conflitos mais difundida

no direito brasileiro da atualidade e que, com a edição da Lei nº 9.307/1996, houve a

criação de uma lei extravagante de direito processual civil que disciplina a

arbitragem no direito brasileiro. Essa lei somente permite a utilização da arbitragem

por pessoas que possuem capacidade para contratar, e submeterão seus conflitos

contratuais, de natureza patrimonial disponível, à apreciação de um terceiro. O autor

enfatiza, ainda, que

(...) o STJ tem sustentado, corretamente, ser viável a arbitragem para dirimir conflitos que envolvem questões contratuais relacionadas a sociedades de

                                                                                                                         16 Idem, ibidem, p. 31-34. 17 Idem, ibidem, p. 31-34. 18 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil – Teoria Geral do

Direito Processual Civil. Volume 1, São Paulo: Editora Saraiva, 2007, p. 46-47.

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economia mista exploradoras de atividade econômica (STJ, 1ª Seção, MS 11.308/DF, rel. Min. Luiz Fux, j.un. 9.4.2008, DJe 19.5.2008). Tanto assim que se no curso da arbitragem surgir alguma questão relativa a direito indisponível que diga respeito à matéria em discussão, o árbitro ou os árbitros terão que aguardar o desfecho daquela pendência perante o Poder Judiciário para proferir sua decisão (art. 25 da Lei n. 9.307/1996).

A arbitragem, portanto, só pode ser constituída por pessoas capazes, aptas

ao exercício de direito e deveres na ordem civil, que podem escolhê-la como forma

de solução de conflitos. Tem por objeto direitos disponíveis, isto é, direitos que

admitem negócios que podem ser objeto de transação.

A opção pela arbitragem é exercício pela autonomia privada, sendo sua fonte

meramente negocial. Por consequência lógica, está intimamente relacionada à

autonomia privada. Por outro lado, é possível a existência de arbitragem trabalhista,

inclusive com previsão constitucional. Atualmente, fala-se em arbitragem no campo

do direito administrativo, desde que prevista em lei, envolvendo pessoa jurídica de

direito público. Parcerias público-privadas, por exemplo, podem ser resolvidas por

arbitragem. Nesse sentido, tramita, atualmente, no Congresso Nacional, o Projeto de

Lei nº 7.108/2014, que altera a Lei de Arbitragem – tema este que será tratado mais

especificamente no item 1.3.7 desta tese.

Por fim, é necessário ressaltar a denominada cláusula arbitral escalonada, por

meio da qual os contratantes celebram o negócio jurídico e nele inserem uma

cláusula, prevendo a solução de eventual conflito, seja por meio de mediação ou de

outro meio alternativo. Caso não seja alcançada uma solução, então será instaurada

a arbitragem. Carmona apresenta a seguinte observação quanto à mencionada

posição doutrinária:

Refiro-me à cláusula arbitral escalonada, segundo a qual as partes avençam que se submeterão a procedimento de mediação (ou de conciliação, conforme seja o caso) e, não chegando a um acordo, instaurarão desde logo a arbitragem.19

                                                                                                                         19 CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo: Um Comentário à Lei nº 9.307/96. 3ª edição.

São Paulo: Editora Atlas, 2009, p. 34-35.

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1.1.2 Evolução histórica da arbitragem

A evolução da história da arbitragem indica que ela é uma das formas de

solução de conflitos mais antigas do mundo, remontando à Antiguidade e à Idade

Média, pois representava um caminho para se evitar um confronto bélico entre

Estados diferentes, conforme observa Luiz Fernando do Vale de Almeida

Guilherme20, em breve histórico da arbitragem. O autor nota, também, que Platão

teria dissertado sobre a existência de juízes eleitos terem o condão de promoverem

proferida uma decisão mais justa.21

No Brasil, apesar de pouco divulgada, a arbitragem é regulada desde os

tempos da colonização portuguesa, sendo que a Constituição Imperial de 1824, em

seu artigo 160, dispunha sobre o Juízo Arbitral. Destaca-se, também, o

Regulamento 737.

O Regulamento 737, também de 1850, exigia o Juízo Arbitral para a solução das causas comerciais em seu art. 411. Já em 1866 a Lei 1.350, de 14 de setembro, revogou os dispositivos que privilegiavam a solução arbitral, criando um verdadeiro desuso sobre a aludida instituição.22

O antigo "juízo arbitral" era pouco utilizado no Brasil, indicando ressalva aos

antigos Juizados de Pequenas Causas, ao passo que o Código Comercial de 1850 –

que estabelecia, em seu artigo 294, a obrigatoriedade de se instaurar a arbitragem

nas contendas entre sócios e sociedades comerciais durante a existência de

sociedade ou companhia, em sua liquidação ou partilha -, em parte ainda vigente,

tinha instituído o juízo arbitral, de forma obrigatória, nos litígios que envolvessem

casos de locação mercantil (artigo 245), bem como nas alusivas à liquidação de

                                                                                                                         20 GUILHERME, Luiz Fernando do Vale de Almeida. Manual de Arbitragem, 2ª edição. São Paulo:

Editora Método, 2007, p. 34-35. 21 “Que os primeiros juízes sejam aqueles que o demandante e o demandado tenham eleito, a que o

nome de árbitros convém mais que o de juízes; que o mais sagrado dos Tribunais seja aquele em

que as partes tenham criado e eleito de comum acordo.” (Platão, De legibus, Livros 6 e 12, citado na

nota de rodapé no. 12 em: GUILHERME, Luiz Fernando do Vale de Almeida. Manual de Arbitragem.

2ª edição. São Paulo: Editora Método, 2007, p. 34-35). 22 GUILHERME, Luiz Fernando do Vale de Almeida. Manual de Arbitragem. 2ª edição. São Paulo:

Editora Método, 2007, p. 34-35.

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sociedade comercial (artigo 294). Todavia, tal obrigatoriedade, prevista no Código

Comercial, foi revogada pela Lei n. 1.350, de 14 de setembro de 1866, tendo sido,

logo após, pelo Decreto n. 3.900, de 26 de junho de 1867, regulamentado o juízo

arbitral facultativo nas causas comerciais.23

Em âmbito internacional, o Brasil aderiu ao Protocolo de Genebra em 1923,

incorporado e reconhecido pelo ordenamento jurídico pátrio pelo Decreto 21.187, de

22.03.1932. O referido protocolo fixava a validade de compromissos ou cláusulas

compromissórias, por meio das quais as partes litigantes ficavam obrigadas, com o

apoio de um instrumento contratual, em matéria comercial ou outra que poderia ser

submetida à arbitragem, ainda que a arbitragem vinculasse um país de jurisdição

diferente. Além de ter se vinculado ao Protocolo de Genebra, em 1923, e da

instauração dos Códigos de Processo Civil de 1939 e 1973, que adotaram a

possibilidade de solução de litígios pelo Juízo Arbitral, o Brasil aderiu à Convenção

Interamericana sobre Arbitragem Comercial Internacional, assinada no Panamá em

1975.24

1.1.3 Desdobramentos e Classificação da Arbitragem

É possível conceituar a arbitragem como uma das várias formas de solução

de conflitos, que se caracteriza quando partes capazes elegem um árbitro, ou um

juízo arbitral, para solucionar controvérsia que envolva direitos disponíveis.

A arbitragem é o acordo de vontades entre pessoas maiores e capazes que,

preferindo não se submeter à decisão judicial, confiam a árbitros a solução de

litígios, desde que relativos a direitos patrimoniais disponíveis.25

As características da arbitragem, consoante arrolado no conceito acima

mencionado, são extraídas do próprio artigo 1º da Lei 9.307, de 23 de setembro de                                                                                                                          23 CARNEIRO, Athos Gusmão. Jurisdição e Competência. 18ª edição. São Paulo: Editora Saraiva,

2012, p. 81-82. 24 Idem, ibidem, p. 34-35. 25 GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Direito Processual Civil Esquematizado. 2ª edição. São Paulo:

Editora Saraiva, 2012, p. 824.

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32  

1996. Dispõe sobre a arbitragem, estabelecendo: “As pessoas capazes de contratar

poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais

disponíveis.” Todavia, não se pode omitir que a arbitragem é instituição que

excepciona o princípio do livre acesso à justiça, também denominado de princípio da

inafastabilidade da jurisdição. Assim sendo, pela arbitragem as partes permitem que

o árbitro promova a “pacificação do conflito”, impondo-lhes a solução que, no seu

juízo, entendem como sendo a mais razoável.

Cláudio Lembo26, ao discorrer sobre o tema, esclarece que o acesso ilimitado

ao Poder Judiciário passou a sofrer mitigação a partir da vigência da Lei Marco

Maciel, que instituiu o juízo arbitral (Lei nº 9.307, de 1996). Com a referida lei,

quando convencionado em instrumento contratual, as partes, evolvendo a questão a

meros direitos disponíveis, renunciariam à solução do conflito pelo Poder Judiciário,

tema esse submetido a uma longa análise do Pretório Excelso, que, ao final, julgou

constitucional a cláusula compromissória que tem o condão de conferir à sentença

arbitral efeitos similares à sentença judicial - inclusive com a atribuição de

irrecorribilidade.

Registre-se, ainda, que, existindo expressa disposição acerca da vinculação

do contrato à arbitragem como forma de solução de conflitos, as partes contratantes,

sob pena de criarem instabilidades à relação jurídica, não podem tentar alegar

ausência de intenção na participação e submissão ao juízo arbitral, sob pena

também de inegável ofensa ao princípio do venire contra factum proprium, ou seja,

ao princípio da vedação de comportamento contraditório.

O referido princípio caracteriza-se pela existência de uma conduta inicial,

geradora de legítima confiança, com posterior comportamento contraditório

divergente da conduta inicial e que culmina com um prejuízo, concreto ou potencial,

extraído dessa contradição. Portanto, o princípio proíbe a prática de um

comportamento contraditório a uma conduta inicial que teria gerado uma determi-

                                                                                                                         26 LEMBO, Cláudio. A Pessoa - Seus Direitos. 1ª edição. Editora Manole: São Paulo, 2007, p. 208-

209.

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33  

nada expectativa à outra parte. Dessa forma, veda a prática de atos incoerentes e

que contradizem uma conduta anterior iniciada pela mesma pessoa, capaz de

frustrar as legítimas expectativas de terceiros.

Ainda sobre o referido princípio, é possível afirmar que ele é a exteriorização

da proibição de comportamento contraditório, pois demonstra que a obrigação deve

ser cumprida e revestida por um comportamento conforme a boa-fé objetiva, o senso

ético esperado de todos. Então, a prática de um comportamento contraditório seria

uma modalidade de abuso de direito, decorrente da violação ao princípio da

confiança que, por sua vez, decorre da boa-fé objetiva (artigo 422 do Código Civil). 27

Nesse sentido, não é admissível, em tal contexto, atentar contra factum

proprium, pois resta clara a proibição de venire contra factum proprium que, na

realidade, protege uma parte contra aquela que pretenda exercer uma posição

jurídica que seja incoerente, ou contraditória, quanto ao comportamento previamente

assumido. Sobre esta questão, vale citar a seguinte explicação de Carlos Alberto

Carmona:

O Colendo Superior Tribunal de Justiça já decidiu, conforme o v. Acórdão, em parte transcrito, proferido em Recurso Especial nº 95.539/SP, de relatoria do Ministro Ruy Rosado de Aguiar, 4ª (Quarta) Turma, julgado em 03.09.1996 e publicado em 14.10.1996, que o direito moderno não contempla o venire contra factum proprium, que se traduz como o exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente (Menezes Cordeiro, Da Boa-fé no Direito Civil, 11/742).28

O referido v. decisório enfatizou, também, que

Havendo real contradição entre dois comportamentos, significando o segundo quebra injustificada da confiança gerada pela prática do primeiro, em prejuízo da contraparte, não é admissível dar eficácia à conduta posterior (Resposta no. 95539-SP Relator Ministro Ruy Rosado de Aguiar).29

                                                                                                                         27 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil, Parte Geral e LINDB,

Volume 1, 10ª edição. Editora JusPodivm, 2012, p. 687-688. 28 CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo: Um Comentário à Lei nº 9.307/96. 3ª edição.

São Paulo: Editora Atlas, 2009, p. 38-44. 29 Idem, ibidem, p. 38-44.

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34  

Neste item, foram apresentados os desdobramentos da arbitragem; mais

especificamente, como diversos autores discorrem sobre o princípio da arbitragem.

Apresenta-se, como próximo passo, as diversas formas que podem ser utilizadas

para se classificar a arbitragem30 - a saber: facultativa e obrigatória; formal e

informal; de direito e de equidade; ad hoc e institucional; e interna e internacional,

conforme detalhado a seguir.

1.1.3.1 Arbitragem facultativa e arbitragem obrigatória

A arbitragem facultativa ou voluntária é aquela que decorre da vontade das

partes. Vale salientar que o direito positivo somente admite a arbitragem quando

escolhida livremente pelas partes como meio para a solução do conflito. No Brasil,

em regra, a arbitragem é facultativa.

Por sua vez, a arbitragem obrigatória é aquela em que a lei impõe a

instauração da arbitragem como meio para solucionar o conflito, não permitindo às

partes qualquer outro meio.

Tal forma de arbitragem, em tese, não é admitida no ordenamento jurídico

pátrio, conforme exegese do artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal de

1988, que dispõe que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou

ameaça a direito.”, ou seja, o princípio da inafastabilidade de jurisdição proíbe a

arbitragem imposta pela lei.

Entretanto, existe a exceção de conflitos entre agentes da Câmara de

Comercialização de Energia Elétrica – CCEE e a CCEE, que envolverem direitos

disponíveis, nas hipóteses do artigo 58 da Resolução Normativa nº 109/2004-

ANEEL. In verbis:

Art. 58. Os Agentes da CCEE e a CCEE deverão dirimir, por intermédio da Câmara de Arbitragem, todos os conflitos que envolvam direitos disponíveis,

                                                                                                                         30 Idem, ibidem, p. 38-44.

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35  

nos termos da Lei no 9.307, de 23 de setembro de 1996, nas seguintes hipóteses:

I – Conflito entre dois ou mais Agentes da CCEE que não envolva assuntos sob a competência direta da ANEEL ou, na hipótese de tratar, já tenha esgotado todas as instâncias administrativas acerca do objeto da questão em tela;

II – Conflito entre um ou mais Agentes da CCEE e a CCEE que não envolva assuntos sob a competência direta da ANEEL ou, na hipótese de tratar, já tenha esgotado todas as instâncias administrativas acerca do objeto da questão em tela; e

III – sem prejuízo do que dispõe cláusula específica nos CCEARs, conflito entre Agentes da CCEE decorrente de Contratos Bilaterais, desde que o fato gerador da divergência decorra dos respectivos contratos ou de Regras e Procedimentos de Comercialização e repercuta sobre as obrigações dos agentes contratantes no âmbito da CCEE. Parágrafo único. A Convenção Arbitral é parte integrante desta Convenção de Comercialização, bem como obrigatória a todos os agentes da CCEE e à CCEE, conforme disposto nos §§ 5º, 6º e 7º do art. 5º da Lei nº 10.848 , de 2004. (Redação dada pela REN ANEEL 348, de 06.01.2009.)

A Convenção Arbitral a que se refere o parágrafo único supra regulamenta o

procedimento arbitral das hipóteses do artigo 58 e foi homologada pela Resolução

Homologatória nº 531, de 7 de agosto de 2007, da Agência Nacional de Energia

Elétrica – ANEEL.

1.1.3.2 Arbitragem formal e informal

Diz-se que a arbitragem é formal no sentido de que devem ser obedecidas

determinadas regras para sua regular instauração. Cita-se como exemplos:

obediência à forma escrita; discussão apenas sobre direitos patrimoniais

disponíveis; observância do devido processo legal; entre outros.

A arbitragem no Brasil regra-se pelos princípios contratualistas,

principalmente pela função social do contrato, vez que assegura direitos e deveres

como ferramentas de preservação dos interesses dos contratantes e,

principalmente, do interesse social, em busca de uma solução justa à contenda.

A arbitragem informal não se sujeita a qualquer prescrição prevista em lei,

possuindo forma livre e, por consequência, não possuindo todas as garantias

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estabelecidas pela legislação extravagante. Podem ser mencionados os exemplos:

garantia da coisa julgada; valor de título executivo judicial; entre outros.

1.1.3.3 Arbitragem de direito e de equidade

A classificação dessa arbitragem é baseada no critério utilizado pelo árbitro

para dirimir a questão que lhe é apresentada.

A arbitragem de direito é aquela em que o árbitro está vinculada ao direito

positivo, ou seja, deve aplicar as regras previstas na lei para a solução de conflitos.

A arbitragem por equidade, por outro lado, é aquela em que o árbitro pode utilizar

outros meios para a solução de conflitos, podendo, portanto, decidir segundo o seu

entendimento e senso de justiça, inclusive aplicando regras por ele formuladas.

Mas, pode o árbitro valer-se da equidade no direito brasileiro?

Acreditamos que a resposta seja positiva, pois, enquanto inexistir

mandamento legal hábil a dirimir a controvérsia, competirá ao árbitro aplicar dos

meios supletivos, quais sejam, costume, princípios gerais do direito e, ao final,

equidade.

Afirma-se que a arbitragem de direito e a arbitragem de equidade são

classificadas de acordo com o critério que o árbitro utilizar para resolver o conflito. A

primeira, ou seja, a arbitragem de direito, é aquela em que o árbitro resolve a

questão com a aplicação do direito positivo, ao passo que a segunda, a arbitragem

de equidade, é aquela em que o árbitro decide com o segundo seu entendimento de

justiça, isto é, aplicando regras por ele formuladas, cabendo registrar, segundo

ensinamento doutrinário que, na hipótese de solução pela equidade, “o árbitro

utilizará a lógica do razoável para decidir com a equidade”.31

                                                                                                                         31 Idem, ibidem, p. 40-41.

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37  

1.1.3.4 Arbitragem ad hoc e institucional

Fala-se em arbitragem “ad hoc” quando as próprias partes estabelecem as

regras para a arbitragem, sem a administração de uma instituição arbitral e seu

secretariado; contudo, respeitadas as disposições legais. Dessa forma, as partes

estabelecem, no contrato, as regras que o árbitro deverá utilizar para resolver a

contenda, mas sem deixar de lado as disposições estabelecidas pela legislação

vigente.

Do seu turno, a arbitragem institucional é aquela estabelecida por uma

instituição em específico, isto é, por tribunais, por cortes arbitrais devidamente

registradas e plenamente constituídas.

1.1.3.5 Arbitragem interna e internacional

A Lei de Arbitragem submete-se ao critério territorial para definir a arbitragem

em interna e estrangeira.

A arbitragem estrangeira, que será posteriormente abordada neste estudo, de

forma mais detalhada, é aquela em que a sentença arbitral foi proferida fora do

território brasileiro, ao passo que a arbitragem interna é aquela em que a sentença

arbitral foi proferida em território nacional.

1.1.4 Princípios Gerais da Arbitragem

Como base do instituto da arbitragem, alguns princípios, como o de regras

gerais, idealizam o procedimento arbitral. São as vigas mestras que sustentam a

justiça que deve ser garantida na arbitragem.

Segundo Nelson Nery Jr.32, esses princípios podem ser divididos em: (i)

princípio da autonomia da vontade; (ii) princípio da eleição da lei aplicável; (iii)

princípio da eleição da Lex Mercatoria; (iv) princípio do devido processo legal; (v)

                                                                                                                         32 NERY JR., Nelson. Código de Processo Civil e legislação processual extravagante. 11ª edição. São

Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 1526.

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princípio do efeito vinculante da cláusula arbitral; (vi) princípio da inevitabilidade dos

efeitos da sentença arbitral; (vii) princípio da autonomia da cláusula compromissória;

e (viii) princípio da Kompetenz-Kompetenz, detalhados nos itens a seguir.

1.1.4.1 Princípio da autonomia da vontade

Segundo o princípio da autonomia da vontade, os sujeitos de direito capazes,

pessoas físicas ou jurídicas, instituem, livremente, a convenção de arbitragem,

elegendo: um árbitro em substituição ao Estado-Juiz; a legislação aplicável (nacional

ou estrangeira); o número de árbitros; o procedimento aplicável, se os árbitros

aplicarão as regras de direito ou de equidade; entre outros itens.

1.1.4.2 Princípio da eleição da lei aplicável

Segundo o princípio da eleição da lei aplicável, se não existir violação aos

bons costumes e à ordem pública, as partes que convencionaram a arbitragem

podem estabelecer a legislação aplicável ao caso concreto, ou seja, à lei nacional ou

internacional.

1.1.4.3 Princípio da eleição da Lex Mercatoria

A adoção da Lex Mercatoria, como conjunto de regras e princípios

costumeiros derivados da prática do comércio internacional e desenvolvidos para

subsidiá-lo, permite a aplicação, durante o procedimento arbitral: da jurisdição de

equidade; e dos princípios gerais de direito aos quais poderão ser aplicados na

solução da matéria submetida à arbitragem.

1.1.4.4 Princípio do devido processo legal

O princípio do devido processo legal é a garantia de que a escolha do

procedimento arbitral não poderá ofender as garantias constitucionais da igualdade,

do contraditório e ampla defesa, bem como do livre convencimento motivado dos

árbitros.

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39  

1.1.4.5 Princípio do efeito vinculante da cláusula arbitral

O princípio do efeito vinculante da cláusula arbitral é aquele que vincula as

partes submetidas à sentença arbitral, qualquer que seja o resultado da demanda.

1.1.4.6 Princípio da inevitabilidade dos efeitos da sentença arbitral

Segundo o princípio da inevitabilidade dos efeitos da sentença arbitral, a

sentença arbitral faz coisa julgada material (artigos 467 e 468 do Código de

Processo Civil) e constitui título executivo judicial (artigos 18 e 31 da Lei de

Arbitragem e artigo 475-N do Código de Processo Civil). Consequentemente, proíbe

a tentativa de sua discussão perante o Poder Judiciário.

1.1.4.7 Princípio da autonomia da cláusula compromissória

O princípio da autonomia da cláusula compromissória dispõe que qualquer

nulidade contratual não afetará a existência da cláusula compromissória, conforme

expressamente estabelece o caput do artigo 8º da Lei de Arbitragem.

1.1.4.8 Princípio da Kompetenz-Kompetenz

O princípio da Kompetenz-Kompetenz consagra que o árbitro é competente

para apreciar todas as questões relativas à arbitragem.

1.2 Natureza Jurídica da Arbitragem – Jurisdição – Polêmica

A questão relativa à natureza jurídica da arbitragem possui intensa polêmica.

Um dos posicionamentos sustenta que a arbitragem possui natureza jurídica

contratual, uma vez que os árbitros apenas dispõem sobre a questão de fundo da

controvérsia, ou seja, o direito material que está em conflito entre os contratantes,

subsumindo-se, portanto, à esfera privada da relação jurídica em litígio, cabendo ao

Estado-juiz promover sua executoriedade.

Outro posicionamento considera que a arbitragem seja a fonte de poder dos

árbitros, além de defender a semelhança do laudo arbitral à sentença proferida pelo

órgão jurisdicional.

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Um terceiro posicionamento defende, por um lado, que a decisão proferida

pelo árbitro não é sentença, pois necessita de impulso do Estado-juiz para sua

executoriedade, bem como torna-se obrigatória, mas, por outro lado, sustenta que

tanto o árbitro quanto o Estado-juiz concorrem para a formação da decisão sobre o

conflito dirimido pela arbitragem. Em outras palavras, a sentença arbitral, para os

defensores dessa corrente, é formada tanto pelo laudo arbitral quanto pela decisão

ulteriormente proferida pelo Poder Judiciário.

Esses três posicionamentos quanto à natureza jurídica da arbitragem,

conforme mencionado, geram polêmica. A maior controvérsia, entretanto, reside na

discussão sobre a questão de a arbitragem ser ou não ser jurisdição.

Nélson Nery Júnior33 defende a ideia de que a arbitragem é jurisdição, pois o

árbitro aplica o direito ao caso concreto e coloca fim à lide que existia entre as

partes. Para o ilustre professor, a arbitragem é instrumento de pacificação social, e

sua decisão é exteriorizada por meio de uma sentença, que possui qualidade de

título executivo judicial, inexistindo a necessidade de sua homologação pelo Poder

Judiciário.

Isto vem ao encontro do argumento defendido por Carlos Alberto Carmona34,

quando afirma que, nos termos do artigo 31 da Lei de Arbitragem, a decisão final

dos árbitros produzirá os mesmos efeitos da sentença estatal, constituindo a

sentença condenatória título executivo que, apesar de não proferida pelo Poder

Judiciário, assume a feição de judicial, pois a lei teria adotado a tese da

jurisdicionalidade da arbitragem, encerrando a atividade homologatória do juiz

estatal que dificultava a eficácia prática da arbitragem.

                                                                                                                         33 Idem, ibidem, p. 1531. 34 CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo: Um Comentário à Lei nº 9.307/96. 3ª edição.

São Paulo: Editora Atlas, 2009, p. 26-27.

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O autor35 tece certas críticas no sentido de que ainda existirão processualistas

que não atribuirão atividade processual ao procedimento arbitral, tampouco

jurisdicional. Todavia, tal ideia não mais conduziria a uma imagem do Estado

onipotente e centralizador, o que, atualmente, é um mito que não deve ser cultivado.

Assim sendo, a lei dispôs que a sentença arbitral não possui mais a necessidade de

se submeter ao crivo e controle prévio do juiz-Estado, mas nada impede, entretanto,

que não seja possível questionar em juízo a validade e a eficácia da sentença

arbitral, consoante ao que a própria lei estabeleceu em seu artigo.

O autor36 salienta que o conceito de jurisdição encontra-se em “crise”, sendo

necessário adequar a técnica à realidade. Assevera, também, que a arbitragem,

apesar de sua origem derivada de uma relação contratual, deve observar a garantia

do devido processo e terminar por um ato do juízo arbitral - uma decisão que

assuma a feição de sentença judicial.

Se por um lado, o autor supracitado apresenta tal argumento, por outro há

autores que defendem que a arbitragem não é jurisdição. Dentre eles,

mencionamos: Luiz Guilherme Marinoni e Ada Pellegrini Grinover.

Athos Gusmão Carneiro37 nota que Ada Pellegrini Grinover argumenta a favor

de que o árbitro não é “o” juiz de fato e de direito, pois o árbitro é juiz no sentido de

                                                                                                                         35 Idem, ibidem, p. 26-27. 36 Idem, ibidem, p. 26-27. 37 “Ada Pellegrini Grinover, em parecer solicitado pela OAB/SP, frisou que a Lei n. 9.307/96 não utiliza

a expressão juiz arbitral, mesmo porque o árbitro não é juiz: "o árbitro decide, mediante sentença

arbitral, mas não é juiz. A expressão do art. 18 da Lei não afirma ser o árbitro um juiz. O árbitro e juiz

de fato e de direito, proclama o dispositivo, indicando apenas que o árbitro decide sobre o fato e o

direito. Pode parecer uma filigrana, mas não é: a lei não diz que o árbitro é ‘o' juiz de fato e de direito,

mas que é 'juiz de fato e de direito': juiz, no sentido de apreciar e decidir, mas não ‘o juiz’ que exerce

função jurisdicional. Tanto assim é, que a decisão arbitral não tem força coercitiva, pois a coerção é

própria do Estado: a sentença arbitral só pode ser executada pelo Poder Judiciário". Conclui a mestra

no sentido de que os árbitros não se podem autodenominar de "juízes", porque não o são.”

(CARNEIRO, Athos Gusmão. Jurisdição e Competência. 18ª edição. São Paulo: Editora Saraiva.

2012, p. 78 - Nota de rodapé no. 1).

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decidir e apreciar, mas não exerce função jurisdicional, considerando que a

sentença arbitral não possui poder coercitivo, pois coerção é atividade típica do

Estado, cabendo ao Estado-juiz a execução da sentença arbitral.

O Ministro Athos Gusmão Carneiro38 aborda, com precisão, toda a

divergência existente acerca da natureza jurisdicional da arbitragem, a saber: “Joel

Dias Figueiredo Jr. sustenta que não existe impedimento algum a que o Estado

atribua a juízos privados o poder de dirimir conflitos em caráter definitivo, salvo nos

casos previstos em lei.” Em outro momento, menciona que Eduardo Arruda Alvim,

ao se reportar a Joel Dias Figueira Jr., “defende o caráter jurisdicional da arbitragem,

afirmando que não se trata propriamente de um "substitutivo da jurisdição" (neste

passo reformulando entendimento anterior), mas sim do exercício de jurisdição

privada”. Discorre, também, que “Alexandre Câmara nega ao arbitramento caráter

jurisdicional, entendendo que o árbitro, embora exerça função pública, não exerce

atividade jurisdicional”. Em seguida, reconhece que a arbitragem é um processo,

mas explica, ao mesmo tempo, que ela não é um processo jurisdicional porque “a

jurisdição é monopólio do Estado, não podendo ser exercida pelo árbitro, o qual é

um ente privado (Arbitragem. Lúmen Júris, 1997, p. II)”. O referido Ministro observa,

ainda, que a arbitragem, para Cândido Rangel Dinamarco, é “como um ‘meio

alternativo’ para a solução de conflitos, processando-se ‘fora do âmbito do exercício

do poder estatal pelo juiz’ (Instituições de direito processual civil. Malheiros Ed.,

2001, v. 111, n. 844)”. Aprofundando seu estudo, cita que “Teori Zavascki nega

peremptoriamente à arbitragem o caráter jurisdicional”, enquanto que, ao se referir a

Marinoni, salienta que, para ele, “não há qualquer motivo para equiparar a jurisdição

com a atividade do árbitro”, uma vez que “tal equiparação somente é forçada para

permitir a conclusão de que a Lei de Arbitragem é constitucional (Luiz Guilherme

Marinoni, estudo na rev. Jurídica, 373:24-5)”. Por fim, destaca que Carlos Alberto

Carmona, Nelson Nery Júnior e Humberto Theodoro Júnior sustentam o caráter

jurisdicional da arbitragem.

                                                                                                                         38 CARNEIRO, Athos Gusmão. Jurisdição e Competência. 17ª edição. São Paulo: Editora Saraiva,

2010, p. 78-81.

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Eduardo Arruda Alvim39, que se filia à natureza jurisdicional da arbitragem,

também enfatiza a existência da controvérsia quando esclarece que “Joel Dias

Figueira Jr., em posição que acompanhamos, defende o caráter jurisdicional da

arbitragem”. Assevera que Figueira Jr. não vislumbra qualquer problema para que o

Estado delegue aos juízes privados parcela do poder que detém para dirimir

conflitos, desde que observadas as limitações fixadas pela legislação. Alvim40

esclarece que “Paulo Furtado e Uadi Lammêgo Bulos entendem que a atividade do

árbitro constitui verdadeira atividade jurisdicional, tomada a jurisdição como um

conceito abstrato”. Por fim, enfatiza que entende como corretas as posições que

afirmam que a arbitragem tem natureza jurisdicional, pois, segundo seu

entendimento, não há, na realidade, uma substituição da jurisdição pela arbitragem,

mas verdadeira jurisdição privada.

No Informativo de Jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça41,

Informativo nº 0522, Período: 1º de agosto de 2013, Segunda Seção, noticia-se que

é possível a existência de conflito de competência entre juízo estatal e câmara

arbitral, uma vez que a atividade desenvolvida no âmbito da arbitragem tem

natureza jurisdicional. No que diz respeito à discussão relativa à natureza jurisdicional da

arbitragem, Cândido Rangel Dinamarco42 apregoa que a arbitragem é, ao menos,

uma atividade parajurisdicional exercida pelo árbitro, registrando que o crescimento

dos meios alternativos de solução de conflitos reforça a ideia da equivalência entre

eles e a atividade jurisdicional. Ressalta, entretanto, que, do ponto de vista prático,

existem diferenças notáveis, o que eliminaria a afirmada equivalência com a

jurisdição, pois apenas esta última tem como objetivo a atribuição de efetividade ao

ordenamento jurídico substancial, situação essa que extravasa a cognição dos

                                                                                                                         39 ALVIM, Eduardo Arruda. Direito Processual Civil. 3ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2010, p. 61. 40 Idem, ibidem, p. 61. 41 STJ - CC 111.230-DF. Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 08/05/2013. 42 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. Volume I, 6ª edição. São

Paulo: Malheiros Editores, 2009, p. 121-128.

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chamados meios alternativos. Por outro lado, como relevante no exercício da

jurisdição em razão do aspecto social do proveito útil aos membros da sociedade,

enfatiza que também se encontra presente nos meios alternativos, uma vez que

representa a busca da pacificação social e da eliminação de conflitos de indivíduos e

grupos. Portanto, ao final do sistema processual, sugere a equivalência funcional

entre a pacificação estatal imperativa e outras atividades alternativas na busca dos

mesmos objetivos e da utilidade social. Conclui que “é legítimo considerar ao menos

parajurisdicionais as atividades exercidas pelo árbitro (infra, n. 365)”.

1.3 Enfoque Legal – Lei nº 9.307/96

A arbitragem, conforme já salientado, não mais se encontra prevista no

Código de Processo Civil, uma vez que foram revogados os artigos 1.072 a 1.102,

do Código de Processo Civil, que, até então, disciplinavam a matéria. Atualmente, a

arbitragem é regulada pela Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996, que dispõe,

exclusivamente, sobre o instituto. Antes da referida lei, a arbitragem existia no Brasil;

entretanto, era de pouca aplicabilidade, pois dependia, sobretudo, de homologação

judicial para que o seu respectivo laudo arbitral tivesse eficácia, e só a partir de

então haveria a sua convolação em título executivo judicial.

Com a criação da Lei de Arbitragem, tal homologação judicial deixou de ser

necessária, já que o seu artigo 31 dispõe que a sentença arbitral produz, entre as

partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do

Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui título executivo.

A Lei de Arbitragem - Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996 - foi

promulgada no Governo do então Presidente Fernando Henrique Cardoso, sendo

dividida em seis capítulos: Capítulo I – artigos 1º e 2º - Disposições Gerais; Capítulo

II – artigos 3º a 12 – Da Convenção de Arbitragem e seus Efeitos; Capítulo III –

artigos 13 a 18 – Dos árbitros; Capítulo IV – artigos 19 a 22 – Do Procedimento

Arbitral; Capítulo V – artigos 23 a 33 – Da Sentença Arbitral; Capítulo VI – artigos 34

a 40 – Do Reconhecimento e Execução de Sentença Arbitrais Estrangeiras; e

Capítulo VII – artigos 41 a 44 – Disposições Finais.

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45  

1.3.1 Desdobramentos sobre os dispositivos legais da Lei de Arbitragem

Dentre os dispositivos legais anteriormente elencados, vale o aprofundamento

daqueles que se considera como mais relevantes, e que serão abordados a seguir.

1.3.1.1 Limites impostos pela Lei de Arbitragem

A arbitragem destaca-se entre os mais modernos meios de solução de

conflitos. Entretanto, a Lei de Arbitragem estabelece determinados limites para o

ingresso de pessoas aos seus efeitos.

O seu artigo 1º estabelece que as pessoas capazes de contratar poderão

valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais

disponíveis. Portanto, o referido dispositivo implementa limitações de natureza

subjetiva e objetiva.

A primeira, a limitação subjetiva, faz-se presente quando dispõe que somente

as pessoas capazes podem utilizar da via arbitral para dirimir seus conflitos,

afastando, por consequência, conflitos de interesse de incapazes, mesmo quando

representados ou assistidos.

A limitação objetiva, por sua vez, ocorre quando a contenda só pode versar

sobre direitos patrimoniais disponíveis. Portanto, os direitos não patrimoniais, bem

como os indisponíveis, não se sujeitam à arbitragem, ficando, assim, afastadas

questões que digam respeito a: estado ou capacidade das pessoas; direitos da

personalidade: alimentos; falência; e registros públicos.

Nesse sentido, o artigo 2º, caput, e seu parágrafo, da Lei nº 9.307/96,

estabelecem que, sobrevindo no curso da arbitragem controvérsia acerca de direitos

indisponíveis e verificando-se que de sua existência dependerá, ou não, o

julgamento, o árbitro, ou o tribunal arbitral, remeterá as partes à autoridade

competente do Poder Judiciário, suspendendo o procedimento arbitral. Uma vez

resolvida a questão prejudicial, é anexada aos autos a sentença ou acórdão

transitados em julgado, tendo a arbitragem seguimento normal.

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46  

Chama-se a atenção para a hipótese de a arbitragem ser imposta a quem não

foi parte na avença, asseverando que a atual legislação arbitral não permite a

extensão dos efeitos da decisão proferida pelo árbitro àqueles que não se

vincularam expressamente ao instrumento contratual que prevê tal forma de solução

do litígio, nem mesmo em se tratando de pessoas jurídicas participantes de um

grupo empresarial, mas, também, registrar a presença de precedente da Câmara de

Comércio Internacional de Paris (CC1), em que se reconheceu que, se uma

sociedade do grupo aceita a convenção de arbitragem, é possível a vinculação das

demais entidades que tenham tido papel relevante na performance do contrato.

Todavia, apesar de tal precedente, entende-se que, ainda que o árbitro perceba

confusão patrimonial entre sociedades do mesmo grupo, não seria possível a

inclusão na arbitragem de sociedade que não tenha celebrado o compromisso

arbitral.43

Também deve ser enfatizado que nem mesmo a desconsideração da

personalidade jurídica pode ser aplicada pelo juízo arbitral para fins de atingir

terceiros que não se vincularam, expressamente, na relação contratual, pois a

atribuição pacificadora do árbitro encontra-se delimitada pela convenção arbitral.

Dessa forma, seria inadmissível a decisão do árbitro atingir terceiros que não lhe

outorgaram a atribuição para decidir seus conflitos, uma vez que o âmbito cognitivo

do árbitro é limitado pela convenção arbitral. Adicionalmente, a referida orientação

doutrinária leciona que, ocorrendo a hipótese de confusão patrimonial (ou de

inconsistência patrimonial, o que é mais frequente), caberá ao juiz togado (e não ao

árbitro) tomar eventuais medidas para estender os efeitos da sentença arbitral. Em

outros termos: condenada uma empresa sem patrimônio ("one dollar company"),

única empresa do grupo signatária do compromisso ou do contrato que contenha

cláusula compromissória, não caberá ao árbitro tomar qualquer providência para

desconsiderar a personalidade de tal empresa, mas sim ao juiz estatal que, ao

executar a sentença arbitral, “poderá - ex vi do art. 50 do Código Civil - estender a

                                                                                                                         43 CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo: Um Comentário à Lei nº 9.307/96. 3ª edição.

São Paulo: Editora Atlas, 2009, p. 82-85.

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responsabilidade patrimonial a outros componentes do grupo de empresas ou do

grupo econômico a que pertencer a pessoa jurídica vencida no juízo arbitral”. 44

1.3.1.2 Convenção de Arbitragem – Cláusula compromissória e compromisso arbitral – Jurisprudência

Outro dispositivo que merece destaque é aquele que dispõe sobre a

convenção de arbitragem e seus efeitos. A escolha do procedimento a ser adotado

se dá em duas hipóteses, cláusula compromissória e compromisso arbitral,

conforme dispõe o art. 3o da Lei de Arbitragem: “As partes interessadas podem

submeter a solução de seus litígios ao juízo arbitral mediante convenção de

arbitragem, assim entendida a cláusula compromissória e o compromisso arbitral.”

A cláusula compromissória é o pacto por meio do qual as partes interessadas

aceitam a submeter à arbitragem os conflitos sobre os direitos disponíveis que

possam, eventualmente, ocorrer durante o negócio jurídico que celebraram,

conforme dispõe o art. 4o da Lei de Arbitragem: “A cláusula compromissória é a

convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à

arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato.”

Vê-se, assim, que se trata de uma verdadeira cláusula contratual que prevê a

vinculação das partes à arbitragem. Por ser uma cláusula contratual, obedece a

alguns requisitos e limitações: a) é fixada no momento em que é celebrado o

contrato e, assim, é preexistente ao conflito; b) exige contrato escrito, com sua

expressa disposição; c) em regra, não é admitida em contrato de adesão, valendo,

excepcionalmente, se a iniciativa da convenção partir do aderente, ou se houve

concordância expressa, por escrito, em documento anexo ou em negrito, com a

assinatura ou visto especialmente para essa cláusula; e d) não é admitida quando a

relação jurídica foi regida pelo Código de Defesa do Consumidor que aceita esse

tipo de cláusula em contrato regido pelo Código do Consumidor (artigo 51, inciso VII,

da Lei n. 8.078/90).

                                                                                                                         44 Idem, ibidem, p. 82-85.

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48  

Em atenção ao item “d”, anteriormente elencado, ao não admitir a submissão

do consumidor ao juízo arbitral, a legislação consumerista, na verdade, nada mais

que promoveu uma forma de impedir que os consumidores ficassem sujeitos à

eventual superioridade do fornecedor. Nesse sentido, é relevante mencionar a

seguinte orientação jurisprudencial:

Nos termos do §2º do art. 4º da Lei de Arbitragem, nos contratos de adesão é ineficaz a cláusula de arbitragem (ou compromisso arbitral) quanto ela não é destacada ou não consta a anuência expressa do aderente quanto a iniciativa da instituição da arbitragem, razão pela qual prevalece a competência do poder judiciário para dirimir a demanda. (TJMG - Agravo de Instrumento nº 1.0024.09.723250-8/002, Relator(a): Des.(a) Evandro Lopes da Costa Teixeira, 17ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 09/05/2013, publicação da súmula em 21/05/2013).

A cláusula compromissória é autônoma ao contrato em que se encontra

inserida, assemelhando-se ao princípio da autonomia que vigora das regras

pertinentes aos títulos de crédito, pois a nulidade do negócio jurídico não implica na

nulidade da cláusula compromissória. Destarte, se porventura verificados vícios

capazes de gerar a nulidade do contrato firmado entre as partes, isso não macularia

a existência de eventual cláusula compromissória nele inserida, pois, apesar da

invalidade do contrato na relação jurídica, ela continuaria a existir e a produzir

efeitos e teria o condão de determinar a submissão dos contratantes ao juízo

arbitral.

Em outras palavras, ocorrendo a nulidade de determinada relação contratual,

seja qual for o motivo, não é possível alegar que tal vício teve poderes para afetar a

cláusula compromissória nele celebrada, de modo que, se os contratantes

avençaram a existência da cláusula compromissória no contrato, eles promoveram a

inserção de uma relação jurídica diversa, realmente autônoma, já que manifestaram,

de forma expressa e inequívoca, a vontade de que eventuais conflitos seriam

dirimidos pela via arbitral. Assim sendo, tal declaração de vontade possui apenas

vínculo instrumental com o contrato principal, mas não material, isto é, eventual falha

no negócio jurídico que importe sua nulidade. Portanto, não atingirá a eficácia da

cláusula compromissória, razão pela qual as partes estarão submetidas à via

arbitral.

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49  

O artigo 8º, caput, da Lei de Arbitragem, Lei nº 9.307/96, dispõe

expressamente que “a cláusula compromissória é autônoma em relação ao contrato

em que estiver inserta, de tal sorte que a nulidade deste não implica,

necessariamente, a nulidade da cláusula compromissória”.

Tal autonomia ocorre porque a nulidade do contrato poderá ser submetida à

decisão dos árbitros, uma vez que, se um contrato nulo pudesse acarretar a

nulidade da cláusula compromissória, os árbitros não teriam competência para

decidir sobre questões ligadas à nulidade do contrato. Assim, os contratantes, ao

inserirem uma cláusula arbitral em um contrato, estabelecem uma relação jurídica

diversa, pois manifestam a vontade que não tem ligação apenas meramente

instrumental com o objeto principal do negócio jurídico, de modo que eventual falha

que importe nulidade do contrato principal não afetará a eficácia da vontade das

partes, que permanecerá válida para todos os efeitos, principalmente para ver a

controvérsia resolvida pela via arbitral.45 Nesse sentido, o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Piauí já se

manifestou da seguinte forma:

A teor do art. 8º da Lei nº 9.307/96 (Lei de Arbitragem), as alegações e questionamentos acerca de hipotético vício formais nos contratos que prevêem compromisso arbitral, assim como, assertivas sobre a existência, validade e eficácia da mencionada convenção, não exclui a cláusula com-promissória de arbitragem, por ser a mesma autônoma quanto ao acordo em que estiver inclusa. Nesse diapasão, a alegação de nulidade do mencionado pacto firmado entre as partes não implica a nulidade do compromisso acerca da arbitragem, como meio de deslinde das controvérsias acerca dos direitos patrimoniais disponíveis.” (TJPI - AC nº 06000026-0, julgada em 06/09/2006 e publicada em 14/09/2006).

Por sua vez, o artigo 9o, caput, da Lei de Arbitragem, estabelece que o compromisso arbitral é a convenção através da qual as partes submetem um litígio à

arbitragem de uma ou mais pessoas, podendo ser judicial ou extrajudicial.

A obrigação que as partes pactuam, por meio da cláusula compromissória, é

de fazer. A cláusula compromissória costuma ser classificada em cláusula cheia e

                                                                                                                         45 Idem, ibidem, p. 173-175.

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vazia. A primeira ocorre quando as partes dispõem livremente sobre a arbitragem,

incluindo: forma de seus atos; legislação aplicável; escolha dos árbitros; e

possibilidade de decisão por equidade. Contemplam, assim, os elementos que

bastem para esgotar todas as possibilidades para a instalação da arbitragem. A

cláusula vazia, por outro lado, não especifica elementos para a instauração da

arbitragem e do tribunal, sendo que tal omissão será preenchida pelas próprias

partes. Entretanto, se essa hipótese não se materializar, haverá frustração na

instalação da arbitragem e as partes deverão socorrer-se do Poder Judiciário.46

Cita-se, ainda, a denominada cláusula patológica47, atribuída a Frédéric

Eisemann48, presente em determinadas situações em que existirão cláusulas que

somente aparentam ser cheias, uma vez que podem estabelecer regras de difícil

cumprimento pelo tribunal arbitral. José Emílio Nunes Pinto observa que ela é uma

cláusula que “fixa como aplicáveis as regras de arbitragem da Câmara de Comércio

Internacional, sediada em Paris, a CCI, mas para serem aplicadas por instituição

arbitral brasileira”, e apresenta a seguinte explicação:

A patologia, nesse caso, está no fato dessas regras de grande prestígio internacional e bastante consolidadas terem sido desenvolvidas para uma estrutura única da CCI e que não encontra similar no Brasil. A inadequação das regras CCI à estrutura das câmaras brasileiras é a causa da patologia.49

O compromisso arbitral, por outro lado, não se confunde com a cláusula

compromissória. Ele ocorre com a convenção da arbitragem após a existência do

conflito, isto é, o conflito já se faz presente e as partes o submetem à apreciação de

árbitros, afastando-se da apreciação pelo Poder Judiciário. Assim, pelo

compromisso arbitral as partes convencionam a eleição de árbitros para que seja

                                                                                                                         46 NERY JR., Nelson. Código de Processo Civil e legislação processual extravagante. 11ª edição. São

Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 1528. 47 Idem, ibidem, p. 1528. 48 EISEMANN, Frédéric. Les clauses d’a d’arbitrage pathologique in Commercial Arbitration. Essays in

Memoriam Eugenio Minoli. U.T.E.T, 1974, p. 129. 49 NUNES PINTO, José Emílio. Cláusulas Arbitrais Patológicas: esse mal tem cura. 2004. Disponível

em: <http://ccbc.org.br/download/clausulas_arbitrais_patologicas_jenp.pdf>. Acesso em: 12 ago.

2014.

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solucionado o litígio que já se faz presente, ao passo que a cláusula compromissória

é utilizada quando o litígio ainda não se materializou. (ANEXO 1).

O compromisso arbitral pode ser judicial ou extrajudicial. Conforme dispõe o

art. 9o da Lei de Arbitragem: “O compromisso arbitral é a convenção através da qual

as partes submetem um litígio à arbitragem de uma ou mais pessoas, podendo ser

judicial ou extrajudicial.”

O compromisso arbitral judicial pressupõe a existência de um processo em

curso, que será extinto sem resolução do mérito, nos termos do artigo 267, inciso

VII, do Código de Processo Civil. O compromisso arbitral extrajudicial, por outro

lado, pode ser celebrado por escrito particular, assinado por duas testemunhas, ou

por instrumento público. O artigo 10 da Lei n. 9.307/96 elenca os requisitos que

devem constar obrigatoriamente do compromisso: o nome, a profissão, o estado civil

e o domicílio das partes; o nome, a profissão e o domicílio do árbitro ou dos árbitros

- ou, se for o caso, a identificação da entidade à qual as partes delegaram a

indicação dos árbitros; a matéria que será objeto da arbitragem; e o lugar em que

será proferida a sentença arbitral.

O artigo 11 da Lei de Arbitragem enumera as seguintes condições que

podem ser acrescentadas ao compromisso arbitral, embora não sejam obrigatórias,

quais sejam: o local, ou locais, onde será desenvolvida a arbitragem; a autorização

para que o árbitro ou os árbitros julguem por equidade, se assim for convencionado

pelas partes; o prazo para a apresentação da sentença arbitral; a indicação da lei

nacional ou das regras corporativas aplicáveis à arbitragem, quando assim

convencionarem as partes; a declaração da responsabilidade pelo pagamento dos

honorários e das despesas com a arbitragem; e a fixação dos honorários do árbitro

ou dos árbitros.

No âmbito da demanda judicial, a cláusula compromissória tem o condão de

produzir a extinção do processo, sem resolução do mérito, pois, quando as partes

convencionam, por meio de uma cláusula compromissória, que eventuais conflitos

serão submetidos à arbitragem e uma das partes deduzir pretensão em juízo para

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dirimi-lo, a parte adversa poderá, no bojo da contestação, arguir, em matéria

preliminar, a existência de tal convenção, consoante previsto no artigo 301, inciso IX,

do Código de Processo Civil.

Na verdade, sendo a cláusula compromissória o ato por meio do qual os

contratantes declaram a vontade de submeter a um árbitro, ou a um juízo arbitral,

eventuais conflitos vinculados a direitos patrimoniais disponíveis, ficam os

contratantes submetidos à apreciação do caso concreto e respectiva decisão

ocorrida ao final do procedimento arbitral. Consequentemente, a celebração da

cláusula compromissória, desde que arguida pela parte interessada no momento

processual oportuno, é causa de extinção do processo sem resolução do mérito, nos

termos do artigo 267, inciso VII, do Código de Processo Civil.

A cláusula compromissória é verdadeiro impedimento ao exercício do direito

de ação, sendo a parte, portanto, carecedora da ação, já que ausente a

possibilidade de submeter a solução do conflito à apreciação do Estado-juiz,

permitindo-se, desta forma, afirmar que, se a convenção de arbitragem precede ao

processo judicial, haverá impedimento para a sua abertura. Todavia, se posterior,

desde que devidamente arguida no prazo processual adequado, provoca a extinção

do feito, razão pela qual o Estado-juiz não poderá julgar o mérito da questão.

(ANEXO 2).

Essa arguição preliminar é necessária para a extinção do feito (artigo 267,

inciso VII, do Código de Processo Civil), não podendo o juiz conhecê-la de ofício,

conforme preceitua o § 4º do mesmo artigo 301 do Diploma Processual Civil. Nesse

sentido: “A correta interpretação dos artigos 267, §3º e 301, §4º do Código de

Processo Civil revela que da convenção de arbitragem, a despeito de seus efeitos,

não pode conhecer de ofício o julgador.” (TJMG - Apelação

Cível 1.0024.11.329938-2/001, Relator(a): Des.(a) José Marcos Vieira, 16ª

CÂMARA CÍVEL, julgamento em 24/07/2013, publicação da súmula em 02/08/2013).

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Cândido Rangel Dinamarco, acerca da convenção de arbitragem e da

extinção do processo sem resolução do mérito sobre a natureza jurídica de tal

preliminar processual, leciona:

É pois um pressuposto negativo de admissibilidade do processo e da sentença de mérito (CPC, art. 267, inc. VII), quer tenha sido ajuizada mediante cláusula compromissória ou compromisso arbitral (arts. 4º e 9º) e ainda quando celebrada no curso do processo já pendente (art. 9º, fine). Em qualquer dessas hipóteses, a extinção do processo eventualmente instaurado perante o Poder Judiciário será declarada por sentença, a qual terá natureza terminativa – não obviamente uma sentença de mérito.50 (ANEXO 3).

Assim, é possível concluir que, quando uma das partes ingressar em juízo e a

outra não arguir tal matéria preliminar em contestação, presumir-se-á que ambas

renunciaram, tacitamente, à submissão do conflito à arbitragem, sujeitando-se, por

consequência, à tramitação do processo judicial.

A cláusula compromissória nada mais é que uma convenção ou pacto

contratual em que as partes comprometem-se a submeter os conflitos

eventualmente existentes à solução por meio de um árbitro. Assim sendo, pode ser

que essa convenção não estabeleça a forma utilizada para a instauração da

arbitragem, tampouco tenha elegido os árbitros para a contenda, motivo pelo qual,

materializando-se o litígio, será necessária concretizar a arbitragem, que, apesar de

prevista, não se encontra plenamente regulamentada no caso concreto. Caso isso

ocorra, a Lei de Arbitragem, em seu artigo 7º, previu a forma pela qual a arbitragem

será instituída.

Se existir consenso entre as partes, não haverá necessidade de

movimentação da Máquina Judiciária para que a arbitragem seja implantada. Caso

contrário, é imperiosa a observância do procedimento previsto no citado artigo 7º da

Lei 9.307/96, ou seja, competirá ao interessado ingressar em juízo para pedir a

citação da parte contrária a fim de que compareça em juízo e o compromisso seja

lavrado. Isto ocorrerá em audiência designada para tal fim, após a apresentação de

                                                                                                                         50 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. Volume I, 6ª edição. São

Paulo: Malheiros Editores, 2009, p. 139-140.

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petição inicial em que a parte autora indicará, com precisão, o objeto da arbitragem,

instruindo o pedido com o documento que contiver a cláusula compromissória.

Na mencionada audiência, o juiz de direito tentará, inicialmente, conciliar as

partes a respeito do litígio. Entretanto, se tal conciliação for inviável, o juiz tentará

uma conciliação para a implementação da arbitragem, celebrando-se o compromisso

arbitral. Caso persista a contenda judicial, o réu será ouvido na própria audiência e

decidirá na própria audiência, ou no prazo de dez dias.

Nesta sentença judicial será estabelecido o conteúdo da arbitragem,

respeitando-se a cláusula compromissória previamente avençada. Se não houve a

indição dos árbitros, caberá ao juiz fazê-lo, após a oitiva das partes, podendo o juiz

nomear um ou mais árbitros, conforme o caso concreto. A sentença judicial, em tal

hipótese, valerá como compromisso arbitral. (ANEXO 4).

A Lei de Arbitragem também estabelece hipótese de extinção do

compromisso arbitral quando qualquer dos árbitros escusar-se de apreciar o litígio,

antes de aceitar a nomeação, desde que as partes tenham declarado,

expressamente, não aceitar sua substituição; ocorrendo o falecimento do árbitro ou

a impossibilidade de algum dos árbitros proferir seu voto, desde que as partes

declarem, expressamente, não aceitar substituto; e expirado o prazo a que se refere

o artigo 11, inciso III, da Lei de Arbitragem, desde que a parte interessada tenha

notificado o árbitro, ou o presidente do tribunal arbitral, concedendo-lhe o prazo de

dez dias para a prolação e apresentação da sentença arbitral. Tudo deve ocorrer

conforme previsto no artigo 12, que estabelece, escusando-se qualquer dos árbitros,

antes de aceitar a nomeação, desde que as partes tenham declarado,

expressamente, não aceitar substituto; falecendo ou ficando impossibilitado de dar

seu voto algum dos árbitros, desde que as partes declarem, expressamente, não

aceitar substituto; e tendo expirado o prazo a que se refere o art. 11, inciso III, desde

que a parte interessada tenha notificado o árbitro, ou o presidente do tribunal

arbitral, concedendo-lhe o prazo de dez dias para a prolação e a apresentação da

sentença arbitral.

