PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO ......Sr. Damião e Dona Stella por confiarem minha...

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Túlio Augusto Tayano Afonso O Capitalismo Humanista e sua Expressão Constitucional: incorporação no Direito do Trabalho por meio do Direito Econômico DOUTORADO EM DIREITO DAS RELAÇÕES ECONÔMICAS INTERNACIONAIS São Paulo 2013

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC/SP

Túlio Augusto Tayano Afonso

O Capitalismo Humanista e sua Expressão Constitucional: incorporação no Direito do Trabalho por meio do Direito Econômico

DOUTORADO EM DIREITO DAS RELAÇÕES ECONÔMICAS INTERNACIONAIS

São Paulo

2013

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC/SP

Túlio Augusto Tayano Afonso

O Capitalismo Humanista e sua Expressão Constitucional: incorporação no Direito do Trabalho por meio do Direito Econômico

DOUTORADO EM DIREITO DAS RELAÇÕES ECONÔMICAS INTERNACIONAIS

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Direito das Relações Econômicas Internacionais sob a orientação do Prof. Dr. Nelson Nazar.

Afonso, Túlio Augusto Tayano O Capitalismo Humanista e sua Expressão Constitucional: incorporação no Direito do Trabalho por meio do Direito Econômico. / Túlio Augusto Tayano Afonso. São Paulo, 2013.

200 f.; 30cm. Tese (Doutorado em Direito das Relações Econômicas Internacionais) – Coordenadoria de Pós-graduação, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Bibliografia: f. 189-200 1. Capitalismo Humanista. 2. Direito Econômico. 3. Direito do Trabalho.

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC/SP

Túlio Augusto Tayano Afonso

O Capitalismo Humanista e sua Expressão Constitucional: incorporação no Direito do Trabalho por meio do Direito Econômico

DOUTORADO EM DIREITO DAS RELAÇÕES ECONÔMICAS INTERNACIONAIS

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Direito das Relações Econômicas Internacionais sob a orientação do Prof. Dr. Nelson Nazar.

Aprovado em ____ / ____ /_____

_______________________________________________ Prof. Dr. Nelson Nazar _______________________________________________ Prof. Dr. Ricardo Hasson Sayeg _______________________________________________ Prof. Dr. Ionas Deda Gonçalves

_______________________________________________ Prof. Dr. José Francisco Siqueira Neto

_______________________________________________ Prof. Dra. Patrícia Tuma Martins Bertolin

À minha esposa e ao meu filho Félix Afonso Neto que está nascendo, papai, mamãe e amigos, uma homenagem como recompensa pela ausência que este trabalho levou às suas vidas.

AGRADECIMENTOS Ao bom Deus que me acompanha em todos os momentos de minha vida. Aos grandes mestres:

Dr. Nelson Nazar, meu orientador, amigo e responsável direto por este evento, pelo esforço desmedido para a sua realização e pelos ensinamentos de ouro, que me fizeram refletir e mudaram minha maneira de operar o Direito, e que mesmo diante de minhas limitações acreditou que eu poderia realizar este trabalho.

Dr. Ricardo Hasson Sayeg, amigo e parceiro, que com sua tese contribuiu essencialmente para este trabalho e para as transformações do Direito em prol da pessoa humana.

Dr. Ionas Deda Gonçalves, amigo e companheiro de magistério e grande expoente do Direito Previdenciário, pelas críticas construtivas fundamentais que tanto me foram úteis.

Dr. José Francisco Siqueira Neto, amigo de todas as horas, responsável direto pela minha formação acadêmica, que com seus ensinamentos mudou e muda minha vida a cada encontro.

Dra. Patrícia Tuma Martins Bertolin, querida amiga e também responsável direta pela minha formação acadêmica, pelos brilhantes conselhos nas horas de angústia, que desde 2002 me encanta com seus ensinamentos em sala de aula e em Grupos de Pesquisa. Aos familiares: Minha amada esposa Cris pela tolerância e paciência principalmente nos momentos mais difíceis. Meu pai Félix pelo exemplo de grandeza e de ser humano, que em todos os momentos esteve ao meu lado. Minha Mãe Sônia pela beleza de pessoa, que me ensinou os valores primordiais da minha vida. Querida Maria de Lourdes que é responsável por cada degrau de minha formação e que me acompanhou no dia a dia dessa caminhada. Minhas queridas irmãs Fábia e Ana Vitória pelo companheirismo nas horas mais difíceis de minha vida, e à Bellinha que cresceu de um dia para outro. À Lena pelo suporte e apoio, que foram fundamentais para a realização deste evento. Sr. João Staut por também apoiar esta minha realização. Sr. Damião e Dona Stella por confiarem minha Cris a mim.

Aos(Às) amigos(as)-irmãos(ãs): Ao meu grande irmão Thiago Lopes Matsushita, pelas aventuras que vivemos e ainda viveremos. Ao célebre irmão Lauro Ishikawa pela sua real ponderação, sem dúvida um exemplo. Ao irmão Rui de Oliveira Domingos pelas contribuições fundamentais para que fosse possível esta realização. Aos meus queridos amigos Márcio e Alessandra Ferezin meus sinceros agradecimentos pelo apoio direito e indireto, tanto profissional quanto pessoal, que também foram decisivos para a realização deste evento. Às minhas queridas amigas Christina de Almeida Pedreira e Susana Mesquita Barbosa, que também são responsáveis pela minha formação e que sempre me apoiaram profissional e pessoalmente, e que sem dúvida respondem diretamente por este momento. Ao Rodrigo Guedes Casali, grande irmão, que esteve e está ao meu lado em todos os bons e maus momentos, e que sem dúvida participou ativamente na consecução deste trabalho. Aos amigos-irmãos Marcos Giroto e Rodrigo Raymundo pela convivência e pelas contribuições que foram importantes para minha vida pessoal e profissional. A todos os trabalhadores da PUC/SP, Professores e Pessoal Administrativo. A todos minha sincera gratidão.

A Constituição certamente não é perfeita.

Ela própria o confessa, ao admitir a

reforma. Quanto a ela, discordar, sim.

Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-

la, nunca. Traidor da Constituição é traidor

da Pátria. Conhecemos o caminho maldito:

rasgar a Constituição, trancar as portas do

Parlamento, garrotear a liberdade, mandar

os patriotas para a cadeia, o exílio, o

cemitério. A persistência da Constituição é a

sobrevivência da democracia. (Ulysses Guimarães – 05/10/1988)

RESUMO

Em uma época de instabilidade e incertezas no mercado econômico nacional e internacional, o Capitalismo Humanista, doutrina humanística de Direito Econômico, se mostra como a melhor saída ante as externalidades negativas do mercado, que assombram as pessoas menos abastadas. Os principais atingidos por essas mazelas são os trabalhadores, que acabam sendo obrigados a se submeter a certas situações por conta da necessidade do emprego. Situações essas que muitas vezes o Direito do Trabalho não consegue impedir ou remediar. A partir da verificação constitucional do capitalismo humanista e de sua aferição no cenário internacional no plano dos Direitos Humanos pautado pela Lei Universal da Fraternidade, veremos como se aplica no Direito do Trabalho operado pelo Direito Econômico. Dessa maneira, conseguimos ampliar o arcabouço de proteção e afastar das pessoas o abuso do poder econômico que visa o lucro pelo lucro, sem contudo se importar com o custo humano que porventura possa estar ocorrendo.

Palavras-chave: Capitalismo Humanista; Direito Econômico; Direito do Trabalho; Fraternidade.

ABSTRACT

In a time of instability and uncertainty in the national and international economic market, Capitalism Humanist, humanistic doctrine of Economic Law, shown as the best way out before the negative externalities of the market, that haunt people less wealthy. The most affected by these ailments are the workers who end up being forced to submit to certain situations due to the need of employment. These situations that often labor law and can not prevent or cure. From the verification of constitutional humanistic capitalism and its measurement in the international arena in terms of Human Rights ruled by Law of Universal Brotherhood, we will see how it applies in Labor Law operated by the Economic Law. Thus, we extend the framework of protection away from people and the abuse of economic power that seeks to profit by profit, without caring about the human cost that might occur by chance. Keywords: Capitalism Humanist; Economic Law; Labor Law; Fraternity.

SUMÁRIO INTRODUÇÃO.......................................................................................................................13 1. O CAPITALISMO HUMANISTA: filosofia humanista de Direito Econômico – marco teórico.......................................................................................................................................16 1.1. Introdução à Obra...........................................................................................................16 1.2. Marco Teórico. Considerações Iniciais..........................................................................21 1.2.1. Introdução.......................................................................................................................21 1.2.2. Marco Teórico da Fraternidade.....................................................................................22 1.2.3. Premissas........................................................................................................................23 1.2.4. Historicidade e Tendência..............................................................................................26 1.2.5. Humanismo Integral.......................................................................................................36 1.2.6. Capitalismo Humanista..................................................................................................46 1.2.7. Regência Jurídica Humanista do Capitalismo...............................................................53 1.2.8. A Proposta......................................................................................................................59 1.3. Conclusão do Capítulo.....................................................................................................60 2. O CAPITALISMO HUMANISTA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 – Verificação Constitucional do Capitalismo Humanista......................................................62 2.1. Do Preâmbulo...................................................................................................................64 2.2. Dos Princípios Fundamentais – Artigo 1º, II, II, e, IV.................................................68 2.3. Objetivos Fundamentais – Artigo 3º, I a IV..................................................................76 2.4. Princípios Regentes das Relações Internacionais – Artigo 4, II..................................79 2.5. Dos Direitos e Garantias Fundamentais – Artigos 5º, XII a XXXII, XXXV, XXXVI, XLI, § 1º, § 2º, § 3º; 6º e 7º......................................................................................................80 2.6. Da Ordem Econômica – Artigo 170, I a IX e parágrafo único....................................90 2.7. Da Ordem Social – Artigo 193......................................................................................108 2.8. Do Mercado - Artigo 219...............................................................................................110 2.9. Dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias – Artigo 79.........................111 2.10. Conclusão do Capítulo.................................................................................................112 3. A CARACTERIZAÇÃO DO CAPITALISMO HUMANISTA NOS DOCUMENTOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS E SUA REVERBERAÇÃO INTERNA..............................................................................................................................114

3.1. Tratado de Versalhes – 1919 e Declaração de Filadélfia – 1944................................115 3.2. Declaração Universal dos Direitos Humanos – 1948..................................................121 3.3. Pactos Internacionais de Direitos Humanos – 1966....................................................127 3.3.1. Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos.......................................................129 3.3.2. Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.............................130 3.4. Convenção Americana de Direitos Humanos – 1969..................................................133 3.5. Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos – 1981......................................136 3.6. Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento – 1986.............................................138 3.7. Declaração e Programa de Ação de Viena – 1993.......................................................140 3.8. Conclusão do Capítulo...................................................................................................141 4. INCORPORAÇÃO DO CAPITALISMO HUMANISTA PELO DIREITO DO TRABALHO POR MEIO DO DIREITO ECONÔMICO...............................................144 4.1. Direitos Fundamentais...................................................................................................146 4.1.1. Primeira Dimensão (Liberdade e Propriedade)...........................................................148 4.1.1.1. A Nova Concepção da Propriedade...........................................................................151 4.1.2. Segunda Dimensão (Igualdade - Direitos Sociais).......................................................153 4.1.3. Terceira Dimensão (Fraternidade)...............................................................................162 4.1.4 Aplicabilidade dos Direitos Fundamentais...................................................................164 4.2. Capitalismo Humanista.................................................................................................168 4.2.1. Conceito e Finalidade...................................................................................................168 4.2.2. Capitalismo Humanista como Direito Fundamental e sua Aplicabilidade..................169 4.3. Incorporação do Capitalismo Humanista pelo Direito do Trabalho por Meio do Direito Econômico: Direito Econômico do Trabalho........................................................171 4.3.1. Aplicabilidade do Capitalismo Humanista no Direito do Trabalho.............................172 4.3.2. Da Justificativa do Direito Econômico.........................................................................175 4.3.3. Algumas Possibilidades de Incorporação do Capitalismo Humanista pelo Direito do

Trabalho. A Proposta..............................................................................................................178 4.3.4. Direito Econômico do Trabalho...................................................................................185 4.4. Conclusão do Capítulo...................................................................................................185 CONCLUSÃO.......................................................................................................................187 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................189 ANEXOS.........................................................................................................................201-210

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INTRODUÇÃO

Historicamente, o cenário econômico mundial vem experimentando dissabores de

toda ordem, fruto das mazelas econômicas impostas a grande parte da população mundial.

Especialmente os trabalhadores sempre são os maiores prejudicados.

Isso acabou acontecendo por conta de que o sistema capitalista organizado

classicamente de maneira liberal ou intervencionista não consegue mais amparar grande parte

das pessoas que estão sendo atingidas pelas externalidades1 negativas do mercado.

Tanto o modelo capitalista liberal quanto o intervencionista (que são bem

diferentes) chegaram ao seu limite, não conseguindo mais garantir um padrão de dignidade

para todas as pessoas. O resultado disso é o imenso número de pessoas relegadas à própria

sorte.

Pautado pela Doutrina Humanista de Direito Econômico, elegendo o Capitalismo

Humanista como marco teórico, o presente trabalho parte para uma aplicação de uma análise

econômica humanista de mercado, voltada para o trabalhador, que sempre é a primeira vítima

das externalidades negativas do mercado.

Temos que considerar que o Direito do Trabalho se configura como um

verdadeiro escudo contra o abuso do poder econômico, por intermédio de um arcabouço

padronizador mínimo da dignidade do trabalhador. Mas em muitos casos não está mais

conseguindo manter essa dignidade.

Por conta disso, propomos em nosso estudo, além da verificação constitucional do

Capitalismo Humanista, sua inserção no Direito do Trabalho pelo Direito Econômico

(doutrina humanista de Direito Econômico). A essa intersecção chamaremos de Direito

Econômico do Trabalho.

Como metodologia, foi desenvolvida pesquisa bibliográfica, com doutrinadores

nacionais e internacionais.

1 Quando a economia se concretiza (fato econômico) acaba por gerar reverberações não controladas fora das relações econômicas. Esse produto “indesejado” é conhecido como externalidade, que pode ser positiva (se for benéfico – aumento de emprego, por exemplo) ou negativa (se for maléfico – redução salarial, falta de emprego, etc.).

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Será desenvolvido um trabalho científico, partindo do tema, estabelecendo o

marco teórico, relatando o assunto a ser investigado, apresentando problemas, formulando

hipóteses, e desenvolvendo a pesquisa para finalmente chegar à conclusão final.

No primeiro capítulo faremos uma verificação de nosso marco teórico, o

Capitalismo Humanista. Achamos importante trazer a ideia original dos autores sem a

contaminação de outros doutrinadores, e, por esse motivo, quase que exclusivamente neste

capítulo, somente é utilizada a obra de referência.

Mostraremos a real necessidade de uma nova opção de organização capitalista,

que realmente estenda a proteção à pessoa humana e ao planeta.

Para tanto, um escorço histórico nacional e internacional será elaborado no

sentido de comprovar a real necessidade das pessoas frente às mazelas econômicas.

Tudo será tratado em nível de Direitos Fundamentais, e a fraternidade será alçada

a elemento adensador de todas as dimensões. Esse caminho nos conduzirá ao humanismo

integral, amplo e universal, ao qual todos almejam e ao qual todos têm direito.

A Fraternidade será harmonizada às relações humanas, especialmente as de

trabalho, e isso refletirá na ordem econômica.

Restará claro que o Capitalismo Humanista existe, é real e se configura como o

grande balizador do Direito Econômico Humanista Tridimensional, devendo irradiar seus

efeitos, especialmente nas relações de trabalho.

No segundo capítulo, faremos a identificação constitucional do Capitalismo

Humanista, trazendo lastro constitucional para sua fundamentação e, portanto, tornando-o

norma impositiva.

Passaremos por todos os dispositivos constitucionais que de maneira expressa ou

não configuram o Capitalismo Humanista. E não serão poucos.

O Capitalismo Humanista poderá ser encontrado em todo o texto constitucional e

não somente em um dispositivo isolado. Mais do que isso, veremos que foi opção do

constituinte originário um modelo Capitalista Humanista.

No terceiro capítulo, veremos que, além da fundamentação constitucional, o

Capitalismo Humanista se justificará no Direito Humano Internacional, por meio dos

principais documentos internacionais de Direitos Humanos.

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Além de fortalecer o Capitalismo Humanista, a inserção internacional servirá

como fio condutor para disponibilizá-lo para o mundo, podendo a comunidade internacional

efetivar o seu uso.

No quarto capítulo será aferido o Capitalismo Humanista na realidade, e

consequentemente sua inserção no Direito do Trabalho. Para tanto, será efetuada uma

ponderação dos Direitos Humanos em todas as suas dimensões. Passaremos historicamente

pelas três primeiras dimensões, verificando suas características e aplicabilidade.

Será demonstrado que a Liberdade e a Propriedade devem repercutir

sistematicamente conforme os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.

Demonstraremos que mais do que uma forma de operacionalizar os Direitos

Fundamentais, o Capitalismo Humanista é um Direito Fundamental, inclusive no que diz

respeito à sua aplicabilidade.

Restará justificada a eleição do Direito Econômico como meio escolhido para

operar a inserção humanista no Direito do Trabalho.

Para provar essa possibilidade, serão elencados cinco casos práticos em que o

Direito do Trabalho isolado não teve o condão de restabelecer a dignidade, e,

consequentemente, a inserção do Capitalismo Humanista se mostrará necessária.

Ao final, todo esse processo de maturação de Direitos Fundamentais nas relações

de trabalho será chamado de Direito Econômico do Trabalho.

Esperamos com este estudo fortalecer o Capitalismo Humanista, mostrando que é

real, legal, constitucional e internacional. Além disso, buscamos uma forma de complementar

o Direito do Trabalho (pelo Capitalismo Humanista por meio do Direito Econômico que lhe é

inerente) e contribuir socialmente conferindo fundamentação jurídica para que todos os

trabalhadores encontrem uma situação jurídica e fática trabalhista digna, seja ela qual for.

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1. O CAPITALISMO HUMANISTA: filosofia humanista de Direito

Econômico – marco teórico

Faremos neste capítulo um corte epistemológico no sentido de situar o contexto

econômico para o nosso trabalho a partir do capitalismo, sua forma de organização, seus

limites e ponderações. Além disso, buscaremos no nosso marco teórico as soluções para os

problemas propostos.

Desde já cumpre deixar consignado que fizemos uma opção (por conta da extrema

importância) em tentar manter fielmente as ideias dos autores do marco teórico neste capítulo.

Dessa forma, tentaremos ao máximo não nos utilizarmos de outros doutrinadores nesta

fundamentação, mesmo porque estamos diante de algo inédito: o capitalismo humanista.

1.1. Introdução à Obra

A doutrina humanista de Direito Econômico, caracterizada pelo capitalismo

humanista, surgiu na Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Seu idealizador inicial, Ricardo Hasson Sayeg, desenvolve seus estudos há mais

de uma década e o marco teórico deste pensamento é a sua tese de livre-docência, que

resultou na publicação da obra O Capitalismo Humanista: filosofia humanista de Direito

Econômico2, escrita em parceria com Wagner Balera.

Um dos pontos centrais desta doutrina pautada pela doutrina social da Igreja é o

feixe indissociável de Direitos Humanos que encerra. Temos que destacar que referida

doutrina é apenas inspirada na doutrina social da Igreja, e não a mesma coisa.

Os Direitos Humanos, como indivisíveis que são, devem ser aplicados e

reconhecidos de maneira plena. Em verdade, quando um Direito Humano é revelado, além de

passar a integrar o patrimônio universal de Direitos Humanos das pessoas, ele se adensa a

todos os outros já revelados anteriormente, constituindo assim uma nova dimensão de

Direitos Humanos Fundamentais.

2 SAYEG, Ricardo Hasson; BALERA, Wagner. O Capitalismo Humanista: filosofia humanista de Direito Econômico. 1ª ed. Petrópolis/RJ: KBR, 2011.

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Não há que se aplicar tão somente os Direitos Humanos dessa ou daquela

dimensão. Não se pode, por exemplo, apenas e tão somente prover a primeira dimensão de

Direitos (liberdades/propriedade). Na realidade, este é o espírito do capitalismo, que se funda

na sua essência nesta primeira dimensão.3

Da mesma maneira que os Direitos Sociais são o meio pelo qual se concretiza a

segunda dimensão dos Direitos Humanos, o capitalismo acaba por ser o produto dos Direitos

Humanos de primeira dimensão (liberdade e propriedade).

Podemos enxergar de alguma maneira o capitalismo como sendo um Direito

Humano, do mesmo modo que os Direitos Sociais. Na verdade não é um Direito Humano,

mas sim sustentado por ele. Suas principais características se enquadram na primeira

dimensão (liberdade e propriedade).

O problema que surge é que sempre o capitalismo tenta se impor subjugando os

demais Direitos Humanos, e isso não pode ser tolerado.

O capitalismo atuando em sua esfera de liberdade fomenta a busca do lucro (não é

nenhum demérito), e isso deve ser efetuado de maneira que não se neguem ou se firam as

demais dimensões de Direitos Humanos.

Não é nosso objetivo negar o lucro, ou fazer críticas aos chamados lucros

exorbitantes. Entendemos sim, que o capital se organiza para a obtenção do lucro,

consagrando assim a livre-iniciativa. Isso realmente deve ser assim, mas com os limites

impostos pelos demais Direitos Humanos.

Com o surgimento do capitalismo (balizado pela primeira dimensão) imperava a

liberdade. Em seguida vieram os abusos, sempre potencializados em relação aos

trabalhadores.

3 “A democracia representativa liberal sofre atualmente inúmeras críticas, principalmente por não conseguir efetivar a garantia do exercício da cidadania e dos direitos fundamentais a toda a população” (SMANIO, Gianpaolo Poggio. As Dimensões da Cidadania. Revista da Escola Superior do Ministério Público de São Paulo. Novos Direitos e Proteção da Cidadania. São Paulo, ano 2, janeiro/junho de 2009, p. 20).

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Nos dizeres de Segadas Vianna4, os trabalhadores estavam relegados à sua

fraqueza e sem proteção do Estado, que apenas e tão somente lhes assegurava a liberdade,

mas que na realidade era considerado um mero fator de produção. Começou a delinear-se uma

divisão muito clara entre duas classes com interesses antagônicos, a proletária e a capitalista.

A primeira, mais numerosa, não dispunha de poder, mesmo porque, no regime em que o Estado apenas assegurava, no plano teórico, a Igualdade e a Liberdade, a classe capitalista, pela força do dinheiro, pela submissão, pela fome, impunha ao proletariado a orientação que tinha de ser seguida. Explorando e escravizando a massa trabalhadora, a minoria patronal não se preocupava com a condição de vida dos seus empregados: as relações entre patrões e trabalhadores se constituíam dentro dos muros de cada fábrica. Fora desta precinta estreita, deste pequeno território comum, as duas classes – a rica e a trabalhadora – viviam tão separadas, tão distantes, tão indiferentes, como se habitassem países distintos ou se achassem divididas por barreiras intransponíveis. Criara-se o contraste flagrante e violento entre o supermundo dos ricos e o inframundo dos pobres.5

Ante toda essa situação, o Estado liberal, conforme suas bases, comportava-se

meramente como expectador das mazelas, pois sua função era de apenas garantir a ordem

social e política. Vivia-se uma ditadura, a do capitalismo, que em nome principalmente da

liberdade tornava-se centro de toda a sociedade. Por conta dessa exploração sem precedentes,

o Direito entrou em crise, pois não havia meios de se atender a esses fenômenos.6

No primeiro momento não havia limites, e foi nesse ambiente “sem limites” que

se sedimentaram as primeiras regulamentações, de tal modo que o capitalismo que até então

era liberal passou a se organizar também como intervencionista.

Até mesmo os mais adeptos do liberalismo perceberam que o Estado não podia

mais somente garantir a liberdade individual em detrimento da coletividade. Passou-se a não

mais considerar o Homo economicus para se olhar para o homem real, que vive e se

desenvolve em sociedade. Passou-se a impedir que os mais abastados impusessem sua

vontade aos menos privilegiados. Nasceu a ideia de equilíbrio nas relações, e o Estado passou

a ter que garantir essa função. Nascia o Estado intervencionista.7

4 SÜSSEKIND, Arnaldo; MARANHÃO, Délio; VIANNA, Segadas; LIMA, Teixeira. Instituições de Direito do Trabalho. 22ª ed., vol. 1. São Paulo: LTr, 2005, p. 34. 5 SÜSSEKIND, Arnaldo; MARANHÃO, Délio; VIANNA, Segadas; LIMA, Teixeira. Instituições de Direito do Trabalho. 22ª ed., vol. 1. São Paulo: LTr, 2005, p. 34. 6 SÜSSEKIND, Arnaldo; MARANHÃO, Délio; VIANNA, Segadas; LIMA, Teixeira. Instituições de Direito do Trabalho. 22ª ed., vol. 1. São Paulo: LTr, 2005, p. 35. 7 SÜSSEKIND, Arnaldo; MARANHÃO, Délio; VIANNA, Segadas; LIMA, Teixeira. Instituições de Direito do Trabalho. 22ª ed., vol. 1. São Paulo: LTr, 2005, pp. 36, 37 e 38.

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O Estado intervencionista, em resposta ao liberal, cumpriu seu papel durante

muito tempo, e por que não falar até os dias de hoje. Basta olharmos para o arcabouço jurídico

de proteção que os trabalhadores possuem (Direito do Trabalho).

Entretanto, muitos anos depois de solidificado o Direito do Trabalho, temos que

há a necessidade de algo mais. Percebemos que muitas vezes o Direito do Trabalho não

consegue resolver algumas questões sociais, principalmente as coletivas, e precisamos dar um

passo à frente.

As dispensas coletivas são um ótimo paradigma para essa discussão. A maioria

dos casos, para não dizer todos, não obteve uma resposta a contento do Estado e muito menos

do Direito do Trabalho.

Em todos os casos, os Tribunais em um primeiro momento fizeram o certo e

suspenderam as demissões. Entretanto, as fundamentações sempre vieram no sentido de

ausência de negociação, o que é louvável do ponto de vista sindical e trabalhista. Entretanto,

em um segundo momento, a negociação ocorria (quase que como requisito), restava

infrutífera e as demissões eram efetivadas, e pior, agora com a chancela dos Tribunais.

Não estamos querendo desconstruir o Direito do Trabalho, e muito menos o

Direito Sindical, muito pelo contrário. A ideia é somar. É dar um passo à frente, com o Direito

Econômico, tendo por base o capitalismo humanista, que insere o conceito de fraternidade

nessas relações.

Sylvia Nazar8, em sua obra, traça a trajetória capitalista e verifica que o

capitalismo hoje não está mais conseguindo combinar a eficiência econômica, a justiça social

e a liberdade individual. E lança algumas questões: para onde vamos? Qual o próximo passo

do capitalismo para atender as demandas da coletividade? Temos e acreditamos nessa

resposta: o próximo passo será o Capitalismo Humanista.

8 NASAR, Sylvia. A Imaginação Econômica: gênios que criaram a economia moderna e mudaram a história. 1ª ed. Tradução de Carlos Eugênio Marcondes de Moura. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.

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Danilo Zolo9, ao dialogar com Luigi Ferrajoli10, deixa muito claro que com o final

do comunismo, ante a prevalência do capitalismo, a tensão entre a liberdade e a igualdade

segue sendo um problema sem solução.11

Conforme veremos neste capítulo, o Capitalismo Humanista insere na ponderação

das duas primeiras dimensões de Direitos Humanos a fraternidade.

A solução para os problemas apontados por Sylvia Nazar12 e Danilo Zolo13, nesse

sentido, é o Capitalismo Humanista; é ponderar a liberdade e a igualdade por intermédio da

fraternidade.

Dessa forma, trataremos em nosso trabalho do capitalismo humanista,

especialmente neste capítulo que vai nos dar um balizamento central.

Com a finalidade de complementar nossa fundamentação, além da fraternidade

como ponto central (Capitalismo Humanista), também por vezes buscaremos guarida na

solidariedade, tendo em vista entendermos que apesar de algumas diferenças a noção de

solidariedade também nos será útil, inclusive fortalecendo a construção Capitalista

Humanista.

9 ZOLO, Danilo. Libertad, Propriedad e Igualdad en la Teoría de los “Derechos Fundamentales” a propósito de un ensayo de Luigi Ferrajoli. In: FERRAJOLI, Luigi. Los Fundamentos de los Derechos Fundamentales. Madrid: Trotta, 2009, cap. 3, p. 90. 10 FERRAJOLI, Luigi. Los Fundamentos de los Derechos Fundamentales. Madrid: Trotta, 2009. 11 “Pero el problema de la relación entre libertad e igualdad tambiém sigue sin resolverse porque ciertas libertades fundamentals – aunque potenciamente atribuidas a todos los hombres en cuanto personas – producen desigualdad. (…) Que se tenga presente que, en el context de una economía de Mercado, cualquer intervención restrictive sobre los derechos patrimoniales es concebible solo en la medida en que no suponga reducción alguna de la protección juridical otorgada a las reglas del intercambio económico y financiero. Si se aceptan ambas condiciones – lo que considero conveniente en el primer caso e inevitable en el Segundo -, no veo cuáles serían las importantes metas de igualdad social que podrían, hoy, conseguirse gracias a una crítica jurídica de la institución de la propriedad y de los derechos patrimoniales” (ZOLO, Danilo. Libertad, Propriedad e Igualdad en la Teoría de los “Derechos Fundamentales” a propósito de un ensayo de Luigi Ferrajoli. In: FERRAJOLI, Luigi. Los Fundamentos de los Derechos Fundamentales. Madrid: Trotta, 2009, cap. 3, pp. 91 e 92). Tradução Livre do Autor: Porém o problema da relação entre liberdade e igualdade também segue sem resolução, porque certas liberdades fundamentais produzem desigualdades. Tem que se ter presente que no contexto de uma economia de Mercado qualquer intervenção restritiva sobre os direitos patrimoniais é concebível somente na medida em que não suponha redução alguma da proteção jurídica outorgada nas regras do intercâmbio econômico e financeiro. Se aceitam ambas as condições, não vejo quais seriam as importantes metas da igualdade social que poderiam, hoje, conseguir graças a uma crítica jurídica à instituição da propriedade e dos direitos patrimoniais. 12 NASAR, Sylvia. A Imaginação Econômica: gênios que criaram a economia moderna e mudaram a história. 1ª ed. Tradução de Carlos Eugênio Marcondes de Moura. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. 13 ZOLO, Danilo. Libertad, Propriedad e Igualdad en la Teoría de los “Derechos Fundamentales” a propósito de un ensayo de Luigi Ferrajoli. In: FERRAJOLI, Luigi. Los Fundamentos de los Derechos Fundamentales. Madrid: Trotta, 2009, cap. 3, p. 90.

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1.2. Marco Teórico. Considerações Iniciais

A obra O Capitalismo Humanista: filosofia humanista de Direito Econômico, de

autoria dos Professores Ricardo Hasson Sayeg e Wagner Balera14, que constitui o marco

teórico deste estudo, é composta por sete capítulos15. São eles: I – Marco Teórico da

Fraternidade, II – Premissas, III – Historicidade e Tendência, IV – Humanismo Integral, V –

Capitalismo Humanista, VI – Regência Jurídica Humanista do Capitalismo, VII – A Proposta.

Temos que considerar também a Introdução.

Logo na apresentação do estudo, visualizamos uma das ideias centrais do

capitalismo humanista:

Os Direitos Humanos estão encapsulados no intratexto do Direito positivo, demonstrando o destino a ser perseguido pela eficácia da positivação no que tange à satisfação da dignidade humana e planetária, via de consequência revelando o jus-humanismo normativo.16

Faremos um estudo detalhado da obra. Entretanto, para melhor sistematização,

não serão indicadas notas de rodapé específicas com as referências, pois as mesmas serão

indicadas de maneira geral no início de cada tópico.

Ante a complexidade do estudo, tentaremos não buscar na doutrina os elementos

necessários a adequar a fundamentação do marco teórico ao presente trabalho. Entretanto nem

sempre isso será possível, e, quando for efetuado, será devidamente indicado nas referências.

1.2.1. Introdução

A introdução da obra está inserida entre as páginas 17 e 19.17 Portanto, as citações

indiretas não serão efetuadas, por se tratar de um estudo específico.

14 SAYEG, Ricardo Hasson; BALERA, Wagner. O Capitalismo Humanista: filosofia humanista de Direito Econômico. 1ª ed. Petrópolis/RJ: KBR, 2011. 15 SAYEG, Ricardo Hasson; BALERA, Wagner. O Capitalismo Humanista: filosofia humanista de Direito Econômico. 1ª ed. Petrópolis/RJ: KBR, 2011. 16 SAYEG, Ricardo Hasson; BALERA, Wagner. O Capitalismo Humanista: filosofia humanista de Direito Econômico. 1ª ed. Petrópolis/RJ: KBR, 2011, p. 5. 17 SAYEG, Ricardo Hasson; BALERA, Wagner. O Capitalismo Humanista: filosofia humanista de Direito Econômico. 1ª ed. Petrópolis/RJ: KBR, 2011, pp. 17 a 19.

22

Inicialmente já se identifica que prevalece na economia mundial a globalização

econômica capitalista, que se estrutura de maneira antijudicialista18, antropocêntrica19,

individualista e hedonista20. Reconhece que o capitalismo é necessário, mas provoca algumas

distorções, como colocar alguns à mercê da fome e da miséria, o que não é aceitável (não

consegue afastar e aceita as chamadas externalidades negativas de mercado21).

Ante essas distorções, foi necessário construir a teoria jus-humanista, que tem

como fim um “Planeta Humanista de Direito”, onde deve existir uma satisfação universal da

dignidade da pessoa humana. Para tanto, a proposta é uma Lei Universal da Fraternidade,

fundamentada por Jesus Cristo, onde se tem como base a irmandade (ideia de que somos

todos irmãos)22, pois as pessoas do mundo possuem um destino comum.

Dessa maneira, se propõe que o mercado, normalmente conhecido pela sua frieza

e muitas vezes pela sua crueldade, deve ser elevado “a uma economia humanista de mercado

para a satisfação universal do direito objetivo inato”23, tendo por base o jus-humanismo

normativo, chegando a um “Planeta Humanista de Direito” (ambiente onde todas as relações

são ponderadas pela fraternidade).

1.2.2. Marco Teórico da Fraternidade

O marco teórico da Fraternidade está inserido entre as páginas 21 e 27 da obra.24

Portanto, as citações indiretas não serão efetuadas, por se tratar de um estudo específico.

18 Não aceita a judicialização econômica das questões referentes à desigualdade. 19 O ser humano no centro de tudo. 20 Conjunto de pensamentos que pregam a aproximação do prazer e o afastamento da dor. 21 Externalidades negativas de mercado: o funcionamento da economia gera efeitos que saem da esfera econômica original. Esses efeitos são conhecidos como externalidades, que pode ser positiva (se for benéfica, por exemplo, aumento de renda) ou negativa (se indesejáveis, por exemplo, desemprego, poluição). 22 SAYEG, Ricardo Hasson; BALERA, Wagner. O Capitalismo Humanista: filosofia humanista de Direito Econômico. 1ª ed. Petrópolis/RJ: KBR, 2011, p. 18. 23 SAYEG, Ricardo Hasson; BALERA, Wagner. O Capitalismo Humanista: filosofia humanista de Direito Econômico. 1ª ed. Petrópolis/RJ: KBR, 2011, p. 18. 24 SAYEG, Ricardo Hasson; BALERA, Wagner. O Capitalismo Humanista: filosofia humanista de Direito Econômico. 1ª ed. Petrópolis/RJ: KBR, 2011, pp. 21 a 27.

23

Como vimos anteriormente, para chegarmos a um “Planeta Humanista de

Direito” temos que reger a economia e o mercado a partir de um conjunto de princípios “que

se estabelece antropologicamente no amor de Jesus Cristo”.25 É exatamente nesse amor que

se funda a fraternidade26, que nos conduz à liberdade, à igualdade, à democracia e à paz.

Essa situação está muito bem sintetizada na Declaração Universal dos Direitos

Humanos, que inclusive inaugurou em âmbito internacional os padrões de dignidade.

Pela fraternidade, levamos ao capitalismo uma “perspectiva humanista cristã”27,

segundo a qual todos podem e devem se desenvolver economicamente.

(...) a filosofia humanista do Direito Econômico (...) nada mais é do que o transporte teórico da Lei Universal da Fraternidade para o Direito Econômico, o que ora se propõe e que certamente constitui um novo marco teórico de análise jurídica do capitalismo – cujo objetivo declarado na seara econômica é, então, resolver por meio da fraternidade, levando-se em conta as três dimensões subjetivas dos direitos humanos, a tensão dialética entre a liberdade e a igualdade28.

A fraternidade é que fará a ponderação e compatibilização entre a liberdade e a

igualdade, e, seguindo essa filosofia, o Direito Econômico tem como dever possibilitar o

desenvolvimento das pessoas ante um ambiente de sustentabilidade mundial.

1.2.3. Premissas

As premissas estão inseridas entre as páginas 29 e 47 da obra.29 Portanto, as

citações indiretas não serão efetuadas, por se tratar de um estudo específico.

A obra nos indica quatro premissas: (1) Jus-humanismo normativo; (2)

Metodologia; (3) Liberalismo, Democracia e Paz; e, (4) Federalismo e Direitos Humanos.

Trataremos especificamente de cada um deles.

25 SAYEG, Ricardo Hasson; BALERA, Wagner. O Capitalismo Humanista: filosofia humanista de Direito Econômico. 1ª ed. Petrópolis/RJ: KBR, 2011, p. 21. 26 A fraternidade de alguma maneira está ligada a solidariedade, a ajuda mútua. Uma sociedade fraterna vem no sentido de uma sociedade solidária, onde se tem um sentimento de responsabilidade e apoio entre as pessoas, para se chegar a uma comunidade fundada no bem comum (SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 8ª ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2012, pp. 26 e 48). Dessa forma, entendemos ser a solidariedade para o contexto de nosso trabalho um complemento à fraternidade. 27 SAYEG, Ricardo Hasson; BALERA, Wagner. O Capitalismo Humanista: filosofia humanista de Direito Econômico. 1ª ed. Petrópolis/RJ: KBR, 2011, p. 22. 28 SAYEG, Ricardo Hasson; BALERA, Wagner. O Capitalismo Humanista: filosofia humanista de Direito Econômico. 1ª ed. Petrópolis/RJ: KBR, 2011, p. 25. 29 SAYEG, Ricardo Hasson; BALERA, Wagner. O Capitalismo Humanista: filosofia humanista de Direito Econômico. 1ª ed. Petrópolis/RJ: KBR, 2011, pp. 29 a 47.

24

(1) Jus-humanismo normativo

Essa premissa impõe um ambiente mundial, pautado pelo Direito, diferente do

intervencionismo desmedido na economia, pois o mercado pode muito bem ser um ambiente

eminentemente privado.

Pois bem, é plenamente compatível com o “Planeta Humanista de Direito”

(ambiente planetário) um mercado livre, sem intervenção desmedida do Estado, com um

ordenamento jurídico que reconheça a distância do Estado em relação ao mercado, mas que ao

mesmo tempo garanta a efetividade dos Direitos Humanos em todas suas dimensões.

O capitalismo deve ser verificado tendo por base os Direitos Humanos, pois

inclusive está inserido na primeira dimensão. Por conta disso, com muito mais razão e

empenho, devemos ter um capitalismo que se sujeite ao adensamento multidimensional dos

direitos humanos.

Pela filosofia humanista do Direito Econômico, os direitos humanos prevalecem

em relação aos ordenamentos jurídicos, se adensando ao capitalismo. Sendo assim, mesmo o

capitalismo liberal deve respeitar a multidimensionalidade dos direitos humanos. A liberdade,

a igualdade e a fraternidade são as melhores formas de adensamento estruturante do

capitalismo em benefício de todos.

Quem atuará nessa perspectiva, corrigindo inconvenientes e compatibilizando

situações, é o espírito de fraternidade. Essa compatibilização do capitalismo, que se dará com

a presença da fraternidade, será conferida pelo jus-humanismo que assegurará a

proporcionalidade, pois o seu fim é a dignidade da pessoa humana, mesmo em um ambiente

de livre-iniciativa.

(2) Metodologia

Como método, temos que o Direito Econômico não se restringe à Constituição e à

legislação infraconstitucional, mas se abre aos Direitos Humanos, com a aplicação da

Fraternidade no ambiente econômico e no capitalismo. A fraternidade é que deve servir de

estruturação para o capitalismo, seguindo e ponderando a multidimensão dos direitos

humanos.

25

Para Fábio Konder Comparato30, a solidariedade (fraternidade) é “submeter a vida

social ao valor supremo da justiça”.

José Joaquim Gomes Canotilho31 fala em solidariedade intergeracional, que é

ligada à segurança social e vem no mesmo sentido de nosso entendimento, ou seja, a

solidariedade permeando os Direitos Fundamentais, com a finalidade de consagrar a todos um

aspecto pleno de cidadania (dignidade da pessoa humana).

A solidariedade se funda na concretização dos Direitos Humanos, no sentido de se

chegar a uma “cidadania mundial, onde já não há relações de dominação, individual ou

coletiva”.32

A atuação da solidariedade se dá em três dimensões: em cada grupo social; no

relacionamento entre grupos, povos e nações; e, entre as gerações na história.33 Mais do que

isso, permeia todas as relações humanas e deve imperar justamente por esse motivo na

aplicação dos Direitos Humanos em todas as suas dimensões.

Aliás, foi com base no princípio da solidariedade que os Direitos Sociais foram

reconhecidos.34 Ele é o “que constitui o fecho de abóboda de todo o sistema de direitos

humanos”.35

(3) Liberalismo, Democracia e Paz

A melhor maneira de se acomodar o liberalismo e a democracia, por meio do

equilíbrio reflexivo, amparado pela proporcionalidade, pautado na dignidade da pessoa

humana, é a fraternidade, que se demonstra a melhor mediadora entre o capitalismo e o

humanismo.

30 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 4ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 38. 31 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª ed. Coimbra: Almedina, 2003, p. 1141. 32 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 4ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 38. 33 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 4ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 39. 34 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 4ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 64. 35 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 4ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 333.

26

Nosso ordenamento jurídico contempla os direitos humanos em várias passagens

de nosso texto constitucional. Aliás, há válvulas de abertura para a entrada de todos eles,

como por exemplo o artigo 4º, II, o artigo 5º, § 3º e o artigo 7º do ADCT.

Sob o ponto de vista político, econômico, social e cultural, o homem e todos os homens devem tomar consciência de seu valor; o planeta, em prol do homem, perde seu status de coisa apropriável pela humanidade e adquire dignidade própria.36

Dessa maneira, o Estado Democrático deve ser superado em benefício do

“Planeta Humanista de Direito”, como titular de direitos, para poder concretizar os direitos

humanos em toda sua plenitude, inclusive em suas dimensões subjetivas de liberdade,

igualdade e fraternidade.

(4) Federalismo e Direitos Humanos

No caminho para se concretizar os direitos humanos, em relação ao nosso País,

pela sua estrutura organizacional, temos que considerar o federalismo, que possui uma

organização de poder plural.

Conforme o artigo 1º da Constituição, a ordem jurídica brasileira guarda

obediência à dignidade da pessoa humana. Mas para concretizar os direitos humanos,

devemos considerar a organização do Estado.

Sendo assim, temos que o Estado, em qualquer nível de poder (União, Estados,

Distrito Federal e Municípios), possui a obrigação indelével de concretizar os direitos

humanos, seja na esfera executiva ou legislativa. “Todos os entes federativos estão obrigados

a implementar universalmente a dignidade da pessoa humana”37, e possuem competência

para isso.

1.2.4. Historicidade e Tendência Esse capítulo está inserido entre as páginas 49 e 81 da obra.38 Portanto, as citações

indiretas não serão efetuadas, por se tratar de um estudo específico.

36 SAYEG, Ricardo Hasson; BALERA, Wagner. O Capitalismo Humanista: filosofia humanista de Direito Econômico. 1ª ed. Petrópolis/RJ: KBR, 2011, p. 45. 37 SAYEG, Ricardo Hasson; BALERA, Wagner. O Capitalismo Humanista: filosofia humanista de Direito Econômico. 1ª ed. Petrópolis/RJ: KBR, 2011, p. 47. 38 SAYEG, Ricardo Hasson; BALERA, Wagner. O Capitalismo Humanista: filosofia humanista de Direito Econômico. 1ª ed. Petrópolis/RJ: KBR, 2011, pp. 49 a 81.

27

O capítulo foi dividido em tópicos: (1) Mundial e (2) Brasileira. Veremos cada um

deles.

(1) Mundial

Inicialmente podemos constatar que “a economia é um fenômeno da atividade

humana que sempre esteve sob a influência do homem e vem sendo disciplinada

juridicamente desde a antiguidade”39.

A primeira intervenção jurídica na economia foi efetuada por Diocleciano entre

284 e 305 d.C, reformando-se a moeda corrente com o objetivo de atacar a inflação.

Somente na Idade Média, com a Patrística, o conceito universalizante de pessoa

ganhou dimensão de “natureza humana abrangente”40. Além disso, houve a consolidação dos

mercados com o reaparecimento das cidades (burgos), onde os detentores dos meios de

produção (burgueses) passaram a gozar de prestígio a partir de então.

Com a escolástica, passou-se a utilizar o conceito de moderação, respeitando

assim a propriedade privada, atendendo a sua finalidade social. Estava instaurado o equilíbrio

contratual, pautado em critérios de justiça e equivalência (justo preço).

Houve um retorno ao humanismo clássico (Renascimento), no âmbito do qual o

homem era considerado o centro do universo, pautado pelo racionalismo que propunha a

secularização do Estado, que conduziu o homem ao individualismo, o que daria sustentação

ao pensamento liberal.

Com a ética luterana, responsável pelo fortalecimento do capitalismo, foram

aceitos o acúmulo de riqueza e a usura. Entretanto, a matriz escolástica católica propugnava a

função social, o equilíbrio e a moderação econômica.

Com o absolutismo político dos Estados modernos, surgiu um novo

desenvolvimento econômico, o mercantilismo, que tinha como premissa o intervencionismo

do Estado extremamente rígido, chegando-se ao ponto de defender a pena de morte para quem

descumprisse os comandos da ordem econômica.

39 SAYEG, Ricardo Hasson; BALERA, Wagner. O Capitalismo Humanista: filosofia humanista de Direito Econômico. 1ª ed. Petrópolis/RJ: KBR, 2011, pp. 49. 40 SAYEG, Ricardo Hasson; BALERA, Wagner. O Capitalismo Humanista: filosofia humanista de Direito Econômico. 1ª ed. Petrópolis/RJ: KBR, 2011, p. 51.

28

Tal absolutismo “entravou o capitalismo em gestação, pois contra os atos do

príncipe não havia oposição por meio do reconhecimento de direitos subjetivos”41. Sendo

assim, surgiu o Iluminismo, que foi um período em que ocorreram movimentos políticos

burgueses para instituir o Estado de Direito. Com isso, a liberdade e a propriedade que eram

consideradas direitos naturais do homem ganharam proteção contra todos que quisessem

ceifá-las.

Tais movimentos iluministas tiveram como ponto alto, por exemplo, a Revolução

Gloriosa na Inglaterra, a Revolução Francesa e a independência dos Estados Unidos da

América, todos rompendo o pacto colonial. Assim, aparecem as declarações de direitos,

assegurando a todos a soberania, a vida, a liberdade e a propriedade. Um grande documento

nesse sentido foi o Bill of Rights, que pregava a dissociação do homem em relação à Igreja e

ao Estado e o laissez-faire sem freios ou contrapeso.

Os homens foram igualados como pessoa na condição racial, e inclusive surgiram

os movimentos abolicionistas no mundo.

Convola-se a abolição no enfrentamento que se arrasta até hoje das antigas posições aristocráticas de origem escravagista, afirmando que o trabalho é desprezível, em particular o braçal, a ponto de, em muitos casos, desumanizar o trabalhador e reduzi-lo à situação análoga de escravo.42

A partir do século XVIII, pautado pelo laissez-faire, a ordem jurídica do Estado

de Direito consagrou em sua plenitude os direitos civis, pautados pela livre-iniciativa e pela

propriedade privada, sem nenhum tipo de restrição. Tudo isso com base no pensamento de

Adam Smith e David Ricardo. Nascia o conceito de Estado mínimo, na ideia de que o

mercado deveria ser livre, sendo dirigido pela “mão invisível”, com a mínima intervenção do

Estado.

Entretanto, a partir do século XIX, mesmo tendo sido edificada a ideia da

intervenção mínima, podemos verificar que não havia mais tantas certezas. A disciplina

jurídica da ordem econômica efetuou uma série de regulamentos e restrições sobre a atividade

negocial.

41 SAYEG, Ricardo Hasson; BALERA, Wagner. O Capitalismo Humanista: filosofia humanista de Direito Econômico. 1ª ed. Petrópolis/RJ: KBR, 2011, p. 52. 42 SAYEG, Ricardo Hasson; BALERA, Wagner. O Capitalismo Humanista: filosofia humanista de Direito Econômico. 1ª ed. Petrópolis/RJ: KBR, 2011, pp. 53 e 54.

29

A falta de humanismo nas relações econômicas refletia diretamente nos

trabalhadores. Isso levou a Encíclica papal Rerum Novarum a tratar do assunto e reconhecer

que os trabalhadores estavam entregues à própria sorte.

Como contraponto ao laissez-faire, após a Primeira Guerra Mundial ocorreram a

Revolução Russa (1917) e o domínio e instalação do comunismo, com o fechamento da

Constituinte e a nacionalização da propriedade privada. Operou-se um Estado autoritário e

não consagrador das liberdades iluministas, supressor dos direitos subjetivos civis e políticos.

Também em 1917, o México editou a primeira Constituição a abarcar cláusulas

econômicas e sociais, juntamente com as liberdades e garantias individuais, mantendo o

capitalismo, mas traçando os primeiros contornos de um Estado Social de Direito.

Em 1919, a Alemanha editou na cidade de Weimar sua Constituição, dando

especial enfoque à economia e à questão social.

Em 1929, com a quebra da bolsa de Nova Iorque, se fixou no mundo o

capitalismo de pensamento econômico, fundado na rejeição do automatismo das forças de

mercado, no reconhecimento dos direitos civis e políticos e na atitude contra a coletivização

da propriedade, dos meios de produção e dos investimentos. Estava se formando a concepção

do Estado do bem-estar social, segundo a qual o Estado atuava no mercado para afastar as

externalidades negativas (surgia assim o capitalismo de Estado, amplamente defendido por

John Maynard Keynes).

Em 1931, a Encíclica papal Quadragesimmo Anno trazia uma advertência no

sentido de que o capitalismo escravizava os trabalhadores e que a dignidade da pessoa

humana era desprezada. Dizia ainda que isso era intolerável.

Tínhamos assim dois cenários. Um era o capitalismo ganancioso que fazia tudo na

sua busca desenfreada pelo lucro, e o outro o capitalismo estatal dos comunistas, que sufocava

os direitos políticos e a livre-iniciativa.

A partir de 1930 Hitler e Mussolini constituíram regimes econômicos capitalistas

radicais, efetuando intervenções do Estado no domínio econômico, suprimindo os direitos

subjetivos civis e políticos e até mesmo a propriedade de certos grupos.

Em 1944, a conferência de Bretton Woods tratou de reorganizar a economia após

os conflitos da Segunda Guerra. Os Estados Unidos da América propunham uma economia

30

mundial dinâmica onde cada país pudesse gozar de seu potencial em paz, em busca do

progresso, por conta das riquezas naturais que eram consideradas infinitas.

Para tanto, foram instituídos o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional,

que começaram a operar um pouco depois (1945 e 1947) e estavam sob o controle europeu e

norte-americano. O dólar americano substituiu a libra esterlina como moeda internacional.

Os países ocidentais eram influenciados pelos Estados Unidos, enquanto os

localizados no Leste Europeu eram submetidos ao jugo comunista da União Soviética. Uma

cortina de ferro passou a separar o mundo, ante a negativa da União Soviética em restabelecer

a autonomia dos países do Leste Europeu.

Em 1945 a ONU editou a Carta das Nações Unidas, com “o objetivo de articular

a cooperação em matéria de direito e segurança internacionais, desenvolvimento econômico,

progresso social, direitos humanos e busca da paz mundial”43. Criou-se também no âmbito

das Nações Unidas o Conselho Econômico e Social, que ficaria encarregado de tratar dos

temas econômicos e sociais.

Já em 1948, foi prolatada a Declaração Universal dos Direitos Humanos,

“dotando a humanidade de um rol seguro e fixo cuja síntese consubstanciou o espírito

objetivo do planeta quanto aos direitos inatos do homem e de todos os homens”.44

Entretanto, nesse mesmo ano, na África do Sul foi instalado o apartheid,

segregando racialmente as pessoas, usurpando os Direitos Humanos da população negra.

Com o objetivo de evitar a expansão comunista, recuperaram-se economicamente

o Japão e a Europa, mas o mundo tendia a se dividir entre o capitalismo e o comunismo,

desencadeando a chamada Guerra Fria, beirando a guerra nuclear (especificamente em 1962

com a crise dos mísseis).

Tanto os capitalistas quanto os comunistas se radicalizaram, dando ensejo a

graves violações de direitos humanos pelas duas partes.

43 SAYEG, Ricardo Hasson; BALERA, Wagner. O Capitalismo Humanista: filosofia humanista de Direito Econômico. 1ª ed. Petrópolis/RJ: KBR, 2011, p. 58. 44 SAYEG, Ricardo Hasson; BALERA, Wagner. O Capitalismo Humanista: filosofia humanista de Direito Econômico. 1ª ed. Petrópolis/RJ: KBR, 2011, p. 59.

31

Nesse cenário, foi editada a Encíclica Pacem in Terris, na qual João XXIII,

percebendo a ligação da economia com a paz, pregou que os mais desenvolvidos deveriam se

solidarizar com os menos favorecidos, respeitando as características de cada um, para se

formar uma nação mundial dos povos, onde todos possuíssem a dimensão de seus direitos e

deveres.

