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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Iara Pereira Ribeiro Direito à imagem: conceito jurídico pleno da própria imagem DOUTORADO EM DIREITO SÃO PAULO 2013

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Iara Pereira Ribeiro

Direito à imagem: conceito jurídico pleno da própria imagem

DOUTORADO EM DIREITO

SÃO PAULO 2013

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Iara Pereira Ribeiro

Direito à imagem: conceito jurídico pleno da própria imagem

DOUTORADO EM DIREITO

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Direito sob a orientação da Profa. Dra. Rosa Maria de Andrade Nery.

SÃO PAULO 2013

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Banca Examinadora

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Ao meu pai, Elias Profeta Ribeiro, porque se orgulhava de mim.

À minha mãe, Vera Augusta Pereira Ribeiro, porque me orgulho dela.

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AGRADECIMENTOS

Muito obrigada:

À querida orientadora Profa. Rosa Maria de Andrade Nery,

Às companheiras de doutorado Tarcisa Marques Porto, Mariana

Mencio e Thais Novais Cavalcanti.

Às amigas Clarice von Oertzen de Araujo e Eloísa Aragão.

Ao Centro Universitário FIEO (UNIFIEO), de maneira especial à

bibliotecária Andreia Máximo.

A todos os colaboradores da Escola Villas-Bôas, especialmente, na

pessoa de Clarice Stenke.

Às amigas de sempre Ana Elisa Nonato, Márcia Assis, Patrícia

Mauro Diez, Renata Aguiar e Valéria Immediato.

Ao meu amor, Roberto Rosano, por TUDO.

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Friné em frente ao Areópago

(Jean-Léon Gérôme, óleo sobre tela, 80 x 128 cm, 1861).

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O Juízo Final (Michelangelo – afresco pintado na parede do altar da Capela Sistina,13,7 m por 12,2 m - 1536 a 1541).

Biagio de Cesano como Minos (detalhe da direita inferior do afresco O Juízo Final).

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RESUMO

A tese pretende demonstrar que para a Ciência Jurídica a imagem

da pessoa compreende o original e a reprodução e que essa imagem é um

todo constituído de matéria e forma, que abrange as características físicas, o

corpo, a voz, os gestos, os modos, etc. Considerando esse conceito pleno de

imagem se examinou as várias teorias sobre o direito à imagem para defini-lo

como um direito autônomo e suas características, analisando seus elementos:

o sujeito de direito (imagem do nascituro e da pessoa jurídica), o objeto

(imagem científica e imagem das coisas) e o conteúdo que consiste no direito

de dispor, limites do uso do direito à imagem e sua extinção. E por fim, tratou-

se o tema da responsabilidade civil sob a ótica do direito à imagem, para

demonstrar que os denominados danos estético e institucional são

simplesmente: dano à imagem. O dano à imagem é distinto do material e do

moral, permitindo cumulação.

Palavras-chave: Imagem. Direito à própria imagem. Conceito pleno. Dano à

imagem.

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ABSTRACT

The thesis aims to show that the image of person for Juridical

Science understands the original and the reproduction and that this image is a

whole composed of matter and form, which encompasses the physic, body,

voice, gestures, moods, etc. Considering the full image concept is examined

various theories about the right of the image to define it as an autonomous right

and its characteristics the legal concept fully developed in this thesis, examined

the various theories on the image to the law to define it as an autonomous right

and their characteristics, analyze its elements: the subject of law (image of

unborn and legal entity image), the object (scientific image and picture of things)

and the content that is the right to dispose, the limits of the right to use his

image and extinction. And finally, it was the subject of tort law from the

perspective of the image, to show that the so called institutional and aesthetic

damage are simply: damage to the image. And this damage is distinct from the

material and moral, allowing overlapping.

Keywords: Image. Image rights. Full Concept. Damage to the image.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................. 12

1. CONCEITO DE PESSOA, PERSONALIDADE E NATUREZA HUMANA ... 15

1.1. Conceito filosófico de pessoa ................................................................ 15

1.2. Conceito jurídico de pessoa ................................................................... 22

1.2.1. Características da personalidade .............................................................. 27

1.2.1.1. Capacidade ....................................................................................... 27

1.2.1.2. Estado individual, familiar e político ............................................... 28

1.2.1.3. Nome ................................................................................................. 31

1.2.1.4. Domicílio ........................................................................................... 33

1.2.1.5. Fama .................................................................................................. 35

1.3. Natureza humana .................................................................................... 36

2. DIREITOS DA PERSONALIDADE .............................................................. 41

2.1. Considerações sobre direitos da personalidade, direitos humanos e direitos fundamentais .................................................................................... 41