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55  

1.3.1.2.1 Constitucionalidade da Arbitragem

A constitucionalidade da Lei n. 9.307/96 gerou grande controvérsia na época

de sua edição. A discussão residia no fato de ser dispensável a homologação do

Judiciário para que a sentença arbitral tivesse eficácia executiva.

Um dos fundamentos seria a eventual violação ao disposto no artigo 5º, inciso

XXXV, da CF/88, que dispõe que "a lei não excluirá da apreciação do Poder

Judiciário lesão ou ameaça a direito", ou seja, o princípio da inafastabilidade da

jurisdição.

Todavia, o argumento não vingou pela inexistência de violação material à

ordem constitucional, uma vez que a arbitragem é via não obrigatória, razão pela

qual não há que se falar que a Lei nº 9.307/96 teria promovido exclusão de questão

da apreciação do Poder Judiciário.

Na verdade, as partes contratantes têm a faculdade de escolher a arbitragem

como forma de solução de conflitos que envolvam direitos disponíveis, não havendo

que se falar que a lei teria impedido o ingresso ou dedução de pretensão junto ao

Poder Judiciário, isto é, as partes têm a opção de escolher a arbitragem, ou o meio

jurisdicional estatal, para dirimir a controvérsia.

São as próprias partes contratantes que preferem que a solução seja

apresentada pelo árbitro ou por um tribunal arbitral. Contudo, mesmo assim, as

partes ainda podem ingressar em juízo para obter a declaração de nulidade da

sentença arbitral, nos casos previstos no artigo 32 da Lei de Arbitragem, nos exatos

termos do artigo 33, caput, do mesmo Diploma Legal, que dispõe que a parte

interessada poderá pleitear ao órgão do Poder Judiciário competente a decretação

da nulidade da sentença arbitral nos casos previstos nesta lei.

Outra razão que daria motivação para gerar dúvidas quanto à

constitucionalidade da arbitragem repousava em suposta violação ao princípio do

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juiz natural, uma vez que se sustentava que a controvérsia seria decidida por um

órgão escolhido pelos contratantes.

Essa argumentação, entretanto não possui respaldo porque a arbitragem é

instituída antes do conflito. Além disso, o Colendo Supremo Tribunal Federal

resolveu em definitivo a questão no julgamento do Recurso Extraordinário nº 5.206-

7. Em sessão plenária, foi declarada a constitucionalidade da lei por maioria de

votos, restando vencidos os Ministros Sepúlveda Pertence, Sydney Sanches, Néri

da Silveira e Moreira Alves.

Como consta na obra “Código de Processo Civil e Legislação Processual em

Vigor”, na nota 1ª ao art. 1º da Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996: “A Lei de

Arbitragem é constitucional (STF-RTJ 190/908: Pleno, SE 5.206, quatro votos

vencidos).” Desta obra, vale destacar que

não constitui, na espécie, questão prejudicial da homologação do laudo estrangeiro; a essa interessa apenas, como premissa, a extinção, no direito interno, da homologação judicial do laudo (arts. 18 e 31), e sua consequente dispensa, na origem, como requisito de reconhecimento, no Brasil, de sentença arbitral estrangeira (art. 35). A completa assimilação, no direito interno, da decisão arbitral à decisão judicial, pela nova Lei de Arbitragem, já bastaria, a rigor, para autorizar a homologação, no Brasil, do laudo arbitral estrangeiro, independentemente de sua prévia homologação pela Justiça do país de origem. Ainda que não seja essencial à solução do caso concreto, não pode o Tribunal - dado o seu papel de "guarda da Constituição" - se furtar a enfrentar o problema de constitucionalidade suscitado incidentemente (v.g. MS 20.505, Néri). 3. Lei de Arbitragem (L. 9.307/96): constitucionalidade, em tese, do juízo arbitral; discussão incidental da constitucionalidade de vários dos tópicos da nova lei, especialmente acerca da compatibilidade, ou não, entre a execução judicial específica para a solução de futuros conflitos da cláusula compromissória e a garantia constitucional da universalidade da jurisdição do Poder Judiciário (CF, art. 5º, XXXV). Constitucionalidade declarada pelo plenário, considerando o Tribunal, por maioria de votos, que a manifestação de vontade da parte na cláusula compromissória, quando da celebração do contrato, e a permissão legal dada ao juiz para que substitua a vontade da parte recalcitrante em firmar o compromisso não ofendem o artigo 5º, XXXV, da CF. (STF - SE 5206 AgR, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 12/12/2001, DJ 30-04-2004 PP-00029 EMENT VOL-02149-06 PP-00958).51

                                                                                                                         51 NEGRÃO, Theotonio; GOUVÊA, José Roberto Ferreira; BONDIOLI, Luis Guilherme Aidar;

FONSECA, João Francisco Naves da. Código de Processo Civil e Legislação processual em vigor.

44ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2012.

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57  

O Ministro Athos Gusmão Carneiro, em estudo doutrinário, também discorre

sobre a constitucionalidade da Lei de Arbitragem:

No alusivo às sentenças arbitrais estrangeiras, o STF deferiu a homologação de sentença arbitral oriunda da Inglaterra, que condenou empresa brasileira por descumprimento de contrato de compra e venda mercantil firmado com empresa estrangeira sediada na República da Irlanda. O Tribunal deferiu o pedido por entender presentes os requisitos dos arts. 38 e 39 da Lei de Arbitragem, salientando ser possível a homologação, pelo STF, de laudo arbitral estrangeiro, independentemente de prévia chancela do Poder Judiciário do país de origem, nos termos da Lei de Arbitragem — Lei n. 9.307/96. art. 31.52

O Colendo Pretório Excelso, com o devido respeito aos que entendem de

forma contrária, corretamente entendeu que a escolha entre a arbitragem e a

jurisdição é constitucional, pois, na realidade, a aplicação da garantia constitucional

da inafastabilidade é naturalmente condicionada à vontade das partes. Em outras

palavras, se o próprio direito de ação é disponível, dependendo da vontade do

interessado promover ou não uma demanda judicial, com a mesma razão será o

exercício da jurisdição na solução do conflito de interesse.

1.3.2 Dos árbitros

Com exceção da hipótese anteriormente mencionada, em que o Poder

Judiciário pode ser instado a determinar a instauração da arbitragem, inclusive com

a nomeação dos árbitros pelo juiz-Estado, aqueles são livremente escolhidos e

eleitos pelas partes, exigindo a lei apenas que se tratem de sujeitos capazes.

Portanto, a lei não estabelece qualquer qualificação técnica ou profissional para a

nomeação do árbitro.

A Lei de Arbitragem, em seu artigo 13, fixa que pode ser árbitro qualquer

pessoa capaz e que tenha a confiança das partes. Todavia, a mesma Lei nº

9.307/96, agora em seu artigo 14, estabelece algumas restrições, fixando que estão

impedidos para funcionarem como árbitros as pessoas que tenham, com as partes

ou com o litígio que lhes for submetido, algumas das relações que caracterizam os

                                                                                                                         52 CARNEIRO, Athos Gusmão Carneiro. Jurisdição e Competência. 18ª edição. São Paulo: Editora

Saraiva, 2012, p. 85-86.

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casos de impedimento ou suspeição de juízes, aplicando-se-lhes, no que couber, os

mesmos deveres e responsabilidades, conforme previsto no Código de Processo

Civil.

Também se aplica ao árbitro, em razão do interesse social, informar eventuais

causas que possam afastar ou gerar dúvidas sobre sua imparcialidade ou

independência no caso concreto e, se não o fizer, qualquer das partes poderá

suscitá-las, na primeira oportunidade para manifestação, após a instituição da

arbitragem, consoante previsto nos artigos 15 e 20 da Lei de Arbitragem. (ANEXO

5).

Cabe enfatizar que a Lei nº 9.307/96 não estabelece regras quanto ao número

de árbitros, podendo ser nomeado um ou mais árbitros para a solução de conflitos. A

lei exige, apenas, que o número de árbitros seja ímpar. Para evitar que exista

deliberação igual, isto é, empate na votação, caso o números de árbitros seja par, os

próprios árbitros têm autorização para a nomeação de mais um árbitro. Todavia, se

houver divergência entre eles quanto à nomeação, ela será feita pelo juízo a quem

competiria julgar o litígio, se inexistisse o compromisso, observando-se o

procedimento previsto no artigo 7º da Lei de Arbitragem. Por outro lado, se, no caso

concreto, as partes nomearem mais de um árbitro, um dentre eles será eleito

presidente, e sua eleição será feita entre os próprios árbitros.

Na hipótese de falecimento ou impossibilidade de algum árbitro dar o voto, tal

situação extinguirá o compromisso, caso venham as partes declarar,

expressamente, que não aceitam o substituto. Inexistindo disposição nesse sentido,

ocorrerá a substituição, conforme estabelecido na convenção de arbitragem, ou, se

omissa, e não havendo acordo entre as partes, a substituição dar-se-á por decisão

judicial, também observado o procedimento dos artigos 7º e 16 da Lei nº 9.307-96.

O árbitro é equiparado ao funcionário público para todos os fins de direito,

inclusive para efeitos penais. Ao árbitro caberá verificar os pressupostos de

existência, validade e eficácia do direito disponível que será objeto da arbitragem,

afastando, assim, via de regra, a competência do Estado-juiz em promover tal

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apreciação. Tal regra está prevista no artigo 8º, parágrafo único, da Lei 9.307/1996,

que prevê que caberá ao árbitro decidir de ofício, ou por provocação das partes, as

questões acerca da existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem e do

contrato que contenha a cláusula compromissória.

Pelo que se verifica do dispositivo legal acima mencionado, a Lei de

Arbitragem consagra o princípio da Kompetenz-Kompetenz, ou seja, o próprio

julgador - no caso, o árbitro ou a câmara arbitral, que é o juiz de fato e de direito na

arbitragem (artigo 20 da Lei 9.307/96) - tem competência para verificar se possui

atribuição para dirimir o caso concreto, ou seja, o árbitro possui competência para

decidir sobre a sua própria competência, cabendo a ele resolver questões e

impugnações que digam respeito à sua capacidade de julgar sobre a extensão de

seus poderes quanto à possibilidade de submissão da controvérsia à arbitragem,

avaliando, assim, a eficácia e a extensão dos poderes que as partes fixaram pela

cláusula compromissória ou por meio de compromisso arbitral. Segundo Carlos

Alberto Carmona,

Consequência da autonomia da cláusula compromissória é a possibilidade de o próprio árbitro decidir acerca de qualquer controvérsia que diga respeito à convenção de arbitragem. Note-se: o parágrafo único do art. 8º, situado estrategicamente ao término dos dispositivos que tratam da cláusula arbitral e antes dos dispositivos que tratarão do compromisso, traz norma que interessa a ambos (cláusula e compromisso). Significa dizer que o dispositivo legal comentado trata de duas questões distintas, o caput disciplinando a autonomia da cláusula e o parágrafo estabelecendo o princípio da Kompetenz-Kompetenz (competência do árbitro para decidir sobre sua própria competência, resolvendo as impugnações que surjam acerca de sua capacidade de julgar, da extensão de seus poderes, da arbitrabilidade da controvérsia, enfim, avaliando a eficácia e a extensão dos poderes que as partes lhe conferiram tanto por via de cláusula compromissória, quanto por meio de compromisso arbitral).53

Para a hipótese da arbitragem, o árbitro decide a respeito e sobre os limites

de sua competência, inclusive acerca daqueles que serão submetidos à sua

decisão. Portanto, atribui-se ao árbitro a capacidade para apreciar a sua própria

competência, isto é, a viabilidade de ser por ele julgado o conflito, pela inexistência

                                                                                                                         53 CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo: Um Comentário à Lei nº 9.307/96. 3ª edição.

São Paulo: Editora Atlas, 2009, p. 175-177.

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de vício na convenção ou no contrato. Tal regra é de fundamental importância, pois

o princípio da Kompetenz-Kompetenz, conforme salienta Francisco José Cahali,

fortalece o instituto, e prestigia a opção das partes por esta solução de conflitos, e afasta, em certa medida, o risco de desestímulo à contratação da arbitragem, em razão de potencial obstáculo prévio a surgir no Judiciário diante da convenção, por maliciosa manobra de uma das partes.54 (ANEXO 6).

A Lei de Arbitragem deixa claro que o árbitro é o juiz de fato e de direito, e a

sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou homologação pelo Poder

Judiciário (art. 18. da Lei de Arbitragem). Assim, pela interpretação sistemática e

teleológica da Lei de Arbitragem, excepcionando o princípio do livre acesso à justiça

ou inafastabilidade de jurisdição, o árbitro, julgador privado eleito pelas partes, tem

liberdade para a apreciação dos fatos, argumentos e teses que envolvam a

contenda acerca de direitos disponíveis.

O árbitro, como julgador extrajudicial do caso concreto, está adstrito aos fatos

narrados, aqueles consubstanciados nos direitos disponíveis, que determinaram a

instauração do juízo arbitral, e não o direito que a parte pretende ver aplicado ao

caso concreto, razão pela qual é imperioso reconhecer que a arbitragem também se

amolda à teoria da substanciação, e não à da individuação, motivo pelo qual, com

acerto e preciso, a referida sentença especificou a aplicação da máxima da mihi

factum, dabo tibi jus.

Sobre a aplicação do princípio supracitado (da mihi factum, dabo tibi jus),

evidenciando a teoria da substanciação, José Joaquim Calmon de Passos salienta:

Deem-me os fatos que lhes darei o direito (da mihi factum dabo tibi jus), velho e conhecido brocardo que afirma saber o juiz o direito, apenas cumprindo às partes indicar-lhe os fatos e explicitar as consequências pretendidas. Isso significa não haver necessidade de o autor, como já visto, ser exato na indicação dos dispositivos legais aplicáveis, nem mesmo na nomeação correta da figura típica configurada pelo fato que narrou. O que lhe cumpre é narrar o fato com clareza e precisão e concluir postulando as

                                                                                                                         54 CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem. 3ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013,

p. 107.

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consequências que desse fato juridicamente decorrem. Seu risco e seu erro é colocar mal os fatos ou concluir mal em relação aos fatos que expôs.55

Assim sendo, tendo em vista que o dever da parte é narrar os fatos que

norteiam o conflito de interesses, não se justificaria a alegação de que houve

violação ao devido processo legal e ao contraditório sob o argumento de que a

sentença arbitral motivou-se em fundamento jurídico diverso daquele que foi arguido

ou questionado pela parte, pois, conforme anteriormente mencionado, o que se faz

necessário é a adstrição aos fatos discutidos, ou seja, a efetiva vinculação do juízo

arbitral às circunstâncias fáticas narradas.

1.3.2.1 Órgão de arbitragem institucional

A Lei de Arbitragem estabelece que se as partes avençaram que eventuais

conflitos serão submetidos às regras de algum órgão arbitral institucional ou

entidade especializada, a arbitragem será instituída e processada de acordo com as

regras de tal órgão, permitindo-se, ainda, que as partes estabeleçam na própria

cláusula, ou em outro documento, a forma convencionada para a instituição da

arbitragem.

O artigo 5º da Lei de Arbitragem dispõe, sobre tal regramento, que se

reportando as partes, na cláusula compromissória, às regras de algum órgão arbitral

institucional ou entidade especializada, a arbitragem será instituída e processada de

acordo com tais regras, podendo, igualmente, as partes estabelecerem, na própria

cláusula, ou em outro documento, a forma convencionada para a instituição da

arbitragem.

Carlos Alberto Carmona arrola importantes lições sobre órgãos institucionais

vinculados à arbitragem, ao dispor que

A intervenção das instituições permanentes de arbitragem - organismos dos mais vanados matizes que propiciam o desenvolvimento da arbitragem, seja através da edição de regras de procedimento, seja através do estabelecimento de tribunais arbitrais, seja favorecendo a pesquisa

                                                                                                                         55 PASSOS, José Joaquim Calmon de. In: Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. III, Rio de

Janeiro/ São Paulo: Editora Forense, 2010, pág. 202.

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científica - funciona como verdadeira mola propulsora do instituto, especialmente no que diz respeito ao comércio internacional. A eles referem-se os principais tratados internacionais acerca da arbitragem (Convenção de Nova Iorque, 1958, Convenção Europeia sobre Arbitragem Comercial Internacional, 1961, Convenção do Panamá, 1975), bem como a Lei Modelo da Uncitral, reconhecendo assim as fontes internacionais esta modalidade de arbitragem.56

Ainda sobre o mesmo tema, o autor salienta:

As características destes centros promotores da arbitragem são bastante díspares, podendo eles assumir os mais diferentes matizes, acentuando atividades ligadas estritamente à organização de arbitragens, à pesquisa, à formação de árbitros, à divulgação dos meios alternativos de solução de controvérsias etc. Apenas a título ilustrativo, destaco alguns padrões seguidos por órgãos arbitrais institucionais: a) instituições de natureza essencialmente arbitral, cujo escopo exclusivo é organizar e levar adiante o processo arbitral (é o caso da Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional); b) instituições que acumulam competências mistas, ou seja, organizam, promovem e regulamentam o comércio e, eventualmente, assumem funções de tribunal arbitral ou facilitam a organização e funcionamento da arbitragem; c) órgãos de natureza essencialmente corporativa, que velam por interesses de um setor, ramo ou profissão e que resolvem, através de arbitragem, questões relativas à sua área específica de atuação (é o caso do Juízo Arbitral da Bolsa de Mercadorias e Futuros de São Paulo, do Tribunal de Mediação, Conciliação e Arbitragem da Ordem dos Advogados do Brasil - Secção São Paulo ou ainda da Câmara de Mediação e Arbitragem do Instituto Brasileiro de Estudos do Direito da Energia - IBDE); d) instituições de competência geral (multissetorial), que conhecem de toda a classe de arbitragens comerciais (nesta categoria enquadram-se praticamente todas as comissões, centros ou tribunais arbitrais ligados a câmaras de comércio, associações comerciais ou federações de indústrias, como é o caso do Centro de Mediação e Arbitragem da Câmara de Comércio Brasil-Canadá, da Câmara de Mediação e Arbitragem de São Paulo, da Câmara de Mediação e Arbitragem - Associação Comercial do Paraná e do Centro de Arbitragem da Câmara Americana de Comércio, para citar alguns poucos exemplos); e) instituições de caráter científico, que se ocupam da arbitragem do ponto de vista da investigação e da pesquisa, promovendo seu desenvolvimento através de publicações e atividades culturais (é o caso do CONIMA e do CBAr, de que trato mais adiante); f) instituições de caráter internacional, de vocação multissetorial e universalista, como é o caso da Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional e da Associação Americana de Arbitragem (Triple A). As características acima relacionadas, como é intuitivo, por vezes combinam-se e entrelaçam-se: vale apontar o caso do Instituto Nacional de Mediação e Arbitragem (INAMA), que organiza a arbitragem (fornecendo regras e corpo de árbitros), ao mesmo tempo em que desenvolve atividades científicas de divulgação da arbitragem.57

                                                                                                                         56 CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo: Um Comentário à Lei nº 9.307/96. 3ª edição.

São Paulo: Editora Atlas, 2009, p. 127-135. 57 Idem, ibidem, p. 127-135.

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No que se refere ao direito positivo pátrio, o autor assevera:

Com o advento da Lei 9.307/96, novos órgãos arbitrais institucionais estão sendo criados no Brasil, enquanto outros estão adaptando seus respectivos regulamentos às novas regras e facilidades trazidas pela Lei de Arbitragem. Alguns desses órgãos assumiram a forma de associações civis, como ocorreu com o Instituto Nacional de Mediação e Arbitragem (INAMA) e com a Associação Brasileira de Arbitragem (ABAR), ambos com sede em São Paulo; outros não têm autonomia jurídica, e dependem (organicamente) de federações, associações ou câmaras de comércio, como é o caso do Centro de Mediação e Arbitragem de Pernambuco (CE-MAPE), ligado à Federação das Associações Comerciais do Estado de Pernambuco, do Centro de Mediação e Arbitragem da Câmara de Comércio Brasil-Canadá, do Centro de Conciliação e Arbitragem da Câmara de Comércio Argentino-Brasileira de São Paulo, da ARBITAC, câmara de arbitragem ligada à Associação Comercial do Paraná, da Câmara de Conciliação e Arbitragem da Associação Comercial da Bahia, da Câmara de Mediação e Arbitragem de São Paulo, ligada ao Centro de Indústrias do Estado de S. Paulo, do Juízo Arbitral da Bolsa de Mercadorias e Futuros de São Paulo, da Corte Brasileira de Arbitragem Comercial (CBAC), órgão integrante da Confederação das Associações Comerciais do Brasil, do Centro de Arbitragem da Câmara Americana de Comércio, entre tantos outros.58

E destaca:

Pouco tempo após a edição da Lei de Arbitragem, foi constituído, em Brasília, DF, o Conselho Nacional das Instituições de Mediação e Arbitragem (CONIMA). Trata-se de sociedade civil, sem fins lucrativos, cujo principal escopo é o de agregar instituições de mediação e arbitragem, acompanhando o desempenho de tais instituições, promovendo e coordenando estudos e debates e promovendo, enfim, o uso responsável e adequado das técnicas de solução extrajudicial de conflitos. O objetivo da instituição é o de implantar a cultura dos meios alternativos de solução de litígios no Brasil, divulgando padrões éticos e de conduta para os árbitros, além de divulgar diretrizes úteis para a maior credibilidade das instituições arbitrais. Para a concretização de seus propósitos a entidade conta com um conselho consultivo, uma comissão de ética e um centro de estudos e debates. Como disse Petrônio R.G. Muniz, primeiro presidente do CONIMA, a entidade nasceu "da consciência livre e de ato voluntário dos titulares das instituições brasileiras de arbitragem e mediação, da imperiosidade da existência de um órgão aglutinador das potencialidades individuais, e delas transformador em 'ideia força' sustentável ante quaisquer audiências, mesmo as mais hostis". A ideia vingou e o CONIMA é hoje uma fonte importante de referência e orientação sobre os meios alternativos de solução de litígio no país. O Comitê Brasileiro de Arbitragem (CBAr), fundado em 2001, é uma associação sem fins lucrativos, que tem como principal finalidade o estudo da arbitragem e dos métodos extrajudiciais de solução de controvérsias. Para concretizar suas finalidades, o CBAr realiza congressos e seminários, além de publicar a Revista Brasileira de Arbitragem (uma das mais prestigiosas publicações brasileiras em matéria de arbitragem). As duas entidades desenvolveram-se sobremaneira nos últimos 5 (cinco) anos. Tanto o CONIMA quanto o CBAr protagonizaram eventos de nível excepcional, agregando os mais renomados estudiosos

                                                                                                                         58 Idem, ibidem, p. 127-135.

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sobre o tema dos meios alternativos de solução de controvérsias. Enquanto o CONIMA, com suas reuniões periódicas, tem colocado em mesa a discussão de temas espinhosos para as entidades que administram arbitragens do Brasil, consolidando padrões éticos, o CBAr empenha-se, com sucesso, em trazer ao Brasil especialistas estrangeiros, propiciando a ampliação do debate sobre as questões que, paulatinamente, vão surgindo com o aumento da prática da arbitragem em nosso país.59 (ANEXO 1 – DOUTRINA).

Neste item, apresentou-se a questão de que a Lei de Arbitragem brasileira não

delimita qualificações técnicas ou profissionais para a nomeação de árbitros.

Especifica, por outro lado, que este deve ser um sujeito capaz, um profissional

indicado pela parte para dirimir as controvérsias, que não podem ter relações que

caracterizam os casos de impedimento ou suspeição de juízes, e que devem,

sempre que necessário, fornecer informações quando houver dúvidas quanto à sua

imparcialidade ou independência no caso concreto. Tratou-se, também, do fato de

que, quando as partes se reportarem, na cláusula compromissória, às regras de

qualquer órgão arbitral institucional ou entidade especializada, a arbitragem será

implementada e processada conforme as regras do órgão de arbitragem

especificado. A seguir, focalizar-se-á na “aplicação do princípio da busca da verdade

real no procedimento arbitral”.

1.3.3 Do Procedimento Arbitral (aplicação do princípio da busca da verdade real no procedimento arbitral)

A arbitragem, conforme previamente mencionado, obedecerá o procedimento

estabelecido pelas partes na convenção de arbitragem, que poderá reportar-se às

regras de um órgão arbitral institucional ou entidade especializada, facultando-se,

ainda, às partes delegar ao próprio árbitro, ou ao tribunal arbitral, regular o

procedimento. Contudo, inexistindo estipulação acerca do procedimento aplicável,

caberá ao árbitro, ou ao tribunal arbitral, discipliná-lo, mas sempre consagrando o

princípio do estado democrático de direito, respeitados os princípios do contraditório,

da igualdade das partes, da imparcialidade do árbitro e de seu livre convencimento.

A Lei nº 9.307/96 estabelece que a arbitragem é instituída com a aceitação da

nomeação pelo árbitro. O seu artigo 19 dispõe: “Considera-se instituída a arbitragem

                                                                                                                         59 Idem, ibidem, p. 127-135.

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quando aceita a nomeação pelo árbitro, se for único, ou por todos, se forem vários.”

O parágrafo único do artigo 19 determina que, após instituída a arbitragem,

entendendo o árbitro ou tribunal arbitral a necessidade de explicitação sobre algum

ponto que tenha restado obscuro na convenção de arbitragem, é possível exigir-se a

elaboração de uma adendo, juntamente com as partes, que será firmado por todos

os participantes e que passará a fazer parte integrante da convenção.

Logo após a instituição da arbitragem, é o momento adequado para se arguir

eventuais questões relativas à competência, suspeição ou impedimento do árbitro,

ou de um dos membros do tribunal arbitral, consoante determina o artigo 20, caput,

e §§ 1º e 2º, da Lei de Arbitragem, e como já previamente mencionado (vide item

“1.3.2 Dos árbitros”).

Todavia, conforme previsto no artigo 16 da Lei nº 9.307/96, se acolhida a

suspeição ou impedimento, será providenciada a substituição do árbitro. Inexistindo

tal arguição, a arbitragem terá regular seguimento; entretanto, é possível, no

momento oportuno, que a parte interessada suscite a nulidade da sentença arbitral

nos termos do artigo 32, inciso II, do mesmo Diploma Legal. Contudo, tal pretensão

será submetida à apreciação do Poder Judiciário.

Nos exatos termos do artigo 21, caput, e §§ 1º e 2º, da Lei de Arbitragem, será obedecido o procedimento estabelecido pelas partes na convenção de

arbitragem, que poderá reportar-se às regras de um órgão arbitral institucional, ou

de uma entidade especializada, facultando-se, ainda, às partes delegar ao próprio

árbitro, ou ao tribunal arbitral, regular o procedimento. Por outro lado, se não houver

estipulação acerca do procedimento, caberá ao árbitro, ou ao tribunal arbitral,

discipliná-lo, sendo sempre respeitados, no procedimento arbitral, os princípios do

contraditório, da igualdade das partes, da imparcialidade do árbitro e de seu livre

convencimento.

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66  

É forçoso informar, também, a existência de crítica60 à redação do § 1º do

artigo 20, da Lei de Arbitragem, ao afirmar que o referido dispositivo legal dispõe

sobre duas situações distintas: uma acerca do acolhimento da exceção de

suspeição ou de impedimento do árbitro; e outra, em caso de acolhimento da

alegação de incompetência ou equívoco na convenção de arbitragem - o que

implicaria, neste último caso, na extinção do procedimento arbitral.

Carmona61 observa que, caso haja incompetência do árbitro, acolhida sua

arguição, haverá a extinção do processo arbitral, uma vez que haverá a negativa da

possibilidade de solução do conflito pelo árbitro, isto é, não serão outorgados

poderes para que seja a contenda dirimida pelo juízo arbitral. Nesse caso, cabe ao

Estado-juiz pacificar o litígio. Discorre, também, sobre a hipótese da nulidade,

invalidade ou ineficácia da convenção de arbitragem, asseverando que se trata de

hipótese de vício formal da cláusula que estabelece o procedimento arbitral como

forma de solução do conflito de interesses.

Nos casos previstos no § 1º do artigo 20 da Lei de Arbitragem, acolhida a

exceção, não será possível discutir eventual acerto ou equívoco da decisão proferida

pelo árbitro que se limitou, apenas, a extinguir o procedimento arbitral sem

apreciação do mérito, cabendo às partes discutir o mérito da questão perante o

Estado-juiz competente para dirimir o litígio.

Merece enfoque o fato de que, no procedimento arbitral, não se mostra

necessária a participação de um advogado, mas nada impede que as partes possam

ser representadas por um. Tal faculdade é prevista no artigo 21, § 3º, que dispõe

que as partes poderão postular por intermédio de advogado - respeitada, sempre, a

faculdade de designar quem as represente ou assista no procedimento arbitral.

O § 4º do citado artigo 22 permite ao árbitro, ou ao tribunal arbitral, promover

a tentativa de conciliação das partes no início do procedimento. Durante o

                                                                                                                         60 Idem, ibidem, p. 286-288. 61 Idem, ibidem, p. 286-288.

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67  

procedimento arbitral, o árbitro, ou o tribunal arbitral, promoverá verdadeira

instrução, já que a Lei nº 9.307/96 outorga-lhe prerrogativas para colher o

depoimento pessoal das partes, ouvir testemunhas, designar a realização de perícia,

bem como determinar a produção de outras provas que entender necessárias para a

elucidação do caso concreto, em efetiva aplicação do princípio da busca da verdade

real no procedimento arbitral.

Assim, na verdade, também é possível constatar que o árbitro não é mero

expectador dos fatos, mas pacificador em busca da verdade real. Dessa forma, mais

uma vez a lei deixa claro que a sua intenção de pacificação em prol do interesse

social, inclusive o poder instrutório do árbitro em busca da verdade real,

assemelhando ao Estado-juiz, é reforçado pelo § 2º do mesmo artigo 22, que

permite ao julgador arbitral solicitar à autoridade judiciária a condução coercitiva de

testemunhas.

Outrossim, reforçando a aplicação do princípio da busca da verdade real no

procedimento arbitral, encontra-se a previsão do artigo 22, § 3º, da Lei de

Arbitragem, que assevera que a revelia da parte não impedirá a prolação da

sentença arbitral. Portanto, é inegável que o princípio da busca da verdade real

norteia o procedimento arbitral.

O árbitro ou tribunal arbitral também poderá solicitar ao Poder Judiciário, que

teria competência para julgar a causa, a aplicação de medidas coercitivas ou

cautelares, conforme dispõe o artigo 22, § 4º, da Lei 9.307/96 - como, por exemplo,

em caso de protesto contra a alienação de bens.

Nelson Nery Jr.62 sustenta que não há impedimento na lei para que o árbitro

profira decisões de cunho executivo “lato sensu”, pois pode determinar medidas

antecipatórias (CPC 273) e cautelares para o bom andamento da causa sob

arbitragem. Assim sendo, caso não sejam cumpridas as medidas executivas

                                                                                                                         62 NERY JR., Nelson. Código de Processo Civil e legislação processual extravagante. 11ª edição. São

Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 1532.

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68  

decretadas pelo árbitro, ele deve submeter referida execução ao órgão de jurisdição

estatal que seria competente para julgar a causa.

Não obstante, não se pode deixar de lado a orientação jurisprudencial

proferida pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que, após as

medidas cautelares, apenas podem ser deduzidas antes da instalação da arbitragem

e para assegurar o seu resultado prático. Desta forma, após a sua efetiva

materialização, o órgão jurisdicional estatal perde a competência; e a demanda,

ainda que em curso, deve ser remetida ao juízo arbitral que terá, inclusive, poderes

para a reapreciação da decisão judicial. (ANEXO 7).

No que concerne ao procedimento arbitral, deve ser enfatizado o caráter

paraestatal da arbitragem como forma de solução de conflitos, inclusive chamando a

atenção para sua vinculação ao direito processual civil. Sobre o tema:

O chamado “procedimento arbitral”, que tem início com a aceitação pelo árbitro ou árbitros do encargo a ser desempenhado (art. 19 da Lei n. 9.307/1996) e que se encerra com o proferimento da chamada “sentença arbitral” (arts. 29 e 31 da Lei n. 9.307/1996 e art. 475-N, IV, do Código de Processo Civil), corrigida, se for o caso, alguma sua imperfeição (art. 30 da Lei n. 9.307/1996), tem natureza jurídica eminentemente contratual, eminentemente voluntária e dependente, na maior parte das vezes, do consenso entre os envolvidos no litígio. É importante a ressalva porque o art. 7º da Lei n. 9.307/1996 cria condições de instalação compulsória da arbitragem em determinadas hipóteses em que a intervenção do Estado (isto é, o exercício da função jurisdicional “típica”) é inafastável para aquela específica finalidade (art. 7º, § 7º). Rigorosamente, não há como tratar, fora dos casos em que a intervenção do Poder Judiciário justifica-se, a arbitragem como matéria típica de direito processual civil. Trata-se, a bem da verdade, de método paraestatal de solução de conflitos. Contudo, pelas razões já expostas no n. 3, supra, e em função dos diversos pontos de contato entre as disposições da Lei n. 9.307/1996 e o “direito processual civil”, o estudo do instituto e de sua lei de regência é relevante não só no e para o contexto aqui apresentado — de métodos alternativos de solução de conflitos — mas, também, no que ele toca de perto o exercício da função jurisdicional, justificando, legitimamente, a vedação da atuação do Estado-juiz (v. n. 3.3.4 do Capítulo 3 da Parte III).63

                                                                                                                         63 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil – Teoria Geral do

Direito Processual Civil. Volume 1, São Paulo: Editora Saraiva, 2007, p. 47.

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69  

1.3.4 Da Sentença Arbitral

A sentença arbitral possui efeitos similares àqueles proferidos pelo Estado-

juiz, inclusive fazendo coisa julgada material, constituindo, ainda, se condenatória,

título executivo judicial. Ao final do procedimento arbitral, o árbitro, ou o tribunal

arbitral, chegará à solução do litígio. Esta se materializa por meio da denominada

sentença arbitral, a qual, como dito, por força de lei, constitui título executivo judicial.

A sentença arbitral deve ser proferida em um determinado prazo, que pode

ser estabelecido pelas partes na convenção de arbitragem. Porém, inexistindo tal

fixação, deverá ser proferida no prazo de seis meses, contados da instituição da

arbitragem ou substituição do árbitro, sob pena de nulidade (artigo 32, inciso IV, da

Lei de Arbitragem).

O artigo 26 da Lei nº 9.307-96 enumera os requisitos da sentença arbitral,

quais sejam: o relatório, que conterá o nome das partes e um resumo do litígio; os

fundamentos da decisão, onde serão analisadas as questões de fato e de direito,

mencionando-se, expressamente, se os árbitros julgaram por equidade; o dispositivo

em que os árbitros resolverão as questões que lhes forem submetidas e

estabelecerão o prazo para o cumprimento da decisão, se for o caso; e a data e

lugar em que foi proferida.

O artigo 27 da Lei de Arbitragem estabelece que a sentença arbitral fixará o

“ônus da sucumbência”, isto é, a responsabilidade das partes acerca das custas e

despesas com a arbitragem, bem como sobre a verba decorrente de litigância de

má-fé, salvo se houver convenção a respeito.

Não há recurso contra a sentença arbitral. Contudo, nos termos do artigo 30

da Lei de Arbitragem, no prazo de cinco dias, a contar do recebimento da notificação

ou ciência pessoal que determina a intimação da sentença arbitral às partes, a parte

interessada, mediante comunicação à outra parte, poderá solicitar ao árbitro, ou ao

tribunal arbitral, a correção de qualquer erro material da sentença arbitral; o

esclarecimento de alguma obscuridade, dúvida ou contradição da sentença arbitral;

ou o pronunciamento sobre ponto omitido a respeito do qual a decisão deveria

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manifestar-se. Além disso, o árbitro, ou o tribunal arbitral, decidirá no prazo de dez

dias, aditando a sentença arbitral e notificando as partes na forma do artigo 29.

1.3.4.1 Da Nulidade da Sentença Arbitral – Orientação Jurisprudencial

Apesar da Lei nº 9.307/96 não dispor sobre o cabimento de recursos contra a

sentença arbitral, é possível que qualquer dos interessados deduza pretensão

perante o Poder Judiciário, visando a declaração de nulidade da decisão proferida

ao fim do procedimento arbitral, nas seguintes hipóteses, elencadas pelo artigo 32

da citada lei: haver nulidade do compromisso; ter sido proferida por quem não podia

ser árbitro; não contiver os requisitos do artigo 26 dessa lei; ter sido proferida fora

dos limites da convenção de arbitragem; não decidir todo o litígio submetido à

arbitragem; ser provado que foi proferida por prevaricação, concussão ou corrupção

passiva; ser proferida fora do prazo, respeitado o disposto no artigo 12, inciso III, da

lei; e na hipótese de ter sido desrespeitados os princípios de que trata o artigo 21 da

lei. (ANEXO 8).

Na verdade, casos de nulidade da sentença arbitral, previstos no artigo 32 da

Lei de Arbitragem, não trazem grande inovação em relação ao que já previa o art.

1.100 do Código de Processo Civil, pois o rol constante da lei inclui todas as

hipóteses que estavam inseridas no dispositivo revogado do Diploma Processual

Civil, apesar de acrescentar outras que aumentam a garantia das partes.

Destarte, a arbitragem consiste no julgamento da contenda por terceiro

particular e imparcial, escolhido pelas partes, sendo uma espécie de

heterocomposição de conflitos que se desenvolve por um mecanismo mais

simplificado e menos formal do que o processo judicial. A sentença proferida pelo

juízo arbitral produzirá, entre as partes e seus sucessores, os efeitos da sentença

proferida pelos órgãos jurisdicionais e, se de natureza condenatória, constituirá título

executivo judicial (art. 31 da Lei no. 9.307/96 e art. 475-N, IV do CPC), sendo

plausível, inclusive, a execução de sentença arbitral estrangeira (art. 34 da Lei de

Arbitragem).

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71  

É possível haver controle judicial sobre a sentença arbitral (arts. 32 e 33 da

Lei de Arbitragem); não obstante, tal controle cinge-se a aspectos formais. Não se

admite a revisão, pelo Judiciário, do mérito da decisão arbitral, mas apenas a

revisão de matérias relativas à validade do procedimento. É em razão dessa aptidão

para a produção de coisa julgada material que se diz, conforme anteriormente

detalhado, que a arbitragem é verdadeira espécie de jurisdição.

Nos contratos de consumo, é nula de pleno direito cláusula contratual que fixe

a arbitragem compulsória (art. 51, inciso VII, do Código de Defesa do Consumidor).

O princípio da autonomia privada, nas relações de consumo, é mitigado pelos

princípios de igualdade, boa-fé e função social do contrato, em razão da

vulnerabilidade do consumidor em face do fornecedor do produto ou serviço, que

será obrigado a se sujeitar às cláusulas impostas pelo outro se com ele quiser

contratar.

Nos contratos de adesão que não envolvam relações de consumo, entretanto,

a convenção de arbitragem só terá validade se a iniciativa de instituí-la couber ao

aderente ou, então, se este concordar expressamente com a sua instituição, ou seja,

nos termos da lei, por escrito, em documento anexo ou em negrito, com a assinatura

ou vista, especialmente, para essa cláusula (artigo 4º, § 2º, Lei n2 9.307/96).

Além do mais, a Lei nº 9.307/96 estabelece que a ação declaratória de

nulidade de sentença arbitral seguirá o procedimento comum, consoante previsto no

Código de Processo Civil, e terá prazo decadencial de 90 (noventa) dias para a sua

propositura, nos termos do seu artigo 33, § 1º, que fixa que a demanda para a

decretação de nulidade da sentença arbitral observará o procedimento comum,

previsto no Código de Processo Civil, e deverá ser proposta no prazo de até noventa

dias após o recebimento da notificação da sentença arbitral ou de seu aditamento.

Findo esse prazo, a sentença arbitral torna-se soberana e imutável. (ANEXO 9).

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72  

No mesmo diapasão, em comentários à Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307, de 23

de setembro de 1996), Negrão et al64 apresentaram a lição de que a autorização

para que o executado embuta na oposição à execução da sentença arbitral - pedido

voltado à decretação da sua nulidade, com fundamento no art. 32 - depende de

impugnação a ser apresentada dentro do prazo de 90 dias previsto no § 1º.

Ultrapassado esse prazo, tudo o que o executado pode alegar em seu favor fica

circunscrito ao rol do CPC 475-L. (ANEXO 10).

A nulidade da sentença arbitral também pode ser arguida durante sua

execução judicial, em sede de embargos do devedor, conforme dispõe o artigo 33, §

3º, da Lei de Arbitragem, isto é, a decretação da nulidade da sentença arbitral

também poderá ser arguida mediante ação de embargos do devedor, conforme o

art. 741 e seguintes do Código de Processo Civil, se houver execução judicial.

Apesar disso, com as alterações do Código de Processo Civil (Lei nº 11.232,

de 22 de dezembro de 2005), principalmente aquelas relacionadas à instituição da

fase de cumprimento da sentença, é forçoso reconhecer que o dispositivo acima

mencionado merece atualização para que a arguição de nulidade da sentença

arbitral, por se tratar de título executivo judicial, seja deduzida no bojo da respectiva

impugnação, já que prevista como título executivo judicial no artigo 475-N, inciso IV,

do Código de Processo Civil.

Cabe, ainda, sustentar a possibilidade de aplicação do princípio da

instrumentalidade das formas e do princípio do não prejuízo (pas de nullité sans

grief) no juízo arbitral. Em outras palavras, não se pode olvidar que no procedimento

arbitral, assim como ocorre no processo civil, meras irregulares ou nulidade relativas

possam gerar a nulidade da sentença arbitral. Cabe, então, àquele que se entenda

afrontado pelo ato demonstrar efetivo prejuízo para que, desta forma, possa ocorrer

a declaração de nulidade da sentença arbitral ou de algum ato que a preceda.

                                                                                                                         64 NEGRÃO, Theotonio; GOUVÊA, José Roberto Ferreira; BONDIOLI, Luis Guilherme Aidar;

FONSECA, João Francisco Naves da. Código de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor.

44ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2012.

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73  

Com efeito, vale registrar que o artigo 249, § 1º, segunda parte, do Código de

Processo Civil, consagra o princípio do não prejuízo, pois o ato não se repetirá nem

se lhe suprirá a falta quando não prejudicar a parte.

A jurisprudência pátria consagra sua existência: “Não é razoável admitir que

um vício inocente possa desviar o processo da finalidade para o qual foi concebido:

a boa e segura distribuição da prestação jurisdicional” (STJ – 1ª Turma – REsp nº

12172 – Rel. Min. Gomes de Barros, DJU 24.8.1992, p. 12978).

Ademais, com instrumentalidade, o processo judicial é um meio para a

aplicação do direito material ao caso concreto, tendo como escopo a atividade

jurisdicional que proporcionará a solução e a tutela jurisdicional aos direitos

subjetivos substanciais, atingindo, assim, a sua finalidade: a pacificação social.

Tal preceito, com o máximo respeito, também deve ser entendido como

aplicável à arbitragem, pois, ainda que não se submeta à apreciação do Estado-juiz,

tem como finalidade a solução do litígio e, destarte, a pacificação social.

Por conseguinte, tanto o processo judicial quanto o procedimento arbitral não

são um fim em si, mas meios, instrumentos que se mostrarão efetivos quando

harmonizarem a atuação do direito material ao caso concreto, tendo, por fim, a

realização de uma ordem jurídica justa. No caso concreto, se as provas produzidas

atingirem seu objetivo ou sua finalidade, tornando aptas a elucidar e formar a

convicção para o julgamento da lide ou da contenda submetida ao juízo arbitral, o

processo judicial e procedimento arbitral mostraram-se como instrumentos capazes

e efetivos para a declaração do direito material ao caso concreto.

Na verdade, não se mostraria razoável anular atos processuais cujo

aproveitamento seja possível, inclusive por ausência de demonstração do prejuízo.

Sendo assim, se o processo judicial ou arbitral atingiu a sua finalidade instrumental e

efetiva, a formalidade não pode ser obstáculo à atuação do direito material ao caso

concreto, valendo dizer que mais vale o conteúdo de um ato do que a sua forma

(exegese do artigo 205 do Código de Processo Civil).

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74  

Nesse sentido, Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Nery65, em comentários ao

mencionado artigo, asseveram que o Código de Processo Civil adotou o princípio da

instrumentalidade das formas, segundo o qual o que importa é a finalidade do ato e

não ele em si mesmo considerado. Em outras palavras, se o ato puder atingir a sua

finalidade, ainda que irregular a forma não deverá ser anulada. (ANEXO 11).

Ademais, é possível sustentar que o prejuízo deve ser demonstrado na

primeira oportunidade que a parte possui para manifestar-se no processo judicial,

como no procedimento arbitral, uma vez que, sendo a irregularidade uma nulidade

relativa, não pode ser decretada de ofício pelo Estado-juiz, tampouco pelo árbitro,

devendo a parte atingida por tal nulidade alegá-la em sua primeira oportunidade, sob

pena de preclusão, conforme dispõe o artigo 245 do Código de Processo Civil.

Nesse sentido, Humberto Theodoro Junior observa:

A nulidade relativa deve ser arguida pela parte interessada em sua decretação em primeira oportunidade em que lhe couber falar dos autos, após ato defeituoso, sob pena de preclusão (art. 245), isto é, de perda da faculdade processual de promover a anulação. (ANEXO 12).

1.3.5 Prescrição e Arbitragem

O direito ao ser violado determina o nascimento da pretensão, extinta quando

não exercida por seu titular nos prazos previstos em lei, materializando, assim, o

instituto da prescrição.

A Lei de Arbitragem não estabelece nem prevê prazos prescricionais, uma

vez que o Diploma Arbitral não fixa prazo prescricional para se instalar a arbitragem.

Portanto, sua provocação é possível a qualquer tempo. Não obstante, o

questionamento reside na possibilidade de o árbitro, ou juízo arbitral, decretar a

prescrição durante o procedimento arbitral.

                                                                                                                         

65  NERY  JR.,  Nelson;  NERY,  Rosa  Maria  de  Andrade.  Código  de  Processo  Civil  Comentado  e  Legislação  

Vigente.  São  Paulo:  Editora  Revista  dos  Tribunais,  2010.

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75  

A prescrição atualmente é reconhecida como matéria de ordem pública,

podendo ser arguida a qualquer grau de jurisdição pelo interessado. Todavia, apesar

de a lei fixar que a prescrição pode ser arguida em qualquer grau de “jurisdição”, não

há que falar aqui novamente no embate existente acerca da eventual natureza

jurisdicional da arbitragem, mas sim do verdadeiro instrumento hábil a impedir a

discussão da contenda perante o procedimento arbitral.

Na verdade, entende-se que, quer seja para aqueles que defendem a

natureza jurisdicional da arbitragem ou para aqueles que não admitem sua

jurisdicionalização, o fato é que, sendo o árbitro o juiz de fato e de direito na

arbitragem, nada impede que ele reconheça a prescrição da pretensão no curso do

procedimento arbitral, isto é, nada impede que, no exercício de sua função

pacificadora, aplique a regra legal vigente ao caso concreto.

Nesse sentido, apresenta-se os seguintes ensinamentos que o atual Código

Civil estabelece: extingue-se a pretensão quando não exercitada em certo prazo,

denominado de prazo prescricional. Em nenhuma parte da lei arbitral há referência

sobre a prescrição da pretensão, o que sugere a dúvida sobre a possibilidade de ser

suscitada prescrição em sede arbitral. Por outro lado, o artigo 193 do novo Código

Civil dispõe que a prescrição pode ser arguida em qualquer grau de jurisdição pela

parte a quem aproveita, sendo certo que o juiz pronunciará de ofício a prescrição,

desde que respeitado o prazo igual ao estabelecido para a apresentação da

pretensão. Assim sendo, se a prescrição pode ser alegada em qualquer grau de

jurisdição pela parte a quem aproveita, consagra-se, na verdade, um poder ao

interessado na materialização da prescrição. Nesse aspecto, cumpre ser verificada a

possibilidade de apreciação da prescrição pelo árbitro e, se isso, atribuir-lhe-ia o

exercício da jurisdição.66

                                                                                                                         66 MIRANDA, Daniel Gomes de; CUNHA, Leonardo Carneiro da; ALBUQUERQUE JR., Roberto

Paulino de (Orgs.). Prescrição e Decadência. Estudos em homenagem ao Professor Agnelo Amorim

Filho. Bahia: Editora JusPodivum, 2013, p. 170-171.

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76  

Segue-se o raciocínio que o Estado, como um todo, a partir da edição da Lei

no. 9.307/96, incentivou a arbitragem. Com tal incentivo, de certa forma, ampliou o

conceito de jurisdição, pois a convenção de arbitragem - entenda-se cláusula

compromissória e compromisso arbitral - é que determina a competência do árbitro e

delineia os contornos da resolução de uma controvérsia relativa a direitos

patrimoniais disponíveis, sendo de origem privada. Contudo, tanto na jurisdição

quanto na arbitragem, exige-se respeito aos princípios que garantam o devido

processo legal, tais como o contraditório, a igualdade das partes, a imparcialidade e

o livre convencimento, gerando, assim, mais um aspecto a fortalecer a tese de que o

árbitro exerce função jurisdicional. Portanto, embora a origem da jurisdição do juiz

(pública) e do árbitro (privada) não seja a mesma, ambos exercem a jurisdição.

Apesar das peculiaridades existentes de cada um, é possível concluir pela

possibilidade de reconhecimento da prescrição pelo juízo arbitral.67 (ANEXO 2 –

DOUTRINA).

Isto posto, o árbitro, muito mais que um mero “juiz privado”, é um pacificador

que busca a solução justa do litígio, nada mais que um anseio do interesse social.

Deve, para tal fim, aplicar o direito ao caso concreto, sendo essa uma finalidade

também verificada no próprio espírito da Lei de Arbitragem quando estabelece a

aplicação de vários princípios constitucionais e, como dito, a aplicação das regras

legais pelo árbitro para a solução do conflito. Por conseguinte, conclui-se que o

árbitro pode e deve reconhecer e decretar a prescrição no caso concreto, e isso não

leva a crer que seria exercício da jurisdição, mas sim efetiva aplicação do direito ao

caso concreto.

1.3.6 Comentários ao Projeto de Lei do Senado Federal – PJ Nº 406/201368 – Alteração da atual Lei de Arbitragem

Há em tramitação no Senado Federal o Projeto de Lei nº 406 de 2013, que

tem por fim: a ampliação do âmbito de aplicação da arbitragem e a disposição sobre

a escolha dos árbitros quando as partes recorrem a órgão arbitral; a interrupção da                                                                                                                          67 Idem, ibidem, p. 170-171. 68 Elaborado pelo Serviço de Redação da Secretaria-Geral da Mesa do Senado Federal. (Elaboração

de 29.01.2014 - 16:11) • (Última atualização: 04.02.2014- 09:25).

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prescrição da pretensão em razão da instituição da arbitragem; a concessão de

tutelas cautelares e de urgência nos casos de arbitragem; a expedição da carta

arbitral, a sentença arbitral; e o incentivo ao estudo do instituto de arbitragem.

O referido Projeto de Lei 406, no § 1º do seu artigo 1º, estabelece a

possibilidade da Administração Pública, direta e indireta, poder utilizar-se da

arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis

decorrentes de contratos por ela celebrados. A Comissão de Constituição e Justiça

do Senado propôs emenda ao mencionado dispositivo para que a sua redação se

limitasse a dispor que a Administração Pública direta e indireta possa utilizar-se da

arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis.

Também visa fixar a regra de que a autoridade, ou o órgão competente da

Administração Pública direta para a celebração de convenção de arbitragem, é a

mesma para a realização de acordos ou transações, bem como que as arbitragens

que envolvem a Administração Pública serão sempre de direito e respeitarão o

princípio da publicidade (vide § 2º do artigo 1º e artigo 2º, § 3º do PJ 406/2013).

No seu artigo 4º, §2º, o Projeto de Lei dispõe que, nos contratos de adesão, a

cláusula compromissória só terá eficácia se for redigida em negrito ou em

documento apartado. Por sua vez, o mesmo dispositivo, agora em seu § 3º,

determina que na relação de consumo, estabelecida por meio de contrato de

adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa

de instituir a arbitragem, ou concordar, expressamente, com a sua instituição.

Em outra seara, o Projeto de Lei nº 406/2013, em seu artigo 4º, § 4º, fixa o

seguinte:

Desde que o empregado ocupe ou venha a ocupar cargo ou função de administrador ou diretor estatutário, nos contratos individuais de trabalho poderá ser pactuada cláusula compromissória, que só terá eficácia se o empregado tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou se concordar, expressamente, com a sua instituição.

O Projeto de Lei em comento propõe a possibilidade de afastar a aplicação de

dispositivo do regulamento do órgão arbitral institucional. Em relação a esse

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dispositivo, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado propôs a seguinte

emenda:

§ 4° As partes, de comum acordo, poderão afastar a aplicação de dispositivo do regulamento do órgão arbitral institucional ou entidade especializada que limite a escolha do árbitro único, coárbitro ou presidente do tribunal à respectiva lista de árbitros, autorizado o controle da escolha pelos órgãos competentes da instituição, sendo que, nos casos de impasse e arbitragem multiparte, deverá ser observado o que dispuser o regulamento aplicável. (Art. 13º § 4º do PJ 406/2013).

O Projeto de Lei propõe, ainda, que a arbitragem, uma vez instituída, e

entendendo o árbitro ou o tribunal arbitral a existência de necessidade de explicitar

alguma questão disposta na convenção de arbitragem, prevê a possibilidade da

elaboração, juntamente com as partes, de um adendo, a ser firmado por todos e que

passará a fazer parte integrante da convenção de arbitragem (artigo 19, § 1º, do PJ

406/2013).

Vale ressaltar que uma inovação significativa é apresentada no artigo 19, em

seu § 2º, quando estabelece que a instituição da arbitragem poderá determinar a

interrupção da prescrição, retroagindo à data do requerimento de instauração da

arbitragem, ainda que extinta a arbitragem por ausência de jurisdição.

O Projeto de Lei em foque prevê, também, no artigo 23, § 1º, a possibilidade

da prolação de sentenças parciais pelos árbitros, bem como, no § 2º do dispositivo

em questão, que as partes e os árbitros, em consonância, poderão prorrogar o prazo

estipulado para proferir a sentença final, sendo que a Comissão de Constituição e

Justiça do Senado suprimiu do texto original o termo "estipulado" do § 2° artigo 23.

O parágrafo único do artigo 30 do Projeto de Lei em enfoque estabelece que

o árbitro, ou o tribunal arbitral, poderá decidir, no prazo de dez dias ou em prazo

acordado com as partes, aditando a sentença arbitral e notificando as partes.

O artigo 32, inciso I, da atual Lei de Arbitragem estabelece, dentre outras

hipóteses, que é nula a sentença arbitral se nulo o respectivo compromisso. Por sua

vez, o Projeto de Lei nº 406/2013 propõe que será nula a sentença arbitral quando

for nula a convenção de arbitragem.

