Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP Welder … · 2018-03-22 · SANTOS, Welder...
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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP
Welder Queiroz dos Santos
Ação rescisória por violação a precedente
Doutorado em Direito
São Paulo 2018
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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP
Welder Queiroz dos Santos
Ação rescisória por violação a precedente
Doutorado em Direito Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Direito Processual Civil, sob a orientação do Professor Doutor e Livre-Docente Cassio Scarpinella Bueno.
São Paulo 2018
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Banca Examinadora
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Pesquisa realizada com financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES.
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AGRADECIMENTOS
Agradecer é uma forma de demonstrar gratidão a todos aqueles que,
durante o período em que cursei o doutorado e escrevi essa tese, colaboraram,
participaram, incentivaram e e contribuíram, em diversos aspectos, com os
estudos, a superação dos desafios e a realização desta etapa. Correndo,
assumidamente, o risco de esquecer de alguns, o mínimo que posso fazer neste
momento é registrar minha sincera gratidão.
Ao Professor Cassio Scarpinella Bueno, estudioso, crítico e inspirador,
por me acolher como seu orientando em meu retorno à Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo para o prosseguimento de meus estudos, agora no
doutorado, pela orientação profunda e pelo constante diálogo durante o período
de elaboração da tese.
Ao Professor Sérgio Seiji Shimura, por me acolher há 10 (dez) anos atrás
como aluno especial em suas aulas no mestrado e me oportunizar chegar até
este momento especial. Tenho eterna gratidão pelo acolhimento e pelo estímulo
ao pensamento crítico, sempre com muita sabedoria, humildade e simplicidade.
À Professora Teresa Arruda Alvim, querida pela forma leve como aborda
e ensina questões jurídicas complexas e pelo modo cativante como trata e
respeita àqueles que tiveram e têm o privilégio de terem sido e de serem seus
alunos.
Ao Professor Tércio Sampaio Ferraz Júnior, pelas profícuas aulas de
filosofia do direito e pelas interessantes reflexões sobre direito, sistema e
ordenamento jurídico.
Ao Professor Paulo Henrique dos Santos Lucon, pela disponibilidade de
tempo e pela disposição em compor a banca examinadora desse trabalho.
Ao Professor Pedro Miranda de Oliveira, precursor da escola catarinense
de processo civil, com quem muito aprendi ao longo dos anos.
Ao Professor Massimo Luciani, por me receber na Universidade de Roma
“La Sapienza” no período de novembro de 2015 a fevereiro de 2016 e pelas
reflexões propostas.
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Aos Professores William Santos Ferreira e Olavo de Oliveira Neto, pelas
importantes sugestões apresentadas na banca de qualificação, que muito
contribuíram com o aperfeiçoamento deste trabalho.
Ao Professor Alexandre Reis Siqueira Freire, pela constante
disponibilidade em dialogar sobre questões complexas de direito e de vida
cotidiana nesses tempos estranhos em que vivemos.
Aos queridos Rui de Oliveira Domingos e Rafael de Araújo, pelos
inúmeros auxílios na Secretaria da Pós-Graduação em Direito da PUC/SP. Sou
muito grato por tudo que, com muita bondade e presteza, fizeram por mim.
Aos amigos Bruno Garcia Redondo, Erik Navarro Wolkart, Fabio Victor da
Fonte Monnerat, Geraldo Fonseca de Barros Neto, Guilherme Peres de Oliveira,
Gustavo Gonçalves Gomes, Henrique de Almeida Ávila, Luciana Monduzzi
Figueiredo, Marcus Vinicius de Abreu Sampaio, Paulo Magalhães Nasser e Rafael
Vinheiro Monteiro Barbosa, pelas discussões e descontrações que tornaram o
curso do doutorado mais leve.
Em especial ao amigo Paulo Magalhães Nasser, pelo constante diálogo
durante o período de elaboração das teses (eu, a minha; ele, a dele). A troca de
idéias e as sugestões apresentadas foram significativas para o aperfeiçoamento
do presente trabalho.
À Deus por iluminar e abençoar a minha vida, me proteger e me livrar das
injustiças. Cada dificuldade enfrentada serviu para fortalecer a fé, a confiança e a
capacidade de superar os obstáculos futuros.
Aos meus pais Valmir Alaércio dos Santos e Isis Maria Pires de Queiroz
dos Santos, mais uma vez, pela vida dedicada incondicionalmente à minha
formação e à preservação de minha dignidade e de meu caráter.
Ao meu irmão Weverton Queiroz dos Santos, por existir e, com seu jeito
sincero, direto e afetuoso, tornar minha vida mais feliz.
Ao meu filho Otávio Alves Queiroz dos Santos, por ser fonte de alegria,
pureza, carinho e amor em minha vida.
À Amanda Mara Callejas de Souza, companheira de todas as horas, pelo
amor, carinho, sabedoria, compreensão e felicidade que a vida nos proporciona.
Aos meus tios Valdinei Anísio dos Santos e Rosane Marques Araújo, pelo
acolhimento periódico em sua casa, sempre com muita alegria e afeto.
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Aos amigos cuiabanos Giorgio Aguiar da Silva e Rafael Ribeiro da Guia,
pela amizade sincera, pela convivência cotidiana e pelo incondicional apoio
pessoal, emocional e profissional.
À Faculdade de Direito da Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT,
na pessoa de seu Diretor, Professor Saul Duarte Tibaldi, pela licença concedida
para qualificação stricto sensu.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior –
CAPES, pela bolsa concedida, que viabilizou o aprofundamento na pesquisa e a
melhor dedicação ao curso de doutorado.
Aos meus sócios, Gustavo Roberto Carminatti Coelho e Grhegory Paiva
Pires Moreira Maia, pelo incansável apoio e pela compreensão do longo período
de ausência. Que honra trabalhar ao lado de vocês.
Ao Bruno Henrique de Moraes Oliveira, dedicado aluno da Faculdade de
Direito da UFMT, pelo importante auxílio prestado na pesquisa jurisprudencial.
À Cláudia Guarnieri, pela atenta revisão do presente trabalho.
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"Situações iguais devem ser igualmente decididas e nada mais chocante para a consciência que a disparidade na distribuição da justiça”.
Ministro Anníbal Freire BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Ação
Rescisória 121-DF, Relator Ministro Anníbal Freire, julgado em 19.12.1945
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RESUMO
SANTOS, Welder Queiroz dos. Ação rescisória por violação a precedente. Tese de Doutorado (Direito): Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, Brasil, 2018, 297 f. Essa tese objetiva examinar o cabimento de ação rescisória em caso de violação a precedente. O Código de Processo Civil de 2015 prevê expressamente a rescindibilidade de decisões judiciais por violação manifesta à norma jurídica. Por outro lado, instituiu um rol de pronunciamentos judiciais vinculantes que, em que pese os inúmeros apelidos (ou nomenclaturas) constatados na doutrina e na jurisprudência, são denominados no presente trabalho de precedentes. Para essa análise, adota como premissa a função do direito de regular as relações sociais e os princípios da legalidade, da igualdade e da segurança jurídica sob as suas duas perspectivas: a subjetiva, decorrente da finalidade de garantir o estado ideal de previsibilidade de comportamento do Estado perante os atos dos cidadãos; e a objetiva, com a finalidade de assegurar a estabilidade das relações jurídicas, protegendo o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e, em especial para o presente trabalho, a coisa julgada. Na sequência, o estudo volta-se à analise do conceito, da finalidade, da natureza jurídica, do objeto e das hipóteses de cabimento da ação rescisória, para, posteriormente, dedicar-se à rescindibilidade das decisões transitadas em julgado em caso de violação manifesta à norma jurídica, com o exame das características do pensamento jurídico contemporâneo e do significado de norma jurídica. Em seguida, investiga o precedente judicial como norma jurídica, a função dos precedentes judiciais nos sistemas jurídicos do common law e do civil law, o dever atribuído aos Tribunais de uniformizar e de manter a estabilidade, a coerência e a integridade da jurisprudência e o dever de observar os precendentes estabelecidos pelo Código de Processo Civil. Firmadas tais premissas, a tese conclui pelo cabimento de ação rescisória por violação a precedente e propõe soluções para questões complexas referentes ao momento de formação do precedente, ao momento de trânsito em julgado da decisão rescindenda e ao cabimento de ação rescisória. Palavras-chave: Ação rescisória. Norma jurídica. Violação à norma jurídica. Precedente. Violação a precedente. Cabimento. Súmula 343 do STF.
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ABSTRACT
SANTOS, Welder Queiroz dos. Action to reverse res judicata based on precedents. Thesis (Doctor in Law): Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, Brazil, 2018, 297 f. This doctoral thesis has as its aim the study of the possibility of filing an action for the reversal of res judicata based on a brazilian precedent. The Brazilian Procedural Law Code (CPC) expressly provides the action for the reversal of res judicata based on a rule of law On the other hand, it created a list of binding precedents that are referred in this study as precedent, despite the numerous nicknames (or nomenclatures) verified in doctrine and jurisprudence. For this purpose, it analyses the function of the law to regulate as social relations and the principles of legal basis, equality and legal security. under its two perspectives: the subjective, decorrente da finalidade de garantir o estado ideal de previsibilidade de comportamento do Estado perante os atos dos cidadãos; e a objetiva, with the purpose of ensuring the stability of legal relations, protecting the perfect legal act, acquired right and res judicata. This paper analyses the concept, purpose, legal nature, object and hypothesis of the action for the reversal of res judicata. After, examine the meaning of the rule of law. At this time, examine the precedente as rule of law, the function of the precedente in common law and in civil law systems, the duty of standardization assigned to the Courts and to maintain the stability, consistency and integrity of case law and the duty to observe the precedents established by the Code of Civil Procedure. Finally, the thesis concluded for the possibility of filing an action for the reversal of res judicata based on a precedent and proposes solutions to complex questions regarding the moment of formation of the precedent, at the time of the final res judicata of the rescinded decision and action for the reversal of res judicata based on a precedent.
Keywords: “Ação rescisória”. Action to reverse res judicata. Decision on the merits. Rule of law. Violation of the rule of law. Precedent. Res Judicata. v. Grounds. “Súmula” 343 of the STF.
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RIASSUNTO
SANTOS, Welder Queiroz dos. “Ação rescisória” per violazione di precedente. Tesi di dottorato (Diritto): Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, Brasile, 2018, 297 f. Questa tesi si propone di esaminare la revocazione della decisione in caso di violazione di precedente in ordine giuridica brasiliana. Il Codice di Procedura Civile brasiliano del 2015 prevede espressamente la possibilità di revocazione delle decisioni giudiziarie per violazione manifesta della norma giuridica. D'altra parte, ha stabilito un elenco di pronunciamenti giuridici vincolanti che, nonostante i numerosi nomenclature trovati in dottrina e giurisprudenza, sono chimati in questo lavoro come precedenti. Per questa analisi, adotta come premessa la funzione del diritto di regolare le relazioni sociali i principi di legalità, uguaglianza e sicurezza giuridica sotto le sue due prospettive: quella soggettiva, derivata dallo scopo di garantire lo stato ideale di prevedibilità del comportamento Stato prima degli atti dei cittadini; e la obiettiva, con lo scopo di assicurare la stabilità dei rapporti giuridici, tutelare l'atto giuridico perfetto, il diritto acquisito e, soprattutto per il presente lavoro, giudicato. Lo studio passa quindi all'analisi del concetto, dallo scopo, dalla natura giuridica, dall'oggetto e dalle ipotesi di revocazione (“via ação rescisória”) e, successivamente, a dedicarsi alla rescindibilità delle decisioni in caso di violazione manifesta alla norma giuridica, con l'esame delle caratteristiche del pensiero giuridico contemporaneo e il significato della norma giuridica. In seguita, analizza il precedente come norma giuridica, la funzione dei precedenti giudiziari nei sistemi di common law e di civil law, il dovere dei tribunali di uniformare e di mantenere la stabilità, la coerenza e l'integrità della giurisprudenza e del dovere osservare i precedenti stabiliti dal Codice di Procedura Civile brasiliano. Una volta stabilite queste premesse, la tesi conclude per la possibilità di revocazione dele decisioni per violazione del precedente e propone soluzioni a questioni complesse riguardanti il momento di formazione del precedente, il momento del transito in giudicato della decisione e la decisione di revocazione. Parole chiavi: “Ação rescisória”. Revocazione. Norma giuridica. Violazione di
norma giuridica. Precedente brasiliano. Violazione a precedente brasiliano.
Cabimento. “Súmula” 343 del STF.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 17
1 – ESTADO DE DIREITO, LEGALIDADE, IGUALDADE E SEGURANÇA JURÍDICA .............................................................................................................. 20
1.1. Direito, justiça, sociedade e Estado Democrático de Direito ............... 20
1.2 Legalidade .................................................................................................. 24
1.3 Igualdade .................................................................................................... 27
1.4 Segurança jurídica ..................................................................................... 36
1.4.1 Segurança jurídica sob a perspectiva subjetiva: previsibilidade da
atuação estatal ............................................................................................... 38
1.4.2 Segurança jurídica sob a perspectiva objetiva: estabilidade das relações
jurídicas .......................................................................................................... 42
2 – AÇÃO RESCISÓRIA POR VIOLAÇÃO MANIFESTA À NORMA JURÍDICA 49
2.1 Conceito e finalidade da ação rescisória ................................................ 49
2.2 Natureza jurídica da ação rescisória ........................................................ 51
2.3 Objeto da ação rescisória ......................................................................... 52
2.4 Hipóteses de cabimento ............................................................................ 56
2.5 Especificamente a violação manifesta à norma jurídica ........................ 58
2.5.1 Pensamento jurídico contemporâneo e norma jurídica ......................... 60
2.5.2 Características do pensamento jurídico contemporâneo ...................... 63
2.5.2.1 Força normativa da Constituição .................................................... 63
2.5.2.2. Eficácia normativa dos princípios (e das regras) ........................... 67
2.5.2.2.1 Distinção entre princípios e regras ........................................... 69
2.5.2.2.2 Eficácia direta e indireta dos princípios e suas funções .......... 71
2.5.2.2.3 Eficácia das regras diante dos princípios ................................. 72
2.5.2.3 Direitos fundamentais ..................................................................... 72
2.5.2.3.1 Dimensões dos direitos fundamentais ..................................... 74
2.5.2.3.2 Perspectivas objetiva e subjetiva dos direitos fundamentais ... 75
2.5.2.3.3 Eficácia e aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais .. 76
14
2.5.2.3.4 Eficácias vertical, horizontal e vertical com reflexo lateral dos
direitos fundamentais .............................................................................. 77
2.5.2.4 Método legislativo com base em cláusulas gerais e em conceitos
indeterminados ........................................................................................... 78
2.5.2.5 Profusão da legislação ................................................................... 82
2.5.3 Significado de “norma jurídica” ............................................................. 83
2.5.3.1 Hermenêutica jurídica e significado de norma jurídica ................... 83
2.5.3.2 Distinção entre texto normativo e norma jurídica ........................... 85
2.5.3.3 Método de concretização do sentido dos textos normativos em
detrimento da subsunção ........................................................................... 87
2.5.3.4 O postulado da proporcionalidade .................................................. 89
2.5.3.5 A importância da fundamentação das decisões judiciais ............... 91
2.5.3.6 Norma jurídica ................................................................................ 95
2.5.3.6.1 Direito material e direito processual ......................................... 95
2.5.3.6.2 Direito interno e direito estrangeiro aplicável ao caso ............. 97
2.5.3.6.3 Costume como norma jurídica ................................................. 97
2.5.4 Significado de “violar” ............................................................................ 98
2.5.4.1 Desnecessidade de prequestionamento ...................................... 100
2.5.5 Significado de “manifestamente” ......................................................... 101
2.5.6 Significado de “violar manifestamente a norma jurídica” .................... 104
3 – PRECEDENTE JUDICIAL COMO NORMA JURÍDICA ................................ 107
3.1 Sistemas jurídicos do civil law e do commom law ............................... 108
3.1.1 Sistema jurídico do civil law ................................................................ 108
3.1.2 Sistema jurídico do commom law ....................................................... 110
3.1.3 Convergência entre os sistemas de civil law e de common law no direito
brasileiro ....................................................................................................... 114
3.2 Precedentes .............................................................................................. 116
3.2.1 Uniformização, estabilidade, integridade e coerência da jurisprudência
..................................................................................................................... 121
3.2.1.1 Uniformização (e divergência) jurisprudencial .............................. 122
3.2.1.2 Estabilidade .................................................................................. 123
3.2.1.3 Coerência ..................................................................................... 124
3.2.1.4 Integridade .................................................................................... 125
15
3.2.1.5 Tese da resposta correta .............................................................. 127
3.2.2 Enunciados de súmula ........................................................................ 133
3.3 Precedentes no Código de Processo Civil de 2015 .............................. 145
3.3.1 Vinculatividade .................................................................................... 153
3.4 Espécies de precedentes no Código de Processo Civil de 2015 ........ 160
3.4.1 Decisão em controle concentrado de constitucionalidade .................. 161
3.4.2 Enunciado de súmula vinculante ........................................................ 165
3.4.3 Tese jurídica fixada em julgamento de recursos repetitivos ............... 167
3.4.4 Tese jurídica fixada em incidente de resolução de demandas repetitivas
..................................................................................................................... 168
3.4.5 Tese jurídica fixada em incidente de assunção de competência ........ 173
3.4.6 Enunciado de súmula do Superior Tribunal de Justiça em matéria
infraconstitucional e enunciado de súmula do Supremo Tribunal Federal em
matéria constitucional .................................................................................. 175
3.4.7 Decisão dos órgãos de cúpula dos tribunais ...................................... 181
4 – AÇÃO RESCISÓRIA POR VIOLAÇÃO A PRECEDENTE ........................... 183
4.1 O entendimento antigo sobre o não cabimento de ação rescisória por violação a enunciado de súmula .................................................................. 183
4.2 Ação rescisória por violação a precedente ........................................... 187
4.3 Ação rescisória por violação à norma jurídica constitucional ............ 198
4.4 Prazo para a propositura de ação rescisória por violação a precedente ......................................................................................................................... 209
4.4.1 Especificamente o prazo para a ação rescisória contra decisão
interlocutória de mérito e capítulo não recorrido .......................................... 213
4.4.1.1 Especificamente quanto ao juízo de não admissibilidade do recurso
.................................................................................................................. 218
4.4.2 Especificamente o prazo para propositura de ação rescisória fundada
em “coisa julgada inconstitucional” (art. 525, § 15, e art. 535, § 8.º) ........... 219
4.3 Formação do precedente, trânsito em julgado da decisão e cabimento de ação rescisória .......................................................................................... 225
4.3.1 Inexistência de precedente na época do trânsito em julgado da decisão
rescindenda e formação posterior de precedente em sentido contrário à
decisão ......................................................................................................... 228
16
4.3.2 Inexistência de precedente na época do trânsito em julgado da decisão
rescindenda, existência de divergência na interpretação entre os tribunais e
formação posterior de precedente em sentido contrário à decisão ............. 231
4.3.2.1 Enunciado 343 da Súmula de jurisprudência predominante do
Supremo Tribunal Federal ........................................................................ 232
4.3.2.2 A (in)aplicação do enunciado 343 da Súmula à luz da Constituição
de 1988 na visão do Supremo Tribunal Federal ...................................... 233
4.3.2.3 A (necessidade de) superação do enunciado 343 da Súmula do
Supremo Tribunal Federal ........................................................................ 238
4.3.2.4 Modulação de efeitos como técnica para afastar a aplicação
retroativa de precedente ........................................................................... 245
4.3.3 Existência de divergência na interpretação entre os Tribunais e não
formação posterior de precedente em sentido contrário .............................. 248
4.3.4 Existência de precedente na época do trânsito em julgado da decisão
rescindenda .................................................................................................. 250
4.3.5 Existência de precedente na época do trânsito em julgado da decisão
rescindenda e superação posterior ao trânsito em julgado com a formação de
novo precedente .......................................................................................... 251
CONCLUSÃO ..................................................................................................... 259
BIBLIOGRAFIA ................................................................................................... 268
17
INTRODUÇÃO
O Código de Processo Civil, instituído pela Lei n. 13.105 e publicado no
dia 16 de março de 2015, aprimora a regulamentação da ação rescisória no
direito processual civil brasileiro em diversos pontos.
Entre as inovações referentes às hipóteses de rescindibilidade das
decisões judiciais transitadas em julgado, desde o anteprojeto até a versão final
aprovada, o Código substituiu o cabimento de ação rescisória em caso de
violação a literal dispositivo de lei por violação manifesta à norma jurídica.
O inciso V do art. 485 do Código de Processo Civil de 1973, que previa a
rescindibilidade por violação à literal disposição de lei, há muito tempo era alvo de
críticas, pois o direito não se resumia (e se resume) ao que consta na literalidade
do texto de lei.1
Desse modo, a opção de alterar a rescindibilidade das decisões judiciais
em caso de violação à literal disposição de lei pela hipótese de violação manifesta
à norma jurídica é vista com bons olhos, pois adequa o texto normativo à sua
teleologia.
Por outro lado, o Código de Processo Civil de 2015 instituiu um rol de
pronunciamentos judiciais vinculantes que, em que pese os inúmeros apelidos (ou
nomenclaturas) constatados na doutrina e na jurisprudência, são denominados no
presente trabalho de precedentes. 1 Nesse sentido, Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda e José Carlos Barbosa Moreira eram críticos ao dispositivo. Pontes de Miranda dizia que a palavra “lei” deveria ser entendida como “direito”. Em suas palavras: “[...] para o cabimento da ação rescisória, o que importa é que tenha havido infração da regra jurídica, ofensa ao direito em tese. Quais os degraus que subiu o juiz para a conclusão, qual o caminho tortuoso que tomou, mesmo se reproduz a regra jurídica, se lhe acentua os conceitos, se põe em relevo os seus dizerem, há rescindibilidade da sentença se não atendeu ao preciso sentido da regra jurídica, tal como ela se insere no sistema jurídico”. (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado da ação rescisória das sentenças e de outras decisões. 5 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1976, p. 297). No mesmo sentido, José Carlos Barbosa Moreira afirmava: “Melhor teria sido substituí-la [a literal disposição de lei] por ‘direito em tese’, como sugeriu a Comissão revisora. O ordenamento jurídico evidentemente não se exaure naquilo que a letra da lei revela à primeira vista. Nem é menos grave o erro do julgador na solução da quaestio iuris quando afronte noma que integra o ordenamento sem constar literalmente de texto algum”. (BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. 15 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, v. V, n. 78, p. 131-133).
18
Não se trata de um sistema de precedentes como ocorre nos sistemas
jurídicos do common law, mas sim de um sistema de formação e de aplicação de
precedentes estabelecidos previamente pelo legislador, quando produzidos de
determinada forma, com a finalidade de assegurar que casos iguais recebam
respostas jurídicas iguais, em respeito aos princípios da legalidade, da igualdade
e da segurança jurídica concretizada na previsibilidade das decisões judiciais.
Entre os inúmeros apelidos constatados na doutrina e na jurisprudência,
preferiu-se a nomenclatura pura e simples – precedentes – sem nenhuma
adjetivação, mas destacado em itálico, como forma indireta de chamar a atenção
para o fato de que não se trata fielmente daquilo que em outros países se chama
de precedentes.
Feitas essas observações, o objetivo desta tese é tratar da
rescindibilidade de decisão judicial transitada em julgado que viole precedente
judicial ao interpretar e aplicar o ordenamento jurídico de forma diversa à por ele
estabelecida. A partir das inferências a esse respeito, propor subsídios teóricos e
práticos para as complexas questões referentes ao momento de formação do
precedente, ao momento de trânsito em julgado da decisão rescindenda e ao
cabimento de ação rescisória.
Para tanto, são adotadas premissas metodológicas de estudo que
exigem, em primeiro lugar, a compreensão da função do direito em sociedade e
dos princípios da legalidade, da igualdade e da segurança jurídica sob as suas
duas perspectivas: a subjetiva, decorrente da finalidade de garantir o estado ideal
de previsibilidade de comportamento do Estado perante os atos dos cidadãos; e a
objetiva, com a finalidade de assegurar a estabilidade das relações jurídicas,
protegendo o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e, em especial para o
presente trabalho, a coisa julgada.
Em seguida, o estudo volta-se à analise do conceito, da finalidade, da
natureza jurídica, do objeto e das hipóteses de cabimento da ação rescisória,
para, posteriormente, dedicar-se à rescindibilidade das decisões transitadas em
julgado em caso de violação manifesta à norma jurídica, impondo, ademais,
sejam analisadas as características do pensamento jurídico contemporâneo e o
significado de norma jurídica, para saber em que medida a sua violação autoriza o
manejo de ação rescisória.
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Para a comprovação da tese, surge a necessidade de se investigar se a
violação a precedente judicial configura violação à norma jurídica, o que exige a
compreensão da função dos precedentes judiciais nos sistemas jurídicos, em
especial, nos dois principais, o common law e o civil law. Feito isso, o trabalho
estudará o dever atribuído aos Tribunais de uniformizar e de manter a
estabilidade, a coerência e a integridade da jurisprudência e o dever de observar
(e aplicar) os precendentes estabelecidos no art. 927 do Código de Processo
Civil. A conclusão que se alcança é a de que eles – os precedentes judiciais –
podem ser considerados normas jurídicas.
Firmadas tais premissas, a tese conclui pelo cabimento de ação rescisória
por violação a precedente e, em sua parte final, enfrenta complexas questões
referentes ao momento de formação do precedente, ao momento de trânsito em
julgado da decisão rescindenda e ao cabimento de ação rescisória.
Importante anotar que os poucos estudiosos que trataram desse assunto
em artigos de doutrina esparsos ou em comentários ao Código de Processo Civil
analisaram o cabimento da ação rescisória por violação a precedente sem maior
aprofundamento e sem a preocupação prática com os seus reflexos e com a sua
aplicabilidade, como a que se pretendeu fazer na parte final desta pesquisa
acadêmica.
Portanto, a proposta de rescindibilidade das decisões judiciais por
violação a precedente resulta em um enfoque original que contribuirá com a
Ciência jurídica.
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1 – ESTADO DE DIREITO, LEGALIDADE, IGUALDADE E
SEGURANÇA JURÍDICA
1.1. DIREITO, JUSTIÇA, SOCIEDADE E ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
Direito é uma palavra polissêmica e a sua conceituação não é uma tarefa
fácil (pois não haverá nunca uma única definição de direito), nem é o objetivo do
presente trabalho.2
Embora seja muito difícil, senão impossível, conceituá-lo em um ambiente
de neutralidade de carga emotiva, 3 entre as diversas inclinações teóricas,
filosóficas, sociológicas ou políticas que podem influenciar no seu conceito, o
direito pode ser compreendido como um conjunto de prescrições que têm por
função regular os comportamentos das pessoas4 em sociedade e atuar como
instrumento de controle social,5 disciplinador da vida em sociedade.6 Por isso,
2 Para análise de 18 definições de direito (Platão, Aristóteles, Estoicos, Celso e Ulpiano, Tomás de Aquino, Thomas Hobbes, Samuel Pufendorf, Baruch Spinoza, Jean-Jacques Rousseau, Immanuel Kant, Georg Wolhelm Friedrich Hegel, Friedrich Carl von Savigny, Karl Magnus Bergbohm, Eugen Elrlich, Hans Kelsen, Yevgeniy Bronislavovich Pachukanis, Robert Alexy e Eros Roberto Grau), com esclarecimentos, definição prescritiva, convergência e divergências ideológicas nas definições, elementos fixos e definição normativa: DIMOULIS, Dimitri. Manual de introdução ao estudo do direito. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. p. 17-45. 3 Como leciona Tercio Sampaio Ferraz Jr., “tendo em vista a carga emotiva da palavra, é preciso saber que, qualquer definição que se dê de direito, sempre estaremos diante de uma definição persuasiva (Stevenson, 1985:9). Isso porque é muito difícil, senão impossível, no plano da prática doutrinária jurídica, uma definição neutra, em que a carga emotiva tivesse sido totalmente eliminada” (FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 16). 4 ABBOUD, Georges; CARNIO, Henrique Garbellini; OLIVEIRA, Rafael Tomaz de. Introdução à teoria e à filosofia do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais 2013. p. 36; DIMOULIS, Dimitri. Manual de introdução ao estudo do direito. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. p. 41. 5 LUMIA, Giuseppe. Elementos de teoria e ideologia do direito. Tradução de Denise Agostinetti. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 27. 6 Para Immanuel Kant a conduta humana é regulada por esferas de normatização, principalmente a moral e o direito. A moral como esfera normativa unilateral, assegurada pela liberdade psíquica do ser humano, cujo dever moral é interno, cujo cumprimento não se dá por nenhum instrumento de coerção. Por sua vez, o direito, tido como bilateral, interfere de forma externa, assegurando a liberdade física da pessoa e exigindo o seu cumprimento por instrumentos de coerção (KANT, Imannuel. A metafísica dos costumes. Tradução de Edson Bini. Bauru: Edipro, 2003. p. 57-79).
21
pode-se dizer que o direito é um fenômeno social,7 podendo ser conceituado
como o conjunto de prescrições normativas cuja finalidade é regulamentar o
comportamento social.8
Como afirma Francesco Viola, professor de filosofia do direito na
Universidade de Palermo, As sociedades humanas de todos os tempos usam governar as relações entre os seus membros mediante regras de vária natureza, escritas e não escritas. Algumas delas são identificadas como próprias de uma forma de controle social chamada “direito”.9
Assim, pode-se afirmar que não há direito sem sociedade nem sociedade
sem direito (“Ubi jus ibi societas” ou “ubi societas ibis jus”). Qualquer sociedade
tem necessidade de regramento para uma saudável existência, que se dá pelo
direito.
Arthur Kaufmann sustenta que o direito deve ser pensado como um
modelo de ideia do ser humano em sua tríplice configuração: como aquele que
cria o direito, como a finalidade do direito e como ser subordinado ao direito.10
Para o direito cumprir essa finalidade, o cidadão deve saber o que pode e
o que não pode fazer. O Estado deve estabelecer prescrições normativas que
gerem segurança jurídica, ideal normativo em qualquer ordenamento jurídico11
Em um Estado de Direito todos se submetem às prescrições normativas,12 que
7 CARNIO, Henrique Garbellini; GONZAGA, Alvaro de Azevedo. Curso de sociologia jurídica. São Paulo: Revista dos Tribunais 2011. p. 143; ABBOUD, Georges; CARNIO, Henrique Garbellini; OLIVEIRA, Rafael Tomaz de. Introdução à teoria e à filosofia do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais 2013. p. 75. 8 DIMOULIS, Dimitri. Manual de introdução ao estudo do direito. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. p. 41. 9 Tradução livre de “Le società umane di tutti i tempi usano governare i rapporti tra i loro membri mediante regole di varia natura, scritte e non scritte. Alcune di esse sono identificate come proprie di uma forma di controlo sociale chiamata ‘diritto’” (VIOLA, Francesco; ZACCARIA, Giuseppe. Diritto e interpretazione: Lineamenti di teoria ermeneutica del diritto. 13. ed. Roma-Bari: Laterza, 2018. p. 4). 10 KAUFMANN, Arthur. Filosofia do direito. Tradução de António Ulisses Cortês. 4. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010. p. 225. 11 ÁVILA, Humberto. Teoria da segurança jurídica. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 681. 12 “A circunstância de o Estado moderno se submeter à observância de normas jurídicas, na sua relação com outras pessoas (outros sujeitos de direito), corresponde a uma exigência sentida cada vez mais agudamente, e que vem sendo correlatamente satisfeita de modo cada vez mais completo nas civilizações dos nossos dias. Justamente essa circunstância é o que caracteriza o Estado de Direito” (ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2008. p. 26).
22
servem de instrumento de garantia da compreensão do direito 13 de um
determinado Estado.
O direito, hoje, é intimamente ligado à ideia de Estado.14 Ao Estado –
como entidade soberana, com estrutura própria e organização política destinada a
governar um determinado povo dentro de uma determinada área territorial15 –
compete estabelecer o direito aplicável ao seu povo em seu território no exercício
de seu poder soberano, pois detém o poder (força superior) e o monopólio da
violência legítima (coerção), como forma de organização e de controle social.16
Como observa Celso Ribeiro Bastos, ele, o Estado, “se justifica na segurança
jurídica que transmite”, competindo a ele “garantir e proteger o Direito”.17
O Estado de Direito é aquele formado por um ordenamento jurídico capaz
de assegurar e proteger os direitos do cidadão e de regular a atividade estatal, o
funcionamento de seus órgãos e a relação entre o cidadão e o Estado,
protegendo o cidadão de arbitrariedades estatais.18 O Estado de Direito é aquele
em que todos, governantes e governados, se submetem às prescrições jurídico-
normativas.19
Por isso, leciona Gustavo Zagrebelsky: O Estado de direito indica um valor e refere-se a apenas uma direção de desenvolvimento no âmbito das atividades pertencentes ao Estado e dos incidentes sobre as posições dos
13 ÁVILA, Humberto. Teoria da segurança jurídica. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 681. 14 FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Moralidade e senso comum. O direito, entre o futuro e o passado. São Paulo: Noeses, 2014. p. 131. 15 “O Estado é, portanto, uma espécie de sociedade política, ou seja, é um tipo de sociedade criada a partir da vontade do homem e que tem como objetivo a realização dos fins daquelas organizações mais amplas que o homem teve necessidade de criar para enfrentar o desafio da natureza e das outras sociedades rivais. O Estado nasce, portanto, de um ato de vontade do homem que cede seus direitos ao Estado em busca de proteção e para que este possa satisfazer suas necessidades sempre tendo em vista a realização do bem comum. Na medida em que começam a se alargar as esferas de atuação do poder coletivo, é dizer, na medida em que a própria complexidade da vida social começa a demandar uma maior quantidade de decisões por parte dos poderes existentes, faz-se portanto imprescindível que um único órgão exerça esse poder. Essa centralização do poder dá origem ao Estado” (BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de teoria do Estado e ciência política. 5. ed. São Paulo: Celso Bastos Editor, 2002. p. 42-43). 16 WEBER, Max. Os três tipos puros de dominação legítima. In: COHN, Gabriel (Org.). Max Weber: sociologia. 7. ed. São Paulo: Ática, 1999. p. 128-141. 17 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de teoria do Estado e ciência política. 5. ed. São Paulo: Celso Bastos Editor, 2002. p. 60. 18 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de teoria do Estado e ciência política. 5. ed. São Paulo: Celso Bastos Editor, 2002. p. 129; FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Constituinte, assembleia, processo, poder. São Paulo: Revista dos Tribunais 1985. p. 162. 19 ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2008. p. 26.
23
cidadãos. A direção é a inversão da relação entre o poder e o direito que constituiu a quinta essência do Machtsstaat [Estado absoluto] e do Polizeistaat [Estado de Polícia]: não mais rex facit legem, mas lex facit regem.20
O atual modelo de Estado adotado pelo Brasil, definido pela
Constituição 21 de 1988, a “Constituição-cidadã, é o modelo de Estado
Democrático de Direito, onde todo o poder emana do povo” (art. 1.º, parágrafo
único).22
A Democracia é o regime de governo adotado pelo Brasil. Trata-se de
exercício de governo pelo próprio povo, 23 diretamente ou por meio de seus
representantes, sendo legítimo o exercício do poder estatal quando praticado
conforme diretrizes adotadas (e aceitas) pela sociedade. É vontade democrática
20 ZAGREBELSKY, Gustavo. Il diritto mite. Torino: Einaudi, 2014. p. 20. Tradução livre de: “Lo Stato di diritto indica un valore e accenna solo a una direzione di sviluppo dell’ambito delle attività facenti capo allo Stato e incidenti sulle posizioni dei cittadini. La direzione è l’inversione del raporto tra il potere e il diritto che costituiva la quintessenza del Machtsstaat e del Polizeistaat: non piú rex facit legem, ma lex facit regem”. 21 A Constituição é elaborada pelo poder constituinte, que é a faculdade que um determinado povo possui para fixar as diretrizes fundamentais sob as quais deseja viver. Seja originário ou derivado, coube e cabe ao poder constituinte estabelecer a forma e o regime de governo, a forma e o regime de Estado, constituir os direitos fundamentais dos cidadãos e estabelecer as prescrições que devem estar no topo do ordenamento jurídico, ou seja, na Constituição. Nesse sentido: BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de teoria do Estado e ciência política. 5. ed. São Paulo: Celso Bastos Editor, 2002. p. 99-103. 22 A opção por um Estado Democrático verifica-se já no preâmbulo da Constituição (“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil”) e no art. 1.º (“A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos”). 23 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de teoria do Estado e ciência política. 5. ed. São Paulo: Celso Bastos Editor, 2002. p. 129; FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Constituinte, assembleia, processo, poder. São Paulo: Revista dos Tribunais 1985, p. 21. Nesse sentido, Hans Kelsen: “Se o Estado é reconhecido como uma ordem jurídica, se todo Estado é um Estado de Direito, esta expressão representa um pleonasmo. Porém, ela é efetivamente utilizada para designar um tipo especial de Estado, a saber, aquele que satisfaz aos requisitos da democracia e da segurança jurídica. ‘Estado de Direito’ neste sentido específico é uma ordem jurídica relativamente centralizada segundo a qual a jurisdição e a administração estão vinculadas às leis – isto é, às normas gerais que são estabelecidas por um parlamento eleito pelo povo, com ou sem a intervenção de um chefe de Estado que se encontra à testa do governo os membros do governo são responsáveis pelos seus atos, os tribunais são independentes e certas liberdades dos cidadãos, particularmente a liberdade de crença e de consciência e a liberdade da expressão do pensamento, são garantidas” (KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 218).
24
do povo que legitima o direito criado e balizado por ele e para ele, desde (e a
partir de) a Constituição.24
O Estado brasileiro é constituído por três Poderes independentes e
harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário (art. 2.º), em um
sistema de freios e contrapesos estabelecido pela Constituição de 1988, com forte
inspiração nas lições de Montesquieu – Charles-Louis de Secondat, o Barão de
Brède e de Montesquieu.
1.2 LEGALIDADE
O princípio da legalidade é inerente ao Estado de Direito, opondo-se a
qualquer forma de exercício autoritário de poder antidemocrática.
O art. 5.º, II, da Constituição do Brasil adota o princípio da legalidade no
ordenamento jurídico brasileiro ao estabelecer que “Ninguém será obrigado a
fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.
O princípio da legalidade é basilar do Estado (Democrático) de Direito,
fundando-se na legalidade democrática em subordinação à Constituição.
Conforme ensina José Afonso da Silva, o princípio da legalidade “é nota essencial
do Estado de Direito”. É da essência do conceito de Estado de Direito a
subordinação à Constituição e à legalidade democrática,25 consubstanciando-se o
princípio na regra de que ninguém é obrigado a fazer ou a deixar de fazer algo a
não ser em função de previsão legislativa.
24 José Joaquim Gomes Canotilho, por essa razão, entende que o Estado constitucional de direito democrático é mais que um Estado de direito: “O Estado constitucional é ‘mais’ do que Estado de direito. O elemento democrático não foi apenas introduzido para ‘travar’ o poder (to check the power); foi também reclamado pela necessidade de legitimação do mesmo poder (to legitimize State power). Se quisermos um Estado constitucional assente em fundamentos metafísicos, temos de distinguir claramente duas coisas: (1) uma é da legitimidade do direito, dos direitos fundamentais e do processo de legislação no sistema jurídico; (2) outra é a da legitimidade de uma ordem de domínio e da legitimação do exercício do poder político. O Estado ‘impolítico’ do Estado de direito não dá resposta a este último problema: donde vem o poder. Só o princípio da soberania popular segundo o qual ‘todo o poder vem do povo’ assegura e garante o direito à igual participação na formação democrática da vontade popular. Assim, o princípio da soberania popular concretizado segundo procedimentos juridicamente regulados serve de ‘charneira’ entre o ‘Estado de direito’ e o ‘Estado democrático’, possibilitando a compreensão da moderna fórmula Estado de direito democrático” (CANOTILHO; José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 100). 25 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 1996. p. 400.
25
Por legalidade entende-se a existência anterior de prescrição normativa a
ser aplicada aos casos submetidos ao julgamento.26
O princípio da legalidade é visto de forma diversa para as relações entre
particulares e para a Administração Pública. Enquanto o cidadão pode fazer tudo
o que a lei não proíbe, prevalecendo a autonomia da vontade, a Administração
Pública, em regra, somente poderá fazer aquilo que a lei autorizar, em obediência
àquilo que se convencionou chamar de legalidade estrita. É esse o sentido do art.
37 da Constituição ao estabelecer que a Administração Pública obedecerá ao
princípio da legalidade.27
A legalidade é basilar ao Estado de Direito, mas é submissa à
Constituição, que serve como limite à vontade legislativa. Os representantes
políticos do povo, que integram o Poder Legislativo, trabalham subordinados à
Constituição. “A legalidade só cede, portanto, diante da constitucionalidade. Daí
surge o princípio da supremacia da lei.”28
Entretanto, a lei, embora seja a principal fonte de direito,29 não é a única.
A lei em geral era considerada a principal fonte do direito por ser um produto
26 Paulo Dourado Gusmão ministra que “A anterioridade da norma ao caso a ser julgado chama-se legalidade. Eis o sentido mais importante do termo legalidade, desde que seja considerado em função das liberdades e direitos individuais (sentido democrático de legalidade)” (GUSMÃO, Paulo Dourado. Introdução ao estudo do direito. 33. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 64). 27 Acerca do princípio da legalidade administrativa, são pertinentes os ensinamentos de Cármen Lúcia Antunes Rocha: “Em sua primeira afirmação de conteúdo, o princípio da legalidade administrativa era entendido como a obrigatoriedade de adequação entre um ato da Administração Pública e uma previsão legal na qual ele tivesse sua fonte. Daí por que Hauriou baseou-se no princípio da ‘legalidade’ para elaborar a sua teoria sobre o regime administrativo, no qual não era a lei que se submetia à Administração Pública, antes era esta que à lei se sujeitava. A lei passou a ser considerada, então, sede única do comportamento administrativo, sua fonte e seu limite. Sendo a lei, entretanto, não a única, mas principal fonte do Direito, absorveu o princípio da legalidade administrativa toda a grandeza do Direito em sua mais vasta expressão, não se limitando à lei formal, mas à inteireza do arcabouço jurídico vigente no Estado. Por isso este não se bastou como Estado de lei, ou Estado de Legalidade. Fez-se Estado de Direito, num alcance muito maior do que num primeiro momento se vislumbrava no conteúdo do princípio da legalidade, donde a maior justeza de sua nomeação como ‘princípio da jurisdicidade’”. (ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Princípios constitucionais da administração pública. Belo Horizonte: Del Rey, 1994, p. 79). 28 BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1988-1989. v. 2, p. 24. 29 Para um estudo sobre fontes do direito: GUASTINI, Riccardo. Le fonti del diritto e l’interpretazione. Milano: Giuffrè, 1993. p. 1-16 (cap. 1); NEVES, António Castanheira. Fontes do direito. Digesta – Escritos acerca do direito, do pensamento jurídico, da sua metodologia e outros. Coimbra: Coimbra Editora, 2010. v. 2, p. 7-94; ABBOUD, Georges; CARNIO, Henrique Garbellini; OLIVEIRA, Rafael Tomaz de. Introdução à teoria e à filosofia do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais 2013. p. 211-282; DIMOULIS, Dimitri. Manual de introdução ao estudo do direito. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2013. p. 170-196.
26
democrático, com caráter geral e abstrato, decorrente de decisão majoritária dos
integrantes do Poder Legislativo, que estabelece regras para o futuro. A lei, por
vezes, era confundida com o próprio conceito de direito.30
Hoje, como será visto com mais vagar nos itens destinados à análise do
”pensamento jurídico contemporâneo e norma jurídica” e das “características do
pensamento jurídico contemporâneo”, há diversas fontes do direito, a partir de
uma visão pós-positivista do direito, como a Constituição, os direitos
fundamentais, os princípios jurídicos, as súmulas vinculantes, os precedentes
judiciais e a jurisprudência dotada de efeito vinculante.31 Enfim, o princípio da
legalidade deve ser entendido como o conjunto do ordenamento jurídico.32
Por consequência dessa revitalização das fontes do direito, a
hermenêutica jurídica também se alterou. A análise, a interpretação e a aplicação
das leis (profusas) devem respeitar as normas constitucionais, os direitos
fundamentais e os princípios jurídicos, bem como dar vida às cláusulas gerais e
aos conceitos indeterminados à luz dos fatos concretos.
Por essa razão, contemporaneamente, principalmente na doutrina de
direito administrativo, tem-se referido ao princípio da legalidade como princípio da
juridicidade,33 em adoção da proposta do austríaco Adolf Julius Merkl, feita em
30 ABBOUD, Georges; CARNIO, Henrique Garbellini; OLIVEIRA, Rafael Tomaz de. Introdução à teoria e à filosofia do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais 2013. p. 240; DIMOULIS, Dimitri. Manual de introdução ao estudo do direito. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. p. 165-166. 31 Por todos, é a lição de Georges Abboud, Henrique Garbellini Carnio e Rafael Tomaz de Oliveira: “[...] diversos outros institutos podem ser considerados fonte do direito, tal como as súmulas vinculantes, medidas provisórias e precedentes judiciais, porque a distinção entre imediata e mediata não faz mais sentido, haja vista que a própria jurisprudência tem sido cada vez mais dotada de efeito vinculante com o intuito de assegurar efetividade e, ainda, porque o fato de alçar a doutrina como fonte mediata porque ela não teria normatividade faz transparecer que ela deveria ser considerada fonte de menor prestígio, o que é inaceitável” (ABBOUD, Georges; CARNIO, Henrique Garbellini; OLIVEIRA, Rafael Tomaz de. Introdução à teoria e à filosofia do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais 2013. p. 277-278). 32 “[...] por ‘lei’, pode-se entender o conjunto do ordenamento jurídico (em sentido material), cujo fundamento de validade formal e material encontra-se precisamente na própria Constituição. [...] O princípio da legalidade, dessa forma, converte-se em princípio da constitucionalidade (Canotilho), subordinando toda atividade estatal e privada à força normativa da Constituição” (MENDES, Gilmar Ferreira; VALLE, André Rufino do. Comentários ao art. 5.º, II. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz (Coord.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 245). 33 A doutrina brasileira, nesse sentido, adota os ensinamentos de Eduardo García de Enterría e de Tomás-Ramón Fernandez (GARCÍA DE ENTERRÍA, Eduardo; FERNANDEZ, Tomás-Ramón. Curso de derecho administrativo. 2. ed. Madrid: Civitas, 1986. p. 251): BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria de direito administrativo: direitos fundamentais, democracia e Constituição. Rio de
27
1927, como forma de aclarar que o direito deve ser compreendido a partir de seu
ordenamento jurídico, conquanto a lei não é a única fonte de direito, mas apenas
uma delas.
Nesse sentido, Georges Abboud leciona que “A exigência da juridicidade
material tanto é válida para a Administração como para os tribunais, para o
Governo e para o legislador”.34
Assim, respeitar o princípio da legalidade significa assegurar a
interpretação e a aplicação da lei em conformidade com a Constituição, os direitos
fundamentais, os princípios jurídicos, o sistema jurídico e os sentidos adequados
a serem atribuídos às cláusulas gerais e aos conceitos indeterminados em suas
interações com o caso concreto em um determinado momento histórico.35
Ademais, respeitar o princípio da legalidade significa respeitar os
precedentes judiciais dotados de efeito vinculante.36
1.3 IGUALDADE
Não há justiça sem igualdade.37-38 O tratamento igualitário (ou isonômico)
é premissa fundamental para a existência de uma ordem jurídica justa. Trata-se
Janeiro: Renovar, 2006. p. 137-139; MORAES, Germana de Oliveira. Controle jurisdicional da Administração Pública. São Paulo: Dialética, 1999. p. 24; MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo. 16 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 85-86; GARCIA, Emerson. A moralidade administrativa e sua densificação. Revista de Informação Legislativa, v. 39, n. 155, p. 153-173, esp. 169, jul.-set. 2002; ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Princípios constitucionais da administração pública. Belo Horizonte: Del Rey, 1994, p. 79. No direito processual civil: DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil. 11. ed. Salvador: JusPodivm, 2013. v. 3, p. 490-491. 34 ABBOUD, Georges. Comentários ao art. 8.º. In: BUENO, Cassio Scarpinella (Coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2017. v. 1, p. 136. 35 “Enfim, é possível perceber que o vocábulo ‘lei’ é dotado de uma plurissignificância, que é resultado de diferentes conceitos e concepções fundadas historicamente em distintos princípios estruturantes do Estado, ora assumindo feições aproximadas ao conceito formal decorrente do princípio democrático, ora traduzindo sentidos próprios do conceito material fundado no princípio do Estado de Direito” (MENDES, Gilmar Ferreira; VALLE, André Rufino do. Comentários ao art. 5.º, II. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz (Coord.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 245). 36 ABBOUD, Georges; CARNIO, Henrique Garbellini; OLIVEIRA, Rafael Tomaz de. Introdução à teoria e à filosofia do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais 2013. p. 277-278). Como anotaram Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha: “O juiz respeita o ‘princípio da legalidade’ quando observa os precedentes judiciais e a jurisprudência dos tribunais” (DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil. 11. ed. Salvador: JusPodivm, 2013. v. 3, p. 491).
28
de “um dos princípios estruturantes do sistema constitucional global, conjugando
dialeticamente as dimensões liberais, democráticas e sociais inerentes ao
conceito de Estado de direito democrático e social”.39
O princípio da isonomia encontra-se expressamente previsto no art. 5.º,
caput, da Constituição de 1988, que dispõe que “todos serão iguais perante a lei,
sem distinção de qualquer natureza”, sendo parâmetro tanto para o elaborador
(Poder Legislativo) quanto para o aplicador (Administração Pública e Poder
Judiciário) da lei infraconstitucional.
De acordo com o constitucionalista português Jorge Miranda, a igualdade
pode ser vista como “igualdade jurídica-igualdade social ou igualdade perante a
lei (como é mais frequente dizer) – igualdade na sociedade”.40 A primeira trata-se
da igualdade sob o aspecto formal e a segunda sob o material.41
Em sentido formal, igualdade jurídica-igualdade social ou igualdade
perante a lei assegura a observância da lei e impõe a proibição de distinção pelo
aplicador do direito que não tenha correlação com a lei (rectius: com o
ordenamento jurídico). Nesse sentido, corresponde ao princípio da legalidade,
que estabelece que “ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa
senão em virtude de lei” (rectius: do ordenamento jurídico) (art. 5.º, II, CF). Nesse 37 Para Gustav Radbruch, os elementos universalmente válidos para a ideia de direito são os valores jurídicos da justiça e da segurança, sendo a igualdade inerente ao valor justiça: RADBRUCH, Gustav. Filosofia do direito. Tradução de Luís Cabral de Moncada. 6. ed. Coimbra: Armênio Amado, 1997. v. 1, p. 199 ss. 38 Como afirma Jorge Miranda: “Pensar em igualdade é pensar em justiça na linha da análise aristotélica, retomada pela Escolástica e, aceite ou não, por todas as correntes posteriores, de Hobbes e Rousseau, a Marrx, a Rawls e a Amartya Sen” (MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 5. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2012. t. IV, p. 263). 39 CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MOREIRA, Vital. Constituição da República portuguesa anotada: arts. 1.o ao 107. 4. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2007. p. 336-337. 40 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 5. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2012. t. IV, p. 268. 41 Trata-se de distinção comumente feita e aceita pela doutrina brasileira. Por todos: SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de direito constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais 2012. p. 526-528; MARTINS, Leonardo. Direito fundamental à igualdade. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz (Coord.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 222-229; MORAES, Guilherme Peña de. Curso de direito constitucional. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2017. p. 207-215; BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1988-1989. v. 2, p. 5. No direito português: MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 5. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2012. t. IV, p. 268; CANOTILHO; José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 426-432; CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MOREIRA, Vital. Constituição da República portuguesa anotada: arts. 1.o ao 107. 4. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2007. p. 336-337.
29
sentido, a igualdade é vista como uma regra normativa decorrente da legalidade
perante a lei e em virtude de lei, que busca atribuir os direitos em igualdade. Em
seu art. 37, caput, por outro lado, a Constituição estabelece que a Administração
Pública deve observar o princípio da legalidade (estrita), ficando limitada a
praticar os atos expressamente autorizados por lei, como forma de limitar a
atuação do poder público e de coibir abusos de poder.
Por sua vez, em sentido material, a igualdade na sociedade é
considerada um princípio constitucional, que serve de baliza para a aplicação da
lei, como garantia de inviolabilidade do direito à igualdade, com proteção à
igualdade que anseia pela maior concretização possível, sobretudo em face de
outros princípios que gozam também de dignidade constitucional. No entanto,
embora não preveja nenhum comportamento específico, assegura uma posição
jurídica pública-subjetiva de resistir ao tratamento desigual perante a lei ou pela
lei. Trata-se de uma incumbência do Estado e da sociedade em face das efetivas
condições das pessoas, na concretização de “uma igualdade real e efetiva
perante os bens da vida”.42 Como leciona Jorge Miranda, a igualdade material é
“ligada a uma atitude crítica sobre a ordem social e económica existente e à
consciência da necessidade e da possibilidade de a modificar (seja qual for a
orientação política que se adote)”.43
Conceder tratamento igualitário significa, de um lado, tratar igualmente os
iguais e, de outro, desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade,
conforme célebre lição de Aristóteles.44
Os direitos devem ser os mesmos para todos os que estejam em situação
de igualdade, havendo desigualdade quando uma pessoa, um grupo de pessoas
ou uma situação forem essencialmente iguais e apesar disso tratadas
diferentemente ou forem essencialmente diferentes e apesar disso tratadas
42 BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1988-1989. v. 2, p. 5. 43 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 5. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2012. t. IV, p. 268. 44 É de Aristóteles a afirmação de que “[...] se as pessoas não forem iguais elas não terão uma participação igual nas coisas” (Ética a Nicômaco. Tradução de Mário da Gama Kury. 3. ed. Brasília: Editora UnB, 1992. p. 96).
30
igualmente. 45 Deve-se dar tratamento igual a pessoa, grupo de pessoas ou
situação que forem essencialmente iguais, sem privilégio ou discriminação ou
tratamento diferenciado.46
Por outro lado, o tratamento desigual entre pessoas em situação
substancial de desigualdade é uma forma de alcançar a igualdade efetiva ou real,
devendo o Estado e a sociedade civil organizada criar meios ou condições
concretas para que essas pessoas possam exercer o direito em condição de
igualdade, transformando a vida e as estruturas nas quais as pessoas se
encontram. “Não se forma uma sociedade de iguais se os seus membros não
têm, antes de mais, o direito de ser iguais.”47
A constatação de possíveis violações ao princípio constitucional da
igualdade depende da verificação do tratamento desigual e da análise de sua
possível justificação, que levará em conta um referencial para a distinção (origem,
raça, etnia, sexo, orientação sexual, cor, idade, profissão, religião, deficiência
física, ideologia política etc.).48 Essa análise deve levar em conta a autoridade
45 MARTINS, Leonardo. Direito fundamental à igualdade. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz (Coord.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 223-224; BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 15-19. 46 De acordo com Jorge Miranda, “Privilégios são situações de vantagem não fundadas e discriminações situações de desvantagem; ao passo que discriminações positivas são situações de vantagens fundadas, desigualdades de direito em consequência de desigualdades de facto, tendentes à superação destas e, por isso, em geral, de caráter temporário” (MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 5. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2012. t. IV, p. 268-269). 47 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 5. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2012. t. IV, p. 268-269. 48 O argentino Roberto Saba propõe uma reconstrução da noção usualmente aceita de igualdade como tratamento não arbitrário e de não submissão como forma de capturar os problemas de desigualdade estrutural. Entende que a ideia de que é possível listar a priori categorias proibidas ou contrárias ao princípio da igualdade não é sensível a problemática da desigualdade estrutural. Propõe, assim, que as suspeitas de violação à igualdade não pesem tão somente sobre certos critérios ou requisitos preestabelecidos, mas também sobre aqueles cuja aplicação contribui para perpetuar situação de subordinação, independentemente de sua correspondência com as proibições preestabelecidas, como uma particular importância do impacto da tese sobre a justificação das ações de tratamento preferencial e sobre relação com a noção de igualdade. Sugere repensar o papel dos juízes ao aplicar a Constituição e os tratados internacionais de direitos humanos em casos que envolvem afetações estruturais de direitos em geral e de desigualdade estrutural em especial. Afirma que, quando a desigualdade é produto de práticas sociais e estatais que conduzem a submissão de grupos, é preciso visualizar a afetação do direito em termos coletivos e pensar os remédios em termos estruturais, das perspectivas que os juízes deveriam incorporar ao exercer o controle de constitucionalidade nesses tipos de casos. A proposta decorre de pesquisas do autor durante os dez anos que sucederam a maior crise econômica, política e social da Argentina iniciada em dezembro de 2001. Trata-se de interessante estudo, tendo em vista os semelhantes problemas por que passa o Brasil (SABA, Roberto. Más
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estatal que discrimina, pois tem que ter sido praticado pela mesma autoridade
para que haja violação.49
A violação à igualdade pode decorrer de lei e de outros atos normativos
elaborados pelo Poder Legislativo, de atos da Administração Pública decorrentes
do exercício do poder discricionário e também de decisões judiciais emanadas
pelo Poder Judiciário. Como leciona Celso Antônio Bandeira de Mello: “O preceito
magno da igualdade, como já tem sido assinalado, é norma voltada quer para o
aplicador da lei quer para o próprio legislador”.50
Para fins do presente trabalho importam-nos as violações à igualdade
decorrentes de decisões judiciais que constroem normas jurídicas diferentes para
situações idênticas ou normas jurídicas iguais para situações diferentes.
Em países de civil law, como é o caso do Brasil, é comum a lição no
sentido de que é a lei o meio pelo qual o Estado dispõe para exercer qualquer
ação em busca da concretização do princípio da igualdade.
Mas, não só. O Estado como um todo deve interessar-se por produzir
uma condição de igualdade real, efetiva e material ou de igualdade na sociedade.
O “princípio da igualdade diz respeito a todas as funções do Estado e exige
criação e aplicação igual da lei, da norma jurídica”, sendo os tribunais, em
especial os Tribunais Superiores, também seus destinatários.51
Sobre o tema, Leonardo Martins observa: De nada adiantaria a existência de comando constitucional dirigido ao legislador se o Poder Judiciário não tivesse de seguir idêntica orientação, podendo decidir, com base na mesma lei, no mesmo momento histórico (ou seja, sem que se possa afirmar que fatores históricos hajam influído no sentido que se deva dar à lei), em face de idênticos casos concretos, de modos diferentes.
allá de la igualdad formal ante la ley: ¿Qué les deve el Estado a los grupos desaventajados? Buenos Aires: Siglo Veintiuno, 2016. passim). 49 Como sintetiza Leonardo Martins: “Em síntese: para se verificar a presença de um tratamento desigual relevante em face do art. 5.o, caput, da CF, deve-se reunir as seguintes condições: as pessoas, grupos de pessoas ou situações supostamente tratadas desigualmente têm que, em primeiro lugar, pertencer ao mesmo gênero de pessoas, grupo de pessoas ou situações e o ente que discrimina tem que ser o mesmo” (MARTINS, Leonardo. Direito fundamental à igualdade. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz (Coord.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 224-225). 50 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 09. 51 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 5. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2012. t. IV, p. 289.
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[...] Quando o órgão do Poder Judiciário de primeira ou segunda instância julga desigualmente aqueles que pela lei são iguais, tratando também desigualmente os “iguais perante a lei” ou vice-versa, comete um erro de aplicação do direito, que deverá ser corrigido pela instância imediatamente superior. Somente quando o “erro” for cometido pelos tribunais superiores, sobretudo pelo STF, ou quando contra a decisão não couberem mais recursos a serem interpostos junto a tais tribunais, estar-se-á diante de uma inconstitucionalidade provocada pelo Judiciário em face do direito à igualdade.52
O Poder Judiciário, portanto, também tem por função, inerente ao
princípio da igualdade, concretizar normas jurídicas iguais para situações
idênticas e normas jurídicas diferentes para situações desiguais.53 “[O] ideal de
uma sociedade alicerçada na igualdade (ou na justiça) é um dos ideais
permanentes da vida humana e um elemento crítico de transformação não só dos
sistemas jurídicos, mas também das estruturas sociais e políticas.”54
Como afirmam Rupert Cross e J. W. Harris, “é um princípio básico da
administração de justiça que os casos similares devem ser decididos de maneira
similar”.55
Teresa Arruda Alvim, ao tratar da função do princípio da isonomia perante
a aplicação do direito pelo Poder Judiciário, ministra: O princípio da isonomia se constitui na ideia de que todos são iguais perante a lei, o que significa que a lei deve tratar a todos de modo uniforme e que correlatamente as decisões dos tribunais não podem aplicar a mesma lei de forma diferente a casos absolutamente idênticos, num mesmo momento histórico. [...] Uma das consequências inafastáveis da incidência deste princípio é a de que, em face de casos “rigorosamente idênticos”, deva o Judiciário tender a decidir, aplicando a mesma regra de direito, entendida da mesma forma.56
52 MARTINS, Leonardo. Direito fundamental à igualdade. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz (Coord.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 222-223 e p. 229. 53 “A igualdade na aplicação do direito continua a ser uma das dimensões básicas do princípio da igualdade constitucionalmente garantido e, como se irá verificar, ela assume particular relevância no âmbito da aplicação igual da lei (do direito) pelos órgãos da administração e pelos tribunais” (CANOTILHO; José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 426). 54 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 5. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2012. t. IV, p. 270. 55 CROSS, Rupert; HARRIS, J. W. El precedente en el derecho inglés. Tradución de Maria Angélica Pulido. Madrid-Barcelona-Buenos Aires: Marcial Pons, 2012, p. 23. 56 ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2008. p. 524-525.
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Como os textos jurídicos normativos, relativamente a determinados fatos,
em dado momento histórico e num determinado lugar, são preordenados a terem
somente uma interpretação correta, entre das diversas possíveis,57 a aplicação de
normas jurídicas de conteúdos diferentes para situações idênticas e de normas
jurídicas de conteúdos idênticos para situações desiguais viola o princípio da
igualdade.
Teresa Arruda Alvim observa que a única solução correta para o caso é
um pressuposto de funcionamento do sistema jurídico e, em um sistema de civil
law, as reiteradas decisões (às vezes, uma só) em um mesmo sentido assumem
importante papel no tocante aos casos concretos futuros em contextos fáticos
idênticos, em um mesmo momento histórico e num determinado lugar.58
57 ARRUDA ALVIM NETTO, José Manoel. A arguição de relevância no recurso extraordinário. São Paulo: Revista dos Tribunais 1988. p. 16. Em outro trabalho, Arruda Alvim leciona que “as dúvidas a respeito da interpretação do direito em tese, entretanto, hão de ser contemporâneas, isto é, coexistentes no mesmo momento histórico. Por outras palavras, num mesmo momento histórico não é aceitável que a mesma regra jurídica tenha mais de uma interpretação, pois o atributo da certeza é necessidade indeclinável da ordem jurídica; a duplicidade de interpretação criaria, certamente, a dubiedade respeitamente à conduta” (ARRUDA ALVIM NETTO, José Manoel. Dogmática jurídica e o novo Código de Processo civil. Revista de Processo, São Paulo, ano 1, v. 1, p. 101, nota 28, 1974). Trata-se de adoção de uma resposta correta, entre as diversas interpretações jurídicas possíveis, para determinados fatos, em dado momento histórico e num determinado lugar. Esse é o pensamento de Ronald Dworkin que sustenta que mesmos os casos difíceis, passível de resolução por meio dos princípios, possuem sim uma resposta correta. Para o autor, os princípios permitem ao juiz individualizar, sempre e em todos os casos, a única solução jurídica correta, sem exercer nenhum poder discricionário em sentido forte (DWORKIN, Ronald. Os direitos podem ser controversos? Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 429-446). Teresa Arruda Alvim chega à mesma conclusão: “Nesta ordem de ideias, e é este o cerne destas nossas reflexões, deve-se esclarecer que, mesmo nas hipóteses em que o juiz cria direito, pode-se vislumbrar a existência de uma única solução correta para o caso. Não se trata, propriamente, da única que existia previamente: mas será única, a partir de sua criação tida como a correta para os casos subsequentes” (ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Cada caso comporta uma única solução correta? In: ______; MARINONI, Luiz Guilherme; MENDES, Aluísio Gonçalves de Castro (Coord.). Direito jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. v. 2, p. 1228). 58 “A ideia de que só há uma única solução para cada caso concreto, como já se mencionou, tem vários sentidos, que dependem, em parte, do contexto em que seja compreendida. É, a meu ver, pressuposto de funcionamento do sistema e especificamente, relevante mola propulsora da atividade do juiz. Se lhe parecesse haver diversas soluções possíveis, todas elas corretas, para resolver-se a situação posta à sua apreciação, se comportaria como alguém trilhando um caminho sem saber onde vai chegar. Mas não é esta a acepção de afirmação que mais interessa para estas reflexões. Dizer-se que para um certo e determinado caso só há uma decisão correta é, também, a ideia que está por detrás da necessidade de que os precedentes sejam seguidos, principalmente nas hipóteses em que o juiz tenha exercido função visivelmente criativa. Nos países de civil law, havendo reiteradas decisões em determinado sentido, ou até mesmo havendo uma só, de tribunal superior, esta será a tese correta e equivocadamente decidirá o juiz que não considerar esta cláusula abusiva. Assim, em relação ao futuro, esta será a única decisão correta para casos concretos. Idênticos. Por isso é que digo que, nesta dimensão, vê-se que a decisão do
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Para evitar esse tratamento jurídico desigual para situações fáticas
idênticas, o Código de Processo Civil instituiu um sistema judicial de precedentes
judiciais vinculantes,59 criou e aperfeiçoou diversos institutos com a finalidade de
uniformização de entendimento dos tribunais,60 de fixação de teses jurídicas e de
colocar em ordem a função do direito de regular e disciplinar o comportamento e a
vida das pessoas em sociedade.61 Como apontou o português António Moreira
Barbosa de Melo, o núcleo imperativo do princípio da igualdade de tratamento
consiste no teste da universalizabilidade ou generalizabilidade da ratio
decidendi.62
Com efeito, a adoção da um sistema de precedentes judiciais, com
criação de técnicas de julgamento com a finalidade de fixar teses jurídicas para juiz não se limita a ser a regra para o caso concreto, mas, vista como precedente, assume também a função de ser o direito aplicável a casos futuros. Evidentemente, não se ignora haver casos para os quais há duas ou mais soluções corretas. Mas este não pode ser o ponto de partida do juiz nem uma verdade doutrinária, sob pena de se comprometer o caráter sistemático do direito. Disto pode decorrer, pelo menos em parte, o desestímulo para que precedentes devam ser respeitados ou de que uma linha reiterada de jurisprudência, num mesmo sentido, deva ser seguida. E é claro, também, que, nesta segunda dimensão, não se está tratando da correção da decisão sob o ponto de vista intrínseco ou substancial. Fixada a jurisprudência em certo sentido x, certamente haverá argumentos capazes de demonstrar que a tese adotada deveria ser outra. Mas para fim de orientação dos demais tribunais deve ser considerada a decisão correta” (ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Cada caso comporta uma única solução correta? In: ______; MARINONI, Luiz Guilherme; MENDES, Aluísio Gonçalves de Castro (Coord.). Direito jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. v. 2, p. 1228). 59 As questões polêmicas referentes ao sistema de precedentes criado pelo Código de Processo Civil de 2015 e também a sua vinculação serão abordadas em capítulo específico no presente trabalho. 60 Como bem acentua Arruda Alvim, a uniformização de jurisprudência, seja por meio de recursos, seja por meio de outras técnicas processuais, “em última análise, responde mesmo ao próprio princípio da igualdade de todos perante a lei, pois se esta regra (princípio) está constitucionalmente prevista, a variedade de interpretações sobre uma mesma norma tornaria desiguais as condutas exigíveis dos que deveriam, nos diversos casos ‘idênticos’ ou ‘semelhantes’ (onde esteja em pauta a mesma problemática jurídica), sofrer um comando igual, precisamente porque a cada norma corresponde (= deve corresponder) uma única inteligência e, pois, uma única conduta há de ser exigida” (ARRUDA ALVIM NETTO, José Manuel de. Notas a respeito dos aspectos gerais e fundamentais da existência de recursos – Direito brasileiro. Revista de Processo, São Paulo, n. 48, p. 11, 1987). 61 De certo modo, a impressão que se tinha era a de que a ausência de um sistema de precedentes no Brasil legitimava a violação ao princípio da igualdade. Como lecionava Leonardo Martins anteriormente ao Código de Processo Civil de 2015: “Como não temos no Brasil um sistema judicial no qual os precedentes vinculam, nunca podendo as decisões criar regras gerais, a única hipótese de violação do direito à igualdade, além daquela já apontada (erro de aplicação em última instância), é o caso da interpretação de conceitos legais imprecisos que aumentam a discricionariedade judicial, possibilitando uma violação perpetrada originalmente pelo exercício da atividade jurisdicional” (MARTINS, Leonardo. Direito fundamental à igualdade. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz (Coord.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 229). 62 MELO, António Moreira Barbosa de. Introdução às formas de concertação social. Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra, v. LIX, p. 65-127, 1983.
35
determinadas circunstâncias fáticas, contribui efetivamente para a isonomia das
decisões judiciais, uma vez que o Poder Judiciário deverá aplicar a mesma tese
jurídica para diversas situações fáticas idênticas, tratando os casos iguais de
maneira igualitária.
Todavia, não só. Para garantir a plenitude da concretização da igualdade
é necessário existir também coerência e integridade do direito, elementos do
princípio da igualdade. São duas faces de uma mesma moeda chamada
igualdade. Toda vez que os mesmos elementos aplicados em decisões anteriores
o forem para casos idênticos.
Assim, antes do trânsito em julgado dessas decisões que aplicam
equivocadamente o direito, a correção poderá ocorrer pela instância
imediatamente superior por meio da interposição do recurso cabível. Além do
inconformismo da parte prejudicada pela decisão proferida contrariamente aos
seus interesses, a existência de recursos em um sistema jurídico também tem por
finalidade os interesses do próprio Estado em que a decisão seja proferida em
conformidade com o direito63 e em uniformizar a interpretação do direito federal
constitucional e infraconstitucional.64
Por sua vez, a situação jurídica é mais complexa após o trânsito em
julgado de decisões que aplicam erroneamente o direito, ainda que o erro tenha
sido cometido pelos tribunais superiores, pois se estará diante de uma
inconstitucionalidade (ainda que reflexa) por violação ao princípio da igualdade
provocada pelo Poder Judiciário.65
63 “Os mais modernos ordenamentos processuais fornecem meios pelos quais as decisões judiciais podem ser impugnadas, com maior ou menor intensidade, com a finalidade de propiciar aos jurisdicionados uma justiça mais justa, meios esses que se revelam como corretivos de decisões errôneas ou injustas” (NERY JUNIOR, Nelson. Teoria geral dos recursos. 7 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2014, p. 198-199). 64 JORGE, Flávio Cheim. Teoria geral dos recursos cíveis. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2015. p. 35-45; ASSIS, Araken de. Manual dos recursos. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. p. 47-51; OLIVEIRA, Pedro Miranda de. Novíssimo sistema recursal. 2. ed. Florianópolis: Empório do Direito, 2016. passim; ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa; MEDINA, José Miguel Garcia. Recursos e ações autônomas de impugnação. São Paulo: Revista dos Tribunais 2008. v. 2, p. 28-29. 65 “Violação pelo Judiciário. Quando o órgão do Poder Judiciário de primeira ou segunda instância julga desigualmente aqueles que pela lei são iguais, tratando também desigualmente os ‘iguais perante a lei’ ou vice-versa, comete um erro de aplicação do direito, que poderá ser corrigido pela instância imediatamente superior. Somente quando o ‘erro’ for cometido pelos tribunais superiores, sobretudo pelo STF, ou quando contra a decisão não couberem mais recursos a serem interpostos junto a tais tribunais, estar-se-á diante de uma inconstitucionalidade provocada
36
Em um sistema jurídico, como o brasileiro, que admite a rescisão da coisa
julgada por violação manifesta à norma jurídica, é necessário investigar se o
tratamento desigual a casos que deveriam ter sido tratados igualmente por
decorrência do sistema de precedentes judiciais autoriza o manejo da ação
rescisória. Para tanto, tendo em vista a estabilização das relações jurídicas
decorrentes da coisa julgada, faz-se necessário estudar também o conteúdo da
segurança jurídica, pois “um direito inseguro é, por regra, também um direito
injusto, porque não lhe é dado assegurar o princípio da igualdade”;66 havendo
ainda quem entenda que a igualdade é um dos conteúdos da segurança jurídica
como forma de atribuir “soluções isonômicas para situações idênticas ou
próximas”.67
1.4 SEGURANÇA JURÍDICA
A segurança jurídica é elemento constitutivo do Estado de Direito e serve
de baliza para a precisão e a determinabilidade das prescrições normativas,68
para a imposição de limites à sua vagueza ou indeterminação e para a aplicação
do direito.69 Ela é necessária para a vida humana, pois o ser humano necessita
pelo Judiciário em face do direito à igualdade” (MARTINS, Leonardo. Direito fundamental à igualdade. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz (Coord.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 229. Destaque no original). 66 SILVA, José Afonso da. Constituição e segurança jurídica. In: ROCHA, Cármen Lúcia Antunes (Coord.). Constituição e segurança jurídica: direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada – estudos em homenagem a José Paulo Sepúlveda Pertence. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p. 16. 67 BARROSO, Luís Roberto. Em algum lugar do passado: segurança jurídica, direito intertemporal e o novo Código Civil. In: ROCHA, Cármen Lúcia Antunes (Coord.). Constituição e segurança jurídica: direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada – estudos em homenagem a José Paulo Sepúlveda Pertence. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p. 139-140. 68 “A segurança jurídica postula o princípio da precisão ou determinabilidade dos actos normativos, ou seja, a conformação material e formal dos actos normativos em termos linguisticamente claros, compreensíveis e não contraditórios. Nesta perspectiva se fala de princípios jurídicos de normação jurídica concretizadores das exigências de determinabilidade, clareza e fiabilidade da ordem jurídica e, consequentemente, da segurança jurídica e do Estado de direito” (CANOTILHO; José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 258. Destaques no original). 69 FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Da “segurança” nacional à “insegurança” jurisdicional: uma reflexão sobre segurança jurídica. O direito, entre o futuro e o passado. São Paulo: Noeses, 2014. p. 115-116; BARBOZA, Estefânia Maria de Queiroz. Precedentes judiciais e segurança jurídica. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 234.
37
de segurança para planejar sua vida e conduzir seus atos.70 “[A] surpresa em
geral é indesejável [...]. As pessoas precisam de regras para viver e trabalhar
juntas com eficiência, e precisam ser protegidas quando confiam em tais
regras.”71
A Constituição de 1988 corporifica o direito à segurança em seu
preâmbulo, ao prever que o Estado Democrático brasileiro se destina a garantir a
segurança como valor supremo de uma sociedade fraterna, pluralista e sem
preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida com a solução pacífica
das controvérsias, no caput do art. 5.º, ao prever a garantia de inviolabilidade do
direito à segurança, e no caput do art. 6.º, ao estabelecer a segurança como um
direito social. Na esfera dos direitos individuais, garante o direito à segurança das
relações jurídicas, no art. 5.º, XXXVI; o direito à segurança do domicílio, no art.
5.º, XI; o direito à segurança das comunicações pessoais, no art. 5.º, XII, 1.ª
parte; o direito à segurança em matéria penal, no art. 5.º, XXXVII a LXVII; e o
direito à segurança em matéria tributária, no art. 150, I a VI.72
A análise dessa estrutura constitucional demonstra que a segurança
jurídica é inequivocamente um princípio constitucional brasileiro, um valor eleito
pela sociedade tanto para proteger as relações jurídicas quanto para prever
comportamentos e estabelecer ideais. 73 A Constituição garante a segurança
jurídica em suas variadas dimensões, em favor do cidadão, ao garantir seus
direitos fundamentais, e perante o Estado, ao atribuir limites ao seu poder.74
A segurança jurídica pode significar segurança pelo direito e segurança
do próprio direito.75 A segurança pelo direito é a segurança que o direito pode
70 José Joaquim Gomes Canotilho observa: “O homem necessita de segurança para conduzir, planificar e conformar autónoma e responsavelmente a sua vida. Por isso, desde cedo se consideram os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança como elementos constitutivos do Estado de direito” (CANOTILHO; José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 257). 71 DWORKIN, Ronald. O império do direito. Tradução de Jeferson Luiz Camargo e revisão de Gildo Sá Leitão Rios. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2014. p. 176. 72 MORAES, Guilherme Peña de. Curso de direito constitucional. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2017. p. 219. 73 ÁVILA, Humberto. Teoria da segurança jurídica. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 687. 74 ÁVILA, Humberto. Teoria da segurança jurídica. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 681 e 687. 75 A doutrina apresenta outras classificações de segurança jurídica, no entanto, para fins do presente trabalho, importa a segurança pelo direito e segurança do próprio direito. Humberto Ávila, por exemplo, analisa a segurança jurídica sob diversas óticas, quanto ao aspecto material:
38
proporcionar à sociedade. Por sua vez, a segurança do próprio direito é a
segurança de que o direito conhecido será aplicado e efetivamente cumprido.76
1.4.1 Segurança jurídica sob a perspectiva subjetiva: previsibilidade da atuação
estatal
A segurança jurídica atua no ordenamento jurídico como princípio77 que
tem por finalidade criar o estado ideal de certeza, de compreensibilidade, de
determinabilidade e de previsibilidade do comportamento e da atuação dos
agentes públicos suscetíveis de atingirem a esfera jurídica dos particulares.78
Nesse sentido, a segurança jurídica incorpora o valor da previsibilidade do
comportamento do poder público sobre o particular como vontade da sociedade.
A previsibilidade, como anota Teresa Arruda Alvim, é “um fenômeno que produz
tranquilidade e serenidade no espírito das pessoas, independentemente daquilo
que se garanta como provável de ocorrer como valor significativo”. 79 É
imprescindível que o direito gere segurança jurídica.
segurança do direito, segurança pelo direito, segurança frente ao direito, segurança de direitos, segurança como um direito e segurança no Direito (ÁVILA, Humberto. Teoria da segurança jurídica. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 691-692). José Afonso da Silva, por sua vez, entende que “a Constituição reconhece quatro tipos de segurança jurídica: a segurança como garantia; a segurança como proteção dos direitos subjetivos; a segurança como direito social e a segurança por meio do direito” (SILVA, José Afonso da. Constituição e segurança jurídica. In: ROCHA, Cármen Lúcia Antunes (Coord.). Constituição e segurança jurídica: direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada – estudos em homenagem a José Paulo Sepúlveda Pertence. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p. 17. Destaques no original). 76 KAUFMANN, Arthur. Filosofia do direito. Tradução de António Ulisses Cortês. 4. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010. p. 281. 77 Os princípios são espécies normativas finalísticas, que exigem a delimitação de um estado de coisas ideal a ser alcançado por comportamentos necessários a essa realização. De fato, ao se falar em estado ideal de coisa, quer se dizer que os princípios incorporam valores e externam a vontade da sociedade. Nesse sentido e em síntese, os princípios são conceituados por Humberto Ávila como “normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado de coisa a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção” (ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 78-79). 78 LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Segurança jurídica no novo CPC. In: ______; OLIVEIRA, Pedro Miranda de (Coord.). Panorama atual do novo CPC. Florianópolis: Empório do Direito, 2016. p. 325; MORAES, Guilherme Peña de. Curso de direito constitucional. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2017. p. 219. 79 ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2008. p. 58.
39
Nesse sentido, a segurança jurídica é necessária para a vida humana,
pois o ser humano necessita de segurança para planejar sua vida e conduzir seus
atos sabendo das consequências jurídicas decorrentes de sua prática. 80 “A
previsibilidade da atuação estatal permite que os particulares estabeleçam
responsavelmente seus planos de ação e saibam com antecedência quais serão
as consequências de seus atos.”81
Em outras palavras, a segurança jurídica atua como forma de garantir a
certeza, a compreensibilidade, a determinabilidade e a previsibilidade do direito
para que o cidadão saiba a consequência jurídica da prática de determinado ato,
ou seja, para que o cidadão “tenha noção daquilo que muito provavelmente virá
ocorrer” se agir ou deixar de agir de determinada forma.82
Humberto Ávila, por sua vez, prefere denominar semanticamente essas
exigências de certeza, de determinabilidade e de previsibilidade como ideais de
cognoscibilidade, de confiabilidade e de calculabilidade do direito. Por
cognoscibilidade entende que a segurança jurídica tem por fim ser meio de
compreensão do que se deve fazer, impedindo que o cidadão se engane a
respeito daquilo que faz.83 Na exigência de confiabilidade, a segurança jurídica
visa preservar o passado no presente, com a estabilidade do direito e das suas
concretizações (intangibilidade de situações passadas, durabilidade do direito e
irretroatividade normativa).84 Por fim, no ideal de calculabilidade, a segurança
jurídica busca proteger o futuro no presente, com a continuidade do direito. “Essa 80 José Joaquim Gomes Canotilho observa: “O homem necessita de segurança para conduzir, planificar e conformar autónoma e responsavelmente a sua vida. Por isso, desde cedo se consideram os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança como elementos constitutivos do Estado de direito” (CANOTILHO; José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 257); MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. São Paulo: Revista dos Tribunais 2010. p. 122. 81 SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. Segurança. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz (Coord.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 231. 82 ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2008. p.60. 83 “Cognoscibilidade significa um estado de coisas em que os cidadãos possuem, em elevada medida, a capacidade de compreensão, material e intelectual, de estruturas argumentativas reconstrutivas de normas gerais e individuais, materiais e procedimentais, minimamente efetivas, por meio da sua acessibilidade, abrangência, clareza, determinabilidade e executoriedade” (ÁVILA, Humberto. Teoria da segurança jurídica. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 699). 84 “A confiabilidade significa o estado ideal em que o cidadão pode saber quais as mudanças que podem ser feitas e quais as que não podem ser realizadas, evitando, dessa forma, que os seus direitos sejam frustrados” (ÁVILA, Humberto. Teoria da segurança jurídica. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 699).
40
calculabilidade só existe se o cidadão puder controlar, hoje, os efeitos que lhe
serão atribuídos pelo Direito amanhã.”85
Nos regimes jurídicos decorrentes da família da civil law, esses ideias
eram buscados tão somente na lei – produto democrático, com caráter geral e
abstrato, decorrente de decisão majoritária dos integrantes do Poder Legislativo –,
considerada a principal fonte do direito que estabelecia as regras para o futuro.
A legalidade era a garantia da previsibilidade da atuação estatal. O art.
5.º, II e XXXIX, da Constituição de 1988 é emblemático nesse sentido: “ninguém
será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.
No entanto, hoje, inequivocamente, o direito não se confunde (mais) com
a lei.
Após 1945, precipuamente depois da Segunda Guerra Mundial, ocorreu
um momento de ruptura sobre o papel da lei, inicialmente na Europa e,
posteriormente, com reflexo nos demais continentes. Como observa Tercio
Sampaio Ferraz Júnior: “Hoje, a sensação é de uma espécie de crise desse
paradigma, o paradigma do direito legislado e codificado”.86
Houve massificação e profusão de leis; expansão de textos normativos
dotados de cláusulas gerais e de conceitos indeterminados como forma de
acompanhar as mudanças sociais e amoldar aos casos concretos; alteração na
teoria das normas e sua classificação, com atribuição de eficácia normativa aos
princípios e não mais meramente integrativa; a Constituição passou a ser dotada
de força normativa; o direito passou a ser analisado na perspectiva dos direitos
fundamentais, que possuem eficácia e aplicabilidade imediata, em valorização e
em respeito à dignidade da pessoa humana.
Por conseguinte, foi preciso aplicar novas técnicas interpretativas para a
concretização do direito, com o reconhecimento do papel criativo e normativo da
atividade jurisdicional, a distinção entre texto e norma, a adoção da
proporcionalidade na aplicação de espécies normativas e a identificação do
85 “A calculabilidade significa o estado ideal em que o cidadão pode saber como e quando as mudanças que podem ser feitas, impedindo que aquele seja surpreendido” (ÁVILA, Humberto. Teoria da segurança jurídica. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 700). 86 FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Prefácio de um posfácio. O direito, entre o futuro e o passado. São Paulo: Noeses, 2014. p. XIV e XI.