Nessa esteira de pacificação econômica, em 1964 foi criada a Conferência das

Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), no sentido de integrar os

países. Foi o primeiro passo da ONU em relação à globalização, sem entretanto possuir

poderes para uma efetiva humanização do comércio.

Com o objetivo de tentar apaziguar o capitalismo e o comunismo, em 1966 foram

editados dois pactos45: o pacto internacional de direitos civis e políticos e o pacto

internacional dos direitos econômicos, sociais e culturais.

No ano seguinte, Paulo VI editou a Encíclica Populorum Progressio, expondo

uma visão cristã da economia.

Já na década de 70, por não ser mais necessário, começou-se a afastar o Estado do

bem-estar social, “pois as demandas sociais poderiam ser atendidas, pela própria ordem

natural da dinâmica da economia, por meio da geração de riqueza, emprego e receita

tributária, além das liberdades positivas já contempladas”.46

Nessa época, especificamente em 1972, o mundo começou a ter a compreensão de

que os recursos naturais eram finitos. Isso se deu em Estocolmo na Conferência para o Meio

Ambiente. Foi o início da concepção de sustentabilidade.

Em 1975, com o resgate do liberalismo, foi instituído o G7 (atualmente G8), com

a missão de liderar a globalização econômica.

45 Para Fábio Konder Comparato, esse dois pactos formam um conjunto único e indissociável de Direitos Humanos, com um elemento comum ao conjunto dos direitos neles declarados, qual seja, a proteção de classes ou grupos sociais desfavorecidos contra a dominação socioeconômica exercida pela minoria rica e poderosa. “A liberdade individual é ilusória, sem um mínimo de igualdade social” (COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 4ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 333). 46 SAYEG, Ricardo Hasson; BALERA, Wagner. O Capitalismo Humanista: filosofia humanista de Direito Econômico. 1ª ed. Petrópolis/RJ: KBR, 2011, p. 62.

32

O papa João Paulo II advertiu que o modelo econômico atual criava algumas

falhas, a família humana não tinha meios de sair de situações injustas. Era a falha social de

mercado, onde havia o aumento de riqueza dos ricos e de pobreza dos pobres.

Em 1986 tiveram início as tratativas que mais tarde resultariam na criação da

Organização Mundial de Comércio (OMC).47

O papa João Paulo II editou em 1987 a Encíclica Sollicitudo Rei Socialis, trazendo

como mensagem que os países mais fortes deveriam se responsabilizar pelos menos

abastados, no sentido de consagrar a igualdade entre os povos, respeitando suas diferenças.

Nessa mesma época, o Estado do bem-estar social foi atacado, sendo taxado de

inoperante. Era uma ação para se impor um receituário neoliberal a todos, movimento este

liderado pelo FMI. Em 1989, no Conselho de Washington, foi estabelecida por essas pessoas

uma pauta apátrida neoliberal que seria imposta ao mundo inteiro.

Por sua própria ineficiência, no mesmo ano, o socialismo ruiu. Esse evento teve

como marco a queda do muro de Berlim. Em 1991, a União Soviética enterrou o socialismo

como paradigma mundial. Todos caminharam para a inserção no capitalismo global. O mundo

passou a possuir a partir de então feições predominantemente neoliberais.

Em 1993, a ONU proferiu a Declaração e Programa de Ação de Viena, onde os

países reafirmaram seu compromisso com os direitos humanos.48

No ano seguinte, a África do Sul acabou com o apartheid. Foram realizadas

eleições multirraciais e democráticas.

Já em 1995, com a finalização da instalação da OMC, foi consagrada a

globalização econômica neoliberal. Foram instituídos alguns traços de solidariedade,

conferindo a alguns países em desenvolvimento tratamento diferenciado. No âmbito da OMC

instalou-se o Sistema de Resolução de Controvérsias. A expectativa era a de que tal

mecanismo chegasse à tão esperada paz nas relações econômicas mundiais.

47 Temos que destacar que há momentos em que a OMC resolve questões que a OIT não consegue resolver. É um exemplo de que é possível resolver certas questões pelo Direito Econômico. 48 Essa Declaração e Programa de Viena consagra expressamente em seu preâmbulo, além da justiça e do equilíbrio, a solidariedade. Tem como pano de fundo o desenvolvimento da pessoa humana e das nações, e todos devem contribuir nesse sentido. Juridicamente, para isso, entra em cena o Direito Econômico.

33

Em 2000 foi realizada a cúpula do Milênio, que resultou na Declaração do

Milênio das Nações Unidas.

Tivemos em 2008 nos Estados Unidos da América uma grave crise no sistema

financeiro, algo nunca antes visto, pois a economia do país líder do capitalismo estava prestes

a entrar em um verdadeiro colapso. Isso culminou com um ativismo econômico

governamental, com a intervenção intensa no sistema financeiro e no mercado.

O pensamento neoliberal foi totalmente desconsiderado, com inúmeras

intervenções. O laissez-faire foi deixado de lado. Essa crise deflagrou em nível mundial a

necessidade de uma economia social de mercado com liberdade e equilíbrio social.

Com o Tratado de Lisboa, ratificado pela União Europeia em 2009, o bloco

ganhou feições de economia social de mercado.

O mundo ainda sofre os efeitos da crise desencadeada em 2008, inclusive na

eminência de novos episódios problemáticos.

Nesse sentido, o que se espera é que se evolua para um capitalismo de mercado

humanista em todas as suas dimensões. “Que seja o capitalismo humanista, portanto, o sinal

dos tempos para o terceiro milênio da civilização cristã, que remete a humanidade aos

valores supremos que sintetizam a sociedade universal fraterna consagradora do Planeta

Humanista de Direito”.49

(2) Brasileira

No Brasil, merecem registro alguns marcos, como por exemplo o período colonial

(com a ausência de autonomia política) e a Inconfidência Mineira (pautada por uma

independência nacional iluminista).

Em 1822 foi proclamada a independência, que culminou com a Constituição de

1824, a qual em matéria de direitos humanos reconhecia a liberdade (livre-iniciativa) e a

propriedade. Todo o regime econômico era regido pelo Código Comercial de 1850.

A Europa apontava um marco civilizatório de combate à escravidão, e impunha ao

Brasil um mercado interno pautado pelo trabalho livre. Em 1888, a Lei Áurea (Lei 3.353)

aboliu de uma vez por todas a escravidão.

49 SAYEG, Ricardo Hasson; BALERA, Wagner. O Capitalismo Humanista: filosofia humanista de Direito Econômico. 1ª ed. Petrópolis/RJ: KBR, 2011, p. 69.

34

Influenciada pelo positivismo, em 1889 foi proclamada a República, que ensejou

a Constituição de 1891, a qual em termos de direitos humanos reconhecia a liberdade e a

propriedade.

Nessa esteira, em 1916 foi elaborado o Código Civil, que tinha feição iluminista e

individualista.

A revolução de 1930 gerou o início da industrialização do País e resultou na

Constituição de 1934, influenciada pelo constitucionalismo social da Constituição de Weimar.

O texto de 1934 consagrou o fim do liberalismo econômico brasileiro, pois passou a ter

relevância o interesse social e coletivo. A ordem econômica passou a ser organizada e pautada

pela justiça e pela necessidade da vida nacional, para que todas as pessoas pudessem existir

com dignidade.

Isso tudo foi reafirmado pela Constituição de 1937, com um legítimo dirigismo

econômico estatal (artigo 135), o Estado poderia intervir da maneira que desejasse.

Com a queda de Getúlio Vargas, foi promulgada a Constituição de 1946, que

preservou o capitalismo e manteve o Estado do bem-estar social e todos os direitos até então

conquistados.

A era JK gerou um importante desenvolvimento nacional, com planejamento

econômico de Estado do bem-estar social e com crescimento acelerado chegando a 8% por

ano. O preço disso tudo era uma inflação de 40% ao ano.

A partir de 1964 o País emergiu em um regime totalitário, marcado pelo forte

intervencionismo, que culminou com a Constituição de 1967 e sua emenda de 1969. Foi

institucionalizado um capitalismo de comando central. “(...) o governo brasileiro conduzia

compulsoriamente o sistema financeiro e o mercado, e assim a universalidade dos segmentos

econômicos”.50 Com o AI-5 em 1968, os direitos fundamentais foram cassados.

Em 1971 foi implementado o I Plano Nacional de Desenvolvimento, que visava

uma nova concepção de empresa pautada pela produção e comercialização.

50 SAYEG, Ricardo Hasson; BALERA, Wagner. O Capitalismo Humanista: filosofia humanista de Direito Econômico. 1ª ed. Petrópolis/RJ: KBR, 2011, p. 74.

35

O II Plano Nacional de Desenvolvimento veio em 1974, com destaque para os

insumos básicos, infraestrutura e recursos energéticos como base de sustentação do

crescimento econômico. Foi praticado um intenso capitalismo de Estado.

Com o fim do regime militar, tivemos o Plano Cruzado, que tinha como base o

tabelamento de preços e o congelamento de salários como recurso de combate à inflação.

Em 1988 foi promulgada a presente Constituição, na qual houve um recuo no

intervencionismo de Estado, reconhecendo-se no artigo 1º, IV e no artigo 170 os valores

sociais do trabalho e da livre-iniciativa. O artigo 6º estabeleceu o rol de direitos sociais.

Decorrente do novo regime constitucional, a tradicional ingerência sobre a economia passou das mãos do Estado centralizador para as forças naturais de mercado. De fato, no início dos anos noventa, o governo do presidente Fernando Collor dissolveu o Estado do bem-estar social e conduziu o país à economia de mercado, tanto que instituiu o programa nacional de desestatização pela Lei nº 8.031/90, com o objetivo fundamental de ordenar a posição estratégica do Estado na economia, transferindo-a à iniciativa privada. Empresas controladas direta ou indiretamente pelo Estado foram alienadas, ainda que em certos setores a preponderância nas deliberações sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores restassem repartidos entre o Estado e o mercado.51

Em 1990 houve um grande choque econômico com a edição do Plano Collor.

Somente em 1994, com o Plano Real, o país alcançou estabilidade monetária,

mantendo a inflação em níveis aceitáveis.

Fernando Henrique Cardoso, que governou de 1995 a 2002, manteve com

algumas alterações o Plano Nacional de Desestatização, aumentando a competitividade e

reforçando a capacidade de diversos setores da economia.

Com a emenda constitucional 26, foi inserido no artigo 6º o direito à moradia.

Criou-se ainda com a emenda constitucional 31 o Fundo de Combate e

Erradicação da Pobreza.

Com o governo Lula, a partir de 2003, foi mantida a economia social de mercado,

fortalecendo a classe média e combatendo a miséria. Nesse sentido, foram criados vários

programas sociais, dentre eles o Bolsa Família.

51 SAYEG, Ricardo Hasson; BALERA, Wagner. O Capitalismo Humanista: filosofia humanista de Direito Econômico. 1ª ed. Petrópolis/RJ: KBR, 2011, p. 76.

36

Em 2010 a emenda constitucional 64 inseriu no artigo 6º o direito à alimentação:

“(...) o Estado brasileiro buscou corrigir juridicamente as distorções provocadas pelo livre

mercado, nos diversos segmentos da economia, mediante a edição de normas específicas52”,

dentre elas o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90).

O governo Lula manteve a regulação, com o intuito de manter a economia social

de mercado, o que está sendo seguido também pelo governo Dilma.

Nas atuais circunstâncias político-institucionais há que se reconhecer que o Brasil – como afirmado em outra oportunidade e tendo em vista a induvidosa abrangência aos direitos humanos por conta da ordem econômica –, na medida em que o caput do Artigo 170 da Constituição tem por fim garantir a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social, contempla na positivação constitucional o capitalismo humanista de mercado, ao que por certo deve incorporar-se a abrangência da dignidade planetária.53

1.2.5. Humanismo Integral

Esse capítulo está inserido entre as páginas 83 e 137 da obra.54 Portanto, as

citações indiretas não serão efetuadas, por se tratar de um estudo específico. É um dos

capítulos mais importantes na fundamentação do capitalismo humanista.

O capítulo foi dividido em sete pontos: (1) Definição de Humanismo Integral; (2)

Conteúdo Significante do Humanismo Integral; (3) Humanismo Integral e a Antropofilia; (4)

O Culturalismo Jurídico; (5) Os Direitos Humanos e sua Aplicação Quântica; (6) A Prestação

Jurisdicional Humanista; e, (7) Aplicação no Domínio Econômico. Veremos cada um deles.

(1) Definição de Humanismo Integral

Na antiguidade os homens eram valorizados por suas posses, qualidades ou feitos

heroicos, sendo segregados dessa concepção os pobres, os escravos e as mulheres. Eram

separados da integralidade do gênero humano especialmente os menos favorecidos.

52 SAYEG, Ricardo Hasson; BALERA, Wagner. O Capitalismo Humanista: filosofia humanista de Direito Econômico. 1ª ed. Petrópolis/RJ: KBR, 2011, p. 78. 53 SAYEG, Ricardo Hasson; BALERA, Wagner. O Capitalismo Humanista: filosofia humanista de Direito Econômico. 1ª ed. Petrópolis/RJ: KBR, 2011, p. 81. 54 SAYEG, Ricardo Hasson; BALERA, Wagner. O Capitalismo Humanista: filosofia humanista de Direito Econômico. 1ª ed. Petrópolis/RJ: KBR, 2011, pp. 83 a 137.

37

Jesus Cristo, com sua missão de fraternidade universal, concebeu o “humanismo

antropofilíaco”55 em face de todo o gênero humano, sem excludente algum. Dessa maneira, a

dignidade humana passou a abranger a igualdade entre todos, no sentido fraternal de

irmandade, filhos do mesmo Deus.

Por conta disso, elevamos a fraternidade a um valor absoluto, essencial ao

humanismo cristão.

Com o Cristianismo, se distinguiu política de religião, passando o homem a não

existir apenas enquanto cidadão, mas sim enquanto homem.

Na Idade Média, o humanismo cristão foi desvirtuado e entendido por lamentáveis

interpretações fundamentalistas, sectárias e excludentes dos não cristãos (como o demonstra a

Inquisição).

Como consequência dessas distorções, o Iluminismo trouxe uma nova visão do

humanismo individual-burguês, antropocêntrico e secular, colocando o homem no centro das

coisas em oposição à Igreja e frente ao Estado, garantindo a liberdade política, religiosa e

econômica (por meio da propriedade privada e da igualdade formal entre todos), consagrando

assim o liberalismo econômico.

É inegável que o pensamento cristão de fraternidade universal garantiu a todos,

sem exclusão alguma, a vida e a dignidade.

Em verdade, o humanismo integral deve abranger todos os homens em todas as

suas dimensões, em prol da humanidade e de todo o planeta. “Esse humanismo concretizador

da dignidade da pessoa humana traz a ideia de fraternidade como centro de gravidade,

elemento gravitacional de adensamento entre ela própria, a liberdade e a igualdade”.56

Todos se encontram em estado (condição) fraternal, destinatários e promovedores

da fraternidade, que é consagrada pelo humanismo integral culturalmente aplicável a todos.

Não há como não incorporar a fraternidade. Ela aparece por exemplo com muita

força na Revolução Francesa e na Declaração Universal dos Direitos Humanos, sendo

inclusive no Brasil reverenciada na Constituição Federal de 1988 e encampada por decisões

do Supremo Tribunal Federal.

55 É uma forma de se concretizar os Direitos Humanos levando em conta a fraternidade como meio de ponderação de todas as dimensões, em especial a primeira e a segunda. Em termos mais práticos, é a efetivação da Justiça social (proporcionalidade) que se impõe contra a miséria. 56 SAYEG, Ricardo Hasson; BALERA, Wagner. O Capitalismo Humanista: filosofia humanista de Direito Econômico. 1ª ed. Petrópolis/RJ: KBR, 2011, p. 86.

38

A fraternidade tira o homem do centro das coisas e o manda para o meio difuso

delas.

Carlos Ayres Britto57 reconhece o humanismo e faz uma conceituação pautada

pela democracia. Dentre as formas de democracia apontadas por ele, destacamos a

democracia fraternal.

Caracterizada pela positivação dos mecanismos de defesa e preservação do meio ambiente, mais a consagração de um pluralismo conciliado com o não-preconceito, especialmente servido por políticas públicas de ações afirmativas que operem como fórmula de compensação das desvantagens historicamente sofridas por certos grupamentos sociais, como os multirreferidos segmentos dos negros, dos índios, das mulheres e dos portadores de deficiência física (espécie de igualdade civil-moral, como ponto de arremate da igualdade política e econômico-social).

É o quanto basta para a dedução de que o humanismo enquanto vida coletiva de alto padrão civilizatório é aquele que transcorre nos mais dilatados cômodos da contemporânea democracia de três vértices: a procedimentalista, a substancialista e a fraternal. Os dois termos (humanismo e democracia) a se interpenetrar por osmose, e não mais por justaposição. Donde a metáfora da transubstanciação.

(2) Conteúdo Significante do Humanismo Integral

O positivismo puro, desprovido de fraternidade, tende a desaguar em leis

draconianas, podendo levar o Direito a tornar-se um instrumento de segregação, opressão e

violência. Esse radicalismo formalista positivista é abominável, pois pode levar o planeta a

situações como a dos horrores do holocausto de Hitler no Terceiro Reich.

O holocausto foi estruturado em um aparato normativo.

Os liderados de Hitler não saíram simplesmente matando as pessoas: houve uma intensa atividade jurídico-normativa direcionada à desumanização de um grupo e à apropriação de suas riquezas, que sustentaram o que os nazistas chamavam de seu “milagre econômico”.58

A Alemanha nazista, pelo direito positivo, não considerou a essência humana,

pois normatizou as “raças”. Mesmo com tantas barbáries, eles “contavam” com juízes e

tribunais.

57 BRITTO, Carlos Ayres. O Humanismo como categoria constitucional. 1ª reimp. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2010, pp. 34 e 35. 58 SAYEG, Ricardo Hasson; BALERA, Wagner. O Capitalismo Humanista: filosofia humanista de Direito Econômico. 1ª ed. Petrópolis/RJ: KBR, 2011, p. 92.

39

Esse sistema de direito positivo alemão contava com o apoio de 90% da

população em seu auge e era balizado em bases jurídicas e normativas, sendo marcado pela

odiosa intolerância ao semelhante e suportado economicamente pela pilhagem legalizada.

Dessa maneira podemos constatar que o positivismo puro, desprovido de

fraternidade, tem o condão de concretizar abusos do homem em face de seu semelhante, como

o que ocorreu no holocausto.

Para que isso não aconteça, há que se aplicar a fraternidade (norma não-escrita) no

núcleo da essência elementar daquela que dispõe a lei positiva, para se garantir que se faça o

bem e se evite o mal. Isso implica na prática a concretização universal dos direitos humanos

em todas as suas dimensões, para satisfazer a dignidade da pessoa humana.

(...) os direitos humanos correspondem modernamente ao direito natural admitido pelos povos do planeta, integrando a consciência universal que os afirma e não tem mais dúvidas sobre sua existência e legitimidade. Sob essa perspectiva, a lei desumana não tem força obrigatória.

Dessa maneira, inspirado no humanismo integral, o direito compreende

transversalmente os direitos humanos e não se restringe a aspectos positivistas. Deve-se

concretizar os direitos humanos pelo “humanismo antropofilíaco”, que é preenchido pela

fraternidade derivada da compaixão de Jesus Cristo, que promoveu pela primeira vez na

humanidade a valorização da vida humana. “Jesus insufla este humanismo abrangente nos

direitos humanos, um humanismo que compreende e resolve a dialética entre liberdade e

igualdade”.59

Dessa maneira, temos que o humanismo integral não é teocêntrico, nem um

retrocesso ao fundamentalismo cristão medieval. Também não é a aceitação do humanismo

antropocêntrico individual burguês. Na verdade é um “humanismo antropofilíaco”, que se

concretiza pela fraternidade.

(3) Humanismo Integral e a Antropofilia

A ideia não é de se impor às pessoas o humanismo integral pela via da convicção

religiosa.

59 SAYEG, Ricardo Hasson; BALERA, Wagner. O Capitalismo Humanista: filosofia humanista de Direito Econômico. 1ª ed. Petrópolis/RJ: KBR, 2011, p. 95.

40

A fraternidade de Jesus Cristo é um humanismo cristão que modela o direito e

atua como categoria jurídica que sustenta os direitos humanos em todas suas dimensões.

O Estado de Direito deve ser laico e democrático, e a liberdade de crença ou

religião deve ser um direito fundamental.

A Lei Universal da Fraternidade deve estar à disposição de todos,

independentemente de credo ou religião, com fundamento antropofilíaco, que legitime o

direito natural da fraternidade constitutivo do jus-humanismo normativo.

(4) O Culturalismo Jurídico

A antropologia consegue elevar a teoria do direito, como cultura, ao mesmo

patamar de ciência, tornando possível verificar etnograficamente se as conjecturas são objetos

sociais.

Sendo o direito cultura e experiência, não há que se desconsiderar mais de dois

mil anos de história antropológica, formadora da consciência universal do Cristianismo. Não

há como não verificar a influência cristã na formação da civilização. O próprio calendário é

dividido antes e depois de Cristo. É inegável sua posição de protagonista na construção da

consciência universal da fraternidade, que é base antropológica do humanismo integral.

A fraternidade cristã representou uma revolução cultural. Praticamente todas as

pessoas do planeta conhecem Jesus Cristo.

Mesmo se levarmos em conta os positivistas, temos que Jesus Cristo deve ser

apreciado, tendo em vista por exemplo a edição da Lei 12.025/09, que estabeleceu o dia da

marcha para Jesus. Inegável também que o ambiente forense também consagra a cultura

cristã, tendo em vista que inúmeras salas de audiência possuem a figura de Jesus Cristo

crucificado.

Além da inegável expressão religiosa, o Cristianismo é um bem cultural que

aceita o olhar antropológico, eis que o método etnográfico pode ser exercido sobre qualquer

produto cultural de uma sociedade. O próprio evangelho se serve de relatos elaborados,

mesmo porque a reflexão etnográfica sobre os textos tem seu lugar na antropologia.

O fundamento filosófico culturalista é antropológico, pois o jus-humanismo

normativo pode concretizar melhor os direitos humanos em todas suas dimensões, para se

chegar à dignidade da pessoa humana.

41

Inoculada no intratexto da lei positiva, e imbricando-se a ela para produzir o direito, a cultura cristã da fraternidade há de afirmar-se como elemento jurídico essencial que, a um só tempo, acomoda-se e conforma sua efetiva aplicação. A partir de então, passa a produzir o autêntico direito natural conjectural que, moderna e universalmente, concentra e admite os direitos humanos em todas as suas dimensões.60

Dessa maneira, o centro de gravidade de toda a ordem jurídica corresponde aos

direitos humanos que devem ser concretizados em todas as suas dimensões, por imposição da

Lei Universal da Fraternidade.

(5) Os Direitos Humanos e sua Aplicação Quântica

Ninguém discute a existência dos direitos humanos. São reais e existem.

A Constituição de 1988 faz referência expressa aos Direitos Humanos em

inúmeros dispositivos. Da mesma maneira a legislação infraconstitucional.

Sendo assim, a ordem jurídica deve respeitar e efetivar a missão de aferir e

concretizar os direitos humanos. Mais do que isso, deve encorajar este reconhecimento e sua

efetivação. Seguramente este é o caminho para uma sociedade fraterna.

E deve ser assim, pois a dignidade se vincula à incessante e variável evolução do

homem, devendo ser considerada independentemente de incorporação positiva na ordem

jurídica.

Por conta disso, por exemplo, os documentos internacionais de direitos humanos

independem de positivação interna para serem aplicados e implementados, tendo em vista que

se configuram como elementos significantes do sistema de referência de dignidade da pessoa

humana e, por conta disso, se interpenetram pelo intratexto no direito positivo.

Todo homem possui dignidade e essa dignidade não tem preço como as coisas.

Não é possível alienar a dignidade humana, pois assim o homem seria transformado em coisa.

Essa pseudoprecificação deve ser confrontada com a fraternidade e com a proposta de Jesus

Cristo, consagrando-se na ordem jurídica o direito objetivo inato de dignidade de todos os

homens e do planeta.

60 SAYEG, Ricardo Hasson; BALERA, Wagner. O Capitalismo Humanista: filosofia humanista de Direito Econômico. 1ª ed. Petrópolis/RJ: KBR, 2011, p. 111.

42

Dessa maneira não podemos concordar com qualquer tipo de posicionamento que

precifica a dignidade, ao enquadrá-la como um direito-custo.

O direito humano corresponde à dignidade humana e planetária. Todos os direitos

humanos convergem para o específico direito objetivo natural da dignidade da pessoa humana

e planetária. Dessa maneira os direitos humanos se enquadram no realismo jurídico, não se

interpretam, mas sim se concretizam.

Hoje, podemos aferir três dimensões de direitos humanos: a liberdade inata; a

igualdade inata; e, a fraternidade inata. Constituem-se em um feixe essencial e indissociável,

se adensando.

Essa natureza multidimensional supera a dicotomia entre público e privado. São

direitos subjetivos naturais, sendo revestidos da garantia da ordem jurídica. Não são meros

ideais ou princípios programáticos destituídos de qualquer normatividade.

Em verdade, no que se refere ao núcleo dos direitos humanos, a dignidade da pessoa entremostra-se presente no adensamento entre liberdade, igualdade e fraternidade, emergindo objetivamente do respectivo equilíbrio reflexivo. Explica-se: de que vale a dignidade da pessoa humana sem liberdade? Sem igualdade? Sem fraternidade? Sem liberdade haverá a tirania da igualdade. Sem igualdade, a tirania da liberdade. E, sem fraternidade, a liberdade e igualdade são incompatíveis.61

Como vimos, os direitos humanos são inatos. Não são atribuídos pelo Estado ou

pela sociedade civil. Eles são inerentes e preexistentes, uma titularidade absoluta de todos os

homens. Independem da outorga estatal.

Podemos encontrar no método quântico uma via de concretização.

Forma-se, daí, uma peculiar relação de equivalência entre o direito positivo, direitos humanos e realismo jurídico sob os prismas da matéria (massa) e do espírito (energia), ajustados pela densidade vibratória (movimento/velocidade), (...). (...) A Lei Universal da Fraternidade exige que na solução de qualquer caso sejam concretizados os direitos humanos tendo em vista a dignidade da pessoa humana. Qualquer outro desfecho imporá o vácuo jurídico, o nada absoluto, sem a energia clara que é essência elementar da matéria e, portanto, inexistente.62

61 SAYEG, Ricardo Hasson; BALERA, Wagner. O Capitalismo Humanista: filosofia humanista de Direito Econômico. 1ª ed. Petrópolis/RJ: KBR, 2011, p. 119. 62 SAYEG, Ricardo Hasson; BALERA, Wagner. O Capitalismo Humanista: filosofia humanista de Direito Econômico. 1ª ed. Petrópolis/RJ: KBR, 2011, p. 121.

43

Tudo que é regulado pelo direito sofrerá uma ação gravitacional incidente sobre

os direitos humanos, devendo ser aplicado por toda a ordem jurídica.

O direito internacional dos direitos humanos é monista, no sentido de existir uma

ordem planetária única, de maneira a se compatibilizar com as ordens soberanas internas,

passando a se constituir em um verdadeiro patrimônio jurídico de toda a humanidade.

Dessa maneira, pela Lei Universal da Fraternidade, o ordenamento jurídico não

pode impor uma solução de direito que contrarie o direito objetivo da dignidade, de acordo

com o realismo jurídico.

(6) A Prestação Jurisdicional Humanista

Muito importante o papel do Poder Judiciário na concretização do “humanismo

antropofilíaco”. É a concretização da justiça que se dá por intermédio da proporcionalidade.

Essa medida de proporcionalidade que se impõe contra a miséria é a solução. A miséria é uma

situação inaceitável, que reduz o homem a um estágio infra-humano.

A Lei Universal da Fraternidade determina que a jurisdição deva promover e

assegurar a satisfação da dignidade da pessoa humana, concretizando os direitos humanos em

todas as suas dimensões.

A fraternidade deve incidir no julgador, envolvendo-o em um manto humanista

antropofilíaco. Esse humanismo espera que se concretize a dignidade de todos que se

submetem ao Poder Judiciário, empregando a misericórdia para combater a miséria nas

decisões judiciais, não lhes ficando alheio ou alienado.

A misericórdia é a dimensão terrena da manifestação do amor ao próximo como a

si mesmo, por força da fraternidade.

Dessa maneira, deve o julgador agir em seu ministério conforme o “humanismo

antropofilíaco”, aplicando em todos os casos os inafastáveis direitos humanos. Dessa

maneira, deve proceder conforme a Lei Universal da Fraternidade, interpenetrando pelo

intratexto com esse objetivo.

A dignidade é indisponível. Não há como se perder, mesmo que por ato

voluntário. Está dentro de todos os homens como núcleo essencial, expressando-se

juridicamente como um feixe indissociável, interdependente e multidimensional de direitos

humanos.

44

A sabedoria do povo aponta seis passos para a aplicação da Lei Universal da Fraternidade, os quais devem ser percorridos pelo magistrado no exercício da prestação jurisdicional. São eles: (1) considerar todas as partes envolvidas, tendo em mente que são pessoas humanas, revestidas de dignidade; (2) buscar perceber a aflição em que se encontram diante do caso concreto; (3) ouvir, com atenção, a versão e as razões de cada uma delas; (4) colocar-se na situação em que elas se encontram; (5) interagir com elas; e (6) aplicar a decisão mais fraterna, que será a que satisfaça a dignidade de todas as pessoas envolvidas, sendo misericordioso onde houver miséria.63

O espírito dos magistrados deve ser fraterno, pois são agentes da concretização

dos direitos humanos em todas as suas dimensões.

Não é somente a justiça cruel que afronta a fraternidade, mas também a justiça

indiferente, alienada, pois, nesses casos, o magistrado desconsidera a pessoa humana.64 “As

decisões judiciais que contrariam os direitos humanos são o vácuo jurisdicional, equivalente

ao algo jurisdicional que, apesar de formalmente existente, corresponde materialmente ao

nada jurídico absoluto”65, em outras palavras, não devem ser consideradas, não devem existir

e é melhor que não existam.66

O próprio Código de Ética da Magistratura67 determina em seu artigo 3º que a

atividade jurisdicional deve garantir e fomentar a dignidade da pessoa humana, inclusive

objetivando, assegurando e promovendo a solidariedade e a justiça entre as pessoas. E mais,

no artigo 32 expressa que o conhecimento e a capacitação do magistrado devem adquirir uma

intensidade especial que leve ao nível máximo os Direitos Humanos.

63 SAYEG, Ricardo Hasson; BALERA, Wagner. O Capitalismo Humanista: filosofia humanista de Direito Econômico. 1ª ed. Petrópolis/RJ: KBR, 2011, p. 127. 64 “Por que estamos a indicar esses domínios de interação humana como denotadores de humanismo, neste último sentido de sociedade evoluída ou culturalmente avançada? Porque são eles que, em seu conjunto, mais respondem pela qualidade de vida de todo um povo. Por isso que jurisdicizados, contemporaneamente, como situações jurídicas ativas que se desfrutam às expensas do Estado e de toda a sociedade. Em se tratando de direitos ambientais, sociais e do tipo fraternal, a sua efetividade se eleva à condição de dado conceitual de toda a economia do País. É dizer, economia que já não restringe a sua noção de dinamismo à abertura para as inovações tecnológicas e aos ganhos de produtividade; tem que passar pelo atendimento às necessidades de preservação do meio ambiente e às postulações de segurança social e de uma decidida integração comunitária (logo, fraternal)” (BRITTO, Carlos Ayres. O Humanismo como categoria constitucional. 1ª reimp. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2010, p. 28). 65 SAYEG, Ricardo Hasson; BALERA, Wagner. O Capitalismo Humanista: filosofia humanista de Direito Econômico. 1ª ed. Petrópolis/RJ: KBR, 2011, p. 129. 66 A Declaração e Programa de Viena (1993) estabelece que é responsabilidade primordial dos Governos a promoção (Poderes Executivo e Legislativo) e a proteção (Poder Judiciário) dos Direitos Humanos. 67 Publicado no DJ, páginas 1 e 2, do dia 18 de setembro de 2008; Aprovado na 68ª Sessão Ordinária do Conselho Nacional de Justiça, do dia 06 de agosto de 2008, nos autos do Processo nº 200820000007337.

45

(7) Aplicação no Domínio Econômico

Levando-se em conta a importância dos direitos humanos para todos os homens,

também aplicamos o “humanismo antropofilíaco” às questões econômicas.

O capitalismo humanista garante na disciplina jurídica do domínio econômico a

concretização dos direitos humanos em todas as suas dimensões (para satisfazer a dignidade

da pessoa humana).

A propriedade deve se harmonizar com a busca da dignidade, pois existir com

dignidade tem implicações econômicas.

A fraternidade impõe que os direitos humanos em todas suas dimensões devam se

concretizar sem qualquer reserva no domínio econômico, inclusive com solidariedade,

principalmente diante da miséria.

O “humanismo antropofilíaco” não é um socialismo econômico e nem

comunismo, pois reconhece a propriedade privada também como um direito natural.

(...) é seguro dizer, conforme o humanismo antropofilíaco, que a fraternidade no domínio econômico é a medida de proporcionalidade que implique a melhor concretização possível dos direitos humanos em todas as suas dimensões, e que deve estender-se a todos e tudo, em especial ao combate à miséria, como manifestação de misericórdia. Diante da miséria, verifica-se no domínio econômico o direito subjetivo à misericórdia, exigindo enfaticamente a aplicação vertical e horizontal da Lei Universal da Fraternidade que impõe a concretização dos direitos humanos em suas dimensões. Também na economia, é inaceitável a alienação por parte do homem e de todos os homens. Fraternidade e misericórdia para com os homens e tudo “é desejar uma sociedade solidária e inclusiva, em que nenhum cidadão seja deixado de fora. É comprometer-se com a igualdade e acreditar que temos a obrigação de proteger e zelar pelos membros mais vulneráveis da sociedade”, bem como pelo próprio planeta.68

Não se pode admitir um sistema onde o lucro seja o motor essencial do progresso

econômico e a concorrência a lei suprema da economia, bem como a propriedade um direito

absoluto sem limite ou obrigações sociais. Mesmo um ambiente econômico neoliberal deve

respeitar os direitos humanos.

68 SAYEG, Ricardo Hasson; BALERA, Wagner. O Capitalismo Humanista: filosofia humanista de Direito Econômico. 1ª ed. Petrópolis/RJ: KBR, 2011, p. 134.

46

Não podemos aceitar a economia como um instrumento de subjugação de tudo e

todos, que conduza a natureza humana em supra ou infra-humana.

O “humanismo antropofilíaco” impõe à ordem econômica que seja evolucionista,

inclusiva e emancipadora em face de tudo e todos, devendo ser fraterna e misericordiosa ante

a miséria humana, não aviltando, mas sim consagrando os direitos humanos em todas as suas

dimensões, por intermédio da fraternidade.

1.2.6. Capitalismo Humanista

Esse capítulo está inserido entre as páginas 139 e 190 da obra.69 Portanto, as

citações indiretas não serão efetuadas, por se tratar de um estudo específico.

O capítulo foi dividido nos seguintes tópicos: (1) O Capitalismo e o

Jusnaturalismo de Locke; (2) Os Direitos Humanos de Propriedade e a Livre-iniciativa; (3)

Regimes Econômicos Clássicos do Capitalismo; (4) Os Inconvenientes do Neoliberalismo; (5)

Capitalismo e Humanismo Antropofilíaco; (6) O Capitalismo Humanista; e, (7) Repensando

Locke e o Capitalismo. Veremos cada um deles.

(1) O Capitalismo e o Jusnaturalismo de Locke

Os regimes econômicos acabam por se instalar como capitalismo ou socialismo.

São fundados na presença ou ausência da propriedade decorrente da liberdade econômica

(livre-iniciativa) em seus diversos níveis.

Nos extremos desse prisma, existem, de um lado, o Estado liberal, que aspira tornar absolutos o direito de propriedade e a liberdade de iniciativa; e de outro, o Estado comunista, que almeja suprimi-los completamente. Assim: a) ao negar-se o direito subjetivo natural de propriedade e a decorrente livre-iniciativa, o regime é o comunista; b) ao relativizar-se a negativa do direito subjetivo natural de propriedade e a decorrente livre-iniciativa, o regime é socialista; c) ao reconhecer-se o direito subjetivo natural de propriedade e a decorrente livre-iniciativa, com mínima intervenção estatal, liberando as forças naturais de mercado, o regime é capitalista liberal de mercado; d) ao reconhecer-se o direito subjetivo natural da propriedade e a decorrente livre-iniciativa, cabendo ao Estado coordenar o exercício de sua universalidade, o regime é capitalista de Estado ou de comando central; e) ao reconhecer-se o direito subjetivo natural de propriedade e a decorrente livre-iniciativa, mas calibrando as forças naturais de mercado com o equilíbrio social, o regime é capitalista social de mercado;

69 SAYEG, Ricardo Hasson; BALERA, Wagner. O Capitalismo Humanista: filosofia humanista de Direito Econômico. 1ª ed. Petrópolis/RJ: KBR, 2011, pp. 139 a 190.

47

f) ao reconhecer-se o direito subjetivo natural de propriedade e a decorrente livre-iniciativa, mas calibrando as forças naturais de mercado com o inafastável objetivo de concretização dos direitos humanos em todas as suas dimensões com vistas à satisfação universal da dignidade da pessoa humana, o regime é capitalista humanista de mercado.

O socialismo e sua versão mais radical, o comunismo, foram prejudicados pelo

individualismo e hedonismo pós-modernos, por não considerarem o bem-estar material

particular de todos. Nesse ponto, o capitalismo atinge essa meta potencializando os resultados

econômicos individuais, que geram uma prosperidade geral.

Por conta da eficiência dos agentes econômicos, o capitalismo prevaleceu frente

ao individualismo hedonista e à ineficiência do Estado enquanto agente econômico, pois

busca sempre os interesses coletivos.

Podemos verificar que hoje o mundo está capitalista, sendo esta a opção global.

Isso implica no reconhecimento da propriedade privada como direito subjetivo natural, que

independe de positivação. Isso vem consagrado no pensamento de John Locke, que reconhece

a propriedade privada como direito objetivo correspondente ao direito subjetivo natural, sem

necessitar da outorga estatal.

Se todos os direitos necessitassem da outorga estatal, não caberia o direito natural,

e se desconfiguraria a natureza do capitalismo como conhecemos hoje.

O capitalismo é inato a todos os homens, o que corresponde a uma perspectiva

subjetiva natural do direito de propriedade, estruturado em Locke, que guarda compatibilidade

com o “humanismo antropofilíaco”.

(2) Os Direitos Humanos de Propriedade e a Livre-iniciativa

No capitalismo temos ativa e passivamente a apropriação ou a disposição, total ou

parcial, de patrimônio privado em todos seus aspectos. Esse exercício de domínio é que

concretiza a liberdade humana.

Toda atividade econômica está balizada na propriedade privada, em seu exercício

e poder de apropriação e disposição conforme a liberdade individual de cada um.

A livre-iniciativa nada mais é que a liberdade humana inata sobre as coisas, e o

seu domínio de possuir e de dispor de maneira livre. É a forma que todos os homens possuem

de apropriar-se pelo meio econômico e de dispor da forma que desejar. Essa é a estrutura da

atividade capitalista.

48

Encontramos a livre-iniciativa positivada no artigo 1º, IV e no artigo 170, caput

da Constituição, com clara estrutura balizada no direito natural de propriedade.

A propriedade privada é um direito subjetivo que corresponde à liberdade inerente

à natureza humana enquanto direito subjetivo, existindo com ou sem positivação. Está

intimamente ligada aos direitos humanos e objetivamente ligada à dignidade da pessoa

humana.

Os ordenamentos jurídicos que não aceitam a propriedade privada transgridem a

lei natural impositiva dos direitos humanos, e, por isso, devem ser artificialmente impostos,

mesmo condizentes com a vontade popular.

Negar o direito subjetivo natural de propriedade e seu direito objetivo

correspondente de propriedade é negar a dignidade da pessoa humana, pois se constitui em

um direito inato, que é a propriedade e a livre-iniciativa.

É plenamente possível incidir sobre o capitalismo o “humanismo antropofilíaco”,

que reconhece o direito subjetivo natural de propriedade e o enquadra na plataforma dos

direitos humanos, lhe imputando os limites da Lei Universal da Fraternidade, como acontece

no artigo 170 da Constituição (que reconhece e impõe no capitalismo brasileiro o dever de

fraternidade econômica).

A propriedade e a livre-iniciativa se enquadram como direito subjetivo natural

instrumentalizador da essência humana, não sendo absoluto, podendo ser relativizado, se

enquadrando na esfera dos direitos humanos e sujeito portanto à ponderação multidimensional

entre eles.

Os direitos humanos formam o patrimônio inato subjetivo de todos os homens,

devendo se harmonizar entre todos os interesses patrimoniais capitalistas.

(3) Regimes Econômicos Clássicos do Capitalismo

O capitalismo é o regime econômico que prevaleceu na pós-modernidade. Para

tanto, consagrou a livre-iniciativa, a propriedade privada, o direito à herança, o direito

adquirido e o ato jurídico perfeito.

São dois os regimes econômicos capitalistas clássicos:

- Capitalismo liberal: o regime capitalista compreende, a princípio, a coordenação da economia pelas forças naturais de mercado, configurando o chamado liberalismo econômico. Configurado pela economia capitalista de mercado, onde o Estado liberal, o Estado mínimo, tem a menor intervenção possível na economia.

49

- Capitalismo de Estado: também se admite que tal coordenação, embora artificial, seja feita pelo Estado, inclusive, como agente econômico direto, em nome próprio e por conta própria, vindo a estabelecer nessas circunstâncias o chamado dirigismo econômico. Caracterizado pela economia capitalista de comando central, onde o Estado do bem-estar social, o Estado coordenador da atividade econômica, tem atuação controladora, mas sem rejeitar a propriedade privada dos meios de produção e das instituições financeiras.70

O capitalismo liberal, fundado nos ensinamentos de Keynes e também conforme

Rossetti, possui os seguintes traços dominantes: Estado mínimo, propriedade privada, livre-

iniciativa e mercado como centro de coordenação da economia.

Já o capitalismo de Estado, formulado pelo pensamento de Keynes, possui os

seguintes traços dominantes: Estado interventor, propriedade privada, relativização do direito

subjetivo natural de propriedade, livre-iniciativa e o Estado como centro de coordenação da

economia em prol de sua atividade econômica.

A proposta do capitalismo humanista é proteger o capitalismo dos liberais e dos

keynesianos, pautando-se por uma ordem capitalista, lastreada nos direitos humanos em todas

as suas dimensões, de modo a satisfazer universalmente a dignidade da pessoa humana, por

meio da fraternidade.

(4) Os Inconvenientes do Neoliberalismo

O fato econômico, produto do ato econômico, gera repercussões que extrapolam

as relações capitalistas. Essas repercussões “extras” são conhecidas como externalidades, que

podem ser positivas (se benéficas, como, por exemplo, aumento de empregos) ou negativas

(se indesejáveis, como, por exemplo, poluição do meio ambiente).

O liberalismo entende que as externalidades negativas são de alguma maneira

absorvidas pelo mercado, resolvidas pela concorrência ou compensadas pelas externalidades

positivas. Por essa visão liberal, o Estado se autorregula pela concorrência.

A teoria do Estado do bem-estar social entende que é obrigação do Estado igualar

os custos e benefícios (externalidades positivas e negativas) e, para isso, defende uma

economia capitalista de Estado. Isso fundamenta o Estado-providência, que pratica o

dirigismo econômico governamental, agindo artificialmente no mercado, compensando ou

corrigindo as externalidades negativas mediante tributação, subsídios ou controle legal.

70 SAYEG, Ricardo Hasson; BALERA, Wagner. O Capitalismo Humanista: filosofia humanista de Direito Econômico. 1ª ed. Petrópolis/RJ: KBR, 2011, p. 153.

50

Para os liberais, essa presença do Estado é indesejável, devendo apenas atuar para

definir os direitos de propriedade e reduzir os custos de transação. Essa visão ficou conhecida

como Análise Econômica do Direito da Escola de Chicago.

De acordo com a racionalidade econômica, se a intervenção do Estado for além da definição clara dos direitos de propriedade e do papel de assegurar os instrumentos de transação, acabará por gerar um custo adicional na solução artificial das externalidades negativas, ou seja, outras externalidades negativas, que serão significativamente injustas em razão dessa onerosidade dispensável e de sua tradicional ineficiência econômica: é essa a teoria que sustenta o liberalismo econômico enquanto sistema mais eficiente (...).71

Podemos afirmar alguns inconvenientes de um sistema neoliberal. São pacientes e

tolerantes com a pobreza e indiferentes com os rumos do planeta. Isso é inaceitável do ponto

de vista do “humanismo antropofilíaco”. Não se pode admitir o descarte de seres humanos à

própria sorte, como se fossem meros números. É indiscutível que o neoliberalismo não possui

um caminho no sentido da concretização dos direitos humanos (dignidade humana).

(5) Capitalismo e Humanismo Antropofilíaco

A economia de mercado, base do neoliberalismo, é marcada pelo hedonismo e

pelo individualismo e despreza a harmonização dos direitos humanos em todas as suas

dimensões.

Na sua integralidade e plenitude, o modelo liberal é selvagem, o que não se

enquadra no padrão civilizatório da humanidade.

A economia neoliberal desconsidera qualquer propósito no sentido da

aplicabilidade multidimensional dos direitos humanos, para atender aos propósitos legalistas

que propugnam pela seleção natural do mercado. Isso gera desigualdade e exclusão social e,

consequentemente, a degradação do planeta. “A exclusão social é especialmente inaceitável,

uma vez que a pobreza é vista como não-cidadania”.72

O fato é que se o planeta entrar em colapso haverá o sucumbimento da

humanidade e todos serão atingidos, não só a massa de miseráveis, pois, como está previsto

na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), somos todos membros de uma mesma

família.

71 SAYEG, Ricardo Hasson; BALERA, Wagner. O Capitalismo Humanista: filosofia humanista de Direito Econômico. 1ª ed. Petrópolis/RJ: KBR, 2011, pp. 161 e 162. 72 SAYEG, Ricardo Hasson; BALERA, Wagner. O Capitalismo Humanista: filosofia humanista de Direito Econômico. 1ª ed. Petrópolis/RJ: KBR, 2011, p. 170.

51

A missão do “humanismo antropofilíaco” é avançar a partir do neoliberalismo,

aplicando com seríssimo cuidado a teoria da análise econômica do direito, em face das

externalidades negativas. “O capitalismo deve avançar no rumo de uma economia humanista

de mercado, consagrando, consequentemente, uma análise humanista do Direito

Econômico”.73

(6) O Capitalismo Humanista

A ONU considera que as pessoas são as verdadeiras riquezas das nações, e não

meramente o crescimento econômico.

Um País é considerado desenvolvido quando todo o povo está inserido na

evolução política, econômica, social e cultural, alcançando todos um nível de vida amparado

pelo que é considerado o mínimo vital.

São desenvolvidos aqueles países que são inclusivos e emancipadores, que

respeitam a todos, inclusive o planeta.

No Brasil, alguns programas de distribuição de renda são considerados um

importante instrumento de planejamento governamental, embora o trabalho humano deva ser

considerado.

O neoliberalismo não possui o condão de corrigir as externalidades negativas, pois

se dá de maneira desenfreada e sem a calibragem humana. Essa calibragem deve incidir sobre

a universalidade dos direitos naturais, inclusive o de propriedade, no sentido de promover

uma relativização em face de todas as dimensões de direitos humanos.

Logo, oferecendo solução proporcional da relação da disponibilidade dos recursos econômicos – diante das externalidades negativas, bem como do desequilíbrio negativo na reciprocidade das externalidades, privadas em especial –, a concretização dos direitos humanos de primeira, segunda e terceira dimensões resolve a questão primordial da gestão econômica global em conformidade com a lei natural da fraternidade, não se resumindo à economia individualista de mercado, monetarista e utilitarista, de geração da riqueza ou formação da poupança individual, nem tampouco de opressão aos direitos individuais equilibrados.74

73 SAYEG, Ricardo Hasson; BALERA, Wagner. O Capitalismo Humanista: filosofia humanista de Direito Econômico. 1ª ed. Petrópolis/RJ: KBR, 2011, p. 176. 74 SAYEG, Ricardo Hasson; BALERA, Wagner. O Capitalismo Humanista: filosofia humanista de Direito Econômico. 1ª ed. Petrópolis/RJ: KBR, 2011, p. 179.

52

Devemos exigir que o Estado corrija as situações indesejáveis, especialmente em

relação ao quadro de miséria humana em todas suas dimensões e também em relação à

degradação planetária.

O capitalismo deve se ajustar à Lei Universal da Fraternidade e por conta disso

deve ser o condutor do exercício do direito subjetivo natural de propriedade, com a finalidade

de concretizar os direitos humanos em todas as suas dimensões.

Dessa maneira, lapidado pelo “humanismo antropofilíaco”, a todos deve ser

assegurado o acesso ao mínimo vital para sua existência, com acesso a direitos inerentes à

condição humana de dignidade.

O que se propõe é a aplicabilidade de uma análise econômico humanista,

avançando o conceito neoliberal de capitalismo, para se chegar a uma economia humanista de

mercado, se balizando somente pelo capitalismo com equilíbrio social, não abrangendo

fenômenos além dessa realidade.

Esse capitalismo deve concretizar os direitos humanos em toda sua plenitude,

alcançando a todos, inclusive no que diz respeito às suas demandas. Para isso devem-se

adensar os direitos humanos para satisfazer a dignidade humana planetária.

É nestes termos, pois, juridicamente defensável e exigível que se deve revelar a solução econômica capitalista sob o tríplice ideal adensado de liberdade, igualdade e fraternidade – solução que consagra a liberdade e a igualdade na medida da proporcionalidade fixada pela fraternidade, numa cadeia de inter-adensamento em prol do homem todo e de todos os homens –, um capitalismo entendido e regido pela ótica dos direitos humanos multidimensionalmente adensados e considerados para o fim da satisfação da dignidade da pessoa humana e do planeta.75

O capitalismo humanista tem como meta a dignidade humana e planetária, com a

vida plena na fraternidade, inserida na economia humanista de mercado. A fraternidade deve

atuar regendo a liberdade e a igualdade para se chegar à dignidade. Não se está propondo o

socialismo e nem tampouco o comunismo. Nessa visão, a igualdade não é o fim ou meta, mas

a base que assegura o equilíbrio entre as externalidades negativas reciprocamente

consideradas.

75 SAYEG, Ricardo Hasson; BALERA, Wagner. O Capitalismo Humanista: filosofia humanista de Direito Econômico. 1ª ed. Petrópolis/RJ: KBR, 2011, p. 183.

53

(7) Repensando Locke e o Capitalismo

Por conta de sua multidimensionalidade, o capitalismo humanista evolui ao

repensar a filosofia de Locke. Em verdade é a partir dela, mantendo uma universalidade

interdependente e indissolúvel adensada no equilíbrio reflexivo, que se busca avançar no

sentido de ponderar os direitos além dos individuais, aplicando a Lei Universal da

Fraternidade.

Unidos os homens em torno da sociedade civil e formado o Estado para preservar e defender suas liberdades negativas – na linguagem de Locke, liberdade de crença e propriedade –, instituiu-se a base dos direitos humanos de primeira dimensão e com eles se revelaram as demais dimensões interdependentes e indissociáveis ora expostas.76

Sendo assim, deve-se compatibilizar o capitalismo levando em conta a evolução

do homem e de todos os homens, com a manifestação da fraternidade para se concretizarem

os direitos humanos em todas suas dimensões. Esse pensamento não contraria a filosofia de

Locke.

1.2.7. Regência Jurídica Humanista do Capitalismo

Esse capítulo está inserido entre as páginas 191 e 212 da obra.77 Portanto, as

citações indiretas não serão efetuadas, por se tratar de um estudo específico.

O capítulo foi dividido em: (1) Existência e Conceito; (2) Fontes Naturais; (3)

Natureza Jurídica; (4) Relevância da Tutela do Homo economicus; e, (5) Incidência

Gravitacional. Veremos cada um dos tópicos.

(1) Existência e Conceito

Cabe ao Direito Econômico Humano e Tridimensional a regência jurídica

humanista do capitalismo.

76 SAYEG, Ricardo Hasson; BALERA, Wagner. O Capitalismo Humanista: filosofia humanista de Direito Econômico. 1ª ed. Petrópolis/RJ: KBR, 2011, p. 190. 77 SAYEG, Ricardo Hasson; BALERA, Wagner. O Capitalismo Humanista: filosofia humanista de Direito Econômico. 1ª ed. Petrópolis/RJ: KBR, 2011, pp. 191 a 212.

54

Superada a questão da existência, resta ainda muita discussão sobre o conceito de

Direito Econômico. Nelson Nazar preconiza que “o Direito Econômico tem o intuito de

organizar a economia”.78

O Direito Econômico é a regência jurídica da economia, compreendendo a

macroeconomia e a microeconomia.

Juntamente com a regência econômica positivada, existe a ordem jus-econômica

natural decorrente da condição humana e imanente ao planeta, que se estrutura em todas as

dimensões dos direitos humanos, devendo se pautar pela Lei Universal da Fraternidade.

Portanto, com apoio em Locke, é de afirmar-se que há um preexistente Direito Econômico natural de regência abrangente do direito subjetivo natural de propriedade, liberdade externa básica do ser humano da qual decorrem todas as demais liberdades exteriores, nelas compreendida a livre-iniciativa que dá disciplina jurídica à economia, enlaçada com o fim de concretização multidimensional dos direitos humanos com vistas à consecução da existência digna do homem todo, de todos os homens e do planeta. Esta é a razão pela qual sustentamos que o Direito Econômico natural – reafirmado, no caso brasileiro, pela positivação constitucional da ordem econômica – produz um corte transversal no ordenamento jurídico positivo infraconstitucional para garantir a incidência específica e necessária, nas relações econômicas, dos direitos humanos em todas as suas dimensões. Logo, existe uma ordem jurídica natural, humanista e universal, de regência da economia, que é reafirmada, no caso brasileiro, pela ordem jurídica fundamental humanista. Pelo intratexto do direito positivado, esta ordem jurídica humanista interpenetra as ordens jurídicas soberanas dos países, conformando a tutela legal dos homines economici em todo o mundo, como concretizadora dos direitos humanos multidimensionalmente considerados para a satisfação da dignidade humana e planetária.79

(2) Fontes Naturais

Pela Lei Universal da Fraternidade, o Direito Econômico possui fontes próprias

no plano jus-humanista, que determina a concretização dos direito humanos em todas suas

dimensões.

