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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP Everton Souza de Araujo A Luta Pela Hegemonia e a Organização Política do Conjunto CFESS/CRESS Mestrado Serviço Social São Paulo 2014

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

PUC-SP

Everton Souza de Araujo

A Luta Pela Hegemonia e a Organização Política do Conjunto CFESS/CRESS

Mestrado

Serviço Social

São Paulo

2014

Everton Souza de Araujo

A Luta Pela Hegemonia e a Organização Política do Conjunto CFESS/CRESS

Dissertação apresentada como exigência parcial ao Programa de Estudos de Pós – Graduação em Serviço Social, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, para obtenção do título de Mestre em Serviço Social, sob a orientação da Profª Dra. Maria Lucia Silva Barroco.

PUC-SP

São Paulo

2014

São Paulo, __/__/__

Banca Examinadora

Agradecimentos

Gostaria de agradecer especialmente minha companheira Pollyanna Rizzoli, pela paciência e apoio dado em todo período da dissertação, sem ela com certeza o trabalho seria mais difícil de ser realizado, obrigado Polly.

Agradeço minha família, irmãos/ã, tios, tias, sobrinhos/as, pois o afeto deles é importante para continuarmos adiante na vida.

Agradeço especialmente minha Tia Denilda Alberton, pelo apoio, afeto e carinho, obrigado Tia por ter aberto as portas de sua casa, na tranquila cidade de Atibaia – SP, com certeza os ares de tranquilidade e do seu afeto ajudaram eu terminar o mestrado.

Agradeço a Professora Rosalina Santa Cruz, pela amizade e pela disponibilidade de ter me ajudado com o Pré – Projeto do Mestrado.

Agradeço especialmente também a minha orientadora, a Professora Lucia Barroco, que desde o começo abriu as portas para eu estudar na pós – graduação da PUC-SP sendo seu orientando. Nossas trocas, orientações, leituras e diversos caminhos tomados foram importantes para este trabalho, obrigado por tudo Lucia.

Agradeço meus amigos e companheiros de luta, com certeza sem a experiência de atuar às vezes mais, às vezes menos, mas sempre próximo a militância social é o grande motor deste trabalho. São meus amigos e colegas de militância que me ensinam a cada dia eu ser uma pessoa melhor e ter uma atuação crítica na realidade, companheiros que independente do titulo acadêmico, me ensinam demais, companheiros do Movimento Sindical de luta e combativo, Movimentos Sociais comprometidos e estudantis críticos. Agradeço a todos estes companheiros e movimentos que tomo e tomei contato em minha vida, por todos os ensinamentos e contribuições que deram para minha formação.

Agradeço meus amigos mais próximos, Tiago Barbosa (Cavalo), Vinicius Boim (Cavalo), Luis Eduardo Novaes (Dudu), Thiago (Bean), Fernanda Ferreira, Raoni Jerônimo (Cavalo), Greyce Kelly, Nathalia Gonzales, Josuel (Itu), Edileusa Shirley, Aline Barreto, Leila Petrini, Ligia Petrini. Com certeza há outros amigos, alguns mais sumidos e outros mais presentes na atualidade, mas para quem não tiver seu nome aqui, sinta-se contemplado com o agradecimento.

Agradeço aos amigos e companheiros da O.C Arma da Crítica, pela militância e companheirismo, em especial Eric Thal, Cido Lima, Igor Grabóis, Walber Monteiro (Magrão), Renato Nucci e Anibal Ortega. Agradeço aos companheiros

da Intersindical, que também deram sua contribuição nestes últimos anos para fortalecer a concepção crítica que tenho e que coloquei nos debates teóricos deste trabalho.

Agradeço aos amigos e amigas da Associação José Martí Baixada Santista que muito nos alegra com o grau de organização e enraizamento que conseguiram em tão pouco tempo em Santos – SP e Região, junto a diversos Movimentos e pessoas que contribuem nas lutas diárias na sociedade

Agradeço o Movimento Paulista e Nacional de Solidariedade a Cuba, pelas oportunidades de aprendizado e trabalho realizado.

Agradeço ao CFESS (Gestão e Funcionários) por terem disponibilizado os Relatórios Finais de Gestão para pesquisa e análises.

Agradeço aos colegas do Mestrado que conheci, foi muito rico estar com vocês e ter momentos de trocas e conhecimentos. Agradeço a toda Pós – Graduação em Serviço Social da PUC-SP que abriu as portas para a oportunidade de estudar no programa.

Dedico este trabalho a minha querida mãe Maria Izabel Souza de Araujo, que infelizmente faleceu em 2001, mas que estará sempre em minhas lembranças, obrigado por tudo mãe.

Resumo

Esta pesquisa está voltada à análise da luta pela hegemonia e organização

política do Conselho Federal de Serviço Social – Conjunto CFESS/CRESS.

Estas análises estão interligadas a outras entidades da categoria profissional,

visto a interface das temáticas, porém sem aprofundamento de estudo em

outras entidades e suas respectivas histórias.

As análises representam a organização política, o debate da hegemonia,

categorias teóricas ligadas a hegemonias e o debate de projetos coletivos

sendo, no caso, o profissional e os societários. Hegemonia, Projeto

Profissional e suas relações com o Projeto Societário, além da organização

política e mediações da relação base e direção, são eixos que norteiam as

análises e pesquisas desta dissertação

Neste debate há uma relação comparada de projetos, respeitando as

particularidades e natureza de cada um. Analisar a organização política deste

setor importante da categoria profissional que é o Conjunto CFESS/CRESS

significa aprofundar o debate da hegemonia e suas categorias teóricas e ideo-

políticas.

Abstract

This research is focused on the analysis of the struggle for hegemony and

political organization of the Federal Council of Social Service - Set CFESS /

CRESS . These analyzes are interconnected to other entities in the

professional category , since the interface of themes , but without depth of

study in other entities and their respective histories .

The analyzes represent the political organization , the discussion of hegemony

, theoretical categories linked to hegemonies and discussion of collective

projects being the case , the professional and corporate . Hegemony ,

Professional Project and its relations with the Corporate Project , beyond the

political organization and mediation of basic respect and direction are axes that

guide the analysis and research of this dissertation

In this debate there is a comparison of projects , and respecting the individual

nature of each relationship. Analyze the political organization of this important

sector of the profession that is set CFESS / CRESS means to deepen the

debate on hegemony and its theoretical and ideo - political categories.

Índice

Siglas.................................................................................................................11

Introdução..........................................................................................................14

Capitulo 1 - A Construção da Hegemonia do Projeto Ético – Político do Serviço Social Brasileiro

1.1 A Sociabilidade da Barbárie.........................................................................22 1.2 A Construção do Projeto Ético Político do Serviço Social no Brasil............38 1.3 A configuração do Conjunto CFESS/CRESS...............................................53

Capitulo 2 - A Concepção de Hegemonia do Serviço Social Brasileiro

2.1 O Serviço Social brasileiro nos Caminhos de Antonio Gramsci..................65

2.2 A Concepção de Hegemonia em Gramsci e a importância da Direção Ético - Política...............................................................................................................76

2.3 A Relação entre a Entidade de Base (CRESS) e a Categoria Profissional.......................................................................................................87

2.4 O Conjunto CFESS/CRESS e a Vontade Coletiva....................................103

2.5 O Transformismo dos Instrumentos de Organização e Luta dos Trabalhadores e o Serviço Social Brasileiro....................................................113

Capitulo 3 - A Pesquisa Documental: Apresentação e Análise dos Dados

3.1Introdução...................................................................................................127

3.2 Conteúdo e Forma.....................................................................................128

3.3 Conjuntura e Concepções: Organização Política e Projetos.....................131

3.4 Concepções Políticas................................................................................135

3.5 Hegemonia e Organização Política Da Categoria.....................................139

3.6 A Função Educativa Da Hegemonia: Capacitação, Ética e Direitos Humanos

.........................................................................................................................141

3.7 O Conselho e as Funções de Hegemonia.................................................148

3.8 Democracia e Gestão Financeira..............................................................150

3.9 Comunicação e Contra-Hegemonia...........................................................152

3.1.1 As Lutas Sociais e a Seguridade Social.................................................157

3.1.2 Lutas Sociais e Conselhos de Direitos...................................................163

3.1.3 Formação Profissional............................................................................166

Considerações Finais...............................................................................................................173

Bibliografias...................................................................................................190

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Siglas

ABEPSS – Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social

ABESS – Associação Brasileira de Ensino em Serviço Social

AE – Articulação de Esquerda

AIETS – Associação Internacional de Escolas de Trabalho Social

ALBA – Aliança Bolivariana para as Américas

ALAEITS – Associação Latino Americana de Ensino e Pesquisa em Trabalho Social

ANAS – Associação Nacional dos Assistentes Sociais

ARENA – Aliança Renovadora Nacional

ASS – Ação Sindical Socialista

BNDES – Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social

BNH – Banco Nacional de Habitação

CONAD - Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas – CONAD

CBAS – Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais

CEI – Comunidade dos Estados Independentes

CELAC - Comunidade dos Estados Latinoamericanos e Caribenhos

CIA – Agencia de Inteligência Americana

CFASS – Conselho Federal de Assistentes Sociais

CFESS – Conselho Federal de Serviço Social

CLT – Consolidação das Leis Trabalhistas

COMECON – Conselho para Assistência Econômica Mútua

CONANDA – Conselho Nacional da Criança e do Adolescente

CENEAS - Comissão Executiva Nacional das Entidades Sindicais de Assistentes Sociais

CNS - Conselho Nacional de Saúde

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COFI - Comissão de Fiscalização

CPV – Centro de Pesquisa Vergueiro

CRASS – Conselho Regional de Assistentes Sociais

CRESS - Conselho Regional de Serviço Social

CUT – Central Única dos Trabalhadores

DC – Desenvolvimento de Comunidade

DCA – Direito da Criança e do Adolescente

DH – Direitos Humanos

EAD - Ensino a Distância

ENESSO – Executiva Nacional dos Estudantes de Serviço Social

ENPESS - Encontro Nacional de Pesquisadores de Serviço Social

FEBEM - Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor

FHC– Fernando Henrique Cardoso

FITS - Federação Internacional dos Trabalhadores Sociais

FMI – Fundo Monetário Internacional

GT - Grupo de Trabalho

Intersindical – Instrumento de Luta e Organização da Classe Trabalhadora

LDB – Lei de Diretrizes Básicas

MEC – Ministério da Educação

MERCOSUL – Mercado Comum do Sul

MOBRAL – Movimento Brasileiro de Alfabetização

MPF - Ministério Público Federal

MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

OAB – Ordem dos Advogados do Brasil

PCB – Partido Comunista Brasileiro

PC do B – Partido Comunista do Brasil

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PDP – Projeto Democrático – Popular

PDT – Partido Democrático Trabalhista

PEP – Projeto Ético – Político

PUC – Pontifícia Universidade Católica

PCI – Partido Comunista da Itália

PNFISC - Política Nacional de Fiscalização

PPP – Parceria Público – Privada

PSB – Partido Socialista Brasileiro

PSOL – Partido Socialismo e Liberdade

PT – Partido dos Trabalhadores

SINSPREV - Sindicato dos Trabalhadores em Saúde e Previdência no Estado de São Paulo

SUS – Sistema Único de Saúde

SUAS – Sistema Único de Assistência Social

TCU – Tribunal de Contas da União

UFAs - Unidades de Formação Acadêmicas

UNASUR – União das Nações Sul - Americanas

UNE – União Nacional dos Estudantes

UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro

URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas

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Introdução

Este trabalho tem como objetivo trazer o enfoque crítico e analítico ao debate da

hegemonia do Projeto Ético – Político (PEP) do serviço social brasileiro e a

organização política do Conjunto CFESS/CRESS. Neste enfoque, o debate de

projetos é um tema de interesse geral, tanto no âmbito societário como no

profissional, a relação entre os dois, semelhanças, diferenças e influências.

Na América Latina, tendo como marco o “Movimento de Reconceituação”, o serviço

social buscou romper com a perspectiva conservadora que historicamente marcou a

profissão. A influência das vertentes críticas deste movimento no Brasil propiciou a

primeira aproximação do serviço social com o marxismo (NETTO, 1991) e a

abordagem sobre a dimensão política da profissão. A aproximação com os

movimentos populares nas experiências do chamado Desenvolvimento de

Comunidade (DC) no fim de 1959, a incorporação do método de educação popular

de Paulo Freire, entre outros fatores, desencadearam um movimento de renovação

no interior da profissão, evidenciando uma postura comprometida com as classes

subalternas (BARROCO, 2011).

O engajamento de profissionais comprometidos nas lutas sociais que marcaram o

efervescente período político de 1960-1964 no Brasil contribuiu para uma

politização da profissão, fortalecendo o questionamento da teoria e da prática

tradicionais (BARROCO, 2011). Porém, com o Golpe Militar de 1964, esse processo

foi interrompido.

Somente no fim da década de 1970 a retomada desse movimento se tornou

possível, tanto no contexto de redemocratização da sociedade brasileira quanto na

reorganização das lutas sociais e das entidades de classe. O serviço social

brasileiro participou ativamente deste processo e conseguiu realizar algumas

mudanças necessárias na profissão em um processo de construção novo e original.

Os processos de luta e conquistas perpassam pela organização política e pelo

debate da hegemonia. Este trabalho tem a intenção de analisar e contribuir com

posições lançadas em um direcionamento progressista com bases na teoria social

de Marx sob a luz da conjuntura e da historicidade.

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No primeiro capítulo, é realizada uma análise histórica dos processos e mediações

da realidade brasileira, suas raízes estruturais e a conjuntura que se abriu no Brasil

após o fim da Ditadura Civil – Militar. Foram tempos de resistência e ebulição em um

país calado durante 25 anos através da força das armas, tortura, assassinatos,

exílios, prisões com processos jurídicos manipulados e desaparecimento de

pessoas. Época que surgiu após um rico processo de luta democrática pelas

reformas de base no Brasil e que foram silenciadas, pelas oligarquias opressoras,

por uma burguesia servil e associada ao Imperialismo1 de burguesias mais

poderosas de países centrais do mundo capitalista, por classes médias mais

abastadas e frágeis em consciência política, além de manipulações por mídias

monopólicas. O exército entrou em cena durante 25 anos para garantir “um seguro”

processo de acumulação e exploração capitalista no Brasil. A resistência existiu e foi

calada a base de extrema violência.

Este foi um período em que o serviço social brasileiro também sofreu influências e

intervenções. Existem diversas avaliações deste período. Muito foi estudado sobre

o Movimento de Reconceituação, ação não genuinamente brasileira, mas que

rondava a América Latina com influências e vertentes progressistas da época,

mesclada com um desenvolvimentismo típico do período. No entanto, o processo

histórico não teve a oportunidade de seguir seus caminhos de erros e acertos, pois

em 1964 toda população sofreu com intervenções e, em um golpe de mestre

aplicado pelas elites nacionais e pelos interesses do governo dos Estados Unidos

que interviu no Brasil e outros países latino-americanos2.

No caso do serviço social brasileiro, havia apenas dois anos que esta entidade de

categoria profissional da “sociedade civil” estava aberta e depois disso sofreu a

intervenção e sua construção foi interrompida. Esta análise é desafiadora, polêmica

e passível de críticas, mas basta analisar os Códigos de Ética de 1965 e de 1975,

para checar que o primeiro instrumento abria espaço para diferentes opiniões. O

1 Recomendamos para fins de aprofundamento “Imperialismo, fase superior do Capitalismo Monopolista” Lênin (1982). 2 Temos uma rica analise da relação serviço social e Ditadura Civil – Militar (cujo autor chama de Autocracia Burguesa) em Netto (2010).

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Código de Ética de 1965 já recebia influências do positivismo e procurava trazer

uma base técnica para a profissão, mesmo com diversas bases neotomistas.

Porém, o Código de Ética de 1975 contém traços da intervenção do Regime

Autocrático, em uma perspectiva de contenção social e que impõe claramente a

obrigação do respeito à autoridade do Estado. O projeto foi hegemônico antes do

atual PEP, período conjuntural chamado por Netto (2010) de Modernização

Conservadora3.

De acordo com Barroco, vale salientar:

As pequenas diferenças entre os três Códigos anteriores a 1986

decorreram de mudanças realizadas na trajetória da profissão. O

primeiro Código (1947) – expressando a estreita vinculação do

Serviço Social com a doutrina social da Igreja Católica – era

extremamente doutrinário e subordinado aos dogmas religiosos. O

segundo (1965) – revelando traços da renovação profissional no

contexto da modernização conservadora posta pela autocracia

burguesa (Netto, 1991) – introduziu alguns valores liberais, sem

romper com a base filosófica neotomista e funcionalista. O terceiro

(1975) suprimiu as referências democrático – liberais do Código

anterior, configurando – se como uma expressão de reatualização do

conservadorismo profissional do conservadorismo profissional (Netto,

2011) no contexto de oposição e luta entre projetos profissionais que

antecederam o III CBAS de 1979.

A Modernização Conservadora não veio por meio de um processo natural em uma

categoria “naturalmente conservadora e reacionária”. A categoria, de legado

conservador, tinha processo histórico de rompimentos e outras possíveis

construções que foram interrompidas, tinha tempo e ritmo e poderia avançar para

caminhos menos conservadores, o que não logrou visto o Golpe de 1964 e seus

desdobramentos, com documentos que não levaram adiante a Reconceituação em

seus traços progressistas.

Além do pouco legado democrático e protagonista, visto pela ótica de entidades

representativas da categoria profissional, depois das intervenções em entidades de

3 Netto (2010).

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categoria, sindicatos e outras, se torna difícil acreditar que haveria outra

possibilidade além da burocratizante e oficialista “Modernização Conservadora”4.

Este debate também aparecerá neste trabalho, com análises e mediações do

processo e sua construção teórica e prática.

Um pouco do histórico das entidades da categoria e suas articulações será

resgatado, tendo como enfoque o histórico do Conjunto CFESS/CRESS. Histórico

rico, com contradições e avanços que, ao longo da história, demonstrou importância

para a organização da categoria profissional dos assistentes sociais.

Como mediação, a análise da influência teórica do debate da hegemonia e

desdobramentos que ocorreram no serviço social brasileiro, sendo Gramsci o

principal teórico deste debate. A história da construção do Projeto Ético-Político será

percorrida em suas bases, como a conjuntura influenciou e influencia este projeto,

como os momentos históricos se articularam e ameaçaram desarticular o projeto

profissional hegemônico na atualidade. Como a concepção teórica-prática construiu

pavimentos de caminhos alternativos em obstáculos colocados pela conjuntura no

projeto.

Conjunturas em diferentes tempos históricos da realidade brasileira serão

analisados, como o sombrio período da Ditadura Civil – Militar, onde diversas

violações dos Direitos Humanos ocorreram. Organizações políticas foram dizimadas

e outras se mantiveram resistentes – e houveram ainda as que se transformaram e

se autoimplodiram.

A “década perdida” também será considerada, visto o entulho deixado pela Ditadura.

A década de 1980 foi um período de grave crise econômica no Brasil, com altos

índices de inflação e imenso endividamento externo da economia brasileira, que

afetou gravemente a soberania do país e sua autonomia. A consequência foi uma

época de grave crise social e aumento da pobreza no País.

4 Fernandes (2004) pontua como funcionava o CFAS e os CRAS sob a tutela do Ministério do Trabalho e intervenção oficial, inclusive nas “assembléias” do Conselho.

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Neste período, movimentos sociais, sindicais e partidos renasceram no Brasil,

novas organizações foram construídas e a classe operária voltou à cena das lutas

sociais e políticas. Foi a década que entrou para a História, com o fim o da Ditadura

Civil – Militar, e marcada por fortes lutas sociais e conquistas democráticas para o

povo brasileiro. E para o serviço social brasileiro, foi a década onde um novo

florescer se construiu e a rebelião contra o legado conservador ocorreu, dando

início à construção de um novo projeto profissional.

No fim da década, aconteceram processos de sínteses, na Assembléia Constituinte

e a construção de uma Nova Constituição, que teve que ceder e ter conquistas dos

trabalhadores, além de uma forte polarização entre forças do atraso e progressistas

em 1989, desencadeando na derrota das forças progressistas, tendo a mídia como

responsável por manipulações criminosas que ocorreram naquelas eleições.

O trabalho também percorrerá a década do Neoliberalismo radical no Brasil, suas

consequências e o aumento das expressões da questão social no País, visto a

desregulamentação não só da economia, mas também da nação.

Nesta breve análise de diferentes conjunturas históricas, será debatido o que ainda

é atual, ou seja, a inédita eleição do PT para gestão do Estado Brasileiro, suas

promessas inconclusas, contradições, alianças com a Direita, programas sociais

que tiveram sucesso na amenização da pobreza, contenção da luta de classes e a

desorganização da esquerda brasileira.

Uma análise da configuração do Conjunto CFESS/CRESS, de como ele se organiza

no âmbito político e burocrático, quais são suas demandas jurídicas-institucionais e

quais são as lutas políticas que ocorrem para dentro e para fora da categoria

profissional. Dentro desta configuração, um debate acerca da importância histórica

do Projeto Ético-Político (PEP) do serviço social brasileiro também será feita neste

trabalho.

Para finalizar, será analisada a construção histórica do PEP hegemônico do serviço

social no Brasil. Suas mediações e influências teóricas, seu leque de alianças com

setores progressistas da sociedade brasileira e sua importância para a organização

política da categoria profissional via Conjunto CFESS/ CRESS. Começaremos a

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introduzir o debate da hegemonia com teóricos marxistas, em especial Gramsci e

teóricos do serviço social brasileiro, além de documentos e históricos disponíveis no

CFESS via publicações ou endereços na internet.

No texto da construção histórica do PEP hegemônico haverá uma introdução ao

debate de projetos e sua inserção conjuntural. A trajetória de construção do projeto

e a sua inserção na categoria dos assistentes sociais, obstáculos históricos e

desafios atuais serão resgatada.

O segundo capítulo tem uma densa construção teórica. O debate da hegemonia

será aprofundado, tendo como principal autor o teórico marxista Antonio Gramsci,

entre outros que também contribuiram para o amadurecimento do serviço social no

Brasil. Neste capítulo, um quadro histórico da influencia de Gramsci no serviço

social Brasil será traçado, deixando em evidência as categorias que mais

influenciaram a profissão.

Neste debate, haverá a rica referência de Ivete Simionatto, que explorou a história e

incidência de Gramsci no Brasil e sua influência no serviço social. O Gramsci que o

serviço social conseguiu sintetizar será resgatado por meio do trabalho, trazendo o

debate geral para a sociedade, especificamente na profissão e como as categorias

que Gramsci debateu contribuiram para a construção do PEP que hegemoniza o

serviço social brasileiro.

O debate da hegemonia em Gramsci será aprofundado neste capítulo, como ele

construiu teoricamente esta tese e quais motivos o levaram a se debruçar nesta

construção. Ao percorrer o tema, a importância da direção ético-política em Gramsci

e qual o significado de dirigir um processo e o quanto a hegemonia é ligada a um

processo de direção serão apontadas.

O estudo nas entidades será aprofundado. A importância e relação que a entidade

de base CRESS tem com a categoria profissional também será debatida. Um

quadro do que é a militância de base na categoria profissional será traçado e seu

elo fundamental para o exercício da hegemonia do projeto profissional hegemônico.

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As contribuições categóricas do debate da hegemonia serão sintetizadas. A

categoria da Vontade Coletiva será trabalhada. O caráter da objetivação da

subjetividade será desvendado neste debate: a questão do consenso e os

mecanismos que levam uma categoria profissional a aderir uma proposta coletiva.

Os caminhos que se percorrem na institucionalidade para se consolidar uma

hegemonia em um setor da “sociedade civil” via a categoria da Vontade Coletiva,

para que a importância da conjuntura neste debate e os projetos societários que

envolvem a sociedade sejam discutidos.

No final do segundo capítulo, estará o debate de projetos. Para isso, as categorias

aprofundadas no trabalho e que são associadas ao debate da hegemonia serão

utilizadas, mas o debate de projetos societários, que José Paulo Netto escreveu

para a Revista Serviço Social e Sociedade (2004) e que encontramos na Revista

Serviço Social e Saúde (1999). Este último faz parte da especialização de Serviço

Social e Política Social originalmente, organizada pelo CFESS e que depois virou

um livro com vários textos. A categoria “Transformismo” será polêmica, levantando

sobre as mudanças e rebaixamentos que ocorrem em organizações de

trabalhadores. Serão utilizados três exemplos de grandes organizações que são ou

foram de trabalhadores (MST, CUT e PT).

A relação entre projeto profissional e projeto societário, influências e diferenças, a

relação de autonomia entre ambos e a parceria de projetos em determinadas

conjunturas também será questionada.

No terceiro capítulo, a pesquisa. Para fins metodológicos, foi definido o uso de

análises comparadas de alguns Relatórios Finais de gestão do CFESS, visto que

eles não fazem apenas um balanço de gestão do CFESS, mas também

apontamentos gerais acabam por repassar diversos temas e debater que estão em

todo Conjunto CFESS/CRESS. São relatórios que tem não só o repasse ou

prestação de contas, mas um balanço político que aponta desafios e leva à

concepção de cada gestão e de cada momento do Conjunto CFESS/CRESS.

Após contato com o CFESS e seus conselheiros, foram conseguidos três relatórios

finais. Mesmo sem conseguir o quarto relatório, a pesquisa demonstrou que três

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foram suficientes, visto suas diversidade. Os relatórios foram separados pelas letras

A, B e C. Será encontrada uma diversidade de temas separada por eixos temáticos,

como faz o Conjunto CFESS/CRESS. Cada eixo foi analisado e o debate de

projetos foi aprofundado, como a historicidade do Projeto Ético-Político e sua

parceria em certos momentos históricos com o chamado Projeto Democrático-

Popular5.

Esta análise também levantará polêmica sobre o debate, que já havia sido feita no

segundo capítulo. Por este caminho, o debate e a reflexão da organização política

do Conjunto CFESS/CRESS serão analisados e argumentados nos limites dos

relatórios a organização do Conjunto com apontamentos do que foi concluído.

O objetivo deste trabalho é a contribuição para o debate a fim de fortalecer a

reflexão da luta pela hegemonia e sua manutenção através do Projeto Ético-Político.

Que o debate da organização política seja suscitado, em especial do Conjunto

CFESS/CRESS e que reflexões sejam um instrumento de intervenção qualitativa na

realidade. Que, através de reflexões e polêmicas, o direcionamento de

enfrentamento dos desafios seja direcionado para o projeto profissional e a

hegemonia que foi conquistada por ele.

5 O Projeto Democrático – Popular é uma estratégia política para construir um projeto de sociedade, sendo que entre as diversas características destacamos a chamada aliança com setores populares da sociedade, cumprir a tarefas democráticas inconclusas pela burguesia e construir uma sociedade com justiça social. Tais propostas estão até hoje (2014) em tendências políticas do PT como a Articulação de Esquerda – AE e do PSOL como a Ação Popular Socialista – APS, para aprofundar o debate recomendamos a Revista Intersindical nº 3 de 2010 e a nº 4 de 2012, ambas polemizam o debate conjuntural com tal estratégia de projeto político.

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Capitulo 1 - A Construção da Hegemonia do Projeto Ético – Político do Serviço Social Brasileiro

1.1 A sociabilidade da barbárie: Resistências e Regressão Social

A atualidade do capitalismo no mundo é divulgada pelos meios midiáticos

burgueses como uma má notícia. Não porque tal mídia e outros órgãos que formam

os sustentáculos da ideologizada classe social dominante quer a superação do

sistema, mas porque as más notícias não param de se alastrar. A sociedade passa

por um momento de crise estrutural do capital que, em 2008, se expressou

emblematicamente com os subprimes estadunidenses e vem se alastrando pelo

mundo afora.

Porém, não é apenas pela crise que as más noticias chegam. Um resgate histórico

é necessário, visto que o estado de barbárie atual não veio “do nada”, mas sim de

um processo histórico. Como já bastante explorado por diversos autores, entre eles

Beringh6, após a Segunda Guerra Mundial, o mundo conheceu dois grandes polos

antagônicos, liderados pela União Soviética e Estados Unidos, os blocos capitalista

e socialista, cuja tal polarização favoreceu a conjuntura no âmbito da luta dos

trabalhadores em certo momento.

Em muitos países, lutas de libertação nacional aconteceram. Em alguns lugares, as

lutas foram mais aguçadas, chegando a constituírem repúblicas socialistas. No

mundo dito capitalista, as tensões também eram grandes. O fortalecimento no

movimento sindical nos países do Ocidente era uma realidade, o que favoreceu a

constituição dos Estados de Bem Estar Social7, que tinham como marca a

universalização de diversos diretos sociais e culturais básicos.

Tais Estados não foram constituídos somente pelas lutas sindicais. O fator

ideológico da polarização do mundo era um fato e o medo do comunismo em boa

parte fez com que as burguesias locais fizessem concessões aos fortes sindicatos.

6 Behring e Boschetti (2008). 7 Para aprofundar este momento histórico que ocorreu no pós-segunda Guerra Mundial e que teve como destaque ter tal tipo de Estado para contribuir com a reconstrução da Europa e barrar a chamada “ameaça comunista”, além de ter sido um momento de forte organização dos trabalhadores europeus, recomendamos Hobsbawm (2013).

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Porém, na periferia do capitalismo ao passo que as lutas sociais se aguçavam, os

Estados Unidos (mais preparados na já assumida Guerra Fria), também se

movimentava. No Brasil, o trabalhismo varguista tinha forte apoio na figura de seus

descendentes, cujo expoente de crises foi João Goulart, que presidiu o país de

1961-1964. Sob a égide de modernizar o Estado brasileiro, o governo João Goulart

propõe reformas de base, que tinha como programa a expansão de alguns direitos

básicos para a população.

Porém, a luta de classes entrava em um momento perigoso para a geopolítica

estadunidense. Cuba, um pequeno país do Caribe, tinha se declarado socialista e o

medo do comunismo toma conta das burguesias latino-americanas. Neste contexto,

o governo estadunidense radicaliza sua política anti-comunista e começa a

promover golpes militares preventivos na América Latina, interrompendo

experiências reformistas nos limites das frágeis democracias burguesas no

continente. Em primeiro de abril de 1964, os militares usurpam o poder de João

Goulart e instalam uma ditadura no País.

Ou seja, o Estado de Bem-Estar Social se instala em poucas partes do mundo, mais

precisamente na Europa Ocidental, levando sua influência para diversas partes do

mundo. Estava instalado, mais efetivamente, como sistema nos países europeus

não socialistas, a chamada política social-democrata8.

No contexto brasileiro, a ditadura militar perseguiu diversas pessoas por motivos

políticos, sob a argumentação de segurança nacional e combate ao comunismo. No

âmbito da política econômica e social, a ortodoxia foi adotada. Super-exploram os

trabalhadores com jornadas de trabalho a níveis insuportáveis e arrocham seus

salários, fazendo crescer a economia e aumentar taxas de lucro9, transformando o

Brasil em um paraíso de multinacionais e da burguesia nativa. Para fantasiar a

realidade, o ministro do trabalho Delfim Neto argumentava que era necessário

“crescer o bolo para depois dividi-lo” o que, de fato, nunca aconteceu.

8 Lênin (1975). 9 Marx (1982).

24

No âmbito das políticas sociais, elas eram liberais e voltadas para a reprodução da

força de trabalho. Um exemplo são os seguros de saúde ligados à previdência

social; a educação voltada para adultos a fim de qualificar um pouco a mão de obra

(Mobral – Movimento Brasileiro de Alfabetização) ou até mesmo as políticas de

habitação (BNH – Banco Nacional de Habitação) que, em planos de financiamento

mais prolongados, visava a atender a faixa da população com os menores salários.

Apesar das tensões em Cuba, a Guerra Fria, a Guerra do Vietnã e alguns países

que estavam em fase de libertação nacional entraram em uma tímida época de

distensão entre as duas superpotências, alimentando o jogo diplomático no mundo

todo.

Porém, o Brasil – no fim da década de 1970 – entra em um momento de crise

econômica e social. Esta queda foi influenciada pela crise do Petróleo, que era

mantida desde 1973, e o chamado “milagre econômico” já não era tão milagroso

como no começo da ditadura.

A classe operária brasileira se reorganiza e, em 1975, começou a alimentar

oposições sindicais10 que acumularam força política, paralisando a indústria

brasileira nos anos de 1978 e 1979, o que generalizou as lutas sociais nos diversos

movimentos sociais. Vale um paralelo neste tópico, mostrando que, mesmo que os

movimentos em suas diversas espeficidades façam lutas importantes, eles apenas

se fortalecem com o movimento da classe operária, demonstrando centralidade do

trabalho11.

Lutas sociais tomam o fim da década de 1970 e início dos anos de 1980, levando a

classe trabalhadora a forjar novos instrumentos de organização, como a fundação

da CUT – Central Única dos Trabalhadores.

A ditadura militar balançava no poder, mas ainda se mostrava forte. Uma anistia de

caráter amplo e irrestrito é promulgada em 1979, inocentando perseguidos políticos

10 Para aprofundar o tema, assistir o filme “Peões do ABC” de Eduardo Coutinho. 11 Antunes (2005).

25

e permitindo suas voltas, mas inocentando também os assassinos e torturadores da

época, fato histórico que ainda marca de forma obscura a história do Brasil.

A ditadura já tinha cumprido seu papel: no âmbito da doutrina anticomunista, tinha

consumado seu período com o golpe forte e preventivo. Em 1975, no Governo

Geisel, anunciou uma abertura lenta e gradativa, que só não previa as rebeliões

operárias, principalmente na região do ABC paulista.

Em 1983, a emenda “Dante de Oliveira” foi proposta a fim de instaurar eleições

diretas para o Governo Federal e o já agonizante governo militar de João Batista

Figueiredo consegue obstruir tal emenda. Tal fato se tornou um complicador para o

fim da ditadura, que conseguiu encontrar um fim negociado, chegando até as

eleições indiretas de 1985, elegendo Tancredo Neves como presidente da nação.

Mesmo com o avanço das lutas sociais e o salto qualitativo das lutas operárias, o

país vivia sua pior crise econômica desde 1929, uma superinflação atingia a

economia, obrigando o aumento dos salários dos trabalhadores todo mês. Uma

crise social se instalava enquanto o aumento da pobreza atingia níveis alarmantes e

a concentração de renda era vergonhosa.

Além disso, ainda havia a situação de dependência do Brasil, com uma imensa

dívida externa, em que o governo pegava empréstimos do FMI – Fundo Monetário

Internacional periodicamente para amortizar a dívida, pagando juros abusivos.

Tancredo Neves nem chegou a assumir a presidência. Segundo fontes oficiais, ele

já estava doente e seu estado de saúde piorou, o levando à morte. Para seu lugar, o

vice-presidente José Sarney, ex–presidente da ARENA – Aliança Renovadora

Nacional, partido linha dura da Ditadura Militar.

Mesmo com as lutas tendo a diplomacia como protagonista, com enfrentamentos

armados com tentativas de Revoluções e algumas até logrando, como em

Moçambique, Nicarágua, Angola, Camboja, Laos, Vietnã e outros, era evidente a

regressiva social nos países socialistas. Há muito tempo a falta de democracia

interna já era denunciada nestes países, principalmente do Leste Europeu, quando

suas economias já não eram tão fortes como até meados de 1960.

26

Neste contexto, Estados Unidos e Inglaterra lideraram uma ofensiva contra os

direitos dos trabalhadores nos países ditos ocidentais. Margaret Tacher na Inglaterra

e Augusto Pinochet no Chile, orientados pela chamada escola de Chicago,

começaram a instalar experiências privatizadoras da economia, fase que ficou

conhecida postumamente como neoliberalismo12.

Nos Estados Unidos, o ex–ator de cinema Ronald Reagan assumiu o poder e

endureceu a corrida armamentista contra a União Soviética, que já seguia sem tanta

força econômica e precisou entrar em negociação. Mikhail Gorbatchev assumiu o

poder e anunciou a Política Glasnost e Perestroika, prometendo “abrir” a economia e

política da URSS, visivelmente cedendo às pressões capitalistas.

Como é possível analisar, o mundo entrava em uma nova fase. O Estado de Bem-

Estar Social começava a ruir com o avanço do bloco capitalista, as ditaduras

barraram avanço democráticos, principalmente na América Latina, e os países

socialistas começavam a sinalizar crises.

É notório que no mundo capitalista, mesmo considerando o avanço dos direitos

sociais por meio da luta dos trabalhadores, também serviu de política anti-crise

nestes países, visto que a Europa saiu arrasada na Segunda Guerra Mundial e

precisou se reconstruir.

Como afirmou Marx13, outra percepção também se mostrou forte. O capitalismo

antagoniza a luta social e o proletariado se torna uma classe com potencial

revolucionário, mostrando sua possibilidade histórica, que acenava desde 1917 com

a vitória revolucionária dos bolcheviques na Rússia.

A luta de classes toma proporções mundiais e não há um local do mundo onde a

tensão capital e trabalho14 não gerem confrontos. Mesmo com erros, o socialismo

se mostrou real, vitorioso e com uma melhora significativa na vida dos trabalhadores

12 Anderson in Sader e Gentile (1995). 13 Marx (2008). 14 Lênin (1913).

27

destes países. O que leva, como já dito antes, ao medo do comunismo pelas

diversas burguesias em todo mundo.

Voltando ao Brasil, Sarney assume com uma crise social a administrar, tenta planos

econômicos que fracassam e a inflação chega a níveis sofríveis. Porém, os reflexos

das lutas sociais anti-ditadura ainda eram fortes e um constituinte estava previsto

para escrever uma nova constituição e eleições diretas para presidente em 1989.

Uma grande mobilização para as eleições dos deputados constituintes foi realizada,

culminando em uma grande tensão na constituição de 1988, cuja redação é fruto de

contradições, recuos e avanços no âmbito dos direitos dos trabalhadores, pois a

burguesia elegeu deputados de sua própria democracia, como de costume.

A constituição de 1988 pode ser considerada influenciada pelos Estados de Bem-

Estar Social; moderadamente, o que era uma contradição que se mostrava na

contramão importante que o Brasil estava no mundo. Enquanto o Brasil se inspirava

de forma moderada na social-democracia, outros países adotaram o modelo

neoliberal.

A conjuntura ainda era conturbada e a crise nos países socialistas se aprofunda, o

que culmina com a queda do muro de Berlim, símbolo da Guerra Fria. Além disso, a

união Soviética anuncia que não manteria o pacto do COMECON – Conselho para

Assistência Econômica Mútua, o que agrava a crise em diversos países do bloco

socialista.

No Brasil, a ascensão de um partido político de esquerda arraigado nas massas, o

PT – Partidos dos Trabalhadores, polariza as eleições diretas para presidente em

1989. O líder sindical histórico das greves do ABC paulista, Luiz Inácio Lula da Silva,

ou como os trabalhadores sempre o chamaram, Lula, despontava como um dos

favoritos à vitória, em um clima de forte crise econômica no País.

Porém, como já documentado na História15, a Rede Globo de Televisão, um forte

investimento estrangeiro no País, garantiu a vitória em segundo turno do “caçador

15 Para aprofundar o tema assistir o filme “Muito além do Cidadão Kane” (1993).

28

de marajás”, Fernando Collor de Mello. Os ventos da hegemonia capitalista

sopravam fortes pelo mundo e, em 1991, a União Soviética deixa de existir para

restaurar o capitalismo, inclusive deixando o velho nome que remetia ao poder

popular bolchevique para voltar a se chamar Rússia. O país inicialmente se chamou

CEI – Comunidade dos Estados Independentes, mas foi apenas uma transição.

Quando o bloco socialista caiu, poucos países no mundo se mantiveram socialistas

e o capitalismo começa a se declarar vitorioso e soberano, anunciando uma nova

ordem mundial. Sem a ameaça do bloco socialista, os direitos sociais dos

trabalhadores começam a ser atacados mundialmente em pouco tempo e o

capitalismo de tipo neoliberal se aprofunda e a regressão social para a barbárie

começa a marchar novamente na humanidade.

No Brasil, Fernando Collor já assumiu atacando a Constituição de 1988, criticou os

excessos de direitos previstos pelo documento e os encargos que a oneram para o

empresariado brasileiro. Mesmo com as resistências da década de 1980, o

neoliberalismo finalmente começava a chegar no Brasil.

Porém, o Brasil passa por uma crise política em 1992, Collor é descoberto em um

mega esquema de corrupção e é deposto depois de fortes manifestações

populares, principalmente das camadas médias urbanas e setores da juventude.

A regressão social que afetava o mundo com ataques aos direitos dos trabalhadores

não é impedida no Brasil. O vice-presidente Itamar Franco assumiu o poder,

fortaleceu o Cruzeiro Real como moeda e preparou o terreno para o próximo

período. As lutas sociais, fortíssimas na década de 1980, entraram em um período

de defensiva. Organizações se enfraqueceram, fazendo com que o candidato Lula

do PT não estava tão forte como em 1989.

O movimento sindical brasileiro começava a patinar, lutando não para avançar nas

conquistas, mas sim para não perder o que tinha conquistado no âmbito dos

movimentos sociais, tendo como exceção à regra o forte movimento de

trabalhadores rurais surgido na década de 1980, o MST – Movimento dos

Trabalhadores Rurais Sem Terra.

29

O MST tinha como bandeira principal a Reforma Agrária, bandeira típica da antiga

Revolução Francesa de 1789, que não tinha se concluída no Brasil, um país

marcado fortemente pela sua formação social-econômica de base escravista. Os

deserdados das terras, ainda eram muitos, o que fortalecia imensamente a

resistência do MST.

Em 1994, um presidente que também tinha participado das lutas anti–ditadura foi

eleito. Porém, diferente do PT, este estava alinhado com a ideologia neoliberal.

Dessa forma, Fernando Henrique Cardoso, o FHC, toma posto do mais alto cargo

público do País.

FHC anunciou um plano de modernização para o Brasil, a consolidação do

fortalecimento do Plano Real, introduzindo uma nova moeda, estabilizadora da

inflação. Acusa, com sua equipe de ministros, o Brasil de um país atrasado e preso

ao passado, além de culpar o Estado por ser oneroso e burocrático. O Estado

nacional é colocado como instituição que precisa de reforma para destravar as

alavancas do futuro desenvolvimento do país.

O presidente e sua equipe ministerial anunciaram reformas neoliberais para o Brasil

como fator determinante para tornar o Estado eficiente. Um dos motores destas

reformas é a privatização de empresas estatais16, além de “enxugar” gastos

excessivos da máquina pública, pregando abertamente a redução de direitos e corte

nos gastos sociais.

Como já foi visto, tanto Margareth Thatcher na Inglaterra, Augusto Pinochet com

seu laboratório no Chile e os Estados Unidos de Ronald Reagan começaram a

“grande marcha” neoliberal. Como vimos também, a queda do muro de Berlim e a

dissolução da União Soviética e da maior parte do Bloco Socialista facilitaram o

caminho da regressão social no mundo.

16 Biondi (2000).

30

No Brasil, apesar das importantes experiências de lutas sociais intensas na década

de 1980, este foi um período de defensiva, onde acabavam por abrir caminhos para

a barbárie que estava sendo implantada pelo governo brasileiro.

Uma das primeiras medidas da barbárie foi o escândalo das privatizações. Biondi

analisa em seu livro que as estatais no Brasil foram todas privatizadas com dinheiro

do Estado via BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social,

cujo um dos maiores escândalos foi a Companhia Vale do Rio Doce, uma das

maiores empresas de minério do mundo que não dava prejuízo ao Estado, pelo

contrário, gerava lucros. No âmbito dos diretos sociais, a palavra flexibilização se

tornou pauta. Acusavam que os encargos sociais eram grandes no Brasil e isso

atrapalhava o desenvolvimento.

A regressão vai para cima da previdência social e direitos dos trabalhadores. A

reforma da previdência de FHC foi uma das mais violentas no País, onde a velhice

foi criminalizada. A lógica da aposentadoria deixa de ser o tempo de trabalho e se

torna o tempo de contribuição, em um país onde muitos não têm a chamada carteira

assinada. E pior, aumentou o tempo de contribuição e da aposentadoria por idade,

além de restringir bruscamente os benefícios da previdência social.

No âmbito das políticas sociais, amenizar a miséria foi o carro-chefe, mas não no

sentido de aplicação de políticas universais, mas apenas políticas focais, ou seja, os

pobres dos mais pobres. Nenhuma política virou direito, pois tinha caráter de

beneficio do governo. Além de serem condicionamentos policialescos,

controladores, moralizantes, excludentes e injustos.

Outra “inovação”, já antiga no mundo capitalista, foi o incentivo à filantropia, o que

convencionou-se chamar de Terceiro Setor. A benemerência, caridade organizada e

racionalizada por empresas doadoras, ou melhor, patrocinadoras, em projetos

sociais específicos, atendendo um universo reduzido de pessoas e áreas ditas

como sociais, é uma prática antiga.

Outra forma importante, que vem sendo aprofundada em diversos estudos, são as

parcerias públicos-privadas, ou PPPs. Estas parcerias vinham como forma de

mascarar a privatização. Diversos hospitais e serviços sociais começaram a ser

31

administrados por empresas privadas, as OSCIPS, Fundações e Oss –

Organizações Sociais.

O governo, argumentando ineficiência dos serviços públicos, afirmava que a

administração empresarial tinha que ser levada ao Estado e que a melhor forma era

de passar os serviços para as empresas administrarem. Ou seja, em vez de aplicar

recursos públicos no Bem público, os ganhos começaram a ser repassados para

empresas particulares, de alta rentabilidade, para que estes fossem os

administradores. “Desinchar” a máquina pública era palavra de ordem.

Assim como as empresas, os serviços públicos foram, como mostra Biondi,

sucateados propositalmente para preparar a privatização com dinheiro público. Este

era o caminho seguido: primeiro o sucateio, depois o uso da mídia burguesa para

manipulação ideológica e, por fim, a privatização. Porém, mesmo em um momento

de defensiva e menos força, as organizações de trabalhadores ainda existiam e

existem como sempre apontou Marx em seus diversos trabalhos, pois a contradição

capital versus trabalho é o motor da luta de classes17.

Muitas organizações, com destaque para CUT e MST, foram às ruas contra a

privatização, o desmonte do Estado e a bruta retirada de direitos. Mesmo com a

pífia cobertura da mídia empresarial, as ruas viraram verdadeiros campos de

batalha nas principais capitais do país. Mesmo com um presidente que tinha lutado

contra a Ditadura Militar, a forte repressão policial agiu contra os trabalhadores, que

resistiam e lutavam pela manutenção de seus direitos.

No campo, o MST avançava nas ocupações das terras devolutas do Estado para

fins de reforma agrária e a resposta do Estado foi a violência policial, com o

emblemático massacre de “Eldorado de Carajás18”. O Brasil foi historicamente

injusto em sua formação econômica-social e entra em um período de brusca

regressão social. De acordo com o que foi analisado, o País chegou a ser

17 Marx (2008). 18 Para aprofundar o assunto, pesquisar página www.mst.org.br.

32

resistência mundial ao neoliberalismo em certo momento, indo na contramão da

história ditada pelos capitalistas.