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79  

Passará a dispor o artigo 33, caso aprovado o Projeto de Lei nº 406/2013, que

a parte interessada terá a possibilidade de pleitear ao órgão do Poder Judiciário

competente a declaração de nulidade da sentença arbitral, nos casos previstos

nessa Lei. O seu § 1º propõe qual demanda terá por objeto a declaração de nulidade

da sentença arbitral - cuja nulidade poderá ser parcial ou final, seguindo as regras

do procedimento comum, previstas no Código de Processo Civil, a ser proposta no

prazo de até noventa dias após o recebimento da notificação da respectiva

sentença, parcial ou final, ou da decisão do pedido de esclarecimentos. Em seu

artigo 33, § 2º, propõe que a sentença que julgar procedente o pedido declarará a

nulidade da sentença arbitral, nos casos do art. 32, e determinará, se for o caso, que

o árbitro ou tribunal profira nova sentença arbitral e, ainda, sobre a possibilidade de

declaração da nulidade da sentença arbitral por meio da impugnação prevista no

artigo 475-L e seguintes do Código de Processo Civil se houver execução judicial

(artigo 33, § 3º).

A emenda nº 7 da Comissão de Constituição e Justiça do Senado acrescenta

ao artigo 33 da Lei 9.307, de 23 de setembro de 1996, na forma do art. 1° do Projeto

de Lei do Senado nº 406, de 2013, o seguinte § 4°: “A parte interessada poderá

ingressar em juízo também para requerer a prolação de sentença arbitral

complementar, se o árbitro não decidir todas as questões submetidas à arbitragem.”

Consoante já existente no direito positivo pátrio (artigo 105, inciso I, alínea i,

da CF/88), o Projeto de Lei fixa que, para ser reconhecida ou executada no Brasil, a

sentença arbitral estrangeira necessita apenas de homologação pelo Superior

Tribunal de Justiça (artigo 35 do Projeto de Lei nº 406/2013).

Como se depreende do Projeto de Lei em debate, em seu artigo 22-A, antes

de instituída a arbitragem as partes poderão recorrer ao Poder Judiciário para a

concessão de medidas cautelares ou de urgência que terá a sua eficácia cessada,

nos termos do parágrafo único, se a parte interessada não requerer a instituição da

arbitragem no prazo de trinta dias, contados da data da efetivação da respectiva

decisão.

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80  

Após instituída a arbitragem, ainda estabelece a prerrogativa aos árbitros de

manter, modificar ou revogar a medida cautelar, ou de urgência, concedida pelo

Poder Judiciário (artigo 22-B), bem como que, quando já instaurada a arbitragem, as

medidas cautelares, ou de urgência, devem ser requeridas, diretamente, aos

árbitros.

O Capítulo IV-B, proposto pelo Projeto de Lei nº 406/2013, dispõe sobre a

carta arbitral, fixando as seguintes regras: a) o árbitro ou o tribunal arbitral poderá

expedir carta arbitral para que o órgão jurisdicional nacional pratique ou determine o

cumprimento, na área de sua competência territorial, de ato solicitado pelo árbitro

(artigo 22-C); e b) no cumprimento da carta arbitral será observado o segredo de

justiça, desde que comprovada a confidencialidade estipulada na arbitragem (artigo

22-C, parágrafo único).

O Projeto de Lei, em suas disposições finais, promove a inserção de questões

de cunho didático, já que fixa a regra de que o Ministério da Educação deverá

incentivar a inclusão da disciplina da arbitragem nos currículos das instituições de

ensino superior, bem como que o Conselho Nacional de Justiça e o Conselho

Nacional do Ministério Público promovam a inclusão da arbitragem nos conteúdos

programáticos dos concursos púbicos para a carreira da Magistratura e do Ministério

Público (artigos 40-A e 40-B).

O mencionado Projeto de Lei também promoverá alterações na Lei das

Sociedades Anônimas (Lei nº 6.404/76) ao dispor sobre a possibilidade de inserção

da convenção de arbitragem no respectivo estatuto social, com a obrigatoriedade de

sua observância por todos os acionistas da companhia. Ressalva a possibilidade o

exercício do direito de retirada por acionista dissidente, sendo que a convenção da

arbitragem, em tal hipótese, passará a ter eficácia após o decurso de 30 dias,

contados da publicação da ata da Assembleia Geral que a aprovou (artigo 136-A,

caput, e § 1º).

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81  

Por fim, ainda em relação às alterações propostas na Lei das Sociedades

Anônimas, o Projeto de Lei nº 406/2013 estabelece:

O direito de retirada de sócio dissidente, além de assegurado o direito de reembolso do valor de ações, não será aplicável: a) caso a inclusão da convenção de arbitragem no estatuto social represente condição para que os valores mobiliários de emissão da companhia sejam admitidos à negociação em segmento de listagem de bolsa de valores ou de mercado de balcão organizado que exija dispersão acionária mínima de 25% das ações de cada espécie ou classe; e b) caso a inclusão da convenção de arbitragem seja efetuada no estatuto social de companhia aberta cujas ações sejam dotadas de liquidez e dispersão no mercado, nos termos das alíneas 'a' e 'b' do inciso 11 do art. 137 desta Lei. (Projeto de Lei nº 406/2013).

1.3.7 Comentários ao Projeto de Lei nº 7.108/2014

É imprescindível lembrar, nesta tese, que a Comissão Especial da Câmara

Federal dos Deputados aprovou, em 15 de julho de 2014, o Projeto de Lei nº

7.108/2014, com uma única emenda acolhida, do parecer do relator, Deputado

Edinho Araújo (PMDB-SP), e que altera a Lei de Arbitragem nº 9.307/96.

Mesmo mantidos os princípios e fundamentos normativos anteriores, três

linhas de condução foram introduzidas para orientar a implementação da

denominada nova Lei de Arbitragem: a) ampliação subjetiva e objetiva da incidência

da arbitragem; b) maior liberdade das partes na indicação dos árbitros; e c)

delimitação do juiz togado até a instituição da arbitragem.

O projeto estabelece uma norma geral de admissibilidade da via arbitral em

contratos com a Administração Pública. Passou a impedir, na verdade, restrições

dentro dos limites próprios da sua utilização.

O legislador, na realidade, já tinha permitido a arbitragem em alguns

segmentos do setor público como, por exemplo: na Lei nº 9.472/97 (contratos de

concessão firmados pela Anatel - art. 93, inciso XV); na Lei 9.478/97 (contratos de

concessão firmados pela ANP – art. 43, inciso X); e na Lei 8.987/95 (normas gerais

para a concessão e a permissão de serviços públicos em geral – art. 23-A).

Em síntese, conforme importante manifestação de André Vasconcelos Roque,

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82  

A arbitragem poderá ser utilizada nas situações em que a Administração pratica atos de gestão (não já de império), como forma de tutelar interesse público secundário (patrimonial), e não interesse público primário (bem comum), este tipicamente indisponível.69

José Rogério Cruz e Tucci, nos termos do novo projeto, observa: “(...) a

arbitragem passa a ser meio adequado de solução dos conflitos que envolvam a

Administração Pública direta e indireta, relativamente a direitos patrimoniais

disponíveis.”70

No tocante à Arbitragem no Direito do Trabalho, o projeto mostrou-se

bastante tímido, apenas permitindo a convecção da arbitragem para dissídios

individuais do direito do trabalho - desde que o empregado ocupe, ou venha a

ocupar, cargo ou função de administrador, ou de diretor estatutário; e desde que

tomem a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordem, expressamente, com sua

instituição.

Surpreendentemente, não se aventou, em tal segmento, a possibilidade de

participação sindical, afastando-se, desta forma, qualquer perfil de sua utilização

para uma maior gama de empregados, ou mesmo em dissídio coletivo - o que

poderia, em determinado prisma, resultar em significativa alteração no ordenamento

jurídico.

No tocante à alteração referente a contratos de adesão e consumo, a cláusula

compromissória só terá validade se for redigida em negrito ou em documento

apartado, que só terá eficácia na hipótese do aderente (consumidor) ou tomar a

iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar expressamente com a sua instituição.

                                                                                                                         69 ROQUE, André Vasconcelos. Alterações à Lei de Arbitragem: primeiras impressões. Disponível em:

<http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI190472,7103-

Alteracoes+a+Lei+de+Arbitragem+primeiras+impressoes>. 70 CRUZ E TUCCI, José Rogério. Anteprojeto de alteração da Lei de Arbitragem. Migalhas.

Advogados Associados. 8 de outubro de 2013. Disponível em:

<http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI187830,11049-

Anteprojeto+de+alteracao+da+Lei+de+Arbitragem>.

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83  

Posto isto, argumenta-se que, salvo uma resposta pronta e efetiva em face da

aceitação ou aprovação da arbitragem, gerando, assim, a confiança desejada, a

arbitragem, em tal segmento, terá grande dificuldade de vingar. Não se tem,

portanto, até o presente momento, a indispensável confiança, por parte do

consumidor, na arbitragem como meio de solução de conflitos.

No que diz respeito a Sociedades Anônimas, como bem anotado por Cruz e

Tucci,

O anteprojeto consagra, de uma vez por todas, a inserção da convenção de arbitragem no estatuto social das sociedades, desde que respeitado o quórum qualificado do art. 136 da lei das S/A, obrigando, de um lado, a todos os acionistas, com as devidas ressalvas, e, de outro, assegurando ao dissidente o direito de retirar-se da companhia.71

Desta forma, apenas como complementação da presente tese, é feita rápida

alusão a tal projeto. Nos eventos nos quais a arbitragem já tem sido aplicada com

sucesso, com certeza terão melhor desempenho. Entretanto, ainda causa

preocupação a sua incidência em novos segmentos, como nas áreas de direito do

trabalho e relações de consumo.

Não obstante, ainda que o seu sucesso ocorra somente em determinados

segmentos, já se faz mostrar como um traço positivo a inserção, na ordem jurídica,

da nova lei de arbitragem, pois pode proporcionar melhor a almejada segurança

jurídica onde tal meio de solução de conflitos já vem sendo adotado com

reconhecido êxito.

2 ARBITRAGEM SOB O ASPECTO INTERNACIONAL

No item anterior, foram apresentados: a arbitragem como forma não

jurisdicional de solução de conflitos; a natureza jurídica da arbitragem; sua jurisdição

e polêmica envolvida nessa questão; e o seu enfoque legal. A seguir, tratar-se-á da

arbitragem sob o aspecto internacional, apresentando-se os aspectos gerais da

arbitragem internacional, a sentença arbitral estrangeira, o compromisso de

                                                                                                                         71 Idem, ibidem.

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84  

arbitragem internacional, o tribunal arbitral internacional, o procedimento utilizado e o

direito aplicável na arbitragem internacional.

2.1 Aspectos Gerais da Arbitragem Internacional

Conforme anteriormente destacado, a arbitragem integra os instrumentos

sociais de harmonização da sociedade por meio de processo, atuando no âmbito

local, bem como nas relações internacionais.

Segundo Alan Redfern e Martin Hunter72, a arbitragem internacional tem se

tornado o principal método de resolução de conflitos entre Estados, indivíduos e

corporações em quase todos os aspectos de negócio, comércio e investimento

internacionais. Os autores explicam que o caráter internacional da arbitragem deriva

da diferença existente entre as arbitragens puramente nacionais ou domésticas

daquelas que, de algum modo, transcendem as barreiras nacionais, sendo, portanto,

internacionais.

Philip Jessup73, por seu lado, prefere utilizar o termo transacional à

internacional ao se referir às situações legais que envolvam sujeitos de mais de uma

nacionalidade. O país onde a arbitragem será conduzida é escolhido pelas partes,

ou pela instituição arbitral, levando em consideração justamente a falta de conexão

deste com os países litigantes. Em teoria, a sede da arbitragem deverá ser

verdadeiramente neutra.

A exemplo dos autores supracitados que trataram desse tema, Carolina

Iwancow Ferreira74, por sua vez, registra que não há grandes diferenças entre a

arbitragem interna e a arbitragem internacional, sendo ambas regidas pelos mesmos

princípios de direito. Destaca que a diferença consiste, em síntese: na localização

                                                                                                                         72 REDFERN, Alan; HUNTER, J. Martin H. International Arbitration. Oxford University Press, 2009, p.

1-8. 73 JESSUP, Philip C. Transnational Law. Yale University Press, 1956. 74 FERREIRA, Carolina Iwancow. In: GUIMARÃES, Antônio Márcio da Cunha; GUIMARÃES, Arianna

Stagni. Direito do Comércio Internacional. São Paulo: Lex Editora, 2013, p. 96.

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das partes estipulantes em países distintos; na condução da arbitragem em país

distinto dos estipulantes; e na apresentação do objeto da arbitragem com elo em

mais de um país. Assinala que a expressão “arbitragem comercial internacional” foi

consagrada pela Convenção Europeia de 1961 (Convenção de Genebra) e pela Lei

Modelo (Soft Law) adotada pela Comissão das Nações Unidas sobre o Direito

Comercial Internacional (Uncitral), em 1985, sendo aplicado nas arbitragens

internacionais de natureza mercantil.

Nesse contexto, é importante registrar que a arbitragem no âmbito

internacional pode, eventualmente, apresentar dificuldades no tocante à incidência

de normas no que tange ao aspecto espacial. Isto decorre porque uma das grandes

controvérsias na arbitragem internacional diz respeito à incidência da lei ao caso em

concreto, considerando a imperatividade das leis locais e a faculdade de eleição de

normas de distintos países.

Com efeito, eventuais antinomias de norma de procedimento arbitral e do

próprio direito material aplicável ao caso apresentam-se sob o aspecto temporal e,

no que concerne ao tema arbitragem internacional, também no aspecto espacial,

tendo em vista a possibilidade dos contratantes situarem-se em países distintos,

bem como optarem por normas alienígenas. Conforme assinala Luiz Olavo Baptista,

remetendo à H. Battifol e P. Lagarde, “o conflito de leis na ordem interna pode

ocorrer quanto ao efeito temporal das normas, enquanto que na órbita internacional

pode ser espaço-temporal”.75

Para Philippe Fouchard, Emmanuel Gaillard e Berthold Goldman76, uma das

consequências da natureza internacional da arbitragem, no Direito Internacional

Privado, é o conflito de leis. Destarte, a inexistência de internacionalidade implicaria

na ausência de conflito de leis na arbitragem. Explicam, ainda, que a principal

consequência do caráter internacional da arbitragem é determinar se um conjunto

específico de normas substanciais é aplicável ou não. Sustentam que a distinção                                                                                                                          75 BAPTISTA, Luiz Olavo. Arbitragem Comercial e Internacional. São Paulo: Lex Editora, 2011, p. 39. 76 FOUCHARD, Philippe; GAILLARD, Emmanuel; GOLDMAN, Berthold. International Commercial

Arbitration. Kluwer Law International. 1999, p. 45.

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86  

entre a arbitragem nacional e internacional serve para determinar a ordem jurídica à

qual a arbitragem está conectada. Consequentemente, deve-se examinar a situação

e a relação entre as partes de modo a estabelecer uma conexão com um ou mais

sistemas legais.

Ao referir-se a tal assunto, Berthold Goldman77 ressalta que a percepção de

qualquer elemento estrangeiro providenciará possíveis conexões com outros países

e, de acordo com a sua importância, determinar-se-á se a situação será regulada

por um sistema legal estrangeiro ou nacional. Nesse sentido, a arbitragem que

envolver elementos estrangeiros em face de um determinado país poderá ser

considerada internacional.

Fouchard, Gaillard e Goldman78 elencam os possíveis elementos de conexão

da seguinte forma: (i) nacionalidade e domicílio do árbitro(s); (ii) nacionalidade das

partes; (iii) domicílio, residência ou sede das partes; (iv) outros fatores ligados ao

conteúdo substancial do litígio (ex: local de assinatura ou execução do contrato,

local do dano, local de propriedade envolvida etc.); (v) nacionalidade ou sede da

instituição arbitral; (vi) sede da arbitragem; (vii) local onde a sentença arbitral será

executada; (viii) lei escolhida para regular os procedimentos arbitrais; e (ix) lei

escolhida para regular o mérito da disputa. Quando todos os elementos levarem a

um mesmo país, a arbitragem será nacional. Por outro lado, variam de importância e

devem ser analisados em cada caso de acordo com suas peculiaridades a fim de

determinar se uma arbitragem será internacional ou não.

A Lei Modelo da UNCITRAL determina, em seu artigo 1º, parágrafo 3º:

(3) Uma arbitragem é internacional se:

a) As partes em uma convenção de arbitragem tiverem, no momento da sua conclusão, as suas sedes comerciais em diferentes Estados; ou

                                                                                                                         77 GOLDMAN, Berthold. Arbitrage (droit international privé). Encyclopédie Dalloz – Droit International.

1968. 78 Idem, ibidem, p. 46.

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b) Um dos locais a seguir referidos estiver situado fora do Estado no qual as partes têm a sua sede;

(i) O local da arbitragem, se determinado na, ou de acordo com, convenção de arbitragem;

(ii) Qualquer local onde deva ser cumprida uma parte substancial das obrigações resultantes da relação comercial ou o local com o qual o objeto da disputa tenha vínculos mais estreitos; ou

c) As partes tiverem convencionado expressamente que o objeto da convenção de arbitragem envolve mais de um país.

A arbitragem, como instrumento de solução de conflitos, pode ser utilizada por

pessoas de direito privado, bem como por Estados e organizações internacionais. É

importante registrar que o reconhecimento da soberania dos Estados -

independentemente de sua extensão territorial, população ou economia - é

acompanhada de inúmeros conflitos no âmbito internacional, envolvendo desde

questões comerciais hodiernas até litígios históricos acerca de delimitações de

fronteira. Em último grau, a ausência de êxito na solução diplomática pode ocasionar

um conflito bélico, o que destaca, sem dúvida, a importância do desenvolvimento de

meios de solução pacífica de controvérsias no âmbito internacional.

Destaca-se que a Carta das Nações Unidas, que integra o Estatuto da Corte

Internacional de Justiça, assinada em São Francisco, em 26 de junho de 1945, por

ocasião da Conferência das Nações Unidas sobre Organização Internacional,

acolhida pelo Estado brasileiro pelo Decreto nº 19.841, de 22 de outubro de 1945,

dispõe, em seu artigo 2º, §§ 3º e 4º:

Artigo 2. A Organização e seus Membros, para a realização dos propósitos mencionados no Artigo 1, agirão de acordo com os seguintes Princípios:

(...)

3. Todos os Membros deverão resolver suas controvérsias internacionais por meios pacíficos, de modo que não sejam ameaçadas a paz, a segurança e a justiça internacionais.

4. Todos os Membros deverão evitar em suas relações internacionais a ameaça ou o uso da força contra a integridade territorial ou a dependência política de qualquer Estado, ou qualquer outra ação incompatível com os Propósitos das Nações Unidas.

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Assim, inferem-se os princípios que regulam a espécie, impondo-se aos

Estados o dever de solucionar eventuais controvérsias internacionais por meios

pacíficos, de modo que não sejam ameaçadas a paz, a segurança e a justiça

internacional (art. 2º, item 3).

A Carta das Nações Unidas também impõe o dever de evitar a ameaça, ou o

uso da força, tanto contra a integridade territorial quanto contra a dependência

política de qualquer Estado (art. 2º, item 4). Ademais, em um capítulo próprio

(Capítulo VI), denominado “Solução Pacífica de Controvérsias”, impõe o dever de

buscar uma solução para eventuais controvérsias por meio de negociação, inquérito,

mediação, conciliação, arbitragem, solução judicial, recurso a entidades ou acordos

regionais, ou utilizando qualquer outro meio pacífico à sua escolha. In verbis:

Capítulo VI - Solução Pacífica de Controvérsias

Artigo 33. 1. As partes em uma controvérsia, que possa vir a constituir uma ameaça à paz e à segurança internacionais, procurarão, antes de tudo, chegar a uma solução por negociação, inquérito, mediação, conciliação, arbitragem, solução judicial, recurso a entidades ou acordos regionais, ou a qualquer outro meio pacífico à sua escolha.

Verifica-se, desse modo, que a arbitragem, como modo de solução de

conflitos entre Estados, é indicada expressamente no mencionado artigo 33.1. da

Carta das Nações Unidas, acolhida pelo Brasil no Decreto nº 19.841, de 22 de

outubro de 1945.

Sem dúvida, na guerra não há vencedores, sendo incontestável a importância

dos meios pacíficos de solução de conflitos, sendo, de tal prisma, insofismável a

relevância do papel da arbitragem internacional.

Em tal contexto, é importante enfatizar as conclusões de Karin Hlavnicka

Skitnevsky79, no sentido da escassa aplicação da doutrina do second look, em

razão, inclusive, da decisão do caso Mitsubishi, que levou os Tribunais norte-                                                                                                                          79 SKITNEVSKY, Karin Hlavnicka. In: FINKELSTEIN, Cláudio; VITA, Jonathan B.; CASADO FILHO,

Napoleão (Coord.). Arbitragem Internacional: Unidroit, Cisg e Direito Brasileiro. São Paulo: Quartier

Latin, 2010, p. 109.

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americanos, após referida decisão, a deixaram de utilizar a mencionada doutrina.

Segundo a autora, a second look doctrine, também conhecida como doutrina da

“segunda opinião” ou “segundo olhar”, tem como escopo:

(...) estabelecer um procedimento de revisão de qualquer determinação do tribunal arbitral durante o procedimento ou das sentenças arbitrais internacionais, o que deve ser realizado pelo judiciário do país em que irá ser reconhecida e executada visando garantir a efetividade da legislação local.80

Nesse contexto, conforme salienta Cláudio Finkelstein81, a arbitragem

apresenta-se como meio apropriado para a solução de conflitos entre operadores do

comércio internacional, possibilitando a adoção de regras próprias e consequente

interação com os ordenamentos jurídicos locais.

Concluindo, é indubitável a importância da arbitragem, que enfrenta inúmeras

barreiras geográficas, culturais e econômicas, como meio efetivo de solução de

controvérsias internacionais. Ela atua na relação entre os Estados, bem como entre

os entes de direito privado, na busca da pacificação de uma sociedade cada vez

mais globalizada.

2.2 Sentença Arbitral Estrangeira

A norma brasileira que dispõe sobre a arbitragem, Lei nº 9.307, de 23 de

setembro de 1996, não faz distinção entre a arbitragem interna e a arbitragem

internacional. Todavia, no Capítulo VI, denominado “Do Reconhecimento e

Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras”, trata, expressamente, das

sentenças arbitrais estrangeiras.

Nessa direção, preceitua o critério territorial ao conceituar a sentença arbitral

estrangeira como aquela que tenha sido proferida fora do território nacional (Lei

9.307/96, art. 34, p. único). Logo, infere-se que o Legislador pátrio adotou como

                                                                                                                         80 Idem, ibidem, p. 101. 81 FINKELSTEIN, Cláudio. Contratos Internacionais e Arbitragem. Revista Jurídica Consulex, ano XV,

nº 357, 1º de dezembro de 2011, p. 38-39.

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critério de identificação da sentença arbitral o local em que foi proferida, nos termos

do mencionado artigo 34, parágrafo único, da Lei nº 9.307/96.

Ressalta-se que essa distinção é de suma importância, uma vez que,

conforme já assinalado, a sentença arbitral doméstica apresenta natureza de título

executivo judicial, nos termos do artigo 31 da mencionada Lei nº 9.307/96: “A

sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da

sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui

título executivo.”

Por outro lado, a eficácia da sentença arbitral estrangeira em território

nacional está condicionada à homologação do Superior Tribunal de Justiça, nos

termos do artigo 35 da Lei nº 9.307/96: “Para ser reconhecida ou executada no

Brasil, a sentença arbitral estrangeira está sujeita, unicamente, à homologação do

Supremo Tribunal Federal”. Por conseguinte, entes brasileiros que pactuam a

arbitragem sob a égide de um tribunal arbitral internacional poderão ter o provimento

arbitral, originado de eventual litígio, sujeito à homologação do Superior Tribunal de

Justiça.

Nessa esteira de entendimento, faz-se mister salientar, por pertinente, que é

importante consignar que a Convenção Sobre o Reconhecimento e Execução de

Sentenças Arbitrais Estrangeiras (Convenção de Nova Iorque), de 1958, acolhida

em nosso ordenamento jurídico pelo Decreto nº 4.311, de 23 de julho de 2002,

prescreve, em seu artigo I, item 1:

A presente Convenção aplicar-se-á ao reconhecimento e à execução de sentenças arbitrais estrangeiras proferidas no território de um Estado que não o Estado em que se tencione o reconhecimento e a execução de tais sentenças, oriundas de divergências entre pessoas, sejam elas físicas ou jurídicas. A Convenção aplicar-se-á igualmente a sentenças arbitrais não consideradas como sentenças domésticas no Estado onde se tencione o seu reconhecimento e a sua execução.

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Luiz Olavo Baptista82 destaca que as primeiras regras de arbitragem da

Comissão das Nações unidades para o Direito do Comércio Internacional (CNUDCI)

datam de 1976, destacando-se, inclusive, uma Lei Modelo sobre Arbitragem

Comercial Internacional. Conforme observa, a Câmara de Comércio Internacional

(CCI) tem um dos regulamentos mais antigos, consignando que, da mesma forma da

Lei de Arbitragem brasileira, está disposto à autonomia da cláusula compromissória

em relação ao contrato em que estiver inserta, mantendo-se a competência do

Tribunal Arbitral ainda que declarada a nulidade do contrato celebrado pelas partes.

O autor83 salienta que a “American Arbitration Association” (AAA), fundada em

1926, é a principal instituição arbitral dos Estados Unidos, sendo integrado pelo seu

braço internacional, o “International Centre for Dispute Resolution” (ICDR), fundado

em 1996. Quanto à Europa, a “London Court of International Arbitration” (LCIA), na

busca da universalidade de suas regras de arbitragem, é integrada por elementos de

“civil” e “common law”, enquanto que o “Arbitration Institute of the Stockholm” (SCC)

é uma dos mais antigos. Fundado em 1917, é também conhecido por sua

experiência em administração de arbitragens de investimento.84

Beat Walter Rechsteiner85 consigna que o Brasil ratificou importantes

convenções internacionais, como a Convenção Interamericana sobre Arbitragem

Comercial Internacional, de 30 de janeiro de 1975, a Convenção Interamericana

sobre Cartas Rogatórias, de 30 de janeiro de 1975, o Protocolo Adicional à

Convenção Interamericana sobre Cartas Rogatórias, de 8 de maio de 1979, a

Convenção Interamericana sobre Prova e Informação acerca do Direito Estrangeiro,

de 8 de maio de 1979, e a Convenção Interamericana sobre Eficácia Extraterritorial

das Sentenças e Laudos Arbitrais Estrangeiros, de 8 de maio de 1979. Como

anteriormente mencionado, a Lei nº 9.307/96 dispõe, em seu Capítulo VI, sobre o

                                                                                                                         82 BAPTISTA, Luiz Olavo. Arbitragem Comercial e Internacional. São Paulo: Lex Editora, 2011, p.

186-187. 83 Idem, ibidem, p. 187-188. 84 Idem, ibidem, p. 189. 85 RECHSTEINER, Beat Walter. Direito Internacional Privado – Teoria e Prática. 16ª edição. São

Paulo: Saraiva, 2013, p. 260-261.

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92  

reconhecimento e a execução da sentença arbitral estrangeira, definindo a sentença

arbitral estrangeira como aquela proferida fora do território internacional (art. 34, p.

único).

Francisco José Cahali86 destaca, com propriedade, que a Lei de Arbitragem

brasileira, no que diz respeito às sentenças arbitrais estrangeiras, traz regra

tradicional, de um lado, e inovadora, de outro. A regra tradicional apresenta-se na

exigência de homologação da sentença arbitral estrangeira perante o Colendo

Superior Tribunal de Justiça para a sentença arbitral estrangeira gerar efeitos (art.

37, caput). Por outro lado, a Lei pátria inova ao prescrever que a sentença arbitral

estrangeira será reconhecida ou executada no Brasil em conformidade com os

tratados internacionais com eficácia no ordenamento interno e, na sua ausência,

estritamente de acordo com os seus termos.

Nesse sentido, a Lei nº 9.307/96 revela seu aspecto tradicional ao

condicionar a eficácia da sentença arbitral estrangeira à homologação da Colenda

Corte Superior, bem como inova ao dispor que o reconhecimento e a execução da

sentença devem ser em conformidade com os tratados internacionais com eficácia

no ordenamento interno.

É importante registrar que o artigo 35 faz menção ao Excelso Superior

Tribunal de Justiça. Porém, com o advento da Emenda Constitucional nº 45, foi

incluída a alínea “i” no inciso I do artigo 105 da Constituição Federal, atribuindo-se

ao Colendo Superior Tribunal de Justiça a homologação de sentenças estrangeiras

e a concessão de exequatur às cartas rogatórias. Enfatiza-se, também, que o artigo

36 da Lei de Arbitragem brasileira dispõe que à homologação da sentença arbitral

estrangeira deve ser aplicado, no que couber, o disposto nos artigos 483 e 484 do

Código de Processo Civil.

                                                                                                                         86 CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem. 3ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013,

p. 390.

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93  

Por oportuno, o artigo 483 do Código de Processo Civil condiciona a eficácia

da sentença estrangeira à homologação pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça,

conforme seu Regime Interno, enquanto que o artigo 484 preceitua que a execução

da sentença estrangeira será por meio de extração de carta de sentença, extraída

dos autos da homologação, bem como que obedecerá as regras estabelecidas para

a execução da sentença nacional da mesma natureza.

A Resolução 9, de 4 de maio de 2005, do Colendo Superior Tribunal de

Justiça, dispôs, em caráter transitório, sobre a competência acrescida pela Emenda

Constitucional 45/2004, atinente à homologação de sentença estrangeira. Dentre as

suas disposições, consta a atribuição ao Presidente da Colenda Corte Superior da

homologação da sentença estrangeira (art. 2º). Além disso, menciona que serão

homologados os provimentos não-judiciais que, pela lei brasileira, teriam natureza

de sentença.

Em tal contexto, é relevante consignar que a mencionada Convenção de

Nova York, sobre o reconhecimento e a execução de sentenças arbitrais

estrangeiras, dispõe que a parte que solicitar o reconhecimento e a execução

fornecerá a sentença original devidamente autenticada, ou uma cópia devidamente

certificada, bem como o acordo original da estipulação da arbitragem ou cópia

autenticada. Também deverá fornecer, se o caso, uma tradução de tais documentos,

certificada por um tradutor oficial ou juramentado ou por um agente diplomático ou

consular. In verbis:

Artigo IV

1. A fim de obter o reconhecimento e a execução mencionados no artigo precedente, a parte que solicitar o reconhecimento e a execução fornecerá, quando da solicitação:

a) a sentença original devidamente autenticada ou uma cópia da mesma devidamente certificada;

b) o acordo original a que se refere o Artigo II ou uma cópia do mesmo devidamente autenticada.

2. Caso tal sentença ou tal acordo não for feito em um idioma oficial do país no qual a sentença é invocada, a parte que solicitar o reconhecimento e a execução da sentença produzirá uma tradução desses documentos para tal

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94  

idioma. A tradução será certificada por um tradutor oficial ou juramentado ou por um agente diplomático ou consular.

No mesmo sentido, o artigo 37 da Lei nº 9.307/96 reza que:

Art. 37. A homologação de sentença arbitral estrangeira será requerida pela parte interessada, devendo a petição inicial conter as indicações da lei processual, conforme o art. 282 do Código de Processo Civil, e ser instruída, necessariamente, com:

I - o original da sentença arbitral ou uma cópia devidamente certificada, autenticada pelo consulado brasileiro e acompanhada de tradução oficial;

II - o original da convenção de arbitragem ou cópia devidamente certificada, acompanhada de tradução oficial.

O artigo 282 do Código de Processo Civil exige que a petição inicial indique: I

- o juiz ou tribunal, a que é dirigida; II - os nomes, prenomes, estado civil, profissão,

domicílio e residência do autor e do réu; III - o fato e os fundamentos jurídicos do

pedido; IV - o pedido, com as suas especificações; V - o valor da causa; VI - as

provas com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados; e VII - o

requerimento para a citação do réu.

Luiz Olavo Baptista87 argumenta que a sentença arbitral deve ser escrita,

tendo em vista a dificuldade da prova do conteúdo de uma sentença proferida de

forma oral. Nesse sentido, é de grande importância a Lei nº 9.307/96, em

consonância com a Convenção de Nova Iorque, de 1958, por estabelecer critérios

precisos para a identificação da sentença arbitral que, conforme o local em que foi

proferida, está sujeita ao exequatur do Superior Tribunal de Justiça.

2.3 Compromisso de Arbitragem Internacional

A Convenção de Nova York, ao regular aspectos formais da arbitragem,

impõe que o compromisso arbitral conste de termo escrito. In verbis:

                                                                                                                         87 BAPTISTA, Luiz Olavo. Arbitragem Comercial e Internacional. São Paulo: Lex Editora, 2011, p.

236.

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95  

Artigo II (...) 2. Entender-se-á por "acordo escrito" uma cláusula arbitral inserida em contrato ou acordo de arbitragem, firmado pelas partes ou contido em troca de cartas ou telegramas.

O compromisso arbitral, como bem registrado por Luiz Olavo Baptista88, deve

ser vislumbrado sob dois aspectos: “arbitrabilidade subjetiva”, que diz respeito aos

agentes que se submeterão à arbitragem; e “arbitrabilidade objetiva”, referente à

matéria que será o objeto da arbitragem.

No que concerne a tais aspectos da arbitragem, o artigo 1º da Lei nº 9.307/96

dispõe que os agentes capazes de contratar poderão avençar a solução de conflitos,

por meio de arbitragem, em relação aos direitos patrimoniais disponíveis. Nos exatos

termos da lei, “as pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem

para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis”.

Desse modo, as matérias de ordem pública em geral não podem ser objeto de

arbitragem. Como destacado por Luiz Olavo Baptista, “somente questões

patrimoniais são admitidas, excetuando-se aquelas em que há maior interferência da

ordem pública”. O autor ilustra tal afirmação, indicando, para a aplicabilidade da

arbitragem, casos de “falências, propriedade industrial ou, em certos países,

relações de trabalho” em que “as restrições de Direito interno passam a ter efeitos

internacionais”. Nesse mesmo diapasão, remetendo a Phillippe Fouchard, salienta

que, apesar de ser aceita em diversos países, “o uso da arbitragem é restrito a

certas matérias”.89

No que diz respeito ao aspecto subjetivo, há diferentes concepções sobre a

capacidade jurídica nos ordenamentos jurídicos, cabendo análise própria em cada

caso, conforme os termos da arbitragem pactuados pelos interessados.

Assim, em síntese, prevalece no âmbito internacional a limitação da

arbitragem aos direitos patrimoniais indisponíveis, enquanto que, sob o aspecto

                                                                                                                         88 Idem, ibidem, p. 107. 89 Idem, ibidem, p. 108.

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96  

subjetivo, a capacidade, questão de ordem pública, deve ser aferida conforme as

normas cogentes próprias que regem o caso em concreto.

2.4 O Tribunal Arbitral Internacional

Como destacado, as partes podem escolher diretamente os árbitros ou

delegar a um terceiro o poder de escolhê-los, nos termos do artigo 13, §§ 1º, 2º e 3º,

da Lei nº 9.307/96.

A nomeação do árbitro, como já detalhado, pode ocorrer de diversas

maneiras, sendo comum nas questões comerciais. Conforme consignado por Luiz

Olavo Baptista, ao discorrer sobre a designação de uma associação especializada

do comércio internacional,

como é frequente nos negócios relativos a Commodities, como na Grain and Feed Trade Association (GAFTA) ou outras entidades similares, ou de associações profissionais, como a Federação Internacional dos Engenheiros e Consultores de Construção (FIDIC), ou a OAB, ou uma instituição arbitral, ou ainda um órgão de alguma outra entidade, como a CPA, ou o presidente de algum tribunal local ou internacional.90

Segundo o autor91, a hipótese mais comum é uma cláusula cheia, inserida em

um “contrato-padrão” do comércio internacional. Os contratos de compra e venda de

commodities normalmente contêm uma cláusula referente a uma arbitragem

específica, com características próprias de associação de comerciantes de

commodities. Serviços de transporte marítimo e respectivos seguros também

costumam apresentar tal cláusula específica. Do mesmo modo, é frequente que

serviços de engenharia utilizem os contratos-padrão da FIDIC.

Ao discorrer sobre algumas instituições especializadas em arbitragem,

voltadas para o gerenciamento de arbitragens e que contam com uma série de

mecanismos para que os árbitros sejam selecionados, o autor cita os seguintes

exemplos:

                                                                                                                         90 Idem, ibidem, p. 145. 91 Idem, ibidem, p. 149.

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O caso clássico é a CCI, mas não é ela a única. O Internactional Centre for Settlement of Investment Disputes (ICSID), a LCIA, a AAA (nos Estados Unidos), e a AFA fazem parte dessa categoria (câmaras internacionais). No Brasil, a instituição mais antiga é a CCBC, a que sucedem a CIESP e, mais tarde, a CAMARB, em Minas Gerais. Outras ainda existem em diversas capitais.92

Uma questão relevante, e que deve ser mencionada, refere-se ao domínio do

idioma a ser utilizado por um árbitro internacional. Ele deve ser fluente na língua que

será utilizada na arbitragem a fim de evitar a utilização de intérprete e tradutor para

analisar documentos, depoimentos e argumentos lançados pelas partes. Isso deve

ocorrer não apenas em função dos custos adicionais acarretados, mas também, e

principalmente, pela privação do árbitro do contato direto com as fontes de prova.

Uma última questão a ser mencionada, mas não de menor relevância, refere-

se ao fato que o árbitro deve dominar o direito aplicável à espécie e ao sistema

jurídico que está inserido, sob pena de desprestigiar os valores que compuseram as

tratativas avençadas, bem como de aplicar regras jurídicas alheias à controvérsia.

2.5 Procedimento na Arbitragem Internacional

O procedimento de arbitragem internacional apresenta uma estrutura que

segue um padrão internacional, caracterizado pela simplificação, modernização e

aumento da eficiência das regras adotadas no processo civil. Destaca-se a

autonomia da lei do procedimento em relação à lei aplicável ao litígio, apresentando

as partes ampla liberdade para escolher a lei que regerá o procedimento arbitral.93

Luiz Olavo Baptista94 observa que, embora as partes litigantes possam

escolher a lei aplicável ao procedimento de arbitragem internacional, deve-se atentar

às normas cogentes locais a fim de se evitar eventual invalidade da sentença

arbitral. Com efeito, independentemente das normas orientadoras do procedimento

arbitral, deve-se respeitar o devido processo legal, resumido, em síntese, no

tratamento igualitário das partes e no efetivo contraditório. Quanto às regras do

                                                                                                                         92 Idem, ibidem, p. 150. 93 Idem, ibidem, p. 191-195. 94 Idem, ibidem, p. 202.

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98  

procedimento arbitral, Cláudio Finkelstein95 destaca que elas, com frequência,

derivam ou de regras-modelos, publicadas pela UNCITRAL, ou de regras de outra

notória instituição, como a CCI (Câmara de Comércio Internacional).

O referido autor96 consigna que, no tocante à arbitragem internacional, o

tratado mais importante, que regula o juízo arbitral, é a mencionada Convenção

Sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras de 1958

(Convenção de Nova York), que suplantou a Convenção de Genebra, de 1927, a

Convenção Internacional sobre Reconhecimento e Execução de Sentenças Arbitrais

Estrangeiras, bem como a Convenção do Panamá, de 1975, sendo o Brasil

signatário desses tratados.

A Câmara de Comércio Internacional – CCI é citada por Jonathan Barros

Vita97. O autor a indica como exemplo de procedimento arbitral que as partes podem

avençar, mencionando, também, a Convention on the Settlement of Investment

Disputes between States and Nationals of other States – ICSID. Outrossim, salienta

que, no caso de potenciais conflitos entre regras procedimentais específicas, aplica-

se o já mencionado princípio da Kompetenz-Kompetenz, permitindo-se que a própria

corte arbitral determine as regras aplicáveis a si mesma.

No que diz respeito à produção de provas, Marco Deluiggi consigna que, na

maioria das vezes, as partes optam por um regulamento que, em regra, confere ao

tribunal arbitral poderes para conduzir a produção de provas na forma que entender

própria ao caso. Para esse fim, o autor cita o artigo 20(1) do Regulamento da CCI:

“O Tribunal Arbitral deverá proceder à instrução da causa com a maior brevidade

possível, recorrendo a todos os meios apropriados,” complementando-o com o item

                                                                                                                         95 FINKELSTEIN, Cláudio; VITA, Jonathan Barros; CASADO FILHO, Napoleão (Coord.). Arbitragem

Internacional: Unidroit, Cisg e Direito Brasileiro. São Paulo: Quartier Latin, 2010, p. 47. 96 Idem, ibidem, p. 48. 97 VITA, Jonathan Barros. In: FINKELSTEIN, Cláudio; VITA, Jonathan Barros; CASADO FILHO,

Napoleão (Coord.). Arbitragem Internacional: Unidroit, Cisg e Direito Brasileiro. São Paulo: Quartier

Latin. 2010, p. 64.

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(5), no qual consta que “A qualquer momento no decorrer do processo, o Tribunal

Arbitral poderá determinar às partes que forneçam provas adicionais”.98

Ao referir-se ao mencionado assunto, Luiz Olavo Baptista99 observa que o

passo inicial consiste na notificação ao demandado acerca do processo arbitral,

registrando que, segundo as regras da UNCITRAL, a arbitragem é instaurada na

data em que a notificação da demanda arbitral é recebida pela parte. Salienta,

também, que, segundo as regras de arbitragem da Câmara de Comércio

Internacional, considera-se instalada a arbitragem com o recebimento da notificação

pela Secretaria da Corte Internacional de Arbitragem.

Conforme previamente destacado, nos termos do artigo 267, VII, do Código

de Processo Civil, o processo deve ser extinto, sem julgamento do mérito, se existir

convenção de arbitragem. Luiz Olavo Baptista registra que a Convenção de Nova

York, ratificada pelo Brasil, preceitua que, existindo convenção de arbitragem, o juiz

deve enviar as partes à arbitragem, salvo hipótese de existência de nulidade.

Consigna que, nos termos do artigo 90 do Código de Processo Civil, “A ação

intentada perante tribunal estrangeiro não induz litispendência, nem obsta a que a

autoridade judiciária brasileira conheça da mesma causa e das que lhe são

conexas”, expressando “o princípio de que cada ordem jurídica é autônoma em

relação a outra”.100

Vale ressaltar que tal princípio aplica-se com maior propriedade nos casos de

jurisdição estatal e arbitragem, considerando que constituem sistemas de solução de

controvérsias distintos, regrados por leis, princípios e dinâmicas próprias.

                                                                                                                         98 DELUIGGI, Marco. In: FINKELSTEIN, Cláudio; VITA, Jonathan B.; CASADO FILHO, Napoleão

(Coord.). Arbitragem Internacional: Unidroit, Cisg e Direito Brasileiro. São Paulo: Quartier Latin. 2010,

p. 141-142. 99 BAPTISTA, Luiz Olavo. Arbitragem Comercial e Internacional. São Paulo: Lex Editora, 2011, p.

211. 100 Idem, ibidem, p. 218.

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Assim, não obstante o disposto na Convenção de Nova York, ratificada,

reforce-se, pelo Brasil, o juízo arbitral é competente para apreciar eventuais causas

de invalidade da convenção de arbitragem, com suporte no mencionado artigo 267,

VII, do Código de Processo, bem como no parágrafo único do artigo 8º da Lei nº

9.307/96 (“Acerca da existência, validade, e eficácia da convecção de arbitragem e

do contrato que contenha a cláusula compromissória”).

Luiz Olavo Baptista101 assinala que, na maioria dos casos, as partes, ou as

próprias regras de instituição de arbitragem, estipulam o regime de

confidencialidade, que é visto como uma qualidade na medida em que protege os

litigantes e seus segredos comerciais e industriais da curiosidade de competidores.

Isto vem ao encontro da contribuição de Carolina Iwancow Ferreira102 sobre o

tema. A autora argumenta que a possibilidade de estipulação de cláusula de

confidencialidade na arbitragem é fator especialmente relevante, pois permite às

partes a proteção de seus segredos, o que, em regra, não seria possível sob a tutela

jurisdicional estatal.

2.6 Direito Aplicável na Arbitragem Internacional

Uma das grandes controvérsias da arbitragem internacional refere-se à

definição da lei aplicável ao litígio, sendo tratada por diversos autores,

especialmente por Fouchard e Gaillard, e também por Berger, entre outros,

conforme acentua Jonathan Barros Vita.103

Vita104 registra que as espécies normativas podem pertencer a grupos

distintos, a saber: normas do país do contratante “A”; normas do país do contratante                                                                                                                          101 Idem, ibidem, p. 219. 102 FERREIRA, Carolina Iwancow. In: GUIMARÃES, Antônio Márcio da Cunha; GUIMARÃES, Arianna

Stagni. Direito do Comércio Internacional. São Paulo: Lex Editora, 2013, p. 94. 103 VITA, Jonathan Barros. In: FINKELSTEIN, Cláudio; VITA, Jonathan Barros; CASADO FILHO,

Napoleão (Coord.). Arbitragem Internacional: Unidroit, Cisg e Direito Brasileiro. São Paulo: Quartier

Latin, 2010, p. 51. 104 Idem, ibidem, p. 69.

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“B”; e normas de direito internacional, sejam jurídicos, como tratados, sejam não

jurídicos, como a Lex Mercatoria e princípios UNIDROIT.

Destarte, cumpre registrar que as obrigações, inclusive as decorrentes de

contrato, são reguladas pela lei vigente no local em que forem constituídas, nos

termos da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, Decreto-Lei nº 4.657,

de 4 de setembro de 1942, que, em seu artigo 9º, caput, dispõe: “Para qualificar e

reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem.”

Assim, o legislador pátrio mitigou o princípio da autonomia da vontade ao

impor às partes a lei aplicável às obrigações avençadas. Em contrapartida, como já

abordado, a Lei nº 9.307/96 dispôs, dentre os instrumentos para solucionar litígios, a

equidade (art. 2º, “caput”). Logo, nada impede que as partes, ao convencionarem

uma cláusula arbitral, estabeleçam que eventuais litígios sejam dirimidos por

equidade.

Nos termos acima detalhados, as partes interessadas podem escolher

livremente as regras de direito que serão aplicadas na arbitragem, desde que não

haja violação aos bons costumes e à ordem pública (Lei nº 9.307/96, art. 2º, §1º).

Outrossim, a legislação pátria também facultou a convenção da arbitragem com

base nos princípios gerais do direito, nos usos e costumes e nas regras

internacionais de comércio (Lei nº 9.307/96, art. 2º, §2º).

Não obstante o debate na academia acerca da aparente antinomia, o

entendimento da incidência da lei específica sobre a geral prevalece. Cláudio

Finkelstein105 sustenta que o árbitro, ao contrário do juiz togado, não está sujeito ao

disposto no artigo 9º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.

                                                                                                                         105 FINKELSTEIN, Cláudio; VITA, Jonathan Barros; CASADO FILHO, Napoleão (Coord.). Arbitragem

Internacional: Unidroit, Cisg e Direito Brasileiro. São Paulo: Quartier Latin, 2010, p. 48.

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102  

Por seu turno, ao tratar do direito aplicável na arbitragem internacional,

especial atenção merece a Lex Mercatoria, conjunto normativo que rege as

operações no comércio internacional.

Rogério Dourado Furtado registra que, não obstante a diversidade conceitual,

praticamente todos os doutrinadores partem das premissas de Berthold Goldman,

segundo as quais a Lex Mercatoria consiste “no conjunto de princípios, instituições e

regras provenientes de diversas fontes, que nutre constantemente as estruturas

legais e a atividade específica da coletividade dos operadores do comércio

internacional”.106

Como destacado por Luiz Olavo Baptista107, é a designação que se costuma

atribuir ao conjunto de princípios, instituições e regras concernentes às operações

do comércio internacional que formam um sistema normativo que regem o comércio

internacional. Sua importância decorre da necessidade de regras de alcance global,

com escopo de representar interesses do comércio internacional, em constante

evolução, impulsionados pelo progresso social e econômico.

Carolina Iwancow Ferreira registra que, desde a Idade Média, os

comerciantes encontram meios de facilitação de procedimentos e de resolução de

conflitos sem a interferência direta do Estado. Consigna que

A Lex Mercatoria recorre a princípios gerais do Direito em matéria obrigacional, similares aos existentes na maior parte dos países, assim como engloba usos e costumes, e modelos jurídicos diversos, em especial contratos típicos do comércio internacional. Ela é completada pela interpretação dada, tanto aos contratos, quanto aos princípios de direito, por decisões arbitrais, que vão contribuindo a conformar os princípios e os contratos a uma maneira específica e adaptada à problemática empresarial e internacional.108

                                                                                                                         106 FURTADO, Rogério Dourado. In: GUIMARÃES, Antônio Márcio da Cunha; GUIMARÃES, Arianna

Stagni. Direito do Comércio Internacional. São Paulo: Lex Editora, 2013, p. 330. 107 BAPTISTA, Luiz Olavo. Arbitragem Comercial e Internacional. São Paulo: Lex Editora. 2011, p. 72. 108 FERREIRA, Carolina Iwancow. In: GUIMARÃES, Antônio Márcio da Cunha; GUIMARÃES, Arianna

Stagni. Direito do Comércio Internacional. São Paulo: Lex Editora, 2013, p. 99.

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103  

Os modelos jurídicos formam-se na criação de contratos, interpretados a

partir de princípios gerais do direito, como a boa-fé, o pacta sunt servanda, a força

maior, dentre outros. Luiz Olavo Baptista109 cita, como exemplo, a criação dos

“INCOTERMS 1953” a partir da consolidação dos pontos comuns aos usos e

costumes dos portos mais movimentados.

Assim, pode-se concluir que a Lex Mercatoria alicerça-se no direito de

diversos países, sustentando-se em princípios e normas extraídos desses

ordenamentos jurídicos, todavia reduzindo-se a uma fórmula global, resultante da

práxis do comércio internacional, como a citada INCOTERMS.

Luiz Olavo Baptista salienta que a busca da nacionalidade faz a Lex

Mercatoria aproximar-se, por um lado, da noção de equidade, e, por outro, da

utilização dos princípios gerais do direito internacional. Outra característica da Lex

Mercatoria enfatizada pelo autor é:

(...) ao lado dos modelos jurídicos, servir como fonte de caráter pretoriano nas arbitragens internacionais; embora nelas os precedentes tenham valor relativo, são predominantes para sua aceitação, o peso da autoridade intelectual e moral dos árbitros e a correspondência da decisão com a ideia que a comunidade mercante internacional fez do direito. Isso é o que dá valor à Lex mercatoria.110

Assim, em tal contexto, pode-se concluir, na trilha dos ensinamentos de

Cláudio Finkelstein e Napoleão Casado Filho111, que a Lex Mercatoria, consistindo

na compilação dos usos e costumes aplicados a uma determinada atividade

comercial internacional, contrapõem-se à estática das normas positivadas.

Nesse panorama, a mesma atenção deve ser dada aos princípios

preconizados pela UNIDROIT, Instituto Internacional pela Unificação do Direito

Privado, criado em 1926, conforme destacado por Flávia Bittar Neves e Gisely

                                                                                                                         109 BAPTISTA, Luiz Olavo. Arbitragem Comercial e Internacional. São Paulo: Lex Editora. 2011, p. 76. 110 Idem, ibidem, p. 77. 111 FINKELSTEIN, Cláudio; CASADO FILHO, Napoleão. In: GUIMARÃES, Antônio Márcio da Cunha;

GUIMARÃES, Arianna Stagni. Direito do Comércio Internacional. São Paulo: Lex Editora, 2013, p. 99.

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104  

Moura Radael112, com o escopo de promover o estudo das necessidades e métodos

para modernizar, harmonizar e coordenar o direito das relações comerciais

internacionais. Assim, seu principal objetivo é diminuir as barreiras decorrentes da

diversidade dos ordenamentos jurídicos, originadas das relações internacionais

privadas.

O instituto UNIDROIT produz e publica os denominados “Princípios Unidroit

sobre Contratos Comerciais” que constituem, conforme salientado pelas autoras113,

verdadeiro Código Civil comentado no plano de Soft Law, isto é, não apresentam

caráter cogente, mas, por outro lado, podem vincular as partes de um contrato se

houver a respectiva opção como norma substantiva aplicável a eventual litígio, ou

mesmo como fonte subsidiária de direito. In verbis:

Os Princípios Unidroit tratam da interpretação dos contratos no capítulo 4, nos seguintes termos:

ARTIGO 4.1

(Intenção das partes)

(1) O contrato deve ser interpretado segundo a intenção comum das partes.

                                                                                                                         112 NEVES, Flávia Bittar; RADAEL Gisely Moura. In: FINKELSTEIN, Cláudio; VITA, Jonathan B.;

CASADO FILHO, Napoleão (Coord.). Arbitragem Internacional: Unidroit, Cisg e Direito Brasileiro. São

Paulo: Quartier Latin, 2010, p. 227-228. 113 Segundo Neves e Radael, “O termo Soft Law é utilizado no Direito Internacional para designar a lei

que não possuiu caráter vinculante, ou cuja força vinculante é muito pequena, em virtude da natureza

do instrumento jurídico de que se trata. No caso, os Princípios Unidroit têm forte natureza informativa,

sendo que não precisam ser adotados por determinado país para que sejam aplicados a uma relação

comercial internacional em que figura como parte um nacional daquele país. Dessa forma, por um

lado, facilita-se a aplicação dos Princípios, visto que independem de ratificação; por outro, a aplicação

dos Princípios se sujeita à vontade das partes contratantes ou, caso as partes não tenham escolhido

lei aplicável, podem ser utilizados subsidiariamente pelos juízes e, com maior liberdade e ênfase,

pelos árbitros do caso concreto.” (NEVES, Flávia Bittar; RADAEL Gisely Moura. In: FINKELSTEIN,

Cláudio; VITA, Jonathan B.; CASADO FILHO, Napoleão (Coord.). Arbitragem Internacional: Unidroit,

Cisg e Direito Brasileiro. São Paulo: Quartier Latin, 2010, p. 228).

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105  

(2) Caso esta intenção não possa ser estabelecida, o contrato deve ser interpretado conforme o significado que pessoas razoáveis do mesmo tipo das partes teriam atribuído ao contrato nas mesmas circunstâncias.

ARTIGO 4.2

(Interpretação de declarações ou de outras condutas)

(1) As declarações e outras condutas de uma parte devem ser interpretadas de acordo com sua intenção, se a outra parte o sabia ou não poderia desconhecer tal intenção.

(2) Caso o inciso precedente não seja aplicável, as declarações e outras condutas devem ser interpretadas conforme o significado que pessoas razoáveis do mesmo tipo das partes lhes teriam atribuído, nas mesmas circunstâncias.

ARTIGO 4.3

(Circunstâncias relevantes)

Na aplicação dos Artigos 4.1 e 4.2, devem ser consideradas todas as circunstâncias, incluindo:

(a) as negociações preliminares entre as partes;

(b) as práticas estabelecidas entre as partes;

(c) a conduta das partes subsequente à formação do contrato;

(d) a natureza e o escopo do contrato;

(e) o significado comumente atribuído a termos e expressões peculiares no meio comercial envolvido;

(f) os usos e os costumes.

ARTIGO 4.4

(Coerência do contrato)

Termos e expressões devem ser interpretados à luz de todo o contrato ou de toda a declaração em que aparecem.

ARTIGO 4.5

(Interpretação útil)

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106  

Os termos de um contrato devem ser interpretados de modo a que se dê efeito a todos eles, ao invés de privar quaisquer deles de efeito.

ARTIGO 4.6

(Regra contra proferentem)

Termos contratuais obscuros serão interpretados preferencialmente em desfavor da parte que os tenha proposto.

ARTIGO 4.7

(Discrepâncias linguísticas)

Quando um contrato esteja elaborado em duas ou mais versões linguísticas, que sejam igualmente obrigatórias, prefere-se, em caso de discrepâncias entre elas, a interpretação que esteja de acordo com a versão em que o contrato foi originalmente elaborado.