Conforme são revelados, os direitos humanos vão sendo declarados.

78 SAYEG, Ricardo Hasson; BALERA, Wagner. O Capitalismo Humanista: filosofia humanista de Direito Econômico. 1ª ed. Petrópolis/RJ: KBR, 2011, p. 192. 79 SAYEG, Ricardo Hasson; BALERA, Wagner. O Capitalismo Humanista: filosofia humanista de Direito Econômico. 1ª ed. Petrópolis/RJ: KBR, 2011, p. 194.

55

O capitalismo, como criação humana, se estrutura nas liberdades negativas e nos

quadrantes jus-humanistas. Por representar a primeira dimensão dos direitos humanos, a

incidência da Lei Universal da Fraternidade é mais do que uma obrigação, é uma necessidade.

É imperioso transpor a fraternidade no domínio do Direito Econômico.

Como direito humano, o capitalismo existe independentemente de ser positivado.

Por isso, parece-nos que a ousadia dos capitalistas ao negar ou desconsiderar a plenitude dos direitos humanos em todas as suas dimensões configura um insuperável paradoxo. Os referidos direitos constituem-se em feixe indissociável e interdependente; não é possível admitir uns e negar outros. São um núcleo inato indissociável de elementos intrínsecos ao homem todo e a todos os homens e imanente ao planeta, o que os converte em ordem jurídica universal, mesmo no trato econômico.80

Não se pode admitir os direitos humanos em uma perspectiva de direito-custo,

mesmo seu impacto econômico podendo ser verificável. As Constituições devem conformar

suas leis positivas e o capitalismo com as leis naturais que afloram da positivação pelo

intratexto.

As leis naturais da fraternidade são as fontes do Direito Econômico

Tridimensional, e por isso devem ser identificadas: a lei natural privada, a lei natural

estruturante, e, a lei natural universal.

A lei natural privada é o reconhecimento dos direitos humanos de primeira

dimensão não positivados no capitalismo. A lei natural estruturante é o reconhecimento dos

direitos humanos de segunda dimensão não positivados no capitalismo. A lei natural universal

é o reconhecimento dos direitos humanos de terceira dimensão não positivados no

capitalismo.

A lei natural universal são os que interessam a todos os homens e ao planeta.

Refere-se aos direitos de proteção, preservação e evolução do planeta e de todo gênero

humano.

A solução para a harmonização é a proporcionalidade, princípio natural que

decorre da união dos homens ao deixar o estado de natureza. É um instrumento necessário

para a vida privada e suas relações.

80 SAYEG, Ricardo Hasson; BALERA, Wagner. O Capitalismo Humanista: filosofia humanista de Direito Econômico. 1ª ed. Petrópolis/RJ: KBR, 2011, p. 196.

56

A proporcionalidade não deve ser uma ponderação estéril, meramente formal,

pelo contrário, deve ser aplicada de modo a compreender e assegurar, em equilíbrio reflexivo,

o núcleo essencial da dignidade tendo em vista todos os direitos humanos em colisão.

(3) Natureza Jurídica

Por conta da Lei Universal da Fraternidade, que, como vimos, aplica-se ao

capitalismo, a finalidade da ordem econômica é concretizar os direitos humanos em todas as

suas dimensões, assegurando vida plena a todos.

Por conta disso, a ordem econômica não tutela somente o interesse privado, nem

somente o interesse público, mas tudo e todos, incluindo o interesse individual.

Claro está, então, que a ordem econômica, ou seja, o Direito Econômico, não pertence precisamente ao direito privado nem ao direito público – nem se reveste, por igual, da exclusiva natureza do direito universal. E é certo que se inclina à tutela do interesse universal, mas sem excluir a tutela do interesse público e privado. Cumpre entender que, para fins de tutela, o que ocorre é o adensamento no ambiente econômico dessas naturezas – a privada, a pública e a universal.81

Dessa maneira, a natureza do Direito Econômico é tridimensional. Ao mesmo

tempo é privada, pública e universal, e age na regência jurídica da economia mediante direitos

humanos em todas as suas dimensões.

(4) Relevância da Tutela do Homo Economicus

O homem pós-moderno, no bojo de suas relações impessoais e massificadas na

economia capitalista, molda seu estilo de vida baseado no mercado. Dessa maneira o homem

é classificado como Homo economicus (se refere a todos os homens).

Já o Homo economici (se refere a apenas um homem), expressa no mercado seus

instintos primitivos de sobrevivência. Por conta disso, são naturalmente individualistas,

concorrentes e massificados, e se mostram incoesos e isolados não constituindo entre si

qualquer vinculação orgânica.

81 SAYEG, Ricardo Hasson; BALERA, Wagner. O Capitalismo Humanista: filosofia humanista de Direito Econômico. 1ª ed. Petrópolis/RJ: KBR, 2011, p. 202.

57

Entre os Homo economici se verifica uma relação direta e isolada, que se segue da

mesma maneira nas relações econômicas, em caráter impessoal e desumanizado. Ele se vê

sozinho no meio de todos em posição de extrema insignificância, abandonado à própria sorte,

relegado à solidão. Torna-se refém do capitalismo. Como reação, tende a se fechar no

individualismo.

Sua posição no mercado é de manifesta vulnerabilidade. Vulnerável também fica

o planeta. Ao se exaltar o individualismo em nome da liberdade, o humanismo

antropocêntrico acaba colaborando com a primazia do dinheiro e colocando o Homo

economici em segundo plano, à mercê do poder do dinheiro e vítima do próprio

antropocentrismo.

No capitalismo os Homo economici lutam uns com os outros e contra o planeta,

com manifesta selvageria, tendo como meta a busca de propriedade ou o consumo como

objetivo final.

A violência física, os abusos e omissões do capitalismo ombreiam-se como promotores das mazelas da condição econômica e do desprezo pelo planeta – basta lembrar as multidões sem alimentação, emprego, teto, atendimento médico-hospitalar etc., bem como o aquecimento global fomentado pela poluição humana, que potencializa os danos causados por eventos naturais. A violência econômica tem o potencial de levar ao colapso a humanidade e o planeta. Contra tal perspectiva se insurge a Lei Universal da Fraternidade, apta a estruturar a regência jurídica do capitalismo humanista pela concretização multidimensional, no regime econômico, dos direitos humanos.82

(5) Incidência Gravitacional

“O capitalismo humanista integra o sonho de fraternidade”.83 Esse sonho se

transforma em realidade jurídica a partir do momento em que a Constituição preconiza que se

deve construir uma sociedade livre, justa e solidária.

O principal objetivo do capitalismo humanista é proporcionar o desenvolvimento

de todos os homens e consequentemente do planeta, levando todos ao desenvolvimento pleno,

que é mais abrangente que o econômico.

82 SAYEG, Ricardo Hasson; BALERA, Wagner. O Capitalismo Humanista: filosofia humanista de Direito Econômico. 1ª ed. Petrópolis/RJ: KBR, 2011, p. 205. 83 SAYEG, Ricardo Hasson; BALERA, Wagner. O Capitalismo Humanista: filosofia humanista de Direito Econômico. 1ª ed. Petrópolis/RJ: KBR, 2011, p. 205.

58

O desenvolvimento vem previsto expressamente em nosso texto constitucional no

artigo 3º, II, colocando como objetivo de nosso Estado o desenvolvimento nacional. Esse

desenvolvimento corresponde a um direito subjetivo natural de multititularidade de todos os

homens.

Dessa maneira todos os homens devem se inserir no processo de desenvolvimento

político, econômico, social e cultural. Dessa maneira a cidadania será alargada para além dos

direitos políticos. Seria a expressão da democracia plena entre todos os homens, visando

promover a dignidade humana, combatendo qualquer forma de exclusão (política, econômica,

social ou cultural).

Obrigados pelo dever de fraternidade, dentro dos limites do razoável da reserva do possível, todos somos responsáveis, segundo a perspectiva multidimensional da concretização dos direitos humanos, pela dignificação da pessoa humana e planetária. São intoleráveis, no entanto, o paternalismo e o populismo. Tampouco se admitem pretextos infundados de reserva do possível para denegar a concretização multidimensional dos direitos humanos. Isto é, a reserva do possível deve ser aplicada com extrema cautela, pois não é um escudo, e sim uma válvula de escape contra o fundamentalismo humanista. Fique claro que todos os esforços são em prol do maior nível possível de concretização multidimensional dos direitos humanos. Em decorrência, o ônus da prova é de quem invoca a reserva do possível, devendo esclarecer a necessidade de sua invocação.84

Temos como fator determinante para a interpretação a ponderação lógica dos

direitos humanos em todas as suas dimensões.

A Lei Universal da Fraternidade baliza o Direito Econômico Tridimensional, que

possui como premissas o desenvolvimento, a razoabilidade e a proporcionalidade. Isso impera

na regência jurídica da economia. É o núcleo essencial tridimensional dos direitos humanos.

De uma só vez atrai gravitacionalmente a aplicação simultânea e ponderada das

leis naturais privadas, que são estruturantes e universais ao caso concreto. Isso se dá pelo

intratexto do direito positivo, que promove a interpenetração dos direitos humanos com as

relações econômicas, que pelo método quântico aplica aos respectivos textos e metatexto

normativo o capitalismo humanista (humanismo antropofilíaco).

84 SAYEG, Ricardo Hasson; BALERA, Wagner. O Capitalismo Humanista: filosofia humanista de Direito Econômico. 1ª ed. Petrópolis/RJ: KBR, 2011, p. 210.

59

Todo e qualquer direito conquistado não pode ser retirado ou reduzido. Há uma

proibição de retrocesso.

Quanto aos direitos fundamentais, a proibição de retrocesso no tocante à sustentação jurídica sistêmica está positivada na Constituição brasileira. Nos termos constitucionais, segundo Afonso, nota-se que “analisando a redação do Artigo 5º, inciso XLI, que diz que a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais, podemos também aqui encaixar o princípio do não retrocesso social em nosso ordenamento, uma vez que tal dispositivo vem no exato sentido do princípio em questão, e até ordena punição para qualquer retrocesso no que diz respeito aos direitos e liberdades fundamentais”.85

Sendo assim, a ordem constitucional consagra uma norma de proteção sistêmica

mediante sua própria concretização.

1.2.8. A Proposta

Esse capítulo está inserido entre as páginas 213 e 215 da obra.86 Portanto, as

citações indiretas não serão efetuadas, por se tratar de um estudo específico.

A Adesão ao Capitalismo Humanista

A presente obra consagra a doutrina humanista de Direito Econômico, que por

intermédio do Direito Econômico Tridimensional traz a melhor resposta em face da economia

capitalista de mercado, reconhecendo a propriedade relativizada para se concretizarem os

direitos humanos em todas suas dimensões.

Essa é a melhor resposta ao capitalismo liberal. É o capitalismo com direitos

humanos. Jamais a negação do capitalismo, ou menos ainda acabando com as liberdades

negativas (parte da essência humana).

A proposta é o equilíbrio reflexivo entre o capitalismo e a fraternidade, em favor

de tudo e todos, em especial aos economicamente excluídos do planeta. A base é o

“humanismo antropofilíaco”, que promove a concretização dos direitos humanos de primeira,

segunda e terceira dimensões ao promover uma economia humanista de mercado determinada

pelo Direito Econômico Tridimensional (fraternal).

85 SAYEG, Ricardo Hasson; BALERA, Wagner. O Capitalismo Humanista: filosofia humanista de Direito Econômico. 1ª ed. Petrópolis/RJ: KBR, 2011, p. 212 86 SAYEG, Ricardo Hasson; BALERA, Wagner. O Capitalismo Humanista: filosofia humanista de Direito Econômico. 1ª ed. Petrópolis/RJ: KBR, 2011, pp. 213 a 215.

60

É a quarta via, comprometida com todos os homens, concretizadora dos direitos

humanos em toda sua plenitude.

O homem, a humanidade e o planeta devem ser tutelados fraternalmente, pelo

dever natural de fraternidade.

A fraternidade é o pilar de regência do Direito Econômico Humano Tridimensional e, por via de consequência, do capitalismo humanista, estruturado na filosofia humanista de Direito Econômico; fraternidade que deixa de ser vista como mera virtude moral para emergir como obrigação jurídica do Estado, da sociedade civil e dos homens livres para com todos e tudo, em especial para com os excluídos socialmente e para com o planeta – aplicável pelo método quântico, por conta de sua incidência gravitacional tridimensional, sob a ótica do desenvolvimento, da razoabilidade e da proporcionalidade.87

1.3. Conclusão do Capítulo

Fizemos neste capítulo a construção do marco teórico (capitalismo humanista)

deste estudo, quase que exclusivamente (de maneira proposital) com a obra que construiu o

assunto, dos autores Ricardo Hasson Sayeg e Wagner Balera.

Partimos do início, demonstrando a necessidade de uma opção para organizar o

capitalismo, tendo em vista que os modelos existentes se mostraram em muitos casos

indiferentes com a pessoa humana e com o planeta.

Passamos por um completo escorço histórico econômico em nível mundial e

brasileiro, e verificamos mais uma vez que as pessoas necessitam de uma resposta às mazelas

econômicas, pois os atuais modelos econômicos não conseguem extirpar as externalidades

negativas.

Para tanto, foi efetuada uma ponderação entre as dimensões de Direitos Humanos,

e a fraternidade foi alçada a uma posição crucial elementar de adensamento desses Direitos.

Em outras palavras, as duas primeiras dimensões de Direitos Humanos (liberdade

e igualdade) devem ser verificadas e entendidas por intermédio da fraternidade.

87 SAYEG, Ricardo Hasson; BALERA, Wagner. O Capitalismo Humanista: filosofia humanista de Direito Econômico. 1ª ed. Petrópolis/RJ: KBR, 2011, p. 215.

61

Com isso chegamos ao humanismo integral, que em seu conceito abrange a todas

as pessoas e concretiza a dignidade da pessoa humana, colocando a fraternidade como

elemento central ponderador. E mais, restou claro que essa ponderação por meio da

fraternidade se mostra obrigatória.

Negar o humanismo é sinônimo de leis draconianas, frias, onde não impera o ser

humano. Podemos dizer que seria um retrocesso.

A fraternidade deve estar à disposição de toda humanidade. Aliás, o vínculo

operacional entre o humanismo e o Direito é a fraternidade.

Por conta disso, as pessoas necessitam e têm o direito a uma prestação

jurisdicional humanista, e temos que esperar e exigir que o Poder Judiciário aja dessa

maneira.

A fraternidade determina que a tutela jurisdicional atenda aos interesses dos

Direitos Humanos em todas as suas dimensões. Os magistrados devem irradiar fraternidade

em suas decisões.

Em relação às relações econômicas, a fraternidade harmonizará os Direitos

Humanos inerentes a essas relações, afastando assim a miséria e qualquer tipo de exploração

do homem pelo seu semelhante.

A ordem econômica deve garantir isso. Deve se mostrar humanista e fraternal.

Ao final, chegamos ao Capitalismo Humanista, doutrina Humanista de Direito

Econômico, que insere no modelo capitalista a Lei Universal da Fraternidade, que ponderará

os Direitos Humanos em todas as suas dimensões.

Dessa forma, restou claro que existe saída para a organização do modelo

econômico capitalista, tendo como pressuposto a proteção à pessoa.

O Capitalismo Humanista existe, é uma realidade e se mostra como o grande norte

balizador do Direito Econômico, irradiando seus efeitos de maneira ampla, em especial ao

Direito do Trabalho (relações de trabalho). É a fraternidade universal, direito de todos.

62

2. O CAPITALISMO HUMANISTA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE

1988 – Verificação Constitucional do Capitalismo Humanista

Após a explanação acerca do Capitalismo Humanista, marco teórico deste estudo,

se faz necessária a sua identificação em nível constitucional.88

Importante destacar sua expressão constitucional, por conta da potência da

Constituição.

Para Celso Antônio Bandeira de Mello,

A Constituição não é um simples ideário. Não é apenas uma expressão de anseios, de aspirações, de propósitos. É a transformação de um ideário, é a conversão de anseios e aspirações em regras impositivas. Em comandos. Em preceitos obrigatórios para todos: órgãos do Poder e cidadãos.89

Eis sua importância. Ao verificar o Capitalismo Humanista no texto

constitucional, o transformamos em regras impositivas, em comandos, em preceitos

obrigatórios para todos. É a sua concretização.

Carlos Ayres Britto comenta a importância de identificarmos o Humanismo no

texto constitucional:

Deveras, sendo a Constituição a lei de todas as leis que o Estado produz, os valores nela positivados são também os valores de todos os valores que as demais leis venham a positivar. Reexplicando: os valores de berço constitucional são o hierárquico referencial de todos os outros valores de matriz infraconstitucional. Valores, este últimos, que de alguma forma têm que se reconduzir aos primeiros, pena de invalidade (que para isto serve o princípio da supremacia formal e material da Constituição). (...)

88 Ulysses Guimarães em 05/10/1988 ao falar da Constituição estabelece que “não é a Constituição perfeita, mas será útil, pioneira, desbravadora. Será luz, ainda que de lamparina, na noite dos desgraçados. É caminhando que se abrem os caminhos. Ela vai caminhar e abri-los. Será redentor o caminho que penetrar nos bolsões sujos, escuros e ignorados da miséria”. (GUIMARÃES, Ulysses. Discurso proferido na sessão de 05 de outubro de 1988, publicado no DANC de 05 de outubro de 1988, p. 14380-14382. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/plenario/discursos/escrevendohistor ia/destaque-de-materias/constituinte-1987-1988/pdf/Ulysses% 20Guimaraes %20-% 20DISCURSO%20%20REVISADO.pdf>. Acesso em: 20/01/2013) 89 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Eficácia das normas constitucionais e direitos sociais. 1ª ed., 3ª tir. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 11.

63

Mais do que ser a Lei Fundamental do Estado e de todo o povo brasileiro, a Constituição é a Lei Fundamental de toda a nação brasileira. Sabido que a nação, por ser a linha invisível que faz a costura da unidade entre o passado, o presente e o futuro, é instituição que tanto engloba o povo de hoje como o povo de ontem e o povo de amanhã.90

Dessa forma, localizaremos e apontaremos todos os dispositivos constitucionais

que de alguma maneira fundamentam o Capitalismo Humanista em nosso ordenamento. É a

identificação e expressão constitucional do Capitalismo Humanista.

Mesmo sabendo que pelo intratexto essa questão se resolveria, muito útil se faz

essa aferição, para fortalecer cada vez mais a doutrina. Esse lastro terá ainda o condão de

demonstrar que o Capitalismo Humanista não está inserido em um único dispositivo isolado,

muito pelo contrário, passeia por todo o texto constitucional. Está na unidade constitucional.

Carlos Ayres Britto91, ao tratar do Humanismo, estabelece que os direitos de

caráter econômico-social foram incluídos no rol dos Direitos Fundamentais, e hoje aparecem

com muita precisão na Constituição de 1988, e devem ser designados de fraternais. E mais,

É o que se pode designar por constitucionalismo cumulativo. Um constitucionalismo crescentemente superavitário, como se dá com a ciência e a cultura, a ponto de autorizar a ilação de que, graças a ele, o Estado de Direito termina por desembocar num Estado de direitos. O que não significa uma generalizada situação de afrouxamento dos deveres e responsabilidades de cada indivíduo para com o próprio Estado e a sociedade civil. As duas coisas bem podem conviver na mais perfeita harmonia.92

Nas palavras de Ulysses Guimarães, “A Constituição é caracteristicamente o

estatuto do homem. É sua marca de fábrica”.93

90 BRITTO, Carlos Ayres. O Humanismo como categoria constitucional. 1ª reimp. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2010, pp. 88 e 99. 91 BRITTO, Carlos Ayres. O Humanismo como categoria constitucional. 1ª reimp. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2010, pp. 22 e 23. 92 BRITTO, Carlos Ayres. O Humanismo como categoria constitucional. 1ª reimp. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2010, p. 23. 93 GUIMARÃES, Ulysses. Discurso proferido na sessão de 05 de outubro de 1988, publicado no DANC de 05 de outubro de 1988, p. 14380-14382. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/plenario/discursos/escrevendohistor ia/destaque-de-materias/constituinte-1987-1988/pdf/Ulysses% 20Guimaraes %20-% 20DISCURSO%20%20REVISADO.pdf>. Acesso em: 20/01/2013.

64

2.1. Do Preâmbulo

Assim preconiza o preâmbulo da Constituição:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.

De início já percebemos a preocupação que o constituinte originário tinha em

relação à pessoa. Isso está muito claro.

Aqui já verificamos sobremaneira a fundamentação do Capitalismo Humanista.

Para isso, não precisamos efetuar nenhum tipo de interpretação mirabolante.

Para José Ribas Vieira94, “(...) o preâmbulo em comentário está pautado nos

parâmetros de liberdade, igualdade e fraternidade”.

Podemos constatar que é valor supremo de nossa sociedade (que é fraterna e não

pode excluir ninguém) a obrigação de assegurar que todos possam exercer “os direitos sociais

e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a

justiça”.

Isso se funda na harmonização social de cada pessoa no País, e até mesmo na

relação entre países.

Aliás, essa sociedade fraterna que não exclui ninguém é a sociedade marcada pelo

“humanismo antropofilíaco”, que funda o Capitalismo Humanista.

Sociedade fraterna é a que não exclui nenhum ser humano. O sistema

constitucional vem no sentido da fraternidade e do solidarismo. É uma sociedade pautada pelo

sentimento de irmandade, onde as pessoas com todas suas diferenças procuram se harmonizar

e harmonizar o país. Pelo texto constitucional, a nossa sociedade deve ser ainda pluralista,

pautada pelo respeito da pessoa humana em sua liberdade, e não no monismo que oprime e

mutila as pessoas.95

94 VIEIRA, José Ribas. Preâmbulo. In: BONAVIDES, Paulo; MIRANDA, Jorge; AGRA, Walber de Moura (coords.). Comentários à Constituição Federal de 1988. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 4. 95 SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 8ª ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 26.

65

Não há dúvidas: pela Lei Universal da Fraternidade, podemos apontar para o

Capitalismo Humanista.

Outro ponto a ser observado é que o preâmbulo determina que se assegurem esses

direitos na atualidade, afastando qualquer tipo de interpretação que venha no sentido de

postergar sua concretização. Portanto, afastado está qualquer conceito de norma

programática.96

Essa é a lógica e a vontade do constituinte originário.

Resta claro no preâmbulo o compromisso do constituinte com uma sociedade

fraterna, pluralista, sem preconceitos, fundada na harmonia da sociedade. Esse é o objetivo

constitucional, é a síntese do pacto social brasileiro. O preâmbulo aponta que nossa

Constituição deve ser dirigida pela Lei Universal da Fraternidade, estabelecendo uma

sociedade mais do que igual, pautada na irmandade proposta por Jesus Cristo.97

Nesse sentido, conforme já destacamos e veremos mais profundamente no

próximo capítulo, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, em seu preâmbulo,

destaca que somos todos membros de uma mesma família, a família humana.

Sendo assim, temos que o preâmbulo constitucional retrata todo o texto,

abarcando fortemente a fraternidade, o humanismo e o Capitalismo Humanista.

Aspecto curioso da Constituição promulgada em 5 de outubro de 1988 está no fato de a primeira tiragem da primeira edição publicada pelo Senado conter dois preâmbulos. O oficial e outro, redigido pelo Presidente da Assembleia Nacional Constituinte, Deputado Ulysses Guimarães. Diz este preâmbulo, suprimido na segunda tiragem, e que dá à nova Carta Política a denominação de “Constituição Coragem”, que:

96 “(…) As normas programáticas, às quais uns negam conteúdo normativo, enquanto outros preferem restringir-lhe a eficácia à legislação futura, constituem no Direito Constitucional contemporâneo o campo onde mais fluidas e incertas são as fronteiras do Direito com a Política. Vemos com frequência os publicistas invocarem tais disposições para configurar a natureza política e ideológica do regime, o que aliás é correto, enquanto naturalmente tal invocação não abrigar uma segunda intenção, por vezes reiterada, de legitimar a inobservância de algumas determinações constitucionais. Tal acontece em enunciações diretivas formuladas em termos genéricos e abstratos, às quais comodamente se atribui a escusa evasiva da programaticidade como expediente fácil para justificar o descumprimento da vontade constitucional” (BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 24ª ed. atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 245). 97 SAYEG, Ricardo Hasson. Perfil Constitucional do Capitalismo Brasileiro. In: MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva; MEYER-PFLUG, Samantha Ribeiro (orgs.). A intervenção do Estado no domínio econômico: condições e limites: Homenagem ao Prof. Ney Prado. 1ª ed., vol. 1. São Paulo: LTr, 2011, pp. 100 e 101.

66

“O homem é o problema da sociedade brasileira, sem salário, analfabeto, sem saúde, sem casa, portanto sem cidadania. A Constituição luta contra os bolsões de miséria que envergonham o País. Diferentemente das sete Constituições anteriores, começa com o homem. Graficamente testemunha a primazia do homem, que foi escrita para o homem, que o homem é seu fim e sua esperança. É a Constituição cidadã. Cidadão é o que ganha, come, sabe, mora, pode se curar. A Constituição nasce do parto de profunda crise que abala as instituições e convulsiona a sociedade. Por isso mobiliza, entre outras, novas forças para o exercício do governo e a administração dos impasses. O governo será praticado pelo Executivo e o Legislativo. Eis a inovação da Constituição de 1988: dividir competências para vencer dificuldades; contra a ingovernabilidade concentrada em um, possibilita a governabilidade de muitos. É a Constituição Coragem. Andou, imaginou, inovou, ousou, ouviu, viu, destroçou tabus, tomou partido dos que só se salvam pela lei. A Constituição durará com a democracia e só com a democracia sobrevivem para o povo a dignidade, a liberdade, e a justiça”.98

Esse texto do então Deputado Ulysses Guimarães, retrata muito bem o sentido de

nossa Constituição de 1988, conferido pelos próprios constituintes originários.

É uma imagem histórica que demonstra a situação das pessoas, que clamavam por

um novo ordenamento que não as excluísse. Claramente, resta demonstrado que as pessoas

necessitavam ser incluídas, para exercerem sua cidadania. Mostra que o “novo” texto

constitucional veio lutar contra a miséria99 humana, e que, a partir de agora, a pessoa foi

colocada em primeiro lugar.

Ao final, sabendo das resistências que encontraria o novo texto constitucional, a

denominou de “Constituição Coragem”. Hoje, podemos dizer mais do que isso, podemos

chamar de “Constituição Humanista”, fraternal.

É um reconhecimento de que até então a cidadania (que veremos mais adiante)

não era universalizada, e que isso tinha que mudar, já que a “nova” Constituição assim

determinava.

98 PINTO, Almir Pazianotto. Competência da Justiça do Trabalho nas Relações Sindicais, Coletivas e Administrativas - Dissídio Coletivo, Direito de Greve, Penalidades Administrativas, Habeas Corpus, Habeas Data e Mandado de Segurança. Revista da Escola da Magistratura. Tribunal Regional do Trabalho da 2 Região – São Paulo. Ano 1. Número 1. Setembro de 2006, p. 78. Disponível em: <http://www.trtsp.jus.br/html/tribunal/magistratura/pdfs/revista1.pdf>. Acesso em: 25/09/2012. 99 “O inimigo mortal do homem é a miséria. O estado de direito, consectário da igualdade, não pode conviver com o estado de miséria. Mais miserável do que os miseráveis é a sociedade que não acaba com a miséria” (GUIMARÃES, Ulysses. Discurso proferido na sessão de 05 de outubro de 1988, publicado no DANC de 05 de outubro de 1988, p. 14380-14382. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/plenario/discursos/escrevendohistor ia/destaque-de-materias/constituinte-1987-1988/pdf/Ulysses% 20Guimaraes %20-% 20DISCURSO%20%20REVISADO.pdf>. Acesso em: 20/01/2013).

67

Temos sempre que levar em consideração, e isso ficou muito claro, que a pessoa é

destinatária do texto, sendo certo que se objetiva a dignidade e a liberdade. Entretanto temos

que a fraternidade deve permear essa dignidade. Muito claro está o humanismo.

Dessa forma, podemos já nesses “preâmbulos” efetivamente verificar nosso marco

teórico, qual seja, a fraternidade como Direito Humano Fundamental, permeando todas as

demais dimensões de Direitos Humanos, em especial a liberdade e a igualdade.

Além de tudo isso, podemos observar que em ambos os preâmbulos há previsão

da democracia para o nosso ordenamento jurídico, e isso se concretiza nos demais preceitos

constitucionais.

Muito importante se verificar a democracia, pois para Carlos Ayres Britto100 a

democracia101 se confunde com o humanismo. O humanismo “transubstancia-se na

democracia que gradativamente se impôs como ideia-força ou princípio de organização dos

Estados e das sociedades nacionais do ocidente após a segunda guerra mundial”.102

Sendo assim, dá-se verdadeira fusão entre vida coletiva civilizada (culturalmente vanguardeira, foi dito) e democracia. Isso no sentido de entender por vida comum civilizada aquela que transcorre, circularmente, nos arejados espaços da contemporânea democracia. Com o que o humanismo e a democracia passam a formar uma unidade incindível. Inapartável.103

100 BRITTO, Carlos Ayres. O Humanismo como categoria constitucional. 1ª reimp. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2010, p. 31. 101 “Deveras, a Democracia ocidental dos dias correntes é a que se constitui em inexcedível de mobilidade vertical nos campos, justamente: a) da política enquanto área específica do poder governamental-administrativo; b) da economia enquanto fonte de toda riqueza material; c) da educação formal enquanto espaço de um saber direcionado ‘ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho’ (art. 205 da Constituição brasileira de 1988). Tudo isso de parelha com as citadas relações sociais de facilitado acesso à jurisdição, aos serviços públicos e à seguridade social, mais o pluralismo político e o social genérico (estes últimos a significar o direito de ser pessoalmente inconfundível com quem quer que seja, contanto que esse direito de ser diferente não resvale para a prática da discriminação de outrem). Sendo que o campo da política é de ser entendido na sua renovada configuração político-civil, de modo a abarcar os clássicos e novos direitos individuais (dentre estes o direito à informação, à ética na Administração Pública e às ações afirmativas), a vigorar de modo paralelo às relações de soberania popular e de cidadania. Já o campo da economia, a se materializar na dualidade básica do capital e do trabalho, de sorte a compor uma ordem econômico-financeira de prestígio, a um só tempo, da liberdade de iniciativa e do atendimento das necessidades materiais básicas dos empregados e dos trabalhadores autônomos. E quanto ao campo do saber, enfim, a se espraiar pelos domínios da educação formal, dos cursos profissionalizantes e do mencionado preparo para o exercício da cidadania” (BRITTO, Carlos Ayres. O Humanismo como categoria constitucional. 1ª reimp. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2010, pp. 32 e 33). 102 BRITTO, Carlos Ayres. O Humanismo como categoria constitucional. 1ª reimp. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2010, p. 31. 103 BRITTO, Carlos Ayres. O Humanismo como categoria constitucional. 1ª reimp. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2010, p. 33.

68

2.2. Dos Princípios Fundamentais – Artigo 1º, II, II, e, IV

O Artigo 1º da Constituição trata dos princípios fundamentais da República

Federativa do Brasil.104 “O art. 1º da Constituição Federal de 1988 traz uma série de

conceitos importantes que se constituem em princípios estruturantes e fundamentais da

República brasileira”.105 Veremos os incisos que fundamentam o Capitalismo Humanista.

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa;

O dispositivo acima traz de maneira clara os fundamentos de nosso Estado

Democrático de Direito.

Como observa Patrícia Tuma Martins Bertolin, “Admitir-se a existência de

princípios constitucionais fundamentais implica o reconhecimento da prevalência destes

sobre as demais normas constitucionais e, portanto, de uma hierarquia dentro da própria

Constituição”.106

A cidadania prevista no inciso II do artigo 1º é muito mais do que o conceito

clássico (nacionalidade mais direitos políticos).107 Na verdade vem como sinônimo de

inclusão, nas suas mais variadas formas, em especial a social.108

104 “Os princípios constitucionais são aqueles que guardam os valores fundamentais da ordem jurídica. Isto só é possível na medida em que estes não objetivam regular situações específicas, mas sim desejam lançar a sua força sobre todo o mundo jurídico. Alcançam os princípios esta meta à proporção que perdem o seu caráter de precisão de conteúdo, isto é, conforme vão perdendo densidade semântica, eles ascendem a uma posição que lhes permite sobressair, pairando sobre uma área muito mais ampla do que a norma estabelecedora de preceitos. Portanto, o que o princípio perde em carga normativa ganha como força valorativa a espraiar-se por cima de um sem-número de outras formas” (BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 22ª ed. rev. e atual. por Samantha Meyer-Pflug. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 221). 105 MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Dos Princípios Fundamentais. In: BONAVIDES, Paulo; MIRANDA, Jorge; AGRA, Walber de Moura (coords.). Comentários à Constituição Federal de 1988. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 7. 106 BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins. Os Direitos Sociais dos Trabalhadores. In: TANAKA, Sônia Yurico Kanashiro. Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2009, cap. 8, p. 242. 107 “Do ponto de vista político, cidadão é a pessoa humana nacional à qual se conferem direitos políticos de votar e de ser votado (v., por exemplo, LAP 1º). Em sentido amplo, compatível com a nossa CF dirigente, cidadão é também aquele que participa da vida do Estado, pessoa humana titular dos direitos fundamentais (CF 5º), cuja dignidade humana (CF 1º III) tem de ser respeitada pelo Estado e demais concidadãos” (NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Constituição Federal comentada e legislação constitucional. 3ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 185). 108 “A cidadania: representa um status do ser humano, apresentando-se simultaneamente como objeto e direito fundamental das pessoas;” (MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos fundamentais. 7ª ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 48).

69

O conceito de cidadania teve de ser reelaborado, para que fosse possível retirar a

população mais carente da pura retórica política, descomprometida109 e que nada resolvia.

Para Celso Ribeiro Bastos110, a cidadania deriva naturalmente do Estado

Democrático de Direito. Dessa forma, o constituinte foi “pleonástico” ao prevê-lo. Entretanto,

pela sua importância, sua previsão é bem-vinda, pois com sua ausência seria impossível

exercer a democracia.

Cidadania é a igualdade de oportunidade a que todos são dignos. É possibilitar

que todos tenham o direito e possam se desenvolver, se incluindo de todas as formas

possíveis. Ser cidadão é estar incluído. Cidadão é o que sente e tem dimensão de que seus

direitos humanos são respeitados, tendo sua dignidade acelerada pela ponderação de direitos

humanos por conta da Lei Universal da Fraternidade (Capitalismo Humanista).

Para José Luiz Quadros de Magalhães,

O conceito contemporâneo de cidadania se estendeu em direção a uma perspectiva sistêmica na qual cidadão não é apenas aquele que vota, mas aquela pessoa que tem meios para exercer o voto de forma consciente e participativa. Portanto, cidadania é a condição de acesso aos direitos sociais (educação, saúde, segurança, previdência) e econômicos (salário justo, emprego) que permite que o cidadão possa desenvolver todas as suas potencialidades, incluindo a de participar de forma ativa, organizada e consciente, da construção da vida coletiva no Estado democrático. 111

Ser cidadão é ter consciência e acesso aos direitos fundamentais, à dignidade

como ser humano, participar integradamente do processo de poder. É ter satisfeito todos os

direitos fundamentais em igualdade de condições.112

A teoria da indivisibilidade dos direitos fundamentais foi responsável pela ampliação do conceito de cidadania. Pela teoria da indivisibilidade, os direitos políticos são dependentes dos outros direitos fundamentais da pessoa humana. Para que tenhamos democracia política e exercício de cidadania política, é necessário que as pessoas tenham acesso aos meios para a efetivação da liberdade. Os direitos sociais e econômicos são meios que possibilitam o efetivo exercício das liberdades individuais e políticas.

109 SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 8ª ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 37. 110 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 22ª ed. rev. e atual. por Samantha Meyer-Pflug. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 227. 111 MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Dos Princípios Fundamentais. In: BONAVIDES, Paulo; MIRANDA, Jorge; AGRA, Walber de Moura (coords.). Comentários à Constituição Federal de 1988. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 19. 112 SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 8ª ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 38.

70

Para que se efetive a democracia política são necessários a democracia social e econômica e o respeito aos direitos de liberdade. Nesta perspectiva, a democracia participativa, institucionalizada ou não, passa a ser elemento de aperfeiçoamento da democracia representativa.113

Mais do que isso, todos devem ter acesso aos benefícios sociais, pois ao afastar as

desigualdades a cidadania é viabilizada.114

Uma das maneiras de fazer essa ponderação inclusiva dos direitos humanos é por

intermédio da Lei Universal da Fraternidade. A solidariedade também nos ajuda nessa

construção.

Para Gianpaolo Poggio Smanio,

A cidadania deve ser concebida como um direito, como já vimos, um direito fundamental, mas que também implique a intersubjetividade entre os cidadãos, de forma que exista dever de solidariedade entre os cidadãos. A cidadania, além de participativa, deve ser ativa, na busca da construção de uma sociedade mais livre e igualitária, através da solidariedade. A solidariedade significa o caminho da participação dos cidadãos nas instituições do Estado e na ocupação dos espaços das instituições da sociedade civil, formando uma rede de articulação entre Estado e Sociedade. 115

A fraternidade é o que permeia nosso marco teórico, é pressuposto de ponderação

de todas as dimensões de Direitos Humanos.

A cidadania tem como premissa a liberdade para exercer os Direitos

Fundamentais, e, dessa forma, é um requisito para que as pessoas vivam em uma sociedade

livre. Ser cidadão é ser igual, é não haver privilégios a classes ou grupos no exercício de seus

Direitos116, em especial, os sociais.

113 MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Dos Princípios Fundamentais. In: BONAVIDES, Paulo; MIRANDA, Jorge; AGRA, Walber de Moura (coords.). Comentários à Constituição Federal de 1988. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 20. 114 SMANIO, Gianpaolo Poggio. As Dimensões da Cidadania. Revista da Escola Superior do Ministério Público de São Paulo. Novos Direitos e Proteção da Cidadania. São Paulo, ano 2, janeiro/junho de 2009, p. 18. 115 SMANIO, Gianpaolo Poggio. As Dimensões da Cidadania. Revista da Escola Superior do Ministério Público de São Paulo. Novos Direitos e Proteção da Cidadania. São Paulo, ano 2, janeiro/junho de 2009, p. 18. 116 SMANIO, Gianpaolo Poggio. As Dimensões da Cidadania. Revista da Escola Superior do Ministério Público de São Paulo. Novos Direitos e Proteção da Cidadania. São Paulo, ano 2, janeiro/junho de 2009, p. 20.

71

A atuação do Estado deve ser no sentido da cidadania em todas as suas

dimensões117, consagrando a necessidade da inclusão social118, inclusive como o seu produto.

Somente por intermédio dos Direitos Fundamentais é que as pessoas conseguem

estabelecer vínculos entre si, em outras palavras, conviver. Dessa forma, os Direitos

Fundamentais são inerentes à cidadania. Disso podemos concluir que a cidadania e os Direitos

Fundamentais possuem um elo indissolúvel, ainda mais que têm o mesmo pano de fundo, que

é a inserção social mediante a igualdade de oportunidades e eficácia de todos os Direitos

Fundamentais.119

Isso restou muito claro no texto do “segundo preâmbulo”, editado por Ulysses

Guimarães, que vimos anteriormente.

Sendo assim, podemos justificar que o Capitalismo Humanista está inserido em

nossa Constituição neste dispositivo. A previsão da cidadania também nos dá essa dimensão.

Temos ainda como fundamento de nosso Estado a dignidade da pessoa humana

(artigo 1º, III CF). Esse dispositivo é bem emblemático, por conta de sua transcendental

importância.

Na visão de Flávia Piovesan,

A Constituição Federal de 1988 simboliza o marco jurídico da transição democrática e da institucionalização dos direitos humanos no país. O valor da dignidade da pessoa humana, como fundamento do Estado Democrático de Direito (art. 1º, III, da Constituição), impõe-se como núcleo básico e informador de todo ordenamento jurídico, como critério e parâmetro de valoração a orientar a interpretação do sistema constitucional. 120

117 Dimensões da cidadania: participativa, deliberativa e social. O que nos importa para fins deste trabalho é a cidadania social. Para Aline da Silva Freitas, “a cidadania é dividida em dimensões, uma atrelada ao liberalismo (cidadania como concessão estatal da participação política e garantia dos direitos civis) e outra socialista (cidadania como atrelada aos direitos fundamentais” (FREITAS, Aline da Silva. Novos Direitos e Proteção da Cidadania. Revista da Escola Superior do Ministério Público de São Paulo ano 2, São Paulo, janeiro/junho de 2009, p. 165). 118 SMANIO, Gianpaolo Poggio. As Dimensões da Cidadania. Revista da Escola Superior do Ministério Público de São Paulo. Novos Direitos e Proteção da Cidadania. São Paulo, ano 2, janeiro/junho de 2009, p. 20. 119 FREITAS, Aline da Silva. Novos Direitos e Proteção da Cidadania. Revista da Escola Superior do Ministério Público de São Paulo ano 2, São Paulo, janeiro/junho de 2009, p. 167. 120 PIOVESAN, Flávia. Artigo 4º. In: BONAVIDES, Paulo; MIRANDA, Jorge; AGRA, Walber de Moura (coords.). Comentários à Constituição Federal de 1988. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 39.

72

Alexandre de Moraes121, ao comentar o preceito (artigo 1º, III) estabelece o

seguinte:

A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos.

Para André Ramos Tavares, o fato de o constituinte originário inserir a dignidade

da pessoa humana como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil quer dizer

que a pessoa é o fundamento e fim da sociedade e não o Estado.122

É fundamento e fim ao mesmo tempo. Tudo e todos em nosso ordenamento

jurídico devem guardar relação de compatibilidade no sentido da concretização da dignidade

da pessoa humana.

Essa ponderação e compatibilidade podem ser atingidas pelo Capitalismo

Humanista em todas as suas dimensões, por intermédio da Lei Universal da Fraternidade.

O respeito à dignidade da pessoa humana, estampado entre os fundamentos da República no art. 1º, III, é patrimônio de suprema valia e faz parte, tanto ou mais que algum outro, do acervo histórico, moral, jurídico e cultural de um povo. O Estado, enquanto seu guardião, não pode amesquinhá-lo, corroê-lo, dilapidá-lo ou dissipá-lo.123

Não podemos admitir qualquer tipo de ato ou conduta que venha no sentido

contrário ou que fira a dignidade da pessoa humana.

Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery124 ao comentarem o assunto

expressam que:

(...) o homem é sujeito de direito e, nunca, o objeto de direito. (...)

121 MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos fundamentais. 7ª ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 48. 122 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 584. 123 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Eficácia das normas constitucionais e direitos sociais. 1ª ed., 3ª tir. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 36. 124 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Constituição Federal comentada e legislação constitucional. 3ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 185.

73

É tão importante esse princípio que a própria CF 1º, III o coloca como um dos fundamentos da República. Esse princípio não é apenas uma arma de argumentação, ou tábua de salvação para a complementação de interpretações possíveis de normas postas. Ele é a razão de ser do Direito. Ele se bastaria sozinho para estruturar o sistema jurídico. Uma ciência que não se presta para prover a sociedade de tudo quanto é necessário para permitir o desenvolvimento integral do homem, que não se presta para colocar o sistema a favor da dignidade da pessoa humana, que não se presta para servir ao homem, permitindo-lhe atingir seus anseios mais secretos, não se pode dizer ciência do Direito. (...) Comprometer-se com a dignidade do ser humano é comprometer-se com sua Vida e com sua liberdade. (...) É o princípio fundamental do direito. É o primeiro. O mais importante.

A dignidade é um atributo inerente ao ser humano, que é o único ser que possui

um valor interno, que não pode ser precificado. Por conta disso a dignidade forma a própria

natureza do ser humano. Sendo assim, a dignidade não é criação do texto constitucional, pois

preexiste em todo ser humano. A Constituição apenas a elevou a um valor supremo

inviolável, colocando-a como fundamento da República Federativa do Brasil. Esse valor

supremo atrai todo o conteúdo dos direitos fundamentais125, em especial o Capitalismo

Humanista.

Para José Joaquim Gomes Canotilho126, “a dignidade da pessoa humana exprime

a abertura da República à ideia de comunidade constitucional inclusiva pautada pelo

multiculturalismo mundividencial, religioso ou filosófico”.

Segundo Celso Ribeiro Bastos,

Embora dignidade tenha um conteúdo moral, parece que a preocupação do legislador constituinte foi mais de ordem material, ou seja, a de proporcionar às pessoas condições para uma vida digna, principalmente no que tange ao fator econômico. (...) Este foi, sem dúvida, um acerto do constituinte, pois coloca a pessoa humana como fim último de nossa sociedade e não como simples meio para alcançar certos objetivos, como, por exemplo, o econômico.127

125 SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 8ª ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 40. 126 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª ed. Coimbra: Almedina, 2003, p. 225 e 226. 127 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 22ª ed. rev. e atual. por Samantha Meyer-Pflug. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 227.

74

Ao prever a dignidade da pessoa humana como princípio da República, o

constituinte originário acenou expressamente com o adensamento dos Direitos Humanos, que

como vimos deve ser operado pela fraternidade, dando escopo ao Capitalismo Humanista.

Temos no inciso IV do artigo 1º os valores sociais do trabalho e da livre-

iniciativa.

Esse inciso também é um dos elementos fundadores do capitalismo humanista,

onde claramente se percebe a fraternidade operando.

Note a redação: “os valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa”.

Daqui podemos verificar duas situações:

Primeiro: é fundamento de nossa República a valorização social do trabalho;

Segundo: é fundamento de nossa República a valorização social da livre-

iniciativa.

É muito mais prático e lógico entendermos a valorização social do trabalho. Aliás

é inerente ao sistema trabalhista brasileiro.

Todo trabalho humano deve ser valorizado. O limite de exploração, encampada

pelo Direito do Trabalho, é a dignidade da pessoa, traduzida em sua valorização social.

Só é possível concretizar o valor social do trabalho com o trabalho livre, em

condições adequadas e equitativas, com remuneração condizente com o sustento do

trabalhador e de sua família, conferindo-lhes situação de dignidade.128

Um pouco mais complicado, mas não menos claro, é enxergar e aceitar a

valorização social da livre-iniciativa, que em seu estágio natural (desprovida de qualquer

anseio de fraternidade) juntamente com a propriedade assegura um ambiente capitalista

liberal/neoliberal, desprovido de qualquer valor social.

Mas não foi essa a escolha do constituinte originário. O texto preconiza “os

valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa”. Não é valores sociais do trabalho e livre-

iniciativa.

128 SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 8ª ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 41.

75

São valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa. A palavra “da” constitui um

algo diferente, qual seja, que no nosso ordenamento a livre-iniciativa terá sim que olhar para

os valores sociais. É insculpir no capital (primeira dimensão) a fraternidade.

Sem a inserção da fraternidade, a livre-iniciativa não possui qualquer valor social,

muito pelo contrário. Mas em nosso ordenamento tem sim. Quem faz essa ponderação, quem

insere esse valor social é o Capitalismo Humanista, por meio da fraternidade.

Esse dispositivo é uma expressão literal do Capitalismo Humanista em nossa

Constituição, que pela Lei Universal da Fraternidade pondera e adensa as dimensões dos

direitos humanos, fazendo com que a livre-iniciativa se compatibilize com os valores sociais.

A livre-iniciativa é um valor inerente ao Estado liberal. É a liberdade econômica.

O texto constitucional se preocupa com a realização da justiça social e não somente com o

lucro pelo lucro. A livre-iniciativa deve se curvar à sua função social e ao dever de propiciar

melhores condições de vida aos trabalhadores.129 Além disso encontra também um entrave no

princípio da ordem econômica que determina a função social da propriedade.

Livre-iniciativa com valorização social é Capitalismo Humanista.

Para Carlos Ayres Brito130, as Constituições nem precisam nominar o humanismo.

A simples previsão da democracia automaticamente basta para consagrá-lo em nível

constitucional. E mais,

Como se pode concluir dos incisos de I a V do art. 1º da Constituição de 1988, que, sob a denominação de ‘fundamentos’ da República Federativa do Brasil, fez da democracia (logo, do humanismo) uma feérica estrela de cinco pontas: ‘soberania’, ‘cidadania’, ‘dignidade da pessoa humana’, ‘valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa’, ‘pluralismo político’. Sendo que a expressão, ‘dignidade da pessoa humana’ ali naquele dispositivo, ainda não é todo humanismo; é parte do humanismo que mais avulta, de modo a ocupar uma posição de centralidade no âmbito mesmo dos direitos fundamentais de todo sistema constitucional brasileiro.131

Sendo assim, por intermédio dos princípios fundamentais da República, claro está

o Capitalismo Humanista em nosso ordenamento jurídico.

129 SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 8ª ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 41. 130 BRITTO, Carlos Ayres. O Humanismo como categoria constitucional. 1ª reimp. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2010, p. 38. 131 BRITTO, Carlos Ayres. O Humanismo como categoria constitucional. 1ª reimp. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2010, p. 38.

76

2.3. Objetivos Fundamentais – Artigo 3º, I a IV

No artigo 3º da Constituição, temos os objetivos fundamentais da República

Federativa do Brasil. Tudo e todos que se inserem nesse ordenamento devem se pautar por

esses objetivos.

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

No inciso I do artigo 3º, temos como primeiro objetivo fundamental a construção

de uma sociedade livre (liberdade, primeira dimensão), justa (igualdade, segunda dimensão) e

solidária (fraternidade, terceira dimensão). É o reconhecimento positivado interno de que nos

curvamos aos direitos humanos em todas as suas dimensões. Mais do que isso, é a liberdade e

a igualdade sendo adensadas pela fraternidade (Capitalismo Humanista).

O dispositivo determina as três dimensões, e não só essa ou aquela. Na prática,

isso está determinando um ponderamento entre as dimensões, que será feito pela fraternidade.

É o reconhecimento expresso mais uma vez do capitalismo humanista em nossa

Constituição. É uma sociedade capitalista, com justiça social amparada na Lei Universal da

Fraternidade.

É a fraternidade determinando os direitos humanos em todas as suas dimensões,

muitas vezes com o auxílio da solidariedade.

Para Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery,

A solidariedade e a justiça social são alavancas que, somadas ao exercício da liberdade individual e da igualdade de oportunidades, fomentam o crescimento econômico, cultural e social das pessoas, pelo trabalho, pela empresa, pela atividade econômica, pela ajuda mútua e pelo suporte necessário aos que ainda não ascenderam à capacidade plena de exercício de seus direitos.132

132 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Constituição Federal comentada e legislação constitucional. 3ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 202.

77

Configura-se também como objetivo fundamental garantir o desenvolvimento

nacional (inciso II do artigo 3º). A Constituição é expressa em configurar o desenvolvimento

nacional, que nada mais é que o desenvolvimento de todos. É garantir que todos possam se

desenvolver nas mais variadas esferas, especialmente a econômica.

O que o texto consagra na verdade é um crescimento econômico pautado pela

justiça social (que é desenvolvimento), pois crescimento sem justiça é simples noção

quantitativa, que é bem diferente de desenvolvimento.133

Possibilitar o desenvolvimento de todos é garantir cidadania, dignidade. É

ponderar os direitos humanos por intermédio da fraternidade (capitalismo humanista) de

modo que todos possam se desenvolver.

Só com o desenvolvimento pleno é que a pessoa se insere na dignidade. Qualquer

falta de desenvolvimento também ensejará a falta de dignidade pela não concretização real

(fraterna) dos direitos humanos.

O capitalismo liberal tem o condão de gerar algumas externalidades negativas

(segregando as pessoas, por exemplo), abandonando a pessoa à própria sorte. Já o capitalismo

humanista consegue propiciar um ambiente no qual todos possam ter condições de se

desenvolver, sem excluir ninguém.

Carlos Ayres Britto, ao tratar do assunto com enfoque no humanismo, assim

preleciona:

Convém repetir, com ligeiros acréscimos: focado pelo prisma dos interesses do todo social, o desenvolvimento tem que ser mais do que um mecânico ou linear crescimento econômico. Ele há de exibir uma dimensão política ou de soberania nacional, pela exigência que se lhe faz de ser um desenvolvimento do tipo autossustentado ou sem temerária dependência externa. Como também há de exibir três outras dimensões: a) a dimensão da pura justiça social, a se dar por um progressivo compartilhamento dos seus frutos com todos os estratos de que a sociedade se compõe; b) a dimensão do mesmo e respeitoso tratamento para os referidos grupos de pessoas que até hoje experimentaram o travo da discriminação social (por isso que destinatárias da compensação em que se traduz a ferramenta das ações afirmativas; c) a definitiva absorção da ideia de equilíbrio ecológico enquanto elemento de sua própria definição. É como está, por sinal, na própria Constituição brasileira de 1988 (...).134

133 SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 8ª ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 49. 134 BRITTO, Carlos Ayres. O Humanismo como categoria constitucional. 1ª reimp. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2010, p. 29.

78

No inciso III do artigo 3º, temos como objetivo fundamental “erradicar a pobreza

e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”.

Ser pobre é não ter o suficiente para a vida, é viver com escassez. É falta de renda,

de recursos para o sustento familiar. A pobreza absoluta se constitui em miséria, penúria, é

estar à margem da sociedade. Erradicar isso tudo é o objetivo fundamental, mas não

empobrecendo os ricos, mas conferindo aos pobres meios de se manter com dignidade

(trabalho). Erradicar a pobreza e a marginalização é uma forma de se chegar a uma sociedade

livre, justa e solidária, prevista anteriormente no inciso I.135 Eis um dos objetivos do

Capitalismo Humanista.