Ao resistir e pedir o fim da ditadura, a classe operária tinha levado a Constituição de

1988 algumas conquistas importantes, como o SUS – Sistema Único de Saúde, que

garante saúde universal a todas as pessoas do País que acessarem o sistema

público de saúde. A previdência se ampliou e se tornou um sistema onde a base é a

sustentação dos que estão em idade produtiva aos que já passaram por esta idade.

Outra conquista inédita foi a assistência social. Esta nunca tinha sido garantida por

lei, setor que desde o coronelismo foi explorado como moeda de troca no Brasil,

com o mandonismo do poder local para assistencialismos baratos, visando garantir

apoios políticos espúrios de camadas subalternas. Mesmo com o recuo da classe

trabalhadora em uma conjuntura mundial difícil, ela resistiu nas ruas, por meio de

barricadas, seus direitos conquistados com suor e sangue que estavam sendo

espoliados por capitalistas radicais que tomaram o Estado.

FHC ficaria até 2002 e, apesar de o Plano Real ter tido aparente sucesso inicial, o

neoliberalismo com sua pregação de Estado Mínimo mostrava ser limitado, entrando

em crise em 1998. Mesmo assim, com forte apoio da mídia, FHC se reelegeu,

administrando a crise econômica que assolou novamente o País, ficando nos

próximos quatros de seu mandato com um fator antigo: a dívida externa, imensa e

onerosa para o Brasil. Os empréstimos do FMI foram a regra pós segundo mandato

de FHC e a lógica de amortizar a crise e pagar os juros continuou.

Os estragos que o furacão neoliberal deixou no Brasil foram visíveis: aumento da

pobreza e da miséria, aumento da violência e do crime organizado, aumento da

concentração de renda, aumento de moradias precárias, sem-tetos e sem-terras,

aumento do caos na saúde e na educação. O país chegou aos níveis mais

desiguais do mundo. Um drama dos mais caóticos foi o aumento gigantesco do

desemprego no país, algo que fugiu do controle do governo brasileiro.

Porém, mesmo com o fiel apoio midiático, a insatisfação começava a se alastrar não

apenas por setores organizados, mas também por toda a população, principalmente

a classe trabalhadora, que pagava a conta da crise.

33

É neste contexto que as eleições de 2002 começaram a ganhar importância. O

velho candidato de 1989, que assustou as elites brasileiras, com os exageros

midiáticos da época, voltou a ganhar força na cena política. Lula era o alento de um

início de desmoralização do capitalismo neoliberal que começou a ganhar força no

mundo. Um dos locais em que os ventos das mudanças começaram a soprar foi a

Venezuela, país vizinho do Brasil.

Lá, um candidato de esquerda, de origem indígena e popular, retomou o discurso

bolivariano e assumiu a presidência em 1999, com forte discurso anticapitalista,

anti-imperialista e anti-neoliberal. Hugo Chávez assume o governo dizendo que

construiria o socialismo do século 21, uma clara crítica ao socialismo do século 20,

mas sem “jogar a água com a criança fora”. Ou seja, aquilo que os mandarins do

neoliberalismo diziam ter superado, assim como espectro que Marx19 já anunciava

no Manifesto Comunista de 1848, voltava a rondar os caminhos dos trabalhadores

latino-americanos. Esta conjuntura influenciou o pleito eleitoral em 2002 no Brasil.

Depois de uma década de neoliberalismo, da defensiva dos trabalhadores, parecia

que outros ventos soprariam no Brasil. A insatisfação com o governo tinha se

generalizado, principalmente devido a crise econômica. O desemprego e a miséria

tinham aumentado em níveis catastróficos e a inflação voltava a subir: o modelo

privatizador de FHC começava a dar sinais de esgotamento.

É neste contexto que, pela primeira vez na história do Brasil, um operário é eleito

para presidência. Lula disputou as eleições pela quarta vez e, em 2002, saiu

vitorioso contra o conservador José Serra, prometendo acabar com a fome e a

miséria como suas principais bandeiras.

Porém, este Lula era diferente do de 1989. Desta vez, o político estava com

aparência moderada, com uma aliança eleitoral que contemplava o campo de

centro-direita e, inclusive, tinha como seu vice um grande representante do setor

empresarial, José de Alencar. Seu caráter, já dualista, demonstrava eufemismo de

um governo que não vinha para atender as reivindicações dos trabalhadores, mas

19 Marx (2008).

34

para conciliar e amenizar o conflito capital versus trabalho. Um governo de

conciliação de classes.

Outro ponto importante é a famosa “Carta aos Brasileiros” que Lula prometia

cumprir em todos os contratos. Ou seja, o sonho de uma geração que lutou contra a

ditadura e contra o neoliberalismo começava a ruir. Nos movimentos sociais, houve

o anúncio de abertura para diálogo, mas que não poderia atender muitas

reivindicações. E nas políticas sociais, o carro-chefe se tornou a amenização da

miséria e não o enfrentamento da pobreza, tendo o famoso Bolsa Família como

principal propaganda do governo, programa social com condicionalidades e

focalizado, no qual famílias ganham certa quantia para manterem seus filhos na

escola, realizarem cursos profissionalizantes e, em alguns casos, verificarem a

atenção básica em saúde. Quantia muito contestada por técnicos do setor da

assistência social, a maioria dos beneficiários não chega a receber R$ 100 (cem

reais).

O governo acenava ao contrário do que prometeu. Em vez de enfrentar o

neoliberalismo, ele iria amenizá-lo e não erradicá-lo. Nenhuma empresa privatizada

foi estatizada no Governo Lula, pelo contrário: alguns setores foram inclusive

terceirizados, caso de estradas e aeroportos. Quanto aos movimentos sociais,

partidos de esquerda, movimentos sindical e estudantil começaram uma profunda

divisão. Alguns setores, como a CUT, optaram apoiar o governo e aceitar seu jogo

de ceder o mínimo possível mantendo o diálogo, tornando-se uma correia de

transmissão do governo.

Outros setores optaram por colocar suas demandas na luta e manterem a

independência e autonomia do Estado. Um grande conflito foi a chamada Reforma

da Previdência, que FHC não tinha conseguido concluir e que pretendia elevar o

tempo de contribuição dos trabalhadores e criar o fator previdenciário, mecanismo

que utiliza cálculos mirabolantes e leva trabalhadores a rebaixarem seus salários

quando se aposentam, entre outras pautas. Algumas marchas para Brasília foram

organizadas, mas não foram suficientes para barrar a força do governo.

35

O governo confundiu muitos trabalhadores. Um exemplo é a política externa, com

tons terceiro-mundistas, mas internamente fazia o contrário, favorecendo as

demandas do empresariado e não dos trabalhadores.

No entanto, a contradição é constante em um governo como este, principalmente na

economia, com políticas “neodeselvolvimentistas”20 de estímulo e uma linha de

créditos ampla ao empresariado, além de estímulos como isenções de impostos e

“desoneração” da folha de pagamento, favorecendo empresários, mantendo a

economia em um patamar mais elevado que o antecessor FHC.

Com isso, Lula governou durante oito anos e ainda conseguiu fazer a sucessão com

a eleição da “tecnocrata” e ex-guerrilheira Dilma Rousseff, que até o momento

governa o país. Muito elogiada pelos empresários e agressiva com movimentos dos

trabalhadores, como a greve de funcionários federais de diversas categorias,

endureceu negociações e cortou o ponto de trabalhadores.

A atual conjuntura no Brasil é de extrema contradição. No movimento dos

trabalhadores, ainda há defensiva, lutas focalizadas e resistências pontuais em

alguns setores, seja no setor público ou privado. Porém, seja pela capitulação da

maior central sindical brasileira, a CUT, seja pela divisão das organizações dos

trabalhadores, a situação acaba se enfraquecendo e dispersando no momento.

Nas grandes e médias cidades, a crise social já não consegue ser escondida. Um

um exemplo claro é a barbárie do aumento de uso abusivo de drogas, como o

crack. Os próprios governos já admitiram não ter controle sobre a questão, optando

por velhas formas de enfrentamento, que se transforma em perseguição dos

viciados, um “higienismo social”.

Outro sintoma emblemático da crise social foi o crime organizado. Diariamente, os

noticiários de TV e jornais impressos de cidades como Rio de Janeiro e São Paulo

transmitem confrontos entre facções criminosas. As mais famosas entre os setores

20 Desenvolvimentismo é uma tese que foi defendida no Brasil por diversos autores e políticos, principalmente nas décadas de 1950, 1960 e 1970 no Brasil, há uma vasta publicação, entre elas as de Celso Furtado e Maria Conceição Tavares, entre os políticos pode-se dizer que Getúlio Vargas é o percussor de tal modelo no Brasil.

36

populares são o Comando Vermelho, no Rio de Janeiro, e o PCC – Primeiro

Comando da Capital, em São Paulo.

A questão do controle do tráfico e do combate às drogas são temas de caráter

mundial, inclusive em organismos como a ONU – Organização das Nações Unidas.

Planos internacionais de intervenção em países são temas constantes, como o

Plano Colômbia, por exemplo, que prevê o intercâmbio militar. De acordo com o

plano, haveria até bases de guerra estadunidenses no território colombiano para

combater o narcotráfico e os cartéis.

No Brasil, o capítulo toma cada vez tons mais dramáticos, com cadeias

superlotadas, um nível cada vez maior de jovens aliciados pelas facções e

extermínio da juventude promovido pelo Estado21. Estas e outras contradições não

conseguem serem enfrentadas no Brasil pelo governo que reivindica ser dos

trabalhadores. Não por uma questão de competência, mas pelo próprio projeto e por

não querer enfrentar mesmo. O plano havia se tornado o de amenizar conflitos e

miséria.

É de extrema importância perceber o movimento da realidade, como Marx22 explana

em alguns trabalhos. Esta realidade não é fragmentada, mas sim uma totalidade.

Logo, um setor não é deslocado do outro como pretendido por governos tecnocratas

para enfrentar o problema da crise social. Apenas enfrentando problemas estruturais

e de raiz como educação, moradia, saúde, cultura, lazer. Ou seja, garantir os

direitos fundamentais para a vida – e isso não se consegue em uma sociedade do

tipo capitalista.

Hoje, em todas as dimensões da vida humana, a questão que se colocava na

célebre expressão de Rosa Luxemburgo23 “socialismo ou barbárie” se mostra atual.

Até o meio ambiente vem sendo depredado de forma violenta pelos capitalistas no

mundo todo.

21 Há um movimento social importante em São Paulo que luta pelos direitos humanos nesta temática e pode-se conhecê-lo no Blog maesdemaio.blogspot.com. 22 Marx (1982). 23 Luxemburgo (1990).

37

A regressão social neste contexto se dá pela chamada missão civilizatória não mais

existir, direitos humanos de todas as expressões são desrespeitados, trabalhadores

que lutam por direitos são perseguidos e mortos, o direito dos idosos quase inexiste,

visto as sucessivas reformas da previdência. Nem direitos básicos ligados ao

trabalho como descanso semanal e férias são respeitados. O que fazer neste

contexto24?

O trabalho de Lênin se torna cada vez mais atual na atualidade, mesmo sem

revoluções socialistas, onde avanços concretos dos direitos dos trabalhadores, nos

marcos do capitalismo, só aconteceram através de lutas sociais. Mas a luta social

com algum teor vitorioso não se faz na história de maneira dispersa, pelo contrário.

Instrumentos autônomos construídos pelos trabalhadores sempre foram utilizados

para seus combates com a burguesia e o instrumento defendido por Lênin ou pelo

próprio Marx para intervir propositalmente na sociedade é a organização

revolucionária, ou seja, o partido de caráter classistas dos trabalhadores.

Para concluir, é necessário aprofundarmos o debate e a prática, no âmbito da

questão organizativa dos trabalhadores e suas ferramentas e instrumentos de luta,

pois só assim poderemos anunciar alguma saída da crise social mascarada vivida

cotidianamente.

24 Lênin (1979).

38

1.2 A Construção do Projeto Ético-Político do Serviço Social no Brasil

A agitação da década de 1980 teve início no fim da década de 1970, mais

precisamente em 1978, com as grandes greves operárias do ABC paulista, que não

só ousaram enfrentar os patrões, mas também enfrentaram os usurpadores da

Ditadura Militar no Brasil, que estavam no poder de forma autocrática desde 196425.

A década foi agitada, pois representou um grande ascenso nas lutas populares e de

massas no Brasil. No movimento sindical, com a “velha” classe operária, nesta

década toma a frente das principais lutas, tendo outros diversos movimentos sociais

como apoio e em grande processo de mobilização também. Tais lutas influenciaram

decisivamente o atual projeto profissional, pois foi através do contato direito com a

realidade que a crítica ao histórico conservadorismo da profissão foi feito.

Segundo Netto (2001), o serviço social se insere com dada peculiaridade quando,

de fato, começa a se tornar uma profissão reconhecida pelo Estado na sociedade

capitalista. Pode-se dizer que a profissão do serviço social começa com a ascensão

do capitalismo monopolista26, no qual as fases comercial e industrial eram

avançadas para a fase da financeirização. Grandes bancos entram em cena, além

de países no centro desta nova e decisiva fase de acumulação.

É a fase do monopólio imperialista, no qual empresas de países centrais expandem

suas atividades para dominar economias de pátrias consideradas atrasadas. É

também a fase em que a dominação direta de países sobre outros acontece com

maior veemência. As colônias fornecedoras de matérias-primas e grandes

multinacionais são fundadas naquele momento do início do século 20, os

monopólios.

Neste processo, as disputas econômicas ficam acirradas e o antagonismo de

interesses em classes sociais também se aprofunda. Os Estados burgueses não

podiam mais oferecer a simples caridade marcadamente religiosa. É preciso a

25 Para fazer esta trajetória histórica, recomendamos Abramides e Cabral (1995) e Netto (2010), no caso das primeiras autoras, podemos ter um grande resgate da profissão na década de 1980 e no caso do segundo autor, da trajetória da profissão no contexto brasileira pós - golpe militar de 1964. 26 Além de Netto (2001) recomenda-se Lênin (1982).

39

intervenção na relação capital/trabalho, visto o processo de radicalização da luta de

classes, com a marcante data de 1917 com a Revolução Russa.

A crítica ao conservadorismo histórico da profissão na década de 1980 tem sua

gênese nesta inserção que Netto apreende em seu estudo sobre o capitalismo

monopolista e o serviço social. Alguns autores conservadores como Balbina Vieira27

defendiam que o serviço social como profissão tinha sua origem nas práticas que

remontavam desde o fim da Idade Média, com religiosos que depois foram

canonizados pela Igreja Católica, como Vicente de Paula.

Mas Netto desmonta tal tese, com a diferenciação precisa do que é profissão e do

que é benemerência. Vai além e não nega a influência da Igreja Católica e das

práticas assistencialistas da doutrina cristã, mas a coloca no campo do histórico útil

para o momento de necessidade para intervenção do Estado na luta de classes a

fim de amenizar tais tensões. De alguma forma, a doutrina da igreja é útil para tal

intervenção na sociedade, na gênese da profissão.

Tal gênese implica na questão histórica do serviço social no Brasil que, nesta

inserção do capitalismo mundial, tem a subida de Getúlio Vargas ao poder e a

modernização capitalista das instituições do Estado como fator crucial do início do

reconhecimento da profissão pelo Estado no Brasil.

Iammamoto (2008) situa muito bem as fases da profissão no Brasil, com o começo

da influência do modelo franco-belga, passando pela influência do serviço social

estadunidense com as teses do funcionalismo e trazendo o teor científico da

profissão que mantém a útil influência da doutrina da Igreja Católica28, sendo que na

década de 1960, começava experimentar as influências latino-americanas na

chamada reconceituação, que foi interrompida pelos golpes militares na América do

Sul tendo, principalmente, o caso brasileiro ganhado força na década de 1970 com

27 Vieira (1976) 28 O que interessa muito ao capital é a tese de pacto social historicamente pregada nas diversas vertentes católicas, tendo as encíclicas papais Renon Novariun e Quadragésimo Ano como mais marcantes para atender os interesses do capital.

40

a modernização conservadora, que tinha as teses tomistas e funcionalistas como

força na teorização do fazer profissional do serviço social brasileiro.

A crítica feita por aqueles que conseguiram aproveitar a conjuntura favorável da

década de 1980 veio não só para a Ditadura Militar, não só para a modernização

conservadora que ainda era muito presente no fazer profissional, mas a toda carga

histórica da profissão no Brasil, no sentido de superar de forma crítica ao grande

trajeto que a profissão percorreu até aquele dado momento.

Superação crítica que teve seu processo violentamente interrompido com as

sangrentas ditaduras militares na América do Sul, tendo o traumático 1964 no caso

brasileiro. Assim como na década de 1980, na década de 1960 o Brasil

experimentou grande mobilização da sociedade em diversas áreas, a fim de

conseguir novas conquistas nos direitos e na ampliação da democracia, reformas

que foram um dos grandes motivos do violento golpe de 1964. O serviço social

brasileiro, não alheio à realidade, estava inserido nestes processos de mudanças,

que foram interrompidas pelo golpe civil-militar.

A crítica feita na década de 1980 e a transformação que ocorreu na categoria

profissional como um todo, tem como início marcante o ano de 1975, com o núcleo

de professores em Belo Horizonte, Minas Gerais, na experiência que ficou

conhecida como “Método BH”, no qual o serviço social brasileiro teve seu contato

mais forte e intencional com o marxismo, de forma bem mesclada, com diversos

teóricos marxistas.

Visto como uma iniciação, as formulações ainda eram mais rudimentares e muito

simples, necessitando ainda de um aprofundamento das teses do próprio Marx.

Porém o marxismo se fez presente naquela escola, como uma teoria voltada para

prática, e os professores que estavam em plena Ditadura Militar foram perseguidos

e demitidos daquela escola, que foi a Pontifícia Universidade Católica de Minas

Gerais (PUC MG).

O que começou como uma experiência se mostrou eficiente como processo que

ganhou força na profissão e colheu frutos mais adiante. Por coincidência ou não,

41

1975 também foi o ano da grande experiência da Oposição Sindical Metalúrgica29 de

São Paulo que, mesmo sendo derrotada em um processo espúrio e fraudulento,

para o conhecido interventor da Ditadura Militar no movimento sindical Joaquim dos

Santos Andrade, o Joaquinzão, marcou um processo conjuntural histórico de

retomada do serviço social brasileiro, interrompida em 1964, e que estava colada

com a realidade do momento.

Em 1978, uma importante organização política da profissão foi retomada: o MESS30

que, como aponta Araújo (2009), observada sua intensa organicidade, tem como

marca fornecer quadros para compor quando formados a vanguarda que ocupa

direções e espaços, seja na produção teórica, seja na militância política no Conjunto

CFESS/CRESS e ABEPSS. Em 1978 também explode a grande greve operária do

ABC paulista, que influencia diversos espaços para além do sindicalismo, se

espalhando postumamente para todo o Brasil.

As greves do ABC tiveram o protagonismo forte da classe operária que,

superexplorada e cansada de acreditar nas promessas do governo, vão à luta com

suas reivindicações e conseguem avançar em pautas além do econômico, acabando

por enfrentar e estremecer a Ditadura Militar brasileira.

Como dito, tal luta se espalhou para outros setores da sociedade brasileira, atingindo

fortemente a categoria profissional dos assistentes sociais com sua influência, que

tinha como marca trabalhar diretamente com a população envolvida nestes

processos de mudanças.

Em 197931, o serviço social brasileiro começa a acertar as contas com sua história.

Aconteceu o lll CBAS, organizado pelo conjunto CFAS/CRAS, na cidade de São

Paulo. Com um congresso oficialista, as autoridades do governo autocrático foram

convidadas para compor a mesa de abertura e encerramento, além de levantar

temáticas descoladas da conjuntura, que discutiam a profissão por ela mesma. 29 Recomenda-se o documentário “Braços cruzados, Máquinas paradas” com imagens originais da época e que conta toda história da oposição sindical metalúrgica de São Paulo. 30 Consultar Santos (2008) e Araujo (2009). 31 Além de Abramides e Cabral (1995), recomenda-se o Caderno comemorativo sobre o “Congresso da Virada” (2009).

42

No entanto, aquilo que germinava desde 1975 na profissão obteve sua chance

ganhar espaço na categoria profissional. Tendo como base o movimento sindical que

os assistentes sociais estavam organizando no Brasil naquele momento, que depois

se tornou a CENEAS e postumamente ANAS, conseguiram ganhar a hegemonia do

congresso em um processo de convencimento da categoria profissional presente.

Conseguiram “virar a mesa” contra a burocratização do CFAS/CRAS, mudando a

concepção e direção do Congresso, mudando a programação, tendo como ato

emblemático a mesa no fim do encontro, que seria novamente composta pelos

golpistas da Ditadura Militar, porém foram substituídos pelas lideranças que estavam

em diversos flancos nas lutas que aconteciam naquele momento na sociedade

brasileira. Este momento é conhecido como “Congresso da Virada”, visto sua

significância na história do serviço social brasileiro na luta contra o conservadorismo.

Este processo colado na conjuntura da sociedade brasileira e na luta contra a

Ditadura Civil-Militar teve o protagonismo da classe trabalhadora e foi consagrado

por Netto (2010) como movimento de intenção de ruptura, visto o processo de

enfrentamento contra a ala conservadora que estava nas entidades da profissão e

também contra sua superação teórica, em um combate direto contra o

conservadorismo.

No âmbito teórico e acadêmico, está a emblemática e influente obra de Raul de

Carvalho e Marilda Iamamoto (1982), “Relações Sociais e Serviço Social no Brasil:

esboço de uma interpretação histórico-metodológica”. Esta obra foi marcante pelo

aprofundamento na da utilização do marxismo, tendo os originais de Marx

aprofundados, avançando na qualidade de produção intelectual da profissão. Depois

desta sofisticada obra superadora do marxismo da fase inicial, que teve como

processo até compreensível a marca do dogmatismo, outras diversas obras

sofisticadas marcaram e marcam até hoje o moderno e crítico serviço social

brasileiro.

Este movimento crítico, teórico e prático rebateu nas entidades da categoria. Tendo

em vista a ascensão do movimento sindical também na categoria profissional, o

movimento não se isolou. Militantes do movimento sindical, juntos de outros setores

43

orgânicos da categoria profissional, começaram a abrir outros flancos na luta,

disputar e ganhar as entidades da categoria.

Primeiro no antigo CFAS/CRAS32, depois na antiga ABESS33, processo este que

aprofunda a intenção de ruptura que, se antes foi intenção, neste momento se torna

realidade. Esta retomada das entidades mudou a história da profissão, pois a luta

também foi para o campo institucional, em um órgão que tem como função legal

regular e fiscalizar a profissão34, sendo influência no arcabouço de transformações

jurídico-institucionais.

A primeira grande mudança percebida, neste arcabouço institucional, foi a

aprovação do novo Código de Ética de 1986, que rompe com o antigo Código de

1975, fruto da modernização conservadora. Este Código foi de inspiração socialista

e, mesmo necessitando de ajustes e avanços em concepções a respeito da ética

profissional, foi um inegável avanço para época, fruto do avanço das entidades da

categoria profissional, que foram retomadas no bojo do movimento de intenção de

ruptura.

A controlada “redemocratização” do Brasil em 1985 esfriou um pouco alguns

processos de lutas que borbulhavam pelo país, mas o nível de organização da

classe trabalhadora e suas representações passavam da fase reivindicatória e

começaram na fase de contra-hegemonia, construindo uma estratégia de luta pelo

poder.

Este processo teve ápices, com destaque para a Constituinte de 1987, consolidando

uma nova e eclética Constituição Federal no Brasil, e as eleições presidenciais de

1989, onde uma imensa polarização entre os candidatos Lula e Collor é vista no

Brasil, tendo como marcante a manipulação da Rede Globo de Televisão neste

processo, interferindo no resultado final que, independente da “derrota”, mostrava o

grau de organização dos trabalhadores naquela época, o que aterrorizava a

burguesia hegemônica vigente.

32 Atual CFESS/CRESS. 33 Atual ABEPSS. 34 Fernandes (2004).

44

É neste momento de amadurecimento organizativo que o serviço social começa a

evoluir de um movimento de intenção de ruptura, que mostrava críticas ferrenhas ao

conservadorismo, para a construção de um projeto de profissão. Todo projeto

necessita ter formulação, objetivos, construção teórica, luta política, estar em

movimento constante. Um projeto, como necessidade de afirmação, precisa ter um

movimento de conquista de hegemonia35 e influenciar sujeitos históricos para se

manter, assumir e avançar. Assim, se formou o que hoje é conhecido como Projeto

Ético-Político Hegemônico do serviço social brasileiro, fruto das conquistas

acumuladas em diversos flancos na década de 1980, colados com as lutas sociais

da classe trabalhadora.

O serviço social brasileiro chegava ao seu grande estágio de organicidade,

produção teórica, intervenção política, seja na categoria profissional ou na

sociedade, de avanços concretos e conquistas para a categoria profissional,

reconhecimento da sociedade e ampliação de sua base social, coordenado com

direção crítica, pelas entidades da categoria profissional, as atuais ENESSO,

Conjunto CFESS/CRESS e ABEPSS, além dos diversos intelectuais que

enriquecem a produção teórica da profissão, mostrando sua força nos debates e

enfrentamentos que a realidade da sociedade capitalista tanto impõe.

Este projeto, que vem tendo seus desafios colocados no cotidiano, tem como marca

a importante contribuição que foi dada do movimento sindical. Sem ele, o processo

não teria tido o rápido avanço que teve. Quando o movimento sindical é situado, isto

significa um diálogo permanente entre singular e universal e, desde o movimento de

intenção de ruptura, o serviço social brasileiro tem feito.

Como analisado antes, o movimento sindical da década de 1980 influenciou diversos

setores, entre eles os diversos profissionais de serviço social. No seio desta

profissão, germinou um rico movimento sindical que, mesmo sendo ainda de área,

teve forte impacto e contribuições nas lutas não só dos assistentes sociais

brasileiros, mas também da classe trabalhadora.

35 “Hegemonia é na verdade a superação da espontaneidade do movimento.” Gruppi (1978).

45

Na ditadura civil-militar, os funcionários públicos eram proibidos de formarem

sindicatos e fazer greves, tinham que aceitar a “regra do jogo” de forma calada e

sem contestar. Com as lutas dos anos 1980, estes trabalhadores começam a lutar

pelos seus direitos. Uma alternativa para organizar estas vontades coletivas foram

as associações profissionais, formas que tinham aparência corporativista mas, na

verdade, eram uma forma de “burlar” as leis ditatoriais e colocar estes setores da

sociedade em movimento36.

Foi neste bojo que surgiu a ANAS que, de forma associativa, organizou a categoria

dos assistentes sociais em todo Brasil. A categoria trabalhou notoriamente nos

espaços do Estado. Trabalhadores de diversos setores conseguiam, com suas

experiências, alguma formação técnica ou universitária e também formar suas

associações de funcionários, que somavam forças com as associações

profissionais. Apenas depois da promulgação da Constituição Federal de 1988, os

trabalhadores funcionários públicos tiveram direito a organizações sindicais e greves

asseguradas por lei.

É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender. (Artigo 9, Constituição Federal do Brasil)

Ou seja, é possível afirmar que estas associações, mesmo tendo uma gênese do

tipo organizativo corporativista – visto que suas organizações foram em um

momento de conjuntura ditatorial – os interesses não se pautavam por interesses

corporativistas. Tanto é assim, que tais associações profissionais não só forneceram

quadros para o movimento sindical do ramo dos serviços públicos, como também

contribuíram na organização destes sindicatos. É o caso, por exemplo, da

assistente social e professora da PUC - SP Maria do Socorro Cabral, que compôs a

direção do SINSPREV37.

36 Para saber um pouco, recomendam-se os arquivos do Sindicato dos Psicólogos e Sindicato dos Médicos de São Paulo, que ainda estão em funcionamento. Recomenda-se também, os arquivos do CPV – Centro de Documentação e Pesquisa Vergueiro, que funciona em São Paulo, e tem um rico acervo das lutas da classe trabalhadora no Brasil, o site deste espaço é http://www.cpvsp.org.br/. 37 Recomendam-se para confirmação, os arquivos do SINSPREV – SP.

46

Do movimento geral, que na década de 1980 teve a classe operária e o movimento

sindical como vanguarda, que sujeitos históricos que compunham a categoria dos

assistentes sociais conseguiram ter um norte organizativo para formular uma

organização sindical específica, ter forças para “virar a mesa” no Congresso da

Virada em 1979, ganhar adesões no seio da categoria (naquele momento a adesão

ao movimento sindical em diversos ramos e áreas era extraordinária) e chegar até a

pauta crítica ao conservadorismo na profissão.

Uma base social38, necessária para um projeto hegemônico, chamada atualmente

como Projeto Ético-Político começava a se formar. Esta crítica tem ecos fortes na

academia e na produção teórica como uma teoria realmente válida na práxis destes

sujeitos históricos que participaram ativamente das lutas da sociedade brasileira e,

por consequência, também da categoria profissional.

Foram estes sujeitos históricos que conseguiram ir além do movimento sindical,

além das pautas econômicas e ocuparam os espaços da categoria, desde o

Congresso da Virada, e se deslocaram para ocuparem a ANAS e o Conjunto

CFESS/CRESS, ou seja, a direção ético-política da categoria profissional.

Por essa razão, é possível dizer que o movimento sindical histórico dos assistentes

sociais conseguiu conectar a profissão às lutas sociais que ocorriam no Brasil de

modo orgânico e consequentemente se tornaram parte da vanguarda do movimento

de intenção de ruptura, que acabou por construir o Projeto Ético-Político. Visto que

tal projeto é fruto das lutas da sociedade do País, suas formulações vão neste

sentido39. Essas lutas foram construídas na prática pelos assistentes sociais.

Mesmo admitindo que a vanguarda do movimento de intenção de ruptura não foi só

38 “A hegemonia é isso: capacidade de unificar através da ideologia e de conservar unido um bloco social que não é homogêneo, mas sim marcado por profundas contradições de classe. Uma classe é hegemônica, dirigente e dominante, até o momento em que – através de sua política, ideológica, cultural – consegue manter articulado um grupo de forças heterogêneas, consegue impedir que o contraste existente entre tais forças exploda, provocando assim uma crise na ideologia dominante, que leve à recusa de tal ideologia, fato que irá coincidir com a crise política das forças no poder.” Gramsci (1978) 39 Basta vermos as deliberações do Conjunto CFESS/CRESS, ABEPSS e ENESSO em seus espaços deliberativos.

47

composta pelo movimento sindical, no sentido da migração deste para as entidades

da categoria, é possível dizer que o papel foi cumprido naquele momento.

Esta foi a parcela mais considerável da vanguarda daquele movimento que

desembocou no Projeto Profissional, hoje hegemônico. No fim de 1980, a ANAS foi

dissolvida após decisão unânime da categoria profissional, entendendo que o papel

tinha sido cumprido e que era necessário seguir a deliberação coletiva da CUT,

além de compor sindicatos de ramos para compor a luta maior junto com a classe

trabalhadora, não se isolando como categoria.

Neste processo de lutas retomadas por entidades da categoria profissional –

marcada com intensa organização no âmbito do movimento sindical, e a vitória

colhida com o Código de Ética de 1986, é que o Projeto Ético-Político Hegemônico

se formou e se faz presente na categoria profissional.

O PEP compõe o bloco social na sociedade que luta por uma sociedade

emancipada, uma sociedade socialista e compõe tal bloco social nas políticas

públicas e sociais, no contato direto e indireto com os trabalhadores que estão

envolvidos nestes conjuntos de direitos, tão violados em um país como o Brasil.

O Projeto Ético-Político é filho das lutas sociais da década de 1980 e começa a ser

mais consolidado em 1990. Com a solidificação de direções progressistas nas

entidades da categoria profissional, com uma produção teórica vasta e com o que

há de melhor e mais atualizado no âmbito da tradição marxista, a hegemonia se

fazia presente.

Esta hegemonia se ampliou com a nova Lei de Regulamentação da Profissão e a

aprovação de um novo Código de Ética, ambos em 1993. O Código de Ética foi feito

para superar alguns equívocos e avançar nas concepções, tomando aquela

deliberação frente ao Código de 1986 como base crítica e ainda insuficiente, sendo

possível uma melhora.

Nessa conjuntura, o projeto consegue exercer na categoria profissional sua

hegemonia de fato, abarcando as esferas jurídico-institucional, teórico-

metodológica, ética-política e técnico-operativa, trazendo uma nova cultura para a

48

categoria profissional, superando concepções policialescas típicas do

conservadorismo, tendo como ordem do dia a defesa dos direitos diversos da classe

de trabalhadores e lutando por uma nova democracia que não se pauta pela

sociabilidade burguesa, tendo o elemento singular e universal juntos, construídos

dentro do projeto hegemônico da profissão.

Quando se fala em nova sociabilidade, não é no sentido das posições messiânicas

que podem considerar a profissão como um projeto da nova sociedade. Na verdade,

o intuito é que o bloco social para este projeto seja maior: tendo um projeto

profissional que paute isso no interior da categoria e de forma progressiva, os

interesses serão conectados aos da sociedade.

Esta década sofreu uma virada forte e regressiva para a sociedade. Na conjuntura

mundial, um grande trauma aconteceu no seio do movimento comunista

internacional: a queda da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Este país foi

formado pela revolução Russa de 1917, passando por diversas fases, ora mais

democrática, ora menos, mas tendo como marca a lenta e gradual burocratização

das esferas de poder e dos mecanismos de controle social (poder popular) da

sociedade.

Mesmo com equívocos, é inegável a influência deste país ao longo de diversas

conjunturas no século 20. Mesmo com a gradual burocratização, as conquistas no

âmbito dos direitos dos trabalhadores eram avançadas na União Soviética e nos

países socialistas, e a condição de vida dos trabalhadores era superior a de

diversos trabalhadores ao redor do mundo.

Foi a combinação da luta dos trabalhadores em diversas partes do mundo, com

destaque para a Europa Central – a peculiaridade do chamado Estado de Bem-

Estar Social é emblemático – com a força política da influência da União Soviética e

dos países socialistas40, de certa forma “o medo do comunismo”, que garantiu

diversas conquistas para a classe trabalhadora ao redor do mundo, como

salientado, alguns lugares mais e outros menos.

40 No leste europeu as revoluções não foram da forma convencional, elas vieram no bojo da resistência ao nazifascismo, porém em alguns países, como Cuba e China os processos foram luta direta e conquista do poder, por insurreições.

49

No Brasil, as conquistas existiam, mesmo que em menor proporção que as do

Estado de Bem-Estar Social europeu. Principalmente após a Constituição Federal

de 1988 e à queda da maioria dos países socialistas, com destaque para União

Soviética. Somando o esgotamento das lutas sociais de 1980, que tiveram algumas

conquistas incorporadas na Constituição de 1988, mas não conseguiram manter o

mesmo nível de mobilização, a década de 1990, no Brasil e no mundo, abriu uma

nova quadra histórica de ataques aos trabalhadores. Tal quadra ficou consagrada

como Neoliberalismo41.

O neoliberalismo é uma adaptação moderna do liberalismo clássico (radicalizado),

que foi tão combatido por Marx e os marxistas. A proposta é quase a mesma: um

Estado “mínimo” que não intervenha na economia e intervenha o mínimo na relação

capital e trabalho. O que se pode considerar novo é que antes, no liberalismo

clássico, quase não haviam conquistas institucionalizadas no âmbito dos direitos

dos trabalhadores e ao longo de anos eles lutaram contra a exploração e as

concepções liberais, conseguindo diversos direitos.

O neoliberalismo vem para destruir estas conquistas e devastar a sociabilidade que

estava em torno. Privatizações dos serviços públicos e empresas estatais, retirada

de direitos e corte dos gastos das políticas sociais. O neoliberalismo já vinha

devastando o mundo com uma “receita mágica” que visava espoliar ao máximo os

trabalhadores.

O movimento chegou tardiamente ao Brasil. Na América Latina, o laboratório da

sociedade da liberdade plena do indivíduo foi o Chile do carniceiro ditador Augusto

Pinochet. Por lá, o país foi privatizado e entregue aos grandes oligopólios. Um

estremecimento ocorreu, apesar da pouca divulgação no Brasil – ao que deve ser

interpretado como manipulação midiática, já que omitiram acontecimentos – foi o

“Caracazo” na Venezuela em 1989, uma grande rebelião espontânea contra as

consequências que o neoliberalismo impunha para a população do país. Estes

41 Para aprofundar o tema, principalmente no âmbito da realidade brasileira, recomenda-se Biondi (1999).

50

ventos tardios chegaram ao Brasil, na época da eleição de Fernando Collor de Mello

e se aprofundou nos dois governos de Fernando Henrique Cardoso.

A moderada e recém-promulgada Constituição de 1988 foi amplamente atacada na

década de 1990. Diversos direitos foram flexibilizados, entre eles a Previdência

Social, reformada com políticas regressivas no Governo de FHC, tornando-a mais

restrita e dificultosa aos trabalhadores. Estatais foram privatizadas, em meio a

denúncias de corrupção, cortes da seguridade social foram criminosamente feitos

pelo governo. Isso gerou um aumento na pobreza e desigualdade social42, a

violência cresceu a níveis alarmantes na sociedade brasileira, o tráfico internacional

de drogas ganhou um espaço nunca antes visto, o desempregou foi gerado em

massa e a concentração de renda se tornou ainda maior no país. Tudo isso com a

justificativa de modernizar o Brasil que, naquele momento, entravava na

sociabilidade da barbárie.

Neste contexto o Projeto Ético-Politico Hegemônico é inserido, depois de uma árdua

construção no seio do movimento de intenção de ruptura nos anos 1980. Projeto de

uma categoria profissional que estava no olho do furacão, geriam e planejavam as

políticas cada vez mais regressivas do Estado43.

As lutas sociais que ajudaram na construção do Projeto Profissional progressista do

serviço social brasileiro não tinham aquela força de outrora. Estavam na resistência

e defensiva, não havia a mesma ascensão de massas que houve em 1980 e pior,

muitos que participaram da resistência e lutas democráticas daquela época

estavam na gestão do Estado promovendo a barbárie.

Sendo assim, o Projeto Ético-Politico entra em uma conjuntura de contradição. Em

um momento de retirada de direitos, tendo como ápice o projeto de ampliação dos

direitos, ou seja, hegemônico enquanto categoria profissional e contra-hegemônico

para a sociedade.

42 Idem. 43 Para aprofundar o debate, recomenda-se Behring e Boschetti (2008).

51

Se na década de 1980 os diversos espaços políticos na dita sociedade civil eram

disputados e ocupados, em 1990 cada vez mais estes espaços agregavam pessoas

suficientes para a luta social – e no serviço social não foi diferente. Se antes a

ascensão da participação política na categoria profissional se deu em diversos

momentos e espaços, o que começava ali era um distanciamento, uma regressão

em espaços ocupacionais e uma volta do projeto conservador, no âmbito de uma

contra-hegemonia, projeto nunca deixou de existir, mas que se marginalizou antes

dos avanços das políticas neoliberais.

Mesmo com os ataques do neoliberalismo, o Projeto Ético-Politico Hegemônico se

manteve firme na resistência, mesmo com a sociabilidade cada vez mais

barbarizada. A resistência deste projeto é exemplar até os dias atuais, visto que a

atuação teórica e prática no combate às violações de direitos, com destaque às

entidades da categoria profissional, é exemplo no Brasil e no mundo.

Mesmo sem intensidade, como na década de 1980, onde as lutas sociais estavam

coladas ao Projeto Profissional, houve certa apatia de parte da categoria visto a

defensiva da luta social. Mesmo assim, tais espaços e construções coletivas da

categoria profissional44 continuavam fieis ao norte estratégico do bloco social que o

Projeto Profissional compõe que é de uma sociedade emancipada.

O Projeto Ético-Político se consolida em meio a defensiva da classe trabalhadora.

Lutas importantes ocorrem dentro e fora do seio da categoria profissional. Em 1996,

a superação do currículo de 1982 para a construção das diretrizes curriculares foi

um momento importante, através da atuação da ABEPSS, consolidando a influência

preponderante da tradição marxista no currículo e na formação.

Nas lutas sociais, o Conjunto CFESS/CRESS, junto com a ABEPSS e a ENESSO,

se insere em espaços como Conselhos de Direitos, Fóruns e Movimentos

Populares. Na era pós-FHC, três contraditórios e moderados governos do PT foram 44 Resgatar as deliberações coletivas, construídas desde assembléias nos Estados, chegando aos Encontros Nacionais CFESS/CRESS é um bom exercício para percebermos que apesar das dificuldades enfrentadas na conjuntura da sociedade, que rebate sim na categoria profissional e na consciência daqueles que fazem a práxis cotidiana, não se pode negar que ainda tal projeto é presente e influente na categoria profissional

52

acumulados, dois de Lula e um em andamento de Dilma Rousseff. Entidades da

categoria tem criticado a gestão, caso da luta contra a privatização do SUS, no qual

o conjunto CFESS/CRESS participa ativamente na Frente Nacional contra a

Privatização da Saúde45, lutando contra a privatização nas esferas municipal,

estadual e federal.

Uma luta que o conjunto CFESS/CRESS também participa ativamente é a

implantação do SUAS em todo Brasil. Apesar das dificuldades da categoria,

diversos encontros nacionais e estaduais são organizados, com temáticas ligadas

aos eixos de direitos humanos e seguridade social. São diversos os exemplos que

mostram o quanto o Projeto Ético-Politico Hegemônico do serviço social, mesmo na

adversidade, é forte e ativo junto a classe que ele propõe compor em um projeto

maior, que é dos trabalhadores e das trabalhadoras, na contra-hegemonia da

sociedade burguesa.

Materializa assim, desde a sociedade burguesa, em um estágio de barbárie, na

fração de contribuição da profissão de serviço social, uma sinalização possível de

uma nova sociabilidade, que visa superar a barbárie, defendendo os interesses

específicos dos assistentes sociais e, principalmente, da humanidade em suas

diversas expressões.

45 Para saber mais se recomenda o site http://www.contraprivatizacao.com.br/.

53

1.3 A configuração do Conjunto CFESS/CRESS

A história do conjunto CFESS/CRESS está indiretamente ligada ao Brasil pós-

Revolução de 30, com a derrocada da República Velha e a guinada de Getúlio

Vargas ao poder. Com um projeto genuinamente burguês, Vargas não só promoveu

um aceleramento gradual da industrialização do Brasil, como também promoveu

reformas nas instituições. Dentro destas reformas está o reconhecimento de

categorias profissionais que o Estado precisava incorporar para modernizar

instituições e dinamizar relações sociais da sociedade burguesa.

Com o crescimento do proletariado urbano, novas medidas são tomadas pelo

Estado burguês. Entre eles, a lenta concessão de direitos em forma de legislações

por categorias profissionais, como caixas de aposentadorias, que já vinham sendo

concedidas antes de Vargas, mas que se aceleram em sua gestão. Outra importante

medida foi regulamentação de profissões e a intervenção no ambiente de trabalho.

Para tal, foi construída a primeira entidade de regulamentação e fiscalização de

profissão no Brasil, a OAB – Ordem dos Advogados do Brasil, em 193046. “A partir

de então foram surgindo os demais Conselhos, como os de Contabilidade,

Economia, Medicina, Odontologia e tantos outros, vinculados ao Ministério do

Trabalho” (FERNANDES, 2004).

Não foi com Vargas que o Brasil fez sua transição para o capitalismo, mas depois de

1930 o capitalismo se desenvolveu aceleradamente e as instituições se

sofisticaram. A profissão de serviço social, que se inseria neste contexto em busca

reconhecimento do Estado, se movimentava a passos graduais para conquistar tal

status quo e estar, de fato, no mercado de trabalho. Esta movimentação era feita

através da Universidade, tendo como o primeiro curso no Brasil de serviço social o

da PUC-SP em 1936.

O Brasil se industrializava e na década de 1950, com a introdução da Indústria

Pesada, o serviço social brasileiro se consolidava como profissão que amenizaria os

46 Recomenda-se o trabalho de Fernandes (2004) que aprofundou a história do CFESS/CRESS e por conseqüência a história das entidades de categorias.

54

impactos nocivos desta industrialização e crescente desigualdade no campo e nas

cidades. Em 1957, no governo de Juscelino Kubitschek, a profissão de serviço

social era regulamentada por lei. Em 1962, surge o Conjunto CFAS/CRAS, atual

CFESS/CRESS, que ainda não se articulava necessariamente como conjunto. Sua

relação com as regionais era verticalizada e o objetivo era regular, normatizar e

fiscalizar a profissão.

Passando pelo obscuro período da ditadura militar, o conjunto CFAS/CRAS começa

a ganhar mais força e importância na sociedade, para além da categoria profissional

no seio da luta de projetos profissionais, no desenvolver das lutas populares no final

da década de 1970 e ao longo da década de 198047.

O processo de reconhecimento da profissão está na fase do capitalismo

monopolista48, em que o modo de produção capitalista sai definitivamente das

fronteiras da Europa com empresas multinacionais. Ainda na fase Neocolonialista49,

se expande para boa parte do mundo em todos os continentes. Monopólio

considerado Imperialista, observado que nações em fase capitalista amadurecida

dominam em esferas econômica, política, cultura e militar, destacando-se como

nações Imperialistas as da Europa Ocidental e os Estados Unidos.

É neste contexto que o serviço social começa ganhar status de profissão, pois o

Brasil da Era Vargas agia de modo capitalista dependente50. Para acelerar e tentar

melhorar a posição do Brasil no mercado mundial e superar os atrasos de economia

agroexportadora, Vargas promove uma aceleração na industrialização brasileira,

com a Indústria de Base ou Pesada. Com objetivo de promover o desenvolvimento

das forças produtivas no Brasil, sendo notável o esforço de fazer o país depender

menos de importações51.

47 Os detalhes deste histórico esta no trabalho de Fernandes (2004), além dos arquivos do Conjunto CFESS/CRESS. 48 Netto (2001) e Lênin (1979). 49 No Século XlX as grandes potências da Europa, em especial Inglaterra e França, anexaram e dominaram países na África e Ásia, em busca de matéria prima e novos mercados. Recomendamos Lênin (1979). 50 Para aprofundar o debate do Capitalismo Dependente recomendamos Furtado (1975). 51 É o modelo chamado de Substituição de Importações, recomendamos novamente Furtado (1975).

55

Neste contexto, as instituições de regulação estatal, que dão apoio ao sistema

capitalista, se desenvolvem em um campo maior de tecnocracia para atender as

novas demandas das atividades econômicas no esquema da produção e relações

de produção do capitalismo brasileiro. As profissões liberais ganham destaque nas

relações de produção, visto que não só a economia se modernizava, mas a

sociedade no geral.