ARTIGO 4.8

(Termos omissos)

(1) Quando as partes de um contrato não tiverem acordado sobre um termo importante para a determinação de seus direitos e obrigações, uma cláusula apropriada, segundo as circunstâncias, deverá ser suprida.

(2) Ao determinar o que é uma cláusula apropriada, dever-se-á considerar, dentre outros fatores:

(a) a intenção das partes;

(b) a natureza e o escopo do contrato;

(c) a boa-fé e a lealdade negocial;

(d) a razoabilidade.114

Concluindo, não obstante o disposto na Lei de Introdução às Normas do

Direito Brasileiro (Decreto-Lei nº 4.657/42), prevalece a especificidade da Lei nº

9.307/96, podendo as partes estipular as normas incidentes no procedimento arbitral

e no próprio litígio, inclusive merecendo especial destaque a Lex Mercatoria,

                                                                                                                         114 NEVES, Flávia Bittar; RADAEL Gisely Moura. In: FINKELSTEIN, Cláudio; VITA, Jonathan B.;

CASADO FILHO, Napoleão (Coord.). Arbitragem Internacional: Unidroit, Cisg e Direito Brasileiro. São

Paulo: Quartier Latin, 2010, p. 230-232.

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107  

concebida como o conjunto normativo que rege as operações comerciais

internacionais.

3 A SEGURANÇA DA ARBITRAGEM COMERCIAL INTERNACIONAL PARA O INVESTIDOR ESTRANGEIRO

Como próximo tema, abordar-se-á a questão da segurança da arbitragem

comercial internacional para o investidor estrangeiro, discorrendo-se sobre: a

arbitragem comercial internacional e as vantagens de sua aplicação para o

investidor estrangeiro; a arbitragem internacional de investimentos, com foco no

Brasil; os procedimentos utilizados, inclusive quanto à adequação de tais

procedimentos; a sentença arbitral nesse contexto; a importância de árbitros experts

nesse processo; o caráter da confidencialidade; e a relevância da questão do tempo

utilizado nos processos. Como tema subsequente, será abordada a questão da

segurança e efetividade da arbitragem como meio alternativo de solução de

conflitos, enfatizando-se: a insegurança jurídica do Judiciário brasileiro; o risco-

Brasil; e a responsabilidade do árbitro na arbitragem comercial internacional e na lei

brasileira.

3.1 Arbitragem Comercial Internacional x Arbitragem Internacional de Investimentos

Esta tese dirige atenção especial ao uso da arbitragem comercial

internacional em casos de litígios concernentes a investimentos estrangeiros. Serão

os casos onde houver duas partes privadas, de Estados diferentes, em que uma

investe na outra e, desta relação, surge uma disputa que é submetida à arbitragem.

É importante ressaltar que, no Direito Internacional, também existe o instituto

da arbitragem internacional de investimentos, referente a litígios resultantes de

investimentos internacionais propriamente ditos, não meramente estrangeiros.

Entretanto, conforme esclarece Nigel Blackaby115, o procedimento arbitral da

                                                                                                                         115 BLACKABY, Nigel. Investment Arbitration and Commercial Arbitration (or the Tale of the Dolphin

and the Shark), em J. Lew and L. Mistelis on Pervasive Problems in International Arbitration. p. 217-

233. Kluwer Law International. 2006.

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108  

arbitragem de investimentos apresenta características semelhantes àquelas

existentes em uma típica arbitragem comercial internacional.

A partir do anteriormente exposto, passa-se a apresentar as principais

diferenças entre a arbitragem internacional de investimentos e a arbitragem

comercial, sendo esta última objeto principal deste estudo.

Maria Anthanasiou, Bernard Hanotiau e Albert Jan Van Den Berg116, em

palestra ministrada no Centro de Arbitragem e Mediação de Chipre, tratando das

diferenças e semelhanças entre os dois tipos de arbitragem, apontaram como

principais aspectos a serem observados: (i) as partes; (ii) o solucionador do conflito

(árbitro); (iii) o tipo de resultado e seus efeitos; (iv) o consentimento; (v) o

fundamento das reivindicações; (vi) amicus curiae; e (vii) a confidencialidade.

Enquanto na arbitragem comercial internacional ambas as partes são

privadas, na arbitragem de investimentos, uma das partes será um Estado soberano,

ou seja, haverá questões envolvendo a ordem pública. Nas duas hipóteses, os

árbitros (ou o árbitro) serão escolhidos pelas partes. Entretanto, conforme ressalta

Karl-Heinz Böckstiegel117, como as questões envolvidas na arbitragem de

investimentos são mais limitadas que aquelas que podem existir na arbitragem

comercial – que tem um alcance muito mais amplo, podendo ter como objeto

diferentes matérias (ex: venda, construção, serviços etc.) –, a expertise, comumente

exigida dos árbitros nas arbitragens de investimento, deve incluir conhecimento de

direito internacional público e sua aplicação específica no âmbito de proteção dos

                                                                                                                         116 ANTHANASIOU, Maria; HANOTIAU, Bernard; VAN DEN BERG, Albert Jan. Commercial and

Investment Arbitration: Differences and Similarities. One Day Seminar “A Quick Way To Justice” –

Part Four. CYPRUS Mediation and Arbitration Centre & Chartered Institute Of Arbitrators (CYPRUS).

Hilton Hotel, Nicosia. 14 de outubro 2013. Disponível em:

<http://www.cyprusarbitration.com.cy/userfiles/files/Seminars/Oct2014/Maria_Athanasiou_-

_Investment_and_Commercial_Arbitration_-_Differences_and_Similarities.pdf> Acesso em: 23 jun.

2014. 117 BÖCKSTIEGEL, Karl-Heinz. Commercial and Investment Arbitration: How different are they today?

The Lalive Lecture 2012. Arbitration International, v. 28, i. 4, p. 577-590, LCIA, 2012.

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109  

BITs (Bilateral Investment Treaties). Portanto, o número de árbitros atuantes nas

arbitragens de investimentos é menor do que nas arbitragens comerciais.

O resultado de ambas as arbitragens será o proferimento de uma sentença

arbitral fundamentada. A sentença é vinculante, com força de sentença judicial, e de

cunho final, não cabendo apelação em nenhum dos casos da sentença arbitral

(apenas anulação, interpretação ou correção e, no caso de arbitragem de

investimentos, revisão).

Tanto a arbitragem comercial quanto a de investimentos exigem

consentimento das partes. Nenhuma delas poderá iniciar sem que exista acordo

prévio entre as partes litigantes. Nos dois casos, as reivindicações poderão ser

baseadas em leis nacionais e/ou internacionais (tratados internacionais), mas,

especificamente no que tange à arbitragem comercial internacional, serão

observadas também a Lex Mercatoria ou ex aequo et bono, estando sujeita esta

última hipótese à autorização das partes.

Böckstiegel118 observa que as estruturas legais dentro das quais os dois tipos

de arbitragem encontram-se é facilmente reconhecida. Para a arbitragem comercial,

em geral, a Convenção de Nova York é o instrumento mais importante, tratando do

reconhecimento (homologação) e execução das sentenças arbitrais estrangeiras.

Para a arbitragem de investimentos, por outro lado, os tratados internacionais de

direito público determinam o enquadramento legal fundamental deste tipo, tais como

os BITs e a Convenção de Washington.

Na arbitragem comercial, não ocorre a utilização do instituto do amicus curiae,

enquanto que, na arbitragem de investimentos, em teoria, não há proibição nesse

sentido. Todavia, de acordo com Andreas F. Lowenfeld119, desde o fim do ano de

2001 não tem sido permitida a intervenção de organizações não governamentais, ou

amicus curiae, nesse tipo de arbitragem.                                                                                                                          118 Idem, ibidem. 119 LOWENFELD, Andreas F. International Economic Law. International Economic Law Series. Oxford

University Press. 2003. p. 485.

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110  

Em tese, a arbitragem comercial deve ser confidencial, enquanto que a

arbitragem de investimentos deve ser parcialmente pública. Isto porque os

instrumentos tradicionalmente utilizados na arbitragem de investimentos não

determinam, na maioria dos casos, se o procedimento arbitral e respectiva sentença

devem ser confidenciais. Na prática, como aponta Böckstiegel120, resta pouca

confidencialidade nas arbitragens de investimento.

3.1.1 O Brasil e a Arbitragem Internacional de Investimentos

Apesar de não ser o foco deste trabalho, reconhece-se a existência do

instituto de arbitragem internacional de investimentos. Por isto, tecem-se algumas

observações acerca do tema, de suma importância no cenário do direito

internacional público.

Com o advento da globalização e a crescente interação entre os Estados, que

culminou em um intenso intercâmbio entre os países, a economia global tornou-se

cada vez mais internacionalizada. Assim, motivou-se a criação de uma organização

especializada que se incumbisse de dirimir, de maneira institucionalizada e

imparcial, as divergências entre os investidores estrangeiros e o Estado receptor,

com pretensão, ainda, de se estimular o fluxo de investimento internacional.

Em se tratando de arbitragem voltada para o investimento internacional

propriamente dito, é mister haver uma prévia abordagem sobre a instituição de um

dos principais organismos mundiais constituídos para dirimir conflitos correlatos.

O Centro Internacional para Arbitragem de Disputas sobre Investimentos

(CISDI, também conhecido como ICSID, na sigla em inglês) foi criado a partir de

uma Convenção Internacional de 1965, sob a égide do Banco Mundial, também

denominada como Convenção de Washington de 1965 (CW). Segundo Isabela

Piacentini de Andrade, a Instituição do ICSID/CISD foi

                                                                                                                         120 BÖCKSTIEGEL, Karl-Heinz. Commercial and Investment Arbitration: How different are they today?

The Lalive Lecture 2012. Arbitration International, v. 28, i. 4, p. 577-590, LCIA, 2012.

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111  

uma resposta à busca dos investidores estrangeiros por um organismo neutro onde suas diferenças com o Estado receptor de seus investimentos pudessem ser resolvidas com imparcialidade, fora das jurisdições nacionais.121

Em outras palavras, o CISDI proporciona instalações para a resolução

mediante conciliação ou arbitragem de disputas referentes a investimentos entre

investidores estrangeiros e os seus países anfitriões.

Apesar de se reconhecer o papel essencial da arbitragem de investimento

internacional na resolução de conflitos entre os investidores estrangeiros e Estados

receptores de investimentos, o Brasil não tem participação no CISDI, não tendo

ratificado a Convenção de Washington, tampouco qualquer TBI.

Em artigo jurídico, publicado no site Conteúdo Jurídico, Tarcísio Guedes

Basílio122 comenta que o Brasil não aderiu ao acordo – Convenção de Washington

(CW), apesar do aumento da sua competitividade internacional, decorrente do

desenvolvimento da economia mundial como um todo, bem como do capital

estrangeiro recebido durante o programa de privatizações, promovidas pelo governo

Fernando Henrique Cardoso. Portanto, o programa não oferece ao investidor

estrangeiro uma moldura legal propícia para a resolução de controvérsias. Ainda

nesta mesma linha de considerações, Diogo Alves sustenta que

o grande óbice à aceitação do governo brasileiro à CW reside na regra de que as sentenças arbitrais estrangeiras são obrigatórias para os Estados signatários, os quais se comprometem a executá-la como se fosse um julgamento definitivo de seus tribunais.123

                                                                                                                         121 ANDRADE, Isabela Piacentini de. A execução de sentenças arbitrais contra estados estrangeiros

segundo a Convenção de Nova York de 1958 e a Convenção de Washington de 1965. Revista

Brasileira de Direito Internacional, v. 2, n. 2. Curitiba. jul./dez. 2005. 122 BASÍLIO, Tarcísio Guedes. O Centro Internacional para Solução de Disputas Sobre Investimentos

(CISDI). Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,o-centro-internacional-para-

solucao-de-disputas-sobre-investimentos-cisdi,44259.html#_ftnref7>. Acesso em: 14 ago. 2014. 123 ALVES, Diogo. Arbitragem: Proteção aos Investimentos Internacionais. Idea Revista. v.1, n.2,

jan./jul. 2010. Disponível em:

<http://www.esamcuberlandia.com.br/RevistaIdea2/artigos/2010v1n2art01.pdf>. Acesso em: 14 ago.

2014.

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112  

Pela leitura de artigo publicado por Ana Gerdau de Borja124, sob o título

“Arbitragens de Investimento e o caso do Brasil”, depreende-se que o Brasil, na

década de 60, recusou-se a assinar a Convenção de Washington de 1965. O então

Delegado do Brasil nas negociações da Convenção de Washington afirmou que o

texto da Convenção, além de suscitar questões constitucionais, conferia ao

investidor posição privilegiada em relação ao país hospedeiro, pois apenas o

primeiro teria a faculdade de instituir a arbitragem, o que seria desvantajoso para o

Brasil. Fernanda Araújo Kallás e Caetano, em artigo publicado sob o título “Direito

Internacional dos Investimentos na Atualidade: Uma Análise da Posição Brasileira”,

tendo como foco uma análise das razões que levaram o Brasil a optar pela não

adesão da Convenção de Washington de 1965 e pela não ratificação dos Tratados

Bilaterais de Promoção e Proteção dos Investimentos (TBIs) que foram por ele

assinados, deixou registrado que, no caso brasileiro, diversas foram as causas que

justificaram a posição de resistência à ratificação da Convenção de Washington.

Uma dessas causas, segundo a autora,

sem dúvida fundamenta-se na má experiência vivida pela Argentina que, durante a crise que assolou o país em 2002, viu-se impossibilitada de dar cumprimento a todos os contratos celebrados com os investidores estrangeiros. Com uma celeridade dificilmente observada em qualquer via judicial interna, procedimentos arbitrais foram instaurados no Centro, findando-se, dentro de um curto espaço de tempo, com uma condenação final do Estado Argentino.125

Não se discute que a concordância dos Estados com a arbitragem CIRDI

demonstra-se, na atualidade, como uma das maneiras mais eficazes de promoção

do investimento estrangeiro no território estatal. Da mesma forma, a indisposição do

Brasil à abdicação da competência judicial interna, em prol da arbitragem

                                                                                                                         124 BORJA, Ana Gerdau de. Arbitragens de Investimento e o caso do Brasil. Britcham Brasil. Resenha

Legal. Setembro 2010. Disponível em: <http://www.britcham.com.br/email/resenha_legal_0910.htm>.

Acesso em: 14 ago. 2014. 125 KALLÁS e CAETANO, Fernanda Araújo. Direito Internacional dos Investimentos na Atualidade:

Uma Análise da Posição Brasileira. E-Civitas Revista Científica do Departamento de Ciências

Jurídicas, Políticas e Gerenciais do UNI-BH. Belo Horizonte, vol. III, n. 1, jul-2010. Disponível em:

<http://revistas.unibh.br/index.php/dcjpg/article/viewFile/84/47>.

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113  

transnacional, tem justificado a não ratificação dos Tratados Bilaterais de

Investimentos (TBIs) pelo Estado brasileiro.

Vale a oportunidade para consignar que, não obstante o Estado brasileiro ter

assinado 14 TBIs (Tratados Bilaterais de Promoção e Proteção dos Investimentos),

no período compreendido entre os anos de 1994 a 1998, não houve ratificação, pelo

Brasil, de nenhum deles. Conforme Arnoldo Wald, em artigo publicado na Revista de

Arbitragem e Mediação, tais TBIs foram assinados com os seguintes países, em

ordem cronológica, entre 1994 e 1999: Portugal, Chile, Reino Unido, Suíça,

Dinamarca, França, Finlândia, Itália, Venezuela, Coréia do Sul, Alemanha, Cuba,

Holanda, Bélgica e Luxemburgo. Para o autor, não mais se justificam as reservas

suscitadas no passado pelas autoridades públicas e pela doutrina, uma vez que “(...)

estão totalmente ultrapassadas as razões que impediram a ratificação de tratados de

proteção de investimento”.126

Sob o ponto de vista do Estado brasileiro, a submissão a essa forma de

solução de controvérsias deveria ser feita, apenas, pelos países que necessitassem

de um maior destaque perante os investidores estrangeiros.

Para o Brasil, o fato de não integrar a Convenção de Washington e de não ter

ratificado os TBIs, por si só, não afastou o interesse internacional no investimento no

território brasileiro, que é, atualmente, um dos principais destinos mundiais do

investimento estrangeiro. Para corroborar com este argumento, pode-se citar uma

notícia publicada no jornal espanhol El País127, em 21/5/2012, onde o Brasil é

mencionado com destaque devido à sua segurança negocial e, também, por ser

considerado como um excelente receptor de capital estrangeiro na América Latina.

                                                                                                                         126 WALD, Arnoldo. Uma nova visão dos tratados de proteção de investimento e da arbitragem

internacional. Revista de Arbitragem e Mediação. Ano 6. n. 21. abr.-jun./2009. pp. 9-29. 127 GALINDO, Cristina. Los países con más seguridade jurídica de América Latina acaparan la

inversión. El País. Madrid, 25 mayo 2012.

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114  

Segundo a revista BBC128, em matéria veiculada no dia 26 de junho de 2013,

o Brasil subiu uma posição, de quinto para quarto lugar, no ranking de países que

mais receberam investimentos estrangeiros diretos (IED) no ano de 2012, conforme

revelou um estudo da Unctad, Conferência das Nações Unidas para o Comércio e

Desenvolvimento.

Tal fenômeno, mesmo sem integrar a Convenção de Washington, segundo

Fernanda Araújo Kallás e Caetano, justifica-se pelo Brasil “apresentar-se como uma

das democracias mais estáveis da América do Sul” e, também, por possuir

legislação interna que “não se esquiva do cumprimento de suas obrigações nos

casos em que o investimento venha a ser tomado pelo poder público”.129

É oportuno deixar registrado que, segundo o texto contido na própria

Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso XXIV: “A lei estabelecerá o

procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por

interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os

casos previstos nesta Constituição.”

Observa-se, também, que a Emenda Constitucional nº. 45/2004 trouxe uma

grande mudança no que concerne à homologação de sentenças e laudos arbitrais

estrangeiros, pois alterou o disposto no artigo 105 da Constituição da República

Federativa do Brasil (BRASIL, 1988), acrescentando a alínea “i” ao mencionado

artigo. Dessa forma, transferiu a competência exclusiva para homologar sentenças

estrangeiras do Supremo Tribunal Federal para o Superior Tribunal de Justiça.130                                                                                                                          128 FERNANDES, Daniela. Investimento estrangeiro cai, mas Brasil passa a ser 4º em ranking da

ONU. BBC Brasil. Disponível em:

<http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2013/06/130626_relatorio_unctad_ied_df_lgb.shtml>.

Acesso em: 14 ago. 2014. 129 KALLÁS e CAETANO, Fernanda Araújo. Direito Internacional dos Investimentos na Atualidade:

Uma Análise da Posição Brasileira. E-Civitas Revista Científica do Departamento de Ciências

Jurídicas, Políticas e Gerenciais do UNI-BH. Belo Horizonte, vol. III, n. 1, jul-2010. Disponível em:

<http://revistas.unibh.br/index.php/dcjpg/article/viewFile/84/47>.

130 ALVES, Diogo. Arbitragem: Proteção aos Investimentos Internacionais. Idea Revista. v.1. n.2.

jan./jul. 2010. Disponível em:

 

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115  

Nesse diapasão, a diplomacia brasileira vem mantendo a postura de que não

existem razões evidentes para que uma garantia extra seja concedida aos

investidores internacionais. Para o ponto de vista do Estado brasileiro, não é

necessário dar prioridade à mudança de postura, no sentido de passar a integrar a

Convenção de Washington, ou mesmo de ratificar os Tratados Bilaterais de

Promoção e Proteção dos Investimentos (TBIs). Tal comodidade é justificável pela

situação do Brasil que, atualmente, vem recepcionando, cada vez mais,

investimentos estrangeiros.

Dessa forma, mesmo o Brasil não integrando a Convenção de Washington ou

não ratificado os Tratados Bilaterais de Promoção e Proteção dos Investimentos,

denota-se que, de um modo geral, os direitos dos investidores internacionais estão

efetivamente amparados. Porém, em se tratando de investimento Internacional,

deve-se ter em mente a existência, de forma efetiva, de uma via de duas mãos, não

se podendo desprezar a insegurança hoje vivenciada pelos investidores brasileiros

em territórios estrangeiros ante a falta de amparo jurídico, causada pela resistente

postura do Brasil em não integrar a Convenção de Washington nem de ratificar os

TBIs.

Especialistas como Marina Diana, Carlos Alberto Carmona, Diogo Alves e

João Bosco Lee acreditam na possibilidade de o governo brasileiro reconsiderar o

tratado de investimento, caso haja um aumento na atividade internacional, apesar de

o país insistir na direção de que não acredita que a arbitragem compreenda as

regras brasileiras.

Marina Diana131, na coluna Leis e Negócios, aborda o tema “Brasil deve

participar de Convenção de Washington, defendem os especialistas”. Os

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                           <http://www.esamcuberlandia.com.br/RevistaIdea2/artigos/2010v1n2art01.pdf>. Acesso em: 14 ago.

2014. 131 DIANA, Marina. Brasil deve participar da Convenção de Washington, defendem especialistas. IG -

Coluna Leis e Negócios. 28 de outubro de 2010. Disponível em:

 

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116  

especialistas que participaram do evento, realizado na sede da Amcham, na capital

paulista, em parceria com o Centro Internacional para a Resolução de Disputas,

divisão internacional da Associação Americana de Arbitragem, defendem que o

momento é importante para avançar-se nessa questão, uma vez que as empresas

nacionais passaram a ampliar sua atuação além das fronteiras.

Segundo destaca Carlos Alberto Carmona, sócio do escritório Marques

Rosado, Toledo Cesar e Carmona e um dos autores, no Brasil, da Lei de Arbitragem

nº 9.307/96:

Este é o momento para que ratifiquemos a convenção porque o Brasil vive uma fase positiva, passou a ser investidor externo e não somente receptor de recursos, e, dessa forma, é importante resolver rapidamente e adequadamente possíveis controvérsias relacionadas. Uma convenção internacional é um cartão de visitas de um país.132

Diogo ALVES133 defende uma mudança de posicionamento do Brasil em

relação à assinatura da Convenção de Washington. Em artigo publicado na revista

eletrônica IDEA, destaca:

(...) nada pode lesar tão gravemente a imagem do sistema arbitral relativo a investimentos que sua falta de qualidade para bem aplicar o direito e realizar justiça, naqueles poucos casos em que o requerido é muito mais um Estado exportador de capital do que um receptor de investimentos estrangeiros. Se a arbitragem revelar-se, afinal, uma via de mão única na proteção do investimento estrangeiro, mostrando fraqueza quando se espera que corrija a violação dos direitos do investidor por um Estado economicamente mais forte que o Estado patrial desse investidor, é inevitável que o sistema tome ares de um instrumento variante do neocolonialismo, e que a maioria dos Estados se sinta tentada a reconsiderar sua participação no sistema. Uma dinâmica e importante parte

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                           <http://leisenegocios.ig.com.br/index.php/2010/10/28/brasil-deve-participar-de-convencao-de-

washington-defendem-especialistas/>. Acesso em: 14 ago. 2014. 132 CARMONA, Carlos Alberto. Especialistas em arbitragem defendem que Brasil ratifique Convenção

de Washington. AMCHAM – Câmara Americana de Comércio. Disponível em:

<http://www.amcham.com.br/impactos-legislativos-e-juridicos/noticias/especialistas-em-arbitragem-

defendem-que-brasil-ratifique-convencao-de-washington>. 133 Mestrando em Direito das Relações Internacionais e analista político da Embaixada do Reino da

Arábia Saudita. Email: [email protected].

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117  

do direito internacional contemporâneo haveria de sofrer as consequências desse desapontamento, segundo o que assevera Yves Martins.134

Segundo João Bosco Lee135, a ratificação da Convenção de Washington não

deveria ser um motivo de preocupação para o governo brasileiro, uma vez que ela

não significa uma submissão automática ao CIRDI, haja vista que todo e qualquer

procedimento arbitral com um investidor estrangeiro deve ser fundamentado em um

acordo arbitral. O autor salienta que

O problema reside, todavia, nos BITS. Ao ratificar os Tratados Bilaterais de Promoção e Proteção de Investimento que fazem referência ao CIRDI, o governo brasileiro estaria automaticamente aceitando a competência deste órgão do Banco Mundial para resolver conflitos de investimentos estrangeiros no Brasil. (...) sob um prisma dos investidores brasileiros com interesses no exterior, os BITS são essenciais, pois asseguram os direitos destes investidores em caso de expropriação, nacionalização ou qualquer abuso cometido pelos países receptores destes investimentos. Desta forma, deveria o governo brasileiro repensar a sua política em relação aos BITS e negociar estes Tratados com países que são destinos de nossos investimentos, assegurando assim um mínimo de segurança jurídica e acesso à justiça arbitral internacional aos nossos investidores nacionais.136

Conclui-se que, em suma, o rápido aumento no fluxo de investimentos

brasileiros no exterior vem consolidando o país como um exportador de capital.

Destarte, requer maior proteção desses investimentos, que lhes pode ser

eficientemente conferida, tanto pela celebração de TBIs como pela adesão do Brasil

à Convenção de Washington.

Neste item do estudo, foi brevemente explicada a figura da arbitragem

internacional de investimento. Esclarece-se, mais uma vez, que este não é o objeto

                                                                                                                         134 ALVES, Diogo. Arbitragem: Proteção aos Investimentos Internacionais. Idea Revista. v.1. n.2.

jan./jul. 2010. Disponível em:

<http://www.esamcuberlandia.com.br/RevistaIdea2/artigos/2010v1n2art01.pdf>. Acesso em: 14 ago.

2014. 135 João Bosco Lee é doutor em Direito Internacional pela Universidade de Paris II e professor de

direito internacional da UniCuritiba. 136 LEE, João Bosco. O país deve demonstrar que aceita as regras internacionais. Gazeta do Povo,

23/11/2008. Disponível em:

<http://www.gazetadopovo.com.br/colunistas/conteudo.phtml?id=830797>. Acesso em: 10 dez. 2013.

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principal desta tese, tendo merecido atenção neste item por sua importância no

cenário jurídico internacional de direito público, bem como para que fosse possível

sua diferenciação do tema deste trabalho, qual seja, a arbitragem comercial

internacional.

3.2 Vantagens da Arbitragem Comercial Internacional para o investidor estrangeiro

Julian Lew, Loukas Mistelis e Stefan Kröll137, ao compararem os

procedimentos da arbitragem comercial internacional com o que ocorre nas cortes

Estatais, explicam que, para diversas situações envolvendo partes privadas no

comércio internacional, é preferida a utilização da primeira.

Os autores138 listam as razões pelas quais as partes se sentem mais

legalmente seguras ao submeterem suas disputas à arbitragem, e não às cortes

nacionais, da seguinte forma: (i) procedimento flexível; (ii) adequação do

procedimento para transações internacionais; (iii) caráter final e vinculante da

sentença arbitral; (iv) fácil execução; (v) neutralidade; (vi) árbitros experts; (vii)

confidencialidade; (viii) rapidez do processo; e (ix) custos do processo.

3.2.1 Procedimento flexível

Segundo Redfern e Hunter139, diferentemente do que ocorre nas cortes

Estatais, o procedimento arbitral pode ser adaptado às necessidades específicas de

cada conflito, não sendo obrigatória a atenção aos procedimentos fixados pelo

direito processual civil. Conforme observam, uma arbitragem internacional nasce

única e exclusivamente para tratar de um conflito específico e deve ser moldada de

modo a encaixar-se no que requer, especificamente, referida disputa.

                                                                                                                         137 LEW, Julian D. M.; MISTELIS, Loukas A.; KRÖLL, Stefan Michael. Comparative International

Commercial Arbitration. Kluwer Law International. 2003, p. 5. 138 Idem, ibidem, p. 5. 139 REDFERN, Alan; HUNTER, J. Martin H. International Arbitration. Oxford University Press. 2009, p.

33.

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119  

Para Gary Born140, a habilidade que as partes têm de adotar procedimentos

flexíveis é uma das principais atrações da arbitragem comercial internacional. Este

princípio de aplicação geral da flexibilidade do procedimento arbitral foi transcrito em

1996, no English Arbitration Act:

General duty of the tribunal

Section 33

(1) The tribunal shall —

(a) act fairly and impartially as between the parties, giving each party a reasonable opportunity of putting his case and dealing with that of his opponent, and

(b) adopt procedures suitable to the circumstances of the particular case, avoiding unnecessary delay or expense, so as to provide a fair means for the resolution of the matters falling to be determined.

Em geral, portanto, o tribunal arbitral deve adotar procedimentos que sirvam

às circunstâncias de cada caso concreto. Deve procurar evitar atrasos e custos

desnecessários, providenciando um meio justo para a solução de determinado

conflito.

Lew, Mistellis e Kröll141 explicam que a possibilidade de o procedimento

arbitral poder ser escolhido e adaptado pelas partes e árbitros decorre da natureza

privada da arbitragem, que nasce de um acordo entre as partes. Para os autores, é

necessário um procedimento especial para cada arbitragem.

Deste modo, o procedimento arbitral, por sua flexibilidade, serve de atrativo

para o investidor estrangeiro no Brasil, pois é um meio de fugir das normas

                                                                                                                         140 BORN, Gary B. International Commercial Arbitration. Kluwer Law International. January 15, 2009,

p. 84. 141 LEW, Julian D. M.; MISTELIS, Loukas A.; KRÖLL, Stefan Michael. Comparative International

Commercial Arbitration. Kluwer Law International, 2003, p. 6.

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120  

procedimentais fixadas no Código de Processo Civil brasileiro, que, além de

estabelecer prazos legais que devem obrigatoriamente ser respeitados, quando

aplicado pelo Judiciário, resulta em processos longos e que não necessariamente

combinam com o conflito em questão.

Em suma, resta óbvio, portanto, que a possibilidade de utilização do instituto

da arbitragem comercial internacional, como meio de solução de controvérsias entre

as partes, que poderá ser adaptada às necessidades de cada disputa, em cada caso

concreto, moldada pela própria vontade das partes, encoraje o investidor estrangeiro

a aplicar no Brasil por não deixá-lo a mercê dos procedimentos tipicamente

observados pelo Judiciário nos termos das normas processuais civis brasileiras.

3.2.2 Adequação do procedimento para transações internacionais

O fato de a arbitragem comercial internacional ter sido criada e evoluída

especificamente para tratar de conflitos necessariamente entre partes privadas de

Estados distintos também é um atrativo para o investidor estrangeiro.

Segundo Gary Born142, por mais cruel e rigoroso que possa soar, é inegável o

fato de que algumas cortes nacionais são escolhas penosamente inapropriadas para

resolver disputas de comércio internacional.

O investidor estrangeiro pode ter receio de investir no Brasil também pela

razão de existir um risco de, em caso de conflito entre as partes (investidor e

receptor), ser obrigado a submeter-se a procedimentos criados, exclusivamente,

para resolver conflitos internos.

De acordo com Lew, Mistellis e Kröll143, as partes envolvidas em transações

internacionais têm suas origens em diferentes sistemas legais, políticos, culturais e

                                                                                                                         142 BORN, Gary B. International Commercial Arbitration. Kluwer Law International. January 15, 2009,

p. 78. 143 LEW, Julian D. M.; MISTELIS, Loukas A.; KRÖLL, Stefan Michael. Comparative International

Commercial Arbitration. Kluwer Law International. 2003, p. 6.

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121  

éticos, e a arbitragem comercial internacional é um meio de providenciar um foro no

qual todos esses interesses, de ambas as partes, possam ser protegidos e

respeitados.

Quando um conflito nasce de uma relação entre um investidor estrangeiro e

uma empresa brasileira, não há como esperar que o procedimento adotado pelas

cortes brasileiras seja o mais eficiente para resolver a disputa, uma vez que tais

procedimentos foram criados, prima fácie, para resolver conflitos entre duas partes

brasileiras.

A arbitragem comercial internacional, por outro lado, determina o meio mais

apropriado para a solução de conflitos entre partes existentes em transações

internacionais, visto que foi criada e desenvolvida, bem como evoluiu inteiramente,

nesse sentido a fim de resolver disputas que surgissem, exclusivamente, no cenário

do comércio internacional, proporcionando, assim, maior segurança ao investidor

estrangeiro.

3.2.3 Caráter final e vinculante da sentença arbitral

De uma forma geral, inexiste a possibilidade de interposição de recurso

apelativo da sentença arbitral.

Gary Born144 observa que, nos países mais desenvolvidos, a possibilidade de

revisão judicial de uma sentença arbitral é restrita a questões de equidade

processual, de jurisdição e de ordem pública. Esta observação vem ao encontro da

afirmação de Lew, Mistellis e Kröll145, que são assertivos ao afirmarem que, em

regra, na arbitragem comercial internacional, a decisão dos árbitros será final e

vinculante perante as partes. Para eles, é quase nula a base legal que permite que a

decisão arbitral seja levada para apelação nas cortes estatais com o fundamento de

que a conclusão dos árbitros foi errada.

                                                                                                                         144 BORN, Gary B. International Commercial Arbitration. Kluwer Law International. January 15, 2009. 145 LEW, Julian D. M.; MISTELIS, Loukas A.; KRÖLL, Stefan Michael. Comparative International

Commercial Arbitration. Kluwer Law International, 2003.

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122  

Suponha-se que um conflito resultante da relação de comércio internacional

existente entre um investidor estrangeiro e uma empresa brasileira – receptora de tal

investimento – fosse levado aos tribunais do Judiciário brasileiro. Nesta hipótese, via

de regra, é garantida às partes o segundo grau de jurisdição, que, por sua vez,

garante a reconsideração de matérias tanto de fato quanto de direito. Nas palavras

de Hans Smit:

Se as sentenças arbitrais pudessem ser revistas por erros de fato e de direito, o instituto da arbitragem seria facilmente degenerado e se tornaria um dispositivo que adiciona, ainda, uma outra instância às típicas três instâncias de litigância nas cortes comuns.146 (tradução nossa).

Há quem discorra, entretanto, que, em decorrência da autonomia das partes

na arbitragem comercial internacional, as partes podem concordar em submeter a

sentença arbitral a uma revisão judicial, como explica Gerhard Wagner147. Rowan

Platt148 defende, nessa mesma vertente, que na arbitragem internacional prevalece a

autonomia das partes sobre o caráter final da decisão arbitral.

Entretanto, a regra é pela finalidade da sentença arbitral. Isto porque o caráter

final da sentença arbitral, conforme nota Amy J. Schmitz149, distingue a arbitragem

da mediação e de outros métodos de solução de conflitos não vinculantes, bem

                                                                                                                         146 “If arbitral awards could be reviewed for errors of law or fact, arbitration would easily degenerate

into a device for adding still another instance to the usual three instances of litigation in the ordinary

courts.” (SMIT, Hans. Contractual Modification of the Scope of Judicial Review of Arbitral Awards, 8

Am. Rev. Int’l Arb. 147, 149 (1997).) 147 WAGNER, Gerhard. Arbitration in Germany: The Model Law in Practice, (Kluwer Law International

2007) pp. 82/83 [Part II – Commentary on the German Arbitration Law (10th Book of the German

Code of Civil Procedure), Chapter I – General Provisions, § 1026 – Extent of Court Intervention in

Karl-Heinz Böckstiegel , Stefan Michael Kröll , et al. (eds.)]. 148 PLATT, Rowan. The Appeal of Appeal Mechanisms in International Arbitration: Fairness over

Finality? (2013), Journal of International Arbitration Issue 5, pp. 531-560 (Kluwer Law International

2013, Volume 30). 149 SCHMITZ, Amy J. Ending a mud bowl: Defining arbitration’s finality through functional analysis.

Georgia Law Review. Vol. 37. p. 123-204. 2002.

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123  

como previne que a arbitragem torne-se, meramente, um precursor do litígio nas

cortes Estatais. Redfern e Hunter150 comentam, inclusive, que o termo “sentença

final” (final award) é reservado às sentenças que cumprem a missão de um tribunal

arbitral.

Portanto, sendo a decisão arbitral e estando as partes vinculadas a ela, o

instituto da arbitragem comercial internacional dá maior segurança ao investidor

estrangeiro na medida em que garante: (i) que a decisão, promulgada por experts no

processo arbitral, será final; e (ii) que as partes estarão a ela vinculadas. Além disso,

a decisão irrecorrível impede que mais tempo seja tomado com potenciais

julgamentos de recursos, como ocorre nas cortes Estatais.

3.2.4 Fácil execução

Para Redfern e Hunter151, um compromisso arbitral, assim como qualquer

contrato, deve ser capaz de ser executado de direito. Caso contrário, seria uma

mera declaração de intenção que não garantiria efeitos jurídicos.

No cenário da arbitragem comercial internacional, a fácil execução da

sentença arbitral decorre da Convenção de Nova Iorque. Os países signatários

desta convenção assumem a obrigação de dar efeito a sentenças arbitrais que são

proferidas em outros países, desde que também signatários. Ocorre que, conforme

anteriormente mencionado, quase todos os países, com exceção de nove

economias mundiais (vide Policy Research Working Paper 6632, do Banco Mundial),

são parte da Convenção de Nova Iorque.

Tal situação garante ao investidor estrangeiro parte em uma arbitragem

comercial internacional em face da empresa brasileira receptora do investimento,

seja esta conduzida em qualquer país signatário da Convenção de Nova Iorque, que

aquela decisão deverá ser executada em território brasileiro.

                                                                                                                         150 REDFERN, Alan; HUNTER, J. Martin H. International Arbitration. Oxford University Press, 2009, p.

520. 151 Idem, ibidem, p. 20.

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124  

A sentença arbitral, no Brasil, é título executivo judicial nos termos do artigo

475-N, inciso IV, do Código de Processo Civil. In verbis:

Art. 475-N, CPC. São títulos executivos judiciais:

(...)

IV - a sentença arbitral;

(...)

Segundo Lew, Mistellis e Kröll152, o sistema legal interno deve reconhecer que

as partes acordaram que o juízo arbitral deve fazer a determinação final da disputa

como alternativa ao Judiciário. A lei nacional, portanto, dá efeito à intenção das

partes e pode executar a sentença da mesma forma que faria com uma decisão

nacional.

Deste modo, a certeza de que a decisão arbitral será imposta às

partes, devendo ser executada em território brasileiro, é outro atrativo da arbitragem

comercial internacional que proporciona segurança ao investidor estrangeiro e,

igualmente, estimula a aplicação de investidores estrangeiros em empresas

brasileiras.

3.2.5 Neutralidade

Conforme Gary Born153, um dos objetivos centrais das cláusulas

compromissórias da arbitragem internacional é providenciar um foro neutro para a

resolução da disputa que não tenha ligação com qualquer das partes, ou com seus

respectivos governos. A exemplo de Born, que tratou dessa questão, Redfern e                                                                                                                          152 LEW, Julian D. M.; MISTELIS, Loukas A.; KRÖLL, Stefan Michael. Comparative International

Commercial Arbitration. Kluwer Law International. 2003, p. 7. 153 BORN, Gary B. International Commercial Arbitration. Kluwer Law International. January 15, 2009,

p. 72.

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125  

Hunter154, por sua vez, salientam que a solução de conflitos por meio de arbitragem

internacional propicia às partes a oportunidade de escolher um local neutro para a

resolução da disputa e de escolher um tribunal neutro.

Para Redfern e Hunter155, a corte Estatal de uma das partes será estrangeira,

em muitos sentidos, para a outra, pois tem as suas próprias formalidades, regras,

procedimentos, língua, juízes e advogados. Se um investidor estrangeiro, quando

em conflito com uma empresa brasileira, tivesse que submeter sua causa ao

Judiciário brasileiro, por exemplo, estaria em face de procedimentos que

desconhece, seria obrigado a contratar um advogado pertencente à Ordem dos

Advogados do Brasil para representá-lo devidamente, e teria que traduzir os

documentos para a língua portuguesa. Soma-se a isso, ainda, o fato de a parte

estrangeira correr o risco de entender muito pouco do que está sendo tratado sobre

o seu próprio caso devido ao fato de o caso estar sendo tratado em um idioma que

lhe é estrangeiro, desconhecido.

Além do local neutro, as partes também entram em acordo quanto a um

árbitro imparcial. No caso do tribunal arbitral ser composto de três árbitros, cada

parte escolhe um árbitro (que também deve ser independente e imparcial) e, juntos,

elegem um presidente do tribunal. No caso de um único árbitro, ambas as partes

devem concordar com a nomeação.

Lew, Mistellis e Kröll156 explicam que a neutralidade da arbitragem comercial

internacional é o contraste com a perceptível parcialidade que têm as cortes

nacionais. Para os autores, o tribunal arbitral é independente de qualquer influência

nacional direta.

                                                                                                                         154 REDFERN, Alan; HUNTER, J. Martin H. International Arbitration. Oxford University Press, 2009, p.

31. 155 Idem, ibidem, p. 31. 156 LEW, Julian D. M.; MISTELIS, Loukas A.; KRÖLL, Stefan Michael. Comparative International

Commercial Arbitration. Kluwer Law International, 2003, p. 7.

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126  

Essa neutralidade, justamente por, ideologicamente, permitir que o tribunal

arbitral funcione de uma maneira “desnacionalizada”, é benéfica ao investidor

estrangeiro que opta pela arbitragem comercial internacional. Ela permitirá, por

exemplo, que ele invista em uma empresa brasileira sem receio de ter que submeter

suas disputas a uma corte brasileira que lhe pareça parcial e favorável à parte

brasileira.

3.2.6 Árbitros experts

Conforme Gary Born157, é fundamental, na maioria das tradições legais

nacionais, que os juízes assinalados para os litígios sejam selecionados

aleatoriamente, independentemente de sua experiência ou aptidão com a matéria

envolvida no caso.

Sendo assim, nada garante, por exemplo, que um caso no Brasil, envolvendo

um investidor estrangeiro e uma empresa brasileira, seja julgado por um juiz que

tenha conhecimento profundo do assunto. Este fator é preocupante porque a falta de

conhecimento, pelo juiz da corte nacional, em assuntos complexos de comércio

internacional - mais especificamente, de investimento internacional privado - pode

comprometer não somente a eficiência, como também a qualidade do processo,

uma vez que uma decisão proferida por um expert em investimentos obviamente

dará maior segurança às partes envolvidas na arbitragem.

Lew, Mistellis e Kröll158 comentam sobre o tema em questão, e defendem que

a escolha de árbitros com conhecimento específico e entendimento da matéria

envolvida resulta na credibilidade e confiança depositadas pelas partes no processo

arbitral.

                                                                                                                         157 BORN, Gary B. International Commercial Arbitration. Kluwer Law International. January 15, 2009,

79. 158 LEW, Julian D. M.; MISTELIS, Loukas A.; KRÖLL, Stefan Michael. Comparative International

Commercial Arbitration. Kluwer Law International, 2003, p. 8.

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127  

Concorda-se com os autores supracitados, principalmente quando os litígios

envolvem investimentos estrangeiros que tratem de matérias complexas sobre as

quais juízes de cortes estatais não tenham conhecimento avançado, tampouco a

“expertise necessária” para a resolução da disputa. Ressalta-se a extrema

importância da escolha de árbitros que tenham conhecimento aprofundado do

assunto para resolver acerca do caso, uma vez que tal escolha torna a possibilidade

de solução de conflitos, por meio de arbitragem comercial internacional, ainda mais

vantajosa para as partes, na medida em que garante maior segurança jurídica no

conteúdo da decisão a ser proferida por experts.

3.2.7 Confidencialidade

Um aspecto adicional relacionado ao objetivo da arbitragem comercial

internacional é o de constituir um mecanismo de solução de conflitos que seja

confidencial. Conforme defendem Redfern e Hunter159, a privacidade dos

procedimentos arbitrais, bem como a confidencialidade que envolve o processo, são

poderosos atrativos para empresas e instituições que podem vir a se tornar parte em

procedimentos legais.

Muitos podem ser os motivos das partes envolvidas no litígio para não

desejarem que sua disputa se torne pública, muito menos o seu conteúdo. O

processo arbitral pode envolver informações confidenciais das partes envolvidas,

bem como práticas de competitividade etc., que tornam prejudicial a publicidade do

processo, ou as partes podem, simplesmente, sofrer consequências de marketing ao

terem seu litígio tornado público. A confidencialidade, nesses casos, protege o

interesse das partes.

Redfern e Hunter160 salientam que as partes que se preocuparem em garantir

a confidencialidade do processo, mesmo que essa seja a regra geral, devem incluir

                                                                                                                         159 REDFERN, Alan; HUNTER, J. Martin H. International Arbitration. p. 1. Oxford University Press,

2009, p. 33. 160 Idem, ibidem, p. 136.

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128  

termos de confidencialidade na cláusula arbitral, ou até mesmo firmar um acordo de

confidencialidade em separado.

A propósito deste tema, Lew. Mistellis e Kröll161 ensinam que, em decorrência

da confidencialidade do procedimento arbitral – que, por sua vez, deriva do caráter

privado da arbitragem comercial internacional –, apenas as partes litigantes, seus

representantes legais e aqueles especificamente autorizados podem atender às

audiências de arbitragem.

Para o investidor estrangeiro, a publicidade do processo conduzido pelo

Judiciário brasileiro pode ser prejudicial na medida em que possibilita que

concorrentes tomem conhecimento de informações disponíveis no processo, bem

como atendam a audiências. O processo público torna uma parte possível alvo da

contraparte, inclusive fora do processo, dado que esta pode divulgar informações

prejudiciais àquela. Por outro lado, sendo regido pelo princípio da autonomia das

partes, as partes, na arbitragem comercial internacional, também podem optar pela

publicidade do processo.

3.2.8 Rapidez e custos do processo

Lew, Mistellis e Kröll162 salientam que, teoricamente, a arbitragem é mais

rápida do que os procedimentos das cortes nacionais.

Se os processos da arbitragem forem contrastados com os processos

conduzidos pelo Judiciário no Brasil, que é conhecido por sua morosidade, este

realmente é o caso, pois enquanto um processo no Brasil dura anos, às vezes

décadas, os procedimentos arbitrais duram, em média, doze meses. Mesmo as

arbitragens comerciais internacionais muito importantes, que superam esse período,

                                                                                                                         161 LEW, Julian D. M.; MISTELIS, Loukas A.; KRÖLL, Stefan Michael. Comparative International

Commercial Arbitration. Kluwer Law International. 2003, p. 8. 162 Idem, ibidem, p. 8.

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129  

chegam a durar de 18 a 36 meses163, tempo este que ainda é muito inferior se

comparado à duração média dos processos no Judiciário brasileiro.

Para o investidor estrangeiro, o tempo mais curto da arbitragem, por si só,

não é o único benefício. Ele também avalia aspectos relacionados ao custo da

arbitragem, o que pode levá-lo a ter certa resistência em optar por ela.

Entretanto, por mais que ainda exista resistência quanto à arbitragem com

base em supostos altos custos, em alguns casos esta pode ser a solução mais

econômica. Por envolver operações financeiras do investidor estrangeiro na

empresa brasileira - operações estas que podem gerar conflitos e altos valores

econômicos -, o prejuízo na espera por uma decisão do Judiciário pode ser muito

maior do que aquele que se dispende com o procedimento arbitral. Conforme

argumenta o advogado Alvaro de Carvalho Pinto Pupo164, “tempo é dinheiro e, com

um processo arbitral, é possível uma grande economia, principalmente com uma

arbitragem eficaz e idônea”.

Gary Born165 sustenta que a dispensa de recursos apelativos da sentença

arbitral também diminui custos com os quais as partes arcariam no procedimento

das cortes Estatais. Para ele, a arbitragem também tem custo menor quando existir

a possibilidade de processos paralelos, tramitando em cortes nacionais distintas. O

autor explica que é possível que seja atingida ótima rapidez do processo arbitral

quando se redige uma cláusula arbitral que não dá margem para atrasos ou custos

desnecessários.

                                                                                                                         163 BORN, Gary. International Commercial Arbitration. Kluwer Law International. January 15, 2009, p.

86. 164 PUPO, Alvaro de Carvalho Pinto. Migalhas. Advogado compara custos da arbitragem com o

Judiciário. 26 de janeiro de 2014. Disponível em:

<http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI194127,11049-

Advogado+compara+custos+da+arbitragem+com+o+Judiciario>. Acesso em: 30 jun. 2014. 165 BORN, Gary. International Commercial Arbitration. Kluwer Law International. January 15, 2009, p.

82.

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130  

Em suma, tanto a rapidez quanto o custo do procedimento arbitral mostram-

se como vantagens da arbitragem comercial internacional, servindo de atrativos para

a utilização do instituto cuja existência e possibilidade de aplicação no Brasil, por

sua vez, estimulam o investimento de estrangeiros em pessoas de direito privado

brasileiras.

3.3 Segurança e efetividade da arbitragem como meio alternativo de solução de conflitos

Gary Born166 explica que as razões pelas quais os sujeitos do comércio

internacional dos dias atuais decidem submeter suas disputas à arbitragem são

similares às dos comerciantes da Europa Medieval: a arbitragem é um meio de

superar as dificuldades peculiares e incertezas legais de litígios internacionais

submetidos às cortes Estatais.

Deste modo, considerando-se as vantagens da arbitragem comercial

internacional apontadas nesta tese, conclui-se que o resultado da equação formada

por todos os elementos apontados, tais como a flexibilidade e a adaptabilidade do

procedimento, bem como a rapidez do processo, é pela maior efetividade da

arbitragem internacional comparada ao processo civil do Judiciário brasileiro.

Adriana Noemi Pucci167 ensina que a ciência econômica define o investimento

estrangeiro ou internacional como toda aplicação de recursos em atividade

econômica, bem como o desenvolvimento dessa atividade econômica, feita pelo

nacional de um Estado em outro Estado, receptor do investimento. Remetendo a

Dominique Carreau, Patrick Juillard e Thiebaut Flory, Pucci explica que, para

caracterizar um investimento estrangeiro, essa aplicação de recursos deve ser por

um período de médio ou de longo prazo, e o investidor deve assumir os riscos da

operação.

                                                                                                                         166 Idem, ibidem, p. 31. 167 PUCCI, Adriana Noemi. Arbitragem e Investimentos estrangeiros. Revista Brasileira de Arbitragem.

Ano I. Nº 2. Abr-Jun de 2004, p. 7-31.

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131  

Cumpre a esta tese mostrar que a solução de conflitos entre partes privadas

de diferentes Estados por meio da arbitragem comercial internacional é um meio de

mitigar os riscos assumidos pelo investidor estrangeiro no Brasil. Por tal razão, a

possibilidade de utilização do instituto da arbitragem comercial internacional, como

forma de garantir maior segurança jurídica ao investidor estrangeiro, se comparada

aos litígios submetidos às cortes Estatais, pode ser um atrativo para investimentos

em empresas de países nos quais o uso do instituto arbitral é possível.

Sophie Pouget, responsável pelo “Arbitrating Commercial Disputes indicators”,

do grupo do Banco Mundial, defende que

Um regime efetivo de arbitragem comercial tem especial importância para o investidor estrangeiro. Ele possibilita às partes autonomia para a criação de um sistema de solução de conflitos, feito sob medida para disputas cada vez mais complexas. Os investidores estrangeiros enxergam a arbitragem como um meio de mitigar riscos ao propiciarem segurança jurídica aos direitos de execução, devido processo legal e acesso à justiça.168 (tradução nossa).

Isto porque apenas nove economias não ratificaram a Convenção de Nova

Iorque sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras.

O Brasil não está entre essas nove economias, dado que a referida convenção foi

ratificada, no país, por meio do Decreto nº 4.311, de 23 de julho de 2002, o que

garante ao investidor estrangeiro no Brasil a execução de sentença proferida por

meio de arbitragem comercial internacional.

Para o estrangeiro que investe em empresa brasileira, a possibilidade de

solucionar conflitos por meio de arbitragem comercial internacional também é algo

                                                                                                                         168 “An effective commercial arbitration regime matters for foreign Investors. It gives parties the

autonomy to create a dispute resolution system tailored to increasingly complex disputes. Foreign

Investors view arbitration as a way to mitigate risks by providing legal certainty on enforcement rights,

due process, and access to justice.” (POUGET, Sophie. Arbitrating and Mediating Disputes -

Benchmarking Arbitration and Mediation Regimes for Commercial Disputes Related to Foreign Direct

Investment. Policy Research Working Paper 6632. The World Bank; Financial and Private Sector

Development Network; Global Indicators and Analysis Department. Oct.2013. Disponível em:

<http://elibrary.worldbank.org/doi/pdf/10.1596/1813-9450-6632>. Acesso em: 20 fev. 2014.)

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132  

que lhe garante segurança jurídica no que tange à duração do litígio. No supracitado

artigo, Sophie Pouget169 demonstra, a partir de dados de pesquisa, que a duração

média de procedimentos arbitrais a nível global é de 326 dias. Entretanto, se esses

dados forem comparados com a realidade enfrentada pelo Judiciário brasileiro, o

quadro que temos é bem diferente, uma vez que, no Brasil, o Judiciário demora

anos, por vezes décadas, para proclamar a decisão final de um processo.

Conforme Adriana Noemi Pucci170, a “arbitragem é um instituto que goza do

respeito e da aceitação dos Estados e dos investidores estrangeiros”. A autora

ressalva que os países da América Latina reavaliaram as vantagens da resolução de

conflitos por meio da arbitragem na última década do século XX, aprovando novas

legislações e modernizando o instituto. Conclui que a ratificação das principais

convenções internacionais relacionadas ao tema levou a arbitragem a ser aceita

como um mecanismo de resolução de disputas em matéria de investimentos

estrangeiros.

3.3.1 Insegurança jurídica do Judiciário brasileiro

Armando Luiz Rovai171, ao tratar sobre o tema "Desenvolvimento do Novo

Código Comercial Brasileiro e os desafios de uma economia emergente", sob a

premissa de que “Um país economicamente forte está assentado em indústrias,

comércio, serviços e, principalmente, em tecnologia, e essas atividades só florescem

em terreno institucional firme”, defendeu a arbitragem como solução alternativa de

conflitos, em se tratando de disputas envolvendo contratos, negócios e relações

                                                                                                                         169 “The data also show that, globally, arbitration proceedings take 326 days on average (...)”. (Idem,

ibidem.) 170 PUCCI, Adriana Noemi. Arbitragem e Investimentos estrangeiros. Revista Brasileira de Arbitragem.

Ano I. Nº 2. Abr-Jun de 2004, p. 7-31. 171 Dr Armando Luiz Rovai é Presidente da Junta Comercial do Estado de São Paulo, professor de

Direito Comercial da PUC-SP, palestrante em Direito Comercial, doutor em Direito pela Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e mestre em Direito pela Presbiteriana Mackenzie.

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133  

entre empresas, empresários e investidores nacionais e estrangeiros.172 (ANEXO 3 –

Doutrina).

Segundo o autor173, em um cenário brasileiro em que o empresariado, de

modo geral, necessita de segurança, estabilidade e norte claro para investir, essa

via alternativa tem se mostrado como um eficiente caminho, se considerado o alto

custo das ações judiciais, o excesso de entraves burocráticos provocados pela

legislação e, ainda, a insegurança jurídica causada pela diversidade de decisões

judiciais em situações colidentes. Ademais, devido à insegurança jurídica nas

soluções de conflitos no Brasil, observa-se crescente busca no país por uma

alternativa mais viável.

