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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Letras Fernanda de Castro Batista Coelho CONSTRUÇÃO IDENTITÁRIA E(M) COMPORTAMENTOS NA SALA DE AULA: o agenciamento da palavra em dois grupos (um alemão e um brasileiro) Belo Horizonte 2011

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Letras

Fernanda de Castro Batista Coelho

CONSTRUÇÃO IDENTITÁRIA E(M) COMPORTAMENTOS NA SALA DE AULA: o agenciamento da palavra em dois grupos

(um alemão e um brasileiro)

Belo Horizonte 2011

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Fernanda de Castro Batista Coelho

CONSTRUÇÃO IDENTITÁRIA E(M) COMPORTAMENTOS NA SALA DE AULA: o agenciamento da palavra em dois grupos

(um alemão e um brasileiro)

Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em Letras da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Doutor em Linguística e Língua Portuguesa. Orientadores: Prof.ª Dr.ª Juliana Alves Assis, Prof.ª Dr.ª Maria de Lourdes Matencio (in memoriam) e Prof. Dr. Thomas Eckert (Ludwig-Maximilians-Universität München).

Belo Horizonte 2011

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FICHA CATALOGRÁFICA Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Coelho, Fernanda de Castro Batista C672c Construção identitária e(m) comportamentos na sala de aula: o agenciamento

da palavra em dois grupos (um alemão e um brasileiro)/ Fernanda de Castro Batista Coelho. Belo Horizonte, 2011.

277f.: il. Orientadores: Juliana Alves Assis, Maria de Lourdes Meirelles Matencio e

Thomas Eckert Tese (Doutorado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Programa de Pós-Graduação em Letras.

1. Palavra (Linguistica). 2. Sala de aula. 3. Análise de interação em educação. 4. Língua alemã. 5. Língua portuguesa. I. Assis, Juliana Alves. II. Matencio, Maria de Loudes Meirelles, 1964-2009. III. Eckert, Thomas. IV. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Letras. V. Título.

CDU: 801.54

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Fernanda de Castro Batista Coelho

CONSTRUÇÃO IDENTITÁRIA E(M) COMPORTAMENTOS NA SALA DE AULA: o agenciamento da palavra em dois grupos

(um alemão e um brasileiro)

Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em Letras da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Doutor em Linguística e Língua Portuguesa.

Prof.ª Dr.ª Juliana Alves Assis (Orientadora) – PUC Minas

Prof.ª Dr.ª Jane Quintiliano Guimarães Silva – PUC Minas

Prof.ª Dr.ª Maria da Graça Ferreira da Costa Val – UFMG

Prof. Dr. Milton do Nascimento – PUC Minas

Prof.ª Dr.ª Pollyanne Bicalho Ribeiro – UFC

Belo Horizonte, 19 de agosto de 2011.

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Para Maria de Lourdes Meirelles Matencio, minha mãe intelectual.

Für Felix

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AGRADECIMENTOS

A Deus, que atende por vários nomes, e que responde aos nossos chamados em

todos os momentos, em todas as línguas.

À tão querida Professora Juliana Assis, cuja acolhida ensinou-me a prosseguir e

cujas palavras tanto me aqueceram academica e humanisticamente.

Ao Professor Thomas Eckert, pelo apoio e por ter tornado o período na Alemanha

possível.

Às igualmente queridas Professoras Jane Quintiliano e Maria Ângela Teixeira Lopes,

meu reconhecimento por todos os ensinamentos, apostas e retomadas.

Aos Professores Milton do Nascimento e Ângela Kleiman, pelas preciosas

contribuições na ocasião do Exame de Qualificação e pelo convite ao repensar.

A todo o corpo docente da pós-graduação, e às sempre amáveis Vera, Berenice e

Rosária.

À minha mãe, pelas orações que suavizaram meus dias mentais inquietos.

Ao meu pai, por me nutrir com palavras de calmaria e paciência.

À minha irmã, pelas palavras macias e por me lembrar de que tudo que ocorre

também recorre.

Aos queridos Herr Hans, Frau Angelina e Tia Leir, cujos apoios permitiram-me ir e

vir.

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Aos grandes companheiros da PUC, Helena, Flaviane, Adilson, Anneliese, Maria

Alzira, Renata, Jânia e Maíra, sem os quais o pão não poderia ter sido apreciado e

dividido, no (per)curso deste trabalho, e a certeza de que a convivência nos faz

prosseguir.

Ao LePTeCCO, lugar de (re)encontro e (re)aprendizagens!

Aos igualmente companheiros, Tia Lu e Simone, Tia Antônia e Pablo, Tia Tatá e

Alexa, Dulcina, Maria das Neves, Anna e Cauã, Claudinha, Lili e Lincoln, pela

reafirmação de que a união faz a força!

Aos sujeitos da pesquisa, por me ensinarem tanto.

À CAPES, ao DAAD e à FEAD, pelos auxílios financeiros, sem os quais a pesquisa

teria sido muito difícil.

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Se não pudermos ver com clareza, ao menos vejamos com precisão as obscuridades”.

„Wenn wir nicht klar sehen können, wollen wir wenigstens die Unklarheiten scharf sehen”.

(FREUD, 1926).

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RESUMO

Este trabalho faz eco à defesa de que há que se analisarem as interações

professor/aluno em sala de aula buscando integrar as dimensões didática e

discursiva que medeiam os comportamentos encenados e materializados no espaço

interacional da troca didática (MATENCIO, 2001). Para que se possa chegar a uma

análise que presentifique essa defesa, há o trabalho com dados provenientes da

interação de (e com) duas turmas – a vierte Klasse B (a 4ª série B) e a sala 17 –

compostas por alunos que cursam etapas de escolarização correspondentes nos

sistemas de ensino alemão e brasileiro. Para a constituição do corpus (interações

materializadas em aulas, respostas a questionários, relatos narrativos e registros em

diário de campo), são agenciados princípios etnográficos da e para a pesquisa em

campo e de natureza comparativa intercultural. A sala de aula, campo da pesquisa,

é pensada como lugar de emergência de processos de socialização e

aprendizagem, ambiente institucional discursivo e lugar de observação. Assumindo

um olhar dialógico (VOLOCHÍNOV, 1929/1999) – interacional (MEAD, 1934/1962),

são analisados comportamentos de alunos e professores, levando,

predominantemente, em consideração traços intra e interculturais materializados nos

modos como esses atores sociais posicionam-se como falantes e ouvintes em seus

dia a dia interacionais. As análises atestam que há, em termos interacionais, tanto

diferenças fundamentais nos modos de se participar, como aluno, nos dois grupos,

quanto perfis semelhantes de alunos nas duas turmas, o que reafirma a coexistência

de marcas de uma cultura escolar típica ocidental e de culturas escolares locais.

Palavras-chave: Agenciamento da palavra; cultura escolar; sala de aula; participação

discente; dimensões didática e discursiva.

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ABSTRACT

This work echoes the defense of the necessity to analyze the interactions between

teacher and student inclass by integrating the didactic and discoursive dimensions

that mediate the behaviors presented and materialized in the didactic exchange

interactional space (MATENCIO, 2001). In order to achieve an analysis which

materializes this defense, there is the work with data collected from the interaction of

(and with) two groups – the vierte Klasse B (the 4th grade B) and the room 17. Each

one of the groups was composed by students who attend corresponding school

stages in the education system of Germany and Brazil. The corpus constitution

(classroom interactions, questionnaires answers, narrative reports and field notes)

took into consideration ethnographic principles from and for the field research as well

as intercultural comparative aspects. The classroom (research field) is presented as

a place of socialization and learning processes emergence, an institutional

discoursive environment and a place of observation. Assuming a dialogic point of

view (VOLOCHÍNOV, 1929/1999) – interactional (MEAD, 1934/1962), students and

teachers behaviors are analyzed, taking into consideration, predominantly, intra and

intercultural traces materialized in the manners these social actors participate as

speakers and listeners in their interactional everyday activities. The analysis of the

two groups, concerning student participation manners, testifie that there are as many

fundamental differences as similar profiles, in interactional terms, what reaffirms the

coexistence of typical western school culture marks and school local culture marks.

Keywords: Word management; school culture; classroom; student participation;

didactic and discoursive dimensions.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 − Placa localizada na entrada principal da escola campo de pesquisa ............................................................................................................... 72

Figura 2 − Fachada da escola em que se deu a pesqui sa de campo no exterior ............................................................................................................... 73

Figura 3 − Fachada da escola em que se deu a pesqui sa de campo nacional .. 74

Figura 4 − Posição da pesquisadora na vierte Klasse B ..................................... 75

Figura 5 − Posição da pesquisadora na sala 17 ..... .............................................. 75

Figura 6 − Local de posicionamento do equipamento p ara a captação do áudio na sala de aula vierte Klasse B ................... ........................................ 79

Figura 7 − Geografia da sala de aula vierte Klasse B ........................................... 82

Figura 8 − Exemplo do registro de coordenadas de aç ões não verbais ............ 83

Figura 9 − Local de posicionamento de câmera de víd eo 1 fixa – sala 17 ......... 85

Figura 10 − Local de posicionamento de câmera 2 com tripé móvel – sala 17 . 86

Figura 11 − B A2 P2 – Rafael dirige a palavra a Rau l ......................................... 122

Figura 12 − B A1 P regente – Vinícius dirige a pala vra a Raul .......................... 123

Figura 13 − B A1 P regente – Thaís dirige a palavra a Yan ................................ 123

Figura 14 − Alunos e(m) silêncio no contexto alemão ....................................... 162

Figura 15 − Alunos e(m) silêncio no contexto brasil eiro ................................... 162

Figura 16 − Alunos brasileiros que falam muito em s ala de aula ..................... 163

Figura 17 − Alunos alemães que falam muito em sala de aula ......................... 163

Figura 18 − Alunos alemães aos quais a palavra não foi concedida durante o período de observação em campo .................... ............................... 170

Figura 19 − Alunos brasileiros aos quais a palavra não foi concedida durante o período de observação em campo .................... ............................... 171

Figura 20 − Alunos brasileiros cujas vozes foram ra ramente ouvidas no período de observação em campo .................... ............................... 172

Figura 21 − Alunos alemães cujas vozes foram rarame nte ouvidas no período de observação em campo............................. ..................................... 172

Figura 22 − Alunos alemães que, frequentemente, apr esentavam pistas de desatenção ao que era tematizado pela professora .. ..................... 176

Figura 23 − Alunos brasileiros que, frequentemente, apresentavam pistas de desatenção ao que era tematizado pela professora .. ..................... 177

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 − Coordenadas de registro de ações não ver bais ............................... 81

Quadro 2 − Formatos de aulas recorrentes durante a observação na sala de aula alemã ........................................ ..................................................... 87

Quadro 3 − Cenas .................................. ................................................................ 122

Quadro 4 – Cenas .................................. ................................................................ 125

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LISTA DE SIGLAS

DAAD – Deutscher Akademischer Austausch Dienst IDEB – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica HSU – Heimat und Sachunterricht MEC – Ministério da Educação e Cultura PISA – Programme for International Student Assessment

LISTA DE ABREVIATURAS

A A1 – Alemanha Aula 1 A A2 – Alemanha Aula 2 B A1 P regente – Brasil Aula 1 Professora regente B A1 P2 – Brasil Aula 2 Professora 2

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ........................................................................................... 27

2. CAPITALIZAÇÕES NECESSÁRIAS ........................ ................................. 35 2.1 A sala de aula e suas dimensões ................... ......................................... 36 2.1.1Sala de aula, construção identitária e carreir a de aluno .............................. 38 2.1.2Comportamentos baseados em papéis ......................................................... 43 2.2 Sujeito, língua(gem) e interação social no dialogis mo ......................... 45 2.2.1A palavra em Marxismo e Filosofia da Linguagem ................. ..................... 47 2.3 Dialogismo, princípios (socio)interacionistas e (pe r)calços ................ 49 2.4 Circunscrevendo o estudo do texto oral e os percalç os enfrentados . 50 2.4.1Da década de 1970 até aqui ............................................................................ 53 2.4.2Da noção de turno à tomada de turno: controvér sias e somas para o

estudo da interação .................................................................................. 58 2.4.3Incômodos gerados in vitro .......................................... ................................. 61 2.5 Remontando à construção do objeto ................. .................................... 63 2.5.1 A palavra na sala de aula: mostra de problemas oper acionais

advindos de conceitos já estabilizados para análise do texto oral ..... 64 2.6 A discursivização das identidades relacionais profe ssor e alunos na

sala de aula a partir das posições de falantes e ou vintes .................... 65

3. AÇÕES E REAÇÕES METODOLÓGICAS ..................... ........................... 68 3.1 Pesquisa de campo e etnografia: desdobramentos .... .......................... 68 3.2 (Tentativa de) controle de variáveis .............. .......................................... 70 3.2.1Algumas variáveis implicadas na escolha das sa las de aula, campos da

pesquisa .................................................................................................... 70 3.3 Instrumentos da pesquisa: decisões tomadas a partir da vivência em

campo ............................................. ........................................................... 76 3.3.1 O registro das interações e os desafios superados n o campo de

pesquisa alemão ....................................................................................... 77 3.3.1.1 Metodologia de notação das interações do grupo alem ão .................... 80 3.3.2O registro das interações na sala de aula bras ileira .................................... 84 3.4 Da escolha dos exemplares de aulas para análise ... ............................. 86 3.5 Diário de campo, questionário e vinheta narrativa: dispositivos para

enquadramento da dimensão discursiva .............. ................................. 89 3.5.1O diário de campo ........................................................................................... 90 3.5.2O questionário ................................................................................................. 92 3.5.3A vinheta narrativa como o entrelugar do ver e do olhar ............................ 95 3.6 A cultura na escola e a escola na cultura ......... ...................................... 97 3.6.1Flashes de um dia na escola com o grupo alemão .................................... 102 3.6.2Flashes de um dia na escola com o grupo brasil eiro ................................ 107 3.6.3Pares interlocutivos: uma faceta da cultura es colar nacional .................. 112

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4. SALA DE AULA: MICROCOSMOS DA SOCIEDADE E REDUTO PAR A A CONSTRUÇÃO DA CARREIRA DE ALUNO ................... ....................... 118

4.1 A convivência institucional em sala de aula: a ques tão do mapa de sala .............................................. ............................................................ 118

4.2 Demonstração de engajamento com vistas ao enquadre interativo principal e distribuição da atenção pelas professor as ....................... 129

4.2.1Particularidades do grupo brasileiro ........................................................... 131 4.2.2Particularidades do grupo alemão ............................................................... 138 4.3 O lugar e a natureza das participações em sala de a ula ..................... 150

5. LINGUAGEM, CULTURA E SOCIEDADE: FATORES PARA SE COMPREENDER A CONSTRUÇÃO IDENTITÁRIA E O USO DA PALAVRA EM SALA DE AULA ........................... ................................... 160

5.1 Processos de identificação entre alunos na sala de aula ................... 160 5.1.1 Agrupamento1 ........................................................................................ 162 5.1.2 Agrupamento 2 ....................................................................................... 163 5.1.3 Agrupamento 3 ....................................................................................... 170 5.1.4 Agrupamento 4 ....................................................................................... 172 5.1.5 Agrupamento 5 ....................................................................................... 176 5.2 Limites para o comportamento do aluno em sala de au la: o trançar das

relações sociais e pessoais nos dois grupos ....... ............................... 178 5.3 O agenciamento da palavra nos dois grupos e a hipót ese da

arquitetura dos sistemas de ensino como fatores de influência ....... 195

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................. ....................................... 201

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 204

APÊNDICE A − ATIVIDADES COMPLEMENTARES ............ ................................ 217 APÊNDICE B − SEQUÊNCIA DE TRABALHO ESCOLAR ........ ........................... 218 APÊNDICE C − QUESTIONÁRIOS (GRUPO ALEMÃO) ......... .............................. 219 APÊNDICE D − QUESTIONÁRIO (GRUPO BRASILEIRO) ...... ............................. 225 APÊNDICE E − PEDIDO DE AUTORIZAÇÃO PARA GRAVAÇÃO EM ÁUDIO E

VÍDEO (GRUPO BRASILEIRO)........................... .............................. 227 APÊNDICE F − AA 1 – HSU (ALEMANHA) ................ ........................................... 229 APÊNDICE G − AA 2 — MATEMÁTICA (ALEMANHA) ......... ............................... 237 APÊNDICE H − B A1 P — HISTÓRIA (BRASIL) ........... ........................................ 246 APÊNDICE I − B A2 P2 — MATEMÁTICA (BRASIL) ........ .................................... 259

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1. INTRODUÇÃO

Se toda pesquisa sempre reflete e refrata escolhas e se, para escolher, há

que se excluir, como nasceu o objeto deste estudo? De que tipo de apostas e

filiações este trabalho é projétil? É a essas perguntas que esta introdução quer

responder.

1.1 Palavras iniciais

O modo como ressignifico hoje minhas memórias de aluna (da primeira

experiência, aos três anos de idade, até o doutoramento) e a minha formação como

professora (desde o ingresso na graduação em Letras, até este momento, da minha

primeira aula como docente, da educação básica em 2001 e, mais tarde, a

experiência inaugural como professora universitária substituta em 2006) esclarecem

que o poder institucional da escola de agrupar sujeitos sempre me encantou.

A escola – por meio de seus procedimentos institucionalizantes – reúne

sujeitos, agrupa-os, colocando-os para conviver durante um ano letivo num espaço

físico comum reconhecido como sala de aula.

Como estudiosos das ciências humanas (ou, como preferem alguns, das

ciências da humanidade) sabemos que o mistério da sociabilidade reside na

convivência intersubjetiva. Isso porque a linguagem, que é de natureza dialógica,

como nos ensinou Volochínov (1929/1999), é a agulha que sutura todas as relações

entre os sujeitos, o mundo e as coisas do mundo (onde se inclui este trabalho!).

Escolhi, assim, a sala de aula como lugar da e para a pesquisa, registrada

nesta tese, porque esse é um dos espaços institucionais célebres onde nos

(re)constituímos sujeitos da linguagem.

Em (quase) todos os lugares do mundo há salas de aula. Agora mesmo, há

inumeráveis sujeitos interagindo, e convivendo, nesse espaço discursivo. A história

da sala de aula está sendo agora mesmo refeita, são muitos os fios a tecer o painel

da educabilidade. Há, portanto, muito o que se observar, o imponderável das

relações humanas – e o que elas guardam de traços culturais, sociais, políticos,

econômicos, históricos, linguísticos, etc. – desfralda nos ares, oferecendo-se para

observação.

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A empreitada de pesquisa a que me dediquei, cujo percurso ofereço aqui para

leitura, é modesta: duas salas de aulas, dois grupos. Como o título do trabalho

assinala, busquei uma sala de aula alemã para integrar o outro lado do par da

comparação intercultural com uma sala de aula de nosso país.

A escolha do contexto alemão pode ser explicada a partir de diferentes

perspectivas. Neste momento, ainda introdutório, resguardo-me a anunciar que (i) os

sistemas de ensino alemão e brasileiro têm particularidades estruturais que, quando

contrastados, promovem um bom embate em termos de modelos de educabilidade

(GUMPERZ; GUMPERZ, 1982), o que demonstro adiante, e que (ii) investigações

comparadas a partir de grupos representantes dessas duas realidades têm tido

ainda pouca expoência entre nós.

Não é propriamente nesses pontos que reside a força motriz dessa escolha.

Mas, sim, na aposta de que a natureza linguística da interação professor/aluno na

sala de aula presentifica questões discursivas de natureza político-cultural que

podem auxiliar na compreensão e sistematização do que ocorre nesse cenário em

termos dos modos como os participantes interacionais se constroem

identitariamente.

Mil códigos invisíveis1 regem as regras interacionais e institucionais das

interações que se descortinam na escola. E os estudos de, sobre e a partir da sala

de aula sempre iluminam alguma faceta do que sustenta essa invisibilidade.

Se conhecer uma sala de aula de um outro sistema de ensino pode diminuir a

invisibilidade estrutural e estruturante das salas de aulas nacionais, já reside aí uma

boa justificativa para se fazer o que aqui procurei fazer. Orientando-me por um olhar

etnográfico, assumi que:

a. falar em sistemas escolares pressupõe um movimento, em alguma

instância, comparativo;

b. pode-se depreender facetas culturais de comparações em torno de

modos de dizer e de fazer qualquer atividade (aqui, grosso modo, a de

conviver em sala de aula), no interior de qualquer instituição (escola);

c. adentrar em outros países para conhecer espaços institucionais com os

quais temos larga convivência no nosso país (como uma sala de aula)

1 A expressão é de Todorov apud Serrani-infanti (2001, p. 239-240).

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enriquece a existência e alarga a compreensão do mundo (com suas

incontáveis salas de aula!), desde que lá estejamos “não para dar

soluções para os problemas reconhecidos e aparentes, mas esboçar e

confrontar as condições que estão atreladas aos problemas e às soluções

aparentes2” (McDERMONT; VARENNE, 2005, p. 13), afinal, “o que difere

de uma cultura para outra cultura é a estrutura institucional de sua

aprendizagem e as circunstâncias ambientais que a cultura assume3.”

(YOUNG,1996, p. 37).

Aspectos estruturais dos sistemas de ensino dos dois países (descritos no

capítulo 3) foram tomados como algo da ordem do discurso, o que significa

considerar os padrões de comportamentos dos alunos e professoras em sala de

aula como reações responsivas (também) a esse aspecto discursivo (essa análise

pode ser lida no capítulo 5).

Em termos operacionais, duas perguntas e uma hipótese permitiram que eu

agisse sobre o corpus e nele reconhecesse a complexidade do (inter e intra)cultural

da interação professor/aluno em salas de aula:

a. Por que os alunos e professores alemães e brasileiros com os quais

convivi comportaram-se como se comportaram?

b. O que os padrões de comportamento de cada grupo e de seus

integrantes informam sobre processos identitários em curso?

As hipóteses assumidas foram:

a. a interação na ambiência escolar pode ser vista como um reflexo de

outras interações encenadas em espaços institucionais e discursivos

outros das sociedades alemã e brasileira;

b. grupos de professores e alunos representantes de culturas distintas

demonstrariam que estão em sala de aula por meio de comportamentos

2 “[…] is not about giving solutions to acknowledged and likely false problems, but about sketching and confronting the conditions that tied problems and apparent solutions together.”. 3 “What differs from culture to culture is the institutional structure of this learning and the environmental circunstances that the culture assumes.”.

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também diferentes. Esses comportamentos foram observados por um viés

discursivo linguageiro.

1.2 Da construção do problema da pesquisa: operacio nalizações teórico-

metodológicas

Parti do princípio de que não seria possível discorrer sobre padrões de

comportamento (e o que eles informam em termos de traços culturais das relações

interpessoais e interinstitucionais estabelecidas entre professor e alunos) sem

considerar que, na aula, professor e alunos são também falantes e ouvintes.

As identidades discursivas institucionais dos participantes (de alunos e

professor) convergem com as posições de falante e ouvinte que precisam ser

assumidas de modo coordenado para que se tenha uma comunicação oral e,

portanto, para que os sujeitos possam cumprir as tarefas interacionais de ensinar e

aprender, que justificam o encontro social aula.

A associação de categorias sociais (professor e alunos) a categorias formais

e linguísticas (falantes e ouvinte), defendida no capítulo 2, possibilita que se perceba

que há muito mais na estrutura da interação do que a princípio se vê.

Como a tonalidade e a espessura de um objeto de estudo nascem de uma

operacionalização de um sistema de princípios teórico-metodológicos sobre um

dado corpus, tomado como representativo de um dado fenômeno, informo que o

eixo do trabalho é de base dialógico-interacionista (VOLOCHÍNOV, 1929/1999;

MEAD, 1934/1964), que acolhe tanto os princípios metodológicos típicos de postura

etnográfica (capítulo 3), quanto permite a operacionalização com as seguintes

premissas:

a. a maior parte da essência da aprendizagem escolar se explica e se

constitui no e pelo processo de comunicação professor/aluno (BRUNER,

1985; COLE, 1985);

b. aprender na sala de aula (primeiro espaço institucional do domínio público

das relações humanas) resulta de processos interpessoais entre pares

(professor e alunos, professor e um determinado aluno, aluno e aluno,

etc.) que geram outros processos interpessoais (MOITA LOPES, 1994;

MATENCIO,1991, 1994, 2001);

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c. no convívio diário em uma sala de aula, diferentes sujeitos empíricos vão

(re)construindo suas identidades em função do modo como se

comportam e têm seus comportamentos (auto) (e pelos outros) avaliados

(OCHS, 1993; KLEIMAN, 1990, 1991, 2001; HOLLAND; LACHICOTTE;

SKINNER, 1998; SIGNORINI, 1991, 2001);

d. o comportamento , a que me refiro, é apreendido no plano discursivo e

se organiza de modo dialógico, não necessariamente dialogado

(ROULET, 1985), com vistas ao agenciamento público da palavra e de

seus efeitos em termos de poder interacional no e para o grupo (EHLICH,

1994; SERRANI-INFANTI , 2001);

e. por agenciamento da palavra , compreendo um conjunto de operações

discursivas (tomada, manutenção, concessão, distribuição, cassação,

endereçamento da palavra) que resultam tanto das posições

psicofonatórias (falante e ouvinte) assumidas, quanto interacionais de

professor e alunos;

f. para que se compreenda o quadro interativo da aula , enquadrados no

agenciamento da palavra, é preciso considerar que a instância

institucional escolar intervém tanto em restrições circunstanciais como

duração da aula, número de participantes, objetivos educacionais,

conteúdo curricular, etc.), quanto nas relações de lugares entre os

interactantes (MATENCIO, 2001);

g. há uma realidade conversacional por meio da qual professor e alunos

demonstram que estão no espaço institucional escolar, o que justifica o

encontro social e como as identidades em curso são reciprocamente

avaliadas (GARCEZ, 2006);

h. a aula , seja observada na Alemanha, seja no Brasil, é uma mesma

prática social de uso da linguagem , finalisticamente orientada para a

construção de saberes, constitui-se “no quadro das práticas sócio-

históricas institucionais de ensino/aprendizagem, o que pressupõe a

articulação entre diferentes modos de apropriação da realidade e da

materialidade discursiva.” (MATENCIO, 2001, p. 98);

i. toda e qualquer construção discursiva é cultural , o comportamento

humano e as convenções implicadas no modo de se fazer qualquer

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atividade podem variar suficientemente em todo o mundo (ERICKSON,

1973).

Munida desses princípios, convivi três meses com um grupo de professor e

alunos alemães (vierte Klasse B – quarta série B) e dois meses com um grupo de

brasileiros (Sala 17). As turmas integram a mesma etapa de escolarização, que

corresponde, no Brasil, ao 5º ano do ensino fundamental de 9 anos – antiga 4ª série.

Cada turma é composta de 26 alunos nascidos entre os meses de janeiro de

1990 a fevereiro de 1991 (na época da pesquisa em campo, com 10 ou 11 anos,

recém- aniversariados).

As professoras (referenciadas ao longo de todo o trabalho pelos nomes

fictícios Frau Müller (senhora Müller), Andréia e Fátima são funcionárias públicas

concursadas da rede municipal de ensino.

A convivência com os grupos foi registrada em diários de campo, vinhetas

narrativas, fotografias e gravações de aulas em áudio, na Alemanha, e áudio e

vídeo, no Brasil. Para depreender o ponto de vista dos sujeitos sobre algumas

questões requeridas para validação de hipóteses, vali-me do instrumento de

pesquisa questionário. Documentos catalogados em campo de natureza diversa

também integram o corpus, como explicado de modo pormenorizado no capítulo 3.

Escolhi estudar a interação professor/aluno a partir da análise da transcrição

de quatro aulas, que retratam padrões observados de comportamentos de dois

grupos. O fato de a interação ser encenada oralmente e face a face orientou a

percepção desses comportamentos e, consequentemente, dos parâmetros usados

para suas descrições.

Se, então, esses comportamentos tomaram forma em interações orais face a

face, das quais participei na condição de observadora, foi preciso tomar como

corpus mais do que transcrições de aulas4 para ser capaz de descrever esses

comportamentos, bem como reconhecer que alguns cuidados eram necessários

durante a observação, porque mais tarde eu só poderia tomar como materialidade

discursiva da troca didática entre professor e alunos o que estivesse registrado nas

4 A interação em sala de aula como fenômeno da realidade não pode ser explicado de forma isolada (FLICK, 2002), daí o agenciamento de um corpus multiforme composto de respostas de alunos e professores a questionários, documentos (como atividades didáticas, bilhetes direcionados aos familiares dos alunos) recolhidos em campo, fotos dos campos de pesquisa, vinhetas narrativas e notas de diário de campo.

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transcrições ou a elas reportassem (como será possível verificar a partir do capítulo

2).

1.3 Objetivos da pesquisa

O objetivo geral é estabelecer pontos de contato entre as dimensões didática

e discursiva da interação em sala de aula para perseguir o que a troca didática

observada em dois grupos geograficamente distantes (um alemão e um brasileiro)

registra como marcas (inter e intra)culturais da construção identitária de aluno e as

influências dessas marcas para se compreender o agenciamento da palavra nos

dois grupos.

Os objetivos específicos são:

a. defender a importância de se analisar a aula em termos socioestruturais

(levando em conta sua organização como resultado da coordenação da

palavra entre falantes e ouvintes) e discursivos (considerando o contexto

institucional escolar, padrões do discurso didático e diferenças nos

sistemas de ensino dos dois países);

b. avaliar o que a categoria agenciamento da palavra pode informar sobre o

que ocorre em sala de aula em termos de como os participantes se

constroem identitariamente;

c. demonstrar as contribuições que o refletir sobre o fazer pesquisa

enquanto se está em campo oferece em termos de alternativas

metodológicas e percepção do próprio objeto;

d. contribuir, por meio da investigação comparada de grupos representantes

das realidades brasileira e alemã de ensino (realidade essa com o qual

muito pouco se tem dialogado), para a instauração de um diálogo

internacional distinto (entre pesquisadores alemães e brasileiros).

1.4 Multifacetando o objeto para apreciação: sobre a organização do texto

Tendo, nesta introdução, optado por uma apresentação sumarizada da

natureza do trabalho, do que o justifica e dos parâmetros metodológicos agenciados,

demonstro, no capítulo 2, de natureza teórica, a importância da sala de aula como

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um contexto institucional e interacional; arrolo o dialogismo como abordagem teórica

central no interior da qual conceituo palavra, capitalizando língua, linguagem,

identidade e carreira; por fim, esclareço a aposta na associação das categorias

falante e ouvinte, professor e aluno, para reflexão do que os movimentos

enunciativo-discursivos em torno da palavra (endereçamento, manutenção, tomada,

concessão, distribuição, cassação e pedido) informam sobre a complexidade cultural

inscrita nas cenas rotineiras escolares através das quais os sujeitos se constituem

interactantes.

No capítulo 3, estão registradas informações relativas a i) diferentes

dimensões da pesquisa em campo; ii) decisões e posturas assumidas; iii)

procedimentos realizados; iv) dificuldades encontradas e v) índices reveladores de

padrão de conduta na e para a escola, a que cada grupo integra. Nesse capítulo,

estão descritos, também, aspectos discursivos que atravessam a problemática da

construção identitária na escola como o funcionamento dos sistemas de ensino

alemão e brasileiro.

No capítulo 4, são trazidos os principais argumentos delimitados no capítulo 2

(limites conceituais traçados e pistas estruturais e funcionais para se analisar a troca

didática como um sistema de troca de falas) para se trabalhar a hipótese da

pesquisa, o que se dá no capítulo 5, no qual os alunos alemães e brasileiros – com

padrões semelhantes de comportamentos, embora diferentemente encenados – são

destacados no interior de determinadas cenas enunciativas para que se possa

discutir sobre identidades prototípicas de aluno. Certos traços culturais são

potencializados para a análise discursiva dessas cenas.

O trabalho é encerrado com a síntese do curso do trabalho e com a

reelaboração de conclusões parciais a fim de precisar os desafios operacionais

impostos pelo objeto interação professor/aluno, recobrindo o alcance do que se

teorizou às verificações empíricas, e do que se esperava ter condições de responder

ao que se respondeu de fato.

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2. CAPITALIZAÇÕES NECESSÁRIAS

Tendo em vista a amplitude de aspectos, fatores e variáveis que se oferecem

para o tratamento de um objeto de pesquisa, explicitar as categorias escolhidas para

a composição do quadro teórico figura-se mais que uma exigência do discurso

científico e, nessa medida, requer a mostra de um conjunto de apostas e filiações

realizadas que elucidam não só o que se escolheu como objeto de análise, mas, ao

mesmo tempo, indiciam a própria construção desse objeto.

Este trabalho, tal como informado na Introdução, enfoca participação discente

e palavra em duas salas de aula, geograficamente afastadas, como expedientes

para a construção identitária de aluno.

Os vários anos que se passam, enquanto se frequenta o espaço

organizacional e institucional da escola sendo aluno, permitem que se fale na

construção de uma carreira. O modo como cada aluno constrói essa carreira, o que

faz discursivamente na presença de e com os outros participantes, está sinalizado

no dia a dia interacional da turma que integra e se submete a expectativas sociais

historicamente vinculadas à cultura da escola ocidental e à cultura escolar local (a

alemã e a brasileira) a que as turmas observadas representam e integram.

Examino a interação social a partir de uma abordagem dialógica da linguagem

(VOLOCHÍNOV, 1929/1999), o que faço com o auxílio de pressupostos

(socio)interacionistas derivados da abordagem de Mead (1934/1962).

A ideia de cultura (mais detalhadamente tematizada no capítulo 3 – Ações e

reações metodológicas) também parametriza as discussões teóricas que

alimentaram as análises.

Um outro ponto de vista, igualmente importante, que assumo, e que por isso é

neste capítulo defendido, diz respeito à aposta de que as identidades discursivas

institucionais dos participantes (de alunos e professor) convergem com as

posições de falante e ouvinte que precisam ser assumidas de modo coordenado

para que se tenha uma comunicação oral e, portanto, para que os sujeitos possam

cumprir as tarefas interacionais de ensinar e aprender, que justificam o encontro

social aula.

Essa aposta exige um esforço argumentativo em termos da gerência de um

quadro teórico capaz de abarcar categorias sociais e linguísticas atreladas a

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diferentes aspectos da interação abordados, tendo em vista o agenciamento da

palavra na sala de aula.

Este capítulo registra o arcabouço teórico central que imprimiu os principais

recortes e movimentos de análise realizados para o tratamento da interação em sala

de aula, ao longo da pesquisa registrada nesta tese.

2.1 A sala de aula e suas dimensões

É na sala de aula que professor e alunos constroem coletivamente suas

realidades diárias, o que fazem colocando em prática modelos de educabilidade

(GUMPERZ; GUMPERZ, 1982) e exprimindo expectativas sociais diversas acerca

da escola e daqueles que desse espaço participam. Assim, sejam quais forem as

nossas perspectivas de análises – estudar a interação e a aprendizagem, a

interação na aprendizagem e/ou a interação como contexto de aprendizagem

(KLEIMAN, 1991) – a sala de aula será sempre, ao mesmo tempo, ponto de partida

e chegada.

Para tocar a pele desse corpo social5 que é a escola, estou considerando que

a sala de aula é:

a. lugar de emergência de processos de socialização e aprendizagem;

b. ambiente institucional discursivo;

c. lugar de observação (ver capítulo 3).

A sala de aula tradicional é um contexto de interação institucionalizado em

que indivíduos reconhecidos como professor e alunos constroem suas identidades

relacionais face a face, no dia a dia escolar, a partir de direitos e deveres

interacionais.

Se cada sala de aula é uma microcultura (ERICKSON, 1990), ou seja, se ela

traz marcas do que é local/circunstancial/característico e significativo para o grupo

que ali convive, tudo que é dessa ordem é, em alguma medida, também atravessado

por aspectos comuns de outras salas de aulas.

5 A bela expressão cinestésica aqui foi emprestada de Teixeira (2001).

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Há sempre facetas institucionais de um funcionamento recorrente que nos

permite dizer que estamos diante de uma sala de aula – de algo que se coloca como

marcadamente dessa instituição a que chamamos, em português, escola, school em

inglês, Schule em alemão e que se grafa com 学校 em japonês.

Princípios de um mesmo código cultural escolar (tudo aquilo que

historicamente se cristalizou como característica da instituição escola) aparecem sob

diferentes roupagens no cotidiano dos grupos, instituindo diferentes procedimentos

para se cumprir certas restrições com vistas ao comportamento em sala de aula.

A sala de aula como contexto institucional é

[...] um espaço já construído por um compartilhado “complexo de convenções cuja visibilidade e continuidade são garantidas institucionalmente”. E os construtos linguísticos da comunicação institucional, ao mesmo tempo em que são marcados por necessidades práticas de padronização, indexicalizam sistemas de valores e objetivos assumidos como compartilhados pelo grupo de referência ou comunidade relevante. Nesse sentido, comunicar legitimidade é reafirmar uma presumida visão de mundo, própria de determinado grupo social. (SIGNORINI, 2001, p. 150-151).

Neste estudo, o que faço é perseguir visões de mundo próprias (revestidas,

muitas vezes, por roupagens linguístico-discursivas cobertas por uma capa de

invisibilidade) da turma vierte Klasse B (alemã) e da turma 17 (brasileira).

Salas de aulas geograficamente distantes (é só o que a essa altura cabe

dizer), cujos participantes acolheram-me permitindo que eu observasse seus modos

interacionais de trabalho e que com eles convivesse, respeitados certos

mecanismos institucionais (a esse respeito, conferir capítulo 3).

Se nascemos para nos comunicar e se é no curso de uma vida que

aprendemos a ser sujeitos de linguagem, a sala de aula é um contexto dialógico

ímpar na vida daqueles que lá participam, porque

[...] os indivíduos envolvidos no processo de vida social cujas instituições sociais são manifestações organizadas podem desenvolver e possuir eus ou personalidades completamente maduras à medida que cada indivíduo reflete, ou descobre a partir de sua experiência individual que estas atitudes e atividades sociais organizadas são incorporadas ou representadas pelas instituições sociais6. (MEAD, 1962/1934, p. 262).

6 “[…] the individuals involved in the general social life-process of which social institutions are organized manifestations can develop and possess fully mature selves or personalities only in so far

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Professor e alunos se dirigem regularmente a um mesmo espaço físico (a

sala de aula) para (co)desempenharem funções sociais estabilizadas e terem suas

memórias dos laços socioafetivos (re)construídas, sobretudo, em função do tempo e

da natureza dessa convivência intersubjetiva. A sala de aula é, por isso, porta de

entrada para o domínio público das relações humanas e lugar genuíno de

construção de pelo menos uma identidade social: a de aluno.

2.1.1 Sala de aula, construção identitária e carrei ra de aluno

A imagem que um sujeito faz de si mesmo se molda e remolda não apenas a

partir do modo como esse sujeito compreende e significa suas ações, mas também

em função das pistas dadas pelos outros sujeitos sobre o modo como suas ações

estão sendo interpretadas. Esse jogo de (auto/hetero) avaliações ocorre porque

[...] o ser humano, em suas interações, tende a agir de acordo com uma determinada linha de conduta, ou seja, um padrão de comportamento verbal e não verbal por meio do qual ele expressa sua visão das coisas e, por meio dessa, seu julgamento dos outros participantes e, especialmente, de si mesmo. (BAPTISTA, 2002, p. 367, grifo meu).

A convivência intersubjetiva promove a revisão contínua e continuada de uma

identidade, afinal, não é à toa que falamos em (processos de) construção identitária.

Identidades são, assim, mediadas por comportamentos verbais e/ou não

verbais que sofrem influências da cultura da escola e da cultura escolar do grupo.

Assim, o “comportamento é mediado por sensos de self ou pelo que chamamos

identidades7” (HOLLAND et al., 1998, p. 5) e identidades são “os imaginários do self

em mundos de ação, como produtos sociais”, bem como “são recursos decisivos

com os quais as pessoas se importam e cuidam do que está acontecendo ao redor

delas8.” (HOLLAND et al., 1998, p. 5).

Quando se fala em identidade de aluno já se está focalizando um ponto de

um todo contínuo de comportamentos rotineiros e, portanto, regulares. Falar em

as each one of them reflects or prehends in his individual experience these organized social attitudes and activities which social institutions embody or represent.”. 7 “[…] behavior is mediated by senses of self or what we call identities.”. 8 “[…] the imaginings of self in worlds of action, as social products”; identities “[…] are a key means through with people care about and care for what is going on around them.”.

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identidade é, no esteio desse raciocínio, falar de estabilização (momentânea) de

imagens. O que estou dizendo é que não há como apreender, em uma única visada,

diferentes pontos que constituem a fluidez de um contínuo que é a construção

identitária, pois a identidade é sempre situada.

Se o conceito identidade guarda esse traço resultante de uma equação

(construção identitária) advinda da soma de cenas observadas em “aquis e agoras”

acessados nas observações em sala de aula, a noção de carreira registra a memória

de interações experenciadas por um sujeito antes que ele fizesse parte do grupo que

se está em campo a observar.

A opção é, portanto, falar em identidades para me referir a um histórico

diariamente reconstruído de relações de socialização do e no grupo, que tive acesso

durante os meses das pesquisas em campo (ver capítulo 3), e em carreira para

topicalizar o entorno do que fez com que eu observasse o que eu observei, ou seja,

para me reportar a aspectos da cultura da escola e da cultura escolar do grupo que

contextualizam seus modos regulares e reguladores de ação em sala de aula (Cf.

capítulos 4 e 5). Estou sinalizando aqui um tráfego conceitual de mão dupla:

a. na mão de direção: o que ocorre é fruto de um histórico de vivências no

interior do grupo (aquele com quem o pesquisador conviveu por alguns

meses) resultante de um autogerenciamento (as imagens que cada

sujeito reivindica para si mesmo) e heterogerenciamento

(operacionalizada pelos demais participantes, professor e outros alunos).

O único heterogerenciamento passível de (certa) generalização recai no

professor. A ele (adulto experiente e preparado para a tarefa de ensinar) a

escola atribui não apenas o gerenciamento da palavra, mas também o

gerenciamento das identidades em curso. Ao gerenciar a interação, o

professor está oferecendo ao grupo índices das imagens subjetivas em

curso, como as de um determinado aluno, em sua singularidade, de

certos alunos em subgrupos ou de todos os alunos, ao falar sobre a

turma;

b. na contramão de direção: as experiências que interessam são as

vivenciadas até o momento por cada um dos participantes no interior do

grupo (em momentos do ano letivo que o pesquisador não estava em

campo) e em outros grupos, anteriores a esse ou atuais, que se somam

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aos históricos de socialização de cada aluno (que o pesquisador ou o

parceiro interacional só tem acesso por relatos memorialísticos).

A linha de conduta, expressão emprestada da teorização de Baptista (2002),

traçada pelos sujeito no dia a dia interacional de um grupo, é resultado da travessia

e dos percursos realizados nessas duas mãos de direção. Dizer linha de conduta

implica considerar comportamentos como algo que remete a uma espécie de

renque, fileira, corrente e, portanto, como algo da ordem do que integra, do que é

parte.

A ideia de incompletude contida na expressão rascunho de projeto se deve ao

fato de que professores e alunos são, dessa maneira, “agentes na produção do seu

próprio self e na produção do self do outro” (BAPTISTA, 2002, p. 366), o que

autoriza a dizer que as convivências intersubjetivas no interior do grupo e as

vivências anteriores explicam porque os sujeitos participam como participam hoje

das interações. Sendo assim, tudo que um aluno faz ou já fez em sala de aula

integra o seu rascunho de projeto de carreira de aluno (BAMBERG, 2002).

A expressão carreira de aluno tem sido usada em estudos da etnografia da

sala de aula. Nesse domínio, recorrem-se também a expressões como carreira de

conversalista e carreira interacional (ERICKSON, 2004).

Para evitar o desconforto do trabalho com uma noção advinda da Sociologia –

cuja incidência é ainda esparsa nos estudos linguísticos e cuja força talvez não

tenha sido plenamente balizada na Linguística Aplicada – permito-me registrar

algumas das facetas históricas de sua estabilização conceitual.

Sem pretensões de fixar particulares, que elevaram a noção a conceito formal

dos estudos da organização social no início da década de 1970, traço apenas

algumas das visadas do conceito caras aos propósitos deste estudo, baseando-me

na acurada revisão do estado da arte do conceito apresentada no clássico

multiautoral Handbook of career theory (ARTHUR, M. B; HALL, D. T; LAWRENCE,

B. S., 1989).

Sob sociologia das carreiras (sociology of careers), primeira roupagem do

conceito, contemplaram-se experiências vivenciadas num determinado período de

tempo por sujeitos, integrantes de grupos, considerados socialmente desviantes

como taxi’s dancers, ladrões profissionais e delinquentes juvenis. Embora essa

tendência da década de 1930 ainda perdure, os primeiros estudos foram

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atravessados por posturas deterministas como as de que indivíduos desviantes

tinham tido necessariamente processos de socialização no interior de ‘subculturas’,

o que, nos dias atuais, é visto com muita cautela (BARLEY, 1989).

Outro momento expoencial do conceito foi aquele em que sociólogos

propuseram o link job (atividade, trabalho) e career procurando assim desmitificar

carreira como posições relacionadas ao trabalho profissional (work-related positions)

ou a padrões de ação no interior de uma instituição formal. A partir desse momento,

passa-se a perceber a dualidade ontológica do conceito, daí a discussão de Barley

(1989, p. 49) de que

[...] carreira foi um tipo de conceito Janus que orientou a atenção em duas direções simultaneamente. Por um lado, as carreiras direcionaram para aquelas formas institucionais de participação características de algum mundo social... por outro lado, [...] as carreiras subjetivas evidenciaram elas mesmas as histórias contadas pelas pessoas como forma de atribuir coerência às suas próprias vidas9. (BARLEY, 1989, p. 49).

O que alguns teóricos trataram, a princípio, como carreiras subjetivas

reverbera mais tarde – estou assim apostando – em pesquisas sobre identidade(s).

Um dos indícios que me conduziram a esse raciocínio foi a teorização de que “[...] as

carreiras subjetivas mudaram com o tempo, enquanto os indivíduos mudaram seus

alinhamentos sociais e reconstruiram seu passado e futuro de acordo com o

presente10.” (BARLEY, 1989, p. 49).

Um estudo retrospectivo da formação desses conceitos levaria-nos, sem

dúvida, à percepção de que a “influência recíproca da organização sobre o indivíduo

(socialização) e o impacto do indivíduo na organização (inovação)11” são pontos

conceituais de contato proeminentes entre eles (DALTON, 1989, p. 96).

A convivência intersubjetiva, consumada em espaços discursivos

institucionais, é ponto chave para discutir o que carreira e identidade guardam de

semelhanças conceituais. O movimento teórico em torno da noção de carreira,

9 “Career was a Janus-like concept that oriented attention simultaneously in two directions. On one hand, careers pointed to those institutional forms of participation characteristic of some social world…on the other hand […] subjective careers evidenced themselves in the tales people told to lend coherence to the strands of their life […]”. 10 “[…] subjective careers changed with time as individuals shifted their social footing and reconstructed their past and future in terms with their present.”. 11 “[…] reciprocal influence of the organization on the individual (socialization) and the impact of the individual on the organization (innovation).”.

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acredito, contribuiu para que se abrisse caminho para se pensar sobre identidade(s),

uma vez que

As identidades permitem às pessoas atribuir significado e propósito para suas ações através de uma construção retrospectiva no fluxo de suas vidas. Tais identidades encapsulam a experiência de um papel e constituem a base para desenvolver comprometimento de um self situado, um sentido de um eu particular e de um eu estou aqui. A relação espelhada entre papel e identidade fundamenta-se nos sociólogos de Chicago12. (BARLEY, 1989, p. 51).

É, portanto, essa relação espelhada entre os conceitos que este trabalho

ilumina, o que faço aceitando os riscos da, porventura, dificuldade de discernimento

das diferenças entre o que se coloca à frente do espelho e aquilo que nele se reflete.

A ideia imagética de construção espelhada permite afirmar que, ao se falar de

carreira ou identidade de alunos, se fala de construções discursivas, cuja percepção

material, física, impõe certas barreiras, como ficará adiante, nos capítulos de

análise, comprovado.

Como se vê, na história da construção conceitual de carreira, é possível

entreler o princípio interacionista de que a ação com o outro é também uma reação,

no sentido de que “quando duas pessoas estão interagindo, cada uma delas está

constantemente interpretando seus próprios atos e os atos dos outros, e reagindo, e

reinterpretando, e reagindo, e reinterpretando, e reagindo.” (DELAMONT, 1984, p.

27 apud TEIXEIRA, 2001, p. 197).

Carreira é um recorte nocional que circunscreve bons pontos de interface

entre a abordagem dialógica da linguagem e a construção identitária de aluno,

porque sua origem (década de 1920, quando irrompe na escola de Chicago) está

atrelada às apostas sociológicas do enlaço ação e estrutura sociais.

Uma das formas de se reconhecer essa estrutura é olhando para o que os

comportamentos de indivíduos de um grupo guardam em comum entre si e com

outros grupos, a quem a escola também atribui as identidades relacionais de

professor e aluno. A estrutura é, desse modo, acessada a partir da observação de

comportamentos, baseados em papéis.

12 “Identities enable people to ascribe meaning and purpose to their actions and, by retrospective construction, to the flow of their lives. As such identities encapsulate the experience of a role and constitute the basis for developing commitment to a situated self, a sence of the particular me and I am here. The mirror-like relation between role and identity enable the Chicago sociologists to ground.”.

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Neste estudo, os comportamentos recorrentes e assemelhados entre os

alunos da vierte Klasse B e os da turma 17, deflagrados em cenas de sala de aula

tomadas para análise, possibilitam que se fale em diferentes tipos de carreiras de

aluno, afinal

[...] tipos de carreiras podem existir apenas quando certo número de indivíduos seguiram o mesmo caminho. Somente quando o caminho é reconhecido socialmente, o indivíduo pode desenhar a partir da carreira uma identidade ratificada13. (GOFFMAN, 1961; BARLEY, 1989, p. 51).

À medida que os sujeitos se reconhecem no interior de grupos, passam a

entender a si mesmos, a linguagem e os parâmetros da vida em sociedade.

2.1.2 Comportamentos baseados em papéis

Professor e aluno são categorias sociais. Em sala de aula (espaço

institucional genuíno da escola e reduto para a construção identitária de aluno),

professor e alunos são papéis sociais e comunicativos a serem desempenhados por

sujeitos empíricos.

Para Banton (1965, p. 139), papel social é “um conjunto de normas e

expectativas aplicadas àqueles que ocupam uma posição específica14.”. Oreström

(1983, p. 38) chama a atenção para o fato de que os “papéis sociais geralmente não

intercambiáveis ocorrem no interior de uma mesma interação. Eles podem ser

hierárquicos ou não15.”.

No curso da interação em sala de aula, os papéis sociais são hierárquicos e

não cambiáveis. Faça o que fizer o professor (valendo-se ou não da palavra), ele

não deixará de responder institucionalmente pelos seus atos, como professor e

sujeito adulto, o que vale para o alunado com as devidas proporções.

Já em termos interacionais, é possível que alunos encenem o papel

comunicativo de professor, aqui pensado como funções projetadas no plano da fala

de uma interação em curso, através das quais o professor pode, por exemplo, i)

discursivamente fazer-se, construir-se, aluno como estratégia didática, ou ii)

13 “[…] careers lines can exist only when a number of individuals that followed the same path. For only when the path is socially recognized, can the individual draw from the career a ratified identity.”. 14 “[…] a set of norms and expectations applied to the incumbents of a particular position.”. 15 “Social roles; generally non-interchangeable roles within the same interaction. They can be hierarchical or non-hierarchical.”.

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determinar que os alunos representem um papel semelhante ao de professor, como

a de conduzir uma correção de atividade ou “dar aula”, a partir de uma proposta

como seminário, em que temas são distribuídos entre os alunos.

A encenação de um papel do outro não garante que a encenação também

ocorra do outro lado do par. Se o professor, na posição de falante, se projeta

interativamente como aluno, isso não quer dizer que os alunos automaticamente

vestirão (ou que lhes será permitido trajar) a vestimenta de professor.

As ponderações de Mead (1934/1962) sobre as relações entre o espaço

institucional e os sujeitos que lá desempenham suas funções contribuíram para que

a noção de papel (role)16 proposta por Linton (1936) e Parsons (1951), que até então

reinava absoluta, fosse, nos seguintes termos, relida.

Se, antes, os papéis eram tomados como direitos e deveres definidos

rigidamente antes da interação, eles passam a ser considerados como um

deslocamento que evoca “uma mudança na qual um [interactante] apresenta a si

mesmo ao outro, uma mudança de como um é tratado pelos outros e, em muitas

instâncias, uma mudança entre os parceiros interacionais17.” (BARLEY, 1989, p. 50).

Com a consolidação do interacionismo, na vertente de Mead (1962/1934, p.

262), e de seu olhar para a instituição, de que “não há razão necessária ou inevitável

pelas quais as instituições sociais devam ser opressivas ou rigidamente

conservadoras”18, abre-se espaço para um olhar sobre o sujeito que considera suas

identidades relacionais como

[...] uma produção social emergente da interação, nem inteiramente livre das relações de poder que se reproduzem na microinteração, nem totalmente determinadas por estas por força do caráter construtivo, criador de novos contextos da interação, que permitiria, a princípio, a criação de relações novas, em conseqüência da utilização subjetiva que os interactantes fazem dos elementos objetivamente dados pela realidade social. (KLEIMAN, 1998, p. 271).

Com isso, cravava-se um lugar para a resistência no interior das instituições:

16 A referência aqui é à metáfora de vestimenta de um papel social registrada na expressão a well-tailored suit of clothes criada pelos autores. 17 “A change in how one presents oneself to others, a change in how one is treated by others, and in many instances a change in one’s interactional partners.”. 18 “There is no necessary or inevitable reason why social institutions should be opressive or rigidly conservative.”.

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As instituições sociais como eus individuais são acontecimentos de manifestações particulares e formalizadas que fazem parte do processo de vida social da evolução humana. Como tal, elas não são necessariamente subversivas da individualidade dos membros e não representam ou sustentam necessariamente definições estreitas de certos padrões fixos e específicos de atuação, cujas circunstâncias dadas devem caracterizar o comportamento de todos os indivíduos inteligentes e socialmente responsáveis (em oposição a indivíduos não inteligentes e socialmente irresponsáveis considerados idiotas e imbecis) membros de uma dada comunidade ou grupo social.19 (MEAD, 1962/1934, p. 262).

Como os participantes do cenário interacional da sala de aula mostram

resistência e a que resistem é tema do capítulo 5. Por ora, esclareço quais são as

concepções de sujeito, língua(gem) e interação social subjacentes à exposição até

aqui traçada.

2.2 Sujeito, língua(gem) e interação social no dial ogismo

Interessa a este trabalho contemplar a interação em sala de aula tanto em

termos das produções de sentido (em curso) e das relações estabelecidas pelos

sujeitos da pesquisa – que desempenham suas funções nos contextos particulares

da vierte Klasse B e da sala 17 – quanto de modo a considerar o que a interação

observada traz de reprodução de sentido (discurso) e de memórias de posições

sociais anteriormente assumidas (vinculadas à história, sempre em reconstrução, do

funcionamento de grupo sociais).

Para dar conta dessa movência, há a escolha do dialogismo como aporte

teórico central. Essa opção se deve ao fato de que nessa abordagem:

a. a linguagem e o sujeito estão inscritos em um processo socio-histórico-

ideológico20;

b. a palavra (pensada21 ou exteriorizada na enunciação) é sempre réplica22;

19 “Social institutions, like individuals selves, are developments with, or particular and formalized manifestations of, the social life-process at its human evolutionary level. As such they are not necessarily subversive of individuality in the individual members; and they do not necessarily represent or uphold narrow definitions of certain fixed and specific patterns of acting which in any given circumstances should characterize the behavior of all intelligent and socially responsible individuals (in opposition to such unintelligent and socially irresponsible individuals as morons and imbeciles), as members of the given community or social group.” (MEAD, 1962/1934, p. 262). 20 O dialogismo – como resposta a um movimento positivista vigente que preconizava uma visão de língua estruturalista e tipicamente formalista – traz os locutores e os contextos das enunciações para o campo dos estudos da linguagem.

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c. o sujeito é dúplice e transitivo23;

d. interações sociais são atos humanos em que indivíduos (socialmente

organizados) partem da ideologicidade consensual inscrita (e por eles

ressignificada) na palavra para se relacionarem e, assim, se construírem

sujeitos com o outro, para o outro e para si mesmos;

e. os sujeitos assim se interrelacionam, ou relacionam-se consigo mesmos

(introspecção), com a ajuda de signos ideológicos dos quais se valem

para se expressarem por palavras, mímicas, gestos, jogos de olhares ou

por qualquer outro meio.

A simultaneidade de relações conceituais não hierarquizadas inscritas em

princípios do dialogismo (como deflagrado de a a e) permite que se veja que a

interação entre interlocutores funda, a um só tempo, a linguagem, a relação entre os

sujeitos, a significação das palavras e os próprios sujeitos, sem desconsiderar a

faceta ideológica que reveste todo o comportamento humano, que a palavra

acompanha e comenta, sendo réplica de um sentido ideológico e vivencial,

(VOLOCHÍNOV, 1929/1999), ou seja, nem tudo está dado, nem tudo é criado no

momento.

Um outro aspecto determinante da escolha do dialogismo como teoria-eixo

das análises empreendidas se explica pelo modo filosófico de olhar para a

linguagem que está, acredito, refletido na noção rarefeita de palavra24, que

atravessa boa parte de Marxismo e Filosofia da Linguagem.

21 Volochínov (1929/1999, p. 59) nomeia instrospecção (o ato de compreensão materializado na consciência na forma de pensamento, subordinado, desde a sua origem, a um sistema ideológico) e Bakhtin (1979/2000, p. 373), mais tarde, teoriza sobre a palavra pensada (mutismo), que se opõe à “natureza fisiológica e mecânica” da palavra que, ao ser enunciada, rompe o silêncio. 22 Uma “resposta a alguma coisa” como “um elo da cadeia dos atos de fala. Toda inscrição prolonga aquelas que a precederam, trava uma polêmica com elas, conta com as reações ativas da compreensão, antecipa-as.” (VOLOCHÍNOV, 1929/1999, p. 98). 23 “O ‘eu’ não existe por si, pois apenas pode instituir-se como tal em face do ‘outro’. Do caráter reversível do sujeito decorre o caráter dialógico da linguagem e a existência, na mesma, de um componente interpessoal ou intersubjetivo.” (GALEMBECK; VEASEY, 2004, p. 2). 24 A genialidade de discussões em torno de uma noção, que estou aqui nomeando, rarefeita de palavra, está materializada, por exemplo, na célebre metáfora: “a palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros. Se ela se apoia sobre mim numa extremidade, na outra apoia-se sobre o meu interlocutor. A palavra é o território comum do locutor e do interlocutor.” (VOLOCHÍNOV (1929/1999, p. 113). A escolha do signo ‘ponte’ traz ecos e ressonâncias do meio e do contexto sociais em que se inscrevem a obra. O “mim” e “os outros” são dimensionados nas extremidades de uma mesma ponte, o que traduz não só o momento de pensamentos dicotômicos, mas o desejo da ruptura.

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2.2.1 A palavra em Marxismo e Filosofia da Linguagem

Volochínov (1929/1999) teoriza sobre palavra como especificidade do

humano, o ser do humano, como lócus de acesso ao outro. Compreende-se palavra

como algo que germina no solo da necessidade básica do ser humano de se

comunicar e que é fertilizado sob o sol da organização hierarquizada das relações

sociais (consideradas as condições de comunicação de uma época e de

funcionamento de um grupo social).

Trata-se de um solo que está ali para ser lavorado mediamente; a tudo que se

submete à palavra, submete-se igualmente ao homem (sujeito da palavra) que

interage, nos termos volochínovianos, na posição de ‘mim’ ou de ‘os outros’.

Sob o arcabouço de palavra na acepção de Volochínov (1929/1999),

conceitos atuais muito diversos e advindos de diferentes correntes do pensamento

linguístico25 podem ser evocados. A essa envergadura concedida à ideia de palavra

atribuo uma parcela da genialidade da teoria do dialogismo. Ao dizer palavra,

circunscreve-se ora o que se enuncia – material que dá vazão a uma compreensão

interior, produto da interação viva das relações sociais –, ora a própria enunciação

– lugar: “uma arena em miniatura onde se entrecruzam e lutam os valores sociais de

orientação contraditória.” (VOLOCHÍNOV,1929/1999, p. 66).

Palavra reporta tanto a processos materializadores de relações sociais,

engendradores da consciência e esclarecedores de signos associados a diferentes

códigos semióticos, quanto a produtos materializáveis em enunciações, em signos

ideológicos, em atos de compreensão, de interpretação e em indicadores de

transformações sociais.

Todas as ações em torno da palavra estão submetidas a forças que se

opõem: a uma dialogia de forças. A palavra (i) institui movimentos sociais (processo

de enunciação) sendo, ao mesmo tempo, por eles determinada (produto

enunciativo); (ii) apresenta-se simultaneamente como interrogação (produção de 25 Há uma considerável margem de manobra para se argumentar o que se poderia traduzir hoje como material verbal (enunciado/texto/gênero textual, discursivo) ideológico (ato de fala/discurso); efetivação física (escrita/fala, turno de fala, unidade discursiva) verbal (oralizada/falada/ dialogada/escrita; atividade mental (sociocognitiva/linguística/linguageira/social/semiótica) interior (esquema de conhecimento/memória/frames/letramento) ou exterior (enunciação/discursivização/diálogo).

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sentido) e réplica (efeito de sentido), bem como (iii) reitera e ratifica ideologias

(discursos).

Esse modo de olhar para a palavra interessa de perto a este estudo, tendo

em vista a plasticidade referencial do termo requerida para o modo como quero aqui

pensar a palavra, por exemplo, ora como fala, participação verbalizada, ora como

meio de se exercitar o poder na sala de aula. O que os sujeitos fazem, ou são

capazes de fazer, em sala de aula, fazem, sobretudo, por meio da palavra falada ou

com vistas a ela, o que, certamente, ocorre com o auxílio de outros sistemas

semióticos.

As relações de lugares e papéis assumidas no decurso de socializações com

vistas à interação (didática) levam em conta uma realidade conversacional em que

professores e alunos precisam demonstrar que estão no espaço institucional da sala

de aula comportando-se como falantes e ouvintes.

Volochínov (1929/1999) não cria categorias operacionais de e para a análise

da interação social, verbalizada em texto oral ou escrito, o que faz é construir uma

percepção de um mundo socialmente organizado em função da palavra, tendo assim

influenciado diversas linhas de pesquisa que se definiram, posteriormente, como

(socio)interacionistas. Ao ler uma obra como Marxismo e Filosofia da Linguagem,

nos dias de hoje, fica patente o refinamento conceitual que atualmente dispomos

para a análise de práticas linguageiras.

Minha aposta é que a bela argumentação em torno de uma ideia rarefeita de

palavra, flexível e flexibilizada, que aceita ser lida à luz de diferentes conceitos

atuais, explica como uma abordagem teórica de meados do século XX ainda

representa o mesmo “mundo em movimento e em perene transformação” dos dias

atuais e de que “seu objeto [...] sempre em processo, não se submete a uma forma

fixa e imutável”, justamente porque “não há terreno sólido para as construções

formais [...] nada é [...] definitivo, nada está estabelecido permanentemente, tudo

oscila com as alterações do quadro histórico, em que as ações humanas se

desenrolam.” (RIBEIRO, 2006, p. 7).

Apenas no interior de uma abordagem como essa é que me arrisco a

trabalhar com a hipótese de que os padrões de comportamento discursivos e

discursivizados dos alunos da vierte Klasse B e dos alunos da sala 17 (e das

respectivas professoras) são respostas (também) a uma certa arquitetura de ensino

a que os grupos estão submetidos.

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2.3 Dialogismo, princípios (socio)interacionistas e (per)calços

A margem de manobra para operar com uma noção rarefeita de palavra e a

possibilidade de pensar a estrutura da enunciação como uma estrutura social fez do

dialogismo, neste trabalho, tanto lugar de onde se lança o olhar quanto ponto de

percepção do objeto; entretanto, o caráter instrumentalizador para se ler o corpus,

em termos procedimentais, adveio de outras filiações (o que também está esboçado

no próximo capítulo), sendo apenas uma delas de fácil justificativa.

As filiações a que me refiro dizem respeito às duas grandes tendências de

pesquisas sobre a sala de aula, que interessam de perto a este trabalho:

a. a desenvolvida, sobretudo por sociólogos, que tem discutido sobre a

regulação da ordem social através de processos comunicativos como a

tomada de turno e estruturas de participação social (SACKS;

SCHEGLOFF; JEFFERSON, 1974; SHULTZ; FLORIO; ERICKSON,

1982). A influência dessa abordagem é avaliada negativamente por

inúmeros linguistas que dizem haver um nível de descrição que chega a

ser, por vezes, positivista por focalizar a recorrência do acontecimento em

um dado cenário em detrimento da descrição dos mecanismos discursivos

que integram, e explicam, a cena enunciativa;

b. a que tem focalizado aspectos verbais e não verbais da comunicação no

interior e entre grupos culturais (COOK-GUMPERZ, 1979; ERICKSON;

SHULTZ, 1981; PHILIPS, 2002; MERRIT, 1982). As categorias de análise

dessa tendência, por serem sociais (como as advindas do interacionismo

na proposta de Mead), são, sem dúvida, bem acolhidas em um quadro

teórico instanciado no dialogismo, como presentificam as análises que

integram este estudo.

O desafio, assim, é integrar categorias linguísticas como falante e ouvinte, a

categorias sociais como professor e aluno ou noções como turno e intervenção à

ideia de participação. Como a minha aposta é a de que um movimento dessa

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natureza leva a um alinhavo (quando não a uma costura) de alguns aspectos

microestruturais a outros macroestruturais, é disso que passo a tratar.

2.4 Circunscrevendo o estudo do texto oral e os per calços enfrentados

No interior da Linguística, o estudo de textos orais é recente e traz em sua

gênese apostas de diferentes domínios científicos que busca(ra)m refletir sobre o

lugar da linguagem no homem e do homem na linguagem.