A Constituição por esse comando de erradicação da pobreza e da marginalização e

da redução das desigualdades sociais e regionais se traduz no aparato jurídico de

reconhecimento do Capitalismo Humanista. Em verdade, esse dispositivo determina uma

conduta cuja concretização só podemos visualizar por intermédio do Capitalismo Humanista,

ou seja, pela aplicação da fraternidade como baliza dos Direitos Humanos em todas as suas

dimensões.

O inciso IV do artigo 3º, quando determina a promoção do “bem de todos, sem

preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”

está prevendo a consagração da igualdade real.

Garantir o bem de todos acaba sendo o objetivo primordial do Estado. De alguma

maneira esse dispositivo sedimenta os anteriores (construir uma sociedade livre, justa e

solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e

reduzir as desigualdades sociais e regionais), pois são inerentes ao bem comum. Aliás a

Constituição em alguns aspectos acaba sendo a expressão do bem comum.136

As pessoas não podem ser discriminadas. Dentre as formas de discriminação,

temos a discriminação social. Uma das formas de não ocorrer essa discriminação é viabilizar

que as pessoas possam se inserir socialmente. O Capitalismo Humanista pela Lei Universal da

Fraternidade consagra essa possibilidade.

135 SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 8ª ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 49. 136 SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 8ª ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 50.

79

Evitar disparidades sociais pela inclusão social é uma forma de garantir que

ninguém sofrerá discriminação. Isso é possível com o Capitalismo Humanista.

2.4. Princípios Regentes das Relações Internacionais – Artigo 4, II

Dentre os princípios que regem as relações internacionais de nosso País, temos

que destacar a prevalência dos Direitos Humanos, que reverbera o Capitalismo Humanista.

Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: II - prevalência dos direitos humanos;

Para Flávia Piovesan,

Surge a necessidade de interpretar os antigos conceitos de soberania estatal e não-intervenção à luz dos princípios inovadores da ordem constitucional - dentre eles, destaque-se o princípio da prevalência dos direitos humanos. Estes são os novos valores incorporados pelo texto de 1988, que compõem a tônica do constitucionalismo contemporâneo.137

Por esse dispositivo temos que os Direitos Humanos, uma vez revelados, possuem

o condão de interferir e causar efeitos no ordenamento jurídico.

Se a República Federativa do Brasil preza pelos Direitos Humanos em nível

externo, com tanto mais razão deve prezar internamente. Essa é uma válvula de entrada de

todo e qualquer direito humano que é revelado, sem a necessidade de positivação.

Mais do que isso, da mesma maneira que possibilita a incorporação dos Direitos

Humanos no ordenamento jurídico interno, autoriza também que um Direito Humano que é

aqui revelado tenha o condão de se expressar em nível internacional.

Imediatamente todo e qualquer Direito Humano que é revelado passa a compor

nosso ordenamento jurídico. E vice-versa.

Temos aqui também a aceitação de todos os Direitos Humanos e, por conta disso,

devem ser adensados e ponderados pela fraternidade, além de serem considerados para todos.

São universais.

137 PIOVESAN, Flávia. Artigo 4º. In: BONAVIDES, Paulo; MIRANDA, Jorge; AGRA, Walber de Moura (coords.). Comentários à Constituição Federal de 1988. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 41.

80

Estamos diante da internalização e da externalização do Capitalismo Humanista

para o mundo. Por esse meio emprestamos o nosso humanismo para todo o planeta, tornando-

se de toda a humanidade, passando a orbitar em todos os ordenamentos jurídicos.

Além disso, determina que nosso Estado não tenha nenhum tipo de relação com

outros países que não consagrem os direitos humanos em todas as suas dimensões.

2.5. Dos Direitos e Garantias Fundamentais – Artigos 5º, XII a XXXII, XXXV, XXXVI,

XLI, § 1º, § 2º, § 3º; 6º e 7º

Inicialmente nos cabe verificar o artigo 5º, caput, que assim dispõe: “todos são

iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos

estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade,

à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:”.

Todas as pessoas serão consideradas iguais perante a lei, sem distinção de

qualquer natureza, garantindo a todos a vida, a liberdade, a igualdade, a segurança e a

propriedade (igualdade formal). Essa igualdade vem no sentido de que todos são iguais

perante a lei.

O caput do artigo 5º da Constituição não possui o condão de chegar a uma

igualdade real. Não consegue trazer justiça social para as relações. Serve para garantir o

exercício da liberdade.

Estamos diante de um direito humano fundamental de primeira dimensão, apesar

de podermos visualizar outras dimensões nas expressões “vida”, “igualdade” e “segurança”.

Alexandre José Paiva da Silva Melo entende que,

O caput do artigo 5º produz uma mudança de perspectiva em relação aos anteriores preceitos constitucionais. A Constituição deixa de se referir à República Federativa do Brasil e à União e passa a tratar das pessoas. Agora, a referência são os indivíduos abrangidos pelo Estado brasileiro. Assim, fixadas as definições globais sobre a ordem político-constitucional brasileira (arts. 1º a 4º), é necessário dar maior concreção aos valores e princípios constitucionais expressos nos artigos anteriores, estabelecendo, em favor dos indivíduos, direitos fundamentais ao sistema.138

138 MELO, Alexandre José Paiva da Silva. Artigo 5º, caput e incisos I, II e III. In: BONAVIDES, Paulo; MIRANDA, Jorge; AGRA, Walber de Moura (coords.). Comentários à Constituição Federal de 1988. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 77.

81

Temos nos incisos XII a XXXII do artigo 5º da Constituição o chamado “bloco

capitalista”. São preceitos que, fortalecidos pela primeira dimensão dos Direitos Humanos,

chancelam e estruturam os valores da economia livre capitalista.

Muito embora capitalista, podemos perceber que não se trata de um capitalismo

puro, muito pelo contrário.

XXII - é garantido o direito de propriedade; XXIII - a propriedade atenderá a sua função social; XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição; XXV - no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano; XXVI - a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento; XXVII - aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar; XXVIII - são assegurados, nos termos da lei: a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas; b) o direito de fiscalização do aproveitamento econômico das obras que criarem ou de que participarem aos criadores, aos intérpretes e às respectivas representações sindicais e associativas; XXIX - a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País; XXX - é garantido o direito de herança; XXXI - a sucessão de bens de estrangeiros situados no País será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do “de cujus”; XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;

Podemos perceber nesses dispositivos grandes valores e preceitos capitalistas

juntamente com determinações que visam relativizar o capitalismo no sentido de não ser um

ambiente puro e desprovido de qualquer freio que vise evitar abusos. Abre margem e

determina a ponderação com as demais dimensões de Direitos Humanos.

Logo de início podemos verificar no inciso XII a consagração da propriedade

privada, que é uma característica e elemento marcante do capitalismo. No inciso seguinte

(XIII), porém, expressamente está disposto que a propriedade atenderá à sua função social.

82

Esses dois comandos nos indicam que o ambiente econômico brasileiro é

capitalista, mas não capitalista puro. É um capitalismo que é obrigado a atender à função

social da propriedade. A própria propriedade deverá atender também a essa função.139

A propriedade atendendo à função social nada mais é que a propriedade arraigada

com fraternidade. “(...) a propriedade não se concebe senão como função social140”. Dessa

maneira podemos concluir que em nosso ordenamento jurídico é inerente à propriedade a

fraternidade.

A função social da propriedade é a fraternidade operando no bojo da propriedade.

Seguindo essa lógica, o inciso seguinte (XXIV) autoriza uma séria intervenção na

propriedade que é sua desapropriação. O que autoriza e fundamenta essa desapropriação é a

função social que a propriedade deve guardar. É a propriedade a serviço da sociedade,

arraigada de humanismo em um ambiente capitalista humanista.

O inciso XXV coloca a propriedade à disposição da coletividade, quando houver

iminente perigo público. Mais uma vez a propriedade se curva à fraternidade em nome do

bem comum.

Já o inciso XXVI de maneira acertada injeta na pequena propriedade rural a

fraternidade, tornando-a assim impenhorável. Estamos diante de uma proteção ao pequeno

produtor rural, que historicamente esquecido sofre com a ganância dos grandes latifundiários.

Os incisos XXVIII a XXIX, na melhor acepção capitalista, garantem de maneira

acertada a propriedade intelectual e seus benefícios. Temos ainda nos incisos XXX e XXXI a

garantia à herança, que na verdade é um instituto eminentemente capitalista.

E no final desse “bloco”, temos a defesa do consumidor. É o reconhecimento do

Direito do Consumidor em face da propriedade. A propriedade deve ser aqui entendida como

empresa (fornecedor), que em nome do lucro ou de um possível desenvolvimento econômico

não pode colocar em risco a vida, a saúde ou a segurança do consumidor.

139 “A norma que contém o princípio da função social da propriedade incide imediatamente, é de aplicabilidade imediata, como o são todos os princípios constitucionais” (SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 8ª ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 123). 140 SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 8ª ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 120.

83

Conforme restou demonstrado, o Capitalismo Humanista se faz presente nos

dispositivos constitucionais estruturantes do próprio capitalismo. Mesmo no “bloco”

capitalista encontramos preceitos que injetam fraternidade no sistema, formando assim o

Capitalismo Humanista.

O modelo econômico escolhido foi o capitalista. Entretanto, não há dúvidas de

que não estamos diante de um capitalismo puro longe de qualquer intervenção. Em verdade,

restou claro que o capitalismo insculpido na Constituição vem transbordando de fraternidade,

o que o torna aceitável do ponto de vista humano, e aceita todas as intervenções. Aceita a

fraternidade em seu adensamento com a igualdade. É o reconhecimento do Capitalismo

Humanista.

No inciso XXXV temos que “a lei não excluirá da apreciação do Poder

Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Estamos diante da possibilidade jurídica da

judicialização de questões econômicas. Se for provocado, pode sim o Poder Judiciário afastar

as externalidades negativas. Estamos diante do princípio da proteção judiciária ou princípio da

inafastabilidade do controle jurisdicional.

Aliás o Poder Judiciário quando provocado tem o dever de consagrar a

fraternidade como meio de adensamento dos Direitos Humanos, e de humanização do

capitalismo.

Em relação ao inciso XXXVI, “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato

jurídico perfeito e a coisa julgada”, podemos verificar que visa estabelecer a segurança nas

relações jurídicas e consequentemente econômicas. Não há como se sedimentar um

capitalismo desenvolvido sem segurança nas relações. Em outras palavras, se forem

observados os limites impostos, pode-se efetivar qualquer tipo de operação econômica.

Importante verificarmos o inciso XLI do artigo 5º, que preconiza que “a lei punirá

qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”.

Isso demonstra a força dos direitos fundamentais em nosso ordenamento. O

constituinte originário determinou que a lei deve punir qualquer tipo de discriminação que

atente contra os direitos fundamentais, em todas suas dimensões. É a proteção jurídica que

temos contra qualquer ato atentatório ao Capitalismo Humanista. Não reconhecer o

Capitalismo Humanista é atentar contra os direitos e liberdades fundamentais.

84

Dessa maneira, podemos entender que nosso ordenamento deve vir no sentido de

impossibilitar qualquer tipo de ataque, seja a que nível for, aos direitos fundamentais,

especialmente a fraternidade (Capitalismo Humanista). Aliás aqui temos um dos dispositivos

que fundamentam a proibição de retrocesso, em especial a proibição do retrocesso social.141

A proibição do retrocesso social estabelece que um Direito Social, quando

incorporado ao patrimônio jurídico da pessoa, não poderá mais ser retirado, quando muito

pode ser substituído por outro que possua o mesmo grau de relevância. Os Direitos Sociais

integram o patrimônio jurídico de Direitos Fundamentais da pessoa.

Segundo Patrícia Tuma Martins Bertolin,

Em princípio, esses direitos só podem ser suprimidos do ordenamento se isso não significar uma perda para a pessoa, ou seja, se o direito em questão for substituído por outro direito equivalente. A proibição do retrocesso social deve, portanto, servir de diretriz ao Poder Legislativo ao elaborar a norma necessária à efetivação dos direitos sociais previstos constitucionalmente. Deve, também, nortear a atividade do Poder Executivo, que deve disponibilizar recursos para implementação de políticas públicas sociais. Ao Poder Judiciário cabe velar pela aplicação da lei, sobretudo da Lei Maior.142

O texto constitucional expressa “qualquer discriminação atentatória dos direitos

e liberdades fundamentais”.

Todo tipo de discriminação se mostra atentatória aos direitos fundamentais. A

discriminação leva a uma série de situações nas quais se fere a dignidade da pessoa. É um ato

contrário à própria dignidade, é negar a uma pessoa ou a um grupo de pessoas sua condição

de pessoa humana143. Por isso deve ser rechaçado com veemência.

141 “A ideia aqui expressa também tem sido designada como proibição de ‘contra-revolução social’ ou da ‘evolução reaccionária’. Com isto quer dizer-se que os direitos sociais e económicos (ex.: direito dos trabalhadores, direito à assistência, direito a educação), uma vez obtido um determinado grau de realização, passam a constituir, simultaneamente, uma garantia institucional e um direito subjetivo. A ‘proibição do retrocesso social’ nada pode fazer contra as recessões e crises econômicas (reversibilidade fáctica), mas o princípio em análise limita a reversibilidade dos direitos adquiridos (ex.: segurança social, subsídio de desemprego, prestação de saúde), em clara violação do princípio da confiança e da segurança dos cidadão no âmbito económico, social e cultural, e do núcleo essencial da existência mínima inerente ao respeito pela dignidade da pessoa humana” (CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª ed. Coimbra: Almedina, 2003, pp. 338 e 339). 142 BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins. Os Direitos Sociais dos Trabalhadores. In: TANAKA, Sônia Yurico Kanashiro. Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2009, cap. 8, p. 269. 143 SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 8ª ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 142.

85

A segregação econômica fruto das externalidades negativas do processo

capitalista liberal é uma discriminação e deve ser afastada. Uma das formas de se garantir que

não ocorra essa discriminação se dá pelo Capitalismo Humanista, que insere a pessoa

socialmente lhe conferindo dignidade, pela ponderação de todas as dimensões de direitos

humanos pela fraternidade.

O § 1º do artigo 5º assim determina: “as normas definidoras dos direitos e

garantias fundamentais têm aplicação imediata”.

Esse dispositivo possui o condão de afastar qualquer conceito ou teoria que venha

de alguma maneira retirar a eficácia e eficiência do texto constitucional, ainda mais quando

diante dos Direitos Humanos Fundamentais.

O texto constitucional deve ser tratado como texto constitucional que é, não

podendo ser vítima de construções que o relevem a mera letra morta ou de conteúdo

programático.

Entendemos sim que os direitos fundamentais de segunda dimensão não são

autoexecutáveis, mas não podemos esquecer que são sim de aplicabilidade imediata. Dessa

maneira, se o Estado Executivo e Legislativo não concretizar a aplicabilidade, cabe ao Estado

Juiz, quando provocado, efetuar essa consagração, no plano do caso concreto.

O Poder Judiciário quando invocado deve concretizar a aplicação do direito

fundamental reclamado.144 Dessa maneira, além de propiciar que o Poder Judiciário atue na

concretização de todos os direitos humanos, o Capitalismo Humanista também servirá para

balizar a concretização de tais direitos, utilizando-se da fraternidade.

No § 2º do artigo 5º, também estamos diante de mais uma norma que possibilita

ao capitalismo humanista adentrar em todos os locais, inclusive os de níveis constitucionais.

Como vimos, embora desnecessário, acaba por fortalecer a ideia, até mesmo em relação aos

positivistas mais extremos.

§ 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.145

144 SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 8ª ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 181. 145 Restará claro no próximo capítulo que o Capitalismo Humanista também está inserido nos textos internacionais de Direitos Humanos. Essa pode ser mais uma porta de entrada do Capitalismo Humanista em nosso ordenamento jurídico.

86

É a plena compatibilidade constitucional com o Capitalismo Humanista. É a

integração dos direitos humanos em todas as suas dimensões, pautados pela fraternidade.

Ademais, da mesma maneira que possibilita a entrada desses direitos, também

possui o condão de transparecer tais preceitos, principalmente integrando os tratados

internacionais.

Devemos reverenciar esse preceito juntamente com o artigo 4º, II CF, que vimos

anteriormente (prevalência dos Direitos Humanos).

O § 3º do artigo 5º veio em boa hora com a emenda constitucional 45.

§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.

A partir dessa emenda, todos os documentos internacionais que versarem sobre

Direitos Humanos, e que obedecerem ao mesmo trâmite de emenda constitucional,

internalizarão nosso ordenamento jurídico, e se for o caso, poderão até modificar a

Constituição. É mais um reconhecimento muito forte dos direitos humanos em todas as suas

dimensões.

Temos no artigo 6º os direitos sociais, que se configuram em um padrão mínimo

de direitos para se atingir a dignidade. Baliza por exemplo existir com dignidade que vem

pautado no artigo 170.

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

Esse preceito estabelece os Direitos Sociais (um rol de direitos mínimos a todos).

Podemos dizer que é o mínimo existencial insculpido em nossa Constituição.

Nos ensinamentos de Patrícia Tuma Martins Bertolin,

Os teóricos mais tradicionais tendem a defender que os direitos sociais criam uma obrigação positiva para o Estado, que deverá agir no sentido de implementá-los. Por esse motivo, foram vistos pela doutrina como direitos fundamentais de segunda geração, uma vez que os direitos fundamentais inicialmente reconhecidos (as liberdades) requeriam do Estado apenas uma postura não-intervencionista. E porque os homens passaram a exercer essa liberdade de forma ilimitada e, portanto, abusiva, a fim de conter tais excessos, criaram-se os direitos fundamentais de segunda geração. Torna-se evidente, então, a importância dos direitos sociais como instrumentos jurídicos de efetiva limitação ao poder econômico. (...)

87

Os “direitos sociais” têm maior amplitude que os “direitos dos trabalhadores”. O art. 6º da CF brasileira de 1988 estabelece: “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados”. Esse dispositivo não pode ser tido como mera norma programática, pois tais direitos são absolutamente essenciais à concretização do princípio maior da dignidade da pessoa humana, elencado entre os fundamentos do nosso Estado Democrático de Direito por força do art. 1º do texto constitucional.146

O Capitalismo Humanista é o melhor meio de garantir a todos o acesso a esse

mínimo existencial, de se fazer efetivar essa limitação ao poder econômico.

A Constituição mudou na sua elaboração, mudou na definição dos poderes, mudou restaurando a Federação, mudou quando quer mudar o homem em cidadão, e só é cidadão quem ganha justo e suficiente salário, lê e escreve, mora, tem hospital e remédio, lazer quando descansa.147

Esses direitos são considerados de segunda dimensão, e historicamente vêm sendo

negados pelo capitalismo liberal (primeira dimensão), que com sua selvageria em busca do

lucro tolhe as pessoas de suas mais primárias necessidades.

A forma de a pessoa atuar e se desenvolver economicamente é o trabalho, que se

constitui em um verdadeiro direito social. Tudo deve ser adensado e balizado conforme a

fraternidade, para que o trabalho, ao invés de ser mais uma forma de se ferir a dignidade da

pessoa humana (exploração, doenças profissionais), seja a solução para a sua concretização.

Dessa maneira o Capitalismo Humanista explode no centro desse dispositivo, no

sentido de levar sua concretização para todas as pessoas.

Nos dizeres de Nelson Nazar,

Esses direitos sociais são regras estruturais do sistema, ou seja, são dotadas de uma ampla riqueza de princípios, compondo uma rede de comandos. Trata-se das chamadas normas de conteúdo primário, que, ricas em princípios e direcionadoras do sistema, a este servem de diretrizes, impulsionando os regramentos estabelecidos pelo Estado. Sendo o Governo o instrumento de ação do Estado, então toda atividade governamental há de se voltar para aquilo que deve compor as regras estruturais estatais.148

146 BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins. Os Direitos Sociais dos Trabalhadores. In: TANAKA, Sônia Yurico Kanashiro. Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2009, cap. 8, pp. 238 a 240. 147 GUIMARÃES, Ulysses. Discurso proferido na sessão de 05 de outubro de 1988, publicado no DANC de 05 de outubro de 1988, p. 14380-14382. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/plenario/discursos/escrevendohistor ia/destaque-de-materias/constituinte-1987-1988/pdf/Ulysses% 20Guimaraes %20-% 20DISCURSO%20%20REVISADO.pdf>. Acesso em: 20/01/2013. 148 NAZAR, Nelson. Direito Econômico. 2ª ed. rev. ampl. e atual. Bauru/SP: Edipro, 2009, p. 53.

88

Em outras palavras, é uma gama de direitos mínimos sem os quais a pessoa viverá

sem dignidade, à margem da sociedade, tolhida de seus direitos e excluída socialmente.

O artigo 7º da Constituição149, que também se inscreve no âmbito dos Direitos

Sociais, só que destinados especificamente a combater o abuso do poder econômico nas

relações de trabalho, estabelece um padrão mínimo de direitos a serem observados, para que

seja suportável para a pessoa se submeter ao capital nessa relação.

149 Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: I - relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos; II - seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário; III - fundo de garantia do tempo de serviço; IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim; V - piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho; VI - irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo; VII - garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, para os que percebem remuneração variável; VIII - décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria; IX - remuneração do trabalho noturno superior à do diurno; X - proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa; XI - participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração, e, excepcionalmente, participação na gestão da empresa, conforme definido em lei; XII - salário-família pago em razão do dependente do trabalhador de baixa renda nos termos da lei; XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho; XIV - jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva; XV - repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos; XVI - remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinquenta por cento à do normal; XVII - gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal; XVIII - licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias; XIX - licença-paternidade, nos termos fixados em lei; XX - proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei; XXI - aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei; XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança; XXIII - adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei; XXIV - aposentadoria; XXV - assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até 5 (cinco) anos de idade em creches e pré-escolas; XXVI - reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho; XXVII - proteção em face da automação, na forma da lei; XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa; XXIX - ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho; XXX - proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil; XXXI - proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência; XXXII - proibição de distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos; XXXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos; XXXIV - igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso. Parágrafo único. São assegurados à categoria dos trabalhadores domésticos os direitos previstos nos incisos IV, VI, VIII, XV, XVII, XVIII, XIX, XXI e XXIV, bem como a sua integração à previdência social.

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Assim Alexandre Belmonte150 dispõe sobre o assunto:

Entendemos como direitos fundamentais, na dimensão juslaboralista, os valores de que os trabalhadores necessitam, no relacionamento com o Estado e nas relações de trabalho, para uma existência digna ou qualitativa, mediante as garantias assecuratórias da integridade física, intelectual e moral, da cidadania, liberdade, igualdade, solidariedade e justiça. (...) Se os direitos fundamentais norteiam as ações e limitam a ingerência do Estado nas relações com os cidadãos, devem igualmente repercutir nas relações entre particulares, de forma a limitar os abusos que possam afrontar a eficácia das garantias estabelecidas na Constituição. Assim é que, se os cidadãos têm direito à saúde, à integridade física e à vida, o empregador, na relação de trabalho estabelecida com o empregado, precisa prevenir o ambiente de trabalho contra os riscos da insalubridade e insegurança, respondendo inclusive pelas doenças profissionais e acidentes típicos do trabalho causados em decorrência da prestação de serviços.

Os comandos relacionados ao artigo 7º, caput, aplicam-se aos empregados da

cidade e do campo (além dos avulsos quando compatível), salvo exceções consignadas. Além

disso, esse elenco é meramente exemplificativo, admitindo-se complementações.151

O art. 7º constitucional tratou de elencar os direitos individuais dos trabalhadores; e, quando se referiu a “trabalhadores”, o fez no sentido de empregados - trabalhadores com vínculo empregatício permanente -, embora tenha estendido tais direitos aos avulsos, por força do inciso XXXXIV do mesmo artigo.152

A expressão “além de outros” insculpida no caput (artigo 7º), além de

fundamentar a vigência de direitos não descritos no artigo, possibilita a instituição de normas

(lei, instrumentos normativos, sentença arbitral, sentença normativa, etc.).153

É a forma estruturante constitucional do Direito do Trabalho, que consagra um

padrão de dignidade onde o empregador não poderá adentrar.

Além disso, esses comandos do artigo 7º acabam por limitar os comandos ligados

à livre-iniciativa insculpidos no artigo 170 também da Constituição154.

150 BELMONTE, Alexandre. Artigos 7º ao 1. In: BONAVIDES, Paulo; MIRANDA, Jorge; AGRA, Walber de Moura (coords.). Comentários à Constituição Federal de 1988. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 391. 151 SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito Constitucional do Trabalho. 3ª ed. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 94. 152 BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins. Os Direitos Sociais dos Trabalhadores. In: TANAKA, Sônia Yurico Kanashiro. Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2009, cap. 8, p. 242 e 243. 153 SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito Constitucional do Trabalho. 3ª ed. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 96. 154 NAZAR, Nelson. Direito Econômico. 2ª ed. rev. ampl. e atual. Bauru/SP: Edipro, 2009, p. 53.

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2.6. Da Ordem Econômica – Artigo 170, I a IX e parágrafo único

Temos no artigo 170 da Constituição a regulamentação do cerne da ordem

econômica, ou seja, tudo que acontece na economia (mercado) deve guardar relevância com

os comandos ali especificados.155

Como observam Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, “A ordem

econômica está subordinada à construção de um Estado Democrático de Direito e à

construção de uma sociedade justa, livre e solidária”.156

Os princípios elencados nos incisos do artigo 170 servem como um dos caminhos

possíveis para se atingir o que determina o caput.157

O intérprete constitucional deve conhecer os princípios insculpidos no texto da

Constituição, para não ser levado ao engano. Temos princípios explícitos e implícitos, que

pela sua hierarquia irradiam seus efeitos além da Constituição.158

Transgredir um princípio é mais grave que violar uma norma jurídica, pois essa

transgressão faz ruir todo o sistema e comandos principiológicos existentes dentro do sistema

jurídico positivo. É a maior forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade que podemos

imaginar.159

155 O artigo 170 da Constituição é um conjunto ordenado de regras, que estabelecem limites para a atuação econômica. (NAZAR, Nelson. Direito Econômico. 2ª ed. rev. ampl. e atual. Bauru/SP: Edipro, 2009, p. 52) 156 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Constituição Federal comentada e legislação constitucional. 3ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 793. 157 “Cada ordenamento jurídico não é um mero agregado de normas, mas um conjunto dotado de unidade e coerência, que repousa precisamente sobre seus princípios. Princípios são normas jurídicas, elementos internos ao sistema, vale dizer, nele estão integrados e inseridos, daí por que a interpretação jurídica – e, portanto, a interpretação da Constituição – é dominada pela força dos princípios. A ação imediata dos princípios consiste, em primeiro lugar, em funcionarem como critérios de interpretação e de integração, pois são eles que dão coerência geral ao sistema. Assim, o sentido exato dos preceitos constitucionais tem que ser encontrado na conjugação com os princípios, e a integração há de ser feita de tal sorte que se tornem explícitas ou explicitáveis as normas que o legislador constituinte não quis ou não pôde exprimir cabalmente. A demonstração de que os princípios são elementos internos ao sistema os situa, na dinâmica do processo de interpretação jurídica, no contexto sistêmico. A metáfora de ‘ordem de valores’ que se pretende destacar no texto constitucional e no direito – em cada direito – torna-se desnecessária, com o que o sistema é depurado. Destarte, as possibilidades de realização de justiça material residem no próprio texto constitucional, nesse próprio direito, não se encontrando além deles, em valorações abstratas tecidas pelos movimentos românticos e naturalistas do ‘direito livre’” (NAZAR, Nelson. Direito Econômico. 2ª ed. rev. ampl. e atual. Bauru/SP: Edipro, 2009, p. 54) 158 NAZAR, Nelson. Direito Econômico. 2ª ed. rev. ampl. e atual. Bauru/SP: Edipro, 2009, p. 55. 159 NAZAR, Nelson. Direito Econômico. 2ª ed. rev. ampl. e atual. Bauru/SP: Edipro, 2009, p. 55.

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O princípio ocupa uma função primordial, e vincula o entendimento e a aplicação

de todas as normas, pois a ele se conectam. Os princípios seriam as ideias matrizes de todas as

normas.160

Nelson Nazar nos ensina:

As regras informadoras dos princípios essenciais elencados na Constituição Federal, de outro lado, são normas e regras que possuem vigência e eficácia imediata, como se depreende da leitura e da compreensão dos principais títulos e capítulos da Lei Fundamental. (...) (...) os princípios jurídicos constitucionais possuem um valor inestimável no regramento do sistema de normas positivas, sendo certo que a sua violação representa uma das mais graves ameaças à sobrevivência do Estado, pela Magna Lei.161

Dessa forma temos que os princípios são de aplicabilidade imediata, e devem ser

preservados em todas as suas dimensões.

Nelson Nazar observa que “O art. 170 da Constituição Federal trata dos

princípios informadores da atividade econômica”.162

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre-iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I - soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da propriedade; IV - livre concorrência; V - defesa do consumidor; VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII - redução das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego; IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.

160 NAZAR, Nelson. Direito Econômico. 2ª ed. rev. ampl. e atual. Bauru/SP: Edipro, 2009, pp. 56 e 57. 161 NAZAR, Nelson. Direito Econômico. 2ª ed. rev. ampl. e atual. Bauru/SP: Edipro, 2009, pp. 58 e 59. 162 NAZAR, Nelson. Direito Econômico. 2ª ed. rev. ampl. e atual. Bauru/SP: Edipro, 2009, p. 60.

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O caput desse artigo traz uma redação que possui um enorme conteúdo jurídico.

Faremos uma análise de todo o preceito verificando suas especificidades, e constatando que

reside aqui o Capitalismo Humanista.

Para fins de nosso estudo, faremos a seguinte divisão do caput: A ordem

econômica;/ fundada na valorização do trabalho humano e na livre-iniciativa;/ tem por fim

assegurar a todos existência digna;/ conforme os ditames da justiça social;/ observados os

seguintes princípios:/.

Inicialmente o preceito dispõe que “A ordem econômica...”. Colocar em ordem é

organizar de maneira tal, no sentido de se atingir um determinado objetivo. Dependendo do

que se quer buscar, a ordenação será diferente. “Ordem reproduz a ideia de organização, de

sistema de regras determinando ou regendo atividades”.163

Ordem econômica é uma ordenação de preceitos econômicos para se atingir um

determinado objetivo. Mais do que isso, no caso, essa ordem econômica é dotada de preceitos

jurídicos. Na verdade, estamos diante de uma ordem econômica constitucional, o que vincula

tudo e todos. “A ordem econômica deve ser vista como parcela da ordem jurídica. É a ‘ordem

econômica constitucional’”.164

Tudo o que acontece na economia, no mercado (o mercado é o meio ambiente

econômico, é onde a economia acontece e se concretiza), deve estar regido por esses preceitos

econômicos insculpidos na ordem econômica constitucional.165

Esses preceitos orbitam todo o mercado, e tudo que acontece no mercado deve

guardar reverência com o dispositivo. Qualquer situação que porventura não esteja de acordo

com esses preceitos deve ser rechaçada do ordenamento por ser inconstitucional.

Nesse sentido, ensina Celso Antônio Bandeira de Mello:

Segue-se que todas as leis e todos os atos administrativos hão de perseguir o desenvolvimento nacional e a Justiça Social e hão de pautar-se, obrigatoriamente, pelos princípios mencionados no art. 170, sob pena de serem inconstitucionais naquilo em que traduzirem descompasso com as finalidades estatuídas e com os princípios a que se devem ater.166

163 NAZAR, Nelson. Direito Econômico. 2ª ed. rev. ampl. e atual. Bauru/SP: Edipro, 2009, p. 47. 164 NAZAR, Nelson. Direito Econômico. 2ª ed. rev. ampl. e atual. Bauru/SP: Edipro, 2009, p. 49. 165 “Essa ordem é dominada pelo princípio da justiça social. De fato, o art. 170 indica a justiça social como uma das metas da ordem econômica brasileira” (FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 32ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 357). 166 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Eficácia das normas constitucionais e direitos sociais. 1ª ed., 3ª tir. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 34.

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O constituinte originário, sabendo do objetivo que queria buscar, organizou a

ordem econômica dessa maneira.

A ordem econômica possui dois fundamentos: “... fundada na valorização do

trabalho humano e na livre-iniciativa ...”.

Esses fundamentos da ordem econômica guardam relevância com o artigo 1º,

IV167 da Constituição.168

O art. 170 deve ser analisado em conjunto com o art. 1º, IV da Constituição Federal, onde se tem como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito os valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa. A regra do art. 170 traça portanto a estrutura geral da ordem econômica cuja finalidade primordial é assegurar a existência digna e a justiça social. (...) a referida ordem é fincada nos valores da livre-iniciativa, valorização do trabalho e justiça social.169

Segundo José Luiz Quadros de Magalhães,

O princípio acima exposto, de respeito aos valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa, caracterizam, ao lado de vários outros dispositivos constitucionais, nossa Constituição como uma Constituição Social. Este princípio expressa a ideia de uma ordem social e econômica em que trabalho e iniciativa privada tenham a mesma importância, e em que estes dois elementos se realizam com a finalidade única do bem-estar social. O trabalho e a iniciativa privada, como valores sociais, não podem ser compreendidos fora da lógica sistêmica de proteção e construção do bem-estar para toda a sociedade. Logo, trabalho e iniciativa privada não são valores em si mesmos, mas sempre protegidos e condicionados pela realização do bem-estar social.170

167 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: IV - os valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa; 168 “O caput do artigo em comento estabelece dois fundamentos para a ordem econômica: a valorização do trabalho humano e a livre-iniciativa, como instrumentos de concretização da justiça social e garantia de uma existência digna. Tais valores também figuram no ordenamento constitucional como fundamentos da República (artigo 1º, inciso IV, CF/88)” (ARAGÃO, Alexandre. Princípios Gerais da Atividade Econômica. In: BONAVIDES, Paulo; MIRANDA, Jorge; AGRA, Walber de Moura (coords.). Comentários à Constituição Federal de 1988. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 1971). 169 NAZAR, Nelson. Direito Econômico. 2ª ed. rev. ampl. e atual. Bauru/SP: Edipro, 2009, p. 52. 170 MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Dos Princípios Fundamentais. In: BONAVIDES, Paulo; MIRANDA, Jorge; AGRA, Walber de Moura (coords.). Comentários à Constituição Federal de 1988. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 24.

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Aferimos aqui no artigo 170 da Constituição que a ordem econômica171 possui um

fundamento capitalista (livre-iniciativa)172, mas sem esquecer de olhar para o trabalho

(valorização do trabalho humano)173.

Podemos constatar que nosso ambiente econômico é capitalista, mas é um

capitalismo que é obrigado a valorizar o trabalho humano.

Nos dizeres de Gilberto Bercovici,

A livre-iniciativa, no texto constitucional de 1988 (artigos 1º, IV e 170, caput), não representa o triunfo do individualismo econômico, mas é protegida em conjunto com a valorização do trabalho humano, em uma ordem econômica com o objetivo de garantir a todos uma vida digna, com base na justiça social. Isto significa que a livre-iniciativa é fundamento da ordem econômica constitucional no que expressa de socialmente valioso (...).174

É a própria consagração da primeira e segunda dimensões de direitos humanos.

Em verdade é um comando que, mais do que prever essas dimensões, determina sua

compatibilização, sua harmonização175, e deve ser ponderado pela fraternidade. É uma ordem

econômica capitalista humanista.

171 “A função da ordem econômica consiste em organizar a atividade econômica e especificar os instrumentos legais que possibilitam alcançar os objetivos traçados na Constituição Econômica. De forma direta, a ordem econômica contempla a estrutura, organização, instrumentos e objetivos da atividade econômica” (DEL MASSO, Fabiano. Da Ordem Econômica e Financeira. In: TANAKA, Sônia Yurico Kanashiro. Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2009, cap. 19, p. 542). 172 “Como reflexo da liberdade humana, a liberdade de iniciativa no campo econômico mereceu acolhida nas encíclicas de caráter social, inclusive na célebre encíclica Mater et Magistra. Esta, textualmente, afirma que ‘no campo econômico, a parte principal compete à iniciativa privada dos cidadãos, quer ajam em particular, quer associados de diferentes maneiras a outros’ (2ª parte, n. 1)” (...) “O princípio da livre-iniciativa reclama a livre concorrência, que também é erigida em princípio (art. 170, IV)” (FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 32ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 358). 173 “É também princípio sublinhado pelo constituinte, dentro ainda da linha firmada pela doutrina social da Igreja, o da valorização do trabalho humano. (...) Na verdade, o trabalho é ao mesmo tempo um direito e uma obrigação de cada indivíduo. Como direito, deflui diretamente do direito à vida. Para viver, tem o homem de trabalhar. A ordem econômica que lhe rejeitar o trabalho, lhe recusa o direito de sobreviver. Como obrigação, deriva do fato de viver o homem em sociedade, de tal sorte que o todo depende da colaboração de cada um” (FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 32ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 359). 174 BERCOVICI, Gilberto. Artigos 170 ao 173. In: BONAVIDES, Paulo; MIRANDA, Jorge; AGRA, Walber de Moura (coords.). Comentários à Constituição Federal de 1988. Rio de Janeiro: Forense, 2009, pp. 1940 e 1941. 175 “Quanto aos valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa, destaca-se em primeiro lugar, que o trabalho deve obrigatoriamente ter seu valor reconhecido; e de que forma? Através de justa remuneração e de condições razoáveis para seu desenvolvimento. Por outro lado, o livre empreendedor, aquele que se arriscou lançando-se no duro jogo do mercado, também tem que ter seu valor reconhecido, não podendo ser massacrado pelas mãos quase sempre pesadas do Estado” (BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 22ª ed. rev. e atual. por Samantha Meyer-Pflug. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 227).

95

Tudo o que ocorre no mercado deve estar de acordo com a consagração da

valorização do trabalho humano e com a livre-iniciativa. Sendo assim, qualquer ato ou fato

que tenha o condão de não valorizar o trabalho humano, ou de inviabilizar a livre-iniciativa,

deve ser rechaçado por ser inconstitucional e por ferir a fraternidade.

De maneira bem simples. Somente livre-iniciativa: capitalismo liberal ou

neoliberal. Somente valorização do trabalho humano: socialismo. Livre-iniciativa e

valorização do trabalho humano: Capitalismo Humanista.176

(...) a constituição consagra uma economia de mercado, de natureza capitalista, pois a livre-iniciativa, que especialmente, significa a garantia da iniciativa privada, é um princípio básico da ordem capitalista. (...) embora capitalista, a ordem econômica dá prioridade aos valores do trabalho humano sobre todos os demais valores da economia de mercado.177

O constituinte originário determinou a compatibilização da livre-iniciativa com o

trabalho humano. Não só livre-iniciativa, mas também não só trabalho humano. Sempre os

dois amparados pela fraternidade.

Sempre que tratamos desse assunto visualizamos logo algum abuso da livre-

iniciativa em relação ao trabalho humano, e aí entra em cena o Direito do Trabalho. Mas não

podemos desconsiderar também distorções por parte do Direito do Trabalho.

Um bom exemplo é o tratamento igualitário que o Direito do Trabalho confere a

um grande hipermercado e a um mercadinho de esquina que beira a informalidade. É o

tratamento que o Direito do Trabalho confere a uma grande montadora de automóveis e a uma

funilaria que funciona quase que na informalidade também.

Ao tratar essas pequenas “empresas” da mesma maneira que uma empresa

multinacional, estamos por vezes inviabilizando a livre-iniciativa em relação às pequenas.

O dispositivo constitucional determina que se compatibilizem os dois. Nesse caso,

a valorização do trabalho está inviabilizando a livre-iniciativa. O que deveria acontecer nesses

casos é o Direito do Trabalho efetuar um tratamento diferenciado, dependendo da capacidade

econômica de cada um. Somente assim haveria uma verdadeira compatibilização.

176 “É certo que a livre-iniciativa cede o passo à intervenção do Estado em alguns pontos” (BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 22ª ed. rev. e atual. por Samantha Meyer-Pflug. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 632). 177 SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 8ª ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 724.

96

A título de esclarecimento, questões que envolvam a vida, a saúde ou a segurança

do trabalhador devem ser respeitadas por todos. As questões periféricas poderiam muito bem

ser verificadas caso a caso. Temos que constatar que essas questões também poderiam ser

resolvidas pelos sindicatos se tivéssemos liberdade sindical178 plena.

Esse tipo de tratamento se fundamentaria ainda no inciso IX do artigo 170, que

determina “tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis

brasileiras e que tenham sua sede e administração no País”, que veremos mais abaixo.

Fundamentação jurídica existe em mais de um dispositivo constitucional.

Como vimos, nossa ordem econômica ordena preceitos econômicos para se

chegar a um objetivo, que no caso, é assegurar a todos uma existência digna (“... tem por fim

assegurar a todos existência digna ...”).

A finalidade da ordem econômica é assegurar, garantir que todos possam existir

dignamente.179 Dessa forma, qualquer situação, qualquer ato que venha em sentido contrário,

que interfira e não concretize a dignidade, deve ser afastado por ser inconstitucional.

Dessa maneira, todos os agentes econômicos devem agir no mercado no sentido

de proporcionar que todos possam existir com dignidade. De outra forma, todo e qualquer ato

deve ser atacado energicamente por ser inconstitucional.

178 “Liberdade sindical é um direito histórico decorrente do reconhecimento por parte do Estado, do direito de associação, que posteriormente adquiriu a qualidade de um dos direitos fundamentais do homem, conferido a trabalhadores, empregadores, e por respectivas organizações, consistente no amplo direito em relação ao Estado e às contrapartes, de constituição de organizações sindicais em sentido teleológico (comissões, delegados...), em todos os níveis e âmbitos territoriais, de filiação e não filiação sindical, de militância e ação, inclusive nos locais de trabalho, gerador de autonomia coletiva, preservado mediante a sua garantia contra todo e qualquer ato voltado a impedir ou a obstaculizar o exercício dos direitos a ele inerentes, ou de outros a ele conexos, instituto nuclear do Direito do Trabalho, instrumentalizador da efetiva atuação e participação democrática dos atores sociais nas relações de trabalho, em todas suas as suas esferas, econômicas, sociais, administrativas públicas” (SIQUEIRA NETO, José Francisco. Liberdade sindical e representação dos trabalhadores nos locais de trabalho. São Paulo: LTr, 2000, pp. 133 e 134). 179 “A ordem econômica reforça o respeito e proteção da dignidade humana como dever (jurídico) fundamental do Estado constitucional, que constitui a premissa para todas as questões jurídico-dogmáticas particulares. Dignidade humana constitui a norma fundamental do Estado. A proteção da dignidade humana constitui um dever fundamental do Estado Constitucional, mais precisamente, um dever jurídico-fundamental. (...) A dignidade humana constitui fundamento da atuação estatal no domínio econômico em um duplo aspecto. No primeiro aspecto, fixa uma garantia do particular contra abusos e arbitrariedades da intervenção estatal. No segundo aspecto, a dignidade humana, orienta toda a atuação estatal da economia, estabelecendo o parâmetro dessa atuação, que somente será legítima se buscar promover e proteger a dignidade humana” (NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Constituição Federal comentada e legislação constitucional. 3ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 794).

97

Um problema que devemos enfrentar é a definição de dignidade, de existir

dignamente. Cada ser humano possui sua própria dignidade. É claro que o Direito por vezes

traz alguns padrões de dignidade, como, por exemplo, o Direito do Trabalho e o Direito do

Consumidor. Entretanto a dignidade é pessoal, está arraigada dentro de cada ser humano.

Cada pessoa possui seu próprio padrão de dignidade, e essa é a sua dignidade.

Esse padrão pode ser menor ou maior dependendo da pessoa. “(...) a consciência de seu

próprio valor é que lhe confere a dignidade”.180

Nesse sentido, temos que dignidade é o valor que cada pessoa tem de si em sua

própria consciência.181

Vimos que a dignidade é um conceito por demais aberto. Por conta disso,

sabiamente, o constituinte originário trouxe parâmetros para se estabelecer um “padrão de

dignidade aceitável”.

Um regime de justiça social será aquele em que cada um deve poder dispor dos meios materiais para viver confortavelmente segundo as exigências de sua natureza física, espiritual e política. Não aceita as profundas desigualdades, a pobreza absoluta e a miséria.182

Existir com dignidade seria existir “conforme os ditames da justiça social”. Dos

muitos conceitos de ditames da justiça social, o melhor é o que passa pelo artigo 6º, dos

direitos sociais.

180 SAYEG, Ricardo Hasson; BALERA, Wagner. O Capitalismo Humanista: filosofia humanista de Direito Econômico. 1ª ed. Petrópolis/RJ: KBR, 2011, p. 116. 181 Pela teoria geral dos Direitos Humanos, quando um Direito dessa natureza é revelado, ele passa a integrar o patrimônio jurídico da pessoa, não podendo mais ser usurpado. A partir desse momento, esse direito se solidifica internamente dentro do que chamamos de círculo de dignidade. Cada pessoa possui seu próprio círculo, cada qual com seu rol de Direitos. Temos que pensar tudo isso em consonância com o conceito de dignidade. Por esse motivo, uma pessoa menos abastada possui a mesma dignidade que uma pessoa mais abastada. Cada um com seu rol de direitos, uns maiores, outros menores, mas todos com sua dignidade intacta dentro de cada círculo. Temos que pensar que o que permeia o círculo (suas paredes) é a dignidade. O círculo só tem a aumentar. Cada vez que um direito humano passa a integrar o rol de direitos da pessoa, o círculo de dignidade experimentado aumenta, e não existe a possibilidade jurídica ou abertura para que eventualmente esse direito seja mitigado. Ele é aprisionado pelo círculo. Aliás, a entrada do Direito Humano no círculo é feita imediatamente após a pessoa acessar esse Direito, e se dá por intermédio de algo muito semelhante a uma válvula de contenção, que possibilita apenas e tão somente a via de entrada, travando qualquer fluxo de saída. Dessa forma, qualquer retirada de Direitos, somente será possível por uma ruptura das paredes do círculo. Por esse motivo, quando isso ocorre, a dignidade é atingida, e a pessoa sofre internamente essa mazela. Isso justifica o fato de que não existe como medir a intensidade de uma afronta a um Direito Humano. Qualquer violência nesse sentido será tida da mesma maneira, e impactará em todo universo de dignidade da pessoa. 182 SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 8ª ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 725.

98

Para fins de nossa ordem econômica, existir com dignidade é ser enquadrado no

artigo 6º da Constituição. É ter acesso à educação, à saúde, à alimentação, ao trabalho, à

moradia, ao lazer, à segurança, à previdência social, à proteção à maternidade e à infância, e à

assistência aos desamparados.

Na visão de Patrícia Tuma Martins Bertolin,

A Constituição brasileira de 1988 desenhou os contornos de um Estado de Bem-Estar Social, intervencionista, voltado à realização da justiça social. Elevou os direitos sociais à categoria de direitos fundamentais, tratando-se como cláusulas pétreas - deixando-os, portanto, resguardados das possíveis reformas constitucionais que viriam.183

Nelson Nazar estabelece que, “(...) quando se fala em justiça social, deve ter-se

em mente a conexão entre os dispositivos do art. 170 da Constituição Federal e seus

limitadores, os quais se localizam no Capítulo dos Direitos Sociais”.184

Dessa maneira, podemos entender o caput do artigo 170 da seguinte maneira:

Todos os preceitos que regem a nossa economia capitalista humanista, que se exterioriza no

mercado, têm dois fundamentos (dois pontos de partida), a valorização do trabalho humano

(2ª dimensão) e a livre-iniciativa (1ª dimensão) – que são operados pela fraternidade –, e

devem proporcionar a todos uma existência digna, com acesso a educação, a saúde, a

alimentação, ao trabalho, a moradia, ao lazer, a segurança, a previdência social, a proteção

à maternidade e à infância, e a assistência aos desamparados.

Celso Antônio Bandeira de Mello185 assim conclui sobre o assunto:

Em suma, o que o art. 170 faz é obrigar, impor, exigir que a ordem econômica e social se estruture e se realize de maneira a atender aos objetivos assinalados. Igualmente obriga, exige, impõe que a busca destas finalidades obrigatórias se faça por meio de certos caminhos, também obrigatórios: aqueles estampados nos incisos referidos, os quais são erigidos ao nível de princípios. Princípio - já averbamos de outra feita – “é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente porque define a lógica e a racionalidade do sistema normativo, conferindo-lhe a única que lhe dá sentido harmônico”.

183 BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins. Os Direitos Sociais dos Trabalhadores. In: TANAKA, Sônia Yurico Kanashiro. Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2009, cap. 8, p. 268. 184 NAZAR, Nelson. Direito Econômico. 2ª ed. rev. ampl. e atual. Bauru/SP: Edipro, 2009, p. 53. 185 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Eficácia das normas constitucionais e direitos sociais. 1ª ed., 3ª tir. São Paulo: Malheiros, 2011, pp. 32 e 33.

99

Mais do que simplesmente prever todos esses comandos no caput do artigo 170, o

texto constitucional traz também possíveis caminhos para serem seguidos no sentido de se

concretizar tais preceitos. São os princípios da ordem econômica constitucional.

Um dos caminhos para se chegar ao que determina o caput do artigo 170 da

Constituição é respeitar e consagrar os princípios estabelecidos em seus incisos. Cada vez que

um princípio é respeitado, mais perto se fica de concretizar o que está previsto no caput.

Para Nelson Nazar,

Os princípios do art. 170 da Constituição Federal correspondem às normas pétreas do sistema, incrustando-se em razão da ordem constitucional econômica. Em outras palavras, são disposições insuscetíveis de qualquer modificação tendente a aboli-las, ainda que por emenda à Constituição. Portanto, serão inconstitucionais quaisquer decisões do Poder Judiciário que afrontarem estes princípios, bem como qualquer deliberação ou proposta de alteração que a eles se oponha.186

Dessa maneira, veremos cada um dos princípios da ordem econômica, e mais, que

cada um deles reflete o Capitalismo Humanista.

O primeiro princípio é a soberania nacional. Na verdade, estamos diante de

soberania econômica. É o nosso País tomar as rédeas da economia e seguir os rumos que

desejar, sem interferências externas.

Resta insculpido aqui a preocupação de que no plano econômico nosso País não

deve se submeter a ditames estrangeiros.187

Determinou aqui uma ruptura em relação às economias capitalistas desenvolvidas.

Fomentou-se um capitalismo nacional autônomo, onde os nacionais é que deterão a força de

trabalho local, controlarão a produção, o mercado e os recursos naturais.188

Nelson Nazar precisamente esclarece que “soberania é autogestão. O Estado é

livre para implementar suas políticas voltadas à estrutura fincada na livre-iniciativa,

trabalho e justiça social”.189

186 NAZAR, Nelson. Direito Econômico. 2ª ed. rev. ampl. e atual. Bauru/SP: Edipro, 2009, p. 52. 187 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 32ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 360. 188 SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 8ª ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 726. 189 NAZAR, Nelson. Direito Econômico. 2ª ed. rev. ampl. e atual. Bauru/SP: Edipro, 2009, p. 60.

100

Não há como exercer a soberania política sem antes consagrar a soberania

econômica. Sua concretização não significa isolamento econômico, muito pelo contrário,

significa a ruptura da situação econômica com as economias desenvolvidas.190

Veremos o segundo e o terceiro princípio da ordem econômica em conjunto.

São eles a propriedade privada e a função social da propriedade.

Esses princípios na verdade se constituem como parte das bases de nosso

capitalismo, um Capitalismo Humanista. Não há capitalismo sem propriedade privada, por

isso, devemos prestigiá-la. Entretanto, esse prestígio deve guardar reverência com a sua

função social, amparada pela fraternidade.

Para Gilberto Bercovici,

A propriedade é a relação histórica que um ordenamento dá ao problema do vínculo jurídico mais intenso entre uma pessoa e um bem. A relativização da propriedade, isto é, a retirada do indivíduo enquanto eixo da noção de propriedade, a exclui de sua “sacralidade” e a coloca no mundo profano das coisas, sujeita aos fatos naturais e econômicos.191

Quem acaba por fazer isso é a sua função social, que na verdade é a fraternidade

operando às dimensões de Direitos Humanos. É o Capitalismo Humanista.

Esses dois princípios sempre devem ser analisados em conjunto. A função social

da propriedade é inerente a ela em nosso ordenamento jurídico. “A propriedade privada é um

direito fundamental do cidadão desde que manifeste sua função social”.192

Ao reconhecer a função social da propriedade, a Constituição não nega ao dono o

uso exclusivo da coisa, mas a condiciona ao bem-estar geral.193 É a fraternidade operando

(Capitalismo Humanista).

190 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Constituição Federal comentada e legislação constitucional. 3ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 795. 191 BERCOVICI, Gilberto. Artigos 170 ao 173. In: BONAVIDES, Paulo; MIRANDA, Jorge; AGRA, Walber de Moura (coords.). Comentários à Constituição Federal de 1988. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 1949. 192 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Constituição Federal comentada e legislação constitucional. 3ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 795. 193 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 32ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 359.

101

Aqui a fluidez do conceito “função social” não é causa bastante para considerá-lo de valência nula. Recusar-lhe algum conteúdo implicaria sacar do texto o que nele está. Corresponderia a ter como não-escrito o que ali se consignou. Equivaleria a desmanchar, sem título jurídico para tanto, um princípio apontado como cardeal no sistema. Donde, no interior do campo significativo irrecusável comportamento pela expressão “função social”, é dever do Judiciário, sob apelo do interessado, fazê-lo aplicável nas relações controvertidas.194

Mesmo sendo a propriedade um direito individual, por conta de sua função social,

não se pode mais considerar um direito individual puro. Não podemos esquecer que os

princípios da ordem econômica são postos visando o seu fim, que é assegurar a todos uma

existência digna. Isso faz com que a propriedade se obrigue a atender a sua função social.195

A função social da propriedade “vem ligada ao conceito de propriedade, trazendo

nela um fator limitador da propriedade privada”196. Esse fator é a Lei Universal da

Fraternidade, é o Capitalismo Humanista.

Para Nelson Nazar, “a propriedade, no âmbito do direito positivo moderno e

mesmo internacional, não é ilimitada, estando voltada ao âmbito social”.197

A função social da propriedade nada mais é que propriedade mais fraternidade.

Propriedade fraterna, solidária, é propriedade que cumpre sua função social. É a propriedade

privada imbuída de fraternidade (que em nosso ordenamento é inerente a ela).