Um natural fortalecimento no setor de serviços acontece, posto a necessidade de

apoio ao desenvolvimento das forças produtivas, no qual classes sociais mais

influentes são construídas na política nacional como, por exemplo, a pequena

burguesia, essencial para estas relações de produção, no âmbito do processo de

circulação de mercadorias52. Estes serviços são de caráter econômico e também há

aqueles que servem para a funcionalidade do Estado que, em uma simbiose, gera

políticas nestes serviços.

Um fato extremamente importante é que a modernização burguesa acontece em

grande peso na economia agroexportadora, por isso a industrialização é gradual.

Neste sentido, tem seus maiores focos nas metrópoles, principalmente o eixo Rio-

São Paulo. Tanto no desenvolvimento econômico, como no político e nas relações

sociais, estas cidades ganham destaque. Claro que não é apenas nestas cidades

que a industrialização está localizada, acompanhada da produção capitalista.

Não por coincidência, neste eixo surge a primeira escola de serviço social do Brasil

e onde os primeiros assistentes sociais começam a atuar profissionalmente. Como

dito, as classes sociais se tornam mais dinâmicas, tendo juntado com estas

reformas as mazelas da sociedade capitalista. Não que antes no país não havia

sofrimento, mas o que há neste momento são mazelas do modo de produção.

Aumentam as demandas na área da saúde, moradia e “assistência aos

desamparados53”. Também aumentam vertiginosamente as tensões e conflitos da

classe operária no Brasil e com ela seus sofrimentos e explorações. É a

preocupação com esta classe que faz o Estado se movimentar em algumas

52 Marx (2008). 53 Para aprofundar o debate da assistência social recomendamos Yasbek (1993).

56

questões, visto os perigos conjunturais que esta classe vinha promovendo no Brasil

e no mundo54.

O Estado que reformava as instituições começa também a construir novas

legislações a fim de promover avanços aos trabalhadores nos limites do Estado

Burguês, para amenizar possíveis ameaças do movimento operário em suas lutas.

Legislações que precisavam se efetivar através das políticas sociais, algo pouco

desenvolvido naquele momento no Brasil e que se impulsionou a partir de 1930.

Neste contexto de atender as necessidades das mazelas geradas pela sociedade

capitalista, com políticas sociais e novas legislações de controlar o movimento

operário para não ir além dos seus limites e de certa forma disputar a base de

atuação dos comunistas, que surge o serviço social como profissão necessária55.

O Estado impulsionador do desenvolvimento das forças produtivas no Brasil age

como alavanca das relações de produção e começa a reconhecer por lei algumas

profissões tidas como liberais para atuarem no rol das relações sociais, as

regulamentando, além de o Estado controlar e procurar, mesmo com as

contradições existentes, e ter como objetivo a função social destas profissões a

serviço do projeto burguês desenvolvido pelo Estado brasileiro.

Tal desenvolvimento e função social destas profissões não deixaram de carregar o

fardo das contradições geradas pela própria sociedade burguesa, fator mostrado ao

longo do desenvolvimento da profissão de serviço social no Brasil. A qualificação de

serviços prestados era exigida e profissões que tinham em seu gene um grau de

profissionalização técnica e científica para atuar nestas relações sociais de

produção. O modelo varguista de desenvolver a sociedade capitalista era

desenvolvimentista que, a partir da década de 1950, ganha força e se desenvolve

em diversas correntes, tendo como meta não declarada criar uma burguesia

nacional mais sólida e hegemônica sobre os setores agroexportadores. 54 Em 1910 é realizada a primeira grande greve no Brasil em São Paulo, organizada pelo movimento anarco-sindicalista, em 1917 na Rússia uma Revolução liderada pelo proletariado ocorre e em 1922 acontece à fundação do Partido Comunista do Brasil – PCB, o que desde este marco é perseguido e vigiado pelos órgãos de repressão de Estado. 55 Iamamoto (1983).

57

Neste contexto de transformação das instituições burguesas, as profissões liberais

ganharam importância na sua articulação nas prestações de serviço estatais e não

estatais, de interferências diretas e indiretas da sociedade, e em suas conturbadas

relações sociais. Algumas como no caso de Direito já existiam, outras como o

Serviço Social se apresentavam como menos amadurecidas.

Verdade que o conjunto CFAS/CRAS foi instituído e legalizado em 1962, porém

seus genes estão em antigas Associações como a ABAS, protagonista na

formulação do primeiro Código de Ética do Serviço Social no Brasil em 1948, com

caráter conservador e neotomista56·. Outra característica era o associativismo,

forma tradicionalista de organização na Era Vargas que, a partir da CLT de 1943

(mas já se manifestando antes dela), foi uma maneira de fazer frente à concepção

universalista do marxismo de classe social, dado por associações profissionais,

quando mesclados com interesses sindicais.

Mesmo sem esta mescla, o corporativismo foi privilegiado, ou seja, cada categoria

profissional isolada é vista como uma classe social57, perdendo a perspectiva das

grandes classes sociais na sociedade capitalista, como é o caso da classe

trabalhadora. Logo, a questão de classe foi fragmentada em um processo de

dominação de uma classe por outra ocorre com potencialidade. Isso é uma face do

associativismo, forma mais rudimentar de organização de indivíduos sociais em

defesa dos seus interesses.

O Estado Burguês faz uso do associativismo, mas há casos emblemáticos que

conseguem sair e avançar da fase associativa ou até mesmo em organizações

“corporativas” conseguem fazer que elas se juntem em lutas maiores, em um

processo contraditório, levando a se voltarem contra o próprio Estado Burguês,

como o caso do conjunto CFESS/CRESS na sua atualidade58.

56 Fernandes (2004). 57 Revista “Em Foco” Organização Sindical dos Assistentes Sociais, nº 7, setembro de 2011. 58 Nesta década de 2000 a internet de caráter marcante entra na vida social da sociedade brasileira, dentro disso, o site do CFESS e dos CRESS atualizam constantemente as lutas que o conjunto CFESS/CRESS estão inseridos. Saúde, Educação, Moradia, Previdência Social, Assistência Social são áreas que o conjunto atua fortemente nas lutas com a sociedade.

58

O CFAS – Conselho Federal de Serviço Social foi fundado em 1962, época de

grandes lutas na sociedade brasileira e da ascensão dos movimentos de massa

pelas reformas de base59. Foi a coroação do reconhecimento da profissão que, na

prática, já atuava, sendo que o ensino em serviço social foi regulamentado em

1953.

Neste contexto de lutas, na América Latina havia um animado debate da corrente

profissional, o Movimento de Reconceituação que, no caso brasileiro, tinha sua

versão nos debates desenvolvimentistas e no serviço social de comunidade. De

acordo com Iamamoto (2008):

Os métodos e técnicas do DC e DOC são situados como formas de participar de mudanças... Criticam-se práticas paternalistas das grandes instituições assistenciais, constata-se a inadequação das estruturas político-administrativas, às exigências do desenvolvimento socioeconômico.

Era uma tentativa de profissionalizar e atualizar a profissão, além de te

reconhecimento na sociedade. O Conselho foi a coroação deste momento, pois

ofereceu status jurídico necessário naquele momento como esfera legal e

necessária para organizar uma categoria profissional. No caso do serviço social

brasileiro, assim como os sindicatos neste período de desenvolvimentismo, o

CFAS/CRAS nasce sob a tutela do Ministério do Trabalho como órgão 60 e

autonomia relativa, pois a fiscalização tinha caráter mais administrativo e o

CFAS/CRAS tinha como finalidade regular e fiscalizar a qualidade dos serviços

prestados por assistentes sociais.

O golpe militar ocorrido em 1964 teve a finalidade de barrar as reformas de base e

garantir os interesses imperialistas das multinacionais no Brasil e construir uma forte

hegemonia e dominação61 de classe pela burguesia brasileira associada ao

imperialismo estadunidense. Nos primeiros anos, o funcionamento do Conselho

não é prejudicado, mas em 1967, com a reforma administrativa do Estado e o

aumento do cerco da ditadura militar, o CFAS/CRAS sofreu intervenção direta do

59 Delgado (1986) 60 Fernandes (2004) 61 Recomendamos “Poder, Política e Partido” Gramsci (1990).

59

Estado, assim como outros conselhos, e teve que se subordinar aos interesses dos

militares.

Um dos objetivos da supervisão ministerial, em relação à administração indireta, consiste na harmonia e política e a programação do governo no setor de atuação da entidade (Lei 200/67, Art. 26)... Algumas das medidas adotadas: participação do governo em assembleias gerais; recebimento sistemático e aprovação de relatórios e documentos diversos sobre as atividades da entidade e sobre seu desempenho orçamentário... intervenção por interesse público. (Fernandes, 2004, rodapé 43, pág. 71)

A sociedade vigiada pela Ditadura Militar não era exclusividade do CFAS/CRAS.

Segundo Netto (2011), o alinhamento teorizado da profissão nos documentos dos

Seminários de Araxá em 1967 e Teresópolis em 1970 foi hegemônico com o projeto

da ditadura e sua modernização conservadora. Consequentemente, a burocracia

interventora toma as direções dos CRAS e CFAS, fazendo destes conselhos um

órgão burocrático-administrativo de fiscalização profissional.

Segundo Fernandes (2004), “as atribuições legais, tais como se apresentavam, eram

basicamente burocráticas, resumindo-se a ação cartorial, de organização e

manutenção do registro; cobrança de anuidades; tribunal de ética e fiscalização do

exercício profissional”.

Desde 1962, o CFAS/CRAS mantinha uma estrutura verticalizada, centrada na

figura do presidente e, além disso, tinha uma organização eleitoral pouco

democrática que não teve tempo de evoluir com eleições indiretas para o CFAS

feitas por representantes indicados dos CRAS62.

É importante ressaltar que este conservadorismo que o serviço social brasileiro

assumiu tinha caráter científico, ou melhor, cientificista, já que desde a década de

1950 uma melhoria do arcabouço técnico e teórico no serviço social era buscada. É

possível dizer que as experiências do desenvolvimento de comunidade foram

controladas dentro dos seus limites, em razão da interrupção dos contatos com a

reconceituação latino-americana, além das ditaduras terem se espalhado pela

América Latina e interrompido a própria reconceituação, muitas vezes de forma

violenta, perseguindo teóricos e precursores de debates da reconceituação,

62 Fernandes (2004)

60

principalmente os que haviam tido contato com o marxismo. São emblemáticos os

casos das ditaduras argentina, chilena e uruguaia63.

A estrutura organizacional do CFAS/CRAS absorvida pela ditadura militar e, em

partes, até transcendendo a ditadura chegando ao período pós 1979, quando

começa a profissão e a categoria profissional começam a serem democratizadas. A

estrutura verticalizada continha atribuições das atividades divididas entre nove (09)

conselheiros e nove (09) suplentes. Para desenvolver as atividades, as tarefas eram

divididas entre presidente, vice-presidente e secretarias. No período ditatorial, as

atividades eram burocráticas e limitadas64

O caráter político e representativo da profissão não foi absorvido instantaneamente

e as preocupações não eram propriamente com os usuários dos serviços, dado que

são estes os que acessam os serviços prestados pelos assistentes sociais,

mostrando o caráter corporativista e uma atuação reduzida no âmbito teórico e

prático do Conselho naquele momento.

Os Códigos de Ética que normatizavam a atuação profissional também denotavam

uma estrutura organizacional engessada. Em 1965, não foi possível avançar devido

o controle do Desenvolvimento de Comunidade e o Golpe de 1964 que, desde o

primeiro ano, burocratizou as instituições a fim de controlá-las ao extremo, como

burocratiza a vida social. O Código de Ética era fruto mínimo da conjuntura anterior

e marcado pela nova quadra histórica de autocracia.

O Código de Ética de 1965 é um código de ética que marca o inicio do rompimento

com o tomismo messiânico do código de ética de 1948, mas sai pela “direita” com o

cientificismo positivista advindo do funcionalismo estadunidense e que se mesclava

com o desenvolvimentismo controlado da experiência do Desenvolvimento de

Comunidade. “Outros itens vão diferenciar esse código do anterior: estabelece que o

profissional não deve ser conivente com condutas antiéticas dos colegas (Art. 29),

ou seja, deve se posicionar”, de acordo com Fernandes (2004).

63 Recomendamos o filme “Operação Condor” TV Brasil (2012). 64 Fernandes (Pág. 83, 2004)

61

A reformulação do Código de Ética regrediu ao código de 1965. Com o arraigamento

do projeto da modernização conservadora na categoria profissional e o

endurecimento da Ditadura Militar, principalmente no governo de Emílio Garrastazu

Médici (1969-1974), que foi sem dúvida o mais sanguinário e ditatorial do período

em que os militares estiverem no poder, o Código de Ética de 1975 se apresentou

com forte teor autoritário, doutrinário e psicologizante, com propostas de

normatização da profissão e intervenção da realidade social. Para Fernandes

(2004): “O dever de respeitar a hierarquia institucional e na relação com os colegas

expressa um dos pressupostos próprios do pensamento conservador”.

Naquele momento, o Código de Ética mostrava bem o que foi a hegemonia do

CFAS/CRAS, quando tais entidades tiveram pouco tempo para desfrutar da

democracia, mesmo nos limites do Estado Burguês. Tal conjunto, visto o pouco

tempo que conseguiu respirar ares democráticos (dois anos apenas), teve que se

adaptar ao Estado Autocrático da Ditadura Militar e construiu uma hegemonia ético-

politica conservadora que durou até a década de 1980. Chamá-lo de conjunto, na

verdade, é apenas uma expressão, uma vez que na época CFAS e CRAS não

trabalhavam em conjunto, mas de forma hierarquizada e subordinada: os CRAS

subordinados ao CFAS65.

A história do CFAS/CRAS teve um histórico alinhado ao conservadorismo até a

década de 1980. Após esta fase, com a derrocada da ditadura militar, uma direção

progressista não só assumiu o CFAS e os CRAS como um novo Projeto Ético-

Político foi construído. Assim como na ditadura, o novo projeto que substituiu o da

ditadura se mostrou também no campo jurídico, institucional e na atuação política do

Conselho e, verdade seja dita, foi no pós-ditadura que o conjunto CFAS/CRAS

começou a ter uma vida política ativa.

A questão jurídico-institucional foi marcante na história do Conjunto CFESS/CRESS.

A entidade representativa dos assistentes sociais tem caráter paraestatal e pela lei é

denominado como autarquia especial, autonomia financeira e fiscalizado pelo

65 Fernandes (2004).

62

Estado. No início de sua história, como vimos, era ligado ao Ministério do Trabalho, e

na atualidade tem a fiscalização feita pelo TCU – Tribunal de Contas da União66.

O conjunto CFESS/CRESS tem caráter especial como autarquia, pois goza de

independência financeira e vive da mensalidade anual paga por cada profissional

que exerce a profissão. Importante ressaltar que tal contribuição financeira difere de

um sindicato, pois no sindicato o trabalhador se filia sem obrigatoriedade; no caso

dos Conselhos Profissionais é obrigatório estar “filiado” ao Conselho, devido força

das leis que regulamentam as profissões.

O Código de Ética direciona e normatiza a atuação profissional e, desde a

promulgação do código vigente em 1993, a direção é progressista, moderna e com

norte estratégico de ampliação da democracia. Nele, estão direitos e deveres do

assistente social em sua linha de trabalho.

Um debate recorrente é o projeto profissional e outras correntes que não detêm a

hegemonia da profissão, a chamada pluralidade67. Neste debate admite-se que,

mesmo que existam correntes conservadoras na profissão, há hegemonia da

corrente crítica de base teórica marxista e que ela é exercida nas entidades da

categoria, na produção teórica da profissão, no campo jurídico-institucional e no

direcionamento da prática profissional.

Alguns debates68 contestam a hegemonia do atual PEP hegemônico através da

pluralidade. A contestação feita é que aqueles que reivindicam a pluralidade, na

verdade reivindicam o ecletismo profissional, onde tudo cabe, inclusive o

conservadorismo, com suas supostas contribuições. Neste caso, pluralidade é

confundida com falta de direção, como se fosse possível aliar posições

inconciliáveis e que defendem o oposto um do outro69.

O que é plural são a tolerância e o direito ao contraponto, mesmo que este seja

minoritário ou até mesmo insuficiente no âmbito dos argumentos, alguns até

66 Idem. 67 Iamamoto (2004). 68 Recomendamos para verificar tal debate a “Carta ao CFESS” de Vicente de Paula Faleiros em 15/08/2009. 69 As Três Fontes Constitutivas do Marxismo, Lênin (1979).

63

superados teoricamente. O debate na pluralidade tem o direito de ser público e

muitas vezes aberto, admitindo inclusive alguns confrontos que vão dar o

direcionamento, no caso do serviço social brasileiro, ao Projeto Ético – Político.

Por isso, muitas vezes aqueles que acusam o PEP Hegemônico de deter um poder

autoritário, como já ocorreu, no forte debate das Práticas Terapêuticas em 2009,

acabam por cair em contradições, porque o caminho da pluralidade ao exercer tal

contraponto, mesmo que não saindo vitorioso70 ocorre nestes momentos de embates

públicos na categoria profissional.

Outro aspecto que denota o atual direcionamento do Conjunto CFESS/CRESS no

seio da profissão é o próprio modo democrático de organizar a categoria

profissional. No CRESS, acontecem assembléias gerais abertas periodicamente

para a categoria, com debates públicos e abertos, democraticamente aceito e com

decisões tomadas em caráter coletivo.

No Caso do CFESS, anualmente ocorre o Encontro Nacional CFESS/CRESS, com a

participação das direções dos CRESS e delegados eleitos pela base nos Estados, o

que demonstra a possibilidade coletiva de decidir os rumos da profissão e o direito

ao contraponto em opiniões de pessoas com posições diferentes que participam dos

Encontros71.

Diferente do passado, o atual Conjunto CFESS/CRESS apresenta possibilidades de

promover uma relação entre a representação nacional CFESS e as representações

regionais os CRESS de forma horizontal e igualitária, visto que decisões podem ser

tomadas de baixo para cima se o PEP for posto em prática, o que pode dar

oportunidades reais de contrapontos e organizações pela base. Para isso, decisões

públicas e abertas para a categoria são promovidas72. Ramos (2005) disse: “detecto

os seguintes desafios para a materialização do atual Projeto de formação

profissional do Serviço Social Brasileiro: manter o pluralismo com hegemonia”.

70 Foi deliberado em fórum democrático Resolução 569 do CFESS. 71 Ramos (2005) e Fernandes (2004). 72 Idem.

64

Esta relação horizontal beneficia a categoria, seja nas ações ético-políticas que o

Conjunto promove na sociedade73 através de assembléias e possibilidade de

organização, seja na contestação e outras demandas de setores de interesse. No

que concerne na ação principal, que é regulamentar e fiscalizar a atuação

profissional, a possibilidade da relação horizontal do conjunto CFESS/CRESS é

possível se o PEP estiver sendo promovido. É preciso direcionar os assistentes

sociais a participação direta das comissões que visam à promoção de direitos e

fiscalização de processos da ética profissional74

Se de fato o CRESS está sendo democrático, os envolvidos em processos éticos

podem se defender e recorrerem aos tribunais de ética. É necessário também que a

fiscalização tenha caráter educativo, trabalhando com a prevenção de infrações

éticas e as punições serem educativas, além de não punir rigidamente aqueles que

não são reincidentes.

Portanto, o conjunto CFESS/CRESS é um espaço com possibilidades do exercício

da democracia, liberdade, pluralidade com direção política, passível de

contestações e oposições, além de possíveis críticas à questão do tipo de

democracia exercida, com aberturas para a atuação da categoria profissional a fim

do seu autofortalecimento e de sua contribuição na sociedade.

Em tese, o Conjunto deve estar em movimento na sociedade e mesmo que direções

não agradem a maioria ou minoria da categoria, as portas devem estar abertas para

que uma atuação real de modificação ocorra, no árduo trabalho cotidiano que

demanda um Conselho de Categoria Profissional.

73 Destaco a formação de Núcleos Temáticos abertos para a categoria, divulgados no site dos CRESS. 74 Fernandes (2004).

65

Capitulo 2 - A Concepção de Hegemonia do Serviço Social Brasileiro

2.1 O serviço social brasileiro nos caminhos de Antonio Gramsci

Este teórico e militante comunista italiano, e um dos fundadres do PCI – Partido

Comunista da Itália, foi perseguido e preso pelo fascismo. Uma das figuras

importantes para entender o serviço social brasileiro e seu atual projeto profissional.

Sem ele, a categoria hegemonia contida no projeto do serviço social brasileiro seria

frágil, devido Gramsci ter dado sua contribuição ao marxismo.

Gramsci apresenta algumas categorias-chaves para entender o Projeto Ético-Político

(PEP) Hegemônico do serviço social no Brasil. O período de ruptura com o

conservadorismo75 ganha força nos fim dos anos 1970, com grande militância e

ressignificação da profissão. Colado na conjuntura política, o serviço social brasileiro

sofre influência direta das lutas sociais que ocorriam naquele momento, no bojo de

enfrentamento à ditadura militar e início da “abertura democrática”, que se

consolidou em 1985.

Com o protagonismo da classe operária na militância sindical, os assistentes sociais

foram afetados naquele momento76, seja no movimento estudantil que teve no

âmbito do curso em serviço social sua retomada a partir de 197877, na categoria

profissional com a retomada dos Conselhos Regionais e postumamente o Federal,

que naquele momento estavam burocratizados78 e com o protagonismo e impulsão

do movimento sindical foi possível retoma – los para o campo progressista, ou seja,

pelo florescimento teórico do marxismo na profissão, o serviço social brasileiro

começava a trilhar um novo caminho, o caminho que José Paulo Netto chama de

Intenção de Ruptura.

Paralelamente, o marxismo no Brasil experimentava desde de os anos 1970 autores

ainda desconhecidos ao público brasileiro, entre eles, Antonio Gramsci. Militante

político ativo na Itália, ajudou a fundar o PCI, que chegou a ser o mais poderoso

75 Netto (2004). 76 Para aprofundar o assunto, indica – se Abramides e Cabral (1995). 77 Santos (2008). 78 Abramides e Cabral (1995).

66

partido comunista da Europa Ocidental. Gramsci foi deputado, combateu ativamente

os fascistas de Benito Mussolini no parlamento e fora dele. Como intelectual de

esquerda, travou batalhas contra diversos teóricos idealistas e positivistas que

influenciavam a Itália, principalmente na Revista “Nuova Antologia”. Nesta magazine,

o marcante teórico-militante Gramsci aparecia para a história. No Brasil, o nome

mais conhecido que traduziu a maioria dos escritos de Gramsci para o português foi

Carlos Nelson Coutinho, falecido em setembro de 2012. Neste texto as

interpretações de Carlos Nelson não serão aprofundadas.

Comunista de seu tempo, Gramsci foi bastante influenciado pela Revolução Russa

de 1917, que teve um grande líder e formulador que o influenciou também, Lênin.

Deste autor, Gramsci consegue desenvolver a originalidade necessária para suas

formulações políticas, escritos e pensamentos sobre a realidade italiana e dos

Estados capitalistas na Europa Ocidental.

Porém, no esforço de trazer um Gramsci que sinceramente não existiu, alguns

autores que criticavam equívocos das experiências socialistas, entre elas o

dogmatismo, doutrinarismo e autoritarismo, utilizam Gramsci como se ele fosse um

opositor a estes países, fato histórico que não ocorreu. O que Gramsci certamente

tem em sua marca é a originalidade, a independência e autonomia nas suas

formulações, com influências que ele nunca negou.

Gramsci não foi anti-Lênin ou antiinsurreição, pelo contrário. Como um marxista, não

operou no campo da previsão do futuro. Logo, o que Gramsci construiu foi um forma

original de entender o marxismo e tentar desenvolver o mesmo para outra realidade

e novas correlações de força, ou seja, não querer exportar modelos de outras

realidades. Simionatto (2011) diz que “a revolução, na esteira gramisciana, passou a

ser entendida não mais como um ato insurrecional”.

O apontamento acima é uma interpretação de Gramsci, que mesmo respeitando tal

debate, não será o caminho tomado neste trabalho. Gramsci não se coloca contra a

tomada do poder nem contra uma insurreição, fato que na história, mesmo depois de

Gramsci morrer, ainda aconteceu, como no caso da Revolução Cubana de 1959. O

que Gramsci formula e aponta são outras possibilidades e mediações na luta social

67

de enfrentamento ao capital, além de formular interpretações importantes da

sociedade capitalista de seu tempo, nos países capitalistas mais antigos da época,

em países da Europa como a Itália. Mesmo com unificação tardia, estava neste

centro importante do mundo. Ou seja, Gramsci nunca negou o estrategista que o

influenciou. Gramsci teve a fidelidade de ser original, não transportar modelos

prontos e tratar a formulação sócio-histórica em que vivia com todo rigor necessário.

A questão da institucionalidade e da correlação de forças também aparecem nos

conceitos propostos por Gramsci. Ele desenvolve a teoria de Marx, como a questão

da hegemonia, em que Lênin chamava a atenção em sua obra “O que fazer?”, onde

o desafio dos bolcheviques da Rússia era combinar a luta legal com a ilegal

(considerada assim pelo Estado burguês).

Algumas categorias, como aponta Simionatto, são de extrema importância em

Gramsci e devem ser estudadas pela esquerda, pois o constante desenvolvimento é

importante para o marxismo. Logo, não é um autor, mas autores que contribuem

para pensar a sociedade capitalista na atualidade e a combinação no que tem de

mais rico e relevante que pode apontar caminhos de enfrentamentos e resistências e

a própria superação da sociedade capitalista. Gramsci tem concepções originais no

entendimento de categorias como o partido político, Estado ampliado, sociedade

civil, intelectuais, americanismo, ético-político, cultura, transformismo, hegemonia,

revolução passiva, senso comum, classes subalternas, entre outras.

Outro ponto levantado é a dificuldade de estudar Gramsci. O escritor criou muito na

cadeia, entre eles o famoso “Cadernos do Cárcere”, que escreveu depois de preso

em decorrência do fascismo. Por essa razão, muito do que Gramsci escreveu é

codificado. Em vez de escrever diretamente sobre o marxismo, ele fala da filosofia

da práxis. Reduzir o marxismo a uma filosofia não era o pensamento de Gramsci,

mas claramente uma estratégia para fugir de perseguições. Assim como, ao falar

das classes sociais em diversos momentos, ele se utiliza da terminologia positivista

“grupo social”. O estudo de Gramsci não é fácil mas, ao mesmo tempo, estimulante

e importante para a atualidade do marxismo.

68

Aberto à pequena polêmica no entendimento de Gramsci, voltemos ao Brasil. O

serviço social desenvolveu seu atual Projeto Profissional em consonância com a

realidade brasileira do fim das décadas de 1970 e nos anos 1980. A profissão é

ressignificada em movimento constante e Gramsci foi um dos grandes

influenciadores deste projeto profissional progressista.

Logo estes nomes, ético-político e hegemônico, tão comuns na atualidade da

categoria profissional, não surgem do nada. Eles não são formulações novas, pois

quem as tem em seu debate é Gramsci. Iamamoto diz, em sua obra-prima feita

com Raul Carvalho (2008):

O profissional de serviço social é, aqui, também considerado na sua condição de intelectual. Para caracterizá-lo, busca-se suporte em Gramsci, para quem esta categoria não constitui um grupo autônomo e independente das classes fundamentais.

Não só o movimento da luta política foi ressignificado pelo serviço social, mas a

batalha teórica também, feita dentro e fora do circulo acadêmico. Visto que o serviço

social é uma profissão onde a questão ética é muito debatida, tendo assistentes

sociais ao longo de sua história vários códigos de ética, a categoria que aparece em

Gramsci, o ético-político aparece com grande importância para o debate no seio da

profissão.

Para Gramsci (1984):

O mais importante problema a ser discutido neste parágrafo é o seguinte: a filosofia da práxis exclui ou não a história ético – política, isto é, reconhece ou não a realidade de um momento de hegemonia, dá ou não a importância à direção cultural e moral, julga ou não os fatos da supra - estrutura como “aparências”? Pode – se dizer que não só a filosofia da práxis não exclui a história ético-política, como, ao contrário, sua mais recente fase de desenvolvimento consiste precisamente na reivindicação do momento de hegemonia como essencial à sua concepção estatal e à “valorização” do fato cultural, da atividade cultural, de uma frente cultural como necessária, ao lado das frentes meramente econômicas e políticas.

Neste fragmento, Gramsci deixa claro que a concepção de ético-político e

hegemonia estão imbricadas e, apesar de diferenças, atuam em conjunto no PEP. A

concepção de hegemonia em Gramsci é algo especifico de seu debate e o

fundamental entender nesta questão é de acordo com Simionatto (2011):

69

Quando Gramsci fala de hegemonia como “direção intelectual e moral”, afirma que essa direção deve exercer-se no campo das ideias e da cultura, manifestando a capacidade de conquistar o consenso e de formar uma base social.

Ao que parece, na história de consolidação do atual projeto profissional do serviço

social brasileiro, a questão de conquistar a base social, trazer a “direção intelectual

e moral”, e formar certo consenso, foi preponderante para a hegemonia deste

projeto. Como dito, ele germinou nas lutas sociais em um momento que o serviço

social não poderia mais ficar alheio à realidade com respostas tecnicistas para a

leitura do momento histórico que vivia. E foi nas formulações teóricas e nas

conquistas, inclusive de caráter institucional, como o Código de Ética de 1986 que a

profissão avançava em uma nova cultura profissional.

Por isso a combinação da luta legal com a luta “ilegal” – em meios institucionais com

meios não institucionais – são de extrema importância para a conquista de uma

hegemonia e manter sua trajetória histórica apontada para tal concepção, visto seu

vínculo direto com a luta antiditadura no momento do movimento de intenção de

ruptura, fazendo e retomando o que era proibido como, por exemplo, a luta sindical

tomando os CRAS – Conselhos Regionais dos Assistentes Sociais, atuais CRESS –

Conselhos Regionais de Serviço Social, sem negar a importância dos genes

profissionais de enfrentamento ao conservadorismo que vinham em movimento

contra-hegemônico germinando na profissão para postumamente chegar ao ápice

na década de 1980 e 1990.

Para Simionatto (2011):

Esta passagem da estrutura à superestrutura, do momento corporativo ao momento ético – político, esta tarefa ontológico – dialética de construir um novo bloco histórico, é denominada por Gramsci catarse. (…) A catarse seria assim, o momento em que a esfera egoísta – passional, a esfera dos interesses corporativos e particulares, eleva –se ao nível ético – político, ao nível de consciência universal. (…) Para chegar a esse momento ético – político é preciso vencer o corporativismo, a visão particularista e restrita que, em nível político, desconhece os valores próprios da hegemonia e de sua perspectiva de totalidade. Somente elevando – se ao nível ético – político, as classes sociais conseguirão da à própria ação caracteres socialmente universais e qualitativamente integrais. A unificação significa também a elevação á vida cultural e política daqueles estratos sociais que, antes de obtê – la, viviam passivamente e, portanto, ainda não haviam superado o limiar da consciência histórica. Sair da passividade, para Gramsci, é alcançar

70

um nível superior, é deixar de aceitar a subordinação que a ordem capitalista impõe a amplos estratos da população, é deixar de ser massa de manobra, dos interesses das classes dominantes.

Simionatto aponta algumas articulações em Gramsci que estão na essência do

debate de Marx. Gramsci não debate categorias soltas e teoricistas, está sempre de

olho na realidade e como a sociedade funciona. Inova nas formas de confronta-lá e

tem objetivos maiores que sua superação para construir uma nova sociedade, onde

os indivíduos podem ter a “consciência maior” e desenvolver suas plenas

capacidades.

Bloco histórico em Gramsci tem relação com hegemonia de classe social. E um

novo bloco se coloca na perspectiva da ruptura com esta sociedade, com uma

articulação de novas classes ou classe no poder, porém não só ele, mas também

um projeto de sociedade e uma nova fase histórica.

Gramsci analisa qual bloco histórico está no momento em que ele vive e é o da

burguesia no poder, tendo como marco principal a Revolução Francesa, um ruptura

que construiu um tipo de novo bloco histórico, uma nova fase, com novas

instituições, novo moral, nova política, enfim, uma nova cultura.

Outra importante questão articulada com a hegemonia e o ético-político é o senso

comum. Segundo Simionatto (2011):

Para Gramsci, é no terreno do senso comum que as classes subalternas incorporam as ideologias dominantes, cuja pretensa verdade se impõe às classes subalternas como única, como superstição. É, portanto, no terreno ideológico que se produzem e se mantém, em função da divisão da sociedade em classes antagônicas, as resistências aos impulsos de unificação da consciência humana. (...) A classe dominante consegue impor a sua ideologia porque, em primeiro lugar detém a posse do Estado e dos principais instrumentos hegemônicos (organização escolar, religiosa, imprensa etc.), e, em segundo, possui o poder econômico que representa uma grande força na sociedade civil, pois, além de controlar a produção e distribuição dos bens econômicos, organiza e distribui as ideias.

O debate do senso comum tem como elemento primordial a cotidianidade, onde a

cultura estabelece sua relação mediatizada e como se coloca na prática. É onde as

relações sociais de produção e reprodução acontecem, onde a hegemonia se

manifesta através da ideologia vigente. Gramsci coloca como oposição ao senso

comum o bom senso. O autor define (1984):

71

Em que reside, exatamente, o valor do que se costuma chamar senso – comum ou bom – senso? Não apenas no fato de que, ainda que implicitamente, o senso – comum empregue o principio de causalidade, mas no fato muito mais limitado de que, em uma série de juízos, o senso – comum identifique a causa exata, simples e imediata, não se deixando desviar por fantasmagorias e obscuridades metafísicas, pseudo – profundas, pseudo – científicas.

A categoria senso comum em Gramsci é um elemento concreto da hegemonia. O

autor propõe um novo senso comum, que tenha o bom senso como parâmetro, mas

que reproduza os ideários do socialismo e não do capitalismo, como acontece na

sociedade burguesa.

Outra categoria que contribui com a hegemonia para Gramsci é o papel do chamado

intelectual na sociedade. Ao longo da história de diversas sociedades, diversos

povos e culturas, o intelectual sempre tem alguma função crítica na sociedade.

Gramsci traça um tipo de intelectual mais rude e acadêmico, que ele chama de

tradicional, aquele que de alguma forma, é ligado à área da educação convencional.

De acordo com ele (1984):

Dado que essas várias categorias de intelectuais tradicionais sentem com “espírito de grupo” sua interrupta continuidade histórica e sua “qualificação”, eles consideram a si mesmo como sendo autônomos e independentes do grupo dominante.

Apesar de Gramsci colocá-los como “intelectuais tradicionais” dando a eles o papel

de pensadores, questiona tal posição e qual a função. Ao dizer que “eles

consideram” deixa bem claro o caráter ilusório de tal independência e autonomia.

Porém, o que muito influenciou e ainda influencia o serviço social brasileiro é a

categoria que Gramsci chama de intelectuais orgânicos. Ou seja, qual intelectual,

onde atua, para que ou a quem serve. Para ele (1984):

Os empresários, se não todos, pelo menos uma elite deles, devem possuir a capacidade de organizar a sociedade em geral, em todo o seu complexo organismo de serviços, inclusive no organismo estatal, em vista a necessidade de criar condições favoráveis à expansão da própria classe; ou, pelo menos, devem possuir a capacidade de escolher os “prepostos” (empregados especializados) a quem confiar essa atividade organizativa das relações gerais exteriores à fábrica. Pode – se observar que os intelectuais “orgânicos” que cada nova classe cria consigo e elabora em seu desenvolvimento progressivo, são, no mais das vezes, “especializações” de aspectos parciais da atividade primitiva do tipo social novo que a nova classe deu a luz.

72

Neste fragmento, o autor e militante comunista italiano afirma que os intelectuais não

têm apenas uma função interpretativa, como Marx já havia desvendado no passado

ao criticar filósofos que só interpretavam a realidade. Gramsci mostra que os

intelectuais tem uma função diretiva na sociedade em diversas funções, e não

apenas escrevendo livros.

O exemplo do empresário que pensa a sociedade a partir de sua empresa é

emblemático. Ele pensa, não por pensar, mas pela função diretiva enquanto classe

social que tem, enquanto hegemonia que necessita manter. Mas Gramsci não

coloca como os únicos intelectuais aqueles que estão na hegemonia em certo bloco

histórico, mas das opções de contra-hegemonia, no caso a classe social que ele

tomava parte, o proletariado.

Na verdade o operário ou proletariado, por exemplo, não se caracteriza especificamente pelo trabalho manual ou instrumental, mas por esse trabalho em determinadas condições e em determinadas relações sociais (sem falar no fato de que não existe trabalho puramente físico de que mesmo a expressões de Taylor, “gorila amestrado”, é uma metáfora para indicar um limite numa certa direção: em qualquer trabalho físico, mesmo no mais mecânico e degradado, existe um mínimo de qualificação técnica, isto é, um mínimo de atividade criadora). (Gramsci, 1984)

Ou seja, todo homem e mulher tem função intelectiva, desenvolve pensamento,

mesmo em atividade com alto grau de exploração de classe. Para executar uma

ação, todos pensam e formulam. Por isso Gramsci chega a conclusão de que “todos

os homens são intelectuais” (1984).

Mesmo que nem todo homem ou mulher desempenhem funções de direções

políticas na sociedade, em qualquer espaço, seja da produção ou do Estado, todos

podem desempenhar tal função. Sendo que o proletariado também tem intelectuais

orgânicos, pois há os que pensam em outras possibilidades de organização social,

de projeto societário – o maior exemplo disso é o próprio Gramsci.

Nesse debate, há uma pequena polêmica. Alguns autores apontam que para

Gramsci, o intelectual orgânico é o partido (“O Novo Príncipe”, fruto de uma análise

que Gramsci faz de Maquiavel). Porém, seguindo o pensamento desenvolvido no

começo deste debate, Gramsci era um comunista influenciado fortemente por Lênin,

logo o partido é um instrumento organizador e fornecedor de quadros

73

revolucionários para lutar e dirigir a classe operária, a “vanguarda”, como Lênin

aponta em “O que fazer?”. Por essa razão, o partido é um formador intelectual de

opiniões, mas feito e movido por pessoas, logo, intelectuais orgânicos da classe

proletária.

Estas não são todas as categorias desenvolvidas por Gramsci, mas são as

essenciais para entender o porquê de o projeto profissional do serviço social

brasileiro existi e trabalha a concepção de hegemonia ético-política. O serviço social

brasileiro – assim como qualquer profissão, que tem certo estágio de organização e

disputa política – tem seus embates internos que refletem externamente na

sociedade.

Não funciona como um Estado, onde uma revolução (tomada de poder) pode

acontecer, mas como deve funcionar, nos limites de uma profissão e com uma

direção e posicionamento na sociedade. Logo, para tal direção acontecer sem

ecletismo (que é diferente de pluralismo), é preciso desenvolver uma hegemonia,

uma formulação teórica e política (ético-política) para exercer influência na categoria

profissional (hegemonia) capaz de direcionar os debates e trazer uma nova cultura

profissional. Tal influência não se esgota apenas para dentro da categoria. Como

profissão, enxerga a sociedade e constrói suas propostas de intervenção na

sociedade.

Neste sentido, está clara a influência, a direção e os posicionamentos na sociedade.

A hegemonia ético-política no serviço social se expressa na vasta contribuição

teórica com norte marxista, nas conquistas jurídicas e institucionais com a Lei que

regulamenta a profissão de serviço social no Brasil79, as diretrizes curriculares

formuladas pela Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social –

ABEPSS – surgindo o debate do papel intelectual em Gramsci – e no Código de

Ética do assistente social, de inspiração marxiniana e com apontamentos claros

para condutas profissionais não só coerentes, mas articuladas com a política.

79 Lei 8662 de 7 de junho de 1993.

74

A direção política se mostra através da atuação do conjunto CFESS/CRESS80 e

suas articulações com a base social de assistentes sociais que, desde o movimento

de intenção de ruptura, mostra o comprometimento com um projeto societário que

transcende ao serviço social, que é o de uma sociedade emancipada, entendido

como opção à superação da barbárie apresentada pela sociedade capitalista, se

alinhando à perspectiva de apoio e luta com a classe trabalhadora.

Mesmo havendo polêmica sobre o fato de a hegemonia estar abalada ou não, é

inegável a atuação progressista e alinhada com um projeto societário maior,

socialista, nas direções do órgão maior dos assistentes sociais, o CFESS, em suas

direções desde o início do movimento de intenção de ruptura.

O Projeto Ético-Político Hegemônico do serviço social brasileiro (que de forma

importante tem a influencia do marxismo) atua na contradição da sociedade

capitalista, em uma conjuntura de defensiva da classe trabalhadora na maior parte

do mundo. Sofre seus abalos, mas seria estranho, até para uma análise marxista,

dizer que não sofreria. Porém, ao que parece, mesmo com dificuldades, o marxismo

não só tem sobrevivido bem a diversas dificuldades conjunturais, como a queda do

bloco socialista no Leste Europeu e o advento do neoliberalismo no Brasil, que

atacou fortemente os direitos sociais e trabalhistas dos trabalhadores brasileiros.

Na profissão ele é hegemônico e na sociedade brasileira ele é contra-hegemônico.

Visto que “rema contra a maré”, se alinhando a classe trabalhadora em suas lutas e

resistências contra a violação e retirada de direitos ou atuando de forma

anticapitalista, como já apontou Marilda Iamamoto e Raul Carvalho (1982),

trabalhando para a classe capitalista, seja no Estado ou no setor privado. Porém,

isso não significa que todos assistentes sociais atuem desta forma, mas que o norte

da profissão e do seu projeto aponte para esse caminho. Verdade seja dita e justiça

seja feita: muitos profissionais também atuam fazendo jus ao projeto profissional

avançado que o serviço social brasileiro tem a honra de ter em sua hegemonia.

80 Conselho Federal de Serviço Social e Conselhos Regionais de Serviço Social.

75

Visto esta sadia contradição do serviço social brasileiro, contida em seu Projeto

Ético-Político Hegemônico, onde mesmo atuando de forma anticapitalista e tendo

como norte o alinhamento e apoio ao projeto socialista da classe trabalhadora e ao

mesmo tempo trabalhando para os capitalistas que exploram os trabalhadores,

classe onde os assistentes sociais estão inseridos, visto a condição de exploração

da força de trabalho e assalariamento, o teórico e revolucionário Antonio Gramsci

entrou de forma decisiva na vida do serviço social no Brasil e contribuiu e contribui

em muito para a manutenção de um projeto profissional onde a barbárie não seja o

norte da atuação profissional.

76

2.2 A Concepção de Hegemonia em Gramsci e a importância da Direção Ético-

Política

O debate gramsciniano na questão de hegemonia em pleno século 21 ainda é de

extrema importância para entender a atual sociedade burguesa e seus tecidos de

contradições. Esta sociedade conseguiu sofisticar a barbárie no seio da luta de

classes. O que soa como provocativo, ao ser citado em pleno século 21, quando

alguns críticos pretensiosos do socialismo científico anunciam o fim da história ou

mesmo a morte do marxismo81.

O que aprofunda ainda mais o tom de ironia é que Gramsci é um dos que

desenvolveram o marxismo interpretado por Lênin, líder da Revolução Russa. Se o

marxismo é atacado por todos os lados, Lênin se torna mesmo na era da

“Revolução Tecnológica” o terror da burguesia e ainda odiado por estes na

atualidade.

Gramsci tem o mérito de avançar no debate da ditadura do proletariado e na própria

estratégia política. Gramsci não é um teórico culturalista ou da área da educação

como quiseram alguns, inclusive os eurocomunistas da Itália82. Ele é um pensador

marxista, que pensa estrategicamente a luta do proletariado contra a burguesia e

seus aliados, tendo a Itália como área de luta, mas trazendo concepções universais

que romperam fronteiras, sendo a concepção de hegemonia um dos debates mais

importantes em Gramsci. Para Gruppi (1978):

É essa conexão de teoria e prática que permite a Gramsci afirmar que a teoria e a realização da hegemonia do proletariado (e com esse termo, referindo – se a Lênin, indica, indica a ditadura do proletariado) têm um grande valor filosófico, já que a hegemonia do proletariado representa a transformação, a construção de uma nova sociedade, de uma nova estrutura econômica, de uma nova política e também de uma nova orientação ideológica e cultural. Como tal, ela não tem conseqüências apenas no nível material da economia ou no nível da política, mas no nível da moral, do conhecimento, da “filosofia”. Portanto, a revolução é entendida por Gramsci – e ele continuamente o repete – como reforma intelectual e moral.

81 Caso emblemático do estadunidense Francis Fukuyama. 82 Eurocomunismo foi uma vertente revisionista do marxismo, visava construir um “socialismo democrático” e um dos grandes feitos desta vertente foi à destruição do Partido Comunista Italiano.

77

Para Gramsci, hegemonia vai para além da coerção e repressão exercida pelas

classes dominantes contra o proletariado. Estas classes não só exploram como

dominam e oprimem os trabalhadores em seus cotidianos. Para ter esta análise,

Gramsci amplia o conceito de ditadura do proletariado que Lênin traz em “O Estado

e a Revolução”, pois tinha como espectro a sociedade o que ele denominava Bloco

Agrário Industrial83, típico da realidade italiana. Sabe-se que este teórico contou

com a luta de classes nas indústrias da cidade de Turim e conseguiu, de forma

teórica e prática, expandir a estratégia revolucionária ao pensar a luta de classes

em um país com democracia burguesa mais consolidada.

Para isso, não abandona a concepção leninista em que melhor faz referências à

Ditadura do Proletariado. Pelo contrário, ele expande e denomina em um tipo de

hegemonia, e também aprofunda os estudos e debates em outro tipo de hegemonia,

que é o da burguesia que explora e domina o proletariado84.

O que faz Gramsci não negar, mas ao mesmo tempo não se prender de forma linear

e ortodoxa ao importante debate contido em Lênin, é o que ele chama de

desenvolvimento da sociedade civil nos países do Ocidente. Para ele, a sociedade

civil em países com fortes traços orientais como a Rússia tinha uma sociedade civil

gelatinosa, pouco organizada, com forte centralização do poder. Já no Ocidente, em

países como a Itália, a sociedade civil era mais forte, organizada, sendo o poder

“esparramado” por ela85.

Ele consegue através de um debate universal, que é o de ditadura do proletariado,

pensar a questão nacional na Itália e a própria realidade europeia da época. Mesmo

que seja polêmico dividir a questão entre Oriente e Ocidente, pois foi espaço de

fortes tensões na Rússia, em sua parte “ocidentalizada” e com forte influência da

sociedade europeia mais avançada. No entanto, é inegável o caráter de extrema

83 Gramsci (1982) 84 Já exemplificamos a associação em Gruppi (1978). 85 Simionato (2011), Gruppi (1978), Gramsci (19984). Quando Gramsci fala da sociedade civil em países ocidentais ele se refere em principal a Europa e quando fala de sociedade civil organizada, não quer dizer que isso seja o fortalecimento de um poder popular, pois esta sociedade ainda é burguesa, esta em disputa e o poder burguês se “esparrama” nas instituições e cotidianos desta sociedade.