Por trás dessa afirmação, há teorizações basilares anteriores que precisam

ser lembradas, haja vista o que elas representa(r)am na história de um campo de

saber e os contextos socio-históricos de que são resultado, refiro-me ao modo como

olho para o dialogismo. Uma abordagem que nasce da positivação do que se excluiu

nos momentos fundadores da linguística tradicional é a fala como objeto legítimo de

investigação, que Volochínov (1929/1999, p. 129) reivindica como:

A enunciação realizada é como uma ilha emergindo de um oceano sem limites, o discurso interior. As dimensões e as formas dessa ilha são determinadas pela situação da enunciação e por seu auditório. A situação e o auditório obrigam o discurso interior a realizar-se em uma expressão exterior definida, que se insere diretamente no contexto não verbalizado da vida corrente, e nele se amplia pela ação, pelo gesto ou pela resposta verbal dos outros.” (VOLOCHÍNOV, 1929/1999, p. 128).

De vertentes de estudo do texto oral – como Análise da Conversa

Etnometodológica, Fala-em-Interação social e Teoria(s) dos gêneros – depreendem-

se princípios teóricos e categorias operacionais advindas de discussões

sociológicas, antropológicas, de estudos basilares da filosofia da linguagem

(ordinary language philosophy) e de pesquisas da psicologia social.

Já outras vertentes (como o Estudo do texto falado e Análise da Conversação

nas vertentes brasileira ou do grupo de Roulet) apontam para um interesse central

pela linguagem em si e por sua descrição. O que me interessa ressaltar, ao citar o

nome dessas diferentes vertentes, é que hoje contamos com uma espécie de

refinamento conceitual para circunscrever uma interação social (como, por exemplo,

gênero, prática, evento e discurso, a partir de perspectivas teóricas diversas). Isso

se pensarmos em momentos como a década de 1930, em que Volochínov falava em

diferentes formas de comunicação a enquadrar as enunciações.

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Mesmo considerando os ganhos de tantas abordagens, em termos de

especificidades a serem rechaçadas de um mesmo fenômeno social, e movimentos

notáveis intermitentes, é na década de 1970 que irrompe o lugar primordial da

fala/conversa e das interações face a face para se estudar (e, assim, tanger) o

social.

Por volta da década de 1960, a fala começa a ganhar notoriedade como lócus

para a observação de comportamentos rotinizados, sendo pensada como uma

tecnologia da comunicação. Essa visibilidade (assegurada pelos estudos de

Garfinkel no escopo do que se reconhecia como Teoria Social) resultava da tentativa

de “descrever os procedimentos usados por quem conversa para produzir o próprio

comportamento e para entender e lidar com o comportamento dos outros.”

(GARCEZ, 2008, p. 18). Nascia, assim, a etnometodologia. Como panorama do final

da década de 1960, descortinavam, de um lado, as apostas etnometodológicas em

torno da conversa cotidiana como a pedra da sociabilidade humana e, de outro, as

reivindicações de Goffman (1967, 1969) de um campo específico para o estudo das

interações face a face (PSATHAS, 1995).

É o texto pioneiro dos sociólogos norte-americanos Sacks, Schegloff e

Jefferson (1974) – A simplest systematics for the organization of turn-taking for

conversation – que consagra, porque fundamenta instrumentalmente, o nascimento

da análise da conversação como um domínio autônomo de pesquisa (GARCEZ,

2008; KERBRAT-ORECCHIONI, 1996).

A descrição dos autores foi tão efetiva em termos de “um empreendimento

calcado eminentemente sobre a observação, o registro e a transcrição de dados

empíricos [...] no tempo e no espaço de ocorrência natural” (GARCEZ, 2008, p. 22)

que Sacks, Schegloff e Jefferson (1974), já na primeira versão, declaravam que se

tratava de um método de aplicação universal para toda e qualquer conversação

cotidiana.

O fato de os dados estarem localizados “no tempo e no espaço de ocorrência

natural” chama a atenção de estudiosos de diversos domínios científicos, pois, como

resenha Garcez (2008), a abordagem desses autores é contemporânea à visada

chomskiana que excluía de seus corpora dados de desempenho de falantes

empíricos.

Psathas (1995) aponta que o texto dos sociólogos respondeu com rigor

metodológico ao interesse de Goffman (1967, p. 1) de que as interações face a face

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deveriam ser “[...] o estudo das relações sintáticas entre os atos [de fala] de pessoas

diferentes mutuamente presentes26.”. O próprio Schegloff (1988, p. 131), anos mais

tarde, reconheceu a empreitada com os colegas Sacks e Jefferson como uma

iniciativa visando “[...] o estudo das relações sintáticas entre os atos [de fala], uma

sociologia da interação como uma disciplina potencialmente rigorosa27.”.

Sem me deter em intermitências históricas, com esse relato interessa-me

apenas: i) lembrar que a naturalidade que permeia o trabalho analítico de textos

provenientes de interações orais é uma conquista relativamente recente, como

exemplarmente resenham Couper-Kuhlen e Selting (2001) e que ii) a proposta

seminal de Sacks, Schegloff e Jefferson (1974) iluminou o interesse pelo estudo da

organização do texto falado, em termos funcionais e estruturais, realçando a busca

pela avaliação da universalidade e de particularidades da interação humana.

Embora se saiba que os sociólogos Sacks, Schegloff e Jefferson (1974)

tenham partido de categorizações clássicas de linguistas como Bales (1950) e

Abercrombie (1963) para propor um modelo descritivo e funcional preciso para a

sistemática da troca da palavra entre falantes e ouvintes, é, no mínimo, interessante,

para se considerar o desenvolvimento da linguística moderna, que a fala passe a ser

vista como objeto legítimo de investigação a partir de uma proposta metodológica

gerada no escopo da sociologia.

Com “o ponto de vista é a vista de um ponto” (máxima marxista) ou “o ponto

de vista cria o objeto” (paradigma saussuriano) somos levados a hipotetizar que o

horizonte social desses autores fez com que esses vislumbrassem a deixa de

Volochínov (1929/1999, p. 124), quando defendeu que a

[...] enunciação enquanto tal é um puro produto da interação social, quer se trate de um ato de fala determinado pela situação imediata ou pelo contexto mais amplo que constitui o conjunto das condições de vida de uma determinada comunidade linguística. A enunciação individual (a ‘parole’), contrariamente à teoria do objetivismo abstrato, não é de maneira alguma um fato individual que, pela sua individualidade, não se presta à análise sociológica. Com efeito, se assim fosse, nem a soma desses atos individuais, nem as características abstratas comuns a todos esses atos individuais (as ‘formas normativamente idênticas’) poderiam gerar um produto social. (VOLOCHÍNOV, 1929/1999, p. 124).

26 “[…] the study of syntactical relations between acts, of different persons mutually present to another.”. 27 “[…] the study of syntactical relations between acts, a sociology of interaction as a potentially rigorous discipline.”.

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Antes de apresentar categorias operatórias úteis a este estudo advindas

desse núcleo de interesses, gostaria de localizar as limitações dessa abordagem em

termos mais amplos, tendo em vista a natureza institucional e intercultural da

interação didática.

2.4.1 Da década de 1970 até aqui

No interior dos estudos linguísticos, falante e ouvinte se vinculam a categorias

formais de análise, já que se prestam à descrição de um aspecto estrutural da

interação oral: a alternância da palavra (turno)28.

Falante e ouvinte são, nessa dimensão, funções psicofonatórias que precisam

ser assumidas conjuntamente, simultaneamente e de modo intercambiado, por pelo

menos dois sujeitos empíricos face a face ou a distância. Esse é o pré- requisito

para a comunicação oral.

Por ora, chamo atenção para o fato de que falante e ouvinte são posições

demarcadas em função da palavra: quem age com a palavra é o falante e quem

reage à palavra é o ouvinte.

Em termos funcionais, a mudança de falante é o fator básico da organização

sequencial da conversa (SACKS; SCHEGLOFF; JEFFERSON, 1974) por instituir o

que Lewis (1969, p. 5) havia mais cedo chamado de um problema de coordenação.

O que os interactantes têm, portanto, a coordenar são suas posições.

A sacada do grupo de Sacks consistiu no levantamento de quatorze aspectos

(a que se referiram como fatos observáveis: observable facts) que circundam a

coordenação das posições falante ouvinte. O modelo dos sociólogos se alicerça nos

seguintes princípios (SACKS et al., 1974, p. 700):

a. A troca de falantes recorre, ou pelo menos ocorre29.

b. De modo esmagador, um parceiro fala por vez30.

c. Ocorrências de mais de um falante por vez são comuns, mas breves31.

28 Opto por apresentar no interior de parênteses o que estou compreendendo por palavra. Conforme se nota, é difícil não evocar a noção rarefeita de palavra do dialogismo. 29 “Speaker-change recurs, or at least occurs.”. 30 “Overwhelmingly, one part talks at a time.”. 31 “Occurrences of more than one speaker at a time are common, but brief.”.

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d. Transições (de um turno para o próximo) sem intervalo e sem

sobreposição de vozes são comuns. Elas compõem, junto com as

transições caracterizadas por um pequeno intervalo ou pequena

sobreposição, a vasta maioria das transições32.

e. A ordem do turno não é fixa, e sim variável33.

f. O tamanho do turno não é fixo, e sim variável34.

g. A duração da conversa não é previamente especificada35.

h. O que as partes dizem não é especificado com antecedência36.

i. A distribuição relativa dos turnos não é especificada previamente37.

j. O número de parceiros pode variar38.

k. A fala pode ser contínua ou descontínua39.

l. Técnicas de alocação de turnos são obviamente usadas. Um falante com

a palavra pode selecionar o próximo falante (como quando ele endereça

uma pergunta para o outro), os outros podem se autosselecionar para

começar uma conversa40.

m. Várias unidades de construção de turno são usadas; turnos podem ser

projetados na extensão de uma palavra ou de sentenças41;

n. Mecanismos de reparo existem para lidar com erros e violações do turn-

taking; se duas partes começam a falar ao mesmo tempo, uma delas vai

parar prematuramente reparando assim o problema42.

A partir do momento em que se institui esse modelo, que se queria universal

para o funcionamento da conversa cotidiana (SACKS et al., 1974), pôde-se

visualizar empiricamente a premissa de que o evento de fala intervém na

coordenação da palavra definindo ajustes interacionais. 32 “Transitions (from one turn to a next) with no gap and no overlap are common. Together with transitions characterized by slight gap or slight overlap, they make up the vast majority of transitions.”. 33 “Turn order is not fixed, but varies.”. 34 “Turn size is not fixed, but varies.”. 35 “Length of conversation is not specified in advance.”. 36 “What parties say is not specified in advance.”. 37 “Relative distribution of turns is not specified in advance.”. 38 “Number of parties can vary.”. 39 “Talk can be continuos or discontinuos.”. 40 “Turn-allocation techniques are obviously used. A current speaker may select a next speaker (as when he addresses a question to another party); or parties may self-select in starting to talk. 41Various ‘turn-constructional units’ are employed; eg turns can be projectedly ‘one word long’, or they can be sentential in length.”. 42 “Repair mechanisms exist for dealing with turn-taking errors and violations; eg if two parties find themselves talking at the same time, one of them will stop prematurely, thus repairing the trouble.”.

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Descortinava-se aí o interesse pela investigação sistemática da conversação

e outras formas de interação. Mas, de que modo esse histórico ilumina os interesses

desta tese? Respondo: contextualizando e recuperando as alternativas conceituais

mais comuns, que erigiram em categorias de análise, através das quais se tem

acompanhado o labor da palavra entre falante e ouvinte(s), no que repousa um dos

percalços deste trabalho.

Dou, assim, continuidade à discussão tentando delinear como esses

princípios do modelo inaugural do grupo de Sacks influenciaram o estado da arte

acerca do texto oral; e explicitar os incômodos desse estágio para o que analiso nos

capítulos seguintes.

A comunicação oral é vista como um fenômeno que diz respeito à

coordenação; falar é, portanto, sempre agir em um contexto dialógico. A presença

dialogal é marcada pelo processo de turn-taking (a que faz alusão o Princípio 1 do

modelo de Sacks et al. – doravante sinalizado apenas como P seguido do número)

que prevê a alternância da palavra (turn) entre os interactantes, o que ocorre

tendencialmente de modo que:

a. um interlocutor fala por vez (P2);

b. a duração da interação não é estabelecida antes do encontro (P7), tampouco

o que cada interlocutor dirá (P8), o que de algum modo repercute em maior

ou menor continuidade do tópico (P11);

c. ser falante implica estar com o turno cujo tamanho é variável (P6); pode-se

dizer algo na extensão de uma palavra ou de várias sentenças (P13);

d. na presença de mais de dois interactantes (P10), não há uma ordem fixa

que governe a vez de cada sujeito se tornar falante (P5, P9 e P12);

e. a não ocorrência momentânea desses princípios está prevista (P3, P4 e

P14).

Princípios

a. a troca de falantes recorre, ou pelo menos ocorre;

b. de modo esmagador, um parceiro fala por vez;

c. ocorrências de mais de um falante por vez são comuns, mas breves;

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56

d. transições (de um turno para o próximo) sem intervalo e sem

sobreposição de vozes são comuns. Elas compõem a vasta maioria das

transições junto com transições caracterizadas por um pequeno intervalo

ou pequena sobreposição;

e. a ordem do turno não é fixa, e sim variável;

f. o tamanho do turno não é fixo, e sim variável;

g. a duração da conversa não é previamente especificada;

h. o que as partes dizem não é especificado com antecedência;

i. a distribuição dos turnos não é previamente especificada;

j. o número de parceiros pode variar;

k. a fala pode ser contínua ou descontínua;

l. técnicas de alocação de turnos são obviamente usadas. Um falante com

a palavra pode selecionar o próximo falante (como quando ele endereça

uma pergunta para o outro), os outros podem se autosselecionar para

começar uma conversa;

m. várias unidades de construção de turno são usadas; turnos podem ser

projetados na extensão de uma palavra ou podem ter sentenças de

comprimento;

n. Mecanismos de reparo existem para lidar com erros e violações do turn-

taking; duas partes começam a falar ao mesmo.

O problema de coordenação resulta obviamente da aceitação de papéis

diferenciados a serem cumpridos pelos interlocutores, o que pressupõe que a

colaboração dos interactantes é marcada no cumprimento, se não à primeira vista,

pelo menos na forma de reparo dos princípios apresentados.

Ao falante cabe requerer o turno a qualquer momento, o que não pode fazer o

ouvinte que deve estar profundamente engajado a escutar e a suprir

intermitentemente o falante com sinais de feedback verbais e não verbais. Os sinais

de escuta (back-channels) mostram ao falante que o ouvinte é um parceiro

interessado (KENDON, 1988).

Se, de um lado, essas colocações valem hoje sem ressalvas apenas se

estivermos nos referindo à conversa cotidiana, nos termos como propuseram os

sociólogos Sacks, Schegloff e Jefferson (1974), de outro lado, desenho os que me

parecem ser os avanços do estudo do texto oral da década de 1970 até aqui:

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a. temos alcançado um nível de precisão no delineamento de categorias

operatórias para o tratamento do texto oral, o que, acredito, deve-se tanto

aos ricos e minunciosos estudos linguístico-discursivos empreendidos

pelo grupo de pesquisadores que têm se debruçado em torno do grande

projeto Gramática do Português Falado, quanto parece resultar do fato de

que as atenções se voltaram para a análise do texto oral, de modo a

focalizar, circunscrever, uma dada prática linguageira/gênero/evento

como objeto de estudo. O que, em maior ou menor medida, sinaliza a

maximização do trabalho com os princípios do modelo do grupo de Sacks,

considerando (o que, antes, parece ter ficado de fora) dimensões socio-

históricas, discursivas, etc.;

b. avançamos com os esforços da Análise da Conversação na vertente

brasileira introduzida por Marcurschi na década de 1980, com ênfase nos

estudos da referenciação, com descrições refinadas e rigorosas de

operações linguageiras diversas na Linguística do texto e na Linguística

cognitiva, que geraram bons frutos para o trabalho aplicado da Linguística

e dos linguistas aplicados;

c. fora das linguísticas parece ter se focalizado excessivamente os

comportamentos, generalizando o uso da linguagem, de modo que esta,

por vezes, chega a ser sinônimo de comportamento.

Isso dito, fica patente a influência do modelo inaugural do grupo de Sacks

para o recente estado da arte do estudo do texto oral. O modelo obviamente oferece

informações relacionadas à estrutura e funcionamento das trocas de fala entre os

participantes, contudo essas informações – como procuro demonstrar ao longo do

trabalho – são necessárias para que possamos refletir sobre as construções

identitárias em curso no plano discursivo. É assim que me arrisco a explicitar os

incômodos desse estágio para o que analiso nos capítulos seguintes.

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2.4.2 Da noção de turno à tomada de turno: contrové rsias e somas para o

estudo da interação

“No human has ever learnt to speak except in a dialogic context.” (JAFFE; FELDSTEIN, 1970, p. 5).

O trabalho com a premissa de que se fala (toma-se a palavra) sempre em um

contexto dialógico, a que alude a epígrafe, parece revelar as primeiras complicações

terminológicas com a noção de turno que repercutiram não apenas em críticas

diversas, e mesmo rejeições a essa noção, mas também em reformulações e

desdobramentos do conceito.

Parece, pois, haver, nos estudos que tratam a noção, certa cautela por parte

dos autores em trabalhar com a noção, primeira, de turno (turn)43. A tendência, pois,

é a de já iniciar as teorizações com a ideia de tomada de turno (turn-taking), que

garante a filiação à troca entre os falantes e, portanto, à premissa da dialogicidade.

O que quero dizer é que – enquanto a tomada de turno é referenciada como o

mecanismo básico da estrutura conversacional (ABERCROMBIE, 1963; MC QUAIL,

1975; SACKS, SCHEGLOFF; JEFFERSON, 1974; ORESTRÖM, 1983) revelando-

se, portanto, uma categoria teórica central para o estudo das conversações – a

noção de turno em si mesma aponta para uma unidade formal cuja função se serve

sobretudo a propósitos de circunscrição, delimitação (e, portanto, de referenciação)

de “porções”, “fragmentos” do texto falado que se escolhe analisar.

Arrisco-me, assim, a considerar que o turno está para o estudo do texto

falado, assim como a sentença está para os estudos da gramática funcional e o ato

de fala para os estudos da pragmática.

O turno pode ser, pois, vislumbrado como uma unidade formal, daí posições

como a de Novick, Hansen e Ward (1996) que circunscrevem a noção de turno

como um período de fala de um dado falante em que não há contribuição verbal de

um outro. Respostas verbais como “OK” ou “uhum hum” são tratadas como um turno

de fala, mas uma resposta não verbal como um balançar de cabeça, em sinal

positivo ou negativo, não o é. A ideia do lugar do material prosódico, do verbal e do

de natureza mímico-gestual para e nas trocas didáticas indica a necessidade de se

43 Nessa direção, os estudos de Oreström (1983) e de Kato (2000) intitulados, respectivamente, “Turn-Taking in english conversation” e “Discourse approach to turn-taking from the perspective of tone choice between speakers” constituem bons exemplos.

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encontrar um meio termo entre a noção de turno e de contribuição/participação do

outro.

Já Galembeck (2010, p. 1937) define turno como

[...] qualquer intervenção dos interlocutores (participantes do diálogo), de qualquer extensão, tanto aquelas que possuem valor referencial ou informativo (turnos nucleares), como aquelas intervenções breves, sinais de que um dos interlocutores está “seguindo” ou “acompanhando” as palavras do seu parceiro conversacional (turnos inseridos). (GALEMBECK, 2010, p. 1937).

Leio a escolha de Galembeck como uma tentativa de articular as noções de

turno e tomada de turno. Essa definição de turno é que sustenta a própria ideia e

configuração da transcrição, do modo como tenho entendido e praticado a atividade

de transcrever.

A opção mais recorrente para a feitura das transcrições e, consequentemente,

registro do que ocorre em uma interação face a face tem sido tomar as contribuições

verbais de um dado falante como momento para registro de uma troca de turno

(turn-exchange) ou de sobreposição de vozes (overlapping speech) e as respostas

não verbais (quando registradas) como uma espécie de respostas de monitoração

do canal de comunicação (backchannel responses) entre os falantes.

Todos esses aspectos, em itálico, somados às diferentes definições de turno

não podem ser negligenciadas para uma análise de interações orais – mesmo que

se restrinja a uma articulação das instâncias micro e macroestruturais – já que os

percebo como mecanismos sujeitos à convenções culturais e linguísticas.

Nessa medida, a análise dessas trocas verbais – conceituadas por Ehlich

(1994) como turno e tomadas por Matencio (2001) como intervenção – parece

indicar que a tomada da palavra (e sobretudo o modo como essa ocorre) “não é

apenas um instrumento neutro, mas expressão direta da distribuição de poder.”

(EHLICH, 1994, p. 82).

A definição de intervenção, defendida por Matencio, já é contemplada no

interior das unidades analíticas da aula (ou seja, de uma prática social específica, ao

contrário de todos os outros autores, aqui mencionados), o que ilumina a natureza

do estudo que realizo, tendo orientado alguns movimentos de análise na próxima

seção apresentados.

Contudo é preciso, por vezes, se pensar no par(?) turno e intervenção

também em termos de um conjunto mais amplo em que se integrem competência

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linguística à saberes em que se desfocalizem (em algum momento, pelo menos por

questões de abstração e didatismo) o fato de que há uma divisão de labor entre

ouvintes e falantes, que independe do gênero a enquadrar a interação.

Matencio (2001) avança visivelmente na problematização da limitada

contribuição da noção de troca (duas intervenções equivalem a um par adjacente)

quando defende que o recorte funcional da noção de intervenção, que se contrapõe

ao recorte formal da noção de turno (como já resenhada aqui), precisa ser levado

em consideração para se pensar em modelos estruturais e na análise hierárquica e

funcional da aula.

Pensando na noção de turno, por ora, de modo mais restrito (como algo da

ordem constitutiva do dialogal), tomo, neste trabalho, o turno como a unidade formal

da conversação e a alternância de turnos (na verdade, uma alternância de trocas

entre falantes) como a unidade discursiva do texto falado que pode colocar em

evidência a relação hierárquica entre os sujeitos e problemas de mal-entendidos

pautados, por vezes, em questões de natureza político-cultural.

Oreström (1983), por exemplo, pondera que se trata de um fenômeno central

e um conceito estruturalmente relevante em uma interação linguística. Isso porque a

centralidade do conceito se deve, ainda segundo esse autor, ao fato de ele se

insinuar como um fenômeno profundamente enraizado na comunicação humana que

se funda numa mútua consciência de compartilhamento.

Mas que compartilhamento é esse a que se refere o autor? Embora não

desconsidere que, em primeira instância, se trate de um compartilhamento de uma

expressão qualquer, não necessariamente factual, opto por responder ao

questionamento de modo a considerar que se trata fundamentalmente de um

compartilhamento da palavra.

Chega-se, assim, à ideia de que a noção de tomada de turno toca o lugar e a

origem da palavra em uma enunciação:

[...] na realidade, toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém, como pelo fato de que se dirige a alguém. Ela constitui justamente o produto da interação do locutor e do ouvinte. Toda palavra serve de expressão a um em relação ao outro. Através da palavra defino-me em relação ao outro. (VOLOCHÍNOV, 1929/1999, p. 113).

O excerto de Volochínov, acima, já aponta para um problema terminológico

que não pode ser negligenciado e que parece reverberar também na noção de

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tomada de turno. É justamente na abertura que o conceito tomada de turno parece

abarcar é que se localiza o problema terminológico, levando a sobreposição a outros

conceitos. Ao compartilhar a palavra, compartilham-se, também, convenções.

2.4.3 Incômodos gerados in vitro

Como ver a interação a partir de um problema de coordenação entre falantes

e ouvintes que leve em conta a manifestação linguística vista tanto estrutural e

funcionalmente como discursivamente? Esse é o movimento pretendido, o que me

conduziu a algumas reflexões teórico procedimentais44, quais sejam:

a. para analisar uma interação oral é preciso vertê-la em texto escrito;

b. o sistema que temos para retextualizar é resultado do que se sistematizou

a partir de estudos de textos orais cujo precursor é a conversa cotidiana;

c. os mesmos problemas conceituais se refletem metodologicamente nas

transcrições;

d. numa abordagem interacionista e dialógica não é possível pensar apenas

em posições psicofonatórias (falante e ouvinte); por outro lado, só as

categorias sociais (professor e alunos) não são suficientes para a

natureza deste trabalho, tendo em vista que o tipo de indício que se

ofereceu para cotejo das duas realidades passa pelo modo como os

sujeitos se colocam como falantes e ouvintes nas cenas de interação;

e. pensei em conceitos como tipos de participação (entreparticipação ou

tentativa de participação, participação efetivada ou lateral, – ver capítulos

3 e 4) para tentar escapar das discussões sobre turno, sobreposição de

voz, troca de turnos, porque essas são categorias formais;

f. direitos e obrigações socioculturais parecem (tal como apontam os meus

dados) poder ser tratados em termos mais genéricos do que previram

Erickson, Shutz e Florio (1982), o que faço a partir de operações em torno

da palavra, sendo elas por mim referenciadas como agenciamento da

palavra que retrata as operações de endereçamento, tomada,

44 Na obra Da fala para a escrita: atividades de retextualização, encontramos interessantes reflexões nessa direção. As noções de transcodificação, transcrição e retextualização, por exemplo, registram especificidades que iluminam o processo a que aqui faço referência (Cf. MARCUSCHI, 2004).

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manutenção, cassação, distribuição e solicitação da palavra, que se ligam

ora ao falante/ouvinte ora ao professor/aluno.

Morato (1996) observa que se tem estudado prioritariamente a interação

“como intercâmbio de interlocutores ou comportamentos sem que se considere

como constitutivo o papel da linguagem e do (inter)discurso nas ações simbólicas

humanas.” (MORATO, 1996, p. 4 apud LAPLANE, 1997, p. 58-59).

A crítica da autora parece recair em estudos que se valem ora de um olhar

microestrutural demais, por se deter na troca/sequência de atos de fala entre os

interactantes, que são considerados apenas como falantes e ouvintes, ora

macroestrutural demais, salientando o papel dos participantes, mais em termos

sociais do que propriamente interacionais.

Movimento analítico semelhante, e que interessa mais de perto a este estudo,

é vertido por Matencio (2001) para as pesquisas na escola. A linguista aplicada

aponta demanda imediata por estudos que articulem as condições de emergência do

discurso didático ao processo de execução e formulação do texto oral dialogado

produzido em uma aula, de maneira a articular a dimensão didática às dimensões

discursiva da interação.

Não apenas reforço o que as autoras apontam como uma lacuna, mas elucido

que este estudo testemunha essa dificuldade de articular em um mesmo quadro

teórico princípios (socio)interacionistas, categorias linguísticas para referenciação

daquilo que é da natureza do texto falado e aspectos sócio-histórico-discursivos das

interações e comportamentos dos sujeitos.

Relaciono a lacuna posta por Morato (1996) e Matencio (2001) a três grandes

aspectos: i) os linguistas analistas do discurso apenas recentemente se voltam para

a materialidade discursiva da/na sala de aula (COELHO, 2007); ii) os linguistas

aplicados mantiveram-se ocupados por várias décadas garimpando categorias

advindas de outros domínios científicos (como antropologia, sociologia, educação e

psicologia) para que se pudesse visualizar o problema da interação em sala de aula

nos termos de Matencio (2001); e iii) as categorias básicas da linguística para se

analisar o texto falado ainda guardam a identidade daquelas de que se valeram

Sacks, Schegloff e Jefferson na década de 1970.

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2.5 Remontando à construção do objeto

Por que os alunos e professores alemães e brasileiros com os quais convivi

comportaram-se como se comportaram? O que os padrões de comportamento de

cada grupo e de seus integrantes informam sobre processos identitários em curso?

Esses questionamentos, aos quais fiz alusão na introdução deste trabalho, registram

o modo como operacionalizei a pesquisa em campo (o que se discute

detalhadamente no próximo capítulo).

Essas mesmas perguntas – que permitiram que eu agisse sobre o corpus e

nele reconhecesse a complexidade do (inter e intra)cultural na interação

professor/aluno em salas de aula – guardam em suas estruturas o desejo de

observar o agenciamento da palavra na (estruturalmente) e para (função) a

interação em sala de aula, tendo em vista os propósitos interacionais de ensinar e

aprender.

O uso da palavra em sala de aula é, nessa medida, motor que catalisa

elementos capazes de contextualizar certos estereótipos como de bons alunos,

alunos quietos, alunos irônicos, etc.

Kleiman (1998, p. 277) esclarece que

[...] os diferentes focos de atenção influenciam o que será notado ou deixado de lado, embora não de forma absoluta, uma vez que o encontro está limitado pelo enquadramento (frame), cujo outro limite é o mundo da vida cotidiana (aliás acreditamos que esse limite é dado pela prática social). Esses focos permitiriam, contudo, que os participantes do encontro mobilizassem os diversos atributos da identidade social para dentro e para fora desses limites, segundo os objetivos particulares do momento. (KLEIMAN, 1998, p. 277).

Estudar os padrões de comportamento discursivos (e discursivizados) de

alunos e professores de um grupo de alemães e outro de brasileiros contribui para a

compreensão da aula como prática social que guarda traços culturais do modo como

sociedades representam a própria instituição escola e projetam os papéis

comunicativos e sociais de aluno e professor no entorno da palavra ou com vistas a

ela.

A troca didática em sala de aula é permeada por marcas (inter)culturais e por

construções identitárias que determinam quem fala e como o faz; o que se faz ao

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falar; como se sinaliza que se quer falar e que se está ouvindo, além de como as

falas e as tentativas para falar são significadas no grupo.

2.5.1 A palavra na sala de aula: mostra de problema s operacionais advindos

de conceitos já estabilizados para análise do texto oral

Para acessar o que nomeio padrão interacional da relação professor/aluno

em sala de aula , invisto numa análise de operações basilares, assim alocadas: i)

endereçamento da palavra que fundamenta e principia toda e qualquer interação; ii)

manutenção, tomada, cassação e distribuição da palavra e iii) pedido da palavra.

Reservadas as especificidades das práticas sociais, na aula, o professor é

responsável por manter a dinamicidade das trocas verbais, sejam essas mais ou

menos (as)simétricas entre os interactantes. Desse modo, as operações i, ii e iii

atualizam, possibilitam e mantêm as trocas linguageiras entre professor e alunos.

O endereçamento da palavra fundamenta, de um lado, um sujeito que se

reconhece (ou deixa de se reconhecer) como interlocutor de quem se demanda, se

espera a efetivação de ações (a serem) presentificadas tanto de modo verbal, como

não verbal e, por outro lado, esse (não) reconhecimento se explica pelo modo que

um outro sujeito, que tem a palavra, marca, sinaliza o endereçamento do seu dizer

no próprio dito.

Vemos aqui que, se formos considerar a definição canônica de falante e de

turno, caberia apenas ao falante endereçar a palavra. O ouvinte, assim, endereçaria

sinais de escuta. Essa é a única operação que se efetiva no plano da estrutura e

talvez por isso tenha sido tão pouco tematizada no escopo dos estudos linguísticos.

Ao longo das análises, digo turno principalmente potencializando seu valor

referencial como coordenadas para se marcar não apenas contribuições de

diferentes sujeitos à coconstrução de um dado texto, mas também a natureza

temporal (início, meio e fim) da interação. Nesses momentos, interessa-me apenas a

faceta formal que abarca a categoria turno. Refiro-me, aqui, à própria configuração

da transcrição, que se organiza (oferecendo-se para leitura) por turnos (numerados

em ordem crescente) que incorporam as contribuições dos interactantes, que, por

sua vez, presentifica, com uma precisão inegável, a dinamicidade e plasticidade

constitutivas dessa construção textual (processual e coletiva) oral que enquadra a

aula nas interações face a face.

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Entretanto, embora a transcrição materialize o processo de formulação e

execução do texto oral dialogado produzido em uma aula, o endereçamento da

palavra é um processo nem sempre fácil de ser demonstrado por fazer eco a um

olhar para a linguagem que se insinua positivista. As análises que contemplam essa

categoria, no capítulo 4, aliam estrutura e função.

As demais operações – manutenção, tomada, cassação, distribuição e pedido

da palavra – são tematizadas na segunda parte do capítulo 5, o que faço para

demonstrar que são condições de emergência do discurso didático, que enquadram

e situam a aula (MATENCIO, 2001), que estão a definir quem (professor ou aluno)

em qual das realidades de ensino se vale predominantemente dessas operações no

modo como se posicionam como falantes e ouvintes.

2.6 A discursivização das identidades relacionais p rofessor e alunos na sala de

aula a partir das posições de falantes e ouvintes

Prova de que sujeitos empíricos se comportam oralmente como falante ou

ouvinte investidos de uma identidade social (de aluno ou professor) é que a cultura

escolar cria a expectativa de que as falas do professor são mais importantes do que

as dos outros alunos, já que é dele a tarefa social de ensinar.

Em uma acepção tradicional de ensino, os alunos devem se atentar,

sobretudo na posição de ouvintes, à palavra do professor, que é revestida de um

poder hierarquicamente superior a dos outros participantes, de modo a apontarem a

esse suas (in)compreensões com relação à palavra (tematização do objeto de

ensino que integra um dado conteúdo programático de uma certa disciplina escolar)

sob sua gerência.

O aluno pode operacionalizar essa demonstração valendo-se de outras

formas semióticas como olhar, mímica, gestos ou intervindo na interação principal

por meio da palavra (turno), tendo chances de se tornar o próximo falante ratificado.

A depender de como o professor avalie o que foi dito, este poderá, ou não, ser visto

como uma intervenção, uma contribuição ao tópico em desenvolvimento.

As relações de lugares e papéis assumidas no decurso de socializações com

vistas à interação (didática) levam em conta uma realidade conversacional. Afinal,

professores e alunos demonstram que estão no espaço institucional da sala de aula

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comportando-se como falantes e ouvintes, de modo a coconstruírem o texto oral de

que a aula é resultado.

Espera-se, portanto, que o aluno, na posição de ouvinte, volte sua atenção

para o que diz o professor, o que pressupõe que este pode não ser o único falante

naquele momento na sala de aula, podendo coexistir, assim, as microinterações45.

O professor projeta um espaço interacional virtualizado – ao referenciar ali um

objeto de estudo relacionado a uma dada disciplina escolar (de forma a explicá-lo,

discuti-lo e expandi-lo) – evocando a atenção dos alunos, fazendo com que as

atenções deles se voltem para a palavra sob sua gerência, o que fará, por exemplo,

direcionando perguntas aos alunos e respondendo às suas contribuições

(MATENCIO, 2001; ALMEIDA FILHO, 2005; CULLEN, 1998).

Tal como estou aqui procurando demonstrar, o trabalho com as categorias

falante e ouvinte, desde que associadas à função social dos interlocutores, não me

afasta da análise do plano dialógico que orienta a minha proposta. É somando as

posições sociais professor e aluno a essas posições estruturais que se pode

avançar em termos de um arcabouço teórico para pensar a interação em sala de

aula que leve em conta tanto a relação interpessoal face a face presentificada na

modalidade oral da língua quanto as relações socioinstitucionais. Como ficará nos

próximos capítulos deflagrado, essa associação é fundamental para a análise do

corpus.

Professor e alunos têm suas identidades construídas também em função do

modo como coatuam nas posições de falantes e ouvintes, haja vista certas

restrições à palavra convencionais a um grupo. O trabalho com as categorias falante

e ouvinte oferecem, como procuro ao longo do trabalho demonstrar, contribuições

em termos de visadas para a compreensão do que engendra a interação

professor/aluno em sala de aula.

Ao intercambiar a palavra, os sujeitos aprendem a participar de contextos

dialógicos diversificados, o que fazem (re)construindo identidades em uma rede de

relações sociais e pessoais que se efetivam, preponderantemente, em torno da

palavra.

O capítulo seguinte, considerado central, consta de uma revisão bibliográfica

sobre a etnografia, o que se faz para se explicitar a escolha de algumas categorias

45 Microinterações estão sendo aqui pensadas como trocas entre pares, alunos, que ocorrem fora da interação principal e podem estar ou não vinculadas ao tópico sob gerência do professor.

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de análise e posturas assumidas em campo de pesquisa. Procuro, ainda, descrever

de modo pormenorizado todas as informações relativas às diferentes dimensões da

pesquisa em campo realizada, como, por exemplo, as dificuldades encontradas para

a coleta do corpus, o processo de compreensão de algumas práticas e valores dos

grupos, bem como procedimentos e posturas por mim agenciadas relativas ao

registro daquilo que mais tarde (fora do campo) poderia ser requerido como

informação relevante para a análise dos dados. Apresento, também, uma discussão

sobre a constituição do corpus e informo sobre as aulas transcritas. Isso feito, passo

a uma discussão sobre a validação de dados provenientes do trabalho com os

instrumentos de pesquisa diário de campo e questionário. Duas vinhetas narrativas

são também trazidas para indicar o valor semiótico de signos inter e intraculturais,

externalizados em comportamentos rotineiros dos dois grupos.

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3. AÇÕES E REAÇÕES METODOLÓGICAS

Reflexões metodológicas são ferramentas para se pesquisar. São elas que

operacionalizam o trabalho com, sobre e a partir do objeto de estudo. Munindo-nos

delas, vamos processualmente retrabalhando o objeto. Cada decisão tomada deixa

marcas no objeto, de modo a conferir-lhe forma e identidade.

Construir um capítulo metodológico é, nessa medida, reavivar movimentos

interventivos já realizados que explicam a aparência atual do objeto. Se cada

intervenção realizada não esteve submetida a uma motivação, pode-se pelo menos

falar de uma intuição daquele que instrumentalizava as ferramentas. O que estou

dizendo é que se leem mais do que explicações e descrições num capítulo

metodológico; justificativas são também lidas.

Neste capítulo, i) dou visibilidade aos princípios etnográficos enquadradores

da observação em campo; ii) esclareço as variáveis por meio das quais se constitui

o corpus; iii) explicito as escolhas fundamentais agenciadas relativas aos

exemplares aula tomados para análise; iv) aposto na produtividade de agregar a

essas aulas dados “recolhidos” a partir de outros dispositivos – diário de campo,

questionário e vinheta narrativa; e, v) reflito sobre a cultura na escola e a escola na

cultura, e vi) apresento discursivamente a vierte Klasse B e a sala 17,

potencializando o caráter polivalente do capítulo.

3.1 Pesquisa de campo e etnografia: desdobramentos

Escolhi salas de aula como campo para a pesquisa, porque é no interior

desse espaço físico institucional que se descortina uma parcela significativa da

interação professor/aluno na escola.

Se a natureza do objeto demandou a pesquisa em campo, a observação

orientada por um ponto de vista etnográfico foi a ferramenta que escolhi para lá

apreender o objeto. Os princípios orientadores da observação etnográfica se

mostraram consonantes com o quadro teórico no que diz respeito ao papel dos

atores sociais, das microanálises de interações e da historicidade para a construção

do social (CHARLOT, 1992) permitindo que a comparação intercultural intencionada

entre duas salas de aulas (e, portanto, de dados recolhidos em dois campos de

pesquisa) fosse conduzida.

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Na base da opção por uma pesquisa com coleta de dados em salas de aulas

de dois países está a curiosidade pela escola do outro. Esse mesmo outro, que nos

interessa enquanto possibilidade para repensarmos a identidade de nossa própria

escola, fez com que muitos antropólogos cruzassem oceanos “para estranhar e

reconhecer a ‘alteridade’.” (PEIRANO, 1992, p. 6). Devemos à antropologia a

tradição da pesquisa de campo e a etnografia. Vale lembrar que etnografia recebe

muitos encapsulamentos: concepção, método, metodologia, postura de trabalho,

técnica de observação e parâmetros de ação são os mais recorrentes (BOUMARD,

1999; ERICKSON,1973, 2005; POWELL, 2006; SPINDLER, 2005; McDERMONT;

VARENNE, 2005).

À medida que alguns antropólogos foram percebendo que procedimentos de

coleta traziam implicações teóricas específicas, determinando o que se observava,

inúmeros princípios do que se reconhece hoje como etnografia se consolidaram.

Princípios esses que contribuem para justificarmos as potencialidades das análises

comparativas.

Muitos definem a etnografia como a técnica de coleta de dados antropológica

mais refinada, porque se não transpôs muitas dicotomias (como nativo/estrangeiro,

natural/estranho, observado/observador), então atreladas ao trabalho de campo,

pelo menos as suavizou. Quem antes inquiria passa a desenvolver descrições

culturais a partir do viés etnográfico. Pode-se, assim, falar de uma mudança de

perspectiva de quem observava, gerada a partir de reflexões sobre os papéis do

campo e do pesquisador em campo (OGBU et al.,1988; PEIRANO, 1992).

Em todos os movimentos de análise comparativa, deixei-me orientar por três

premissas etnográficas: i) o que se analisa poderia ser diferente; ii) o que se analisa

(ou acreditamos estar analisando) é uma construção; e iii) há razões que explicam o

fato de os contextos observados não serem iguais.

A comparação pela qual a etnografia se interessa é orientada pela descrição

e análise do que há no grupo e não sobre o que falta, tampouco sobre o que sob a

ótica do pesquisador deveria ser mudado (DIXON; GREEN; ZAHARLICK, 2005). É

justamente o movimento pendular – em que se estuda sobre uma dada instituição,

ora em termos mais amplos (como um fenômeno social constitutivo de toda e

qualquer sociedade) ora como exemplar institucional de uma sociedade, de um

grupo – que confere à etnografia o estatuto de viabilizar a abordagem de um

fenômeno ou de um processo particular sem “que se exclua este processo da

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totalidade maior que o determina e com o qual mantém certas formas de

relacionamento.” (SATO; SOUZA, 2001, p. 31).

Daí a força da etnografia como lógica de investigação, que oferece preciosos

parâmetros para construções, descrições e explicitações dos corpora, para estudos

da Linguística Aplicada e Educação e sua expansão no escopo dos estudos

linguísticos.

Tendo aqui iluminado a importância atribuída ao outro e à comparação no

interior da etnografia e destacado os princípios que interessam a este trabalho,

apresento as variáveis orientadoras das pesquisas em campo.

3.2 (Tentativa de) controle de variáveis

Esta seção é dedicada à sistematização dos procedimentos realizados para a

constituição do corpus. Remontar escolhas realizadas num curso de uma pesquisa

implica aceitar que as escolhas feitas foram influenciadas por uma agenda de

expectativas e objetivos e que, desse modo, operei, agi sobre o corpus, e que há

traços estruturantes de cada realidade a interferir nesse processo no qual se

buscam correspondências, de modo que se pode falar apenas em aproximações

contrastivas.

3.2.1 Algumas variáveis implicadas na escolha das s alas de aula, campos da

pesquisa

As pesquisas em campo foram realizadas a partir da observação de todas as

atividades realizadas no horário escolar pela vierte Klasse B durante doze semanas.

Como cuidado metodológico-científico, acompanhei as duas turmas de 4ª série

existentes na escola alemã em que se deu a pesquisa em campo. O que fiz para

discorrer com mais segurança sobre o que se mostrava regular (por ser

recorrentemente observável nas duas turmas) em termos das rotinas e práticas mais

amplas orientadoras e reguladas por aquilo que está no campo dos conhecimentos,

da apreensão do mundo, das práticas e dos valores de uma dada sociedade.

Já o grupo brasileiro (sala 17) foi acompanhado durante oito semanas. Na

maior parte desse tempo, os alunos ficaram sob a orientação de suas professoras

regentes Frau Müller (grupo alemão) e Andréia Wolfgang (grupo brasileiro).

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Os nomes dos atores sociais, cabe lembrar, são fictícios. Como há mais de

uma professora na escola brasileira, campo da pesquisa, chamada Andréia, a

professora é referenciada na comunidade escolar por seu nome e sobrenome, por

coincidência de origem alemã (aqui ilustrado por Wolfgang). Não desconsidero esse

traço, marcador da referenciação, porque ele recorre em nossa cultura, o que se

notará também no nome dos alunos brasileiros. Sobre os modos típicos de se referir

às profissionais das duas realidades, conferir a seção 3.6.3.

As escolas, campos da pesquisa, integram a rede pública de ensino e estão

localizadas, respectivamente, em capitais de um dos maiores estados da

Alemanha46 e do Brasil. A etapa de escolarização dos grupos, como já informado, é

correspondente, estando sob responsabilidade e supervisão estadual no contexto

alemão e municipal no contexto brasileiro/mineiro.

A escola alemã (doravante T Schule) recebe um alto percentual de crianças

filhas de pais estrangeiros, porque está situada em uma região relativamente central

e comercial da cidade, onde estão concentradas as tarifas mais baixas para locação

de imóveis, o que atrai a grande parcela de estrangeiros que se instalam na região.

Vale lembrar que, na etapa de escolarização, no que se refere ao sistema

público de ensino, as crianças, segundo a lei alemã, devem ser matriculadas nas

escolas mais próximas do local de residência, assim como no Brasil. Na Alemanha,

entretanto, não há escolas particulares que cuidam dessa etapa de escolarização,

trata-se de uma responsabilidade governamental.

O alto índice de estrangeiros nesse bairro não é privilégio dessa cidade

alemã, em que realizei o estágio de doutoramento, trata-se de um fenômeno não

apenas estatisticamente quantificado em todo o país, mas já tomado como uma das

grandes preocupações atuais do sistema de ensino alemão, já de domínio público.

Já é pressuposto que o sistema de ensino alemão não oferece as mesmas chances

a todos os alunos. Já se fala há alguns anos sobre a necessidade de integração

plena e igualitária em termos de prospecção futura entre crianças filhas de pais com

formação acadêmica a aquelas cujos pais não conhecem o engendramento desse

sistema escolar em sua inteireza.

“Escola sem racismo, Escola com coragem” (Schule ohne Rassismus, Schule

mit Courage) é o slogan de uma campanha governamental, em curso, para

46 Sobre a omissão de informações como o nome do estado e a cidade em que as observações se deram, ver seções 3.3.1.

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amenização do problema. O slogan, como ilustra a Figura 1, pode ser lido em todas

as placas de identificação de escolas do estado que recebem predominantemente

crianças estrangeiras e agora residentes no país; nascidas no país e, portanto,

alemãs, mas também filhas de estrangeiros ou de alemães sem formação

acadêmica (Ausbildung).

Figura 1 − Placa localizada na entrada principal da escola campo de pesquisa 47

Fonte: Foto da autora

O prédio onde funciona a T Schule retrata um modelo/estilo de construção

muito típico de escolas alemãs, como pude perceber em visitas a outros estados do

país, de modo que não há pistas da imagem que remetam a uma identificação da

escola em que realizei a pesquisa. A placa (mostrada na Figura 1) está localizada na

entrada principal da escola em que se deu a pesquisa, como sinalizado na Figura 2:

47 O nome da escola foi ocultado da imagem, a fim de preservar a identidade do local.

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Figura 2 − Fachada da escola em que se deu a pesqui sa de campo no exterior

Fonte: Foto da autora

A escola brasileira (doravante EMBH48), por sua vez, está localizada em um

bairro da região leste de Belo Horizonte, considerado de classe média. Os pais dos

alunos têm em sua grande maioria ensino médio completo ou curso de formação

técnica e não pagam aluguel, moram em casa própria.

A EMBH é reconhecida pela rede pública do município como “de elite”, porque

está localizada em uma região da cidade com baixos índices de violência que,

distante de qualquer aglomerado, recebe crianças bem nutridas que contam com um

acompanhamento familiar básico. O prédio da EMBH espelha o padrão arquitetônico

das escolas públicas municipais mineiras, construídas nos últimos 25 anos.

Essas características, acredito, garantiram um padrão mínimo aproximativo

entre as duas realidades. A avaliação do sistema de ensino público alemão

positivada em relação ao brasileiro (ao se levar em consideração índices como o

Programa Internacional de Avaliação de Alunos – PISA49) pôde ser em alguma

medida relativizada quando escolhi uma escola pública brasileira expoente em

exames internos da Rede Municipal, como anunciado em sua fachada, onde se lê:

“Parabéns a toda a equipe [da EMBH] pelo Índice de Desenvolvimento da Educação

Básica (IDEB) de 6.5. Conquistamos o 1º lugar da regional Leste e o 3º lugar das

escolas da prefeitura” (ver Figura 3).

48 É uma tradição se referir a uma escola municipal em Belo Horizonte valendo de sua sigla, que tem sempre 4 ou 5 letras, daí o nome fictício Escola Municipal em Belo Horizonte (EMBH). 49 Programme for International Student Assessment.

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Figura 3 − Fachada da escola em que se deu a pesqui sa de campo nacional

Fonte: Foto da autora

O tipo de observação realizada em campo se quis o mais passiva possível.

Embora aqui adjetive a natureza da observação como “passiva”, essa categorização

será, por vezes, indiretamente relativizada, por exemplo, em comentários de nota de

rodapé, tendo em vista diferentes dimensões de participação que foram pelas

professoras ou pelos próprios alunos em mim incitadas por meio de solicitações

mais (ou menos) explícitas.

Mantive-me em silêncio durante as aulas, sentada no fundo das salas, em

espaços que me foram destinados pelas professoras regentes alemã e brasileira.

Como se vê nas Figuras 4 e 5, as duas salas de aula são organizadas de

modo tradicional (os alunos sentados em filas de frente para a professora) e as

posições de onde lancei predominantemente meu olhar nas duas salas de aulas

estão circunscritas a um espaço que parece oferecer semelhantes ângulos de visão.

Assim, se essa posição impediu que eu visse, desde o início, certos

movimentos da face (na área dos olhos, como arregalar, fechar de olhos, levantar de

sombrancelhas, olhar raivoso, sereno, inquieto e movimentos de boca), outras

semioses, que também informam sobre a sincronia interacional entre os

participantes (PHILIPS, 2002), possibilitaram, por outro lado, que eu traçasse

semelhanças e diferenças em termos da quantidade e da natureza de outros

movimentos corporais que se deixaram mapear nos dois grupos – como as vinhetas

narrativas (apresentadas ao final deste capítulo) e diversas das cenas (analisadas

nos próximos capítulos) registram.

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Figura 4 − Posição da pesquisadora na vierte Klasse B

Fonte: Foto da autora

Figura 5 − Posição da pesquisadora na sala 17

Fonte: Foto da autora

Ao escolher uma etapa de escolarização, escolhe-se também um dado perfil

de formação profissional dos professores. No caso do ensino fundamental, seja na

Alemanha ou no Brasil, é recorrente a figura de um professor regente, com formação

em Pedagogia.

No contexto brasileiro investigado, Andréia, a professora regente, é formada

em Pedagogia e leciona português, matemática e artes para a sala 17 (perfazendo

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com o grupo a carga horária semanal de 13 horas/aula), e uma segunda professora,

Fátima, graduada em História, leciona Ciências, Geografia e História para o grupo. A

carga horária semanal de Fátima na sala 17 é de 3 horas/aula, ou seja, uma

hora/aula para cada disciplina, significando que leciona em outras sete diferentes

turmas da EMBH, o que explica, como demonstrarei adiante, certos aspectos de sua

relação interacional com a sala 17.

Frau Müller, também pedagoga, leciona alemão, matemática, HSU (Heimat

und Sachunterricht50 – Pátria e Ciência), inglês, esporte, Kunst (Arte),

Förderungunterricht (Aula de reforço) e música para a vierte Klasse B, o que

significa considerar que a regente alemã convive 23 horas/aula por semana com o

grupo.

A EMBH funciona nos turnos manhã, tarde e noite, o que significa que a sala

de aula (Figura 5) é palco das interações de três diferentes grupos ao longo de um

dia escolar (sala 17 durante as manhãs, crianças de 1° ano à tarde e adultos EJA

(Educação de Jovens e Adultos) no período noturno).

O espaço físico onde interage diariamente a vierte Klasse B é exclusiva desse

grupo, porque a T Schule recebe alunos apenas na parte da manhã, assim, cada

sala de aula (Klassezimmer) é ocupada por um grupo ao longo de todo um ano

letivo. No período da tarde, é Frau Müller quem lá sozinha trabalha, perfazendo o

restante de seu horário de dedicação exclusiva de 40 horas semanais.

Rascunhadas certas especificidades contextuais, que informam sobre

particularidades dos sistemas de ensino que a vierte Klasse B e a sala 17 integram,

trago um histórico das dificuldades vivenciadas nos dois campos de pesquisa no que

respeita aos processos de coleta de dados.

3.3 Instrumentos da pesquisa: decisões tomadas a pa rtir da vivência em

campo

Se o estar em campo (o being there, para Erickson, 1973) possibilita o acesso

ao universo simbólico escolhido para análise, as pesquisas em campo são as

âncoras deste estudo.

50 Uma tradução válida de “Heimat und Sachunterricht” é “Pátria e Ciências”. Cabe dizer que essa disciplina tem conteúdo programático afim à História e Ciências na realidade brasileira.

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Como todo universo simbólico é também um universo cultural submetido a

“[...] uma cultura, ou seja, uma configuração particular de instituições, grupos

políticos e suas alianças, pessoas distribuídas em várias posições, estilos de

discurso e assim por diante51.” (McDERMONT; VARENNE, 2005, p. 12), o campo de

pesquisa é o lugar genuíno para se confirmar que entre o planejado e o executado

manifestam-se contingências.

Um dos desafios que a pesquisa de campo nos oferece é o de agir

experimentalmente diante do imprevisto, o que, geralmente, repercute no

agenciamento de instrumentos da pesquisa, tendo em vista a natureza dos dados

que se quer coletar.

A exposição do que se observou em campo e do modo como se construiu

esse processo de observação se faz legítima, uma vez que ela não apenas informa

aos leitores deste trabalho a minha tentativa de parametrização das ações como

também pode contribuir para revelar a pesquisadores em formação mais inicial

algumas cenas dos bastidores de pesquisa.

3.3.1 O registro das interações e os desafios super ados no campo de

pesquisa alemão

Antes da entrada em campo, previa-se o registro das interações em áudio e

vídeo nas duas realidades de ensino. Como a pesquisa de campo principiou na

Alemanha, fui já de início levada a abandonar esse ideal.

Protocolos de pesquisa do país prescrevem que toda e qualquer autorização

para entrada na escola pública alemã é de responsabilidade do estado, devendo,

portanto, ser encaminhada por escrito ao órgão Staatsministerium für Unterricht und

Kultus (Ministério Estadual de Aula e Cultura, o nosso MEC, caso esse fosse do

âmbito estadual).

Mesmo munida de um parecer favorável à pesquisa de campo em salas de

aula alemãs, com participação passiva e registros em áudio e vídeo emitido por um

órgão também governamental alemão, o DAAD (Deutscher Akademischer

Austausch Dienst) − Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico −, e recebendo uma

bolsa de pesquisa do país sob a supervisão de um professor alemão da área de

51 “[…] one culture, that is, a particular configuration of institutions, political groups and their alliances, people distributed in various positions, discourse styles, and so on.”.

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pedagogia intercultural, fui surpreendida pela manifestação contrária do

Staatsministerium für Unterricht und Kultus ao tipo de pesquisa desenhado,

argumento no qual este firmava a posição de que não me encaminharia à escola.

A justificativa dada por esse mesmo órgão ao professor alemão (que me

acompanhou durante o estágio de doutoramento) nessa ocasião foi a de que a

Alemanha já tinha críticas suficientes de sua escola e que eles não estavam

interessados no sistema brasileiro a ponto de, por isso, validar a minha entrada nas

salas de aulas daquele estado.

Mesmo sem a autorização desse órgão, a pesquisa de campo foi realizada, o

que foi informado ao DAAD – Instituição com a qual compartilhei todo o processo.

Em função disso, fui levada a omitir o nome do estado, bem como da cidade em que

as observações se deram. O registro das aulas foi realizado em condições um tanto

quanto peculiares, sem conhecimento dos alunos, o que implica dizer que os

registros em áudio foram concedidos pela direção da escola e pela professora

regente.

A não explicitação da questão aos alunos foi acordada em conversa com a

direção da escola que temia possíveis reclamações dos pais52 junto ao órgão que já

havia se manifestado contrariamente ao tipo de pesquisa em curso na ocasião. Por

outro lado, a escola (campo de pesquisa) resguardava-se com a posição do DAAD e

uma carta do professor orientador alemão.

Essas condições trouxeram consequências para o agenciamento dos

instrumentos em campo. Não pude, por exemplo, trabalhar com gravadores

dispostos em diferentes pontos da sala, muito menos com um modelo de gravador

com microfone de lapela.

Utilizei a função áudio de uma câmera de vídeo digital (Canon Legria HF 100)

para o registro das aulas. Trata-se de um equipamento moderno, muito pequeno,

com um excelente microfone externo. Durante os expedientes de gravação, a lente

da câmera permaneceu lacrada e o seu display fechado.

A câmera foi posicionada e ligada sempre antes do início de cada dia de aula,

quando os alunos ainda não estavam em sala de aula e de lá retirada no intervalo de 52 Tendo sido a novidade (a minha estadia na sala de aula vierte Klasse B) comunicada pelos alunos aos familiares, contei com o apoio geral dos pais. Alguns pais do Elternbeirat prontificaram-se a ajudar no que fosse preciso. Apesar disso, não me pareceu prudente desafiar abertamente o Staatsministerium für Unterricht und Kultus. Mas aprendi, com a recente correspondência, que são pessoas que ocupam (e respondem) pelas instituições; assim, sendo os cargos ocupados provisoriamente, outros sujeitos podem trazer outras posições.

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30 minutos (recreio) para que os alunos também não tivessem acesso ao processo.

Assim, não gravei apenas aulas, mas todo o entorno de um dia escolar. Por vezes, a

câmera era ligada pouco antes do fim do intervalo e retirada da sala de aula no final

daquele dia escolar.

Dois diferentes locais para posicionamento do aparelho foram testados; tendo

em vista a qualidade de captação do áudio, a localização assinalada pela seta na

Figura 6 (a câmera foi colocada ao lado do aparelho de som, atrás da mesa da

professora) foi a que gerou melhor qualidade de áudio, já que o alinhamento

corporal dos alunos voltava-se para o microfone e a professora, embora de costas

para o aparelho, valia-se de tom de voz suficientemente alto.

Figura 6 − Local de posicionamento do equipamento p ara a captação do áudio na sala de aula

vierte Klasse B Fonte: Foto da autora

Diante da impossibilidade da gravação das aulas em vídeo, reajustei a minha

postura em campo, e também fora dele, já que foi necessário que eu centrasse mais

a atenção em alguns aspectos da interação, sobretudo que se materializavam de

modo não verbal, para, em alguma medida, treinar o olhar para perceber (e, assim,

registrar prontamente) aspectos que concorreriam para somar e elucidar a

materialidade verbal que seria em áudio capturada. Noutros termos, fui levada a

refletir como eu poderia preencher lacunas de ações não verbais, que seriam

facilmente registradas em vídeo, e que se mostravam caras ao estudo.

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Permito-me aqui um desabafo: embora o Staatsministerium für Unterricht und

Kultus tenha negado o meu pedido para estadia em salas de aulas alemãs em 2010,

em janeiro de 2011, recebi uma correspondência desse órgão público em que sou

informada do interesse do Estado pela pesquisa comparativa, mesmo que ela tenha

sido realizada apenas na dimensão teórica. Na correspondência, não se chega a

pedir desculpas, mas deixa-se entrever que o trabalho comparativo, mesmo que

fruto da observação informal em salas de aulas do Estado, é muito bem-vindo e que

serei presenteada com uma tradução juramentada do material para a língua alemã,

caso seja meu desejo divulgar o material.

3.3.1.1 Metodologia de notação das interações do gr upo alemão

Durante o primeiro mês em campo, realizei algumas experimentações para

chegar a uma lista de categorias que recobrisse aspectos não verbais das

interações/aulas que se mostravam até então recorrentes no grupo. Para isso, com

a anuência da professora, utilizei um aparelho MP3 que foi deixado, de inicio, no

fundo da sala, sobre a mesa que era por mim utilizada e, mais tarde, constatada a

baixa qualidade do áudio, redimensionado para a mesa do professor.

Enquanto as interações eram gravadas, eu procurava desenvolver uma

metodologia de registro por meio da qual fosse possível não só anotar o que se lê no

Quadro 1, a seguir, mas também fazê-lo de modo que fosse possível (fora de

campo, no momento de escuta do áudio) sobrepor as ações não verbais às verbais.

A) PARTICIPAÇÕES EM AULAS

• PARTICIPAÇÃO EFETIVADA – A1 (Ex: O aluno se manifesta para todo o grupo)

• TENTATIVA DE PARTICIPAÇÃO – A2 (Ex: O aluno não chega a expor sua posição porque não é escolhido para falar)

• ENTREPARTICIPAÇÃO – A3 (Ex: O aluno chega a se posicionar, mas o faz para poucos colegas, o seu dizer não é considerado pelo professor ou o aluno é reprimido verbalmente pela tentativa de participação, já que não foi autorizado, chamado para dizer).

B) ORIGEM DA PARTICIPAÇÃO • AUTOMOTIVADA – B1

• DEMANDADA PELO PROFESSOR - B2

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C) EFETIVAÇÃO DA PARTICIPAÇÃO

• PEDIDO VERBAL DA PALAVRA – C1 (Ex: O aluno chama a professora pelo nome)

• PEDIDO NÃO VERBAL DA PALAVRA – C2 (Ex: O aluno levanta a mão)

D) CONDIÇÕES DA PARTICIPAÇÃO

• EM RESPOSTA A PERGUNTAS EXPLÍCITAS DA PROFESSORA DIRECIONADA AO GRUPO – D1

• TIRAR DÚVIDA INDIVIDUAL – D2

• COMENTÁRIOS, ILUSTRAÇÕES, ACRÉSCIMOS AO QUE É TEMATIZADO PELA PROFESSORA OU POR UM ALUNO QUE TEM A PALAVRA – D3

E) OCORRÊNCIA E CONCORRÊNCIA DA PARTICIPAÇÃO

• QUEM E QUANTOS ALUNOS SOLICITAM A PARTICIPAÇÃO QUANDO DEMANDADA PELA PROFESSORA – E1

Quadro 1 − Coordenadas de registro de ações não ver bais Fonte: Elaborada pela autora

Embora as categorias que compõem o Quadro 1 tenham sido classificadas de

“A” a “E”, tal hierarquização é meramente didática, não sinalizando, por isso,

qualquer ordem de ocorrência que, porventura, pudesse ter se mostrado recorrente.

As letras e suas subclassificações com números foram usadas como um fator

facilitador para a tomada rápida de notas em campo, procedimento metodológico

que se mostrou funcional, a partir do momento que decorei as letras e demais

sequências realizando as notações com automatismo. Entretanto, o aspecto E

requereu o agenciamento de outra metodologia de notação, qual seja: um desenho

que reproduzia onde cada aluno se sentava.

Durante os dois primeiros meses de observação em campo, não houve

qualquer alteração da geografia da sala de aula. O trabalho em grupos se deu

sempre entre dois alunos que se sentavam lado a lado. No 3º mês, a geografia das

salas foi completamente alterada, provocando uma reconfiguração do trabalho, o

que se problematiza no capítulo 4.

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Figura 7 − Geografia da sala de aula vierte Klasse B Fonte: Elaborada pela autora

Tal como se observa na Figura 7, há, no mapa de sala, indicação não apenas

dos nomes dos alunos53, mas também de um número. As coordenadas nome e

número foram por mim também decoradas, já que, sem o recurso de memorização,

não seria possível acompanhar a dinamicidade do registro da ocorrência e

concorrência da participação.

Embora se possa atribuir à metodologia de notação, seja dos aspectos “A” a

“E” ou do mapa de sala, um certo refinamento procedimental, em termos práticos, a

efetivação de tais procedimentos metodológicos se deu de modo simples, tal como

registrado na Figura 8:

53 Cabe lembrar que, nas versões dos mapas de sala com as quais trabalhei em campo, foram usados os nomes verdadeiros dos alunos.

Frente

FUNDO

24 23

22 21

20 19

26 25 18 17

16 15

14 13

12 11

10 9

8 7

6 5

4 3

2 1

Pirm MarieStephanie ElisaPaul Secde

PatrickFunda Joseph Nina Hannah

JulianaDennisSimon Giulio AlekssandraLuis

Mathias LevinMichelKeith AnucaJulios

Emily Zara

Armina

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Figura 8 − Exemplo do registro de coordenadas de aç ões não verbais

Fonte: Foto da autora

Os números em vermelho no alto da página correspondem a uma marcação

do tempo da fala, que se assemelha a turnos conversacionais, usada como

parâmetro para organização do registro e posterior cotejo no momento da tarefa de

transcrição.

Tudo que se lê em azul foi escrito em campo. As anotações a lápis (que

recobrem as categorias já apresentadas no Quadro 1) foram realizadas fora do

campo, enquanto repassava e analisava as gravações em áudio.

A fim de facilitar a referência às anotações que se lê na Figura 8, faço uso de

alguns símbolos. Os números, para os quais apontam as setas, substituem o nome

dos alunos (como registra a Figura 8) que se inscreveram para falar, o que, no

contexto alemão, significa levantar a mão. O registro coincide com a ordem em que

os alunos foram se inscrevendo, realizando, assim, o pedido da palavra. Registrei

também os momentos (ver marcações em retângulo) em que não foi possível

realizar esse mapeamento de pedido de participação, dado o número substancial de

alunos que, (quase) ao mesmo tempo, se inscreveram.

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Quando, na frente dos números que representam os alunos, leem-se

números ordinais como 1ª ou 1º, estes indicam a ordem em que a professora

concedeu a palavra para parte dos alunos que se inscreveram. Já o que se lê dentro

de uma espécie de círculo, são notas descritivas que ganham sentido apenas

quando se ouve o áudio. Dada a dinamicidade do que se registra em áudio, notas

dessa natureza contribuíram para que me localizasse no tempo do áudio.

Essa ilustração, acredito, possibilita ao leitor deste trabalho uma percepção

muito aproximada dos desafios vivenciados por mim em campo e do modo como a

eles reagi. Tal como acredito ter deixado entrever, os momentos de calibragem da

metodologia de notação foram necessários para que eu me desse conta da energia

física demandada nos momentos de registro oficiais, que se realizaram com um

equipamento mais potente.

3.3.2 O registro das interações na sala de aula bra sileira

Já na primeira semana em campo brasileiro, ficou constatada a necessidade

da captação em vídeo das aulas, uma vez que muitas eram as pistas não verbais

que contextualizavam a interação em sala de aula do grupo. Resumidamente, pode-

se dizer que o time da sala 17 era acelerado e que o foco da atenção de parte dos

alunos não residia no professor, o que gerava um número considerável de

microinterações concorrentes à troca didática, o que tematizo no capítulo 4. Enfim, o

perfil daquela turma não permitiria que o sistema de notação realizado com sucesso

na Alemanha fosse usado.

