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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC - SP Igor Álvares Enkim Trabalhando com famílias: sentidos da formação para um grupo de multiplicadores MESTRADO EM EDUCAÇÃO: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO SÃO PAULO 2013

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC - SP

Igor Álvares Enkim

Trabalhando com famílias: sentidos da formação para um grupo de multiplicadores

MESTRADO EM EDUCAÇÃO: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO

SÃO PAULO 2013

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC - SP

Igor Álvares Enkim

Trabalhando com famílias: sentidos da formação para um grupo de multiplicadores

MESTRADO EM EDUCAÇÃO: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO

SÃO PAULO 2013

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC - SP

Igor Álvares Enkim

Trabalhando com famílias: sentidos da formação para um grupo de multiplicadores

MESTRADO EM EDUCAÇÃO: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Educação: Psicologia da Educação sob a orientação da Prof.ª Dra. Heloisa Szymanski.

SÃO PAULO 2013

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Banca Examinadora

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Dedico esta pesquisa ao inspirador grupo de

educadores da Vila Horizonte. Que continuem

sua incessante jornada rumo ao Ser-mais.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço absolutamente todos que participaram do processo desta pesquisa.

Ao apoio incondicional e paciência de minha família.

Ao amor e carinho de Vanessa Coutinho, sempre disposta a colaborar, esforçando-

se em tornar esta experiência mais leve.

À minha orientadora, Prof.ª Dra. Heloísa Szymanski, por sua preciosa presença,

inspiração, dedicação e cuidados.

À Renata Capeli, por suas valorosas trocas de ideias e luz em momentos de

escuridão.

Aos professores João Eduardo Coin de Carvalho, e Marília Josefina Marino por suas

extremamente bem vindas participações, generosidade, importantes observações e

críticas.

Aos amigos do grupo de pesquisa, acolhedores e sempre dispostos à reflexão,

tornando a participação no ECOFAM um prazer.

Aos CAPES por conceder uma bolsa integral, financiando esta pesquisa.

Um agradecimento especial à toda equipe de educadores da Vila Horizonte, por

permitir minha pequena participação no admirável grupo de destemidos e calorosos

homens e mulheres, no qual me senti acolhido desde o início, por compartilhar sua

linda história, me surpreendendo a cada encontro com sua capacidade de ampliar

horizontes.

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RESUMO

Objetivou-se nesta pesquisa compreender o sentido de uma formação de

multiplicadores para um grupo de educadores de uma comunidade de baixa renda

da cidade de São Paulo. Os participantes viviam e trabalhavam na comunidade,

tendo o curso, para o trabalho com famílias, sido construído com sua participação.

Trata-se de uma investigação qualitativa, de orientação fenomenológica, tendo como

referências a Analítica do Sentido proposta por Dulce Critelli, e os preceitos

dialógicos de Paulo Freire. Aproximou-se do fenômeno através da entrevista

reflexiva, conforme proposta por Heloísa Szymanski, de modo que os participantes

compõem parte ativa na constituição do conhecimento. Foram realizadas sete

entrevistas individuais e uma devolutiva coletiva. Foram criadas quatro constelações

a partir dos resultados: envolvimento com a formação, cuidando da comunidade,

vivenciando a formação e sendo multiplicador. Os discursos dos participantes

contemplam múltiplos sentidos para o curso que se metamorfosearam ao longo dos

dois anos de formação. Estes sentidos compreendiam desde o aprimoramento

profissional, cuidar melhor de crianças, passando por eliminar os problemas do

outro, gerar qualidade de vida, até o ouvir o outro e promover autonomia. Os

sentidos se transformaram, conforme os participantes permitiram-se estar com o

outro conforme este se apresentava, sensibilizando-se para novas possibilidades de

educar. O modo dialógico passou a orienta-los, não mais fazendo para o outro, mas

com ele, visando co-construir sua autonomia.

Palavras-chave: Formação de Multiplicadores, Fenomenologia e Educação,

Diálogo

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ABSTRACT

The objective of this research was to comprehend the meanings of a multiplier’s

course for a group of educators of a low income community in São Paulo. The

participants lived and worked in the community. The course aimed for working with

families and was developed with their participation. This is a qualitative investigation,

oriented by Meaning Analysis purposed by Dulce Critelli and the dialogical precepts

of Paulo Freire. The phenomenon was approached through the reflexive interview, as

it is purposed by Heloísa Szymanski. In this conception, the participants represent an

active role in the constitution of knowledge. Seven individual interviews were

performed as well a collective devolution of the results. Four constellations were

created: involvement with the course, caring about the community, experiencing the

course and being a multiplier. The speeches of the participants contemplate multiple

meanings that were shaped along the two year course. Those meanings spanned

since professional improvement and better caring of children, through wipe the

other’s problems, boost life quality, until listening the other and promote their

autonomy. As the participants allowed themselves to be in the other’s presence as

they were presented, the course’s meanings were transformed and new educational

possibilities came to light, through the affection that took place. The dialogical mode

came to guide them, no more doing for the other, but with him, aiming to construct

their autonomy together.

Key-words: Multiplier’s course, Phenomenology and Education, Dialogue

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Sumário

1. APRESENTAÇÃO .............................................................................................. 1

2. INTRODUÇÃO ................................................................................................... 4

2.1. Olhando para o fenômeno ........................................................................... 4

2.2. Compreendendo o Sentido .......................................................................... 7

2.3. O ser-com-os-outros e a Educação ............................................................. 9

2.4. O cuidado para com famílias populares - um breve histórico .................... 13

3. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ............................................................................. 16

3.1. Contextualização ........................................................................................ 16

3.2. O cotidiano do Agente Comunitário de Saúde no trabalho com famílias ... 17

4. APRESENTAÇÃO DO CONTEXTO DA PESQUISA ....................................... 22

4.1. Histórico da Vila Horizonte ......................................................................... 22

4.2. O Projeto de Formação de Multiplicadores ................................................ 25

4.2.1. Os pressupostos da Formação de Multiplicadores .............................. 25

4.3. Descrição da Formação de Multiplicadores ............................................... 26

4.3.1. Síntese do 1º semestre (julho-novembro/2011) ................................... 27

4.3.2. Síntese do 2º semestre (fevereiro - junho/2012) .................................. 29

4.3.3. Síntese do 3º semestre (agosto - novembro/2012) .............................. 32

4.3.4. Síntese do 4º semestre (fevereiro - junho/2013) .................................. 34

5. MÉTODO .......................................................................................................... 38

5.1. Procedimentos para coleta de dados ......................................................... 39

5.1.1. Situação de Pesquisa .......................................................................... 39

5.2. A entrevista reflexiva .................................................................................. 40

5.2.1. Procedimentos Éticos .......................................................................... 42

5.3. Participantes .............................................................................................. 43

5.3.1. Tabela de participantes ........................................................................ 43

5.3.2. Descrição dos participantes ................................................................. 44

5.4. Sínteses das entrevistas ............................................................................ 45

5.4.1. Flávia ................................................................................................... 45

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5.4.2. Paulo .................................................................................................... 48

5.4.3. Mariana ................................................................................................ 52

5.4.4. Valéria .................................................................................................. 55

5.4.5. Laura .................................................................................................... 57

5.4.6. Pedro ................................................................................................... 60

5.4.7. Anita ..................................................................................................... 63

5.4.8. Síntese da Entrevista Devolutiva em grupo ......................................... 66

6. PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE .................................................................... 71

6.1. Constelações ............................................................................................. 72

6.1.1. Envolvimento com a formação ............................................................. 72

6.1.2. Cuidando da comunidade .................................................................... 74

6.1.3. Vivenciando a formação ...................................................................... 77

6.1.4. Sendo multiplicador ............................................................................. 80

6.2. Síntese geral das constelações ................................................................. 83

7. DISCUSSÃO .................................................................................................... 85

8. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. 95

9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................. 97

10. ANEXOS ...................................................................................................... 101

10.1 Modelo do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido .................... 101

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1. APRESENTAÇÃO

Meu interesse pelo tema da educação surgiu durante a experiência do

Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) e Estágios Supervisionados, ao longo dos

dois últimos anos da graduação em Psicologia, na Universidade Paulista - UNIP,

quando tive minha primeira experiência de pesquisa, a qual foi realizada em uma

escola pública da periferia de São Paulo e em uma sociedade beneficente que

oferece cursos profissionalizantes para jovens de baixa renda, também localizada

em uma região periférica na cidade. Estas duas experiências levaram ao

desenvolvimento de trabalhos científicos, relatados no TCC e em artigos

apresentados em congressos.

Um fato que direcionou meu interesse pela educação foi o relacionamento

entre instituições e seus alunos. Havia uma grande ênfase na obrigatoriedade do

estudo, sem o qual, jamais seriam “alguém na vida”. Seus pais e mestres lhes

apresentavam o futuro através de frases prontas e eles as assumiam, repetindo

os mesmos jargões (COUTINHO, ENKIM e MARTINS, 2010) e discursos

semelhantes eram proferidos por jovens de diferentes instituições. Sobre estas,

não foi percebido por mim, sinal de que se esforçavam por problematizar a

educação ou a vida dos alunos em si. Frequentar uma escola, um curso, foi

apresentado por alunos e instituições como a via de acesso a uma situação

econômica favorável, garantindo seus sonhos de vida. De acordo com o relato

dos jovens, a necessidade de estudar e possuir um diploma ou certificado era

natural, não caberia nem ser questionado. Porém, quando indagados sobre o

sentido, ou, o “para quê” de estudar, os alunos, prestes a iniciar o último ano do

ensino médio, disseram que seus estudos nas múltiplas disciplinas que cursavam

serviriam para ajudá-los a reconhecer os números e as letras dos letreiros de

ônibus quando fossem procurar outros cursos ou se deslocarem para entrevistas

de emprego mais tarde em suas vidas, situação que me causou espanto.

Estranhei o fato dos jovens com diferentes histórias de vida, vivendo e

estudando em locais distintos, terem sonhos e projetos tão uniformes. O poder de

compra foi amplamente mencionado como objetivo para se dedicarem com “toda

garra” aos estudos, mas relataram não gostar de nenhuma disciplina da grade

escolar, nem mesmo aquelas as quais eles próprios escolheram. Nos cursos

profissionalizantes, também soube pelos educandos quais disciplinas eram as

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mais odiadas. O desejo dos pais foi apresentado na maior parte das ocasiões

como o principal motivo de estarem realizando suas rotinas estudantis.

Contextualizamos os jovens em uma sociedade de consumo, sendo

convocados o tempo todo a ter mais, a comprar. Porém, algo mais surgia para

além desses projetos massificados. Conforme a pesquisa se aprofundou e os

alunos foram indagados quanto ao que lhes era realmente significativo na vida,

diziam frases como: “gostaria de ajudar minha família”. Os jovens tinham

consciência das dificuldades sócioeconômicas em que viviam, e queriam uma

saída para si e seus familiares. Mas entre o que viviam e o futuro, havia uma

ponte mágica. Tinham de se dedicar com afinco à escola, mas dali gostavam

apenas das amizades. A saída da vulnerabilidade era enriquecer para poder

comprar, quando o que mais lhes importava naquele momento, era sua família e

suas dificuldades. Não parecia haver ligação. Aqueles projetos de vida não

soavam como idealizados por eles. Nem mesmo seus sonhos pareciam lhes ser

próprios.

O futuro tinha sido apontado para eles e não construído com eles. Este

destino era tomado pelos jovens, não como possibilidade, mas como certeza,

bastando que o cumprissem com o método oferecido como única possibilidade:

estudar muito. Todo o caminho já estava pronto diante deles, tornando seu

processo educativo um ato mecânico, nada mais que obrigatório e repetitivo.

Compreendi que tanto as instituições de ensino que frequentavam quanto suas

famílias possuíam uma ótica de educação instrumental, sendo insuficientes em

oferecer aos jovens a oportunidade de refletirem sobre suas existências e o

mundo que os cerca, no qual o único horizonte era o da conformação à ordem.

De certa forma esta experiência dos jovens remete à minha própria.

Frequentei escolas que tinham a mesma ótica, “doar” um sonho, dar um caminho,

nas quais não encontrei outra possibilidade, a não ser seguir o que me era dito

como certo. Seja bem-sucedido profissionalmente, diziam-me, seja competitivo,

destaque-se, enriqueça. Entretanto a certeza dos outros não se encontrava

comigo, parecia não me dizer respeito. Passei por três experiências de

graduação, Publicidade e Propaganda, Biologia e Psicologia, procurando por algo

que me fizesse sentido. Creio ter encontrado esse algo na Psicologia.

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Durante minha experiência na graduação de Psicologia, entrei em contato

com o pensamento de Paulo Freire, a Fenomenologia e a Psicologia Sócio-

Histórica. Estas abordagens psicológicas compreendem o mundo de forma crítica,

problematizando-o. Uma das críticas que compartilham é a de que o mundo é

construído pelos homens e, portanto, não há caminho ou modo certo de se viver.

Comecei a me perguntar como a educação poderia favorecer a construção de um

projeto próprio, para o qual seu sentido pudesse ser transformado por quem o

idealiza, distanciando-se do cumprimento de ideais.

Sobre esta impregnação do “modo certo” de se viver, Heidegger (1981)

apresenta a diluição do ser no mundo do “a gente”, o mundo massificado e

padronizado onde nos desresponsabilizamos de um cuidado próprio, cuidando de

ser do modo que “todo mundo faz”. Freire (1987), com uma compreensão política,

fala sobre a contraditoriedade opressor - oprimido, na qual se adota o modo de

ser uniformizado por aqueles que detêm o poder.

A imprescindibilidade do diálogo é outro aspecto compartilhado por estas

abordagens e foi essa possibilidade existencial que me interessou como forma de

atuação. Por meio do diálogo os homens se encontram entre si e também a si

mesmos. Ser e mundo se problematizam, tornam-se acessíveis e podem ser

colocados em movimento, transformando o viver.

Fui sensibilizado por aquele encontro com os jovens, indo buscar o

Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: Psicologia da Educação, da

Pontifícia Universidade Católica (PUC/SP), interessado em pesquisar junto a

populações de baixa renda e em situação de exclusão, como pode o sentido ser

construído em um processo educativo. Oportunamente, minha chegada ao

Programa coincidiu com o início do Projeto de Formação de Multiplicadores para

o trabalho com famílias, desenvolvido pelo Grupo de Pesquisa em Práticas

Educativas e Atenção Psicoeducacional na Família – ECOFAM, Escola e

Comunidade, que seria oferecido a um grupo de educadores de duas instituições

da Vila Horizonte1. Idealizado dialogicamente entre o ECOFAM e os educadores,

a partir das demandas identificadas na Vila Horizonte, apresentava-se ali uma

situação educacional diferente daquelas com as quais me deparei anteriormente,

1 O nome original da comunidade foi substituído em razão da garantia de sigilo dos participantes

da pesquisa.

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pois parecia haver um sentido próprio aos educadores em sua escolha de realizar

a formação. Perguntava-me com o que sonhavam aqueles educadores para si e

para sua comunidade. Propus-me, então, nesta pesquisa, compreender o sentido

da formação para os participantes do curso.

Na introdução será apresentada uma breve abordagem do pensamento

que embasa a Fenomenologia Existencial, relacionando-a em seguida com a

Educação e depois especificamente com o cuidado para com famílias de baixa

renda. Será realizada uma descrição da comunidade, bem como a síntese dos

dois anos da formação. A partir do capítulo V, Método, relatarei propriamente

como esta pesquisa foi realizada.

2. INTRODUÇÃO

2.1. Olhando para o fenômeno

O modo de pensar fenomenológico foi elaborado no fim do século XIX,

sendo concebido inicialmente por Edmund Husserl, como uma resposta ao

positivismo. O filósofo colocou em questão o pensamento científico de sua época,

em particular as ciências humanas e o psicologismo, criticando o tratamento

reducionista dado ao psiquismo humano, adotado das ciências naturais. A ciência

no final do século XIX deslumbrava-se consigo mesma e acreditava-se capaz de

fornecer todas as respostas para as questões humanas. Contam Martins e Bicudo

(1989), que o modelo científico positivista que propunha conhecer para controlar,

cada vez mais alienava o homem daquilo que realmente lhe dizia respeito: ele

mesmo. Dessa forma, Critelli (1996, p. 23) afirma que:

A fenomenologia nao pode ser compreendida por nós como uma “escola filosófica” entre outras, mas como um pensamento provocado pelo descompasso da civilização, pelo seu esgotamento, pelo esvaziamento, pela nadificação do sentido em que ser nela se fazia possível e solicitante.

Para elaborar sua fenomenologia, Husserl apropriara-se dos

questionamentos de seu próprio mestre, Franz Brentano, que se punha a pensar

o psiquismo humano como sempre relativo a algo, nomeando este fenômeno de

intencionalidade. Brentano afirmava que consciência é sempre consciência de

algo. Dessa forma, Dartigues (1992, p. 20) explana:

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Consciência e objeto não são, com efeito, duas entidades

separadas na natureza que se trataria, em seguida, de pôr em

relação, mas consciência e objeto se definem respectivamente a

partir desta correlação que lhes é, de alguma maneira, co-original.

De acordo com esta compreensão, não seria possível olhar para o mundo

ao modo das ciências naturais, sem que se olhasse para o homem que o

enxerga. Não seria possível tratar o mundo como mero objeto de estudo, sem

relacioná-lo ao homem. A fenomenologia pretendida por Husserl, deveria se

tornar uma filosofia com rigor científico, mas voltando-se às coisas do mundo e ao

homem, conforme expõe Dartigues (1992, p.13): “Não convém que a impulsão

filosófica surja das filosofias, mas das coisas e dos problemas.”. Husserl apontava

a necessidade de uma revisão do método de acesso à verdade nas ciências,

através do que chamou de “retorno às coisas mesmas”. Este retorno seria a

busca pelo sentido, pela essência de determinado objeto de estudo, conforme

apresentam Martins e Bicudo (2006, p. 21):

Esse olhar se constitui na epoché, que significa suspensão de qualquer julgamento, ou seja, significa dar um passo atrás e colocar em suspensão as formas familiares e comuns de olhar as coisas, que impedem que sejam vistas diretamente, em seus modos de aparecer.

Martins e Bicudo (1989) definem etimologicamente o termo Fenômeno

como uma palavra advinda do grego ”phainomenon” e deriva do verbo

”phainestai”, uma forma reduzida que provém de “phaino”, que significa trazer à

luz do dia. Fenômeno, neste referencial, é concebido como aquilo que se mostra

a si mesmo. Um fenômeno, ainda segundo os autores difere de um fato, pois

parte da compreensão que a realidade conhecida é uma realidade percebida, ou

experienciada, porém, enquanto uma perspectiva e não como verdade absoluta.

A ciência positivista, segundo este questionamento, seria apenas um ponto

de vista, uma vez que é dependente de uma consciência indissociável do mundo

que percebe. O pressuposto da neutralidade científica estaria em xeque e,

portanto, também sua pretensão a uma verdade única e universal, pois a ciência

é feita pelo homem que existe em um contexto, com objetivos específicos e não

existe por si. Dessa forma, Critelli (1996, p. 52) afirma que: “Tudo que aparece

para o homem aparece-lhe através de sua condição de ser-no-mundo.” Para a

fenomenologia, não há busca pela “Verdade”, mas visa-se a verdade provisória

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de um fenômeno, que só é observável dentro de um contexto de relações, e

também só concebida enquanto uma das perspectivas possíveis. Se mundo e

consciência não podem existir por si mesmos, não haveria ser sem um mundo

que o embasasse e nem mundo sem que houvesse um ser que o observasse de

acordo com sua perspectiva. Martins (2006, p. 16) afirma que:

Apresenta-se a Fenomenologia como uma postura mantida por

aquele que interroga. O inquiridor fenomenólogo dirige-se para o

fenômeno da experiência, para o dado, e procura vê-lo da forma

que ele se mostra na própria experiência em que é percebido. Isso

quer dizer que há um mundo ao redor do fenomenal, em que

surge e que se doa ao pesquisador que intenciona o fenômeno.

Tendo sido aluno de Husserl, Martin Heidegger, se pôs a pensar a questão

do ser seguindo a ótica de retorno às coisas mesmas. Surge o pensamento

fenomenológico existencial, a partir de Heidegger, no qual o ser é compreendido a

partir daquilo que ele mostra, como afirma Spanoudis (1981, p. 11):

Para Heidegger, ser é a maneira como algo se torna presente, manifesto, entendido, percebido, compreendido e finalmente conhecido para o ser humano, (...) para o “ser-aí” ou Dasein”.

Nada que aparece, surge isolado do mundo, mas sim pertencente a uma

trama de relações que o precedem e sustentam (CRITELLI, 1996). No entanto, há

uma diferença fundamental, em relação ao ser do Homem e o ser das coisas.

Tudo que se revela, simplesmente está-no-mundo, sejam objetos ou outros seres,

porém, não o homem. O homem é o único realmente existente, ou seja, não

apenas é, não apenas vive, mas reflete sobre seu viver, sendo que viver não é, no

referencial fenomenológico, sinônimo de existir (MARTINS e BICUDO, 2006). O

termo existência neste referencial, difere também do conceito de “realidade”,

segundo Spanoudis (1981, p. 11) “existência vem do verbo ek-sistere; ek-

sistência é algo que emerge, se manifesta, se desvela”. Existir neste sentido é

existir para fora, para a abertura. O homem é ó único ser que consegue

apresentar-se a si mesmo, indagando e percebendo como está existindo,

vislumbrando seu ser e, dessa forma, confere rumos, dando sentido àquilo que se

desvelou, a própria existência.

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2.2. Compreendendo o Sentido

Indagando o sentido da formação para o grupo de multiplicadores, deve-se

delinear em primeiro lugar o fenômeno que se quer compreender. Sentido em

uma orientação fenomenológica, é definido como sinônimo de orientação,

direcionamento, conforme expõe Critelli (1996, p. 131):

Ele é mais um rumo que apela, uma solicitação que se faz ouvir, um apelo obstinado que se insinua e persegue. Um fundo silencioso que abre a possibilidade de realização de nosso ser. Ou, em outras palavras, uma destinação em que se abre a possibilidade de se cuidar de ser (...).

O objetivo é compreender o direcionamento que a formação tomou para

este grupo, como foi sentida e vivenciada e o que os convocava a,

espontaneamente, aprimorar seu conhecimento para trabalhar com famílias.

Critelli (1996) afirma que o sentido de ser se expressa por meio dos modos de

cuidar do homem, isto é, pela da maneira como o homem cuida e vai dando conta

de sua existência.

O Homem, como compreende a fenomenologia, é o único ser que interroga

o sentido de sua existência, porque percebe que esta é transitória. O cuidado é

constituinte do homem porque este também está lançado à facticidade, o que

para Critelli (1996, p. 49): “o homem está entregue a ser, não pode se recusar a

ser. Mesmo a negação radical de ter que ser cuidando de ser, como o suicídio, é

uma forma ou modo do homem estar respondendo ao ser que lhe é entregue.”.

O mundo aqui referido é o mundo vivido, com tudo que cerca o homem,

objetos, história, ideias, pessoas e assim por diante (bem como as possibilidades

que este mundo acarreta). Heidegger coloca o homem em relação ao mundo,

dessa forma, refere-se ao termo ser-aí, ou Dasein (O-Ser, pre-sença),

estabelecendo a inseparabilidade entre sujeito e objeto, ressaltando esta

condição como constituinte da maneira de existir do homem, conforme apontam

Pompéia e Sapienza (2011, p.10):

Com isto o ser do homem passa a ser expresso por meio da noção de ser-aí, exatamente porque o homem só conquista o seu ser a partir do aí, do mundo que é o dele. Dizer isso, por outro lado, é o mesmo que afirmar as possibilidades específicas do ser-aí como possibilidades específicas de seu mundo.

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O homem está-aí, lançado em um mundo que não o acolhe, incerto e

fluídico, e é nesta abertura que o homem vai cuidando de sua existência,

habitando este mundo e relacionando-se com ele. Existir é experienciar a

provisoriedade do estar-no-mundo, sempre na forma de cuidado, cuidando do

existir. Sob a ótica do ser-aí enquanto fenômeno, o ser do homem não se mostra

estático, mas sempre em um vir-a-ser, a partir das solicitações do cuidar de seu

modo de ser. Portanto, o ser do homem é, sendo-no-mundo, e esta é a condição

de seu existir.

Spanoudis (1981) aponta que no pensamento da fenomenologia existencial

se estabelece diferenças entre as características fundantes da condição humana,

as condições ontológicas, e as maneiras como o ser se mostra, o que lhe é

ôntico. Compreensão, disposição afetiva e linguagem, são características

ontológicas que possibilitam ao homem que se apresente de determinada

maneira e a partir delas, pode-se também compreendê-lo. Dessa forma, ek-

sistindo no mundo, o homem é disposição, abertura e vai se articulando conforme

é afetado pelo curso das coisas que o cercam e compreendendo, projeta-se em

suas possibilidades.

Porque o homem é-com-o-mundo, ser-aí é estar em abertura. O homem

em seu inescapável ter-que-ser, é a todo momento afetado pelo mundo que se

apresenta. De acordo com Critelli (1996), é o estado de ânimo que evidencia o

modo como somos tocados pelas coisas e outros que estão no mundo. As

emoções conferem consistência ao mundo que o ser-aí observa, remetendo o

homem a si mesmo e este se posiciona conforme sua compreensão de seu

afetamento. A compreensibilidade do homem não pode ser separada de sua

afetividade ou hierarquizada, pois ambas acontecem em simultaneidade, sendo

então uma compreensão emocionada, que acontece em dada tonalidade afetiva,

conforme explicita Critelli (1996, p. 93): “A presença do homem no-mundo é

sempre emocionada. Mesmo a indiferença é um modo pelo qual algo nos toca.”.

Dessa forma, na compreensão emocionada, o homem, cuidando, vai projetando

suas possibilidades de ser e dando sentido à existência.

Cuidando do existir, os homens vão fazendo escolhas quanto ao que

cuidar, como cuidar e como cuidar do cuidar. Ainda segundo Critelli (1996), as

escolhas quanto ao que cuidar e como cuidar remetem às possibilidades

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oferecidas na cultura em que o ser-aí se insere, porém o modo de cuidar do

cuidar relaciona-se mais diretamente ao sentido de ser. A seu modo o ser-aí será

afetado e compreenderá seu ter-que-ser, dessa forma em seu estado de ânimo,

composto pela disposição afetiva e compreensão, expressará o sentido que ser

tem/faz para si. Afirma a autora:

(...) em especial, das escolhas relativas aos modos de cuidar dos modos de cuidar, a Analítica do Sentido deve prestar atenção aos estados de ânimo – a base fundamental de nossas escolhas, que indicam como se “vai indo” no mundo (em relação às coisas do mundo a si mesmo, aos outros), que nos abrem para o que tendemos, para o que nos voltamos nos modos da versão e da aversão. (CRITELLI, 1996, p. 133)

Embora o foco desta pesquisa seja o sentido da formação, entende-se que

este é um sentido-com, dado que o ser-no-mundo o compartilha com

semelhantes, portanto, é necessária imersão na compreensão dos modos de

relação dos homens uns com os outros, pois este é o âmbito em que a educação

se dá.

2.3. O ser-com-os-outros e a Educação

Para compreender a educação em uma perspectiva fenomenológica

existencial, é necessário levar em consideração outro constituinte ontológico do

homem: a coexistência. Para a fenomenologia, ser-aí é ser em um mundo com os

outros. Como constituinte do homem, esta condição também não pode ser

hierarquizada, mas é de igual importância às outras mencionadas. O ser do

homem, apresentado desta maneira, nunca é individual, mas é uma co-produção

uma vez que não é possível tornar-se humano em condição de isolamento

(MARTINS e BICUDO, 2006). Desde o nascimento, o homem sempre está em

relação aos outros.

Contudo, esta condição de coexistência pode ser experienciada pelo ser-aí

de diferentes modos. Na co-produção da vida, o eu pode diluir-se no modo de ser

dos outros, perdendo-se a si mesmo, como afirma Critelli (1996, p.64) “os outros

com quem o eu convive podem atuar tanto sobre quem o eu será, que o eu

mesmo pode ser obra dos outros e não de si mesmo.”. Uma outra possibilidade é

que o ser-aí pode continuar escolhendo e co-criando o sentido de sua existência.