Para se ter uma ideia mais abrangente do problema, ilustra-se essa questão

com o seguinte extrato de texto, extraído do jornal Valor Econômico, em matéria

publicada em 04/02/2014:

As empresas brasileiras estão presentes em 83% das ações judiciais que tramitam no país e gastam muito para se defender, entrar ou manter processos no Judiciário. O comprometimento de suas finanças chega a quase 2% do que faturam em um ano. Percentual que, em 2012, representou R$ 110,96 bilhões (...).174

Os dados utilizados na referida matéria foram extraídos do estudo “Custo das

empresas para litigar judicialmente”, que busca qualificar e quantificar o quanto as

empresas brasileiras despendem anualmente em questões levadas ao Judiciário. O

levantamento foi desenvolvido a partir da análise de processos judiciais, conforme

                                                                                                                         172 ROVAI, Armando Luiz. “Desenvolvimento do Novo Código Comercial Brasileiro e os desafios de

uma economia emergente.” Palestra proferida no Institute of Advanced Legal Studies, em Londres,

Inglaterra, em 04 jun. 2014. (Os trechos desta palestra mencionados nesta Tese encontram-se na

parte dos Anexos, em “ANEXO 3 – Doutrina”. Portanto, este autor será doravante referenciado nesta

tese como “ANEXO 3 – Doutrina”.) 173 ANEXO 3 – Doutrina. 174 AMARAL, Gilberto do. Gasto de empresas com processos chega a R$ 110 bi. Valor Econômico.

04/02/2014. Disponível em: <http://www.valor.com.br/legislacao/3418112/gasto-de-empresas-com-

processos-chega-r-110-bi>.

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relatório “Justiça em Números”, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O autor da

mesma reportagem informa, também, que,

Em 2012, conforme a pesquisa, existiam 74, 38 milhões de ações na Justiça das quais as empresas faziam parte – como autoras ou rés. As grandes companhias estavam presentes em 53,4% delas e o gasto de manutenção desses processos correspondeu a 1,67% do faturamento. O número médio de ações por empresas desse porte foi de 186. Já as médias responderam por 23,8% dos processos e comprometeram 1,89% de seu faturamento e as pequenas participaram de 22,80% das ações e gastaram o equivalente a 1,43% do que ganharam em 2012.175

Ainda segundo informação veiculada na supracitada matéria, os custos

judiciais e extrajudiciais alcançaram um montante de R$ 23 bilhões, enquanto que

os gastos com advogados chegaram a quase R$ 17 bilhões. Perícias (R$ 2,1 bi),

viagens e hospedagens (R$ 529 milhões), valores usados com pessoal e sistemas

de controle (R$ 2 bilhões) também eram componentes dessa conta. O maior

montante, porém, foi pago pelas empresas condenadas em processos finalizados

em 2012. A conta com multas, encargos legais e indenizações (como danos morais)

correspondeu a R$ 65 bilhões naquele ano.

Para piorar esse quadro previamente descrito, o número de casos novos

destinados aos juizados, em todo o país, representa um percentual cada vez mais

alto do total de processos que entram nos tribunais. Além disso, a desproporção

entre a carga de processos novos e o número de magistrados se repete em quase

todo o Brasil.

Conforme observa Selma Lemes, advogada que há nove anos faz o

levantamento “Análise da Pesquisa Arbitragem em Números”, as empresas estão

percebendo que, em muitos casos, é preferível solucionar a questão por arbitragem,

por ser mais ágil e menos dispendiosa que uma ação judicial, contando, ainda, com

o benefício da possibilidade de novos negócios entre as partes. A autora salienta

que, “por ser um método de solução de conflitos consensual, a arbitragem permite

                                                                                                                         175 Idem, ibidem.

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135  

que as empresas façam novos negócios. Enquanto no Judiciário, devido ao

desgaste maior, as partes saem quase como inimigas”.176

Neste contexto, Rovai177, em definição do que seja “o mais avassalador e

cruel dos sintomas do nefasto "custo Brasil” – expressão que sintetiza as várias

dificuldades do empresariado”, enfatiza que a arbitragem tem se mostrado, via de

regra, como uma eficiente alternativa para as soluções de eventuais disputas no

meio empresarial.

Na mesma linha de considerações que Armando Luiz Rovai, que, na palestra

"Desenvolvimento do Novo Código Comercial Brasileiro e os desafios de uma

economia emergente", proferida em junho de 2014, no Institute of Advanced Legal

Studies, em Londres, discorreu sobre a constatação a respeito da crescente a

utilização da arbitragem no Brasil para solução de conflitos no Brasil, Tadeu Rover178

salienta: “O número de arbitragens iniciadas nas maiores câmaras brasileiras

cresceu 47% entre 2010 e 2013, sendo a maioria sobre questões societárias.”

Ainda sobre o mesmo tema, Selma Lemes salienta que houve efetivo

aumento de 128 para 188 casos em quatro anos. Ao todo, foram iniciados 603

procedimentos, envolvendo quase R$ 16 bilhões. Esse quadro representa uma

média de 150 casos novos por ano. Também como consequência desse quadro, “o

estudo mostra que é cada vez maior a aceitabilidade da arbitragem no Brasil”.179

                                                                                                                         176 LEMES, Selma. Números mostram maior aceitação da arbitragem no Brasil. Disponível em:

<http://www.conjur.com.br/2014-abr-10/selma-lemes-numeros-mostram-maior-aceitacao-arbitragem-

brasil>. Acesso em: 12 ago. 2014. 177 ANEXO 3 – Doutrina. 178 ROVER, Tadeu. Arbitragem no Brasil cresce 47% em quatro anos. Revista Consultor Jurídico. 10

abr. 2014. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2014-abr-10/casos-arbitragem-brasil-crescem-

47-quatro-anos-aponta-pesquisa>. Acesso em: 10 mai. 2014. 179 LEMES, Selma. Números mostram maior aceitação da arbitragem no Brasil. Disponível em:

<http://www.conjur.com.br/2014-abr-10/selma-lemes-numeros-mostram-maior-aceitacao-arbitragem-

brasil>. Acesso em: 12 ago. 2014.

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136  

O estudo de Selma Lemes é de extrema relevância para a área, uma vez que

reúne, pela primeira vez, dados das seis maiores câmaras brasileiras: Centro de

Arbitragem da Amcham–Brasil; Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio

Brasil-Canadá (CCBC); Câmara de Mediação, Conciliação e Arbitragem de São

Paulo (Ciesp/Fiesp); Câmara de Arbitragem do Mercado (CAM); Câmara de

Arbitragem da Fundação Getúlio Vargas (CAM/FGV); e Câmara de Arbitragem

Empresarial- Brasil (Camarb).

Em São Paulo estão as duas câmaras com mais arbitragens: a CCBC e a

Ciesp/Fiesp. Juntas, concentram 69% dos procedimentos arbitrais iniciados.

Segundo a autora, os valores envolvidos nessas câmaras (na cifra de R$ 10 bilhões)

demonstram que, por meio delas, são analisados os contratos mais complexos e de

valores mais elevados. Assevera, entretanto, que todas as câmaras analisadas

possuem estrutura para esse tipo de litígio. Não obstante o aumento do número de

processos, tal levantamento não representa o universo de casos brasileiros. Isto

porque há outras câmaras nacionais que não foram consideradas na referida

pesquisa, além de muitos casos serem levados diretamente à Corte Internacional de

Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional. Mesmo considerando esta

lacuna, o Brasil mostra grande aumento na quantidade de procedimentos arbitrais

utilizados. Nesse sentido, a autora observa que

O Brasil figura como o 4º país com maior número de arbitragens, estando na nossa frente USA, Alemanha e França (estatísticas de 2012). (...) Em 2012, o número de casos envolvendo partes brasileiras na CCI (82) representa quase 52% do número total de arbitragens iniciadas nas seis câmaras pesquisadas (158).180

O número de casos na Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de

Comércio Internacional deve-se ao fato de ser uma instituição quase centenária na

administração de arbitragens em nível global, com ampla capilaridade, experiência e

adaptada à diversidade cultural, podendo manejar com facilidade disputas

internacionais em sistemas jurídicos de civil law e comom law, além de possuir

regulamento de conhecimento generalizado e de fácil aplicação.                                                                                                                          180 Idem, ibidem.

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137  

O maior volume de arbitragens processadas é composto por questões

societárias, abordando, em geral, matérias vinculadas aos acordos de acionistas e

outras pendências entre sócios vinculadas à administração da sociedade. Na

Amcham e na CAM, as questões societárias representam quase 40% dos casos

iniciados em 2013. Somente na Amcham, no ano de 2012, essa matéria representou

59% dos novos casos.

Em segundo lugar, o tema com mais conflitos levados à arbitragem trata de

matérias de construção civil e energia. Armando Luiz Rovai observa que

(...) não basta afirmar que para o bom funcionamento do direito comercial, na economia globalizada, apenas necessita da organização de um sistema de solução de conflitos por arbitragem, pois, sem um judiciário atuante, principalmente na esfera econômica, não se garante direito e justiça para todos. (ANEXO 3 - Doutrina).

Para a ampliação da segurança jurídica das relações entre os empresários,

bem como para o desenvolvimento da economia nacional e a atração de

investimentos, defende Rovai, é imprescindível que a legislação de direito

empresarial seja objeto de reforma, no sentido de haver necessidade de elaboração

de um novo Código da Atividade Negocial que substitua e sistematize as

disposições hoje dispersas sobre a matéria. O autor entende, também, necessário à

segurança jurídica o apoio de um bom Judiciário, “já que ele é o maior responsável

pela garantia de direitos como o de propriedade e o cumprimento de contratos”.

(ANEXO 3 - Doutrina).

Segundo a visão do Banco Mundial, três elementos devem caracterizar um

bom Judiciário: independência (capaz de tomar decisões sem a interferência dos

outros Poderes); força (poder de coerção e de polícia para fazer valer as suas

decisões); e eficiência gerencial (recursos e estrutura para evitar a morosidade).

Em suma, um judiciário eficiente contribui das mais diversas maneiras para o

crescimento econômico, protegendo a propriedade e os direitos contratuais e

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138  

fornecendo um ambiente seguro para o desenvolvimento e o progresso. Nesse

sentido, Armando Luiz Rovai pondera:

Valores que norteiam o direito são essenciais para conceder segurança jurídica, tornando o processo mais célere, considerando o custo do direito moroso que é pago por toda a sociedade. A importância e valoração do direito comercial na economia globalizada está principalmente no implemento e no incentivo da atividade negocial, na atração de investimentos num ambiente de total segurança jurídica. (ANEXO 3 - Doutrina).

3.3.2 Risco-Brasil

Soma-se à atual situação de insegurança jurídica que o Judiciário brasileiro

transparece ao investidor estrangeiro o risco financeiro que também existe ao se

fazer um investimento no Brasil, que podemos chamar de Risco-Brasil.

O economista Érik Dominik181 explica que o chamado Risco-país é uma

medida hipotética de análise do país relacionada com o investimento financeiro em

comparação com o resto do mundo, no qual é analisada a instabilidade econômica

do país, in casu, o Brasil.

Essa medida considera diversos indicadores, tais como: dívida pública;

capacidade de pagamento; tamanho do déficit público; taxas de juros; e taxas de

câmbio.

O Risco-Brasil serve para facilitar a decisão do investidor estrangeiro de

aplicar ou não seus recursos em títulos brasileiros, mas a situação atual do Brasil

não é muito favorável ao investidor estrangeiro.

Ao tratar desse tema, o Tesouro Nacional182 indica as seguintes as

implicações da classificação do Risco-Brasil:

                                                                                                                         181 DOMINIK, Érik Campos. Mitos e Verdades sobre o Risco Brasil e o Custo Brasil. Revista Espaço

Acadêmico. n. 50. Julho/2005. 182 Tesouro Nacional. Classificação de risco da República Soberana do Brasil. Disponível em:

<https://www.tesouro.fazenda.gov.br/en/classificacao-de-risco>. Acesso em 13 ago. 2014.

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139  

• À medida que impacta o custo de financiamento do soberano, os ratings podem afetar fortemente a flexibilidade fiscal de um governo;

• Na maioria dos casos, os ratings determinam um teto ou uma referência para o risco das empresas e do setor financeiro de um país, afetando os custos de financiamento do setor privado no mercado;

• É determinante para o apreçamento do risco dos empréstimos bancários (muitos bancos internacionais se baseiam nos ratings públicos para sua avaliação de risco) que, por sua vez, afeta os preços das linhas de crédito;

• Serve de guia para investidores institucionais regulados, como fundos de pensão e companhias de seguro, tendo em vista a alocação de recursos no país;

• O rating soberano, junto com a publicidade associada a ele, serve como referência comum para investidores estrangeiros e sua disponibilidade de investimento no país;

• É um componente importante da formação das percepções externas sobre o risco e suas tendências.

 

Os participantes do mercado classificam as referidas notas em dois grupos:

Grau Especulativo (D até BB+) e Grau de Investimento (BBB- até AAA), conforme

consta na lista abaixo:

Grau de investimento

AAA ou Aaa

AA+ ou Aa1

AA ou Aa2

AA- ou Aa3

A+ ou A1

A ou A2

A- ou A3

BBB+ ou Baa1

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BBB ou Baa2

BBB- ou Baa3

Grau especulativo

BB+ ou Ba1

BB ou Ba2

BB- ou Ba3

B+ ou B1

B ou B2

B- ou B3

CCC ou Caa

CC ou Ca

C

D (já inadimplente)

Desta forma, é possível atribuir significados às notas, conforme ilustrado na

tabela183 a seguir.

Nota Significado

AAA Garantias máximas, risco remoto.

AA Fortes garantias; riscos muito baixos.

                                                                                                                         183 PERIN JR., Écio. Investment Grade, realidade ou ficção? Traz nova porta de acesso a capital para

empresas? Responsabilidade Civil das Agências de Avaliação de Risco (“Rating Companies”). Slide

7. Disponível em: <http://xa.yimg.com/kq/groups/21945684/1683210267/name/Slide+Parte+1+-

+Investment+Grade-Rating.ppt>. Acesso em: 14 ago. 2014.

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141  

Nota Significado

A Garantias satisfatórias; risco baixo.

BBB Garantias adequadas; risco moderado.

BB Garantias modestas; risco mediano.

B Garantias sofríveis; risco considerável.

CCC Indícios de default; risco alto.

CC Default recorrente; risco muito alto.

C Default provável; risco máximo.

D Obrigação em default.

 

Também de acordo com o Tesouro Nacional,

Oficialmente, o Brasil possui contrato para classificação de seu risco de crédito com as seguintes agências: Standard & Poor´s (S&P), Fitch Ratings (Fitch) e Moody´s Investor Service. Adicionalmente, outras agências internacionais monitoram regularmente o risco de crédito do país, como a canadense Dominion Bond Rating Service (DBRS), as japonesas Japan Credit Rating Agency (JCR) e Rating and Investment Information (R&I), a coreana NICE Investors Service e a chinesa Dagong Global Credit Rating.184

Conforme notícia publicada no jornal eletrônico G1185, a agência Standard &

Poor’s (S&B) rebaixou a nota do Brasil em 2014, apesar de o país continuar a ser

classificado como “grau de investimento”, o que mantém o país como recomendável

para o destino de aplicações estrangeiras.

Entretanto, a nota atual do Brasil, “BBB”, é o último passo antes de a

credibilidade financeira das empresas brasileiras cair para o grau especulativo. Se

isso ocorrer, dificultará, mais ainda, a atração de investidores estrangeiros no Brasil.

                                                                                                                         184 Tesouro Nacional. Classificação de risco da República Soberana do Brasil. Disponível em:

<http://www.tesouro.fazenda.gov.br/en/classificacao-de-risco>. Acesso em: 13 ago. 2014. 185 G1. Jornal Eletrônico - 24/03/2014. Agência de risco Standard & Poor's rebaixa nota do Brasil.

Disponível em: <http://g1.globo.com/economia/noticia/2014/03/agencia-de-risco-standard-poors-

rebaixa-nota-do-brasil.html>. Acesso em: 23 jun. 2014.

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142  

Identificada a insegurança jurídica oferecida pelo Judiciário brasileiro, somada

à insegurança financeira demonstrada pelo Risco-Brasil, tem-se um cenário pouco

atrativo para os investidores financeiros. Nesta tese, defende-se que esse quadro

pode ser amenizado pela possibilidade de utilização de arbitragem comercial

internacional para a solução de conflitos provenientes das relações entre empresas

brasileiras e investidores estrangeiros devido às vantagens e benefícios já

apresentadas neste trabalho.

3.4 Responsabilidade do árbitro na Arbitragem Comercial Internacional

Considera-se importante ressaltar nesta tese que, além de todas as

vantagens existentes no procedimento da arbitragem comercial internacional que a

diferenciam do que ocorre nas cortes nacionais, também poderá ocorrer, em alguns

casos, responsabilização civil do árbitro.

Redfern e Hunter186 explicam que, na arbitragem internacional, a posição de

quem decide (árbitro) difere da do juiz das cortes nacionais, os quais, de maneira

geral, recebem imunidade – isto é, estão blindados – em relação a qualquer

potencial responsabilização resultante do exercício da função jurisdicional.

Defendem que deve haver ponderação entre as sanções que podem ser aplicadas

aos árbitros que exercem sua função de maneira descuidada ou desapropriada e o

requisito essencial de um tribunal arbitral poder exercer sua função sem receio

constante de poder ser responsabilizado e acionado judicialmente pelo exercício de

sua função.

Gary Born187 salienta que os sistemas legais mais evoluídos impõem

obrigações legais aos árbitros, que podem ser garantidas por diferentes

                                                                                                                         186 REDFERN, Alan; HUNTER, J. Martin H. International Arbitration. Oxford University Press, 2009, p.

313. 187 BORN, Gary B. International Commercial Arbitration. Kluwer Law International. January 15, 2009,

p. 1595.

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143  

mecanismos, incluindo: a responsabilização civil do árbitro; a perda do direito à

remuneração; a extinção do mandato; e as proibições quanto a indicações futuras.

O autor188 também observa que, ao mesmo tempo, os árbitros internacionais

gozam de importantes direitos e proteções legais em virtude do contrato do árbitro,

bem como da lei aplicável ao caso, o que pode incluir direito à remuneração, a ter

cooperação das partes envolvidas no decurso do processo arbitral e, mais

importantemente, imunidade quanto à sua responsabilidade. Quanto a este último

item, remete ao caso Methanex Motunui Ltd v Spellman para explicar que tribunais

já decidiram que a imunidade do árbitro não se aplica em casos em que este for

responsável por fazer juízos baseados em suas próprias expertise e investigações.

Ainda sobre esse tema, Lew, Mistelis e Kröll189 explicam que a Suprema Corte

da Áustria já decidiu, inclusive, que a imunidade garantida ao árbitro internacional

em virtude de sua “função jurisdicional” não se estende aos casos em que houver

violação do dever de informar, dever de transparência do árbitro, hipótese em que

será considerada como descumprimento de contrato, e, portanto, sujeita a

responsabilização. Ressaltam, ainda, que a relevância da limitação da imunidade

garantida ao árbitro internacional dependerá da interpretação e constatação de dolo

ou má-fé.

Gary Born190 observa que muitas jurisdições, incluindo a Inglaterra, França,

Suíça, Estados Unidos, Alemanha, Áustria e Finlândia, já decidiram no sentido de

que as obrigações do árbitro perante as partes, e vice-versa, são determinadas por

contrato. Consequentemente, a responsabilidade do árbitro, por falhas no exercício

de sua função, também pode ter a sua extensão determinada contratualmente.

                                                                                                                         188 Idem, ibidem, p. 230. 189 LEW, Julian D. M.; MISTELIS, Loukas A.; KRÖLL, Stefan Michael. Comparative International

Commercial Arbitration. Kluwer Law International, 2003. 190 BORN, Gary B. International Commercial Arbitration. Kluwer Law International. January 15, 2009,

p. 1599.

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144  

De acordo com Susan Franck191, o instituto da arbitragem comercial

internacional passou a sofrer crescentes “ataques”, mediante a instauração de

processos em face de árbitros, devido à má conduta destes, somada ao risco de

manipulação dos mesmos.

Andrew Guzman192, adotando o regime de “responsabilidade do árbitro”,

sustenta que as partes de uma arbitragem têm o direito de acionar o árbitro se este

falhar na aplicação de normas obrigatórias.

Ramon Mullerat193 aponta que, em decorrência da natureza contratual entre

as partes e o árbitro internacional, dentro dessa relação reside a possibilidade de o

árbitro ser responsabilizado perante as partes, por direito contratual, em caso de

violação do contrato. Explica que o contrato existente entre as partes e o árbitro

dispõe de obrigações implícitas e explícitas, negociadas entre as partes, mas

também existem normas de aplicação obrigatória, como, por exemplo, o dever de

exercer sua função com boa-fé e aplicar as normas mandatórias no processo

arbitral.

Para Alan Redfern e Martin Hunter194, as obrigações do árbitro são divididas

em três categorias: obrigações contratadas pelas partes, obrigações impostas por lei

e obrigações éticas, sendo que a inobservância de quaisquer de tais obrigações

pode dar ensejo à responsabilização civil do árbitro internacional.

                                                                                                                         191 FRANCK, Susan. The Liability of International Arbitrators: A Comparative Analysis and Proposal for

Qualified Immunity. New York Law School Journal of International and Comparative Law, Vol. 20, No.

1, 2000, p. 2. 192 GUZMAN, Andrew. Arbitrator Liability: Reconciling Arbitration and Mandatory Rules. Duke Law

Journal. Vol. 49, 2000, p. 1281. 193 MULLERAT, Ramon; Blanch, Juliet. The Liability of Arbitrators: a Survey of Current Practice, in

Dispute Resolution International – International Bar Association, Vol. 1, Nº 1, June 2007, p. 99-123. 194 REDFERN, Alan; HUNTER, J. Martin H. International Arbitration. Oxford University Press, 2009, p.

313.

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145  

Mullerat195 considera que o árbitro internacional poderá ser responsabilizado

civilmente, por danos causados: (i) às partes, por inadimplência das obrigações

legais contratadas com estas; (ii) à instituição arbitral, caso falhe em aplicar as

normas institucionais aplicáveis; (iii) a todos que estejam envolvidos no

procedimento arbitral, como advogados, experts e testemunhas, por violação de

confidencialidade; e (iv) a terceiros que possam sofrer danos em decorrência de

ações culpáveis do árbitro no exercício de sua função.

Em suma, considerando o acima exposto, quando um investidor estrangeiro

optar por solucionar seus conflitos com o brasileiro receptor mediante arbitragem

comercial internacional, julga-se seguro que seja contratada, especificamente, a

extensão da responsabilidade do árbitro a fim de que sejam evitadas frustrações

causadas pela imunidade garantida genericamente no exercício da função

“jurisdicional” que tais profissionais exercem, dada a liberdade do árbitro e

flexibilidade dos procedimentos inerentes à arbitragem comercial internacional – o

que gera difícil constatação de descumprimento de obrigações.

3.4.1 Responsabilidade do árbitro na lei brasileira

Nas arbitragens comerciais internacionais em que houver a aplicação da lei

brasileira, a função do árbitro poderá ser equiparada à função do juiz e, na mesma

medida, o árbitro poderá sofrer as mesmas responsabilizações a que estes estão

sujeitos, por força do artigo 14 da Lei de Arbitragem, que dispõe:

Art. 14. Estão impedidos de funcionar como árbitros as pessoas que tenham, com as partes ou com o litígio que lhes for submetido, algumas das relações que caracterizam os casos de impedimento ou suspeição de juízes, aplicando-se-lhes, no que couber, os mesmos deveres e responsabilidades, conforme previsto no Código de Processo Civil. (grifo nosso).

Nesse sentido, Francisco Gonçalves Neto pensa ser importante determinar a

natureza jurídica da relação entre os árbitros e as partes para que possa ser

                                                                                                                         195 MULLERAT, Ramon; Blanch, Juliet. The Liability of Arbitrators: a Survey of Current Practice, in

Dispute Resolution International – International Bar Association, Vol. 1, Nº 1, June 2007, p. 99-123.

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alcançada a assertiva de que “todo árbitro, no exercício de suas funções, é

responsável civil e criminalmente”.196

A lei de arbitragem, ao conferir ao árbitro o poder de julgar, quando as partes

decidirem por conferir-lhe tal poder, atribuiu à sua função caráter jurisdicional. Deste

modo, a função do árbitro é equiparada à do juiz, que poderá ser responsabilizado

nas hipóteses do artigo 133 do Código de Processo Civil. In verbis:

Art. 133. Responderá por perdas e danos o juiz, quando:

I - no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude;

II - recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar de ofício, ou a requerimento da parte.

Do mesmo modo, a legislação brasileira também prevê a mesma hipótese de

responsabilização do magistrado – ao qual, nesta tese, equipara-se o árbitro – no

artigo 49 da Lei Complementar nº 35, de 14 de março de 1979 (Lei Orgânica da

Magistratura Nacional).

Portanto, além das hipóteses de responsabilização do árbitro internacional no

quadro amplo da arbitragem comercial internacional, no Brasil, quando forem

observadas as regras processuais brasileiras, a responsabilização do árbitro poderá

ocorrer por mera extensão das hipóteses previstas no Código de Processo Civil

brasileiro e na Lei Orgânica da Magistratura, uma vez que a função do árbitro

equipara-se à do magistrado que, por sua vez, é beneficiado por uma blindagem

legal.

                                                                                                                         196 GONÇALVES NETO, Francisco. Responsabilidade do árbitro. 1/8/2006. Disponível em:

<http://www.abdir.com.br/doutrina/ver.asp?art_id=463&categoria=Arbitragem>. Acesso em: 25 jun.

2014.

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147  

4 CONCLUSÃO

A arbitragem não é somente um método alternativo de resolução de conflitos

na esfera jurídica, mas, também, um estímulo ao interesse econômico do investidor

estrangeiro.

Da escassez de estudos percebida por meio de pesquisas no que tange à

relação das duas matérias – jurídica e econômica –, este trabalho serviu para

demonstrar as vantagens de um mecanismo alternativo de resolução de conflitos –

uma opção legal distinta do Poder Judiciário Estatal, dotada de mais atrativa e

elevada segurança jurídica – para o investidor que tem receio de aplicar em

empresas brasileiras, não apenas pelo risco financeiro, denominado de Risco-Brasil,

mas também pelo risco jurídico proveniente da incerteza jurisdicional.

Hodiernamente, na captação de investimentos estrangeiros, existe,

basicamente, preocupação em relação a três aspectos: a qualidade das aplicações

(onde serão aplicados os recursos); o montante de retorno de tais investimentos; e o

prazo, minimizando-se, indevidamente, a possibilidade da ocorrência de default.

Entretanto, caso o default venha a ocorrer, não sendo honrada a obrigação

assumida, a solução do conflito pela via da arbitragem é, sem dúvida, muito mais

apta do que a adoção da alternativa judicial pura, tendo em vista a especialidade da

arbitragem que pode ser adotada e que sempre respeitará a vontade das partes

contratantes. Assim, as consequências do default restaram priorizadas com a

utilização da arbitragem, visando à satisfação da obrigação descumprida.

A “relação de troca” e a “resolução de conflitos” são consideradas duas ações

sociais basilares. A história do homem é transpassada, inevitavelmente pelas formas

de organização da sociedade e, intrinsecamente, pelos meios de solução das

diversas formas de conflito, originado de diversas causas, hodiernas ou

extraordinárias.

Essa necessidade de interação entre os indivíduos integrantes de uma

comunidade carrega, sem dúvida, a potencialidade de contenda ante as eventuais,

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148  

mas inevitáveis, pretensões resistidas. Igualmente, as relações de troca que

permeiam os agrupamentos humanos protagonizam importante papel nas formas de

constituição do meio social, sendo comuns litígios originados desse tipo de

interação.

No processo histórico de desenvolvimento da sociedade, a autossuficiência é

exceção, perdurando a manutenção da vida social por meio de ligações de permuta.

Vive-se por meio de relações de troca e sobrevive-se por meio de eficazes – e

pacíficas – formas de solução de conflitos.

Hoje, a arbitragem apresenta-se como efetiva alternativa para solução de

controvérsias provenientes das relações de troca de âmbito global, restando

perquirir sua adequação e eficácia na seara do comércio internacional.

Certamente, do desenvolvimento dos burgos à formação do Estado

Democrático de Direito, os Leviatãs multiplicaram-se, eclodindo embates titânicos

entre os diversos tipos de ordenamentos jurídicos existentes na sociedade e

atemorizando as relações entre pessoas situadas em países diferentes.

A passagem do Feudalismo para o Estado Absoluto e, posteriormente, para o

Estado Democrático de Direito ocasionou a soberania de nações, predominando o

poder de auto-organização que se consubstancia nas cartas constitucionais,

acompanhadas pela legislação infraconstitucional. Nas palavras de Alexandre de

Moraes, a Constituição

deve ser entendida como a lei fundamental e suprema de um Estado, que contém normas referentes à estruturação do Estado, à formação dos poderes públicos, forma de governo e aquisição do poder de governar, distribuição de competências, direitos, garantias e deveres dos cidadãos.197

A evolução do Estado Democrático de Direito caminhou para o

aprimoramento das espécies normativas. No Brasil, o processo legislativo

                                                                                                                         197 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 6ª edição, São Paulo: Editora Atlas, 1999, p. 34.

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149  

compreende a elaboração de emendas à Constituição, de leis complementares, de

leis ordinárias, de leis delegadas, de medidas provisórias, de decretos legislativos e

de resoluções (CF, art. 59, caput e incisos I ao VII). É inegável o grande número de

espécies normativas e de normas produzidas, sendo, somente no ano de 2013,

publicadas mais de cento e setenta Leis Ordinárias198. Em 2014 já foram publicadas

mais de cinquenta Leis Ordinárias199.

O comerciante que desbrava fronteiras sujeita-se às leis locais de seu país,

mas também deve guardar respeito às leis dos países em que a outra parte

contratante está situada, o que, patentemente, avoluma o mar de leis a serem

navegadas e intensifica a possibilidade de antinomias entre os distintos

ordenamentos jurídicos.

Concomitantemente à reportada multiplicação legiferante, observa-se, a olho

nu, a expansão exponencial das relações do comércio internacional, o que, por

lógica, potencializa o surgimento de conflitos entre os agentes atuantes na atual

ordem econômica globalizada.

Sem dúvida, distâncias geográficas foram mitigadas pelo desenvolvimento

tecnológico dos meios de comunicação, tendo relevado destaque a rede mundial de

computadores, comumente chamada de internet, o que propicia os negócios

multinacionais. Por conseguinte, o aumento do volume das relações internacionais

carrega consigo, inevitavelmente, o aumento proporcional dos litígios multinacionais.

Nesse contexto, se o predomínio da autotutela remete ao estado da barbárie,

a heterotutela, encabeçada por um dos poderes integrantes do Estado Democrático

                                                                                                                         198 Palácio do Planalto. Legislação. Leis Ordinárias 2013. Disponível em:

<http://www4.planalto.gov.br/legislacao/legislacao-1/leis-ordinarias/2013-leis-ordinarias#content>.

Acesso em: 14 ago. 2014. 199 Palácio do Planalto. Legislação. Leis Ordinárias 2014. Disponível em:

<http://www4.planalto.gov.br/legislacao/legislacao-1/leis-ordinarias/2014-leis-ordinarias#content>.

Acesso em: 14 ago. 2014.

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de Direito, não é suficiente para receber adequadamente tais conflitos, produzidos

nessas modernas relações de troca.

É certo que o tacape deve ser definitivamente aposentado e a resolução da

pretensão resistida deve ser delegada a um terceiro que, com regras previamente

estabelecidas, melhor solucionará potenciais litígios entre os contratantes. Também

é certo que o escopo da atuação do direito200, dirigido pelo Poder Judiciário, constitui

um dos sustentáculos do Estado Democrático de Direito, atuando, efetivamente, na

pacificação social por meio do processo judicial.

Contudo, um novo contexto, advindo do desenvolvimento das relações

comerciais em âmbito internacional, desvendou a impossibilidade de plena

correspondência das expectativas dos agentes econômicos.

No que tange a esse aspecto, deve ser registrado, de plano, que a língua é

um dificultador da solução estatal de controvérsia, na medida em que, por óbvio,

prevalecerá o idioma local. No Brasil, por exemplo, um documento redigido em

língua estrangeira só poderá ser anexado aos autos quando acompanhado de

versão em vernáculo, firmada por tradutor juramentado (CPC, art. 157).

Outro dificultador, além da questão da língua, é a natureza pública das

normas de processo, quase impossibilitando sua manipulação técnica, ainda que

legal, pelas partes interessadas. Então, ainda que o direito material seja disponível,

o direito processual sujeita os litigantes às suas regras, impondo seus

procedimentos, seus recursos extremamente sofisticados ao hipossuficiente,

inclusive, ainda que indiretamente, criando barreiras de acesso.

Há, da mesma forma, considerável limitação na escolha das normas materiais

que regerão o negócio jurídico. Nem se olvide a existência de microssistemas que

se propõem a atuar na mitigação da vulnerabilidade do contratante, como, no caso

                                                                                                                         200 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Candido R. Teoria

Geral do Processo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1974, p. 82.

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brasileiro, a Consolidação das Leis do Trabalho ou o Código de Defesa do

Consumidor, bem como os processos coletivos.

Nesse contexto, a arbitragem ajusta-se adequadamente à heterocomposição,

atuando, complementarmente, ao Poder Judiciário na solução dos litígios

envolvendo direitos disponíveis.

No Brasil, a Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996, regula a arbitragem,

dispondo, no Capítulo I (“Disposições Gerais”), que as pessoas capazes de contratar

poderão optar pela arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais

disponíveis (artigo 1º).

Outrossim, os contratantes poderão avençar o modo de solução da

controvérsia, seja sob o manto da equidade, ou sob os princípios gerais do direito,

dos usos e costumes e das regras internacionais de comércio, desde que não haja

violação aos bons costumes e à ordem pública (artigo 2º).

Por oportuno, Modesto Carvalhosa crava que, desde 2001, a decisão dos

árbitros passou a ser reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal como vinculante e

definitiva, sem a necessidade de aprovação do Poder Judiciário201. Como

destacado, proscreve-se a doutrina do second look202.

O próprio Código de Processo Civil brasileiro intitula a sentença proferida pelo

juízo arbitral como uma das espécies de título executivo judicial, nos termos do seu

artigo 475-N, inciso IV, incluído pela Lei nº 11.232/2005.

                                                                                                                         201 CARVALHOSA, Modesto. Quem tem medo da arbitragem? Disponível em:

<http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/18859-quem-tem-medo-da-arbitragem.shtml>. Acesso em:

14 ago. 2014. 202 SKITNEVSKY, Karin Hlavnicka. In: FINKELSTEIN, Cláudio; VITA, Jonathan B.; CASADO FILHO,

Napoleão (Coord.). Arbitragem Internacional: Unidroit, Cisg e Direito Brasileiro. São Paulo: Quartier

Latin, 2010, p. 109.

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152  

Assim, a arbitragem internacional irrompe como legítimo meio alternativo, e

adequado, de solução de litígio, atuando, complementarmente, ao Poder Judiciário

nos conflitos envolvendo negócios multinacionais, visto que melhor adequa as

expectativas dos agentes econômicos de distintos Estados estrangeiros.

Nesse sentido, os contratantes podem, no campo da arbitragem, definir as

regras procedimentais que levam ao efetivo mérito da questão em conflito, que

melhor se adequam ao negócio por eles entabulados, possuindo ampla liberdade

para dispor sobre prazos, recursos e etapas que comporão o processo - inclusive a

livre escolha do árbitro ou do juízo arbitral (o que, sob o crivo da jurisdição estatal,

não seria plenamente possível em razão das regras de competência) -, uma vez

que, a fim de resolver questões de litígio, a arbitragem busca respeitar a soberania

dos Estados, consolidar as normas processuais de ordem pública, bem como

possibilitar às partes do litígio determinarem as regras de processo que melhor

atendam às necessidades da própria transação comercial.

Por seu turno, no que tangem as normas de ordem material, a Lei de

Introdução às Normas do Direito Brasileiro, Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro

de 1942, dispõe, em seu artigo 9º, caput, que, para qualificar e reger as obrigações,

aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem. Em contraponto, a arbitragem

internacional possibilita que as partes escolham livremente a norma própria e

adequada para melhor dirimir eventual litígio, sendo que o árbitro, nos termos

lecionados por Cláudio Finkelstein203, não está sujeito ao referido artigo 9º da Lei de

Introdução às Normas do Direito Brasileiro.

Vale ressaltar que a própria Lei nº 9.307/96, em seu artigo 2º, §2º, dispõe que

as partes podem convencionar que a arbitragem se realize com base nas regras

internacionais de comércio.

                                                                                                                         203 SKITNEVSKY, Karin Hlavnicka. In: FINKELSTEIN, Cláudio; VITA, Jonathan B.; CASADO FILHO,

Napoleão (Coord.). Arbitragem Internacional: Unidroit, Cisg e Direito Brasileiro. São Paulo: Quartier

Latin, 2010, p. 48.

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153  

Nessa senda, é importante invocar a simbiose entre a arbitragem

internacional e a Lex Mercatoria, entendendo-a, nas palavras de Luiz Olavo

Baptista204, como a designação dada ao conjunto de princípios, instituições e regras

relativas às operações do comércio internacional. Além disso, não se deve olvidar

que a sentença arbitral estrangeira é exequível em território brasileiro mediante a

homologação do Superior Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 35 da referida

Lei nº 9.307/96.

Nesse sentido, a segurança jurídica, propiciada pela arbitragem, atende, mais

adequadamente, às necessidades e expectativas do comércio internacional,

possibilitando aos agentes econômicos um ambiente propício para discutir quaisquer

questões relativas aos contratos celebrados.

Em suma, a segurança jurídica, como alicerce do Estado Democrático de

Direito, assevera ao indivíduo a manutenção da ordem. Essa estrutura é sustentada

pelo ordenamento jurídico, consubstanciado em legítimas normas emanadas pelo

Poder Legislativo e garantidas pelo Poder Judiciário.

Sob o prisma do devido processo legal, a segurança jurídica prestigia o

contraditório, a ampla defesa, a coisa julgada e outros grandes institutos do Direito

Processual, evitando-se que os litigantes sejam surpreendidos com regras

excepcionais e extemporâneas.

Na arbitragem, a segurança jurídica também alberga a vontade das partes,

garantindo o respeito ao pacta sunt servanda, representado precipuamente na

possibilidade de escolha da norma a incidir em eventual litígio, seja material, seja

processual.

Esse cenário arquitetado pela arbitragem atua, diretamente, no tempo de

solução do litígio, porque, ao combinar as regras procedimentais que melhor

                                                                                                                         204 BAPTISTA, Luiz Olavo. Arbitragem Comercial e Internacional. São Paulo: Lex Editora, 2011, p. 72.

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154  

correspondam às expectativas dos agentes econômicos, será possível vislumbrar a

duração desejada do trâmite processual.

A possibilidade de escolha das normas regentes e o pleno acolhimento da

sentença arbitral pelo Poder Judiciário tornam a arbitragem internacional um meio

adequado e eficaz para a solução de conflitos multinacionais, configurando, destarte,

uma conjuntura estável e segura para o desenvolvimento do comércio internacional.

Desse modo, é forçoso concluir que, nessa era em que predomina o comércio

globalizado, a arbitragem apresenta-se como efetivo meio de resolução de litígio

originado de relações jurídicas multinacionais, tendo em vista que, sob a égide da

segurança jurídica, permite aos contratantes, hipotéticos litigantes, definirem as

normas materiais e processuais que incidirão em eventual, e indesejável, conflito.

O Poder Judiciário, inegavelmente indispensável, primeira e última porta do

Estado Democrático de Direito e guardião das garantias individuais, pode, muito

bem, ter saudável e profícuo convívio com a arbitragem. Na maioria das vezes,

senão em quase todas, nos casos em que existe a eleição da arbitragem como

solução de conflitos, o julgador togado, dada a complexidade técnica dos fatos

elencados, sua comprovação e decisão à luz de indispensável conhecimento

específico, faria com que, a custos importantes, para auxiliar a formar a sua

convicção, indicasse, obrigatoriamente, perito de destacada formação para que

pudesse oferecer-lhe elementos necessários para a solução do conflito posto, não

se olvidando que o julgador não está vinculado em face daquilo que o expert

concluir.

Em tais situações, ao invés de se encaminhar a questão para a via

jurisdicional plena, útil e própria, faz-se a arbitragem. Não pode ser omitido que o

Poder Judiciário não tem, à sua disposição, uma estrutura ampla, nem um elenco de

peritos, para tratar temas sui generis, dotados da mais alta complexidade.

Entretanto, por sua vez, a instituição da arbitragem, firmada quando celebrada

determinada avença, especificamente, com muito mais acuidade, tendo em vista,

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inclusive, a consonância de vontades ao indicar quem, eventualmente, funcionará

como árbitro, com objetividade, tornaria muito mais proveitosa a solução do conflito

que surgiu, pondo, praticamente em tempo diminuto, sem liturgias próprias do

Judiciário, o desenlace da questão então controvertida. O Judiciário ficaria com um

número menor de encargos, mas sempre à disposição para fiscalizar, proteger e

executar, com a força do Estado, a transparência e o resultado da sentença arbitral.

Em casos próprios, como o de investimentos internacionais, outra importante

conquista da arbitragem, conforme contido na denominada Lei Marco Maciel, é a

questão referente à flexibilização das regras de direito a serem adotadas - como, por

hipótese, convencionar que a arbitragem seja realizada com base nos princípios

gerais de direito, nos usos e costumes e nos mandamentos internacionais de

comércio. Tal situação, sem dúvida, é extremamente vantajosa, pois é possível

atender aos interesses e peculiaridades das partes contratantes. Ademais, com a

liberdade de escolha das regras de direito que serão aplicadas na arbitragem, dadas

as características de cada avença, sempre será possível a adequação de interesses,

inclusive no que diz respeito, por exemplo, a se submeter a um determinado risco,

sem que isso implique na violação das disposições mais atraentes do país que tem

origem o numerário a ser investido no Brasil.

Com tal dinamismo permitido na lei de arbitragem, pode ser gerada

importante simbiose, atendidos os interesses do investidor, preservando a

segurança jurídica nos limites que almeja, sem aviltar as pretensões daquele que vai

acolher o numerário estrangeiro. Torna-se possível criar um ponto de equilíbrio, caso

a caso, de forma que nenhum interesse em jogo venha a ser maculado, medindo-se,

desta forma, os riscos que os contratantes desejam suportar.

Também deve ser ressaltada a questão da adoção do vernáculo na

arbitragem. No processo Civil Brasileiro existe regra, que pode ser considerada

insuperável, até porque cuida da questão do direito público regida pela legalidade

estrita, segundo a qual, para todos os atos e termos do processo, é estabelecida a

obrigatoriedade do uso do vernáculo, compreendido como “a língua própria de um

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país ou uma região; língua nacional, idioma, vernáculo”205. A Lei de Arbitragem

brasileira apenas exige documento escrito, não fazendo qualquer outra exigência no

que diz respeito ao vernáculo. Portanto, pode defluir-se que inexiste, desde que as

partes envolvidas aceitem, ainda que tacitamente, a plena liberdade da utilização de

idioma estrangeiro - não se restringindo, portanto, ao nacional -, o que facilitaria, por

exemplo, a questão a ser colocada quando resolvida por sentença arbitral em mais

de um idioma, ou, até, em idioma estrangeiro de melhor compreensão e capilaridade

para o fim almejado, com um entendimento mais fácil e dinâmico pelo investidor

estrangeiro, o que, sem dúvida, pelo idioma adotado, a segurança jurídica pode

melhor se projetar.

Com a arbitragem, mais um entrave, de ordem processual, pode ser

superado, ou seja, mais precisamente o disposto no art. 157 do Código de Processo

Civil, que impõe que só poderá ser anexado aos autos documento redigido em

língua estrangeira, quando acompanhado de versão em vernáculo, firmada por

tradutor juramentado.

Tal imposição inexiste na arbitragem, o que muito facilita a sua consecução,

inclusive com significativa redução de custos e indiscutível celeridade processual,

bem como a possibilidade, à luz de terminologia absolutamente técnica, melhor

exame do que, efetivamente, com o significado pretendido, consta de documentos.

Isto porque, por muitas vezes, em que pese o esforço e seriedade do tradutor

juramentado, nem sempre se consegue traduzir com a indispensável precisão aquilo

que, efetivamente, foi avençado no idioma estrangeiro, sendo que, às vezes, tal

problema ocorre em razão de não haver significado correspondente exato no idioma

pátrio.

Nesse contexto, as partes estipulantes podem atuar efetivamente na definição

do tempo para a solução de eventual litígio, definindo desde os prazos processuais,

                                                                                                                         205 NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado e

Legislação Vigente. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 442.

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passando pelas etapas da fase cognitiva, até a supressão ou ampliação de recursos,

em sede de juízo de revisão.

Assim, a arbitragem permite a participação direta dos contraentes no próprio

âmago do processo, possibilitando a adequada solução das questões controvertidas

pelo modo que melhor corresponda à natureza do negócio jurídico e às expectativas

dos contratantes.

Sem que seja alvejado o princípio constitucional da celeridade processual, o

tempo do processo arbitral pode facilmente ser deslocado do “polo agilidade” para o

“polo cautela”, optando-se pela soberania da decisão arbitral monocrática, com

prazos tacanhos e procedimento simplificado, ou pela decisão colegiada legitimada

por distintas instâncias e prazos dilatados em procedimentos complexos - tudo

conforme a exclusiva vontade das partes.

Para aquele que pretende investir no Brasil, no aspecto jurídico, mediante a

realização de prévio compliance dos árbitros a serem inseridos para eventual

instalação de juízo arbitral, terá, quer no aspecto técnico, quer no tocante à conduta

dos árbitros a serem escolhidos, incomparável segurança na hipótese de eventual

instalação do juízo arbitral, porque, com certeza, com tal providência (a realização

de compliance e respectivo resultado a contento) restarão afastadas eventuais

inseguranças, inclusive no plano jurídico, pelo menos em boa parte.

Registra-se, também, que a realização do compliance não se restringe

apenas a um determinado seguimento, pois pode oferecer ao interessado na avença

uma série de perfis, inclusive no tocante à aplicação, sob a ótica da conveniência,

oportunidade e disposições que serão utilizadas na eventual instalação do juízo

arbitral.

Aqueles que pretendem investir na área internacional, no caso,

especificamente, no Brasil, têm expectativa de neutralidade e independência para a

solução de um eventual conflito.

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A partir do momento que o Supremo Tribunal Federal consagrou a

constitucionalidade da Lei de Arbitragem brasileira (Lei nº 9.307, de 23 de setembro

de 1996), com a declaração de constitucionalidade pelo plenário, tendo considerado

o Excelso Tribunal, por maioria de votos, que a manifestação da vontade do

contratante na cláusula compromissória, quando da celebração do contrato, e a

permissão de um juiz para que substitua a vontade da parte recalcitrante em firmar o

compromisso, não ofende o artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal. (SE

5206 AgR/EP – Espanha, julgado em 12 de dezembro de 2001). Produz, no âmbito

nacional, inquestionável independência e neutralidade que todos podem conviver,

inclusive os estrangeiros, em face da eventual instalação de juízo arbitral.

Assim vem sendo decidido nos Tribunais brasileiros, os quais, a partir do

reconhecimento da constitucionalidade da arbitragem no Brasil, entendem que,

cumpridas as exigências locais constantes na lei de arbitragem, não cabe ao

Judiciário imiscuir-se ou mesmo impedir as decisões arbitrais de mérito, mas sim,

dentro dos limites próprios, prestigiá-las.

Consagra-se, desta forma, plenamente, os fundamentais princípios de

garantia arbitral, consubstanciados na independência e neutralidade.

Logo, na solução de litígios internacionais, a eleição da arbitragem apresenta

o condão de preservar a soberania dos Estados e de consolidar as normas

processuais de ordem pública, e, ainda, concomitantemente, de possibilitar às partes

a estipulação de regras de processo que melhor reflitam e amoldem as

necessidades da própria transação comercial.

A ideia de utilização da arbitragem no segmento de investimentos

estrangeiros, pelo todo retratado, mostra-se mais própria a levar confiabilidade e

segurança jurídica, servindo a presente, com todas as vênias, para contribuir ao

debate e exame das questões abordadas e, em particular, demonstrar a seriedade

àqueles que venham no Brasil realizar seus investimentos.

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Espera-se que a presente tese venha a estimular os estudos sobre o tema em

questão e contribuir ao aprimoramento, no tocante à segurança jurídica, dos

investimentos internacionais.

Por fim, espera-se, também, que esta tese tenha contribuído para um maior

entendimento sobre os fatores que influenciaram a desenvolver o presente estudo,

especialmente no que tange à segurança jurídica, de maneira que futuras pesquisas

nessa área possam aplicar, com maior intensidade, a arbitragem como meio de

resolução de conflitos, nos termos e temas aqui retratados, utilizando, assim, esta

tese como um direcionamento inicial para a valorização, em face da segurança

jurídica, da arbitragem, na esfera de investimentos estrangeiros.

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WALD, Arnoldo. Uma nova visão dos tratados de proteção de investimento e da arbitragem internacional. Revista de Arbitragem e Mediação. Ano 6. n. 21. abr.-jun. 2009.

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ANEXOS

ANEXO – JURISPRUDÊNCIA

ANEXO 1

"1. Cláusula Compromissória é o ato por meio do qual as partes contratantes

formalizam seu desejo de submeter à arbitragem eventuais divergências ou litígios

passíveis de ocorrer ao longo da execução da avença. Efetuado o ajuste, que só

pode ocorrer em hipóteses envolvendo direitos disponíveis, ficam os contratantes

vinculados à solução extrajudicial da pendência. 2. A eleição da Cláusula

Compromissória é causa de extinção do processo sem julgamento do mérito, nos

termos do art. 267, inciso VII, do Código de Processo Civil. 3. São válidos e eficazes

os contratos firmados pelas sociedades de economia mista exploradoras de

atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de

serviços (CF, art. 173, § 1º) que estipulem Cláusula Compromissória submetendo à

arbitragem eventuais litígios decorrentes do ajuste. 4. Recurso especial provido."

(STJ - REsp 606.345/RS, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, DJ

08.06.2007).

“Agravo de Instrumento. Juízo Arbitral. Cláusula Compromissória. Avença

livremente celebrada entre os demandantes. Questões atreladas à venda de bem

imóvel e dissolução de sociedade que se encontram contempladas pela cláusula

compromissória (... “Qualquer disputa, controvérsia ou demanda, de qualquer tipo ou

natureza, independentemente de ser baseada em contrato, responsabilidade civil, lei

ou regulamentos ou qualquer outra razão, e que seja resultante ou relacionado de

qualquer forma a este Acordo, à relação das partes, suas obrigações ou as

operações realizadas nos termos deste Acordo, incluindo sem limitação quaisquer

disputas quanto à existência, validade, interpretação, negociação, cumprimento,

inadimplemento, violação, rescisão ou exiquibilidade do mesmo, serão resolvidas

por arbitragem, que será final e vinculativa, sendo intenção das partes que a

presente constitua um amplo compromisso arbitral englobando todas as possíveis

disputas das partes relativas ao projeto que é objeto deste Acordo.”) e que deverão

ser dirimidas perante o Juízo Arbitral. Afastamento da jurisdição estatal. Arguida a

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celebração de compromisso arbitral em momento processual oportuno, nos termos

da lei. Decreto de extinção do processo, sem resolução do mérito (Art. 267, VII,

CPC). Recurso provido.” (TJSP – Agravo de Instrumento nº 9070241-

65.2008.8.26.0000 - Relator(a): Roberto Mac Cracken - Comarca: São Paulo - Órgão

julgador: 5ª Câmara de Direito Privado - Data do julgamento: 18/02/2009)

ÍNTEGRA DO ACÓRDÃO:

“Agravo de Instrumento. Juízo Arbitral. Cláusula Compromissória. Avença livremente celebrada entre os demandantes. Questões atreladas à venda de bem imóvel e dissolução de sociedade que se encontram contempladas pela cláusula compromissória (... “Qualquer disputa, controvérsia ou demanda, de qualquer tipo ou natureza, independentemente de ser baseada em contrato, responsabilidade civil, lei ou regulamentos ou qualquer outra razão, e que seja resultante ou relacionado de qualquer forma a este Acordo, à relação das partes, suas obrigações ou as operações realizadas nos termos deste Acordo, incluindo sem limitação quaisquer disputas quanto à existência, validade, interpretação, negociação, cumprimento, inadimplemento, violação, rescisão ou exiquibilidade do mesmo, serão resolvidas por arbitragem, que será final e vinculativa, sendo intenção das partes que a presente constitua um amplo compromisso arbitral englobando todas as possíveis disputas das partes relativas ao projeto que é objeto deste Acordo.”) e que deverão ser dirimidas perante o Juízo Arbitral. Afastamento da jurisdição estatal.

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Arguida a celebração de compromisso arbitral em momento processual oportuno, nos termos da lei. Decreto de extinção do processo, sem resolução do mérito (Art. 267, VII, CPC). Recurso provido.

Recurso de agravo de instrumento interposto contra r. decisão interlocutória

copiada às fls. 250/250vº dos presentes autos, que deferiu liminar, em ação cautelar

inominada, para obstar a alienação do imóvel mencionado neste agravo, oficiando-

se ao respectivo Cartório de Registro de Imóveis para os devidos fins.

Insurgem-se os agravantes alegando, dentre outras, em suma, em preliminar,

a necessidade de extinção do processo sem resolução do mérito, em razão da

existência de compromisso arbitral livremente pactuado entre as partes e a carência

da ação por falta de interesse processual, tendo em vista a sua desnecessidade,

bem como pela inutilidade de decisão judicial a respeito da dissolução da empresa

KS Realty e da desnecessidade e inutilidade de decisão judicial a respeito do direito

de preferência dos agravados. Asseveram, também, inexistir o “fumus boni juris” e o

“periculum in mora”. Argumentam ter ocorrido a inviabilidade de concretização de

projeto imobiliário por razões alheias à vontade dos agravantes. Afirmam, ainda, a

legalidade da venda do imóvel, decidida por intermédio do Comitê de Quotistas, bem

como que a dissolução/liquidação da mencionada empresa KS Realty ocorrerá

extrajudicialmente, como também decidido em reunião do Comitê de Quotistas, que

é possível concluir que o imóvel referenciado nos autos não é de propriedade dos

sócios da KS Realty, mas sim da própria sociedade, que não houve violação ao

direito de preferência dos agravados, mesmo porque sequer foi estabelecido preço

para a venda do bem, sendo que, após o arbitramento de tal preço é que poderão os

mesmos agravados exercer o seu direito de preferência. Pugnam, por fim, o

recebimento do presente recurso de agravo na forma de instrumento, pela atribuição

de efeito suspensivo ao recurso e posteriormente, pelo seu provimento, com

cassação da liminar.

A liminar não foi concedida (fls. 402), sendo determinada a intimação dos

agravados para responderem ao recurso.

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Os agravados apresentaram contraminuta (fls. 410/431), acompanhada de

documento (fls. 432/442 – cópia de “ação de dissolução total e liquidação de

sociedade”), alegando, em síntese, a inaplicabilidade da arbitragem pactuada em

acordo de quotistas, a presença das condições da ação, a frustração do objeto

social, a ilegalidade da venda do imóvel, a existência de condomínio de fato, a

observância do seu direito de preferência, requerendo, por derradeiro, o não

provimento do presente recurso de agravo de instrumento.

Os demandantes apresentam novas manifestações, sendo que a petição dos

agravados de fls. 472/476, pela Colenda Turma Julgadora, restou indeferida.

Recurso devidamente processado.

É o relatório.

No caso, questão envolvendo discussão relativa a negócio jurídico celebrado

entre os demandantes, que está acobertado por cláusula compromissória,

decorrente de eleição de Juízo Arbitral, razão pela qual, com a devida vênia, o

processo deve ser extinto sem resolução do mérito, nos termos do artigo 267, inciso

VII, do Código de Processo Civil, ainda mais, levando-se em conta a arguição, em

tempo oportuno, da existência da arbitragem.