Se o sucesso da pesquisa em campo no contexto brasileiro dependia, então,

da autorização para filmagem dos pais dos alunos (porque era impossível que eu

registrasse acontecimentos simultâneos), estudei cautelosamente o modo de fazê-

lo, e quando fazê-lo, obtendo êxito na empreitada.

Passado um mês em campo na escola brasileira, fui à coordenadora

pedagógica, em seguida à direção e, tendo delas apoio, dirigi-me à professora

regente, para relatar a necessidade do registro em vídeo, das quais recebi algumas

sugestões. A coordenadora pediu que eu procurasse usar uma linguagem simples e

que fosse franca com os pais, pois só assim conseguiria deles engajamento. A

diretora sugeriu que eu revelasse aos pais dos alunos o fato de ser ex-aluna da

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escola. A professora regente se dispôs a ler os rascunhos, opinando sempre sobre o

tom que ela, por conhecer os pais dos alunos, julgava ser o adequado.

O pedido de autorização (Cf. APÊNDICE B) foi redigido e após a apreciação

da diretoria, coordenação e professoras da sala 17, encaminhado aos familiares dos

alunos.

Em três casos, foi necessária uma intervenção da professora regente junto

aos pais para que a liberação fosse concedida. Duas semanas após a distribuição

dos pedidos de autorização, os documentos assinados já estavam sob meu poder. A

mesma câmera de vídeo digital (Canon Legria HF 100) usada no campo de pesquisa

alemão para captação de áudio foi usada como aparato principal para registro das

interações em vídeo em campo brasileiro. A câmera fixa foi posicionada na frente da

sala, sob uma bancada em alvenaria abaixo das janelas, como indicado na Figura 9.

A câmera cobria um espectro angular muito aproximado ao da fotografia,

deixando de fora apenas o primeiro aluno da fileira da porta e a professora. Uma

segunda câmera disposta em um tripé foi por mim manuseada no fundo da sala (ver

Figura 10). Valia-me por vezes de zooms variados para capturar informações que

me pareciam importantes.

As duas gravações foram cotejadas de modo a esclarecer diversas

passagens inaudíveis registradas por um dos equipamentos. Algumas

microinterações também puderam ser capturadas com nitidez, como problematizo

adiante.

Figura 9 − Local de posicionamento de câmera de víd eo 1 fixa – sala 17

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Fonte: Foto da autora

Figura 10 − Local de posicionamento de câmera 2 com tripé móvel – sala 17

Fonte: Foto da autora

Tendo destacado decisões procedimentais de ordem técnica e ética

vinculadas a instrumentos de pesquisa, descrevo, a seguir, quais foram os critérios

que me levaram a selecionar, dentre todas as aulas capturadas (em áudio ou em

vídeo), aquelas que integram o corpus (Cf. APÊNDICES de F a I).

3.4 Da escolha dos exemplares de aulas para análise

Como aulas são a meta-fim do encontro social entre professor e alunos na

escola (GARCEZ, 2006), escolhi como material central de análise as interações que

se descortinam no interior desse espaço interacional e institucional.

De aproximadas 50 horas de gravação de aulas (32 horas na sala de aula

alemã e 18 horas no contexto brasileiro), escolhi quatro aulas para análise (duas

aulas de cada realidade de ensino). Essas aulas foram escolhidas não apenas

porque materializam o recorrentemente observado em campo nos períodos de três e

dois meses nas salas de aula alemã e brasileira, respectivamente, como também

por outros fatores explicitados na sequência.

No campo alemão, onde principiei a coleta de dados, percebi que as aulas

pareciam engendrar diferentes “ritmos” interacionais dependendo de decisões

didáticas tomadas pela professora regente com vistas à organização da interação.

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Debruçando-me sobre os dados coletados, constatei que a minha percepção

de “ritmos” interacionais se explicava pelo modo como a professora organizava a

aula em termos do que fazer e em quanto tempo fazer. Foi aí que cheguei às duas

organizações prototípicas das aulas, representadas no Quadro 2 abaixo. Os

números à esquerda representam a sequência de ações prescrita pela professora

regente alemã, por meio da qual ela operacionalizou a (re)apresentação de

conteúdos (conquistas das gerações precedentes) a serem pelos alunos

apropriados.

Sequenciação 1 Sequenciação 2

1. Abertura da aula com correção oral e coletiva do dever de casa de uma disciplina X, solicitado no dia anterior.

2. Definição de uma atividade didática (exercícios que integrem o livro didático ou distribuição de folha avulsa) da disciplina X.

3. Estabelecimento de atividade de complementação a ser realizada, tão logo cada aluno termine a ação 2 (ver APÊNDICE A).

4. Feitura individual da atividade solicitada pela professora.

5. Dedicação à atividade da ação 3.

6. Correção da atividade didática realizada no interior da ação 2.

7. Definição de dever de casa e encerramento da aula.

1. Exibição de um texto (mapa, cartum, foto, sequência de imagens relacionadas, 1ª capa do jornal do estado, charada, gráfico, etc.) no quadro negro (Cf. APÊNDICE B).

2. Levantamento de hipóteses por parte dos alunos do que no quadro se vê/lê.

3. Explicitação do tema da aula.

4. Desenvolvimento e discussão do tema com o grupo.

5. Encerramento da aula.

Quadro 2 − Formatos de aulas recorrentes durante a observação na sala de aula alemã Fonte: Elaborado pela autora

Analisando cada aula gravada, cheguei à conclusão de que era o tempo (em

minutos) que o grupo alemão destinava a cada ação (numeradas de 1 a 7 e de 1 a 5

no Quadro 2) o que imprimia o “ritmo” à interação em curso.

Para a escolha das duas aulas representativas dos padrões de

comportamento do grupo alemão, escolhi primeiramente uma aula de ações que se

enquadra na sequenciação 2 e outra atrelada à sequenciação 1, tendo, nesse caso,

o cuidado de escolher aquela que traria uma variação pequena de tempo entre as

ações 4 e 6.

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Além desse critério, cabe informar que i) o processo de observação, que me

levou à escolha das duas aulas, não esteve em nenhum momento vinculado à

preferência por uma dada disciplina escolar54, o que se explica obviamente por

pressupostos55, e, ainda, que ii) as aulas selecionadas foram aquelas que contavam

com um número menor de passagens ininteligíveis e uma aplicação precisa da

metodologia de notação das ações não verbais.

O agenciamento desses critérios levou a uma aula de matemática (prototípica

da sequenciação 1) e uma de HSU (que obedece à sequenciação 2). O fato de se

ter chegado a essas aulas determinou a escolha no contexto brasileiro por uma aula

de matemática (e, portanto, da mesma disciplina) e de uma aula de História

(disciplina afim à HSU).

Meu interesse em controlar o número de variáveis contrastivas na fase da

análise entre as aulas dos dois grupos levou-me ao cuidado de escolher exemplares

de aulas na realidade brasileira que se aproximassem às sequenciações 1 e 2. A

duração média56 de uma aula em cada uma das realidades de ensino foi também

levada em consideração para a composição do corpus.

Essa duração média foi observada durante as estadias nos campos. No

contexto alemão, a duração das duas aulas foi, ao longo dos três meses, sempre

aproximada (nunca inferior a 48 minutos e superior a 55). O dia escolar na

Alemanha conta com o acionamento de um sinal sonoro (uma espécie de

campainha) a cada período de 50 minutos, o que orientou o controle desse aspecto.

54 Essa opção foi feita, por exemplo, por pesquisadores como Matencio (1990, 1994, 2001) e Moita Lopes (1993, 1994) no campo da língua materna. Há ainda um grupo maior de pesquisadores que se dedicam à tarefa de analisar aulas de língua estrangeira (ALMEIDA FILHO, 1992; SINCLAIR; COUTHARD, 1975). Bastante expoência também têm tido os estudos como o do grupo de Mortimer (1997, 1998, 2000), que se dedica à análise de aulas de ciências. 55 A escolha pela constituição de um corpus com interações enquadradas sob o enfoque de uma dada disciplina talvez se explique pela crença de que há algo no objeto de ensino que oriente o evento. Posição essa que não desconsidero, mas que também não escolhi como premissa de trabalho. Na base deste trabalho, repousa a premissa, ainda mais ampla a meus olhos, de que é possível investigar a aula como uma mesma prática social de uso da linguagem, finalisticamente orientada para a construção de saberes e, portanto, constituída no quadro das práticas sócio-históricas institucionais de ensino/aprendizagem, o que pressupõe a articulação entre diferentes modos de apropriação da realidade e da materialidade discursiva (MATENCIO, 2001, p. 98). 56 Essa duração média foi observada durante as estadias nos campos. No contexto alemão, a duração das duas aulas foi, ao longo dos três meses, sempre aproximada (nunca inferior a 48 minutos e superior a 55). O dia escolar na Alemanha conta com o acionamento de um sinal sonoro (uma espécie de campainha) a cada período de 50 minutos, o que orientou o controle desse aspecto. Já no contexto brasileiro, houve um intervalo consideravelmente maior entre as aulas mais curtas (25 a 28 minutos) e as mais longas, que variaram entre 50 e 55 minutos). Embora na escola brasileira os sinais sonoros reguladores do horário escolar marquem apenas a organização das três grandes etapas (início, pausa e término) do dia letivo, tive a preocupação de realizar a contabilização da duração das aulas também no cenário brasileiro.

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Já no contexto brasileiro, houve um intervalo consideravelmente maior entre as

aulas mais curtas (25 a 28 minutos) e as mais longas, que variaram entre 50 e 55

minutos). Embora na escola brasileira os sinais sonoros reguladores do horário

escolar marquem apenas a organização das três grandes etapas (início, pausa e

término) do dia letivo, tive a preocupação de realizar a contabilização da duração

das aulas também no cenário brasileiro.

3.5 Diário de campo, questionário e vinheta narrati va: dispositivos para

enquadramento da dimensão discursiva

Se as câmeras e a metodologia de notação do não verbal no contexto alemão

intrumentalizaram a captura das interações entre professor e alunos nos dois

grupos, garantindo a presentificação da troca didática, vali-me também de outros

instrumentos (questionário, diário de campo e vinheta narrativa) para capturar

aspectos relacionados ao entorno dessa troca didática que se reconhece como aula.

A origem dessa escolha reporta à aposta de Matencio (2001), contextualizada

no capítulo anterior, de que há que se perseguir a integração da dimensão didática à

dimensão discursiva da interação em sala de aula – algo que tem me instigado a

buscar abordagens metodológicas (digamos) mais refinadas em termos de

explicitação e mesmo em preocupações procedimentais.

Em trabalho anterior, Coelho (2005), constatei a dificuldade de conectar o

dado que é da ordem do efeito de sentido (em função da dificuldade de

circunscrevê-lo, de identificá-lo em um todo de uma interação verbal oral capturada)

ao processo de coconstrução de sentido online que se vivenciou na interação,

quando ainda em curso.

Assim, do ponto de vista aqui assumido, os comportamentos de alunos e

professores em sala de aula – que conferem vida à troca didática, justamente

porque dão a ela movimentos – estão circunscritos a um discurso didático e a um

discurso pedagógico por vezes rarefeito na troca didática, algo que se sabe e se

percebe ali, mas cuja consistência não se permite capturar. É, portanto, para auxiliar

no apontamento do que hipotetizei ser da ordem do discursivo (Cf. Capítulos 4 e 5)

que me vali dos instrumentos de pesquisa questionário, diário de campo e vinheta

narrativa como dispositivos enquadradores de aspectos discursivos pulverizados na

dimensão didática. Daí a assunção de uma perspectiva metodológica que deflagre

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[...] reflexões acerca das relações entre a materialidade linguística e textual e o contexto histórico de produção de sentidos – e não meramente o contexto imediato em que se dá a textualização (a produção e/ou a recepção do texto) –, porque tem-se a possibilidade de que, tendo assumido um certo posto de observação, o pesquisador seja levado, no contato com seus dados, a operar com uma noção de contexto bastante dinâmica, na medida em que o próprio fenômeno faz emergir a plasticidade das interações sociais e de sua materialidade. (MATENCIO, 2006, p. 139).

Feitas essas considerações, avaliemos o que é especificidade de cada um

desses três instrumentos.

3.5.1 O diário de campo

O diário de campo foi tomado, neste trabalho, como estratégia metodológica

para sistematização no e do cotidiano em campo. Ou seja, por meio do

agenciamento desse expediente, procurei sistematizar tudo aquilo que se desenhou,

revelou, a meus olhos, ser parte da fabricação da cultura material dos grupos com

os quais convivi.

O instrumento foi por mim tomado, em certa medida, como a memória do

estar em campo, pois nele registrei não só acontecimentos observados, ou cenas

que protagonizei, mas também sensações como as de estranhamento, surpresa ou

de inquietação geradas quando vivenciei essas cenas. O diário de campo foi,

portanto, por mim significado como uma válvula de escape e, nessa medida, como

um certo interlocutor silencioso com o qual pude dividir em tempo real, por meio do

registro, minhas indagações e hipóteses que iam dia após dia sendo confirmadas ou

abandonadas.

Cumpre ainda dizer que tudo o que foi registrado não diz respeito tão

somente àquilo que potencialmente, mais tarde, tornar-se-ia uma evidência da

cultura escolar observada, já que registrei também flashes do plano intersubjetivo da

convivência. Desse modo, pode-se tomar o diário de campo como um diário de

experiência. O alcance do que tomo como experiência é descrito com muita

propriedade por Larrosa (2002, p. 21):

Poderíamos dizer, de início, que a experiência é, em espanhol, “o que nos passa”. Em português se diria que a experiência é “o que nos acontece”; em francês a experiência seria “ce que nous arrive”; em italiano, “quello che nos succede” ou “quello che nos accade”, em inglês, “that what is happening to

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us”; em alemão, “was mir passiert”. A experiência é o que nos passa, o que nos acontece, ou o que nos toca. Não o que se passa, não o que acontece, ou o que toca. (LARROSA, 2002, p. 21).

O que (me) aconteceu em campo, seja da ordem do recorrente, seja do

episódico, foi significado e tal interpretação foi registrada para depois, fora do

campo, ser, a cada nova leitura (por seu turno orientada por um novo contexto e por

outra agenda de prioridades), relida, reinterpretada e ressignificada.

Uma releitura, cuidadosa, do diário, para a escrita desta seção, atesta a

existência de um conjunto de informações:

a) de cunho descritivo – dados sobre o espaço físico, o engendramento das

atividades realizadas, o modo como os sujeitos e suas ações foram

percebidos, o meu comportamento como observadora/pesquisadora e a

forma como os sujeitos pareceram reagir a essa presença;

b) da ordem do probatório – dizeres de professores que procurei registrar de

modo mais fiel possível, características/traços constitutivos da interação

(como as expressões linguísticas utilizadas de modo recorrente pelos

professores para gerenciar e organizar a interação), interações entre

alunos, anotações realizadas no quadro;

c) de cunho analítico – breves lembretes (hipóteses, retomadas breves de

pressupostos teóricos e objetivos delineadores da pesquisa) e insights

que emergiram/ocorreram durante o dia de observação.

Muito do que, neste trabalho, se diz, pauta-se em notas de campo. Entretanto,

em razão do próprio funcionamento sui generis do diário, nem sempre isso é

explicitado, já que, de algum modo, o diário de campo se (con)funde com a voz do

pesquisador materializada nos achados da pesquisa. Em suma, o que se lê no diário

nada mais é do que a geração, metaforicamente in vitro, senão do trabalho como um

todo, de boa parte dele.

Embora se reconheça que a visibilidade de dados desse instrumento nem

sempre se efetive, cumpre dizer que, em alguns momentos deste trabalho, tal como

se verá adiante, opto por citações ipsis litteris, o que salienta a produtividade do

instrumento.

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3.5.2 O questionário

A produção de questionários escritos e, nessa medida, a escolha por agregar

ao corpus dados dele provenientes, pauta-se na aposta da força desse instrumento

para registro de aspectos dificilmente acessados na observação direta em campo.

A minha experienciação em campo no exterior, por exemplo, apontou a

ausência de qualquer tematização explícita de aspectos concernentes à organização

escolar alemã que, dado o momento em que o grupo se encontrava (três meses

antes da mudança escolar tida como decisiva pela própria comunidade escolar),

podia se esperar que ocorresse. Daí então, neste estudo, o agenciamento do

questionário como um instrumento a mais para a busca de apreensão de pontos de

vista que não emergiram de modo espontâneo no curso das interações entre os

sujeitos observados.

Essa função incitadora a que me refiro não pode ser atribuída exclusivamente

ao questionário, já que por meio do instrumento entrevista poder-se-ia, por exemplo,

perseguir os mesmos objetivos. O questionário escrito, entretanto, apresenta, a meu

ver, um diferencial: a possibilidade de acesso, em um mesmo espaço de tempo, a

posições de inúmeros sujeitos que, mesmo juntos em um dado espaço físico, se

posicionam individualmente, o que garante ainda a regularidade de condições

relativas ao momento de demanda de posição (contexto de aplicação do

questionário), dificilmente alcançável com entrevistas.

O questionário desponta como instrumento de trabalho-filtro, pois, feita uma

análise quantitativa das respostas nele registradas, pode-se passar, caso seja

necessário, a uma etapa de entrevista, tendo-se já estabelecido uma amostragem

de sujeitos a serem entrevistados.

A praticidade desse instrumento é inegável e requer pouco investimento

financeiro, o que também se revela uma variável importante, dada a realidade de

financiamentos de pesquisa por alguns de nós vivenciada. Se o investimento

financeiro é baixo, o mesmo não se pode dizer do investimento intelectual

demandado pelo instrumento para a elaboração das questões que o integram, visto

que são elas que validam a eficácia do instrumento. É comum, ao lermos pesquisas

que se valem da aplicação do questionário em grande escala, geralmente estudos

predominantemente quantitativos, encontrarmos a observação de que é o pré-teste

a etapa decisiva para se perseguir a eficiência do instrumento. Entretanto, em

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pesquisas como a que deu origem a este estudo – em que nos vemos de algum

modo restritos em termos de acesso a populações que compartilham características

comuns ao perfil do grupo de sujeitos com os quais se escolhe trabalhar –, as

chances de aperfeiçoamento do instrumento são bem limitadas.

Ainda quanto ao cuidado requerido pelo instrumento no que concerne à grade

de questões elaboradas, destaco que, no caso da pesquisa realizada, tanto o que foi

perguntado como o modo como se escolheu perguntar foram decorrentes de

experiências com integrantes dos grupos em campo. Desse modo, pode-se afirmar

que a demanda pelo que se pergunta, bem como o momento de aplicação de tais

questões foram regidos não apenas pela pesquisa de campo, mas também pela

postura de trabalho etnográfica orientadora desse estar em campo. É nesse ponto

que eu gostaria de justificar alguns acontecimentos relativos ao uso do questionário.

Apliquei três diferentes questionários para os alunos alemães cuidando de

procedimentos a partir dos quais cruzei respostas individuais aos questionários 1 e

2, a fim de decidir se um determinado aluno deveria responder o questionário 3A ou

o 3B, cujas questões, por outro lado, foram elaboradas a partir de um conjunto de

ditos (proferidos pelos alunos, pela professora, pela mídia alemã ou ecoadas nas

aulas às quais assisti na universidade anfitriã) por mim acessados durante a estadia

na Alemanha (como registra detalhadamente o APÊNDICE C).

Na contrapartida desse cuidado procedimental, apliquei um único questionário

para o grupo brasileiro (ver APÊNDICE D). O único aspecto que esses quatro

questionários guardam em comum é que parte significativa das questões foi

formulada a partir de hipóteses geradas em conversas, que se queriam informais,

entre mim e os alunos, em momentos como intervalos ou trajetos da sala de aula à

saída da escola.

Assim, de práticas de conversação por mim iniciadas (mas também por vezes

pelos próprios alunos), desprovidas de um objetivo interlocutivo previamente traçado

e delimitado, surgiu boa parte das questões elaboradas. Daí o mote de inúmeras

perguntas ser atribuído a dizeres e ou a ações dos próprios sujeitos.

Em termos práticos, quero registrar que não é no modo como dois diferentes

grupos respondem a um mesmo roteiro que, acredito, resida qualquer parâmetro

comparativo, mas sim, em um conjunto de questões que, por tocarem em aspectos

que provocam ressonâncias no grupo, justifiquem um posicionamento em réplica.

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O fato de a coleta de dados ter principiado na Alemanha e, portanto, no

interior de um sistema escolar cujas estruturas de funcionamento diferem das

vigentes na realidade brasileira explica a diferença do número de questionários

aplicados, já que o fiz para visualizar elos, cadeias e teias discursivas imbricadas

nas formas de se relacionar do grupo, que não me eram acessíveis na observação

em campo.

Isso implica considerar que os momentos de elaboração dos questionários

foram expedientes de trabalho57 nos quais procurei perceber se certos

comportamentos dos integrantes do grupo vinculavam-se a redes de interdiscursos,

intradiscursos e pressupostos sobre a escola que ecoavam fora desse espaço

institucional.

Não se trata, contudo, de um fazer/obrigar/levar o outro a dizer, em suas

respostas (COELHO, 2005; 2007), o que se espera ler, mas sim, de refletir, a partir

de um roteiro de questões calcado em passos metodológicos e hipóteses de

trabalho, sobre possíveis vínculos entre linguagem, cultura e sociedade e os

comportamentos recorrentes no período de observação.

Os dados provenientes das respostas aos quatro questionários aplicados já

possibilitariam a constituição de um corpus propulsor de uma pesquisa. Entretanto,

dada a escolha neste trabalho por um corpus multiforme, alguns recortes precisaram

ser realizados, implicando decisões restritivas que orientaram o que pinçar no

universo de dados gerados pelos instrumentos, a partir do que se revelava central,

tendo-se em vista os objetivos do trabalho.

As respostas ao instrumento não são trazidas ipsis litteris, apenas baseio-me

em algumas delas, referenciando-as em pé de página, para respaldar algumas

hipóteses de análise.

Por não serem, portanto, objeto central de análise, optei por apresentar tanto

os três questionários aplicados na Alemanha, quanto aquele respondido pelos

alunos brasileiros em apêndice, o que faço para registrar a proficuidade do trabalho

com o instrumento, em que registro como cada um dos quatro questionários foi

concebido, as questões que os integram, as projeções por mim realizadas no

momento de elaboração e os efeitos de sentido pretendido nas escolhas

57 Termo tomado como o concebe o Interacionismo Sociodiscursivo: uma ação de linguagem requer um ato de tomada da palavra por um agente (no caso alunos) que, na copresença com outros agentes (outros alunos e a pesquisadora), cria uma forma de interação de modo a predeterminar objetivos que podem ser de tal interação depreendidos (BALTAR, 2007).

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vocabulares. Também estão lá descritas: i) cenas dos expedientes de aplicação e o

que eles informaram em termos gerais sobre as relações pessoais e identitárias

estabelecidas entre mim e o grupo; e ii) a contribuição das respostas para que se

conhecesse aspectos dos perfis dos grupos que, dificilmente, seriam de outro modo

acessado. Em notas de pé de página, marco todos os momentos em que me vali de

uma resposta a questionários como argumento de e para análise, trazendo sempre

as informações contextualizadoras necessárias.

3.5.3 A vinheta narrativa como o entrelugar do ver e do olhar

Um dos legados da perspectiva etnográfica consiste na tendência de se

destacar aquilo que salta aos olhos como o diferente para o sujeito de fora, que se

vê imerso no cotidiano e nas práticas de um dado grupo. Talvez seja, então, a

estranheza o primeiro dispositivo enquadrador das interpretações que emergem

quando em contato com o outro.

O outro aqui é, em primeiro lugar, o não eu, quem ou o que observo. Essa

observação me representa, me coloca na cena ao lado do que ou de quem observo.

A partir do modo como eu olho, não apenas construo o observado, mas me

reconstruo observando. É enquanto se joga esse jogo (em que observar é perceber

algumas coisas e deixar que muitas outras passem despercebidas) que coloco a

vinheta narrativa: como instrumento de pesquisa catalisador do estranhamento.

Esquecemo-nos muito facilmente do que um dia pensamos ou de como

interpretamos uma determinada situação no passado e, como é preciso esquecer

para vir a conhecer o que será também esquecido depois, é preciso reconhecer!

Dois terços da minha permanência na sala de aula alemã foram marcados

pelo estranhamento, mas, no terceiro mês em campo, acostumei-me à rotina do

grupo, o que agora via (e o que já vinha vendo, mas de outro modo) passou a ser

analisado com naturalidade. Comecei a prever o modo como os sujeitos se

comportariam diante das situações em curso. Era, então, chegado o momento de

sair de campo.

Só depois desse reconhecimento, consegui entender as avaliações

recíprocas dos sujeitos relacionadas às suas identidades institucionais.

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O que se deve reter dessa exposição é que padrões de ação culturalmente

apre(e)ndidos e diariamente (res)significados por professores e alunos estão

pulverizados no dia a dia escolar.

Na sala de aula brasileira, por outro lado, o desafio foi acreditar que eu

deveria permanecer em campo. Durante o primeiro mês, assustava-me a

transparência com que eu significava as ações, reações, palavras e gestos dos

alunos da sala 17 nos momentos de interação com a professora regente Andréia

Wolfgang ou com a professora, de Ciências e História, Fátima. Decidi dedicar mais

uma vez todas as manhãs do mês seguinte para conviver com o grupo brasileiro.

Apenas em meados do segundo mês, imersa na tarefa de transcrição das

aulas, comecei a levantar hipóteses sobre padrões de comportamentos de alguns

alunos no grupo. Revendo repetidas vezes a gravação em vídeo de uma mesma

aula e analisando o comportamento de apenas dois alunos por vez, fui capaz de

perceber algumas nuances do funcionamento do grupo58, o que foi desencadeado

por mudanças radicais do mapa de sala, realizadas pela professora regente.

A vinheta narrativa – que se origina da “discussão e caracterização do

Lebenswelt (mundo vivido) e do seu homem-mundano na pesquisa fenomenológica

de base merleau-pontyana”, como esclarecem Moreira e Cavalcante Júnior (2007) –

foi tomada como produto de uma emanação de vozes, perspectivas, impressões,

questionamentos que direcionamos a um gravador durante um período de tempo

logo após vivenciarmos situações – é o instrumento do reconhecimento. Modo de

registrar o que, por ser da ordem do episódico, do circunstancial, do imediato, das

impressões dispersadas, logo seria esquecido.

Em vinhetas, registrei parte do que vi em campo. E só vi o que vi porque

olhei, e só olhei porque acreditei ter visto:

O olhar mostra que não é fácil ver e que é preciso ver, ainda que pareça impossível, pois no olhar o objeto visto aparece em seus estilhaços de ser e só com muito custo é que se recupera para ele a síntese que nos possibilita reconstruir o objeto. É como se depois de ver fosse necessário olhar, para então, novamente ver. Há, assim, uma dinâmica, um movimento – podemos dizer – um ritmo em um processo de olhar-ver. Ver e olhar se

58 Percebi, por exemplo, que um aluno que eu até então avaliava como descompromissado (que recebia constantemente reprimendas da professora por protagonizar brigas ou mesmo conversas paralelas) tentava insistentemente e de formas variadas participar das discussões coletivas orientadas pela professora, mas não conseguia acesso ao solo da interação. Isso só poderia ser assim significado, quando o foco da atenção recaía pelo menos alguns minutos seguidos sobre ele. Exemplos dessa natureza integram o capítulo 5.

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complementam, são dois movimentos do mesmo gesto. (TIBURI, 2007, p. 1).

Cumpre dizer que a vinheta narrativa é usada neste capítulo para uma

primeira apresentação da vierte Klasse B e da sala 17. Uma apresentação em que

dimensões didática e discursiva se entrecruzam trazendo, ao mesmo tempo, o que

um dia foi inédito (na primeira vez que vi) ao recorrentemente observado

(reconhecido) na convivência com os grupos.

Antes da apresentação de duas vinhetas narrativas, em que se leem

comportamentos sociais (desvinculados de tarefas didáticas específicas)

constitutivos do agir dos dois grupos na escola, reflito rapidamente sobre a cultura

na sala de aula e a sala de aula na cultura.

3.6 A cultura na escola e a escola na cultura

A motivação pela entrada no campo de ensino alemão (e não em outro) se

explica dado ao fato desse trazer um traço que pode ser tomado como uma

diferença estrutural, qual seja, o término da Grundschule59 (com a vierte Klasse – 4ª

série) é seguido por uma etapa da escolarização Weiterführende Schule60 que prevê

o encaminhamento dos alunos para um dos três “tipos”, “modelos” da escola alemã,

Gymnasium, Realschule ou Hauptschule, a depender da trajetória escolar do aluno

presentificada em notas e as expectativas dos pais para o futuro dos filhos, como

esclareço sumariamente adiante.

É na vierte Klasse, no contexto alemão, que se cumpre a primeira etapa

decisiva da formação de um estudante, qual seja: o desempenho escolar acadêmico

do aluno define para que “tipo” de escola ele será encaminhado no ano letivo

seguinte para dar continuidade aos estudos.

Os alunos com desempenho escolar notável tendem a ir para a escola tipo

Gymnasium (com duração de 9 anos, que se inicia na 5ª série e concui-se na 13ª

série); os alunos com bom desempenho escolar são frequentemente encaminhados

à escola do tipo Realschule (5ª a 10ª séries, com duração de 6 anos); e os alunos 59 Aos quatro primeiros anos de escolarização na Alemanha, dá-se o nome Grundschule (Grund = base/ solo, Schule = escola), de onde se depreende a tradução a base da escola, o que dialoga com o que nomeamos ensino fundamental no Brasil. 60 Correspondente à seguinte etapa de escolarização no sistema brasileiro: do 6° ano do ensino fundamental de nove anos (em escolas das redes estaduais e particulares) e do 3º ano do 2º ciclo em escolas da rede municipal de ensino de Belo Horizonte até à 3ª série do ensino médio.

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com notas medianas ou insuficientes vão para a Hauptschule, onde estudam 5 anos,

da 5ª à 9ª séries.

O sistema de ensino alemão institui, ainda, que só poderá pleitear

futuramente uma vaga na universidade o aluno que cursar a escola tipo Gymnasium,

concluindo-a com um Abitur (exame nacional governamental com provas escritas e

orais de: a) língua alemã, latim e uma língua estrangeira moderna (inglês, francês ou

espanhol) aplicadas para todos os candidatos e com peso idêntico na nota final; b)

matemática, física ou química; e c) história, geografia ou política, devendo o

candidato sinalizar sua área de ênfase (b ou c).

O histórico escolar da última série do Gymnasium é também contabilizado

para o cálculo que definirá uma média que oportunizará o acesso a cursos

universitários em instituições públicas ou privadas de ensino, cujas médias para

acesso são definidas em termos da concorrência do ano vigente e da nota média do

ano letivo anterior.

O Gymnasium é a escola considerada pela parcela de pais acadêmicos

alemães a melhor para seus filhos. No que diz respeito ao sistema de ensino, essa é

a escola que exige não só as melhores notas, mas também uma trajetória escolar de

sujeitos cujos perfis podem ser facilmente atrelados à imagem típica de um bom

aluno ocidental (como gostar de estudar, ter concentração, disciplina, mostrar-se

participativo na sala de aula), o sistema de ensino alemão institui que só poderá

futuramente pleitear uma vaga na universidade, o aluno que cursar esse tipo de

escola.

O Gymnasium – com duração de 9 anos; da 5ª à 13ª séries – tem formação

geral básica seguida de aprofundamento científico, escolhido pelo aluno, em áreas

como línguas, música e/ou ciências naturais. Os alunos que frequentam esse tipo de

escola têm em vista a carreira acadêmica. Ao final do Gymnasium, há um exame

nacional governamental (Abitur) com provas escritas, orais e um Fahrarbeit (trabalho

técnico com apresentação oral), sendo que o histórico escolar das últimas duas

séries do Gymnasium também é considerado para o Abitur.

A Realschule (com prestígio social intermediário para os alemães e

geralmente ainda mais bem aceita entre famílias estrangeiras) é uma escola

profissionalizante que exige notas medianas. A Realschule – com duração de 6

anos; 5ª à 10ª séries – tem formação geral básica nos primeiros três anos, período

em que os alunos estudam disciplinas básicas (matemática, alemão, geografia,

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história, física, química, etc.). Nos três últimos anos, o aluno tem aulas teóricas de 1

a 2 vezes por semana em uma Berufschule (escola profissionalizante) e passa por

formação prática (3 vezes por semana no posto de trabalho – empresa ou oficina), o

que funciona como um estágio remunerado. Ao final do curso, desde que cumpridos

os requisitos para formação, o aluno estará habilitado para trabalhar em instituições

financeiras, como bancos, escritórios, etc.

Já a Hauptschule é discriminada, muitas vezes, abertamente, por uma grande

parcela de famílias alemãs e também estrangeiras. Essa escola – com duração de 5

anos; da 5ª à 9ª séries – tem formação geral básica nos dois primeiros anos, assim

como o Gymnasium e o Realschule, funcionando, nos últimos três, como a

Realschule, a diferença são os setores para os quais os alunos são preparados:

agricultura e indústria.

No sistema de ensino alemão, a performance estudantil do aluno, que acaba

de concluir a vierte Klasse da Grundschule aos 10 ou 11 anos de idade, e as

decisões de seus representantes legais determinam a trajetória estudantil a ser

construída nos próximos anos (no mínimo, seis e no máximo treze) pelo sujeito,

sendo a média escolar pré-requisito para a argumentação e tomadas de decisão

pelas famílias. Reuniões, ao longo de todo o ano escolar, entre cada família e a

professora regente podem ocorrer, desde que desejadas pelos familiares do aluno.

Há, no horário semanal da professora, um dia da semana em que os pais podem se

dirigir até a escola para conversarem sobre as trajetórias de seus filhos, desde que

agendem um horário, assim, a professora regente se prepara para, caso seja

necessário e/ou requerido, apresentar aquela que lhe parece ser a escola adequada

para o aluno, tendo em vista o perfil da criança.

Há alunos, cujas notas são suficientemente boas para ir ao Gymnasium, mas

a família (responsável pelas escolhas da criança) opta pela Realschule ou pelo fato

de o aluno entrar mais cedo para o mercado de trabalho ou por considerar a

abordagem acadêmica visada pelo Gymnasium, com vista a um futuro na

universidade, menos relevante ou mesmo distante da realidade até então vivenciada

na família. Há casos em que, dadas as notas baixas, não há nada a se

(contra)argumentar: o “tipo” de escola, para qual o aluno irá, define-se

automaticamente.

Essas diferenças estruturais interessam aqui apenas em termos de como

interferem no dia a dia interacional do grupo sendo, assim, não trago documentos

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governamentais em que essa política educacional é desenhada, o que também vale

para o sistema de ensino brasileiro.

Se essas colocações estão sendo aqui feitas – tematizadas recorrentemente

pela mídia alemã e em espaços de formação profissional – é porque as próprias

falas dos alunos da vierte Klasse B as legitimaram. Não há prova mais significativa

de que a Hauptschule seja a escola menos prestigiada do que nenhum dos 26

alunos da turma observada desejar frequentá-la.

A pesquisa de campo se estendeu em um período do ano letivo alemão em

que os alunos da Grundschule receberam o Zwischenzeugnis. Trata-se de um

documento (uma espécie de boletim) muito esperado pelos alunos e familiares, com

a nota média desenhada até o momento. Essa média definirá, ao final do ano letivo,

a matrícula do aluno alemão no Gymnasium, Realschule ou Hauptschule.

68% do grupo (dezessete dos vinte e cinco alunos), que respondeu ao

Questionário 2 (Cf. APÊNDICE C), sinalizou o desejo de frequentar o Gymnasium e

os outros oito (32%) a Realschule.

Diante da pergunta “Para que escola você vai, caso tenha no boletim final as

mesmas notas que você tem hoje no boletim parcial?”, cinco alunos registram a

escola tipo Hauptschule e dois outros alunos escreveram que possivelmente irão

para a Realschule, embora desejassem o Gymnasium, significando que 28% dos

alunos considera a possibilidade de não atingirem suas expectativas.

Ao contrastar informações como essas aos nossos conhecimentos sobre o

funcionamento da etapa de escolarização correspondente à vierte Klasse no sistema

brasileiro de ensino (o 5º ano do ensino fundamental de nove anos61 − antiga 4ª

série), podemos dizer, sem medo, que se, no contexto alemão, essa é uma etapa

decisiva da e para a carreira de um aluno, o mesmo não se pode dizer da etapa de

escolarização correspondente no Brasil. De que modo isso poderia interferir, ou

refletir, nos comportamentos encenados em sala de aula pelos alunos dos dois

grupos?

Tendo lançado a pergunta, o convite é o de conhecer o dia a dia interacional

dos dois grupos a partir de cenas de sala de aula nas seções 3.6.1 e 3.6.2. Antes

disso, porém, cabe dimensionar cultura.

61 O Ensino fundamental em nosso país, que antes compreendia as oito primeiras séries (1ª a 8ª séries), agora passa a ser referenciado como fundamental de nove anos, pois o até então nomeado Pré-escola (e parte da educação infantil) passa a integrar o 1º ano do ensino fundamental.

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A palavra cultura condensa tanto do que se conhece hoje como conhecimento

(as escolhas mórficas aqui são propositais) que se ela pudesse ser discursivamente

decomposta, encontraríamos algo como “[...] muti-espaço-etno-fragmentado

fulgidio/oportunizado-processualmente-praticado-e-agentivamente reiventado-

contestadamente62.” (BOON, 1999, p. 2 apud McDERMONT; VARENNE, 2005, p. 5).

Não deixando de considerar que uma definição como a de Boon (1999)

arrasta como subentendido o fato de que qualquer investida analítica sobre, ou a

partir, da noção de cultura seria da ordem do que é, no mínimo, inconclusível,

gostaria de repetir o conceito de McDermont e Varenne (2005, p. 12), tomando

cultura em termos menos ortodoxos (e, ao mesmo tempo, menos pós-moderno!):

“uma cultura é uma configuração particular de instituições, grupos políticos e suas

alianças, pessoas distribuídas em várias posições, estilos de discurso e assim por

diante.”.

As salas de aula – como espaços físicos genuínos da encenação da troca

didática – guardam muitos traços do que historicamente se firmou como

característico da cultura escolar (da cultura da instituição escola).

No mobiliário estão algumas dessas marcas: as carteiras organizadas em

fileiras se voltam para o quadro de giz e, no canto direito da sala, em direção oposta

à porta, há uma mesa e uma cadeira diferenciadas destinadas ao professor. As

paredes são suportes mais do que legítimos para fixação de painéis de natureza

pedagógica.

Essa descrição aplica-se igualmente às salas de aulas onde se reúnem

diariamente a vierte Klasse B e a sala 17. Cada sala de aula traz marcas do que é

local/circunstancial/característico e significativo para aquele grupo que ali convive,

mas, ao mesmo tempo, tudo que é dessa ordem é, em alguma medida, também

atravessado por aspectos comuns de outras salas de aulas, como ponderado no

capítulo 2, mas seria ingênuo deixar de considerar o que esses espaços também

trazem em termos das culturas escolares alemã e brasileira, que esses grupos

integram e, nessa medida, representam.

Princípios de um mesmo código cultural escolar (tudo aquilo que

historicamente se cristalizou como característica da instituição escola) aparecem sob

62 “[...] multi-spatio-ethno-fragmented-scapes/scopesas-processually-praticed-and agentively-reivented contestatorially.” (BOON, 1999, p. 2 apud MCDERMONT; VARENNE, 2005, p. 5).

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diferentes roupagens no cotidiano dos grupos, instituindo diferentes procedimentos

para se cumprir certas restrições com vistas ao comportamento em sala de aula.

Um dia escolar não é composto só por aulas, embora sejam elas que

justifiquem o ir à escola. Cada aula é a encenação de uma troca didática entre um

professor e um grupo de alunos que ocorre em aproximados 50 minutos. Mas muita

coisa se passa até o início da primeira aula e a campainha que indica o fim das

atividades escolares de um dia na sala de aula. E o que se passa nos “intervalos”

(sejam eles vivenciados dentro ou fora do espaço físico da sala de aula), entre uma

aula e outra, também informa sobre padrões culturais de uma sociedade que, de

algum modo, e em alguma proporção, se veem naquela cultura escolar, a que

pertence o grupo, refletidos.

Para que se visualizem aspectos pelos quais esse código cultural escolar se

reveste nos dois grupos, o convite que faço é o de adentrar num dia típico de cada

grupo procurando entender um pouco do modo como esses espaços são

significados, usados e, assim, servem de palco para as encenações que ali se

descortinam.

3.6.1 Flashes de um dia na escola com o grupo alemã o

Vinheta narrativa 1 São 7h35 da manhã de uma 2ª feira. O termômetro na frente da escola marca -5º. Empurro a porta de entrada da Grundschule T, balanço os pés para retirar a neve das botas, antes de pisar no tapete de entrada. Fecho a porta, retiro as luvas, a touca e, enquanto as guardo na bolsa, subo as escadas e dirigindo-me à vierte Klasse B. No caminho, encontro-me com a professora regente Frau Müller, que abre a porta da sala de aula. Frau Müller acende as luzes, entramos. A sala está exatamente como deixamos na manhã anterior. Objetos pessoais da professora já estão sobre a mesa, onde ela agora deposita o que traz nas mãos. Atrás da mesa, ao lado do quadro de giz, há um armário onde a professora dependura seu casaco. Todas as janelas da sala são abertas pela professora. Nos beirais das janelas, há alguns vasos de plantas. Dirijo-me ao meu lugar de observação diária, retiro o casaco e me acomodo. Meus olhos percorrem toda a sala. Todas as cadeiras dos alunos estão sobre as mesas. Sobre algumas cadeiras há almofadas trazidas de casa pelos alunos para tornar a cadeira de madeira mais confortável ou para se protegerem do chão frio, quando lá se sentarem. Os alunos se sentam de dois a dois, dividindo uma mesa inteiriça. Treze mesas, vinte e seis alunos. Embaixo das mesas, vejo livros didáticos, um de literatura e cadernos. As cortinas de cetim bege com forro verde escuro balançam. Está ventando e a sala está fria, o aquecedor não está ligado e eu resolvo recolocar o casaco. Ao apanhá-lo, vejo um armário de madeira entreaberto, no fundo da sala,

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com uma etiqueta afixada onde se lê Sport. Há muitas mochilas amontoadas dentro do armário. Cada mochila traz uma bermuda ou calça, uma camiseta de malha e um par de tênis para os momentos de educação física. O relógio na parede marca 7h40, dirijo-me até a janela de onde posso ver alguns alunos adentrando o prédio da escola. Crianças caminham lado a lado, com mochilas nas costas, apenas crianças bem pequenas estão acompanhadas por um adulto. A maior parte dos alunos veio à pé, mas há também carros estacionando e outros alunos desembarcando. Os primeiros alunos da vierte Klasse B aproximam-se da porta da sala. No corredor, eles trocam palavras e olhares. Colocam suas mochilas no chão, desvestem os casacos, tiram boinas, luvas, cachecóis e dependuram tudo em um cabideiro coletivo da turma localizado do lado de fora da sala. Os alunos não usam uniforme. Botas de inverno são trocadas por Hausschuhe (sapatinhos de lã ou de outro material usados com meias em casa). Os alunos pouco a pouco vão entrando na sala e, calmos, dirigem-se imediatamente aos seus respectivos lugares. Cada um retira sua cadeira de cima da mesa, dependura a mochila em um ganchinho afixado na lateral da mesa. Da mochila retiram o dever de casa do dia anterior e o colocam sobre a mesa da professora. Por vezes, a professora troca olhares com os alunos ou mesmo esboça sorrisos, sem mostras de dentes. As crianças movimentam-se livremente pela sala, brincam umas com as outras: algumas correm, outras apanham jogos na estante da sala e se assentam em roda para brincar no chão, um número menor dedica o tempo à leitura do livro de literatura retirado debaixo da mesa. A professora está conferindo as atividades entregues e registrando os nomes das crianças em um fichário. Ela chama um aluno pelo nome e solicita o dever de casa. O aluno balança a cabeça em sinal negativo e vai até a mesa da professora levando uma agenda onde a professora escreve. Alguns alunos observam, em silêncio, os movimentos do colega. O quadro verde, que é de giz, tem suas laterais móveis e quadriculadas, permitindo que se escolha uma maior ou menor área para escrita. A altura do quadro também é ajustável. Em sua parte inferior há uma caixa com imãs (usados para afixar papéis nas exposições didáticas) e gizes de cores variadas. Atrás da porta há uma pia branca, duas vassouras, um rodo e panos de chão. Um regador de plástico está sobre a pia, assim como uma esponja e um pequeno rodo de cabo curto usados para limpar o quadro. Embaixo da pia, há 3 cestos para lixo (papel, plástico e orgânico). Um espelho está afixado sobre a pia. São quase 8h. A professora olha para o relógio, levanta-se, dirigindo-se à frente da sala de aula e ergue o braço direito por alguns segundos. Os alunos, que ainda não estão nos seus lugares, já estão se assentando. A professora olha para o grupo em silêncio e aguarda até que todos se acomodem. A turma está em silêncio. Uma campainha toca pontualmente às 8h. Frau Müller diz com expressão facial serena e tom baixo de voz “Ich wünsche ein SCHÖne Guten Mo:rgen” (Eu desejo um BElo e bom di:a), sendo respondida de forma cantada, em coro, pelas crianças: “Gu::::::ten Mo:::::rgen Fra::u Mü:ller”. A professora convida os alunos a se sentarem no chão, na frente da sala. Todos obedecem ao pedido prontamente, alguns alunos levam as almofadas trazidas de casa. Todos se dirigem à frente da sala em silêncio e se sentam calmamente em círculo, como pediu a professora. Estamos num espaço relativamente pequeno, entre o quadro de giz e a 1ª fileira de mesas. Os alunos não chegam a se encostar nos ombros do colega, mas estão muito próximos, não há espaço para qualquer mudança de posição. Não há qualquer reclamação e ou atitude que demandasse uma fala da professora.

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Frau Müller, que também está sentada no chão, segura uma pedrinha e relata ao grupo o que fez no final de semana. Ao terminar, passa a pedrinha para o aluno sentado ao seu lado esquerdo, que também informa sobre as atividades realizadas no final de semana. A pedrinha percorre toda a roda e todas as crianças apresentam o seu relato, geralmente conciso. Eu, também sentada na roda, participo. Quando a pedrinha está de volta às mãos de Frau Müller, ela a coloca sobre sua mesa e, ainda sentada no chão, informa ao grupo o que farão em cada aula daquele dia escolar. Os alunos reagem ao que a professora está dizendo, sussurrando entre si “ja” (si::m) ou “bi::tte né:::in” (por fa::vor nã:::o). Frau Müller pede aos alunos que retornem aos lugares e introduz a primeira atividade do dia que se organiza em torno de 6 aulas de 50 minutos cada, nunca geminadas e dois intervalos. Há uma Pause de 30 minutos antes da 3ª aula e entre a 4ª e 5ª aulas do dia uma kleine Pause (pequena pausa) de 10 minutos. Uma campainha toca indicando o final de cada horário. Os Hausaufgabe (deveres de casa) referentes a cada aula são registrados pela professora em um pequeno quadro de pincel localizado ao lado direito do quadro de giz, ao encerramento de cada período de 50 minutos. A professora sempre instrui, de modo muito preciso, o que os alunos devem fazer. São 9h40 e começa a Pause de 30 minutos. O Brotzeit (lanche) ocorre sempre em sala de aula. Frau Müller pega um livro literário sobre a sua mesa, abre-o orientando-se por um marcador de páginas e retoma a leitura em voz alta do ponto onde havia parado no intervalo de ontem. Enquanto ela lê, os alunos retiram de suas mochilas vasilhas plásticas ou pacotes de papel com o lanche. Fatias de um pão escuro típico com salaminho, manteiga ou geleia são as opções mais comuns. Outros trazem um sanduíche de pão francês típico das padarias da cidade (folha de alface, rodelas de tomate e pepino, uma fatia de queijo processado e outra de salame). Além do pão, os alunos sempre levam mais um alimento como banana, maçã, cenoura vermelha crua descascada, pedaços de pepino japonês, ovo cozido, salsicha e salame. Para beber, há sempre água, suco de maçã ou suco de frutas cítricas industrializados. A opção chá quente só é permitida em dias de inverno com excursão. Nenhuma criança usa guardanapo, o lanche é colocado diretamente sobre a mesa onde já não há qualquer objeto escolar. As crianças permanecem sentadas em seus lugares durante todo o tempo em que estão comendo e ouvem em silêncio a leitura da professora que dá a cada personagem um tom de voz diferenciado. Alguns alunos riem contidamente ao ouvir certas passagens da história. Os alunos não pedem ou oferecem lanche uns aos outros. E, embora estejam sentados lado a lado, não demonstram interesse em saber o que o colega está comendo. Passados 10 minutos, a professora interrompe a leitura e se levanta. As crianças começam a guardar o que não comeram de volta nas mochilas, algumas bebem, já de pé, um pouco mais de liquido. As garrafinhas são deixadas sobre as mesas. Um menino e uma menina a que as Pausendienst (Tarefas de intervalo) estão destinadas se dirigem até a professora e dela recebem uma chave cada. Os alunos que querem ir ao banheiro fazem fila. As meninas acompanham a menina e os meninos, o menino. Todos deixam a sala, que é trancada pela professora. Os alunos que não quiseram ir ao banheiro já estão no corredor trocando os Hausschuhe por suas botas, colocando cachecóis, gorros, luvas e se dirigindo ao pátio da escola para brincarem. Na Grundschule são os professores que “passen die Kinder auf” (prestam atenção nas crianças) durante o intervalo. Dois professores se responsabilizam diariamente pela tarefa, há um rodízio. Hoje não é o dia Frau Müller. A professora, com um sanduíche na mão, segue para a sala dos professores onde lancha, toma chá e conversa com alguns colegas.

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Às 10h, dois alunos (sempre colegas da mesma sala) vão à sala dos professores e recebem um instrumento semelhante a um gongo. Um aluno segura o instrumento, enquanto o outro usa um bastão de madeira para tocá-lo e assim avisarem a todos os alunos no Spielplatz (pátio) que se aproxima o horário da campainha oficial. São 10h05 e toca a primeira campainha do intervalo. Frau Müller se dirige até o Spielplatz e lá espera até que o grupo se reúna, a professora não fala sequer uma palavra. Os alunos se organizam em uma fila única por ordem de chegada. A professora e os alunos se dirigem à sala calmamente, praticamente em silêncio. Quando um aluno arrisca uma brincadeira, ela é materializada no modo como ele anda, por vezes mais rápido ou sapateando. Antes de entrar na sala, mais uma vez, desvestem os casacos, acessórios e trocam os sapatos. Todo o procedimento é feito em silêncio. De um lado da parede está o cabideiro das meninas e do outro lado o dos meninos. Todos já estão sentados quando a 2ª campainha do intervalo toca. São 10h10 e Frau Müller acaba de dar início à 3ª aula. Como a próxima aula é de Sport, a professora toma o cuidado de encerrar a aula 5 minutos mais cedo para que os alunos possam trocar de roupa. Os alunos então se dirigem ao fundo da sala e cada um pega a sua mochila no armário. Os alunos trocam de roupa na própria sala e olhares entre eles não são comuns. Frau Müller também é a professora de esporte. Na escola alemã, para essa etapa de escolarização, não há professor graduado em educação física. Frau Müller apanha seu par de tênis e uma calça de ginástica do armário, atrás de sua mesa, ela retira rapidamente as botas de cano longo e veste a calça de ginástica sobre a meia calça grossa preta. Retira a saia abaixo dos joelhos que usava sobre a meia calça, coloca os tênis, retira o suéter e também já está pronta para a aula. Os alunos correm de um lado para o outro da quadra onde têm sem dúvida uma postura mais relaxada. Os olhos movimentam mais, há manejo de cabeça e têm expressões faciais relaxadas. Os alunos se divertem enquanto fazem o que lhes foi pedido para fazer, não há brincadeiras, gritos e quando riem o fazem sempre contidamente. A professora por vezes elogia o grupo dizendo em tom alto de voz “To::ll!” (Lega::l) ou “Su:per”. A atenção é destinada a todo o grupo. Terminada a aula de esporte, já de volta à sala de aula, os alunos guardam os tênis na mochila de esporte e voltam com elas para o armário. A maior parte dos alunos continua com a roupa de esporte, apenas vestindo por cima a calça jeans e a blusa de frio com que chegaram à escola. Agora estamos na pausa de 10 minutos, os alunos aproveitam o tempo para terminar o lanche trazido de casa e brincar. Frau Müller me avisa que vai rapidamente ao banheiro trocar de roupa e pede que eu “Pass bitte die Kinder auf!” (por favor, preste atenção às crianças!). Nesse intervalo, os alunos podem circular livremente pela sala, brincar ou atualizar as tarefas coletivas da turma (Dienste). Toca a campainha e tem início a 5ª aula, que transcorre como as anteriores. Já estamos no 6º horário. 45 minutos depois, às 13h15, a professora informa que os materiais já podem ser guardados e solicita que todos se certifiquem quanto à anotação de todas as tarefas de casa na agenda e prestem atenção se estão levando para casa todos os cadernoe e livros necessários para as tarefas do dia. Os alunos sinalizam que já estão prontos colocando a cadeira sobre a mesa e aguardando de pé atrás da mesa. A maior parte dos alunos já está com a mochila nas costas, quando dois alunos (os do Ordnungdienst – tarefas de organização) se dirigem espontaneamente à frente da sala, apanham as vassouras, varrem os corredores, a frente e o fundo da sala de aula. Os ciscos que estavam no chão já foram conduzidos para trás da porta e serão retirados de lá mais tarde pela professora. Às 13h20, todos os alunos já estão de pé com as mochilas nas costas, quando Frau Müller se despede do grupo dizendo “Aufwiedersehen Kinder! Bis Morgen” (Tchau crianças, até amanhã).

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Como resposta, os alunos cantam em coro “Bi::::s Mo::::::rgen Fra::u Mü:ller, wir sagen JETZT Goo::d bye” (Até:::: ama:::::nhã Se:nhora Mü:ller, nós dizemos AGORA tcha::u). Frau Müller tranca a sala e sai para o horário de almoço. Por volta das 15h, ela voltará para a sala de aula onde sozinha planejará aulas e corrigirá atividades, terminando sua jornada diária de trabalho às 17h.

Nessa narrativa, há muitos traços indicativos daquilo que se pode reconhecer

como posturas de uma turma de 4ª série típica da escola pública alemã63, mas

provavelmente não foi isso que chamou a nossa atenção enquanto realizávamos a

leitura da vinheta, o que possivelmente se explica por nossos históricos de

experiências em encontros escolares. É igualmente verdade que o Professor Eckert

– que me supervisionou durante o estágio na Alemanha – como representante de

um leitor estrangeiro) não leu essa vinheta como o fizemos e talvez tenha começado

pela segunda: a encenada no contexto brasileiro, por essa lhe instigar mais a

curiosidade.

O que explica o fato de minhas anotações terem recaído no registro de certos

aspectos e não de outros? Vi em campo muito mais do que nessas vinhetas

registrei. Mas parte do que descrevi pareceu-me, quando vivenciado pela primeira

vez em campo, absolutamente estranho a ponto de não poder falar nem em quebra

de expectativa, porque não esperava ver parte do que vi. O fato de ter visto o que vi,

nessa outra cultura escolar, fez-me enxergar (e a descrever na vinheta a seguir)

aspectos que revestem o comportamento do grupo brasileiro que até então não

tinham sido por mim objetivados.

Em outras palavras, a experiência com o grupo alemão permitiu que eu

desnaturalizasse tanto aspectos estruturantes e estruturadores da cultura escolar do

grupo brasileiro quanto certos traços da interação que foram significados como

dados da pesquisa (retomados em análises nos capítulos 4 e 5) para os quais eu

jamais teria vertido meu olhar por eles me serem, até então, invisíveis.

63 Como exemplos inquestionáveis desses padrões, destaco: i) o modo cantado pelo qual os alunos respondem às saudações de abertura e encerramento da interação; ii) a importância conferida ao chegar cedo à escola; iii) a obrigatoriedade de se levar merenda, já que não há uma política pública que a garanta; iv) no inverno, a retirada de casaco e outros acessórios para entrar em sala de aula e os procedimentos de mudança de calçado, que independem da estação do ano; v) o horário escolar; vi) o fato de as salas de aulas serem ocupadas tão somente por uma turma ao longo de todo um ano letivo. As escolas municipais alemãs funcionam em apenas um turno.

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3.6.2 Flashes de um dia na escola com o grupo brasi leiro

Vinheta narrativa 2 São 6h45 da manhã de uma 2ª feira, está chovendo e sigo a pé para a escola municipal do meu bairro, onde cursei as séries iniciais. No portão dos fundos da escola, vejo um amontoado de alunos com sombrinhas que aguarda a abertura do portão. Alguns alunos estão acompanhados por adultos. Outros alunos estão descendo de vans escolares que acabaram de estacionar. Na rua, carros fazem fila dupla, buzinam. Há muito barulho. Muitos alunos estão conversando entre si, alguns dão risadas, outros se xingam, alguns se divertem empurrando outros e ainda há aqueles que brincam com poças de água, tentando molhar os colegas. Há alunos bocejando. Vejo várias meninas maquiadas. Um número significativo de meninos usa gel nos cabelos. Os alunos estão todos uniformizados. Aqueles que não usam o uniforme de frio (calça tectel e jaqueta do mesmo tecido) vestiram a blusa de uniforme sobre a blusa de frio. Decido me dirigir à outra entrada da escola, a dos funcionários. O portão pequeno está encostado. Começo a empurrá-lo levemente, quando sou surpreendida pelo porteiro da escola que me aponta a direção da quadra. É lá que diariamente os alunos devem esperar para se dirigirem às suas respectivas salas de aula, acompanhados pelo professor e os outros alunos da turma. Chego à quadra coberta. Cumprimento a diretora que, em posição mais alta, conecta um microfone à uma caixa de som. Alguns professores também estão lá. São 6h55, o sinal toca e o portão da escola é aberto por um funcionário de serviços gerais. Os alunos, que até então estavam esperando do lado de fora, começam a entrar. Uma boa parte dos alunos entra correndo na direção do local destinado à fila da turma que integra. Cada aluno tem lugar demarcado na fila, os mais baixos na frente e os mais altos atrás. Há uma fila para os meninos e outra para as meninas. Cada aluno que chega deve assumir um determinado lugar, orientando-se pelos colegas que lá já estão. Há um pouco de empurra-empurra. Os alunos conversam entre si em tom de euforia. Há muitos movimentos corporais. Observo atentamente os movimentos dos alunos da sala 17, também conhecida na escola como a turma da professora Andréia Wolfgang. Muitos deles estão posicionados de costas para o início da fila, observando o que os de trás estão fazendo. Alguns alunos do início da fila gritam o nome de outros que estão mais atrás. Algumas meninas brincam aos pares batendo as mãos seguindo o ritmo de uma música que cantam. Como todas as turmas da escola do turno da manhã estão reunidas nesse espaço, há muito barulho. Num nível mais alto, a diretora e a coordenadora pedagógica da escola observam os alunos e esperam que eles se organizem. Os professores vão chegando e se juntam a elas. Cada professor se posiciona em frente à fila de sua turma. A diretora pega o microfone, deseja bom dia e em seguida solicita silêncio. Há muito barulho e a diretora pede silêncio repetidas vezes, valendo-se de tons e alturas de voz variados. Simultaneamente, os professores descem até suas turmas e reiteram, cada qual a seu modo, o pedido de silêncio da diretora. São 7h05 e a diretora começa a rezar o “Pai nosso” ao microfone, sendo acompanhada em coro pelos alunos e professores. Terminada essa oração, todos dizem em coro espontaneamente “Deus proteja a nossa manhã e ilumine nossa inteligência”. A professora Andréia Wolfgang e a sala 17 realizam o percurso até a sala

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de aula, já aberta, limpa e iluminada por uma auxiliar de serviços gerais naquela manhã. Durante o percurso, os alunos falam alto, riem, alteram o timbre de voz para brincarem entre si. As filas já foram desmanchadas e a professora interrompe duas vezes a caminhada para advertir os alunos, o que faz franzindo a testa e movimentando as mãos. A professora é a primeira a adentrar a sala de aula, alguns alunos se dirigem calmamente aos seus lugares, outros alunos correm, empurrando os que estão na frente. Um aluno cai, se levanta resmungando e dá um chute no colega que o empurrou. A professora grita “Vocês estão entrando numa sala de aula, tem gente que não tá sabendo disso”. Depois de ajeitar suas coisas sobre a mesa, Andréia dá bom dia ao grupo, boa parte da turma conversa. Alguns alunos estão virados para trás ou sentados de lado. A professora solicita silêncio, uma, duas, repetidas vezes e em seguida diz em tom mais alto de voz “Assim não dá, gente! Vamos parar com a brincadeira aí? Ô::: Yan? LEANdro? Felipe Li:ma?”. A professora se senta na mesa e aguarda, com expressão facial tensionada. O grupo vai aos poucos se silenciando e a professora diz “Que beleza começar o dia assim, hein?!”. São 7h25 e a professora introduz a 1ª atividade do dia. Às 7h50, a professora confere o relógio de parede e solicita que os alunos apanhem o livro didático e o caderno da próxima aula, que vai até as 8h40. Transcorridos mais 50 minutos, finda o 3º horário e é hora do recreio (que se estende das 9h30 às 10h), como confirma a campainha. Ao ouvi-la, boa parte dos alunos para de realizar a atividade e muitos já se levantam da carteira, enquanto a professora indica que a atividade será retomada na sequência. Os alunos se dirigem aos pares ou em grupos maiores para fora da sala, alguns correm, poucos deles têm um lanche nas mãos (pacotes de biscoito doce recheado ou salgado tipo Club Social). Andréia tranca a porta da sala de aula e segue para a sala dos professores, onde está sendo servido um caldo de mandioca com carne cozida. Os alunos se dividem: parte deles integra as filas dos banheiros feminino e masculino, uma outra parte se dirige à cantina, onde está sendo servido arroz ao forno com carne cozida, apanhando o prato com a merenda. Outros alunos já estão brincando no pátio, com baralhos que trouxeram de casa ou com jogos da velha de madeira afixados nas paredes ao longo do pátio. Alguns meninos correm atrás de meninas e se provocam uns aos outros. Vários meninos ocupam a metade da quadra brincando de fazer gol. Há funcionários de serviços gerais uniformizados observando as crianças. Alguns alunos da sala 17 brincam de escalar a trave da quadra de futebol e são advertidos verbalmente pelos funcionários. Às 10h toca o sinal indicando o fim do recreio, há muita correria. Todos se dirigem ao pátio onde as filas são formadas, segundo as mesmas regras do início da aula. São necessários vários pedidos de silêncio. Muitos alunos da sala 17 estão suados, ofegantes e com os rostos avermelhados. Algumas meninas reclamam da agitação dos colegas. Quando o ambiente tem poucos ruídos, a diretora convida para cantarem juntos o Hino Nacional, executado uma vez por semana. Executado o Hino, todos se dirigem às respectivas salas de aula. É a professora Fátima que agora segue com o grupo da sala 17. Fátima destranca a porta da sala e imediatamente alguns alunos entram correndo e se empurrando na sala de aula, enquanto outros reclamam. A movimentação é intensa e Fátima repreende o comportamento de um aluno dizendo “O que que é isso? Você enlouqueceu? Imagina se o colega cai?”. A professora, já posicionada em pé de frente para a turma, aguarda em silêncio a organização do grupo e, demonstrando impaciência, pede silêncio. A professora caminha pela sala e toca no ombro ou braço de alguns alunos pedindo que se assentem. Fátima gesticula bastante. Dez minutos depois, ela deseja bom dia para o grupo e informa o planejamento do dia.

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Fátima se despede do grupo às 10h50. A professora regente Andréia, que estava em seu horário de Projeto, retorna à sala e começa as atividades do 5º e último horário daquele dia letivo. São 11h40, toca o sinal, alguns alunos comemoram o fim da aula com gritinhos e saculejar de braços para o alto. Andréia, com a bolsa dependurada no ombro e pacotes de papéis nas mãos, observa de pé quem já terminou as atividades. A professora vai dizendo o nome de alguns alunos, o que significa que esses têm sua autorização para se retirarem da sala. Alguns alunos (de pé, com o caderno sobre a carteira e mochila nas costas) procuram apressados finalizar a anotação do que está escrito no quadro. Outros alunos estão sentados e calmamente dão continuidade à tarefa. Três alunos advertem a professora que irão perder o especial, o que Andréia retruca dizendo “Eu não pedi que vocês conversassem durante a aula...pedi?”. São 11h50 e pouco a pouco os alunos, que ainda estão na sala, terminam a cópia e se despedem da professora, que se dirige apressada para o estacionamento.

Bastante numerosas e de naturezas diversas são as informações registradas

nas vinhetas, a ponto de se considerar que parte da complexidade da vida escolar

encontra-se aí anunciada.

Vali-me aqui da vinheta como expediente metodológico, porque essa me

parece uma alternativa para materializar textualmente (e nesse sentido criar

condições para se falar sobre o que é da ordem discursiva) aquilo que por ser da

ordem do acontecimento sócio-histórico não se deixou mapear nas aulas transcritas,

embora esteja enquadrando as trocas que lá se materializam.

Aspectos relacionados aos modos de fazer dos grupos “[...] convida-nos a ver

pessoas tomando forma historicamente, socialmente, culturalmente e

materialmente64.” (HOLLAND et al., 1998, p. 5). Desses movimentos (não

necessariamente dialogados, mas fundamentalmente dialógicos) através dos quais

os sujeitos vão também dando forma às suas identidades, tem-se um trançar das

relações sociais e pessoais que alicerçam as identidades institucionais de professor

e aluno.

O que se lê, portanto, nas vinhetas são ocorrências de certas características

comportamentais institucionalizadas dos grupos que se deixaram mapear

diferentemente na microanálise das aulas (o que se problematizará em profundidade

nos capítulos 4 e 5). Essas características são de naturezas diversas e por isso de

graus de explicitação também distintos.

64 “[...] invite us to see persons taking form in the flow of historically, socially, culturally, and materially shaped lives.”.

