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1 PONTIFÍCIA FACULDADE DE TEOLOGIA NOSSA SENHORA DA ASSUNÇÃO ODAIR EUSTÁQUIO RIBEIRO GOMES “Procurava ver quem é Jesus”: O processo de libertação do mau uso do dinheiro na perícope de Zaqueu em Lc 19, 1-10. Apresentação de dissertação à Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, para obtenção de título de mestrado em Teologia Bíblica, sob a orientação do Prof. Dr. Côn. Celso Pedro da Silva. São Paulo, 2007

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PONTIFÍCIA FACULDADE DE TEOLOGIA NOSSA

SENHORA DA ASSUNÇÃO

ODAIR EUSTÁQUIO RIBEIRO GOMES

“Procurava ver quem é Jesus”: O processo de libertação do

mau uso do dinheiro na perícope de

Zaqueu em Lc 19, 1-10.

Apresentação de dissertação à Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, para obtenção de título de mestrado em Teologia Bíblica, sob a orientação do Prof. Dr. Côn. Celso Pedro da Silva.

São Paulo, 2007

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Nota:...............................................................

Assinatura do professor orientador

..................................................................................

Página de aprovação.

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Dedico essa dissertação, aos meus pais e irmãos, especialmente à minha mãe, que de modo simples e objetivo me incentivou nos estudos desde a infância. Preciso lembrar com alegria dos pequenos valores financeiros que ela recolhia para comprarmos material escolar, livros e necessidades em geral. A ela meu eterno agradecimento.

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Agradeço a Deus e aos meus pais pela vida. Ao meu bispo diocesano, Dom Emílio Pignoli, pelo apoio. Agradeço aos professores da Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, que nos últimos 10 anos, têm participando de forma decisiva na minha formação humana e cristã. De modo especial, agradeço ao Prof. Dr. Côn. Celso Pedro da Silva, homem dedicado, que orientou esse trabalho, apesar de todas as suas ocupações. Também agradeço aos meus paroquianos que tiveram compreensão diante da minha necessária ausência em alguns momentos. A todos, o meu eterno agradecimento.

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Sumário Introdução................................................................................................................. 08 Capítulo I: O texto.................................................................................................... 16 1. O texto segmentado............................................................................................... 16 2. Delimitação............................................................................................................ 18

2. 1. As perícopes anterior e posterior ........................................................ 18

2. 2. A coesão da perícope de Zaqueu ......................................................... 18

2. 3. Testemunhos da coesão da perícope .................................................. 19

3. Crítica textual ..................................................................................................... 21

3. 1. Variantes do v. 2 .................................................................................. 22

3. 2. Variantes do v. 4 .................................................................................. 23

3. 3. Variantes do v. 5 .................................................................................. 25

3. 4. Variante do v. 7 .................................................................................... 26

3. 5. Variantes do v. 8 ................................................................................... 26

3. 6. Variantes do v. 9 ................................................................................... 28 4. Vocabulário .......................................................................................................... 28

4. 1. Verbos ................................................................................................... 30

4. 2. Substantivos .......................................................................................... 43

4. 3. Adjetivos ............................................................................................... 57 4. 4. Partículas .............................................................................................. 60 5. Estrutura do texto ................................................................................................ 65 6. Tradução .............................................................................................................. 69

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Capítulo II: Contexto .............................................................................................. 70

1. Contexto literário ................................................................................................ 71

1. 1. Contexto literário remoto .................................................................... 71 1. 1. 1. O escopo (tese do autor) ........................................................ 72 1. 1. 2. O plano do autor .................................................................... 73 1. 2. Contexto literário próximo................................................................... 83

2. Contexto histórico ................................................................................................ 87

2. 1. Contexto helenístico .............................................................................. 89

2. 1. 1. Contexto helenístico-romano ................................................. 93

2. 2. Contexto social e econômico ................................................................ 96

2. 2. 1. O saber e a ciência ................................................................. 97

2. 2. 2. As cidades ............................................................................... 97

2. 2 .3. Moral, família e escola ......................................................... 97

2. 2. 4. A administração romana ...................................................... 98

2. 3. Contexto lucano ................................................................................... 99

2. 3. 1. A influência do gnosticismo ................................................. 104

2. 3. 2. O dinheiro no contexto de Lucas ......................................... 108

Capítulo III: Análise .............................................................................................. 116

1. A identificação de Zaqueu (cf. v. 2) ................................................................... 117 2. Zaqueu e o processo de conhecimento de Jesus (cf. v. 3a) .............................. 119

2. 1. Significado do verbo zhte,w [procurava] ............................................. 122

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2. 2. Significado do verbo o`ra,w [ver] .......................................................... 127 2. 3. Significado do pronome ti,j [quem] .................................................... 130

2. 4. Comparando Lc 19, 3a com Jo 12, 20-21 ........................................... 131

3. Desafios no caminho de Zaqueu (cf. 3bc) ......................................................... 134

4. Ações de Zaqueu (cf. v. 3 - 10) ........................................................................... 136 5. O Imperativo de Jesus e a obediência de Zaqueu (cf. v. 5 e 6) ....................... 141

6. A murmuração dos legalistas (cf. v. 7) ............................................................. 145

7. Conversão de Zaqueu e suas conseqüências (cf. v. 8 -10) ............................... 148

Conclusão ............................................................................................................... 160

Bibliografia ............................................................................................................ 170

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Introdução

“Procurava ver quem é Jesus”: O processo de libertação do mau uso do dinheiro na

perícope de Zaqueu em Lc 19, 1-10.

Vivemos um período histórico marcado, surpreendentemente, pelo retorno do

ser humano ao sagrado. Muitas reflexões em artigos e revistas especializadas tratam do

assunto. Fala-se de um “período de grande fascínio pelo sagrado”.

Sabemos que a busca pelo sagrado tem encontrado um “mercado” variado que

oferece experiências novas, propostas de prosperidade e de superação das situações de

sofrimento. Busca-se, basicamente, o consolo, a superação pessoal e pouco se fala da

mudança estrutural da sociedade.

De fato, é função da religião responder aos anseios e questionamentos mais

profundos dos seres humanos, mas o ensinamento, que muitas vezes, ela tem

apresentado, se reduz a meras experiências desvinculadas das situações concretas. Há

situações urgentes que precisam ser iluminadas e transformadas por uma fé consciente,

tais como a desigualdade que apresenta o crescente abismo entre pobres e ricos, os

efeitos da corrupção, do acúmulo de bens e da exploração financeira.

Muito pior do que desvinculadas do ensinamento de Jesus Cristo, as

experiências se apresentam como grandes e atrativas soluções, quando, na verdade,

não passam de paliativos.

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No mercado religioso há diversas ofertas e propostas, mas pouco se fala de

atitudes concretas de conversão, de renúncia, de justiça e partilha para com os que

vivem à margem da sociedade. Acreditamos que esta realidade é conseqüência direta

da falta de conhecimento da pessoa, da identidade e do projeto de vida apresentado por

Jesus Cristo.

É verdade, que ao falarmos da busca pelo sagrado, referimo-nos a contextos

religiosos muito amplos, mas, considerando que grande parte da procura, ainda se dá

no meio cristão, vale dizer, que muitos aspectos da fé cristã precisam ser questionados

e redefinidos com base no ensinamento de Jesus Cristo. Numa palavra, precisamos

voltar às fontes do cristianismo, e a fonte primeira, como sabemos, é o Evangelho de

Jesus Cristo.

Dentre os aspectos a serem questionados e redefinidos, temos, de modo

especial, as questões envolvendo dinheiro, principalmente no que diz respeito à

religião, economia, vida social e política.

Diante das constatações acima, temos que reafirmar o dever do cristianismo em

não permitir que seja apresentada uma pessoa diversa daquela que Jesus Cristo foi.

Não pode haver uma deturpação do homem-Deus, que apresentou um projeto de vida

em abundância para todos, apenas a um bom terapeuta da modernidade.

É partindo do contexto religioso e social, muito resumidamente exposto, que

propomos uma reflexão sobre a perícope de Lc 19, 1-10, geralmente intitulada a

conversão de Zaqueu. Acreditamos que no texto há elementos muito significativos, no

sentido de mostrar quem é Jesus e quais devem ser as atitudes daquele que O conhece,

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frente a uma sociedade que cultua o dinheiro, o ter e o poder, sendo assim, marcada

pela ambição, exploração e injustiça.

A reflexão e as conclusões que o texto possibilitam são oportunas e

esclarecedoras, à medida que apontam para um cristianismo que não se reduz a

experiências egoístas de consolo e acomodação, mas a atitudes concretas de renúncia,

conversão e partilha, as quais, são indispensáveis para de fato, as pessoas e a sociedade

em geral, superar a ambição, romper com a exploração e a injustiça, construindo

assim, o Reino de Deus.

O texto é, desde já o afirmamos, um paradigma para se entender o Evangelho

segundo Lucas, e de certo modo, a Boa Notícia de Jesus, como sendo uma proposta

fundamentada em atitudes concretas na história humana. Por isso, apresentamos o v.

3a: “Procurava ver quem é Jesus”, como o ponto de partida de um processo de

libertação do mau uso de dinheiro. Sem esse processo, não é possível uma conversão

concreta.

A libertação de Zaqueu poderia ser resultado tão simplesmente do esforço

humano, caso considerássemos apenas sua busca, no entanto, para não contradizer a

própria perícope e não cair em problema teológico tão grave, vamos salientar ao longo

da reflexão a missão de Jesus, que na própria perícope é ressaltada: “veio para

procurar e salvar o que estava perdido” (cf. v. 10b).

Para nós, a atitude de Zaqueu de procurar ver quem é Jesus, não era uma ação

momentânea, o que demonstraremos, sobretudo pela constatação de que o verbo grego,

correspondente a “procurava”, se encontra num tempo e modo que indicam uma

atitude repetida, freqüente.

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A perícope como um todo nos faz identificar com mais clareza, as diversas

ações que mostram a conversão de Zaqueu e alguns aspectos importantes da mesma. É

significativo a apresentação de 10 verbos para os 10 versículos que compõem a

perícope. Através deles, obtemos o quadro completo do texto, ou das ações que

sucedem com uma finalidade específica: “salvar o que estava perdido”, frase pela qual

Jesus costumava resumir sua missão.

Para alcançar o objetivo, nossa metodologia será baseada na elaboração de

análise exegética, a partir de leitura minuciosa e detalhada do texto grego, no estudo

do contexto literário e histórico do Evangelho segundo Lucas e de análise lingüística

do texto, decodificando expressões e, procurando assim, encontrar o significado mais

exato das expressões que formam a narração.

No primeiro capítulo, apresentaremos o texto segmentando e o delimitaremos,

para em seguida, fazermos sua decodificação de acordo com o aparato crítico do

Novum Testamentum Graece de Nestle-Aland, 27ª. edição. Apresentaremos o estudo

do vocabulário, uma proposta de estruturação do texto e tradução do mesmo.

No segundo capítulo, trataremos do contexto literário, mostrando a localização

da perícope no conjunto da obra de Lucas, situando assim, o escopo (tese do autor), o

seu plano e os contextos próximo e remoto. No mesmo capítulo, apresentaremos o

contexto histórico, considerando o contexto helenístico e romano que marcam de

forma evidente os escritos do NT, e de modo especial, a obra de Lucas. Neste sentido,

será necessário apresentar algumas informações sobre o contexto social, político e

econômico, ressaltando a vida cosmopolita e a administração romana. Em seguida,

enfatizaremos a influência do gnosticismo, que, o demonstraremos, influencia também

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a comunidade de Lucas, à medida que, através de seu sistema de pensamento, reduzia

a salvação a uma questão de conhecimento interior reservado a uns poucos. Por

último, restringindo-nos ao contexto específico de Lucas e da perícope, refletiremos

sobre a questão do dinheiro no próprio Evangelho, o que nos oferece o quadro

completo para entender melhor a perícope.

No terceiro e último capítulo, iremos analisar o texto, sobretudo o v. 3a,

ressaltando os verbos gregos correspondentes a “procurava” e “ver”, o pronome

“quem” e em seguida, uma comparação do “procurava ver quem é Jesus” em Lucas

com o “queremos ver Jesus” em João 12, 20-21.

Ainda na análise do texto, procuraremos decodificar as expressões mais

significativas, principalmente o conjunto de verbos que expressam, na verdade, todo o

desenvolvimento do processo de procura de Zaqueu por Jesus e de Jesus por Zaqueu.

Mostraremos que o processo terá o seu ápice, na conversão de Zaqueu, que assim,

encontra a salvação oferecida por Jesus.

Para chegar ao texto desta dissertação, recorremos a diversos auxílios

bibliográficos, a serem relacionados na bibliografia, o que faremos, separando a

relação de Bíblias, Documentos da Igreja, Dicionários e Gramáticas, livros de Exegese

e Metodologia, Sinopse, Comentários Bíblicos, artigos de Revistas e livros temáticos

em geral. Alguns deles serão de muita utilidade, à medida que nos oferecem inúmeros

dados, traduções, estatísticas e comentários sobre o Evangelho segundo Lucas.

Do material acima citado, alguns são parte de pequena biblioteca pessoal,

outros, os encontramos em bibliotecas da grande São Paulo, tais como a Biblioteca de

Teologia da Pontifícia Faculdade Nossa Senhora da Assunção, no Ipiranga, dos

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Dominicanos em Perdizes, da Faculdade de Teologia da Igreja Metodista, em São

Bernardo do Campo.

A título de exemplo, podemos mencionar alguns dos auxílios mais usados.

Dentre as Bíblias, nosso auxílio primeiro foi a Bíblia Sacra - Utriusque Testamenti,

Editio Hebraica et Graeca, de Nestle-Aland, 27ª. edição. As traduções, tais como

Bíblia de Jerusalém e Bíblia do Peregrino, foram usadas para comparar traduções.

Procuraremos citar os textos em grego e apresentar a tradução pessoal.

Quanto aos Dicionários e Gramáticas, entre outros, será de grande auxílio o

Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, de Lothar Coenen e Colin

Brown e o Dicionário Bíblico de Jonh L. Mckenzie. Para o grego, faremos uso do

Dicionário do Grego do Novo Testamento, de Carlo Rusconi.

Em termos de Exegese e Metodologia, usaremos a obra de Cássio Murilo Dias

da Silva: Metodologia de Exegese Bíblica; de Uwe Wegner: Exegese do Novo

Testamento e a obra de Udo Schnelle: Introdução à Exegese do Novo Testamento.

Dentre os Comentários bíblicos, usaremos a obra de Russel Normann

Champlin: O Novo Testamento Interpretado versículo por versículo; a obra publicada

em espanhol por direção de William R. Farmer, Armando J. Levoratti, Sean

McEvenue e David L. Dungan: Comentario Bíblico Internacional: Comentario católico

y ecumênico para el siglo XXI e duas obras em inglês, a primeira de Bruce M.

Metzger: A Textual Comentary on Greek New Testament e a segunda, de diversos

autores, entre eles Wilfrid J. Harrington: A New Catholic Commentary on Holy

Scripture.

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Faremos uso de Revistas, tais como Ribla, Reseña Bíblica, Cultura teológica, e

seus respectivos artigos.

Quanto aos livros em geral, podemos destacar os que serão mais usados:

Fitzmyer, J. A. El Evangelio según Lucas, quatro volumes; Joseph Rius-Camps: O

Evangelio de Lucas, Wilfrid J. Harrington: El evangelio según san Lucas; Helmut

Koester: Introdução ao Novo Testamento, volumes I e II, Werner Georg Kummel:

Introdução ao Novo Testamento; Eduard Lohse: Contexto e ambiente do Novo

Testamento, Walter Morgenthaler: Statistik des Neutestamentlichen Wortschatzes;

Wilson Paroschi: Crítica textual do Novo Testamento, entre outros.

Observamos que todas as citações bíblicas serão citadas entre aspas, como

orienta o texto de metodologia da pesquisa científica da Pontifícia Faculdade de

Teologia Nossa Senhora da Assunção, mas como, por muitas vezes citaremos o texto

bíblico em grego, a tradução será colocada entre colchetes e em itálico.

Tendo em mãos os auxílios acima citados, desenvolveremos nosso trabalho de

tal forma que ao fazermos a conclusão, poderemos mostrar que a metodologia e o tema

propostos foram seguidos e fundamentados, respectivamente.

Ressaltamos uma vez mais que o processo de libertação do mau uso do dinheiro

foi desencadeado a partir da procura por ver quem é Jesus, isto é, pela procura

prolongada da sua identidade. Esse pensamento, procuraremos fundamentar, primeiro,

a partir do próprio texto, na análise do mesmo, segundo, por uma argumentação sobre

a importância do conhecimento da Escritura, e assim, de Jesus Cristo. Isso, o faremos

na conclusão do trabalho.

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No mais, como finalidade última de todo trabalho científico, chamaremos a

atenção para algumas implicações teológicas e propostas práticas para conhecermos a

identidade, a pessoa e o projeto de Jesus Cristo, que nos leva à libertação do mau uso

do dinheiro.

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Capítulo I: O texto

Neste capítulo vamos examinar o texto de Lc 19,1-10 assim como se encontra

na 27ª edição do Novum Testamentum Graece de Nestlé-Aland. Apresentamos

primeiramente o texto segmentado para facilitar as citações. Em seguida procuramos

delimitar a perícope de Zaqueu para, então, fazer a crítica textual da passagem

selecionada. Obtido o texto sobre o qual vou trabalhar, passo ao estudo do vocabulário

usado por Lucas, e sua estrutura. Apresento em seguida a tradução, que é o resultado

do estudo do texto. A tradução significa como leio em vernáculo o texto estudado em

grego.

1. O texto segmentado 1 a: Kai. eivselqw.n dih,rceto th.n VIericw,Å 2 a: Kai. ivdou. avnh.r ovno,mati kalou,menoj Zakcai/oj( b: kai. auvto.j h=n avrcitelw,nhj c: kai. auvto.j plou,sioj\ 3 a: kai. evzh,tei ivdei/n to.n VIhsou/n ti,j evstin: b: kai. ouvk hvdu,nato avpo. tou/ o;clou( c: o[ti th/| h`liki,a| mikro.j h=nÅ 4 a: kai. prodramw.n eivj to. e;mprosqen b: avne,bh evpi. sukomore,an

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c: i[na i;dh| auvto.n d: o[ti evkei,nhj h;mellen die,rcesqaiÅ 5 a: kai. wj h=lqen evpi. to.n to,pon( b: avnable,yaj o` VIhsou/j ei=pen pro.j auvto,n\ c: Zakcai/e( speu,saj kata,bhqi( d: sh,meron ga.r evn tw/| oi;kw| sou dei/ me mei/naiÅ 6 a: kai. speu,saj kate,bh b: kai. u`pede,xato auvto.n cai,rwnÅ 7 a: kai. ivdo,ntej pa,ntej diego,gguzon le,gontej b: o[ti para. amartwlw/| avndri. eivsh/lqen katalu/saiÅ 8 a: staqei.j de. Zakcai/oj ei=pen pro.j to.n ku,rion\ b: ivdou. ta. h`mi,sia, mou tw/n u`parco,ntwn( ku,rie( toi/j ptwcoi/j di,dwmi( d: kai. ei; tino,j ti evsukofa,nthsa avpodi,dwmi tetraplou/nÅ 9 a: ei=pen de. pro.j auvto.n o` VIhsou/j b: o[ti sh,meron swthri,a tw/| oi;kw| tou,tw evge,neto( c: kaqo,ti kai. auvto.j ui`o.j VAbraa,m evstin\ 10 a: h=lqen ga.r b: o` ui`o.j tou/ avnqrw,pou c: zhth/sai kai. sw/sai to. avpolwlo,jÅ

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2. Delimitação

2. 1. As perícopes anterior e posterior

Na perícope anterior (Lc 18,35-43) a localização geográfica são as cercanias de

Jericó; os personagens são Jesus, a multidão, o cego, os que iam à frente e também o

povo. A perícope relata a cura do cego de Jericó, acompanhada de conversão e louvor

a Deus. Na perícope posterior (Lc 19,11-28), lemos a parábola das minas, com a qual

se concluem as etapas lucanas da subida a Jerusalém.

2. 2. A coesão da perícope de Zaqueu

A perícope de Lc 19, 1-10 é independente e coesa porque, em relação à

perícope anterior, (18, 35-43) encontramos:

a) Mudança de personagens: de “tuflo,j” [cego], e “kai. pa/j o` lao.j” [e, todo

o povo], (cf. 18,43) para um novo personagem: “...avnh.r ovno,mati

kalou,menoj Zakcai/oj” [...um homem chamado com o nome de Zaqueu], (cf.

2a);

b) Mudança do coletivo “kai. pa/j o lao.j” [e, todo o povo], (cf. 18, 43b) para o

particular “...avnh.r ovno,mati kalou,menoj Zakcai/oj” [...um homem chamado

com o nome de Zaqueu], (cf. 2a);

c) Na passagem da perícope sobre o cego de Jericó para a de Zaqueu também

encontramos mudança de espaço: “...eivselqw.n dih,rceto th.n VIericw”

[...tendo entrado em Jericó], (cf. 1a);

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d) A perícope tem começo, meio e fim: encontro – diálogo – conseqüência –

juízo sobre o fato;

Em relação à perícope posterior (Lc 19,11-28), a mudança de assunto é

evidente, uma vez que se passa da narrativa do encontro entre Jesus e Zaqueu para

uma parábola. A parábola em si parece tratar de outro assunto, embora, tematicamente,

tenha relação com a perícope de Zaqueu. De fato, percebe-se ainda a insistência do

autor em expor a misericórdia de Deus que em Jesus veio salvar a todos, e de modo

especial os pecadores, aos quais, cabe a conversão para a participação no Reino. A

parábola das minas reforça o tema da salvação daqueles que acolhem Jesus e sabem

administrar os bens temporais.

2. 3. Testemunhos da coesão da perícope

Vários exegetas apresentam a perícope de forma independente. Ao dividir o

conteúdo do Evangelho segundo Lucas em cinco partes, Kummel 1 inclui a perícope de

Zaqueu na quarta parte, denominada “retomada da jornada para Jerusalém”. O referido

autor afirma: “De outra tradição2 procedem a história de Zaqueu (19, 1-10) e a

parábola das minas (19, 11-27)” 3.

Ao comentar o Evangelho em questão, Fabris4 trata a perícope de forma

exclusiva, colocando um tema substancial para a mesma, a saber, o encontro salvífico

1 KÜMMEL, W. G. Introdução ao Novo Testamento. 17.ed. São Paulo: Paulinas, 1982, p. 151 - 155. 2 Pelo “de outra tradição” se entende uma tradição diferente de Mt e Mc, à qual Lc recorre quando não apresenta seu próprio material, tal como acontece quase que exclusivamente na referida quarta parte principal (13, 31-19, 27). 3 KÜMMEL, W. G. Introdução ao Novo Testamento..., p. 155-156. 4 FABRIS, R. O Evangelho de Lucas. In BARBAGLIO, G. FABRIS, R., MAGGIONI, B. Os Evangelhos II. 2.ed. São Paulo: Loyola, 1994, p. 179-247.

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com um pecador, Zaqueu. O referido autor comenta: “A conversão de Zaqueu em

Jericó é o último episódio da viagem de Jesus a Jerusalém”5.

Também Algisi6, ao elaborar o esquema do Evangelho segundo Lucas, dividiu a

viagem a Jerusalém (9, 51-19, 28) em quatro seções, e ao comentar a quarta seção

afirma que: “encerram a seção dois trechos lucanos: o episódio de Zaqueu (19, 1-10) e

a parábola das minas (19, 11-27)”7. O exegeta trata, pois, a perícope como sendo um

episódio separado, independente.

Schökel8 também apresenta o texto como sendo um relato independente.

Primeiramente afirma que 18, 35-43 e 19, 1-10 são dois episódios diferentes em

Jericó: o cego que reconhece o Messias e o rico que se converte9.

Outro autor, que separa a história de Zaqueu da perícope anterior e posterior, é

Kodell10. Ele diz textualmente: “A história de Zaqueu é exclusiva do evangelho de

Lucas. Sintetiza dramaticamente alguns temas importantes do discipulado, quando

Jesus se aproxima de Jerusalém”11;

Em seu comentário exegético, Tuya12, trata o encontro de Jesus e Zaqueu como

sendo uma cena separada, a qual, tem por tema central a misericórdia de Deus

manifestada em Jesus Cristo13. Deste modo, separa-a tanto da perícope anterior sobre o

cego de Jericó (18, 35-43) como da posterior, a parábola das minas (19, 11-28);

5 FABRIS, R. Os Evangelhos..., p. 182. 6 ALGISI, L. O evangelho de São Lucas. In BALLARINI, T., O.F.M. Introdução à Bíblia: Os evangelhos. Petrópolis: Vozes, 1972, p. 237-293. 7 ALGISI, L. Introdução à Bíblia..., p. 252. 8 Cf. BÍBLIA DO PEREGRINO, ad (19, 1-10). 9 Cf. BÍBLIA DO PEREGRINO, ad (18, 35), nota. 10KODELL, J. Lucas. In BERGANT, D., CSA & BARRIS, R. J., OFM (org.). Comentário Bíblico. Vol. III. 3.ed. São Paulo: Loyola, 2001. p. 73-108. 11 KODELL, J. Lucas..., p. 100. 12 TUYA, M. de. Bíblia comentada - Evangelios, Vol. Vb. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, de Edica, S. A., 1967, p. 235. 13 TUYA, M. de. Bíblia Comentada..., p. 186.

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21

Harrington14 apresenta a perícope como independente e sintetiza de forma

objetiva a exclusividade lucana da perícope: “19, 1 - 10: Zaqueu – próprio de Lc”15.

Também Abogunrin16 se refere ao texto como sendo um novo episódio

posterior ao do cego de Jericó. Primeiramente destaca o fato de Jesus se hospedar na

casa de Zaqueu17 e em seguida considera o relato como preparação para a entrada de

Jesus em Jerusalém; relaciona, porém, Zaqueu com o cego de Jericó da perícope

anterior. (18, 35-43)18;

Cabe citar ainda Lagrange19. O exegeta também trata a passagem como um

episódio à parte. Logo no início do comentário à passagem ele deixa claro que se trata

de um outro episódio. 20.

3. Crítica textual

A crítica textual propriamente dita é feita por especialistas. Neste trabalho

apresento decodificado o que se encontra no aparato crítico da 27ª edição do Novum

Testamentum Graece de Nestle-Aland, procurando ver se há problemas no texto que

pudessem influenciar a interpretação.

14 HARRINGTON, W. A New Catholic Commentary on Holy Scripture: St. Luke. New York: Thomas Nelson Publishers, 1984, p. 986-1021. 15 “19: 1 – 10 Zacchaeus – Proper to Lk”, cf. HARRINGTON, W. A New Catholic Commentary…, p. 1014. 16 ABOGUNRIN, S. O. Lucas. In Comentario Bíblico Internacional: Comentario católico y ecumênico para el siglo XXI. Estella (Navarra): Verbo Divino, 1999, p. 1245-1307. 17 ABOGUNRIN, S. O. Lucas. In Comentario Bíblico Internacional...,p. 1291. 18 “Este relato comienza a preparar la entrada de Jesús em Jerusalén, el lugar de su destino desde que comenzó su viaje em Lc 9, 51. El personage principal de este relato es Zaqueo, um jefe de recaudadores de impuestos. También él quería encontrar-se com Jesús, como el ciego Del episodio anterior”, Cf. ABOGUNRIN, S. O. Lucas..., p. 1291. 19 LAGRANGE, J. Evangile selon Saint Luc. Paris: J. Gabalda, 1948. (Etudes bibliques). 20 LAGRANGE, J. Evangile selon Saint Luc..., p. 487.

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3. 1. Variantes do v. 2

“Kai. ivdou. avnh.r ovno,mati º kalou,menoj Zakcai/oj( kai. auvto.j Ý h=n avrcitelw,nhj à

kai. auvto.j¬ plou,sioj¬\”

O vocábulo kalou,menoj é omitido pelo Códice de Beza (Maiúsculo D), do séc.

V, arquivado na biblioteca de Cambridge; pelo Minúsculo 892, códice do séc. IX,

arquivado na biblioteca de Londres; pelo Minúsculo 1241, códice do séc. XII, que se

encontra no Sinai; pela Vulgata e alguns manuscritos da Vetus Latina; por um

manuscrito da versão copta saídica; e por alguns testemunhos da versão copta no

dialeto boárico.

Sem o kalou,menoj a tradução de 2a ficaria: “eis que um homem com o nome

Zaqueu...”, o que não altera o conteúdo.

Em 2b: “h=n avrcitelw,nhj kai. auvto.j plou,sioj” sofre as seguintes alterações:

a) A Uncial Ψ, do século IX/X substitui a frase por a;rcwn th/j sunagwgh/j

u`ph/rcen, o que significa “e ele era o chefe da sinagoga”.

Em Lucas há uma variante que se refere ao chefe de sinagoga. Trata-se da

figura de Jairo, como lemos em 8, 41: “kai. ivdou. h=lqen avnh.r w-| o;noma VIa,i?roj kai. ou-

toj a;rcwn th/j sunagwgh/j u`ph/rcen...” [e eis que chegou um homem de nome Jairro

que era chefe da sinagoga...].

Caso a variante acima fosse aceita como a mais original, alteraria

significativamente o conteúdo e abriria campo para novos e polêmicos debates, pois

como é sabido, houve grandes controvérsias envolvendo os primeiros cristãos e a

Sinagoga. Preferimos, no entanto, seguir o texto de Nestle-Aland, o que se justifica

pelo fato da variante em questão provir de uma Uncial consideravelmente tardia.

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b) kai. auvto.j, pode ser substituído por kai. auvto.j h=n (e ele era), o que é

testemunhado pela Uncial Θ, do século IX, por alguns manuscritos latinos.

Kai. auvto.j, também pode ser substituído por kai. ουvto.j h=n (e este aqui era). Tal

substituição é testemunhada pelo Códice Alexandrino (A), do séc. V; pelo códice W,

do séc. IV/V, e ainda pelo códice latino f, do séc. VI.

E ainda, kai. auvto.j pode ser substituído por kai. h=n (e era). Isso é testemunhado

pelo Códice Sinaítico (א) do séc. IV, pelos Códices Gregos N, do séc. VI, L, do séc.

VIII/IX, e pelos Minúsculos 892, do séc. IX, e 1241; do séc. XII, e pela versão copta

boráica.

O texto proposto por Nestle-Aland é testemunhado pelos seguintes manuscritos:

Códice Vaticano (B), datado do Séc. IV, na biblioteca do Vaticano em Roma; Códice

K, séc. IX; Códice T, séc. V; por manuscritos da família minúsculo f ¹, ou seja, os

minúsculos 1, 118, 131, 209, 1582, etc.; Manuscritos da família f ¹³, ou seja, 13, 69,

124, 174, 230, 346, 543, 788, 826, 828, 983, 1689, 1709, etc.; pelos minúsculos 579,

séc. XIII, e 2542, também séc. XIII.

3. 2. Variantes do v. 4

“Kai. Ýprodramw.n èeivj to. é e;mprosqen avne,bh evpi. sukomore,an i[na i;dh| auvto.n

o[ti evkei,nhj h;mellen die,rcesqaiÅ”

A palavra prodramw.n é substituída por prosdramw.n nos Códices Gregos L, do

séc. VIII; T , do séc. V; W, do séc. IV/V; Γ, do séc. X; Ψ, do séc. IX/X e pelo

minúsculo 2542, do séc. XIII. Também pelo Lecionário 844, do ano 861/862; por

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prosdramòn, nas Unciais 579, do séc. XIII; 1424, do séc. IX/X e, além dos

mencionados, nos manuscritos que divergem do Texto Majoritário e Códice latino q,

do séc. VI/VII; por prolabw.n, substituição atestada pela Uncial D, isto é, pelo Códice

de Beza, séc. V21.

O texto proposto por Nestle-Aland é testemunhado pelo Códice Grego Sinaítico

,do séc. IV; pelo Alexandrino (A), do séc. V; pelo Vaticano (B), do séc. IV; K ,(א)

séc. IX; por Q, do séc. V; por Δ, do séc. IX, por Θ, também do séc. IX. Pelos

manuscritos da família minúsculo f ¹, ou seja, os minúsculos 1, 118, 131, 209, 1582,

etc., pelos manuscritos da família f ¹³, ou seja, 13, 69, 124, 174, 230, 346, 543, 788,

826, 828, 983, 1689, 1709, etc., e ainda pelos minúsculos 565, 13. IX; 700, do séc.

XI; pelo 892, do séc. IX; pelo 1241, do séc. XII e por textos pertencentes ao Texto

Majoritário.

A expressão eivj to. é omitida pelos seguintes manuscritos: pelas unciais A, isto

é, Códice Alexandrino, do séc. V; pelo Códice de Beza (D), séc. V; por W, do séc.

IV/V; por Ψ, do séc. IX/X e pelos manuscritos da família minúsculo f ¹, ou seja, os

minúsculos 1, 118, 131, 209, 1582, etc.; por manuscritos da família f ¹³, isto é, 13, 69,

124, 174, 230, 346, 543, 788, 826, 828, 983, 1689, 1709, etc., e ainda pelo Texto

Majoritário e pela versão siríaca curetoniana e herocleana.

O texto de Nestle-Aland é atestado pelo Códice Grego Sinaítico (א), do séc. IV;

o Vaticano (B), do séc. IV; L, do séc. VIII; T , do séc. V; Θ, este do séc. IX. Os

21 A substituição de prodramw.n por prosdramw.n ou por prosdramòn, certamente é conseqüência da confusão entre o verbo protre,cw, correr adiante, correr à frente, e o verbo prostre,cw, correr atrás, acorrer. A diferença na escrita grega é mínima, no entanto, o significado é simplesmente contrário. Uma substituição proposital, para dizer que Zaqueu correu atrás de Jesus, talvez querendo expressar o atraso na caminhada de fé, é improvável, pois não combina com o restante do texto.

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minúsculos 892, do séc. IX; 1241, do séc. XII; 2542, do séc. XIII. Também poucos

manuscritos que divergem do texto Majoritário, a saber, por manuscrito latino avulso

(a), do séc. IV, e versão siríaca sinaítica.

3. 3. Variantes do v. 5

“Kai. äw`j h=lqen evpi. to.n to,pon( avnable,yaj êo` VIhsou/jå Þei=pen pro.j auvto,n\

Zakcai/e( Ýspeu,saj kata,bhqi( sh,meron ga.r evn tw/| oi;kw| sou dei/ me mei/naiÅ”

A citação wj h=lqen evpi. to.n to,pon( avnable,yaj o` VIhsou/j, é substituída por

evge,neto evn tw/| die,rcesqai, o que é atestado pelo Códice de Beza (D), do, séc. V; e pela

maioria dos manuscritos latinos antigos.

O artigo o, que vem antes de VIhsou/j é omitido pelo Códice Vaticano (B), do

séc. IV e por T , do séc. V. Entre VIhsou/j e ei=pen há inserção de palavras (ei=den auvto.n

kai.), o que é atestado pelos Códices Gregos Alexandrino (A), do séc. V, porém, as

palavras em questão são transpostas para outro lugar em D, isto é, em Códice de Beza,

séc. V; por W, do séc. IV/V e por Ψ, do séc. IX/X.

Os manuscritos que apóiam o texto de Nestle-Aland são os Códices Gregos

Sinaítico (א), do séc. IV; o Vaticano (B), do séc. IV; o L, do séc. VIII; T , do séc. V; o

Θ, séc. IX; os manuscritos da família minúsculo f ¹, ou seja, os minúsculos 1, 118,

131, 209, 1582, etc.; os minúsculos 579, séc. XIII, 1241, do séc. XII; 2542, séc. XIII. e

ainda poucos outros manuscritos que divergem do Texto Majoritário, entre eles,

versão siríaca sinaítica, curetoniana e peshita e por todos os manuscritos da versão

copta.

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O vocábulo speu,saj seria substituído por speu,son, o que é testemunhado pelo

Códice de Beza (D), séc. V.

3. 4. Variante do v. 7 “Kai. ivdo,ntej pa,ntej diego,gguzon êle,gontej o[ti para. a`martwlw/| avndri.

eivsh/lqen katalu/saiÅ”

O vocábulo le,gontej, é omitido pelos seguintes manuscritos: Códice de Beza

(D), séc. V; pela maioria dos latinos antigos, pela versão siríaca curetoniana e por um

manuscrito da versão copta saídica.

3. 5. Variantes do v. 8

“Staqei.j de. Þ Zakcai/oj ei=pen pro.j to.n ku,rion\ ivdou. ta. Ý h`mi,sia, mou tw/n

u`parco,ntwn( ku,rie( ätoi/j ptwcoi/j di,dwmiå( kai. ei; tino,j ti evsukofa,nthsa avpodi,dwmi

tetraplou/na”

Os Códices Gregos Sinaítico (א), do séc. IV, o Códice de Beza (D), séc. V,

família do minúsculo f ¹, minúsculo 2542, séc. XIII, atestam que há inclusão de o entre

de. e Zakcai/oj.

Há substituição simples do vocábulo h`mi,sia, , assumido por Nestle-Aland nesta

edição por:

a) Vocábulo h`mi,sh, , o que é atestado pelo Códice de Beza (D²)22, do séc. V. Tal

substituição também é atestada pela uncia Ψ, do séc. IX/X e pelos manuscritos da

família minúsculo f ¹, ou seja, os minúsculos 1, 118, 131, 209, 1582, etc.; Manuscritos

22 D² significa que há diferentes corretores dos manuscritos, no caso, leitura do segundo corretor (D²).

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da família f ¹³, ou seja, 13, 69, 124, 174, 230, 346, 543, 788, 826, 828, 983, 1689,

1709, etc. e ainda por Clemente de Alexandria, séc. II. Essa era a leitura assumida por

Nestle-Aland em edições anteriores.

b) Vocábulo h`mi,su , o que é atestado pelo Códice Alexandrino (A), do séc. V;

pelo Códice W, do séc. IV/V; porém, neste caso, o manuscrito acrescenta o artigo

neutro tó, antes de hmi,su. Também pela uncial Δ, séc. IX, minúsculo 1241, do séc.

XII, pelo Lecionário 844, do ano 861/862.

A opção de Nestle-Aland é atestada pelo Códice Grego Sinaítico (א), do séc. IV;

pelo Vaticano (B)23, do séc. IV. Pelo Códice L, do séc. VIII; por Q, do séc. V; por Θ,

do séc. IX.

Há uma substituição maior de toi/j ptwcoi/j di,dwmi por:

a) Ptwcoi/j di,dwmi, o que é subentendido pelos números arábicos em itálico (2

3). A substituição é atestada pelo Códice Vaticano (B), séc. IV. Porém, o enunciado

ptwcoi/j di,dwmi é transposto para outro lugar no minúsculo 1424, do séc. IX/X.

b) Por di,dwmi toi/j ptwcoi/j, o que é testemunhado pelo Códice Alexandrino

(A), do séc. V; pelo Códice W, do séc. IV/V; família do manuscrito f¹³, do séc. IX,

pelo Texto Majoritário, séc. IV em diante, pais da Igreja: Irineu, tradução latina.

A opção de Nestle-Aland é atestada por Códice Grego Sinaítico (א), do séc. IV;

pelo Códice de Beza (D), séc. V; pelo Códice L, do séc. VIII; pelo Códice Q, do séc.

V; pelo Códice Θ, do séc. IX; pelo Códice Ψ, do séc. IX/X; manuscritos da família

minúsculo f ¹, ou seja, os minúsculos 1, 118, 131, 209, 1582, etc.; pelo Minúsculo 33,

séc. IX; pelo Minúsculo 892, do séc. IX; pelo Lecionário 844, do ano 861/862.

23 Quer dizer, pelo primeiro corretor (B¹).

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3. 6. Variantes do v. 9

“Ei=pen de. pro.j auvto.n êo` VIhsou/j o[ti sh,meron swthri,a Þtw/| oi;kw| tou,tw|

evge,neto( kaqo,ti kai. auvto.j ui`o.j VAbraa,m ê¹evstin\”

O artigo o é omitido pelo Códice Vaticano (B), do séc. IV.

A preposição evn é incluída pelo Códice Alexandrino (A), do séc. V; pelo Códice

de Beza (D), séc. V; também pela versão siriáca sinaítica e curetoniana, séc. II/III até

séc. VII; por vários manuscritos da versão copta saídica e por parte dos manuscritos da

versão copta boáirica.

Há ainda no versículo em questão, uma segunda omissão, sinalizada por ê¹ e

refere-se ao verbo evstin. A omissão está no Códice Grego Sinaítico ( א ), do séc. IV,

sendo esta, a leitura do copista original do manuscrito (*). Também pelo Códice L, do

séc. VIII.

4. Vocabulário

O vocabulário de Lucas é muito peculiar. Apresentamos a seguir, os dados que

comprovam tal peculiaridade.

No texto em estudo, isto é, na perícope de Zaqueu (Lc 19, 1-10), encontramos

várias palavras que expressam de fato, o vocabulário característico de Lucas. Dentre

outras podemos exemplificar, citando: plou,sioj, die,rcomai, avnh,r, oi=koj, ku,rioj e

swthri,a.