78

repressão que os russos viviam, em uma monarquia despótica, onde o poder era

fortemente centralizado na figuro do Czar.

O embate na realidade russa foi inevitavelmente direto e em muitos casos armado.

Já na Itália de Gramsci, uma unificação de reinos já havia ocorrido – a unificação da

Itália – o que de alguma forma levou a um tipo específico de Revolução

Democrática Burguesa, não tendo condições de dar um passo a mais, como

ocorreu na Rússia, para uma Revolução Socialista. Inevitavelmente, as instituições

burguesas amadureceram na Itália, se “esparramando” para a sociedade civil, em

seus aparelhos86 ideológicos, como escolas, sindicatos, igrejas, associações

profissionais e comerciais, partidos e outros movimentos. Trazendo uma arena de

luta em que o recurso coercitivo ia além do uso da força militar. A luta política ocorre

de maneira mais aberta e a luta de classes está presente nos locais de trabalho,

estudo e moradia.

Para tal arena de luta política, Gramsci traz mais uma diferenciação comparativa

com a realidade russa, que é a guerra de movimento e de posição87, que tem a ver

com a sociedade civil gelatinosa e a mais consolidada. Na guerra de posição, a

estratégia insurrecional se coloca de maneira mais evidente, a repressão se torna

mais aberta e militarizada e os trabalhadores em resistência tendem a se armar

para uma batalha mais violenta e de caráter decisivo. Já na guerra de movimento,

não se pode dizer que anulou a insurreição do proletariado, pois Gramsci não

negava Lênin, mas adquire caráter ora mais velado, ora mais aberto, ora mais

violento, ora mais dominador, sendo esta dominância um estágio em que a

burguesia conquista a consciência e base de apoio do proletariado com menor

resistência.

A arena na Guerra de Posição tem um destaque na sociedade civil. Em cada

batalha, cada espaço, um recuo ou avanço pode ser obtido, seja pela burguesia,

seja pelo proletariado. Mas como dito, esta luta não é eterna e pode haver um

momento de maior tensão e só com uma guerra de movimento, como também com

86 Portelli (1987). 87 Simionato (2011) e Gruppi (1978).

79

caráter insurrecional ou de derrota para as forças reacionárias, como inclusive

ocorreu momentaneamente na Itália, na ascensão e queda do fascismo, que

Gramsci sentiu na pele ao ser por anos preso nas masmorras daquele regime

político. Ou seja, Gramsci não cai no jogo do tudo nada e tem pensamento linear

que alguns teóricos marxistas adotaram ao longo da tradição do debate marxista.

Ele considera o desenvolvimento histórico e conjuntural, além de saber ser ortodoxo

na estratégia e flexível na tática.

É neste sentido que Gramsci consegue atualizar o marxismo, trazendo para o

debate da Questão Nacional na Itália e na própria democracia burguesa e seus

tecidos de demolição ideológica. Pensar estrategicamente a Revolução Socialista

levou ao teórico italiano a pensar a arena de luta inserida nas classes em seu país

que, no caso da Itália, era o latifúndio no sul e a indústria moderna no norte, o que

denomina de cara uma aliança de classes dominantes como Marx já alertava no

passado88.

A concepção de hegemonia em Gramsci não é definível simplesmente em uma frase

ou jargão, onde matematicamente se acha uma fórmula para os problemas e

desafios que se colocam na realidade. Hegemonia em Gramsci é uma concepção

que supõe algo que vá além da relação na qual os trabalhadores se organizam para

combater, que é a exploração e dominação89.

Neste sentido é que gira o debate da cultura, educação e dos aparelhos ideológicos

contidos na estrutura e superestrutura da sociedade burguesa. Para explorar, é

necessário que em certos momentos a repressão seja aplicada, com a força dos

aparelhos militares e paramilitares do Estado. Mas não é possível manter coeso um

sistema exploratório usando apenas a repressão física. Neste sentido que se

enquadra a dominação.

A burguesia investe pesado para manter seu poder o máximo possível de maneira

que consiga consensos e coesão, o que na prática não pode traduzir como

consenso, visto que isso supõe debates e esclarecimentos, mas aceitação passiva

88 Recomendamos “Crítica ao Programa de Gotha” escrito por Marx em 1875, texto contido em “Dialética do Trabalho, organização Ricardo Antunes 2011. 89 Encontramos importante debate em Gramsci (1982).

80

do que é colocado. Para se exercer a dominação, através desta aceitação passiva, é

necessário que isso se realize de maneira cotidiana na vida do trabalhador. Logo,

formando o seu senso comum90.

Na questão da dominação e alienação, é possível divagar de forma gramsciniana

com o próprio Marx91, onde o trabalhador tem um estranhamento e não

reconhecimento com o fruto do seu trabalho. Estranhamento que de maneira

ampliada chega a todas as esferas da vida social, no qual a alienação está no não

reconhecimento da própria realidade e questões gerais que envolvem a vida de um

trabalhador. E para que ocorra este estranhamento, o debate gramsciniano tem

pontos a contribuir, pois explica o esforço burguês e suas instituições para

manipular e dominar a classe trabalhadora, controlando-a para que não consiga

romper as barreiras que a alienação impõe para a vida social dos trabalhadores.

Neste sentido, a cultura que se articula no cotidiano da vida social dos

trabalhadores, feita nas relações sociais do modo de produção capitalista, é forte

instrumento para executar a dominação, justificadora e anestesiadora da exploração

capitalista. Em todos os aspectos, é ela que forma o senso comum, que é

conservador, para afastar os trabalhadores de um despertar de realidade e romper

com a alienação.

A educação neste sentido, articulada pelo Estado Burguês e a serviço deste Estado,

é um instrumento forte de manutenção desta dominação. Pois no sentido amplo, a

ignorância e o conhecimento colocado sobre controle e em seus limites, em vez de

se tornar um instrumento de libertação, acaba por ser algo formal, profissional, que

capacita para servir o Estado Burguês e logo manter a dominação alienante.

A hegemonia na sociedade burguesa se apresenta de forma sofisticada, nos

meandros da superestrutura e da estrutura, nos seus aparelhos ideológicos é que se

constrói a consciência de aceitação da dominação e justificadora da exploração.

Aparelhos que tem direção advinda da superestrutura articulando-se na estrutura,

90 Gramsci (1984) 91 Recomendamos “Manuscritos Econômicos – Filosóficos”, Marx (1982).

81

em suas instituições que se ligam as esferas da vida mais próximas dos

trabalhadores nos locais de trabalho, estudo e moradia e suas relações e espaços

em comum a estes que mais se articulam as relações sociais.

Neste sentido o debate da hegemonia entra em um campo polemico e de novo tipo,

que é a sociedade política. Esta se referencia no campo das classes dominantes,

tendo a burguesia como centro de controle desta sociedade, no qual o parlamento

burguês e outras instituições são executores da gestão e do planejamento da

burguesia, neste sentido a superestrutura e a estrutura se mesclam em uma

simbiose de dominação, no qual a sociedade política domina a sociedade civil e

seus aparelhos.

Outro aspecto que faz a hegemonia burguesa acontecer é a das alianças de classe

que ela promove e os aparelhos construídos na estrutura, conseguindo controlar na

superestrutura fazendo destas alianças fundamentais. No caso da realidade italiana,

Gramsci traz o fenômeno da aliança do Bloco Agrário Industrial ainda bastante

marcante na Itália atual, em um sul agrário e em um norte industrial. A época de

Gramsci era a da aliança do latifúndio com a burguesia industrial. Esta aliança de

classes constrói um bloco hegemônico em determinada sociedade que vai além das

alianças de classes. É o Bloco Histórico92 que é dominante e hegemônico em certa

sociedade através da cultura, moral, ética e política, permeando o interior de uma

sociedade construindo seu senso comum.

O Bloco Histórico consolida o poder e um novo tempo de hegemonia das classes

sociais que se tornam dominantes na sociedade dividida em classes, tendo o Estado

como instrumento para esta dominação. No bloco histórico, a superestrutura

articulada com a estrutura age e se movimenta nas demandas planejadas e

gestadas pela sociedade política para intervir na sociedade civil. A sociedade

capitalista vive o Bloco Histórico Hegemônico da Burguesia, que começou a ser

construído oportunamente no âmbito das revoluções burguesas e foi consolidado

por meio da expansão imperialista pelo mundo.

92 Portelli (1987).

82

A hegemonia pela concepção gramsciniana possibilita um novo tempo, uma nova

historia e uma revolução social, a construção de um novo bloco, o Bloco Histórico

Hegemônico do Proletariado, que começa a ser construído dentro da própria

sociedade burguesa. Ou seja, no âmbito da sociedade capitalista, onde é vigente o

Bloco Histórico Hegemônico da Burguesia, é que germina a disputa e construção de

uma nova possibilidade de sociabilidade e sociedade, que visa destruir e superar o

Bloco Histórico da Burguesia. Este gene é a Contra-Hegemonia do Proletariado e

seus aliados, que busca construir uma sociedade onde “a maioria não seja mais

subordinada pela minoria” (Lênin, 2010).

A questão não é simples e nem linear. Não basta ter uma hegemonia para que

exista uma contra-hegemonia, que deve ser entendida como relevante, que

realmente caracterize disputa e intervenção na sociedade burguesa. Logo, não é

uma simples contestação que pode atestar como contra-hegemonia, mas um projeto

alternativo que contesta e se coloca como alternativa a superar o que considera

insuficiente. Portelli (1987) afirma que:

O desencadeamento de uma crise orgânica do bloco histórico, isto é, da ruptura dos laços orgânicos entre a estrutura e a superestrutura, quando os intelectuais deixam de representar as classes subalternas (organizadas ou não) ou pode ser consequência de um fracasso político da classe dirigente.

Porém, o elemento complexo na engrenagem da dominação e exploração que

ocorre na sociedade burguesa é que, como salientava Lênin, a minoria domina a

maioria. Logo, a divisão de classes e a própria constituição de classes exploradas

resiste através da contra-hegemonia do proletariado e seus aliados.

A própria hegemonia da burguesia na sociedade capitalista, por contradição e

necessidade de exploração para manter-se hegemônica, acaba por criar a contra-

hegemonia de outras classes, em que a contestação e superação do projeto

hegemônico dependem de organização e projeto, pode ser necessariamente a

contra-hegemonia ser conduzida aos limites necessários e não se colocar a

disposição de superar o que contesta.

Segundo Gramsci, alguns fatores têm que ocorrer para a superação do projeto

hegemônico do Bloco Histórico Burguês. A organização é necessária para a

83

construção de um projeto que se coloque à altura e disposição para superar o

projeto burguês; além disso, o Bloco Histórico da Burguesia em determinado

momento tem que entrar em crise de autoridade, direção ético-política, moral e

cultural em momentos de contestação, tendo como elemento marcante a quebra de

consensos.

Neste momento, o que resta é a repressão, que pode ser insuficiente e se esgotar

nela mesma. Por isso, não é possível considerar a guerra de posição e de

movimento como linear, algo do Oriente e Ocidente, entre países em momentos

históricos. A complexidade pode ser ainda maior, como na Itália vivida por Gramsci.

Ele foi capturado e preso pelo regime fascista, que forjou como principal elemento

ideológico a força e a repressão e construiu um forte consenso em determinado

momento por diversos anos – não um consenso total, se era pela força, o não

consenso era aniquilado, mas isso era feito com respaldo de muitos que

concordavam com o regime, em um país arrasado pela crise econômica.

A linearidade pode esconder a essência das questões e avaliações equivocadas são

feitas. Neste sentido, uma guerra de posição pode se transformar em uma guerra de

movimento, dependendo do grau da crise do Bloco Histórico da Burguesia. A crise

pode ser aquele tempo anunciado por Marx (2008) no qual:

Em certa etapa de seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes, ou, o que não é mais que sua expressão jurídica, com as relações de propriedade no seio das quais elas se haviam desenvolvido até então. De formas evolutivas das forças produtivas que eram essas relações convertem – se em entraves. Abre - se, então, uma época de revolução social.

Ou no momento em que o próprio Bloco Histórico da Burguesia se renova e sai da

crise e isso depende da capacidade da contra-hegemonia do proletariado. No seio

da hegemonia do bloco histórico da burguesia, Gramsci percebe algo importante e

que exerce a manutenção da direção ético-política da hegemonia burguesa: o papel

dos intelectuais. “Os intelectuais são assim, os “funcionários da superestrutura” em

nome da classe que representam e à qual estão estreitamente vinculados, social e

economicamente” (Portelli, 1987).

84

Os intelectuais do Bloco Histórico da Burguesia têm papel ético-político para manter

a hegemonia. Isso ocorre em uma combinação na atuação desta direção, pois se

constrói a figura do especialista do sistema produtivo e nas relações de produção

para criar uma relação de autoridade que se combina com política, porque com esta

autoridade se constrói um tipo de ética, moral e cultura, para dominar e explorar as

classes subalternas.

Os intelectuais estão imbricados na superestrutura e estrutura, tem papel dirigente e

organizador da sociedade e seus aparelhos institucionais (dentro e fora do Estado).

“Os intelectuais não representam por sim mesmos uma classe, mas estão

organicamente ligados ao grupo dominante para assumir a função de agentes da

hegemonia” (Macciocchi, 1977). Gramsci utiliza dois tipos de intelectuais para

exemplificar esta categoria: o tradicional e o orgânico. O tradicional é saudosista e

está preso a velhos valores antes da sociedade burguesa, avesso até as reformas

capitalistas. Já o orgânico intervém na sociedade de maneira teórica e prática.

A questão do intelectual orgânico em Gramsci é algo marcante, pois é este que de

fato materializa a direção ético-política na sociedade burguesa. Ele influencia

diretamente os locais de trabalho, estudo e moradia, que são marcantes na

sociabilidade dos trabalhadores. A gestão burguesa vem de cima de baixo e esta

intervenção ocorre no âmbito de políticas sociais, culturais e econômicas, nas

empresas, escolas, igrejas, sindicatos não classistas e nos próprios aparelhos do

Estado. Não é um projeto de um indivíduo, mas eles podem ou não estar

conscientes de tal projeto, quando exercem atividades de execução de tais políticas.

Isso resulta polêmicas que geram a dúvida de que ou os intelectuais orgânicos são

apenas organizações com projetos societários ou são os executores de políticas

advindas da hegemonia. Não é possível generalizar nem para um nem para outro.

Dependendo do papel dirigente na execução, gestão e planejamento, o indivíduo

pode fazer a diferença, se consciente pode tomar lado, sendo até contra-

hegemônico em sua intervenção, mas claro que nem todo indivíduo é consciente e

não é todo cargo ou atividade que pode ser considerado como de intelectuais

orgânicos. Tudo depende do papel dirigente exercido, que vem de organizações

políticas, imbricadas na superestrutura e estrutura e que no capitalismo acaba

85

abrindo espaço para que este papel dirigente orgânico também surja na contra-

hegemonia.

O papel dirigente da burguesia, no âmbito da intelectualidade orgânica, se dá no

aparato institucional e técnico para intervir nas relações sociais de produções,

podendo ser indivíduos ou instituições para realizar tal papel. Na contradição das

classes sociais, pode surgir o intelectual orgânico da classe trabalhadora e Gramsci

delimita de forma objetiva como papel a ser operacionalizado pelo partido. De

acordo com Gruppi (1978):

O moderno Príncipe é para Gramsci um unificador, um grande reformador intelectual e moral. Maquiavel tinha em mente um reformador desse tipo; mas, em sua época, ele não pode existir. Na nossa época, tal reformador é possível. O Príncipe de Maquiavel, segundo Gramsci, não é um simples indivíduo; é, na realidade, expressão de um processo coletivo, de uma vontade dirigida, para um determinador fim político.

Também é importante não se valer de interpretações lineares. A questão do partido

vai ao sentido da organização e se coloca como papel dirigente das classes

subalternas. Mas a intelectualidade orgânica não vem apenas dos membros do

partido, mas também daqueles influenciados pelas concepções deste

operacionalizador político das classes subalternas.

Ou seja, há o elemento da área de influência do partido de tipo marxista, área que

pode ser grande. A posse de partido faz a diferença e mesmo aqueles que estão

distantes do partido, mas ao tomá-lo, exerce uma intervenção contra-hegemônica,

pode ter um caráter orgânico, logo um intelectual orgânico da classe trabalhadora.

Não se deve, no entanto, restringir isso aos indivíduos, é mais coletivo que

individual.

Apesar da polêmica, a categoria que Gramsci debate acaba não sendo degenerada

quando ampliada, pois mesmo o indivíduo em atuação contra-hegemônica e não

parte de um partido marxista, acaba sendo o intelectual orgânico coletivo, pois em

algum momento acaba tendo uma concepção que advêm deste operacionalizador

político que luta e divulga a teoria revolução do proletariado, que é o marxismo.

Para Gramsci, hegemonia exige direção política. Não há espaços vazios na sociedade. Estes são ocupados e mesmo com objetivos difusos, têm em comum o exercício da hegemonia na sociedade

86

burguesa, com seus valores éticos, morais e culturais, disseminados de forma propositiva e fragmentados pela sociedade. Contraposição ao modelo fragmentário do Bloco Histórico da Burguesia é necessário a contração de algo integrado e universal, capaz de construir uma nova hegemonia, capaz de nortear de forma ético-política. “A catarse seria assim, o momento em que a esfera egoístico-passional, a esfera dos interesses econômicos e particulares, eleva – se ao nível ético – político, ao nível de consciência universal” (SIMIONATTO, 2011).

Isto seria capaz de construir uma nova cultura ética e moral, um novo senso

comum, que seria na verdade o bom senso93. Articulado na sociedade civil,

democratizando a política, cultura, economia e justiça. Tal direção, pilar da nova

sociabilidade, deve começar a germinar no Bloco Hegemônico Burguês. Nos

diversos espaços onde o intelectual orgânico do proletário intervém na luta social,

constrói hegemonia específica, colocando-as a serviço da contra-hegemonia que

enfrentam e visa a derrota à hegemonia burguesa que se articula nestes espaços

políticos. O caráter contraditório do modo de produção capitalista e suas relações de

produção estão em disputa, o que coloca a própria sociedade em disputa também.

93 Gramsci (1984).

87

2.3 A Relação entre a Entidade de Base (CRESS) e a Categoria Profissional

Para se construir uma entidade é necessário política. Esta é a mediação para a

construção de uma hegemonia e um tipo de concepção em alguma instituição de

atuação na sociedade. Tal política necessita de uma direção para construir e

organizar a concepção que será levada. Um tipo de hegemonia é construído e, de

acordo com Gramsci, pode fortalecer o Bloco Histórico Hegemônico da Burguesia

ou contribuir para a luta de um novo Bloco Histórico, sob a direção do Proletariado.

Nesta mediação, a possibilidade das disputas de projetos é detectada, com

concepções de mundo, em que o campo específico constrói uma hegemonia para a

atuação geral que aparece em debates sobre o específico, seja na concepção

hegemônica da sociedade ou contra-hegemônica. Para construir uma hegemonia, é

necessário o elemento do consenso para formar uma base social, que pode ser

mais ou menos atuante, dependendo da direção que a entidade está inserida. A

base é o instrumento necessário para se forjar um projeto e a relação estabelecida

com ela dá sustentação para a manutenção de uma direção e um projeto construído

em uma entidade, mais ou menos consciente em uma entidade de categoria

profissional como o CRESS, apesar de um universo mais restrito, pois falamos de

uma única categoria em um universo amplo da classe trabalhadora.

A entidade também é uma arena aberta que se posiciona frente à realidade vivida.

Tal espaço carrega concepções para a demanda interna da categoria profissional,

fruto da sociedade, contra ou favor, no Bloco Histórico da Burguesia. Ou seja, por

mais corporativista, não é neutra frente à realidade e por mais que negue introduzir

em questões gerais da realidade, se posiciona de forma mais aberta ou fechada.

Sendo assim, mesmo limitada por ser uma categoria no seio de uma classe, no

caso a trabalhadora, existe neste uma concepção geral de visão de mundo

contraditória, que intervém na sociedade e na classe social em que faz parte.

Intervém nesta classe favorável a sua luta ou não e, neste caso, faz parte da classe

trabalhadora e acaba servindo ao fortalecimento ao bloco histórico hegemônico.

Assim, os assistentes sociais se inscrevem neste universo contraditório, em um

misto de corporativismo construído sob o reconhecimento legal do Estado com

88

demandas internas e obrigatórias com o intuito de atuar para intervir na sociedade

burguesa.

Ao falar sobre corporativismo neste trabalho, a intenção não é provocar. Não

significa que o atual projeto profissional do serviço social brasileiro seja

corporativista ou que as entidades atuem dessa maneira, mas que sob a gênese

contraditória, por ser uma categoria profissional no universo das classes sociais,

acaba carregando a pecha da corporação que une questões específicas frente às

gerais. Algo de questões políticas, ideológicas e técnicas envolvidas.

O Conselho Regional de Serviço Social por ser uma Autarquia Especial (NEIDE,

2004), com autonomia relativa, tem estes elementos em seu interior, que é a

obrigatoriedade de mediar tecnicamente a regulação e fiscalização da atuação

profissional dos assistentes socais e organizá-los na concepção hegemônica

defendida pelo setor dirigente e hegemônico no seio desta categoria profissional, o

que reflete em certa pauta para atuação e posicionamento e intervenção do

Conselho Regional.

Mesmo considerado técnico, o direcionamento e regulação do exercício profissional,

que está a serviço dos usuários (NEIDE, 2004), tem viés ético-político, no qual a

concepção hegemônica da categoria intervém e advêm da visão de mundo que tal

concepção se posiciona. Nesta simbiose do movimento geral ao específico e vice-

versa que a entidade CRESS se relaciona e contribui na construção da categoria

profissional.

A partir de uma concepção construída historicamente, que visa dirigir a entidade de

base94 dos assistentes sociais, o CRESS, e contribuir na direção de um fazer

profissional de construção de uma visão de mundo, que CRESS e categoria

profissional se entrelaçam em uma relação de obrigatoriedade legal e compromisso

político, visto que tal categoria tem democraticamente em suas mãos o destino de

94 Entendemos que o CRESS é uma entidade de base visto que ele é o espaço mais próximo dos assistentes sociais, visto que visa se organizar a nível local e regional.

89

quem e qual concepção dirigirá e também de manter a própria existência da

entidade que representa a categoria profissional.

O debate da questão dos setores da categoria profissional ser mais ou menos

politizado deve ser feito, mas a manutenção da existência da entidade e decisão de

quem dirige a categoria, mesmo quando menos politizado, está nas mãos dos

profissionais – pelo menos no viés financeiro com elemento da consciência e

compromisso estabelecido com a entidade que o representa.

No debate da organização política da classe, ainda existe a questão corporativista

presente e não cair no corporativismo simplista, o que algumas categorias acabam

fazendo. A profissão de serviço social atua na intervenção direta da sociedade, em

especial no âmbito das políticas sociais, que afetam toda uma sociedade. Por esta

natureza, opta em seu PEP Hegemônico um posicionamento e não fica

simplesmente em uma defesa limitada da categoria profissional. Visto as múltiplas

intervenções em diversas áreas que trabalha o assistente social, debate o exercício

profissional nestas áreas e o que está contido nos meandros de cada área, algo

inevitável para tal profissão que está envolvido em trabalhos diários.

Estas áreas são base da organização da sociedade, como saúde, educação,

segurança, assistência social, previdência, habitação e etc. Áreas que por gênese

histórica tem a luta social dos trabalhadores por melhores condições de vida, que

podem ser promovidas. Alavancar uma contribuição nesta tentativa é algo que os

usuários procuram neste profissional. O serviço social no seio da construção de seu

projeto profissional hegemônico opta historicamente por uma concepção que tem

como horizonte trabalhar a questão da corporação com demandas legais no âmbito

do exercício profissional de forma não corporativista, tendo como primazia a defesa

do exercício profissional, a fim de garantir uma qualidade e o respeito aos direitos

dos usuários que buscam tal profissional95.

Com atuação posicionada, o assistente social pode garantir e contribuir com a

população usuária em suas demandas de lutas sociais, para garantir direitos e

95 Fernandes (2004).

90

alavancar melhores condições de vida para a população. Esta atuação posicionada

perpassa pela luta do Conselho Regional, para colocar em prática o projeto

profissional que defende influenciar o máximo possível a categoria profissional na

direção ético-política deste projeto.

Outra questão que perpassa a relação CRESS e categoria profissional é o nível de

politização e consciência da categoria profissional e o projeto exercido pela direção

ético-política nas entidades da categoria profissional. No senso comum da categoria

profissional, nos diversos espaços organizados pelas entidades da categoria, muito

é debatido sobre o posicionamento de colegas e o conservadorismo na profissão,

consagrado também no trabalho de Marilda Iamamoto, “Renovação e

Conservadorismo96”.

A contradição do avançado PEP Hegemônico do serviço social brasileiro é muitas

vezes contestada e uma despolitização de parcela considerável da categoria ocorre.

Ainda não existe uma pesquisa que considere em números o quanto é esta parcela,

mas é preciso levar em consideração o fato que vai para além da categoria

profissional dos assistentes sociais, ou seja, o momento histórico vivido. Depois da

queda da maior parte do Bloco Socialista e o advento do Neoliberalismo, a classe

trabalhadora na maior parte do mundo viveu um período de grande regressão

social. Isso representou atraso ao processo de consciência política da classe

trabalhadora, um avanço do conservadorismo e do senso comum, com grandes

traços conservadores e de até extrema ignorância. Aumentou-se também o

sentimento de individualismo e a despolitização das pessoas. A classe trabalhadora

se viu em uma defensiva e em lutas de resistência pontuais.

Mesmo com um projeto profissional avançado, germinado e construído no calor das

grandes lutas sociais que o Brasil experimentou na década de 1980, os reveses que

a classe trabalhadora sofreu a partir da década de 1990, com o avanço do

neoliberalismo, os assistentes sociais não se isolaram. O projeto e concepção

avançados da profissão, somados às direções progressistas de entidades da

96 Iamamoto (2008).

91

categoria profissional, fizeram frente a tal conservadorismo de forma mais

propositiva e menos solta. Mas, assim como a classe trabalhadora, os assistentes

sociais também sofreram com o processo de regressão social, o que pressupõe

conservadorismo em diversos colegas de profissão.

A categoria profissional também participou da luta de resistência contra a regressão

social e a despolitização ainda não foi suficiente para organizar de forma orgânica

algum bloco conservador capaz de destruir e superar o PEP Hegemônico em curto

prazo. Ou seja, a contradição do projeto avançado em um quadro de regressão

social afeta o conjunto da classe trabalhadora, incluindo os assistentes sociais, mas

o projeto profissional avançado contribui de forma qualificada para enfrentar os

estragos que a regressão social deixou na categoria, fazendo deste projeto ser

hegemônico, mesmo com os aguçamentos das crises sociais vividas. Devido ser um

projeto que propõe atuar na contradição da sociedade dividida em classes, tem

como primazia a disputa desde sua gênese e enfrentar o conservadorismo na

sociedade e no interior da categoria profissional, conservadorismo que ora está

mais, ora está menos forte. Por ter como primazia tal proposta de enfrentamento, é

orgânico e dá direção ético-política para a categoria profissional, pois fazer frente a

tal conservadorismo necessita organização.

A direção ético-política é uma mediação necessária entre categoria profissional e

entidade e observado na prática social. Como se coloca na direção, quais espaços

construídos para o exercício da democracia participativa da categoria, como se

porta a direção nas assembleias gerais, como se opõe, como se organiza, como

forma uma real base de apoio e forma novos quadros, enfim, como aplica o PEP. A

importância da construção coletiva é proposta, com pluralidade posicionada dos

projetos societários e profissionais existentes, da necessidade de estar organizado

na luta política e da construção de um processo de consciência para a construção

de uma atuação progressista e posicionada da maior parcela possível da categoria

profissional.

É importante se ressaltar os espaços já existentes, frutos da construção coletiva da

categoria profissional, seus mecanismos jurídico-institucionais e dos fóruns abertos

com possibilidades da atuação da categoria em diferentes concepções. Quando se

92

fala em pluralidade posicionada, existe a falsa pluralidade, chamada de ecletismo,

onde tudo é válido e com possibilidade complementar, sem contestação quanto

marxismo e liberalismo, por exemplo, propostas e visões de mundo complementares

e de forma simplista, afirmando que cada um tem sua contribuição para construção

da profissão. Não considera antagonismos existentes nos debates e concepções de

mundo.

A pluralidade posicionada considera a possibilidade da democracia interna na

categoria, reconhecendo outras concepções de mundo existentes na sociedade

burguesa, oferecendo a possibilidade de organização e manifestação caso esta

concepção esteja representada na categoria profissional em fóruns de construção

coletiva, mas se posiciona de forma clara como oposição, assumindo alguma

concepção, que no caso do Projeto Ético-Político é influenciada pelo materialismo

histórico e dialético. Colocado em defesa de uma hegemonia, procura ser

dominante e exercer este domínio na categoria. O mecanismo de exercício da

hegemonia é principalmente o consenso, o convencimento através dos debates, as

propostas de construção da prática profissional e posicionamentos, democracia

interna e direta da categoria profissional, a fim de construir uma base social crítica e

orgânica acerca do PEP. Mas nem só de consenso se faz uma hegemonia; há um

mecanismo coercitivo e legal na categoria que envolve uma construção que está

ligada ao posicionamento profissional assumido na prática.

Através da lei que regulamenta a profissão e o código de ética, de forma ético-

política e não policialesca, existem mecanismos que procuram coibir e se

necessário, depois de um longo processo pedagógico, punir práticas

conservadoras, que não condizem com o PEP e que podem, segundo a concepção

progressista, prejudicar usuários dos serviços prestados pelos assistentes sociais97.

Sem demagogias advindas de concepções “democratistas”, que na verdade falseam

a pluralidade e a contra-hegemonia de outros projetos, o exercício da hegemonia

perpassa pela clássica denominação de hegemonia, que é a construção de

97 Exemplo é o artigo 24 do Código de Ética.

93

mecanismos de debate político e institucionais, para garantir a concepção em

determinado momento histórico. A maioria de certa base social construiu e depois

defendeu o já consolidado. Isso é o exercício da democracia direta e participativa,

pois a luta política de diferentes concepções é legítima e pressupõe que em algum

momento uma se sobreponha sobre a outra.

Em primeiro lugar, quando se debate hegemonia, é necessário ponderar sobre

consenso e coerção. O universal influencia o específico e vice-versa, logo a

concepção de hegemonia debatida é a universal e advinda principalmente de

Gramsci e Lênin. Em segundo lugar, a hegemonia não é contida apenas no debate

marxista, também está imbricada na sociedade burguesa, exercendo sua

hegemonia. Logo, a hegemonia exercida na categoria profissional não é a

autoritária. Ninguém é perseguido e punido por se posicionar de maneira diferente

do Conselho ou até, em ultima instância, do Projeto Ético-Político, até porque a

punição nos tribunais de éticas do CRESS é realizada como medida final depois de

um processo educativo. Quando se fala em mecanismos éticos de fiscalização

profissional, essa hegemonia denuncia, julga e analisa a atuação em relação aos

usuários que buscaram os serviços prestados pelo assistente social98.

A hegemonia na categoria não deve ser confundida com autoritarismo. Ela é fruto

de uma disputa e de uma consolidação como projeto. Não mascara como faz o

ecletismo, que visa maquiar uma hegemonia ou contra-hegemonia, e mesmo nos

processos éticos, não é arbitrária, pois considera uma dada formação técnica com

bases científicas, como no caso do serviço social, além de ter como instrumento

normativo documentos construídos coletivamente e historicamente e reconhecidos

legalmente, como é o caso, por exemplo, do código de ética, além de diversas

resoluções, que visam ampliar uma prática profissional mais avançada o possível.

A democracia direta é exercida, a fim de se colocar como proposta organizativa para

a categoria profissional. O que se coloca como autoritário é o lado profissional, que

por ventura, visa o enfrentamento ao PEP isoladamente, promovendo práticas

consideradas estranhas à profissão e a sua formação profissional, fazendo que este

acabe agindo com propostas advindas de convicções mais pessoais que técnicas. 98 Fernandes (2004), debate de forma aprofundada a questão de processos éticos.

94

A relação direta entre categoria e CRESS é ressaltada no exercício prático da

hegemonia, dentro da democracia da categoria profissional. Após a ditadura militar,

o atual PEP Hegemônico foi construído e os mecanismos de participação da

categoria profissional do CRESS foram ampliados. Os recentes Projetos de

Nucleação99 são projetos que visam ampliar o canal de participação da categoria,

de diálogo direito e empoderamento da própria política do CRESS, construindo uma

possibilidade de prática social que consiga ir além de demandas legalistas contidas

em um Conselho, podendo colocar este instrumento dos assistentes sociais junto a

disputas e se colocar no seio da opinião publica, chegando próximo aos usuários,

que procuram os serviços dos assistentes sociais.

O que reforça a questão da hegemonia não ser um instrumento autoritário, mas de

promoção e ampliação da democracia direta e participativa, vai depender do tipo de

hegemonia aplicada100. Novamente, o diálogo entre universal e específico que pode

se basear no projeto hegemônico da sociedade como da democracia burguesa

restrita e seletiva, por exemplo, ou em outras propostas de projetos, que acabam

sendo adaptados para uma categoria profissional. O serviço social brasileiro é

contra-hegemônico na sociedade burguesa e contrapõe as práticas desta sociedade

no interior da própria categoria, o que fomenta possibilidades de levar para fora da

própria categoria tais práticas diferenciadas no seio da sociedade.

Na Categoria e Conselho, não se deve excluir o papel da direção da entidade, que

no caso do conjunto CFESS/CRESS é eleita diretamente pela própria categoria

profissional a cada três anos101. Na questão da direção, aparece a concepção de

hegemonia, exercida na direção política da categoria profissional de forma

específica. O CFESS/CRESS exerce o papel de contra-hegemonia na sociedade e

a direção da entidade é eleita democraticamente, o que demonstra o norte de

democracia direta dentro da categoria profissional, como exerce na prática o seu

pluralismo.

99 Recomendamos consulta no Site do CRESS – SP. 100 Gramsci (1982) e Gruppi (1978). 101 Fernandes (2004) faz este debate em seu trabalho.

95

Se por um lado, hegemonia não é ecletismo e nem “democratismo”, o espaço para a

disputa, de chapas e concepções, é aberto para a categoria profissional se

organizar. O que mostra que o Projeto Profissional tem afinidade com a ideia de

construir consensos dentro de um processo hegemônico e não exercê-lo

simplesmente através de coerção102, que neste caso poderia ser exercida fechando

espaços que garantem a participação da categoria. A direção da entidade, sua base

de apoio e, em casos onde há evidente disputa de projetos, mesmo nos espaços

democráticos dentro da categoria profissional e do Conselho, quem é hegemônico

se coloca, para rechaçar aquilo que discorda e considera equivocado.

No caso da entidade, o que ocorre muitas vezes também é a disputa de concepções

diferente do mesmo Projeto Profissional, ou seja, são opostos, mas não contrários,

podendo ter contestações do tipo de prática exercida por uma direção no Conselho,

quais formas e mecanismos exercidos para garantir maior abertura para a

democracia direta da categoria profissional, quais concepções políticas e práticas,

quais debates e prioridades serão adotadas. Enfim, dentro de um projeto há

contestações a respeito de uma burocratização em uma direção momentânea do

CRESS, sendo este um debate conjuntural. Não é contrário, porque mesmo com

concepções e práticas opostas, quando surge um evidente Projeto Profissional que

conteste o hegemônico, pode haver unidade para combater a concepção que se

propõe a divergir do PEP Hegemônico.

A direção da entidade tem como função ser o instrumento organizador e a serviço

da categoria profissional. A base da categoria é que deve ser a protagonista da vida

orgânica do CRESS, e a direção um instrumento de luta para colocar em pratica o

que é colocado nos espaços da categoria profissional, ou seja, a direção é a

parceira e sistematizadora da vontade coletiva da categoria profissional, em

102 Tanto Gramsci, mas principalmente Lênin não abre mão do uso da força, no caso da autodefesa dos trabalhadores em uma nova hegemonia, mas aqui falamos de um Projeto Profissional, por isso usamos mediações para não transportar mecanicamente a concepção de uma nova sociedade para o debate especifico da categoria profissional, no caso recomendamos aprofundamento em Gramsci (1982) e Lênin (2010), já no debate especifico de serviço social recomendamos Ramos (2005).

96

especial aos setores organizados e que participam ativamente da vida política do

Conjunto CFESS/CRESS.

Dialeticamente, esta vontade coletiva tem força motriz para se manifestar, organizar

e se colocar como programa de propostas da própria direção, há a intervenção

teórica e prática da chapa que vence as eleições dentro de um CRESS. A partir

desta intervenção, a vontade coletiva articulada no seio da categoria profissional

tende a expandir o programa da direção da entidade, modificá-lo e participar deste

processo de direção, dentro dos espaços democráticos da categoria profissional.

Ou seja, não é movido pelo espontaneísmo; há interação tanto na intervenção,

primeiro processo para debate, como na manifestação da vontade coletiva, que

pode intervir e exercer sua participação na direção da entidade e nos rumos do

Conselho103. Neste processo de interação, a direção eleita de uma entidade se liga

ao processo de direção geral da categoria profissional, no caso da organização de

base da categoria que é o CRESS, espaço que media a relação da base da

categoria com o CFESS.

Antes de uma direção ser eleita, há toda uma carga histórica, um processo que

historicamente constrói rumos e destino dos assistentes sociais, participando

diretamente da vida do CRESS ou não. Nesta carga histórica há encontros e

desencontros que construíram Projetos Profissionais dos mais conservadores aos

mais progressistas e vigentes da atualidade. Certas concepções e debates estão

enraizados e não basta apenas a vontade de uma direção eleita para modificar este

quadro do dia para noite. Há um senso comum que o atual Projeto Ético-Político

Hegemônico seja progressista e que deve ser colocado na categoria, mesmo com

os alardes exagerados ou coerentes sobre a questão da renovação do

conservadorismo.

A categoria não está alheia à sociedade e os profissionais também absorvem seus

valores, que confrontam as atuais concepções da profissão. Há profissionais que

oscilam entre o progressismo da profissão e sua concepção hegemônica e o

103 No debate sobre organização e espontaneismo recomendamos Lênin (1982).

97

conservadorismo que absorvem desta sociedade. Existem contradições na

concepção do PEP e ele interage com gestão que, se tiver direcionamento

adequado, aponta o novo senso comum profissional apontando para uma

internalização da categoria, o que gera uma massa crítica na base e pode também

ir contra esta direção, mostrando que a interação entre direção política e vontade

coletiva é necessária em um exercício hegemônico de Projeto Profissional. Tal

processo crítico entra em contradição com o conservadorismo da sociedade.

Esta interação aponta para uma democratização entre direção e base, e tem

condições de exercer um controle democrático sobre a direção de alguma forma,

pautando estratégias para uma direção maior, exercida através do PEP

Hegemônico. Há, portanto, uma direção maior que articula fatores objetivos e

subjetivos da categoria e que vai além de processos eleitorais de chapas. Não à toa

que o espectro ético-político está presente na profissão104.

Este processo mostra a prática social proposta no PEP, visto que a direção política

feita por executores que planejam gerem o projeto tem como base o arcabouço

teórico e estratégico do PEP. A capacidade de influência é o que mostra a força ou

não de um projeto e, visto as conquistas ocorridas para a profissão na vigência do

PEP hegemônico, com a construção do Código de Ética em 1993, a lei que

regulamenta a profissão, as diretrizes curriculares sob a direção da ABEPSS, além

dos avanços teórico-metodológicos, técnico-operativos e ético-políticos, a direção

empregada pelo PEP transcende uma direção eleita, o que coloca a questão que

para um projeto concorrente ao PEP não basta eleger uma direção de entidade para

que ele seja superado.

O espectro ético-político que compõe a simbiose entre direção política e entidade

também marca a categoria profissional desde o Movimento de Intenção de Ruptura.

Nele, é vista a consequência da interferência de fatores objetivos que construíram e

avançaram no subjetivo da categoria profissional na construção de sua formação e

proposta de prática. Foi durante o Movimento de Intenção de Ruptura que começou

104 O momento ético – político é explicitado no trabalho de Simionatto (2011).

98

a se gestar o PEP Hegemônico e naquele movimento a realidade era algo presente,

pois grandes lutas da década de 1980 refletiram diretamente na categoria, levando

a uma crise que contribuiu para o rompimento com o conservadorismo e a

burocracia na profissão.

As direções dos CRESS e do CFESS foram se modificando, tanto em grupos

políticos, quanto no perfil de direção das entidades, rompendo com o

conservadorismo construído na Ditadura Militar, ampliando a democracia interna dos

CRESS e do CFESS para a categoria profissional. As possibilidades democráticas

apresentadas nos CRESS, do CFESS e no PEP, não significam que a categoria não

possa discordar dos rumos da entidade – em eleições de direções, muitas vezes

concepções diferentes podem surgir sob a direção do mesmo Projeto Profissional.

Na base, o mesmo pode ocorrer. Independente de concordância entre direção e

base no projeto, práticas podem ser contestadas e até o uso de apropriações

indevidas do PEP, mediações táticas em processo de direção da entidade105.

No processo de relação de entidade com categoria, o fator da construção de um

novo ethos profissional: novas ética e concepção de profissão, o que interfere em

muitos casos não só no trabalhista, mas na própria visão de mundo do assistente

social. Este novo ethos só foi possível devido à relação direta que a profissão teve

nas lutas da década de 1980, em diversos movimentos reivindicativos que

culminaram em novas políticas públicas e sociais, na qual a maioria dos assistentes

105 “A concepção de pluralismo que está subjacente no sétimo princípio do código de ética é a do pluralismo como fenômeno social e político e não do pluralismo na construção do conhecimento (Coutinho, 1991). O primeiro corresponde à defesa de que todas as perspectivas políticas e teóricas presentes na profissão devem ter garantido o direito ao debate democrático nos espaços construídos coletivamente. Já o segundo refere-se ao processo de construção do conhecimento, o que se constitui num debate epistemológico. Entendo que a garantia da livre expressão de diferentes perspectivas não exclui a disputa entre elas pela hegemonia quanto à direção social do projeto profissional, portanto, defendo a concepção do pluralismo com hegemonia. “Nosso pluralismo não é o pluralismo liberal, mas o pluralismo com hegemonia, que se fundamenta no respeito à democracia, à liberdade, aos direitos humanos, recusando todas as formas de preconceito e orientado para a emancipação dos indivíduos sociais” (Iamamoto, 2004, p.109). Neste sentido, o código deve ser uma referência no debate teórico para “a consolidação deste projeto profissional no âmbito da disputa com outros projetos, respeitando-se, nesta disputa, a diversidade e o pluralismo. No entanto, ao defender a convivência plural, o Código de ética coloca-a num campo definido: o respeito a todas as expressões profissionais, sociais e culturais que sejam democráticas e busquem a ampliação da liberdade, enquanto valor ético central". Ramos (2005, rodapé 107)

99

sociais está diretamente relacionada, e que se estende até o momento presente,

com lutas de resistência dos movimentos, para manter as conquistas em fases

diferentes.

Esta nova consciência não é uniforme e nem homogênea. Nem todo assistente

social é politizado ou até minimamente comprometido com os interesses e defesa

dos direitos dos usuários. Existem conservadores, conscientes ou não conscientes,

sendo estes últimos tendo como característica marcante o senso comum

exacerbado, adquirido da sociedade burguesa. Contradições a parte, é marcante a

influência deste ethos na construção teórica de propostas de prática para a

profissão.

Para que isso fosse possível, a profissão teve relação direta com as lutas sociais da

década de 1980, promovendo radical mudança. O trabalho gestado através da nova

concepção profissional também foi essencial para esta conquista. Para o PEP,

contribuiu para a construção de uma nova cultura profissional. Até esta década, a

cultura da categoria profissional tinha passado por fases conservadoras, desde sua

gênese até a Modernização Conservadora.

Isso rebateu nas entidades representativas da categoria profissional106, o conjunto

CFESS/CRESS tinha forte formalismo, além de um entendimento de questões

relacionadas a fiscalização do exercício profissional, uma concepção policialesca e

mais coercitiva que educativa. Direções conservadoras restringiam o espaço do

CRESS a uma autarquia restrita. Com a retomada das lutas em 1980 e com a

evolução do Movimento de Intenção de Ruptura, tais questões sofreram mudanças.

De uma entidade fechada, burocrática, formalista e policialesca, o espaço do

CRESS abriu as portas para a categoria, deixando de ser formalista e tratando

questões da atualidade, transcendendo os limites impostos da Autarquia Especial,

sem perder de vista a questão da profissão em cada espaço ocupado que antes não

ocupava.

Além disso, no que diz respeito à ética, a concepção de hegemonia está presente,

pois são privilegiadas ações educativas de fiscalização do exercício profissional e a

106 Aprofundamos tal debate em Fernandes (2004).

100

coerção acaba sendo usada em casos de medidas extremas como faltas graves

relativas à ética107.

Dentro desta nova cultura, espaços democráticos foram abertos, como no

emblemático caso dos projetos de nucleação, que fortalecem a inserção propositiva

e orgânica dos assistentes sociais e o CRESS nas diversas políticas sociais e

públicas que atuam promovendo a cultura de parceria com movimentos sociais de

diversas temáticas108.

Outra prática social ampliada foi o debate com viés coletivo: o hábito de promover

seminários, debates temáticos, encontros nacionais e estaduais, simpósios, entre

outros, demonstra a possibilidade de vivenciar um direcionamento de novas

possibilidades no cotidiano dos assistentes sociais. A partir deste acúmulo de

articulações que estes espaços se tornam privilegiados para a categoria

profissional. Além disso, temos o tradicional CBAS, marco desta virada e

transformação da categoria profissional, inaugurado em 1979.

O espaço dos Encontros Nacionais e Descentralizados delibera o destino da

categoria profissional, em suas concepções profissionais e normativas jurídico-

institucionais. A participação da categoria é aberta para que consiga se organizar

através da eleição de delegados, formando uma delegação paritária à direção.

Algumas polêmicas rondam o debate. A fraca divulgação dos encontros, suas

metodologias, métodos, objetivos encaminhamentos109, é perceptível a falta de tato

para muitos em encontros dessa espécie – até para entendimentos básicos de

funcionamento no tocante aos debates e deliberações em grupos de trabalho e

plenárias.

Quanto à eleição de delegados, a situação é um pouco pior, pois muitos vão às

assembleias e tem dificuldades de entender a dinâmica, cuja eleição é um pouco

107 Para o debate da hegemonia recomendamos Gramsci (1982) e hegemonia e serviço social o debate de Fernandes (2004), Ramos (2005) e consulta no artigo 24 do código de ética dos assistentes sociais. 108 Temos hoje o exemplo da perspectiva da possibilidade de construir nucleações temáticas no sentido de elevar o debate e atuação política da categoria profissional junto às organizações de base que são os CRESS. 109 O autor participou dos Encontros Nacionais e Descentralizados em 2011 e 2012, presença confirmada em lista do Conjunto CFESS/CRESS.