2.2. Da dignidade da pessoa humana ........................................................... 43

2.3. Eficácia do princípio da dignidade humana no âmbito do direito privado ............................................................................................................ 49

2.4. Noções de sistema dos direitos da personalidade .............................. 52

2.5. Rol aberto dos direitos da personalidade ............................................. 55

2.6. Os direitos da personalidade no Código Civil de 2002 ........................ 61

2.7. Da denominação “Direitos da Personalidade” ..................................... 63

3. DIREITO À IMAGEM ................................................................................... 66

3.1. Contextualização histórica ..................................................................... 66

3.2. O direito à imagem na legislação brasileira .......................................... 71

3.3. A palavra “imagem” ................................................................................ 75

3.4. A imagem e o direito ............................................................................... 78

3.4.1. Imagem original .......................................................................................... 83

3.5. A imagem e a Constituição Federal de 1988 ......................................... 85

3.5.1. Considerações sobre a denominação imagem-retrato e imagem-atributo ............................................................................................................................... 90

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4. DA AUTONOMIA DO DIREITO À IMAGEM ................................................ 95

4.1. Teorias sobre a natureza jurídica do direito à imagem ........................ 95

4.1.1. Teoria negativista ....................................................................................... 95

4.1.2. Teoria do direito à imagem como direito à honra .................................... 97

4.1.3. Teoria do direito à imagem como expressão do direito à intimidade ... 102

4.1.4. Teoria do direito à imagem como manifestação do direito ao próprio corpo ................................................................................................................... 106

4.1.5. Teoria do direito à imagem como direito relacionado com a liberdade 107

4.1.6. Teoria do direito à imagem como patrimônio moral da pessoa ............ 108

4.1.7. Teoria do direito à imagem como manifestação do direito à identidade pessoal ................................................................................................................ 109

4.1.8. Teoria da autonomia do direito à imagem .............................................. 113

4.2. Características do direito à imagem ................................................ 115

4.3. Proteção jurídica da imagem ................................................................ 119

4.4. Sujeitos do direito à imagem ................................................................ 124

4.4.1. Imagem do nascituro ............................................................................... 125

4.4.2. Imagem da Pessoa Jurídica ..................................................................... 127

4.5. Objeto do Direito à Imagem .................................................................. 135

4.5.1. Imagem-científica ..................................................................................... 143

4.5.2. A imagem das coisas ............................................................................... 144

4.6. Conteúdo do direito de imagem ........................................................... 147

5. RESPONSABILIDADE CIVIL E O DIREITO À IMAGEM .......................... 166

CONCLUSÃO ................................................................................................ 180

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................. 184

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INTRODUÇÃO

Em razão dos tempos midiáticos da atualidade, pode-se afirmar que

a sociedade nunca foi tão visual. A vida de uma pessoa é captada por lentes e

câmeras em numerosas ocasiões.

Os bebês ainda no ventre materno são fotografados e filmados.

Alguns em seus primeiros instantes de vida se tornam protagonistas do

primeiro dos muitos filmes de que irão participar ao longo da vida ― o filme de

seu nascimento. E, assim, carinhosamente serão constrangidos a rever aquela

cena em suas festas de aniversário e na de seu casamento na presença de

muitos convidados. Um recém-nascido de poucas horas possivelmente será

visto e conhecido por um inimaginável número de pessoas, antes mesmo que

ele tenha oportunidade de conhecer a própria mãe.

Tal qual como o início da vida, as lentes das câmeras também

podem captar a morte. Quase diariamente divulgam-se imagens de brigas,

assaltos ou acidentes em que o resultado é a morte de uma, várias ou de todas

as pessoas que figuram na filmagem.

O desenvolvimento tecnológico transformou o modo como a

sociedade transmite sua memória para as gerações futuras. Até bem pouco

tempo, os feitos dos antepassados eram conhecidos, em grande proporção,

por meio da transmissão oral ou escrita, ao passo que na atualidade essa

memória é construída, quase de modo exclusivo, visualmente1.

Por serem corriqueiros o registro e a utilização da imagem da

pessoa humana, deixa-se de dar a devida atenção para a complexidade

jurídica da imagem. O presente trabalho tem como objetivo elucidar o conceito

de imagem no âmbito da ciência do direito. Para tanto pretende responder o

1 Sobre o tema: Régis DEBRAY, Manifestos midiológicos, Petrópolis: Vozes, 1995.

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que é a imagem da pessoa humana e em que consiste o seu direito a essa

imagem?