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Alguns autores sustentam que o Evangelho segundo Lucas é o único que já

começa com um período (introdução inicial) marcado por excelente relação com o

modo grego de escrever24, uma vez que o prólogo corresponde aos encabeçamentos

usuais desta classe de obras na literatura grega contemporânea. No NT somente a carta

aos Hebreus possui um prólogo (1, 1-4) comparável com o estilo encontrado no

prólogo lucano.

Para se ter uma idéia do vocabulário de Lucas é importante relatar que em sua

narração evangélica encontramos 2055 palavras, das quais 971 são hapáx legômena25,

isto é, não aparecem mais que uma vez26.

A peculiaridade do vocabulário de Lucas é ressaltada por Hawkins, que

apresenta uma lista de palavras e expressões que caracterizam cada um dos três autores

sinóticos. Na relação, Lucas é o autor que tem o maior número das expressões: 151.

Em Mateus encontramos 95; em Marcos 41 expressões 27.

Há 151 expressões propriamente lucanas, destas, 10 são encontradas na

perícope de Zaqueu (Lc 19, 1-10). São elas: plou,sioj (rico, 11) 28; dih,rceto, die,rcomai

(atravessar, 10); kalou,menoj (chamado, 11); avpodi,dwmi (entregar, devolver, 5); cai,rwn,

cai,rw (alegrar-se, sentir alegria, 12); avnh.r, avnh,r (homem, varão, 27); ovno,mati, o;noma

24 Cf. FITZMYER, J. A. El Evangelio según Lucas. Vol. I. Madrid: Cristandad, 2005, p. 186. 25 O livro dos Atos dos Apóstolos não foge à regra, pois possui 2038 palavras, sendo que 943 também são Hapáx legômena. 26 Cf. estatísticas elaboradas por MORGENTHALER, R. Statistik des Neutestamentlichen Wortschatzes. Frankurt: Maine-Zurich, 1958. 27 Cf. FITZMYER, J. A. El Evangelio según Lucas. Vol. I…, p. 187. 28 O número entre parênteses se refere à quantidade de vezes em que o termo aparece no Evangelho segundo Lucas.

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(por nome, 7); oi;kw|, oi=koj (casa, habitação, 33); ku,rion( ku,rioj, (Senhor, aplicado a

Jesus 13 vezes, mas no geral, 103); swthri,a, swthri,a (salvação, 4)29.

4. 1. Verbos

Em Lc 19, 1-10 há 42 verbos, sendo 29, diferentes. A proporção entre

quantidade de texto e verbos nos faz perceber que a cena é fortemente marcada pela

ação e o texto, isto é, pela objetividade.

Apresentamos a relação dos verbos, significado e freqüência na perícope, no

Evangelho segundo Lucas e no NT30. No caso de alguns verbos, incluímos breve

comentário, por entendermos que são mais significativos para a compreensão da

perícope. E ainda, dada a importância dos verbos nesta perícope, daremos mais ênfase

aos mesmos, sinalizando por exemplo, a localização de cada verbo na perícope.

Avnable,yaj (part. aoristo, voz ativa), avnable,pw, olhar para cima. Na perícope,

1vez; no Ev. segundo Lc, 07 vezes; no NT, 25 vezes.

O verbo aparece no v. 5b e foi traduzido por tendo olhado para cima.

Nas passagens onde aparece no Evangelho segundo Lucas, sempre há a idéia de

olhar para o alto, para cima, como podemos constatar em 9, 16 e 21, 1. Mas o que

mais chama a atenção é que no NT, o referido verbo, com freqüência, é usado para se

referir a ações de Jesus (cf. Lc 9, 16; 19, 5; 21, 1; Mt 14, 19; Mc 6, 41 e 7, 34). A

única exceção é Mc 8, 24, quando o cego começa a enxergar.

29 Estes e outros detalhes sobre o vocabulário peculiar de Lucas podem ser conferidos em MORGENTHALER, R. Statistik des Neutestamentlichen Wortschatzes..., p. 181. 30 Salvo as exceções relacionadas, a freqüência dos verbos tanto no Evangelho segundo Lucas como no NT, será relacionada conforme estatística de MORGENTHALER, R. Statistik des Neutestamentlichen Wortschatzes....

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Avne,bh (Ind. aoristo, voz ativa), avnabai,nw, subir. Na perícope, 1 vez; no Ev.

segundo Lc, 09 vezes; no NT, 81 vezes.

O verbo aparece no v. 4b, e foi traduzido por subiu.

A idéia que o verbo avnabai,nw, a princípio transmite, é subir no sentido de ir de

um lugar mais baixo para outro mais alto, como José que sobe da Galiléia à cidade de

Davi (cf. Lc 2, 4). Mas o sentido do verbo possui traços sempre mais significativos,

pois temos: subir ao monte para orar (cf. Lc 9, 28); subir ao templo para orar (Cf. Lc

18, 10); a idéia de subir para a festa da Páscoa em Jerusalém (cf. Lc 2, 42), e,

finalmente, em Lc 24, 38, um enigmático questionamento de Jesus na aparição aos

apóstolos: “ti, tetaragme,noi evste. kai. dia. ti, dialogismoi. avnabai,nousin evn th/| kardi,a|

u`mw/n”, [por que perturbados estais e com tais pensamentos subindo em vossos

corações?]. E segue o verbo o`ra,w, [ver], por sinal, duas vezes usado pelo evangelista

para expressar as palavras de Jesus aos apóstolos: “i;dete ta.j cei/ra,j mou kai. tou.j

po,daj mou o[ti evgw, eivmi auvto,j\ yhlafh,sate, me kai. i;dete(...”, [vede minhas mãos e

meus pés, sou eu! toque-me e vede...], (Lc 24, 39).

Considerando o NT, o verbo é usado em passagens por demais significativas.

No caso do Evangelho segundo João, encontramos avnabai,nw em passagens que se

referem ao subir ao templo (7, 14); à afirmação de Jesus sobre o fato de ainda não ter

chegado e completado o seu tempo (7, 6; 7, 8); que se referem à subida do Filho do

Homem para onde estava antes (cf. Jo 6, 62), e assim por adiante.

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32

Avpodi,dwmi (pres. ind., voz ativa), avpodi,dwmi, devolver. Na perícope, 1 vez; no

Ev. segundo Lc, 04 vezes; no NT, 19 vezes31.

Na perícope aparece em 8d, e a tradução, conforme pres. do ind. é devolvo.

O referido verbo, por vezes também é usado no sentido de retribuir ou

recompensar, caso de Lc 9,42 e 12, 59. Em algumas passagens do NT, deixa

transparecer a idéia de dar fruto, como se percebe em Ap 22, 2. Contudo, o significado

fundamental, é mesmo o de devolver.

Apolwlo,j (part. perf., voz ativa), avpo,llumi, perder. Na perícope, 1 vez; no Ev.

segundo Lc, 27 vezes; no NT, 90 vezes.

Na perícope, o verbo aparece em 10c e deve ser traduzido por estava perdido.

O que nos chama a atenção é o uso do verbo no próprio Evangelho segundo

Lucas, pois, além da passagem conclusiva da perícope, avpo,llumi também é usado com

ênfase nas parábolas da ovelha perdida (15, 4. 6), da dracma perdida (15, 8. 9) e do

filho perdido (15, 26. 32). Nota-se o uso duas vezes em cada parábola.

Dei/ (pres. ind., voz ativa), dei/, é necessário. Na perícope, 1 vez; no Ev. segundo

Lc, 11 vezes; no NT, 41 vezes.

O verbo dei, aparece em 5d, e, como está no pres. ind., deve ser traduzido por é

necessário.

Segundo Fitzmyer32, o referido verbo tem grande importância na composição,

tanto do evangelho como do livro dos Atos dos Apóstolos. À primeira vista parece

simples, mas a partir dele, podemos perceber que a palavra e ação de Jesus obedecem

a uma necessidade de que o plano de Deus alcance seu cumprimento. Isso é 31 Cf. GINGRICH, F. W. & DANKER, F. W. Léxico do Novo Testamento Grego/Português. São Paulo: Vida Nova, 2004, p. 29. 32 Cf. FITZMYER, J. A. El Evangelio según Lucas…, Vol. I, p. 301.

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33

claramente expresso pelo fato de se tratar de um verbo impessoal e em sentido

absoluto. Seu importante significado na composição lucana pode ainda ser notado pela

constatação de que a expressão aparece esporadicamente em Marcos (8, 31), e em

Mateus (16, 21), mas com frequência na obra Lucana33.

Di,dwmi (pres. ind., voz ativa), di,dwmi, dar. Na perícope, 1 vez; no Ev. segundo

Lc, 60 vezes; no NT, 416 vezes. O referido verbo só é usado mais vezes do que Lucas,

pelo evangelista João, onde aparece 76 vezes.

Na perícope, o verbo aparece em 8b. É preciso considerar o que segue para uma

tradução mais coerente.

O verbo di,dwmi encontra-se na 1ª. p. do presente do indicativo34: dou. Fitzmyer

salienta que o tempo presente deve ser interpretado em sentido “interativo”, como

expressão de um costume (cf. Lc 18, 12), pois não há nenhum motivo que obrigue a

entendê-lo em sentido de futuro35.

Diante do que foi exposto, optamos por traduzir di,dwmi, por dou.

Diego,gguzon (Ind. imp., voz ativa), diagoggu,zw, murmurar. Na perícope, 1 vez;

no Ev. segundo Lc, 02 vezes; no NT, nenhuma vez.

Na perícope, o verbo aparece em 7a, e como se encontra no ind. imp.

traduzimos por murmuravam.

33 Lc 2, 49; 4, 43; 9, 22; 13, 33; 17, 25; 19, 5; 21, 9; 22, 37; 24, 7. 26. 44; At 1. 16. 21; 3, 21; 4, 12; 5, 29; 9, 6. 16; 14, 22; 15, 5; 16, 30; 17, 3; 19, 21; 20, 35; 23, 11; 24, 19; 25, 10; 27, 24. Cf. FITZMYER, J. A. El Evangelio según Lucas…, Vol. I, p. 301 34 Há muitas discussões sobre o fato da ação de Zaqueu ser no presente ou para o futuro. Um exemplo disso é a interpretação de ZERWICK, M. & GROSVENOR, M. A Grammatical Analysis Analysis of the Greek New Testament. 4 ed. Roma: Editrice Pontifício Istituto Biblico, 1993, p.257, a qual, se contradiz com a opção seguinte de Fitzmayer. 35 Cf. FITZMYER, J. A. El Evangelio según Lucas…, Vol. IV, p. 64.

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34

A exclusividade do Evangelho segundo Lucas em usar o verbo diagoggu,zw,

expressa sua importância e significado. De forma muita clara, percebemos que se

refere a uma murmuração contínua dos fariseus.

Em Lc 15, 2 e 19, 7, o verbo é realmente diagoggu,zw, e ainda em 5, 30,

encontramos o verbo goggu,zw, também no ind. imp.: evgo,gguzon, que tem o significado

de murmurar, de resmungar. O fato de o verbo aparecer no imperfeito do indicativo

ativo: diego,gguzon, murmuravam, comprova o aspecto durativo da ação. Na análise, a

murmuração vai se direcionando pouco a pouco a Jesus, até atingi-lo diretamente.

Dih,rceto (Ind. imp., voz média ou passiva), die,rcomai, atravessar. Na perícope,

2 vezes; no Ev. segundo Lc, 10 vezes; no NT, 42 vezes.

Na primeira vez em que aparece, no v. 1a, dih,rceto, deve ser traduzido por

atravessava (Ind. imp.), mas no v. 4d, como está no presente do infinivo, voz média ou

passiva, isto é, die,rcesqai, há necessidade de ver contexto. Por isso, traduzimos por

passar.

Além das 10 vezes em que emprega o verbo die,rcomai no escrito evangélico,

Lucas o repetirá mais 20 vezes nos Atos dos Apóstolos. O que nos chama a atenção,

porém, é que die,rcomai, também está no indicativo imperfeito ativo, trazendo assim, a

idéia de ação durativa36. Deste modo, a presença do verbo dá continuidade à idéia do

movimento que Jesus faz para Jerusalém37, não obstante a problemática existente na

discussão sobre a seção da viagem38.

36 Veja ZERWICK, M. & GROSVENOR, M. A Grammatical Analysis..., p. 257. 37 FITZMYER, J. A. El Evangelio según Lucas. Vol. IV. Madrid: Cristandad, 2005, p. 59. 38 Sobre a referida problemática, veja também: FITZMYER, J. A. El Evangelio según Lucas. Vol. III. Madrid: Cristandad, 1986, p. 178-182.

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35

Ege,neto (Ind. aoristo, voz média), gi,nomai, acontecer. Na perícope, 1 vez; no

Ev. segundo Lc, 129 vezes; no NT, 667 vezes.

Na perícope, aparece em 9b, e tem o significado de nascer, ter origem, de forma

que para o contexto, a melhor tradução seria acontece.

O verbo gi,nomai, como se percebe pelos números, é usado com muita

freqüência no NT. E Lucas, é de fato, quem mais usa o verbo. Em Atos, aparece outras

124 vezes. Todos os livros do NT tem ao menos uma citação de gi,nomai. Trata-se

então de um verbo bem comum e que Lucas o usa, sobretudo no sentido de acontecer.

Evzh,tei (Ind. imp., voz ativa), zhte,w, procurar. Na perícope, 2 vezes; no Ev.

segundo Lc, 25 vezes; no NT, 117 vezes.

Na primeira vez, no v. 3a, Evzh,tei, isto é, no imperfeito do indicativo, por isso,

traduzimos, procurava. Na segunda vez, no v. 10c, zhth/sai, infinitivo aoristo, voz

ativa, donde traduzimos por procurar.

O verbo se refere a um procurar saber em forma de inquérito, de processo, o

que combina com a idéia de ação durativa, uma vez que também se encontra no

indicativo imperfeito39, como veremos na análise no capítulo terceiro.

O verbo ei=pen (Ind. aoristo, voz ativa), le,gw, dizer, na perícope, aparece 4

vezes; no Ev. segundo Lc, 217 vezes; no NT, 1318 vezes.

No texto, aparece nos vs. 5b, 7a, 8a, e ainda, em 9a. Sendo que nos vs. 5b, 8a e

9a, está no ind. aoristo, voz ativa: ei=pen, traduzido por disse. Mas no v. 7a, se encontra

no part. pres., voz ativa: le,gontej, dizendo.

39 Veja ZERWICK, M. & GROSVENOR, M. A Grammatical Analysis...,p.257.

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36

Trata-se de um verbo que originariamente significava “recolher”, mas neste

sentido não se encontra no NT. Através da sucessão: recolher, escolher, reunir,

elencar, contar, prestar conta, narrar, chegou ao significado de “dizer”, dominante no

NT40.

Eivselqw.n (part. aoristo, voz ativa), eivse,rcomai, entrar. Na perícope, 2 vezes; no

Ev. segundo Lc, 50 vezes; no NT, 192 vezes.

Na perícope, aparece no v. 1a, no part. aoristo, voz ativa, daí que traduzimos:

tendo entrado; e no v. 7b, no ind. aoristo, voz ativa: eivsh/lqen. Nesta segunda citação,

está ligado a katalu,w, hospedar-se. Daí que, para o português, traduzimos: foi

hospedar-se.

Esukofa,nthsa (ind. aoristo, voz ativa), sukofante,w, defraudar. Na perícope, 1

vez, e não aparece em nenhuma outra passagem em todo o NT.

O verbo só aparece em 8d. Para o português, a tradução é defraudei.

Tal exlcusividade da perícope em trazer o verbo sukofante,w é significativa, em

se considerando a mensagem do Evangelho segundo Lucas que trata de forma evidente

do mau uso do dinheiro, o que, normalmente, está relacionado com a extorção.

Champlin observa que defraudar significa exorbitar, determinando uma taxa

exorbitante, à base de evidências falsas41. Deste modo, fica mais evidente o pecado de

Zaqueu.

Hdu,nato (ind. imp., voz média ou passiva), du,namai, poder. Na perícope, 1 vez;

no Ev. segundo Lc, 26 vezes; no NT, 209 vezes.

40 RUSCONI, C. Dicionário do Grego do Novo Testamento. São Paulo: Paulus, 2003, p. 284. 41 CHAMPLIN, R. N. O Novo Testamento Interpretado versículo por versículo. Vol. II: Lucas e João. São Paulo: Milenium Distribuidora Cultural Ltda, 1987, p. 184.

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37

O verbo se encontra no v. 3b, e foi traduzido por podia. É preciso anotar que

pode aparcer no sentido de ser capaz, estar em condições de.

Hlqen (ind. aoristo, voz ativa), e;rcomai, vir. Na perícope, 2 vezes; no Ev.

segundo Lc, 100 vezes; no NT, 631 vezes.

Na primeira vez que aparece, no v. 5a, foi traduzido por chegou, por uma

questão de, em português, ficar mais claro. Na segunda vez, v. 10a, estando também

no ind. aoristo, voz ativa, traduzimos por veio.

Hmellen (ind. imp.), me,llw, estar para passar. Na perícope, 1 vez; no Ev.

segundo Lc, 12 vezes; no NT, 110 vezes.

Na perícope, o verbo se encontra no v. 4d, e foi traduzido por devia.

Estreitamente unido a die,rcesqai, formando a expressão: devia passar.

O verbo me,llw, está no imperfeito do indicativo ativo (h;mellen), estava para

passar (cf. v. 4d).

Hn (Ind. pres.), eivmi,, ser, existir. Na perícope, 4 vezes; no Ev. segundo Lc, 86

vezes; no NT, mais de 1000 vezes. Trata-se de um verbo técnico, que não influencia o

conteúdo.

Na primeira vez em que aparece, no v. 2b, o verbo eivmi, está no imp. do ind.,

voz ativa, h=n, era. Na segunda vez, v. 3a, pres. do ind., voz ativa, evstin, é. Na terceira

vez, v. 3c, imperf. do ind., voz ativa, h=n, era, e na quarta vez, v. 9c, pres. do ind., voz

ativa, evstin, é. Uma seqüência de imperfeito, presente, imperfeito, presente.

Idei/n (Inf. aoristo, voz ativa), ei=don, verbo o`ra,w, ver. Na perícope, aparece 3

vezes; no ev. segundo Lc, 67 vezes; no NT, 336 vezes.

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38

Na primeira vez que aparece, no v. 3a, está no infinitivo aoristo, voz ativa, isto

é, ver. Na segunda vez, v. 4c, no subjuntivo aoristo, voz ativa, i;dh|. Como está

acompanhado de auvto.n, traduzimos por vê-lo. Na terceira vez, v. 7a, ivdo,ntej, part.

aoristo, voz ativa: vendo.

No AT, o verbo ora,w, no aoristo ei=don, ocorre cerca de 1.450 vezes na LXX.

Um dos equivalentes em hebraicos é ha'r'\, que tem significado bem mais amplo do que

no grego. De modo geral, o`ra,w significa “ver com os próprios olhos”, tornar-se

consciente” (Gn 27, 1). Figuradamente, é usado para se referir à percepção intelectual

ou espiritual: “notar’, “tornar-se consciente” (Sl 34 [33]: 8 [9]); ou refere-se àquilo que

o homem experimenta ou sofre (“ver” a morte, Sl 89 [88]: 48 [49])42.

O verbo ora,w aparece no NT cerca de 578 vezes, sendo que no aoristo ei=don,

são 33643 vezes. É, de fato, a forma em que mais aparece. Geralmente, ora,w e ei=don

significam “ver”, “perceber”, sobretudo em Mt 28, 27, Mc 16, 7 e Jo 16, 16-17. Mas

em Lucas, pode ser usado figuradamente para expressar uma visão do espírito ou do

intelecto (Lc 2, 30, “ver” a salvação)44.

No latim, aparece como videre, perspicere= ver bem, olhar com atenção,

examinar, ver claramente, reconhecer, compreender45.

O verbo “ver” pode ser dito em grego de cinco formas diferentes: ora,w, que

significa ver, olhar, observar, mas também é usado no sentido de experimentar; ble,pó,

que possui o mesmo significado (ver, olhar, observar). Num primeiro momento,

acentuou-se mais a função dos olhos, porém, veio a significar “olhar”, “contemplar”,

42 COENEN, L. & BROWN, C. Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento. Vol. II. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2000, p. 2593. 43 Cf. MORGENTHALER, R. Statistik des Neutestamentlichen Wortschatzes..., p. 91. 44 COENEN, L. & BROWN, C. Dicionário Internacional de ..., p. 2595. 45 FERREIRA, A. G. Dicionário de Latim-Português, Porto: Porto,1998, p. 1221.

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“examinar” dentro”; ovpta,nomai, que possui mesmo significado da forma passiva de

ora,w: tornar-se visível, aparecer, mostrar-se: a alguém; qea,omai, que significa um ver

mais atento, isto é, contemplar, examinar. É o verbo usado para se referir a “ver”

visões, como uma percepção espiritual da realidade superior; qewre,w, que significa ver

superficialmente, estar a ver. Mas também se tornou um sinônimo de qea,omai e ora,w.

Percebemos que o verbo “ver” possui um sentido amplo, variado e significativo,

de forma que, ficarmos restritos ao sentido da leitura na língua vernácula, encurta e

muito, o seu sentido original.

A reflexão acima nos oferece elementos suficientes para dizer que em grego, o

verbo “ver” significa conhecer com profundidade, com atenção, observar. Deste modo,

no texto Lc 19, 2a, “Ver” significa: conhecer a identidade, fazer experiência pessoal de

Jesus.

O fato de o verbo ora,w aparecer 22 vezes no Evangelho segundo Lucas, por

certo, demonstra a importância que o evangelista dá ao “ver”, no sentido de ver com

atenção, com perspicácia, buscando um conhecimento. Isso reforça uma vez mais a

proposta de ver quem Jesus, quem ele é no sentido de conhecer a identidade, fazer

experiência pessoal de Jesus.

Kalou,menoj (part. pres., voz passiva), kale,w, chamar pelo nome. Na perícope, 1

vez; no Ev. segundo Lc, 43 vezes; no NT, 148 vezes.

Conforme vimos na crítica textual, há uma lista de manuscritos onde o vocábulo

kalou,menoj foi omitido. Trata-se de um verbo presente nas listas de palavras que

formam o vocabulário característico de Lucas.

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40

Kata,bhqi (Imp. aoristo, voz ativa), katabai,nw, descer46. Na perícope, 2 vezes;

no Ev. segundo Lc, 13 vezes; no NT, 81 vezes.

Katalu/sai (Inf. aoristo), katalu,w, hospedar-se. Na perícope, 1 vez; no Ev.

segundo Lc, 3 vezes; no NT, 17 vezes.

Na perícope, o verbo se encontra em 7b, e por estar no infinitivo aoristo e unido

a eivsh/lqen, traduzimos o conjunto como foi hospedar-se.

Mei/nai (inf. aoristo, voz ativa), me,nw, ficar. Na perícope, 1 vez; no Ev. segundo

Lc, 7 vezes; no NT, 118 vezes.

Na perícope, o verbo se encontra no v. 5d e foi traduzido por fique, uma vez

que está no infinitivo aoristo.

Prodramw.n (part. aoristo, voz ativa), protre,cw, correr adiante. Na perícope, 1

vez; no Ev. segundo Lc, 1 vez; no NT, 2 vezes. Além de Lucas, somente João, usa o

referido verbo uma vez.

O verbo protre,cw, é uma junção do verbo tre,cw (cf. Lc 12, 20; 24, 12),

normalmente usado para expressar a idéia de correr, mais a preposição pro,, diante, em

frente. Por estar no part. aoristo, traduzimos por correndo adiante.

Paralelo para o verbo protre,cw, tal como o encontramos no v. 4, só em Jo 20, 4,

onde o outro discípulo corre mais depressa que Pedro. Considerando os demais

escritos bíblicos, aparece uma outra vez no livro de Macabeus (1Mac 16, 21).

Speu,saj (part. aoristo, voz ativa), speu,dw, apressar-se. Na perícope, 2 vezes; no

Ev. segundo Lc, 3 vezes; no NT, 6 vezes.

46 Considerar o que está escrito abaixo, p. 42, referente ao verbo speu,dw e katabai,nw.

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O referido verbo aparece em 5c, no part. aoristo, voz ativa, com força de um

imperativo, sobretudo se consideramos o verbo que acompanha speu,saj, isto é,

katabai,nw, descer, que está no imperativo aoristo, voz ativa: kata,bhqi. Daí que na

tradução, por um português mais claro, optamos por desce depressa.

O verbo speu,saj também aparece em 6a, no part. aoristo, voz ativa, novamente

acompanhado de katabai,nw, descer, no ind. aoristo, voz ativa: kate,bh. Deste modo,

traduzimos a expressão speu,saj kate,bh,, por desceu depressa.

Staqei.j (part. aoristo, voz passiva), i[sthmi, fazer estar (em pé), pôr. Na

perícope, 1 vez; no Ev. segundo Lc, 3 vezes; no NT, 6 vezes.

Na perícope, o verbo aparece em 8a. Percebemos que a forma do verbo é

passiva, mas devemos anotar que a forma media e passiva pode ser usada como ativa,

por isso, traduzimos staqei.j de., simplesmente, pela expressão de pé, ou então, estando

em pé.

Somente Lucas usa o verbo i[sthmi, pois as outras 3 vezes em que aparece no

NT é em Atos.

Sw/sai (inf. aoristo, voz ativa), sw,|zw, salvar. Na perícope, 1 vez; no Ev.

segundo Lc, 17 vezes; no NT, 106 vezes.

Na perícope, aparece em 10c, e, sendo um infinitivo aoristo, pode ser traduzido

simplesmente por salvar.

Vale notar que sw,|zw, salvar, é um verbo que em Lucas, aparece mais do que em

qualquer um dos sinóticos.

Upede,xato (ind. aoristo, voz média), u`pode,comai, acolher. Na perícope, 1 vez; no

Ev. segundo Lc, 2 vezes; no NT, 4 vezes.

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42

Na perícope, o verbo se encontra no v. 6b, e foi traduzido por acolheu.

Uparco,ntwn (part. pres., voz ativa), u`pa,rcw, ter bens. Na perícope, 1 vez; no

Ev. segundo Lc, 15 vezes; no NT, 60 vezes.

Na perícope, o verbo aparece em 8b, e como está no part. pres., voz ativa, no

genitivo neutro, pode ser traduzido como ter bens, riquezas. Daí que a expressão: mou

tw/n u`parco,ntwn, fica melhor traduzida como meus bens.

Xai,rwn (part. pres., voz ativa), cai,rw, acolher com alegria. Na perícope, 1 vez;

no Ev. segundo Lc, 12 vezes; no NT, 74 vezes.

Na perícope, o verbo se encontra no v. 6b, unido ao verbo que o precede:

u`pode,comai, no (ind. aoristo, voz média), acolheu. Desta forma, a expressão upede,xato

auvto.n cai,rwn, em português, pode ser traduzida por o acolheu com alegria.

Concluindo este bloco sobre os verbos, pode-se dizer que Lc 19, 1-10 é uma

perícope marcada pela ação, o que concorda com a opinião de que Lucas é rápido na

descrição e vai ao fundamental dos fatos47. Temos, de fato, uma seqüência de ações

que desencadeiam um processo de libertação do mau uso do dinheiro, ou, em outras

palavras, um processo de conversão, resultado do conhecimento da identidade de

Jesus, que veio procurar e salvar o que estava perdido.

47 Cf. TUYA, M. de. Bíblia Comentada..., p. 187.

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4. 2. Substantivos

Encontramos no texto, 16 substantivos. Vamos relacioná-los, dar o significado

e, oportunamente, faremos breve comentário sobre alguns.

VAbraa,m (gen. masc.), VAbraa,m, Abraão. Na perícope, 1 vez; no Ev. segundo Lc,

15 vezes; no NT, 74 vezes.

É importante dizer que no NT, o referido substantivo, que aparece em 9c,

sublinha a continuidade na atividade salvadora de Deus tanto para seu povo como para

o mundo (cf. genealogias em Mateus (1, 1-17) e em Lucas (3, 23-38).

Para os judeus em geral, era um título de honra especial ser conhecidos como

filhos de Abraão, porque, de acordo com a crença popular, os méritos de Abraão

garantiam a Israel uma participação no Reino de Deus48.

Andri. (dat. masc.), avnh,r, homem. Na perícope, 1 vez; no Ev. segundo Lc, 3

vezes; no NT, 19 vezes.

Anqrw,pou (Gen. masc.), a;nqrwpoj, homem. Na perícope, 1 vez; no Ev. segundo

Lc, 30 vezes; no NT, 79 vezes.

Arcitelw,nhj (nom. masc.), avrcitelw,nhj, principal coletor de impostos,

arquicobrador de impostos. Somente na perícope o termo aparece.

O vocábulo avrcitelw,nhj, arquicobrador de impostos, aparece uma única vez em

toda a Bíblia, tratando-se assim, em termos de estudo exegético, mais do que uma

hapax legómena e, por isso, uma palavra chave. Lucas, ao usá-la, quer, com toda

certeza, expressar o significado e a importância do que ocorre na perícope.

48 Cf. SEEBASS, H. In COENEN, L. & BROWN, C. Dicionário Internacional de Teologia.... Vol. I. p. 5.

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44

Fitzmyer observa que não é só no Evangelho que o termo avrcitelw,nhj aparece

apenas uma vez, mas também em toda a literatura grega, até está data, o termo

avrcitelw,nhj não aparece mais que nesta passagem49.

Mas de onde vem a importância do vocábulo avrcitelw,nhj? É necessário citar

um esclarecimento de Champlin:

A arqueologia50 tem mostrado que havia duas cidades chamadas Jericó – a mais

recente, que era uma extensão da mais antiga, mencionado no V.T [sic]. contava com

certo número de importantes produtos, incluindo o bálsamo, e era uma próspera cidade

comercial, nos tempos de Jesus. Dispunha de um centro de coleta de impostos, e

Zaqueu era diretor chefe [arquicobrador] desse lucrativo ofício, e, naturalmente, era

muito rico51.

Percebemos a importância do vocábulo, uma vez que ele expressa

objetivamente quem era Zaqueu e o que ele fazia, a saber, um homem que construiu

sua vida em torno do dinheiro, e, diga-se de passagem, do dinheiro proveniente de uma

atividade que tinha por marca a exploração: arquicobrador, chefe dos cobradores de

impostos.

A crítica textual de Nestle-Aland ressalta a existência de uma variante, segundo

a qual, haveria uma substituição maior de “h=n avrcitelw,nhj kai. auvto.j plou,sioj”, por

“αρχών της συναγωγής υπήρχεν” 52.

49 Cf. FITZMYER, J. A. El Evangelio según Lucas…, Vol. IV, p. 60. 50 “...fonte inesgotável para compreender e retratar o mundo intelectual da época de Jesus...”, cf. LISBOA, W. E. A pesquisa do Jesus histórico. Revista de Cultura Teológica, São Paulo, v. 9, n. 34, p. 66. 51 CHAMPLIN, R. N. O Novo Testamento interpretatado versículo por versículo..., p. 182. 52 Cf. BÍBLIA SACRA - Utriusque Testamenti, Editio Hebraica et Graeca. 27 ed. Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft, 2001, ad (19, 2), variante.

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Zakcai/e (voc. masc.), Zakcai/oj, Zaqueu. E também Zakcai/oj( Zakcai/oj,

Zaqueu. Judeu de Jericó e chefe dos publicanos53. Na perícope, 3 vezes e não mais em

nenhuma passagem bíblica.

Zakcai/oj( Zaqueu. Judeu de Jericó, chefe dos cobradores de impostos

[arquicobrador]. Lucas acrescenta: também rico. Aparece 03 vezes no texto (2a, 5c e

8a) e em nenhuma outra passagem da Escritura. Em 2a e 8a, aparecem como

nominativo masculino singular, mas em 5c, como vocativo: Zakcai/e.

Zakcai/oj é uma forma grega do nome hebraico yK'êz: (Zaccai)54. No hebraico,

yK'êz:, é traduzido por “moralmente reto”55, ou significando “limpo, inocente”, sendo

empregado com freqüência em paralelismo com qyDI�c; (saddiq), justo.

Tuya, professor de Salamanca, diz que Lucas apresenta Zaqueu com dois

caracteres intimamente unidos entre si: “...É ‘chefe de publicanos’ [arquicobrador de

impostos] e homem ‘rico’”56.

Parece claro que o nome Zaqueu indica o que ele deveria ser, mas não era, pelo

menos até conhecer a identidade de Jesus. Noutras palavras, após ver quem era Jesus,

ele se torna “puro”, “justo”, não no sentido ritual, quando o termo usado seria kaqaro,j,

mas no seu sentido essencial, isto é, moralmente reto. Tal idéia concorda com “ser

filho de Abraão”, que, em resumo, significa alguém que pratica a justiça de Deus.

Hliki,a (dat. fem.), h`liki,a, estatura. Na perícope, 1 vez; no Ev. segundo Lc, 2 e

em nenhum outro lugar.

53 Aparece duas vezes no texto: 19, 2; 19, 8. 54 Aparece em Neemias (7, 14), Esdras (2, 9) e 2 Macabeus (10, 19). 55 COENEN, L. & BROWN, C. Dicionário internacional de Teologia do Novo Testamento..., p. 1905. 56 “Zaqueo, que significa ‘el puro’, ‘el justo’, o, si es abreviatura de Zacarias, ‘Dios se acordó’, es presentado por Lc em dos caracteres intimamente unidos entre sí. Es ‘jefe de publicanos’ y hombre ‘rico’”, cf. TUYA, M. Bíblia Comentada..., p. 186.

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Quanto ao referido substantivo, vale notar que está em relação ao adjetivo

mikro,j, pequeno, baixo. De importância, de dignidade insignificante. Em Lucas, a

princípio parece significar estatura, porém, em contexto muito próximo ao do

evangelista, Paulo, na carta aos Efésios, fala da estatura no sentido de conhecimento de

Cristo: “...eivj me,tron h`liki,aj tou/ plhrw,matoj tou/ Cristou/” [à medida da estatura

completa de Cristo], (Ef 4, 13). Deste modo, nos parece possível, uma interpretação

semelhante na perícope de Zaqueu.

VIericw, (acus. fem.), VIericw, , Jericó. Na perícope, 1 vez; no Ev. segundo Lc, 3

vezes; no NT, 7 vezes.

O substantivo VIericw,, Jericó, que aparece em 1a, situa a perícope

geograficamente. VIericw, aparece, às vezes, com certa conotação de dignidade, outras

vezes de ignomínia. Aparece 01 vez no texto (v. 1a) e mais duas vezes em Lucas (10,

30; 18, 35). Mesmo assim, o evangelista Lucas é quem mais usa o nome da cidade no

NT, uma vez que Mateus o faz uma vez (20, 29), Marcos duas vezes num mesmo

versículo (10, 46) e o autor da carta aos Hebreus uma vez (11, 30).

Na Escritura, o nome Jericó (cidade) aparece pela primeira vez em Nm 22, 1:

“depois os israelitas partiram e acamparam nas estepes de Moab, além do Jordão, a

caminho de Jericó” (Ax*rey>). Depois será chamada “cidade das palmeiras” (cf. 2 Cr 28,

15). Campis reforça a referida constatação, comentando que Jericó foi a primeira

estação, após a passagem do Jordão, na conquista da terra prometida57. No entanto, a

cidade de Jericó a qual o AT faz referência não é a Jericó do NT, pois a anterior já

havia sido destruída e desaparecido do mapa.

57 Cf. RIUS-CAMPS, J. O Evangelio de Lucas: o Êxodo do homem livre. São Paulo: Paulus, 1995, p. 282.

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O texto de Lucas se refere à nova cidade de Jericó construída por Herodes58, o

Grande, próxima ao Jordão59, na mesma imediação da antiga cidade com esse nome.

VIhsou/n (nom. masc.), VIhsou/j, Jesus. Na perícope, 3 vezes; no Ev. segundo Lc,

89 vezes; no NT, 905 vezes.

Ku,rie (voc. masc.), ku,rioj, Senhor. E também ku,rion, ku,rioj, Senhor. Na

perícope, 2 vezes; no Ev. segundo Lc, 103 vezes; no NT, 718 vezes.

No v. 8, Zaqueu chama Jesus de ku,rioj duas vezes: primeiro ku,rion, isto é, no

acusativo, depois ku,rie( no vocativo. De fato, este é o título atribuído a Jesus com

maior freqüência, tanto no Evangelho segundo Lucas como nos Atos dos Apóstolos.

Mas o substantivo ku,rioj também é aplicado a Deus inúmeras vezes.

No AT, o termo hebraico !Ada', “Senhor”, expressa a relação de superioridade

referente a um correlativo, tipo: amo/criado, dono/propriedade, soberano/vassalo,

Deus/adorador que aparece como título honorífico de um rei, um deus ou um esposo60.

O referido termo difere de l[;B que significa domínio, senhorio, enquanto que !Ada'

significa autoridade, poder de mandar e comandar61.

Na língua grega, há duas palavras principais para “Senhor” e “Mestre”: ku,rioj

e despo,thj, sendo que despo,thj denota o senhor como dono e amo nas esferas da vida

pública e familiar, onde o senhorio às vezes acarretava severidade, enquanto ku,rioj,

58 A cidade de Jericó, tem sido objeto de constantes escavações arqueológicas. È conhecida justamente como Jericó Herodiana, cf. LISBOA, W. E. A pesquisa do Jesus histórico..., p. 68-69. 59 Veja JOSEFO, F. Bell. IV, 8, 2, nn. 452-453; FINEGAN, J. The Archeology of the New Testament, 83-85, Cf. FITZMYER, J. A. El Evangelio según Lucas…, Vol. III, p. 284. 60 Cf. SCHÖKEL, L. A. Dicionário Bíblico Hebraico-Português. São Paulo: Paulus, 1997, p. 26. 61 Cf. McKENZIE, J. L. Dicionário Bíblico. São Paulo: Paulus, 2005, p. 862.

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que ocorre mais freqüentemente, sempre contém a idéia de “legalidade” e “autoridade”

reconhecida do senhorio62.

Ku,rioj, “Senhor”, é usado na LXX como tradução do nome divino de Iahweh.

McKenzie observa que em data muito remota, os judeus deixaram de pronunciar o

nome de Iahweh, convencidos de que ele era demasiado sagrado para ser proferido.

Sempre que o nome ocorria no texto hebraico, colocava-se o título de Adonai em seu

lugar63.

O referido título, sobretudo em contexto dos evangelhos, está carregado por

demais de significado. Para se comprovar isso, basta lembrar que não obstante os

imperadores Augusto (31 a. C. a 14 d. C.) e Tibério (14-37 d. C.) terem evitado a

vinculação com o título, os seus sucessores: Calígula (37-41 d. C.), que passou a achar

atraente o título e Nero (54-68 d. C.), o qual foi descrito como “Senhor de todo o

mundo”, tornaram freqüente o uso de ku,rioj para designar a si mesmos. Por causa de

Domiciano (81-96 d. C.), o título foi detestado juntamente com a memória dele64.

Considerando os diversos casos em que é usado, o substantivo ku,rioj aparece

103 vezes em Lucas e 107 vezes em Atos dos apóstolos. Tal informação é comprovada

pela informação encontrada em Bietenhard, segundo o qual, das 717 passagens nas

quais ku,rioj ocorre no NT, a maioria se acha nos escritos de Lucas (210) e nas

Epístolas de Paulo (275). O autor ainda explica que tal “pendor unilateral” se explica

62 BIETENHARD, H. In COENEN, L. & BROWN, C. Dicionário Internacional de Teologia.... Vol. II. p. 2314-16. 63 Mas alguns exegetas julgam duvidoso que o uso de ku,rioj em lugar de Iahweh na LXX provenha do emprego de Adonai na linguagem. Sobre essas e outras interpretações, veja McKENZIE, J. L. Dicionário Bíblico..., p. 862-864. 64 Sobre essas e outras informações, veja BIETENHARD, H. In COENEN, L. & BROWN, C. Dicionário Internacional de Teologia..., p. 2317. O referido autor do artigo sobre ku,rioj, sugere ainda, duas obras para conhecimento melhor sobre a Igreja Primitiva e o Império Romano: W. C. Frend. Martyrdom and Persecution in the Early Church: A Study of a Conflict from the Macabees to Donatus, 1965; R. M. Grant. Augustus to Constantine: The thrust of the Christian Movement into the Roman World, 1970.

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pelo fato de Lucas ter sido escrito para pessoas que viviam em áreas dominadas pela

cultura e língua gregas, e Paulo se dirigia às mesmas. Em Marcos, obra da qual Lucas

toma boa parte do material usado no Evangelho, ku,rioj aparece apenas 18 vezes e

Bietenhard também explica que essa quantidade bem menor se explica pelo fato de o

Evangelho segundo Marcos estar firmemente baseado na tradição cristã judaica65. No

mais, Em Mateus, o título aparece 80 vezes e em João 52 vezes.

Quanto à origem do título ku,rioj, é preciso sintetizar que se trata de uma das

questões mais debatidas na investigação moderna, conforme sublinha Fitzmyer66.