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método de concretização dos textos em detrimento da subsunção,87 o que fez
surgir “uma nova concepção da argumentação jurídica que vem sendo chamada
de neoconstitucionalista”.88
Além dessas questões técnico-jurídicas, é importante registrar a
ampliação do acesso à justiça à sociedade, que passou a demandar uma grande
quantidade de causas repetitivas perante o Poder Judiciário.
Por isso, uma das formas de o Estado assegurar a efetiva segurança
jurídica é pela instituição de um sistema de precedentes judiciais, com técnicas de
uniformização de jurisprudência e de fixação de teses jurídicas para determinados
casos concretos, criando um ambiente de previsibilidade de comportamentos
tanto dos que devem ser seguidos quanto dos que devem ser suportados.89
A maior previsibilidade das decisões judiciais reduz o anseio do cidadão
de saber o que pode ou o que não pode fazer. Dificilmente algum sistema jurídico
consegue garantir a previsibilidade como segurança jurídica se não respeita os
precedentes judiciais. Um sistema que não observa os precedentes judiciais não
informa a sociedade sobre o que pode ou não pode fazer, criando uma situação
de insegurança jurídica,90 pois não consegue reduzir a indeterminação.
Ademais, um sistema que prevê técnicas para a uniformização de
jurisprudência e de fixação de teses jurídicas para determinados casos concretos
contribui com a fixação da solução correta, entre todas as soluções possíveis no
ordenamento jurídico; para a mesma situação fática em um determinado
momento jurídico contribui para a almejada segurança jurídica. Nesse sentido,
Teresa Arruda Alvim afirma que “A uniformização faz chegar à única solução
87 DIDIER JR., Fredie. Teoria do processo e teoria do direito: o neoprocessualismo. In: ______ (Org.). Teoria do processo: panorama doutrinário mundial. Segunda Série. Salvador: JusPodivm, 2010. p. 257. 88 FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Prefácio de um posfácio. O direito, entre o futuro e o passado. São Paulo: Noeses, 2014. p. XVI. 89 BARROSO, Luís Roberto. Em algum lugar do passado: segurança jurídica, direito intertemporal e o novo Código Civil. In: ROCHA, Cármen Lúcia Antunes (Coord.). Constituição e segurança jurídica: direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada – estudos em homenagem a José Paulo Sepúlveda Pertence. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p. 140. 90 CRAMER, Ronaldo. Precedentes judiciais: teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 55.
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correta. Ela é ínsita à ideia de sistema jurídico, imprescindível à criação de
previsibilidade, de segurança jurídica e ao tratamento isonômico dos indivíduos”.91
Sobre a insegurança jurídica como ameaça à credibilidade do Poder
Judiciário, escreveu o Ministro Dias Toffoli: Uma das mais sérias ameaças à credibilidade do Poder Judiciário é a contradição interna de suas decisões. Não pode o mesmo direito dar ensejo a efeitos tão díspares, capazes de gerar insegurança jurídica e até a perda de coerência lógica no exercício da jurisdição.92
Realmente, a insegurança jurídica caracteriza-se como uma séria ameaça
à credibilidade do Poder Judiciário. O mesmo direito não pode gerar efeitos
diferentes em situações semelhantes, pois causa insegurança jurídica, perda de
credibilidade e desconfiança da atuação do Estado-juiz.
Portanto, em sua perspectiva subjetiva, a segurança jurídica atua com a
finalidade de garantir o estado ideal de previsibilidade de comportamento do
Estado perante os atos dos cidadãos. Dessarte, o sistema de precedentes
judiciais contribui para a ampliação da segurança jurídica.
1.4.2 Segurança jurídica sob a perspectiva objetiva: estabilidade das relações
jurídicas
Por outro lado, a segurança jurídica atua no ordenamento jurídico como
garantia de estabilidade das situações jurídicas consolidadas ou de estabilidade
nas relações interpessoais. A segurança do próprio direito é a segurança de que o
direito conhecido e aplicado será eficaz e estável.
Nesse sentido, a segurança jurídica das relações jurídicas é prevista no
art. 5.º, XXVI, da Constituição ao garantir que “a lei não prejudicará o direito
adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.
O legislador estabeleceu os seus conceitos nos parágrafos do art. 6.º da
Lei de Introdução das Normas do Direito Brasileiro – LINDB (denominação
91 ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Cada caso comporta uma única solução correta? In: ______; MARINONI, Luiz Guilherme; MENDES, Aluísio Gonçalves de Castro (Coord.). Direito jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. v. 2, p. 1234. 92 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Decisão monocrática. MS 28.790-DF, Relator Ministro Dias Tóffoli, julgada em 10.08.2010.
43
atribuída pela Lei 12.376/2010 à antiga Lei de Introdução do Código Civil – LICC).
O caput prevê que “A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato
jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada”.
Conforme dispõe o § 1.º do art. 6.º, “Reputa-se ato jurídico perfeito o já
consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou”. Tal direito
fundamental assegura que eventual alteração posterior na lei não pode repercutir
na esfera jurídica protegida, sendo o ato válido, inclusive para a produção de
efeitos futuros, quando observou, no momento de sua realização, os requisitos de
validade previstos em lei. “O ato jurídico perfeito é aquele apto a produzir os seus
efeitos, porque constituído em conformidade com a legislação então em vigor. A
lei nova não pode desconstituí-lo.”93 Por exemplo, uma lei nova no Brasil majora a
idade mínima para dirigir dos atuais 18 para 21 anos de idade; aquele cidadão
com menos de 21 anos que obteve a permissão do Estado para dirigir continuará
autorizado mesmo diante da lei nova.
O direito adquirido é o direito incorporado à esfera jurídica da pessoa em
virtude da ocorrência de fato aquisitivo que já se completou, mas ainda não
produziu o efeito jurídico previsto. Nos termos do § 2.º do art. 6.º da LINDB:
“Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele,
possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou
condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem”.
Ele não se confunde com a expectativa de direito nem com o direito
consumado. Na expectativa de direito, o fato aquisitivo de direito inicia-se, mas
não se completa. Por seu turno, no direito consumado o fato aquisitivo se
completou e os efeitos jurídicos previstos já foram produzidos. O direito brasileiro
não protege a expectativa de direito, apenas o direito adquirido e o direito
consumado,94 assegurando a estabilidade das relações jurídicas decorrentes da
93 SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. Segurança. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz (Coord.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 231. 94 SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. Segurança. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz (Coord.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 231.
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proteção do direito adquirido e do direito consumado do cidadão em face da lei
nova,95 que não pode retroagir para atingir tais direitos.
Por fim, o § 3.º do art. 6.º da LINDB dispõe que: “Chama-se coisa julgada
ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso”. Traduz-se na
imutabilidade de decisão judicial transitada em julgado como instrumento de
estabilização da relação jurídica submetida à apreciação do Poder Judiciário.
A coisa julgada integra o conteúdo do direito à segurança jurídica e se
encontra expressamente prevista no art. 5.º, XXXVI, da Constituição, uma
garantia da manifestação do Estado Democrático de Direito para as atividades do
Poder Judiciário. 96 Em nome da segurança jurídica do próprio direito, todo
processo deve ter um fim (Roma locuta, causa finita – Roma falou, encerrada a
discussão).
Assim, instaurada a demanda, passa a ser dever estatal a prestação da
tutela jurisdicional definitiva dos direitos substanciais, violados ou ameaçados.97
Após o devido processo legal, resolvida a demanda – por sentença, decisão
interlocutória de mérito,98 decisão unipessoal nos Tribunais ou acórdão –, seja
95 BARROSO, Luís Roberto. Em algum lugar do passado: segurança jurídica, direito intertemporal e o novo Códigl Civil. In: ROCHA, Cármen Lúcia Antunes (Coord.). Constituição e segurança jurídica: direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada – estudos em homenagem a José Paulo Sepúlveda Pertence. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p. 139-140. 96 Para Nelson Nery Junior: “Em outras palavras, a coisa julgada é elemento de existência do estado democrático de direito. [...] A segurança jurídica, trazida pela coisa julgada material, é manifestação do estado democrático” (Princípio do processo na Constituição Federal. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2009. p. 51). Teresa Arruda Alvim e José Miguel Garcia Medina lecionam que a coisa julgada: “[...] trata-se de princípio agregado ao Estado Democrático de Direito, porquanto para que se possa dizer, efetivamente, esteja este plenamente configurado é imprescindível a garantia de estabilidade jurídica, de segurança e orientação e realização do direito. Assim considerado princípio, nota-se que é irrelevante a menção expressa, na Constituição Federal, acerca da coisa julgada – muito embora a Constituição Federal brasileira o faça, no art. 5.º, inc. XXXVI, no sentido de não permitir à lei retroagir para atingir a coisa julgada – porquanto esta é umbilicalmente ligada ao Estado Democrático de Direito” (Dogma da coisa julgada. São Paulo: Revista dos Tribunais 2003. p. 22). 97 Como leciona Nicola Picardi: “Independentemente da una specifica previsione, l’azione ha assunto, così, un carattere generale ed atipico, in quanto è stata concepita, non come una mera aspettativa, ma come un diritto alla tutela giurisdizionale, garantito a tutti coloro che si affermano titolari di un diritto sostanziale, violato o monacciato. In altri termini, attribuire un diritto sostanziale comporta, anche e soprattutto, assicurare allo stesso tutela giurisdizionale” (PICARDI, Nicola. Manuale del processo civile. 7. ed. Milano: Giuffrè, 2013. p. 145). 98 O Código de Processo Civil de 2015 admitiu, de forma expressa, a possibilidade de julgamento parcial de mérito, reconheceu a teoria dos capítulos da decisão judicial e, por consequência, a formação de coisa julgada progressiva, gradual ou parcial em um mesmo processo, formadas em momentos diferentes. O art. 356 prevê expressamente a possibilidade de o juiz julgar definitivamente parcela do mérito da demanda, ou seja, de julgar um ou mais pedidos formulados, ou parcela deles, quando apresentar-se incontroverso ou quando estiver em condições de
45
pelo exaurimento das vias de recurso disponíveis, seja pela não interposição dos
recursos cabíveis, há necessidade de garantir que a decisão jurisdicional seja
definitiva, como forma de proporcionar segurança jurídica, estabilidade do direito
e estabilidade das relações jurídicas.99 Nesse aspecto, a coisa julgada se reveste
de extrema importância no ordenamento jurídico.
A propósito, a coisa julgada pode ser formal ou material. De acordo com
Luiz Eduardo Ribeiro Mourão,100 coisa julgada formal alude à indiscutibilidade
externa, que se refere às decisões de conteúdo processual (art. 485, Código de
Processo Civil), enquanto a coisa julgada material é a mesma indiscutibilidade
externa, só que das decisões de mérito (art. 487, Código de Processo Civil).
A coisa julgada formal é o instituto que impede a reanálise de uma
decisão final dentro de uma mesma relação jurídico-processual por não sê-la mais
impugnável. Como leciona Bruno Sassani: “Sappiamo che si disse formalmente
‘passata in giudicato’ la sentenza definitiva perché non più impugnabile”.101 Trata-
se de imutabilidade da sentença como ato em si considerado, conforme ensina
Franco de Stefano.102 A coisa julgada (formal) é o instituto que assegura que a
sentença transitada em julgado não corre mais o risco de ser impugnada na imediato julgamento, decorrente da desnecessidade de produção de outras provas, ou por ser o réu revel, com presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor e inexistência de requerimento de produção de provas. Neste caso, uma vez não impugnada a decisão interlocutória de mérito ou, se impugnada, não couber mais recurso, esta decisão transitará em julgado (art. 356, § 3.o) e será, por consequência, acobertada pela coisa julgada material, como a autoridade que a torna imutável e indiscutível (art. 502; art. 6.o, § 3.o, LINDB). Sobre o tema: OLIVEIRA, Pedro Miranda de. O regime especial do agravo de instrumento contra decisão parcial (com ou sem resolução de mérito). Revista de Processo, v. 264, p. 183-205, fev. 2017; MOUTA ARAÚJO, José Henrique. A recorribilidade das interlocutórias no novo CPC: variações sobre o tema. Revista de Processo, São Paulo, v. 251, 2016; MOUTA ARAÚJO, José Henrique. Coisa julgada sobre as decisões parciais de mérito e ação rescisória. In: LUCON, Paulo Henrique dos Santos et al. (Coord.). Processo em jornadas. Salvador: JusPodivm, 2016; OLIVEIRA JUNIOR, Délio Mota de. A formação progressiva da coisa julgada material e o prazo para o ajuizamento da ação rescisória: contradição do novo Código de Processo Civil. Processo nos tribunais e meios de impugnação às decisões judiciais. Salvador: JusPodivm, 2015. (Coleção Novo CPC – Doutrina selecionada, v. 6.); ALMEIDA SANTOS, José Carlos Van Cleef de. Decisão interlocutória de mérito e coisa julgada parcial. In: SANTOS, Welder Queiroz dos et al. (Coord.). Juizados especiais. Salvador: JusPodivm, 2016; PANTOJA, Fernanda Medina; HOLZMEISTER, Verônica Estrella. O agravo de instrumento contra decisão parcial e a impugnação de decisões interlocutórias anteriores. In: GALINDO, Beatriz Magalhães; KOLBACH, Marcela (Coord.). Recursos no CPC/2015: perspectivas, críticas e desafios. Salvador: JusPodivm, 2017. 99 STEFANO, Franco de. Revocazione e opposizione di terzo. Milano: Giuffrè, 2013. p. 11. 100 MOURÃO, Luiz Eduardo Ribeiro. Coisa julgada. Belo Horizonte: Fórum, 2008. p. 173. 101 SASSANI, Bruno. Lineamenti del processo civile italiano. 5. ed. Milano, Giuffrè, 2015. p. 451. Tradução livre: “Sabemos que se chama formalmente transitada em julgado a sentença definitiva porque não mais impugnável”. 102 STEFANO, Franco de. Revocazione e opposizione di terzo. Milano: Giuffrè, 2013. p. 13-14.
46
mesma relação jurídica processual, tornando-a, nessa perspectiva, imutável e
irrevogável.103
Por sua vez, no ordenamento jurídico brasileiro, o art. 502 do Código de
Processo Civil estabeleceu que “Denomina-se coisa julgada material a autoridade
que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso”
nem à remessa necessária, como bem lembrado por José Carlos Barbosa
Moreira.104
A coisa julgada material pode ser entendida como a qualidade que torna
imutável e indiscutível o comando que emerge, em regra, do conteúdo do
dispositivo da decisão de mérito105 – ou da questão prejudicial, nos termos do §
103 Para Giuseppe Chivenda, a coisa julgada formal é a preclusão da impugnação pela via recursal (“preclusione dele impugnative”) (CHIOVENDA, Giuseppe. Princippi di diritto processual civile. Napoli: Jovene, 1980. p. 911-914). No mesmo sentido, Enrico Tullio Liebman destaca que a coisa julgada formal é a preclusão da impugnação pelas vias ordinárias (“L’opinione comune distingue infatti la cosa giudicata in formale e sostanziale. La prima sarebbe data dal passaggio in giudicato della sentenza, cioè dalla preclusione dele impugnative (quelle ordinarie), e costituirebbe il pressuposto dela cosa giudicata sostanziale”) (LIEBMAN, Enrico Tullio. Manuale di diritto processuale civile. A cura di Vittorio Colesanti, Elena Merlin e Edoardo F. Ricci. 7. ed. Milano: Giuffrè, 2007. p. 269). E também Eduardo Couture entende que: “Por um lado, depara-se ao intérprete a circunstância de que certas decisões judiciais, mesmo depois de esgotadas as vias de recurso, têm uma eficácia meramente transitória. Cumpre-se e são obrigatórias tão somente com relação ao processo em que foram proferidas e ao estado de coisas que se teve em consideração no momento de decidir; mas não obstam a que, em processo posterior, mudado o estado de coisas que se teve presente ao decidir, a coisa julgada possa ser modificada. A esta forma particular chama-se, em doutrina, coisa julgada formal” (COUTURE, Eduardo J. Fundamentos de direito processual civil. Tradução de Henrique de Carvalho. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008. p. 241). 104 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Eficácia da sentença e autoridade da coisa julgada. Temas de direito processual: Terceira Série. São Paulo: Saraiva, 1984. p. 107. 105 Trata-se de concepção de Enrico Tullio Liebman, para quem a coisa julgada é a imutabilidade do comando emergente de uma sentença, tanto no seu conteúdo quanto nos seus efeitos (LIEBMAN, Enrico Tullio. Eficácia e autoridade da sentença. Tradução de Alfredo Buzaid e Benvindo Aires. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984. p. 55), em aperfeiçoamento da concepção de Giuseppe Chiovenda, que entendia ser a coisa julgada a indiscutibilidade da existência da vontade concreta da lei afirmada na sentença (“consiste nell’indiscutilitá dela esistenza dela volontà concreta di legge affermata”) (CHIOVENDA, Giuseppe. Princippi di diritto processual civile. Napoli: Jovene, 1980. p. 909. Tradução livre). Em outra obra, Liebman afirma que: “Tutto ciò si esprime dicendo cje la sentenza è passata in giudicato, ossia che è divenuta immutabile e in pari tempo immutabile è divenuta anche la statuizone che vi è contenuta, com tutti gli effetti che ne scaturiscono” (LIEBMAN, Enrico Tullio. Manuale di diritto processuale civile. A cura di Vittorio Colesanti, Elena Merlin e Edoardo F. Ricci. 7. ed. Milano: Giuffrè, 2007. p. 269). José Carlos Barbosa Moreira, por sua vez, sustenta que “a coisa julgada não se identifica nem com a sentença transita em julgado, nem com o particular atributo (imutabilidade) de que ela se reveste, mas com a situação jurídica em que passa a existir após o trânsito em julgado. Ingressando em tal situação, a sentença adquire uma autoridade que – esta, sim – se traduz na resistência a subsequentes tentativas de modificação do seu conteúdo. A expressão ‘auctoritas rei iudicatae’ e não ‘res indicata’, portanto, é a que corresponde ao conceito de imutabilidade” (BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Ainda e sempre a coisa julgada. Revista dos Tribunais, n. 416, p. 16-17, jun. 1970; e republicado: BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Ainda e sempre a
47
1.º do art. 503106 –, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário, nem à
remessa necessária. 107 Imutável por ser dificilmente desfeita ou alterada e
indiscutível por não se poder questionar o que foi decidido,108 salvo em casos
excepcionais expressamente autorizados pelo ordenamento jurídico.
Por ser decorrente da segurança jurídica, a coisa julgada material
assegura a estabilidade das relações jurídicas submetidas à apreciação do Poder
Judiciário. Nesse sentido, leciona Cassio Scarpinella Bueno que a coisa julgada é
uma [...] técnica adotada pela lei de garantir a estabilidade de determinadas manifestações do Estado-juiz, pondo-as a salvo inclusive dos efeitos de novas leis que queiram eliminar aquelas decisões ou, quando menos, seus efeitos. Neste sentido, a coisa julgada é uma, dentre tantas, forma de garantir maior segurança jurídica aos jurisdicionados.109
A coisa julgada leva a segurança jurídica para o cidadão em seu caso
individual submetido à manifestação do Poder Judiciário. Cícero dizia que é na
coisa julgada que repousa a estabilidade do Estado.110
No entanto, o Poder Judiciário não pode analisar cada demanda de
maneira isolada, em uma visão microscópica.111 O juiz deve prezar pela coesão e
coisa julgada. Doutrinas essenciais de processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais 2011. v. 6, p. 679 e ss.). 106 “Art. 503. A decisão que julgar total ou parcialmente o mérito tem força de lei nos limites da questão principal expressamente decidida. § 1.º O disposto no caput aplica-se à resolução de questão prejudicial, decidida expressa e incidentemente no processo, se: I – dessa resolução depender o julgamento do mérito; II – a seu respeito tiver havido contraditório prévio e efetivo, não se aplicando no caso de revelia; III – o juízo tiver competência em razão da matéria e da pessoa para resolvê-la como questão principal. § 2.º A hipótese do § 1.º não se aplica se no processo houver restrições probatórias ou limitações à cognição que impeçam o aprofundamento da análise da questão prejudicial”. 107 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Eficácia da sentença e autoridade da coisa julgada. Temas de direito processual: Terceira Série. São Paulo: Saraiva, 1984. p. 107; NERY JUNIOR, Nelson. Princípio do processo na Constituição Federal. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2009. p. 911. 108 Como enfatiza Cassio Scarpinella Bueno: “A coisa julgada recai sobre determinadas decisões judiciais. Nem sobre seus efeitos e nem sobre seu comando mas, mais amplamente, sobre aquilo que foi decidido pelo magistrado” (BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil. 2. ed. São Paulo, 2016. p. 399). 109 BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil. 2. ed. São Paulo, 2016. p. 399. 110 REZENDE FILHO, Gabriel José Rodrigues de. Curso de direito processual civil. 7. ed. atualizada por Benvindo Aires. São Paulo: Saraiva, 1966. v. 3, p. 48. 111 Ao tratar da relação entre demandas e segurança jurídica, Paulo Henrique dos Santos Lucon afirma, em contexto diferente do aqui abordado, que o magistrado que “analisa apenas cada demanda de maneira isolada, não atine ao fato de que um sistema jurídico coeso e coerente como o que se quer construir a partir da promoção do princípio da segurança jurídica não pode ser alcançado a partir de uma visão microscópica dos fenômenos jurídicos” (LUCON, Paulo Henrique
48
pela coerência do sistema jurídico para garantir a segurança jurídica em suas
duas perspectivas: segurança jurídica como previsibilidade da atuação estatal e
segurança jurídica como estabilidade das relações jurídicas.
Havendo segurança jurídica decorrente da previsibilidade proveniente da
existência de precedentes judiciais que levam maior integridade, coerência e
estabilidade ao sistema jurídico, é preciso investigar se a coisa julgada, como
elemento da segurança jurídica que proporciona estabilidade à relação jurídica
individual apreciada pelo Poder Judiciário, deve prevalecer quando decorrer de
decisão que aplica o direito no caso individual de forma contrária a precedente.
Essa questão ganha ainda mais importância no sistema jurídico brasileiro, que
admite desconstituição da coisa julgada e a rescisão da decisão judicial transitada
em julgado por violação manifesta à norma jurídica.
dos Santos. Segurança jurídica no novo CPC. In: LUCON, Paulo Henrique dos Santos; OLIVEIRA, Pedro Miranda de (Coord.). Panorama atual do novo CPC. Florianópolis: Empório do Direito, 2016. p. 333).
49
2 – AÇÃO RESCISÓRIA POR VIOLAÇÃO MANIFESTA À NORMA
JURÍDICA
2.1 CONCEITO E FINALIDADE DA AÇÃO RESCISÓRIA
A coisa julgada, a pretexto de assegurar a estabilidade da relação jurídica
e a segurança jurídica no caso individual, não pode ser tida como um instituto
jurídico que faz do branco, o negro; do quadrado, o redondo (no sentido do
aforismo: “res iudicata facit de albo nigrum, de quadratum rotundum”), ou vice-
versa.
Por essa razão, os principais ordenamentos jurídicos preveem formas
excepcionais112 de desconstituir a coisa julgada e rescindir a decisão viciada nas
também excepcionais hipóteses estabelecidas na ordem jurídica.
No Brasil, a ação rescisória é, por excelência, o meio de impugnação das
decisões transitadas em julgado, precipuamente as de mérito e,
consequentemente, de desconstituição da coisa julgada, quando presente pelo
menos uma das hipóteses de rescindibilidade previstas no ordenamento jurídico
brasileiro, em especial no art. 966.113
112 SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. Segurança. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz (Coord.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 231. 113 Há diversos trabalhos monográficos sobre o tema no Brasil, dos mais recentes aos mais antigos: MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Ação rescisória: do juízo rescindendo ao juízo rescisório. São Paulo: Revista dos Tribunais 2017; DINIZ, José Janguiê Bezerra. Ação rescisória dos julgados. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2016; CÂMARA, Alexandre Freitas. Ação rescisória. São Paulo: Atlas, 2014; CRAMER, Ronaldo. Ação rescisória por violação da norma jurídica. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2012; BARIONI, Rodrigo. Ação rescisória e recursos para os tribunais superiores. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2013; CARVALHO, Fabiano. Ação rescisória. São Paulo: Saraiva, 2010; PORTO, Sérgio Gilberto. Ação rescisória atípica. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2009; DONADEL, Adriane. A ação rescisória no direito processual civil brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009; ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2008; YARSHELL, Flávio. Ação rescisória: juízos rescindente e rescisório. São Paulo: Malheiros, 2005; RIZZI, Sérgio. Ação rescisória. São Paulo: Revista dos Tribunais 1979; SANTOS, Ulderico Pires dos. Teoria e prática da ação rescisória. Rio de Janeiro: Forense, 1978; PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado da ação rescisória das sentenças e de outras decisões. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1976; BRASIL, Ávio. Rescisória de julgados. Rio, 1949; VIDIGAL, Luis
50
Sua finalidade é a desconstituição da coisa julgada por motivos de
invalidade ou de injustiça (erro de julgamento) da decisão rescindenda, nas
hipóteses de cabimento previstas no art. 966 do Código de Processo Civil, com,
se for o caso, eventual rejulgamento da causa (art. 968, I).
Nessa linha, é importante uma observação a respeito dos motivos que
autorizam a desconstituição da coisa julgada e a rescindibilidade de uma decisão
transitada em julgado no direito brasileiro.
Ao presente trabalho referir-se à rescindibilidade de decisão, faz menção
ao modo de impugná-la, via ação rescisória. Diferentemente, quando diz que uma
decisão é nula, alude ao vício do qual padece. Algumas decisões nulas – que,
não obstante assim o serem, transitam em julgado – são impugnáveis por ação
rescisória. Entretanto, nem todas decisões nulas são decisões rescindíveis,
tampouco todas decisões rescindíveis assim o são por motivo de nulidade.
As hipóteses de rescindibilidade previstas no ordenamento jurídico
brasileiro não se restringem a casos de nulidade da decisão. Há hipóteses de
rescindibilidade por injustiça (erro de julgamento) da decisão rescindenda. A
rescindibilidade com fundamento em violação manifesta à norma jurídica, em
prova falsa, em prova nova e em erro de fato independe de a decisão rescindenda
ser nula.114
Essa amplitude de rescindibilidade no Brasil não é imune a críticas.
Leonardo Greco, por exemplo, assevera que [...] nosso ordenamento confere uma extensão exagerada à ação rescisória, que torna a coisa julgada entre nós extremamente frágil. A destruição da coisa julgada serve, mormente, aos anseios do soberano, do Estado, em desfavor da segurança das relações jurídicas entre os cidadãos e entre estes e o próprio Estado.115
Portanto, devem ser levadas em consideração as palavras de Nestor
Diógenes, Desembargador da Corte de Apelação do Estado do Pernambuco, em
escrito à luz das disposições dos Códigos de Processo Estaduais, ao afirmar que,
Eulalio Bueno. Da ação rescisória dos julgados. São Paulo: Saraiva, 1948; DIÓGENES, Nestor. Da ação rescisória. São Paulo: Saraiva, 1938; AMERICANO, Jorge. Estudo theorico e pratico da acção rescisoria. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1936; CARVALHO DE MENDONÇA, Manoel Ignacio. Da acção rescisoria das sentenças e julgados. São Paulo: Francisco Alves, 1916. 114 Voltar-se-á a tratar da amplitude das hipóteses de cabimento da ação rescisória no Capítulo 2. 115 GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 331-332.
51
“Substancialmente, ação rescisória é o direito, conferido a um interessado, de
renovar o litigio, dadas certas circunstancias especiaes”.116
No entanto, o objetivo da ação rescisória não reside apenas na
desconstituição da coisa julgada e na revogação da decisão judicial eivada de um
dos vícios rescisórios elencados no ordenamento jurídico, mas também, conforme
o caso, em efetuar um novo julgamento da causa.
2.2 NATUREZA JURÍDICA DA AÇÃO RESCISÓRIA
Os meios de impugnação das decisões judiciais podem ser concebidos
como recursos ou como ações de impugnação. No ordenamento jurídico
brasileiro, o traço distintivo entre eles é a continuidade ou a descontinuidade
existente entre o meio de impugnação e o processo em que se proferiu a decisão
impugnada.117
Diferentemente de outros ordenamentos jurídicos, no direito processual
civil brasileiro não existe meio de impugnar uma decisão transitada em julgado no
mesmo processo. Se houver res iudicata, a sua impugnação se dará por
instauração de outro processo. Essa é a opção política legislativa brasileira,
certamente influenciada pelo peso de sua origem histórica.
Por isso, a ação rescisória trata-se, na verdade, de uma verdadeira ação
autônoma de impugnação, um “remédio jurídico processual autônomo”,118 que dá
ensejo à formação de uma nova relação jurídica processual, diferente daquela na
qual foi proferida a decisão rescindenda.
116 DIÓGENES, Nestor. Da ação rescisória. São Paulo: Saraiva, 1938, p. 123. 117 Trata-se de lição clássica de José Carlos Barbosa Moreira, que continua rígida à luz do Código de Processo Civil de 2015: “O que cabe afirmar é que a dicotomia subsiste no sistema pátrio, mas assente sobre base diversa: o traço discretivo essencial entre o ‘recurso’ e a ‘ação de impugnação’ já não se ligará à posição relativa de cada um desses expedientes em face da res iudicata, senão à continuidade e à descontinuidade que exista entre o processo de impugnação e o processo onde se proferiu a decisão impugnada. Claro está que, no rol das ‘ações de impugnação’, lugar preeminente fica reservado à rescisória, cuja nota característica é sempre a de dirigir-se contra a coisa julgada; não consistirá nisso, entretanto, o denominador comum de toda a classe” (BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O juízo de admissibilidade no sistema dos recursos cíveis. Rio de Janeiro: Forense, 1968. p. 11, com mais vagar, p. 9-25). 118 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado da ação rescisória das sentenças e de outras decisões. Rio de Janeiro: Forense, 1976. p. 66 e 120.
52
Ela não se confunde com os recursos, uma vez que, nas precisas lições
de Teresa Arruda Alvim, estes são “exercitáveis na mesma relação jurídica
processual em que foi proferida a decisão recorrida, sem que se instaure novo
processo contra decisões ainda não transitadas em julgado”.119
Como afirma Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, na ação rescisória,
ocorre o “julgamento do julgamento”, não no processo em que se proferiu a
decisão rescindenda, e sim fora, em uma nova relação jurídica processual. “É, na
verdade, uma verdadeira ação autônoma de impugnação, um remédio jurídico
processual autônomo.”120
Trata-se, portanto, de ação autônoma de impugnação de decisões
transitadas em julgado.
2.3 OBJETO DA AÇÃO RESCISÓRIA
O objeto da ação rescisória é a própria decisão rescindenda.121
O art. 966 deixou claro o cabimento de rescisória contra “decisão de
mérito, transitada em julgado”, diferentemente do art. 485 do Código de Processo
Civil de 1973 que restringia, em sua literalidade, a “sentença de mérito”.
Sobre o “mérito do processo”, Cândido Rangel Dinamarco, um dos
autores que, entre nós, mais se dedicou ao estudo do tema, ensina que: Mérito, meritum, provém do verbo latino mereo (merere), que, entre outros significados, tem o de pedir, pôr preço; tal é a mesma origem de meretriz e aqui também há a ideia do preço, exigência. Daí se entende que meritum causae (ou, na forma plural que entre os mais antigos era preferida, merita causae) é aquilo que alguém vem a juízo pedir, postular, exigir. O mérito, portanto, etimologicamente é a exigência que, através da demanda, uma pessoa apresenta ao juiz para exame.122
119 ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2008, p. 463. 120 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado da ação rescisória das sentenças e de outras decisões. Rio de Janeiro: Forense, 1976. p. 66 e 120. 121 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado da ação rescisória das sentenças e de outras decisões. Rio de Janeiro: Forense, 1976. p. 120. 122 DINAMARCO, Cândido Rangel. O conceito de mérito em processo civil. Fundamentos do processo civil moderno. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. t. I, p. 254. No mesmo sentido em: Instituições de direito processual civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. v. II, p. 185-199. À luz do CPC de 2015, em coautoria com Bruno Vasconcelos Carrilho Lopes, volta ao tema com a seguinte lição: “Todo processo tem seu objeto, que é a pretensão a uma tutela jurisdicional, formulada com a demanda que lhe dá início e a cujo respeito o juiz emitirá seu provimento – pretensão de obter
53
No mesmo sentido é a lição de Arruda Alvim, que também se dedicou
intensamente ao estudo do tema: O conceito de mérito é congruente ao de lide, como ao de objeto litigioso, na terminologia alemã. Já o disse Liebman: é o pedido do autor que fixa o mérito. Nesse sentido, em obra clássica do Direito alemão, se esclarece que o pedido (usa a palavra pretensão: Anspruch) é o mesmo que mérito (usa a palavra objeto litigioso: Streitgegenstand).123
Portanto, por decisão de mérito, objeto da ação rescisória, deve ser
compreendida como a decisão que verse sobre o(s) pedido(s) de tutela
jurisdicional formulado(s) pelo autor acrescidos, eventualmente, de outros que
tenham sido apresentados ao longo do processo, inclusive pelo próprio réu.124
Ademais, o § 2.º do art. 966 admite também a ação rescisória contra
decisão transitada em julgado que, mesmo não sendo de mérito,125 impeça a
repropositura da demanda ou a admissibilidade do recurso correspondente. Em
outras palavras, admite o cabimento de rescisória que ataque a coisa julgada
formal.126
uma coisa ou os resultados de um fazer ou não fazer, pretensão à constituição de uma situação jurídico-substancial nova, a meras declarações etc. Tal é o objeto do processo, que se coloca diante do juiz, à espera do provimento que ele proferirá ao final. É, em outras palavras, o mérito da causa. Sobre ele o juiz se considera autorizado e obrigado a pronunciar-se e sua identificação mostra-se relevante não só para delimitação do provimento, como também em relação a outros institutos processuais, como a litispendência, a coisa julgada, a prejudicialidade, a alteração da demanda e o cúmulo de demandas” (DINAMARCO, Cândido Rangel; LOPES, Bruno Vasconcelos Carrilho. Teoria geral do novo processo civil. São Paulo: Malheiros, 2016. p. 178). 123 ARRUDA ALVIM NETTO, José Manoel. Manual de direito processual civil. 12. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2008. v. 1, p. 465. A lição de Arruda Alvim inspira-se no consagrado ensinamento de lição de Karl Hein Schwab, reconhecido processualista alemão, que minuciosamente se debruçou sobre o assunto em obra traduzida para o espanhol: SCHWAB, Karl Hein. El objeto litigioso en el proceso civil. Trad. por Tomas. A. Banzhaf. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, 1968. passim. 124 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. v. 2, t. I, p. 336; BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil. 2. ed. São Paulo, 2016. p. 756. 125 Sergio Rizzi, à luz do Código de Processo Civil de 1973, defendia ser “inarredável a conclusão de que, no sistema do Código de Processo Civil de 1973, apenas as decisões de mérito transitadas em julgado são rescindíveis” (RIZZI, Sergio. Ação rescisória. São Paulo: Revista dos Tribunais 1979. p. 11). Por consequência, “a contrario sensu, todo juízo rescindente que tiver como objeto decisão não definitiva, findará por decreto de carência de ação” (Idem, p. 8). 126 Nesse sentido, na vigência do Código de Processo Civil de 1973, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu ser cabível a ação rescisória para desconstituir a decisão judicial que extinguiu o processo sem resolução do mérito: STJ, 2.ª Turma, REsp 1.217.321/SC, Rel. originário Min. Herman Benjamin, Rel. para acórdão Min. Mauro Campbell Marques, j. 18.10.2012.
54
O dispositivo normativo foi incluído pelo Deputado Sérgio Barradas
Carneiro, Primeiro Relator-Geral da Comissão Especial destinada à análise do
Projeto de Código de Processo Civil na Câmara dos Deputados, em acolhimento
da sugestão feita por Rodrigo Barioni, professor da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, em audiência pública realizada na Câmara dos Deputados
no dia 07.12.2011.127
A previsão expressa é louvável.
No entanto, lamentavelmente o dispositivo sofreu alteração
antidemocrática “no apagar das luzes”, após a aprovação final no Senado Federal
e antes do encaminhamento para a sanção presidencial.
Com efeito, dispunha o § 2.º do art. 963 do Relatório-Geral apresentado
pelo Senador Vital do Rego – Parecer 956/2014 do Senado Federal –, e aprovado
no dia 16.12.2014, sem nenhuma ressalva a respeito do dispositivo, que: Nas hipóteses previstas no caput, será rescindível a decisão transitada em julgado que, embora não seja de mérito, não permita a repropositura da demanda ou impeça o reexame do mérito.
Estranhamente, a redação do dispositivo após a “revisão final”, feita entre
17 de dezembro de 2014 e 24 de fevereiro de 2015, contém uma redação
diferente da aprovada pelo Plenário: Nas hipóteses previstas nos incisos do caput, será rescindível a decisão transitada em julgado que, embora não seja de mérito, impeça: I – nova propositura da demanda; ou II – admissibilidade do recurso correspondente.
Esta última é a redação contida no Parecer 1.111/2014 do Senado
Federal, tornada público apenas em 24 de feveireiro 2015 e encaminhada para
sanção presidencial. A alteração torna o dispositivo formalmente inconstitucional
por escancarada violação ao devido processo legislativo.
127 O dispositivo normativo foi incluído pelo Deputado Sérgio Barradas Carneiro, Primeiro Relator-Geral da Comissão Especial destinada à análise do Projeto de Código de Processo Civil na Câmara dos Deputados, em acolhimento a sugestão feita por Rodrigo Barioni, professor da PUC/SP, em audiência pública realizada na Câmara dos Deputados no dia 07.12.2011, conforme Relatório de atividades (“Consolidação Barradas”) disponibilizado em 25.04.2012, quando deixou a relatoria-geral pela primeira vez.
55
A “revisão final” do Senado Federal jamais poderia ter alterado a redação
do dispositivo aprovado democraticamente pela maioria dos senadores,
modificando o sentido, a pretexto de mera mudança redacional.
Ora, “impeça o reexame do mérito” não é sinônimo de “impeça
admissibilidade do recurso correspondente”.
Ademais, a nova regra não encontra correspondência no Projeto
aprovado pela Câmara dos Deputados nem no Projeto aprovado pelo Senado
Federal, o que torna a alteração ainda mais grave.
Superado esse vício formal, é importante registrar que o aprimoramento
redacional do caput retira qualquer dúvida a respeito do cabimento de ação
rescisória contra qualquer tipo de pronunciamento judicial, de mérito ou não, seja
sentença, acórdão, decisão interlocutória ou decisão unipessoal no âmbito dos
tribunais.128
Os conceitos de sentença, de decisão interlocutória, de decisão
unipessoal e de acórdão são jurídico-positivos, extraíveis, portanto, do direito
positivo.129
Sentença é o pronunciamento judicial que, com fundamento nos arts. 485
e 487, põe fim à fase de conhecimento do procedimento comum e o que extingue
a execução, bem como outros pronunciamentos expressamente constantes nos
procedimentos especiais (art. 203, § 1.º).
A decisão interlocutória é o pronunciamento judicial de natureza decisória
que não se enquadra no conceito legal de sentença (art. 203, § 2.º). Pelo conceito
positivo adotado, os pronunciamentos que resolvem parcialmente o mérito são
denominados pelo Código de Processo Civil de 2015 de decisões interlocutórias
de mérito, e não de sentenças parciais, como propugnava parcela da doutrina.
Por sua vez, o acórdão é pronunciamento judicial decorrente do
julgamento colegiado proferido pelos tribunais (art. 204).
128 Sobre o cabimento de ação rescisória contra decisão monocrática ou unipessoal: CARVALHO, Fabiano. Ação rescisória contra decisão do relator. In: MEDINA, José Miguel Garcia et al. (Org.). Os poderes do juiz e o controle das decisões judiciais. São Paulo: Revista dos Tribunais 2008. p. 1013-1019. 129 Sobre a distinção entre conceitos jurídico-positivos e conceitos lógico-jurídicos: BORGES, José Souto Maior. Lançamento tributário. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 94; DIDIER JR., Fredie. Sobre a teoria geral do processo, essa desconhecida. 3. ed. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 49-52.
56
E, por fim, a decisão unipessoal é pronunciamento individual proferido
isoladamente, e não em colegiado, no âmbito dos tribunais. Nos termos do art.
966, todos esses pronunciamentos judiciais são aptos a transitar em julgado e a
ser objeto de ação rescisória.
2.4 HIPÓTESES DE CABIMENTO
As previsões legais de rescindibilidade de decisão de mérito transitada
em julgado são taxativas, em consonância com a proteção ao direito fundamental
à coisa julgada, prevista no art. 5.º, XXXVI, da Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988.130
No Código de Processo Civil de 1973 era rescindível a decisão proferida:
(i) por força de prevaricação, concussão ou corrupção do juiz; (ii) por juiz
impedido ou absolutamente incompetente; (iii) em decorrência de dolo, simulação
ou colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei; (iv) em ofensa à coisa julgada;
(v) em violação a literal dispositivo de lei; (vi) com base em prova falsa; (vii) em
caso de documento novo; (viii) com base em confissão, desistência ou transação,
e haja fundamento para invalidá-la; (ix) com base em erro de fato.
Por sua vez, o art. 966 do Código de Processo Civil de 2015 prevê que as
decisões são rescindíveis: (i) por força de prevaricação, concussão ou corrupção
do juiz; (ii) por juiz impedido ou por juízo absolutamente incompetente; (iii) em
decorrência de dolo ou coação da parte vencedora em detrimento da parte
vencida; ou em decorrência de simulação ou de colusão entre as partes, a fim de
fraudar a lei; (iv) em ofensa à coisa julgada; (v) em violação manifesta à norma
jurídica; (vi) com base em prova falsa; (vii) em caso de prova nova; (viii) com base
em erro de fato. Ademais, o art. 525, §§ 12 a 15, e o art. 535, §§ 5.º a 8.º,
preveem expressamente o cabimento de ação rescisória em caso de coisa
julgada inconstitucional.
O Código de Processo Civil de 2015 trouxe avanços significativos no
tocante às hipóteses de cabimento da ação rescisória. Grande parte dessas
130 Por todos, BUENO, Cassio Scarpinella. Código de Processo Civil interpretado. Organização de Antonio Carlos Marcato. São Paulo: Atlas, 2004. p. 1475.
57
alterações já constava no anteprojeto, mas outras foram feitas pelo Senado
Federal e também pela Câmara dos Deputados. Em regra, há uma ampliação das
hipóteses de cabimento, em consonância com o que há muito tempo tem sido
proposto e interpretado ampliativamente pela doutrina.
A exceção se dá no que diz respeito à previsão constante no inciso VIII do
art. 485 do Código de Processo Civil de 1973 que, no Código de Processo Civil de
2015, deixa de existir. Com efeito, o dispositivo dispõe ser cabível ação rescisória
quando houver fundamento para invalidar confissão, desistência ou transação, em
que se baseou a decisão, o que, rigorosamente, deve ser questionado via ação
anulatória. Rigorosamente, exclui-se apenas a rescindibilidade da decisão de
mérito baseada na confissão. A opção do Código de Processo Civil de 2015 foi
deixar claro que a decisão de mérito que homologue transação, reconhecimento
jurídico do pedido ou renúncia à pretensão são categorias de decisões judiciais
impugnáveis pela ação anulatória.131
131 A transação realizada entre as partes e homologada judicialmente somente poderia ser impugnada por ação anulatória. Como já lecionava Pontes de Miranda: “Quanto às decisões que homologuem atos das partes e aos atos processuais das partes, ou pessoas que agiram no processo em atos jurídicos de direito material, insertos no processo, e que independem de homologação, incide o art. 486 do Código de Processo Civil” (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado da ação rescisória das sentenças e de outras decisões. Rio de Janeiro: Forense, 1976. p. 204). Nesse sentido, são as lições de Leonardo Greco: “O Código de 2015, de modo análogo, dispõe no 4.o do artigo 966 que ‘Os atos de disposição de direitos, praticados pelas partes ou por outros participantes do processo e homologados pelo juízo, bem como os atos homologatórios praticados no curso da execução, estão sujeitos à anulação, nos termos da lei’. A ideia é a mesma. São provimentos do juiz com efeito no direito material das partes ou de terceiros, mas com cognição restrita e superficial, como, por exemplo, a homologação da transação. Não estão sujeitos a ação rescisória, mas a ação anulatória de ato jurídico, na forma da lei civil” (GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015. v. 3, p. 336). Da mesma forma, lecionam Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, ao comentarem o § 4.o do art. 966 do Código de Processo Civil de 2015: “Atos processuais das partes. Ação anulatória. Podem ser anulados desde que viciados por infração a qualquer dispositivo legal, material ou processual. Os requisitos e prazos de exercício da ação anulatória são os regulados pela lei civil. Note-se que o CPC 966 § 4.o fala em ‘atos de disposição de direitos’ e em ‘atos homologatórios praticados no curso da execução’, enquanto o CPC/1973 486 falava apenas em ‘atos judiciais’; a lei atual especifica o tipo de ato judicial que está sujeito à anulação. Esse foi o propósito do RFS-Senado: manter a linha daquilo que já estava sedimentado em doutrina e jurisprudência a respeito da ação anulatória, com ajustes de redação que permitissem maior clareza interpretativa (p. 107)” (NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais 2015. p. 1924). O entendimento do Superior Tribunal de Justiça, em jurisprudência pacífica, também é no mesmo sentido, qual seja sentença homologatória somente é impugnável por ação anulatória. Por todos: “A jurisprudência desta Corte de Justiça é firme no sentido de que o pleito de desconstituição de sentença homologatória de alimentos demanda ação própria, prevista no artigo 486 do Código de Processo Civil” (STJ, 3.ª Turma, AgRg no REsp 1152702/MT, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 15.05.2014, DJe 27.05.2014).
58
Manteve-se o cabimento em caso de decisão proferida por força de
prevaricação, concussão ou corrupção do juiz. Quanto à hipótese de cabimento
contra decisão proferida por juiz impedido ou absolutamente incompetente, o
anteprojeto retirou a incompetência absoluta, mas o Senado Federal a trouxe de
volta para o projeto. A Câmara dos Deputados acrescentou a coação da parte
vencedora em detrimento da parte vencida ao lado do dolo e da simulação ou
colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei. Mantiveram-se as hipóteses em
caso de ofensa à coisa julgada e de rescisória por prova falsa apurada em
processo criminal ou na própria ação rescisória. Ampliou-se o cabimento de
rescisória em caso de “documento novo” para qualquer tipo de “prova nova”, cuja
existência o autor ignorava ou de que não pôde fazer uso, capaz de alterar, por si
só, a decisão rescindenda. Conservou-se a rescisória em caso de erro de fato. E,
por fim, previu o cabimento de ação rescisória na hipótese de coisa julgada
inconstitucional.
Especificamente para fins do tema objeto do presente trabalho, o Código
de Processo Civil de 2015, desde o anteprojeto, substituiu o cabimento de ação
rescisória em caso de violação a literal dispositivo de lei por violação manifesta à
norma jurídica, aperfeiçoando o dispositivo.
2.5 ESPECIFICAMENTE A VIOLAÇÃO MANIFESTA À NORMA JURÍDICA
Ao tratar de coisa julgada ilegal e segurança jurídica, em texto em
homenagem ao Ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal José Paulo
Sepúlveda Pertence, Sérgio Bermudes afirma: Sem dúvida, devem-se aperfeiçoar os meios hábeis a prevenir as sentenças aberrantes. [...] No tocante às decisões judiciais cuja subsistência é repugnante, existe a certeza de que elas não podem prevalecer de nenhum modo. Seria contrassenso pretender-lhes a eficácia, em nome da segurança jurídica, quando elas são causa de insegurança jurídica pelas incertezas, pela incredulidade, pelos temores que infundem. Produzem efeito contrário à sua finalidade institucional.132
132 BERMUDES, Sérgio. Coisa julgada ilegal e segurança jurídica. In: ROCHA, Cármen Lúcia Antunes (Coord.). Constituição e segurança jurídica: direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada – estudos em homenagem a José Paulo Sepúlveda Pertence. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p. 135.
59
O Código de Processo Civil de 1973 previa como hipótese de cabimento
de ação rescisória no inciso V do art. 485 a decisão proferida em “violação a literal
disposição de lei”.
Pontes de Miranda já dizia que “violação à lei” deveria ser entendida
como violação ao direito, “infração à regra jurídica”, “ofensa ao direito em tese”,133
o que, de outro modo, refere-se à norma jurídica. Em suas palavras: Se entendemos que a palavra “lei” substitui a que lá devera estar – “direito” – já muda de figura. [...] Esse é o verdadeiro conteúdo do juramento do juiz, quando promete respeitar e assegurar a lei. Se o conteúdo fosse o de impor a “letra” legal, e só ela, aos fatos, a função judicial não corresponderia àquilo para que foi criada: realizar o direito objetivo, apaziguar.134
Na mesma linha, José Carlos Barbosa Moreira dizia que no texto de lei
deveria constar o cabimento de ação rescisória por violação a “direito em tese”, in
verbis: Melhor teria sido substituí-la por “direito em tese”, como sugeriu a Comissão revisora. O ordenamento jurídico evidentemente não se exaure naquilo que a letra da lei revela à primeira vista. Nem é menos grave o erro do julgador na solução da quaestio iuris quando afronte norma que integra o ordenamento sem constar literalmente de texto algum.135
Cassio Scarpinella Bueno, por sua vez, afirmava que “Lei, tal qual
empregada no dispositivo [inciso V do art. 485 do Código de Processo Civil de
1973], é sinônimo de norma jurídica, independentemente de sua gradação”.136
133 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado da ação rescisória das sentenças e de outras decisões. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1976. p. 297. Em outro excerto, afirma que: “Seria pouco provável a realizabilidade do direito objetivo, se o elemento só fosse a lei: não apenas pela inevitabilidade das lacunas, como porque a própria realização supõe provimento aos casos omissos e a subordinação das partes imperfeitas aos princípios do próprio direito a ser realizado” (Idem, p. 269). Nesse mesmo sentido, Flávio Luiz Yarshell assevera que: “Se o sistema jurídico aceita que a lei não é a fonte exclusiva do direito, então, não há sentido em restringir a previsão legal, sem que isso, naturalmente, signifique permitir, em ação rescisória, o reexame de toda e qualquer decisão, por todo e qualquer fundamento, como se tal remédio fosse, como dito, uma nova instância recursal” (YARSHELL, Flávio Luiz. Ação rescisória: juízo rescindente e juízo rescisório. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 323-324). 134 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado da ação rescisória das sentenças e de outras decisões. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1976. p. 266. 135 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. v. V, n. 78, p. 131-133. 136 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. v. 5, p. 330.
60
No mesmo sentido, Teresa Arruda Alvim apontava que o direito não se
resumia à literalidade da lei posta, sendo preciso interpretar “violar literal
disposição de lei” como “violar o sistema jurídico”.137
Desse modo, andou bem o Código de Processo Civil de 2015 ao prever
expressamente como rescindível aquela decisão que “violar manifestamente a
norma jurídica”. Como lecionava Ulderco Pires dos Santos: “O que o legislador
quer com a ação rescisória é a correção das sentenças proferidas com ofensa à
norma jurídica”.138
Para tratar do cabimento de ação rescisória por violação manifesta à
norma jurídica faz-se necessário compreender o significado de “norma jurídica”,
de “violar” e de “manifesta” nos dias de hoje.139
2.5.1 Pensamento jurídico contemporâneo e norma jurídica
Ainda que seja um elemento-base do direito, conceituar o que vem a ser
norma jurídica não é uma tarefa fácil. A norma jurídica há muito tempo tem sido
objeto de estudos e a sua compreensão está em constante evolução. Por isso, é
preciso compreender o que ela vem a ser no atual contexto do direito, na
contemporaneidade.
O Brasil é um país que possui suas raízes na família de direito romano-
germânica, em que a ciência do direito se formou sobre as bases do direito
romano, ligado à antiga Roma, cujas regras de direito eram concebidas como
regras de conduta, visando regular as relações entre os cidadãos. A família
romano-germânica formou-se graças aos esforços das universidades europeias
que, a partir do século XII, fizeram renascer a ideia de direito, elaboraram e
desenvolveram uma ciência do direito comum a todos, tendo com base principal 137 ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2008. p. 518. 138 SANTOS, Ulderico Pires dos. Teoria e prática da ação rescisória. Rio de Janeiro: Forense, 1978. p. 41. 139 A origem da ação rescisória por violação à norma jurídica reside, ao que parece, no restitutio in integrum previsto no direito romano. Para um estudo aprofundado sobre a possibilidade de rescisão de decisões judiciais no direito romano, na península ibérica, no direito lusitano e no direito brasileiro: COSTA, Moacyr Lobo da. A revogação da sentença. São Paulo: Ícone, 1995. Contemporaneamente, o tema foi objeto de estudo de Daniel Mitidiero: MITIDIERO, Daniel. Ação rescisória no direito comparado: da comparação vertical à comparação horizontal. Revista de Processo Comparado, v. 5, p. 43–62, Jan.–Jun. 2017.
61
as compilações do imperador Justiniano. A partir do século XIX, a lei ganhou um
papel de destaque e iniciou-se um período de técnica jurídica da codificação.140
A lei em geral era considerada a principal fonte do direito nos países da
família romano-germânica. 141 Um produto democrático, com caráter geral e
abstrato, decorrente de decisão majoritária dos integrantes do Poder Legislativo,
que estabelece regras para o futuro. A tarefa do juiz era considerada descobridora
ou reveladora do direito legislado. Tratava-se de uma característica marcante do
chamado positivismo jurídico. A lei, por vezes, era confundida com o próprio
conceito de direito.142
No entanto, após 1945, precipuamente após a Segunda Guerra Mundial,
ocorreu um momento de ruptura sobre o papel da lei, inicialmente na Europa e,
posteriormente, com reflexo nos demais continentes. Como bem observa Tercio
Sampaio Ferraz Júnior, “Hoje, a sensação é de uma espécie de crise desse
paradigma, o paradigma do direito legislado e codificado. Está em voga o
chamado neoconstitucionalismo”.143
O neoconstitucionalismo surge como fenômeno histórico-político-jurídico
no pós-guerra e como uma nova perspectiva da filosofia do direito. Embora essa
seja sua origem, o vocábulo sofreu algumas modificações em sua compreensão.
A denominação passou a ser utilizada para indicar o constitucionalismo
contemporâneo e o sistema jurídico caracterizado como estado constitucional de
direito. Em outras palavras, o neoconstitucionalismo passou a ser utilizado como
sinônimo da doutrina do constitucionalismo contemporâneo,144 como terminologia
apta a explicar os textos constitucionais – e suas características – que surgem
após a Segunda Guerra Mundial.145
140 DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. Tradução de Hermínio A. Carvalho. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2014. p. 23-24 e 38-39. 141 DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. Tradução de Hermínio A. Carvalho. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2014. p. 111. 142 ABBOUD, Georges; CARNIO, Henrique Garbellini; OLIVEIRA, Rafael Tomaz de. Introdução à teoria e à filosofia do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais 2013. p. 240; DIMOULIS, Dimitri. Manual de introdução ao estudo do direito. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2013, p. 165-166. 143 FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Prefácio de um posfácio. O direito, entre o futuro e o passado. São Paulo: Noeses, 2014. p. XIV e XI. 144 POZZOLO, Susanna. Neoconstitucionalismo: um modelo constitucional ou uma concepção da Constituição? Revista Brasileira Direito Constitucional, São Paulo, n. 7, v. 1, p. 231, jan.-jun. 2006. 145 ABBOUD, Georges; CARNIO, Henrique Garbellini; OLIVEIRA, Rafael Tomaz de. Introdução à teoria e à filosofia do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais 2013. p. 240.
62
A atual fase da teoria do direto pode ser denominada, portanto, como
neoconstitucionalismo, em que as normas infraconstitucionais devem ser
analisadas, interpretadas e aplicadas conforme as normas constitucionais, os
princípios jurídicos e os direitos fundamentais. 146 A força normativa da
Constituição impõe que a interpretação da legislação infraconstitucional observe a
Constituição constitucional. Os princípios deixaram de ter mera característica de
integração de lacunas e, agora, exercem funções integrativa, definitória,
interpretativa e bloqueadora em relação às regras. Os direitos fundamentais, em
razão da sua eficácia e aplicabilidade imediata, também devem ser observados
na análise, na interpretação e na aplicação do direito. Soma-se a isso a expansão
do método legislativo com adoção de cláusulas gerais e de conceitos
indeterminados e a profusão de leis.
Com isso, a hermenêutica jurídica também se alterou. Se a análise, a
interpretação e a aplicação das leis (profusas) devem respeitar as normas
constitucionais, os direitos fundamentais e os princípios jurídicos, e também dar
vida às cláusulas gerais e aos conceitos indeterminados à luz dos fatos concretos,
é preciso adotar novas técnicas interpretativas para a concretização do direito,
“uma nova concepção da argumentação jurídica que vem sendo chamada de
neoconstitucionalista”.147
É necessário, então, apontar as principais características do pensamento
jurídico contemporâneo para se compreender o significado de “norma jurídica”.
Em nosso sentir, sem pretensão de exaurimento, podemos elencar como as
principais características do atual momento do pensamento jurídico: (i) a
Constituição passou a ser dotada de força normativa; (ii) a teoria dos princípios,
com a atribuição de eficácia normativa e não meramente integrativa aos
princípios, alterou a teoria das normas e sua classificação; (iii) o direito passa a 146 Apesar do dissenso quanto à nomenclatura, Daniel Sarmento demonstra que há certo consenso quanto às características gerais dessa atual fase da metodologia jurídica: SARMENTO, Daniel. O neoconstitucionalismo no Brasil: riscos e possibilidade. In: NOVELINO, Marcelo (Org.). Leituras complementares de direito constitucional: teoria da Constituição. Salvador: JusPodivm, 2009. p. 31-67. Por outro lado, Georges Abboud e Rafael Tomaz de Oliveira procuram distinguir o pós-positivismo do neoconstitucionalismo a partir de uma perspectiva filosófica. Neoconstitucionalismo: vale a pena acreditar?. Constituição, economia e desenvolvimento: Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional, Curitiba, v. 7, n. 12, p. 196-214, jan.-jun. 2015. 147 FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Prefácio de um posfácio. O direito, entre o futuro e o passado. São Paulo: Noeses, 2014. p. XVI.
63
ser analisado na perspectiva dos direitos fundamentais, que possuem eficácia e
aplicabilidade imediata, em valorização e em respeito à dignidade da pessoa
humana; (iv) a expansão do método legislativo com base em cláusulas gerais e
em conceitos indeterminados; (v) a profusão de leis. A hermenêutica jurídica
também passou por modificação (a) com o reconhecimento do papel criativo e
normativo da atividade jurisdicional; (b) a distinção entre texto e norma; (c) a
adoção da proporcionalidade na aplicação de espécies normativas; e (d)
identificação do método de concretização dos textos em detrimento da
subsunção.
Essa nova forma de ver o direito conforma a interpretação e vincula o
Estado e os particulares. Essas características do pensamento jurídico
contemporâneo são premissas necessárias para a compreensão da atual fase do
direito. É a partir dessa realidade histórica que se deve entender o significado de
norma jurídica para fins de cabimento de ação rescisória.
2.5.2 Características do pensamento jurídico contemporâneo
2.5.2.1 Força normativa da Constituição
Hoje, não há como interpretar o direito, qualquer que seja ele, o direito
processual civil, inclusive, sem ter os olhos voltados para a Constituição. Ela
passou a ser o ponto de partida para qualquer reflexão sobre o direito, de modo
que toda a ordem jurídica deve ser lida e compreendida à luz da Constituição,
fenômeno que alguns constitucionalistas denominam de “filtragem constitucional”. [Como] toda interpretação é produto de uma época, de um momento histórico, e envolve os fatos a serem enquadrados, o sistema jurídico, as circunstâncias do intérprete e o imaginário de cada um, a identificação do cenário, dos atores, das forças materiais atenuantes e da posição do sujeito da interpretação constitui o que se denomina pré-compreensão.148
148 BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro (pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo). In: ______ (Org.). A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 2-3.
64
É preciso, pois, pré-compreender o momento atual. Hoje, principalmente
após a Constituição de 1988 – marco do pós-positivismo ou do
neoconstitucionalismo no Brasil –, vive-se em uma época de vertiginosa ascensão
científica do constitucionalismo.149
Como lecionam Luís Roberto Barroso e Ana Paula de Barcellos, [...] as normas constitucionais conquistaram o status pleno de normas jurídicas, dotadas de imperatividade, aptas a tutelar direta e imediatamente todas as situações que contemplam. Mais do que isso, a Constituição passa a ser a lente através da qual se leem e se interpretam todas as normas infraconstitucionais.150
Isso não significa que sempre foi assim. Ferdinand Lassalle, em 1862,
sustentou que as questões constitucionais eram, originariamente, questões
políticas, e não jurídicas. A Constituição jurídica não passava de um pedaço de
papel (ein Stück Papier), já que a Constituição real do país expressava as
relações (fatores) reais de poder. Georg Jellinek, quarenta anos depois, afirmou
que a divisão de poderes políticos não era apta para o controle por regras
jurídicas. Essa interpretação importava na própria negação do direito
constitucional como ciência jurídica. Havia um isolamento entre norma e
realidade.151
É, então, nesse panorama que surge, como marco, a obra de Konrad
Hesse, intitulada A força normativa da Constituição (Die normative kraft der
verfassung), 152 um dos textos mais significativos do direito constitucional da
atualidade. Demonstra o professor da Universidade de Freiburg, na Alemanha, e
ex-presidente da Corte Constitucional alemã (Bundesverfassungsgericht), que a
Constituição se converterá em força ativa com a conscientização geral não só da
149 Para um estudo aprofundado sobre a importância do constitucionalismo para o direito brasileiro, consultar: BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. passim. 150 BARROSO, Luís Roberto; BARCELLOS, Ana Paula de. O começo da história. A nova interpretação constitucional e o papel dos princípios no direito brasileiro. In: BARROSO, Luís Roberto (Org.). A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 329-330. 151 Cf. HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Fabris, 1991. p. 9-11. 152 Na versão original em alemão: HESSE, Konrad. Die normative kraft der verfassung. Tübingen: J.C.B. Mohr, 1959. Há tradução para o espanhol elaborada por Pedro Cruz Villalón: Escritos de derecho constitucionao. Madrid, 1983, p. 60-84. E há também a tradução para o português, utilizada por no presente trabalho, realizada por Gilmar Ferreira Mendes: A força normativa da Constituição. Porto Alegre: Fabris, 1991. passim.
65
vontade de poder (Wille zur Macht), mas também da vontade da Constituição
(Wille zur Vergassung). Essa vontade se origina da necessidade (e valor) de uma
ordem normativa rígida, em constante processo de legitimação jurídica, e
dependente do concurso da vontade humana (práxis) para ser eficaz. Ademais,
ela – a Constituição jurídica – deve levar em conta o “estado espiritual”, a
realidade histórica de seu tempo, além dos elementos sociais, políticos e
econômicos dominantes.153
Nesse cenário, a Constituição passou a ser dotada de força normativa,154
apoiada no compromisso com a efetividade de suas normas e com o
desenvolvimento de uma dogmática de interpretação constitucional, baseada em
princípios que abriram o sistema jurídico para os valores dispersos na sociedade.
Isso agregou “uma valia material e axiológica à Constituição, potencializada pela
abertura do sistema jurídico e pela normatividade de seus princípios”.155
O intérprete do direito foi conduzido a rever o modo de aplicação das
normas infraconstitucionais, interpretando-as de forma intensamente ligada à
Constituição.156 O juiz na interpretação e na aplicação do direito ao caso concreto
deve levar em conta os valores constitucionais. “O que se atinge com a
interpretação moral judicial da constituição são as mesmas razões em favor do
processo democrático e aquelas em favor da persistência da constituição.”157
Trata-se, como observa Cassio Scarpinella Bueno, de uma liberdade maior para a
“captação dos valores dispersos pela sociedade para melhor aplicar a norma
jurídica”.158
153 HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Fabris, 1991. p. 19-20. 154 HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Fabris, 1991. p. 24-27. 155 BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro (pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo). In: ______ (Org.). A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 44. 156 ARRUDA ALVIM NETTO, José Manoel de. Processo e Constituição. In: DANTAS, Bruno; CRUXÊN, Eliane; SANTOS, Fernando; LAGO, Gustavo Ponce Leon (Org.). Constituição de 1988: o Brasil 20 anos depois. A consolidação das instituições. Brasília: Senado Federal Instituto Legislativo Brasileiro, 2008. v. 3, p. 388-483. 157 POZZOLO, Susanna. Neoconstitucionalismo: um modelo constitucional ou uma concepção da Constituição? Revista Brasileira Direito Constitucional, São Paulo, n. 7, v. 1, p. 243, jan.-jun. 2006. 158 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 2013. v. 1, p. 95.
66
Para o controle de constitucionalidade das leis e dos atos normativos, a
Constituição prevê a possibilidade de o Supremo Tribunal Federal realizar o
controle concentrado via ação direta de inconstitucionalidade (ADIn), ação
declaratória de constitucionalidade (ADC) e arguição de descumprimento de
preceito fundamental (ADPF). Ademais, prevê a possibilidade de todos os juízes,
no exercício da atividade jurisdicional, realizar o controle difuso de
constitucionalidade das leis e dos atos normativos.159
Ao lado do controle de constitucionalidade mencionado, outras técnicas
de controle de constitucionalidade foram desenvolvidas a partir da interpretação,
como reflexo da “necessidade da construção de uma ‘nova’, ou, quando, menos,
‘típica’ hermenêutica, à altura dos novos tipos normativos”:160 (i) a interpretação
conforme à Constituição; (ii) a declaração de inconstitucionalidade parcial sem
redução do texto; (iii) a declaração de constitucionalidade de norma em trânsito
para a inconstitucionalidade e mutação constitucional; e (iv) a declaração de
inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade.
A técnica de interpretação conforme Constituição é aplicada quando a lei
interpretada em sua literalidade é inconstitucional e o Poder Judiciário declara a
única interpretação possível e compatível com a Constituição. O Poder Judiciário
emitirá a interpretação correta do enunciado normativo sem declará-lo
inconstitucional.
A técnica da declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução do
texto ocorre quando algumas interpretações possíveis do texto normativo são
inconstitucionais, embora existam outras interpretações compatíveis com a
Constituição. Nesse caso, o juiz declara inconstitucionais as interpretações
possíveis do enunciado normativo, mas não o enunciado em si.
Nesses dois casos – interpretação conforme à Constituição e declaração
de inconstitucionalidade parcial sem redução do texto – o juiz constrói a norma
159 O tema será objeto de análise no item 3.4.2.1, ao tratar da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal em controle concentrado ou difuso de constitucionalidade de leis e de atos normativos. 160 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 2013. v. 1, p. 96.
67
jurídica aplicável levando em consideração a relação existente entre os fatos
concretos da causa, o enunciado normativo de lei e as normas constitucionais.161
2.5.2.2. Eficácia normativa dos princípios (e das regras)
Assim como a Constituição, os princípios jurídicos durante muito tempo
foram considerados elementos normativos que não precisavam ser cumpridos.
No modelo liberal-legalista, os princípios jurídicos eram vistos apenas
como meio de integração de lacunas. O juiz primeiramente deveria aplicar a
norma jurídica pela subsunção, que é a mera aplicação do comando abstrato da
lei à questão em julgamento. Ao perceber que o arcabouço legislativo não
contemplava a situação fática existente, estaria ele diante de uma lacuna
normativa. 162 Constatada a lacuna, o juiz faria aplicação aberta do direito
procurando preenchê-la. Deveria começar pela analogia. Falhando a aplicação da
analogia, o juiz deveria aplicar os costumes. Por fim, o juiz poderia invocar os
princípios gerais de direito para preencher a lacuna, em caso de falha na
aplicação da analogia e dos costumes.163
Contemporaneamente, os princípios jurídicos não devem mais ser vistos
somente como tipos normativos com a finalidade de integração de lacunas. Eles –
os princípios – são espécies normativas, com eficácia normativa, que prescrevem
fins a serem atingidos e servem como fundamento para a aplicação do
ordenamento jurídico. Possuem, também, um caráter interpretativo. Por essa
razão, é comum a afirmativa no sentido de que a teoria dos princípios alterou a
teoria das normas e sua classificação, sendo uma questão fundamental da Teoria
do Direito.
161 MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria geral do processo. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2008. p. 97-100. Mais recentemente, MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHARevista dos Tribunais Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais 2015. v. 1, p. 104-107. 162 Nesse modelo normativo, além da lacuna normativa havia ainda as lacunas ontológica e axiológica. Resumidamente, para não extrapolar os limites propostos para o presente trabalho, a lacuna ontológica ocorre quando há norma vigente, embora sem nenhuma eficácia social. Já a lacuna axiológica se dá quando o aplicador da lei não encontra norma justa para aplica ao caso concreto. Sobre essa forma de aplicação do direito: DINIZ, Maria Helena. As lacunas no direito. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 73-83; ENGISCH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. Tradução de J. Baptista Machado. Coimbra: Fundação Calouste Gulbenkian, 1968. p. 223 ss. 163 DINIZ, Maria Helena. As lacunas no direito. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 73-181-207.
68
Vive-se, hoje, em um “Estado Principiológico”.164 A força dos princípios
configura uma ruptura do positivismo do Estado Liberal, que expressava um
direito constituído apenas por regras.
Hoje, há diversas teorias que atribuem eficácia normativa aos princípios e
que procuram distinguir, de uma forma ou de outra, os princípios das regras como
espécies normativas.165
Não obstante as inúmeras teorias existentes, adotar-se-á a proposta que
distingue as espécies normativas sem exaltar demasiadamente a importância dos
princípios e sem apequenar a função das regras. Hoje, pode-se dizer que há
muitos abusos e incompreensões a respeito dessa distinção, supervalorizando-se
[...] as normas-princípio em detrimento das normas-regra, como se aquelas sempre devessem preponderar em relação a essas e
164 A expressão é mencionada por: ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 23. 165 As mais conhecidas, sem pretensão de esgotar a bibliografia, são, no direito estrangeiro: DOWRKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Bolera. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 39-43; ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 90-91; GUASTINI, Riccardo. Das fontes às normas. Tradução de Edson Bini. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 192-196; CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. 8.ª reimpressão. Coimbra: Almedina, 2008. p. 1159-1164; LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. Tradução de José Lamego. 5. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 2009. p. 623; ATIENZA, Manoel. As razões do direito. Teorias da argumentação jurídica. Tradução de Maria Cristina Guimarães Cupertino. São Paulo: Landy, 2000. p. 222; ESSER, Josef. Grundsatz und Norm in der richterlichen Fortbildung des Privatrechts (Rechtsvergleichende Beiträge zur Rechtsquellen – und Interpretationslehre). Tübingen: J. C. B. Mohr, 1956. p. 51-70. No direito brasileiro: BARROSO, Luís Roberto; BARCELLOS, Ana Paula. O começo da história. A nova interpretação constitucional e o papel dos princípios no direito brasileiro. A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 340; BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 352-357; SILVA, Virgílio Afonso da. Princípios e regras: mitos e equívocos acerca de uma distinção. Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais, Belo Horizonte, p. 612, jan.-jun. 2003; NEVES, Marcelo. Entre Hidra e Hércules: princípios e regras constitucionais. São Paulo: Martins Fontes, 2013; GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 167-188; GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 22; STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 174-175; BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 58. No direito processual civil brasileiro: ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2008. p. 61-75; MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria geral do processo. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2008. p. 49-55. (Curso de processo civil, v. 1.); SCARPINELLA BUENO, Cassio. Amicus curiae no processo civil brasileiro: um terceiro enigmático. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 61-64; DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil e processo de conhecimento. 13. ed. Salvador: JusPodivm, 2011. v. 1, p. 33-36; CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo: direitos fundamentais, políticas públicas e protagonismo judiciário. São Paulo: Revista dos Tribunais 2010. p. 90-97.
69
como se o sistema devesse ter mais normas-princípio do que normas-regra, ignorando o importantíssimo papel que as regras exercem no sistema jurídico: reduzir a complexidade do sistema e garantir segurança jurídica.166
2.5.2.2.1 Distinção entre princípios e regras
Para essa distinção, Humberto Ávila167 ensina que se devem levar em
conta os critérios: (i) da natureza da descrição normativa; (ii) da natureza da
justificação que exige para a aplicação; e (iii) da natureza da contribuição para a
solução do problema.
Quanto à natureza da descrição normativa (ou do comportamento
prescrito na norma), os princípios são normas imediatamente finalísticas,
descrevem um estado ideal de coisas a ser atingido e possuem caráter deôntico-
teleológico (“normas-do-que-deve-ser”), enquanto as regras são normas
imediatamente descritivas, descrevem objetos determináveis e possuem caráter
deôntico-deontológico (“normas-do-que-fazer”).168
No que diz respeito à natureza da justificação exigida para interpretação e
aplicação, de um lado, os princípios exigem uma avaliação da correspondência
entre os efeitos da conduta tida como necessária e a realização do estado de
coisas estabelecido com um fim, de outro, as regras exigem um exame de
correlação dos fatos à descrição normativa e à finalidade que lhe dá suporte.169
Por fim, no que tange ao modo como contribuem para a decisão, os
princípios têm pretensão primariamente de complementaridade, uma vez que não
166 DIDIER JR., Fredie. Teoria do processo e teoria do direito: o neoprocessualismo. In: ______ (Org.). Teoria do processo: panorama doutrinário mundial. Segunda Série. Salvador: JusPodivm, 2010. p. 262. 167 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. passim. 168 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 71-73. De acordo com o autor, os princípios possuem “caráter deôntico-teleológico: deôntico, porque estipulam razões para a existência de obrigações, permissões ou proibições; teleológico, porque as obrigações, permissões e proibição decorrem dos efeitos advindos de determinado comportamento que preservam ou promovem determinado estado de coisas” e as regras possuem “caráter deôntico-deontológico: deôntico, porque estipulam razões para a existência de obrigações, permissões ou proibições; deontológico, porque as obrigações, permissões e proibições decorrem de uma norma que indica ‘o que’ deve ser feito”. (Idem, p. 72). 169 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 73-76.
70
têm o propósito de gerar uma solução específica, mas de contribuir, conjugada
com outras razões, para a solução de um problema. em contrapartida, as regras
possuem pretensão preliminarmente terminativa ou de decidibilidade, posto que
visam proporcionar uma solução específica para o problema conhecido ou
antecipável.170
A partir desses três critérios, os princípios são conceituados por Humberto
Ávila como [...] normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado de coisa a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção.171
Portanto, os princípios são espécies normativas finalísticas, que exigem a
delimitação de um estado de coisas ideal a ser alcançado por comportamentos
necessários a essa realização. De fato, ao se falar em estado ideal de coisa,
quer-se dizer que os princípios incorporam valores, portanto possuem um caráter
axiomático, e que o intérprete deve extrair de cada princípio a carga valorativa
eleita pela sociedade e contida na Constituição.172
Por outro lado, as regras, segundo Humberto Ávila, [...] são normas imediatamente descritivas, primariamente retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência, para cuja aplicação se exige a avaliação da correspondência, sempre centrada na finalidade que lhes dá suporte ou nos
170 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 76-78. 171 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 78-79. 172 Claus-Wilhelm Canaris leciona que os princípios jurídicos tornam a valoração explícita: “Segue-se à proposta aqui feita, a tentativa de entender o sistema como ordem de valores. Também isso seria, evidentemente, possível; em última análise, cada Ordem Jurídica se baseia em alguns valores superiores, cuja protecção ela serve. Mas ao mesmo tempo boas razões depõem, também, contra ela. Na verdade, a passagem do valor para o princípio é extraordinariamente fluída; poder-se-ia dizer, quando se quisesse introduzir uma diferenciação de algum modo praticável, que o princípio está já num grau de concretização maior do que o valor: ao contrário deste, ele já compreende a bipartição, característica da proposição de Direito em previsão e consequência jurídica” (CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito. Tradução do original alemão intitulado Systemdenken und systembegriff in der jurisprudenz por Antonio Menezes Cordeiro. 4. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2008. p. 86). No âmbito do direito processual, Teresa Arruda Alvim afirma que “os princípios incorporam valores, em relação aos quais terá havido uma opção da sociedade, que, por si só, já os legitimaria” (ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2008. p. 62).
71
princípios que lhes são axiologicamente sobrejacentes, entre a construção conceitual da descrição normativa e a construção conceitual dos fatos.173
Ou seja, as regras prescrevem um comportamento previsto
antecipadamente pelo legislador para a solução – decidibilidade – de determinado
conflito de interesse.
2.5.2.2.2 Eficácia direta e indireta dos princípios e suas funções
Os princípios, como espécies normativas imediatamente finalísticas,
atuam sobre as regras definindo-lhes o seu sentido e o seu valor. Essa atuação
pode se dar de forma direta ou indireta.174
A eficácia direta dos princípios “traduz-se na atuação sem intermediação
ou interposição de um outro (sub-)princípio ou regra”. Nesse plano, os princípios
exercem uma função integrativa, uma vez que garantem a agregação de
elementos não previstos em subprincípios ou regras, como forma de afiançar o
fim a ser alcançado,175 em uma relação meio e fim, a qual leva à transferência da
intencionalidade dos fins para a dos meios.176
Por seu turno, a eficácia indireta dos princípios, inversamente, “traduz-se
na atuação com intermediação ou interposição de um outro (sub-)princípio ou
regra”. Há variadas funções na inter-relação entre princípios e subprincípios e
regras: (i) definitória; (ii) interpretativa; (iii) bloqueadora; e, ainda, (iv)
rearticuladora dos “sobreprincípios”. A função definitória delimita, com maior
precisão, o comando mais amplo estabelecido pelo princípio mais abrangente.
Por outro lado, os princípios exercem uma função interpretativa em relação aos
subprincípios e às regras, “na medida em que servem para interpretar normas
construídas a partir de textos normativos expressos, restringindo ou ampliando
seus sentidos”. Em terceiro lugar, os princípios exercem ainda uma função 173 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 78. 174 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 97. 175 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 97. 176 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 80.
72
bloqueadora, no sentido de que servem para afastar a aplicação de subprincípios
e de regras previstas expressamente, incompatíveis com o estado ideal de coisas
a ser buscado. Por fim, há, ainda, a função rearticuladora, exclusiva dos
denominados sobreprincípios – como o Estado de Direito, a segurança jurídica, a
dignidade da pessoa humana, o devido processo legal etc. –, que permite “a
interação entre os vários elementos que compõem o estado ideal de coisas a ser
buscado”.177
2.5.2.2.3 Eficácia das regras diante dos princípios
É importante analisar também a eficácia das regras diante dos princípios.
As regras também exercem uma função definitória, ao delimitar “o comportamento
que deverá ser adotado para concretizar as finalidades estabelecidas pelos
princípios”. Elas são normas com a intenção de solucionar conflitos previamente
previstos pelo legislador e, por isso, têm “caráter ‘prima facie’ forte e
superabilidade mais rígida” do que os princípios, que são normas finalísticas com
pretensão de complementaridade e possuem “caráter ‘prima facie’ fraco e
superabilidade mais flexível”. 178 A fixação desse ponto é fundamental para a
compreensão dos conflitos entre normas, especialmente entre princípios e regras.
2.5.2.3 Direitos fundamentais
O direito, qualquer que seja ele, deve ser analisado na perspectiva dos
direitos fundamentais, em valorização e em respeito à dignidade da pessoa
humana. Trata-se, na verdade, de um desdobramento da necessidade de estudá-
lo a partir da Constituição.
Compete ao Estado respeitar os direitos fundamentais e também
promovê-los da melhor forma possível por meios adequados.179
177 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 98-99. 178 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 102-108. 179 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 102.
73
Doutrinariamente, costuma-se distinguir direitos e garantias fundamentais.
Os direitos seriam bens e vantagens conferidos pelo texto normativo e as
garantias seriam meios adequados para proteger e concretizar tais direitos.
No direito brasileiro, é clássica a lição de Ruy Barbosa no sentido de que
é recomendável separar, [...] no texto da lei fundamental, as disposições meramente declaratórias, que são as que imprimem existência legal aos direitos reconhecidos, e as disposições assecuratórias, que são as que, em defesa dos direitos, limitam o poder. Aquelas instituem os direitos; estas, as garantias.180
No direito português, José Joaquim Gomes Canotilho leciona que as
garantias possuem um caráter instrumental de proteção dos direitos. Afirma que
elas se traduzem, “quer no direito dos cidadãos a exigir dos poderes públicos a
proteção dos seus direitos, quer no reconhecimento de meios processuais
adequados a essa finalidade”.181
Sobre essa distinção, ainda em solo lusitano, Jorge Miranda ministra: Os direitos representam só por si certos bens, as garantias destinam-se a assegurar a fruição desses bens; os direitos são principais, as garantias são acessórias e, muitas delas, adjetivas (ainda que possam ser objeto de um regime constitucional substantivo); os direitos permitem a realização das pessoas e inserem-se direta e imediatamente, por isso, nas respectivas esferas jurídicas, as garantias só nelas se projetam pelo nexo que possuem com os direitos; na acepção jusracionalisrta inicial, os direitos declaram-se, as garantias estabelecem-se.182
Ainda sobre a distinção, na Itália, Luigi Paolo Comoglio, em resposta à
pergunta “o que se entende por garantia?”, assevera que a garantia “exprime,
sobre o plano técnico, a diferença entre um direito meramente ‘reconhecido’, ou
‘atribuído’ em abstrato pelas normas, e um direito realmente ‘protegido’, ou
‘atribuível’ em concreto, além de suas possíveis violações”. O autor italiano vai
além e distingue as garantias constitucionais em sentido formal ou estático, sendo
todos “aqueles perfis estruturais que asseguram aos princípios estabelecidos
estabilidade e certeza, nos confrontos de qualquer poder do Estado”, e, em 180 BARBOSA, Ruy. República: teoria e prática. Petrópolis/Brasília: Vozes/Câmara dos Deputados, 1978. p. 121. 181 CANOTILHO; José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 667. 182 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 5. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2012. t. IV, p. 89.
74
sentido dinâmico, “aqueles instrumentos específicos que asseguram condições
‘efetivas’ de gozo aos direitos fundamentais ‘atribuídos’ ou ‘reconhecidos’ pela
Constituição”.183
Embora, no Brasil, a distinção seja admitida pela Constituição vigente, no
Título II traz inúmeros direitos e garantias fundamentais. Sem distinguir uns dos
outros, José Joaquim Gomes Canotilho afirma que, “rigorosamente, as clássicas
garantias são também direitos”.184 Nessa linha, Antônio Roberto Sampaio Dória
assevera que “os direitos são garantias, e as garantias são direitos”.185 Apesar de
a distinção ser interessante, entendemos que as garantias são direitos e que a
distinção é indiferente.
São direitos fundamentais tanto aqueles nomeados e especificados
expressamente pela Constituição – como é o caso dos direitos fundamentais
constantes no art. 5.º da Constituição brasileira – quanto aqueles que recebem o
manto da imutabilidade ou pelo menos da mudança dificultada da Constituição.186
2.5.2.3.1 Dimensões dos direitos fundamentais
A doutrina costuma classificar os direitos fundamentais em gerações ou
dimensões, tendo com marco inicial a lição de Karel Vasak no ano de 1979 na
aula inaugural dos Cursos do Instituto Internacional dos Direitos do Homem,
realizada em Estrasburgo.187
A primeira dimensão dos direitos fundamentais é protetora dos direitos
civis e políticos, tais como o direito à vida, à propriedade, à igualdade e
notadamente da liberdade (oposição e resistência) dos indivíduos perante o
Estado, as liberdades de expressão, de imprensa, de manifestação, de reunião e
183 COMOGLIO, Luigi Paolo; FERRI, Corrado; TARUFFO, Michelle. Lezioni sul processo civile: Il processo ordinário di cognizione. 5. ed. Milano: Il Mulino, 2011. v. 1, p. 57-58. Tradução livre. 184 CANOTILHO; José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 667. 185 DÓRIA, Antônio Roberto Sampaio. Direito constitucional. São Paulo: Max Limonad, 1960. t. II, p. 57. 186 SCHMITT, Carl. Verfassungslehre. Berlim: Neukoeln, 1954. p. 163-193 apud BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 560-562. 187 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 563; SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de direito constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais 2012. p. 258.