O documento de fls. 319/343 destes autos, denominado “Acordo de Quotistas

da Sociedade Brasileira por Quotas de Responsabilidade Limitada KS Realty Ltda.”,

dentre outras disposições, assevera em sua cláusula 8.11 que:

“Lei Aplicável e Solução de Litígios: Este Acordo, incluindo sua existência, validade, interpretação, efeitos operantes e os direitos de cada um dos Quotistas, será regido e interpretado de acordo com as leis da República Federativa do Brasil. Qualquer disputa,

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controvérsia ou demanda, de qualquer tipo ou natureza, independentemente de ser baseada em contrato, responsabilidade civil, lei ou regulamentos ou qualquer outra razão, e que seja resultante ou relacionado de qualquer forma a este Acordo, à relação das partes, suas obrigações ou as operações realizadas nos termos deste Acordo, incluindo sem limitação quaisquer disputas quanto à existência, validade, interpretação, negociação, cumprimento, inadimplemento, violação, rescisão ou exiquibilidade do mesmo, serão resolvidas por arbitragem, que será final e vinculativa, sendo intenção das partes que a presente constitua um amplo compromisso arbitral englobando todas as possíveis disputas das partes relativas ao projeto que é objeto deste Acordo.”

Assim, a avença acima retratada refere-se à denominada “cláusula

compromissária cheia”, regulada pelos artigos 3º e seguintes da Lei nº 9.307, de 23

de setembro de 1.996, que dispõe sobre a arbitragem.

Segundo artigo 3º da supra mencionada legislação, “As partes interessadas podem submeter a solução de seus litígios ao juízo arbitral mediante convenção de arbitragem, assim entendida a cláusula compromissária e o compromisso arbitral.”, e, o artigo 4º, caput, da mesma lei dispõe que “A cláusula compromissária é a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato.”.

Destaque-se, ainda, que o pleito de extinção do processo, sem resolução do

mérito, encontra-se, conforme já destacado, deduzido pelos agravantes no bojo do

presente recurso, asseverando, também, os mesmos recorrentes, nos termos do

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trecho abaixo transcrito da sua peça recursal (vide: fls. 05 destes autos), que as

questões relativas ao negócio firmado entre os demandantes deveriam ser

solucionados por meio de competente procedimento arbitral, assim registrando:

“Com efeito, antes de se adentrar no mérito do

processo cautelar de origem, cumpre alertar este E.

Tribunal que a matéria debatida no feito diz respeito

a controvérsias que deverão necessariamente ser

solucionadas em procedimento arbitral, a ser

conduzido de acordo com as normas de Arbitragem

da Câmara de Comércio Internacional de Comércio

(“CCI”) em Corte Arbitral na Cidade de Miami,

Estado da Flórida, Estados Unidos da América.”

Portanto, pela cláusula compromissária, como no caso em apreço, os

contratantes, dispondo o ajuste de direitos disponíveis, renunciam ao direito de

dirimir as questões e controvérsias decorrentes do contrato perante o Poder

Judiciário, elegendo juízo arbitral para a solução de todos os litígios decorrentes da

avença.

Na verdade, a cláusula compromissária traduz-se em pacto de natureza

vinculante, de observância obrigatória aos contratantes, e, sendo eleita tal via, como

o foi na avença mencionada nos autos, as partes, salvo as exceções próprias, que,

in casu, não se fazem presentes, não podem mais recorrer ao Poder Judiciário.

Deve ser registrado, também, por ser de rigor, que referida cláusula

compromissória, por sua própria redação, como acima transcrita, pelo que se verifica

dos seus termos, em virtude de sua natureza ampla (... “Qualquer disputa, controvérsia ou demanda, de qualquer tipo ou natureza, independentemente de ser baseada em contrato, responsabilidade civil, lei ou regulamentos ou qualquer outra razão, e que seja resultante ou relacionado de qualquer forma a este Acordo, à relação das partes, suas obrigações ou as operações realizadas nos termos deste Acordo, incluindo sem limitação quaisquer disputas quanto à existência, validade, interpretação, negociação, cumprimento,

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inadimplemento, violação, rescisão ou exiquibilidade do mesmo, serão resolvidas por arbitragem, que será final e vinculativa, sendo intenção das partes que a presente constitua um amplo compromisso arbitral englobando todas as possíveis disputas das partes relativas ao projeto que é objeto deste Acordo.”), alcança, inclusive, a rescisão do negócio jurídico celebrado entre os

demandantes, sendo possível afirmar que a questão relativa à dissolução ou

liquidação da empresa KS Realty encontra-se passível de discussão também

perante o juízo arbitral, como livremente avençado e eleito entre os litigantes.

O Douto e Ilustre Professor Cláudio Lembo, in “A

Pessoa - Seus Direitos”, Editora Manole, 1ª edição, São Paulo, 2007, às páginas 208

e 209, sobre o tema, de forma clara e objetiva, discorreu que:

“O amplo e ilimitado acesso à Justiça mereceu mitigação com a vigência da Lei Marco Maciel, que instituiu o juízo arbitral (Lei nº 9.307, de 1996). Por esse diploma legal, quando convencionado expressamente, as partes, tratando-se de bens disponíveis, podem renunciar a acesso ao Judiciário para solução de conflitos advindos da aplicação de contratos.

O tema mereceu longa análise do Supremo Tribunal Federal, que, ao final, julgou constitucional a cláusula compromissória que confere efeitos de decisão judiciária à sentença arbitral e a torne irrecorrível, quando assim expressamente convencionado em instrumento que tem por objeto unicamente bens disponíveis.”

Como consta in “Código de Processo Civil e legislação processual em vigor”

de Theotonio Negrão e José Roberto F. Gouvêa, 2008, Editora Saraiva, São Paulo,

40ª edição, pág. 1287, na nota 1ª ao art. 1º da Lei nº 9.307, de 23 de setembro de

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1996: “A Lei de Arbitragem é constitucional (STF-RTJ 190/908: Pleno, SE 5.206, quatro votos vencidos).”.

O Professor Antonio Carlos Rodrigues do Amaral e Letícia Mary Fernandes

do Amaral Viggiano, na consagrada e renomada obra “A Lei da Arbitragem nos

Tribunais”, Lex Editora S.A., São Paulo, 2008, pág. 24, com precisão, deixam

registrado que:

“..., não há qualquer inconstitucionalidade na renúncia livre e responsável ao recurso judicial. E mais não pretende o artigo 18 da nova lei de

arbitragem, que é assim o legítimo corolário da

liberdade de contratar e de solucionar controvérsia

fora do âmbito dos tribunais, segundo o princípio da

autonomia da vontade das partes.”

As alegações constantes da peça inicial da ação cautelar (copiada às fls.

48/66 deste instrumento), nos tópicos a seguir elencados: a) A frustração do objeto

do objeto social pela sócia norte-americana Paulista-Simon (fls. 53); b) Ilegalidade

de venda do imóvel da forma estabelecida, sem a aquiescência dos autos ou, no

mínimo, sem que lhes seja garantida a opção de compra prevista no Acordo de

Quotistas (fls. 57); c) Inexequibilidade do objeto social, por ato da Paulista-Simon.

Necessidade de dissolução judicial (art. 1034, II, do Código Civil) e liquidação da

sociedade (arts. 1102 e ss. do Código Civil) (fls. 58); d) O condomínio de fato, pelo

não-exercício de atividade empresarial alguma. Venda do imóvel conforme regras do

art. 1322 do Código Civil (fls. 59); e, e) O direito de preferência assegurado no

Acordo de Quotistas, cláusula 2.12 (fls. 61), dentre outros, bem como a pretensão de

dissolução total e liquidação da sociedade KS Realty e de pleito indenizatório, pelo

conteúdo da cláusula compromissória em questão, dada a sua amplitude, podem ser

alcançadas para a solução dos eventuais litígios com tais motivações.

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Assim, ante a mencionada cláusula compromissória arbitral, que instituiu a

arbitragem como meio solucionador de conflitos oriundos da relação contratual entre

as partes litigantes, caracterizada está a impossibilidade do Poder Judiciário em

dirimir as questões arguidas pelos agravados. Oportuno trazer à baila os

ensinamentos do Professor Doutor Carlos Aberto Carmona “in” Arbitragem e

Processo – Um Comentário à Lei nº 9.307/96:

“a cláusula arbitral é um negócio jurídico processual, eis que a vontade manifestada pelas partes produz desde logo efeitos (negativos) em relação ao processo (estatal) e positivos, em relação ao processo arbitral (já que, com a cláusula, atribui-se jurisdição aos árbitros).” 206

O Mestre Humberto Teodoro Jr., in “Curso de Direito Processual Civil”,

Volume 1, 36ª edição, Editora Forense, às páginas 277, sobre o assunto, leciona

que:

"Na sistemática primitiva do Código, a cláusula compromissória não obrigava, nem prejudicava, o direito de recorrer à jurisdição, porque se entendia que ninguém poderia ser previamente impedido de recorrer ao Poder Judiciário. Com o novo regime de arbitragem, instituído pela Lei n 9.307, basta existir entre as partes a cláusula compromissória (isto é, a promessa de submeter-se ao juízo arbitral) para ficar a causa afastada do âmbito do Judiciário. Esta cláusula funciona, portanto, como o impedimento ao exercício do direito de ação, tomando a parte

                                                                                                                         206 CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo um comentário à Lei no. 9.307/96. 3a Edição.

São Paulo: Editora Atlas. 2009. p. 102.

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carecedora da ação por ausência da condição de possibilidade jurídica do respectivo exercício. Se a convenção de arbitragem é anterior ao processo, impede sua abertura; se é superveniente, provoca sua imediata extinção, impedindo que o órgão judicial lhe aprecie o mérito."

Ademais, vale registrar, ao menos pelo que dos autos consta, que os

agravados não discorreram, de forma expressa e precisa, sobre eventuais

irregularidades que teriam o condão de macular a mencionada cláusula

compromissória.

A cláusula compromissória tem natureza vinculante, sendo obrigatória para os

contratantes. Desta forma, livremente eleita a via paraestatal da arbitragem para a

solução do conflito, as partes não mais poderão recorrer ao Poder Judiciário,

ressalvadas as hipóteses previstas em lei.

E, por consequência, existindo cláusula compromissória decorrente de

convenção de arbitragem, o Código de Processo Civil é expresso a prever, em seu

artigo 267, inciso VII, que tal circunstância ensejará a extinção do processo sem

resolução do mérito. Nesse sentido:

“19. Convenção de arbitragem. Havendo convenção de arbitragem (LArb 3.º ss.), as partes renunciam à jurisdição estatal, preferindo nomear um árbitro que resolva a lide eventualmente existente entre elas. Neste caso, a denúncia da existência da convenção acarreta a extinção do processo sem julgamento do mérito. É matéria que depende de alegação do réu,

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vedado ao juízo examiná-lo de ofício (CPC 301 IX e § 4º).”207

No mesmo diapasão:

“OBRIGAÇÃO DE FAZER. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. AUTORES QUE PRETENDEM REPARO EM IMÓVEL ADQUIRIDO DA RÉ, ALEGAÇÃO DE QUE HOUVE UTILIZAÇÃO DE MATERIAIS INFERIORES AOS QUE FORAM CONSIGNADOS CONTRATUALMENTE. IMPOSSIBILIDADE. EXISTÊNCIA, NO CASO, DE CLÁUSULA DE ARBITRAGEM QUE OBRIGA SUA UTILIZAÇÃO. EXTINÇÃO DECRETADA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO IMPROVIDO.” (TJSP – Apelação nº 516.531.4/5-00 – 6ª Câmara de Direito Privado – Rel. Des. Vito Guglielmi – J: 02/08/2007)

“ARBITRAGEM – Cláusula compromissória – Execução – Existência de acordo prévia em que as partes estabelecem a forma de instituir a arbitragem, adotando as regras de órgão arbitral institucional, ou de entidade especializada – Hipótese de cláusula compromissória cheia – Submissão às normas do órgão ou entidade, livremente escolhido pelas partes – Desnecessidade de intervenção judicial a firmar o conteúdo do compromisso arbitral – Recurso provido” (TJSP – Agravo de Instrumento nº 124.217-4 – 5ª Câmara de Direito Privado – Rel. Des. Rodrigues Marcondes – J: 16.09.99)

                                                                                                                         207 NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil e legislação

extravagante. 10ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2007, pág. 504.

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“ARBITRAGEM – Juízo Arbitral – Execução – Contrato de exportação – Alegação pela parte contrária, da existência de cláusula compromissária ou compromisso arbitral – Impossibilidade do julgamento e processamento do feito pelo juízo comum – Extinção do processo sem julgamento do mérito – Inteligência dos arts. 4º e 9º da Lei nº 9.307/96, c/c os arts. 267, VII, e 301, IX, do CPC” (RT 759/125)”

“Ação de nulidade de alteração de contrato social. Extinção do feito. Pretensão do recorrente de acionar a via estatal e paraestatal de arbitragem para compor o litígio. Cláusula compromissória que se reveste de natureza vinculante, obrigatória para os contratantes. Eleita a via paraestatal da arbitragem para solução do conflito, as partes não mais poderão recorrer ao Poder Judiciário. Inteligência da Lei nº 9307/96. Decisão mantida. Recurso desprovido.” (TJSP – Apelação nº 158.328.4/0 – 6ª Câmara de Direito Privado – Rel. Des. Reiz Kuntz – J: 19/08/2004)

“PROCESSO CIVIL. JUÍZO ARBITRAL. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA. EXTINÇÃO DO PROCESSO. ART. 267, VII, DO CPC. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. DIREITOS DISPONÍVEIS. EXTINÇÃO DA AÇÃO CAUTELAR PREPARATÓRIA POR INOBSERVÂNCIA DO PRAZO LEGAL PARA A PROPOSIÇÃO DA AÇÃO PRINCIPAL. 1. Cláusula compromissória é o ato por meio do qual as partes contratantes

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formalizam seu desejo de submeter à arbitragem eventuais divergências ou litígios passíveis de ocorrer ao longo da execução da avença. Efetuado o ajuste, que só pode ocorrer em hipóteses envolvendo direitos disponíveis, ficam os contratantes vinculados à solução extrajudicial da pendência. 2. A eleição da cláusula compromissória é causa de extinção do processo sem julgamento do mérito, nos termos do art. 267, inciso VII, do Código de Processo Civil. 3. São válidos e eficazes os contratos firmados pelas sociedades de economia mista exploradoras de atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços (CF, art. 173, § 1º) que estipulem cláusula compromissória submetendo à arbitragem eventuais litígios decorrentes do ajuste. 4. Recurso especial parcialmente provido.” (STJ - REsp 612439 /RS – Min. Rel. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA – Data do Julgamento: 25/10/2005 - DJ 14.09.2006 p. 299).

“EMENTA: APELAÇÃO - AJUSTE BILATERAL - CLÁUSULA ARBITRAL - PRESSUPOSTO PROCESSUAL. A convenção da arbitragem ainda que na fase de cláusula compromissória, é pressuposto processual de caráter negativo que, se não observada, leva à extinção do processo, sem julgamento do mérito.” (TJMG – Ap. 1.0439.03.023204-5/001(1) – Des. Rel. Eulina do Carmo Almeida – Data da Publicação: 05/04/2008).

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“EMENTA: AÇÃO CAUTELAR -- CLÁUSULA ARBITRAL - AJUIZAMENTO DA AÇÃO NO JUÍZO ESTADUAL - IMPOSSIBILIDADE - EXTINÇÃO DO PROCESSO COM ARRIMO NO ART. 267, VII DO CPC. No momento em que as partes convencionam a arbitragem como forma única de solução dos seus conflitos, porventura decorrentes do próprio contrato, apenas a jurisdição privada é que será competente para decidi-los, inclusive as lides acautelatórias deles decorrentes e outras medidas de urgência relacionadas com o mesmo objeto conflituoso.” (TJMG – Ap. 1.0003.07.023530-8/001(1) – Des. Rel. Domingos Coelho– Data da Publicação: 08/03/2008).

“SISTEMA DE FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO. Ação revisional de contrato de venda e compra de imóvel com pedido liminar de manutenção de posse e suspensão da consolidação da propriedade em favor do credor fiduciário. Contrato firmado para aquisição de imóvel pelo Sistema Financeiro Imobiliário, regido pela Lei n° 9.514/97. Existência de cláusula arbitrai ou compromissória. Correta a extinção do feito com fundamento no art. 267, VII, do CPC. Recurso não provido, com observação. "A cláusula compromissória ou arbitrai é a espécie de convenção de arbitragem mediante a qual os contratantes se obrigam a submeter seus futuros e eventuais conflitos que possam surgir do contrato à solução arbitrai, somente podendo ser adotada em razão da vontade das partes. Por tal razão, se e quando adotada, torna-se obrigatória

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e caso uma das partes resolva acionar o Judiciário, o juiz será obrigado a extinguir o processo sem resolução do mérito, conforme ditam os artigos 267, VII e 301, IX, do Código de Processo Civil” (TJSP – Ap. 7218265-7 – Rel. Des. Gilberto dos Santos – Data de Julgamento: 17/04/2008).

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. MEDIDA CAUTELAR INOMINADA. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA. JUÍZO ARBITRAL. INCOMPETÊNCIA DO ÓRGÃO JUDICIAL. NULIDADE DA DECISÃO. I – É incompetente o Poder Judiciário para apreciar e julgar ação judicial, na qual tem como instrumento obrigacional contrato que contém a chamada cláusula compromissória arbitral, erigida por ser a manifestação expressa da vontade das partes para que todas as questões sejam resolvidas via arbitral por uma das Cortes de Arbitragem, nos moldes da Lei nº 9.307/96. II – O STF considerou constitucional o juízo arbitral, prestigiando a manifestação de vontade das partes pelo compromisso arbitral pactuado, sem que haja infração à garantia constitucional da universalidade da jurisdição do Poder Judiciário (art. 5º, XXXV, da CF/88).” (TJGO – Agravo de Instrumento nº 49231-0/180, julgado em 08/08/2006, publicado em 14/09/2006)

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CAUTELAR INOMINADA. CORTES DE CONCILIAÇÃO E ARBITRAGEM. CONTRATO DE COMPRA E

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VENDA. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA DE ELEIÇÃO DO JUÍZO ARBITRAL. ARTIGO 267, INCISO VII, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. EXTINÇÃO. As partes ao elegerem a via arbitral, renunciaram ao conhecimento pela justiça Estadual, comum ou especial, de controvérsias relativas ao contrato estabelecido, devendo a ação interposta ser extinta por carência de ação nos termos do art. 267, VII, do CPC. Agravo conhecido e provido.” (TJGO – Agravo de Instrumento nº 33230-4/180, julgado em 09/12/2003, publicado em 02/02/2004)

Além do mais, vale destacar que não se olvida da possibilidade de propositura

de ações, inclusive, de natureza cautelar, perante o próprio Juízo Arbitral, ou,

perante o Estado-Juízo, ainda que eleita a via arbitral. Todavia, tais demandas

deverão ter por finalidade precípua a efetiva instituição e preservação, inclusive com

a eventual dedução de pleitos cautelares, da arbitragem quando convencionada, ou,

se o caso, atribuir efetividade às questões solucionadas pelo Juízo Arbitral.

Contudo, no caso em apreço, não ocorreu nenhuma das hipóteses acima

especificadas, pois, na realidade, os agravados visam, por meio de “ação cautelar

inominada”, fls. 48/66 dos autos, em suma, decretar a indisponibilidade de bem

imóvel e, por meio de ação principal, denominada “ação de dissolução total e

liquidação de sociedade”, mediante pretensão já deduzida judicialmente (vide: fls.

432/442 deste feito), almejam, em síntese, a dissolução total da sociedade firmada

com os agravantes, com sua consequente liquidação, apuração de haveres e

responsabilidades.

Assim, verifica-se que os agravados pretendem a não submissão da

discussão da avença do Juízo Arbitral, o que não se mostra possível. E, sobre o

tema, a doutrina tece os seguintes comentários, a saber:

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“Instaurado o juízo arbitral, desde que caracterizada e demonstrada em cognição sumária não exauriente a situação de perigo de dano irreparável ou de difícil reparação, assim como a probabilidade ou verossimilhança do direito alegado, qualquer dos litigantes poderão pleitear ao árbitro ou tribunal arbitral a concessão da tutela antecipada, acautelatória (típica ou atípica, voluntária ou contenciosa, nominada ou inominada) ou inobitória; poderão ainda pleitear alguma medida de coerção necessária à garantia ou realização do direito material ou produção de provas.

...

Em outros termos, se o árbitro pode regular definitivamente, sem qualquer participação do Judiciário, a questão de fundo, o mérito do litígio, nos limites que a convenção autoriza, não se encontra qualquer razão plausível para impedi-lo, nas mesmas condições, a conceder incidentalmente medidas de urgência de ofício ou por requerimento dos interessados, desde que a hipótese vertente justifique a tomada desta providência emergencial.

O árbitro ou tribunal decidirá a respeito da necessidade e conveniência da medida pleiteada, acolhendo ou rejeitando o pedido de tutela de urgência. Dessa decisão, assim como da sentença arbitral, não caberá qualquer forma de impugnação a ser dirigida ao Estado-juiz, ressalvada a possibilidade de propositura de ação anulatória pelas razões ensejadoras da

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anulação da sentença final (v. n. 55, infra). O juízo arbitral é soberano, e somente o árbitro ou o colégio é que, por maioria ou unanimidade, possui jurisdição privada e competência para decidir acerca do pedido de concessão de providência acautelatória, antecipatório ou inibitório.

Desde que instaurado o juízo arbitral, inexiste possibilidade jurídica de o interessado dirigir qualquer desses requerimentos ao juiz togado que seria competente, originariamente, se fosse o caso, para conhecer da lide principal.

E, assim, entendemos porque no momento em que as partes convencionaram a arbitragem como forma única de solução dos seus conflitos, porventura decorrentes do próprio contrato, apenas a jurisdição privada é que será competente para decidi-los, inclusive as lides acautelatórias deles decorrentes e outras medidas de urgências relacionadas com o mesmo objeto conflituoso.

...

Como dissemos a pouco, em linha principiológica, sendo o árbitro competente para o processo e o conhecimento da lide principal, estará investido também de jurisdição paraestatal e competência definida pelas partes para apreciar e decidir os pedidos incidentais de tutela cautelar ou antecipatória (genérica ou específica). Os contornos desde deverão estar assinalados na convenção de arbitragem,

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através da indicação da matéria que seja objeto de apreciação pelo juiz privado (art. 9º, inc. III).

...

Em outras palavras, a razão pela qual se funda essa orientação repousa na exclusão consensual da jurisdição estatal para a solução dos conflitos decorrentes de determinada relação formada entre as partes, que optaram livremente pela arbitragem. Nessa linha de raciocínio, admite-se apenas a tutela estatal para atender pretensão em caráter de urgência quando ainda não instituído o juízo arbitral (art. 22, § 4º).

...

Por outro lado, o árbitro apesar de deter uma parcela da jurisdição que lhe foi conferida pelos litigantes em convenção arbitral, não possui o poder de fazer valer a sua decisão de maneira coercitiva. Significa dizer que o árbitro ou colégio arbitral tem o poder de decidir a lide principal ou acessória, mas não possui a força para ordenar e fazer cumprir coercitivamente a sua determinação, ao inverso do que ocorre com o Estado-juiz.

Após o deferimento da tutela de urgência e verificado o não cumprimento espontâneo da medida, o árbitro ou o presidente do tribunal arbitral oficiará o órgão do Poder Judiciário que seria, originariamente, competente para julgar a causa, solicitando que dê efetividade à medida já concedida. O requerimento será necessariamente instruído com a prova da

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existência da convenção arbitral, sendo dispensável qualquer outra formalidade ou demonstração (art. 22, § 4º).

Nesse caso, ao Estado-juiz não é conferido pelo sistema qualquer poder para rever ou modificar a decisão concessiva da tutela emergencial proferida em juízo arbitral, nem mesmo indagar quanto à necessidade e utilidade da prova testemunhal, nas hipóteses em que a testemunha faltosa deva ser conduzida (art. 22, § 2º, in fine).

Não há que se falar em poder discricionário do juiz ou em juízo de admissibilidade da tutela de urgência já concedida em jurisdição privado. Limitar-se-á o magistrado a executar coercitivamente, através da utilização do seu poder de império, a medida deferida pelo árbitro salvo para obstar violação da ordem pública ou dos bons costumes. Da sua inércia ou oposição em efetivá-la, o meio impugnação cabível é o remédio constitucional de mandado de segurança, a ser interposto perante o tribunal de instância imediatamente superior à do juiz que proferiu a decisão negativa ou simplesmente deixou de atender a solicitação formulada.

Diferentemente, situações poderão ocorrer de necessidade de obtenção de tutela cautelar que anteceda a instauração do juízo arbitral, como lide acessória preparatória de natureza preventiva à satisfação do direito que será objeto do conflito principal, a ser oportunamente solucionado perante a justiça privada.

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“...

Nas hipóteses de cautelares preparatórias aforadas perante a jurisdição pública, o processo acautelatório rege-se integralmente pelas normas insculpidas no Livro III do CPC, o que importa, entre outros aspectos, dizer que o juízo arbitral deverá ser instaurado no prazo de 30 dias contados da data da efetivação da medida (art. 806). Negando-se a parte ex adversa em instituir a arbitragem, o interessado deverá ajuizar perante o Estado-juiz, no trintídio legal, a demanda estatuída nos arts. 6º e 7º da Lei nº 9.307/96, conforme o caso concreto.

Diversamente, se a cautelar preparatória tiver sido aforada perante a jurisdição privada, reger-se-á nos termos do que dispuser os regulamentos particulares definidos no compromisso arbitral, pelo árbitro, tribunal ou entidade arbitral indicada pelos litigantes.

...”208 (os grifos não constam do original)

A orientação da jurisprudência, sobre o tema, é a seguinte, a saber:

“AÇÃO CAUTELAR INOMINADA PREPARATÓRIA -- CLÁUSULA ARBITRAL - AJUIZAMENTO DA AÇÃO NO JUÍZO ESTADUAL - POSSIBILIDADE - DEFERIMENTO DA MEDIDA - POSTERIOR AJUIZAMENTO DO PROCEDIMENTO ARBITRAL - REMESSA DOS AUTOS AO ARBITRO PARA MANUTENÇÃO OU

                                                                                                                         208 FIGUEIRA JR., Joel Dias. Arbitragem, Jurisdição e Execução. 2ª edição. São Paulo: Editora

Revista dos Tribunais. 1999, págs. 220-224.

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NÃO DA TUTELA CONCEDIDA. Sendo a medida cautelar aviada antes de instaurada a arbitragem é cabível ao juízo estatal a concessão da medida perseguida, devendo, contudo, serem os autos remetidos ao juízo arbitral para que o mesmo aprecie a manutenção ou não da tutela concedida assim que iniciado o procedimento arbitral. De ofício, determinaram a remessa dos autos ao juízo arbitral para manutenção ou não da tutela concedida.” (TJMG - Agravo de Instrumento nº 1048006083392-2/001, julgado em 14/02/2007 e publicado em 03/03/2007).209

“AGRAVO DE INSTRUMENTO - CAUTELAR DE SUSTAÇÃO DE PROTESTO - JUÍZO ARBITRAL - INSTAURAÇÃO. Não obstante a eleição da arbitragem como meio de solução de conflitos, a ação cautelar de sustação de protesto, se ainda não instaurado o juízo arbitral, poderá ser ajuizada perante juiz estatal, que, comunicado da instauração do juízo arbitral, providenciará a remessa dos autos para a devida apreciação da manutenção ou não da tutela concedida.” (TJMG – Agravo de Instrumento nº 2000000410533-5/000, julgado em 27/08/2003 e publicado em 13/09/2003)

Portanto, de forma inequívoca, verifica-se que os agravados pretendem o

efetivo afastamento da arbitragem, livre, expressa e espontaneamente avençada,

situação essa que não é autorizada pela legislação que regra o tema, até porque,

destaque-se mais uma vez, propôs ação cautelar e ação principal visando                                                                                                                          209 Fonte: Antonio Carlos Rodrigues do Amaral e Letícia M. F. do Amaral Viggiano, A Lei de

Arbitragem nos Tribunais, Lex Editora, São Paulo, 2008, pág. 348.

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dissolução total e liquidação de sociedade, em evidente contorno à aplicabilidade do

procedimento arbitral.

Ante o exposto, nos exatos termos acima lançados, o presente recurso de

agravo de instrumento merece provimento para o fim de extinguir, os processos que

têm curso “ação cautelar inominada” e “ação de dissolução total e liquidação de

sociedade”, sem resolução do mérito, com fulcro no artigo 267, inciso VII, do Código

de Processo Civil, condenando, ainda, os agravados ao pagamento das custas e

despesas processuais, bem como em honorários advocatícios fixados,

exclusivamente, em 15% (quinze por cento) sobre o valor atribuído à ação cautelar,

devidamente corrigido da data da sua distribuição, pela variação contida na Tabela

Prática do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, respeitado o

entendimento do Ilustre e Culto Desembargador, Doutor Oscarlino Moeller, nos

termos da declaração de voto apresentada.”

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ANEXO 2

“O compromisso arbitral tem lugar na medida em que as partes convencionam a

eleição de árbitros para solucionar litígio já existente, enquanto que a cláusula

compromissória é utilizada quando o litígio ainda não existe. 2- Assim, quando já

existente o conflito, não há que se admitir que o compromisso arbitral seja firmado

em pleno tribunal institucional de justiça arbitral do Brasil TRIJAB.” (TJRJ – Apelação

nº 200700118895 – Relator Antonio Saldanha Palheiro – 5ª Câmara Cível –

Julgamento: 05/06/2007).

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ANEXO  3  

O Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, sobre o tema, decidiu que

“Tal cláusula, que é válida e eficaz, não pode ser desconsiderada, e por isso daí

decorre a declaração de extinção do processo em razão do pressuposto processual

negativo constante do artigo 267, VII, do CPC.” (TJSP – Agravo de Instrumento nº

2006097-31.2013.8.26.0000 - Relator(a): Antonio Rigolin - Comarca: Campinas -

Órgão julgador: 31ª Câmara de Direito Privado - Data do julgamento: 20/08/2013); e

que ocorre a “Impossibilidade de apreciação e julgamento pelo Poder Judiciário,

tendo em vista que os contratantes pactuaram que quaisquer disputas ou litígios

envolvendo o contrato deveriam ser submetidas à arbitragem Cumprimento dos

requisitos da Lei nº 9.307/96 na formalização do contrato” (TJSP – Apelação nº

0005595-31.2010.8.26.0292 - Relator(a): Sérgio Shimura - Comarca: Jacareí -

Órgão julgador: 23ª Câmara de Direito Privado - Data do julgamento: 31/07/2013).

No mesmo diapasão, o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande

do Sul, vide: Apelação Cível Nº 70040929911, Décima Sexta Câmara Cível, Tribunal

de Justiça do RS, Relator: Paulo Sérgio Scarparo, Julgado em 30/06/2011; Apelação

Cível Nº 70035876416, Segunda Câmara Especial Cível, Tribunal de Justiça do RS,

Relator: Lúcia de Fátima Cerveira, Julgado em 24/11/2010; Agravo de Instrumento

Nº 70036347342, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator:

Elaine Harzheim Macedo, Julgado em 15/07/2010.

E, ainda, no mesmo sentido, vide posicionamento do Egrégio Tribunal de

Justiça do Estado de Minas Gerais em: Apelação Cível 1.0024.12.091581-4/001,

Relator(a): Des.(a) Newton Teixeira Carvalho, 13ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em

20/06/2013, publicação da súmula em 28/06/2013; Apelação

Cível 1.0024.11.321438-1/001, Relator(a): Des.(a) Domingos Coelho, 12ª CÂMARA

CÍVEL, julgamento em 20/03/2013, publicação da súmula em 01/04/2013; Apelação

Cível 1.0024.11.302087-9/001, Relator(a): Des.(a) Guilherme Luciano Baeta Nunes,

18ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 04/12/2012, publicação da súmula em

11/12/2012); Apelação Cível 1.0702.10.048000-4/001, Relator(a): Des.(a) Pereira da

Silva, 10ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 24/07/2012, publicação da súmula em

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30/07/2012; Apelação Cível 1.0514.09.045717-7/001, Relator(a): Des.(a) Tiago

Pinto, 15ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 27/10/2011, publicação da súmula em

18/11/2011; e Apelação Cível 1.0024.08.126290-9/002, Relator(a): Des.(a)

Guilherme Luciano Baeta Nunes, 18ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 16/11/2010,

publicação da súmula em 02/12/2010.

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ANEXO 4

A respeito do tema, a orientação jurisprudencial é a seguinte, a saber: “Tendo as

partes validamente estatuído que as controvérsias decorrentes dos contratos de

credenciamento seriam dirimidas por meio do procedimento previsto na Lei de

Arbitragem, a discussão sobre a infringência às suas cláusulas, bem como o direito

a eventual indenização, são passíveis de solução pela via escolhida.” (STJ - REsp

450881/DF, Rel. Ministro CASTRO FILHO, TERCEIRA TURMA, julgado em

11/04/2003, DJ 26/05/2003, p. 360).

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ANEXO 5

Nesse sentido, o Egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios já se

manifestou da seguinte forma, a saber: “A alegação de suspeição de árbitro

escolhido pela sentença e seus respectivos substitutos deve vir acompanhada de

um mínimo de provas, não bastando, para tanto, a afirmação que estes pertencem à

mesma categoria funcional das autoras. Recurso que se conhece, mas nega-se

provimento.” (TJDFT Acórdão n. 138334, 19990110833603APC, Relator: VASQUEZ

CRUXÊN, Revisor: LÉCIO RESENDE, 3ª Turma Cível, Data de Julgamento:

05/03/2001, Publicado no DJU SECAO 3: 06/06/2001. Pág.: 33).

E, sobre o tema, o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul,

reconhecendo que o aconselhamento das partes pelo árbitro quebra sua

imparcialidade, já decidiu da seguinte forma, a saber: “Tendo um dos árbitros

aconselhado uma das partes, não pode atuar como árbitro, sendo suspeito de

parcialidade, por afronta ao art. 135, IV, do CPC, aplicável subsidiariamente ao juízo

arbitral, por força do art. 14, caput, da Lei 9307/96. A preterição de formalidades

legais e a suspeição de um dos árbitros autoriza a declaração judicial de nulidade da

sentença arbitral. Apelação desprovida. (TJRS - Apelação Cível Nº 70005797774,

Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Eduardo

Zietlow Duro, Julgado em 03/04/2003)”

Em pesquisa, há caso concreto em que o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de

São Paulo reconheceu o impedimento de advogado, que militou como causídico dos

sócios de entidade empresarial, para funcionar como árbitro no juízo arbitral em

causa que figurava as partes litigantes. Nesse sentido: “EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO

- Art 138, CPC e artigo 14 da Lei n 9 307, de 29/09/1996 - Impedimento - O árbitro

eleito (Dr. Paulo Antônio Papini - OAB/SP n 161 782), por ter sido advogado da

empresa Apelante e, inclusive, causídico dos sócios proprietários da Apelante,

encontrava-se impedido de funcionar como arbitro no juízo arbitrai na causa entre as

partes litigantes - Por se tratar de nulidade absoluta (art 21, par 2°, e 32, incisos II e

VII, ambos da Lei n 9 307/96) não incide o prazo de noventa dias (art 33, par 1o, da

Lei n 9 307/96) e, ainda, o impedimento do arbitro só veio a conhecimento da

Apelada por ocasião da interposição dos embargos à execução - Recurso não

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provido” (TJSP – Apelação nº 9257902-90.2008.8.26.0000 - Relator(a): Paulo

Hatanaka - Comarca: São Paulo - Órgão julgador: 19ª Câmara de Direito Privado -

Data do julgamento: 01/12/2008)

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ANEXO 6

No mesmo diapasão, o Colendo Superior Tribunal de Justiça já se manifestou da

seguinte forma, a saber: “o impasse referente ao juízo arbitral competente para

dirimir a controvérsia surgida pode ser perfeitamente solucionado pela via eleita

pelas próprias partes para a solução de seus conflitos, porquanto também na

arbitragem vigora a regra da Kompetenz-Kompetenz, atribuindo-se poderes ao

árbitro para analisar sua própria competência para o julgamento da causa que lhe é

submetida a exame.” (STJ – Processo PETDOC na MC 017868 - Relator(a) Ministro

PAULO DE TARSO SANSEVERINO - Data da Publicação 01/07/2011).

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ANEXO 7

Nesse sentido: “DIREITO PROCESSUAL CIVIL. ARBITRAGEM. MEDIDA

CAUTELAR. COMPETÊNCIA. JUÍZO ARBITRAL NÃO CONSTITUÍDO. 1. O Tribunal

Arbitral é competente para processar e julgar pedido cautelar formulado pelas

partes, limitando-se, porém, ao deferimento da tutela, estando impedido de dar

cumprimento às medidas de natureza coercitiva, as quais, havendo resistência da

parte em acolher a determinação do(s) árbitro(s), deverão ser executadas pelo

Poder Judiciário, a quem se reserva o poder de imperium. 2. Na pendência da

constituição do Tribunal Arbitral, admite-se que a parte se socorra do Poder

Judiciário, por intermédio de medida de natureza cautelar, para assegurar o

resultado útil da arbitragem. 3. Superadas as circunstâncias temporárias que

justificavam a intervenção contingencial do Poder Judiciário e considerando que a

celebração do compromisso arbitral implica, como regra, a derrogação da jurisdição

estatal, os autos devem ser prontamente encaminhados ao juízo arbitral, para que

este assuma o processamento da ação e, se for o caso, reaprecie a tutela conferida,

mantendo, alterando ou revogando a respectiva decisão. 4. Em situações nas quais

o juízo arbitral esteja momentaneamente impedido de se manifestar, desatende-se

provisoriamente as regras de competência, submetendo-se o pedido de tutela

cautelar ao juízo estatal; mas essa competência é precária e não se prorroga,

subsistindo apenas para a análise do pedido liminar. 5. Recurso especial provido.

(STJ - REsp 1297974/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA,

julgado em 12/06/2012, DJe 19/06/2012)”.

Em caso assemelhado: “DIREITO CIVIL. ARGUIÇÃO DE NULIDADE DE

CLÁUSULA OMPROMISSÓRIA. NECESSIDADE DE SUBMISSÃO DA QUESTÃO

AO JUÍZO ARBITRAL. A arguição de nulidade da cláusula arbitral deve ser

submetida obrigatoriamente ao próprio árbitro antes da judicialização da questão,

nos termos do art. 8º, parágrafo único, da Lei n. 9.307/1996. O entendimento é

aplicável indistintamente tanto à cláusula compromissória instituída em acordo

judicial homologado quanto àquela firmada em contrato. O parágrafo único do art. 8º

da Lei de Arbitragem determina que caberá ao árbitro decidir as questões referentes

à existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem e do contrato como um

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todo. Assim, por expressa previsão legal, não pode a parte ajuizar ação anulatória

para desconstituir acordo judicial homologado com base na nulidade da cláusula

compromissória ali presente antes de submeter o assunto ao árbitro. Isso não

significa que o Judiciário não poderá apreciar a questão em momento posterior; pois,

segundo o art. 33, § 3°, da Lei de Arbitragem, poderá ser arguida a nulidade

mediante ação de embargos do devedor, conforme o art. 741 e seguintes do CPC se

houver execução judicial. (STJ REsp 1.302.900-MG, Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado

em 09/10/2012)”.

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ANEXO 8

O Colendo Superior Tribunal de Justiça decidiu que: “Direito processual civil.

Recurso especial. Litispendência. Embargos do devedor. Ação de nulidade de

compromisso arbitral. - Não há litispendência entre ação declaratória de

compromisso arbitral e embargos do devedor objetivando a desconstituição da

sentença arbitral. - Embora exista coincidência entre alguns fundamentos jurídicos

apresentados em ambas as ações, é inviável reconhecer a litispendência, pois seria

necessária não apenas semelhança, mas identidade entre as causas de pedir. - Não

é possível a análise do mérito da sentença arbitral pelo Poder Judiciário, sendo,

contudo, viável a apreciação de eventual nulidade no procedimento arbitral. - O

Tribunal de origem, na hipótese, apenas deferiu a produção de provas para que

pudesse analisar a ocorrência ou não de nulidade no procedimento arbitral. Recurso

especial não conhecido. (STJ - REsp 693219/PR, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI,

TERCEIRA TURMA, julgado em 19/04/2005, DJ 06/06/2005, p. 327)”.

Sobre a nulidade da sentença arbitral, o Egrégio Tribunal de justiça do Rio Grande

do Sul também possui entendimento semelhante, vide: “Ementa: EXECUÇÃO DE

SENTENÇA ARBITRAL. NÃO EXISTINDO COMPROVAÇÃO DE QUE AS PARTES

FIRMARAM COMPROMISSO ARBITRAL, A SENTENÇA ARBITRAL É NULA. 1.

Segundo o disposto na Lei 9.307/96, as partes poderão convencionar submeter o

litígio à arbitragem. Contudo, para tanto, deverá ser firmado compromisso arbitral, o

qual deverá ser celebrado por escrito particular, assinado por duas testemunhas, ou

por instrumento público. 2. Em síntese, somente podem ser decididas pelo Juízo

arbitral questões quando as partes expressa e formalmente concordem com tal

forma de resolução de conflitos. 3. No caso concreto, tal situação não se encontra

presente, já que não há nos autos comprovação de que a ora embargante tenha

concordado em submeter a questão envolvendo a pagamento do imóvel por ela

adquirido ao Juízo Arbitral, uma vez que não veio aos autos comprovação de que

ela tenha firmado o compromisso arbitral. 4. Assim, nos termos do art. 32, I, do

referido diploma legal, é nula a sentença arbitral objeto da execução embargada. 5.

Por outro lado, com relação ao mérito da lide, a escritura de compra e venda

expressamente menciona que o vendedor já teria recebido a integralidade do preço,

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dando plena e geral quitação. Inexistindo qualquer indício probatório no sentido de

que ainda existiria saldo em aberto, descabe a presente execução. Sentença

confirmada por seus próprios fundamentos. RECURSO DESPROVIDO. (Recurso

Cível Nº 71002327823, Primeira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator:

Leandro Raul Klippel, Julgado em 13/05/2010)”; No mesmo sentido: Apelação Cível

Nº 70047995089, Décima Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator:

Paulo Sérgio Scarparo, Julgado em 26/04/2012; Apelação Cível Nº 70031111438,

Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Angela Maria Silveira,

Julgado em 07/10/2009; e Apelação Cível Nº 70009071069, Décima Sétima Câmara

Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Roberto Imperatore de Assis Brasil,

Julgado em 14/12/2004)”

No mesmo diapasão, o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais

também decidiu que: “EMENTA: SENTENÇA ARBITRAL - VÍCIOS - NULIDADE -

ART. 32 - LEI N. 9.307/96. A sentença arbitral só será declarada nula por Juiz

ordinário, se presente algum dos requisitos elencados no art. 32, da Lei de

Arbitragem. (Apelação Cível 1.0024.09.728828-6/006, Relator(a): Des.(a) Evangelina

Castilho Duarte , 14ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 06/09/2012, publicação da

súmula em 18/09/2012)”; e, no mesmo sentido: TJMG - Agravo de Instrumento Cv

1.0525.10.004531-5/001, Relator(a): Des.(a) Luiz Carlos Gomes da Mata , 13ª

CÂMARA CÍVEL, julgamento em 31/05/2012, publicação da súmula em

06/06/2012)”.

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200  

ANEXO 9

Nesse sentido, o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo já se

manifestou da seguinte forma, a saber: “Ementa: Sentença Arbitral. Ação de

nulidade. Prazo decadencial que é de 90 dias, nos termos do art. 33, § 1º, da Lei nº

9.307/1996. Reconhecimento correto pela r. sentença. Recurso improvido.” (TJSP –

Apelação nº 0106771-81.2009.8.26.0100 - Relator(a): Maia da Cunha - Comarca:

São Paulo - Órgão julgador: 4ª Câmara de Direito Privado - Data do julgamento:

05/09/2013); e, no mesmo sentido: “Ementa: COISA MÓVEL. Contrato de

distribuição. Ação anulatória de decisão arbitral que decidiu lide envolvendo a

resilição do negócio por ato unilateral. Decadência do direito, uma vez ajuizada a

demanda depois dos 90 dias assinalados pela lei de regência da arbitragem.

Ineficácia do protesto interruptivo. Improcedência. Apelação denegada” (TJSP –

Apelação nº 0127729-88.2009.8.26.0100 - Relator(a): Sebastião Flávio - Comarca:

São Paulo - Órgão julgador: 25ª Câmara de Direito Privado - Data do julgamento:

26/10/2010)

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201  

ANEXO 10

Todavia, vale a novamente a transcrição de r. decisão proferida pelo Egrégio

Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que, mesmo após ultrapassado o

referido prazo legal de 90 (noventa) dias, reconheceu a existência de nulidade

absoluta no juízo arbitral, em decorrência de hipótese de impedimento do árbitro:

“EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO - Art 138, CPC e artigo 14 da Lei n 9 307, de

29/09/1996 - Impedimento - O árbitro eleito (Dr Paulo Antônio Papini - OAB/SP n 161

782), por ter sido advogado da empresa Apelante e, inclusive, causídico dos sócios

proprietários da Apelante, encontrava-se impedido de funcionar como arbitro no

juízo arbitrai na causa entre as partes litigantes - Por se tratar de nulidade absoluta

(art 21, par 2°, e 32, incisos II e VII, ambos da Lei n 9 307/96) não incide o prazo de

noventa dias (art 33, par 1o, da Lei n 9 307/96) e, ainda, o impedimento do arbitro só

veio a conhecimento da Apelada por ocasião da interposição dos embargos à

execução - Recurso não provido” (TJSP – Apelação nº 9257902-90.2008.8.26.0000 -

Relator(a): Paulo Hatanaka - Comarca: São Paulo - Órgão julgador: 19ª Câmara de

Direito Privado - Data do julgamento: 01/12/2008).

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202  

ANEXO 11

Nesse sentido é o entendimento jurisprudencial, em casos análogos: “A confecção

de um novo parecer, nada acrescentaria ao processo, sendo certo que a economia

processual e celeridade dos atos processuais, são institutos de extrema relevância

que devem ser observados nas decisões do Poder Judiciário, sublinhando-se que o

processo não é um fim, sendo tão-somente um meio, não se devendo declarar

nulidades, sem a demonstração efetiva de prejuízos ao deslinde da controvérsia.”

(TJMG – Apel. nº 1.0183.04.078569-7/001(1), Rel. Des. Eulina do Carmo Almeida,

Data de Publicação do Acórdão: 19/01/2007); e “EMENTA: OPOSIÇÃO - AÇÃO DE

COBRANÇA E ARBITRAMENTO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS -

INOBSERVÂNCIA DO RITO - AUSÊNCIA DE PREJUÍZO - CERCEAMENTO DE

DEFESA - INOCORRÊNCIA - SENTENÇA - IMPROCEDÊNCIA MANTIDA -

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - FIXAÇÃO - CRITÉRIO DO JUIZ. Embora o

procedimento seja indisponível, porquanto regulado por norma cogente e de ordem

pública, em face da inexistência de prejuízo para a defesa, vige em nosso direito

processual o princípio do aproveitamento dos atos processuais. ("pás de nullité sans

grief") ... Hoje, com a nova dinâmica da instrumentalidade do processo, e ante o

princípio da utilidade desse e os ideais da justiça, certas filigranas formalísticas

devem ser relevadas em nome da efetividade do processo e da realização da

prestação jurisdicional, tendo em vista que ao julgador não é dado distanciar-se da

lei, mas transcendê-la, mormente quando inexistente a possibilidade de lesão do

direito.” (TJMG – Apel. nº 2.0000.00.358830-1/000(1) Rel. Des. Gouvêa Rios , Data

de Publicação do Acórdão: 24/05/2003).

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203  

ANEXO 12

Nesse sentido é a orientação jurisprudencial: “A inobservância da norma legal infere

nulidade ao ato processual se a parte interessada a argui na primeira oportunidade

em que couber falar nos autos e comprova dela prejuízo.” (Ac. Unân. 1.740 do TJAC

de 13.9.89, na apel. 291, rel. des.ª Miracele Broges; Adcoas, 1190, n. 126.841); “Nas

chamadas nulidades do gênero das não cominadas, ou mesmo nas irregularidades

de ordem processual, não havendo qualquer manifestação, na primeira oportunidade

em que a parte falar autos, verifica-se preclusão.” (Ac. Unân. da 2ª Câm. do TJSC

de 5.11.85, na apel. 22.443, rel. des. Hélio Mosimann; Jurisp. Cat., 51/78); “As

nulidades não serão decretadas senão mediante provocação das partes, as quais

deverão arguí-las à primeira vez que tiverem de falar em audiência ou nos autos.”

(Ac. Unân. da 1ª. T. do TRT da 3ª. R. de 2.9.85, no Ro 1.725/85, rel. juiz Abel Nunes

de Cunha; Adcoas, 1986, n. 106.608); e “Está precluso o direto de o autor alegar

nulidade de processo por ocasião do recurso, vez que esta deve ser arguida na

primeira oportunidade em que tenha que falar nos autos, ou até mesmo em razões

finais.” (Ac. Unân. 725 TRT da 11ª R.; no RO 325-AM, rel. juiz Valle Furtado;

Adcoas, 1990, n. 126.902).

O Colendo Superior Tribunal de Justiça, apreciando arguida de invalidade de juízo

arbitral, asseverou que meras irregularidades não têm o condão de gera a nulidade

do procedimento arbitral: “No caso concreto, induvidosamente não se observou com

inteiro rigor o procedimento contemplado em lei, o que é até compreensível, dado o

desuso do instituto e a escassa orientação, mesmo doutrinária, a seu respeito. No

entanto, como decidiu o Tribunal local, a apreciação do Judiciário, por força legal,

deveria orientar-se pela norma do art. 1.100, CPC, com destaque para o preceito

contido no art. 1.095. E, sob tal ângulo, inocorreu nulidade, como decidiram o

acórdão da apelação (fls. 48/50) e o era. Presidente do Tribunal de origem ao

inadmitir o recurso especial (fls. 74/75). Recentemente, no "IX Congresso Mundial de

Processo Civil", realizado em Portugal, afirmou-se com relevo que a mais bela regra

legal do atual Direito Processual Civil esta em nossa legislação, insculpida no art.

244 do nosso Código de Processo Civil, segundo o qual "quando a lei prescrever

determinada forma, sem cominação de nulidade, o juiz considerará válido o ato se,

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204  

realizado de outro modo, lhe alcançar a finalidade". In casu, vê-se que, sem

embargo de irregularidades formais, a solução arbitral foi encontrada

satisfatoriamente. Ademais, em se tratando de Juízo arbitral, é recomendável certa

cautela no exame de alegações de nulidade, quer pelos já mencionados desuso e

desconhecimento do instituto, quer pela sua deficiente disciplina legal.” (STJ -

REsp 15.231/RS, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA

TURMA, julgado em 12/11/1991, DJ 09/12/1991, p. 18043).

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205  

ANEXO 13 VOTO Nº: 13351 AGRV.Nº: 0037936-45.2012.8.26.0000 COMARCA: SÃO PAULO AGTE. : SIDECO AMERICANA S/A AGDO. : ECORODOVIAS INFRAESTRUTURA E LOGÍSTICA S/A E PRIMAV

ECORODOVIAS S/A

ARBITRAGEM. AÇÕES CAUTELAR E PRINCIPAL QUE BUSCAM, RESPECTIVAMENTE, A SUSPENSÃO DO PROCEDIMENTO ARBITRAL E SUA NULIDADE. Impossibilidade de manifestação pelo Poder Judiciário. Arbitragem que é exceção ao princípio do livre acesso à justiça ou da inafastabilidade da jurisdição. Questões relativas à existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem e do contrato que possui a cláusula compromissória devem ser apreciadas pelo árbitro. Regra do “Kompetenz-Kompetenz”. Princípio da autonomia do Juízo Arbitral. Art. 8º “caput” e parágrafo único”, da Lei 9.307/1996. Agravante que não teve tolhido qualquer direito acerca da nomeação do árbitro, na medida em que houve notificação da Câmara Arbitral garantindo-lhe tal faculdade. Participantes da arbitragem que possuem meios hábeis a demonstrar, de forma fundamentada, sua discordância perante o juízo arbitral, consoante arts. 14, 15, 19 e 20 da Lei da Arbitragem, inclusive, se o caso, ulteriormente, por eventual afronta ao art. 21, § 2º, nos termos do artigo 32 do mesmo Diploma Legal. Restando à parte a possibilidade de discutir perante árbitro ou câmara arbitral, de forma ampla, assuntos, teses e argumentos passíveis de irregularidades, mostra-se prematuro o ajuizamento de demanda perante o Poder Judiciário. Arguição de extinção do processo sem resolução do mérito em contraminuta. Art. 267, inciso VII. Processos, cautelar e principal, extintos sem resolução do mérito.

Trata-se de recurso de agravo de instrumento

interposto contra a r. decisão interlocutória copiada às fls. 135 destes autos que

indeferiu pedido de concessão de liminar deduzido em sede de ação cautelar

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inominada que visava a suspensão do procedimento arbitral, insurge-se a autora,

ora agravante, alegando, em suma, que promoveu ação cautelar preparatória

visando a suspensão de procedimento arbitral requerido pela agravada, que foi

indeferido seu pedido liminar pela r. decisão recorrida, que não vislumbra óbice à

solução do conflito por Tribunal Arbitral, mas não pode admitir ofensa ao seu direito

de indicar um dos árbitros, que a agravada celebrou contratos com terceiros

estranhos à avença que possui cláusula compromissória, que tais terceiros não

devem ser admitidos na arbitragem, já que não participaram da celebração do

contrato firmado com a recorrida, que a convenção de arbitragem foi pactuada

exclusivamente entre ela e a agravada, que não possui qualquer vínculo contratual

com tais terceiros, que haveria afronta ao disposto no artigo 21, § 2º, da Lei nº

9.307/1996, que se encontram preenchidos o “fumus boni iuris” e o “periculum in

mora” para fins de concessão de medida liminar e, por fim, pleiteia o provimento do

recurso com a consequente reforma da r. decisão interlocutória recorrida.

Às fls. 140 foi determinado o processamento do

recurso, sem a concessão de pedido liminar.

O MM Juízo “a quo” prestou informações (fls. 146).

A agravante apresentou pedido de reconsideração

(fls. 171/174).

A agravada apresentou contraminuta e documentos

(fls. 260/437), bem como argui a extinção do processo com fulcro no artigo 267,

inciso VII, do Código de Processo Civil.

Do necessário, é o relatório.

O recurso não merece provimento e os processos

que têm curso as ações (cautelar e principal) devem ser extintos sem resolução do

mérito.

A arbitragem é uma das várias formas de solução de

conflitos, que se caracteriza quando partes capazes elegem um particular,

denominado árbitro, para, como dito, solucionar controvérsia que envolva direitos

disponíveis.

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207  

Nesse sentido, a doutrina apresenta o seguinte

conceito, a saber:

“Arbitragem é o acordo de vontades entre pessoas maiores e capazes que, preferindo não se submeter à decisão judicial, confiam a árbitros a solução de litígios, desde que relativos a direitos patrimoniais disponíveis.”210

Na realidade, as características da arbitragem,

consoante arrolado no conceito acima transcrito, são extraídas do próprio artigo 1º

da Lei 9.307, de 23 de setembro de 1996, que “Dispõe sobre a arbitragem”, que

estabelece que “As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.”.