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Começando por aquelas que parecem mais facilmente identificáveis, temos

algumas regras institucionais:

a) a duração comum de cada aula (50 minutos) e a carga horária diária na

realidade alemã (6 aulas e dois intervalos, um de 30 minutos e outro de

10 minutos) e no contexto brasileiro (5 aulas e um intervalo de 30

minutos);

b) o fato de a instância institucional intervir no modo como se dá a abertura

de um dia escolar. Na realidade alemã acessada, ela ocorre no âmbito

local e restrito do espaço físico da sala de aula e entre os atores que lá

ocupam suas posições. No campo de pesquisa brasileiro, o momento de

abertura do dia letivo é proposto como algo solene, ritualístico e

hierarquicamente conduzido (pela diretora da escola), de modo a ser

compartilhado por todos aqueles cujas funções se liguem diretamente ao

ensino (e envolve todos os professores e alunos daquele turno que se

encontram na escola);

c) rezar o “Pai Nosso” e fazer uso da injunção “Deus proteja a nossa manhã

e ilumine nossa inteligência“ parece não ferir preceitos religiosos dos

alunos e professores brasileiros em um país cuja maior parte da

população se declara cristã. Na escola alemã, há um número

considerável de budistas e mulçumanos, sendo vetada pela Constituição

qualquer demonstração de crença religiosa;

d) o clima interfere nos modos de organização dos dois grupos, mas no

alemão há artefatos (cabideiro disposto do lado de fora da sala, armário

para guardar roupa de esporte) e normas (a troca de calçados,

desvestimento de agasalho para entrar na sala de aula) que sinalizam

esse modo cultural de lidar com o clima (proibição de bebidas quentes no

lanche);

e) as duas professoras são remuneradas para se dedicarem a atividades de

planejamento no interior da escola, o que dá pistas sobre as condições de

trabalho do profissional professor nos dois países;

f) os cumprimentos-resposta cantados em coro pelos alunos alemães (na

abertura e encerramento da aula) e os procedimentos de abertura do

portão da escola, formação de fila no pátio e oração coletiva ou execução

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do Hino Nacional no grupo brasileiro dão pistas sobre o que

historicamente se vinculou a um modelo tradicional de ensino.

Pode-se, pois, dizer que especificidades como essas podem ser lidas como

modos compartilhados de produção de significados (ERICKSON,1990) dos grupos.

Como exemplos dessas atribuições de significado, vemos também que:

a. chegar mais cedo na escola constitui uma convenção para o grupo

alemão. Frau Müller e os alunos da vierte Klasse B realizam uma série de

ações antes da abertura oficial do evento, como: i) preparar o espaço

físico (a professora abre a sala, acende as luzes, areja o ambiente, e os

alunos descem as cadeiras e dispõem adequadamente a mochila); ii)

responder a certas demandas (os alunos entregam os trabalhos

solicitados para casa e a professora os confere, tomando nota e

realizando a cobrança65 daqueles que não a apresentam

espontaneamente); e iii) aproveitar o tempo livre (a professora pode

relembrar seu planejamento e organizar seus objetos, enquanto os alunos

escolhem66 o que fazer).

b. outras características, que alicerçam os padrões culturais do

comportamento de professores e alunos nos dois grupos, estão apenas

insinuadas nas narrativas, o que permite que se fale de uma sensação ou

uma impressão de que:

c. os alunos alemães falam pouco e obedecem prontamente a certas rotinas

institucionalizadas, enquanto o grupo brasileiro precisa ser

constantemente relembrado de como agir apropriadamente na escola;

d. os alunos do grupo brasileiro realizam atividades munidos de uma

agitação que se deixa entrever nos movimentos corporais (correm para

65 Como é rotina que a entrega e o controle das atividades extraclasse se deem antes da abertura oficial da interação, as repreensões endereçadas a alunos (que não tenham cumprido (devidamente) a tarefa) não ocorrerem durante a correção oral e coletiva da tarefa, o que intervém na e para a construção tópica da aula. 66 Chegar cedo à escola é algo valorizado pelo grupo de alunos alemães com quem convivi. Esse período de tempo é significado pelos alunos como importante e legal, como vários me esclareceram quando os questionei o porquê de chegarem sempre pelo menos 15 minutos mais cedo. A abertura do sistema escolar alemão para esses momentos de socialização entre os pares parece funcionar como uma espécie de estímulo para que os alunos cheguem cedo à escola.

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entrar na escola, para entrar e sair da sala de aula), o que não se

percebeu no grupo alemão;

e. há menos contato físico entre os alunos alemães. No grupo brasileiro, por

exemplo, há que alunos se cumprimentam batendo as mãos, com

tapinhas, e que se permitem brincadeiras de empurra-empurra;

f. o aluno brasileiro parece requerer mais espaço físico para si do que os

alemães, que gesticulam menos, têm uma movimentação corporal mais

calma e parecem ser mais tolerante à divisão do espaço (em roda não se

encostam, nem mesmo na altura dos ombros);

g. os alunos brasileiros falam em tom mais alto de voz do que os alemães e

riem mais.

Aspectos como os arrolados de “a” a “g” informam (e muito!) como podemos

depreender do contexto interacional padrões de organização e relacionamentos

sociais, através dos quais os dois grupos constroem suas trocas didáticas e suas

identidades institucionais, o que é tema do próximo capítulo, que registra a análise

das primeiras cenas enunciativas.

3.6.3 Pares interlocutivos: uma faceta da cultura e scolar nacional

Observar como os sujeitos em interação se referem uns aos outros é uma das

maneiras incontestáveis para se comprovar que a palavra “é o modo mais puro e

sensível da relação social” e “fenômeno ideológico por excelência” cuja “realidade

toda é absorvida por sua função de signo.” (VOLOCHÍNOV, 1929/1999, p. 36).

O mundo está estabilizado através de categorias e se essas são geralmente

instáveis, variáveis e flexíveis, dado o fato de estarem vinculadas a discursos sócio-

históricos e procedimentos culturalmente motivados (MONDADA; DUBOIS, 2003),

interactantes “‘[...] dizem’ uns aos outros de inumerás maneiras quem eles

reivindicam ser em sociedade67.” (HOLLAND et al.,1998, p. 137-138).

67 “[…] ‘tell’ each other who they claim to be in society in myriad ways.”.

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No espaço da sala de aula, um dos modos como uma reivindicação dessa

ordem se faz ouvir diz respeito às categorias estabilizadas para que professores e

alunos se refiram uns aos outros no curso da interação68.

Enquanto eu analisava as respostas dadas por Frau Müller a um conjunto de

perguntas (entregues por escrito, oralmente respondidas e para as quais tive

autorização para registro em áudio), percebi que, embora eu fizesse sempre menção

a Schüler (alunos) nas perguntas, era valendo-se do vocábulo Kinder (crianças) que

a professora me respondia, como se lê adiante.

Ao evidenciar isso, verti minha atenção para os parâmetros culturais

implicados nos modos de referir e comecei a pensar em relações de poder

reproduzíveis microinteracionalmente e no fato de que discurso, cultura e

comportamentos tecem identidades. No momento dessa percepção, a minha

identidade de falante de alemão como língua estrangeira ficou certamente

explicitada. Eram outras relações de poder e construções identitárias que eu ali

ressoava (VOLOCHÍNOV, 1929/1999).

Parece-me evidente que o trabalho com dados provenientes de duas

diferentes realidades culturais instigou esse inquérito, porque os dados tiveram sua

potencialidade ampliada quando pensei nas preferências vocabulares de um grupo a

partir daquelas por mim realizadas e, por isso, em alguma medida, convencionais

para o grupo brasileiro, afinal, “a palavra nativa é percebida como um irmão, como

uma roupa familiar, ou melhor, como a atmosfera na qual habitualmente se vive e

respira. Ela não apresenta nenhum mistério. Só pode apresentar algum, na boca de

um estrangeiro.” (VOLOCHÍNOV, 1929/1999, p. 100-101).

Como somos adaptáveis, na ocasião da formulação do segundo questionário

(um diálogo em que eu apresentava à mesma professora algumas das minhas

percepções), também já estava me referindo aos alunos por Kinder. No exemplo

abaixo, é possível observar, pela resposta da professora, que esse modo

culturalmente definido não havia ainda sido objetivado por ela (Weiß ich nicht / Eu

não sei; Darüber habe ich noch nie nachgedacht / Nunca pensei sobre isso). O ícone

:o) parece sugerir uma determinada surpresa, por parte da professora, diante da

reflexão que a pergunta esboça. A professora não demonstra discordar da hipótese,

68 Dada a natureza tão somente comprovativa das discussões, não me preocupei aqui em trazer referentes advindos de processos de referenciação engendrados no interior das mesmas práticas de linguagem para as duas realidades.

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que na pergunta foi apresentada com tom de afirmação (as crianças da Grundschule

e não os alunos da Grundschule), já que ela não a nega. O que ela diz, referente ao

modo como a mãe costumava se referir aos alunos, não nega ou interroga a

hipótese, já que a Realschule (a segunda escola prestigiada pela sociedade alemã)

é posterior à Grundschule.

Dando continuidade à demonstração de que no léxico de cada língua

encontramos estilhaços da visão do mundo (Weltschaun, nos termos de

Wittgenstein) da sociedade que a fala, vejamos alguns ecos da faceta dialógica da

palavra indiciados em pares interlocutivos.

Para dirigirem a palavra àquele que é institucionalmente responsável pela

interação na sala de aula, os alunos da vierte Klasse B dizem Frau Müller (senhora +

sobrenome). Um bom exemplo é a rotina de cumprimentos presente na vinheta

narrativa 1.

Já os alunos da sala 17 optam por professora ou sua derivação fessora. Os

alunos tendem a se valer da forma abreviada fessora em situações em que

reafirmam o pedido de atenção, como se lê nas falas de Vinícius e Raul na aula de

história. A forma contratada mostrou ser também a preferida quando os alunos

conversam sobre a professora entre si, como marcado no turno de um dos alunos:

15. Vinícius : professora mas amanhã é sábado Andréia... ((Glauber devolve a chave para P e Vinícius o chama, Glauber se abaixa pra ouvir o colega que está sentado que diz)) ele ((apontando para Vitor)) vai trazer amanhã mais amanhã é sábado e a fessora tá achando que amanhã é segunda ((Glauber balança a cabeça em sinal negativo enquanto volta ao seu lugar)) 116. Raul : Professora...fessora ((Raul levanta mão e P vai até ele)) (Alunos brasileiros)69.

Esse traço não é, como sabemos, específico da relação professor/aluno, mas

merece atenção porque são marcas culturais das línguas em foco que oportunizam

que se pense na interface entre língua(gem) e cultura. Tais usos parecem ser

regulados por uma espécie de construção dialógica em espelho, pois, se de um lado

do par interlocutivo estão ‘Frau Müller e professora’, do outro, temos ‘Kinder

(crianças) e alunos’. Frau M recorre três vezes à palavra criança (Kinder) em

69 Dados da pesquisa. Pesquisa de campo realizada na EMBH, em 20 de outubro de 2010.

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diferentes momentos da aula de Matemática, em seu início, meio e fim, como pode-

se observar:

L: DI-FÍ-cil? quem conseguiu, quem então reSOlveu? ah:::::: ó:::timo...ta:ntas crianças conseguiram resolver uma tarefa tão difícil.70 L: Algumas crianças trabalharam COMPLETAMENTE quietas e concentradas, isso eu acho realmente ótimo, outras crianças acham infelizmente mais importa::nte tagarelar, ao invés de se concentrar na folha de exercício de matemática71. L: eu precisaria por favor de duas crianças, que não gostam tanto de jogar junto, ahm, vão vocês por favor na secretaria e perguntem pela Nina...e então eu preciso ainda de duas crianças... Luis e Joseph, busquem por favor na sala da Senhora Richter, lá agora não tem ninguém, o projetor72. (Professora alemã)73.

No grupo alemão, são traços biofisiológicos do sujeito que são salientados:

Kinder = sujeito em desenvolvimento e em maturação, e Frau Müller = sujeito adulto.

No grupo brasileiro, a preferência é por destacar traços sociais. O uso da categoria

“aluno” ocorre quando as professoras falam sobre esses sujeitos, mas não na

presença deles.

As formas usadas no bilhete, a seguir, apontam novamente para uma

priorização da instanciação referencial em relações institucionais: Você (pais) e seu

filho, que é aluno da escola:

Belo Horizonte, 25 de outubro de 2010.

Senhores Pais,

Dia 26/10/2010, é dia de renovação da matrícula de seu (sua) filho(a), para o

próximo ano letivo – 2011. Alunos da professora Andréia W: a renovação será no

horário de 07h às 11h. Por gentileza, trazer Xerox da última conta de luz –

comprovante de endereço. A renovação só poderá ser feita pelo pai, mãe ou quem

70 “SCH-WIE-rig? wer hat denn die geschAfft, wer hat denn die geLÖst? ((Quase todos os alunos levantam a mão)) a:::: su:::per…so vi:ele Kinder haben eine so schwere Aufgabe gelöst.”. 71 “Einige Kinder haben GANZ leise und konzentriert gearbeitet, das finde ich ganz prima, andere Kinder finden es leider wichtige::r zu schwätzen, anstatt sich auf das Matheübungsblatt zu konzentrieren.”. 72 “ich bräuchte bitte zwei Kinder, die nicht so gern mitspielen, ähm geht ihr bitte ins Sekretariat und fragt nach der Nina und dann brauch ich noch zwei Kinder…Luis und Joseph..holt ihr bitte bei der Frau Richter, da ist gerade Niemand drin, den Projektor.”. 73 Dados da pesquisa. Pesquisa de campo realizada na T Schule, em 16 de junho de 2010.

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matriculou o(a) aluno(a) nesta escola. Caso o responsável não renove a matrícula,

o(a) aluno(a) perderá a sua vaga para o ano de 2011.

Atenciosamente,

A Secretaria.

Ao contrário da professora alemã, que se vale recorrentemente do vocábulo

Kinder para endereçar a palavra para todo o grupo, as professoras brasileiras optam

por endereçamentos genéricos (como por meio do vocativo “gente”) ou pelo uso dos

nomes próprios dos alunos, recurso do qual se vale também a professora alemã,

embora por motivos diversos, apenas para distribuir a palavra, como se verá no

próximo capítulo.

Ao falar comigo sobre os alunos das salas 17, as professoras brasileiras

disseram “alunos” e nunca “crianças”. Houve casos em que a professora regente

disse “menino”, em momentos de reprimenda, marcando o endereçamento da

palavra a alunos cujos comportamentos a incomodavam.

As palavras usadas pelos sujeitos recobrem, assim, aspectos não linguísticos

que estão a orientar a prática em curso. Ao observar o modo como os interactantes

se referem uns aos outros numa interação, acessam-se traços das relações

interpessoais.

A convicção aqui é a de que essas reflexões constituem uma entrada bem

sucedida para discutir como as escolhas vocabulares (como parte dos sistemas

semióticos arbitrários que são) carregam “[...] inevitavelmente e intrinsecamente

também perspectivas ideológicas e vividas no mundo74” (HOLLAND et al., 1998, p.

170), nos termos de Volochínov, que podem indiciar traços identitários definidores

das relações entre os integrantes dos grupos que estão a orientar suas relações

interpessoais.

Dessa contextualização, depreende-se uma concepção de língua como um

sistema em estruturação (MATENCIO, 2001), porque é “expressão das relações e

lutas sociais, veiculando e sofrendo o efeito desta luta, servindo ao mesmo tempo de

instrumento e material.” (VOLOCHÍNOV,1929/1999, p. 127).

Vimos aqui um aspecto do comportamento linguístico dos dois grupos que se

deixou mapear pela palavra enquanto vocábulo. Há, também, comportamentos

74 “[…] inevitably and inextricably also ideological and lived perspectives on the world.”.

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discursivos (e discursivizados) não propriamente “na palavra”, mas em torno da

palavra, com vistas à palavra, como discutido e exemplificado nos capítulos

seguintes.

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4. SALA DE AULA: MICROCOSMOS DA SOCIEDADE E REDUTO PARA A

CONSTRUÇÃO DA CARREIRA DE ALUNO

O capítulo é aberto com uma reflexão sobre o caráter institucional (daí

cultural) da sala de aula e a defesa do mapa de sala como dispositivo institucional

curinga desse espaço social.

Na sequência, a tentativa é a de demonstrar que particularidades do agir dos

grupos alemão e brasileiro influenciam, de um lado, o modo como os alunos

demonstram estarem engajados à interação principal e, de outro, a distribuição da

atenção e tempo das professoras em sala de aula (seção 4.2).

Impressões comparativas são, então, apresentadas, na seção 4.3, para que

seja possível balizar alguns aspectos comuns da participação discente nas duas

salas de aula. O capítulo é encerrado com uma reflexão geral sobre a produtividade

da participação para os estudos das interações em salas de aula.

4.1 A convivência institucional em sala de aula: a questão do mapa de sala

Sujeitos se dirigem regularmente a um mesmo espaço físico onde

(co)desempenham funções sociais estabilizadas (i) e têm suas memórias dos laços

socioafetivos (re)construídas, sobretudo, em função do tempo e da natureza dessa

convivência intersubjetiva (ii).

Tomando (i) e (ii) como aspectos institucionais, a partir do primeiro dia de um

dado ano letivo escolar, sujeitos devem sempre se dirigir a uma mesma sala de aula,

onde se (re)encontrarão diariamente e (re)estabelecerão re(l)ações de socialização,

sob a mediação de um interlocutor mais experiente que (os) conduzirá (a) processos

de aprendizagem.

Conviver, nesse espaço social e interacional, requer, portanto, a

(re)construção diária de uma identidade escolar de aluno, o que ocorre sob a

mediação de um professor cujas ações e reações também são medi(a)das por uma

identidade profissional em curso.

A escola é uma instituição que prepara os sujeitos não só para a atuação na

própria escola, mas também (e fundamentalmente) para o mundo. Assim há a

defesa de Garcez (2006, p. 71) de que

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[...] se há razões para se crer que a sociedade e as suas instituições se sedimentam a partir das ações cotidianas de gente de carne e osso a interagir mediante o uso da linguagem, haverá também razões para se crer que [alunos] [...] fiquem em dúvida de que a resposta para “o que é que eu estou fazendo aqui?” seja suficientemente positiva e satisfatória para fazer com que entendam a escola como um lugar de avanço em termos de participação crítica e democrática além de seus muros. (GARCEZ, 2006, p. 71).

A sala de aula é, nessa medida, um microcosmos da sociedade onde alunos

iniciam suas carreiras ainda crianças, desenvolvem-se cognitivamente e se instituem

sujeitos sociais, o que fazem à medida que reconhecem seus papéis e funções

interacionais nesse espaço institucional. Essa carreira (identitária) de aluno vale não

só para se viver os muitos anos que se passam na escola, mas também para se

fazer sujeito da palavra hoje (em espaços institucionais outros de que a criança já

participa, como a família e a igreja), e no futuro na vida adulta, fora dos muros da

escola.

Ao dizer isso, é preciso que fique claro, não estou conferindo mais

importância às interações futuras (estejam elas circunscritas ou não ao ambiente

institucional escolar) ou por aí justificando a demanda atual dos estudos

(socio)interacionais/interacionistas em sala de aula, o que faço é procurar um

entrelugar para dicotomias (como hoje e futuro, passado e futuro, passado e hoje e

tantas outras a que fiz alusão no capítulo metodológico).

Gostaria de começar a pensar na relação entre a convivência institucional e a

palavra a partir da demarcação do lugar físico e geográfico que cabe a cada aluno

ocupar regularmente em sala de aula, o que as professoras regentes Andréia e Frau

Müller75 compreendem como mapa de sala (Sitzplätze).

Na etapa de escolarização dos sujeitos da pesquisa, esses lugares são

previamente marcados pela professora regente que se orienta pela sua percepção

do histórico das relações de socialização entre os sujeitos. Daí a importância de se

considerar que, na ocasião das pesquisas em campo, os alunos da vierte Klasse B e

os da sala 17 já estavam no segundo ano letivo de convivência sob tutela das

mesmas professoras, o que se deve a políticas de organização das duas escolas. A

aluna alemã Anuca, novata na escola, foi a única exceção.

Mapa de sala é uma expressão recorrente no discurso pedagógico que

abarca o que linguistas aplicados como Teixeira (2001) e Moita Lopes (2001) têm

75 Cabe relembrar que os nomes das professoras são fictícios.

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referido, respectivamente, como territorialidade da ocupação da sala de aula e

relações de orientação espacial. Moita Lopes (2001) se vale desse conceito para

demonstrar como os alunos evidenciam seus focos de atenção, ou seja, com quem

compartilham um enquadre interacional, e Teixeira (2001) pensa a territorialização

como aprendizagem de uma etiqueta escolar.

Na sala de aula alemã, dois alunos dividem uma mesma mesa; já no grupo

brasileiro, os alunos se sentam individualmente. Essa diferença do padrão de design

das carteiras escolares adotado pelas secretarias de educação nos dois países

sinaliza uma faceta cultural da organização institucional dos dois contextos

escolares, que talvez já tenha influenciado (e continue a influenciar) o convencional

nos comportamentos dos grupos.

Refiro-me, por exemplo, ao fato de que, embora a disposição das carteiras

dos alunos alemães seja em dupla, eles trabalham individualmente, mantendo o

alinhamento de seus corpos e olhares voltados predominantemente na direção da

professora. Já os alunos brasileiros, embora se sentem individualmente, realizam

mais mudanças de alinhamento e dirigem mais a palavra aos colegas.

É como artefato cultural da escola que proponho que pensemos o mapa de

sala como instrumento submetido a convenções, compreendidas como “[...]

respostas sociais isoladas que não entrariam, ou comporiam, a natureza da

comunidade em seu caráter essencial76.” (MEAD, 1962/1934, p. 262).

As decisões das professoras quanto aos critérios para organizar os mapas de

sala podem ser também consideradas como respostas sociais ao que elas,

enquanto profissionais representantes de uma dada sociedade, esperam da função

social alunos.

É como dispositivo organizador da palavra que as professoras tomam o mapa

de sala. Frau Müller dele se vale como um mecanismo por meio do qual procura

viabilizar certas trocas entre alunos, com características e habilidades distintas em

determinadas atividades escolares77, e a docente brasileira, por sua vez, utiliza o

expediente como um dispositivo mediador de confiança e de controle dos alunos78.

76 “[…] conventions are isolated social responses which would not come into, or go to make up, the nature of the community in its essencial character.”. 77 “Wir ändern die Sitzordnung ein paar Mal im Schuljahr. Ich berücksichtige dabei, wer gerne wegen wem sitzen möchte und wer sich gut ergänzen kann (sich gegenseitig etwas erklären kann oder eher wenig schwätzen).”. 78 Foi comum, durante a observação, a professora ameaçar “eu vou separar vocês” ou avaliar “não é possível, mesmo sentados longe, vocês ainda estão conversando?”.

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Em uma de nossas conversas em campo, perguntei à professora alemã por

que os alunos tiveram seus lugares alterados no mapa de sala, como resposta; ela

ponderou que, para as reordenações do mapa de sala, ela leva em conta aqueles

que gostam de se assentar próximos e que podem se complementar (que possam

explicar alguma coisa uns para os outros ou que cochicham pouco).

A professora regente brasileira explicou que, na organização do primeiro

mapa de sala, ela leva em consideração as afinidades entre os sujeitos, aqueles que

são mais próximos (no sentido de que convivem também fora do espaço da sala de

aula, se telefonam, etc.), mas que logo avisa que, caso não se comportem como

esperado, terão seus lugares alterados. Nesses casos, os alunos reposicionados no

mapa de sala (o que presenciei em campo) reclamam, solicitam à professora que

reconsidere a decisão. A regente contou que ela, muitas vezes, se vale do mapa de

sala como um mecanismo de punição no sentido disciplinador.

Alterações nos mapas de sala são, portanto, previstas, ao longo do ano letivo,

para os dois grupos.

O modo como as duas sociedades veem as interações entre alunos, durante

aulas, sobretudo na díade (aluno se dirige a outro aluno, doravante A→A), reflete,

aposto, no mapa de sala, e também nele se refrata.

Nessa direção, embora se espere, tanto no grupo alemão quanto no

brasileiro, que a atenção do aluno se volte para o professor, as interações entre

pares, concorrentes à fala da professora, foram, de certa forma, não só mais

recorrentes, como também mais acolhidas, no contexto brasileiro.

Para que seja possível desenvolver essa argumentação, recorro a seis

exemplos representativos do padrão interacional A→A, no contexto do grupo

brasileiro. Para demonstrar alguns exemplos das posições espaciais ocupadas pelos

alunos (aquele que endereça a palavra e aquele a quem ela é endereçada) na

geografia da sala de aula, valho-me de uma adaptação do modelo Arranjos de

orientação espacial, desenvolvido por Moita Lopes (2001).

Uma análise das microinterações revelou algumas tendências: (i) há alunos

que se dirigem sempre aos mesmos colegas (Exemplo 1), outros ii) dado o modo

como se comportam na sala de aula acabam sendo mais chamados pelos colegas

do que a maior parte dos alunos (como Raul, nos Exemplos 1 e 2, e Yan, nos

Exemplos 3, 4 e 5) e podemos ainda falar em (iii), alunos que, recorrentemente,

endereçam a palavra a diferentes colegas (como Lauanda, nos Exemplos 5 e 6). A

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percepção de recorrências dessa ordem é, como se notará, demasiadamente

esclarecedora para discutir a relação pessoal vista pela ótica da construção

identitária.

No Quadro 3, duas cenas de diferentes momentos de uma mesma aula

atestam que a distância que separa as carteiras de Rafael e Raul não impede que

Rafael se dirija ao colega durante as aulas. A ausência da numeração dos turnos de

fala, na Cena 1, atesta que a sequência é uma microinteração.

Exemplo 1:

– P – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – Raf – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – Yan – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – Rau –

Figura 11 − B A2 P2 79 – Rafael dirige a palavra a Raul Fonte: Elaborada pela autora

CENA 1 CENA 2

Yan: hoje é dia vinte? Se for dia vinte... 40. Raul : num é fessora que dia vinte dá num

Raul : ia ser bem melhor a aula depois sábado?

Yan: não é porque dá sábado 41. P: é i:sso mesmo da semana que vem...

Raul : nã::o dia 18 é quinta 42. Rafael : no::ssa é só olhar ali no calendário.

(Professora e alunos brasileiros)80

Rafael : i:: é sábado... não viaja não!

Quadro 3 − Cenas Fonte: Elaborado pela autora

Nas duas cenas, Rafael se dirige à Raul para demonstrar impaciência com as

colocações do colega, como sinalizam as interjeições com alongamento de vogal em

i:: somada ao uso da expressão imperativa não viaja não!) na Cena 1, e, em no::ssa,

seguida do modalizador só, na Cena 2.

79 A legenda de identificação é composta ora por 2 __ __ ora por 3__ __ __ dígitos. No 1º dígito, registra-se a 1ª letra do país onde os dados do grupo foram recolhidos: A (para Alemanha ) ou B (para Brasil ). No 2º, há a identificação da aula A1 (para matemática) e aula A2 para HSU ou História). No caso do grupo brasileiro, há ainda um 3º dígito, representado por P regente (para a professora Andréia) e P2 (para a professora Fátima, com carga horária de trabalho menor com o grupo). 80 Dados da pesquisa. Pesquisa de campo realizada na EMBH, em 10 de novembro de 2010.

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No Exemplo 2, Raul formaliza um pedido de esclarecimento à professora a

partir da elaboração de uma hipótese relacionada ao tópico central em curso, sob

gerência da professora e, embora tenha seu dizer desconsiderado por ela, é

avaliado negativamente por outro colega, geograficamente distante dele, mas

posicionado à frente da professora, que realiza a correção do exercício sentada, o

que leva a supor que a professora, assim como Vinícius, também tenha ouvido o

que disse Raul.

Exemplo 2 :

– P – – A – – A – – A – – A – – A – – Vi – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – Yan – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – Rau –

Figura 12 − B A1 P regente – Vinícius dirige a pala vra a Raul Fonte: Elaborada pela autora

224. Raul : profeSSOra mas e se fosse quatro lados iguais? 225. Vinícius : ah Raul ó ((faz som de desaprovação)). (Alunos brasileiros)81.

Nos Exemplos 3, 4 e 5, vemos o aluno Yan protagonizar diferentes situações:

Exemplo 3 :

– P – – Tha – – A – – Fel – – A – – Ita – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – Yan – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A –

Figura 13 − B A1 P regente – Thaís dirige a palavra a Yan Fonte: Elaborada pela autora

140. Felipe Lima : professora que nem eu vi no jornal passando o cara pego a corrente e amarrou o carro dele porque a enchente tava levando ele 141. Ítalo : como é que é? ((dirigindo-se a Felipe Lima)) 142. P: isso é perigosíssimo né gente...as pessoas perdem a vida assi:m

81 Dados da pesquisa. Pesquisa de campo realizada na EMBH, em 20 de outubro de 2010.

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143. Yan: pegou o que? 144. Thaís ((levanta a cabeça, retira o corpo do assento da carteira e se dirige na direção em que está sentado Yan)): pegou a corrente amarrou o carro e (...) 145. P: ISSO é muito sério PÁGINA CENTO E OITENTA E CINCO... Lorrayne você quer falar? (Professora e alunos brasileiros)82.

Yan solicita esclarecimento no turno 143, endereçando a palavra em termos

genéricos, e curiosamente não recebe resposta de colegas assentados próximos a

ele. É Thaís, assentada próximo à professora, que atribui importância à pergunta do

colega e colaborativamente lhe responde, até que tem sua fala interrompida por P

em 145, quando a professora aumenta o tom de voz. Dada a proximidade geográfica

entre Thaís e P, não seria possível que as duas falassem juntas; afinal, Thaís se

dirigia a Yan em tom alto de voz.

No Exemplo 3, encontramos ainda algo curioso porque traduz certos mistérios

da convivência em sala de aula: o fato de alguns alunos receberem mais atenção de

colegas e do professor do que outros (Ítalo não tem aqui seu pedido de

esclarecimento, formulado no turno 141, atendido). Parece-me produtivo ler os

próximos exemplos munida de respostas de alunos ao questionário83 aplicado para o

grupo:

Exemplo 4 :

– P – – A – – A – – Fel – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – Ric – – A – – A – – A – – A – – Lea – – A – – A – – A – – A – – Yan – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A –

Figura 14 − B A2 P2 – Leandro dirige a palavra a Ya n Fonte: Elaborada pela autora

82 Dados da pesquisa. Pesquisa de campo realizada na EMBH, em 20 de outubro de 2010. 83 As respostas foram dadas à questão 4 (Se eu lhe pedisse para dividir sua turma, em grupos de alunos, como você a dividiria? E que nome daria para cada grupo? Seu nome deve estar em um dos grupos! Use o espaço abaixo, como quiser para me responder). O questionário na íntegra pode ser lido no APÊNDICE C.

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CENA 1 CENA 2

Leandro : ((virando-se para Yan)) você já

acabou?.. QUE?... nem começou

136. Yan: tudo é Mariana Brandão...

Yan: qui nem começo ô 137. Leandro : CALA A BOCA AÍ ((virando-se

para trás))... esse caso aí é dos (...)

P: ps:: ((P se vira na direção de Leandro que

para imediatamente de falar))... ... unrum.

(Professora e alunos brasileiros)84

Quadro 4 – Cenas Fonte: Elaborado pela autora

Nas duas cenas que integram o Exemplo 4, vemos que é Leandro que dirige

a palavra a Yan. Na Cena 1, em uma microinteração, ele o faz para sanar uma

curiosidade quanto ao andamento do colega na tarefa de cópia daquilo que está

escrito no quadro. Leandro parece querer brincar com o colega sugerindo que ele

sequer havia começado, ao que é respondido com certa irritação.

Leandro, em resposta ao questionário, coloca Yan no grupo dos colegas

inteligentes, a si mesmo no grupo dos batedores e o colega Ricardo, que se senta

na frente, no grupo dos “doidão”. As perguntas que me faço, a essa altura, são: em

que medida imagens discursivas como essas contribuem para que Leandro se dirija

sempre a Yan e nunca a Ricardo? Virar para trás seria também mais fácil do que

cutucar o colega sentado na frente? Por outro lado, vemos que a distância entre um

aluno e outro não impede que alunos que têm facilidade de se exporem para todo o

grupo, como Thaís e Rafael, dirijam a palavra a colegas espacialmente distantes

(como vimos nos Exemplos 1, 2 e 3), mas esse não é o caso de Leandro.

Esse traço de “batedor” que o aluno atribui a si mesmo (ou seja, daqueles que

são capazes de enfrentar e vencer um colega pela força física) de algum modo se

deixa entrever na agressividade verbalizada e no modo como se dirige a Yan, na

Cena 2. Yan, que é bem mignon, apanhou duas vezes de Leandro em sala de aula,

no período em que eu estava em campo. Yan, por sua vez, respondendo ao

questionário, dividiu a sala em apenas dois grupos: o dos amigos e o dos

inteligentes, e não incluiu o nome de Leandro em nenhum deles, o que é bem

significativo.

84 Dados da pesquisa. Pesquisa de campo realizada na EMBH, em 10 de novembro de 2010.

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O trabalho com o princípio etnográfico de que se deve olhar o que há em um

grupo, e não problematizar em que ele poderia ser diferente, fez com que eu

positivasse certos aspectos relacionados às posições que alunos ocupam no mapa

de sala e o que eles podem sugerir em termos da convivência institucional que ali se

descortina. Antes de explicitá-los, vejamos os dois últimos exemplos:

Exemplo 5 :

– P – – A – – A – – A – – Lau – – A – – A – – A – – A – – Ma – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – Yan – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A –

Figura 15 − B A2 P2 – Lauanda dirige a palavra a Ya n

Fonte: Elaborada pela autora

Yan: ((faz barulho com a boca, semelhante ao de flatulências)) Lauanda : i:: YAN PARA que saco Matheus : é Yan para. (Alunos brasileiros)85.

Exemplo 6 :

– P – – A – – Vit – – A – – Lau – – A – – A – – A – – A – – Ma – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A –

Figura 16 − B A1 P regente – Lauanda dirige a palav ra a Vitor Nunes

Fonte: Elaborada pela autora

6. Vitor Nunes : eu vou trazer [amanhã fessora] P:Ricardo cadê o quebra cabeça? 7. Lauanda : i::amanhã nem tem aula menino 8. Matheus : amanhã nem tem aula 9. Vitor Nunes : professora... professora ((levantando o braço)). (Alunos brasileiros)86.

85 Dados da pesquisa. Pesquisa de campo realizada na EMBH, em 10 de novembro de 2010. 86 Dados da pesquisa. Pesquisa de campo realizada na EMBH, em 20 de outubro de 2010.

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Em 5 e 6, vemos Lauanda dirigindo impacientemente a palavra a dois

diferentes colegas que ela coloca, em seu questionário, em um mesmo grupo: o dos

bagunceiros. Talvez essa imagem que ela faz dos dois alunos contribua para que

ela julgue que possa dirigir a palavra a eles, dizendo o que diz e do modo como o

faz. Lauanda não dirige a palavra durante as aulas nem àqueles que coloca como

integrantes de seu grupo, o amizade, nem aos que integram o grupo inteligente. O

mapa de sala distancia Lauanda dos integrantes do grupo amizade (com exceção de

Matheus) e ela não demonstrou ter afinidade com os alunos que ela nomeia do

grupo inteligente.

Ainda mais interessante é o modo como age Matheus nas duas situações: o

colega endossa e reforça as colocações de Lauanda nos dois exemplos. Matheus é

o único menino que integra o grupo amizade, no qual também se colocou Lauanda.

A afinidade dos dois é visível, tanto em termos do modo como se comportam em

sala, quanto fora dela. A decisão excepcional da professora (de não separar os dois)

se deveu ao fato de, no ano anterior, Matheus ter revelado ao grupo que acreditava

ser gay, o que, como ponderou a professora Andréia, “tornou complexo o manejo

dele no mapa de sala”.

O que estou querendo demonstrar é que o mapa de sala é uma variável a ser

considerada na e para o estudo da interação em sala de aula, merecendo também

uma atenção menos intuitiva do profissional professor, não só pelo que até aqui se

discutiu, mas também por aspectos outros como:

a. assentar-se perto, ou distante, do professor pode ser significado como um

castigo ou prêmio, a depender da personalidade do sujeito e da

identidade de aluno em curso;

b. o lugar no mapa de sala influencia87, de algum modo, o que os sujeitos

tendem a ouvir e a ver e

c. até mesmo as microinterações podem ser vistas como articulações de

sistemas complexos cujas regras de funcionamento podem ser, em

alguma proporção, entrevistas e esclarecedoras (desde que não sejam

vistas exclusivamente como algo negativo e sinônimo de indisciplina)

87 Conforme será discutido nas próximas seções, a atenção que se concede se deve também a outros fatores de interesse, como amizade e até “tendência do professor de prestar mais a atenção em alguns do que em outros.”.

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daquilo que atravessa os processos identitários podendo revelar traços

culturais de relações de socialização, que se descortinam entre os alunos

na escola.

Considerando potencialidades como essas do mapa de sala, pode-se

acompanhar o jogo de imagens produzidos sobre o eu, o outro e como (não) me

relaciono com o outro. Os exemplos fortalecem o argumento de que a identidade é

mesmo processual e que são experiências anteriores (do primeiro encontro até a

aula do dia anterior) que estabilizam a ‘ideia identitária de hoje’ que se faz do outro.

Se na escola se ensina mais do que conteúdos, ensina-se a como se

comportar (portar com o outro) em sociedade, mapas de sala podem funcionar como

políticas interventivas na escola de diferentes naturezas.

Na tentativa de tocar em aspectos ora da interação e da aprendizagem, ora

da interação na aprendizagem, ora da interação como contexto de aprendizagem –

expressões apontadas como novas na área de linguística aplicada por Kleiman já no

início da década de 1990 –, continuo a discussão ponderando que observar se os

alunos dirigem ou não a palavra uns aos outros durante uma aula, e para que o

fazem, ou ainda, supor porque não o fazem, pode esclarecer sobre as relações

interpessoais em andamento e sobre as identidades sociais em (re)construção88.

Os exemplos apresentados demonstraram que, como propõe Kleiman (1998,

p. 268), a identidade resulta de processos de identificação durante a interação,

sendo que

[...] no nível macrossocial, as categorias verbais podem simbolizar a identidade social, no nível da microinteração, essas categorias simbólicas podem reforçar os elos do sujeito com o grupo ou marcar seu distanciamento deste, devido às restrições normativas da interação e aos múltiplos e conflitivos objetivos comunicativos em curso. (KLEIMAN, 1998, p. 368).

Sendo assim, “a identidade social é um construto social que é tanto inferido,

quanto interacionamente alcançado, por meio da demonstração e da ratificação de

atos e atitudes.” (BAPTISTA, 2002, p. 377). A proposta, então, é a de refletir sobre

os papéis dos atores sociais no evento em curso, continuando a observar como eles,

em função da palavra, demonstram e ratificam atos e atitudes. Para isso, trago a 88 Fica aqui sinalizada a defesa da categoria endereçamento da palavra, o que problematizo verticalmente adiante, para melhor compreendermos o que ocorre em sala de aula.

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ideia de engajamento interacional levando em conta como as professoras se

colocam em cena e distribuem atenção.

4.2 Demonstração de engajamento com vistas ao enqua dre interativo

principal 89 e distribuição da atenção pelas professoras

Participantes podem demonstrar uns para os outros que estão engajados

interacionalmente de formas diversas. Mas, seja como for, precisarão fazê-lo de

modo a evidenciar que “compartilham uma perspectiva de atenção em comum.”

(MOITA LOPES, 2001, p. 167).

Analisar uma perspectiva de atenção comum pode significar agir e reagir

responsivamente:

a. no interior de um mesmo enquadre interativo prin cipal aceitando

participar de modo engajado, aderindo e realimentando convenções

(sociais, culturais, interacionais, etc.) que se oferecem. Cabe

predominantemente ao professor gerenciar esse quadro interativo, mas

um aluno por ele selecionado também pode conduzir localmente a

atenção dos outros para o enquadre principal;

b. no interior de um enquadre interativo secundário , os sujeitos nesse

caso resistem a participar do quadro interativo principal, o que pode

ocorrer por motivos diversos como não atribuir importância ao que

socialmente se imputa à meta-fim do encontro social maior , aquele sob

gerência do professor, ou desautorização hierárquica do responsável

institucional pela condução da interação em andamento;

c. no interior de um quadro interativo secundário t ematicamente

engajado ao primário , os sujeitos que interagem aqui, por alguma razão,

não conseguiram participar como gostariam e, por isso, iniciam, por

exemplo, uma microinteração entre pares, em que dão vazão àquilo que

gostariam de ter falado para todo o grupo ou, ao contrário, por receio de

89 A noção de floor (solo/chão da interação), de Shultz, Florio e Erickson (1982), também é usada para circunscrever aquilo a que aqui me refiro como enquadramento principal. Minha opção se pauta no fato de que o conceito floor traz formalismos, desdobramentos metodológicos, desnecessários à natureza deste estudo e de seus objetivos.

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se exporem para todo o grupo, optam por fazê-lo num quadro interativo

menor (com menos participantes engajados).

A natureza do enquadramento – se (a), (b) ou (c)90 – influencia, portanto, a

quem os participantes pedem engajamento, como e porque o fazem. Nesta seção,

detenho-me ao que ocorre nas fronteiras do enquadre interativo principal para

focalizar particularidades nos modos como as professoras alemã e brasileira

distribuem a atenção.

Assumo, com Merritt (1982, p. 225-226), que “[...] a atenção e o envolvimento

dos professores são provavelmente as ‘mercadorias’ mais valorizadas para a

realização de qualquer atividade em sala de aula, eles devem estar preocupados

com a forma como a atenção é dividida entre os alunos participantes91.”. Fala-se,

nessa medida, em distribuição da atenção das e pelas professoras e da captação e

manutenção pelas profissionais da atenção dos alunos.

Para que se possa falar em um enquadre interativo principal e em um foco de

atenção comum na interação principal,

[...] os professores querem e precisam ter acesso à atenção de cada criança e, com um mínimo de esforço, os professores assim, mais ou menos, a exigem. Assim, embora as crianças possam vir a trabalhar independentemente ‘focadas’ e ‘envolvidas com o seu trabalho’, também se espera que elas atendam ao pedido do professor a qualquer momento mediante sua solicitação92. (MERRITT, 1982, p. 226).

Lemos nessa citação o pressuposto de que a atenção dos alunos é provisória,

é algo suspenso “os alunos devem manter-se dentro da sala não só com o corpo,

mas com a atenção também.” (TEIXEIRA, 2001, p. 211). Adicionando palavras à

problematização de Merritt (1982, p. 283), indago: “[...] como um participante sinaliza

que quer engajar-se, como isso é assegurado e como isso é anunciado?”93.

90 Para falar genericamente de (b) e (c), valho-me também dos conceitos microinterações e (i) interação principal, nos termos de Matencio (2001). 91 “[…] teachers' attention and involvement are probably the most valued 'commodity' for the conduct of any classroom activity, they must be concerned with how involved attention is parcelled out among the students participants.”. 92 “[…] teachers wants and needs to have acess to every child's attention, with minimum effort, more or less the teachers demands it. Thus, although children may be expected to work indepently and be 'on task' and 'involved with their work', they are also expected to pick up the teacher's request for focused attention any time.”. 93 “[…] how does a participant signal wanting engagement, how is it secured, and how is it released?”.

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Para rascunhar respostas a essas questões, apresento cenas dos grupos

(brasileiro, seção 4.2.1, e alemão, seção 4.2.2) e identifico semelhanças nos modos

como os alunos dos dois grupos (não)participam da interação (na seção 4.2.3).

4.2.1 Particularidades do grupo brasileiro

Durante a pesquisa em campo, no contexto brasileiro, fui recorrentemente

tomada pela sensação de que o ambiente da sala de aula 17 não era harmônico e,

consequentemente, de que boa parte do grupo era dispersa ao que era tematizado

pela professora; parecia faltar engajamento interacional. Nos momentos em que

realizava as transcrições, no entanto, fui levada a reelaborar aquelas sensações que

já haviam alcançado estatuto de hipótese.

A desarmonia do ambiente, interpretada em campo, fez com que eu, a ouvido

nu, ouvisse inúmeras e repetidas sobreposições de vozes dos alunos. Os períodos

de trabalho transcritivo e o cotejo das fitas de duas câmeras, posicionadas em

diferentes pontos da sala, mostraram-me que frações de segundos separavam um

turno de fala do outro e que os momentos em que dois sujeitos falavam ao mesmo

tempo eram raros.

Levada a rever a hipótese de dispersão, cotejando as notas de campo ao

trabalho de transcrição, percebi que três aspectos conduziram-me a essa

percepção/interpretação, sendo eles:

a. a constatação de que alunos dirigiam a palavra a outros espacialmente

distantes e falavam alto, o que explica inclusive a nitidez com que as

câmeras capturaram o que se dizia;

b. um tipo de demanda da professora brasileira regente parecia sinalizar que

não bastava que os alunos estivessem em silêncio, outros sinais de

engajamento eram por ela requeridos;

c. o uso recorrente de certos vocativos pelas professoras brasileiras.

Considerando que algum espaço já foi destinado, na seção anterior, para o

aspecto (i), o endereçamento da palavra A→A, acrescento aqui apenas que as

microinterações são sinais genuínos da provisoriedade da manutenção do foco de

atenção. Para a problematização de (ii) e (iii), vejamos alguns exemplos.

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No Exemplo 7, há o mapa de sala completo da sala 17, que permite

hipotetizar a direção dos movimentos dos olhos de P que, sentada em sua mesa,

realiza meneios de cabeça, permitindo que seu olhar percorra toda a sala (o que

conforma a câmera) e à medida que ela nota posturas que a incomodam, centra o

olhar, externaliza seus incômodos, e continua a olhar para o grupo. Não fosse

assim, P não poderia solicitar o que solicita: mudanças de posturas ergonômicas

e/ou que determinados alunos cessem outras ações não verbais. Fica, portanto,

evidente que P está olhando na direção do aluno a quem endereça a palavra.

Exemplo 7:

– P – – Thaís – – Vitor N – – Felipe L – – Lauanda – – Ítalo – – Vinícius – – Felipe S – – Nathã – – Matheus – – Ricardo – – Rafael – – Vítor H – – Mylena – – Márcia – – Leandro – – Mariana B – – Ana – – Lorrayne – – Rebeca – – Yan – – Luís – – Glauber – – Mariana S – – Izabela – – Eduarda – – Kelvin – – Juciara – – Raul –

Figura 17 − B A1 P regente

Fonte: Elaborada pela autora

31. P: psiu... pronto... Ricardo? senta direi:to ((Vinícius ainda está de pé)) Vinícius? ... psiu...sala dezessete por favor... Yan, Yan, você não FEZ [mas é pra você ficar] quieto aí TENTANDO corrigir... Luís Fernando cadê a folha assinada? ((o aluno se levanta e entrega a folha à P))... ô Ítalo tira essa folha do chão...tá bom ((diz a Luís Fernando depois de conferir a assinatura))... vamos lá “trabalhando com gráficos” Leandro? Leandro? eu estou corrigindo a atividade... de para casa ((faz sinal indicando que o aluno abra o livro didático)). (Professora brasileira)94.

Vemos aqui que P solicita silêncio ao grupo (31. P: psiu... pronto...) e, ao ser

atendida, passando a ocupar sozinha a posição de falante, usa o enquadre

interacional principal, não para a apresentação do que lhe cabe tematizar, mas para

demandar mudanças de comportamentos não verbais de alguns alunos que a

incomodam. Por ora, dois aspectos interessam-me: (a) por que a professora faz

isso? Ou seja, o que justifica sua ação, em termos de o que lhe parecem ser seus

deveres profissionais?; e (b) estaria ela nesses momentos sinalizando que, mesmo

em silêncio, esses alunos, a quem dirige a palavra, não estão se comportando como

ouvintes ‘ideais’ e que não estariam se mostrando suficientemente engajados?

94 Dados da pesquisa. Pesquisa de campo realizada na EMBH, em 20 de outubro de 2010.

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Essas perguntas se colocam porque, como o Exemplo 8 evidencia, o que P

no turno 31 faz (Exemplo 7) revela um comportamento padrão da professora

regente. Prova disso é o aparecimento desse tipo de demanda em diferentes

momentos de uma mesma aula, como endossa a numeração dos turnos de fala, a

seguir:

Exemplo 8 − B A1 P regente:

51. P: quer dizer MUIto né? Rafael senta direito arruma sua cadeira Rafael... Rafael olha a cadeira põe a cadeira no meio da mesa olha aonde ela tá meu filho... cê tá quase caindo lá dentro... Vinícius? senta direito arruma a sua cadeira também... põe as pernas pra dentro... PLUVIÔ::METRO ...presta atenção... Ricardo é pra corrigir tá? ((Ricardo apoia a cabeça com a mão)) 104. P: tira isso da orelha menino ((dirigindo-se à Ítalo))... Cabobró tem que escrever com letra MAIÚScula tá? 118. P: pronto Vitor Hugo? então tira o lápis da boca...“letra d discuta com seus colega e professor quais os possíveis prejuízos causados a vida da população pelo excesso de chuvas” 129. P: no Nordeste : é hora disso Leandro? ((Leandro está brincando com os materiais escolares e em silêncio mostra para P que tem nas mãos uma tesoura e uma borracha)) Mais não é hora disso... tem uma cidade lá no Nordeste do Brasil que ela foi [TOTALMENTE DESTRUÍD A pela chuva] ... 236. P: quatro ... Leandro senta direitinho... na lateral aqui ela é partida né gente? ela é assim ó ((desenha no quadro)) né, então [na lateral] dela aqui ó a gente tem que contar direitinho, né ? 282. P: “O pai de Rodrigo colocará rodapé na sala da casa”. .. três... “A SALA É retangular” ... ... você tem que corrigir o SEU LIVRO E o SEU CADERNO ((P repreende Ítalo que olha para o caderno de Ricardo))... não o caderno do COLEGA...... “A SALA É retangular veja as medidas e responda... quantos metros ((Vitor Nunes Boceja e levanta os braços espreguiçando-se, ao que P responde olhando na direção do aluno e balançando a cabeça em sinal negativo)) de rodapé serão necessários? ” (Professora brasileira)95.

P permite-se interromper o desenvolvimento do tópico/objeto de ensino (Cf.

negritos nos turnos 51, 129, 236 e 282) sob sua gerência ou adiar a tematização

(como nos turnos 104 e 118) para realizar suas demandas. Desse modo, arrisco-me

a dizer que não há dúvidas de que a natureza da demanda seja legítima para a

professora, pois P, ao fazer o que faz, não só altera momentaneamente o foco de

sua atenção (a ponto de produzir digressões no texto falado em projeção no

95 Dados da pesquisa. Pesquisa de campo realizada na EMBH, em 10 de novembro de 2010.

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enquadre interativo principal), como também abre precedentes para que alunos, até

então engajados como ouvintes, tenham sua atenção dispersada.

Interessam-me, portanto, aqui mais os efeitos desses momentos de

endereçamento da palavra individualizados, do que propriamente os

endereçamentos, pois, como pondera Merritt (1982, p. 223), “[...] o tempo do

professor é um bem escasso, há um professor para muitos alunos que podem ao

mesmo tempo requerer a sua atenção96.”. Pode-se perguntar, a essa altura, se, nos

Exemplos 7 e 8, os alunos estavam disputando a atenção da professora com o

restante do grupo e em que medida o engajamento conversacional da professora

com esses sujeitos foi produtivo para a interação principal.

Se, como defende Merritt (1982, p. 226),

[...] os professores estão conscientes de que, para as crianças se tornarem suficientemente envolvidas no seu trabalho, realmente concentradas, elas devem sintonizar uma grande parte do que está perceptualmente à disposição delas. As crianças devem aprender as modalidades através das quais elas canalizam a participação e a "carga comunicativa" relativa a todo o repertório das modalidades envolvidas na comunicação em sala de aula97 (MERRITT, 1982, p. 226),

temos bons motivos para crer que linguagem, cultura e sociedade realmente

atravessam o modo como os interactantes atualizam seu trabalho institucional.

Dando continuidade à reunião de indícios que assegurem essa afirmação,

tem-se a análise de vocativos.

Por meio do vocativo “gente”, as professoras brasileiras se dirigem aos alunos

para monitorar a atenção do grupo, demonstrar que esperam que o grupo responda

ao que foi perguntado, frisar pedido de silêncio e incitar a participação. Por vezes,

também, esses usos parecem se justificar por um desejo de dotar o que se está

dizendo de uma certa interatividade, explicitamente marcada, como se verifica nos

Exemplos 9 e 10:

96 “[…] the teacher's time is a scarce commodity; there is one teacher and many students, all of whom may want the teacher's attention at the same time.”. 97 “[…] teachers are aware that for children to become sufficiently involved in their work to be really on task they must tune out a great deal of what is perceptually available to them. Children must learn the modalities through it they are to channel their participation and the relative 'communicative loading' of the entire repertoire of modalities involved in classroom communication.”.

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Exemplo 9 – B A1 P regente 86. P: porque o ve:rde... não é um lápis de cor verde que vai fazer fotossíntese não... é a planta né gente? (Professora brasileira)98.

Exemplo 10 – B A2 P2

29. P: pra acabar com a discriminação... a gente ainda percebe que na NOSSA sociedade ainda existe né?... uma discriminação... com relação é::: aos negros, não é isso?... inclusive né gente? hoje em dia discriminar é ATÉ:: 30. Rafael : crime 31. P: cri:me né? (...) 43.P: e:: nós vamos acompanhar com certeza né:? nos jorna:is... na TELEvisã::o pela interne:t... VÁRIOS é: eventos né? que vão acontecer em to::do país para LEMBRAR esse DIA e PARA CO-ME-MORAR esse dia... né gente? e esse dia vinte ele tem que ser um dia não não é só de come-mo-ra-ção mas também de re-fle-xão e o que é que é refletir, cês sabem? (Professora e aluno brasileiros)99.

Nesses dois exemplos, o marcador discursivo “né” está associado ao vocativo

em análise, o que parece potencializar a marcação de interatividade característica

de algumas práticas orais, em que o foco de atenção parece precisar ser

constantemente reafirmado.

Há algo cultural no uso do elemento linguístico “gente”, que se explica até

mesmo por sua função vocativa. O que estou dizendo é que, se no grupo brasileiro –

diferentemente do alemão –, o professor precisa chamar constantemente o grupo,

reivindicando atenção, está pressuposta a necessidade de regulação de algo que,

na percepção do professor, falta ou se apresenta em baixa incidência. Nessa

direção, o Exemplo 11 é interessante:

Exemplo 11 – B A2 P2

6. P: OI... psiu...eu estou aqui ((repreendendo Vitor Nunes, Vinícius e Ítalo))... ... gente tem alguém que ESTÁ com o livro de história AÍ por favor. (Professora brasileira)100.

Aqui a professora brasileira, que não ocupa a função de regente (cabe frisar!),

direciona uma pergunta para todo o grupo. Por meio do vocativo “gente”, P procura

98 Dados da pesquisa. Pesquisa de campo realizada na EMBH, em 20 de outubro de 2010. 99 Dados da pesquisa. Pesquisa de campo realizada na EMBH, em 10 de novembro de 2010. 100 Dados da pesquisa. Pesquisa de campo realizada na EMBH, em 10 de novembro de 2010.

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evocar a atenção do grupo, já que apenas o aluno Rafael responde a ela, no turno 4,

e ainda o faz de modo irônico, como se lê no exemplo 12:

Exemplo 12 – B A2 P2 1. P: tem alguém que está com livro de hisTÓRIA?... 3. P: alguém está com o livro de história?... ... ... livro de HISTÓRIA aí por favor 4. Rafael : pode ser o livro de matemática? 5. P: quem está com o livro de história aí faz favor... ... ... (Professora e aluno brasileiros)101.

O que se pergunta no turno 6 pode ser interpretado como uma reformulação

do que P diz nos turnos 1, 3 e 5. Essa necessidade de reformulação (de modo a se

ter que chamar, convocar, a atenção dos alunos para obtê-la) coloca P em uma

posição interacional distinta da hierarquicamente instituída pela escola: a daquele

para quem a atenção deve estar predominantemente voltada.

O mais importante a se reter dessa exemplificação é a percepção de como a

partir da análise de um recurso linguístico como “gente”, ou seja, do microestrutural,

podem-se reunir pistas para analisar como os sujeitos encarnam seus papéis sociais

e os representam por meio de certas posturas como a de optarem por não

responder ao que é perguntado pelo professor, como também é realçado no

Exemplo 13:

Exemplo 13 – B A2 P2

37. P: já copiou querido? ((a cabeça e o corpo de P se voltam para Felipe Lima que olha para P fixamente)) já? ((Felipe Lima continua olhando para P sem nenhuma mudança de fisionomia ou pista de contextualização que evidenciasse uma resposta às perguntas de P))... ... quem ainda tá copiando gente?... ... ... Levanta a mão só pra eu saber... ((13 alunos levantam a mão)). (Professora brasileira)102.

Aqui P – diante da ausência de respostas às suas perguntas (“já copiou

querido?” e “já?”, em que dirige a palavra a um aluno, e “quem ainda tá copiando

gente?”, quando fala com todo o grupo) – lida com o silêncio (marcado nas pausas)

por meio de reformulações, o que parece apontar a disposição de P de preservação

101 Dados da pesquisa. Pesquisa de campo realizada na EMBH, em 10 de novembro de 2010. 102 Dados da pesquisa. Pesquisa de campo realizada na EMBH, em 10 de novembro de 2010.

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de sua face, já que ela não apenas reformula suas perguntas como também altera

os endereçamentos da palavra, potencializando traços identitários de cada aluno a

quem se dirige.

Nos Exemplos 14 e 15, a professora regente incita a participação do grupo,

sem, como se pode perceber, selecionar quem ela gostaria que falasse e também

sem perguntar quem gostaria de fazê-lo:

Exemplo 14 – B A1 P regente 31. P: o que que é média anual? 32. Felipe Souza : é [é:::] Lauanda : [é formal] Eduarda : [é meio normal] 33. Natã: é uma média normal 34. P: não mé::dia:: ...ANUAL gente... (Professora e alunos brasileiros)103.

Exemplo 15 – B A1 P regente 240. P: tem cinco centímetros não é? na lateral... na lateral esquerda tem cinco centímetros...embaixo na base tem quantos centímetros? ... .... 242. P: quanto gente? (Professora brasileira)104

É interessante notar que o vocativo em exame também foi recorrentemente

acompanhado por “psiu”, como prova o Exemplo 16, em que são registrados três

diferentes momentos de uma mesma aula:

Exemplo 16 – B A2 P2 74. P: psiu... GENTE vocês sabiam que aqui no Brasil é OBRI-GA-TÓRIO é:: o ensino da cultura é: é: africana 85. P: imprimir e colar aquele TÁ::NTO de fo:lha no cade:rno né? ((alguns alunos riem)) PSI::U... GENTE EU DISSE SEMPRE psi:: falei pra vocês que a pesquisa pode ser feita na interne:t 133. P: psi::u OLHA AQUI GENTE... PSIU A COLEGA DE VOCÊS AQUI Ó ELA DISSE QUE JÁ... VAMOS OUVÍ-LA? VAmos OUVI:: o que ela tem pra contar? ps::: (Professora brasileira)105.

103 Dados da pesquisa. Pesquisa de campo realizada na EMBH, em 20 de outubro de 2010. 104 Dados da pesquisa. Pesquisa de campo realizada na EMBH, em 20 de outubro de 2010. 105 Dados da pesquisa. Pesquisa de campo realizada na EMBH, em 10 de novembro de 2010.

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Nesses casos, P reforça o pedido de silêncio feito ao grupo, quando se valeu

do vocativo “psiu”, para marcar sua autoridade institucional de professora. O modo

como os alunos lidam com essa imagem de autoridade influencia diretamente a

provisoriedade da atenção que concedem ao dizer da professora.

Intervenções como essas, que integram os exemplos até aqui apresentados,

permitem afirmar que as professoras brasileiras têm que primeiro relembrar aos

alunos de que eles devem ouvi-las e para isso silenciarem (criar condições para um

foco de atenção comum), para só depois tentarem construir esse foco de atenção

comum em termos temáticos, ou seja, do objeto de dizer que cabe a cada uma delas

tematizar no interior da interação principal. Uma observação como essa contribuiu

para que eu me perguntasse se as intervenções de P – como texto oral dialogado,

aqui ilustrado nos turnos 74, 85 e 133 do Exemplo 16 – autorizariam a pensar em

um afrouxamento do papel comunicativo de aluno no grupo brasileiro?

Para esboçar uma primeira resposta para esse questionamento, as

especificidades do grupo alemão, em termos de engajamento e distribuição de

atenção, devem ser trazidas, porque estou apostando na análise dessa outra cultura

para a desnaturalização do olhar para a realidade nacional.

4.2.2 Particularidades do grupo alemão

Para explicitar algumas das particularidades interacionais do grupo alemão,

começo ponderando como os alunos da vierte Klasse B reagiram durante a pesquisa

em campo ao controle social que a escola diariamente (presentificada na posição

social professor) os submete(ra)m (GARCEZ, 2006).

Com relação aos focos de atenção compartilhados, ficou evidenciado que os

alunos raramente conversam entre si durante aulas sem que isso seja pela

professora demandado. Desse modo, a professora alemã quase não precisa solicitar

silêncio para o grupo. Microinterações são escassas e quando acontecem se dão no

interior de um quadro interativo secundário tematicamente engajado ao primário e

entre alunos vizinhos, que dividem uma mesma mesa.

Daí se considerar que as condições mínimas para o estabelecimento do foco

de atenção comum na interação principal já estão, a priori, postas. Ser ouvinte, ou

seja, deixar que o professor (ou um outro aluno por ele autorizado) ocupe sozinho a

posição de falante no enquadre interativo principal constitui um tipo de

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demonstração de engajamento central, que está, portanto, pressuposto para o grupo

alemão.

O fato de que não é preciso que Frau Müller relembre ao grupo quais são as

formas esperadas para que os alunos demonstrem engajamento, se deve a um

histórico de convivência comum com algumas regras de socialização basilares da

Grundschule alemã. Há pelo menos três anos (desde a 1ª Klasse), os alunos da

vierte Klasse B vem aplicando um conjunto de regras106 conversacionais e

disciplinares da, na e para a sala de aula.

Não há dúvidas de que regras como essas traduzem esforços da cultura

escolar pela manutenção de um ambiente institucional compatível com o trabalho

que se espera nele ser desempenhado. Considerando, assim, que a palavra é o

motor do trabalho (interacional) de professor e alunos, centro a minha atenção nas

quatro cláusulas que integram as Unsere Gesprächsregeln (nossas regras de

conversação) do grupo.

O referido contrato é sucinto e preciso ao prescrever duas condições para que

os alunos assumam a posição de falante (1. Nós falamos alto e claro; e 4. Nós nos

inscrevemos para falar) ou de ouvinte (2. Nós ouvimos o outro com boa atenção; e

3. Nós não interrompemos) na sala de aula107.

Considerando que essas regras conversacionais existem, e que são seguidas

com considerável rigor pela vierte Klasse B, opto por tomar o modo como elas são

atualizadas no dia a dia escolar como a particularidade das relações interacionais do

grupo a partir das quais os alunos alemães sinalizam atenção e engajamento, bem

como a professora distribui sua atenção.

Dentre as quatro regras de conversação do grupo, Nós nos inscrevemos para

falar talvez seja a mais valorizada pela professora, já que ela marca o terreno da

didatização da palavra, sendo, também e talvez por isso, a mais obedecida pelos

alunos.

A inscrição para a fala efetiva-se na realidade alemã eminentemente no plano

das ações não verbais, por meio do signo tradicional levantar a mão. Se alunos

devem se inscrevem para falar, ou seja, se devem demonstrar que querem participar 106 Os tipos de acordo existentes são dois: Unsere Gesprächsregeln (nossas regras de conversação) e o Klassenvertrag (contrato da sala). Restrinjo-me, aqui, ao primeiro, tendo em vista os objetivos pleiteados para esta seção. O Klassenvertrag aproxima-se aos “combinados” (Respeitar o outro, não comer em sala de aula, etc) firmados entre professor e alunos na realidade escolar brasileira. 107 1. Wir sprechen laut und deutlich; 2. Wir hören anderen gut zu; 3. Wir rufen nicht dazwischen; e 4. Wir melden uns.

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oralmente, daí o pedido da palavra, é apenas no interior de um enquadre

interacional principal que essa regra faz sentido. Em outras palavras, existem

posições hierárquicas distintas em jogo que repercutem em como um aluno pode se

tornar falante.

Como se espera que todo aluno que queira participar da interação sob

gerência da professora, exteriorizando sua posição, solicite de modo não verbal a

palavra (levantando a mão), vários alunos podem fazê-lo (quase) ao mesmo tempo.

Daí problematizar que, ao distribuir a palavra, a professora distribui também sua

atenção, quais seriam assim os aspectos que parecem corroborar para as decisões

da professora na distribuição da palavra?

A resposta a essa pergunta é tema do próximo capítulo; por ora, registro que

a busca pela compreensão de como a professora distribui a palavra, no contexto

alemão observado, fornece pistas não só para a discussão das relações

hierárquicas entre professor e alunos e a natureza linguística dessa interação, mas

deixa entrever algo relativo ao modo como as crianças encenam o papel de aluno.

À guisa de ilustração, consideremos exemplos de situações observadas em

sala que registram tanto o recorrente como o episódico. Como uma pista contextual,

trago o mapa de sala onde estão registradas as posições dos alunos e o

posicionamento de Frau Müller nos primeiros momentos da aula presentificados nos

exemplos escolhidos.

– Julios – Anuca – – Emily – Zara – – Levin – Mathias –

– Luis – Alekssandra – – Giulio – Simon – – Dennis – Juliana – – Nina – Hannah – – Joseph – Armina – – Funda – – Patrick – –

– Stephanie – Secde – – Pirm – Paul – – Marie – Elisa –

Figura 18 − Mapa de sala vierte Klasse B Fonte: Elaborada pela autora

Nos Exemplos 17, 18, 19 e 20, vê-se uma metodologia de correção de

exercício coletiva que se mostrou recorrente durante a pesquisa de campo: um

aluno lê em voz alta o enunciado da tarefa a ser corrigida, seguida de sua resposta

ao exercício, que é, imediatamente, controlada por um segundo aluno, a quem cabe

emitir uma resposta como richtig (certo) ou informar, em termos sucintos, para toda a

turma, o que está errado. Enquanto se descortina esse processo, os outros alunos,

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em silêncio, realizam as correções em seus cadernos e a professora observa tudo,

intervindo apenas quando necessário.