101

confusa, visto que cada delegado se apresenta individualmente e depois, em uma

lista de doze nomes, cada pessoa vota e os mais votados viram delegados. Tal

prática é confusa e pode favorecer de forma exacerbada a direção, inibindo um

protagonismo básico da base110.

Nunca é demais lembrar que os delegados eleitos têm independência. Eles podem

concordar ou discordar da direção, e cobrar coerência e esforço para não ser um

delegado isolado agindo prematuramente, sem antes um debate coletivo, que não

passe por cima de deliberações de assembleias etc. Mesmo assim, ele tem

independência. Nos encontros, há propostas novas, modificações e outras questões

que transcendem as assembléias nos Estados. Este delegado pode, mesmo

discordando da direção, encontrar pontos de consenso, mas se não tiver acordo,

deve deixar claros seus contrapontos e ser respeitado em meio ao debate.

A delegação pode não ter uma proposta unitária, pois o mesmo PEP pode ter

concepções e práticas divergentes. Espera-se uma construção maior de consensos,

inclusive com divergências, de forma democrática e política, usando a

independência deste delegado não para simplesmente dividir delegações, mas sim

fortalecê-las e aceitar aquilo que não está apenas nas decisões e posições da

direção da entidade.

Há uma necessidade, mesmo que percebida empiricamente, de aperfeiçoamento

nos métodos e metodologias utilizados, que vise facilitar a apropriação por parte da

categoria profissional, que melhore a divulgação das deliberações e funcionamento

destes encontros, além de uma maneira menos individualizada para as eleições de

delegados. Porém, tais desafios são parte do cotidiano da categoria e construção

permanente desta nova cultura. O espaço foi e é aberto, e por estar em movimento

acabam aparecendo questões para aperfeiçoamento, para que a democracia interna

não corra riscos e de fato o PEP Hegemônico seja praticado no Conjunto

CFESS/CRESS.

110 O autor participou das Assembléias Gerais do CRESS-SP em 2010, 2011, 2012 e 2013, presença confirmada em lista do CRESS-SP.

102

Dessa forma, a nova cultura tem como proposta a construção de uma direção

compartilhada e coletiva, a fim de superar paradigmas que envolvem o legalismo de

uma Autarquia Especial, como são o CRESS e o CFESS, de enfrentar o senso

comum conservador que permeia a sociedade capitalista, de conseguir construir um

projeto formado através de um processo educativo e de simbiose real entre

vanguarda da categoria e base.

103

2.4 O Conjunto CFESS/CRESS e a Vontade Coletiva

Quando hegemonia em Gramsci é debatida, um dos objetivos é desvendar a

questão do processo de formação da consciência política e social dos indivíduos e

como estes conseguem elevar ou rebaixar tal processo. Esta mediação ocorre no

sentido de descobrir o que pode levar pessoas a tomarem consciência da realidade

e se mobilizarem para uma possível transformação social. Quando o tema é

vontade coletiva, a objetivação do subjetivo é clara, dada a necessidade de

intervenção nas relações sociais. O processo de consciência não brota

espontaneamente. Há fatores determinantes para desencadear tal processo.

No caso do serviço social brasileiro, fatores objetivos contribuíram decisivamente

em fatores subjetivos. Historicamente, o Movimento Intenção de Ruptura teve como

processo de construção a união das lutas sociais dos anos 1980, que se

conectaram fortemente com a profissão. Nos anos 1980, a categoria profissional

tem como lócus privilegiado a atuação das políticas sociais, assistiu a sociedade

brasileira se organizar e lutar contra a Ditadura Militar e por melhores condições de

vida. Foi uma década de intenção organização política.

Fortes lutas sindicais e greves foram realizadas, o local de trabalho foi espaço

privilegiado para experiências e articulações. Greves contra o forte arrocho salarial

imposto por um governo ditatorial, e melhores condições de trabalho e vida, levando

em conta a penúria dos trabalhadores, além d o alto grau de exploração imposto

pela Autocracia Burguesa (NETTO, 2010), foram as pautas.

As lutas sindicais catalisaram uma vontade coletiva de outros segmentos,

especialmente em locais de estudo e trabalho, mostrando o lastro das relações

sociais de produção de forma evidente nos espaços de socialização ligados à vida

social produtiva dos trabalhadores.

Diferente do que tentam afirmar, os setores que hoje defendem a parceria com o capital, as intensas lutas no final da década de 70 não aconteceram exclusivamente no ABC paulista. Foram intensas e extensas greves que atingiram o país nas mais diversas categorias. (...) Lutavam contra a carestia, o arrocho salarial e as péssimas condições de trabalho. Em várias regiões e estados como São Paulo, Minas Gerais, Pernambuco, Rio Grande do Sul essas greves eram organizadas pelas oposições sindicais que além de enfrentar os patrões, a repressão da ditadura, enfrentaram também os pelegos colocados pela mão do governo nos sindicatos. A partir dessas lutas, em 1983 nasce a Central Única dos Trabalhadores (CUT), uma

104

central que em seus princípios defenderá a independência em relação aos patrões e governos, autonomia em relação aos partidos, organizada pela base na luta contra o capital e seu Estado. (Revista da Intersindical, nº4, Cadernos de debates)

Movimentos sociais ligados à questão da terra se reorganizam no Brasil na luta pela

Reforma Agrária. A UNE renasce e reinicia seu fortalecimento, organizando

secundaristas, universitários e movimentos sociais de diversas temáticas, que

tomam as ruas brasileiras unindo esforços por avanços nos direitos sociais. Neste

contexto, os assistentes sociais retomam o curso interrompido pelo Golpe de

1964111.

Ao calor destas lutas, os assistentes sociais brasileiros começam a se movimentar a

fim de debater e avançar na direção da superação do paradigma conservador

presente na profissão. O protagonismo sindical e intelectual foi importante para

categoria profissional, pois a formação profissional passa por mudanças, no sentido

de superar a modernização conservadora presente. Sindicalmente, os assistentes

sociais brasileiros começaram a montar associações e juntar forças com a classe

trabalhadora. Tal processo demonstra de ruptura e “crise” de consciência na

identidade profissional.

A categoria profissional tem como lócus privilegiado a atuação junto às políticas

sociais, espaço com contato direto com os usuários dos serviços, que em muitos

casos lutam para avanços nestas políticas sociais, como ocorreu fortemente na

década de 1980. Ou seja, os assistentes sociais que em determinado momento

tinham como projeto o conservadorismo e a negação da luta social dos trabalhos,

apegados às burocracias da Autocracia Burguesa, tem como combinação o contato

direto com a realidade social das lutas dos trabalhadores e a intervenção organizada

de setores da categoria profissional, mescla perfeita para enfrentar o projeto da

modernização conservadora e gerar uma “crise” de consciência no seio de diversos

setores da categoria profissional112. As próprias reivindicações populares eram

111 O debate da retomada democrática da categoria profissional podemos encontrar na transcrição dos debates promovidos em comemoração aos 30 anos do Congresso da Virada, evento realizado em São Paulo, na brochura feita pelo CFESS 2012 e em Fernandes (2004). 112 O debate das transformações sofridas pela categoria profissional tem como referencia para aprofundamento Netto (2010) e Iamamoto (1982).

105

incompatíveis com as propostas advindas das burocracias estatais e seus serviços

públicos.

A luta da organização política e as lutas sociais abriram novas possibilidades para a

profissão, com fator organizativo fundamental na luta pela própria democratização.

Na década de 1980, o Conjunto CFAS/CRAS – hoje CFESS/CRESS – teve as portas

abertas com a eleição de direções progressistas e com propostas de superação da

modernização conservadoras. Direções advindas de espaços de produção teórica,

acadêmicos e não acadêmicos, do movimento sindical e outros movimentos sociais.

Arma-se um intenso debate de produção teórica e de práticas profissionais,

questionando o histórico da categoria e estimulando polêmicas sobre entidades

representativas e espaços de produção teórica, como por exemplo, revistas e

periódicos. Um novo senso comum e um novo processo educativo começam a se

forjar na categoria profissional.

Este movimento histórico consagrado como “Intenção de Ruptura” se articulou na

década de 1980 com a organização política sob a liderança de setores, além da forte

influência das “avalanches” de lutas sociais da época, que maturaram em algo maior.

Para que estes “voos” maiores fossem dados, a organização política da categoria foi

fundamental, pois trincheiras representativas estavam sendo conquistadas por

setores progressistas na área estudantil, com a articulação da ENESSO na

academia, setores intelectuais como a ABEPSS, e na base da categoria profissional

com o conjunto CFESS/CRESS.

Tal articulação não se dá apenas através do processo de lutas sociais. Foi

necessário uma nova construção com arcabouço jurídico-institucional. Em 1982,

havia um ensaio dessa construção com a adoção do Currículo Mínimo que, mesmo

com ecletismos113, representou um avanço ao dar espaço para outras posições em

construção.

Mas isto não seria suficiente. Em 1986, outro avanço significativo foi a construção e

promulgação de um novo código de ética, que superava o tecnicista criado em

1975114, e norteava estrategicamente para uma atuação profissional de cunho

113 Debate contido em Santos (2008). 114 Recomendamos Barroco (2012).

106

progressista e para posicionar lutas por avanços e resistência contra a regressão

social imposta pelo capitalismo.

Esta organização ganhou forte espaço em entidades representativas da categoria

profissional e de produção teórica. Trabalhos acadêmicos, artigos, debates e

formações sofreram uma reviravolta. No âmbito jurídico-institucional, novos avanços

surgiram. Um deles foi a promulgação de um novo Código de Ética, em 1993, que

aparou as arestas do criado em 1986, e a lei que regulamenta a profissão, também

de 1993.

Tal processo não ocorreu de forma linear e sem tensões. Para superar os desafios,

o processo organizativo, exaustivamente ressaltado, foi importantíssimo. Sem ele,

certamente a categoria profissional seria levada para uma euforia desorganizada

nas lutas sociais dos anos 1980 e o conservadorismo poderia ter feito apenas

concessões, mas continuaria hegemonicamente vigente.

Avançar para além do espontaneísmo foi o que garantiu o sucesso do projeto levado

a cabo pelos setores progressistas da categoria profissional. Para catalisar os

esforços de 1980, recorreram à construção do PEP hegemônico, processo de

garantia de apoio da base, além de um processo de consciência construído no

senso comum específico da categoria profissional.

Quando se fala em senso comum específico, a intenção não é fragmentar, mas

ressaltar a contribuição do que representou a nova fase da categoria profissional no

processo de luta contra o senso comum conservador da sociedade burguesa,

começando pela própria classe. A elevação da consciência de setores contribuiu

para o começo da desconstrução do legado conservador da profissão, tida

historicamente como controladora e disciplinadora da força de trabalho na sociedade

burguesa115.

Se a “fama” era disciplinar a força de trabalho na sociedade burguesa, o processo

de aproximação da classe trabalhadora, em especial os setores organizados e em

115 Iamamoto (2008).

107

luta, foi um processo de construção que apenas na prática social, em especial das

entidades representativas da categoria, foi promovido.

Para avançar no processo organizativo, ter aderência de boa parte da categoria

profissional com propostas advindas do projeto em que se construía o fator

movimento, a mobilização da categoria teve que ocorrer em um Projeto Profissional

em construção, que se propõe a ser hegemônico em uma categoria profissional e se

colocar contra-hegemônico na sociedade burguesa, fatores subjetivos que precisam

de preparo e estarem razoavelmente avançados para que tal projeto se coloque

como opção.

Uma vontade coletiva tem que ser aguçada e organizada para o direcionamento da

construção de um projeto que tenha relativa base social e atenda aos chamados e

tarefas de um processo de direção construído no projeto que se leva a cabo. Esta

vontade coletiva (MACHIOCHI, 1987), precisa de um fator que mobilize e transforme

o senso comum, motivos que tenham um centro catalisador que organize,

sistematize e encaminhe tais anseios.

Para que isso ocorra, a proposta de organização tem que ser materializada, tendo

algo superior que forneça orientação e direcionamento necessário para a

intervenção nestes espaços da sociedade civil. Nestas questões, o debate do

intelectual orgânico é pertinente e ajuda a compreender a intervenção organizativa

da vontade coletiva no conjunto CFESS/CRESS.

Para Gramsci, o intelectual orgânico cumpre a função de formador de opinião e

ajuda na construção do senso comum dentro da sociedade, seja de forma

consciente ou inconsciente. Quando é inconsciente, este intelectual cumpre papel

técnico e gerenciador, legado ao trabalho, dando direção técnica a certo espaço e

encaminhando o moral e a cultura adotados no espaço, uma continuidade que

justifica a dominação burguesa na sociedade de classes.

Quando consciente este intelectual orgânico pode estar em diversas funções na

sociedade burguesa e em espaços diversificados, compartilhando com ideias da

burguesia, fantasiando a realidade e a busca do sucesso, contribuindo para a

construção do senso comum na sociedade de classes, impregnado a realidade com

ideologia e fantasias fetichistas.

108

Este que tem consciência da sociedade burguesa é um quadro que ultrapassa

aquele que cumpre papel conservador sem ter a consciência que faz isso. O

intelectual orgânico consciente não está sozinho no espaço da execução da

ideologia e disseminação do senso comum, mas está também na elaboração,

planejamento e gestão da ideologia em defesa da manutenção da hegemonia

burguesa na sociedade de classes116.

Gramsci aborda em todo seu debate a luta de classes e suas mediações. Neste

espectro, aborda o papel do intelectual do proletariado. É neste quesito que

Intelectual Orgânico se interliga com o debate do Partido Político. De forma

simplificada, para Gramsci o Partido Político é o “novo Príncipe”, baseado em seus

estudos na questão nacional da Itália, em que o Partido é o Intelectual Orgânico das

classes subalternas. É possível afirmar que Gramsci carrega a importância do

Partido nos debates que, naquele momento, eram feitos no seio do marxismo, com

as contribuições de Lênin em “O que fazer”.

Gramsci destaca o papel do intelectual na sociedade como aquele que influencia e

constrói a opinião pública, e que também formula concepções para a construção e

movimentação da sociedade. Neste sentido, o Partido Revolucionário é um

“intelectual”, mas na verdade o que ele direciona é que membros sejam intelectuais

orgânicos de classes subalternas.

Logo, são eles que correm de encontro à práxis para atuar e intervir na sociedade

burguesa, em lutas sociais, em espaços de sociabilidade, local de trabalho, moradia,

estudo, entre outros. Nesta práxis, devem contrapor a ideologia burguesa e seu

senso comum, o desconstruindo para a construção de um novo, a fim de elevar a

consciência de classe para organizar as classes subalternas e avançar nas lutas,

tendo como estratégia a emancipação humana.

Gruppi (1978) afirma que:

Essa colocação histórica de Maquiavel permite superar as discussões bizantinas sobre o maquiavelismo. O que me interessa destacar é que o moderno Príncipe é para Gramsci um unificador, um grande reformador intelectual e moral. Maquiavel tinha em mente um reformador desse tipo; mas, em sua época ele não pode existir. Na

116 Portelli (1987).

109

nossa época, tal reformador é o partido. O Príncipe de Maquiavel, segundo Gramsci, não é um simples individuo; é, na realidade, expressão de um processo coletivo, de uma vontade coletiva dirigida para um determinado fim político. (...) Hoje é o partido que cria uma vontade coletiva; o partido é a primeira célula onde se contêm estes germes de vontade coletiva que tendem a se tornarem universais e totais, no sentido de que o partido já existe uma visão total da sociedade, daquilo que deve ser seu desenvolvimento, e já existe, portanto, uma visão daquela que deverá ser a sociedade de amanhã, ou seja, que tem a visão total dela e antecipa suas características.

Porém, nem todos que aderem às lutas sociais são do partido e nem todos

pertencentes a movimentos de luta são do partido. E como muitos são protagonistas,

às vezes até lideranças neste processo, surge o debate se estes são ou não

intelectuais orgânicos.

Lênin aborda, em “O que Fazer”, que um dos problemas da organização dos

trabalhadores na luta por emancipação é o espontaneísmo, e que os trabalhadores

na resistência meramente econômica sempre se colocaram na luta, mesmo sem

organização e concepção de mundo maior. A teoria e intervenção da organização

revolucionou o Partido. Vem de fora e levanta como novidade o debate econômico e

o político117. Através de lutas específicas, a classe operária poderia acumular forças

para lutas gerais e maiores, contra a burguesia e o próprio capital. Como se dá o

debate na questão da intervenção? Como se relacionam as organizações

autônomas dos trabalhadores com o Partido?

Gramsci havia se defrontado com isso em sua experiência com os Conselhos de

Fábrica, organizados pelos operários de Turim. Para ele, estes Conselhos eram o

embrião revolucionário da auto-organizarão dos trabalhadores, como foram os

sovietes na Rússia.

Outra polêmica é o debate de Rosa Luxemburgo118 e Lênin sobre a questão do

centralismo democrático e a intervenção do partido no movimento dos trabalhadores.

Lênin coloca a questão do espontaneísmo, e Rosa a questão de certo risco do

partido se colocar de forma autoritária nas organizações dos trabalhadores,

aparelhando o movimento. Apesar das divergências, os dois tinham razão, e

117 Gruppi (1978) e Lênin (1979). 118 Luxemburgo (1990).

110

precisavam encontrar uma mediação para intervir em movimentos dos trabalhadores

na questão do espontâneo versus espontaneísmo.

Gramsci também se preocupa com este debate e isso tem relação com o intelectual

orgânico. De alguma forma, todos concordam que o partido é importante

operacionalizador político e de organização para a luta social. Um nó se desenlaça

quando Gramsci não discorda totalmente de Rosa Luxemburgo, aceitando suas

ponderações, mas preferindo Lênin ao aprofundar a concepção de partido.

Rosa coloca a questão de supervalorizar apenas o partido, desprezando

movimentos espontâneos dos trabalhadores, e Gramsci pondera sobre não

superestimar o papel do partido, pois é ele que orienta seus militantes e influencia

diversos não militantes do partido a seguir esta orientação, também marxista.

Para os não militantes, o marxismo não se apresenta como tal necessariamente.

Por vezes, se mostra em processos e pautas de trabalhadores. Pela concepção de

Gramsci, o movimento da realidade interveio com uma estratégia socialista, que

deve estar sobre orientação direta ou indireta do partido, tendo o marxismo como

luz de intervenção, mesmo que para alguns ele não se apresente com tal.

Trazendo Gramsci para a atual realidade é possível traduzi-lo sem ser mecanicista

quanto a questão organizativa na luta social. Estar sobre orientação do marxismo, de

forma sozinha e individual, é insuficiente para se tornar um intelectual orgânico, mas

estar sob a forma direta e indireta, sim. Apesar dessa conjuntura, não é fácil realizar

este debate atualmente, pois existem diversas organizações marxistas e muitas

pessoas marxistas.

Neste sentido, os membros da organização marxista e suas áreas de influência,

devem estar organizados, pois os desorganizados são dirigidos pelos organizados,

ou os desorganizados não dirigem politicamente de fato um espaço de intervenção

da realidade. Logo, o intelectual orgânico é aquele que está organizado

preterivelmente e também aquele que está sob a área de influência da organização

marxista, e em “seus braços mais longos e distantes”, o marxismo e a orientação

direta ou indireta para direcionar diversos espaços da sociedade onde há

contradições e intervenção dos trabalhadores em reivindicações.

111

Vale uma reflexão da relação CFESS/CRESS das pessoas que intervém em seu

processo de direção. Se quem intervém faz isso de forma voluntária, negando a

organização ou não fazendo esforços para organizar-se, este não é um intelectual

orgânico ou são intelectuais orgânicos da burguesia. Tendem a ficar no extremo da

legalidade da Autarquia Especial e apenas se preocuparem com as tarefas

burocráticas e administrativas. Há uma diferença entre partido e organizações da

sociedade civil119. O partido é um operacionalizador da organização e fornece a

orientação da classe trabalhadora para a luta social, já as organizações autônomas

com pautas específicas são instrumentos de luta para intervenção direta na

realidade120.

Logo, a intervenção no Conjunto CFESS/CRESS sobre os intelectuais orgânicos, ou

seja, a vanguarda da categoria profissional eleva o patamar de intervenção e

organização marxista – o Partido Revolucionário ou, no caso do Brasil, os partidos –

a influencia direta e indiretamente atuadores no processo de direção do espaço da

concepção geral sobre marxismo ou com grande influência sobre ele (quando a

pessoa estiver em processo de formação avançado).

Neste momento, a vontade coletiva se entrelaça com a construção orgânica das

entidades da categoria profissional, em especial o Conjunto CFESS/CRESS, para

um processo de construção e manutenção de uma hegemonia. A vontade coletiva

possibilita a manifestação organizada de um projeto. A teoria vem de fora121, ou seja,

há um processo de intervenção feita por quem pauta algum projeto. Isso não

significa um “vanguardismo”, mas um reconhecimento da realidade concreta na

sociedade capitalista.

Quem detém a hegemonia é a burguesia, logo o senso comum construído é o

capitalista e, nas fissuras das contradições deste sistema, alguns conseguem

aprender outras possibilidades que não as oferecidas pelo capital a fim de disputar a

construção do que absorveram entrando em choque com a sociedade burguesa e

119 Simionatto (2011). 120 Debate da aproximação do debate de Gramsci e Lênin contido em Macciocchi (1997). 121 Lênin (1982).

112

disputando o senso comum construído por ela dentro da sociedade civil e seus

aparatos organizativos.

Nesta direção de disputa do senso comum e de outros aspectos da sociedade

burguesa, uma plataforma programática com intuito de pavimentar a vontade

coletiva para aderir a projetos propostos pelos intelectuais orgânicos do proletariado

é desenvolvida. A vontade coletiva deve combinar a prática com a teoria e sua

construção deve ocorrer por meios tradicionais, através de medidas inovadoras

exigidas em determinada época. Vontade coletiva pressupõe motivação, consciência

e atitude para pôr em prática o proposto.

No âmbito da categoria profissional, o instrumento organizativo mais próximo dos

assistentes sociais e que tem a intervenção de intelectuais orgânicos, pressupondo

a defesa do PEP, o Conjunto CFESS/CRESS é o articulador e organizador desta

vontade coletiva que se propõe a fazer o PEP acontecer. É o espaço catalisador, que

promove o momento-síntese (Granemann, 2012) que intervém com a finalidade de

elevar a consciência, organizar e mobilizar a categoria profissional.

Sendo assim, a vontade coletiva é um momento privilegiado que catalisa os frutos da

organização e consegue articular direção e base, compartilhando o processo de

direção, afastando concepções burocrático-administrativas e pavimentando avanços

na construção ético-política da classe trabalhadora e de suas frações.

113

2.5 O Transformismo dos Instrumentos de Organização e Luta dos

Trabalhadores e o Serviço Social Brasileiro

As organizações políticas construídas historicamente pelos trabalhadores tem um

forte legado na história do Brasil122. Antes mesmo do incremento oficial do

capitalismo no País, explorados já lutavam e se organizavam. Quilombolas em lutas

contra a escravidão são exemplos disso. Porém, foi no incremento do capitalismo

que o amadurecimento organizacional dos explorados brasileiros amadureceu. O

processo de industrialização no Brasil ganhou força no inicio do século 20, de forma

emergente, mas já presente no cenário econômico e social do mundo. Cidades

como São Paulo e Rio de Janeiro ganham destaque nesta industrialização.

Financiadas por um processo de acumulação advindo do latifúndio do café, estas

capitais formam um empresariado emergente que aplica seus lucros em

investimentos industriais123. Visto o processo histórico brasileiro, onde os escravos

foram “beneficiados” com a abolição da escravatura, ficando totalmente despojados

da terra e de outros meios de sobrevivência, a mão de obra que a burguesia do café

contratava advinha, em maioria, de imigrantes que saíram de suas terras em

decorrência da crise econômica na Europa, marcadamente a Itália. Não só europeus

vieram neste processo, japoneses, também imigraram em número considerável124.

A burguesia emergente tinha interesse neste tipo de força de trabalho, vantajosa

para a época, com processos contratuais fraudulentos, promessas não cumpridas na

imigração e a extrema baixa remuneração. Além do fator econômico, esta mão de

obra trazia consigo a experiência da industrialização, pois seus países de origem já

passavam por este fenômeno desde o século 19. Muitos foram para as lavouras

antes da industrialização, na maioria migrando de cidades do interior, em especial

São Paulo, e muitos imigrantes de outros países.

122 Onzai (1989) e Konder (2003). 123 Prado Junior (2003). 124 Recomendamos a consulta e a visita ao acervo do Memorial do Imigrante na cidade de São Paulo.

114

Estes imigrantes não tinham apenas especialidades técnicas, mas também

experiência em processos de lutas. Juntando os fatores nacionais de lutas anteriores

de trabalhadores “livres” e pobres, junto com os escravos, imigrantes completaram

fatores organizacionais que faltavam para estes processos que o antecederam. Foi

neste processo que surgiram os primeiros instrumentos organizativos de resistência

à exploração do capital no Brasil.

Estes instrumentos tiveram a emblemática formação dos primeiros sindicatos, sob

forte influência Anarco-Sindicalista. Diversas greves foram organizadas por motivos

econômicos e políticos no início do século 20, em especial a de 1910125, organizada

pelo movimento Anarco-Sindicalista. No Brasil, o salto orgânico veio em 1922, com a

influência da Revolução Russa de 1917. Foi fundado em Niterói, Rio de Janeiro, o

Partido Comunista do Brasil – PCB.

Este instrumento era muito utilizado pelos latifundiários e burguesia até então, mas

nunca pelos explorados. A partir de 1922, este operador político, intelectual orgânico

coletivo126, começa a ser um espaço de aglutinação da classe trabalhadora em suas

reivindicações imediatas, como era com o Anarco-Sindicalista e orienta

ideologicamente um projeto societário construído nos processos de lutas sociais, ou

seja, incidindo em instrumentos de intervenção nas lutas sociais, sendo o partido

instrumento organizador e sintético dos trabalhadores.

O PCB127 foi importante em vários momentos da historia do Brasil, com grande força

acumulada. Teve um forte protagonismo até a década de 1960. Influenciado e

organizado, o partido se mostrou eficiente na luta sindical e popular, pautando um

projeto societário diferente em cada etapa, em cada batalha. Até a década de 1960,

o PCB foi o principal partido organizador dos trabalhadores brasileiros, começando a

perder força após o Golpe de 1964, quando ocorreram fragmentações neste partido

e o surgimento de outras organizações, muitas insatisfeitas com a linha do PCB.

125 Konder (2003). 126 Gramsci (1990). 127 Debate referenciado no livro em forma de arquivo histórico, 90 anos do PCB (2012) pela Fundação Dinarco Reis.

115

Na ditadura militar, antes da resistência democrática, houve uma forte incidência de

guerrilhas rurais e urbanas no Brasil, experiência acumulada na história da luta de

classes no Brasil, organizada por partidos que em sua maioria eram dissidentes do

PCB e que devido à forte repressão acabaram sendo dizimados, com a morte,

desaparecimento e tortura de muitos quadros revolucionários, alguns soltos

postumamente, e muitos condenados ao exílio.

Uma das grandes polêmicas é que as organizações que saíram do PCB divergiam

com o chamado etapismo-democrático, estratégia de aliança progressista com a

burguesia nacional contra o latifúndio e o imperialismo. Era a ilusão da Revolução

Democrática Nacional (Revolução Burguesa) que o PCB tinha na época e acreditava

que sob a direção do proletariado, tal revolução poderia se converter em uma

Revolução Socialista depois de reformas democráticas.

Depois de 1978, uma forte resistência antiditadura articulou-se no Brasil, com grande

protagonismo do movimento operário e popular. Neste processo e experiências de

lutas, construíram-se fortes instrumentos de reorganização do movimento dos

trabalhadores. Tais instrumentos nascem com fortes críticas ao PCB e sua ideologia.

Na década de 1980, construíram-se instrumentos fortes e novos na cena da luta

social no Brasil, com destaque para PT, CUT e MST128. Estes três instrumentos

ganharam destaque, sendo a CUT um aglutinador de lutas sindicais, o MST um

organizador que retomou as lutas no campo, e o PT um partido que se colocava à

disposição da classe trabalhadora para ser seu “novo” intelectual orgânico.

Neste processo novo que o Brasil viveu, grandes lutas sociais ocorreram nos fins

das décadas de 1970 e 1980. Um legado importante foi promovido e organizações

políticas foram criadas. De forma avassaladora, o PT conquistou diversas bases no

movimento popular e sindical, e rapidamente se nacionalizou. A trajetória desta

organização é extremamente rica, contraditória e importante para a história dos

trabalhadores brasileiros. O PT foi a organização que exerceu grande influência na

sociedade civil.

128 Mais não só estes instrumentos foram construídos, porém visto a importância deles, por isso o destaque.

116

Das associações de bairro até o poderoso Sindicato dos Metalúrgicos, o PT ganhou

militantes ativos. A concepção do PT como projeto era diferente de organizações

anteriores. Era partido de tendências, ou seja, vários minipartidos que se

organizavam dentro do PT, disputando concepções129, e este partido acaba

enfrentando estes partidos menores. Existe aí a disputa de tendências hegemônicas

e minoritárias, sendo que todas eram representadas na direção proporcional.

A concepção hegemônica, desde o início da história do PT, é a estratégia

democrático-popular130, onde a via eleitoral era considerada acúmulo de forças para

a construção de uma democracia “participativa” e de massas, onde reformas

estruturais seriam feitas para transitar para um sistema justo e mais igualitário, o

socialismo, mesmo que este fosse defendido de forma menos direta.

Além disso, o partido tinha uma concepção diferente: se antes o partido era de

quadros131, agora era definido como de massas. Neste quesito, vale uma ressalva.

Os partidos de concepção leninista que se proclamam de quadros, não era negada a

massificação. A proposta era que isso fosse feito de forma quantitativa e qualitativa.

A diferença substancial do projeto democrático-popular e do etapismo-democrático é

que o primeiro coloca a aliança com os setores populares como primordial e o

segundo com a burguesia nacional.

O PT nasceu em 1980 sob a luz do processo de resistência antiditadura, com forte

protagonismo do movimento operário da época, e atraiu para organização

consideráveis setores intelectuais, operários, estudantes e diversos movimentos

populares. Estes movimentos operários organizaram o partido sobre influência

organizativa e, em 1983, a CUT foi fundada.

É inegável a forte influência do PT na CUT, mesmo que exista outros setores não

petistas no histórico da entidade. Outro instrumento de luta também nasceu nos 129 As tendências que se organizam dentro do PT estão disponíveis no site do partido. 130 “De acordo com Florestan Fernandes, a revolução democrática deve ser vista como um processo de transformação social que pode adquirir duas características: a negação da dependência, mediante uma revolução nacional; ou a negação da negação, que se materializa em uma revolução socialista”. Sampaio Junior (1997). 131 Recomendamos para aprofundamento que se acesse o site do PCB no item formação e consultar texto de Lênin (1979).

117

anos 1980. O MST e vários de seus quadros e lideranças são filiados e/ou militaram

pelo PT. Ou seja, a influência do PT foi forte e orgânica e estes militantes não só

eram quadros políticos, como levaram a concepção do partido para cada espaço que

intervieram.

Assim, o Projeto Democrático-Popular (PDP) se espalhou pelo movimento sindical e

popular no Brasil, tornou-se hegemônico em quase todos os movimentos de

resistência com conteúdo anticapitalista. Tendo como base a unidade entres os

setores populares da sociedade sem definir quais eram eles e tendo classes

combatidas pelas elites.

Com o histórico conservador de diversos setores da sociedade brasileira aliado à

herança da Ditadura Militar, o entulho da Guerra Fria ainda permanecia contra

organizações de esquerda revolucionárias e/ou reformistas. A paranoia reacionária

destes setores “entulhos”, a pecha de comunista muitas vezes coube ao PT, mesmo

sendo um partido com ideal socialista heterogêneo com dificuldades de definição.

O PT nasce sob a síntese da luta antiditadura, tendo como base fundamental os

movimentos operários e populares, movimentando fortemente a cena política

brasileira. Para não cometer injustiças, outras organizações políticas e progressistas

também participaram e influenciaram este período, entre eles o emblemático Leonel

Brizola e o PDT, o próprio PCB, nesta época fortemente revisionista e infestado de

anticomunistas132, o PSB sob a liderança de Miguel Arraes, o PC do B com a

liderança de João Amazonas e em pedaços devido à guerrilha do Araguaia, entre

outras organizações, algumas pequenas e outras maiores, algumas na luta pelo

registro eleitoral e outras não colocando esta meta naquele momento. De volta ao

momento histórico analisado, a esquerda brasileira que é o PT se tornou

hegemônica.

Com a hegemonia de um novo intelectual orgânico coletivo, a década de 1980 foi

recheada de lutas. A síntese destas lutas foi conquistar espaços institucionais do

Projeto Democrático-Popular, primeiro no parlamento e depois em algumas

prefeituras. Pode-se dizer também que se não fosse a atuação dos movimentos 132 Recomendamos o vídeo http://www.youtube.com/watch?v=QoQEly_K44c, 10º Congresso do PCB, 1992.

118

sociais e sindicais dos anos 1980, as concessões feitas pelas elites não teriam sido

para além do que gostariam que fosse133.

Mesmo com a derrota no parlamento, ainda sob a batuta da Ditadura Militar, no qual

a “Emenda Dante de Oliveiras”, que previa eleições diretas no Brasil em todas as

esferas, não foi aprovada, a forte pressão dos movimentos populares atingiu o

compromisso de construir uma Assembléia Constituinte no Brasil e escrever uma

nova Constituição. A eleição para a Constituinte ocorreu em 1986 e muitos

deputados do campo democrático-popular foram eleitos.

A síntese de lutas sociais foi escrita em artigos e parágrafos da nova Constituição

Federal, um novo pacto social onde elites tiveram que ceder e conquistas

importantes foram pautadas. A Constituição Federal foi promulgada em 1988 e

conquistas no campo da seguridade social, direitos sociais, trabalhistas,

econômicos, culturais, civis e políticos aconteceram. Muitos autores colocam que o

Brasil foi de contramão mundial, visto que o neoliberalismo já era realidade em

diversos países e a retirada de direitos era uma constante. A Constituição Federal

brasileira foi um misto de concepções ortodoxas do liberalismo e moderadas da

social democracia.

Nesta conjuntura de importante movimentação no cenário político brasileiro, o

serviço social também sofreu transformações no enfrentamento ao conservadorismo,

com protagonismo de movimento sindical, intelectuais, estudantes e outros setores

profissionais de movimentos diversos. De forma organizada, a transformação

começou a ser gestada no Movimento Intenção de Ruptura. Mas esta organização,

feita com instrumentos de intervenção na realidade, sindicatos, associações

profissionais, de produção de pesquisa, movimento estudantil e outros, teve como

importante papel formulador a estratégia do Projeto Democrático-Popular como

horizonte orientador.

133 Porém há lugares mais retrógrados, como é o caso do Chile, que até hoje ainda a Constituição Federal ainda é da época da Ditadura Civil – Militar, recomendamos para aprofundamento o filme No, 2012.

119

Ao longo da década de 1980, os embates no plano da organização da categoria estiveram estreitamente vinculados aos esforços petistas para consolidar o que seria o novo sindicalismo (Abramides e Cabral, 1995), assim como os processos do associativismo docente, no marco acadêmico, conectaram-se as lutas, com forte presença petista, do que derivaria a vitalização das ADs. Também as iniciativas de renovação curricular, conduzidas pela então ABESS, em grande medida sintonizavam-se com o movimento social e política que tinha o PT centro de uma pretensa nova esquerda. (Netto, Revista Serviço Social e Sociedade, Cortez nº 79, 2004)

O serviço social brasileiro sofreu modificações na década de 1980 e o contato com o

Projeto Democrático-Popular também ocorreu. Este projeto contribuiu para

transformar a profissão de serviço social. Tal fato se comprova através da análise

dos históricos de associações sindicais e a filiação destas à CUT. Além disso, como

disse Netto (2004, Revista Serviço Social e Sociedade, Cortez nº 79, 2004), vários

quadros que compuseram a vanguarda da categoria profissional foram militantes do

PT.

Com essas modificações organizacionais e influências, não só do Projeto

Democrático-Popular, mas de outras fontes advindas do marxismo e correntes

democráticas, a categoria profissional amadureceu política e teoricamente. Da luz

das lutas sociais da década de 1980 e das transformações ocorridas na profissão

até a categoria profissional construiu o PEP. O projeto enfrentou dificuldades em

1990 e desde a promulgação da Constituição de 1988, as elites nacionais

começaram a minar concessões feitas na “Carta Magna” além de o neoliberalismo

ganhar força no Brasil.

Governos de Collor, Itamar Franco e principalmente Fernando Henrique Cardoso:

todos foram neoliberais. A desregulamentação da economia, privatizações e cortes

de gastos na área social marcaram a época. Trabalhadores sofreram retiradas e

diminuição de direitos. A luta social promoveu ações de resistência e o PT foi o

protagonista da oposição. Neste sentido, o PEP passava por dificuldades

encontrando um parceiro ideal para sua sobrevivência, o Projeto Democrático-

Popular, apregoado pelo PT e entidades como CUT e MST.

O que objetivamente ocorreu, nos anos noventa e no transito para a primeira década deste século, foi que os imperativos práticos – políticos do projeto profissional tinham o PT – na sua ação oposicionista e na sua retórica – um aliado fundamental. (Netto, Revista Serviço Social e Sociedade, Cortez, nº 79, 2004)

120

Este parceiro se reflete na composição da direção das entidades da categoria

profissional, como o Conjunto CFESS/CRESS, e de forma aberta ou fechada, o

Projeto Democrático-Popular estava posto nestas direções, algumas até ligadas

diretamente ao PT, mas não só a ele. Ou seja, não só o PEP é a hegemonia na

categoria; no âmbito societário a hegemonia se fazia presente do Projeto

Democrático-Popular também.

Como aponta José Paulo Netto, o PT foi a organização protagonista na resistência

antineoliberal na década de 1990. Naquele momento, entidades da categoria

estavam influenciadas danosamente. A partir de 1998, o PT começa a ensaiar um

discurso mais moderado nas eleições, acenando mudanças em sua composição

política134.

O aceno se confirma em 2002, com o desgaste do governo FHC, uma massa

desempregada fruto da onda neoliberal, uma inflação galopante e o patrimônio

nacional dilapidado pelas multinacionais nas privatizações. O anseio para mudanças

se tornou um clamor na sociedade brasileira e depois de quatro tentativas, Luiz

Inácio da Silva, o Lula, foi eleito Presidente da República.

A composição de alianças deste governo e o compromisso assumido junto ao

empresariado nacional135 mostrava que não seria uma administração com mesmo

propósito de antes, mesmo que de forma abstrata. Uma forte coalizão com partidos

burgueses foi formada e a necessidade de mudanças foi ignorada, opção

transformista136 assumida pelo PT e organizações aliadas, em especial a CUT.

Em 2003, uma forte decepção de setores progressistas e esquerda ocorreu com o

governo, a Reforma da Previdência Social, aprofundando a linha-dura da reforma

anterior feita por FHC. Nenhuma privatização foi revista e desfeita, pelo contrário,

novas privatizações surgiram em estradas e, recentemente, em aeroportos, portos e

o criminoso leilão de algumas bacias petrolíferas.

134 Netto (Revista Inscrita, CFESS, nº 10, 2007). 135 Compromisso firmado já na chamada Carta aos Brasileiros. 136 Simionatto (2011).

121

No âmbito das políticas sociais, a opção foi continuar pelas políticas

compensatórias, sendo que a diferença do governo de FHC para o governo do PT é

que este ampliou a política social focalista, aparentando uma ampliação na proteção

social brasileira, que de forma alguma suavizou os índices sociais catastróficos do

Brasil, mas não os superou e nem demonstrou estruturalmente uma direção para a

superação.

Nos movimentos sociais, diversos se mostraram amarrados com o governo e

aceitando as “migalhas” oferecidas pelo governo Democrático-Popular. A reforma

agrária não caminhou e o agronegócio no Brasil se aprofundou, atrelado ao setor

primário, tornando-se parâmetro para a balança comercial brasileira137. Mesmo

assim, até o MST tinha forte combatividade e respeito de setores da esquerda

brasileira, mas começou a suavizar o discurso e a reduzir suas lutas.

O método é o “negocial”, em que o lado mais fraco tende a ter menos concessões,

se tornou regra do governo, para evitar o aprofundamento das lutas sociais no país e

possíveis desgastes com tal constrangimento. Sendo assim, como ressalta Netto

(Revista Inscrita, CFESS, nº 10, 2007), uma nova conjuntura se abriu no Brasil. Ela

não muda as estruturas e nem se coloca à disposição de, pelo menos, promover

alguma reforma estrutural para acumular forças em um sentido de transformação

social da realidade brasileira.

De maneira “light” e camuflada, criou-se um continuísmo do governo do PT em

relação ao do FHC. A novidade é que a forma de governar teve que se alterar um

projeto em que as medidas se justificassem. Nesse sentido, a categoria profissional

dos assistentes sociais e suas representações em entidades recebem nova inserção

e desafios. O PEP sofreu influências do campo progressista, em especial do

marxismo. Dentro deste campo, o Projeto Democrático-Popular também faz parte do

rol de influências.

Como Netto (Revista Serviço Social e Sociedade, Cortez, nº 79, 2004) afirmou parte

da categoria profissional que participou e participa das direções orgânicas da

137 Revista da Intersindical, Cadernos de Debate, 2012.

122

categoria se vinculou ou até hoje se vincula a tal projeto e estratégia política. Se em

certo momento histórico, a categoria profissional optou como aliado estratégico o

Projeto Democrático-Popular e ao que estava vinculado a ele, que são as

organizações políticas, sendo que a década de 1980 foi de ascensão e luta e a de

1990 de resistência.

Na atualidade, quando organizações que ascenderam ao poder central têm como

instrumento este projeto, a categoria terá que fazer sua escolha, baseada em sua

hegemonia. Inegavelmente, até pela produção bibliográfica, setores importantes da

categoria profissional já elevaram a crítica a uma nova conjuntura. Porém, no

CFESS/ CRESS, onde há uma centralização do CFESS que depende dos CRESS e

uma heterogeneidade nas organizações políticas brasileiras que certamente atuam

nos espaços das entidades da categoria profissional (e deveria ser menos velado), a

questão do direcionamento tomado deve ser explícita.

Neste sentido, vale problematizar a questão dos projetos. Atualmente, há setores138

ligados ao PT ou próximos que debatem que o Projeto Democrático-Popular e o

governo que ele representa está em disputa. Há setores139 que ainda acrescentam

que, na verdade, tal projeto não foi verdadeiramente aplicado na prática. Neste

debate, também há setores da esquerda, chamada por muitos de socialista e

comunista, que defendem a superação do Projeto Democrático-Popular e que este é

reformista140. Existem os defendem que o projeto se transformou em outro diferente.

Neste campo político, a concordância é que hoje o governo e o projeto vigente é o

da chamada conciliação de classes.

Se as políticas sociais compensatórias e focalistas foram ampliadas e logo

suavizaram os catastróficos índices sociais brasileiros, mas não se propuseram a

superar estruturalmente tais problemas, a verdade é que estas acabam sendo um

eficiente instrumento da conciliação de classes, pois servem como um “colchão” da

luta de classes, diminuindo e escamoteando conflitos.

138 Tal perspectiva é defendida pela tendência do PT, Articulação de Esquerda. 139 Há setores inclusive da chamada oposição de esquerda que defendem tal tese, como tendências ligadas do Deputado Ivan Valente do PSOL. 140 Tese defendida pela corrente do movimento sindical Ação Sindical Socialista – ASS.

123

A defesa da segunda tese da conciliação de classes refuta a primeira. A segunda

considera que não há governo em disputa, pois tem claro projeto e direcionamento.

Tanto é que diversas tendências de esquerda foram expulsas do PT141 ou isoladas

dentro do partido. Outra questão é a séria relação do governo com o grande capital e

o agronegócio a pouca atenção dada às reivindicações dos movimentos sociais e

sindicais142.

Dentro deste debate, podemos encontrar a questão de que o Projeto Democrático-

Popular sempre foi reformista ou se ele se transformou. Se considerarmos a primeira

opção, há uma incoerência. Diagnosticado como reformista, por que atraiu quase

todas as forças de esquerda em torno dele, de diversas tendências. Visto o tempo

histórico, quando há condições para melhores análises, a esquerda já esteve em

disputa, visto que o socialismo nele era pouco citado e muito menos definido.

Isso não significa que o governo simplesmente esteja em disputa, mas em um

projeto histórico, tendo como detalhe que ele sozinho e com seus moldes originais,

tomados pelos setores de esquerda, não era suficiente, pois queriam avançar, fazer

modificações, o transformando em estratégia socialista de luta pela revolução

brasileira.

O Projeto Democrático-Popular sofreu um transformismo143 em que elementos

progressistas presentes poderiam avançar até uma estratégia socialista que

naufragou e foi engolido pela ordem burguesa. O campo vitorioso foi o reformista,

incluindo o reformismo moderado, aderente a uma proposta de conciliação de

classes. Por sua vez, os setores que defendiam uma estratégia socialista para a

revolução brasileira, hoje tentam se reorganizar e criar corpo para a atuação

revolucionária na luta social.

Feito um paralelo histórico, o projeto do PCB no passado, o Etapismo-Democrático e

o Projeto Democrático-Popular se diferenciava dele, sem a ilusão de aliança com a

141 Caso emblemático da ex – militante de esquerda, hoje flertando seriamente com setores da direita brasileira, Heloisa Helena na época uma das fundadoras do PSOL. 142 Emblemática reivindicação até hoje não atendida é o fim do fator previdenciário. 143 Simionatto (2001).

124

burguesia nacional, hoje atua de forma “mutante” (na verdade transformista) e

setores que levam tal projeto não podem dizer que não há burguesia neste assunto.

É possível que exista uma reedição contemporânea do Etapismo-Democrático.

“Reedição” por traz do PDP, um liberalismo mutante com roupagem “progressista”,

mas que continua sendo no essencial o velho liberalismo, que no passado também

estava presente no Etapismo-Democrático. Para manter a coerência, a tese do

transformismo não erra ao retomar o verdadeiro Projeto Democrático-Popular, até

porque sua heterogeneidade. Não dá para se autoproclamar democrático-popular e

ter sido sempre este liberalismo camuflado.

A ilusão de reformas nos estreitos limites do capital estaria mantida e a conciliação

de classes seria o caminho natural de tal projeto, pois nele a armadilha estava

armada e a não definição clara por uma estratégia socialista e “democratismo”

acabaram por implodir tal estratégia de mediação na luta pela revolução brasileira.