Para Bousset67, a aplicação a Cristo do título de ku,rioj tinha sua origem na

igreja gentia que o tomou do mundo circunvizinho da religião sincretísta68. Mas a

questão é amplamente discutida69 e um fato significante contra uma origem puramente

helenística, e a favor da palestiniana é a fórmula aramaica “mara,na qa,”, (1 Co 16, 22),

que significa: [Vem, Senhor; Nosso Senhor veio]. Esta citação indica que Jesus já era

chamado “Senhor” no cristianismo palestiniano em data recuada. Também as

65 BIETENHARD, H. In COENEN, L. & BROWN, C. Dicionário Internacional de Teologia...,Vol. II, p. 2318-19. 66 Cf. . FITZMYER, J. A. El Evangelio según Lucas…, Vol. I, p. 337. 67 Wilhelm Bousset, teólogo alemão (1865 - 1920), destacado expositor da escola da história das religiões, e que deu grande contribuição para a antiga busca sobre o Jesus histórico. 68 “Foi nesta atmosfera que o cristianismo de Antioquia e o das demais comunidades cristãs helenísticas primitivas veio a existir e passou a crescer. Neste meio ambiente, a nova religião cristã foi formada como um modo de culto, e a partir deste ambiente, pois, é que as pessoas também apropriavam a fórmula compreensiva kyrios, para a posição dominante de Jesus no culto. Ninguém deduziu tal conceito, e nenhum teólogo o criou; as pessoas não o tiraram da leitura do livro sagrado do Antigo testamento. Não teriam ousado, sem mais, nem menos, fazer uma transferência tão direta deste nome santo do Deus Onipotente – na realidade, quase uma deificação de Jesus. Tais procedimentos ocorrem dentro do inconsciente, ns profundidades da psique em grupo de uma comunidade; fica evidente em si mesmo, estava no ar, por assim dizer, que as primeiras comunidades cristãs helenísticas deram ao seu herói cultual o título de kyrios” [Kyrios Christos, 1913, Ti 1970, 146-7]. Posição semelhante é aquela que adotou R. Bultmann [Theology of the New Testament, I, 1952, 123 e segs.; cf. também a introdução de Bultmann a Kyrios Christos, 7 e segs], Cf. BOUSSET, W. In COENEN, L. & BROWN, C. Dicionário Internacional de Teologia.... Vol. II. p. 2320. 69 Outros autores que tratam a questão, posicionando-se a favor ou contra o conceito de Bousset e Bultmann: HURTADO, L. W. Lord Jesus Christ: Devotion to Jesus in Earliest Christianity. Grand Rapids: Eerdmans, 2003; CULLMANN, O. The Earliest Christian confessions, 1949; Christ and time: the Primitive Christian Conception of Time and history, 1951; DALMAN, G. The Words of Jesus Considered in the Light of Post-biblical Jewish Writings and the Aramaic Language, 1902, 324-31; FULLER, R. H. The Foundations of New Testament Christology, 1965, entre outros.

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narrativas sinóticas da discussão da dignidade de “Senhor” do Filho de Davi dão a

entender que o emprego deste título remonta ao próprio Jesus (Mt 22, 41-46; Mc 12,

35-37; Lc 20, 41-44).

A evidência bíblica para a exaltação de Jesus e para a sua instalação como

Senhor se acha em Sl 110,1: “hd'([ew> ~yrIåv'y> dAsßB. bb'_le-lk'B. hw"hy>â hd,äAa �Hy"� Wll.h;”, donde

podemos traduzir: [Aleluia! Louvo, dou graças ao Senhor de todo o coração na

companhia dos justos e na congregação]. Tal constatação está em conformidade com

várias citações do NT, entre outras70, Lc 10, 12-13; 12, 2.

Em Lucas, outro aspecto peculiar que nos chama a atenção é a freqüência com

que aplica a Jesus o título ku,rioj durante seu ministério público. Enquanto Marcos

aplica o título somente 01 vez, Lucas o faz pelo menos 19 vezes71.

Normalmente, ku,rioj é usado em sentido absoluto. Interessa-nos, porém, no

momento, dizer que conforme se entende pela leitura de 1 Cor 8, 6, a fé cristã, desde o

fim da primeira metade do século I, entrou em contato com muitos “deuses’ e

“senhores”. Para se ter essa constatação, basta considerar que estamos refletindo, tanto

em contexto lucano como o paulino, sobre ambiente helenístico.

Como explica Fitzmyer72, o contexto da religiosidade helenística despertou na

consciência da comunidade cristã a convicção de que “avllV h`mi/n ei-j qeo.j o` path.r evx

ou- ta. pa,nta kai. h`mei/j eivj auvto,n( kai. ei-j ku,rioj VIhsou/j Cristo.j diV ou- ta. pa,nta

kai. h`mei/j diV auvtou/” [mas para nós há um só Deus, o Pai, de quem é tudo e para

quem nós vivemos; e um só Senhor, Jesus Cristo, pelo qual são todas as coisas, e nós 70 “Mt 22, 44; 26, 64; Mc 12, 36; 14, 62; 16, 19. Veja B. Lindars. New testament Apologetic, 1961, 45-51, 252 e segs.; R. T. France. Jesus and the Old Testament, 1971, 100 e segs.”, Cf. BIETENHARD, H. In COENEN, L. & BROWN, C. Dicionário Internacional de Teologia...., p. 2320. 71 Em Marcos: 11, 3. Em Lucas: 7, 13. 19; 10, 1. 39. 41; 11, 39; 12, 42; 13, 15; 17, 5.6; 18, 6; 19, 8. 31. 34; 20, 44; 22, 61 (2x); 24, 3. 34. 72 Cf. FITZMYER, J. A. El Evangelio según Lucas…, Vol. I, p. 339.

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por ele], (cf. 1 Cor 8, 6)73. É neste contexto que Lucas e demais autores do mundo

helenístico utilizam ku,rioj.

Vimos, que na obra de Lucas, ku,rioj é usado tanto para se referir a Deus como

a Jesus. Sobre a atribuição do título a Deus, apesar das reflexões existentes74 não

parece haver aqui necessidade de maior reflexão, uma vez que na perícope, o título é

atribuído a Jesus.

Sobre a atribuição de ku,rioj a Jesus, é possível perceber em muitas passagens, o

quanto é significativo o uso de “Senhor”. No Evangelho faremos menção a duas

passagens muito significativas, por envolver o nascimento e a ressurreição de Jesus.

Em Lc 2, 11, lemos: “o[ti evte,cqh u`mi/n sh,meron swth.r o[j evstin cristo.j ku,rioj evn

po,lei Daui,d”, podemos traduzir: [Pois, nasceu-vos hoje, um Salvador, que é Cristo, o

Senhor, na cidade de Davi]. Há, inclusive, certo paralelismo entre Salvador e Senhor.

Em Lc 24, 34, temos: “le,gontaj o[ti o;ntwj hvge,rqh o` ku,rioj kai. w;fqh

Si,mwni”, traduzimos: [lhes disseram – os discípulos de Emaús – que :

“verdadeiramente, o Senhor ressuscitou e apareceu a Simão”].

E ainda, em Atos 2, 36, lemos “avsfalw/j ou=n ginwske,tw pa/j oi=koj VIsrah.l o[ti

kai. ku,rion auvto.n kai. cristo.n evpoi,hsen o` qeo,j( tou/ton to.n VIhsou/n o]n u`mei/j

evstaurw,sate”, traduzimos75: [Com certeza, saiba pois toda a casa de Israel: que Deus

constitui Senhor e Cristo, este Jesus a quem vós crucificastes].

73 Traduzimos: “No entanto, para nós, há um só Deus, o Pai, de quem é tudo e para quem somos, e um só Senhor, Jesus Cristo, por quem são todas as coisas, e para quem iremos” (1Cor 8, 6). 74 Como referências, pode-se consultar a obra de BULTMANN, R. The Theology of the New Testamentt II. Londres: 1955. O referido autor questiona, por exemplo, a questão do uso por parte dos judeus, do título “Senhor”, para se referir a Deus, antes da era cristã; Também a obra de CONZELMANN, H. An Outline of the Theology of the New Testament. New York: Harper & Row. Cf. FITZMYER, J. A. El Evangelio según Lucas…, Vol. I, p. 338-339. 75 A Bíblia de Jerusalém, por sua vez, traduz: “Saiba, portanto, com certeza, toda a casa de Israel: Deus o constitui Senhor e Cristo, este Jesus a quem vós crucificastes” (At 2, 36).

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Percebemos que o título que com maior freqüência se atribui a Jesus no

Evangelho segundo Lucas e também nos Atos dos Apóstolos é ku,rioj, ou mais

precisamente, o` ku,rioj, e concluímos, sobretudo partindo do testemunho de 1 Cor 8, 6,

que Lucas atualiza e dá continuidade ao significado que o referido título possuía na

primitiva comunidade cristã, na qual, em certo sentido, se considerava a Jesus como

igual a Deus.

Oi;kw (dat. masc.), oi=koj, casa. Na perícope, 2 vezes; no Ev. segundo Lc, 12

vezes; no NT, 112 vezes.

Trata-se de um termo bem usual, ou seja, oi;kw|, oi=koj, casa. Sabemos que é

amplamente usado na Escritura e seus significados variam muito, podendo ir desde o

sentido literal de casa, como no sentido de família, de povo – casa de Israel – a

comuniade cristã e casa de Deus76. Segundo Richard77, juntamente com caminho, casa

é uma realidade paradigmática em Lucas.

Em meio à variação em termos de significado, a palavra oi=koj é usada em

oposição ao templo, onde os fracos, os pobres, os enfermos e as mulheres não tinham

pleno acesso. A casa é o lugar onde os pecadores, os que não têm direito à vida pública

podem estar presentes. É o lugar da acolhida e da fraternidade, o espaço onde nos

tornamos pessoas78. “No NT, a casa é também símbolo da comunidade onde se

76 Sobre o termo oi=koj veja GOETZMANN, J. In COENEN, L. & BROWN, C. Dicionário Internacional de Teologia..., Vol. I. p. 285. 77 Cf. RICHARD, P. O Evangelho de Lucas – estrutura e chaves para uma interpretação global do evangelho. Revista de Interpretação Latino-Americana, Petrópolis, n. 44, p. 30, 2003/1. 78 Interessante notar que em artigo sobre a carta de Filêmon, Ivoni Richrer se refere à Igreja, como “igreja da casa”, cf. REIMER, I. R. Eficácia da fé na superação de desigualdades. Revista de Interpretação Latino-Americana, Petrópolis, n. 28, p. 71, 1997/3.

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estabelecem novas relações e se descobre um rosto com características femininas de

Deus”79.

Ono,mati (dat. neutro), o;noma, nome. Na perícope, 1 vez; no Ev. segundo Lc, 34

vezes; no NT, 228 vezes.

Oclou (gen. masc.), o;cloj, multidão. Na perícope, 1 vez; no Ev. segundo Lc, 41

vezes; no NT, 174 vezes.

Há certa dificuldade de falar sobre o;cloj devido a falta de estudos sobre o uso

do termo na Bíblia. A maioria absoluta dos dicionários bíblico-teológicos se quer

inclui o termo na relação daqueles estudados. No dicionário de Latim, lemos que nada

há mais incerto do que a multidão (Vulgus, i)80. Por isso, talvez seja mais plausível

notar que em muitas passagens do NT, a multidão é símbolo daqueles que seguem

Jesus, mas que não entendem sua mensagem.

Swthri,a (nom. fem.), swthri,a, salvação. Na perícope, 1 vez; no Ev. segundo

Lc, 4 vezes; no NT, 45 vezes.

O substantivo swthri,a, salvação, por sua vez, é tomado de amplo significado na

obra de Lucas, uma vez que para o evangelista, a salvação é um dos efeitos mais

importantes do acontecimento Cristo81. Lucas, como sabemos, é o único dos

evangelistas sinóticos que chama Jesus de “Salvador” (Lc 2, 11; At 5, 31 e 13, 23).

Também o verbo sw,|zw, salvar, está ligado ao substantivo swthri,a. Conforme

vimos acima, aparece mais em Lucas do que em qualquer um dos sinóticos, o que

evidencia ainda mais o direcionamento que o evangelista desejou dar ao evento Cristo.

79 Cf. GUETTE, M. P. Carta a Filêmon na perspectiva feminina. Revista de Interpretação Latino-Americana, Petrópolis: n. 28, p. 41, 1997/3. 80 FERREIRA, A. G. Diccionario de Latim-Português…, p. 1237. 81 Cf. FITZMYER, J. A. El Evangelio según Lucas..., Vol. I, p. 374.

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Em Lucas, swthri,a é o que Jesus oferece a toda a humanidade, conforme

anunciou o anjo aos pastores (Cf. Lc 2, 10-11) e, ainda, o próprio Jesus na perícope de

Zaqueu: “h=lqen ga.r o` ui`o.j tou/ avnqrw,pou zhth/sai kai. sw/sai to. avpolwlo,j”, cf.

traduzimos: [pois o Filho do Homem veio para procurar e salvar o que estava

perdido], (19, 10).

Sukomore,an (acus. fem.), sukomore,a, sicômoro. Na perícope, 1 vez. E é a única

vez que o vocábulo aparece em toda a Escritura. Por isso, trata-se de um termo de

expressiva importância na Bíblia82. Fitzmyer ressalta ainda sua ausência inclusive nos

LXX83.

Champlin nos esclarece que a cidade – Jericó – estava ornamentada de árvores,

incluindo sicômoros, que só medravam no vale do rio Jordão e nas áreas costeiras do

mar Mediterrâneo. Ressalta ainda, que pequenas peças de madeira, segundo ficou

demonstrado pela escola de Florestamento da Universidade de Yale, foram feitas de

sicômoro”84.

Subir sobre um sicômoro é termo para expressar a atitude daqueles que se

encarapitam85, isto é, se instalam comodamente na instituição judaica (Israel), que, por

sinal, tantas vezes já foi comparada a uma árvore.

To,pon (acus. masc.), to,poj, lugar. Na perícope, 1 vez; no Ev. segundo Lc, 19

vezes; no NT, 95 vezes. O substantivo, a principio trata de lugar, no sentido de

localidade mesmo. Mas o termo, sobretudo acompanhado de artigo, no NT é usado 82 O termo que aparece em Lc 17, 6, suka,minoj, ou, se refere a uma amoreira. Tal substantivo grego aparece nos LXX (cf. 1 Rs 10, 27; 1 Cr 27, 28; 2 Cr 1, 15; 9, 27; etc.) como tradução do hebraico hm'q.v, que na realidade é o sicômoro. Possivelmente, Lucas não conhecia a diferença entre as duas árvores, porém, de todos os modos, se trata de uma árvore maior, cf. FITZMYER, J. A. El Evangelio según Lucas..., Vol. III, p. 782. 83 “El término griego Sykamorea no aparece más que aqui, em todo el Nuevo Testamento, y está totalmente ausente em los LXX” , cf. FITZMYER, J. A. El Evangelio según Lucas..., Vol. IV, p. 62. 84 CHAMPLIN, R. N. O Novo Testamento interpretado versículo por versículo..., p. 182. 85 Sobre a referida interpretação veja RIUS-CAMPS, J. O Evangelio de Lucas..., p. 286.

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para se referir a lugares específicos, tais como lugar chamado caveira (cf. Lc 23, 33; Jo

19, 17), lugar santo (Jo 11, 48), este, normalmente interpretado como sendo o Templo.

Ui`o.j (nom. masc.), uio,j, filho. Na perícope, 2 vezes; no Ev. segundo Lc, 77

vezes; no NT, 375 vezes.

Na perícope, aparece uma vez se referindo a Zaqueu como filho de Abraão. mas

em 19, 9, aparece a expressão o` ui`o.j tou/ avnqrw,pou.

Sobre ui`o.j ui`o,j, filho86, e avnqrw,pou a;nqrwpoj, homem, que, precedido de o`

ui`o.j tou/, remete verossimilmente à profecia: Filho do Homem, podemos anotar que no

texto grego dos evangelhos, o` ui`o.j tou/ avnqrw,pou entende-se sempre como título87.

Segundo Jeremias, o título “Filho do Homem” é a única designação que Jesus

aplicou a si mesmo e cuja autenticidade pode ser seriamente cogitada88. Segundo o

mesmo autor, levando-se em conta a análise do material da história da tradição sobre

as passagens bíblicas que se referem ao título “Filho do Homem”, o caso de Lc 19,

10b, evidencia-se como sendo uma formulação secundária89.

O título o` ui`o.j tou/ avnqrw,pou aparece 24 vezes em Lucas e sempre

acompanhado de artigo90. Nos evangelhos, no total, são 82 vezes. Normalmente a

expressão é relacionada com Dn 7, 13, de modo que se pensa na misteriosa figura que

um dia haveria de se revelar, donde Jesus, o Eleito de Deus, o Justo, seria a realização

desta figura do Filho Homem.

86 Em 19, 9c, encontramos: ui`o.j VAbraa,m, filho de Abraão. No evangelho, a expressão aparece somente neste versículo. Zaqueu é chamado Filho de Abraão, o que demonstra que ele, pela sua atitude, também está ligado, não se separou do tronco de Israel e, como qualquer outro israelita, também tem direito à benção de Abraão. Cf. FITZMYER, J. A. El Evangelio según Lucas…, Vol. IV, p. 64. 87 Cf. JEREMIAS, J. Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Teológica, 2004, p. 375. 88 Cf. JEREMIAS, J. Teologia do..., p. 371. 89 Cf. JEREMIAS, J. Teologia do..., p. 377-378. 90 Lc 6, 5. 22; 7, 34; 9, 22. 26. 44. 58; 11, 30; 12, 8.10.40; 17, 22. 24. 26. 30; 18, 8. 31; 19, 10; 21, 27.36; 22, 22. 48. 69; 24, 7.

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Em Lucas, o título faz referência à condição moral de Jesus (5, 24; 6, 5; 12,

humilhação que sofrerá (6, 22; 7, 34 e 9, 58), e outras vezes anuncia o sofrimento e a

trágica morte de Jesus (9, 22. 44; 18, 31; 22, 22 e 24, 7)91.

A expressão, com conteúdo de certa forma enigmático, é objeto de muitos

estudos, mas podemos afirmar que Lucas não deixa dúvidas de que a pessoa a que se

refere o título “Filho do Homem” é o próprio Jesus92. Nisto, entre os exegetas há

consenso.

Ao fazer uma comparação com os verbos, percebemos que há quase 2 verbos

para cada substantivo.

4. 3. Adjetivos

Temos os seguintes adjetivos no texto:

Amartwlw/| (adj. dat. masc.), amartwlo,j, pecador, pecadora. Na perícope, 1 vez;

no Ev. segundo Lc, 18 vezes; no NT, 47 vezes93. A partir destes dados, podemos dizer,

que o referido adjetivo é de uso comum no NT.

Mikro.j (adj. nom. masc), mikro,j, pequeno. De dignidade insignificante. Na

perícope, 1 vez; no Ev. segundo Lc, 5 vezes; no NT, 30 vezes.

Para alguns autores, a tradução: pequeno, se refere a um dado de caráter

puramente físico, pois o termo grego que o acompanha, o substantivo hliki,a|, não tem

91 Cf. FITZMYER, J. A. El Evangelio según Lucas…, Vol. I, p. 353-345. 92 Sobre o presente tema, ou melhor, o título “Filho do Homem”, pode-se consultar, por exemplo, RICHARDSON, A. An Introduction to the Theology of the New Testament. New York, 1958; FITZMYER, J. A. El Evangelio según Lucas… Vol. I, p. 349-355, e, também CULLMANN, O. Cristologia do Novo Testamento. São Paulo: Custom, 2002. 93 Cf. GÜNTHER, W. In COENEN, L. & BROWN, C. Dicionário Internacional de Teologia.... Vol. II, p. 1605.

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nenhuma conotação de tipo simbólico94. Por isso, na tradução, optamos por pequena

estatura. Contudo, é preciso observar que o uso de mikro,j em Lucas e também no NT

não está relacionado apenas com sentido físico. Em Lc 12,32; 17, 2, significa

importância, dignidade: pequeno em importância, em dignidade. Em 9, 48

encontramos o adjetivo complementar de mikro,j: mikro,teroj, que também se refere a

importância, dignidade. Em 7, 28, o sentido é claramente espiritual95.

Em Mt 10, 42, também é usado com sentido de dignidade insignificante. E em

Ap 13, 16, sentido espiritual.

Plou,sioj (adj. nom. masc.), plou,sioj, rico. Na perícope, 1 vez; no Ev. segundo

Lc, 11 vezes; no NT, 28 vezes.

Em todos os códices, “o rico” que Lucas cita nas demais passagens, é um

personagem anônimo96. Mas O plou,sioj, rico, nesta perícope é identificado, tem

nome, se refere a Zaqueu.

O adjetivo em questão aparece 05 vezes em Lucas (16, 1. 19. 22; 18, 23; 19, 2).

Se considerarmos outras formas em que o adjetivo aparece, pode-se encontrá-lo até 11

vezes no referido Evangelho97. Porém não mais do que 03 vezes em Mateus (19, 23.

24; 27, 53) e 02 vezes em Marcos (10, 25; 12, 41).

94 Sobre a referida afirmação, veja nota exegética sobre v. 3c in FITZMYER, J. A. El Evangelio según Lucas. Vol. IV, p. 60. 95 RUSCONI, C. Dicionário do Grego do Novo Testamento..., p. 310. 96 Além da nomeação de Zaqueu, somente o Códice P75, o manuscrito mais antigo da redação textual grega sobre o evangelho segundo Lucas, faz referência a um homem rico chamado Neves. Mais detalhes veja-se FITZMYER, J. A. El Evangelio según Lucas. Vol. III, p. 755- 757. 97 Além das citações acima: 6, 24; 12, 16; 14, 12; 16, 21; 18, 25; 21, 1

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Plou,sioj traduz o hebraico ryvi[', “rico”, “opulento”. Com poucas exceções98,

no NT a palavra é empregada para descrever pessoas que são ricas nos bens deste

mundo .

Em Lucas, o homem rico que confiou em sua grande colheita (Lc 12, 16-21)

tipifica os ricos em geral, que se esquecem de que Deus é o Doador de tudo quanto

têm e passam a confiar nos seus bens. Pelo contexto das passagens que Lucas trata do

assunto dos ricos, transparece a idéia de que o termo se empregasse para os inimigos

de Jesus, de forma que há, uma rejeição total dos ricos que não se abrem á mensagem

de Jesus por serem escravos das riquezas enganadoras 99.

A questão sobre plou,sioj parece ser tão relevante que já se chegou a defender

que o v. 1 da perícope em estudo, é claramente fruto da redação100. O interessante é

que, caso fosse comprovado tal tese o início da perícope seria o v. 2. Deste modo,

teríamos uma terceira perícope, num pequeno bloco, que iniciaria com a apresentação

de um homem rico, uma vez que temos em 16, 1: “....a;nqrwpo,j tij h=n plou,sioj...”; e

em 16, 19: “Anqrwpoj de, tij h=n plou,sioj ...”, sendo que 19, 2, dá uma referência

nominal: “...avnh.r ovno,mati kalou,menoj Zakcai/oj”101.

Os dados acima sobre plou,sioj, ajudam a reforçar a tese já defendida de que o

Evangelho segundo Lucas trata de forma clara sobre a questão da pobreza e da

98 As exceções são os casos em que rege o dativo, pois expressa as riquezas de Deus (Ef 2, 4) ou do cristão (Tg 2, 5). Em 2 Co 8, 89 e Ap 2, 9 denota os que são ricos em possessões espirituais, cf. SELTER, F. In COENEN, L. & BROWN, C. Dicionário Internacional de Teologia.... Vol. II, p. 1721. 99 Sobre esta e outras reflexões sobre o adjetivo plou,sioj, Veja SELTER, F. In COENEN, L. & BROWN, C. Dicionário Internacional de Teologia..., p. 1722. 100 Afirmação de Bultmann (HST 33), cf. FITZMYER, J. A. El Evangelio según Lucas. Vol. IV, p. 54. 101 Quanto á diferença de Anqrwpoj e avnh.r, sabe-se que o primeiro é usado genericamente: ser humano, e muitas vezes se diz que é um aramaísmo, evitado ou, simplesmente, incomum a Lucas.

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riqueza, ou como alguns defendem, que é o Evangelho dos pobres102. Neste sentido, o

uso do vocábulo plou,sioj confronta a salvação dos pobres com a dificuldade dos ricos

entrarem no Reino (Cf. Lc 18, 24; Mt 19, 23-26; Mc 10, 23-27). Contudo, a perícope de

Zaqueu, situada já no fim da subida para Jerusalém expressa a possibilidade de

entrarem no Reino103, caso haja generosidade, desapego e conversão, o que ocorreu

com Zaqueu, mas antes, não havia ocorrido com o rico de posição (Lc 18, 18-23).

Ptwcoi/j (adj. dat. masc.), ptwco,j, pobre. Na perícope, 1 vez; no Ev. segundo

Lc, 10 vezes; no NT, 34 vezes.

Enquanto Lucas usa o termo 14 vezes, 10 no evangelho e 4 nos Atos, Mateus e

Marcos usa-o 5 vezes cada. Este detalhe, demonstra a importância dos pobres em

Lucas.

4. 4. Partículas

Dentre as partículas temos os advérbios:

Emprosqen (adv.), e;mprosqen, adiante. Na perícope, 1 vez; no Ev. segundo Lc,

10 vezes; no NT, 48 vezes.

Kai. (adv), e, também, ainda, que pode ter valor adversativo: mas, porém. Na

perícope, 1 vez no versículo 9. É preciso trabalho minucioso para identificar as vezes

em que kaì se apresenta como advérbio.

Sh,meron (adv.), sh,meron, hoje. Na perícope, 2 vezes; no Ev. segundo Lc, 11

vezes; no NT, 41 vezes.

102 Sobretudo STORNIOLO, I. Como ler o Evangelho de Lucas: Os pobres constroem a nova história. 2.ed. São Paulo: Paulus, 1992. 103 Aliás, pode-se lembrar o episódio sobre o perigo das riquezas, presente nos três evangelhos sinóticos: Mt 19, 16-29; Mc 10, 17-31 e Lc 18, 18-30. Diga-se de passagem, nos três textos se afirma a possibilidade de salvação.

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O vocábulo sh,meron possui grande relevância no contexto lucano. Para

comparar, enquanto aparece 2 vezes no texto104 e mais 9 vezes no Evangelho segundo

Lucas105, aparece uma única vez em Marcos106 e, 8 vezes em Mateus. Aparece mais 9

vezes em Atos dos Apóstolos107.

O que torna relevante o termo sh,meron não é somente o fato de aparecer várias

vezes em Lucas, mas também o conteúdo dos outros conceitos que aparecem junto

com o mesmo: o hoje do nascimento do Salvador (Lc 2, 11); o hoje da salvação (Lc 4,

21); o hoje da salvação que entra nesta casa (19,9), tema preferido de Lucas; e o hoje

do cumprimento da Escritura (4, 21).

Temos, dentre as partículas, as preposições:

Apo,. Avpo,, como advérbio: de longe, para trás. Preposição + genitivo: de (com

idéia de proveniência). Daí a tradução: por causa de. Na perícope, aparece 1 vez; no

Ev. segundo Lc, 127 vezes; no NT, 645 vezes.

Eivj (prep. acus.), eivj, até um. Na perícope, 1 vez; no Ev. segundo Lc, 223

vezes; no NT, 1753 vezes.

Epi. (prep. acus.), evpi,, sobre. Na perícope, 2 vezes; no Ev. segundo Lc, 160

vezes; no NT, 878 vezes.

Para. (prep. dat.), para,, de um. Na perícope, 1 vez; no Ev. segundo Lc, 29

vezes; no NT, 191 vezes.

Pro.j, (prep. acus.), pro,j, perto, diante de, com. Na perícope, 3 vezes; no Ev.

segundo Lc, 165 vezes; no NT, 696 vezes.

104 19, 5. 9. 105 2, 11; 4, 41; 5, 26; 12, 28; 13, 32. 33; 22, 34. 61; 23, 43. 106 14, 30. 107 4, 9; 13, 33; 19, 40; 20, 26; 22, 3; 24, 21; 26, 2. 29; 27, 33.

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En (prep. dat.), evn, em. Na perícope, 1 vez; no Ev. segundo Lc, 354 vezes; no

NT, 2713 vezes.

Segue as conjuções, os pronomes, os artigos e a partícula ouvkv, para os quais,

não julgamos necessário, senão relacioná-las e dar o respectivo significado.

Ga.r, ga,r, de fato.

De. , de,, e, pois.

Ei;, eiv, se, senão.

Hmi,sia,, h[misuj, metade.

Ina, i[na, a fim de que.

Kai., e, também.

Kaqo,ti, kaqo,ti, à medida que.

Conforme Dicionário do grego do NT, kaqo,ti tem significado de segundo,

conforme, à medida que108. Trata-se da conjunção kata, que pode reger genitivo ou

acusativo, e ti. Esse seria o sentido do v. 9 da perícope, quando Jesus afirma que a

salvação acontece nesta casa à medida que este é filho de Abraão. Jesus, em outras

oportunidades, deixou claro que alguém é filho de Abraão porque segue seus

ensinamentos, e assim, age como filho de Abraão. Ninguém o é por mera descendência

de sangue. Daí que, a expressão à medida que, está muito mais de acordo com o

ensinamento de Jesus.

Kaqo,ti, poderia significar também: porque, pois, dado que.

Oti, o[ti, porque, uma vez que.

Oti, o[ti, conjução declarativa= indica dois pontos (:).

108 RUSCONI, C. Dicionário do Grego do Novo Testamento..., p. 244.

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W`j, wj, que, quando.

E os pronomes:

Auvto.j auvto,j, ele, esse.

Auvto.n, auvto,j, ele, esse.

Ekei,nhj, evkei/noj, por ali. Trata-se de um pronome demonstrativo no genitivo

feminino singular de evkei/noj, usado como advérbio local109.

Me, evgw,, eu me.

Pa,ntej, pa/j, todos.

Sou, su,, tu, teu, tua.

Mou, evgw,, eu, me.

Tetraplou/n, tetraplou/j, o quádruplo, quatro vezes.

Tino,j, ti.j, de alguém.

Ti, ti.j, quem. Pode ser usado para introduzir um argumento; junto com ei

pode significar: e depois, se.

Ti,j, ti,j, quem110.

O pronome ti,j, quem, será objeto de ampla reflexão no capítulo 3. Trata-se de

pronome que muda consideravelmente o conteúdo da frase, uma vez que ver111 é uma

coisa, ver quem [é], por sua vez é algo muito mais significativo.

Também em 4c: i[na i;dh| auvto.n, o autor reforça, ainda que seja apenas pela

repetição do verbo ora,w (i;dh|), uma vez mais a idéia de que Zaqueu procurava ver

quem é Jesus. Traduz-se: “para vê-lo”. 109 Cf. RUSCONI, C. Dicionário do Grego do Novo Testamento..., p. 155. 110 Aparece cerca de 78 vezes em Lucas, nenhum outro evangelista a usa tanto. Cf. MORGENTHALER, R. Statistik des Neutestamentlichen Wortschatzes..., p. 181. 111 Ainda que se considere o sentido do verbo ver em grego, muito usado no Evangelho segundo João no sentido de conhecer, e ver quem é alguém, isto é, conhecer a identidade, a pessoa em profundidade.

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Percebe-se que em Lucas, ti,j está sempre ligada a textos de conteúdo muito

significativo. Por exemplo, “ti,j evstin”, aparece pelo menos 7 vezes112. Das 07 vezes,

4 vezes, faz referência a Jesus113, 1 vez a Deus114, 1 vez ao próximo115 e 1 vez a um

soldado116. Também aparecem outras fórmulas que podem ser traduzidas por quem é.

Entre outras: “ti,j ou-to,j evstin” (Lc 7, 49); “ti,j a;ra ou-to,j evstin” (Lc 8, 25); “ti,j de,

evstin” (Lc 9,9). Note-se que sempre se referindo a Jesus e sua identidade, inclusive

divina: “...ti,j ou-to,j evstin o]j kai. a`marti,aj avfi,hsinÈ” [...Quem é este que até perdoa

pecados?], (Lc 7,49); “...ti,j a;ra ou-to,j evstin o[ti kai. toi/j avne,moij evpita,ssei kai. tw/|

u[dati( kai. u`pakou,ousin auvtw/|È” [...Quem é este, que manda até nos ventos e nas ondas,

e eles lhes obedecem?], (Lc 8, 25); “...ti,j de, evstin ou-toj peri. ou- avkou,w toiau/taÈ”

[...Quem é esse, portanto, de quem ouço tais coisas], (Lc 9,9).

Diante do que está exposto acima, podemos afirmar que o autor usa a expressão

ti,j evstin, ou outras semelhantes, para referir-se à identidade de alguém, e, na maioria

dos casos, referindo-se especialmente à pessoa de Jesus.

Por fim, vale ressaltar a partícula demonstrativa ivdou.,, Eis! Eis pois, eis que.

Aparece 2 vezes no texto e 58 vezes em Lucas. Conforme Rius-Camps, os evangelistas

empregam a referida partícula com freqüência para concentrar a atenção na

personagem em torno da qual gira o relato117.

112 5, 21; 10, 22 (2x); 10, 29; 19, 3; 20, 2; 22, 64. 113 5, 21; 10, 22 (2x) e 19, 3. 114 20, 2. 115 10, 29. 116 22, 64. 117 Cf. RIUS-CAMPS, J. O Evangelio de Lucas: o Êxodo do homem livre.., p. 117-118. O referido autor, cita ainda, exemplos de passagens onde a partícula ivdou é usada em Lucas: 2, 25; 5, 12; 7, 12. 37, entre outras. Veja também SILVA, V. da. Eis meu servo: leitura do primeiro canto do servo do Senhor, segundo Is 42, 1-7. Estudos Bíblicos. Petrópolis: n. 89, p. 46, 2006/1.

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Além de ser usada para chamar a atenção para o personagem Zaqueu, a

partícula ivdou volta a se repetir no v. 8b, quando Zaqueu diz a Jesus: “ivdou. ta. h`mi,sia,

mou tw/n u`parco,ntwn( ku,rie, toi/j ptwcoi/j di,dwmi”, conforme tradução proposta

abaixo: [eis, Senhor, que dou a metade de meus bens aos pobres]. Da mesma forma,

nesta citação, ivdou. demonstra a importância da atitude de Zaqueu. No mais, o que

encontramos na perícope são os artigos e a partícula ouvk, ouv, não, que aparece 1 vez

no texto e 99 vezes em Lucas.

5. Estrutura do Texto

Para se referir à estrutura do texto, é interessante considerar a estrutura da obra

de Lucas, isto é, considerando Evangelho e Atos118, conforme proposta de Richard119,

a saber:

Prólogo histórico (Lc 1, 1-4) a toda a obra Lc-At

Prólogo teológico (Lc 1, 5 – 4, 13) a toda a obra Lc-At

A) Ministério de Jesus na Galiléia (Lc 4, 14 – 9, 50)

B) Subida de Jesus da Galiléia para Jerusalém (Lc 9, 51 – 19, 44)

C) Ministério de Jesus no Templo de Jerusalém (Lc 19, 45 – 21, 38)

118 “Ler a obra como um conjunto é uma chave interpretativa fundamental”, cf. RICHARD, P. O Evangelho de Lucas... p. 8. 119 RICHARD, P.. O Evangelho de Lucas..., p. 7-36.

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CENTRO: 1. Paixão e morte de Jesus (Lc 22 – 23)

2. Ressurreição de Jesus (Lc 24, 1-49)

3. Testamento de Jesus (Lc 24, 44-49 + At 1, 6-8)

4. Exaltação de Jesus: Ascensão (At 1, 9-11)

A) O movimento de Jesus em Jerusalém (At 1, 12 – 5, 42)

B) O movimento de Jesus de Jerusalém a Antioquia (At 6, 1 – 15, 35)

C) O movimento de Jesus de Antioquia a Roma (At 15, 36 – 28, 31)

Observa-se a exclusão de Lc 24, 50-53 e At 1, 1-5, os quais, segundo Richard,

seriam acréscimos posteriores.

Segundo o referido autor, a subida de Jesus da Galiléia para Jerusalém (Lc 9, 51

– 19, 44), pode ser dividida em quatro etapas, sendo que a perícope de Zaqueu (19, 1-

10), se situa na quarta etapa120, isto é: Lc 18, 31 – 19, 44, parte na qual, Jesus continua

subindo a Jerusalém passando por Jericó.

Percebe-se que Jesus toma consigo os Doze, em seguida refere-se à subida a

Jerusalém e faz o terceiro anúncio da paixão, mas os doze ainda não entendem nada

(Cf. 18, 31-34). Diante disso o texto apresenta dois encontros libertadores ainda em

Jericó (18, 35 – 19, 10): no caminho: um cego recupera a vista e segue Jesus (18, 35-

43)121; na casa: Zaqueu renuncia ao mau uso de sua riqueza (19, 1-10)122.

120 Cf. RICHARD, P. O Evangelho de Lucas..., p. 29. 121 Texto tomado de Mc 10, 46, 52, que ressalta a cura de outro cego, após o terceiro anúncio da paixão (10, 32-34), completando assim, o bloco 8, 22 – 10, 52, que começa e termina com cura de um cego, sendo que ao longo do bloco são feitas os três anúncios da paixão. 122 Caminho e casa, duas realidades paradigmáticas em Lucas, cf. RICHARD, P. O Evangelho de Lucas..., p. 30.

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Levando em conta as considerações acima, compreende-se melhor a perícope

em estudo, que pode ser estruturada de forma a considerar também a aproximação de

Jerusalém, ponto culminante da longa viagem empreendida.

Assim como todo o bloco da subida de Jesus da Galiléia para Jerusalém (9, 51 –

19, 44) é marcado, a cada início de perícope por termos tipo:123 “VEn de. tw/| poreu,esqai

auvtou.j auvto.j eivsh/lqen...” [E aconteceu que, estando em viagem...], (Lc 10, 38); “Kai.

evge,neto evn tw/| ei=nai auvto.n...” [e estando ele em certo lugar...] ,(Lc 11,1); “Kai.

dieporeu,eto kata. po,leij kai. kw,maj...” [e atravessando cidades e aldeias...], (Lc 13,

22); também o texto de Lc 19, 1-10 pode ser dividido pelo uso dos mesmos termos,

sendo que a conclusão seria o diálogo entre Jesus e Zaqueu.

De fato, a perícope é marcada por este estilo: “E, tendo entrado em Jericó,

atravessava-a” (1a); “E, correndo adiante” (4a); “E vendo isso” (7a). Sendo assim,

podemos afirmar que (1a): “E, tendo entrado em Jericó, atravessava-a”, marca a

introdução da perícope; (4a): “E, correndo adiante”, e (7a): “E vendo isso”, marca o

desenvolvimento, sendo o diálogo Jesus e Zaqueu, a conclusão.

Há na narração uma introdução, pois a partir de 1a, o texto se refere ao encontro

com Zaqueu, sua colocação profissional na sociedade e o seu objetivo por estar ali no

caminho de Jesus.

Em seguida, a partir de 4a, o autor narra a forma que Zaqueu escolheu para ver

quem é Jesus: “subiu a um sicômoro”, a chegada de Jesus, o início do diálogo de Jesus

e Zaqueu e a conseqüente atitude de descer e receber Jesus. A essa parte, podemos

chamá-la de desenvolvimento.

123 Normalmente os verbos encontram-se no infinitivo ou particípio aoristo.

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A partir de 7a, já aparece a reação de alguns por Jesus hospedar-se em casa de

um homem pecador. Em contrapartida aos que murmuravam, temos a conversão de

Zaqueu e o “veredicto” de Jesus. A essa parte, pode-se denominar conclusão. Vejamos

isso através de um breve esquema, na página seguinte:

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I N T R O D U Ç Ã O

1 E, tendo entrado em Jericó, atravessava-a. 2 E eis que um homem

chamado com o nome de Zaqueu, que era arquicobrador de impostos e era

rico: 3 procurava ver Jesus, quem é, e não podia por causa da multidão,

pois era de baixa estatura.

D E S E N V O L V I M E N T O

4 E, correndo adiante, subiu a um sicômoro para vê-lo, pois devia passar

por ali (Jesus). 5 E quando chegou ao lugar, tendo olhado para cima, Jesus

disse-lhe: Zaqueu, desce depressa, pois hoje, é necessário que eu fique em

tua casa. 6 E desceu depressa e o acolheu com alegria. 7 Vendo isso, todos

murmuravam dizendo que foi hospedar-se na casa de um homem pecador.

C O N C L U S Ã O

8 De pé, Zaqueu disse ao Senhor: eis, Senhor, que dou a metade de meus

bens aos pobres, e se defraudei alguém em alguma coisa, devolvo o

quádruplo. 9 Disse-lhe Jesus: hoje acontece a salvação nesta casa, na

medida em que este é filho de Abraão; 10 pois o Filho do Homem veio

para procurar e salvar o que estava perdido.