Com o fim de responder a essa questão inicial, buscou-se no

Capítulo 1 definir os conceitos de pessoa e natureza humana, distinguindo do

conceito de sujeito de direito, personalidade jurídica e suas características.

No Capítulo 2, desenvolveu-se o estudo dos direitos da

personalidade, a fim de embasar a inserção do bem jurídico da imagem dentre

esses direitos.

A imagem como objeto do direito foi analisado no Capítulo 3,

reportando a sua contextualização histórica e a maneira pela qual a legislação

brasileira tratou o tema. A partir daí expusemos o significado do que é imagem,

a amplitude de seu conceito, como se insere no Direito e na Constituição

Federal de 1988 e considerações sobre a denominação imagem-retrato e

imagem-atributo. Respondendo, desse modo, à questão inicial proposta,

explicitamos que imagem é uma percepção de um ser ou objeto que

compreende o original (exemplar) e sua reprodução (reflexo). Denominamos ―

apenas para elucidação ― a primeira de imagem original (matriz) e a segunda

de imagem decorrente (retrato).

Demonstramos, igualmente, que tal percepção não se limita apenas

ao aspecto físico da pessoa humana, mas ao conjunto de elementos que a

torna digna de humanidade.

No Capítulo 4, examinamos as várias teorias que buscaram explicar

o direito à imagem na perspectiva de reflexo de outro bem jurídico, até a teoria

prevalecente da autonomia do direito à imagem, apresentando as

características do direito à imagem, a proteção jurídica desse direito e seus

elementos.

Quanto aos elementos, definimos quem é o sujeito do direito à

imagem, considerando a imagem do nascituro e da pessoa jurídica. No que diz

respeito ao objeto, analisamos os vários meios em que a imagem se manifesta

e que repercutem no direito, destacando a reflexão sobre a imagem das coisas

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e a científica. E a respeito do conteúdo, fundamentado no Art. 20 do Código

Civil de 2002, ponderamos sobre o direito de dispor da própria imagem, o limite

desse direito e a sua extinção.

No Capítulo 5, tratamos da responsabilidade civil no âmbito do

direito à imagem, sob a perspectiva do conceito de imagem proposto no

trabalho, de imagem original e imagem decorrente, analisando os atentados à

imagem, seus danos e como ocorre sua reparação.

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1. CONCEITO DE PESSOA, PERSONALIDADE E NATUREZA HUMANA

Para a elaboração deste trabalho o ponto de partida é a

determinação do conceito de pessoa, pois é conceito fundamental para a teoria

geral do direito privado, já que é valor-fonte2 de todo o Direito. Desse modo, se

todo o sistema jurídico é centrado na pessoa, imprescindível então que antes

de tudo seja fixado o seu conceito.

1.1. Conceito filosófico de pessoa

O conceito de pessoa é relevante para a filosofia, a ética, a

dramaturgia, a psicologia e especialmente para o Direito. Em cada uma dessas

áreas do pensamento humano, o conceito possui uma acepção própria. No

sentido comum do termo, pessoa refere-se ao “homem em suas relações com

o mundo e consigo mesmo” e em sentido específico a “um sujeito de relações”

3.

Antônio HOUAISS cita em relação à origem etimológica do verbete

“pessoa” a palavra latina persona, no sentido de “máscara de teatro”, de “papel

atribuído a essa máscara, caráter, personagem” 4. Também DE PLÁCIDO E

SILVA ao explicar o verbete “pessoa” afirma: “Persona, de per (por, através) e

sono (som), exprime, primitivamente, a máscara usada pelos atores nas

2 Miguel REALE, Teoria tridimensional do Direito, p. 95.

3 Nicola ABBAGNANO, verbete Pessoa, in Dicionário de filosofia, p. 888.

4 Pessoa (verbete), Dicionário Houaiss da língua portuguesa, p. 2201.

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representações teatrais5” (e também São Tomás de Aquino faz uma referência

ao termo6).

Da etimologia da palavra se deduz que pessoa é aquele que

representa um papel. A máscara cênica dos gregos (persona) indica os papéis

representados pelo homem no decorrer da vida. Pessoa, portanto, delimita uma

individualidade e expressa a relação dessa individualidade com o meio e os

demais.