Para que uma metodologia como essa funcione, é preciso não apenas que

alunos se candidatem para a tarefa, mas que, dentre os alunos que se candidatem,

a professora (L) escolha alunos que tenham realizado as tarefas satisfatoriamente,

caso contrário, a correção ficará a cargo inevitavelmente da professora que

assumirá uma das tarefas que deveriam ficar sob tutela de alunos. Para que se

visualize essas ponderações, têm-se os exemplos a seguir:

Exemplo 17 – A A1 ((A professora até então assentada, apanha o livro de matemática, se levanta e caminha posicionando-se na frente da sala, Mathias, Keith, Emily pedem a palavra levantando a mão direita )) 1. L: quem quer fazer o número quatro? Keith isso é um pedido para falar?...é?108 ((Mathias e Emily permanecem com a mão levantada)) 2. Keith : é109 ((Mathias e Emily permanecem com a mão levantada)) 3. L: leia em voz alta e:: .. Mathias controla110. (Professora e alunos alemães)111.

Quando, no primeiro turno de fala, a professora inicia a aula incitando a

participação, três alunos já haviam demonstrado o desejo de falar. Isso

provavelmente explica a necessidade de L se certificar se o gesto de inscrição

remete a um pedido da palavra ou a um pedido da palavra para leitura do exercício.

Ainda no turno 1, L dirige a palavra a Keith, cuja resposta (em 2) parece ser

generalizada por L aos outros dois alunos que ainda pedem a palavra. Essa

generalização da professora poderia ser interpretada como: (i) uma pressuposição

de que Mathias e Emily não permaneceriam com a mão levantada se quisessem por

outro motivo falar, já que ela sugere, em seu primeiro turno de fala, o tipo de

participação que a ela interessava; ou (ii) a professora se esquiva de qualquer

108 “wer mag die Nummer vier machen? Keith ist das eine Meldung?... ja?”. 109 “já”. 110 “lies vor u::nd .. Mathias kontrolliert”. 111 Dados da pesquisa. Pesquisa de campo realizada na T Schule, em 09 de março de 2010.

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possível alteração do desenvolvimento temático da aula por ela traçado112, mesmo

antes do início oficial da aula em curso.

Como se vê, no Exemplo 17, a professora escolhe prontamente a aluna Keith

para ler, mas o alongamento de vogal que realiza (em 3) deixa entrever o fato de

que ela avalia, olhando para os alunos, que estão com a mão levantada, quem será

o segundo aluno a ser escolhido, optando por Mathias.

O Exemplo 18, a seguir, que apresenta os turnos de fala subsequentes aos

do exemplo anterior, registra tanto aspectos regulares quanto outros dois raros na

dinâmica interacional do grupo.

Exemplo 18 – A A1 ((Os alunos dizem de modo sussurrado)): mais pesado ((corrigindo a colega)) 6. Keith : mais pesado mais pesado mais pesado ((repete a aluna de modo rápido)) é:: parte do conteúdo da bagagem de mão ela tem que colocar na mala no serviço de entrega de bagagem... agora a bagagem de mão pesa só mais dois quilos e novecentos gramas... pergunta quanto ela tem q ainda pagar? cálculo... quatro vírgula cinco quilos dois vírgula novecentos gramas é um mil e seiscentos113 7. Mathias : e sete quilos vezes sete e:uros114 8. Keith : é é verdade é...e...é:: a Lisa precisa pagar ainda noventa e cinco euros115 9. Mathias : certo116 10. L: ótimo, isso foi de fato muito bom117 11. Pirm ((falando baixo e sem se inscrever)): isso foi difícil118.(Professora e alunos alemães)119.

Keith dá início ao seu trabalho, em 4, e já nos primeiros momento de leitura

divide a posição de falante, o que ocorre em frações de segundo por uma

sobreposição de sua voz a de alguns colegas que a corrigem. Esse aspecto, o 112 A professora, por exemplo, dirige a palavra a esses dois alunos, mas não procura se informar sobre o que eles gostariam de tematizar ou se queriam falar sobre alguma dúvida específica. 113 “schwerer schwerer schwerer é:: “einen Teil des Handgepäcks muss sie bei der Gepäckaufgabe in den Koffer packen... nun wiegt das Handgepäck nur noch zwei kilogramm und neunhundert gramm… Frage wie viel muss Lisa noch bezahlen?” Rechnung… vier Komma fünf kilogramm zwei Komma neunhundert kilogramm ist einthousandundsechhundert”. 114 “und sieben kilogramm mal sieben eu:ro”. 115 “ja ja stimmt ja...Und ...é:: die Lisa muss noch neunundvierzig Euro bezahlen”. 116 “richtig”. 117 “prima, die war nämlich ganz gut”. 118 “das war schwierig”. 119 Dados da pesquisa. Pesquisa de campo realizada na T Schule, em 09 de março de 2010.

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primeiro dos raros a que me referi, merece ser aqui contextualizado. Como registra o

mapa de sala, os alunos que corrigem Keith estão sentados próximos a ela e o

fazem de modo muito baixo. Fica, portanto, registrado que essa ocorrência, embora

singular no corpus (e, talvez, por isso mesmo), não poderia ser desconsiderada,

tendo em vista o desconforto (e eu me arrisco a registrar o susto da aluna por ter

sido pelos colegas contestada) que Keith deixa transparecer no modo como dá

continuidade à leitura do enunciado do problema matemático no turno de fala 6.

O modo como Mathias cumpre sua parte no par interacional com Keith, no

turno 7, deixa à mostra a atenção com que ouvia a colega e a seriedade com que

cumpre sua tarefa, o que Keith não só aceita, como a conduz à formulação no turno

8. A experiência de Mathias em sessões de correção como essas, ao contrário da

colega, fica deflagrada em seu turno de fala 7, porque o que ele faz é apontar para a

colega que ela se esqueceu de uma parte necessária: descrever a operação

matemática básica por ela utilizada.

Já no turno 10, L não deixa explicitamente marcado qual é o referente de seu

elogio, se a troca estabelecida anteriormente entre os dois alunos ou até mesmo o

modo como o grupo como um todo se comportou durante a correção da tarefa. Mas

o que é, a meu ver, mais importante aqui é o efeito de sentido provocado pela sua

avaliação: a sugestão de que o trabalho interacional de Keith e Mathias terminava

naquele momento.

A fala de Pirm, em 11, materializa o segundo aspecto pouco recorrente: a fala

sem inscrição. Quando se fala nessas condições, L tende a desconsiderar a fala do

aluno e os outros alunos nunca respondem verbalmente na forma de comentário ou

alguma expressão avaliativa o que foi dito pelo colega, assim como acontece aqui.

Entretanto, como se vê no Exemplo 19, L opta por considerar a fala do aluno

repetindo-a de modo a incitar a participação de todo o grupo:

Exemplo 19 – A A1 12. L: dI-FÍ-cil? quem conseguiu, quem então reSOlveu? ah:::::: ó:::timo...tá:ntas crianças conseguiram resolver uma tarefa tão difícil, então vocês poderiam ficar orgulhosos de si mesmos... A PRÓXIMA será de novo um pouquinho mais fácil, não é? quem quer fazê-la? Simon lê... Mathias controla120.(Professora alemã)121.

120 “SCH-WIE-rig? wer hat denn die geschAfft, wer hat denn die geLÖst? ((Quase todos os alunos levantam a mão)) A:::: su:::per…so vi:ele Kinder haben eine so schwere Aufgabe gelöst... ((Mathias e Simon pedem a palavra levantando a mão)) da könnt ihr stolz auf euch sein.. DIE NÄCHSTE wird wieder ein bischen leichter gell?. wer mag die machen? Simon liest vor…Mathias kontrolliert”.

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144

Tal como registra o Exemplo 19, apenas dois alunos se candidatam para dar

continuidade ao exercício, o que restringe as opções da professora de distribuição

da palavra. É a posição concedida a Mathias que quero realçar aqui. Apesar de ele

ter acabado de realizar a função de “controlador” das respostas na dinâmica de

correção, L atribui, como se lê no final de seu turno de fala, mais uma vez essa

tarefa ao aluno. O que poderia ser analisado como coincidência, ou um dos miúdos

da interação em sala de aula, tomo aqui como potencialidade para se discutir sobre

construções identitárias122.

Tenho motivos, advindos da convivência em campo com o grupo, para crer

que a decisão de L, no turno 12, não é arbitrária, deve-se a um conjunto de

características (como ser um aluno atento aos detalhes e, sobretudo, não ter

dúvidas quanto à resolução da tarefa para que se possa, assim, com segurança

emitir uma avaliação, sem que seja necessário se dirigir à professora para obter

confirmações) requeridas para o aluno que assume a função de controlador, isso

para que a dinâmica de correção se realize com sucesso. Desse raciocínio,

apreendo um outro modo de pensar a distribuição da atenção.

O gerenciamento da atenção do professor contribui não só para as imagens

em (re)construção dos sujeitos em suas singularidades, mas também para o

agrupamento de sujeitos a algo como “tipos” de aluno no interior da turma. Traços

da identidade de Mathias, por exemplo, são reforçados pelo adulto experiente (a

professora) quando essa o escolhe. Escolher Simon para controlador das respostas

poderia evidenciar habilidades desse aluno a serem aprimoradas, o que para L

talvez não fosse interessante naquele momento constatar, já que talvez tenha

privilegiado o que acreditava ter que fazer naquele momento: corrigir (e, talvez,

quanto mais rápido melhor) o dever de casa. A continuidade da sequência traz

outras pistas para o trabalho com o argumento em tela:

121 Dados da pesquisa. Pesquisa de campo realizada na T Schule, em 09 de março de 2010. 122 Essa discussão, apenas inaugurada aqui, é desenvolvida no capítulo seguinte.

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Exemplo 20 – A A1 13. Simon : Ähm... “o voo , o trajeto do voo Frankfurt – Bremen é arredondando de trezentos quilômetros. De Frankfurt a Moscou é seis vezes mais distante. pergunta a: qual é a distância de Frankfurta Moscou?”123 14. Mathias : certo124 15. Simon : A:ch seis vezes trezentos é mil e oitocentos125 16. Mathias : seis vezes trezentos quiLÔmetros é mil e oitocentos quiLÔmetros126 ((Funda levanta a mão e aguarda)) 17. Simon : de Frankfurt a Moskou são mil e oitocentos quilômetros127 18.Mathias : certo128 ((Funda está com a mão levantada e olha aflita para L., que não olha em sua direção)) 19. Funda ((diz em tom baixo de voz e ainda mantendo a mão levantada)) senhora Müller?129 20. L: Funda 21.Funda ((lendo sua resposta)): demora de Frankfurt a Moscou mil e oitocentos quilômetros130 22. L: sim, mas DEMORA é um tempo e (a pergunta) é “qual é a distância?”... sim131 ((10 segundos de pausa)) 23. Funda : senhora Müller?132 ((Giulio está com a mão levantada)) 24.L: TAMbém uma pergunta?133 ((Giulio abaixa a mão)) ((L parece se dirigir aqui a Giulio, já que seu olhar se volta para a direção desse aluno, ele contudo não se reconhece como interlocutor a quem a palavra foi endereçada, o que parece não incomodar Frau Müller, já que a professora não repete a pergunta)). (Professora e alunos alemães)134.

123 Ähm... “die flug, die Flugstrecke Frankfurt-Bremen ist rund dreihundert Kilometer lang. Von Frankfurt nach Moskau ist es sechs mal so weit. Frage a: Wie weit ist es von Fra nach Moskau?”. 124 “richtig”. 125 “A:ch sechs mal drei hundert ist eintausendachthundert”. 126 “sechs mal drei hundert KILOmeter ist tausenderachthundert KILOmeter”. 127 “von Frankfurt nach Moskau sind es tausendachthundert kilometer”. 128 “richtig”. 129 “Frau Müller?”. 130 “es dauert von Frankfurt nach Moskau tausendachthundert Kilometer”. 131 “ja, aber es DAUERT ist eine Zeit und es heißt aber „wie weit ist es“ ... ja”. 132 “Frau Müller?”. 133 “AUch eine Frage?”. 134 Dados da pesquisa. Pesquisa de campo realizada na T Schule, em 09 de março de 2010.

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Há alunos que, como a aluna Funda do exemplo 21, se inscrevem, aguardam

pela atenção da professora e, ao ver que não terão o direito à palavra, demonstram

verbalmente, como no turno 19, com o uso do vocativo “Frau Müller”, que desejam

engajamento na interação principal. Interessante, aqui, é notar que Funda não chega

a tomar a palavra no turno 19, porque apenas reafirma verbalmente a sinalização

não verbal, ou seja, a aluna só realmente se posiciona quando a professora autoriza

que ela o faça, o que ocorre no turno 20.

Funda talvez só tenha conseguido apresentar sua dúvida para L, em 21,

porque agiu estrategicamente: não chegou a infringir totalmente a regra, porque

manteve a mão levantada até que lhe fosse concedida a palavra, minimizando os

efeitos negativos de a aluna ter chamado a professora, o que não dá certo no turno

23.

L não considera, no turno 22, que talvez sua resposta possa não ter sido

suficientemente esclarecedora para Funda e, mesmo ouvindo a aluna, desconsidera

seu pedido da palavra, talvez porque tenha se dado de modo inapropriado135. Um

último aspecto a se salientar aqui é o fato de que a professora não generaliza a

dúvida da aluna e assim não externaliza qualquer hipótese de que outros alunos

poderiam ter dúvidas semelhantes e, assim, acaba considerando que os outros nada

têm a aprender com a dúvida de Funda, já que ela não reformula para todo o grupo

como compreendeu a dúvida da aluna.

Sinalizo, assim, que exemplos como esse ilustram com propriedade a

importância de se fazer do endereçamento da palavra uma categoria de análise

essencial para se refletir sobre o que o professor faz, ou pode fazer

[...] através da linguagem em sua prática em sala de aula, e utilizar esse conhecimento (pensando-se em expedientes de formação do professor) como um instrumento de trabalho a mais para se compreender a própria organização da interação em sala de aula.” (MATENCIO, 2001, p. 42).

Antes de passar às hipóteses comparativas dos grupos brasileiro e alemão,

apresento uma segunda particularidade interacional da vierte Klasse B, ancorando-

me em um último exemplo:

135 Como a professora lida, ou seja, como reage a essas intervenções sem inscrição é tema da seção 4.3.

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Exemplo 21 – A A2 ((Joseph está com a mão levantada)) ((Simon, Keith, Luis e Pirm levantam também a mão)) 25. L: muito bom... o Simon tem razão... a cidade foi naquele tempo da primeira muralha relativamente pequena... quando você imagina... o caminho da área de pedestres... talvez você se lembra quem construiu o primeiro muro da cidade?... Joseph136 26. Joseph : ãhm...é:: ((Simon, Keith, Luis e Pirm permanecem com a mão levantada)) 27. L: quem começou com a construção do primeiro muro da cidade?137 ((L aponta para Simon)) ((Keith, Luis e Pirm permanecem com a mão levantada)) 28. Simon : ãhm... eu acho que::. ãhm... o Witt138 ((Pirm permanece com a mão levantada)) 29. L: sob o comando de que imperador?139 ((L olha para Pirm concedendo-lhe a palavra)) 30. Pirm : sob o comando do Lö140 ((Keith levanta a mão)) 31. L: exatamente... sob o comando do imperador Lö... que construiu a primeira muralha circulando a cidade M, para que a cidade pudesse se proteger/defender bem contra inimigos? Keith141. (Professora e alunos alemães)142.

O aspecto que me parece produtivo pensar, a partir do Exemplo 21, diz

respeito à (as)simetria dos direitos de fala e mesmo da rotina conversacional de

grupos. Como demonstrei, mesmo que sumariamente a partir dos exemplos

anteriores, a palavra não é, na maior parte das vezes, tomada, mas sim concedida,

na realidade alemã observada. E sendo concedida, pode-se levantar a hipótese de

136 “sehr gut..der Si hat recht…M war zu derzeit vom ersten Mauerring noch relativ klein…wenn du dir vorstellt... der Weg von der Fußgängerzone…vielleicht weist du noch …wer die erste Stadtmauer gebaut hat?...Joseph”. 137 “wer hat mit dem Bau der ersten Stadtmauer angefangen?”. 138 “ãhm... ich glaub de::r…ähm.. der Witt”. 139 “unter welchem Herrscher?”. 140 “unter Heinreich dem Lö”. 141 “ganz genau …unter Heinrich dem Löwen…der hat den ersten Mauerring um M gebaut, damit sich die stadt gut gegen Feinde wehren kann? Keith”. 142 Dados da pesquisa. Pesquisa de campo realizada na T Schule, em 16 de junho de 2010.

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que essa concessão não é realizada prontamente por aquele que detém o direito

sobre a palavra (o professor).

A espera pela concessão da palavra pelo professor, por sua vez, tal como

presentificado no Exemplo 21, pode provocar certos efeitos no fluxo conversacional

quando o aluno toma a palavra. Explico-me: Joseph já se inscreve para falar antes

mesmo de a professora iniciar o turno 25 (onde ela avalia a contribuição anterior).

Ao final do turno 25, desse modo, embora a professora tenha concedido a palavra a

Joseph, o fato de assim fazê-lo (ou seja, de não ter atendido prontamente a

solicitação do aluno), faz com ela acabe solicitando ao aluno que responda uma

pergunta que ainda não havia sido formulada quando Joseph pediu a palavra. Ou

seja, não foi por esse motivo que o aluno havia solicitado a palavra.

O que estou problematizando é que, em alguma medida, o direito de intervir

(com aquilo que o aluno pretendia dizer quando de sua inscrição) foi negado a

Joseph e o que L confere a ele é a oportunidade de responder ao que está sendo

agora por ela topicalizado.

O aluno, no turno 26, parece compreender as expectativas da professora

(bem como as regras a orientar o processo: permanecer no tema), já que, ao pegar

o turno, não externalizou o que pretendia quando solicitou a palavra. Como se lê, em

26, o aluno hesita, deixa entrever a busca pela resposta por meio de alongamento

de vogal. A professora toma, pois, a palavra, reformula a pergunta passando a

palavra de modo não verbal a Simon. Mas o que acabo de problematizar, acontece,

também, com Simon no turno 28.

Simon, em 28, hesita, procura a resposta, realiza pausas e, por fim, apresenta

uma resposta que não é avaliada satisfatoriamente pela professora. Interessante é

observar que, durante a hesitação de Simon, em 28, dois (dos três) colegas

desistem da palavra, restando apenas Pirm inscrito. Essa constância da inscrição de

Pirm faz com que se creia que ele sabia a resposta, o que se confirma na avaliação

da professora em 31.

Esse exemplo deixa entrever que a espera pelo direito à fala por parte do

aluno pode provocar certas “falhas”143 quando da tomada da palavra, já que, por

vezes, o aluno pode esperar tanto que, quando chega o momento de se pronunciar,

143 “Falhas”, já com aspas, no sentido que Kerbrat-Orecchioni (1996) as toma: gagueios, balbucio e lapsos, frases inacabadas ou tortuosas, repetições e retificações.

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o que planejava dizer (sua intervenção) já pode não ser mais adequado, tendo em

vista o que foi por último tematizado.

Há ainda que se considerar que a insistência manifestada por alguns alunos

(assim como Simon, Keith, Luís e Pirm no Exemplo 21) poderia sinalizar um desejo

de tentar responder a uma pergunta da professora, independentemente de seu teor.

Ou seja, os alunos poderiam, por outro lado, apenas querer participar.

Se para falar (sendo socialmente aceito na cultura da sala de aula alemã) a

inscrição é preliminarmente requerida, isso acaba sendo um conhecimento do grupo

sobre o qual se pode operar até mesmo de modo estratégico, demonstrando para o

professor que se é (ou se quer ser) participativo. Isso se pensarmos que a inscrição

remeta a uma concorrência na participação (no Exemplo 21, cinco alunos solicitam a

palavra, tendo sido a três deles concedida).

Há alunos que já se inscrevem antes mesmo de saber o que será perguntado

e há outros que desistem de suas formulações e permanecem com a mão levantada

porque (como bons alunos que são) muito provavelmente saberão qualquer

resposta. Essa hipótese faz eco à concepção de Erickson (2004, p. 54) de que em

uma aula “[...] crianças disputam por atenção e engajamento conversacional com um

único adulto144.”.

Um questionamento, nessa altura, parece-me profícuo: o direito à palavra e,

assim, a intervir não é de algum modo apagado ou negligenciado quando o aluno

não pode formular o que pretendia dizer? Nessa medida, a inscrição para a fala

parece ser pela professora tomada apenas como uma predisposição para participar

e não como um momento de externalização de dúvidas e/ou perspectivas?

Matencio (2001, p. 150-151), ao discutir as relações de lugares e papéis na

sala de aula, propõe que

[...] as intervenções dos alunos devem ser classificadas como orientadas para uma indicação em relação às informações e demandas do professor (suas respostas), podendo, ainda, representar uma solicitação de informações (suas perguntas) ou uma sugestão (suas apreciações com relação ao que é dito/estudado). (MATENCIO, 2001, p. 150-151).

Tendo em mente essas possibilidades de intervir, arroladas por Matencio,

poder-se-ia supor que o modo como a professora age (em situações como as

presentificadas no Exemplo 21) tem como (d)efeitos o apagamento da possibilidade 144 “[...] children vying for attention and conversational engagement with a single adult.”.

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de o aluno solicitar informações ao professor e propor sugestões? O que se deve

pesar em uma discussão sobre o direito à fala em sala de aula? A possibilidade de,

na realidade brasileira, o aluno, por meio de uma sobreposição de vozes, atacar o

turno, conseguindo, se não já materializar o que pretendia dizer, pelo menos

provocar uma momentânea interrupção (que leve, por exemplo, a um ajuste no foco

discursivo), na fala do professor, poderia ser nessa direção tematizada?

Por ora, essas questões estão sendo apenas levantadas, considerando-se o

modo como o objeto está sendo multifacetado. Para ser capaz de esboçar algumas

respostas a essas perguntas, será preciso somar outras cenas de salas de aulas e

refletir sobre “tipos” de alunos (reflexão desenvolvida no próximo capítulo).

4.3 O lugar e a natureza das participações em sala de aula

Considerando que “a principal razão para participar é a necessidade de

comunicação interpessoal” (BAPTISTA, 2002, p. 366) e que “[...] o uso da linguagem

é governado por normas culturais, subculturais e de contextos específicos145”

(GUMPERZ; GUMPERZ, 1982, p. 13), trago outras cenas do corpus para pensar

como as expectativas do que e de como seja adequado dizer reverberam no modo

como as participações são significadas e interpretadas pelos interactantes nos

grupos alemão e brasileiro.

À figura do professor (na função de adulto experiente e profissional do ensino)

atribuem-se institucionalmente as tarefas de ensinar um conjunto de conhecimentos

nacionalmente prescritos como curriculares, e de gerenciar a interação reconhecida

como aula, determinando “não apenas o que deve ser feito, mas como deve ser

feito.” (MATENCIO, 2001, p. 150).

No escopo do que Matencio (2001) se refere como o quê e como deve ser

feito , destaco o lugar central da participação discente, aqui considerada tanto

estruturalmente (o turno, o momento em que se emite uma mensagem), quanto

funcionalmente (uma posição frente ao que está sendo tematizado).

A partir do momento em que a participação do aluno é externalizada para

aqueles com quem se interage sabe-se se o dito é (ou não) uma contribuição, ou

seja, algo que deve ser pelos outros tomado/significado (tendo em vista, de um lado,

145 “[…] language usage is governed by culturally, subculturally, and context-specific norms.”.

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os objetivos pretendidos com a tarefa em andamento, seu lugar num dado

planejamento e, de outro, as expectativas interacionais do grupo) de modo a integrar

o texto em coconstrução.

Ao observar os modos como os interactantes (não)respondem ao que é pelo

outro enunciado, percebi que se pode falar em diferentes níveis de participação: as

efetivadas, as tentativas de participação, as entreparticipações e as participações

laterais.

Como participação efetivada foram considerados os momentos nos quais um

aluno se manifesta explicitamente para todo o grupo, ou seja, a participação se dá

não apenas no interior do enquadre interativo principal, como é ratificada pelo

professor que emite uma avaliação, conforme sinalizam os destaques nos exemplos

a seguir:

Exemplo 22 – A A2 16. L: sim isso se localiza no ano de mil e duzentos...bem notado ... Jo146 17. Joseph : e eu acho que lá....ãhm ((o aluno aponta o dedo))...lá:: ((o aluno se levanta e vai até o mapa no retroprojetor e aponta)) isso é a igreja P.147 18. L: sim ótimo ... as cruzes lá... significam a igreja P... bom ...148. (Professora e aluno alemães)149.

Exemplo 23 – B A1 P regente 138. P: NÃO GENTE não adianta SÓ olhar pra coluna roxa NÃO porque cê não vai ter noção não adianta...cê tem que olhar pra o que? 139. Lauanda : pro cronômetro 140. Glauber : pro número 141. P: pro NÚMERO que está ao lado, né? não adianta... então é não a resposta. (Professora e alunos brasileiros)150.

Exemplo 24 – B A2 P2 43. P: e:: nós vamos acompanhar com certeza né:? nos jorna:is... na TELEvisã::o pela interne:t... VÁRIOS é: eventos né? que vão acontecer em to::do país para LEMBRAR esse DIA e PARA CO-ME-MORAR esse dia...

146 “ja das ist im Jahr 1200…gut erkannt...Jo”. 147 “und ich glaub da ..ähm…da:: das ist die Pkirche”. 148 “ja prima …die Kreuze da ..stehen für die Pkirche …gut”. 149 Dados da pesquisa. Pesquisa de campo realizada na T Schule, em 16 de junho de 2010. 150 Dados da pesquisa. Pesquisa de campo realizada na EMBH, em 20 de outubro de 2010.

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né gente? e esse dia vinte ele tem que ser um dia não não é só de come-mo-ra-ção mas também de re-fle-xão e o que é que é refletir, cês sabem?... 44. Leandro : mostrar? 45. P: o que que é refletir?... 46. Lauanda : é PENsar? 47. Natã: pensar 48. P: é pensar né?... ENTÃO é um dia pra gente PEN-SAR né? (Professora e alunos brasileiros)151.

Ficou evidenciado que, em momentos de avaliação como esses, a professora

regente alemã tende a aderir a uma avaliação de natureza incentivadora e as

professoras brasileiras a repetir a resposta legitimada do aluno em seus dizeres.

Já para o expediente Tentativa de participação, foram analisados momentos

em que há a mostra de um querer participar, que não se concretiza porque o

professor não autoriza que o aluno diga o que pretendia dizer. Em situações como

essas, alunos geralmente concorrem à participação, vários se inscrevem para falar,

mas nem todos o conseguem, reverberando tentativas.

Nesse ponto, é curioso notar que o percentual de tentativas de participação é

alto na realidade alemã (39,4% e 50,6%), o que se explica pelo cumprimento da

regra disciplinar ‘inscrever-se para falar’. Opto por trazer aqui apenas um exemplo

do contexto alemão, porque outras cenas apresentadas ao longo do capítulo já

deflagraram de modo bisado esse aspecto.

Exemplo 25 – A A1 ((Jo pede a palavra levantando a mão. L olha para Jo e pisca para ele)) 26. L: então eu fiz uma folha de exercício... essa folha de exercício é uma super preparação para a prova... então faça muito bem...como deve ser feito...se concentre... se você não entender alguma coisa pe::rgunte para mim...152 ((Pa pede a palavra levantando a mão. Inscrevem-se ta mbém: K, Mi, De,Te)) 27. Joseph : a prova é então tão parecida?153 ((L olha para Pa e balança a cabaça em sinal positivo))

151 Dados da pesquisa. Pesquisa de campo realizada na EMBH, em 10 de novembro de 2010. 152 “also ich hab ein Übungsblatt gemacht… dieses Übungsblatt ist eine super Vorbereitung auf die Probe ..also macht es ganz gut ..ordentlich…konzentrier dich…wenn du irgendwas nicht verstehst fra::g mich…”. 153 “sieht die probe dann so ähnlich aus?”.

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28. L: deixa você se surpreender154. (Professora e alunos alemães)155.

No Brasil, há também, em menor escala (5,58%), quem se inscreva para falar

e aguarde a autorização do professor. Como não há uma regra explícita no grupo

brasileiro a ser obedecida, foi fácil perceber que o agenciamento desse mecanismo

de pedido da palavra se dá sempre pelos mesmos alunos, como Kelvin, o que pode

ser explicado por experiências interacionais desse sujeito no interior de outros

grupos.

Exemplo 26 – B A1 P regente Kelvin levanta a mão depois do turno 203 ((Yan e Kelvin continuam com a mão levantada)) 210. Márcia : ele tipo é:: vai ter que é::: medir na largura e (...) 211. Vinícius : ele vai ter que somar assim ó ((fazendo movimento apontando para a figura no livro)) 212. P: Mas com o que que ele vai ter que medir Márcia? ((Márcia fica olhando para baixo sem dizer)) 213. Natã: ((vira-se em direção à Márcia e diz)) com um lápis 214. Matheus : com uma trena ((fazendo o gesto que imita o uso do objeto)) ((Yan e Kelvin continuam com a mão levantada)) (...) ((Yan e Kelvin continuam com a mão levantada)) 219. Felipe Souza : ((dirigindo-se a Rafael)) já falou trena Zé ((boceja)) 220. Rafael : ((balança a cabeça em sinal negativo)) você tá dormindo ((Yan permanece com a mão levantada, mas agora já brinca com o seu dedo indicador apontado para o teto, brinca e por fim deixa a mão cair na mesa fazendo barulho)). (Professora e alunos brasileiros)156.

Exemplo 27 – B A2 P2 96. P: GEN-TE é pra sexta psi:u segunda feira eu não tenho aula aqui... é feriado... quinze de novembro né? o que que a gente comemora no dia quinze de novembro ((P faz sinal com a mão para ? esperar)) o que que a gente COMEMORA no dia quinze de noVEMBRO?...

154 “lass dich überraschen”. 155 Dados da pesquisa. Pesquisa de campo realizada na T Schule, em 09 de março de 2010. 156 Dados da pesquisa. Pesquisa de campo realizada na EMBH, em 20 de outubro de 2010.

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((Raul, Kelvin , Eduarda e Rebeca levantam a mão pedindo a palavra para responder)) 97. Vitor Nunes : mas é pra terça? 98. P: mas o que que a gente comemora no dia 15 de novembro? 99. Natã: é:: 100. Raul : PROCLAMAÇÃO DA 101. Yan: não faço a mínima ideia. (Professora e alunos brasileiros)157.

Na categoria Entreparticipação, foram arrolados momentos nos quais o aluno

chega a se posicionar, mas o seu dito é desconsiderado tanto pelo professor quanto

pelos colegas, o que revela uma postura do restante do grupo de cumprimento e

manutenção (e compartilhamento!) do código disciplinar158. Como registram os

Exemplos 28 e 29, é o mesmo aluno alemão, Giulio, que infringe a regra

conversacional de seu grupo, daí se pensar numa certa dificuldade desse sujeito, se

comparado aos comportamentos prototípicos de seus colegas, de se filiar ao código

disciplinar que parametriza as ações de seu grupo.

Exemplo 28 – A A1 ((Enquanto fala, L caminha em direção à mesinha com as atividades e diz para um grupo)): L: não você não deve escrever em cima [na ficha]... você vê que a resposta certa é...159 37. Giulio : pronto!160. (Professora alemã)161.

Exemplo 29 – A A2 05. L: sim... o cemitério é sempre nos arredores na igreja...então a K tem razão, quando as cruzes estão desenhadas...isso significa que pertence a uma igreja162 ((L olha para Ma concedendo-lhe a palavra)) 06. Mathias : eu acho ãhm... eu esqueci163

157 Dados da pesquisa. Pesquisa de campo realizada na EMBH, em 10 de novembro de 2010. 158 Esse importante aspecto da relação interpessoal é discutido no capítulo 5, seção 5.1.1. 159 “nein du sollst es nicht draufschreiben …siehst du dass es die richtige lösung ist…”. 160 “fertig!”. 161 Dados da pesquisa. Pesquisa de campo realizada na T Schule, em 16 de junho de 2010. 162 “ja …der Friedhof ist immer an der Kirche dran…also die K hat schon recht, wenn da Kreuze eingezeichnet sind …dann ist damit die Kirche gemeint…”. 163 “ich glaub ãhm…ich habe das vergessen”.

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155

((O aluno fala em se inscrever e tem sua fala desconsiderada)) 07. Giu : lá onde agora esta a floresta164 08. L: ontem vocês não receberam nenhum mapa165.(Professora e alunos alemães)166.

O percentual de ocorrência desses momentos na vierte Klasse B é pequeno

(5,2% e 5,4%), o que se deve à presença e à obediência de regras conversacionais

no contexto alemão. Já os alunos brasileiros, veem seus ditos sendo

recorrentemente desconsiderados (em 23,72% e 23,63%), como Felipe Souza, no

Exemplo 30, e Raul, no Exemplo 31:

Exemplo 30 – B A2 P2 54. P: e se a gente for olhar... procurar na nossa família, né? na nossa ORIgem né? na nossa árvore genealógica... a gente vai vê que muitas vezes lá::: no passado nós tivemos AL-guém que era NÉ-GRO... não é? às vezes você fala a:: meu AVÔ... meu bisaVÔ... 55. Felipe Souza : meu PAI professora! 56. P: então as vezes a gente fica aí discrimina::ndo né? com PRECONCEITO E NA HORA QUE A GENTE VAI VÊ procurar saBER lá:: no:: passado né? nós também viemos...né? nós temos essa origem é é é africana...dessa mistura de raças que aconteceu aqui no Brasil num é... (Professora e aluno brasileiros)167.

Exemplo 31 – B A1 P regente

84. P: trinta em Palmeira dos Índios... cinquenta em Maceió e:: cento e sessenta em Floriano... e no ano de 2004 olha a quantidade de chuva que teve... 85. Raul : nu:: ((interpretando o gráfico)) SEICENTOS e oitenta por aí... 86. P: ISSO por causa dos problemas que nós estamos vendo com a camada de ozônio, né gente?... a gente acha que isso é uma coisa que:: a::: isso é uma coisa que eles falam pra lá que não acontece perto da gente e ISSO influencia MUIto a quantidade de chu::va... a mudança nas estaçõ:es do ::ano... a mudança na TEMpereratura isso tudo é por causa dos problemas que a gente que nós estamos sen tendo com a camada de ozônio tá? 88. Raul : o Brasil não tem é:: 89. Yan: e aí o que se faz pra mudar isso? (Professora e alunos brasileiros)168.

164 “da wo jetzt der Wald ist…”. 165 “gestern habt ihr keine Karte bekommen…”. 166 Dados da pesquisa. Pesquisa de campo realizada na T Schule, em 16 de junho de 2010. 167 Dados da pesquisa. Pesquisa de campo realizada na EMBH, em 10 de novembro de 2010. 168 Dados da pesquisa. Pesquisa de campo realizada na EMBH, em 20 de outubro de 2010.

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Como última categoria, tem-se a Participação lateral, que reúne situações em

que um dado aluno fala, dirigindo-se a todo o grupo, e tem o seu dizer considerado

por um ou vários colegas. Aqui não estão incluídas microinterações, muito embora

possam ser a partir delas geradas.

No cenário alemão, não houve qualquer situação verbalmente materializada

que se enquadrasse nessa categoria, o grupo sabe que o esperado é que se volte a

atenção para o professor ou para quem tenha dele recebido a palavra. O índice de

participações laterais no grupo brasileiro é alto (24,65%), o que imprime um traço à

rotina conversacional desse grupo, que não se vê no alemão, a reação a um dizer

(como o de Leandro, no turno 72) já desconsiderado pelo professor:

Exemplo 32 – B A2 68. Leandro ((levantando a mão)): ô professora? assassinaram o Zumbi? 69. P: ZUMbi 70. Yan: professora como é que fala? ZU::M – BI? 71. P: zum-bi... então outra coisa é::: no dia:: 72. Leandro : mas ele morreu de que? 73. Rafael : Leandro? ele morreu de fragilidade 74. P: psiu... GENTE vocês sabiam que aqui no Brasil é OBRI-GA-TÓRIO é:: o ensino da cultura é: é: africana. (Professora e alunos brasileiros)169.

Brasil

45%

6%24%

25% Participação efetivada (A1)

Tentativa de participação (A2)

Entreparticipação (A3)

Participação lateral

169 Dados da pesquisa. Pesquisa de campo realizada na EMBH, em 10 de novembro de 2010.

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Alemanha

56%39%

5% 0%Participação efetivada

Tentativa de participação (A2)

Entreparticipação (A3)

Participação lateral

Figura 19 – Brasil / Alemanha Fonte: Elaborada pela autora

Investimentos analíticos dessa natureza iluminam facetas profícuas da

participação em sala de aula, levando-nos, por exemplo, a ponderações como as de

que:

a. alunos têm de fato “lugares e papéis definidos previamente, alunos devem

responder às demandas do professor, questioná-lo e apontar-lhe suas

dificuldades” (MATENCIO, 2001, p. 152), mas circunstâncias culturais

também atravessam esses direitos interacionais;

b. “[...] as sessões de distribuição da palavra em atividade com todo o grupo

não é o único mecanismo de distribuição de envolvimento do professor170”

(MERRITT,1982, p. 226), e talvez nem seja o mais importante;

c. a participação em sala de aula precisa ser estudada como um intricado

processo que subjaz à própria aprendizagem, já que influi na maneira

como o aluno significa e registra mnemonicamente suas experiências

(próprias, dos outros e coletivas) de sujeito da palavra, enquanto, tomada

de partido, mostra de posição, em termos mais amplos, de processos

interpretativos. Daí o investimento de professores em pedidos de

reformulação ou mesmo generalizações de dúvidas que partem de um

dado aluno;

d. visando à compreensão do que ocorre em sala de aula, nas mais diversas

instâncias, ou didáticas de ensino, é importante analisar o jogo discursivo

por meio do qual o professor gerencia as intervenções dos alunos,

170“[…] turn taking sessions of whole group activity is not the only mechanism for distributing teacher involvement.”.

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significando-as, integrando-as ou sinalizando sua impertinência ou

inadequação para o fluxo informativo em construção.

Acredito, também, que refletir sobre a natureza das participações em sala de

aula conduz a aspectos discursivos (como relações de poder, resistência a

convenções institucionais e rotinas conversacionais apre(e)ndidas em outros

espaços interacionais) que podem contribuir para se compreender melhor a

complexidade da interação social em sala de aula, a diversidade da aprendizagem e

desenvolvimento dos sujeitos e o papel central do professor (WILKINSON, 1982).

Há alunos que, em todo o período das observações em campo, nunca tiveram

seus nomes pronunciados pelas professoras, já que não se dispuseram a

falar/participar da interação e também nunca estiveram envolvidos em problemas

disciplinares (situações como essa são problematizadas adiante, na seção 5.1.1).

A sala de aula é um contexto comunicativo único que requer de seus

interactantes muito mais do que o conhecimento escolar/didático (aqui pensado

como regras e procedimentos para se comportar/falar de modo socialmente

adequado) para nela se participar efetivamente.

É urgente que se reflita, e cada vez mais, sobre nossas identidades, ou seja,

“sobre quem somos ou sentimos que somos na vida em sociedade” (OLIVEIRA;

Bastos, 2001, p. 162 apud BAPTISTA, 2002, p. 366), o que implica considerar que

nossas identidades são construídas localmente e processualmente:

O desenvolvimento da posição social em uma identidade de posição – em disposições para externalizar opiniões ou para silenciar alguém, ao participar de atividades ou abster-se e se autocensurar, dependendo da instituição social – surge a longo prazo, no curso da interação social. Identidades relacionais são encenadas publicamente através de sinais perceptíveis171. (HOLLAND et al.,1998, p. 137-138).

As posições que os alunos ocupam na sala de aula (lugar de destaque, dado

ao modo, por exemplo, como participam de maneira socialmente aceita e esperada

em sala de aula ou, em um outro extremo, dada a timidez, de alguém que nunca

171 “The development of social position into a positional identity – into dispositions to voice opinions or to silence oneself, to enter into activities or to refrain and self-censor, depending on the social institution – comes over the long term, in the course of social interaction. Relational identities are publicy performed through perceptible signs.”.

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arrisca a participar ou mesmo solicitar a palavra) estariam motivadas pelo quê? Ou

seja, que tipos de fatores poderiam explicar essas diferenças?

O que o professor faz (ou é capaz de fazer), em sala de aula, por meio da

palavra, recobre pelo menos duas dimensões relativas ao desenvolvimento cognitivo

dos alunos. A primeira diz respeito aos conteúdos (conquistas das gerações

precedentes) a serem apresentados para os alunos e por eles apropriados. A

segunda dimensão, por sua vez, relaciona-se ao modo como o professor

operacionaliza essa apresentação de conteúdos por meio de relações de

socialização.

Da combinação das duas dimensões emerge para cada sujeito discente uma

dada imagem, sempre movente, de que “tipo” de aluno ele seja, que vai sendo

diariamente (re)construído e (re)projetado no imaginário social do grupo, da turma.

Tal representação se molda e (re)molda não apenas a partir do modo como esse

sujeito compreende e significa suas ações, mas também em função das pistas

dadas pelos outros sujeitos sobre o modo como suas ações estão sendo

interpretadas. É como um reduto para a construção identitária de aluno que a sala

de aula está sendo aqui pensada.

Curvo-me, assim, no próximo capítulo, às particularidades de cada sala de

aula, pensadas não como a simples parte pela parte, mas a parte como índice do

todo172. Da reunião de partes (cenas!) das duas salas de aulas, intenciono a

montagem de um mosaico (um documentário uno!) da interação em sala de aula.

172 Um fractal parece sugerir o alcance dessa afirmação: cada ínfima área de um fractal contém não só o fractal como um todo, mas reflete (na medida em que imageticamente se abre, reporta) a totalidade e, ao mesmo tempo, qualquer singularidade que esteja contida nesse fractal.

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5. LINGUAGEM, CULTURA E SOCIEDADE: FATORES PARA SE

COMPREENDER A CONSTRUÇÃO IDENTITÁRIA E O USO DA PAL AVRA EM

SALA DE AULA

Vários são os questionamentos formulados no capítulo precedente sobre a

convivência intersubjetiva identitariamente assegurada da/na sala de aula, aos quais

busco neste capítulo responder.

Abro a seção 5.1 apresentando indícios em que me baseei para o

esquadrinhamento de modos de agir semelhantes compartilhados por alunos no

interior de cada turma e entre as turmas, respeitadas as restrições da cultura escolar

a que integram, para trabalhar com a hipótese de que as posições assumidas pelos

alunos em torno da palavra deflagram a construção da carreira de aluno em curso.

Na seção 5.2, apresento aspectos históricos, culturais e linguísticos das

sociedades alemã e brasileira, desenvolvendo a argumentação de que a diferença

nos comportamentos dos sujeitos (quanto aos modos como eles se colocam

enunciativamente como alunos e professoras) reflete e refrata interações

descortinadas também em outros espaços organizacionais que não a escola.

O capítulo é finalizado na seção 5.3 com a explicitação do que penso terem

sido os aspectos contemplados ao longo deste capítulo e no capítulo anterior

relacionados às dimensões didática e discursiva da interação (MATENCIO, 2001),

seguida de algumas conclusões sobre os limites das análises empreendidas e dos

percalços encontrados.

5.1 Processos de identificação entre alunos na sala de aula

Observar como cada um dos 26 alunos da vierte Klasse B e da sala 17 agiu e

reagiu à palavra tematizada no foco interacional principal, conduziu-me a perceber

certos detalhes da convivência intersubjetiva de que há mais semelhanças entre os

dois grupos do que a princípio pude ver. Esse é, portanto, um dos focos

argumentativos das análises aqui desenvolvidas.

Durante o percurso de análise, ficou evidente que há regularidades no modo

como cada aluno participa da rotina interacional de um grupo, o que deixa pressupor

que:

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a. nem todos os alunos se comportam do mesmo modo;

b. essas regularidades não são exclusivas a um indivíduo;

c. tais regularidades concorrem para a reprodução de um dado padrão de

comportamento discente;

d. há estereótipos e expectativas institucionais da cultura da escola

(reguladores dos processos de identificação entre os sujeitos e seus

propósitos) que se sobrepõem às restrições da cultura escolar dos

grupos.

O primeiro passo analítico foi traçar regularidades nos comportamentos de

cada sujeito em torno da palavra173. Em seguida, agrupei os alunos de cada turma

que guardavam mais semelhanças nesses modos de se comportar para, então,

formar grupos compostos por alunos das duas realidades de ensino. Para que esse

último movimento pudesse ser efetivado, generalizei174 os traços distintivos dos

agrupamentos intraturma, chegando a cinco diferentes e regulares modos de se

posicionar em sala de aula, são eles:

a. Grupo 1 – alunos que se mantêm em silêncio;

b. Grupo 2 – alunos que falam muito em sala de aula;

c. Grupo 3 – alunos que demonstram querer falar, mas não falam;

d. Grupo 4 – alunos que falam pouco e sempre no interior do

enquadramento principal;

e. Grupo 5 – alunos que dão pistas frequentes de desatenção, não ficando

necessariamente em silêncio.

Esses cinco grupos, como demonstro na sequência, contemplaram os modos

regulares de agir de 19 alunos do grupo alemão e, coincidentemente, de 19 alunos

do grupo brasileiro, o que orienta o reagrupamento de uma parcela considerável dos

alunos: 73% de cada grupo. 173 Para isso, acompanhei os comportamentos descortinados de cada aluno por vez: i) ao longo de uma aula; ii) depois de todo um dia de aulas; e, por fim, iii) reconhecendo essa regularidade de comportamento desse sujeito nas duas aulas que integram o corpus. 174 Como exemplo dessa generalização, considere-se que registro ‘Fala’ – em ‘alunos que falam muito’ ou ‘que se mantem em silêncio’ nos grupos 1 e 2 – sem esclarecer se se trata de uma participação que ocorre no enquadramento principal ou em uma microinteração. Esses usos amplos foram necessários e produtivos, como demonstro adiante, para que aproximações e afastamentos entre as rotinas interacionais dos grupos pudessem ser traçados.

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162

A partir de cenas das salas de aulas, recupero o percurso analítico realizado

que levou a esses cinco grandes grupos. Como demonstro, embora se possa falar

em movimentos assemelhados nos modos como os alunos constroem-se

identitariamente como falantes e ouvintes, há traços culturais das relações

interpessoais e interinstitucionais estabelecidas entre as professoras e os alunos nos

dois contextos.

Após o esclarecimento dos traços distintivos que levaram a cada um dos

cinco agrupamentos e de alguns dados contextuais, segue uma análise do valor

indicial desses dados, tendo em vista a noção de carreira de aluno.

5.1.1 Agrupamento1

Os alunos cujos nomes estão registrados nas Figuras 14 e 15 não falaram

sequer uma vez nas aulas encenadas ao longo dos períodos de observação em

campo, de modo que não há como exemplificar suas participações por meio de

cenas da sala de aula.

– A – A – – A – A – – A – A – – Levin – A – – A – A – – A – A – – A – A – – Nina – A – – A – Armina – – A – A – – A – A – – A – A – – A – Elisa –

Figura 14 − Alunos e(m) silêncio no contexto alemão

Fonte: Elaborada pela autora

– A – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – Mylena – – A – – A – – A – – Ana – – A – – A – – A –

– Luís – – A – – Mariana S – Izabela – A – – A – – A – – A –

Figura 15 − Alunos e(m) silêncio no contexto brasil eiro

Fonte: Elaborada pela autora

A participação desses alunos na rotina interacional dos grupos é bastante

particular porque eles se mantêm na posição de ouvintes, não se candidatando à

participação, nem se envolvendo em qualquer situação disciplinar que demandasse

que a professora dirigisse-lhes a palavra. Esses alunos não participam como

falantes nem do enquadramento principal, nem de microinterações.

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Para que me fosse possível conhecer o timbre de voz desses alunos, precisei

dirigir-lhes a palavra de modo a provocar a verbalização de respostas em momentos

como recreio, entrada ou saída da escola. As respostas desses sujeitos aos

questionários são o único registro de seus posicionamentos verbalizados.

5.1.2 Agrupamento 2

Dando continuidade aos reagrupamentos, demarquei os alunos que

manifestavam o comportamento oposto aos do primeiro grupo. As vozes desses

sujeitos ecoaram muito e frequentemente em sala de aula. Os seus nomes recorrem

nas transcrições e já tive a oportunidade de observar seus comportamentos em

diversas cenas analisadas nos capítulos anteriores.

– Thaís – – Vítor N – – Felipe L – – Lauanda – – A – – Vinícius – – A – – A – – A – – A – – Rafael – – A – – A – – A – – A –

– A – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – Raul –

Figura 16 − Alunos brasileiros que falam muito em s ala de aula

Fonte: Elaborada pela autora

– A – A – – A – A – – Keith – A – – A – Mathias – – A – A – – A – Simon – – A – A – – A – A – – A – Joseph – – A – A – – A – A – – A – A – – A – A –

Figura 17 − Alunos alemães que falam muito em sala de aula

Fonte: Elaborada pela autora

Nesse agrupamento, há dados contextuais que permitem afirmar que os

quatro alunos alemães podem ser chamados de participativos, na acepção mais

tradicional do termo, isto é, aqueles que respondem às demandas da professora, ou

participam do enquadramento principal, e o fazem, predominantemente, apoiando-se

no modo de fazer socialmente adequado à rotina do grupo, depois da inscrição e

distribuição da palavra pela professora.

Há, entretanto, especificidades dos selves desses alunos que não podem ser

negligenciadas. Consideremos os Exemplos 33 e 34:

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Exemplo 33 – A A2 ((Simon está com a mão levantada)) 12. L: este caminho aqui...daqui a aqui ((apontando no mapa)) isso é a rua de lojas de compras da praça M até praça X até S ((L olha para Si, concedendo-lhe a palavra))175 ((Joseph está com a mão levantada)) 13. Simon : eu tenho uma pergunta: por que tem lá em cima uma cruz?176 ((Joseph levanta a mão)) 14. L: essa? ((apontando no mapa. Simon balança a cabeça em sinal positivo)) você já vai ver... Joseph177.(Professora e aluno alemães)178.

Exemplo 34 – A A2 ((Simon levanta a mão)) 37. L: vocês dois estão cobertos de razão. O problema foi certamente isso... as pessoas... elas viviam todas na frente da cidade... fora do muro da cidade... isso então deu logo mais problemas... Simon179 ((Mathias levanta a mão)) ((Keith e Joseph levantam a mão)) 38.Simon : eu queria180 ((Joseph continua com a mão levantada)) 39. L: não... isso dá mais problemas. Mathias181 ((Joseph continua com a mão levantada)) 40.Mathias : ((incompreensível)) ((Joseph continua com a mão levantada)) 41. L: ALto!182. (Professora e alunos alemães)183.

Comecemos atendo-nos aos comportamentos de Simon que, nos turnos 13

(Exemplo 33) e 38 (Exemplo 34), posiciona-se discursivamente como um aluno

autônomo, já que demonstra não apenas um querer saber (como fruto de uma

175 “dieser Weg hier…von hier bis hier…das ist die Einkaufsstrasse vom Mplatz bis zum S”. 176 “ich hab eine Frage: wieso ist da oben so ein Kreuz? ”. 177 “das?… siehstdugleich... Joseph”. 178 Dados da pesquisa. Pesquisa de campo realizada na T Schule, em 16 de junho de 2010. 179 “ihr beide habt vollkommen recht. Das Problem war es natürlich…die Leute die lebten alle vor der Stadt…. außerhalb der Stadtmauer….da gabs dann gleich mehre Probleme…Simon”. 180 “ichwollte”. 181 “nein…da gabs mehrere probleme. Mathias”. 182 “LAut! ”. 183 Dados da pesquisa. Pesquisa de campo realizada na T Schule, em 16 de junho de 2010.

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recepção passiva das informações apresentadas pela professora ou de respostas às

perguntas de L no interior de uma sequência canônica da sala de aula convencional

de Iniciação, Resposta e Avaliação − IRA184), mas uma capacidade de formular

solicitações de esclarecimentos à professora que façam sentido para ele, para o

processo de interiorização dele. Mesmo não tendo suas demandas atendidas pela

professora, o fato de formulá-las, ou de tentar fazê-lo, leva à hipótese de uma

autopercepção subjetiva diferenciada quanto à natureza de seus direitos

interacionais.

Já o aluno Mathias, como vimos em outros exemplos no capítulo anterior,

embora tão participativo quanto Simon, age predominantemente como um aluno que

desempenha a função de “controlador de resposta” dos exercícios corrigidos

coletivamente ou que responde a perguntas da professora na sequência IRA com

enunciados curtos. Mathias não se mostra ainda tão confiante quanto Simon na

elaboração de suas próprias questões, o que pode ser observado no modo como

toma a palavra no turno 40 do Exemplo 34.

O tom baixo de voz (o que não é característico do self desse aluno, daí L ter

respondido, no turno 41, com certa irritação, sinalizada no seu tom mais alto de voz)

mostra uma dificuldade de Mathias para se expor para todo o grupo quando munido

de propósitos semelhantes ao de Simon.

Essas especificidades do agrupamento 2 que escolhi exemplificar a partir de

comportamentos de Simon e Mathias podem ser visualizadas mais facilmente no

grupo brasileiro.

A posição no mapa de sala dos alunos brasileiros que integram esse grupo já

é bastante ilustrativa. A professora regente institui esses lugares como postura de

reprimenda para o comportamento desses alunos. A docente, assim, marca o

pressuposto de que, embora as participações façam parte da dinâmica interacional

de que a aula é resultado, há aspectos no modo como esses alunos encenam

comportamentos que ela julga inadequados.

Um desses aspectos desvalorizados pela professora já foi bastante ilustrado

na seção 4.1 (alunos que integram esse grupo, como Thaís, Rafael e Vinícius,

dirigem frequentemente a palavra a outros alunos fora do enquadramento principal).

184 Iniciação, Resposta e Avaliação (IRA) é um modus operande conhecido por Sinclair e Coulthard (1975) como prototípico da interação em sala de aula. Uma espécie de sequência previsível em que o professor inicia uma troca, por meio de um pedido de esclarecimento, ao que responde o aluno, sendo essa resposta avaliada, em seguida, pelo professor.

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Por essa razão, opto, aqui, pelo acompanhamento de comportamentos de Raul ao

longo de uma mesma aula e da apresentação de particularidades do self de Rafael

marcantes no grupo ainda não delineadas.

O lugar destinado a Raul no mapa de sala, última carteira da fileira da parede

oposta onde se assenta a professora, não é também aleatório. Raul mostrou-se, ao

longo do período de convivência em campo, ser um aluno extremamente atento a

tudo o que é tematizado no enquadramento principal, tanto nas aulas da professora

regente quanto da professora Fátima.

O aluno raramente se envolve em microinterações desvinculadas ao que é

tema no enquadramento principal. Sendo assim, tendo em vista a rotina

conversacional do grupo, o que seria problemático nesse modo regular de agir

desse aluno? Acompanhemos as principais características de Raul a partir de

algumas cenas:

Exemplo 35 – B A2 P2 1. P: tem alguém que está com livro de hisTÓRIA?... 2. Raul : profe / o dever... (...) 8. P: não? ninguém está? ((Raul se levanta e vai mostrar o caderno para P)) pode levar lá pra mim ((se dirigindo a Raul)) 9. Raul : não... não é isso não...eu queria mostrar pra senhora esse exercício aqui ó ((mostrando para o caderno)) que a senhora pediu aquele dia e não corrigiu 10.P: unrum... o::lha gente... psiu... é:: hoje nós vamos falar um pouquinho sobre o dia NACIONAL da consciência negra. (Professora e aluno brasileiros)185.

Raul é um aluno exigente, que cobra das professoras o cumprimento daquilo

que elas solicitam ao grupo. No início da aula, no turno 2 do Exemplo 35, ele já tenta

sinalizar à P que ele não se esqueceu do dever de casa demandado na aula

anterior. Como o aluno não obtém a atenção de P, ele reformula sua demanda no

turno 9, de modo a garantir que a professora o tenha ouvido, o que P confirma no

início do turno 10 (unrum...). Essa confirmação satisfaz por algum tempo Raul que,

185 Dados da pesquisa. Pesquisa de campo realizada na EMBH, em 10 de novembro de 2010.

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mais ao final da aula, no turno 116 do Exemplo 36, reapresenta sua demanda à

professora:

Exemplo 36 – B A2 P 2 115. Raul : professora? ô professora ((Raul levanta e chama P, que demora um pouco olhando o caderno de Yan e vai até Raul)) ((P continua verificando os cadernos pela sala)) Raul : professora...fessora.. [tem o dever] ((Raul levanta mão e P vai até ele, P balança a cabeça em sinal positivo)) ((Um grande grupo de alunos conversa)) ((Durante 2 minutos, P circula pela sala verificando os cadernos)) P: QUEM já respondeu gente?... a pergunta? (Professora e aluno brasileiros)186.

Em conversa com a professora Andréia (responsável pelo mapa de sala)

sobre o perfil da turma, cheguei à conclusão de que a professora regente se sente,

por vezes, incomodada com a insistência e cobranças realizadas por Raul. A

professora externalizou que o aluno tenta chamar a atenção dela para si, o que a

irrita. Assim, se ele assentasse mais à frente, como ponderou a professora, “eu

correria o risco de dar aula só para ele”.

Raul, além de persistente em suas colocações, é um aluno que polemiza os

dizeres das professoras, atentando-se para a imprecisão de suas instruções (como

se vê no turno 33 do Exemplo a seguir) e sinalizando quando não concorda com a

argumentação delas (turno 53 do Exemplo 38):

Exemplo 37 – B A2 P2 31. P: cri:me né? MESMO ASSIM essa discriminação ainda vem ACONtecendo... né? agora a gente vai falar um pouquinho sobre esse dia... da consciência negra e porque que ele surgiu, tá? ((P vira-se imediatamente para o quadro e começa a escrever)) 32. Yan: ahh tá 33.Raul : uai professora é falar... não é escrever ((Eduarda olha para Raul e ri))

186 Dados da pesquisa. Pesquisa de campo realizada na EMBH, em 10 de novembro de 2010.

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168

((P se vira e começa a escrever no quadro o que se lê abaixo)) “No Dia 20 de novembro, comemoramos o Dia da Consciência Negra. Em todo o país acontecem eventos que lembram a história dos negros, falam da importância da cultura dos povos africanos e da importância deles em nossa sociedade [...]”. (Professora e alunos brasileiros)187.

Exemplo 38 – B A2 P 2 52. P: e o que precisa ser FEITO né? PRA MELhorar isso... pra melhorar a qualidade de vi::da... pra MELHOrar o ACEsso às UNIVERSIdades... é:: pra melhorar é:: a questão do traBAlho emPREgo RESpeito não é isso? então é um momento de REFLEXÃO em que a gente precisa pensar em ME-DIDAS né? que vão fa-vo-re-cer... a melhoRIA né? desse nosso pa conví::vio é:::: da sociedade COM os NEgros... não é isso? e isso não é só::: nu nu aqui na escola me:smo... né? às vezes a gente observa aqui na PRÓ:pria escola... na SA:LA né? que... que exi:ste às vezes uma falta de respeito com o colega que é né:gro...a a professora que é né:gra... com ao funCIOnário que é né::gro não é? no nosso ba:irro até o no:sso vizi:nho então às vezes a gente pensa que essas coisas só acontecem lá:: na televisão...é:: só o que aparece na televisão que é importante né? 53. Raul : mais é uê [é isso que as pessoa presta atenção]! 54. P: e às vezes a gente esquece que o NOSSO conVÍvio né? no nos grupos que a gente partiCIpa seja na Escola no futeBO:U na IGREja né? Com o vizi:nho né? (Professora e aluno brasileiros)188.

Raul e Rafael tendem a se posicionar por vezes de modo bastante reflexivo,

mostrando uma espécie de maturidade cognitiva que parece se instanciar em

conhecimentos construídos a partir de outras situações discursivas. Acompanhemos

o que faz Rafael no turno 75 (Exemplo 39) e Raul no turno 35 (Exemplo 40):

Exemplo 39 – B A2 P2 74. P: psiu... GENTE vocês sabiam que aqui no Brasil é OBRI-GA-TÓRIO é:: o ensino da cultura é: é: africana 75.Rafael : afrodescendente 76. P: é obrigatório o ensino da cultura:: 77. Rafael : afroDESCENDENTE ((com tom de quem parece corrigir a professora)) 78. P: é..é:: cultura africana... ... (Professora e aluno brasileiros)189.

Exemplo 40 – B A2 P2 35. Raul : professora?

187 Dados da pesquisa. Pesquisa de campo realizada na EMBH, em 10 de novembro de 2010. 188 Dados da pesquisa. Pesquisa de campo realizada na EMBH, em 10 de novembro de 2010. 189 Dados da pesquisa. Pesquisa de campo realizada na EMBH, em 10 de novembro de 2010.

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((P não olha, continua virada para o quadro escrevendo)) hoje que é o dia da consciência negra? Ana Luíza : não não Raul : devia ser todo o dia ((Eduarda se vira para o colega)). (Alunos brasileiros)190.

As professoras, contudo, não costumam reagir a esses posicionamentos.

Como se nota, aqui, o dito desses alunos é ignorado, o que não os faz calar.

Observe-se que Rafael, no turno 77, insiste, buscando, mais uma vez (como

pleiteado no turno 75), engajamento na interação principal. Já a fala de Raul, no

Exemplo 40, é desconsiderada pela professora, mas não pela colega Ana Luíza. A

desconsideração por parte da professora das falas desses dois alunos

(comportamento recorrentes em outros momentos da aula, como registrado no diário

de campo) permite que se tematize sobre uma dificuldade de aceitar as intervenções

deles como contribuições para o tópico em desenvolvimento.

Por outro lado, nesses modos de participação de Raul e Rafael encontramos

traços de que eles querem sinalizar que também são sujeitos do conhecimento e

têm opiniões, o que lhes asseguraria o direito à palavra. Ao ignorar o que esses

alunos dizem, Fátima – por não incorporar a fala de Rafael (nos turnos 75 e 77) à

sua fala (materializada no turno 78), ou por não se posicionar como falante (no

Exemplo 40) – não estabelece uma troca dialogal com eles. Rafael, por exemplo,

permite-se responder, no turno 73, Exemplo 41, a uma demanda de Leandro (turno

68) endereçada à professora, e ainda o faz com senso de humor e buscando

ratificação da professora:

Exemplo 41 – B A2 P 2 68. Leandro ((levantando a mão)): ô professora? assassinaram o Zumbi? 69. P: ZUMbi ((Eduarda abaixa a mão)) 70. Yan: professora como é que fala? ZU::M – BI 71. P: zum-bi... então outra coisa é::: no dia:: 72. Leandro : mas ele morreu de quê?

190 Dados da pesquisa. Pesquisa de campo realizada na EMBH, em 10 de novembro de 2010.

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73. Rafael : Leandro? ele morreu de fragilidade, não é professora? (Professora e alunos brasileiros)191.

Fica clara a necessidade de alguns alunos, como Rafael e Raul, de se

engajarem à interação principal, de modo a considerar as contribuições de outros

alunos e buscar engajamento no foco principal por meio da validação de seus ditos

pela professora.

5.1.3 Agrupamento 3

Aqui, estão identificados os alunos cujo padrão de comportamento foi

especialmente192 observado durante as pesquisas de campo: aqueles que,

recorrentemente, demonstravam, de maneira não verbal, quererem falar, mas que

não chegavam a falar, porque, como o período de observação comprovou, esses

alunos não se arriscavam a tomar a palavra, apenas o faziam após concessão e,

consequentemente, distribuição da palavra pelas professoras. Essas situações

foram, como se viu, mais frequentes na sala de aula alemã.

Assim, embora os alunos não façam uso da palavra externalizada, há uma

grande diferença entre eles e aqueles alunos que integram o agrupamento 1, pois os

alunos cujos nomes estão arrolados nas Figuras 18 e 19 demonstraram, de modo

não verbal, um desejo de se engajarem à interação principal como falantes, não

agenciado pelos alunos do agrupamento 1

– A – A – – A – A – – A – A – – A – A – – Luis – A – – A – A – – A – Juliana – – A – Hannah – – A – A – – A – A – – A – Secde – – A – A – – A – A –

Figura 18 − Alunos alemães aos quais a palavra não foi concedida durante o período de

observação em campo Fonte: Elaborada pela autora

191 Dados da pesquisa. Pesquisa de campo realizada na EMBH, em 10 de novembro de 2010. 192 A metodologia desenvolvida para a notação das ações não verbais no contexto alemão dá pistas sobre o uso de “especialmente”. Além disso, como pontuo adiante, na seção 5.2, as posições desses alunos com vistas ao funcionamento da palavra em sala de aula são para mim bastante caras.

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– A – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A –

– Kelvin – – A – – A –

Figura 19 − Alunos brasileiros aos quais a palavra não foi concedida durante o período de observação em campo

Fonte: Elaborada pela autora

As razões que levaram as professoras a não distribuir a palavra para esses

sujeitos parecem-me ser diferentes nas duas realidades de ensino. Prevejo, em

função de minha convivência com o grupo alemão, que diversos fatores

influenciaram as decisões de Frau Müller. Hannah é uma aluna muito tímida que, ao

se candidatar à palavra, não estabelece contato visual com a professora: levanta a

mão e, nesses momentos, mantém a cabeça baixa e o olhar voltado para o caderno.

Acrescente-se a isso o fato de Hannah ser uma das alunas com melhores médias da

turma. Ao final da pesquisa de campo, sua ida para o Gymnasium já era atestada

pelo seu histórico escolar antes mesmo de o fechamento do boletim.

O agenciamento da palavra realizado por Frau Müller (levando em

consideração apenas seu efeito sobre os integrantes do agrupamento em exame)

sugere193 que há certos traços identitários nos perfis dos sujeitos que interferem em

suas escolhas quanto à distribuição da palavra, como: i) alunos muito bons só

recebem a palavra se forem bastante insistentes (como Joseph e Simon, que

integram o agrupamento 2), o que não é traço dos selves de Hannah e de outros

alunos alemães que com ela integram o agrupamento 3; e ii) alunos que, ao longo

de todo o ano letivo, mantiveram médias baixas ou regulares, ficaram atrelados a

uma carreira de aluno “estagnada”, ou seja, sem projeções ou declínios (como é o

caso de Luis, Juliana e Secde), e, normalmente, não tinham seus pedidos de

participação atendidos, visto que a palavra não era a eles concedida.