Absorvido no modo de ser dos outros, o ser-aí viverá de modo inautêntico ou

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impróprio, abstendo-se de seu vir-a-ser, ele vai existindo, cuidando de si de

maneira uniforme, nos modos de ser da massificação. A este modo deficiente de

existência, Heidegger (1981, p. 51) nomeia de “a gente”, conforme explana: “o ‘a

gente’ está em toda parte (...), mas de um tal modo que, sempre que o ser-aí o

pressiona a uma decisão, ele escapa”. O “a gente” não é uma entidade, um ser

coletivo, mas uma forma generalizada de compreender o mundo, baseia-se em

uma compreensão massificada sobre como se vive por aí.

No entanto, a impropriedade do ser não deve ser tomada como algo a ser

eliminado da existência, pois também é uma condição ontológica (CRITELLI,

1996). O eu nunca será plenamente impróprio, mas também jamais será

unicamente singular e a possibilidade do ser-aí encontrar-se consigo mesmo está

em viver seu ser-com-os outros. Na medida em que o ser-aí retorna para si

mesmo, pode se ver e se direcionar ao que lhe convoca, autenticamente estará

trilhando sua existência.

O estado básico do homem estar no mundo, é cuidando e assim como o

homem está no mundo preocupado com seu ser, esta condição também o

possibilita a preocupar-se com o ser de outros (MARTINS e BICUDO, 2006).

Segundo Heidegger (1981, p. 35): “(...) os outros são encontrados emergindo do

mundo no qual o ser-aí habita referindo-se a ele através do cuidar.”. O cuidado do

ser-aí com seus semelhantes é chamado de solicitude, pois estes também são

outros, são afetivos e conforme compreende seu ser, o homem relaciona-se com

os outros, sendo afetado e afetando.

Conforme diz Heidegger (1981, p. 41), no que diz respeito ao envolvimento

com os outros, a solicitude pode expressar-se de duas diferentes maneiras:

A solicitude com relação à seus modos, tem dois extremos possíveis. Pode-se por assim dizer, tomar “conta” do outro ou colocar-se em sua posição de cuidar: pode-se “saltar sobre o outro”. Este modo de solicitude é o que assume o encargo que é do outro de cuidar de si mesmo.

A solicitude, no modo de saltar sobre o outro é desapropriar este de seu

lugar, é uma forma de dominação. O cuidador trata o outro não como ser-aí, mas,

relaciona-se com ele como se relacionaria com um objeto qualquer. O outro não é

levado em conta em sua existência, em seu poder-ser, mas como coisa acabada

e à disposição. No modo oposto, no entanto, o ser-aí se antecipa ao outro, não o

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protegendo, mas possibilitando que este se volte a si mesmo de forma que o

outro possa assumir suas possibilidades existenciais.

Ter consideração e paciência para com o outro são modos-de-ser solícitos

e é por essa possibilidade de ser com o outro que se pode coloca-lo em contato

consigo mesmo. Spanoudis (1981), afirma que a consideração está relacionada

com a experiência vivida, ou seja, ter um olhar para o passado e ter paciência

com o outro, significa vislumbrar possibilidades futuras. Heidegger (1981) aponta

que este é um modo autêntico de cuidar e, neste ponto, pode-se vislumbrar a

educação como uma possibilidade de apropriar o outro de si mesmo, libertando-o.

Critelli (1981, p. 62) afirma que:

Logo que tomado como um tema a ser considerado, o “fenômeno educação” traz-nos à vista a evidência de ser ele o lugar onde, com primazia, nos defrontamos com a relação homem-homem. O que por primeiro enxergamos na educação é “o homem-sendo-com-os-outros-homens” de uma maneira particular.

A educação é um modo de cuidado do homem para com os outros homens

e pode se dar de diferentes formas. Freire (1987) discute a educação se

aproximando da abordagem fenomenológica, propõe que educar seja o ato dos

homens facilitarem sua condição de liberdade. O homem é compreendido pelo

autor enquanto inacabado, isto é, o poder-ser é a condição do homem no mundo.

O diálogo seria o encontro pelo qual os homens se disporiam em solicitude uns

aos outros, buscando em conjunto por “ser-mais”:

Por isto, o diálogo é uma exigência existencial. E, se ele é o encontro em que se solidariza o refletir e o agir de seus sujeitos endereçados ao mundo a ser transformado e humanizado, não pode reduzir-se a um ato de depositar ideias de um sujeito no outro, nem tampouco tornar-se simples troca de ideias a serem consumidas pelos permutantes (FREIRE, 1987, p. 45)

O diálogo é um ato de criação mutua e por isso, para Freire (1987), não

pode prescindir da horizontalidade entre os homens, mas depende do amor à

humanidade, do compromisso, da humildade e da fé na vocação do homem em

ser-mais. A troca suscitada pelo diálogo transforma o mundo, pois quando cada

homem pronuncia e expressa seu mundo a outro, este mundo lhes retorna

problematizado, demandando um novo pronunciar: “Não é no silêncio que os

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homens se fazem, mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão.” (FREIRE,

1987, p. 44).

Concebendo o homem como essencialmente livre e sendo-no-mundo-com-

os-outros, a educação se torna um processo no qual a finalidade não é a

operacionalização de uma técnica, mas retornar o homem a si mesmo, em suas

relações com o mundo, com os outros e seu papel transformador neste mundo. A

Educação nesta perspectiva, deve possibilitar o homem a (re)conhecer sua

liberdade, assumindo-se como ser social e histórico, pensante, comunicante,

criador e realizador (PAULY, 2010).

No extremo oposto da educação dialógica está a educação bancária. Freire

(1987), assim a nomeia intencionando expressar a hierarquia da relação na qual

se dá. Nesta concepção, quem educa deposita suas verdades sobre quem

aprende, ou seja, um detém todo o saber, conhece “a verdade”, o modo “correto”

de fazer, e o outro que é apenas um recipiente vazio, será preenchido pelo

primeiro. Nesta verticalidade entre professor e aluno, em que a educação é uma

via de mão única, não há diálogo e, portanto, o aluno não é visto em sua

humanidade, uma vez que não cria com o outro, mas cabe-lhe, adaptar-se à

cultura/saber do outro. O educador pronuncia sua palavra, seu mundo, mas, ao

educando, cabe, calar-se. De acordo com Freire (1987), esta situação expressa a

contradição opressor-oprimido.

O silenciamento do oprimido pressupõe um acabamento dos homens, no

qual o opressor é o modelo acabado, para o qual o oprimido deve destinar-se.

Este é um modo de cuidar inautêntico, deficiente (Heidegger, 1981), pois o

opressor salta sobre o oprimido, desapropriando-o da possibilidade de cuidar de

si mesmo. No entanto, cabe ressaltar que, nesta situação, a inautenticidade do

cuidar cabe a ambos. Oprimido e opressor estão-sendo inautênticos, pois, como

afirma Freire (1987), a ausência de diálogo implica que as possibilidades do vir-a-

ser estão fechadas e é apenas na solicitude do diálogo que os homens se

humanizam, infinidavelmente.

Freire (1983) denuncia um ideal colonizador nas práticas educativas

ofertadas às classes populares. O autor associa a educação bancária à doação,

messianismo, mecanicismo, invasão cultural, manipulação. Segundo ele, esta

forma de educar favorece as classes sociais dominantes enquanto oprime as

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mais pobres. Para o opressor, só há um modo de pensar, um saber, um modo de

fazer, um modo de ser, um projeto de mundo, que, enquanto ele já o detém, o

oprimido deve adaptar-se.

A educação tem o potencial de promover o encontro do outro consigo

mesmo, ou diluí-lo no mundo do “a gente”. Ou mais que isso, oprimi-lo de tal

forma que não se proponha mais estar na abertura de seu ser-aí e conformando-

se em ser um ser-pronto à despeito da vulnerabilidade, injustiça, desigualdade e

sofrimento que vivencia. Se o sentido da educação é o cuidado com o outro, pode

se perguntar, de que forma se vem cuidando do outro, educando-o, mais

especificamente, questiona-se como tem sido cuidadas as famílias de baixa

renda, pessoas as quais os multiplicadores visam em sua atuação.

A seguir, um breve histórico do cuidado de famílias no Brasil.

2.4. O cuidado para com famílias populares - um breve histórico

No século XIX, a burguesia se consolidou no poder e seus ideais passam a

se difundir pelo tecido social. O ideal de homem burguês era tido como modelo

universal, um homem livre, autônomo, asséptico e moralmente perfeito que

buscava a ascensão econômica e social, valorizando a individualidade, a

propriedade privada, a igual capacidade de competir e a rígida divisão de papéis

entre os sexos. A suposição de igual liberdade para todos camuflava os conflitos

de classe já existentes.

O desenvolvimento da Psicologia e da Pedagogia enquanto ciências se

deu neste momento de consolidação da burguesia como classe dominante,

seguindo o modelo das ciências naturais, reduziam o homem ao componente

psíquico, procurando corrigi-lo e discipliná-lo, de forma a possibilitar a

harmonização do indivíduo à sociedade (LIBÂNEO, 1984). As construções

teóricas da época se fundamentavam nos ideais burgueses, promovendo seus

interesses e as preocupações das ciências humanas voltam-se sobre as funções

da família, da mulher e do homem, no esforço de normatizar seu modo de vida.

Estas ciências contribuíram, em larga escala, para a patologização da família, ao

defender veemente apenas uma possibilidade de ser, o ideal de família burguesa

(REIS, 1984).

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A vida da família passa a ser alvo do controle de especialistas por meio da

tutela higienista, domesticando a realidade vivida de modo que atingissem um

pacote de ideais. O homem é isolado de sua natureza social e visto a partir de

uma essência inata, universal, sem nenhuma influência da cultura e da história,

devendo ser cultivado corretamente (LIBÂNEO, 1984) a fim de se garantir “o

resultado perfeito”. Por esta ótica, sem nenhuma influência de seu meio social, o

indivíduo “livre” e seu agrupamento familiar são responsabilizados pelos desvios

de conduta e passam a ser considerados ameaças à ordem. O modo de produção

capitalista instantaneamente gera contradições que o prejudicam e cria

estratégias para controlá-las. Na luta de classes, a família operária, não

conseguindo preencher estes ideais, torna-se foco de constante regulação por

parte do aparato intervencionista do Estado e culpabilizada pelo próprio “fracasso”

(TEIXEIRA, 2010).

A ideia de liberdade individual e essencialismo do homem direcionam

profundamente os cuidados que são oferecidos às famílias de baixa renda. Às

classes populares são atribuídas características que, assumidas como naturais,

perpetuam sua opressão: patológicos, ignorantes, selvagens. Afirma Arroyo

(2009) que essas visões dos setores populares marcam as políticas, programas e

campanhas para o povo, na educação, saúde, cultura, promoção social. Vistas

como incapazes, as famílias pobres são historicamente marginalizadas e esta

estigmatização reforça a própria ideologia capitalista que as criou, porém,

dificilmente o modelo de acumulação de capital é questionado. De acordo com o

autor, a educação e saúde ainda operariam na visão de que o pobre é atrasado,

subdesenvolvido, imoral, incivilizado e assim por diante. Quanto à Assistência

Social, Teixeira (2010) afirma que a instalação de uma política de proteção social

no Brasil também se deu nesta lógica de discriminação e doutrinação.

Atualmente a estrutura familiar burguesa ainda permanece como ideal a

ser atingido por grande parte da população, sem ser questionado, até mesmo

entre psicólogos e educadores, pois é tido como natural, conforme afirma

Szymanski (2004a, p. 7):

A forte pressão em direção ao modelo nuclear, com sua estrutura e organização patriarcal mantida na perspectiva essencialista, tem o sentido de integrar a família em um arranjo social que atende a interesses mais amplos da sociedade e da cultura. Qualquer

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mudança nessa instituição de base – que tem a missão de ser a primeira agência socializadora a transmitir cultura para as gerações mais jovens – acaba por atingir as demais instituições e ameaçar uma ordem social interessada em manter o status quo.

Há um descompasso entre a realidade das famílias brasileiras e o ideal de

família burguesa (SZYMANSKI, 2004b) e apesar de hoje serem discutidas novas

configurações familiares, estas sempre existiram (TEIXEIRA, 2010). O modelo de

família burguesa é o modelo do opressor e quando é perseguido, desapropria as

famílias de seu poder-ser, estas voltam seus esforços a cumprir com um ideal

único, ignorando qualquer outra possibilidade de viver, como aponta Szymanski

(2004b, p. 9):

Os efeitos da discriminação social tiveram como resultado práticas educativas defensivas, no sentido de desenvolver um processo identitário na negatividade ou medo de serem alvo de discriminação, o que levou os pais a adotarem práticas violentas para evitar que os filhos se tornassem “marginais”.

Após transformações políticas e econômicas, a partir da constituição de

1988, começa um avanço no campo da proteção social no Brasil. O Estado de

Bem-Estar Social teve como parâmetros a descentralização e a expansão da

atuação estatal, com vistas à universalização (FRANZESE e ABRUCIO, 2009).

Esta mudança, que ocorre tardiamente no Brasil (TEIXEIRA, 2010, SPOSATI,

2011 e DE CARVALHO, 2011), dá origem ao Sistema Único de Saúde e mais

tarde ao Sistema Único de Assistência Social. Iniciava-se um novo paradigma de

gestão participativa recebendo a família, centralidade nas políticas públicas de

proteção social, sendo considerada a base fundadora da sociedade (TEIXEIRA,

2010). Por um lado, dada sua importância nesta concepção, a família deve ser

objeto de cuidado do Estado, mas por outro, é “convidada a participar” desta

proteção, recebendo assim “novos” encargos.

A responsabilização da família no paradigma atual pode ter o sentido de

fortalecer a busca por sua autonomia em seu cuidar de si, pode também ter o

sentido de favorecer a organização social para transformar as condições

opressivas em que vivem. Porém, como veremos no capítulo 3, Revisão

Bibliográfica, este “repasse”, tem oferecido um sentido deficiente às famílias que,

além de representar uma desresponsabilização do Estado (RIBEIRO, 2009) no

que diz respeito à garantia de suas necessidades e direitos, está longe de

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apresentá-las a si mesmas, mobilizando-as para o autocuidado, emancipação e

transformação social.

3. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

3.1. Contextualização

Este trabalho tinha a pretensão inicial de realizar um levantamento

bibliográfico sobre trabalhos que investigassem a formação de multiplicadores

para o trabalho com famílias. Mecanismos de busca eletrônicos foram explorados

por longos períodos, utilizando-se das palavras-chave “multiplicadores” e

“trabalho com famílias” ou “multiplicadores” e “famílias” ou ainda “multiplicadores”

e “comunidade”, no entanto, houve dificuldade em encontrar tais pesquisas, que

quando escassamente eram encontradas, tratavam de formações com

populações específicas, como crianças, ou enfermeiros, para atividades

igualmente especializadas, como por exemplo, o cuidado dentário ou a formação

para o tratamento da hanseníase, além do fato de que a concentração destes

trabalhos se dava, basicamente, na área de enfermagem.

Era pretendido encontrar pesquisas que tivessem como tema não apenas

uma experiência de formação, mas que esta se focalizasse na atenção às famílias

de baixa renda. Não era possível utilizar pesquisas sobre graduação de

profissionais, pois a equipe de multiplicadores trabalha e mora no mesmo bairro,

ou bairros vizinhos, tendo uma relação muito próxima com a população.

Para embasar este trabalho, também havia sido previamente planejado que

seriam analisados artigos que versassem sobre a experiência de educandos que

participaram de uma formação para o trabalho com famílias. Foi realizada uma

nova pesquisa empregando-se as palavras chave “formação”, "trabalhar com

familias" e o conteúdo encontrado era, em sua maioria, sobre a formação de

Agentes Comunitários de Saúde (ACS). Além disso, também tentou-se encontrar

trabalhos na área da assistência social, buscando por “Agente de Proteção

Social” e “formação”, “Orientador Socioeducativo” e “formação” ou ainda apenas

os termos isolados que designassem o cargo do profissional de nível técnico do

SUAS. Nesta tentativa, não foram encontrados trabalhos com foco em

atendimento de famílias nas ferramentas do Google Acadêmico e Scielo.

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A escolha por compreender a prática e formação dos ACS se deu em razão

de características similares entre as atribuições específicas da prática dos ACS e

as ações do grupo de multiplicadores, tais como trabalhar com famílias em base

geográfica definida, orientar as famílias quanto à utilização dos serviços de saúde

disponíveis, atenção à demanda espontânea, desenvolver atividades de

promoção da saúde, por meio de ações educativas individuais e coletivas na

comunidade, estar em contato permanente com as famílias, desenvolvendo ações

educativas, visando à promoção da saúde (BRASIL, 2011). Além disso, os ACS

devem passar por uma formação para o trabalho com famílias e é preconizado

que compartilhem seu saber. O cuidado com o outro fundamenta seu trabalho e

tanto os ACS quanto os multiplicadores trabalham na comunidade onde vivem.

3.2. O cotidiano do Agente Comunitário de Saúde no trabalho com famílias

Os agentes comunitários fazem parte da Estratégia de Saúde da Família e

recebem uma capacitação para se inserir neste modelo de atenção. Ao ACS é

conferida a responsabilidade de criar um elo entre a população à qual atende com

a rede de saúde circundante, facilitando a co-responsabilidade das famílias nos

cuidados com sua saúde, como encontrado na Cartilha “Entendendo o SUS”:

O ACS mora na comunidade em que atua e é um personagem-chave do Programa de Agentes Comunitários de Saúde (Pacs), vinculado à Unidade de Saúde da Família (USF). Ele liga a equipe à comunidade, destacando-se pela comunicação com as pessoas e pela liderança natural. É um elo cultural do SUS com a população e seu contato permanente com as famílias facilita o trabalho de vigilância e promoção da saúde. (BRASIL, 2006, p. 18)

Com base na leitura de diversas pesquisas que exploram, por meio de

entrevistas com ACS, a formação e os aspectos do cotidiano de trabalho,

observa-se uma discrepância entre os desafios do dia a dia e a formação para o

trabalho. As prerrogativas governamentais delegam grande quota de

responsabilidade sobre os ACS, atribuindo-lhes, a função de agentes de

transformação social, porém, a capacitação oferecida, não os prepara para

cumprir tais funções, pois não fornece conhecimentos e competências

necessárias para trabalhar em conjunto com a população atendida (SCHIMIDEL,

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2009). Nunes et al. (2002) observam que ao mesmo tempo em que ao ACS é

designada a responsabilidade de facilitar a autonomia da população perante aos

cuidados com a saúde, sua própria autonomia de trabalho é restringida pela

equipe à qual responde, sendo incumbido de orientar a população para a adoção

de hábitos e comportamentos saudáveis, segundo as prescrições médicas. No

entanto, Malfitano e Lopes (2009) e Pupin e Cardoso (2008) afirmam que as

demandas que chegam ao ACS não se restringem às ações de saúde, mas que

estes profissionais são tomados por seus vizinhos como uma ponte para a

solução de demandas de ações sociais básicas, por estarem ligados ao serviço

público.

De acordo com Pupin e Cardoso (2008), a prática dos ACS baseia-se,

predominantemente, no saber biomédico, caracterizada por uma concepção

assistencialista, na qual se utilizam de estratégias educativas verticais,

transmitindo técnicas em saúde para assimilação da população, ou oferecendo

respostas às dúvidas dos atendidos.

O viés biomédico do trabalho, segundo Nunes et al. (2002), suscita

resistência e rejeição das famílias às práticas do ACS, revelando a dificuldade de

diálogo entre o saber médico, os profissionais e a cultura da população. Nunes et

al. (2002) relatam que parte dos ACS entrevistados em sua pesquisa sentia-se

inconformada com a “desobediência” da população, que insistia em não seguir as

recomendações médicas. Observa-se que o cuidado oferecido às famílias não

parte das necessidades que apresentam, mas sim de um ideal acerca do que

precisam. Martins; Veríssimo e Oliveira (2008, p. 113), afirmam:

Embora o PSF tenha sido proposto como uma nova metodologia

assistencial, as atividades educativas ainda são

predominantemente impositivas, chegando às vezes ao

autoritarismo, restringindo-se as possibilidades de conversa com

exposição e confrontação de valores, como tradicionalmente

ocorre na assistência biomédica.

Nascimento e Correa (2008) afirmam que, além da capacitação técnica, é a

capacidade criativa dos ACS, pela iniciativa própria e pelo improviso, que formam

a base para execução de seu trabalho. Nunes et al (2002), Marzari; Junges; Selli

(2011), Nascimento e Correa (2008) e Ferraz e Aerts (2005) compreendem que o

treinamento dos ACS deve capacitá-los para ir além da perspectiva biomédica,

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possibilitando uma melhor interação com as famílias, reconhecendo e legitimando

suas necessidades, conforme se apresentam, de maneira contextualizada, por

meio de uma abordagem que priorize a reflexão. Os autores também apontam

que é de grande importância capacitar os profissionais para o reconhecimento de

características peculiares à comunidade, tais como fatores culturais e religiosos,

ou temas ligados à sexualidade, facilitando assim uma melhor articulação e o

diálogo entre os saberes técnicos e populares.

Apesar da ênfase no saber médico com que realizam seu trabalho, a

vulnerabilidade da população não passa despercebida e os ACS assumem,

grande quota de responsabilidade perante a população (MARZARI; JUNGES;

SELLI, 2011), o que de um lado representaria a eficácia desta abordagem, mas

por outro, também revela a insuficiência de sua formação quanto à possibilidade

de refletirem sobre o próprio trabalho, não lhes permitindo reorientar sua prática, o

que pode lhes proporcionar grande quota de sofrimento.

Martines e Chaves (2007), Pupin e Cardoso (2008) e Jardim e Lancman

(2009) apresentam experiências de idealização e angústia dos ACS na realização

de seu trabalho, quando assumem a missão de transformação da comunidade

como exclusivamente sua e ao mesmo tempo, vivenciam a frustração da

impossibilidade de concretização desta tarefa. Os ACS observados por Pupin e

Cardoso (2008) sentiam-se em uma posição de destaque e autoridade na

comunidade, confirmadas a eles por incessantes solicitações dos moradores e

seus discursos sobre os ACS, tais como “anjo da guarda” e “salvador da pátria”.

Os ACS compreendiam a dependência da comunidade com relação ao seu

trabalho como algo positivo, pois confirmaria a apreciação da população por sua

atuação. A população atendida por estes profissionais foi apresentada como

descomprometida e passiva, o que significava aos ACS sua “imprescindibilidade”.

Segundo Jardim e Lancman (2009) a prática com base no modelo

centralizador e assistencialista, pode diluir fronteiras profissionais e pessoais

entre os ACS e a população que atendem. Observaram que os ACS passaram a

ser procurados para resolverem os problemas dos moradores fora do horário de

trabalho e em qualquer lugar, como por exemplo, o mercado e até mesmo em

suas casas, recebendo inclusive, ameaças da população diante de falhas do

sistema de saúde:

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A gente não devia morar na comunidade. Tranco meu filho, me tranco com medo. (...) O povo da favela quer matar o ACS porque o paciente morreu esperando a consulta. Imaginou isso, tenho

filho que estuda na mesma escola que os filhos deles! (JARDIM e LANCMAN, 2009, p. 129)

Pupin e Cardoso (2008), Jardim e Lancman (2009) compreendem que tal

situação pode ser de difícil manejo e desconstrução, uma vez que a comunidade

se acostumaria com o “heroísmo” dos ACS.

Destaca-se na leitura destas pesquisas o lugar confuso em que, muitas

vezes, o ACS está. Quanto a formação dos ACS, é possível perceber que esta

caracteriza-se pelo modelo bancário exposto por Freire (1987) que verticaliza as

relações entre formadores, equipe médica, agente comunitário e as famílias

atendidas. A ausência da perspectiva dialógica terá reflexo direto sobre sua

atuação, criando conflitos com os valores e princípios com as famílias a que

atendem. A pressuposta liderança atribuída aos ACS, não é de forma alguma

natural, mas sim, “eleita” pelas pessoas que veem no agente uma possibilidade

de melhorar sua condição de vida e este, por sua vez, aceita este status,

encarnando o papel de herói da comunidade, mas não conseguindo colocar-se

como facilitador da autonomia da população.

A comunicação com as pessoas se mostrou problemática para os ACS. A

formação conteudista inviabiliza que os ACS problematizem sua realidade e

desconsidera as premissas de transformação social sob as quais atuam, Duarte,

Silva e Cardoso (2007), afirmam não terem observado nos discursos dos ACS

entrevistados em sua pesquisa, atitudes que visassem à transformação de fatores

determinantes da saúde, como por exemplo, emprego e saneamento, apesar

destes serem apontados como fonte de preocupação dos ACS para com a

comunidade.

O modelo de trabalho dos ACS os responsabiliza para cuidar das famílias,

mas esta responsabilidade não é compartilhada, sendo centralizada nas mãos do

ACS. Segundo Heidegger (1981), este é um dos modos deficientes de cuidado,

pois substitui o outro em suas possibilidades de cuidar de si. Parte-se de uma

perspectiva opressora, da adaptação ao modelo “certo” desconsiderando as

singularidades de cada família, visando a uniformidade e padronização. A técnica

chega pronta para agentes e famílias, impossibilitando a autonomia comunitária

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diante da própria demanda. Freitas e Mesquita (2011), afirmam que o cuidado de

famílias não pode orientar-se por generalizações quanto a um modelo de família,

mas de acordo com as particularidades que lhes são plurais.

Observamos um alto investimento pessoal no trabalho do ACS com a

comunidade, no entanto, a formação conteudista e orientação assistencialista

impedem a organização social, além de colocá-los, literalmente, em conflito com

as populações atendidas. Os sentidos de sua atuação não podem ser

transformados, pois pautam-se em um modelo dado e pronto. Sua práxis é

inviabilizada e apesar de perceberem a vulnerabilidade da população, não

possuem suporte para lidar com esta demanda.

Na perspectiva da educação popular, fortemente influenciada por Paulo

Freire, observa-se outro modo de cuidar e outro sentido para as práticas voltadas

às famílias. A educação popular pressupõe a conscientização sobre a realidade

vivida pelos educandos, partindo-se dela para o saber sistematizado, elevando

este a novos níveis de compreensão por meio da criticidade e retornando-se à

realidade para transformá-la, dialeticamente, em um movimento contínuo

(OLIVEIRA, 2009). O modo dialógico de educação, tendo seu compromisso com

as classes populares, requer das formações baseadas na técnica, uma

reformulação de conceitos e reorientação de práticas, possibilitando o diálogo

entre o saber formal, e o saber popular (RIBEIRO, 2009). Se está-com-o-outro na

revelação dos sentidos de seu cuidar, possibilitando que este se pronuncie, se

aproprie e se direcione para o que lhe convoca cuidar, do modo que lhe for

conveniente. Dessa forma, pode ser considerado autêntico, na definição de

Heidegger (1981), pois apresenta o outro a si, tornando-o parte na construção do

conhecimento.

Antes de chegarmos aos sentidos da formação para os multiplicadores,

faz-se imprescindível incluir o contexto da Vila Horizonte nesta pesquisa.

Seguiremos, no próximo capítulo, para a exploração de um recorte de sua

história, bem como da formação de multiplicadores.