Na Antiguidade, nem todos os homens eram tidos como pessoas,

porque para os gregos e os romanos a condição de pessoa era vinculada à

situação de ser cidadão. Naquelas sociedades os escravos, por exemplo, não

eram considerados pessoas.

O pensamento cristão transformou essa distinção com a

personificação do homem, para a qual encontramos a afirmação de que “com a

expressão pessoa obteve-se a extensão moral do caráter de ser humano a

todos os homens, considerados iguais perante Deus7”.

Sobre a importância do pensamento cristão no estudo sobre pessoa

explica Edvino A. RABUSKE: “Para o desenvolvimento do conceito de pessoa

contribuiu decisivamente a Teologia Cristã. (...) a relação única de Jesus Cristo

com Deus tinha que ser expressa de tal modo que, dum lado, se pudesse falar

duma divindade real de Cristo, sem pôr em perigo a unidade de Deus e, doutro

lado, se pudesse aceitar uma humanidade irrestrita em Cristo, sem o separar

5 DE PLÁCIDO E SILVA, Vocabulário jurídico, p. 1039.

6 Acrescente-se, a título de curiosidade, que a referência a essa origem grega da palavra

encontra-se na Suma teológica de São Tomás de Aquino na questão 29, artigo 3, objeção 2, p. 528: “ALÉM DISSO, Boécio diz: ‘O termo pessoa parece derivar das máscaras que representavam personagens humanas nas comédias ou tragédias: pessoa, com efeito, vem de per-sonare ressoar, porque necessitava-se de uma concavidade para que o som se tornasse mais forte. Os gregos chamam estas máscaras prósopa, porque colocam-nas sobre a face e diante dos olhos para esconder o rosto’. (...)”. Boécio viveu entre os anos de 480 a 524.

7 Tércio Sampaio FERRAZ Jr., Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação,

p. 125 e Carlos Enric FLORENSA TOMÀS, Persona Fisica, in Nueva enciclopedia jurídica, p. 614.

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de Deus e introduzir nele uma separação interna. (...)” 8. Entre os filósofos

cristãos que se debruçaram sobre o tema pessoa para explicar os mistérios da

fé católica está Tomás de Aquino (1225 a 1274).

Para o tema, vale-se da importância de Tomás de Aquino, pois nele

se encontra o resgate do pensamento de Aristóteles (ao qual chamava de “o

Filósofo”), juntamente com as reflexões e os ensinamentos da fé cristã. Na

história da filosofia, os estudos tomistas pertencem à chamada Escolástica,

desenvolvida do século XI ao século XV na Europa por meio de um trabalho

coletivo em que colaboraram diversos pensadores. A sua inspiração inicial é

platônico-agostiniana, mas à medida que a obra de Aristóteles é traduzida para

o latim, primeiro do árabe e depois diretamente do grego, novos horizontes ao

pensamento medieval se avistaram, e entre aqueles que se puseram a estudá-

lo estão Alberto Magno e seu discípulo Tomás de Aquino9.

Na construção de seu pensamento10, Tomás de Aquino, enquanto

estudioso e homem de seu tempo, exerceu seu ofício (professor e teólogo)

recorrendo às Escrituras bíblicas e aos filósofos que lhe precederam, a

exemplo de Platão, Aristóteles e Santo Agostinho. E, embora não tivesse a

pretensão de ser original, Tomás de Aquino inovou as teses que defendeu.

Entre as teses de origem tomista de grande importância ― e de

interesse para este trabalho ― destaca-se o estudo sobre pessoa. Embora o

objetivo do pensamento tomista seja explicar o dogma do mistério da

Santíssima Trindade, segundo o qual a essência divina existe em três pessoas

com coerência racional, o esforço filosófico de Tomás de Aquino e da

Escolástica produziu reflexão original sobre pessoa e natureza11.

8 Continua o autor: “Em outros termos: que em Deus há uma natureza em três pessoas, que

em Cristo há duas naturezas numa só pessoa”. Edvino A. RABUSKE, Antropologia filosófica: um estudo sistemático, p. 207.

9 Marie-Joseph NICOLAS, Introdução à Suma Teológica, in Suma teológica: teologia, Deus,

Trindade. V. 1. Parte I – Questões 1- 43, p. 24. Nobert HORN, Introdução à ciência do Direito e à filosofia jurídica, p. 257 e segs.

10 Marie-Joseph NICOLAS, op. cit., p. 32.

11 Walter MORAES, Concepção Tomista de Pessoa: um contributo para a teoria do direito da

personalidade, in Doutrinas essenciais: Responsabilidade Civil, v. 1. Teoria Geral, p. 823.