O regime da propriedade denota a natureza do sistema econômico. Se se

reconhece o direito de propriedade privada, se ela é um princípio da ordem econômica, disso

decorre, só por si, que se adotou um sistema econômico fundado na iniciativa privada.198

Ao prever expressamente a propriedade como princípio, o constituinte originário,

sem querer, acabou por relativizá-la, pois a submeteu aos ditames da justiça social. Dessa

maneira a propriedade somente será legítima se atender a esses ditames.199

194 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Eficácia das normas constitucionais e direitos sociais. 1ª ed., 3ª tir. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 39. 195 SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 8ª ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 727. 196 NAZAR, Nelson. Direito Econômico. 2ª ed. rev. ampl. e atual. Bauru/SP: Edipro, 2009, p. 62. 197 NAZAR, Nelson. Direito Econômico. 2ª ed. rev. ampl. e atual. Bauru/SP: Edipro, 2009, p. 62. 198 SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 8ª ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 727 199 SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 8ª ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 727.

102

O próximo princípio elencado é a livre concorrência200, que é um princípio

inerente a todo e qualquer capitalismo. Até mesmo nos ambientes mais liberais, encontramos

a livre concorrência.

Fundada na livre-iniciativa, a ordem econômica deve observar o princípio da livre concorrência que é um poder dever atribuído ao Estado para viabilizar mecanismos que permitam aos agentes econômicos concorrerem de forma justa em prol do interesse público. Duas são as formas de concorrência repudiadas pelo direito: a concorrência desleal e o abuso do poder.201

Esse princípio tem como pano de fundo garantir que a livre-iniciativa seja

exercida por todos em grau de igualdade. A livre concorrência afasta o abuso do poder

econômico, no sentido de que todos possam exercer de maneira igualitária a livre-iniciativa. É

um princípio de proteção ao próprio capitalismo.

A livre concorrência nesse sentido acaba também por ser uma manifestação da

livre-iniciativa, que para garanti-la acaba por reprimir o abuso do poder econômico e a

concentração capitalista. Acaba por reconhecer que existe poder econômico e que com ele

podem surgir alguns abusos.202

É o próprio capitalismo reconhecendo e resguardando contra os abusos que o

modelo pode gerar.

200 “As condições que asseguram a livre concorrência perfeita são: a) atomicidade do mercado, tanto do lado da oferta quanto da procura: existe um grande número de unidades econômicas, nenhuma delas com dimensão ou força suficiente para influenciar a produção ou o preço; b) homogeneidade do produto: todas as empresas de uma indústria fabricam bens que os adquirentes consideram idênticos ou homogêneos, não existindo razão para se preferir o bem de uma ou de outra; c) livre acesso à indústria: quem deseja dedicar-se a uma certa exploração pode fazê-lo, sem restrições ou demoras; os ofertantes que integram a indústria não podem opor-se à entrada de novos concorrentes; d) transparência do mercado (publicidade completa): todos os participantes no mercado possuem conhecimento completo de todos os fatores significativos do mesmo: e) perfeita mobilidade dos agentes econômicos: cada um dos vendedores pode dirigir sua oferta a qualquer um dos compradores e cada um destes pode encaminhar a sua procura a qualquer um dos ofertantes; f) entre as indústrias, existe a perfeita mobilidade dos fatores de produção. Os itens a, b e c definem a concorrência pura, ou seja, expurgada de qualquer elemento de monopólio, enquanto os itens d, e e f instituem a concorrência perfeita. A concorrência pura e perfeita não existe plenamente na realidade, pois se trata de um arquétipo” (NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Constituição Federal comentada e legislação constitucional. 3ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 796). 201 NAZAR, Nelson. Direito Econômico. 2ª ed. rev. ampl. e atual. Bauru/SP: Edipro, 2009, p. 63. 202 SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 8ª ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 728.

103

Temos ainda a defesa do consumidor como princípio da ordem econômica. Esse

princípio vem no sentido de que não será possível em nome de um pseudodesenvolvimento

econômico lesar de qualquer maneira o consumidor. Tudo e todos devem vir no sentido de

proteger o consumidor. Não é dado o direito ao capital, em nome do lucro, atentar contra a

dignidade do consumidor.

O Direito do Consumidor possui a mesma lógica do Direito do Trabalho, e acaba

por consagrar um “padrão de dignidade” aos consumidores, que não se pode violar. É um

escudo jurídico contra o abuso do poder econômico.

Em estudos anteriores203 elencamos as normas de proteção ao consumidor como

sendo de Direitos Fundamentais. Dessa forma, podemos sustentar que o Direito do

Consumidor também fundamenta o Capitalismo Humanista, tendo a fraternidade como

elemento ponderador fundador.

A defesa do meio ambiente também é elencada como princípio da ordem

econômica. Não podemos tolerar que em nome do lucro se degrade o meio ambiente, seja em

qual intensidade for.

Qualquer ato dessa natureza receberá um tratamento enérgico do Direito, pois o

meio ambiente saudável é condição primária para a existência humana. Também se configura

como um escudo jurídico protetor contra o abuso do poder econômico.

Note, o princípio expressamente consagra a defesa do meio ambiente.

Assim dispõe Gilberto Bercovici,

A tutela do meio ambiente, prevista também no artigo 225 da Constituição, é um dever fundamental inscrito na ordem econômica (artigo 170, VI). A Constituição de 1988 busca uma concepção integrada do meio ambiente, visando a uma proteção global e sistemática. A inserção da defesa do meio ambiente como princípio da ordem econômica demonstra esta determinação constitucional de acompanhar o processo econômico também sob o ponto de vista ambiental.204

203 AFONSO, Túlio Augusto Tayano; SILVA, A. M. O Direito do Consumidor e os Direitos Fundamentais. Revista da APG (PUC-SP) vol. 34, São Paulo, 2008, pp. 35-54. 204 BERCOVICI, Gilberto. Artigos 170 ao 173. In: BONAVIDES, Paulo; MIRANDA, Jorge; AGRA, Walber de Moura (coords.). Comentários à Constituição Federal de 1988. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 1959.

104

Não podemos tolerar desenvolvimento econômico sem a defesa do meio

ambiente. Em verdade o que se quer estabelecer é um desenvolvimento sustentável.205 “Em

boa hora o constituinte se apercebeu que a expansão das atividades tem como limite natural

a defesa do meio ambiente. A deterioração deste ameaça a própria sobrevivência da

humanidade”.206

A redução das desigualdades regionais e sociais também forma um princípio da

ordem econômica. Aliás, acaba por ser um dos objetivos do Capitalismo Humanista.

Nelson Nazar expõe que esse princípio “configura um perfil social democrático

da Constituição, que se conecta aos arts. 3º, inciso III (elencado como um dos objetivos

fundamentais da República Federativa do Brasil); 25, § 3º; e 43 da Carta Magna

Promulgada em 5 de outubro de 1988”.207

Esse princípio propõe uma igualdade econômica nas mais variadas regiões.

Busca-se um nivelamento do acesso à dignidade que deve ser feito de maneira adequada. Esse

dispositivo é que fundamenta por exemplo os subsídios para as regiões economicamente

menos desenvolvidas. Em verdade o que se busca é estabelecer o acesso à dignidade para as

pessoas de todas as regiões de nosso País, sem excluir ninguém.

Esse dispositivo é uma alta norma consagradora da igualdade econômica, que

busca afastar as mazelas que historicamente aviltam algumas regiões de nosso País. Busca

colocar a todos dentro de limites sociais aceitáveis. É o preceito mais amplo que temos no

sentido de operar a igualdade real de forma coletiva.

A busca do pleno emprego também se configura como um princípio da ordem

econômica.

O conceito moderno de pleno emprego não é mais ter ou não um emprego. Mas

sim um emprego com condições dignas de trabalho, e que seja capaz de suportar o sustento do

trabalhador e de sua família. O Direito do Trabalho com seu “padrão de dignidade” acaba por

auxiliar a consagração desse princípio.

205 NAZAR, Nelson. Direito Econômico. 2ª ed. rev. ampl. e atual. Bauru/SP: Edipro, 2009, p. 64. 206 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 32ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 360. 207 NAZAR, Nelson. Direito Econômico. 2ª ed. rev. ampl. e atual. Bauru/SP: Edipro, 2009, pp. 65 e 66.

105

Esse princípio reconhece o trabalhador ser humano como um importante, se não o

mais, meio de se desenvolver a atividade econômica. O ser humano está no centro da

economia. Eis a sua importância.

Hoje ter um emprego por vezes não quer mais dizer que as necessidades das

pessoas serão atendidas. Em verdade, se busca uma remuneração condizente. Para isso deve-

se investir também na produção.

Não há como remunerar bem um trabalhador se ele não for um trabalhador

produtivo. Investir na produção também é pleno emprego. Chegar a empregos produtivos é

chegar a melhores salários. Com isso, a empresa ganha porque produz mais e consegue preços

mais competitivos.

Os trabalhadores ganham mais e podem até trabalhar menos. O consumo aumenta

melhorando a demanda. Eis o círculo virtuoso do emprego, do pleno emprego. Pleno emprego

é possível sim.

A busca do pleno emprego é um princípio diretivo da econômica que se opõe às políticas recessivas. ‘Pleno emprego’ é expressão abrangente da utilização, no máximo grau, de todos os recursos produtivos. Mas aparece no art. 170, VIII, especialmente no sentido de propiciar trabalho a todos quantos estejam em condições de exercer uma atividade produtiva. Trata-se do pleno emprego da força de trabalho capaz. Ele se harmoniza, assim, com a regra de que a ordem econômica se funda na valorização do trabalho humano. Isso impede que o princípio seja considerado apenas como mera busca quantitativa, em que a economia absorva a força de trabalho disponível como o consumo absorve mercadorias. Quer-se que o trabalho seja a base do sistema econômico, receba o tratamento de principal fator de produção e participe do produto da riqueza e da renda em proporção de sua posição na ordem econômica.208

Definitivamente, não basta valorizar tão somente o trabalho, deve-se valorizar o

emprego209, sempre com criações de novos postos de trabalho, para que todos tenham acesso

e possam prover o seu sustento com o próprio esforço.210

208 SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 8ª ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 729. 209 Quando se fala em emprego, temos que pressupor um posto de trabalho digno, em todas as suas dimensões, olhando também para o conceito de pleno emprego. 210 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 32ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 360.

106

Esse princípio vem imbuído muito mais do Direito Econômico do que do Direito

do Trabalho. Não só o Direito do Trabalho cuida de maneira geral dos trabalhadores, o Direito

Econômico também pode fazer e faz esse papel, de maneira mais geral, com uma grande

diferença que é conseguir atingir a todos os trabalhadores (pessoas) e não só os empregados.

Como último princípio da ordem econômica temos o tratamento favorecido para

as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e

administração no País.211

De alguma maneira quem consagra hoje esse princípio é o Direito Tributário, com

faixas tributárias mais simplificadas, menos burocráticas.

Entretanto entendemos que este princípio também fundamentaria eventual

tratamento diferenciado pelo Direito do Trabalho para as pequenas empresas, como vimos

anteriormente.

Mais do que isso, esse princípio também favorece a penetração do Capitalismo

Humanista dentro da ordem econômica constitucional. Isso se dá por meio da fraternidade.

Dessa forma, temos que estabelecer um tratamento jurídico para as empresas de

pequeno porte, nos mais variados assuntos, de maneira que possibilite o livre exercício de sua

liberdade econômica, ante o poderio das grandes empresas.

É uma norma de perpétua vigilância do capitalismo em relação às grandes

empresas, no sentido de não praticarem abusos que impossibilitem ou atrapalhem o

estabelecimento de pequenas empresas.

Esses foram os princípios da ordem econômica. Segundo José Afonso da Silva212,

tais princípios são princípios de integração, pois são aptos a resolver problemas de

marginalização regional e social. Esses princípios, nos mais variados sentidos, ao serem

elevados a princípios da ordem econômica, condicionam toda a atividade econômica

produtiva.

211 Levando-se em conta que as microempresas e empresas de pequeno porte representam a ‘mola propulsora’ da economia brasileira, seja na geração de empregos ou na circulação de capital, foi editada, regulamentando este princípio constitucional, a Lei Complementar nº 123 de 14.12.2006 (Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte), que instituiu um conjunto de normas estabelecendo privilégios a estas empresas. (NAZAR, Nelson. Direito Econômico. 2ª ed. rev. ampl. e atual. Bauru/SP: Edipro, 2009, p. 66) 212 SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 8ª ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2012, pp. 728 e 729.

107

Como vimos, o artigo 170 traz em seus incisos nove princípios da ordem

econômica. Entretanto, ao concluir seus comentários sobre a ordem econômica, Nelson Nazar

estabelece que estamos na verdade diante de onze princípios:

Em conclusão, a ordem econômica possui diversos princípios que guiam e fundamentam as normas positivas: a) Princípio da livre-iniciativa Traduz-se na livre empresa, em que o indivíduo tem liberdade de empreender, organizando livremente capital e trabalho, para obter proveito econômico. b) Princípio da valorização do trabalho humano O trabalho é um componente das relações de produção, e nesse sentido ganha a dimensão econômica indiscutível, além de dever ser socialmente respeitado. c) Princípio da justiça social A justiça social observa a igualdade proporcional, considerando a necessidade de uns e a capacidade de contribuição de outros. Pretende corrigir as grandes distorções ocorridas em uma sociedade, diminuindo as distâncias entre as diversas classes. d) Princípio da soberania nacional econômica A ordem econômica brasileira, ainda que de natureza periférica, terá de empreender a ruptura de sua dependência em relação aos centros capitalistas desenvolvidos. e) Princípio da propriedade privada individual A propriedade privada é defendida, estando inserida como mandamento constitucional. f) Princípio da função social da propriedade Limita-se o direito de propriedade, de modo que o mesmo sirva também à comunidade. g) Princípio da livre concorrência Há uma ação desenvolvida por um grande número de competidores, atuando livremente no mercado de um mesmo produto, de maneira que a oferta e a procura provenham de compradores ou de vendedores cuja igualdade de condições os impeça de influir, de modo permanente ou duradouro, no preço dos bens ou serviços. h) Princípio da defesa do consumidor O homem é por natureza consumidor, pois é obrigado a apropriar-se de certas partes da natureza, adaptá-las e finalmente utilizá-las, satisfazendo assim suas necessidades. i) Princípio da defesa do meio ambiente O homem tem a capacidade de adaptar o meio ambiente a suas exigências orgânicas, praticamente eliminando suas possibilidades de adaptação e evolução biológicas. j) Princípio da redução das desigualdades regionais e sociais Busca-se a igualização das condições sociais, que variam de região para região. k) Princípio da busca do pleno emprego Em uma economia de mercado, a população economicamente ativa compõe-se de três categorias: empregadores, empregados e trabalhadores autônomos. Pleno emprego, assim, é a utilização máxima de todos os recursos produtivos.213

213 NAZAR, Nelson. Direito Econômico. 2ª ed. rev. ampl. e atual. Bauru/SP: Edipro, 2009, pp. 67 e 68.

108

Para finalizar o artigo 170, veremos o seu parágrafo único que assim preconiza:

“É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente

de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei”.

Esse dispositivo reforça a livre-iniciativa da pessoa. Qualquer pessoa pode exercer

livremente e sem autorização qualquer atividade econômica, salvo as que a lei regulamentar.

Havendo regulamentação, basta se adequar.

2.7. Da Ordem Social – Artigo 193

O artigo 193 da Constituição aborda a ordem social. Assim prevê: “A ordem

social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça

sociais”.

A ordem social, juntamente com o título dos direitos fundamentais, forma “o

núcleo substancial do regime democrático instituído”.214

Para Celso Ribeiro Bastos,

Todos esses preceitos reguladores ou fixadores das bases de nossa sociedade estão fundamentados no primado do trabalho, princípio que unifica toda a ordem social e que tem por objetivo o bem-estar e a justiça social (Cap. I, art. 193 da CF). (...) Sucede, no entanto, que nesse Título são tratadas diversas facetas da vida social que transcendem aos aspectos trabalhistas e, consequentemente, ao próprio princípio reitor do primado do trabalho.215

Podemos notar mais uma vez a preocupação do constituinte com o trabalhador

(que é a pessoa que exerce um trabalho). Mais uma vez o trabalho é elencado como base de

conquistas da pessoa, no sentido de concretizar sua dignidade.

Ao prescrever no artigo 193 o fundamento e o objetivo da ordem social, o constituinte procurou harmonizar a matéria com aqueles princípios da ordem econômica (insculpidos no art. 170), sob pena de se tornar um dos objetivos impossíveis, fundados na valorização do trabalho humano, assegurando a todos uma existência digna, conforme ditames do bem-estar e da justiça social (art. 170, caput, in fine).

214 SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 8ª ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 771. 215 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 22ª ed. rev. e atual. por Samantha Meyer-Pflug. São Paulo: Malheiros, 2010, pp. 667 e 668.

109

Ter como base o primado do trabalho significa colocar o trabalho acima de qualquer outro fator econômico, por se entender que nele o homem se realiza com dignidade. Este princípio se traduz no reconhecimento de que o trabalho constitui o fator econômico de maior relevo, entendendo-se até, por vezes, que é o único originário. Mas essa prioridade de origem parece indiscutível relativamente ao capital, não pelo que respeita à terra e outros fatores naturais de produção. O referido primado deriva, afinal, de opções políticas em benefício dos trabalhadores por conta de outrem, que formam a maioria dos eleitorados, desde que o sufrágio censitário do século XIX foi substituído pelo sufrágio dito universal. O primado do trabalho se reflete, nomeadamente, nos privilégios creditórios a favor dos trabalhadores por conta de outrem. Ter como objetivo o bem-estar e a justiça sociais quer dizer que as relações econômicas e sociais do país, para gerarem o bem-estar, hão de propiciar trabalho e condição de vida, material, espiritual e intelectual, adequada ao trabalhador e sua família, e que a riqueza produzida no país, para gerar justiça social, há de ser equanimemente distribuída. Destarte é a distribuição que realiza a justiça social, assegurando os parâmetros ideais para a existência digna, oferecendo a todos condição social, em que o bem-estar deve ser patente, a partir da verificação do padrão de vida da comunidade.216

Dessa maneira, temos que o trabalho está acima de qualquer outro fator

econômico, pois por intermédio dele o homem se realiza com sua dignidade.217

A Constituição de maneira acertada preceitua que o trabalho é a base da sociedade

e por intermédio dele se atinge o bem-estar e a igualdade entre as pessoas (justiça social),

onde todos terão acesso ao mínimo existencial.

O bem-estar e a justiça social como objetivo da ordem social nos indicam que as

relações econômicas e sociais somente gerarão bem-estar por intermédio do trabalho, e que a

justiça social somente se concretizará com a riqueza equanimemente distribuída.218

Nesse sentido podemos estabelecer um círculo virtuoso: o Capitalismo Humanista

aplicado pode inserir a pessoa socialmente por meio do trabalho, e o trabalho pode inserir a

pessoa socialmente por meio do Capitalismo Humanista.

216 REDECKER, Ana Cláudia. Artigos 193 e 194. In: BONAVIDES, Paulo; MIRANDA, Jorge; AGRA, Walber de Moura (coords.). Comentários à Constituição Federal de 1988. Rio de Janeiro: Forense, 2009, pp. 2104-2105. 217 SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 8ª ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 772. 218 SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 8ª ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 772.

110

Por fim, deve-se ponderar também que as disposições pertinentes ao desenvolvimento da atividade econômica não são apenas as regulados a partir do art. 170 da CF - ou seja, a Constituição Econômica não se resume ao disposto no Título VII, mas sim a todos os títulos e capítulos da Constituição com os quais se relaciona diretamente, complementando-os ou sendo complementada.219

2.8. Do Mercado - Artigo 219

O artigo 219 da Constituição eleva o mercado interno à condição de patrimônio

nacional. O mercado é o meio ambiente econômico, é onde a economia se desenvolve, se

concretiza.220

Mais do que isso, além de elevar o mercado ao nível de patrimônio público,

determina que será incentivado no sentido de viabilizar o desenvolvimento social e

econômico das pessoas.

Art. 219. O mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e socioeconômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País, nos termos de lei federal.

Podemos observar que esse comando fecha com todos os demais que vimos, no

sentido de se valorizar as pessoas no ambiente econômico. É tudo e todos, inclusive a

economia, sendo desenvolvidos de modo a agregar valores, afastando as externalidades

negativas. É o Capitalismo Humanista vivo.

Esse dispositivo estaria mais adequado se estivesse dentre os que fazem parte da

ordem econômica. “É uma regra da ordem econômica, mais do que de ciência e tecnologia,

na qual a intervenção no domínio econômico encontra importante fundamento para o

controle do mercado interno”.221

219 DEL MASSO, Fabiano. Da Ordem Econômica e Financeira. In: TANAKA, Sônia Yurico Kanashiro. Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2009, cap. 19, p. 543. 220 O Mercado “é um espaço social, ou, melhor, é uma trama social de participantes movidos por seus interesses, uns ofertando bens, serviços, trabalhos, capital, outros procurando esses mesmos bens; e é no encontro desses interesses contrapostos que se realiza a função do mercado, pela efetivação das transações, dos negócios. Mas a Constituição, no texto sob consideração, dá ao mercado interno um valor para além desse seu significado econômico, ao integrá-lo no patrimônio nacional. Com esse sentido, o mercado adquire um valor constitucional, que nos dá sua dimensão social, sob a ideia de que, em seu sentido puramente econômico, pode fixar valores sociais, porque estes é que têm que fixar a natureza e os limites dele” (SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 8ª ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 841). 221 SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 8ª ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2012, pp. 840 e 841.

111

A previsão constitucional de que o mercado interno integra o patrimônio nacional significa repulsa ao Liberalismo, e dá a ele um sentido social, porque destinado a viabilizar o desenvolvimento cultural e socioeconômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do país. É essa a concepção social de mercado.222

O dispositivo determina que a legislação infraconstitucional também deverá ser

elaborada neste exato sentido.

Somente por intermédio da Lei Universal da Fraternidade, é que será possível

estabelecer um equilíbrio econômico e social no mercado, no sentido de inviabilizar a

subjugação do homem pelo próprio homem na sua busca desenfreada pelo lucro.

2.9. Dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias – Artigo 79

Assim dispõe o artigo 79 do ADCT:

É instituído, para vigorar até o ano de 2010, no âmbito do Poder Executivo Federal, o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza, a ser regulado por lei complementar com o objetivo de viabilizar a todos os brasileiros acesso a níveis dignos de subsistência, cujos recursos serão aplicados em ações suplementares de nutrição, habitação, educação, saúde, reforço de renda familiar e outros programas de relevante interesse social voltados para melhoria da qualidade de vida.

A emenda constitucional 67 prorrogou esse dispositivo por tempo indeterminado,

transformando-o em disposição permanente.223

Foi instituído aqui o fundo de combate e erradicação da pobreza, que visa garantir

a todos um nível de vida digno, capaz de suportar os elementos mais básicos dos direitos

sociais. É um avanço.

Estamos diante de um comando que vem no sentido de concretizar o disposto no

artigo 3º, III da Constituição (erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as

desigualdades sociais e regionais).224 Em verdade, acaba por concretizar muitos outros

dispositivos constitucionais que olham para o social. Também é uma das formas de se

concretizar o Capitalismo Humanista.

222 SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 8ª ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 841. 223 SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 8ª ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 964. 224 SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 8ª ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 964.

112

Esse dispositivo vem no sentido de afastar os efeitos das externalidades negativas

da economia, devolvendo ou garantindo a dignidade daqueles menos abastados. Mais uma vez

constatamos o Capitalismo Humanista operando.

Podemos visualizar facilmente a Lei Universal da Fraternidade nesse comando,

sem o qual as pessoas estariam relegadas à própria sorte em um mercado econômico

capitalista, sentindo na pele as mazelas pelas quais a miséria submete a pessoa humana.

2.10. Conclusão do Capítulo

Muito importante essa verificação constitucional do Capitalismo Humanista.225

Ao identificarmos sua existência e previsão constitucional, passa a ser regra impositiva, um

comando direto que deve submeter a todos.

Para Carlos Ayres Brito226, o habitat do humanismo é o texto constitucional. Mais

do que isso, sendo a Constituição a lei de todas as leis, os valores nela previstos são valores de

todos os valores.

Percebemos que o Capitalismo Humanista não está isolado apenas em um único

dispositivo constitucional. Pelo contrário, passeia por toda a Constituição.

Além de localizarmos implicitamente em alguns comandos constitucionais,

também tivemos a oportunidade de ver que está presente de maneira expressa no texto

constitucional. O Capitalismo Humanista aflora no centro do ordenamento jurídico

constitucional brasileiro, e portanto, deve irradiar seus efeitos e contaminar tudo e todos. É

um preceito obrigatório a todos.

Sendo assim, certo está que o Capitalismo Humanista foi opção do constituinte

originário, que encampou a fraternidade já reconhecida internacionalmente para dentro do

texto constitucional, para que fizesse a ponderação entre liberdade e igualdade.

225 Mesmo ante o intratexto, muito importante se faz a aferição do Capitalismo Humanista no texto Constitucional, pois fortalece ainda mais seu entendimento e sua aplicação. 226 BRITTO, Carlos Ayres. O Humanismo como categoria constitucional. 1ª reimp. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2010, pp. 87 e 88.

113

Tanto é assim que Ulysses Guimarães227, ao comentar sobre o título de

“Constituição Cidadã” que o texto de 1988 recebeu, diz que ela “tem substância popular e

cristã (...)”. Temos a constatação cabal de que o próprio constituinte originário ao elaborar o

texto se pautou pelo Humanismo, e consequentemente pelo Capitalismo Humanista.

Um mundo onde a pessoa seja vista sempre como pessoa, em toda sua complexidade e singularidade, sejam quais forem suas identificações ou identidades, este é o mundo onde a paz e a justiça serão possíveis e logo onde a dignidade será uma exigência. Se vemos no outro um igual, seja qual for sua identificação coletiva, se vemos no outro uma pessoa, a indignidade não será mais tolerada.228

227 GUIMARÃES, Ulysses. Discurso proferido na sessão de 05 de outubro de 1988, publicado no DANC de 05 de outubro de 1988, p. 14380-14382. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/plenario/discursos/escrevendohistor ia/destaque-de-materias/constituinte-1987-1988/pdf/Ulysses% 20Guimaraes %20-% 20DISCURSO%20%20REVISADO.pdf>. Acesso em: 20/01/2013. 228 MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Dos Princípios Fundamentais. In: BONAVIDES, Paulo; MIRANDA, Jorge; AGRA, Walber de Moura (coords.). Comentários à Constituição Federal de 1988. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 23.

114

3. A CARACTERIZAÇÃO DO CAPITALISMO HUMANISTA NOS

DOCUMENTOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS E SUA

REVERBERAÇÃO INTERNA

Demonstraremos nesse capítulo a caracterização do Capitalismo Humanista em

nível internacional. Iremos identificar nosso marco teórico nos principais documentos

internacionais de Direitos Humanos.

Mostraremos os comandos implícitos e explícitos desses Documentos que de

alguma maneira informam o Humanismo.

Isso servirá para fortalecer o Capitalismo Humanista internamente, mostrando que

se ampara nos Direitos Humanos consagrados internacionalmente, e também para emprestá-lo

à comunidade internacional.

Mais do que isso, restará estabelecido que o Capitalismo Humanista atua

fortalecendo os Direitos Humanos. Há o estabelecimento de um círculo virtuoso de Direitos

Humanos.

O Capitalismo Humanista não está presente só em nosso País, mas também o

encontramos em nível mundial por intermédio dos Direitos Humanos. Eis aqui a válvula de

escape do Capitalismo Humanista para a comunidade internacional. É a sua justificação no

cenário mundial.

Da mesma maneira que os documentos internacionais sedimentam o Capitalismo

Humanista, acontece também o inverso; os Direitos Humanos também são fortalecidos em

nível internacional pelo Capitalismo Humanista.

Dentre os vários documentos internacionais de Direitos Humanos, foram

selecionados os seguintes: Tratado de Versalhes (1919); Declaração de Filadélfia (1944);

Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948); Pactos Internacionais de Direitos

Humanos (1966) - Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, e Pacto Internacional

dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais; Convenção Americana de Direitos Humanos

(1969); Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos (1981); Declaração sobre o

Direito ao Desenvolvimento (1986); e, Declaração e Programa de Ação de Viena (1993).

115

Entretanto, reputamos como os mais importantes documentos internacionais em

nível mundial o Tratado de Versalhes (1919), a Declaração de Filadélfia (1944), a Declaração

Universal dos Direitos Humanos (1948) e os Pactos Internacionais de Direitos Humanos de

1966 (Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, e Pacto Internacional dos Direitos

Econômicos, Sociais e Culturais), e por isso serão objeto de um estudo mais abrangente.

Os demais (Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969, a Carta

Africana dos Direitos do Homem e dos Povos de 1981, a Declaração sobre o Direito ao

Desenvolvimento de 1986, e a Declaração e Programa de Ação de Viena de 1993), também

possuem sua importância, seja ela regional ou estabelecendo conceitos, e por esse motivo sua

verificação será mais direta e pontual.

3.1. Tratado de Versalhes – 1919 e Declaração de Filadélfia – 1944

O Tratado de Versalhes, que trouxe um termo final para a Primeira Guerra,

também criou a Organização Internacional do Trabalho – OIT.229 Mais do que isso, tinha

como premissa que a paz mundial estava diretamente relacionada com a justiça social.

A justiça social desde essa época foi elevada ao mais alto grau de importância, até

mesmo como requisito à paz, anseio este de todos do planeta, hoje e sempre.

Historicamente reconheceu-se que as mazelas econômicas, se generalizadas em

um determinado País, potencializam o risco de se procurar uma solução bélica desagregadora.

É nesse aspecto que a justiça social é um importante elemento para a manutenção e

concretização da paz.

229 “A Organização Internacional do Trabalho (OIT) é a agência das Nações Unidas que tem por missão promover oportunidades para que homens e mulheres possam ter acesso a um trabalho decente e produtivo, em condições de liberdade, equidade, segurança e dignidade” (ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO – OIT. Disponível em: <http://www.oitbrasil.org.br/content/apresenta%C3%A7%C3%A3o>. Acesso em: 20/01/2013). “De entre os precursores da OIT e os homens que conceberam a ideia de uma legislação internacional do trabalho, devemos citar em primeiro lugar o francês Daniel Le Grand (1783-1859), um industrial que, de 1840 a 1853, se dirigiu repetidas vezes a vários Governos europeus para os encorajar a estabelecer, de comum acordo, uma legislação do trabalho que permitisse eliminar uma concorrência impiedosa. Le Grand dedicou-se igualmente a numerosos projetos de leis internacionais sobre questões tais como a duração do trabalho, a instituição de um dia de descanso, o trabalho nocturno, as profissões insalubres ou perigosas e o trabalho de menores. Tratava-se de textos cuidadosamente elaborados após um estudo da situação jurídica em diferentes países: é desta forma que, hoje ainda, a Repartição Internacional do Trabalho elabora as normas internacionais do trabalho (ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO – OIT. As normas internacionais do Trabalho: manual de educação para os trabalhadores. Lisboa, 1996, p. 01).

116

A criação da OIT foi uma grande vitória, foi um impacto muito forte no laisser-

faire, laisser-passer, pois foi incorporado por todos que o trabalho é o primeiro valor da vida

social da pessoa. Mesmo quando da criação da OIT, já havia mais de um século de “lutas”,

que vinham desde a época de Luis XIV, que tinham como meta criar um Direito Internacional

do Trabalho, para servir de estímulo e base para as legislações nacionais no sentido de adotar

condições de trabalho capazes de extirpar a miséria e a injustiça. A OIT conseguiu efetivar

imediatamente esses anseios, atingindo a finalidade de inserir a justiça social nas relações

entre trabalho e capital.230

Desde esse momento histórico se percebeu a necessidade de criação de um

organismo internacional que trouxesse um rol mínimo seguro de limites a serem impostos aos

empregadores (capital), inclusive com objetivo de pacificação mundial por meio da justiça

social.

A finalidade suprema da OIT é auxiliar na concretização da justiça social e da paz

universal. Esse é um fim a ser buscado por dois caminhos. Primeiro pela formulação e

execução de ações sociais com a cooperação de todos os membros da entidade. Segundo, por

meio da criação do Direito Internacional do Trabalho, o que se alcança com as recomendações

e convenções da entidade.231

Era a consolidação no plano internacional do Direito do Trabalho, como

arcabouço de direitos ligados aos trabalhadores, que tinham o condão de garantir um

referencial mínimo de direitos ligados diretamente à dignidade das pessoas, que precisavam e

se submetiam ao trabalho.

Muito paradigmática foi a criação da OIT para os Direitos Humanos. Um

verdadeiro marco à dignidade dos trabalhadores foi estabelecido. Podemos sustentar que essa

entidade é um dos mais importantes instrumentos de consolidação dos Direitos Sociais e de

paz mundial.

230 CUEVA, Mario de La. El Nuevo Derecho Mexicano del Trabajo. 18ª ed. Tomo I. México: Porrúa, 2001, p. 27. 231 CUEVA, Mario de La. El Nuevo Derecho Mexicano del Trabajo. 18ª ed. Tomo I. México: Porrúa, 2001, p. 35.

117

Estava se consolidando o Direito Internacional do Trabalho.232

Com a OIT, restou estabelecido em âmbito internacional que uma das maneiras de

se sedimentar a pacificação social (paz social) seria por meio do trabalho; um trabalho digno,

capaz de prover o sustento do trabalhador e de sua família.

O trabalho digno é uma das maneiras que a pessoa possui para acessar a

dignidade. É um meio de integração, de inclusão social, de cidadania. Quem iniciou essa

ponderação foi o Direito do Trabalho.233

Restou claro que a formação do Direito do Trabalho e sua internacionalização

foram uma resposta às mazelas das explorações desenfreadas do capital.

No Tratado de Versalhes, na introdução da seção que trata da OIT, reconheceu-se

formalmente o grande número de pessoas à mercê de condições de trabalho degradantes, que

implicavam na miséria e em privações humanas.

De outro lado, reconhecia-se que havia um sentimento mundial de justiça e

humanidade. Em verdade estava se consolidando a segunda dimensão dos Direitos Humanos,

e consequentemente sua ponderação com a primeira dimensão; no caso, o Direito do

Trabalho.

A seção do Tratado de Versalhes que cuida da OIT é considerada por muitos

como a Constituição da OIT, e foi complementada pela Declaração de Filadélfia de 1944.234

232 Os procedimentos de criação deste “novo Direito” trouxeram uma novidade. Pela primeira vez normas seriam discutidas e votadas não pelos Estados independentemente considerados, mas sim por entidades jurídicas diferentes dos países. (CUEVA, Mario de La. El Nuevo Derecho Mexicano del Trabajo. 18ª ed. Tomo I. México: Porrúa, 2001, p. 29). 233 “Economicamente, ‘trabalho é a aplicação da atividade humana à produção’. (...) Todo homem tem direito aos meios necessários para a satisfação conveniente de todas as necessidades vitais próprias e de sua família: alimentação, vestuário, habitação, higiene (tanto preventiva, como curativa), transporte, recreação, educação e previdência. A quase totalidade dos homens, entretanto, deve procurar os meios de subsistência no trabalho, ou seja, na aplicação de sua atividade à produção de bens e serviços em proveito de alguém que os retribua. In sudore vultus tui vesceres panem. Daí decorre ser o direito do trabalho corolário imediato do próprio direito à existência, sendo portanto, como este, também um direito primordial” (CESARINO JÚNIOR, A. F; CARDONE, Marly A. Direito Social. 2ª ed., vol. 1. São Paulo: LTr, 1993, pp. 93 e 97). 234 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 24ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 94. “No decurso da Segunda Guerra Mundial, a OIT mudou a sua sede para Montreal no Canadá. Em Filadélfia, em 1944, a Conferência Internacional do Trabalho dedicou-se a preparar a OIT para a abordagem dos problemas que esperavam o fim da guerra e definiu de forma mais precisa os fins e objetivos da Organização, num texto que se convencionou chamar a ‘Declaração de Filadélfia’, posteriormente integrado na Constituição da OIT” (ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO – OIT. As normas internacionais do Trabalho: manual de educação para os trabalhadores. Lisboa, 1996. p. 07).

118

Nesse sentido, constatam Geraldo W. Von Potobsky e Héctor G Bartolomei de La

Cruz235 que,

En el Preámbulo de La Constitución de La OIT se señalan los motivos que inspiraron su creación y que contienen tres ideas básicas: la paz universal y duradera sólo puede fundarse en la justicia social; es urgente mejorar las condiciones de trabajo de un gran número de personas, debido a que la injusticia, las privaciones y miserias que implican, engendran un descontento tal, que ponen en peligro la paz y la armonía universal; debe impedirse que la falta de adopción por parte de una nación de un régimen de trabajo humano, trabe los esfuerzos de las demás para mejorar la suerte de los trabajadores en cada una de ellas. De estas premisas surgía la necesidad de una reglamentación internacional de las condiciones de trabajo, mediante los instrumentos normativos que se especifican en la Constitución. El Preámbulo contiene una lista de los temas laborales que requerían una acción urgente en dicho sentido y representaba todo un programa de actividades para la Organización.236 (...) Este programa, así como los fines da la Organización, fueron actualizados mediante la Declaración de Filadelfia, adoptada en 1944 e incorporada al la Constitución. La Declaración amplía el campo de acción de la OIT, sobre la base de la relación existente entre los problemas laborales, sociales, económicos y financieros. El desarrollo de este concepto es el aporte más importante de la Declaración, al que debe sumarse la puntualización del fin eminentemente humanitario de toda la acción, destacándose los valores y las aspiraciones del ser humano: “perseguir su bienestar material y su desarrollo espiritual en condiciones de libertad y dignidad, de seguridad económica y en igualdad de oportunidades”. Este objetivo constituye la meta principal de la OIT, no sólo en lo que concierne a sus propias actividades, sino también en cuanto a la tarea que la Declaración le asigna de examinar, en función de tal objetivo, todos los demás programas y medidas internacionales de carácter económico y financiero.237

235 POTOBSKY, Geraldo W. Von; LA CRUZ, Héctor G. Bartolomei de. La Organización Internacional del Trabajo. 1ª ed. 1ª reimp. Buenos Aires: Astrea, 2002, pp. 06 e 07. 236 Tradução Livre do Autor: No preâmbulo da Constituição da OIT, estão previstos os motivos que inspiraram sua criação e que contêm três ideias básicas: a paz universal e duradoura somente pode se fundar na justiça social; é urgente melhorar as condições de trabalho de um grande número de pessoas, devido à injustiça, às privações e misérias que implicam, engendram um descontentamento tal, que pode pôr em perigo a paz e a harmonia universal; deve-se impedir que a falta de adoção por parte de uma nação de um regime de trabalho humano tranque os esforços das demais para melhorar a sorte dos trabalhadores em cada uma delas. Com essas premissas surgia a necessidade de uma regulamentação internacional das condições de trabalho, mediante os instrumentos normativos que estão especificados na Constituição. O preâmbulo contém uma lista dos temas trabalhistas que requerem uma ação urgente nesse sentido e representa todo um programa de atividades para a Organização. 237 Tradução Livre do Autor: Este programa, assim como os fins da Organização, foi atualizado mediante a Declaração da Filadélfia, adotada em 1944 e incorporada na Constituição. A Declaração amplia o campo de ação da OIT, sobre a base da relação existente entre os problemas trabalhistas, sociais, econômicos e financeiros. O desenvolvimento deste conceito é a parte mais importante da Declaração, e deve se somar com a pontual finalidade humanitária de toda ação, destacando-se os valores e as aspirações do ser humano: “perseguir seu bem-estar material e seu desenvolvimento espiritual em condições de liberdade e dignidade, de segurança econômica e igualdade de oportunidades”. Este objetivo constitui a principal meta da OIT, não somente no que concernem suas próprias atividades, senão também enquanto a tarefa que a Declaração trata de examinar, em função do objetivo, todos os demais programas e medidas internacionais de caráter econômico e financeiro.

119

Em 1944 com a euforia e o anseio de uma segunda paz universal, a OIT lançou

que sua função já não era mais a consolidação de um Direito Internacional do Trabalho, mas

sim a efetivação de programas sociais em conjunto com os governos mundiais, com a

finalidade de obter melhores condições de vida para as pessoas e consequentemente um

ambiente de paz universal obtida com a ajuda da justiça social.238

A Declaração de Filadélfia (1944) afirmou os princípios fundamentais da OIT:

O trabalho não é uma mercadoria; A liberdade de expressão e de associação é uma condição indispensável para um progresso contínuo; A pobreza, onde quer que exista, constitui um perigo para a prosperidade de todos; A luta contra a necessidade deve ser travada com uma energia incansável no seio de cada nação e através de um esforço internacional continuo e concertado, no qual os representantes dos trabalhadores e dos empregadores, cooperando em pé de igualdade com os representantes dos Governos, participem em discussões livres e decisões de caráter democrático, com vista a promover o bem comum.239

Esses princípios são o cerne estrutural onde se sedimentam as bases da OIT e do

Direito do Trabalho.

Inicialmente tratou de humanizar o trabalho, determinando que não é uma

mercadoria. O trabalho não pode ser considerado como um mero fator de produção, como

apenas e tão somente um custo. Existe uma pessoa por trás dele.

Em seguida reconheceu a liberdade sindical240 e a democracia como sendo

essenciais para o desenvolvimento.

Estabeleceu ainda ser necessária a extirpação da pobreza para o processo de paz.

E por fim, que a implementação desses preceitos deve ser um compromisso de todos, pois só

assim se chegará ao bem comum (justiça social).

238 CUEVA, Mario de La. El Nuevo Derecho Mexicano del Trabajo. 18ª ed. Tomo I. México: Porrúa, 2001, p. 28. 239 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO – OIT. As normas internacionais do Trabalho: manual de educação para os trabalhadores. Lisboa, 1996, p. 7. 240 Registre-se que a liberdade de sindicalização foi consagrada pela Declaração dos Direitos Humanos, de 1948, pelo Pacto de Direitos Civis e Políticos e pelo Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, datados de 1966. No sistema regional de proteção à pessoa humana, a liberdade sindical (inclusive na dimensão individual da liberdade de sindicalização) está consagrada na Convenção Americana de Direitos Humanos e no Protocolo de São Salvador, sendo possível, desde que esgotadas as instâncias nacionais, acionar a Comissão e a Corte Interamericana de Direitos Humanos em razão de violação deste direito humano (REIS, Daniela Muradas. A imposição da contribuição sindical e o princípio da liberdade associativa: reflexões sobre o regime democrático e o financiamento sindical brasileiro. Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária n. 268, São Paulo, outubro de 2011, p. 29).

120

Mario de La Cueva assevera que o princípio de que o trabalho não deve ser

considerado uma mercadoria é um princípio geral e uma afirmação decisiva na lógica do

Direito do Trabalho. É um princípio que deve ser utilizado como ponto de partida na nova

concepção, e que separou a relação de trabalho eternamente do Direito Civil.241

Mais do que isso, a Declaração ainda enuncia o objetivo e os critérios para as

políticas e programas nacionais e internacionais:

Todos os seres humanos, qualquer que seja a sua raça, crença ou sexo, têm o direito de prosseguir o seu progresso material e o seu desenvolvimento espiritual, com liberdade e dignidade, com segurança econômica e igualdade de oportunidades.242

Com a Declaração de Filadélfia, em 1944, se compreendeu que era necessário ir

mais longe, porque assim exigia a consciência universal. O capítulo 13 da Declaração é uma

síntese magnífica da essência da OIT, pois trata de algumas providências concretas para o

Direito do Trabalho, na configuração dos Direitos Sociais, para alavancar o nível de vida dos

trabalhadores.243

A OIT reconhece que essas providências conseguirão atingir a plenitude do

emprego e a elevação do nível de vida; o emprego de pessoas em atividades que

desenvolverão suas habilidades e seus conhecimentos; um salário que seja capaz de prover o

sustento; o reconhecimento da negociação coletiva; a extensão da seguridade social; proteção

adequada à saúde do trabalhador; a proteção da infância e da maternidade; nível adequado de

alimentação, de moradia, de educação e de lazer; oportunidade profissional para todos.244

Ante esses dois documentos internacionais de Direitos Humanos (Tratado de

Versalhes e Declaração de Filadélfia), o mundo ficou mais humano. Foi criada a OIT com o

objetivo de alavancar a paz mundial por meio da pacificação social, estabelecendo um Direito

Internacional do Trabalho.

241 CUEVA, Mario de La. El Nuevo Derecho Mexicano del Trabajo. 18ª ed. Tomo I. México: Porrúa, 2001, p. 31. 242 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO – OIT. As normas internacionais do Trabalho: manual de educação para os trabalhadores. Lisboa, 1996, p. 8. 243 CUEVA, Mario de La. El Nuevo Derecho Mexicano del Trabajo. 18ª ed. Tomo I. México: Porrúa, 2001, p. 31. 244 CUEVA, Mario de La. El Nuevo Derecho Mexicano del Trabajo. 18ª ed. Tomo I. México: Porrúa, 2001, p. 32.

121

A partir desse momento, o mundo passou a contar com um organismo

internacional, de pacificação social nas relações de trabalho, que trata principalmente de

evitar as mazelas humanas nos campos de trabalho, e acima de tudo humanizando o trabalho.

Hoje, pela doutrina de Direito Econômico, pautado pelo Capitalismo Humanista,

conseguimos observar que ambos os documentos irradiam a fraternidade. Sem a fraternidade

operando, não seria possível a consolidação desse organismo internacional.

Isso se solidifica ao constatarmos o sentimento de justiça, humanidade e

segurança econômica, que na verdade foi o pano de fundo desses instrumentos. Esses

documentos fortalecem o Humanismo, e o Capitalismo Humanista fortalece esses

documentos.

3.2. Declaração Universal dos Direitos Humanos – 1948

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, é um dos mais

importantes documentos internacionalmente reconhecidos de Direitos Humanos.

Essa Declaração foi elaborada sob o impacto da Segunda Grande Guerra245, e não

foi consenso entre os países comunistas. Mesmo assim é um reconhecimento histórico dos

Direitos Humanos, dos valores supremos da liberdade, igualdade e fraternidade. A partir de

então, abriu-se a possibilidade de um esforço mundial sistematizado de educação em Direitos

Humanos.246

Para Flávia Piovesan247, “a Declaração Universal de 1948 objetiva delinear uma

ordem pública mundial fundada no respeito à dignidade humana, ao consagrar valores

básicos universais”.

245 “(…) esse reconhecimento universal de igualdade humana só foi possível quando, ao término da mais desumanizadora guerra de toda História, percebeu-se que a ideia de superioridade de uma raça, de uma classe social, de uma cultura ou de uma religião, sobre todas as demais, põe em risco a própria sobrevivência da humanidade” (COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 4ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 225). 246 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 4ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 223. 247 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 12ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 196.

122

Muito se discutiu em relação à natureza deste documento e sua força vinculante.

Tecnicamente, a Declaração Universal dos Direitos do Homem é uma recomendação, que a Assembleia Geral das Nações Unidas faz aos seus membros (Carta das Nações Unidas, artigo 10). Nessas condições, costumava-se sustentar que o documento não tem força vinculante. Foi por essa razão, aliás, que a Comissão de Direitos Humanos concebeu-a originalmente, como uma etapa preliminar à adoção ulterior de um pacto ou tratado internacional sobre o assunto (...).248

Importante considerar que essa “falta de força vinculante”, em nada afeta a

vigência dos Direitos Humanos, que independe de positivação, pois estamos diante do

respeito à dignidade humana.249

A Declaração é o mais difundido e conhecido Documento internacional de

Direitos Humanos, e apesar de não ser um documento formal, no sentido de se ter um condão

jurídico direto de aplicabilidade, é muito utilizado para a integração e interpretação dos

Direitos Humanos.250

Seja por fixar a ideia de que os direitos humanos são universais, decorrentes da dignidade humana e não derivados das peculiaridades sociais e culturais de determinada sociedade, seja por incluir em seu elenco não só direitos civis e políticos, mas também sociais, econômicos e culturais, a Declaração de 1948 demarca a concepção contemporânea dos direitos humanos.251

Esse Documento tem suas bases filosóficas e jurídicas oriundas da mesma origem

lógica do Direito do Trabalho, que corresponde às mesmas tradições dos Direitos Humanos.

Os jusnaturalistas sustentam que o Direito do Trabalho, da mesma forma que os demais

Direitos Humanos, derivam da natureza humana. Os historicistas afirmam que esses Direitos

Laborais são uma conquista irreversível da história. Já os positivistas declaram que são

normas impostas pela vida social nas declarações internas e externas. Entretanto, todos

248 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 4ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, pp. 223 e 224. 249 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 4ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 224. 250 “A Declaração Universal de 1948, e para os Estados deles participantes, os Pactos que a complementam na Carta Internacional representam, no mundo contemporâneo, o referencial básico do Estado de Direito. O nível de respeito político às disposições daqueles documentos e de sua tradução concreta na administração da sociedade constitui – tanto quanto o sufrágio livre da cidadania por eles próprios consignado como direito fundamental – a baliza de avaliação da legitimidade de qualquer governo pela comunidade internacional e por seus próprios cidadãos” (ALVES, José Augusto Lindgren. A arquitetura internacional dos direitos humanos (Coleção Juristas da Atualidade). Coordenação de Hélio Bicudo. São Paulo: FTD, 1997, p. 26). 251 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 12ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 202.

123

concordam que o fundamento da Declaração Universal dos Direitos Humanos é a dignidade

da pessoa humana.252

Por tais razões, a Declaração Universal de 1948 é considerada pela doutrina como responsável pela atual concepção dos direitos humanos e pelo desenvolvimento do Direito Internacional dos Direitos Humanos, mediante os tratados internacionais e a criação de um sistema normativo dentro das Nações Unidas denominado de global e com alcance geral e específico, além dos sistemas de proteção regionais que se complementam.253

Seus preceitos são internalizados nos ordenamentos jurídicos dos países, por

intermédio dos Pactos Internacionais de 1966. Entretanto, pela sua importância histórica,

verificaremos seus preceitos que de alguma maneira solidificam o capitalismo humanista.

No preâmbulo, já podemos constatar o que virá pela frente, pois considera todos

como membro de uma grande família humana, com direitos iguais, fundados na liberdade, na

justiça e na paz no mundo. Eis aqui já o Capitalismo Humanista.

Ao considerar todos como membros de uma mesma família, podemos nos reportar

aos ensinamentos de Jesus Cristo, que pregou a fraternidade entre as pessoas.

Temos que a justiça é a igualdade adensada com a liberdade ponderada pela

fraternidade.

Flávia Piovesan254, ao comentar o preâmbulo, assim assevera:

Desde seu preâmbulo, é afirmada a dignidade inerente a toda pessoa humana, titular de direitos iguais e inalienáveis. Vale dizer, para a Declaração Universal a condição de pessoa é requisito único e exclusivo para a titularidade de direitos. A universalidade dos direitos humanos traduz a absoluta ruptura com o legado nazista, que condicionava a titularidade de direitos à pertinência à determinada raça (a raça pura ariana). A dignidade humana como fundamento dos direitos humanos e valor intrínseco à condição humana é concepção que, posteriormente, viria a ser incorporada por todos os tratados e declarações de direitos humanos, que passaram a integrar o chamado Direito Internacional dos Direitos Humanos.

252 CUEVA, Mario de La. El Nuevo Derecho Mexicano del Trabajo. 18ª ed. Tomo I. México: Porrúa, 2001, p. 32. 253 CAVALCANTI, João Helder Dantas. Igualdade, Direito do Trabalho e Direitos Humanos na Corte Interamericana. In: SILVA, Alessandro; MAIOR, Jorge Luiz Souto; FELIPPE, Kenarik Boujikian; SEMER, Marcelo (coords.). Direitos Humanos: essência do Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2007, p. 301. 254 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 12ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 196.

124

Mais do que isso, o artigo 1º sana qualquer tipo de dúvida que poderia surgir,

confirmando a interpretação das duas dimensões de Direitos Humanos255, pela fraternidade,

pois determina que as pessoas “devem agir em relação umas às outras com espírito de

fraternidade”. Mais uma vez a confirmação do Capitalismo Humanista.256

Para Fábio Konder Comparato, há aqui a proclamação de “três princípios

axiológicos fundamentais em matéria de direitos humanos: a liberdade, a igualdade e a

fraternidade”.257

Importante destacar que a fraternidade surgiu pela primeira vez como princípio

jurídico (virtude cívica) na Constituição Francesa de 1791. Entretanto, somente na

Constituição da segunda república francesa em 1848 a fraternidade surgiu ao lado da

liberdade e da igualdade.258

Na Declaração, podemos notar que ao lado da fraternidade encontramos a

solidariedade, que acaba imprimindo maior força e concretude ao Capitalismo Humanista.

Nesse sentido, Fábio Konder Comparato entende que:

O princípio da solidariedade está na base dos direitos econômicos e sociais, que a Declaração afirma nos artigos XXII a XXVI. Trata-se de exigências elementares de proteção às classes ou grupos sociais mais fracos ou necessitados, a saber: a) o direito à seguridade social (arts. XXII a XXV); b) o direito do trabalho e à proteção contra o desemprego (art. XXIII, 1.); c) os principais direitos ligados ao contrato de trabalho, como remuneração igual por trabalho igual (art. XXIII, 2), o salário mínimo (art. XXIII, 3); o repouso e o lazer, a limitação horária da jornada de trabalho, as férias remuneradas (art. XXIV); d) a livre sindicalização dos trabalhadores (art. XXIII, 4); e) o direito à educação: o ensino elementar obrigatório e gratuito, a generalização da instrução técnico-profissional, a igualdade de acesso ao ensino superior (art. XXVI).259

255 “Ao conjugar o valor da liberdade com o da igualdade, a Declaração introduz a concepção contemporânea de direitos humanos, pela qual esses direitos passam a ser concebidos como uma unidade interdependente e indivisível” (PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 12ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 200). 256 “Seus postulados fundamentais, que remontam à Revolução Francesa, são a liberdade, a igualdade e a fraternidade, expressos na formulação do Artigo 1º de que ‘todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos’, devendo agir reciprocamente ‘com espírito de fraternidade’. Desses postulados decorre o princípio da não-discriminação por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opiniões, origem nacional ou social, riqueza, nascimento ou qualquer outra condição, inclusive a situação política, jurídica ou nível de autonomia do território a que pertençam as pessoas, explicitado no Artigo 2º” (ALVES, José Augusto Lindgren. A arquitetura internacional dos direitos humanos (Coleção Juristas da Atualidade). Coordenação de Hélio Bicudo. São Paulo: FTD, 1997, p. 27). 257 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 4ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 225. 258 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 4ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 226. 259 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 4ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 227.