75
de associação, inclusive. O Estado tem um dever de se abster da ingerência na
vida dos cidadãos.188
A segunda dimensão privilegia os direitos sociais, culturais e econômicos,
bem como os direitos da coletividade, de participar do bem-estar social,
abraçados ao direito à igualdade. O Estado passa a ter um dever positivo.189
A terceira dimensão dos direitos fundamentais visa proteger os direitos
ligados à fraternidade e à solidariedade, notadamente o direito ao
desenvolvimento, ao meio ambiente, à propriedade sobre o patrimônio comum da
humanidade e à comunicação.190
A quarta dimensão dos direitos fundamentais trata da globalização
política, com a institucionalização do Estado Social, sendo os direitos à
democracia, à informação e ao pluralismo.191
Paulo Bonavides menciona ainda a existência da quinta geração de
direitos fundamentais, ao atribuir normatividade jurídica ao direito à paz,192 que,
em outras classificações, integra a terceira dimensão dos direitos fundamentais.
2.5.2.3.2 Perspectivas objetiva e subjetiva dos direitos fundamentais
Os direitos fundamentais protegem os direitos subjetivos e os direitos
objetivos que se fundam em princípios objetivos orientadores do ordenamento
188 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 562-564; SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 8. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 55-56. 189 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 564-569; SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 8. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 56-58. 190 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 569-570; SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 8. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 58-60. 191 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 570-578; SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 8. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 60-61. 192 “O novo Estado de Direito das cinco gerações de direitos fundamentais vem coroar, por conseguinte, aquele espírito de humanismo que, no perímetro da juridicidade, habita as regiões sociais e perpassa o Direito em todas as suas dimensões. A dignidade jurídica da paz deriva do reconhecimento universal que se lhe deve enquanto pressuposto qualitativo da convivência humana, elemento de conservação da espécie, reino de segurança dos direitos. Tal dignidade unicamente se logra, em termos constitucionais, mediante a elevação autônoma e paradigmática da paz a direito da quinta geração” (BONAVIDES, Paulo. A quinta geração de direitos fundamentais. Revista Direitos Fundamentais & Justiça, ano 2, n. 3, p. 82 e ss.; Idem. Curso de direito constitucional. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 579-593;).
76
jurídico. Na perspectiva subjetiva, os direitos fundamentais são vistos como direito
subjetivo do cidadão, enquanto na perspectiva objetiva afirmam valores que
incidem sobre todo o ordenamento jurídico para iluminar as tarefas do Poder
Público (relações entre os sujeitos privados e o Estado) e para regular as relações
entre particulares.193
2.5.2.3.3 Eficácia e aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais
Hoje, não há dúvida de que os direitos fundamentais possuem
aplicabilidade imediata e plena eficácia, independentemente de regras
concretizadoras. O § 1.º do art. 5.º, nesse sentido, dispõe que “as normas
definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”. A
finalidade desse texto constitucional é ressaltar que os direitos fundamentais em
geral são de caráter preceptivo, e não meramente programático.194 Como leciona
Ingo Wolfgang Sarlet, “a partir do disposto no art. 5.º, § 1.º, da CF, é possível
sustentar a existência – ao lado de um dever de aplicação imediata de atribuição
da máxima eficácia e efetividade possível às normas de direitos fundamentais”.195
Com efeito, é da essência do Poder Judiciário proteger os direitos
fundamentais. Já dizia Piero Calamandrei que os direitos fundamentais (as
liberdades dos indivíduos), abstratamente formulados pela Constituição, seriam
vãos se não pudessem ser reivindicados e defendidos perante o Poder Judiciário.
Compete aos tribunais concretizá-los.196
193 Especificamente sobre a vinculação dos órgãos do Poder Judiciário aos direitos fundamentais e os desdobramentos da dimensão jurídico-objetiva como dimensão organizacional e procedimental dos direitos fundamentais e os direitos à participação na organização e procedimento: SARLET, Ingo. Direitos fundamentais e processo – algumas notas sobre a assim designada dimensão organizatória e procedimental dos direitos fundamentais. In: CALDEIRA, Adriano; FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima (Org.). Terceira etapa da reforma do Código de Processo Civil: estudos em homenagem ao Ministro José Augusto Delgado. Salvador: JusPodivm, 2007. p. 217-239. 194 BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Martins. Curso de direito constitucional. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 285-287. 195 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 8. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 271. 196 CALAMANDREI, Piero. Processo e giustizia. Rivista di Diritto Processuale, 1950, I, p. 289.
77
O Poder Judiciário, assim como os demais Poderes, também se vincula
aos direitos fundamentais. Por essa razão, competem aos juízes respeitá-los e
fazer com que sejam respeitados no curso do processo.197
2.5.2.3.4 Eficácias vertical, horizontal e vertical com reflexo lateral dos direitos
fundamentais
A eficácia vertical dos direitos fundamentais tem a ver com a incidência
desses direitos sobre as relações entre os particulares e o Estado. O legislador, o
administrador e o juiz têm o dever de proteção dos direitos fundamentais. O
direito fundamental à tutela jurisdicional, em regra, tem eficácia vertical,
conquanto é um dever do Estado conceder tutela de direitos independentemente
de serem ou não direitos fundamentais.
Por outro lado, a eficácia horizontal dos direitos fundamentais está
relacionada à repercussão deles sobre as relações entre os particulares em si.198-
199 No entanto, quando o juiz concede tutela a direito não protegido pelo
legislador, a decisão repercute sobre os particulares, quando então a decisão
jurisdicional terá eficácia horizontal (mediata ou indireta).
Como o direito fundamental à tutela jurisdicional é um direito fundamental
de eficácia vertical, a doutrina costuma dizer que ele repercute lateralmente sobre
o particular, mas não horizontalmente. Ocorre, nesse ponto, a eficácia vertical do
direito fundamental com reflexo lateral. Daí a diferença entre a eficácia do direito 197 BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Martins. Curso de direito constitucional. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 284. 198 Há interessante discussão sobre a existência de eficácia mediata ou imediata dos direitos fundamentais nas relações entre particulares. Para quem sustenta a eficácia mediata, os direitos fundamentais se afirmam em relação aos particulares de forma indireta, por meio das normas e dos princípios de direito privado. Para quem sustenta a eficácia imediata, os direitos fundamentais são aplicáveis diretamente sobre as relações entre os particulares, sem intermediação do legislador. Sobre o tema, SILVA, Virgílio Afonso da. A constitucionalização do direito: os direitos fundamentais nas relações entre particulares. São Paulo: Malheiros, 2005; DÜRIG, Günter; NIPPERDEY, Hans Carl; SCHWABE, Jürgen. Direitos fundamentais e direito privado: textos clássicos. Porto Alegre: Fabris, 2012. 199 Especificamente sobre a eficácia do contraditório nas relações entre particulares: MACIEL JUNIOR, João Bosco. Aplicação do princípio do contraditório nas relações particulares. São Paulo: Saraiva, 2009; BRAGA, Paula Sarno. Aplicação do devido processo legal nas relações privadas. Salvador: JusPodivm, 2008; SILVA, Virgílio Afonso da. A constitucionalização do direito: os direitos fundamentais nas relações entre particulares. São Paulo: Malheiros, 2005; CANARIS, Claus-Wilhelm. Direitos fundamentais e direito privado. Tradução de Ingo Wolfgang Sarlet e Paulo Mota Pinto. Lisboa: Almedina, 2003.
78
fundamental material objeto de decisão judicial e a eficácia do direito fundamental
à tutela jurisdicional sobre a atividade do juiz.
2.5.2.4 Método legislativo com base em cláusulas gerais e em conceitos
indeterminados
A lei nem sempre se serve de conceitos precisos, com disposições
casuísticas. Por vezes, a lei se vale de cláusulas gerais e de conceitos vagos ou
indeterminados, cuja aplicação exige interpretação que defina e delimite o seu
conteúdo e o seu alcance. 200 As cláusulas gerais e os conceitos vagos ou
indeterminados contribuem para uma maior abertura e flexibilidade do direito, com
pretensão de abranger a realidade existente e a que está por vir.201
A inserção de cláusulas gerais e de conceitos indeterminados na
legislação ampliou-se no pós-guerra como forma de abertura, mobilidade e
flexibilidade do sistema jurídico, propiciando a evolução do direito pela
interpretação/hermenêutica, mesmo sem inovação legislativa. 202 As cláusulas
gerais e os conceitos jurídicos indeterminados também contribuem para a
inserção de valores na interpretação e na aplicação do direito.
Enquanto o método legislativo da casuística prevê a especificação ou
determinação de elementos descritivos com os supostos fatos apresentados e
descritos como a hipótese legal para incidir determinada consequência jurídica, o
método legislativo com base em cláusulas gerais e em conceitos indeterminados,
em vez de privilegiar uma tipificação de condutas, utiliza-se de termos cuja
tessitura é aberta do ponto de vista semântico, sem uma pré-configuração
descritiva ou especificativa de conduta. Em outras palavras, a legislação se vale
de enunciados elásticos, vagos, abertos, porosos ou dúcteis. Como leciona Judith
Martins-Costa, “o texto normativo apresenta, ao invés de descrição na hipótese
normativa (fato tipo, facti species), termos e expressões carecidas de 200 Como leciona Teresa Arruda Alvim: “A polissemia significa ter o termo diversos sentidos” (ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2008. p. 152). 201 ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2008. p. 161. 202 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: critérios para a sua aplicação. São Paulo: Marcial Pons, 2015. p. 158.
79
determinação (‘conceitos vagos’)”.203 José Carlos Barbosa Moreira observa que a
lei se vale de conceitos indeterminados porque seria impossível deixar de fazê-lo
ou por ser conveniente e aconselhável o uso dessa técnica legislativa.204
As cláusulas gerais e os conceitos indeterminados têm como traço
característico a polissemia, a vagueza, a ambiguidade, a porosidade ou o
esvaziamento, não permitindo uma comunicação absolutamente pré-
compreensível quanto ao seu conteúdo e ao seu alcance. Teresa Arruda Alvim
leciona que: A polissemia significa ter o termo diversos sentidos; vaguidade tem o termo, quando permite informação larga e compreensão escassa; a ambiguidade ocorre quando “possa reportar-se a mais de um dos elementos integrados na proposição onde o conceito se insira”; porosidade há quando o termo permite a entrada de elementos significantes de outras áreas, e esvaziamento, quando falte, ao termo, qualquer sentido útil.205
Há uma tendência jurídica na elaboração de normas abertas, com base
em cláusulas gerais ou conceitos indeterminados,206 o que implica sua aplicação
no futuro, uma vez que o seu conteúdo e seu alcance serão construídos à luz do
caso concreto com vocação para absorver o futuro.207 Por isso, é conveniente
demonstrar o contexto em que a cláusula geral e o conceito indeterminado
operam e qual a sua conotação.
203 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: critérios para a sua aplicação. São Paulo: Marcial Pons, 2015. p. 129-130. 204 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Regras de experiência e conceitos juridicamente indeterminados. Temas de direito processual. Segunda Série. São Paulo: Saraiva, 1988. p. 64. 205 ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2008. Destaque no original. 206 Sobre o tema, Giuseppe Zacaria observa que “Nella legislazione contemporanea, frutto della mediazione instabile tra interessi e spinte divergenti e spesso contrapposti, a fronte di norme sociali che si fanno via via più fluide e sensibili, si adotta volentieri la tecnica di affidarsi in partenza a formulazioni letterali volutamente ambigue, per scaricare in altre sedi l‘onore dello scioglimento forzoso dell’ambiguità” (VIOLA, Francesco; ZACCARIA, Giuseppe. Diritto e interpretazione: Liniamenti di teoria ermeneutica del diritto. 9. ed. Roma-Bari: Laterza, 2016. p. 145). No direito brasileiro, a título exemplificativo: MANGONE, Kátia Aparecida. Cláusulas gerais, conceitos vagos e indeterminados e os princípios regentes do processo civil: ampliação dos poderes do juiz? Impactos no sistema recursal. In: BUENO, Cassio Scarpinella (Coord.). Impactos processuais do direito civil. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 1-50; NEVES, Frederico Ricardo de Almeida. Conceitos jurídicos indeterminados e direito jurisprudencial. In: DUARTE, Bento Herculano; DUARTE, Ronnie Preus (Coord.). Processo civil – aspectos relevantes: estudos em homenagem ao Prof. Ovídio A. Baptista da Silva. São Paulo: Método, 2006. p. 79-88. 207 ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2008. p. 152-153.
80
Portanto, a definição e a delimitação do seu conteúdo e do seu alcance
serão realizadas na praxe forense. O uso de um conceito jurídico indeterminado
ou de determinada cláusula geral por um longo espaço de tempo possibilita a
transformação do conceito de vago ou indeterminado para preciso ou para uma
menor vagueza ou imprecisão, diminuindo o grau de indeterminação. Como
leciona Teresa Arruda Alvim, “a atividade constante de aplicação da norma deve
contribuir para fixar e alargar esta zona de certeza do conceito vago, o que
corresponde ao caminho para que o conceito se torne ‘maduro’”.208
As cláusulas gerais e os conceitos indeterminados não se confundem. Em
nosso sentir, a distinção encontra-se na estrutura normativa.
Os chamados conceitos indeterminados são formados por termos
indeterminados que integram a descrição do fato. Na hipótese legal há previsão
de descrição de fato contendo termo indeterminado, para o qual a legislação
prevê determinada consequência jurídica. Há, nos conceitos indeterminados, uma
estrutura normativa completa, com hipótese de incidência (composta por termo
indeterminado) e consequência jurídica predefinida.
Por sua vez, as cláusulas gerais não possuem estrutura normativa
completa. Sua hipótese de incidência é composta por termo indeterminado e sua
consequência jurídica deve ser dada pelo intérprete/aplicador, caso a caso. “De
fato, as cláusulas gerais constituem estruturas normativas parcialmente em
branco, as quais são completadas por meio da referência às regras extrajurídicas,
ou a regras dispostas em outros loci do sistema jurídico”.209
Sobre a atividade do juiz na aplicação das cláusulas gerais e dos
conceitos indeterminados, leciona Judith Martins-Costa: Enquanto nos conceitos indeterminados o juiz se limita a reportar ao fato concreto o elemento (semanticamente vago) indicado na fattispecie (devendo, pois, individuar os confins da hipótese abstratamente posta, cujos efeitos já foram predeterminados legislativamente), na cláusula geral a operação intelectiva do juiz é mais complexa. Este deverá, além de averiguar a possibilidade de subsunção de uma série de casos-limite na fattispecie,
208 ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2008. p. 158. 209 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: critérios para a sua aplicação. São Paulo: Marcial Pons, 2015. p. 142-143.
81
averiguar a exata individuação das mutáveis regras sociais às quais o envia a metanorma jurídica.210
Teresa Arruda Alvim leciona que: [...] às cláusulas gerais, em nosso entender, deve ser dado um sentido normativo pelo intérprete, assim como ocorre, em ponto menor, com os conceitos vagos. Com a maior amplitude, procura o magistrado o sentido de uma cláusula geral, com referência ao caso concreto, permitindo-se o recurso a elementos vindos da esfera social, econômica e moral, que são, justamente, de certo modo, jurisdicizados pela cláusula geral.211
Percebe-se, desse modo, que na aplicação do conceito indeterminado o
magistrado deve analisar se os fatos concretos se enquadram na previsão
normativa prevista na hipótese legal composta por termo indeterminado para
incidir consequência jurídica já determinada, enquanto na aplicação das cláusulas
gerais, além de analisar se os fatos se encaixam nos termos indeterminados
previstos na hipótese de incidência, o magistrado deverá também atribuir a
consequência jurídica de acordo com o caso concreto submetido a julgamento.212
Para fins do presente trabalho, o que importa observar aqui é que a
ampliação de cláusulas gerais e de conceitos indeterminados na legislação teve
por consequência uma modificação da hermenêutica jurídica e, portanto, uma
alteração na função do magistrado na interpretação e na aplicação do direito, que
passa a ter uma grande responsabilidade na construção da norma jurídica. Por
essas razões, “as cláusulas gerais, que hoje insuflam o Código Civil de 2002,
quando vilipendiadas, também são causa de rescisória, mesmo porque
consubstanciam dispositivos legais”.213
210 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: critérios para a sua aplicação. São Paulo: Marcial Pons, 2015. p. 143-144. 211 ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2008. p. 164. 212 As cláusulas gerais, com variados conteúdos, podem ser de três tipos: restritiva, regulativa e extensiva. As de tipo restritivo operam “contra uma série de permissões singulares, delimitando-as”. As de tipo regulativo operam “regulando todo um domínio de casos”. E as de tipo extensivo, “por forma a ampliar uma determinada regulação por meio da possibilidade, expressa no dispositivo, de chamar a atuação de princípios e regras dispersos em outros textos” (MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: critérios para a sua aplicação. São Paulo: Marcial Pons, 2015. p. 127). 213 NERY JUNIOR, Nelson; ABBOUD, Georges. Panorama atual pelos atualizadores. In: PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado da ação rescisória. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. p. 353.
82
2.5.2.5 Profusão da legislação
Soma-se ainda às características do pensamento jurídico contemporâneo
o fato de existir uma profusão de lei que dificulta a compreensão do direito. A
legislação contemporânea é demasiadamente extensa, o que gera uma grande
dificuldade de orientar o cidadão que se depara, por diversas vezes, com textos
normativos coexistentes e conflitantes entre si.214
Há, inequivocamente, uma quantidade de leis maior do que a
necessidade real. O direito é desenvolvido de forma contraditória, causado “pela
heterogeneidade e pela ocasionalidade das pressões sociais que são
descarregadas sobre ele”.215 Essa abundância excessiva legislativa tem como
consequência a inefetividade da lei, seja pelo desconhecimento social delas, seja
pela existência de contrariedade entre elas.
Em virtude dessa inflação legislativa, Gustavo Zagrebelsky denomina o
legislador contemporâneo de “legislador motorizado” ao referir-se à atual crise de
legalidade e à tarefa unificadora da Constituição.216
Em 28 anos de Constituição, ou seja, até outubro de 2016, o Brasil já
editou mais de 5,4 milhões (milhões!) conjuntos de textos normativos, conforme
pesquisa feita pelo Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), que
levou em consideração emendas constitucionais, leis, medidas provisórias,
instruções normativas, decretos, portarias e atos declaratórios. Equivalem a
aproximadamente 770 conjuntos de textos normativos por dia útil.217
214 VIOLA, Francesco; ZACCARIA, Giuseppe. Diritto e interpretazione: Liniamenti di teoria ermeneutica del diritto. 9. ed. Roma-Bari: Laterza, 2016. p. 145; 215 ZAGREBELSKY, Gustavo. Il diritto mite. Torino: Einaudi, 2014. p. 48. 216 “Non si deve pensare che l’inesausta fucina che produce in sovrabbonanza leggi e leggine sai uma pervesione transitória della nozione del diritto. Essa corrisponde a una situazione strutturale delle societá attuali. Il XX secolo è stato definito come quello del ‘legislatore motorizzatto’, in tutti I settori dell’ordinamento giuridico, nessuno escluso. Il diritto si è ‘meccanizzati’ e ‘tecnicizzato’ di conseguenza. A questi effetti distruttivi dell’ordine giuridico si cerca oggi di porre rimedio da parte delle Costituzioni contemporanee attraverso la previsione di um diritto piú alto, dotato di valore cogente anche per l’attività del legislatore. L’obbiettivo è quello di condizionare e quindi contenere, orientandoli, gli sviluppi contraddittorî della produzione del diritto, generati dall’eterogeneità e dalla occasionalità dele pressioni social che su di esso si scaricano. La premessa perchè questa operazione possa avere sucesso è il ristabilimento di una nozione di diritto piú profonda di quella alle quale il positivismo legislativo l’ha ridotta” (ZAGREBELSKY, Gustavo. Il diritto mite. Torino: Einaudi, 2014. p. 47-48). 217 INSTITUTO BRASILEIRO DE PLANEJAMENTO E TRIBUTAÇÃO (IBPT). Quantidade de normas editadas no Brasil: 28 anos da Constituição Federal de 1988. Disponível em:
83
Isso comprova o incontestável fenômeno da profusão legislativa e a crise
da legalidade.218 Essa hipernomia gera a ineficiência dos atos normativos por
incompreensão da sociedade a respeito do padrão de conduta que deve seguir.
2.5.3 Significado de “norma jurídica”
2.5.3.1 Hermenêutica jurídica e significado de norma jurídica
A força normativa da Constituição, a eficácia dos princípios jurídicos, a
aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais, a ampliação do método
legislativo com base em cláusulas gerais e em conceitos indeterminados e a
profusão legislativa contribuíram para a compreensão de que o texto ou o
enunciado de lei, por mais determinado que seja, exigirá sempre a atividade do
intérprete para atribuição de seu significado diante de fatos concretos.
Não há mais como afirmar que a jurisdição tem função somente
declaratória de direito. O juiz não pode ser considerado a boca da lei (“la bouche
de la loi”, de Montesquieu)219 ou o papagaio da lei (“pappagallo dela legge”, de
Gustavo Zagrebelsky). 220 É inegável que no Estado contemporâneo o juiz
apresenta algo novo. “[A] postura do intérprete e do aplicador diante do fenômeno
jurídico, alterou-se por completo. A função do juiz, já não há mais como esconder
esta realidade, é uma atividade criativa.”221
A Constituição, os princípios e os direitos fundamentais possuem carga
axiológica que o juiz deve incorporar no momento de aplicar o direito. Da mesma
forma, as cláusulas gerais e os conceitos indeterminados permitem ao juiz
<https://ibpt.com.br/img/uploads/novelty/estudo/2603/QuantidadeDeNormas201628AnosCF.pdf>. Acesso em: 17 nov. 2017. 218 MENDES, Gilmar Ferreira; VALLE, André Rufino do. Comentários ao art. 5.o, II. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz (Coord.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 244. 219 “Os juízes de uma nação não são, como dissemos, mais do que a boca que pronuncia as sentenças da lei, seres inanimados que não podem moderar sua força nem seu rigor” (MONTESQUIEU. O espírito das leis. 2. ed. Brasília: UnB, 1995. v. 6, p. 123). 220 ZAGREBELSKY, Gustavo; BRUNELO, Mario. Interpretare: Dialogo tra un musicista e un giurista. Milano: Il Mulino, 2016. p. 52. 221 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 2013. v. 1, p. 90 e 91.
84
absorver os valores esparsos na sociedade, do ponto de vista econômico, político,
social ou jurídico, na aplicação do direito. Isso faz com que a atividade do juiz seja
criadora-valorativa, de modo a concretizar, na construção da norma jurídica, os
valores contidos na Constituição, nos princípios e nos direitos fundamentais, e o
significado das cláusulas gerais e dos conceitos indeterminados diante do caso
concreto, como leciona Cassio Scarpinella Bueno: Todas estas figuras [refere-se a princípios, cláusulas gerais, normas de conceito vago e indeterminado, discricionariedade etc.] representam uma “técnica” (consciente) de construir normas jurídicas que permitem, que autorizam, o juiz a debruçar-se sobre cada fato que lhe é apresentado para julgamento para que ele, juiz, possa extrair do fato o que lhe parece mais sensível, mais importante, mais marcante, mais característico, a fim de aplicar, adequadamente, a norma jurídica.222
Com esses paradigmas, não há como negar que a norma jurídica surge
da interpretação e da aplicação do direito à luz dos fatos.223 O direito, para se
tornar realidade, depende de “processos discursivos e institucionais”. O texto legal
é, nesse sentido, uma “mera possibilidade de Direito”. A transformação dos textos
normativos em normas jurídicas depende da interpretação e da aplicação dos
enunciados normativos em conformidade com os fatos da causa. O sentido da
norma jurídica é construído a partir da fundamentação, que condiciona a
compreensão do direito pelos seus destinatários.224-225
222 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 2013. v. 1, p. 93. 223 Giuseppe Zaccaria atentou-se a esse fenômeno: “Non è comunque chiarire ‘significato’ o il ‘contenuto’ di un testo normativo, se non determinandone il compo di applicazione con riferimento a fatto concreti. Dal momento che il comprendere non è riducile ad un puro conoscere, ma si configura invece come un agire dipendente dal contesto d’azione, e dunque dal contesto vitale di colui che comprendendo agisce, il significato dei testi normativi e la qualificazione dei comportamenti vitali sono inevitabilmente legati ai modi concreti in cui il linguaggio giuridico e gli eventi sociali sono intesi e ed impiegati in un contesto preciso” (VIOLA, Francesco; ZACCARIA, Giuseppe. Diritto e interpretazione: Liniamenti di teoria ermeneutica del diritto. 9. ed. Roma-Bari: Laterza, 2016. p. 128). 224 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 24. 225 Especificamente sobre a ação rescisória por violação à literal disposição de lei, Eduardo Talamini leciona que também cabe rescisória quando a intepretação de texto normativo dada pela decisão rescindenda for incorreta: “Para a caracterização da hipótese prevista na regra do art. 485, V, não é necessário que a ofensa dirija-se ao teor literal do dispositivo normativo. Também há violação quando a sentença veicular orientação incompatível com a interpretação correta da norma. [ver tb:Teresa, Nulidades, n. 3.1.3, p. 344] Seria despropositado limitar o cabimento da rescisória à pretensa hipótese em que a violação tem por alvo norma cujo sentido seja extraível ‘literalmente’ do texto legal, sem que haja necessidade de interpretação nenhuma. Mesmo porque essa hipótese é incompatível com o fenômeno jurídico. Não há norma jurídica que possa ser
85
2.5.3.2 Distinção entre texto normativo e norma jurídica
Antes da intepretação e aplicação das espécies normativas ao caso
concreto, não há propriamente norma jurídica, e sim um texto que representa o
direito. 226 Riccardo Guastini leciona que “a norma é (parte de) um texto
interpretado”, considerando interpretação jurídica “a atribuição de sentido (ou
significado) a um texto normativo”, assim entendido como “qualquer documento
elaborado por uma autoridade normativa”.227
No mesmo sentido, Humberto Ávila ministra que: Normas não são textos nem o conjunto deles, mas os sentidos construídos a partir da interpretação sistemática de textos normativos. Daí se afirmar que os dispositivos se constituem no objeto da interpretação; e as normas, no seu resultado. O importante é que não existe correspondência entre norma e dispositivo, no sentido de que sempre que houver um dispositivo haverá uma norma, ou sempre que houver uma norma deverá haver um dispositivo que lhe sirva de suporte.228
Giovanni Tarello afirma que uma norma é o significado adstrito de uma ou
mais disposições e, por isso, exige a atividade interpretativa.229
Dessarte, o direito não pode mais ser visto como resultado de uma
revelação feita pelo juiz. Ele – o juiz –, ao interpretar as espécies normativas,
realiza um ato de criação. Como constata Artur César de Souza, “toda
extraída de um dispositivo legal automaticamente, sem interpretação. O texto legal é mero signo, que só assume significado mediante o processo de compreensão humana. Sempre há o que interpretar. E ainda que seja para adotar a intepretação ‘mais literal possível’ de um dispositivo, é sempre indispensável descartar as interpretações ligadas a outros vetores (sistemáticos, teleológicos, históricos...), e, portanto, em grau maior ou menor, é sempre necessário empregar esses outros métodos interpretativos. Enfim, a aplicação da norma sempre implica o processo interpretativo, o qual, por sua vez, sempre envolve a investigação de aspectos que vão além da simples letra da lei, mesmo quando a conclusão final venha a ser pela adoção do sentido ‘mais literal possível’” (TALAMINI, Eduardo. Coisa julgada e sua revisão. São Paulo: Revista dos Tribunais 2005. p. 160-161). 226 BUENO, Cassio Scarpinella. Direito, interpretação e norma jurídica: uma aproximação musical do direito. Revista de Processo, São Paulo, ano 28, n. 111, p. 223-242, jul.-set. 2003; Idem, Amicus curiae no direito processual civil brasileiro: um terceiro enigmático. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 66-70. 227 GUASTINI, Riccardo. Das fontes às normas. Tradução de Edson Bini. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 26, 23 e 24; GUASTINI, Riccardo. Le fonti del diritto e l’interpretazione. Milano: Giuffrè, 1993. p. 17-18. 228 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 30. 229 TARELLO, Giovanni. L’interpretazione della legge. Milano: Giuffrè, 1980. p. 102.
86
interpretação é criativa e não simplesmente reveladora de uma vontade
precedente”.230
A norma jurídica, portanto, é o resultado da interpretação. Nessa esteira
são as lições de Georges Abboud: Norma, dessa forma, seria a interpretação conferida a um texto (enunciado), parte de um texto ou combinação de um texto. Não existe norma antes da interpretação ou independentemente dela, Interpretar é produzir uma norma e ela é produto do intérprete.231
No mesmo sentido, José Joaquim Gomes Canotilho complementa: Deve distinguir-se entre enunciado (formulação, disposição) da norma e norma. A formulação da norma é qualquer enunciado que faz parte de um texto normativo (de “uma fonte do direito”). Norma é o sentido ou significado adscrito a qualquer disposição (ou a um fragmento de disposições, combinação de disposição, combinações de fragmentos de disposição). Disposição é parte de um texto ainda a interpretar; norma é parte de um texto interpretado.232
Dispositivo, texto ou enunciado normativo não se confundem com norma
jurídica, havendo indubitável distinção entre texto e norma. As normas jurídicas
não são os dispositivos de lei, nem individualizados, nem em conjunto, mas sim
os sentidos atribuídos a eles a partir da interpretação sistemática com base na
Constituição, nos princípios jurídicos, nos direitos fundamentais e no
preenchimento dos sentidos das cláusulas gerais e dos conceitos indeterminados,
em suas interações com os fatos.233
O texto normativo é desordenado ou alógrafo e necessita de interpretação
para atingir o seu sentido, como observa Eros Grau: O direito é alográfico. E alográfico é porque o texto normativo não se completa no sentido nele impresso pelo legislador. A “completude” do texto somente é atingida quando o sentido por ele expressado é produzido, como nova forma de expressão, pelo intérprete.234
230 SOUZA, Artur César de. Código de Processo Civil anotado. São Paulo: Almedina, 2015. v. 3, p. 1383. 231 ABBOUD, Georges. Processo constitucional brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. p. 65. 232 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 4. ed. Coimbra: Almedina, 2000. p. 1.165-1.166. 233 ATAÍDE JR., Jaldemiro Rodrigues de. Comentários ao art. 966. In: CÂMARA, Helder Moroni (Coord.). Código de Processo Civil comentado. São Paulo: Almedina, 2016. p. 1193. 234 GRAU, Eros. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 30.
87
Há casos em que, a despeito de inexistir dispositivo, texto ou enunciado
normativo, há norma jurídica. Há também texto normativo sem existir a norma
jurídica. Há, ainda, casos em que mais de uma norma jurídica é construível a
partir de um mesmo enunciado normativo. Por fim, há casos em que a norma
jurídica somente é construída a partir de mais de um dispositivo.235
A norma jurídica é resultado da atividade interpretativa, criativa e
normativa do magistrado. Não há norma jurídica sem interpretação jurídica. O
dispositivo, texto ou enunciado normativo não se confunde com a norma jurídica.
Gustavo Zagrebelsky afirma que “a interpretação modificou o modo de
entender os textos legislativos”. Ela “não é nunca apenas um ato reprodutivo, mas
também produtivo”.236
Nesse sentido, Cassio Scarpinella Bueno, ao analisar a importância da
interpretação do direito, afirma que “a norma jurídica é o texto da lei interpretado e
aplicado à luz dos fatos concretos. Não há, nestas condições, direito sem
interpretação e sem aplicação concreta”.237
A força normativa da Constituição, os direitos fundamentais, os princípios,
as cláusulas gerais e os conceitos vagos ou indeterminados são formas de
autorizar o juiz a incorporar valores na interpretação e na aplicação do direito ao
caso concreto, ou seja, na construção da norma jurídica.
2.5.3.3 Método de concretização do sentido dos textos normativos em detrimento
da subsunção
Na subsunção clássica, o juiz, para a solução do caso, utiliza de um
raciocínio dedutivo formalmente constituído pela premissa maior (direito) e pela
235 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 31. 236 ZAGREBELSKY, Gustavo; BRUNELO, Mario. Interpretare: Dialogo tra un musicista e un giurista. Milano: Il Mulino, 2016, p. 42 e 54, respectivamente: “L’interpretazione giuridica ha modificato il modo d’ intendere i testi legislativi” e “L’interpretazione non è mai solo um atto ri-produtivo, ma anche produttivo”. 237 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 2013. v. 1, p. 92.
88
premissa menor (fato) para alcançar, por inferência, a conclusão, conhecido como
silogismo.238
Ocorre que o próprio método de construção da norma jurídica, ao aplicar
o direito ao caso concreto, mudou da subsunção à concretização. Tercio Sampaio
Ferraz Júnior, nesse sentido, observa: A subsunção é, aos poucos, sobrepujada pela ponderação de princípios, pois os juízes não aplicam apenas a legislação, mas fazem constantes referências aos princípios jurídicos. [...] o juiz, agora, tem uma liberdade muito maior para reconstruir e até construir o direito [...]. Em consequência, passamos da centralidade da lei para a centralidade da jurisdição [...]. Por isso a tensão se desloca do legislador/doutrina dogmática para juiz/doutrina dogmática. O problema da aplicação, da justificação da decisão jurídica ganha uma importância inédita.239
O método hermenêutico da concreção baseia-se na distinção entre texto
(enunciado legal) e norma (resultado da interpretação), na construção da norma
jurídica ao caso em análise.
Diferentemente da subsunção, método pelo qual o aplicador enquadra o
os fatos concretos do litígio ao texto normativo geral e abstrato para se extrair
uma consequência jurídica, a concretização ocorre por meio de um processo de
determinação do texto normativo, com o refinamento dos conceitos em sintonia
com os fatos da causa, culminando na decisão da causa.
O processo de concreção inicia-se com o enunciado normativo
(princípios, direitos fundamentais, cláusulas gerais, conceitos indeterminados etc.)
analisado a partir dos fatos concretos e dos valores a ele subjacentes para se
construírem a norma geral e a norma individual do caso concreto.
A atividade interpretativa, além de exigir juízos acerca da realidade dos
fatos, pugna pela valoração (juízo axiológico) do caso com base na axiologia
extraível do enunciado normativo.
Cassio Scarpinella Bueno atenta-se para o fenômeno ao lecionar:
238 “O silogismo judicia cria uma atitude reconfortante para o intérprete, que passa a se iludir ao crer que a lei, ou a súmula vinculante, traz consigo a norma já pronta para a solução dos casos futuros, restando ao juiz a simples tarefa de acoplar o suporte fático ao texto normativo” (ABBOUD, Georges. Processo constitucional brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. p. 81). 239 FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Prefácio de um posfácio. O direito, entre o futuro e o passado. São Paulo: Noeses, 2014. p. XV.
89
Já não se pode falar, em todos e em quaisquer casos, que a atividade do intérprete e do aplicador do direito seja meramente subsuntiva, mas, bem diferentemente, sua função passa a ser concretizadora, no sentido de criadora do próprio direito a ser aplicado, justamente em função da complexidade do ordenamento jurídico atual. De uma atividade de mero conhecimento (um comportamento passivo) do fenômeno jurídico para sua aplicação, passa-se a uma atividade criadora-valorativa (um comportamento ativo), conscientemente criadora e valorativa do juiz.240
Interpretar, como ato intimamente ligado ao ato de julgar, não é
simplesmente uma atividade de reprodução, e sim de produção normativa à luz
do caso concreto. “A norma é produto da interpretação diante da problematização
de um caso real ou fictício; sua existência somente ocorre na linguagem.”241
Portanto, o método de concretização de sentido aos textos normativos
substituiu o método subsuntivo na interpretação e na aplicação do direito pelo juiz.
2.5.3.4 O postulado da proporcionalidade
Nessa atividade criativa de construção de sentido dos textos normativos,
em determinada circunstância, pode ocorrer que dois ou mais valores previstos na
Constituição Federal, dois ou mais princípios, ou dois ou mais direitos
fundamentais, entrem em rota de colisão. Nesse caso, “a proporcionalidade deve
ser utilizada como parâmetro normativo para assegurar a preservação dos direitos
fundamentais e a isonomia entre os litigantes”.242
Caso ocorra a colisão de princípios e/ou de direitos fundamentais, o juiz
deve sopesá-los ao criar a norma jurídica. Cabe ao próprio Poder Judiciário
analisar, com base no postulado da proporcionalidade, e dizer qual valor, princípio
ou direito fundamental deve prevalecer diante do caso concreto.
A aplicação da proporcionalidade, com a consequente restrição a
determinado direito em prevalência de outro, deve levar em conta três aspectos:
240 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 2013. v. 1, p. 91. 241 ABBOUD, Georges. Processo constitucional brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. p. 88. 242 ABBOUD, Georges. Comentários ao art. 8.º. In: BUENO, Cassio Scarpinella (Coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2017. v. 1, p. 134.
90
adequação, necessidade e proporcionalidade (em sentido estrito) da medida
restritiva.243
Como leciona Paulo Bonavides, com base em decisão do Tribunal
Constitucional alemão: O meio empregado pelo legislador deve ser adequado e necessário para alcançar o objetivo procurado. O meio é adequado quando com seu auxílio se pode alcançar o resultado desejado; é necessário, quando o legislador não poderia ter escolhido um outro meio, igualmente eficaz, mas que não limitasse ou limitasse da maneira menos sensível o direito fundamental.244
No mesmo sentido, Humberto Ávila ensina quando se deve aplicar o
postulado da proporcionalidade: Ele se aplica apenas a situações em que há uma relação de causalidade entre dois elementos empiricamente discerníveis, um meio e um fim, de tal sorte que se possa proceder aos três exames fundamentais: o da adequação (o meio promove o fim?), o da necessidade (dentre os meios disponíveis e igualmente adequados para promover o fim, não há outro meio menos restritivo do(s) direito(s) fundamentais afetados?) e o da proporcionalidade em sentido estrito (as vantagens trazidas pela promoção do fim correspondem às desvantagens provocadas pela adoção do meio?).245
Portanto, em caso de conflito entre dois ou mais valores previstos na
Constituição Federal, entre dois ou mais princípios, ou entre dois ou mais direitos
fundamentais, o intérprete e o aplicador deve utilizar o postulado da
proporcionalidade (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido
estrito) na construção da norma jurídica.
243 Segundo Robert Alexy: “Afirmar que a natureza dos princípios implica a máxima da proporcionalidade significa que a proporcionalidade, com suas três máximas parciais da adequação, da necessidade (mandamento do meio menos gravoso) e da proporcionalidade em sentido estrito (mandamento do sopesamento propriamente dito), decorre logicamente da natureza dos princípios, ou seja, que a proporcionalidade é deduzível dessa natureza. O Tribunal Constitucional Federal [alemão] afirmou, em formulação um pouco obscura, que a máxima da proporcionalidade decorre, ‘no fundo, já da própria essência dos direitos fundamentais’” (ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 116-117). 244 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 409. 245 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 173-174.
91
2.5.3.5 A importância da fundamentação das decisões judiciais
Ademais, com o reconhecimento do papel criativo e normativo da
atividade jurisdicional, a fundamentação das decisões judiciais ganha uma
importância maior,246 pois é por ela que o magistrado construirá sua interpretação
dos enunciados normativos conforme a Constituição, os princípios jurídicos e os
direitos fundamentais, bem como atribuirá sentido aos termos indeterminados
contidos nas cláusulas gerais e nos conceitos indeterminados à luz dos fatos
concretos.
A fundamentação das decisões judiciais é garantia constitucional do
cidadão inerente ao Estado Democrático de Direito (art. 93, IX, CF). Trata-se de
um elemento integrativo de uma garantia completa do contraditório,247 de fazer
valer suas argumentações.248 É ela que expressa a necessidade de a decisão
judicial ser justificada e fundamentada. É na fundamentação que o juiz analisará
as questões de fato e de direito (art. 489, II), motivará sua convicção quanto aos
fatos da causa e apreciará os fundamentos jurídicos do pedido e da defesa, aos
quais, no entanto, não estará adstrito. Se as partes levantam argumentos de fato
e de direito, o juiz tem o dever de conhecê-los e de ponderá-los.249 Mesmo não
estando vinculado aos fundamentos apresentados pelos sujeitos processuais, o
juiz deverá oportunizá-los manifestar a respeito de fundamento novo, de fato ou
de direito, que pretenda trazer pela primeira vez aos autos.
Há três razões fundamentais para a exigência de fundamentação das
decisões judiciais: a primeira é permitir o controle da atividade judicial, tanto do
246 O dever de fundamentação das decisões judiciais é uma das características que diferenciam a atividade do juiz da atividade do legislador: “Un primo, evidente aspetto di differenziazione tra giudice e legislatore consiste nell’obbligo che il giudice ha di giustificare la sua decisione: egli anzi non può solitamente neppure sottrarsi al l’onere di motivare non soltanto la decisione, ma anche la scelta delle premesse utilizzate per giustificarla [Guatini]. Un obbligo che il legislatore, almeno nelle sue forme giuridiche, non ha” (VIOLA, Francesco; ZACCARIA, Giuseppe. Diritto e interpretazione: Liniamenti di teoria ermeneutica del diritto. 9. ed. Roma-Bari: Laterza, 2016. p. 142). 247 COMOGLIO, Luigi Paolo; FERRI, Corrado; TARUFFO, Michelle. Lezioni sul processo civile: Il processo ordinário di cognizione. 5. ed. Milano: Il Mulino, 2011. p. 78. 248 PROTO PISANI, Andrea. Lezioni di diritto processuale civile. 5. ed. Com apêndice de atualização até as leis de 28 mar. 2010. Napoli: Jovene, 2006. p. 203. 249 JAUERNIG, Othmar. Direito processual civil. Coimbra: Almedina, 2002. p. 411. Tradução de F. Silveira Ramos da 25.a edição, totalmente refundida, da obra criada por Friedrich Lent: Zivilprozessrecht: ein Studienbuch/von Othmar Jauernig-25., vollig neubearb. Aufl. Des von Friedrich Lent begr. Werkes. Munchen: Beck, 1998. p. 168.
92
desenvolvimento do processo quanto das decisões judiciais. Logo, a
fundamentação das decisões judiciais é fundamental para assegurar a existência
de parâmetros necessários para a sociedade avaliar a atuação do Poder
Judiciário.250 A segunda é a vedação de decisões solipsistas, tomadas de forma
voluntária e subjetiva pelo magistrado no exercício de sua atividade jurisdicional,
e, por consequência, a imposição de racionalidade e de coerência argumentativa
aos magistrados no ato de decidir. Por fim, a fundamentação das decisões
judiciais permite uma melhor estruturação de eventuais recursos a serem
interpostos. Como o princípio da dialeticidade recursal251 preconiza a necessidade
de o recorrente fundamentar o seu arrazoado de maneira que efetivamente
ataque o pronunciamento judicial impugnado – e não simplesmente repita a
matéria alegada na inicial ou na contestação –, é a partir da fundamentação da
decisão judicial que as partes podem demonstrar de forma mais precisa e
rigorosa os seus errores.252
O art. 93, IX, da CF exige que todas as decisões judiciais sejam
fundamentadas. Essa fundamentação deve ser substancial, e não um “simulacro
de fundamentação”.253 As decisões não podem carecer de fundamentação e ser
deficientemente fundamentadas ou falsamente fundamentadas.254
250 TARUFFO, Michele. La motivazione della sentenza. In: MARINONI, Luiz Guilherme (Coord.). Estudos de direito processual civil: homenagem ao Professor Egas Dirceu Moniz de Aragão. São Paulo: Revista dos Tribunais 2005. p. 166-176; TARUFFO, Michele. A motivação da sentença civil. Tradução de Daniel Mitidiero, Rafael Abreu e Vitor de Paula Ramos. São Paulo: Marcial Pons, 2015. passim. TARELLO, Giovanni. L’interpretazione della legge. Milano: Giuffrè, 1980. p. 67-75; CANOTILHO; José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 667; BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A motivação das decisões judiciais como garantia inerente ao Estado de Direito. Temas de direito processual civil – segunda série. São Paulo: Saraiva, 1980, p. 88; SCHMITZ, Leonard Ziesemer. Fundamentação das decisões judiciais. São Paulo: Revista dos Tribunais 2015. p. 208-213. BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 2011. v. 1, p. 150. 251 OLIVEIRA, Pedro Miranda de. Poderes do relator no CPC projetado. In: CAMARGO, Luiz Henrique Volpe; DANTAS, Bruno; DIDIER JR., Fredie; FREIRE, Alexandre; FUX, Luiz; MEDINA, José Miguel Garcia; NUNES, Dierle; OLIVEIRA, Pedro Miranda de. (Coord.). Novas tendências do processo civil: estudos sobre o projeto do novo CPC. Salvador: JusPodivm, 2013. p. 404-405. Na jurisprudência: STJ, 1.a Seção, AgRg na AR 5.372/BA, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 28.05.2014, v.u.; STJ, 4.a Turma, AgRg no AREsp 497.813/ES, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, j. 27.05.2014, v.u.; STJ, 4.a Turma, RCD no AREsp 76.110/RJ, Rel. Min. Marco Buzzi, j. 22.05.2014, v.u. 252 CANOTILHO; José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 667. 253 CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. São Paulo: Atlas, 2015. p. 14. 254 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro. Sentença arbitrária. Revista de Processo, v. 204, p. 42, fev. 2012.
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Isso porque é na fundamentação que o juiz demonstra “que a decisão
tomada é a melhor dentre todas as outras imaginadas”, de modo a deixar claro
que a resposta construída “para o caso é a mais adequada ao que diz a
Constituição”,255 os princípios jurídicos e os direitos fundamentais. Da mesma
forma, é na fundamentação que o magistrado atribuirá sentido aos termos
indeterminados contidos nas cláusulas gerais e nos conceitos indeterminados.
A fundamentação da decisão judicial deve ser completa. Como instrui
Egas Dirceu Moniz de Aragão, [...] é inadmissível supor que o juiz possa escolher, para julgar, apenas algumas das questões que as partes lhes submeterem. Sejam preliminares, prejudiciais, processuais ou de mérito, o juiz tem de examiná-las todas, se não o fizer, a sentença estará incompleta.256
Reputa-se completa a fundamentação da decisão judicial que examina
todos os fundamentos, processuais ou substanciais, suscitados pelo demandante
ou pelo demandado,257 ainda que de forma sucinta ou concisa,258 em observância
aos direitos das partes, inerentes ao contraditório, de influir no conteúdo das
decisões judiciais e de ter seus argumentos considerados.259
Não basta que a decisão seja suficientemente fundamentada, o que
ocorre quando constarem todos os elementos que o juiz levou em conta para
decidir. A decisão deve ser completa, devendo estar presentes também todos os
elementos fáticos e/ou jurídicos suscitados pelas partes. 260 Ainda que o juiz
255 SCHMITZ, Leonard Ziesemer. Fundamentação das decisões judiciais. São Paulo: Revista dos Tribunais 2015. p. 351. 256 MONIZ DE ARAGÃO, Egas Dirceu. Sentença e coisa julgada. Rio de Janeiro: Aide, 1992. p. 101. 257 SHIMURA, Sérgio Seiji. Embargos de declaração. In: MEDINA, José Miguel Garcia et al. (Coord.). Os poderes do juiz e o controle das decisões judiciais: estudos em homenagem à Professora Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: Revista dos Tribunais 2008. p. 855; BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 2008. v. 5, p. 198. 258 Enunciado 10, ENFAM: “A fundamentação sucinta não se confunde com a ausência de fundamentação e não acarreta a nulidade da decisão se forem enfrentadas todas as questões cuja resolução, em tese, influencie a decisão da causa”. 259 DINAMARCO, Cândido Rangel. O dever de motivar e a inteireza da motivação. Fundamentos do processo civil moderno. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. t. I, p. 941-948; ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. A influência do contraditório na convicção do juiz: fundamentação de sentença e de acórdão. Revista de Processo, São Paulo, v. 168, p. 53 e ss., fev. 2009; ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Omissão judicial e embargos de declaração. São Paulo: Revista dos Tribunais 2005. p. 101-105 e 352. 260 Na vigência do Código de Processo Civil de 1973, Teresa Arruda Alvim e Joaquim Felipe Spadoni sustentavam que as decisões proferidas em primeiro grau, decisões interlocutórias ou
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entenda que o fundamento de fato ou de direito levantado pelas partes pareça de
menor ou de nenhuma relevância para a solução da controvérsia, ele deve
manifestar-se a respeito com essa fundamentação.261
Por essa razão, o § 1.º do art. 489 estabelece uma série de casos de
falsa fundamentação, em um rol exemplificativo (Enunciado 303, FPPC). Assim,
não se considera fundamentada a decisão judicial que: (i) se limitar à indicação, à
reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a
causa ou a questão decidida; (ii) empregar conceitos jurídicos indeterminados,
sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; (iii) invocar motivos
que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; (iv) não enfrentar todos os
argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão
adotada pelo julgador; (v) se limitar a invocar precedente ou enunciado de
súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o
caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; (vi) deixar de seguir
enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem
demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do
entendimento.
Portanto, o entendimento de que os tribunais não devem examinar todas
as questões, mas apenas aquelas que consideram relevantes para a
fundamentação da decisão, contraria, em nosso sentir, o disposto no art. 489, §
1.º, IV, e, reflexamente, o art. 93, IX, CF.262-263
sentenças poderiam ser suficientemente fundamentadas, em razão da ampla devolutividade do recurso cabível contra essas decisões. No entanto, no que se refere aos julgamentos pelos Tribunais, em segundo grau de jurisdição, o acórdão deveria conter fundamentação completa, para viabilizar um adequado manejo do recurso especial ou extraordinário (ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Omissão judicial e embargos de declaração. São Paulo: Revista dos Tribunais 2005. p. 105; SPADONI, Joaquim Felipe. A função constitucional dos embargos de declaração e suas hipóteses de cabimento. In: NERY JR., Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e de outros meios de impugnação de decisões judiciais. São Paulo: Revista dos Tribunais 2005. v. 8, p. 248-249). 261 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 2011. v. 1, p. 152. 262 Na doutrina, esse entendimento, contrário ao que pensamos, também encontrava eco: SARTI, Amir Finocchiaro. As omissões da sentença e o efeito devolutivo da apelação. In: NERY JR., Nelson; ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa; ALVIM, Eduardo Arruda (Coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis. São Paulo: Revista dos Tribunais 2000. p. 13-18; ORIONE NETO, Luiz. Embargos de declaração. In: NERY JR., Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos: 5.a série. São Paulo: Revista dos Tribunais 2004. p. 339-390, esp. p. 359.
95
Assim, toda decisão judicial, seja ela decisão interlocutória, sentença,
decisão monocrática do relator ou acórdão, deverá ser completa, e não
suficientemente fundamentada, de modo a demonstrar a (re)construição da norma
jurídica do caso concreto a partir da interpretação do texto normativo, com
atribuição de sentido aos eventuais termos indeterminados decorrentes de
cláusulas gerais e de conceitos indeterminados, em compatibilidade com a
Constituição, com os princípios jurídicos e com os direitos fundamentais.
2.5.3.6 Norma jurídica
Fixado o entendimento de que a norma jurídica é o resultado da
interpretação das fontes de direito, em especial das prescrições normativas à luz
da Constituição, dos princípios, dos direitos fundamentais e do preenchimento de
cláusulas gerais e/ou de conceitos indeterminados à luz do caso concreto, importa
afirmar que, quando se diz que uma norma jurídica foi violada, o que se violou foi
a interpretação dada às fontes do direito utilizadas no caso concreto.
2.5.3.6.1 Direito material e direito processual
Violar a norma jurídica refere-se a qualquer tipo de espécie normativa,
seja ela processual, civil, consumerista, ambiental, constitucional, administrativa
etc. “O que interessa ao Estado e ao povo é a integridade, a observância, o
respeito de todo o seu sistema jurídico.”264
Por esse motivo, Luiz Eulálio Bueno Vidigal não estava com a razão
quando sustentava o não cabimento de ação rescisória, à luz dos Códigos de
1939 e 1973, por violação à literal disposição de lei que versasse matéria de
direito processual.
263 Para um estudo sobre o pensamento de cada Ministro do Superior Tribunal de Justiça a respeito do tema, vide, com proveito: CAMARGO, Luiz Henrique Volpe. A motivação dos julgamentos dos tribunais de 2.º grau na visão do Superior Tribunal de Justiça: acórdão completo ou fundamentado? Revista de Processo, v. 162, p. 197 e ss., ago. 2008. 264 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado da ação rescisória das sentenças e de outras decisões. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1976. p. 288.
96
Hoje é pacífico que as matérias de direito processual podem ser
consideradas infringidas para fins rescisórios, em caso de nulidades processuais
no processo de origem.
As nulidades processuais devem ser consideradas forma de controle dos
atos processuais de sua regularidade e sua conformidade com os princípios
constitucionais do processo.265
No entanto, é importante destacar que todo ato processual defeituoso
produz efeitos até que seja decretada a sua nulidade. Essa afirmação é bem
aceita pela doutrina em geral.266 Enquanto não declarada a nulidade pelo juiz, a
relação processual ou o ato processual produz validamente seus efeitos, podendo
ocorrer a reparação dos vícios, caso não se opere a coisa julgada.
Após a coisa julgada, entretanto, não é qualquer nulidade processual
ocorrida no processo originário que ensejará o cabimento de ação rescisória por
violação manifesta de norma jurídica, mas apenas as nulidades absolutas é que
macularão as decisões judiciais a ponto de torná-las rescindíveis.
Tanto a ofensa à norma jurídica ocorrida no curso do processo na qual foi
proferida a decisão rescindenda quanto a ofensa contida na própria decisão
podem, em tese, dar azo à ação rescisória. Em outras palavras, as nulidades
absolutas do processo e as da decisão podem ser encartáveis como violação à
norma jurídica.
Para Teresa Arruda Alvim, há a nulidade absoluta e a relativa, bem como
a nulidade de forma e de fundo.
As nulidades absolutas são aquelas decretáveis de ofício e/ou arguíveis
pelas partes, em princípio, a qualquer tempo, “não incidindo a preclusão nem
mesmo se a matéria for objeto de decisão, se desta decisão se recorrer e se
houver decisão a respeito”, sendo aquelas relacionadas aos pressupostos
265 BARROS, Flaviane de Magalhães. Nulidade e modelo constitucional de processo. In: DIDIER JR., Fredie (Org.). Teoria do processo: panorama doutrinário mundial – 2.a série. Salvador: JusPodivm, 2010. p. 243. 266 Por todos: ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Nulidades do processo e da sentença. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2007. p. 166; CABRAL, Antonio do Passo. Nulidades no processo moderno: contraditório, proteção da confiança e validade prima facie dos atos processuais. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 269-273; GONÇALVES, Aroldo Plínio. Nulidades no processo. Rio de Janeiro: Aide, 1993. p. 76-82; DIDIER JR., Fredie; NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa. Teoria dos fatos jurídicos processuais. Salvador: JusPodivm, 2011. p. 76.
97
processuais de existência e de validade, às condições da ação e às
circunstâncias assimiláveis; enquanto as nulidades relativas são “arguíveis só
pelas partes. Há preclusão ou pelo escoamento do prazo previsto em lei, ou, à
falta deste, por não se ter a parte manifestado na primeira vez em que falou nos
autos”.267
As nulidades absolutas subsistem no processo e maculam todos os atos
subsequentes, inclusive as decisões judiciais transitadas em julgado, tornando-as
rescindíveis, enquanto as nulidades relativas serão tidas como sanadas, em
virtude do regime da preclusão.
2.5.3.6.2 Direito interno e direito estrangeiro aplicável ao caso
Os enunciados normativos que podem ser tidos como violados para fins
rescisórios não se restringem ao direito interno. Excepcionalmente, é possível que
o direito estrangeiro seja aplicável ao caso, como bem demonstram as normas de
direito internacional privado.268
Sendo o caso e não tendo sido aplicado o direito estrangeiro ou tendo
sido aplicado erroneamente, é possível o manejo de ação rescisória por violação
à norma jurídica estrangeira.269
2.5.3.6.3 Costume como norma jurídica
O art. 4.º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro prevê que
o costume pode ser aplicado de forma supletiva: “Quando a lei for omissa, o juiz
decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de
direito”. 267 ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Nulidades do processo e da sentença. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2007, p. 135-245; Idem. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2008. p. 509-510. 268 Sobre o tema, consultar, com proveito: MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direito internacional privado. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 173-246, capítulo VII – Aplicação do direito estrangeiro pelo juiz nacional. 269 CRAMER, Ronaldo. Ação rescisória por violação à norma jurídica. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2012. p. 207-209; PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado da ação rescisória e de outras decisões. 5. ed. Rio de Janeiro, 1976. p. 270; NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil. 15. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. p. 353.
98
Costume é o comportamento reiterado no tempo, existindo em caso de
comportamento habitual duradouro na prática espontânea de determinadas
condutas.
É, inequivocamente, uma das fontes do direito. Torna-se fonte do direito,
no caso concreto, quando se pode extrair do comportamento reiterado um padrão
de conduta, um enunciado normativo. Portanto, pode não ser a principal fonte de
direito no civil law, mas o é.
Sendo fonte do direito e dele sendo extraível um enunciado normativo de
conduta, é cabível, em tese, ação rescisória contra decisão que violar costume.270
Nesse sentido, Flávio Luiz Yarshell leciona: [...] também é possível cogitar doravante do cabimento de rescisória com alegação de manifesta violação a regras consuetudinárias (o que pode ser comum, por exemplo, em relações mercantis e do comércio eletrônico), ainda que guardada a nota de excepcionalidade inerente à medida. Nessas hipóteses, o correto é entender que a lei exige tenham sido frontal e diretamente violados o sentido e o propósito da norma jurídica.271
Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou, à luz do
Código de Processo Civil de 1973: “a interpretação do artigo 485, V, do CPC,
deve ser ampla e abarca a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito
(art. 4.º, LICC)”.272
2.5.4 Significado de “violar”
Outra importante questão consiste em saber o significado de “violar” para
fins de rescindibilidade da decisão que viola a norma jurídica.
De forma singela, sem mencionar o verbo violar, o diploma processual
anterior, o Código de Processo Civil de 1939, preferiu prever em seu art. 798, inc.
I, “c”, que “será nula a sentença contra literal disposição de lei”.
270 CRAMER, Ronaldo. Ação rescisória por violação da norma jurídica. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2012. p. 195-197; NERY JUNIOR, Nelson; ABBOUD, Georges. Panorama atual pelos atualizadores. In: PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado da ação rescisória. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. p. 353. 271 YARSHELL, Flávio Luiz. Comentários ao art. 966. In: BUENO, Cassio Scarpinella (Coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2017. v. 4, p. 172. 272 STJ, 1.ª Seção, AR 822/SP, Rel. Min. Franciulli Netto, j. 26.04.2000.
99
Foi no art. 485, V, do Código de Processo Civil de 1973 que o verbo
“violar” passou a ser empregado para fins de cabimento de ação rescisória em
caso de violação à literal disposição de lei.
O verbo “violar” deve ser interpretado de forma ampla, a significar
contrariar, afrontar, desrespeitar, infringir, transgredir, desobedecer, não aplicar
de forma correta ou aplicar de forma errada.273
Há violação à norma jurídica em toda e qualquer forma de ofensa a ela.
Pode-se afirmar que há violação à norma jurídica quando a decisão, ao interpretar
os enunciados normativos, nega vigência a enunciado normativo vigente; não
aplica enunciado normativo aplicável; e aplica erroneamente enunciado normativo
inaplicável.274
Da mesma forma, há violação à norma jurídica quando, à luz do caso
concreto, a decisão não aplica precedente aplicável ou aplica erroneamente
precedente inaplicável.275
Não se considera violado enunciado normativo que não está mais vigente
ou que ainda não está vigente, pois o texto normativo violado é aquele que teve
sua vigência negada e, por consequência, não foi aplicada, mesmo devendo sê-
lo, e não aquele que não está mais vigente ou que ainda não o está.276
273 Esses são os sentidos expressos do verbo violar nos principais dicionários: “Cometer violação ou desrespeito de norma, lei, acordo etc.” (HOLANDA, Aurélio Buarque. Violar. Dicionário Aurélio. Disponível em: <https://dicionariodoaurelio.com/violar>. Acesso em: 11 set. 2017; PRIBERAM. Violar. Dicionário Priberam da Língua Portuguesa. Disponível em: <https://www.priberam.pt/dlpo/violar>. Acesso em: 14 set. 2017); “Desobedecer (lei, ordem, acordo)” (CALDAS AULETE, Francisco Júlio de. Violar. Dicionário Aulete digital. Disponível em: <http://www.aulete.com.br/violar>. Acesso em: 11 set. 2017); “Desrespeitar (uma lei, contrato, norma, promessa etc.) com seu descumprimento, não aplicação ou aplicação incorreta; infringir, transgredir” (HOUAISS, Antonio. Violar. Dicionário Houaiss. Disponível em: <https://houaiss.uol.com.br/pub/apps/www/v3-2/html/index.php#1>. Acesso em: 11 set. 2017). 274 CRAMER, Ronaldo. Ação rescisória por violação da norma jurídica. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2012. p. 195-197; NERY JUNIOR, Nelson; ABBOUD, Georges. Panorama atual pelos atualizadores. In: PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado da ação rescisória. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. p. 353. 275 “Os padrões decisórios dotados de eficácia vinculante precisam, necessariamente, ser seguidos. E é necessário reconhecer a existência de mecanismos de controle dessa observância (mecanismos esses cuja análise, frise-se, não constitui objeto desse estudo, mas que devem ser aqui ao menos mencionados). Evidentemente, é possível conceber o recurso como mecanismo de controle. Também a reclamação (art. 988, III e IV, do Código de Processo Civil/2015) e a ação rescisória (art. 966, V e § 5.º, do Código de Processo Civil/2015) são mecanismos de controle previstos expressamente no Código de Processo Civil” (CÂMARA, Alexandre Freitas. Levando os padrões decisórios a sério. São Paulo: Atlas, 2017. p. 282, nota 16). 276 CRAMER, Ronaldo. Ação rescisória por violação da norma jurídica. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2012. p. 196. Em sentido contrário, Sérgio Rizzi entendia que havia violação literal de
100
Portanto, há violação à norma jurídica quando, à luz do caso concreto, a
decisão nega vigência a enunciado normativo vigente; não aplica enunciado
normativo aplicável; ou aplica erroneamente enunciado normativo inaplicável.277
2.5.4.1 Desnecessidade de prequestionamento
Diferentemente dos recursos especiais e extraordinários, a ação
rescisória não necessita de prequestionamento para sua admissibilidade. O que o
art. 966, V, do Código de Processo Civil de 2015 exige é que haja alegação de
violação manifesta de norma jurídica, sem necessidade de prequestionamento,
nem de se esgotarem as vias ordinárias.278
Mesmo que não tenham sido invocados no processo originário, os
enunciados normativos, que subjazem a alegação de violação à norma jurídica,
podem ser objeto de arguição para fins rescisórios.
Compete ao julgador interpretar e aplicar o direito da forma como deve
ser, independentemente de alegação das partes, desde que previamente
oportunize o debate da matéria de fato ou de direito entre os sujeitos processuais.
Essa é a releitura necessária que deve ser feita aos adágios iura novit curia e
narra mihi factum, narro tibi jus, diante do princípio do contraditório, sob pena de
proferir decisão surpresa, vedada pelo art. 5.º, LIV, da Constituição e pelo art. 10
do Código de Processo Civil.279 O juiz conhece do direito, mas tem o dever de
diálogo e de debate prévio entre os sujeitos processuais como meio de possibilitá-
los a influir “nesse direito”, no conteúdo das decisões judiciais.
lei quando a decisão “dá validade a uma lei que não vale” e “admite a vigência a uma lei, que ainda não vige ou já não vige” (RIZZI, Sérgio. Ação rescisória. São Paulo: Revista dos Tribunais 1979. p. 107). 277 CRAMER, Ronaldo. Ação rescisória por violação da norma jurídica. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2012. p. 195-197; NERY JUNIOR, Nelson; ABBOUD, Georges. Panorama atual pelos atualizadores. In: PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado da ação rescisória. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. p. 353. 278 DELLORE, Luiz. Execução e recursos: comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2017. p. 774. 279 O tema foi objeto de pesquisa do autor em sua dissertação de mestrado defendida na PUC/SP, no ano de 2012, perante a banca composta pelos Professores Doutores Sérgio Seiji Shimura (orientador), Cassio Scarpinella Bueno e Humberto Theodoro Júnior. A sua versão comercial, à luz do Código de Processo Civil de 2015, encontra-se em vias de publicação: SANTOS, Welder Queiroz dos. Princípio do contraditório e vedação de decisão surpresa. Rio de Janeiro: Forense, 2018.
101
Ademais, não há no Código de Processo Civil de 2015, na Constituição e
em nenhum enunciado normativo integrante do ordenamento jurídico brasileiro
nenhuma exigência de prequestionamento na causa anterior para fins de
cabimento de ação rescisória, e eventual exigência seria “completamente
destituída de base legal”.280
Diferentemente dos recursos, a ação rescisória trata-se de uma nova
demanda, que constitui uma nova relação jurídica processual, desligada da
anterior, sendo impróprio exigir o prequestionamento.281
Portanto, não se pode exigir prequestionamento da matéria para fins de
cabimento de ação rescisória por violação manifesta à norma jurídica, sendo
irrelevante saber se a questão foi ou não debatida no processo de origem.
2.5.5 Significado de “manifestamente”
O inciso V do art. 966 do Código de Processo Civil estabelece que pode
ser rescindida a decisão que “violar manifestamente norma jurídica”.
A palavra “manifestamente” significa “de modo manifesto”. Trata-se de um
advérbio que tem por finalidade linguística dar mais precisão ao sentido do verbo
violar e exprimir circunstância de modo (manifesto).282
“Manifesto”, por sua vez, é um adjetivo que tem como sinônimos aquilo
que é “claro, evidente, indubitável, irrefutável, notório, patente, provado”, e como
antônimo o que é “duvidoso, incerto, inevidente, obscuro, secreto”.283
Ao interpretar o termo “manifesta”, Nelson Nery Junior e Georges Abboud
afirmam que o inciso V do art. 966 do Código de Processo Civil exige que a
violação “seja visível, evidente”.284
280 BARIONI, Rodrigo Otávio. Ação rescisória e recursos para os tribunais superiores. São Paulo: Revista dos Tribunais 2010. p. 111. 281 DONADEL, Adriana. A ação rescisória no direito processual civil brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 147-148. 282 PRIBERAM. Manifestamente. Dicionário Priberam da Língua Portuguesa: 2008-2013. Disponível em: <https://www.priberam.pt/dlpo/manifestamente>. Acesso em: 21 nov. 2017. 283 HOUAISS, Antonio. Manifesto. Dicionário Houaiss: sinônimos e antônimos. 3. ed. São Paulo: Publifolha, 2012. p. 471. 284 NERY JUNIOR, Nelson; ABBOUD, Georges. Panorama atual pelos atualizadores. In: PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado da ação rescisória. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. p. 353.
102
Rodrigo Barioni, por sua vez, entende que o termo “manifestamente” quer
significar que a transgressão deve ser “‘aberrante’, ‘direta’, ‘estridente’, ‘absurda’,
‘flagrante’, ‘extravagante’”.285
Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha, por seu turno, afirmam:
“Se a decisão rescindenda tiver conferido uma interpretação sem qualquer
razoabilidade ao texto normativo, haverá manifesta violação à norma jurídica”.
Estendem o entendimento também para os casos de “interpretação incoerente e
sem integridade com o ordenamento jurídico”.286
Ademais, compreendem que o sentido do “termo manifesta [...] significa
evidente, clara”, que “puder ser demonstrada com a prova pré-constituída juntada
pelo autor”, ou seja, que a alegação possa ser comprovada pelas provas que
instruem a inicial, sem necessidade de dilação probatória.287 Admitem, portanto,
que para a comprovação de violação manifesta à norma jurídica o autor se valha
de prova pré-constituída a instruir a petição inicial da demanda.
A hipótese de cabimento de ação rescisória por violação manifesta à
norma jurídica não depende de instrução probatória, pois o Poder Judiciário vai
analisar se à luz das circunstâncias fáticas do caso julgado foi aplicado
corretamente o direito. A correção da solução normativa não deve ser feita a partir
do exame das provas constantes dos autos, mas do ordenamento jurídico.
No entanto, dependendo da natureza da norma supostamente alegada,
pode haver a necessidade de pré-constituir o direito (prova de direito) como é o
caso do direito local, do direito consuetudinário e do direito estrangeiro.
Flávio Luiz Yarshell critica a utilização de “manifestamente”. Para o autor,
o advérbio sugere subjetivismo, gera incerteza por se tratar de conceito
indeterminado e pode ser interpretado para afastar o cabimento em causas de
maior complexidade: Além disso, o advérbio “manifestamente” sugere indesejável dose de subjetivismo; quando menos de incerteza, própria de um conceito juridicamente indeterminado – ao contrário do que se dá com a qualificação de “literal”.
285 BARIONI, Rodrigo. Alguns apontamentos sobre a ação rescisória no projeto do novo Código de Processo Civil. Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 48, n. 190, p. 225, abr.-jun. 2011. 286 DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil. Salvador: JusPodivm, 2016, v. 3, p. 495. 287 DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil. Salvador: JusPodivm, 2016. v. 3, p. 494-495.
103
[...] Mas a aplicação do vocábulo à rescisória pode, ainda, sugerir que fundamentos que apresentem maior complexidade seriam inadequados para o propósito de rescindir. Isso seria um equívoco. Singeleza não é necessariamente uma característica do fundamento alegado em rescisória.288
Em virtude de todas essas preocupações externadas supra, a expressão
“manifestamente” contida no art. 966, V, do Código de Processo Civil pode ter
plurissiginificados, todos difíceis de serem previamente estabelecidos.
Entre esses diversos sentidos é possível afirmar com precisão que violar
manifestamente norma jurídica significa violar precedentes judiciais com
observância obrigatória.
Esse é o entendimento Jaldemiro Rodrigues de Ataíde Jr. sobre o tema: A nosso ver, a melhor interpretação é no sentido de que o “manifestamente”, constante no inciso V do art. 966 do CPC/2015, se relaciona à interpretação (construção de sentido) consagrada pelos Tribunais Superiores (STF, STJ, TST, TST, STM e TSE) – que têm a função de uniformizar (de dar a última ratio), respectivamente, a interpretação da Constituição e da legislação infraconstitucional federal (o mesmo se aplica aos Tribunais de Justiça, quanto ao direito local).
Com efeito, o Código de Processo Civil de 2015, ao estabelecer que os
padrões decisórios previstos no art. 927 do Código de Processo Civil devem ser
observados pelos juízes e pelos tribunais, buscou reduzir a dispersão
jurisprudencial, estabelecer um norte seguro ao aplicador do direito, dar
previsibilidade da atuação estatal ao jurisdicionado ao delimitar o que ele pode ou
não pode fazer e assegurar o tratamento igualitário entre situações jurídicas
iguais ocorridas em um mesmo momento histórico.
Por esse motivo, Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha afirmam
que o tratamento desigual a casos semelhantes dá azo ao cabimento de ação
rescisória por violação manifesta à norma jurídica: Se a decisão tratou o caso de modo desigual a casos semelhantes, sem haver ou ser demonstrada qualquer distinção, haverá manifesta violação à norma jurídica. É preciso que a intepretação conferida pela decisão seja coerente.289
288 YARSHELL, Flávio Luiz. Comentários ao art. 966. In: BUENO, Cassio Scarpinella (Coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2017. v. 4, p. 171. 289 DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil. Salvador: JusPodivm, 2016. v. 3, p. 495.
104
Portanto, o advérbio “manifestamente”, decorrente do adjetivo
“manifesto”, deve ser entendido como uma violação clara à luz das circunstâncias
fáticas do caso julgado; que independe de instrução probatória, pois verificável
pelo exame das provas constantes dos autos.
2.5.6 Significado de “violar manifestamente a norma jurídica”
Na vigência do Código de Processo Civil de 1973 – que previa como
hipótese de cabimento de ação rescisória no inciso V do art. 485 a decisão
proferida em “violação a literal disposição de lei” –, Pontes de Miranda já dizia que
“violação à lei” deveria ser entendida como violação ao direito, “infração à regra
jurídica”, “ofensa ao direito em tese”,290 o que, em outras palavras, refere-se à
norma jurídica. Em suas sempre sábias palavras: Se entendemos que a palavra “lei” substitui a que lá devera estar – “direito” – já muda de figura. [...] Esse é o verdadeiro conteúdo do juramento do juiz, quando promete respeitar e assegurar a lei. Se o conteúdo fosse o de impor a “letra” legal, e só ela, aos fatos, a função judicial não corresponderia àquilo para que foi criada: realizar o direito objetivo, apaziguar.291
290 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado da ação rescisória das sentenças e de outras decisões. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1976. p. 297. Em outro excerto, afirma que: “Seria pouco provável a realizabilidade do direito objetivo, se o elemento só fosse a lei: não apenas pela inevitabilidade das lacunas, como porque a própria realização supõe provimento aos casos omissos e a subordinação das partes imperfeitas aos princípios do próprio direito a ser realizado” (Idem, p. 269). Nesse mesmo sentido, Flávio Luiz Yarshell assevera que: “Se o sistema jurídico aceita que a lei não é a fonte exclusiva do direito, então, não há sentido em restringir a previsão legal, sem que isso, naturalmente, signifique permitir, em ação rescisória, o reexame de toda e qualquer decisão, por todo e qualquer fundamento, como se tal remédio fosse, como dito, uma nova instância recursal” (YARSHELL, Flávio Luiz. Ação rescisória: juízo rescindente e juízo rescisório. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 323-324). 291 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado da ação rescisória das sentenças e de outras decisões. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1976. p. 266. No mesmo sentido, leciona José Carlos Barbosa Moreira: “Melhor teria sido substituí-la por ‘direito em tese’, como sugeriu a Comissão revisora. O ordenamento jurídico evidentemente não se exaure naquilo que a letra da lei revela à primeira vista. Nem é menos grave o erro do julgador na solução da quaestio iuris quando afronte norma que integra o ordenamento sem constar literalmente de texto algum” (BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. v. V, n. 78, p. 131-133).
105
No mesmo sentido, Teresa Arruda Alvim apontava que o direito não se
resumia à literalidade da lei posta, sendo preciso interpretar “violar literal
disposição de lei” como “violar o sistema jurídico”.292
Logo, andou bem o Código de Processo Civil de 2015 ao prever
expressamente como rescindível aquela decisão que “violar manifestamente a
norma jurídica”. Como lecionava Ulderico Pires dos Santos: “O que o legislador
quer com a ação rescisória é a correção das sentenças proferidas com ofensa à
norma jurídica”.293
Violar a norma jurídica, nos dias de hoje, significa violar não apenas as
regras jurídicas, mas também a Constituição, os princípios jurídicos e os direitos
fundamentais, afinal de contas a norma jurídica é construída a partir da
interpretação dada a determinados enunciados normativos à luz da Constituição,
dos princípios jurídicos e dos direitos fundamentais.
Nesse sentido, Teresa Arruda Alvim entende ser rescindível a decisão
que incidir princípio inaplicável ou deixar de aplicar princípio adequado: De fato, se se consegue demonstrar que a incidência dos princípios (que não incidiram) ou o afastamento de princípios (que deveria ter incidido deveria ter levado a uma decisão diferente da que foi proferida, não há como se deixar de equiparar esta situação à da ofensa à lei, para efeito de se considerar uma quaestio juris corrigível pela via dos recursos excepcionais e, também, da ação rescisória.294
Fernando Sacco Neto corrobora com esse entendimento ao afirmar que
“a expressão ‘lei’, do inc. V do art. 485 do CPC [de 1973], diz respeito à lei
federal, ordinária e, inclusive, a princípios jurídicos”.295 Essa também é a posição
de Ronaldo Cramer, em excelente dissertação de mestrado defendida na
292 ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2008. p. 518. 293 SANTOS, Ulderico Pires dos. Teoria e prática da ação rescisória. Rio de Janeiro: Forense, 1978. p. 41. 294 ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2008. p. 518-521, especificamente, p. 521. 295 SACCO NETO, Fernando. Do cabimento da ação rescisória com fundamento em violação de princípio geral de direito. In: MEDINA, José Miguel Garcia et al. (Org.) Os poderes do juiz e o controle das decisões judiciais: estudos em homenagem à Professora Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: Revista dos Tribunais 2008. p. 1025.
106
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e publicada em versão
comercial.296
Ademais, violar manifestamente a norma jurídica não significa violar não
apenas a constituição, a lei, as regras, os princípios, os direitos fundamentais,
corresponde também violar as cláusulas contratuais, os costumes e outras fontes
do direito à luz do caso concreto, como a violação aos precedentes judiciais
vinculantes, assim estabelecidos pelo Código de Processo Civil de 2015, como
será objeto do próximo capítulo.
Portanto, há violação à norma jurídica quando, à luz do caso concreto, a
decisão nega vigência a enunciado normativo vigente; não aplica enunciado
normativo aplicável; ou aplica erroneamente enunciado normativo inaplicável.297
Sendo assim, é preciso investigar se a violação aos precedentes judiciais,
conforme estabelecidos no art. 927 do Código de Processo Civil de 2015,
configura violação à norma jurídica, para, em seguida, analisar se dá azo ao
cabimento de ação rescisória.
296 CRAMER, Ronaldo. Ação rescisória por violação da norma jurídica. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2012. p. 247-250. 297 CRAMER, Ronaldo. Ação rescisória por violação da norma jurídica. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2012. p. 195-197; NERY JUNIOR, Nelson; ABBOUD, Georges. Panorama atual pelos atualizadores. In: PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado da ação rescisória. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. p. 353.
107
3 – PRECEDENTE JUDICIAL COMO NORMA JURÍDICA
No capítulo anterior, constatou-se que violar a norma jurídica, nos dias de
hoje, significa violar não apenas as regras jurídicas, mas também a Constituição,
os princípios jurídicos, os direitos fundamentais e o sentido atribuído às cláusulas
gerais e aos conceitos indeterminados, afinal de contas, a norma jurídica é o
sentido construído a partir da interpretação e da aplicação do ordenamento
jurídico à luz dos fatos concretos.
Há violação à norma jurídica quando, à luz do caso concreto, a decisão
nega vigência a enunciado normativo vigente; não aplica enunciado normativo
aplicável; ou aplica erroneamente enunciado normativo inaplicável.298
Sendo assim, é preciso investigar se violar precedente, conforme
estabelecidos no art. 927 do Código de Processo Civil de 2015, configura violação
à norma jurídica.
Para analisar o precedente judicial como norma jurídica é necessário
compreender a sua função no direito.299 Essa função, lato sensu, pode ser de
determinada forma, variando a depender do sistema jurídico no qual integra. Por
isso, é imperioso analisar a função do precedente judicial nos sistemas jurídicos.
A presente pesquisa limitar-se-á a verificar a importância do precedente judicial
nos dois grandes (e principais) sistemas jurídicos: o common law e o civil law.
Para tanto, não se pretende somente apontar as diferenças entre os dois
sistemas, mas também, antes de mais nada, demonstrar que a própria estrutura
298 CRAMER, Ronaldo. Ação rescisória por violação da norma jurídica. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2012. p. 195-197; NERY JUNIOR, Nelson; ABBOUD, Georges. Panorama atual pelos atualizadores. In: PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado da ação rescisória. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. p. 353. 299 Para uma análise do desenvolvimento e da evolução da jurisprudência como fonte de direito, consultar: ZACCARIA, Giuseppe. La giurisprudenza come fonte di diritto. Napoli: Scientifica, 2007; ZACCARIA, Giuseppe. La comprensione del diritto. Roma-Bari: Laterza, 2012; CROSS, Rupert; HARRIS, J. W. El precedente en el derecho inglés. Tradución de Maria Angélica Pulido. Madrid-Barcelona-Buenos Aires: Marcial Pons, 2012, p. 195-216. No direito brasileiro anterior ao Código de Processo Civil de 2015: TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente judicial como fonte do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
108
dos direitos e as fontes dos direitos são diferentes entre os países de origem no
sistema jurídico do common law e no do civil law.
3.1 Sistemas jurídicos do civil law e do commom law
3.1.1 Sistema jurídico do civil law
O sistema jurídico do civil law ou família do direito romano-germânica
consolidou-se sobre as bases do direito romano, ligado à antiga Roma, cujas
regras de direito eram concebidas como regras de conduta, visando regular as
relações entre os cidadãos. A família romano-germânica formou-se graças aos
esforços das universidades europeias que, a partir do século XII, fizeram renascer
a ideia de direito, elaboraram e desenvolveram uma ciência do direito comum a
todos, tendo com base principal as compilações do imperador Justiniano, o
Corpus Iuris Civilis.300 A partir do século XIX, a lei ganhou um papel de destaque
e iniciou-se um período de técnica jurídica da codificação.
Decorre dessa origem a estrutura dos direitos compreendida a partir de
uma grande divisão básica entre direito público e direito privado.301 Os mesmos
ramos fundamentais do direito (constitucional, administrativo, internacional
público, criminal, processual, civil, comercial etc.) são encontrados nos países de
origem na família direito romano-germânica, o que facilita a compreensão dos
outros direitos.302
O modo pelo qual as regras de direito são concebidas, caracterizadas e
analisadas tende a ser o mesmo adotado nos países de civil law. As regras de
direito são concebidas com forma de organização social, com caráter ordenador e
político. Por isso, por diversas vezes são elaboradas com uma causuística
exagerada e às vezes com fórmulas gerais para ser compreendida no momento
de sua interpretação e aplicação.
300 ALMEIDA, Carlos Ferreira; CARVALHO, Jorge Morais. Introdução ao direito comparado. 3 ed. Lisboa: Almedina, 2013. p. 26-27. 301 ABBOUD, Georges; CARNIO, Henrique Garbellini; OLIVEIRA, Rafael Tomaz de. Introdução à teoria e à filosofia do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais 2013. p. 36. 302 DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. Tradução de Hermínio A. Carvalho. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2014. p. 89-90.
109
A doutrina gozava de um papel de prestígio na sistematização do direito
como regra de conduta, apta a fornecer um guia para a solução de situações
concretas, a partir da interpretação de fórmulas legislativas. O jurista tem por
função fornecer à prática e à jurisprudência um guia para a futura solução dos
casos concretos.303
A lei em geral era considerada a principal fonte do direito nos países de
origem no civil law.304 Um produto democrático, com caráter geral e abstrato,
decorrente de decisão majoritária dos integrantes do Poder Legislativo, que
estabelece regras para o futuro. A tarefa do juiz era considerada descobridora ou
reveladora do direito legislado. Tratava-se de uma característica marcante do
chamado positivismo jurídico. A lei, por vezes, era confundida com o próprio
conceito de direito.305 O papel do legislador é preponderante, pois se harmoniza
com o princípio da democracia. As disposições normativas são organizadas em
hierarquia, encontrando-se no topo as Constituições ou leis constitucionais.306
O mito da lei como direito foi abandonado – embora prevaleça a ideia de
que a melhor maneira de obter soluções de justiça consista em procurar apoio na
legislação, pois a função do legislador é preponderante – e passou a reconhecer
o papel criador do juiz. A especialização das regras de direito aumentou o papel
de interpretação do juiz. A jurisprudência, desejosa de reforçar a segurança
jurídica, passou a ser responsável por deixar as regras jurídicas mais claras e os
Supremos Tribunais passaram a exercer, conforme cada ordenamento jurídico, o
controle sobre a interpretação dessas regras.307
A jurisprudência assume o papel de evolução do direito, mas intimamente
ligado à interpretação da lei. Como esclarece René David:
303 DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. Tradução de Hermínio A. Carvalho. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2014. p. 101-105. 304 DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. Tradução de Hermínio A. Carvalho. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2014. p. 111. 305 ABBOUD, Georges; CARNIO Henrique Garbellini; OLIVEIRA, Rafael Tomaz de. Introdução à teoria e à filosofia do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais 2013. p. 240; DIMOULIS, Dimitri. Manual de introdução ao estudo do direito. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2013. p. 165-166. 306 DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. Tradução de Hermínio A. Carvalho. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2014. p. 119-120. 307 DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. Tradução de Hermínio A. Carvalho. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2014. p. 107-107.
110
[...] se nós quisermos analisar a medida em que a jurisprudência participa da evolução do direito, é necessário resignarmo-nos a procurar esta função atrás do processo de interpretação, verdadeiro ou fictício, dos textos legislativos. A jurisprudência desempenha um papel criador, na medida em que, em cada país, se pode, neste processo, afastar a simples exegese.
Portanto, o alcance do direito jurisprudencial é limitado, pois a
jurisprudência cria direito dentro dos padrões estabelecidos para o direito pelo
legislador.