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6. Tradução

Texto Grego tal como se encontra na 27ª edição do Novum

Testamentum Graece de Nestle-Aland

Tradução

1Kai. eivselqw.n dih,rceto th.n VIericw,Å 1 E, tendo entrado em Jericó, atravessava-a. 2Kai. ivdou. avnh.r ovno,mati kalou,menoj Zakcai/oj( kai. auvto.j h=n avrcitelw,nhj kai. auvto.j plou,sioj\

2 E eis que um homem chamado com o nome de Zaqueu, que era arquicobrador de impostos e era rico:

3kai. evzh,tei ivdei/n to.n VIhsou/n ti,j evstin kai. ouvk hvdu,nato avpo. tou/ o;clou( o[ti th/| h`liki,a| mikro.j h=nÅ

3 procurava ver Jesus, quem é, e não podia por causa da multidão, pois era de baixa estatura.

4kai. prodramw.n eivj to. e;mprosqen avne,bh evpi. sukomore,an i[na i;dh| auvto.n o[ti evkei,nhj h;mellen die,rcesqaiÅ

4 E, correndo adiante, subiu a um sicômoro para vê-lo, pois devia passar por ali (Jesus).

5kai. w`j h=lqen evpi. to.n to,pon avnable,yaj o` VIhsou/j ei=pen pro.j auvto,n\ Zakcai/e( speu,saj kata,bhqi( sh,meron ga.r evn tw/| oi;kw| sou dei/ me mei/naiÅ

5 E quando chegou ao lugar, tendo olhado para cima, Jesus disse-lhe: Zaqueu, desce depressa, pois hoje, é necessário que eu fique em tua casa.

6kai. speu,saj kate,bh kai. u`pede,xato auvto.n cai,rwnÅ

6 E desceu depressa e o acolheu com alegria. 7kai. ivdo,ntej pa,ntej diego,gguzon le,gontej o[ti para. a`martwlw/| avndri eivsh/lqen katalu/saiÅ

7 Vendo isso, todos murmuravam dizendo que foi hospedar-se na casa de um homem pecador.

8staqei.j de. Zakcai/oj ei=pen pro.j to.n ku,rion\ ivdou. ta. h`mi,sia, mou tw/n u`parco,ntwn( ku,rie( toi/j ptwcoi/j di,dwmi( kai. ei; tino,j ti evsukofa,nthsa avpodi,dwmi tetraplou/naÅ

8 De pé, Zaqueu disse ao Senhor: eis, Senhor, que dou a metade de meus bens aos pobres, e se defraudei alguém em alguma coisa, devolvo o quádruplo.

9ei=pen de. pro.j auvto.n o` VIhsou/j o[ti sh,meron swthri,a tw/| oi;kw| tou,tw evge,neto( kaqo,ti kai. auvto.j ui`o.j VAbraa,m evstin\

9 Disse-lhe Jesus: hoje acontece a salvação nesta casa, na medida em que este é filho de Abraão;

10h=lqen ga.r o` ui`o.j tou/ avnqrw,pou zhth/sai kai. sw/sai to. avpolwlo,jÅ

10 pois o Filho do Homem veio para procurar e salvar o que estava perdido.

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Capítulo II: Contexto

Neste segundo capítulo vamos tratar do contexto literário de Lc 19, 1-10 no

conjunto da obra lucana, o que é comumente chamado de sitz in der literatur124. Trata-

se de mostrar a função da perícope no desenvolvimento geral da obra125.

Apresentamos o plano do autor, isto é, a forma de organização geral da sua obra, o

escopo, pelo qual falamos da finalidade do autor ao escrever a obra. Isto tudo é o

contexto remoto. Em seguida, referimo-nos ao contexto próximo ou imediato, para

assim, constatar a articulação da perícope com a que precede e com a que segue.

No mesmo capítulo, apresentamos também um quadro do contexto histórico

que envolve a perícope em estudo. Procuramos partir de um contexto mais distante até

chegar ao contexto do dinheiro em Lucas, o que consideramos de fundamental

importância para este trabalho. Sendo assim, iniciamos pelo contexto helenístico,

depois helenístico-romano, situando os aspectos sociais e econômicos, de modo

especial a administração romana. Em seguida, tratamos do contexto lucano, situando a

influência do pensamento gnóstico126 e concluímos o capítulo com a questão do

dinheiro no contexto de Lucas.

O contexto literário é imprescindível, pois, a partir

dele, compreende-se melhor a pretensão, a mensagem ou, se quisermos, o ensinamento

que o autor quer transmitir ao narrar a perícope.

124 Sitz in der literatur (Colocação literária), que “busca evidenciar as relações, manifestas ou latentes, entre o texto que estudamos e as demais perícopes do mesmo livro”, cf. SILVA, C. M. D. da. Metodologia de Exegese Bíblica. São Paulo: Paulinas, 2000, p. 275. 125 Cf. SILVA, C. M. D. da. Metodologia de Exegese Bíblica..., p. 272-273. 126 Procuramos demonstrar a relação do gnosticismo com a caminhada das comunidades, sobretudo no que diz respeito a questões de salvação.

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O estudo do contexto histórico é necessário, primeiro porque é regra geral para

o estudo teológico que, quanto mais conhecemos o contexto, melhor compreendemos

o texto, e, segundo, porque a teologia latino-americana, de modo especial, procura ler

a Bíblia em estreita relação com as realidades humanas em que estavam inseridas para

também aplicá-la com mais eficiência à realidade atual.

Para Arens, há uma situação concreta na comunidade lucana, a saber, um

conflito relacionado com as diferenças socioeconômicas entre seus membros127. Essa

constatação nos remete à questão do dinheiro, tema em pauta nesta dissertação.

1. Contexto literário

1. 1. Contexto literário remoto

A história de Zaqueu, que decide dar a metade de seus bens aos pobres e

restituir o quádruplo a quem defraudou (cf. Lc 19, 8), é exclusiva de Lucas. Ela está

em perfeita relação, não somente com o Evangelho segundo Lucas, mas com os

sinóticos em geral, pois, nos três evangelistas é notável a insistência na temática do

desapego às riquezas, condição fundamental para o seguimento de Jesus128.

127 Cf. ARENS, E. Ásia Menor nos tempos de Paulo, Lucas e João: aspectos sociais e econômicos para a compreensão do Novo Testamento. São Paulo: Paulus, 1998, p. 5. 128 Há várias passagens que colocam em destaque a temática do desapego às coisas materiais, sobretudo o dinheiro: Mateus (o verdadeiro tesouro: 6, 19-21; Deus e o dinheiro: 6, 24; condições para seguir Jesus: 16, 24-28; o moço rico: 19, 16-22; o perigo das riquezas: 19, 23-26); Marcos: (condições para seguir Jesus: 8, 34-38; o homem rico: 10, 17-22; o perigo das riquezas: 10, 23-27); e, de modo especial, o próprio Lucas: (condições para seguir Jesus: 9, 23-26; não entesourar: 12, 13-21; renúncia a todos os bens: 14, 28-35; o bom emprego do dinheiro: 16, 9-13; os fariseus, amigos do dinheiro: 16, 14-15; o rico e o pobre Lázaro: 16, 19-31; o rico notável: 18, 18-23; o perigo das riquezas: 18, 24-27; e a própria história de Zaqueu: 19, 1-10).

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Uma breve exposição sobre o escopo (qual tese o autor quer provar), e sobre o

plano da obra (divisões e subdivisões), nos oferece maior entendimento dos contextos

próximo e remoto da perícope analisada nesta dissertação129.

Neste sentido, Cristina Conti afirma: “Lucas é um escritor muito talentoso e

cuidou de colocar os materiais que chegaram a ele nos lugares mais apropriados”130.

1. 1. 1. O escopo (tese do autor)

Lucas, no conjunto de sua obra, isto é, Evangelho e Atos, procura transmitir a

história dos fatos ocorridos entre nós... (Lc 1,1). Ele quer que a comunidade verifique

a solidez dos ensinamentos recebidos (Lc 1,4). Ensinamentos que consistem no fato da

salvação ter entrado na história. Assim, Lucas apresenta em sua obra a tese de que

Deus atua na história, realizando a salvação por meio de Jesus de Nazaré e da Igreja.

No início de sua obra, Lucas diz que deseja que “os leitores” verifiquem a

solidez dos ensinamentos (w-n kathch,qhj)131 recebidos (cf. 1, 4), e no fim da obra,

volta a dizer que Paulo, “proclamava o reinado de Deus e ensinava (dida,skwn)132 o

que diz respeito ao Senhor Jesus Cristo...” (At 28, 31).

Para Lucas, a História da Salvação pode ser dividida em três etapas

fundamentais: tempo da preparação, marcado pelo povo de Israel do AT até João

Batista; tempo da realização, que é tempo de Jesus de Nazaré e da Igreja, ou NT; e

tempo da plenitude escatológica, no fim da caminhada (Parusia).

129 Cf. sugestão metodológica de SILVA, C. M. D. da. Metodologia de exegese bíblica..., p. 276. 130 CONTI, C. O amor como práxis – estudo de Lucas 7, 36-50. Revista de Interpretação Latino-Americana, Petrópolis: n. 44, p. 60, 2003/1. 131 O verbo kathce,w pode ter o significado neutro de “informar”, mas Lucas o emprega em sentido de “instruir”, “ensinar”, mediante a palavra, oralmente, como se percebe, por exemplo, em At 18, 25. 132 Verbo dida,skw, usado com significado de “ensinar”, “instruir” , “demonstrar”, cf. Lc 5, 17 e At 18, 11.

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O autor do Evangelho e dos Atos dos Apóstolos narra a História da Salvação,

apresentando a solidez dos ensinamentos e o caminho para os cristãos alcançarem a

salvação que chegou para toda humanidade: “kai. o;yetai pa/sa sa.rx to. swth,rion tou/

qeou/”, [e verá toda a carne a salvação de Deus], ( cf. Lc 3, 6)133.

1. 1. 2. O plano do autor

A História da Salvação é apresentada mediante um plano134.

Fitzmyer135 apresenta em detalhes o esquema do Evangelho: o prólogo136, as

seções e subseções. Só não relacionamos as diversas perícopes. Vejamos através do

esquema que segue:

Prólogo

1. Um relato fidedigno; dedicatória a Teófilo (1, 1-4)

Primeira parte: relatos da infância (1, 5 - 2, 52)

I. Antecedentes do nascimento de João Batista e de Jesus (1, 5-56)

II. Nascimento e infância de João e de Jesus (1, 57 - 2, 52)

Segunda parte: Preparação do ministério público

de Jesus (3, 1 - 4, 13)

Terceira parte: ministério de Jesus na Galiléia (4, 14 - 9, 50)

I. Começo do ministério: Nazaré e Cafarnaum (4, 14 - 5, 16)

II. Primeiras controvérsias com os fariseus (5, 17 - 6, 11)

133 Em português ficaria melhor: “E toda a carne verá a salvação de Deus” (Lc 3, 6). 134 Constata-se que poucos autores tratam da obra lucana em seu conjunto, de modo que, normalmente se encontra num autor somente a estrutura do Evangelho e noutro a estrutura do livro dos Atos dos Apóstolos. 135 Cf. FITZMYER, J. A. El Evangelio según Lucas. Vol. I…, p. 229-235. 136 Praticamente todos os autores assim o fazem.

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III. Pregação de Jesus (6, 12-49)

IV. Atitudes frente ao ministério de Jesus (7, 1 - 8, 3)

V. A palavra de Deus: proclamação e aceitação (8, 4-21)

VI. Manifestação progressiva do poder de Jesus (8, 22 - 9, 6)

VII. Quem é este? (9, 7-36)

VIII. Cura e instruções diversas (9, 37-50)

Quarta parte: Viagem para Jerusalém (9, 51 - 19, 27)

I. Narração lucana da viagem (9, 51 - 18, 14)

a) Jesus a caminho para Jerusalém: primeira menção e

episódios subseqüentes (9, 51 - 13, 21)

b) Jesus a caminho de Jerusalém: segunda menção e

episódios subseqüentes (13, 22 - 17, 10)

II. Narração sinótica da viagem (18, 15 - 19, 27)

Quinta parte: ministério de Jesus em Jerusalém (19, 28 - 21, 38)

Sexta parte: relato da paixão (22, 1 - 23, 56a)

I. Acontecimentos preliminares (22, 1-38)

II. Paixão, morte e sepultura de Jesus (22,39 - 23, 56a)

Sétima parte: relatos da ressurreição (23,56b - 24, 53)

As perícopes são enumeradas seqüencialmente dentro das seções ou subseções,

totalizando 169, sendo que a primeira parte possui 9 perícopes; a segunda, 6; a

terceira, 42; a quarta, 68; a quinta, 19; a sexta, 20; e a sétima, 5 perícopes. Ressalta-se,

justamente a parte denominada viagem para Jerusalém, com 68 perícopes, entre elas, a

perícope de Zaqueu (19, 1-10).

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Para corresponder ao esquema apresentado por Fitzmyer, fazemos uso, na

seqüência, da divisão proposta por Kurtz137, para assim, termos um esboço completo

da obra lucana. Em seguida, apresentamos dois exemplos de autores que fizeram o

esquema de toda a obra.

Em comparação a Fitzmayer, Kurtz, em seu comentário ao livro dos Atos dos

Apóstolos, apresenta um esquema mais sintetizado. Há uma introdução formada pelo

prólogo e pela ascensão de Jesus ao céu (Jesus elevado ao céu, conforme autor), e em

seguida, assim como Fitzmyer com o Evangelho segundo Lucas, sete partes,

preenchidas pelas diversas perícopes138.

Esquematicamente, temos o seguinte quadro:

Introdução (1, 1 - 11)

I. origem e crescimento da Igreja em Jerusalém, por

Intermédio do Espírito Santo (1, 12 - 8, 3)

II. Perseguição e expansão na Judéia e em Samaria (8, 4 - 9, 31)

III. Aos pagãos: Pedro e Cornélio, Barnabé e Saulo,

a Assembléia de Jerusalém (9, 32 - 15, 35)

IV. Missão de Paulo para os pagãos: a segunda viagem (15, 36 - 18, 23)

V. Destino de Paulo em Jerusalém: a terceira viagem (18, 24 - 21, 14)

VI. Prisioneiro, Paulo dá testemunho da ressurreição (21, 15 - 26, 32)

VII. É preciso que em Roma testemunhes igualmente (27, 1 - 28, 31)

137 Cf. KURTZ, W. S. Atos dos Apóstolos. In BERGANT, D., CSA & KARRIS, J. R., OFM (org). Comentário Bíblico. Vol. III. São Paulo: Loyola, 1999, p. 146-174. 138 Além do esquema apresentado por Kurtz, podemos consultar outros, tais como o quadro do plano de Atos dos Apóstolos, apresentado por SAOÛT, Y. Atos dos Apóstolos: ação libertadora. São Paulo: Paulinas, 1991, p. 333-334.

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Mas para se ter um quadro completo da obra lucana, é oportuno apresentar a

organização elaborada por Kümmel139.

Após o prólogo (1, 1-4), o referido autor divide o texto do evangelho em cinco

partes, seguidas das perícopes correspondentes. A delimitação das partes segue

basicamente o critério geográfico (da Galiléia para Jerusalém). Vejamos:

Prólogo (1, 1-4)

Primeira parte: a pré-história (1, 5 - 4, 13)

Segunda parte: atividade de Jesus na Galiléia (4, 14 - 9, 50)

Terceira parte: jornada para Jerusalém (9, 51 - 13, 30)

Quarta parte: retomada da caminhada para Jerusalém (13, 31 - 19, 27)

Quinta parte: Jesus em Jerusalém (19, 28 - 24, 53).

Para o texto dos Atos dos Apóstolos, Kümmel apresenta o mesmo esquema,

inclusive com a mesma quantidade de partes, como se vê no esquema que segue:

Prólogo (1, 1-14)

Primeira parte: A Igreja de Jerusalém (1, 15 - 8, 3)

Segunda parte: propagação do Evangelho na Samaria

e nas regiões costeiras (8,4 - 11, 18)

Terceira parte: propagação do Evangelho até Antioquia

e, em seguida, para além de Antioquia (11, 19 - 15, 35)

Quarta parte: propagação do Evangelho nas terras

circunjacentes ao mar Egeu (15, 36 - 19, 20)

Quinta parte: propagação do Evangelho desde

Jerusalém até Roma (19, 21 - 28, 31). 139 KUMMEL, W. G. Introdução ao Novo Testamento..., p. 151- 155.

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A estruturação proposta por Richard140, conforme apresentamos no capítulo 1, é

uma referência de uma organização geográfico-teológica, sendo que, o prólogo de Lc

1,1 – 4, 13, seria um prólogo a toda a obra lucana e, de cunho histórico e teológico.

Há vários comentários sobre a estruturação da obra lucana, mas para o objetivo

deste trabalho é suficiente dizer que Lucas narra a história da salvação, apresentando a

solidez dos ensinamentos e o caminho da salvação que chegou para toda humanidade,

dando ênfase à insistência na temática do desapego às riquezas, condição fundamental

para o seguimento de Jesus.

O texto de Lc 19, 1-10 está relacionado com a narração da “subida” a

Jerusalém, com o tema de bom uso ou desapego do dinheiro e a missão de Jesus de

acolher e salvar os que se haviam perdidos.

Podemos constatar, ligações remotas da perícope de Lc 19, 1-10, inclusive com

a segunda parte de sua obra (Atos)141, sobretudo, no que se refere ao desapego e ao

bom uso do dinheiro.

Antes de tomar resolutamente a decisão de tomar o caminho de Jerusalém (cf.

Lc 9, 51), e logo após fazer o primeiro anúncio da paixão (Lc 9, 22), Jesus já havia

colocado na “lista” de condições para segui-lo, a renúncia a si mesmo, alertando que

de nada aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se perder e arruinar a si mesmo

(cf. Lc 9, 23-25).

No capítulo 12, Lucas apresenta Jesus orientando o homem a não colocar sua

segurança nos bens (cf. Lc 12, 13-21), mas ao contrário, abandonar-se à providência

(Lc 12, 22-32). Segue duas expressões imperativas: “Pwlh,sate ta. u`pa,rconta u`mw/n

140 RICHARD, P. O Evangelho de Lucas..., p. 8. 141 Talvez a denominação Atos de Apóstolos fosse mais adequada, uma vez que o livro, refere-se basicamente aos atos de Pedro e Paulo.

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kai. do,te evlehmosu,nhn\ poih,sate e`autoi/j balla,ntia mh. palaiou,mena( qhsauro.n

avne,kleipton evn toi/j ouvranoi/j( o[pou kle,pthj ouvk evggi,zei ouvde. sh.j diafqei,rei”

[Vendei os vossos bens e daí esmola. Fazei para vós bolsas que não fiquem velhas,

tesouro nos céus que não se acaba, onde o ladrão não chega e a traça não rói], (cf. Lc

12, 33). E conclui: “o[pou ga,r evstin o` qhsauro.j u`mw/n( evkei/ kai. h` kardi,a u`mw/n e;stai”

[porque onde está o vosso tesouro, aí também o vosso coração estará], (cf. Lc 12, 34).

Antes das parábolas da misericórdia de Deus para com os perdidos, como se lê

abaixo, o evangelista ainda expõe uma vez mais, o ensinamento de Jesus sobre a

necessidade das renúncias, (cf. Lc 14, 25-33). A conclusão é clara: “ou[twj ou=n pa/j evx

u`mw/n o]j ouvk avpota,ssetai pa/sin toi/j eautou/ u`pa,rcousin ouv du,natai ei=nai, mou

maqhth,j” [Assim, pois, todo aquele que não renunciar a tudo quanto possui, não pode

ser meu discípulo], (cf. Lc 14, 33).

O capítulo 16 trata142 do problema da atitude dos cristãos ante os bens terrenos.

Em Lc 16, 1-15, temos três pequenas perícopes claramente conexas à perícope de

Zaqueu (Lc 19, 1-10). Tal evidência se dá pelas temáticas: parábola do administrador

infiel, o bom emprego do dinheiro e reprovação da avareza dos fariseus. Na perícope

sobre o bom emprego do dinheiro (Lc 16, 9-13), encontramos o vocábulo mamwna/

[dinheiro]143, expressão conhecida da literatura judaica144, e que aparece três vezes só

nesta pequena perícope145. Na última perícope (Lc 16, 14-15), os fariseus também são

chamados amigos do dinheiro: “ oi` Farisai/oi fila,rguroi”, (cf. Lc 16, 14).

142 Exceção das três breves sentenças dos versículos 16-18, cf. SCHMID, J. El Evangelio Segun San Lucas. Barcelona: Herder, 1968, p. 368. 143 “El Mammón puede ser calificado de ‘injusto’ por ir unido com él, por lo general, si no em cada caso particular, según muestra la experiência cotidiana, la injusticia (Cf. Eclo 27, 2), sea que haya sido adquirido de manera injusta o empleado para fines egoístas”, cf. SCHMID, J. El Evangelio Segun San Lucas..., p. 374. 144 Por exemplo, 1Hen 63, 10; Cf. Eclo 5, 8. Veja também SCHMID, J. El Evangelio Segun San Lucas..., p. 374. 145 16, 9. 11. 13.

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Em Lc 16, 19-31, encontramos a parábola do rico ostentoso e o mendigo

Lázaro146. O relato é uma conclusão muito apropriada para o tema que já fora

desenvolvido. A conexão com o texto dessa dissertação se dá, principalmente pelo

predomínio, uma vez, da temática: riqueza e modo de usar dos bens nesta vida. Quanto

ao vocabulário, a repetição do termo plou,sioj não deixa dúvidas: “:Anqrwpoj de, tij

h=n plou,sioj.” [um homem que era rico], (cf. Lc 16, 19). O adjetivo reaparecerá outras

duas vezes na mesma perícope (Lc 16, 21. 22).

As conexões remotas mais próximas se dão com a perícope sobre o rico notável

(18, 18-23), seguida do ensinamento sobre o perigo das riquezas (Lc 18, 24-27) e

também com a perícope sobre a recompensa prometida ao desapego (Lc 18, 28-30). O

vocabulário, uma vez mais, é esclarecedor: “Kai. evphrw,thse,n tij auvto.n a;rcwn” [e

certo homem de posição lhe perguntou], (cf. Lc 18, 18a); “...h=n ga.r plou,sioj sfo,dra”

[pois era muito rico], (cf. Lc 18, 23b); “...pw/j dusko,lwj oi` ta. crh,mata e;contej eivj

th.n basilei,an tou/ qeou/ eivsporeu,ontai” [quão dificilmente os que têm riquezas

entrarão no Reino de Deus!], (cf. Lc 18, 24b); “Ei=pen de. o` Pe,troj\ ivdou. h`mei/j

avfe,ntej ta. i;dia hvkolouqh,same,n soi” [Disse, então, Pedro: “Eis que nós deixamos

tudo e te seguimos!], (cf. Lc 18, 28).

As três perícopes citadas, tendo como tema a riqueza e o desapego, fazem a

conexão com Lc 19, 1-10.

Também há conexões quando o tema é a missão de Jesus de acolher e salvar os

que estavam perdidos (os pecadores). As parábolas dos perdidos no capítulo 15: a

ovelha perdida (Lc 15, 4-7), a moeda perdida (Lc 8-10) e o filho perdido (15, 11-32), 146 Sugerimos estudo sobre a referida parábola, cf. ROCHA, A. R. Parábola: palavra encenada. Exercício interdisciplinar de leitura da Bíblia a partir de Lucas 16, 19-31. Estudos Bíblicos, Petrópolis, n. 92, p. 71- 82, 2006/4.

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situadas no coração do terceiro Evangelho147, se conectam, segundo algumas opiniões,

tais como de FItzmyer148, a todo um bloco que pode ir até mesmo ao capítulo 19, 27149,

incluindo então, a perícope de Zaqueu (Lc 19, 1-10)

O uso do verbo avpo,llumi [perder] também evidencia a ligação da perícope de

Zaqueu (Lc 19, 1-10) com as perícopes remotas, mas sobretudo, com o capítulo 15,

uma vez que o referido verbo, das nove vezes150 em que aparece no Evangelho, sete

vezes são no bloco 15, 1 – 19, 27 até definir claramente o ministério de Jesus: “h=lqen

ga.r o` ui`o.j tou/ avnqrw,pou zhth/sai kai. sw/sai to. avpolwlo,j” [pois o Filho do Homem

veio para procurar e salvar o que estava perdido]151, (v.10). A partir desse momento

não aparecerá mais.

Conexões remotas podem ser constatadas ainda, ao verificarmos a reação dos

fariseus e doutores da lei, que desde o capítulo 5, murmuram contra Jesus152. Em Lc

5,30 lemos: “kai. evgo,gguzon oi` Farisai/oi kai. oi` grammatei/j” (e murmuravam os

fariseus e os escribas). Observa-se o verbo “goggu,zw” [murmurar], que também

147 Expressão cunhada por Ramaroson, L. Lê coeur du troisième évangile: Lc 15: Bib 60.1979, 248-260), cf. FITZMYER, J. A. El Evangelio según Lucas. Vol. II. Madrid: Cristandad, 1987, p. 648. 148 “Sin embargo, las três parábolas Del capítulo 15 formam parte integrante de uma unidad más amplia, dentro de la narración Del viaje de Jesús a Jerusalén, que comienza em este capítulo y se prolonga hasta el final Del relato; dede luego, hasta Lc 18, 14, fin de la narración especificamente lucana, y probablemente hasta la conclusión Del viaje com la entrada em Jerusalén, es decir, hasta Lc 19, 27”, Cf. FITZMYER, J. A. El Evangelio según Lucas. Vol. III…, p. 648. 149 “T. W. MANSON (The Sayings of Jesus as Recorded in the Gospel according to St. Matthew and St. Luke, 282), denomina el conjunto de esta sección como él Evangelio de los marginados…”, cf. FITZMYER, J. A. El Evangelio según Lucas. Vol. III…, p. 648. 150 Lc 6, 9; 9, 25; 15, 4. 6. 8. 24. 32; 17, 27; 19, 10. 151 Mas é preciso lembrar que a ação de Jesus de acolher e salvar os perdidos (pecadores)s não se iniciou com as parábolas, nem ficou sem reação violenta dos fariseus e doutores da lei. Neste sentido, é preciso perceber que sua missão de libertar já se coloca no início de seu ministério (cf. Lc 4, 18-19) e segue por todo o Evangelho, enfatizando-se sempre o perdão dos pecados, como por exemplo, Lc 5, 20b: “a;nqrwpe( avfe,wntai, soi ai` amarti,ai sou” [Homem, perdoados estão teus pecados]. 152 Refeição na casa de Levi com os pecadores (Lc 5, 29-32).

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aparece em Lc 19, 7a, acrescido da preposição dia,: “kai. ivdo,ntej pa,ntej diego,gguzon

le,gontej” [e vendo isso, todos murmuravam dizendo]153.

Por fim, vale ressaltar a conexão com a segunda parte da obra lucana, isto é,

com o livro dos Atos dos Apóstolos. Neste sentido, pode-se afirmar que, se o

Evangelho segundo Lucas apresenta os ensinamentos sobre o Reino de Deus, que já

acontece na ação de Jesus, e, entre estes ensinamentos, sobressai a renúncia aos bens

materiais, nos atos dos Apóstolos se encontra a concretização na vida das comunidades

deste mesmo Reino, inclusive no que diz respeito à renúncia aos bens materiais.

As atitudes dos primeiros cristãos comprovam que a proposta de renúncia aos

bens materiais, de desapego ao dinheiro tornou-se realidade em suas vidas. No capítulo

2, perícope sobre o modo da primeira comunidade cristã viver a fé, se lê: “pa,ntej de. oi`

pisteu,ontej h=san evpi. to. auvto. kai. ei=con a[panta koina” [todos os que tinham

abraçado a fé reuniam-se e colocavam tudo em comum], (cf. At 2, 44). E também:

“kai. ouvde. ei-j ti tw/n u`parco,ntwn auvtw/| e;legen i;dion ei=nai avllV h=n auvtoi/j a[panta

koina,” [e ninguém dizia que o que possuía era exclusivamente seu, mas todas as

coisas lhes eram comuns], (At 4, 32b).

Como que insistindo no modo de viver da primeira comunidade, uma nova

perícope (At 4, 32-37), expõe de modo inequívoco, a renúncia, a generosidade,

inclusive no que diz respeito ao dinheiro. Parece-me oportuno expor integralmente a

referida perícope, com a respectiva tradução:

“32Tou/ de. plh,qouj tw/n pisteusa,ntwn h=n kardi,a kai. yuch. mi,a( kai. ouvde. ei-j

ti tw/n u`parco,ntwn auvtw/| e;legen i;dion ei=nai avllV h=n auvtoi/j a[panta koina,Å 33kai.

153 Apesar de o texto de Lc 19, 7a se referir a “pa,ntej” [todos], e não a “oi Farisai/oi kai. oi` grammatei/j” [os fariseus e os escribas), (cf. Lc 5, 30), é certa a ligação de 5, 30 com 19, 7a, pois a murmuração, em todo o evangelho é própria dos fariseus e escribas.

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duna,mei mega,lh| avpedi,doun to. martu,rion oi` avpo,stoloi th/j avnasta,sewj tou/ kuri,ou

VIhsou/( ca,rij te mega,lh h=n evpi. pa,ntaj auvtou,jÅ 34ouvde. ga.r evndeh,j tij h=n evn auvtoi/j\

o[soi ga.r kth,torej cwri,wn h' oivkiw/n u`ph/rcon( pwlou/ntej e;feron ta.j tima.j tw/n

pipraskome,nwn 35kai. evti,qoun para. tou.j po,daj tw/n avposto,lwn( diedi,deto de. e`ka,stw|

kaqo,ti a;n tij crei,an ei=cenÅ 36VIwsh.f de. o` evpiklhqei.j Barnaba/j avpo. tw/n avposto,lwn(

o[ evstin meqermhneuo,menon ui`o.j paraklh,sewj( Leui,thj( Ku,prioj tw/| ge,nei(

37u`pa,rcontoj auvtw/| avgrou/ pwlh,saj h;negken to. crh/ma kai. e;qhken pro.j tou.j po,daj

tw/n avposto,lwn” [32Grande número dos que haviam crido era um só coração e uma só

alma, e ninguém dizia que o que possuía era exclusivamente seu, mas todas as coisas

lhes eram comuns. 33E com grande poder, os apóstolos davam o testemunho da

ressurreição do Senhor, e graça em todos eles era abundante. 34Não havia entre eles

necessitado algum. De fato, os que possuíam campos ou casas, vendendo-os, traziam

os valores das vendas 35e os depositava aos pés dos apóstolos. E repartia-se a cada

um, segundo a necessidade. 36José, cognominado pelos apóstolos, Barnabé, que quer

dizer “filho da consolação”, era levita originário de Chipre. 37Possuindo um campo,

vendeu-o e trouxe o valor, depositando-o aos pés dos apóstolos], (At 4, 32-37).

É oportuno ressaltar aqui o comentário de Schökel ao referido texto: “É

coerente com a atitude de Lucas evangelista com respeito a riquezas e bens (Lc 6, 24;

9, 3; 10, 4; 12, 16-21; 16, 19-31). Segue o exemplo de Jesus, vivido também pelos

discípulos” 154.

Podemos, assim, constatar a conexão temática entre Evangelho segundo Lucas e

Atos dos Apóstolos155, inclusive no que diz respeito a riquezas e bens, aos quais

154 Cf. BÍBLIA DO PEREGRINO, Ad (At 4, 32-35), nota. 155 “Lucas nos diz que no evangelho ele quis tratar de “tudo o que Jesus fez e ensinou, desde o começo até o dia em que ..... foi elevado” (At 1, 1-2). Pode-se, pois esperar que ele no “segundo livro” vá nos falar do que se

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Zaqueu foi capaz de renunciar, colaborando assim com o processo de salvação que

acontece em sua casa.

Concluindo, a perícope de Lucas 19, 1-10, ao apresentar Zaqueu que renuncia a

metade de seus bens em favor dos pobres e restitui o quádruplo a quem defraudou (cf.

Lc 19, 8), está em relação com todo o conjunto da obra lucana, que ressalta a

necessidade da renúncia, como atitude fundamental, da parte humana, para a salvação

acontecer.

1. 2. Contexto literário próximo

Sobre o contexto próximo156, apresentamos a perícope imediatamente anterior

(Lc 18, 35-43), que se refere ao cego curado por Jesus na entrada de Jericó. Há várias

referências na perícope que atestam o vínculo com o texto da dissertação (Lc 19, 1-

10).

A história narrada em Lc 18, 35-43, apresenta Jesus chegando a Jericó:

“VEge,neto de. evn tw/| evggi,zein auvto.n eivj VIericw.”, [e aconteceu que, chegando ele perto

de Jericó] enquanto que em Lc 19, 1, Jesus já entrou e está passando por Jericó: “Kai.

eivselqw.n dih,rceto th.n VIericw,”, [E, tendo entrado em Jericó, atravessava-a]. O

vínculo se dá pela evidente seqüência da caminhada157.

passou depois, precisamente dos Atos dos apóstolos escolhidos e instruídos por Jesus...”, cf. VV.AA. In Cadernos Bíblicos: uma leitura dos Atos dos Apóstolos.. São Paulo: Paulinas, 1983, p. 17. 156 “Também chamado contexto imediato. Trata-se da articulação da perícope que estudamos com a que imediatamente a precede e com a que imediatamente a segue”, Cf. SILVA, C. M. D. da. Metodologia de exegese bíblica..., p. 275. 157 Não pretendo discutir neste trabalho se a caminhada, assim como a subida a Jerusalém, se trata de caminhada geográfica ou teológica.

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Os vínculos entre as perícopes sobre Zaqueu e o cego podem também ser

constatados por três antíteses:

a) Zaqueu que procura ver quem é Jesus (3a) e o cego (tuflo,j) que,

obviamente não pode ver Jesus, ou, representa aqueles que não querem ver Jesus.

b) Pela multidão que, para Zaqueu, dificulta ver quem é Jesus (Lc 19, 3b), mas

que para o cego, é o “sinal” que o leva a perguntar o que era aquilo “evpunqa,neto ti, ei;h

tou/to”, (cf. Lc 18, 36). Interessante que, Zaqueu procura uma pessoa e o cego pergunta

por uma coisa “tou/to”, [aquilo]!

c) Por todas as pessoas presentes (adjetivo pa,ntej), que no caso de Zaqueu,

murmuravam (7a), e no caso do cego, dava louvores a Deus (cf. 18, 43).

O vínculo também pode ser constatado pelo tema da salvação. Na perícope de

Zaqueu Jesus diz: “o[ti sh,meron swthri,a tw/| oi;kw| tou,tw evge,neto” [hoje acontece a

salvação nesta casa], ( 9b), e para o cego: “...avna,bleyon\ h` pi,stij sou se,swke,n seÅ”

[Vê de novo; a fé tua te salvou], (Lc 18, 42b).

A relação da perícope de Zaqueu (Lc 19, 1-10), com a que a precede (Lc 18, 35-

43), como se constata, é de continuidade.

Quanto à perícope que segue imediatamente à de Zaqueu, a saber, a parábola

das minas (Lc 19, 11-28)158, constatamos a princípio, mudança de assunto, uma vez

que se passa da narrativa do encontro entre Jesus e Zaqueu para uma parábola,

conforme se vê na delimitação do texto. Não obstante, o vínculo acontece pelo fato de

158 Também chamada de parábola das moedas de ouro, que, na verdade, significa o dinheiro entregue aos empregados. Em Atenas, uma mina equivalia a cem dracmas, na Palestina a cinqüenta siclos de prata; uma quantidade moderada que contrasta com a enormidade da recompensa. Cf. BÍBLIA DO PEREGRINO, Ad (19, 13), nota.

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tratar de dinheiro. As minas significam dinheiro159: “de,ka mna/j” (dez minas) = mil

denários (Cf. Lc 19, 13).

Em Lc 19,11a, se lê: “Akouo,ntwn de. auvtw/n tau/ta...” [ouvindo eles estas

coisas], e também: “...dia. to. evggu.j ei=nai VIerousalh.m auvto.n” [como estava próximo

de Jerusalém” (Lc 19, 11c). Expressões que sucedem imediatamente a conclusão da

história de Zaqueu e expressam a ligação160.

Se, por um lado há dados que caracterizam uma nova perícope, por outro há

elementos que interligam as perícopes.

Há também uma “continuidade geográfica”161, pois na perícope anterior à de

Zaqueu, Jesus se aproximava de Jericó (cf. 18, 35), na perícope de Zaqueu, Jesus

atravessava Jericó (Lc 19, 1), no início da perícope sobre as parábolas das minas, Jesus

estava perto de Jerusalém (Lc 19, 11) e no fim da mesma perícope, uma “litúrgica”

conclusão, a qual, confirma mais uma vez a “seqüência geográfica”: “Kai. eivpw.n

tau/ta evporeu,eto e;mprosqen avnabai,nwn eivj ~Ieroso,luma” [e, tendo dito isto, caminhava

à frente, subindo em direção a Jerusalém], (Lc 19, 28).

Além da questão do uso do dinheiro e da “seqüência geográfica”, percebemos o

tema da salvação, que também relaciona as perícopes, pois assim como a salvação

entra na casa de Zaqueu, que em sua vida soube renunciar ao mau uso do dinheiro, a

159 Sabe-se que uma das problemáticas da comunidade é a questão do dinheiro, problemática esta, expressa inúmeras vezes, inclusive na perícope de Zaqueu, um arquicobrador de impostos e rico, ou, noutras palavras, possuidor de muito dinheiro. 160 Entretanto, é preciso dizer, há uma aparente contradição, pois em Lc 19, 5-6 se lê que Jesus deseja hospedar em casa de Zaqueu, e que este desce e o recebe alegremente, o que contradiz com a narração de Lc 19, 11: “Como a multidão o escutasse, acrescentou uma parábola, pois estavam perto de Jerusalém...”. A esse respeito é preciso citar a opinião de Richard, que defende a importância de ler Lc 19, 11-27 em continuação a Lc 18, 31-34, sendo que os encontros libertadores do cego e de Zaqueu, um no caminho e outro em casa, expressariam justamente o significado de caminho e casa no Evangelho segundo Lucas, isto é, duas realidades paradigmáticas. De qualquer modo, a inclusão desses dois episódios, reforçariam a mensagem do bloco em questão: a necessidade de se libertar do mau uso do dinheiro. 161 Considerando a literalidade do texto. Não é interesse, neste ponto, discutir o sentido ou a coerência das citações geográficas feita por Lucas.

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parábola das minas (Lc 19, 11-28), apresenta como os discípulos ou a comunidade,

devem estar vigilantes contra o perigo de uma vida dissoluta162, inclusive no que se

refere ao uso do dinheiro, para não serem pegos de surpresa a qualquer momento.

O tema da salvação na perícope, a ser concedida ou não pelo rei quando voltar,

é interpretada de modo singular por Augustin George:

No limiar da terceira parte do evangelho, esta parábola e a cena seguinte proclamam o

acontecimento da páscoa como, no início da missão, o episódio de Nazaré (4, 16-30)

prefigurava a salvação oferecida por Jesus e recusada por Israel163.

Por se referir à possibilidade ou não da salvação, a parábola das minas nos

remete aos assuntos desenvolvidos nas perícopes anteriores porque deixa entrever a

necessidade de administrar bem as coisas de Deus para receber mais dons, por que não

dizer, o maior deles: a salvação164.

Jesus veio salvar a todos, e de modo especial os pecadores, mas cabe aos

mesmos uma decisão em favor da pessoa de Jesus, de seu projeto. Cabe a conversão

para a participação no reino.

A parábola sobre as minas reforça a idéia de adesão aos ensinamentos do

homem de nobre origem, para a participação na vida divina, isto é, para a salvação.

162 Interpretação que se encontra na terceira versão desta perícope, a saber, no Evangelho aos Nazareus, apócrifo. Evangelho em aramaico, do qual só se conhecem alguns textos e deve ter surgido na primeira metade do século 2. A primeira versão seria Mt 25, 14-30 e a segunda, o texto de Lucas citado acima (10, 11-27). Cf. JEREMIAS, J. As parábolas de Jesus. São Paulo: Paulinas, 1980. 163 GEORGE, A. Cadernos Bíblicos: leitura do Evangelho segundo Lucas..,, p. 40. 164O referido pensamento combina com a mensagem da perícope: se os servos que se ocuparam devidamente com as tarefas determinadas pelo homem que saiu para ser nomeado rei, participam do governo no reino celeste, se não o fizeram e, pior ainda, resistiram à missão do rei, serão condenados e executados. Também é oportuno esclarecer que o pensamento acima, de modo algum, cai em algum pelagianismo164, ou, noutras palavras, em conquista por mérito apenas, uma vez que o ponto de partida na referida passagem bíblica já é dom, graça: “kale,saj de. de,ka dou,louj eautou/ e;dwken auvtoi/j de,ka mna/j...” [chamando dez de servos seus, deu-lhes dez minas...” (19, 13a). A gratuidade divina na concessão de dons pode ser notada pelo verbo e;dwken, di,dwmi, dar (cf. Lc 19, 13).

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Conformando-nos às constatações acima, concluímos que a perícope de Zaqueu

está bem inserida no contexto do Evangelho segundo Lucas, uma vez que está

relacionada com as passagens imediatas.