Visto que a polêmica dos projetos foi suscitada, não estão desconexas com as

direções de entidades da categoria profissional e o PEP144. Se existe alguma

ameaça na hegemonia do PEP, está na combinação de elementos da conjuntura e

encaminhamentos dados às entidades da categoria.

Esta provocação é importante, visto que se dois campos reivindicam serem de

esquerda, tendo um a tese do governo em disputa e aderente à hegemonia da

conciliação de classes, setores estes liderados pelo PT, CUT, UNE na área

estudantil e boa parte do MST, há outros setores com tese de governo em disputa

como equivocada e se reorganiza por uma nova estratégia socialista da revolução

brasileira, setores como da Intersindical, partidos da chamada oposição de esquerda

com organizações com registro eleitoral e que participam da disputa eleitoral e

outras organizações que não tem registro eleitoral, mas atuam diariamente na

realidade das lutas sociais, que propõe uma superação do Projeto Democrático-

Popular. Sua pluralidade direcionada aponta discussões acaloradas sem a posse de

plena convicção.

144 Netto e Braz (Revista Inscrita, CFESS, nº 10, 2007).

125

A atual conjuntura coloca um desafio para categoria profissional e entidades, em

especial o conjunto CFESS/CRESS, com grande número de CRESS, seccionais e

Projetos de Nucleação145, saber até onde a presença do Projeto Democrático-

Popular146 ainda é presente, onde há direções sob sua orientação e qual o grau de

impacto dele na atualidade. Sem demagogia, é possível afirmar que a categoria é

influenciada e atua protagonizando o momento de ampliação das políticas sociais

focais e compensatórias, por exemplo. A proposta não é uma “caça às bruxas” dos

democráticos populares, mas o momento de situar a categoria. O PEP é original e

pode se desvencilhar daquilo que não acompanha mais. Não é a versão do Projeto

Democrático-Popular do serviço social brasileiro, como alguns podem supor de

forma vulgar e mecânica. O que um dia foi o parceiro ideal, hoje se tornou oposto e

não tem pontos comuns.

145 Debate contido em Fernandes (2004). 146 É emblemático que no final do ano de 2013 (Esta dissertação esta sendo produzida desde

2012) um Coletivo que hoje (2014) é Chapa para o pleito eleitoral do CRESS-SP lançou um manifesto,

se colocando como Campo “Democrático – Popular”, que neste caso não é uma simples terminologia

de lutas democráticas e populares, mas sim um Campo que denota um Projeto, o que fortalece

nossas ponderações a respeito sobre as influências do PDP e a questão dele visto o transformismo

que sofreu ser uma forte ameaça de rebaixamento do PEP: “No ano de 2004, em São Paulo, um

grupo de assistentes sociais do campo democrático - popular uniu-se para formatar uma chapa disposta a concorrer ao pleito eleitoral do Conjunto CFESS/CRESS. Desde esse momento, a proposta era a de aglutinar o maior número possível de profissionais no sentido de constituir um grupo ampliado, de onde sairia a chapa que concorreria às eleições e teria nos demais uma base de apoio à gestão e, também, um grupo de atuação política para além do CRESS-SP. Um dos princípios do grupo que se organizava era de construir estratégias de auto-organização deste coletivo de trabalhadores, combatendo-se inclusive a reprodução de estratégias e ações que existem nos espaços públicos e de representação, como o utilitarismo e o controle privado das suas estruturas. Neste processo, foi composta inicialmente uma Chapa que foi denominada de “Ampliações”. Desde então, em torno deste coletivo, mantivemos a militância no CRESS 9ª. Região/SP, com a perspectiva de ampliar a participação interna e externa, ou seja, com organicidade nas lutas sociais, com inserção em movimentos sociais e outros espaços coletivos com os quais tenhamos identificação política. Desde a criação do coletivo temos conseguido eleger direções do CRESS São Paulo a partir deste grupo de profissionais. Desde o início, também compõe esta articulação valorosos companheiros, individuais e coletivos, que não são assistentes sociais, com alinhamento político aos princípios, estratégias e ações que temos desenvolvido nas nossas lutas.

Temos a vontade política de contribuir para a efetivação do projeto ético político hegemonizado pela categoria e, com o objetivo de materializar este projeto, entendemos que é preciso garantir a direção política das entidades da categoria que historicamente vêm acumulando forças na contracorrente do ideário neoliberal e conservador, em tempos de desmonte do Estado e perda de direitos da classe trabalhadora”. (Manifesto Coletivo Ampliações 04/10/2013)

126

O que pode ocorrer é que setores notadamente ligados a organizações que sofreram

processos transformistas e que estão sob a orientação do Projeto Democrático-

Popular podem estar rebaixando o PEP e o assimilando de forma indevida.

Proclamar-se defensor do PEP não significa necessariamente defendê-lo. Como o

dito popular, “é aí que mora o perigo”. Exerce influência de forma contraditória em

um momento de conciliação de classes que enfrenta e defende o PEP, devem estar

sob a direção de entidades, em especial o Conjunto CFESS/CRESS.

O Projeto Democrático-Popular comandado por setores petistas147 e pessoas

veladamente petistas, não só deixaram de ser o parceiro ideal do PEP como se

colocam de forma oposta a ele. Abrem brechas para velhos setores tradicionalistas e

conservadores. As ameaças perpassam pelo transformismo sofrido pelas

organizações dos trabalhadores. É a relação deste transformismo que faz um projeto

avançado de outrora não ser mais o mesmo na atualidade. Rebaixa e se apropria

indevidamente do PEP ao seu modo particular de construir possibilidades

eternamente em disputa na conciliação de classes, tendo como acréscimo de risco

caricaturizar o PEP em uma “social democracia impotente” (Netto, Revista Inscrita,

CFESS, nº 10, 2007).

Cabe aos setores avançados e críticos do serviço social brasileiro investir em um

processo fortemente organizativo, se desvencilhar dos setores que rebaixam e se

apropriam de forma indevida do PEP, não caindo em ilusões e alianças que podem

enfraquecer e rebaixar estes próprios setores combativos, se colocando de lado

oposto do transformismo que ocorreu nas organizações dos trabalhadores que tem

como orientação a conciliação de classes e contribuir para o verdadeiro

fortalecimento do PEP e da reconstrução de propostas de setores que se colocam

na árdua tarefa de reconstruir uma estratégia de emancipação humana como

mediação na luta social no Brasil.

147 Debate contido em Netto (Revista Inscrita, CFESS, nº 10, 2007) e Netto (Revista Serviço Social e Sociedade, Cortez, nº 79, 2004).

127

Capítulo 3 - A pesquisa documental: apresentação e análise dos dados

3.1 Introdução

A análise é sobre a inserção histórica de entidades representativas do Serviço Social

brasileiro com foco no Conselho Federal de Serviço Social. Buscou assinalar seu

protagonismo no processo de luta pela hegemonia e na defesa de um projeto

profissional de caráter radicalmente democrático, aliado às lutas da classe

trabalhadora e dos setores subalternos da sociedade.

Ao pesquisar a trajetória do CFESS, foi constatado que essa hegemonia tem sido

conquistada através de diversos investimentos no conjunto CFESS/CRESS, que

ultrapassam as atribuições legais e caracterizam as funções atribuídas por Gramsci

ao processo de luta pela hegemonia: as funções organizativas, educativas, éticas e

políticas promovidas através de cursos de capacitação, participação em comissões

de direitos, criação de grupos de estudo, debates, atividades de mobilização política,

de denúncia ética, entre outras.

A visibilidade deste processo enriquece a análise deste trabalho, dando concretude

aos pressupostos teóricos citados. Acolhendo a sugestão da Banca de

Qualificação148, o objeto de pesquisa adotado foram os relatórios finais das gestões

do CFESS, de 1999 a 2011149, retratando nove anos do trabalho desenvolvido pela

entidade.

A metodologia utilizada para a análise buscou ser fiel à concepção de totalidade,

levando em conta a relação entre os relatórios, na medida em que estavam inseridos

num mesmo projeto, mas desenvolvidos em situações diferentes, apresentando

contradições e oferecendo a possibilidade de problematizações teóricas.

148 A banca da Qualificação foi composta pela Professora e Doutora Maria Lúcia Silva Barroco (PUC-SP), sendo esta a orientadora da pesquisa, a Professora e Doutora Maria Carmelita Yasbek (PUC-SP) e pelo professor e Doutor Maurílio Castro de Matos (UFRJ). 149 Infelizmente não conseguimos o Relatório Final da Gestão 2005 – 2008, solicitamos via correio eletrônico para o CFESS e tentamos pesquisa pela internet.

128

3.2 Conteúdo e Forma

Os relatórios finais de gestão do CFESS tem significado importante. Além de serem

documentos históricos e preservarem um legado, são importantes balanço político e

instrumentos de avaliações para balizar desafios, acertos, avanços, contradições e

até possíveis equívocos da categoria profissional. Documentos que desafiam a

análise de visões acerca dos projetos societários e grau organizativo atingido pela

entidade em seu conjunto na conquista de hegemonia.

Os três relatórios analisados – chamados aqui como A, B e C, foram produzidos

pelas seguintes gestões:

Brasil Mostra Tua Cara (1999 a 2002);

Trabalho, Direito e Democracia – A Gente faz um País ( 2002 a 2005)

Atitude Crítica Para Avançar na Luta (2008 a 2011).

Os relatórios têm por objetivo fazer um balanço das atividades desenvolvidas na

gestão de cada um dos eixos programáticos, em instâncias que respondem por

atribuições legais e tarefas administrativas. Em cada relatório, há uma síntese das

atividades realizadas pelos grupos de trabalho do conselho, inserida nas seguintes

comissões:

Seguridade social;

Relações internacionais;

Ética e direitos humanos;

Comunicação;

Formação Profissional;

Gestão administrativa/financeira;

Orientação/fiscalização.

Os relatórios se apresentam da seguinte forma:

Relatório A

129

Apresentação

Direção Social e Compromisso Ético-Político

Profissão, Capacitação e Lutas Sociais;

Ética em Movimento

Fiscalização Profissional e Capacitação

Trabalho, Direitos e Democracia: a resistência ao neoliberalismo

Democrática e Sustentabilidade

Estrutura de funcionamento e coordenações regionais

Democracia e Transparência na Gestão Administrativa e Financeira

Quem não se Comunica...

Relatório B

O relatório B não tem sumário nem divisão do conteúdo. O texto é intercalado com

citações, sugerindo relação com o tema tratado. Embora não tenha uma divisão

formal, é possível verificar que o texto descreve as atividades realizadas na seguinte

ordem:

Introdução geral

Fiscalização e Formação Profissional

Ética e Direitos Humanos

Seguridade

Relações Internacionais

Gestão Financeira

Comunicação

Relatório C

Apresentação

130

Compromissos Ético-Políticos e Defesa dos Direitos Humanos

A Luta em Defesa da Formação com Qualidade e do Trabalho com Direitos

O CFESS no Mundo

Participação e Lutas Sociais na Defesa dos Direitos

Gestão Democrática e Coletiva

Comunicação: um Campo de Atuação Política

A forma como os relatórios apresentam seus balanços revelam uma diferença no

tratamento dos eixos programáticos quanto ao seu conteúdo teórico e político, no

aprofundamento e ordenação em função da importância atribuída a cada um deles na

totalidade do trabalho. Nota-se que os relatórios A e C iniciam com avaliações sobre

ética e direitos humanos, enquanto o relatório B aborda fiscalização, o que aponta

sobre o papel de cada eixo dentro da totalidade do trabalho desenvolvido. Quanto ao

aprofundamento do conteúdo, uma diferença entre os três relatórios também é

observada.

O Relatório A se destaca pelo elevado nível de compreensão teórica e pelo nível de

politização. Dele, é possível extrair importantes questões relativas ao PEP hegemônico

e sua inserção na profissão, pois apresenta um balanço qualificado, nos difíceis tempos

de governo FHC.

O Relatório B difere qualitativamente do anterior. Pouco desenvolvido, torna o ângulo da

análise menor, em caráter descritivo, restringindo a relatar as atividades sem

contextualização histórica que dê suporte para um projeto mais amplo. É teoricamente

incipiente e com baixo nível de politização: confunde questões importantes e aponta

outras como se fossem progressistas, mas de forma confusa, revelando aspectos

legalistas e contraditórios. Retrata a conjuntura que demarcou a transição do governo

FHC para o governo Lula no Brasil, momento em que áreas diferentes da América

Latina se consolidavam em países como Venezuela e ventavam pela Bolívia e outros

países.

131

O Relatório C retoma a qualidade teórica e a politização que caracterizam o relatório A,

mas não o supera. Demonstra maturação em bandeiras consolidadas no conjunto

CFESS/CRESS, revela debates polêmicos e importantes.

As três gestões são do período do denominado pelo PEP hegemônico. Em tese,

defendem o mesmo projeto que foi construído desde as lutas sociais da década de

1980. Porém, isso não coloca as gestões em patamares lineares. Elas têm diferenças

no estilo da gestão e na forma de materializar o PEP. A partir da análise dos relatórios, é

entendido que a trajetória do PEP se faz com maior ou menor continuidade, com

pluralidade, divergências e convergências em seus debates e concepções.

3.3 Conjuntura e Concepções: Organização Política e Projetos

O Relatório A levanta importantes contribuições nos anos entre 1999 e 2002, em

relação ao projeto societário defendido e suas potencialidades de organização

política. A concepção de projeto é explicita no relatório A:

Estes três anos de gestão exigiram avaliações, reflexões, debates e posicionamentos diversos do Conjunto Cfess-Cress, face aos diferentes momentos da complexa conjuntura pela qual vem passando o Brasil, desde o último ano do governo FHC, até o governo Lula, incluído o histórico processo eleitoral de outubro de 2002. Não se trata de imaginar o Cfess imune às contradições e/ou eventuais dilemas. Trata-se de perseguir a defesa intransigente dos valores e princípios que orientam a direção social da profissão de serviço Social nas últimas três décadas.

Quanto à conjuntura neoliberal, retoma o programa de gestão apontando “a crítica

incontundente deste projeto”, caracterizado pelo “componente destrutivo das

políticas neoliberais no Brasil”, criticando os “profundos cortes nos gastos sociais” e

a escolha política econômica do governo brasileiro “de uma adaptação passiva à

mundialização do capital” (p. 06). Ao propor medidas de enfrentamento concreto, o

relatório A se refere à eleição da “seguridade social pública como terreno de embate

e luta por uma outra perspectiva de sociedade” (P. 07). Esse enfrentamento, na

concepção política da gestão, significava uma ação de resistência:

Sabíamos que a conjuntura desses anos seria difícil, ainda sob a hegemonia do chamado “pensamento único” apesar dos sinais de seu esgotamento, ou seja, seria uma luta ainda no campo da resistência

132

[...] Portanto, a estratégia articulava a resistência mais geral ao neoliberalismo com a reflexão profissional e formulação de projetos de intervenção profissionais. Assim, a qualificação profissional, a fiscalização preventiva e a luta e interlocução sociais, de uma maneira mais geral, compõem um conjunto articulado.

Este relatório revela uma gestão articulada que não se coloca de maneira

espontaneísta150 para a categoria profissional; anuncia que foi eleita e se coloca

frente à categoria profissional com um programa político construído previamente

com propostas para a categoria.

Demonstra afinamento com o que poderia ter de mais consistente nos parâmetros

do Projeto Democrático Popular, o PDP, constituído por um conglomerado de

organizações, com destaque para o PT. Ou seja, a gestão dialogava com um Projeto

Societário coletivo, fazendo também um importante balanço político do período que

foram os anos de neoliberalismo radical e predatório adotados por FHC.

Todas as gestões são eleitas a partir de programas que explicitam valores e formas

de enfrentamento dos desafios postos à profissão. Na concepção organizativa do

relatório A, fica evidente a referência e importância dada à construção e

materialização de um programa, ou seja, um planejamento ideal do que pode ser a

gestão com propostas, debates e compromissos previamente assumidos com a

categoria. Programas são geralmente molas impulsionadoras de partidos políticos,

que debatem por suas naturezas os projetos coletivos de sociedade.

Não se pode confundir entidade com partido; porém, a inspiração dessa construção

programática e organizativa explicitada no relatório advém da concepção de ação

política de sujeitos coletivos. De acordo com Netto (1999) visam materializar um

projeto coletivo, sendo que no caso do partido é para a sociedade e no caso do

CFESS é para a categoria profissional. Como afirma o relatório:

A gestão “Brasil mostra tua cara” encerra-se com a certeza do dever cumprido, de que respondeu a sua tarefa histórica, com elos de continuidade e de avanços, construindo o novo, deixando marcas e marcos importantes, constituindo-se como sujeito político para a construção da democracia no Brasil, mas também como parâmetro fundamental para os processos de discussão e decisão da categoria.

150 Debate contido no livro “O que fazer?” Lênin (1979).

133

O Relatório C também apresenta concepções organizativas que cruzam com o

Relatório A:

Os votos depositados nas urnas para a Chapa 1 (10.305, o que corresponde a 76,45% dos votos válidos) legitimaram o programa de ação que norteou as ações, assim como as deliberações aprovadas nos Encontros CFESS/CRESS, que constituem a instancia máxima de decisão desse coletivo profundamente democrático e participativo. (Relatório C, p. 12)

O relatório C assim se refere à conjuntura:

Tem sido difícil pensar a realização dos direitos na vida cotidiana, diante de uma realidade que submete a população a intensos processos de violação dos seus direitos, com prevalência do desemprego, violência, discriminação, preconceitos e reprodução crescente das expressões da questão social. (...) A brutal realidade da violência preenche diariamente os espaços na mídia. A busca irrestrita de acumulação de capital submete à intensa exploração, crianças, adolescentes, mulheres e homens de todas as idades, que são atingidos, também, por formas opressivas expressas na reprodução do sexismo, do machismo, da negação da liberdade de orientação e expressão sexual e da identidade de gênero. Em tempos difíceis assim seguimos “sem nada a temer, se não o correr da luta” contra todos os processos de degradação da vida humana.

A gestão também se coloca como sujeito coletivo articulado em um projeto de

profissão e de sociedade:

Na história do Serviço Social brasileiro, várias gerações de assistentes sociais assumiram a condição de sujeitos políticos e coletivos na construção da profissão [...] São profissionais que afirmam, cotidianamente, a luta contra a desigualdade por meio da competência técnica, do compromisso ético-político com movimentos organizados em defesa dos direitos da classe trabalhadora e de uma sociabilidade libertária e emancipadora, que supere todas as formas de exploração e opressão humanas. (...) Diante dessa realidade, seguimos com atitude crítica e ações concretas, por entendermos que todo dia é dia de lutar contra a barbárie produzida pela sociabilidade do capital. Que é necessário recriar estratégias de resistência e fortalecer articulações com outros sujeitos coletivos porque vivenciamos.

Resistência significa realizar atividades que se materializem. O compromisso com a

defesa do projeto ético-político-profissional e com o reconhecimento da necessidade

de desmistificar e criticar os processos destrutivos impostos à maioria da população

em sua vida cotidiana.

Quanto à conjuntura do Relatório B, ele afirma:

134

Estes três anos de gestão exigiram avaliações, reflexões, debates e posicionamentos diversos do Conjunto Cfess-Cress, face aos diferentes momentos da complexa conjuntura pela qual vem passando o Brasil, desde o último ano do governo FHC, até o governo Lula, incluído o histórico processo eleitoral de outubro de 2002. Não se trata de imaginar o Cfess imune às contradições e/ou eventuais dilemas. Trata-se de perseguir a defesa intransigente dos valores e princípios que orientam a direção social da profissão de serviço Social nas últimas três décadas.

Restringindo-se a essa colocação vaga, o relatório não explica determinações que

fizeram dessa conjuntura complexa e nem indica eventuais dilemas e contradições,

nem valores e princípios e a direção social que perseguem. Da mesma forma, ao se

referir ao compromisso da gestão, o relatório coloca:

Aqui fica a contribuição de uma diretoria que muito respeitou o trabalho iniciado pelas gestões do Cfess, a partir dos anos 90, e buscou dar continuidade à concretização de sonhos e desejos. Assim, dizendo a nossa utopia, levamos o trabalho com seriedade e vontade para ver o nosso sonho teimoso um dia se realizar.

Não se sabe quais são os “sonhos e desejos” citados, bem como a “utopia” descrita.

Dessa forma, além de descritivo, esse relatório apresenta linguagem subjetiva que

impede uma análise concreta acerca da concepção que sustentou o trabalho.

Quanto ao PEP, o relatório B explicita sua vinculação em relação à formação

profissional:

Objetivamos estimular a criação de mecanismos de capacitação profissional como instrumento de qualificação do assistente social, contemplando em suas análises o contexto mais amplo da formação profissional e suas implicações para com o exercício profissional do/a assistente social, seus compromissos assumidos para a concretização do projeto ético-político do Serviço Social, construído coletivamente pela categoria e pelo conjunto Cfess/Cress em suas articulações com as entidades nacionais e internacionais da categoria.

A concepção organizativa do Relatório C não é tão avançada quanto à concepção

do Relatório A, pois não anuncia um programa. Mas quando se coloca nos valores e

projeto que defende, este conversa com o Relatório A, tendo como ponto em comum

o alinhamento e a concepção de projeto coletivo, profissional e societário151, a favor

de uma democracia participativa.

151 Debate referenciado através do texto de Netto (1999), na Revista Serviço Social e Saúde, “A Construção do Projeto Ético-Político do Serviço Social, mas sua publicação original está contida na 1º Capacitação em Serviço Social e Política Social.

135

3.4 Concepções Políticas

Com foco na organização e visão de projetos nos debates e propostas da categoria

e das entidades, é possível entender como elementos de extrema importância e

construir uma hegemonia, seja em um projeto societário ou profissional. No caso do

Relatório A, a gestão tinha clara concepção de Projeto Profissional e Projeto

Societário. No caso do projeto profissional, esta gestão tinha alinhamento fiel ao

PEP hegemônico construído arduamente desde o fim da década de 1970, sob a luz

das lutas sociais e profissionais no interior da categoria profissional.

No que diz respeito ao Projeto Societário, a gestão descrita no Relatório A se

vinculava ao PDP. Era uma conjuntura favorável para esta parceria com o PDP, pois

aglutinou as principais forças de resistência ao neoliberalismo que o próprio

Relatório anuncia de “Contra-Reforma do Estado”.

A defesa intrínseca ao PEP, em uma conjuntura dura de governos neoliberais da

década de 1990 no Brasil e em boa parte do mundo, tem no PDP um parceiro ideal

tanto de resistência na luta social como de defesa das conquistas contidas no PEP.

Valores, diretrizes, princípios, estratégia e tática são características que devem ser

contidas em projetos coletivos152. Logo, o ponto de unidade entre o PDP e o PEP era

a resistência ao neoliberalismo e sua sociabilidade da barbárie153.

Como salienta Netto (2004), tal parceria tem como histórico a própria categoria que

tinha força de sustentação154 às bandeiras democrático-populares em 1970 e 1980.

Não eram claramente socialistas, mas tinham quadros que apontavam para este

horizonte, cumprindo a tarefa de resistência democrática à Ditadura Civil-Militar e a

conquistas sociais que se materializaram na Constituição Federal de 1988. Tal

construção teve o profissional e o societário (PDP) como quadros políticos ligados

ao PT.

152 Netto (1999). 153 Barroco (2006) 154 Referenciamos o debate de base de sustentação e hegemonia em Gramsci (1982).

136

Isso significa que o Relatório A não defendia um PDP, pois “desta forma, esta

direção social nos fez optar pela defesa das políticas públicas e da responsabilidade

do Estado em face da questão social colocando o enfrentamento da política

neoliberal como direção fundamental dessas ações” (Relatório A, pág 6), o

descaracterizado. Mesmo com contradições de origem, ainda era combativo e não

adaptável ao que se transformou. Parceiro ideal na resistência antineoliberal e no

interior da categoria, foi um bom norte para instrumentalização do PEP na

resistência ao conservadorismo profissional.

Comparando esta concepção avançada no Relatório A em relação ao B, um

rebaixamento de concepção do PEP é notado. Isso pode ser consequência já do

rebaixamento de concepção e compreensão do PEP quando mecanicamente

associado ao PDP, que já tem problemas visto que um é profissional e o outro é

societário, além da conjuntura ter influenciado o Relatório B.

A conjuntura da gestão do Relatório B era a do fim do governo FHC e início do PT,

eleito com grande euforia pelas forças populares, mas que demonstrou desde o

início o não rompimento com o modelo econômico e social vigente. Colocou-se à

disposição para ser um porto seguro do capital, causando confusão em forças

progressistas na sociedade brasileira.

Processos de rompimentos e críticas foram feitos ao longo deste tempo. O

interessante é que o PDP, que é o que anuncia a estratégia de governos petistas155,

foi definitivamente descaracterizado no Brasil. Se ele nunca foi claramente a favor

de uma real transição socialista, havia elementos que apontavam a favor de uma

sociedade mais justa, tomado por movimentos e organizações em torno dele como

possibilidade de acúmulo de forças para a luta socialista.

Logo, quando rebaixado, o PDP se tornou uma caricatura seguindo de forma

deturpadora da social democracia europeia, que nesta versão brasileira não se

coloca nem na direção de universalizar direitos e manter sob o controle do Estado e

setores estratégicos da economia. Esta social democracia foi moderada e

155 http://www.pt.org.br/downloads.

137

metamorfoseada em uma estratégia que procurou conter radicalizações políticas e

não universalizar direitos que foram retirados e sucateados na década de 1990.

Este processo é maquiado com programas sociais. Se por um lado, não se

colocavam simplesmente contrários como setores ultraconservadores fazem,

também não é concebido o fato de os adeptos do novo PDP colocarem os

programas sociais atuais, como a construção da Proteção Social no Brasil, como se

os direitos e a seguridade social estivessem sendo universalizadas e garantidas aos

trabalhadores. Desde o início desta nova fase dos governos petistas, a esquerda

brasileira se divide, mas ainda mantendo a hegemonia, já não tranquila, mas

hegemônica, de setores petistas do governo e de movimentos sociais e sindicais.

Sendo assim, o conjunto CFESS/CRESS, que não é imune às conjunturas e às

mudanças de forças políticas, também têm desafios. O Relatório B demonstra tal

transição, pois é confuso e com poucos elementos que dão condição aquém dos

demais analisados e com concepções claramente em crise, sem querer exposição.

A hipótese de que ele estivesse vinculado ao PDP é a mais levantada, mas não com

uma concepção avançada, pois não é assim que ele é retratado no balanço político,

evitando expor as possíveis confusões ideológicas da gestão156. Neste trabalho,

houve o cuidado de não desenvolver um julgamento ideológico do Relatório B e da

gestão que este relatório faz parte, mas analisar criticamente, tentando contribuir ao

apontar questões importantes para a categoria profissional e desafios organizativos

que se colocam.

156 Neste sentido é emblemático o apontamento do eixo estratégico que a gestão do Relatório B

aponta: “De modo geral, compreendendo a Política Nacional de Fiscalização - PNFisc como matriz

da atuação do Cfess, as frentes de trabalho foram estruturadas em dois grandes eixos: um que busca

valorizar a profissão, dar visibilidade e qualificar as intervenções profissionais; e outro, que se conecta

com a sociedade mais geral. Dessa forma, no eixo Valorização e Publicização da Profissão estão

organizadas as ações de Orientação e Fiscalização Profissional articuladas com à Formação

Profissional, e à Ética e Direitos Humanos.

138

Logo, o Relatório B pode ser revelador de um equívoco perigoso: o de aliar a

concepção de PEP a das metamorfoses sofridas no PDP. Dessa forma, o PEP

perderia a autonomia frente ao PDP, que foi parceiro, mas não se constituiu da

mesma forma. Esse equívoco precisa ser considerado, pois confundir projeto

profissional com projeto de sociedade em vigor abre brechas perigosas para o

conservadorismo que se aproveita dos ataques neoliberais e ganha mais corpo. Pior

ainda, o conservadorismo pode se apresentar mascarado dentro do PEP em uma

versão mais moderada e ecletista, como é o atual PDP.

Tais desafios de organização e concepção de projeto se colocam na superação

como o PEP superar os anos de parceria com o PDP e hoje até ser adversário de tal

projeto, e como projeto profissional quais parceiros novos buscara nesta nova

conjuntura mais complexa e hibrida. Alguns apontamentos de superação do PDP e

de tentar apontar nova forma de atuação do PEP e busca de novos parceiros de

forma ainda não completa e com as influências do PDP das épocas de resistência

neoliberal são colocadas de forma já mais avançada no Relatório C. “Para superar

essa condição, lutamos pela socialização da riqueza e pelo fim da desigualdade”

(Relatório C, p. 25).

O apontamento estratégico feito pelo Relatório C é avançado e mais claro sobre qual

estratégia se alinha ao Projeto Societário para construir mediações táticas e debates

específicos, pois no debate geral é que se constrói o específico, tendo a realidade

como uma totalidade. Neste processo até o relatório, mesmo com a perspectiva de

superação e desalinhamento do PEP ao PDP, ainda ha pontos de transição:

É nítido o aumento da demanda de trabalho profissional nas políticas públicas, especialmente na Seguridade Social, o que exige atuação de assistentes sociais comprometidos com a consolidação do Estado Democrático de Direitos, com a universalização da seguridade social e das políticas públicas e com o fortalecimento dos espaços de controle social e das políticas públicas e com o fortalecimento dos espaços de controle social e democrático. (Relatório C, pág 31)

Nesta passagem, há contradições que, mesmo não afetando a qualidade do

Relatório C e nem colocando a gestão deste relatório na perspectiva do PDP

automaticamente, pontos mais vagos são apresentados. No momento que, de forma

139

simples, se coloca a “defender a consolidação do Estado Democrático de Direitos”

acaba se perdendo em mediações táticas.

Mesmo admitindo que o conjunto CFESS/CRESS dirige uma categoria profissional e

com limites, este espaço da sociedade civil tem uma tarefa nela quando sem fala em

hegemonia157. Sobre a questão do Estado Democrático de Direitos é uma

concepção de democracia burguesa e representativa, no qual o trauma da

sociedade brasileira teve que passar por uma Ditadura Civil-Militar, é evidente que

uma democracia, mesmo que burguesa, avance frente a uma ditadura. Aliás, as

conquistas democráticas dentro de tal Estado são frutos da luta social.

Por isso, este Estado cria um acúmulo de forças na luta social, o que não é tarefa do

conjunto CFESS/CRESS isoladamente, mas como concepção estratégica durante

mediações táticas para apontar pelo menos tal acúmulo de forças e minimamente

pontuar o que é tal “fortalecimento do Estado Democrático de Direito”. Se isso não é

feito, há o risco de se tornar mais uma versão de uma social-democracia, que o PDP

tem em seu interior atualmente.

Encontrar e apontar uma mediação tática dentro do Estado Democrático de Direito é

necessário nos movimentos sociais e organizações da sociedade, como no caso do

conjunto CFESS/CRESS. O próprio relatório C avaliou antes de apontar esta

contradição: “lutar contra o desencanto político, o conformismo, o adesismo ao

reformismo, à desesperança” (Relatório C, p. 12).

3.5 Hegemonia e Organização Política da Categoria

No debate da organização política na luta pela hegemonia, há uma importante

mediação feita pelo Relatório A para captar a concepção do debate específico que o

CFESS/CRESS deve entender como Conselho.

Aqui, cabe lembrar que tal direção social democrática tem feito com que nossos processos decisórios se realizem por meio de assembleias, encontros, reuniões e formas colegiadas de gestão e

157 Gramsci (1982).

140

controle, que nos fazem diferenciados daqueles conselhos cartoriais, autoritários e controladores. Este perfil no faz com que tenhamos um amplo reconhecimento social por parte de forças progressistas da sociedade brasileira, que nos reconhecem como entidade autêntica e autônoma, que mostra a cara do serviço social brasileira. (Relatório A, p. 6)

Este Conselho ultrapassa concepções legalistas e limitadas de que é um órgão de

fiscalização e uma Autarquia Especial, Não que estes limites não existam. Existem e

são limitadores, por parte da institucionalidade burguesa, mas, mesmo nos limites,

ter concepções limitadoras é um grande problema e, como o Relatório A apontou,

tais concepções também existem em outros Conselhos. Porém, no relatório B um

passo é dado para trás na concepção do Conselho. Se por um lado existem

limitações dentro do Conselho por ser uma Autarquia, por outro são concepções

limitadas, que empobrecem o PEP, relatado em uma lacuna que fala da fiscalização

no Relatório B:

De modo geral, compreendendo a Política nacional de Fiscalização – PNFisc como matriz de atuação do CFESS, as frentes de trabalho foram estruturadas em dois grandes eixos: um que busca valorizar a profissão, dar visibilidade a profissão, dar visibilidade e qualificar as intervenções profissionais; e outro, que se conecta com a sociedade mais geral. (Relatório B, p. 3)

A lacuna nesta concepção de Conselho fiscaliza como eixo central a atuação do

Conselho. Na verdade, a avaliação é equivocada, pois fiscalização não é nem mais

nem menos importante que outros eixos, apenas diferente em grau de mediação,

visto sua obrigatoriedade legal. Não é porque existe esta obrigatoriedade que tal

eixo se sobreponha aos demais. Ele necessita de mediação diferenciada, cuidado

com os processos legais que envolvem tal eixo, lembrando que nos outros eixos os

processos de legalidade também existem, mas de maneira diferente.

O risco de tal concepção é ter uma mediação legalista onde os limites legais levam a

concepções limitadas e onde as obrigatoriedades do Conselho sejam um impedidor

de outras atuações. Se isso ocorrer, o PEP é rebaixado e em uma brecha o

conservadorismo mascarado e burocratizante pode entrar em cena, não melhorando

a organização política dos trabalhos do conjunto CFESS/CRESS, o transformando

141

em tabela de tarefas legais a serem cumpridas de forma exaustante e sem objetivos

estratégicos ético-políticos na direção.

Na luta pela hegemonia e sua consolidação, as ações educativas de elevação da

qualidade profissional, de concepção ético-política e do projeto profissional na

mediação específica, é necessário consolidar e construir uma concepção

hegemônica na profissão. Tal mediação é importante no debate societário, pois é em

espaços com possibilidades democráticas na sociedade civil que se constrói a luta

de projetos.

Por enquanto, pode-se fixar dois grandes “plano” superestruturais: o que pode ser chamado de “sociedade civil” (isto é, o conjunto de organismos chamados comumente de “privados”) e da “sociedade política ou Estado”, que corresponde à função de “hegemonia” que o grupo dominante exerce em toda a sociedade e àquela de “domínio direto” ou de comando que se expressa no Estado e no governo “jurídico”.

3.6 A Função Educativa Da Hegemonia: Capacitação, Ética e Direitos Humanos

Entre os eixos importantes de articulações do CFESS/CRESS, que levam o conjunto

a contribuir com a luta social na sociedade brasileira, está o eixo de Ética e Direitos

Humanos. Trata-se de dimensões que rebatem na sociedade e que envolvem uma

trama de interesses antagônicos de classes sociais que definem sua importância e

existência no PEP hegemônico.

Na profissão, esses eixos se articulam às práticas políticas e conquistas

institucionais. Nesta simbiose, os avanços no Código de Ética de 1993, a Lei atual

que Regulamenta a Profissão e as Diretrizes Curriculares sob a direção da ABEPSS

são importantes conquistas para a promoção combinada de ações ético-políticas e

ações com base institucional nestas ações educativas.

A importância dada ao Eixo da Ética e dos Direitos Humanos é evidente nos

relatórios A e C, enquanto que o relatório B dá ênfase à fiscalização. Os Relatórios A

142

e C evidenciam os fundamentos do Código de Ética de 1993 e revelam o avanço

teórico e político da categoria, conforme afirma o relatório A:

A partir de 1992 foi sendo construída uma concepção onde ética e política evidenciam sua unidade: a política aparece como a forma prática de realização dos valores éticos. No entanto, diferentemente de 1986, não existe uma subordinação no sentido de se entender que ética seja uma decorrência natural da escolha política. O aprofundamento acerca da natureza da ética evidenciou as tensões existentes na unidade entre ética e política. (…) Esse acúmulo permitiu que esta gestão pudesse dar um salto de qualidade em sua concepção acerca do significado da ética e da política no interior das ações do Conselho. Como conjunto de valores e como forma de intervenção no âmbito da luta de classes e da luta entre projetos, a ética e a política não poderiam estar agregadas a uma das comissões específicas, o que aponta para a nossa compreensão de ambas como mediações que percorrem todas as ações e comissões de trabalho do CFESS. No entanto, dado que demanda ética constitui-se objetivamente, nos conselhos, através de atividades ligadas à fiscalização e implementação do Código de Ética, historicamente entendeu-se que seu espaço seria o da Comissão de Fiscalização (COFI), funcionando como um Grupo de Trabalho (GT) específico.

A constituição de uma comissão de ética separada da fiscalização, entendida como

transversal a todas as comissões, agregou a temática dos direitos humanos:

Assim, no decorrer da década de noventa, não apenas a ética, em sua vinculação com a política, mas, também, a questão dos direitos humanos adquire uma maior visibilidade em face das conseqüências da globalização capitalista e da implantação o projeto neoliberal no Brasil, um país onde os direitos nunca foram assumidos como tal pelas elites, apoiadas numa cultura política conservadora e alienante. (Relatório A)

O relatório C inicia sua apresentação se referindo à transversalidade da ética e dos

direitos humanos e a concepção ética emancipatória do PEP:

Todas as ações do CFESS são orientadas por princípios e valores emancipatórios em defesa da ética e dos direitos humanos, pois este é um tema verdadeiramente transversal ao conjunto das atividades efetivadas pelo CFESS, embora os encaminhamentos normativos sejam de responsabilidade da Comissão de Ética e Direitos Humanos.

Da mesma fora, situa historicamente o avanço ético de 1993:

A partir de 1993 o debate da ética ganha densidade teórico-política e se distancia de qualquer aproximação com concepções eticistas, politicistas e economicistas. Atento e partícipe do movimento de renovação do Serviço Social, caracterizado como uma verdadeira

143

“virada” dos seus fundamentos teórico-metodológicos e ético-políticos, o CFESS, por meio da Comissão de Ética e Direitos Humanos (CEDH), reafirmou e fortaleceu em sua ação programática o debate e atividades estratégicas em torno da valorização da ética e da defesa dos direitos, entendendo que a ética constitui uma mediação necessária e relevante entre projeto profissional e projeto societário emancipatório.

O Relatório B refere-se sinteticamente à ética ao tratar do Curso de Ética e

Movimento:

A continuidade da implementação do Projeto Ética em Movimento revelou-se como uma experiência exitosa. Um aspecto da demanda especial registrada é a atenção e a articulação com movimentos de defesa de direitos humanos para além da participação em fóruns e da realização conjunta de eventos. (Relatório B, p. 06)

O Relatório B explicita uma parceria de temas sobre ética e direitos humanos dentro

da capacitação “Ética em Movimento”, referindo-se à criação do módulo de direitos

humanos no curso e à participação em eventos:

Nessa direção, houve participação do Cfess em reuniões e eventos na área dos Direitos Humanos, bem como a realização de uma Oficina sobre o tema no Fórum Social Mundial, que redundará em publicação para subsidiar o debate no âmbito desta frente está em curso a elaboração/implementação do IV Módulo do Projeto de Ética em Movimento – sobre os Direitos Humanos.

A organização política citada no Relatório B consistia na expansão da temática

direitos humanos à categoria profissional por meio de eventos, fóruns, oficinas e

capacitações, uma perspectiva educativa e de elevação da consciência. O curso de

capacitação ética visa a formar multiplicadores para os Estados nas organizações de

base dos CRESS, afirmado no relatório C:

O Projeto “Ética em Movimento” completou 10 anos em 2010, sendo uma iniciativa permanente da CEDH e um dos mais importantes e continuados projetos na perspectiva de difundir e enraizar os princípios éticos – políticos do Código de Ética Profissional. Para registrar a história e comemorar sua longevidade e significado, e CEDH concebeu e produziu um vídeo, lançado nacionalmente durante o Xll Encontro Nacional de Pesquisadores de Serviço Social (ENPESS) da ABEPSS e distribuído amplamente para as Unidades de Formação Acadêmicas (UFAs), para os CRESS e disponibilizado para download na página eletrônica do CFESS. O Vídeo resgata a história e trajetória do Projeto e conta com entrevistas de conselheiras da atual gestão e da gestão de 1999-2002, que elaborou o projeto, além de depoimentos dos autores dos quatro módulos que constituem o conteúdo do curso de ética para Agentes Multiplicadores. (Relatório C, p. 17)

144

No relatório A, a incorporação dos Direitos Humanos é analisada historicamente,

como parte de um acúmulo teórico e político das categoria e entidade:

O agravamento da miséria, da violência e das várias formas de exclusão social põe na ordem do dia o desrespeito aos direitos mais básicos de preservação da vida e de garantia de condições básicas de existência [...] Essas condições objetivas colocaram a intervenção política e educativa do CFESS como uma necessidade urgente, demandando a construção de estratégias de fortalecimento da educação política, de denúncia ética, e de articulação com os movimentos de direitos humanos da sociedade civil. É nesse cenário que, em 1999, elaboramos o Projeto Ética em Movimento, o que levou também a Comissão de Ética a repensar o significado da ética e dos direitos humanos no CFESS.

Nesse aspecto, o relatório aponta uma mudança na constituição das comissões de

fiscalização que denota uma compreensão ética não legalista:

Entendemos que não tinha mais sentido, no contexto da estrutura de organização do trabalho em comissões, a questão ética estar vinculada à comissão de fiscalização e que, dada a sua centralidade na totalidade do trabalho desenvolvido, deveríamos compor uma comissão de ética que não estivesse subordinada a nenhuma comissão em especial, mas a todas as comissões, devendo ser incorporada e vivenciada como eixo e mediação do projeto que se objetiva em diversas frentes.

Essa mudança foi considerada um marco das conquistas éticas da categoria, uma

vez que superou a concepção legalista que atribuía funções éticas à fiscalização,

incorporando a necessidade de articulação entre ética e ação educativa, não

vinculando-a apenas a normas e punição. Isso contribuiu para a articulação política e

o exercício da direção hegemônica, elevando a consciência ética profissional para

novos patamares, em oposição ao pensamento burguês, cuja ideologia perspassa

pela sociedade, tratando a ética e os direitos humanos de forma protofascista158. O

entendimento do caráter transversal da ética e da visão de totalidade dos direitos

também foram ressaltados no relatório A:

Ao mesmo tempo, ao instituir essa nova comissão, entendemos que o CFESS não deveria se reportar apenas aos direitos sociais, mas aos direitos humanos, onde estão inseridos todos os direitos individuais,

158 Fernandes (2004) explora de forma importante em seu trabalho a temática dos eixos que dividem o trabalho da organização política no Conjunto CFESS/CRESS.

145

coletivos, gerais e específicos conquistados historicamente. Assim, passamos a constituir a Comissão de Ética e Direitos Humanos, cujo eixo de trabalho foi centralizado no Projeto Ética em Movimento.

Quanto à temática dos direitos humanos, o relatório A também destaca:

Na área da Infância e Juventude, o CFESS destacou-se com a defesa intransigente contra a redução da idade penal nestes três anos, ao lado de inúmeras entidades que compõe o Fórum DCA, o nosso posicionamento público sobre os acontecimentos trágicos na FEBEM, em 1999. Participamos também da formulação das Diretrizes para a Política Nacional de Atendimento a Criança e ao Adolescente (2000). O CFESS foi um importante parceiro na construção do Fórum DCA, buscando a sustentabilidade, bem como a intervenção qualificada da sociedade civil no interior do CONANDA. (Relatório A, p. 25)

Nesta citação, a importância estratégica da atuação organizada do conjunto

CFESS/CRESS é ressaltada e o grau de organização da gestão do Relatório A foi

considerável, pois conseguiram – como entidade representativa organizada –

contribuir na formulação de uma política pública que intervêm diretamente na

realidade social que diversos assistentes sociais atuam, pois “(...) pensar

dialeticamente vai de encontro ao vulgar senso comum, que é dogmático, ávido de

certezas peremptórias, tendo a lógica formal como sua expressão” (GRAMSCI,

1984). O Relatório C articula o eixo Ética e Direitos Humanos, tendo como base a

conjuntura e o momento histórico:

Todas as ações do CFESS são orientadas por princípios e valores emancipatórios em defesa da ética e dos direitos humanos, pois este é um tema verdadeiramente transversal ao conjunto das atividades efetivadas pelo CFESS, embora os encaminhamentos ético-normativos sejam de responsabilidade da Comissão de Ética e Direitos Humanos. Tem sido difícil pensar a realização dos direitos na vida cotidiana, diante de uma realidade que submete a população a intensos processos de violação dos seus direitos, com prevalência do desemprego, violência, descriminação, e reprodução crescente das expressões da questão social. (Relatório C, p. 16)

A conjuntura aparece nas colocações que indicam a radicalização neoliberal e os

ataques aos direitos dos trabalhadores. Considera-se que estes ataques ferem os

direitos humanos e a oposição ético-politica da profissão. Esta perspectiva ética é

consagrada no avançado Código de Ética profissional dos assistentes sociais, que a

gestão do Relatório C teve oportunidade de debater em seu histórico e legado, visto

que o código fez 15 anos nesta gestão e 18 anos de existência.

146

Nesses três anos, comemoramos intensamente os 15 anos do Código de Ética do/as assistentes sociais em 2008 e seus 18 anos em 2011, visto que foi homologado em 13 de março de 1993. Para fomentar debates e dar visibilidade à comemoração, foram produzidas peças alusivas como cartazes, adesivos, banners, marcadores de livro e publicação de exemplares dos informativos CFESS Manifesta. (Relatório C, p. 16)

A perspectiva educativa também está presente no debate da organização política

nesta temática do Relatório C, articulando o debate com o Eixo de Comunicação,

superando a perspectiva meramente informativa e trazendo o elemento ideológico

contido nos debates.