Ademais, em um panorama geral, nos países decorrentes do sistema
jurídico do civil law, as regras de direito criadas pela jurisprudência não têm a
mesma autoridade da lei e podem ser rejeitadas ou modificadas a qualquer
tempo. Portanto, é comum a afirmação de que os juízes têm a liberdade de
decidir conforme seu convencimento, sem se vincular à jurisprudência dos
Tribunais.
Há, em regra, rejeição da regra do precedente, que elucida que os juízes
devem ater-se às regras por eles aplicadas em um caso concreto anterior.308 É
comum, por outro lado, a previsão de técnicas que visam a uniformização da
jurisprudência com a finalidade de “assegurar a certeza do direito” e alcançar uma
esperada “estabilidade à jurisprudência”.
No entanto, excepcionalmente é admitida a previsão de precedentes
obrigatórios, vinculando os juízes a seguir determinados precedentes ou
determinada linha traçada por precedentes.309
3.1.2 Sistema jurídico do commom law
Outro grande sistema de direito funda-se na família jurídica do common
law, de origem anglo-saxônica (especialmente da formação histórica do direito
inglês), em que a ciência do direito formou-se sobre as bases das decisões dos
juízes, que resolviam os litígios particulares, na maioria dos casos, a partir dos
costumes. A preocupação imediata das decisões judiciais era restabelecer a
308 DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. Tradução de Hermínio A. Carvalho. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2014. p. 149-151. 309 DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. Tradução de Hermínio A. Carvalho. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2014. p. 159-161.
111
ordem social perturbada, e não fixar regras de conduta (bases da sociedade) para
regular as relações entre os cidadãos.310
O sistema anglo-saxão formou-se de forma autônoma, em valorização da
continuidade histórica do seu direito, em caráter tradicional, como um produto de
uma longa evolução que passa por quatro períodos na história do direito inglês: o
período anterior à conquista normanda da Inglaterra na Batalha de Hastings, em
1066; o período de 1066 do advento da dinastia dos Tudors, em 1485; o período
compreendido entre 1485 e 1832; e, por fim, o período de 1832 até os dias
atuais. 311 A história do common law, até o século XVIII, é exclusivamente a
história do direito inglês. Após, é possível distinguir o common law na Europa
(onde ele nasceu) e nos países fora da Europa (onde foi introduzido).312
Na common law inglês, aplica(va)-se o direito comum a toda a Inglaterra.
A assembleia dos homens livres – County Court ou Hundred Court – aplicava o
costume local. Aos poucos foram substituídas por jurisdição exercida pelos
senhores feudais (cujo feudalismo foi muito diferente da Europa Continental, por
não ter formado grandes feudos) – Courts Baron, Court Leet, Manorial Courts –,
que da mesma forma aplicava o direito costumeiro local. A elaboração do
common law, como direito comum a toda a Inglaterra, estabelecido com base em
elementos de diversos costumes locais, era tarefa dos Tribunais Reais de Justiça,
conhecidos por Tribunais de Westminster, local onde se estabeleceram a partir do
século XIII, de acesso excepcional ao menos até o século XIX.313 Além disso,
também de forma excepcional, era possível um recurso direto ao Rei para obter a
justiça não alcançada nos Tribunais Reais. No século XV, o Chanceler real
tornou-se cada vez mais um juiz autônomo com solicitação frequente de sua
310 DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. Tradução de Hermínio A. Carvalho. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2014. p. 25-26. 311 Para uma análise história do direito inglês, desde a conquista normanda (a constituição de um potente reino unitário e a centralização do aparato judiciário inglês), passando pelas “Curia Regis” e a sua tripla ramificação (as três cortes de Westminster), pela imposição da jurisdição central no território do reino inglês (os “sheriffs” e os juízes itinerantes), o sistema dos “writs”, as “ações” possessórias e o surgimento do júri, a tipificação e a multiplicação dos “writs” entre os séculos XII e XIII, o “writ” de trespasse e as suas filiações, até as características do common law e de sua elaboração: CAVANNA, Adriano. Storia del diritto moderno in Europa: Le fonti e il pensiero giuridico. Milão: Giuffrè, 1982, v. 1, p. 491-529. 312 DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. Tradução de Hermínio A. Carvalho. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2014. p. 355-358. 313 DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. Tradução de Hermínio A. Carvalho. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2014. p. 358-359.
112
intervenção para decidir de acordo com a equity, a “equidade do caso
particular”.314
Daí decorre a origem da estrutura inicialmente dualista do direito inglês e,
por consequência, do common law, com divisões, conceitos e vocabulários muito
diferentes dos utilizados na família de direito romano-germânica.315 Ao lado do
direito comum (common law) dos Tribunais de Westminster, têm-se as soluções
de equidade (equity) do Tribunal de Chancelaria. Há outra divisão entre as
chamadas substantive law e a adjective law. Entre 1873 e 1875, os Acts
Judicature modificaram profundamente a organização judiciária inglesa ao
suprimirem a distinção entre os Tribunais de common law e de equity e passaram
a toda a jurisdição inglesa o dever de aplicar da mesma forma as regras de direito
comum (common law) e as de equidade (equity). Hoje, fala-se de fusão entre
elas.316
Logo, observa-se que o direito da família jurídica do common law se
constituiu a partir das decisões dos Tribunais (e não da lei). Trata-se de um direito
formado pela praxe. As regras de direito estabelecidas pelos julgados
precedentes devem ser seguidas. Obras de doutrina e compilações de decisões
judiciárias ganharam importância na história para o conhecimento do direito
anglo-saxão, como o Year Books e os clássicos Commentaries on the Laws of
England, de Blackstone.317
Como o common law é um direito formado essencialmente pela
jurisprudência (case law), suas regras são extraíveis das razões de decidir (ratio
decidendi) dos julgados precedentes dos tribunais superiores. Mesmo nos casos 314 DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. Tradução de Hermínio A. Carvalho. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2014. p. 371-372. 315 DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. Tradução de Hermínio A. Carvalho. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2014. p. 25. 316 Sobre a dualidade entre a common law como valor em contraposição a equity, Adriano Cavanna leciona: “Con valore più specifico l’expressione common law è usata in contrapposizione ad equity. In tal senso essa allude a quel ramo del diritto inglese che se è sviluppato, appunto, nelle tre Corti giudiziarie londinesi dette di common law; laddove l’equity consiste invece, come vedremo, nel diritto applicato fino al XIX secolo dalla Corte di Cancellaria e caratterizzzato da rimedii processuali estranei al rigore della common law. Dalla seconda metà del XIX secolo equity e common law (di regola disciplinanti rispettivamente campi diversi) sono applicate delle medesime Corti, riunite in un unico supremo organismo giudiziario”. (CAVANNA, Adriano. Storia del diritto moderno in Europa: Le fonti e il pensiero giuridico. Milão: Giuffrè, 1982, v. 1, p. 488). 317 CAVANNA, Adriano. Storia del diritto moderno in Europa: Le fonti e il pensiero giuridico. Milão: Giuffrè, 1982, v. 1, p. 575-583; DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. Tradução de Hermínio A. Carvalho. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2014. p. 376-377.
113
em que há lei escrita, os ingleses aguardam a interpretação dada pela
jurisprudência.318
Embora culturalmente os ingleses recorressem às regras de direito
extraíveis judicialmente, reportando-se ao que fora julgado como forma de
assegurar coesão da jurisprudência e do direito, a regra da obrigatoriedade de os
juízes ingleses seguirem os precedentes (rule of precedent) surgiu após a metade
do século XIX.319
Em grande síntese, a regra da obrigatoriedade dos precedentes no direito
inglês consiste no fato de que as decisões da Câmara dos Lordes devem ser
seguidas por toda a jurisdição inglesa, com restrição excepcional a ela própria, e
de as decisões tomadas pelo Court of Appeal formarem precedentes obrigatórios
para os tribunais hierarquicamente inferiores. São esses os (únicos) precedentes
obrigatórios no direito inglês. Por sua vez, não se pode deixar de observar que as
decisões do High Court of Justice possuem grande força persuasiva, embora não
sejam obrigatórias, como as decisões da Supreme Court of Judicature e da
Câmara dos Lordes.320
A lei (como ato do parlamento – statute, Act of Parliament), por sua vez,
pode ser considerada uma segunda fonte do direito inglês. Anteriormente, a lei
era vista como um modo de introduzir “erratas” e “addenda” ao direito constituído
pelo direito jurisprudencial. No entanto, no último século, principalmente após a
Segunda Guerra Mundial, ampliou-se a quantidade de leis na Inglaterra – entre
outros, basta observar que, hoje, possui um Código de Processo Civil, o que leva,
318 DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. Tradução de Hermínio A. Carvalho. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2014. p. 409. 319 DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. Tradução de Hermínio A. Carvalho. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2014. p. 428. Como relata Adriano Cavanna, “La dottrina e le tecniche illustrate dal Coke furono poi progressivamente perfezionate e completate da una serie di great judges fino al XVIII e XIX secolo, fra i quali eccellono uomini come Lod Mansfield (le cui decisioni rappresentano, fra l’altro, il materiale stesso con cui è costituita la parte più recente del diritto commerciale inglese) o come Sir James Parke. Quest’ultimo, in particolare, in relazione a un caso del 1833, ebbe a esprimere la dottrina dei precedenti in una ‘forma che è considerata un locus classicus della moderna teoria del case law’”. (CAVANNA, Adriano. Storia del diritto moderno in Europa: Le fonti e il pensiero giuridico. Milão: Giuffrè, 1982, v. 1, p. 570). 320 CAVANNA, Adriano. Storia del diritto moderno in Europa: Le fonti e il pensiero giuridico. Milão: Giuffrè, 1982, v. 1, p. 570-571; DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. Tradução de Hermínio A. Carvalho. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2014. p. 428-429.
114
ao lado do common law, algumas matérias (previdenciário, econômico etc.) a ter
um regramento de direito escrito.321
Ocorre que, em virtude da tradição do direito inglês, as disposições de lei
acabam sendo submersas pelas decisões jurisprudenciais e ela (a lei) passa a ser
(plenamente) admitida e incorporada ao direito inglês quando aplicada e
interpretada pelos Tribunais. 322 Portanto, nos dias de hoje, o direito inglês
permanece sendo um direito jurisprudencial.
Sua aplicação é intimamente ligada à identificação da ratio decidendi do
julgamento precedente, como o suporte necessário da decisão que se torna a
regra (jurisprudencial) de direito que se incorpora ao direito inglês, distinguindo-a
do obiter dictum, os argumentos “secundários”. A técnica de aplicação do direito
inglês parte da análise das ratio decidendi existentes para descobrir a regra de
direito que será aplicada no caso. A forma de aplicação está intimamente ligada à
aplicação de técnica de distinções de casos até os dias de hoje.323
3.1.3 Convergência entre os sistemas de civil law e de common law no direito
brasileiro
O Brasil foi descoberto (na perspectiva europeia, pois, antes, as terras já
eram habitadas pelos povos indígenas) em 22 de abril de 1500, pela frota
comandada pelo português Pedro Álvares Cabral, e tornou-se independente de
Portugal em 7 de setembro de 1822, marco para a fundação do Império do Brasil
como Estado autônomo, após a vinda de toda a Corte portuguesa para o Brasil
em 1808.
Por forte influência de Portugal, país colonizador, o Brasil possui suas
raízes jurídicas no sistema jurídico do civil law, em que historicamente a lei se
constituiu como principal fonte de direito a estabelecer as regras de direito
321 ANDREWS, Neil. O moderno processo civil: formas judiciais e alternativas de resolução de conflitos na Inglaterra. Orientação e revisão de tradução de Teresa Arruda Alvim. São Paulo: Revista dos Tribunais 2009. p. 28-29. 322 DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. Tradução de Hermínio A. Carvalho. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2014. p. 431,434 e 436. 323 CAVANNA, Adriano. Storia del diritto moderno in Europa: Le fonti e il pensiero giuridico. Milão: Giuffrè, 1982, v. 1, p. 572-573; DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. Tradução de Hermínio A. Carvalho. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2014. p. 411 e 431.
115
concebidas como regras de conduta, visando regular as relações entre os
cidadãos.
A opção legislativa adotada pelo Brasil reforça a convergência que tem
ocorrido entre os sistemas de civil law e de common law. Não que isso seja uma
grande novidade. Pelo contrário, Mauro Cappelletti já destacou há algum tempo
esse movimento de convergência.324
Nos países de common law, por exemplo, o direito positivado tem
ganhado espaço. Entre inúmeros exemplos legislativos que poderíamos citar, é
suficiente dizer que o país tido como fundador do sistema de common law, a
Inglaterra, possui, desde 1998, um Código de Processo Civil (Rules of Civil
Procedure – CPR).325
Em contrapartida, o direito jurisprudencial tem ganhado gradualmente
importância nos países de civil law. Diversos fatores contribuíram para esse
fenômeno. Como demonstrado no Capítulo 2, o pensamento jurídico
contemporâneo reconhece a força normativa da Constituição; os princípios com
eficácia normativa e não meramente integrativa; os direitos fundamentais com
eficácia e aplicabilidade imediata, em valorização e em respeito à dignidade da
pessoa humana; a expansão do método legislativo com base em cláusulas gerais
e em conceitos indeterminados; e uma profusão de leis. Com isso, reconheceu-se
o papel criativo e normativo da atividade jurisdicional, a distinção entre texto e
norma, a adoção da proporcionalidade na aplicação de espécies normativas e a
identificação do método de concretização dos textos em detrimento da
subsunção.
Essa amplitude da atividade jurisdicional contribuiu com a ampliação da
divergência jurisprudencial e, por consequência, com a insegurança jurídica e o
tratamento desigual a casos semelhantes.
324 “[...] para além das muitas diferenças ainda hoje existentes, potentes e múltiplas tendências convergentes estão ganhando ímpeto, à origem das quais encontra-se a necessidade comum de confiar ao ‘terceiro poder’, de modo muito mais acentuado do que em outras épocas, a responsabilidade pela formação e evolução do direito” (CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? Tradução de Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. Porto Alegre: Fabris, 1999. p. 133). 325 “O Direito Processual Civil inglês é regido pelas novas Regras do Processo Civil (1998) (as CPR – do inglês, Civil Procedural Rules). O novo Código mudou a cultura litigiosa dos tribunais ingleses” (ANDREWS, Neil. O moderno processo civil: formas judiciais e alternativas de resolução de conflitos na Inglaterra. Orientação e revisão de tradução de Teresa Arruda Alvim. São Paulo: Revista dos Tribunais 2009. p. 28).
116
A adoção de um sistema de precedentes judiciais surge como uma forma
intimamente ligada à concretização do princípio da igualdade perante o Poder
Judiciário e do princípio da segurança jurídica, como previsibilidade da atividade
Estatal.
3.2 Precedentes
No common law, o direito formou-se a partir das decisões dos Tribunais e
decorrentes de uma evolução histórica, política e filosófica.326 São as regras de
direito estabelecidas pelos precedentes que devem ser seguidas pelo cidadão,
“formatados não por um julgamento histórico, mas pela história de um
determinado julgamento, ao que se agregam os fundamentos do caso”.327 Os
precedentes emanados pelos órgãos jurisdicionais são fontes primárias de direito
e possuem eficácia vinculante, inclusive em relação às próprias decisões,
conforme expressamente manifestado pela House of Lords no julgamento do caso
London Street Tramways em 1898.
Portanto, a regra da obrigatoriedade dos precedentes no direito inglês
consiste no fato de as decisões da House of Lords deverem ser seguidas por toda
a jurisdição inglesa, inclusive por ela própria, com restrição excepcional, bem
como pelas decisões tomadas pelo Court of Appeal formarem precedentes
obrigatórios para os tribunais hierarquicamente inferiores.328
Nos Estados Unidos, por sua vez, a regra do precedente ganhou
destaque no julgamento do caso Marbury versus Madison, amplamente conhecido
por ser a referência mundial sobre o controle difuso de constitucionalidade.
Os precedentes no common law garantem a segurança jurídica e a
igualdade, conforme clássica expressão “treat like cases alike” (tratar igual os
326 ABBOUD, Georges. Processo constitucional brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. p. 562. 327 OLIVEIRA JR., Zulmar Duarte de; GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, André Vasconcelos. Execução e recursos: comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2017. v. 3, p. 571. 328 Para um estudo do sistema dos precedentes, a sua formação e a sua evolução no direito inglês: DUXBURY, Neil. The nature and authority of precedent. Cambridge: Cambridge, 2008, p. 31-36; CAVANNA, Adriano. Storia del diritto moderno in Europa: Le fonti e il pensiero giuridico. Milão: Giuffrè, 1982, v. 1, p. 567-574.
117
casos semelhantes). O termo precedente refere-se à um caso já resolvido
judicialmente e adotado como fundamento para decisões posteriores.329
Como o common law é um direito formado essencialmente pela
jurisprudência (case law), suas regras são extraíveis das razões de decidir (ratio
decidendi) dos julgados precedentes dos tribunais superiores.330 Sua aplicação é
intimamente ligada à identificação da ratio decidendi constante em um julgamento
pretérito para aplicá-la como o suporte necessário para a decisão do caso
presente, em discurso de fundamentação e de justificação.331
Não há precedent ou leading case previamente estabelecido para os
casos seguintes e semelhantes (como criou-se no Brasil). Ele não é constituído
com a pretensão de resolver casos futuros. É o juiz do caso seguinte que define o
julgado pretérito como precedente, ao extrair a ratio decidendi para decidir outro
caso.332 E assim, sucessivamente, formam-se os precedentes, que, por via de
regra, vinculam os julgadores em outros casos concretos.
329 Neil Duxbury explica o que é um precedente para o sistema jurídico do common law: “A precedent is a past event – in law the event is nearly always a decision – which serves as a guide for present action. Not all past events are precedents. Much of what we did in the past quickly fades into insig- nificance (or is best forgotten) and does not guide future action at all. Understanding precedent therefore requires an explanation of how past events and present actions come to be seen as connected”. (DUXBURY, Neil. The nature and authority of precedent. Cambridge: Cambridge, 2008, p. 1). Toni Fine esclarece que: “Uma característica básica do common law, nesse caso, é a doutrina do precedente, pela qual os juízes utilizam princípios estabelecidos em casos precedentes para decidir novos casos que apresentem fatos similares e levantem questões legais semelhantes”. (FINE, Toni M. Introdução ao sistema jurídico anglo-americano. Trad. Eduardo Saldanha. São Paulo: Martins Fontes, 2011, p . 67). Para Adriano Cavanna: “Il termine precedent designa un caso già risolto giudizialmente e adatto ad esser preso come base per decisioni posteriori”. (CAVANNA, Adriano. Storia del diritto moderno in Europa: Le fonti e il pensiero giuridico. Milão: Giuffrè, 1982, v. 1, p. 567). Pierluigi Chiassoni explica que “um precedente judicial pode ser considerado como consistente em uma decisão judicial (i) como um todo – a opinião, incluída a ratio decidendi ou a holding, mais as determinações in- dividuais para o especíco caso em análise, (ii) pronunciada em um período de tempo prévio (t1), (iii) satisfa- toriamente reportado (isto é, reportado de tal maneira a ser passível de ser utilizado e conhecido no futuro por juristas e juízes trabalhando na jurisdição relativa a ele), e (iv) tendo o mesmo, ou similar (tipo de) fatos e questões como os fatos e questões a serem adjudicadas no tempo presente (t). Isso eu chamarei de precedente-julgamento”. (CHIASSONI, Pierluigi. A filosofia do precedente: reconstrução racional e análise conceitual. Tradução de Thiago Pádua. Universitas JUS, v. 27, n. 1, p. 63-79, esp. p. 65, 2016). 330 DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. Tradução de Hermínio A. Carvalho. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2014. p. 409. 331 BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Teoria do precedente judicial: a justificação e a aplicação de regras jurisprudenciais. São Paulo: Noeses, 2012. p. 190. 332 CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. São Paulo: Atlas, 2015. p. 437.
118
No Brasil, precedente não significa o mesmo que no sistema do common
law.333 Precedente decorre de um pronunciamento judicial que interpreta a lei ou o
ato normativo à luz do caso concreto em um determinado momento histórico e
que serve de base para a formação de outro pronunciamento judicial em processo
posterior.334 O precedente fixa o sentido e o alcance do ordenamento jurídico que,
no civil law, é delineado, precipuamente, pelo Poder Legislativo. Do precedente se
extrai a norma jurídica, resultado da interpretação das fontes de direito, em
especial da lei à luz da Constituição, dos princípios, dos direitos fundamentais e
do preenchimento de cláusulas gerais e/ou de conceitos indeterminados em
conformidade com o caso concreto em determinado momento histórico.
Diferentemente do common law, o precedente não cria um direito por si
só. A atividade criativa do Poder Judiciário é intimamente ligada à interpretação
do ordenamento jurídico. A distinção entre texto e norma evidencia a necessidade
de interpretação de texto normativo para o surgimento da norma jurídica. A norma
jurídica é resultado da atividade interpretativa, criativa e normativa do magistrado
a partir do ordenamento jurídico. O Código de Processo Civil de 2015 estabelece
um sistema de formação de precedentes construído à luz das características de
um ordenamento jurídico de civil law, como é o brasileiro. Não há migração para a
família de direito do common law; não é a tradição do direito brasileiro. A atividade
do juiz é concretizadora do trabalho iniciado pelo legislador.335
333 É o entendimento de Cassio Scarpinella Bueno: “[...] não vejo como, aplicando o que já escrevi, querer enxergar, no CPC de 2015 e nas pouquíssimas vezes que a palavra ’precedente’ é empregada, algo próximo ao sistema de precedentes do common law. A palavra é empregada, nos dispositivos que indiquei, como sinônimo de decisão proferida (por Tribunal) que o CPC de 2015 quer que seja vinculante (paradigmática, afirmo eu)” (BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 598). 334 “Precedente é um pronunciamento judicial, proferido em um processo anterior, que é empregado como base da formação de outra decisão judicial, prolatada em processo posterior. Dito de outro modo, sempre que um órgão jurisdicional, ao proferir uma decisão, parte de outra decisão, proferida em outro processo, empregando-a como base, a decisão anteriormente prolatada terá sido um precedente. A técnica de decidir a partir de precedentes, empregando-os como princípios argumentativos, é uma das bases dos sistemas jurídicos anglo-saxônicos, ligados à tradição jurídica do common law. Isto não significa, porém, que o ordenamento jurídico brasileiro, historicamente vinculado à tradição jurídica romano-germânica (conhecida como civil law), tenha ‘migrado’ para o common law. Muito ao contrário, o que se tem no Brasil é a construção de um sistema de formação de decisões judiciais com base em precedentes adaptado às características de um ordenamento de civil law” (CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2017. p. 419-420). 335 Como observa Zulmar Duarte de Oliveira Júnior: “A referibilidade do direito positivo no precedente brasileiro conecta o mesmo na cadeia de desdobramento do sentido e alcance da legislação imposta pelo poder legislativo. A comunidade de trabalho entre juiz e legislador no
119
Teresa Arruda Alvim, Relatora-Geral da Comissão de Juristas
elaboradora do anteprojeto, aponta três razões ou preocupações que resultaram
na regulamentação de um sistema de precedentes no Brasil. Uma, porque as
decisões conflitantes, principalmente as dos tribunais superiores, passaram a ser
um fenômeno “excessivamente frequente”, com muitas mudanças bruscas de
entendimento pelos próprios tribunais. Duas, porque muitas das decisões
conflitantes eram proferidas para resolver casos que envolviam questões de
massa, o que gerava uma gritante e intolerável ofensa à isonomia. Três, porque
era necessário estabelecer técnicas para concretizar o princípio da legalidade e
da isonomia e para assegurar a segurança jurídica e a previsibilidade no plano
empírico.336
Como se vê, o sistema de precedentes brasileiro é instituído por uma
necessidade de reduzir a excessiva dispersão jurisprudencial – e de assegurar
maior previsibilidade ao direito – que acaba(va) por ofender princípios essenciais
ao Estado de Direito como a legalidade, a igualdade e a segurança jurídica em
sua vertente de previsibilidade da atuação estatal. A concretização de tais
princípios torna-se meta a ser atingida pelo Poder Judiciário.337
Nessa linha, o Código de Processo Civil de 2015 estabelece em seu art.
927 um rol de pronunciamentos judiciais que são denominados de precedentes
para fins de aplicação do direito brasileiro. Não se trata de um sistema de
precedentes formados apenas em pronunciamentos de Cortes Supremas,338 mas
sim de um sistema de formação e de aplicação de precedentes estabelecidos
previamente pelo legislador, quando produzidos de determinada forma, com a
finalidade de assegurar que casos iguais recebam respostas jurídicas iguais, em
Brasil sempre tem como pano de fundo ordenamento jurídico positivo. [...] A calibração do texto legal frente ao caso concreto é dedicada pelo direito positivo, mormente pela Constituição da República, e não por um juízo livre de oportunidade e conveniência do próprio julgador” (OLIVEIRA JR., Zulmar Duarte de; GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, André Vasconcelos. Execução e recursos: comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2017. v. 3, p. 572-573). 336 ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Precedentes. In: ______; WAMBIER, Luiz Rodrigues (Coord.). Temas essenciais do novo CPC. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. p. 483-484. 337 Como leciona Cassio Scarpinella Bueno: “Previsibilidade, isonomia e segurança jurídica [...] devem ser metas a serem atingidas, inclusive pela atuação jurisdicional” (BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 597). 338 Para Luiz Guilherme Marinoni, somente podem ser chamados de precedentes os pronunciamentos de Cortes Supremas (MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016).
120
respeito aos princípios da legalidade e da igualdade, e que o cidadão tenha
previsibilidade das decisões judiciais, em concretização do princípio da segurança
jurídica.339
Esse trabalho optou por nomear de precedentes o rol de pronunciamentos
constantes no art. 927 do Código de Processo Civil. Sabe-se que a denominação
é passível de crítica, pois não reflete fielmente o que tem sido chamado de
precedentes no mundo e, especial, nos países de common law. No entanto, entre
os inúmeros apelidos constatados na doutrina e na jurisprudência – precedentes
qualificados,340 precedentes vinculantes, precedentes obrigatórios,341 precedentes
judiciais vinculantes, 342 precedentes judiciais formalmente vinculantes, 343
precedentes judiciais vinculantes à brasileira, 344 precedentes à brasileira, 345
indexadores jurisprudenciais,346 pronunciamentos judiciais vinculantes, padrões
decisórios 347 etc. –, optou-se por essa nomenclatura pura e simples –
precedentes – sem nenhuma adjetivação, mas destacado em itálico, como forma
339 CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2017. p. 420. Zulmar Duarte de Oliveira Jr. observa que no Brasil “temos um sistema de formação e de aplicação de precedentes qualificados, cujo rol foi previamente formatado pelo legislador infraconstitucional” (OLIVEIRA JR., Zulmar Duarte de; GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, André Vasconcelos. Execução e recursos: comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2017. v. 3, p. 587). 340 Conforme art. 121-A do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, incluído pela Emenda Regimental 24, de 2016; OLIVEIRA JR., Zulmar Duarte de; GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, André Vasconcelos. Execução e recursos: comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2017. v. 3, p. 587. 341 MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016; MARINONI, Luiz Guilherme. Comentários ao art. 927. In: ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa; TALAMINI, Eduardo; DIDIER JR., Fredie; DANTAS, Bruno (Coord.). Breves comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais 2015. p. 2075-2081; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. t. XV, p. 62-67. 342 PANUTTO, Peter. Precedentes judiciais vinculantes. Florianópolis: Empório do Direito, 2017. 343 ZANETI JR., Hermes. O valor vinculante dos precedentes. Salvador: JusPodivm, 2016. 344 ZUFELATO, Camilo. Precedentes judiciais vinculantes à brasileira no novo CPC: aspectos gerais. O novo Código de Processo Civil: questões controvertidas. São Paulo: Atlas, 2015. p. 89-112. 345 DANTAS, Bruno; ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Recurso especial, recurso extraordinário e a nova função dos tribunais superiores no direito brasileiro. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2017. p. 275-287; ROSSI, Julio Cesar. Precedente à brasileira: a jurisprudência vinculante no CPC e no novo CPC. São Paulo: Atlas, 2015. 346 BUENO, Cassio Scarpinella. Amicus curiae no IRDR, no RE e RESP repetitivos: suite em homenagem à Professor Teresa Arruda Alvim. In: ______; DANTAS, Bruno; CAHALI, Claudia Schwerz; NOLASCO, Rita Dias. Questões relevantes sobre recursos, ações de impugnação e mecanismos de uniformização da jurisprudência. São Paulo: Revista dos Tribunais 2017. p. 435-458. 347 CÂMARA, Alexandre Freitas. Levando os padrões decisórios a sério. São Paulo: Atlas, 2017.
121
indireta de chamar a atenção para o fato de que não se trata fielmente daquilo
que em outros países se chama de precedentes.
3.2.1 Uniformização, estabilidade, integridade e coerência da jurisprudência
O art. 926 do Código de Processo Civil estabelece o dever aos Tribunais
de uniformização de sua jurisprudência e de mantê-la estável, íntegra e coerente,
inclusive com a edição de enunciado de súmula, que deverão se ater às
circunstâncias fáticas que levaram à sua criação.348
A redação originária do dispositivo, oriunda do anteprojeto do novo
Código de Processo Civil apresentado pela Comissão de Juristas, designados
pelo Senado Federal, previa apenas que os tribunais velariam pela uniformização
e pela estabilidade da jurisprudência.349
No Senado Federal, o texto sofreu uma pequena alteração para retirar o
caráter impositivo de dever aos tribunais ao acrescentar a palavra “em
princípio”, 350 logo, foi aprovado o Projeto de Lei do Senado 166/2010,
encaminhado à Câmara dos Deputados.
Recebido como Projeto de Lei 8.046/2010, na Câmara dos Deputados o
tema passou a integrar um capítulo próprio denominado “Do precedente judicial”,
e a redação, acolhendo as críticas de Lenio Luiz Streck, e o dispositivo passaram
348 “Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente. § 1.º Na forma estabelecida e segundo os pressupostos fixados no regimento interno, os tribunais editarão enunciados de súmula correspondentes a sua jurisprudência dominante. § 2.º Ao editar enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação.” 349 “Art. 847. Os tribunais velarão pela uniformização e pela estabilidade da jurisprudência [...]” (BRASIL. Senado Federal. Anteprojeto do novo Código de Processo Civil. Comissão de Juristas responsável pela elaboração do anteprojeto do novo Código de Processo Civil. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2010. p. 195). 350 “Art. 882. Os tribunais, em princípio, velarão pela uniformização e pela estabilidade da jurisprudência [...]” (BRASIL. In: VOLPE CAMARGO, Luiz Henrique (Org.). Projeto de reforma do Código de Processo Civil aprovado no Senado Federal. Relator-geral: Valter Pereira. Brasília: Senado Federal, 2011. p. 407).
122
a prever as exigências de integridade e de coerência da (e na) jurisprudência.351-
352
A uniformização, a estabilidade, a integridade e a coerência da
jurisprudência são importantes para o Estado de Direito.
3.2.1.1 Uniformização (e divergência) jurisprudencial
Jurisprudência é coletivo de julgados. Trata-se do entendimento de um
Tribunal sobre uma questão jurídica em um momento histórico.353 Há divergência
de jurisprudência quando existe uma coletividade de julgados em um sentido e
outra coletividade de julgados, sobre o mesmo tema, em outro.
A uniformização de jurisprudência é necessária para assegurar a
concretização dos princípios da legalidade e da igualdade e também para garantir
ao cidadão a segurança jurídica decorrente da previsibilidade da atuação estatal.
A divergência jurisprudencial, por consequência, pode acarretar na
violação aos princípios da legalidade e da igualdade, ao gerar tratamento
diferente para situações jurídicas que devem ser tratadas de forma igual ou
semelhante. Como analisado no Capítulo 1 do presente trabalho, respeitar a
legalidade significa assegurar a interpretação e a aplicação da lei em
conformidade com a Constituição, os direitos fundamentais, os princípios
jurídicos, o sistema jurídico e os sentidos adequados a serem atribuídos às
cláusulas gerais e aos conceitos indeterminados em suas interações com o caso
concreto em um determinado momento histórico. Ademais, conceder tratamento
igualitário significa tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na
351 “Art. 520. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente” (BRASIL. Novo Código de Processo Civil: Versão Câmara dos Deputados. Redação final aprovada em 26.03.2014. Salvador: JusPodivm, 2014. p. 104). 352 STRECK, Lenio Luiz. Comentários ao art. 926. In: ______; NUNES, Dierle; CUNHA, Leonardo Carneiro da (Org.); FREIRE, Alexandre (Coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 1214; STRECK, Lenio Luiz. Novo CPC terá mecanismos para combater decisionismos e arbitrariedades? Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2014-dez-18/senso-incomum-cpc-mecanismos-combater-decisionismos-arbitrariedades#top>. Acesso em: 11 dez. 2017. 353 Cassio Scarpinella Bueno entende “que a jurisprudência do CPC de 2015 continua sendo o que sempre foi, sim, prezado leitor, o entendimento dominante de determinado Tribunal sobre determinados temas em determinados períodos de tempo” (BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 599).
123
medida de sua desigualdade. Nessa senda, admitir que decisões judiciais
construam normas jurídicas diferentes para situações idênticas ou normas
jurídicas iguais para situações diferentes implica violação à legalidade e à
igualdade, além de contribuir para a insegurança jurídica decorrente da falta de
previsibilidade da atuação estatal. Por isso, o art. 926 do Código de Processo Civil
fixa ao Poder Judiciário o dever de uniformizar a jurisprudência, com a
concretização de normas jurídicas iguais para situações idênticas e de normas
jurídicas diferentes para situações desiguais.354
A divergência jurisprudencial compromete também a segurança jurídica e
a eficácia do ordenamento jurídico, pois dificulta a criação de um estado ideal de
certeza, de compreensibilidade, de determinabilidade e de previsibilidade do
comportamento e da atuação jurisdicional estatal, reduzindo o anseio do cidadão
em saber o que pode ou o que não pode fazer.
3.2.1.2 Estabilidade
De nada adianta a uniformização da jurisprudência se ela for suscetível à
mudanças abruptas, que gera a sua instabilidade e, por consequência, a
instabilidade ao Estado de Direito. Uma vez uniformizada, os Tribunais devem
manter a jurisprudência estável, com aplicação do mesmo entendimento em
casos futuros semelhantes ou iguais.355 A estabilidade reforça a aplicação da
legalidade, da isonomia e da segurança jurídica.356
A manutenção da estabilidade exige um exercício de visão institucional e
coletiva por parte dos magistrados, uma vez que o entendimento tomado
coletivamente pelos Tribunais, principalmente pelos Tribunais Superiores, deve
prevalecer sobre o entendimento individual. Diante da necessidade de 354 “A igualdade na aplicação do direito continua a ser uma das dimensões básicas do princípio da igualdade constitucionalmente garantido e, como se irá verificar, ela assume particular relevância no âmbito da aplicação igual da lei (do direito) pelos órgãos da administração e pelos tribunais” (CANOTILHO, José Joaquim. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 426). 355 Nesse sentido, o Enunciado 453 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “A estabilidade a que se refere o caput do art. 926 consiste no dever de os tribunais observarem os próprios precedentes”. 356 OLIVEIRA JR., Zulmar Duarte de; GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, André Vasconcelos. Execução e recursos: comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2017. v. 3, p. 581.
124
manutenção da estabilidade da jurisprudência uniformizada, o julgador deve
ressalvar ou reservar seu entendimento pessoal em prol da prevalência da visão
institucional.357 E não só um julgador individualmente, mas os órgãos fracionários
também devem observar a jurisprudência do tribunal como forma de garantir a
sua estabilidade.358
E estabilidade da jurisprudência, como lembra Teresa Arruda Alvim, é
fundamental para gerar credibilidade para o Judiciário.359
Dessarte, a estabilidade também reforça os ideais dos princípios da
legalidade, da igualdade e da segurança jurídica. Por isso, os §§ 2.º a 4.º do art.
927 do Código de Processo Civil recomendam que a alteração da jurisprudência
consolidada seja precedida de audiências públicas e da participação de amici
curiae, exigem fundamentação adequada e específica a respeito, devendo levar
em consideração os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e
da isonomia, que viabilizam também, se for o caso, a modulação dos efeitos da
alteração no interesse social e no da segurança jurídica.
3.2.1.3 Coerência
A jurisprudência será coerente se aplicar os mesmos padrões decisórios
utilizados em decisões anteriores para outros casos idênticos. Julgamentos de
mesmas questões de direito devem convergir em um mesmo sentido. Ou seja, as
mesmas circunstâncias fáticas devem ter o mesmo tratamento jurídico em um
mesmo momento histórico. 360 Assim, o dever de coerência assegura a
concretização do princípio da igualdade, ao propugnar “que os diversos casos
357 Com observa Zulmar Duarte de Oliveira Jr.: “Nos órgãos colegiados deve prevalecer a visão institucional, coletiva e não individual. A reserva de entendimento pessoal em favor da jurisprudência fortalece o órgão jurisprudencial sem depor contra o julgador individual” (OLIVEIRA JR., Zulmar Duarte de; GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, André Vasconcelos. Execução e recursos: comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2017. v. 3, p. 580). 358 Nesse sentido, o Enunciado 316 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “A estabilidade da jurisprudência do tribunal depende também da observância de seus próprios precedentes, inclusive por seus órgãos fracionários”. 359 ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Precedentes e evolução do direito. In: ______ (Coord.). Direito jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais 2012. p. 40. 360 Nesse sentido, o Enunciado 454 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “Uma das dimensões da coerência a que se refere o caput do art. 926 consiste em os tribunais não ignorarem seus próprios precedentes (dever de autorreferência)”.
125
terão a igual consideração por parte do Poder Judiciário. Coerência significa
igualdade de apreciação do caso e igualdade de tratamento”.361
O dever de coerência da jurisprudência impõe que os julgados posteriores
referenciem os julgados anteriores, até mesmo para, se for o caso, aplicar uma
distinção ou superação. Trata-se de um dever de autorreferência decorrente do
dever de coerência.362 Em outras palavras, para a manutenção da coerência e da
integridade da jurisprudência, devem-se considerar os pronunciamentos
anteriores sobre o tema.363 Mesmo os argumentos contrários ao que se pretende
devem ser enfrentados para garantir maior consistência das decisões judiciais.
O tratamento jurídico diferente dado às mesmas questões fáticas em um
mesmo momento histórico compromete a isonomia e não é querido pelo direito.
Como critica Lenio Luiz Streck, “o julgador não pode tirar da manga do colete um
argumento que seja incoerente com aquilo que antes se decidiu”.364
Por isso, é importante verificar a semelhança entre os fatos dos julgados
anteriores e do caso em análise posteriormente para, em seguida, construir as
mesmas razões jurídicas ao solucionar o caso posterior.
3.2.1.4 Integridade
Por sua vez, a jurisprudência deve ser íntegra, ou seja, ser construída
levando em conta as decisões tomadas anteriormente em consagração a
determinado entendimento sobre determinada situação fática, restringindo as
possíveis arbitrariedades por parte dos julgadores.365
361 STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso: constituição, hermenêutica e teorias discursivas. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 618-619. 362 DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil. 11. ed. Salvador: JusPodivm, 2013. v. 3, p. 496. 363 Nesse sentido, o Enunciado 455 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “Uma das dimensões do dever de coerência significa o dever de não contradição, ou seja, o dever de os tribunais não decidirem casos análogos contrariamente às decisões anteriores, salvo distinção ou superação”. 364 STRECK, Lenio Luiz. Comentários ao art. 926. In: ______; NUNES, Dierle; CUNHA, Leonardo Carneiro da (Org.); FREIRE, Alexandre (Coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 1215. 365 STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso: Constituição, hermenêutica e teorias discursivas. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 618; STRECK, Lenio Luiz. Comentários ao art. 926. In: ______; NUNES, Dierle; CUNHA, Leonardo Carneiro da (Org.); FREIRE, Alexandre (Coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 1215.
126
Não há como falar de integridade sem fazer remissão à tese de direito
como integridade desenvolvida por Ronald Dworkin. Para ele, a integridade é
composta por dois princípios: o princípio da integridade na legislação e o princípio
da integridade no julgamento. 366 Legislativamente, exige dos legisladores que
trabalhem para tornar a legislação moralmente coerente. Do ponto de vista do
julgamento, a integridade pugna que os juízes fundamentem suas decisões de
forma integrada ao que se decidiu no passado, em garantia contra
arbitrariedades.367
Equipara a prática jurídica à elaboração de um “romance em cadeia”, no
qual as opiniões interpretativas estão em processo ininterrupto de
desenvolvimento, voltando-se tanto para o passado quanto para o futuro.368
Os juízes devem respeitar a integridade do direito e aplicá-lo
coerentemente,369 em conformidade com a unidade do ordenamento jurídico.370
Independentemente do ponto de vista do magistrado sobre justiça e direito à
igualdade, “os juízes também devem aceitar uma restrição independente e
superior, que decorre da integridade, nas decisões que proferem”.371
Esse respeito à integridade e à coerência assegura maior segurança
jurídica ao cidadão que saberá que seus atos e seus negócios jurídicos serão
julgados de acordo com o o entendimento jurisprudencial estabelecido. Como
afirma Tércio Sampaio Ferraz Jr., assegurar a integridade é assegurar “o primeiro
sentido de orientação à conduta do cidadão”, “como se o Estado falasse mediante
uma única voz”.372
366 DWORKIN, Ronald. O império do direito. Tradução de Jeferson Luiz Camargo. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2014. p. 271-331. 367 STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso: Constituição, hermenêutica e teorias discursivas. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 618; STRECK, Lenio Luiz. Comentários ao art. 926. In: ______; NUNES, Dierle; CUNHA, Leonardo Carneiro da (Org.); FREIRE, Alexandre (Coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 1215. 368 DWORKIN, Ronald. O império do direito. Tradução de Jeferson Luiz Camargo. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2014. p. 275. 369 STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso: Constituição, hermenêutica e teorias discursivas. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 618. 370 Nesse sentido, o Enunciado 456 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “Uma das dimensões do dever de integridade consiste em os tribunais decidirem em conformidade com a unidade do ordenamento jurídico”. 371 STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso: Constituição, hermenêutica e teorias discursivas. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 618-619. 372 FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Irretroatividade e jurisprudência judicial. Efeito ex nunc e as decisões do STJ. Barueri: Manole, 2009, p. 26-27.
127
O dever de integridade da jurisprudência impõe ao julgador a aplicação,
quando for o caso, das técnicas de distinção e de superação.373 Apenas nesses
casos é que poderá o julgador se afastar do precedente e, respeitado o seu ônus
de fundamentação específica e o dever de não surpresa, demonstrar
analiticamente a distinção do caso em julgamento do precedente ou, se for o
caso, a sua superação. O juiz “não pode dar um drible hermenêutico na causa ou
no recurso, do tipo ‘seguindo minha consciência, decido de outro modo’”.374
3.2.1.5 Tese da resposta correta
A tese da resposta correta constitui uma adequada concepção do direito e
de sua integridade, 375 - 376 razão pela qual é preciso compreendê-la. Ela foi
concebida por Ronald Dworkin ao rebater o pensamento de Herbert Hart377 no
sentido de que são possíveis várias decisões corretas para um mesmo caso. Com
base no princípio da legalidade, sustenta o professor da Universidade de Harvard
que mesmos os casos difíceis – passível de resolução por meio dos princípios –
possuem uma resposta correta.378
Lenio Luiz Streck, em outras palavras, mas no mesmo sentido, afirma
existir um direito fundamental à obtenção de respostas corretas/adequadas à
Constituição. Assevera que, se dois juízes chegarem a respostas divergentes, ou
um ou mesmo ambos os juízes estarão equivocados. Entende que, para que a
Constituição seja cumprida, o Poder Judiciário deve dar “uma resposta adequada 373 Nesse sentido, o Enunciado 457 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “Uma das dimensões do dever de integridade previsto no caput do art. 926 consiste na observância das técnicas de distinção e superação dos precedentes, sempre que necessário para adequar esse entendimento à interpretação contemporânea do ordenamento jurídico”. 374 STRECK, Lenio Luiz. Comentários ao art. 926. In: ______; NUNES, Dierle; CUNHA, Leonardo Carneiro da (Org.); FREIRE, Alexandre (Coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 1215. 375 PEDRON, Flávio Quinaud. Esclarecimentos sobre a tese da única “resposta correta”, de Ronald Dworkin. Revista CEJ, Brasília, ano XIII, n. 45, p. 102-109, abr.-jun. 2009. 376 Uma análise crítica e contrária é feita por: FREITAS, Juarez. A melhor interpretação constitucional “versus” a única resposta correta. In: SILVA, Virgílio Afonso da (Org.). Interpretação constitucional. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 317-356. 377 HARevista dos Tribunais Hebert. O conceito de direito. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2012. p. 352. 378 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 434. Para o autor, os princípios permitem ao juiz individualizar, sempre e em todos os casos, a (única) solução jurídica correta, sem exercer nenhum poder discricionário em sentido forte.
128
à Constituição ou, se quiser, uma resposta constitucionalmente adequada (ou,
ainda, uma resposta hermeneuticamente correta em relação à Constituição)”.379
A questão da existência de resposta correta merece ser examinada
também a partir dos três (sub)mundos do conhecimento de Karl Popper.
Karl Popper examinou as relações filosóficas quanto ao conhecimento e
sustentou que, para compreender as relações entre o corpo e a mente, deve-se
admitir, como um produto da mente humana, a existência de um conhecimento
autônomo e objetivo e o modo como o utilizamos para fiscalizar a resolução de
problemas fundamentais.
Sob o ponto de vista filosófico pluralista, Karl Popper defende a existência
de três mundos do conhecimento: o primeiro, o mundo material; o segundo, o
mundo mental ou psicológico; e, por fim, o terceiro, o mundo de objetos, de
pensamentos possíveis ou dos produtos da mente humana, nesses termos: Nesta filosofia pluralista, o mundo consiste de, pelo menos, três submundos ontologicamente distintos; ou há três mundos: o primeiro é o mundo material, ou o mundo dos estados materiais; o segundo é o mundo mental, ou o mundo dos estados mentais; e o terceiro é o mundo dos inteligíveis, ou das ideias no sentido objetivo; é o mundo de objetos de pensamento possíveis: o mundo das teorias em si mesmas e de suas relações lógicas, dos argumentos em si mesmos, e das situações de problema em si mesmas.380
No terceiro mundo de Karl Popper, o mundo objetivo, existem múltiplas
opções, mas apenas uma é a melhor.
Transpondo o conhecimento filosófico para o direito, aceitar que há uma
resposta correta não significa que não há outras respostas no ordenamento
jurídico, mas que entre as várias respostas possíveis existe uma que é a melhor
para um determinado fato em um determinado momento histórico.
379 STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso: Constituição, hermenêutica e teorias discursivas. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 619. Em outro excerto, o autor leciona: “A decisão (resposta) estará adequada na medida em que for respeitada, em maior grau, a autonomia do direito (que se pressupõe democraticamente), evitada a discricionariedade (além da abolição de qualquer atitude arbitrária) e respeitada a carência e a integridade do direito, a partir de uma detalhada fundamentação. O direito fundamental à resposta correta, mais do que o assentamento de uma perspectiva democrática (portanto, de tratamento equânime, de respeito ao contraditório e à produção democrática legislativa), é um ‘produto’ filosófico, porque caudatário de um novo paradigma que ultrapassa o esquema sujeito-objeto predominante nas duas metafísicas”. 380 POPPER, Sir Karl R. Conhecimento objetivo. Tradução de Milton Amado. São Paulo: Edusp, 1975. p. 152.
129
As decisões de cada magistrado, que compõem o segundo mundo, o
mundo psíquico ou mental, nem sempre refletem aquela considerada a melhor
solução, que integra o terceiro mundo, o do conhecimento objetivo. Ainda que não
se saiba qual é a melhor solução, é certo que ela existe, até que venha outra
melhor que a substitua. Entretanto, a melhor para um mesmo fato em um mesmo
momento histórico existe, ainda que seja convencionada (como propõe o art. 927
do Código de Processo Civil).
Com efeito, as normas jurídicas são preordenadas a terem somente uma
interpretação correta em relação a determinados fatos, em dado momento
histórico e em um determinado lugar.381 Como leciona Arruda Alvim, [...] as dúvidas a respeito da interpretação do direito em tese, entretanto, hão de ser contemporâneas, isto é, coexistentes no mesmo momento histórico. Por outras palavras, num mesmo momento histórico não é aceitável que a mesma regra jurídica tenha mais de uma interpretação, pois o atributo da certeza é necessidade indeclinável da ordem jurídica; a duplicidade de interpretação criaria, certamente, a dubiedade respeitamente à conduta.382
Como é tarefa da jurisdição realizar o direito em suas decisões,383 em
uma sociedade de massa em que as demandas também se tornaram de massa e
repetitivas, cabe ao Poder Judiciário como um todo, especialmente aos tribunais
superiores, definir a decisão correta em um determinado contexto fático, em um
dado momento histórico, para que ela possa ser aplicada a todos os casos
idênticos, consagrando, assim, os princípios da legalidade, da igualdade384 e da
segurança jurídica.
381 ARRUDA ALVIM NETTO, José Manoel. A arguição de relevância no recurso extraordinário. São Paulo: Revista dos Tribunais 1988. p. 16. 382 ARRUDA ALVIM NETTO, José Manoel. Dogmática jurídica e o novo Código de Processo civil. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais ano 1, v. 1, p. 85-133, 1974, em especial, p. 101, nota de rodapé 28. 383 BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro (pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo). In: ______ (Org.). A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 29. 384 Teresa Arruda Alvim Wambier leciona que “O princípio da isonomia se constitui na ideia de que todos são iguais perante a lei, o que significa que a lei deve tratar a todos de modo uniforme e que correlatamente as decisões dos tribunais não podem aplicar a mesma lei de forma diferente a casos absolutamente idênticos, num mesmo momento histórico. [...] Uma das consequências inafastáveis da incidência deste princípio é a de que, em face de casos ‘rigorosamente idênticos’, deva o Judiciário tender a decidir, aplicando a mesma regra de direito, entendida da mesma
130
Assim, pode-se afirmar que as resoluções de alguns processos
individuais refletem nos demais processos que versem sobre idêntica questão
fático-jurídica contemporânea, levando-se em conta a possibilidade de se
universalizarem os critérios adotados por essas decisões. Como aduzem Luís
Roberto Barroso e Ana Paula de Barcellos, “por força do imperativo da isonomia,
espera-se que os critérios empregados para a solução de um determinado caso
concreto possam ser transformados em regra geral para situações
semelhantes”.385
Um sistema que prevê técnicas de formação de precedente (de
uniformização de jurisprudência e de fixação de tese jurídica) para determinados
casos concretos contribui com a fixação da solução correta (ainda que
convencionada, como propõe o art. 927 do Código de Processo Civil). Entre todas
as soluções possíveis no ordenamento jurídico, colabora para a almejada
segurança jurídica e para o tratamento isonômico à mesma situação fática em um
determinado momento jurídico.
Nesse sentido, Teresa Arruda Alvim afirma que “A uniformização faz
chegar à única solução correta. Ela é ínsita à ideia de sistema jurídico,
imprescindível à criação de previsibilidade, de segurança jurídica e ao tratamento
isonômico dos indivíduos”.386
Arruda Alvim, na mesma linha, acentua que a uniformização de
jurisprudência, seja por meio de recursos, seja por meio de outras técnicas
processuais, forma” (ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2008. p. 524-525). Arruda Alvim acentua que a necessidade de uniformização de jurisprudência, “em última análise, responde mesmo ao próprio princípio da igualdade de todos perante a lei, pois se esta regra (princípio) está constitucionalmente prevista, a variedade de interpretações sobre uma mesma norma tornaria desiguais as condutas exigíveis dos que deveriam, nos diversos casos ‘idênticos’ ou ‘semelhantes’ (onde esteja em pauta a mesma problemática jurídica), sofrer um comando igual, precisamente porque a cada norma corresponde (= deve corresponder) uma única inteligência e, pois, uma única conduta há de ser exigida” (ARRUDA ALVIM NETTO, José Manuel. Notas a respeito dos aspectos gerais e fundamentais da existência de recursos – Direito brasileiro. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais n. 48, p. 11, 1987). 385 BARROSO, Luís Roberto. BARCELLOS, Ana Paula de. O começo da história. A nova interpretação constitucional e o papel dos princípios no direito brasileiro. In: BARROSO, Luís Roberto (Org.). A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 354. 386 ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Cada caso comporta uma única solução correta? In: ______; MARINONI, Luiz Guilherme; MENDES, Aluísio Gonçalves de Castro (Coord.). Direito jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. v. 2, p. 1234.
131
[...] em última análise, responde mesmo ao próprio princípio da igualdade de todos perante a lei, pois, se esta regra (princípio) está constitucionalmente prevista, a variedade de interpretações sobre uma mesma norma tornaria desiguais as condutas exigíveis dos que deveriam, nos diversos casos “idênticos” ou “semelhantes” (onde esteja em pauta a mesma problemática jurídica), sofrer um comando igual, precisamente porque a cada norma corresponde (= deve corresponder) uma única inteligência e, pois, uma única conduta há de ser exigida.387
Em nosso sentir, em um mesmo momento histórico, uma mesma questão
fática deve ter o mesmo tratamento pelo Poder Judiciário, sob pena de violação à
igualdade, à legalidade e à segurança jurídica. Como os textos jurídicos
normativos, em relação a determinados fatos, em dado momento histórico e em
um determinado lugar, são preordenados a terem somente uma interpretação
correta, dentre das diversas possíveis, 388 a aplicação de normas jurídicas de
conteúdos diferentes para situações idênticas e de normas jurídicas de conteúdos
idênticos para situações desiguais viola os princípios da legalidade e da
igualdade, além de causar insegurança jurídica e sensação de injustiça para os
cidadãos.
A divergência de posicionamentos acerca de uma mesma situação
jurídica em um mesmo momento histórico em relação a fatos semelhantes
acarreta consequências graves para o ordenamento jurídico, como
imprevisibilidade das decisões judiciais (causando insegurança jurídica), violação
ao princípio da igualdade e da legalidade, descrédito do Poder Judiciário perante
a sociedade, incentiva a interposição de recursos (posto que não se sabe qual o
entendimento firmado) e, por consequência, acarreta a sobrecarga de trabalho ao
Judiciário (os jurisdicionados “tentam a sorte”).389
387 ARRUDA ALVIM NETTO, José Manuel de. Notas a respeito dos aspectos gerais e fundamentais da existência de recursos – Direito brasileiro. Revista de Processo, São Paulo: Revista dos Tribunais n. 48, p. 11, 1987. 388 ARRUDA ALVIM NETTO, José Manoel. A arguição de relevância no recurso extraordinário. São Paulo: Revista dos Tribunais 1988. p. 16. 389 “[...] se a lei comporta diversas interpretações e o sistema não engendra meios eficazes para uniformizá-las, fazendo com que uma delas passe definitivamente a prevalecer, o fato é que em vez de uma pauta de conduta, o jurisdicionado terá tantas quantas interpretações houver. Daí se percebe serem ofendidos, nesta situação, tanto o princípio da legalidade quanto o princípio da isonomia, pois, se se entende que a lei deve ser aplicada a todos, é evidente que se entende que estes deverão ter a sua atividade disciplinada por uma única interpretação” (MEDINA, José Miguel Garcia; WAMBIER, Luiz Rodrigues; ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. A súmula vinculante
132
Para evitar essas consequências decorrentes da divergência de
posicionamentos, o Código de Processo Civil adotou um sistema próprio de
precedentes, que tem por finalidade fixar teses jurídicas e, por conseguinte,
estabelecer as respostas corretas, para determinados casos e um momento
histórico.
Ronaldo Cramer observa que “um sistema de precedentes íntegro deve
ter como premissa a ideia regulativa de que existiria uma única resposta correta,
uma vez que o precedente aplicável ao caso concreto sempre deve ser encarado
dessa maneira”. E arremata: “se há precedente, apenas a resposta nele contida
seria a correta para julgar o caso”.390
Esse também é o entendimento de Eduardo José da Fonseca Costa, ao
comentar o art. 927 do Código de Processo Civil, in verbis: Se cada interpretação possível do texto de direito positivo é uma norma em potencial, o precedente obrigatório aludido no art. 927 do CPC/2015 prescreve ao juiz qual é a interpretação correta (e, portanto, qual dessas possibilidades é a norma aplicável ao caso).391
Assim, a única solução correta para o caso é um pressuposto de
funcionamento do sistema jurídico e, em um sistema de civil law, as reiteradas
decisões (às vezes, uma só) em um mesmo sentido assumem importante papel
com relação aos casos concretos futuros em contextos fáticos idênticos, em um
mesmo momento histórico e em um determinado lugar.392 Trata-se de tese (da
vista como meio legítimo para diminuir a sobrecarga de trabalho dos tribunais brasileiros. Revista Jurídica, São Paulo, IOB, ano 57, n. 379, p. 30, maio 2009). 390 CRAMER, Ronaldo. Precedentes judiciais: teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 129. 391 COSTA, Eduardo José da Fonseca. Comentários ao art. 927. In: CÂMARA, Helder Moroni (Coord.). Código de Processo Civil comentado. São Paulo/Lisboa: Almedina, 2016. p. 1126. 392 “Nesta ordem de ideias, e é este o cerne destas nossas reflexões, deve-se esclarecer que, mesmo nas hipóteses em que o juiz cria direito, pode-se vislumbrar a existência de uma única solução correta para o caso. Não se trata, propriamente, da única que existia previamente: mas será única, a partir de sua criação tida como a correta para os casos subsequentes. Em muitos casos, só se pode dizer que o direito existia anteriormente à decisão criativa do juiz no sentido de estar ali in potentia, como que ‘incubado’, nos princípios, nas entrelinhas das obras doutrinárias, no espírito do povo. A ideia de que só há uma única solução para cada caso concreto, como já se mencionou, tem vários sentidos, que dependem, em parte, do contexto em que seja compreendida. É, a meu ver, pressuposto de funcionamento do sistema e especificamente, relevante mola propulsora da atividade do juiz. Se lhe parecesse haver diversas soluções possíveis, todas elas corretas, para resolver-se a situação posta à sua apreciação, se comportaria como alguém trilhando um caminho sem saber onde vai chegar. Mas não é esta a acepção de afirmação que mais interessa para estas reflexões.
133
resposta correta) que converge com os deveres de estabilidade, integridade e
coerência da jurisprudência e encontra amparo no sistema de precedentes
estabelecidos pelo do Código de Processo Civil.
3.2.2 Enunciados de súmula
Os § 1.º e 2.º do art. 926 do Código de Processo Civil estabelecem que,
como decorrência dos deveres de uniformizar a jurisprudência e de mantê-la
estável, íntegra e coerente, os tribunais deverão editar enunciados de súmula, na
forma estabelecida e segundo os pressupostos fixados em seus regimentos
internos, correspondentes a sua jurisprudência dominante, devendo ater-se às
circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação.
A súmula teve nitidamente inspiração nos “assentos” do direito português,
que, a partir de 1518, eram expedidos pela Casa de Suplicação, a mais alta Corte
de Justiça do Reino de Portugal, que tinha, entre outras, a função de conceder a
interpretação da lei de emitir os chamados “assentos” em caso de dúvida dos
desembargadores.393 Se antes não era claro, após a Lei da Boa Razão, “não
Dizer-se que para um certo e determinado caso só há uma decisão correta é, também, a ideia que está por detrás da necessidade de que os precedentes sejam seguidos, principalmente nas hipóteses em que o juiz tenha exercido função visivelmente criativa. Nos países de civil law, havendo reiteradas decisões em determinado sentido, ou até mesmo havendo uma só, de tribunal superior, esta será a tese correta e equivocadamente decidirá o juiz que não considerar esta cláusula abusiva. Assim, em relação ao futuro, esta será a única decisão correta para casos concretos. Idênticos. Por isso é que digo que, nesta dimensão, vê-se que a decisão do juiz não se limita a ser a regra para o caso concreto, mas, vista como precedente, assume também a função de ser o direito aplicável a casos futuros. Evidentemente, não se ignora haver casos para os quais há duas ou mais soluções corretas. Mas este não pode ser o ponto de partida do juiz nem uma verdade doutrinária, sob pena de se comprometer o caráter sistemático do direito. Disto pode decorrer, pelo menos em parte, o desestímulo para que precedentes devam ser respeitados ou de que uma linha reiterada de jurisprudência, num mesmo sentido, deva ser seguida. E é claro, também, que nesta segunda dimensão, não se está tratando da correção da decisão sob o ponto de vista intrínseco ou substancial. Fixada a jurisprudência em certo sentido x, certamente haverá argumentos capazes de demonstrar que a tese adotada deveria ser outra. Mas para fim de orientação dos demais tribunais, deve ser considerada a decisão correta” (ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Cada caso comporta uma única solução correta? In: ______; MARINONI, Luiz Guilherme; MENDES, Aluísio Gonçalves de Castro (Coord.). Direito jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. v. 2, p. 1228). 393 Para um estudo sobre o tema: CRUZ E TUCCI, José Rogério. Precedente judicial com fonte do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais 2004. p. 142-146; SOUZA, Marcus Seixas. Os precedentes na história do direito processual civil brasileiro: colônia e império. 2014. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade Federal da Bahia, p. 49-139; DIDIER JR., Fredie; SOUZA,
134
restou dúvida sobre o seu efeito vinculante: todos os juízes deveriam adotar a
interpretação legal contemplada no assento no julgamento dos casos
supervenientes”.394
Com a vinda da Corte portuguesa para o Brasil em 1808, em fuga das
tropas de Napoleão que invadiam Portugal naquele momento histórico, a Casa ou
Tribunal da Relação do Rio de Janeiro, criado em 13 de outubro de 1751, com
competência territorial para “a parte Sul do Estado do Brazil”, foi transformado ou
convertido em Casa de Suplicação para o Brasil, via Alvará de 10 de maio de
1808, permitindo-se que pudesse proferir assentos interpretativos, também com
eficácia vinculante.395
Com a independência do Brasil declarada por Dom Pedro I em 7 de
setembro 1822, iniciou-se o período de Império, no qual várias leis regularam os
assentos. O Decreto 16.273, de 20 de dezembro de 1823, reorganizou a Justiça
do Distrito Federal e instituiu os “prejulgados” nas Cortes de Apelação no
Brasil.396 A Lei 2.684, de 23 de outubro de 1875, reconheceu a validade dos
Marcus Seixas. O respeito aos precedentes como diretriz histórica do direito brasileiro. Revista de Processo Comparado, v. 2, p. 99-120, jul.-dez. 2015. 394 SOUZA, Marcus Seixas. Os precedentes na história do direito processual civil brasileiro: colônia e império. 2014. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade Federal da Bahia, p. 88. Fredie Didier Jr. e Marcus Seixas Souza esclarecem: “Entre os juristas portugueses dos séculos XVII e XVIII, havia opiniões que oscilavam entre a vinculatividade e a mera persuasão dos precedentes da Casa de Suplicação em relação aos demais casos submetidos à apreciação dos órgãos jurisdicionais; no Império, por outro lado, a discussão sobre a eficácia dos precedentes judiciais parece ter chegado a um consenso”. DIDIER JR., Fredie; SOUZA, Marcus Seixas. O respeito aos precedentes como diretriz histórica do direito brasileiro. Revista de Processo Comparado, v. 2, p. 99-120, jul.-dez. 2015; STRECK, Lenio Luiz. Súmulas no direito brasileiro: eficácia, poder e função. Porto Alegre: Livraria do advogado, 1995, p. 99-102. 395 CRUZ E TUCCI, José Rogério. Precedente judicial com fonte do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais 2004. p. 147; SOUZA, Marcus Seixas. Os precedentes na história do direito processual civil brasileiro: colônia e império. 2014. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade Federal da Bahia, p. 89; GOMES, Thais Matallo Cordeiro. Ação rescisória com fundamento na violação de súmula vinculante e persuasiva. 2014. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, p. 68; DIDIER JR., Fredie; SOUZA, Marcus Seixas. O respeito aos precedentes como diretriz histórica do direito brasileiro. Revista de Processo Comparado, v. 2, p. 99-120, jul.-dez. 2015. 396 O art. 103 do Decreto 16.273/1823 dispunha: “Art. 103. Quando a lei receber interpretação diversa nas Camaras de Appellação civel ou criminal, ou quando resultar da manifestação dos votos de uma Camara em um caso sub-judice que se terá de declarar uma interpretação diversa, deverá a Camara divergente representar, por seu Presidente, ao Presidente da Côrte, para que este, incontinenti, faça a convocação para a reunião das duas Camaras, conforme a materia, fôr civel ou criminal. § 1.º Reunidas as Camaras e submettida a questão á sua deliberação, o vencido, por maioria, constitue decisão obrigatoria para o caso em apreço e norma aconselhavel para os casos futuros,
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assentos da Casa de Suplicação de Lisboa e da Casa de Suplicação do Rio de
Janeiro com força de lei em todo o Império. O Decreto 6.142, de 10 de março de
1876, estabeleceu que para o Supremo Tribunal de Justiça proferir assentos era
necessário que os julgamentos tivessem sido proferidos em processos findos e
que a divergência entre os julgamentos tivesse por objeto matéria exclusivamente
de direito (“direito em these ou a disposição da lei, e não a variedade da
applicação proveniente da variedade dos factos”).397-398
salvo reIevantes motivos de direito, que justifiquem renovar-se identico procedimento de installação das Camaras Reunidas. § 2.º O accordam será subscripto por todos os membros das Camaras Reunidas e, na sessão que se seguir, a Camara que tenha, provocado o procedimento uniformisador, applicando o vencido aos factos em debate, decidirá a causa, resalvada aos membros das Camaras que se tenham mantido em divergencia a faculdade de fazer refereneia não motivada, aos seus votos, exarados no referido accordam. § 3.º Para os fins previstos neste artigo, cada Camara terá um livro especial, sob a denominação de “livro dos prejulgados", onde serão inscriptas as ementas dos accordams das Camaras Reunidas, inscripção que será ordenada pelos respectivos presidentes. § 4.º Em caso de empate na votação, o presidente da sessão de Camaras Reunidas, que será o da Camara que provocou a decisão, submetterá o caso ao Presidente da Côrte, para que este, com precedencia sobre qualquer outro julgamento, submetta a materia á deliberação da mesma Côrte. § 5.º Serão, sempre, relatores dous desembargadores, um de cada Camara, designado pelo respectivo presidente. § 6.º Na primeira semana de cada trimestre, o secretario da Côrte providenciará para que seja feita, sob sua directa e pessoal inspecção, a permuta de inscripções entre os livros de prejulgados das Camaras de identica jurisdicção por materia. § 7.º As normas para confecção desses livros serão estabelecidas pelo Presidente da Côrte de Appellação, que exercerá sobre elles a necessaria inspecção e mandará que sejam franqueados ao publico”. 397 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Súmula, jurisprudência, precedente: uma escalada e seus riscos. Temas de direito processual: nona série. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 299; STRECK, Lenio Luiz. Súmulas no direito brasileiro: eficácia, poder e função. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995. p. 101. Para maior aprofundamento do tema: CRUZ E TUCCI, José Rogério. Precedente judicial com fonte do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais 2004. passim; SOUZA, Marcus Seixas. Os precedentes na história do direito processual civil brasileiro: colônia e império. 2014. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade Federal da Bahia, passim; DIDIER JR., Fredie; SOUZA, Marcus Seixas. O respeito aos precedentes como diretriz histórica do direito brasileiro. Revista de Processo Comparado, v. 2, p. 99-120, jul.-dez. 2015. 398 Eis a redação dos dispositivos do Decreto 6.142/1876: “Art. 1.º Os assentos tomados na Casa da Supplicação de Lisbôa, depois da creação da do Rio de Janeiro até a época da Independencia, a excepção dos derogados pela legislação posterior, terão força de lei em todo o Imperio. Esta disposição não prejudica os casos julgados contra ou conforme os ditos assentos. Art. 2.º Ao Supremo Tribunal de Justiça compete tomar assentos para intelligencia das leis civis, commerciaes e criminaes, quando na execução dellas occorrerem duvidas manifestadas por julgamentos divergentes do mesmo Tribunal, das Relações e dos Juizes de primeira instancia, nas causas de sua alçada. Paragrapho unico. Para ter lugar a providencia indicada é indispensavel: 1.º Que os julgamentos tenham sido proferidos em processos que estejam findos, depois de esgotados os recursos ordinarios facultados por lei.
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Feitos esses breves esclarecimentos históricos, retorna-se à súmula. A
palavra súmula vem do latim summula, diminutivo de summa, e tem como
significado genérico ser um breve ou brevíssimo resumo feito com clareza e
precisão para expressar o essencial de alguma coisa.399 Em sentido jurídico,
significa o resumo ou a síntese de determinado entendimento dos tribunais que
determinam a compreensão de temas para casos análogos.400 É composta por
verbetes que esclarecem o conjunto da jurisprudência dominante de um tribunal,
em vários ramos do direito.401 Summa significa soma e, em sentido jurídico, vem a
ser a soma da jurisprudência resumida em enunciados. Pode ter também
significado de sumário ou de índice e, nesse sentido, consistir em um sumário da
jurisprudência de determinado tribunal.402
A súmula foi instituída no Brasil pelo Supremo Tribunal Federal, via
Emenda ao seu Regimento Interno, aprovada em 26 de agosto de 1963 e
publicada em 30 de agosto 1963, por iniciativa e relatoria do Ministro Victor Nunes
Leal, que apresentou a proposta à Comissão de Jurisprudência do Tribunal,
integrada por ele e pelos Ministros Gonçalves de Oliveira e Pedro Chaves.403
2.º Que a divergencia dos julgamentos tenha por objecto o direito em these ou a disposição da lei, e não a variedade da applicação proveniente da variedade dos factos”. 399 Conforme os Dicionários Priberam, Dicio e Michaelis: “1. Breve epítome doutrinal. 2. Brevíssimo resumo feito com clareza e precisão” (PRIBERAM. Súmula. Dicionário Priberam da Língua Portuguesa. Disponível em: <https://www.priberam.pt/dlpo/s%C3%BAmula>. Acesso em: 15 dez. 2017); “Resumo; síntese clara que contém o essencial de alguma coisa; breve sinopse: o orador leu a súmula do congresso” (DICIO. Súmula. Dicionário online de português. Disponível em: <https://www.dicio.com.br/sumula/>. Acesso em: 15 dez. 2017); “Pequena suma; breve epítome sobre um assunto ou ponto de doutrina; resumo, sinopse” (MICHAELIS. Súmula. Dicionário Michaelis. Disponível em: <http://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/súmula>. Acesso em: 15 dez. 2017). 400 Pedro Miranda de Oliveira observa que “O vocábulo súmula deriva do latim summula. Significa sumário ou resumo. É uma ementa que revela a orientação jurisprudencial de um tribunal para casos análogos, ou seja, é o resultado final da formação de uma construção jurisprudencial” (OLIVEIRA, Pedro Miranda. Recurso extraordinário e o requisito da repercussão geral. São Paulo: Revista dos Tribunais 2013. p. 70). Cassio Scarpinella Bueno registra que “As súmulas serão elas próprias aqueles enunciados indicativos da jurisprudência sobre variadas questões” (BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 599). 401 SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do precedente judicial à súmula vinculante. Curitiba: Juruá, 2006. p. 253. 402 OLIVEIRA JR., Zulmar Duarte de; GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, André Vasconcelos. Execução e recursos: comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2017c v. 3, p. 582. 403 Como relatou o próprio Ministro Victor Nunes Leal: “Por falta de técnicas mais sofisticadas, a Súmula nasceu – e colateralmente adquiriu efeitos de natureza processual – da dificuldade, para os ministros, de identificar as matérias que já não convinha discutir de novo, salvo se sobreviesse algum motivo relevante. O hábito, então, era reportar-se cada qual à sua memória, testemunhando, para os colegas mais modernos, que era tal ou qual a jurisprudência assente da
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Após a sua instituição no Regimento Interno, a primeira sessão de
aprovação de enunciados de súmula de jurisprudência dominante do Supremo
Tribunal Federal ocorreu no dia 13 de dezembro de1963, sendo aprovados 370
enunciados, todos de relatoria do Ministro Victor Nunes Leal, 404 com
aplicabilidade a partir de 1.º de março de 1964.405
O Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence, em discurso em homenagem
ao Ministro Victor Nunes Leal, na sessão ordinária do Supremo Tribunal Federal
ocorrida em 14 de agosto de 1985, ano de seu falecimento em 17 de maio,
relembrou que o que singularizou o Ministro Victor Nunes Leal foram o seu
método de trabalho e os seus caderninhos verdes dos quais foram extraídas por
ele as propostas para a elaboração dos primeiros enunciados da súmula do
Supremo, conforme importante relato histórico: Mais do que os de Relator, chamavam a atenção os seus votos como vogal: o improviso e o não conhecimento direto dos autos realçavam a atenção sem intervalos que dedicava aos debates e, sendo o caso, o estudo prévio dos memoriais; a concatenação e o vigor do raciocínio, em que a ênfase (que subia quando interrompido pelo aparte adverso, sem perder, porém, a lhaneza de trato) não obscurecia a clareza habitual. (Inesquecíveis algumas polêmicas suas com o saudoso Luiz Gallotti, outra vocação incomum para o debate oral.) Pouco depois, o que viria a singularizá-lo, na recordação das sessões da Corte: a informação imediata dos precedentes da
Corte. Juiz calouro, com a agravante da falta de memória, tive que tomar, nos primeiros anos, numerosas notas, e bem assim sistematizá-las, para pronta consulta durante as sessões de julgamento. Daí surgiu a ideia da Súmula, que os colegas mais experientes – em especial os companheiros da Comissão de Jurisprudência, Ministros Gonçalves de Oliveira e Pedro Chaves – tanto estimularam. E se logrou, rápido, o assentimento da Presidência e dos demais ministros. Por isso, mais de uma vez, em conversas particulares, tenho mencionado que a Súmula é subproduto da minha falta de memória, pois fui eu afinal o relator, não só da respectiva emenda regimental, como dos seus primeiros 370 enunciados. Esse trabalho estendeu-se até às minúcias da apresentação gráfica da edição oficial, sempre com o apoio dos colegas de Comissão, já que nos reuníamos, facilmente, pelo telefone” (LEAL, Victor Nunes. Passado e futuro da súmula do STF. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 145, p. 14, jul.-set. 1981). 404 Fernando Dias Menezes de Almeida relata: “Integrando a Comissão de Jurisprudência do Tribunal, juntamente com os Ministros Gonçalves de Oliveira e Pedro Chaves, o Ministro Victor Nunes apresentou a ideia e foi o Relator da emenda regimental que criou a Súmula. Foi ainda, por ocasião da introdução da Súmula, o Relator de seus primeiros 370 enunciados. Note-se que, na terminologia original e ainda na terminologia regimental, a expressão ‘Súmula’ se referia ao conjunto dos ‘enunciados’, publicada e atualizada periodicamente; a prática posterior consagrou também o uso de ‘Súmula’ significando cada enunciado” (ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de. Memória jurisprudencial: Ministro Victor Nunes. Brasília: Supremo Tribunal Federal, 2006. p. 32-33, nota 03. [Série Memória jurisprudencial.]). 405 STRECK, Lenio Luiz. Súmulas no direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995. p. 117.
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jurisprudência, documentada com a menção ao número do processo, à data do julgamento, ao nome do Relator e – a princípio para desconforto dos menos atentos – ao voto de cada um dos Ministros. Só o conhecimento do sistema de referências cruzadas entre os colecionadores pretos e os cadernos de capa verde, sempre dispostos à sua frente, na bancada, fazia diminuir o espanto do observador, embora fizesse crescer a admiração pela disciplina de trabalho que o método reclamava. O importante é que os cadernos de Victor Nunes entrariam para a história do Tribunal. Da sua eficiência, cotidianamente demonstrada nas sessões, nasceria a credibilidade do novo juiz para a aceitação e a implantação das reformas nos métodos de trabalho da Corte, que abalariam o misoneísmo tradicional dos velhos juízes. [...] A Súmula significou, ao mesmo tempo, melhoria qualitativa (dadas a estabilização, sem petrificação, da jurisprudência e a con- sequuente equanimização das decisões) e racionalização quantitativa dos trabalhos da Corte (funcionando, ele o diria, como “princípio da relevância às avessas”). Só ela bastaria para singularizar, na passagem de Victor Nunes pelo Supremo Tribunal, essa combinação incomum de um jurista de brilho intelectual invulgar com um organizador extraordinário.
Por conta desse perfil organizado e metódico do Ministro Victor Nunes
Leal, o Ministro Aliomar Baleeiro, ao votar no MS 15.886, referiu-se a ele como “a
própria jurisprudência viva do Supremo Tribunal andando pelas ruas”.406
Surge, assim, a súmula do Supremo Tribunal Federal como um método
de trabalho “destinado a ordenar melhor e a facilitar a tarefa judicante”, como
afirmava o próprio Ministro Victor Nunes Leal, observadas as regras para
inclusão, alteração ou cancelamento previstas no Regimento Interno.
Sucessivamente, outros Tribunais adotaram o mesmo método, como o Tribunal
Federal de Recursos, o Tribunal Superior do Trabalho e os Tribunais de Alçada
de São Paulo.407
O prefácio da 1.ª edição oficial estabelecia a dupla finalidade da súmula
do Supremo Tribunal Federal: “proporcionar maior estabilidade à jurisprudência” e
406 Conforme relatados contidos em: ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de. Memória jurisprudencial: Ministro Victor Nunes. Brasília: Supremo Tribunal Federal, 2006, p. 31-33. (Série Memória jurisprudencial.) 407 LEAL, Victor Nunes. Passado e futuro da súmula do STF. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 145, p. 1, jul.-set. 1981; CRUZ E TUCCI, José Rogério. Eficácia do precedente judicial na história do direito brasileiro. Revista do Advogado, AASP, ano XXIV, n. 78, p. 47, set. 2004.
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“facilitar o trabalho dos advogados e do Tribunal, simplificando o julgamento das
questões frequentes”.408
Nesse sentido, Teresa Arruda Alvim, em 1985, já chamava a atenção
para o fato de a sua existência ter uma função desencorajadora de iniciativas
ousadas por parte dos operadores do direito, como advogados, promotores,
defensores públicos etc.409 Na mesma linha, Pedro Miranda de Oliveira observa
que uma das funções da súmula é evitar a repetição constante de recursos, “pois
o resultado do futuro julgamento já seria de conhecimento das partes e dos
advogados”.410
A súmula pode ser considerada um resumo (claro, sintético e preciso) da
jurisprudência (predominante) de determinado Tribunal, como uma forma de
expressar a sua interpretação a respeito de questões julgadas num mesmo
sentido,411 para que seja aplicada aos casos semelhantes.
408 Nas palavras de Victor Nunes Leal: “Por tudo isso, dizia o prefácio da primeira edição oficial da Súmula que a sua finalidade ‘não é somente proporcionar maior estabilidade à jurisprudência, mas também facilitar o trabalho dos advogados e do Tribunal, simplificando o julgamento das questões frequentes. Por isso, a emenda ao Regimento [...] atribui à Súmula outros relevantes efeitos processuais’, como fossem: ‘negar-se provimento ao agravo para subida de recurso extraordinário, não se conhecer do recurso extraordinário, não se conhecer dos embargos de divergência e rejeitar os infringentes, sempre que o pedido do recorrente contrariasse a jurisprudência compreendida na Súmula, ressalvado o procedimento de revisão da própria Súmula’. Mais que isso, poderia o relator, em tal hipótese, mandar arquivar o recurso extraordinário, ou o agravo de instrumento, facultado à parte prejudicada interpor agravo regimental contra o despacho” (LEAL, Victor Nunes. Passado e futuro da súmula do STF. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 145, p. 8, jul.-set. 1981). 409 “No que diz respeito à atividade de outros profissionais que lidam com o Direito, que não os juízes, (advogados, promotores etc.), o que se pode dizer é que a existência de Súmulas, num certo sentido, embora não lhes determine a atitude, pelo menos desencoraja-lhes o espírito inovador, fazendo morrer, ainda no nascedouro, uma série de iniciativas, por assim dizer, ousadas” (ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. A função das súmulas do Supremo Tribunal Federal em face da teoria geral do direito. Revista de Processo, São Paulo, n. 40, p. 227, out.-dez. 1985). 410 OLIVEIRA, Pedro Miranda. Recurso extraordinário e o requisito da repercussão geral. São Paulo: Revista dos Tribunais 2013. p. 71. 411 Nas palavras de Teresa Arruda Alvim Wambier, as súmulas “Consistem num resumo da jurisprudência predominante do Supremo Tribunal Federal, expressando a interpretação da maioria absoluta dos Ministros a respeito das questões julgadas, ainda que as decisões dos precedentes não tenham sido unânimes. Representam a orientação pacifica desse Tribunal no que concerne à exegese de lei, quer de direito material, quer de direito processual, e no que diz com assuntos não tratados de forma específica pelo texto do direito positivo” (ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. A função das súmulas do Supremo Tribunal Federal em face da teoria geral do direito. Revista de Processo, São Paulo, n. 40, p. 225, out.-dez. 1985).
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Nas palavras de Nelson Nery Junior: “A Súmula é o conjunto das teses
jurídicas reveladoras da jurisprudência reiterada e predominante no tribunal e vem
traduzida em forma de verbetes sintéticos numerados e editados”.412
A edição de enunciado de súmula vem como uma forma de o Tribunal
sintetizar com clareza e precisão a sua jurisprudência sobre a compreensão de
determinado tema. Pedro Miranda de Oliveira esclarece como se dá a relação
entre jurisprudência e súmula: Quando uma tese jurídica perfilhada se vê reiterada de modo uniforme e constante (permanência lógica e temporal) em casos semelhantes, identifica-se o que considera-se jurisprudência. Por sua vez, quando esta jurisprudência conquista terreno significativamente majoritário em determinado órgão judicial colegiado, pode ocorrer a edição de súmula, de modo que repercuta e fixe o entendimento sedimentado.413
A expressão súmula acabou por emprestar outro significado, aceito em
nosso direito, tal como é utilizado hoje. O que era para ser uma única súmula com
os enunciados resultantes do entendimento referente aos principais julgamentos
de um tribunal, hoje súmula também é considerada o próprio enunciado do
resultado. Por isso, na praxe, é comum fazer menção à súmula número X, em vez
de ao enunciado X da súmula de determinado tribunal.
Posteriormente à sua criação, o Código de Processo Civil de 1973
consolidou o instituto da súmula no direito brasileiro ao prever no art. 479, no
incidente de uniformização de jurisprudência, que: “O julgamento, tomado pelo
vota da maioria absoluta dos membros que integram o tribunal, será objeto de
súmula e constituirá precedente de uniformização de jurisprudência”.414
412 NERY JR., Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal: processo civil, penal e administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais 2009. p. 93. 413 OLIVEIRA, Pedro Miranda de. Novíssimo sistema recursal: conforme o CPC/2015. 2. ed. Florianópolis: Empório do Direito, 2016. p. 157-158. 414 Sobre o tema, Sydney Sanches, que em 1984 veio a ser Ministro do Supremo Tribunal Federal, comentou na época da recém-entrada em vigor do Código de Processo Civil de 1973: “A súmula, de que trata o art. 479, não tem a mesma força do ‘assento’, que era previsto no Anteprojeto Buzaid, com eficácia obrigatória. Vale apenas como enunciado que o próprio tribunal faz de seu ponto de vista a respeito da interpretação de uma norma jurídica. Os juízes não o podem ignorar. Nota-se, desde logo, uma certa relutância de os Tribunais locais redigirem súmulas, sobretudo em matéria de lei federal, pois estas não alcançarão maior significado, eis que ao STF sempre é dado fixar as próprias. E estas, sim, com expressão nacional (Regimento Interno, art. 98)” (SANCHES, Sydney. Uniformização de jurisprudência. São Paulo: Revista dos Tribunais 1975. p. 46).
141
Em 1998, a Lei 9.756 alterou o art. 557 do Código de Processo Civil de
1973 e previu a possibilidade de o relator negar seguimento ou dar provimento,
em decisão monocrática, a recurso em confronto com súmula ou jurisprudência
dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal
Superior.
Em 2001, conforme alteração dada pela Lei 10.352 ao art. 475 do Código
de Processo Civil de 1973, a remessa necessária em caso de decisões contra a
Fazenda Pública deixou de ser obrigatória quando “a sentença estiver fundada
em jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal ou em súmula deste
Tribunal ou do tribunal superior competente”.
Posteriormente, em 2004, a Emenda Constitucional 45, conhecida como a
Reforma do Judiciário, instituiu a chamada “súmula vinculante”, no art. 103-A da
Constituição, autorizando o Supremo Tribunal Federal, mediante decisão de dois
terços dos seus membros, a aprovar súmula, que “terá efeito vinculante em
relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e
indireta, nas esferas federal, estadual e municipal”.