2. O contexto histórico

Conforme observa Lohse, “O Evangelho foi proclamado em um determinado

lugar e tempo da história”165, porém, mais do que isso, é preciso notar que em nossos

dias a consideração do contexto histórico se exige porque os textos bíblicos estão

separados por quase dois milênios de nossa geração166 e foram concebidos com

determinada mentalidade e expressos mediante uma linguagem muito diferente da

nossa167.

Sabemos que a mensagem cristã não ficou restrita ao ambiente judaico, mas

irradiou-se, muito cedo, para além das fronteiras da Palestina, entrando em contato

com o ambiente helenístico-romano. Tal constatação exige que façamos uma breve

reflexão sobre o contexto histórico que marca o desenvolvimento do judaísmo, para

então, compreender as raízes da fé cristã e o ambiente cultural helenístico-romano,

considerando-se, porém, que não há uma nítida separação dos dois ambientes, como

propõe Eduard Lhose168. De fato, Jesus Cristo e a Igreja entraram de modos diversos

165 LOHSE, E. Contexto e ambiente do Novo Testamento. São Paulo: Paulinas, 2000, p. 6. 166 Podemos afirmar que não sintetizar bem o contexto histórico compromete seriamente a mensagem pretendida pelo autor bíblico. Ao contrário, expor a realidade histórica de um escrito, nos ajuda a aproximar mais fielmente da genuína mensagem que o autor quis transmitir. Por isso, essa tarefa é de fundamental importância. 167 Cf. MARCONCINI, B. Os Evangelhos sinóticos; formação, redação, teologia. São Paulo: Paulinas, 2001, p. 3. 168 LOHSE, E. Contexto e ambiente do Novo Testamento..., p. 6.

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em contato não somente com o judaísmo, mas também com o helenismo e o Império

Romano169.

Conforme algumas teses modernas, o Evangelho segundo Lucas é uma

proclamação em forma de relato e com terminologias normalmente usada pelos

literatos e historiadores helenistas. Noutras palavras, ele formula a proclamação cristã

em termos de história de salvação, como declara que Fitzmyer170.

A obra lucana tem uma perspectiva histórica171 e percebemos isso por causa do

uso, no início do Evangelho, do termo dih,ghsin, dih,ghsi,j [relato, narração], (Lc 1, 1),

diferentemente de Marcos, que usa o termo euvaggeli,ou, euvagge,lion [Boa Notícia], (Mc

1, 1). Fitzmayer considera a não utilização do termo de Marcos como sendo uma

indicação de que Lucas quer suscitar a atenção do leitor para captar as implicações

históricas da narração172.

Quando se fala de contexto histórico do NT é preciso pensar numa realidade

muito variada e complexa, pois no próprio NT há evidências desta complexidade

histórica173.

Os horizontes do longo itinerário histórico vão se alargando aos poucos,

começando, se é que se pode colocar um ponto de partida exato, pelo judaísmo pós-

exílico, passando por toda influência helenística e finalmente pelos desdobramentos e 169 Cf. REICKE, B. I. História do tempo do Novo Testamento: o mundo Bíblico de 500 a. C. até 100 d. C. São Paulo: Paulus, 1996, p. 5. 170 “Hay que reconocer que así es, en realidad”, cf. FITZMYER, J. A. El Evangelio según Lucas. Vol. I…, p. 299. 171 Para melhor esclarecimento da questão do valor histórico dos escritos atribuídos a Lucas e da sua perspectiva histórica, pode-se fazer uso de ampla exposição de FITZMYER, J. A. El Evangelio según Lucas. Vol. I…, p. 38 – 44 e 286 – 322. 172 “Pues Bien, el hecho es que el evangelista Lucas no utiliza euangelion, sino diégésis; es más, al colocar este último término prácticamente como título de toda su obra, Lucas no solo da a sua relato una dimensión literária, sino que, al mismo tiempo, suscita la atención del lector para que pueda captar las implicaciones historicas de la narración”, cf. FITZMYER, J. A. El Evangelio según Lucas. Vol. I…, p. 290. 173 “O próprio Novo Testamento oferece evidências de que a história das primeiras comunidades cristãs foi um processo complexo e cheio de controvérsias e decisões difíceis”, cf. KOESTER, H. Introdução ao Novo Testamento. Vol. II, prefácio à segunda edição.

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complexidades do Império Romano, o qual, é preciso dizer, também traz em si, a

herança grega.

2. 1. Contexto helenístico

Constamos que desde o tempo de Alexandre Magno174 a Palestina se encontrava

sob domínio Grego e com isso, sob forte influência da cultura helenística. As

comunidades cristãs surgiram, muitas vezes de círculos das sinagogas helenísticas, de

modo que o cristianismo primitivo recebeu forte influência do judaísmo helenístico175.

Mas também podemos considerar que desde o exílio babilônico, quando se

costuma situar o início da história do judaísmo, a Palestina sempre foi dominada pelos

grandes impérios que sucessivamente dominaram o Oriente Próximo, sobretudo em

termos políticos. Enumeram-se os impérios Babilônico, Persa, Egípcio, Grego e

Romano.

Adotando políticas e táticas diferentes, as primeiras nações dominadoras não

conseguiram transformar significativamente a realidade judaica. Porém, com a

chegada dos gregos a influência foi inevitável176, pois difundiram fortemente a sua

cultura177 por todo o Oriente Próximo, alterando assim, as atitudes e, inclusive, muitos

comportamentos religiosos.

174 Preferimos não referir ao período que vai desde o pós-exílico até a chegada de Alexandre, O grande, que alterou consideravelmente o quadro geo-político do mundo então conhecido. 175 Constata-se a referida influência, considerando, sobretudo, que a tradição sobre Jesus de Nazaré não foi escrita em palavras aramaicas, mas gregas. 176 A influência foi de tal forma que ainda no tempo de Jesus e das primeiras comunidades cristãs os efeitos da dominação podiam ser nitidamente reconhecidos. 177 Para aprofundar a compreensão do mundo, da cultura helênica até a Conquista Romana, veja AUSTIN, M. M., (ed.). The Hellenistic World from Alexander to the Roman Conquest: a Selection of Ancient Sources in translation (Cambridge e New York: Cambridge University Press, 1981), ou ainda: WALBANK, F. W. The Hellenistic World (Cambridge, MA: Harvard University Press, 1982).

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Muitas eram as formas de imprimir a cultura grega. Sabemos, em primeiro

lugar, da expansão da língua grega, educação e cultura gregas iniciada com a

consolidação do domínio político macedônico e grego sobre as nações do antigo

Império Persa, fenômeno este, definido como intensificação do processo de

“helenização”178.

Houve uma forte influência em termos de ideologia política e promoção do

culto ao imperador na Síria, assim como no Egito, os reis helenísticos se consideram

legítimos sucessores dos faraós e dos Aquemênidas179, cujos territórios haviam

conquistado. Neste sentido, o ensinamento dos filósofos foi de considerável

importância, pois exaltavam o rei como sendo homem sábio, de carisma e educação

que os qualificavam para o trono180.

Nos impérios helenísticos, outro elemento importante das políticas

administrativas e econômicas era a cobrança de impostos. Eram cobrados somente dos

habitantes urbanos que não tinham direitos de cidadania plena, mas os cidadãos, além

do pagamento regular dos impostos, podiam ser convocados a dar contribuições em

circunstâncias excepcionais.

178 Cf. KOESTER, H. Introdução ao Novo Testamento. Vol. I. São Paulo: Paulus, 2005, p. 44. 179 Aquemênida, governou a Pérsia em seu primeiro período monárquico independente. Sua linhagem remonta ao rei Aquêmenes da Pérsia, na verdade, um governante tributário ao reino da Média no século VII a.C..Os Aquemênidas viram seu apogeu sob o governo de Ciro II da Pérsia, bisneto de Aquêmenes, quando este subjugou a Média e todas as outras tribos arianas da área do atual Irã, e conquistou a Lídia, a Síria, a Babilônia, a Palestina, a Armênia e o Turquestão, fundando o Império Persa. As conquistas foram levadas adiante por seu filho Cambisses II, que conquistou o Egito, e Dario I, que expandiu o poderio persa pela Europa, conquistando a Trácia e consolidando seu poder na Anatólia. Neste primeiro período, os governantes Aquemênidas caracterizaram sua administração pela tolerância com as diferentes culturas e religiões dos povos conquistados, gerando uma lealdade sem precedentes entre seus súditos. Após a tentativa frustrada de Dario de conquistar a Grécia, o império aquemênida começou a declinar. Décadas de golpes, revoltas e assassinatos enfraqueceram o poder dos aquemênidas. Em 333 a.C., os persas já não tinham mais força para suportar a avalanche de ataques de Alexandre, o Grande, e em 330 a.C., o último rei Aquemênida, Dario III, foi assassinado por seu sátrapa Bessus, e o primeiro Império Persa caiu em mãos dos gregos e macedônios. Cf. Wikipédia, a enciclopédia livre. Disponível em: http://wikimediafoudation.org/. Acesso em 05 setembro 2006, 11:45:38. 180 Em geral, na folosofia clássica, o sábio dava evidências de ser plenamente virtuoso pelas ações praticadas no mundo e na sociedade, por sua fortaleza nas batalhas, por sua prudência nas decisões políticas e por sua temperança nas relações com os outros.

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O sistema de cobrança dos impostos foi sendo aperfeiçoado, de tal forma que o

Egito, por exemplo, contava com uma administração financeira central que os coletava

através do exator, tipo de funcionário público que chegava a ter esta função após ir

pessoalmente a Alexandria todos os anos para submeter seus lances ao rei. Quem

fizesse a maior oferta, em geral recebia a concessão181. Normalmente, pelo caminho a

ser feito, somente pessoas abastadas conseguiam candidatar-se à função. A exação de

impostos foi adotada no sul da Síria, na Ásia Menor e outras regiões.

A colonização grega ampliou os horizontes do pensamento científico,

filosófico, sobretudo porque os reis helenísticos, em geral eram patrocinadores

generosos do saber.

A influência grega se dava em diferentes áreas, pois eles rapidamente se

espalharam e não só se estabeleceram nas cidades existentes, como também fundaram

novas cidades e colônias, de modo que aos poucos, muitos povos do Oriente Próximo,

foram absorvidos pelo helenismo182 e assim, perdendo, até certo ponto, a identidade.

Não demorou muito para que a língua grega fosse imposta como língua comum.

Se por um lado todo o poder político e o êxito nas conquistas e investidas dos

reinos helenísticos desapareceram antes do surgimento do cristianismo, em

conseqüência das investidas de Roma no Ocidente e da Pártia183 no Oriente, por outro,

181 KOESTER, H. Introdução ao Novo Testamento. Vol. I..., p. 56. 182 O termo helenismo designa o período que começou com Alexandre Magno e terminou com a conquista do Oriente pelos romanos, cf. observação de KOESTER, H. Introdução ao Novo Testamento. Vol. I..., p. 44. 183 “A Pártia, também conhecida como Império Arsácida, foi a potência dominante no Planalto Iraniano a partir do século III a.C., e controlou a Mesopotâmia de maneira intermitente entre c. 190 a.C. e 224 d.C. A Pártia era o arquiinimigo do Império Romano, ao limitar a expansão deste ao leste além da Capadócia (Anatólia central). O Império Parto (ou Parta) foi o mais duradouro dos impérios do antigo Oriente Médio. Nômades partos, de origem iraniana, instalaram-se no Planalto Iraniano e estabeleceram um pequeno reino independente. Sob a liderança do Rei Mitrídates, o Grande (171-138 a.C.), o reino parto tornou-se dominante na região, submetendo a Média, a Mesopotâmia e a Assíria. O Império Parto ocupava todo o território do atual Irã, bem como os modernos Iraque, Azerbaijão, Armênia, Geórgia, o leste da Turquia, o leste da Síria, Turcomenistão, Afeganistão, Tadjiquistão, Paquistão, Kuwait e a costa do Golfo Pérsico de Arábia Saudita, Bareine e Emirados

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o impacto cultural e religioso do helenismo, alcançado mediante profunda atuação nos

diversos meios sociais, permaneceu visível e influente por muitos séculos.

Apesar do impacto da cultura grega, os judeus souberam adaptar-se às novas

circunstâncias provocadas pelo helenismo, e assimilaram, por exemplo, o costume

grego de desenvolver o pensamento em forma de diálogo didático. Fizeram isso,

principalmente na discussão e estudo da Torá que os instruía para o fato de Israel ter

sido eleito como o povo de Deus em meio a todos os povos. Desta forma, não

obstante toda a influência do helenismo, a comunidade judaica orientada pela Torá,

transmitida pelos pais e antepassados conservou a fé segundo a instrução de Moisés.

A reação dos fiéis, diante de atitudes como as do arquiinimigo dos judeus,

Antíoco IV Epífanes, deu-se, sobretudo, pela resistência e fidelidade à fé dos

antepassados. O livro de Daniel é expressão da perseguição que sofreram e também da

resistência que empreenderam.

O grande reino conquistado por Alexandre Magno, fragmentou-se rapidamente

após sua morte precose, no entanto, a influência da língua e dos costumes gregos, se

manteve fortemente, inclusive no período dominado pelo Império Romano. Já nos

primórdios do reino helenístico, mesmo com todas as divisões acarretadas pelas

batalhas que os sucessores de Alexandre (= diádocos)184 travaram entre si, os reis

conseguiram imprimir nas pessoas os costumes gregos e suas formas de conduta.

Deste modo, os gregos em geral passaram não só a influenciar de forma significativa

várias partes do mundo então conhecido e dominado, mas também constituíam

Árabes Unidos. O império chegou ao fim em 224 d.C., quando o último rei parto foi derrotado por um de seus vassalos, Ardacher dos persas, da dinastia sassânida”. Cf. Wikipédia, a enciclopédia livre. Disponível em: http://wikimediafoudation.org/. Acesso em 29 agosto 2006, 20:56:12. 184 Veja WALBANK, F. W., AUSTIN, A. E., FREDERIKSEN, M. W., e OGILVIE, R. M. (eds.) The Hellenistic World (CambAncHist 7/1; 2ed. Cambridge: Cambridge University Press, 1984).

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praticamente a classe dominante e ocupavam todas as posições importantes na

administração.

2. 1. 1. Contexto helenístico-romano

No Evangelho segundo Lucas, encontramos várias referências185 à realidade

histórica do mundo greco-romano186. Não obstante os dados bíblicos deixarem

entrever fissuras na informação lucana, é evidente a intenção do autor em realçar que o

nascimento do fundador do cristianismo se dá num determinado momento histórico da

Roma Imperial, e assim, dentro da história romana187. Deste modo, propomo-nos

expor brevemente alguns aspectos do período romano.

Os romanos188, sobretudo a partir do conflito de Cartago189, deram crescente

atenção à Grécia e ao Oriente. Com certa desenvoltura, eles também assimilaram a arte

e a ciência dos gregos, porém, destaque mesmo foi a capacidade de privilegiar e

aumentar seu domínio político.

No séc. I a.C., todo o leste da região mediterrânea, inclusive a Palestina, estava

submetida ao domínio romano. Fator decisivo e ao mesmo tempo surpreendente190, é

que os romanos consideravam um dever, a preservação da herança recebida pelos

185 Lc 2, 1; 2, 2, entre outras. 186 Quando se fala de período romano, não se pode esquecer da ainda visível influência helenística. 187 FITZMYER, J. A. El Evangelio según Lucas. Vol. I…, p. 293. 188 Sobre a relação entre mundo helênico e o Advento de Roma, veja GRUEN, E. S. The Hellenistic World and the Coming of Rome (2 vols.; Berkeley: University of Califórnia Press), 1984. 189 “O conflito de Cartago ficou conhecido como a Primeira Guerra Púnica, travada entre 264 e 241 a.C. Opôs as duas maiores potências da região do Mediterrâneo da época: Cartago e Republica Romana. Foi a primeira de três guerras entre os dois povos, todas vencidas pelos romanos. Resultou no nascimento oficial da marinha romana, que no futuro proporcionou a expansão do Império Romano”. Wikipédia, a enciclopédia livre. Disponível em: http://wikimediafoudation.org/. Acesso em 18 agosto 2006, 11:08:28. 190 Apesar de encontrarmos várias explicações para isso.

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gregos191, de forma que o impacto cultural grego continuou a se dar de forma

significativa no período romano.

Um aspecto do poder romano que desencadeou muita instabilidade e sofrimento

tanto a judeus como às comunidades cristãs foi o poder dos Césares, que eram nítida

expressão da tirania imperial. Houve períodos de grandes reviravoltas. Muitas foram

as atitudes de desmando, tirania. Entre tantas outras podemos falar da audaciosa

entrada do pagão Pompeu no Templo em Jerusalém; do assassinato de César (44 a.C.),

momento marcado por convulsões que sacudiram o império, e de outros inúmeros

assassinatos; e as maquinações, como as de Herodes192, o Grande que sob a menor

suspeita, mandava matar193. Marcante também foi a perseguição aos cristãos a partir da

metade do século I.

A política cultural do imperador e as atitudes do procurador no campo

financeiro, como era de se prever pela sua função, somada aos desmandos e

brutalidades, causaram um crescente aumento do ódio dos judeus.

Momentos decisivos e marcantes aconteceram a partir de 69 d.C., quando

Vespasiano foi proclamado imperador por seus soldados. Viajou para Roma e entregou

a continuação da guerra a seu filho Tito que, durante a Páscoa do ano 70 d.C. cercou

Jerusalém. Os judeus, ainda que corajosos, não podiam vencer o poder bélico dos

romanos194. Em questão de dias, os romanos romperam as muralhas, o Templo ardeu

191 Cf. sintetiza LOHSE, E. Contexto e ambiente do Novo Testamento..., p. 46: “Eles – os romanos - consideravam a preservação da herança recebida como seu dever, fortalecendo-a e difundido-a, como cultura e civilização helenístico-romana, através da construção e manutenção de seu poderoso império”. 192 Sobre este rei, quem mais nos deixou informações sobre ele foi o historiador Flávio Josefo. Vale a pena reproduzir uma delas: “O regimento passou para o lado de Herodes, filho de Antípater, que descendia de uma casa plebéia e de uma família ordinária”, FLÁVIO JOSEFO. Antiguidades XVI, 491. 193 Sua “Síndrome de traição” era tão forte que mandou matar a própria esposa e três de seus filhos, suspeitando que eram traidores. 194 No Evangelho segundo Lucas, fala-se dessa dramática situação (Lc 19, 43ss; 21,20).

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em chamas. Cidade e Templo estavam destruídos! E assim, o judaísmo estava sem o

centro visível.

Não obstante o fim do segundo templo e conseqüentemente do culto sacrificial,

a adoração do Deus de Israel, continuaria nas sinagogas.

O poder e a tirania da maioria dos Césares acabaram por significar, após vários

incidentes, um golpe terrível à comunidade judaica, além, é claro, de causar vários

distúrbios amplamente conhecidos na história em geral.

Outra realidade que marcou o contexto dos escritos do NT, e assim, também de

Lucas, foi o culto aos Césares. Para judeus e cristãos, o culto ao imperador era uma

realidade complexa e espinhosa. Por vários motivos, a ideologia segundo a qual, na

pessoa do rei, a divindade revelava-se aos homens, era de difícil aceitação. Contudo, o

culto ao imperador, era cada vez mais difundido no Império Romano e servia

principalmente para fins políticos, pois, significava em primeiro lugar um sinal de

submissão política, expressa em formas cultuais.

Os comportamentos e as honras, freqüentemente atribuídas aos reis ou

reivindicadas por eles, causaram grandes embates com o judaísmo e mais tarde com o

cristianismo. Entre outras honras, podemos citar a atribuição de filiação divina195 dos

Césares196, o adicionamento do título Augusto197 aos seus nomes, e a elevação dos

mesmos ao cargo sacerdotal de “pontifex maximus”. Neste sentido, Octaviano foi um

caso típico. Do senado, recebeu o título de filiação divina, dele mesmo o de Augusto e,

195 Cunhava-se muitas moedas de ouro com a cabeça coroada de Augusto com a inscrição AUGUSTO DIVI F[ILIUS]= Augusto Filho do Divinizado (César). Foi uma moeda dessas pode ter sido apresentada a Jesus quando lhe perguntaram se era justo pagar tributo a César. Cf. KOESTER, H. Introdução ao Novo Testamento. Vol. II..., p. 87. 196 Otaviano, por exemplo, viu seu poder crescer enormemente, quando o Senado elevou seu pai adotivo, César, entre os deuses. A partir daí, Otaviano passou a se chamar filho do divino César, Imperator Caesar Divi filius. 197 Augusto, isto é, o venerável. Destacava-se, com isso, a dignidade única da posição do imperador, pois essa denominação, até o momento, era usada somente como cognome dos deuses.

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por meio de uma votação popular, no ano 2 a.C., o cargo sacerdotal de “pontifex

maximus”. O Senado ainda lhe acrescentou o título de “pater patriae”.

Domiciano, sem o menor escrúpulo exigia cumprimento de suas ordens por se

tratar de palavras e ordens divinas. Assim introduzia seus ofícios: “Nosso Senhor e

Deus ordena que se faça o seguinte”198.

Concluindo, o modo tirânico dos romanos de governar e a manipulação

ideológica através do culto ao imperador, tornou inevitável o aparecimento de novos e

freqüentes conflitos, perseguições e muito sofrimento tanto para judeus como para a

Igreja nascente, de modo que o NT esta visivelmente marcado por estas realidades.

2. 2. O contexto social e econômico Em todo extenso território do Império Romano, a cultura helenístico-romana

desenvolvia-se sem obstáculos, mas por ser um Estado predominantemente

cosmopolita, eram nas cidades, onde se concentrava o comércio e o trânsito e,

conseqüentemente a aquisição de riquezas.

Mas ao lado de desenvolvimento e riquezas de uns poucos havia uma realidade

constrastante, pois no Império Romano vigorava o sistema escravagista, com algumas

características como a concentração fundiária nas mãos de uns poucos senhores,

geralmente políticos, a urbanização e a produção mercantil199.

198 Suetônio, Domiciano, 13, cf. LOHSE, E. Contexto e ambiente...., p. 209. 199 Cf. REIMER, I. R. Lucas 16, 1-8: Um elogio à prudência econômica transgressora. Estudos Bíblicos, Petrópolis, n. 92, p. 61, 2006/4.

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2. 2. 1. O saber e a ciência

Em termos do saber e da ciência, houve pouca ou nenhuma criatividade, de

forma que podemos constatar uma decadência no período romano. Prevaleciam mais

os relatos de anedotas, lendas do que propriamente pesquisa e criatividade científica.

2. 2. 2. As cidades

As cidades representavam considerável importância para a política e a

economia do Império Romano. A urbanização foi prioridade política de muitos

imperadores. Eles reorganizavam as cidades já existentes, reconstruíam as mais antigas

e fundavam outras. A algumas lhes dava privilégios, socorriam-nas financeiramente

em tempos difíceis, e em alguns casos concedia-lhes o direito de cobrar seus próprios

impostos.

2. 2 .3. Moral, família e escola

A decadência moral alterou significativamente o contexto social dos dois

primeiros séculos de nossa era. O adultério, a permissividade e até mesmo a pederastia

ao estilo grego eram quase comum. Com a crescente riqueza, também o luxo e o

hedonismo contribuíam para uma maior decadência moral dos romanos.

Tão real200 era o problema da decadência moral, que em meio a períodos de

relativa paz imperial e desenvolvimento, o governo de Augusto até disponibilizou

tempo e esforço para tentar combater a decadência moral em Roma201, por exemplo.

200 O que se lê em Rm 1, 18-32, ainda que com certo exagero, expressa, em muitos aspectos, á situação real do mundo helenístico-romano daquela época.

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No que diz respeito á educação dos filhos, o princípio a ser seguido, também

parecia ser a imitação dos gregos. Como não havia escolas públicas, eram as próprias

famílias que deviam preocupar-se com a formação dos seus filhos. Os professores

contratados ensinavam, além de introdução literária, a música e o esporte. E atenção

especial dava-se à formação em retórica. Quanto à disciplina do menino, o escravo,

chamado pedagogo, no sentido de disciplinador202, é que era o responsável.

2. 2. 4. A administração romana

Todas as partes do império estavam subordinadas à administração romana. É

verdade que os romanos davam aos serviços públicos locais uma certa autonomia, o

que não significava falta de controle, pois se intervinha quando necessário203.

Um instrumentomuito útil e eficiente usado pelos romanos para dominar e

explorar os povos de cada região, eram os censos populacionais, como atesta o próprio

Evangelho segundo Lucas (cf. Lc 2, 1)204. Outro testemunho sobre os censos,

encontramos em Josefo205. Questionava-se a cada habitante, basicamente pela sua

proveniência e situação econômica, a fim de estabelecer uma base exata para fins

tributários.

201 “Muitos romanos não se casavam, procurando exclusivamente o prazer, diversos casais não tinham filhos, o divórcio tornara-se costumeiro e o grande número de escravos e escravas representava uma ameaça contínua à moral”, Cf. LOHSE, E. Contexto e ambiente..., p. 192. Ver ainda, as leis adotadas para a proteção da família romana. 202 “w[ste o` no,moj paidagwgo.j h`mw/n ge,gonen eivj Cristo,n( i[na evk pi,stewj dikaiwqw/men\” (Gl 3, 24), texto cf. BÍBLIA SACRA - Utriusque Testamenti..., traduzimos: “De modo que a lei era nosso pedagogo, até que de Cristo recebêssemos pela fé; a justiça”. 203 Muitos testemunhos atestam que os funcionários romanos abusavam de sua posição, enriquecendo-se através da corrupção, o que por vezes rendiam-lhes acusações e conseqüentes processos nos tribunais. 204 “Hoje se considera como data mais provável o nascimento de Jesus e o referido censo, o ano 6/5 a.C.”, Cf. BÍBLIA DO PEREGRINO, ad (2, 1), nota. 205 “Com a deposição do príncipe judeu Arquelau, no ano 6 d. C., e a subordinação da Judéia a um procurador romano, Quirino,o governador romano da Síria, ordenou um censo geral para a Síria e a Palestina (Josefo, Antiguidades judaicas XVII, 335; XVIII, 1-10.26)”, cf. LOHSE, E. Contexto e ambiente..., p. 200.

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Em poucas palavras, o fato é que a administração romana, de diversas formas,

controlava e explorava intensamente as populações do Império.

Ao contrário do saber e da ciência, parece ter havido algumas mudanças

criativas no campo social, sobretudo no que se refere aos escravos e às mulheres.

Quanto aos primeiros, a condição de vida deles foi um tanto quanto aperfeiçoada e

humanizada: o abuso e a execução de escravos sem causa justa passaram a ser crime

passível de punição. Entretanto, como classe social, eram ainda, freqüentemente

desprezados.

Os aspectos acima, ainda que apresentados de forma breve, oferecem um

quadro do contexto social do Império Romano e assim do NT. Reforçam o pensamento

segundo o qual, grandes problemas sociais e econômicos marcavam o florescimento e

o desenvolvimento das comunidades cristãs.

2. 3. Contexto lucano

Sabemos que a obra de Lucas206 teve lugar por volta do 85 d. C207.

206 È bem aceita a opinião de que sua obra completa é composta pelo Evangelho segundo Lucas e Atos dos Apóstolos. Contudo, o exegeta holandês W. C. Van Unnik qualificou a dupla obra lucana como “um dos grandes rede-moinhos da investigação neo-testamentária” (Luke-Acts, a Storm Center in Contemporary Scholarship, em Studies in Luke-Acts, p. 16), cf. FITZMYER, J. A. El Evangelio según Lucas. Vol. I…, p. 21. 207 Antes de 85 d. C, não é possível, uma vez que usa material de Marcos, obra datada entre 65-70, o que é amplamente aceito atualmente. Também as referências à cidade de Jerusalém: “ivdou. avfi,etai u`mi/n o` oi=koj u`mw/n”, [eis que ficará abandonada vossa casa], (Lc 13, 35a); “Kai, tinwn lego,ntwn peri. tou/ ierou/ o[ti li,qoij kaloi/j kai. avnaqh,masin keko,smhtai ei=pen\ tau/ta a] qewrei/te evleu,sontai hme,rai evn ai-j ouvk avfeqh,setai li,qoj evpi. li,qw| o]j ouv kataluqh,setai”, donde traduzimos: [...Chegarão dias em que não ficará pedra sobre pedra que não seja demolida!], (cf. Lc 21, 5-6; também cf. Mc 13,2, e ainda: “{Otan de. i;dhte kukloume,nhn u`po. stratope,dwn VIerousalh,m( to,te gnw/te o[ti h;ggiken h evrh,mwsij auvth/j”, para o que traduzimos: [quando virdes cercada de exércitos Jerusalém, sabei que está próxima a devastação dela], (Lc 21, 20). Essas citações nos remetem a um contexto posterior à destruição de Jerusalém, como é sabido, ocorrida em 70 d.C. Muitos comentaristas estão de acordo em considerar sobretudo a última passagem (Lc 21, 20) como sendo descrição do sítio de Jerusalém. Sendo assim, consideram tal passagem como uma “profecia depois do acontecimento”, na qual se apresenta referências concretas a diversos detalhes da conquista de Jerusalém pelas tropas de Tito (79-81 d.C.). Sobre estas reflexões consultar FITZMYER, J. A. El Evangelio según Lucas. Vol. I…, p. 100-108.

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O próprio autor208, no prólogo do Evangelho, confessa que muitos já tentaram

narrar por escrito os acontecimentos conforme foram transmitidos por testemunhas

oculares209. Assim sendo, ele está dizendo que seu relato depende dos representantes

da primeira geração cristã, concretamente: “oi` avpV avrch/j auvto,ptai”, [os que desde o

princípio, presenciaram - as testemunhas oculares], (Lc 1, 2). Ele também se refere

aos “geno,menoi tou/ lo,gou”[ministros da Palavra], o que indica, possivelmente,

discípulos pertencentes à segunda geração210.

Alguns estudiosos defendem que o “polloi.” (Lc 1, 1), isto é, muitos, refere-se

aos responsáveis pelo início e desenvolvimento da tradição escrita, ou melhor, pessoas

da segunda geração cristã, entre os anos 60-80 d. C.211, o que corrobora com a data

proposta acima para a obra de Lucas. Isso, de antemão, também significa uma

dependência de no mínimo, dos representantes da primeira geração cristã e

possivelmente também de alguns discípulos da segunda geração212.

Entre os que empreenderam a tarefa de compor uma narração dos fatos,

certamente se encontra Marcos, que compôs sua obra entre os anos 65 – 70, conforme

208 Não é nosso objetivo, neste trabalho, discutir se autor é ou não Lucas. Trata-se de um pagão que se tornou cristão, conforme opinião de W. G. KÜMMEL, que a esse propósito disse: “lo único que se puede afirmar com seguridad sobre el autor, a base de los datos que aporta su narración evangélica (Lc), es que se trata de um pagano-cristiano”, cf. FITZMYER, J. A. El Evangelio según Lucas. Vol. I…, p. 87. 209 “evpeidh,per polloi. evpecei,rhsan avnata,xasqai dih,ghsin peri. tw/n peplhroforhme,nwn evn hmi/n pragma,twn”, traduzimos: [Uma vez que muitos se ocuparam em narrar por escrito os acontecimentos que se cumpriram entre nós], (Lc 1, 1). Observa-se que algumas traduções, tais como Bíblia do Peregrino, traduz o termo avnata,xasqai, por contar os fatos. Isso parece impreciso, pois contar pode ser entendido também como contar oralmente. Prefere-se então, seguir o que o termo acima significa: narrar por escrito, redigir, compor ordenadamente. No mais, a tradição nos diz que o autor é Lucas, e assim será, a não ser que se prove o contrário. 210 Cf. FITZMYER, J. A. El Evangelio según Lucas. Vol. I…, p. 101. 211 Cf. RICHARD, P. Estrutura e chaves para uma interpretação global do evangelho. Revista de Interpretação Latino-Americana, Petrópolis, n. 44, p.10, 2003/1. 212 FITZMYER, J. A. El Evangelio según Lucas. Vol. I…, p. 101, que afirma: “Em el prólogo a su narración evangélica, Lucas confiessa abiertamente que su relato depende de los representantes de la primera generación cristiana, concretamente de los ‘testigos oculares’ possiblemente también de algunos discípulos pertenecientes a la segunda generación, es decir, los ‘servidores de la palavra’”.

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também é aceito atualmente. Por conseguinte, a data da composição do Evangelho

segundo Lucas tem que ser posterior.

Outra constatação importante para datar a obra de Lucas e entender seu

contexto é o fato de referir-se com mais insistência à destruição de Jerusalém (cf. Lc

19, 42-44; 21, 20-24). Com bastante convicção, Dodd afirma que o terceiro evangelho

foi escrito depois da queda de Jerusalém213.

Considerando-se que a obra de Lucas teve lugar por volta do 85 d.C, torna-se

mais fácil conhecer o seu contexto.

Quanto ao local da composição, pode ser a cidade de Antioquia214, mas também

há opiniões de que tenha sido na Acaya, ou segundo outros, em Roma ou na Bitínia215,

ou ainda em Èfeso216. Porém mais relevante do que pontuar exatamente em qual

cidade, parece ser afirmar que seu contexto é o de uma grande cidade do mundo

helenístico217, dominada pelo Império Romano e formada por judeus, pagãos e

estrangeiros em geral. Em outras palavras, de comunidades que vivem fora da

Palestina e quase sempre formadas por pessoas procedentes do paganismo e alguns

judeus da Diáspora.

Diante da influência da mentalidade grega, Lucas procura assimilar da melhor

maneira possível, a fé recebida dos apóstolos. Para isso, apresenta a fé através de uma

213 “The third gospel was written, almost com all security, after the fall of Jerusalem”, DODD, C. H. The Fall of Jerusalem and the “abomination of desolation”, en More New Testament Essays, Grand Rapids 1968, p. 69. 214 “Antioquia de Orontes – assim chamada para diferenciá-la das outras quinze cidades que receberam o mesmo nome de um mesmo fundador, Seleuco I Nicator (311-281 a. C.) – era a terceira grande cidade do Imperio romano, superada apenas por Roma e Alexandria”, cf. O´CONNOR, J. M. Paulo: Biografia Crítica. São Paulo: Loyola, 2000, p. 158. 215 Cf. FITZMYER, Joseph. A.. El Evangelio según Lucas. Vol. I…, p. 79. 216 Há ainda tentativas modernas de determinar outros lugares que não passam de meras suposições; por exemplo, Cesárea (H. Klein), Decápole (R. Koh), Ásia Menor (K. Lönning). “Lo único que parece cierto es que no se compuso em Palestina”, cf. Cf. FITZMYER, J. A.. El Evangelio según Lucas. Vol. I…, p. 109. 217 “Por sua língua e seu estilo, por seu modo de escrever e por sua mentalidade, a obra de Lucas pertence ao mundo helenístico”, cf. GEORGE, A. Cadernos Bíblicos: leitura do Evangelho segundo Lucas..., p. 7.

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linguagem visivelmente adaptada218, para assim, atingir os destinatários, isto é, pagãos

cristãos, com certeza, maioria absoluta.

Todos os tópicos acima nos mostram algumas imagens que ilustram o contexto

da comunidade lucana, naturalmente herdeira de todos os revés e acontecimentos dos

últimos anos, e porque não dizer, últimos séculos, uma vez que a cultura helenista,

visivelmente presente viera influenciando a séculos.

Para fazer um resumo do contexto lucano, podemos citar quatro acontecimentos

que, inevitavelmente, influenciaram a vida cristã no final do primeiro século d. C., e

assim, a obra de Lucas, a saber:

a) A perseguição aos cristãos em Roma, a partir do ano 64 d. C. pelo

imperador Nero;

b) Entre os anos 66 e 73 d.C. a Guerra Judaica, marcada por verdadeiros

massacres que causaram o desaparecimentos de vários grupos influentes na vida do

povo, sobretudo judeu;

c) A destruição do Templo e da cidade de Jerusalém por volta do ano 70 d.C.,

o que, aliás, causou a fuga de muitos cristãos para as regiões vizinhas, incluso, com

certeza, a região onde Lucas escreveu sua obra;

d) E, a partir de 85 d.C., a forte perseguição contra grupos considerados

“hereges”, entre eles o grupo dos cristãos que é expulso das sinagogas. Em

contrapartida, não se pode negar que entre os anos 81-92 d.C., primeiros doze anos de

218 É notório como Lucas utiliza o título ku,rioj, isto é, Senhor, título freqüentemente atribuído aos imperadores. Outros exemplos de adaptação: “Os gregos têm dificuldade de admitir a ressurreição; Lucas então insiste na realidade corporal do Ressuscitado e tenta encontrar expressões mais significativas para seus leitores, dizendo, por exemplo, que Jesus ‘está vivo’. Ele apresenta Jesus como ‘salvador’, o que é mais claro para os leitores do que ‘Cristo’ ou ‘Messias’.da mesma forma ele evita dizer que Jesus se ‘transfigurou’ em grego, ‘se metamorfoseou’), porque as metamorfoses de deuses são bem conhecidas nesse meio”. Cf. CUNHA, A. Iniciação à Bíblia: para você estudar o Novo Testamento. Vol. III. São Paulo: Paulinas, 1982, p. 141.

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governo de Domiciano, período no qual muitos exegetas defendem ter sido escrito o

Evangelho segundo Lucas, não há nenhuma constatação de perseguição aos cristãos219,

o que talvez se explica pelo fato de judeus cristãos não representarem um papel de

poder político relevante nesse período, o que para os governantes, significava ausência

de ameaça a autoridade imperial e a romanidade, o que causava, por sua vez, a

indiferença dos mesmos220.

Além dos acontecimentos acima, mais desafiantes foram as constantes guerras

pelo poder e a exploração através de numerosos impostos, que causaram grandes

sofrimentos para a população e, assim, para as comunidades cristãs. Muitas pessoas

contraíam enormes dívidas, perdiam suas terras e acabavam tendo que trabalhar como

meeiras ou arrendatárias, ou até mesmo ficavam sem trabalho.

Vivendo num ambiente de predomínio absoluto da mentalidade e cultura

gregas, a população, principalmente a urbana, tinha que enfrentar a lógica do

comércio, do dinheiro, do lucro e inclusive de comercialização de vidas humanas, caso

típico dos escravos, uma vez que 2/3 da população do Império Romano era de

escravos.

A passagem de Lucas 16, 19-31, sobre o rico e o pobre Lázaro, ilustra bem o

ambiente de competição, ganância e acúmulo de riquezas que criava um verdadeiro

abismo entre ricos e pobres.

É, pois, neste contexto histórico complexo, de dominação romana, de guerras,

perseguições, desmandos, crueldades, de elevadas cargas tributárias que empobrecem

219 Cf. REICKE, B. I. História do tempo do Novo Testamento..., p. 322. 220 A constatação talvez explica a ausência de situações mais conflituosas no Evangelho segundo Lucas, assim como certa proteção e absolvição dos governantes romanos.

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ainda mais a população, e também de idéias gnósticas, de conceitos gregos e pagãos,

que podemos situar o NT e, mais especificamente a obra de Lucas.

Trata-se de um contexto em que os seguidores de Jesus Cristo são chamados a

testemunha-lo nas diversas problemáticas vividas nas comunidades, procurando

encontrar o significado concreto deste testemunho a partir de dois elementos centrais:

o caminho e a mesa221.

2. 3. 1. A influência do gnosticismo

Sabemos que já no final do primeiro século, muitas comunidades cristãs eram

fortemente influenciadas por idéias gnósticas, por isso, ao falar do contexto de

Lucas222, torna-se, ao nosso ver, imprescindível uma referência ao gnosticismo223.

Segundo Fitzmyer224, vários comentaristas modernos relacionam Lucas com o

gnosticismo. Barret (Luke the Historian in Recent Study, p. 62), por exemplo,

contrapõe Lucas e João, sintetizando que o último tem uma visão positiva do

gnosticismo e assim, discute seus erros, enquanto Lucas chega mesmo a ridicularizar

221 “A memória de Emaús (24, 13-33) sintetiza perfeitamente os dois momentos de sua proposta de fé: o caminho do discipulado, como momento de instrução e de avaliação, e a mesa, como momento central de revelação e do conhecimento de quem é Jesus e do seu projeto de vida”, cf. GALLAZZI, S. Eu estou no meio de vocês como aquele que serve à mesa! (Lc 22, 27). Revista de Interpretação Latino-Americana, Petrópolis: n. 44, p. 114, 2003/1. 222 “Varios comentaristas modernos han relacionado la intención de Lucas com el gnosticismo. C. K. Barrett (Luke the Historian in Recent Study, p. 62) contrapone a Lucas con Juan”, cf. FITZMYER, J. A. El Evangelio según Lucas. Vol. I…, p. 33. Tal contraposição tem como objetivo expressar uma visão positiva do gnosticismo por parte de João e a atitude claramente negativa por parte de Lucas. A Lucas se atribui até mesmo uma atitude de ridicularização aos expoentes do gnosticismo. Também alguns exegetas modernos, como R. Reitzenstein e R. Bultmann, rotularam certas frases de Lucas como sendo gnósticas ou como ecos do gnosticismo, contudo nas pesquisas têm surgido interrogações quanto ao florescimento gnóstico já no primeiro século, cf. estudo da questão,também em FITZMYER, J. A. El Evangelio según Lucas. Vol. I.., p. 34. 223 KOESTER, H. In Introdução ao Novo Testamento. Vol. I..., p. 384, observa que o melhor e mais esclarecido tratamento do agnosticismo se encontra em KURT RUDOLPH. Gnosis: The nature and History of na Ancient religion (Edinburg: Clark, 1983). 224 FITZMYER, J. A. El Evangelio según Lucas. Vol. I…, p. 33-34.