As comemorações pelo dia do/a assistente social já extrapolaram o dia 15 de maio e se espraiam por todo o mês, com atividades organizadas pelos CRESS e pelo CFESS. Para fomentar os debates e dar visibilidade aos temas debatidos, o Encontro Nacional do ano anterior indica o tema que será debatido, e o CFESS produz materiais a ser distribuído nos eventos, como CFESS Manifesta, cartaz, adesivos, marcadores de páginas, banners. Os temas escolhidos no período e que orientaram os debates foram: em 2008 - “Serviço Social na Luta Sempre: Formação Acadêmica e Trabalho de Qualidade”; em 2009 - “Socializar Riqueza para Romper Desigualdade”, em 2010 - “Trabalho com Direitos pelo Fim da Desigualdade”; e em 2011 – “Serviço Social: Compromisso de Classe por uma Sociedade Emancipada”. Além desses materiais impressos, em 2010 e 2011 o CFESS inseriu uma novidade: a produção de vídeos. Dois foram lançados em 2010, sendo o primeiro, de 15 segundos, elaborado na ocasião do dia do/a assistente social para ser veiculado pelos CRESS em suas regiões. (Relatório C, pág 55)

Outro ponto de destaque no Relatório C é a articulação do movimento geral com o

específico, sendo os direitos humanos algo geral e de toda sociedade. O serviço

social brasileiro faz parte deste debate como um coletivo que tem contribuição

especial e contato constante com a realidade. Quando se fala em específico159 é

porque o relatório C faz tal conexão:

Diferentes e diversas ações fora realizadas na perspectiva de consolidar o enraizamento do Projeto Ético – Político Profissional e disseminar a visibilidade à concepção de direitos humanos defendidas pela CFESS como elaboração e divulgação do vídeo comemorativo pelos 10 anos de existência do Projeto Ética em Movimento; participação em eventos com palestras em defesa dos direitos humanos; elaboração e/ou participação na elaboração de 38 edições do CFESS Manifesta com posicionamento político do CFESS, com temas diretamente ligados à Ética e Direitos, em interface com a comissão de comunicação e demais comissões do CFESS; ela elaboração de 8 notas públicas e 25 matérias no site do CFESS com posicionamento político da entidade, com temas mais

159 Mao Tsé-Tung (1999).

147

diretamente relacionados à Ética e Direitos Humanos; concessão de entrevista em Programa de TV sobre a descriminalização do aborto durante o 38º Encontro Nacional CFESS/CRESS. (Relatório C, p. 19)

Diversas temáticas foram repassadas nesta citação, mas o interessante é a

concepção organizativa na articulação estratégica do PEP e sua aliança com um

projeto emancipatório de sociedade que tem como ponto de mediação o

enraizamento na direção da construção de uma consciência coletiva e progressista,

tendo sua contribuição na categoria profissional.

Importante ressaltar mais uma vez que o PEP necessita de autonomia e

independência, buscando no movimento geral da sociedade novos parceiros com

novas propostas que caminhem em direção a um projeto societário emancipatório

para continuar tendo tais posicionamentos, pois o PDP que o PEP já foi parceiro160

tem deixado a desejar devido seu transformismo e rebaixamento até em questões

ligadas aos direitos humanos161.

O Relatório C demonstra uma iniciativa histórica e continuada do conjunto

CFESS/CRESS para a formação com objetivo de qualificar a ação teórica-prática da

categoria profissional via agentes multiplicadores. Este relatório conversa com outro

analisado, o Relatório A referente à gestão de 1999-2002. Nesta época, o “Ética e

Movimento” foi proposto e iniciado, ou seja, há um interface e consideração pela

experiência daqueles que foram pioneiros nesta iniciativa.

Outro ponto que chama a atenção é o objetivo de “enraizar os princípios do código

de ética162”, construir um Projeto Coletivo e promovendo a hegemonia continuada do

160 Apesar de não usar o termo “parceria” o apontamento de Netto (2004 in Revista Serviço Social e Sociedade) é emblemático: “Em suma: não faltam elementos substantivos para enlaçar a história recente dos avanços profissionais com a história do PT. Este enlace, tão profundo, agora experimenta a sua hora da verdade: qual a atitude das vanguardas que lutaram por quase duas décadas e que conquistaram a hegemonia no campo profissional com o projeto ético – político, vanguardas cujos membros (profissionais “de campo”, docentes, pesquisadores, estudantes) foram ou são militantes petistas – qual a atitude quando o PT implementa uma prática governamental que colide essencial e francamente com a proposta programática política (agora claramente demarcada da prática partidária) proposta no projeto profissional?”. 161 Recomendamos para aprofundar o debate a Revista PUC Viva nº33 Dezembro de 2008, “60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos”, nesta revista temos artigos que denunciam a situação de lideres de Movimentos Sociais ameaçados de morte. 162 Debate histórico sobre o Código de Ética dos assistentes sociais brasileiros referenciado em Barroco Terra (2012).

148

PEP, pois valores são importantes para a construção de uma cultura profissional

diferenciada.

Quando Gramsci fala da direção como “direção intelectual e moral”, afirma que essa direção deve exercer-se no campo das idéias e da cultura, manifestando a capacidade de conquistar o consenso e de formar uma base social. Isso porque não há direção política sem consenso. (Simionatto, 2011)

Esta iniciativa tem caráter objetivo e de raiz ético-política, a fim de construir não só

um projeto, mas também um modelo de profissional que internalize valores novos,

promovendo uma pequena Reforma Ética e Moral163 na categoria profissional, para a

construção de novas práticas e sustente uma nova referência teórico-hegemônica

que vem desde a década de 1980.

3.7 O Conselho e as Funções de Hegemonia

O conjunto CFESS/CRESS está a frente de tal iniciativa demonstrando caráter

orgânico e direcionado destas entidades, papel intelectual, não apenas no sentido

acadêmico, chamado de “Intelectual Orgânico” de acordo com Gramsci164. Porém

aqui temos uma ponderação que já fizemos no segundo capitulo, que este tipo de

intelectual coletivo Gramsci confia ao partido e sua intervenção na sociedade

No caso do CFESS/CRESS não se trata das funções de um partido; logo não

compre esta tarefa até pelo seu alcance limitado. No entanto, entendemos que

através dos limites de suas funções específicas, das possibilidades de sua inserção 163 Simonatto (2011) e Gramsci (1982). 164 Debate referenciado em Gramsci (1982) e que nos da boas pistas e reflexões na seguinte citação: “Que todo membro de um partido político devam ser considerados intelectuais, eis uma afirmação que se pode prestar a ironia e à caricatura; contudo, se pensarmos bem, veremos que nada é mais exato. Deve-se fazer uma distinção de graus; um partido poderá ter uma maior ou menor composição do grau mais alto ou mais baixo, mas não é isso que importa: importa sim, a função que é diretiva e organizativa, isto é, educativa, intelectual. Um comerciante não passa a fazer parte de um partido político para poder comerciar, nem um industrial para produzir mais e com custos reduzidos, nem um camponês para aprender novos métodos de cultivar a terra, ainda que alguns aspectos dessas exigências do comerciante, do industrial, do camponês possam ser satisfeitos no partido político. Para essas finalidades, dentro de certos limites, existe o sindicato profissional, no qual a atividade econômico-corporativa do comerciante, do industrial, do camponês, encontra seu quadro mais adequado. No partido político, os elementos de um grupo social econômico superam esse momento de seu desenvolvimento histórico e se tornam agentes de atividades gerais, de caráter nacional e internacional”. Gramsci (1982, p. 17)

149

ético-política, de sua intervenção qualificada organizativa e educativa, o conjunto

CFESS CRESS contribui para o enfrentamento da barbárie, nas lutas sociais de

resistência, como sujeito coletivo.

Nesse sentido, o conjunto atua ao lado dos intelectuais orgânicos da classe

trabalhadora e das diversas organizações e agrupamentos políticos progressistas e

a esquerda, absorvendo tal influencia em sua prática e na mediação de suas

atividades junto à categoria.. Quando falamos em programas e projetos, afirmamos

a importância da organização e do pensamento coletivo de sujeitos históricos mais

ou menos organizados que levam a cabo projetos coletivos e societários que

acreditam ser o mais correto.

Estes influenciam a organizações da sociedade civil em suas intervenções

especificas conectadas ao movimento geral da realidade165, ao ocorrer tal

movimento valores e propostas que advêm de projetos coletivos de caráter

societário são levados para as arenas de mediações especificas com projetos

coletivos específicos e a intervenção orgânica ocorre nestes processos.

Estas movimentações da realidade e da organização política não são “correias de

transmissão e aparelhamento partidário”, pois não são de simples cumprimento de

ordens de cima para baixo, são de convencimento e ações conscientes de sujeitos

que se colocam em movimento e ação na realidade. Se este não for o pensamento

vigente, se apegando ao debate ortodoxo, quem intervém na realidade faz isso de

maneira inocente e acéfala, o que não é verdade.

Sujeitos históricos tem intencionalidade, aprendem com a realidade de forma teórica

e prática e defendem posições. O Conjunto CFESS/CRESS cumpre um papel

orgânico e coletivo que, no caso do PEP, defende valores e propostas sob luz de um

horizonte societário novo. Logo, a Intelectualidade Orgânica da classe trabalhadora

tem como um dos seus braços de luta e organização do PEP Hegemônico para fazer

as mediações específicas necessárias em uma categoria profissional que está em

contato constante com a realidade.

165 Mao Tsé – Tung (1999).

150

Ações de caráter educativo realizadas pelo Conjunto CFESS/CRESS tem

intencionalidade coletiva e organicamente direcionada, não só para ampliar a

capacidade da categoria profissional e ter maior qualidade nas suas prestações de

serviços, como também para fortalecer a hegemonia do atual Projeto Profissional

que é o PEP.

Formas criativas de construir plataformas das ações educativas também devem ser

feitas em assembleias, encontros nacionais e regionais, conferências e outros

espaços com uma reflexão direcionada para a práxis. Ou seja, para que os espaços

do Conjunto CFESS/CRESS não sejam cartoriais, a ação educativa é importante e

todo espaço, mesmo os mais operativos como o eixo administrativo e financeiro

devem ser feitas, visto que deve sustentar um processo hegemônico, pois sua

conquista depende de ações inovadoras e continuadas. O espaço dos encontros

nacionais e regionais CFESS/CRESS e das assembleias gerais, estes são

estratégicos para que de fato a categoria profissional seja protagonista nos

processos decisórios do Conjunto CFESS/CRESS.

3.8 Democracia e Gestão Financeira

Para organizar e movimentar o Conjunto CFESS/CRESS, é necessário a existência

de uma política financeira direcionada e posicionada, com a questão técnica aliada à

concepção política, conforme aponta o relatório A. “Sem uma base financeira bem

administrada não poderíamos efetuar as ações éticas e políticas com as quais nos

comprometemos”. (Relatório A, pág 31)

Neste fragmento, a clareza do caráter progressista coloca a gestão do Relatório A

nesta temática administrativa e financeira. Não se coloca de forma tecnicista e

fragmentada, isolando este eixo da realidade, tentando barrar o elemento ético-

político. Coloca a questão junto às ações éticas e políticas, resistindo aos ventos

neoliberais de pensar tal questão de forma atuarial e contábil simplesmente166. Já o

166 No mesmo relatório a questão técnica e contábil é colocada, mas no patamar e espaço de assessoria.

151

Relatório B não coloca com clareza qual é o papel da administração financeira do

conjunto CFESS/CRES; apenas se refere à necessidade de transparência:

Na gestão administrava – financeira trabalhou-se com a possibilidade de garantir a realização de atividades regimentais e planejadas pela atual direção do CFESS. Referenciados nos princípios éticos da profissão e naquelas que pautam a moralidade no trato dos recursos públicos, implementou-se uma gestão financeira com base na transparência dos recursos da categoria, aperfeiçoando os mecanismos de gestão administrativo – financeira do Conjunto CFESS/CRESS. (...) Importante registrar que no Conjunto CFESS/CRESS o Conselho Fiscal trabalha articulado com a comissão administrativo-financeira, procurando municiar as gestões na direção do fortalecimento do conselho, no que diz respeito às questões administrativas, financeiras e políticas. (Relatório B, p. 8)

Já no Relatório C, tabelas de prestação de contas são apresentadas, o que

demonstra uma preocupação comunicativa e documental com a questão167.

A gestão democrática não se dá apenas pelo acompanhamento e controle das receitas e despesas, mas, sobretudo, pela sua adequação ao Plano de Ação do CFESS, pois entendemos que este não pode se subordinar ao orçamento. A busca do equilíbrio financeiro deve ser pautada pela garantia da resolução das atividades previstas. Por isso, a gestão administrativa tem um importante papel de monitoramento das ações e recursos e na elaboração e acompanhamento da programação orçamentária anual, tendo como referência as diretrizes emanadas dos encontros CFESS-CRESS, elaboração e acompanhamento de contratos com prestadores/as de serviços em conformidade com a previsão orçamentária, garantindo administração e viabilidade das ações do CFESS e realização de licitações e assinatura de contratos e convênios, sem em conformidade com as normativas legais. (Relatório C, p. 53)

O debate do Eixo Administrativo-Financeiro envolve diferentes formas de manejo.

Preocupada com isso, a gestão do Relatório C coloca a ideia de que as ações não

podem ser reféns do orçamento. Logo, tal concepção faz frente ao debate do

conservadorismo que o Conselho é uma Autarquia e serve apenas para fiscalizar e

regulamentar a profissão, concepção cartorial que visa esvaziar pautas politizadas.

Apesar de o Conselho ser uma Autarquia e ter demandas legais a cumprir, com a

chegada do PEP hegemônico, ele não se tornou apenas um cartório institucional168.

Conseguiu articular pautas políticas que a categoria profissional estava envolvida, o

que apesar de lógico, não é entendido pelo conservadorismo dessa maneira. A

categoria profissional trabalha com políticas públicas e sociais, seja no setor público 167 Tabelas 2, 3, 4 e 5 do Eixo Administrativo – Financeiro do Relatório C. 168 Debate aprofundado em Ramos (2005) e Fernandes (2004).

152

ou privado. Além disso, intervém na realidade de forma direta e indireta. Logo não

ser só um cartório é estar em consonância com a atuação dos próprios profissionais.

Por isso, ao resguardar a importante posição de não colocar o orçamento na frente

das ações, mas entendê-lo como algo que caminha junto. O Relatório C nos traz a

importante questão de rechaçar posições que entendem que o Conselho é

simplesmente uma Autarquia169 e não um espaço para militância e com limites

legais. Quando tal concepção aparece, mesmo com novas roupagens alegando as

“dificuldades da conjuntura”, uma concepção conservadora que visa o uso político

conservador, mas o Relatório C não deixa este passo atrás ocorrer ao deixar claro

que posição a gestão deste relatório defendia.

3.9 Comunicação e Contra-Hegemonia

Outro eixo importante que necessita aprofundamento é o da Comunicação. A

questão não é simplesmente técnica, mas principalmente ideológica. Sem

comunicação não consegue se divulgar o próprio Conjunto CFESS/CRESS, como

não consegue articular e organizar a própria categoria profissional, no sentido de

nela criar uma vontade coletiva170.

Se a construção histórica da categoria profissional caminhou para um sentido mais

progressista e avançado, se optou por não ser simplesmente uma atuação técnica

“desinteressada” e quis dar sentido e vida para a própria existência da profissão,

construindo um projeto profissional, a comunicação é fundamental para que a

materialização do projeto ocorra, no sentindo de orientar a práxis profissional de

forma ético-política.

Ou seja, a concepção de comunicação aqui é organizativa, orientadora, vai para

além do caráter informativo, e visa articular o que é específico e o que geral. O

Relatório A tem um debate no sentido de uma Comunicação que informa e dá sua

169 Fernandes (2004) consegue debater e caracterizar este assunto. 170 Debate da Vontade Coletiva referencia em “A Favor de Gramsci” Macciochi (1977).

153

opinião posicionada frente a assuntos diversos. Já o Relatório B fala sobre a

questão da comunicação de forma secundária, com um papel informativo e técnico,

esvaziando o papel educativo, citando o político vagamente.

A Política de Comunicação do Conjunto CFESS/CRESS, aprovada no XXX Encontro Nacional CFESS/CRESS, vem sendo construída associando qualidade nos conteúdos técnicos e políticos, arte, beleza e profissionalismo. Nesta gestão propiciou-se a contratação da assessoria de comunicação/imprensa no quadro profissional do CFESS. (...) Assim, a comunicação na perspectiva do Conjunto vem se traduzindo numa estratégia importante para democratizar a informação e posicionamentos políticos, otimizando construção e divulgação das ações do Conjunto CFESS/CRESS. (Relatório B, p. 08)

A parte técnica sem dúvida é importante e não anda descolada, mas a questão na

comunicação deve ser focada quando se fala em manutenção de hegemonia. A

parte educativa e de forte opinião é uma maneira por onde se expressa à

hegemonia, sendo que os meios divulgadores a parte técnica pode contribuir171. O

Relatório C faz um paralelo do histórico da falta de democratização da comunicação

no Brasil e o esforço de democratizar a informação na categoria profissional dos

assistentes sociais.

Para o serviço social de modo geral, e, em especial para o Conjunto CFESS/CRESS, a socialização e difusão dos princípios ético-políticos, bem como de suas ações, é permanente desafio, visto que o acesso à informação de qualidade ainda não é reconhecida como direto de cidadãs e cidadãos. As históricas relações burocráticas – patrimonialistas, populistas e paternalistas que movem as instituições políticas, públicas e privadas, atribuem à cidadania uma passiva relação de subordinação, o que impacta na comunicação, uma vez que a forte concentração do poder midiático nas mãos de poucos grupos empresariais mercantiliza o acesso à informação e deixam à margem do seu acesso milhões de brasileiros/as, que possuem acesso filtrado às informações. Nesse sentido, a comunicação emerge como um espaço fundamental e estratégico de ação política e sua democratização é uma exigência premente. Para o CFESS, a democratização da comunicação é um princípio indissociável ao Código de Ética Profissional, sendo a Política de Comunicação aprovada no Encontro Nacional CFESS/CRESS em 2006, e atualizada e ampliada em 2010, um instrumento de sustentabilidade das posições estabelecidas e um veículo de interlocução com a

171 Apesar de Gramsci (1982) não falar da comunicação em geral, ele fala da imprensa escrita, de um modo que pode ser levado ao debate geral da comunicação: “...nos jornais de opinião, a rubrica tem outra função: serve para reafirmar os próprios pontos de vista, para detalhá-los, para apresentar, contraditoriamente, todas as suas facetas e toda a casuística”.

154

categoria e com a sociedade no sentido de reafirmar o Projeto Ético – Político profissional.

O desafio para garantir a democratização da comunicação com a categoria e a

sociedade é imenso e o CFESS investiu profundamente para fortalecer seus canais

de comunicação, de modo a estabelecer uma relação mais dinâmica e cotidiana

entre suas ações e a publicidade de seus posicionamentos e atividades, de modo a

reafirmar a comunicação como um direito humano.

O conteúdo, sentido e direção da comunicação do CFESS é deliberado pelo Conselho Pleno do CFESS e a assessoria de comunicação, em conjunto com a Comissão de Comunicação, materializou esse processo durante a gestão, por meio das seguintes estratégias. (Relatório C, pág 56)

No Relatório C ainda temos um bom conteúdo técnico, inclusive citando a ampliação

dos “canais de comunicação”, o que demonstra a preocupação de falar em meios de

comunicações diferentes. Preocupa-se com o papel político e educativo da

comunicação, sem aprofundar na perspectiva organizativa.

Ainda mantém algumas ilusões em bandeiras “democrático-populares”, como já

debatido na atualidade, sofreu modificações regressivas. Ilusões que não ponderam

cidadania, direitos humanos, sem apontar qual a estratégia destas bandeiras. No

caso da cidadania, transcende ao PDP, mas é assimilado se limitando na construção

histórica. Ou seja, apesar de posições avançadas, há limitadores.

Já o Relatório B dialoga de forma resumida com o Eixo de Relações Internacionais:

O eixo de Relações internacionais caracteriza uma frente importante, na medida em que leva para fora do país as ações do Serviço Social brasileiro e espraia o nosso projeto ético na perspectiva do seu fortalecimento externo e de dar visibilidade aos nossos posicionamentos éticos-políticos e profissionais. (...) Com o objetivo de fortalecer o Serviço Social para além das fronteiras do Brasil, essa gestão do CFESS deu continuidade às ações já empreendidas pelas gestões anteriores em relação ao Comitê MERCOSUL, deliberando a filiação do CFESS à Federação Internacional dos Trabalhadores Sociais – FITS. Assim, vale destacar os investimentos políticos e financeiros que resultaram na conquista de sediar a Conferência Internacional dos Assistentes Sociais em 2008. (Relatório B, p. 07)

O Relatório B tem uma posição interessante, pois propõe com o Eixo de Relações

Internacionais dar visibilidade e “espraiar” o PEP. Isso possibilita ao PEP

hegemônico contribuir com a profissão para além das fronteiras nacionais. Não no

155

sentido mecânico de outros países copiarem o PEP hegemônico brasileiro, mas que

cada país tenha influência profissional com o caráter progressista e construa a

profissão em outros países com avanços e conquistas progressistas, assim como

ocorreu no caso brasileiro.

Outro marco importante é que o CFESS se filiou a FITS. Não há condições para

saber como foi o debate da filiação, mas a posição é interessante, visto as

tonalidades conservadoras na hegemonia da FITS172. O serviço social brasileiro e

suas conquistas profissionais hoje contribuiem em nível mundial a “espraiar” tais

conquistas.

O Relatório B ainda cita a participação no Comitê MERCOSUL, uma iniciativa de

associações profissionais de serviço social e o CFESS/CRESS para articular países

latino-americanos do Cone Sul para trabalhos em conjunto. Perspectiva com

possibilidade ampliada porque a Venezuela, país com forte protagonismo de

inovações internas e conquistas populares, entrou no MERCOSUL.

Diversos países da América Latina têm se esforçado em suas relações

internacionais pela perspectiva trazida através do falecido presidente da Venezuela,

Hugo Chávez, que tem tido logros com iniciativas inovadoras e criativas no

continente, como a construção da ALBA – Alternativa Bolivariana para as Américas,

UNASUR – União de Países Sul Americanos e mais recentemente a CELAC –

Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos173. Nos últimos

encontros nacionais, o CFESS/CRESS ampliou o diálogo com a UNASUR e a ALBA,

sob a perspectiva de continuar ampliando e fortalecendo a profissão de serviço

social não só no Brasil, sendo que, além disso, é uma possibilidade a profissão de

serviço social conhecer mais sobre a perspectiva de Integração Latino – Americana

e as iniciativas ligadas à proteção social destes países.

172 Sabemos destas “tonalidades” visto que na atualidade (2013) o CFESS já filiado a FITS depois de alguns anos do Relatório B, tem avaliações e experiências com a FITS. O caso mais emblemático é a disputa da concepção de serviço social e denominação que a FITS queria que fosse única. Recomendamos para aprofundar o assunto o site do CFESS no link de Relações Internacionais. 173 Para se aprofundar no assunto indicamos o site da TV TELESUR, lá temos disponíveis documentários e reportagens interessantes sobre o assunto.

156

No Relatório B nada foi citado sobre a ALAEITS – Associação Latino Americana de

Ensino e Pesquisa em Trabalho Social, importante entidade histórica do serviço

social latino – americano. No Relatório C, há um bom repasse do que foi feito no

Eixo de Relações Internacionais na gestão deste relatório. Sendo que a extensão de

repasse tem pontos que mais interessam. A gestão deste relatório teve uma tarefa

de bastante responsabilidade que foi organizar a 19º Conferência Mundial de

Serviço Social, em 2008, Salvador, na Bahia.

O serviço social brasileiro intensificou sua visibilidade internacional nos últimos três anos, sobretudo divido à realização da 19º Conferência Mundial em Salvador (BA) e ao debate envolvendo a revisão da definição de Trabalho Social da Federação Internacional de Trabalhadores Sociais (FITS), que teve importante protagonismo do CFESS. (Relatório C, p. 36)

Além disso, o Relatório C fala do assunto da polêmica dentro da FITS, o que

demonstra divergências do PEP hegemônico do serviço social brasileiro com o que

está na hegemonia da FITS.

Uma das principais articulações do CFESS na FITS foi à direção defender a necessidade de revisão da definição de Serviço Social da Federação Internacional. Inicialmente, o CFESS defendeu junto à FITS a impertinência de se aprovar uma definição de Serviço Social. Mas como essa não é a posição da maioria dos países que compõe a entidade, esta trabalha hoje com uma definição mundial que esta distante da concepção que norteia o Serviço Social no Brasil. Assim, o CFESS, junto com os demais países da América Latina e Caribe, indicou o professor José Paulo Netto para participar do grupo de trabalho constituído pela FITS e AIETS para revisar tal definição. O GT, contudo, nunca se reuniu e, durante a Conferência Mundial de Hong Kong, em 2010, o CFESS distribuiu aos/as participantes uma proposta de revisão da atual definição, nos idiomas inglês e espanhol. Também defendeu na assembléia a necessidade de revisão. O CFESS apresentou a proposta de realizar no Brasil, em 2011, um workshop com participação do GT mundial, para discutir a revisão e preparar o debate que ocorrerá durante a assembléia de Estocolmo (Suécia), em 2012. Essa proposta foi aprovada e o CFESS está à frente da organização desse evento, tendo constituído um GT ampliado com esse objetivo. (Relatório C, p. 37)

Um significado positivo desta polêmica com a FITS e seu campo majoritário é que se

articulou uma concepção ampliada do serviço social latino-americano, que vai além

do MERCOSUL, que é dos países latino-americanos e Caribe. Isso pode ter logros

no debate atual da Integração Latino-Americana, visto que a concepção deste

157

debate não se limita aos Estados Nacionais, mas também nas diversas áreas

possíveis de integração, inclusive categorias profissionais e suas contribuições que

dão na realidade social, o que demonstra o caráter coletivo174 do PEP hegemônico

em sua contribuição mais ampla, inclusive promovendo contra – hegemonia nas

pautas da FITS. O relatório A analisa os avanços verificados no trabalho da

comissão de relações internacionais, salientando a difusão internacional do nosso

acúmulo no debate da ética”:

Ampliou-se muito a intervenção do CFESS neste aspecto, com nossa participação junto ao Comité de Organizaciones Profesionales de Trabajo Social y Servicio Social de Mercosur, e junto à Federación Internacional de Trabajadores Sociales (FITS). No âmbito do Comitê Mercosul, coordenado pelo Brasil entre 1998 e 2000, ocorreu o I Seminário sobre Ética e Trabalho Social , realizado em maio de 2000, no Uruguai, contando com a presença de 120 profissionais representando o Brasil, o Uruguai, a Argentina e o Paraguai, que culminou com a aprovação dos princípios éticos comuns para o Mercosul, após dois anos de intensos debates. Foi um avanço importante, já que se trata de uma experiência inédita no serviço social, no espaço mundial. Em relação à FITS, estivemos presentes na sua Assembléia Geral (Montreal, julho de 2000), difundindo nossa experiência e nosso Código (já traduzido desde a gestão anterior para o espanhol e o inglês), e participando dos debates do Comitê de Ética e do Comitê de Direitos Humanos da entidade.

3.1.1 As Lutas Sociais e a Seguridade Social

A articulação do CFESS com as lutas sociais é necessária ao processo de

materialização do PEP, uma vez que ele se viabiliza na atuação profissional, seja no

ensino, pesquisa e atuação prática em diversas instituições e necessária para que o

processo avance e ocorra a concretização com avanços das conquistas sociais na

sociedade.

Uma profissão que tenha uma concepção de organização política e profissional onde

o conjunto CFESS/CRESS não só fiscalize a profissão e defenda seu exercício

174 “Os projetos profissionais apresentam a auto-imagem de uma profissão, elegem valores que a legitimam socialmente, delimitam e priorizam seus objetivos e funções, formulam os requisitos (teóricos, práticos e institucionais) para o seu exercício, prescrevem normas para o comportamento dos profissionais e estabelecem as bases das suas relações com os usuários de seus serviços, com as outras profissões e com as organizações e instituições privadas e públicas (inclusive o Estado, a que cabe o reconhecimento jurídico dos estatutos profissionais”. Netto (1999)

158

profissional, mas que tenha a qualidade dos serviços prestados pela categoria

profissional na pauta, só tem sentido com avanços sociais concretos nos espaços

que a categoria profissional atua.

Avanços não dependem simplesmente dos espaços ocupacionais dos assistentes

sociais, também em um contexto de privatizações. É necessário defendê-los, com

uma articulação mais macro, o que ocorre na luta social por direitos e avanços nas

políticas sociais e públicas. Logo, faz todo sentido o Conselho não ser apenas um

cartório, pois o sucesso da própria categoria profissional em sua intervenção na

sociedade depende de determinantes que tem a ver com processos históricos da

sociedade e direitos conquistados e que hoje necessitam ser defendidos. Direitos

que a categoria profissional dos assistentes sociais atua diariamente. Dentro deste

debate, a análise do Relatório A acerca do Eixo de Seguridade Social:

A ação político-profissional na seguridade social requisitou, ao longo destes três anos, uma frenética articulação envolvendo instâncias e atores diferenciados. Os Relatórios de Atividades do CFESS, redigidos a cada ano, dão a dimensão das incontáveis reuniões, grupos de trabalho temáticos, audiências públicas nacionais e nos Estados, reuniões de fóruns, eventos preparatórios das Conferências, visitas ao Congresso Nacional e órgãos públicos para defesa e constituição de alianças em torno de nossa agenda – a exemplo das frentes parlamentares -, seminários sobre temas específicos, intervenções na mídia, acompanhamento de conferências estaduais e municipais, palestras, estudos, elaboração de pareceres jurídicos, ações na justiça, comissões internas dos Conselhos Nacionais, atuação no Congresso na definição do Orçamento da União... Enfim, um sem número de intervenções em vários níveis, cuja descrição detalhada tomaria muitas páginas deste documento. (Relatório A, p. 23)

Neste fragmento, o Relatório A aponta o exaustivo trabalho do Eixo de Seguridade

Social, sendo que não é possível avaliar o nível de organização do trabalho, mas ver

que são muitas tarefas. Tal nível de articulação denota a importância do trabalho da

seguridade social dentro do conjunto CFESS/CRESS, visto que a interface exercício

profissional e políticas sociais e direitos são algo que se articulam, com temáticas de

impacto direto nos diversos espaços ocupacionais de diversas frentes de atuação,

em especial no que concerne à seguridade social. Existem grandes temáticas que

159

são a assistência social, saúde e previdência social, mas todas estas se articulam

com temas como habitação, criança e adolescência, entre outros.

A reflexão sobre organização de tarefas é importante. Mesmo em correntes

progressistas e de esquerda, é possível diversificar a questão da organização

política que reflete nas tarefas. A primeira análise deve ser o momento conjuntural

vivido, em que a base social dos movimentos sociais e de militantes de diversas

áreas tem tido problemas175 refletindo na militância no seio da categoria profissional.

Problemas ligados ao atual momento político e histórico tem ligação com o

neoliberalismo do período FHC, que rebaixou muito a consciência política de

diversos segmentos sociais e aumentou os níveis de individualismo. Já com o PT no

poder, movimentos sociais em boa parte base petista perderam a autonomia e

independência e ficaram amarrados em pautas rebaixadas e recuadas.

Com o transformismo do PDP, muitos militantes ou caminharam para a extrema

institucionalização da luta social ou foram cooptados para burocracias que os tiraram

das lutas. A base social que já tem o nível de fraqueza política aumentado com o

neoliberalismo dos anos 1990, a base social sofreu fragmentações e confusões

ideológicas após 2000 com o transformismo do PDP. Sobre isso, Netto (2004)

observa:

Estou convencido, porém, de que nem o atalho do possibilismo (“fazer o que é possível porque este é o nosso governo”) nem a via da reserva moralista (“o PT traiu”) nos conduzem ao enfrentamento positivo e superador da prova a que ardis da história nos submetem agora. Salvo melhor juízo, só nos resta, enquanto categoria profissional, preservar, contra ventos e marés, a autonomia para conduzir e aprofundar as exigências do projeto ético – político: preservar a autonomia das nossas organizações (o conjunto CFESS/CRESS, a ABEPSS e, no caso dos estudantes, a ENESSO) em face do governo e do PT (e de todo e qualquer outro partido).

Tal processo presente reflete no conjunto CFESS/CRESS e sua organização

política, pois um projeto profissional do porte do PEP, com quadros que fazem parte

175 Revista da Intersindical “A Classe em Luta para sair do furacão” (2012).

160

das direções do Conjunto CFESS/CRESS, sofrem influência, até porque a categoria

profissional tem sua articulação na luta social.

Em suma: não faltam elementos substantivos para enlançar a história recente dos avanços profissionais com a história do PT. Este enlace, tão profundo, agora experimenta a sua hora da verdade: qual a atitude das vanguardas que lutaram por quase duas décadas e que conquistaram a hegemonia no campo profissional com o projeto ético-político, vanguardas cujos membros (profissionais “do campo”, docentes, pesquisadores e estudantes) foram ou são militantes petistas – qual a atitude quando o PT implementa uma prática governamental que colide essencial e francamente com a programática política (agora claramente demarcada de prática partidária) proposta no projeto profissional? Netto (2004)

Com isso, as tarefas podem ser tomadas por diferentes óticas. Podem ser

burocratizadas, como simples agenda a ser cumprida, já que foi deliberado e não há

outra saída. Nesta concepção, as tarefas são cumpridas sem entusiasmo e como

meramente obrigatório, restringindo o máximo os debates políticos contidos nas

tarefas. Podem ser também cumpridas com desorganização, visto o momento de

confusão ideológica e até falta de quadros para compor as lutas. Se isso ocorror, o

fenômeno do “tarefeirismo”, presentes em movimentos sociais de caráter voluntarista

e com baixo grau de direção política, tende a se fortalecer, com o não cumprimento

de tarefas, não conseguindo priorizar demandas e acreditar que vão conseguir

“abraçar” as diversas temáticas de uma só vez.

Isso pode acarretar em um baixo nível de organização política e ter pouco reflexo

prático na base, não se organizando. Pode até ter quadros militantes adoecendo

porque ficam em tarefas ou se frustram com o dia a dia. Ainda pode dar a falsa

ilusão de que as coisas estão indo bem. Esta análise da desorganização é delicada,

pois exige que teoria se articule bem com prática, além de ter um grau de

subjetividade, que não é exagerado, pois o conjunto CFESS/CRESS é feito de

pessoas em suas direções.

Temos neste contexto uma outra opção, que visa dar um salto organizativo e tem

haver com o debate de projetos. É a opção de tomar as tarefas do Conjunto

CFESS/CRESS de forma realista, sem fatalismos e voluntarismos. Uma opção difícil

com decisões políticas necessárias a serem tomadas e que visem à priorização de

161

algumas tarefas. Isso nos leva a posições polemicas como enxugar minimamente a

agenda e saber com clareza em quais lutas devemos estar neste momento histórico,

saber onde “nossas pernas conseguem estar”, pois passamos por um momento de

certas confusões ideológicas e com falta de quadros para executar algumas tarefas,

pois não é só estar nos lugares, mas sim dar uma intervenção qualitativa neles.

No debate de projetos novamente temos a polemica da relação do PDP com o PEP

e os limites históricos desta relação. Como já debatemos, no passado o PDP teve

elementos progressistas e avançados e tínhamos mais quadros historicamente

formados para atuar em diversas frentes. Com a década de 1990 e a radicalização

do Neoliberalismo tivemos uma diminuição no número de quadros militantes e a

capacidade operacional para que organizações políticas e movimentos sociais

conseguissem continuar a atuar de forma frenética como foi na década de 1980 já

não era mais realidade.

Na década de 2000 sob o governo do PT o transformismo do PDP se mostrou em

evidência, mostrou-se que foi engolido pela ordem burguesa e que rebaixou seu

programa. Logo a capacidade operacional para assumir as tarefas na luta social

diminuiu novamente, até porque muitos quadros foram engolidos pela

institucionalização da sociedade burguesa176.

Nesse sentido ser realista e saber quais tarefas deverá se priorizar e estar, isso

significa ter uma estratégia que caiba no tamanho daqueles que lutam e que a médio

ou longo prazo querem reconstruir as bases sociais para lutas maiores, onde nisso

se inclui reconquistar quadros que poderão assumir as tarefas que mesmo

excessivas terão qualidade e não serão apenas uma agenda, como hoje é comum

em diversos espaços.

176 Não estamos aqui pregando o abstencionismo bordiguista que simplesmente propõe uma espécie de boicote a institucionalidade burguesa. Neste debate propomos aprofundamento na resposta de Lênin a Bordiga. Em “Esquerdismo doença infantil do comunismo” Lênin (1982) e Gramsci (1982). O que debatemos é a perspectiva critica ao institucionalismo que tem tido aderência de alguns movimentos sociais, além da ordem burguesa estar engolindo o PDP, para este debate propomos a leitura do debate de José Paulo Netto na Revista e Serviço Social e Sociedade (2004).

162

Isso no leva a refletir sobre o PEP, como já dito ele teve como parceria estratégica

em determinado tempo histórico o PDP e hoje já em outro tempo temos pela frente o

transformismo do PDP e que trás desafios novos ao PEP. Desafio de buscar novos

parceiros, propostas alternativas e progressistas na luta social. Pois neste desafio o

PEP tem como meta a ser alcançada a capacidade pratica de se mostrar autônomo

e independente do PDP, deixando o legado de um dia ter sido parceiro deste projeto,

mas não o mesmo projeto.

Sendo este desafio enfrentado a altura e tendo clareza dos movimentos em

diferentes tempos históricos, temos a possibilidade de ocorrer o salto organizativo e

demonstrar o valor original deste projeto, sendo realista quando tem que ser

realista, superando os limites com reais forças para isso e sempre tendo como

importância o fator de ousar e muitas vezes “remar contra a maré”.

O Relatório B situa a o eixo Seguridade Social numa ótica social – democrata e

novamente não aprofunda o assunto.

No Eixo em defesa das Políticas Públicas e da Democracia estão às ações em defesa da Seguridade Social pública, universal e gratuita. Cabe, aqui, ressaltar que a Seguridade Social é compreendida como conceito amplo, isto é, além do inscrito na Constituição Federal de 1988. Aqui, se inscreve a luta da profissão por um modelo de políticas públicas universais de responsabilidade e financiamento estatal, bem como de democratização do Estado brasileiro. (Relatório B, p. 03)

Neste fragmento temos o fator importante de marcar posição no debate da

universalidade dos direitos. Mas a perspectiva não é aprofundada, a questão da

democracia é colocada de forma genérica, como um valor universal abstrato.

O Relatório C faz um repasse objetivo do intenso trabalho do eixo Seguridade

Social:

A gestão “Atitude e Crítica para Avançar na Luta” tem a convicção de que direito se conquista na luta. Por isso, investiu fortemente no fortalecimento das lutas da classe trabalhadora e na luta pela ampliação do acesso aos direitos e à riqueza socialmente produzida, por meio da articulação com os movimentos sociais organizados da classe trabalhadora e na atuação nos espaços de controle social democrático, como Conselhos e fóruns. (Relatório C, p. 42)

163

3.1.2 Lutas Sociais e Conselhos de Direitos

O apontamento estratégico da gestão do Relatório C é uma concepção ampliada e

se coloca como direção de um coletivo participe das lutas sociais da classe

trabalhadora. Além disso, aponta espaços que considera importante participar que

são Conselhos de Direitos de Controle Social e Fóruns.

Neste debate dos espaços a serem ocupados, temos a problematização do

Conselho de Direitos. Estes Conselhos têm um histórico importante, pois é fruto das

reivindicações dos movimentos sociais da década de 1980. Inscritos na Constituição

Federal, estes visavam ampliar o Estado em relação ao quesito Democracia, logo

coloca a organização destes de modo tripartite, com a representação de Gestores

dos espaços ocupacionais, Governo e Usuário, apesar de ser uma ilusão social –

democrata de que todos podem ser representados pelos mesmos interesses, tais

espaços dos Conselhos se mostraram uma arena de luta política aberta por

interesse conflitantes177.

Porém historicamente visto a conjuntura de defensiva da classe trabalhadora178, os

Conselhos de Direito e Controle Social passaram a ser um espaço com

desvantagem para os usuários, primeiro porque Gestores de espaços Ocupacionais

e Governo em Conferências passaram agir de forma unificada, e depois porque os

governos em sua maioria passaram a ignorar as deliberações de Conferências, além

de controlá-las com mãos de ferro, manobrando e cooptando fortemente setores de

usuários. Além disso, temos o fator do transformismo e rebaixamento do PDP, o que

levou “naturalmente” setores consideráveis e dirigidos por este projeto a serem

cooptados de forma passiva e esclarecida.

Com isso, tal problematização nos leva a refletir a seguinte questão: em que medida

é viável investir nos Conselhos de Direitos? Tal reflexão não é uma mera proposta

de retirada simplesmente destes Conselhos, mas sim que tipo de inserção e se ela 177 Para aprofundar o debate indicamos os textos “Seguridade Social ainda é possível” e “A mediação das organizações políticas” contidas na Revista Inscrita nº 10 do CFESS. Indicamos também o site da Frente Nacional Contra a Privatização da Saúde, neste site podemos encontrar importantes debates que problematizam a questão do Controle Social no Brasil e que nos deu referencial critico para este debate. 178 Jornal Arma da Crítica nº 1 e nº 2.

164

será feita pelo Conjunto CFESS/CRESS, pois sob o norte do PEP a proposta não

deve ser de simplesmente cumprir uma agenda de lutas, mas sim saber o porquê e

quais os limites dos espaços. Saber os limites e priorizar é outro desafio, pois

lembremos que em cada espaço destes se gasta tempo e finanças e se isso ocorre

é porque se vê potencialidades e contribuições da categoria profissional sob a

direção do Conjunto CFESS/CRESS.

Porem se já não existe potencialidades ou elas são extremamente limitadas é

necessário a reflexão destes espaços, que como dissemos já tem a problematização

de ser ilusória ser paritário na perspectiva de que todos podem ser representados

pelos mesmos interesses. Porem os Fóruns foram citados no Relatório C e isso

potencializa esta reflexão, pois os fóruns podem ser um espaço de organização

autônoma e independente e melhorar a problematização do Conselho de Direitos e

Controle Social.

De forma expansiva o Relatório C coloca os espaços ocupados pelo Conjunto

CFESS/CRESS no Eixo de Seguridade Social, espaços importantes que remetem

os trabalhadores diretamente na luta de classes:

O CFESS buscou estabelecer articulação política com movimentos sociais e sindicais representativas das lutas da classe trabalhadora, a fim de lutar contra as “reformas” neoliberais que restringem direitos. Nessa perspectiva, somou-se aos movimentos sociais contra a proposta de criação de fundações de direito privado na saúde; somou-se às diversas entidades intensas ações em defesa dos direitos e contra a proposta governamental de “reforma” tributária que desmantela o orçamento da seguridade social; somou-se aos movimentos sociais para lutar contra a “reforma” do ensino superior, que instiga a privatização, a precarização do ensino público e a expansão do ensino privado presencial e à distância; somou-se aos movimentos sociais em defesa do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e da implementação do SINASE e contra a redução da maioridade pena; somou-se aos movimentos sociais dos direitos da pessoa idosa, das pessoas com deficiência e em defesa do Sistema Único de Assistência Social (SUAS); somou-se aos movimentos sociais dos trabalhadores sem terra e sem teto, em defesa do direito ao trabalho, à terra e a cidade para todos e todas, como reafirmamos o CFESS Manifesta lançado em abril de 2011, no Dia Nacional de Luta pela Reforma Agrária e Dia Internacional das Lutas Camponesas. (Relatório C, pág 44)

O Relatório C demonstra uma estratégia de trabalho articulada e sofisticada da

gestão. Procura separar as tarefas por temas, não é possível avaliar o grau de

organizar nesta separação, mas para todas as gestões e relatórios o desafio de

165

conseguir priorizar para qualificar o trabalho e postumamente dar um salto na

formação de quadros para dar conta das tarefas e desafios postos junto à categoria

profissional e conjuntura, são desafios contínuos. Até porque todas estas lutas,

mesmo que metodologicamente separadas por temáticas, tem pontos que se

encontram, e é nestes pontos que se pode ter a chave de facilitar o trabalho e

unificar as lutas.

O Relatório C ainda nos trás dentro da questão organização do trabalho as

demandas advindas dos Conselhos de Direitos e nestas demandas problematizam

a questões das tarefas, o que se conecta com a problematização que colocamos da

necessidade urgente de refletir o papel dos Conselhos, seus limites e o que se

transformaram.

O CFESS foi eleito para representar os trabalhadores em cinco conselhos nacionais: CONANDA (suplente); Conselho Nacional dos Direitos do Idoso (suplentes e depois titulares); Conselho Nacional de Assistência Social (suplente); Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas – CONAD (titular); Conselho Nacional de Saúde – CNS (titular). (...) Estas representações demandaram imenso trabalho, pois são intensas de reuniões (em alguns casos as reuniões são mensais) e de atividades, mas se construíram em importante estratégia de resistência contra as propostas de redução de direitos e de defesa de sua ampliação. (Relatório C, p. 45)

Dentro desta citação percebemos a responsabilidade das tarefas, pois no Conselho

os representantes do Conjunto CFESS/CRESS não estão representando apenas os

assistentes sociais, mas também os usuários dos serviços. O que demonstra o

caráter objetivo do porque a profissão não poder ser corporativista, pois sua

existência esta imbricada nas políticas sociais e publicas em especial.

Outra questão é que a própria citação problematiza a questão do “imenso trabalho”

o que demonstra a importância da reflexão da organização política, como

procuramos fazer de forma constante nesta pesquisa. O que também demonstra

valido problematizar e refletir os limites e potencialidades dos Conselhos, para que

não esteja por estar nestes espaços e saibam das complexas relações contidas

neles como apontamos.

166

3.1.3 Formação Profissional

Dentro da metodologia que escolhemos que é debater categorias gramscinianas e

outros marxistas, com teóricos do serviço social, analisando a organização política,

ampliando o debate para os eixos temáticos, temos por fim o eixo de Formação

Profissional que na atualidade se articula bastante com outras entidades

representativas do serviço social brasileiro que são a ENESSO e a ABEPSS. Este

eixo visa orientar a profissão para uma formação profissional de qualidade, pública,

gratuita e laica, formando profissionais posicionados e que tenham qualidade nas

dimensões teórico – metodológicas, ético – políticas e técnico – operativas.

No atual estágio conjuntural tal tarefa não é fácil. Vivemos um tempo que os serviços

públicos vêm sofrendo assédio de grandes oligopólios, sendo que na área da

educação não é diferente. Temos uma grande expansão do ensino universitário

privado, de formas mercadológicas diversas em instituições que vendem cursos,

entre eles o serviço social179. Cursos que precarizam o ensino e a formação

profissional e que advogam apenas por seus lucros. Não articulam ensino, pesquisa

e extensão e ainda promovem precarização do trabalho dos professores com

assédio moral, censura de opiniões, salários menores, excessivo número de alunos

por professores e muitas vezes demissões injustas e persecutórias.

Esta conjuntura privatista tem trazido desafios complexos para o serviço social

brasileiro e seu PEP, pois este depende de profissionais posicionados e o processo

de formação profissional é parte importante da construção e continuação do PEP. Tal

processo tem se agravado com uma modalidade de ensino que tem se expandido de

forma agressiva que é o Ensino a Distância – EAD.

Esta modalidade tem espalhado pólos pelo Brasil inteiro, sendo a maioria em

Instituições de Ensino Particulares180. As aulas são virtuais, e os indivíduos de forma

isolada estudam o curso sem interagir com outros estudantes. Modalidade esta

agressiva também no campo ideológico, pois de forma manipulativa tem organizado

179 Recomendamos o debate da Revista PUC Viva nº 35, agosto de 2009, “Mercantilização do Ensino e o ensino a distância”. 180 O Relatório C referencia-se em pesquisa realizada pelo CFESS sobre a questão.