Em 2006, as súmulas do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo
Tribunal Federal passaram a ser a impeditiva de recurso de apelação quando a
sentença está em conformidade, de acordo com a alteração do art. 518-A, § 1.º,
dada pela Lei 11.276; a súmula passou a ser presuntiva de repercussão geral,
quando a decisão impugnada é contrária a ela, nos termos do § 3.º art. 543-A,
incluído pela Lei 11.418.
Em 2010, conforme redação dada ao art. 544 pela Lei 12.322, o Ministro
relator, no âmbito do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça,
passou a poder negar seguimento ou a dar provimento ao agravo quando a
decisão estivesse em confronto com a súmula ou jurisprudência dominante do
tribunal.
O Código de Processo Civil de 2015, por seu turno, prevê variáveis
funções para as súmulas: (i) autoriza o julgamento liminar de improcedência (art.
322, I e IV); (ii) dispensa a remessa necessária em caso de decisões contra a
Fazenda Pública (art. 496, § 4.º, I); (iii) dispensa a caução em caso de
cumprimento provisório de sentença que reconhece a exigibilidade de obrigação
de pagar quantia (art. 521, V); (iv) autoriza o relator, no âmbito dos tribunais, a
142
negar e a dar provimento a recurso monocraticamente (art. 932, IV e V); (v)
autoriza o relator, no âmbito dos tribunais, a julgar monocraticamente conflito de
competência (art. 955, I); (vi) autoriza o cabimento de ação rescisória contra
decisão que aplicou equivocadamente a súmula (art. 966, § 5.º); (vii) presume a
existência de repercussão geral no recurso extraordinário quando a decisão
impugnada contrariar súmula do Supremo Tribunal Federal (art. 1.035, § 3.º, I);
(viii) integra o sistema de aplicação de precedentes (art. 927, II e IV).
Especificamente em relação à súmula vinculante, o Código de Processo
Civil de 2015 (i) autoriza o juiz a conceder tutela de evidência liminarmente, sem
requisito de urgência, quando as alegações de fato forem comprovadas
documentalmente e tiver em sintonia com tese firmada em casos repetitivos ou
em súmula vinculante (art. 311, II e parágrafo único); e (ii) viabiliza o cabimento
da reclamação (art. 988, III).
Ademais, o § 1.º do art. 926 do Código de Processo Civil estabelece aos
tribunais o dever de editar enunciados de súmula correspondente a sua
jurisprudência e o § 2.º do art. 926 do Código de Processo Civil não apenas deixa
claro que os enunciados de súmula devem ser editados ou criados em atenção às
circunstâncias fáticas dos julgados precedentes que motivaram sua criação,415
mas vai muito mais além. A grande contribuição do Código de Processo Civil é
deixar clara a interpretação, e a aplicação dos enunciados de súmula em casos
futuros deve se ater às circunstâncias fáticas dos julgados precedentes que
motivaram sua criação. Em outras palavras, os enunciados de súmula não podem
ser interpretados e aplicados de forma separada das circunstâncias fáticas
ocorridas nos precedentes que deram origem à sua formação. 416 “O que o
415 Nelson Nery Jr. é enfático nesse sentido: “Circunstâncias fáticas. A súmula deve ser o resultado de análises de casos concretos, e não a fixação do entendimento do tribunal acerca de determinada questão, de acordo com os parâmetros que entende corretos. Os parâmetros indicados pelo caso concreto é que fixam a súmula, e não o contrário” (NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais 2015. p. 1833). Guilherme Rizzo Amaral também destaca o ponto: “O enunciado de súmula deve estar calcado em precedente e com este guardar estreita relação, não podendo desviar-se das circunstâncias fáticas que lhe deram origem. Ao editar a súmula, o tribunal observará o que prevê seu regimento interno” (AMARAL, Guilherme Rizzo. Comentários às alterações do novo CPC. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. p. 934). 416 Teresa Arruda Alvim já destacou a necessidade de compreender a súmula a partir de uma visão pragmática: “Parece-nos que só uma visão pragmática é apta a absorver o fenômeno Súmula se não na sua totalidade, o que seria pretender demais, pelo menos o cobre, e, na medida
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dispositivo quer, nesses casos, é que os enunciados de súmula guardem
correspondência ao que foi efetivamente julgado nos casos concretos que lhe
deram origem.”417
O inciso V do § 1.º do art. 489 do Código de Processo Civil é feliz nesse
sentido ao prever que a decisão judicial, qualquer seja ela, não se considera
fundamentada “se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem
identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob
julgamento se ajusta àqueles fundamentos”.
Parece ser esse o entendimento de Teresa Arruda Alvim, Maria Lúcia Lins
Conceição, Leonardo Ferres da Silva Ribeiro e Rogerio Licastro Torres de Mello: [...] a tese contida na súmula deve ser compreendida, necessariamente, à luz dos fatos subjacentes aos processos que geraram as tais decisões reiteradas. Os fatos, que não precisam ser necessariamente idênticos, devem guardar, entre si, identidade suficiente para reclamar, do sistema, a mesma solução.418
No mesmo sentido é o entendimento de Hermes Zaneti Jr.: Assim, independentemente de terem sido sumulados ou identificados na jurisprudência dominante dos tribunais, no modelo adotado no Brasil, não há/haverá dispensa de análise dos precedentes em razão das súmulas, ou seja, as súmulas somente podem ser adequadamente compreendidas à luz da leitura dos precedentes e dos fundamentos determinantes adotados pela maioria dos julgadores, incluídas as circunstâncias de fato.419
Os enunciados de súmula não podem (mais) ser entendidos como textos
gerais e abstratos, pois têm a finalidade de revelar a jurisprudência do tribunal em
um mesmo e determinado sentido, facilitando a compreensão e o trabalho dos
profissionais do direito. Ou seja, os enunciados revelam de forma sintética, clara e
em que o faz, permitimo-nos usar de uma imagem pictórica, o faz como se fosse uma ‘capa plástica aderente’”. (ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. A função das súmulas do Supremo Tribunal Federal em face da teoria geral do direito. Revista de Processo, São Paulo, n. 40, p. 232, out.-dez. 1985). 417 BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 601. 418 ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MELLO, Rogerio Licastro Torres de. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais 2015. p. 1316). 419 ZANETI JR., Hermes. O valor vinculante dos precedentes. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 351.
144
precisa a interpretação do tribunal de determinado(s) dispositivo(s) de lei à luz dos
fatos das causas precedentes e do ordenamento jurídico.
Por isso, as partes, por seus advogados ou defensores públicos, os
membros do Ministério Público e os magistrados devem não só mencionar o
enunciado de súmula; devem também extrair as circunstâncias fáticas e os
fundamentos dos precedentes que lhe deram origem e explaná-los em sintonia
(em caso de aplicação) ou dissonância (em caso de rejeição) com os fatos da
causa em análise, cujo enunciado sumular pretenda-se aplicar ou rejeitar.420 Em
outras palavras, considerando as circunstâncias fáticas dos precedentes que lhe
deram origem, o enunciado de súmula servirá de norte para o julgamento de
casos futuros.421 Como leciona Lenio Luiz Streck: [...] há uma cadeia discursiva que sustenta a formação do enunciado, partindo de um conjunto de julgados cujas circunstâncias fáticas são similares e que sobre eles pode o tribunal estabelecer um padrão (enunciado sumular) que deve ser seguido nos demais casos. Eis o encaixe perfeito para a consubstanciação da coerência e integridade. Os enunciados de súmulas, ao seguirem circunstâncias fáticas devidamente identificadas e similares (DNA do leading case), farão o desenho (mapa) dos próximos julgamentos, desde que presentes, é claro, circunstâncias fáticas similares àquelas que derem origem ao enunciado.422
Ademais, para deixar de seguir enunciado de súmula, o juiz deverá
identificar a existência de distinção fática (e, por consequência, jurídica) no caso
em julgamento ou a superação do entendimento com base em fatos semelhantes
(art. 489, VI, Código de Processo Civil). Em ambas as hipóteses – tanto para a
420 Eduardo José da Fonseca Costa é expresso nesse sentido: “A explanação das circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram a edição da súmula é o melhor modo de controlar a adequação do enunciado, cuja redação pode eventualmente não refletir um fundamento enfrentado, ou refletir um fundamento não enfrentado. Por isso, na invocação do enunciado, o juiz deve ir aos julgados que lhe serviram de base, deles extrair os fundamentos e explaná-los para que as partes possam realizar um controle racional”. (COSTA, Eduardo José da Fonseca. Comentários ao art. 926. In: CÂMARA, Helder Moroni (Coord.). Código de Processo Civil comentado. São Paulo/Lisboa: Almedina, 2016. p. 1124). 421 Como leciona José Rogério Cruz e Tucci: “O respectivo enunciado, pois, considerando a hipótese fática análoga e reiterada, sempre extraído do entendimento majoritário, persuasivo ou vinculante, mesmo com eficácias assimétricas, deverá servir de norte para o julgamento dos casos futuros” (CRUZ E TUCCI, José Rogério. Comentários ao art. 926. In: BUENO, Cassio Scarpinella (Coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2017. v. 4, p. 24). 422 STRECK, Lenio Luiz; ABBOUD, Georges. Comentários ao art. 926. In: STRECK, Lenio Luiz; NUNES, Dierle; CUNHA, Leonardo Carneiro da (Org.); FREIRE, Alexandre (Coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: 2017. p. 1219. Destaques no original.
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distinção quanto para superação – far-se-á necessária a análise dos aspectos
fáticos dos precedentes em cotejo com os fatos da causa sob julgamento.
Isso faz com que não se tenha dúvidas de que os enunciados de súmula
necessitem de interpretação para serem aplicados ao caso concreto.
O Ministro Victor Nunes Leal entendia de forma diferente. Para ele, como
a súmula era meramente um método de trabalho, eles não deveriam ser
interpretados ou esclarecidos quanto ao seu significado correto. Para o Ministro, a
necessidade de esclarecimento deveria levar ao cancelamento, à substituição ou
à alteração de determinado enunciado, com a reedição de um novo texto, se
fosse o caso.423
O tempo demonstrou, no entanto, o contrário. Atualmente, de forma
inequívoca, os enunciados de súmula necessitam sim de interpretação para
serem aplicados corretamente aos casos futuros à luz das circunstâncias fáticas e
dos fundamentos determinantes dos precedentes que lhe deram origem.
3.3 Precedentes no Código de Processo Civil de 2015
O art. 927 do Código de Processo Civil estabelece o dever de os juízes e
os tribunais observarem (e seguirem) os precedentes judiciais descritos.424 Trata-
se de mais um dos órgãos jurisdicionais, o dever de vinculação aos precedentes,
423 Nas palavras do Ministro Victor Nunes Leal: “Cuidando ainda da Súmula como método de trabalho – aspecto em relação ao qual seria até indiferente o conteúdo dos seus enunciados – é oportuno mencionar que estes não devem ser interpretados, isto é, esclarecidos quanto ao seu correto significado. O que se interpreta é a norma da lei ou do regulamento, e a Súmula é o resultado dessa interpretação, realizada pelo Supremo Tribunal. A Súmula deve, pois, ser redigida tanto quanto possível com a maior clareza, sem qualquer dubiedade, para que não falhe ao seu papel de expressar a inteligência dada pelo Tribunal. Por isso mesmo, sempre que seja necessário esclarecer algum dos enunciados da Súmula, deve ele ser cancelado, como se fosse objeto de alteração, inscrevendo-se o seu novo texto na Súmula com outro número. [...] Se a Súmula, por sua vez, for passível de várias interpretações, ela falhará, como método de trabalho, à sua finalidade. Quando algum enunciado for imperfeito, devemos modificá-lo, substituí-lo por outro mais correto, para que ele não seja, contrariamente à sua finalidade, uma fonte de controvérsia” (LEAL, Victor Nunes. Passado e futuro da súmula do STF. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 145, p. 11, jul.-set. 1981). 424 Cassio Scarpinella Bueno entende que o dispositivo é uma aposta do legislador em reduzir o número de litígios, gerar maior previsibilidade e segurança jurídica e conceder tratamento isonômico a todos ao prever normas diretivas de maior otimização de decisões paradigmáticas para outros casos. No entanto, entende que não há vinculatividade pois, em seu modo de ver, necessitaria de prévia autorização constitucional (BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 595-597). A questão será analisada no próximo tópico.
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da mesma forma que devem respeitar os deveres de não surpresa (art. 10 do
Código de Processo Civil) e de fundamentação completa das decisões judiciais
(art. 489, § 1.º, Código de Processo Civil).
Precedentes, vale a pena reiterar, não no sentido do common law, e sim
como os padrões decisórios estabelecidos pelo Código de Processo Civil de 2015
para serem observados pelos demais juízes ou tribunais. Na linha do sustentado
por Cassio Scarpinella Bueno: E precedentes serão aquelas decisões que, originárias dos julgamentos de casos concretos, inclusive pelas técnicas do art. 928, ou do incidente de assunção de competência, querem ser aplicadas também em casos futuros quando seu substrato fático e jurídico autorizar. São precedentes não porque vieram de países de common law, e sim porque foram julgados com antecedência a outros casos – quiçá antes de haver dispersão de entendimento sobre uma dada questão jurídica pelos diversos Tribunais que compõem a organização judiciária brasileira – e, de acordo com o caput do art. 927, é desejável que aquilo que expressam seja observado em casos que serão julgados posteriormente. Se o CPC de 2015 os tivesse nominado de antecedentes, não haveria mal nenhum, a não ser a maior dificuldade de legitimá-los à luz do que não é (e continua a não ser) nosso.425
No entanto, a redação do dispositivo, ao longo do processo legislativo,
nem sempre foi a atual. O art. 927 do Código de Processo Civil evoluiu, involuiu e
evoluiu ao longo do processo legislativo.426
A redação originária do dispositivo, oriunda do art. 847 do anteprojeto do
novo Código de Processo Civil apresentado pela Comissão de Juristas
designados pelo Senado Federal, disposto no Capítulo I, “Das Disposições
Gerais”, do Título I, “Dos processos nos tribunais”, do Livro IV da Parte Especial,
“Dos processos nos tribunais e dos meios de impugnação das decisões judiciais”,
previa o seguinte: Art. 847. Os tribunais velarão pela uniformização e pela estabilidade da jurisprudência, observando-se o seguinte: I – sempre que possível, na forma e segundo as condições fixadas no regimento interno, deverão editar enunciados correspondentes à súmula da jurisprudência dominante;
425 BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 599. 426 Sobre o ponto, Ronaldo Cramer assevera: “Até se chegar à redação aprovada, houve avanços e recuos sobre o que se queria: preservar o sistema como está, com jurisprudência apenas persuasiva, ou instituir um rol de precedente vinculantes” (CRAMER, Ronaldo. Precedentes judiciais: teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 176).
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II – os órgãos fracionários seguirão a orientação do plenário, do órgão especial ou dos órgãos fracionários superiores aos quais estiverem vinculados, nesta ordem; III – a jurisprudência pacificada de qualquer tribunal deve orientar as decisões de todos os órgãos a ele vinculados; IV – a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores deve nortear as decisões de todos os tribunais e juízos singulares do país, de modo a concretizar plenamente os princípios da legalidade e da isonomia; V – na hipótese de alteração da jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica. § 1.º A mudança de entendimento sedimentado observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando o imperativo de estabilidade das relações jurídicas. § 2.º Os regimentos internos preverão formas de revisão da jurisprudência em procedimento autônomo, franqueando-se inclusive a realização de audiências públicas e a participação de pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a elucidação da matéria.427
Ao que parece, o dispositivo supratranscrito orientava os tribunais
inferiores a julgar de acordo com a jurisprudência dos tribunais superiores, e os
órgãos fracionários a julgar de acordo com a jurisprudência dos órgãos
fracionários superiores do mesmo tribunal. Com essa redação, o texto criava a
jurisprudência vinculante vertical (dos tribunais superiores) e horizontal (do próprio
tribunal).428
No Senado Federal, o texto sofreu uma pequena alteração (e involução)
durante o processo legislativo. O caráter impositivo do dever de os tribunais
observarem os precedentes verticais e horizontais, ao acrescentar a palavra “em
princípio” à redação do art. 882, disposto no Capítulo I, “Das Disposições Gerais”,
do Título I, “Dos processos nos Tribunais”, do Livro IV da Parte Especial, “Dos
processos nos tribunais e dos meios de impugnação das decisões judiciais”, do
Projeto de Lei do Senado n. 166/2010, aprovado e encaminhado à Câmara dos
Deputados: 427 BRASIL. Senado Federal. Anteprojeto do novo Código de Processo Civil. Comissão de Juristas responsável pela elaboração do anteprojeto do novo Código de Processo Civil. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2010. p. 195-196. 428 Esse também é o entendimento de Ronaldo Cramer: “No meu modo de ver, o art. 847 do Anteprojeto criava a jurisprudência vinculante dos tribunais superiores (jurisprudência vertical) e a jurisprudência vinculante do próprio tribunal (jurisprudência horizontal)” (CRAMER, Ronaldo. Precedentes judiciais: teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 177).
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“Art. 882. Os tribunais, a princípio, velarão pela uniformização e pela estabilidade da jurisprudência, observando-se o seguinte: I - sempre que possível, na forma e segundo as condições fixadas no regimento interno, deverão editar enunciados correspondentes à súmula da jurisprudência dominante; II - os órgãos fracionários seguirão a orientação do plenário, do órgão especial ou dos órgãos fracionários superiores aos quais estiverem vinculados, nesta ordem; III - a jurisprudência pacificada de qualquer tribunal deve orientar as decisões de todos os órgãos a ele vinculados; IV - a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores deve nortear as decisões de todos os tribunais e juízos singulares do país, de modo a concretizar plenamente os princípios da legalidade e da isonomia; V - na hipótese de alteração da jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica. § 1.º A mudança de entendimento sedimentado observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando o imperativo de estabilidade das relações jurídicas. § 2.º Os regimentos internos preverão formas de revisão da jurisprudência em procedimento autônomo, franqueando-se inclusive a realização de audiências públicas e a participação de pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a elucidação da matéria”.429
A alteração mudou o sentido do dispositivo. O acréscimo da expressão “a
princípio” retirou o caráter vinculante do dispositivo e manteve a jurisprudência
persuasiva, como era na vigência do Código de Processo Civil de 1973. Como
afirmou Ronaldo Cramer, “o art. 882 do Projeto aprovado pelo Senado não trazia
nenhuma novidade para o sistema, porque confirmava o uso apenas persuasivo
das hipóteses de jurisprudência prevista nos incisos”.430 Ainda assim, o Senador
Valter Pereira, Relator-Geral do Projeto no Senado Federal, destacou que o artigo
propunha “condições mais precisas de criação, consolidação e observância da
jurisprudência consolidada de todos os tribunais brasileiros”.431
Recebido como Projeto de Lei 8.046/2010, na Câmara dos Deputados o
enunciado normativo foi dividido em dois – o que reflete na atual existência dos
429 BRASIL. Projeto de reforma do Código de Processo Civil aprovado no Senado Federal. Relator-geral: Valter Pereira. Brasília: Senado Federal, 2011. p. 407. 430 CRAMER, Ronaldo. Precedentes judiciais: teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 179. 431 BRASIL. Projeto de reforma do Código de Processo Civil aprovado no Senado Federal. Relator-geral: Valter Pereira. Brasília: Senado Federal, 2011. p. 47.
149
arts. 926 e 927 do Código de Processo Civil – e ambos passaram a integrar o
capítulo próprio, XV, “Do precedente judicial”, do Título I, “Do procedimento
comum”, do Livro I da Parte Especial, “Do processo de conhecimento e do
cumprimento de sentença”. Sob a ótica do dever de observância dos (agora
denominados) precedentes judiciais, o art. 521 previa o seguinte: Art. 521. Para dar efetividade ao disposto no art. 520 e aos princípios da legalidade, da segurança jurídica, da duração razoável do processo, da proteção da confiança e da isonomia, as disposições seguintes devem ser observadas: I – os juízes e tribunais seguirão as decisões e os precedentes do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; II – os juízes e tribunais seguirão os enunciados de súmula vinculante, os acórdãos e os precedentes em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; III – os juízes e tribunais seguirão os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional; IV – não sendo a hipótese de aplicação dos incisos I a III, os juízes e tribunais seguirão os precedentes: a) do plenário do Supremo Tribunal Federal, em controle difuso de constitucionalidade; b) da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, em matéria infraconstitucional. § 1.º O órgão jurisdicional observará o disposto no art. 10 e no art. 499, § 1.º, na formação e aplicação do precedente judicial. § 2.º Os tribunais darão publicidade a seus precedentes, organizando-os por questão jurídica decidida e divulgando-os, preferencialmente, na rede mundial de computadores. § 3.º O efeito previsto nos incisos do caput deste artigo decorre dos fundamentos determinantes adotados pela maioria dos membros do colegiado, cujo entendimento tenha ou não sido sumulado. § 4.º Não possuem o efeito previsto nos incisos do caput deste artigo os fundamentos: I – prescindíveis para o alcance do resultado fixado em seu dispositivo, ainda que presentes no acórdão; II – não adotados ou referendados pela maioria dos membros do órgão julgador, ainda que relevantes e contidos no acórdão. § 5.º O precedente ou jurisprudência dotado do efeito previsto nos incisos do caput deste artigo poderá não ser seguido, quando o órgão jurisdicional distinguir o caso sob julgamento, demonstrando fundamentadamente se tratar de situação particularizada por hipótese fática distinta ou questão jurídica não examinada, a impor solução jurídica diversa. § 6.º A modificação de entendimento sedimentado poderá realizar-se:
150
I – por meio do procedimento previsto na Lei n.º 11.417, de 19 de dezembro de 2006, quando tratar-se de enunciado de súmula vinculante; II – por meio do procedimento previsto no regimento interno do tribunal respectivo, quando tratar-se de enunciado de súmula da jurisprudência dominante; III – incidentalmente, no julgamento de recurso, na remessa necessária ou na causa de competência originária do tribunal, nas demais hipóteses dos incisos II a IV do caput. § 7.º A modificação de entendimento sedimentado poderá fundar-se, entre outras alegações, na revogação ou modificação de norma em que se fundou a tese ou em alteração econômica, política ou social referente à matéria decidida. § 8.º A decisão sobre a modificação de entendimento sedimentado poderá ser precedida de audiências públicas e da participação de pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a rediscussão da tese. § 9.º O órgão jurisdicional que tiver firmado a tese a ser rediscutida será preferencialmente competente para a revisão do precedente formado em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas, ou em julgamento de recursos extraordinários e especiais repetitivos. § 10. Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante, sumulada ou não, ou de precedente, o tribunal poderá modular os efeitos da decisão que supera o entendimento anterior, limitando sua retroatividade ou lhe atribuindo efeitos prospectivos. § 11. A modificação de entendimento sedimentado, sumulado ou não, observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia.
Ao analisar os enunciados supra, percebe-se que a Câmara dos
Deputados expressamente estabeleceu um capítulo sobre precedentes judiciais
no Projeto de Código de Processo Civil com a finalidade de atribuir-lhe eficácia
vinculante. Sobre o dispositivo, o Deputado Sérgio Barradas Carneiro, Relator-
Geral da Comissão Especial destinada a proferir parecer aos projetos que tratam
do Código de Processo Civil, posteriormente substituído pelo Deputado Paulo
Teixeira, destacou em seu relatório-geral: O relatório manteve o sistema, acolhido pelo Projeto aprovado no Senado Federal, de atribuir eficácia vinculante aos precedentes judiciais. Buscou aperfeiçoá-lo, porém. Em primeiro lugar, modificou topologicamente o trato do tema, levando-o para o capítulo que trata da sentença e da coisa julgada, de modo a deixar claro que se trata de atribuir eficácia vinculante aos provimentos judiciais finais. Aperfeiçoou-se a terminologia do projeto, de modo a deixar clara a eficácia vinculante dos precedentes judiciais, regulamentando-se, também, a eficácia das decisões que superam os precedentes
151
vinculantes, de forma a respeitar os princípios da segurança jurídica, confiança e isonomia. Buscou-se, ainda, regular os casos em que a eficácia vinculante não incide, de modo a permitir a correta distinção entre o caso que deu origem ao precedente vinculante e um caso concreto posterior que, por ser diferente daquele, não deva ser julgado da mesma maneira.432
Em razão das inúmeras modificações feitas pela Câmara dos Deputados,
o Projeto de Lei retornou à sua Casa Legislativa de origem. No Senado Federal, o
Senador Vital do Rego, Relator-geral do Projeto de novo Código de Processo
Civil, em seu Parecer 956/2014, aprovado pela Comissão Especial em 27 de
novembro de 2014, do ponto de vista formal, realocou (de volta) a
regulamentação da matéria no Capítulo I, “Disposições Gerais”, do Título I, “Da
ordem dos processos e dos processo de competência originária dos tribunais”, do
Livro III da Parte Especial, “Dos processos nos tribunais e dos meios de
impugnação das decisões judiciais”, sob os seguintes argumentos: É necessário restabelecer, com alguns ajustes de mera redação necessários a garantir coerência ao sistema, o art. 882 do PLS, com o retorno das disposições para o Livro IV, que regula os Processos nos Tribunais (Título I, Capítulo I). Convém, ainda, o aproveitamento da disposição prevista no § 2.º do art. 521 do SCD como § 3.º do art. 882 do PLS, com a emenda de redação indicada. É recomendável, ainda, a manutenção do texto do art. 522 do SCD, substituindo a anterior redação do art. 883 do PLS, com ajuste de redação no seu parágrafo único, para dar elegância ao texto. Como consequência dessas alterações, outros dispositivos do SCD reclamarão reajustes de atualização de suas remissões, para excluir as referências ao anterior regime dos precedentes.433
Por sua vez, sob a ótica substancial da matéria, o Senador Vital do Rêgo
deixou claro que sua intenção era assegurar uma regulamentação de precedentes
no Brasil com a finalidade de garantir maior segurança jurídica ao cidadão: “O
respeito aos precedentes jurisprudenciais é uma das marcas do futuro Código, o
432 BRASIL. Câmara dos Deputados. Comissão especial destinada a proferir parecer ao Projeto de Lei n.º 6.025, de 2005, ao Projeto de Lei n.º 8.046, de 2010, ambos do Senado Federal, e outros, que tratam do “Código de Processo Civil” (revogam a Lei n.º 5.869, de 1973). Relator-geral: Sérgio Barradas Carneiro. Relatório-geral. Brasília: Câmara dos Deputados, 2012. p. 39-40. 433 BRASIL. Senado Federal. Comissão especial destinada ao Projeto de novo Código de Processo Civil. Relator-geral: Senador Vital do Rêgo. Parecer 956, de 2014. Brasília: Senado Federal, 2014. p. 119-120.
152
que reduzirá o grau de imprevisibilidade jurídica que impera sobre os atores da
vida civil”.434
Com a aprovação do Parecer 956/2014 do Senador Vital do Rêgo na
Comissão Especial, no dia 27 de novembro de 2014, e no Plenário do Senado
Federal, no dia 16 de dezembro de 2014, seguido da aprovação do Parecer
1.111/2014, referentes aos destaques, no dia 17 de dezembro de 2014, o art. 927
do Código de Processo Civil instituiu um rol de precedentes vinculantes com a
seguinte redação: Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão: I – as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; II – os enunciados de súmula vinculante; III – os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; IV – os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional; V – a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados. § 1.º Os juízes e os tribunais observarão o disposto no art. 10 e no art. 489, § 1.º, quando decidirem com fundamento neste artigo. § 2.º A alteração de tese jurídica adotada em enunciado de súmula ou em julgamento de casos repetitivos poderá ser precedida de audiências públicas e da participação de pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a rediscussão da tese. § 3.º Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica. § 4.º A modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese adotada em julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia. § 5.º Os tribunais darão publicidade a seus precedentes, organizando-os por questão jurídica decidida e divulgando-os, preferencialmente, na rede mundial de computadores.
434 BRASIL. Senado Federal. Comissão especial destinada ao Projeto de novo Código de Processo Civil. Relator-geral: Senador Vital do Rêgo. Parecer 956, de 2014. Brasília: Senado Federal, 2014. p. 23.
153
Da análise histórica do dispositivo normativo infere-se que a vontade
legislativa foi instituir um rol de precedentes vinculantes no Código de Processo
Civil, com a intenção de reduzir a dispersão jurisprudencial e estabelecer um
norte seguro ao aplicador do direito. Ainda que se discorde do entendimento de
que o dispositivo estabelece um rol de precedentes vinculantes, não se pode
negar que essa foi a vontade do legislador.435
No entanto, esse fator – a vontade do legislador –, por si só, não
estabelece a norma jurídica aplicável. Como demonstrado no presente trabalho, a
norma jurídica é o resultado da interpretação das fontes de direito, em especial da
lei à luz da Constituição, dos princípios, dos direitos fundamentais e do
preenchimento de cláusulas gerais e/ou de conceitos indeterminados à luz do
caso concreto, razão pela qual é importante analisar as correntes interpretativas
do art. 927 do Código de Processo Civil.
3.3.1 Vinculatividade
Ao longo da história do direito processual brasileiro, diversas foram as
tentativas de estabelecer provimentos vinculantes.436 O art. 927 do Código de
Processo Civil, finalmente, institui um rol de precedentes vinculantes. A afirmação,
contudo, não é pacífica. A interpretação do dispositivo tornou-se bastante
polêmica e variada.
435 Ronaldo Cramer, após a análise histórica do dispositivo, chega à mesma conclusão: “Infere-se, do histórico acima, que foi, efetivamente, vontade do legislador prever no art. 927 um rol de precedentes vinculantes. [...] Desta forma, na interpretação do art. 927, não se pode desconhecer que, pela tramitação do Projeto do novo CPC no Congresso, o legislador quis, efetivamente, instituir nesse dispositivo um rol de precedentes vinculantes. Qualquer interpretação do referido artigo que não concorde com esse entendimento tem que enfrentar e superar, a partir de outros argumentos, essa posição” (CRAMER, Ronaldo. Precedentes judiciais: teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 182-183). 436 O tema foi objeto de pesquisa de: SOUZA, Marcus Seixas. Os precedentes na história do direito processual civil brasileiro: colônia e império. 2014. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade Federal da Bahia; DIDIER JR., Fredie; SOUZA, Marcus Seixas. O respeito aos precedentes como diretriz histórica do direito brasileiro. Revista de Processo Comparado, v. 2, p. 99-120, jul.-dez. 2015. Acrescente-se que, no Projeto de Constituição apresentado pelo Instituto dos Advogados Brasileiros em 1946, constava proposta de Haroldo Valadão sobre a vinculatividade de decisões em recurso extraordinário. Em 1963/1964, Haroldo Valadão apresentou o Anteprojeto de Lei Geral de Aplicação das Normas Jurídicas, com a finalidade de atualizar a antiga Lei de Introdução ao Código Civil, também com uma proposta de vinculação de decisões do Supremo Tribunal Federal (STRECK, Lenio Luiz. Súmulas no direito brasileiro: eficácia, poder e função. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995. p. 118-119).
154
Há, ao menos, cinco interpretações diferentes sobre o dispositivo.437
A primeira, como afirmado supra, entende que o art. 927 do Código de
Processo Civil estabelece um rol de precedentes vinculantes, valendo-se,
principalmente, do argumento semântico, posto que o dispositivo prevê que “os
juízes e os tribunais observarão”.438
A segunda corrente sustenta que os precedentes emanam tão somente
dos tribunais superiores e são, sempre, vinculantes. Assevera que não só aqueles
precedentes dos tribunais superiores previstos no rol do art. 927 do Código de
Processo Civil são vinculantes, pois outras decisões tomadas por tribunais
437 CRAMER, Ronaldo. Precedentes judiciais: teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 183. 438 CRAMER, Ronaldo. Precedentes judiciais: teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 188-192; ZANETI JR., Hermes. O valor vinculante dos precedentes. 2. ed. Salvador: Juspodium, 2016. p. 340-357; MACÊDO, Lucas Buril de. Precedentes judiciais e o direito processual civil. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 317; PANUTTO, Peter. Precedentes judiciais vinculantes. Florianópolis: Empório do Direito, 2017. p. 114-125; TEMER, Sofia. Incidente de resolução de demandas repetitivas. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2017. 214-217; MENDES, Aluisio Gonçalves Castro. Incidente de resolução de demandas repetitivas. Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 226; PEIXOTO, Ravi. Superação do precedente e segurança jurídica. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 163-171; DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael de Alexandria. Curso de direito processual civil. 10. ed. Salvador: JusPodivm, 2015. v. 2, p. 461-467; THEODORO JR., Humberto. Curso de direito processual civil. 49. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. v. 3, p. 792-800; DINAMARCO, Cândido Rangel; LOPES, Bruno Vasconcellos Carilho. Teoria geral do novo processo civil. São Paulo: Malheiros, 2016. p. 43-44; THEODORO JR., Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre Melo Franco; PEDRON, Flávio Quinaud. Novo CPC: fundamentos e sistematização. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 355; ARRUDA ALVIM NETTO, José Manuel. Novo contencioso cível no CPC/2015. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. p. 523-524; COSTA, Eduardo José da Fonseca. Comentários ao art. 927. In: CÂMARA, Helder Moroni (Coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. Lisboa/São Paulo: Almedina, 2016. p. 1125-1126; ZANETI JR., Hermes. Comentários ao art. 927. In: CABRAL, Antonio do Passo; CRAMER, Ronaldo (Coord.). Comentários ao novo Código de Processo Civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 1328-1330; AMARAL, Guilherme Rizzo. Comentários às alterações do novo CPC. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016, p. 936-938; OLIVEIRA JR., Zulmar Duarte de; GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, André Vasconcelos. Execução e recursos: comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2017. v. 3, p. 587; GRINOVER, Ada Pellegrini. Jurisprudência e precedente vinculante. Ensaio sobre a processualidade: fundamentos para uma nova teoria geral do processo. Brasília: Gazeta Jurídica, 2016. p. 131-161; MENDES, Aluisio Gonçalves Castro. Precedentes e jurisprudência: papel, fatores e perspectivas no direito brasileiro contemporâneo. In: ______; ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa; MARINONI, Luiz Guilherme (Coord.). Direito jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais 2014. v. 2, p. 35-36. Lenio Luiz Streck e Georges Abboud afirmam que o CPC/2015 não criou um sistema de precedentes, e sim elegeu alguns provimentos judiciais vinculantes ou de jurisprudência dotada de efeito vinculante: STRECK, Lenio Luiz; ABBOUD, Georges. O NCPC e os precedentes – afinal, do que estamos falando? In: DIDIER JR., Fredie et al. (Coord.). Precedentes. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 175-181; STRECK, Lenio Luiz; ABBOUD, Georges. Comentários ao art. 927. In: STRECK, Lenio Luiz; NUNES, Dierle; CUNHA, Leonardo Carneiro da (Org.); FREIRE, Alexandre (Coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 1220-1222; STRECK, Lenio Luiz; ABBOUD, Georges. O que é isto: o precedente judicial e as súmulas vinculantes? Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. 84-100.
155
superiores também o são. Afirma que as hipóteses de vinculação previstas no art.
927 que não são de decisões de tribunais superiores, e sim de jurisprudência
vinculante, mas não de precedentes.439
O terceiro entendimento declara que o art. 927 do Código de Processo
Civil não prevê nenhum precedente vinculante, pois são vinculantes apenas os
precedentes (de obrigatoriedade forte) que podem ser objeto de reclamação.
Nesse sentido, o rol de precedentes vinculantes encontrar-se-ia no art. 988 do
Código de Processo Civil, e não no art. 927, sendo eles: (i) as decisões do
Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; (ii) os
enunciados de súmula vinculante; e (iii) os acórdãos em incidente de assunção de
competência ou em incidente de resolução de demandas repetitivas.440
A quarta corrente interpretativa aduz que o art. 927 do Código de
Processo Civil não atribui eficácia vinculante aos precedentes ali elencados,
estabelecendo apenas um dever jurídico de os magistrados levarem em conta tais
precedentes. Para essa corrente, para que tenha efeito vinculante é necessário
que essa vinculação decorra de outra norma ou de seu próprio regime jurídico,
como são (i) as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado
de constitucionalidade; (ii) os enunciados de súmula vinculante; e (iii) os acórdãos
em incidente de assunção de competência e de recursos repetitivos, porque
439 MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. p. 285-336; MARINONI, Luiz Guilherme. Comentários ao art. 927. In: ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa; TALAMINI, Eduardo; DIDIER JR., Fredie; DANTAS, Bruno (Coord.). Breves comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais 2015. p. 2075-2081; MARINONI, Luiz Guilherme. O STJ enquanto corte de precedentes. São Paulo: Revista dos Tribunais 2013. p. 154-161; MITIDIERO, Daniel. Precedentes: da persuasão à vinculação. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. p. 79 e ss.; MITIDIERO, Daniel. Cortes superiores e cortes supremas: do controle à interpretação, da jurisprudência ao precedente. São Paulo: Revista dos Tribunais 2013. p. 102-127; MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHARevista dos Tribunais Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. t. XV, p. 62-67; MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHARevista dos Tribunais Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais 2015. v. 2, p. 606-613. 440 DANTAS, Bruno; ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Recurso especial, recurso extraordinário e a nova função dos tribunais superiores no direito brasileiro. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2017. p. 275-287; ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais 2015. p. 1315; ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Precedentes. In: ______; WAMBIER, Luiz Rodrigues. Temas essenciais do Novo CPC. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. p. 481-490.
156
existem enunciados, em seu regime jurídico, prevendo eficácia vinculante a
eles.441
Por fim, a quinta interpretação é veemente no sentido de ser
inconstitucional a interpretação do rol do art. 927 do Código de Processo Civil
como de precedentes vinculantes, pois entende que somente a Constituição
poderia estabelecer a eficácia vinculante de decisões judiciais, como é o caso das
decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de
constitucionalidade e dos enunciados de súmula vinculante.442
Mencionadas as correntes interpretativas sobre caráter vinculativo do
dispositivo, parece que a razão está com a primeira corrente, pois o art. 927 do
Código de Processo Civil institui um rol de precedentes vinculantes, não de
precedentes como é no common law, mas de precedentes à brasileira (sem
nenhum caráter pejorativo a essa afirmação).
A segunda corrente não nega a eficácia vinculante do art. 927 do Código
de Processo Civil. Pelo contrário, defende que os precedentes dos tribunais
superiores e a jurisprudência elencados no art. 927 possuem eficácia vinculante.
No entanto, não só. Como, para essa corrente, os precedentes emanam tão
somente dos tribunais superiores e são, sempre, vinculantes, outras decisões de
tribunais superiores também são obrigatórias, o que não afasta a tese aqui
sustentada de que o rol do art. 927 do Código de Processo Civil estabelece uma
vinculação de decisões judiciais.
Com efeito, o fato de afirmar que o rol do art. 927 do Código de Processo
Civil é vinculante não afasta a possibilidade de outros enunciados normativos
também estabelecer eficácia vinculante para outras decisões, como é o caso da
441 CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. São Paulo: Atlas, 2015. p. 434; SÁ, Renato Montans de. Manual de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 937. 442 BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 595-597; Idem. Código de Processo Civil anotado. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 985-986; NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais 2015. p. 1837; CRUZ E TUCCI, José Rogério. Comentários ao art. 927. In: BUENO, Cassio Scarpinella (Coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2017. v. 4, p. 30-45; CRUZ E TUCCI, José Rogério. O regime jurídico do precedente judicial no novo CPC. In: DIDIER JR., Fredie (Coord.). Precedentes. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 454; Araken de Assis, por sua vez, entende ser vinculante o rol do art. 927 do Código de Processo Civil, mas de duvidosa constitucionalidade (ASSIS, Araken de. Processo civil brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais 2015. p. 1105-1106.
157
decisão do Supremo Tribunal Federal que rejeita a existência de repercussão
geral para todos os demais recursos extraordinários com a mesma matéria, nos
termos do art. 1.035, § 8.º, do Código de Processo Civil.443
A terceira corrente defende uma tese bastante interessante, no sentido de
que o que dá força vinculante aos precedentes – ou seja, obrigatoriedade forte – é
a previsão de impugnação direta via reclamação em caso de não observância
pelo juiz ou tribunal. A reclamação tem um importante papel na imposição da
observância dos precedentes, pois constitui um relevante meio de impugnação de
decisão judicial que não o respeita, garantindo maior eficiência à aplicação do
precedente. Contudo, não é ela, a reclamação, que atribui força vinculante. Como
assevera Ronaldo Cramer, “isso não significa que a reclamação seja pressuposto
necessário para a existência da eficácia vinculante do precedente”. 444 A sua
ausência não significa que obrigatoriedade de seguir os precedentes perderia a
eficácia, pois há outros meios processuais para garantir a sua aplicação, como os
recursos e, excepcionalmente, a ação rescisória.
Por outro lado, a quarta corrente advoga a tese de que é o regime jurídico
dos precedentes previstos no art. 927 do Código de Processo Civil (ou seja, outro
enunciado normativo) que estabelece o efeito vinculante, e não o dispositivo por si
só. Essa interpretação retira eficácia normativa do próprio art. 927 ao considerar
apenas vinculante o que estiver estabelecido em outro enunciado normativo. Não
há diferença entre a previsão do art. 927 e as previsões nos textos normativos
contidos nos regimes jurídicos próprios de cada instituto elencado no art. 927.445
Considerar que é um dever dos juízes e dos tribunais observar os precedentes
dispostos no art. 927, mas entender que esse dever não precisa ser seguido,
como se fosse uma mera norma programática (do tipo: siga se quiser), é uma
contradição.
Por fim, a quinta corrente sustenta a inconstitucionalidade do art. 927 do
Código de Processo Civil sob o argumento de que somente a Constituição
443 CRAMER, Ronaldo. Precedentes judiciais: teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 192. 444 CRAMER, Ronaldo. Precedentes judiciais: teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 188. 445 CRAMER, Ronaldo. Precedentes judiciais: teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 188-189.
158
poderia atribuir eficácia vinculante a determinadas decisões judiciais, como ocorre
nas decisões dos processos objetivos de controle concentrado de
constitucionalidade e na súmula vinculante. Em verdade, tais previsões
constitucionais justificam-se, pois as decisões vinculam não só o Poder Judiciário,
mas também o Poder Executivo. Como os Poderes da União são “independentes
e harmônicos entre si”, a vinculação de um Poder em razão de uma decisão de
outro Poder depende de previsão constitucional, em observância ao sistema de
freios e contrapesos. Como os precedentes do art. 927 do Código de Processo
Civil vinculam tão somente os órgãos do próprio Poder Judiciário, não há falar,
data maxima venia, em inconstitucionalidade.446
Assim, refutadas as teses contrárias, permite-se a conclusão de que o art.
927 do Código de Processo Civil institui um rol de precedentes vinculantes.447
Essa foi, claramente, a vontade legislativa ao editar referido enunciado normativo
com, entre outras, a finalidade de concretizar, in concreto, os princípios da
igualdade e da segurança jurídica, em sua vertente da previsibilidade da atuação
estatal. Como leciona Humberto Ávila: “[...] a vinculação aos precedentes judicias
é uma decorrência do próprio princípio da igualdade: onde existirem as mesmas
razões, devem ser proferidas as mesmas decisões”.448
No mais, semanticamente o verbo “observar”, quando se refere a deveres
legais ou morais, tem o sentido de cumprir, obedecer, respeitar, seguir ou praticar
o que está disposto no texto normativo ou no preceito moral, e não só os sentidos
de olhar atentamente, fazer análise minuciosa, prestar atenção à lei e,
posteriormente, desconsiderá-la.449
446 Ada Pellegrini Grinover, ao rebater diversos argumentos que defendem a inconstitucionalidade do efeito vinculante assevera corretamente que não há nenhuma “norma constitucional que, explícita e diretamente, proíba seja atribuído efeito vinculante aos precedentes judiciais” (GRINOVER, Ada Pellegrini. Jurisprudência e precedente vinculante. Ensaio sobre a processualidade: fundamentos para uma nova teoria geral do processo. Brasília: Gazeta Jurídica, 2016. p. 152-155). 447 Nesse sentido, é o Enunciado 170 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “As decisões e precedentes previstos nos incisos do caput do art. 927 são vinculantes aos órgãos jurisdicionais a eles submetidos”. 448 ÁVILA, Humberto. Teoria da segurança jurídica. 3 ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 478. 449 Eis o sentido esclarecido pelo Dicionário Michaelis ao verbete “observar”: “1 Cumprir ou praticar o que é prescrito por alguma lei ou obrigação moral: Todos os motoristas devem observar atentamente as regras de trânsito. 2 Olhar atentamente: ‘Carla nos observou com seu ar curioso e zombeteiro’ (ER). Os bailarinos observavam os movimentos do coreógrafo durante os ensaios. 3 Fitar às ocultas; espreitar: ‘Mas quem observou o que eu fiz às escondidas e com tanto cuidado?’
159
Acrescente-se ainda, como anotado por Ronaldo Cramer, que a retirada
da expressão “em princípio”, que havia sido incluída ao texto normativo pelo
Senado Federal, deixa clara a intenção de atribuir eficácia vinculante aos
precedentes do art. 927 do Código de Processo Civil.450
A aplicação desses precedentes nos casos presentes exige uma atividade
de interpretação das razões de decidir adotadas nos casos que lhes deram
origem na perspectiva das circunstâncias fáticas e do momento histórico. Como
esses precedentes remetem a um evento passado que servirá de guia para o
julgamento de um caso atual, a sua aplicação depende de uma explicação que
estabelece uma conexão entre o evento passado e o caso atual. É preciso
estabelecer uma relação analógica entre o precedente e o caso a ser julgado.451
(JMM); 4 Fazer análise minuciosa: O naturalista observou todas as espécies nativas; 5 Prestar atenção a: ‘Allan apaixonou-se pela cozinha ao observar as memoráveis paellas que sua mãe fazia aos domingos’ (RN). 6 Expressar uma ponderação ou um comentário: Os alunos observaram que queriam mais aulas de informática. A professora observou aos alunos que estudassem mais. 7 Tomar(-se) em consideração: Observou todas as implicações antes de assinar aquele contrato. Observou-se a idade do paciente antes de optarem por não operá-lo. 8 Fazer o acompanhamento da evolução de algo: ‘[…] é na soma de todas as mudanças individuais que podemos observar as mudanças em áreas sociais’ (LZ1). Os economistas observaram o aumento da renda dos trabalhadores das classes C e D. 9 Vigiar-se mutuamente: Os adversários observaram-se antes da luta. ETIMOLOGIA lat observare” (MICHAELIS. Observar. Michaelis: dicionário brasileiro de língua portuguesa. Disponível em: <http://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/observar/>. Acesso em: 13 dez. 2017). Conforme Dicionário Aurélio: 1 – Olhar atentamente para. 2 – Ver; examinar. 3 – Seguir as diversas fases de. 4 – Espiar, espreitar. 5 – Fazer notar. 6 – Ponderar, objetar. 7 – Obedecer a. 8 – Guardar. 9 – Cumprir fielmente. 10 – Ser circunspecto”. (HOLANDA, Aurélio Buarque. Dicionário Aurélio de Português online. Disponível em: <https://dicionariodoaurelio.com/observar>. Acesso em: 13 dez. 2017). Por fim, o Dicionário de sinônimos online: “1 – Reparar com os olhos: perceber, notar, ver, constatar, verificar, reparar, atentar, descobrir. 2 – Examinar com os olhos atentamente: analisar, examinar, estudar, considerar, pesquisar, investigar, especular. 3 – Espiar: espiar, espionar, espreitar, olhar, vigiar. 4 – Contemplar: contemplar, admirar, apreciar, mirar, olhar, fitar. 5 – Assistir: assistir, presenciar, testemunhar. 6 – Chamar a atenção: advertir, prevenir, comentar, avisar, lembrar. 7 – Cumprir as regras: obedecer, cumprir, respeitar, acatar, seguir, aceitar, praticar, guardar. 8 – Ponderar: ponderar, replicar, objetar” (Sinônimos.com.br: Dicionário online de sinônimos. Observar. Disponível em: <https://www.sinonimos.com.br/observar/>. Acesso em: 13 dez. 2017). 450 CRAMER, Ronaldo. Precedentes judiciais: teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 190-191. 451 “A precedent is a past event – in law the event is nearly always a decision – which serves as a guide for present action. Not all past events are precedents. Much of what we did in the past quickly fades into insig- nificance (or is best forgotten) and does not guide future action at all. Understanding precedent therefore requires an explanation of how past events and present actions come to be seen as connected. (…)To follow a precedent is to draw an analogy between one instance and another; indeed, legal reasoning is often described – by common lawyers at least – as analogical or case-by-case reasoning. To follow a precedent is to draw an analogy between one instance and another; indeed, legal reasoning is often described – by common lawyers at least –
160
Eles devem ser objeto de interpretação para confirmação de sua aplicação ao
caso ou para que possa ser feita distinção ou superação de casos.
Ademais, o precedente vincula todos os órgãos do tribunal que o formou e
os juízes hierarquicamente inferiores ao tribunal. Em outras palavras, os
precedentes vinculam de forma horizontal e vertical, até que seja superado.
Portanto, o art. 927 do Código de Processo Civil estabelece precedentes
com eficácia vinculante, que devem ser analisados, interpretados e aplicados
pelos juízes e Tribunais em sintonia com as razões de decidir adotadas nos casos
que lhes deram origem em conformidade com as circunstâncias fáticas e o
momento histórico.
3.4 Espécies de precedentes no Código de Processo Civil de 2015
O Código de Processo Civil de 2015 estabelece em seu art. 927 um rol de
pronunciamentos judiciais, chamados, no presente trabalho, de precedentes.
Trata-se de um sistema de precedentes formados e estruturados a partir de
procedimentos próprios com a finalidade de estabelecer padrões decisórios para
serem aplicados a casos semelhantes, presentes e futuros.
Como afirmado anteriormente, com a devida venia pela repetição, sabe-
se que a denominação é passível de crítica, pois não reflete fielmente o que tem
sido denominado de precedentes no mundo, especialmente nos países de
common law. No entanto, entre os inúmeros apelidos constatados na doutrina e
na jurisprudência – precedentes qualificados, 452 precedentes vinculantes,
precedentes obrigatórios, 453 precedentes judiciais vinculantes, 454 precedentes
as analogical or case-by-case reasoning”. (DUXBURY, Neil. The nature and authority of precedent. Cambrigde: University Press, 2008, p. 1-2). 452 Conforme art. 121-A do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, incluído pela Emenda Regimental n. 24, de 2016; OLIVEIRA JR., Zulmar Duarte de; GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, André Vasconcelos. Execução e recursos: Comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2017, v. 3, p. 587. 453 MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. MARINONI, Luiz Guilherme. Comentários ao art. 927. In: ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa; TALAMINI, Eduardo; DIDIER JR., Fredie; DANTAS, Bruno (Coord.). Breves comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 2075-2081; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, t. XV, p. 62-67. 454 PANUTTO, Peter. Precedentes judiciais vinculantes. Florianópolis: Empório do Direito, 2017.
161
judiciais formalmente vinculantes, 455 precedentes judiciais vinculantes à
brasileira, 456 precedentes à brasileira, 457 indexadores jurisprudenciais, 458
pronunciamentos judiciais vinculantes, padrões decisórios459 etc. –, optou-se por
essa nomenclatura pura e simples – precedentes – sem nenhuma adjetivação,
mas destacado em itálico, como forma indireta de chamar a atenção para o fato
de que não se trata fielmente daquilo que em outros países é denominado de
precedentes.
3.4.1 Decisão em controle concentrado de constitucionalidade
O § 2.º do art. 102 da Constituição de 1988, o parágrafo único do art. 28
da Lei 9.868/1999 e o § 2.º do art. 10 da Lei 9.882/1999 estabelecem que as
decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal nos processos objetivos e
abstratos de controle de constitucionalidade – ação direta de inconstitucionalidade
(ADIn), ação declaratória de inconstitucionalidade (ADC) e arguição de
descumprimento de preceito fundamental (ADPF) – têm eficácia contra todos
(erga omnes) e vinculante relativamente a todos os órgãos do Poder Judiciário e
do Poder Executivo.460
455 ZANATTI JR., Hermes. O valor vinculante dos precedentes. Salvador: Juspodivm, 2016. 456 ZUFELATO, Camilo. Precedentes judiciais vinculantes à brasileira no novo CPC: aspectos gerais. O novo Código de Processo Civil – questões controvertidas. São Paulo: Atlas, 2015, p. 89-112. 457 DANTAS, Bruno; ARRUDA ALVIM, Teresa. Recurso especial, recurso extraordinário e a nova função dos tribunais superiores no direito brasileiro. 4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 275-287; ROSSI, Julio Cesar. Precedente à brasileira: a jurisprudência vinculante no CPC e no novo CPC. São Paulo: Atlas, 2015. 458 SCARPINELLA BUENO, Cassio. Amicus curiae no IRDR, no RE e RESP repetitivos: Suite em homenagem à Professor Teresa Arruda Alvim. In: São Paulo: DANTAS, Bruno; SCARPINELLA BUENO, Cassio; CAHALI, Claudia Schwerz; NOLASCO, Rita Dias. Questões relevantes sobre recursos, ações de impugnação e mecanismos de uniformização da jurisprudência. Revista dos Tribunais, 2017, p. 435-458. 459 CÂMARA, Alexandre Freitas. Levando os padrões decisórios a sério. São Paulo: Atlas, 2017. 460 O Poder Legislativo não consta no § 2.º do art. 102 da Constituição de 1988 como destinatário do efeito vinculante da decisão constitucional. Diferentemente dos demais Poderes, o Poder Legislativo não se vincula à decisão do Supremo Tribunal Federal em sede de controle de constitucionalidade concentrado de lei ou de ato normativo. Neste sentido: MENDES, Gilmar Ferreira; STRECK, Lenio Luiz. Comentários ao § 2.º do art. 102. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz (Coord.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo/Lisboa: Saraiva/Almedina, 2013. p. 1399-1400; ABBOUD, Georges. Processo constitucional brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. p. 257-258.
162
O controle concentrado de constitucionalidade de lei ou de ato normativo
constitui um importante mecanismo na manutenção da higidez constitucional e
tem por finalidade retirar do ordenamento jurídico a lei ou o ato normativo tido
abstratamente por inconstitucional.
O efeito vinculante diz respeito à coisa julgada material consubstanciada
no dispositivo da sentença constitucional proferida em processo objetivo de
controle de constitucionalidade, e não aos seus motivos determinantes.461
Ao analisarem o art. 927 do Código de Processo Civil, Fredie Didier Jr.,
Paula Sarno Braga, Rafael Alexandria de Oliveira, 462 Hermes Zaneti Jr. 463 e
Ronaldo Cramer464 sustentam que a eficácia vinculante estabelecida nos § 2.º do
art. 102 da Constituição de 1988, parágrafo único do art. 28 da Lei 9.868/1999 e §
2.º do art. 10 da Lei 9.882/1999 é diferente da eficácia vinculante do precedente
estabelecida no art. 927 do Código de Processo Civil. Para justificar a distinção,
aduzem que a eficácia vinculante dos dispositivos diz respeito à coisa julgada
decorrente do dispositivo da decisão de controle concentrado de
constitucionalidade, enquanto a eficácia vinculante de precedente do art. 927
vincula os órgãos do Poder Judiciário (inclusive o próprio Supremo Tribunal
Federal) às razões de decidir (ratio decidendi) da mesma decisão. Por fim,
asseveram que não faria sentido a previsão se não fosse para ter essa
interpretação.465
461 Por todos: ABBOUD, Georges. Processo constitucional brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. p. 243. 462 DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito processual civil. 10. ed. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 463-464. 463 ZANETI JR., Hermes. Comentários ao art. 927. In: CABRAL, Antonio do Passo; CRAMER, Ronaldo (Coord.). Comentários ao novo Código de Processo Civil. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 1328. 464 CRAMER, Ronaldo. Precedentes judiciais: teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 192-194. 465 Apresentam os seguintes exemplos: “Tome-se o seguinte exemplo: o Supremo declara inconstitucional uma lei municipal. Por força da eficácia vinculante da decisão de controle concentrado, o dispositivo dessa sentença (a declaração de inconstitucionalidade de lei municipal) vincula todos os órgãos do Judiciário e da Administração Pública direta e indireta, impedindo-os de invocar essa lei em qualquer decisão ou ato. Por força da eficácia de precedente vinculante, as razões necessárias e suficientes para a declaração de inconstitucionalidade (a matéria não é competência legislativa do município) vinculam todos os órgãos judiciais, para conformar qualquer decisão judicial posterior a esse entendimento. Assim, se for promulgada outra lei municipal com a mesma matéria da lei julgada inconstitucional, todos os órgãos judiciais deverão declará-la inconstitucional incidentalmente nos processos em que se cogitar da sua aplicação” (CRAMER, Ronaldo. Precedentes judiciais: teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 193). “Observe-se esse exemplo: no julgamento de uma ADI, o STF entende que uma lei estadual (n. 1000/2007,
163
Não há como concordar com tal entendimento. Se o que vincula do
precedente é ratio decidendi, extraível ou estabelecida a partir da identificação
dos fundamentos determinantes da decisão compreendidos à luz das
circunstâncias fáticas da causa, como podem as razões de decidir (ratio
decidendi) da decisão ter eficácia vinculante se não há circunstâncias fáticas em
processos de controle concentrado de constitucionalidade?
O art. 927, I, do Código de Processo Civil não criou nada novo, ele
apenas reforçou a eficácia vinculante da decisão proferida pelo Supremo Tribunal
Federal em processos objetivos e abstratos de controle de constitucionalidade
previstos anteriormente no § 2.º do art. 102 da Constituição de 1988, no parágrafo
único do art. 28 da Lei 9.868/1999 e no § 2.º do art. 10 da Lei 9.882/1999.
Não há falar em vinculação dos motivos determinantes da decisão
constitucional em controle concentrado de constitucionalidade. A tese,
corretamente, foi refutada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da
Reclamação 3.014 (“o acolhimento do pedido [...] demandaria a atribuição de
efeitos irradiantes aos motivos determinantes da decisão tomada no controle
abstrato de normas. Tese rejeitada pela maioria do Tribunal” 466 ) e tem sido
p. ex.) é inconstitucional por invasão material de competência da lei federal. A coisa julgada vincula todos à seguinte decisão: a Lei estadual n. 1.000/2007 é inconstitucional; a eficácia do precedente recai sobre a seguinte ratio decidendi: ‘lei estadual não pode versar sobre determinada matéria, que é de competência de lei federal’. Se for editada outra lei estadual, em outro Estado, haverá necessidade de propor nova ADI, sobre a nova lei, cuja decisão certamente será baseada no precedente anterior; arguida a sua inconstitucionalidade em se de controle difuso, deverá ser observado esse precedente prévio e obrigatório do STF sobre a matéria” (DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito processual civil. 10. ed. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 464). CRAMER, Ronaldo. Precedentes judiciais: teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 192-194; DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito processual civil. 10. ed. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 463-464; ZANETI JR., Hermes. Comentários ao art. 927. In: CABRAL, Antonio do Passo; CRAMER, Ronaldo (Coord.). Comentários ao novo Código de Processo Civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. 1.328; 466 Eis o inteiro teor da ementa: “Reclamação constitucional. Alegado desrespeito ao acórdão da Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.868. Inexistência. Lei 4.233/02, do município de Indaiatuba/SP, que fixou, como de pequeno valor, as condenações à Fazenda Pública municipal até R$ 3.000,00 (três mil reais). Falta de identidade entre a decisão reclamada e o acórdão paradigmático. 1. O Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI 2.868, examinou a validade constitucional da Lei piauiense 5.250/02. Diploma legislativo que fixa, no âmbito da Fazenda estadual, o quantum da obrigação de pequeno valor. Por se tratar, no caso, de lei do Município de Indaiatuba/SP, o acolhimento do pedido da reclamação demandaria a atribuição de efeitos irradiantes aos motivos determinantes da decisão tomada no controle abstrato de normas. Tese rejeitada pela maioria do Tribunal. 2. Inexistência de identidade entre a decisão reclamada e o acórdão paradigmático. Enquanto aquela reconheceu a inconstitucionalidade da Lei municipal 4.233/02 ‘por ausência de vinculação da quantia considerada como de pequeno valor a um
164
reiterada em julgados posteriores, como é o caso da Reclamação 27.702 (“O
Plenário desta Corte manifestou-se contrariamente à chamada “transcendência”
ou ‘efeitos irradiantes’ dos motivos determinantes das decisões proferidas em
sede de controle abstrato de normas”467).
Sob a ótica do art. 927 do Código de Processo Civil, Lenio Luiz Streck e
Georges Abboud são precisos nesse sentido: Para assegurarmos uma aplicação do art. 927 em conformidade com a Constituição é importante salientar que não se pode admitir que o CPC tenha acolhido a vinculação dos motivos determinantes da sentença constitucional. A parte dispositiva da decisão é o comando final da sentença que acolhe ou rejeita a pretensão de direito material do autor. A fundamentação consiste nas razões fático-jurídicas que conduziram para o desfecho da demanda. [...] atribuir efeito vinculante aos motivos determinantes da sentença constitucional pode acarretar um entrave à evolução constitucional.468
Portanto, o efeito vinculante da decisão proferida em processo objetivo de
controle de constitucionalidade diz respeito ao dispositivo e à coisa julgada
material, e não aos motivos determinantes.
determinado número de salários mínimos, como fizera a norma constitucional provisória (art. 87 do ADCT)’, este se limitou ‘a proclamar a possibilidade de que o valor estabelecido na norma estadual fosse inferior ao parâmetro constitucional’. 3. Reclamação julgada improcedente” (STF, Tribunal Pleno, Rcl 3014, Rel. Min. Ayres Britto, j. 10.03.2010, DJe 21.05.2010). 467 Eis o inteiro teor da ementa: “Agravo regimental. Utilização da via reclamatória como sucedâneo recursal. Inadmissibilidade. Falta de identidade entre a decisão paradigma e a decisão reclamada. Alteração legislativa. Teoria dos motivos determinantes. Inaplicabilidade pelo STF. Agravo regimental a que se nega provimento. I – A reclamação não é sucedâneo ou substitutivo de recurso próprio para conferir eficácia à jurisdição invocada nos autos de recursos interpostos da decisão de mérito e da decisão em execução provisória. II – É inadmissível a reclamação quando a decisão adotada como paradigma violado não encaixa-se perfeitamente à hipótese dos autos. III – O Plenário desta Corte manifestou-se contrariamente à chamada ‘transcendência’ ou “efeitos irradiantes” dos motivos determinantes das decisões proferidas em sede de controle abstrato de normas. Precedentes. III – Agravo regimental a que se nega provimento” (STF, 2.ª Turma, Rcl 27702 AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 06.10.2017, DJe 19.10.2017). 468 STRECK, Lenio Luiz; ABBOUD, Georges. Comentários ao art. 927. In: STRECK, Lenio Luiz; NUNES, Dierle; CUNHA, Leonardo Carneiro da (Org.); FREIRE, Alexandre (Coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 1240-1241. Em outro livro Georges Abboud aduz: “[...] concluímos ser errôneo admitir que o efeito vinculante alcançasse os motivos determinantes da decisão, uma vez que essa ampliação acaba por atribuir poderes demasiados ao STF, o que pode acarretar o engessamento do sistema constitucional e na usurpação de competência de outros tribunais, principalmente o STJ. Outrossim, a ampliação do efeito vinculante para os motivos determinantes da sentença é uma tese que, progressivamente, tem se tornado obsoleta na própria Alemanha, país que lhe deu origem” (ABBOUD, Georges. Processo constitucional brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. p. 273).
165
3.4.2 Enunciado de súmula vinculante
A Emenda Constitucional 45/2004 estabeleceu a possibilidade de o
Supremo Tribunal Federal editar, revisar e cancelar enunciado de súmula
vinculante, com a finalidade de vincular tanto os órgãos do Poder Judiciário
quanto os órgãos do Poder Executivo, estipulando um procedimento jurisdicional
constitucionalmente diferenciado. 469 Com efeito, o art. 103-A, caput, da
Constituição Federal dispõe que: O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.
Como se vê, o dispositivo estabelece que o enunciado de súmula
vinculante vinculará os órgãos judiciários e a Administração Pública, de forma
constitucionalmente expressa,470 sem invasão de competência normativa.471 O
art. 2.º da a Lei 11.417/2006, que disciplina a edição, a revisão e o cancelamento
469 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: Recursos. Processos e incidentes nos tribunais. Sucedâneos recursais: técnicas de controle das decisões jurisdicionais. São Paulo: Saraiva, 2008. v. 5, p. 373. 470 O tema, sem pretensão de exaurir bibliografia, é objeto de análise por diversos autores em obras específicas: CORTES, Osmar Mendes Paixão. Súmula vinculante e segurança jurídica. São Paulo: Revista dos Tribunais 2008; LEITE, Glauco Salomão. Súmula vinculante e jurisdição constitucional brasileira. Rio de Janeiro: Forense, 2007; LOR, Encarnacion Alfonso. Súmula vinculante e repercussão geral: novos institutos de direito processual constitucional; São Paulo: Revista dos Tribunais 2009; MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência jurisprudencial e súmula vinculante. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2010; MATTOS, Luiz Norton Baptista. “Súmula” vinculante. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010; Paulo: Revista dos Tribunais 2010; MEURER JUNIOR, Ezair. Súmula vinculante no CPC/2015. Florianópolis: Empório do Direito, 2016; NUNES, Jorge Amaury Maia. Segurança jurídica e súmula vinculante. São Paulo: Saraiva, 2010; REIS, Palhares Moreira. A súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal. Brasília: Consulex, 2008. SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do precedente judicial à súmula vinculante. Curitiba: Juruá, 2006. 471 Sérgio Seiji Shimura é preciso neste sentido: “Não está havendo invasão de competência normativa, muito menos um cerceamento da convicção do juiz. É do sistema processual e constitucional que, em determinada hipótese concreta, o juiz de hierarquia jurisdicional inferior tenha que obedecer ao decidido pela Corte Superior, pelas vias recursais normais; com maior razão de o caso sub judice se enquadrar no mesmo paradigma já traçado pela mais alta Corte, decorrente da interpretação de casos idênticos” (SHIMURA, Sergio Seiji. Súmula vinculante. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). A reforma do Judiciário. São Paulo: Revista dos Tribunais 2005. p. 763).
166
de enunciado de súmula vinculante pelo Supremo Tribunal Federal, também
prevê, como não poderia ser diferente, expressamente o efeito vinculante.
Antes da entrada em vigor, parcela da doutrina entendia que apenas o
enunciado da súmula vinculante que vincularia os seus destinatários, não as
razões de decidir. 472 Por outro lado, havia o entendimento de que o efeito
vinculativo abrangia também os motivos determinantes da decisão.473
Ao prever que os juízes e Tribunais deverão observá-la, o Código de
Processo Civil reitera a eficácia obrigatória da súmula vinculante. A interpretação
e a aplicação dos enunciados de súmula vinculante não devem ser feitas apenas
em razão de seu texto, mas também em atenção às circunstâncias fáticas e aos
fundamentos determinantes dos precedentes que deram origem à sua formação
(art. 927, II, c/c o art. 926, § 2.º).474-475 Não há razão para a não aplicação dessa
regra propedêutica.476
Soma-se a isso o fato de esse que se afigura um dos motivos pelo qual o
art. 103-A, caput, da Constituição exige como requisito para a criação de um
enunciado de súmula vinculante que ocorra “após reiteradas decisões sobre
matéria constitucional”, como meio de viabilizar a análise dos fatos e dos
fundamentos dos precedentes que motivaram à sua edição.
472 Era a posição de Jorge Amauri Maia Nunes: “Implica dizer, as questões que conduzem o Supremo Tribunal Federal a decidir sobre a validade ou invalidade da norma, sobre sua eficácia ou ineficácia, ou sobre sua interpretação num ou noutro sentido, não fazem parte do procedimento de edição da súmula. Não há falar, por isso, em preocupação quanto aos limites objetivos do efeito vinculante da súmula. Não se discute aqui sobre obter dicta ou sobre ratio decidendi. Há somente o enunciado da súmula. Bem a propósito o § 4.º do art. 2.º da lei de regência dispõe que no prazo de dez dias após a sessão em que editar, rever ou cancelar enunciado de súmula com efeito vinculante, o Supremo Tribunal Federal fará publicar, em seção especial do Diário da Justiça e do Diário Oficial da União, o enunciado respectivo. É isso que vai vincular os destinatários. É disso que os destinatários terão conhecimento e a respeito de que não poderão alegar ignorância” (NUNES, Jorge Amaury Maia. Segurança jurídica e súmula vinculante. São Paulo: Saraiva: 2010. p. 146). 473 Entre outros, era a posição de Rodolfo de Camargo Mancuso: “Esse efeito vinculativo, a nosso ver, abrange os motivos determinantes, pressupostos no enunciado e subjacentes a este, à semelhança da ratio decidendi dos binding precedents, na experiência dos países de commom law” (MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência jurisprudencial e súmula vinculante. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2010. p.404). 474 Esse ponto foi objeto de ampla análise em item anterior destinado aos enunciados de súmula. 475 CRAMER, Ronaldo. Precedentes judiciais: teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 195. O autor entende que a inclusão do dispositivo no rol do art. 927 do Código de Processo Civil significa que são vinculantes os precedentes originários da súmula vinculante (Idem, p. 194). 476 OLIVEIRA JR., Zulmar Duarte de; GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, André Vasconcelos. Execução e recursos: comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2017. v. 3, p. 583.
167
3.4.3 Tese jurídica fixada em julgamento de recursos repetitivos
A Lei 11.672/2008 acrescentou o art. 543-C ao Código de Processo Civil
de 1973 e instituiu a técnica de julgamento dos recursos especiais repetitivos,477
por julgamento “por amostragem”. 478 O Código de Processo Civil de 2015
estendeu a técnica aplicável aos recursos especiais também para o julgamento
dos recursos extraordinários (não apenas para a aferição da repercussão geral),
conforme previsto nos arts. 1.036 ao 1.041.
Conforme dispõe o caput do art. 1.036 do Código de Processo Civil,
“sempre que houver multiplicidade de recursos extraordinários ou especiais com
fundamento em idêntica questão de direito, haverá afetação para julgamento de
acordo” com a técnica de julgamento de recursos repetitivos, com a finalidade de
uniformizar a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal
de Justiça sobre a questão de direito e de fixar teses jurídicas para serem
aplicadas aos casos semelhantes, presentes ou futuros.
As decisões proferidas em sede de julgamento de recursos especiais ou
de recursos extraordinários paradigmas submetidos à técnica de julgamento de
recursos repetitivos são consideradas precedentes a serem observados pelos
juízes e pelos tribunais em casos presentes e futuros, devendo ser levada em
consideração a similitude de circunstâncias fáticas para aplicação da mesma tese
jurídica. Em outras palavras, devem ser interpretados e aplicados a partir das
circunstâncias fáticas ocorridas nos precedentes que deram origem às decisões
proferidas em sede de julgamento de recursos especiais ou recursos
extraordinários repetitivos.
Aos casos presentes os art. 1.039, 1.040 e 1.041 do Código de Processo
Civil estabelecem diversas consequências decorrentes da fixação de tese via 477 SANTOS, Welder Queiroz dos. A técnica de julgamento dos recursos especiais repetitivos. In: LAMY, Eduardo; ABREU, Pedro Manoel; OLIVEIRA, Pedro Miranda de (Org.). Processo civil em movimento: diretrizes para o novo CPC. Florianópolis: Conceito Editorial, 2012. p. 1078-1118. 478 A expressão “por amostragem” é de José Carlos Barbosa Moreira e foi utilizada, apropriadamente, ao referir às normas aplicáveis à técnica de aferição de repercussão geral das questões constitucionais dos recursos extraordinários repetitivos no âmbito do Supremo Tribunal Federal (BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Súmula, jurisprudência, precedente: uma escala e seus riscos. Revista Dialética de Direito Processual, São Paulo: Dialética, n. 27, p. 49-58, jun. 2005).
168
julgamento dos recursos representativos da controvérsia submetidos à técnica
dos repetitivos.
No âmbito do tribunal superior que fixou a tese jurídica, os demais órgãos
colegiados declararão prejudicados os demais recursos que versem sobre
idêntica controvérsia ou aplicarão a tese firmada.
Nos tribunais locais (Tribunais de Justiça ou Tribunais Regionais
Federais), o presidente ou o vice-presidente negará seguimento aos recursos
especiais ou extraordinários suspensos, se o acórdão recorrido coincidir com a
orientação do tribunal superior, ou encaminhará os autos para o órgão que
proferiu o acórdão recorrido, para rejulgamento do caso anteriormente julgado
(um novo julgamento do que já foi julgado), se o acórdão recorrido for em sentido
contrário à tese fixada pelo tribunal superior.479
No tocante aos processos suspensos em primeiro e em segundo grau,
eles retomarão o seu curso para aplicação da tese firmada pelo tribunal superior.
Como em seu regime jurídico previsto nos arts. 1.036 a 1.041 do Código
de Processo Civil há previsão de vinculação apenas para os casos presentes
cujos processos foram suspensos para aguardar a formação da tese jurídica, a
previsão no rol do art. 927, III, deixa clara a vinculação dos juízes e dos tribunais
na aplicação da tese jurídica fixada em sede de julgamento de recursos
repetitivos aos casos futuros.480
3.4.4 Tese jurídica fixada em incidente de resolução de demandas repetitivas
O art. 927, III, do Código de Processo Civil prevê também que as
decisões tomadas pelos Tribunais em sede de julgamento de Incidente de
479 Cassio Scarpinella Bueno entende que a sistemática prevista nos incisos I e II do art. 1.040 do Código de Processo Civil é inconstitucional, sugerindo a reflexão a respeito da alteração dos incisos III dos arts. 102 e 105 da Constituição para permitir uma cooperação dos tribunais locais em caso de recursos repetitivos (BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 731). 480 “Compreendidas como precedentes, essas decisões terão efeito vinculante a partir de sua ratio decidendi. [...]. as decisões nesses incidentes são vinculantes para os processos em curso. Com exceção do IRDR [...] não há previsão [...] de eficácia vinculante para os casos futuros. A inclusão dessas decisões no rol do art. 927 do NCPC transforma-as em precedentes vinculantes para os casos presentes e também para os futuros” (CRAMER, Ronaldo. Precedentes judiciais: teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 195-196).
169
Resolução de Demandas Repetitivas 481 constituem precedentes e devem ser
observadas pelos juízes e pelo próprio tribunal que firmar a tese jurídica.
A sua criação constitui uma das grandes inovações instituídas pelo
Código de Processo Civil, como destacado desde o Anteprojeto elaborado pela
Comissão de Juristas nomeados pelo Senado Federal, embora o seu regime
jurídico tenha sido objeto de modificações durante o processo legislativo.
Trata-se de um incidente processual sui generis,482 regulamentado pelos
arts. 976 a 987 do Código de Processo Civil, que se destina a fixar uma tese
jurídica com efeito vinculante aos casos semelhantes, presentes e futuros, em
relação a determinado contexto fático, a partir da apreciação de controvérsia
envolvendo mesma questão unicamente de direito, com efetiva repetição de
processos e risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica, decorrente, por
exemplo, de dispersão jurisprudencial, cujo teor da tese (leia-se, as razões de
decidir em conformidade com as circunstâncias fáticas) deverá ser observado
pelos demais juízes e órgãos fracionários situados no âmbito da competência do
tribunal.
O Ministro Luiz Fux, que presidiu a Comissão de Juristas responsável
pela elaboração do Anteprojeto, explica que: [...] o incidente criado pelo anteprojeto permite a seleção de causas-piloto [...] as quais, uma vez julgadas, servem de paradigma obrigatório para as inúmeras ações em curso na mesma base territorial da competência do tribunal local encarregado de admitir o incidente.
Se a decisão for adotada pelos Tribunais Superiores, impõe-se “a adoção
da tese jurídica por todos os juízos e tribunais do país, evitando decisões
481 Sobre o tema: TEMER, Sofia. Incidente de resolução de demandas repetitivas. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2017; MENDES, Aloísio Gonçalves de Castro. Incidente de resolução de demandas repetitivas. Rio de Janeiro: Forense, 2018; MARINONI, Luiz Guilherme. Incidente de resolução de demandas repetitivas. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016; MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Incidente de resolução de demandas repetitivas. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016; CAVALCANTI, Marcos de Araújo. Incidente de resolução de demandas repetitivas. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. 482 DANTAS, Bruno; ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Recurso especial, recurso extraordinário e a nova função dos tribunais superiores no direito brasileiro. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2017. p. 541.
170
contraditórias sobre a mesma questão jurídica, mercê de consagrar com largo
espectro a isonomia judicial”.483
Teresa Arruda Alvim destaca que “O Código de Processo Civil de 2015
sistematizou funcionalmente o tratamento de casos idênticos, com vistas ao
julgamento conjunto da questão de direito que lhes sejam comum”. A intenção do
incidente é preservar o princípio constitucional da isonomia ao garantir igualdade
de solução jurídica para os jurisdicionados que se encontrem na mesma situação
fática (“tutela isonômica e efetiva dos direitos individuais homogêneos”).484
O incidente pode ser instaurado a pedido do juiz de primeiro grau ou do
relator no âmbito dos tribunais, pelas partes, pelo Ministério Público e pela
Defensoria Pública, em sede de processo em primeiro grau, de recurso, de
remessa necessária ou de processo de competência originária dos Tribunais, e o
seu julgamento será feito pelo órgão colegiado indicado pelo regimento interno do
tribunal, devendo ser ele responsável pela uniformização de jurisprudência.
O órgão responsável pelo julgamento do incidente de resolução de
demandas repetitivas fixará a tese jurídica a ser aplicável aos demais casos
(circunstâncias fáticas), presentes e futuros, que versarem sobre a mesma
questão jurídica, tendo em vista que os critérios empregados para a solução da
questão deverão ser transformados em regra geral para semelhantes situações
fáticas.
A causa submetida ao órgão responsável pelo julgamento do incidente
também será julgada?
O parágrafo único do art. 978 do Código de Processo Civil prevê que “O
órgão colegiado incumbido de julgar o incidente e de fixar a tese jurídica julgará
igualmente o recurso, a remessa necessária ou o processo de competência
originária de onde se originou o incidente”.
A simples leitura do dispositivo leva à conclusão de que o incidente de
resolução de demandas repetitivas também julga a causa e não apenas fixa a
483 FUX, Luiz. O novo processo civil. In: ______ (Coord.). O novo processo civil brasileiro (direito em expectativa): reflexões acerca do Projeto do novo Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 23-24. 484 DANTAS, Bruno; ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Recurso especial, recurso extraordinário e a nova função dos tribunais superiores no direito brasileiro. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2017. p. 539.
171
tese. A redação do dispositivo, em sua interpretação isolada (diria Eros Grau,
“não se interpreta o direito em tiras”),485 leva a crer que, de fato, o órgão do
tribunal julgará o incidente e também a causa.486
O entendimento, data venia, não parece acertado. O parágrafo único do
art. 978 do Código de Processo Civil é formalmente inconstitucional, pois não foi
aprovado nem no Senado Federal em sua 1.ª tramitação em 2010 nem na
Câmara dos Deputados. O dispositivo simplesmente “surgiu” quando o projeto de
lei retornou ao Senado Federal para apreciação das alterações feitas pela
Câmara dos Deputados no tocante ao projeto aprovado anteriormente pelo
Senado, não para alteração ou inovação.487
485 GRAU, Eros. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. XVIII. 486 Esse é o entendimento de Alexandre Freitas Câmara, nos termos: “Este órgão colegiado, competente para fixar o padrão decisório através do IRDR, não se limitará a estabelecer a tese. A ele competirá, também, julgar o caso concreto (recurso, remessa necessária ou processo de competência originária do tribunal), nos termos do art. 978, parágrafo único” (CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2017. p. 475). Era também o pensamento de Antonio do Passo Cabral externado na 1.a edição dos Comentários ao novo Código de Processo Civil: “[...] após a inserção pelo Senado Federal do art. 978, parágrafo único, o incidente de resolução de demandas repetitivas será, via de regra, uma causa-piloto. O novo CPC é claro em afirmar que o tribunal, ao julgar o incidente, decidirá também o processo originário (recurso, remessa necessária ou causa de competência originária) [...] A opção pelo parâmetro do processo-teste ou causa-piloto, fazendo com que o tribunal julgue o caso, faz com que a cognição no IRDR seja empreendida à luz de direitos subjetivos concretos, postulados pelas partes em juízo” (CABRAL, Antonio do Passo. Comentários ao art. 978. In: ______; CRAMER, Ronaldo (Coord.). Comentários ao novo Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 1418.). 487 Nesse sentido, Cassio Scarpinella Bueno, que desde a tramitação do projeto tem chamado a atenção da doutrina e da sociedade a respeitos dos limites constitucionais para a atuação (e alteração) do Legislativo, é expresso: “O que ocorre, no entanto, é que o parágrafo único do art. 978, ao fazer escolha expressa sobre a controvérsia – e não há razão para colocar em dúvida as boas razões que a justificaram – violou o devido processo legislativo. Trata-se de regra que, por não ter correspondência com o Projeto aprovado pelo Senado Federal nem com o Projeto aprovado pela Câmara dos Deputados, viola o parágrafo único do art. 65 da CF. Deve, consequentemente, ser considerado inconstitucional formalmente” (BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 645-646; BUENO, Cassio Scarpinella. Código de Processo Civil anotado. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 1069-1070). Antonio do Passo Cabral, por sua vez, alterou seu entendimento na 2.a edição dos Comentários ao novo Código de Processo Civil: “2. Inconstitucionalidade formal do dispositivo do parágrafo único do art. 978. O parágrafo único do art. 978, com todas as vênias, corresponde a um grande equívoco do processo legislativo. É que esse dispositivo foi incluído no novo CPC quando o projeto retornou ao Senado Federal no final de 2014. A norma não constava do projeto aprovado no Senado em 2010, tampouco na versão aprovada na Câmara dos Deputados em 2014. Nessas condições, o parágrafo único do art. 978 só poderia ser compreendido como constitucional se se tratasse das chamadas ‘emendas de redação’, i.e., mudanças estilísticas com finalidade de aperfeiçoamento gramatical e sintático, mas sem alteração de conteúdo. Não é o caso. Até a aprovação do projeto na Câmara dos Deputados, o projeto desenhava o IRDR de maneira que o órgão julgador só decidisse a questão comum (procedimento-modelo). Só havia referência (art. 988, § 2.º, do Projeto da Câmara) à necessidade de que a causa estivesse pendente no tribunal
172
Portanto, o julgamento do incidente de resolução de demandas repetitivas
apenas fixa a tese sobre a questão unicamente de direito, sem adentrar na
apreciação do conflito. Há um fracionamento, em termos práticos, na cognição e
no julgamento da causa, pois compete ao tribunal a fixação da tese jurídica a ser
aplicada em determinada controvérsia a respeito de uma determinada
circunstância fática, sem julgar a demanda que deu origem à instauração do
incidente e ao juízo originário a sua aplicação no caso concreto.488
(para evitar, como vimos, o incidente de natureza preventiva). Tanto no texto primitivo do Senado (art. 938 do Projeto de Lei do Senado 166/2010) quanto naquele aprovado na Câmara dos Deputados (art. 995 do Substitutivo 8.046/2010), os projetos diziam que o tribunal julgador do IRDR apreciaria a questão comum, mas não o caso concreto. A partir da inserção do parágrafo único ao art. 978, o órgão julgador do IRDR passou a julgar simultaneamente a tese jurídica e o recurso, remessa necessária ou a causa de competência originária (causa-piloto). Então, em nosso sentir, a disposição altera substancialmente o conteúdo, mudando a espécie e a técnica de solução de casos repetitivos, e assim não poderia ter sido inserida no momento em que, retornando o projeto da Câmara dos Deputados, cabia ao Senado Federal tão somente suprimir o instituto ou optar por uma das redações já aprovadas (ou a anterior do próprio Senado; ou aquela da Câmara). Naquele estágio, o Senado Federal não podia inovar. Tendo-o feito, violou o devido processo legislativo, causando inconstitucionalidade formal do dispositivo do parágrafo único do art. 978. Aliás, cabe frisar que cada vez mais têm sido frequentes essas inserções de dispositivos que evidentemente mudam o conteúdo das normas sob o rótulo de ‘emendas de redação’. Trata-se de clara burla ao processo legislativo, uma prática que tem que ser veementemente barrada pelo Supremo Tribunal Federal antes que se torne corriqueira em nossa praxis legiferante” (CABRAL, Antonio do Passo. Comentários ao art. 978. In: ______; CRAMER, Ronaldo (Coord.). Comentários ao novo Código de Processo Civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 1447. Destaques no original). 488 Cassio Scarpinella Bueno: “a aplicação da tese jurídica deve ser feita pelos juízos de origem, perante os quais tramitam os ‘casos repetitivos’ que ensejaram a instauração do Incidente” (BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 645-646; BUENO, Cassio Scarpinella. Código de Processo Civil anotado. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 1069-1070). São as lições de Teresa Arruda Alvim e de Bruno Dantas: “Em termos práticos, o IRDR funciona como fracionamento na cognição e no julgamento da causa. Ao tribunal compete a fixação da tese em abstrato, e ao juízo originário a sua aplicação ao caso concreto. É importante observar que a fixação da tese contém não apenas cognição da quaestio iuris, mas também decisão, o que todavia não significa julgamento da lide subjacente” (DANTAS, Bruno; ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Recurso especial, recurso extraordinário e a nova função dos tribunais superiores no direito brasileiro. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2017. p. 541). Guilherme Peres de Oliveira, durante a tramitação do projeto de lei, pugnava por esse entendimento: “o incidente deve ser encarado como incidente objetivo e cujo escopo é o de definir a tese jurídica em abstrato, sem julgar o caso concreto em que fora suscitado (e, ademais, todos os que versem questão idêntica), será julgado de acordo com suas peculiaridades, porém sem contrariar o posicionamento jurídico já delimitado no incidente” (OLIVEIRA, Guilherme Peres. Incidente de resolução de demandas repetitivas – uma proposta de interpretação de seu procedimento. In: CAMARGO, Luiz Henrique Volpe; DANTAS, Bruno; DIDIER JR., Fredie; FREIRE, Alexandre; FUX, Luiz; MEDINA, José Miguel Garcia; NUNES, Dierle; OLIVEIRA, Pedro Miranda de (Coord.). Novas tendências do processo civil. Salvador: JusPodivm, 2013. v. 2, p. 670). No mesmo sentido é o entendimento de Sofia Temer, externado na versão comercial de sua dissertação de mestrado: “Adotamos a posição segundo a qual o incidente de resolução de demandas repetitivas apenas resolve a questão de direito, fixando a tese jurídica, que será
173
Assim, a decisão proferida terá efeito vinculante perante todos os juízes e
órgãos fracionários do próprio tribunal que fixou a tese, quando se depararem
com a mesma controvérsia fática.