125

O artigo 2º também vem nesse sentido ao estabelecer que as pessoas não poderão

ser discriminadas, e estabelece inclusive que a discriminação não pode ser em função da

origem social, riqueza ou nascimento, além de outras.

Encontramos no artigo 4º um preceito contra a escravidão/servidão, que é repetido

em muitos outros documentos internacionais de Direitos Humanos. Eis o dispositivo: “Art. 4º

- Ninguém será mantido em escravidão ou servidão, a escravidão e o tráfico de escravos

serão proibidos em todas as suas formas”.

Sem a presunção de que não haverá escravidão/servidão, a igualdade não se

estabelece. Aliás, essa é uma das piores formas de subjugação do homem pelo seu

semelhante, e que está presente em alguns lugares até os dias de hoje.

Segundo dados do Ministério do Trabalho e Emprego do Brasil, no ano de 2012

foram resgatados260 em nosso País 2.560 trabalhadores que viviam em condições análogas

escravidão, ou seja, pessoas que viviam à margem da sociedade, sem direitos, sem cidadania,

sem dignidade. Desde 1995 foram resgatadas 44.231 pessoas nesta situação.261

Mesmo reconhecendo as demais dimensões de Direitos Humanos, esse documento

também garante a propriedade da pessoa no artigo 17 (primeira dimensão), mas é uma

propriedade compromissada com a justiça social.

Ainda na linha do Capitalismo Humanista, o artigo 22 estabelece que todas

pessoas têm direito à segurança social, e que os direitos econômicos, sociais e culturais são

indispensáveis à sua dignidade e ao desenvolvimento de sua personalidade. Mais um

reconhecimento direto do Capitalismo Humanista.

Refletindo as diretrizes da OIT, o artigo 23 traz comandos de proteção aos

trabalhadores, impondo limites à primeira dimensão dos Direitos Humanos.

260 “Trabalhador resgatado: refere-se ao trabalhador encontrado em situação análoga à de escravo incurso em uma ou mais hipóteses do artigo 149 do Código Penal. São elas: trabalho forçado, servidão por dívida, jornada exaustiva e/ou trabalho degradante” (MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO. Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo – DETRAE. Quadro Geral das Operações de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo - Sit/Srte - 1995 a 2012. Disponível em: <http://portal.mte.gov.br/data/files/8A7C816A3C3A6C39013C49E8F2A15BD5/Quadro%20 resumo%201995%22a%202012.%2017.01.2013.pdf>. Acesso em: 20/02/2013). 261 MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO. Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo – DETRAE. Quadro Geral das Operações de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo - Sit/Srte - 1995 a 2012. Disponível em: <http://portal.mte.gov.br/data/files/8A7C816A3C3A6C39013C49E8F2A15BD5/Quadro%20 resumo%201995%22a%202012.%2017.01.2013.pdf>. Acesso em: 20/02/2013.

126

Temos no artigo 25 um rol de Direitos Sociais, a que todas as pessoas devem ter

acesso.

Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência fora de seu controle.

Ao comentar esse artigo, Mario de La Cueva262 afirma que “El art. 25 es uma

especie de resumen de una particular hermosura, porque constituye un programa de accíon

social a desarrollar em cada pueblo”.263

O artigo 28 traz o primeiro e um dos mais importantes direitos da humanidade,

pois consagra uma ordem internacional que respeita a dignidade humana.264

A presente Declaração como um todo consagra o princípio fundamental da

preeminência do ser humano no mundo, como fonte de todos os valores.265

Podemos verificar por todos os dispositivos estudados que a presente Declaração

expressa de maneira irrefutável o Capitalismo Humanista, inserindo a fraternidade como meio

adensador das duas primeiras dimensões de Direitos Humanos (Liberdade – direitos civis e

políticos; e igualdade – direitos econômicos, sociais e culturais). Isso acontece em vários

dispositivos, e por esse motivo fica evidenciado que o Capitalismo Humanista está na unidade

do texto.

Vale dizer, sem a efetividade dos direitos econômicos, sociais e culturais, os direitos civis e políticos se reduzem a meras categorias formais, enquanto, sem a realização dos direitos civis e políticos, ou seja, sem a efetividade da liberdade entendida em seu mais amplo sentido, os direitos econômicos, sociais e culturais carecem de verdadeira significação. Não há mais como cogitar da liberdade divorciada da justiça social, como também infrutífero pensar na justiça social divorciada da liberdade. Em suma, todos os direitos humanos constituem um complexo integral, único e indivisível, no qual os diferentes direitos estão necessariamente inter-relacionados e são interdependentes entre si.266

262 CUEVA, Mario de La. El Nuevo Derecho Mexicano del Trabajo. 18ª ed. Tomo I. México: Porrúa, 2001, p. 33. 263 Tradução Livre do Autor: O art. 25 é uma espécie de resumo de uma particular beleza, porque constitui um programa de ação social a desenvolver-se em cada país. 264 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 4ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 231. 265 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 4ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 238. 266 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 12ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 201.

127

Juntamente com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, os dois Pactos de

1966, que veremos abaixo, são os principais elementos que dão sustentação aos Direitos

Humanos. O conjunto desses três documentos forma a chamada “Carta Internacional de

Direitos Humanos”.267

3.3. Pactos Internacionais de Direitos Humanos – 1966

Em 1966, foram editados dois Pactos Internacionais de Direitos Humanos (dos

Direitos Civis e Políticos e dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais). Tanto um quanto

outro, como veremos abaixo, se completam, e refletem o Capitalismo Humanista.

Embora aprovados em 1966 pela Assembleia Geral das Nações Unidas, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais entraram em vigor apenas dez anos depois, em 1976, tendo em vista que somente nessa data alcançaram o número de ratificações necessário para tanto. Em março de 2010, cento e sessenta e cinco Estados já haviam aderido ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e cento e sessenta Estados haviam aderido ao Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.268

Conforme já citado acima, esses dois pactos funcionam como uma espécie de

regulamentação da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, que por não ter sido

incorporada pelos Estados não possui valor normativo direto. Em outras palavras, se exige a

aplicação da Declaração de 1948 por intermédio desses dois pactos.269

Fábio Konder Comparato pondera que:

Completava-se, assim, a segunda etapa do processo de institucionalização dos direitos do homem em âmbito universal e dava-se início à terceira etapa, relativa à criação de mecanismos de sanção às violações de direitos humanos. Nesse particular, porém, a atuação do Comitê de Direitos Humanos restringe-se aos direitos civis e políticos e, ainda assim, sem que ele tenha poderes para formular um juízo de condenação do Estado responsável pela violação desses direitos. Além disso, contrariamente ao que fora estipulado na Convenção Europeia de Direitos Humanos de 1950, a competência do Comitê para receber e processar denúncias,

267 ALVES, José Augusto Lindgren. A arquitetura internacional dos direitos humanos (Coleção Juristas da Atualidade). Coordenação de Hélio Bicudo. São Paulo: FTD, 1997, p. 24. 268 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 12ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 218. 269 “Independentemente de discussões doutrinárias sobre o grau de obrigatoriedade de que se revestem as declarações e outros documentos menos formais à luz do Direito, é fato unanimemente reconhecido que a Declaração Universal dos Direitos Humanos constitui o documento mais importante na fase por ela inaugurada das relações internacionais, assim como, para a maioria dos países hoje independentes, do próprio direito nacional” (ALVES, José Augusto Lindgren. A arquitetura internacional dos direitos humanos (Coleção Juristas da Atualidade). Coordenação de Hélio Bicudo. São Paulo: FTD, 1997, p. 25).

128

mesmo quando formuladas por Estados-Partes, depende de reconhecimento expresso do Estado apontado como violador dos direitos humanos.270

A realização de dois tratados ao invés de apenas um, se deu em virtude das

potências ocidentais reconhecerem apenas as liberdades individuais clássicas, em oposição

aos países comunistas.271

Os pactos são de alcance geral, e têm como objetivo consagrar e implementar os

direitos civis e políticos, bem como os econômicos, sociais e culturais. São direcionados, e

com finalidade específica para salvaguardar os vulneráveis contra práticas abusivas que lesem

sua dignidade, como, por exemplo, toda espécie de discriminação.272 Aflora nesses dois

instrumentos o Humanismo.

Em consonância com o Capitalismo Humanista,

Os direitos humanos constantes de ambos os pactos, todavia, formam um conjunto uno e indissociável. A liberdade individual é ilusória, sem um mínimo de igualdade social; e a igualdade social imposta com sacrifício dos direitos civis e políticos acaba engendrando, mui rapidamente, novos privilégios econômicos e sociais. É o princípio da solidariedade que constitui o fecho de abóbada de todo o sistema de direitos humanos.273

A redação dos dois Pactos foi feita no sentido de demonstrar que os Direitos

Humanos são indivisíveis. Tanto é que os preâmbulos dos dois documentos são idênticos. A

unidade é essencial aos Direitos Humanos.274

Antes de passarmos para a verificação específica de cada Pacto, temos que

observar que esses documentos datam da década de 60, e são anteriores à revelação da quarta

etapa histórica dos Direitos Humanos: acesso aos recursos do fundo marinho, preservação

ambiental e do patrimônio cultural das pessoas.275

270 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 4ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 275. 271 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 4ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 276. 272 CAVALCANTI, João Helder Dantas. Igualdade, Direito do Trabalho e Direitos Humanos na Corte Interamericana. In: SILVA, Alessandro; MAIOR, Jorge Luiz Souto; FELIPPE, Kenarik Boujikian; SEMER, Marcelo (coords.). Direitos Humanos: essência do Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2007, p. 301. 273 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 4ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 333. 274 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 4ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 276. 275 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 4ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 280.

129

3.3.1. Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos

O Presente Pacto que é de 1966 foi incorporado em nosso ordenamento jurídico

pelo Decreto Legislativo 226 de 1991.

Constata-se que o Pacto abriga novos direitos e garantias não incluídos na Declaração Universal, tais como o direito de não ser preso em razão de descumprimento de obrigação contratual (art. 11); o direito da criança ao nome e à nacionalidade (art. 24); a proteção dos direitos de minorias à identidade cultural, religiosa e linguística (art. 27); a proibição da propaganda de guerra ou de incitamento à intolerância étnica ou racial (art. 20); o direito à autodeterminação (art. 1º), dentre outros. Essa gama de direitos, insiste-se, não se vê incluída na Declaração Universal.276

Esse documento é mais afeto aos países que organizam o capitalismo de maneira

liberal, pois consagram principalmente a primeira dimensão dos Direitos Humanos.

Mesmo assim, podemos destacar alguns preceitos que demonstram que mesmo o

capitalismo liberal não mais se estabelece sem observar as demais dimensões de Direitos

Humanos.

Aspecto curioso desse documento é que não faz a consagração da propriedade

privada, mesmo estabelecendo a liberdade (primeira dimensão de Direitos Humanos).

No preâmbulo podemos verificar que o próprio texto que retrata a mais pura

acepção liberal também reconhece que a dignidade é inerente a todos os membros da família

humana, que são direitos iguais e inalienáveis e que dentre outras coisas fundamenta a justiça

e a paz no mundo.

Identificamos aqui o Capitalismo Humanista. Isso acontece pela unidade dos

Direitos Humanos e por conta de que os dois Pactos possuem preâmbulos idênticos.

Estabelece ainda o preâmbulo que as pessoas temem a miséria, e que por esse

motivo além de exercerem os Direitos Civis e Políticos também gozarão os Direitos

Econômicos Sociais e Culturais. Notem, sempre liberdade e igualdade, que deverá ser

adensada pela Lei Universal da Fraternidade.

276 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 12ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 220.

130

O artigo 1º assegura o livre desenvolvimento econômico, social e cultural para

todas as pessoas. Prevê ainda o princípio do proveito mútuo, que está muito próximo da

fraternidade que pauta o Capitalismo Humanista. Mais do que isso, esse dispositivo ainda liga

esse princípio ao Direito que toda pessoa possui de subsistência.

Temos no artigo 2º a proteção que deve ser dirigida a todos contra toda forma de

discriminação, especialmente pela origem social, situação econômica e nascimento. Mais uma

vez o presente Pacto coloca todas as pessoas em situação de igualdade real, no sentido do

Capitalismo Humanista, sem segregar quem quer que seja.

Mais do que isso, o artigo 8º estabelece que nenhuma pessoa poderá ser submetida

à escravidão e à servidão. Esse é um comando primário dos Direitos Humanos, e essas

situações não podem ser toleradas de maneira nenhuma. Como vimos, esse comando é

pressuposto de consagração dos Direitos Humanos como um todo, especialmente o

Capitalismo Humanista.

3.3.2. Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais

O presente documento que é de 1966 foi incorporado em nosso ordenamento

jurídico também pelo Decreto Legislativo 226 de 1991.

Sob a ótica normativa internacional, está definitivamente superada a concepção de que os direitos sociais, econômicos e culturais não são direitos legais. Os direitos sociais, econômicos e culturais são autênticos e verdadeiros direitos fundamentais. Integram não apenas a Declaração Universal e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, como ainda inúmeros outros tratados internacionais (...). A obrigação de implementar esses direitos deve ser compreendida à luz do princípio da indivisibilidade dos direitos humano, reafirmado veementemente pela ONU na Declaração de Viena de 1993 e por outras organizações internacionais de direitos humanos.277

Esse Pacto vem na mesma linha do Pacto anterior, e também podemos identificar

em seu bojo o Capitalismo Humanista. Mais uma vez não podemos esquecer da unidade dos

Direitos Humanos.

277 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 12ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011, pp. 237 e 238.

131

Flávia Piovesan278 ao comentar o assunto assim expressa:

Tal como o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, o maior objetivo do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais foi incorporar os dispositivos da Declaração Universal sob a forma de preceitos juridicamente obrigatórios e vinculantes. Novamente, assumindo a roupagem de tratado internacional, o intuito desse Pacto foi permitir a adoção de uma linguagem de direitos que implicasse obrigações no plano internacional, mediante a sistemática da international accountability. Isto é, como outros tratados internacionais, esse pacto criou obrigações legais aos Estados-partes, ensejando responsabilização internacional em caso de violação dos direitos que enuncia.

O núcleo de Direitos Humanos no centro do Pacto anterior (de Direitos Civis e

Políticos) se destina a defender pessoas contra os privilégios privados e o abuso do Estado. Já

o presente Pacto destina-se a proteger pessoas desfavorecidas economicamente da dominação

exercida pela minoria rica e poderosa. No primeiro caso luta contra a oligarquia política e no

segundo contra a dominação de classe.279 Mais uma vez o Capitalismo Humanista brotando

no seio dos Direitos Humanos.

O preâmbulo do documento vem exatamente no mesmo sentido do que vimos

anteriormente no Pacto de Direitos Civis e Políticos, exteriorizando assim também o

Capitalismo Humanista.

Em especial, podemos aferir no artigo 6º a plena liberdade para o trabalho que a

pessoa possui. Já os Direitos Sociais dos Trabalhadores vêm dispostos no artigo 7º:

Os Estados Partes do presente pacto reconhecem o direito de toda pessoa de gozar de condições de trabalho justas e favoráveis, que assegurem especialmente: a) uma remuneração que proporcione, no mínimo, a todos os trabalhadores: i) um salário equitativo e uma remuneração igual por um trabalho de igual valor, sem qualquer distinção; em particular, as mulheres deverão ter a garantia de condições de trabalho não inferiores às dos homens e receber a mesma remuneração que eles por trabalho igual; ii) uma existência decente para eles e suas famílias, em conformidade com as disposições do presente Pacto. b) a segurança e a higiene no trabalho; c) igual oportunidade para todos de serem promovidos, em seu trabalho, à categoria superior que lhes corresponda, sem outras considerações que as de tempo de trabalho e capacidade; d) o descanso, o lazer, a limitação razoável das horas de trabalho e férias periódicas remuneradas, assim como nos feriados.

278 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 12ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 232. 279 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 4ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 333.

132

Expressamente temos no artigo 8º o reconhecimento da liberdade sindical e do

exercício do direito de greve, e no artigo 9º a consagração da previdência e do seguro social.

Nos artigos 11, 12 e 13, temos um rol com os demais Direitos Sociais, fechando

assim o arcabouço jurídico de segunda dimensão de Direitos Humanos, que serão amparados

pela fraternidade e adensados com a liberdade. Eis aqui o Capitalismo Humanista.

Art. 11. 1. Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa a nível de vida adequado para si próprio e sua família, inclusive à alimentação, vestimenta e moradia adequadas, assim como a uma melhoria contínua de suas condições de vida. Os Estados Partes tomarão medidas apropriadas para assegurar a consecução desse direito, reconhecendo, nesse sentido, a importância essencial da cooperação internacional fundada no livre consentimento. 2. Os Estados Partes do presente pacto, reconhecendo o direito fundamental de toda pessoa de estar protegida contra a fome, adotarão, individualmente e mediante cooperação internacional, as medidas, inclusive programas concretos, que se façam necessárias para: a) melhorar os métodos de produção, conservação e distribuição de gêneros alimentícios pela plena utilização dos conhecimentos técnicos e científicos, pela difusão de princípios de educação nutricional e pelo aperfeiçoamento ou reforma dos regimes agrários, de maneira que se assegurem a exploração e a utilização mais eficazes dos recursos naturais; b) Assegurar uma repartição equitativa dos recursos alimentícios mundiais em relação às necessidades, levando-se em conta os problemas tanto dos países importadores quanto dos exportadores de gêneros alimentícios.

Art. 12 1. Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa desfrutar o mais elevado nível possível de saúde física e mental.

Art. 13 1. Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa à educação. Concordam em que a educação deverá visar o pleno desenvolvimento da personalidade humana e do sentido de sua dignidade e fortalecer o respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais. Concordam ainda em que a educação deverá capacitar todas as pessoas a participar efetivamente de uma sociedade livre, favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e entre todos os grupos raciais, étnicos ou religiosos e promover as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz.

Ao comentar sobre o assunto, Flávia Piovesan280 assim dispõe:

Enuncia o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais um extenso catálogo de direitos, que inclui o direito ao trabalho e à justa remuneração, o direito de formar e a associar-se a sindicatos, o direito a um nível de vida adequado, o direito à moradia, o direito à educação, o direito à previdência social, o direito à saúde e o direito à participação na vida cultural da comunidade.

280 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 12ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 232.

133

Como pudemos observar, assim como no Pacto de Direitos Civis e Políticos, esse

documento também está arraigado com o Capitalismo Humanista. Só que vai um pouco mais

além, ao ponto de estabelecer expressamente os Direitos Sociais, que devem ser ponderados

pela fraternidade em relação à primeira dimensão dos Direitos Humanos (liberdade).

Os direitos tratados neste Pacto atendem e concretizam os anseios da igualdade, e

devem obediência à fraternidade. Dessa forma, estabelecem os ditames de uma justiça

redistributiva e proporcional,281 capitalista humanista.

A própria Organização das Nações Unidas, por meio do Comitê de Direitos

Econômicos, Sociais e Culturais, fomenta que os Estados que ratificaram o Documento

devem assegurar o núcleo essencial mínimo (minimum core obligation) de cada direito

econômico, social e cultural previsto. Esse mínimo tem como fonte o princípio da dignidade

humana, um princípio nuclear dos Direitos Humanos, que demanda absoluta prioridade e

urgência.282

Por conta de todo o texto, mas especialmente e especificamente por conta da

fraternidade, podemos verificar o Capitalismo Humanista de maneira expressa, operando os

Direitos Humanos pela Lei Universal da Fraternidade.

3.4. Convenção Americana de Direitos Humanos – 1969

A presente Convenção que é de 1969 foi incorporada em nosso Ordenamento

Jurídico pelo Decreto 678 de 1992. Também é conhecida como Pacto de São José da Costa

Rica. Esse documento tem um importante perfil garantidor processual, no sentido de

estabelecer um processo justo e humano, mas também sem esquecer dos demais direitos

humanos.

281 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 4ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 335. 282 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 12ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011, pp. 235 e 236.

134

Para Flávia Piovesan,

O instrumento de maior importância no sistema interamericano é a Convenção Americana de Direitos Humanos, também denominada Pacto de San José da Costa Rica. Foi assinada em San José, Costa Rica, em 1969, entrando em vigor em 1978. Apenas Estados-membros da Organização dos Estados Americanos têm o direito de aderir à Convenção Americana, que, até março de 2010, contava com 25 Estados-partes.283

Muito importante se faz a verificação dessa Convenção, pois traz alguns preceitos

informadores e fortalecedores dos Direitos Sociais, como, por exemplo, o princípio do não

retrocesso social, que veremos adiante. Além disso, também irradia do texto o Capitalismo

Humanista.284

Podemos constatar o Capitalismo Humanista já no preâmbulo, que determina que

seja efetivada a justiça social, fundada nos Direitos Humanos. Além disso, declara que toda

pessoa deve estar livre da miséria, e que isso somente é possível se forem criados meios de se

gozar os Direitos Humanos.

Nesse sentido, João Helder Dantas Cavalvanti285 estabelece que,

A Convenção Interamericana de Direitos Humanos afirma em seu preâmbulo o compromisso com a democracia e a justiça social, além de reiterar os termos da Declaração Universal de 1948 quanto ao ideal de um homem livre, sem as amarras “do temor e da miséria”, objetivos esses que só serão alcançados “se forem criadas condições que permitam a cada pessoa gozar dos seus direitos econômicos, sociais e culturais, bem como dos seus direitos civis e políticos”. Portanto, o catálogo de direitos e liberdades que a Convenção assegura é vasto e compreende dos direitos civis e políticos aos direitos sociais, econômicos e culturais (Protocolo de San Salvador).

Portanto, podemos concluir que se faz presente o Capitalismo Humanista.

283 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 12ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011, pp. 311 e 312. 284 Na visão de Flávia Piovesan, “a convenção Americana não enuncia de forma específica qualquer direito social, cultural ou econômico; limita-se a determinar aos Estados que alcancem, progressivamente, a plena realização desses direitos, mediante a adoção de medidas legislativas e outras que se mostrem apropriadas, nos termos do art. 26 da Convenção. Posteriormente em 1988, a Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos adotou um Protocolo Adicional à Convenção, concernente aos direitos sociais, econômicos e culturais (Protocolo de San Salvador, que entrou em vigor em novembro de 1999, por ocasião do depósito do 11º instrumento de ratificação, nos termos do art. 21 do Protocolo” (PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 12ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 313). 285 CAVALCANTI, João Helder Dantas. Igualdade, Direito do Trabalho e Direitos Humanos na Corte Interamericana. In: SILVA, Alessandro; MAIOR, Jorge Luiz Souto; FELIPPE, Kenarik Boujikian; SEMER, Marcelo (coords.). Direitos Humanos: essência do Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2007, p. 314.

135

Temos no artigo 3º a prescrição da não discriminação.

A discriminação, atingido a dignidade da pessoa agredida, trata-se, portanto, de tema pertinente aos direitos humanos. Para se ter uma ideia do que isto representa, vale esclarecer que a proteção dos direitos humanos transcende até mesmo o poder do Estado. O Estado brasileiro, como signatário da Declaração Interamericana de Direitos Humanos, deve responder à Comissão Interamericana de Direitos Humanos pelos seus atos e omissões que digam respeito à eliminação das discriminações, podendo ser compelido pela Corte Interamericana de Direitos Humanos a inibir a violação dos direitos humanos e até a reparar as consequências da violação desses direitos mediante o pagamento de indenização justa à parte lesada (art. 63, Pacto São José da Costa Rica). Isto significa que se levada a juízo uma questão que diga respeito à violação de um direito humano, e a discriminação é fundamentalmente um ato que viola a dignidade humana, sequer o Judiciário brasileiro tem a última palavra, se sua decisão não foi eficiente para reparar o dano sofrido pela vítima. Ou em outros termos, em se tratando de direitos humanos, os juízes não podem manter uma postura indiferente e complacente com o agressor.286

Uma situação muito importante que a presente convenção também tutela é a

proibição da escravidão e da servidão (artigo 6º). Qualquer preceito de igualdade se inicia

rechaçando esse tipo de violência à pessoa humana e à humanidade.

Temos no artigo 21 o reconhecimento e a tutela da propriedade privada.

Entretanto o dispositivo acaba por interferir na propriedade subordinando seu uso ao interesse

social. De maneira expressa determina que não será admitida nenhuma forma de exploração

do homem pelo homem. Também nesses dispositivos aflora o Capitalismo Humanista.

Já o artigo 26 no mais elevado espírito humanista (Capitalismo Humanista)

propõe um “desenvolvimento progressivo”, no sentido de que os Estados devem propiciar às

pessoas os Direitos Sociais. “Registre-se, por fim, que o princípio do não retrocesso foi

expressamente acolhido no sistema regional americano de proteção aos direitos humanos,

constando do art. 29 da Convenção Americana de Direitos Humanos”.287

286 MAIOR, Jorge Luiz Soto. Anúncios de Empregos: Discriminação e Responsabilidades. Disponível em: <https://www.magisteronline.com.br/mgstrnet/lpext.dll?f=templates&fn=main-hit-j.htm&2.0>. Acesso em: 22/02/2013. 287 MURADAS, Daniela. O Princípio da Vedação do Retrocesso Jurídico e Social no Direito Coletivo do Trabalho. Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária n. 262, São Paulo, abril de 2011, p. 88.

136

3.5. Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos - 1981

Esse documento internacional foi editado tendo por base o continente africano,

que historicamente é assolado pela miséria e pela exploração do homem pelo seu semelhante.

Sua verificação ser dará em função de identificarmos também o Capitalismo

Humanista naquele continente.

Por se tratar de Direitos Humanos, extrapola seus limites e irradia seus efeitos

para toda a humanidade. Por esse motivo, guarda real importância para o trabalho.

Foram necessários mais de trinta anos, desde a edificação da Declaração

Universal em 1948, para que os países africanos se movimentassem no sentido de se

comprometerem em nível regional com a proteção dos Direitos Humanos. A Carta Africana

dos Direitos do Homem e dos Povos é o primeiro instrumento africano de Direitos Humanos,

e foi fruto de um longo processo de consolidação do conceito de Direitos Humanos.288

O sistema africano de protecção dos direitos humanos começou por se desenvolver no seio da Organização de Unidade Africana (OUA), desde 2002 transformada em União Africana (UA). Tem como principal tratado de direitos humanos a Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos (CADHP), adoptada em 1981 e entrada em vigor a 21 de Outubro de 1986 (desde aí e por essa razão, 21 de Outubro é considerado o Dia Africano dos Direitos Humanos). 53 Estados são Partes neste tratado, incluindo todos os países africanos de língua oficial portuguesa (PALOP). A CADHP foi claramente influenciada pelo conteúdo dos instrumentos de direitos humanos adoptados, por exemplo, sob a égide das Nações Unidas, mas apresenta também especificidades próprias, nomeadamente a importância atribuída aos deveres da pessoa humana. A par de direitos individuais (como os chamados direitos civis, políticos, económicos, sociais e culturais), consagra também direitos colectivos (dos povos), assim como deveres individuais.289

A Carta Africana foi fortemente influenciada pelos demais instrumentos regionais,

tais como a Convenção Europeia de 1950 e a Convenção Americana de Direitos Humanos de

1969.290

288 SAAVEDRA ALVAREZ, Yuria. El sistema africano de derechos humanos y de los pueblos. Prolegómenos. [Anuário Mexicano de Direito Internacional], México, 2013. Disponível em: <http://www.scielo.org.mx/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1870-4654200800010 0020&lng=es&nrm=iso>. Acesso em: 15/02/2013. 289 TAVARES, Raquel. O Sistema Africano de Protecção dos Direitos Humanos. Disponível em: <http://direitoshumanos.gddc.pt/2_3/IIPAG2_3_1.htm>. Acesso em: 19/02/2013. 290 SAAVEDRA ALVAREZ, Yuria. El sistema africano de derechos humanos y de los pueblos. Prolegómenos. [Anuário Mexicano de Direito Internacional], México, 2013. Disponível em: <http://www.scielo.org.mx/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1870-4654200800010 0020&lng=es&nrm=iso>. Acesso em: 15/02/2013.

137

Especificamente, no preâmbulo291 podemos verificar o real teor do documento, no

sentido de proteção à igualdade e à justiça, dentre outros. De início, podemos aferir o

Capitalismo Humanista.

Ya el preámbulo de la Carta señala que los derechos civiles y políticos no pueden disociarse de los derechos económicos, sociales y culturales en su concepción y universalidad, y que la satisfacción de los derechos económicos, sociales y culturales es una garantía para el disfrute de los derechos civiles y políticos.292

O artigo 2º traz uma proteção contra a discriminação, e, dentre as formas de

discriminações que devem ser repudiadas, estão as ligadas a situações sociais, fortuna e

nascimento.

Em seguida, no artigo 5º, rechaça as formas de exploração e ou aviltamento de

qualquer pessoa, sob qualquer pretexto. Temos no artigo 8º e 15 garantida a liberdade para o

trabalho, com suas garantias.

O artigo 14 garante a propriedade, mas a condiciona à necessidade pública e ao

interesse geral da coletividade.

Encontramos no artigo 21 talvez um dos preceitos mais importantes para os países

africanos, que é a soberania em relação a suas riquezas e recursos naturais, seguido pelo artigo

22 que garante o livre desenvolvimento econômico das pessoas e dos povos.

Temos no artigo 23 o cerne do Capitalismo Humanista. Reconhece que a

solidariedade está insculpida na Carta das Nações Unidas (e por óbvio na Declaração

Universal dos Direitos Humanos - 1948) e no presente documento:

291 “Os sistemas regionais de direitos humanos – Convenção Americana, Convenção Europeia e Convenção Africana – anunciam, em seus preâmbulos, como matriz filosófica a Declaração Universal de 1948, o que põe em evidencia o caráter complementar de tais sistemas, objetivando assegurar uma maior eficácia à proteção e implementação dos Direitos Humanos, ofertando às vítimas uma salutar e louvável ampliação do acesso aos seus mecanismos de proteção. A crescente ampliação dos instrumentos normativos de proteção aos direitos humanos comprova o desenvolvimento de um sistema baseado em uma unidade conceitual (indivisibilidade dos direitos humanos) que prima por uma generalização da proteção ao ser humano e transcende eventuais diferenças existentes na formulação de direitos abrigados em âmbito regional” (CAVALCANTI, João Helder Dantas. Igualdade, Direito do Trabalho e Direitos Humanos na Corte Interamericana. In: SILVA, Alessandro; MAIOR, Jorge Luiz Souto; FELIPPE, Kenarik Boujikian; SEMER, Marcelo (coords.). Direitos Humanos: essência do Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2007, p. 301). 292 SAAVEDRA ALVAREZ, Yuria. El sistema africano de derechos humanos y de los pueblos. Prolegómenos. [Anuário Mexicano de Direito Internacional], México, 2013. Disponível em: <http://www.scielo.org.mx/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1870-4654200800010 0020&lng=es&nrm=iso>. Acesso em: 15/02/2013. Tradução Livre do Autor: Já no preâmbulo da Carta, se verifica que os direitos civis e políticos não podem se separar dos direitos econômicos, sociais e culturais em sua concepção e universalidade, e que a satisfação dos direitos econômicos, sociais e culturais é uma garantia para o desfrute dos direitos civis e políticos.

138

Art.23 1. Os povos têm direito à paz e à segurança tanto no plano nacional como no plano internacional. O princípio de solidariedade e de relações amistosas implicitamente afirmado na Carta da Organização das Nações Unidas e reafirmado na Carta da Organização da Unidade Africana deve presidir às relações entre os Estados.

Nesse mesmo sentido, o artigo 29 determina dentre outras coisas que a

solidariedade social deve ser preservada e que todos devem agir em prol da sociedade.

Expressamente podemos verificar o capitalismo humanista.

3.6. Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento – 1986

Essa Declaração causou algumas controvérsias desde sua edificação em 1986.

Alguns países defendiam a transferência de recursos como premissa para o desenvolvimento.

Já outros, negavam inclusive a existência de tal direito. Importante ressaltar que esse direito

foi reafirmado em Viena em 1993, onde deixou de ser mera retórica, passando a ter uma real

implementação.293

O texto inicia determinando que as pessoas possuem o direito de se desenvolver

economicamente (artigo 1º).

Temos a definição do direito ao desenvolvimento294 no artigo 1º, que o eleva ao

nível de Direito Humano inalienável inerente a todas as pessoas. O desenvolvimento aqui

deve ser entendido em sentido amplo: econômico, social, cultural e político.295

293 NWAUCHE, E. S.; NWOBIKE, J. C. Implementação do direito ao desenvolvimento. Sur, Revista internacional de direitos humanos vol. 2, n. 2, São Paulo, 2005. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1806-64452 005000100005&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 17/02/2013. 294 “A base conceitual para o Pacto de Desenvolvimento reside (...) na abordagem do desenvolvimento baseada em direitos (...) é aquela que estabelece como seu objetivo principal a realização dos direitos humanos, além da atribuição de poder (empowerment). Essa postura é radicalmente diferente da adotada pelos principais países doadores. Para eles, o objetivo do desenvolvimento é a erradicação da pobreza e não, fundamentalmente, o respeito e a promoção dos direitos humanos. Ambos os lados concordam com uma abordagem baseada em direitos, mas divergem quanto a sua interpretação, particularmente sobre a questão da responsabilização (accountability)” (NWAUCHE, E. S.; NWOBIKE, J. C. Implementação do direito ao desenvolvimento. Sur, Revista internacional de direitos humanos vol. 2, n. 2, São Paulo, 2005. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1806-64452 005000100005&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 17/02/2013). 295 ALVES, José Augusto Lindgren. A arquitetura internacional dos direitos humanos (Coleção Juristas da Atualidade). Coordenação de Hélio Bicudo. São Paulo: FTD, 1997, p. 208.

139

Esse conceito de desenvolvimento coloca a pessoa no centro do processo

desenvolvimentista. “Influiu, ainda, decisivamente, na abordagem ‘humanista’ dos temas

sociais das grandes conferências da década de 90”.296

O saudável desenvolvimento econômico é uma das finalidades do capitalismo

humanista. Aliás, ele proporciona que seja assim.

O artigo 1º ainda prevê que esse desenvolvimento passará por todas as dimensões

de Direitos Humanos. Na mais pura acepção Capitalista Humanista, o artigo 9º determina que

esses Direitos Humanos são indivisíveis e que cada um deles deverá ser observado no todo

em que está inserido.

A pessoa humana é colocada no centro do desenvolvimento, e todos possuem a

responsabilidade ao pleno desenvolvimento com o pleno gozo dos Direitos Humanos (artigo

2º).

Nesse sentido, o art. 2º, § 1º, da Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento traz a teoria do antropocentrismo e disciplina que “a pessoa humana é o sujeito central do desenvolvimento e deveria ser participante ativo e beneficiário do direito ao desenvolvimento”.297

O artigo 8º garante a todos o acesso aos Direitos Sociais.

Na esfera doutrinária, a Declaração Sobre o Direito ao Desenvolvimento consolida a tendência histórica à expansão dos direitos humanos rumo a uma nova categoria, de titularidade coletiva e responsabilidade difusa. Tais direitos, não-jurisdicionados nem exigíveis em tribunais, têm por sujeitos os indivíduos que compõem povos e nações. São cobrados, em última instância, da comunidade internacional como um todo.298

O desenvolvimento lastreado nos Direitos Humanos deve considerar o

desenvolvimento humano e social como verdadeiro direito, inclusive podendo ser

reivindicado em face do Estado e da comunidade internacional.299

296 ALVES, José Augusto Lindgren. A arquitetura internacional dos direitos humanos (Coleção Juristas da Atualidade). Coordenação de Hélio Bicudo. São Paulo: FTD, 1997, p. 210. 297 BRAMANTE, Ivani Contini. Fundamentos da Ação Regressiva Acidentária. Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária n. 275, São Paulo, maio de 2012, p. 12. 298 ALVES, José Augusto Lindgren. A arquitetura internacional dos direitos humanos (Coleção Juristas da Atualidade). Coordenação de Hélio Bicudo. São Paulo: FTD, 1997, p. 210. 299 NWAUCHE, E. S.; NWOBIKE, J. C. Implementação do direito ao desenvolvimento. Sur, Revista internacional de direitos humanos vol. 2, n. 2, São Paulo, 2005. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1806-64452 005000100005&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 17/02/2013.

140

Direitos que podem ser reivindicados pelas pessoas, como titulares de tais

direitos, contra os detentores das obrigações correspondentes, tais como o Estado e a

comunidade internacional.

3.7. Declaração e Programa de Ação de Viena – 1993

A presente declaração é muito importante no sentido de que reforça em nível

mundial os Direitos Humanos em todas as suas dimensões.

Observadas as especificidades das respectivas matérias, a Conferência de Viena foi para os direitos humanos o que a Rio-92 foi para o meio ambiente. A mobilização terá contribuído substantivamente para consolidar e difundir a importância desses "temas globais", de interesse para toda a humanidade. Os marcos referenciais para o trabalho nacional e internacional sobre ambos, contudo, são os documentos de caráter governamental delas emanados: a Agenda 21, da Conferência do Rio de Janeiro, para o meio ambiente e o desenvolvimento, e a Declaração e o Programa de Ação de Viena, para os direitos humanos.300

Em verdade, a presente Declaração constitui-se como um documento mais

abrangente adotado consensualmente pela comunidade internacional. É até mais abrangente

que a própria Declaração Universal. Esse documento conseguiu efetivar um caráter

verdadeiramente universal aos Direitos Humanos revelados na Declaração Universal. Aliás,

essa foi uma das conquistas mais difíceis.301

Uma das mensagens da Declaração de Viena, decorrente da Conferência Mundial de Direitos Humanos de 1993, demonstrou com clareza a estreita ligação entre o desenvolvimento e os direitos humanos e entre as liberdades fundamentais e a democracia: “a comunidade internacional deveria apoiar o fortalecimento e a promoção da democracia, do desenvolvimento e do respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais em todo o mundo (parágrafo 8º)”. Isso quer dizer que o desenvolvimento econômico não pode persistir em seu papel de concentrador de riquezas e renda e que os direitos econômicos, sociais e culturais guardam forte conexão com os demais direitos humanos, representando a violação de um só deles a agressão a todo o sistema.302

300 ALVES, José Augusto Lindgren. Direitos humanos: o significado político da conferência de Viena. Lua Nova n. 32, São Paulo, abril de 1994. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-6445199400010000 9 &lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 17/02/2013. 301 ALVES, José Augusto Lindgren. Direitos humanos: o significado político da conferência de Viena. Lua Nova n. 32, São Paulo, abril de 1994. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-6445199400010000 9 &lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 17/02/2013. 302 CAVALCANTI, João Helder Dantas. Igualdade, Direito do Trabalho e Direitos Humanos na Corte Interamericana. In: SILVA, Alessandro; MAIOR, Jorge Luiz Souto; FELIPPE, Kenarik Boujikian; SEMER, Marcelo (coords.). Direitos Humanos: essência do Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2007, p. 306.

141

Essa Declaração garante ainda a autodeterminação dos povos, bem como o seu

desenvolvimento econômico, social e cultural.

Mais do que isso, no item 5, trata da universalização dos Direitos Humanos,

prevendo sua indivisibilidade, interdependência e inter-relação. Garante a aplicabilidade de

todas as dimensões dos Direitos Humanos. Nesse sentido, podemos verificar o Capitalismo

Humanista.

Com exatos 100 parágrafos, após o preâmbulo e a parte conceitual, o Programa de Ação engloba, entre as recomendações mais significativas: - a coordenação entre todas as agências e órgãos da ONU em apoio aos direitos humanos; - a avaliação pelas organizações e instituições financeiras e de promoção ao desenvolvimento, regionais e internacionais, do impacto de suas políticas sobre o gozo dos direitos humanos; - a alocação de maiores recursos financeiros e administrativos ao Centro para os Direitos Humanos das Nações Unidas; - o reforço à assistência técnica internacional para os direitos humanos; - o reforço ao sistema de monitoramento internacional de todos os direitos; - a consideração prioritária pela Assembleia Geral da questão do estabelecimento de um Alto-Comissário para os Direitos Humanos; - a criação de um programa abrangente, nas Nações Unidas, para auxiliar os Estados, a seu pedido, na implementação de projetos nacionais com impacto direto na observância dos direitos humanos e na manutenção do Estado de Direito.303

3.8. Conclusão do Capítulo

O primeiro documento internacional analisado e um dos mais importantes em que

conseguimos vislumbrar o Capitalismo Humanista é o Tratado de Versalhes de 1919, que

criou a OIT.

Esse Tratado iniciou o asseguramento da segunda dimensão dos Direitos

Humanos em nível mundial.

A Declaração de Filadélfia de 1944 fechou o ciclo, sedimentando a OIT no

cenário político e econômico mundial.

Foi a primeira vez que, em nível mundial, a Liberdade/propriedade realmente

sofreram um processo de limitação pela segunda dimensão dos Direitos Humanos, no sentido

de se encontrar um equilíbrio nessa dicotomia Liberdade/igualdade.

303 ALVES, José Augusto Lindgren. Direitos humanos: o significado político da conferência de Viena. Lua Nova n. 32, São Paulo, abril de 1994. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-6445199400010000 9 &lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 17/02/2013.

142

Muito mais do que edificar os Direitos Humanos, o Tratado de Versalhes e a

Declaração de Filadélfia foram importantes para a paz mundial, reconhecendo que a justiça

social é um elemento garantidor da paz planetária.

Podemos visualizar aqui o Capitalismo Humanista, que vem no sentido de

ponderar essas duas dimensões de Direitos Humanos. Mais do que isso, também tem o condão

de estabelecer o humanismo em nível mundial.

Outro grande documento de Direitos Humanos, senão um dos mais importantes é

a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Trata-se de um reconhecimento

histórico mundial dos Direitos Humanos, especialmente a liberdade, a igualdade e a

fraternidade.

É a mais pura acepção do Capitalismo Humanista vivo, operando as duas

primeiras dimensões de Direitos Humanos pela Lei Universal da Fraternidade.

Além disso, a Declaração Universal estabeleceu uma nova ordem humanista

mundial, o Direito Internacional dos Direitos Humanos. Juntamente com esse documento, os

dois Pactos de 1966 formam a “Carta Internacional de Direitos Humanos”.

Esses dois Pactos (de Direitos Civis e Políticos, e de Direitos Econômicos, Sociais

e Culturais), funcionam como uma espécie de regulamentação da Declaração Universal, e

reafirmam integralmente em seu texto o Capitalismo Humanista.

Também podemos verificar que o Capitalismo Humanista se faz presente na

Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969. Essa Convenção é o documento de

maior importância no sistema interamericano, pois irradia os Direitos Humanos em todas as

suas dimensões (inclusive a fraternidade).

Além disso, aflora o Capitalismo Humanista ao prever, por exemplo, o princípio

do não retrocesso social; a não discriminação; a não escravidão (proibição do trabalho

forçado), entre outros.

Na Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos de 1981, o Capitalismo

Humanista também é encontrado no texto, que deve atender ao povo daquele continente e de

todo o planeta.

Essa Carta institui também um sistema regional de Direitos Humanos, a exemplo

da Convenção Americana de Direitos Humanos. Também irradia o Capitalismo Humanista

em todo o seu texto.

143

No que diz respeito à Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento de 1986, é

um importante documento que celebra o Capitalismo Humanista, pois elenca o

desenvolvimento econômico como um importante Direito Humano.

Por fim, ao analisar a Declaração e Programa de Viena de 1993, aferimos que

reafirma historicamente todos os Direitos Humanos. Essa Declaração também acaba por

chancelar mais uma vez o Capitalismo Humanista em nível internacional. Inclusive conseguiu

uma abrangência maior do que a Declaração Universal de 1948.

Dessa forma, pudemos concluir, por esses documentos de Direitos Humanos, que

o Capitalismo Humanista se faz presente também no Direito Internacional de Direitos

Humanos. Isso, além de celebrar o Humanismo em nível internacional, fortalece o

Capitalismo Humanista internamente em nosso ordenamento jurídico.

Os direitos humanos possuem uma dinâmica própria que, à evidência, atravessa a história e atormenta aos poderosos e opressores do povo como a alma de uma projeto de civilização que se perpetua em sua dimensão para lembrar ao ser humano que, futuramente, quando se perguntar por que os sinos dobram a resposta será “para celebrar a paz e a fraternidade universal”, como resultado de uma sociedade que aprendeu a exercitar a tolerância e a promover a diversidade.304

304 CAVALCANTI, João Helder Dantas. Igualdade, Direito do Trabalho e Direitos Humanos na Corte Interamericana. In: SILVA, Alessandro; MAIOR, Jorge Luiz Souto; FELIPPE, Kenarik Boujikian; SEMER, Marcelo (coords.). Direitos Humanos: essência do Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2007, p. 321.

144

4. INCORPORAÇÃO DO CAPITALISMO HUMANISTA PELO

DIREITO DO TRABALHO POR MEIO DO DIREITO ECONÔMICO

Conforme verificamos nos capítulos anteriores, o Capitalismo Humanista é uma

realidade e, além de estar inserido no Direito Internacional dos Direitos Humanos, também se

encontra em nosso ordenamento jurídico por um conjunto de artérias constitucionais.

Também podemos identificá-lo no intratexto legal.

Não se trata apenas e tão somente de uma ou outra característica identificada no

texto da Constituição. Pelo contrário, o encontramos na unidade constitucional. O capitalismo

Humanista passeia por toda a Constituição e é uma realidade.

Com a finalidade de incorporar essas premissas humanas no Direito do Trabalho,

nos remeteremos aos Direitos Fundamentais, especialmente em relação às três primeiras

dimensões (liberdade, igualdade e fraternidade), demonstrando que a dicotomia

liberdade/igualdade se adensa ponderada pela fraternidade.

Veremos que o próprio Direito Fundamental de propriedade, conforme

destacaremos, nessa nova acepção humanista, se desloca do grupo dos Direitos Civis e

Políticos e passa a compor o estofo jurídico dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais,

devendo repercutir sistematicamente. Até mesmo a liberdade está tomando essa forma.

Destacaremos ainda a aplicabilidade imediata de todos os Direitos Fundamentais,

partindo para o seu fortalecimento, nas três primeiras dimensões, para além de identificar o

Capitalismo Humanista, pontuar a aplicabilidade desses preceitos humanizadores e

concretizadores da dignidade da pessoa humana. Não faremos uma abordagem histórica

pontual, mas sim geral, dando um enfoque abrangente ao movimento histórico consagrador

desses Direitos.

Veremos ainda que o Direito do Trabalho hoje está consolidado e que possui uma

lógica toda especial na consecução dos Direitos Sociais dos Trabalhadores (segunda

dimensão).

Este trabalho de maneira nenhuma visa desconstruir o Direito Laboral, pelo

contrário, possui como objetivo complementá-lo para se chegar ao seu fim maior, a proteção

das pessoas que se submetem a uma relação de trabalho.

145

Segundo Américo Plá Rodriguez,

Dada sua permanente evolução e aparecimento recente, o Direito do Trabalho necessita apoiar-se em princípios que supram a estrutura conceitual, assentada em séculos de vigência e experiência possuídas por outros ramos jurídicos. Por outro lado, seu caráter fragmentário e sua tendência para o concreto conduzem à proliferação de normas em contínuo processo de modificação e aperfeiçoamento. Por isso se diz que o Direito do Trabalho é um direito em constante formação.305

Focaremos ainda o Capitalismo Humanista como Direito Fundamental e sua

aplicabilidade como todos os demais Direitos dessa natureza.

Demonstraremos qual é um dos possíveis caminhos para o Capitalismo Humanista

operar a ponderação dos Direitos Fundamentais em matéria que se relacione com o

trabalhador. Em outras palavras, veremos a inserção do Capitalismo Humanista no Direito do

Trabalho, pelo Direito Econômico Tridimensional Humanista. Construiremos o “Direito

Econômico do Trabalho”.

Por fim, analisaremos cinco situações concretas práticas de inserção do

Capitalismo Humanista no Direito do Trabalho pelo Direito Econômico Humanista

Tridimensional.

Os três primeiros casos ainda aguardam solução, e indicaremos qual seria a

melhor saída (sempre amparados pelo Humanismo). Não receberam ainda tratamento

adequado por parte de nossos Tribunais.

Os dois últimos receberam tratamento jurídico humano adequado de nossas Cortes

Trabalhistas, e sem dúvida são sementes que merecem ser cultivadas, para servirem de

paradigmas e espalhar a dignidade humana para todos os aflitos, que, em desespero, buscam

socorro e têm o Direito como única e última forma de concretizar sua condição humana.

305 RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho. 3ª ed. atual. São Paulo: LTr, 2002, p. 26.

146

4.1. Direitos Fundamentais

Os Direitos Fundamentais306 decorrem de uma acepção natural, com vistas à

pessoa, tendo por base uma raiz filosófico-religiosa. Decorrem diretamente dos dogmas

cristãos; a igualdade é fundamental a todas as pessoas, pois estas foram criadas à imagem e

semelhança de Deus.307

Esse pano de fundo religioso foi substituído, sem grandes modificações, pelas

obras racionalistas do século XVII. A partir de então, o fundamento deixou de ser a vontade

divina e passou a ser a razão.308

Os ensinamentos de Jesus Cristo marcaram fundamentalmente a padronização da

dignidade da pessoa humana e seu entendimento universal, conferindo uma proteção especial

à própria dignidade. O valor humano, que deve pautar o Direito positivo, se deve às lições de

que o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus, que assumiu a condição humana

por meio de seu Filho.309

José Francisco Siqueira Neto enfatiza que “os direitos do homem nascem como

direitos naturais, desenvolvem-se como direitos positivos particulares, para finalmente

encontrarem sua plena realização como direitos positivos universais”.310

As teorias contratualistas (séculos XVII e XVIII) fortaleceram a ideia de que a

autoridade política deve se submeter ao indivíduo, e isso se dá pela primazia humana em

relação ao Estado. A proteção a esses direitos preexiste ao Estado, por serem eles inerentes às

pessoas; coloca o Estado em situação de servir às pessoas, garantindo direitos básicos.311

306 “Tais direitos fundamentais, se respeitados por qualquer ordem jurídica, permitem que o conteúdo ético, negado pelos formalistas, assegure pleno exercício democrático” (MARTINS, Ives Gandra da Silva. Roteiro para uma Nova Constituição, vol. I. São Paulo: Forense, 1987, p. 6). 307 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 32ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 287. 308 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 32ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, pp. 287 e 288. 309 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 222. 310 SIQUEIRA NETO, José Francisco. Liberdade sindical e representação dos trabalhadores nos locais de trabalho. São Paulo: LTr, 2000, p. 69. 311 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 222.

147

Uadi Lammêgo Bulos312 define os Direitos Fundamentais como sendo,

O conjunto de normas, princípios, prerrogativas, deveres e institutos inerentes à soberania popular, que garantem a convivência pacífica, digna, livre e igualitária, independentemente de credo, raça, origem, cor, condição econômica ou status social. Sem os direitos fundamentais o homem não vive, não convive, e, em alguns casos, não sobrevive. Os direitos fundamentais são conhecidos sob os mais diferentes rótulos, tais como direitos humanos fundamentais, direitos humanos, direitos do homem, direitos individuais, direitos públicos subjetivos, direitos naturais, liberdades fundamentais, liberdades públicas etc.

Muito pertinente a definição de José Francisco Siqueira Neto:

Os Direitos Fundamentais – no diapasão da definição que já se tornou clássica – são os típicos direitos históricos, isto é, construídos historicamente mediante o processo de fricção permanente travado entre, de um lado, os defensores da manutenção dos padrões jurídicos e políticos estabelecidos com resistência à efetivação de novos direitos, e de outro lado, os postulantes de novas liberdades e novos direitos.313

Mais do que por uma questão metodológica e didática, os Direitos Fundamentais

são classificados em dimensões.314

Paulo Bonavides315, que prefere utilizar a expressão “gerações de Direitos

Fundamentais”, prevê que são cinco: liberdade, igualdade (Direitos Sociais), fraternidade,

democracia e paz.

312 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 401. 313 SIQUEIRA NETO, José Francisco. Direitos Fundamentais: afirmação na esfera do Direito do Trabalho. In: BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita; BERCOVICI, Gilberto; MELO, Claudinei de (coords.). Direitos Humanos, Democracia e República. Homenagem a Fábio Konder Comparato. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 557. 314 Sem embargo, ao invés de utilizarmos o termo “gerações”, preferimos classificar os Direitos Fundamentais em “dimensões”, termo que nos dá uma ideia mais de adensamento, de acúmulo de Direitos Fundamentais, e, por esse motivo, nos parece mais correto. Assim nos ensina Willis Santiago Guerra Filho: “Que ao invés de ‘gerações’ é melhor se falar em ‘dimensões de direitos fundamentais’, nesse contexto, não se justifica apenas pelo preciosismo de que as gerações anteriores não desaparecem com o surgimento das mais novas. Mais importante é que os direitos ‘gestados’ em uma geração, quando aparecem em uma ordem jurídica que já traz direitos da geração sucessiva, assumem outra dimensão, pois os direitos de geração mais recente tornam-se um pressuposto para entendê-los de forma mais adequada – e, consequentemente, também para melhor realizá-los. Assim, por exemplo, o direito individual de propriedade, num contexto em que se reconhece a segunda dimensão dos direitos fundamentais, só pode ser exercido observando-se sua função social, e com o aparecimento da terceira dimensão, observando-se igualmente sua função ambiental (GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais. 5ª ed. rev. e ampl. São Paulo: RCS Editora, 2007, p. 43). Para um melhor transcorrer deste estudo, não faremos mais distinções entre “gerações” e “dimensões”. Respeitaremos a escolha de cada doutrinador. 315 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 24ª ed. atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2009, pp. 561 a 593.