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Na Suma Teológica no Artigo 1, da Questão 29, define-se pessoa

como “a substância individual de natureza racional”12.

Por substância deve-se entender o ente enquanto sujeito apto a

existir por si. Existir por si significa ser o próprio sujeito do ato indivisível, e por

isso mesmo ser constituído em um “ser em si”. Portanto, substância é aquilo

que é em si, que não necessita de outro para existir, que é essencialmente

independente.

O termo substância foi emprestado de Aristóteles, mas adquiriu

novos contornos nos estudos tomistas; a sua definição é relativa à essência,

não no sentido coisificado, de substância da coisa, presente em Aristóteles,

mas no sentido de ato de ser. Nesse sentido, pessoa é a substância cuja

essência (ser) é de natureza racional13.

Essa substância é individual porque, como ensina Tomás de Aquino,

as substâncias racionais têm o domínio de seus atos, contudo o ato só pode

ser realizado pelo indivíduo. O termo indivíduo para definir pessoa é

empregado para designar o modo em que essa substância subsiste. Em outras

palavras, é individualmente que a substância exerce o ato de existir por si

mesma.

Explica ainda Tomás de Aquino que é mais conveniente definir

pessoa como ser de natureza racional, e não de essência racional, porque é

essa natureza aquela capaz de ser racional, de distinguir e, assim, tornar a

substância singular, individualizando-a14. Nas palavras precisas do autor: “Ora,

o indivíduo é o que é indiviso em si e distinto dos outros. Portanto a pessoa, em

qualquer natureza, significa o que é distinto nessa natureza” 15.

12

Essa clássica definição de pessoa é de Boécio e está presente no livro Sobre as duas naturezas, conforme esclarece o próprio Santo Tomás (Suma teológica: Parte I, q. 29, artigo 1, p. 522).

13 Marie-Joseph NICOLAS, Vocabulário da Suma Teológica, in Suma teológica: teologia,

Deus, Trindade. V. 1. Parte I – Questões 1- 43, p. 99.

14 Tomás de AQUINO, Suma teológica: Parte I, q. 29, artigo 1, r. 4, p. 524.

15 Tomás de AQUINO, Suma teológica: Parte I, q. 29, artigo 4, p. 532.

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Essa visão metafísica dos estudos tomistas a respeito do conceito

de pessoa é analisada por Walter MORAES16, que ensina que aquilo que é em

si, que não necessita de outro para existir, que é essencialmente independente,

denomina-se Substância; esta independência contida na Substância é a

Subsistência que significa a aptidão para ser sem dependência; a Substância

perfeitamente subsistente denomina-se Suposto. Assim, considerando que a

existência de um indivíduo é independente, livre de qualquer outro, sua

existência inicia e acaba nele mesmo, na terminologia apresentada, esse

indivíduo é um Suposto, por ser uma substância singular perfeitamente

subsistente e incomunicável. O Suposto de indivíduo chama-se pessoa.

Pessoa é, portanto, aquilo que existe por si só. É o ser com fins

próprios, ou ainda, é o ente que tem a possibilidade de desenvolver e realizar

por meio de sua liberdade e vontade os seus fins próprios.

Jean-Hervé NICOLAS explica a opção tomista de definir pessoa com

base no entendimento de substância: se pessoa não fosse uma substância - e

uma substância individualizada -, não seria real, pois o que a singulariza é que

a natureza que nela se realiza é uma natureza racional, conferindo-lhe uma

superioridade de grau e de ordem em relação a todos os outros entes. Essa

superioridade que deriva da racionalidade manifesta-se pela prerrogativa da

liberdade, apresentada como o poder de dirigir-se a si mesmo, conduzir-se, em

vez de passivamente estar submetido às forças exteriores – que, todavia, agem

também sobre ela, mas não sem que possa agir para diminuir ou impedir os

seus efeitos. Conhecimento e liberdade, eis o que caracteriza a pessoa17.

Por isso, continua NICOLAS, todas as riquezas que evocam as

palavras consciência e liberdade seriam irreais, apenas uma ideia abstrata, não

pertencendo de fato a um ente se Tomás de Aquino não tivesse iniciado pela

concepção de substância da definição de pessoa. E conclui: “(...) para ser

16

Walter MORAES, Concepção Tomista de Pessoa: um contributo para a teoria do direito da personalidade, in Doutrinas essenciais: Responsabilidade Civil, v. 1. Teoria Geral, p. 824.