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4. APRESENTAÇÃO DO CONTEXTO DA PESQUISA

4.1. Histórico da Vila Horizonte

A Comunidade Vila Horizonte começou a surgir em 1987, a partir da

ocupação de um terreno particular, por pessoas que, em maioria, haviam sido

despejadas de outras regiões da cidade de São Paulo (WALCKOFF, 2009). O

matagal que existia no local, aos poucos foi tomando forma para abrigar os novos

moradores, que, literalmente, começaram a comunidade do zero, pois ali não

havia condição básica alguma de moradia. Vinte e cinco anos depois é um bairro

que conta com Associação de Moradores, instituições educacionais, saneamento,

eletricidade, ruas asfaltadas e linhas de ônibus. Tudo que existe hoje no local foi

conquistado com muito esforço conjunto dos moradores, enfrentando toda sorte

de obstáculos, desde dificuldades econômicas, a ausência de apoio

governamental e conflitos com criminosos, como relata Pedro, um líder

comunitário, em entrevista a Ferraz (2011, p. 23):

Eles matavam o pessoal na beira desses córregos aí. Eu ficava impressionado, a violência e a água, a energia também, porque era tudo clandestino. Mas o que me impressionava muito era a violência, como que [isso pode ocorrer] tão perto da cidade, há 20 km da Praça da Sé. Eu falava assim, não é possível. Depois a prefeitura colocou uma pipa [...] o pessoal não pagava e a prefeitura cortou e foi ligado de modo clandestino [...]

A história da Vila Horizonte revela condições de vida de extrema

vulnerabilidade, mas também lutas, superação, coragem e cooperação dos

moradores, demonstrando sua alta capacidade de resiliência, necessária para

consolidar esta comunidade, como aponta o relato de uma das moradoras

entrevistadas por Walckoff (2009, p. 3):

(...) achar um meio de água boa, foi até pra Sabesp, fizeram testes tudo, a gente podia beber dessa água, cozinhar dessa água, (...) Porque eu saí de terreno em terreno arrecadando tijolo, um pouco de cimento, um pouquinho de areia e consegui fazer uma caixa pra poder a água ficar ali e a gente pegar com balde, aí pusemos madeira em cima e com a caneca a gente enchia os balde né? (...) E eu ficava de prontidão em cima da pedra, com um facão (para proteger a água) e todo mundo me chamava de “a mulher do facão”.

A violência era algo muito comum na Vila Horizonte e não faltam histórias

espantosas a este respeito. Havia disputas entre grileiros, gangues e os

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moradores tinham muito medo, tiroteios ocorriam a qualquer hora do dia ou noite,

como relata o já mencionado líder comunitário, Pedro,“Era um grupo atirando no

outro e eu estava no meio. Corri para dentro de um barraco de madeira e deitei no

chão. Os grupos se confrontavam abertamente” (FERRAZ, 2011, p. 24).

Havia toque de recolher para os moradores. Para os jovens poderem

estudar à noite, tinham de ser escoltados por moradores corajosos. Há muitos

exemplos dessa bravura ao longo dessa história, em que “pessoas comuns”

arriscaram sua vida para proteger aquilo que estavam construindo. Até mesmo

formar comissões e lideranças para continuar esta luta pela cidadania era difícil.

Após a saída de um dos padres, alguns membros dessas comissões tiveram suas

casas queimadas por criminosos. Pedro fez a escolha de estabelecer residência

na Vila Horizonte, para honrar seu compromisso com os moradores e abandonou

o seminário para se tornar padre, continuando a mobilizar a organização dos

moradores.

Após a luta pela água, precisavam garantir a distribuição de energia

elétrica, e aí encontraram um grande obstáculo. A Eletropaulo não os supriria

caso a irregularidade das moradias não fosse sanada, e para tanto, precisariam

comprar 62.000 metros quadrados de terreno, correspondente à área que as

famílias ocupavam. De acordo com Xavier (2009, p. 12), a partir do enfrentamento

destas dificuldades a união e organização entre os moradores se fortalecia:

Dessa forma, no ano de 1991, criou-se uma associação de moradores de bairro, como estratégia para busca de melhorias para uma ocupação irregular que, pouco a pouco, tornava-se uma grande comunidade.

O angariamento da renda entre os moradores para a compra e

regularização das terras por eles habitadas seria impossível sem perseverança e

colaboração coletiva e esta empreitada se consolidou no ano 2000, quando as

terras foram quitadas e deram origem ao Conjunto Residencial Vila Horizonte,

possibilitando-os também a ter sua energia elétrica regularizada.

A criação de um CEI (Centro de Educação Infantil) se iniciou em 1992,

representando outra luta comunitária para cuidar de necessidades emergenciais.

Nesta época, não havia instituições que pudessem cuidar das crianças enquanto

as mães trabalhavam e duas crianças morreram em um incêndio, presas em

casa. Articulados com instituições religiosas e não governamentais da Itália, os

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moradores em sistema de mutirão, construíram e fundaram o que na época

chamavam de creche. Após inaugurada, novamente foi preciso muito esforço para

mantê-la em funcionamento, pois naquele momento, além da falta de recursos

financeiros, água e luz eram clandestinas. A creche chegou a ser fechada um ano

após a abertura e sob o risco de perderem o espaço construído, alguns

moradores que antes ali trabalharam, ocuparam-na novamente, e, através de

parcerias e um convênio com a Prefeitura, conseguiram estruturá-la para atender

melhor as crianças (WALCKOFF, 2009; FERRAZ, 2011).

Em 1993, iniciou-se o envolvimento de Heloísa Szymanski com as

lideranças da Vila Horizonte, para realizar grupos de discussão com os moradores

sobre o tema “família”. Em 1994, novamente, a pesquisadora foi chamada para

colaborar com o desenvolvimento do Projeto Pedagógico do CEI, a fim de

adequarem-se às solicitações da prefeitura. Muitos trabalhos acadêmicos foram

desenvolvidos na comunidade desde então, em parceria com moradores e

instituições do bairro, até configurar-se o grupo de pesquisa ECOFAM. Heloísa

(apud WALCKOFF, 2009, p. 13), explica a origem do ECOFAM:

Então, o Ecofam teve desde o início esse duplo interesse que era de lócus de pesquisa, formação de pesquisadores e prestação de serviço. É uma atividade de extensão pura da universidade, porque as pessoas sabem que tudo que a gente faz lá tem um respaldo de pesquisa, mas eles esquecem isso e nos veem como pessoas parceiras nos projetos delas.

O grupo de pesquisa atuava com os educadores da creche e com as

famílias da comunidade, acompanhava as demandas apresentadas por estes,

pautando-se em seguir o movimento que indicavam, de acordo com seus

princípios dialógicos. Grupos reflexivos eram realizados com famílias da

comunidade e os temas eram definidos conforme as necessidades expressas

pelos participantes. Walckoff (2009), afirma que o abuso sexual, a forma de

educar os filhos e a possibilidade de educar sem o uso de violência, eram desde o

início, os temas mais recorrentes nestas solicitações.

A partir do ano de 2007, o grupo de educadores já fazia solicitações por

novos horários para realização dos encontros reflexivos. Ocorria uma oscilação

no número de participantes dos grupos e solicitações de mudança de horário

eram feitas por eles. Porém, na época, não era possível ao ECOFAM estender

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sua participação na comunidade. Ao mesmo tempo, as lideranças comunitárias,

em uma tentativa de manter o “espírito” da comunidade2, estimulavam a busca

dos educadores por maior mobilização coletiva (TERAHATA, 2008).

No final do ano de 2010, foi sugerido pelo Grupo ECOFAM que se

realizasse uma formação para os educadores que desejavam trabalhar com

famílias. A proposta foi ao encontro da necessidade percebida pelos educadores

e assim começou a ser pensado o Projeto de Formação de Multiplicadores para o

trabalho com famílias. Detalharemos a seguir o PFM, em seus objetivos, bem

como os principais pressupostos metodológicos que sustentam suas práticas.

4.2. O Projeto de Formação de Multiplicadores

4.2.1. Os pressupostos da Formação de Multiplicadores

O Projeto de Formação de Multiplicadores (PFM3) se insere no projeto

principal do Grupo de Pesquisa ECOFAM: O Projeto Articulação e Diálogo, e teve

seu início em julho de 2011. Este projeto tem como objetivos gerais: compreender

o processo construtivo de propostas articuladas entre dois ou mais contextos

educativos formais e informais (famílias) que envolvam a adoção de práticas

dialógicas por parte de educadores e famílias ao longo de um projeto de

intervenção participativa, bem como pesquisar possibilidades, obstáculos e

caminhos apontados para a articulação entre instituições educativas, com vistas a

contribuir com políticas públicas em Educação.

Pautando-se na perspectiva fenomenológica existencial e na prática

dialógica de Paulo Freire, o ECOFAM elaborou e desenvolveu um Projeto de

Formação de Multiplicadores em conjunto com os participantes, assim como

propõe Freire (1987, p. 48): “A educação autêntica, repitamos, não se faz de “A”

para “B” ou de “A” sobre “B”, mas de “A” com “B”, mediatizados pelo mundo.”.

Outros objetivos do projeto Articulação e Diálogo são a compreensão do

processo de articulação entre PUC/ECOFAM e Associação de Moradores da Vila

Horizonte na realização do PFM e a investigação sobre como as práticas de

2 Website do Instituto Vila Horizonte.

3 Projeto de Formação de Multiplicadores será mencionado pela sigla PFM daqui em diante.

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encontros reflexivos, entrevistas reflexivas e o projeto de formação em si, são

compreendidos pelos participantes.

A intervenção educativa se estendeu ao longo de dois anos, oferecendo

aprimoramento teórico e profissional para o trabalho com famílias, apreensão da

perspectiva dialógica no desenvolvimento do trabalho com as famílias e na

educação das crianças, facilitando o intercâmbio com os recursos, conhecimento

formal e oportunidades culturais com a PUC/SP.

O caráter de multiplicação que se encontra no título do projeto diz respeito

ao compartilhamento da prática dialógica. Diferentemente de defender a

transmissão de uma técnica, o curso foi concebido para a conscientização de uma

práxis. Este termo é empregado em sua definição por Freire (1987, p. 11):

A palavra é entendida, aqui, como palavra e ação; não é o termo

que assinala arbitrariamente um pensamento que, por sua vez,

discorre separado da existência. É significação produzida pela

“práxis”, palavra cuja discursividade flui da historicidade – palavra

viva e dinâmica, não categoria inerte, exâmine. Palavra que diz e

transforma o mundo.

Freire (1987) se refere à imprescindibilidade da ação humana estar

dialeticamente alinhada com a reflexão e vice versa, em um incessante

movimento de criação modificando-se mutuamente, rumo à interminável

humanização. Este é o caminho que o PFM se propõe a trilhar. O mundo da vida,

não é propriedade exclusiva de alguém, mas colaborativamente construído pelas

pessoas, no diálogo dos homens uns com os outros. É esta postura de abertura,

horizontalidade, reflexão e ação que se almejava construir com o Projeto de

Formação de Multiplicadores.

Será apresentada a seguir uma descrição dos quatro semestres do curso,

destacando os pontos mais significativos dos dois anos de curso do PFM.

4.3. Descrição da Formação de Multiplicadores

A formação ocorreu ao longo de 24 meses, sendo iniciada em julho de

2011 e encerrada em junho de 2013. Foram realizados 41 encontros com os

multiplicadores, destes, 21 ocorreram na Vila Horizonte e 20 na PUC/SP (Campus

Monte Alegre), tendo sido destinados 9 encontros para o planejamento do curso

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com os educadores, 8 aulas teórico-práticas, 24 encontros interventivos para o

planejamento, realização e compreensão dos grupos com pais e mães da

comunidade realizados pelo ECOFAM.

4.3.1. Síntese do 1º semestre (julho-novembro/2011)

Foram realizados dez encontros com os multiplicadores ao longo do

semestre, com duração média de 2,5 horas cada. O semestre de curso contou

com 1 encontro teórico, 6 práticos e 3 de planejamento do curso.

Nos dois grupos introdutórios do curso, o objetivo foi pensar, em conjunto

com os educadores, a formação de multiplicadores. Houve presença de um

grande número de educadores da Vila Horizonte, que relataram como

expectativas iniciais para a formação um meio de adquirir uma base teórica para

realizar os encontros com os pais. A formação era concebida como um curso

conteudista que os ajudaria a transmitir conhecimento aos pais dos alunos.

O número de crianças atendidas pelas instituições educacionais da Vila

Horizonte era, aproximadamente, 200.

A necessidade de formação foi enfatizada pelo ECOFAM a partir da

percepção que os grupos reflexivos com pais favoreciam a troca de saberes e

abriam a possibilidade de se colocar no lugar do outro. O grupo de educadores

afirmou que havia uma grande demanda da comunidade, para a qual deveriam

responder, pois segundo eles: “as famílias querem saber como lidar com suas

dificuldades, precisam de apoio, trazem muitas perguntas” (Relatório

Planejamento do curso, 27/07/11).

As lideranças comunitárias presentes afirmaram que as famílias

acreditavam no trabalho com as instituições e que a relação entre educandos e

educadores era muito boa. Eles afirmaram que buscavam através do bom

relacionamento com as crianças, melhorar a relação com as famílias.

No encontro seguinte, lideranças da comunidade relatam que os

educadores haviam sido divididos em três turmas para atender às necessidades

da comunidade no que diz respeito a datas e horários dos grupos reflexivos com

as famílias: quinta-feira à noite, sábado à tarde e domingo. A proposta dos

educadores era se aproximar do maior número de famílias, ampliando seu

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trabalho, procurando cobrir os horários possíveis à estas, delineando um esforço

de aproximação intenso. Indagaram ao ECOFAM como deveriam se preparar,

pois o próximo grupo reflexivo já havia sido marcado e seu tema definido, o qual

realizariam por conta própria.

Os educadores mostraram-se preocupados com o baixo número de pais

que frequentava os grupos reflexivos, relatando que as famílias não viam sentido

nos grupos da maneira que estes aconteciam. De acordo com um líder

comunitário, um pai lhe disse que: “os encontros servem para desabafar e mais

nada”. Formularam como hipótese para a baixa frequência dos pais nos grupos, a

ausência de respostas para as dúvidas das famílias quanto a educação de seus

filhos. Havia uma crítica à prática dialógica por parte dos educadores, que

desejavam que a formação pudesse munir de conteúdos para transmitir aos pais

e assim, aumentar a atratividade dos grupos para a maior quantidade de famílias

possível. O grupo de educadores também havia decidido que não mais separaria

homens e mulheres nos grupos de pais e que seria feita uma pesquisa com as

famílias para verificar os melhores dias para reunião, de modo a garantir a

presença do maior número de famílias. A questão dos educadores que marcou o

encontrou foi: como atrair e fazer com que os pais frequentem os grupos.

Também foi apresentada pelos educadores a possibilidade de realização de

visitas domiciliares, como forma de conhecer e classificar os perfis de famílias da

região.

O ECOFAM retomou com os educadores o sentido original da formação e

sua fundamentação dialógica, assim como a necessidade ética de realizar uma

formação para trabalhar com pessoas. Após este encontro de planejamento da

formação, que contou com a presença de nove interessados na formação, houve

uma divisão do grupo e o número de interessados em realizá-la reduziu, pelo

menos, à metade. Compreendeu-se, então, que as expectativas para o curso não

se concretizaram, dada a diferença de paradigmas entre o modo dialógico e o

conteudista.

Do dia 05/09/2011 ao dia 03/10/2011, foram realizados seis encontros

referentes ao planejamento, realização e análise dos grupos com pais (3 para

pais e 3 para mães). Nestes encontros que faziam parte da formação, os

educadores participaram pela primeira vez como multiplicadores. Apresentaram

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dados e fatos sobre as demandas das famílias e do bairro. Colaboraram com o

planejamento das atividades do grupo reflexivo e se dispuseram a preparar os

materiais que seriam utilizados. Os educadores participaram dos grupos de pais e

mães, de acordo com seu respectivo gênero, colaborando com sua própria

experiência de vida, dentro da temática. Os multiplicadores também participaram

dos encontros de análise dos grupos reflexivos em conjunto com o ECOFAM,

colaborando com sua compreensão sobre os acontecimentos. Foi salientada a

importância do sigilo e respeito ao outro. Cabe destacar que no grupo de mães foi

mencionado como solução para um problema específico, um plantão para dúvidas

educacionais, maior proximidade entre pais e educadores e a intermediação

institucional entre escolas.

4.3.2. Síntese do 2º semestre (fevereiro - junho/2012)

Foram realizados dez encontros com os multiplicadores ao longo do

semestre, com duração média de 2,5 horas cada. O semestre de curso contou

com 2 encontros teóricos, 6 práticos e 2 de planejamento.

No início do semestre, novamente, foi apresentada a preocupação do

grupo com relação à frequência das famílias nos grupos reflexivos e seu

envolvimento na educação dos filhos. Indagavam: “Como o convite para participar

dos encontros chega melhor às famílias?” “Como se comunicar melhor com as

famílias?” “Por que os pais participam mais de um encontro do que dos outros?”.

A quantidade de pessoas que frequentava os grupos era preocupante para os

multiplicadores quando comparada ao número de pais que era atendido pelos

serviços oferecidos pelas instituições comunitárias.

O grupo levantou hipóteses a este respeito, compreendendo que pais

teriam a expectativa de falar especificamente dos seus filhos nesses encontros, e

que, ao virem que se tratava de um tema mais amplo, acabavam não voltando, e

também, quanto a um possível desgaste da relação entre pais, educadores e

coordenação. Colocou-se em discussão o modo de abordar os pais e a

consideração pelos temas de interesse das famílias, de forma que os

participantes conseguissem se enxergar e enxergar seus filhos.

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Os educadores demonstraram interesse em organizar estatisticamente

dados já recolhidos para descrever as famílias participantes de seus projetos.

O apoio às famílias também foi compreendido na formação, como o

conhecimento dos serviços de saúde, educação e serviço social da região,

podendo contar também com parcerias existentes no bairro, como profissionais

da área da saúde e educação para possíveis encaminhamentos. Em um momento

posterior, os multiplicadores realizaram a pesquisa de recursos para

encaminhamento das demandas familiares, criando uma página no serviço de

mapas do Google, contendo informações quanto a localização de instituições de

saúde, de ensino, além de psicólogos, fonoaudiólogos, dentistas etc. Foi

apontada pelo ECOFAM, a necessidade de que os multiplicadores deveriam ter

disponibilidade para conhecer as coisas a sua volta, as políticas públicas, o CRAS

etc.

Ao longo do semestre, os multiplicadores ressaltaram como significativa a

compreensão da teoria através de exemplos práticos, afirmando se utilizar da

própria experiência cotidiana como forma de compreender o pensamento

freireano, o que, segundo eles, promovia a reflexão sobre as próprias práticas,

alterando ou embasando-as teoricamente.

A partir de situações trazidas pelo grupo, como demandas de crianças na

escola, por exemplo, foi possível dialogar sobre preconceitos do grupo acerca de

algumas famílias e crianças, tema que persistiu em muitos encontros ao longo do

semestre. Como exemplo, a violência presente na comunidade, tema recorrente

nos encontros com pais, foi discutida em diversos momentos, sendo

problematizada e tendo seu conceito ampliado, uma vez que era comum ser

reconhecida apenas enquanto violência física consumada. A formação de uma

rede de apoio entre os educadores e famílias e entre as próprias famílias também

foi um dos assuntos recorrentes nos encontros com os multiplicadores e nos

grupos de mães.

Observou-se no decorrer do semestre, pelas falas dos participantes,

momentos de reflexão que começaram a sinalizar uma mudança de postura do

grupo, com relação às expectativas trazidas nos primeiros encontros. Como

exemplo, cito uma das aulas teóricas realizadas, a vivência da entrevista reflexiva,

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na qual multiplicadores se voluntariaram para serem entrevistados pela Profa.

Heloísa Szymanski e ofereceram suas compreensões sobre esta abordagem:

Quando a pessoa faz a devolutiva, dá o sentido de que estamos

sendo ouvidos, que está acompanhando nosso pensamento,

então vale a pena continuar falando e pensando. (Paulo)

É um cuidado com o que o outro falou, porque as vezes pode não

ter entendido e o outro pode falar que não. (Pedro)

Observou-se que a concepção sobre a família também foi se modificando

desde o início do curso. O desinteresse, nomeado como causa principal de uma

suposta distância entre escola e pais de alunos deu lugar à curiosidade de

conhecer melhor as famílias e compreendê-las, como novamente afirma Paulo,

um dos multiplicadores: “além do que aparenta, além dos próprios preconceitos,

há mais no modo de se cuidar dos filhos”.

Os multiplicadores demonstraram questionarem-se quanto a quem eram as

famílias atendidas, o que os teria levado à reflexão sobre sua própria postura em

relação ao outro. Neste momento do curso, a suspensão dos próprios

preconceitos foi tida pelos próprios multiplicadores como algo complexo, mas

fundamental.

Ao final do semestre, o grupo relatou que percebia a mudanças em seu

trabalho, a partir das atividades teóricas e práticas do curso. Afirmaram que ao

buscar uma postura dialógica, ocorreram mudanças nas relações entre

educadores e famílias. O grupo percebeu uma ampliação da confiança da família

na equipe e entre os membros da própria equipe. Também foi relatada uma

mudança no relacionamento dos pais com os educadores, pois os pais se

mostraram, em algumas situações, preocupados com os educadores.

Ilustrando a mudança de postura dos educadores, o comunicado para a

reunião de pais, inicialmente tinha o caráter de “convocação” e neste momento do

curso, havia se tornado um convite, conforme explica, novamente, o multiplicador

Paulo:

Com os Multiplicadores, vi uma nova forma de abordar as famílias.

Antes, era “obrigado a participar”, agora é convite. A gente forçava

a participação, punia o outro que não vinha... a gente tava

trabalhando da forma errada. Nosso papel não é de justiceiro, de

punir o outro que não vem.

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De acordo com o grupo, após a mudança, pais que antes não

compareciam às reuniões, passaram a frequentá-las.

O grupo também afirmou que a formação tem os estimulado a buscar mais

conhecimento e preparo, percebendo-se com mais autonomia e iniciativa na

criação de novas formas de atuação. Foi mencionada a existência de um plantão

quinzenal dedicado às famílias e suas demandas. Com esta aproximação, o

grupo afirmou que as famílias possuem maior autonomia no que diz respeito às

próprias demandas, reconhecendo sua própria postura com relação a elas,

conforme aponta o multiplicador: “Tava uma cultura paternalista: vem aqui pra

resolver meu caso. Hoje as famílias estão indo atrás” (Paulo).

Os conhecimentos e reflexões advindos da formação passaram a ser

compartilhados com a equipe de educadores das instituições, conforme relata

uma multiplicadora:

(...) tenho discutido com os educadores... passou nos educadores

achar que tudo é culpa da família... que modo posso

orientar/ajudar essa família? Houve mudança de pensamento e

prática, na ação mesmo mudou. (Daniele)4

Consideraram ainda não dominar o conteúdo teórico sobre práticas

dialógicas e em especial, entrevista reflexiva.

4.3.3. Síntese do 3º semestre (agosto - novembro/2012)

Foram realizados dez encontros com os multiplicadores ao longo do

semestre, com duração média de 2,5 horas cada. O semestre de curso contou

com 2 encontros teóricos, 6 práticos e 2 de planejamento.

Os temas para os grupos de pais deste semestre passaram a ser

pesquisados pelos educadores junto às famílias, para se adequarem às

necessidades da demanda. Temas de interesse das mães, por exemplo, foram:

violência sexual, mudança de escola, educar no mundo atual.

Neste semestre os multiplicadores solicitaram ao ECOFAM o

compartilhamento dos relatórios produzidos sobre os encontros da formação de

4 Daniele fez parte do PFM por um período, mas, após problemas de saúde, afastou-se. No momento da

pesquisa, atuava como coordenadora da formação continuada dos educadores.

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modo que pudessem apresentar o material para todos os educadores das

instituições. O grupo de educadores passou a participar dos encontros da

formação quando estes ocorriam na Vila Horizonte.

O conteúdo do semestre teve sua ênfase na prática da entrevista reflexiva,

retomando mais uma vez os diálogos sobre preconceitos. Foi realizado um

exercício em sala para esclarecer os conceitos da entrevista reflexiva, no qual se

solicitou aos educadores que escolhessem uma família para entrevistar e

elaborassem todas as etapas de uma entrevista com esta família. Posteriormente,

os participantes da formação e também os outros educadores das instituições

iriam de fato realizar a entrevista planejada com os pais. Os educadores

demonstraram certa dificuldade em compreender os objetivos da entrevista

reflexiva, em alguns casos, não conseguindo formular uma questão aos pais,

desejando utilizar o encontro para orientar de que modo seu filho deveria ser

cuidado.

O grupo possuía distintas maneiras de pensar seu papel perante as

famílias. Enquanto havia por uma parte do grupo, a preocupação com a precisão

e a ética dialógica, outros demonstravam o desejo de convencimento do outro.

Era uma expectativa similar àquela apresentada no primeiro encontro da

formação. O diálogo foi visto como uma estratégia de aproximação com os pais

dos alunos, para que, de acordo com eles, pudessem se tornar alvo do trabalho

das instituições.

No encontro teórico seguinte com os multiplicadores, foram apresentadas

as entrevistas reflexivas realizadas com as famílias. Os educadores escolheram

para entrevistar, pais de crianças que lhes causavam alguma preocupação

(agressividade, higiene etc). O objetivo das entrevistas elaboradas pelos

educadores variava entre compreender como a mãe cuidava da criança, se

determinada criança repetia o mesmo comportamento da escola em casa ou

como a mãe compreendia seu papel na educação dos filhos.

Quanto à realização das entrevistas, os multiplicadores se mostraram

empáticos e cuidadosos. Introduziram o motivo aos entrevistados de maneira que

estes compreendessem seus objetivos, ressaltaram as qualidades positivas dos

filhos, preocupando-se em criar um ambiente de confiança. Durante a entrevista,

relataram os educadores, que os pais lhes revelaram fatos particulares de suas

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vidas, jamais imaginados para os educadores. Os entrevistados emocionaram-se

ao compartilhar suas histórias de vida, causando perplexidade aos educadores

diante da vulnerabilidade apresentada. As famílias escolhidas para as entrevistas

possuíam histórias de vida sofridas e enfrentavam severas dificuldades no

momento das entrevistas. Os entrevistadores reafirmaram para as famílias sua

parceria e se colocaram à disposição para qualquer eventualidade.

Os educadores compreenderam os resultados de formas diversas. O

diálogo construído neste encontro com os pais foi compreendido por uma parte do

grupo como um desabafo e por outros como possibilidade de se colocar no lugar

do outro. Os educadores, além de se sensibilizarem, colocaram suas

compreensões em perspectiva quando perceberam que para os entrevistados, a

educação que ofereciam aos filhos não era negligente, mas ocorria, ainda que de

uma forma diferente.

4.3.4. Síntese do 4º semestre (fevereiro - junho/2013)

Foram realizados 11 encontros com os multiplicadores ao longo do

semestre, com duração média de 2,5 horas cada. O semestre de curso contou

com 3 encontros teóricos, 6 práticos e 2 de planejamento.

No primeiro encontro do semestre, multiplicadores informaram que o CCA5

começa o ano com 123 alunos e o CEI com 80. As instituições iriam participar de

um projeto voltado para a profissionalização de jovens de 16-20 anos, designando

profissionais responsáveis. Outra novidade também foi a iniciativa espontânea do

grupo de multiplicadores que passou a se reunir quinzenalmente aos sábados,

para discutir os conteúdos da formação.

Os multiplicadores expuseram suas expectativas para o semestre:

aprofundar a compreensão sobre o diálogo; entender como aplicar este

conhecimento no cotidiano; compreender se há a possibilidade de diálogo com o

poder público e entender como os benefícios desta formação podem se estender

à coletividade. Neste grupo, mais uma vez, surgiu o questionamento por parte de

um dos líderes comunitários: “como mobilizar as pessoas a participarem”.

5 Centro da Criança e Adolescente.

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Esteve também em pauta no grupo um debate sobre os limites da atuação

dos multiplicadores, a partir de uma fala de um líder comunitário. Ele relatou uma

desilusão com relação à participação da comunidade e do grupo, bem como a

dificuldade em se relacionar com o poder público, afirmando que os problemas

não se encerravam no trabalho das instituições comunitárias, mas sim, que o

trabalho devia se expandir e abarcar outros problemas da comunidade, como o

cuidado com o meio ambiente, por exemplo, e que assim seria necessário

trabalhar com o poder público para resolvê-los, dizendo ainda que seria

ingenuidade não envolver o governo nestas questões. Outros participantes

também expressaram suas opiniões, algumas consonantes e outras que

discordavam desta posição. Entre as que discordavam, afirmava-se que não

havia possibilidade dos educadores realizarem mais uma função, pois já estavam

sobrecarregados. Defendeu-se também a autonomia da população para lidar com

estas questões, cabendo ao multiplicador fortalecê-la.