167

estudantes para defender tal modalidade e atacar quem é contra ela, em especial o

Conjunto CFESS/CRESS.

Dentro desta conjuntura o Conjunto CFESS/CRESS tem articulado lutas, com outras

entidades e para dentro do serviço social brasileiro.

O Relatório A coloca o Eixo de Formação Profissional de forma esparsa, articula a

capacitação via o módulo do “Ética em Movimento”, via o módulo que

especialização organizado pelo CFESS e ações ligadas a fiscalização e ética

profissional. Ou seja, fez alguns repasses, mas não esclareceu as contradições da

conjuntura nesta área e seus desafios. “Portanto, pensamos que a existência de

uma Comissão de Formação Profissional do CFESS está estreitamente vinculada

às atribuições de fiscalização, com suas interfaces já sinalizadas com o processo de

formação profissional” (Relatório A, pág 18)

Aqui se explicita o que analisamos que foi a questão de vincular à formação

profissional a fiscalização sem uma mediação, colocando o processo apenas no

patamar educativo.

Nesta discussão, o CFESS contribuiu com a elaboração de um importante parecer jurídico, pela sua assessoria. Participamos de eventos promovidos pela ABEPSS e ENESSO, sempre na perspectiva de aprofundar nossa relação política e divulgar a política nacional de fiscalização e suas potencialidades, na dimensão de afirmar principio e valores profissionais. (Relatório A, p. 18)

Mais uma vez o Relatório A associa a formação profissional ao eixo de fiscalização,

podemos perceber que havia uma preocupação ligada à ética profissional e valores

no âmbito desta gestão, o direcionamento pelo indicado era enfrentar alguns

desafios da conjuntura via este debate. Há um indicativo importante ao falar dos

valores, pois isso significa uma direção que visa fortalecer o projeto profissional

hegemônico do serviço social e ao mesmo tempo colar ele em um projeto societário

coletivo e emancipatório181.

Mas ainda há um déficit em apontar questões conjunturais e seus desafios. Há

apenas uma pequena citação conjuntural, mas logo cola a questão da fiscalização

apenas, sendo que esta preocupação foi mostrada em articulação com a ENESSO:

181 Netto (1999).

168

No caso da relação com os estudantes, estivemos participando de seus eventos nacionais ora esclarecendo o papel do Conjunto CFESS/CRESS na organização política da categoria, ora discutindo o ponto de vista acumulado na discussão coletiva no âmbito da ABEPSS, temas como a avaliação institucional e o Provão. O CFESS esteve presente em todos os eventos nacionais da ABEPSS e da ENESSO entre 1999 e 2002, e as duas entidades estiveram acompanhando nossos Encontros Nacionais. Além disso, mantivemos convenio de apoio a ABEPSS (1999/2000) e ENESSO (1999 a 2002), que contribuíram para a construção de eventos conjuntos, a exemplo do Seminário da LDB e da Oficina Nacional em torno das Diretrizes, articulados pela ABEPSS, e para a formação de quadros, no que se refere ao fortalecimento do movimento estudantil de serviço social. (Relatório A, p. 19)

Esta citação apesar de novamente não ter o elemento conjuntural analisado,

momento histórico este que a gestão estava inserida, que foi tempos de

radicalização do neoliberalismo no Brasil sob o governo FHC e que abria as

comportas da privatização da educação universitária no Brasil de forma

desenfreada. Mas a citação traz pontos interessantes, como a articulação

continuada das entidades da categoria profissional, a organização política de forma

ampliada da categoria profissional, além de uma concepção que existe em todas as

esferas das entidades da categoria que é a preocupação de formar quadros182.

Esta preocupação demonstra uma concepção que é de ter uma vanguarda de

caráter continuado que se preocupe manter vivo o PEP do serviço social brasileiro e

organizar politicamente a categoria, a mediação vanguarda quando aqui explicitada

não é algo advindo de uma direção iluminada e distante da base, mas sim de algo

ampliado e que chegue até a base, sendo base quando atuante considerada parte

desta vanguarda também. Esta concepção de construção de uma direção

posicionada é parte da construção dos valores de um projeto coletivo que visa ser

hegemônico ou/e manter a hegemonia. De acordo com Netto (2009):

Todavia, é inconteste que, na segunda metade dos anos noventa, este projeto conquistou a hegemonia no interior do corpo profissional. Contribuíram para esta conquista dois elementos de ordem diversa, que a vontade político-organizativa das vanguardas profissionais soube articular numa definida direção social estratégica.

182 Recomendamos para aprofundar este debate Lênin “O que Fazer?” (1982).

169

Já o Relatório B trás uma concepção reducionista no Eixo de Formação Profissional

que é uma concepção de articular as entidades para fins de capacitação

profissional, acreditando apenas no viés educativo da questão, e sem também

analisar a questão conjuntural e o momento privatista da educação universitária.

As atividades da Formação Profissional no CFESS foram desenvolvidas diretamente associadas às ações que articulam a formação e o exercício profissional. Ao implementá-las objetivamos estimular a criação de mecanismos de capacitação profissional como instrumento de qualificação do assistente social, contemplando em suas análises o contexto mais amplo da formação profissional e suas implicações para o exercício profissional do/a assistente social, seus compromissos assumidos para a concretização do Projeto Ético-Político do serviço social, construído coletivamente pela categoria e pelo conjunto CFESS/CRESS em suas articulações com as entidades nacionais e internacionais da categoria. Nessa direção, fortaleceu-se a relação com as Entidades Nacionais da categoria da área de formação profissional ABEPSS e ENESSO e fortaleceu o eixo de Articulação com as Unidades de Ensino da Política Nacional de Fiscalização. (Relatório B, pág 6)

Além desta análise do relatório B ser muito incipiente, apresenta um equivoco ao

tratar a ABEPSS e a ENESSO como “Entidades Nacionais da categoria da área de

formação profissional”. Entendemos que a ENESSO é uma entidade estudantil que

se envolve em diversas lutas conjunturais e históricas, tendo a formação profissional

como uma dimensão importante, mas isso não a transforma numa entidade de

“formação profissional”183.

O Relatório C procura fazer uma analise teórica, política e conjuntural que envolve o

eixo de Formação Profissional. Uma analise fincada no posicionamento contrario a

privatização da educação e precarização do ensino.

O tempo presente exige uma qualificação profissional técnica, ética e política, fundada na perspectiva crítica e de totalidade que possibilite compreender as complexas determinações que subjazem as relações sociais. Imbuídas dessa perspectiva, o Serviço Social, apesar de tempos sombrios e da contracorrente capitalista patriarcal, ousa colocar o trabalho como central na sociabilidade humana e luta pela sua realização com qualidade. (Relatório C, p. 24)

A análise perpassa pela critica ao capitalismo, marcando posição em uma formação

que caminhe para a totalidade, reconhecendo que esta perspectiva esta na

“contracorrente” do atual momento histórico.

183 Para aprofundar os estudos da ENESSO recomendamos Araujo (2009) e Santos (2007).

170

O Relatório C procura apontar caminhos de resistência a atual conjuntura via

organização política, dando um salto no âmbito de proposta e concepção, elevando

o grau de intervenção no eixo Formação Profissional:

Preservar, fortalecer, conquistar a adesão de novos sujeitos e consolidar nosso Projeto Ético-Político Profissional é um desafio e ação política estratégica de todos/as. Exige uma postura profissional que articule a radicalização da democracia com fortalecimento das lutas sociais, na perspectiva da resistência coletiva. Exige a ruptura com o conformismo, com o conservadorismo e com perspectivas endógenas que sombreiam a profissão. Fortalecer as lutas sociais para romper com a desigualdade significa contribuir para que mulheres e homens, explorados/as e oprimidos/as pelo capital, se reconheçam e se constituam como sujeitos políticos e coletivos, que lutam aguerrida e cotidianamente em busca de liberdade e emancipação humana. (Relatório C, pág 24)

Dentro da analise do Relatório C temos um alinhamento com a perspectiva de um

projeto societário coletivo de cunho emancipatório que caminhe na luta pela

construção de uma nova sociabilidade184 e outras relações sociais de produção185.

Que contribua para a construção de uma nova hegemonia e um novo bloco

histórico186.

O peso para a formação profissional e logo preocupação com este eixo é explicitado

no Relatório C:

O CFESS também entende que o exercício do trabalho com competência teórica, ético-politica e profissional depende não só das condições objetivas para realização do trabalho, mas também de uma formação com qualidade e do compromisso com a educação permanente, com vistas à qualificação sistemática e continuada. (Relatório C, p. 25)

Esta analise coloca como norte os caminhos de uma formação continuada e com

qualidade, mas frente à conjuntura o Relatório C procura mediar situações que se

mostram desafiadoras, não só para a formação de qualidade, mas também para o

projeto profissional hegemônico, sendo o EAD um dos pontos dramáticos da luta

contra a precarização da formação profissional.

184 Recomentamos para aprofundar o debate Barroco (2006). 185 Marx (2008). 186 Simionato (2011) e Gramsci (1982).

171

... com a elaboração do documento sobre a Incompatibilidade entre Graduação à Distância e Serviço Social, publicado em 2010: subsídios para debates, palestras, fiscalização e normatizações especificas. Nas ações articuladas com entidades, vale registrar, principalmente a articulação com ANDES, que assumiu apoio público à campanha das entidades contra a graduação à distância. As ações junto ao MEC foram conduzidas em duas perspectivas. A primeira, de diálogo, na tentativa de demonstrar ao MEC, em especial à Secretaria de Educação a Distância, os malefícios da expansão dos cursos de graduação à distância para o Serviço Social, o que se deu por meio de realização de seis audiências com a equipe da SESSD/MEC nesse período, sendo uma no próprio CFESS, e apresentação do documento indicado anteriormente. Diante do sucesso dessa estratégia, o CFESS apresentou duas representações administrativas junto ao MEC, questionando e solicitando revogação das Portarias MEC nº 40 (de 12/12/2007) e Portaria Seed/MEC nº 44 (de 18/08/2009). Tendo em vista que o MEC não atendeu ao disposto nas referidas representações, está em elaboração uma representação ao Ministério Público Federal (MPF), solicitando a propositura de ação civil pública contra essas portarias. (Relatório C, p. 26)

Visto o posicionamento do conjunto CFESS/CRESS contra a modalidade de EAD, o

Relatório C expõe que o Conjunto foi à luta contra tal precarização de ensino.

Articulou-se pela via da organização política e jurídico-institucional, teve dificuldades

com a burocracia do MEC e em situação adversa mesmo assim foi para o MPF. Tal

situação demonstra o quanto o MEC que hoje está sob a direção do Projeto

Democrático – Popular “versão brasileira” está afinado com a conjuntura atual.

Afinado com o capital parasitário – financeiro que hoje é hegemônico e faz suas

exigências de rentabilidade financeira187. O EAD é uma modalidade de ensino

recomendada pelo FMI e Banco Mundial, visto que gera formação precária, mão de

obra tecnicista e barata, além de abrir mais um nicho de exploração do capital que é

a educação. Quando o MEC fecha as portas e mantém a posição pró – EAD

demonstra que esta afinado com tais setores privatistas.

O Conjunto CFESS/CRESS procurou como dissemos fortalecer a organização

política para esta luta e neste quesito se utilizou bem do eixo de Comunicação e fez

à criativa e pedagógica campanha “Educação Não é Fast – Food, diga não para a

graduação à distância em Serviço Social”. Porém esta campanha política sofreu um

forte ataque dos “tubarões” do ramo privatista da educação que se incomodaram

com a campanha e não tendo a capacidade de vir para o embate político visto a

187 Chesnais “Repúdio as Dívida Públicas Européias“ (2010) neste texto o autor debate a questão do capital parasitário – financeiro.

172

falta de argumentos apelaram para a justiça burguesa que de forma servil aos

interesses do capital188 deu parecer favorável aos privatistas da educação e a

campanha do Conjunto CFESS/CRESS foi censurado e teve que ser retirada

infelizmente189.

Porém apesar da situação adversa e de reveses, a luta por uma formação

profissional de qualidade continua, e certamente o Conjunto CFESS/CRESS junto

com outras entidades combativas vão forjar outras formas criativas e organizativas

de enfrentamento. Já fazem isso com o Plano Nacional de Lutas que o Conjunto

CFESS/CRESS vem afirmando como instrumento organizativo e que necessita

sempre ter a reflexão que qual grau de nível organizativo esta, lembrando que

temos que ser realistas, sabendo ter a capacidade de saber dar cada passo

adequado que exige a luta e que de fato se consiga dar.

O Plano, lançado no final de 2008 e atualizado anualmente desde então, tem sido um importante instrumento de orientação das ações das entidades nacionais e dos CRESS, em cinco eixos estrategicamente estabelecidos: Eixo de Ações Relativas à Política Nacional de Fiscalização, Eixo de Ações de Estudos e Pesquisas, Eixo de Ações de Articulação com Entidades, Movimentos Sociais e Conselhos, Eixo de Ações junto ao Ministério da Educação (MEC), Eixo de Ações junto ao Poder Legislativo, Eixo de Ações Jurídicas e Eixo de Ações de Comunicação e Mobilização”. (Relatório C, p. 25)

Dentro deste repasse, o Relatório C demonstra um sofisticado modo de organizar o

trabalho político na luta contra a privataria190 na educação e a modalidade

sucateadora que é o EAD. Mas faz isso sem se isolar, pois esta luta é macro –

estrutural e necessita de parceiros, como o Relatório C já tinha explicitado o

ANDES.

188 O debate dos interesses de Estado colidir com os interesses de classes sociais ainda é atual, recomendamos o clássico “O Estado e a Revolução” Lênin (2010). 189 O site do CFESS da detalhes do injusto processo. 190 Tomo emprestado esta terminologia do livro “Privataria Tucana” de Amaury Ribeiro Junior (2010) ao que parece a “saga” privatista não cessou.

173

Considerações Finais

Buscamos debater e analisar elementos importantes no âmbito da hegemonia e

organização política do Conjunto CFESS/CRESS. Através dos eixos, percebemos

que o conjunto tem uma agenda de lutas e compromissos articulada com planos de

lutas e atuação que visam intervir de forma objetiva e criativa no seio da categoria

profissional dos assistentes e também para além da categoria.

Na análise dos eixos, não é possível apontar que algum é considerado mais

importante que outro. Isso seria um erro mecanicista que fragmentaria a perspectiva

de totalidade na ação ético-política do conjunto CFESS/CRESS. No entanto, foi

possível verificar que determinados eixos ocupam um lugar de destaque nos

relatórios A e C, a exemplo do eixo ética e direitos humanos. Assim, podemos

apontar que um eixo apresente um conteúdo mais elaborado em relação a outro, o

que não significa que ele seja mais importante. Há uma articulação orgânica entre

todos.

Percebemos nesta pesquisa que os Relatórios Finais não são meros instrumentos

burocráticos vinculados a uma obrigatoriedade sem vontade coletiva e com fins

institucionalistas; são memórias de feitos e lutas aguerridas em um espaço com

contradições por ser uma Autarquia Especial com obrigatoriedades jurídicas, mas

que tem uma categoria profissional com lutas forjadas a fim de romper paradigmas

conservadores que atrasavam a própria profissão. O Relatório B deixou a desejar

neste sentido, não só porque se colocou de forma genérica demais, como não

esclarece diversos pontos. Lembremos que um relatório final não é apenas um

documento a ser esquecido, ele é público e tem valor documental e histórico.

Os Relatórios A e C foram bem elaborados, sendo o Relatório A de um grau de

elevação política alto, com uma consistente análise e boas propostas de resistência

aos ataques neoliberais que a gestão deste relatório vivenciou. O Relatório C tem

também um grau elevado dos feitos da gestão. Em si, o relatório é muito bem

elaborado; em sua grafia e formatação, o formatado. Neste relatório, julgamos

necessário polemizar no debate de projetos ao apontar elementos sociais e

democratas sem aprofundamentos e que hoje ainda são vigentes vinculados no

174

PDP: “o que exige atuação de assistentes sociais comprometidos/as com a

consolidação do Estado Democrático de Direitos” (Relatório C, pág 31)

Esta vinculação não crava nesta gestão do Relatório C a pecha de uma gestão

comprometida com o PDP. Aponta certas influências que boa parte dos assistentes

sociais têm e que necessitam refletir para romper. Netto (2004) na Revista Serviço

Social e Sociedade reitera que:

“E para não delongar mais: o que está (e estará cada vez mais) em jogo é a sua autonomia política para conduzir o denominado projeto ético-político que construíram para a profissão nos anos 1980 e 1990. Compreender o que está envolvido nesta prova supõe retomar componentes histórico-políticos muito expressivos da gênese e do desenvolvimento desse projeto”.

Netto (2004) debate a influência do PT no serviço social brasileiro, suscitando um

debate de projetos, e o projeto histórico levantando pelo PT foi e é o PDP. Ao falar

sobre autonomia política, ele se refere ao PEP. Quando debatemos criticamente a

questão no Relatório C sem frisar que esta gestão está vinculada necessariamente

ao PDP, ocorre por causa da capacidade da gestão de buscar novos parceiros que

não fossem o PDP e atuar no transformismo do PDP.

Francamente o Relatório B tem pontos críticos e até criticarmos a falta de

credibilidade, visto a baixa qualidade. Percebemos a vinculação deste Relatório com

o PDP nos primeiros anos do Governo do PT. Os apontamentos tecnicistas do “novo

PDP” são constantes, já desde o início do relatório apontando que o principal seria a

fiscalização.

No debate de projetos, percebemos que mesmo com as contrariedades do Relatório

B, o projeto é coletivo e busca vincular-se ao projeto societário emancipatório de

norte socialista. No quesito organização política, temos o engajamento da

articulação das entidades representativas do serviço social brasileiro, além de ter

grande número de tarefas ético-políticas. Como apontamos, a reflexão de como

estão sendo feitas as tarefas é necessária, ser realista, sem fatalismos e saber “não

dar um passo maior que a perna” neste momento histórico de confusão ideológica e

reorganização da classe trabalhadora no Brasil.

175

Foi positivo verificar na pesquisa que o serviço social brasileiro ainda teima em

remar contra a maré e que de tanto teimar tem colhido bons frutos, entre eles a

possibilidade de fazer parte da reconstrução de um projeto societário emancipatório

no Brasil, sendo que para que não se perca “o bonde da história” é necessário que o

Projeto Ético-Político hegemônico forje formas criativas para se manter autônomo e

progressista, buscando novos parceiros para sua efetivação, sabendo fazer o

movimento específico e geral na realidade brasileira.

No fim da década de 1970 e em 1980, as reivindicações oprimidas começaram a se

levantar e a alçar um novo futuro. Vivenciamos um rico processo de luta com as

Diretas Já, conquistas democráticas e um intenso processo de luta social. Novas

organizações políticas surgiram e com elas renascem espaços. Abrem espaços

novos em uma sociedade que precisava superar as feridas deixadas pelos tempos

sombrios de Ditadura Militar.

Neste rico processo de reconstruções e novas construções é que se fortalece o

conjunto CFESS/CRESS, fundados oficialmente em 1962. Não de forma “natural”,

mas em um intenso processo de luta interna, em suas direções e em concepção de

profissão. Teve forte publicidade em 1979 com o “Congresso da Virada”191 e depois

mostrou através das associações sindicais e setores organizados que foram

conquistando as direções do CRAS e depois do CFAS, mudando as características

da estigmatizada profissão de serviço social no Brasil.

Mesmo com uma rica conjuntura de lutas sociais, organizações populares e sindicais

em forte nível de organização, que influenciou e conquistou corações e mentes de

assistentes sociais engajados que também começaram gestar mudanças na

profissão, o processo passou por percalços e desafios pela história, como ainda

continua dialeticamente passando.

A síntese das lutas sociais da década de 1980 foi feita em momentos históricos,

tendo a emblemática Assembléia Constituinte em 1986 como bom termômetro da

191 Temática analisada e debatida em “Seminário Nacional – Congresso da Virada 30 anos” CFESS (2012).

176

luta de classes no Brasil, com embates entre forças sociais diferentes. A nova

Constituição Federal foi outro processo sintético com contradições e avanços

inscritos na “Carta Magna”. Em 1989, tivemos forte polarização entre candidatos de

elites e candidatos de forças progressistas que se manifestaram emblematicamente

no confronto direto entre Lula versus Collor, tendo a mídia manifestado seu poderio

na época com fortes processos de manipulação contra Lula, que hoje

emblematicamente tem sua aliança tática com Collor.

Esta síntese teve seu momento histórico no serviço social brasileiro, que foi a

construção de um novo Código de Ética em 1986, que enfim superava o Código de

Ética de 1975 da época da Ditadura Civil Militar. No entanto, o que aconteceria no

Brasil e pelo mundo estava sendo avassaladora. Com a bancarrota da maior parte

do Bloco Socialista, que colocou o movimento dos trabalhadores em nível mundial

sob alerta e defensiva.

A desregulamentação de economias, “diminuição” do Estado, corte de gastos nas

áreas sociais para incentivar a competitividade e diminuir os aparatos que travavam

as economias e privatização do máximo possível de patrimônio público, também

assombrava o País. O Neoliberalismo colocou milhares de trabalhadores nas filas do

desemprego para serem um exército de mão de obra na reserva e também exército

sobrante192, ou seja, nem nas filas do desemprego teriam mais o direito de estar,

assim como ocorreu nos áureos tempos de Revolução Industrial onde o capitalismo

tinha a total hegemonia e controle da vida de milhões de pessoas que vendem sua

força de trabalho.

O Neoliberalismo teve que ser adiado no Brasil, pois as lutas sociais da década de

1980 poderiam ir para além dos limites aceitáveis e sair totalmente fora do controle.

Mas quando as lutas diminuíram, de forma tardia, o Neoliberalismo chegou ao Brasil

sob a propaganda oficial de ser modernizante e trazer o progresso, com promessas

de abonança que nunca poderiam ser cumpridas. Assim como em outras partes do

mundo, aproveitou da defensiva dos trabalhadores que no Brasil teve o fechamento

de ciclo em lutas sociais reformistas que esbarraram em uma conjuntura

192 Marx (2012).

177

internacional desfavorável, que relegaram as lutas sociais dos anos 1980 para

limites que não se sintetizaram para além dos limites.

Os anos 1990 o Brasil foram de cortes de direitos e flexibilizações,

desregulamentação da economia em favor do capital financeiro193, e privatizações,

além do fenômeno do desemprego ter aumentado ano a ano. FHC soube se

aproveitar de seu legado “antiditadura” para liderar a radicalização do neoliberalismo

no Brasil.

Neste mar de difícil navegação, o serviço social brasileiro fechou um ciclo de

transformação. Como aponta Netto (2010), desde a década de 1980 o serviço social

brasileiro consagrou um movimento para romper com o conservadorismo que foi o

Movimento Intenção de Ruptura, que de forma madura e mais consolidada

hegemonizou o serviço social brasileiro e suas entidades de categoria profissional,

que hoje consagramos como Projeto Ético-Político hegemônico, que conseguiu se

processar historicamente em um contexto de luta social e perspectivas progressivas

e em fase de consolidação se defronta com um tempo histórico mais hostil e de

regressões.

Para conseguir se manter sem naufragar, uma combinação de fatores teve que se

movimentar. O Conjunto CFESS/CRESS se configurou historicamente forjando sua

renovação através de lutas sociais em 1980. Setores avançados da categoria

profissional conseguiram sintetizar o momento histórico e aproveitá-lo,

democratizando entidades da categoria profissional, com a força de novas

organizações, que foram as associações sindicais, e setores da categoria

profissional que atuaram na base dos Conselhos e setores intelectuais que inovaram

a produção teórica da profissão, que acabaram por democratizar a própria profissão

no Brasil e dar passos à frente a fim de superar o pesado legado conservador do

serviço social brasileiro.

Esta configuração teve por dentro uma organização política a fim de ampliar a base

social em uma concepção de democracia participativa que é umas das bases do

193 Chesnais (2009).

178

PEP. Abrindo o Conjunto para a categoria, via encontros, fóruns, debates, eventos,

assembléias, a visibilidade de uma nova concepção conseguiu enraizar.

Em momentos de dificuldades, fatores ligados ao movimento geral para além da

profissão, mesmo com bases sociais com problemas visto a conjuntura, o serviço

social conseguiu atuar. Sua parceria histórica com Projeto Democrático-Popular194

colocou a profissão nos movimentos de resistência ao neoliberalismo. Tal resistência

manteve a hegemonia da profissão. Fatores que como vemos são combinados e

que apesar da dificuldade da conjuntura, teve o fator específico com originalidade

para apesar de tudo manter a hegemonia do PEP na profissão.

Mas como dissemos e analisamos no primeiro capitulo, os percalços e desafios se

mantiveram, tendo uma nova conjuntura se abrindo195. Com grande insatisfação

popular contra a regressão social neoliberal, os ventos destas insatisfações

começaram a ensaiar mudanças na América Latina. Primeiro com a eleição de Hugo

Chávez na Venezuela, que poucos levaram poderiam crer que depois avançasse

tanto no projeto da chamada Revolução Bolivariana196.

Mas em 2002 em um país das proporções do Brasil parecia que a tonica era de

mudanças com a eleição do renovado Lula. Muita insatisfação com os altos índices

de desemprego e inflação havia no país. Com promessas diversas, entre elas

acabar com a miséria a gestão do PT começou mantendo muitas coisas da gestão

anterior. Entre elas as polemicas e retrógradas privatizações, que dilapidaram o

patrimônio publico no Brasil a preços módicos para grandes empresas.

Na área social alguns índices foram amenizados com programas sociais de caráter

compensatório. Porém em muitas áreas que necessitam uma inversão nas

prioridades políticas e reformas estruturais, pouco foi feito. Houve geração de

emprego, mas com a continuação elevada nos níveis de exploração e manutenção

de mecanismos de concentração de renda.

194 Netto (2004). 195 Ídem. 196 Maringoni (2009) “A Revolução Venezuelana”.

179

No leque da política, o campo progressista e de esquerda questiona alianças com

partidos de direita e setores consideráveis do empresariado. O capital financeiro e

especulativo continua com liberdade plena e com alta rentabilidade no país, tendo a

cada ano aumentado o lucro dos bancos que nada tem a reclamar com esta

conjuntura. Pouco se avança na seguridade social, pois não se rompe com

compromissos firmados, exemplo é a continuação da atrasada política de

Desvinculação das Receitas da União – DRU que continua “seqüestrando” parte do

orçamento da seguridade social197. No nível de intervenção das organizações

políticas há tendência ao fracionismo e divisões de organizações, tendo algumas

inclusive saindo do próprio PT. Momento de cooptação institucional e contenção das

lutas, pouca consciência de classe, fora uma menor combatividade em organizações

históricas.

Ou seja, um momento de desorganização política e hegemonia do projeto que

muitos apontam como “Conciliação de Classes”198. Neste tipo de projeto há a

concepção de que todos podem ser representados pelos mesmos interesses. Há

uma inspiração social – democrata neste modelo de gestão, mesclado com

construções que foram forjadas na realidade brasileira como o Projeto Democrático

– Popular e alguns elementos do nacional – desenvolvimentismo. A formula já é uma

velha conhecida, a promessa de que com crescimento econômico todos sairão

ganhando199.

É nesta nova conjuntura, onde organizações progressistas e de esquerda tem pouca

força visto reorganizações e tentativas de novas construções, e a política vem se

tornando algo nivelado com poucas diferenças200. Contexto difícil, tendo setores

mais a direita que se demonstram ainda pior que o projeto da Conciliação de

197 Debate contido em Behring e Boschetti (2008). 198 Revista Intersindical (2012). 199 Entre vários discursos destacamos o de 07/09/2013 feito pela presidente Dilma Roussef que fala desta concepção de crescimento econômico. 200 As manifestações de junho de 2013 pelo Brasil a fora demonstram contrariedades, entre elas a bandeira conservadora do “anti-partido”, mas nela há o elemento inegável de que realmente na política institucional há pouca diferença nos partidos que estão no poder além de a chamada democracia ser cada vez menos democrática e a sociedade ficar alheia de participação.

180

Classes, mas não que este tenha se demonstrado muito melhor, ou seja, um

processo de contradições e necessária mediação.

O PEP hegemônico do serviço social brasileiro se vê novamente desafiado. Primeiro

porque as entidades da categoria profissional, junto da orientação do projeto tiveram

por um bom tempo uma parceria importante com o PDP e por conseqüência com

setores petistas em organizações sindicais e populares, fora a militância partidária

de setores organizados da categoria profissional. Depois porque neste momento

histórico temos elementos a serem mediados. Por exemplo, os programas sociais.

Setores atrasados fazem a critica neoliberal radical a programas como o Bolsa

Família, dizendo que este programa é um incentivo a acomodação entre outras

barbaridades que argumentam em uma clara criminalização da pobreza e dos

usuários do programa. Mas ser contrário a esta criminalização não significa deixar

de fazer uma análise profunda de que são programas compensatórios que não

atacam as contradições estruturais presentes na sociedade brasileira. Ou seja, entre

diversos outros debates, a necessidade da mediação é necessário.

Lutas continuam ocorrendo e necessidades de novas conquistas continuam a existir,

fora a continua violação de direitos que ocorre diariamente na realidade brasileira.

Nesta conjuntura, reordenamento de organizações política e confusões ideológicas

que o PEP hegemônico do serviço social brasileiro e o Conjunto CFESS/CRESS

caminham para se manterem na resistência e com novos desafios.

Para compreender os desafios de conjunturas diferenciadas é necessário estudar a

organização política do Conjunto CFESS/CRESS e quais são os elementos que

encampam a hegemonia do PEP. Procuramos no segundo capítulo estudar as

influências que estão do Projeto Ético-Político do serviço social brasileiro e o que

acarreta tal concepção na organização política do Conjunto CFESS/CRESS.

Para entendermos mais como se dá a hegemonia do atual projeto profissional do

serviço social, procuramos estudar sob a ótica do teórico e militante que aprofundou

a temática e que muito influenciou e influencia a profissão no Brasil que é Antonio

Gramsci.

181

Elementos como hegemonia, cultura, intelectual orgânico, senso comum, sociedade

civil, partido político, ético-político, guerra de posição, estrutura, superestrutura e

bloco histórico foram elementos que aprofundamos no debate de como Gramsci e

que influencia e dão sua contribuição a esta profissão que no Brasil constrói um

sustentáculo de extrema importância na nova hegemonia profissional.

Deixamos claro que não só Gramsci influenciou e influencia o serviço social

brasileiro. A retomada das fontes originais em Marx que o serviço social brasileiro

refinou sua produção teórica que contribuiu para reatualização profissional. Através

de outros teóricos, em especial marxistas, que o serviço social pôde compreender

mais e ter suas contribuições. Sendo que Gramsci é o teórico da hegemonia e que

visivelmente tem suas concepções enraizadas no projeto profissional hegemônico.

Através do debate em Gramsci que o serviço social brasileiro teve bons subsídios

para seu salto organizativo, via a direção ético-política impressa pelas entidades

representativas em especial o conjunto CFESS/CRESS.

Quando Gramsci construiu suas formulações, fez pensando na sociedade e não em

uma profissão, conseguiu uma mediação interessante da sociedade civil e do

funcionamento das instituições e da luta política. Gramsci chama atenção para as

diferentes realidades nacionais e culturais e como a luta política pode ocorrer nelas.

Em sociedades que ele chama de ocidentais, a luta política é mais complexa e

conquistas foram lentamente realizadas em forma de concessões, e espaços na

“sociedade civil” foram construídos, tendo uma luta política aberta pela

hegemonia201.

Esta mediação nos auxilia a entender a construção da hegemonia do PEP e como

construções específicas podem ser construídas. Pois se na sociedade capitalista

houve processos contraditórios onde níveis de exploração se tornaram insuportáveis

provocando as lutas sociais, os espaços na sociedade e direitos conquistados foram

arrancados em processos de luta, o que mostra processos com momentos históricos

onde hegemonia burguesa foi testada e teve suas bases abaladas. Sendo assim,

admite-se que há espaços conquistados na sociedade burguesa que podem estar a

serviço de um processo contra-hegemônico. Nestes espaços, um processo que 201 “Concepção Dialética da História” Gramsci (1982) nos referencia neste importante debate.

182

Gramsci chama de “Casamatas”202 abriga lutas políticas pelo controle estratégico de

alguns espaços, que podem ou não questionar o poder hegemônico da burguesia.

Nesta questão que se fundamenta o Projeto Ético-Político, em um espaço da

“sociedade civil” que foi conquistado em processo de luta por forças sociais

progressistas com concepções novas e diferenciadas. A construção destas

concepções novas para dentro da categoria profissional teve processos de

mediações, teóricos e técnicos, jurídico-institucionais, ético-políticos e práticos. Para

se fazer hegemônico foi necessário democratizar a categoria profissional

construindo uma nova cultura que antes, fazendo do espaço do Conselho não mais

um cartório oficialista, mas um espaço de militância e construção com horizontes

coletivos, tendo como novidade o compromisso de contribuir em processos de lutas

para conquistas sociais na sociedade brasileira. Para isso foi necessário construir

um novo senso comum profissional, mudando o perfil estigmatizado do assistente

social, trazendo traços progressistas com novos valores. Isso tudo em conjunto faz a

profissão se situar na luta por um novo Bloco Histórico, com uma nova concepção de

mundo.

A luta pela hegemonia e sua consolidação ocorreu em uma premissa de teor

organizativo e o processo de dar direção como essencial. Sem a direção do

processo, as concepções seriam um idealismo sem materialização e, no fim das

contas, a profissão continuaria em um processo de reatualização do

conservadorismo. Pode-se dizer que neste processo as forças que tem a concepção

de construir um novo Bloco Histórico conquistaram uma posição em um espaço da

“sociedade civil” na categoria profissional, que tem um contato privilegiado com a

realidade da base social, potencializando ações por meio de trabalho profissional,

ensino e pesquisa. A Construção é Ético-Política pois visa a alcançar o maior grau

de consciência e avançada possível em ações democratizantes e progressistas com

valores novos e de perspectivas emancipatórias.

202 Simionatto (2011) referencia este debate.

183

A organização política é um processo árduo para construir processos e mediações

que visam alcançar certos objetivos com pessoas organizadas e convencidas em

suas posturas. É necessário construir uma Vontade Coletiva e é neste processo que

se consolida um projeto de caráter coletivo. Juntando a importância da direção ético-

política mais a vontade coletiva, é possível construir mediações que como Gramsci

apontava, promoveriam uma Reforma Ética e Moral203. Que no caso profissional tal

reforma tem proporções menores, visto que é uma categoria profissional, mas que

tem significados importantes.

Primeiro que ela tem proporções menores, pois temos toda uma sociedade que tem

hegemonia da burguesia e logo são os valores desta classe social que dão a direção

societária e logo se chocam com projetos alternativos, com valores alternativos,

sendo assim uma categoria profissional consegue até certo limite ter avanços, mas

há contradições visto este choque com a hegemonia societária. Depois que as

conquistas são palpáveis no caso do serviço social brasileiro, visto que houve

conquistas jurídicos – institucionais, em especial o Código de Ética de 1993 que

demonstra o direcionamento da “Reforma Ético e Moral” que houve na profissão, o

norte estratégico para orientar um novo perfil profissional.

Ao se conquistar esta “trincheira” foi necessário democratizá-la via entidades da

categoria profissional, que no caso do Conjunto CFESS/CRESS se propôs a

promover abertura dos espaços para os profissionais de serviço social atuarem na

vida política do Conjunto. É necessário neste processo uma construção que seja

pedagógica, que ensine e aprenda, que erre e acerte, que critique e autocritique, em

um direcionamento de hegemonia continuada e que se mantenha em movimento.

Este processo tem apontamentos problematizados. A relação direção e base são

pedagógicas e prevê um processo que pode ser coletivo a fim de construir

consensos ou conflituoso. A vanguarda que compõe direções quando se colocam

como únicas e “iluminadas” o processo tende a não ser compartilhado e

burocratizante. Mas quando é de vanguarda compartilhada que visa construir um

203 Debate referenciado em “Os intelectuais e a Organização da Cultura” Gramsci (1982).

184

processo onde a base compartilhe e participe efetivamente da direção, um

direcionamento mais positivo pode ocorrer.

Quando a concepção é que Conselho não é espaço de militância, nada se diferencia

de projetos conservadores, mas quando se entende que a militância organizada e

consciente deve estar neste espaço, com as mediações necessárias, há um salto

organizativo e o projeto profissional tem chances reais de materialização.

Para sabermos isso é necessário as direções, em especial do Conjunto

CFESS/CRESS ter clareza da opinião dos assistentes sociais a respeito da

representatividade e qual o grau de envolvimento e participação no espaço. Se há

um processo de negação a ter esta clareza, a verdade é que se quer um

encastelamento nesta trincheira reconquistada a duras penas, Quando se tem o

contato com a base e trata-a como parte do processo de direção, a democratização

das entidades e do projeto profissional ocorre.

Um termômetro positivo, mas que não é único para saber o grau de envolvimento

dos assistentes sociais brasileiros são os fóruns, grupos de trabalho, encontros

nacionais e regionais, assembléias gerais e encontros temáticos diversos. Há que

ter clareza que nem todos assistentes sociais são progressistas e com concepção

que partilhe com o PEP, pois há setores que se organizam ou compartilham com

concepções de setores conservadores da sociedade brasileira, mas estes mesmo

assim tem que se submeter democraticamente ao projeto profissional hegemônico,

visto as conquistas jurídicos – institucionais, em especial a Lei que Regulamenta a

Profissão e o Código de Ética.

Mas há fatores que desafiam a hegemonia constituída. Fatores ligados a conjuntura

e que influenciam a categoria profissional. O PEP construído sob novas construções

profissionais, práticas e teóricas e sob a luz de lutas sociais teve o Projeto

Democrático – Popular como parceiro. É na nova conjuntura que se abriu e que

colocou o PDP na gestão do Estado Brasileiro que problemas apareceram,

problemas que se gestavam antes, mas se efetivaram na nova conjuntura.

Primeiro porque não depende só do PEP hegemônico manter a hegemonia, há

fatores conjunturais e disputas na “sociedade civil” que chegam na categoria

185

profissional, pois as forças conservadores são organizadas. Temos a pluralidade na

profissão, que é uma pluralidade posicionada e com direção, mas há espaços para

disputa e logo possibilidades de organização de conservadores, que podem vir

renovados e camuflados204. E um projeto progressista e avançado de profissão

como é o do serviço social brasileiro necessita ter perspectivas organizativas para

além da profissão.

Mas se a conjuntura já atua, confundindo profissionais e setores da categoria

profissional, gerando processos de crises no âmbito de consciência de profissionais,

há o processos internos na profissão.

Processos estes que para manter a hegemonia necessita-se saber articular

demandas especificas e ter a mediação mais acertada para não rebaixar o próprio

PEP. Na nova conjuntura temos o fenômeno do transformismo205 do PDP, que

“engolido” pela ordem, na gestão do Estado fez e faz concessões extremas para a

burguesia brasileira associada e integrada ao sistema capitalista a nível

internacional. Estas concessões perpassam em conter processos de luta sociais

domesticando movimentos e entidades, cooptando elas e fazendo concessões

rebaixadas quando fazem alguma.

O pacote ainda tem não promover reformas estruturais, não organizar o povo, não

reverter privatizações e mesmo que de forma velada e mais lenta continuar

privatizando, inclusive serviços públicos essenciais como saúde e educação, não

democratizar a mídia mantendo o monopólio na mão de poucos grupos que ainda

são perigosos e tem aspirações golpistas, e no máximo promover programas sociais

não avançando para além deles.

Mesmo que vivamos uma conjuntura diferente no cenário latino – americano com

avanços reais na Venezuela em especial, temos contradições no Brasil que travam

avanços reais e nos colocam em um delicado processo a mediar para que não

saiamos mais fracos do que entramos. É neste processo que a “hora da verdade”

204 Iamamoto (2008). 205 Gramsci (1982).

186

Netto (2004) ocorre. Pois o parceiro de outras lutas que foi o Projeto Democrático –

Popular definhou e buscar novos parceiros que tenham outros horizontes societários

é necessário para não se perder nas difíceis mediações da “nova conjuntura”.

Nesta perspectiva que estudamos e analisamos, promovemos a pesquisa teórica no

capitulo três, que foi analisar de forma critica e comparada três relatórios finais do

Conjunto CFESS/CRESS, que chamamos de Relatório A, B e C. Foi um processo

exaustivo e que não nos forjamos de sermos analíticos e propositivos. Percebemos

na pesquisa que os Relatórios A e C têm elementos progressistas e com boas

propostas organizativas, sendo mais avançado ainda o Relatório A com mais

preocupação em relação à participação e envolvimento da base.

O Relatório A estava nos tempos difíceis de FHC e de radicalização neoliberal, a

gestão era de (1999 – 2002), ou seja, estavam na resistência e ainda sob a época

que historicamente situamos a parceria na atuação societária com o PDP. Mas

mesmo assim o Relatório demonstra uma concepção avançada que supera os

limites do Projeto Democrático – Popular, onde se vincula mais há um projeto

emancipatório trazendo o que tem de melhor no Projeto Ético-Político.

O Relatório C também tem concepções avançadas, mas mesmo em um período que

o PDP já sofria criticas de setores avançados, demonstra momentos de ilusão e

alguns limites com o Estado Democrático de Direito e não esclarece algumas

mediações, mas isso não faz da gestão deste Relatório menos combativa e uma

gestão “iludida”, os pontos críticos que apontamos tem haver com algumas

mediações. Este Relatório demonstra um amadurecimento no Eixo de Comunicação,

pois é um relatório bem feito e que procura dar visibilidade com mediações criativas

dos seus feitos. Há pouca preocupação organizativa no que se refere à base, muitos

repasses de tarefas com pouca referencia dos saltos organizativos que houve junto

à ampliação do processo de direção.

Em nossa análise tivemos o ponto negativo que foi o Relatório B. Foi um relatório

muito resumido e pouco posicionado, vinculado a analises institucionalistas e com

poucas opiniões conjunturais e de seus repasses. Não há referencias organizativas

e muito menos preocupações com a base dos assistentes sociais. É um Relatório

187

que esta em um tempo que começava-se a ter criticas ao Projeto Democrático –

Popular o que deve gera uma preocupação, visto que há gestão anterior foi a do

Relatório A, ou seja, não houve continuidade na qualidade de relatório com a mesma

direção posicionada.

Além disso, é possível verificar a maneira rebaixada que apanha o Projeto Ético-

Político com concepção institucionalistas a respeito da fiscalização, fazendo pouca

referência ao caráter educativo, apontando caminhos pouco posicionados e

regulativos à profissão. A gestão do Relatório B teve seu período 2002 – 2005, onde

abre o que Netto (2004) chama de “nova conjuntura”, demonstrando a tese de

confusão ideológica e poucos posicionamentos claros. A impressão é que a gestão

do Relatório B não quis se expor.

Neste trabalho, há uma contribuição ao pensar da luta pela hegemonia e a

organização do conjunto CFESS/CRESS e apontamentos que fazem refletir sobre a

luta pela manutenção da hegemonia do Projeto Ético-Político. A problematização na

relação base e direção foi levantada e pode ser pensada através de avaliação crítica

e balanço reflexivo de grau na hegemonia do PEP e quais desafios mais ou menos

problemáticos a serão enfrentados. Já são mais de 30 anos que o Congresso da

Virada, espaço público que a categoria profissional, teve contato com a rebelião

contra o projeto da Modernização Conservadora e o legado conservador da

profissão. Refletir sobre o legado do Projeto Ético-Político hegemônico da profissão

é promover uma ação política necessária para manutenção de sua hegemonia.

Outra questão colocada em xeque foi a relação do Projeto Ético-Político com o

Projeto Democrático-Popular. A relação não é monolítica como alguns podem de

apontar, supondo que ambos os projetos são na verdade o mesmo. Houve uma

parceria e diálogo de um projeto com outro, sendo um profissional e outro societário.

O PEP sofreu influências do PDP em momentos históricos que estas influências

foram de caráter progressivo e plausível, o que se quer para toda sociedade e o que

se quer para uma profissão. A capacidade de resistir a uma conjuntura confusa e

contraditória está no encontrar novos parceiros com propostas que caminhem a um

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projeto societário emancipatório e consiga romper esta parceria história que teve

com o PDP. Netto (2004) ressalta:

Salvo melhor juízo, só nos resta, enquanto categoria profissional, preservar, contra ventos e marés, a autonomia para conduzir e aprofundar as exigências do projeto ético – político: preservar a autonomia das nossas organizações (o Conjunto CFESS/CRESS, a ABEPSS e, no caso dos estudantes, a ENESSO) em face do governo do PT (e de todo e qualquer outro partido).

Neste sentindo, reflexões e desafios são levantadas na organização política e

contribuições na contínua luta de hegemonia do atual projeto profissional do serviço

social brasileiro. Entre os diversos desafios:

• Ampliar as estratégias de aproximação entre os Conselhos e a Base da categoria, visando uma direção política compartilhada.

• Investir na formação de novos quadros políticos, objetivando o adensamento político e organizativo de vanguardas profissionais que vão para além das que estão nos cargos do Conjunto CFESS/CRESS.

• Enfrentamento das práticas “tarefeiras” presentes em diversos movimentos sociais. Isso exige um esforço do Conjunto CFESS/CRESS para não se perder em múltiplas tarefas, em prejuízo de uma intervenção de qualidade, compreendendo que a atuação do Conjunto é de caráter propositivo.

• Aprofundar o debate da estratégia do chamado Projeto Democrático – Popular no Brasil e sua relação com o Projeto Ético – Político, a fim de desvendar as influencias, os avanços e os atuais recuos que esta estratégia tem no Brasil e seus rebatimentos no atual Projeto Profissional hegemônico do serviço social brasileiro.

• Debater a questão da organização coletiva na categoria profissional, que eles de fato se coloquem organizativamente, não sejam velados e que promovem práticas de unidade de ação real para o fortalecimento da hegemonia do PEP, que as unidades não sejam artificiais e que mesmo admitindo que muitos quadros não são organizados oficialmente, os que são procurem construir programas que englobe os setores progressistas e avançados da categoria profissional, como fez historicamente desde o chamado Movimento de Intenção de Ruptura.

É neste espírito que o trabalho é concluído, apontando a tarefa de manter a

autonomia e independência das entidades da categoria profissional, em especial do

Conjunto CFESS/CRESS, de refletir o grau de organização política e lutar pela

manutenção da hegemonia do Projeto Ético-Político hegemônico do serviço social

brasileiro, que não beneficia apenas a categoria profissional, mas milhões de

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usuários, trabalhadoras e trabalhadores que lutam cotidianamente por direitos e

para não ter seus direitos violados e estão em contato constante com o profissional

assistente social, seja na prática profissional, no ensino e na pesquisa.

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