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seus expoentes, na figura de Simão Mago (cf. At 8, 9-24). Talbert chegou a afirmar que

Lucas e Atos foi escrito para defender-se do gnosticismo225.

Sendo uma realidade que influenciava de diversas formas o anúncio cristão,

pode-se afirmar que a Igreja primitiva encontrou no gnosticismo, já no primeiro

século, mais um grande desafio. Sabemo-lo, primeiro porque o NT dá testemunho da

existência de um gnosticismo pré-cristão, amplamente difundido. Neste sentido,

Eduardo Lhose defende que, por trás da narração de At 8,9-24, quando se refere a um

certo Simão, mago, que estava impressionado pela capacidade dos cristãos de fazer

sinais e milagres extraordinários, e por isso os seguia, transparece um primeiro conflito

entre a doutrina gnóstica e o querigma cristão226.

Outra grande prova e expressão da problemática que representou o gnosticismo

é encontrada na Epistula Apostolorum227, cujo gênero e conteúdo revelam claramente

sua intenção antignóstica. Com a mesma intenção, pode-se citar ainda a Epístola de

Judas e muitos outros escritos do NT.

Trata-se de um movimento histórico e religioso cristão que floresceu durante os

primeiros séculos e cujas bases filosóficas eram as da antiga Gnose (palavra grega que

significa conhecimento)228, com influências do neoplatonismo229 e dos pitagóricos230.

225 “Luke and Acts were written to defend of the gnostics”, cf. TALBERT, C. Luke and the Gnostics: An Examination of the Lucan Purpose. Nashville, 1966, p. 111. 226 “Por trás da narração oferecida pelos Atos dos Apóstolos, transparece um primeiro conflito entre a doutrina gnóstica e o querigma cristão. Pois a afirmação de ser “o grande poder” não pode ser simplesmente entendida como opinião de um feiticeiro, mas significa, ao contrário, a pretensão de ser o portador da revelação divina”, cf. LOHSE, E. Contexto e ambiente do Novo Testamento..., p. 257-258. 227 “Esse livro é um documento sumamente importante porque responde diretamente ao desafio do gnosticismo”, escreve KOESTER, H. Introdução ao Novo Testamento. Vol. II..., p. 257. 228 “Todavia, não se deve entender aqui um conhecimento como na filosofia grega, adquirido por meio da pesquisa científica e da reflexão crítica. Tampouco se refere ao saber correto, que oferece uma compreensão das conexões do plano divino da história, como na apocalíptica judaica, ou o verdadeiro conhecimento da lei divina, como na comunidade de Qumrâ. Ao contrário, recebe-se o saber através da revelação, que transmite ao homem o conhecimento de Deus”, cf. LOHSE, E. Contexto e ambiente do Novo Testamento..., p. 246. 229 O Neoplatonismo foi uma corrente de pensamento iniciada no século III que se baseava nos ensinamentos de Platão e dos platônicos, mas interpretando-os de formas bastante diversificadas. É uma forma de monismo

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O gnosticismo combinava alguns elementos da Astrologia e mistérios das

religiões gregas, como os mistérios de Elêusis231 com as doutrinas do Cristianismo232.

O aspecto dualista de suas idéias e expressões indicam uma conexão com pensamentos

iranianos. Também se sabe atualmente, que tradições judaicas distintas da ortodoxia

judaica em desenvolvimento naquele tempo deram grande contribuição ao complexo

fenômeno do gnosticismo.

Noutras palavras, sua estrutura básica era formada por pensamentos colhidos de

diversas religiões e correntes espirituais e filosóficas. Neste sentido, Eduard Lhose

afirma que é necessário perguntar como se criou essa estranha formação

caleidoscópica que une idéias iranianas, babilônias, egípcias e judaico-

veterotestamentárias com o pensamento da filsofia grega233.

Mas o que importa dizer, é que os gnósticos cristãos, naturalmente após incluir

os pensamentos cristãos que lhes eram convenientes, apresentaram uma interpretação

do Evangelho, sinalizando o perfeito conhecimento como caminho de salvação.

Segundo eles, o homem não recebe um dom, uma proposta de salvação, ao contrário,

ele é reconduzido à sua natureza original, que nele existe ocultamente. Basta ser

despertado do sono para se conscientizar de sua condição de estrangeiro no mundo.

idealista. Plotino ensinou a existência de um Uno indescritível do qual emanou como uma seqüência de seres menores. 230 A escola Pitagórica recebe o nome do seu fundador, Pitágoras, o qual, junto com os pensadores, tais como Arquitas e Alcméon, manifestam ao mesmo tempo tendências místico-religiosas e tendências científico-racionais. 231 Em tempos imemoriais, uma colônia grega vinda do Egito havia trazido para a tranqüila baía Elêusis o culto da grande Ísis, a deusa egípcia, sob o nome de Deméter ou mãe universal. Desde esse tempo, Elêusis ficou sendo um centro de iniciação. Os Mistérios de Elêusis eram segredos ciosamente guardados, protegidos por sanções, tais como a morte para qualquer pessoa impura que espiasse os ritos sagrados ou o confisco das terras de um iniciado que revelasse os segredos do culto. 232 Pelas características acima, o gnosticismo deve ser considerado como representante de um movimento do mundo helenístico, amplamente ramificado, e não uma formação religiosa dentro da história da igreja antiga. Cf. LOHSE, E. Contexto e ambiente do Novo Testamento..., p. 243. 233 LOHSE, E. Contexto e ambiente do Novo Testamento..., p. 244.

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Ele é que recebe esse conhecimento por meio de um apelo234, que o atinge como

revelação divina. Não importa onde e como vive o homem, de qualquer modo, esse

apelo o alcança através de uma mensagem que provém da esfera divina. A salvação,

em resumo, seria conseqüência apenas de um acaso divino, não importando as ações e

escolhas humanas.

Jesus Cristo, na interpretação gnóstica é o salvador que traz a mensagem divina

aos homens. Ele veio disfarçado de humano para os poderosos não perceber antes do

tempo previsto sua verdadeira identidade, assim, ele não era verdadeiramente homem

e, portanto, não assumiu o sofrimento e a morte. Contudo, para os gnósticos, existem

diversas maneiras do divino transmitir o apelo de salvação, que, aliás, pode ser

imediato, sem nenhuma intermediação.

Por todas as características do pensamento gnóstico, sobretudo por evidenciar a

não pertença do homem a este mundo e à sua necessidade de se afastar dele, e ainda,

pela convicção de que seu verdadeiro eu não pode ser afetado por coisa alguma que

goza neste mundo, conclui-se que há um caminho aberto para a libertinagem e puro

prazer, uma vez que nada do que é mudano pode afetar o eu gnóstico.

Mas para este trabalho, a questão mais importante a ser respondida no capítulo

seguinte, quando da análise do texto de Lc 19,1-10, será sobre a salvação e o caminho

para alcançá-la. Pensando na influência gnóstica, poderíamos perguntar ao Evangelho

segundo Lucas, ou mais precisamente ao referido texto: existe no homem uma

centelha de luz que o levará inevitavelmente de volta à sua existência própria ou a

salvação se dá pelo perdão dos pecados, pelo qual se realiza a nova criação em Cristo?

234 O apelo é de origem celestial e é descrito de maneira viva e concreta no canto das perólas das Atas de Tomè (108-113), cf. LOHSE, E. Contexto e ambiente do Novo Testamento..., p. 249.

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Por pré-estabelecimento puramente divino ou por busca humana e acolhida de Deus?

A gnose traz um dom de salvação substancial, concreto e imperecível independente

dos atos, ou a salvação só nos advém pela fé, unida ao amor e à esperança?

Muitas outras perguntas, tais como qual o propósito da encarnação de Cristo?

Como alcançar a salvação? Como originou a criação? Entre outras, esquentaram por

séculos a temperatura das discussões. Mas concluindo, neste trabalho, vale sintetizar

apenas, que o conflito entre gnosticismo e cristianismo no seio da Igreja primitiva foi

inevitável e influenciou consideravelmente os escritos bíblicos do NT.

2. 3. 2. O dinheiro no contexto de Lucas

A questão do dinheiro, em Lucas, é uma realidade. Representa uma verdadeira

idolatria, algo que impede a pessoa de participar da vida de Deus, isto é, de encontrar a

salvação.

Para Lucas, o dinheiro é questão fundamental porque segundo sua obra, a

salvação não acontece enquanto não se renuncia às estruturas que perpetuam os

mecanismos de injustiça, que aumentam sempre mais o abismo entre pobres e ricos.

Constatamos isso não só na perícope em estudo, mas em vários textos, tanto próximos

quanto remotos235.

Na missão dada aos 12, Jesus deixa claro que não deverão levar, entre outras

coisas, dinheiro (cf. 9, 3). Na reflexão sobre o contexto remoto, observamos que logo

após fazer os dois primeiros anúncios da paixão (Lc 9, 22; 9, 43b-45)), e desde o ínicio

da caminhada para Jerusalém (cf. Lc 9, 51), Jesus já havia colocado na “lista” de

condições para segui-lo, a renúncia, o que inclui a renúncia a todo tipo de bens, 235 Como vimos no contexto literário, capítulo 2, a partir da p. 70.

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inclusive o dinheiro. Do capítulo 9 em diante, a temática se repetirá com freqüência e

de diversas maneiras, seja através da instrução aos discípulos para não entesourar

(12,13-21), abandonar-se à providência (12, 22-32), vender os bens e distribuir aos

pobres (12, 33-34), parábola do administrador infiel (16, 1-8), a questão do bom

emprego do dinheiro (16, 9-13), reprovação da avareza dos fariseus (16, 14-15), o rico

e o pobre Lázaro (16, 19-31), o rico notável (18, 18-23), seja na referência direta sobre

o perigo das riquezas (18, 24-27) e, evidente, na gratuidade da salvação a Zaqueu que

renuncia ao mau uso do dinheiro (19, 1-10).

Muito antes de instruir sobre o perigo da riqueza, a necesidade da renúncia aos

bens e assim, também ao dinheiro, o Evangelho segundo Lucas apresenta-nos um Deus

que escolhe os pobres. É tão evidente essa proposição que Lucas, comumente é

chamado de o Evangelho dos pobres236.

O Evangelho segundo Lucas, como sabemos, apresenta muitas contraposições,

tais como templo-casa, homem-mulher, soberbos-tementes a Deus, poderosos-

humildes237, mas de modo especial, temos a contraposição sobre ricos e pobres. A

passagem sobre as bem aventuranças é um exemplo típico: após as bem-aventuranças,

segue, em contraposição evidente, as maldições para os ricos (cf. Lc 6, 20-26). Essas

236 Poderíamos citar uma lista de autores que são unânimes em afirmar o quanto sobressai na obra de Lucas, uma mensagem de preferência pelos pobres. A título de exemplo, lembramos os seguintes: STUHLMUELLER, C. Evangelho de Lucas. São Paulo: Paulinas, 1975, p. 10; TORRES, F. P. O abismo que separa e rompe a fraternidade (Lc 16, 19-31). Revista de Interpretação Bíblica Latino Americana, Petrópolis, n. 44, p. 105-107, 2003/1; MELÚS, L. F. M. Pobreza y riqueza em los evangelios. San Lucas, el evangelista de la pobreza. Madrid, 1963; PIKASA, J. A teologia de Lucas. São Paulo: Paulinas, 1978, p. 294, donde se lê claramente: “Cristiano es el Lucas el hombre que tiene actitud de profunda pobreza...”; SCHMID, J. El Evangelio Segun San Lucas..., p. 32, donde também se lê: “Lucas, el médico griego, es evidentemente él mismo um amigo de los pobres...”; STORNIOLO I. Como ler o evangelho de Lucas... Além do próprio título do livro, Storniolo afirma: “Lucas tem uma grande preocupação social e dedica muita atenção às pessoas. E sua preferência está sempre do lado dos pobres...”, p. 10. 237 Sobre tal consideração, veja RICHARD, P. O Evangelho de Lucas..., p. 10

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evidências já enunciam o contexto: uma sociedade dividida entre homens ricos e muita

gente pobre, entre elas, muitas pessoas escravas238.

Lucas, não sem motivos, antes de ensinar sobre o perigo da riqueza, apresenta

aqueles que já fazem parte do caminho de salvação: os pobres. Eles são os escolhidos

desde o princípio do evangelho: Maria, José, Isabel, Zacarias, os pastores, João

Batista, Jesus, Ana, Simeão, e assim por adiante, são os pobres de Deus, já incluídos

no processo de salvação. Suas “histórias” precedem todas as demais narrações,

inclusive os ensinamentos diretos sobre a necessidade de despreender-se dos bens

materiais.

Uma necessária constatação, na linha da escolha dos pobres, é a citação de

Isaías, lida por Jesus na sinagoga de Nazaré: “pneu/ma kuri,ou evpV evme. ou- ei[neken

e;crise,n me euvaggeli,sasqai ptwcoi/j”, donde traduzimos: [O Espírito do Senhor sobre

mim está, porque me ungiu e enviou para evangelizar os pobres], (Lc 4, 18). Nos

parece que Zaqueu, ao ver quem é Jesus, compreendeu sua pessoa e missão:

despreendeu-se dos bens doando metade aos pobres (cf. 19, 8b). Não é sem motivos

então, que os pobres são o objeto da ação justa de Zaqueu!

Retomando os textos que se referem diretamente à necessidade de renúncia aos

bens materiais, referimo-nos primeiramente à instrução aos discípulos para não

entesourar, situada no capítulo 12 do Evangelho.

Sobre o referido capítulo a pesquisa sobre as fontes nos fornece argumentos

importantes no sentido de fundamentar a importância que Lucas dá à preocupação com

a necessidade de renúncia aos bens materiais: seguindo a proposta de Richard, a

238 Cf. REIMER, I. R. Lucas 16, 1-8: Um elogio à prudência..., p. 60.

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instrução pode ser dividida em três, sendo que a primeira (12, 2-12), é tomada de Q, a

segunda (12, 13-21), de L e a terceira (12, 22-34), de Q239. Uma estrutura onde o texto

Lucano é emoldurado por duas passagens de Q, considerada uma fonte muita próxima

dos ditos de Jesus.

A mensagem lucana sobre os bens materiais é, primeiramente, fundamentada

em ditos muito próximos de Jesus, como nos mostram as últimas pesquisas240

referentes à fonte Q e, segundo, na mensagem prioritária do evangelista.

Para resumir um pouco mais a reflexão, podemos priorizar a parábola do rico

insensato (12,16-21), que representa uma observação direta contra a avareza. Trata-se

de uma passagem que oferece um claro ensinamento de que uma vida devotada ao

acúmulo de riquezas materiais é uma vida que só demonstra insensatez. É oportuno

notar que a referida passagem, assim como a história de Zaqueu é da fonte lucana:

“L”, o que demonstra uma vez mais a prioridade lucana em relação à necessidade do

homem em não deixar se escravizar pelo dinheiro.

Na passagem sobre a necessidade de abandonar-se à providência (12, 22-32),

podemos observar que Jesus não condena os bens materiais básicos, mas sim, a

inquieta ansiedade do homem, que procura e confia nos bens deste mundo e se esquece

de colocar sua confiança em Deus. Stuhlmueller faz uma observação interessante ao

notar que Lucas reserva para a viagem à cruz, aquilo que Mateus coloca no primeiro

239 Cf. RICHARD, P. O Evangelho de Lucas..., p. 22. 240 O livro de Q se inicia justamente com os ensinamentos de Jesus e neles, antes de tudo encontramos: “felizes são os pobres; o reino de Deus é deles”. Sobre os bens, o livro Q relata a parábola do homem que encheu seus celeiros, confiando em suas posses e se esquecendo de que Deus pediria sua alma. A setença final é clara: “Isso é o que acontece com quem acumula tesouros para si próprio sem se tornar rico diante de Deus”. Também encontramos o conselho evangélico de vender os bens e dar à caridade, de forma a acumular tesouro numa conta celestial. E ainda, nas instruções para os que querem servir ao Reino de Deus, Jesus coloca o dinheiro como coisa que eles não devem levar. Sobre estas e outras sentenças, ver MACK, B. O Evanvelho perdido: O livro de Q e as origens cristãs. Rio de Janeiro: Imago, 1994, p. 73-100.

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sermão público de Jesus (Mt 6, 25-33)241. Tal constatação demonstra certamente, a

necessidade do discípulo que está a caminho da salvação, não ter uma preocupação

excessiva com as coisas materiais.

Na seqüência da exortação ao abandono à providência temos uma proposta mais

radical: vender os bens e distribui-los aos pobres (12,33-34). Para compreender melhor

tal radicalidade do terceiro evangelho, é interessante observar que no lugar de Mt 6,

19a: “Mh. qhsauri,zete u`mi/n qhsaurou.j evpi. th/j gh/j”, isto é, “Não junteis para vós

tesouros na terra”, Lucas diz: “Pwlh,sate ta. u`pa,rconta u`mw/n kai. do,te

evlehmosu,nhn\”, a saber: “Vendei os vossos bens e daí esmolas”. Uma exortação

positiva, mas de forma imperativa e mais radical, pois é necessário ir além do não

juntar tesouros. É necessário dispor dos bens em favor dos necessitados. Transparece,

uma vez mais, a urgência lucana em praticar essas boas obras que conduzem ao

verdadeiro tesouro que é a salvação.

Certamente não é também sem significado que Lucas, ao apresentar as

tentações de Jesus (4, 1-13), coloca nos lábios do diabo uma proposta atraente de

poder e glória, coisas que não se conquista sem a colaboração da riqueza, ou mais

precisamente, do dinheiro. O texto diz: “kai. ei=pen auvtw/| o` dia,boloj\ soi. dw,sw th.n

evxousi,an tau,thn a[pasan kai. th.n do,xan auvtw/n” [E disse-lhe o diabo: Dar-te-ei a ti

todo este poder e a sua glória], (cf. 4, 6). Foi possível observar que em muitas

traduções ressalta-se o oferecimento de poder e riqueza, o que, não obstante o

significado de “evxousi,an tau,thn a[pasan kai. th.n do,xan auvtw/n”, parece confirmar

241 STUHLMUELLER, C. Evangelho de Lucas..., p. 156.

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nossa interpretação, pois, como afirmamos, não se obtém poder e glória sem a

“intermediação” da riqueza.

Vale ressaltar ainda, algumas sentenças diretas de Jesus, tais como Lc 6, 24:

“Plh.n ouvai. u`mi/n toi/j plousi,oij( o[ti avpe,cete th.n para,klhsin u`mw/n”, donde se pode

traduzir: “Mas ai de vós que sois ricos! Pois já recebestes a vossa consolação”. Há

quem entende esse versículo242 como verdadeira antítese do v. 20: “... Maka,rioi oi`

ptwcoi,( o[ti u`mete,ra evsti.n h` basilei,a tou/ qeou/” [bem-aventurados vós, os pobres,

porque vosso é o reino de Deus], interpretado como uma enfática valorização da pobreza

literal e a malignidade da riqueza literal em Lucas.

Após tanta insistência na temática da renúncia é que se dá o terceiro anúncio da

paixão (18, 31-34), e, como sabemos, após esse último anúncio, Lucas refere-se ao

cego na entrada de Jericó e logo em seguida, apresenta algo que de certa forma, era

esperado na caminhada de Jesus, ou no Evangelho, a saber, alguém que, sendo rico,

renuncia à sua riqueza injusta, para encontrar a salvação oferecida por Deus em Jesus.

Esse alguém é o próprio Zaqueu (19,8). Desde modo, aquilo que é impossível aos

homens, mas não a Deus (cf. Lc 18, 27), acontece graças à ação, à missão de Jesus e o

esforço de Zaqueu.

A passagem de Zaqueu que renuncia ao mau uso do dinheiro não será a última

vez que a temática do dinheiro aparecerá no Evangelho segundo Lucas. Tratando do

contexto próximo, constatamos que a perícope que segue imediatamente à de Zaqueu,

a saber, a parábola das minas (Lc 19, 11-28), fala de dinheiro, uma vez que “de,ka

mna/j” (dez minas) se refere a uma quantia em dinheiro equivalente a mil denários.

242 CHAMPLIN, R. N. O Novo Testamento Interpretado versículo por versículo..., p. 65.

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Temos ainda, um texto muito indicativo, entitulado reprovação da avareza dos

fariseus: (Lc 16, 14-15). Uma análise minuciosa do Evangelho segundo Lucas, nos

mostra que os fariseus representam os opositores da mensagem de Jesus. Sendo assim,

era de se esperar, que Lucas os chamassem de fila,rguroi, isto é, amigos do dinheiro,

expressão encontrada uma única vez em toda a Escritura. Tal constação, apresenta,

uma vez mais, a declarada oposição da mensagem de Jesus segundo Lucas ao dinheiro,

verdadeiro obstáculo no caminho da salvação e até mesmo motivo para queda de

muitos, como o será ainda, no caso de Judas que para entregar Jesus, recebe dinheiro

(cf. Lc 22, 5).

Antes de concluir, também é preciso dizer que o dinheiro faz parte do contexto

da segunda parte da obra lucana (Atos dos Apóstolos), onde o Reino de Deus

anunciado por Jesus se concretiza na vida das pessoas que desapegam do mau uso do

dinheiro (cf. At 2, 44; At 4, 3237).

Tanta referência e insistência no tema da renúncia ao dinheiro ou a seu mau

uso, não é por acaso e nem sem objetivos na obra de Lucas. O dinheiro, de fato, afasta

o homem da Lei de Deus, subverte as energias da alma, introduz a ignorância e não

permite ao homem ter sentimentos de bem-querer para com o próximo, como também

nos atestam o Testamento dos Doze Patriarcas243.

Concluindo o capítulo 2, podemos afirmar que a obra de Lucas situa-se num

contexto de realidades históricas conflitivas e complexas, onde as comunidades cristãs,

formadas por judeus e pagãos, eram fortemente influenciadas, não simplesmente pela

mentalidade greco-romana dos últimos séculos, mas, sobretudo, pela dominação

243 Cf. PROENÇA, E. de. & PROENÇA, E. O. de. Apócrifos e Pseudo-epígrafos da Bíblia. São Paulo: Novo Século, 2004, p. 361.

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romana, que de várias formas, aumentava o abismo entre homens ricos e pobres.

Inequivocamente, Lucas deixa transparecer isso.

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Capítulo III: Análise No terceiro e último capítulo, apresentamos a análise do texto. Procuramos não

somente justificar as opções de tradução, mas também analisar e discutir o texto. Para

facilitar este trabalho, analisaremos as passagens mais siginicativas de cada versículo,

obedecendo a ordem em que estão na perícope.

Esta parte do trabalho tem como objetivo principal comprovar que o tema

proposto possui fundamentação. Para isso, tomaremos do texto expressões ou palavras

que consideramos fundamentais para a sua compreensão.

A perícope de Lc 19, 1-10 é, praticamente, a conclusão de todo o ensinamento

de Jesus, que Lucas apresenta como sendo feito ao longo da caminhada para

Jerusalém. O ensinamento tem uma mensagem clara no sentido de orientar os

discípulos quanto ao modo de fazer uso do dinheiro.

Ao apresentar a conversão de Zaqueu, a perícope questiona, exorta e desafia os

discípulos de Jesus para uma vivência autêntica do Evangelho, o que só se faz, a partir

da libertação do mau uso do dinheiro.

O ensinamento sobre o uso de dinheiro vem de encontro a temas muito atuais,

pois a busca de bens materiais, o desejo de acumular, as questões administrativas no

que diz respeito à honestidade ou corrupção, e o modo de usar o próprio dinheiro, tem

se apresentado como uma questão delicada e complexa para muitas pessoas e

comunidades.

A análise da perícope nos dá argumentos para reafirmar que é a partir do

“procurava ver quem é Jesus”, que se abre o caminho para um novo modo de fazer uso

do dinheiro. Como já afirmamos, é a partir de um processo de profundo conhecimento

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da identidade de Jesus que Zaqueu abandona parte de suas riquezas, adquiridas por

exploração.

1. A identificação de Zaqueu (cf. v. 2)

Após a localização geográfica: “Kai. eivselqw.n dih,rceto th.n VIericw,”, [e, tendo

entrado em Jericó, atravessava-a], (v. 1), temos a apresentação de Zaqueu: “Kai. ivdou.

avnh.r ovno,mati kalou,menoj Zakcai/oj( kai. auvto.j h=n avrcitelw,nhj kai. auvto.j plou,sioj”

[e eis que um homem chamado com o nome de Zaqueu, que era arquicobrador de

impostos e era rico], (v. 2). O texto diz quem ele era, para em seguida dizer que ele

procurava ver quem é Jesus.

O contraste, tantas vezes apresentado em Lucas, neste texto é sutil e

transformador. Primeiramente, Zakcai/oj... h=n [Zaqueu... era], enquanto no versículo

seguinte se dirá que VIhsou/n... evstin [Jesus ... é]. Pode ser apenas uma forma de fazer a

narração, mas o contraste não deixa de existir.

Enquanto o texto diz o que Zaqueu era: kai. auvto.j h=n avrcitelw,nhj kai. auvto.j

plou,sioj [que era arquicobrador de impostos e era rico], não diz quem é Jesus. As

suas ações e ensinamentos falam por si mesmas, e serão suficientes para convencer

Zaqueu a abandonar aquilo que era para ser o que Jesus ensina.

Através do estudo do vocabulário, vimos que a partícula demonstrativa ivdou.,,

traduzida por: eis que, é freqüentemente usada pelos evangelistas como fórmula de

apresentação que chama a atenção para o personagem em torno do qual gira o relato.

Lucas não foge à regra. Assim, é preciso perceber que o abandono da vida regressa, ou

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a conversão que se dá não foi simplesmente a de um pescador, de um trabalhador

comum, mas de um avrcitelw,nhj. O termo, como também verificamos, é usado uma

vez na Bíblia, de modo que Lucas o teria usado para expressar o significado e a

importância do que ocorre na perícope.

Zaqueu, sendo um arquicobrador de impostos, liderava uma legião de

exploradores. É responsável pela desonestidade ligada à atividade de todos os seus

subalternos. Sendo assim, assinala Kodell, a questão do uso apropriado da riqueza é

abordada novamente244.

Mas Zaqueu, como se não bastasse, também era plou,sioj, rico. Sendo assim,

trata-se de um símbolo do pecador que dificilmente se convertia aos ensinamentos de

Jesus, conforme se conclui pelas palavras do próprio Jesus: “pw/j dusko,lwj oi` ta.

crh,mata e;contej eivj th.n basilei,an tou/ qeou/ eivsporeu,ontai”, [Quão dificilmente os

que tem riquezas no reino de Deus entrarão]245, (Lc 18, 24), e de tantos outros textos

no Evangelho segundo Lucas.

No v. 2, a identificação de quem era Zaqueu cria uma grande expectativa no

texto e, ao mesmo tempo, ressalta o significado de sua conversão. Para converter-se

terá que deixar o lucrativo trabalho ou mudar as atitudes no exercício do mesmo, e

também, terá que decidir sobre sua riqueza. Zaqueu será capaz? Há pouco, um homem

de notável posição, voltara triste pra casa, pois não quis abandonar sua riqueza (cf. Lc

18, 18-23). O que fará? A análise dos verbos e algumas expressões da perícope

demonstram que o conhecimento profundo da identidade de Jesus o levará a ações

244 KODELL, J. Lucas..., p. 100. 245 Sobre o texto de Lucas 18, 24, consultar o comentário referente à variante do versículo, segundo a qual, Jesus é que percebera a tristeza do rico notável...Ver BRUCE, M. M. A textual comentary on the Greek New Testament. Stuttgart: United Bible Societies, 1971, p. 143.

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concretas, que possuem amplo significado para a vida dos discípulos de Jesus em

todos os tempos.

2. Zaqueu e o processo de conhecimento de Jesus (cf. v. 3a)

Após a identificação de quem era Zaqueu, o narrador diz o que Zaqueu costuma

fazer: “kai. evzh,tei ivdei/n to.n VIhsou/n ti,j evstin”, [procurava ver Jesus, quem é]246, (v.

3a). Trata-se de uma atitude repetida como o comprovaremos nesta reflexão.

Nos comentários sobre a perícope, a ênfase quase sempre se dá ao fato de

Zaqueu ter renunciado ao mau uso de sua riqueza, não se ressalta que tal atitude é

resultado do fato de que ele “procurava ver Jesus, quem é”. É o que se percebe nas

reflexões de Pablo Richard247, Jerome Kodell248, e Ivo Storniolo249, entre outros.

Nesta reflexão, porém, propomo-nos desde o início, a mostrar que sua renúncia

é conseqüência do “procurava ver Jesus, quem é”. Trata-se de uma atitude de busca, de

conhecimento da identidade de Jesus que leva Zaqueu à conversão, de forma que sua

procura por ver, deve ser entendida como processo e não simplesmente como atitude

isolada e momentânea.

Entre os exegetas que fazem referência específica ao v. 3a, podemos citar a

título de exemplos, Joseph Fitzmyer250, Javier Pikasa251, Wilfrid Harrington252,

246 Encontramos outros aspectos importantes da perícope de Zaqueu, que poderiam ser desenvolvidos neste capítulo, tais como a pressa de Zaqueu em descer da árvore, conseqüência do imperativo de Jesus: “Zakcai/e( speu,saj kata,bhqi” [Zaqueu, desce depressa], (cf. 5c). Também poderíamos refletir sobre o próprio fato de Zaqueu descer imediatamente e receber Jesus com alegria (cf. v. 6), e assim por adiante. 247 RICHARD, P. O Evangelho de Lucas..., p. 29. 248 KODELL, J. Lucas..., p. 100. 249 STORNIOLO I. Como ler o evangelho de Lucas.... 250 FITZMYER, J. A. El Evangelio según Lucas. Vol. IV… 251 PIKASA, J. A teologia de Lucas… 252 HARRINGTON, W. A New Catholic Commentary on Holy Scripture…

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Augustin George253, Carrol Stuhlmueller254, Josef Schmid255 e Russel Norman

Champlin256.

Para Fitzmyer, a frase: “procurava ver quem é Jesus”, expressa apenas mera

curiosidade. O autor ainda ressalta que assim pensam muitos comentaristas257.

Contudo, chega a questionar a possibilidade de Zaqueu ter uma idéia, ainda que vaga,

de algo especial que rodeia o personagem que atravessa a cidade e de quem tanto se

fala (cf. Lc 4, 14. 37)258.

Na mesma linha da curiosidade, além de Fitzmyer, podemos citar Pikasa259 e

Harrington. Este último diz que Zaqueu até se esquece da sua “dignidade” para ver um

homem com a reputação de Jesus. Eis sua afirmação textual: “Curioso para ver um

homem com tal reputação, Zaqueu se esquece de sua dignidade”260.

Outros autores, como Josef Schmid, além de ignorar o pronome ti,j, também

afirmam que a atitude de Zaqueu pode proceder de um simples esforço de

curiosidade261.

Segundo Champlin, os motivos de Zaqueu para ver quem era [sic] Jesus, eram

principalmente os movidos pela curiosidade, embora como pecador que era, algo

pudesse ter sido tocado dentro dele quando ouviu falar de Jesus262. É interessante

notar, por outro lado, que o mesmo autor, interpreta o pedido dos gregos para ver Jesus

253 GEORGE, A. Cadernos Bíblicos... 254 STUHLMUELLER, C. Evangelho de Lucas... 255 SCHMID, J. El Evangelio Segun San Lucas... 256 CHAMPLIN, R. N. O Novo Testamento Interpretado versículo por versículo... 257 “...como piensan muchos comentaristas (por ejemplo, M.-Lagrange, Luc, 488; J. Schmid, Eevangelium nach Lukas, 286)”, cf. FITZMYER, J. A. El Evangelio según Lucas. Vol. IV…, p. 61. 258 Cf. FITZMYER, J. A. El Evangelio según Lucas. Vol. IV…, p. 61. 259 Referindo-se a Zaqueu, afirma que: “...tiene curiosidad por saber quién es Jesus...”. Cf. PIKASA, J. A teologia de Lucas..., p. 300. 260 “Curious to see a man with such a reputation, Zacchaeus forgets his dignity”, cf. HARRINGTON, W. A New Catholic Commentary on Holy Scripture…, p. 1014. 261 Cf. SCHMID, J. El Evangelio Segun San Lucas..., p. 411. 262 CHAMPLIN, R. N. O Novo Testamento Interpretado versículo por versículo..., p. 182.

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(cf. Jo 12, 21) não como sendo uma mera curiosidade, mas um querer conhecer o tipo

de pessoa que era o Senhor Jesus, ressaltando inclusive, que os gregos queriam ouvir

em primeira mão os admiravéis ensinamentos de Jesus263. Por que essa interpretação

vale para os gregos e não vale para o procedimento de Zaqueu? Tentaremos responder

no ponto seguinte, quando faremos uma comparação entre Lucas 19, 3a e João 12, 20-

21.

Como podemos constatar, vários autores analisam o “procurava ver Jesus, quem

é”, como sendo mais uma curiosidade, mas, para nós há algo muito mais significativo,

como temos argumentado.

Augustin George, após questionar se o “procurava ver quem é Jesus”, era

interesse ou curiosidade, responde que a continuação do texto demonstra que Zaqueu

tem certa dose de preocupação religiosa, e que sua ação não demonstra mera

curiosidade, como foi o caso de Herodes, mas um desejo, ainda que obscuro,

provavelmente de arrependimento mais ou menos consciente264.

Por sua vez, Carrol Stuhlmueller, em seu comentário sobre o Evangelho de

Lucas, apesar de optar por uma tradução de Lc 19, 3a, que ignora o pronome ti,j,

“Procurava ver a Jesus”, argumenta que Zaqueu tinha uma determinação séria de ver

Jesus, e que nesse acontecimento (encontro de Jesus e Zaqueu), palpita um desejo

grande de encontrá-Lo265.

Em contraposição, além do que será exposto abaixo, temos as seguintes

passagens do NT: Mt 15, 14; 23, 26-26; Lc 6, 39; Jo 9, 39-41. Nelas, Jesus se refere à

cegueira, como algo contrário, obviamente, ao ver. Normalmente, o alvo são os

263 CHAMPLIN, R. N. O Novo Testamento Interpretado versículo por versículo..., p. 485. 264 Cf. GEORGE, A. Cadernos Bíblicos..., p. 82. 265 Cf. STUHLMUELLER, C. Evangelho de Lucas..., p. 192.

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fariseus, e é com eles que a discussão sobre o ver chega a um ponto interessante, pois

em Jo 9, 41, eles pensam numa cegueira física, mas Jesus, se refere à cegueira que não

permite acolhê-lo.

Não obstante essas interpretações, precisamos buscar no próprio texto os

argumentos em favor da proposta de um desejo profundo de conhecimento da pessoa

de Jesus por parte de Zaqueu. Para isso vamos analisar os três termos, que ao nosso

entender, são mais relevantes na formação do v. 3a, isto é, os verbos zhte,w e o`ra,w, e o

pronome ti,j.

2. 1. Significado do verbo zhte,w [procurava]

O verbo zhte,w, que se encontra em 3a, na 3ª. p. s. do modo indicativo

imperfeito ativo: evzh,tei, nos oferece parte dos argumentos que buscamos. Em Lucas,

além de 19, 3a e 10c, é usado para se referir ao desejo de Herodes de conhecer Jesus,

de quem ele ouve falar tantas coisas (cf. 9, 9); para falar da procura de Judas, o traidor,

por uma oportunidade para entregar Jesus (cf. 22, 6) e nos Atos dos Apóstolos, vimos

que um mago, após ficar cego, e cair na escuridão e trevas, procurava quem o levasse

pela mão (cf. At 13, 11).

Em Mateus, o verbo zhte,w é usado para se referir ao Reino de Deus que é

semelhante a quem procura pérolas preciosas (cf. Mt 13, 45). Em Marcos, é usado para

dizer que todos procuravam Jesus. O texto diz que os companheiros o procuravam

ansiosos (cf. Mc 1, 37-38).

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A questão não é tanto as ocasiões em que o verbo é usado. Mais significativo é

o modo e o tempo verbal em que é usado. Sabemos que no NT, o modo indicativo

imperfeito ativo também é usado para expressar uma ação passada que não é vista

como acabada. Trata-se de uma ação prolongada ou recorrente no tempo passado. É

oportuna, a explicação de James Swetnam: “Quando interpretado de acordo com

outros elementos do contexto, o imperfeito geralmente indica uma ação passada que é

vista como repetida266 ou contínua”267.

Noutras palavras, o indicativo imperfeito ativo pode apresentar a ação como um

processo, uma ação em desenvolvimento (aspecto durativo), sentido este, presente no

verbo correspondente a ver em hebraico: ha'r', traduzido em seu sentido genérico, por

atividades referentes ao ver: examinar, inspecionar, investigar, procurar; e como ação

durativa: olhar, contemplar, observar, vigiar. Atividades que levam a uma conclusão:

comprovar, apreciar, reconhecer, contar com, ser testemunha268.

Sendo uma ação contínua no passado, o uso do verbo indica:

a) Uma tentativa feita no passado, mas cujo fim não foi alcançado. Como

exemplo, podemos citar Lc 1, 59: “...kai. evka,loun auvto. evpi. tw/| ovno,mati tou/ patro.j

auvtou/ Zacari,anÅ ”. O verbo kale,w está na 3a p. p. imperfeito indicativo ativo

(evka,loun), e por isso a tradução mais exata seria: “...e lhe chamavam Zacarias, o nome

de seu pai”;

266 Contrariamente ao significado do tempo aoristo, o qual veicula a idéia de uma ação terminada, isto é, não repetida ou continuada, cf. SWETNAM, J. Gramática do Grego do Novo Testamento. São Paulo: Paulus, 2002, p. 62 e também p. 110. 267 SWETNAM, J. Gramática do Grego do Novo Testamento..., p. 66. 268 Passagens bíblicas onde ha'r é usado no sentido de ação durativa: olhar: Nm 27, 12; 1 Sm 24, 12; e Rs 2, 12.24; Jr 4, 23; contemplar: Nm 27, 13; Is 17, 8; 59, 15; Ez 3, 23; observar: Dt 26, 7; Jr 2, 23; Sl 10, 14; Jó 38, 22; Pr 6, 6; Ecl 2, 13 (freqüente), eclo 6, 36. Mais detalhes veja: SCHÖKEL, L. A. Dicionário Bíblico Hebraico-português..., p. 596-597.

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b) Exprime uma repetição no passado, um costume. Para exemplificar temos Lc

3,10: “Kai. evphrw,twn auvto.n oi` o;cloi le,gontej\ ti, ou=n poih,swmenÈ”. O verbo

evperwta,w está na 3a p. p. imperfeito indicativo ativo (evphrw,twn), de modo que a

tradução seria: “E a multidão o interrogava, dizendo: Que faremos, pois?”. Ou: “E o

interrogavam (= costumavam interrogar) as multidões, dizendo: que faremos, pois?”.

c) Descrever uma ação prosseguindo no passado. Podemos exemplificar com

uma passagem do evangelista Marcos269 (12,41): “...kai. polloi. plou,sioi e;ballon

polla,\”. Como o verbo ba,llw também está na 3a p. p. indicativo imperfeito ativo,

podemos propor a seguinte tradução: “E muitos ricos lançavam muitas (moeda)”.

Note-se ainda, que o verbo, tendo como significado também o procurar, o fazer

uma busca em forma de investigação, reforça ainda mais a tese de desejo mais forte,

no caso, de encontrar alguém, de conhecer, e assim, saber sua identidade.

Outra sinalização de uma ação prolongada pode ser constatada na própria

repetição de algumas atitudes. Referimo-nos, principalmente à atitude de murmuração

dos escribas e fariseus diante das ações de Jesus.

Desde o capítulo 5 de Lucas, quando os fariseus começaram a raciocinar sobre

quem é Jesus (cf. Lc 5, 21), os verbos goggu,zw, caso de Lc 5, 30 e diagoggu,zw, caso de

Lc 15, 2 e 19, 7, são usados com sentido de murmuração, crítica. Além do uso deste

verbo se repetir ao longo do Evangelho, é importante ressaltar que nas três citações,

eles aparecem no indicativo imperfeito ativo, 3ª p. plural: evgo,gguzon, murmuravam (Lc

5, 30); diego,gguzon, murmuravam (Lc 15,2); diego,gguzon , murmuravam (Lc 19, 7).

269 Um exemplo de outro evangelista para expressar que o uso do imperfeito ativo, modo indicativo, não é próprio somente do evangelista Lucas, mas do grego do NT.