148

Mesmo pesando essa importante construção, para nosso estudo abordaremos

apenas as três primeiras dimensões (Liberdade, Igualdade e Fraternidade). “Em suma, pode-se

afirmar que a primeira geração seria a dos direitos de liberdade, a segunda, dos direitos de

igualdade, a terceira, assim, contemplaria o lema da Revolução Francesa: liberdade,

igualdade, fraternidade”.316

O conjunto de regras estabelecidas para os seres humanos viverem em sociedade

(com liberdade e direitos) deve estabelecer limites que as pessoas aceitem. A convivência em

comunidade necessita do sacrifício das pessoas no sentido de limitação de seus direitos

naturais. Não há como todas as pessoas em conjunto exercerem de uma só vez todos os seus

direitos naturais, sem que isso gere “balbúrdia” e conflitos.317 Esse é o desafio.

(...) a doutrina dos direitos fundamentais revelou uma grande capacidade de incorporar desafios. Sua primeira geração enfrentou o problema do arbítrio governamental, com as liberdades públicas, a segunda, o dos extremos desníveis sociais, com os direitos econômicos e sociais, a terceira, hoje, luta contra a deterioração da qualidade da vida humana e outras mazelas, com os direitos de solidariedade.318

4.1.1. Primeira Dimensão (Liberdade e Propriedade)

A primeira dimensão dos Direitos Fundamentais são os Direitos Civis e Políticos.

Ganham destaque a liberdade319 e a propriedade.320 “Os primeiros direitos fundamentais

reconhecidos e proclamados, quer por declarações universais, quer no âmbito interno de

cada Estado, foram os individuais e os direitos políticos”.321

316 LOBATO, Marthius Sávio Cavalcante. O valor constitucional para a efetividade dos direitos sociais nas relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2006, p. 40. 317 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. 14ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 22. 318 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. 14ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 33. 319 Economicamente, a Liberdade econômica se traduz pela Livre-iniciativa. 320 “A primeira geração de direitos situa-se na primeira metade do século XIX e corresponde aos direitos e liberdades individuais, ou seja, às liberdades públicas” (LOBATO, Marthius Sávio Cavalcante. O valor constitucional para a efetividade dos direitos sociais nas relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2006, p. 39). 321 NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. A Cidadania Social na Constituição de 1988: estratégias de positivação e exigibilidade judicial dos Direitos Sociais. São Paulo: Verbatim, 2009, p. 44.

149

O que levou ao aparecimento da primeira dimensão dos Direitos Fundamentais foi

a opressão absolutista (ou pelo menos essa é a causa mais provável).322 “O florescimento de

tal pletora de direitos guarda estreita correlação histórica com o fim das monarquias

absolutas”.323

Neste mesmo período histórico de desconstrução do absolutismo, prevaleceram as

ideias de que o bem público pertence à coletividade e que deve haver uma necessária

intervenção popular no governo.324

A concretização da primeira dimensão começou com a Constituição do Estado da

Virgínia em junho de 1776. Entretanto o ponto inicial mais conhecido e influente é a

Revolução Francesa325 de 1789.326

Dessa forma, com a Revolução Francesa, foram edificados os Direitos

Fundamentais de primeira dimensão, que são as liberdades públicas (dentre elas a

econômica)327 e a propriedade. A partir de então se estabeleceu uma liberdade plena, sem

amarrações por parte do Estado (laissez-faire), podendo as partes celebrar livremente e sem

qualquer limitação qualquer contrato.

De fato, respondendo aos desmandos inerentes a tal regime político, o pensamento humanista sufragou a necessidade de que o Estado, a partir de então submisso a uma Constituição, arrolasse direitos que o indivíduo pudesse opor contra o próprio Estado, na perspectiva de proteção da sua liberdade.328

322 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 32ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 287. 323 NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. A Cidadania Social na Constituição de 1988: estratégias de positivação e exigibilidade judicial dos Direitos Sociais. São Paulo: Verbatim, 2009, p. 44. 324 NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. A Cidadania Social na Constituição de 1988: estratégias de positivação e exigibilidade judicial dos Direitos Sociais. São Paulo: Verbatim, 2009, p. 44. 325 “Em rigor, o lema revolucionário do século XVIII, esculpido pelo gênio político francês, exprimiu em três princípios cardeais todo o conteúdo possível dos direitos fundamentais, profetizando até mesmo a sequência histórica de sua gradativa institucionalização: liberdade, igualdade e fraternidade. (...) Os direitos fundamentais passaram na ordem institucional a manifestar-se em três gerações sucessivas, que traduzem sem dúvida um processo cumulativo e qualitativo, o qual, segundo tudo faz prever, tem por bússola uma nova universalidade: a universalidade material e concreta, em substituição da universalidade abstrata e, de certo modo, metafísica daqueles direitos, contida no jusnaturalismo do século XVIII” (BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 24ª ed. atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2009, pp. 562 e 563). 326 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 32ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 287. 327 Caracterizada pela Livre-iniciativa. 328 NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. A Cidadania Social na Constituição de 1988: estratégias de positivação e exigibilidade judicial dos Direitos Sociais. São Paulo: Verbatim, 2009, p. 44.

150

A partir desse momento foram edificadas as liberdades públicas e a propriedade.

Estava se sedimentando o capitalismo liberal como forma de organização econômica (livre-

iniciativa e propriedade).

Esses Direitos foram os primeiros a serem inseridos em nível constitucional, e se

consubstanciam nos Direitos Civis e Políticos das pessoas, e em grande parte, sob um olhar

histórico, correspondem ao marco inaugural do constitucionalismo no ocidente.329

Com essa dimensão de Direitos Fundamentais, o Estado passou a ter uma

obrigação de não interferir nas liberdades das pessoas, que poderiam exercê-la de maneira

plena, sem qualquer tipo de restrição no que diz respeito à manifestação de sua vontade.

Trata-se de um direito negativo, pois gera a obrigação negativa endereçada ao Estado, a obrigação de deixar de fazer algo. Trata-se de uma obrigação de abster-se da intervenção na esfera de liberdade garantida pela Constituição (imperativo de omissão – Unterlassungsgebot).330

Com o surgimento dessa dimensão (direitos e garantias individuais clássicos),

ponderou-se uma limitação ao poder estatal e seu embasamento331.

A primeira dimensão é uma proteção destinada à pessoa, para protegê-la do

Estado, das limitações e intervenções estatais à liberdade ou à propriedade.

Nessa fase, prestigiavam-se as cognominadas prestações negativas, as quais geravam um dever de não fazer por parte do Estado, com vistas à preservação do direito à vida, à liberdade de locomoção, à expressão, à religião, à associação, etc.332

Atualmente, a primeira dimensão está consolidada, e isso foi fruto de um processo

dinâmico e ascendente. Mesmo assim, está aberto sempre para novos avanços. Essa dimensão

possui como titular a pessoa (indivíduo) e é oponível em face do Estado.333

Daí esses direitos traduzem-se em postulados de abstenção dos governantes, criando obrigações de não fazer, de não intervir sobre aspectos da vida pessoal de cada indivíduo. São considerados indispensáveis a todos os homens, ostentando, pois, pretensão universalista.334

329 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 24ª ed. atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 563. 330 DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos Direitos Fundamentais. 3ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, pp. 58 e 59. 331 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 403. 332 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 403. 333 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 24ª ed. atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 563. 334 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 223.

151

Mais do que isso, a liberdade e a propriedade são características marcantes do

capitalismo, e serviram de base para a sua edificação.

Em suma, a primeira dimensão protege o homem em face do Estado.

4.1.1.1. A Nova Concepção da Propriedade

Muito embora pela conceituação clássica (histórica) dos Direitos Fundamentais a

propriedade esteja elencada na primeira dimensão, hoje podemos verificar uma nova

concepção.335

Podemos verificar que além das dimensões, os Direitos Fundamentais se

organizam em famílias, grupos ou categorias. Temos por exemplo o grupo dos Direitos Civis

e Políticos, o grupo dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, além de outros.336

Nesse sentido, Manoel Gonçalves Ferreira Filho337 nos ensina que,

As três gerações, como o próprio termo gerações indica, são os grandes momentos de conscientização em que se reconhecem “famílias” de direitos. Estes têm assim características jurídicas comuns e peculiares. Ressalve-se, no entanto, que, no concernente à estrutura, há direitos que, embora reconhecidos num momento histórico posterior, têm a que é típica de direitos de outra geração.

335 Podemos dizer que a propriedade é um Direito Fundamental de primeira dimensão por excelência, pois sua previsão data do ano de 1215 com a Magna Carta Inglesa do Rei João Sem Terra. “Os direitos humanos fundamentais aparecem juntamente com as Constituições escritas no momento das lutas contra o Estado absolutista monárquico. O primeiro documento escrito que procurou conter os poderes do Monarca surge na Inglaterra, em 1215, a saber, a Magna Carta outorgada por João Sem-Terra” (LOBATO, Marthius Sávio Cavalcante. O valor constitucional para a efetividade dos direitos sociais nas relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2006, p. 29). “Destaque especial, todavia, merece a Magna Carta, de 21 de junho de 1215. Esta é peça básica da constituição inglesa, portanto de todo o constitucionalismo. Apesar de formalmente outorgada por João sem Terra, é ela um dos muitos pactos da história constitucional da Inglaterra, pois efetivamente consiste no resultado de um acordo entre esse rei e os barões revoltados, apoiados pelos burgueses (no sentido próprio da palavra) de cidades como Londres” (FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. 14ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 29). 336 José Francisco Siqueira Neto divide as seguintes categorias: direitos inerentes à pessoa humana, direitos políticos, direitos econômicos, sociais e culturais (SIQUEIRA NETO, José Francisco. Direitos Fundamentais: afirmação na esfera do Direito do Trabalho. In: BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita; BERCOVICI, Gilberto; MELO, Claudinei de (coords.). Direitos Humanos, Democracia e República. Homenagem a Fábio Konder Comparato. São Paulo: Quartier Latin, 2009, pp. 560 e 561). 337 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. 14ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 24.

152

Jorge Miranda e Rui Medeiros338, ao tratarem da propriedade339 na Constituição

Portuguesa340, deslocaram a propriedade do elenco das liberdades, e a inseriram no grupo dos

Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.

Asseveram que não se trata de modificar a estrutura essencial da propriedade, mas

sim verificar suas repercussões sistemáticas.341 “É conferida uma relevância específica à

propriedade quando produto ou consequência de aplicação do trabalho ou como instrumento

de trabalho (...)”.342

Podemos facilmente identificar dispositivos na Constituição de 1988 correlatos ao

que Jorge Miranda e Rui Medeiros utilizaram para fundamentar a inserção da propriedade no

grupo dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (artigo 5º, caput e incisos XXII, XXIV, e,

XXX).343

Em um ambiente em que se reconhecem todas as dimensões de Direitos

Humanos, especialmente a segunda, o Direito de propriedade só pode ser exercido se for

observada sua função social.344

Com muito mais razão, inclusive com outros preceitos arraigados de justiça social

em relação à propriedade, podemos sustentar que em nosso ordenamento jurídico a

propriedade também se deslocou para o grupo dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, e

deve repercutir sistematicamente conforme sua nova realidade.

338 MIRANDA, Jorge; MEDEIROS, Rui. Constituição portuguesa anotada. Tomo I. Coimbra: Coimbra Editora, 2005, p. 626. 339 “O Direito à propriedade joga então com a ‘tarefa fundamental’ do Estado de promover a igualdade real entre os portugueses [artigo 9º, alínea d] ou mais precisamente, com a incumbência do Estado de corrigir as desigualdades na distribuição das riquezas e dos rendimentos [artigos 81º, alínea b, 103º, n. 1 e 104º, n. 1]; e projecta-se dialecticamente sobre os direitos patrimoniais actuais” (MIRANDA, Jorge; MEDEIROS, Rui. Constituição portuguesa anotada. Tomo I. Coimbra: Coimbra Editora, 2005, p. 628). 340 “Artigo 62 da Constituição Portuguesa – 1. A todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição. 2. A requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efectuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização” (MIRANDA, Jorge; MEDEIROS, Rui. Constituição portuguesa anotada. Tomo I. Coimbra: Coimbra Editora, 2005, p.624). 341 MIRANDA, Jorge; MEDEIROS, Rui. Constituição portuguesa anotada. Tomo I. Coimbra: Coimbra Editora, 2005, p. 626. 342 MIRANDA, Jorge; MEDEIROS, Rui. Constituição portuguesa anotada. Tomo I. Coimbra: Coimbra Editora, 2005, p. 626. 343 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:; XXII - é garantido o direito de propriedade; XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição; XXX - é garantido o direito de herança; 344 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais. 5ª ed. rev. e ampl. São Paulo: RCS Editora, 2007, p. 43.

153

O Capitalismo Humanista também opera e fundamenta essa nova repercussão

sistemática da propriedade, por intermédio da Lei Universal da Fraternidade. Essa nova

percepção fortalece o Capitalismo Humanista.

Em relação à Liberdade, Antônio José Avelãs Nunes345, ao ponderar sobre os

Direitos Fundamentais, expõe que “a propriedade é o fundamento da liberdade, e só o

proprietário é um verdadeiro cidadão”.

Se o fundamento da liberdade é a propriedade, e a propriedade, como vimos,

repercute sistematicamente em outro ambiente de Direitos Fundamentais, também podemos

sustentar, em tese, uma nova repercussão sistemática em relação à própria liberdade, inclusive

com uma visão Capitalista Humanista.

Dessa forma, a Liberdade também deve repercutir sistematicamente conforme os

Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.

4.1.2. Segunda Dimensão (Igualdade - Direitos Sociais)

O ambiente eminentemente liberal que fora estabelecido até então, com o

afastamento do Estado (liberdade total), acabou por mitigar a igualdade real nas relações

contratuais, pois não havia como estabelecer uma relação contratual equilibrada quando uma

das partes se mostrava superior economicamente em relação à outra. Os abusos apareceram e

não foram poucos.346

345 NUNES, Antônio José Avelãs. Aventuras e Desventuras do Estado Social. In: BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita; BERCOVICI, Gilberto; MELO, Claudinei de (coords.). Direitos Humanos, Democracia e República. Homenagem a Fábio Konder Comparato. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 72. 346 “Se o patrão estabelecia as condições de trabalho a serem cumpridas pelos empregados, é porque, principalmente, não havia um direito regulamentando o problema. (...) Às vezes eram impostos contratos verbais a longo prazo, até mesmo vitalícios; portanto, uma servidão velada, praticada especialmente em minas nas quais se temia pela falta de mão-de-obra. É o que acontecia na indústria escocesa, na qual os trabalhadores eram comprados ou vendidos com os filhos, tanto assim que se fizeram necessários os decretos parlamentares de 1774 e 1799 suprimindo a servidão vitalícia dos mineiros escoceses” (NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 24ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 16). “Ademais, as condições de trabalho nas fábricas, minas e outros empreendimentos eram extremamente ruins, tanto para o corpo como para o espírito. Nada impedia o trabalho de mulheres e crianças em condições insalubres”. (FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. 14ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 61). Nelson Nazar nos ensina que “a servidão foi um tipo de trabalho que se generalizou na Idade Média e que esteve muito próximo do trabalho escravo. Em tal modalidade de serviço, o indivíduo não possuía total liberdade nem disponibilidade de sua própria pessoa. O regime da servidão se caracterizava pela posse da terra pelos senhores, que acabavam por se apossar de todos os direitos do possuidor servente no tocante à agricultura e pecuária. Só não eram considerados escravos na acepção do termo porque possuíam direito de herança de animais e de objetos pessoais e, em certas partes, do uso dos pastos. Não podiam recorrer aos Juízes contra o senhor da terra, salvo em casos especiais”. (NAZAR, Nelson. Direito Econômico e o Contrato de Trabalho com análise do contrato internacional do trabalho. 1ª ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 85).

154

O desequilíbrio contratual, juntamente com as mazelas geradas pela desigualdade

entre as partes, se mostrou potencialmente mais danoso nas relações de trabalho, nos contratos

de trabalho (amplamente considerados).

Nelson Nazar expõe que,

O capitalismo aparece como um fenômeno irreversível, colocando de um lado os detentores do capital (proprietários das máquinas) e, de outro, grandes contingentes de pessoas a vender seus serviços, sem qualquer modalidade de regulamento ou de limite.347

Os trabalhadores passaram a sentir diretamente a subjugação por seu semelhante

economicamente mais abastado financeiramente. “(...) a liberdade de contrato entre pessoas

com poder e capacidade econômica desiguais conduzia a diferentes formas de exploração.

Inclusive, mais abusivas e iníquas”.348

Estabelecia-se uma clara divisão entre explorados e exploradores. Foram atingidos

níveis inimagináveis de “falta de dignidade”. Surgia por conta disso uma grande massa de

pessoas que estavam obrigadas a se submeter a qualquer situação ante o seu “empregador”

para poderem prover o sustento familiar. Surgia a “questão social”.349

A Questão Social – chamá-la assim – fotografa a situação da classe trabalhadora num momento especial do desenvolvimento capitalista, nos países que primeiro se embrenharam neste caminho. É o caso da Grã-Bretanha, da França, um pouco mais tarde dos Estados Unidos, mas igualmente no norte da península itálica, nos Estados que iriam constituir em 1870 a Alemanha, em menor grau na Holanda, na Bélgica.350

347 NAZAR, Nelson. Direito Econômico e o Contrato de Trabalho com análise do contrato internacional do trabalho. 1ª ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 90. 348 RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho. 3ª ed. atual. São Paulo: LTr, 2002, p. 85. 349 “A expressão questão social não havia sido formulada antes do século XIX, quando os efeitos do capitalismo e as condições da infraestrutura social se fizeram sentir com muita intensidade, acentuando-se um amplo empobrecimento dos trabalhadores, inclusive dos artesãos, pela insuficiência competitiva em relação à indústria que florescia. (...) Os desníveis entre classes sociais fizeram-se sentir de tal modo que o pensamento humano não relutou em afirmar a existência de uma séria perturbação ou problema social” (NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 24ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009, pp. 9 e 10). 350 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. 14ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 60.

155

A liberdade era igual para todos, mas para a maioria era sem sentido, pois não

havia meios para exercê-la. O exercício dessa liberdade por todos implicaria em uma reforma

econômico-social, ou pelo menos uma intervenção do Estado para que a maioria tivesse

acesso ao mínimo.351

As pessoas (trabalhadores) experimentaram todas as mazelas de ambientes

incólumes de trabalho. Foi desastroso do ponto de vista humano.352

O capitalismo operava um “desenvolvimento” trágico (amparado na igualdade

formal e na liberdade de contratar). À medida que se acelerava a produção, as mazelas

assolavam os que, juridicamente livres e iguais formalmente, tinham que se submeter às

piores condições de trabalho, para terem acesso à alimentação.353

O desemprego era iminente, com a substituição das pessoas pelas máquinas. A

grande oferta de mão-de-obra obrigava o trabalhador a se submeter a salários ínfimos e a

jornadas extenuantes. Toda a família, inclusive as crianças, era obrigada a se empregar para

que fosse possível o acesso a uma alimentação mínima e duvidosa.354

351 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 32ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 289. 352 “A vida mostraria não corresponder à realidade a velha tese liberal de que a economia e a sociedade, se deixadas a si próprias, confiadas à mão invisível ou às leis naturais do mercado, proporcionam a todos os indivíduos, em condições de liberdade igual para todos (a igualdade perante a lei), as melhores condições de vida, para além do justo e do injusto. Este pressuposto liberal falhou em virtude de vários factores: progresso técnico, aumento da dimensão das empresas, concentração de capital; fortalecimento do movimento operário (no plano sindical e no plano político) e agravamento da luta de classes; aparecimento de ideologias negadoras do capitalismo. Falhado aquele pressuposto – que justificava a tese de que o estado deveria estar separado da sociedade e da economia –, impôs-se a necessidade de confiar ao estado (ao estado capitalista) novas funções, no plano da economia e no plano social. A emergência do estado social – poderemos antecipar já esta ideia – significou uma diferente representação do estado e do direito, aos quais se comete agora a missão de realizar a ‘justiça social’, proporcionando a todos as condições de uma vida digna, capaz de assegurar o pleno desenvolvimento da personalidade de cada um. A mão visível do direito começava a substituir a mão invisível da economia” (NUNES, Antônio José Avelãs. Aventuras e Desventuras do Estado Social. In: BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita; BERCOVICI, Gilberto; MELO, Claudinei de (coords.). Direitos Humanos, Democracia e República. Homenagem a Fábio Konder Comparato. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 73). 353 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 32ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 289. 354 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 32ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 289.

156

Para Nelson Nazar,

As reações a esse estado de coisas não tardaram a aparecer, levando a inevitável decadência do sistema liberal. A igualdade jurídica caminhava lado a lado com a desigualdade econômica, numa dualidade insuportável. O Estado se colocava como mero observador, limitando-se a assegurar a liberdade desenfreada, inspiradora do chamado “l’État gendarme”. Mesmo os adeptos do liberalismo começavam a conscientizar-se de que o Estado estava inexoravelmente afastado de sua verdadeira função, qual seja, a de promover o bem individual e o coletivo, e de que não poderia estar apenas e tão somente a serviço da preservação da liberdade.355

Segundo José Francisco Siqueira Neto,

As declarações de direitos do homem do século XVIII se constituíam em documentos destinados a realçar os direitos naturais do homem. O aparecimento dos direitos sociais decorreu da inadequação historicamente demonstrada do sistema liberal. Com isso, mudou-se a direção e a intensidade da competência do Estado perante os direitos fundamentais. Conforme pertinente conclusão, o Estado violador – contra o qual se erguem os direitos fundamentais de primeira geração – passa a ser também o Estado garantidor, por meio do qual se podem realizar direitos fundamentais que passaram a se chamar sociais (...).356

Em resposta à situação insuportável de exploração, surgiu um movimento de

incidência mundial, intitulado Constitucionalismo Social, que tinha como objetivo disseminar

pelo mundo os Direitos Sociais em nível constitucional (um rol mínimo estruturado de

Direitos Econômicos, Sociais e Culturais).

Estava se sedimentando a segunda dimensão dos Direitos Fundamentais, a

Igualdade (real), que se consubstancia pelos Direitos Sociais.

355 NAZAR, Nelson. Direito Econômico e o Contrato de Trabalho com análise do contrato internacional do trabalho. 1ª ed. São Paulo: Atlas, 2007, pp. 90 e 91. 356 SIQUEIRA NETO, José Francisco. Liberdade sindical e representação dos trabalhadores nos locais de trabalho. São Paulo: LTr, 2000, p. 69.

157

Para Carlos Miguel Herrera357, a expressão Direitos Sociais quer dizer de maneira

resumida Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.

Os Direitos fundamentais de segunda geração podem ser traduzidos como aqueles que, na órbita de proteção do ser humano, irradiam a noção de igualdade. Sua feição deita raízes no objetivo de conceder alforrias sociais ao ser humano, preservando-o das vicissitudes do modelo econômico e da segregação social.358

O primeiro País a adotar em sua Constituição um rol sistematizado de Direitos

Sociais foi o México em 1917359, seguido pela Alemanha que em 1919 editou na cidade de

Weimar360 um texto constitucional também com previsão desses Direitos.361

Nesse sentido, Patrícia Tuma Martins Bertolin362 nos ensina que,

O constitucionalismo social - ou seja, o tratamento constitucional dos direitos sociais - marcou quase todo o século XX, tendo sido inaugurado com a Constituição mexicana de 1917 e com a Constituição alemã de 1919, francamente comprometidas com um modelo de Estado Social.

357 HERRERA, Carlos Miguel. Estado, Constituição e Direitos Sociais. Revista Eletrônica do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região vol. 28, Campinas, julho de 2008, pp. 127-133. Disponível em: <http://www.trt15.jus.br/escola_da_magistratura/Rev28Ar t8.pdf>. Acesso em: 01/03/2013, p. 127. 358 NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. A Cidadania Social na Constituição de 1988: estratégias de positivação e exigibilidade judicial dos Direitos Sociais. São Paulo: Verbatim, 2009, p. 45. 359 “A Constituição mexicana de 1917 representou a positivação das reivindicações e dos princípios inspiradores da Revolução Mexicana, iniciada em 1910, tendo mobilizado milhares de camponeses e índios contra a ditadura do Presidente Porfírio Díaz, que perdurou de 1876 a 1911. A revolução objetivava a devolução das terras às comunidades indígenas, a nacionalização das grandes empresas e bancos, a garantia de direitos trabalhistas e a separação entre a Igreja Católica e o Estado. Destacou-se o líder camponês Emiliano Zapata, que comandou um levante de cerca de 20 mil homens, exigindo reforma agrária, o que forçou Porfírio Díaz a renunciar e fugir. (...) O art. 123 da Constituição mexicana elencou, sem muita preocupação com a técnica, dezenas de direitos dos trabalhadores, entre os quais incluiu: jornada de trabalho de, no máximo, 8 horas; jornada noturna de 6 horas; proibição do trabalho aos menores de 14 anos e jornada máxima de 6 horas para os maiores de 14 e menores de 16 anos; 1 dia de descanso a cada 6 dias de trabalho; licença da gestante; salário mínimo digno; igualdade salarial aos que exercessem iguais funções; participação dos trabalhadores nos lucros das empresas; horas extras limitadas a 3 por dia, criação de um Fundo Nacional de Habitação, a ser administrado pelo Governo Federal, trabalhadores e empregadores; responsabilidade do empregador por acidente de trabalho; direito de organização sindical; direito de greve ...”. (BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins. Os Direitos Sociais dos Trabalhadores. In: TANAKA, Sônia Yurico Kanashiro. Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2009, cap. 8, pp. 234 e 235). 360 “A Constituição de Weimar exerceu grande influência sobre o constitucionalismo mundial durante todo o século XX, marcado por textos constitucionais de cunho social-democrático” (BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins. Os Direitos Sociais dos Trabalhadores. In: TANAKA, Sônia Yurico Kanashiro. Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2009, cap. 8, p. 236). 361 “Há de se observar que as Constituições anteriores à mexicana de 1917 e à alemã de 1919 já consagravam um ou outro direito social, entretanto o faziam de forma isolada. O constitucionalismo social é caracterizado pela inserção, nos textos constitucionais, de diversos artigos sobre o assunto, dispostos sistematicamente, estabelecendo que o Estado deve intervir na vida social e econômica para garantir a igualdade material entre os indivíduos, permitindo-lhes desfrutar dos direitos constitucionalmente assegurados” (BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins. Os Direitos Sociais dos Trabalhadores. In: TANAKA, Sônia Yurico Kanashiro. Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2009, cap. 8, p. 236). 362 BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins. Os Direitos Sociais dos Trabalhadores. In: TANAKA, Sônia Yurico Kanashiro. Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2009, cap. 8, p. 234.

158

No Brasil, os Direitos Sociais demoraram um pouco mais para serem

incorporados. Isso somente aconteceu em 1934 (em nível constitucional).363 Segundo Nelson

Nazar364, “quatro anos depois da eclosão do movimento de 1930, o Brasil passaria a

conhecer a sua primeira Constituição que foi objeto de intenso debate e fruto de uma

Assembleia Nacional Constituinte”.

Como é tradição de nosso direito desde 1934, a Constituição consagra direitos sociais. São estes direitos a prestação positiva por parte do Estado, vistos como necessários para o estabelecimento de condições mínimas de vida digna para todos os seres humanos.365

Assim como a primeira dimensão, que dominou o século XIX, os Direitos

Econômicos, Sociais e Culturais dominaram o século XX.366 “O aparecimento dos ‘direitos

econômicos e sociais’ ao lado das ‘liberdades’ nas declarações é o fruto de uma evolução

cujo ponto de partida se encontra bem cedo no século passado”.367

363 “A primeira Constituição brasileira a tratar da ordem econômica e social foi a de 1934, o que continuou nas constituições posteriores. Não fez referência à justiça social. Tratou da justiça apenas como um dos princípios de acordo com os quais a Ordem Econômica deveria ser organizada. A Carta de 1937 foi omissa a respeito. A Constituição de 1946 foi a primeira Carta Política que aludiu à justiça social, como princípio organizador da Ordem Econômica e a primeira a empregar a expressão valorização do trabalho humano, conciliada com a livre-iniciativa, assegurando-se a todos trabalho, que lhes possibilitasse existência digna, sendo o trabalho obrigação social. Na Constituição de 1967 e na Emenda Constitucional n. 1, de 1969 foi mantida a disposição justiça social; sendo que nessa foi acrescentada à Ordem Econômica a Ordem Social e a valorização trabalho, como condição da dignidade humana, e um dos seus princípios básicos; englobava no Título III a ordem econômica e social, consistindo o social em direitos dos trabalhadores e regras de previdência social. Matérias relativas à família, à educação e à cultura se inseriam no Título IV, e, por isso, não faziam parte do que se entendia como ordem social. Na Constituição de 1988 realizou-se uma alteração que a tornou, estruturalmente, mais técnica. Separou, em títulos diferentes, a ordem econômica e a ordem social. A separação se impõe, porque cada tema tem suas regras específicas e princípios norteadores. A Carta vigente, no Título VII, trata da Ordem Econômica e Financeira (arts. 170 a 192) e, no Título VIII, dispõe sobre a Ordem Social dividindo-a em oito capítulos: disposição geral (art. 193); seguridade social (arts. 194 a 204); educação, cultura e desporto (arts. 205 a 217); ciência e tecnologia (arts. 218 e 219); comunicação social (arts. 220 a 224); meio ambiente (art. 225); família, criança, adolescente e idoso (arts. 226 a 230); índios (arts. 231 a 232). A ordem social forma, juntamente com o título dos direitos fundamentais, o núcleo substancial do regime democrático estatuído. Algumas matérias inseridas nesse Título, contudo, é preciso salientar, não possuem conteúdo típico de ordem social; por exemplo, a Ciência e tecnologia e meio ambiente, assim como a matéria relativa aos índios” (REDECKER, Ana Cláudia. Artigos 193 e 194. In: BONAVIDES, Paulo; MIRANDA, Jorge; AGRA, Walber de Moura (coords.). Comentários à Constituição Federal de 1988. Rio de Janeiro: Forense, 2009, pp. 2102 e 2103). 364 NAZAR, Nelson. Direito Econômico e o Contrato de Trabalho com análise do contrato internacional do trabalho. 1ª ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 113. 365 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 32ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 312. 366 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 24ª ed. atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 564. 367 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 32ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 288.

159

(...) advinda logo após a Primeira Grande Guerra, compreende os direitos sociais, econômicos e culturais, os quais visam assegurar o bem-estar e a igualdade, impondo ao Estado uma prestação positiva, no sentido de fazer algo de natureza social em favor do homem. Aqui encontramos os direitos relacionados ao trabalho, ao seguro social, à subsistência digna do homem, ao amparo à doença e à velhice.368

Dessa forma estabeleceram-se os Direitos Fundamentais de segunda dimensão,

que é a igualdade real, que se concretiza por intermédio dos Direitos Sociais (Direitos

Econômicos, Sociais e Culturais).

Daí o progressivo estabelecimento pelos Estados de seguros sociais variados, importando intervenção intensa na vida econômica e a orientação das ações estatais por objetivos de justiça social. Como consequência, uma diferente pletora de direitos ganhou espaço no catálogo dos direitos fundamentais – direitos que não mais correspondem a uma pretensão de abstenção do Estado, mas que o obrigam a prestações positivas. São os direitos de segunda geração, por meio dos quais se intenta estabelecer uma liberdade real e igual para todos, mediante a ação corretiva dos Poderes Públicos. Dizem respeito a assistência social, saúde, educação, trabalho, lazer etc.369

Os Direitos Sociais “nasceram abraçados ao princípio da igualdade, do qual não

podem se separar, pois fazê-lo equivaleria a desmembrá-los da razão de ser que os ampara e

estimula”.370 Em verdade, se confundem com a igualdade.

O princípio da igualdade de fato ganha realce nessa segunda geração dos direitos fundamentais, a ser atendido por direitos a prestação e pelo reconhecimento de liberdades sociais – como de sindicalização e o direito de greve. Os direitos de segunda geração são chamados de direitos sociais, não porque sejam direitos de coletividades, mas por se ligarem a reivindicações de justiça social – na maior parte dos casos, esses direitos têm por titulares indivíduos singularizados.371

As relações contratuais, especialmente dos trabalhadores, passaram a se submeter

a uma intervenção do Estado, no sentido de impor alguns limites para se minimizar os abusos

e equilibrar a relação.

368 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 403. 369 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 223. 370 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 24ª ed. atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 564. 371 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 224.

160

Os Direitos individuais de primeira dimensão (que são protegidos pela lei dos

Direitos Humanos) estão sujeitos a revogações parciais (por conta dos Direitos Sociais –

segunda dimensão), particularmente os relacionados com a relação de emprego.372

A segunda dimensão dos direitos fundamentais faz nascer ao Estado uma

obrigação positiva no sentido de implementar esses direitos previstos. Incumbe ao Estado

efetivar tais direitos, via regulamentação (Poder Legislativo), via políticas públicas (Poder

Executivo), ou até mesmo, quando provocado, via Poder Judiciário, mesmo que caso a caso.

O Estado é responsável e deve assumir um papel concretizador da igualdade, ante

os direitos sociais, econômicos e culturais.373

Pela teoria geral dos Direitos Fundamentais, os Direitos Sociais podem ser

judicializados tanto quanto a primeira dimensão, por não poderem ser descumpridos ou terem

sua eficácia recusada.374

Nas relações de trabalho, que passaram a ser submetidas às duas dimensões de

Direitos Fundamentais, o capital ainda continuou podendo se organizar da maneira mais

conveniente para si, desde que não interferisse na dignidade do trabalhador.

Os Direitos Sociais, traduzidos a partir de então pelo Direito do Trabalho,

passaram a funcionar como um rol de direitos mínimos que não podem ser violados. Sob esse

aspecto, podemos afirmar que o Direito do Trabalho é um importante limitador do poder

econômico nas relações de trabalho, no sentido de se garantir ou evitar qualquer afronta em

relação à dignidade do trabalhador.

Maurício Godinho Delgado pondera que,

O Direito do Trabalho é produto do capitalismo, atado à evolução histórica desse sistema, retificando-lhe distorções econômico-sociais e civilizando a importante relação de poder que sua dinâmica econômica cria no âmbito da sociedade civil, em especial no estabelecimento e na empresa. (...)

372 SIQUEIRA NETO, José Francisco. Direitos Fundamentais: afirmação na esfera do Direito do Trabalho. In: BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita; BERCOVICI, Gilberto; MELO, Claudinei de (coords.). Direitos Humanos, Democracia e República. Homenagem a Fábio Konder Comparato. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 566. 373 NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. A Cidadania Social na Constituição de 1988: estratégias de positivação e exigibilidade judicial dos Direitos Sociais. São Paulo: Verbatim, 2009, p. 46. 374 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 24ª ed. atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 565.

161

O Direito do Trabalho corresponde à dimensão social significativa dos Direitos Humanos, ao lado do Direito Previdenciário (ou de Seguridade Social). É por meio desses ramos jurídicos que os Direitos Humanos ganham maios espaço de evolução, ultrapassando as fronteiras originais, vinculadas basicamente à dimensão da liberdade e intangibilidade física e psíquica da pessoa humana.375

O Direito do Trabalho se configura como um arcabouço de direitos mínimos do

trabalhador, sem os quais sua dignidade restará violada. Dessa forma, qualquer violação a

qualquer direito do trabalhador se configura como um verdadeiro atentado aos Direitos

Fundamentais.

O Direito do Trabalho é um escudo jurídico que protege a pessoa trabalhadora

contra os abusos do poder econômico e que lhe confere dignidade.

A segunda dimensão veio ponderar a liberdade econômica376 (primeira dimensão)

no sentido de não ocorrer o abuso econômico em face da pessoa trabalhador. Em uma relação

econômica, especialmente na trabalhista, o capital pode se organizar da maneira que desejar

desde que não interfira na dignidade da pessoa, especialmente naquela estabelecida pelo

Direito do Trabalho.377

Interferir na legislação trabalhista é pressuposto de atingir a dignidade do

trabalhador, o que é inadmissível.

Segundo Vidal Serrano Nunes Júnior,

(...) é inegável que a Constituição de 1988 concebeu um Estado Democrático Social de Direitos, prenunciando, de maneira clara e incontroversa, o propósito de criação de um Estado voltado à realização de direitos sociais, em especial aqueles que integram o chamado piso vital, que podem ser perfeitamente denominados de direitos sociais vitais, uma vez que deles depende a vida dos indivíduos que [têm] por destinatários.378

375 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 10ª ed. São Paulo: LTr, 2011, pp. 81 e 83. 376 Liberdade de empreender, de se estabelecer economicamente, de organizar a empresa, os trabalhadores, a produção. 377 “O universo social, econômico e cultural dos Direitos Humanos passa, de modo lógico e necessário, pelo ramo jurídico trabalhista, à medida que este regula a principal modalidade de inserção dos indivíduos no sistema socioeconômico capitalista, cumprindo o papel de lhes assegurar um patamar civilizado de direitos e garantias jurídicas, que, regra geral, por sua própria força e/ou habilidade isoladas, não alcançariam. A conquista e afirmação da dignidade da pessoa humana não mais podem se restringir à sua liberdade e intangibilidade física e psíquica, envolvendo, naturalmente, também a conquista e afirmação de sua individualidade no meio econômico e social, com repercussões positivas conexas no plano cultural -, o que se faz, de maneira geral, considerado o conjunto mais amplo e diversificado das pessoas, mediante o trabalho e, particularmente, o emprego, normatizado pelo Direito do Trabalho” (DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 10ª ed. São Paulo: LTr, 2011, p. 82). 378 NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. A Cidadania Social na Constituição de 1988: estratégias de positivação e exigibilidade judicial dos Direitos Sociais. São Paulo: Verbatim, 2009, p. 109.

162

Sem dúvida a Constituição de 1988 açambarcou o Direito do Trabalho em sua

plenitude. Abarcou toda a lógica trabalhista de proteção ao trabalhador.

Em suma, a segunda dimensão protege o homem em face do próprio homem.

A sedimentação da segunda dimensão de Direitos Fundamentais – Direitos

Sociais – não interrompeu a ampliação de tais Direitos. A percepção de novos desafios,

relacionados a toda humanidade, consubstanciou-se em uma nova dimensão de Direitos

Fundamentais, a terceira. Foram traduzidos como Direitos de Fraternidade.379

4.1.3. Terceira Dimensão (Fraternidade)

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, com a notícia dos horrores do

Holocausto, veio a esperança de reafirmação dos direitos humanos, mas agora com um

elemento novo380, a noção da fraternidade universal.381

A consciência de um mundo partido entre nações desenvolvidas e subdesenvolvidas ou em fase de precário desenvolvimento deu lugar em seguida a que se buscasse uma outra dimensão dos direitos fundamentais, até então desconhecida. Trata-se daquela que se assenta sobre a fraternidade (...).382

A Fraternidade vem pautada pelos ensinamentos de Jesus Cristo. É a noção e o

sentimento de que viemos todos de um mesmo lugar e que somos todos irmãos vivendo como

uma grande família no planeta. Como vimos, a própria Declaração Universal dos Direitos

Humanos já reconheceu essa irmandade, e, portanto, a Fraternidade.

379 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. 14ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 75. 380 NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. A Cidadania Social na Constituição de 1988: estratégias de positivação e exigibilidade judicial dos Direitos Sociais. São Paulo: Verbatim, 2009, p. 46. 381 “A Declaração Universal dos Direitos Humanos assegura que todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos; são todas dotadas de razão e de consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade. Logo em seu art. 1º, o texto eleva os princípios da liberdade, da igualdade e da fraternidade para a esfera universal” (SOARES, Andrea Antico. O Assédio Moral no Trabalho sob a Perspectiva dos Direitos Humanos e Fundamentais. Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária n. 276, São Paulo, junho de 2012, p. 41). 382 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 24ª ed. atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 569.

163

A terceira dimensão dos Direitos Fundamentais (fraternidade), também é

conhecida como “novíssima dimensão”.383

Ao lado da Liberdade e da Igualdade, a Fraternidade se tornou um “novo polo

jurídico de alforria do homem”. Com alto grau de humanismo e abrangência (universalidade),

se solidificou no final do século XX.384

A Fraternidade possui como titular o gênero humano. É fruto de uma evolução de

trezentos anos da concretização dos Direitos Humanos.385 Não tem como objetivo a

consagração das liberdades individuais da pessoa como ser social, mas sim da pessoa como

membro da humanidade.386

A terceira dimensão, que engloba a fraternidade, está sendo incorporada em todo

o mundo, como, por exemplo, na Constituição do Chile (artigo 19, § 8º) e da Coreia do Sul

(artigo 35, 1).387

A fraternidade, terceira dimensão dos Direitos Fundamentais, age em conjunto

com a liberdade e a igualdade. Em verdade é um importante Direito Humano ponderador,

adensador e concretizador dos demais Direitos, com a finalidade de se concretizar a dignidade

da pessoa humana.

Ricardo Hasson Sayeg e Wagner Balera388 nos ensinam que, “emprega-se a

fraternidade, portanto, como proposta de solução da tensão entre liberdade e igualdade,

repensando a episteme dos movimentos iluministas do século XVIII e os que se seguiram”.

Dessa maneira guarda também características de universalidade e indivisibilidade,

ou, em outras palavras, é inerente a todos os seres humanos e deve sempre ser sopesada em

conjunto com as demais dimensões.

383 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 403. 384 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 24ª ed. atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 569. 385 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 24ª ed. atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 569. 386 NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. A Cidadania Social na Constituição de 1988: estratégias de positivação e exigibilidade judicial dos Direitos Sociais. São Paulo: Verbatim, 2009, pp. 46 e 47. 387 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 403. 388 SAYEG, Ricardo Hasson; BALERA, Wagner. O Capitalismo Humanista: filosofia humanista de Direito Econômico. 1ª ed. Petrópolis/RJ: KBR, 2011, pp. 25 e 26.

164

José Francisco Siqueira Neto pondera que “não há perspectiva de futuro universal

e duradouro para os Direitos Fundamentais, se a totalidade das pessoas do Mundo não tiver

perspectivas de futuro”389. Dessa forma, a fraternidade está intimamente ligada às

perspectivas de dignidade de todos do planeta.

Nesse sentido, quando se fala em universalidade e indivisibilidade, significa que não há concretização da liberdade, igualdade e dignidade de forma isolada, sem que se considere, particularmente, a fraternidade, assim entendida como uma forma de comportamento ativo entre os homens.390

Especialmente no que diz respeito ao nosso estudo, a fraternidade vem operar a

liberdade no sentido de se concretizar de maneira humana o Direito do Trabalho sem escapar

dessa proteção nenhuma pessoa.

Do mesmo modo, não há como garantir o direito fundamental do trabalho não se assegurando os direitos de liberdade, igualdade e fraternidade, sob pena de estar incidindo em um discurso meramente formal ou até mesmo esvaziado de valores humanísticos.391

4.1.4 Aplicabilidade dos Direitos Fundamentais

As três primeiras dimensões de Direitos Humanos (Liberdade, Igualdade e

Fraternidade) evoluíram para uma nova concepção de universalidade, muito diferente do

sentido mais abstrato e metafísico arraigado em 1789 na Declaração dos Direitos do Homem.

Não podemos negar que esse texto histórico foi um ponto de partida valioso, pois logrou uma

expansão ilimitada.392

A nova universalidade dos direitos fundamentais os coloca assim, desde o princípio, num grau mais alto de juridicidade, concretude, positividade e eficácia. É universalidade que não exclui os direitos da liberdade, mas primeiro os fortalece com as expectativas e os pressupostos de melhor concretizá-los mediante a efetiva adoção dos direitos da igualdade e da fraternidade.393

389 SIQUEIRA NETO, José Francisco. Direitos Fundamentais: afirmação na esfera do Direito do Trabalho. In: BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita; BERCOVICI, Gilberto; MELO, Claudinei de (coords.). Direitos Humanos, Democracia e República. Homenagem a Fábio Konder Comparato. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 581. 390 SOARES, Andrea Antico. O Assédio Moral no Trabalho sob a Perspectiva dos Direitos Humanos e Fundamentais. Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária n. 276, São Paulo, junho de 2012, p. 43. 391 SOARES, Andrea Antico. O Assédio Moral no Trabalho sob a Perspectiva dos Direitos Humanos e Fundamentais. Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária n. 276, São Paulo, junho de 2012, p. 43. 392 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 24ª ed. atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 573. 393 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 24ª ed. atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 573.

165

Podemos verificar, nos sistemas jurídicos democráticos, que as normas que dizem

respeito à pessoa não podem ser consideradas “letra morta”, ou terem a sua eficácia

condicionada à vontade do legislador. Temos que superar em definitivo a concepção de que os

Direitos Fundamentais somente se ativam quando regulados por lei.394

A divisão fixada pela Constituição de 1988 demonstra claramente a intenção do legislador constituinte de conferir, aos direitos humanos fundamentais, a importância necessária para que pudesse efetivá-los, e não apenas consagrá-los. A intenção, apesar de vozes em contrário, foi a de estabelecer, ao cidadão brasileiro, os direitos fundamentais como garantias inerentes à sua existência.395

O § 1º do artigo 5 da Constituição estabelece que “as normas definidoras dos

direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”.396 Daqui temos que afastar

qualquer conceito de programa ou qualquer outro que de alguma forma tenha o condão de

retirar a eficácia e eficiência dos Direitos Fundamentais.

O cerne desse dispositivo é estabelecer que os Direitos Fundamentais são normas

preceptivas e não programáticas. Ademais, tais Direitos se fundamentam no texto

constitucional e não na lei, mas mesmo assim são considerados normas reguladoras de

relações jurídicas.397

O preâmbulo constitucional, também nesse sentido, expressamente determina que

nosso ordenamento jurídico é destinado a aplicar os Direitos Fundamentais em todas as suas

dimensões.398 “Louve-se a intenção dos constituintes, qual seja a de tentar impedir que os

direitos não permaneçam como letra morta na Constituição, mas ganhem efetividade”.399

394 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 241. 395 LOBATO, Marthius Sávio Cavalcante. O valor constitucional para a efetividade dos direitos sociais nas relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2006, p. 55. 396 “O Título II da Constituição contém a declaração dos direitos e garantias fundamentais, incluindo aí os direitos individuais, coletivos, sociais, de nacionalidade e políticos. O art. 5º, § 1º, por seu lado, estatui que ‘as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata’. Isso abrange, pelo visto, as normas que revelam os direitos sociais, nos termos dos arts. 6º a 11” (SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 8ª ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 161). 397 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 241. 398 “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL”. 399 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 32ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 311.

166

Segundo José Afonso da Silva400, “toda constituição é feita para ser aplicada.

Nasce com o destino de reger a vida de uma nação, construir uma nova ordem jurídica,

informar e inspirar um determinado regime político-social”.

Dessa forma, o Poder Judiciário deve efetivar diretamente a aplicação dos Direitos

Fundamentais no caso concreto, sem a necessidade de aguardar a vontade do legislador em

regulamentar a matéria.401

Se já estão constituídas as autoridades competentes (no caso o Poder Judiciário) e

estão aptas à aplicação da “norma”, pelos caminhos já preestabelecidos em lei, não há motivo

para não efetivá-los; se o comando já é suficientemente explícito, deve ser aplicado

imediatamente.402

Nesse sentido, José Francisco Siqueira Neto e outros autores citados adiante.

Os Direitos Fundamentais não são simples diretrizes ou pautas para a ação legislativa ou interpretação judicial. São direitos subjetivos que vinculam os poderes públicos e os obriga a garantir o seu pacífico exercício por parte de seus titulares. (...) A tutela judicial é essencial para a efetiva vigilância dos Direitos Fundamentais.403

A constitucionalização dos direitos humanos fundamentais trouxe, além da sua normatividade, ou seja, a inserção dos direitos no seio da Constituição, a garantia de que estes direitos passassem a gozar de uma garantia jurisdicional.404

A supremacia do Direito espelha-se no primado da Constituição. Esta, como lei das leis, documento escrito de organização e limitação do Poder, é uma criação do século das luzes. Por meio dela busca-se instituir o governo não arbitrário, organizado segundo normas que não pode alterar, limitado pelo respeito devido aos direitos do Homem.405

400 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 8ª ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 223. 401 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 242. 402 TEIXEIRA, J. H. Meirelles. Curso de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, p. 301. 403 SIQUEIRA NETO, José Francisco. Direitos Fundamentais: afirmação na esfera do Direito do Trabalho. In: BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita; BERCOVICI, Gilberto; MELO, Claudinei de (coords.). Direitos Humanos, Democracia e República. Homenagem a Fábio Konder Comparato. São Paulo: Quartier Latin, 2009, pp. 561 e 562. 404 LOBATO, Marthius Sávio Cavalcante. O valor constitucional para a efetividade dos direitos sociais nas relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2006, p. 32. 405 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. 14ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 21.

167

Sobre isso, temos que destacar que “as constituições não excluem a possibilidade

dos Direitos Fundamentais serem versados por meio de legislação ordinária, o que exigem é

a previsão da matriz constitucional”406. Podemos citar, por exemplo, a Consolidação das Leis

do Trabalho e o Código de Defesa do Consumidor.

Pensar e operar a efetividade dos Direitos Fundamentais de primeira dimensão é

muito mais simples, pois são direitos autoexecutáveis por excelência, não dependendo de

nenhum tipo de ato para se concretizar. Aliás, o Estado tem o dever de não atuar, possui uma

obrigação negativa no sentido de não interferir na liberdade ou na propriedade.

Já os Direitos de segunda dimensão, não há como deixar de reconhecer que não

são autoexecutáveis, pois dependem de uma “atuação” estatal para ser possível sua

concretização. Só que, não podemos deixar de registrar, esses Direitos apesar de não

possuírem uma autoexecutoriedade, são sim de aplicabilidade imediata, assim como todos os

Direitos Fundamentais.407

Sendo assim, deve-se também interpretar os direitos sociais dos trabalhadores como forma não meramente de promessas, mas como mecanismo concreto de realização de direitos. São, portanto, dotadas de eficácia jurídica, que não podem se tornar vazias, ou inconsequentes, na medida em que já estão prontas para produzir efeitos concretos.408

Se o Estado Executivo deixar de implementá-lo via política pública, e o Estado

Legislativo não concretizá-lo via regulamentação, compete ao Estado Juiz (Poder Judiciário)

quando provocado, mesmo que caso a caso, garantir sua efetivação.

406 SIQUEIRA NETO, José Francisco. Direitos Fundamentais: afirmação na esfera do Direito do Trabalho. In: BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita; BERCOVICI, Gilberto; MELO, Claudinei de (coords.). Direitos Humanos, Democracia e República. Homenagem a Fábio Konder Comparato. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 558. 407 “Em hipótese alguma um direito fundamental pode deixar de ser concretizado pela ausência de lei. Se determinado direito fundamental está deixando de ser efetivado por ausência de regulamentação infraconstitucional, cabe ao Judiciário tomar as medidas cabíveis para que o direito não fique sem efetividade. Em outras palavras: o juiz, no atendimento concreto das providências que se revelam indispensáveis para concretizar dado direito fundamental, pode (e deve) atuar independentemente e mesmo contra a vontade da lei infraconstitucional, pois, para efetivar os preceitos constitucionais, não é preciso pedir autorização a ninguém, muito menos ao legislador. A aplicação direta e imediata dos direitos fundamentais implica, ainda, o reconhecimento da possibilidade de surgirem direitos subjetivos diretamente da Constituição. Ou seja, a norma constitucional torna-se fonte direta de comandos e obrigações aos órgãos públicos, com uma força normativa autônoma, que independe de qualquer regulamentação” (MARMELSTEIN, George. Curso de Direitos Fundamentais. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 298). 408 LOBATO, Marthius Sávio Cavalcante. O valor constitucional para a efetividade dos direitos sociais nas relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2006, p. 63.

168

4.2. Capitalismo Humanista

Para um melhor aproveitamento de nosso estudo, estabeleceremos neste ponto

alguns preceitos do Capitalismo Humanista já fincados nos capítulos anteriores, bem como

faremos novas pontuações que se fazem necessárias para fundamentar nossa proposta.

4.2.1. Conceito e Finalidade

Não há como negar que o capitalismo409 enquanto modelo econômico acabou

predominando no mundo. Uma das razões deste domínio encontra amparo nos Direitos

Humanos.

As principais características do capitalismo são a liberdade (econômica – livre-

iniciativa) e a propriedade, que integram o rol de Direitos Humanos em sua primeira

dimensão.

O Capitalismo Humanista é um arranjo do Capitalismo (Liberdade/propriedade –

primeira dimensão) em conjunto com os Direitos Sociais (segunda dimensão), ajustado à Lei

Universal da Fraternidade, “que nos conduz com liberdade e igualdade para a democracia e a

paz”.410 É assegurar a todos o mínimo existencial vital para sua existência, com acesso aos

Direitos inerentes ao ser humano.

É uma forma de organizar o capitalismo, impondo-lhe uma série de limitações, no

sentido de não tolerar de maneira alguma qualquer tipo de abuso por parte do capital.

409 “Considera-se capitalista o sistema econômico no qual as relações de produção estão assentadas na propriedade privada dos bens em geral, especialmente dos de produção, na liberdade ampla, principalmente de iniciativa e de concorrência e, consequentemente, na livre contratação de mão-de-obra. (...) O sistema capitalista aponta para a chamada economia de mercado, na medida em que são as próprias condições deste mercado que determinam o funcionamento e equacionamento da economia (liberdade). Daí a ideia da ‘mão invisível’, a regular e equilibrar as relações econômicas, entre oferta e procura. Entregues à livre oscilação do mercado, os preços dos produtos, serviços, e dos meios de produção são determinados pela proporção entre a oferta e a respectiva procura dos mesmos, sem mecanismos ou normas estranhas ao mercado propriamente dito, cumprindo ao Estado apenas garantir as condições para que esse sistema desenvolva-se livremente” (TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. São Paulo: Método, 2003, pp. 33 e 34). 410 SAYEG, Ricardo Hasson; BALERA, Wagner. O Capitalismo Humanista: filosofia humanista de Direito Econômico. 1ª ed. Petrópolis/RJ: KBR, 2011, p. 21.

169

A finalidade repousa na aplicação de uma análise econômica humanista, com o

condão de se concretizar um ambiente econômico humanista de mercado, “por meio da

fraternidade, levando-se em conta as três dimensões subjetivas dos direitos humanos, a

tensão dialética entre a liberdade e a igualdade”.411 É equilibrar a dicotomia

liberdade/igualdade por meio da fraternidade.