Este diálogo se estendeu por outros grupos ao longo do semestre, com

intervenções do ECOFAM no sentido de esclarecer a compreensão dos

multiplicadores sobre os limites de seu trabalho. Diante de tal discussão, o

ECOFAM procurou compreender quem e quantos eram os multiplicadores neste

semestre (oito no momento de realização deste encontro) e como o projeto de

formação se encaixava nos trabalhos das instituições. Os educadores

esclareceram que no momento, o PFM fazia parte da formação continuada

oferecida a todos os educadores das instituições, podendo estes optar por

comprometerem-se, normalmente, com o curso ou não. Além disso, o ECOFAM

foi informado que os multiplicadores se dividiam em torno de dois eixos de

trabalho, um voltado para a problemática das famílias e outro político, que visava

a abarcar problemas da comunidade com relação ao poder público.

Havia sido determinado pelas instituições comunitárias que todos os

educadores, multiplicadores ou não, deveriam realizar a entrevista reflexiva com

uma família de sua escolha. Sendo assim, houve a oportunidade para discutir

com os educadores em mais um encontro, maiores detalhes quanto a análise e

compreensão da entrevista reflexiva.

Posteriormente, com surpresa, os educadores narraram as entrevistas que

realizaram, sendo estas carregadas pela emoção dos entrevistados quando

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adentravam em suas histórias de vida, marcadas pela vulnerabilidade. O grupo

emocionou-se durante os relatos, assim como não lhes foi possível guardar sua

emoção durante a entrevista em si. Novos fatos da vida dos pais entrevistados

foram desvelados aos educadores, levando-os a uma maior compreensão da

situação da família e das crianças.

Entre os problemas expostos para a realização das entrevistas, destacam-

se a hesitação dos pais em comparecerem, as dificuldades iniciais de colocarem-

se de maneira empática com pais que eram considerados negligentes, o

preconceito com famílias não tradicionais e lidar com a fragilidade/vulnerabilidade

dos entrevistados. Além disso, os educadores também demonstraram adequação

na explanação do motivo da entrevista aos pais, capacidade de improvisação e

acolhimento frente às demandas. Foi relatada também, uma mudança de postura

de entrevistadores e entrevistados após o processo de entrevista: houve maior

aproximação de ambas as partes no dia a dia escolar, uma das entrevistadas

obteve novas compreensões acerca de si mesma e o desejo dos educadores em

oferecer mais apoio às famílias intensificou-se.

No encontro de encerramento do curso, os multiplicadores afirmaram

compreender que ouvir o outro é essencial para efetuar seu trabalho. Paulo

afirmou:

(...) de 2004 pra cá a gente fez um atendimento mais aberto, de

estar dando apoio, buscando orientar as famílias, mas sempre na

forma de um atendimento, não de uma entrevista, a gente mais

que comprava a briga das pessoas, mas não fazia com as

pessoas e não tinha um ouvido verdadeiro para as pessoas, não

se ouvia. A gente tinha a questão do preconceito frente o que a

gente via. Então o que eu aprendi foi o seguinte: pra gente ter

uma ação, primeiro tem que parar e ouvir a pessoa.

Foi apresentada a compreensão de que cada família tem suas próprias

particularidades, demandando soluções singulares a cada uma, e estas, por sua

vez, só podem ser descobertas através do ouvir.

O ouvir, porém, foi por eles definido como atitude dependente de algumas

condições: há de se ter disponibilidade para ouvir, organizar o tempo, desligando-

se de tudo mais para estar com o outro e os preconceitos precisam ser colocados

de lado a fim de se escutar e compreender o outro.

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O novo formato de entrevista para o atendimento do plantão foi concebido

como uma melhora na qualidade do atendimento, como reitera Paulo:

(...) a partir do curso, a qualidade do atendimento no plantão

aumentou, que antes ele era realizado por devoção, por carinho,

mas não tinha tanta habilidade

Outras transformações do plantão comunitário, também foram

apresentadas: a demanda recebida foi ampliada. Não mais apenas problemas

quanto a lotes e matriculas institucionais, mas demandas pessoais dos moradores

também tem surgido, como, por exemplo, um caso de aconselhamento

matrimonial. O grupo espanta-se com a confiança com a qual os moradores o

procura, e passaram a procurar as instituições espontaneamente, sem a

necessidade de convocação. O grupo demonstrou-se preocupado em criar um

ambiente mais adequado para a recepção das atuais demandas, pois, de acordo

com os membros, no ambiente atual, não há tempo e privacidade suficientes.

Durante o encontro, o grupo ressaltou que ainda tem muito a aprender.

Foram dadas sugestões de aprofundamento do trabalho, como por exemplo,

montar grupos de estudos que abordassem constituições familiares atuais e sobre

como lidar com diferenças. Quanto às dificuldades, de acordo com o que foi

exposto no encontro, entrar em contato com demandas mais íntimas de

moradores, ainda é visto e sentido como um desafio.

Sobre uma possível dicotomia levantada pelo ECOFAM entre a priorização

de satisfação de necessidades práticas sobre o diálogo no apoio dos educadores

à população, estes afirmaram compreender que o apoio do grupo se dá sobre a

demanda que surge, entendendo que famílias com mais necessidades satisfeitas

podem ter mais espaço para pensar em outras questões, como por exemplo, a

educação.

A presente pesquisa teve como questão indagar qual foi o sentido da

formação acima descrita para os participantes. O objetivo geral da pesquisa foi

compreender o sentido da formação para os participantes do Projeto de

Formação de Multiplicadores para o trabalho com famílias de uma comunidade de

baixa renda. Quanto aos objetivos específicos, desejava-se compreender o que

convocou os participantes a realizarem a formação; entender como compreendem

a proposta do curso; apreender como descrevem o contexto da população

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atendida; compreender como vivenciaram a formação. A seguir, detalharemos o

método escolhido para a realização do PFM.

5. MÉTODO

As particularidades do contexto desta pesquisa tornaram essencial indagar

sobre o sentido desta formação para os multiplicadores, pois houve um

considerável investimento do grupo na formação e há, como veremos adiante, um

grande investir no cuidar da comunidade. Conforme já foi mencionado, o PFM é

fruto de uma construção conjunta, na qual o ECOFAM se disponibiliza a seguir

um caminho conforme este é apresentado pelos educadores. Foi notável o

engajamento do grupo de educadores na apreensão da perspectiva dialógica e

diversas mudanças em seu modo de trabalhar se apresentaram. Sendo assim,

questiona-se, o que provocou este engajamento por parte dos multiplicadores?

Como vivenciaram esta formação?

Com o propósito de compreender o sentido da formação para os

multiplicadores, na investigação, devia-se permitir a manifestação do sentido que

ser tem para os participantes, revelando seu singular modo-de-ser-no-mundo. O

sentido revela a direção que tomamos e é a base das escolhas que fazemos para

existir (CRITELLI, 1996).

Martins e Bicudo (2006, p. 19) afirmam que o pesquisador fenomenólogo

dirige-se para o fenômeno, procurando vê-lo como se mostrou na experiência em

que foi percebido:

Essa é uma compreensão existencial, que se dá na abertura para o que se mostra, sem vê-lo ou explicá-lo por conceitos prévios ou de pré-supostos mantidos por uma teoria ou por crenças veiculadas.

O procedimento investigativo em fenomenologia adquire o sentido de

desvelamento, interrogando o fenômeno contextualizado onde se apresenta,

levando em conta os aspectos históricos e sociais intrínsecos à existência dos

participantes. Na medida em que se desvela, o fenômeno o faz a partir do olhar e

da intencionalidade de um espectador e, portanto, enquanto se manifesta em sua

singularidade, também se oculta para outras possibilidades de ser observado.

Este aspecto faz-se importante de ser ressaltado, pois responsabiliza também o

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pesquisador pelo olhar que confere ao fenômeno. Ou seja, aquele que interroga

faz parte do que ele quer saber e do que ele pode ver (CRITELLI, 1996).

Quanto ao caminho para fazer surgir o fenômeno, Martins e Bicudo (1989,

p. 29) afirmam que:

Os métodos são selecionados, ajustados e desenvolvidos a partir de sua compatibilidade com a natureza possível concebida sobre o fenômeno estudado.

Conforme enuncia Critelli (1996), buscar pelo sentido é procurar por aquilo

que se cuida, o modo com o qual se cuida e como se cuida do modo de cuidar. O

sentido se expressa no modo de cuidar, do que se cuida, como se cuida e como

se cuida do cuidar, atendo-se em especial ao estado de ânimo no qual se dá este

cuidado. A revelação do sentido é o momento no qual o homem pode ver como

está sendo e apropriar-se da sua trajetória, elaborar as possibilidades que

concebe e aprimorar seu caminho.

Dessa forma, voltou-se o olhar para o campo das experiências vividas

pelos educadores na vida pessoal, antes de se envolverem com educação até o

momento de ingresso no PFM, para como vivenciaram a formação e como era,

para os participantes. ser multiplicador.

5.1. Procedimentos para coleta de dados

5.1.1. Situação de Pesquisa

Optou-se por uma situação de pesquisa que permitisse a manifestação do

fenômeno do sentido da formação. Foi realizada uma pesquisa qualitativa, com

base na compreensão Fenomenológica Existencial, na medida em que os

significados dos fenômenos foram investigados e compreendidos, tais quais foram

apresentados. A escolha por este caminho se deu pelo interesse em estudar

significados subjetivos, atitudes, valores, opiniões e tópicos complexos, tal qual a

questão do sentido (SZYMANSKI, 2008). Neste método de pesquisa, visa-se a

compreensão e não a explicação dos fenômenos estudados (MARTINS e

BICUDO, 1989).

O termo fenomenologia é composto das palavras “fenômeno” e “logos”.

Fenômeno adquire o significado de mostrar-se a si mesmo e logos é o

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conhecimento do fenômeno que é mostrado através da linguagem (DARTIGUES,

1992, p. 126). Dessa forma, a procura pelo sentido se deu a partir de duas fontes,

pela narrativa dos multiplicadores sobre sua experiência de vida em uma

entrevista semiaberta e a devolutiva da compreensão aos participantes.

O sentido só pode surgir contextualizado, como afirma Critelli (1996) e

portanto, os relatos dos encontros da formação produzidos pelo ECOFAM fizeram

parte da compreensão do sentido da formação de multiplicadores, sendo criada a

síntese semestral dos encontros dos dois anos de formação, apresentada no

capítulo anterior, além da leitura do recorte histórico da Vila Horizonte.

5.2. A entrevista reflexiva

Trabalhou-se com um questionário semiestruturado, que permitia seguir o

discurso do entrevistado, porém objetivando um recorte de sua experiência, tendo

como foco a manifestação do sentido da formação. A abertura do questionário

pretendia seguir a fala dos entrevistados conforme a apresentassem,

caracterizando uma interação dialógica na qual se configura um intercâmbio entre

significados, crenças e valores perpassados pelas emoções e sentimentos de

entrevistado e entrevistador, desse modo, a entrevista possui caráter dialógico e

também reflexivo, propiciando a organização de ideias (SZYMANSKI, 2008).

Em uma entrevista reflexiva, também tem-se a preocupação de aprimorar a

compreensão dos envolvidos (entrevistado e entrevistador) acerca do que está

sendo dialogado. Desta maneira, o entrevistador faz uma síntese e expressa ao

entrevistado sua compreensão do que este proferiu para sua consideração,

permitindo que ele a confirme, elabore ou negue-a, exigindo uma nova expressão,

aumentando a fidedignidade do encontro (SZYMANSKI, 2008). O entrevistador

também pode fazer intervenções na fala de seu interlocutor, sem julgamentos

nem avaliações, no sentido de revelar sua compreensão daquilo que ouviu

(SZYMANSKI, 2012)

De modo a evocar o modo de cuidar de ser dos participantes, foram

planejadas quatro questões que, além de desvelar este cuidar,

contextualizassem-no em sua historicidade, pois, de acordo com Critelli (1996, p.

99):

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(...) o sentido que ser faz para cada um de nós, em particular, e para nós, em comum, deixa-se ver na trama de relações significativas em que vamos tecendo e estruturando nossa vida cotidiana”.

As questões foram formuladas de acordo com o que propõe Szymanski

(2012), no que diz respeito à construção da entrevista. O clima deve ser amigável

e oferecer liberdade para a expressão do participante. Parte-se da experiência do

entrevistado de maneira mais ampla, de modo que este possa entrar em contato

com aquilo que já foi vivenciado, caminhando para a especificidade do tema. As

duas primeiras questões eram preparatórias, tendo como foco a experiência de

vida dos entrevistados, possibilitando surgir o caminho e os modos como se foi

cuidando de viver até chegarem à formação, e as duas últimas questões,

desencadeadoras, objetivaram dialogar sobre o tema em si, como se estava

compreendendo e sentindo a formação, bem como, de que maneira a formação

projetava-se no futuro, permitindo também aparecer o direcionamento que ela

tomava para os multiplicadores:

1) Faça uma autoapresentação.

2) Como foi sua trajetória como educador até chegar ao PFM?

3) Como você tem vivido a formação?

4) Como você se vê como multiplicador?

As entrevistas com os participantes foram realizadas na sede da

Associação de Moradores da Vila Horizonte e a participação neste processo foi

voluntária. Foi oferecida uma apresentação quanto à natureza da pesquisa, os

objetivos e propósitos, em conjunto com o Termo de Consentimento Livre e

Esclarecido6, o qual, assinado, autoriza a gravação e a transcrição das

entrevistas, bem como a utilização das informações coletadas, garantindo,

sempre, o sigilo absoluto das informações obtidas e o anonimato dos

participantes. Foram realizadas sete entrevistas individuais (cinco no dia 25/02/13,

uma por correspondência eletrônica7, no dia 22/04/12 e uma no dia 29/07/13),

6 Modelo do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido em anexo.

7 A Entrevista por correspondência eletronica aconteceu desta forma devido a disponibilidade de tempo

entre entrevistado e entrevistador.

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com duração aproximada de 30 minutos cada e uma devolutiva coletiva (realizada

no dia 29/07/13), com duração aproximada de uma hora.

A opção por entrevistas individuais se deu pela preocupação quanto à

liberdade dos entrevistados expressarem suas opiniões livremente, de modo a

possibilitar o aparecer das várias maneiras de compreensão da formação, sem se

sentirem coibidos em expressar uma concordância com o grupo de educadores,

assim como com a possibilidade de focalizarem seus singulares sentidos com

maior detalhamento.

Após o processo de análise das entrevistas que será explicitado adiante,

retornou-se ao grupo de educadores a fim de devolver a compreensão do

pesquisador. A exposição dos resultados ofertou a oportunidade de validar o

conhecimento produzido nas entrevistas, e proporcionar um processo de reflexão

quanto aos discursos proferidos (SZYMANSKI, 2004b)

5.2.1. Procedimentos Éticos

Na realização desta pesquisa foram consideradas as resoluções CNS

196/1996 (Conselho Nacional de Saúde) e CFP 016/2000 (Conselho Federal de

Psicologia), subordinando os procedimentos e dados obtidos às ressalvas éticas e

tomamdas as devidas providências para a proteção dos entrevistados. Não

haveria a possibilidade de coleta de dados de outra fonte, já que em um trabalho

de referencial fenomenológico, o fenômeno só pode se apresentar por aquele que

o experiencia.

Os que manifestaram interesse em participar foram esclarecidos quanto

aos propósitos e objetivos da pesquisa, bem como aos procedimentos, benefícios

e possíveis riscos de sua participação, no entanto, compreende-se que estes

eram baixíssimos, dado que o conteúdo das entrevistas não difere em demasia de

sua experiência cotidiana. Foi apresentando o Termo de Consentimento Livre e

Esclarecido em linguagem clara e acessível, tratando da autorização para

gravação e transcrição dos dados, bem como o uso das informações em futuras

produções acadêmicas. Foi esclarecido que a participação, além de voluntária,

poderia ser retirada em qualquer momento, mesmo após a apresentação dos

resultados da pesquisa. Estes foram apresentados aos participantes durante sua

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realização, mediante a análise dos dados. Não foram realizadas formas de

ressarcimento financeiro quanto à participação nesta pesquisa. Foi acordado que,

diante de qualquer dano físico e/ou emocional, os participantes receberiam todo o

cuidado e o devido encaminhamento para tratamento por parte do pesquisador.

Foram tomadas providências e precauções, de modo a evitar eventuais

danos e riscos à integridade física e emocional dos participantes, desde a

elaboração das questões até o cuidado com a condução das entrevistas e

intervenções realizadas. A participação dos educadores foi de baixo risco, já que

não diferiu em demasia dos riscos que enfrentam em suas atividades cotidianas

uma vez que, mediante qualquer ameaça percebida, a pesquisa seria

interrompida.

5.3. Participantes

A pesquisa contou com 7 participantes, 5 do sexo feminino e 2 do sexo

masculino correspondendo ao total de multiplicadores ao fim da formação. O

tempo de experiência dos participantes como educador variava entre 2 e 15 anos.

A permanência na formação variou entre 24 meses (frequência integral) e 8

meses. Foi atribuído um nome fictício a cada participante, a fim de preservar suas

identidades.

5.3.1. Tabela de participantes

NOME IDADE

TEMPO DE

RESIDÊNCIA

TEMPO COMO

EDUCADOR

TEMPO DE

FORMAÇÃO

Anita 30 Reside em bairro

vizinho 2 anos 10 meses

Flávia 41 Reside em bairro

vizinho 5 anos 8 meses

Laura - 19 anos 14 anos 24 meses

Mariana 31 10 anos 10 anos 24 meses

Paulo 50 22 anos 6 anos 24 meses

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Pedro 49 22 anos - 24 meses

Valéria 39 20 anos > 15 anos 24 meses

5.3.2. Descrição dos participantes

Durante a entrevista foi solicitado aos participantes que fizessem uma

autoapresentação. Segue abaixo sua síntese, conforme estes se manisfestaram.

Anita – Trinta anos no momento da entrevista e residente de um

bairro vizinho. Formada em Pedagogia há seis meses e há cerca de dois anos

trabalhava no CEI, com crianças de quatro anos de idade.

Flávia – No momento da entrevista com 41 anos, residia em um

bairro vizinho. Está ligada às instituições da comunidade há cinco anos. Atuou

no CCA como auxiliar e hoje trabalha como auxiliar de berçário. Cursava a

faculdade de Pedagogia, em Ensino à Distância e participava do PFM desde

o novembro de 2012.

Laura – Mudou-se para a Vila Horizonte em 1994, quando esta

ainda era uma ocupação, cursou magistério por influência de sua mãe, que

era professora. Há treze anos atua como educadora na Instituição Horizontes.

Além da formação de multiplicadores, cursava a graduação em Pedagogia.

Mariana – Tinha 31 anos, casada e com dois filhos. Trabalhava

como educadora no CEI há dez anos, com crianças de 3-4 anos de idade que

fazem a passagem do CEI para a EMEI (Escola Municipal de Educação

Infantil).

Paulo – Ocupa a posição de um dos líderes da comunidade. Tinha

50 anos e residia na Vila Horizonte a cerca de 22 anos. Realizou diversos

trabalhos voluntários para o bairro. Há 12 anos faz parte, formalmente, da

Associação de Moradores e há seis atua como educador. Em 2004, criou e

atuou em um plantão para atender às dúvidas de moradores da Vila

Horizonte. No momento da entrevista, era coordenador do CCA.

Pedro – Ocupa a posição de um dos líderes da comunidade. Tinha

49 anos, relatou uma infância difícil, recebeu incentivo de sua mãe para

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frequentasse a escola, lugar que descreveu como inóspito. Atuou em

movimentos sindicais e pastorais promovidos pela Igreja Católica. Escolheu

como área de atuação, direitos fundamentais das famílias de seu bairro e das

cercanias.

Valéria – Tinha 39 anos, casada, três filhos e residia na Vila

Horizonte há 21 anos. Em 1995, conheceu a Instituição Horizontes, quando

sua primeira filha foi matriculada na creche. Participou do grupo de mães

realizado pelo ECOFAM e trabalhou voluntariamente nas instituições

comunitárias, onde depois passaria por diversos cargos de liderança. Em

2012, graduou-se em Pedagogia e atualmente trabalha como assistente na

direção do CEI.

5.4. Sínteses das entrevistas

As sínteses das entrevistas são aqui apresentadas na ordem em que foram

realizadas.

5.4.1. Flávia

Flávia, no momento da entrevista, tinha 41 anos. Começou a trabalhar para

as instituições comunitárias há 05 anos, tendo trabalhado no CCA como auxiliar e

hoje atua como auxiliar de berçário. Estava cursando o segundo semestre da

faculdade de Pedagogia, através do Ensino à Distância.

Flávia ouviu a proposta da formação em 2011, interessou-se, mas não

pode participar desde o início devido à problemas pessoais. Mais tarde, já na

faculdade de pedagogia, recebeu novamente o convite para participação e fez o

seu ingresso, pois além de ter mais tempo disponível, acreditou que o PFM

enriqueceria seus estudos acadêmicos. Flávia participava do PFM desde o final

de 2012 (final do 3º semestre). Afirmou sentir-se deslocada, porém que lhe era

enriquecedor poder ajudar as famílias e as crianças:

Olha, que nem que eu te disse, pra mim está sendo tudo novo. Até porque quem começou bem lá na frente, tá bem mais adiantado. Eu tô aqui meio que perdida, mas pra mim está sendo enriquecedor poder ajudar de alguma forma a comunidade, os pais, e as crianças.

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A partir do curso de formação de multiplicadores, Flávia relatou uma

mudança na compreensão da realização de seu trabalho:

(...) quando eu entrei pra ser educadora, eu entrei na visão de que, eu quero fazer um trabalho com crianças. Mas eu não tinha essa visão que eu tenho hoje, de que eu vou poder ajudar as outras pessoas, eu vou poder mostrar pras pessoas qual o meu trabalho, poder ajudar elas. A minha visão era completamente diferente, era uma visão de que, eu ia dar aula, eu ia fazer a minha atividade, eu ia pra casa, pronto.

Segundo Flávia, obter informações a partir de uma formação

acadêmica é essencial para seu trabalho com crianças:

Ah a informação... quando eu não tinha a informação pra mim era tudo simples, tudo... ah resolvia, pra mim era fácil. Hoje não, se eu não estudar e não saber qual é o meu papel ali na sociedade, como que eu vou poder ajudar essas crianças? Como que eu vou poder fazer parte daquelas crianças, como eu vou poder ajudar ela sem ter um conhecimento?

Graduar-se em Pedagogia e finalizar a formação de multiplicadores

eram importantes realizações para Flávia e possuir estes conhecimentos a

afetavam em nível pessoal:

Eu não sei se é só comigo, mas é uma sensação diferente que a gente tem quando você não tem a informação, e quando você tem a informação. É diferente.

Flávia aspirava ser reconhecida enquanto educadora, algo que influenciava

seu envolvimento com estudos acadêmicos:

Eu tenho uma expectativa de poder me formar. É um sonho que eu estou realizando, é. Mas uma expectativa de que amanhã ou depois eu vou poder olhar pra trás e falar, eu passei por aquilo ali, hoje eu posso dizer que sou uma educadora de verdade. Não sou pela metade, eu sou inteira.

Flávia sensibilizava-se por trabalhar com crianças mais novas, dessa

forma tentou dirigir seu trabalho para estar junto a estas:

(...) eu senti que o meu coração falou mais alto com as crianças menores. Eu gosto de crianças menores (...) não estou aqui pelo dinheiro, eu estou aqui pelo meu amor pelas crianças (...). Estou aqui pelas crianças porque eu gosto daquilo que eu faço.

Segundo ela, ser educadora é assumir uma responsabilidade para com as

crianças com quem trabalha e este envolvimento acontece em nível pessoal:

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Porque ver a realidade da criança, você querendo ou não querendo de uma forma ou de outra você acaba entrando na vida daquela criança. O problema dela é um problema teu também. Não adianta você querer excluir, ah ela tem um problema mas... não, não, acho que o problema é o todo, é de todos. Acho que desde o momento que você ta ali, você tem que acatar tudo.

Flávia afirmou no momento da entrevista, não se reconhecer como

multiplicadora em razão de seu recém ingresso no grupo:

(...) não adianta você chegar e eu falar assim pra você, eu sou uma multiplicadora, porque ainda sou crua, eu preciso ainda de muito pra aprender. Quem está mais adiante pode falar melhor do que eu. Mas pra mim ainda ta sendo alguma coisa pela metade, não estou por inteiro. Mas eu vou conseguir chegar.

Apesar de afirmar-se iniciante no curso, Flávia define o multiplicador como

aquele que envolve-se pessoalmente na vida dos que estão à sua volta e lhes

oferece ajuda. Trabalhando com crianças, afirma que já não pode sustentar a

idéia de que ser educador é algo exercido apenas dentro da sala de aula, mas

deve-se voltar para a comunidade como um todo:

(...) não adianta você chegar aqui e eu fazer um trabalho de educadora, pegar e ir embora e eu chegar em casa, posso ir embora, sabendo que o fulano ainda está precisando de uma ajuda.

eu posso muito bem ser multiplicadora, se eu chegar aqui ver uma senhora sentada na cadeira de rodas, não poder levar ela pro ônibus. O que adianta eu fazer um curso de multiplicador e ver tudo isso e deixar pra si próprio. Não poder ajudar as pessoas, não poder ajudar o seu bairro.

Ela desejava ter um papel na sociedade e tinha a meta de compartilhar o

aprendizado da formação com sua comunidade.

E pra mim o multiplicador que eu espero é acrescentar muito mais a minha vida, muito mais o meu trabalho, e poder ajudar as pessoas e a comunidade que não só daqui, mas da minha região mesmo da onde eu moro mais em cima na Vila Antares8.

O multiplicador, segundo Flávia, tem esclarecimento, conhecimento e

juntamente com o grupo: “move montanhas até onde não tem, para poder ajudar

sua comunidade” (sic).

8 O nome original de sua comunidade foi substituído.

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O cotidiano atribulado de múltiplas tarefas, em sua compreensão, afetava o

modo como participava da formação:

(...) você tem que ter um cuidado pra você não deixar e falar assim, abandonar, falar eu não quero mais, tenho muita coisa pra fazer. Que nem, a Heloísa mandou ler o texto, eu não consegui ler porque eu estava na semana de prova essas coisas da Faculdade, eu não tive tempo nem de ver o filme porque eu estou em processo de mudança de casa, então está tudo tumultuado.

5.4.2. Paulo

Paulo relatou residir na Vila Horizonte por volta de 22 anos. Após um ano

de residência, iniciou trabalhos voluntários para o bairro, colaborando com o que

era capaz para “ajudar o pessoal” (sic). Paulo relata que em razão destes

trabalhos, circulava muito pelo bairro e conhecia todas as famílias, tendo

conquistado afinidade especial com as crianças que encontrava em suas

andanças. Há 12 anos faz parte formalmente da Associação de Moradores, tendo

se dedicado à problemas estruturais do bairro, tais como loteamento,

saneamento, etc. Devido ao vínculo com as crianças da comunidade, idealizou e

realizou um campeonato de futebol de salão para os jovens, em parceria com um

colega que não era membro da associação. Ele relata que este campeonato

proporcionou sua aproximação com as famílias daqueles jovens, marcando o

início de sua preocupação também com estas. Em 2004 criou um plantão

comunitário e atendeu em conjunto com outros educadores, dúvidas de

moradores da Vila Horizonte com demandas variadas até o momento de

publicação desta pesquisa. Recebeu há seis anos o convite para atuar como

educador nas instituições comunitárias da Vila. No momento da entrevista, tinha

um cargo de liderança no CCA9 da Vila Horizonte, que atende 120 crianças de 06

a 14 anos e 11 meses.