No caso, essas características estão presentes e,

ainda, a cláusula compromissória foi efetivamente pactuada, conforme contrato de

fls. 61/102 (cláusula 11.10) dos autos, nos exatos termos disposto no artigo 4º,

“caput” e § 1º, da Lei 9.307/96.

No mais, como já relatado, trata-se de recurso de

agravo de instrumento interposto contra r. decisão interlocutória copiada às fls. 135

destes autos, abaixo transcrita, proferida no curso de ação cautelar inominada (fls.

51/60), na qual a agravante, alega, em suma, que teria celebrado “contrato de

compra e venda de ações sujeito a condições precedentes e outras avenças” (fls.

61/102), sendo que, no curso de tal relação jurídica, por motivos inerentes aos

desdobramentos da referida relação contratual, quando da efetiva instalação da

arbitragem, segundo alega a agravante, a agravada tentou promover introdução de

discussão de outras relações jurídicas, diversas à originariamente celebrada, as

quais tiveram a participação de terceiros estranhos à avença firmada entre as

demandantes, razão pela qual promoveu a indigitada ação cautelar visando impedir

a participação desses terceiros.

Decisão interlocutória de fls. 135:

                                                                                                                         210 Marcus Vinicius Rios Gonçalves, Direito Processual Civil Esquematizado, 2ª edição, Editora

Saraiva, São Paulo, 2012, págs. 824.

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“Vistos. Trata-se de ação cautelar movida por empresa buscando liminar de suspensão de procedimento arbitral requerido pelo Ecorrodovias relativa a contrato de compra e venda de ações e outras avenças por ela celebrada (documento de fls 12/53). Analisando a documentação juntada aos autos, verifico que as partes livremente estipularam para resolver eventual conflito a decisão arbitral. O artigo 20, da Lei nº. 9.307/2006, estabelece que a parte que pretende arguir questão relativa à nulidade ou ineficácia da convenção de arbitragem, deverá fazê-lo perante o tribunal arbitral, na primeira oportunidade que tiver para se manifestar, depois da instituição da arbitragem. Ante o exposto, é de rigor o indeferimento da liminar, pois ausente o “fumus boni júris”, eis que a matéria demanda dilação probatória para o devido esclarecimento dos fatos. Cite-se a ré para contestar no prazo de cinco dias. Int. São Paulo, data supra.”

Assim, pelo que se aprecia das alegações da

agravante, ela visa a discussão acerca da possibilidade de participação de terceiros

em arbitragem que não teria sido compromissada originariamente com esses

últimos, objetivando, assim, impedir que tal forma de solução de conflitos venha

produzir seus efeitos àqueles que não teriam, segundo alega a agravante,

participado da celebração da pacto que previu a instalação da arbitragem.

Todavia, não se pode olvidar que a arbitragem é

instituição que excepciona o princípio do livre acesso à justiça ou também chamado

de princípio da inafastabilidade da jurisdição e, assim sendo, pela arbitragem as

partes permitem que o árbitro promova a “pacificação do conflito”, impondo-lhes a

solução que, no seu juízo, entender mais razoável.

Ressalte-se que, ante a mencionada cláusula

compromissória arbitral, que instituiu a arbitragem como meio solucionador de

conflitos oriundos da relação contratual entre as partes litigantes, caracterizada está

a impossibilidade do Poder Judiciário em dirimir as questões arguidas pelos

envolvidos no negócio jurídico disponível. Oportuno trazer à baila os ensinamentos

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209  

do Professor Doutor Carlos Aberto Carmona “in” Arbitragem e Processo – Um

Comentário à Lei nº 9.307/96:

“a cláusula arbitral é um negócio jurídico processual, eis que a vontade manifestada pelas partes produz desde logo efeitos (negativos) em relação ao processo (estatal) e positivos, em relação ao processo arbitral (já que, com a cláusula, atribui-se jurisdição aos árbitros).”211

O Mestre Humberto Teodoro Jr., in “Curso de Direito

Processual Civil”, Volume 1, 36ª edição, Editora Forense, às páginas 277, sobre o

assunto, leciona que:

"Na sistemática primitiva do Código, a cláusula compromissória não obrigava, nem prejudicava, o direito de recorrer à jurisdição, porque se entendia que ninguém poderia ser previamente impedido de recorrer ao Poder Judiciário. Com o novo regime de arbitragem, instituído pela Lei n 9.307, basta existir entre as partes a cláusula compromissória (isto é, a promessa de submeter-se ao juízo arbitral) para ficar a causa afastada do âmbito do Judiciário. Esta cláusula funciona, portanto, como o impedimento ao exercício do direito de ação, tomando a parte carecedora da ação por ausência da condição de possibilidade jurídica do respectivo exercício. Se a convenção de arbitragem é anterior ao processo, impede sua abertura; se é superveniente, provoca sua imediata extinção, impedindo que o órgão judicial lhe aprecie o mérito."

O Douto e Ilustre Professor Cláudio Lembo, in “A

Pessoa - Seus Direitos”, Editora Manole, 1ª edição, São Paulo, 2007, às páginas 208

e 209, sobre o tema, de forma clara e objetiva, discorreu que:

“O amplo e ilimitado acesso à Justiça mereceu mitigação com a vigência da Lei Marco Maciel, que instituiu o juízo arbitral (Lei nº 9.307, de 1996). Por esse diploma legal, quando

                                                                                                                         211 Carlos Alberto Carmona – Arbitragem e Processo – Ed. Atlas – 2007 – São Paulo – pág. 103.

(Verificar se esta referência está correta. Uma igual consta na nota de rodapé da pág. 171, mas não

constam nas Referências. Se estiver correta, acrescentá-la nas Referências.)

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210  

convencionado expressamente, as partes, tratando-se de bens disponíveis, podem renunciar a acesso ao Judiciário para solução de conflitos advindos da aplicação de contratos.

O tema mereceu longa análise do Supremo Tribunal Federal, que, ao final, julgou constitucional a cláusula compromissória que confere efeitos de decisão judiciária à sentença arbitral e a torne irrecorrível, quando assim expressamente convencionado em instrumento que tem por objeto unicamente bens disponíveis.”

Desta forma, ao árbitro também cabe verificar os

pressupostos de existência, validade e eficácia do direito disponível que será objeto

da arbitragem, afastando, assim, via de regra, a competência do Estado-juiz em

promover tal apreciação.

Tal regra está prevista do artigo 8º, parágrafo único,

da Lei 9.307/1996, que prevê que “Caberá ao árbitro decidir de ofício, ou por provocação das partes, as questões acerca da existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem e do contrato que contenha a cláusula compromissória.”.

Pelo que se verifica do dispositivo legal acima

transcrito, a Lei de Arbitragem consagra o princípio da “Kompetenz-Kompetenz”, ou

seja, o próprio julgador, no caso o árbitro ou a câmara arbitral, que é o juiz de fato e

direito na arbitragem (artigo 20 da Lei 9.307/96), tem competência para verificar se,

no caso concreto, possui competência, ou seja, para a hipótese da arbitragem, o

árbitro decide a respeito e sobre limites de sua competência.

Portanto, por expressa disposição de lei (artigo 8º,

parágrafo único, da Lei nº 9.307/96), a competência do árbitro ou da câmara arbitral,

nos exatos limites da existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem e

do contrato que contenha a cláusula compromissória, somente devem ser

apreciadas pelo próprio árbitro ou pela própria câmara arbitral (Kompetenz-

Kompetenz), de modo que não compete ao Poder Judiciário a apreciação de tais

questões. Nesse sentido:

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211  

“Kompetenz-Kompetenz: originário do direito alemão, este princípio, exclusivo da arbitragem, foi adotado pelo parágrafo único, do art. 8º da Lei 9.307/1996, ao se estabelecer que “Caberá ao árbitro decidir de ofício, ou por provocação das partes, as questões acerca da existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem e do contrato que contenha a cláusula compromissória”

Tratado como princípio da competência-competência, seu acolhimento significa dizer que, com primazia, atribui-se ao árbitro a capacidade para analisar sua própria competência, ou seja, apreciar, por primeiro, a viabilidade de ser por ele julgado o conflito, pela inexistência de vício na convenção ou no contrato.

Esta regra é de fundamental importância ao instituto da arbitragem, na medida em que se ao Judiciário coubesse conhecer, em primeiro lugar, a validade da cláusula, a instauração do procedimento arbitral restaria postergada por longo período, e, por vezes, apenas com o intuito protelatório de uma das partes em esquivar-se do cumprimento da convenção. O princípio, desta maneira, fortalece o instituto, e prestigia a opção das partes por esta solução de conflitos, e se assim não fosse, haveria o risco de desestímulo à contratação da arbitragem, em razão obstáculos prévios a surgir no Judiciário diante da convenção, por maliciosa manobra de uma das partes.

Na amplitude esperada da norma, o exame da arbitrabilidade exigida pelo art. 1º da Lei igualmente se oferece primeiro ao árbitro, na exata medida em que a convenção contrária a esta regra será inválida. Também assim, qualquer controvérsia a respeito da convenção der arbitragem e da extensão dos seus próprios poderes pra julgar a questão que lhe foi submetida.

Falou-se repetidas vezes da análise primeira pelo árbitro, pois em momento oportuno, após a sentença arbitral, a matéria poderá ser submetida ao exame do Judiciário, se o vício da convenção resultar em alguma das hipóteses previstas no art. 32. I, da Lei da Arbitragem (causas de

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212  

invalidação da sentença arbitral). Ou seja, não se exclui o juízo estatal, e nem se poderia, do exame da “existência, validade e eficácia da cláusula”, mas esta apreciação se fará, se o caso, após a sentença arbitral pela atual e aplaudida sistemática proposta.”212

Nesse mesmo diapasão, o Egrégio Superior Tribunal

de Justiça já se manifestou da seguinte forma, a saber:

“No caso em comento, conquanto haja dúvida acerca do juízo arbitral competente, é incontroversa a existência de cláusula compromissória por meio da qual as partes renunciaram à jurisdição estatal, o que afasta a possibilidade de intervenção do Poder Judiciário, sob pena de afronta ao princípio da autonomia privada.

Note-se que o fato de haver cláusula compromissória tanto no contrato de joint venture como no contrato social da pessoa jurídica, antes de ensejar conflito a ser submetido ao crivo judicial, reforça a vontade das partes não se submeter à jurisdição tradicional.

Outrossim, o impasse referente ao juízo arbitral competente para dirimir a controvérsia surgida pode ser perfeitamente solucionado pela via eleita pelas próprias partes para a solução de seus conflitos, porquanto também na arbitragem vigora a regra da Kompetenz-Kompetenz, atribuindo-se poderes ao árbitro para analisar sua própria competência para o julgamento da causa que lhe é submetida a exame.” (STJ – Processo PETDOC na MC 017868 - Relator(a) Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO - Data da Publicação 01/07/2011)

                                                                                                                         212 CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem. 3a Edição. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2013,

p. 96-97.

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213  

Ressalte-se, ainda, por ser de rigor, que o artigo 20,

“caput”213, da Lei de Arbitragem também concretiza a regra de que as irregularidades

ocorridas nas fases da arbitragem somente podem ser dirimidas pelo árbitro.

Ademais, o referido artigo 8º, “caput” e parágrafo

único, também concretizam o princípio da autonomia da cláusula arbitral, isto é, a

“mens legis” é no sentido de que todas as questões relativas à eventuais

irregularidades havidas em qualquer das fases da arbitragem devem ser dirimidas

pelo árbitro ou câmara arbitral e não pelo Poder Judiciário.

Nesse diapasão, a doutrina, nas palavras de Luiz

Antônio Scavone Júnior214, leciona da seguinte forma, a saber:

Nos termos do artigo 8º da Lei 9.307/1996, “a cláusula compromissória é autônoma em relação ao contrato em que estiver inserta, de tal sorte que a nulidade deste não implica, necessariamente, a nulidade da cláusula compromissória”.

Sendo assim, de acordo com o parágrafo único do mesmo disposto legal, “caberá ao árbitro decidir de ofício, ou por provocação das partes, as questões acerca da existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem e do contrato que contenha a cláusula compromissória”.

A cláusula arbitral ou compromissória não é acessória do contrato. Portanto, como é autônoma, a nulidade do contrato não implica em nulidade da cláusula arbitral.

O significado do dispositivo, portanto, indica que qualquer alegação de nulidade do contrato ou da cláusula arbitral, diante de sua existência e seguindo o espírito da lei, deve ser dirimida pela arbitragem e não pelo Poder Judiciário.

                                                                                                                         213 “A parte que pretender arguir questões relativas à competência, suspeição ou impedimento do

árbitro ou dos árbitros, bem como nulidade, invalidade ou ineficácia da convenção de arbitragem,

deverá fazê-lo na primeira oportunidade que tiver de se manifestar, após a instituição da arbitragem.” 214 SCAVONE JR., Luiz Antônio. Manual de Arbitragem. 3ª edição. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais. 2009, p. 80-81.

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214  

A lei pretendeu, neste sentido, “fechar uma brecha” que permitiria às partes sempre que alegassem a nulidade da cláusula arbitral ou do contrato, ignorar o pacto de arbitragem a acessar o Poder Judiciário para dirimir o conflito.

Em resumo, ainda que o conflito verse sobre a nulidade do próprio contrato ou da cláusula arbitral, a controvérsia deverá ser decidida inicialmente pela arbitragem e não pelo Poder Judiciário, ainda que as partes tenham resilido bilateralmente o contrato e a controvérsia verse sobre o distrato.”

Assim, não se olvida que a pretensão da agravante,

por suas próprias alegações, não é nulidade do pacto arbitral avençado, mas, a

fundamentação acima permite asseverar que, com certeza, todas as questões

relativas à eficácia, validade e existência do compromisso arbitral e do respectivo

contrato somente podem ser apreciadas e resolvidas pelo árbitro, afastando, ao

menos num primeiro momento, consoante já registrado, o acesso ao Poder

Judiciário.

Além do mais, tal espécie de “cláusula de barreira”

nada mais busca que promover o princípio da segurança jurídica, pois seria

inadmissivelmente conflitante a existência de duas instâncias, com competências

legalmente definidas, para apreciar uma mesma questão.

Registre-se, ainda, por oportuno, ao contrário do que

tenta fazer crer a agravante, que não lhe foi tolhido qualquer direito acerca da

nomeação do árbitro para a contenda extrajudicial, na medida em que a notificação

de fls. 103/104 lhe possibilita tal faculdade, de modo que não existindo qualquer

argumentação legal ou fática a corroborar a tese de eventual irregularidade na

nomeação do árbitro, não vigam as alegações deduzidas neste recurso, ainda mais,

quando a parte dispõe de mecanismos próprios e eficazes para demonstrar, de

forma fundamentada, sua discordância perante o juízo arbitral, consoante artigos 14,

15, 19 e 20 da Lei de Arbitragem, inclusive, se o caso, ulteriormente, eventual

afronta ao artigo 21, § 2º, tudo na forma do artigo 32 do mesmo Diploma Legal.

Destaque-se, também, que a referida notificação de

fls. 103/104 dos autos facultou a agravante a possibilidade de apontar “...

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215  

resumidamente eventual matéria objeto de seu pedido e o respectivo valor, bem como comentários sobre a sede, idioma, lei ou normas jurídicas aplicáveis à arbitragem nos termos do contrato.”, ou seja, poderá a recorrente

manifestar-se acerca dos assuntos que entenda relevante para fins de instituição da

arbitragem, sua validade, eficácia e existência, todavia, à luz da legislação aplicável,

perante a entidade com atribuição para tanto.

E, assim sendo, restando à parte, nos exatos termos

do contrato firmado, a possibilidade de discutir perante árbitro ou câmara arbitral, de

forma ampla, nos termos do direito positivo aplicável, eventuais assuntos, teses e

argumentos que entenda ser passível de eventuais irregularidades, mostra-se

prematura o ingresso de demanda perante o Poder Judiciário, ainda mais quando a

agravada, no bojo de contraminuta (fls. 263), argui a extinção do processo, sem

resolução do mérito, com base no artigo 267, inciso VII, do Código de Processo

Civil, restando cumprido o disposto no artigo 301, inciso IX e § 4º, do mesmo

Diploma Processual Civil.

E, por consequência, existindo cláusula

compromissória decorrente de convenção de arbitragem, o Código de Processo Civil

é expresso a prever, em seu artigo 267, inciso VII, que tal circunstância ensejará a

extinção do processo sem resolução do mérito.

Nesse sentido:

“19. Convenção de arbitragem. Havendo convenção de arbitragem (LArb 3.º ss.), as partes renunciam à jurisdição estatal, preferindo nomear um árbitro que resolva a lide eventualmente existente entre elas. Neste caso, a denúncia da existência da convenção acarreta a extinção do processo sem julgamento do mérito. É matéria que depende de alegação do réu, vedado ao juízo examiná-lo de ofício (CPC 301 IX e § 4º).”215 Nesse mesmo diapasão:

                                                                                                                         215 NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil e legislação

extravagante. 10ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2007, p. 504.

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216  

“Processual civil. Arbitragem. Obrigatoriedade da solução do litígio pela via arbitral, quando existente cláusula previamente ajustada entre as partes neste sentido. Inteligência dos arts. 1º, 3º e 7º da lei 9.307/96. Precedentes. Provimento neste ponto. Alegada ofensa ao art. 535 do cpc. Não ocorrência. Recurso especial parcialmente provido.” (STJ - REsp 791.260/RS, Rel. Ministro PAULO FURTADO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/BA), TERCEIRA TURMA, julgado em 22/06/2010, DJe 01/07/2010)

“Processual Civil. Recurso Especial. Cláusula Arbitral. Lei de Arbitragem. Aplicação imediata. Extinção do processo sem julgamento de mérito. Contrato internacional. Protocolo de Genebra de 1923. Com a alteração do art. 267, VII, do CPC pela Lei de Arbitragem, a pactuação tanto do compromisso como da cláusula arbitral passou a ser considerada hipótese de extinção do processo sem julgamento do mérito.” (STJ - REsp 712566/RJ, Ministra Nancy Andrighi, DJ de 05.09.2005)

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CAUTELAR INOMINADA. CORTES DE CONCILIAÇÃO E ARBITRAGEM. CONTRATO DE COMPRA E VENDA. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA DE ELEIÇÃO DO JUÍZO ARBITRAL. ARTIGO 267, INCISO VII, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. EXTINÇÃO. As partes ao elegerem a via arbitral, renunciaram ao conhecimento pela justiça Estadual, comum ou especial, de controvérsias relativas ao contrato estabelecido, devendo a ação interposta ser extinta por carência de ação nos termos do art. 267, VII, do CPC. Agravo conhecido e provido.” (TJGO – Agravo de Instrumento nº 33230-4/180, julgado em 09/12/2003, publicado em 02/02/2004)

“SISTEMA DE FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO. Ação revisional de contrato de venda e compra de imóvel com pedido liminar de manutenção de posse e suspensão da consolidação da propriedade em favor do credor fiduciário. Contrato firmado para aquisição de imóvel pelo Sistema Financeiro Imobiliário, regido pela Lei n° 9.514/97. Existência de cláusula arbitrai ou compromissória. Correta a extinção do feito com fundamento no art. 267, VII, do CPC. Recurso não

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217  

provido, com observação. "A cláusula compromissória ou arbitrai é a espécie de convenção de arbitragem mediante a qual os contratantes se obrigam a submeter seus futuros e eventuais conflitos que possam surgir do contrato à solução arbitrai, somente podendo ser adotada em razão da vontade das partes. Por tal razão, se e quando adotada, torna-se obrigatória e caso uma das partes resolva acionar o Judiciário, o juiz será obrigado a extinguir o processo sem resolução do mérito, conforme ditam os artigos 267, VII e 301, IX, do Código de Processo Civil” (TJSP – Ap. 7218265-7 – Rel. Des. Gilberto dos Santos – Data de Julgamento: 17/04/2008)

“EMENTA: APELAÇÃO - AJUSTE BILATERAL - CLÁUSULA ARBITRAL - PRESSUPOSTO PROCESSUAL. A convenção da arbitragem ainda que na fase de cláusula compromissória, é pressuposto processual de caráter negativo que, se não observada, leva à extinção do processo, sem julgamento do mérito.” (TJMG – Ap. 1.0439.03.023204-5/001(1) – Des. Rel. Eulina do Carmo Almeida – Data da Publicação: 05/04/2008)

“EMENTA: AÇÃO CAUTELAR -- CLÁUSULA ARBITRAL - AJUIZAMENTO DA AÇÃO NO JUÍZO ESTADUAL - IMPOSSIBILIDADE - EXTINÇÃO DO PROCESSO COM ARRIMO NO ART. 267, VII DO CPC. No momento em que as partes convencionam a arbitragem como forma única de solução dos seus conflitos, porventura decorrentes do próprio contrato, apenas a jurisdição privada é que será competente para decidi-los, inclusive as lides acautelatórias deles decorrentes e outras medidas de urgência relacionadas com o mesmo objeto conflituoso.” (TJMG – Ap. 1.0003.07.023530-8/001(1) – Des. Rel. Domingos Coelho– Data da Publicação: 08/03/2008)

“ARBITRAGEM – Juízo Arbitral – Execução – Contrato de exportação – Alegação pela parte contrária, da existência de cláusula compromissária ou compromisso arbitral – Impossibilidade do julgamento e processamento do feito pelo juízo comum – Extinção do processo sem julgamento do mérito – Inteligência dos arts. 4º e 9º da Lei nº 9.307/96, c/c os arts. 267, VII, e 301, IX, do CPC” (RT 759/125)”

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218  

“Ação de nulidade de alteração de contrato social. Extinção do feito. Pretensão do recorrente de acionar a via estatal e paraestatal de arbitragem para compor o litígio. Cláusula compromissória que se reveste de natureza vinculante, obrigatória para os contratantes. Eleita a via paraestatal da arbitragem para solução do conflito, as partes não mais poderão recorrer ao Poder Judiciário. Inteligência da Lei nº 9307/96. Decisão mantida. Recurso desprovido.” (TJSP – Apelação nº 158.328.4/0 – 6ª Câmara de Direito Privado – Rel. Des. Reiz Kuntz – J: 19/08/2004)

Cabe ainda enfatizar que, conforme alegações da

agravada e documentos de fls. 409/417 destes autos, especificamente no

“Despacho do Presidente do Centro” proferido pela Câmara de Comércio Brasil-

Canadá – Centro de Arbitragem (fls. 409/415), o que determinaria a ausência de

necessidade para a demanda, que o processo arbitral apenas versará sobre o

contrato originário, ou seja, aquele celebrado entre as demandantes, inclusive com a

exclusão dos terceiros que foram impugnados pela agravante, quais sejam, Sr.

Edmundo Rossi Cupolini, Sr. João Rossi Cupolini, Sr. Lauro Luiz Leone Viana e a

empresa Roplano S/A. Momento Engenharia de Construção Civil Ltda.

Desta maneira, com o devido respeito, as

demandas, cautelar e principal, também se mostram, desnecessárias, o que leva, da

mesma forma, agora por ausência de interesse processual, ao decreto de extinção

de ambos os processos sem resolução do mérito.

Ante o exposto, nos exatos termos acima lançados,

os processos, cautelar e principal, são extintos, sem resolução mérito, com fulcro no

artigo 267, inciso VI, do Código de Processo Civil, devendo a agravante arcar com o

pagamento das custas e despesas processuais que deu causa e, ante a ausência de

citação da agravada para a ação cautelar e principal, bem como honorários

advocatícios, ora fixados em R$ 2.000,00 (dois mil reais).

Roberto Mac Cracken

Relator

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219  

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220  

ANEXO 14

RECURSO ESPECIAL Nº 904.813 - PR (2006/0038111-2)

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RECORRENTE : COMPANHIA PARANAENSE DE GÁS NATURAL –

COMPAGAS

ADVOGADOS : CARLOS EDUARDO MANFREDINI HAPNER E OUTRO (S)

TARCÍSIO ARAÚJO KROETZ E OUTRO (S)

CASSIANO LUIZ IURK E OUTRO (S)

LEONARDO PERES DA ROCHA E SILVA E OUTRO (S)

RECORRIDO : CONSÓRCIO CARIOCA PASSARELLI

ADVOGADO : LUIZ ANTONIO BETTIOL E OUTRO (S)

EMENTA

PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. LICITAÇAO. ARBITRAGEM.

VINCULAÇAO AO EDITAL. CLÁUSULA DE FORO. COMPROMISSO ARBITRAL.

EQUILÍBRIO ECONÔMICO FINANCEIRO DO CONTRATO. POSSIBILIDADE.

1. A fundamentação deficiente quanto à alegada violação de dispositivo legal impede

o conhecimento do recurso. Incidência da Súmula 284/STF.

2. O reexame de fatos e provas em recurso especial é inadmissível.

3. A ausência de decisão sobre os dispositivos legais supostamente violados, não

obstante a interposição de embargos de declaração, impede o conhecimento do

recurso especial. Incidência da Súmula 211/STJ.

4. Não merece ser conhecido o recurso especial que deixa de impugnar fundamento

suficiente, por si só, para manter a conclusão do julgado. Inteligência da Súmula 283

do STF.

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221  

5. Tanto a doutrina como a jurisprudência já sinalizaram no sentido de que não

existe óbice legal na estipulação da arbitragem pelo poder público, notadamente

pelas sociedades de economia mista, admitindo como válidas as cláusulas

compromissórias previstas em editais convocatórios de licitação e contratos.

6. O fato de não haver previsão da arbitragem no edital de licitação ou no contrato

celebrado entre as partes não invalida o compromisso arbitral firmado

posteriormente.

7. A previsão do juízo arbitral, em vez do foro da sede da administração (jurisdição

estatal), para a solução de determinada controvérsia, não vulnera o conteúdo ou as

regras do certame.

8. A cláusula de eleição de foro não é incompatível com o juízo arbitral, pois o

âmbito de abrangência pode ser distinto, havendo necessidade de atuação do Poder

Judiciário, por exemplo, para a concessão de medidas de urgência; execução da

sentença arbitral; instituição da arbitragem quando uma das partes não a aceita

deforma amigável.

9. A controvérsia estabelecida entre as partes manutenção do equilíbrio econômico

financeiro do contrato é de caráter eminentemente patrimonial e disponível, tanto

assim que as partes poderiam tê-la solucionado diretamente, sem intervenção tanto

da jurisdição estatal, como do juízo arbitral.

10. A submissão da controvérsia ao juízo arbitral foi um ato voluntário da

concessionária. Nesse contexto, sua atitude posterior, visando à impugnação desse

ato, beira às raias da má-fé, além de ser prejudicial ao próprio interesse público de

ver resolvido o litígio de maneira mais célere.

11. Firmado o compromisso, é o Tribunal arbitral que deve solucionar a controvérsia.

12. Recurso especial não provido.

ACÓRDAO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma

do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas

taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, negar provimento ao recurso

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222  

especial, nos termos do voto do (a) Sr(a). Ministro (a) Relator (a). Os Srs. Ministros

Massami Uyeda, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram

com a Sra. Ministra Relatora. Impedido o Sr. Ministro Sidnei Beneti. Dr (a).

CASSIANO LUIZ IURK (Protestará por Juntada), pela parte RECORRENTE:

COMPANHIA PARANAENSE DEGÁS NATURAL - COMPAGAS. Dr (a).

ALEXANDRE VITORINO SILVA, pela parte RECORRIDA: CONSÓRCIO CARIOCA

PASSARELLI.

Brasília (DF), 20 de outubro de 2011 (Data do Julgamento)

MINISTRA NANCY ANDRIGHI

Relatora

RECURSO ESPECIAL Nº 904.813 - PR (2006/0038111-2)

RECORRENTE : COMPANHIA PARANAENSE DE GÁS NATURAL –

COMPAGAS

ADVOGADO : LEONARDO PERES DA ROCHA E SILVA E OUTRO (S)

RECORRIDO : CONSÓRCIO CARIOCA PASSARELLI

ADVOGADO : LUIZ ANTONIO BETTIOL E OUTRO (S)

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):

Trata-se de recurso especial interposto por COMPANHIA PARANAENSE DE GÁS

NATURAL - COMPAGAS, com base no art. 105, III, “a” e “c”, da Constituição

Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Paraná (TJ/PR).

Ação: declaratória de nulidade de compromisso arbitral, proposta por COMPANHIA

PARANAENSE DE GÁS NATURAL COMPAGAS em face de CONSÓRCIO

CARIOCA PASSARELLI. Aduz a autora, em suma, que (i) a arbitragem não estava

prevista no edital de licitação; (ii) indisponibilidade do interesse público envolvido; e

(iii) ausência de cumprimento dos requisitos legais para a instauração de uma

arbitragem válida.

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223  

Contestação: o CONSÓRCIO CARIOCA PASSARELLI arguiu, preliminarmente, a

falta de interesse de agir da autora e, no mérito, que: (i) há incidência das regras de

direito privado no negócio jurídico celebrado entre as partes; (ii) a autora, na

condição de sociedade de economia mista, pode participar de procedimento

arbitral; e (iii) a discussão tem natureza estritamente pecuniária e, portanto,

é perfeitamente compatível com o procedimento arbitral.

Sentença: julgou improcedente ação, sob o fundamento de que “a controvérsia

levada ao juízo arbitral se refere exclusivamente à recomposição da equação

econômico financeira, decorrente de atrasos no início da execução da obra

contratada. Por conseguinte não há que se falar em direito indisponível, e, portanto,

nada obsta a solução do conflito através do juízo arbitral. Ademais, não se vislumbra

qualquer irregularidade quando à delimitação do objeto do compromisso arbitral” e

desnecessária a indicação de árbitro substituto (e-STJ fls. 543/553). Foi interposta

apelação pela COMPANHIA PARANAENSE DE GÁS NATURAL COMPAGAS (e-

STJ fls. 572/585).

Acórdão: o TJ/PR negou provimento ao recurso, conforme a seguinte ementa (e-

STJ fls. 700/708):

COMPROMISSO ARBITRAL SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA

PERSONALIDADE JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO EXPLORAÇAO DE

GÁS CANALIZADO NAO CARACTERIZA PRESTAÇAO DE SERVIÇO PÚBLICO,

MAS ATIVIDADE DE REGIME PRIVADO NAO ENVOLVE DIREITOS

INDISPONÍVEIS CONTRATO ADMINISTRATIVO ADMISSIBILIDADE

DA ARBITRAGEM VÍCIOS DO COMPROMISSO NAO CONFIGURADOS.

A atividade desenvolvida pela autora, ou seja, a exploração dos serviços de gás

canalizado, não constitui prestação de serviço público, mas atividade que se

compreende no regime jurídico próprio das empresas privadas (Constituição

Federal, art. 173, 1º, II). O fato de envolver licitação não significa obstáculo para

que as partes resolvam seus conflitos por arbitragem. Admissível nos contratos

administrativos a solução dos conflitos por meio de compromisso arbitral.

Embargos de Declaração: interpostos pela recorrente (e-STJ fls. 710/714), foram

rejeitados (e-STJ fls. 720/724).

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224  

Recurso especial: interposto por COMPANHIA PARANAENSE DE GÁS NATURAL

COMPAGAS, com base nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional (e-STJ fls.

837/854), aponta violação dos seguintes dispositivos legais:

(i) arts. 411;499;544 e599 da Lei8.6666/93, em virtude da “falta de previsão no

certame licitatório acerca da solução de conflitos por meio de arbitragem” (e-STJ fls.

844), estando previsto, outrossim, o foro da Comarca de Curitiba-PR como

competente para dirimir eventuais conflitos entre as partes;

(ii) arts. 9º; 10, III, e IV; e 32, IV, da Lei 9.307/96, porquanto o acórdão recorrido

“entendeu que o compromisso arbitral que instituiu a arbitragem é válido e eficaz,

mesmo sem ter objeto determinado” (e-STJ fls. 846);

(iii) arts. 7ºº e166,2ºº, da Lei9.3077/96, em razão de ter sido “proferida sentença

arbitral por somente dois árbitros, e não três como determinava o compromisso” e a

“Recorrida não buscou meios para que fosse nomeado novo árbitro” (e-STJ fls. 848).

O dissídio jurisprudencial, por sua vez, estaria configurado entre o acórdão recorrido

e aqueles proferidos: (i) na AC 1999.01.1.083360-3, pelo Tribunal de Justiça do

Distrito Federal; (ii) na AC 70005726070 e AC 70005680558, pelo Tribunal de

Justiça do Estado do Rio Grande do Sul; os quais teriam reconhecido a necessidade

de “intervenção do Poder Judiciário para nomeação de árbitro no caso de inércia das

partes” (e-STJ fls. 852).

Exame de admissibilidade: o recurso foi inadmitido na origem pelo TJ/PR (e-STJ

fls. 986/989), tendo sido interposto agravo de instrumento da decisão denegatória,

que foi provido para determinar a subida do especial (e-STJ fls. 1.066).

Em virtude de decisão anteriormente proferida no REsp 693.219/PR, reconheci a

minha prevenção para julgamento do recurso, nos termos do art. 71 do RISTJ (e-

STJ fls. 1.099).

É o relatório.

RECURSO ESPECIAL Nº 904.813 - PR (2006/0038111-2)

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI

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RECORRENTE : COMPANHIA PARANAENSE DE GÁS NATURAL –

COMPAGAS

ADVOGADO : LEONARDO PERES DA ROCHA E SILVA E OUTRO (S)

RECORRIDO : CONSÓRCIO CARIOCA PASSARELLI

ADVOGADO : LUIZ ANTONIO BETTIOL E OUTRO (S)

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):

Cinge-se a controvérsia a verificar (i) se a ausência de previsão da arbitragem, no

edital de licitação, torna nulo o compromisso arbitral posteriormente firmado entre as

partes e (ii) se é nula a decisão proferida apenas por dois árbitros, em razão da não

intervenção do Poder Judiciário para nomeação do terceiro árbitro.

I Da proibição de reexame de provas e interpretação de cláusula contratual.

A análise da suposta violação dos arts. 9º e 10, III, da Lei 9.307/96 implicaria o

reexame das peculiaridades fáticas do caso, bem como interpretação das cláusulas

do compromisso arbitral firmado entre as partes, o que é vedado em sede de

recurso especial.

Com efeito, entendeu o Tribunal de origem, após analisar (i) as cláusulas específicas

do compromisso arbitral firmado entre as partes com assessoramento de advogado ,

bem como (ii) os demais documentos juntados aos autos, notadamente, as atas de

reuniões e troca de correspondências entre as partes, que o objeto da arbitragem

estava bem definido no compromisso e, portanto, não havia qualquer nulidade, in

verbis:

O objeto da arbitragem também se encontra bem definido no compromisso

assumido pelas partes, uma vez que se cuida de cláusula fechada, se referindo a

todas as divergências até então existentes entre as partes, o que pode ser

constatado pelo simples exame das atas das reuniões e trocas de correspondências

entre as litigantes. Não se cuida de objeto indefinido ou indeterminado como quer

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226  

fazer crer a apelante. Sabia muito bem a apelante do que se tratava e o objeto do

compromisso arbitral (e-STJ fls. 707).

Assim, para rever essa conclusão seria necessário analisar o conjunto fático

probatório dos autos, além de interpretar cláusula contratual, o que é vedado em

sede de recurso especial.

Incidência, na hipótese, do óbice das Súmulas nº 5 e 7, ambas do STJ. II - Do

Prequestionamento (ofensa ao art. 32, IV, da Lei 9.307/96 e art. 55, XIII, 2º, da Lei 8.666/93).

A respeito do art. 32, IV, da Lei 9.307/96, tido por violado, não houve emissão de

juízo, pelo acórdão recorrido, apesar da oposição de embargos de declaração,

ressentindo-se, portanto, o recurso especial do necessário prequestionamento.

Com efeito, não se discutiu a validade da sentença proferida pelo juízo arbitral. A

pretensão da recorrente é anterior: a declaração de nulidade do compromisso

arbitral, limitando-se o julgamento do Tribunal de origem a esse aspecto.

O Tribunal de origem também não apreciou a questão da necessidade de inserção

de cláusula de eleição de foro no contrato celebrado em decorrência da licitação.

Incidem à espécie, portanto, as Súmulas 211/STJ e 282/STF.

Os demais dispositivos legais apontados pelo recorrente como violados foram

prequestionados pelo acórdão recorrido, ainda que de maneira implícita, autorizando

o exame do especial. III Da violação dos arts. 7º e 16, 2º, da Lei 9.307/96.

O fundamento adotado pelo Tribunal de origem, para afastar a alegação de nulidade

do compromisso arbitral em razão da decisão ter sido proferida apenas por dois

árbitros, foi a obtenção da maioria. Com efeito, justificou o acórdão: “Na ausência do

árbitro indicado pela autora a decisão se deu por maioria, com fundamento no art.

24, 1º, da Lei 9.307/96” (e-STJ fls. 707).

Observe-se que “O extremo cuidado do legislador em exigir um número ímpar de

árbitros (...) é plenamente justificável. O sistema é todo estruturado de forma a evitar

empates” (ALEXANDRE FREITAS CÂMARA, Arbitragem Lei 9.307-96 , 4ªed., Rio de

Janeiro: Lumen Iuris, 2005, p. 52).

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227  

Na hipótese, não se verificou empate, mas decisão por maioria. Ou seja, foi

alcançado o resultado pretendido pelo legislador, inobstante o árbitro nomeado pela

recorrente ter deixado de participar do procedimento.

Ocorre que esse fundamento não foi abordado nas razões recursais, fazendo incidir

à espécie, pois, a Súmula 283 do STF, que obsta o conhecimento do especial pra

analisar suposta violação dos arts. 7º e 16, 2º, da Lei 9.307/96. IV Da violação do

art.41 da Lei 8.666/93

A recorrente aduz que o acórdão recorrido, “ao reconhecer a possibilidade das

partes se submeterem ao juízo arbitral, quando tal disposição não estava contida no

edital de licitação” viola o disposto no art. 41 da Lei 8.666/93.

Observa, ainda, que “havendo previsão legal para a adoção da arbitragem, não há

dúvida que essa saída para a solução de conflitos pode ocorrer. Mas quando nada

dispuser o edital, o contrato ou qualquer lei que isso preveja, o conflito deve ser

dirimido pelo Poder Judiciário” (e-STJ fls. 842).

E, na hipótese, conforme explica a recorrente, a arbitragem não estava prevista no

edital de licitação, nem no contrato celebrado posteriormente, o qual dispunha,

inclusive, sobre a competência do foro da Comarca de Curitiba-PR para dirimir as

eventuais controvérsias existentes entre as partes, nos termos do art. 55, XIII, 2º, da

Lei 8.666/93.

O acórdão recorrido, por sua vez, após extensa argumentação acerca da admissão

da arbitragem para a resolução de conflitos que envolvam contratos administrativos

celebrados por sociedades de economia mista, tendo em vista a disponibilidade dos

interesses envolvidos e o regime jurídico de direito privado aplicável à hipótese (já

que o contrato celebrado entre as partes não envolveria a prestação de serviço

público), conclui que:

(i) “o fato de envolver licitação não significa obstáculo para que as partes resolvam

seus conflitos por arbitragem” (e-STJ, fls. 703);

(ii) “admissível a realização de compromisso arbitral nos contratos administrativos”

(e-STJ fls. 704).

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228  

De fato, tanto a doutrina como a jurisprudência já sinalizaram no sentido de que não

existe óbice legal na estipulação da arbitragem pelo poder público, notadamente

pelas sociedades de economia mista, admitindo como válidas as cláusulas

compromissórias previstas em editais convocatórios de licitação e contratos.

Aliás, pelo contrário, exulta-se a utilização da arbitragem, diante da sua maior

celeridade e especialidade em comparação com Poder Judiciário. Nas palavras do i.

Professor THEMÍSTOCLES BRANDAO, citado pelo ex-Ministro EROS GRAU:

Parece-me que a administração realiza muito melhor os seus fins e a sua tarefa,

convocando as partes que com ela contratarem a resolver as controvérsias de direito

e de fato perante o juízo arbitral, do que denegando o direito das pares, remetendo-

as ao juízo ordinário ou prolongado o processo administrativo, com diligências

intermináveis, sem um órgão diretamente responsável pela instrução do processo.

("Da Arbitrabilidade de Litígios Envolvendo Sociedades de Economia Mista e da

Interpretação de Cláusula Compromissória. ( in Revista de Direito Bancário do

Mercado de Capitais e da Arbitragem, ano 5, out-dez/2002, p. 399)

No mesmo sentido, ARNOLD WALD e ANDRÉ SERRAO:

O acesso à segurança jurídica, à celeridade e a especialização técnica de um

tribunal arbitral podem constituir um interesse público primário, cuja

indisponibilidade, ao contrário de proibir sua utilização, estaria a exigir que a

Administração Pública viesse a valer-se da arbitragem” ( in Revista de Arbitragem

e Mediação, ano 5, v. 16, jan-mar/2008, p. 20).

Quando ainda era Desembargadora do Tribunal de Justiça do Distrito Federal,

também já me manifestei favoravelmente à arbitragem para a solução dos conflitos

que envolviam sociedade de economia mista:

MANDADO DE SEGURANÇA - PÓLO PASSIVO - TEMPESTIVIDADE - LICITAÇAO

- INTERESSE PÚBLICO INDISPONÍVEL - JUÍZO ARBITRAL - DECRETO-LEI

Nº 2.300E LEI 8.666. POSSIBILIDADE.

(...) III - Pelo art. 544, da Lei8.6666/93, os contratos administrativos regem-se pelas

suas cláusulas e preceitos de direito público, aplicando-se-lhes supletivamente os

princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado, o que

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229  

vem reforçar a possibilidade de adoção do Juízo arbitral para dirimir questões

contratuais.

(MS 199800200366-9, Conselho Especial, TJDF, J. 18.05.1999, DJ 18.08.1999, in

Revista de Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da Arbitragem, ano 3, v.8,

2000, p. 359-373)

Esta Corte também já se pronunciou acerca da viabilidade do juízo arbitral em

contratos administrativos firmados por sociedades de economia mista, cumprindo

citar alguns trechos do voto do Min. LUIZ FUX, proferido em sede do MS 11.308-DF,

DJ 19.05.2008:

Destarte, as sociedades de economia mista encontram-se em situação paritária em

relação às empresas privadas nas suas atividades comerciais, consoante leitura do

artigo 173, 1º, inciso II, da Constituição Federal, evidenciando-se a inocorrência de

quaisquer restrições quanto à possibilidade de celebrarem convenções de

arbitragem para solução de conflitos de interesses, máxime quando legitimadas para

tal as suas congêneres.

Ainda que as sociedades de economia mista estejam inseridas na órbita da

Administração Pública Indireta, é bem verdade que suas atividades restam

disciplinadas, majoritariamente, pela disciplina negocial das empresas

privadas, como por exemplo, a penhorabilidade dos seus bens, aplicando-se-lhes o

direito público apenas subsidiariamente, naquilo que não for incompatível com o seu

regime privado, como aos princípios insculpidos no artigo 37 da Constituição

Federal.

Por sua vez, evitar que em um contrato administrativo, firmado entre partes de natureza comercial estipule-se cláusula arbitral é restringir aonde a lei não o fez . (sem destaque no original)

Assim também:

PROCESSO CIVIL. JUÍZO ARBITRAL. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA.

EXTINÇAO DO PROCESSO. ART. 267, VII, DO CPC. SOCIEDADE DE ECONOMIA

MISTA.DIREITOS DISPONÍVEIS. EXTINÇAO DA AÇAO CAUTELAR

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230  

PREPARATÓRIA POR INOBSERVÂNCIA DO PRAZO LEGAL PARA A

PROPOSIÇAO DA AÇAOPRINCIPAL.

1. Cláusula compromissória é o ato por meio do qual as partes contratantes

formalizam seu desejo de submeter à arbitragem eventuais divergências ou litígios

passíveis de ocorrer ao longo da execução da avença. Efetuado o ajuste, que só

pode ocorrer em hipóteses envolvendo direitos disponíveis, ficam os contratantes

vinculados à solução extrajudicial da pendência.

2. A eleição da cláusula compromissória é causa de extinção do processo sem

julgamento do mérito, nos termos do art. 267, inciso VII, do Código de Processo

Civil.

3. São válidos e eficazes os contratos firmados pelas sociedades de economia mista exploradoras de atividade econômica de produção ou comercialização

de bens ou de prestação de serviços (CF, art. 173, 1º) que estipulem cláusula

compromissória submetendo à arbitragem eventuais litígios decorrentes do ajuste .

4. Recurso especial parcialmente provido. (REsp 612439/RS, Rel. Min. João Otávio

de Noronha, 2ª Turma, DJ 14/09/2006) (sem destaque no original).

A peculiaridade da hipótese analisada reside no fato de que, no contrato celebrado

entre as partes, não foi estabelecida a arbitragem como meio de solução de

controvérsias (cláusula compromissória). O compromisso arbitral foi firmado

posteriormente pela concessionária recorrente.

Importante esclarecer que há uma clara distinção feita pela lei 9.307/96 entre as

duas figuras jurídicas. Depreende-se da leitura dos seus arts. 8º e 9º que, enquanto

a cláusula compromissória, inserida previamente nos contratos, é genérica e refere-

se a eventuais futuros litígios, o compromisso arbitral é firmado posteriormente e

pressupõe a existência de uma determinada controvérsia, sendo que as

partes resolvem submetê-la ao juízo arbitral, firmando o compromisso em sede do

próprio juízo ou Tribunal arbitral ou por meio de instrumento particular, como ocorreu

na hipótese.

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231  

Todavia, o fato de não haver previsão da arbitragem no edital de licitação ou no

contrato celebrado entre as partes, não invalida o compromisso arbitral firmado

posteriormente.

O princípio da vinculação das partes ao edital de licitação (arts. 3º e 41 da Lei

8.666/93) tem por finalidade precípua estabelecer as regras do certame,

assegurando a todos os participantes o prévio conhecimento acerca do objeto em

disputa com precisão e clareza, possibilitando-lhes iguais condições no oferecimento

e análise de suas propostas. Nas palavras de HELI LOPES MEIRELES, “o edital é a

lei interna na licitação” ( Licitação e Contrato Administrativo. 15ª Ed. São Paulo:

Malheiros, 2010, p. 50-51), ou seja, visa-se garantir a lisura da licitação, no que

respeita ao seu próprio conteúdo.

A previsão do juízo arbitral, em vez do foro da sede da administração (jurisdição

estatal), para a solução de determinada controvérsia, não vulnera o conteúdo ou as

regras do certame. Com efeito, não se pode dizer que a licitação teria outro

resultado ou dela participariam mais ou menos concorrentes unicamente pelo fato

de estar ou não previsto determinado foro para solução de controvérsias.

Embora seja cláusula obrigatória do contrato administrativo, nos termos do

art. 55,XIII, 2º, da lei 8.666/93, a cláusula de foro não pode ser considerada

essencial aos contratos administrativos. Com efeito, ensina-nos HELI LOPES

MEIRELES:

(...) de um modo geral, são consideradas cláusulas essenciais ou necessárias em

todo contrato administrativo as que: definam o objeto e seus elementos

característicos, estabeleçam o regime de execução da obra ou do serviço, ou a

modalidade de fornecimento; fixem o preço e as condições de pagamento, os

critérios, data-base e periodicidade do reajustamento de preços, os critérios de

atualização monetária entre a data do adimplemento das etapas da execução,

conclusão, entrega, observação e recebimento definitivo, conforme o caso; indiquem

o valor e os recursos para tender Às despesas contratuais, com a sua classificação

funcional programática e a categoria econômica; discriminem os direitos

o obrigações das partes e fixem as penalidades e o valor das multas; estabeleçam

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232  

os casos de rescisão do contrato; prescrevam as condições de importação, a data e

taxa de câmbio para conversão, quando for o caso (Op. Cit. p. 287).

No mesmo sentido: MARIA ADELAIDE DE CAMPOS FRANÇA, Lei de Licitações e

Contratos da Administração Pública , São Paulo: Saraiva, 2010, p. 208.

Ademais, a referida cláusula de foro não é incompatível com o juízo arbitral. Dentre

as várias razões apontadas pela doutrina, pode-se mencionar: a necessidade de

atuação do Poder Judiciário para a concessão de medidas de urgência; para a

execução da sentença arbitral; para a própria instituição da arbitragem quando uma

das partes não a aceita de forma amigável. Nesse sentido: CARLOS

ALBERTO CARMONA, Considerações sobre a cláusula compromissória e a eleição

de foro , in Arbitragem Estudos em homenagem ao Prof. Guido Fernandes da Silva

Soares, São Paulo: Atlas, 2007, p. 37 e EROS ROBERTO GRAU, Op. Cit. p. 404).

Assim, ambas as cláusulas podem conviver harmonicamente, de modo que as áreas

de abrangência de uma de outra são distintas, inexistindo qualquer conflito.

Especificamente, no âmbito do Poder Público, há ainda a questão da impossibilidade

de instituição do juízo arbitral para dirimir determinadas controvérsias que envolvem

direitos indisponíveis, sendo necessária, portanto, a atuação da jurisdição estatal,

cuja competência será fixada pela cláusula de foro prevista obrigatoriamente nos

contratos administrativos.

Esse, contudo, não é o caso dos autos, cujo objeto da arbitragem limita-se à

discussão acerca da manutenção do equilíbrio econômico financeiro do contrato, ou

seja, não envolve direitos indisponíveis. Com efeito, a controvérsia estabelecida

entre as partes é de caráter eminentemente patrimonial e disponível, tanto assim

que as partes poderiam tê-la solucionado diretamente, sem intervenção tanto da

jurisdição estatal, como do juízo arbitral.

Preferiram, no entanto, optar pela arbitragem, mediante a celebração do

compromisso arbitral, posteriormente impugnado pela recorrente. Observe-se que se

tratou de um ato voluntário da administração concessionária submeter a controvérsia

ao juízo arbitral, renunciando ao juízo estatal.

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233  

Nesse contexto, pode-se dizer que a atitude posterior da recorrente, de impugnar

seu próprio ato, beira às raias da má-fé, além de ser evidentemente prejudicial ao

próprio interesse público de ver resolvido o litígio de maneira mais célere.

Em suma, assim como a concessionária recorrente teria autonomia para resolver a

controvérsia relativa ao equilíbrio econômico financeiro do contrato celebrado com a

recorrida sem precisar de autorização legislativa ou de recorrer ao Poder Judiciário,

haja vista a disponibilidade dos interesses envolvidos, ela também tem autonomia

para eleger um árbitro que solucione a controvérsia.

Outrossim, uma vez firmado o compromisso e determinado o objeto da arbitragem,

todas as demais controvérsias eventualmente existentes entre as partes, bem como

as medidas de urgência ou de caráter executivo que envolvam a arbitragem, devem

ser submetidas ao Poder Judiciário, no foro da sede da concessionária (Curitiba-

PR),conforme cláusula inserta no contrato celebrado entre as partes, a qual, pelas

razões supramencionadas, não é incompatível com o compromisso impugnado.

Inexiste, portanto, qualquer violação ao art. 41 da Lei de 8.666/93, pelo acórdão

recorrido.

V Do Dissídio Jurisprudencial

Entre os acórdãos trazidos à colação pela recorrente, não há o necessário cotejo

analítico nem a comprovação da similitude fática, elementos indispensáveis à

demonstração da divergência. Assim, a análise da existência do dissídio é inviável,

porque não foram cumpridos os requisitos dos arts. 541, parágrafo único, do CPC e

255, 1º e 2º, do RISTJ.

Forte nessas razões, NEGO PROVIMENTO ao recurso especial.

RECURSO ESPECIAL Nº 904.813 - PR (2006/0038111-2)

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RECORRENTE : COMPANHIA PARANAENSE DE GÁS NATURAL –

COMPAGAS

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234  

ADVOGADOS : CARLOS EDUARDO MANFREDINI HAPNER E OUTRO (S)

TARCÍSIO ARAÚJO KROETZ E OUTRO (S)

CASSIANO LUIZ IURK E OUTRO (S)

LEONARDO PERES DA ROCHA E SILVA E OUTRO (S)

RECORRIDO : CONSÓRCIO CARIOCA PASSARELLI

ADVOGADO : LUIZ ANTONIO BETTIOL E OUTRO (S)

VOTO

EXMO. SR. MINISTRO MASSAMI UYEDA (Presidente):

Quero cumprimentar os eminentes Advogados pela sustentação oral e dizer que

acompanho integralmente o voto de Sua Excelência, a Sra. Ministra Nancy Andrighi.

Quero também fazer uma consideração com relação à posição adotada pela

recorrente que, ao mesmo tempo em que admite um compromisso arbitral, já

estando em curso um contrato em cujo bojo, de início, não havia disposição escrita

sobre a eleição de um juízo arbitral, venha depois, quando se depara a um resultado

que se antevia a ser desfavorável, o seu árbitro a se retirar, e aí procura construir

uma tese, de que a indisponibilidade do interesse público não permitiria

essa modalidade, essa solução de conflitos. Parece-me uma atitude extremamente

negativa e, como Sua Excelência bem assinalou ao final do seu bem elaborado voto,

beira as raias da má-fé.

É preciso, de uma vez por todas, que também os empresários e as empresas de

economia mista, embora tenham essa natureza de vamos dizer parte pública, mas

uma gerência privada, essa natureza de sociedade de economia mista, que são

entes paraestatais da administração descentralizada, essa administração

descentralizada visa exatamente à agilização dessa gestão e não, depois, procurar

guarida no Poder Judiciário para poder se escudar em vícios que sustentam

tenham ocorrido. É lamentável que isso seja constatado aqui, em nível de

recurso especial, quando poderia ter sido exatamente dirimido, ou no âmbito

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dessa própria arbitragem... Porque isso demandou um estudo, uma análise,

uma busca até o Poder Judiciário, que se debruçou e, como não poderia deixar de

ser, negou provimento à apelação.

Não é nenhuma crítica pessoal à pessoa do Advogado, que está apenas fazendo a

sua atividade profissional, mas é necessário esse alerta, essa manifestação da

inconformidade dos juízes, que estão preocupados em fazer com que a Justiça seja

mais efetiva, pois esse processo já poderia ter terminado. Se as cláusulas que foram

debatidas, aí a equação econômico-financeira, então por que ter assinado, ter

concordado com o compromisso arbitral?

Radicalmente, na origem, já deveria ter sido refutada essa escolha, e não esperar o

resultado que lhe é negativo para, depois, tentar revertê-lo. Isso é até mesmo caso

de responsabilização, e da administração, porque atenta contra o próprio princípio

da moralidade pública. E já que se decantou tanto o interesse da indisponibilidade

do interesse público, cumpre ao administrador zelar pela moralidade e não procurar

trazer isso aqui, depois.

Nós todos sabemos dos inúmeros percalços que cercam os processos que venham

até esta mais alta Corte infraconstitucional. Tentar reverter uma solução que

demandaria análise de provas, como bem assinalou Sua Excelência, a Sra. Ministra

Nancy Andrighi, matéria não prequestionada... Parece-me isso algo que toca a

perdas; não toca a perdas, já é uma má-fé mesmo. Eu até estaria propenso, aqui, a

fazer uma proposição, no sentido de que é litigância de má-fé; litigância de má-fé faz

com que essa indignação se exacerbe diante desse manejo irresponsável dos

recursos processuais é necessário que haja essa compreensão, essa ponderação.

Acompanho integralmente o voto da eminente Ministra Relatora, negando

provimento ao recurso especial, mais uma vez ressaltando a excelência das

alegações aqui produzidas em sustentação oral pelos jovens Advogados, que estão

mostrando a sua vocação para a defesa dos interesses dos constituintes.