3.4.5 Tese jurídica fixada em incidente de assunção de competência
A teor do disposto no art. 927, III, do Código de Processo Civil, as
decisões tomadas pelos Tribunais em sede de julgamento de incidente de
assunção de competência489 constituem precedentes e devem ser observadas
pelo próprio tribunal que fixar a tese e pelos juízes vinculados a ele.
O incidente de assunção de competência, previsto anteriormente no § 1.º
do art. 555 do Código de Processo Civil de 1973, incluído pela Lei 10.352/2001,
foi aprimorado pelo Código de Processo Civil de 2015 em seu art. 947 e consiste posteriormente aplicada tanto nos casos que serviram como substrato para a formação do incidente, como nos demais casos pendentes e futuros. Entendemos, portanto, que no incidente não haverá julgamento de ‘causa-piloto’, mas que será formado um ‘procedimento-modelo’. E essa posição decorre, principalmente, dos seguintes fundamentos: a) no IRDR apenas há a resolução de questões de direito, o que limita a cognição e impede o julgamento da ‘demanda’; b) a desistência do que seria a ‘causa-piloto’ não impede o prosseguimento do incidente, que tramita independentemente de um conflito subjetivo subjacente, corroborando seu caráter objetivo; c) a natureza objetiva parece ser mais adequada, em termos da sistemática processual, para que seja possível aplicar a tese às demandas fundadas na mesma questão, além de viabilizar a construção de outras categorias que permitam justificar a ampliação do debate e da participação dos sujeitos processuais” (TEMER, Sofia. Incidente de resolução de demandas repetitivas. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2017. p. 68-69). Em sua tese de titularidade defendida na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, onde leciona, Aluisio Gonçalves Castro Mendes externou o mesmo entendimento: “Nesse sentido, cabe aqui reiterar os fundamentos anteriormente expostos, quanto ao objeto do julgamento, a ser realizado pelo órgão definido no regimento interno, que deve se limitar ao Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, não se prolongando sobre o caso concreto, que deverá ser examinado, em regra, pelo juízo natural de primeiro grau ou pelo respectivo órgão fracionário do tribunal. Mesmo se, por alguma razão, o processo dependente do IRDR estiver em tramitação no tribunal e, segundo o regimento interno, o órgão interno for o mesmo, para o julgamento do incidente e da causa originária ou do recurso, ainda assim não se deve confundir o julgamento de ambos. Reafirmando-se aqui, naturalmente, tudo o que já foi dito quanto à inconstitucionalidade formal e material do parágrafo único do art. 978 do Código de Processo Civil (MENDES, Aluisio Gonçalves Castro. Incidente de resolução de demandas repetitivas. Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 197-198). Em comentários em coautoria, Aluisio Gonçalves Castro Mendes e Sofia Temer reiteram o posicionamento externado por ambos individualmente: MENDES, Aluisio Gonçalves Castro; TEMER, Sofia. Comentários ao art. 978. In: STRECK, Lenio Luiz; NUNES, Dierle; CUNHA, Leonardo Carneiro da (Org.); FREIRE, Alexandre (Coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 1319. Em maior profundidade: MENDES, Aluisio Gonçalves Castro; TEMER, Sofia. Comentários ao art. 978. In: BUENO, Cassio Scarpinella (Coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: 2017. v. 4, p. 201-205. 489 Sobre o tema: MARINONI, Luiz Guilherme. Sobre o incidente de assunção de competência, Revista de Processo, v. 260, p. 233-256, out. 2016.
174
em uma técnica de julgamento que permite ao Tribunal fixar uma tese jurídica
com efeito vinculante aos casos semelhantes, presentes e futuros, em relação a
determinada circunstância fática, a partir da apreciação de um caso concreto
envolvendo relevante questão de direito, com grande repercussão social, sem
múltiplos processos e com interesse público na fixação da tese para prevenir ou
compor (e, por consequência, uniformizar) divergência jurisprudencial entre
câmaras ou turmas.490
Ao prever como requisito o envolvimento de “relevante questão de
direito”, o dispositivo não admite a instauração do incidente em caso de matéria
eminentemente fática.491
Em contrapartida, ao dispensar a existência de demandas repetitivas, pois
regulamenta que será instaurado em relevante questão de direito “sem repetição
em múltiplos processos”, a intenção foi viabilizar a uniformização de
jurisprudência nos casos em que não seria cabível a instauração do incidente de
resolução de demandas repetitivas, ou seja, não ligados a litígios de massa. Por
isso, ganha destaque o seu caráter preventivo.492
O incidente pode ser instaurado em sede de recurso, de remessa
necessária ou de processo de competência originária, ex officio pelo relator, a
490 “CAPÍTULO III – DO INCIDENTE DE ASSUNÇÃO DE COMPETÊNCIA Art. 947. É admissível a assunção de competência quando o julgamento de recurso, de remessa necessária ou de processo de competência originária envolver relevante questão de direito, com grande repercussão social, sem repetição em múltiplos processos. § 1.º Ocorrendo a hipótese de assunção de competência, o relator proporá, de ofício ou a requerimento da parte, do Ministério Público ou da Defensoria Pública, que seja o recurso, a remessa necessária ou o processo de competência originária julgado pelo órgão colegiado que o regimento indicar. § 2.º O órgão colegiado julgará o recurso, a remessa necessária ou o processo de competência originária se reconhecer interesse público na assunção de competência. § 3.º O acórdão proferido em assunção de competência vinculará todos os juízes e órgãos fracionários, exceto se houver revisão de tese. § 4.º Aplica-se o disposto neste artigo quando ocorrer relevante questão de direito a respeito da qual seja conveniente a prevenção ou a composição de divergência entre câmaras ou turmas do tribunal.” 491 FREIRE, Alexandre; SCHMITZ, Leonard Ziesemer. Comentários ao art. 947. In: STRECK, Lenio Luiz; NUNES, Dierle; CUNHA, Leonardo Carneiro da (Org.); FREIRE, Alexandre (Coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 1265. 492 FREIRE FREIRE, Alexandre; SCHMITZ, Leonard Ziesemer. Comentários ao art. 947. In: STRECK, Lenio Luiz; NUNES, Dierle; CUNHA, Leonardo Carneiro da (Org.); FREIRE, Alexandre (Coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 1265-1266.
175
pedido da parte, do Ministério Público ou da Defensoria Pública, e o caso será
julgado pelo órgão colegiado indicado pelo regimento interno do tribunal.
Perceba que o órgão de cúpula do tribunal, indicado pelo regimento
interno, julgará não só o incidente, como também o caso no qual o incidente foi
instaurado.493
A decisão proferida terá efeito vinculante perante todos os juízes e órgãos
fracionários, seja pelo disposto no § 3.º do art. 947 do Código de Processo Civil,
seja pelo disposto no inciso III do art. 927, exceto em caso de revisão da tese
firmada.
3.4.6 Enunciado de súmula do Superior Tribunal de Justiça em matéria
infraconstitucional e enunciado de súmula do Supremo Tribunal Federal em
matéria constitucional
O art. 927, IV, do Código de Processo Civil estabelece que “Os juízes e
os tribunais observarão os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal
em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria
infraconstitucional”.
O histórico das súmulas já foi abordado em item anterior sobre
enunciados de súmula. As finalidades iniciais de sua criação foram “proporcionar
maior estabilidade à jurisprudência” e “facilitar o trabalho dos advogados e do
Tribunal, simplificando o julgamento das questões frequentes” 494 em casos
493 MARINONI, Luiz Guilherme. Sobre o incidente de assunção de competência. Revista de Processo, v. 260, p. 233-256, out. 2016; BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 615; DANTAS, Bruno; ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Recurso especial, recurso extraordinário e a nova função dos tribunais superiores no direito brasileiro. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2017. p. 555. 494 Nas palavras de Victor Nunes Leal: “Por tudo isso, dizia o prefácio da primeira edição oficial da Súmula que a sua finalidade ‘não é somente proporcionar maior estabilidade à jurisprudência, mas também facilitar o trabalho dos advogados e do Tribunal, simplificando o julgamento das questões frequentes. Por isso, a emenda ao Regimento [...] atribui à Súmula outros relevantes efeitos processuais’, como fossem: ‘negar-se provimento ao agravo para subida de recurso extraordinário, não se conhecer do recurso extraordinário, não se conhecer dos embargos de divergência e rejeitar os infringentes, sempre que o pedido do recorrente contrariasse a jurisprudência compreendida na Súmula, ressalvado o procedimento de revisão da própria Súmula’. Mais que isso, poderia o relator, em tal hipótese, mandar arquivar o recurso extraordinário, ou o agravo de instrumento, facultado à parte prejudicada interpor agravo regimental contra o despacho” (LEAL, Victor Nunes. Passado e futuro da súmula do STF. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 145, p. 8, jul.-set. 1981).
176
posteriores que versassem sobre a mesma matéria, a partir de enunciados
sintéticos, claros e precisos sobre a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal,
posteriormente extensível aos demais tribunais.
A previsão do inciso IV do art. 927, IV, do Código de Processo Civil não
se refere às anteriormente denominadas súmulas persuasivas, em um
contraponto com as súmulas vinculantes.
As súmulas eram assim denominadas – persuasivas – pois prevalecia o
entendimento de que elas somente orientavam os trabalhos dos magistrados, em
uma tentativa de persuadi-los ou de convencê-los da tese jurídica por elas
enunciados.495
Mesmo sendo essa a opinião predominante, impende registrar, no
entanto, que José Joaquim Calmon de Passos já entendia que tais enunciados de
súmulas teriam eficácia vinculante, independentemente de expressa previsão
legal, nesses termos: Coisa bem diversa ocorre, a meu ver, quando se trata de decisão tomada pelo tribunal superior em sua plenitude e com vistas à fixação de um entendimento que balize seus próprios julgamentos. O tribunal se impõe diretrizes para seus julgamentos e necessariamente as coloca, também, para os julgadores de instâncias inferiores. Aqui a força vinculante dessa decisão é essencial e indescartável, sob pena de retirar-se dos tribunais superiores justamente a função que os justifica. Pouco importa o nome de que elas se revistam – súmulas, súmulas vinculantes, jurisprudência predominante ou o que for – obrigam. Um pouco à semelhança da função legislativa, põe-se, com elas, uma norma de caráter geral, abstrata, só que de natureza interpretativa. Nem se sobrepõe a lei, nem restringem o poder de interpretar o direito e valorar os fatos atribuídos aos magistrados inferiores, em cada
495 Por todos, Arruda Alvim e Rodolfo de Camargo Mancuso: “As súmulas persuasivas representaram o resultado linguístico de jurisprudência dominante e no enunciado dessas súmulas consta a síntese do resultado dessas decisões, com descarte de peculiaridades que não interessam à essência da descrição normal, ou de parte dela, retratada no enunciado sumular, que deve ser o descritor de uma situação geral, em linguagem análoga à da lei. [...]. E esse enunciado, a seu turno, virá proporcionar que dele se deduza, similarmente ao que faria se de lei se tratasse, a solução. Valerá como uma premissa maior” (ARRUDA ALVIM NETTO, José Manoel. Súmula e súmula vinculante. Os poderes do juiz e o controle das decisões judiciais: estudos em homenagem à Professora Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: Revista dos Tribunais 2008. p. 1149); “[...] é lícito, pois, falar-se em súmulas persuasivas ou não vinculantes, porque se destinam a influir na convicção do julgador, convidando-o ou induzindo-o a perfilhar o entendimento assentado, seja pelo fato de aí se conter o extrato do entendimento prevalecente, seja pela virtual inutilidade da resistência, já que o Tribunal ad quem tenderá, naturalmente, a prestigiar sua própria súmula, quando instado a decidir recurso que sustente tese diversa” (MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência jurisprudencial e súmula vinculante. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2010. p. 430).
177
caso concreto, apenas firmam um entendimento da norma, enquanto regra abstrata, que obriga a todos em favor da segurança jurídica que o ordenamento deve e precisa proporcionar aos que convivem no grupo social, como o fazem as normas de caráter geral positivadas pela função legislativa.496
A discussão a respeito da vinculatividade das súmulas – ditas
persuasivas, não das denominadas pela Constituição de súmula vinculante –
retorna com força com a aprovação do Código de Processo Civil de 2015.
Uma primeira observação importante a ser feita é que o art. 927, IV, do
Código de Processo Civil estabelece que são obrigatórios os enunciados de
súmula do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e os enunciados
de súmula do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional.497 Logo,
os enunciados de súmula do Supremo Tribunal Federal em matéria
infraconstitucional não são vinculantes, da mesma forma que também não são os
enunciados de súmula do Superior Tribunal de Justiça em matéria constitucional.
O esclarecimento é pertinente porque até 1988 o Supremo Tribunal
Federal era guardião do direito federal – seja constitucional, seja
infraconstitucional –, e não apenas do direito constitucional. Por esse motivo, há
diversos enunciados do Supremo Tribunal Federal veiculando matéria
infraconstitucional. Esses enunciados (do Supremo Tribunal Federal sobre
matéria infraconstitucional) continuarão com eficácia persuasiva, da mesma forma
que os enunciados do Superior Tribunal de Justiça sobre matéria
constitucional.498
496 CALMON DE PASSOS, José Joaquim. Súmula vinculante. Revista do Tribunal Regional Federal da 1.ª Região, Brasília, TRF 1.ª Região, v. 9, n. 1, p. 163, jan.-mar. 1997. Teresa Arruda Alvim compartilha do mesmo entendimento, conforme se extrai de escrito posterior no qual concorda com o professor da Universidade Federal da Bahia: “Calmon de Passos, todavia, entende (e com razão!) que mesmo antes da adoção da súmula vinculante pelo direito positivo a jurisprudência dos tribunais superiores já vincula” (Estabilidade e adaptabilidade com objetivos do direito: civil law e common law. Revista de Processo, São Paulo, ano 34, n. 172, p. 163, jun. 2009). 497 Lenio Luiz Streck e Georges Abboud entendem ser essa inconstitucional essa previsão em específico (STRECK, Lenio Luiz; ABBOUD, Georges. Comentários ao art. 926. In: STRECK, Lenio Luiz; NUNES, Dierle; CUNHA, Leonardo Carneiro da (Org.); FREIRE, Alexandre (Coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 1243-1244). 498 Zulmar Duarte de Oliveira Jr. chama de enunciados qualificados os enunciados de súmula do Supremo Tribunal Federal que versam sobre direito infraconstitucional e os enunciados de súmula do Superior Tribunal de Justiça que veiculam matéria constitucional. A adjetivação é inspirada no Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, conforme a Emenda Regimental 26, de 13 de dezmebro de 2016, que denomina os seus provimentos vinculantes de precedentes qualificados (OLIVEIRA JR., Zulmar Duarte de; GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE,
178
E mais. A parte do dispositivo que trata da vinculação dos enunciados do
Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional deve ser interpretada
conforme à Constituição para ler apenas as matérias infraconstitucionais federais,
e não as estaduais ou municipais, pois extrapolaria a competência constitucional
do Superior Tribunal de Justiça, que é guardião da lei federal infraconstitucional
(art. 105, III, Constituição).499
Entretanto, o que torna o enunciado vinculante não é o seu texto puro,
simples e isoladamente, e sim o seu texto em sintonia com as circunstâncias
fáticas e as razões de decidir dos precedentes que lhe deram origem. 500 A
vinculação dos enunciados de súmula devem ter correspondência com o contexto
fático e com a solução jurídica adotada pelos precedentes judiciais que
antecederam a sua edição.
O § 1.º do art. 926 do Código de Processo Civil estabelece aos tribunais o
dever de editar enunciados de súmula correspondente a sua jurisprudência e o § 2.º do art. 926 do Código de Processo Civil deixa claro que a interpretação e a
aplicação dos enunciados de súmula em casos futuros devem se ater às
circunstâncias fáticas dos julgados precedentes que motivaram sua criação. Em
outras palavras, os enunciados de súmula não podem ser interpretados e
aplicados de forma separada das circunstâncias fáticas ocorridas nos André Vasconcelos. Execução e recursos: comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2017. v. 3, p. 595-596). 499 O ponto não passou em branco pela doutrina: “Súmula do STJ em matéria federal. De acordo com a CF 105 III, o STJ tem a importante função, entre outras, de a) uniformizar o entendimento da lei federal no País e b) velar pelo respeito e autoridade da lei federal no País. Não tem competência constitucional para dispor sobre o respeito às leis estadual, distrital ou municipal, que também são dispositivos legais infraconstitucionais. Incorreto e atécnico o texto ora comentado, que dispõe sobre a vinculação dos juízes e tribunais à súmula do STJ em matéria infraconstitucional. A parte final do dispositivo comentado deve receber interpretação conforme a CF, razão pela qual deve ser lido como fazendo referência à súmula do STJ em matéria de lei federal” (NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais 2015. p. 1841. Sem os destaques do original); “O inciso IV indica que formam precedentes vinculantes os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal, em matéria constitucional, e do Superior Tribunal de Justiça, em matéria infraconstitucional federal. É muito importante o acréscimo da menção à legislação federal. Na verdade, a função do STJ é dar interpretação uniforme à lei federal (MARINONI, 2013a, p. 120-122; PEREIRA, 2014), pois, rigorosamente, em matéria regulada no âmbito dos Estados, serão os tribunais de justiça que fixarão o precedente e terão a última palavra, salvo inconstitucionalidade ou conflito com a lei federal”. (ZANETI JR., Hermes. Comentários ao art. 927. In: CABRAL, Antonio do Passo; CRAMER, Ronaldo (Coord.). Comentários ao novo Código de Processo Civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 1329). 500 CRAMER, Ronaldo. Precedentes judiciais: teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 196.
179
precedentes que deram origem à sua formação.501 “Observar tais enunciados [de
súmula] é observar a ratio decidendi dos precedentes que os originaram.”502
O inciso V do § 1.º do art. 489 do Código de Processo Civil é feliz nesse
sentido ao prever que a decisão judicial, qualquer seja ela, não se considera
fundamentada “se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem
identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob
julgamento se ajusta àqueles fundamentos”.
Os enunciados de súmula não podem (mais) ser entendidos como textos
gerais e abstratos, pois têm a finalidade de revelar a jurisprudência do tribunal em
um mesmo e determinado sentido, facilitando a compreensão e o trabalho dos
profissionais do direito. Ou seja, os enunciados revelam de forma sintética, clara e
precisa a interpretação do tribunal de determinado(s) dispositivo(s) de lei à luz dos
fatos das causas precedentes e do ordenamento jurídico.
Além disso, para deixar de seguir enunciado de súmula, o juiz deverá
identificar a existência de distinção fática (e, por consequência, jurídica) no caso
em julgamento ou a superação do entendimento com base em fatos semelhantes
(art. 489, VI, Código de Processo Civil). Em ambas as hipóteses – tanto para a
distinção quanto para superação – far-se-á necessária a análise dos aspectos
fáticos dos precedentes em cotejo com os fatos da causa sob julgamento.
Isso faz com que não se tenham dúvidas de que os enunciados de
súmula necessitem de interpretação para serem aplicados ao caso concreto.
Por fim, mas não menos importante, resta saber se somente os novos
enunciados de súmula do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e
501 ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MELLO, Rogerio Licastro Torres de. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais 2015. p. 1316); ZANETI JR., Hermes. O valor vinculante dos precedentes. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 351; STRECK, Lenio Luiz; ABBOUD, Georges. Comentários ao art. 926 e ao art. 927. In: STRECK, Lenio Luiz; NUNES, Dierle; CUNHA, Leonardo Carneiro da (Org.); FREIRE, Alexandre (Coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 1219 e 1243; COSTA, Eduardo José da Fonseca. Comentários ao art. 926. In: CÂMARA, Helder Moroni (Coord.). Código de Processo Civil comentado. São Paulo/Lisboa: Almedina, 2016. p. 1124; OLIVEIRA JR., Zulmar Duarte de; GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, André Vasconcelos. Execução e recursos: comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2017. v. 3, p. 596; MACEDO, Lucas Buril de. Precedentes judiciais e o direito processual civil. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2017. p. 3336-337. 502 DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito processual civil. 10. ed. Salvador: JusPodivm, 2015. v. 2, p. 464.
180
de súmula do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional são
vinculantes ou se também são os editados anteriormente ao Código de Processo
Civil de 2015.
A resposta compatível com a segurança jurídica, com a adequação de
sua edição no julgamento de casos pelos tribunais e com o princípio do
contraditório é a de que apenas as novas súmulas, ou seja, posteriores ao Código
de Processo Civil de 2015, possuem eficácia vinculante.503
Para corroborar o entendimento exposto supra, é importante destacar a
tese de doutoramento de Alexandre Freitas Câmara na qual defende que o que
constitucionalmente legitima a vinculatividade do art. 927 do Código de Processo
Civil é a amplitude (qualificada) subjetiva do contraditório na formação de
precedentes. Em síntese, a conclusão principal é que a eficácia vinculante de alguns padrões decisórios é legitimada, no ordenamento jurídico brasileiro, pelo devido processo constitucional. Só o absoluto respeito ao modelo constitucional de processo, especialmente com uma releitura do princípio constitucional do contraditório (que, nos procedimentos de construção e aplicação desses padrões vinculantes precisa ser compreendido de forma subjetivamente ampliada, a fim de garantir a participação de toda a sociedade na construção de seus resultados), e com a fixação de um especial método de deliberação para formar ou superar padrões decisórios, diferente da que se emprega nos processos que versam sobre interesses meramente individuais, é que se poderá admitir que enunciados de súmula vinculante, decisões proferidas pelo STF no julgamento dos processos de controle direto da constitucionalidade, julgamentos de casos repetitivos e do incidente de assunção de competência, possam, respeitado o princípio democrático, vincular futuras decisões.504
Ademais, como inexistia no procedimento de criação de enunciados de
súmula o dever de correspondência com a situação fática e a solução jurídica
apresentada nos julgamentos precedentes e inspiradores sua edição, há diversos
enunciados que fixam teses jurídicas em sentido contrário à solução normativa
concedida por seus precedentes. Leonardo Greco, por exemplo, chama atenção
503 CRAMER, Ronaldo. Precedentes judiciais: teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 196; PEIXOTO, Paulo Henrique Ledo. Da eficácia vinculante das súmulas persuasivas. Disponível em: <https://www.jota.info/artigos/da-eficacia-vinculante-das-sumulas-persuasivas-05052017>. Acesso em: 19 dez. 2017. 504 CÂMARA, Alexandre Freitas. Levando os padrões decisórios a sério: formação e aplicação de precedentes e enunciados de súmula. São Paulo: Atlas, 2017. p. 351.
181
para o fato de os Enunciados 622, 625 e 626 da Súmula do Supremo Tribunal
Federal não guardarem correspondência com seus acórdãos paradigmas.505
Logo, apenas os novos enunciados da súmula do Supremo Tribunal
Federal em matéria constitucional e da súmula do Superior Tribunal de Justiça em
matéria infraconstitucional federal que tiverem suas propostas de edição
formuladas e aprovadas após a entrada em vigor do Código de Processo Civil é
que terão eficácia vinculante.
3.4.7 Decisão dos órgãos de cúpula dos tribunais
Por fim, o inciso V do art. 927 do Código de Processo Civil estabelece que
é vinculante a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem
vinculados os juízes ou tribunais.
Em outras palavras, as decisões dos órgãos de maior envergadura na
estrutura dos tribunais locais possuem eficácia vinculante em relação aos órgãos
fracionários do próprio tribunal e também e aos juízes a eles vinculados.506
Como lecionam Lenio Luiz Streck e Georges Abboud, “a vinculação dos
órgãos fracionários ao entendimento do órgão especial/pleno assegura isonomia
e integridade nas decisões dos Tribunais, uma vez que evita entendimento
dissonante entre seções, câmara ou turmas”.507
Por consequência lógica do dispositivo, se o plenário ou órgão especial
dos tribunais locais aprovarem enunciados de súmula do próprio tribunal, tais
enunciados, analisados em sintonia com as circunstâncias fáticas e a
consequência jurídica dos precedentes que lhes deram origem, terão efeito
505 GRECO, Leonardo. Novas súmulas do STF e alguns reflexos sobre o mandado de segurança. Revista Dialética de Direito Processual, São Paulo, n. 10, p. p.44-54, 2004. 506 OLIVEIRA JR., Zulmar Duarte de; GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, André Vasconcelos. Execução e recursos: comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2017. v. 3, p. 596. 507 STRECK, Lenio Luiz; ABBOUD, Georges. Comentários ao art. 927. In: STRECK, Lenio Luiz; NUNES, Dierle; CUNHA, Leonardo Carneiro da (Org.); FREIRE, Alexandre (Coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 1244.
182
vinculante relativamente aos juízes e aos demais órgãos fracionários vinculados
ao respectivo tribunal.508
508 PEIXOTO, Paulo Henrique Ledo. Da eficácia vinculante das súmulas persuasivas. Disponível em: <https://www.jota.info/artigos/da-eficacia-vinculante-das-sumulas-persuasivas-05052017>. Acesso em: 19 dez. 2017.
183
4 – AÇÃO RESCISÓRIA POR VIOLAÇÃO A PRECEDENTE
No Capítulo 1 analisou-se que a legalidade, a isonomia e a segurança
jurídica, tanto na vertente da previsibilidade da atuação estatal quanto na
estabilização de relação jurídica, são pilares de sustentação do Estado de Direito.
No Capítulo 2, examinou-se o cabimento de ação rescisória no direito
brasileiro para a desconstituição da coisa julgada e a rescisão de decisão judicial,
nas excepcionais hipóteses previstas no ordenamento jurídico, como é o caso, no
Brasil, de violação manifesta à norma jurídica. Estudou-se também o significado
contemporâneo de norma jurídica.
Por sua vez, no Capítulo 3, concluiu-se que o Código de Processo Civil de
2015 atribui eficácia normativa aos precedentes estabelecidos por ele em seu art.
927, podendo ser considerados “normas jurídicas”.
O inciso V do art. 485 do Código de Processo Civil de 1973, que previa
como hipótese de rescindibilidade a decisão proferida em “violação a literal
disposição de lei”, foi substituído pelo inciso V do art. 966 do Código de Processo
Civil de 2015, que passou a prever o cabimento de ação rescisória quando a
decisão “violar manifestamente norma jurídica”.
Agora, é o momento de analisar o cabimento de ação rescisória por
violação aos precedentes estabelecidos pelo art. 927 do Código de Processo
Civil.509
4.1 O entendimento antigo sobre o não cabimento de ação rescisória por violação
a enunciado de súmula
Após a criação dos enunciados de súmula de jurisprudência
predominante do Supremo Tribunal Federal em 1963, era comum o entendimento 509 Sobre precedentes judiciais como fonte de direito: ZACCARIA, Giuseppe. La giurisprudenza come fonte di diritto: un’evoluzione storica e teórica. Napoli: Editoriale Scientifica, 2007; CRUZ E TUCCI, José Rogério. Precedente judicial com fonte do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais 2004.
184
de que a violação à literal disposição de lei não abrangia violação a texto de
enunciado de súmula, tanto no período de vigência do Código de Processo Civil
de 1939 quanto do Código de Processo Civil de 1973, por inexistir previsão
legal.510-511
Com a instituição da súmula vinculante no Brasil, via Emenda
Constitucional 45/2004, prevaleceu também, no mesmo sentido, o entendimento
jurisprudencial pela impossibilidade de rescisão de decisão judicial e
desconstituição de coisa julgada por violação do enunciado de súmula
vinculante.512-513
510 Por todos: “Ação rescisória. Registro ‘torrens’. O prazo de decadência só começa a fluir do trânsito em julgado dos embargos de divergência que versaram a matéria atacada na ação rescisória, ainda quando eles não sejam conhecidos. Improcedência das alegações de violação literal do artigo 75 e par-1., do Decreto 451-B, de 1890, e do artigo 281 do Decreto 4.857/39. Contrariedade a Súmula 279 do STF não é fundamento para a propositura de ação rescisória com base no inciso V do artigo 485 do CPC. Ação rescisória que se julga improcedente” (BRASIL. STF, Pleno, Ação Rescisória 1049/GO, Rel. Min. Moreira Alves, j. 09.02.1983). 511 “Não trata a hipótese de rescisão por decisão injusta ou exame inadequado das provas, como também se a decisão deu adequada interpretação à norma ainda que não seja predominante, ou divirja da jurisprudência ou súmula, também não cabe ação rescisória. A hipótese exige afronta direta a lei material como a lei processual, deverá o autor demonstrar que a sentença rescindenda violou a lei de forma direta e incontroversa, não se trata de questionar a interpretação dada pelo julgado” (SHIMURA, Sérgio; ALVAREZ, Anselmo Prieto; SILVA, Nelson Finotti. Curso de direito processual civil. 3. ed. São Paulo: Método, 2013. p. 401). 512 BRASIL. STJ, 3.ª Seção, Ação Rescisória 4112-SC (2008/0248523-4), Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 28.11.2012. Publicação em 26.04.2013. 513 Flávio Luiz Yarshell entendia não ser cabível a ação rescisória por violação a enunciado de súmula (persuasiva ou vinculante) por não ser, em seu modo de ver, fonte de direito: “A propósito, a súmula – entendida como cristalização de determinado entendimento jurisprudencial – não comporta, por si só, ação rescisória [...]; não propriamente porque ‘não é lei’ (o que resulta óbvio), mas porque ela não é, no sistema brasileiro, fonte do direito (diferentemente dos demais casos examinados). A esse propósito, mesmo que a súmula venha a se qualificar como ‘vinculante’ (por exemplo, nos termos do art. 103-A da Constituição Federal, com redação dada pela Emenda Constitucional 45, de 8.12.2004), ainda assim não haverá sentido em se falar em ação rescisória contra decisão que tiver violado a respectiva literalidade. O que caberá, eventualmente, é a ação rescisória pela violação à regra jurídica a propósito da qual tenha sido editada a súmula – oque parece coisa bastante diversa” (YARSHELL, Flávio Luiz. Ação rescisória: juízos rescindente e rescisório. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 324, nota 79). Adriane Donadel observou à época que: “Para a doutrina e jurisprudência dominantes, o vocábulo ‘lei’ não abrange as súmulas e enunciados dos tribunais” (DONADEL, Adriane. A ação rescisória no direito processual civil brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 142). Esse também era o entendimento de Fredie Didier Jr. e Leonardo José Carneiro da Cunha: “Cumpre, a propósito, observar que não cabe ação rescisória por violação a um enunciado de súmula de tribunal, ainda que se trate de súmula vinculante. Na verdade, cabe a ação rescisória por violação à norma representada pelo enunciado da súmula. O enunciado da súmula divulga, resume e consolida uma interpretação dada a um dispositivo legal ou constitucional. E é essa interpretação que constitui a norma jurídica, e não o texto constante da letra do dispositivo. Se, por exemplo, um enunciado da súmula vinculante do STF confere determinada interpretação ao dispositivo contido no art. x da Constituição Federal, o julgado que tenha decidido diferente terá violado a norma extraída do art. x da Constituição Federal. O que restou violado foi a norma daí extraída. Na ação rescisória, indica-se que a
185
Em contrapartida, a doutrina começou a manifestar-se a respeito do
cabimento de ação rescisória por violação a enunciado de súmula vinculante.
É o caso de Alexandre Freitas Câmara, em obra específica sobre o
cabimento de ação rescisória por violação do direito em tese: Ora, parece óbvio que ao ofender enunciado de súmula vinculante, terá o provimento judicial ofendido a própria norma jurídica cuja validade, interpretação ou eficácia tenha sido determinada pelo enunciado. Assim, não pode haver qualquer dúvida acerca da rescindibilidade do provimento judicial neste caso.
Subsequentemente, entretanto, o autor ressaltou que no tocante ao
enunciado de súmula não vinculante não será cabível ação rescisória: “No caso
de se tratar de enunciado de súmula não vinculante, porém, permanece válido o
entendimento que sempre se sustentou, no sentido de que não é rescindível o
provimento judicial que lhe contraria”.514
O mesmo entendimento, tanto em relação à súmula vinculante quanto à
súmula não vinculante, é exarado por Bernardo Pimentel Souza: Quanto aos enunciados das súmulas dos tribunais, apenas os da Corte Suprema, desde que aprovados após o disposto na Emenda Constitucional n. 45, de 2004, porquanto o artigo 103-A da Constituição Federal consagrou o “efeito vinculante”. Como os enunciados da Súmula do Supremo Tribunal aprovados à luz do artigo 103-A da Constituição Federal têm verdadeiro conteúdo normativo, em razão da combinação do caráter genérico com o abstrato e o obrigatório, o desrespeito a verbete vinculante enseja ação rescisória da decisão contrária transitada em julgado. Em contraposição, os enunciados dos demais tribunais pátrios e os verbetes da Súmula do Supremo Tribunal Federal aprovados antes da Emenda n. 45 não autorizam ação rescisória, porquanto não têm natureza normativa. Daí a regra: no mais das vezes, a ofensa a enunciado de súmula de tribunal não enseja ação rescisória, pois os verbetes sumulares geralmente não têm força normativa no direito brasileiro.515
Na mesma linha, Marcos Paulo Passoni manifesta pelo cabimento de
ação rescisória por violação aos enunciados de súmula vinculante, mas não aos
enunciados de súmula persuasiva:
violação foi ao art. x da Constituição Federal” (DIDIER Jr., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil. 9. ed. Salvador: JusPodivm, 2008. v. 3, p. 379). 514 CÂMARA, Alexandre Freitas. Ação rescisória. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 57. 515 SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 844.
186
As súmulas vinculantes, pelo que se extrai do texto legal supratranscrito, passam a ter o poder de restringir e amoldar decisões futuras. Deixam de ser orientações jurisprudenciais, para o caso concreto, com caráter facultativo, para se tornarem de aplicabilidade obrigatória, vinculante, verdadeira cristalização vinculante da jurisprudência, a ser respeitada pelo Poder Judiciário e entre outros órgãos. [...] À face do exposto, salvo melhor juízo, concluímos que, se de um lado, não cabe ação rescisória com estofo em violação literal à súmula, entrementes, por outro lado, afigura-se possível afirmar que cabe ação rescisória com fundamento em violação literal à proposição de súmula vinculante.516
Ronaldo Cramer, em interpretação mais restritiva, entendia que, caso a
súmula vinculante criasse uma norma jurídica sem amparo em disposição de lei,
seria forçoso admitir o cabimento de ação rescisória por violação à súmula
vinculante: Se contraria uma súmula vinculante, a sentença está, na verdade, violando o dispositivo legal que foi interpretado pela súmula. [...] Assim, não cabe falar em ação rescisória contra a súmula vinculante, mas, sim, contra o dispositivo legal, na forma como foi interpretado pela súmula vinculante. [...] Caso, entretanto, por qualquer razão, a súmula vinculante, a pretexto de interpretar um determinado dispositivo legal, criar uma norma que não encontra amparo em nenhum dispositivo legal, forçoso reconhecer que, nesse caso, deverá caber ação rescisória contra a sentença que transgredir essa súmula.517
Mais recentemente, ainda à luz do Código de Processo Civil de 1973,
parcela da doutrina começou a pugnar também pelo cabimento de ação rescisória
por violação a enunciado de súmula persuasiva.
Nesse sentido, Thais Matallo Cordeiro Gomes, em dissertação de
mestrado apresentada na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
defendeu a possibilidade de ajuizamento de ação rescisória com fundamento na
violação de súmula, seja ela vinculante ou persuasiva: [...] entendemos que, via de regra, a própria súmula servirá de fundamento para o ajuizamento ação rescisória. Isso porque, como demonstrado no Capítulo 02, a edição da súmula trata-se de atividade criativa do juiz que, diante de uma determinada
516 PASSONI, Marcos Paulo. Sobre o cabimento da ação rescisória com fundamento em violação à literal proposição de súmula vinculante. Revista de Processo, v. 171, p. 242-248, maio 2009. 517 CRAMER, Ronaldo. Ação rescisória por violação da norma jurídica. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2012. p. 211.
187
situação, apresenta a melhor solução jurídica para o caso. Essa atividade interpretativa do juiz passa a integrar o sistema jurídico como norma jurídica.518
Portanto, durante a vigência dos Códigos de Processo Civil de 1939 e de
1973, após a instituição dos enunciados de súmula de jurisprudência
predominante do Supremo Tribunal Federal em 1963, o entendimento prevalente
era no sentido do não cabimento de ação rescisória por violação a enunciado de
súmula persuasiva. Em relação aos enunciados de súmula vinculante, a questão
dividiu a doutrina e a jurisprudência, tendo ganhado força na doutrina o cabimento
de ação rescisória por violação a enunciado de súmula vinculante. Mais
recentemente, ainda que minoritariamente, surgiu o entendimento a respeito do
cabimento de ação rescisória por violação a enunciado de súmula persuasiva.
4.2 Ação rescisória por violação a precedente
Hoje, o art. 966, V, do Código de Processo Civil de 2015 estabelece a
possibilidade de rescisão de decisão judicial, transitada em julgado, quando violar
manifestamente a norma jurídica: “Art. 966. A decisão de mérito, transitada em
julgado, pode ser rescindida quando: [...] V – violar manifestamente norma
jurídica”.
A Lei 13.256, de 4 de fevereiro de 2016, que alterou o Código de
Processo Civil alguns dias antes de ele entrar em vigor, acrescentou os §§ 5.º e
6.º ao art. 966 para constar expressamente a possibilidade de desconstituição da
coisa julgada e de rescisão de decisão judicial contrária a precedente, nesses
termos: § 5.º Cabe ação rescisória, com fundamento no inciso V do caput deste artigo, contra decisão baseada em enunciado de súmula ou acórdão proferido em julgamento de casos repetitivos que não tenha considerado a existência de distinção entre a questão discutida no processo e o padrão decisório que lhe deu fundamento. § 6.º Quando a ação rescisória fundar-se na hipótese do § 5.º deste artigo, caberá ao autor, sob pena de inépcia,
518 GOMES, Thais Matallo Cordeiro. Ação rescisória com fundamento na violação de súmula vinculante e persuasiva. 2014. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, p. 134-135.
188
demonstrar, fundamentadamente, tratar-se de situação particularizada por hipótese fática distinta ou de questão jurídica não examinada, a impor outra solução jurídica.
Os dispositivos supramencionados denotam a ocorrência de mudança de
paradigma sobre a rescindibilidade de decisões judiciais com fundamento em
violação a precedente.
A norma jurídica é o resultado da interpretação das fontes de direito, em
especial da lei à luz da Constituição, dos princípios, dos direitos fundamentais e
do preenchimento de cláusulas gerais e/ou de conceitos indeterminados à luz do
caso concreto. Quando se diz que uma norma jurídica foi violada, o que se quer
dizer é que a interpretação dada às fontes do direito à luz do caso concreto foi
violada.519
O art. 927 do Código de Processo Civil de 2015 instituiu um rol de
precedentes que vinculam os juízes e os tribunais ao julgarem casos semelhantes
aos que originam a formação de decisões do Supremo Tribunal Federal em
controle concentrado de constitucionalidade, de enunciados de súmula vinculante;
de acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de
demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial
repetitivos; de enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria
constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional; e
de orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.
As interpretações que fixaram teses jurídicas à luz de determinados fatos em
determinado momento histórico são fontes do direito que devem ser observadas
pelos juízes e tribunais em julgamentos de casos semelhantes.
Assim, a partir do conceito contemporâneo de norma jurídica é possível
concluir pelo cabimento da ação rescisória por violação a precedente judicial
519 “A expressão ‘norma jurídica’, também constante no inciso V do art. 966 do Código de Processo Civil/2015, relaciona-se ao método hermenêutico da concreção, onde é assente a distinção entre texto (enunciado legal) e norma (resultado da atividade hermenêutica). [...] As normas jurídicas não são textos de lei, nem o conjunto deles, e sim os sentidos construídos a partir da conformação constitucional da interpretação sistemática dos textos legais, dos valores dominantes na sociedade e da interação com os fatos. Os dispositivos de lei constituem-se no objeto da atividade hermenêutica e as normas, em seu resultado. A atividade do intérprete, seja ele julgador ou cientista, não se restringe a desentranhar ou descrever o significado previamente existente dos dispositivos legais. Sua atividade consiste em construir esses significados” (ATAÍDE JR., Jaldemiro Rodrigues de. Comentários ao art. 966. In: CÂMARA, Helder Moroni (Coord.). Código de Processo Civil comentado. São Paulo/Lisboa: Almedina, 2016. p. 1192-1193).
189
estabelecido pelo art. 927 do Código de Processo Civil, inclusive em relação aos
enunciados de súmula vinculante e de súmula persuasiva do Supremo Tribunal
Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria
infraconstitucional, quando a norma jurídica construída para decidir determinado
caso concreto for diferente da norma jurídica utilizada para julgar casos
semelhantes que constituem precedentes.520 Há violação à norma jurídica quando
520 A esse respeito, Cassio Scarpinella Bueno leciona que: “A hipótese [violar manifestamente norma jurídica] merece ser compreendida como aquela decisão que destoa do padrão interpretativo da norma jurídica (de qualquer escalão) em que a decisão baseia-se. [...] Eventual divergência jurisprudencial não deve ser compreendida como elemento a descartar a rescisória por esse fundamento. [...] Doravante, diante da função que ele quer emprestar à jurisprudência dos Tribunais (v., em especial, os arts. 926 e 927), aquele entendimento merece, de vez, ser superado, tanto para as questões de ordem constitucional como para as de ordem infraconstitucional. É correto entender, destarte, que não subsiste, no Código de Processo Civil de 2015, fundamento de validade para a Súmula 343 do STF. O § 5.º do art. 966 [...] admite expressamente a rescisória fundada no inciso V do art. 966 quando [...] a decisão rescindenda aplicar equivocadamente súmula ou ‘precedente’ criado por uma das técnicas referidas no art. 928” (BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 627); Marcelo Abelha Rodrigues também manifestou expressamente sobre o tema: “Considerando que o legislador processual adotou o caráter vinculante aos precedentes, não nos afigura impossível a utilização da ação rescisória seja voltada a fulminar determinada norma jurídica aplicada a um determinado caso concreto onde, esta norma jurídica seja um precedente judicial, um direito judicial produzido pelos tribunais. Se têm caráter vinculante e se são estabelecidos como premissa maior para a solução de um caso concreto, então são ‘norma jurídica’ para fins do art. 966, V, do Código de Processo Civil. É claro que este controle, tal como acontece com as demais normas jurídicas, só pode ser feito em cada caso concreto pelo vencido na demanda em que houve a referida violação manifesta da norma jurídica” (RODRIGUES, Marcelo Abelha. Manual de direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 1353-1354). Alexandre Freitas Câmara assevera: “Importante é afirmar que também é rescindível a decisão judicial que, tendo transitado em julgado, contrarie tese anteriormente firmada em enunciado de súmula vinculante ou em precedente vinculante. É que essas teses firmadas são resultado de interpretações atribuídas a textos normativos e, portanto, são normas jurídicas. Ainda que assim não se considere, porém, e se afirma (equivocadamente, mas se enfrente o ponto aqui apenas para argumentar) que a afronta ao precedente vinculante (ou ao enunciado de súmula vinculante) não é violação à norma, ainda assim será preciso considerar rescindível a decisão judicial, pois terá sido violada a própria norma atributiva da eficácia vinculante a tais precedentes e enunciados de súmula. É que, como já se viu, no sistema jurídico brasileiro (diferentemente do que se tem nos ordenamentos ligados à tradição do common law), a eficácia vinculante de enunciados de súmula vinculante e de alguns precedentes judiciais resulta diretamente de previsão normativa (constitucional ou legal) e, por conta disso, o desrespeito a tal eficácia vinculante implica violação de norma jurídica. É, pois, rescindível a decisão judicial nesses casos. E não se contraria o padrão decisório vinculante apenas quando o pronunciamento judicial deixa de seguir a tese nele fixada. Também quando o padrão decisório é mal aplicado, o que ocorre quando se adota a tese nele fixada quando não era o caso, em razão de alguma diferença entre o acórdão paradigma e o caso posteriormente julgado, aquele padrão decisório é violado” (CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2017. p. 402-403). Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha também lecionam quem a “Decisão que viola manifestamente precedente obrigatório (art. 927, Código de Processo Civil) também é rescindível”. (DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil. 13. ed. Salvador: JusPodivm, 2016. v. 3, p. 488). Sobre o cabimento de ação rescisória por violação à tese de força obrigatória, o Professor Humberto Theodoro Júnior ministra: “O critério para admitir a rescisória, na espécie, foi o mesmo que sempre se adotou a propósito da violação ou negação de vigência à lei: uma
190
a interpretação atribuída a determinado texto normativo viola o seu sentido
correto. Essa afirmação, desde o período de tramitação legislativa do projeto de
lei que resultou no Código de Processo Civil de 2015, sempre pareceu
verdadeira.521
norma jurídica é violada não somente quando é ignorada pelo julgador, mas também quando é aplicada à situação fática que não corresponde ao alcance da regra invocada individualmente pelo decisório. Assim, fundamentar uma sentença numa súmula ou num precedente que não corresponde à hipótese sob análise no processo equivale a ofender a norma consubstanciada na jurisprudência de observância necessária. Na mesma perspectiva, impõe-se concluir que deixar de aplicar, no julgamento, entendimento jurídico jurisprudencial de observância obrigatória, nos limites do art. 927 do Código de Processo Civil, tem de ser visto como ofensa manifesta a norma jurídica, para fins de ação rescisória (art. 966, V)” (THEODORO JR., Humberto. Curso de direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense, 2016. v. 3, p. 857); Jaldemiro Rodrigues de Ataíde Jr. também corrobora tal entendimento: “É óbvio que o malferimento de uma norma de estrutura pode ser causa de rescindibilidade de decisão, basta ver que dentre as hipóteses do art. 966 do Código de Processo Civil/2015 encontram-se as seguintes: a prolação de decisão por juiz impedido ou por juízo absolutamente incompetente. Contudo, se o fim colimado pelo legislador era resguardar a norma de estrutura – que impõe aos juízes, no processo de produção de decisão, o dever de observar os precedentes vinculantes – sobrelevando à causa de rescindibilidade de decisão; tal finalidade já se encontrava atendida, pois bastaria que o autor da ação rescisória apontasse como causa de pedir a hipótese de rescindibilidade do inciso V, do art. 966, combinada com a alegação de violação do art. 927, do mesmo diploma legal. Do mesmo modo, se a intenção era resguardar as normas jurídicas (rationes decidendi) construídas a partir dos precedentes vinculantes, tal escopo já se encontrava alcançado com a causa de rescindibilidade prevista no inciso V, do art. 966, do Código de Processo Civil/2015, pois é óbvio que o ‘violar manifestamente norma jurídica’, com muito maior razão, encampa a hipótese de prolação de decisão judicial em sentido contrário à interpretação de enunciado legal cristalizada em precedente vinculante. Tal solução, inclusive, seria mais consentânea com o sistema jurídico brasileiro – onde continua vigendo o princípio da legalidade, embora que muito maltratado – e com a nossa dogmática processual, que há muito se firmou no sentido do descabimento de ação rescisória por violação à súmula ou a precedente” (ATAÍDE JR., Jaldemiro Rodrigues de. Comentários ao art. 966. In: CÂMARA, Helder Moroni (Coord.). Código de Processo Civil comentado. São Paulo/Lisboa: Almedina, 2016. p. 1197); Ronaldo Cramer sustenta que “é rescindível [...] a decisão que aplicou precedente, sem ter feito corretamente a distinção entre o caso concreto e o caso do precedente. [...] Viabiliza-se, assim, a ação rescisória com fundamento na técnica de distinção do precedente (ou na má aplicação do precedente), equiparável por força de lei à hipótese de violação da norma jurídica. Ao propor essa ação rescisória, a parte deve apenas se basear na conjugação de duas normas, o § 5.o do art. 966 do Novo Código de Processo Civil e o inciso V do caput do mesmo artigo, não necessitando indicar uma norma jurídica violada, como ocorre normalmente na hipótese do inciso V. Apesar de se referir apenas à súmula ou acórdão de julgamento de casos repetitivos, o § 5.o deve ser compreendido como aplicável à decisão que emprega qualquer precedente. Entretanto, o precedente deve ser, necessariamente, vinculante, uma vez que apenas esse tipo de precedente determina a decisão judicial, ao passo que o precedente persuasivo é mero reforço de argumentação” (CRAMER, Ronaldo. Precedentes judiciais: teoria e dinâmica. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 175); Marco Antônio Rodrigues também destaca a importância dos precedentes como fundamento rescisório: “Caso o órgão julgador não realize a distinção, caberá, em consequência, ação rescisória, por violação às referidas normas jurídicas. Essa é uma das muitas regras que demonstram a importância conferida aos precedentes pelo Código de Processo Civil, o qual instituiu até mesmo uma hipótese de cabimento de rescisória por violação a alguns destes” (RODRIGUES, Marco Antonio. Manual dos recursos: ação rescisória e reclamação. São Paulo: Atlas, 2017. p. 321). 521 “[...] violar manifestamente a norma jurídica” não deve ser utilizado para afastar a rescindibilidade de decisão de mérito que der interpretação diversa da admitida como correta pela jurisprudência brasileira, principalmente dos Tribunais Superiores, responsáveis pela última
191
O acréscimo dos §§ 5.º e 6.º ao art. 966 do Código de Processo Civil
retira qualquer dúvida que possa pairar sobre esse entendimento. Os dispositivos
foram acrescentados pela Lei 13.256, de 4 de fevereiro de 2016, que iniciou sua
tramitação legislativa como Projetos de Lei 2.384/2015522 e 2.468/2015,523 ambos
inicialmente sobre recursos extraordinário e especial. O Projeto de Lei 2.468/2015
foi apensado ao Projeto de Lei 2.384/2015 e tramitou sob essa numeração.
Durante o processo legislativo, no dia 20 de outubro de 2015, o Deputado
Paulo Teixeira apresentou diversas Emendas de Plenário. Entre elas, a Emenda
de Plenário 5/2015 teve a finalidade de esclarecer o cabimento de ação rescisória
contra enunciado de súmula ou acórdão ou precedente previsto no art. 927, com
a justificativa de ser um “acréscimo necessário, para fechar o sistema, tendo em
vista a mudança das regras de reclamação, proposta pelo PL 2.468/2015”, nos
termos: Acrescente-se, onde couber, os §§ 5.º e 6.º ao Artigo 966 do CPC:
§ 5.º Cabe ação rescisória, nos termos do inciso V do caput deste artigo, contra decisão baseada em enunciado de súmula, acórdão ou precedente previsto no Art. 927, que não tenha considerado a existência de distinção entre a questão discutida no processo e o padrão decisório que lhe deu fundamento.
§ 6.º Quando ação rescisória se fundar na hipótese do § 5.º deste Artigo, caberá ao autor, sob pena de inépcia, demonstrar fundamentadamente se tratar de situação particularizada por hipótese fática distinta ou questão jurídica não examinada, a impor outra solução jurídica.524
palavra no que diz respeito às leis federais, constitucionais (Supremo Tribunal Federal) ou infraconstitucionais (Superior Tribunal de Justiça)” (SANTOS, Welder Queiroz dos. Ação rescisória no projeto de novo Código de Processo Civil: Do anteprojeto ao relatório-geral da Câmara dos Deputados. In: CAMARGO, Luiz Henrique Volpe; DANTAS, Bruno; DIDIER JR., Fredie; FREIRE, Alexandre; FUX, Luiz; MEDINA, José Miguel Garcia; NUNES, Dierle; OLIVEIRA, Pedro Miranda de (Org.). Novas tendências do processo civil: estudos sobre o Projeto do Novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, 2013. p. 715; SANTOS, Welder Queiroz dos. Ação rescisória: de Pontes de Miranda ao Projeto de novo Código de Processo Civil. In: DIDIER JR., Fredie; NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa; GOUVEIA FILHO, Roberto Campos (Org.). Pontes de Miranda e o direito processual. Salvador: JusPodivm, 2013. p. 1215). 522 BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei 2.384/2015, do Deputado Carlos Manato. Disponível em <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mos trarintegra?codteor=1402342&filename=EMP+5/2015+%3D%3E+PL+2384/2015>. Acesso em: 20 dez. 2017. 523 BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei 2.468/2015, dos Deputados Leonardo Picciani e Mendonça Filho. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao ?idProposicao=1594617>. Acesso em: 20 dez. 2017. 524 BRASIL. Câmara dos Deputados. Emenda de Plenário n. 5/2015, do Deputado Paulo Teixeira. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor= 1402342&filename=EMP+5/2015+%3D%3E+PL+2384/2015>. Acesso em: 20 dez. 2017.
192
Aprovado pela Câmara dos Deputados, o texto foi recebido pelo Senado
Federal como Projeto de Lei da Câmara 168/2015 e foi objeto de análise e de
aprovação pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania e posteriormente
pelo Plenário, conforme Parecer do Senador Blairo Maggi: O inciso V do art. 966 do novo CPC prevê o cabimento de ação rescisória no caso de manifesta violação a normas jurídicas. A amplitude hermenêutica do texto poderá ensejar muitas dúvidas na jurisprudência e na doutrina, razão por que convém que o legislador se antecipe a se pronunciar sobre uma situação importantíssima a ser considerada como causa de rescisão. É que, entre as várias diretrizes teóricas que inspiraram o novo Código, o respeito à jurisprudência pelas instâncias inferiores desempenha um papel de destaque, do que dá prova o art. 927 do novo CPC, que, além de exigir dos juízes e tribunais observância a manifestações jurisprudenciais vinculantes ou procedentes do plenário ou dos órgãos especiais dos respectivos tribunais, impõe que o magistrado exponha textualmente a pertinência ou não dos precedentes citados pelas partes. Naturalmente, se o magistrado decidir o caso violando essas manifestações jurisprudenciais, isso deve ser interpretado como uma manifesta violação a norma jurídica. [...] A matéria é digna de elogios nesse aspecto, por realçar a necessidade de observância, pelos magistrados, da jurisprudência das instâncias mais elevadas do Poder Judiciário. Merece aprovação.525
No Senado, a redação final aprovada do § 5.º substituiu “enunciado de
súmula, acórdão ou precedente previsto no art. 927” por “enunciado de súmula ou
acórdão proferido em julgamento de casos repetitivos”, conforme emendas de
redação apresentadas em Plenário pelo Senador Blairo Maggi: Dê-se ao § 5.º do art. 966 da Lei n.o 13.105 de 16 de março de 2015, referido no art. 2.º do PLC n.o 168, de 2015, a seguinte redação:
§ 5.º Cabe ação rescisória, com fundamento no inciso V do caput deste artigo, contra decisão baseada em enunciado de súmula ou acórdão proferido em julgamento de casos repetitivos que não tenha considerado a existência de distinção entre a questão discutida no processo e o padrão decisório que lhe deu fundamento.526
525 BRASIL. Senado Federal. Parecer da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania sobre o Projeto de Lei da Câmara n. 168, de 2015. Relator. Senador Blairo Maggi, p. 8-9. Disponível em: <http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/123769>. Acesso em: 20 dez. 2017. 526 BRASIL. Senado Federal. Emendas de Redação ao Projeto de Lei da Câmara n. 168, de 2015. Relator: Senador Blairo Maggi. Disponível em: <http://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento ?dm=3994995&disposition=inline>. Acesso em: 20 dez. 2017.
193
Para que essa alteração seja considerada formalmente constitucional, já
que o parágrafo único do art. 65 da Constituição assevera que, “sendo o projeto
emendado, voltará à Casa iniciadora”, a única interpretação conforme à
Constituição possível é a que lê “enunciado de súmula, acórdão ou precedente
previsto no Art. 927”, em que está escrito “enunciado de súmula ou acórdão
proferido em julgamento de casos repetitivos”.
Assim, não há dúvidas quanto ao cabimento de ação rescisória por
violação a precedente, seja por ser a interpretação mais adequada dos
dispositivos normativos a respeito, seja por ter sido a vontade expressamente
manifestada pelo legislador, pois a violação às manifestações jurisprudenciais do
art. 927 do Código de Processo Civil configura violação manifesta à norma
jurídica.
Há violação à norma jurídica, portanto, quando, à luz do caso concreto, a
decisão não aplica precedente aplicável ou aplica erroneamente precedente
inaplicável.527 Precedentes, vale a pena lembrar, para fins deste trabalho, são os
pronunciamentos judiciais constantes no art. 927 do Código de Processo Civil.
O cabimento de ação rescisória por violação a precedente, portanto, já
estava previsto no ordenamento jurídico na hipótese de cabimento de ação
rescisória quando a decisão rescindida “violar manifestamente norma jurídica”.528
Como lecionam Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero, “a leitura adequada
do inciso V do art. 966, CPC, impõe uma necessária relação entre interpretação 527 “Os padrões decisórios dotados de eficácia vinculante precisam, necessariamente, ser seguidos. E é necessário reconhecer a existência de mecanismos de controle dessa observância (mecanismos esses cuja análise, frise-se, não constitui objeto desse estudo, mas que devem ser aqui ao menos mencionados). Evidentemente, é possível conceber o recurso como mecanismo de controle. Também a reclamação (art. 988, III e IV, do Código de Processo Civil/2015) e a ação rescisória (art. 966, V, e § 5.º, do Código de Processo Civil/2015) são mecanismos de controle previstos expressamente no Código de Processo Civil” (CÂMARA, Alexandre Freitas. Levando os padrões decisórios a sério. São Paulo: Atlas, 2017. p. 282, nota 16). 528 Diferentemente, Renato Montans de Sá entende que o § 5.º do Código de Processo Civil é que passou a autorizar o cabimento de ação rescisória por aplicação errônea dos precedentes judiciais: “A Lei n. 13.256/2016, que alterou o novo Código de Processo Civil ainda no seu período de vacatio, ampliou ainda mais a incidência do cabimento de rescisória com base no inciso V. Se antes a aplicação era somente texto de lei (com interpretação extensiva dada pela doutrina) e depois norma (regras e princípios), agora também caberá rescisória no que concerne à errônea aplicação dos precedentes judiciais. [...] sendo um precedente aplicado no caso concreto de maneira equivocada, pois o padrão decisório que lhe serviu de base não se amolda à situação fattispecie, e caberá ação rescisória, no prazo decadencial de dois anos. Assim, alargou-se o conceito de violação de norma jurídica para inserir também o caso de não aferição do distinguish” (SÁ, Renato Montans de. Manual de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 976).
194
do direito, norma jurídica e teoria dos precedentes”.529 Os § 5.º e § 6.º do art. 966
do Código de Processo Civil deixaram claro o cabimento de ação rescisória por
violação a precedente.
Embora o § 5.º do art. 966 do Código de Processo Civil de 2015
estabeleça que cabe ação rescisória quando o julgado não tenha considerado a
distinção existente entre o caso julgado no processo e o precedente que lhe deu
fundamento, ou seja, quando aplicou erroneamente precedente inaplicável, é
certo que também é cabível ação rescisória quando a decisão deixa de aplicar
precedente aplicável.530
Se os fatos objeto da decisão rescindenda são distintos daqueles fatos
constantes nos casos que deram azo à ratio decidendi do precedente aplicado, é
cabível ação rescisória para rescindir a decisão e desconstituir a coisa julgada. Da
mesma forma, também será viável a ação rescisória quando os fatos objeto da
decisão rescindenda forem semelhantes às circunstâncias fáticas ocorridas em
precedente não aplicado.531
529 MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Ação rescisória. São Paulo: Revista dos Tribunais 2017. p. 183. 530 Em dissertação de mestrado sobre “ação rescisória por violação de norma jurídica”, é esse o entendimento de Leandro José Rutano: “Embora o texto aprovado pelo Senado tenha deixado de fazer menção expressa a precedentes, o objetivo da norma é justamente prever a possibilidade de rescisória para casos em que o precedente tenha sido mal aplicado pelo julgador” (RUTANO, Leandro José. Ação rescisória por violação de norma jurídica. 2016. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba, p. 26). Alexandre Freitas Câmara manifesta-se nesse sentido: “O art. 966, § 5.º, do Código de Processo Civil/2015 expressamente estabelece o cabimento de ação rescisória contra pronunciamento que se funda em padrão decisório não aplicável. Parece evidente, porém, que também a situação inversa (a da decisão que deixa de aplicar padrão decisório que em tese seria aplicável, promovendo sua superação implícita) é impugnável, após o trânsito em julgado, por meio de ação rescisória. Ter-se-á aí, para dizer o mínimo, proferido decisão que viola manifestamente norma jurídica, o que torna admissível a ação rescisória (art. 966, V, do Código de Processo Civil/2015)” (CÂMARA, Alexandre Freitas. Levando os padrões decisórios a sério. São Paulo: Atlas, 2017. p. 343). De igual modo, Jaldemiro Rodrigues Ataíde Jr.: “O enunciado do § 5.º, do art. 966, do Código de Processo Civil/2015, diz menos do que deveria, pois apresenta como nova hipótese de cabimento da ação rescisória apenas a aplicação do precedente sem a realização do devido distinguishing – ou melhor, a aplicação do precedente a caso que versa sobre fatos materiais distintos daqueles constantes no caso que gerou o precedente –, olvidando que também se viola a ratio decidendi do precedente quando não se a considera em caso que versa sobre fatos materiais semelhantes. É óbvio que o intérprete pode (e deve), a partir do § 5.º, do art. 966, do Código de Processo Civil/2015, construir norma jurídica cuja hipótese de incidência contenha também a não aplicação do precedente a caso que verse sobre fatos materiais semelhantes ao do caso que gerou o precedente; mas, e se tal disposição legal for interpretada restritivamente? O legislador pátrio não contou com esse risco” (ATAÍDE JR., Jaldemiro Rodrigues de. Comentários ao art. 966. In: CÂMARA, Helder Moroni (Coord.). Código de Processo Civil comentado. São Paulo/Lisboa: Almedina, 2016. p. 1197). 531 Sobre o ponto, leciona Cassio Scarpinella Bueno: “Destarte, embora não haja no Código de Processo Civil de 2015 previsão expressa como a que havia no § 5.º do art. 521 do Projeto da
195
Portanto, é cabível ação rescisória por violação manifesta da norma
jurídica quando a decisão deixou de aplicar ou aplicou equivocadamente o padrão
decisório constante nas decisões do Supremo Tribunal Federal em controle
concentrado de constitucionalidade; nos enunciados de súmula vinculante; nos
acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de
demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial
repetitivos; nos enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria
constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional; ou
na orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados,
sempre levando-se em consideração a similitude (ou a distinção) das
circunstâncias fáticas e das razões de decidir da decisão rescindenda e do
precedente alegadamente violado, que viabilize solução jurídica diversa.532
Recentemente, um julgado do Superior Tribunal de Justiça sinaliza a
encampação da tese aqui defendida. A sua Terceira Turma, em acórdão unânime
de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, manifestou no sentido de que não há
como autorizar a ação rescisória com fundamento em pronunciamentos não
vinculantes. A contrario sensu, parece acertado o entendimento de é cabível ação
rescisória por violação manifesta a norma jurídica quando a lei atribui eficácia
Câmara, que não foi mantida pelo Senado na última etapa do processo legislativo – ao qual faço menção mais abaixo –, é inegável que a observância dos ‘precedentes’ referidos nos incisos do art. 927 (mesmo por quem queira dar a eles caráter vinculante) pressupõe a similaridade do caso (na perspectiva fática e jurídica) e a correlata demonstração desta similaridade. É este o alcance da fundamentação exigida para a espécie, nos termos dos incisos V e VI do § 1.º do art. 489, aplicáveis à espécie por força do § 1.º do art. 927. A existência de distinção do caso para justificar a não observância do precedente é elemento inerente ao que estou chamando de direito jurisprudencial. Tanto quanto a demonstração fundamentada de que o precedente aplica-se por causa das peculiaridades do caso concreto, exigindo, destarte, resposta isonômica do Estado-juiz” (BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 602-603). 532 A interpretação proposta compatibiliza a crítica por atecnia que Jaldemiro Rodrigues de Ataíde Jr. faz ao § 5.º do art. 966 do Código de Processo Civil: “A menção a ‘enunciado de súmula, acórdão ou precedente’ parece desconsiderar a distinção entre texto e norma, sendo, nesse aspecto, incongruente com o inciso V, do artigo em comento, que prevê o cabimento de ação rescisória por violação à norma jurídica. Ora, não podemos olvidar que a ratio decidendi dos precedentes tem natureza de norma, ao passo que o precedente em si é texto; logo, da mesma forma que se distingue o texto (enunciado legal) da norma construída a partir dele. Deve-se distinguir o precedente (texto) da ratio decidendi (norma) construída a partir dele” (ATAÍDE JR., Jaldemiro Rodrigues de. Comentários ao art. 966. In: CÂMARA, Helder Moroni (Coord.). Código de Processo Civil comentado. São Paulo/Lisboa: Almedina, 2016. p. 1196).
196
vinculante aos pronunciamentos do art. 927 do Código de Processo Civil e a
decisão rescindenda não foi em sentido diverso.533
Quanto aos enunciados de súmula vinculante ou aos enunciados das
súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior
Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional, é necessário que se verifique e
se faça o cotejo entre as circunstâncias fáticas e as razões de decidir dos
precedentes que lhe são subjacentes e as da decisão rescindenda.534-535
Nesse caso – ação rescisória por violação a precedente –, o autor não
precisará indicar texto normativo de lei ou princípio como norma violada, podendo
indicar o precedente não seguido pela decisão rescindenda ou aplicado
indevidamente. Sendo a violação manifesta a precedente a causa de pedir da
533 “Processo civil. Recurso especial. Ação rescisória. Hipótese de cabimento. Violação à literal disposição de lei. Precedente do STJ com eficácia vinculante. 1. Ação rescisória ajuizada em 05.12.2014, de que foi extraído o presente recurso especial, interposto em 18.03.2015 e concluso ao Gabinete em 24.02.2017. Julgamento pelo Código de Processo Civil/73. 2. Cinge-se a controvérsia a decidir, preliminarmente, sobre o cabimento da ação rescisória e, no mérito, se o acórdão rescindendo violou o art. 205 do CC/02. 3. A Súmula 343/STF nega o cabimento da ação rescisória quando o texto legal tiver interpretação controvertida nos tribunais. No entanto, o STF e esta Corte têm admitido sua relativização para conferir maior eficácia jurídica aos precedentes dos Tribunais Superiores. 4. Embora todos os acórdãos exarados pelo STJ possuam eficácia persuasiva, funcionando como paradigma de solução para hipóteses semelhantes, nem todos constituem precedente de eficácia vinculante. 5. A despeito do nobre papel constitucionalmente atribuído ao STJ, de guardião da legislação infraconstitucional, não há como autorizar a propositura de ação rescisória – medida judicial excepcionalíssima – com base em julgados que não sejam de observância obrigatória, sob pena de se atribuir eficácia vinculante a acórdão que, por lei, não o possui. 6. Recurso especial desprovido” (BRASIL. STJ, 3.ª Turma, REsp 1655722/SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 14.03.2017, DJe 22.03.2017). 534 Sobre análise dos enunciados de súmula à luz dos precedentes, leciona Alexandre Freitas Câmara: “A Súmula da Jurisprudência Predominante do STF é o resumo organizado da jurisprudência pacificada daquela Alta Corte. É formada por uma série de enunciados, os quais resumem as conclusões alcançadas em reiteradas decisões acerca de uma dada matéria, que são os precedentes. É preciso, porém, recordar sempre que os enunciados têm de ser interpretados à luz dos precedentes” (CÂMARA, Alexandre Freitas. Ação rescisória. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 56). No mesmo sentido, observa Jaldemiro Rodrigues de Ataíde Jr., ao comentar o cabimento de ação rescisória por violação a súmula: “súmula não é precedente e jamais dispensa que se perquira sobre a ratio decidendi dos precedentes que lhe são subjacentes” (ATAÍDE JR., Jaldemiro Rodrigues de. Comentários ao art. 966. In: CÂMARA, Helder Moroni (Coord.). Código de Processo Civil comentado. São Paulo/Lisboa: Almedina, 2016. p. 1197). 535 Pelas razões defendidas no texto é que parece equivocado o entendimento no sentido da não admissão de ação rescisória por violação de enunciado de súmula à luz do Código de Processo Civil de 2015: “Não cabe ação rescisória de violação de jurisprudência, bem como súmulas ou orientações jurisprudenciais, pois não são leis” (DINIZ, José Janguiê Bezerra. Ação rescisória dos julgados. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2016. p. 93); “Não abrange, todavia, texto de súmula, mesmo que se trate de súmula vinculante” (SÁ, Renato Montans de. Manual de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 975).
197
ação rescisória, o autor deve apontar expressamente qual precedente foi violado
pela decisão rescindenda.
Isso não retira a importância dos enunciados legais que também poderão
ser utilizados como fundamento para o cabimento de ação rescisória por violação
à norma jurídica. É possível que se faça alusão ao texto de lei como fonte do
direito violada e também ao precedente.536 Afinal, a norma jurídica é o resultado
da interpretação das fontes de direito, sendo a lei a principal delas. Por isso,
sempre será possível a alegação de violação à norma jurídica decorrente de
interpretação do texto de lei que deu origem ao precedente e que dele fora objeto
de interpretação.537
Vale anotar o pensamento de Flávio Luiz Yarshell. Antes do acréscimo
dos §§ 5.º e 6.º ao art. 966 do Código de Processo Civil, manifestou-se no sentido
de que, em princípio, os precedentes judiciais não poderiam ser utilizados como
fundamento para o cabimento de ação rescisória.538
Após o acréscimo dos §§ 5.º e 6.º ao art. 966 do Código de Processo
Civil, Flávio Luiz Yarshell diz que as regras dos §§ 5.º e 6.º do “art. 966 deve[m]
ser interpretada[s] como mais um indicativo da ênfase que o sistema deu ao
modelo de decisões vinculantes, idealizadas como instrumento para uma
jurisprudência ‘estável, íntegra e coerente’ – conforme a dicção do art. 926”.
No entanto, entende o Professor da Universidade de São Paulo que a
decisão que não aplica precedente viola o art. 489, § 1.º, V e VI, do Código de
Processo Civil, dando azo ao cabimento de ação rescisória por error in
536 “No caso de violação a precedente obrigatório, deve-se indicar o número do processo que lhe deu origem. É possível, de igual modo, indicar o texto normativo que foi objeto de interpretação pelo precedente. A ratio decidendi pode ser regra geral que concretiza um princípio” (DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil. 13. ed. Salvador: JusPodivm, 2016. v. 3, p. 489). 537 ATAÍDE JR., Jaldemiro Rodrigues de. Comentários ao art. 966. In: CÂMARA, Helder Moroni (Coord.). Código de Processo Civil comentado. São Paulo/Lisboa: Almedina, 2016. p. 1198. 538 “Muito embora tenham papel relevante no novo diploma, os precedentes judiciais – ressalva feita à considerável imprecisão terminológica do Código de Processo Civil de 2015 nessa seara – não poderão, em princípio, subsidiar pura e simplesmente o pedido formulado em rescisória; ainda que eles possam servir de reforço na argumentação e atuar de forma persuasiva quanto à violação manifesta a uma (autêntica) norma jurídica” (YARSHELL, Flávio Luiz. Breves notas sobre a disciplina da ação rescisória no Código de Processo Civil 2015. O novo Código de Processo Civil: questões controvertidas. São Paulo: Atlas, 2015. p. 165-166).
198
procedendo. 539 Nesse sentido, também se posicionou José Miguel Garcia
Medina.540
O raciocínio é interessante, pois realmente há um error in procedendo,
mas o principal erro da decisão rescindenda é o error in iudicando que aplicou
erroneamente precedente inaplicável ou que deixou de aplicar precedente
aplicável, violando, assim, manifestamente a norma jurídica.
4.3 Ação rescisória por violação à norma jurídica constitucional
O § 15 do art. 525 e o § 8.º do art. 535 do Código de Processo Civil
preveem o cabimento de ação rescisória, por violação à norma jurídica
constitucional, quando a obrigação reconhecida em decisão judicial transitada em
julgado for fundada em lei ou ato normativo considerado supervenientemente
inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundada em aplicação ou
interpretação da lei ou do ato normativo tido posteriormente pelo Supremo
Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal, em controle de
constitucionalidade concentrado ou difuso, e os efeitos não forem atingidos por
modulação, em atenção à segurança jurídica. Trata-se de hipótese de cabimento
de ação rescisória por violação à norma jurídica constitucional quando o 539 YARSHELL, Flávio Luiz. Comentários ao art. 966. In: BUENO, Cassio Scarpinella (Coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2017. v. 4, p. 172. 540 “Considera-se haver violação manifesta à norma jurídica, nos termos do art. 966, V, do Código de Processo Civil/2015, também quando ‘decisão baseada em enunciado de súmula ou acórdão proferido em julgamento de casos repetitivos que não tenha considerado a existência de distinção entre a questão discutida no processo e o padrão decisório que lhe deu fundamento’ (cf. § 5.o do art. 966 do Código de Processo Civil/2015, inserido pela Lei n. 13.256/2016). Está-se, no caso, diante de decisão que, de certo modo, viola o art. 489, § 1.º, V, do Código de Processo Civil/2015. Esse dispositivo, contudo, refere-se apenas à omissão, que justifica, p. ex., o cabimento de embargos de declaração (cf. art. 1.022, caput, II, e parágrafo único, II, do Código de Processo Civil/2015. Para que se admita ação rescisória na hipótese, porém, exige-se algo mais: que se demonstre que, no caso, trata-se de ‘situação particularizada por hipótese fática distinta ou questão jurídica não examinada, a impor outra solução jurídica’ (cf. § 6.o do art. 966 do Código de Processo Civil/2015, na redação da Lei n. 13.256/2016). Assim, ao error in procedendo (p. ex., decisão que cita, como base, precedente, desconsiderando distinção existente no caso, o que pode consistir em manifestação conhecida como confirmation bias,) [...] há que se adicionar que outra seria a solução, caso se tivesse notado a diferença entre o padrão decisório citado e o caso julgado. De certo modo, pode-se dizer que, no caso, não se decretará a nulidade (em razão da fundamentação) se não se demonstrar que, não tivesse havido error in procedendo, o resultado seria diverso, favorável ao autor da ação rescisória” (MEDINA, José Miguel Garcia. Comentários ao art. 966. In: STRECK, Lenio Luiz; NUNES, Dierle; CUNHA, Leonardo Carneiro da (Org.). FREIRE, Alexandre (Coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: 2017. p. 1295).
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entendimento do Supremo Tribunal Federal ocorrer após o trânsito em julgado da
decisão.
Para o cabimento de ação rescisória por violação à norma jurídica
constitucional quando a decisão for fundada em texto normativo posteriormente
considerado inconstitucional ou quando considerou inconstitucional texto
normativo posteriormente declarado constitucional, é necessário que o trânsito em
julgado da decisão exequenda tenha ocorrido antes da decisão do Supremo
Tribunal Federal. Ou seja, a decisão do Supremo deve ter sido proferida após o
trânsito em julgado da decisão exequenda. Se a decisão do Supremo Tribunal
Federal for proferida antes do trânsito em julgado da decisão exequenda, o
executado poderá alegar a inexigibilidade da obrigação contida no título executivo
em sede de impugnação ao cumprimento de sentença. Tudo nos termos dos §§
12 a 15 do art. 525 e dos §§ 5.º a 8.º do art. 535 do Código de Processo Civil.541
541 Cassio Scarpinella Bueno elogia a opção legislativa: “Acabou prevalecendo no Código de Processo Civil de 2015 o § 14, que nasceu no Projeto da Câmara, prescrevendo que a decisão do STF, que autoriza a inexigibilidade da obrigação retratada no título, deve ter sido proferida antes do trânsito em julgado da decisão exequenda. Correta a regra: se proferida depois do trânsito em julgado, a hipótese será de ação rescisória por ‘violar manifestamente norma jurídica’ (art. 966, V), descartando-se, por se tratar de matéria constitucional, a aplicação da Súmula 343 do STF. O § 15 do art. 525 é claro nesse sentido, acentuando, ademais, que o prazo para a rescisória ‘será contado do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal’” (BUENO, Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil anotado. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 615-616). A opção legislativa pelo cabimento da ação rescisória nesse caso vai ao encontro do que Paulo Henrique dos Santos Lucon propugnava desde 2005, in verbis: “É certo que o direito positivo não conhece todas as situações aptas a desconsiderar a sentença transitada em julgado, mas admitir a revisão do decisum já coberto pela autoridade da coisa julgada material em situações não previstas no ordenamento jurídico, pelas razões expostas, não pode ser aceita. Por isso, de lege ferenda, é o caso de se ampliar casos para a ação rescisória. No caso de descoberta científica apta a demonstrar o erro na solução dada ao caso concreto quando era impossível valer-se de determinada prova seria o caso de admitir a ação rescisória a partir do momento em que o interessado obtém o laudo, em vez do trânsito em julgado da sentença rescindenda. Sem excluir a possibilidade de ação rescisória, o art. 741, parágrafo único, do Código de Processo Civil viabiliza a oposição de embargos à execução e a propositura de ação cognitiva autônoma, vias obviamente não sujeitas ao prazo de dois anos da ação rescisória, contra sentença inconstitucional, desde que tenha havido o reconhecimento da inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal da lei que serviu de fundamento para a sentença a ser atacada” (LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Coisa julgada, efeitos da sentença, coisa julgada inconstitucional e embargos à execução do art. 741, parágrafo único. Revista do Advogado, São Paulo, v. 84, p. 145-167, 2005; Idem. Coisa julgada, conteúdo e efeitos da sentença, sentença inconstitucional e embargos à execução contra a fazenda pública (ex vi art. 741, parágrafo único, do Código de Processo Civil). Revista de Processo, v. 141, p. 20-52, nov. 2006). Sobre o tema, leciona Teresa Arruda Alvim: “Não nos parece poder-se entender como abrangida pelos arts. 525, §§ 12 a 15 e 535, §§ 5.º a 8.º, do Código de Processo Civil de 2015 a situação de a sentença exequenda ter afastado certo dispositivo legal, por considerá-lo inconstitucional, quando posteriormente sobrevenha ação declaratória de constitucionalidade, em que se o considere constitucional. Isto poderia ocorrer desde que a razão em virtude da qual teria sido afastado o dispositivo por ser inconstitucional
200
O § 12 do art. 525 e o § 5.º do art. 535 do Código de Processo Civil,
aplicável extensivamente ao caso por remissão expressa do § 15 do art. 525 e do
§ 8.º do art. 535 do Código de Processo Civil, preveem que não só as decisões
em controle concentrado de constitucionalidade, mas também as decisões
proferidas pelo Supremo Tribunal Federal em controle difuso de
constitucionalidade dá azo ao cabimento de ação rescisória por violação à norma
jurídica constitucional.542
Para aplicação do disposto no § 12 do art. 525 e no § 5.º do art. 535 do
Código de Processo Civil e cabimento de ação rescisória por violação à norma
jurídica constitucional no que tange ao controle difuso de constitucionalidade
realizado pelo Supremo Tribunal Federal, há necessidade de o texto ou o ato
normativo ter sido posteriormente suspenso pelo Senado Federal, nos termos do
art. 52, X, da Constituição.543
coincida, ‘às avessas’, com a ratio decidendi do acórdão do STF que considerou o dispositivo constitucional. Caso tal orientação não seja admitida, em nosso sentir estar-se-ia, aqui, diante de um caso de rescindibilidade, com base nos arts. 966, V, do Código de Processo Civil” (ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Nulidades do processo e da sentença. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2017. p. 339). Sérgio Seiji Shimura, ao comentar o art. 525 do Código de Processo Civil de 2015, destaca a especial proteção à coisa julgada formada anteriormente à decisão do Supremo Tribunal Federal: “Uma outra novidade reside na expressa menção ao respeito à coisa julgada anteriormente formada. Para que a decisão do Supremo Tribunal Federal tenha eficácia vinculante e erga omnes é preciso que tenha sido proferida antes do trânsito em julgado da decisão exequenda. Com tal dicção, o Novo Código de Processo Civil remarca o princípio da segurança jurídica, um dos pilares do Estado de Direito. No ponto, vale lembrar que o dispositivo tem aplicação para as decisões transitadas em julgado após a entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil (art. 1.057). Se, por hipótese, uma decisão condenatória houver passado em julgado, mesmo que advenha pronunciamento do próprio Supremo Tribunal Federal em sentido contrário, reconhecendo a inconstitucionalidade da lei ou ato normativo que serviu de lastro à sentença, é preciso respeitar a coisa julgada anteriormente formada” (SHIMURA, Sérgio Seiji. Comentários ao art. 525. In: ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa; TALAMINI, Eduardo; DIDIER JR., Fredie; DANTAS, Bruno (Coord.). Breves comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais 2015. p. 1364). 542 Legítimo ou não, o § 12 do art. 525 e o § 5.º do art. 535 do Código de Processo Civil de 2015 adotam expressamente a teoria da “objetivação do recurso extraordinário”, amplamente defendida pelo Ministro Gilmar Ferreira Mendes, do Supremo Tribunal Federal: MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 954; DIDIER JR., Fredie. O recurso extraordinário e a transformação do controle difuso de constitucionalidade no direito brasileiro. In: NOVELINO, Marcelo (Org.). Leituras complementares de constitucional: controle de constitucionalidade. 3. ed. Salvador: JusPodivm, 2010. p. 445-460; FAGUNDES, Cristiane Druve Tavares. A objetivação do recurso extraordinário. Revista da Faculdade de Direito da Universidade São Judas Tadeu, n. 1, p. 110-118, jan.-jun. 2014. Disponível em: <http://www.usjt.br/revistadireito/>. Acesso em: 2 jan. 2018; MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. p. 298-299. 543 Nesse sentido, são os ensinamentos de Sérgio Seiji Shimura: “Agora, o Novo Código de Processo Civil é expresso no sentido de que a inconstitucionalidade ou interpretação de lei ou ato normativo devem ser reconhecidos em controle concentrado de constitucionalidade (por meio de
201
Com efeito, a decisão proferida em controle difuso de constitucionalidade
pelo Supremo Tribunal Federal não possui efeito vinculante, nem mesmo à luz do
sistema de precedente estabelecido pelo art. 927 do Código de Processo Civil.