Paulo conta que seu relacionamento com o trabalho da PUC se iniciou há

muitos anos, não sabendo precisar a data, através do vínculo entre a Associação

de Moradores e a Prof. Heloísa, tendo participado na elaboração do projeto

pedagógico da CEI. Paulo relata ter vivenciado paralelamente, experiências em

9 Centro da Criança e Adolescente

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diferentes contextos educativos que reforçaram a concepção de que o

conhecimento trocado com o ECOFAM era importante.

Ainda sobre a experiência com o plantão, Paulo também relatou que em

razão de sua posição de liderança, famílias passaram a procurá-lo para conversar

sobre problemas de seus filhos, porém ele considerou que na época, não possuía

preparo para lidar com estes conteúdos, o que teria endossado sua participação

na formação, pois compreendia que é diferente lidar com pessoas e com

problemas de ordem prática.

Quando eu comecei a trabalhar com as crianças, tem aquele negócio de ta conversando com os pais, com a família questão de comportamento dos filhos, o que era totalmente diferente de você conversar sobre estrutura de bairro, sobre questão de bairro (...) Ali assim a gente tá falando de pessoas. Então quer dizer uma novidade totalmente diferente, que a pessoa já se vê ali, vai liderança do bairro, com a pessoa representativa do bairro, pra família a mesma pessoa que mexia com a parte do terreno, que mexia com a parte do bairro, teria capacidade de estar discutindo a questão do filho dele, não é. Então quer dizer, eu apanhei muito.

Paulo afirma que a formação lhe interessou, compreendendo que esta

poderia colaborar com sua atividade profissional.

Então quando veio o multiplicadores, eu já sabia que tinha aquele negócio, já conhecia o trabalho que já vinha apresentando, falei, não, vai contribuir, contribuir demais né?

De acordo com ele, já estava envolvido nos grupos realizados pelo

ECOFAM desde 2004 e mantinha confiança nos resultados deste trabalho. O

conhecimento prévio do trabalho do ECOFAM e da Prof. Heloísa, que segundo

ele: “tem um know how tremendo, mas a linguagem que ela usa traz você a

entender e você saber que consegue, ou seja, nos estimula” (sic), lhe levaram a

crer que a formação o aprimoraria profissionalmente.

Para Paulo, a formação colaborou com o aprimoramento de sua reflexão

sobre seu trabalho e também revelou novas possibilidades para lidar com

situações de seu cotidiano. Ele afirmou envolver-se com tudo que ocorria, lendo

os textos do curso e assistindo os filmes, e mantinha-se informado dos encontros

lendo os relatórios das atividades, porém relatou não ter interesse em participar

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dos grupos de planejamento e análise dos grupos de pais por preferir participar

apenas dos grupos de discussão aberta.

De acordo com Paulo, nossa sociedade passa por um momento

educacional preocupante, pois valores humanos seriam colocados em segundo

plano, situação que traria problemas em relação a socialização de crianças e

jovens e a perda dos valores comunitários/éticos. Considerou também

preocupante o desinteresse das famílias acerca destas questões, todos estes

problemas que, segundo ele, afetam a Vila horizonte.

O Educador destacou como sua sensibilização original, o vínculo que

encontrou com as crianças e jovens do bairro, situação que o teria colocado

diretamente em contato com a área educacional:

(...) você cria um vínculo com ele que termina assim, vai, numa situação meio que paizão no meio deles ali. (...) Faz parte da minha vida, faz parte de mim, e você começa ter uma preocupação, um envolvimento, uma dedicação não é uma coisa voltada para o trabalho. É uma coisa que toca em você (...)

A partir deste vínculo que, segundo ele, é imprescindível para seu trabalho

e transcende um mero profissionalismo, foi envolvendo-se cada vez mais com o

cuidar das famílias e a educação:

Então você vai assim, o tempo que você vai trabalhando, o tempo que você vai criando, coisas que tem afinidades, você vai se apaixonando, você tem condições de buscar mais.

Porém, ao mesmo tempo, percebia que o volume de seu trabalho passava

a lhe saturar, não conseguindo distanciar-se deste:

Então hoje eu procuro chegar em casa, e propor qualquer assunto, vamos jogar dominó, vamos jogar baralho, vamos conversar, vamos assistir um filme, porque o trabalho começa a impregnar na sua vida.

No momento da entrevista, Paulo sentia-se afetado pela vulnerabilidade

das pessoas à sua volta e via-se responsável por transformar este cenário, muitas

vezes tentando isoladamente dar conta dos problemas, que não eram poucos:

(...) agora você tem um projeto que atua com 120 crianças numa complexidade tremenda, então você tem casos aí que não tem como você não se envolver com eles, não tem como.

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Ele demonstrou refletir sobre os limites de sua responsabilidade, mas na

prática sua afetação o colocava novamente em ação pelo outro:

(...) ele vê o educador como (...) quando a gente vai fazer alguma avaliação do projeto, ele pega e vê o educador como mãe ou o coordenador como pai (...) Só que tem um negócio, você também se sente responsável por aquela situação, mas você não é responsável. Mas (...) você leva isso pra casa não tem jeito. Então... aí você fala assim, você não tem tempo pra fazer isso, querendo fazer.

Paulo compreendia que seu papel como multiplicador era apoiar o outro

para que este possa criar sua autonomia, mas afirmou ser difícil realizar seu

trabalho desta maneira e muitas vezes mobilizava sua rede de conhecidos para

fornecer suporte a uma família em vulnerabilidade, porém se questionava:

(...) isso também não é legal né? O ideal seria você estar proporcionando uma coisa que a família pudesse tapar aquele buraco ali. Então se ela conseguisse os benefícios da ação social do governo falar com os bancos, ou com os projetos que você representa, de repente fizesse um curso, fosse no CRAS, arrumasse emprego, pra você não alimentar aquela situação, se estão me dando, porque que eu vou atrás?

Paulo afirmou conceber-se naturalmente como multiplicador, algo que para

ele, não era de grande esforço. O trabalho do multiplicador, segundo Paulo, não

poderia estar restrito às instituições de ensino, mas deveria voltar-se para os

problemas do bairro:

Não pode de forma nenhuma, quem tiver essa missão... quem tiver essa visão, pra mim nem isso aí não é nem trabalho social quanto mais ser multiplicador. No meu ponto de vista, aliás eu não preciso estar atuando como educador pra dizer que eu tenho conhecimento, eu posso fazer alguma coisa, que possa estar auxiliando alguém (...)

Paulo sentia que seu trabalho não se esgotava e buscava encontrar

explicações quanto as causas, as vezes responsabilizando instituições públicas e

sua burocracia pelos obstáculos que encontrava, as vezes o grupo de educadores

quando não assumiam as mesmas preocupações que ele, ou seu contrato de

trabalho:

Às vezes o cara fazendo entrevista, não tem tempo... eles não tem tempo pra planejar, a gente não tem tempo pra sentar e conversar com educadores porque é muito dinâmico. Você tem ali 70 crianças com educadores é difícil demais, é muito, é puxado

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demais. Agora, de quem está errado isso aí? Será que o poder público é o que mais pesa? Será que é impossível ver que um educador não vai dar conta disso aí?

Paulo concebia como soluções para estes obstáculos, a

possibilidade de dividir os problemas com seu grupo de trabalho, ou na maioria

das vezes, resolver os problemas sozinho, ou ainda, encontrar outra posição

profissional que o elevaria acima dos problemas que encontrava:

Se eu tiver atuando no bairro com certeza vou ser muito mais multiplicador do que estar como educador (...) Porque daí eu vou ter o tempo, os canais que eu vou procurar, vai ficar bem mais fácil do que você estar.... uma das coisas do projeto da Associação do bairro, é você buscar ... ajudar as pessoas numa forma que elas possam superar.

5.4.3. Mariana

Mariana, no momento da entrevista, tinha 31 anos, casada e com 02 filhos.

Trabalhava como educadora na CEI há 06 anos, com crianças de 03-04 anos que

fazem a passagem da CEI para o EMEI.

Mariana relatou ter ouvido a apresentação da proposta de formação

através da coordenação da CEI, quando lhe foi dito que haveria a possibilidade de

realizar os grupos reflexivos com pais e mães, em seu planejamento,

coordenação e análise. Para Mariana, se mostrou significativo a formação ser

oferecida pela Prof.ª Heloísa e o ECOFAM:

(...) por ser trazido pela Heloisa e o grupo da PUC eu achei interessante, novo conhecimento, como a gente trabalha lidando diretamente com a família, eu achei importante conhecer um pouco mais, como lidar com a família, como fazer trabalho com a

família. Como ser um futuro multiplicador.

Seu interesse na proposta da formação era marcado pela possibilidade de

ampliar o conhecimento que utlizava em sua atividade profissional. O cuidado

com as crianças era a preocupação primordial da multiplicadora, da qual derivava

o concernimento com as famílias:

Eu estou aqui há dez anos trabalhando com o bem maior deles que é o filho deles. Então o que eu quero pro bem deles, eles também querem.

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A partir de experiências vividas ao longo do curso, tais como a realização

da Entrevista Reflexiva e a troca de saberes com os colegas que realizavam o

plantão comunitário, Mariana transformou seu modo de cuidar da população que

atende. Segundo ela, foi a partir da abertura para ouvir o outro que seu olhar

mudou:

(...) antes você, por mais que você ouvia a família, por mais que você tentava entender sempre... ainda existe, mas sempre existe aquele preconceito, aquele julgamento e agora depois desse ano, semestre, na prática fazendo a entrevista reflexiva, eu acho que eu aprendi a ter mais respeito com as famílias, eu aprendi a ouvir melhor, e também não esperar muito das famílias, porque cada pessoa tem o seu limite.

A entrevista reflexiva sugerida como exercício prático do conteúdo do

curso, colocou-a em disposição para ouvir o outro, sensibilizando-a. Mariana, a

partir desta afetação, foi buscar conhecimentos para ofertar aos cuidados com a

população atendida:

(...) e aí eu percebi que elas nem tinham alimento em casa, nem nada. Então eu me preocupei em saber como que eu posso estar ajudando essa família a conseguir um auxílio... sei lá bolsa, sei lá, uma cesta básica, uma bolsa alguma coisa. Aí eu fui pesquisar. Aí eu ajudei algumas vezes no plantão, e você vê ‘n’ famílias com ‘n’ preocupações. Então foi a partir da entrevista reflexiva e a partir do plantão me veio essa preocupação a partir da entrevista e a partir do plantão.

O outro que apareceu para Mariana diante desta abertura, não era mais um

outro desinteressado na educação de seus filhos, mas alguém em grande

vulnerabilidade, ao qual ela espontaneamente decidiu oferecer seu apoio e

pesquisar quais recursos governamentais se encontravam disponíveis.

Contudo, a multiplicadora relatou que suas novas preocupações diante da

vulnerabilidade percebida a levaram a refletir sobre quais possibilidades possuía

para dar assistência à demanda que se apresentava, colocando em questão seu

modo de trabalhar e a própria formação:

São 40 horas semanais. Eles não vão me liberar para eu ir ao CRAS ou em qualquer outro lugar no meu horário de expediente, até porque se eu falto, vai ser difícil colocar outra pessoa no meu lugar. Então você estaria sanando o problema da família e descobrindo outro problema.”

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Contudo, sua reflexão continuou, levando-a a reformular seu modo de ser

educadora. A partir da ciência das limitações de seu trabalho, refletiu:

Na metade do curso eu achei um pouco frustrante (...) você vai acompanhar a família até certo ponto, depois você não pode mais decidir por ela (...) de repente é frustrante você querer ajudar e não poder. Como é que eu vou... se eu ajudar vou perder o meu serviço? Entendeu? São ‘n’ questões. Mas depois eu falei, não, mas tem outra maneira de ajudar. De repente, eu posso mostrar isso pra elas, eu posso dar o telefone, posso dar o endereço, posso ver até onde eu posso ajudar. Porque ser educador eu acho, que não é eu fazer tudo, multiplicador não é eu fazer tudo pela pessoa, mas é eu mostrar caminhos. É eu mostrar meios pra ela sair.

Sua compreensão inicial era o fazer pelo outro, solucionar a demanda da

família, porém descobriu outra forma de atuação. Mariana afirmou compreender

que lhe caberia atuar como suporte, oferecendo possibilidades a quem lhe

procura, mas é o outro quem deve encontrar soluções para seu viver.

Como resultado de sua nova postura interessada no outro e aberta para

que este se apresente da maneira que é, a educadora relata ter criado confiança

e parceria com os pais:

Então eu acho que eu consegui passar a importância do trabalho junto com as famílias, se eu precisar eles vão me ajudar e se eles precisarem também vou ajudar. Eu acho que consegui passar essa parceria pelo menos com o grupo que eu estou atuando hoje.

Porque quem vai passar o dia inteiro com o tênis ( ...), que vai ficar incomodado o dia inteiro é a criança, não sou eu. (...) daí antes, falaria tá, trago, sim e não traria, e agora eu acho que eu adquiri uma confiança maior, posso falar essas coisas para eles que eles não vão sentir ofendidos.

Ser Multiplicador para Mariana era oferecer respeito ao outro e a seu modo

de vida, dedicando-se a apoiar suas escolhas e ampliar suas possibilidades,

compreendendo-o em sua singularidade:

(...) tem pais que querem falar, tem pais que não querem falar. Aprendi lidar com cada pai de uma maneira diferenciada. Eu acho que dessa maneira até o meu trabalho ta fluindo melhor. Que antes você rotulava os pais teria que ser na mesma, igual. Na verdade nem sempre é assim. Cada um tem um jeito diferente”

Se fosse eu na situação delas de repente eu faria de uma maneira diferente mas não é o melhor jeito pra elas. Então elas que tem

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que saber lidar com isso, do jeitinho delas e o que que eu posso fazer é dando suporte até um certo ponto.

5.4.4. Valéria

Valéria, no momento da entrevista tinha 39 anos, casada, e tinha 03 filhos.

É natural do nordeste e residia na Vila Horizonte há 21 anos. Entrou em contato

com trabalho da Instituição Horizontes em 95, quando sua primeira filha foi

matriculada na creche. Logo começou a participar do grupo de mães realizado

pela Prof.ª Heloísa e a trabalhar voluntariamente nas instituições comunitárias.

No ano de 1999 fez parte da diretoria da associação, com o cargo de

secretária e em 2000 se tornou vice-presidente. Foi nomeada presidente da

instituição em 2002, cargo no qual atuou até 2008. Em 2009 foi Assistente de

Coordenação em projetos da associação. Em 2010 coordenou um projeto voltado

para a profissionalização de adolescentes de 14 a 17 anos. Relatou que em 2011

realizou um grande sonho: ser educadora na educação infantil. Em 2012 graduou-

se em pedagogia e atualmente trabalha como assistente na direção do CEI.

A formação ter sido oferecida pela Prof.ª Heloísa se mostrou de grande

importância para a multiplicadora, pois já havia uma grande confiança em seu

trabalho:

Então falando dos multiplicadores veio como proposta assim: Primeiro a equipe PUC da qual a Heloísa fazia com... tem um compromisso com a Instituição, ou seja, parceria com a Instituição, e aí quando houve a possibilidade desse curso de multiplicadores com a duração de dois anos, eu de imediato já acreditei muito.

O interesse na formação surgiu para Valéria, como forma de ampliar o

conhecimento utilizado em sua atuação profissional, para atender melhor a

comunidade:

Multiplicadores pra mim, pra mim eu assim priorizei no sentido assim, de conhecimento e como trabalhar da melhor maneira para com a comunidade.

No momento da entrevista, ela relatou que o curso lhe ofereceu

oportunidades de reflexão através das leituras sugeridas:

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E se pensasse a questão teórica, também nos ajuda bastante. A gente mergulha num mundo igual esse texto, da socialização, da escola pública, toda aquela questão lá do jovem pobre. Então assim, dá um embasamento até pra gente descobrir (...).

Outro ponto a ser destacado no que diz respeito ao interesse de Valéria na

formação, foi a apropriação de um modo de trabalho já reconhecido por ela como

importante, no qual privilegia-se a horizontalidade da relação e a abertura ao

outro. A multiplicadora também mostrou que a valorização destes aspectos da

prática dialógica têm como retorno, um olhar crítico sobre si mesma, conforme

sua reflexão:

Porque essa questão do olhar, do ouvir, muitas das vezes ou na função a qual, ah eu sou professor, diretor, coordenador, tem um certo preconceito nisso (...).

Valéria salientou que as entrevistas reflexivas lhe foram de suma

importância para a compreensão do conteúdo do curso, na medida em que a

colocaram em contato com o outro:

(...) o que me encantou de verdade foram as entrevistas reflexivas na questão da prática mesmo. (...) é eu aprender mesmo a ouvir o outro.

Além de sua abertura para ouvir, Valéria também demonstrou realizar uma

reflexão sobre sua postura enquanto educadora, discutindo os limites de sua

atuação, bem como qual é o papel das famílias no que diz respeito a seu cuidado:

O que é ser multiplicadores? É ir além, ou não ir, até onde eu vou, até onde eu posso ir?

Ao ouvir o outro, Valéria se apropriou do pressuposto da

horizontalidade na relação com as famílias, como discute a multiplicadora:

“Eu não posso me colocar em outro nível porque eu sou educadora. Eu também tenho problemas, eu também tenho problemas familiares, eu também tenho as minhas particularidades. E aí porquê eu sou diferente dessa pessoa, da família?

Sobre sua compreensão do que é ser um multiplicador, evidenciou-se que

Valéria privilegia a horizontalidade da relação e a troca de saberes:

(...) multiplicador pra mim resume em diálogo, dialogar, não ter preconceito, respeitar o próximo, não ser arrogante.

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Valéria demonstrou que concebia o ser multiplicador como um

voluntariado, um fazer espontâneo. Ela relatou sua preocupação em oferecer

apoio, porém segundo ela, o foco do trabalho deve se dar sobre a demanda de

quem lhe solicita apoio:

Entendo eu que o multiplicador... é... são pessoas que queiram fazer ações, que façam ações, que ajudam alguém, ou salvam alguém, ou que tente ajudar de uma maneira tranqüila, não de uma maneira crítica. Mas um olhar específico, (...) para a necessidade... mas da pessoa (...) é acompanhando.

(...) o curso de multiplicadores pra mim... é um voluntariado, doar, pra outros, dar oportunidade pra outras pessoas conhecerem ou fazerem algo que não teve oportunidade de fazer, desistir também do que não quer fazer, deixar as pessoas... no sentido assim, o livre arbítrio. Eu preciso de ajuda, então eu venho... mas é isso mesmo que você quer? Se não for também que essa pessoa seja respeitada.

Ela também mostrou preocupar-se com as possibilidades que o outro é

capaz de se proporcionar lhe sendo importante que não o substitua em seu

cuidado e por consequência, promovendo sua autonomia:

(...) como por exemplo, chega alguém e traz uma necessidade. E aí eu vou tentar, eu junto com essa pessoa buscar alternativas pra ele. Só que eu não vou levar a pessoa a fazer isso. Pegar eles pelo braço pra fazer isso. Tenho que trazer meios, alternativas pra que eles se descubram.

Segundo ela, o multiplicador, através do diálogo, busca ampliar as

possibilidades que seu interlocutor contempla, dessa forma, o respeito ao outro e

suas necessidades destacou-se na atitude multiplicadora que concebia. A

multiplicadora também mencionou os desejos do grupo em compartilhar as

responsabilidades que têm tomado para si, efetivando o conceito de multiplicação

a que se propuseram:

Enquanto multiplicadores a gente quer mudar o que? De pegar mais pessoas pra não deixar concentrado em um ou dois ou só encarregado uma ou duas pessoas.

5.4.5. Laura

Laura chegou a São Paulo na década de 90 após viver conflitos com sua

família. Em sua chegada foi viver num bairro próximo e em 94 mudou-se para a

Vila Horizonte, quando esta ainda era uma ocupação. Afirmou ter cursado

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magistério por influência de sua mãe, que era professora. No entanto, suas

experiências profissionais anteriores ao trabalho na Instituição Horizontes foram

no comércio, como vendedora. Há doze anos atua como educadora na Instituição

Horizontes. Além da formação de multiplicadores, cursava a graduação em

pedagogia. Sobre retomar os estudos, ela relata:

(...) estou gostando bastante de estudar nesta altura da vida, no início resisti, não queria estudar, pensava que não daria conta, pois a cabeça não estava tão boa por causa de algumas fatalidades que aconteceram com minha família, mas depois de pensar bem resolvi que estudando eu estaria de alguma forma esquecendo estas fatalidades e melhorando minha qualidade de vida.

Laura, assim que mudou para a Vila Horizonte, foi convidada para trabalhar

pela Associação de Moradores. Ela conta não ter feito inicialmente esta transição

porque seu trabalho como vendedora lhe fornecia maiores recursos financeiros e

possibilidades de cuidar de sua família do que o trabalho que sonhava como

professora. Concomitantemente, quando seus filhos passaram a frequentar a

creche da instituição, começou a frequentar os grupos de mães oferecidos pela

Prof.ª Heloísa em 96-97 e afirma que esta participação foi gradualmente

ampliando seus horizontes. Tendo se impressionado com a educação dialógica,

tomou a decisão de ingressar no processo seletivo para se tornar educadora na

creche:

(...) daí isso meu abriu mais os horizontes e falei que era isso que eu quero, eu quero participar.

Após não conseguir por duas vezes, na terceira, foi aprovada para

trabalhar como educadora na creche. Laura conta que logo de início também

começou a colaborar voluntariamente com a organização dos grupos realizados

pelo ECOFAM e por outros profissionais, mas afirma ter adiado uma participação

mais intensa por não querer deixar sua família em segundo plano.

Entretanto, quando seus filhos já estavam crescidos, sentindo-se só,

decidiu que o curso de formação de multiplicadores poderia lhe trazer maior

qualidade de vida. A possibilidade de frequentar um curso oferecido pela Prof.ª

Heloísa foi bastante atrativa, segundo ela, mas ao mesmo tempo preocupante,

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pois além das tarefas cotidianas, Laura imaginava que a formação lhe exigiria

muito:

(...) o Pedro falou que a Heloísa lançou a proposta (...), falou que ela ia fazer, nossa, com a Heloísa Szymanski aqui! E aí depois que me apresentaram o projeto eu me interessei bastante, falei: ah, é isso né? Enfim, teve um momento em que eu falei: nossa! Mas a Heloísa... traz muitas coisas (...) acadêmicas, coisas difíceis, que eu não vou saber fazer, então fiquei com muito medo.

A possibilidade de unir a educação dialógica que vivenciava nos grupos

reflexivos proporcionados pelo ECOFAM na comunidade com seu sonho de ser

educadora parece ter mobilizado Laura para o ingresso na área da educação, na

qual, além de prestar concursos por consecutivas vezes, já colaborava

voluntariamente na organização dos grupos com as mães. O envolvimento com o

trabalho voluntário demonstra convocar Laura para cuidar de seu bairro.

Inicialmente deixando-a dividia entre dar atenção para sua vida pessoal e

atividades profissionais, posteriormente a multiplicadora uniu estes dois âmbitos e

o engajamento nas questões do bairro, se tornaram o cuidar de si:

(...) não queria deixar a minha família pra vim participar das reuniões. E agora que minha filha, meu filho cresceram e tal, ela tem 19, ele 21, então assim, cada um tem a sua vida, tem namorada, trabalha e não sei o que, então falei nossa estou me sentindo abandonada, um pouco abandonada, preciso procurar outra coisa. E com isso comecei assim no trabalho voluntário aos sábados, domingos, feriados.

Em conjunto, observou-se a reflexão da multiplicadora na tentativa de

conciliar os deveres profissionais, seus estudos formais, seu trabalho voluntário e

a formação de multiplicadores, não se abstendo de nenhum destes:

(...) então fiquei com muito medo, tem as famílias, então falei: não vou dar conta e tem meu trabalho... mas graças a deus tá dando para conciliar, mas teve um momento em foi difícil, que eu falei: não vou conseguir, era trabalho da faculdade, era tempo pra ler, o trabalho mesmo aqui, tô levando trabalho (...)

Apesar da grande carga de atividades, sobre a formação, a

multiplicadora relata que de modo geral seu medo inicial não se refletiu e a tem

vivido de maneira tranquila.

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Na compreensão de Laura, ser multiplicador era colocar-se disponível à

demanda para trazer melhorias para a qualidade de vida dos moradores de sua

comunidade:

(...) iluminação, água, luz, esgoto, asfalto que tá quebrado, tudo isso (...) SABESP, ELETROPAULO, pra tentar melhorar, conselho tutelar, questão de conselho de habitação, conselho gestor do posto de saúde e assim, tudo isso já como multiplicadora, a partir do momento que eu busco melhorias para qualidade de vida pros moradores da minha comunidade. Já sou multiplicadora.

Laura se voluntariou como plantonista no plantão comunitário e contou que

as mais diversas demandas chegavam para solicitar ajuda. Ela disse estar aberta

a atendê-las, porém diante de uma mulher em grande sofrimento relatou sua

dificuldade:

(...) então terça feira passada chegou uma mulher lá, acho que ela pensou que eu era psicóloga né? Porque ela começou a desabafar, desabafar, desabafar (...), comecei a me sentir mal, tipo, passou pra mim, sabe? E aí ela falou: ah, me sinto tão bem vindo desabafar com você! E eu até falei (eu não me senti): mas ah, que bom, volte sempre!

Laura define a postura do multiplicador à partir da troca de saberes,

transmitindo os seus e aprendendo com os do outro:

(...) não tem um nome... multiplicador... pra você estar multiplicando, tem que estar passando pra alguém aquilo que você sabe e também aprendendo (...).

5.4.6. Pedro

Pedro é originário do nordeste e relatou uma infância difícil, na qual

recebeu incentivo e apoio de sua mãe para que cursasse a escola, lugar que

descreveu como inóspito tanto em termos acesso por distanciar-se 1h30 de

caminhada no escuro de sua casa, como pelo ambiente que proporcionava: “sei

bem o que é a humilhação na escola” (sic). Pedro veio para São Paulo em 1985.

Trabalhou como vendedor em lojas, porém afirmou que a realidade social não o

satisfazia e sendo assim, encaminhou-se para os estudos e a participação em

movimentos sociais. Pedro atuou em movimentos sindicais e pastorais

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promovidos pela Igreja Católica e iniciou a formação para o sacerdócio.

Descontente com os dogmas da igreja abandonou estes estudos:

Neste contexto percebi que o dogmatismo não me satisfaria. Escolhi uma visão de homem e mundo abertos, em construção, a caminho. Resolvi residir no então “Jardim Figueira”, hoje oficialmente “Conjunto residencial Vila Horizonte” e retomei a vida de professor, militante do sindicato e da Comissão de Moradores local.

Mais tarde, Pedro parou de lecionar e foi estudar direito e pedagogia, tendo

como preocupação e área de atuação, os direitos fundamentais das famílias de

seu bairro e das cercanias (sete no total).

Pedro relatou ter chegado ao PFM através do cultivo de uma longa parceria

com a Equipe PUC coordenada pela Prof.ª Heloísa. Segundo ele, a formação

contribuía para a abertura de novas perspectivas para as instituições

comunitárias:

O PFM é o ápice de um esforço coletivo. O percebo como um divisor de águas na formação da “Equipe Pianoro”. Uma nova fase para as nossas ações, adequada compreensão do diálogo e a soma de esforços para tentarmos colocá-lo em prática.

O modo de trabalho dos educadores das instituições comunitárias era

motivo de sua preocupação e quanto a este mérito, Pedro relatou que sentia-se

satisfeito com as mudanças trazidas pelo envolvimento dos educadores com a

formação:

Vejo o propósito dialógico frutificar em algumas pessoas do nosso grupo, fico entusiasmado, feliz, novos horizontes para mim e para alguns educadores do nosso grupo. Isto está evidente para mim.

Além das preocupações com o coletivo comunitário, verifica-se também

que a formação lhe proporcionou uma reavaliação de seu modo de trabalhar,

tendo se questionado quando à própria dialogicidade:

(...) acredito que tudo pode ter o seu tempo para amadurecer, sempre considerei um privilégio contar com pessoas como aquelas da “Equipe PUC”, contudo, confesso que somente com a formação de multiplicadores compreendi de verdade os fundamentos teóricos e práticos da referida equipe.