17 Notas de rodapé de Jean-Hervé NICOLAS à questão 29, artigo 1º da Suma teológica:

teologia, Deus, Trindade. V. 1. Parte I – Questões 1- 43, p. 523.

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realmente um centro de consciência e uma fonte de liberdade, é lhe preciso

primeiramente ser”18.

Na concepção tomista, pessoa é o que há de mais perfeito, e à

perfeição dá-se o nome de Deus, portanto é correto dizer que Deus é pessoa19

(o que justifica o pensamento teológico). Mas não apenas Ele, o homem

também é pessoa, mesmo que imperfeito, pois é “substância individual de

natureza racional”.

Conforme referido neste trabalho, a origem da palavra pessoa deriva

das máscaras que os atores gregos utilizavam para fazer soar mais forte suas

vozes quando representavam personagens humanos, e, nesse sentido, o termo

não parece ser apropriado para designar Deus. Contudo, Tomás de Aquino

responde a essa questão afastando do significado da palavra pessoa o sentido

de máscara, mas dando a ela um novo sentido, já presente em seu tempo, o de

“aquele que é constituído de dignidade”. Ora, subsistir em uma natureza

racional é uma grande dignidade, por isso dá-se o nome de pessoa a todo

indivíduo dessa natureza racional, e como a dignidade da natureza divina

ultrapassa toda dignidade, o nome de pessoa convém também a Deus20.

O estudo tomista apresentado explica o significado filosófico da

palavra pessoa (a substância individual que subsiste em uma natureza

racional) e porque esta palavra serve para designar Deus. Contudo, se o nome

pessoa convém a Deus, porque é o que de mais perfeito existe em toda

natureza, por que se dá ao homem o nome de pessoa?

Continuando a analisar o tema pela perspectiva tomista, o homem é

pessoa porque é feito à imagem de Deus. A preposição “a” indica que existe

uma aproximação, não uma igualdade, o que significa que há algo divino na

natureza humana, mas que a natureza continua a ser humana, e esse algo é o

18

Idem, ibidem.

19 Tomás de AQUINO, Suma teológica: Parte I, q. 29, artigo 3, p. 529.

20 Tomás de AQUINO, Suma teológica: Parte I, q. 29, artigo 3, r. 2, p. 530.

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de ter o indivíduo humano uma natureza racional. É em razão dessa natureza

racional que pode se dar ao homem o nome de pessoa, de pessoa humana21.

Jean-Hervé NICOLAS ao comentar o artigo 3 da questão 29 da

Suma explica:

“Só se pode fazer essa transposição, é evidente, respeitando-

se as leis da analogia: a condição de pessoa em Deus só pode ser

atingida por nosso conhecimento como fonte de tudo o que diz

respeito à condição de pessoa, por negação de todas as formas

imperfeitas nas quais se realiza no homem a condição de pessoa, por

exaltação ao infinito de tudo o que existe de positivo nessas

realizações, e que faz a dignidade singular da pessoa entre todos os

entes, apesar dessas imperfeições. Por meio disso, Santo Tomás

refuta de antemão os filósofos modernos que recusam a Deus a

condição de pessoa, em virtude dos limites que esta apresenta no

homem, não é a condição de pessoa como tal que é imperfeita, é o

homem que é imperfeitamente pessoa, embora o sendo

verdadeiramente”22

.

A filosofia tomista contribuiu com a ciência jurídica ao concluir que o

que faz que um homem (ser humano) seja pessoa é a sua natureza: a mesma

entre todos os seres humanos, em qualquer tempo ou lugar, o que implica dizer

que cada ser humano é distinto de qualquer outro, mas todos têm em comum o

fato de serem seres humanos.

Nas palavras de Maire-Joseph NICOLAS:

“Sempre se reconhecerá no homem, quaisquer que sejam a

raça, o tempo e o meio, o que é propriamente humano: um

pensamento, uma razão, que só atua mediante os sentidos, mediante

um enraizamento biológico: o espirito encarnado. A partir daí quanta

diversidade em sua maneira de ser e estar no mundo, de acordo com

21

Tomás de AQUINO, Suma teológica: Parte I, q. 29, artigo 3, r. 2, p. 530.

22 Nota de rodapé “i”, referente à questão 29, artigo 3, in Tomás de Aquino, Suma teológica:

Parte I – Questões 1 a 43, p. 529.