Por mais que a resolução de questões constitucionais em controle difuso – seja
em recursos extraordinários, seja em processos de competência originária – pelo
Supremo Tribunal Federal tenha um caráter paradigmático para o julgamento de
outros casos, presentes e futuros, pelo próprio tribunal e também para outros
tribunais544 – isso é inegável –, não há como considerar constitucional essa parte
do dispositivo por conflitar com o inciso X do art. 52 da Constituição, que prevê a
competência privativa do Senado Federal para suspender a execução, no todo ou
em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão do Supremo Tribunal
Federal em controle difuso.545 Assim, a declaração de inconstitucionalidade de lei
ação direta de inconstitucionalidade, ação declaratória de constitucionalidade e pela arguição de descumprimento de preceito fundamental, cf. Leis 9.868/1999 e 9.882/1999) ou em controle difuso desde que a norma tenha a sua execução suspensa pelo Senado Federal (art. 52, X, CF/1988)” (SHIMURA, Sérgio Seiji. Comentários ao art. 525. In: ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa; TALAMINI, Eduardo; DIDIER JR., Fredie; DANTAS, Bruno (Coord.). Breves comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais 2015. p. 1364). 544 Em parecer emitido em caso em trâmite no Supremo Tribunal Federal, Cassio Scarpinella Bueno destaca a função paradigmática das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal em processos de competência originária para as causas semelhantes que possam vir a ser propostas em outros tribunais, ao sustentar que “a resolução dos processos de competência originária do STF reflete, inequivocamente nos demais processos, presentes ou futuros, que versem sobre idêntica questão fático-jurídica” (BUENO, Cassio Scarpinella. Parecer. Ação Cível Originária n. 2.463, Rel. Min. Marco Aurélio. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 14 mar. 2017). No mesmo sentido, Teresa Arruda Alvim e Bruno Dantas destacam a função paradigmática das decisões dos tribunais superiores: “A função paradigmática das decisões do STF e dos tribunais superiores, materializada no sistema brasileiro, entre outras maneiras, pelo elevado valor que vem sendo paulatinamente atribuído aos precedentes, atinge o seu ápice no Novo Código de Processo Civil, notadamente no já mencionado art. 926. O adequado desempenho da função paradigmática por um tribunal de cúpula, a nosso ver, pressupõe um requisito essencial: suas decisões devem gozar do respeito da sociedade, dos membros do próprio Poder Judiciário e dos demais órgãos da Administração Pública. Para tanto, concorrem alguns fatores como a honorabilidade dos seus membros, a legitimidade do procedimento perante a Corte, a uniformidade e a estabilidade das suas decisões, entre outros. Em suma, devem causar sensação geral de que a justiça foi feita” (ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa; DANTAS, Bruno. Recurso especial, recurso extraordinário e a nova função dos tribunais superiores no direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. p. 324). 545 No mesmo sentido, e também com fundamento no § 2.º do art. 102 da Constituição, que prevê a eficácia erga omnes e o efeito vinculante apenas das decisões em controle concentrado, é a lição de Cassio Scarpinella Bueno: “Chama a atenção, no particular, que também as decisões proferidas pelo STF no controle difuso da constitucionalidade possam ensejar a inexigibilidade da obrigação, a despeito de não terem, de acordo com o ‘modelo constitucional’, efeitos vinculantes. E pior: independentemente de Resolução do Senado Federal que retire a norma jurídica declarada inconstitucional por aquele método do ordenamento jurídico. Esta específica previsão, destarte, é inconstitucional, por atritar com § 2.º do art. 102 da CF e também com o inciso X de seu art. 52,
202
ou de ato normativo em controle difuso de constitucionalidade não pode ser
utilizada como precedente para fins de rescisão de decisão judicial transitada em
julgado em sentido contrário e desconstituição da coisa julgada, sem que o
Senado Federal tenha suspendido o texto ou o ato normativo.546
No entanto, a ação rescisória por violação à norma jurídica
inconstitucional não será cabível se o Supremo Tribunal Federal modular
prospectivamente os efeitos de sua decisão de inconstitucionalidade ou de
constitucionalidade, nos termos do § 13 do art. 525 e do § 6.º do art. 535 do
Código de Processo Civil que estabelecem que “os efeitos da decisão do
Supremo Tribunal Federal poderão ser modulados no tempo, em atenção à
segurança jurídica”.547
respectivamente” (BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 449). 546 Em sentido contrário, Teresa Arruda Alvim: “A nosso ver, à luz da interpretação sistemática do Novo Código de Processo Civil, a segunda situação descrita nos arts. 535, § 12, e 535, § 5.º, controle concentrado e difuso, dispensa-se a suspensão dos efeitos da lei pelo Senado (art. 52, X, da CF). Basta ter havido decisão do Supremo, mesmo numa ação entre A e B, incidentalmente. Isto por várias razões: (a) porque a declaração de que a questão se reveste de repercussão geral é feita pelo pleno (b) por causa dos já mencionados arts. 1.030, I, a, e 1.030, II (c) porque cabe reclamação de decisão que desrespeita manifestação do STF, mesmo que seja incidenter tantum, a respeito da inconstitucionalidade de uma norma ou de certa interpretação” (ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Nulidades do processo e da sentença. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2017. p. 339. Destaque no original). Heitor Victor de Mendonça Sica, ao que parece, também entende ser legítima a opção do Código pela extensão de efeitos das decisões proferidas em controle difuso de constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal: “Ademais, resta claro que triunfou a tese de ‘objetivação’ do controle difuso (isto é, a possibilidade de um simples julgamento de processo subjetivo pelo STF, especialmente recursos extraordinários, gerar eficácia). Com efeito, a teor do § 12 do dispositivo em comento, a inexigibilidade de um título executivo judicial pode ser reconhecida quando for fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais ou em aplicação/interpretação de lei ou ato normativo incompatíveis com a Constituição em decisão do STF, tanto em sede de controle concentrado de constitucionalidade (ADI, ADC, ADIO e ADPF, conforme as Leis 9.868/1999 e 9.882/1999) quanto em controle difuso (causas de competência originária, recursal ordinária e recursal extraordinária). O sistema previu, contudo, três mecanismos de contenção dessa eficácia ultra partes das decisões em sede de controle de constitucionalidade (sem distinguir as hipóteses em que for concentrado ou difuso)” (SICA, Heitor Vitor Mendonça. Comentários ao art. 525. In: CABRAL, Antonio do Passo, CRAMER, Ronaldo (Org.). Comentários ao novo Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Método, 2016. p. 832). 547 “[...] não caberá ação rescisória se o Supremo Tribunal Federal tiver modulado os efeitos de seu julgado em atenção à segurança jurídica. Realmente, se o STF tiver estabelecido no julgamento que seus efeitos são prospectivos, não alcançando situações anteriormente consolidadas, não haverá ação rescisória para desfazer decisões proferidas antes do pronunciamento da Corte Suprema” (DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil. 9. ed. Salvador: JusPodivm, 2008. v. 3, p. 498).
203
Não se trata de uma novidade propriamente dita, pois o art. 27548 da Lei
9.868/1999 e o art. 11 549 da Lei 9.882/1999 já previam a possibilidade de
modulação de efeitos pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle
concentrado. O que passa a ser curioso, a despeito das observações
supraexpostas, é a possibilidade de modulação em sede controle difuso diante de
julgamento de recurso extraordinário.550
Em que pese o § 13 do art. 525 e o § 6.º do art. 535 do Código de
Processo Civil exigirem apenas “atenção à segurança jurídica”, em interpretação
com o art. 27 da Lei 9.868/1999 e o art. 11 da Lei 9.882/1999, é possível a
modulação de efeitos também em caso “de excepcional interesse social”.
Ademais, Cassio Scarpinella Bueno entende que o juiz, em primeiro grau,
pode modular os efeitos da decisão se o Supremo Tribunal Federal não o fizer.551
Em contrapartida, o art. 1.057, nas disposições finais e transitórias, prevê
que as regras referentes ao cabimento de ação rescisória por violação à norma
jurídica constitucional, quando a decisão judicial transitada em julgado for fundada
em lei ou ato normativo considerado supervenientemente inconstitucional pelo
Supremo Tribunal Federal, ou fundada em aplicação ou interpretação da lei ou do
ato normativo tido posteriormente pelo Supremo Tribunal Federal como
incompatível com a Constituição Federal, são voltadas apenas às decisões
transitadas em julgado após a entrada em vigor do Código de Processo Civil de
2015, aplicando-se o disposto no art. 475-L, § 1.º, e no art. 741, parágrafo único, 548 “Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.” 549 “Art. 11. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, no processo de arguição de descumprimento de preceito fundamental, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.” 550 Nelson Nery Junior leciona: “[…] o sobreprincípio da segurança jurídica pode indicar a eficácia pro futuro como solução para determinada situação concreta, no caso de o jurisdicionado haver praticado atos com fundamento na lei anteriormente considerada constitucional, porque não declarada a inconstitucionalidade durante a vigência da lei, circunstância que fazia atuar a presunção iuris tantum de constitucionalidade de que gozam todas as leis em vigor no País”. (NERY JUNIOR, Nelson. Boa-fé objetiva e segurança jurídica: eficácia da decisão judicial que altera jurisprudência anterior do mesmo tribunal superior. Efeito ex nunc e as decisões do STJ. Barueri: Manole, 2009, p. 103). 551 BUENO, Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil anotado. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 615-616.
204
do Código de Processo Civil de 1973 às decisões transitadas em julgado antes de
sua entrada em vigor,552 restringindo a sua incidência imediata aos processos em
curso.
A regra do art. 1.057 é boa, mas é formalmente inconstitucional, por
violação ao art. 65553 da Constituição do Brasil, por não ter sido objeto do Parecer
956/2014 (sobre o SCD ao PLS 166/2010) nem do Parecer 1.099/2014 (adendo
ao SCD ao PLS 166/2010), tendo ressurgido (pois havia sido aprovado pela
Câmara dos Deputados, nos termos do art. 1.071 do PL 8.046/2010) no período
de revisão de texto após a aprovação do Código e antes do envio para a sanção
presidencial.
No apagar das luzes, de forma antidemocrática, pois não foi votado nas
duas casas legislativas, o at. 1.057 apareceu na “revisão final”, feita entre 17 de
dezembro de 2014 e 24 de fevereiro de 2015, conforme Parecer 1.111/2014 do
Senado Federal, tornado público apenas em 24 de fevereiro de 2015, e
encaminhada para sanção presidencial. Essa inserção sem votação torna o
dispositivo formalmente inconstitucional, por escancarada violação ao devido
processo legislativo. A “revisão final” do Senado Federal jamais poderia ter
acrescentado o dispositivo que não foi submetido à votação pela maioria dos
Senadores.554
552 “Art. 1.057. O disposto no art. 525, §§ 14 e 15, e no art. 535, §§ 7.º e 8.º, aplica-se às decisões transitadas em julgado após a entrada em vigor deste Código, e, às decisões transitadas em julgado anteriormente, aplica-se o disposto no art. 475-L, § 1.º, e no art. 741, parágrafo único, da Lei n.o 5.869, de 11 de janeiro de 1973.” 553 “Art. 65. O projeto de lei aprovado por uma Casa será revisto pela outra, em um só turno de discussão e votação, e enviado à sanção ou promulgação, se a Casa revisora o aprovar, ou arquivado, se o rejeitar. Parágrafo único. Sendo o projeto emendado, voltará à Casa iniciadora.” 554 Nesse sentido, Cassio Scarpinella Bueno atenta para o fato de dispositivo ter sido inserido no período de revisão de texto: “O art. 1.057 foi introduzido na revisão a que o texto do CPC de 2015 foi submetida antes de ser enviado à sanção, como decorrência de destaque que antecedeu a última sessão deliberativa do Senado Federal, em dezembro de 2015, encontrando correspondência (parcial) no art. 1.071 do Projeto da Câmara. A análise do Parecer n. 1/099/2014 (Adendo ao Parecer n. 956/2014) pouco (ou nada) revela sobre a sua preservação – e não dos dispositivos nele mencionados – na versão do CPC de 2015” (BUENO, Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil anotado. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 1225). Do mesmo modo, André Vasconcelos Roque entende que o art. 1.057 é formalmente inconstitucional: “[...] o art. 1.057 é formalmente inconstitucional por vício na fase final do processo legislativo, já que não chegou a ser votado em Plenário no Senado Federal. [...] O problema não é a interpretação em si, que se reputa adequada mesmo sem a previsão do art. 1.057, mas a tentativa de importar determinado entendimento acerca do CPC/2015, nele introduzindo regras que não passaram pelo regular processo legislativo” (GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, André Vasconcelos; OLIVEIRA JR., Zulmar Duarte de. Comentários ao art. 525. Processo de
205
Não obstante, não se pode deixar de observar que a previsão expressa
de cabimento de ação rescisória por violação à norma jurídica constitucional é
louvável, pois dissipa qualquer dúvida quanto ao seu cabimento quando a decisão
do Supremo Tribunal Federal for posterior ao trânsito em julgado da decisão
objeto de cumprimento de sentença. Em contrapartida, deixou claro que a
impugnação ao cumprimento de sentença com fundamento na inexigibilidade da
obrigação contida no título executivo em decorrência da “coisa julgada
inconstitucional” poderá ser alegada quando a decisão do Supremo Tribunal
Federal for proferida antes do trânsito em julgado da decisão exequenda.
No entanto, Cassio Scarpinella Bueno entende que os dispositivos legais
que preveem o cabimento de ação rescisória contra decisão coberta pela “coisa
julgada inconstitucional” foram acrescentados no Código de Processo Civil no
período de revisão de texto do processo legislativo, sendo, em seu modo de ver,
formalmente inconstitucionais, 555 por violação ao art. 65 da Constituição do
conhecimento e cumprimento de sentença: comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2016. p. 750). 555 Em suas palavras: “Só não está claro no Parecer n. 956/2014 nem no Parecer n. 1.099/2014, que antecederam a conclusão dos trabalhos legislativos relativos ao Código de Processo Civil de 2015 no Senado e a revisão a que seu texto foi submetido antes de ser enviado à sanção presidencial, a origem deste § 15. Não fosse pelo aspecto formal, é questionável, do ponto de vista substancial, a constitucionalidade do § 15 do art. 525, diante da segurança jurídica, derivada inequivocamente do inciso XXXVI do art. 5.º da CF” (BUENO, Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil anotado. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 616). Em outra obra de sua autoria: “Se a decisão do STF for posterior ao trânsito em julgado da decisão exequenda, a hipótese deverá ser veiculada pelo executado em ‘ação rescisória’, fundamentando-a no inciso V do art. 966. A novidade, no caso, trazida pelo § 15 do art. 525 está em que o prazo para a rescisória flui do trânsito em julgado da própria decisão tomada pelo STF. Embora a distinção e a harmonia das regras dos §§ 14 e 15 do art. 525 sejam inequívocas, não posso deixar de indicar, mesmo nos limites deste Manual, que a origem do § 15 não está clara no Parecer n. 956/2014 nem no Parecer n. 1.099/2014, que antecederam a conclusão dos trabalhos legislativos relativos ao Código de Processo Civil de 2015 no Senado, em dezembro de 2014. Ao que tudo indica, trata-se de regra acrescentada na revisão a que seu texto foi submetido antes de ser enviado à sanção presidencial, e, nesse sentido, violador dos limites impostos pelo art. 65 da CF ao processo legislativo naquela derradeira etapa. Sua inconstitucionalidade formal, portanto, pode e deve ser reconhecida, afastando, por essa razão, o diferencial com relação ao prazo da ação rescisória naqueles casos, prevalecendo, também para eles, o art. 975” (BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 450). A respeito da impugnação e da rescisória de decisão exequenda contra a Fazenda Pública: “A exemplo das anotações ao § 15 do art. 525, não está clara no Parecer n. 956/2014 nem no Parecer n. 1.099/2014 a origem deste último dispositivo. Ainda que a solução nele encerrada seja correta, sua inconstitucionalidade formal tem o condão de comprometer o prazo diferenciado para ajuizamento da rescisória, sem prejuízo de todo o questionamento que merece ser dirigido à regra diante da insegurança jurídica por ela promovida” (BUENO, Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil anotado. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 616). Em outro trabalho, no mesmo sentido: “As mesmas observações que fiz no n. 4.3.1.3, supra, aplicam-se aqui, inclusive quanto aos aspectos de inconstitucionalidade formal (pelo descumprimento do processo legislativo) e
206
Brasil.556 É acompanhado, nesse ponto, por Rogerio Mollica e Elias Marques de
Medeiros Neto.557
A respeito da alegada inconstitucionalidade formal, faz-se necessário
analisar todo o processo legislativo.
O Código de Processo Civil de 2015 iniciou sua tramitação legislativa
como Projeto de Lei do Senado (PLS) 166/2010. Após sua aprovação, tramitou na
Câmara dos Deputados como Projeto de Lei (PL) 8.046/2010. Retornou ao
Senado Federal em 2014 em razão de diversas emendas feitas pela Câmara dos
Deputados, em que tramitou como Substitutivo da Câmara dos Deputados (SCD)
ao Projeto de Lei do Senado (PLS) 166/2010. Recebeu o Parecer 956/2014
submetido ao Plenário e aprovado em 16 de dezembro de 2014, com alguns
destaques para votação em separado. Os destaques foram objeto do Parecer
1.099/2014, aprovado em definitivo em 17 de dezembro de 2014. Submetido à
revisão técnica, retomou com o Parecer 1.111/2014 em 24 de fevereiro de 2015,
encaminhado para sanção presidencial.
Os arts. 511 e 520 do PLS 166/2010 não continham previsão a respeito
do cabimento de ação rescisória fundada em “coisa julgada inconstitucional”.
A matéria foi incluída na tramitação legislativa pela Câmara dos
Deputados nos arts. 539, § 12, e 549, § 7.º, da versão final do PL 8.046/2010.558
Ao retornar ao Senado Federal, o Parecer 956/2014 no SCD ao PLS
166/2014, sob a justificativa de “salvar a constitucionalidade do instituto”, retirou a
substancial das regras e também quanto aos aspectos de direito intertemporal” (BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 464). 556 “Art. 65. O projeto de lei aprovado por uma Casa será revisto pela outra, em um só turno de discussão e votação, e enviado à sanção ou promulgação, se a Casa revisora o aprovar, ou arquivado, se o rejeitar. Parágrafo único. Sendo o projeto emendado, voltará à Casa iniciadora.” 557 MOLLICA, Rogerio; MEDEIROS NETO, Elias Marques de. O § 15 do art. 525 e o § 8.o do art. 535 do Novo Código de Processo Civil: considerações sobre a reabertura do prazo para o ajuizamento de ação rescisória e a segurança jurídica. Revista de Processo, ano 41, v. 262, p. 223-242, dez. 2016. 558 “Art. 539. Omissis. § 12. A decisão do Supremo Tribunal Federal referida no § 10 deve ter sido proferida antes do trânsito em julgado da decisão exequenda; se proferida após o trânsito em julgado, caberá ação rescisória, cujo prazo será contado do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal. Art. 549. Omissis. § 7.o A decisão do Supremo Tribunal Federal referida no § 5.º deve ter sido proferida antes do trânsito em julgado da decisão exequenda; se proferida após o trânsito em julgado, caberá ação rescisória, cujo prazo será contado do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal.”
207
previsão do cabimento de ação rescisória em caso de “coisa julgada
inconstitucional”.559
No entanto, o Senador Eduardo Braga apresentou os Requerimentos
1.032, 1.033, 1.034 e 1.035,560 todos de 2014, solicitando destaque para votação
em separado no plenário (DVS) dos §§ 10 e 12 do art. 539 e dos §§ 5.º e 7.º do
art. 549 do SCD ao PLS 166/2010 para prevalecerem sobre o texto consolidado
pela Comissão Especial do Senado em 4 de dezembro de 2014, conforme o
Parecer 956/2010.
Acolhidos os destaques para votação em separado no Plenário, os
requerimentos do Senador Eduardo Braga foram aprovados pelo Plenário do
Senado Federal na votação do Parecer 1.099/2014, em 17 de dezembro de 2014,
nos termos do item 13 do referido Parecer: Parecereres (sic) sobre DVS de Plenário. Esta relatoria se posiciona da seguinte maneira com relação às matérias destacadas: [...] 13. §§ 10 e 12 do art. 539; §§ 5.º e 7.º do art. 549 do SCD, que trata da inexigibilidade da obrigação reconhecida em título
559 Consta como justificativa da proposta apresentada pelo Relator, Senador Vital do Rego: “2.3.2.161. Arts. 539, § 12, e 549, § 7.º, do SCD (Proposta do Relator). Com o objetivo de salvar a constitucionalidade do instituto, impõe-se a exclusão da parte final do § 12 do art. 539 do SCD e do § 7.o do art. 549 do SCD, os quais ampliam de modo indefinido o prazo para o ajuizamento de ação rescisória, o que fragiliza, ainda mais, a coisa julgada. Assim, dê-se a seguinte redação ao § 12 do art. 539 e § 7.º do art. 549 do SCD: “Art. 539. [...] § 12. A decisão do Supremo Tribunal Federal referida no § 10 deve ter sido proferida antes do trânsito em julgado da decisão exequenda.” “Art. 549. [...] § 7.o A decisão do Supremo Tribunal Federal referida no § 10 deve ter sido proferida antes do trânsito em julgado da decisão exequenda” (BRASIL. Senado Federal. SCD no PLS 166/2010. Parecer 956/2014, Relator Senador Vital do Rêgo, p. 144-145, aprovado pelo Plenário em 16.12.2014. Disponível em: <http://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?t=159354&mime=application/pdf>. Acesso em: 4 jan. 2018). 560 Requerimento 1.032, de 2014, de autoria do Senador Eduardo Braga, solicitando destaque para votação em separado do § 10 do art. 539 do Substitutivo. Disponível em: <http://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=4201735&disposition=inline>. Acesso em: 3 jan. 2018; Requerimento n.º 1.033, de 2014, de autoria do Senador Eduardo Braga, solicitando destaque para votação em separado do § 12 do art. 539 do Substitutivo. Disponível em: <http://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=4764651&disposition=inline>. Acesso em: 3 jan. 2018; Requerimento n.º 1.034, de 2014, de autoria do Senador Eduardo Braga, solicitando destaque para votação em separado do § 5.º do art. 549 do Substitutivo. Disponível em: <http://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=3863298&disposition=inline>. Acesso em: 3 jan. 2018; Requerimento n.º 1035, de 2014, de autoria do Senador Eduardo Braga, solicitando destaque para votação em separado do § 7.º do art. 549 do Substitutivo. Disponível em: <http://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=4193345&disposition=inline>. Acesso em: 3 jan. 2018.
208
executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação de lei ou ato normativo tidas pelo Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal, em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso, podendo a decisão ser rescindida após o trânsito em julgado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal (quatro destaques do Senador Eduardo Braga): aprovação”.561
Portanto, a reinserção dos §§ 10 e 12 do art. 539 e dos §§ 5.º e 7.º do art.
549 do SCD ao PLS 166/2010 foi aprovada pelo Plenário do Senado Federal em
17 de dezembro de 2014.
Submetido o texto aprovado à revisão técnica, retornou com o Parecer
1.111/2014 em 24 de fevereiro de 2015, encaminhado para sanção presidencial,
que separou a redação do § 12 do art. 539 e do § 7.º do art. 549 do SCD ao PLS
166/2010 em dois parágrafos: Redação do SCD ao PLS 166/2010 Redação dada pelo Parecer 1.111/2014
Art. 439. § 12. A decisão do Supremo Tribunal Federal referida no § 10 deve ter sido proferida antes do trânsito em julgado da decisão exequenda; se proferida após o trânsito em julgado, caberá ação rescisória, cujo prazo será contado do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal.
Art. 525. § 14. A decisão do Supremo Tribunal Federal referida no § 12 deve ser anterior ao trânsito em julgado da decisão exequenda. § 15. Se a decisão referida no § 12 for proferida após o trânsito em julgado da decisão exequenda, caberá ação rescisória, cujo prazo será contado do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal.
Dessarte, os §§ 14 e 15 do art. 525 e o §§ 5.º e 8.º do art. 535 do Código
de Processo Civil são formalmente constitucionais, uma vez que foram inseridos
no texto legislativo aprovado pela Câmara dos Deputados e posteriormente
ratificados pelo Senado Federal na votação separada dos destaques em Plenário.
Portanto, diferentemente de outros dispositivos, não houve violação ao
devido processo legislativo. A “revisão final” do Senado Federal não alterou a
redação do dispositivo aprovado democraticamente pela Câmara dos Deputados
e pelo Senado Federal, apenas separou um parágrafo em dois parágrafos, sem
alteração do sentido.
561 BRASIL. Senado Federal. SCD no PLS 166/2010. Parecer n. 1.099/2014, adendo ao Parecer n. 956/2014. Relator Senador Vital do Rêgo, p. 9, aprovado pelo Plenário em 17.12.2014. Disponível em: <http://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?t=158933>. Acesso em: 4 jan. 2018.
209
Ainda que se entenda que o § 15 do art. 525 e o § 8.º do art. 535 do
Código de Processo Civil são formalmente inconstitucionais, subsistirá o
cabimento de ação rescisória, nessa hipótese – “coisa julgada inconstitucional” –,
com fundamento no art. 966, V, do Código de Processo Civil, que prevê o
cabimento de ação rescisória por violação manifesta à norma jurídica, que, no
caso, será norma jurídica constitucional.
A respeito da compatibilidade constitucional material dos dispositivos em
razão da indeterminação do prazo para desconstituição da coisa julgada e
rescisão do julgado, o assunto será abordado em item específico sobre o prazo
para propositura de ação rescisória fundada em “coisa julgada inconstitucional”.
4.4 Prazo para a propositura de ação rescisória por violação a precedente
O prazo para o ajuizamento da ação rescisória562 tem sido objeto de
discussão há algum tempo, principalmente após (i) o surgimento de teorias que
pugnam pela relativização da coisa julgada material;563 (ii) a inserção no Código
de Processo Civil de 1973 da possibilidade de inexigibilidade da coisa julgada
inconstitucional (art. 475-L, § 1.º, e art. 741, parágrafo único); e (iii) a descoberta
do Exame de DNA.
No direito brasileiro, desde a entrada em vigor do Código de Processo
Civil de 1973 (art. 495), o direito à rescisão do julgado coberto pela coisa julgada
material decai em dois anos, contados do trânsito em julgado da decisão.564
Trata-se de direito potestativo, que veicula pretensão desconstitutiva, sendo,
562 Sobre o tema: SHIMURA, Sérgio. Prazo para a ação rescisória. Revista de Processo, v. 209, p. 203 e ss., jul. 2012. 563 DINAMARCO, Cândido Rangel. Relativizar a coisa julgada material. A nova era do processo civil. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 216-269; THEODORO JUNIOR, Humberto; FARIA, Juliana Cordeiro de. O tormentoso problema da inconstitucionalidade da sentença passada em julgado. In: DIDIER JR., Fredie (Coord.). Relativização da coisa julgada: enfoque crítico. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2008. p. 179-224. 564 “Ação rescisória. Decadência. Tem início a contagem do prazo, para efeito da propositura da ação rescisória, no momento em que já não cabe qualquer recurso de decisão rescindenda, por não ter sido exercitado, ou por não ser mais exercitável” (BRASIL. STF, Tribunal Pleno, Ação Rescisória 1.032/RJ, Rel. Min. Djaci Falcão, j. 23.10.1986. DJ 27.02.1987).
210
portanto, um prazo decadencial.565 Antes, o prazo para a propositura da ação
rescisória era de cinco anos (art. 178, § 10, VIII, Código Civil de 1916).
Tentou-se reduzi-lo durante o processo legislativo que culminou com a
aprovação do Código de Processo Civil de 2015. Em nome da segurança jurídica,
a Comissão de Juristas elaboradora do anteprojeto do novo Código de Processo
Civil entendeu por bem reduzi-lo para um ano (art. 893), ressalvando os casos de
decisão proferida por força de prevaricação, concussão ou corrupção do juiz (art.
884, I) e de prova falsa (art. 884, VI), em que o termo inicial do prazo contar-se-ia
do trânsito em julgado da sentença penal condenatória.566 O Senado Federal
manteve integralmente o texto (art. 928).
Por sua vez, a Câmara dos Deputados (art. 996) retomou o prazo bienal
para o exercício do direito à rescisão dos julgados e, indo além, previu três
parágrafos, cada um tratando de uma peculiaridade, todas mantidas no Código de
Processo Civil de 2015 (art. 975).
O § 1.º do art. 975 estabelece expressamente que, quando o prazo
expirar em férias forenses,567 recesso, feriados ou em dia em que não houver
expediente forense, prorrogar-se-á a data final até o primeiro dia útil
imediatamente subsequente. Em que pese a posição doutrinária no sentido de
que o prazo decadencial é material e, por essa razão, em regra, não se suspende
nem se interrompe (art. 207, Código Civil), o Código de Processo Civil de 2015
565 AMORIM FILHO, Agnelo. Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar ações imprescritíveis. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 193, ano 58, jan.-mar. 1961; THEODORO JR., Humberto. Distinção científica entre prescrição e decadência – Um tributo à obra de Agnelo Amorim Filho. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 836, p. 49-68, 2005. 566 Pontes de Miranda já afirmava: “Se foi julgada a falsidade da prova, em juízo criminal, o prazo preclusivo somente começa de correr com o trânsito em julgado da sentença penal”. Ao referir-se ao Código de Processo Civil de 1973, esclarece: “No art. 495 fala-se de ‘trânsito em julgado da decisão’, mas, como, na espécie do art. 485, VI, 1.a parte, há o pressuposto de dois trânsitos em julgado, tem-se de atender à necessariedade do trânsito da sentença da ação penal” (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado da ação rescisória das sentenças e de outras decisões. Rio de Janeiro: Forense, 1976. p. 373). 567 Já tivemos a oportunidade de nos manifestar a respeito das “férias forenses” no projeto de Novo Código de Processo Civil: SANTOS, Welder Queiroz dos. A suspensão dos prazos processuais de 20 de dezembro a 20 de janeiro no projeto de Código de Processo Civil. Revista de Processo, v. 204, p. 249-262, 2012; e também no Código de Processo Civil de 2015: SANTOS, Welder Queiroz dos. As férias dos advogados privados: a suspensão dos prazos processuais de 20 de dezembro a 20 de janeiro no Código de Processo Civil de 2015. In: OLIVEIRA, Pedro Miranda de (Coord.). Impactos do Código de Processo Civil na advocacia. Florianópolis: Conceito Editorial, 2015. No prelo.
211
optou por acolher o entendimento já manifestado anteriormente pelo Superior
Tribunal de Justiça.568
O § 2.º do art. 975, por seu turno, estabelece que o termo inicial para a
propositura de ação rescisória com base em prova nova será considerado a partir
da sua descoberta, limitado ao prazo máximo de cinco anos, contado do trânsito
em julgado da última decisão proferida no processo.569
Embora de forma mais ampla, o Código de Processo Civil de 2015 acolhe
as considerações feitas de lege ferenda por José Carlos Barbosa Moreira ao se
referir ao termo inicial para a contagem do prazo da rescisória com base em
Exame de DNA novo, no sentido de ser […] conveniente modificar aí a disciplina, não para abolir o pressuposto temporal – pois, com a ressalva que se fará adiante, relutamos em deixar a coisa julgada, indefinidamente, à mercê de impugnações –, mas para fixar o termo inicial do prazo no dia em
568 Processual civil. Agravo regimental na ação rescisória. Ajuizamento fora do prazo previsto no art. 495 do Código de Processo Civil. Decadência configurada. Indeferimento liminar da petição inicial. Agravo regimental desprovido. 1. A decisão que se pretende rescindir foi publicada no dia 10 de março de 2003 (fl. 181), tendo sido opostos embargos de declaração, que foram rejeitados pela Segunda Turma deste Pretório à consideração de que não havia omissão, obscuridade ou contradição no decisum embargado. Tal acórdão foi publicado em 8 de setembro de 2003. Diante disso, foi apresentado recurso de agravo regimental, que não foi conhecido pelo Ministro Relator sob o fundamento de que era intempestivo e incabível, já que interposto contra decisão colegiada (fl. 222). Não se conformando, os demandantes ofertaram recurso extraordinário e, ante sua não admissão pelo Presidente desta Corte, agravo de instrumento endereçado ao Supremo Tribunal Federal, com vistas a que fosse examinado o recurso extremo. O Pretório Excelso, em decisão transitada em julgado em 16 de dezembro de 2004, negou seguimento ao recurso, com respaldo no art. 21, § 1.º, do seu Regimento Interno, em razão de considerá-lo intempestivo (fl. 262). 2. Nos termos do art. 495 do Código de Processo Civil, ‘o direito de propor ação rescisória se extingue em 2 (dois) anos, contados do trânsito em julgado da decisão’. Esse prazo, por ser decadencial, não se interrompe, nem se suspende, prevalecendo o entendimento na doutrina e na jurisprudência de que, findando em dia feriado ou em fim de semana, prorroga-se o termo ad quem para o primeiro dia útil subsequente. É contado do trânsito em julgado da última decisão que tratou do mérito da demanda, ou seja, quando esta não mais for impugnável por recurso, seja por decurso de prazo, seja por inadmissibilidade da via recursal eleita. 3. No caso concreto, o termo inicial do biênio para o ajuizamento da ação rescisória foi o dia seguinte ao término do prazo para recorrer do aresto prolatado no julgamento dos embargos declaratórios opostos (publicado em 8 de setembro de 2003), e, tendo sido proposta a presente demanda somente em 15 de dezembro de 2006, mostra-se evidente a decadência. 4. Agravo regimental desprovido” (STJ, 1.ª Seção, AgRg na AR 3691/MG, Rel. Min. Denise Arruda, j. 27.06.2007, DJ 27.08.2007, p. 172). 569 Preocupado com a problemática envolvendo a prova nova, o Deputado Hugo Leal, relator-parcial referente aos livros Processos nos tribunais e meios de impugnação das decisões judiciais e Disposições finais e transitórias, propôs que o prazo fosse de cinco anos, contados do trânsito em julgado. Relatório-parcial disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostra rintegra?codteor=990797&filename=Tramitacao-PL+6025/2005>. Acesso em: 8 dez. 2012.
212
que o interessado obtém o laudo, em vez do trânsito em julgado da sentença rescindenda.570
No mesmo sentido, Luiz Guilherme Marinoni já pugnou pela imediata
intervenção legislativa ao expor que […] a sentença da ação de investigação de paternidade somente pode ser rescindida a partir de prazo contado da ciência da parte vencida sobre a existência do exame de DNA. Não obstante, a dificuldade de identificação dessa ciência, que certamente seria levantada, é somente mais uma razão a recomendar a imediata intervenção legislativa.571
Por fim, o § 3.º do art. 975 disciplina que o termo inicial para a propositura
da ação rescisória em caso de colusão das partes “começa a correr, para o
Ministério Público, que não interveio no processo, a partir do momento em que
tem ciência da fraude”.
Confessadamente, o parágrafo tem inspiração no item VI do Enunciado
100 da Súmula de jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho que
estabelece: “Na hipótese de colusão das partes, o prazo decadencial da ação
rescisória somente começa a fluir para o Ministério Público, que não interveio no
processo principal, a partir do momento em que tem ciência da fraude”.
Para fins do presente trabalho, que se refere à ação rescisória por
violação manifesta à norma jurídica e, em especial, a precedente judicial, o prazo
para o exercício do direito de rescisão dos julgados seguirá, comumente, a regra
geral que prevê o prazo decadencial de dois anos para a propositura da
demanda.
No entanto, há duas peculiaridades que merecem análise especial: o
prazo para a ação rescisória contra decisão interlocutória de mérito e capítulo não
recorrido, com a subespecificidade quanto ao juízo de não admissibilidade do
recurso, e o prazo para propositura de ação rescisória fundada em “coisa julgada
inconstitucional”.
570 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Considerações sobre a chamada “relativização” da coisa julgada material. In: DIDIER JR., Fredie (Coord.). Relativização da coisa julgada: enfoque crítico. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2008. p. 248. 571 MARINONI, Luiz Guilherme. O princípio da segurança dos atos jurisdicionais (a questão da relativização da coisa julgada material. In: DIDIER JR., Fredie (Coord.). Relativização da coisa julgada: enfoque crítico. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2008. p. 277.
213
4.4.1 Especificamente o prazo para a ação rescisória contra decisão interlocutória
de mérito e capítulo não recorrido
O Deputado Hugo Leal, relator parcial dos livros Processos nos tribunais
e meios de impugnação das decisões judiciais e Disposições finais e transitórias,
foi feliz ao propor, em seu Relatório Parcial, a regulamentação do prazo para a
ação rescisória contra decisão interlocutória de mérito e contra capítulo não
recorrido, na linha do Enunciado 100, item II, da Súmula do Tribunal Superior do
Trabalho,572 com os seguintes dispositivos: No caso de decisão parcial de mérito, o prazo a que se refere o caput conta-se do respectivo trânsito em julgado, e também que No caso de recurso parcial, nos termos do art. ___, o prazo a que se refere o caput conta-se do trânsito em julgado do capítulo não recorrido.573
Os textos acima não foram acolhidos e atualmente a matéria é regida pela
regra geral constante do caput do art. 975: “O direito à rescisão se extingue em 2
(dois) anos contados do trânsito em julgado da última decisão proferida no
processo”.
Quanto ao termo inicial da contagem do prazo, uma vez transitada em
julgado a decisão interlocutória de mérito ou o capítulo não recorrido, a ação
rescisória pode ser proposta desde logo.574
572 Enunciado 100, II, Súmula do TST: “Havendo recurso parcial no processo principal, o trânsito em julgado dá-se em momentos e em tribunais diferentes, contando-se o prazo decadencial para a ação rescisória do trânsito em julgado de cada decisão, salvo se o recurso tratar de preliminar ou prejudicial que possa tornar insubsistente a decisão recorrida, hipótese em que flui a decadência a partir do trânsito em julgado da decisão que julgar o recurso parcial”. 573 O relatório parcial do Deputado Hugo Leal, referente aos livros Processos nos tribunais e meios de impugnação das decisões judiciais e Disposições finais e transitórias, está disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=990797&filename=Tramitacao-PL+6025/2005>. Acesso em: 2 abr. 2017. 574 ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Ação rescisória. Temas essenciais do novo CPC. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. p. 625; ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais 2015. p. 1394; BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 634; DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil. 13. ed. Salvador: JusPodivm, 2016. v. 3, p. 460-463; BARIONI, Rodrigo. Comentários ao art. 975. Breves comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais 2015. p. 2175; CRAMER, Ronaldo. Comentários ao art. 975. Comentários ao novo Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 1414; ATAÍDE JR., Jaldemiro Rodrigues de. Comentários ao art. 975. Código de Processo Civil comentado. São Paulo/Lisboa: Almedina, 2016. p. 1218; PEIXOTO, Ravi. Ação rescisória e capítulos de sentença: a análise de uma relação conturbada a partir do
214
No entanto, a grande questão sobre o presente tema diz respeito ao
termo final.
Há basicamente dois posicionamentos na doutrina sobre a norma jurídica
extraível da interpretação do dispositivo a respeito do prazo para o exercício do
direito de rescisão de decisão interlocutória de mérito e de capítulo não recorrido.
De um lado, pode ser interpretada como a última decisão entre todas as decisões
que podem ser proferidas em um mesmo processo; de outro, como a última
decisão do processo referente ao capítulo julgado.
Teresa Arruda Alvim entende que somente a última decisão transitada em
julgado terá o prazo de dois anos para ser rescindida, tendo a decisão
interlocutória de mérito e o capítulo não recorrido prazo maior do que este. Para a
relatora-geral da comissão responsável pela elaboração do anteprojeto de Código
de Processo Civil, “o prazo não se esgota, se o autor da eventual rescisória
preferir esperar que haja trânsito em julgado de todas as decisões”. 575 Luiz
Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero sustentam que “o
trânsito em julgado ocorre em um único momento, com o que o novo Código
expressamente rejeitou a possibilidade de formação da coisa julgada por
capítulos”.576 Alexandre Freitas Câmara enfatiza que “o termo inicial do prazo
decadencial não é o trânsito em julgado da decisão rescindenda, mas o momento
do trânsito em julgado da última decisão a ser proferida no processo”.577 Rodrigo
Barioni afirma que “por ‘última decisão proferida no processo’ deve-se entender a
última decisão proferida na causa, na fase de conhecimento”. 578 Jaldemiro
Rodrigues de Ataíde Jr. aduz que interpretação diversa desconsideraria o Código de Processo Civil/2015. Processo nos tribunais e meios de impugnação às decisões judiciais. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 223-243. (Coleção Novo Código de Processo Civil – Doutrina selecionada, v. 6.); ARAÚJO, José Henrique Mouta. Coisa julgada sobre as decisões parciais de mérito e ação rescisória. Processo em jornadas. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 508-523. 575 ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Ação rescisória. Temas essenciais do novo CPC. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. p. 625; ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais 2015. p. 1394. 576 MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. v. 15, p. 481; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel; ARENHARevista dos Tribunais Sérgio Cruz. Novo curso de processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais 2015. v. 2, p. 595. 577 CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. São Paulo: Atlas, 2015. p. 476. 578 BARIONI, Rodrigo. Comentários ao art. 975. Breves comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais 2015. p. 2176.
215
“programa da norma”. 579 José Henrique Mouta Araújo assevera que a coisa
julgada ficará sujeita a rescisória sem fixação imediata de seu termo final, que, em
seu modo de ver, será resolvida pela análise do interesse processual para a sua
propositura.580 Daniel Amorim Assumpção Neves admite o trânsito em julgado
parcial, no entanto considera que o termo final ocorre apenas dois anos após o
trânsito em julgado da última decisão proferida no processo.581 Por fim, José
Miguel Garcia Medina também possui o mesmo entendimento em caso de
decisão parcial de mérito.582
Essa interpretação leva em conta parte do Enunciado 401 da Súmula do
Superior Tribunal de Justiça, que estabelece que o prazo de dois anos é contado
de “quando não for cabível qualquer recurso do último pronunciamento judicial”.
Todavia, em nosso sentir, esse entendimento é incompatível com o
Código de Processo Civil de 2015 que adota expressamente a possibilidade de
julgamento parcial de mérito (art. 356), reconhece a teoria dos capítulos da
decisão judicial (art. 966, § 3.º; art. 1.009, § 3.º; art. 1.013, § 5.º), prevê o trânsito
em julgado parcial (art. 356, § 3.º) e, por consequência, aceita a possibilidade de
formação de coisa julgada progressiva, gradual ou parcial, tornando imutável e
indiscutível a decisão de mérito ou o capítulo não recorrido (art. 502).
Havendo julgamento parcial de mérito ou, em caso de recurso parcial,
existindo capítulo não recorrido, o prazo para a propositura de ação rescisória
inicia-se imediatamente e decai em dois anos do trânsito em julgado dessa
decisão ou, em caso de recurso, da decisão que a substituir por último, sob pena
de situações jurídicas consolidadas pelo decurso do tempo serem passíveis de
rescisão muitos anos após o trânsito em julgado da decisão que resolveu o
mérito.
Nesse sentido, Cassio Scarpinella Bueno leciona que, em caso de
decisão parcial de mérito, não pode ocorrer a superação dos dois anos após o
579 ATAÍDE JR., Jaldemiro Rodrigues de. Comentários ao art. 975. Código de Processo Civil comentado. São Paulo/Lisboa: Almedina, 2016. p. 1218; 580 ARAÚJO, José Henrique Mouta. Coisa julgada sobre as decisões parciais de mérito e ação rescisória. Processo em jornadas. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 519. 581 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil: Lei 13.105/2015. São Paulo: Método, 2015. p. 497. 582 MEDINA, José Miguel Garcia. Novo Código de Processo Civil comentado. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2015. p. 1319-1320.
216
seu trânsito em julgado para fins rescisórios.583 Flávio Luiz Yarshell sustenta que,
na hipótese de resolução parcial de mérito, o art. 975 deve ser interpretado de
forma sistemática, correndo o prazo de rescisória da última decisão referente ao
julgamento antecipado parcial do mérito.584 Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro
da Cunha defendem que há mais de um prazo para cada coisa julgada e que o
termo final conta-se da última decisão sobre a questão acobertada pela coisa
julgada; se houver interposição de recurso, “a decisão que substituiu por último”.
Afirmam que essa interpretação “está em consonância com os princípios da
segurança jurídica e da boa-fé processual” e relaciona-se estritamente com o
princípio da igualdade entre o prazo que o credor tem para executar e o prazo que
o devedor dispõe para propor ação rescisória.585 Leonardo Greco esclarece que
“A última decisão proferida no processo é, pois, aquela que por último decidiu a
questão sobre a qual versa a ação rescisória e não qualquer outra decisão que
tenha sido proferida posteriormente sobre questão diversa.” 586 Humberto
Theodoro Júnior é peremptório ao declarar que a literalidade do “dispositivo do
art. 975, que unifica o prazo da ação rescisória, sem respeitar a formação
parcelada da res iudicata, padece de inconteste inconstitucionalidade”.587 Délio
Mota de Oliveira Júnior também pensa que a interpretação literal do art. 975 se
mostra inconstitucional e em contradição com o sistema processual civil, de modo
que o prazo de dois anos é contado “do respectivo trânsito em julgado da última
decisão proferida em relação a cada capítulo autônomo e independente”.588 Por
fim, Ravi Peixoto expõe que a interpretação adequada deve ser “no sentido de
583 BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 634. 584 YARSHELL, Flávio Luiz. Breves notas sobre a disciplina da ação rescisória no Código de Processo Civil. O novo Código de Processo Civil. São Paulo: Atlas, 2015. p. 169. 585 DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil. 13. ed. Salvador: JusPodivm, 2016. v. 3, p. 462-463. 586 GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 354. 587 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 49. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. v. III, p. 895. 588 OLIVEIRA JÚNIOR, Délio Mota de. A formação progressiva da coisa julgada material e o prazo para o ajuizamento da ação rescisória: contradição do novo Código de Processo Civil. Processo nos tribunais e meios de impugnação às decisões judiciais. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 121. (Coleção Novo Código de Processo Civil – Doutrina selecionada, v. 6.)
217
que ele faz referência à última decisão proferida em cada capítulo [...], ou seja, à
decisão que substituiu por último cada capítulo”.589
Com efeito, o art. 5.º, XXXVI, da Constituição assegura a inviolabilidade
da coisa julgada como direito fundamental, ao garantir que “a lei não prejudicará o
direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.
Sendo assim, é necessário interpretar o caput do art. 975, no que tange
às decisões parciais de mérito e aos capítulos não recorridos, em conformidade
com a Constituição, para que seja emitida uma intepretação constitucionalmente
possível.590
Ao adotar expressamente a possibilidade de resolução parcial de mérito e
a teoria dos capítulos da decisão judicial, o Código de Processo Civil de 2015
definitivamente admitiu que a coisa julgada é constituída de forma progressiva,
gradual ou parcial. Portanto, transitada em julgado a decisão parcial de mérito ou
o capítulo não recorrido, a desconstituição da coisa julgada somente poderá
ocorrer se a ação rescisória for proposta em dois anos, sob pena de transgressão
ao art. 5.º, XXXVI, da Constituição e de decadência do direito de rescisão.
Em caso de decisão parcial de mérito não mais sujeita a recurso e de
capítulo não recorrido por recurso parcial, haverá inquestionavelmente o trânsito
em julgado. Sendo assim, o prazo de dois anos para a propositura da ação
rescisória conta-se do respectivo trânsito em julgado da decisão parcial de mérito
ou, no caso de recurso parcial, do trânsito em julgado do capítulo não recorrido.
A expressão “última decisão proferida no processo” deve ser interpretada
como a última decisão sobre o pedido julgado por decisão parcial de mérito ou
sobre o capítulo não recorrido. Essa é a interpretação que, em nosso sentir,
garante o direito fundamental à coisa julgada e o princípio da segurança jurídica.
Nesse sentido, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, à
unanimidade de votos, reconheceu que “Os capítulos autônomos do 589 PEIXOTO, Ravi. Ação rescisória e capítulos de sentença: a análise de uma relação conturbada a partir do Código de Processo Civil/2015. Processo nos tribunais e meios de impugnação às decisões judiciais. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 166. (Coleção Novo Código de Processo Civil – Doutrina selecionada, v. 6.) 590 Sobre as técnicas de interpretação em controle de constitucionalidade de leis: MARINONI, Luiz Guilherme. A jurisdição no Estado Contemporâneo. Estudos de direito processual civil: homenagem ao Professor Egas Dirceu Moniz de Aragão. São Paulo: Revista dos Tribunais 2005. p. 13-66; MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil: teoria geral do processo. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2008. v. 1, p. 128-131.
218
pronunciamento judicial precluem no que não atacados por meio de recurso,
surgindo, ante o fenômeno, o termo inicial do biênio decadencial para a
propositura da rescisória”.591
O Ministro Marco Aurélio, relator do recurso, acertadamente consignou
em seu voto: […] deve ser recusada qualquer tese versando unidade absoluta de termo inicial do biênio previsto no artigo 495 do Código de Processo Civil [art. 975 do Código de Processo Civil de 2015]. O prazo para formalização da rescisória, em homenagem à natureza fundamental da coisa julgada, só pode iniciar-se de modo independente, relativo a cada decisão autônoma, a partir da preclusão maior progressiva.
Portanto, o termo final do prazo de dois anos para o exercício do direito à
rescisão de decisão interlocutória de mérito e de capítulo não recorrido conta-se
do trânsito em julgado da decisão rescindenda, ou seja, da última decisão
referente à questão sobre a qual versa a ação rescisória, e não do último
pronunciamento posterior proferido no processo sobre questão diversa.
4.4.1.1 Especificamente quanto ao juízo de não admissibilidade do recurso
Na pendência de apreciação de admissibilidade de recurso interposto
contra qualquer pronunciamento judicial, a decisão de não conhecimento do
recurso não produz efeitos retroativos, exceto em caso de manifesta
intempestividade, sob pena de o sistema admitir o ajuizamento de ação rescisória
condicional.592 Enquanto estiver pendente a decisão sobre a admissibilidade do
recurso, não se pode entender que o prazo para a rescisória tenha se iniciado,593
como forma de evitar surpresa.
O prazo só começa da decisão em último grau que não conhece do
recurso interposto. Esse entendimento assegura que as partes não sejam
591 STF, 1.a Turma, RE 666.589/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 25.06.2014, v.u. 592 DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil. 13. ed. Salvador: JusPodivm, 2016. v. 3, p. 462-463. 593 Nesse sentido, o item III do Enunciado 100 da Súmula do Tribunal Superior do Trabalho propugna que: “Salvo se houver dúvida razoável, a interposição de recurso intempestivo ou a interposição de recurso incabível não protrai o termo inicial do prazo decadencial”.
219
surpreendidas por uma decisão que inadmite o recurso depois de mais de dois
anos de sua interposição.
Assim sendo, Flávio Luiz Yarshell aduz que, ”no caso de não
conhecimento de recurso, é forçoso considerar a última decisão e só aí contar o
prazo para rescisória”.594 Marcelo Abelha Rodrigues manifesta que, ainda que o
juízo de admissibilidade seja negativo, “por amor a estabilidade e a segurança
jurídica conta-se [o prazo] a partir da última decisão do processo”.595 Rodrigo
Barioni, na mesma linha, entende que: Por “última decisão proferida no processo” deve-se entender a última decisão proferida na causa, na fase de conhecimento. Caso tenha havido recurso, [o prazo] será a decisão proferida nesse recurso. Caso a decisão se refira a admissibilidade do recurso, tem-se que o prazo bienal será contado do trânsito em julgado dessa decisão, salvo quando se tratar de hipótese de manifesta intempestividade.596
Logo, em caso de recurso pendente de juízo de admissibilidade, os dois
anos para o exercício do direito à rescisão dos julgados inicia-se da última
decisão sobre esse recurso, ainda que ele não seja conhecido, salvo
intempestividade manifesta.
4.4.2 Especificamente o prazo para propositura de ação rescisória fundada em
“coisa julgada inconstitucional” (art. 525, § 15, e art. 535, § 8.º)
De acordo com o § 15 do art. 525 e com o § 8.º do art. 535 do Código de
Processo Civil, caberá ação rescisória por violação à norma jurídica constitucional
quando a obrigação reconhecida em decisão judicial transitada em julgado for
fundada em lei ou ato normativo considerado supervenientemente inconstitucional
pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundada em aplicação ou interpretação da lei
ou do ato normativo tido posteriormente pelo Supremo Tribunal Federal como
incompatível com a Constituição Federal, em controle de constitucionalidade
594 YARSHELL, Flávio Luiz. Breves notas sobre a disciplina da ação rescisória no Código de Processo Civil. O novo Código de Processo Civil. São Paulo: Atlas, 2015. p. 169. 595 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Manual de direito processual civil. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 1370. 596 BARIONI, Rodrigo. Comentários ao art. 975. Breves comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais 2015. p. 2176.
220
concentrado ou difuso, e os efeitos não forem atingidos por modulação, em
atenção à segurança jurídica, “cujo prazo será contado do trânsito em julgado da
decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal”.
A violação à norma jurídica constitucional por decisão fundada em “coisa
julgada inconstitucional” dá azo à propositura de ação rescisória com fundamento
no inciso V do art. 966 do Código de Processo Civil, no prazo de dois anos,
contados do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo sobre o
pedido, e, com fundamento no § 15 art. 525 ou no § 8.º do art. 535 do Código de
Processo Civil, no prazo de dois anos, contados do trânsito em julgado da decisão
proferida pelo Supremo Tribunal Federal”.
Além de ter dois prazos iguais, mas com termos iniciais diversos, o § 15
art. 525 e o § 8.º do art. 535 do Código de Processo Civil autorizam a reabertura
do prazo para o exercício do direito de rescisão de julgados com fundamento em
julgamento do Supremo Tribunal Federal.
Os dispositivos, embora formalmente constitucionais, como demonstrado
em item anterior, são, em sua interpretação literal, materialmente inconstitucionais
por incompatibilidade com os direitos fundamentais à segurança jurídica e à coisa
julgada; esta, corolário daquela. 597 É esse o motivo pelo qual Cassio Scarpinella
Bueno afirma que “é questionável, do ponto de vista substancial, a
constitucionalidade do § 15 do art. 525, diante da segurança jurídica, derivada
inequivocamente do inciso XXXVI do art. 5.º da CF”.598 Em outra obra, assevera
que o dispositivo gera “questionamento que merece ser dirigido à regra diante da
insegurança jurídica por ela promovida”.599 No mesmo sentido é o entendimento
597 José Rogério Cruz e Tucci observa que “coloca-se em xeque a segurança jurídica, uma vez que o pronunciamento da excelsa Corte pode sobrevir de muitos anos do trânsito em julgado” (CRUZ E TUCCI, José Rogério. Comentários ao art. 525. In: MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHARevista dos Tribunais Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel (Coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. t. VIII, p. 307); Beclaute Oliveira Silva atenta-se para a insegurança jurídica do enunciado normativo: “Abre-se um problema grave para a segurança jurídica, já que o jurisdicionado terá uma coisa julgada que pode vir a ser rescindível, caso o STF profira decisão de inconstitucionalidade anos depois” (SILVA, Beclaute Oliveira. Comentários ao art. 525. In: CÂMARA, Helder Moroni (Coord.). Código de Processo Civil comentado. São Paulo/Lisboa: Almedina, 2016. p. 708). 598 BUENO, Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil anotado. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 616. 599 BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 450.
221
de Dorival Renato Pavan,600 de Luiz Guilherme Marinoni,601 de Nelson Nery Junior
e Rosa Maria de Andrade Nery,602 e de Rogerio Mollica e Elias Marques de
Medeiros Neto.603
600 “Para fins de rescisória, tal como consta do § 15, não será computado o tempo entre o trânsito em julgado da decisão judicial do primeiro e seguindo graus e o trânsito em julgado de um acórdão do Supremo Tribunal Federal proferido depois desse julgamento. É como se a sentença não tivesse transitado em julgado. O preceito (§ 15) viola frontalmente a Constituição Federal (art. 5.º, XXXVI), direito inscrito entre os direitos fundamentais, que é o respeito à soberania da coisa julgada” (PAVAN, Dorival Renato. Comentários ao art. 525. In: BUENO, Cassio Scarpinella (Coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2017. v. 2, p. 717). 601 “A norma do novo CPC [§ 15 do art. 525] merece muita atenção, pois ela é irremediavelmente inconstitucional. [...] A coisa julgada está claramente garantida no art. 5.º, XXXVI, da CF. Nenhuma lei pode dar ao juiz poder para desconsiderar a coisa julgada material, até porque nenhum juiz pode negar decisão de membro do Poder Judiciário. A intangibilidade da coisa julgada material é essencial para a tutela da segurança jurídica, sem a qual não há Estado de Direito, ou melhor, sem a qual nenhuma pessoa pode se desenvolver e a economia não pode frutificar. [...] Tudo isso significa que os juízes e tribunais não devem aplicar o § 15 do art. 525 do CPC de 2015, dada a sua inescondível e insuperável inconstitucionalidade. Aliás, como será visto a seguir, o Supremo Tribunal Federal recentemente declarou a impossibilidade de ação rescisória baseada em ulterior precedente da sua lavra exatamente sob o fundamento de que isso configuraria violação da garantia constitucional da coisa julgada material” (MARINONI, Luiz Guilherme. A intangibilidade da coisa julgada diante da decisão de inconstitucionalidade. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2016. p. 106-108). 602 “Ação rescisória como consequência da declaração de inconstitucionalidade proferida pelo STF. Na hipótese de o STF proferir a decisão de inconstitucionalidade, cujo trânsito em julgado ocorrer depois de transitada em julgado a decisão que está sendo executada, o executado não poderá alegar a inexequibilidade do título nem a inexigibilidade da obrigação (CPC 525 § 1.º III), em virtude do disposto no CPC 525 § 14. O texto ora comentado autoriza a rescindibilidade da sentença ou do acórdão exequendo (CPC 966 V), no prazo previsto para o exercício dessa pretensão rescisória – 2 anos (CPC 975 caput). Ação rescisória. Segurança jurídica. Contudo, determina o texto comentado que o dies a quo desse prazo seja o do trânsito em julgado da decisão proferida pelo STF. Haveria, portanto, dois prazos de rescisória? O prazo 1 – dois anos a contar do trânsito em julgado da própria sentença exequenda – e o prazo 2 – dois anos a contar do trânsito em julgado do acórdão do STF que reconheceu a inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo em que se funda a sentença exequenda? A pretensão rescisória extinta pela decadência não pode renascer pela decisão futura do STF. Saliente-se que a ADIn, por exemplo, não tem prazo de exercício previsto em lei, de sorte que se trata de pretensão perpétua, que pode ser ajuizada dois, cinco, dez, vinte anos depois da entrada em vigor da lei apontada inconstitucional. Por óbvio, a rescisória – instituto que se caracteriza como exceção à regra constitucional da intangibilidade da coisa julgada material (CF 5.º XXXVI), que, como exceção, deve ser interpretada restritivamente – não pode receber esse mesmo tratamento nem as partes devem submeter-se a essa absoluta insegurança jurídica. Daí por que, extinta a pretensão rescisória pela decadência, não pode renascer. Entendimento diverso ofenderia o princípio constitucional da segurança jurídica e a garantia fundamental da intangibilidade da coisa julgada (CF 5.º XXXVI). Para que possa dar-se como constitucional, o dies a quo fixado no texto normativo sob comentário deve ser interpretado conforme a Constituição. Assim, somente pode ser iniciado o prazo da rescisória a partir do trânsito em julgado da decisão do STF, se ainda não tiver sido extinta a pretensão rescisória cujo prazo tenha se iniciado do trânsito em julgado da decisão exequenda. Em outras palavras, o que o texto comentado autoriza é uma espécie de alargamento do prazo da rescisória que está em curso” (NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais 2015. p. 1309. Destaques no original). 603 “Portanto, o Novo Código ao possibilitar a reabertura, em certas circunstâncias, do prazo para o ajuizamento de ação rescisória, após decisões do STF em sentido contrário à coisa julgada
222
A consequência da declaração de inconstitucionalidade do § 15 art. 525 e
do § 8.º do art. 535 do Código de Processo Civil, segundo os autores
anteriormente citados, será que o cabimento da ação rescisória se dará com base
no inciso V do art. 966 (violar manifestamente norma jurídica) e o prazo será de
dois anos, contados do trânsito em julgado da última decisão transitada em
julgado proferida no processo sobre o pedido examinado.
No entanto, apesar de a interpretação literal dos dispositivos conduzirem
a uma inconstitucionalidade material, é preciso, pois, verificar se é possível
interpretar o § 15 art. 525 e o § 8.º do art. 535 do Código de Processo Civil em
conformidade com a Constituição (mediante técnica de interpretação conforme a
Constituição) e com o sistema processual estabelecido pelo próprio Código.604
Em busca de uma interpretação compatível com a Constituição,
Alexandre Freitas Câmara, após observar que a “lei fixa o termo inicial do prazo formada, trará grande insegurança; pois as partes nunca saberão se a decisão transitada em julgada será definitiva ou se poderá ser revista após eventual decisão posterior do STF. [...] em relação às decisões que venham a transitar em julgado após a vigência do Novo Código, a insegurança jurídica reinará, pois nunca se saberá se a decisão transitada em julgado será imutável, pois muitos anos após o trânsito em julgado poderá ser prolatada uma decisão pelo STF em sentido diverso, sendo possível a reabertura do prazo para o ajuizamento da Ação Rescisória” (MOLLICA, Rogerio; MEDEIROS NETO, Elias Marques de. O § 15 do art. 525 e o § 8.o do art. 535 do Novo Código de Processo Civil: considerações sobre a reabertura do prazo para o ajuizamento de ação rescisória e a segurança jurídica. Revista de Processo, ano 41, v. 262, p. 223-242, esp. p. 230, dez. 2016). 604 Nesse sentido, foi a resposta à pergunta “Como interpretar e aplicar o CPC de 2015?” que deu nome à 1.ª Mesa (integrada também pelos Professores Flávio Luiz Yarshell, Arlete Ines Aurelli, Luiz Henrique Volpe Camargo) do Ciclo de Debates sobre o Código de Processo Civil ocorrido no dia 4 de agosto de 2017 no belíssimo TUCA (Teatro da PUC/SP), sob a Coordenação do Professor Cassio Scarpinella Bueno, conforme excerto: “[...] a interpretação dos textos normativos do CPC de 2015 deve observar os preceitos que veiculam matérias processuais estabelecidos na Constituição e nos Tratados Internacionais incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro, como é o caso do Pacto de São José da Costa Rica. Em outras palavras, a interpretação do CPC de 2015 deve observar o ‘modelo constitucional do direito processual civil’, para usar expressão amplamente difundida no Brasil por Cassio Scarpinella Bueno, como enfatiza o seu art. 1.º: ‘O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código’. Ademais, o CPC de 2015 deve ser interpretado de acordo com os direitos processuais fundamentais e humanos (normalmente contidos na Constituição Federal e nos Tratados Internacionais) que possuem inequívoca aplicabilidade imediata no ordenamento jurídico brasileiro (art. 5.º, § 2.º, Constituição). [...] Por fim, o CPC de 2015 deve ser interpretado em conformidade com o sistema processual estabelecido por ele próprio e a partir dele. Neste sentido, é importante analisar que entre os objetivos traçados pela Comissão de Juristas elaboradora do Anteprojeto de novo CPC (e contidos na exposição de motivos) encontra-se o ‘maior grau de organicidade ao sistema processual’. Isso chama a atenção para a importância da interpretação e aplicação sistemática dos textos normativos do CPC de 2015” (SANTOS, Welder Queiroz dos. Como interpretar e aplicar o CPC de 2015? Disponível em: <http://genjuridico.com.br/2017/12/18/como-interpretar-aplicar-cpc-de-2015/>. Acesso em: 3 jan. 2018).
223
decadencial para exercício do direito à rescisão, mas não estabelece seu limite
máximo”, sendo “motivo de insegurança jurídica”, propõe a interpretação
analógica ao disposto no art. 205 do Código Civil, que trata do limite máximo dos
prazos prescricionais para casos sem prazo predeterminado (em aproximação da
prescrição e da decadência), para estabelecer o prazo de dez anos, contados do
“trânsito em julgado da última decisão proferida no processo em que se prolatou a
decisão rescindenda”.605 Propõe, portanto, o prazo rescisório de dez anos do
trânsito em julgado da decisão rescindenda em caso de violação à norma jurídica
constitucional.
Por sua vez, Heitor Vitor Mendonça Sica entende que os dispositivos
abrem a possibilidade de rescisão de julgados ad infinitum, ao definir o termo
inicial sem estabelecer o termo final, sendo fonte de insegurança jurídica. Propõe,
então, a interpretação sistemática do art. 525, § 15, com o art. 975, § 2.º, para
manter o prazo de dois anos para a propositura da ação rescisória, contados do
trânsito em julgado da decisão do STF, mas limitado ao prazo de cinco anos,
contados do trânsito em julgado da decisão que constitui título executivo. Por fim,
ressalva que essa rescisória tem por finalidade “eliminar a exigibilidade da
605 “Parece, então, que em alguns casos o sistema processual, para viabilizar a rescisão de determinadas decisões, abriria mão da segurança jurídica, já que estabelece um termo inicial móvel para que comece a correr o prazo para exercício do direito à rescisão, mas não estabelece um limite máximo de tempo para que este direito venha a ser exercido. Isto, porém, contraria a necessidade de preservação do direito fundamental à segurança jurídica (art. 5.º, caput, da Constituição da República). Vale destacar, aliás, que o próprio Código de Processo Civil faz alusão, em sete diferentes ocasiões (art. 525, § 13; art. 535, § 6.º; art. 927, § 3.º; art. 927, § 4.º; art. 976, II; art. 982, § 3.º e art. 1.029, § 4.º) à necessidade de preservação da segurança jurídica. Por tal razão, deve-se considerar que a interpretação meramente literal, por força da qual se chega à conclusão de que não há limite temporal para que se exerça o direito à rescisão (desde que a ação rescisória seja proposta dentro do prazo de dois anos, cujo termo inicial, móvel, pode ocorrer a qualquer momento, sem qualquer limite) não é a interpretação constitucionalmente adequada, nem a que se conforma com o próprio sistema do Código de Processo Civil. Afinal, não se pode esquecer do comando contido no art. 1.º, por força do qual ‘o processo civil será [interpretado] conforme [as] normas fundamentais [estabelecidas] na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código’. Por conta disso, propõe-se aqui uma aplicação analógica do disposto no art. 205 do Código Civil, que trata do limite máximo dos prazos prescricionais (mas sendo legítima essa aproximação entre prescrição e decadência, já que o próprio Código de Processo Civil promove essa aproximação em algumas ocasiões, como se dá, por exemplo, no art. 240). Assim, deve-se considerar que, por força da segurança jurídica inerente à própria existência dos institutos da prescrição e da decadência, nos casos previstos no art. 975, § 3.º, e nos arts. 525, § 15, e 535, § 8.º, o direito à rescisão só poderá ser exercido até dez anos após o trânsito em julgado da última decisão proferida no processo em que se prolatou a decisão rescindenda” (CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2017. p. 469-470).
224
obrigação nele reconhecida, mas não para excluir do mundo jurídico o comando
declaratório contido na decisão”.606
Esta última interpretação afigura-se como a que melhor compatibiliza o §
15 art. 525 e o § 8.º do art. 535 do Código de Processo Civil com a Constituição
do Brasil (que garante os direitos fundamentais à segurança jurídica e à coisa
julgada) e com o sistema processual estabelecido pelo próprio Código (que
também estabelece termo inicial diferenciado para a contagem do prazo de dois
anos em caso de descoberta da prova nova, mas limita-se ao prazo máximo de
cinco anos, contado do trânsito em julgado da última decisão proferida no
processo. Essa aplicação da técnica de interpretação conforme à Constituição
cumpre exatamente a sua função de declarar a única interpretação possível e
compatível com a Constituição quando a lei interpretada em sua literalidade for
inconstitucional.
Portanto, o § 15 do art. 525 e o § 8.º do art. 535 do Código de Processo
Civil devem ser interpretados conforme à Constituição para admitir o cabimento
de ação rescisória quando a obrigação reconhecida em decisão judicial transitada
em julgado for fundada em lei ou ato normativo considerado supervenientemente
inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundada em aplicação ou
606 “Já o § 14 do dispositivo, a fim de prestigiar a coisa julgada, dispõe que a decisão apta a gerar o efeito previsto no § 12 deve ter sido proferida antes do trânsito em julgado da decisão que constitui título executivo. Esse dispositivo enseja perplexidade, pois são notoriamente frequentes os casos em que há considerável lapso temporal entre o proferimento de um acórdão e a divulgação do seu texto completo e, mais ainda, sua publicação no Diário Oficial. Isso será fonte de insegurança jurídica. Por fim, levando-se em conta a necessidade de equilibrar a imutabilidade da coisa julgada com a eficácia ultra partes das decisões do STF em matéria de controle de constitucionalidade, o § 15 dispõe que o exequente poderá manejar ação rescisória, cujo prazo (de dois anos, a teor do art. 975) passa a ser contado do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal. Essa última norma merece detida reflexão. A primeira constatação é a de que o dispositivo está mal colocado, pois deveria figurar dentre as demais regras pertinentes à ação rescisória, e não dentre aquelas dedicadas à impugnação ao cumprimento de sentença. A segunda constatação é a de que, em tese, o dispositivo abre ensejo para que o prazo de ajuizamento da ação rescisória seja ad infinitum, pois define um termo a quo (trânsito em julgado da decisão do STF) sem indicar o termo ad quem (como faz o art. 975). Numa interpretação sistemática do art. 525, § 15, com o art. 975, § 2.º, pode-se concluir que o prazo para ajuizamento da rescisória previsto no primeiro dispositivo deva se ajustar ao limite temporal de cinco anos contado do trânsito em julgado da decisão que constitui título executivo, previsto no segundo dispositivo referido. Ademais, por se tratar de uma norma especial a reger a ação rescisória, ela se presta apenas para a rescisão parcial do título executivo, isto é, para eliminar a exigibilidade da obrigação nele reconhecida, mas não para excluir do mundo jurídico o comando declaratório contido na decisão” (SICA, Heitor Vitor Mendonça. Comentários ao art. 525. In: CABRAL, Antonio do Passo; CRAMER, Ronaldo (Org.). Comentários ao novo Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Método, 2016. p. 832-833).
225
interpretação da lei ou do ato normativo tido posteriormente pelo Supremo
Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal, em controle de
constitucionalidade concentrado ou difuso, e os efeitos não forem atingidos por
modulação, em atenção à segurança jurídica, “cujo prazo será contado do trânsito
em julgado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal”, mas limitado ao
prazo máximo de cinco anos, contado do trânsito em julgado da última decisão
referente à questão sobre a qual versa a ação rescisória.
4.3 Formação do precedente, trânsito em julgado da decisão e cabimento de ação
rescisória
Verificada a possibilidade de rescisão da decisão judicial e de
desconstituição da coisa julgada em caso de violação a precedente, resta analisar
as complexas questões referentes ao momento de formação do precedente, ao
momento de trânsito em julgado da decisão rescindenda e ao cabimento de ação
rescisória.
O art. 966, V, do Código de Processo Civil prevê a possibilidade de
rescindibilidade da decisão transitada em julgado que violar manifestamente
norma jurídica, viabilizando a desconstituição da coisa julgada e o rejulgamento
da causa com a aplicação correta da norma jurídica construída à luz do
ordenamento jurídico brasileiro no tocante à determinada circunstância fática.
Trata-se de hipótese de rescisão da decisão rescindenda prevista no
ordenamento jurídico brasileiro por injustiça (erro de julgamento), e não por vício
processual em seu julgamento.607
O Código de Processo Civil preocupou-se com a promoção de um Estado
Democrático de Direito ao criar um sistema processual civil que busca
proporcionar à sociedade o reconhecimento e a realização dos direitos de cada
um dos jurisdicionados.608
607 No Capítulo 2, item 2.1, foi analisado que essa amplitude de rescindibilidade no Brasil não é imune a críticas. No entanto, é a opção do direito positivo brasileiro. 608 Consta ainda na exposição de motivos do Código de Processo Civil de 2015: “Um sistema processual civil que não proporcione à sociedade o reconhecimento e a realização dos direitos, ameaçados ou violados, que tem cada um dos jurisdicionados, não se harmoniza com as garantias constitucionais de um Estado Democrático de Direito. Sendo ineficiente o sistema
226
Buscou também realizar princípios inerentes ao próprio Estado
Democrático de Direito, como a legalidade, a igualdade e a segurança jurídica,
com potencial de gerar resultados mais justos à sociedade,609 nos limites do
ordenamento jurídico brasileiro.
A aplicação de normas jurídicas de conteúdos distintos às mesmas
circunstâncias fáticas ocorridas em um mesmo momento histórico, seja por um
mesmo tribunal, seja por tribunais distintos, não realiza o princípio da legalidade e
viola o princípio da igualdade, além de gerar intranquilidade e perplexidade ao
jurisdicionado 610 e de reduzir a credibilidade do Poder Judiciário perante a
sociedade.611
processual, todo o ordenamento jurídico passa a carecer de real efetividade. De fato, as normas de direito material se transformam em pura ilusão, sem a garantia de sua correlata realização, no mundo empírico, por meio do processo” (BRASIL. Senado Federal. Anteprojeto do novo Código de Processo Civil. Comissão de Juristas responsável pela elaboração do anteprojeto do novo Código de Processo Civil. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2010. p. 21). 609 Também consta na exposição de motivos do Código de Processo Civil de 2015: “O novo Código de Processo Civil tem o potencial de gerar um processo mais célere, mais justo, porque mais rente às necessidades sociais e muito menos complexo” (BRASIL. Senado Federal. Anteprojeto do novo Código de Processo Civil. Comissão de Juristas responsável pela elaboração do anteprojeto do novo Código de Processo Civil. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2010. p. 23). 610 Conforme, mais uma vez, a exposição de motivos do Código de Processo Civil de 2015: “Por outro lado, haver, indefinidamente, posicionamentos diferentes e incompatíveis, nos Tribunais, a respeito da mesma norma jurídica, leva a que jurisdicionados que estejam em situações idênticas, tenham de submeter-se a regras de conduta diferentes, ditadas por decisões judiciais emanadas de tribunais diversos. Esse fenômeno fragmenta o sistema, gera intranquilidade e, por vezes, verdadeira perplexidade na sociedade” (BRASIL. Senado Federal. Anteprojeto do novo Código de Processo Civil. Comissão de Juristas responsável pela elaboração do anteprojeto do novo Código de Processo Civil. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2010. p. 25). 611 Como afirma Marcelo Barbi Gonçalves: “É evidente que a vinculação à jurisprudência dos Tribunais é medida salutar que privilegia a isonomia, segurança jurídica, duração razoável dos processos e a credibilidade do Poder Judiciário” (GONÇALVES, Marcelo Barbi. Ação rescisória e uniformização jurisprudencial: considerações sobre a Jihad nomofilática. Revista Emerj, Rio de Janeiro, v. 19, n. 73, p. 185-217, esp. p. 215, abr.-jun. 2016). Em aula magna de abertura do 1.º semestre letivo de 2001 da Escola da Magistratura do Estado Rio de Janeiro (Emerj), intitulada “O Judiciário e a credibilidade da Justiça”, realizada no dia 5 de fevereiro, o Desembargador Marcus Antonio de Souza Faver, Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro à época, observou: “Todavia, ao estabelecer a decisão a nível microprocessual, o juiz não pode se esquecer de que há na decisão um conteúdo macroprocessual, pois a sociedade irá tirar daquele pronunciamento, uma orientação de conduta em outros litígios assemelhados partindo da orientação jurídica, anteriormente delineada por aquela decisão, por aquele juiz. [...] Há, ainda, outra realidade, hoje absolutamente interligada a esse tipo de comportamento, e que também me parece evidente. O Judiciário não é um Poder afastado dos demais, mas integrante dos três Poderes do Estado, de acordo com a nossa estrutura constitucional (a meu ver uma das melhores). O Judiciário é, assim, na realidade, um Poder político, o que se evidencia pelos efeitos macroprocessuais das suas decisões” (FAVER, Marcus Antonio de Souza. O Judiciário e a credibilidade da Justiça. Revista da Emerj, v. 4, n. 13, p. 13, 2001).
227
Isso porque as normas jurídicas são preordenadas a terem somente uma
interpretação correta relativamente a determinado contexto fático e em dado
momento histórico, prestigiando-se, assim, a unidade do direito, sob pena de
violação ao princípio da isonomia e da legalidade.
Seguindo a tendência anterior, o Código de Processo Civil estabeleceu no
ordenamento jurídico brasileiro um sistema de formação e de vinculação de
determinados precedentes judiciais que moldam o ordenamento jurídico, pelos
quais as teses jurídicas preestabelecidas refletem nos demais processos que têm
e que tiverem a mesma questão fático-jurídica.
Nesse sentido, no prazo previsto em lei, o Código de Processo Civil
viabiliza a ação rescisória por violação a precedentes como forma de assegurar
ao cidadão que teve uma decisão judicial transitada em julgado contrária ao
correto sentido atribuído ao ordenamento jurídico brasileiro concernente a
determinada circunstância fática em um dado momento histórico, concretizando,
assim, os princípios da legalidade, da igualdade e da segurança jurídica
decorrente da previsibilidade da atuação estatal, em detrimento da segurança
jurídica como estabilidade da relação jurídica decorrente da coisa julgada.
Em outras palavras, havendo segurança jurídica como previsibilidade
decorrente da existência de precedentes judiciais que asseguram maior
integridade, coerência e estabilidade ao sistema jurídico, observado o prazo
rescisório previsto em lei, esta deve prevalecer sobre a coisa julgada, como
elemento da segurança jurídica que leva estabilidade à relação jurídica individual
apreciada pelo Poder Judiciário.
Nessa linha, Teresa Arruda Alvim leciona que a segurança jurídica ligada
ao princípio da isonomia deve prevalecer sobre a segurança decorrente da coisa
julgada, in verbis: O sentido do valor segurança pelo qual optamos não é o necessariamente consistente na opção que congele o passado, que mantenha o que há, a qualquer preço, mas a segurança de se ter conseguido o melhor, portanto, segurança com conteúdo. Ao nos posicionarmos no sentido da impugnabilidade de tais decisões, optamos pela segurança ligada ao princípio da isonomia, à necessidade de uniformidade das decisões judiciais proferidas em face dos mesmos fatos e do mesmo texto legal, à
228
segurança de que a decisão que prevalecerá será a melhor, enfim a segurança com os olhos voltados para o futuro.612
Como se afirmou no item 2.1 do presente trabalho, a coisa julgada, a
pretexto de assegurar a estabilidade da relação jurídica e a segurança jurídica no
caso individual, não pode ser tida como um instituto jurídico que faz do branco o
negro; do quadrado o redondo (no sentido do aforismo: “res iudicata facit de albo
nigrum, de quadratum rotundum”), ou vice-versa, ao aplicar norma jurídica com
sentido errôneo com relação às circunstâncias fáticas que embasam a
controvérsia.
O próprio Estado tem (deve ter) o interesse de que a resolução dos
conflitos ocorra em conformidade com o direito. Ao viabilizar rescisão de decisões
judiciais e a desconstituição da coisa julgada por violação manifesta à norma
jurídica, o Código de Processo Civil fornece um meio rescisório com a finalidade
de propiciar aos jurisdicionados uma justiça mais justa.
Pautados nessas premissas, os itens seguintes destinam-se a analisar
questões referentes à formação do precedente, ao trânsito em julgado da decisão
rescindenda e ao cabimento de ação rescisória no tempo.
4.3.1 Inexistência de precedente na época do trânsito em julgado da decisão
rescindenda e formação posterior de precedente em sentido contrário à decisão
O cabimento de ação rescisória por violação manifesta à norma jurídica
independe da existência de precedente judicial. Uma decisão judicial pode violar a
norma jurídica quando aplicar equivocadamente vigência a enunciado normativo
vigente; não aplicar enunciado normativo aplicável ou aplicar enunciado normativo
inaplicável.
Por exemplo, se em uma ação de reparação de danos decorrente de
responsabilidade civil contratual a decisão judicial transitada em julgado afasta a
alegação de prescrição no prazo de três anos, 613 entende-se que o prazo
612 ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Nulidades do processo e da sentença. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2017. p. 353-354. 613 Art. 206, § 3.o, V, do Código Civil: “Prescreve em três anos a pretensão de reparação civil”.
229
prescricional seria de dez anos, 614 condenando o demandado a pagar ao
demandante indenização por danos emergentes e lucros cessantes. Mesmo a
demanda tendo sido proposta seis anos depois da rescisão unilateral do contrato,
poderá o demandado propor ação rescisória com fundamento na violação
manifesta ao art. 206, § 3.º, V, do Código Civil, tendo em vista que o prazo
prescricional para a reparação civil, tanto extracontratual quanto contratual, é de
três anos,615 e requerer a rescisão da decisão judicial e o rejulgamento a causa,
mesmo a matéria não tendo sido objeto de julgamento em sede recursos
repetitivos, de incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR), de
incidente de assunção de competência (IAC), nem de enunciado de súmula do
Superior Tribunal de Justiça.
Se é cabível ação rescisória por violação manifesta à norma jurídica
quando a decisão rescindenda dá sentido errôneo aos enunciados normativos à
luz de determinadas circunstâncias fáticas em um mesmo momento histórico, com
614 Art. 205 do Código Civil: “A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor”. 615 Esse foi o entendimento – O prazo prescricional de três anos para a pretensão de reparação civil aplica-se tanto à responsabilidade contratual quanto à responsabilidade extracontratual – adotado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial 1.281.594/SP: “Recurso especial. Processual civil. Civil. Ausência de violação do art. 535 do cpc/1973. Prescrição. Pretensão fundada em responsabilidade civil contratual. Prazo trienal. Unificação do prazo prescricional para a reparação civil advinda de responsabilidade contratual e extracontratual. Termo inicial. Pretensões indenizatórias decorrentes do mesmo fato gerador: rescisão unilateral do contrato. Data considerada para fins de contagem do lapso prescricional trienal. Recurso improvido. 1. Decidida integralmente a lide posta em juízo, com expressa e coerente indicação dos fundamentos em que se firmou a formação do livre convencimento motivado, não se cogita violação do art. 535 do CPC/1973, ainda que rejeitados os embargos de declaração opostos. 2. O termo ‘reparação civil’, constante do art. 206, § 3.º, V, do CC/2002, deve ser interpretado de maneira ampla, alcançando tanto a responsabilidade contratual (arts. 389 a 405) como a extracontratual (arts. 927 a 954), ainda que decorrente de dano exclusivamente moral (art. 186, parte final), e o abuso de direito (art. 187). Assim, a prescrição das pretensões dessa natureza originadas sob a égide do novo paradigma do Código Civil de 2002 deve observar o prazo comum de três anos. Ficam ressalvadas as pretensões cujos prazos prescricionais estão estabelecidos em disposições legais especiais. 3. Na V Jornada de Direito Civil, do Conselho da Justiça Federal e do Superior Tribunal de Justiça, realizada em novembro de 2011, foi editado o Enunciado n. 419, segundo o qual ‘o prazo prescricional de três anos para a pretensão de reparação civil aplica-se tanto à responsabilidade contratual quanto à responsabilidade extracontratual’. 4. Decorrendo todos os pedidos indenizatórios formulados na petição inicial da rescisão unilateral do contrato celebrado entre as partes, é da data desta rescisão que deve ser iniciada a contagem do prazo prescricional trienal. 5. Recurso especial improvido” (BRASIL. STJ, 3.ª Turma, Recurso Especial 1.281.594/SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 22.11.2016, DJe 28.11.2016). No mesmo processo, foram opostos Embargos de Divergência para a Corte Especial, que se encontram conclusos para julgamento desde 04.12.2017, tendo como relator o Ministro Benedito Gonçalves.
230
muito mais razão deve ser admitida a ação rescisória quando o sentido correto da
norma tiver sido atribuído por precedente.
Também em posição contrária, Thais Matallo Cordeiro Gomes entende
que não cabe ação rescisória por violação a enunciado de súmula, vinculante ou
persuasiva, quando a decisão de mérito transita em julgado antes de sua edição,
nesses termos: 10) Decisão de mérito transitada em julgado anteriormente à edição da súmula (vinculante ou persuasiva), salvo na hipótese de inconstitucionalidade de lei, não deverá ser rescindida. Trata-se, no máximo, de uma decisão injusta que, em prol da segurança jurídica advinda com a coisa julgada, deverá ser mantida. 11) As súmulas têm eficácia somente para fatos ocorridos após a sua edição. Fatos passados e consumados não são alcançados pelo verbete.616
O entendimento parece-nos equivocado.