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Sobre o indicativo imperfeito ativo, Swetnam observa que é preciso interpretar

o verbo de acordo com o contexto, para assim, ter precisão de que o imperfeito está

indicando ação passada que é vista como repetida. Neste sentido, percebemos que o

contexto da perícope confirma a idéia de repetição, de durabilidade da ação de

procurar, uma vez que as indicações do Evangelho segundo Lucas nos levam a

entender a passagem num sentido teológico, e não, necessariamente como episódio

ocorrido. A isso, deve-se acrescentar o fato de a perícope estar na secção que já tem

sentido teológico claro: “subida para Jerusalém”.

Podemos, com a reflexão acima, afirmar que Zaqueu está no caminho de Jesus,

não simplesmente na estrada, no caminho em sentido concreto, mas, em processo de

conhecimento da pessoa de Jesus, do projeto do Reino de Deus.

Ainda em relação ao verbo zhte,w, é preciso acrescentar a atitude de Zaqueu:

“kai. evzh,tei ivdei/n to.n VIhsou/n ti,j evstin”, [procurava ver Jesus, quem é], (v. 3a), e a

do Filho do Homem: “...zhth/sai kai. sw/sai to. avpolwlo,jÅ”, [...procurar e salvar o que

se havia perdido], (v. 10c), marcam de forma evidente a introdução e a conclusão da

perícope, de forma que o verbo zhte,w [procurar], ocupa lugar estratégico na estrutura

geral da perícope.

Podemos, então, perceber que numa perícope onde há tantos verbos (42), como

vimos no capitulo 1, o verbo zhte,w também funciona como verbo chave para

compreender o significado da perícope, além de ivdei/n.

Chama-nos atenção até mesmo o fato do verbo “procurar”, quando se refere a

Zaqueu estar no imperfeito, modo indicativo, e, quando se refere a Jesus, estar no

aoristo ativo, modo infinitivo. Como sabemos, no aoristo, o infinitivo veicula a visão

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de uma ação terminada, de modo que podemos afirmar, neste caso, que seu uso indica

uma ação consumada.

Se colocarmos os versículos 3 e 10 em paralelo, podemos perceber ainda que,

enquanto Zaqueu “procurava ver Jesus, quem é, o Filho do Homem veio procurar e

salvar”. Sobressai assim a busca do ser humano e a missão do Filho do Homem.

Enquanto Zaqueu não pode ver Jesus por causa da multidão, o Filho do Homem veio

procurar e salvar o que estava perdido, ou melhor, não só Zaqueu, mas a própria

multidão, pois além de impedir que Zaqueu “veja” quem é Jesus (3a), também não

sabe quem é Jesus (cf. Lc 9, 18-19). Segundo essa interpretação é que a multidão

dificulta as coisas para Zaqueu.

Para o ser humano, a multidão pode ser obstáculo na busca e no conhecimento

de Jesus. Até para o próprio Jesus ela é obstáculo, mesmo assim, ela é o “objeto” da

sua missão, pois aquele que pede a Deus o perdão por aqueles que o crucificam (cf. Lc

23, 34) e promete ao bom ladrão o Paraíso (cf. Lc 23, 43), não deixaria de oferecer a

salvação à multidão270.

Percebemos na perícope um paralelismo muito significativo entre a ação de

Zaqueu: “...kai. evzh,tei ivdei/n to.n VIhsou/n ti,j evstin”, [procurava ver Jesus, quem é] e a

ação do Filho do Homem: “...zhth/sai kai. sw/sai to. avpolwlo,jÅ”, [...procurar e salvar

o que estava perdido], paralelismo este, basicamente construído a partir do verbo

verbo zhte,w.

270 De fato, nenhum outro evangelho ressalta tão claramente que Jesus veio para salvar a todos. Não obstante, sobretudo em Lucas, devemos observar que os homens precisam como Zaqueu, optar pela salvação. Neste sentido, vale a síntese de Santo Agostinho: “Deus, que nos criou sem nós, não quis salvar-nos sem nós” (Sermão 169, 11, 13: PL 38, 923).

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Os esclarecimentos nos mostram, em princípio, a necessidade humana de uma

busca constante, repetida, expressa pelo indicativo imperfeito ativo, e a eficácia da

ação do Filho do Homem, expressa pelo aoristo.

2. 2. Significado do verbo o`ra,w [ver]

No estudo do vocabulário, encontramos elementos suficientes para dizer que em

grego, ivdei/n ei=don, verbo o`ra,w, significa conhecer com profundidade, com atenção,

observar271. Deste modo, em 2a, “Ver” significa: conhecer a identidade, fazer

experiência pessoal de Jesus.

Se “ver” já significa conhecer com profundidade, “ver Jesus, quem é”, nos

remete a algo ainda mais concreto, isto é, nos remete à sua pessoa, à sua identidade.

Sendo assim, Zaqueu procurava conhecer a identidade de Jesus, o seu projeto de vida, de

Reino de Deus. A constante e variada repetição do verbo ver em Lucas não deixa

dúvidas quanto ao sentido de procura da identidade de Jesus.

Constatamos que o`ra,w, aparece 22 vezes no Evangelho segundo Lucas, o que,

por certo, demonstra a importância que o evangelista dá ao “ver”. Também notamos que

o referido verbo aparece com freqüência tanto no NT quanto no AT, e que pode

significar “notar’, “tornar-se consciente”, “conhecer”, além de “ver”, “perceber”.

Em Lucas, no que diz respeito ao significado teológico de “ver”, a percepção

espiritual como função do ver chega a significar “ficar conhecendo” (Lc 23, 8),

“encontrar” (At 20, 25). A visão espiritual é ao mesmo tempo uma experiência (Lc 2,

26).

271 Cf. p. 36ss, as anotações sobre o verbo.

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Podemos acrescentar que no Evangelho segundo João, que tem contexto

histórico, em muitos aspectos, semelhantes a Lucas, sobretudo por se tratar de

comunidades da Ásia Menor, o verbo “ver” assume um significado especial, de forma

que podemos refletir brevemente sobre o conceito joanino deste verbo. Neste sentido,

constatamos que João opta por usar ora,w para aquilo que o Filho “pré-existente” viu

quando estava com o Pai (Jo 3, 11. 32; 6, 46; 8, 38).

Segundo Bultmann, João emprega o verbo “ver” num tríplice sentido272, a

saber:

a) percepção de coisas e acontecimentos terrestres acessíveis a todos os

homens;

b) percepção de coisas e eventos sobrenaturais que somente certos homens

conseguem, mesmo assim, ainda é um ver físico;

c) percepção de um evento de revelação, que é um ato espiritual de ver, a vista

da fé. Neste sentido os discípulos vêem a glória do Filho (1, 14). O “ver” da fé ilustrado

em Jo 6, 40: “...i[na pa/j o` qewrw/n to.n ui`o.n kai. pisteu,wn eivj auvto.n e;ch| zwh.n

aivw,nion”, [...que todo o que vê o Filho e crê nele tem a vida eterna].

O ouvir e o ver podem ser usados de modo intercambiável com relação à fé (cf.

Jo 5, 24; 8, 45; com 5, 39; 6, 40), e o conceito de zwh. aivw,nioj, [vida eterna], é

associado com o “ver”. Ver, assim, como ouvir, repetidas vezes fornecem o ímpeto à fé

(2, 11; 20, 8), levam ao conhecimento (14, 9), e ministram à percepção interior (“Vejo

272 BULTMANN, R. The Gospel of John, 1971, 69, n. 2, Cf. COENEN, L. & BROWN, C. Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento..., p. 2596.

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que tu és profeta”, 4, 19). A fé reconhece o Messias vindouro. O “ver”, portanto, é no

seu todo um encontro existencial com Jesus273.

Em João 20, 25 os discípulos chegam a crer por meio do “Ver” o Cristo

ressurreto: “Vimos o Senhor”. Esses encontros levam á fé, à dedicação e ao testemunho.

O desejo de ver revela o querer participar da vida por ele oferecida. Ver Jesus é

perceber o que ele significa, o que ele deseja de nós, o quanto do amor do Pai se revela

através dele. Em suma, “Ver” Jesus significa, de fato, acolher sua Pessoa com alegria274.

As anotações nos fazem perceber, e este é o objetivo, que na linguagem grega, o

verbo “ver” possui um sentido extraordinariamente rico, de forma que ao ficarmos

restritos ao sentido da leitura na língua vernácula, encurtamos e muito, o sentido original

da Palavra de Deus.

O verbo ora,w, tendo como significado um ver em sentido de conhecimento,

também indica que a ação de Zaqueu de “procurava ver Jesus, quem é”, não foi

momentânea, como, à primeira vista o episódio poderia sugerir, mas ao contrário, uma

ação prolongada, própria à pessoa que se coloca no caminho de conhecimento da

pessoa de Jesus275.

A partir do significado do “procurava ver Jesus, quem é”, a perícope, mais do

que ser um fato isolado, é um ensinamento, uma ilustração clara sobre como deve agir

a pessoa que conhece Jesus.

273 Cf. COENEN, L. & BROWN, C. Dicionário Internacional de Teologia..., p. 2591-2598, obra que possui mais detalhes sobre a importância do verbo ver. 274 Cf. CNBB. Queremos ver Jesus, Caminho, Verdade e Vida. Projeto Nacional de Evangelização. São Paulo: Paulus, 2004, p. 21- 22. 275 Vale lembrar que a comunidade compreendeu Jesus, justamente como caminho, cf. Jo 14, 6; 8, 12; 11, 9-10; 12, 35. Também os cristãos, muitas vezes foram conhecidos como aqueles que seguem o caminho.

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2. 3. Significado do pronome ti,j [quem]

Muitos autores, simplesmente omitem o pronome ti,j nas traduções. A título de

exemplo podemos citar: Abogunrin276, Manuel de Tuya277 e Josef Schmid278.

Essa opção nos parece equivocada, sobretudo porque é fato que o pronome está

lá no texto, sem nenhuma variante que sugerisse sua ausência, o que não dá direito à

sua omissão.

Mais do que não omitir o pronome ti,j, seja em traduções ou comentários, temos

que perceber a sua importância para expressar a necessidade de conhecer quem é

Jesus. Desde a análise de vocabulário, capítulo 1, já havíamos sintetizado que o

pronome ti,j muda consideravelmente o conteúdo da frase, uma vez que ver é uma

coisa, mas ver quem é, nos remete a algo mais significativo. Neste sentido, o pronome

não é um detalhe, e ainda que o fosse, é preciso lembrar que detalhes também podem

ser importantes para uma boa exegese.

Além dos autores citados, podemos acrescentar o comentário de Oyin

Abogunrin que, não obstante ressaltar a tenacidade de Zaqueu ao procurar Jesus, omite

o pronome ti,j: “Zaqueu mostra sua tenacidade subindo a árvore para ver a Jesus”279.

Também é preciso acrescentar que, conforme vimos na secção sobre

vocabulário, o ti,j evstin, não é usado aleatoriamente em Lucas, mas ao contrário, seu

uso, em todas as passagens possui um conteúdo significativo, inclusive para fazer

276 ABOGUNRIN, S. O. Lucas...,p. 1291. 277 TUYA, M. de. Bíblia Comentada..., p. 186. 278 SCHMID, Josef. El Evangelio Segun San Lucas..., p. 410. 279 “...Zaqueu muestra su tenacidad subiéndose a um árbol para ver a Jesús...”, cf. ABOGUNRIN, S. O. Lucas..., p. 1291.

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referência à identidade divina de Jesus280. Exemplo disso é a passagem onde os

escribas e fariseus, após o perdão dos pecados do paralítico, que em seguida será

curado (cf. Lc 5, 17-26), iniciam os questionamentos sobre a identidade de Jesus: kai.

h;rxanto dialogi,zesqai oi` grammatei/j kai. oi` Farisai/oi le,gontej\ ti,j evstin ou-toj o]j

lalei/ blasfhmi,ajÈ ti,j du,natai a`marti,aj avfei/nai eiv mh. mo,noj o` qeo,jÈ [e começaram a

raciocinar os escribas e os fariseus: “Quem é este que diz blasfêmias? Não é só Deus

que pode perdoar pecados?”], (Lc 5, 21).

Através do pronome ti,j, Lucas ressalta que Zaqueu, ao procurar ver quem é

Jesus, não tinha simplesmente uma curiosidade, mas ao contrário, está num processo

de conhecimento da identidade de Jesus, o que, por conseqüência, nos leva a afirmar

que nesse processo, importa quem ele é, e não simplesmente vê-lo.

Torna-se claro, que não parece fiel ao propósito de Lucas, apenas dizer que

Zaqueu procurava ver Jesus. Schökel, apesar de omitir no comentário o pronome

quem, ressalta que Zaqueu deseja ver Jesus, e sua curiosidade não parece

simplesmente superficial. De alguma maneira, também ele se pergunta quem é (como

Herodes e melhor que ele, Lc 9,9)281.

2. 4. Comparando Lc 19, 3a com Jo 12, 20-21

Em João 12, 20-21, lemos que os gregos dizem a Filipe que querem ver Jesus.

A frase central é: “ku,rie( qe,lomen to.n VIhsou/n ivdei/n”, donde uma tradução literal diz:

[Senhor, queremos a Jesus ver].

280 Sobre isto veja maiores detalhes neste mesmo trabalho, seção sobre vocabulário, capítulo 1, a partir da p. 33. 281Cf. BÍBLIA DO PEREGRINO, ad (Lc 19, 1-10), nota.

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Para melhor compreensão, é oportuno considerar o significado dos tempos e

modos dos verbos gregos da passagem. O verbo qe,lw, está no presente do indicativo.

Sabemos que é usado para expressar simples enunciados ou para formular perguntas

comuns. O verbo ora,w, no infinitivo aoristo (ivdei/n). O infinitivo tem certa variedade

de usos, mas o comum é funcionar como infinitivo “de complemento”. Em vez de

dizer queremos a Jesus, se complementa com ivdei/n dizendo: queremos ver a Jesus.

João usa o verbo ora,w, no infinitivo aoristo (ivdei/n), somente mais uma vez: Jo

3, 3, ao passo que em Lucas aparece outras onze vezes282. É um tempo e modo verbal,

usado quase que com exclusividade por Lucas283.

Sem desvalorizar o significado da expressão “queremos ver Jesus” em João,

pelos tempos e modos verbais, não há, na atitude dos gregos, em princípio, nada além

de um desejo, ainda que convicto, de ver Jesus e com isso, conhecê-Lo no sentido mais

comum possível. Isso, porém, não anula a possibilidade de um conhecimento mais

profundo. Apenas notamos que o texto não faz indicações claras no sentido de um

conhecimento mais elevado.

O pedido dos gregos: “ku,rie( qe,lomen to.n VIhsou/n ivdei/nÅ” , têm sido

interpretado, por alguns autores, como um querer ver no sentido de conhecer mais

profundamente284, conhecer a pessoa, os ensinamentos sobre a fé, sobre a vida

espiritual e moral. Numa palavra, conhecer sua identidade.

Entre outros autores, Champlin diz que os gregos não desejam simplesmente

satisfazer a curiosidade, mas expressam um querer conhecer o tipo de pessoa que era

282 Lc 2, 26; 7, 25. 26; 8, 20. 35; 9, 9; 10, 24; 14, 18; 17, 22; 23, 8 (2x). 283 Em Mateus aparece cinco vezes (11, 8. 9; 12, 38; 13, 17; 26, 58) e em Marcos apenas duas vezes (5, 14. 32). 284 CNBB. Queremos ver Jesus, Caminho, Verdade e Vida..., p. 21-22.

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Jesus285. O autor inclusive ressalta que os gregos queriam ouvir em primeira mão os

admiráveis ensinamentos de Jesus286. Diante disso, questionamos: por que em João o

ver Jesus tem significado tão substancial e em Lucas é só uma curiosidade? Noutras

palavras, por que se valoriza tanto o querer ver Jesus dos gregos e não se faz o mesmo

com o querer ver quem é Jesus de Zaqueu?

É fato que em João, o verbo ora,w tem um significado muito especial. Isso é

inquestionável. Mas também precisamos considerar os seguintes pontos:

a) Quando falamos de Evangelho segundo Lucas e João, referimo-nos a um

contexto até certo ponto comum, isto é, a Ásia Menor durante a segunda metade do

século I d. C. Neste sentido, Eduardo Arens é que afirma:

Dou por suposto que a comunidade de João morava em Éfeso, como afirma a tradição.

Estou, de mais a mais, convencido de que Lucas escreveu para uma comunidade de

cristãos que também encontrava-se na Ásia Menor, quer em Éfeso, quer perto dessa

cidade287.

Diante de contexto tão semelhante, não parece verossímil que o sentido do

verbo “Ver” tenha maiores diferenças nos escritos de João e Lucas.

b) Mesmo considerando que o verbo ver tem significado particular em João, e

por isso a expressão joanina “queremos ver Jesus” tem tanta importância, precisamos

relembrar que na passagem sobre Zaqueu há, além do verbo ver, duas expressões com

285 Sobre esse sentido mais profundo de “ver” a Jesus em João, pode-se verificar ainda outros comentários, tais como o da Bíblia do Peregrino, ad (Jo 12, 20-21), nota. Então afirma: “Vê-lo é visitá-lo, e pode ser muito mais (na linguagem de João)”; A Bíblia de Jerusalém também trás um comentário oportuno: “ ‘Ver’ o Filho é discernir e reconhecer que ele é realmente o filho enviado pelo Pai”, (cf. 12, 45; 14, 9; 17, 6+). 286 CHAMPLIN, R. N. O Novo Testamento Interpretado versículo por versículo..., p. 485. 287 ARENS, E. Ásia Menor nos tempos de Paulo, Lucas e João..., p. 6.

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amplo significado, isto é, o verbo zhte,w “procurar”, e o pronome ti,j, conforme já

refletimos. Sendo assim, a expressão “procurava ver Jesus, quem é”, ao nosso ver, não

demonstra outra coisa senão o mesmo, ou muito mais, do que aquilo que se aplica à

expressão joanina “queremos ver Jesus”.

Concluindo, a ação de Zaqueu em Lucas: “procurava ver Jesus, quem é”, à

semelhança do querer dos gregos em João; “queremos ver Jesus”, também expressa de

forma contudente, um desejo profundo de conhecer a identidade de Jesus, a sua

pessoa, o seu projeto, para aderir a ele e encontrar a salvação.

3. Desafios no caminho de Zaqueu (cf. 3bc)

No v. 3bc encontramos os desafios de Zaqueu no processo de conhecimento da

identidade de Jesus. O texto diz que dois motivos impediam Zaqueu de ver quem é

Jesus: “...kai. ouvk hvdu,nato avpo. tou/ o;clou( o[ti th/| h`liki,a| mikro.j h=n” [... e não podia

por causa da multidão, pois era de baixa estatura], (3bc).

Como vimos no estudo do vocabulário, a multidão representa aqueles que

acompanham Jesus, mas que não entendem sua mensagem, não formam parte do grupo

de Jesus. Não são “seguidores”, e somente vão atrás de Jesus por interesse material288.

Em Lc 12, 54-59, Jesus chama a atenção das multidões para que aproveitem a

oportunidade que o tempo presente lhes dá. A partir de 14, 25, percebendo que o

acompanham por interesse, Jesus impõe-lhes condições para o seguimento. Caso

contrário, que voltem para casa.

288 Cf. RIUS-CAMPS, J. O Evangelio de Lucas..., p. 250.

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O mais agravante, porém, é que por vezes, a multidão tenta interferir na

instrução de Jesus aos discípulos: “Ei=pen de, tij evk tou/ o;clou...” [disse alguém da

multidão...], (cf. 12, 13), ou seja, alguém que a representa, com a intenção de envolvê-

lo como juiz numa disputa relativa a questões de herença entre irmãos. O problema

central era o de sempre: a questão do dinheiro289.

É verdade que os textos bíblicos dizem que a multidão inteira se alegrava com

todas as maravilhas que Jesus realizava (cf. Lc 13, 17), que vinha ao seu encontro (cf.

Lc 9, 37), mas os motivos, reinteramos, são puramente materiais. Certamente, como

em nossos dias!

Considerando o papel da multidão em Lucas, parece evidente o porquê ela

atrapalha Zaqueu na sua caminhada de conhecimento da pessoa e do projeto de Jesus.

Como diz o texto, a multidão é a causa de ele não conseguir ver quem é Jesus.

Na seqüência do texto, porém, o narrador apresenta a segunda causa: h`liki,a|

mikro.j h=n [era de baixa estatura]. O adjetivo mikro,j, como vimos no estudo do

vocabulário pode significar importância, dignidade (cf. Lc 12,32; 17, 2), além do

sentido “espiritual”, constatado em Lc 7, 28. E o substantivo hliki,a, refere-se mais a

idade, maturidade, o que poderia ser entendido como maturidade de fé daquele que

procura conhecer Jesus conforme o Apóstolo Paulo nos ensina (Ef 4, 13).

Em Lc 18, 18, isto é, num contexto remoto da perícope em estudo, temos um

episódio sobre um homem notável, de posição, chamado, por sinal, de “a;rcwn”,

mesma raiz de avrcitelw,nhj, e que significa chefe, autoridade. Temos mais um

289 Cf. RIUS-CAMPS, J. O Evangelio de Lucas..., p. 226-227.

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paralelismo que, neste caso, nos leva a entender que o sentido de h`liki,a| mikro.j h=n

poderia ser a dignidade insignificante de Zaqueu.

Consideramos que a multidão e a baixa estatura têm significados teológicos e

não simplesmente dados físicos, de modo que a multidão e a dignidade insignificante

de Zaqueu por ser arquicobrador de impostos (profissão) e rico (posição social), são

desafios que dificultam a realização de seu propósito: ver quem é Jesus.

Para remover os desafios, será preciso, da parte de Zaqueu, esforço, o que ele

faz pela procura constante (cf. 3a) e por outras muitas outras ações (cf. v. 4-10) , e da

parte de Jesus, a iniciativa de chegar até Zaqueu (cf. v. 5).

4. Ações de Zaqueu (cf. v. 3 - 10)

Zaqueu não está acomodado, ele age, procurava ver Jesus, quem é. Sua ação é

fundamental para encontrar o que Jesus veio oferecer a todos os homens, a saber a

salvação, que é participação na vida de Deus, e que deve acontecer no hoje da história.

Não se trata apenas de uma promessa futura.

As ações de Zaqueu podem ser visualizadas com clareza, a partir de uma

possível estrutura concêntrica, elaborada com duplas de verbos, o que denota

justamente a idéia de ação.

Além do que Zaqueu faz, para se completar a estrutura, é necessário a ação do

Filho do Homem, que evidencia sua missão de procurar e salvar o que estava perdido.

Vejamos:

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v. 3a. evzh,tei, zhte,w; procurar

v. 3a. ivdei/n, o`ra,w; ver v. 4a. prodramw.n, protre,cw; correr adiante

v. 4b. avne,bh, avnabai,nw; subir

v. 6a. kate,bh, katabai,nw; descer

v. 6b. u`pede,xato, upode,comai; acolher

v. 8b. di,dwmi, di,dwmi; dar

v. 8c. avpodi,dwmi, avpodi,dwmi; devolver

v. 10a. h=lqen, e;rcomai; vir v. 10c. evzh,tei zhte,w, procurar

Consideramos importante a estrutura acima, pois, o esquema percebido chama a

atenção do leitor para os seguintes aspectos:

a) São 9 verbos diferentes, sendo que o verbo zhte,w, abre e fecha a estrutura,

formando assim, um conjunto de 10 verbos para 10 versículos que compõem

a perícope. Não contado a repetição de zhte,w, o décimo verbo é sw,|zw, que,

por sinal, marca a conclusão da perícope;

b) Os 10 verbos formam uma estrutura que apresenta um conjunto de ações

com finalidade muito clara: Salvar o que estava perdido290;

c) O paralelismo entre a procura de Zaqueu e a procura de Jesus, que abre e

fecha, respectivamente toda a estrutura. O perdido (Zaqueu), procura por

alguém (Jesus), mas é este que o encontra, pois esta é a sua missão. E

290 Certamente, o motivo de o verbo salvar estar “fora” da estrutura, é o fato da perícope ser considerada como sendo um apotegma biográfico ou paradigma, como defendem Bultmann e Dibelius, cf. FITZMYER, J. A. El Evangelio según Lucas. Vol. IV, p. 55. Segundo esse tipo de narrativa, o centro de interesse está numa palavra de Jesus, que neste caso é “salvar o que estava perdido”.

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também, como diz o texto, é Jesus quem chega ao lugar onde Zaqueu estava

(cf. 5a);

d) O correr e o subir. Zaqueu corre e sobe sobre um sicômoro, atitudes,

segundo as quais, são o meio para ver quem é Jesus;

e) No centro da estrutura se encontra a ação de descer e acolher. Para ver quem

é Jesus, Zaqueu precisa começar por uma ação contrária ao que fazia: tem

descer e, em seguida, acolher Jesus;

f) É o descer e acolher Jesus que desencadeia atitudes novas e fundamentais:

dar aos pobres e devolver aos defraudados. Neste ponto, vale notar que todas

as atitudes de Zaqueu são importantes para a salvação, mas é após dar aos

pobres e devolver aos defraudados, que ouve a afirmação que todo judeu

apreciava: “ei=pen de. pro.j auvto.n o` VIhsou/j o[ti sh,meron swthri,a tw/| oi;kw|

tou,tw evge,neto( kaqo,ti kai. auvto.j ui`o.j VAbraa,m evstin\” [Disse-lhe Jesus:

hoje acontece a salvação nesta casa, na medida em que este é filho de

Abraão], (v. 9);

g) O verbo zhte,w, procurar, amarra toda a estrutura. Esse fechamento nos faz

interpretar que nenhuma atitude que Zaqueu teria efeito, não fosse a missão

do Filho do Homem: “h=lqen ga.r o` ui`o.j tou/ avnqrw,pou zhth/sai kai. sw/sai

to. avpolwlo,j.” [pois o Filho do Homem veio para procurar e salvar o que

estava perdido], (v. 10).

O texto, através da referida estrutura, indica um caminho, um processo, pelo

qual, toda pessoa que quer conhecer Jesus, precisa percorrer, para assim, encontrar a

salvação.

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Há alguns pormenores a serem notados. O texto afirma: “kai. prodramw.n eivj to.

e;mprosqen avne,bh evpi. sukomore,an i[na i;dh| auvto.n” [E, correndo adiante, subiu a um

sicômoro para vê-lo], (4abc).

Zaqueu corre adiante, isto é, na frente da multidão, subtende-se. Segundo Rius-

Camps, correr adiante é uma forma semítica de expressar muito desejo de fazer

algo291.

O verbo usado é protre,cw, particípio prodramw.n. Trata-se do verbo tre,cw (cf.

Lc 12, 20; 24, 12), normalmente usado para expressar a idéia de correr. Na perícope, o

que se acrescenta ao verbo é a preposição pro,.

Paralelo para o verbo protre,cw, tal como o encontramos no v. 4, só em Jo 20, 4,

onde o outro discípulo amado corre mais depressa que Pedro. O dado importante em

Jo 20, 4, é que o discípulo que correu adiante de Pedro, ao entrar, vê e crê, ao passo

que sobre Pedro, se diz apenas que ele seguia o outro discípulo e que chegando ao

local, entrou. Deste modo, correr adiante, pode ser interpretado como uma atitude

própria de quem tem muito desejo de fazer algo, e por isso faz progresso na fé.

O ver, atitude de quem toma consciência e entende o que significa, também

reforça a idéia de desejo de conhecer. Note-se que o verbo é ora,w, mesmo verbo do v.

3a, em Lucas. O ver também é seguido de pisteu,w, crer: ei=den kai. evpi,steusen [viu e

creu]. Uma conclusão nos parece oportuna: Quem vê, conhece, toma consciência, crê.

Ao correr, segue o subir. Zaqueu avne,bh evpi. sukomore,an [subiu a um sicômoro],

(4b), mas logo em seguida Zaqueu desce, obedecendo ao imperativo de Jesus:

“speu,saj kata,bhqi” [desce depressa], (cf. 5c).

291 Cf. RIUS-CAMPS, J. O Evangelio de Lucas..., p. 285.

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Subir denota esforço, atitude de querer uma experiência com Jesus, através da

qual, iniciamos nosso processo de conversão. Descer, por sua vez, denota necessidade

de ir para a planície, onde acontece a Paixão, isto é, a doação, o serviço. Atitudes

próprias do discipulado.

Subir e descer, atitudes necessárias para seguir Jesus. Constamos essas atitudes,

entre outras passagens importantes, no texto da transfiguração292, quando Jesus sobe à

montanha para orar, mas desce logo em seguida (cf. Lc 9, 28-37). Em favor da

necessidade de descer, acrescenta-se ainda, em referência ao texto da transfiguração, a

ironia do narrador em dizer que Pedro não sabia o que dizia, quando propôs ficarem na

montanha (cf. Lc 9, 33).

O texto de Lc 4b também diz que Zaqueu subiu sobre um sicômoro. Alguns

exegetas traduzem a palavra sukomore,a, por figueira brava. Outros autores vêem o

sicômoro como figura de Israel, que tinha sido excomungado293. Neste sentido, a

atitude de Zaqueu, de subir a um sicômoro, significaria que ele se colocou no ponto

mais alto da instituição religiosa de Israel, o Templo, onde pensava encontrar a

salvação.

Zaqueu, através de suas ações, num primeiro momento, pensa estar no caminho

certo de conhecimento de Jesus: “procurava ver Jesus, quem é”, corre adiante, isto é,

tem grande desejo de conhecer Jesus, mas estaria equivocado na ação de subir sobre o

sicômoro, isto é, de confiar na instituição de Israel, que tem como expressão maior, o

Templo. Por isso terá que obedecer ao imperativo de Jesus: “speu,saj kata,bhqi” [desce

depressa], (cf. 5c).

292 O contexto é justamente de mais um ensinamento de Jesus sobre as condições para segui-lo (cf. Lc 23-26). 293 Corroboram com este pensamento, autores como RIUS-CAMPS, J. O Evangelio de Lucas..., p. 285.

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Se considerarmos o episódio de encontro entre Jesus e Zaqueu como narração

teológica, poderíamos concluir que as palavras de Jesus têm o significado de descer da

instituição que, naquele momento é a segurança de Zaqueu. Lucas estararia colocando

na boca de Jesus uma expressão para convidar as pessoas a se desligarem de algumas

tradições da instituição judaica.

5. O Imperativo de Jesus e a obediência de Zaqueu (cf. v. 4 - 6)

O v. 5 fala da chegada de Jesus a “o lugar” e da sua atitude, carregada de

simbolismo, de levantar os olhos, seguida do imperativo: “speu,saj kata,bhqi” [desce

depressa], (cf. 5c).

A chegada de Jesus não é uma mera constatação. Há elementos no texto para

comprovar um significado muito maior, sobretudo, quando consideramos a perícope,

como um todo. Nela, percebemos um processo, como algo que transcende o temporal,

o histórico, processo este, manifestado pelos verbos me,llw, die,rcomai, e e;rcomai evpi. .

O verbo me,llw contém a idéia de estar para, estar a ponto de, estar destinado a

acontecer. Significando aqui que Jesus estava a ponto de passar por ali. Traduzimos,

pois, a frase por “devia passar”.

Na seqüência do v. 4 temos a composição dia. + e;rcomai o verbo e;rcomai

(die,rcomai) no infinitivo aoristo ativo. E continua o processo que termina em 5a com o

verbo e;rcomai. “Kai. w`j h=lqen evpi. to.n to,pon…”, [e quando chegou ao lugar...], (cf.

5a).

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No v. 4d: h;mellen die,rcesqai. Em 5a: h=lqen, e no v. 10a, novamente o verbo

h=lqen. As formas verbais indicam uma “promessa”, o anúncio, e a realização: Jesus

devia passar por ali, chegou e chegou para salvar.

A promessa da vinda do Filho do Homem foi anunciada em Dn 7, 13, e

realizada em Jesus que vem procurar e salvar o que estava perdido.

O termo que segue o verbo chegar, nos indica o significado e a importância do

imperativo de Jesus. Trata-se de “to.n to,pon”, observa-se, com artigo. “o lugar”, nos

evangelhos, sempre está relacionado com o Templo, lugar por excelência, conforme,

por exemplo, Jo 11, 45-48, quando os chefes dos sacerdotes e os fariseus temem que

todos venham a crer em Jesus e, que depois, os romanos venham e destruam o lugar

santo, isto é, o templo e a nação294.

Antes da ordem de Jesus a Zaqueu, temos uma expressão muito significativa:

“olhando para o alto”. Trata-se do verbo avnable,yaj, avnable,pw. Constatamos no estudo

do vocabulário, que no NT, o verbo é usado com freqüência para se referir a ações de

Jesus.

Dentre as passagens onde o verbo avnable,pw é usado, chama a atenção os

contextos de bênção do pão e dos peixes (Mt 14, 19; Mc 6, 41; Lc 9, 16), onde se diz

que Jesus olha para o céu: “avnable,yaj eivj to.n ouvrano.n”, e a passagem de Lc 21, 1,

onde se diz que “VAnable,yaj de. ei=den tou.j ba,llontaj eivj to. gazofula,kion ta. dw/ra

auvtw/n plousi,ouj” [olhando para o alto, viu os ricos lançarem na sala dos tesouros,as

suas ofertas].

294 Veja comentário exegético sobre Jo 11, 48, na Bíblia de Jerusalém. Também RIUS-CAMPS, J. O Evangelio de Lucas..., p. 286.

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Diante do sentido e do contexto da ação de Jesus, podemos afirmar que Ele, ao

olhar para o alto, está olhando para um lugar determinado do Templo, a sala dos

tesouros, onde o rico Zaqueu teria se colocado. Assim sendo, o sentido de “o lugar’ e

de “olhando para o alto”, se completam: chegou ao Templo, onde Zaqueu havia se

instalado, e olhou para um lugar específico, sala dos tesouros, onde Zaqueu, como

rico, está.

O contexto da passagem de Lc 21, 1-4, ao comparar a oferta dos ricos com a

duas moedinhas da viúva expressa ainda mais o absurdo da atitude de quem confia e se

sustenta na estrutura do Templo.

Os significados dos verbos que se referem ao “chegar”, do substantivo “o lugar”

e da expressão verbal “olhando para o alto”, oferecem as justificativas para que Jesus

ordene a Zaqueu que desça depressa.

Zaqueu, como pessoa que procurava ver quem é Jesus, não pode mais colocar

sua confiança numa estrutura injusta, que marginaliza e explora, inclusive a ele,

Zaqueu, com a lei da pureza, uma vez que, sendo arquicobrador de impostos é

pecador, segundo a interpretação institucional.

Zaqueu deve descer e descer depressa, sem vacilos, para que não tenha o

mesmo destino de outros ricos que não conseguiram seguir Jesus e assim, encontrar a

salvação. Mas descendo do Templo, lugar onde tinha colocado sua confiança, Zaqueu

se instalará em que lugar? Jesus o adianta: “sh,meron ga.r evn tw/| oi;kw| sou dei/ me

mei/nai” [hoje, é necessário que eu fique em tua casa], (5d).

A casa será o novo “lugar”, em clara contraposição ao Templo. Neste mesmo

sentido, Rius-Camps afirma: “Jesus contrapõe “o lugar” à “a casa”: começa a

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vislumbar a futura “casa” da comunidade de salvos provenientes do paganismo, dos

quais o “arquicobrador” é figura representativa no evangelho”295.

A expressão “evn tw/| oi;kw| sou dei/ me mei/nai”, também é significativa à medida

que o Salvador demonstra ser uma necessidade: ficar na casa de Zaqueu. Não basta

Zaqueu descer da “posição” onde estava, é preciso algo mais, que só se realiza a partir

da benevolência de Jesus para com o arquicobrador de impostos. Temos, aqui, uma

vez mais no terceiro evangelho, uma manifestação da misericórdia de Deus que

procura aos homens de todas as formas, como expressou santo Agostinho: “Quando te

conheci a princípio, tu me ergueste, para que eu pudesse perceber que havia algo para

eu ver, embora, naquele momento, eu ainda não estivesse preparado para vê-lo”296.

Diante da proposta de estar com Jesus, a ordem de descer depressa passa a ser

uma bela oferta, à qual, Zaqueu retribui com pronta obediência e acolhida alegre: “kai.

speu,saj kate,bh kai. u`pede,xato auvto.n cai,rwn” [e desceu depressa e o acolheu com

alegria], (cf. v. 6).

Zaqueu não hesitou em descer e obedecer alegremente, de forma que, hospedar

Jesus em sua casa lhe parece uma honra incomparável. No Salmo 101, 2, o salmista

pergunta a Deus: “quando virás à minha casa”? A Zaqueu, antes que perguntasse,

Jesus disse: hoje, “hoje, é necessário que eu fique em tua casa”, (v. 5d).

A repetição de speu,saj kata,bhqi, aqui, speu,saj kate,bh, sublinha de forma

quase poética, a disposição de Zaqueu em se afastar da instituição a qual estava

apegado.

295 Cf. RIUS-CAMPS, J. O Evangelio de Lucas..., p. 287. 296 AGOSTINHO, Confissões VII. 10, cf. CHAMPLIN, R. N. O Novo Testamento interpretado versículo por versículo..., p. 183.

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O que se percebe é que a conversão de Zaqueu, demonstrada pelas atitudes, é

proporcional ao interesse de alguém que, ao procurar ver quem é Jesus, teve a alegria

de hospedá-lo em sua casa e assim, conhecê-Lo, uma vez que, em se falando de

Evangelho segundo Lucas, a casa e a mesa, assim como o caminho, são realidades que

têm uma relevância explícita.

A alegria de hospedar Jesus não é sem motivos, pois a hospitalidade é uma

verdadeira instituição social da Antigüidade, e significa mais do que apenas comida e

moradia. Ela implica em oportunidade de se trabalhar junto à pessoa que hospeda, em

garantia de proteção diante das autoridades locais, em freqüentar os locais de reunião e

celebração297, de modo que, no contexto lucano, a hospitalidade de Zaqueu a Jesus é a

acolhida da Boa Notícia, é o passar a fazer parte da comunidade cristã.

A partir da obediência à ordem de Jesus e da acolhida de Zaqueu a Jesus, volta

a murmuração dos “religiosos” mais freqüentes, mas quanto a Zaqueu, todas as suas

ações passarão a expressar contradição com os ensinamentos e as práticas do Templo.

6. A murmuração dos legalistas (cf. v. 7)

Diante da alegre acolhida de Zaqueu a Jesus, aparece os “filhos mais velhos”,

conforme registro de Lucas: “...pa,ntej diego,gguzon le,gontej o[ti para. a`martwlw/|

avndri. eivsh/lqen katalu/sai” [...todos murmuravam dizendo que foi hospedar-se na

297 Veja REIMER, I. R. Lucas 16, 1-8: Um elogio à prudência econômica transgressora..., p. 65.

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casa de um homem pecador], (cf. v. 7). Os presentes se escandalizam porque o

importante, como ressalta Schökel, é observar as normas da pureza legal298.

A costumeira murmuração (cf. 5, 30 e 15, 2) é motivada, não somente pelo fato

de Jesus, mais uma vez, estar em casa de pecadores, mas sobretudo, porque na

perícope, ele faltou ainda mais com o decoro, uma vez que não espera ser convidado

por Zaqueu, antes, ele mesmo se convida para estar em sua casa.

Já vimos que a murmuração é uma atitude freqüente dos escribas e fariseus

diante das ações de Jesus, freqüência, que se comprova não somente pelas três citações

(Lc 5, 30; 15, 2 e 19, 7), mas também pelo fato de o verbo aparecer no imperfeito do

indicativo ativo: diego,gguzon, murmuravam, conforme já vimos.

Em Lc 5, 30 e 15, 2, os fariseus e escribas é que murmuravam, mas na perícope

de Zaqueu, há uma ampliação da murmuração: “pa,ntej diego,gguzon” [todos

murmuravam]. Outra constatação é que a primeira murmuração se dirigia aos

discípulos: “...tou.j maqhta.j auvtou/” [...aos discípulos dele]. A segunda é dirigida

indiretamente a Jesus: “ou-toj a`martwlou.j prosde,cetai...” [este recebe pecadores...],

mas na terceira murmuração, todos murmuravam contra Jesus: “eivsh/lqen katalu/sai”

[foi hospedar-se]. A murmuração vai se direcionando pouco a pouco a Jesus, até

atingi-lo diretamente.

Todos murmuravam contra Jesus. Trata-se de uma das características da

apresentação dada pelos evangelhos, acerca das reações adversas que Jesus acarretava,

quando fazia o bem às pessoas mais humildes e, especialmente, quando os

beneficiados eram reputados como grandes pecadores.

298 Cf. BÍBLIA DO PEREGRINO, Ad (19, 7), nota.

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A atitude de murmuração é muita própria de fariseus e escribas, mas também de

todos quantos são “catequisados” por eles. Juntando todos eles, podemos chamá-los de

legalistas, pessoas que normalmente não entendem ou não aceitam que a misericórdia

de Deus se estenda aos pecadores, perdidos e desprezados.