No entanto, como no grupo brasileiro os alunos tendem a se posicionar sem

se inscrever, parece ser, por vezes, complicado para as professoras ceder a palavra

a quem a solicita de modo tradicional (levantando a mão e aguardando). Nesses 193 A análise que faço aqui deixa entrever que o agenciamento da palavra materializa a partir de uma espécie de ligação em rede que permite que vejamos (a depender do agrupamento identitário de aluno que enquadra o nosso olhar) umas ou outras das operações discursivas (endereçamento, tomada, distribuição, cassação, manutenção, concessão da palavra) encadeadoras e sustentadoras do agenciamento da palavra. Essa argumentação retomo à frente. Por ora, convido o leitor a atentar-se para o que os exemplos trazidos nesses agrupamentos parecem informar em termos das aproximações e/ou afastamentos que as operações discursivas guardam entre si.

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casos, no contexto interacional da sala 17, parece ser menos eficiente persistir,

como os alunos do grupo alemão. Os alunos brasileiros precisam demonstrar

descontentamento no fato de o professor não lhes ceder a palavra. É assim, por

exemplo, que alunos como Lorrayne, que também se inscrevem para falar, obtém o

direito à palavra (Cf. Exemplo 42 adiante).

5.1.4 Agrupamento 4

No agrupamento 4, vemos os alunos que raramente falavam em sala de aula

e que, quando o faziam, materializavam seus dizeres necessariamente no interior do

enquadramento principal da interação. São eles:

– A – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – Márcia – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – Lorrayne – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A –

Figura 20 − Alunos brasileiros cujas vozes foram ra ramente ouvidas no período de observação

em campo Fonte: Elaborada pela autora

– A – A – – A – A – – A – A – – A – A – – A – A – – A – A – – A – A – – A – A – – A – A – – Dennis – A – – A – A – – A – A – – Funda – A –

– A – A – – A – A – – Marie – A –

Figura 21 − Alunos alemães cujas vozes foram rarame nte ouvidas no período de observação em campo

Fonte: Elaborada pela autora

O fato de um aluno candidatar-se pouco à palavra parece influenciar as

decisões das professoras das duas realidades de ensino, orientando-as a

oportunizar a palavra a esses sujeitos nessas ocasiões, o que pode ser lido como

uma espécie de imagem de seus trabalhos interacionais compartilhada por elas.

Traços do modo como Funda, Marie (alunas do grupo alemão que lutam por

uma melhoria de suas médias para que consigam ingressar na Realschule) e Dennis

(que vem lentamente dando pistas de que conseguirá o aumento de suas médias

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para que concorra ao Gymnasium) vêm construindo suas carreiras de alunos

parecem também influenciar as decisões da professora.

Quanto à Márcia e Lorrayne (alunas com notas medianas194 no grupo

brasileiro), pode-se dizer que um traço do self de Lorrayne ser reclamona195 e

insistente (como anunciei ao final da discussão do agrupamento 3) faz, por vezes, a

diferença nos momentos em que a aluna concorre à palavra, como registra o

Exemplo 42.

Aqui, foi necessário recorrer a uma sequência discursiva maior a fim de

garantir uma relativa visualização do tempo (marcada pela troca de turnos), em que

a aluna persiste com a mão levantada até que reclama, próximo ao turno 145,

conseguindo dizer o que pretendia no turno 150:

Exemplo 42 – B A1 P regente ((Lorrayne levanta a mão pedindo a palavra)) 126. P: teve uma cidade lá no:: 127. Lauanda : contagem 128. P: no Nordeste: é hora disso Leandro? mas não é hora disso...tem uma cidade lá no Nordeste do Brasil que ela foi [TOTALMENTE DESTRUÍDA pela chuva]... Felipe Lima : [an-ranan-rananran] Raul : [a:: já sei] ((Lorrayne continua com a mão levantada pedindo a palavra, mas agora começa a balançar a mão)) 128. P: então as pessoas perderam até [a identidade por quê?] Eduarda : [eu coloquei inundações] 129. Lauanda : por causa das inundações Raul : Lauanda? ((chama sussurrando)) 130. P: porque o carTÓrio da cidade foi COMPLETAMENTE destruído pela chuva...então lá: no cartório é que ficam guardadas as CERTIdõ::es de NAScimento... né? os registros das pessoas e isso foi co::mpletamente destruído.... então a cidade pra ser reconstruída ai::nda está sendo reconstruída... ela é: teve que chamar pessoa por pessoa pra poder saber porque tem muita gente que é muito humilde e: tem gente lá que não sabe o

194 O lugar e a importância que os grupos atribuem às notas, ou seja, aos sistemas avaliativos da escola serão considerados adiante, na seção 5.3, tendo em vista a arquitetura dos dois sistemas de ensino. 195 Em um momento da observação em campo, Andréia externalizou para todo o grupo especificidades dos alunos, o que registrei em diário de campo.

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dia que nasceu então eles fazem um cálculo mais ou menos... então assim... é muito complicado isso...porque a pessoa perde o documento certidão de nascimento certidão de casamento 131. Raul : professora? 132. P: aí: 133. Raul : acho que foi em dois mil e oito que teve lá dentro em São João da Lavrinha ((Mariana Brandão levanta a mão)) 134. Yan: inventa história não Zé ((virando para trás e olhando para Raul)) 135. Felipe Lima : não... é verdade...eu (...) 136. P: ENTÃO ASSIM as chuvas causam MUITO prejuízo é assim é muito bom? é mas não o excesso que aconteceu nessas cidades aqui 137. Felipe Souza : igual ano passado eu acho 138.Felipe Lima : professora que nem eu vi no jornal passando o cara pegou a corrente e amarrou o carro dele porque a enchente tava levando ele ((Mariana Brandão abaixa a mão)) 139. Ítalo : como é que é? ((dirigindo-se a Felipe Lima)) 140. P: isso é perigosíssimo né gente... as pessoas perdem a vida assi:m 141. Yan: pegou o quê? 142. Thaís ((levanta a cabeça, retira o corpo do assento da carteira e dirige o corpo na direção em que está sentado Yan)): pegou a corrente amarrou o carro e (...) ((Lorrayne mantém a mão levantada)) 143. P: ISSO é muito sério PÁGINA CENTO E OITENTA E CINCO... ((Lorrayne já segura o braço com a outra mão, abaixa o braço e faz cara de descontentamento e emite a vocalização “a:::” enquanto balança a cabeça em sinal negativo)) P: Lorrayne você quer falar? ((Mariana Brandão levanta a mão novamente)) ((Natã levanta a mão e aguarda)) 144. Lorrayne : não é que:: 145. P: psiu...PERA aí que a Lorrayne tá falando... Vitor a LoRRAINE ... PEdiu a VEZ ela levantou a MÃO... pode falar LORRAIne 146. Lorrayne : [incompreensível]

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147. P: PERA AÍ Lorrayne porque o Vitor Nunes não conseguiu me entender... pronto Vitor Nunes? ((Natã abaixa a mão e em seguida o Yan levanta a mão)) 148. Vitor Nunes : ((entre os dentes e balançando lentamente e sorrindo)) pode ir... tô de bobs196 professora ((diz entre os dentes)) 149. P: pode falar Lorraiyne 150. Lorrayne : é porque pode causar doenças também 151.P: DOENÇAS também ...pode causar...por quê? porque a urina do rato que se mistura com a água... pode causar leptospirose, muitos ví:rus bacté:rias... por que? porque a água se mistura com o esgoto...como a la::ma... então é muito perigoso SIM... (Professora e alunos brasileiros)197.

Lorrayne já solicitava a palavra (levantando a mão) antes da fala da

professora no primeiro turno do Exemplo 42. Esse detalhe é importante se

atentarmo-nos para o desenvolvimento tópico sob gerência da professora que, no

momento, presentifica o início do relato de uma notícia tematicamente vinculada à

índices de chuva, assunto do gráfico tematizado na atividade de correção

anteriormente.

Embora não se tenha registrado o tempo que separa um turno de outro, é

possível perceber a insistência da aluna em requerer a palavra. Próximo ao turno

126, pouco tempo depois de sua primeira solicitação, ela altera a força de seu gesto,

começa a balançar a mão, movimento que perdura até a finalização de sua fala,

registrada no turno 142. Quando P, no turno 143, decide voltar ao livro didático para

a continuação da correção (dizendo “PÁGINA CENTO E OITENTA E CINCO...”),

Lorrayne, que já demonstra estar com o braço doendo, pois já o segura com a outra

mão, irrita-se, materializando para todo o grupo sua insatisfação diante da

possibilidade de não ter seu pedido atendido, ao que a professora reage (“Lorrayne

você quer falar?”).

No entanto, como se vê, Lorrayne apresenta uma dificuldade em se

posicionar para todo o grupo após P lhe conceder a palavra. A aluna fala em tom

baixo de voz, com dicção ruim, e seu alongamento de vogal (144. “não é que::”)

evidencia sua dificuldade em dizer algo que não está mais sob tematização da

professora. A aluna ainda encontra dificuldade de se posicionar de modo co-

196 Com a gíria “tô de bobs”, que significa “estou tranquilo, sossegado”, vemos que Vitor Nunes não se mostra constrangido com a reprimenda da professora. 197 Dados da pesquisa. Pesquisa de campo realizada na EMBH, em 20 de outubro de 2010.

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ocorrente com outros falantes, como Vitor Nunes, a quem a professora tem

dificuldade de fazer silenciar, como se lê nos turnos 145 e 147:

145. P: psiu...PERA aí que a Lorrayne tá falando... Vitor a LoRRAINE ... PEdiu a VEZ ela levantou a MÃO... pode falar LORRAIne 146. Lorrayne : [incompreensível] 147. P: PERA AÍ Lorrayne porque o Vitor Nunes não conseguiu me entender... pronto Vitor Nunes? (Professora e aluna brasileiras)198.

Conforme se disse antes, há uma tendência por parte da professora brasileira

de conceder a palavra aos alunos que raramente a solicitam. Entretanto, vimos com

o Exemplo 42 que, o fato de poucos alunos do grupo brasileiro o fazerem de modo

não verbal, demonstra que traços identitários como os de Lorrayne (“reclamona e

insistente”) sejam atualizados nos comportamentos dos sujeitos. Essa também é

uma diferença fundamental que guardam os agrupamentos 3 (alunos que gostariam

de falar e que aguardam a concessão da professora para fazê-lo) e 4 (alunos que

raramente falam em sala de aula). Vejamos o quinto agrupamento.

5.1.5 Agrupamento 5

Um outro grupo fácil de ser identificado foi o dos alunos que, frequentemente,

davam pistas de desatenção ao que estava sendo tematizado no enquadramento

interacional principal:

– A – A – – Julios – Anuca – – A – A – – A – A –

– A – Alekssandra – – A – A – – A – A – – A – A – – A – A – – A – A –

– Stephanie – A – – A – A – – A – A –

Figura 22 − Alunos alemães que, frequentemente, apr esentavam pistas de desatenção ao que era tematizado pela professora Fonte: Elaborada pela autora

198 Dados da pesquisa. Pesquisa de campo realizada na EMBH, em 20 de outubro de 2010.

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– A – – A – – A – – A – – Ítalo – – A – – A – – A – – A – – Ricardo – – A – – A – – A – – A – – Leandro – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A – – A –

Figura 23 − Alunos brasileiros que, frequentemente, apresentavam pistas de desatenção ao

que era tematizado pela professora Fonte: Elaborada pela autora

Os alunos brasileiros integrantes desse agrupamento realizavam, na maior

parte das vezes, atividades completamente diferentes das que deveriam estar

fazendo no curso de uma aula, como mexendo em celulares, jogando baralho ou

figurinhas, objetos cujo manuseio é proibido na sala de aula.

No grupo alemão, por outro lado, os alunos pareciam desconectar a atenção

do foco principal da aula ao manusear os próprios objetos escolares, folheando as

páginas de um livro didático ou lendo o livro literário, por exemplo. Outras situações

comuns que mostraram desatenção no grupo alemão efetivaram-se na forma de

atraso ao atendimento a demandas da professora, como em situações em que os

alunos, só tempos depois, ao constatar o comportamento dos outros, se davam

conta de que a professora pediu algo, como guardar os materiais ou iniciar o lanche.

Vimos, aqui, que as participações (tal como os comportamentos) são

dialógicas, mas não necessariamente dialogadas. Sendo assim, estar presente na

sala de aula já implica um estar participando. A presença física dos sujeitos nesse

espaço institucional de convivência comum consagra-os participantes, de modo que

se pode dizer que uma criança que fala muito (tendo em vista o enquadramento

principal ou as microinterações) e uma outra que nunca fala, são, ambas, alunos

colaboradores, coautores do texto oral de que uma aula é resultado.

Considerando que “a identidade seria resultado dos processos de

identificação durante a interação, a partir dos objetivos e interesses estratégicos dos

falantes durante a comunicação em curso” (KLEIMAN, 1998, p. 276-277), a opção

pelo silêncio (agrupamento 1), por se falar muito (agrupamento 2), por não participar

como se gostaria (agrupamento 3), pela participação dialogada rara e no foco de

atenção principal (agrupamento 4) ou pela distração (agrupamento 5) estaria nos

informando sobre os objetivos e interesses estratégicos dos sujeitos? Essa

dimensão didática da participação é influenciada pela dimensão discursiva

encarnada na arquitetura dos dois sistemas de ensino?

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Para responder a perguntas como essas é lícito considerar que, embora se

espere que a política escolar seja democrática ao assegurar os mesmos direitos e

deveres institucionais a todos os sujeitos que estão a construir suas identidades de

aluno em uma mesma sala de aula, os modos pelos quais esses sujeitos vão

construindo suas carreiras de alunos (como, por exemplo, integrantes do grupo

daqueles que sempre falam muito ou daquele cujas vozes nunca são ouvidas na

sala de aula) interferem no acesso a seus deveres e direitos interacionais.

Como já anunciei, nesses cinco agrupamentos estão inscritos os

comportamentos regulares de 19 alunos de cada turma, ou seja, de 73% dos

grupos. Valho-me, portanto, na seção subsequente, de cenas protagonizadas por

alguns dos alunos que ficaram fora desses cinco reagrupamentos para recolher os

últimos índices que me permitirão responder aos questionamentos levantados até

aqui.

5.2 Limites para o comportamento do aluno em sala d e aula: o trançar das

relações sociais e pessoais nos dois grupos

No Exemplo 42, vimos Yan (um dos sete alunos brasileiros que não integram

os agrupamentos apresentados na seção anterior) avaliar o dizer de Raul (133.

Raul : acho que foi em dois mil e oito que teve lá dentro em São João da Lavrinha;

134. Yan: inventa história não Zé). Ao fazê-lo, Yan avalia mais do que o dizer do

colega, avalia também aquela que ele supõe ser a ação do colega: forjar uma

situação para ter sua fala integrada à interação principal.

Vimos que, na realidade conversacional da sala 17, interações entre pares

não só ocorrem e recorrem, mas costumam exteriorizar os pontos de vista de uns

alunos sobre os comportamentos dos outros. É possível afirmar que as relações

simétricas entre pares (aluno/aluno) são pressupostas no dia a dia da sala de aula,

mas acontecem diferentemente nos dois grupos observados.

Em um primeiro momento, hipotetizei que as microinterações que ocorriam

sem anuência do professor não eram proibidas no contexto interacional da sala 17.

Depois, percebi que se tratava de uma proibição tal qual no grupo alemão, afinal,

não era à toa que as professoras Andréia e Fátima lutavam pela construção e

sustentação de um foco de atenção comum (como vimos nas seções 4.2.1 e 4.2.2).

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A diferença, entretanto, talvez se explique pelo modo como as sociedades alemã e

brasileira percebem e convivem com a proibição.

Há em todo grupo, como em qualquer sociedade, aqueles cujos

comportamentos afastam-se mais dos padrões socialmente instituídos para a

convivência social, mas não é a isso que me refiro aqui, mas sim, a um modo mais

(no caso da Alemanha) e menos (no caso do Brasil) rijo de lidar com regras.

Disciplina alemã e jeitinho brasileiro são expressões tão asseguradas no

imaginário social e reproduzidas no discurso do senso comum quanto pontualidade

britânica. Desse modo, o que aconteceu nas duas salas de aula durante os períodos

de observação, sem dúvida, informa sobre o que a relação do contexto institucional

e as convenções indicia sobre a visão de mundo e, portanto, de sociedade de um

dado grupo.

A rigidez na cultura alemã deixa-se notar fora da escola, por exemplo, na

delimitação do número de chances para se tirar uma carteira de motorista, ou ser

aprovado em exames de categorias sociais, como a ordem dos advogados ou,

ainda, em situações mais cotidianas, como depois que um ônibus, metrô ou

Tranbahn fecha suas portas em uma estação, o motorista jamais as reabre ou

espera por um passageiro que corre sinalizando o desejo de embarcar.

Estabelecimentos comerciais fecham pontualmente e não há concessões para

clientes que chegam depois, embora as portas se mantenham abertas. Caso alguém

entre, não será atendido, o que vale também para os clientes que estão dentro da

loja no momento de encerramento do horário comercial e que não se dirigem

imediatamente ao caixa após o aviso de fechamento emitido pelo autofalante.

Residi um ano e três meses na Alemanha durante o doutoramento e posso

dizer que a regra parece não ter exceção. Regulações (prazos, horários, número de

tentativas, etc.) existem para serem cumpridas, tal como em todos os lugares do

mundo. Mas, sabemos que no Brasil há uma certa flexibilização. Como

interlocutores, abrimo-nos muito mais facilmente para a escuta da argumentação do

outro e, decididamente, permitimo-nos tentar facilitações ou concessões nas mais

diversas instâncias discursivas e sociais. O contexto, a história dos sujeitos, suas

relações parecem ser levados em consideração de um modo diferente no Brasil em

relação à Alemanha.

Indícios dessa flexibilização brasileira e dessa rigidez alemã para

cumprimento de regras aparecem nas salas de aulas representantes das duas

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realidades, no modo como os sujeitos interagem e lidam com a palavra nesse

espaço interlocutivo e institucional. Não é à toa que a vierte Klasse B firma com seus

participantes um contrato e não combinados, como é típico da realidade brasileira. A

existência de um contrato conversacional (como apresentei na seção 4.2.2) pode ser

de algum modo atrelada à relação escola-sociedade. A escola, de fato, reproduz e,

ao mesmo tempo, produz normas e comportamentos que são recorrentes fora de

seus muros, e o que ocorre fora dos muros da escola materializa-se também dentro

dela. Essa reflexão aplica-se por extensão ao trabalho com a palavra.

Antes de conhecer o contrato de conversação do grupo, eu, como professora,

jamais havia pensado na possibilidade de propor para os meus alunos, ou mesmo

sistematizar para mim mesma, um acordo conversacional explícito199, politicamente

construído e acessível (no modo como é redigido200) ao grupo (que sabemos que

sempre existe!) que tivesse em vista a gestão da interação em sala de aula, em

termos do modo como nos posicionamos como falantes e ouvintes, o que me levou

a interrogar que facetas culturais e quais discursos alicerçam a nossa ideia de

comunicação pretendida para a sala de aula.

Passo, agora, a algumas exemplificações, aceitando o risco de que elas

possam ser consideradas insustentáveis por alguns leitores, dado o fato de

materializarem percepções individualizadas, ao que, por outro lado, não se pode

esquivar quando se lida com princípios de uma abordagem etnográfica de

observação, sobretudo porque é o estranho, o diferenciado (aqui, conhecido na

sociedade outra) que faz com que percebamos aspectos até então invisíveis da

sociedade nossa.

Se generalizações são sempre perigosas, ainda o são mais quando se quer,

como aqui, trabalhar com a hipótese de que os modos como os sujeitos se

comportam em salas de aulas guardam traços de comportamentos encenados fora

do ambiente escolar. Pode ser fácil aceitar essa hipótese, o mais difícil (do que,

decorre a carência de estudos a articular dimensões, como as didática e discursiva)

199 Não estou aqui excluindo a possibilidade de que em escolas brasileiras existam acordos semelhantes, contudo, é preciso que se compreenda que são os dados dos dois grupos (da vierte Klasse B e sala 17) que fundamentam e autorizam o que aqui digo. 200 Toda escola, seja ela da rede pública ou particular de ensino, conforme determina o MEC, tem regimentos e portarias a prescrever o que é regularmente aceitável no universo escolar. Há, inclusive, regulamentos disciplinares em que direitos e deveres dos alunos estão registrados e nos quais repreensões por comportamentos inadequados são postas e esclarecidas. Não é a isso que me refiro aqui, e sim, à existência de 4 regras claras, curtas e conhecidas por qualquer aluno da virte Klasse B relativas às restrições e condições para que os alunos se posicionem como falantes e ouvintes.

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é delimitar (precisar, apontar) o ponto que une as dimensões que segura e institui o

entrelaço.

A separação entre as esferas do público e do privado pareceu-me mais nítida

na sociedade alemã201, o que talvez se explique até mesmo pelos séculos de

história que separam o nascimento de um país como a Alemanha e o Brasil, ou

mesmo as percepções culturais dos dois povos, fruto também da história dos dois

países.

Os alemães, por mais amigos que sejam ou familiares, não se visitam sem

acordarem isso com antecedência, ou seja, sem um planejamento conjunto do

visitante e do anfitrião, o que se poderia dizer também do Brasil em termos de uma

regra de etiqueta básica que vem ganhando força em muitos grupos, sobretudo

naqueles que vivenciam uma realidade mais cosmopolita, marcada em grandes

capitais do Brasil.

Esse modo cultural de se conviver com o outro, historicamente já estabilizado

na sociedade alemã, parametriza as ações dos sujeitos em sala de aula e se reflete

no modo como publicamente se agencia a palavra nesse contexto interacional, o

que está declaradamente visível no fato de que os alunos não costumam

espontaneamente dialogar entre si durante as aulas, e até mesmo no modo como

Frau Müller endereça a sua palavra, como já ilustrado no capítulo anterior.

No contexto alemão, parece haver um intervalo mais rigidamente definido

entre a palavra pensada e a palavra falada. A existência do contrato conversacional

do grupo é prova disso. A existência da regra Nós nos inscrevemos para falar e o

modo rígido como o grupo procura segui-la influi decisivamente nos processos de

socialização entre seus pares.

Na sala de aula 17, embora as microinterações espontâneas não sejam

incentivadas, elas não são proibidas com base em uma espécie de “política

legisladora interna do grupo” firmada na forma de um contrato, como no grupo

alemão. Há uma flexibilização no grupo brasileiro, que é também marcadamente

cultural, amparada na pressuposição de que, se de um lado, regras devem ser

seguidas, por outro, é comum que sejam burladas.

201 Deixo aqui, à guisa de ilustração, um exemplo simples, mas representativo de experenciações relativas a uma outra cultura: todas as pessoas estranhas com as quais fui levada/convocada a dialogar ou com as quais iniciei um diálogo em situações públicas (alguém que se sentou ao meu lado no interior do ônibus ou alguma conversa no interior de um supermercado, por exemplo) eram também estrangeiras.

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O que se costuma esperar no grupo brasileiro (como mostrou o dia a dia

interacional da turma acompanhada) é um bom senso por parte do aluno que lhe

permita discernir quando, por quanto tempo, com quem e em quais condições se

pode fazer uso da palavra. Há, em muitos casos, um desencontro entre as ações de

alguns alunos e as expectativas da professora. A dificuldade das profissionais

brasileiras de manutenção de um foco de atenção principal – como já tematizado – é

prova disso.

Não acredito que as necessidades interacionais que os alunos da sala 17

demonstram ser as suas no diálogo entre pares sejam-lhes exclusivas, talvez elas

coincidam com as dos alunos da vierte Klasse B, mas o cumprimento das regras

conversacionais barra a exteriorização dessas possíveis coincidências.

Se os comportamentos estão calcados no que Volochínov (1929/1999) chama

de sentido ideológico ou vivencial, e se, assim, somente reagimos às palavras “que

despertam em nós ressonâncias ideológicas ou concernentes à vida”

(VOLOCHÍNOV, 1929/1999, p. 95), circunstâncias culturais (que medeiam a

convivência institucional dos dois grupos) tendem a moldar como se dão

predominantemente essas reações: como palavra pensada e apenas interiorizada

ou como palavra exteriorizada, compartilhada com o outro.

A aceitação do modo (correndo o risco da generalização do discurso do senso

comum) como o brasileiro lida com regras – descortinado em expressões diversas

como “dá-se um jeitinho”, “desculpe-me, mas não resisti” ou “perde-se o amigo, mas

não a piada” – anuncia-se nos dados da pesquisa. Daí a apresentação do Exemplo

43, em que chamo a atenção para as reações de P aos comportamentos de Yan.

Para me valer (ou seja, para defender!) de argumentos como esse, lidei com

uma certa desaprendizagem em termos de uma autoavaliação, afinal, o Brasil é um

país de extensão territorial tão expressiva quanto a heterogeneidade cultural dos

grupos que o constituem. Se há o medo natural de generalizações em minha

posição argumentativa, ele não chega a impedir-me de dizer. Não dizer (por medo,

precaução, estratégia argumentativa ou como mais se possa referenciar) é, de

algum modo, desistir (em função da história da pesquisa vigente e de seus

protocolos) de hipotetizar onde as dimensões didática e discursiva se fundem.

Tendo dito, passemos à análise do Exemplo 43:

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Exemplo 43 – B A1 P regente ((Andréia, que está atrasada, ligou para a escola informando que o pneu de seu carro furou. A direção da EMBH encaminha uma professora para substituí-la no 1º horário. P substituta dá continuidade ao último problema matemático do livro didático trabalhado por Andréia com a turma no dia anterior. Estamos no 2º horário e Andréia acaba de entrar na sala de aula. A professora que a substituíra não está mais na sala. P entra sorrindo e visivelmente cansada, quando se ouve)): 1. Felipe Lima : eu não entendi essa daqui não professora... 2. Thaís : eu não entendi o número dois não... 3. Yan: professora eu não entendi nada ((o aluno sai do seu lugar e caminha até o início de sua fila)) fiz até xixi na calça... 4. P: GLAube:r abre o armário lá pra mim e pega o livro de matemática pra mim... ... ((Glauber caminha até a mesa de P e pega a chave do armário)) Matheus ((olhando para Yan)): ele faz até xixi na cama ((Yan sorri de volta para Matheus aceitando a brincadeira)) Yan ((é puxado por Ricardo pela camisa de frio)): o ô o:::((dirigindo-se a Ricardo)) vai puxar sua avó ((chuta Ricardo que levanta correndo atrás de Yan, mas desiste de bater de novo no colega)) 5. P: quem é que [trouXe?] aqui: ... Matheus... Mariana Brandão... Natã e Rafael trouxeram... RiCArdo?... Yan: [vem pro cê ver] ((dirigindo-se a Ricardo)). (Professora e alunos brasileiros)202.

No turno 3, Yan, assim como os colegas Felipe Lima e Thaís, também informa

sua dificuldade à Andréia, mas o faz diferentemente dos colegas, não só por meio

de uma formulação (3. Yan: professora eu não entendi nada...), que ele sabe ser

considerada ilegítima no interior do grupo203, como também reivindicando naquele

momento um certo traço identitário de criança problemática (que ainda faz xixi na

calça) para si mesmo. Como se vê, Yan não consegue a atenção da professora,

mas sim, a de dois colegas, Matheus e Ricardo204.

O fato de não haver uma reprimenda por parte da professora das relações

interpessoais entre Yan e Ricardo – que se efetivam tanto no plano verbal (quando

Yan grita em sala, o ô o:::, e ameaça Ricardo, “vem pro cê ver”, o que faz

sobrepondo sua voz a da professora), como não verbal (a natureza agressiva de

202 Dados da pesquisa. Pesquisa de campo realizada na EMBH, em 20 de outubro de 2010. 203 Andréia, em um outro momento, adverte: “dizer que não entendeu nada não vale, sempre se entende alguma coisa e eu não aceito isso como desculpa para não fazer.”. 204 Tipo de participação que rotulei lateral e que não ocorre no contexto alemão.

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movimentos, como agarrar a camisa do outro, correr atrás dele e chutá-lo) –

presentifica uma certa permissividade na sala do grupo brasileiro que não coincide

com o que é convencionalmente aceito como os papéis institucionais de professor e

alunos na vierte Klasse B.

Falo em “permissividade”, e não em “permissão”, porque não se pode dizer

que cenas como as do Exemplo 43 sejam vistas, interpretadas, com naturalidade

pela professora e pelos alunos da sala 17. Se não é esse o padrão de convivência

desejado e materializado predominantemente no interior do grupo, contudo, a

ocorrência de situações semelhantes no dia a dia escolar dessa turma torna desvios

de conduta como esses toleráveis. Na transcrição da cena não há qualquer

sinalização de que algum dos interactantes tenha se assustado com o ocorrido, não

há também pistas de que outros alunos tenham apoiado ou reprimido as ações dos

colegas, daí se falar em tolerância, em uma espécie de “fechar os olhos para o que

está acontecendo”.

Se instituições podem ser vistas como respostas a situações sociais e se são

as ações dos indivíduos que dão cara ao modo como as instituições hoje se

sustentam (MEAD, 1962/1934), temos mais uma razão para acreditar que o que

ocorre nas salas de aulas reflete, também, o que acontece fora da escola.

É claro que a cena em discussão não representa um fechar de olhos para a

disciplina, ou outros aspectos que queiramos tematizar, mas é, no mínimo, um piscar

de olhos, no sentido de dar um descanso aos olhos e permitir-se,

momentaneamente, deixar de ver.

O tom que quero dar a essa análise (quando deixo posto que isso não ocorre

no grupo alemão acompanhado) não é o de que haja nisso algo nocivo que está

sendo gerado na sala de aula que representa a sociedade brasileira neste trabalho.

O juízo de valor, embora exista em todos nós, está aqui remoldado pela abordagem

comparativa de natureza etnográfica, daí toda a discussão desenvolvida no capítulo

Ações e reações metodológicas.

A sala de aula alemã tem igualmente os seus momentos de piscada de olhos.

Ainda nessa metáfora, são as piscadas que garantem a lubrificação das córneas,

sem elas a cegueira seria certa. O que interessa não é, portanto, o piscar de olhos e,

sim, a percepção do que se está diante dos olhos quando esses momentos ocorrem.

Voltando à cena presentificada no exemplo em pauta, todos os

comportamentos ali encenados indiciam necessidades interacionais. Felipe Lima e

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Thaís, por exemplo, talvez estejam querendo demonstrar para Andréia o quanto são

participativos e interessados, o que fazem lembrando à professora o que lhe convêm

fazer em sala de aula: responder às suas demandas, o que está atrelado à imagem

da função social de Andréia.

As ações de Felipe e Thaís podem ser vistas tanto como falta de polidez

(consideradas regras da rotina conversacional da sala de aula: a abertura da

interação cabe à professora) como uma reivindicação de uma identidade de bom

aluno, não necessariamente a de um aluno bom (em termos de cumplicidade pelo

problema que levara ao atraso da professora descrito no início da cena em questão),

o que provavelmente contribuiu para a regente ter desconsiderado seus dizeres.

Há circunstâncias culturais, históricas e institucionais particulares em todas as

salas de aula, mas o grupo brasileiro parece “ter encontrado uma maneira de

representar [mais], através de suas práticas interacionais, sua resistência às regras

interacionais impostas pela cultura escolar” (MOITA LOPES, 2001, p. 171) do que o

grupo alemão, como reforçam os próximos exemplos.

Ao observar o que professor e os alunos pretendem em termos interacionais,

ou seja, aquilo que eles apontam como sendo suas necessidades, pode-se discutir

sobre como relações de poder são dinâmica e colaborativamente desenhadas em

sala de aula. Chamo, nessa medida, a atenção para como os alunos do grupo

brasileiro lidam com a simetria de relações entre os pares.

Alunos da sala 17 indicam que estão atentos a distrações dos colegas (como

a troca travada entre Rafael e Felipe Souza no Exemplo 44) e se divertem

explicitamente com reprimendas da professora endereçadas a outros (como vemos

nos comportamentos de Yan e Rafael nos turnos 229 e 230 do Exemplo 45).

Exemplo 44 – B A1 P regente 183. P: com uma tre::na ((Matheus comemora levantando os braços a resposta certa))... um me::tro, uma fita métrica tá meio complicado aí de medir... dependendo do tamanho do JARDIM dá até pra medir com uma fita métrica 184. Vinícius : é o bom mesmo é uma trema... mas ela pode medir também com um barbante 185. Rafael : com tre:na 186. Felipe Souza : ((dirigindo-se a Rafael)) já falou trena Zé ((boceja))

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187. Rafael :((balança a cabeça em sinal negativo)) cê tá dormindo. (Professora e alunos brasileiros)205.

Exemplo 45 – B A2 P2 226.P: essa área do jardim tem seis metros ele NÃO é esse essa figura aqui é RETANGUlar ((Glauber esta distraído com a câmera do fundo, virado de costas para professora)) se ela fosse quadrada os quatro lados seriam iguais e então a gente multiplicaria por quatro, não é isso GLAUber? ((Uma boa parte da turma se vira para olhar para Glauber)) 227. Natã: é isso mesmo 228. P: é pois é... então vira pra frente 229. Yan: ARRARARARA ((ri bem alto e se levanta apontando para Glauber)) 230. Rafael : rarara... ((ri)) olha o menino. (Professora e alunos brasileiros)206.

Há ainda situações em que os alunos avaliam verbalmente as ações de

outros hierarquicamente semelhantes, de modo a demonstrar insatisfações com o

agir do outro, por vezes completamente desvinculados da interação principal e que

se relacionam a uma camaradagem que independe do ensinar e aprender e das

tarefas/metas da escola, como no Exemplo 46:

Exemplo 46 – B A2 P2 Vitor Nunes reproduz por meio de movimentos labiais o que grita um grupo de crianças na quadra Yan ((reproduz o grito das crianças)): I- VA-NA Thaís : cada um mais bobo do que o outro. (Alunos brasileiros)207.

Exemplo 47 – B A1 P regente Felipe Lima : a:::: fi duma égua é vocês, né? ((dirigindo-se a Vitor Nunes e Vinícius e se referindo a um cheiro de lanche que sentia. Felipe Lima comenta com Matheus)) Matheus : tá gravando aí que ele tá comendo Thaís : VÍNIcius tá gravando aí você comendo Vinícius : tá gostoso Vitor Nunes : depois ela tira essa parte aí

205 Dados da pesquisa. Pesquisa de campo realizada na EMBH, em 20 de outubro de 2010. 206 Dados da pesquisa. Pesquisa de campo realizada na EMBH, em 10 de novembro de 2010. 207 Dados da pesquisa. Pesquisa de campo realizada na EMBH, em 10 de novembro de 2010.

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Thaís : não tira não Ítalo : ViNÍcius ((chama fazendo gesto com a mão e em seguida faz mímica que ele tá comendo)) Vinícius : tomei café não Ítalo : também não Vinícius ((baixinho)): então problema seu 36. P: psi::u ((fechando a porta da sala. Há mais barulho fora da sala de aula. Pode-se ouvir o barulho do giz com que P escreve no quadro)) ((Bate na porta e entra uma funcionária e deixa um pacote de atividades xerocadas para a professora regente. Os alunos se entreolham um pouco, alguns observam a câmera ao fundo e olham para mim. Natã termina e Victor Hugo, por mímica, pede o caderno emprestado ao colega para terminar de copiar. Vitor Nunes pede um biscoito para Vinicius, pega-o delicadamente e o come de modo muito disfarçado.)) Ítalo : Vinícius? des-graça ((diz baixinho, reclamando que o colega não respondeu)) Vinícius? ((chamando um pouco mais alto)) Vitor Nunes : no::ssa eu tô com um sono ((abaixa rapidamente a cabeça sobre o caderno na carteira)) Thaís : ((sussurando)) pa::ra de comer que tá gravano ((Vitor Nunes olha pra câmera, em seguida para Thaís e dá de ombros)). (Professora e alunos brasileiros)208.

Nos Exemplos 46 e 47, vemos que, ao invés de se aterem às suas próprias

tarefas em silêncio, como o fazem predominantemente os alunos do grupo alemão,

e de se avaliarem, como provavelmente o fazem, por meio da palavra pensada, há

alunos do grupo brasileiro que se atentam para o comportamento dos outros, o que

desencadeia as microinterações em cena no Exemplo 47. Há, também, aqui, algo

cultural: uma espécie de irreverência, descontração, muitas vezes mais associada à

nossa cultura do que à alemã.

Certas expressões emanadas no discurso do senso comum só ganham

sentido em comparações. Povo caloroso e povo frio, assim como, as ideias de povo

individualista, de povo unido ou de gente que gosta de tomar conta da vida alheia

são também possíveis chaves para se analisar o que uma sala de aula guarda em

termos de convenções sociais de um grupo e/ou de segmentos de uma sociedade.

Nessa medida, as participações da vierte Klasse B e da sala 17 recuperam o

que uma sala de aula guarda das relações de poder que consagraram a escola

208 Dados da pesquisa. Pesquisa de campo realizada na EMBH, em 20 de outubro de 2010.

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como “instituição que, a serviço do Estado, realizasse de maneira ampla e

duradoura a tarefa de regular a sociedade.” (VEIGA-NETO, 2003, p. 10). Se é assim

mesmo, é preciso que se dê conta de articular analiticamente o contexto institucional

da troca didática a convenções (discursivas e culturais) indiciadoras da visão de

mundo e, portanto, de sociedade, de um dado grupo, tal como estou procurando

fazer.

Dando prosseguimento a esse exercício argumentativo, os Exemplos 48, 49 e

50 possibilitam uma reflexão sobre certas necessidades interacionais (como ironizar,

brincar, indagar ou criticar), cuja exteriorização pode ser facilitada no grupo brasileiro

por traços culturais.

É a professora Fátima, que convive com a sala 17 quatro horas/aula por

semana, quem abre a cena do Exemplo 48. No turno 121, Fátima dirige a palavra a

todo o grupo, convidando-o à participação. Como se observa, embora nenhum aluno

se candidate a atender o pedido da professora (ler a resposta), alguns fazem uso da

palavra e lhe respondem, mas não como preconizariam regras interacionais

tradicionais da interação professor-aluno.

Exemplo 48 – B A2 P2 121. P: psi::u... vamos ver então...quem gostaria de ler pra nós a resposta? ... ... ... 122. Thaís : não... não... ((risos)) já li 123. P: olha ali ó... ((olhando para o quadro)) “você já presenciou algum tipo de discriminação com relação aos NEGROS?... como foi? como você se sentiu?” 124. Vinícius : não 125. Vitor Nunes : não 126. Rafael : nã::o 127. Thaís : não 128. P: ((como os primeiros alunos das duas fileiras próximas à sua mesa já haviam se pronunciado dizendo que não, P anda no meio dessas filas perguntando)) você já? não? não? alguém JÁ? QUEM já presenciou? 129.Vinícius : o Vítor ((fala olhando para Vitor Nunes, o aluno tem pele branca, cabelo crespo e nariz largo)) professora já ele é meio NEGO. (Professora e alunos brasileiros)209.

209 Dados da pesquisa. Pesquisa de campo realizada na EMBH, em 10 de novembro de 2010.

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A princípio, poderíamos considerar que Thaís responde à demanda de P no

turno 122. Nesse momento da cena, a aluna está com os olhos voltados para o

caderno e diz “não... não...” rapidamente, mas, como ela o faz rindo, damo-nos

conta de que ela está brincando com o padrão de “comandos” (enunciados de

atividades), que demandam respostas de tipo sim ou não, modo de formulação do

qual se valeu Fátima, como ela esclarece com a leitura do enunciado no turno 123.

Como Thaís não estabelecia um jogo de olhar com a professora, embora P

olhasse na direção da aluna quando do momento da leitura, Fátima não comenta o

dizer de Thaís, tampouco o comportamento dela. O que faz a professora é chamar a

atenção do grupo para o quadro, reelaborando seu pedido de demanda de

participação.

Fátima não sabe o nome de quase nenhum dos alunos da sala 17, seus

alinhamentos corporal e de olhar são que contextualizam a quem ela parece estar

dirigindo a palavra, quando, no turno 128, diz “você já? não? não? alguém JÁ?

QUEM já presenciou?”.

Ao notar que a professora não consegue ter esse seu objetivo interacional

atendido, Vinícius – que, no turno 124, assim como Vítor Nunes, já havia participado,

sugerindo que sua resposta à pergunta seria “não” – dirige-se agora explicitamente à

professora polemizando: “o Vítor ((fala olhando para Vitor Nunes, o aluno tem pele

branca)) professora já ele é meio NEGO”. Nessa altura, há espaço para recordar

que bastante diversos podem ser os critérios de que se valem os sujeitos quando se

auto/hetero avaliam em termos identitários.

Desse modo, a tarefa social do professor de que se deve ensinar ao aluno

“não apenas um conjunto de conhecimentos sobre o objeto de estudo como também

a falar sobre eles” (MATENCIO, 2001, p. 150, grifo meu) de modo adequado e

socialmente esperado é, cumpre dizer, negligenciado por Fátima em alguns

momentos dessa aula que compõe o corpus.

A professora perde a oportunidade de tematizar, por exemplo, os critérios

governamentais de autoavaliação (quanto à cor da pele, tipo de cabelo, etc.) e de

heteroavaliação, como o faz Vinícius quando diz “professora já ele é meio NEGO”.

Fátima, que é branca de cabelos lisos, demonstra ter certa dificuldade para

lidar com a temática, o que, para o leitor da aula transcrita, só fica visível se

esclareço que dois terços do grupo são negros. Essa informação permite que

leiamos nas falas da professora uma tentativa de suavização desse traço identitário

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do grupo. No exemplo 49, estão reunidas três diferentes cenas que esclarecem o

argumento em tela:

Exemplo 49 – B A2 P2 Cena 1 10. P: unrum... o::lha gente... psiu... é:: hoje nós vamos falar um pouquinho sobre o dia NACIONAL da consciência negra... 11. Yan: ê:::ba eu sou ne::GRO ((levantando os braços em sinal de comemoração)) (...) 14. P: nós comemoramos né? o dia da consciência negra no dia VINTE de novembro né? mas a gente vai começar a falar hoje um pouquinho sobre esse di:a... porque que esse dia existe... né? e como é que nós que vivemos em socieDADE podemos PERceber como é que é:: como é que o negro vem sendo tratado né? na nossa sociedade atual... né?... vocês acham que: é:: existe ainda um tratamento diferenciado né? em relação aos NEGROS na nossa sociedade?... ... ((Ricardo caminha até P entregando a atividade avaliativa solicitada por P na aula anterior... P balança o dedo em sinal negativo para Ricardo que volta para o lugar)) o que vocês acham?... ... ... ((Yan ri muito alto, debochando do fato de Ricardo não ter tido a atenção de P)) vocês acham que isso acontece?... vocês acham que é::: o negro ainda é tratado de forma diferenciada? (Professora e aluno brasileiros)210.

Yan, por vezes, se mostra impulsivo, no sentido de que externaliza com

facilidade suas sensações. O aluno, no turno 11, chama a atenção do grupo para si,

como o faz em outros momentos das aulas, entretanto, aqui ele o faz explicitando

um sentimento de pertença (“ê:::ba eu sou ne::GRO”). O aluno exagera suas ações,

como lhe é característico (fala alto, agita os braços, muda o alinhamento do corpo),

o que leva a uma sensação de que ele destaca para si mais um traço identitário de

aluno que precisa chamar a atenção (assim como o fez no Exemplo 43) do que

propriamente a de um aluno negro.

Como se vê, no turno 14, o grupo não demonstra muito interesse na

discussão. P, então, espera e, constatando que não é respondida, propõe

reformulações (“vocês acham que isso acontece?... vocês acham que é::: o negro

ainda é tratado de forma diferenciada?”). Adiante, no turno 19, P ainda está

solicitando engajamento. As respostas de Ricardo, no turno 20, e de Raul, no turno

seguinte, parecem não satisfazer a professora em termos de progressão temática:

210 Dados da pesquisa. Pesquisa de campo realizada na EMBH, em 10 de novembro de 2010.

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Exemplo 49 – B A2 P2 Cena 2 19. P: é? vocês acham que ainda EXIStediscrimiNA::çã::o? 20. Ricardo : anram 21. Raul : mas tá diminuindo professora ((P olha na direção de Raul e balança a cabeça em sinal de concordância)) 22. Lauanda : aqui na sala professora 23. Raul : é verdade professora... foi uma vez só 24. Natã: Matheus sofre né Matheus? 25. Yan: [incompreensível] 26. P: como é que é? ((dirigindo-se a Yan)) 27. Yan: hoje de manhã no meu escolar um menino me chamou de::: nego vagabundo 28. Ítalo ((dirigindo-se a Ricardo em tom baixo)): vai dizer que não é... 29. P: pois é... é:: e essa discriminação GENte ela não acontece só no:: em relação a xinga:r... a falar:: não a a a:: como ele contou que no escolar dele um menino xi::ngou o o:utro... não só com relação a esse tipo de ofensa... mas a gente percebe isso também com relação aos saLÁ::rios né? (...).(Professora e alunos brasileiros)211.

No turno 22, Lauanda, que é negra, tenta trazer a discussão para o contexto

do grupo – como pode ter querido Yan no turno 10 – conseguindo, logo, a adesão de

Raul (branco) que modaliza a colocação de Launda suavizando-a. Natã (negro)

também participa, destacando o outro (Matheus) como negro.

Como a Cena 2 deixa entrever, P opta por ouvir o que os alunos têm a dizer,

não verbalizando qualquer avaliação. Yan depõe, no turno 27, “hoje de manhã no

meu escolar um menino me chamou de::: nego vagabundo”, o que é objeto de

comentário de Ítalo (“Vai dizer que não é...”), o que Fátima não repreende212.

211 Dados da pesquisa. Pesquisa de campo realizada na EMBH, em 10 de novembro de 2010. 212 A expectativa que deixo aqui sinalizada na escolha vocabular do verbo repreender é marca do quão difícil é a observação em nossa própria cultura. A avaliação que aqui faço é acerca do modo como a professora lida interacionalmente com o objeto do discurso consciência negra. Esse momento da fala de Fátima precisa ser destacado porque a dificuldade da professora de tematização fica nitidamente deflagrada, quando, no turno 54, ela explica: “... afinal de contas NÓS também fazemos parte né? dESSA... desse povo aí... e se a gente for olhar... procurar na nossa família, né?”. No grupo alemão, não se trouxe situação semelhante a essa do grupo brasileiro em pauta. Há também nisso, aposto, algo cultural: a coragem de Fátima (resultado, é verdade!, da delimitação de um tópico do currículo pelo MEC indicado) em trazer para um grupo um aspecto que requer (se considerados os discursos a circular) o agenciamento de uma posição por parte daquele que o tematiza. Na realidade

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No turno 29, quando P dá continuidade à discussão, observa-se seu cuidado

ao escolher as palavras, o que acaba verberando-se em alongamentos de vogais,

pausas e uma certa falta de eloquência. A professora, por exemplo, confere a Yan a

autoria do relato de discriminação, mas retira dele o lugar de protagonista na cena. A

professora opta por falar em termos genéricos, como endossa a Cena 3:

Exemplo 49 – B A2 P2 Cena 3 54. P: e às vezes a gente esquece que o NOSSO conVÍvio né? no nos grupos que a gente partiCIpa seja na escola no futeBO:U na IGREja né? com o vizi:nho né? então a gente precisa pensar nisso...né? ((P se vira para o quadro e começa a leitura do que já havia escrito)) “Em TODO o país acontecem eventos que lembram a história dos negros... falam sobre a CULTURA dos povos africanos e da IMPORTÂNCIA DELES na nossa sociedade...” é::((virando-se para a turma)) os negros né gente tiveram uma é: participação IMENSA na forMAÇÃO do povo brasileiro... muitas coisas que a gente faz né:? que a gente u:sa é: em relação a cultura... ao vocabuLÁRIO mesmo foram herDADAS dos negros por isso a gente precisa ter esse RESpeito né? afinal de contas NÓS também fazemos parte né? dESSA... desse povo aí... e se a gente for olhar... procurar na nossa família, né? na nossa ORIgem né? na nossa árvore genealógica... a gente vai vê que muitas vezes lá::: no passado nós tivemos AL-guém que era NÉ-GRO... não é? Às vezes você fala a:: meu AVÔ... meu bisaVÔ... 55. Felipe Souza : meu PAI professora! 56. P: então às vezes a gente fica aí discrimina::ndo né? com PRECONCEITO E NA HORA QUE A GENTE VAI VER procurar saBER lá:: no:: passado né? nós também viemos... né? nós temos essa origem é é é africana... dessa mistura de raças que aconteceu aqui no Brasil num é... se a gente for pensar ó os índios né? os afriCANOS então essa MIStura é que formou o povo brasileiro é:: ((Há conversa paralela durante todo este turno)). (Professora e aluno brasileiros)213.

A professora tenta contextualizar a questão chamando a atenção dos alunos

para a descendência e a ancestralidade: “Afinal de contas NÓS também fazemos

parte né? DESSA... desse povo aí... e se a gente for olhar... procurar na nossa

família, né? Na nossa ORIgem né? Na nossa árvore genealógica... A gente vai vê

que muitas vezes lá::: no passado nós tivemos AL-guém que era NÉ-GRO... não é?

Às vezes você fala a:: meu AVÔ... meu bisaVÔ...”.

da vierte Klasse B, temas como esses não foram trazidos e, mesmo se o fossem, como a professora regente alemã não se permite digressões (o que vale também para os alunos) e como os alunos não falam entre si, comportamentos como o de Yan e Ítalo não ocorreriam, dado que o cumprimento de certas regras os impedem. 213 Dados da pesquisa. Pesquisa de campo realizada na EMBH, em 10 de novembro de 2010.

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Felipe Souza (aluno negro) tenta sinalizar, no turno 55 da Cena 1, assim

como procuraram fazer outros alunos, que a questão é mais próxima deles do que a

professora parece visualizar, dizendo da negritude do pai e não de sua própria. A

professora negligencia a necessidade já desenhada por alguns de seus alunos de

(auto/hetero) sentimentos de pertença, o que os alunos tentam, em vários

momentos, fazê-la notar.

Esclareço que esses segmentos não foram aqui trazidos para avaliar a

performance da professora, mas sim, para marcar aspectos sociais e discursivos da

cultura brasileira representada pela sala 17 (como nossa ancestralidade, o duro

regime da escravidão aqui desvencilhado, a importância e influência da cultura

africada entre nós), que também é traço identitário214 nosso, emanador de discursos

e que serve para reflexão e aprendizagem.

Identidades resultam, dentre outros aspectos, do modo como professor e

alunos se comportam dialogicamente. Por isso, uma reflexão sobre como os alunos

da sala 17 dirigem a palavra (e se referem) uns aos outros é essencial para se

refletir sobre o que a convivência intersubjetiva deixa entrever do modo como uma

sociedade representa o contexto formal de uma sala de aula.

Para analisar como os sujeitos se colocam dialogicamente no espaço

institucional, organizacional da sala de aula, ou seja, para observar como eles lá

participam, é preciso considerar que há um vínculo entre estrutura e ação. Assim, os

significados que os interactantes atribuem ao poder − inscrito em papéis sociais e

nos modos de agir institucionalmente cerceados − estão desenhados em seus

modos de participação na instituição social na qual estão atuando.

Dois são os lados da moeda que precisam ser aqui ponderados. O primeiro,

bastante discutido no capítulo anterior, é o de que há diferenças que não podem ser

apagadas nos modos como os sujeitos que integram os dois grupos representam

suas tarefas sociais interacionalmente. Já o outro lado é marcado pela existência de

semelhanças indiscutíveis nos modos como integrantes dos dois grupos se

comportam.

Os agrupamentos de 1 a 5 (apresentados no início deste capítulo) registraram

que há uma identificação no modo como boa parte dos sujeitos (73% de cada grupo)

214 O contraponto dessa dificuldade de discursivização de um traço identitário aparece na realidade alemã na não tematização de que 50% dos alunos da vierte Klasse B tem os dois pais estrangeiros e outros 25% um dos pais estrangeiros, o que repercute nas previsões quanto à carreira de alunos desses sujeitos.

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se constrói interacionalmente como aluno, tendo em vista o modo como

regularmente se posicionam como falantes e/ou ouvintes, o que revalida a defesa de

Philips (2000, p. 21) de que, “em diferentes culturas, não são os meios

comunicativos que diferem; é a forma de sua organização que provoca resultados

qualitativamente diferentes e percepções radicalmente distintas.”.

Sendo assim, apesar dos diferentes modos culturais que revestem os

comportamentos dos sujeitos, surpreendi-me com o que as duas turmas guardam de

semelhanças entre si. Podemos perceber os mesmos “tipos” de alunos nos dois

grupos: os calados, os faladores, os participativos, os desatentos, etc. Isso

demonstra, ao mesmo tempo, a heterogeneidade dos grupos e os padrões de

comportamentos semelhantes de sujeitos que, diariamente, se (re)constituem

identitariamente como alunos.

O que estou tentando registrar é a minha surpresa diante da constatação de

que a sala de aula representante da cultura brasileira não é tão resistente ao poder

socialmente conferido à escola quanto a princípio imaginei. Isso porque, muitas

vezes, olhamos para uma turma realçando o comportamento de poucos, ou seja, de

apenas alguns dos integrantes do grupo.

Se, como pondera Dalton (1989, p. 100), “[...] os indivíduos são avaliados nas

organizações com base no valor de suas contribuições para a organização215”, como

estudiosos (e profissionais) da sala de aula, precisamos atentarmos para aquilo que

alimenta os nossos protótipos de “tipos” de alunos e repensarmos que “tipos” de

parceiros interacionais queremos e/ou estamos privilegiando no modo como lidamos

com a palavra em sala de aula, seja qual for a instância escolar. Vale, portanto,

perguntar:

Como é que a adesão e participação em organizações moldam ou influenciam o desenvolvimento individual? Como os processos organizacionais inibem nosso desenvolvimento como seres humanos? De forma contrária, de que maneira os processos organizacionais e as oportunidades de carreira promovem o crescimento individual?216. (DALTON, 1989, p. 90).

215 “[…] individuals are evaluated in organizations on the basis of the value of their contribution to the organization.”. 216 “How does membership and participation in organizations shape or influence individual development? How do organization processes inhibit our development as human beings? Conversely, in what ways do organizational processes and career opportunities foster individual growth?”.

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Responder a uma indagação como essa implica reconhecer que nossas

ações cotidianas somam-se às da vierte Klasse B e às da sala 17 (no espaço virtual

e em rede), lá onde os discursos se encontram e as vozes, independentemente da

sintaxe da língua que as sustentam, ecoam.

Nesse ponto, cabe enfatizar a contribuição do indivíduo para a ordem social e

da ordem social para o indivíduo (HUGLES, 1958; VAN MAANEN; BARLEY, 1984).

O tempo que se passa na escola é, portanto, um tempo para se construir uma

carreira vista mais como produto da negociação indivíduo-organização do que

planilhas de ações socialmente formatadas (BARLEY, 1984).

Todo esse raciocínio poderia ser resumido na cinética de que na sala de aula

os sujeitos “[...] circundam a chama [restrições comportamentais], mas mantendo

uma distância segura.217” (DALTON, 1989, p. 99, grifo meu). Há, como procurei

indicar, medidas culturalmente dadas para i) o modo como os sujeitos percebem

essa chama, que responde pelo nome de poder, ii) como a mantêm acesa, e iii) a

demarcação dos limites para se interagir com essa chama, agindo e reagindo ao seu

estado atual.

As doses e os fluídos com que os participantes da vierte Klasse B e da sala

17 alimenta(ra)m a chama do poder podem ser reconhecidos no agenciamento da

palavra.

5.3 O agenciamento da palavra nos dois grupos e a h ipótese da arquitetura dos

sistemas de ensino como fatores de influência

Ao longo do trabalho, sinalizei meu interesse pela carga cultural inscrita em

qualquer sala de aula e depositei minhas apostas no agrupamento de sujeitos

empíricos com histórias e experiências distintas como um dos fatores explicadores

das salas de aulas não serem iguais, embora culturalmente semelhantes, e

desenvolvi análises de modo a realçar particularidades interacionais dos dois

grupos. Por meio de movimentos analíticos esparsos, acredito ter conseguido reunir

um conjunto de indícios para fundamentar a leitura que passo a apresentar dos

achados da pesquisa, o que faço recuperando a hipótese lançada de que os

217 “[…] circling the flame but staying at as safe distance.”.

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sistemas de ensino, a que se submetem os dois grupos observados, interfeririam no

modo como os sujeitos se comportam em sala de aula.

A etapa de escolarização vivenciada pelos dois grupos, embora

correspondente em termos estruturais, acarreta (como já explicado) diferentes

efeitos burocráticos para a carreira de aluno em construção nas duas sociedades.

Como já ponderado, existem prescrições, ao final do ano letivo alemão, que levam a

uma subdivisão dos então alunos da vierte Klasse da Grundschule ao Gymnasium,

Realschule ou Hauptschule.

Sem ater-me às especificidades de cada modelo de ensino oferecido em cada

um desses três tipos de escolas, interessa-me aqui apenas considerar que os alunos

da vierte Klasse B, tal como as respostas aos questionários confirmam (Cf.

APÊNDICE C), já projetam (no sentido de que se preparam e esperam) para que

escola serão encaminhados. As expectativas desses sujeitos nem sempre coincidem

com o que suas trajetórias como alunos asseguram, já que o desempenho escolar é

o carro-chefe dessa decisão.

Se, por um lado, esse é o contexto avaliativo do grupo representante da

cultura alemã, por outro lado, na sala de aula brasileira, representada pela sala 17,

há a prescrição de que o aluno não pode ser “retido” nesse período do ciclo de

formação, tendo em vista o modelo de Escola Plural implementado. Isso significa

considerar, grosso modo, que todos os alunos da sala 17 receberão progressão, ou

seja, todos eles estarão no próximo ano letivo em um mesmo e subsequente ciclo de

escolarização, informação que é de conhecimento dos alunos.

A hipótese subjacente a todos os movimentos analíticos até aqui esboçados é

a de que esses momentos vivenciados pelos dois grupos interferem no modo como

professor e alunos coconstroem seus dia a dia interacionais. Assim, a arquitetura

desses sistemas de ensino é uma dimensão discursiva com que os grupos precisam

lidar, que influencia (essa é a defesa!) os modos de agir, ou seja, os

comportamentos encenados na sala de aula.

Um dos modos para se detectar essa interferência pode ser vislumbrada na

constatação de que há alunos do grupo brasileiro que se permitem comportar de

modo que a cultura escolar atesta ser inapropriado para o cenário institucional da

sala de aula. Um das razões do realce em negrito deve-se à descoberta de que um

número considerável de alunos dos grupos alemão e brasileiro comporta-se

regularmente de modo assemelhado, o que, como pudemos ver, observei a partir de

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maneiras como eles posicionam-se como falantes e/ou ouvintes no espaço

interacional que se reconhece como aula.

Os pilares de regras de convivência em sala de aula se sustentam em um

mesmo solo discursivo, o da cultura escolar ocidental, daí aproximações de padrões

de comportamento de certos sujeitos intragrupais e intergrupais, o que procurei

demonstrar pelos cinco tipos de agrupamento.

Apesar disso, as análises também comprovaram a existência de

comportamentos (como brincadeiras, avaliações entre alunos e respostas irônicas

ou reivindicações endereçadas tanto a colegas quanto às professoras) que estão

longe do cotidiano interacional do grupo alemão. Por quê isso ocorre? Porque a

interação na sala de aula é também reflexo do que acontece fora da escola, ou seja,

o comportamento humano e as convenções implicadas no modo de fazer qualquer

atividade podem variar suficientemente em todo o mundo (ERICKSON, 1973), e

ainda porque o evento de interação é o ponto de articulação entre o sujeito e o

social.

Desse modo, se vemos tipos de comportamentos reconhecidos como

inapropriados para as duas realidades de ensino sendo desempenhados na sala de

aula brasileira, mesmo que por um número pequeno de alunos, isso mostra que há

espaço no interior da sala 17 para se resistir ao poder disciplinar instituído pela

escola, o que não ocorre no grupo alemão. Daí a aceitação de que, embora as

sociedades alemã e brasileira cerceiem o obedecimento ao poder munidas com as

mesmas armas, vigilância e punição (FOUCAULT, 1975), as penalidades por elas

imputadas repercutem diferentemente, já que a sociedade alemã é mais rigorosa e

disciplinadora em função do número restrito de oportunidades que concede aos seus

membros.

Nessa direção, o fato de os comportamentos das crianças da vierte Klasse B

interferirem diretamente na projeção de seus futuros imediatos opera como uma

espécie de pressão social sobre esses alunos, levando-os (mesmo sendo ainda

crianças) a se responsabilizarem com o seu processo de escolarização e, portanto,

com a sua carreira de aluno, de modo que eles não podem produzir tantos

rascunhos de projetos de carreira de aluno como o podem os alunos brasileiros,

dada a estrutura flexibilizada do nosso sistema de ensino.

Embora as ações dos alunos da sala 17 estejam moldando e orientando a

carreira de formação identitária de aluno, como o grupo alemão, as crianças alemãs

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precisam responder socialmente a seus comportamentos (aceitando, por exemplo,

não ir para a escola que desejava ou que seus pais gostariam que fosse, porque sua

trajetória escolar não o permite, ou assumindo a necessidade de lutar ao longo da

vierte Klasse por uma melhoria de sua carreira de aluno que possibilite a matrícula

no tipo de escola desejada), de modo que o nosso sistema de ensino não imputa às

crianças brasileiras nessa mesma etapa de escolarização.

O que estou dizendo é que a fase escolar que vivenciam as crianças da vierte

Klasse B contém e, ao mesmo tempo, está contida (reflete e é reflexo!) do modo

rigoroso e disciplinador de se viver da cultura alemã. Assim como o jeitinho brasileiro

e a crença de que “no final tudo vai dar certo” são parâmetros de ação que

atravessam o dia a dia interacional da sala 17.

Os alunos brasileiros têm, portanto, o que a pesquisa comparativa esclarece,

mais tempo (no sentido cronológico mesmo!) para se formarem alunos. O sistema de

ensino brasileiro não restringe o número de vezes e, portanto, o número de chances

para o sujeito alterar seu self de aluno, ou seja, arrisco-me a dizer que há na

arquitetura do sistema de ensino brasileiro muito mais espaço para a reconstrução

do histórico da carreira de aluno do que permitem as estruturas do ensino alemão. E

é justamente pelo fato de que o material disponibilizado pela cultura alemã para que

os sujeitos moldem as suas carreiras ter propriedades físicas que levam a um

engessamento identitário mais rápido (do que o material usado pelo grupo brasileiro)

que as crianças alemãs são levadas a obedecer às regras prescritas pelo contrato

conversacional do grupo. Isso repercute, por exemplo, em termos restritos, na quase

inexistência de microinterações não autorizadas pela professora e, em termos

amplos, no modo como a palavra é agenciada nos dois grupos, ou seja, o que cada

grupo faz da palavra e com a palavra no dia a dia interacional.

Esses afastamentos e aproximações comportamentais materializam-se no

entorno da palavra, isto é, analisando o funcionamento da palavra e o uso que os

sujeitos fazem dela acessamos padrões de comportamentos intragrupais e

intergrupais que traçam (e, ao mesmo tempo, carregam traços) da cultura da escola

e da cultura escolar local.

Em termos das operações discursivas no entorno da palavra, pudemos

perceber, ao longo deste trabalho, que a professora alemã tem mais controle da

palavra do que as docentes brasileiras. A distribuição da palavra lhe é, pode-se

dizer, exclusiva, sendo que cabe a ela decidir-se pela concessão ou cassação da

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palavra aos alunos que a solicitam. Quando a tomada da palavra ocorre – por não

ser direito interacional do aluno, já que a realidade escolar alemã impõe aos alunos

o seu pedido –,reverbera, na maior parte das vezes, em tentativas de tomada de

palavra, visto que os outros participantes tendem a desconsiderar o que se disse

naquele momento em que se fez uso da palavra. O descumprimento da regra, desse

modo, faz com que os outros interactantes não se coloquem, projetem no par

interlocutivo, reconhecendo-se como sujeitos a quem se endereçou a palavra, ou

seja, eles não assumem suas posições como interlocutores em momentos como

esses. A professora, ao poder manter a palavra, sem falantes concorrentes

desautorizados e, portanto, sem microinterações desvinculadas da interação

principal, sob sua gerência, faz desta um bem inalienável nesse espaço discursivo e

interacional.

Já no que diz respeito à realidade conversacional da sala 17, vimos que nem

sempre é necessário que as professoras distribuam a palavra, porque, embora seja

recomendável e esperado que os alunos sinalizem ao professor a necessidade de

participar fazendo uso da palavra, muitas vezes, a sinalização já é, em si, uma

tomada da palavra, o que requer um saber operar sobre os modos socialmente

aceitos e instituídos de se comportar em sala de aula (como não interromper o

professor, fazê-lo em momentos de pausas e no interior do foco de atenção

principal). Caso contrário, o que o aluno faz quando toma a palavra tende a ser

desconsiderado pelo professor, mas pode ser, como vimos em muitos exemplos,

considerado por outros alunos, desencadeando, muitas vezes, microinterações entre

pares. A presença de falantes concorrentes à posição ocupada pela professora

brasileira na interação principal repercute em sua dificuladade de manutenção da

palavra, o que leva, na maior parte das vezes, como vimos, a uma concorrência à

palavra, conduzindo o professor a endereçar a palavra para determinados

integrantes do grupo, operar reprimendas e solicitar, de modo reiterado para si como

falante, o foco de atenção dos alunos.

Observar o agenciamento da palavra conduz à percepção da proximidade

social entre participantes, suas relações hierárquicas, direitos e deveres

institucionais, possibilitando que se entrevejam as chaves com que professor e

alunos não apenas interagem, mas também se socializam, e as ferramentas com as

quais operam a ideia de disciplinarização que alicerça as interações.

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Espero, assim, ter delimitado a importância de ser ter levado em conta que,

na aula, professor e alunos são também falantes e ouvintes. O que possibilita que se

discorra sobre padrões de comportamento (e o que eles informam em termos de

traços culturais das relações interpessoais e interinstitucionais estabelecidas entre

professor e alunos) dos dois grupos, levando em consideração tanto a estrutura

como a função da palavra. Só nesses termos é que podemos nos aproximar de um

olhar que seja capaz de integrar as dimensões didática e discursiva da interação.

Isso posto, chegamos às considerações finais.