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Na posição de um dos líderes da comunidade, Pedro demonstrou

preocupar-se com como sua atuação chegava ao público e seus colaboradores,

mudando sua postura, a partir do que vivenciou no curso:

Reflito mais, acredito que tem sido um diferencial em todas as minhas atuações. Consigo perceber quando estou dialogando e quando estou transmitindo uma instrução ou ordem.

A sobrecarga experienciada em suas atividades profissionais também

surge em seu discurso, como algo que impedia um envolvimento maior com o

conteúdo teórico da formação:

A sobrecarga que venho carregando há algum tempo dificulta as devidas leituras e atenção aos conteúdos.

Quanto ao que lhe convocava para ação, Pedro relatou que a humanização

do contexto em que vive e atua lhe eram importantes:

Busco, a cada dia, compreender os elementos que interferem, contribuem, isto é, os fatores determinantes no processo de humanização (...) visando uma socialização segundo os princípios democráticos e dialógicos.

Pedro contou que gostava de ser reconhecido socialmente como “um

lutador e articulador” (sic), se sensibilizando diante da opressão social,

direcionando seus esforços para a resistência. Ele afirmou buscar

incansavelmente novas oportunidades para a ampliação dos horizontes das

famílias das comunidades em que trabalha:

Gosto desta perspectiva no sentido de resistência no meio popular, articulação de forças que resistem à dominação, a alienação.

Para Pedro, ser multiplicador significava estar em transformação. Ele

apontou como fator decisivo para esta transformação, sua auto-crítica, a qual

empregava para diferenciar os momentos nos quais “ensinava receitas” (sic) e os

momentos em que se coloca dialogicamente em relação ao outro. Sua

preocupação no momento da entrevista era distanciar-se dos dogmas que

estabeleceu para seu trabalho, assim como uma vez distanciou-se do sacerdócio:

Vejo-me como multiplicador em muitas, muitas oportunidades. A autocrítica tem sido intensa, me cobro mais. Por vezes eu “catequizava”, “ensinava receitas”, reproduzia “dogmas”, “verdades” não percebendo que larguei o sacerdócio por não

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acreditar nos dogmas que me ensinaram (família, sociedade) durante 20 anos.

A reflexão segundo ele é exercida constantemente, a fim de manter sua

postura dialógica.

5.4.7. Anita

No momento da entrevista, Anita tinha 30 anos, morava em um bairro

vizinho, era formada em Pedagogia há 06 meses e trabalhava na CEI por volta de

02 anos, com crianças de 04 anos de idade.

Relatou ter ficado em dúvida entre cursar a graduação de Marketing ou

Pedagogia. Inicialmente sua escolha baseou-se na possibilidade de ter mais

opções de emprego. Conheceu a Vila Horizonte e o CEI quando precisou fazer

um estágio na graduação. Esta experiência reforçou sua escolha pela área de

educação, tendo especialmente se interessado pelo trabalho com crianças em

nível fundamental de educação. Após o estágio, foi convidada para trabalhar na

instituição.

Anita afirmou não ter interesse em realizar a formação desde o início por

duas razões. Sentia-se sobrecarregada com seu trabalho e faculdade e também

porque, conforme seu relato, a formação foi imposta inicialmente pelas lideranças

da comunidade. Ela resistiu e não entrou no curso.

Após ter feito o exercício da entrevista reflexiva, estendido a todos os

educadores, seu interesse mudou e escolheu ingressar na formação. No entanto,

neste momento afirmou não se sentir como multiplicadora, pois segundo ela,

havia uma padronização sobre o modo de trabalho do multiplicador, não se

respeitando as diferenças individuais, ao qual ela não se adaptava.

Segundo Anita, a partir da entrevista reflexiva seu interesse na formação

passou a ser genuíno, estabelecendo sua realização como um divisor de águas

em seu modo de trabalhar. Para realizar a entrevista, Anita ficou além de seu

horário de trabalho, fato que para ela era incomum. A mãe teria chorado e Anita

sentiu-se tocada por sua história, descrevendo a entrevista como sensibilizante.

Na entrevista relatou perceber que seu papel podia ser o de construir junto com o

outro e não de dar receitas:

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E ela chegou a chorar, e ela perguntou pra mim o que eu faria. Eu falei pra ela não posso te dar uma solução, eu to aqui junto com você pra a gente tentar uma solução conjunta porque eu também não sei o que fazer, não é? E eu achei isso muito legal você tentar chegar numa solução os dois juntos, não eu dar uma receita pra ela, porque eu também não sei

Após o episódio, passou a fazer mudanças em suas relações profissionais,

com alunos, pais e equipe de trabalho:

Eu procuro conversar com aquela família e chegar numa solução com ela. Já aconteceu situações de eu ficar no plantão fora do meu horário no plantão pra conversar com a mãe.

Às vezes eu ouvia certas coisas, eu já estava armada. Está ali pra dar resposta na ponta da língua, tudo eu tinha resposta. Hoje tem certas coisas que eu ouço, e eu penso mais pra falar, ou deixo pra lá. (...) Mas é uma coisa que eu penso um pouco mais, antes era um tipo muito no bateu levou. E hoje já eu percebo que eu estou mais tranquila, mais calma, eu percebo isso (...)

Segundo ela, sua participação na formação mudou seu jeito de falar com

as crianças, pois passou a ouvi-las e se colocar no lugar delas:

(...) um fato do curso com vocês que ajudou muito, que antes eu tinha uma fala com eles. Às vezes não ouvia o que eles me... às vezes eles falavam alguma coisa aí você só meio que falava assim, não você tem que fazer isso, olha você está fazendo tal coisa e está errado. Hoje eu procuro observar. Às vezes a criança me fala algo, aí eu vou conversar com ele, mas eu procuro saber mais...

(...) não me colocava muito no lugar da criança, então eu acabei aprimorando isso, o fato também de me colocar no lugar às vezes da família. (...) E a gente ficava meio que naquela situação assim, às vezes a criança fazia algo que você não conseguia lidar com aquele conflito dentro da sala de aula, aí você meio que culpava a família. Eu acho que da minha parte agora não faço mais isso.

Anita relata que o curso lhe deu a possibilidade de se colocar numa relação

horizontal com os outros:

E que a gente às vezes acha que a gente tem que estar no pedestal mas a gente não tem solução pronta pras coisas. E isso me ajudou muito (...)

Segundo ela, a horizontalidade perante o outro pressupõe que não se

julgue, isentando-se de culpabilizar as crianças e famílias, colocando-se no lugar

do outro, num esforço de compreendê-lo:

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O que mudou pra mim foi o fato do julgamento. Às vezes você está em sala de aula e a criança ela se comporta de certo modo, você não para pra pensar na família dela, o porquê que ela tem aquele comportamento. Quando você faz a entrevista, você entra naquela vida da família, então você passa se colocar no lugar daquela família. Você... É como se você se tornasse mais sensível.

E principalmente em escola, tem muito aquele jogo, a escola culpa a família, e a família culpa a escola. Ao invés da gente sentar juntos e procurar uma solução, fica aquele jogo de empurra-empurra. Então eu acho assim, quando acontece essas situações eu percebo que... eu me coloco muito no lugar do outro, eu começo a viver aquela situação, eu começo a refletir como eu viveria aquela situação. Aí a minha... até a minha postura dentro da sala de aula em relação a criança, ela fica mais cuidadosa.

O que mais atraiu Anita na proposta de formação foi a possibilidade de

enxergar o outro:

E quando eu fui entender o porque que aquela criança se comportava daquele jeito, eu falei caramba eu posso mudar a minha visão, eu posso entender um pouco mais aquela mãe, ela está sofrendo por conta disso, me colocar mesmo no lugar da pessoa. Foi isso que me interessou.

Em sua nova postura de trabalho, Anita passou a realizar conversas

grupais com os alunos sobre situações do dia a dia, fato que antes ela afirmou

realizar apenas individualmente. Este modo de trabalho, de acordo com ela,

aproximou-a dos alunos e pais, aumentando o respeito das partes envolvidas.

Anita também passou a estender seu horário de trabalho para dialogar com pais

de seus alunos. Esta postura que antes lhe era impensável, hoje realiza com

satisfação.

Quando questionada se ser multiplicador é um voluntariado, Anita afirma

que sim e não ao mesmo tempo. Segundo ela, ser multiplicador é ter

disponibilidade para a demanda:

(...) multiplicador pra mim é tudo aquilo que você foge um pouco do seu... como que eu posso dizer... você acaba fugindo do seu trabalho ali, do seu trabalho... você tem uma situação em sala de aula, mas você acaba tendo idéias pra resolver uma situação e você acaba também se disponibilizando de um horário extra de acordo com o que aquela família necessita pra fazer esse trabalho.

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Ser multiplicador, segundo Anita, é estar junto com o outro, respeitando-o

em suas possibilidades:

(...) que eu posso ser, só que conforme for surgindo as questões eu vou... não resolvendo, procurando auxiliar aquela família e chegar num consenso com ela no meu tempo e no tempo dela.

(...) você junto com ele pensar numa maneira de resolver aquela situação. Ou às vezes você não resolveu a situação, mas o fato de você conversar, de você ouvir, aquilo já ajudou aquela mãe. O fato dela desabafar, chorar eu acho que aquilo foi uma maneira de ajudar ela. Então eu acho que isso é uma forma de multiplicar.

Neste modo de trabalhar, apesar de ter afirmado que não gosta de

demonstrar emoções na frente dos outros, Anita também compreendeu que a

sensibilidade, o deixar-se afetar, é essencial, pois permite que se coloque no

lugar do outro, procurando por possibilidades adequadas pare ele:

Me tocou, me sensibilizou. Porque eu percebi assim, a mãe ela não sabe como lidar com a situação também. E pra ela ela procura trabalhar com o filho dela da forma que ela pode, mas ela não tem uma solução que ninguém tem e aquilo acaba perturbando ela de certa forma.

(...) não sei se eu poderia dizer que é um desafio, mas é... eu penso assim que é ficar muito na minha cabeça a parte de se colocar no lugar do outro. De você procurar entender do outro porquê determinada situações e não julgar o outro. Porque a gente olha muito, ah a criança fez tal coisa, a culpa é da família, a família tem culpa.

5.4.8. Síntese da Entrevista Devolutiva em grupo

A entrevista devolutiva foi realizada no dia de parada das instituições,

quando o grupo se reúne para discutir seu trabalho. O líder comunitário convidou

todos os educadores à participação, de forma inesperada, mas segundo ele,

haviam desdobramentos da formação acontecendo e como era mais uma

oportunidade para o diálogo, gostaria que todos estivessem presentes. Segundo

ele:

Nós convidamos todos a participarem porque o grupo de multiplicadores ta aí, com essa idéia de multiplicador ela.... está bem implantada, então agora é pensarmos juntos na maneira que esse projeto tenha oportunidade tanto do ponto de vista das ações de agir como também de ser articulado com parceiros, com colaboradores pra que essa ação seja possível. Então a idéia é de

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nós estarmos usando todos juntos também essa idéia de continuidade. (Pedro)

Na entrevista devolutiva, foram introduzidas aos educadores, as quatro

constelações resultantes das entrevistas e apresentadas suas sínteses aos

educadores. Quanto ao envolvimento com a formação, relatou-se que as

experiências de vida, tais como o plantão comunitário ou trabalhar com direitos de

famílias, foram convocando os multiplicadores a aprimorarem-se

profissionalmente. Quando ao cuidado para com a comunidade, observou-se que

as crianças despertavam grande afeto nos multiplicadores, porém que de um

modo geral, sentiam um vínculo além do profissional com a população que

atendem. Também se expôs a compreensão na qual a formação havia lhes

servido como fonte de apropriação de conhecimento teórico, ampliando as

possibilidades de lidar com as situações do dia a dia. Destacou-se a vivência das

entrevistas reflexivas como eliciadora de uma nova postura do grupo, na qual

havia prevalecido a horizontalidade e respeito perante o outro, livre para ser que

ele era. Ser multiplicador, nas entrevistas havia sido apresentado como um

voluntariado, oferta de apoio que se estendia na maioria dos casos ao bairro

como um todo, buscando melhorias para a qualidade de vida da população.

Apontou-se também a sobrecarga vivida, presente em todas as entrevistas.

Alguns membros do grupo fizeram comentários e confirmaram os

resultados. O grupo reiterou sua compreensão de diálogo, demonstrando sua

apropriação da prática:

falando-se fundamental mesmo é o entender mesmo, é o ouvir. A entrevista que estou falando da questão teórica foi uma maneira de se aprender, a maneira de montar, mas a ideologia a idéia que possamos ouvir mais, possamos entender mais. (Valéria)

(...) diálogo é entender o outro e livre de qualquer preconceito, pre-idéia elaborada, bem elaborada né? E como criar as funções pra que haja a horizontalidade entre o eu e o outro pra interagir. (Pedro)

Afirmaram que apesar do longo envolvimento com o ECOFAM,

apenas a partir da formação o diálogo pode ser compreendido. Além disso,

quanto a formação, salientou-se a importancia das leituras sugeridas e seus

benefícios para a prática, tornando-se um hábito novo no grupo:

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(...) questão das leituras se aperfeiçoar mais, que até antes não tinha essa questão de pegar um texto, a gente debruçar em cima dele e levar a prática, a teoria com a prática junta-se as duas coisas, e até então não tinha essa... tinha mas de uma maneira mais tranqüila. Mas não tipo todas as paradas (...). (Valéria)

Um líder comunitário relatou que o próximo passo do grupo de educadores

era envolver todos a estudar e tornarem-se também multiplicadores, porém para

isso se tornar possível, compreenderam que deveriam recorrer ao poder público

afim de melhorar as condições de trabalho dos educadores, em especial em

relação às horas trabalhadas, reduzindo a sobrecarga que haviam relatado, de

modo que estes possam ter mais tempo livre para estudar, pensar e conversar:

Mas não basta criar uma universidade aberta onde os educadores todos nós teremos possibilidade de estudarmos gratuitamente em parcerias com universidades federais. Precisa ter condições pras pessoas estudarem. Esse é o próximo passo. Como é que nós vamos fazer com que as pessoas estudem, faça pós graduação e tal, sem tempo, sem dinheiro”. (Pedro)

Mesmo sendo de sábado, você está fazendo o seu curso, só que você já trabalha quarenta horas semanais, chega em casa por exemplo, a maioria aqui que é dona de casa, tem filhos, você chega em casa, vai cuidar, vai lavar, vai passar, tem n coisas então. (Mariana)

O que chama mais atenção é a questão do tempo mesmo né? (...) Tem-se a vontade, tem-se o desejo mas tudo vem sobrecarga mesmo. No dia a dia o tempo mesmo é o que chama mais atenção. Questão do tempo mesmo. (Aline)

Duas questões das entrevistas individuais ainda necessitavam de maior

esclarecimento. A primeira era sobre ao que se referiam quando falavam sobre a

melhoria da qualidade de vida da população como meta do trabalho do

multiplicador e a este respeito, proferiram:

Se um asfalto tem um buraco no chão, a SABESP fez um trabalho mal feito, você liga na ouvidoria tenta arrumar, dá uma recapeada ali é uma melhoria de qualidade de vida (Laura)

Eu acredito que essa mudança na qualidade de vida ela ta também nesse período estão atreladas nas entrevistas. A partir do momento que o educador se colocou frente as famílias (...) pra ouvir, estar aberto a entender como é o funcionamento desta família e mudar o seu ambiente de trabalho (...) qualidade de vida tanto pra essa criança quanto pra família e o seu olhar muda também no seu ambiente de trabalho. Então eu acho que tudo passa por aí. (Daniele)

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Se tiver como base o diálogo ela é... ela gera qualidade de vida. Gera qualidade de vida diretamente. Pra você ouvir uma família, uma pessoa com respeito, diálogo afetivo trás uma qualidade de vida, trás um acolhimento, uma sensação de humanidade na relação. (Pedro)

A compreensão de qualidade de vida dos multiplicadores era abrangente,

entre satisfação de necessidades básicas, passando por melhorias estruturais do

bairro, mas neste encontrou voltou-se ao ouvir o outro, humanizando as relações.

Esta era a temática do segundo ponto a ser melhor compreendido: O ouvir. Havia

a necessidade de esclarecer como os multiplicadores compreendiam seu modo

de trabalho antes de realizarem a formação. Os educadores compreenderam que

antes tinham uma postura assistencialista que acabava substituindo o outro, indo

contra preocupações que eles já tinham, do outro passar a depender de suas

ações:

(...) a preocupação nossa era fazer, fazer. Então se alguém tem problema no trânsito, aí falo na subprefeitura eu corro atrás, peraí, porquê não mobilizar a pessoa porque é uma causa comum certo, eu falo assim, ó a gente tem que ir certo, que cada um expõe a sua necessidade, cada um expõe o seu problema e você às vezes com a própria experiência você acho talvez encontre até um caminho melhor que você ir lá sozinho né? (Paulo)

Não fortalecer a dependência. Nós queríamos fugir da dependência. Não ser assistencialista, só em casos extremos, mas não havia essa clareza. O projeto foi decisivo nisso ter essa clareza do que é ser assistencialista ou o que é promover a autonomia dentro de uma relação de diálogo. Não é chegar pra pessoa: ahh isso aqui é problema seu, não é assim. Vamos sentar, se chegou ali, se acha que por ali dá, se a pessoa aceita desafio, se foi naquela e a pessoa voltar e procurando o caminhos pra servir de apoio pra autonomia”. (Pedro)

E as próprias pessoas também que procuravam a gente, elas já vinham em busca de solução e não em busca de: vamos buscar a solução. Era eu vou procurar fulano, vou procurar.... porque eles vão lá e fazem. Então espera aí. Então você tem uma relação melhor com a família, uma aproximação que ela te traz assim, ela também está te ouvindo, ela não ta só querendo que você faça por ela. (Paulo)

Escutar o outro atentamente ganhou grande importância entre o grupo,

primeiro na relação com as famílias e depois internamente, entre os educadores:

(...) algumas educadoras chamaram a minha atenção pra isso. Eu não ouvia. Eu não tenho papel de ouvir quando elas brigam. Era assim, pode falar e aí eu to atendendo ela, to escutando e to

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registrando. O meu ouvir hoje é sentar e olhar. Fazer assim, olhar dela, os trejeitos, a fala, o jeito que o educador se posiciona eu vou lembrar muito mais quando tiver que fazer uma devolutiva pra ela. Então assim, elas cobraram isso de mim. Então hoje (...) eu paro, sento, eu não retruco, que antes elas falavam cinco eu falava dez. então eu to me policiando pra ouvir e depois eu falo. Eu não era com qualidade. Então hoje estou aprendendo a ouvir com qualidade. (Daniele)

Ser multiplicador também obteve um sentido mais claro aos educadores,

assim como se mostrou neste encontro. Transcendeu-se a visão de servir o outro

em suas necessidades, mas passou-se a buscar a construção da autonomia com

as famílias e o compartilhamento da atitude dialógica entre os educadores e

famílias, passou a ser vislumbrado como a possibilidade de acontecer com as

famílias entre si:

De repente um vizinho, um colega, um parente, um conhecido ela vai transmitir, olha talvez você siga esse caminho que eu aprendi, ou até mesmo procurar, pesquisar, conhecer. Acho que o curso proporciona essa abertura né? dá gente poder entender. Pelo menos eu entendo dessa forma. (Paulo)

Estar interessado no outro, em compreende-lo, ouvi-lo passou a ser

entendido, não só como facilitador do trabalho do educador, mas também como o

meio pelo qual a autonomia do outro pode ser co-construída, através da

compreensão do outro e em seguida, de poder elucidar seu problema à ele.

(...) ouvir o outro tem duas questões que estão ligadas, o ouvir e o fazer. Um olhar atento, você está ouvindo entendendo a necessidade de cada um e o que essa pessoa poderia fazer por ela mesma. (Paulo)

Ao invés de indicar um caminho você vai até (...) procurar os meios que ela possa buscar solução pra ela. Então a partir do momento que você está ouvindo, você vê que você as informando, ou encaminhando a pessoa, está fazendo com que ela se mexa, com que ela se mobilize também pra sua própria causa. (Paulo)

O outro também pode ser permitido cuidar de si, com os multiplicadores se

colocando como “apenas” como suporte:

Essa clareza de não fazer pelo outro, a não ser que a pessoa seja incapaz, mas em geral tem muita essa dificuldade entender isso. Entender quando a pessoa incapaz e mesmo a pessoa seja incapaz, o núcleo familiar dela tem alguém que é capaz. Então como você vai articular com o grupo, com as pessoas ali, e você servir de apoio, ajudar a articular mas com essa clareza que

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entendi a questão mas sempre encontrar a solução ou o grupo encontrar a solução e conversar com mais alguém, mais alguém e formar um grupo que seja bom, ao tom, com autonomia, com independência. (Pedro)

Mas essa clareza veio com mais força agora. Isso é muito importante. Eu atendi um caso nesse final de semana que ... fico olhando, eu também não checo alternativa. A pessoa está no ciclo de violência mas eu tenho clareza que fiz o meu papel. Mostrei os caminhos do ponto de vista institucional, vai procurar (...) dela enfrentar aquela situação, aquela armadilha que ela está ou não. Sei que o problema é dela, quero ajudar mas é o meu limite. Então ela... a vida foi encurralando ela numa situação que ou ela corre o risco ou ela aceita aquilo lá e vai se desdobrando né? Antes eu ficava meio que sofrendo, eu não sofro. O papel está claro isso aqui. Agora a decisão a vida foi levando a pessoa a chegar nesse ponto. E é ela que vai ter que decidir se vale a pena correr o risco pra enfrentar essa armadilha que ela está. É uma presa ou não. Não sou eu que vou ter que ir lá e: olha eu sou o senhor... ninguém vai por a mão nela. Não existe isso. (Pedro)

6. PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE

Para a análise das entrevistas, utilizou-se o método fenomenológico de

descrição e interpretação, no intuito de compreender os significados das

experiências relatadas. As entrevistas foram transcritas e foi realizada a leitura

repetitiva destas, sem fragmentá-las, a fim de obter-se uma compreensão geral,

de modo a encontrar o que apareceu de mais significativo nos discursos. Neste

primeiro momento, a análise é orientada pela epoché, conforme apresentam

Martins e Bicudo (2006, p. 21):

Esse olhar se constitui na epoché, que significa suspensão de qualquer julgamento, ou seja, significa dar um passo atrás e colocar em suspensão as formas familiares e comuns de olhar as coisas, que impedem que sejam vistas diretamente, em seus modos de aparecer.

Em seguida, foi realizada uma síntese de cada entrevista e após

identificados os aspectos mais significativos, foram criadas constelações, de

acordo com Szymanski (2004, p. 21):

Na elaboração de constelações de significados, denominação preferível à de categorias, há tão somente uma organização da compreensão do pesquisador, que pode assumir as mais diferentes formas, variando de analista para analista. À

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semelhança de um céu estrelado, várias constelações podem ser delineadas.

As sínteses das entrevistas individuais foram separadas em temas de

significância e agrupadas, posteriormente, de acordo com o sentido de cada

tema. As constelações expressam o modo com o qual o fenômeno se revelou ao

pesquisador. Foram criadas quatro constelações a partir dos discursos dos

multiplicadores: Envolvimento com a formação; Cuidando da comunidade;

Vivenciando a formação e Sendo multiplicador. As constelações finalmente foram

agrupadas, compondo uma síntese geral. Serão apresentadas a seguir, as 04

constelações.

6.1. Constelações

6.1.1. Envolvimento com a formação

Nesta constelação, apresentaremos a síntese do trajeto descrito pelos

educadores que culminou na Formação de Multiplicadores. O longo

relacionamento dos educadores com o grupo de pesquisas da PUC, e

principalmente com a Profª. Heloísa Szymanski, mostrou-se muito significativo

para o envolvimento dos educadores com a proposta da formação, sendo

ressaltado na maioria das entrevistas. Confiança, próspero e parceria, foram

termos empregados para definir este relacionamento entre os educadores e o

ECOFAM e sua coordenadora, Heloísa.

Então falando dos multiplicadores veio como proposta assim: Primeiro a equipe PUC da qual a Heloísa fazia com... tem um compromisso com a Instituição, ou seja, parceria com a Instituição, e aí quando houve a possibilidade desse curso de multiplicadores com a duração de dois anos, eu de imediato já acreditei muito. (Valéria)

(...) por ser trazido pela Heloisa e o grupo da PUC eu achei interessante, novo conhecimento, como a gente trabalha lidando diretamente com a família, eu achei importante conhecer um pouco mais, como lidar com a família, como fazer trabalho com a família. Como ser um futuro multiplicador. (Mariana)

Os educadores também relataram que experiências transcorridas ao longo

de sua vida reforçaram seu interesse no modo de trabalho do ECOFAM, bem

como na formação de multiplicadores. Uma experiência que se mostrou comum

nas entrevistas foi a participação nos grupos de pais e mães. Alguns

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multiplicadores já participavam há anos, sendo-lhes difícil determinar uma data de

início para sua frequência. Em algumas entrevistas, a participação nos grupos

reflexivos com pais possibilitou aos entrevistados um novo direcionamento em

suas vidas, por conta desta participação se envolveram profissionalmente na

educação formal de crianças, direcionando-os mais tarde à participação na

formação:

(...) daí isso meu abriu mais os horizontes [a participação nos grupos de mães] e falei que era isso que eu quero, eu quero participar. (Laura)

Além da frequência no grupo de pais, outras experiências também

indicavam que continuar se envolvendo com o ECOFAM e a formação seria

importante. Foram citadas: a realização de um plantão comunitário, o

envolvimento com diferentes instituições educativas, o trabalho com o direito de

famílias da região e atividades profissionais não remuneradas voltadas às

necessidades estruturais do bairro e da creche:

Era um encontro que tinha na escola do Morro Grande, era no Morro Grande e aqui na Horizontes, com a Heloisa, pessoal da PUC e também que vinha discutia na mesma linha. Então quando veio o multiplicadores, eu já sabia que tinha aquele negócio, já conhecia o trabalho que já vinha apresentando, falei, não, vai contribuir, contribuir demais né? (Paulo)

Motivações pessoais, também embasaram a escolha dos multiplicadores

em realizar a formação. Expressões neste sentido foram a possibilidade de

agregar conhecimento à graduação em Pedagogia, ser reconhecido por portar um

conhecimento e até, esquecer o sentimento de solidão, promovendo a própria

qualidade de vida:

(...) não queria deixar a minha família pra vim participar das

reuniões. E agora que minha filha, meu filho cresceram e tal, ela

tem 19, ele 21, então assim, cada um tem a sua vida, tem

namorada, trabalha e não sei o que, então falei nossa estou me

sentindo abandonada, um pouco abandonada, preciso procurar

outra coisa. E com isso comecei assim no trabalho voluntário aos

sábados, domingos, feriados. (Laura)

Eu tenho uma expectativa de poder me formar. É um sonho que

eu estou realizando, é. Mas uma expectativa de que amanhã ou

depois eu vou poder olhar pra trás e falar, eu passei por aquilo ali,

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hoje eu posso dizer que sou uma educadora de verdade. Não sou

pela metade, eu sou inteira. (Flávia)

O interesse na formação, de acordo com os educadores, estaria

prioritariamente na melhoria de sua atuação profissional, tendo sido esta razão,

citada por todos os entrevistados. De acordo com o conteúdo das entrevistas,

havia um desejo de ampliar o conhecimento para assim melhorar o trabalho com

as crianças e suas famílias:

Multiplicadores pra mim, pra mim eu assim priorizei no sentido assim, de conhecimento e como trabalhar da melhor maneira para com a comunidade. (Valéria)

Então quando eu entrei pro multiplicador, que eu vi a proposta do multiplicador, eu sabia que por trás desse trabalho de formação que valia a pena eu participar e que poderia me servir muito no que eu faço. Então já conhecia o trabalho do pessoal da PUC. (Paulo)

Outros pontos de interesse dos educadores em cursar o PFM, seria a

possibilidade de realizar grupos reflexivos com pais e mães e apropriar-se de um

modo de trabalho já reconhecido como importante.