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22

o que conhece, com sua maneira de conhecê-lo e,

consequentemente, segundo a maneira de ser e de reagir!”23

.

Michel VILLEY entende que repousam também no pensamento

tomista as origens das liberdades individuais do direito moderno, como

liberdade de consciência e de opinião, pois ao demonstrar que o ser humano é

gênero de uma mesma natureza, dá a cada indivíduo uma dignidade própria,

de modo que ele não faz parte apenas do coletivo, da polis, como diziam os

gregos, mas responde também à sua própria existência24.

Para Walter MORAES, o sentido filosófico de pessoa desenvolvido

pela escolástica de ser aquele que age na natureza, de ser o sujeito primeiro

de atribuição da natureza racional, coincide com os conceitos jurídicos de

pessoa e personalidade a serem desenvolvidos neste trabalho. Por isso,

MORAES entende que neste aspecto das definições de pessoa e

personalidade os conceitos ontológicos e éticos se equiparam25.

1.2. Conceito jurídico de pessoa

De acordo com PONTES DE MIRANDA, o ponto de partida para a

análise do conceito de pessoa deve ser precedido pelo estudo dos sujeitos de

direitos, pois para a Ciência Jurídica “ser pessoa é apenas a possibilidade de

ser sujeito de direito”26.

Ser sujeito de direito é estar na posição de titular de direito (ou,

como igualmente correto, na posição de titular da pretensão, titular da ação,

titular da exceção27) em uma situação jurídica. Em outras palavras, sujeito de

23

Introdução à Suma Teológica, In Suma teológica: teologia, Deus, Trindade. V. 1. Parte I – Questões 1 a 43, p. 48.

24 Michel VILLEY, A formação do pensamento jurídico moderno, p. 51.

25 Walter MORAES, Concepção Tomista de Pessoa: um contributo para a teoria do direito da

personalidade, in Doutrinas essenciais: Responsabilidade Civil, v. 1. Teoria Geral, p. 827.

26 Pontes de MIRANDA, Tratado de direito privado, Tomo I, § 47, 1, p. 243.

27 Pontes de MIRANDA ensina que “(...) quando dizemos ‘sujeito de direitos’ pessoa

(‘personalidade’), usamos, legitimamente, forma elíptica; isto é, dizemo-lo, em vez de ‘sujeito

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23

direito é o ente que pode figurar tanto no polo ativo quanto passivo de uma

relação jurídica.

Destaca Tercio Sampaio FERRAZ Jr. que o uso mais tradicional do

termo sujeito tende a vê-lo como o ser humano concreto. Para o autor a base

ideológica dessa concepção está na noção de que cabe ao direito objetivo

garantir e proteger o titular da propriedade privada. O ser humano tem o seu

próprio corpo como uma propriedade primeira, que utiliza como fonte de

trabalho e, por essa razão, o ser humano é por excelência sujeito jurídico28.

Esta utilização mais tradicional, referida por Tercio Sampaio

FERRAZ Jr., era a disposta no Art. 2º do Código Civil de 1916 que utilizava a

palavra “homem”, evidentemente no sentido de ente integrante do gênero

humano, como o sujeito capaz de direitos e obrigações.

O Código Civil de 2002 alterou a palavra “homem” para “pessoa”, e

muito embora não defina o que seja “pessoa”, é certo que se compreenda

como “ser humano”, como qualquer ser humano. Essa percepção decorre da

própria sistematização do Código Civil que dispõe o Art. 1.º (“toda pessoa é

capaz de direitos e deveres na ordem civil”), no livro Das Pessoas, no título

Das Pessoas Naturais.

No entanto, o escopo do dispositivo legal é tratar de sujeito de

direito. Na definição de Tercio Sampaio FERRAZ Jr., o sujeito de direito “é o

ponto geométrico de confluência de diversas normas. Esse ponto pode ser uma

pessoa, física ou jurídica, mas também um patrimônio”29, por exemplo, as

heranças jacente e vacante (disciplinadas nos Arts. 1819 a 1823 do Código

Civil), pois, embora não possua personalidade jurídica, a lei permite que possa

comparecer em juízo, tanto de forma ativa quanto passiva (CPC, Art. 12, IV),

ou ainda, o espólio (CPC, Art. 12, V), e, desse modo, apesar de não serem

pessoas, são sujeitos de direito.

de direito, pretensões, ações e exceções, deveres, obrigações e situações passivas nas ações e exceções’, (...)’’. Op. cit., § 81, 2, p. 317.