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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A tese não é o trabalho da vida daquele que quer se (trans)formar

pesquisador (posto que o que faz uma tese é estabelecer a carreira de pesquisa e

não findá-la), mas nela se deposita uma parcela significativa de preocupações (e,

necessariamente, interesses!) de um ciclo da formação e, portanto, de

aprendizagens pautadas em ressignificações e muitas desconstruções.

Em 2000, quando cursava um dos períodos iniciais da graduação em Letras, li

que salas de aula não são iguais, embora culturalmente semelhantes. Recordo-me

que era Erickson quem anunciava o achado e que me impressionou a obviedade da

afirmação. Obviedade que apenas calouros são capazes de enxergar.

Se, por um lado, no curso da escrita desta tese, divertiu-me perceber a

metodologicidade, a sistematicidade e a duvidabilidade que (agora) revestem o meu

olhar e que iluminam a complexidade do (inter e intra)cultural encenado em toda e

qualquer sala de aula, por outro lado, preciso dizer que esse olhar – parametrizado

pelo discurso científico, suas práticas e transcodificado para este trabalho – evoca

desconfortos. Isso no sentido morfológico mesmo da palavra, de retirada do

(des)conforto, sensação que aqui explico com a retomada da hipótese e dos

principais movimentos analíticos aqui realizados.

Partindo da hipótese de que a interação na ambiência da sala de aula reflete

o que acontece também fora dos muros da escola, escolhi observar o dia a dia

interacional de um grupo alemão e um brasileiro. Afinal, duas salas de aula

geograficamente distantes e representantes de duas sociedades, cujas histórias e

línguas tão distintas contribuíriam para que o que acontece na sala de aula seja, em

alguma medida, revelado.

Ao dizer isso, estou assumindo que os comportamentos encenados em salas

de aula estão revestidos de uma capa de invisibilidade que precisa ser, se não

retirada, pelo menos percebida. O que, em termos empíricos, implica reconhecer

que pesquisas comparativas interculturais contribuem para que aspectos discursivos

(e, portanto, culturais) das interações em salas de aula sejam sistematizados. Sendo

assim, a empreitada foi trabalhar com lingua(gem), cultura e sociedade como fatores

de influência dos comportamentos encenados em sala de aula.

A troca didática, como qualquer outro evento de interação, materializa-se a

partir de múltiplas semioses, sendo a palavra sua força motriz. Daí a visada vertida

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para o funcionamento da palavra em salas de aula representantes de duas

realidades culturais escolares locais, embora, por outro lado, integrantes de uma

mesma cultura escolar ocidental. O fluxo, aqui, contínuo, conecta suas partes em

rede, de modo que fica difícil apontar, circunscrever os pontos de contato entre as

linhas que o (in)formam.

Colocando isso em termos conceituais, chegamos à tese aqui defendida. Há

que se integrar a dimensão didática à discursiva para que avancemos em termos da

compreensão e do estudo do que acontece em sala de aula, o que se quer fazer não

por pura curiosidade, mas pela crença de que, entendendo práticas, entendemos as

pessoas por trás delas e suas motivações. Não é outra coisa que norteia as práticas

e políticas de formação do profissional professor.

A reivindicação que apresentei procurando sustentar a hipótese deste

trabalho chegou a mim em uma aula da Professora Malu Matencio na Pós-

graduação: “Há que se perseguir a integração das dimensões didática e discursiva

para entender cada vez mais a interação em sala de aula”. Essa é a memória da voz

estrutural que alicerça a pesquisa aqui apresentada.

Se (nossa) Malu Matencio disse o que aqui se lê num tom de reivindicação é

porque há lacunas que precisam ser estudadas, barreiras (procedimentais,

metodológicas, teóricas, conceituais, ou de outros tipos, como a da

interdisciplinaridade, da interface da linguística com outros domínios de

conhecimento ou, ainda, o que talvez seja ainda mais problemático entre quadros de

diferentes correntes da linguística) a serem transpostas.

Daí as tentativas de amarração agenciadas neste trabalho:

a. conceitual-analítica, de modo a considerar tanto as categorias linguísticas

formais e estruturais, quanto as advindas de uma abordagem social,

como falantes e ouvintes, professor e alunos, turno e palavra, palavra e

(estrutura de) participação; e

b. teórico-procedimental, em que ora os dados são analisados tendo em

vista a teoria, ora a teoria é analisada tendo em vista os dados. Por isso,

a aposta nos instrumentos de pesquisa (diário de campo, questionário,

vinheta narrativas) como, ao mesmo tempo, desencadeadores e

materializadores de discursividades.

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Reivindico, aqui, como trabalho realizado, apenas o esforço de demonstrar a

dificuldade que se impõe para perceber os pontos de contato e, portanto, de ligação

que sustentam o entrelaçamento das dimensões didática e discursiva que se deixam

entrever quando olhamos para comportamentos de dois grupos de crianças (alunos)

e adultos (professoras) no entorno da palavra (o que não ocorre exclusivamente nas

posições de falantes e ouvintes, mas no entorno de múltiplas semioses coocorrentes

à palavra).

A pesquisa realizada assegura que a palavra é um bem, no sentido marxista,

que, embora do ser humano, pode ser – de sociedade para sociedade, de grupo a

grupo ou mesmo entre indivíduos – diferentemente capitalizado.

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REFERÊNCIAS

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APÊNDICE A − ATIVIDADES COMPLEMENTARES

Atividades complementares a serem pelos alunos alemães realizadas tão logo

terminassem a atividade principal demandada para todo o grupo. A professora, a

cada aula de diferente matéria escolar, trocava as atividades contidas nos

recipientes. Em uma página está a tarefa e em seu verso as respostas. Assim, a

professora não precisa corrigir as atividades e os alunos se responsabilizam pelo

controle do trabalho.

Atividades complementares de alemão

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APÊNDICE B − SEQUÊNCIA DE TRABALHO ESCOLAR

Exemplos de sequência de imagens usadas pela professora alemã para

levantamento de hipóteses dos alunos sobre o que seria na aula, em curso,

tematizado.

Sequência usada em uma aula da matéria escolar HSU

Sequência usada em uma aula da matéria escolar HSU

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APÊNDICE C − QUESTIONÁRIOS (GRUPO ALEMÃO)

QUESTIONÁRIO 1 – Alunos (A Q 1)

Bitte beantworte die Fragen: 1) Wie heißt du? ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ 2) Wo bist du geboren? ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ 3) Sind deine Eltern deutsch? Wenn nicht, schreib woher sie kommen. ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ 4) Hast du schon in einem anderen Land gelebt? Wenn ja, bitte schreib den Namen des Landes. ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ 5) Was willst du mal von Beruf werden? Kannst du mir sagen warum? ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________

Texto original aplicado Tradução

1) Wie heißt du? 2) Wo bist du geboren? 3) Sind deine Eltern deutsch? Wenn nicht, schreib, bitte, woher sie kommen. 4) Hast du schon in einem anderen Land gelebt? Wenn ja, bitte schreib den Namen des Landes. 5) Was willst du mal von Beruf werden? Kannst du mir sagen warum?

1) Qual é o seu nome? 2) Onde você nasceu? 3) Seus pais são alemães? Caso não o sejam, escreva, por favor, de onde eles vêm. 4) Você já morou em outro país? Caso já tenha morado, por favor, escreva o nome desse país 5) Que profissão você quer exercer? Você pode me dizer o motivo?

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QUESTIONÁRIO 2 – Alunos (A Q 2)

1) Warum musst du in die Schule gehen? Was denkst du? ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ 2) Letzten Freitag hast du dein Zwischenzeugnis bekommen. - Bist du zufrieden mit deinen Noten? Warum? ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ 3) Auf welche Schule wirst du übertreten, wenn du im Übertrittszeugnis die gleichen Noten wie im Zwischenzeugnis hast? ( ) Realschule ( ) Hauptschule ( ) Gymnasium 4) Was haben deine Eltern über deine Noten gesagt? ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ 5) In welche Schule möchtest du gehen? ( ) Hauptschule ( ) Gymnasium ( ) Realschule Warum? ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________

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Texto original aplicado Tradução

1) Warum musst du in die Schule gehen? Was denkst du? 2) Letzten Freitag hast du dein Zwischenzeugnis bekommen. - Bist du zufrieden mit deinen Noten? Warum? 3) Auf welche Schule wirst du übertreten, wenn du im Übertrittszeugnis die gleichen Noten wie im Zwischenzeugnis hast? ( ) Hauptschule ( ) Gymnasium ( ) Realschule 4) Was haben deine Eltern über deine Noten gesagt? 5) In welche Schule möchtest du gehen? ( ) Realschule ( ) Hauptschule ( ) Gymnasium Warum?

1) Por que você precisa ir à escola? O que você pensa a esse respeito? 2) Na sexta-feira feira passada, você recebeu o seu boletim parcial. Você está satisfeito com suas notas? Por quê? 3) Para que escola você vai, caso você tenha no boletim final as mesmas notas que você tem hoje (no boletim parcial)? ( ) Hauptschule ( ) Gymnasium ( ) Realschule 4) O que os seus pais disseram sobre as suas notas? 5) Para que escola você gostaria de ir? ( ) Realschule ( ) Hauptschule ( ) Gymnasium Por quê?

QUESTIONÁRIO 3 – Alunos (A Q 3) – Modelos A e B

Q3 MODELO A 1) Was findest du für die Berufswahl am wichtigsten? Markiere die folgenden Punkte nach der Wichtigkeit, nach der du deinen Beruf wählen würdest! (1 = sehr wichtig, 2 = wichtig, 3 = weniger wichtig, 4 = gar nicht wichtig) Für dich ist der beste Beruf: ( ) mit dem man viel Geld verdient ( ) mit dem man glücklich ist ( ) der sehr angesehen ist ( ) den deine Eltern für dich möchten 2) Kennst du jemanden, der in die Hauptschule geht, oder einen Hauptschulabschluss hat? Wenn du jemanden kennst, wer ist das (z.B.: ein Verwandter, ein Freund, ein Nachbar)? ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________

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3) Man sagt, dass das Gymnasium die besten Arbeitsplätze in der Zukunft ermöglicht. Bist du damit einverstanden? Warum? ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ 4) Man sagt, dass das Gymnasium die schwierigste Schule ist, bist du damit einverstanden? Warum? ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ 5) Was sind die 5 besten und 5 schlechtesten Berufe nach deiner Meinung? Zähl sie auf! Die besten Berufe Die schlechtesten Berufe 1._______________________________ 1._______________________________ 2._______________________________ 2._______________________________ 3._______________________________ 3._______________________________ 4._______________________________ 4._______________________________ 5._______________________________ 5._______________________________ 6) Für wen ist das Gymnasium die richtige Schule? Bitte, erkläre! ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________

Q3 MODELO B

1) Was findest du für die Berufswahl am wichtigsten? Markiere die folgenden Punkte nach der Wichtigkeit, nach der du deinen Beruf wählen würdest! (1 = sehr wichtig, 2 = wichtig, 3 = weniger wichtig, 4 = gar nicht wichtig) Für dich ist der beste Beruf: ( ) mit dem man viel Geld verdient ( ) mit dem man glücklich ist ( ) der sehr angesehen ist ( ) den deine Eltern für dich möchten

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2) Kennst du jemanden, der in die Hauptschule geht, oder einen Hauptschulabschluss hat? Wenn du jemanden kennst, wer ist das (z.B.: ein Verwandter, ein Freund, ein Nachbar)? ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ 3) Man sagt, dass die Haupschule die einfachste Schule ist, bist du damit einverstanden? Warum? ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ 4) Man sagt, dass das Gymnasium die schwierigste Schule ist, bist du damit einverstanden? Warum? ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ 5) Ich möchte wissen, ob ein Schüler, der auf die Realschule geht, später das Abitur mache kann und dann in dir Universität gehen kann? Geht das? Die besten Berufe Die schlechtesten Berufe 1._______________________________ 1._______________________________ 2._______________________________ 2._______________________________ 3._______________________________ 3._______________________________ 4._______________________________ 4._______________________________ 5._______________________________ 5._______________________________ 6) Für wen ist die Realschule die richtige Schule? Bitte, erkläre! ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________

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Tradução do modelo A Tradução do modelo B

1) O que você acha mais importante para a escolha de uma profissão? Marque as alternativas abaixo de acordo com a importância através da qual você escolherá a sua profissão. (1 = muito importante, 2 = importante, 3 = menos importante, 4 = sem nenhuma importância) Para você a melhor profissão é aquela: ( ) com a qual se ganha muito dinheiro ( ) com a qual se é feliz ( ) aquela que é bem reconhecida socialmente ( ) aquela que seus pais desejam para você 2) Você conhece alguém que frequenta a Hauptschule ou que já tenha nela se formado? Caso conheça, quem é essa pessoa (por exemplo: um parente, um amigo, um vizinho)? 3) Dizem que o Gymnasium possibilita os melhores trabalhos no futuro. Você concorda com isso? Por quê? 4) Dizem que o Gymnasium é a escola mais difícil. Você concorda com isso? Por quê? 5) Quais são, na sua opinião, as 5 melhores e as 5 piores profissões? Enumere! As melhores profissões As piores profissões 6) Para quem a Realschule é a escola certa? Por favor, explique!

1) O que você acha mais importante para a escolha de uma profissão? Marque as alternativas abaixo de acordo com a importância através da qual você escolherá a sua profissão. (1 = muito importante, 2 = importante, 3 = menos importante, 4 = sem nenhuma importância) Para você a melhor profissão é aquela: ( ) com a qual se ganha muito dinheiro ( ) com a qual se é feliz ( ) aquela que é bem reconhecida socialmente ( ) aquela que seus pais desejam para você 2) Você conhece alguém que frequenta a Hauptschule ou que já tenha nela se formado? Caso conheça, quem é essa pessoa (por exemplo:. um parente, um amigo, um vizinho)? 3) Dizem que a Hauptschule é a escola mais fácil. Você concorda com isso? Por quê? 4) Eu gostaria de saber se um aluno que frequenta a Realschule pode mais tarde fazer o Abitur e depois ir para a universidade? Isso funciona? 5) Quais são, na sua opinião, as 5 melhores e as 5 piores profissões? Enumere! As melhores profissões As piores profissões 6) Para quem o Gymnasium é a escola certa? Por favor, explique!

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APÊNDICE D − QUESTIONÁRIO (GRUPO BRASILEIRO)

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APÊNDICE E − PEDIDO DE AUTORIZAÇÃO PARA GRAVAÇÃO EM ÁUDIO E

VÍDEO (GRUPO BRASILEIRO)

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APÊNDICE F − AA 1 – HSU (ALEMANHA)

1. L: ((L coloca mapa no retroprojetor, enquanto fala)) wenn ihr Pause habt, in den beiden letzen Stunden, müsst ihr bitte trotzdem euren Tafeldienst machen - quando vocês tiverem pausa, entre as duas ultimas aulas, mesmo assim vocês por favor precisam fazer o serviço do quadro de avisos ((Inscrevem-se para falar, levantando a mão: Tc, Keith, Mathias, Nicklas e Simon)) ((L é interrompida por um aviso na rádio da escola)) „Achtung eine Durchsage an die Klasse Eins B... kommt jetzt bitte wieder in euer Klassenzimmer, die Frau Z ist da“ - “Atenção um aviso para a turma Um B... voltem agora por favor para a sala de aula de vocês, a Senhora Z está lá” ((Mathias, Giulio, Joseph, Juliana, Alekssandra e Nicklas pedem a palavra levantando a mão)) ((Alguns alunos tentam adivinhar as regiões da cidade a que o mapa projetado no quadro representa)) 2. Keith : ((incompreensível)) 3. Emily : ((incompreensível)) 04.Keith : ((incompreensível)) 5. L: ja …der Friedhof ist immer an der Kirche dran…also die Keith hat schon recht, wenn da Kreuze eingezeichnet sind …dann ist damit die Kirche gemeint… - sim... o cemitério é sempre nos arredores da igreja... então a Keith tem razão, quando as cruzes estão desenhadas... isso significa que pertence a uma igreja... ((L olha para Mathias concedendo-lhe a palavra)) 6. Mathias : ich glaub ãhm…ich habe das vergessen - eu acho ãhm... eu esqueci 7. Giulio ((fala em se inscrever e tem sua fala desconsiderada)): da wo jetzt der Wald ist…. -lá onde agora está a floresta 8. L: gestern habt ihr keine Karte bekommen…. - ontem vocês não receberam nenhum mapa 9. Emily : ((incompreensível)) 10.L: die Emily hat jetzt vermutet, dass das die Stadt von heute ist. Jetzt verrate ich es dir, welcher teil das von der Stadt ist….du bist bestimmt schon mal vom mplatz die ganze Einkaufsstrasse entlang gegangen bis zum S…bis zum Kplatz - a Emily agora supôs que isso é a cidade de hoje agora eu vou revelar para você que parte é essa da cidade... você já caminhou com certeza da praça M, a rua inteira de lojas de compras ate o S, do S até a praça K 11. Einige Schüler ((antworten im Chor/gemeinsamen/zusammen)): ja - PgrAls ((alguns alunos respondem em coro)): sim ((Simon está com a mão levantada)) 12. L: dieser Weg hier…von hier bis hier…das ist die Einkaufsstrasse vom Mplatz bis zum S - este caminho aqui ..daqui a aqui ((apontando no mapa)) isso é a rua de lojas de compras de praça M ate praça X até S

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((L olhar para Simon, concedendo-lhe a palavra)) ((Joseph está com a mão levantada)) 13.Simon : ich hab eine frage: wieso ist da oben so ein Kreuz? - eu tenho uma pergunta: por que tem lá em cima uma cruz? ((Joseph levanta a mão)) 14. L: das?…siehst du gleich... Jo - essa? ((apontando no mapa. Simon balança a cabeça em sinal positivo)) você já vai ver... Joseph 15.Joseph : das ist im Jahre 1200 - isso é no ano de mil e duzentos 16.L: ja das ist im Jahr 1200…gut erkannt...Joseph - isso se localiza no ano de mil e duzentos...bem notado...Joseph ((Keith e Funda estão com a mão levantada)) 17. Joseph : und ich glaub da ..ähm…da:: das ist die Pkirche - e eu acho que lá....ãhm...((o aluno aponta o dedo))...lá::... ((o aluno se levanta e vai até o mapa no retroprojetor e aponta)) isso é a igreja P. ((L olha para Joseph enquanto fala e faz um sinal circular com o dedo indicador que sinaliza que Joseph deve escolher o próximo aluno a falar. Joseph aponta para Keith)) 18.L: ja prima …die Kreuze da ..stehen für die Pkirche …gut … - sim ótimo... as cruzes lá... significam a igreja P... bom... ((Simon está com a mão levantada)) 19. Keith : und ich glaube... dass - e eu acho... que 20. L:.Simon - Simon 21.Simon : da hinten ist ja erst die Isar …da ganz da hinten…weil da steht nichts….weil das ist ja gar nicht mehr M…das war früher eigentlich voll winzig… - lá atrás fica: ((L aponta localizando no mapa)) bem lá atrás fica o rio... porque lá não tem nada... porque lá não é mais a cidade M... isso (a cidade) no passado era na verdade minúscula... ((Patrick levanta a mão)) 22. L: . unhum da hast du recht und die Keith hat über die Kreuze nachgefragt… Patrick - unhum nisso você tem razão e a Keith perguntou sobre as cruzes... Patrick 23. Patrick: die Fkirche - a igreja F ((Jo está com a mão levantada)) ((Simon, Keith, Luis e Pirm levantam também a mão)) 24. L: sehr gut..der Si hat recht…M war zu derzeit vom ersten Mauerring noch relativ klein…wenn du dir vorstellt... der Weg von der Fußgängerzone…vielleicht weist du noch …wer die erste Stadtmauer gebaut hat?...Joseph

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- muito bom... o Simon tem razão... a cidade foi naquele tempo da primeira muralha relativamente pequena... quando você imagina...o caminho da área de pedestres... talvez você se lembra quem construiu o primeiro muro da cidade?... Joseph 25.Joseph: ãhm...é:: - ãhm...é:: ((L aponta para Simon)) ((Keith, Luis e Pirm permanecem com a mão levantada)) 26. L: wer hat mit dem Bau der ersten Stadtmauer angefangen? - quem começou com a construção do primeiro muro da cidade? ((Pirm permanece com a mão levantada)) 27. Simon: ãhm... ich glaub de::r…ähm.. der Witt - ãhm... eu acho que::. ãhm... o Witt ((Pirm permanece com a mão levantada)) 28.L: unter welchem Herrscher? - sob o comando de que imperador? ((L olha para Pir)) 29. Pirm: unter Heinreich dem Lö - sob o comando do Lö ((Keith levanta a mão)) 30. L: ganz genau …unter Heinrich dem Löwen…der hat den ersten Mauerring um M gebaut, damit sich die stadt gut gegen Feinde wehren kann? Keith - exatamente... sob o comando do imperador Lö... que construiu a primeira muralha circulando a cidade M, para que a cidade pudesse se proteger/defender bem contra inimigos? Keith 31. Keith:. bürger….genannt - cidadãos... chamados... ((Stephanie, Joseph, Mathias, Michele levantam a mão)) 32. L: ja und da kommt das Wort Bürger her, erst hat M einen neuen Herrscher bekommen…und wurde immer größer und größer…größer…und irgendwann platze dieser erste Mauerring schon aus allen Nähten..es konnten keine Häuser mehr gebaut werden weil kein Platz mehr für die häuser da war…und die Leute konnten nicht mehr in die Häuser einziehen die schon da waren. weil die Häuser schon voll waren und es kamen immer mehr Leute in die Stadt ((Stephanie e Mathias continuam com a mão levantada)) d ie nach M gezogen sind weil in M das leben so schön war und da man viel Geld verdienen konnte und weil man drinnen im Mauerring keinen Platz mehr hatte, haben die sich einfach außen herum angesiedelt. …die haben da ihre häuser gebaut - sim e daí vem a palavra cidadão, primeiro a cidade M pegou/recebeu/ganhou um novo imperador... e se tornou cada vez mais maior e maior... maior... e um dia se trocou esse primeiro muro porque não coube mais todo mundo... não se podia construir lá mais nenhuma casa, porque não havia mais lugar para as casas... e as pessoas não podiam entrar pra viver nos limites de M. porque as casas já estavam cheias e chegaram cada vez mais pessoas em M. depois a cidade aumentou porque na cidade a vida foi tão bonita e as pessoas podiam ganhar muito dinheiro e porque as pessoas não tinham dentro do circulo do muro mais nenhum lugar, elas simplesmente se mudaram para fora da muralha e construíram as casas delas lá... ((L olha para Stephanie)) ((Michele levanta a mão)) ((L olha para Mi e balança a cabeça em sinal positivo))

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33. Stephanie: später… haben sie da noch einen Mauerring um die Häuser gebaut… da kamen dann noch mehr und die haben dann noch mehr Häuse gebaut und die haben dann noch einen Ring gebaut und den alten haben sie dann glaub ich abbgerissen oder weggemacht… damit sie es verbinden konnten… - mais tarde... eles construíram mais uma muralha por fora das casas e daí vieram ainda mais casas, e eles construíram mais casas ainda e construíram mais uma muralha e eu acho que a velha muralha eles destruíram mais casas para que eles pudessem se juntar 34. Michele:. es war 1250 - isso foi em mil duzentos e cinquenta ((Joseph está com a mão levantada)) 35. L: gut..also nur 50 jahre später…..sind schon so viele Leute mehr nach M gezogen….da war natürlich kein Platz... - bom... portanto 50 anos mais tarde...tantas pessoas se mudaram para M... naturalmente não tinha lugar... 36. Joseph ((fala, quando L faz uma pausa)): ( ) ((Simon levanta a mão)) 37. L: ihr beide habt vollkommen recht. das Problem war es natürlich…die Leute die lebten alle vor der Stadt…. außerhalb der Stadtmauer…. da gabs dann gleich mehre Probleme… Simon - vocês dois estão cobertos de razão o problema foi certamente isso... as pessoas... elas viviam todas na frente da cidade... fora do muro da cidade... isso então deu logo mais problemas... Simon ((Mathias levanta a mão)) ((Keith e Joseph levantam a mão)) 38. Simon: ich wollte - eu queria ((Joseph continua com a mão levantada)) 39. L: nein…da gabs mehrere probleme. Mathias - não... isso dá mais problemas. Mathias ((Joseph continua com a mão levantada)) 40. Mathias: ((incompreensível)) ((Joseph continua com a mão levantada)) 41. L: LAut! - ALto! ((Joseph continua com a mão levantada)) 42. Mathias: da kommen vielleicht so feinde…und greifen die an - então vieram talvez inimigos..e atacaram a cidade ((Joseph continua com a mão levantada)) 43. L: die hatten keinen Schutz da draussen vor der Stadtmauer ..Keith - não houve nenhuma proteção lá fora do muro da cidade... Keith ((Joseph continua com a mão levantada))

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44. Keith: wurden da auch welche zur Geisel genommen oder so was? - foram algumas pessoas feitas também reféns ou algo semelhante? 45. L: bestimmt…..Joseph - com certeza... Joseph 46. Joseph: die mussten dann immer ganz in die stadt rein…viele mussten auch bezahlen oder so - eles precisavam então sempre entrar na cidade muitos também precisavam pagar ou alguma coisa assim ((Michele, Simon e Mathias levantam a mão)) 47. L: ja… die haben ja in der Stadt größtenteils gearbeitet … und dann mussten sie durch diese engen Tore… und jetzt stell dir mal vor …da ist ein Tor und da wollen so viele Leute durch … jeden Tag am morgen und jeden Tag am Abend wieder raus… es ist wie bei der Autobahn in M … wenn die ganzen Leute zum arbeiten nach München reinfahren..gibt es Stau… und so war es früher auch ..die Tore wurden irgendwann zu klein..weil so viele Leute rein und raus wollten … es war gar nicht mehr machbar und… deshalb wie der Joseph und ( ) richtig gesagt haben … wurde eine zweite Stadtmauer gebaut … die muss natürlich viel größer sein … der Bau hat auch ganz schön lang gedauert… …den hat er Lud angefangen… und sein Sohn Lud II hat den dann zu Ende gebaut diesen zweiten Mauerring… Michele - sim... eles trabalharam a maior parte na cidade... e entao precisaram através desses estreitos portões... e agora imagine só... lá é um portão e por ele querem tantas pessoas atravessar... todo dia pela manhã e pela tarde novamente para fora... isso é como a rodavia em M... quando todas as pessoas dirigem para dentro da cidade para trabalhar... tem engarrafamento... e assim foi no passado também... os portões seriam a qualquer hora muito pequenos... porque tantas pessoas queriam entrar e sair... não foi de jeito nenhum possível e ... por isso como Joseph e ( ) disseram... foi construído uma segunda muralha... que tem que ser certamente bem maior ... a construção demorou bastante tempo. a construção do segundo círculo da muralha foi começada pelo imperador Lud segundo e terminou de construir até o fim essa segunda muralha... Michele ((Mathias e Simon permanecem com a mão levantada)) ((Simon estala os dedos pedindo atenção)) 48. Michele: das waren 50 jahre später - isso foi 50 anos mais tarde 49. L: genau….Mathias - isso mesmo...Mathias 50. Mathias: ((incompreensível)) 51. L ((dirigindo o olhar para Mathias)): die Jahreszahl wolltest du auch sagen - você queria dizer que foi nesse ano ((Joseph levanta a mão)) 52. Mathias: né::…mit der Stadtmauer und dass es zu eng wurde…..das hab ich vorhin vergessen - nã::o... a muralha da cidade é que virou estreita demais... isso foi o que eu esqueci há pouco ((Joseph continua com a mão levantada)) ((L começa a distribuir uma figura para a turma)) 53. L: das wolltest du auch sagen vorhin... prima - isso que você quis falar mais cedo... ótimo ((Joseph fala, sem que lhe seja concedida a palavra, mas em comentário ao desenho que acaba de receber de L que circula pela sala dando continuidade à entrega))

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54. Joseph: die sieht auch so ein bischen aus wie eine Armbrust - parece um pouco com uma arma antiga... ((L termina a distribuição das folhas)) ((Michele levanta a mão)) 55. L: so ein bischen wie so eine gespannte… armbrust ..ja da hast du recht … so kann man es sich vielleicht ganz gut merken… in der neuen Stadtmauer gab es viel mehr tore und wachtümer… weil das Gebiet ja viel viel größer war… das geschützt werden musste…Mi - então um pouco tenso uma arma antiga... uma arma antiga sim você tem razão... assim podem as pessoas se lembrarem talvez muito bem... no novo muro da cidade houve muito mais portões e torres de guarda... porque a região sim foi muito muito maior... precisava de ser protegido... Michele 56. Michele: das waren jetzt dann vier Tore - agora já eram então quatro portões ((Enquanto os alunos colorem e desenham, L guarda os materiais, desliga o retroprojetor)) 57. L: die vier Tore die du auf dem Bild siehst… waren ganz große Tore … mit großen Strassen… aber es gab auch noch ganz viele kleine Tore ..zwischen diesen großen Toren ..wo die leute rein konnten … die siehst du gut auf dem Bild, das ich dir jetzt austeile… und jetzt zeichnest du bitte mit einer Farbe auf dem Bild den ersten Mauerring ein und mit einer farben den zweiten Mauerring ein zwei verschiedene Farben reichen… ((Alunos conversando baixo)) - aqueles quatro portões que você vê na figura... foram portões enormes... com ruas grandes... mas tinha também muitos outros portões pequenos... entre esses portões grandes... onde as pessoas podiam entrar ... isso você vê bem nessa figura que eu estou entregando agora para você e agora desenhe por favor com uma cor na figura a primeira muralha e com outra cor o segundo circulo da muralha... ... uma, duas cores diferentes bastam…((Alunos conversando baixo)) Pausa 58. L: Erster Mauerring … zweiter Mauerring… die Strassen sollst du nicht anmalen nur den ersten und den zweiten Mauerring - primeira muralha ... segunda muralha... as ruas você não deve colorir... só o primeiro e o segundo círculo das muralhas. 59. Aluno: darf ich den stärker malen? - posso colorir mais forte? ((Simon e Pirm levantam a mão)) 60. L: auf deinem Bild… da siehst du… ganz viele Tore … die aus der stadt hinaus und hineinführen… vielleicht hast du schon eine Vermutung welches Tor welches sein könnte… besprich dich bitte mit deinem Nachbarn - na sua figura... você vê aí... muitos portões... que estão por dentro e pra fora da cidade dentro e entranhados na cidade... talvez você já tenha uma suposição qual portão qual poderia ser... discuta por favor com seu colega ao seu lado... ((Alunos conversando, trocando idéias sobre o trabalho. L toca o instrumento solicitando silêncio)) 61. L: Simon weisst nicht? - Simon não sabe? ((Keith levanta a mão pedindo a palavra)) 62. Simon: doch jetzt weiss ich es wieder… ähm … also da waren außen ganz viel Häuser… waren da auch Läden und so - sim agora já sei de novo... ãhm... então lá tinham muitas casas... existiam lá também comércios e tal ((Keith permanece com a mão levantada))

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((L olha para Keith e balança a cabeça em sinal positivo)) 63. L: ja da war auch Läden... wobei da wurde mehr auf dem Markt eingekauft - sim lá existiam comércios ... mas mesmo assim compravam-se mais no mercado central 64. Keith: ähh Nummer drei sieht fast so aus …wie der STtor... - ãhh o número três parece quase com... como o portão S... ((Michele, Mathias e Pirm levantam a mão)) 65. L: schauen wir mal…wir lösen mal auf….du siehst die Nummern an den Toren?... such mal die Nummer eins …hast du die Nummer eins gefunden? - vamos olhar aqui... nós já resolvemos... você vê os números nos portões?... procure o número eins... você encontrou o número um? 66. Einige Schüler antworten im Chor: ja - PgrAls : sim ((Simon, Stephanie, Emily e Pirm levantam a mão)) 67. L: . das ist das NTor gewesen… wir schauen uns gleich an …welche Tore es heute noch gibt und welche nicht das NTor… do NTor war eins von den 4 großen Toren … daneben war der Jungerfernturm… das war ein kleineres Tor… dann hier ist das SchTor…..das SchTor war auch eins von den großen Stadttoren … möchtest du weitermachen? Emily? … Simon - esse é o portão N... nós vamos olhar já... quais portões ainda existem hoje e quais não existem... o portão N... do portão N aos quatro grandes portões... lá perto foi a torre de tv antiga... esse foi um portão menor ((L aponta no desenho que tem nas mãos))... então aqui é o portão Sch.. o portão Sch foi também um dos grandes portões da cidade... você gostaria de continuar? Emily?... ((Emily balança a cabeça em sinal negativo)) 68. Simon: das 5das ist das S? - o cinco.... esse é o portão S? ((Paul levanta a mão)) 69. L: jetzt kommt erst noch ein kleineres tor……die nummer vier…das karlttor….die nummer fünf…ist nicht das Tor das nach STor führt…sondern….Si….das tor das Richtung G führt…wo die Salzfurwerke runter kamen…die Richtung wo das das D Museum stand….P - agora vem primeiro um dos portões menores...... o número 4.... o portão Karl..o número 5... não é o portão que leva até o STor... mas sim... Simon... o portão que leva à direção do G... onde desciam os vagões com o sal. na direção que está o museu D ... Paul ((L olha para Emily, o que se explica pela geografia da sala de aula)) 70. Paul: ich glaub das ITor - eu acho que é o portão 71. L: ganz genau…frage Emily? - exatamente... pergunta Emily? 72. Emily: bei dem KTor da gibt es... ... - próximo ao portão K tem um... ... 73. L: ja prima…weist du noch was drüber - sim ótimo... você sabe mais de uma coisa sobre este portão 74. Emily: ja das ist halt klein - sim ele é alto e pequeno

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75. L: genau das war eins von den kleinen toren die in die Stadt führten - isso mesmo ele é um dos pequenos portões que levavam até a cidade 76. Joseph : (( )) ((A Senhora sempre gosta de passear na cidade?)) 77. L: gern immer - é sempre bom ((Stephanie, Secde, Zara, Paul e Pirm levantam a mão)) 78. L: nummer sechs war auch ein ganz kleines Tor ….das Eintor ...Nummer sieben …das Anntor…..und die Nummer acht …das STor ……K hat vorhin gefragt welche von den toren noch stehen …von den großen vier Toren…NTor..SchTor….Isator und STor….stehen noch alle…am STor vorbeigelaufen….das Isator kennst du bestimmt auch …und das NTor ….das - o número seis era também um portão bem pequeno mesmo... o portão Ein... número sete... o portão Ann... e o número oito... o portão S... K já perguntou qual dos portões ainda existem hoje em dia... dos quatro grandes portões... o portão N... o portão Sch...todos existem ainda estão de pé... na região do STor por onde hoje em dia se passa... na área do portão N... o portão NTor você conhece certamente também... e o portão N... esse ((L não considera)) 79. Keith:. äh äh….((fala aflita a aluna, levantando a mão pedindo a palavra)) - äh äh…. ((fala aflita a aluna, levantando a mão pedindo a palavra)) 80. L: das SchTor ist das einzige Tor von den grossen Toren das nicht mehr steht … das SchTor stand am Oplatz ...ein bisschen hinter dem Odeonsplatz...da ist doch diese große Halle mit dem Lö da drauf….die kennst du vielleicht … die FHalle… ungefähr dort stand das Schwabinger Tor… etzt leg die Karte mal vor dich…und überleg mal…wo du ungefähr wohnst - o portão Sch é o único portão dos portões grandes que não está mais de pé... o portão Sch foi erguido na praça O... um pouco para trás da praça O... lá ainda está o grande Hall com a estátua do imperador Lö L em cima... ela você talvez conheça... no Hall F ficava mais ou menos o portão Sch... agora pega o seu mapa... e reflita agora ... onde você mora aproximadamente ((Alunos conversam)) 81. L: noch mal ein tipp zu errinnerung ….such erst das STor und dann überleg..wohnst du zwischem dem STor und der Stadt ..oder wohnst du vielleicht außerhalb dieses zweiten Mauerrings... - mais uma dica para sua memória lembrança procure primeiro o portão S e então reflita... você mora entre o portão S e a cidade... ou você mora talvez fora desse segundo círculo de muro ... .... ((Alunos conversam, L toca o instrumento e os alunos começam a se silenciar, L começa a entregar as pedrinhas)) 82. L: du siehst.. für uns heute .wäre der zweite Mauerring auch schon viel zu klein… nicht einmal unsere Schule wäre da drin gewesen … du schreibst jetzt bitte in dein Heft die Überschrift … dann klebst du das Bild ein..und unter das Bild schreibst du dir auf welche Tore die Nummern sind … und wenn du es aufgeschrieben hast und eingeklebt hast dann machen wir eine Essenspause… wenn du fertig bist..kommt dein Heft unter die Bank… - você vê que para nós hoje o segundo círculo da muralha já seria pequeno demais nem a nossa escola ficaria dentro você escreverá agora por favor em seu caderno um título... então você cola a figura no caderno e escreve embaixo quais portões correspondem a quais números.... e quando você tiver escrito e colado a figura ... então nós faremos o intervalo para o lanche... quando você estiver pronto, coloque seu caderno embaixo da carteira... ((L apanha o livro que lê todos os dias no intervalo, enquanto os alunos lancham na sala e aguarda a maior parte dos alunos começar a comer... 3 minutos depois, inicia a leitura))

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APÊNDICE G − AA 2 — MATEMÁTICA (ALEMANHA)

((Mathias, Keith, Emily pedem a palavra levantando a mão direita)) 1. L : wer mag die Nummer vier machen? Keith ist das eine Meldung?... ja? - quem quer fazer o número quatro? Keith isso é um pedido para falar?...é? 2. Keith: ja - é 3. L: lies vor u::nd .. Mathias kontrolliert - leia em voz alta e:: .. Mathias controla 4. Keith: “lisas Handgegpäck wiegt vier Komma fünf kilogramm... Ihr Koffer ist fünfundzwanzig kilogramm und vierhundert gramm [schwer] - “a mala de mão de Lisa pesa quatro vírgula cinco quilos... a mala dela está vinte e cinco quilos e quatrocentos gramas pesada 4. Einige Schüler: [schwerer] Alguns alunos ((Os alunos dizem de modo sussurrado)): mais pesado ((corrigindo a colega)) 5. Keith: schwerer schwerer schwerer é:: “einen Teil des Handgepäcks muss sie bei der Gepäckaufgabe in den Koffer packen... nun wiegt das Handgepäck nur noch zwei kilogramm und neunhundert gramm… Frage wie viel muss Lisa noch bezahlen? „rechnung….vier komma fünf kilogramm zwei komma neunhundert kilogramm ist einthousandundsechhundert - mais pesado mais pesado mais pesado ((repete a aluna de modo rápido)) é:: “parte do conteúdo da bolsa de mão ela tem que colocar na mala no serviço de entrega de bagagem... agora a bolsa de mão pesa só mais dois quilos e novecentos gramas... pergunta quanto ela tem que pagar ainda? “cálculo... quatro vírgula cinco quilos dois vírgula novecentos gramas é um mil e seiscentos 6. Mathias: und sieben kilogramm mal sieben eu:ro - e sete quilos vezes sete e:uro 7. Keith: ja ja stimmt ja...und ...é:: die Lisa muss noch neunundvierzig Euro bezahlen - é é é verdade é...e...é:: a Lisa precisa pagar ainda noventa e cinco euros 8. Mathias: richtig - certo 9. L: Prima, die war nämlich ganz gut - ótimo, isso foi de fato muito bom 10. Pir ((falando baixo e sem se inscrever)): das war schwierig - isso foi difícil 11. L: SCH-WIE-rig? wer hat denn die geschAfft wer hat denn die geLÖst? ((Quase todos os alunos levantam a mão)) a:::: su:::per…so vi:ele Kinder haben eine so schwere Aufgabe gelöst... ((Mathias e Simon pedem a palavra levantando a mão)) da könnt ihr stolz auf euch sein.. dIE NÄCHSTE wird wieder ein bischen leichter gell?. wer mag die machen? Simon liest vor… Mathias kontrolliert - DI-FÍ-cil? quem conseguiu quem então reSOlveu? ah:::::: ó:::timo...tá:ntas crianças conseguiram resolver uma tarefa tão difícil, então vocês poderiam ficar orgulhosos de si mesmos... a PRÓXIMA será de novo um pouquinho mais fácil, não é? quem quer fazê-la? Simon lê... Mathias controla 12. Simon: ähm... “die flug, die Flugstrecke Frankfurt-Bremen ist rund dreihundert kilometer lang. von Frankfurt nach Moskau ist es sechs mal so weit. Frage a: Wie weit ist es von Fra nach Moskau?... “ - ähm... “o voo , o trajeto do voo Frankfurt – Bremen é arredondando de trezentos quilômetros. de Frankfurt a Moscou é seis vezes mais distante... pergunta a qual é a distância de Frankfurt a Moscou?

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13. Mathias:. richtig - certo 14. Simon:. A:ch sechs mal drei hundert ist eintausendachthundert - A:ch seis vezes trezentos é mil e oitocentos 15. Mathias:. sechs mal drei hundert KILOmeter ist tausenderachthundert KILOmeter - seis vezes trezentos quiLÔmetros é mil e oitocentos quiLÔmetros ((Funda levanta a mão e aguarda)) 16. Simon: von Frankfurt nach Moskau sind es tausendachthundert kilometer - de Frankfurt a Moskou são mil e oitocentos quilômetros 17. Mathias: richtig - certo ((Funda está com a mão levantada e olha aflita para L que não olha em sua direção)) 18. Funda: Frau P? - Senhora P? 19. L: Funda - Funda 20. Funda ((lendo sua resposta)): es dauert von Frankfurt nach Moskau tausendachthundert kilometer - demora de Frankfurt a Moscou mil e oitocentos quilômetros 21. L: ja, aber es DAUERT ist eine Zeit und es heißt aber „wie weit ist es“ ... ja - sim, mas DEMORA é um tempo e (a pergunta) é “qual é a distância?”... sim 22. Funda: Frau P? - Senhora P? ((Giulio está com a mão levantada)) 23. L: AUch eine Frage? ... ((40 segundos de pausa)) - TAMbém uma pergunta? ((Os alunos fazem barulho enquanto guardam a folha e conversam um pouco entre si...)) 24. L: wenn du keine Fragen mehr zur Mathehausaufgabe hast dann sammeln die Einsammler bitte die Arbeitshefte ein... ((46 segundos de pausa)) - se você não tiver mais nenhuma pergunta sobre o dever de casa de matemática então os ajudantes recolhedores juntam por favor os cadernos de trabalho ((Joseph pede a palavra levantando a mão)) ((L olha para Joseph e pisca para ele)) 25. L: a lso ich hab ein Übungsblatt gemacht… dieses Übungsblatt ist eine super Vorbereitung auf die probe ..also macht es ganz gut ordentlich… konzentrier dich… wenn du irgendwas nicht verstehst fra::g mich… - então eu fiz uma folha de exercício... essa folha de exercício é uma super preparação para a prova... então faça muito bem... como deve ser feito... se concentre... se você não entender alguma coisa pe::rgunte para mim... ((Patrick pede a palavra levantando a mão. Inscrevem-se, em seguida, também Keith, Michele, Dennis, Therese))

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26. Joseph: sieht die Probe dann so ähnlich aus? - a prova é então tão parecida? ((L olha para Patrick e balança a cabeça em sinal positivo)) 27. L: lass dich überraschen - deixa você se surpreender 28. Patrick: darf man mit Füller schreiben? - a gente pode escrever com caneta tinteiro? ((Keith está com a mão levantada)) 29. L: mit Füller willst du schreiben? natürlich kannst du immer mit Füller schreiben..du darfst nur nicht mit Füller zeichnen … zeichen nur mit Bleistift… schreiben i::mmer und überall … Keith - com caneta tinteiro você quer escrever? é claro que você pode sempre escrever com caneta tinteiro... você só não pode desenhar com caneta tinteiro... desenhar só com lápis... escrever se::mpre e em qualquer lugar [com caneta]... Keith 30. Keith: Ist besse::r Bleistifft oder die Kuli? - é melhor com lápis ou caneta esferográfica? 31. L: k annst du heute mit Kuli... wir machen die erste Seite von der Blatt heute in der Schu:le und die zweite Seite ist deine Hausaufgabe... bi:tte auch wenn du super schnell bist und ich weiss dass du die erste Seite schnell schaffst und dann mit der zweiten Seite anfangen möchtest… bitte heb dir die zweite Seite für zu Hause auf ..wenn du die erste Seite fertig gelö::st HAst … nimm bitte eine Aufgabe von hi::er da sind noch ganz viele tolle Übungsaufgaben mit den Sachen die auch in der Probe drankommen ... noch Fragen? - hoje você pode com caneta esferográfica... nós fazemos hoje a primeira folha do papel na esco:la... e a segunda página é o seu dever de casa.. po:r favor mesmo se você for super rápido e eu sei que você consegue a primeira página rápido e então quiser começar com a segunda página... por favor guarda a segunda página para casa... quando você tiver solucionado a primeira página... pega por favor uma tarefa daqui... lá tem ainda um monte de exercícios legais com as coisas que vão cair na prova.... ainda perguntas? ((Um aluno espirra)) L: . gesundheit! - saúde! ((Alunos falam em tom baixo; fazem contas oralmente, individualmente, falam baixo com colegas. Por alguns instantes, há quase um silêncio completo na sala de aula. Alguns alunos (Luis, Julius, Michele, lekssandra, Simon, Stephanie) vão à mesa da professora para solucionar problemas de compreensão dos enunciados da tarefa. A professora conversa em tom muito baixo com cada aluno que vai à sua mesa. Há momentos que há 5 alunos junto ao quadro, aguardando em silêncio pela professora numa espécie de fila. Um aluno espirra...)) ((O mesmo aluno espirra novamente e agora um outro aluno diz: – Gesundheit!.)) ((Alunos continuam contando, falam baixo… de repente, L interrompe a explicação que dá a um aluno em sua mesa e diz)): 32. L: wieso wird hier jetzt so viel geredet? Simon? Paul? - por que tem tanta conversa agora? Simon? Paul? ((De 32 ao início de 34 houve um intervalo de 10 minutos. L continua tirando dúvidas em sua mesa, há mais barulho na sala agora. O barulho cessa. 2 minutos depois reinicia e então a professora se dirige ao grupo dizendo o que se lê em 33))

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33. L: ES WIRD NICHT geschwätzt … wenn du eine Frage hast... kommst du zu mIr … wenn du mit dem Blatt fertig bist…nimmst du dir ein Blatt aus der Kiste … arbeite konzentriert das ist eine Vorbereitung für morgen … - não é pra murmurar... se você tiver uma pergunta. venha para mim... se você estiver pronto com a folha... você tira uma folha da caixa... trabalhe concentrado isso é uma preparação para amanhã... ((L explicando para um aluno☺) L:. Dann musst du kucken ob am ende xx rauskommt Oh (nome de aluno) hör bitte einmal zu wenn ich was erkläre… du sollst die zahl rausfinden….ja eben dann ist das die Lösung…. ((O barulho em sala de aula recomeça. De 34 ao início de 36, houve um intervalo de 5 minutos)) 34. L: ihr nehmt euch jetzt bitte schnell eine Aufgabe und setzt euch wieder hin und LÖST sie … das ist nicht in Ordnung… es ärgert mich, dass du so was mit den Karteikarten machst - vocês peguem agora rapidamente uma tarefa e sentem-se de novo e a RESOLVA... isso não está em ordem... me irrita que você faça uma coisa dessa com as fichas ((Enquanto fala L caminha em direção à mesinha com as atividades e diz para um grupo:)) L: nein du sollst es nicht draufschreiben …siehst du dass es die richtige Lösung ist … - não você não deve escrever em cima [na fixa]... você vê que a resposta certa é... Giulio ((fala em tom baixo e sem se inscrever)): fertig! - pronto! ((Há agora inúmeras crianças na frente da sala na caixa de atividades. A professora se levanta da mesa, observa os alunos, selecionando atividades para realizar e se dirige a Pa dizendo:)) Patrick : es gibt keine Karteikarten - não tem nenhuma ficha L: sind keine Karteikarten mehr da? - não tem nenhuma ficha mais lá? Patrick ((em tom muito baixo e com a cabeça baixa)): nein… sachaufgaben meine ich - não... problema matemático quero dizer L: sind keine Karten mehr drin? - não tem nenhuma ficha mais dentro? ((L balança a cabeça em sinal de discordância e insatisfação com que o aluno diz)) Patrick : nein, also keine gelben - não, então nenhuma amarela ((Muitos alunos já finalizaram até mesmo a atividade extra e já há bastante conversa. L olha para o relógio na parece e coloca para tocar o cd com a música que indica que a atividade deve ser encerrada. Ao ouvir o cd, as crianças que estavam à frente da sala, correm, literalmente, para os seus lugares. Apenas Pirm volta lentamente para o lugar. Constitui rotina desse grupo, sinalizar para a professora por meio de a mão direita levantada (como se inscrevessem para falar) e do dedo indicados da mão esquerda sobre a boca (sinal de silêncio) que já estão prontos para a próxima tarefa. L normalmente caminha pela sala e os alunos, que assim se comportam, ganham uma pedrinha que faz parte de um sistema de recompensa por comportamento positivo. Mas, nesta aula, a professora não o faz. Assim, percebendo que os alunos já aguardam, diz o que se lê em 36. De 35 ao início de 36 houve um intervalo de 9 minutos)) 35. L: einige Kinder haben GANZ leise und konzentriert gearbeitet das finde ich ganz prima andere Kinder finden es leider wichtige::r zu schwätzen anstatt sich auf das Matheübungsblatt zu

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konzentrieren, das finde ich se::hr schade, weil ich dir vorhin extra gesagt hab dass es nochmal die Vorbereitung für die Probe… die morgen ist... und du bitte leise und konzentrierst arbeiten sollst… ((Zara,Emily,Keith,Giulio,Mathias,Stephanie,Hanna se inscrevem para falar)) wir kontrollieren die erste Seite gemeinsam und die zweite Seite ist als Hausaufgabe zu machen… deine erste aufgabe liest du bitte so vor: die zahl hat so und so viele einer so und so viele zehner..so und so viele hundeter…nummer eins Em liest vor und K kontrolliert. - algumas crianças trabalharam COMPLETAMENTE quietas e concentradas isso eu acho realmente ótimo outras crianças acham infelizmente mais importa::nte tagarelar ao invés de se concentrar na folha de exercício de matemática isso acho mu::ita pena porque antes eu disse especialmente para você que isso é de novo a preparação para a prova.... que é amanhã.... e que você deveria trabalhar de modo quieto e concentrado... nós controlaremos a primeira página juntos e a segunda página é para fazer como dever de casa... a sua primeira tarefa você por favor leia assim o número tem esse e esse tanto de unidade esse e esse tanto de dezena... esse e esse tanto de centena... número 1 Emily lê em voz alta e Keith controla 36. Emily: die...der. das erste hat acht einer - o...a...o primeiro tem oito unidades 37. Keith: richtig - certo 38. Emily: null zehner - zero dezenas 39. Keith: richtig - certo 40. Emily: drei hunderter - três centenas 41. Keith: richtig - certo 42. Emily: null tausender und null zehntausender - zero na casa de milhar e zero na casa de dez milhar 43. Keith: richtig - certo ((Dennis e Therese estão com a mão levantada)) 44. Emily: und acht Huntertausender - e oito na casa de milhar 45. Keith: richtig - certo ((Emily olha para L que faz um sinal com a mão, que significa que é Keith quem deve escolher os dois colegas que darão sequência ao exercício. Keith se vira para trás e observa quem está com a mão levantada. Então, ela aponta com o dedo para os únicos dois colegas que se inscreveram: Dennis e Therese)) 46. Therese: die zweite Aufgabe hat zwei Einer - a segunda tarefa tem duas unidades 47. Dennis: richtig - certo

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((Joseph e Funda estão pedindo a palavra)) 48. Therese: vier Hunderter - quatro centenas 49. Dennis: note Eins - nota um 50. Therese: drei Tausende - três milhares 51. Dennis: richtig - certo 52. Therese: sieben Zehntausender - sete unidades na casa dos dez mil 53. Dennis: richtig - certo ((Therese olha para Funda e Joseph e balança a cabeça em sinal positivo)) 54. Funda: zwei Einer, eine Zehner vier Hundeter null tausender sieben zehntausender dreihunderttausender - duas unidades uma dezena quatro centenas zero milhar dez milhares e três 55. Joseph: richtig - certo 56.L: reiundsiebzigtausendvierhundertzwölf...sieht so aus...((escrevendo no quadro 73412)) - setenta e três mil quatrocentos e doze é assim 57. Einige Schüler : u:::um - pGrAls : u:::um 58. Funda: nein….stimmt.. - não...é mesmo... 59. L: ((olha com surpresa para Funda)): dreiundsiebzigtausend heißt die Aufgabe… dann sieht es so aus 73412 - setenta e três mil quatrocentos e doze é assim que se escreve o número como pede a tarefa ((aponta para o número escrito 73412 no quadro)) 60. Funda : die dritte Aufgabe hat null Einer drei Zehner - a terceira tarefa tem zero unidades três centenas 61.Joseph: richtig - certo 62. Funda: null Hunderter - nenhuma centena 63. Joseph: note eins - nota um 64. Funda: fünf Tausender - cinco unidades na casa do milhar 65. Joseph: richtig

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- certo 66. Funda: null Zehntausender und null Hunderttausender und eine Million - zero unidades na casa de dez milhares e zero unidades na casa de cem milhares e um milhão 67. Joseph: richtig - certo 68. Funda: die vierte Aufgabe hat sieben Einer und zwei Zehner - a quarta tarefa tem sete unidades e duas dezenas 69. Joseph: richtig - certo 70. Funda: Fünf Hunderter, neun Tausender und neun Zehntausender - cinco centenas, nove unidades na casa do milhar e nove unidades na casa de dez mil 71. Joseph: richtig - certo 72. Funda: die letze Aufgabe hat null Einer, neun Zehner, null Hunderter, null Tausender, fünf Zehntausender - última tarefa tem zero unidade, zero dezena, zero centena, zero milhar e cinco unidade na casa de dez mil 73. Joseph: note eins - nota um 74. Funda: Zwei Hunderttausender - dois na casa dos cem mil 75. Joseph: richtig - certo ((Pirm e Mathias levantam a mão)) 76. Funda: null Hunderter und zwei Hundertausender - nenhuma centena e duas unidades na casa de cem mil 77. Joseph: korrekt - correto 78. Giulio: note Eins mit tausend Sternchen - nota um com 5 mil estrelinhas 79. L: nummer zwei “Welche Folgen führen genau zur Zahl Neunzigtausend? kreuze an. Pirm und Mathias - número dois qual sequência leva exatamente ao número noventa mil? faça um x Pirm e Mathias 80.Pirm: ähm Sechzigtausend also ((fala em tom baixo com dificuldade)) - ahm sessenta mil então 81. L: a:::hh... sag bitte folge nummer eins …folge nummer .zwei … folge nummer drei - fale por favor sequência um... sequência dois... sequência três 82. Pirm: folge nummer eins - sequência um 83. Mathias: richtig - certo

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84. Pirm: Folge nummer. Drei geht - próxima sequência é o número três 85. Mathias: richtig...richtig - certo...certo ((L, ao ver que há alunos se inscrevendo enquanto ela fala, interrompe sua fala, porque ela não está certa de que os alunos que estão com a mão levantada o fazem porque não estão entendendo o que ela diz ou porque já se inscrevem para a leitura da próxima tarefa.)) 86. L: wenn du nur ein Kreuzchen hast… reicht das nicht, du musst ein Kreuzchen bei der zweiten und dritten folge haben … fragen oder weitermachen? - se você tiver só um xzinho... não é o suficiente você precisa de um xzinho na segunda e na terceira... perguntas ou é para continuar? 87. Einige Schüler im Chor : weiter - pGrAls : continua ((L olha para quem está inscrito. Joseph e Mathias estão com a mão levantada)) 88. L: gut. die nummer drei Jo liest vor und Ma kontrolliert - bom o número três Jo lê em voz alta e Ma controla 89. Joseph: die größte zahl ist neunhundertsiebenundachtzigtausendsechshundertzweiunddreizig - o maior número é novecentos e oitenta e sete mil seiscentos e trinta e dois... 90. Mathias : richtig - certo 91. Joseph: und die kleinste zahl ist hundertdreiundzwanzigtausendsechshundertachtundsiebzig - e o número menor é cento e vinte e três mil seiscentos e setenta e oito... 92.Mathias : richtig - certo ((Funda, Zara, Emily,Keith,Niklas, Therese inscrevem para falar)) 93. L: gibt’s zu der aufgabe no::ch: eine FRAge?. oder haben die alle richtig? ja? eine sechsstellige zahl bedeutet, dass die zahl sechs ziffern hat, also eine hunderttausender zahl ist... und die NU-MER vi::er Keith liest vor und te kontrolliert - tem a::inda uma PERgunta para essa tarefa? ou todos as fizeram certo? sim? um número de seis - casas significa que tem seis dígitos então é um número de casas de cem mil... e o numero quatro Keith leia em voz alta e te controla 94.Keith: siebenhundertfünftausendeinhundert plus fünfundvierzigtausend ist siebenhundertfünzigtausendeinhundert... die Zahl heißt ((lendo com muita dificuldade o número)) siebenhundertfünzigtausendeinhundert - setecentos e cinco mil e cem mais quarenta e cinco mil é igual a setecentos e cinquenta mil e cem... o número é setecentos e cinquenta mil e cem 95. L: [prima]... - ótimo 95. Keith : é:: - é:: 96. L: noch eine Frage? - mais uma pergunta?

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97. Keith: né né - não não 98. L: “welche zahl muss ich nur um eins vergrößern, damit ich die größte sechsstellige zahl erhalte?” - “qual número eu tenho que somar um pra que eu recebo o maior número de seis dígitos?” 99.Keith: neunhundertneunundneunzigtausendneunhundertachtundneunzig plus eins ist neunhundertneunundneunzigtausendneunhundertneunundneunzig - novecentos e noventa e nove mil novecentos e noventa e oito mais um é novecentos e noventa e nove mil novecentos e noventa e nove 100. L: wenn du gerechnet hast neunhundertneunundneunzigtausendneunhundertneunundneunzig minus eins ist neunhundertneunundneunzigtausendneunhundertachtundneunzig ist das genauso richtig - se você tiver calculado novecentos e noventa e nove mil novecentos e noventa e nove menos um é igual... esse é igualmente certo 101. Therese: richtig - certo 102. Keith: ich habe ein Million minus eins ist neunhundertneunundneunzigtausendneunhundertneunundneunzig - eu tenho um milhão menos um é igual novecentos e noventa e nove mil novecentos e noventa e nove 103. L: es muss aber eine sechsstellige Zahl sein... ein Million hat se::::ben Stellen die Lösung Keith heißt... ((dando a palavra para K)) - mas é preciso um número de seis digitos... um milhão tem sete dígitos a resposta Keith é... 104.Keith: neunhundertneunundneunzigtausendneunhundertachtundneunzig - novecentos e noventa e nove mil novecentos e noventa e oito 105. L: super dann kommt das Blatt in deine „Wichtig-Mappe“ und du machst Seite zwei zu Hause Keith Patrick... und Elisa Kommando-Zick-Zack... ich bräuchte bitte zwei Kinder die nicht so gern mitspielen ähm geht ihr bitte ins Sekretariat und fragt nach der Nina und dann brauch ich noch zwei Kinder… Luis und Joseph..holt ihr bitte bei der Frau Richter da ist gerade Niemand drin den Projektor… - super então coloque a folha na sua pasta dura de coisas importantes e você faz a página dois em casa... Keith Patrick e Elisa comando Zick-Zack... eu precisaria por favor de duas crianças que não gostam tanto de jogar junto... ahm... vão vocês por favor na secretaria e perguntem pela Nina... e então eu preciso ainda de duas crianças ... Luis e Joseph busquem por favor na sala da Senhora Richter lá agora não tem ninguém o projetor... ((Alunos brincam. Toca o sinal indicando o fim da aula)) 106. L: u:nd die letze Ru:nde….letzte Runde… - e:: a última roda:da... última rodada... L apanha o livro e começa a leitura, enquanto os alunos lancham.

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APÊNDICE H − B A1 P — HISTÓRIA (BRASIL)

1 P: tem alguém que está com livro de hisTÓRIA?... 2 Raul : profe/ o dever... 3 P: alguém está com o livro de história?... ... ... livro de HISTÓRIA aí por favor 4 Rafael: pode ser o livro de matemática? 5 P: quem está com o livro de história aí faz favor... ... ... ((Ricardo: até parece que a professora vai deixar vocês brincar com isso)) ((Vitor Nunes e Vinícius estão atrasados, entram na sala de aula e param para conversar com Ítalo que se senta perto a porta e juntos assistem televisão em um celular)) 6 P: OI... psiu...eu estou aqui ((repreendendo Vitor Nunes, Vinícius e Ítalo))... ... gente tem alguém

que ESTÁ com o livro de história AÍ por favor 7 Vitor Nunes: não 8 P: não? ninguém está? ((Raul se levanta e vem mostrar o caderno para P)) pode levar lá pra

mim ((se dirigindo a Raul)) 9 Raul: não... não é isso não...eu queria mostrar pra senhora esse exercício aqui ó ((mostrando

para o caderno)) que a senhora pediu aquele dia e não corrigiu 10 P: unrum... o::lha gente... psiu... é:: hoje nós vamos falar um pouquinho sobre o dia NACIONAL

da consciência negra ... 11 Yan: ê:::ba eu sou né::GRO ((levantando os braços em sinal de comemoração)) 12 Felipe Lima. mas não tá no dia ainda 13 P: não tá no dia ai::nda... realmente a gente comemora no dia VINTE de novembro não é isso?... ((Batem à porta, Ítalo abre e chama Rafael. P caminha na direção da porta e checa o que está acontecendo. Um aluno das séries iniciais está entregando óculos escuros para Rafael)) 14 Rafael : hoje é dia 20? ((PgrAls riem debochando da falta de atenção do colega)) 15 P: nós comemoramos né? o dia da consciência negra no dia VINTE de novembro né? mas a

gente vai começar a falar hoje um pouquinho sobre esse di:a...porque que esse dia existe... né? e como é que nós que vivemos em socieDADE podemos PERceber como é que é:: como é que o negro vem sendo tratado né? na nossa sociedade atual... né?... vocês acham que: é:: existe ainda um tratamento diferenciado né? em relação aos NEGROS na nossa sociedade?... ... ((Ricardo caminha até P entregando a atividade avaliativa solicitada por P na aula anterior... P balança o dedo em sinal negativo para Ricardo que volta para o lugar)) o que vocês acham?... ... ... ((Yan ri muito alto)) vocês acham que isso acontece?... vocês acham que é::: o negro ainda é tratado de forma diferenciada?

16 Milena: Unrum 17 Eduarda : é 18 Raul : é professora eu acho Vinícius:. nem tomei café hoje

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Vitor Nunes:. o que? 19 P: é? vocês acham que ainda EXISte discrimiNA::çã::o? 20 Ricardo: anram 21 Raul: mas tá diminuindo professora ((P olha na direção de Raul e balança a cabeça em sinal de

concordância)) 22 Lauanda : aqui na sala professora 23 Raul: é verdade professora... foi uma vez só 24 Natã: Matheus sofre né Matheus? 25 Yan: [incompreensível] 26 P: como é que é? ((dirigindo-se a Yan)) 27 Yan: hoje de manhã no meu escolar um menino me chamou de::: nêgo vagabundu 28 Ítalo ((dirigindo-se a Ricardo em tom baixo)): vai dizer que não é... 29 P: pois é... é:: e essa discriminação GENte ela não acontece só no:: em relação a xinga:r... a

falar:: não a a a:: como ele contou que no escolar dele um menino xi::ngou o o:utro... não só com relação a esse tipo de ofensa... mas a gente percebe isso também com relação aos saLÁ::rios né? ainda existe diferença de salário de negros e brancos né? em determinadas profissões né? a gente ainda consegue perceber que existe discriminação... com relação aos negros né?...o ACESSO as universiDADES... não é isso? então a gente ainda percebe... apesar de de:: TO:::da essa ca::mpanha né? de to::do esse movime::nto né? pra acabar com a discriminação... a gente ainda percebe que na NOSSA sociedade ainda existe né?... uma discriminação... com relação é::: aos negros, não é isso?... inclusive né gente? hoje em dia discriminar é ATÉ::

30 Rafael: crime 31 P: cri:me né? MESMO ASSIM essa discriminação ainda vem ACONtecendo... né? agora a gente

vai falar um pouquinho sobre esse dia...da consciência negra e porque que ele surgiu, tá? ((P vira-se imediatamente para o quadro e começa a escrever))

32 Yan: ahh tá 33 Raul: uai professora é falar... não é escrever ((Eduarda olha para Raul e ri)) ((P se vira e começa a escrever no quadro o que se lê abaixo)) “No Dia 20 de novembro, comemoramos o Dia da Consciência Negra. Em todo o país acontecem eventos que lembram a história dos negros, falam da importância da cultura dos povos africanos e da importância deles em nossa sociedade. Os africanos chegaram ao Brasil para trabalhar como escravos a partir da segunda metade do século XVI. Embora o fim da escravidão tenha sido declarado em 13 de maio de 1888, a homenagem é feita no dia 20 de novembro. Isso porque nesse dia, no ano de 1685, foi morto um dos importantes representantes dos negros: Zumbi”. ((Boa parte dos alunos começam a conversar baixinho com os colegas mais próximos e a câmera captura as falas destacadas)) Ítalo: Vinícius? Vinícius: ãh? ((olhando para trás e procurando quem o chamou))

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Ítalo: Vinícius? oito horas e dez minutos... começa o jogo Vinícius:. já é oito horas? Vitor Nunes:. oito horas é?... lá nos Estados Unido s Vinícius:. não sei ((olha para o relógio na parede, pega na bolsinha de lápis seu relógio de pulso batendo na carteira para a bateria voltar a f uncionar. Vitor Nunes e Vinícius se entreolham e riem)) Lauanda ((olhando para a pesquisadora no fundo da s ala)):. ô Fernanda? tá gravando a Thaís? ((Fernanda balança a cabeça em sinal negativo)) 34 P: gente eu vou abrir a porta porque tá mui:to calor tá? 35 Raul: professora? ((P não olha, continua virada para o quadro escrevendo)) hoje que é o dia da

consciência negra? Ana Luíza: não não Raul: devia ser todo o dia ((Eduarda se vira para o colega)) Lauanda: não menino... hoje é dia vinte de novembro ? Yan : hoje é dia vinte? se for dia vinte... Raul: ia ser bem melhor a aula depois Yan : não é porque dá sábado Raul: nã::o dia 18 é quinta Rafael: i:: é sábado... não viaja não! Ítalo: Matheus? ((P disponibiliza 15 minutos da aula para que os alunos copiem o que se lê acima. Muitos alunos começam a conversar depois de 10 minutos. Algumas das conversas paralelas podem ser lidas abaixo)) Lauanda: é Ivana ((tentando reconhecer o que um gru po de crianças que grita na quadra)) Vitor Nunes: ((reproduz com mímicas um grupo de cri anças que grita na quadra)) Yan: I- VA-NA ((reproduz o que o grupo de crianças que grita na quadra)) Thaís: cada um mais bobo do que o outro ((A maior parte dos alunos conversa em tom baixo, o que faz com que demore para copiarem o que está no quadro escrito)) Felipe Lima: a:::: fi duma égua é ocês, né? ((dirig indo-se a Vitor Nunes e Vinícius e se referindo

a um cheiro de lanche que sentia. Felipe Lima comen ta com Matheus)) Matheus: tá gravando aí que ele tá comendo Thaís: VÍNIcius tá gravando aí você comendo

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Vinícius: tá gostoso Vitor Nunes: depois ela tira essa parte aí Thaís: não tira não Ítalo: ViNÍcius ((chama fazendo gesto com a mão e e m seguida faz mímica que ele tá

comendo)) Vinícius: tomei café não Ítalo: também não Vinícius ((baixinho)): então problema seu 36 P: psi::u ((fechando a porta da sala. Há mais barulho fora da sala de aula. Pode-se ouvir o barulho do giz com que P escreve no quadro)) ((Bate à porta e entra uma funcionária e deixa um pacote de atividades xerocadas para a Professora Regente. Os alunos se entreolham um pouco, alguns observam a câmera ao fundo e olham para mim. Natã termina e Victor Hugo, por mímica, pede o caderno emprestado ao colega para terminar de copiar. Vitor Nunes pede um biscoito para Vinicius, pega-o delicadamente e o come de modo muito disfarçado)) Ítalo: Vinícius? des-graça ((diz baixinho, reclaman do que o colega não respondeu)) Vinícius? ((chamando um pouco mais alto)) Vitor Nunes: no::ssa eu tô com um sono ((abaixa rap idamente a cabeça sobre o caderno na

carteira)) Thaís. ((sussurrando)) pa::ra de comer que tá grava ndo ((Vitor Nunes olha pra câmera, em seguida para Thaís, e dá de ombros)) ((Felipe Souza termina de copiar, fecha o caderno, deitando-se sobre ele na carteira. Matheus também já terminou de copiar e sorri dando tchau para a câmera 1)) ((Alguns alunos já terminaram e mostram-se impacientes)) Matheus: ((apontando para o quadro)) que isso? Leandro: ((virando-se para Yan)) você já acabou? QU E?... nem começou Yan: qui nem começo ô 37 P: já copiou querido? ((a cabeça e o corpo de P se voltam para Felipe Lima que olha para P

fixamente)) já? ... ... quem ainda tá copiando gente?... ... ... levanta a mão só pra eu saber... ((13 alunos levantam a mão))

((Raul pede a palavra levantando a mão)) ((Há alunos já deitados sobre a carteira)) 38 P: agora VAMO lá gente... ((Dois minutos de intervalo até o início do próximo turno)) 39 P: no dia 20 de novembro né? é o dia em que se comemora né? o dia da consciência NEgra... 40 Raul: num é fessora que dia vinte vai dar num sábado? 41 P: é i:sso mesmo da semana que vem...