6.1.2. Cuidando da comunidade

Os multiplicadores apresentaram nas entrevistas, temáticas de seu

cotidiano que lhes são fontes de preocupação. Os entrevistados resgataram

pontos de sua história que indicavam seu interesse pelo bem-estar dos

moradores da comunidade. Observa-se nos relatos que esta sensibilização os foi

envolvendo cada vez mais no cuidado com o outro, culminando em sua

participação no PFM. Estas preocupações, para alguns dos multiplicadores, inicia-

se com o bem-estar dos próprios filhos e flui para as demais crianças do bairro,

sendo considerada por eles como um fator direcionou para sua entrada no mundo

da educação formal:

Eu fui me envolvendo nas questões do bairro, depois fui me envolvendo mais na questão da Associação, foi na (...) com as famílias que é até hoje ela é muito grande, então conheço todos os moradores e já frequentei na casa de todos os moradores e andava e ando muito no bairro e fui pegando alguma afinidade com as crianças. (Paulo)

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Eu estou aqui há dez anos trabalhando com o bem maior deles que é o filho deles. Então o que eu quero pro bem deles, eles também querem. (Mariana)

Os entrevistados afirmaram que o vínculo com a população atendida

extrapola o profissionalismo, passando a assumir para si mesmos os problemas

daqueles a quem atendem. Apresentaram uma tendência a auto-

responsabilização no cuidado da comunidade. O cenário que observavam os

convocava a buscar soluções, ora por iniciativa própria, ora coletivamente (dentro

do grupo de educadores e com moradores da comunidade) para as dificuldades

que as famílias encontravam:

Porque ver a realidade da criança, você querendo ou não querendo de uma forma ou de outra você acaba entrando na vida daquela criança. O problema dela é um problema teu também. Não adianta você querer excluir, ah ela tem um problema mas... não, não, acho que o problema é o todo, é de todos. Acho que desde o momento que você tá ali, você tem que acatar tudo. (Flávia)

Na metade do curso eu achei um pouco frustrante (...) você vai acompanhar a família até certo ponto, depois você não pode mais decidir por ela (...) de repente é frustrante você querer ajudar e não poder. Como é que eu vou... se eu ajudar vou perder o meu serviço? (Mariana)

Eu pego os contatos da família (...), você pode contribuir com o quê? uma roupa, um não sei o que, daí teve uma... minha mãe, meus irmãos, colegas, e foi acumulando... isso também não é legal ne? O ideal seria você estar proporcionando uma coisa que a família pudesse tapar aquele buraco ali. (Paulo)

O envolvimento voluntário com trabalhos voltados, ora diretamente para a

comunidade, ora para famílias específicas, ora para o apoio ao trabalho do

ECOFAM destaca-se em seus discursos, tendo a maioria dos multiplicadores se

engajado ao longo do tempo, ou no momento da pesquisa se envolvido nestas

atividades:

E com isso comecei assim no trabalho voluntário aos sábados, domingos, feriados (...) reuniões, trabalhar com a família, reuniões aos sábados essas coisas. E aí me engajei mais, comecei a participar mais, o trabalho também de terça feira que é o plantão com a família que a gente vai até às oito da noite... (Laura)

(...) mudei pra cá praticamente com um ano, um ano que eu tava aqui, eu comecei já resolver alguns trabalhos voluntários pro bairro mais voltado pra creche, pro bairro também. Logo que

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entrei um ano e pouco, alguns serviços que tinha, alguma coisa que estava a eu alcance pra ajudar o pessoal, participei. (Paulo)

O modo de cuidar das famílias, de acordo com os educadores,

transformou-se a partir de seu envolvimento na formação, quando afirmam ter

passado a olhar as crianças e suas famílias, não a partir do que lhes faltava

melhorar, mas sim, da vulnerabilidade que vivencivam cotidianamente. Os

educadores relataram que seu foco se direcionou para as necessidades que

passaram a enxergar nas famílias e, sendo assim, passou a preocupá-los o modo

com que solucionariam estas demandas.

Os educadores relataram ter realizado ações a partir desta nova

compreensão, tais como o aumento da frequência no atendimento do plantão

comunitário, a designação de uma pessoa específica para cuidar das demandas

originadas no plantão, e a criação de reunião quinzenal, apenas para os

multiplicadores, a fim de debater conteúdos da formação, assim como de sua

atuação. Também houve relatos de iniciativas individuais e espontâneas, como

aprender mais sobre os benefícios concedidos pelo governo para as famílias:

Nós temos uma pessoa que agora está nos... que é a Tati, que ela ta visitando no bairro (...) Um exemplo, um esgoto que está lá na minha rua, só que ela não está na minha porta, está na porta do vizinho. Olha, Tati, tal rua está acontecendo isso, e aí a Tati vai, liga pro órgão representante para que venha consertar. (Valéria)

Então eu me preocupei em saber como que eu posso estar ajudando essa família a conseguir um auxílio... sei lá bolsa ... sei lá, uma cesta básica, uma bolsa alguma coisa. Aí eu fui pesquisar. Aí eu ajudei algumas vezes no plantão, e você vê ‘n’ famílias com ‘n’ preocupação. (Mariana)

Então assim, na reunião que nós tivemos na sexta feira do... desculpa, no sábado passado dos multiplicadores, a gente tem um encontro por mês, que é certo esse encontro. Falarmos dos textos, de todo contexto do multiplicadores. (Valéria)

Observa-se que nas entrevistas individuais, é dada ênfase à solução de

necessidades básicas das famílias atendidas, sobre quais benefícios teriam

direito ou como encontrariam um serviço de saúde indicado e qual multiplicador

poderia acompanhar as famílias nestes atendimentos. Estas preocupações

mostraram ser alvo de reflexão dos multiplicadores, e na entrevista devolutiva,

observou-se uma nova reformulação, pois além de ser difícil agregar mais

responsabilidades ao seu trabalho de período integral nas instituições, o outro

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passou a ser visto em sua possibilidade de cuidar de si. Sendo assim, novas

elaborações quanto aos limites da atuação do multiplicador surgiram para os

entrevistados, que compreenderam que o multiplicador deve facilitar ao outro que

tome suas decisões e possa promover o autocuidado:

Então um tempo atrás sempre... pelo menos eu tinha aquela preocupação de fazer pela pessoa. Hoje talvez a preocupação maior seja fazer com que a pessoa entenda que é uma causa comum que ela também deve correr atrás. Então o ouvir pra mim ficou mais ligado a isso de fazer junto e não fazer por a pessoa ne.(Paulo)

E aí, mas o fato de você ouvir e entender a questão, também entender junto com a pessoa que faz e deixar a responsabilidade na mão delas. Alternativa quem vai... os caminhos vai encontrando é você, situação é essa porque (...) esse lado de querer fazer pelo outro. Essa clareza de não fazer pelo outro, a não ser que a pessoa seja incapaz, mas em geral tem muita essa dificuldade entender isso. Entender quando a pessoa incapaz e mesmo a pessoa seja incapaz, o núcleo familiar dela tem alguém que é capaz. Então como você vai articular com o grupo, com as pessoas ali, e você servir de apoio, ajudar a articular mas com essa clareza que entendi a questão mas, sempre encontrar a solução ou o grupo encontrar a solução e conversar com mais alguém, mais alguém e formar um grupo que seja bom, ao tom, com autonomia, com independência. (Pedro)

6.1.3. Vivenciando a formação

Os multiplicadores relataram, no momento das entrevistas, benefícios

percebidos ao longo da formação. O curso se mostrou como fonte de ampliação

do conhecimento através das leituras, filmes, discussões, e reflexões promovidas

pelos encontros do curso. Os educadores afirmaram que o conhecimento advindo

do curso proporciona novas possibilidades de lidar com as situações que

aparecem, sendo seu conteúdo utilizado como referência para consulta:

Toda essa parte teórica ela que essa formação traz, ela é muito interessante porque muita coisa tá no dia a dia, assim alguma coisa que você relaciona, você compara e às vezes traz idéia de você criar estratégia pra buscar uma saída. Mesmo que você não consiga na sua plenitude arrumar a saída você consegue ter uma visão. (Paulo)

A discussão que nós fazíamos uma vez por mês no sábado, as práticas (...), cada caso que... hum falava pro outro olha aquele caso lá, olha você viu? Um olhar diferenciado. Então assim, toda

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essa logística desse curso, aí eu falo por mim que enriqueceu mesmo por meu repertório de... tanto de atitudes que a gente tem que pensar a todo momento que a gente representa (...) uma Associação, comunidade, o povo, pra nós mesmos assim, então eu acredito que foi bastante rico. (Valéria)

A realização da entrevista reflexiva foi apontada pelos educadores como

um divisor de águas em seu trabalho. O destaque, na ótica dos entrevistados, foi

a possibilidade de ouvir o outro, enxergá-lo, estar com ele, construir com ele. A

partir de sua realização, de modo dialógico, os multiplicadores afirmaram ter

realizado um contato autêntico, permitindo-lhes, em um primeiro momento, serem

tocados pela vulnerabilidade dos entrevistados e mudar o foco de sua atenção

para as necessidades que estes apresentavam. Esta atitude foi transposta ao

atendimento das demais famílias, proporcionando uma revisão do modo de

trabalho e, consequentemente, podendo estas serem concebidas por um novo

olhar:

(...) ainda existe mas sempre existe aquele pré preconceito, aquele julgamento e agora depois desse ano, semestre, na prática fazendo a entrevista reflexiva, eu acho que eu aprendi a ter mais respeito com as famílias, eu aprendi a ouvir melhor, e também não esperar muito das famílias, porque cada pessoa tem o seu limite. (Mariana)

Quando você faz a entrevista, você entra naquela vida da família, então você passa se colocar no lugar daquela família. Você... é como se você se tornasse mais sensível. (Anita)

A partir da percepção de outras necessidades das famílias, os limites de

sua atuação como educadores foram questionados, e os entrevistados

demonstraram terem realizado uma reflexão a respeito. Em busca de melhorar a

qualidade de vida das famílias, os multiplicadores passaram a levar em conta o

que estas poderiam fazer por si mesmas e assim indagou-se sobre como facilitar

esta reflexão:

Tomava a causa por conta própria e fazia pela pessoa. Acho que é um ganho tanto pra você como pra família a partir do momento que você busca informação e você passa essa informação pra pessoa e você faz com que... procura fazer com que ela entenda que ela tem o dever de buscar através do processo junto, fazer junto e não fazer pela pessoa. (Paulo)

E aí eu vou tentar, eu junto com essa pessoa buscar alternativas pra ele. Só que eu não vou levar a pessoa a fazer isso. Pegar eles pelo braço pra fazer isso. Tenho que trazer meios, alternativas pra

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que eles se descubram. Porque muitas das vezes o que é prioridade pra mim não é pra você. (Valéria)

Também foram relatadas transformações do vínculo com os pais dos

alunos das instituições. A partir de um contato menos diretivo e mais dialógico,

com a preocupação dos educadores em oferecer possibilidades aos pais para

lidarem com seus filhos, os multiplicadores relataram terem criado uma relação de

confiança e parceria com os pais. Nesta nova compreensão acerca de seu

trabalho, os multiplicadores puderam perceber os pais, não como desinteressados

na educação de seus filhos, mas repensaram seu próprio lugar como educadores:

Porque ser educador, eu acho, que não é eu fazer tudo, multiplicador não é eu fazer tudo pela pessoa, mas é eu mostrar caminhos. É eu mostrar meios pra ela sair. Se precisa disso, se precisa daquilo outro... mostrar caminhos, não eu ir fazer por ela. (Mariana)

Um outro aspecto observado nas entrevistas, refere-se ao modo como

estavam vivenciando suas responsabilidades profissionais, acadêmicas e o

cuidado com a vida em geral. Todos os educadores disseram sentirem-se

sobrecarregados no esforço de conciliar dessas demandas no momento da

entrevista. Quanto à formação, relataram que, inicialmente, lhes trouxe

preocupação quanto a possibilidade de ser conciliado com todas as outras

atividades que realizavam, porém, afirmaram terem-na vivenciado de maneira

tranquila, embora também relataram ter sido difícil encontrar tempo para se

envolver mais com as leituras dos textos indicados na formação.

A sobrecarga que venho carregando há algum tempo dificulta as devidas leituras e atenção aos conteúdos. (Pedro)

(...) você tem que ter um cuidado pra você não deixar e falar assim, abandonar, falar eu não quero mais, tenho muita coisa pra fazer. Que nem, a Heloísa mandou ler o texto, eu não consegui ler porque eu estava na semana de prova essas coisas da Faculdade, eu não tive tempo nem de ver o filme porque eu estou em processo de mudança de casa, então está tudo tumultuado. (Flávia)

Contudo, na entrevista devolutiva, a questão do tempo e da sobrecarga em

suas vidas obteve destaque especial e os educadores relataram ir em busca do

poder público para uma redução da jornada de trabalho em dez horas, o que

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possibilitaria uma organização melhor para cuidar da vida pessoal, estudar e

dialogar com o grupo:

E aí é o embate com o governo. Embate no bom sentido né? É enfrentamento mesmo, é ir pra porta da Prefeitura, pressionar, levar família, levar os educadores. É fazer com que essa porta fosse aberta pra conversarmos (...) Acredito que é uma estratégia até de política educação infantil conveniada e sobrecarregar pra que as pessoas não tenham tempo pra pensar. (Pedro)

Aí quando vem o curso ou outra coisa você tem que tirar do seu tempo livre, por exemplo quando você chega na sua casa ou no final de semana. E aí vai outra questão, quem vai cuidar dos seus filhos enquanto você está ali estudando. Então vai muito além das 40 horas semanais. (Mariana)

6.1.4. Sendo multiplicador

O modo de ser multiplicador foi apresentado pelos educadores por meio da

dedicação ao outro. Esta dedicação é expressa pela maioria dos educadores

como a geração de melhorias para a qualidade de vida dos moradores da

comunidade. O fazer do multiplicador, segundo os entrevistados, não resume sua

atuação apenas às instituições de ensino, mas visa colaborar com a comunidade

como um todo, dando sua atenção e apoio tanto às questões estruturais, como

saneamento básico, moradia, iluminação e asfalto, como também para demandas

pessoais das famílias. Estas demandas foram compreendidas de maneiras

diferentes, ora pela solução efetiva de necessidades materiais, ora através da

escuta:

Se um asfalto tem um buraco no chão, a SABESP fez um trabalho mal feito, você liga na ouvidoria tenta arrumar, dá uma recapeada ali é uma melhoria de qualidade de vida. (...) Uma UBS está melhorando a qualidade de vida, uma creche de qualidade como esse movimento que está tendo aí vai melhorar a qualidade de vida pras crianças, pros pais, pra comunidade. São muitas coisas muitas coisas que levam uma melhora na qualidade de vida. (Laura)

(...) você junto com ele pensar numa maneira de resolver aquela situação. Ou às vezes você não resolveu a situação, mas o fato de você conversar, de você ouvir, aquilo já ajudou aquela mãe. O fato dela desabafar, chorar eu acho que aquilo foi uma maneira de ajudar ela. Então eu acho que isso é uma forma de multiplicar. (Anita)

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Na entrevista devolutiva pode-se observar que a construção da autonomia

das famílias passou a fazer parte de sua definição de qualidade de vida,

tornando-se uma nova forma de atuação dos multiplicadores:

Então todas as ações nossas aí pra mim o diferencial vai ser se nós conseguirmos ter como base dessa ação multiplicadora o diálogo. Se tiver como base o diálogo ela é... ela gera qualidade de vida. Todo esforço dialógico pra mim é contribuir pra mim na qualidade de vida. (Pedro)

Eu acredito que essa mudança na qualidade de vida ela ta também nesse período estão atreladas nas entrevistas. A partir do momento que o educador se colocou frente as famílias (...) pra ouvir, estar aberto a entender como é o funcionamento desta família e mudar o seu ambiente de trabalho e a gente ser (...) qualidade de vida tanto pra essa criança quanto pra família e o seu olhar muda também no seu ambiente de trabalho. Então eu acho que tudo passa por aí. (Daniele)

De acordo com os educadores, o multiplicador procura compreender e

oferecer possibilidades ao outro. Respeito, doação e voluntariado foram termos

empregados para definir a postura do multiplicador e os educadores realizam

ações neste sentido, como por exemplo, o plantão comunitário.

E os multiplicadores atuam nesse sentido mesmo, do ajudar sem querer nada em troca de maneira voluntária que é o trabalho de (...), do ir, do fazer, é o ajudar a fazer, mas junto com (...). Eu multiplicador, eu posso ser multiplicadora como moradora, eu posso ser multiplicadora como associação. (Valéria)

Além disso, também afirmaram que o multiplicador deve apoiar as escolhas

das famílias, levando em conta que cada família tem seu modo de vida próprio.

Se fosse eu na situação delas de repente eu faria de uma maneira diferente mas não é o melhor jeito pra elas. Então elas que tem que saber lidar com isso, do jeitinho delas e o que que eu posso fazer é dando suporte até um certo ponto.(Mariana)

(...) dar a oportunidade pra outras pessoas conhecerem ou fazerem algo que não teve oportunidade de fazer, desistir também do que não quer fazer, deixar as pessoas... no sentido assim, o livre arbítrio. Eu preciso de ajuda, então eu venho... mas é isso mesmo que você quer? Se não for também que essa pessoa seja respeitada. (Valéria)

Fez-se presente nas entrevistas duas concepções sobre como o

multiplicador realiza seu trabalho. A primeira é especifica, enfatiza o diálogo como

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forma de facilitar ao outro que promova seu próprio modo de cuidar de si, através

da ampliação de suas possibilidades de compreensão, na maneira que lhe é

possível e desejado. Nesta postura, o multiplicador é autocrítico, tenta

compreender seus preconceitos e deixá-los de lado na realização de seu trabalho,

colocando-se em abertura para o outro. O multiplicador deve refletir sobre quando

está se colocando dialogicamente e quando está se impondo sobre o outro.

Vejo-me como multiplicador em muitas, muitas oportunidades. A autocrítica tem sido intensa, me cobro mais. Por vezes eu “catequizava”, “ensinava receitas”, reproduzia “dogmas”, “verdades” não percebendo que larguei o sacerdócio por não acreditar nos dogmas que me ensinaram (...) durante 20 anos. (Pedro)

Um olhar atento, você está ouvindo, entendendo a necessidade de cada um e o que essa pessoa poderia fazer por ela mesma. E ali toma pra frente fazer por ela. Então era um processo rápido que você... um exemplo, a pessoa ela precisava de algum atendimento na saúde a gente por ter conhecimento e ter relação excepcional mais próxima, a gente ligava, marcava já dava exame pronto. Ao invés de indicar um caminho você vai até (...) procurar os meios que ela possa buscar solução pra ela. Então a partir do momento que se está ouvindo, você vê que você as informando, ou encaminhando a pessoa, ela ta fazendo com que ela se mexa, com que ela se mobilize também pra sua própria causa. (Paulo)

A segunda, mais generalizante, é expressa pela oferta de apoio/ajuda, para

qualquer necessidade que se apresente, para a qual o multiplicador se envolverá

pessoalmente na resolução do problema. Nesta concepção do ser multiplicador,

são relatados obstáculos para o exercício de sua função, ora o montante de

trabalho, ora as instituições públicas, ora o próprio grupo dificulta seu exercício e

o multiplicador pode agir sozinho na resolução das demandas:

É, explicar, não adianta você chegar aqui e eu fazer um trabalho

de educadora, pegar e ir embora e eu chegar em casa, posso ir

embora, sabendo que o fulano ainda está precisando de uma

ajuda. Como que eu vou fazer isso, como que eu vou ser... eu não

posso ser multiplicadora se eu chegar aqui ver uma senhora

sentada na cadeira de rodas, não poder levar ela pro ônibus. O

que adianta eu fazer um curso de multiplicador e ver tudo isso e

deixar pra si próprio. Não poder ajudar as pessoas, não poder

ajudar o seu bairro. (Flávia)

(...) porque eu tô sozinha em casa, eu acho que desde aí eu já

comecei a ser multiplicadora, porque aí eu já comecei a participar

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das reuniões, de estar ajudando na, não diria na questão da

creche, do CEI ou do CCA, diria na questão do bairro mesmo, de

participar de reuniões (...) de trazer melhorias pro bairro.

Iluminação, água, luz, esgoto, asfalto que tá quebrado, tudo isso

(...). (Laura)

Na entrevista devolutiva observou-se também mais uma transformação

quanto a atuação do multiplicador. O grupo expressou compreender que possuia

uma atuação assistencialista junto às famílias, susbstituindo-as em seu auto-

cuidado e dessa forma, passou-se a pensar na construção da autonomia com as

famílias e até mesmo, destas multiplicando entre si o fazer dialógico:

Não fortalecer a dependência. Nós queríamos fugir da dependência. Não ser assistencialista só em casos extremos, mas não havia essa clareza. O projeto foi decisivo nisso ter essa clareza do que é ser assistencialista ou o que é promover a autonomia dentro de uma relação de diálogo. (Pedro)

Hoje talvez a preocupação maior seja fazer com que a pessoa entenda que é uma causa comum que ela também deve correr atrás. Então o ouvir pra mim ficou mais ligado a isso de fazer junto e não fazer pela pessoa né? (Paulo)

(...) a família também ela pode ser uma multiplicadora a partir do

momento que ela vê e entende que ela tem a obrigação. De

repente um vizinho, um colega, um parente, um conhecido ela vai

transmitir, olha talvez você siga esse caminho que eu aprendi, ou

até mesmo procurar, pesquisar, conhecer. Acho que o curso

proporciona essa abertura ne, da gente poder entender. (Paulo)

6.2. Síntese geral das constelações

O interesse dos educadores na formação referia-se, inicialmente, ao

aprofundamento de sua atuação profissional. O envolvimento foi possibilitado por

meio de uma relação de confiança com a Profa. Heloísa Szymanski e o ECOFAM.

Experiências de vida dos educadores possibilitaram que se colocassem em

disponibilidade para com o outro, como por exemplo, a transformadora

participação nos grupos reflexivos promovidos pelo ECOFAM. Estas experiências

direcionaram os educadores para o engajamento com a educação formal de

crianças e para os cuidados com o bairro.

Os multiplicadores relataram possuir um vínculo com a população atendida,

que transcendia suas obrigações profissionais, dessa forma, responsabilizaram-

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se por transformar o cenário que compartilhavam com as crianças, famílias e a

própria comunidade, muitas vezes por iniciativa própria, através de trabalhos

voluntários ou direcionando suas demandas profissionais para trabalhos voltados

diretamente à comunidade.

O envolvimento na formação proporcionou benefícios como a ampliação de

conhecimentos, o hábito da leitura, do diálogo entre o grupo, mas os

multiplicadores destacam, como o maior ganho, o aprimoramento de seu olhar

para as crianças e suas famílias. A entrevista reflexiva foi apresentada como

essencial para abertura deste novo olhar, colocando os multiplicadores em um

contato autêntico com a população atendida. Primeiramente, este olhar concebe a

população atendida a partir da alta vulnerabilidade que vivenciam no dia a dia. Os

multiplicadores relataram que empossados de novas preocupações, passaram a

refletir sobre a melhor maneira para solucionar estas demandas. Nesta ótica, que

priorizava a vulnerabilidade, observa-se que a solução de necessidades básicas

das famílias da comunidade era foco de constante preocupação dos

multiplicadores, muitas vezes, sobrecarregando-os ou trazendo obstáculos ao

trabalho.

Nas entrevistas parecem coexistir duas compreensões acerca do que é ser

multiplicador. Uma volta-se ao modo dialógico, respeitando e valorizando o modo

de cuidar do outro e sua autonomia, promovendo a autocrítica do multiplicador, e

a outra é a oferta de apoio à população para qualquer necessidade que se

apresentasse, na qual o multiplicador se envolvia pessoalmente na resolução dos

problemas.

Por último, os multiplicadores passaram a olhar as famílias enquanto

capazes de cuidarem de si, desta maneira, a construção da autonomia passou a

ser o sentido de sua atuação, não mais fazendo pelo outro, mas com o outro, em

uma relação de parceria e horizontalidade.

No próximo capítulo, discutiremos os resultados expostos nas

constelações.

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7. DISCUSSÃO

Para compreender o sentido da formação para o grupo de multiplicadores,

utilizou-se, além das entrevistas, a narrativa sobre o curso de formação e o

recorte histórico sobre a Vila Horizonte. Retoma-se Critelli (1996, p. 131), como

direcionamento de investigação:

Este sentido de ser não é um sinônimo de significado; embora precise ser expresso através da linguagem para poder aparecer. Ele é mais um rumo que apela, uma solicitação que se faz ouvir, um apelo obstinado que se insinua e persegue.

O apelo que se fez ouvir pelo grupo de educadores, transcende a formação

e indica um modo de ser deste grupo, não sendo possível compreender o sentido

da formação sem explorar um contexto mais amplo, do qual a formação fez parte.

Inicialmente, os educadores que se propuseram a realizar a formação,

compreenderam que esta os aprimoraria em suas atividades profissionais,

conforme explanam:

(...) eu achei interessante, novo conhecimento, como a gente trabalha lidando diretamente com a família, eu achei importante conhecer um pouco mais, como lidar com a família, como fazer trabalho com a família. Como ser um futuro multiplicador. (Mariana, entrevista)

Multiplicadores pra mim, pra mim eu assim priorizei no sentido assim, de conhecimento e como trabalhar da melhor maneira para com a comunidade. (Valéria, entrevista)

O curso apareceu como uma possibilidade em julho de 2011 e duraria dois

anos. Alguns educadores se interessaram e escolheram realizá-lo, enquanto

outros não, levando em conta que todos os educadores da instituição estão em

formação continuada. Até a data de finalização desta pesquisa ainda não havia

sido possível realizar o registro formal nos relatórios do ECOFAM quanto a

ingressos e egressos, porém, observa-se que a formação apresentou certa

rotatividade dos multiplicadores desde seu início. Alguns se fizeram presentes em

encontros esporádicos, enquanto outros participaram por um período e depois

não retornaram mais. Não era objetivo do ECOFAM, tratando-se de um curso de

extensão, controlar a presença/ausência dos participantes. Há, no entanto, o

relato de Anita, que conta na última entrevista individual realizada, que no início

da formação, foi imposto aos educadores que participassem do curso. Não há

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outros dados sobre o ocorrido, impedindo que se discorra com detalhes sobre

este acontecimento. Em sua entrevista, Anita relata:

(...) eu não tinha interesse porque eu tinha uma sobrecarga por conta da Faculdade e eu não gosto de fazer nada imposto, e no começo o que aconteceu com a formação era meio que imposto pra gente e eu não gosto disso. Eu acho que assim, você tem que procurar conversar com a pessoa, conscientizar ela e procurar incutir alguma coisa nela. Fazer... não é fazer, mas procurar falar pra ela, o despertar, despertar o interesse nela. Eu não gosto de nada que você impõe. Então eu falei, eu não vou fazer. E não fiz. Eu fiz depois que me gerou o interesse. (Anita, entrevista)

Anita relata um conflito entre o grupo de educadores e suas lideranças

quanto a possibilidade de escolha em se fazer o curso, mas, entende-se, a partir

de sua fala e da dinâmica “errática” dos participantes relatada acima, que para

escolherem não realizar a formação foi preciso resistência daqueles que não

queriam cursá-la. Contudo, pode ser observado nesta pesquisa e ao longo do

curso que manteve-se na formação quem encontrava nela sentido, como é

observado na entrevista de Anita e também na de Flávia, que afirmou ter

postergado seu ingresso por problemas em sua vida pessoal.

Os multiplicadores acreditaram na proposta, pois vislumbravam

possibilidades futuras para a realização do curso. De acordo com Pompéia e

Sapienza (2011, p.26):

O ser livre do Dasein faz com que ele ultrapasse o real para retornar ao real, e isso quer dizer que ele é convocado para realizar, para tornar real aquilo que era uma possibilidade.