Legalistas, certamente são aqueles que se escondem atrás do sistema injusto e

explorador do Templo, dentre os quais, muitos se beneficiam com privilégios,

inclusive econômicos. O dinheiro! Neste caso específico da perícope de Zaqueu, isso

fica evidente.

O verbo katalu,w, hospedar-se, nos remete à missão do Filho do Homem:

“h=lqen ga.r o` ui`o.j tou/ avnqrw,pou zhth/sai kai. sw/sai to. avpolwlo,j”, isto é, [pois o

Filho do Homem veio para procurar e salvar o que estava perdido], (v. 10).

Considerando que Jesus, a caminho para Jerusalém já havia revelado a misericórdia e a

alegria do Pai, através das parábolas da ovelha, da moeda e do jovem perdido,

mostrando assim que Deus se rejubila com o reencontro, com o “achar o que estava

perdido’. Faltava, certamente hospedar com um pecador para ampliar assim, ainda

mais o alcance da missão de Jesus. Ou ainda, para que um pecador (chefe dos

cobradores [arquicobrador de impostos] e ainda rico) se convertesse, era necessária a

ação de Jesus de não somente encontrar, se aproximar e comer com Zaqueu, como

fizera com tantos outros pecadores, mas também hospedar-se em sua casa: “sh,meron

ga.r evn tw/| oi;kw| sou dei/ me mei/nai”, traduzimos: [Hoje, é necessário que eu fique em

tua casa], ( v. 5d).

Conforme o desfeche da perícope de Zaqueu, concluímos que os legalistas não

são justificados, mas em contraposição, os pecadores o são, pois Deus se lembra deles:

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Zaqueu significa “o puro”, “o justo”, ou, se é uma abreviatura de Zacarias, “Deus se

lembrou”. De qualquer modo, em contrapartida aos legalistas, Deus justifica os

pecadores, dos quais, Zaqueu é representante por excelência.

7. Conversão de Zaqueu e suas conseqüências (cf. v. 8 -10)

No texto de Lc 19, 1-10, não há um momento específico para situar a conversão

de Zaqueu. Como temos dito, foi um processo, como deve ser. O que se percebe é que

Zaqueu, após passar por processo de conhecimento de Jesus, passa agir de modo

diferente, toma novas atitudes, que, são as conseqüências, e ao mesmo tempo, a prova

de sua conversão.

Já vimos que é a partir do “procurava ver Jesus, quem é”, que se desencadeia

um conjunto de ações que marcam o processo de conversão que tem seu ápice na

libertação do mau uso de dinheiro: correr, subir, descer, acolher, dar e devolver.

Zaqueu era arquicobrador de impostos e rico (cf. 19, 2), mas diante do encontro

existencial com Jesus e do conhecimento do projeto de Jesus fez renúncias, algo

fundamental para o discípulo de Jesus Cristo, sobretudo no Evangelho segundo Lucas.

A conversão do arquicobrador de impostos é comprovada por atitudes bem

concretas em favor dos pobres e injustiçados por um sistema econômico corrupto e

explorador.

A atitude de devolver o quádruplo é proporcional ao interesse de quem, ao

procurar ver quem é Jesus, teve a alegria de hospedá-lo em sua casa, ocasião mais do

que propícia para conhecer a identidade de Jesus. Isso se torna ainda mais evidente, à

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medida que correspondeu acima do que a lei mandava, devolução em dobro (Ex 22, 1-

4), dando metade dos bens aos pobres e devolvendo o quádruplo do que havia

defraudado. Zaqueu, porém, segue a orientação do Pentateuco, que mandava dar

quatro ovelhas por uma roubada (cf. Ex 21, 37).

Sem dúvida, se realça nesta atitude de devolver, a generosidade daquele que vê

quem é Jesus e tem coragem de fazer uma escolha: converter-se da vida construída em

torno do dinheiro. “O ser humano tornou-se para ele mais importante que o dinheiro. A

honestidade tornou-se mais importante que o lucro. Zaqueu se havia tornado um

homem novo e diferente!”299.

Sendo uma conseqüência do “procurava ver Jesus, quem é” a conversão se

comprova, primeiramente pela doação da metade dos bens aos pobres, e pela atitude

de restituir o quádruplo em caso de ter exorbitado na cobrança dos impostos com base

em evidências falsas300.

A respeito da atitude de Zaqueu, Kodell observa que sua atitude de amor para

com Jesus despertou novas possibilidades de caridade e serviço301.

Manuel de Tuya comenta que Lucas é rápido na descrição e vai logo ao

fundamental dos fatos, isto é, Zaqueu está convertido302. E a prova de sua conversão

são as atitudes: “staqei.j de. Zakcai/oj ei=pen pro.j to.n ku,rion\ ivdou. ta. h`mi,sia, mou tw/n

u`parco,ntwn( ku,rie( toi/j ptwcoi/j di,dwmi( kai. ei; tino,j ti evsukofa,nthsa avpodi,dwmi

tetraplou/n”[De pé, Zaqueu disse ao Senhor: eis, Senhor, que dou a metade de meus

bens aos pobres, e se defraudei alguém em alguma coisa, devolvo o quádruplo], (v. 8).

299 RICHARDS, L. C. Comentário Bíblico do Professor. São Paulo: Vida, 2001, p. 801. 300 Cf. CHAMPLIN, R. N. O Novo Testamento Interpretado versículo por versículo...p. 184. 301 KODELL, J. Lucas..., p. 100 302 TUYA, M. de. Bíblia comentada..., p. 187.

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Zaqueu renunciou a metade de seus bens e os “deu” aos pobres (cf. 19, 8bc).

Podemos dizer que é a primeira conseqüência do encontro existencial com Jesus. Mas

é preciso salientar que, conforme observações feitas sobre o verbo di,dwmi303, a atitude

de dar não é para o futuro, mas passa a ser um costume, uma atitude própria de quem

segue os ensinamentos de Jesus.

O texto não diz que Zaqueu deixou de ser arquicobrador de impostos, mas

considerando o sentido de costume do verbo di,dwmi, Zaqueu passou a ter atitudes de

partilha dos bens com os pobres. Se, ao fato de não deixar a profissão, tivéssemos que

somar a promessa de dar, no sentido de futuro, tudo não passaria de mera promessa de

um rico.

Zaqueu renuncia à sua riqueza. Essa renúncia, certamente não fora fácil, pois a

riqueza é algo que em todas as épocas, exerceu grande fascinação nas pessoas. No

próprio Evangelho segundo Lucas, no capítulo anterior (18, 18-23), a fascinação pela

riqueza havia impedido certo homem de posição, possuidor de muitos bens, de seguir

Jesus.

A atitude de renúncia que Zaqueu faz é justamente uma contraposição à atitude

do jovem rico, de modo que se torna evidente o contraste entre ricos e pobres, que

Lucas, desde o início de sua obra, fizera questão de demonstrar, sobretudo através da

profecia de Simeão, na qual, ele ressalta que o menino será posto para a queda e para o

soerguimento de muitos (cf. Lc 2, 34).

Ao procurar ver quem é Jesus e renunciar à metade de seus bens, Zaqueu faz

acontecer no Evangelho segundo Lucas algo novo e inusitado. Em 1, 53, o evangelista

303 Cf. pg. 33 a 34, estudo sobre vocabulário, verbo di,dwmi.

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grego anunciara pelas palavras do Magnificat, que “o Senhor cumula de bens os

famintos e despede os ricos de mãos vazias”. De fato, também em 18, 25, Jesus

anunciara que “é mais fácil o camelo entrar pelo buraco de uma agulha do que o rico

entrar no reino de Deus!” Mas o encontro existencial de Zaqueu com Jesus superou

tudo isso. Jesus também anunciara que “as coisas impossíveis aos homens são

possíveis a Deus” (18, 27), e assim se faz. Na vida de Zaqueu, aquilo que parecia

impossível, acontece, graças à gratuidade divina e a disposição humana.

Zaqueu corresponde à pessoa e mensagem de Jesus. Ele soube quem é Jesus e

não se negou a tornar-se discípulo. Ele faz renúncias porque é assim que se alcança o

Reino de Deus, o qual, não é para os que simplesmente nascem filhos de Abraão pelo

sangue, mas que agem tal qual um filho de Abraão. A expressão de Stuhlmueller

elucida este pensamento: “O Evangelho da renúncia e da salvação mostra em Zaqueu

um verdadeiro filho de Abraão”304.

Em termos de restituição de roubos e fraudes em geral, a lei judaica faz várias

distinções entre um caso e outro. Em Ex 21, 37 se diz que: “Se alguém roubar um boi

ou ovelha e o abater ou vender, restituirá cinco bois por um boi e quatro ovelhas por

uma ovelha”. Em seguida orienta que; “Se o animal roubado, boi, jumento ou ovelha,

for encontrado vivo em seu poder [poder do ladrão], restituirá o dobro” (Ex 22, 3).

Segundo o livro dos Números, a lei judaica requeria a mera restituição, além de um

quinto do valor do objeto roubado (cf. Nm 5, 7).

Não obstante às variações, podemos sintetizar que de acordo com as leis

judaicas, a quadruplicada devolução era uma medida requerida dos ladrões. E Zaqueu

não hesitou em conformar-se com essa exigência legal. 304 STUHLMUELLER, C. Evangelho de Lucas..., p. 193.

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Confrontando as atitudes de Zaqueu e leis judaicas, é interessante notar dois

pontos: primeiro, Zaqueu não parece ter se preocupado em distinguir os casos em que

cada lei devia ser aplicada, simplesmente se dispõe a aplicar a quantia máxima, em

todos os casos em que houvesse defraudado e, segundo, nada na lei exigia que Zaqueu

desse aos pobres metade de sua fortuna 305.

Sem dúvida, se realça na atitude de devolver, a generosidade daquele que ve

quem é Jesus e tem coragem de fazer uma escolha: converter-se da vida construída em

torno do dinheiro. Cabe, relembrar uma vez mais o comentário de Lawrence Richards:

“O ser humano tornou-se para ele mais importante que o dinheiro. A honestidade

tornou-se mais importante que o lucro.

Mas há um questionamento que demonstra uma vez mais a importância do

procurar ver quem é Jesus. Zaqueu conforma-se com a exigência legal e até vai além,

mas por que só agora tem consciência de sua fraude? Jesus, por acaso, havia ensinado

alguns cálculos? Não. Foi simplesmente o encontro, o conhecimento da pessoa de

Jesus, dos critérios do Reino de Deus que fez Zaqueu tomar consciência da sua

situação e abrir-se à partilha e generosidade.

Referindo-se ao processo de encontro e conversão, Russel Champlin comenta:

“Zaqueu não hesitou em conformar-se com a exigência legal, embora, antes de seu

encontro com Jesus, a sua consciência jamais tê-lo-ia provocado a qualquer ação

similar àquela”306.

È verdade que a lei não exigia de ninguém a obrigatoriedade de doar metade

dos bens aos pobres, mas o terceiro Evangelho, ao contrário, exige que se dê tudo aos

305 Cf. CHAMPLIN, R. N. O Novo Testamento Interpretado versículo por versículo..., p. 184. 306 Cf. CHAMPLIN, R. N. O Novo Testamento Interpretadoversículo por versículo..., p. 184.

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pobres para poder seguir Jesus. São critérios apontados pelo próprio Jesus em diversas

ocasiãoes e que Lucas fez questão de colocar sempre em evidência. Sendo assim,

podemos dizer que Zaqueu está mesmo convertido, uma vez que não dá tudo aos

pobres, e assim, também não renuncia a todos os bens? Ao homem notável, Jesus

havia dito: “...e;ti e[n soi lei,pei\ pa,nta o[sa e;ceij pw,lhson kai. dia,doj ptwcoi/j( kai.

e[xeij qhsauro.n evn Îtoi/jÐ ouvranoi/j( kai. deu/ro avkolou,qei moi” [...ainda te falta uma

coisa. Vende tudo quanto tens, distribui aos pobres e terás um tesouro nos céus; e vem

e segue-me], (Lc 18, 22). Por que a Zaqueu não se exige o mesmo? Para responder, é

preciso relembrar que, pela lei e também por parte de Jesus, a Zaqueu, nada é exigido.

É ele próprio que, diante das murmurações toma a iniciativa. Segundo, é necessário

recorrer a outros textos do evangelho segundo Lucas, e mais precisamente a Lc 16, 9-

13, onde encontramos uma discussão sobre dinheiro da iniqüidade, ou Mamona307.

“Kai. evgw. u`mi/n le,gw( e`autoi/j poih,sate fi,louj evk tou/ mamwna/ th/j avdiki,aj(

i[na o[tan evkli,ph| de,xwntai u`ma/j eivj ta.j aivwni,ouj skhna,jÅ” [E eu vos digo: fazei

amigos com o dinheiro da injustiça, para que, quando faltar o dinheiro, eles vos

recebam nos tabernáculos eternos], (Lc 16, 9)308. Richard, comentando essa passagem,

relaciona-a justamente com a perícope de Zaqueu. O autor então esclarece que:

A frase – entenda-se o versículo bíblico - pode ser interpretada em dois sentidos. Pode

referir-se só ao dinheiro cobrado injustamente ao qual se deve renunciar (como o

administrador da parábola ou como Zaqueu (19, 1-10). Quer dizer: pode-se fazer

amigos devolvendo todo o dinheiro cobrado injustamente. Outra interpretação, mais

radical pode referir-se à renúncia de todos os bens, dado que todo dinheiro é dinheiro

307 A palavra mamona, em Grego mamwna/, aparece três vezes na pequena perícope (v. 9, 11 e 13).

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da iniqüidade (todo dinheiro é mamona, um ídolo que mata). Um discípulo, então,

pode agir como Zaqueu (19, 1-10), que renunciou unicamente ao dinheiro injusto, ou

renunciar a todos os bens309.

O que o texto deixa entrever é que o fato de Zaqueu ter renunciado somente a

metade de seus bens em favor dos pobres não impede que ele encontre a salvação, pois

é nítido que isso era exigido a quem fosse seguir os passos de Jesus, e para isso

Zaqueu não foi chamado.

Em seguida, cabe ressaltar a observação de Pablo Richard, que no comentário a

Lc 16, 9-13, conclui que o Jesus histórico se prende mais a atitude radical310, e que

Lucas sempre deixa um espaço para os ricos na comunidade, que renunciaram

radicalmente ao dinheiro injusto, como Zaqueu311.

Referindo-se ao caminho para Jerusalém ((9, 51 – 19, 46)312, Javier Pikaza

comenta que o caminho é marcado por uma catequese, em que Cristo mostra a seus

discípulos a força e a exigência de falar e buscar a riqueza verdadeira313. Zaqueu, neste

sentido, optou por essa riqueza verdadeira: converter-se, não só através do

reconhecimento de que Jesus é o Senhor mas também tomando atitudes concretas de

conversão, de justiça, afinal, aceitar Jesus implica mudança de atitude e conduta.

Merece atenção o reconhecimento de Jesus como Senhor, por parte de Zaqueu.

Como vimos na secção sobre o vocabulário, capítulo 1, ku,rioj é um título atribuído a

Jesus com freqüência no Evangelho segundo Lucas e, além disso, possui amplo

309 RICHARD, P. O Evangelho de Lucas..., p. 25. 310 Conforme manifestado em Lc 16, 13 e na parábola do pobre Lázaro (Lc 16, 19-30). 311 RICHARD, P. O Evangelho de Lucas..., p. 26. 312 Conforme já refletido neste trabalho, há divergências entre os autores sobre onde se conclui de fato a subida a Jerusalém. Alguns autores consideram como sendo em 19, 27, outros em 19, 28 e, neste caso, Javier Pikaza, 19, 46. 313 Cf. PIKASA, J. A teologia de Lucas..., p. 275-274.

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significado. Tais constatações nos fazem entender que a comunidade cristã expressa a

consciência de que, assim como existe um só Deus, também há um só Senhor, Jesus

Cristo (cf. 1 Cor 8, 6), de forma que havia, no mínimo, uma convicção de que Jesus

possuía um caráter transcendente.

Baseando-se na compreensão acima do uso de “Senhor” no Evangelho segundo

Lucas, podemos afirmar que Zaqueu, assim como a comunidade, ao chamar Jesus de

Senhor, não está apenas dando-lhe um tratamento cortês, mas expressando também sua

fé na transcendência, no “senhorio” de Jesus Cristo.

Como acolhedor do ensinamento de Jesus, Zaqueu está num processo de

conhecimento de Jesus, de uma conversão real, processual. Escuta a palavra do mestre,

atitude própria de discípulo, como diz Javier Pikasa: “Zaqueu está no caminho de

aprender. Tem sabido escutar a palavra que vem chamar-lhe”314.

Além da conversão, renúncia e generosidade de Zaqueu, podemos dizer que

uma conseqüência especial e conclusiva do “procurava ver quem é Jesus” é a salvação

que acontece na casa do homem chamado Zaqueu, que era arquicobrador de impostos

e rico: “o[ti sh,meron swthri,a tw/| oi;kw| tou,tw evge,neto” [hoje acontece a salvação

nesta casa], (cf. 9b). É, sem dúvida, o ponto culminante do episódio.

Zaqueu pode, agora sim, viver de acordo com o significado de seu nome: “o

puro”315, “o justo”, e isto segundo a compreensão de pureza e justiça de Jesus no

Evangelho segundo Lucas, a saber: pureza como algo interior que se consegue não por

ritos externos, mas pelo despreendimento de tudo o que temos (Cf. Lc 12, 39-41), e

justiça, não como cumprimento de leis e normas, mas como atitude concreta que

314 “Zaqueu está en camino de aprender . Há sabido escuchar la palavra que vino a llamarle”, Cf. PIKASA, J. A teologia de Lucas..., p. 300. 315 Cf. ABOGUNRIN, S. O. Lucas..., p. 1291.

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manifesta amor e gratuidade seja de Deus mesmo em relação ao homem ou vice-

versa316.

Vale acrescentar também, que se o nome Zaqueu é uma abreviatura de

Zacarias= “Deus se lembra”, como propõe Manuel de Tuya317, a perícope ganha ainda

mais significado, uma vez que a pureza e a justiça de Zaqueu, além de ser

conseqüência de sua procura por quem é Jesus, também é expressão da bondade divina

que se lembra do homem e o procura para salvá-lo.

Considerando que o Evangelho segundo Lucas insiste na idéia de que para

entrar no Reino de Deus, ou, para já estar vivendo a salvação, é necessário renunciar

ao mau uso da riqueza, podemos concluir que Zaqueu também chegou, alcançou a

salvação. De fato, é como descreve Stuhlmueller: “O Evangelho da renúncia e da

salvação mostra em Zaqueu um verdadeiro filho de Abraão”318.

A conseqüência concreta e última do “procurava ver Jesus, quem é”, é a

renúncia ao mau uso de sua riqueza, que em Lucas, significa se tornar um verdadeiro

discípulo de Jesus, ou noutras palavras, fazer a acolhida da salvação que Deus oferece

na pessoa de Jesus.

Mathias Grenzer, afirma que a falta de vontade pessoal parecem inviabilizar

uma melhora significativa para os sofridos319. Nas atitudes de Zaqueu, porém, não

316 Podemos constatar na história da pecadora que foi perdoada (Lc 7, 36-50), e mais precisamente na resposta que Jesus dá ao fariseu que reflete consigo mesmo contra a atitude de amor que Jesus tem para com a pecadora, que a justiça não é garantida pelo cumprimento de leis e ritos, mas pelo amor que se demonstra. Jesus já havia dito aos fariseus que murmuravam: “Não vim chamar para a conversão os justos, mas os pecadores...” (5, 32), manifestando assim uma ironia sutil, pois Jesus não está identificando-os como sendo justos, mas como os que se crêem justos. Eles, então, nada têm de justos. Noutras palavras, os justos são aqueles que se sentem pecadores como a mulher de 7, 36-50, não os que se crêm justos como o fariseu. Logo, justiça é o amor gratuito, a entrega a Deus. 317 Cf. TUYA, M. de. Bíblia comentada..., p. 186. 318 STUHLMUELLER, C. Evangelho de Lucas..., p. 193. 319 GRENZER, M. A proximidade de Deus na eliminação da opressão e na caridade ao pobre: um estudo de Is 56-66. Revista de Cultura Teológica, São Paulo, v. 9, n. 34, p. 109, [jan./mar.] 2001.

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faltou vontade pessoal. Seu desejo de conhecer a identidade de Jesus, desencadeou um

processo de libertação do mau uso do dinheiro. Sua vontade pessoal viabilizou uma

melhora significativa na vida de quem havia sido injustiçado e por isso, certamente

sofriam: “...Zakcai/oj ei=pen pro.j to.n ku,rion\ ivdou. ta. h`mi,sia, mou tw/n u`parco,ntwn(

ku,rie( toi/j ptwcoi/j di,dwmi( kai. ei; tino,j ti evsukofa,nthsa avpodi,dwmi

tetraplou/n”[...Zaqueu disse ao Senhor: eis, Senhor, que dou a metade de meus bens

aos pobres, e se defraudei alguém em alguma coisa, devolvo o quádruplo], (v. 8).

O processo desencadeado pelo fato de que Zaqueu “procurava ver Jesus, quem

é”, o leva, usando as palavras do profeta Isaías (Cf. Is 61,10), a ser vestido com o manto

da justiça e as vestes da salvação, pois ao dar metade dos bens aos pobres e devolver o

que havia defraudado, ele abriu espaço para Deus fazer justiça e manifestar a salvação

àqueles que amam o direito e ajustiça320.

Zaqueu venceu a idolatria do dinheiro. Superou a tentação de viver de forma

insensata e pôde então, participar da vida de Deus, isto é, encontrar a salvação: “ei=pen

de. pro.j auvto.n o` VIhsou/j o[ti sh,meron swthri,a tw/| oi;kw| tou,tw evge,neto” [Disse-lhe

Jesus: hoje acontece a salvação nesta casa, na medida em que este é filho de Abraão],

(9ab).

Jesus não propõe a Zaqueu a renúnica de todos os seus bens nem o convida para

segui-lo como discípulo. Jesus registra que “hoje acontece a salvação nesta casa”, o

que significa, na verdade, que a salvação já é um fato nesta comunidade humana que

Zaqueu representa, a saber, os perdidos, os pecadores, os pagãos.

320 Sobre esse tema tão relevante, veja também GRENZER, M. A proximidade de Deus na eliminação da opressão e na caridade ao pobre..., p. 117, [jan./mar.] 2001.

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Na seqüência do texto, lemos que a salvação acontece à medida que esse

(Zaqueu) é um filho de Abraão. O que se ressalta é que a missão do Filho do Homem é

justamente fazer chegar a salvação: “h=lqen ga.r o` ui`o.j tou/ avnqrw,pou zhth/sai kai.

sw/sai to. avpolwlo,j” [pois o Filho do Homem veio para procurar e salvar o que

estava perdido], (v. 10).

A procura efetuada por Jesus, como nos lembra Champlin321, é a ação do

Pastor322. Neste sentido, o v. 10 nos remete à profecia de Ez 34, 16, quando Deus

mesmo, diz que procurará a ovelha que estiver perdida, reconduzirá a que estiver

desgarrada.

Zaqueu e Jesus agem como quem quer viver e refazer a Aliança. Zaqueu é um

perdido que procura e ao mesmo tempo é procurado por Jesus. O encontro torna-se

inevitável e o desfecho, ao contrário de outros encontros no Evangelho, foi feliz.

Reafirmamos, graças à procura de Zaqueu pela identidade de Jesus e a misericórdia e

bondade divina, que em Jesus, também procura o homem para salvá-lo (cf. v. 10).

Antes de concluir essa reflexão cabe ressaltar que o “procurar e salvar o que

estava perdido”, na perícope de Zaqueu, tem um significado muito especial, à medida

que verificamos que a salvação acontece para um perdido que lidera, representa a

classe mais odiada em Israel, isto é, os cobradores de imposto, e que, além disso, é

rico, tipo de pessoa, que até então, no Evangelho, não havia encontrado a salvação.

No Evangelho, onde a salvação é universalizada de modo especial, como se

percebe já no nascimento do Salvador, que é motivo de alegria para todo o povo (cf.

Lc 2, 10-11), e também na pregação de João Batista, quando afirma que toda carne

321 Cf. CHAMPLIN, R. N. O Novo Testamento Interpretado versículo por versículo..., p. 184 322 Veja Lc 15, 4. 6. 9; Mt 9, 13 e 18, 11.

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verá a salvação de Deus (cf. Lc 3, 6), não poderia faltar a salvação de um rico que se

converte, deixando de fazer mau uso do dinheiro. Neste sentido, é o verbo sw,|zw, que

anuncia, a finalidade última da missão de Jesus: salvar. De fato, a salvação pode

chegar a todos, pois chegou até para um arquicobrador de impostos e rico, que se

libertou do mau uso do dinheiro.

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Conclusão

Na introdução deste trabalho, propuzemo-nos comprovar que a afirmação de

Lucas de que Zaqueu “procurava ver Jesus, quem é” (cf. 3a), significa, na verdade, o

desencadear de um processo de libertação do mau uso do dinheiro. A perícope nos faz

compreender que sua atitude de procurar ver era nele habitual, como em alguém que

está num processo de conhecimento da identidade de Jesus.

A partir da reflexão desenvolvida nesta dissertação, podemos concluir que o

procedimento de Zaqueu, desencadeado pelo processo de procurar ver, e desenvolvido

pelas atitudes de correr, subir, descer, acolher, dar e devolver, comprova que Zaqueu

esteve num processo de conhecimento da identidade de Jesus.

Tal processo de conhecimento teve incidências profundas na vida de Zaqueu,

pois foi a partir desta experiência que ele se libertou do mau uso do dinheiro, o que se

caracterizou por atitudes muito concretas: transformou seus bens, seu dinheiro, em

benefício a favor da partilha, da fraternidade e justiça em favor dos pobres.

Observando bem, Zaqueu é a grande surpresa do Evangelho segundo Lucas,

pois o que se apresentou em várias circunstâncias como algo quase impossível, tornou-

se realidade no fim da “longa caminhada para Jerusalém”: um homem rico encontra a

salvação, podendo agora, também viver como filho de Abraão. Para salientar a

importância do acontecimento, vale lembar que Zaqueu se tornara rico, exercendo uma

função deplorada pelos judeus, uma vez que era caracterizada pela desonestidade:

arquicobrador de impostos, um chefe dos cobradores de impostos, ou, noutras

palavras, chefe dos pecadores.

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Além de ter encontrado a salvação, Zaqueu, a partir da dignidade que Jesus lhe

devolveu, passa a viver de acordo com o significado de seu nome: “puro”. Pureza

resultante não de ritos, sacrifícios ou oblações, mas de duas ações que se completam:

divina e humana. De Deus que no Filho, veio procurar e salvar aqueles que aos olhos

dos homens estão perdidos, manifestando assim, a gratuidade da salvação; do homem,

que na busca, procura conhecer Jesus Cristo, “Caminho, Verdade e Vida” (cf. Jo 14,

6).

Aos que procuram Deus, Jesus lhes revela toda a bondade e misericórdia,

trazendo ao mundo, um projeto de salvação, de vida, chamado Reino de Deus, pouco a

pouco edificado, por homens e mulheres como Zaqueu, que procuram a identidade

verdadeira de Jesus e faz grandes renúncias em suas vidas.

Diante das incidências que teve na vida de Zaqueu o fato de que ele “procurava

ver Jesus, quem é”, também nós, como é próprio de uma boa conclusão, devemos

lançar alguns questionamentos e propostas referentes ao uso dos bens e mais

especificamente do dinheiro.

Toda pessoa, de alguma forma, seja pela escassez ou abundância, pelo uso ou

adminstração, relaciona-se com dinheiro e bens em geral. Mas, nossos

questionamentos e propostas devem ser feitos principalmente em âmbito social e

eclesial. Observamos, porém, que nossa intenção é oferecer uma reflexão que nos faça

questionar a vida cristã, que nos ofereça elementos para uma análise crítica das

atitudes que temos num mundo de pessoas cada vez mais seduzidas pela idolatria do

dinheiro. De modo algum, temos a pretensão de oferecer mais um manual de moral

cristã.

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Há pessoas que detêem muita riqueza: terra, empresas, veículos, dinheiro

aplicado em ações e em paraísos fiscais. Muitas delas, ainda se consideram cristãs. A

elas e tantas outras, o caminho de Zaqueu é um verdadeiro paradigma, pois ele foi em

busca da identidade de Jesus, e encontrando-a tomou atitudes práticas, isto é,

renunciou a parte de seus bens para promover a vida, a partilha e a solidariedade com

os mais necessitados. Também se dispos a restituir a quem defraudou e tratou de

exercer a justiça em seu sentido mais pleno, vestindo assim o manto da justiça.

Muitos parecem ter medo de se aproximar do cristianismo, porque ele exige que

se viva a pobreza. Isso tem sido mau entendido e, conforme a perícope, precisamos

afirmar que a exigência radical foi feita a quem quissesse seguir Jesus de forma

especial. Jesus não pediu nada, não pediu que Zaqueu desse tudo aos pobres, como de

fato a outros exigiu, mas devido suas atitudes de renúncia e despreendimento, se

tornou discípulo à medida que passou a seguir os ensinamentos sobre uso do dinheiro,

sobre amor aos pobres, partilha.

Para ser mais concreto, um empresário, por exemplo, de modo algum, a pensar

na perícope de Lc 19, 1-10, precisaria dispor de sua empresa, de todo o seu patrimônio

e riquezas, porém, como cristão atento aos ensinamentos evangélicos, deveria

renunciar a mecanismos de exploração, tão evidentes na economia de mercado;

deveria promover uma administração justa, criar empregos, participação dos

empregados nos lucros e, entre tantas outras possíveis atitudes, incentivar e custear

projetos sociais, sobretudo na área de educação e profissionalização de nossos jovens.

Tudo isso ajudaria a diminuir as enormes desigualdades, mas, reinteramos, para isso é

necessário conversão, libertação do mau uso do dinheiro.

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Com atitudes como as que descrevemos acima, mesmo sendo ricas, as pessoas

estariam vivendo os ensinamentos evangélicos próprios de quem conhece a verdadeira

identidade e proposta de Jesus. Não seriam pseudo-cristãos, talvez mais precisamente,

cristãos consumidores, que “aderem” a Jesus Cristo pelo fascínio do sagrado, pelas

ofertas de um mercado religioso, também explorador e ganancioso. Ao contrário, em

vez de dizerem não à proposta de Jesus, estariam ajudando a criar um mundo mais

fraterno.

Para os que aderem somente à religião de mercado, as experiências com Jesus,

se é que o experimentaram, seriam reduzidas a meras experiências egocêntricas, de

satisfação pessoal, sem nenhuma incidência prática e concreta.

Muitas seriam as transformações que cada pessoa pode realizar, se, ao invés de

acreditar em experiências momentâneas, vazias e egoístas, se dedicassem a conhecer a

identidade verdadeira de Jesus, através de um processo constante de conversão e

libertação.

Em termos sociais, podemos afirmar que a causa principal da pobreza, das

muitas enfermidades e sofrimentos que assolam grande parte da população mundial é o

desejo insaciável do homem em acumular riquezas a qualquer preço. Há nações que,

mesmo tendo sido dotadas de muitos recursos naturais, e até de avanços científicos e

econômicos, continuam produzindo grande número de miseráveis, de pobres, pessoas

que são excluídas de toda riqueza econômica, social e cultural.

Não poderíamos esquecer também, que na ganância que marca as atitudes

políticas e econômicas de muitas nações, em primeiro lugar, justamente as mais ricas,

tem-se promovido grandes prejuízos ambientais. É urgente novas atitudes!

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Em nosso país, de modo especial, a desigualdade, a pobreza, o sofrimento em

hospitais, a falta de educação de qualidade, o aumento assustador da criminalidade e

tantos outros males, têm suas raízes na corrupção, na impunidade, isto é, no desvio de

dinheiro para sustentar, às custas de muitos, o enriquecimento escandaloso de uma

minoria.

A situação do nosso país nos chama a atenção, sobretudo se consideramos as

últimas estatísticas que afirmam: O Brasil é o maior país católico do mundo, e mais

recentemente, evangélico também. Que cristãos são estes? Qual Jesus Cristo

conhecem? O Jesus Cristo dos manuais meramente moralistas ou o mais

contemporâneo, fabricado pelo mercado de venda do sagrado?

Diante da realidade, percebemos a urgência em formar cristãos que tenham uma

consciência mais apurada. Muitos cristãos atuais parecem conhecer um determinado

Jesus Cristo, mas não o enviado de Deus, que anunciou o reino de justiça e de paz, de

partilha e solidariedade.

Podemos ainda, diante da realidade presente, sugerir a muitos católicos e

evangélicos, conforme se auto-denominam, que muito mais importante do que certos

aspectos da fé, seria o esforço de todos nós para darmos um testemunho mais autêntico

do Evangelho de Jesus Cristo. Com toda certeza, mesmo diferentes em alguns aspectos

da fé, podemos colaborar com a sociedade, no sentido de ajudar a criar estruturas

sociais justas, solidárias, seguindo assim, o exemplo do homem rico e pecador do

Evangelho, usando o dinheiro e os bens em geral, para erguer os pobres e restituir-lhes

a dignidade perdida.

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Outro grande escândalo social em âmbito mundial que não devemos esquecer é

o gasto com guerras e projetos armamentistas em geral. Bilhões e bilhões de dólares

são gastos. Estes investimentos não têm outra finalidade senão alimentar outra

idolatria que caminha ao lado do dinheiro: o poder. Enquanto se gasta tanto para fins

bélicos, milhares de vidas humanas são ceifadas na infância por desnutrição, pobreza e

até mesmo pelas próprias guerras. Outros milhares, que sobrevivem um pouco mais,

vivem humilhados.

Diante dessa realidade social questionamos: o mau uso do dinheiro não é a

principal causa de tantas desgraças? E propomos: permitam que a perícope de Zaqueu,

seja uma alternativa de salvação para todos os habitantes desta casa maior, casa de

todos nós, chamada planeta terra. À medida que experimentarmos o mesmo Jesus

Cristo que Zaqueu experimentou, teremos coragem e esforço suficientes para criar

uma sociedade justa e fraterna, onde a salvação não é apenas proposta para o futuro,

para a eternidade, mas acontecimento histórico, realidade presente aqui mesmo.

Também queremos lançar alguns questionamentos e propostas em âmbito

eclesial, ressaltando, porém, que, na Igreja, a questão do dinheiro não é menos

problemática do que em outras realidades humanas. Tratá-la é um verdadeiro desafio.

Primeiro, relembremos o fato da Igreja no Brasil, através da CNBB, ter

proposto um projeto de evangelização com o tema: “Queremos ver Jesus”. Oxalá, a

convicção dos gregos nesse pedido leve os católicos a um ver que seja também

conhecimento profundo da identidade de Jesus Cristo, para que assim, se desfaçam

tantas desigualdades, a começar, no seio da comunidade eclesial.

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Os gregos manifestaram o desejo de ver Jesus. Zaqueu procurava ver quem é

Jesus. Àqueles, Jesus anunciou misteriosamente o caminho da cruz, a este, nada lhe foi

pedido, mesmo assim, libertou-se do mau uso do dinheiro, por isso, ouviu Jesus lhe

dizer: “Hoje acontece a salvação nesta casa”. Nesta casa, como procuramos

demonstrar, não simplesmente na vida de Zaqueu, mas na comunidade nascente,

“Casa-Igreja”, que deve renunciar ao mau uso do dinheiro e colocá-lo sempre ao

serviço da evangelização e do bem comum. Neste sentido, a atitude de Zaqueu é

paradigma também para a comunidade eclesial que possui mais responsabilidade do

que os Zaqueus, pois, como Igreja é chamada, não somente procurar ver quem é Jesus,

mas a anunciar e testemunhá-lo à humanidade.

A Igreja, casa e escola da comunhão, é chamada a ser expressão viva da

caridade, da partilha e da solidariedade, sobretudo para com os pobres, nos quais, há

uma especial presença de Cristo, como escreveu João Paulo II (Carta Apostólica Novo

Millennio Ineunte, n. 43). Para isso, portanto, é imprescindível vigiar e penitenciar-se

para que o dinheiro seja administrado com justiça e eqüidade, de forma a criar

comunhão.

Como a Igreja poderia anunciar Jesus Cristo e suas propostas de renúncia, de

desapego e de necessidade de libertação do mau uso do dinheiro, se muitas vezes o

dinheiro, no seio da Igreja é motivo de escândalos? Sabemos dos limites do ser

humano, mas como teremos autoridade para evangelizar os pobres, se o dinheiro deles,

que pingam no dízimo, nas coletas e receitas em geral é usado inescrupulosamente por

carreiristas, consumistas ou mercenários mesmos? Não é objetivo nosso atacar

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ninguém, muito menos reduzir tais questões à Igreja Católica, queremos apenas indicar

as implicações que a perícope de Zaqueu nos apresenta.

Somente uma Igreja coerente e o mais livre possível de dúvidas quanto ao uso

do dinheiro, poderia ter uma voz profética capaz de questionar pessoas e estruturas

que, por causa da ganância por dinheiro, exploram, são injustas e assim, multiplicam o

número de pobres e miseráveis. Reinteramos, somente uma Igreja austera, trasnparente

e desapegada de bens materiais, poderá anunciar com eficácia o Evangelho.

Há na perícope, como tivemos opotunidade de notar, uma oferta da salvação a

todos quantos se abrem ao conhecimento de Jesus Cristo. Esta constatação, também

coloca um grande desafio para a Igreja e para os cristãos em geral no sentido de

alargar a compreensão sobre os que se salvam. Uma retomada ou um aprofundamento

da mensagem ecumênica do Concílio Vaticano II, ainda que delicada, urge ser feita.

Para superar tantos desafios e levar os cristãos à tomada de consciência destes e

de tantos outros aspectos, é fundamental que haja uma formação mais profunda,

sobretudo em termos bíblicos, pois, como disse o Papa Bento XVI, em discurso aos

participantes no Congresso Internacional por ocasião do 40º aniversário da

Constituição Dogmática Dei Verbum (16/09/05), é a Palavra de Deus que, através do

Espírito Santo, nos guia sempre de novo para a verdade total (cf. Jo 16,13).

É urgente o conhecimento da Escritura e assim, da pessoa de Jesus Cristo. Um

conhecimento em sentido amplo, isto é, não só intelectual, mas de experiência e

vivência eclesial. São Jerônimo, citado pela Dei Verbum, já dizia que ignorar as

Escrituras é ignorar Cristo (cf. DV 25).

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A respeito da importância de conhecer Jesus Cristo, o Verbo de Deus que se fez

carne e habitou no meio de nós, vejo a necessidade de recordar as palavras do Papa

Bento XVI na Sessão inaugural da V Conferência Geral do episcopado da América

Latina e do Caribe. Dizia: “Como conhecer realmente Cristo, para poder segui-lo e

viver com Ele, para nele encontrar a vida e para comunicar esta vida aos demais, à

sociedade e ao mundo? Antes de tudo, Cristo dá-se-nos a conhecer na sua pessoa, na

sua vida e na sua doutrina, através da Palavra de Deus. Começando a nova etapa que a

Igreja missionária da América Latina e do Caribe se dispõe a empreender, a partir

desta V Conferência Geral em Aparecida, é condição indispensável o profundo

conhecimento da Palavra de Deus”. Acredito que tais palavras, são oportunas e

elucidativas.

Diante da necessidade de conhecer Jesus Cristo, a perícope de Lc 19, 1-10,

tendo como ponto de partida fundamental, o enunciado: “kai. evzh,tei ivdei/n to.n VIhsou/n

ti,j evstin”, [procurava ver Jesus, quem é], se torna, como se diz em termos literários,

um apotegma, verdadeiro paradigma para toda pessoa e/ou comunidade que deseja

conhecer a identidade de Jesus, para segui-Lo.

Diz uma expressão religiosa muito popular, que “é impossível conhecer Jesus e

não amá-Lo, amá-Lo e não servi-Lo”. No contexto da perícope de Zaqueu, podemos

adaptar e dizer: é impossível conhecer Jesus e não segui-Lo, segui-Lo e não se libertar

do mau uso do dinheiro, que perpetua a injustiça e prolonga o sofrimento dos pobres.

Finalmente, queremos reafirmar que a perícope de Lc 19, 1-10, ao apresentar

Zaqueu como uma pessoa que “procurava ver Jesus, quem é”, e, entendida como

desencadeamento de um processo de libertação do mau uso do dinheiro, tem

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implicações diretas e profundas na vida pessoal, social e, sobretudo, eclesial. Todos

nós, ao conhecermos a identidade de Jesus Cristo e seu projeto de salvação, somos

impelidos a uma vida de anúncio e testemunho, que passa, necessariamente pelo

processo de libertação do mau uso do dinheiro.

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Bibliografia

Bíblias

BÍBLIA SACRA - Utriusque Testamenti, Editio Hebraica et Graeca. 27 ed. Stuttgart:

Deutsche Bibelgesellschaft, 2001.

BÍBLIA DE JERUSALÉM. São Paulo: Paulus, 2003.

BÍBLIA DO PEREGRINO. São Paulo: Paulus, 2002.

Documentos da Igreja

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