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42 Rafael: no::ssa é só olhar ali no calendário 43 P: e:: nós vamos acompanhar com certeza né:? nos jorna:is... na TELEvisã::o pela interne:t...

VÁRIOS é: eventos né? que vão acontecer em to::do país para LEMBRAR esse DIA e PARA CO-ME-MORAR esse dia... né gente? e esse dia vinte ele tem que ser um dia não não é só de come-mo-ra-ção mas também de re-fle-xão e o que é que é refletir cês sabem?...

44 Leandro: mostrar? 45 P: o que que é refletir?... 46 Lauanda: é PENsar? 47 Natã: pensar 48 P: é pensar né?... ENTÃO é um dia pra gente PEN-SAR né?... 49 Rafael: é 50 P: E REFLETIR... não só comemorar essa conquista né? mas PENSAR nas dificuldades que os

negros ainda enfrentam... 51 Natã: é 52 P: e o que precisa ser FEITO né? PRA MELhorar isso... pra melhorar a qualidade de vi::da... pra

MELHOrar o ACEsso às UNIVERSIdades... é:: pra melhorar é:: a questão do traBAlho emPREgo RESpeito não é isso? então é um momento de REFLEXÃO em que a gente precisa pensar em ME-DIDAS né? que vão fa-vo-re-cer... a melhoRIA né? desse nosso pa conví::vio é:::: da sociedade COM os NEgros... não é isto? e isso não é só::: nu nu aqui na escola me:smo... né? às vezes a gente observa aqui na PRÓ:pria escola... na SA:LA né? que... que exi:ste às vezes uma falta de respeito com o colega que é né:gro...a a professora que é né:gra... com ao funCIOnário que é né::gro não é? no nosso ba:irro até o no:sso vizi:nho então às vezes a gente pensa que essas coisas só acontecem lá:: na televisão...é:: só o que aparece na televisão que é importante né?

53 Raul: mais é uê [é isso que as pessoa presta atenção]! 54 P: e às vezes a gente esquece que o NOSSO conVÍvio né? no nos grupos que a gente partiCIpa

seja na escola no futeBO:U na IGREja né? com o vizi:nho né? então a gente precisa pensar nisso...né? ((P se vira para o quadro e começa a leitura do que já havia escrito)) “em TODO o país acontecem eventos que lembram a história dos negros... falam sobre a CULTURA dos povos africanos e da IMPORTÂNCIA DELES na nossa sociedade...” é:: ((virando-se para a turma)) os negros né gente tiveram uma é: participação IMENSA na forMAÇÃO do povo brasileiro... muitas coisas que a gente faz né:? que a gente u:sa é: em relação a cultura...ao vocabuLÁRIO mesmo foram herDADAS dos negros por isso a gente precisa ter esse RESpeito né? afinal de contas NÓS também fazemos parte né? DESSA... desse povo aí... e se a gente for olhar... procurar na nossa família, né? na nossa ORIgem né? na nossa árvore genealógica... a gente vai vê que muitas vezes lá::: no passado nós tivemos AL-guém que era NÉ-GRO... não é? às vezes você fala a:: meu AVÔ... meu bisaVÔ...

55 Felipe Souza: meu PAI professora! 56 P: então às vezes a gente fica aí discrimina::ndo né? com PRECONCEITO E NA HORA QUE A

GENTE VAI VER procurar saBER lá:: no:: passado né? nós também viemos...né? nós temos essa origem é é é africana... dessa mistura de raças que aconteceu aqui no Brasil num é... se a gente for pensar ó os índios né? os afriCANOS então essa MIStura é que formou o povo brasileiro é:: ((Há conversa paralela durante todo este turno)) “os africanos chegaram ao Brasil para trabalhar como escravos a partir da segunda metade do século dezesseis” isso nós vimos lá: quando a gente começou a falar da: é: na aula passada né: sobre o trabalho da mineração né? os negros foram trazidos para trabalhar na atividade mine-radora né? em Minas Gerais... ((P

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vira-se para o quadro)) embora o fim da escravidão tenha sido declarado como uma LEI em 13 de maio de MIL OITOCENTOS E OITENTA E OITO” né gente que é a lei da ABOLIÇÃO né?... “a homenagem é feita EM VINTE de novembro... isso porque nesse dia, no ano de MIL SEISCENTOS E NOVENTA E CINCO... foi morto um IMPORTANTE representante dos negros: Zumbi” né? então esse dia foi escolhido pra homenagear ZUMbi que foi um LÍDER NÉ? muito importante é:: pra história dos negros...

57 Raul:. pro fim da escravidão? 58 Rafael: ô professora rapidão 59 Yan: ZUM-bi... quem é Zum-bi professora? 60 P: então aí vocês vão levar para casa hoje como para casa 61 Leandro: é Zumbi?... ((ao ver que P não responde, vira-se para o lado e continua perguntando))

é Zumbi?...é Zumbi?... 62 P: como para casa hoje né? PESQUIsar... 63 Leandro: professora quem é Zumbi? 64 P: sobre a vida do ZUMBI... TRAZER alguma coisa sobre a vida do ZU:MBI pra gente comentar

na próxima aula tá? 65 A?: mas quem foi Zumbi? 66 Vitor Nunes: vai no cemiTÉRIO uê pesquisar ((virando-se para Vinícius)) 67 Thaís: eu não vou no cemitério fazer nada ((fala em tom de reclamação)) ((Eduarda levanta a mão)) 68 Leandro ((levantando a mão)): ô professora? assassinaram o Zumbi? 69 P: ZUMbi ((Eduarda abaixa a mão)) 70 Yan: professora como é que fala? ZU::M – BI? 71 P: Zum-bi... então outra coisa é::: no dia:: 72 Leandro: mas ele morreu de que? 73 Rafael: Leandro? ele morreu de fragilidade, não é professora? 74 P: psiu... GENTE vocês sabiam que aqui no Brasil é OBRI-GA-TÓRIO é:: o ensino da cultura é:

é: africana 75 Rafael: afrodescendente 76 P: é obrigatório o ensino da cultura:: 77 Rafael: afroDESCENDENTE ((com tom de quem parece corrigir a professora)) 78 P: é.. é:: cultura africana... ... Ítalo: VINÍcius? ((apontando para o relógio sobre a câmera)) quase na hora

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Vinicius: ((olha para o relógio da sala e bate no m etal da mesa imitando o sinal)) Vitor Nunes: ((Vira-se para Vinicius e faz uma piad a)) 79 P: ela tem que fazer PArte né? do currículo de todas as escolas... ((P se dirige ao quadro)) vou

colocar aqui agora três perguntinhas que vocês vão responder rapidinho 80 Yan: professora? ... ... ((vê que P não responde e mostra-se meio irritado com a tarefa)) maldito

Zumbi...vamos ZUMBI-á ((Grande grupo de alunos conversa baixo)) ((Eduarda se levanta aponta o lápis no lixo, na volta para e conversa com Matheus)) ((P escreve no quadro)) “Você sabia que: É obrigatório o ensino de História e Cultura Afro brasileira. 1) Você já presenciou algum tipo de discriminação com relação aos negros? Como foi? Como você

se sentiu? 2) O que você acha que precisa ser feito para evitar a discriminação? Para casa: 1) Procure saber quem foi Zumbi. Anote no seu caderno algumas informações e curiosidades sobre

ele. ((P utiliza 6 minutos para a escrita da tarefa no quadro)) 81 Yan: professo::RA ((indo ao quadro)) aqui ((apontando)) tá escrito o que você sabia? ((P balança

a cabeça em sinal positivo)) Natã: você sabi:::a que que que ((lendo o que P esc reve como se fosse um noticiário de

suspense)) Yan ((completando Natã)): Zumbi era o cara Leandro: risos Yan: vamos pra ZUMbilândia 82 P: ps::::iu GE::NTE aqui rapidinho ((poucos alunos copiam a maior parte conversa baixinho com

outro colega)) GE::NTE rapidinho aqui pra gente COrrigir hoje ainda... corrigir não... PRA GENTE COmentar!

((Dois minutos depois do turno 84, inicia muita conversa paralela)) 83 P: GE::NTE rapidinho pra gente comentar... ... no para casa OLHA “procure saber quem foi

Zumbi... Anote no seu caderno algumas informações e curiosidades sobre ele... ((CONVERSAS))... ENTÃO Ó psi::u ((CONVERSAS)) vale pesquisar na internet? vale... só não va:Le (Professora ajeita a mesa do Vitor Nunes))

84 Lauanda: imprimir? 85 P: imprimir e colar aquele TA::NTO de fo:lha no cade:rno né? ((alguns alunos riem)) PSI::U...

GENTE EU DISSE SEMPRE psi:: falei pra vocês que a pesquisa pode ser feita na interne:t MAS QUE VOCÊ PRECISA LÊ ESTUDAR AQUILO QUE VOCÊ TÁ pesquisando né? não adianta nada você pegar aquele ta:nto de folha colar no caderno SE VOCÊ NÃO ESTUDOU e não

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aprendeu nada sobre aquele assunto... então você vai lê e anotar aquilo que PRA VOCÊ é importante tá?

((A professora vai até as carteiras dos alunos)) 86 Vinícius: quem foi Zumbi professora? ... ... eu tenho que perguntar pro Zumbilândia 87 Yan: rarara ((rindo alto)) 88 P: psi::: 89 Vitor Nunes: é só pegar o clipe do Mickel Jackson TRI-LLER ((cantando e imitando a dança

com os braços)) né fessora? 90 Vinícius ((canta junto)): TRI-LER:: tri-ler:: 91 Vitor Nunes: tem um tanto de zumbi lá... professora? Thaís: Vitor Nunes? todo mundo... 92 P: essas duas perguntinhas aqui vocês vão fazer agora...nós ainda temos DE:Z MINUTOS... 93 Lauanda: é pra segunda fessora? 94 P: não... segunda feira é feriado né 95 Vitor Nunes: É FERIADO! ((comemorando)) 96 P: GEN-TE é pra sexta psi:u segunda feira eu não tenho aula aqui... é feriado... quinze de

novembro né? o que que a gente comemora no dia quinze de novembro ((P faz sinal com a mão para ? esperar)) o que que a gente COMEMORA no dia quinze de noVEMBRO? ...

((Raul, Eduarda, Kelvin e Rebeca levantam a mão pedindo a palavra para responder)) 97 Vitor Nunes: mas é pra terça? 98 P: mas o que que a gente comemora no dia 15 de novembro? 99 Natã: é:: 100 Raul: PROCLAMAÇÃO DA 101 Yan: não faço a mínima ideia 102 P: PROCLAMAÇÃO DA república então não tem aula... TERÇA FEIRA VOCÊS FARÃO

avaliação de ciê::ncias 103 GgrAls: não não nã:::o ((muito tumulto, P balança a cabeça várias vezes em sinal positivo)) 104 P:terça feira! 105 A? : por que? terça feira é feriado? 106 Vitor Nunes: professora o para casa é pra terça feira? 107 P: sexta feira! 108 Vinicius: sexta feira é hoje professora? 109 Vitor Nunes: na próxima né Vinicius?!

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110 Rafael: sexta feira é hoje professora. 111 Vinícius: professora próxima terça é feriado né não? 112 P: ((professora sussurra)) não Vinicius: gente que dia que é feriado?? Vitor Nunes: segunda! Vinicius: aí ficou chique! Vitor Nunes: a gente vai ficar sábado, domingo, seg unda [na boa] ((Yan levanta e bate na colega)) 113 P: psiu... não ((dirigindo-se a Yan e a colega)) JÁ PODEMOS CORRIGIR? 114 PgrAls: nã:::o ((P circula pela sala olhando os cadernos)) ((Há muita conversa na sala)) ((Yan levanta e pula no fundo da sala)) 115 Raul: professora? ô professora ((Raul levanta e chama P que demora um pouco olhando o

caderno de Yan e vai até Raul)) Vinicius: como é que chama aquele brinquedo que rod a assim ((faz o gesto com a mão)) Vitor Nunes: é o rotor! passei mal sô...passei mal! Vinicius: [incomprensível] Vitor Nunes:.e eu com duas moedas no bolso...eu ou a moeda? eu ou a moeda? a moeda que

se foda! soltei a mão da moeda e peguei a barra ((e faz gesto como se segurando em uma barra))

((a conversa entre Vitor Nunes e Vinicius é interro mpida com a chegada da professora verificando os cadernos)) Vitor Nunes: e o menino do meu lado ((virando-se pa ra Vinicius)) vou MO:rre:: ... MÃ:e:: MÃ::e::

[incompreensível] ((Vinicius olhando para o quadro ri do caso de Vitor Nunes)) ((P continua verificando os cadernos pela sala)) 116 Raul : professora...fessora.. ((Raul levanta mão e P vai até ele)) ((Um grande grupo de alunos conversa)) ((Durante 2 minutos, P circula pela sala verificando os cadernos)) 117 P: QUEM já respondeu gente?... a pergunta? ... 118 Ítalo: quem NÃO respondeu?

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119 P: quem já respondeu? ... ... quem já respondeu a PRIMEIRA? ((Raul, Eduarda, Felipe Souza, Victor Hugo, Kelvin e Mariana Brandão levantam a mão))

120 Yan: e:::u 121 P: psi::u... vamos ver então... quem gostaria de ler pra nós a resposta? ... ... ... 122 Thaís: não... não... ((risos)) já li 123 P: olha ali ó... ((olhando para o quadro)) “você já presenciou algum tipo de discriminação com

relação aos NEGROS?... como foi? como você se sentiu?” 124 Vinícius: não 125 Vitor Nunes: não 126 Rafael: nã::o 127 Thaís: não 128 P: ((como os primeiros alunos das duas fileiras próximas à sua mesa já haviam se pronunciado

dizendo que não, P anda no meio dessas filas perguntando)) você já? não? não? alguém JÁ? QUEM já presenciou?

129 Vinícius: o Vítor ((fala olhando para Vitor Nunes)) professora já ele é meio NÊGO 130 Ítalo: ele ((referindo-se a Vitor Nunes)) é branquelo demais... ((risos)) 131 Rafael: agora sim a gente tem uma discriminação contra os brancos ((apontando com o lápis na

direção de Ítalo)) ((Começam muitas conversas sobrepostas)) 132 Mariana Brandão: professora?... eu posso falar 133 P: Psi::u OLHA AQUI GENTE...PSIU A COLEGA DE VOCÊS AQUI Ó ELA DISSE QUE JÁ...

VAMOS OUVÍ-LA? VAmos OUVI:: o que ela tem pra contar? ps::: 134 Mariana Brandão: eu fui no trabalho no meu tio... aí tinha tinham dois caras lá brigando... um

branco e um preto... o outro chamou o outro de [ ] então o outro foi logo denunciar pra poLÍcia... ((P mantém o olhar fixo em Mariana alguns segundos depois do fim da fala da aluna, como quem espera um complemento))

135 Rafael: um branco e um AFROdescente 136 Yan: tudo é Mariana Brandão... 137 Leandro: CALA A BOCA AÍ ((virando-se para trás))... esse caso aí é dos (...) 138 P: ps:: ((P se vira na direção de Leandro que pára imediatamente de falar))... ... unrum 139 Leandro: não entendi o final da história da Mariana não 140 Felipe Lima: ((olhando só para P)) eu já vi um caso desse também professora... ((P que estava

de costas se dirige a Felipe Lima)) no sinal... aí foi lá um cara policial sabe? só que ele num tava num carro de polícia ele tava num palio aí o outro foi lá e a polícia cortou ele mas que foi sem querê... a polícia NEM viu aí ele foi lá o cara xingô “o seu NÊGO? vagaBUNDO” aí já desceu os cara e prendeu o cara já...

141 Ítalo: ó::: ((tom de ironia))

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142 Natã: le-gal 143 Vitor Nunes: ninguém mandou mexer com polícia 144 P: a:: pois é... e é SUPER desagraDÁVEL né GENTE? a gente PRESENCI-AR esse TIPO DE

COISA... A GENTE tem que se colocar no lugar do outro NÉ? IMAGINA SE NÓS... fôssemos discriminados? se fosse o contrário... né? é:: se a gen se nós fôssemos discrimiNADOS ((CONVERSA ALTA)) ninguém ia gostar num IA? NÉ? E NA TELEvisão né gente? se:mpre tem uma reportagem contando né?... ou é uma briga no TRÂ::nsito ou em ba:res né? no ciNE:ma... no shoppi:n né? é:: as coisas que as pessoas falam e que OFENdem né?

145 ?: eu batia Vinícius: eu ia bater no Yan Ana Luíza: ((se referindo a Rafael)) por isso que e u não te bato Thaís: eu fui no shopping Bullevard Vinícius: eu também ((se dirigindo à Thaís)) Vitor Nunes: quê Vinícius? Vinícius: eu fui no Bullevard Felipe Lima: eu fui na semana passada Natã: eu fui no sábado ((Matheus se levanta e vai até P)) 146 P: ((ao ter o reflexo de que alguém se aproximava)) diz ((baixinho)) vai sentar... ((Matheus toca

no braço de P que ao vê-lo dá-lhe atenção)) 147 Matheus: [inaudível] 148 P: não mais você já foi lá... você JÁ saiu hoje ((enquanto P responde a Matheus, a voz de Yan

sobressai dentre as inúmeras conversas entre alunos)) 149 Yan: professo::ra EU JÁ VI ((se levanta da carteira e começa a encenar)) O FULANO

((funcionário da escola)) virou pra mim e falou assim comigo “ô::: seu NÊ:::GO” ((ao ver que não tem atenção, Yan se senta e para de contar o caso))

150 P: alguém mais? ((P ouve Thaís, vira-se para ela e aguarda na expectativa que ela diga algo))

Glauber? não? ((há muita conversa paralela)) ALGUÉM GENTE TEM ALGUM CASO PRA CONTAR?

151 Rafael: eu fui no dia da ele eleLEIÇÃO ((Yan levanta a mão pedindo a palavra)) 152 P: NÚMERO DOIS OLHA AQUI GENTE... PS:::::: ((muitos alunos conversam em duplas))

GE:::Nte... psiu ps::: olha AQUI “o que você acha que precisa ser feito para evitar a DIS-CRIMI-NAÇÃO?”

((Raul levanta a mão, Yan ainda está com a mão levantada)) 153 Raul: [inaudível]

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154 P: com TODAS AS PESSOAS NÉ GENTE ((P toca o ombro de Natã)) ALGUÉM MAIS RESPONDEU a esta pergunta ((P vira-se para o quadro para ler)) “o que você acha que precisa ser feito para evitar a DIS-CRIMI-NAÇÃO?”

155 Natã: o que que ele falou? o que professora? eu acho que tinha que pegar cadeia PRA

SEMPRE pra paRAR de fazer as coisas com as pessoas ((P mantém o olhar fixo em Natã alguns segundos depois do fim da fala do aluno, como quem espera um complemento))

156 P: ((balança a cabeça em sinal positivo olhando para Natã e continua)) QUEM MAIS? alguém

mais? 157 Yan: ((levantando a mão e já falando)) professora eu acho que (...) 158 P: Ô GENTE EU NÃO ESTOU CONSEGUINDO OUVI:: psiu O COLEGA...EU não estou

conseguindo ouvir o colega...Í:::talo? 159 Yan: eu acho que é pra haver punição professora pra que as pessoas tenha mais respeito 160 Matheus: i::sso Lorrayne: U:::::A::: ((boceja muito alto, sem acess o à imagem durante a transcrição parecia ser alguém brincando)) Rebeca: nossa ((Rebeca olha para Lorrayne e a repre ende a ação da colega franzindo para ela a sobrancelha)) 161 P: i::sso eu acho também né gente?... porque quando às vezes as pessoas fazem as coisas por

pensarem que não vão receber nenhuma PUNIÇÃO não é isso?... não é? ... então eu acho que além da punição A GENTE também precisa SE E-DU-CAR ((Mariana Brandão levanta a mão)) não é? e essa educação NÉ gente em relação é:: a:: não só aos negros mas também com relação a todas as pessoas né? ela tem que começar de::::sde a infância... A GENTE tem que apren-der a RESPEITAR AS PESSOAS IN-DE-PENDENTE da COR... da classe SOCIAL...não é? a gente tem que apren-der a respeitar as pessoas e ISSO a gente tem que aprender é DESDE cedo... lá:: em casa nas casas com as famí::lias... dePOis na ES-CO::la a respeitar as peSSOAS... os diREItos dos outros não é isso?... ... ninguém gosta de ser desrespeitado... ... né é:::: mesmo as pessoas que não são negras né? quando sofrem algum tipo de preconceito né? ficam cha-te-a-das... ficam ofen-di-das não é? ((Itálo aponta para o relógio do outro lado da sala, mostrando para Vinicius))... então a gente tem que aprender a respeitar as pessoas EM QUALQUER LUGAR... A SE EDUCAR... no TRÂNsito como ele contô que viu pessoas xingando no trânsito... seja na fi:la da pada-ria não é? ... ou em qualquer lugar no CLU-BE... ou na escolinha de futebol...

162 Felipe Lima: outro dia na educação física deram até um grito professora ((se vira para trás)) 163 P: ou na EDUCAÇÃO fí:sica né? ((Yan levanta a mão. Muitos alunos reagem ao que o colega disse... repentinamente há muita conversa na sala. P se aproxima de Mariana. Yan abaixa a mão para ouvi-la já que ela estava com a mão levantada há muito tempo e Yan se levanta e começa a conversar com o colega e em seguida vai atrás da professora para se posicionar)) ((Rafael se levanta e faz gestos com uma régua como se fosse uma chibata)) 164 Felipe Lima: professora? ((Ítalo e Vinícius conversam por sinais)) 165 P: GENTE A AULA JÁ ACABOU ((e caminha em direção ao quadro))

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166 Yan: professora? ((caminhando em sua direção)) [ ] ((P balança a cabeça em sinal positivo para

Yan)) 167 Rafael: pode guardar o material então professora? 168 P: OLHA LÁ GENTE PARA CASA no caderno pra sexta feira que vem ((P começa a organizar

suas coisas e a conversa aumenta incrivelmente, aos poucos os alunos vão se levantando e circulando pela sala))

((Alunos circulam por toda sala)) ((P esta em pé conversando com Felipe Lima)) ((Ítalo, Rafael e Natã se juntam na carteira de Vinicius e parecem trocar figurinhas de jogo)) 169 P: O GENTE olha aqui:o Felipe tá contando aqui no filme que ele assistiu se vocês tiverem

oportunidade vale a pena ver que é muito bonito... ((P caminha até a mim para conversarmos onde fica por 2 minutos – ver conversa na câmera 2 )) ((Muita conversa alta de um grande grupo de alunos, todos estão em pé)) ((Natã e Victor Hugo brincam de lutinha e correm pela sala))

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APÊNDICE I − B A2 P2 — MATEMÁTICA (BRASIL)

Victor Hugo: Fernanda...tá gravando de novo? 1. Felipe Lima: eu não entendi essa daqui não professora 2. Thaís: eu não entendi o número dois não 3. Yan: professora eu não entendi nada ((o aluno sai do seu lugar e caminha até o início de sua

fila)) fiz até xixi na calça 4. P: GLAube:r abre o armário lá pra mim e pega o livro de matemática pra mim... ... ((Glauber

caminha até a mesa de P e pega a chave do armário)) Matheus ((olhando para Yan)): ele faz até xixi na c ama ((Yan sorri de volta para Matheus aceitando a brincadeira)) Yan ((é puxado por Ricardo pela camisa de frio)): o ô o::: ((dirigindo-se a Ricardo)) vai puxar sua avó ((chuta Ricardo que levanta correndo atrás de Yan, mas desiste de bater de novo no colega)) 5. P: quem é que [trouXe?] aqui: Matheus, Mariana Brandão, Natã e Rafael trouxeram...

RiCArdo?... Yan ((dirigindo-se a Ricardo)): [vem pro cê vê] 6. Vitor Nunes: eu vou trazer [amanh fessora] P: Ricardo cadê o quebra cabeça? 7. Lauanda: i:: amanhã nem tem aula menino 8. Matheus: amanhã nem tem aula 9. Vitor Nunes: professora... professora ((levantando o braço)) 10. P: PÉRA AÍ a ordem foi FA::çam o quebra cabeça e TRA:::gam pra sala ô::: ou não falei falei

isso com vocês? 11. Vitor Nunes: ô professo::ra 12. P: terça feira sem falta tá? Vitor Nunes : eu vou trazer amanhã porque 13. Vinícius: você vai trazer amanhã Vitor? amanhã é sábado P: amanhã você não traz nada não que eu não vou nem tá aqui 14. Victor Hugo: mais amanhã vai ter aula ((perguntando para Felipe Lima que não o responde))? 15. Vinícius: professora mas amanhã é sábado Cláudia... ((Glauber devolve a chave para P e

Vinícius o chama, Glauber se abaixa pra ouvir o colega que está sentado que diz)) ele ((apontando para Vitor)) vai trazer amanhã mais amanhã é sábado e a fessora tá achando que amanhã é segunda ((Glauber balança a cabeça em sinal negativo enquanto volta ao seu lugar))

((Há muita conversa paralela na sala. Abaixo se transcreve, o que foi possível ser compreendido)) Ítalo: amanhã é aniversário do meu irmão ele é vint e anos mais velho

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Matheus: nu: Felipe Lima: quê? Ítalo: amanhã é aniversário do meu irmão vinte anos mais velho ((diz enquanto caminha até o

colega Vitor Nunes)) Vitor Nunes: ô ítalo ô Ítalo amanhã eu vou viajar ( (Ítalo olha pro colega, Vinícius se levanta se

junta aos dois)) Felipe Lima: ((se dirigindo à Ítalo)) você vai viaj ar? Ítalo: não ele ((apontando para Vitor Nunes)) 16. P: TODOS já estão com o livro e o caderno abertos no que fez em casa? ((Felipe Souza se

levanta e entrega um bilhete à P e aguarda que ela o leia)) 17. Thaís : eu já tô... tô esperando 18. P: ahhh não Felipe... não 19. Felipe Souza: o que fessora? 20. P: pois é...sair com a avó não é justificativa, tá? você dormiu em casa? 21. Felipe Souza: não 22. P: ahh você não dormiu em casa? 23. Felipe Souza: dormi 24. P: ahh então FICASSE de madrugada fazendo 25. Felipe Souza: não professora 26. P: uai era sua obrigação cadê livro ô:: Glauber? e o livro de matemática que eu pedi pra você

pegar meu filho? dentro do armário? no::ssa já são oito e: quareta né rapaz vamo acordar...((Glauber entrega o livro para P))

GgruAls: ((conversam ao mesmo tempo em diferentes p ontos da aula)) Vinícius ((dirigindo-se à mesa de P): professora me u escolar passa lá em casa cinco e cinquenta, meu pai me acordou cinco e quarenta... m eu pai tá parecendo militar estressado ((Vinícius volta ao lugar e antes de se sentar, chu ta levemente a bunda de Glauber que se dirigia ao seu lugar no fundo da sala e nem olha pa ra o colega)) 27. P: qua:l é o número da pá:gina? 28. Launda : [cento e dezesseis] 29. Vitor Nunes: [cento e oitenta e QUAtro] 30. P: psiu...psiu... 31. PgrAls: ((discutem entre si qual é a página certa)) 32. P: psiu...pronto... Ricardo? senta direi:to ((Vinícius ainda está de pé)) Vinícius? ... psiu... sala

dezessete por favor... Yan, Yan, você não FEZ [mas é pra você ficar] quieto aí TENTANDO corrigir

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Yan: [EU FIZ SIM] 31 (continuação) P: Luís Fernando cadê a folha assinada? ((o aluno se levanta e entrega a folha à

P))... ô Ítalo tira essa folha do chão... tá bom ((diz a Luís Fernando depois de conferir a assinatura))... vamos lá “trabalhando com gráficos” Leandro? Leandro? eu estou corrigindo a atividade... de para casa... “trabalhando [com gráficos]* em algumas cidades do nordeste do país o volume de chuvas registrado em janeiro de 2004 foi MAIOR que [a média anual dessas datas]**” o que que é [média anual]***?

Vitor Nunes: [Vinicius?]* ((ao ver que o colega não o responde, vira-se novamente em direção à professora)) Vitor Nunes: [Vinicius?... tem um lápis pra me empr estar?] ** Vitor Nunes: [Vini:cius?] ***((balança a cabeça em sinal de nervosismo porque o colega não o responde)) 33. Felipe Souza: é [é:::] Lauanda : [é formal] Eduarda: [é meio normal] 34. Natã: é uma média normal 35. P: não mé::dia:: ... ANUAL gente... 36. Natã: anual [é::] Rafael : [é do ano] 37. P: do ano parabéns Rafael, média anual média do ano se eu falasse média mensal? 38. Vinícius: [do mês] PgrAls: [é a média do mês] 39. P: semanal? 40. PgrAls :. média da semana ((vários alunos em diferentes pontos da sala dizem quase

simultaneamente)) 41. P: então tá bom... média diária 42. GgrAls ((em coro)): do di::a 43. P: i:sso então tem que prestar atenção nesse tipo de coisa 44. Raul:. média horá:ria? ((em tom professoral)) 45. Yan: HORÁ::ria? ((repetindo o colega que disse em tom baixo)) 46. Raul: da ho:::ra 47. GgrAls: ((risos)) 48. P: “os técnicos do instituto nacional de meteorologia registraram em Floriano Piauí o índice

PLUVIométrico de seiscentos e trinta milímetros esse valor representa mais de cinquenta por cento da média anual da região que é de mil e cem milímetros” quer dizer... durante o a:no

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intei::ro nessa cidade chove mil e cem milímetros... em um...vinte e cinco dias? ((em tom mais baixo como quem conversa consigo mesmo))...

Yan: ((faz barulho com a boca, semelhante ao de fla tulências)) Lauanda: i:: YAN PARA que saco Matheus:.é Yan para 49. Thaís: não é um mês... em janeiro de dois mil e quatro 50. P: ah é... em um mês em janeiro de dois mil e quatro...em um mês choveu mai::s da metade do

que chove o ano intei:RO 51. Natã: nu:: 52. P: quer dizer MUIto né? Rafael senta direito arruma sua cadeira Rafael... Rafael olha a cadeira

põe a cadeira no meio da mesa olha aonde ela tá meu filho... cê tá quase caindo lá dentro... Vinícius? senta direito arruma a sua cadeira também... põe as pernas pra dentro... PLUVIÔ::METRO... presta atenção... Ricardo é pra corrigir tá?

53. Felipe Lima: ele não veio ontem 54. Lauanda: o que é que é pluviômetro? 55. Yan: o que é que isso? plu-vi-ô-metro? 56. Ricardo: não vim ontem 57. P: uai não veio ontem então acompanha a correção e de PREFERÊNCIA pega e vai

respondendo aí uê, pega [o caderno e vai fazendo abre pelo menos na página certa cento e oitenta e quatro]

Yan: [eu fiz professora... você falou que eu não fiz] (continuação 56). P: “pluviÔMETRO é um instrumento que mede o índice pluvi-o-métri-co” quer dizer o índice da CHUVA...da quantidade de chuva...então pluviômetro é o aparelho... “índice pluviométrico é a quantidade de chuva que cai num determinado lugar durante um certo tempo” essa foto aí ó isso é um pluviômetro é o que mede a quantidade de chuva... 58. Felipe Lima: é professora nós viu [um filme desse] P: [nós num viu nada] 59. GgrAls ((em coro, inclusive Felipe Lima)): nó:s vi:::mos 60. P:. nós vi:::mo:::s 61. Felipe Lima : no dia que você faltou... tinha até uma enchente 62. Felipe Souza: é:: foi mesmo... no dia até choveu 63. Yan: a gente vai assistir o Menino Maluquinho? Vitor Nunes: olha aí o tempo ((dirigindo-se à Thaís e apontando para a câmera)) 64. P: os índices [de CHU]-VA Yan: [a gente vai]

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63 (continuação). P: OS ÍNDICES DE CHU-VA em janeiro de dois mil e quatro o roxo mais forte aí ó... em Cabobró no Pernambuco em Palmeiras dos Índios em Alagoas e em Maceió Alagoas Floriano no Piauí... olha a quantidade de chuva que foi em um mês hein?... MÉDIA histó::rica do mês de janeiro olha só em Cabobró...

65. Natã: u:hu-hu 66. P: o máximo que choveu foi cinquenta milímetros em Palmeiras dos índios também... em Maceió

ciquenta... não trinta né? aqui cinque::nta... pêra aí sesse::nta em Cabobró 67. PgrAls: ((repetem baixinho achando engraçado o nome)) Cabobró cabrobó cabobró 68. P: trinta em Palmeira dos Índios... cinquenta em Maceió e:: cento e sessenta em Floriano... e no

ano de 2004 olha [a quantidade de chuva que teve] Raul ((interpretando o gráfico)): [nu:: SEICENTOS e oitenta por aí] (continuação 67). P: ISSO por causa dos problemas que nós estamos vendo com a camada de Ozônio, né gente?... a gente acha que isso é uma coisa que:: a::: isso é uma coisa que eles falam pra lá que não acontece perto da gente e ISSO influencia MUIto a quantidade de chu::va... a mudança nas estaçõ:es do ::ano... a mudança na TEMpereratura isso tudo é por causa dos problemas que a gente que nós estamos sen tendo com a camada de ozônio tá? 69. Raul: o Brasil não tem é:: 70. Yan: e aí o que [se faz pra mudar isso?] Vítor Nunes: [camada de o-zô-Nio] ((dizendo como quem brinca com a palavra)) 71. P: diminuir a poluição... NÓS principalmente VOCÊS que ainda são crianças CUIdarem melhor

do nosso meio ambiente... 72. Natã: isso é só:: é:: preservar a natureza, né? 73. P: porque as florestas... as matas estão acabando aí eles falam nossa não TEM JEITO DE

acabar com a Amazônia NÃO... 74. Natã: claro que tem! 75. P: se vocês forem pensar que a floresta amazônica era um mo:::nstro de FLOresta e que hoje

em dia ela está reduzida a MENOS DE cinquenta por cento...do que ela ERA... HÁ o quê?... há cem anos atrá:s... então ela tem chance de acabar sim e ELA porque o MU:ndo inteiro tenta preservar a Amazônia?...

76. Vinícius: [porque:] ela é a única floresta que... Vitor Nunes : [porque::] 77. P: por que ela é chamada de que? 78. Raul:. floresta do mundo? 79. P: PULMÃO do Brasil 80. Lauanda: ãn? 81. Matheus: ã::n ((tom de surpresa)) 82. P: o pulmão não trabalha a respiração? não é ele que absorve o oxigênio? a floresta amazônica

é é considerada o pulmão do MU::NDO

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83. Felipe Lima: mas eles vai lá e corta tudo 84. P: então é [por isso que O MUNDO INTEIRO] tenta preservar principalmente a amazônia... Vinícius: [professora é a mesma coisa né?] 83 (continuação). P: por que pode cortar? pode mais pra cada uma que corta tem que plantar de:z... tem que plantar CE:m... pra que? pra que NUNCA a gente não perca a nossa reserva de oxigênio... porque a fotossíntese... vocês já aprenderam isso em ciências 85. Rafael: [já] aprendemos Lauanda: [ãnram] 86. Vinícius: quando eu crescer eu vou trabalhar com isso... 87. P: porque o ve:rde não é um lápis de cor verde que vai fazer fotossíntese não... é a planta né

gente? 88. PgrAls: é: 89. P: então a gente precisa dela pra ter o oxigênio 90. Vitor Nunes: mas isso [incompreensível] 91. P: MAS a poluição tá tão grande que tá FURAndo a camada de ozônio...qual é a camada de

ozônio? É a camada que protege a Terra... ((Vitor Nunes boceja alto e espreguiça-se)) então esse problema é SERÍSSIMO SIM...

92. Raul: será que olhar a outra câmera e completar 93. P: a gente não tem que achar que:: é o outro que tem que cuidar disso não... SOMOS NÓS

que... PRINCIPALmente vocês que são crianças porque ainda vão viver mui::to ainda... eu vou viver só mais uns sessenta anos... se Deus quiser... mais vocês ainda vão viver muitos e muitos e muitos a::nos

94. Felipe Lima: eu vou viver cento e cinquenta e oito anos 95. PgrAls: ((riem)) 96. P: [então vamos continuar... “observando os gráficos acima...RE::SPONDA]” PgrAls: [conversas paralela] (continuação 95). P: responda em seu CADERNO... o que representa cada coluna que aparece nos gráficos? 97. Rafael: [á:::] ((espreguiçando-se)) Natã: [CHUVA] 98. Lauanda: o índice de chuva 99. P: chuva... o índice de chuva... a média de chuva... b em qual das cidades o índice de chuva foi

de quinhentos MILÍmetros? Thaís: vai acabar a bateria ((olhando para a câmera)) Vinícius: quanto que tá aí?

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Thaís: treze Vinícius: treze minutos? ((Vinícius vira-se para tr ás e fica olhando para a pesquisadora que não o vê)) 100. Raul: quinhentos MILÍmetros? 101. PgrAls : CA-bro-bró ((repetem a mesma resposta)) 102. P: CABOBRÓ Pernambuco...tem que escrever ... psiu 103. PgrAls :. CA-bro-bró ((repetem a mesma resposta, mas agora já brincando)) 104. Yan: é CA-BRA-BÓ 105. P: tira isso da orelha menino ((dirigindo-se à Ítalo))... Cabobró tem que escrever com letra

MAIÚScula tá? 106. Lauanda:. eu escrevi com letra maiúscula professora 107. Natã:. eu também 108. P: porque é nome de cidade... “para saber em que cidade choveu mais basta olhar para o

tamanho da coluna roxa?” 109. Thaís: sim porque quanto maior o tamanho da coluna maior 110. Lauanda : é sim professora 111. PgrAls: [si:m] ((em coro)) PgAls :. [nã::o] ((em coro)) Vinícius: Fernanda? Pesquisadora ((checa a carga da bateria)): só um mi nutinho querido ((fala sussurrando)) Vinícius: não não é isso não 112. P: NÃO GENTE não adianta SÓ olhar pra coluna roxa NÃO porque cê não vai ter noção não

adianta...cê tem que olhar pra o que? 113. Lauanda : pro cronômetro 114. Glauber: pro número 115. P:. pro NÚMERO que está ao lado, né? Não adianta...então é não a resposta 116. Felipe Lima: como é que é? Vinícius ((segurando meu braço)): Fernanda eu acho que você devia dar uma viradinha na

câmera Fernanda:. não querido... já tá acabando 117. P: não... temos que olhar a numeração ao lado... pode escrever aí... quem escreveu errado é pra

corrigir, eu não to aqui pra:: falando só pra ficar olhando pra minha cara não... quem escreveu

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sim... faz favor de corrigir... a resposta é não... por que? porque precisa de olhar o número que está ao lado da coluna...

118. Natã: na coluna quase não tem nada a ver... 119. P: pronto Vitor Hugo? então tira o lápis da boca... “letra d discuta com seus colega e professor

quais os possíveis prejuízos causados a vida da população pelo excesso de chuvas” 120. Victor Hugo : enchentes 121. Felipe Lima: deixa eu falar o que eu coloquei fessora? 122. Vitor Nunes: InundaÇÃO? ((Raul está com a mão levantada)) 123. P: pois é... ... [as enchentes... inundações]... aí:: Felipe Lima: [isso mesmo... isso mesmo] 124. Raul:. eu coloquei só destruição 125. P: aí as pessoas [perdem a VIDA] Lauanda: [eu coloquei inundação] Felipe Lima : [A VI-DA] ((movimentando-se para frente e para trás na cadeira)) Continuação 124. P: que é o principal... perdem tam bém os bens materiais... 126. Felipe Lima : CArros ((movimentando-se para frente e para trás na cadeira)) 127. Victor Hugo: perde ca::rros ((Lorrayne levanta a mão pedindo a palavra )) 128. P: teve uma cidade lá no:: 129. Lauanda: contagem 130. P: no Nordeste: é hora disso Leandro? Mais não é hora disso... tem uma cidade lá no Nordeste

do Brasil que ela foi [TOTALMENTE DESTRUÍDA pela chuva]... Felipe Lima : [An-ran an-ran anran] Raul: [a:: já sei] ((Lorrayne continua com a mão levantada pedindo a palavra, mas agora começa a balançar a mão)) 131. P: então as pessoas perderam até [a identidade por que?] Eduarda : [eu coloquei inundações] 132. Lauanda :. Por causa das inundações Raul: Lauanda? ((chama sussurrando))

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133. P: porque o carTÓrio da cidade foi COMPLETAMENTE destruído pela chuva...então lá: no cartório é que ficam guardadas as CERTIdõ::es de NAScimento... né? os registros das pessoas e isso foi co::mpletamente destruído.... então a cidade pra ser reconstruída ai::nda está sendo reconstruída... ela é: teve que chamar pessoa por pessoa pra poder saber porque tem muita gente que é muito humilde e: tem gente lá que não sabe o dia que nasceu então eles fazem um cálculo mais ou menos... então assim... é muito complicado isso... porque a pessoa perde o documento certidão de nascimento certidão de casamento

134. Raul: professora? 135. P: aí: 136. Raul: acho que foi em dois mil e oito que teve lá dentro em São João da lavrinha ((Mariana Brandão levanta a mão)) 137. Yan: Inventa história não Zé 138. Felipe Lima: não... é verdade...eu (...) 139. P: ENTÃO ASSIM as chuvas causam MUITO prejuízo é assim é muito bom? é mas não o

excesso que aconteceu nessas cidades aqui 140. Felipe Souza: igual ano passado eu acho 141. Felipe Lima: professora que nem eu vi no jornal passando o cara pego a corrente e amarrou o

carro dele porque a enchente tava levando ele ((Mariana Brandão abaixa a mão)) 142. Ítalo: como é que é? ((dirigindo-se a Felipe Lima)) 143. P: isso é perigosíssimo né gente... as pessoas perdem a vida assi:m 144. Yan:. pegou o que? 145. Thaís ((levanta a cabeça, retira o corpo do assento da carteira e dirige o corpo na direção em

que está sentado Yan)): pegou a corrente amarrou o carro e (...) 146. P: ISSO é muito sério PÁGINA CENTO E** OITENTA E CINCO... Lorrayne você quer falar? **((Lorrayne mantêm a mão levantada segurando o braço com outra mão,logo abaixa o braço e faz cara de descontentamento, balançando a cabeça em sinal negativo)) ((Mariana Brandão levanta a mão novamente)) ((Natã levanta a mão e aguarda)) 147. Lorrayne: não é que:: 148. P:. psiu...PERA aí que a Lorrayne tá falando... Vitor a LoRRAINE ... PEdiu a VEZ ela levantou a

MÃO... pode falar LORRAIne 149. Lorrayne: [incompreensível] 150. P: PERA AÍ Lorrayne porque o Vitor Nunes não conseguiu me entender... pronto Vitor Nunes? ((Natã abaixa a mão e em seguida o Yan levanta a mão))

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151. Vitor Nunes: ((entre os dentes e balançando lentamente e sorrindo)) pode ir... tô de bobs professora ((diz entre os dentes))

152. P: pode falar Lorrayne 153. Lorrayne: é porque pode causar doenças também 154. P: DOENÇAS também... pode causar...*por que? porque a urina do rato que se mistura com a

água... pode causar leptospirose, muitos ví:rus bacté:rias... por que? porque a água se mistura com o esgoto... como a la::ma... então é muito perigoso SIM...

155. Victor Hugo: já mostrou na televisão os menino nadano 156. Lauanda: nu::: 157. P: Mariana Brandão 158. Mariana Brandão: an? 159. Victor Hugo: já mostrou na televisão os meninos nadando 160. Mariana Brandão: [incompreensível] 161. P: fala ALTO Mariana 162. Mariana Brandão: a gente tem que tomar cuidado também com o excesso de polui:ção daqui a

pouco o mundo vai acabar 163. Thaís: é:: quando? 164. Vinícius: dois mil e doze pra ser exato ((olhando para Vitor Nunes)) 165. P: isso mesmo...Thaís...psiu 166. Yan: daqui a pouco... 167. P: psiu 168. PgrAls: ((conversam sobre o fim do mundo)) 169. Felipe Lima: professora? 170. P: PÁGINA cento e oitenta E CINCO PÁGINA cento E OITE::NTA E CINCO ((Yan está com a mão levantada)) 171. Yan: deixa eu ler professora? eu gosto tanto de ler ((Kelvin levanta a mão)) 172. P: “PERÍMETROS AtiviDAdes... Rodrigo quer cercar todo o jardim de sua casa... seis

centímetros...s eis METROS desculpa de cumprimento e quatro metros de largura” 173. Thaís: professora? esse aqui (...) 174. P: “RODRIGO QUER cercar todo o jardim de sua casa... RESponda... como Rodrigo poderá

descobrir quantos metros de cerca terá de fazer para cercar?” ((Yan e Kelvin estão com a mão levantada pedindo a palavra))

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175. PgrAls : ((falam simultaneamente; incompreensível)) ((Yan e Kelvin permanecem com a mão levantada, Márcia e Raul também levantam a mão)) 176. P: levanta a mão POR FAVOR quem quiser falar... Márcia 177. Yan:. Não professo::-ra 178. Márcia: ele tipo é:: vai ter que é::: medir na largura e (...) ((Yan e Kelvin continuam com a mão levantada)) 179. Vinícius: ele vai ter que somar assim ó ((fazendo movimento apontando para a figura no livro)) 180. P: mas com o que que ele vai ter que medir Márcia? ((Márcia fica olhando para baixo sem dizer)) 181. Natã: ((vira-se em direção à Márcia e diz)) com um lápis 182. Matheus: com uma trena ((fazendo o gesto que imita o uso do objeto)) ((Yan e Kelvin continuam com a mão levantada)) 183. Vinícius: um metro 184. P: com uma tre::na ((Matheus comemora levantando os braços a resposta certa))... um me::tro,

uma fita métrica tá meio complicado aí de medir... dependendo do tamanho do JARDIM dá até pra medir com uma fita métrica

185. Vinícius: é o bom mesmo é uma trema...mas ela pode medir também com um barBANTE 186. Rafael: com tre:na 187. Felipe Souza: ((dirigindo-se a Rafael)) já falou trena Zé ((boceja)) 188. Rafael: ((balança a cabeça em sinal negativo)) cê tá dormindo ((Yan permanece com a mão levantada, mas agora já brinca com o seu dedo indicador apontado para o teto, brinca e por fim deixa a mão cair na mesa fazendo barulho)) 189. Thaís: e se ele somar cada lado e ele dividir por [incompreensível]? 190. P: ele tem que somar cada lado né? e daí somar pra ver o intei::RO né? 191. Natã: é 192. P: “se o jardim da casa de Rodrigo fosse igual ao da imagem acima... haveria uma maneira mais

fácil de calcular o perímetro da CERCA? 193. Yan: eu eu eu professora ((levantando a mão)) 194. Lauanda: usando a régua ((A Coordenadora Pedagógica chega e fica encostada na porta observando)) 195. P: “OBserve as medidas indicadas, calcule e discuta com seus colegas” 196. Yan: ((ao ver a coordenadora)) eu fessora? 197. Coordenadora Pedagógica: ((sorri para os alunos que olham para ela e diz baixinho olhando

para P)) tudo bem?

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((P aponta para Ana Luísa que sai da sala e acompanha a coordenadora até a sua sala)) Vinícius: essa aí é:: como é que chama... ((pergunt ando o nome da coordenadora para Vitor

Nunes)) 198. Yan: professora? ((levantando a mão)) eu SE:I... 199. Rebeca: ô Yan pára Yan ((olhando para Yan, Milena vira-se para o lado e também olha para

Yan)) 200. Yan: mas eu se::i ((em tom quase de súplica))... eu sei... a:: professora deixa? ah professora que

coisa! 201. P: SE a medida do jardim FOSSE ((Yan continua a balançar a mão, deixa o braço levantado

encostado na parede)) essa daqui ó... quatro metros e e seis metros 202. Thaís: e seis e seis metros 203. Vitor Nunes: seis e seis metros 204. Yan: ((fica em pé)) professo:ra? multiplicando os lados iguais 205. P: como ele fari::a? 206. Yan: ((ainda de pé)) MULTIplicando os lados iguais professora 207. P: tá:: mas pode multiplicar esses dois aqui por dois e esses outros aqui por dois porque são

diferentes 208. Vitor Nunes: vai dar vinte 209. Vinícius: é:: vai dar vinte 210. P: mas olha aqui... 211. Vinícius: é só eles soma professora... 212. P: somar é muito mais fácil NESSE CASO porque as medidas são pequenas 213. Vinícius: pois é eu falei isso 214. PgrAls: ((repetem)) vai dar vinte 215. Thaís: eles somaram é isso que eu to falando 216. PgrAls: ((repetem)) vai dar vinte 217. P: pois é... quatro mais seis 218. Thaís: de::z 219. P: dez mais quatro? 220. PgrAls: cato::rze 221. P: catorze mais seis? 222. PgrAls: vi:nte

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223. P: num total tem vinte METROS esta área aqui do jardim 224. Felipe Lima: ah:: professora foi isso que eu pus 225. Raul: profeSSOra mais e se fosse quatro lados iguais? 226. Vinícius: ah Raul ó ((faz som de desaprovação)) 227. P: essa área do jardim tem seis metros ele NÃO é esse essa figura aqui é RETANGUlar

((Glauber está distraído com a câmera do fundo,virado de costas para professora)) se ela fosse quadrada os quatro lados seriam iguais e então a gente multiplicaria por quatro, não é isso GLAUber? ((Uma boa parte da turma se vira para olhar para Glauber))

228. Natã: é isso mesmo 229. P: é pois é... então vira pra frente 230. Yan: ARRARARARA ((ri bem alto e se levanta apontando para Glauber)) 231. Rafael: rarara ((ri)) olha o menino 232. P: “qual é a maneira a medida do contorno de uma toalha quadrada de um metro de La:DO?” 233. Thaís: é: a medida é quatro metros 234. Rafael: quatro metros 235. P: é a medida é quatro metros é só multiplicar quatro vezes um ou somar um mais um mais um

mais um... quatro metros que é a medida... então olha aqui “a medida do contorno de uma figura é chamada de PERÍMETRO” então isso aqui ó ((mostrando para o desenho no quadro)) perímetro... se fosse quadrado perímetro também... retangular quadrado ((Natã e Rafael bocejam alto)) “calcule o perímetro...” vou fechar a porta aqui ((o horário do recreio se aproximava))... pronto! “calcule o perímetro de cada uma das figuras abaixo sabendo que CAda Lado ((Felipe Lima brinca de tocar guitarra)) do quadrado da malha quadriculada tem um centímetro” então olha só... o quadrado aqui da letra a... se cada um se cada quadradinho desse tem um centímetro... aqui ó essa figura a aqui... a parte de cima dela tem quantos centímetros?

236. Yan: QUAtro 237. P: quatro... Leandro senta direitinho... na lateral aqui ela é partida né gente? ela é assim ó

((desenha no quadro)) né então [na lateral] dela aqui ó a gente tem que contar direitinho, né? Felipe Lima: [Nuh::] ((Vinícius, Rafael e Vitor Nunes começam a brincar de dublê de luta usando como trilha sonora o barulho do recreio das crianças menores que já começou)) 238. P: então a figura a vamos contar 239. Felipe Souza: dezesseis centímetros 240. Natã: é: dezesseis centímetros 241. P: tem cinco centímetros não é? na lateral... na lateral esquerda tem cinco centímetros...

embaixo na base tem quantos centímetros? ... .... 242. A?: dez ((tom baixíssimo)) 243. A?: doze ((tom baixíssimo))

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244. P: quanto gente? 245. PgrAls: dois 246. P: DOIS e: na lateral DIREIta vamos contar um dois três quatro... cinco cinco... centímetros dois

quatro seis ((conta baixinho como se revisando para si mesma)) ENTÃO DEZ... com quatro quatorze não... ... ((duvidando da conta))

247. Yan: tem quinze fessora 248. P: dezesseis... ... NÃO ESSA BASE AQUI TEM SEIS OLHA por que? porque conta aqui ó...

Yan? faz favor... pela conta aqui ó... aqui do lado são quantos? 249. Thaís: três 250. P: aqui ó SÃO TRÊS AQUI esse daqui conta e mais aqui então um dois três quatro [cinco e seis] Thaís e Natã: [cinco e seis] Natã: [cinco e seis] 251. P: então aqui tem seis...aqui tem dois... ... aqui em cima tem quatro e aqui? 252. Natã: te: 253. Thaís: seis 254. P: deixa eu contar um dois três quatro cinco SEIS TAMBÉM... então seis mais seis doze 255. Thaís: o Glauber ERRÔ 256. Vitor Nunes: aonde é que tá? 257. P: dezesseis centímetros dezoito centímetros 258. Thaís : ACERtei: 259. Lauanda: acertei 260. Matheus: eu acertei também ((olhando para Felipe Lima)) ((Felipe Lima olha para Matheus e Lauanda e faz sinal de bater palmas pra ela que sorri de volta)) ((Yan se levanta olhando para o livro e vai na direção da professora, ao chegar a frente desiste e

volta)) 261. P: A LETRA B É UM RETÂNGULO né? ((Glauber se levanta e vai levar o seu livro para com P

discutir a resposta, há muita conversa enquanto P ouve Glauber))... ... GENTE eu to na letra A... o Glauber tá falando que eu fiz FORMATO ERRADO mas eu mesma desenhei só... MAS SÃO dezoito centímetros... CONFERE AÍ COM O QUE VOCÊS FIZERAM?

262. Thaís : ãnran o meu tá certo 263. P: agora a LETRA B 264. Rafael: não professora 265. Thaís: é dezoito

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266. P: então a letra B tem quantos centímetros? 267. Thaís: tem catorze 268. P: um dois três quatro cinco... CINCO NO CUMPRIMENTO E QUANTOS NA LARGURA?...

DOIS 269. PgrAls: DOIS 270. P: então são dez com dois de cada lado quatorze... 271. Thaís: acertei 272. Lauanda: acertei ((Vitor Hugo comemora levantando os dois braços)) 273. Thaís: o último é vinte e do-is!! 274. P: E AGORA A LETRA C são quantos centímetros? 275. PgrAls: vinte e dois 276. P: vinte e do::is 277. PgrAls: vinte e um 278. PgrAls: vi:nte e do:is 279. P: psiu OLHA A LETRA C... psiu... tem seis centímetros em cima... na lateral direita um dois três

quatro cinco ... na lateral direita... DOIS na base e agora vamo vê do lado esquerdo um dois três quatro cinco seis sete ((Milena e Rebeca bocejam juntas)) dá NO:VE na lateral esquERDA... porque são dois aqui dois aqui e depois vem aqui ((apontando para a figura)) então dá vinte e dois centímetros... NÚMERO QUATRO

280. Lauanda: dá tre:ze 281. Vinícius: número três professora 282. Lauanda: a:: tá! 283. P: “o pai de Rodrigo colocará rodapé na sala da casa”...três... “A SALA É Retangular”... ... você

tem que corrigir o SEU LIVRO E o SEU CADERNO... não o caderno do COLEGA...... “A SALA é retangular veja as medidas e responda... quantos metros ((Vitor Nunes Boceja e levanta os braços espreguiçando-se)) de rodapé serão necessários?”

((Kelvin está com a mão levantada pedindo a palavra)) 284. Thaís : tre::ZE 285. Vinícius: catorze metros NO TOTAL ((olhando para Thaís)) ((Muitas vozes sobrepostas alguns alunos gritam “doze”, outros “treze”, outros “catorze” o sinal para o intervalo toca, alguns alunos vão se levantando para sair da sala)) 286. Vinícius: olha aqui professora...dá licença ((levando o livro para P, Thaís e Natã também fazem

o mesmo)) 287. P: OLHA AQUI a hora que a gente voltar do recreio a gente termina de corrigir... A HORA QUE

VOLTAR a gente termina

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288. Rafael: é treze seu burro! é treze seu burro ((repete enquanto sai da sala sem se dirigir à

ninguém explicitamente)) 289. Vinícius: não to falando com cê que é catorze ((dirigindo-se à Thaís)) 290. Thaís : é tre::ZE 291. Pesquisadora: gente vamos fazer as fotos? desliga as câmeras 292. P: faz o favor de parar de gracinha acaBOU a brincadeira YAN... por favor 293. Natã: professora... professora é três 294. P: “o pai de Rodrigo colocará rodapé na sala da casa... três... a sala é reTANgular veja as

medidas e responda... quantos metros de rodapé serão nece[ssários?” sendo... Natã: [treze] Raul: [treze] Natã ((informando Felipe Souza o que está sendo cor rigido)): [três] ((Kelvin pede a palavra levantando a mão)) (continuação 292). P: dÁ liCENÇA...dá licença... sendo que a gente tem que tirar um centímetro do rodapé porque é a porta... tá EScrito aqui... então... a sala é quadrada então em cima né? no cumprimento são quatro centímetros em cima e embaixo... então oito menos um porque é um centímetro... então sete com mais três de cada lado seis... então sete mais seis? 295. Natã: treze 296. P: treze centímetros ((Natã comemora a resposta certa sacudindo um dos braços como se estivesse dançando sentado)) 297. Yan: não... é metros 298. Matheus: hum hum 299. Yan: é METROS professora 300. Rebeca: ((em tom muito baixo)) é quatorze 301. P: seriam quatorze se não tivesse que tirar 1 centímetro da porta ((Vinícius se levanta da cadeira e permanece de pé olhando para o caderno)) 302. Yan: é METROS professora 303. P: então são TREZE METROS desculpa treze metros 304. Vinícius ((começa a se dirigir à mesa de P)): e eu achei que (...) 305. P: você pode sentar. você pode conversar comigo sentado 306. Vinícius ((sentando-se)): eu achei que punha ao invés de tirar 307. P: CLARO QUE NÃO você vai colocar rodapé na porta?

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308. Vinícius: não 309. P: vai ser um PÉssimo engenheiro assim se se você pensar desse jeito 310. Thaís: ((risos)) 311. Leandro: aí quando for pra pô ((risos)) aí você tira 312. Felipe Souza: ãhn? 313. P: PÁGINA cento e setenta e seis... número cinco... “escreva em centímetros” / LEANDRO eu

estou corrigindo... não tô brincando não... / Eduarda estou coRRIgindo. / “escreva em centímetros a medida do lado que está faltando em cada triângulo... isósCEles ... não vale usar a régua... triângulo isósceles possui DOIS LADOS com a MESMA medida”... então é só pensar né gente? os lados que são iguais têm a mesma medida. esse aqui da letra a. a base tem cinco centímetros, um lado três centímetros e o OUTRO

314. PgrAls ((em coro)): tRE::is cen(...) 315. P: centímetros... a letra b um lado tem quatro centímetros o OUTRO lado um e meio centímetro

e embaixo que é igual ao de cima... tem quantos centímetros? 316. PgrAls ((em coro)): qua::tro 317. P: quatro centímetros LETRA c a base quatro centímetros um lado três centímetros o outro? 318. PgrAls ((em coro)): trê:is centímetros 319. P: trê:is centímetros... FACÍLIMO isso, né? 320. Raul: é fácil professora... professora? 321. P: “LEMBRAndo que peRÍmetro...” / pronto meu bem ((dirigindo-se a Ítalo que parece fingir que

está dormindo)) 322. PgrAls: riem 323. P: não, isso não é engraçado não...isso é falta de respeito... seria engraçado se fosse em outro

momento... “lembrando que peRÍmetro é a medida do contorno do polígono. escreva o perímetro de CAda TRIângulo em centímetros” ... então o da letra a a gente vai somar três centímetros mais três

324. Matheus: [dá se:is] PgrAls :. [seis] 325. P: seis mais cinco? 326. PgrAls: o::nze 327. P: onze centímetros. então letra a onze centímetros a letra b 328. Yan: sete 329. Rebeca: nove 330. P: quatro mais quatro oito centímetros mais um e meio nove centímetros e meio 331. Natã: é tá certo

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332. P: então a letra b nove centímetros e meio... e a letra c? 333. Natã: dez centímetros 334. P: dez centímetros porque três mais três seis mais quatro dez. dez centímetros... quem é que

conseguiu fazer esse para casa com to::da a tranquilidade?... ((Rafael, Ana Luíza, Rebeca, Raul, Eduarda e Leandro levantam a mão em resposta à pergunta))

335. Viníciu s: engraçado o meu deu vinte e dois 336. P: perímetro é muito fácil, né gente? 337. Raul: é professora! 338. PgrAls: é 339. P: é SÓ prestando atenção... ... e Felipe Souza essa desculpa não vou aceitar... você fala pro

seu pai que eu não aceitei essa desculpa tá? e que horas você chegou em casa com a sua avó? 340. Felipe Souza: umas oito e meia 341. P: então dava tempo de você fazer o para casa QUEM gastou mais de duas horas pra fazer

esse para casa? 342. Felipe Lima: ((levanta a mão)) 343. GgrAls: ((muitos risos)) 344. P: típico de quem né? 345. Leandro: professora ele chegou oito e meia e eu fiz meu para casa DEZ horas da noite ((Uma aluna de outra turma bate à porta, Ítalo abre)) 346. P: pois é... isso não é desculpa tá Felipe Souza, não é desculpa! Você poderia ter ((P vê agora a

aluna em sua mesa e a escuta)) ((A aluna de outra sala entra e caminha na frente da sala em direção à mesa de P. Outros alunos aproveitam o tempo em que a professora se distrai para conversas paralelas)) 347. P: Rafael ((P faz gesto indicando que ele deve acompanhar a colega para a sala da

coordenação))... gente... atenção... a Sônia Lúcia fez com vocês a página cento e oitenta e seis? 348. PgrAls ((em coro)): fe::z 349. P: a página cento e oitenta e sete ela fez? 350. GgrAls: NÃ:::O 351. P: vamos fazer agora a página cento e oitenta e sete 352. Raul : em qual caderno? 353. Lauanda: é no caderno? ((Venta e a cortina tampa a lente da câmera)) 354. P: CLAro no mesmo caderno que vocês fizeram esse aí, números três e quatro 355. Natã: copiando?

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356. P: não precisa psiu...não precisa copiar esse enunciado número três mas as perguntas a b e c

tem que copiar a pergunta e pôr a resposta 357. Thaís: a Letra b? 358. P: a letra b também e o número quatro ((levanto e prendo a cortina)) tem que copiar as ordens... 359. Lauanda: o enunciado é outro? 360. P: o enunciado é a ordem da atividade não precisa copiar não... vamos fazer pra gente corrigir

agora TAMBÉM... pronto Fernanda?... deu? ((faço um sinal de joia pra P)) 361. Lauanda: eu não entendi o número dois 362. P: qual número dois que você não entendeu? o que a Sônia corrigiu? 363. Lauanda: é 364. P: eu corrijo depois com quem já fez o número um e dois que a Sônia mandou 365. Leandro: ela não mandou fazer o dois não 366. P: mandou não? 367. Vinícius: mandou sim 368. GgrAls ((em coro)): ela mandou sim ((falam de modo tumultuado, alguns chegam a se levantar))