O enunciado de súmula, vinculante ou persuasiva, explicita a síntese do
entendimento do tribunal sobre a compreensão de determinado tema, ou seja,
aclara a interpretação correta das fontes do direito em sintonia com as
circunstâncias fáticas e as razões de decidir dos precedentes que lhe deram
origem. Em outras palavras, os enunciados de súmula devem ter correspondência
com o contexto fático e com a solução jurídica adotada pelos precedentes
judiciais que antecederam a sua edição.
Se a decisão rescindenda adotou interpretação diversa (portanto,
equivocada) daquela firmada pelos tribunais em sede de precedentes, deve ser
admitida a ação rescisória por violação a precedentes com fundamento no art.
966, V, do Código de Processo Civil, no prazo previsto em lei. Com efeito, há
violação manifesta à norma jurídica quando a decisão rescindenda julgou de
modo desigual caso semelhante.617
Nesse sentido, Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha lecionam
que a existência de divergência de interpretação do direito entre tribunais no
momento da prolação da decisão rescindenda, sem que existisse precedente 616 GOMES, Thais Matallo Cordeiro. Ação rescisória com fundamento na violação de súmula vinculante e persuasiva. 2014. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, p. 161. 617 “Se a decisão tratou o caso de modo desigual a casos semelhantes, sem haver ou ser demonstrada qualquer distinção, haverá manifesta violação à norma jurídica. É preciso que a interpretação conferida pela decisão seja coerente” (DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil. Salvador: JusPodivm, 2016. v. 3, p. 496).
231
vinculante à época, dá azo ao direito de rescisão do julgado, em prol
concretização da unidade do direito e do princípio da igualdade: Divergência na interpretação do Direito entre tribunais, sem que existisse ao tempo da prolação da decisão rescindenda, precedente vinculante do STF ou STJ (art. 927, CPC) sobre o tema; após o trânsito em julgado, sobrevém precedente obrigatório do tribunal superior: observado o prazo da ação rescisória, há direito à rescisão, com base nesse novo precedente, para concretizar o princípio da unidade do Direito e a igualdade. Note que o § 15 do art. 525, examinado mais à frente, reforça a tese de que cabe ação rescisória para fazer prevalecer posicionamento de tribunal superior formado após a coisa julgada.618
Portanto, em caso de inexistência de precedente judicial na época do
trânsito em julgado da decisão rescindenda e de fixação posterior de precedente
em sentido contrário à decisão, é cabível ação rescisória, com fundamento no art.
966, V, do Código de Processo Civil.
4.3.2 Inexistência de precedente na época do trânsito em julgado da decisão
rescindenda, existência de divergência na interpretação entre os tribunais e
formação posterior de precedente em sentido contrário à decisão
Outra questão que merece análise detida diz respeito ao cabimento de
ação rescisória por violação manifesta à norma jurídica em caso de existência de
divergência na interpretação entre os tribunais na época do trânsito em julgado e
fixação posterior de precedente em sentido contrário à decisão.
O fato de a matéria ser de interpretação controversa nos tribunais não
parece que inviabilizaria a ação rescisória em caso de formação posterior de
precedente, uma vez que este fixa a interpretação correta do direito para as
mesmas circunstâncias fáticas ocorridas em um mesmo momento histórico.
No entanto, a questão é complexa em virtude da existência do Enunciado
343 da Súmula de jurisprudência predominante do Supremo Tribunal Federal que
estabelece o entendimento de que, se a interpretação de texto legal for
618 DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil. Salvador: JusPodivm, 2016. v. 3, p. 496.
232
controvertida nos tribunais, não será cabível a ação rescisória por ofensa à literal
disposição de lei.
Por ser controverso e tormentoso no direito processual civil brasileiro, o
enunciado merece uma análise detalhada desde sua origem até os dias de hoje.
4.3.2.1 Enunciado 343 da Súmula de jurisprudência predominante do Supremo
Tribunal Federal
Na vigência do Código de Processo Civil de 1939, o Supremo Tribunal
Federal, responsável pela última palavra, pela uniformização da jurisprudência e
pela interpretação do direito federal constitucional e infraconstitucional (ante a
inexistência do Superior Tribunal de Justiça, criado pela Constituição de 1988),
editou o Enunciado 343 da Súmula de jurisprudência predominante do Supremo
Tribunal Federal com a seguinte redação: “Não cabe ação rescisória por ofensa a
literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto
legal de interpretação controvertida nos tribunais”.
O Enunciado 343 foi aprovado em 13 de dezembro de 1963, em sessão
histórica, marcada pela aprovação dos primeiros 370 enunciados da súmula do
STF “em uma tacada só”.
O Enunciado 343 é “irmão gêmeo” do Enunciado 400, aprovado em 3 de
abril de 1964, em outra sessão histórica, marcada pela aprovação dos próximos
34 enunciados, do 371 ao 404, com a seguinte redação: “Decisão que deu
razoável interpretação à lei, ainda que não seja a melhor, não autoriza recurso
extraordinário pela letra ‘a’ do art. 101, III, da Constituição Federal”.
É importante registrar que a preocupação, naquele momento histórico, era
não só com a justiça do caso concreto, mas também com a estabilidade das
decisões judiciais (ou seja, com a segurança jurídica), uma vez que o direito de
rescisão dos julgados possuía, na vigência do Código de Processo Civil de 1939,
um prazo decadencial de cinco anos.
Isso fica evidente pela leitura das palavras do Ministro Victor Nunes Leal a
respeito: Entretanto, não foi observado o art. 798, I, letra c, do Cód. Proc. Civil, porque a adoção, pela decisão que veio a ser rescindida, de
233
uma das interpretações, então admitidas pela doutrina e pela jurisprudência, sobre restituição de dinheiro em poder do falido ou do concordatário, não se caracterizou ofensa a literal disposição de lei. Se em todos os casos de interpretação de lei, por prevalecer aquela que nos pareça menos correta, houvermos de julgar procedente ação rescisória, teremos acrescentado ao mecanismo geral dos recursos um recurso ordinário com prazo de cinco anos na maioria dos casos decididos pela Justiça. A má interpretação que justifica o iudicium rescidens há de ser de tal modo aberrante do texto que equivalha à sua violação literal. A Justiça nem sempre observa, na prática quotidiana, esse salutar princípio, que, entretanto, devemos defender, em prol da estabilidade das decisões judiciais. 619
Os julgados anteriores, que precederam a elaboração dos enunciados,
foram todos no mesmo sentido, tanto do Enunciado 343620 quanto do 400.621
Como se extrai de uma interpretação literal dos Enunciados 343 e 400 da
Súmula de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, não cabe
ação rescisória por violação à literal disposição de lei (que equivaleria,
atualmente, à violação manifesta à norma jurídica), bem como não cabe recurso
extraordinário por violação à disposição da Constituição ou de lei
infraconstitucional, quando a decisão tiver como fundamento texto de lei de
interpretação controvertida nos tribunais, ainda que essa interpretação não seja a
melhor.
4.3.2.2 A (in)aplicação do enunciado 343 da Súmula à luz da Constituição de
1988 na visão do Supremo Tribunal Federal
A Constituição de 1988 criou o Superior Tribunal de Justiça e instituiu o
recurso especial, cindindo os órgãos responsáveis pela última palavra no que diz
respeito ao direito federal, competindo ao Supremo Tribunal Federal a
uniformização da jurisprudência e a interpretação correta dos dispositivos
constitucionais e ao Superior Tribunal de Justiça a uniformização da 619 STF, 2.ª Turma, RE 50.046/Guanabara, Rel. Min. Victor Nunes Leal, j. 05.04.1963, v.u. 620 STF, 2.ª Turma, RE 41.407/DF, Rel. Min. Vilas Bôas, j. 04.08.1959, v.u.; STF, 2.ª Turma, RE 50.046/Guanabara, Rel. Min. Victor Nunes Leal, j. 05.04.1963, v.u.; STF, Tribunal Pleno, AR 602/Guanabara, Rel. Min. Gonçalves de Oliveira, j. 22.11.1963, v.u. 621 STF, 2.ª Turma, AI 22.357/Guanabara, Rel. Min. Hahnemann Guimarães, j. 17.01.1961, v.u.; STF, 2.ª Turma, AI 29.843/DF, Rel. Min. Victor Nunes Leal, j. 20.08.1963, v.u.; STF, 1.ª Turma, AI 30.500/Guanabara, Rel. Min. Pedro Chaves, j. 21.11.1963, v.u.
234
jurisprudência e a interpretação correta dos dispositivos federais
infraconstitucionais.
A partir de então, ainda que não tenha sido declarado expressamente, o
Supremo Tribunal Federal passou a reanalisar a aplicabilidade dos Enunciados
343 e 400 de sua Súmula.
No julgamento do agravo regimental no agravo de instrumento contra
decisão denegatória de Recurso Extraordinário 132.846, em 23 de junho de 1992,
o relator, Ministro Paulo Brossard, sinalizou pela necessidade de revisar a
aplicação do Enunciado 400 da Súmula. A despeito do teor do enunciado, a
Segunda Turma deu provimento ao recurso para admitir o recurso extraordinário,
afastando a aplicabilidade do enunciado 400 da Súmula, conforme excerto
extraído do voto condutor: Por fim, considerando a inaplicabilidade da Súmula 400, acenada no parecer da Procuradoria-Geral da República, e com a devida vênia do Min. Célio Borja, dou provimento ao agravo regimental para melhor exame do recurso extraordinário. [...] A lei – todos o sabemos – nada mais é do que a sua própria interpretação. No poder de interpretar os atos legislativos, encontra-se a magna prerrogativa judicial de estabelecer o alcance e de definir o sentido da vontade normativa que, emanada do Estado, neles encontra o meio idôneo de sua expressão formal.622
A mudança de entendimento (ou a restrição na aplicabilidade) consolidou-
se, ao que parece, no julgamento do agravo regimental no agravo de instrumento
contra decisão denegatória de Recurso Extraordinário 145.680, em 13 de abril de
1993, quando o Ministro Celso de Mello, acompanhado pela Turma, deixou
expresso que as matérias constitucionais não comportam o entendimento de que
é aceitável a interpretação razoável, devendo ser admitido o recurso
extraordinário, nos termos de seu voto condutor: Temas de índole constitucional não se expõem, em função da própria natureza de que se revestem, a incidência do enunciado 400 da Súmula do Supremo Tribunal Federal. Essa formulação sumular não tem qualquer pertinência e aplicabilidade as causas que veiculem, perante o Supremo Tribunal Federal, em sede recursal extraordinária, questões de direito constitucional positivo. Em uma palavra: em matéria constitucional não há que cogitar de
622 STF, 2.ª Turma, AgR no AI 132846, Rel. Min. Paulo Brossard, j. 23.06.1992, DJ 04.09.1992, p. 14093.
235
interpretação razoável. A exegese de preceito inscrito na Constituição da Republica, muito mais do que simplesmente razoável, há de ser juridicamente correta.623
Percebe-se, assim, que houve uma mudança no entendimento do
Supremo Tribunal Federal a respeito do cabimento de recurso extraordinário
quando a matéria é de índole constitucional e o Tribunal tenha aplicado uma das
interpretações possíveis, ainda que contrária à jurisprudência uniforme da Corte.
Esse mesmo fenômeno ocorreu no tocante ao enunciado 343 da Súmula.
Após três julgados sinalizando a mudança de entendimento ou a restrição na
aplicabilidade, 624 o Supremo Tribunal Federal, por seu Tribunal Pleno, no
julgamento do Agravo regimental no agravo de instrumento contra decisão
denegatória de Recurso Extraordinário, iniciado em 19 de fevereiro de 2004 e
concluído em 17 de agosto de 2006, em divergência aberta pelo Min. Sepúlveda
Pertence, entendeu que em matéria de índole constitucional não é aplicável o
enunciado 343, devendo ser analisado o mérito da ação rescisória.
Por todos, os excertos dos votos dos Ministros Gilmar Mendes e Joaquim
Barbosa esclarecem o posicionamento adotado pela Suprema Corte. No voto do
Ministro Gilmar Mendes proferido em 18 de agosto de 2005, destaca-se o
seguinte excerto: A violação à literal disposição de lei obviamente contempla a violação às normas constitucionais, o que poderia ser considerado como um tipo de violação “qualificada”. Indaga-se: nas hipóteses em que esta Corte fixa a correta interpretação de uma norma infraconstitucional, a contrariedade a esta interpretação do Supremo Tribunal, ou melhor, a contrariedade à Lei definitivamente interpretada pelo STF em face da Constituição ensejaria a utilização da ação rescisória? Penso que sim. Penso que aqui há uma razão muito clara e definitiva para a admissão das ações rescisórias. Quando uma decisão desta Corte fixa uma interpretação constitucional, entre outros aspectos está o Judiciário explicitando os conteúdos possíveis da ordem normativa infraconstitucional em face daquele parâmetro maior, que é a Constituição. Isso obviamente não se confunde com a solução de divergência relativa à interpretação de normas no plano infraconstitucional. Não é por acaso que uma decisão definitiva do STJ, pacificando a
623 STF, 1.ª Turma, AgR no AI 145680, Rel. Min. Celso de Mello, j. 13.04.1993, DJ 30.04.1993, p. 07567. Destaque no original. 624 STF, Tribunal Pleno, RE 89.108/GO, Rel. Min. Cunha Peixoto, DJ 19.12.1980; STF, 1.ª Turma, RE 101.114/SP Rel. Min. Rafael Mayer, DJ 10.02.1984; STF, 1.ª Turma, RE 103.808/SP Rel. Min. Sydney Sanches, DJ 10.02.1984.
236
interpretação de uma lei, não possui o mesmo alcance de uma decisão definitiva desta Corte em matéria constitucional. Controvérsia na interpretação de lei e controvérsia constitucional são coisas absolutamente distintas e para cada uma delas o nosso sistema constitucional estabeleceu mecanismos de solução diferenciados com resultados também diferenciados. Não é a mesma coisa vedar a rescisória para rever uma interpretação razoável de lei ordinária que tenha sido formulada por um juiz em confronto com outras interpretações de outros juízes, e vedar a rescisória para rever uma interpretação da lei que é contrária àquela fixada pelo Supremo Tribunal Federal em questão constitucional. E isto certamente não equivale à aplicação da legislação infraconstitucional. [...] Nesse ponto, penso, também, que a rescisória adquire uma feição que melhor realiza o princípio da isonomia. Se por um lado a rescisão de uma sentença representa certo fator de instabilidade, por outro não se pode negar que uma aplicação assimétrica de uma decisão desta Corte em matéria constitucional oferece instabilidade maior, pois representa uma violação a um referencial normativo que dá sustentação a todo o sistema. Isso não é, certamente, algo equiparável a uma aplicação divergente da legislação infraconstitucional. Certamente já não é fácil explicar a um cidadão porque ele teve um tratamento judicial desfavorável enquanto seu colega de trabalho alcançou uma decisão favorável, considerado o mesmo quadro normativo infraconstitucional. Mas aqui, por uma opção do sistema, tendo em vista a perspectiva de segurança jurídica, admite-se a solução restritiva à rescisória que está plasmada na Súmula 343. Mas essa perspectiva não parece admissível quando falamos de controvérsia constitucional. Isto porque aqui o referencial normativo é outro, é a Constituição, é o próprio pressuposto que dá autoridade a qualquer ato legislativo, administrativo ou judicial.
Por sua vez, o Ministro Joaquim Barbosa assevera o seguinte a respeito
da Súmula 343 do Supremo Tribunal Federal: Senhora Presidente, também penso que a Súmula 343 não tem aplicação, em se tratando de matéria constitucional. Assim decidiu esta Corte no passado – RE 89.108, Rel. Min. Cunha Peixoto, já mencionado pelo Ministro Gilmar Mendes –, e igualmente há várias decisões do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que não se deve mitigar a eficácia das decisões do Supremo Tribunal Federal mediante artifícios processuais que engendram a tomada de decisões divergentes, em frontal desacordo com os julgados desta Corte sobre determinados temas, em especiais em matéria constitucional. Uma tal postura jurisdicional vai totalmente de encontro ao novo comportamento que se espera do Supremo Tribunal Federal após a promulgação da Emenda Constitucional 45, a qual consagrou a
237
súmula vinculante e, como sabemos, reforçou o papel desta Corte. A jurisprudência hoje prevalente a respeito da Súmula 343, caso aplicada sem que se faça distinguishing em se tratando de matéria constitucional, tem como efeito solapar a efetividade da Constituição tal como interpretada por esta Corte, para não dizer que ela encoraja a especulação judiciaria, isto é, fortalece uma certa concepção lotérica da prática judiciária.
Como se observa dos excertos de voto transcritos supra, especialmente
do voto do Ministro Gilmar Mendes, o Supremo Tribunal Federal traçou duas
situações diferentes para aplicabilidade do enunciado 343 de sua Súmula: Se a
questão for infraconstitucional, incide o enunciado, não cabendo ação rescisória
por violação à literal disposição de lei de interpretação divergente. Em
contrapartida, se a questão for constitucional, o enunciado é inaplicável pelo fato
de a decisão rescindenda ter se fundado em interpretação equivocada da
Constituição, lei fundamental que assenta bases de validade e legitimidade do
sistema.
Sobre a distinção supra, impende observar o pensamento de Ada
Pellegrini Grinover que sustenta a inaplicabilidade da Súmula 343 somente em
caso de declaração de inconstitucionalidade em controle concentrado (efeitos
erga omnes e ex tunc).625
A distinção entre controvérsia na interpretação da Constituição
(constitucionalidade) e controvérsia na interpretação da legislação (legalidade)
não se justifica. Na aplicação do direito à espécie, em ambos os casos deverá o
intérprete buscar a melhor interpretação possível da Constituição ou da legislação
para determinadas circunstâncias fáticas em um dado momento histórico.
Se de um lado o Supremo Tribunal Federal é o responsável pela
interpretação (adequada) da Constituição, de outro o Superior Tribunal de Justiça
é o responsável pela interpretação (adequada) da legislação federal. Cada
tribunal é corte máxima em sua competência constitucionalmente estabelecida.
Tanto é assim que o Supremo Tribunal Federal deve obediência à interpretação
da legislação infraconstitucional federal atribuída pelo Superior Tribunal de Justiça
e o Superior Tribunal de Justiça deve obediência à interpretação da Constituição
625 GRINOVER, Ada Pellegrini. Ação rescisória e divergência de interpretação em matéria constitucional. Revista de Processo, São Paulo, n. 87, p. 37-47, 1997.
238
realizada pelo Supremo Tribunal Federal. 626 O art. 927, IV, do Código de
Processo Civil reforça esse argumento ao estabelecer que os juízes e tribunais
são vinculados aos enunciados de súmula do Supremo Tribunal Federal em
matéria constitucional e aos enunciados de súmula do Superior Tribunal de
Justiça em matéria infraconstitucional (federal).
4.3.2.3 A (necessidade de) superação do enunciado 343 da Súmula do Supremo
Tribunal Federal
O enunciado 343 da Súmula do Supremo Tribunal Federal merece ser
cancelado e, enquanto isso não ocorre, ser inaplicado, por permitir a violação aos
princípios da legalidade, da isonomia e da segurança jurídica entre os casos
concretos, sendo, portanto, inconstitucional.
Com efeito, o enunciado supra permite que casos rigorosamente idênticos
(ou semelhantes) ocorridos em um mesmo momento histórico recebam
interpretações e aplicações jurídicas diversas, vedando o cabimento de ação
rescisória para assegurar a isonomia e a legalidade no caso concreto.627
Em 1916, no período das codificações processuais estaduais, Manoel
Ignácio Carvalho de Mendonça já sustentava que o essencial para o cabimento
de ação rescisória era a divergência no julgamento, e não a variedade de
aplicação, admitindo, em nosso sentido, várias respostas, in verbis: Contra a sentença que fére o direito em theze ha o remedio da rescisão: contra a que pretere o direito em hypotheze, o direito da parte, existe o recurso de appellação. [...] O artigo 2.º, paragrapho unico, numero II, do Decreto n. 6.142 de 10 de Março de 1876 dispunha que, para serem os Assentos tomados pelo Supremo Tribunal de Justiça, era essencial “que a divergencia do julgamento tivesse por objecto o direito em theze
626 Com afirmação no mesmo sentido, mas conclusão oposta em relação ao Enunciado 343 da Súmula do Supremo Tribunal Federal: GONÇALVES, Marcelo Barbi. Ação rescisória e uniformização jurisprudencial: considerações sobre a Jihad nomofilática. Revista Emerj, Rio de Janeiro, v. 19, n. 73, p. 185-217, esp. p. 214, abr.-jun. 2016. 627 Theotonio Negrão, ao criticar o Enunciado 400 da Súmula do Supremo Tribunal Federal (“irmã” da Súmula 343), que estabelecia o não cabimento de recurso extraordinário quando o tribunal der interpretação razoável, dizia: “No fundo, razoável é aquilo que eu acho que é razoável, e não é razoável aquilo que eu acho que não é razoável. Trata-se, portanto, de critério extremamente subjetivo [...]” (NEGRÃO, Theotonio. O novo recurso extraordinário: perspectivas na Constituição de 1988. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 656, p. 239-249, esp. p. 244, jun. 1990).
239
ou a disposição da lei e não a variedade de applicação, proveniente da variedade dos factos”.628
No entanto, Luis Eulálio Bueno Vidigal criticava a interpretação da
admissão de várias interpretações possíveis como fundamento para o não
cabimento de ação rescisória: Se as divergências de interpretação não fôssem consideradas como violação de disposição literal de lei, sòmente se admitiria a rescisória ou o recurso extraordinário, por êsse fundamento, quando o julgado rescindendo declarasse expressamente recusar-se a dar cumprimento a determinado texto legal. Essa limitação, que a doutrina e a jurisprudência sempre baniram é, inadmissível. É raríssimo o caso de abertamente declarar o juiz que deixa de cumprir uma lei. Quando, no juízo rescindente, prevalece interpretação de lei diferente da adotada pelo julgado rescindendo, êste último deve ser considerado como proferido contra literal disposição de lei. Frequentemente, as violações de disposição literal de lei resultam de divergências de interpretação, as quais, em virtude do princípio da pluralidade das instâncias, devem ser consideradas, pelo Tribunal que por último examina a causa, como erros ou violações.
Em outro excerto, assevera com propriedade que “não há fundamento
para afirmar-se que as divergências de interpretação não constituem violações de
disposição literal de lei [...]”.629
Sendo o Estado, inclusive o Poder Judiciário, destinatário dos princípios
constitucionais da igualdade, da legalidade e da segurança jurídica, devem ser
admitidas as ações rescisórias que tiverem como fundamento questão que na
época do julgamento era controvertida, mas que o entendimento jurídico foi
pacificado posteriormente em precedente em sentido diverso.630
A existência ou não de divergência de interpretação do direito à luz de
determinados fatos concretos em um mesmo momento histórico não deve ser o
628 CARVALHO DE MENDONÇA, Manoel Ignacio. Da acção rescisoria das sentenças e julgados. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1916. p. 51-52. 629 VIDIGAL, Luis Eulálio Bueno. Da ação rescisória dos julgados. São Paulo: Saraiva, 1948. p. 65-66. 630 “De nada adiantaria a existência de comando constitucional dirigido ao legislador se o Poder Judiciário não tivesse de seguir idêntica orientação, podendo decidir, com base na mesma lei, no mesmo momento histórico (ou seja, sem que se possa afirmar que fatores históricos hajam influído no sentido que se deva dar à lei), em face de idênticos casos concretos, de modos diferentes”
(ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2008. p. 525).
240
referencial para o cabimento ou não de ação rescisória por violação manifesta à
norma jurídica.
A norma jurídica, como demonstrado no Capítulo 2 do presente trabalho,
é o resultado da interpretação das fontes de direito, em especial das prescrições
legislativas à luz da Constituição, dos princípios, dos direitos fundamentais e do
preenchimento de cláusulas gerais e/ou de conceitos indeterminados à luz do
caso concreto. Quando se diz que uma norma jurídica foi violada, o que se violou
foi a interpretação dada às fontes do direito utilizadas no caso concreto.
Na atual fase da teoria do direito, em tempos de força normativa da
Constituição, de eficácia e aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais, de
princípios caráter normativo, de expansão do método legislativo com base em
cláusulas gerais e em conceitos indeterminados e de profusão da legislação, a
forma de interpretação jurídica se alterou com o reconhecimento do papel criativo
e normativo da atividade jurisdicional, com a distinção entre texto e norma, com a
adoção da proporcionalidade na aplicação de espécies normativas e com a
identificação do método de concretização dos textos em detrimento do método de
subsunção.
Essas características do pensamento jurídico contemporâneo são
premissas necessárias para a compreensão da atual fase do direito e é a partir
dessa realidade histórica que se deve compreender o significado de norma
jurídica para fins de cabimento de ação rescisória.
O art. 966, V, do Código de Processo Civil é expresso ao prever a
possibilidade de rescindibilidade da decisão transitada em julgado que violar
manifestamente norma jurídica, viabilizando a desconstituição da coisa julgada e
o rejulgamento da causa com a aplicação correta da norma jurídica construída à
luz do ordenamento jurídico brasileiro relativamente a determinada circunstância
fática, conforme precedente formado.
Como afirmado, a aplicação do enunciado 343 da Súmula de
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, ou seja, de normas jurídicas de
conteúdos distintos (isto é, de interpretação controvertida), às mesmas
circunstâncias fáticas ocorridas em um mesmo momento histórico, seja por um
mesmo tribunal, seja por tribunais distintos, não realiza o princípio da legalidade,
241
viola o princípio da igualdade, gera intranquilidade e perplexidade ao
jurisdicionado e reduz a credibilidade do Poder Judiciário perante a sociedade.
Nesse sentido, Teresa Arruda Alvim, ao confrontar o enunciado 343 da
Súmula de jurisprudência predominante do Supremo Tribunal Federal com os
princípios da legalidade e da isonomia e com os valores justiça e segurança,
entende que a distinção feita pelo enunciado não se justifica: [...] não há como dizer-se que a interpretação incorreta da lei não se constitua numa ilegalidade. Interpretação correta é aquela que predominantemente emana dos órgãos superiores. Portanto, não tem sentido dizer-se que, “ainda que a jurisprudência do STF venha a fixar-se em sentido contrário, não cabe ação rescisória”. Veja-se, portanto, que optar pelo cabimento de ação rescisória, em todos estes casos, não é desprezar o valor segurança! Quem fica com a possibilidade de impugnar tais decisões opta não só pelo valor justiça, mas pelos valores justiça e segurança, num sentido um pouco diverso do tradicional. Segurança, com os olhos voltados para o futuro, segurança no sentido de previsibilidade. É só parcialmente verdadeiro dizer-se que quem opta pela imutabilidade ou pela impossibilidade de se impugnarem decisões baseadas em leis tidas (incidenter tantum, reiteradamente) por inconstitucionais estaria optando pelo valor segurança. Que segurança é essa? Segurança da subsistência do que já há, do que já existe, do que é já conhecido, ainda que não se trate do melhor? Segurança com os olhos voltados só para o passado? O sentido do valor segurança pelo qual optamos não é o necessariamente consistente na opção que congele o passado, que mantenha o que há, a qualquer preço, mas a segurança de se ter conseguido o melhor, portanto, segurança com conteúdo. Ao nos posicionarmos no sentido da impugnabilidade de tais decisões, optamos pela segurança ligada ao princípio da isonomia, à necessidade de uniformidade das decisões judiciais proferidas em face dos mesmos fatos e do mesmo texto legal, à segurança de que a decisão que prevalecerá será a melhor, enfim a segurança com os olhos voltados para o futuro.631
Também nessa linha Cassio Scarpinella Bueno ministra: Eventual divergência jurisprudencial não deve ser compreendida como elemento a descartar a rescisória por esse fundamento
631 ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Nulidades do processo e da sentença. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2017. p. 353-354. Em outro estudo, assevera: “Aqui cabe formular novamente a questão: que sentido tratar diferentemente alguém com a regra da inatacabilidade da decisão, pela via rescisória, que foi atingido por um entendimento a respeito de certa norma jurídica, que restou alterado, única e exclusivamente porque à época em que foi prolatada a decisão haveria, a respeito do entendimento da norma, ‘jurisprudência conflitante’? A nosso ver, esse critério não justifica a distinção feita pela súmula” (ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Modulação substitui com vantagens a Súmula 343 do Supremo. Revista Consultor Jurídico, 18 nov. 2017. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2017-nov-18/teresa-arruda-alvim-modulacao-substitui-vantagens-sumula-343>. Acesso em: 18 dez. 2017).
242
[violar manifestamente norma jurídica]. [...] Doravante, diante da função que ele quer emprestar à jurisprudência dos Tribunais (v., em especial, os arts. 926 e 927), aquele entendimento merece, de vez, ser superado, tanto para as questões de ordem constitucional como para as de ordem infraconstitucional. É correto entender, destarte, que não subsiste, no Código de Processo Civil de 2015, fundamento de validade para a Súmula 343 do STF. O § 5.º do art. 966 [...] admite expressamente a rescisória fundada no inciso V do art. 966 quando [...] a decisão rescindenda aplicar equivocadamente súmula ou “precedente” criado por uma das técnicas referidas no art. 928.632
Nesse sentido, afirmando expressamente a inconstitucionalidade do
enunciado 343 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, foi o voto do Ministro
Cezar Peluso no julgamento do agravo regimental no agravo de instrumento
contra decisão denegatória de recurso extraordinário mencionado no tópico
anterior, ao acompanhar a maioria, conforme excerto: Em relação à súmula 343, não tenho nenhuma dúvida, até porque sempre mantive – e é velha, portanto –, profunda, mas não desrespeitosa, antipatia por essa súmula, ao tempo em que não integrava esta corte. Parecia-me que essa súmula, na verdade, negava – vamos dizer – todo o escopo da ação rescisória, concorria para a subsistência de decisões contraditórias sobre a mesma matéria jurídica no seio da sociedade e, portanto, alimentava a insegurança jurídica. De qualquer maneira, não tenho nenhuma dúvida de que tal súmula ofende a Constituição.
Portanto, se a decisão rescindenda adotou interpretação diversa
(portanto, equivocada) daquela firmada pelos tribunais em sede de precedente,
deve ser admitida a ação rescisória por violação a precedente com fundamento
no art. 966, V, do Código de Processo Civil, no prazo decadencial previsto em lei.
Com efeito, há violação manifesta à norma jurídica quando a decisão rescindenda
julgou de modo desigual caso semelhante ao precedente,633 ainda que na época
da prolação da decisão a interpretação fosse controvertida.
O Superior Tribunal de Justiça aparentemente já se atentou para a
questão. A Ministra Nancy Andrighi, em voto sobre o cabimento de ação
632 BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 627. 633 “Se a decisão tratou o caso de modo desigual a casos semelhantes, sem haver ou ser demonstrada qualquer distinção, haverá manifesta violação à norma jurídica. É preciso que a interpretação conferida pela decisão seja coerente” (DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil. Salvador: JusPodivm, 2016. v. 3, p. 496).
243
rescisória por violação à literal disposição de lei, acompanhado por unanimidade
pela Terceira Turma, assentou: Com efeito, a relativização da Súmula 343/STF visa a conferir maior eficácia jurídica aos precedentes dos Tribunais Superiores, ou melhor, “à tese ou ao princípio jurídico (ratio decidendi) assentado na motivação do provimento decisório” (Didier Jr., Fredie. Curso de direito processual civil: teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela. 11 ed. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 455), que é o precedente em sentido estrito. No entanto, convém destacar que embora todos os acórdãos exarados pelo STJ possuam eficácia persuasiva, funcionando como paradigma de solução para hipóteses semelhantes, nem todos constituem precedente de eficácia vinculante. Pela sistemática do CPC/73, apenas aqueles processados na forma do art. 543-C têm natureza impositiva para os órgãos subordinados. Já a nova sistemática adotada pelo CPC/15 impõe aos juízes e tribunais a observância obrigatória dos acórdãos proferidos pelo STJ em incidente de assunção de competência e julgamento de recurso especial repetitivo; e também da orientação do plenário ou do órgão especial (art. 927). Nessa toada, a despeito do nobre papel constitucionalmente atribuído ao STJ, de guardião da legislação infraconstitucional, não há como autorizar a propositura de ação rescisória – medida judicial excepcionalíssima – com base em julgados que não sejam de observância obrigatória, sob pena de se atribuir eficácia vinculante a precedente que, por lei, não o possui. Isso porque, a se admitir que a parte pudesse ajuizar a ação rescisória com base em quaisquer julgados desta Corte, ainda que refletissem a “jurisprudência dominante”, estar-se-ia impondo ao Tribunal o dever de decidir segundo o entendimento neles explicitado, o que afronta a sistemática processual dos precedentes. Em atenção à segurança jurídica, portanto, a coisa julgada só há de ser rescindida, com base no art. 485, V, do CPC/73, acaso a controvérsia seja solucionada pelo STJ em sentido contrário ao do acórdão rescindendo, por meio de precedente com eficácia vinculante (art. 543-C do CPC/73 ou art. 927 do CPC/15), que unifica a interpretação e aplicação da lei.634
No mesmo voto, a Ministra Nancy Andrighi anotou que a Primeira e a
Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça tinham precedentes recentes que
afastaram a incidência do enunciado 343 da Súmula do Supremo Tribunal Federal
quando a questão controvertida se pacificou no âmbito do tribunal, nesses termos:
634 BRASIL. STJ, 3.ª Turma, Recurso Especial 1.655.722/SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 14.03.2017, DJe 22.03.2017.
244
No âmbito do STJ, a 1.ª Seção decidiu que “a ação rescisória é cabível, se, à época do julgamento originário cessara a divergência, hipótese que o julgado divergente, ao revés de afrontar a jurisprudência, viola a lei que confere fundamento jurídico ao pedido” (AgRg nos EREsp 772.233/RS, Primeira Seção, julgado em 27/04/2016, DJe de 02/05/2016; REsp 1.001.779/DF, Primeira Seção, julgado em 25/11/2009, DJe de 18/12/2009). A 2.ª Seção, igualmente, assentou entendimento segundo o qual, “nas hipóteses em que, após o julgamento, a jurisprudência, ainda que vacilante, tiver evoluído para sua pacificação, a rescisória pode ser ajuizada” (AR 3.682/RN, Segunda Seção, julgado em 28/09/2011, DJe de 19/10/2011). Por oportuno, destaca-se este trecho do voto condutor do acórdão: Dessas ponderações decorrem duas regras distintas, no trato da ação rescisória à luz do Enunciado 343 da Súmula do STF, quando se verificar controvérsia na interpretação da lei à época em que prolatado o acórdão rescindendo: (i) ou essa controvérsia ainda persiste, e a ação rescisória não pode ser acolhida por força do referido enunciado sumular; (ii) ou essa controvérsia já se solucionou em um sentido, e nesta hipótese é admissível a ação rescisória, desde que seja demonstrada a pacificação do entendimento sobre a questão federal, no sentido contrário ao do acórdão vergastado.635
Portanto, resta evidente que o enunciado 343 da Súmula do Supremo
Tribunal Federal é inaplicável não apenas em relação à matéria constitucional,
mas também a toda a matéria infraconstitucional.
Em sentido contrário, Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero, em
sentido favorável a súmula 343 do Supremo Tribunal Federal, entendem que “a
ação rescisória só tem cabimento se o significado normativo já havia sido definido
e a decisão o tivesse ignorado”. Em outro excerto, afirmam, que “ [...] o problema
da ação rescisória está ligado ao fato de que um mesmo texto legal pode dar
origem a uma multiplicidade de normas jurídicas. Ora, quando isso ocorre não há
como ver vício na decisão judicial e, assim, obviamente não há motivo para
pensar na sua rescindibilidade”.636
No mesmo sentido, contrário ao sustentado no presente trabalho, Marcelo
Barbi Gonçalves entende que “a coisa julgada (certeza do direito), por retratar o
núcleo da segurança jurídica, não deve se submeter a uma infausta condição
635 BRASIL. STJ, 3.ª Turma, Recurso Especial 1.655.722/SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 14.03.2017, DJe 22.03.2017. 636 MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Ação rescisória. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 23, nota 18, e p. 195.
245
resolutiva relacionada à estabilização futura dos desacordos jurisprudenciais”, e,
portanto, para ele “é imperioso que o art. 966, inc. V, do Novo Código de
Processo Civil seja interpretado à luz da necessidade de encerramento do
discurso jurídico após a formação da coisa julgada material”.637
Pensamos que a igualdade, a legalidade e a segurança jurídica em seu
aspecto de previsibilidade da atuação estatal devem prevalecer sobre a
segurança jurídica sob seu aspecto da estabilidade das relações jurídicas
decorrentes da coisa julgada, no prazo previsto em lei para a sua desconstituição.
Prestigiar a coisa julgada em detrimento da igualdade substancial, da legalidade e
da segurança jurídica decorrente da expectativa da atuação estatal leva à
prevalência da segurança jurídica individual à segurança jurídica geral e social, o
que não é almejável em um Estado de Direito.
Pensar diferente é admitir que tudo pode e que nada pode, a depender do
juiz que julgar o caso.
Ao criticar o enunciado 400 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, que
cria regra semelhante à do enunciado 343, mas para não admitir recurso
extraordinário, em vez de rescisória, Pedro Miranda de Oliveira disserta: Dentro desse raciocínio [da Súmula 400], o STF poderia decidir, na mesma sessão, no mesmo dia, pela mesma turma de julgadores, pelo mesmo relator, que duas decisões diametralmente opostas eram razoáveis e, portanto, manteria ambas ao não conhecer os recursos extraordinários.638
Portanto, deve ser admitida a ação rescisória quando o sentido correto da
norma tiver sido atribuído por precedente e a decisão rescindenda foi proferida
em sentido diverso quando a interpretação ainda era controvertida nos tribunais.
4.3.2.4 Modulação de efeitos como técnica para afastar a aplicação retroativa de
precedente
637 GONÇALVES, Marcelo Barbi. Ação rescisória e uniformização jurisprudencial: considerações sobre a Jihad nomofilática. Revista Emerj, Rio de Janeiro, v. 19, n. 73, p. 185-217, esp. p. 194, abr.-jun. 2016. 638 OLIVEIRA, Pedro Miranda. Recurso extraordinário e o requisito da repercussão geral. São Paulo: Revista dos Tribunais 2013. p. 115.
246
Inexistindo na época do trânsito em julgado e fixado posterior de
precedente judicial em sentido contrário à decisão rescindenda,
independentemente de a matéria ser controvertida entre tribunais, é cabível ação
rescisória, com fundamento no art. 966, V, do Código de Processo Civil, para
desconstituição da coisa julgada, rescisão da decisão e rejulgamento da causa,
no prazo decadencial estabelecido em lei, em respeito aos princípios da
legalidade e da isonomia.
No entanto, pode acontecer de a eficácia ex tunc do precedente gerar
mais insegurança jurídica, em função de outras razões, como a proteção da
confiança da interpretação anteriormente aceita (por exemplo, quando há
entendimento unânime dos tribunais a respeito de determinada matéria, mas
posteriormente um tribunal superior interpreta de modo diverso) ou de interesse
social, sendo necessária a preservação das decisões que se poderia pretender
rescindir, afastando a necessidade de respeito à igualdade e à segurança jurídica.
À luz do caso concreto, nessa hipótese, é mais acertado o tribunal
modular os efeitos do precedente a valer-se do equivocado enunciado 343 da
Súmula do Supremo Tribunal Federal para afastar a aplicação do entendimento
aos casos até então julgados, 639 já que ele, por si só, modula e estabelece
639 Esse é o pensamento de Teresa Arruda Alvim, ao entender que a modulação substitui a Súmula 343 do Supremo Tribunal Federal com vantagens: “Admitir-se a ação rescisória quando há mudança da jurisprudência é medida que se impõe, a nosso ver, como regra geral, para que se respeite a isonomia. No entanto, como vimos, o princípio da isonomia deve ser compreendido e aplicado também no contexto de outros valores e princípios. Então, não se deve negar que, muitas e muitas vezes, outros valores devem ser preservados, a ponto de poder afastar a necessidade de se respeitar a isonomia. Muito se tem escrito sobre a função normativa do Poder Judiciário. Hoje, é comum que se tenha consciência no sentido de que o juiz, em diversas medidas, cria Direito. Portanto, é ator coadjuvante na formação das normas jurídicas: nas pautas de conduta. Sob essa ótica, não se podem fazer vistas grossas à imperiosidade de que, por vezes, aquele que agiu de acordo com certa pauta de conduta (norma jurídica) seja poupado: por isso é que o legislador de 2015, sensível a essa realidade, criou o artigo 927, parágrafo 3.º, in verbis: ‘§ 3.o Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica’. Vê-se, pois, a necessidade, sentida pelo legislador de, em face de (i) alteração de jurisprudência dominante do STF e de tribunais superiores, (ii) mudança de entendimento firmado em julgamento de IRDR e de recursos (especial ou extraordinário) repetitivos modular os efeitos da nova decisão, à luz do interesse social e da segurança jurídica” (ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Modulação substitui com vantagens a Súmula 343 do Supremo. Revista Consultor Jurídico, 18 nov. 2017. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2017-nov-18/teresa-arruda-alvim-modulacao-substitui-vantagens-sumu la-343>. Acesso em: 18 dez. 2017).
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sempre e invariavelmente a eficácia prospectiva do precedente, ou seja,
prospectiva,640 com a qual não se concorda.
A modulação de efeitos das decisões é prevista desde 1999 no
ordenamento jurídico brasileiro para as decisões tomadas pelo Supremo Tribunal
Federal em julgamento de processos de controle concentrado de
constitucionalidade de lei ou de ato normativo (ação direta de
inconstitucionalidade, ação declaratória de constitucionalidade e arguição de
descumprimento de preceito fundamental), que restringir os efeitos da declaração
de inconstitucionalidade no tempo, nos termos do art. 27641 da Lei 9.868/1999 e
do art. 11642 da Lei 9.882/1999.
640 Antonio de Páuda Soubhie Nogueira entende (e concorda) que o Enunciado 343 do Supremo Tribunal Federal estabelece uma eficácia futura do julgado: “Categoricamente, portanto, a utilização da Súmula 343 do STF nada mais é do que uma flexibilização in concreto dos efeitos externos (ou transcendentes) da jurisprudência, por partir do pressuposto de que o entendimento que vier a ser ditado pelo Tribunal Superior não será apto para impor a rescisão de julgados que tenham aplicado a lei federal de forma diferente (i.e., com base em interpretação judicial, à época, controvertida). Em outros termos, para fins do art. 485, inciso V, do CPC (‘violar literal disposição de lei’), os precedentes do STJ que acabam por uniformizar a compreensão de uma norma só têm eficácia futura (i.e., prospectiva!), obstando a propositura de inúmeras ações rescisórias que resultariam em desordem social e em risco de vulneração do princípio constitucional da segurança jurídica. Essa inferência, a propósito, que resulta de uma análise do conceito de violação literal de lei, que dá azo à propositura da ação rescisória, consistente na decisão de mérito que não aplicou a lei ou a aplicou incorretamente.
Ora, partindo-se do pressuposto de que, constitucionalmente, a
interpretação correta da lei é aquela manifestada pelo STJ (art. 105, III, da CF), o decisum que não estiver em consonância com tal exegese da Corte Superior é incorreto e, assim, literalmente vulnera a lei que lhe embasa. Esta a razão pela qual o enunciado contido na Súmula 343 do STF, na realidade, está a dizer que as interpretações finais do STJ só são válidas, pelo menos para fins de rescisória, a partir de sua publicação. Do contrário, pensamos nós, não haveria meios de sustentar que uma dada decisão não vulnerou disposição de lei se, mesmo albergando uma interpretação razoável e ao tempo controvertida, está em total descompasso com aquela última ditada pelo STJ, a qual, pela imposição do legislador constituinte, é a que deve prevalecer como a única juridicamente correta em todo o território nacional! (NOGUEIRA, Antonio de Pádua Soubhie. Modulação dos efeitos das decisões no processo civil. 2013. Tese (Doutorado em Direito) – Universidade de São Paulo, São Paulo, p. 124-125). 641 “Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.” 642 “Art. 11. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, no processo de arguição de descumprimento de preceito fundamental, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.”
248
Com a mesma finalidade, o Código de Processo Civil de 2015, no § 3.º643
de seu art. 927 estabelece a possibilidade de modulação dos efeitos em caso de
alteração de jurisprudência dominante, sumulada ou não, do Supremo Tribunal
Federal e dos tribunais superiores ou de tese jurídica oriunda de julgamento de
casos repetitivos (técnica de julgamento de recursos, especial e extraordinário,
repetitivos e incidente de resolução de demandas repetitivas), por razões de
interesse social e de segurança jurídica. 644 Embora o Código seja omisso,
também é possível a modulação de efeitos em caso de alteração de tese jurídica
fixada em incidente de assunção de competência e pelo plenário ou órgão
especial dos tribunais que possua efeitos vinculantes.
Embora a previsão de modulação de efeitos de decisão seja expressa no
Código de Processo Civil para a alteração de precedentes, ela também é técnica
processual adequada para a formação de precedentes, como forma de regular os
seus efeitos em prol da segurança jurídica e do interesse social.
Nesse caso, havendo modulação de efeitos, para saber se será ou não
cabível ação rescisória por violação manifesta à norma jurídica, deverá ser
analisado a partir de quando o precedente produzirá efeitos. Se o precedente só
tiver eficácia a partir do trânsito em julgado da decisão que o formou ou
prospectiva, não há falar em rescisória. Entretanto, se for fixado outro momento
retroativo, caberá ação rescisória, no prazo decadencial previsto em lei.
4.3.3 Existência de divergência na interpretação entre os Tribunais e não
formação posterior de precedente em sentido contrário
Se no prazo rescisório a interpretação continuar controvertida – sem
precedente, nos termos do art. 927 do Código de Processo Civil –, não será 643 “Art. 927, § 3.º Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica.” 644 “A possibilidade de modulação temporal na hipótese de haver alteração da jurisprudência dominante do STF e dos tribunais superiores ou, ainda, da jurisprudência derivada dos ‘casos repetitivos’, em nome do interesse social e da segurança jurídica, é objeto de regulação pelo § 3.o do art. 927. A modulação, tal qual a prevista pelo art. 27 da Lei n. 9.868/1999, para as ‘ações diretas de inconstitucionalidade’ e ‘ações declaratórias de constitucionalidade’, pressupõe a ocorrência de ‘interesse social’ e a busca da ‘segurança jurídica’, não por acaso mencionados expressamente no referido dispositivo codificado” (BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 603).
249
cabível a ação rescisória por não inexistir violação manifesta à norma jurídica,
pois a interpretação correta continuará em uma zona de penumbra, sem
aclaramento pelos tribunais.
O sistema processual permite a oscilação da jurisprudência e, por
conseguinte, a existência de decisões diferentes, dentro do mesmo tribunal ou de
tribunais diferentes, conforme aprimoramento do sistema jurídico. A pacificação
da interpretação e o fim da divergência jurisprudencial, muitas vezes, precisam de
certo período de tempo para amadurecimento.
Enquanto os tribunais mantiverem duas, três ou mais respostas jurídicas
para circunstâncias fáticas idênticas, não há falar em interpretação correta para
fins de cabimento de ação rescisória por violação manifesta à norma jurídica, pois
ainda admitem-se várias respostas (possíveis).
Se no prazo decadencial para o exercício do direito de rescisão dos
julgados a oscilação jurisprudencial se mantiver, sem que haja pacificação de
entendimento sobre a controvérsia, não haverá falar em violação manifesta à
norma jurídica como hipótese de cabimento de ação rescisória.
Nesse sentido o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, tanto no
tocante ao Código de Processo Civil de 1973 quanto ao Código de Processo Civil
de 2015, conforme observou a Ministra Nancy Andrighi, in verbis: No âmbito do STJ, a 1.ª Seção decidiu que “a ação rescisória é cabível, se, à época do julgamento originário cessara a divergência, hipótese que o julgado divergente, ao revés de afrontar a jurisprudência, viola a lei que confere fundamento jurídico ao pedido” (AgRg nos EREsp 772.233/RS, Primeira Seção, julgado em 27/04/2016, DJe de 02/05/2016; REsp 1.001.779/DF, Primeira Seção, julgado em 25/11/2009, DJe de 18/12/2009). A 2.ª Seção, igualmente, assentou entendimento segundo o qual, “nas hipóteses em que, após o julgamento, a jurisprudência, ainda que vacilante, tiver evoluído para sua pacificação, a rescisória pode ser ajuizada” (AR 3.682/RN, Segunda Seção, julgado em 28/09/2011, DJe de 19/10/2011). Por oportuno, destaca-se este trecho do voto condutor do acórdão: Dessas ponderações decorrem duas regras distintas, no trato da ação rescisória à luz do Enunciado 343 da Súmula do STF, quando se verificar controvérsia na interpretação da lei à época em que prolatado o acórdão rescindendo: (i) ou essa controvérsia ainda persiste, e a ação rescisória não pode ser acolhida por força do referido enunciado sumular; (ii) ou essa controvérsia já se solucionou em um sentido, e nesta hipótese é admissível a ação rescisória, desde que seja demonstrada a pacificação do
250
entendimento sobre a questão federal, no sentido contrário ao do acórdão vergastado.645
No mesmo sentido do não cabimento de ação rescisória enquanto não
existir a interpretação correta de tribunal superior, Fredie Didier Jr. e Leonardo
Carneiro da Cunha observam em dois excertos: [...] enquanto não houver posição de tribunal superior é inevitável a existência de interpretação divergente entre os tribunais. Além de inevitável, a divergência entre os tribunais é até salutar para a melhor formação do precedente pelo tribunal superior. Enquanto se mantém a divergência sem que haja a definição da questão de direito pelo tribunal superior, ainda é aplicável o enunciado 343 da súmula do STF.646
Portanto, não há direito de rescisão dos julgados com fundamento em
violação manifesta à norma jurídica quando, no prazo decadencial previsto em lei,
a interpretação continuar controvertida nos tribunais, sem formação de
precedente para pacificar a controvérsia.
4.3.4 Existência de precedente na época do trânsito em julgado da decisão
rescindenda
A existência de precedente na época do trânsito em julgado da decisão
em sentido contrário viabiliza, indubitavelmente, a ação rescisória.
As decisões que transitarem em julgado sem aplicar o entendimento
fixado em precedente poderão ser objeto de ação rescisória com fundamento no
art. 966, V, do Código de Processo Civil.
Thais Matallo Cordeiro Gomes, referindo-se especificamente à violação a
enunciado de súmula, vinculante e persuasiva, sustentava, à luz do Código
anterior, tese nesse sentido: “[...] as decisões de mérito que tenham transitado em
645 BRASIL. STJ, 3.ª Turma, Recurso Especial 1.655.722/SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 14.03.2017, DJe 22.03.2017. 646 DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil. Salvador: JusPodivm, 2016. v. 3, p. 496). Em outro excerto, os autores sustentam: “Divergência na interpretação do Direito entre tribunais, sem que existisse ao tempo da prolação da decisão rescindenda, precedente vinculante do STF ou STJ (art. 927, CPC) sobre o tema: não há direito à rescisão, pois não se configura a manifesta violação de norma jurídica. Aplica-se o n. 343 da súmula do STF” (Idem, p. 495).
251
julgado sem a observância de comando de súmula já existente é que poderão ser
objeto de rescisão”.647
Já na vigência do Código de Processo Civil de 2015, nas palavras de
Fredie Didier Jr. e de Leonardo Carneiro da Cunha, “se a decisão rescindenda
contrariar o precedente vinculante, há direito à rescisão, pois se configura a
manifesta violação de norma jurídica. Violam-se, a um só tempo, a norma do
precedente e a norma que decorre do art. 927, CPC”.648
Trata-se aplicação do entendimento exposto com vagar no item 4.2 sobre
ação rescisória por violação a precedente.
4.3.5 Existência de precedente na época do trânsito em julgado da decisão
rescindenda e superação posterior ao trânsito em julgado com a formação de
novo precedente
Outra questão extremamente complexa diz respeito à superação do
precedente após o trânsito em julgado da decisão em sentido do precedente
anterior, mas contrário ao novo precedente.
Diferentemente da lei, que não pode retroagir para atingir situações
jurídicas consolidadas, a regra é a de que a superação do precedente, com
alteração do entendimento a respeito do direito, tem eficácia retroativa se não
houver modulação de efeitos da decisão. Ao alterar seu entendimento, o tribunal
busca acertar a interpretação correta do direito posto em relação a determinados
fatos, em dado momento histórico e em um determinado lugar.
Assim, havendo novo precedente dentro do prazo decadencial para a sua
propositura, a princípio, pode ser cabível a ação rescisória com fundamento na
violação à norma jurídica.
Como leciona Teresa Arruda Alvim: [...]. sempre pensamos que aqueles que foram atingidos por decisão judicial proferida em certo período de tempo em que o entendimento jurisprudencial era X podem ter sua situação
647 GOMES, Thais Matallo Cordeiro. Ação rescisória com fundamento na violação de súmula vinculante e persuasiva. 2014. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, p. 161. 648 DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil. Salvador: JusPodivm, 2016. v. 3, p. 496.
252
alterada, pela via da ação rescisória, quando esse entendimento (a respeito da mesma regra posta) tenha se alterado para Y. Por que se pressupõe que X é o entendimento correto. Quando a lei muda, quer-se que certas situações, às quais a lei diz respeito, sejam resolvidas diferentemente. Mas quando se altera a interpretação que se deva a certo texto de lei, como, por exemplo, o que se pode dizer é que se terá, finalmente, “acertado”. Lei mal interpretada é lei ofendida, não cumprida, desrespeitada. Por isso é que sustentamos, em casos como esse, ser possível o manejo da ação rescisória, com base no artigo 966, V do CPC. Admitir, como regra geral, a não rescindibilidade das decisões tidas por equivocadas pela nova posição firmada por um tribunal superior, porque há excessivas oscilações, seria cometer um erro para corrigir outro.649
A mudança de orientação, por si só, não é ruim. O novo precedente pode
ser considerado como a melhor solução para a compreensão da questão jurídica.
Nessa linha, Humberto Ávila observa: A mudança de orientação jurisprudencial, em si, pode ser boa: pode evidenciar um melhor entendimento a respeito da matéria pelo Poder Judiciário; pode corrigir equívocos produzidos em decisões anteriores; pode avaliar fato ou argumento não devidamente avaliado anteriormente.650
Um exemplo de cabimento de ação rescisória quando existia precedente
judicial na época do trânsito em julgado da decisão rescindenda e ocorrência de
posterior superação é a questão jurídica referente a descaracterização ou não do
contrato de leasing (arrendamento mercantil) em caso de cobrança antecipada do
valor residual.
No dia 08 de maio de 2002, a Segunda Seção do Superior Tribunal de
Justiça editou o enunciado de Súmula 263 segundo a qual “a cobrança
antecipada do valor residual descaracteriza o contrato de leasing,
transformando-o em compra e venda a prestação”.
Ocorre que a edição do enunciado de súmula não pacificou a questão.
Isto porque em sede de embargos de divergência opostos em razão de
649 ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Modulação substitui com vantagens a Súmula 343 do Supremo. Revista Consultor Jurídico, 18 nov. 2017. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2017-nov-18/teresa-arruda-alvim-modulacao-substitui-vantagens-sumula-343>. Acesso em: 18 dez. 2017. 650 ÁVILA, Humberto. Teoria da segurança jurídica. 3 ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 478.
253
divergência entre a Primeira e a Segunda Seção, a questão foi levada para
análise da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça.
Em decisão proferida no dia 07 de maio de 2003, a Corte Especial
entendeu que a cobrança antecipada do valor residual não descaracterizava o
contrato de leasing, modificando o entendimento sumulado 01 ano depois da
criação do enunciado supra. O cancelamento definitivo ocorreu no dia 28 de
agosto de 2003.
Passado 01 ano, em 05 de maio de 2004, a Corte Especial aprovou o
enunciado 293 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça em sentido
diametralmente oposto ao enunciado 263: “A cobrança antecioapda do valor
residual garantido (VRG) não descaracteriza o contrato de arrendamento
mercantil”.
Nessa circunstância, a ação rescisória é cabível para que a nova tese
jurídica seja aplicada aos processos que foram julgados com base no
entendimento firmado no enunciado 263, pois neste curto espaço de tempo as
partes não tiveram o enunciado de súmula como a sua firme pauta de conduta,
até porque a questão continuou controvertida, apesar de sumulada.
No entanto, isso não quer significar, em absoluto, que todas as decisões
anteriormente transitadas em julgado à luz do precedente anterior sejam
rescindíveis.
Não basta haver mudança de jurisprudência ou superação do precedente
para que haja proteção relacionada ao precedente anterior. A proteção deve ser
concedida quando se podia acreditar que o entendimento anterior era definitivo.
Por isso, Humberto Ávila observa que: [...] será preciso investigar a presença da base de confiança, caracterizada pela vinculatividade e pela pretensão de permanência, da confiança legítima, da prática de atos de disposição de direitos fundamentais orientados na decisão modificada e da frustração intensa da confiança pela decisão modificadora.651
Isso porque valores como a segurança jurídica e legítima confiança dela
decorrente da previsibilidade da atuação estatal podem fazer com que a decisão
651 ÁVILA, Humberto. Teoria da segurança jurídica. 3 ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 705, e, com mais vagar, p. 497-508.
254
proferida com base no precedente anteriormente existente seja mantida, por ter
servido como a pauta de conduta do cidadão naquele determinado momento
histórico, verbi gratia, para a celebração de um negócio jurídico ou para a prática
(ou não) de determinado ato. “As partes, muitas vezes leigas, não compreendem
a mudança de orientação dos tribunais. O que lhes levanta um forte sentimento
de injustiça”.652
Por isso, o critério para a ocorrência ou a inocorrência da retroatividade
jurisprudencial, decorrente da superação do precedente, “deve ser buscado no
princípio da segurança jurídica em conexão com os direitos fundamentais e com
os princípios que orientam a atuação estatal”.653
No Capítulo 1 foi visto que a segurança jurídica atua no ordenamento
jurídico como princípio que tem por finalidade criar o estado ideal de certeza, de
compreensibilidade, de determinabilidade e de previsibilidade do comportamento
e da atuação dos agentes públicos suscetíveis de atingirem a esfera jurídica dos
particulares, entre elas a atuação do Poder Judiciário. Em outras palavras, atua
como forma de assegurar ao cidadão o conhecimento da consequência jurídica
da prática de determinado ato, ou seja, que “tenha noção daquilo que muito
provavelmente virá ocorrer” se agir ou deixar de agir de determinada forma.654
Humberto Ávila, por sua vez, prefere denominar semanticamente essas
exigências de certeza, de determinabilidade e de previsibilidade como ideais de
cognoscibilidade, de confiabilidade e de calculabilidade do direito.
A proteção da legítima expectativa ou da legítima confiança, decorrente
da segurança jurídica, visa preservar o passado no presente e o presente no
futuro, com a estabilidade do direito e das suas concretizações, como a
intangibilidade de situações passadas, durabilidade do direito e irretroatividade
normativa.655 Por isso, Nelson Nery Junior afirma que “No caso de modificação de
consolidada jurisprudência anterior, a eficácia ex nunc deixa de ser possível e 652 FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Irretroatividade e jurisprudência judicial. Efeito ex nunc e as decisões do STJ. Barueri: Manole, 2009, p. 6. 653 ÁVILA, Humberto. Teoria da segurança jurídica. 3 ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 493. 654 ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p.60. 655 “A confiabilidade significa o estado ideal em que o cidadão pode saber quais as mudanças que podem ser feitas e quais as que não podem ser realizadas, evitando, dessa forma, que os seus direitos sejam frustrados” (ÁVILA, Humberto. Teoria da segurança jurídica. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 699).
255
passa a ser necessária, em virtude da incidência da boa-fé objetiva e da
segurança jurídica”.656
A legislação mais recente tem enfatizado a importância da estabilidade da
jurisprudência e das consequências de sua, muitas vezes inevitável e necessária,
mudança.
O inciso XIII do parágrafo único do art. 2o da Lei n. 9.784/1999, que regula
o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal,
estabelece entre os critérios concretizadores de seus princípios regentes que a
nova interpretação da norma administrativa não tenha aplicação retroativa para
que o cidadão não seja surpreendido, in verbis: Art. 2o A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência. Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de: [...] XIII - interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação.
Ao comentarem o dispositivo normativo, Cristiana Fortini, Maria Fernanda
Pires de Carvalho Pereira e Tatiana Martins da Costa Camarão asseveram que a
sua finalidade é resguardar as situações jurídicas já consolidadas em prol da
segurança jurídica, nos termos: O inciso guarda relação com o princípio da segurança jurídica, como definido no caput do artigo, uma vez que impede que um novo entendimento adotado pela Administração Pública produza efeitos retroativos, atingindo situações pretéritas. Objetiva-se a proteção das situações já consolidadas pelo transcurso do tempo e a manutenção da estabilidade, já que não se justifica a desconstituição de atos ou situações em raríssimas exceções.657
656 NERY JUNIOR, Nelson. Boa-fé objetiva e segurança jurídica: eficácia da decisão judicial que altera jurisprudência anterior do mesmo tribunal superior. Efeito ex nunc e as decisões do STJ. Barueri: Manole, 2009, p. 77. Em outro excerto: “Quando houver superveniência de decisão do tribunal superior sobre determinado assunto, alterando jurisprudência anterior do mesmo tribunal já extratificada em sentido diverso, os efeitos dessa nova decisão terão de ser necessariamente ex nunc, isto é, para o futuro. Somente assim terá preservado o respeito à Constituição Federal, porque se estará dando guarida aos princípios da segurança jurídica e da boa-fé objetiva”. (idem, p. 97-98). 657 FORTINI, Cristiana; PEREIRA, Maria Fernanda Pires de Carvalho; CAMARÃO, Tatiana Martins da Costa. Processo administrativo – Comentários à Lei n. 9.784/1999. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 83-84.
256
Especificamente sobre a alteração da jurisprudência ou da superação de
precedente judicial, Tércio Sampaio Ferraz Jr. leciona: Os efeitos de uma alteração radical numa jurisprudência, mormente em tribunal superior, após um tempo bastante largo de consolidação, capaz de ter assistido ao trânsito em julgado de diversas decisões e à iniciativa de inúmeras ações, confiantes na expectativa gerada pelo “entendimento pacificado”, não pode ser encarado sem que sejam tornadas mais precisas algumas de suas consequências. [...] os precedentes, sobretudo dos tribunais superiores, pelo menos quando não deparam com uma contradição demasiadamente grande, passam, após a decorrência de um tempo razoável, a ser considerados uma espécie de “direito vigente”.658
A questão foi decidida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do
Recurso Extraordinário 590.809/SC, com repercussão geral reconhecida, e a tese
firmada foi a seguinte, conforme tema 136: Não cabe ação rescisória quando o julgado estiver em harmonia com o entendimento firmado pelo Plenário do Supremo à época da formalização do acórdão rescindendo, ainda que ocorra posterior superação do precedente.
Esse é o entendimento de Fredie Didier Jr. e de Leonardo Carneiro da
Cunha assim expressado: Divergência na interpretação do Direito entre tribunais, havendo, ao tempo da prolação da decisão rescindenda, precedente vinculante do STF ou do STJ; após o trânsito em julgado, sobrevém novo precedente do tribunal superior, alterando o seu entendimento: não há direito à rescisão, fundado nesse novo precedente tendo em vista a segurança jurídica, tal como decidido pelo STF, no RE n. 590.809, Rel. Min. Marco Aurélio, j. em 22.10.2014.659
Assim, estando a decisão em conformidade com o entendimento firmado
em precedente que serviu de base de conduta para o cidadão saber o que pode e
o que não poder fazer, a modificação posterior do precedente deve ser base
também para modulação de efeitos do novo precedente e, por consequência,
para não autorizar a rescindibilidade da decisão por violação à norma jurídica,
658 FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Irretroatividade e jurisprudência judicial. Efeito ex nunc e as decisões do STJ. Barueri: Manole, 2009, p. 3-4 e p. 13. 659 DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil. Salvador: Juspodivm, 2016, v. 3, p. 496.
257
pois a “norma jurídica” que serviu como pauta de conduta do cidadão foi a contida
no precedente.660
Nesse ponto, a possibilidade de modulação de efeitos, por motivos de
segurança jurídica e de interesse social, ganha importância, pois com a
modulação de efeitos, principalmente prospectivos, como forma de assegurar a
segurança jurídica decorrente da previsibilidade da atuação do Poder Judiciário
gerada pelo precedente anterior, a superação do precedente após o trânsito em
julgado da decisão judicial e dentro do prazo de dois anos indubitavelmente não
viabiliza a rescisão da decisão com fundamento na violação do precedente.
A questão foi decidida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do
Recurso Extraordinário 590.809/SC, com repercussão geral reconhecida, e a tese
firmada foi a seguinte, conforme tema 136: Não cabe ação rescisória quando o julgado estiver em harmonia com o entendimento firmado pelo Plenário do Supremo à época da formalização do acórdão rescindendo, ainda que ocorra posterior superação do precedente.
Esse é o entendimento de Fredie Didier Jr. e de Leonardo Carneiro da
Cunha assim expressado: Divergência na interpretação do Direito entre tribunais, havendo, ao tempo da prolação da decisão rescindenda, precedente vinculante do STF ou do STJ; após o trânsito em julgado, sobrevém novo precedente do tribunal superior, alterando o seu entendimento: não há direito à rescisão, fundado nesse novo precedente tendo em vista a segurança jurídica, tal como decidido pelo STF, no RE n. 590.809, Rel. Min. Marco Aurélio, j. em 22.10.2014.661
Portanto, a princípio é cabível ação rescisória em caso de modificação de
precedente, por existir, em regra, eficácia retroativa. No entanto, se as
660 “Sendo o ordenamento um sistema dinâmico e as leis emanadas pelo Legislativo, via de regra, um comando geral que comporta mais de uma possibilidade interpretativa, é preciso entender que a irretroatividade das leis refere-se à lei conforme uma de suas interpretações possíveis. Essa interpretação adotada pode ser alterada e, com isso, a lei, em termos do seu sentido, se altera. Em nome do direito à segurança, que exige certeza e confiança, não se pode, pois, restringir o princípio da irretroatividade à lei como mero enunciado, devendo compreender a lei como sua inteligência em determinado momento. [...] A irretroatividade é, assim, do Direito e alcança, portanto, a irretroatividade da inteligência da lei aplicada a certo caso concreto”. (FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Irretroatividade e jurisprudência judicial. Efeito ex nunc e as decisões do STJ. Barueri: Manole, 2009, p. 11). 661 DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil. Salvador: JusPodivm, 2016. v. 3, p. 496.
258
circunstâncias do caso demonstrarem que as partes tiveram como pauta de
conduta o precedente anterior, que gerou segurança jurídica, decorrente da
legítima confiança e da previsibilidade da atuação estatal, ocorrendo posterior
superação de precedente anterior e formação de novo precedente não será
cabível ação rescisória com fundamento em violação a precedente. A modulação
de efeitos é técnica útil para afastar a aplicabilidade do novo precedente e sanar
possíveis dúvidas a respeito de sua aplicação retroativa.
259
CONCLUSÃO
O Código de Processo Civil de 2015 prevê expressamente a
rescindibilidade de decisões judiciais por violação manifesta à norma jurídica. Por
outro lado, instituiu um rol de pronunciamentos judiciais vinculantes que, em que
pese os inúmeros apelidos (ou nomenclaturas) constatados na doutrina e na
jurisprudência, são denominados no presente trabalho de precedentes.
Diante disso, o objetivo do presente trabalho é o de analisar se no
ordenamento jurídico brasileiro é cabível ação rescisória para rescindir as
decisões judiciais em caso de violação a precedente.
Para tanto, analisou-se no capítulo 1 o significado de Estado de Direito e
o conteúdo dos princípios da legalidade, da igualdade e da segurança jurídica.
O direito tem como uma de suas funções a de regular os comportamentos
das pessoas em sociedade e de atuar como instrumento de controle social,
devendo orientar o cidadão a saber o que pode e o que não pode fazer, mediante
prescrições normativas que gerem segurança jurídica.
Um Estado de Direito é formado por um ordenamento jurídico capaz de
assegurar e proteger os direitos do cidadão e de regular a atividade estatal, o
funcionamento de seus órgãos e a relação entre o cidadão e o Estado,
protegendo o cidadão de arbitrariedades estatais. Todos devem se submeter às
prescrições normativas, que servem de instrumento de garantia da compreensão
do direito.
O Estado de Direito brasileiro, definido pela Constituição de 1988, é
democrático, onde todo o poder emana do povo. É vontade democrática do povo
que legitima o direito criado e balizado por ele e para ele, desde (e a partir de) a
Constituição.
O princípio da legalidade é inerente ao Estado de Direito, opondo-se a
qualquer forma de exercício autoritário de poder antidemocrática. Por legalidade
entende-se a existência anterior de prescrição normativa a ser aplicada aos casos
submetidos ao julgamento.
260
O princípio da legalidade deve ser entendido como o conjunto do
ordenamento jurídico, podendo o cidadão pode fazer tudo o que não é proibido,
enquanto a Administração Pública, em regra, somente poderá fazer aquilo que for
previamente autorizado por ele.
Respeitar a legalidade significa observar a interpretação e a aplicação do
ordenamento jurídico em suas interações com o caso concreto em um
determinado momento histórico e respeitar os precedentes judiciais dotados de
efeito vinculante.
Por sua vez, o princípio da igualdade, sem o qual não há justiça, assegura
o tratamento igualitário que significa, de um lado, tratar igualmente os iguais e, de
outro, desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade. Em sentido
formal, a igualdade é vista como uma regra normativa decorrente da legalidade
perante a lei e em virtude de lei, que busca atribuir os direitos em igualdade. Em
sentido material, a igualdade jurídica garante a observância da lei e impõe a
proibição de distinção de tratamento pelo aplicador do direito.
A violação à igualdade pode decorrer de lei e de outros atos normativos
elaborados pelo Poder Legislativo, de atos da Administração Pública e também de
decisões judiciais emanadas pelo Poder Judiciário. Para o presente trabalho
importam as violações à igualdade decorrentes de decisões judiciais que
constroem normas jurídicas diferentes para situações idênticas ou normas
jurídicas iguais para situações diferentes.
O Poder Judiciário também tem por função, inerente ao princípio da
igualdade, concretizar normas jurídicas iguais para situações idênticas e normas
jurídicas diferentes para situações desiguais.
Em um sistema jurídico, como o brasileiro, que admite a rescisão da coisa
julgada por violação manifesta à norma jurídica, é necessário investigar se o
tratamento desigual a casos que deveriam ter sido tratados igualmente por
decorrência do sistema de precedentes judiciais autoriza o manejo da ação
rescisória. Para tanto, faz-se necessário estudar também o conteúdo do princípio
da segurança jurídica.
A segurança jurídica serve de baliza para a precisão e a
determinabilidade das prescrições normativas, para a imposição de limites à sua
vagueza ou indeterminação e para a aplicação do direito.Ela pode ser vista sob as
261
perspectivas subjetiva e objetiva. Em sua perspectiva subjetiva, a segurança
jurídica atua com a finalidade de garantir o estado ideal de previsibilidade de
comportamento do Estado perante os atos dos cidadãos. Os precedentes
judiciais, dessarte, contribuem para a ampliação da segurança jurídica. Em sua
ótica objetiva, a segurança jurídica assegura a estabilidade das relações jurídicas,
protegendo o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. A coisa
julgada, como a qualidade ou a autoridade que torna imutável e indiscutível a
decisão judicial, leva segurança jurídica para o cidadão em seu caso individual
submetido à manifestação do Poder Judiciário.
No entanto, o Poder Judiciário não pode analisar cada demanda de
maneira isolada, em uma visão microscópica e deve prezar pela coesão e pela
coerência do sistema jurídico para garantir a segurança jurídica em suas duas
perspectivas.
Em um sistema jurídico que admite a rescisão de decisão judicial
transitada em julgado por violação manifesta à norma jurídica, é importante saber
se em caso de conflito entre as duas perspectivas da segurança jurídica, se deve
prevalecer a decorrente da previsibilidade proveniente da existência de
precedentes judiciais que levam maior integridade, coerência e estabilidade ao
sistema jurídico, ou a que proporciona estabilidade à relação jurídica individual
apreciada pelo Poder Judiciário, decorrente da coisa julgada.
O capítulo 2 analisa a previsão de cabimento de ação rescisória por
violação manifesta à norma jurídica.
A ação rescisória é, por excelência, o meio de impugnação das decisões
transitadas em julgado, precipuamente as de mérito e, consequentemente, de
desconstituição da coisa julgada, quando presente pelo menos uma das hipóteses
de rescindibilidade previstas taxativamente no ordenamento jurídico brasileiro, em
especial no art. 966 do Código de Processo Civil de 2015, em consonância com a
proteção ao direito fundamental à coisa julgada.
Trata-se de uma ação autônoma de impugnação que dá ensejo à
formação de uma nova relação jurídica processual, diferente daquela na qual foi
proferida a decisão rescindenda.
Entre as previsões legais de rescindibilidade de decisão judicial transitada
em julgado, o Código de Processo Civil de 2015 substituiu o cabimento de ação
262
rescisória em caso de violação a literal dispositivo de lei por violação manifesta à
norma jurídica.
A norma jurídica é o resultado da interpretação das fontes de direito, em
especial das prescrições normativas à luz da Constituição, dos princípios, dos
direitos fundamentais e do preenchimento de cláusulas gerais e/ou de conceitos
indeterminados à luz do caso concreto. Assim, quando se diz que uma norma
jurídica foi violada, o que se violou foi a interpretação dada às fontes do direito
aplicadas no caso concreto.
A fonte do direito violada pode ser de qualquer espécie normativa,
constitucional ou legislativa, de qualquer ramo do direito, inclusive de direito
processual; de direito estrangeiro e também de costume, quando aplicáveis ao
caso. Não apenas as regras jurídicas, mas também a Constituição, os princípios
jurídicos, os direitos fundamentais e o sentido atribuído às cláusulas gerais e aos
conceitos indeterminados.
Há violação à norma jurídica quando, à luz do caso concreto, a decisão
nega vigência a enunciado normativo vigente; não aplica enunciado normativo
aplicável; ou aplica erroneamente enunciado normativo inaplicável, sendo
desnecessário o prequestionamento.
A violação manifesta deve ser entendida como uma violação clara à luz
das circunstâncias fáticas do caso julgado; que independe de instrução
probatória, pois verificável pelo exame das provas constantes dos autos.
Postas essas premissas, passa-se à investigar, no capítulo 3, se violar
precedente judicial, conforme estabelecidos no art. 927 do Código de Processo
Civil de 2015, configura violação à norma jurídica.
Para analisar o precedente judicial como norma jurídica é necessário
compreender a sua função no direito, que varia conforme o sistema jurídico. Nos
dois grandes (e principais) sistemas jurídicos, o common law e o civil law, o tema
possui tratamento diverso decorrente, da origem, das diferenças da própria
estrutura dos direitos e das fontes dos direitos nos países de origem de cada
família jurídica.
No civil law, a jurisprudência assume o papel de evolução do direito, mas
intimamente ligado à interpretação das prescrições normativas. Ela cria direito
263
dentro dos padrões estabelecidos para o direito pelo legislador, não tendo
autoridade de lei e nem, em regra, previsão de eficácia vinculante.
No common law, o direito se constituiu a partir das decisões dos Tribunais
(e não da lei). Trata-se de um direito formado pela praxe, sobre as bases das
decisões dos juízes, que resolviam os litígios particulares, na maioria dos casos, a
partir dos costumes. Embora culturalmente os ingleses recorressem às regras de
direito extraíveis judicialmente, a regra da obrigatoriedade de os juízes ingleses
seguirem os precedentes surgiu após a metade do século XIX, sendo aplicado a
partir da identificação da ratio decidendi do julgamento precedente, como o
suporte necessário da decisão que se torna a regra que se incorpora ao direito.
O Brasil possui suas raízes jurídicas no sistema jurídico do civil law, em
que historicamente a lei se constituiu como principal fonte de direito a estabelecer
as regras de direito concebidas como regras de conduta, visando regular as
relações entre os cidadãos.
No Brasil, precedente judicial não significa o mesmo que no sistema do
common law. Precedente decorre de um pronunciamento judicial que interpreta as
prescrições normativas à luz do caso concreto em um determinado momento
histórico e que serve de base para a formação de outro pronunciamento judicial
em processo posterior.
Ele não cria um direito por si só, pois a atividade criativa do Poder
Judiciário é intimamente ligada à interpretação do ordenamento jurídico
delineado, precipuamente, pelo Poder Legislativo.
O Código de Processo Civil de 2015 estabelece um sistema de formação
de precedentes construído à luz das características de um ordenamento jurídico
de civil law, como é o brasileiro. Não há migração para a família de direito do
common law; não é a tradição do direito brasileiro. A atividade do juiz é
concretizadora do trabalho iniciado pelo legislador.
Nessa linha, o art. 927 do Código de Processo Civil de 2015 estabelece
um rol de pronunciamentos judiciais que podem ser considerados precedentes
para fins de aplicação do direito brasileiro.
O trabalho optou por nomear de precedentes o rol de pronunciamentos
constantes no art. 927 do Código de Processo Civil. Sabe-se que a denominação
é passível de crítica, pois não reflete fielmente o que tem sido chamado de
264
precedente no mundo e, especial, nos países de common law. No entanto, entre
os inúmeros apelidos constatados, optou-se por essa nomenclatura pura e
simples – precedente – sem nenhuma adjetivação, mas destacado em itálico,
como forma indireta de chamar a atenção para o fato de que não se trata
fielmente daquilo que em outros países se chama de precedente.
O art. 926 do Código de Processo Civil estabelece o dever aos Tribunais
de uniformização de sua jurisprudência e de mantê-la estável, íntegra e coerente,
inclusive com a edição de enunciado de súmula, que deverão se ater às
circunstâncias fáticas que levaram à sua criação.
O art. 927 do Código de Processo Civil estabelece o dever de os juízes e
os tribunais observarem (e seguirem) os precedentes judiciais descritos, ou seja,
o dever de vinculação aos precedentes. Em que pese a interpretação do
dispositivo ter se tornado bastante polêmica e variada, este trabalho adota o
entendimento de que o dispositivo estabelece alguns precedentes com eficácia
vinculante, quais sejam: as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle
concentrado de constitucionalidade; os enunciados de súmula vinculante; os
acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de
demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial
repetitivos; os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria
constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional; e a
orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.
Desse modo, os precedentes judiciais podem ser considerados normas
jurídicas, pois eles atribuem sentido às prescrições normativas à luz de
determinadas circunstâncias fáticas e dado momento histórico.
Como o inciso V do art. 966 do Código de Processo Civil de 2015 prevê o
cabimento de ação rescisória quando a decisão violar manifestamente norma
jurídica, no capítulo 4 examina-se o cabimento de ação rescisória por violação a
precedente.
Durante a vigência dos Códigos de Processo Civil de 1939 e de 1973,
após a instituição dos enunciados de súmula de jurisprudência predominante do
Supremo Tribunal Federal em 1963, o entendimento prevalente era no sentido do
não cabimento de ação rescisória por violação a enunciado de súmula
persuasiva. Em relação aos enunciados de súmula vinculante, a questão dividiu a
265
doutrina e a jurisprudência, tendo ganhado força na doutrina o cabimento de ação
rescisória por violação a enunciado de súmula vinculante. Mais recentemente,
ainda que minoritariamente, surgiu o entendimento a respeito do cabimento de
ação rescisória por violação a enunciado de súmula persuasiva.
O Código de Processo Civil de 2015, precipuamente por conta do
disposto no inciso V e nos §§ 5.º e 6.º do art 966 denotam a ocorrência de
mudança de paradigma sobre a rescindibilidade de decisões judiciais com
fundamento em violação a precedente. Com efeito, o inciso V estabelece a
possibilidade de rescisão de decisão judicial, transitada em julgado, quando violar
manifestamente a norma jurídica e os §§ 5.º e 6.º prevêem expressamente a
possibilidade de desconstituição da coisa julgada e de rescisão de decisão judicial
contrária a precedente.
O cabimento de ação rescisória por violação a precedente, portanto, já
estava previsto no ordenamento jurídico na hipótese de cabimento de ação
rescisória quando a decisão rescindida “violar manifestamente norma jurídica”,
havendo violação à norma jurídica quando, à luz do caso concreto, a decisão não
aplica precedente aplicável ou aplica erroneamente precedente inaplicável.
O Código de Processo Civil de 2015 também prevê expressamente, no §
15 do art. 525 e no § 8.º do art. 535, o cabimento de ação rescisória por violação
à norma jurídica constitucional, especificamente quando a sentença for fundada
em texto normativo posteriormente considerado inconstitucional ou reputar
inconstitucional texto normativo posteriormente declarado constitucional, sendo
necessário que o trânsito em julgado da decisão exequenda tenha ocorrido antes
da decisão do Supremo Tribunal Federal. No entanto, não será cabível se o
Supremo Tribunal Federal modular prospectivamente os efeitos de sua decisão
de inconstitucionalidade ou de constitucionalidade.
O prazo para o exercício do direito de rescisão dos julgados por violação
manifesta à norma jurídica e, em especial, a precedente judicial, seguirá a regra
geral que prevê o prazo decadencial de dois anos para a propositura da ação
rescisória.
Especificamente quanto ao prazo para a ação rescisória contra decisão
interlocutória de mérito e capítulo não recorrido, o termo final do prazo de dois
anos para o exercício do direito à rescisão de decisão interlocutória de mérito e de
266
capítulo não recorrido conta-se do trânsito em julgado da decisão rescindenda, ou
seja, da última decisão referente à questão sobre a qual versa a ação rescisória, e
não do último pronunciamento posterior proferido no processo sobre questão
diversa. Em caso de recurso pendente de juízo de admissibilidade, os dois anos
para o exercício do direito à rescisão dos julgados inicia-se da última decisão
sobre esse recurso, ainda que ele não seja conhecido, salvo intempestividade
manifesta.
Especificamente quanto o prazo para propositura de ação rescisória
fundada em “coisa julgada inconstitucional”, o prazo será contado do trânsito em
julgado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal”, mas limitado ao
prazo máximo de cinco anos, contado do trânsito em julgado da última decisão
referente à questão sobre a qual versa a ação rescisória.
Verificada a possibilidade de rescisão da decisão judicial e de
desconstituição da coisa julgada em caso de violação a precedente, resta analisar
as complexas questões referentes ao momento de formação do precedente, ao
momento de trânsito em julgado da decisão rescindenda e ao cabimento de ação
rescisória.
Em caso de inexistência de precedente judicial na época do trânsito em
julgado da decisão rescindenda e de fixação posterior de precedente em sentido
contrário à decisão, é cabível ação rescisória por violação a precedente.
De igual modo, também deve ser admitida a ação rescisória quando o
sentido correto da norma tiver sido atribuído por precedente e a decisão
rescindenda foi proferida em sentido diverso quando a interpretação ainda era
controvertida nos tribunais, a despeito do enunciado 343 da Súmula do Supremo
Tribunal Federal, exceto no caso de o tribunal modular os efeitos do precedente.
No entanto, se no prazo rescisório a interpretação continuar controvertida,
não será cabível a ação rescisória por não inexistir violação manifesta à norma
jurídica, pois a interpretação adequada continuará sem aclaramento pelos
tribunais.
Por outro lado, a existência de precedente judicial na época do trânsito
em julgado da decisão em sentido contrário viabiliza, indubitavelmente, a ação
rescisória.
267
Por fim, na hipótese de precedente na época do trânsito em julgado da
decisão rescindenda e ocorrer superação posterior ao trânsito em julgado com a
formação de novo precedente, a princípio é cabível ação rescisória em caso de
modificação de precedente, por existir, em regra, eficácia retroativa.
No entanto, se as circunstâncias do caso demonstrarem que as partes
tiveram como pauta de conduta o precedente anterior, que gerou segurança
jurídica, decorrente da legítima confiança e da previsibilidade da atuação estatal,
ocorrendo posterior superação do precedente e formação de novo precedente
não será cabível ação rescisória com fundamento em violação a precedente. A
modulação de efeitos é técnica útil para afastar a aplicabilidade do novo
precedente e sanar possíveis dúvidas a respeito de sua aplicação retroativa.
Em um sistema jurídico que admite a rescisão de decisão judicial
transitada em julgado por violação manifesta à norma jurídica, esses resultados
concretizam os princípios da legalidade, da igualdade e da segurança jurídica
decorrente da previsibilidade proveniente da existência de precedentes judiciais
que levam maior integridade, coerência e estabilidade ao sistema jurídico, em
detrimento da segurança jurídica que proporciona estabilidade à relação jurídica
individual apreciada pelo Poder Judiciário, decorrente da coisa julgada.
268
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