Ministro MASSAMI UYEDA

RECURSO ESPECIAL Nº 904.813 - PR (2006/0038111-2)

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236  

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RECORRENTE : COMPANHIA PARANAENSE DE GÁS NATURAL –

COMPAGAS

ADVOGADO : LEONARDO PERES DA ROCHA E SILVA E OUTRO (S)

RECORRIDO : CONSÓRCIO CARIOCA PASSARELLI

ADVOGADO : LUIZ ANTONIO BETTIOL E OUTRO (S)

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO (Relator):

Sr. Presidente, acompanho integralmente o voto da Sra. Ministra Relatora, com os

acréscimos de Vossa Excelência.

RECURSO ESPECIAL Nº 904.813 - PR (2006/0038111-2)

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator): Sr.

Presidente, acompanho integralmente o voto da eminente Relatora.

De início, eu tinha dúvida quanto à arbitrabilidade desse tipo de conflito, mas o voto

é muito claro, muito sólido, e consolida bem o entendimento do Tribunal sobre a

matéria. E, responde à uma dúvida sobre a disciplina que alguns entes da federação

vêm dando à questão. Por exemplo, o Estado de Minas Gerais, editou,

recentemente, uma lei que procura disciplinar a arbitrabilidade dos conflitos, não só

dele Estado , como também das suas pessoas jurídicas de Direito Privado. Isso

gerou uma polêmica no meio arbitralista. No caso, dadas as peculiaridades,

as decisões de Primeiro e Segundo Graus e todas as ponderações da eminente

Relatora, não há como escapar à conclusão a que Sua Excelência chegou.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

TERCEIRA TURMA

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Número Registro: 2006/0038111-2 PROCESSO ELETRÔNICO

REsp 904813 / PR

Números Origem: 22372000 247646 247646002

PAUTA: 20/10/2011 JULGADO: 20/10/2011

Relatora

Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI

Ministro Impedido

Exmo. Sr. Ministro : SIDNEI BENETI

Presidente da Sessão

Exmo. Sr. Ministro MASSAMI UYEDA

Subprocurador-Geral da República

Exmo. Sr. Dr. JOSÉ BONIFÁCIO BORGES DE ANDRADA

Secretária

Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA

AUTUAÇÃO

RECORRENTE : COMPANHIA PARANAENSE DE GÁS NATURAL –

COMPAGAS

ADVOGADO : LEONARDO PERES DA ROCHA E SILVA E OUTRO (S)

RECORRIDO : CONSÓRCIO CARIOCA PASSARELLI

ADVOGADO : LUIZ ANTONIO BETTIOL E OUTRO (S)

ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Obrigações - Espécies de Contratos - Prestação de

Serviços

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SUSTENTAÇÃO ORAL

Dr (a). CASSIANO LUIZ IURK (Protestará por Juntada)

, pela parte RECORRENTE: COMPANHIA PARANAENSE DE GÁS NATURAL -

COMPAGAS

Dr (a). ALEXANDRE VITORINO SILVA, pela parte RECORRIDA:

CONSÓRCIOCARIOCA PASSARELLI

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na

sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial, nos termos

do voto do (a) Sr (a). Ministro (a) Relator (a). Os Srs. Ministros Massami Uyeda,

Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com a Sra.

Ministra Relatora. Impedido o Sr. Ministro Sidnei Beneti.

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ANEXO 15

RECURSO ESPECIAL Nº 612.439 - RS (2003/0212460-3)

RECORRENTE : AES URUGUAIANA EMPREENDIMENTOS LTDA

ADVOGADO : ATHOS GUSMAO CARNEIRO E OUTRO

RECORRIDO : COMPANHIA ESTADUAL DE ENERGIA ELÉTRICA – CEEE

ADVOGADO : MAX AUGUSTO JOBIM RIBEIRO E OUTROS

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO JOAO OTÁVIO DE NORONHA:

Cuida-se de recurso especial manifestado por AES

URUGUAIANAEMPREENDIMENTOS LTDA. com fundamento nas alíneas a e c do

permissivo constitucional, contra julgado do Tribunal de Justiça do Estado do Rio

Grande do Sul assim ementado:

"PROCESSUAL CIVIL E CONSTITUCIONAL. JUÍZO ARBITRAL. CARÊNCIA DE

AÇAO.

A existência de compromisso arbitral não tem o condão de afastar a apreciação de

qualquer questão pelo Poder Judiciário, assegurada constitucionalmente no inc.

XXXV, do art. 5º, razão pela qual a instauração de juízo arbitral convencionado não

implica falta de interesse processual.

CAUTELAR PREPARATÓRIA. EXTINÇAO DA AÇAO POR INOBSERVÂNCIA DO

PRAZO LEGAL PARA A INTERPOSIÇAO DO PROCESSO PRINCIPAL.

Apenas a liminar concedida em ação cautelar perde a eficácia diante

da inobservância do prazo legal para a interposição da ação principal da qual

depende a ação cautelar, a qual não merece ser extinta já que não atinge ou ofende

a esfera jurídica do requerido no caso concreto.

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AGRAVO IMPROVIDO" (fl. 305).

A lide teve início com o ajuizamento de ação ordinária condenatória na qual a

COMPANHIA ESTADUAL DE ENERGIA ELÉTRICA (CEEE), sociedade de

economia mista com sede no Estado do Rio Grande do Sul, alegou que a sociedade

AESURUGUAIANA EMPREENDIMENTOS LTDA., ora recorrente, descumpriu

injustificadamente contrato firmado entre elas para a aquisição de potência e energia

elétrica.

Citada para contestar a exordial, AES URUGUAIANA EMPREENDIMENTOS LTDA.

sustentou a existência, no contrato firmado entre as partes, de cláusula

compromissória convencionando a formação de juízo arbitral na hipótese de

conflitos. Requereu, destarte, a extinção do processo sem julgamento do mérito, nos

termos do art. 267, VII, do estatuto processual civil pátrio.

Em seu exame, a magistrada de primeira instância rejeitou a preliminar de extinção

do processo sem julgamento de mérito em razão da existência de convenção de

arbitragem. Entendeu que "a CEEE é empresa prestadora de serviço público

essencial, consistente na produção e distribuição de energia elétrica, sociedade de

economia mista do Estado do Rio Grande do Sul. Como tal, não pode, sem a

competente autorização do legislativo estadual, abrir mão do devido processo legal

para dirimir eventuais conflitos concernentes ao serviço público por ela prestado" (fl.

206). Além do mais, destacou que a utilização da via arbitral é mera faculdade posta

em favor dos litigantes, que somente a utilizarão em caso de comum acordo, não

podendo ser vedada a busca pela tutela jurisdicional do Poder Judiciário.

Em decisão complementar (fl. 209), decorrente de embargos de declaração, a

magistrada deixou de extinguir a ação cautelar preparatória cujo objeto era o registro

no Mercado Atacadista de Energia Elétrica (MAE) dos montantes de energia elétrica

contratados ao entendimento de que apenas a liminar concedida perde a eficácia

diante da inobservância do prazo legal para a interposição da ação principal da qual

depende a preparatória.

Irresignada, a ora recorrente interpôs o recurso de agravo de instrumento previsto no

art. 522 e seguintes do CPC, devolvendo, assim, a controvérsia ao Tribunal de

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Justiça local. Em seguida, como se percebe da ementa supra transcrita, a referida

Corte a quo negou provimento ao apelo à unanimidade, por concluir que é livre o

acesso ao Poder Judiciário, nos termos do art. 5º, XXXV, da Carta Magna.

Subsequentemente, foram opostos embargos declaratórios com o fito de levar o

Tribunal de origem a apreciar expressamente as disposições previstas nos

arts. 3º,4º, 7º, 8º e 20 da Lei n. 9.307/96 Lei da Arbitragem e 806 do Código de

Processo Civil. Os embargos foram rejeitados por decisão assim ementada:

"EMBARGOS DE DECLARAÇAO. DESCABIMENTO.

Descabe a interposição de Embargos de Declaração, para modificação do acórdão,

quando não fundamentados em omissão, obscuridade ou contradição, salvo erro

manifesto. Inocorrência das hipóteses do art. 535 do CPC. A alegação de

prequestionamento na aclaratória deve se embasar em uma das hipóteses previstas

no art. 535 do CPC. Precedentes da Corte.

EMBARGOS DE DECLARAÇAO REJEITADOS" (fl. 327).

Nas razões do especial, a recorrente defende, em síntese, as seguintes teses:

a) a cláusula compromissória é obrigatória para a solução de conflitos surgidos na

execução do pactuado, de forma que o acórdão recorrido, ao negar eficácia à

referida cláusula e, por conseguinte, não extinguir o processo sem julgamento de

mérito, contrariou o disposto nos arts. 3º, 4º, 7º, 8º e 20 da Lei n. 9.307/96 e 267, VII,

do CPC.

b) contrariedade aos arts. 806, I, e 808 do CPC, visto que o ajuizamento da ação

principal, após decorridos 30 (trinta) dias da efetivação de medida liminar deferida

em sede de ação cautelar preparatória, conduz esta à extinção. Nesse aspecto,

suscita ainda a ocorrência de divergência jurisprudencial.

Sob essa argumentação, requer que "seja o presente recurso especial

conhecido pela Eg. Turma e ao mesmo seja dado integral provimento, para

determinar seja extinto o processo sem julgamento de mérito, em vista da

convenção de arbitragem" (fl. 369). Pleiteia também que a "Turma, conhecendo da

matéria referente à ofensa aos artigos806 e 808, I, do CPC, decrete a extinção da

própria ação cautelar preparatória" (fl. 369).

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242  

Outrossim, defende que os arts. 8º e 20 da Lei n. 9.307/96 foram violados, dado que

não foi determinada a remessa dos autos ao juízo arbitral, competente para julgar,

em primeiro lugar, qualquer questão relativa à validade e eficácia da convenção

arbitral, nos termos do princípio da "competência-competência". Acena, por fim, com

a existência de dissídio pretoriano.

Contra-razões juntadas às fls. 398/432.

Após a admissão do apelo extremo às fls. 452/455, os autos subiram a esta Corte,

vindo-me conclusos.

É o relatório.

RECURSO ESPECIAL Nº 612.439 - RS (2003/0212460-3)

EMENTA

PROCESSO CIVIL. JUÍZO ARBITRAL. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA.

EXTINÇAO DO PROCESSO. ART. 267, VII, DO CPC. SOCIEDADE DE ECONOMIA

MISTA. DIREITOS DISPONÍVEIS. EXTINÇAO DA AÇAO CAUTELAR

PREPARATÓRIA PORINOBSERVÂNCIA DO PRAZO LEGAL PARA A

PROPOSIÇAO DA AÇAOPRINCIPAL.

1. Cláusula compromissória é o ato por meio do qual as partes contratantes

formalizam seu desejo de submeter à arbitragem eventuais divergências ou litígios

passíveis de ocorrer ao longo da execução da avença. Efetuado o ajuste, que só

pode ocorrer em hipóteses envolvendo direitos disponíveis, ficam os contratantes

vinculados à solução extrajudicial da pendência.

2. A eleição da cláusula compromissória é causa de extinção do processo sem

julgamento do mérito, nos termos do art. 267, inciso VII, do Código de Processo

Civil.

3. São válidos e eficazes os contratos firmados pelas sociedades de economia mista

exploradoras de atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou

de prestação de serviços (CF, art. 173, 1º) que estipulem cláusula compromissória

submetendo à arbitragem eventuais litígios decorrentes do ajuste.

4. Recurso especial parcialmente provido.

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243  

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO JOAO OTÁVIO DE NORONHA (Relator) :

Informam os autos que a ora recorrida realizou licitação internacional na modalidade

concorrência internacional tendo por objeto a aquisição de potência e

energia elétrica, ficando expressamente consignada no respectivo contrato cláusula

compromissória prevendo que eventuais litígios dele decorrentes, seja no tocante à

modificação ou rescisão da avença, ou mesmo na contestação de pagamentos,

seriam dirimidos por meio de juízo arbitral.

Sustenta a recorrente que, em tais circunstâncias, avençada expressamente pelas

partes a cláusula compromissória, a teor do disposto nos arts. 3º e 4º da Lei

n.9.307/96; 267, VII, do CPC e 4º, d, do Regulamento da Câmara de Comércio

Internacional (CCI), deveria ser extinto o processo sem julgamento de mérito.

Para a análise da controvérsia consignada nos autos, faz-se necessário,

preliminarmente, tecer algumas breves considerações a respeito da natureza jurídica

da cláusula compromissória e dos efeitos decorrentes de sua inserção no

instrumento contratual.

A arbitragem está regulada na Lei n. 9.307/96, cujo artigo 4º prescreve que

“a cláusula compromissória é a convenção por meio da qual as partes em um

contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a

surgir, relativamente a tal contrato”.

Da definição do instituto, exsurge o caráter híbrido da convenção de arbitragem, na

medida em que se reveste, a um só tempo, das características de obrigação

contratual, representada por um compromisso livremente assumido pelas partes

contratantes, e do elemento jurisdicional, consistente na eleição de um árbitro, juiz

de fato e de direito, cuja decisão irá produzir os mesmos efeitos da sentença

proferida pelos órgãos do Poder Judiciário.

Uma das inovações consignadas na Lei da Arbitragem (Lei n. 9.307/96) foi a de

imprimir força cogente à cláusula arbitral, afastando, obrigatoriamente, a solução

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244  

judicial do litígio e, consequentemente, dando ensejo à extinção do processo sem

exame de mérito, nos termos do art. 267, VII, do CPC.

É evidente que os contratantes, ao pactuarem o compromisso, estão assumindo o

risco de verem-se obrigados por uma decisão eventualmente equivocada do árbitro.

Tal risco, entretanto, que há de ser visto não como elemento estranho à relação

contratual, mas como parte integrante desta, só pode envolver, necessariamente,

direitos disponíveis dos envolvidos.

Tem-se claro, assim, à luz das prescrições contidas na Lei n. 9.307/96, que, a partir

do instante em que, no contexto de um instrumento contratual, as partes envolvidas

estipulem a cláusula compromissória, estará definitivamente imposta como

obrigatória a via extrajudicial para solução dos litígios envolvendo o ajuste.

O juízo arbitral, repita-se, não poderá ser afastado unilateralmente, de forma que é

vedado a qualquer uma das partes contratantes impor seu veto ao procedimento

pactuado. Em síntese, na vigência da cláusula compromissória, permite-se que o

contratante interessado na resolução do litígio tome a iniciativa para a instauração

da arbitragem, ficando o outro, uma vez formalizado o pedido, obrigado a aceitá-la

sem nenhuma possibilidade de optar, unilateralmente, pela jurisdição estatal.

Sobre o tema, é pertinente transcrever excerto do voto proferido pela Ministra Ellen

Gracie no julgamento do Agravo Regimental na Sentença Estrangeira 5.206 (relator

Min. Sepúlveda Pertence, DJ 30/4/2004), que cuida da matéria em exame:

"Negar possibilidade a que a cláusula compromissória tenha plena validade e que

enseje execução específica importa em erigir em privilégio da parte inadimplente o

furtar-se à submissão à via expedida de solução da controvérsia, mecanismo este

pelo qual optara livremente, quando da lavratura do contrato original em que inserida

essa previsão. É dar ao reclacitrante o poder de anular condição que dada a

natureza dos interesses envolvidos pode ter sido consideração básica à formação da

avença. É inegável que, no mundo acelerado em que vivemos, ter, ou não, acesso a

fórmulas rápidas de solução das pendências resultantes do fluxo comercial, constitui

diferencial significativo do poder de barganha dos contratantes."

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245  

No julgamento do citado precedente, decidiu o Supremo Tribunal Federal,

por maioria, pela constitucionalidade dos arts. 6º, parágrafo único, 7º e

seus parágrafos, 41 e 42da Lei n. 9.307/96, concluindo que a manifestação de

vontade da parte na cláusula compromissória, quando da celebração do contrato, e

a permissão legal dada ao juiz para que substitua a vontade da parte recalcitrante

em firmar o compromisso não ofendem o preceito inscrito no art. 5º, XXXV, da CF.

Por conseguinte, restaram vencidos os ministros que concluíram pela

inconstitucionalidade da cláusula compromissória e pela possibilidade de a outra

parte, havendo resistência quanto à instituição da arbitragem, recorrer ao

Poder Judiciário para compelir a parte recalcitrante a firmar o compromisso.

Nesse panorama, apresenta-se claramente equivocado o

posicionamento consignado no voto condutor do acórdão recorrido (fls. 311/312) no

sentido de que os arts. 3º e 7ºda Lei n. 9.307/96 conferem às partes mera faculdade

de se socorrerem da cláusula compromissória, assim como a conclusão de que a

celebração dessa cláusula não importa na extinção do processo com base no

art. 267, VII, do CPC.

Outra questão que merece análise mais detida diz respeito à possibilidade de uma

sociedade de economia mista celebrar contrato de compra e venda com cláusula

compromissória.

A sociedade de economia mista é uma pessoa jurídica de direito privado,

comparticipação do Poder Público e de particulares em seu capital e em sua

administração, para a realização de atividade econômica ou serviço público

outorgado pelo Estado. Possuem a forma de empresa privada, admitem lucro e

regem-se pelas normas das sociedades mercantis, especificamente pela Lei das

Sociedades Anônimas Lei n. 6.404/76.

É certo que a Emenda Constitucional n. 19/98 previu a edição, por lei, de estatuto

jurídico para as sociedades de economia mista exploradora de atividade econômica

(CF, art. 173), com vistas a assegurar sua fiscalização pelo Estado e pela

sociedade, bem como sua sujeição aos princípios norteadores da Administração

Pública. Isso não representa, entretanto, o engessamento dessas empresas no que

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246  

diz respeito à possibilidade de se utilizarem dos mecanismos de gerência e

administração próprios da iniciativa privada, direcionados para o pleno

desenvolvimento de suas atividades comerciais, mormente diante do teor do

art. 173, 1º, I, da CF, que reconhece a sujeição da sociedade de economia mista e

de sua subsidiárias "ao regime jurídico das empresas privadas, inclusive quanto aos

direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributárias", e do disposto no

art. 235 da Lei das S.A.

Sob essa perspectiva, submetida a sociedade de economia mista ao regime jurídico

de direito privado e celebrando contratos situados nesta seara jurídica, não parece

haver dúvida quanto à validade de cláusula compromissória por ela convencionada,

sendo despicienda a necessidade de autorização do Poder Legislativo a referendar

tal procedimento.

Em outras palavras, pode-se afirmar que, quando os contratos celebrados pela

empresa estatal versem sobre atividade econômica em sentido estrito isto é,

serviços públicos de natureza industrial ou atividade econômica de produção ou

comercialização de bens, suscetíveis de produzir renda e lucro , os direitos e as

obrigações deles decorrentes serão transacionáveis, disponíveis e, portanto, sujeitos

à arbitragem. Ressalte-se que a própria lei que dispõe acerca da arbitragem

art. 1º da Lei n. 9.307/96 estatui que "as pessoas capazes de contratar poderão

valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais

disponíveis".

Por outro lado, quando as atividades desenvolvidas pela empresa estatal

decorram do poder de império da Administração Pública e, consequentemente, sua

consecução esteja diretamente relacionada ao interesse público primário, estarão

envolvidos direitos indisponíveis e, portanto, não-sujeitos à arbitragem.

A propósito, vem à baila a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello (Curso

de Direito Administrativo, 4 a ed., São Paulo, Malheiros, 1993, p. 22), que define

interesse público primário como aquele "que a lei aponta como sendo o interesse da

coletividade: da observância da ordem jurídica estabelecida a título de bem curar o

interesse de todos".

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247  

Na espécie dos autos, há de se destacar o caráter comercial do objeto do litígio

submetido à arbitragem. Com efeito, discute-se na petição inicial (fls. 50/115) ação

condenatória com pedido de antecipação de tutela proposta pela ora recorrida

acerca do cumprimento de contrato de compra e venda de energia elétrica. Desse

modo, estando o objeto do contrato de serviço público prestado pela entidade estatal

estritamente vinculado à atividade econômica desenvolvida pela empresa estatal no

caso, venda de energia elétrica , inexiste óbice a que seja pactuada a respectiva

cláusula compromissória na hipótese de descumprimento da avença.

Note-se que, em se tratando a energia elétrica de commodity de

tamanha importância para o País, sobretudo a partir da desregulamentação do setor

promovida a partir dos anos 90, cumpre assegurar às empresas que se dedicam a

sua comercialização e o seu fornecimento, sejam elas privadas ou estatais,

mecanismos ágeis, seguros e eficientes na gestão desses negócios, que possam,

efetivamente, contribuir para o aprimoramento desses serviços, com reflexos

positivos para o consumidor. Nesse contexto, não resta dúvida de que, sob o ponto

de vista jurídico, a cláusula compromissória constitui um desses mecanismos.

Por outro lado, a alegação de que foram contrariados os preceitos inscritos

nos arts.806, I, e 808 do CPC e o alegado dissenso pretoriano não têm o condão de

ensejar o provimento do apelo na parte em que é requerida a extinção do processo

cautelar.

Com efeito, entendo, na mesma linha da orientação advinda da Segunda

Seção desta Corte, que a intempestividade no ajuizamento da ação principal não

ocasiona a extinção do processo cautelar, mas sim a perda da eficácia da liminar

concedida. Nesse sentido, confira-se o seguinte precedente:

"Processual civil. Medida cautelar. Liminar. Efeitos. Perda. Ação principal. Não

ajuizamento no prazo. C.P.C., art. 806. I - Interpretando o artigo 806 do CPC, a Eg.

Segunda Seção do STJ firmou orientação no sentido de que o prazo de trinta dias

para o ajuizamento da ação principal é contado a partir da data da efetivação da

medida liminar e não da sua ciência ao requerente da cautelar.

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248  

II - A extemporaneidade no ajuizamento da ação principal não acarreta a extinção do

processo cautelar, mas sim a perda da eficácia da liminar concedida.

III - Recurso especial conhecido e parcialmente provido." (Segunda Seção, REsp n.

327.380/RS, relator Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, DJ de 4/5/2005.)

Não obstante, é certo que extinção do processo principal sem julgamento de mérito

conduz, consequentemente, à perda do objeto da medida cautelar a ele vinculada,

motivo pelo qual há de ser extinta a ação cautelar.

Diante dessas considerações, conheço do recurso e dou-lhe parcial provimento para, com fundamento no art. 267, VII, do CPC, extinguir o processo sem exame de

mérito, julgando também extinta a medida cautelar em razão da perda de seu

objeto.

É como voto.

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249  

ANEXO – DOUTRINA

ANEXO 1

“No Brasil, onde a arbitragem, até o advento da Lei de 1996, não foi bem

aproveitada, poucos órgãos arbitrais floresceram. Três, porém, destacaram-se numa

época em que pouco se falava em arbitragem: Comissão de Arbitragem da Câmara

de Comércio Brasil-Canadá (hoje denominado Centro de Arbitragem da Câmara de

Comércio Brasil-Canadá), Comissão de Arbitragem da Câmara Internacional de

Comércio do Brasil e Centro Brasileiro de Arbitragem.

Em 1979, em São Paulo, foi criada a primeira comissão de arbitragem tipicamente

brasileira - como afirmou Guido Fernando Silva Soares - instalada junto à Câmara

de Comércio Brasil-Canadá, aberta a todos os interessados na solução de litígios

comerciais ou não, nacionais ou internacionais, independentemente de qualquer

vinculação ao Canadá ou seus nacionais.

O Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio Brasil-Canadá é constituído por um

órgão diretivo (do qual fazem parte o presidente, o vice-presidente e o secretário-

geral) e por um corpo de árbitros, composto por profissionais de ilibada reputação e

reconhecida capacitação técnica, dentre os quais poderão ser indicados os árbitros

que atuarão no caso concreto (pelas regras da entidade, o presidente do painel será

em princípio indicado entre os membros do corpo de árbitro; os demais árbitros

podem ser indicados livremente, devendo ser aprovados pelo Centro).

O regulamento do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio Brasil-Canadá foi

adaptado à Lei de Arbitragem, e está em vigor desde 15.7.98. Em apertada síntese,

a parte interessada em instituir o juízo arbitral deverá notificar o Centro de sua

intenção, indicando o objeto do litígio, valor e qualificação completa da parte

contrária, anexando desde logo o contrato que contenha a cláusula arbitral. O

Centro, assim provocado, enviará ao demandado cópia da notificação, juntamente

com a relação dos nomes que integram a lista de árbitros, para que, em quinze dias,

manifeste o demandado sua concordância com a instauração do juízo arbitral,

indicando, neste caso, o árbitro que integrará o painel e seu eventual substituto. Os

árbitros indicados pelas partes escolherão o terceiro árbitro (que presidirá o painel)

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250  

dentre os membros integrantes do corpo de árbitros. Aprovados os árbitros pelo

presidente do Centro, firmarão termo de independência, dando-se por instituída a

arbitragem. Ato contínuo, será celebrado o termo de arbitragem, em conjunto com as

partes (art. 19, parágrafo único da Lei de Arbitragem), iniciando-se o procedimento

arbitral propriamente dito, com a realização de audiência preliminar, apresentação

de alegações escritas, audiência de instrução (se for necessário) e decisão. O

procedimento apontado no regulamento é suficientemente flexível para permitir

adaptações e dilações, na medida da necessidade das partes e do caso concreto.

Importa deixar claro que o regulamento - e isto vale, de modo geral, para as

câmaras arbitrais - pode ser (rectius, deve ser!) adaptado às necessidades do caso

tratado pelos árbitros. E evidente que não podem os árbitros - sem a concordância

das partes (e vice e versa, as partes, sem o acordo dos árbitros) - fazer qualquer

alteração no procedimento regulado (a cujas regras aderiram previamente as

partes); mas a prática indica que no termo de arbitragem é bastante frequente serem

feitas algumas adaptações, mormente no que diz respeito aos prazos, à ordem na

produção das provas e à possibilidade de proferirem os árbitros sentenças parciais.

O órgão arbitral em questão já administrou, desde sua fundação até junho de 2008,

mais de uma centena de causas. Dados estatísticos colhidos em novembro de 2007

revelam que o prazo médio de duração dos processos é de 14 (quatorze) meses e

que, no tocante a valores, o menor caso administrado pela entidade envolvia cifra

equivalente a R$ 170.000,00 e o maior lidava com a quantia de R$ 120.000.000,00.

A Comissão de Arbitragem da Câmara Internacional de Comércio do Brasil (antiga

Câmara de Comércio de Minas Gerais) foi fundada em outubro de 1985 e instalada

em setembro de 1988, tendo sede em Belo Horizonte, MG.

Seu regulamento disciplina tanto a conciliação como a arbitragem, estabelecendo

procedimento simples, ainda não adaptado à nova Lei. O corpo de árbitros é

composto por eminentes advogados de Belo Horizonte, São Paulo e Rio de Janeiro,

além de renomados auditores e engenheiros especializados. A Câmara Internacional

de Comércio do Brasil é filiada à Câmara de Comércio Internacional de Paris,

mantendo estreito relacionamento com seu Comité Nacional.

Ao que se sabe - já que é precária a divulgação de dados estatísticos a respeito - a

Comissão de Arbitragem mineira teve a oportunidade de funcionar em vários casos

submetidos previamente ao Poder Judiciário (foram celebrados, portanto

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251  

compromissos arbitrais judiciais), sendo o laudo proferido, em média, no prazo de

cinco meses; em outras oportunidades, foram submetidas à Comissão questões

ligadas à interpretação de cláusulas contratuais e à escolha de índices de

atualização monetária.

No Estado de Minas Gerais funcionam hoje pelo menos duas pujantes entidades

arbitrais. A primeira delas é a Câmara de Arbitragem Empresarial - Brasil

(CAMARB), fundada em 2000, em Belo Horizonte, sob a denominação de Câmara

de Arbitragem de Minas Gerais. A Câmara é apoiada por diversas entidades locais

de peso, como a Associação Comercial de Minas, os Conselhos Regionais de

Economia (CORECON) e de Contabilidade (CRC) do Estado e o Sindicato da

Indústria da Construção Civil, entre outros. A segunda entidade é a Câmara Mineira

de Mediação e Arbitragem (CAMINAS), mantida pela Federação das Associações

Comerciais, Industriais, Agropecuárias e de Serviços do Estado de Minas Gerais

(FEDERAMINAS). A Câmara foi criada em 2002 e tem sede em Belo Horizonte.

O Centro Brasileiro de Arbitragem foi fundado em 1967 sob os auspícios da

Associação Comercial do Rio de Janeiro, instalando-se em 1975 sua seção de São

Paulo. Trata-se de sociedade civil sem fins lucrativos e que funciona como a seção

nacional da Conferência Interamericana de Arbitragem Comercial (cuja finalidade é a

de estabelecer e manter um sistema interamericano de conciliação e arbitragem

para solução de controvérsias comerciais, nos termos da Resolução XLI da Sétima

Conferência Internacional dos Estados Americanos). Não se têm notícias de

atividades institucionais recentes do órgão em questão.

(...)

No plano internacional, pelo menos dois órgãos arbitrais destacaram-se: o tribunal

arbitral da Câmara de Comércio Internacional (CCI) e a Associação Americana de

Arbitragem (Triple A).

A Coite Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional, nome

oficial - desde 14.6.89 - do órgão arbitral ligado à Câmara de Comércio

Internacional, foi criada em Paris, França, em 1923, com o objetivo de solucionar

disputas comerciais de caráter internacional. A Corte Arbitral já lidou, nestes 85 anos

de existência, com cerca de 15.000 casos, em praticamente todas as esferas de

atividades comerciais e financeiras, envolvendo litigantes de diversos países, sejam

eles Estados, autarquias, empresas públicas, sociedades privadas ou pessoas

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252  

físicas. A Corte não tem ligações especiais com qualquer país ou governo,

inobstante manter sua sede em Paris, sendo certo que mais de 60 (sessenta) países

mantêm comitês nacionais. Em consequência, os árbitros podem ser de qualquer

nacionalidade; o processo arbitral pode desenvolver-se em qualquer lugar do mundo

(a tendência é escolher um local neutro para a realização da arbitragem, levando-se

em conta a lei nacional e os tratados que facilitem o cumprimento do laudo); e as

partes podem escolher a língua que pretendem utilizar (as mais empregadas são o

inglês, o francês e o alemão). O procedimento para a instauração do juízo arbitral é

simples: a parte interessada em dar início à arbitragem envia solicitação neste

sentido à Secretaria da Corte, que remete cópia do pedido ao demandado, para que

se manifeste sobre a composição do tribunal (um ou três árbitros); se as partes não

chegam a um acordo sobre os árbitros ou se alguma das partes não indica árbitro,

cabe ao órgão arbitral institucional decidir a respeito, constituindo então o tribunal,

que proferirá decisão. A Corte ressalta, na maior parte de suas publicações

institucionais, que, entre outras funções, é responsável pela designação de árbitros,

pela confirmação - dependendo da hipótese - de árbitros nomeados pelas partes,

pela decisão a respeito da suspeição ou impedimento dos árbitros, pela fixação da

remuneração dos árbitros e pelo exame detalhado - e final aprovação - do laudo

arbitral. Esta última atividade, qual seja, a de rever formalmente o laudo antes de

sua publicação, parece-me essencial e poderá vir a ser adotada, no futuro, por

órgãos arbitrais institucionais nacionais. De fato, a Corte, ao divulgar suas

atividades, aponta, como um dos mais importantes elementos da supervisão e

administração que leva a efeito, o exame minucioso de cada minuta de laudo arbitral

antes de tornar-se ele definitivo, de forma que a Corte pode aconselhar o tribunal

arbitral acerca de mudanças na forma do laudo necessárias para assegurar sua

validade e chamar a atenção dos julgadores para pontos relevantes que poderiam

enfraquecer a validade ou execução do laudo. O tribunal arbitral, evidentemente,

detém total responsabilidade e liberdade para decidir quanto ao mérito. Convém

notar que o crescimento das atividades da CCI (inclusive no que se refere a

processos arbitrais envolvendo partes brasileiras) revela que a entidade mostra

alguma dificuldade em fazer com rapidez o exame formal dos laudos (escrutínio), o

que importa, naturalmente, em maior duração do processo arbitral.

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253  

A American Arbitration Association (Triple A) é uma organização independente,

privada, sem fins lucrativos, que oferece serviços e facilidades para a arbitragem.

Trata-se de entidade que mantém um quadro de árbitros - de que se podem valer os

litigantes para escolher os julgadores que pretendem nomear para integrar o painel

arbitral - e pode fornecer pessoal qualificado para o suporte administrativo da

arbitragem. Para além deste suporte material, a Triple A propõe ainda um conjunto

consistente de regras (regulamento) para o procedimento arbitral. Segundo resume

seu próprio estatuto, os objetivos da associação são estudar, pesquisar, promover,

instaurar e administrar procedimentos para a solução de disputas através do uso da

arbitragem, da conciliação e da mediação, entre outros mecanismos.

Nas arbitragens comerciais, a principal função da Triple A é indicar o árbitro único ou

o terceiro árbitro (também designado árbitro desempatador ou árbitro neutro - em

oposição ao árbitro indicado pelas partes) e organizar o procedimento arbitral

administrativamente do início ao fim. As novas regras de arbitragem internacional do

órgão são bastante flexíveis e privilegiam a vontade das partes.

Assim, podem adotar os contratantes o procedimento que quiserem para indicar

árbitros, sendo viável nomearem desde logo árbitros de sua confiança, antes ou

depois de surgido o litígio. A flexibilidade das regras da Triple A permite que as

partes optem por árbitro único, ou por um tribunal composto de três ou mais

julgadores, deleguem à entidade a indicação dos árbitros ou determinem que cada

um aponte o seu e o terceiro seja indicado por estes (ou pela Triple A, se não houver

consenso), estabeleçam que a American Arbitration Association submeta a eles uma

lista de árbitros, com a possibilidade de cada parte rejeitar os nomes que julgar

inaceitáveis, entre tantos outros métodos.” Carlos Alberto Carmona – Arbitragem e

Processo um comentário à Lei nº 9.307/96 – 3ª edição – Editora Atlas – São Paulo –

2009 – págs. 127/135

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254  

ANEXO 2

“Bem a propósito do assunto, CARLOS ALBERTO CARMONA, referindo-se a

Mauro Rubino, observa que: "(...) o verdadeiro motivo pelo qual não se pode aceitar

a nomeação de uma pessoa jurídica como árbitro repousa no fato de exercer este

uma verdadeira função jurisdicional, personalíssima portanto: o julgamento é uma

atividade que só pode ser exercida por uma pessoa física." Postas essas

considerações, temos que a prescrição pode e deve ser arguida na arbitragem,

porquanto evidente o exercício da jurisdição pelo árbitro. Aliás, vale asseverar que o

próprio CARMONA trilha a linha de raciocínio no sentido de ser possível a arguição

da prescrição em sede arbitral, quando afirma: "(...) Conhecidos os "embargos",

pode seu provimento acarretar modificação do laudo. Basta pensar na hipótese de

uma preliminar de mérito não decidida (prescrição, por exemplo), cujo acolhimento

importaria na inversão do julgamento.(...)". Prescrição e Decadência – Estudos em

homenagem ao Professor Agnelo Amorim Filho – Organizadores Daniel Gomes de

Miranda, Leonardo Carneiro da Cunha e Roberto Paulino de Albuquerque Júnior –

Editora JusPodivum – Bahia – 2013 – págs. 170/171

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255  

ANEXO 3

The importance of commercial Law in a globalized economy

Importância do direito comercial na economia globalizada.

ARMANDO LUIZ ROVAI

An economically strong country is settled in industries, commerce, services and

mainly, in technology, and these activities just flourish on a firm institutional ground.

Um país economicamente forte está assentado em indústrias, comércio, serviços e,

principalmente, em tecnologia, e essas atividades só florescem em terreno

institucional firme.

This means that the business community, in general terms, need legal security,

stability and a clear path to invest on.

Isso quer dizer que o empresariado, de maneira geral, precisa de segurança

jurídica, de estabilidade e de norte claro para investir.

Predictability is a progress factor and it must qualify the environment of the

investment achievement, as the eventual dispute solutions that it may give rise.

Previsibilidade é fator de progresso e deve qualificar tanto o ambiente da realização

do investimento quanto o de solução de eventuais disputas que ele venha a ensejar.

On this flow, it is not an exageration to consider that the lack of legal security is the

main complicating factor of negotiating activity, notedly in the scope of business law.

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256  

Nesta toada, não é exagero considerar que a falta de segurança jurídica é o principal

complicador da atividade negocial, notadamente na esfera do direito empresarial.

Unfortunately, countries as Brazil, still carry an excess of bureucratic barriers,

provoked by the legislation, that accounts for an increasing scale of a series of

doubts, which hovers on a diversity of multiple and successive court decisions, its

repercussions and consequences.

Infelizmente, países como o Brasil, ainda carregam um excesso de entraves

burocráticos, provocados pela legislação que contabiliza em escala crescente uma

série de dúvidas que pairam sobre a diversidade das múltiplas e sucessivas

decisões judiciais, suas repercussões e consequências

Specifically, at Brazilian courts, due to legislative duality and mainly to its

anachronism, it is common pronouncing different decisions and many times

conflicting ones, even on colliding situations, against social and economic yearnings.

Especificamente, nos tribunais brasileiros, em razão da dualidade legislativa e

principalmente de seu anacronismo, é comum proferir decisões diferentes e muitas

vezes conflitantes, mesmo em situações colidentes, na contramão dos anseios

sociais e econômicos.

Thus, it defines, the most overpowering and cruel symptoms of the nefarious " Brazil

cost" - expression that synthesizes the various difficulties of the business community.

Define-se, destarte, o mais avassalador e cruel dos sintomas do nefasto "custo

Brasil" - expressão que sintetiza as várias dificuldades do empresariado

As a reflection exercise, nothing more natural than questioning and identifying the

reasons that lead to this state of insecurity to contracts, businesses and relations

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between companies and entrepreneurs, to the loss of economy development and

attraction of investments.

Como exercício de reflexão, nada mais natural que perquerir e identificar os motivos

que levam a este estado de insegurança aos contratos, negócios e relações entre

empresas e empresários, em prejuízo ao desenvolvimento da economia e à atração

de investimentos.

The present corporate law in Brazil is lamentably confusing.

No Brasil, o atual ordenamento jurídico empresarial é lamentavelmente confuso.

On this table, it is necessary to the development of the national economy and for

attracting investments, that the business law be object of reform, in the sense of

elaborating a new Code of Business Activity,

Diante deste quadro, é necessário ao desenvolvimento da economia nacional e à

atração de investimentos, que a legislação de direito empresarial seja objeto de

reforma, no sentido da elaboração de um novo Código da Atividade Negocial,

which, replacing and systematizing the dispositions about this matter, nowadays

scattered, enhance the law security of relationships between entrepreneurs.

que, substituindo e sistematizando as disposições hoje dispersas sobre a matéria,

amplie a segurança jurídica das relações entre os empresários

To have an idea of the problem, according to the newspaper "Jornal Valor

Econômico", in an article published in 04/02/2014 “ – (four February two thousand fourteen) Brazilian companies are in 83% (eighty-three percent) of lawsuits that are

moved in the country and spend a lot to defend,

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258  

Para se ter uma ideia do problema, segundo o Jornal Valor Econômico, em matéria

publicada em 04/02/2014 “As empresas brasileiras estão presentes em 83% das

ações judiciais que tramitam no país e gastam muito para se defender,

enter or maintain processes running in the Judiciary.

entrar ou manter processos no Judiciário.

The implication of their finances reaches almost 2% (two percent) of a year turnover.

Percentage that, in 2012 (two thousand twelve), represented R$110 billion...(One

hundred and ten billion Reais)

O comprometimento de suas finanças chega a quase 2% do que faturam em um

ano. Percentual que, em 2012, representou R$ 110,96 bilhões…”.

These data, inedit, are in the study " Cost of companies to litigate in court" which

searches, as the name suggests, qualifying and quantifying and how much Brazilian

companies annually spend on matters taken to the Judiciary.

Os dados, inéditos, estão no estudo “Custo das empresas para litigar judicialmente”

que busca, como o nome indica, qualificar e quantificar e o quanto as companhias

brasileiras despendem anualmente em questões levadas ao Judiciário

This survey was developed by the analysis of lawsuits, according to report - (CNJ) -

"Justice in Figures of The National Justice Council.”

O levantamento foi desenvolvido a partir da análise de processos judiciais, conforme

relatório Justiça em Números do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Yet, according to the same matter, " In 2012 (two thousand twelve), according to the

survey, there were 74, 38 million (seventy four billion and thirty eight million) of

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259  

lawsuits in court in which companies took part of - as plaintiffs or defendants. The big

corporations were present in 53.4% (fifty three point four percent) in there and the

cost of having them running these processes, corresponded to 1.67% (one point sixty

seven percent) of their turnover.

Ainda, segundo a mesma matéria, “Em 2012, conforme a pesquisa, existiam 74, 38

milhões de ações na Justiça das quais as empresas faziam parte – como autoras ou

rés. As grandes companhias estavam presentes em 53,4% delas e o gasto de

manutenção desses processos correspondeu a 1,67% do faturamento.

The average number of suits per companies of this size was 186 (one hundred eighty

six). While midsized ones responded for 23.8% (twenty three point eight percent) of

suits and compromised 1.89% (one point eighty nine percent) of their turnovers,

while small sized companies took part in 22.80%( twenty two point eighty percent) of

the suits and spent the equivalent of 1.43% (one point forty three percent) of their

gains in 2012 (two thousand twelve).

O número médio de ações por empresas desse porte foi de 186. Já as médias

responderam por 23,8% dos processos e comprometeram 1,89% de seu

faturamento e as pequenas participaram de 22,80% das ações e gastaram o

equivalente a 1,43% do que ganharam em 2012.

The costs (judicial and extrajudicial) represented R$ 23 (twenty three billion Reais).

Yet costs with lawyers reached almost R$ 17 (seventeen billion Reais). Expertise (R$

2.1 bi Two point one billion Reais) , travels and lodgings (R$ 529 million - five

hundred twenty nine million), values spent on staff also got into this account.

As custas [judiciais e extrajudiciais] representaram R$ 23 bilhões. Já os gastos com

advogados chegou a quase R$ 17 bilhões. Perícias (R$ 2,1 bi), viagens e

hospedagens (R$ 529 milhões), valores usados com pessoal e sistemas de controle

(R$ 2 bilhões) também entraram nessa conta.

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The biggest amount, though, was paid by companies condemned in ended lawsuits

in 2012 (two thousand twelve). The bill with fines, legal charges and indemnities

(such as moral damages), corresponded to R$ 65 (sixty five billion) in that year,“

O maior montante, porém, foi pago pelas empresas condenadas em processos

finalizados em 2012. A conta com multas, encargos legais e indenizações (como

danos morais) correspondeu a R$ 65 bilhões naquele ano.

For worsening this table, in the whole country, the number of new cases destined to

courts represent a growing percentage of the total suits that get into courts.

Para piorar este quadro, em todo o país, o número de casos novos destinados aos

juizados representa um percentual cada vez mais alto do total de processos que

entram nos tribunais.

The disproportion between the load of new processes and the number of magistrates

repeat in almost all Brazil.

A desproporção entre a carga de processos novos e o número de magistrados se

repete em quase todo o Brasil.

It means: the discrepancy between new cases and the quantity of public servants is

even bigger.

Quer dizer: a discrepância entre os casos novos e a quantidade de servidores é

ainda maior.

This way, for solving this structural problem of Brazilian judiciary, a possible way out

would be, for instance, the search of an alternative conflict solution, as the arbitration,

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Deste modo, para sanar este problema estrutural do judiciário brasileiro, uma

possível saída seria, por exemplo, a busca de uma solução alternativa de conflito,

como a arbitragem

that, has usually shown itself as an efficient via to the slow and costly legal

proceeding.

que, via de regra tem se mostrado como uma eficiente via ao lento e custoso

processo judicial.

The "Consultor Jurídico", magazine specialized in Law, wrote in 10 April, 2014 (ten

April two thousand fourteen) that " the number of arbitrations started in the biggest

Brazilian chambers, raised 47% (forty seven percent) between 2010 (two thousand

ten) and 2013 (two thousand thirteen), being the majority about business matters.

Tadeu Rover, jornalista do Consultor Jurídico, revista especializada em direito, em

10 de abril de 2014, escreveu que “o número de arbitragens iniciadas nas maiores

câmaras brasileiras cresceu 47% entre 2010 e 2013, sendo a maioria sobre

questões societárias.

Cases raised from128 (hundred twenty eight) to 188 (hundred eighty eight) in four

years. Altogether, 603 (six hundred and three) procedures were started, involving

almost R$ 16 billion (sixteen billion Reais). An average of 150 (one hundred fifty) new

cases per year. This data are from Selma Lemes, lawyer, who has made the data

collection Research Analysis of arbitration figures.

Os casos aumentaram de 128 para 188 em quatro anos. Ao todo, foram iniciados

603 procedimentos, envolvendo quase R$ 16 bilhões. Uma média de 150 casos

novos por ano. Os dados são da advogada Selma Lemes, que há nove anos faz o

levantamento Análise da Pesquisa Arbitragem em Números.

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The study shows that the arbitration acceptability in Brazil has been increasing”.

Companies have been noticing that in many cases, it is preferable solving the matter

through arbitration, than providing in its financial statements, contractual values

which will take years either decades for being solved in the Judiciary.

“O estudo mostra que é cada vez maior a aceitabilidade da arbitragem no Brasil”,

explica a autora. Segundo ela, as empresas estão percebendo que em muitos casos

é preferível solucionar a questão por arbitragem, do que provisionar em suas

demonstrações financeiras valores contratuais que levarão anos ou décadas para

serem solucionados no Judiciário. Outro benefício apontado pela advogada é a

possibilidade de novos negócios entre as partes.

“Por ser um método de solução de conflitos consensual, a arbitragem permite que as

empresas façam novos negócios. Enquanto no Judiciário, devido ao desgaste maior,

as partes saem quase como inimigas”, afirma.

Another benefit is the possibility of new businesses between parts. " To be a solution

of consensual conflict method, the arbitration permits companies making new

businesses. While on the judiciary, due to its increased wear, parts turn to be as

enemies.

Xx

In this study it is gathered for the first time data from the biggest Brazilian chambers :

Arbitration Centre of Amcham-Brazil; Arbitration Centre of Commerce, Chamber

Brazil-Canada (CCBC); São Paulo´s Chamber of mediation, conciliation and

arbitration (CIESP/FIESP); Arbitration marketplace chamber (CAM); Arbitration

Chamber of Fundação Getúlio Vargas (CAM/FGV); and Chamber of Business

Arbitration-Brazil (Camarb).

Nesse estudo, a advogada reuniu pela primeira vez dados das seis maiores câmaras

brasileiras: Centro de Arbitragem da Amcham–Brasil; Centro de Arbitragem da

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Câmara de Comércio Brasil-Canadá (CCBC); Câmara de Mediação, Conciliação e

Arbitragem de São Paulo (Ciesp/Fiesp); Câmara de Arbitragem do Mercado (CAM);

Câmara de Arbitragem da Fundação Getúlio Vargas (CAM/FGV); e Câmara de

Arbitragem Empresarial- Brasil (Camarb).

The two Chambers with more arbitrations are in São Paulo : The CCBC and

Ciesp/Fiesp. Both ones, concentrate 69% (sixty nine percent) of initiated procedures.

The values involved in these Chambers (10 billion) show that, for them, are analyzed

more complex and higher value contracts.

As duas câmaras com mais arbitragens ficam em São Paulo: A CCBC e a

Ciesp/Fiesp. Juntas, concentram 69% dos procedimentos iniciados. De acordo com

Selma, os valores envolvidos nessas câmaras (R$ 10 bilhões) demonstram que, por

elas, são analisados contratos mais complexos e de valores elevados. Entretanto,

ela observa que todas câmaras analisadas possuem estrutura para esse tipo de

litígio.

However all chambers analyzed have gotten structure for this type of litigation.

Xx

Despite the growth of processes, it does not represent the universe of Brazilian

cases. This is because there are other national chambers, which were not

researched, and the fact that many cases are taken directly to the International

arbitration Court of International Chamber of Commerce.

Apesar do crescimento de processos, o levantamento não representa o universo de

casos brasileiros. Isso porque há outras câmaras nacionais que não foram

pesquisadas e o fato de que muitos casos são levados diretamente à Corte

Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional.

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Xx

" Brazil is the fourth country with the highest number of arbitrations at CCI, ahead of

The United States, Germany and France”, and it is based on 2012 (two thousand

twelve) data. In that year, the number of cases involving Brazilian parts at CCI,

represent almost 52% (fifty two percent) of the total figure of arbitrations initiated at

the six chambers researched.

“O Brasil é o 4º país com maior número de arbitragens na CCI, à frente dos Estados

Unidos, Alemanha e França”, explica a advogada, com base em dados 2012. Nesse

ano, o número de casos envolvendo partes brasileiras na CCI (82) representa quase

52% do número total de arbitragens iniciadas nas seis câmaras pesquisadas (158)."

The number of cases at CCI is due to the fact that it is an institution almost centenary

in the administration of arbitrations in a global level, with extensive capillary,

experience and adapted to cultural diversity, being able to handle with ease

international disputes in legal systems of civil law and common law, besides

possessing knowledge in generalized regulation and of easy application.

O número de casos na CCI se deve ao fato de ser uma instituição quase centenária

na administração de arbitragens em nível global, com ampla capilaridade,

experiência e adaptada à diversidade cultural, podendo manejar com facilidade

disputas internacionais em sistemas jurídicos do civil law e comom law, além de

possuir regulamento de conhecimento generalizado e de fácil aplicação.

The equity issues represent the biggest volume of arbitrations processed. In these

issues , matters binded to shareholders agreements and other pendencies among

partners, linked to the administration of the partnership.

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As questões societárias representam o maior volume de arbitragens processadas.

Nessas questões abordam-se matérias vinculadas aos acordos de acionistas e

outras pendências entre sócios vinculadas à administração da sociedade.

At Amcham and at CAM, the equity issues represent almost 40% (forty percent) of

cases initiated in 2013 (two thousand thirteen). At Amcham, in 2012 (two thousand

twelve), this subject represented 59% (fifty nine percent) of the new cases.

Na Amcham e na CAM, as questões societárias representam quase 40% dos casos

iniciados em 2013. Na Amcham, em 2012, essa matéria representou 59% dos novos

casos.

The second matter with more conflicts taken to arbitration deals with subjects of

building and energy.

O segundo tema com mais conflitos levados à arbitragem trata de matérias de

construção civil e energia..

By making the matters analysis, it is alluded that cases involving franchising and

intellectual property may increase due to the World Cup.

Xx

To corroborate what now sustains itself, demonstrating that alternative solutions of

conflicts might be a good gimmick for showing that the incidence of legal security in

Brazilian business relationships, one can cite a new published in one of the biggest

Spanish journals (El País, 21/05/2012) (twenty first may two thousand twelve), in

which Brazil is highlighted by negotiating security and an excellent receptor of foreign

capital in Latin America.

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Para corroborar com o que ora se sustenta, demonstrando que soluções alternativas

de conflitos podem ser um bom chamariz para demonstrar incidência de segurança

jurídica nas relações negociais brasileiras, pode-se citar a notícia publicada num dos

maiores periódicos espanhóis (El País, 21/5/2012) onde o Brasil é destaque pela

segurança negocial e um excelente receptor de capital estrangeiro na América

Latina.

Based on it, I shall affirm that arbitration leads to legal security.

Xx

Due to this fact, Brazil exceeded Chile, Colombia and Peru in investments.

Segundo a referida reportagem, o Brasil superou o Chile, Colômbia e Peru em

investimentos.

So it is perceived the extension of the importance of commercial law in a globalized

economy, building up real basis to sediment and marking out concepts of legal

security and progress, having in sight that these are factors that do not go unnoticed

to the international business community eyes.

Percebe-se, assim, o tamanho da importância do direito comercial na economia

globalizada, construindo verdadeiros suportes para sedimentar e abalizar conceitos

de segurança jurídica e progresso, tendo em vista que esses são fatores que não

passam despercebidos aos olhos da comunidade empresarial internacional.

In sum, the globalization is a process characterized by international economy

integration of relevant importance for commercial law, which enables a wider

dialogue between parts.

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Em suma, a globalização é um processo caracterizado pela integração econômica

internacional de relevante importância para o direito comercial, o que possibilita um

maior diálogo para o desenvolvimentos das atividades empresariais.

Nevertheless, considering the importance of commercial law in a globalized

economy, from the reforms as the end of monopolies, price control and commercial

opening, to guarantee the efficiency and to attract businesses,

Mesmo assim, considerando a importância do direito comercial na economia

globalizada, a partir de reformas como fim dos monopólios, controle dos preços e

abertura comercial, para garantir a eficiência e atração de negócios.

It is necessary to have a good judiciary support, as it is the biggest responsible for

the guarantee of rights as property and contracts compliance, so, law security.

É necessário ter o apoio de um bom judiciário, já que ele é o maior responsável pela

garantia de direitos como o de propriedade e o cumprimento de contratos – enfim,

segurança jurídica.

Before, in a more state controlled economy, to ensure rights from private sphere was

not that essential for the economy, but with the decline and structural problems of

this model, we must make that the judiciary follows the economy, ensuring the rights

of companies and investors.

Antes, em uma economia mais estatizada, assegurar direitos da esfera privada não

era tão essencial para a economia, mas com o declínio e problemas estruturais

deste modelo, temos que fazer com que judiciário acompanhe a economia

garantindo os direitos das empresas e investidores.

We cannot rule out that in globalization, even more, there must be a better

connection between the economy and, law, including a reform in the judiciary, which

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268  

is a primary subject for any nation that wishes to be competitive in a worldwide

scenario.

Não se pode descartar que na globalização cada vez mais, tem de haver uma

melhor conexão entre a economia e o direito, para inclusive uma reforma no

judiciário que é assunto primordial para qualquer nação que queira ser competitiva

no cenário mundial.

It is not enough affirming that for the good working of commercial law, in a globalized

world, it is just needed the organization of conflicts solutions system by arbitration,

Não basta afirmar que para o bom funcionamento do direito comercial, na economia

globalizada, apenas necessita da organização de um sistema de solução de conflitos

por arbitragem,

because, without an active judiciary, mainly in economic sphere, one cannot

guarantee law and justice for all. It is needed, so, defining criteria that enable the

evaluation of the judiciary quality.

pois, sem um judiciário atuante, principalmente na esfera econômica, não se garante

direito e justiça para todos. É preciso enfim definir critérios que possibilitem a

avaliação da qualidade do judiciário.

In this sense, the World Bank adopts a view that three elements should characterize

a good judiciary: independence (able to make decisions without the interference of

the other powers),

Neste sentido, o Banco Mundial adota a visão de que três elementos devem

caracterizar um bom Judiciário: independência (capaz de tomar decisões sem a

interferência dos outros Poderes),

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strength (coercion power and police for making its decisions enforced) and

managerial efficiency (resources and structure to avoid slowness).

força (poder de coerção e de polícia para fazer valer as suas decisões) e eficiência

gerencial (recursos e estrutura para evitar a morosidade).

An efficient judiciary contributes in many diverse ways for the economic growth.

Protecting the property and the contractual rights and providing a safe environment

for development and progress.

Um judiciário eficiente contribui das mais diversas maneiras para o crescimento

econômico. Protegendo a propriedade e os direitos contratuais e fornecendo um

ambiente seguro para o desenvolvimento e o progresso.

Values that guide the law are essential to grant law security, making the process

faster, considering the cost of a slow law, which is paid by all society.

Valores que norteiam o direito são essenciais para conceder segurança jurídica,

tornando o processo mais célere, considerando o custo do direito moroso que é

pago por toda a sociedade.

The importance and valuation of commercial law in a globalized economy is mainly in

the implementation an in the incentive of the business activity, in the attraction of

investments in an environment of total legal security.

A importância e valoração do direito comercial na economia globalizada está

principalmente no implemento e no incentivo da atividade negocial, na atração de

investimentos num ambiente de total segurança jurídica.