Os multiplicadores confiaram na possibilidade de tornar real um modo de

trabalho que desse conta dos problemas observados nas famílias da comunidade.

Compreende-se que há um modo peculiar dos educadores em seu

relacionamento com o entorno. Observa-se que, desde a constituição da Vila

Horizonte, as instituições comunitárias (Associação de Moradores, CEI e CCA) e

seus colaboradores, incessantemente, aprimoram suas formas de trabalho, e a

maioria dos multiplicadores entrevistados morava na comunidade há mais de dez

anos e estava diretamente envolvida com as instituições comunitárias há, pelo

menos, cinco anos.

Antes do início do curso, ser multiplicador era apenas uma possibilidade,

mas já representava uma escolha de cuidar das crianças e da comunidade.

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Foram escolhas sucessivas como esta que mantiveram os participantes da

pesquisa nesta trilha, definindo o que estaria sob seus cuidados e de que forma

cuidariam, conforme aponta Critelli (1996, p.120):

Individual e/ou coletivamente, os homens escolhem o que vai estar sob seus cuidados, aproximando-o e afastando-o de sua cercania, de sua cotidianidade, de seu mundo vivido, de sua atenção, de seu interesse.

Conforme um recorte do relato da história do CEI, feito por Ferraz (2011),

compreendemos que a escolha de cuidar da comunidade é constante neste

grupo, principalmente em relação às crianças, e continua sendo feita:

Um ano depois de aberto, por motivos de falta de administração, o CEI foi fechado. (...) o Padre João, que já morava na Itália, queria que ele fosse entregue à Igreja e, para que isso não acontecesse, Pedro e algumas mulheres que já trabalhavam com as crianças antes desse espaço ser fechado decidiram reabri-lo com 65 crianças. (...) Pedro diz que as condições estruturais do CEI eram péssimas, pois não tinha recursos suficientes para mantê-lo. A luz, por exemplo, era clandestina.

Outro ponto relevante no que tange as escolhas de cuidar dos participantes

refere-se ao montante de responsabilidades às quais se dedicavam os

multiplicadores enquanto realizavam a formação. Viviam cheios de afazeres, mas

mesmo assim, investiram nas possibilidades do curso, alguns ainda realizavam a

graduação obrigatória em Pedagogia, exigida para trabalhar como educador. As

entrevistas contêm relatos sobre as dificuldades em organizar a vida pessoal para

realizar a formação e manter suas atividades profissionais em ordem. A formação

foi privilegiada, exigindo reflexões dos multiplicadores quanto às possibilidades de

cursá-la:

Gosto de participar do multiplicadores, pra mim está sendo tudo novo porque eu fui chamada anteriormente mas devido muitas coisas estarem acarretando não tive condições de ta participando desde o começo, aí surgiu uma oportunidade falei, porque não, porquê não participar pra mim vai ser enriquecedor (...). (Flávia, entrevista)

(...) fiquei com muito medo, tem as famílias, então falei: não vou dar conta e tem meu trabalho... mas graças a Deus tá dando para conciliar, mas teve um momento em foi difícil, que eu falei: não vou conseguir, era trabalho da faculdade, era tempo pra ler, o trabalho mesmo aqui (Laura, entrevista)

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Nas entrevistas existem, ainda, exemplos de atitudes voluntárias que se

fizeram presentes nas ações e escolhas dos multiplicadores, no cuidar da

comunidade, culminando no ingresso na educação, além do termo voluntariado

que também é utilizado como definição da postura do multiplicador:

Mudei pra cá praticamente com um ano, um ano que eu estava aqui, eu comecei já resolver alguns trabalhos voluntários para o bairro mais voltado pra creche, para o bairro também. (Paulo, entrevista)

Isso, reuniões, trabalhar com a família, reuniões aos sábados essas coisas. E aí me engajei mais, comecei a participar mais, o trabalho também de terça feira que é o plantão com a família que a gente vai até às oito da noite (...) Eu, Paulo e Pedro estamos desde o comecinho, entendeu. E assim não ganhamos nada, trabalho voluntário mesmo. são quatro horas (...). Então assim, as famílias vão lá pra falar de tudo. (Laura, entrevista)

(...) o curso de multiplicadores pra mim... é um voluntariado, doar, pra outros, dá oportunidade pra outras pessoas conhecerem ou fazerem algo que não teve oportunidade de fazer, desistir também do que não quer fazer, deixar as pessoas... no sentido assim, o livre arbítrio. (Valéria, entrevista)

Os multiplicadores cuidavam de si e da comunidade com sobrecarga, mas

persistiam em sua escolha. O cuidado voluntário pode ser compreendido como a

profunda sensibilização com que o mundo que percebem à sua volta os toca na

abertura de seu ter-que-ser, convocando-os para a ação, disponibilizando grande

energia no cuidado para com a comunidade.

A procura por um novo modo de trabalho, em conjunto com o extenso

relacionamento entre a Profª. Heloísa e o ECOFAM dava sentido para

acreditarem na proposta da formação de multiplicadores, pois partiam de um

conhecimento prévio da prática do grupo de pesquisa:

Cheguei ao PFM através da longa, persistente e fértil parceria com a “Equipe PUC”, coordenada pela Profa. Heloisa, o Projeto Diálogo contribuiu muito na abertura de novas perspectivas para a Associação Horizonte. (Pedro, entrevista)

(...) agora não me recordo o ano, (...) mas logo no começo quando a Heloisa veio com o projeto diálogo, eu comecei participando (...), depois veio o projeto (...) era projeto de elaboração de projeto pedagógico, participei. Então essa parceria que teve com a PUC e a instituição eu participo dela tem anos (Paulo, entrevista)

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A compreensão inicial do curso foi se transformando ao longo dos

semestres, porém suas expectativas iniciais revelaram a supremacia do

conhecimento teórico, referindo-se a absorção de conteúdos a fim de transmiti-los

à população atendida, além de oferecem críticas à prática dialógica como forma

de trabalhar com as famílias, no sentido de que havia a suposição de que a

demanda não era por diálogo, mas por soluções para seus problemas.

O entendimento quanto à prática dialógica no primeiro encontro do curso

era de que esta seria um empecilho para trabalhar com as famílias, que de acordo

com os educadores, necessitavam de respostas prontas. Havia, então, uma

previsão do que as famílias precisavam, fundada em um conhecimento genérico

de suas características, que não partia do modo como as famílias se

apresentavam, mas sim de como eram concebidas pelos educadores. As famílias

eram compreendidas enquanto desinteressadas, distantes, passivas, sem

conhecimento. Este modo de olhar para as famílias pode ser compreendido como

a diluição do ser-aí no “a gente”, o mundo que nos é próximo (HEIDEGGER,

1981), no qual os educadores atribuíam um olhar generalizado às famílias, sem

conhecê-las. Contudo, cuidava-se delas de uma maneira autoritária, na qual,

portando-se respostas, poderiam instruí-las no melhor modo de se viver.

Nos exercícios sobre a realização da entrevista reflexiva, no 3º semestre

de curso, ainda se podia notar este modo autoritário e generalizado de

compreender a formação e as famílias, quando educadores queriam se utilizar do

encontro com os pais escolhidos para lhes dizer como deviam cuidar de seus

filhos. Pode-se compreender que o modo de cuidado dos multiplicadores para

com as famílias, acontecia como propõe Heidegger (1981) ao discriminar o “pular

sobre o outro” como forma de solicitude. Ao modo positivista de pensar, os

multiplicadores, afetados pela vulnerabilidade que observavam, em sua

compreensão, procuravam eliminar os problemas do outro:

Este modo de solicitude é o que assume o encargo que é do outro de cuidar de si mesmo. O outro é lançado para fora de seu próprio lugar; ele retrocede quando algo precisa de sua atenção (...) o outro pode tornar-se alguém que é dominado e dependente, mesmo que esta dominação seja, para ele, tácita ou lhe permaneça oculta. (HEIDEGGER, 1981, p.41)

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Esta forma de trabalhar resolveria a angústia dos próprios multiplicadores

quanto à situação das famílias, como demonstraram durante a entrevista:

(...) você cria um vínculo com ele que termina assim, vai, numa situação meio que paizão no meio deles ali. (...) Faz parte da minha vida, faz parte de mim, e você começa ter uma preocupação, um envolvimento, uma dedicação não é uma coisa voltada para o trabalho. É uma coisa que toca em você (...) (Paulo, entrevista)

Às vezes não ouvia o que eles me... às vezes eles falavam alguma coisa aí você só meio que falava assim, não você tem que fazer isso, olha você está fazendo tal coisa e está errado. (Anita, entrevista)

Mas nesse momento da formação, mais propriamente em setembro de

2012, este modo de compreender o outro e seu trabalho com as famílias já

começava a demonstrar mudanças. Os multiplicadores identificaram a realização

da entrevista reflexiva como o ponto de mudança em seu olhar para o outro, para

o diálogo e para a formação:

(...) uma coisa influenciou muito o trabalho que eu estou fazendo hoje dentro da comunidade, sempre atendendo nas questões do terreno, mas de 2004 pra cá a gente fez um atendimento mais aberto, de estar dando apoio, buscando orientar as famílias, mas sempre na forma de um atendimento, não de uma entrevista, a gente mais que comprava a briga das pessoas, mas não fazia com as pessoas e não tinha um ouvido verdadeiro para as pessoas, não se ouvia. A gente tinha a questão do preconceito frente o que a gente via. Então o que eu aprendi foi o seguinte: pra gente ter uma ação primeiro tem que parar e ouvir a pessoa. (Paulo, encontro de encerramento)

(...) antes você... por mais que você ouvia a família, por mais que você tentava entender sempre... ainda existe mas sempre existe aquele pré-conceito, aquele julgamento e agora depois desse ano, semestre, na prática fazendo a entrevista reflexiva, eu acho que eu aprendi a ter mais respeito com as famílias, eu aprendi a ouvir melhor, e também não esperar muito das famílias, porque cada pessoa tem o seu limite. (Mariana, entrevista)

A maneira como os educadores vivenciaram esta mudança de

compreensão evidenciou-se de maneira mais clara pelo grupo no penúltimo

encontro do curso, quando, ao contarem sobre sua experiência com as

entrevistas, sensibilizaram-se consideravelmente, relatando dificuldades em

conter a própria emoção ao ouvirem seus entrevistados confiarem-lhes suas

histórias de vida. O outro passou a ser visto de uma nova maneira, não a partir de

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uma pré-concepção, mas respeitado em sua singularidade, permitido que fosse

quem ele era, mesmo que entrasse em desacordo com as expectativas do

multiplicador, conforme relatam:

Tem famílias que conseguem ir além, tem outras que não, então procuro respeitar esse limite, tem pais que querem falar, tem pais que não querem falar. Aprendi lidar com cada pai de uma maneira diferenciada. (Mariana, entrevista)

Eu aprendi a ouvir mais e a compreender mais o outro, porque a gente tem muito daquele pré-julgar e com essa formação, a gente já passou a ver com outros olhos. (Laura, entrevista)

O outro pode se manifestar em uma relação horizontal com os

multiplicadores, desta forma, nota-se a mudança de compreensão dos

educadores quanto à prática dialógica a partir da abertura ao outro e da

suspensão de seus próprios preconceitos. De acordo com Heidegger (1981) a

solicitude pode ser mostrar de outro modo, um cuidar autêntico no qual se

pretende voltar o outro às suas próprias possibilidades, chamada por ele de “Pular

adiante do outro”. Não se protege o outro, mas se facilita que assuma seu próprio

ser. Este modo de cuidar é, segundo Heidegger (1981), orientado pela

consideração e paciência. Contam os multiplicadores:

(...) por exemplo, chega alguém e traz uma necessidade. E aí eu vou tentar, eu junto com essa pessoa buscar alternativas pra ele. Só que eu não vou levar a pessoa a fazer isso. Pegar eles pelo braço pra fazer isso. Tenho que trazer meios, alternativas pra que eles se descubram. (Valéria, entrevista)

E ela chegou a chorar, e ela perguntou pra mim o que eu faria. Eu falei pra ela não posso te dar uma solução, eu to aqui junto com você pra a gente tentar uma solução conjunta porque eu também não sei o que fazer, não é? E eu achei isso muito legal você tentar chegar numa solução os dois juntos, não eu dar uma receita pra ela, porque eu também não sei. (Anita, entrevista)

(...) a gente tem aquele pré-julgamento, fala que a mãe não quer participar, mil coisas, sei lá, fala que é preguiçosa tem mil julgamentos e no final descobri assim ‘n’ coisas que a impediam de ir, assim, ela é sozinha, tem seis filhos (...) então inclusive assim, eu até me emociono, porque ela chorou muito no final da... e assim, eu fiquei muito emocionada junto com ela, até parei de fazer um pouco, porque ela chorava e eu chorava junto com ela, porque ela falava que ela tinha muita vergonha porque ela via as outras mães vindo para a reunião, mas ela não tinha um marido do lado para acompanhar, entendeu? Para estar dividindo esta parte. E aí eu me sinto assim também, como se fala? Um pouco

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culpada por ter julgado mal ela, de pensar, p.! Ela não vai porque ela tem um monte de filho, muitas vezes eu usava até palavrão, ah, é uma v.! Tem um monte de filho, não pensa no futuro dos filhos... mas ela falou que se sentiu assim: ah, eu me sinto muito culpada porque eu coloquei muitos filhos no mundo e não consigo dar conta agora e não tenho um companheiro do meu lado para... eles tem pai, mas cada filho é de um pai (...) nossa cada coisa na infância dela, teve violência, agressões, muita coisa ela viveu. Então assim, eu pré-julguei, eu tô vendo realmente o que ela... e assim, como eu vou poder ajuda-la? (Laura, encontro entrevista reflexiva: método)

Neste momento, o outro não era mais uma presença genérica, mas se

revelou aos educadores em sua singularidade e estes, por sua vez, não cuidaram

de forma autoritária, mas sim dialógica, ouvindo-os em sua humanidade, como

aponta Freire (1983, p.28):

E ser dialógico, para o humanismo verdadeiro, não é dizer-se descomprometidamente dialógico; é vivenciar o diálogo. Ser dialógico é não invadir, é não manipular, é não sloganizar. Ser dialógico é empenhar-se na transformação constante da realidade. Esta é a razão pela qual, sendo o diálogo o conteúdo da forma de ser própria à existência humana (...) não pode travar-se numa relação antagônica.

Podendo ouvir o outro, vê-lo a partir de como este se mostrava, afetados

pelo que lhes era revelado, os educadores passaram a ouvir a si mesmos,

voltando para si sua reflexão, pensando sobre sua postura, adotando novas

atitudes:

Reflito mais, acredito que tem sido um diferencial em todas as minhas atuações. Consigo perceber quando estou dialogando e quando estou transmitindo uma instrução ou ‘ordem’. (Pedro, entrevista)

Heidegger (1981), afirma que a compreensão de si mesmo é uma

compreensão “com”, ou seja, o ser-aí se compreende em conjunto com o mundo,

com o outro, e tendo os multiplicadores sido afetados pelo outro, passaram a

desenvolver uma nova compreensão acerca de si, de seus modos de cuidar e

novos sentidos se abriram a partir da formação.

A troca dialógica com o ECOFAM também se fez importante para a

ampliação dos sentidos da formação. Observa-se nos discursos das entrevistas e

os relatos dos encontros, diferentes concepções quanto aos sentidos de ser

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multiplicador. Alguns tinham como foco em sua atuação o trabalho na escola,

enquanto outros demonstravam preocupar-se com uma abrangência mais ampla,

voltando-se para questões do bairro. Porém, ao mesmo tempo, mostrou-se uma

pressão para a padronização da atuação do multiplicador, restringindo suas

possibilidades. A partir do primeiro encontro de 2013 com os educadores, as

possibilidades de atuação passaram a ser tema de conversas entre o ECOFAM e

o grupo. Anita comenta este ocorrido em sua entrevista:

(...) depois disso eu fiquei me questionando que eu não era

multiplicadora... é quando eu respondi, eu não me considerava

multiplicadora porque eu percebia que aqui se mudou isso, mas

eu percebia que antes as pessoas não respeitavam o outro no

diferencial dele. Existia um padrão de que ah você é multiplicador,

mas, o que você está fazendo que você é multiplicador?

O ECOFAM buscou discutir em diversos encontros que a cada

multiplicador caberia definir o próprio sentido da atuação e esta situação parece

ter se revertido, pois pode ser observada nas falas de Anita e Pedro:

(..) [a formação] deu maior clareza do que é o diálogo. Não estava

assim claro pra mim o que seria diálogo. Então o próprio projeto

diálogo já começou a abrir essas possibilidades aí do curso que

nós tivemos (...) formação dos multiplicadores foi o desfecho final

pra entender pra mim hoje, entender com clareza o que seria uma

relação dialógica. (Pedro).

Não que chegasse pra você e falasse você tem que fazer isso,

mas no modo de se dirigir a gente, no modo de falar com a gente

era uma coisa imposta. Então isso mudou muito. E eu não

aceitava. Só que depois que eu fiz a entrevista me gerou o

interesse, mas ainda teve esses conflitos, só que hoje essa

questão está bem resolvida pra mim. (Anita)

Os propósitos da formação puderam ser pensados enquanto esta

acontecia, por meio dos encontros e através das entrevistas desta pesquisa,

ampliando os rumos para os multiplicadores e gerando desdobramentos.

Observa-se que um dos caminhos que se abriram, refere-se ao modo de

cuidarem de si. Os multiplicadores relataram o início de uma busca de diálogo

com o poder público de forma a melhorar suas condições de trabalho, para, entre

outras questões, reduzirem a jornada de trabalho dos educadores em dez horas,

a fim de que eles pudessem se dedicar mais à vida pessoal e aos estudos:

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E nós já estamos aí conseguindo fazer um movimentos aí estamos no diálogo direto. Não é diálogo é uma relação política direto com Secretário da Educação. Não dá pro Secretário dizer essa é a questão formação foi sem oferecer condições materiais. Então nós temos aí... teremos uma próxima audiência com o Secretário em Agosto, iremos participar em peso pra discutir justamente as condições de trabalho desses convênios. Sobrecarrega, inviabilizam estudo, reflexão. (Pedro, entrevista devolutiva)

Outro desdobramento que se pode observar a partir da fomação, é o modo

do grupo se relacionar entre si:

Hoje eu pego como experiência e até algumas educadoras chamaram a minha atenção pra isso. Eu não ouvia. Eu não tenho papel de ouvir quando elas brigam. Era assim, pode falar e aí eu to atendendo ela, to escutando e to registrando. O meu ouvir hoje é sentar e olhar. Fazer assim, olhar ela, os trejeitos, a fala, o jeito que o educador se posiciona eu vou lembrar muito mais quando tiver que fazer uma devolutiva pra ela. Então assim, elas cobraram isso de mim. Então hoje (...) eu paro, sento, eu não retruco, que antes elas falavam cinco eu falava dez. então eu to me policiando pra ouvir e depois eu falo. Eu não era com qualidade. Então hoje estou aprendendo a ouvir com qualidade. (Daniele, coordenadora, entrevista devolutiva)

Nesta passagem, a coordenadora relata reflexos da formação sobre o

grupo como um todo. Observa-se a troca entre os educadores e a liderança,

sendo que os primeiros clamam pelo diálogo para serem ouvidos, seus líderes,

por sua vez, respondem no modo da paciência e consideração.

Por fim, um novo rumo para a atuação do grupo foi apresentado: a

possibilidade do outro cuidar de si em seu vir-a-ser, buscando-se construir com

ele sua autonomia e vislumbrando que a multiplicação aconteça na troca entre as

famílias, cuidando umas das outras:

Mas essa clareza veio com mais força agora. Isso é muito importante. Eu atendi um caso nesse final de semana (...) A pessoa está no ciclo de violência mas eu tenho clareza que fiz o meu papel. Mostrei os caminhos do ponto de vista institucional (...), dela enfrentar aquela situação, aquela armadilha que ela está ou não. Sei que o problema é dela, quero ajudar, mas é o meu limite. Então ela... a vida foi encurralando ela numa situação que ou ela corre o risco ou ela aceita aquilo lá e vai se desdobrando né? Antes eu ficava meio que sofrendo, eu não sofro. O papel está claro isso aqui. Agora a decisão a vida foi levando a pessoa a chegar nesse ponto. E é ela que vai ter que decidir se vale a pena correr o risco pra enfrentar essa armadilha que ela está. É uma presa ou não. Não sou eu que vou ter que ir lá e: olha eu sou o

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senhor... ninguém vai por a mão nela. Não existe isso. (Pedro, entrevista devolutiva)

Acho que você dividir o conhecimento que tem, dividir a informação é fazer com que a pessoa amanhã ou depois ela possa orientar uma pessoa que tem a mesma necessidade. E diminuiu aquela pergunta a pessoa vim te procurar pra você buscar solução, ou seja, a família também ela pode ser uma multiplicadora a partir do momento que ela vê e entende que ela tem a obrigação. De repente um vizinho, um colega, um parente, um conhecido ela vai transmitir, olha talvez você siga esse caminho que eu aprendi, ou até mesmo procurar, pesquisar, conhecer. E o curso gerou essa abertura né? Pelo menos, eu entendi assim (Paulo, entrevista devolutiva).

Os sentidos da formação para os educadores foram se ampliando e se

transformando ao longo desta experiência: aprimoramento profissional,

eliminação de problemas do outro, cuidar melhor de crianças, famílias, bairro,

gerar qualidade de vida, enxergar as necessidades do outro, ouvir, estar com o

outro, construir juntos, humanizar. Os educadores continuarão seu cuidado com

famílias por meio da educação, porém, os modos de cuidar deste cuidado se

transformaram, na medida em que o olhar que intencionava o outro se permitiu

aproximar-se para vê-lo conforme se apresentava, dando novos sentidos a esta

experiência.

A mudança de sentido do curso caminhou do modo de ser autoritário de

substituir o outro, para o dialógico, no qual o existir de ambos é levado em conta e

respeitado. Pompéia e Sapienza (2011) afirmam estando-se disposto a ouvir,

reconhece-se possibilidades para o vir-a-ser. Esta transformação só pode ocorrer,

pois o ECOFAM, os multiplicadores e as famílias, mutuamente, ouviram-se, ou

como ilustram os autores:

Quando plantamos o que a terra gosta, aquilo vai adiante, fica bonito. Reconhecer a oportunidade é plantar o que a terra gosta. Saber ouvir o mundo (...), é poder reconhecer a oportunidade. (POMPÉIA E SAPIENZA, 2011, p. 28)

8. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A formação de multiplicadores, inicialmente, possuía o sentido de

aprimoramento profissional para instruir famílias. Ao longo de seu processo foi

possível observar a transformação dos multiplicadores em seu modo de pensar,

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de agir e de se relacionar com o outro. O trabalho com famílias foi compreendido

como forma de modificar o outro, passando por salvá-lo, até chegar à co-

construção da autonomia com ele. O que antes era apenas uma prática destinada

ao outro, fez o olhar dos multiplicadores retornar sobre si mesmos e teve como

resultado inicial uma postura crítica perante a si, que visava melhorar sua

atuação, criando uma relação horizontal com as famílias através da escuta atenta.

O ouvir foi sendo cada vez mais apropriado, sendo significado como

imprescindível, passou a promover desdobramentos internos ao grupo de

multiplicadores. Os discursos apresentados na entrevista devolutiva indicam que

a postura dialógica também se instaurou entre os educadores, permitindo que se

ouvissem e a reflexão sobre sua forma de trabalhar e seus desconfortos tomou

lugar. Ao olharem para o outro, revelaram “verdades” sobre si mesmos. O que era

um trabalho, uma prática, destinou-se para um alvo maior, ressaltando o que lhes

era próprio: ser humano.

Foi com o outro, a partir de seu mostrar-se, em diálogo, que se observou a

vertiginosa transformação da equipe e dos sentidos da formação em dois anos de

trabalho. O mundo pode ser mediatizado entre educadores e famílias e entre

educadores, a partir de sua abertura e sendo proferido, pode retornar

problematizado, tal qual propõe Freire (1987), exigir um novo pronunciar. Uma

peculiaridade da Vila Horizonte é a sua busca incessante e seu pronunciar,

provavelmente, seguirá se multiplicando e se expandindo conforme continuem

percebendo a si mesmos.

Retomando o cuidado com as famílias apresentado no início do trabalho,

faz-se a compreensão de que longe da solicitude no modo da consideração e

paciência, ou como afirma Freire (1987), sem um profundo amor na humanidade,

ciente de seu inacabamento, e com fé em sua possibilidade de ser-mais, não há

solução que dê conta do recado, dada a complexidade do tema. Soluções

remediativas, paliativas, verticais, perpetuarão o cenário atual, enviesado pelo

tecnificismo, não favorecendo qualquer transformação significativa. As formações

inseridas na ótica biomédica, para os que trabalham com famílias, pouco tem a

fazer, se não camuflar o imenso abismo que existe entre o viver e o ideal, a

prática e a teoria. Trabalhar com famílias com base em uma técnica não passará

da instalação e manutenção do opressor gestado nelas.

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Na compreensão do sentido da formação para os multiplicadores,

apreende-se que apenas considerando o homem enquanto horizonte é que se

iniciou a busca por sua autonomia.

9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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10. ANEXOS

10.1 Modelo do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

I - DADOS SOBRE A PESQUISA CIENTÍFICA

TÍTULO DA PESQUISA: Trabalhando com famílias: sentidos da formação para um grupo de multiplicadores. PESQUISADORES RESPONSÁVEIS: Profa. Dra. Heloisa Szymanski, Igor Álvares Enkim CARGO/FUNÇÃO: Profa. do Programa de Estudos pós-graduados em Psicologia da Educação; Aluno do Programa de Estudos pós graduados em Psicologia da Educação AVALIAÇÃO DO RISCO DA PESQUISA: sem risco (probabilidade que o indivíduo sofre algum dano como conseqüência imediata ou tardia do estudo).

II –EXPLICAÇÕES DO PESQUISADOR SOBRE A PESQUISA Esta pesquisa tem como objetivo compreender o sentido da formação para o Grupo de Multiplicadores. Este trabalho poderá auxiliar práticas que visem a construção de projetos futuros no âmbito da Psicologia da Educação. A participação não é obrigatória. Entretanto, seus relatos são de extrema importância para o desenvolvimento do conhecimento no âmbito da Psicologia da Educação. Fica garantindo aos sujeitos da pesquisa a confidencialidade, a privacidade e o sigilo das informações individuais obtidas. Os resultados deste estudo poderão ser publicados em artigos e/ou livros científicos ou apresentados em congressos profissionais, mas informações pessoais que possam identificar o indivíduo serão mantidas em sigilo. As entrevistas serão gravadas e posteriormente transcritas.

III – ESCLARECIMENTOS DADOS PELO PESQUISADOR SOBRE GARANTIAS AO PARTICIPANTE

Ficam garantidas aos sujeitos da pesquisa:

1. O acesso, a qualquer tempo, a informações sobre procedimentos, riscos e benefícios relacionados à pesquisa, inclusive para dirimir eventuais dúvidas.

2. A salvaguarda da confidencialidade, sigilo e privacidade. 3. O direito de retirar-se da pesquisa no momento em que desejar.

V – INFORMAÇÕES DE NOME, ENDEREÇOS E TELEFONES DOS RESPONSÁVEIS PELO ACOMPANHAMENTO DA PESQUISA, PARA

CONTATO EM CASO DE DÚVIDAS

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Profa. Dra. Heloisa Szymanski/ Igor Álvares Enkim Programa de Estudos Pós-graduados em Psicologia da Educação – PUCSP Rua Monte Alegre, 964 – Perdizes – São Paulo – Fone: (11) 3670-8527

VI – CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Declaro que, depois de convenientemente esclarecido pelo pesquisador e de ter entendido o que me foi explicado, consinto em participar do presente Protocolo de Pesquisa.

VII – IDENTIFICAÇÃO DO PARTICIPANTE DA PESQUISA NOME: ________________________________________________________ DOC.DE IDENTIDADE Nº. __________________ SEXO: (M) (F) DATA DE NASCIMENTO.____/____/_____ CONTATO: ___________________________________

____________________________

Pesquisador