A meta é se chegar a um Capitalismo com equilíbrio social, que tenha o condão

garantidor da dignidade humana de todos no planeta, sob a regência da Fraternidade.

Inspirados nos dizeres de Antônio José Avelãs Nunes412 podemos concluir que o

Capitalismo Humanista corresponde à mão visível do Direito, interferindo nas relações

econômicas, consagrando a todos a universalidade dos Direitos Fundamentais em todas as

suas dimensões, e, portanto, assegurando a dignidade das pessoas em face do poder

econômico, especialmente, no nosso caso, nas relações de trabalho em todos os seus

desdobramentos.

4.2.2. Capitalismo Humanista como Direito Fundamental e sua Aplicabilidade

Não restam dúvidas de que o Capitalismo Humanista é um Direito Fundamental.

Em verdade, acaba por ser um Direito Humano de terceira dimensão, adensador da Liberdade

e Igualdade por intermédio da Fraternidade.

O Capitalismo Humanista também está apto a receber e maturar as demais

dimensões que porventura venham a surgir.

Entendemos existir a quarta e quinta dimensões dos Direitos Fundamentais413,

mas, por não haver ainda unanimidade na sua localização dimensional, não adentraremos em

suas especificações.414

411 SAYEG, Ricardo Hasson; BALERA, Wagner. O Capitalismo Humanista: filosofia humanista de Direito Econômico. 1ª ed. Petrópolis/RJ: KBR, 2011, p. 25. 412 NUNES, Antônio José Avelãs. Aventuras e Desventuras do Estado Social. In: BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita; BERCOVICI, Gilberto; MELO, Claudinei de (coords.). Direitos Humanos, Democracia e República. Homenagem a Fábio Konder Comparato. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 73. 413 Conforme destacamos anteriormente, Paulo Bonavides entende existirem cinco gerações. Para ele, a quarta geração diz respeito à democracia e a quinta à paz. (BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 24ª ed. atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2009, pp. 561 a 593) 414 Hoje se entende existirem a quarta e quinta dimensões de Direitos Fundamentais. Insere-se na quarta dimensão o Bio Direito, o Direito à Democracia e à Pluralidade Partidária. Na quinta dimensão se sedimenta o Direito à paz.

170

O Capitalismo Humanista, por compor o núcleo essencial dos Direitos

Fundamentais, se confunde com eles tornando-se uma coisa só.

Em relação à aplicabilidade, entendemos ser imediata tanto em relação ao

momento quanto em face dos casos concretos, especialmente no que diz respeito aos Direitos

que se referem às pessoas que se submetem a uma relação de trabalho, seja ela qual for.

Mais do que isso, vimos anteriormente que o Capitalismo Humanista se sustenta

em todo o texto constitucional415, além dos principais documentos Internacionais de Direitos

Humanos416. Mais do que uma opção, há uma verdadeira obrigação de aplicabilidade. Não há

escolha.

O Poder Judiciário pode e deve ponderar o caso concreto em face do Capitalismo

Humanista, adensando as duas primeiras dimensões de Direitos Humanos pela Lei Universal

da Fraternidade inerente a todas as pessoas e à humanidade. Basicamente, deve-se

restabelecer o equilíbrio nas relações.

Ademais, o Capitalismo Humanista serve de esteio também para garantir toda a

base dimensional de Direitos Humanos. Em outras palavras, atua como elemento

preponderante na consagração de todas as dimensões de Direitos Humanos, sendo essencial

para a sua solidificação.

Para Ricardo Hasson Sayeg e Wagner Balera417, “essa é a filosofia humanista do

Direito Econômico que nada mais é do que o transporte teórico da Lei Universal da

Fraternidade para o Direito Econômico”.

415 Preâmbulo; Arts. 1º, II, II, IV; 3º, I a IV; 4º, II; 5º, XII a XXXII, XXXV, XXXVI, XLI, § 1º, § 2º, § 3º; 6º; 7º; 170, I a IX e parágrafo único; 193; 219; e, 79 do ADCT. 416 Tratado de Versalhes – 1919; Declaração de Filadélfia – 1944; Declaração Universal dos Direitos Humanos – 1948; Pactos Internacionais de Direitos Humanos – 1966 (Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, e Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais); Convenção Americana de Direitos Humanos – 1969; Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos – 1981; Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento – 1986; Declaração e Programa de Ação de Viena – 1993. 417 SAYEG, Ricardo Hasson; BALERA, Wagner. O Capitalismo Humanista: filosofia humanista de Direito Econômico. 1ª ed. Petrópolis/RJ: KBR, 2011, p. 25.

171

José Francisco Siqueira Neto aponta que,

Com a exclusão econômica e social, muitos dos Direitos Fundamentais perdem a substância, já que a dignidade e intimidade são dizimadas e levam consigo todos os demais Direitos Fundamentais de todas as gerações de uma só vez, aniquilando, deste modo, o móvel essencial dos direitos em todas as sociedades: o futuro.418

O Capitalismo Humanista consagra e traz também para a pessoa, e para todo o

planeta, algo abstrato, mas que é um elemento que vem integrar o sentimento de dignidade de

cada um: a perspectiva de futuro.

4.3. Incorporação do Capitalismo Humanista pelo Direito do Trabalho por Meio do

Direito Econômico: Direito Econômico do Trabalho

A finalidade deste tópico é demonstrar como o Direito do Trabalho pode ser

complementado pelo Capitalismo Humanista, pela Lei Universal da Fraternidade.

Sempre, em momentos de crise, surgem novas visões e teorias, que buscam

fortalecer a livre-iniciativa ou os Direitos Sociais. Ao contrário, o Capitalismo Humanista

surgiu não para remediar essa ou aquela situação. Veio e se consolidou incorporando seus

efeitos no ordenamento jurídico, especialmente no Direito do Trabalho, consagrando o

equilíbrio e a dignidade em todos os casos.

Essa incorporação se dará por intermédio do Direito Econômico Humanista

Tridimensional.

O estado social propunha-se realizar os seus objetivos no respeito pelas regras da democracia política e pelos princípios democráticos. Mas, em determinadas condições históricas, esta nova forma do estado capitalista revelou-se insuficiente para resolver os graves problemas levantados pela crise econômica, social e política que marcou o período particularmente complexo e contraditório entre as duas guerras mundiais do século XX e que ameaçou seriamente a ordem capitalista.419

418 SIQUEIRA NETO, José Francisco. Direitos Fundamentais: afirmação na esfera do Direito do Trabalho. In: BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita; BERCOVICI, Gilberto; MELO, Claudinei de (coords.). Direitos Humanos, Democracia e República. Homenagem a Fábio Konder Comparato. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 581. 419 NUNES, Antônio José Avelãs. Aventuras e Desventuras do Estado Social. In: BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita; BERCOVICI, Gilberto; MELO, Claudinei de (coords.). Direitos Humanos, Democracia e República. Homenagem a Fábio Konder Comparato. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 85.

172

O Direito do Trabalho efetivou muito bem o seu papel durante todos esses anos.

Entretanto, como já adiantamos, alguns casos escapam ao seu arcabouço jurídico de proteção.

A título de informação, o Direito Previdenciário (Seguridade Social) já adota uma

lógica especialmente próxima do Capitalismo Humanista em termos: reconhece o princípio da

solidariedade. Aliás o Direito Previdenciário foi concebido juntamente com o Direito do

Trabalho, possuindo assim a mesma matriz teórica.420

A própria OIT possui convenções que tratam do assunto, como por exemplo a

convenção 102 que traz um conteúdo mínimo do sistema.421

Dessa forma, vemos a aplicabilidade do Capitalismo Humanista no Direito do

Trabalho, consubstanciada na junção da fraternidade no sistema de relações de trabalho, para

ter um alcance além do que o Direito do Trabalho consegue atingir.

4.3.1. Aplicabilidade do Capitalismo Humanista no Direito do Trabalho.

Por intermédio de uma análise econômica humanista (Direito Econômico –

tridimensional), o Capitalismo Humanista consegue penetrar nas relações de trabalho, para

que possam eclodir em seu centro a dignidade e a justiça social por meio da fraternidade.

O Direito Econômico Humanista empresta toda a fundamentação Capitalista

Humanista bastante e necessária à implementação da dignidade para todos os trabalhadores

em todos os casos.

Com o sopesamento dos Direitos Humanos em todas as suas dimensões, o

Capitalismo Humanista ponderado por meio da fraternidade obriga constitucionalmente a

todos inseridos no ordenamento jurídico a se curvarem ao humanismo inclusivo, garantidor da

universal dignidade inerente à pessoa humana.

420 Há quem sustente que o Direito Previdenciário é anterior ao Direito do Trabalho, pois as normas previdenciárias foram as primeiras normas de Direito Social a surgir em nosso País, instituindo as caixas de previdência dos ferroviários. Ionas Deda Gonçalves nos ensina que: “No Brasil o marco legislativo da Previdência Social é apontado oficialmente como 24 de janeiro de 1923, data em que foi editado o Decreto Legislativo n. 4.682, conhecido como ‘Lei Eloy Chaves’ (...) que determinava a criação de Caixas de Aposentadorias e Pensões para os ferroviários, com o objetivo de amparar esses trabalhadores contra riscos sociais clássicos, como doença, velhice, invalidez e morte. (...) Vale observar que, embora a Lei Eloy Chaves seja apontada como o marco inaugural da Previdência Social no Brasil, a ponto de ser o dia 24 de janeiro considerado oficialmente como o dia da Previdência Social, antes dela algumas manifestações legislativas em matéria previdenciária já existiam. Em 1919 foi editada a Lei n. 3.724 de 15 de janeiro, conhecida como a Lei do Acidente do Trabalho, consagrando a responsabilidade objetiva do empregador no caso de acidente de trabalho” (GONÇALVES, Ionas Deda. Direito Previdenciário. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 2). 421 GONÇALVES, Ionas Deda. Direito Previdenciário. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 5.

173

Sendo o trabalhador pessoa humana, é detentor de todos os Direitos Humanos, e

possui o direito de se enquadrar em todas as dimensões. A universalidade de Direitos

Humanos deve ser consagrada a todos.

O economicamente abastado, ao exercer sua livre-iniciativa e se estabelecer

economicamente (organizando a empresa-propriedade) não pode se agarrar somente à

primeira dimensão e querer levá-la ao extremo, esquecendo as demais.

Mesmo encontrando traços marcantes do capitalismo na primeira dimensão

(propriedade/liberdade), temos que a pessoa que for exercer esse direito (empresário, por

exemplo) não pode fazê-lo de maneira absoluta, isolada, pois se configuraria um abuso do

Direito. Deve obrigatoriamente respeitar todas as dimensões, mesmo porque especialmente a

propriedade e a liberdade devem repercutir sistematicamente como um Direito Econômico,

Social e Cultural.

Ao se estabelecer economicamente, haverá obrigatoriamente o exercício da

primeira dimensão em conjunto com as demais.

Aconchegar-se na primeira dimensão, negando as demais, leva os trabalhadores a

se submeterem às piores formas de exploração.

Agasalhar-se somente na segunda dimensão, negando as demais, conduz a um

ambiente socialista, negador da propriedade e do desenvolvimento individual e coletivo das

pessoas.

Abarcar a primeira e a segunda dimensão nos leva a um capitalismo limitado pelo

Direito do Trabalho fundado nos idos de criação da OIT, muito bem resolvido e que insere a

dignidade aos trabalhadores com contrato de trabalho.

Entretanto, algumas situações escapam a essa tutela, relegando o trabalhador à

própria sorte. Às vezes, podemos observar também algumas distorções em que a segunda

dimensão atropela a primeira (veremos algumas dessas situações mais adiante).

Não só a primeira, não só a segunda, e nem tampouco a primeira e a segunda

dimensões. Operar as três dimensões de Direitos Fundamentais nos conduz a um ambiente

capitalista humanista, com a proteção dos trabalhadores, pelo Direito do Trabalho, sem

escapar nenhuma situação.

174

O quadro abaixo, que compara o reconhecimento dos Direitos Humanos que

vimos acima, faz um retrato amplo e geral da relação de ponderação das Dimensões dos

Direitos Humanos com a situação do trabalhador.

Dimensões de Direitos Humanos

Modelo Econômico

Dignidade. Considerações

1ª – Liberdade

Capitalista Liberal

Historicamente conduziu as pessoas às piores formas de exploração pelo seu

semelhante.

2ª – Igualdade

Socialismo

Nega a propriedade e desfavorece o desenvolvimento individual e coletivo

das pessoas.

1ª e 2ª – Liberdade e Igualdade

Capitalismo Limitado

pelo Direito do Trabalho

Conseguiu proteger o trabalhador conferindo a dignidade na maior parte

dos casos. Entretanto algumas situações escapam de sua tutela.

1ª, 2ª, 3ª – Liberdade, Igualdade e Fraternidade

Capitalista Humanista

É completo; universal. Complementa o Direito do Trabalho. Nenhuma situação escapa. É mais amplo.

Nos casos em que o Direito do Trabalho não possui o condão de conferir a

proteção, o Direito Econômico Humanista, ponderado pela Lei Universal da Fraternidade,

concretiza a dignidade, levando à proteção social (segunda dimensão) em face do liberalismo

(primeira dimensão) para todos, sem excluir ninguém.

Além disso, o Capitalismo Humanista possui o condão de resolver eventuais

desvirtuamentos do Direito do Trabalho, principalmente aqueles em que se privilegia a

segunda dimensão em face da primeira, inviabilizando o exercício da livre-iniciativa.

Estamos diante do Direito Econômico do Trabalho, que é o Direito Econômico

ponderado pela fraternidade (Direito Econômico Humanista Tridimensional), que consegue

tutelar a dignidade a todos. Visa evitar e combater os abusos do poder econômico em todas as

suas formas na relação de trabalho, e estabelecer o equilíbrio real nas relações econômicas

trabalhistas.

O Direito Econômico do Trabalho, na verdade, é o ramo do Direito Econômico

que possui o condão de limitar os abusos do poder econômico, conseguindo ir além do

alcance do Direito do Trabalho, atuando como o seu complemento.

175

4.3.2. Da Justificativa do Direito Econômico

Importante destacarmos a escolha do Direito Econômico como lastro jurídico para

se inserir o Capitalismo Humanista no Direito do Trabalho.

O Direito Econômico é um sistema de normas que regulam a organização da

economia, a condução superior da economia pelo Estado, e a disciplina dos centros de decisão

econômica não estatal.422

Para Washington Peluso Albino de Souza423,

Direito Econômico é o ramo do Direito que tem por objeto a ‘judicialização’, ou seja, o tratamento jurídico da política econômica e, por sujeito, o agente que dela participe. Como tal, é o conjunto de normas de conteúdo econômico que assegura a defesa e harmonia dos interesses individuais e coletivos, de acordo com a ideologia adotada na ordem jurídica. Para tanto, utiliza-se do ‘princípio da economicidade’.424

Junte-se a esses conceitos de Direito Econômico a preocupação com a pessoa,

com todo o planeta via Capitalismo Humanista, e temos o Direito Econômico Humanista

Tridimensional, concretizador da dignidade da pessoa humana, tendo como combustível

jurídico a fraternidade operando todas as dimensões de Direitos Humanos, especialmente a

liberdade/propriedade e igualdade.

Por óbvio, como vimos, o Capitalismo Humanista é inerente ao Direito

Econômico Tridimensional e Humanista. Isso por si já justificaria sua escolha como meio de

complementar o Direito do Trabalho nos casos em que a dignidade não é alcançada.

422 FONSECA, João Bosco Leopoldino. Direito Econômico. 5ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 19. 423 SOUZA, Washington Peluso Albino de. Primeiras linhas de Direito Econômico. 6ª ed. São Paulo: LTr, 2005, p. 23. 424 Princípio da Economicidade: em Direito Econômico e na Economia, esse princípio significa produzir o máximo possível, com o maior nível de eficiência, gastando o mínimo, com o menor custo. É qualidade, celeridade, eficiência e baixo custo.

176

Mais do que isso, o Direito Econômico possui ligações históricas estreitas com o

Direito do Trabalho425; em outras palavras, o Direito do Trabalho é oriundo do Direito

Econômico.426

O ambiente econômico capitalista liberal, como vimos, provoca uma série de

externalidades negativas, que muitas vezes o mercado não consegue absorver, atingindo assim

a dignidade das pessoas menos abastadas economicamente, que via de regra somente possuem

sua força de trabalho para garantir o seu sustento e o de sua família, e portanto o trabalho

acaba sendo o único meio integrador da dignidade do trabalhador e de sua família.

O Direito Econômico427 de maneira geral e o Direito do Trabalho de maneira

específica atuam no sentido de proteger essas pessoas contra os abusos do poder econômico

nas relações de trabalho.

Antes do surgimento do Direito do Trabalho, tínhamos o Direito Econômico.

425 Desde sempre o Direito Econômico abarcou o Direito do Trabalho. Basta verificarmos o conceito de Constituição Econômica e seus elementos que isso fica muito claro. Eros Roberto Grau define que “a ideia de Constituição Econômica ganhou corpo na doutrina alemã, neste século, a partir da consideração do quanto dispôs a Constituição de Weimar a respeito da vida econômica. A doutrina portuguesa, de outra parte, tal qual, antes dela, a italiana, à ideia tem detido cuidadosa atenção. (...) Conceitua-se-a, então, como ‘o conjunto de preceitos e instituições jurídicas que, garantindo os elementos definidores de um determinado sistema econômico, instituem uma determinada forma de organização e funcionamento da economia e constituem, por isso mesmo, uma determinada ordem econômica’” (GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 15ª ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 77). Basicamente os elementos da Constituição Econômica são: a escolha do modelo; a finalidade do modelo escolhido; o regime jurídico que será conferido às empresas de capital público e privado; e o tratamento jurídico imposto aos fatores de produção (capital/trabalho). Notem, neste último elemento temos o Direito do Trabalho. A CLT e o art. 7º da CF fazem parte do que chamamos de Constituição Econômica. Note a ligação estreita do Direito do Trabalho com o Direito Econômico. Têm a mesma origem, a mesma raiz. O Direito do Trabalho veio do Direito Econômico. 426 Historicamente o Direito Econômico sempre veio na vanguarda jurídica de contenção dos abusos praticados pelo capital, nas suas mais variadas formas. Ele funcionou e funciona como um gerador de escudos jurídicos contra o abuso do poder econômico. Quando já se forma um estofo jurídico de proteção em determinada matéria, há um ‘desgarramento’, passando esses preceitos a se constituírem verdadeiros ramos autônomos do Direito. Isso aconteceu com o Direito do Trabalho, com o Direito do Consumidor e com o Direito Ambiental. O próximo ramo a se consolidar será o Direito da Concorrência. Dessa forma, temos o Direito Econômico com a origem dos ramos do Direito que de alguma maneira limitam o exercício do poder econômico, especialmente em relação à pessoa. Dessa forma, nada mais natural buscar na origem, a solução enfrentada e não resolvida pelos ramos desgarrados. 427 Tridimensional e Humanista.

177

O Direito do Trabalho teve sua origem no Direito Econômico. O surgimento do

Direito do Trabalho se deu em virtude de inúmeras legislações esparsas de proteção ao

trabalhador, que a partir de certo momento foram sistematizadas e ganharam uma lógica

própria, fazendo surgir o que conhecemos hoje como Direito do Trabalho.428 Antes de ser

Direito do Trabalho, tudo tinha natureza de Direito Econômico.

Entretanto, naquele momento em que surgiram essas legislações protetivas aos

trabalhadores, não se tinha a dimensão que eram de Direito do Trabalho. Na época eram

consideradas como de Direito Econômico, pois eram tratadas como uma grande intervenção

do Estado na propriedade (empresa no caso).

O sentimento geral quando de seu surgimento era de uma verdadeira intervenção

na propriedade.429

O detentor da empresa (propriedade) se sentia violado em seu direito (primeira

dimensão), pela intervenção do Estado (segunda dimensão) em sua propriedade, pois não

podia mais organizá-la da maneira que bem entendesse e gozar plenamente dos direitos

inerentes ao proprietário.

A partir desse momento se estabeleceu uma gama de limites ao poder econômico

aos quais o empregador estava obrigado a se curvar.

Surgia o Direito do Trabalho. As relações de trabalho passaram a ser

sistematizadas com um rol de proteções ao trabalhador, para equilibrar a relação contratual de

trabalho.

Não há como negar que durante muitos anos e até os dias de hoje o Direito do

Trabalho cumpre muito bem seu papel. Entretanto, percebemos que em alguns casos não está

conseguindo mais estabelecer o padrão de dignidade para o qual foi instituído.

428 Inicialmente essas normas se chamavam Legislação Industrial e datam do ano de 1601 na Inglaterra (lei de amparo aos pobres). Tinham como objetivo proteger mulheres e crianças. Por volta de 1800, essas Legislações passaram a ampliar o rol de proteção, e se transformaram em Direito Operário. Posteriormente, com a ideia de justiça social é que apareceu o Direito do Trabalho. “O direito do trabalho ganhou consistência e autonomia, impondo-se na ciência jurídica como o ramo do direito que traduz as aspirações da época em que vivemos”. (NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 24ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009, pp. 32 a 37. 429 HERRERA, Carlos Miguel. Estado, Constituição e Direitos Sociais. Revista Eletrônica do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região vol. 28, Campinas, julho de 2008, p. 130. Disponível em: <http://www.trt15.jus.br/escola_da_magistratura/Rev28Ar t8.pdf>. Acesso em: 01/03/2013.

178

Onde o Direito do Trabalho está se mostrando incapaz de atender a dignidade,

deve entrar em cena o Direito Econômico. Nada melhor que buscar a solução para esses casos

na origem do Direito do Trabalho, qual seja, o Direito Econômico.

4.3.3. Algumas Possibilidades de Incorporação do Capitalismo Humanista pelo Direito do

Trabalho. A Proposta

Veremos neste tópico algumas possibilidades práticas de incorporação do

Capitalismo Humanista pelo Direito do Trabalho, elucidando cada caso sempre voltados à

proteção humanista de todas as pessoas, pela ponderação da Fraternidade em busca do

equilíbrio de aplicação de todas as dimensões de Direitos Fundamentais, especialmente as três

primeiras.

Não há como negar que a invocação da liberdade, da igualdade e da fraternidade seja, no tempo presente, parte destacada do repertório da voz do mundo. Nesse diapasão, a tríade de valores configura, mesmo no ambiente capitalista, a tríplice dimensão da universalidade jurídica indissolúvel dos direitos naturais subjetivos que, hodiernamente, são denominados direitos humanos, devendo, em adensamento e equilíbrio reflexivo, incidir sobre o mercado, assegurando universalmente a dignidade da pessoa humana nas dimensões da democracia e da paz.430

Elegemos cinco casos que reputamos paradigmáticos para a nossa construção. Os

três primeiros retratam muito bem que o Direito do Trabalho não está conseguindo operar a

dignidade a todos os trabalhadores. Os dois últimos, mesmo isolados, confirmam ser possível

esta intersecção humanista no Direito do Trabalho pelo Direito Econômico Humanista

Tridimensional.

O primeiro caso a ser verificado refere-se à abrangência do Direito do Trabalho.

Os Direitos Sociais dos trabalhadores, consubstanciados no Direito do Trabalho

desde sua consolidação mundial com a criação da OIT em 1919, cumpre bem o seu papel.

Entretanto, acabam por restringir sua atuação protetiva, deixando sem proteção

alguns trabalhadores. Em verdade, somente colocam o seu arcabouço jurídico de proteção à

disposição do trabalhador subordinado. E os demais?

430 SAYEG, Ricardo Hasson; BALERA, Wagner. O Capitalismo Humanista: filosofia humanista de Direito Econômico. 1ª ed. Petrópolis/RJ: KBR, 2011, p. 26.

179

Muitas vezes, o trabalhador, ante uma manobra do empregador, não consegue

comprovar o seu vínculo de emprego, e fica sem a proteção do Direito do Trabalho. A título

de exemplo:

RECURSO ORDINÁRIO. VÍNCULO DE EMPREGO. NÃO CONFIGURADO. Ausentes os elementos caracterizadores da relação de emprego previstos no art. 3º, da CLT, de se concluir pela improcedência da ação. Recurso não provido. (TRT 2ª R.; RO 0001062-65.2011.5.02.0501; Ac. 2012/0580637; Terceira Turma; Relª Desª Fed. Maria Doralice Novaes; DJESP 29/05/2012)

Essa exclusão se dá pela Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT, em seu artigo

3º 431, que traz o conceito legal do que vem a ser considerado “empregado” (trabalhador

subordinado). Se a pessoa (trabalhador) fugir de alguma característica elencada nesse

dispositivo, não é considerado empregado, e está fora da gama protetiva social do Direito do

Trabalho.

Amauri Mascaro Nascimento432 conceitua empregado como sendo “a pessoa

física que com ânimo de emprego trabalha subordinadamente e de modo não-eventual para

outrem, de quem recebe salário”.

Nem toda prestação de serviço contra retribuição é protegida pelo Direito do Trabalho, mas somente o trabalho subordinado, prestado sob dependência de outra pessoa – o empregador. Deve ser esta dependência técnica, jurídica ou econômica? Discute-se quando as duas últimas, excluindo-se geralmente a primeira. Às vezes o empregador é que fica sob a dependência técnica do empregado.433

Estamos diante de uma limitação de atuação do Direito do Trabalho que acaba por

deixar sem seu estofo protetivo muitos trabalhadores, que muitas vezes precisam gastar muito

tempo e energia tentando provar seu vínculo de emprego e não conseguem. Por isso, acabam

ficando fora do sistema de proteção trabalhista.

Em uma visão Capitalista Humanista, não é dado a ninguém o direito de explorar

o seu semelhante, seja a que título for. Se restar demonstrado o desequilíbrio contratual, ou

verificada qualquer situação que configure abuso, o Direito Econômico Humanista

Tridimensional deve intervir no sentido de restabelecer o equilíbrio à situação, seja ela qual

for.

431 Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário. 432 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 24ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 613. 433 CESARINO JÚNIOR, A. F; CARDONE, Marly A. Direito Social. 2ª ed., vol. 1. São Paulo: LTr, 1993, p. 93.

180

O segundo caso a ser demonstrado é uma questão que aflige toda a sociedade. São

as dispensas coletivas, que muitas vezes se mostram como um verdadeiro fantasma que assola

determinadas regiões, pois o problema é muito maior do que a dispensa individualmente

considerada.434 Inclusive interfere sobremaneira na ordem econômica regional.

Esse fato possui o condão de afetar economicamente uma região inteira, que, de

uma hora para outra, não tem condição de absorver os recém-desempregados.

Tomemos como exemplo um caso paradigmático que ficou conhecido como caso

Embraer (Processo TST-RODC-309/2009-000-15-00.4).

Em 2009 a empresa realizou a dispensa de cerca de 4.200 trabalhadores. 4.200

arrimos de família perderam o emprego de um dia para outro. Todos os trabalhadores

receberam suas verbas trabalhistas no prazo.

Inconformado com esse ato, o sindicato de trabalhadores bateu à porta do Poder

Judiciário, no sentido de cancelar as dispensas.

A Corte regional acabou decidindo pela manutenção das dispensas.435 O Tribunal

Superior do Trabalho – TST, por intermédio do Ministro Relator, atendeu aos anseios dos

trabalhadores, só que foi voto vencido. Manteve-se a decisão do Regional, com a ressalva de

que, nos casos futuros, o procedimento de encerramento dos contratos de trabalhado deverá

ser antecedido por negociação entre as partes ou por dissídio coletivo.

Do ponto de vista sindical, a decisão do TST foi muito importante, pois prestigia

um ambiente negocial. Entretanto, sob um enfoque humano, foi uma tragédia; o problema não

foi resolvido. Na verdade, foi chancelada a dispensa coletiva. Apenas se criou um pré-

requisito para essas demissões. Feita a negociação, ou ante um dissídio, segundo o TST, as

dispensas coletivas estão liberadas.

434 Entendemos que a Doutrina desnecessariamente fica rodeando a situação, discutindo o conceito de dispensa coletiva, sem entretanto resolver o problema. 435 Dispositivo do Voto: Por tais fundamentos e, ainda, com fulcro no art. 422 do Código Civil de 2002, declaro: a) a abusividade do procedimento das suscitadas ao praticar a dispensa coletiva, sem nenhuma negociação coletiva prévia com as entidades sindicais, nem instituição de programa de demissão voluntária incentivada; b) a inexistência de garantia de emprego ou de estabilidade que justifique a reintegração, ressalvados os casos de estabilidade provisória previstos em lei ou em normas coletivas, que poderão ser objeto de dissídios individuais; c) o direito de cada empregado demitido a uma compensação financeira de dois valores correspondentes a um mês de aviso prévio, até o limite de sete mil reais; d) a eficácia da liminar concedida até o dia 13.03.2009, para manter vigente até esta data os contratos de trabalho em todos os seus efeitos; e) a manutenção dos planos de assistência médica aos trabalhadores demitidos e seus familiares por doze meses a contar de 13.03.2009; f) nos casos de reativação dos postos de trabalho, de acordo com as necessidades da empresa, preferência na seleção dos empregados despedidos que se apresentem e preencham as qualificações exigidas pelos cargos disponíveis, mantida durante dois anos.

181

Ante essa situação, o Capitalismo Humanista impõe outras condutas que deveriam

vincular a situação.

Por óbvio, ninguém vai dispensar um trabalhador sem que precise. Temos a

dimensão de que o balanço financeiro deve fechar positivamente no final do período contábil.

Entretanto, a dispensa coletiva somente poderia ser admitida como último recurso

da empresa, ante a real comprovação da necessidade, e se cumpridos alguns estágios

anteriores, como, por exemplo, cessação das horas extraordinárias, diminuição de jornada;

férias coletivas; redução salarial, dentre outros.

Ademais, a empresa, se em um curto espaço de tempo necessitasse contratar

novos trabalhadores, os dispensados teriam preferência. Estabelecer-se-ia uma reserva de

mercado a essas pessoas.

Se ficasse comprovado que a dispensa coletiva foi uma manobra para apenas

reduzir custos e aumentar o lucro, todas as dispensas seriam canceladas, e a empresa deveria

arcar com uma indenização a título de dano moral coletivo.

Esse sem dúvida seria o melhor encaminhamento para o problema das dispensas

coletivas de trabalho.

O terceiro caso que podemos citar é um desvirtuamento gerado pelo Direito do

Trabalho, que se dá pelo mesmo tratamento conferido a grandes empresas e pessoas que

humildemente se estabelecem quase que na informalidade.

Ao efetivar esse tratamento, muitas vezes a segunda dimensão dos Direitos

Humanos (Direito do Trabalho) acaba por inviabilizar a primeira dimensão (livre-iniciativa),

quando na verdade deveria fazer uma compatibilização.

Podemos citar como exemplo o tratamento conferido a uma multinacional,

montadora de veículos e uma pequena funilaria de bairro. Se qualquer trabalhador da pequena

oficina se insurgir contra o proprietário do estabelecimento, este receberá energicamente o

mesmo tratamento conferido à multinacional, podendo levar o seu negócio à bancarrota.

Por óbvio, normas que dizem respeito à vida, à saúde ou à segurança dos

trabalhadores devem ser observadas e não podem ser flexibilizadas. Entretanto, as demais

deveriam ser ponderadas em face da livre-iniciativa, no sentido de não ser inviabilizado

economicamente o negócio.

182

Importante ressaltar que a maioria dos sindicatos não consegue resolver essa

situação.

Pelo Capitalismo Humanista é possível solucionar essa demanda. A solução vem

no sentido de realmente operar o equilíbrio na dicotomia liberdade/igualdade. Não podemos

esquecer que não é só livre-iniciativa, mas também não é só Direito do Trabalho. Sempre os

dois.

No caso, a pequena empresa deve ter um tratamento diferenciado. Temos até um

preceito expresso nesse sentido. Na mais pura acepção Capitalista Humanista, o artigo 170,

IX insere no ordenamento jurídico, como princípio da ordem econômica, o tratamento

jurídico favorecido para as empresas de pequeno porte.436

Dessa maneira, a compatibilidade é obrigatória e o Direito do Trabalho não deve

inviabilizar a livre-iniciativa. A realidade econômica do caso deve ser levada em

consideração. Mais uma vez alertamos que em relação à vida, à saúde ou à segurança do

trabalhador não há o que flexibilizar. Nos demais casos, a compatibilização poderia ser

operada.

Afora esses casos, que ainda aguardam guarida do Capitalismo Humanista pelos

operadores do Direito e pelos Tribunais, podemos citar outros que já sinalizam a efetivação

humanista.

O quarto caso retrata o tratamento impessoal e desumano de uma empresa, que

após 30 anos de trabalho simplesmente dispensou uma trabalhadora com neoplasia maligna.

O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, em uma acepção humanista,

reconheceu que esse ato foi uma verdadeira negação do direito à vida e à saúde, e que, mesmo

ausentes normas específicas de proteção ao trabalhador com câncer, há que se respeitar os

princípios que conferem dignidade humana e a função social do contrato de trabalho.

436 Na prática já é concedido um tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte no que diz respeito aos regimes tributários. Do ponto de vista econômico trabalhista, o tratamento é exatamente igual ao da empresa de grande porte.

183

PODER POTESTATIVO DO EMPREGADOR. Limitação nas Garantias de Emprego e no respeito aos princípios que informam todo nosso ordenamento jurídico. Artigos 1º, inciso III, 5º, inciso XXII, e 170, inciso III, da Carta Magna, e artigo 421, do Código Civil. Dispensa de trabalhadora portadora de neoplasia após 30 (trinta) anos de dedicação à empresa. Negação do direito à vida e à saúde. Inexistência de norma legal prevendo a estabilidade do trabalhador portador de câncer. Observância aos princípios da dignidade da pessoa humana do trabalhador e da função social do contrato de trabalho. Ordem de reintegração que ora se mantém. 1. O poder de resilição do pacto laboral encontra limitações nas garantias de emprego, assim como no respeito aos princípios que informam todo o ordenamento jurídico, em especial o princípio da dignidade da pessoa humana, insculpido no artigo 1º, inciso III, da Carta Magna. Com a adoção do aludido princípio, a Constituição Federal de 1988 implantou no sistema jurídico brasileiro uma nova concepção acerca das relações contratuais, pela qual as partes devem pautar suas condutas dentro da legalidade, da confiança mútua e da boa fé. Tais premissas refletem o princípio da função social do contrato (artigos 421, Código Civil, e 8º, da CLT), o qual traduz genuína expressividade do princípio da função social da propriedade privada, consagrado nos artigos 5º, inciso XXIII, e 170, inciso III, da Constituição Federal, ou seja, o contorno é constitucional e se sobreleva à imediatidade da rescisão contratual decorrentes dos interesses meramente empresariais. 2. A dispensa de trabalhadora portadora de neoplasia após trinta anos de dedicação à empresa a toda evidência importa verdadeira negação do direito à vida e à saúde, porquanto, dentre outros dissabores, conduz à depressão, ao distanciamento do convívio social e, consoante demonstram as regras de experiência, em sua maioria, ao desemprego. 3. A despeito da inexistência de norma legal prevendo a estabilidade do portador de câncer, até porque em determinadas fases da doença o paciente pode desenvolver normalmente suas atividades laborativas, imperiosa a solução controvérsia sob o prisma dos princípios da dignidade da pessoa humana do trabalhador e da função social do contrato. Ordem de reintegração ao emprego que ora se mantém. (TRT 2ª R.; RO 00947-2008-381-02-00-4; Ac. 2009/1012613; Nona Turma; Relª Desª Fed. Jane Granzoto Torres da Silva; DOESP 27/11/2009; p. 205)

Neste caso, o Direito do Trabalho sozinho não teve o condão de resolver. Se

dependesse somente do Direito do Trabalho, o desfecho seria uma dispensa pura e simples,

ante a ausência de normas regulando a situação. Entretanto foi utilizado o Direito Econômico

Humano Tridimensional.

Podemos verificar o Capitalismo Humanista adensando as dimensões de Direitos

Humanos no caso concreto. Eis aqui a prova de que o Capitalismo Humanista existe e é real.

Outro caso em que podemos visualizar o Capitalismo Humanista sendo aplicado

(quinto), diz respeito ao trabalhador que perante o INSS está apto a voltar ao trabalho, e por

isso não lhe fornece o benefício previdenciário, e ante o empregador não possui essa aptidão,

e, portanto, não é autorizado a voltar a trabalhar, ficando sem o seu salário.

Não são poucos esses casos. Em linguagem mais popular, se diz que essas pessoas

se encontram em um “limbo jurídico”, por não existir previsão legal. Note que o Direito do

Trabalho e o Previdenciário sozinhos deixam o caso sem solução.

184

Entretanto, se sopesarmos o caso, com o Direito Econômico Humano e

Tridimensional, conseguimos resolver a questão.

Foi isso que o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região fez. Na mais pura

acepção humanista, reconheceu-se a dicotomia livre-iniciativa/igualdade, e determinou ser a

empresa responsável por este ser humano.

BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO NEGADO AO EMPREGADO. INAPTIDÃO PARA O TRABALHO. RESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO DOS SALÁRIOS. OBRIGAÇÃO DO EMPREGADOR. É responsabilidade da empresa, por ser seu o risco do empreendimento e também por conta de sua responsabilidade social, efetuar os pagamentos dos salários (art. 170, caput, da CF). Não lhe é dado suspender o contrato de trabalho unilateralmente e deixar o empregado sem salário por longos meses, sabendo que esta é sua única fonte de sustento. Se o empregado não tem condições de trabalhar e o INSS não lhe fornece o benefício previdenciário correspondente, é obrigação da empresa realizar o pagamento dos salários até que o trabalhador esteja saudável novamente ou obtenha aquele direito por parte da autarquia. O que não se pode admitir é que o empregado fique meses a fio sem pagamentos, porque isso fere sua dignidade enquanto ser humano. É da empresa os riscos do empreendimento (art. 2º, caput, da CLT) e, entre esses riscos, está o chamado (impropriamente) capital humano. (TRT 2ª R.; RO 0199900-76.2008.5.02.0462; Ac. 2011/1554190; Décima Quarta Turma; Rel. Des. Fed. Marcio Mendes Granconato; DJESP 07/12/2011)

A Corte Regional reconheceu ser a empresa responsável pelos pagamentos dos

salários até o trabalhador estar recuperado para poder retornar ao trabalho. Tudo em nome da

dignidade do ser humano e da responsabilidade social da empresa (artigo 170 da Constituição

– valorização social da livre-iniciativa).

Nos dois últimos casos, pudemos verificar o Capitalismo Humanista operando as

dimensões de Direitos Humanos, e integrando/completando o Direito do Trabalho, não

deixando o caso sem solução e as pessoas sem proteção, que no caso significa a diferença em

ter ou não dignidade.

Entretanto, temos a consciência de que essa visão ainda é a exceção em nossos

Tribunais. Apesar disso, temos que reconhecer que algo está mudando e esperamos que este

trabalho traga alguma contribuição no sentido de se valorizar o ser humano enquanto ser

humano que é, detentor de Direitos Humanos em todas as suas dimensões.

185

4.3.4. Direito Econômico do Trabalho

Como bem observado anteriormente, vimos ser possível a inserção do

Capitalismo Humanista no Direito do Trabalho por intermédio do Direito Econômico

(Humanista e Tridimensional).

Tornamos o Direito do Trabalho mais completo, mais abrangente, mais humano.

Essa interseção, nós a nominamos de Direito Econômico do Trabalho, que se

utiliza de todo o texto constitucional no sentido de garantir a igualdade real a todas as

situações, sem excluir nenhuma situação.

Assim, o Direito Econômico do Trabalho é a modulação do Direito Econômico,

que tem por objetivo garantir a igualdade real nas relações de trabalho, em todas as situações,

expressamente regulamentadas ou não.

Por essa construção, são oferecidos elementos jurídicos para que o operador do

Direito, mesmo que caso a caso, insira o humanismo nas relações de trabalho, mesmo porque,

é impossível prever antecipadamente cada situação de desigualdade e de exploração. Ao

Capitalismo Humanista nada escapa, e consequentemente ao Direito Econômico do Trabalho

também não.

4.4. Conclusão do Capítulo

Vimos neste capítulo ser possível a incorporação do Capitalismo Humanista no

Direito do Trabalho pelo Direito Econômico Humanista Tridimensional. É a inserção

humanista universal em todas as relações de trabalho, sem escapar nenhuma situação.

Isso é feito pela ponderação dos Direitos Fundamentais em todas as suas

dimensões, especialmente perante as três primeiras (Liberdade, Igualdade e Fraternidade), por

intermédio da terceira (Fraternidade).

Ademais, vimos que hoje já se tem uma nova concepção da Liberdade e

especialmente da Propriedade, que devem repercutir sistematicamente como um verdadeiro

Direito Econômico, Social e Cultural.

É o Capitalismo Humanista conduzindo a dignidade ao Direito do Trabalho pelo

Direito Econômico Humanista Tridimensional.

186

Restou verificado que essa condução tem lastro constitucional e está também

amparada pelo sistema internacional de Direitos Humanos (documentos internacionais de

Direitos Humanos).

Sendo assim, com essa qualificação humanista o Direito do Trabalho operará a

dignidade em todas as situações, sem nenhuma escusa. Insta salientar que ficou comprovada

essa possibilidade ante os casos práticos neste capítulo apresentados.

Dessa forma, o Capitalismo Humanista é compatível e pode perfeitamente ser

incorporado ao Direito do Trabalho. Essa incorporação nós a chamamos de Direito

Econômico do Trabalho, que agasalha a todos com a dignidade que lhes é inerente, pois

estamos diante de pessoas e não de meros elementos ou fatores de produção, e a expressão

capital humano deverá ser eternamente descartada.

187

CONCLUSÃO

Comprovamos em nosso estudo que os trabalhadores são sempre os mais

prejudicados ante uma situação econômica desfavorável, em tempo de crise ou não.

Isso se dá por conta de que o sistema capitalista, organizado classicamente de

forma liberal ou intervencionista, não possui o condão de operar a dignidade para todas as

pessoas.

Adotando o marco teórico do Capitalismo Humanista como meio de

complementar o Direito do Trabalho, percebemos que a dignidade pode ser alcançada por

todos os seres humanos, sem nenhuma forma de exclusão.

O objetivo não foi desconstruir o Direito do Trabalho. Pelo contrário, o

Capitalismo Humanista veio complementá-lo. Historicamente o Direito do Trabalho mostrou-

se como um verdadeiro escudo jurídico contra os abusos do poder econômico, mas em muitos

casos essa proteção escapou e os trabalhadores ficaram sem essa gama protetiva.

Essa foi a tônica de nosso estudo. Fortalecemos o Direito do Trabalho (pelo

Capitalismo Humanista e consequentemente pelo Direito Econômico Humanista

Tridimensional), mostrando ser possível amparar todos os trabalhadores, em qualquer

situação, sem escusa alguma.

No primeiro capítulo, pautados pela obra de referência de Ricardo Sayeg e

Wagner Balera, construímos detalhadamente o Capitalismo Humanista conforme seus autores

e o elegemos como marco teórico.

Ficou clara a real necessidade de uma nova formatação capitalista, qual seja, uma

forma de organização econômica capitalista humanista, que estende o humanismo a todas as

pessoas e ao planeta, conferindo dignidade a todos.

Por um escorço histórico nacional e internacional, restou comprovada essa

necessidade tendo em vista as mazelas econômicas suportadas especialmente pelos

trabalhadores.

Tudo foi tratado em nível de Direitos Fundamentais (e constitucionais), alçando a

Fraternidade como elemento integralizador de todas as dimensões.

188

Ficou provada a existência do Capitalismo Humanista, que é a mão visível do

Direito operando a dignidade da pessoa humana na economia, especialmente nas relações de

trabalho.

No segundo capítulo identificou-se expressamente o marco teórico no texto

constitucional, conferindo-lhe status de norma impositiva. Foram elencados e explicados

todos os dispositivos da Constituição que fundam o Capitalismo Humanista, e não foram

poucos. Pudemos concluir ser uma opção do constituinte originário um ambiente Capitalista

Humanista.

Em seguida, no terceiro capítulo, fizemos sua inserção internacional, identificando

nos principais documentos internacionais de Direitos Humano seus preceitos.

Isso, além de fortalecer o Capitalismo Humanista, também abriu a possibilidade

de seu uso em ambiente internacional. Estabeleceu-se um círculo virtuoso de Direitos

Humanos: os Direitos Humanos fundamentam o Capitalismo Humanista, que fortalece os

Direitos Humanos.

Estudamos especialmente as três primeiras dimensões de Direitos Humanos, e, na

mais pura acepção capitalista humanista, demonstramos que a Liberdade e a Propriedade

devem assumir uma nova repercussão sistemática, se adequando aos preceitos da justiça

social.

Restou claro ser o Capitalismo Humanista um Direito Fundamental, inclusive

repercutindo sua aplicabilidade imediata.

Foi justificada ainda a escolha do Direito Econômico como meio de introduzir o

humanismo nas relações de trabalho, no Direito do Trabalho.

Com a finalidade de provar ser possível essa incorporação, foram elencados cinco

casos práticos nos quais o Direito do Trabalho isolado não teve o condão de integralizar a

dignidade, sendo necessário o socorro capitalista humanista.

Ao final concluímos que todo esse processo pode ser nomeado de Direito

Econômico do Trabalho, que nada mais é que a inserção da dignidade em todas as relações de

trabalho; é um complemento do Direito do Trabalho, sem admitir escusa alguma, sempre

olhando para o ser humano.

189

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75-104.

201

ANEXO 01

DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS

Adotada e proclamada pela resolução 217 A (III) da Assembléia Geral das Nações

Unidas em 10 de dezembro de 1948

Preâmbulo

Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os

membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento

da liberdade, da justiça e da paz no mundo,

Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos

resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade e que o

advento de um mundo em que os homens gozem de liberdade de palavra, de crença

e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a

mais alta aspiração do homem comum,

Considerando essencial que os direitos humanos sejam protegidos pelo Estado

de Direito, para que o homem não seja compelido, como último recurso, à rebelião

contra tirania e a opressão,

Considerando essencial promover o desenvolvimento de relações amistosas

entre as nações,

Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta, sua fé

nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor da pessoa humana e na

202

igualdade de direitos dos homens e das mulheres, e que decidiram promover o

progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla,

Considerando que os Estados-Membros se comprometeram a desenvolver, em

cooperação com as Nações Unidas, o respeito universal aos direitos humanos e

liberdades fundamentais e a observância desses direitos e liberdades,

Considerando que uma compreensão comum desses direitos e liberdades é da

mais alta importância para o pleno cumprimento desse compromisso,

A Assembléia Geral proclama

A presente Declaração Universal dos Diretos Humanos como o ideal comum a

ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada

indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, se

esforce, através do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos

e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e

internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universais e

efetivos, tanto entre os povos dos próprios Estados-Membros, quanto entre os povos

dos territórios sob sua jurisdição.

Artigo I

Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas

de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de

fraternidade.

Artigo II

Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades

estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça,

203

cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou

social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.

Artigo III

Toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.

Artigo IV

Ninguém será mantido em escravidão ou servidão, a escravidão e o tráfico de

escravos serão proibidos em todas as suas formas.

Artigo V

Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel,

desumano ou degradante.

Artigo VI

Toda pessoa tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecida como

pessoa perante a lei.

Artigo VII

Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual

proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação

que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação.

Artigo VIII

Toda pessoa tem direito a receber dos tributos nacionais competentes remédio

efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam

reconhecidos pela constituição ou pela lei.

204

Artigo IX

Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado.

Artigo X

Toda pessoa tem direito, em plena igualdade, a uma audiência justa e pública

por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir de seus direitos e

deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele.

Artigo XI

1. Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida

inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em

julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias

necessárias à sua defesa.

2. Ninguém poderá ser culpado por qualquer ação ou omissão que, no

momento, não constituíam delito perante o direito nacional ou internacional.

Tampouco será imposta pena mais forte do que aquela que, no momento da prática,

era aplicável ao ato delituoso.

Artigo XII

Ninguém será sujeito a interferências na sua vida privada, na sua família, no

seu lar ou na sua correspondência, nem a ataques à sua honra e reputação. Toda

pessoa tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques.

Artigo XIII

1. Toda pessoa tem direito à liberdade de locomoção e residência dentro das

fronteiras de cada Estado.

205

2. Toda pessoa tem o direito de deixar qualquer país, inclusive o próprio, e a

este regressar.

Artigo XIV

1.Toda pessoa, vítima de perseguição, tem o direito de procurar e de gozar

asilo em outros países.

2. Este direito não pode ser invocado em caso de perseguição legitimamente

motivada por crimes de direito comum ou por atos contrários aos propósitos e

princípios das Nações Unidas.

Artigo XV

1. Toda pessoa tem direito a uma nacionalidade.

2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do direito

de mudar de nacionalidade.

Artigo XVI

1. Os homens e mulheres de maior idade, sem qualquer retrição de raça,

nacionalidade ou religião, têm o direito de contrair matrimônio e fundar uma família.

Gozam de iguais direitos em relação ao casamento, sua duração e sua

dissolução.

2. O casamento não será válido senão com o livre e pleno consentimento dos

nubentes.

Artigo XVII

1. Toda pessoa tem direito à propriedade, só ou em sociedade com outros.

2.Ninguém será arbitrariamente privado de sua propriedade.

206

Artigo XVIII

Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião;

este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de

manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela

observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular.

Artigo XIX

Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a

liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir

informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.

Artigo XX

1. Toda pessoa tem direito à liberdade de reunião e associação pacíficas.

2. Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação.

Artigo XXI

1. Toda pessoa tem o direito de tomar parte no governo de seu país,

diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos.

2. Toda pessoa tem igual direito de acesso ao serviço público do seu país.

3. A vontade do povo será a base da autoridade do governo; esta vontade será

expressa em eleições periódicas e legítimas, por sufrágio universal, por voto secreto

ou processo equivalente que assegure a liberdade de voto.

Artigo XXII

Toda pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social e à

realização, pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a

207

organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais

indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade.

Artigo XXIII

1.Toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições

justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego.

2. Toda pessoa, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por

igual trabalho.

3. Toda pessoa que trabalhe tem direito a uma remuneração justa e satisfatória,

que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a

dignidade humana, e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de

proteção social.

4. Toda pessoa tem direito a organizar sindicatos e neles ingressar para

proteção de seus interesses.

Artigo XXIV

Toda pessoa tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação razoável das

horas de trabalho e férias periódicas remuneradas.

Artigo XXV

1. Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a

sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados

médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de

desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios

de subsistência fora de seu controle.

208

2. A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais.

Todas as crianças nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozarão da mesma

proteção social.

Artigo XXVI

1. Toda pessoa tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo

menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será

obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como a

instrução superior, esta baseada no mérito.

2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da

personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e

pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância

e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as

atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz.

3. Os pais têm prioridade de direito n escolha do gênero de instrução que será

ministrada a seus filhos.

Artigo XXVII

1. Toda pessoa tem o direito de participar livremente da vida cultural da

comunidade, de fruir as artes e de participar do processo científico e de seus

benefícios.

2. Toda pessoa tem direito à proteção dos interesses morais e materiais

decorrentes de qualquer produção científica, literária ou artística da qual seja autor.

Artigo XVIII

209

Toda pessoa tem direito a uma ordem social e internacional em que os direitos

e liberdades estabelecidos na presente Declaração possam ser plenamente

realizados.

Artigo XXIV

1. Toda pessoa tem deveres para com a comunidade, em que o livre e pleno

desenvolvimento de sua personalidade é possível.

2. No exercício de seus direitos e liberdades, toda pessoa estará sujeita apenas

às limitações determinadas pela lei, exclusivamente com o fim de assegurar o

devido reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer

às justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade

democrática.

3. Esses direitos e liberdades não podem, em hipótese alguma, ser exercidos

contrariamente aos propósitos e princípios das Nações Unidas.

Artigo XXX

Nenhuma disposição da presente Declaração pode ser interpretada como o

reconhecimento a qualquer Estado, grupo ou pessoa, do direito de exercer qualquer

atividade ou praticar qualquer ato destinado à destruição de quaisquer dos direitos e

liberdades aqui estabelecidos.

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ANEXO 02

BÊNÇÃO APOSTÓLICA "URBI ET ORBI"

PRIMEIRA SAUDAÇÃO DO PAPA FRANCISCO

Varanda central da Basílica Vaticana Quarta-feira, 13 de março de 2013

Irmãos e irmãs, boa-noite!

Vós sabeis que o dever do Conclave era dar um Bispo a Roma. Parece que os meus irmãos Cardeais tenham ido buscá-lo quase ao fim do mundo… Eis-me aqui! Agradeço-vos o acolhimento: a comunidade diocesana de Roma tem o seu Bispo. Obrigado! E, antes de mais nada, quero fazer uma oração pelo nosso Bispo emérito Bento XVI. Rezemos todos juntos por ele, para que o Senhor o abençoe e Nossa Senhora o guarde.

[Recitação do Pai Nosso, Ave Maria e Glória ao Pai]

E agora iniciamos este caminho, Bispo e povo... este caminho da Igreja de Roma, que é aquela que preside a todas as Igrejas na caridade. Um caminho de fraternidade, de amor, de confiança entre nós. Rezemos sempre uns pelos outros. Rezemos por todo o mundo, para que haja uma grande fraternidade. Espero que este caminho de Igreja, que hoje começamos e no qual me ajudará o meu Cardeal Vigário, aqui presente, seja frutuoso para a evangelização desta cidade tão bela!

E agora quero dar a Bênção, mas antes… antes, peço-vos um favor: antes de o Bispo abençoar o povo, peço-vos que rezeis ao Senhor para que me abençoe a mim; é a oração do povo, pedindo a Bênção para o seu Bispo. Façamos em silêncio esta oração vossa por mim.

[…]

Agora dar-vos-ei a Bênção, a vós e a todo o mundo, a todos os homens e mulheres de boa vontade.

[Bênção]

Irmãos e irmãs, tenho de vos deixar. Muito obrigado pelo acolhimento! Rezai por mim e até breve! Ver-nos-emos em breve: amanhã quero ir rezar aos pés de Nossa Senhora, para que guarde Roma inteira. Boa noite e bom descanso!