28 Tercio Sampaio FERRAZ JR., Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão,

dominação, p. 125.

29 Tercio Sampaio FERRAZ JR., op. cit., p. 127.

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24

Os autores que atualizaram o Tratado de Direito Privado, tomo I, de

PONTES DE MIRANDA, afirmam: “Do ponto de vista lógico, o adequado seria

o Código Civil preceituar, no Art. 1º, que todo sujeito de direito é titular de

direitos e deveres na ordem civil (...)”30. Contudo, os próprios atualizadores

admitem que a alteração de “pessoa” para “sujeito” pode conduzir a outros

novos problemas, pois alguns doutrinadores têm reivindicado a extensão da

condição de sujeito aos animais, o que é incompatível com o ordenamento

jurídico brasileiro31.

Certo é que toda pessoa é sujeito de direito, pois pode figurar tanto

no polo ativo quanto passivo de uma relação jurídica, pode, portanto, pôr a

máscara para entrar no teatro do mundo jurídico e desempenhar o papel de

sujeito de direito32.

A existência da pessoa para a Ciência Jurídica decorre de duas

perspectivas: da eficácia do fato jurídico stricto sensu de nascer o ser humano

vivo no caso da pessoa natural; e do ato jurídico de registro de ato constitutivo

no órgão competente para as pessoas jurídicas33.

Ao comentar o Art. 1º do Código Civil, Rosa Maria de Andrade

NERY ensina que pessoa é o ente dotado de personalidade34.

30

Judith Martins-COSTA, Gustavo HAICAL e Jorge Cesa Ferreira da SILVA, Panorama Atual pelos Atualizadores, § 50. B – Doutrina, in op. cit., p. 260.

31 Idem, p. 263. Entre os autores que defendem essa concepção está Fernando Araújo, no livro

A hora dos direitos dos animais. Coimbra: Almadina, 2003. O jornal Folha de S.Paulo, em 11 de março de 2012, na seção Ciência, divulgou notícia intitulada “Quase humanos”, em que registrava que o “(...) parque aquático Sea World, nos EUA, foi processado por confinar cinco membros de sua equipe em um espaço diminuto e obrigá-los a fazer rotineiramente apresentações para o público. As autoras da ação? Um grupo de cinco orcas. Elas foram representadas por uma ONG de direitos dos animais, que entrou com o pedido. Embora o juiz tenha optado por não levar o caso adiante, essa foi a primeira vez que um tribunal federal americano chegou a analisar algo do tipo”. Segundo o texto jornalístico há um movimento de cientistas e organizações que se mobilizam para o reconhecimento dos cetáceos (que inclui golfinhos e baleias) como “pessoas não humanas”. Disponível: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/31897-quase-humano.shtml>. Acesso 29.01.2013.

32 Pontes de MIRANDA, Tratado de direito privado, Tomo I, § 50, 2, p. 254.

33 Marco Bernardes de MELO, Teoria do fato jurídico: plano da existência, p.119 e Teoria do

fato jurídico: plano da eficácia, p. 140.

34 Rosa Maria de Andrade NERY e Nelson NERY JR., Código Civil comentado, comentário 2

do Art. 1º, p. 205.

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25

A personalidade é a qualidade de ser a pessoa um ente

individualizado, é o que a caracteriza como aquilo que existe por si. Não se

adquire personalidade, se é. Como atributo inseparável da pessoa, existe

independente de qualquer requisito, decorre simplesmente da existência.

Assim, até mesmo um bebê recém-nascido, um deficiente mental ou alguém

com enfermidade, que têm impedidos o devido discernimento sobre os seus

atos ou a possibilidade de expressão de sua vontade, possuem personalidade

e, portanto, têm aptidão para ser pessoa. E são, consequentemente, sujeitos

de direito.

Pessoa e personalidade são conceitos interligados, pois se pessoa é

sujeito (quem atua), personalidade é a qualidade que torna o ente pessoa. Em

outras palavras, a personalidade é a capacidade para ser pessoa, “é o quid que

faz com que algo seja pessoa”35.

O legislador no Código Civil entrelaça esses conceitos de sujeito de

direito, pessoa e personalidade ao dispor no livro Das Pessoas, ao tratar das

pessoas naturais, no Art. 2º, quando ressalta: “A personalidade civil da pessoa

começa do nascimento com vida; (...)”. E no Art. 1º ao registrar que “(...) toda

pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”.

Pessoa natural é, nesse sentido, a transposição ao âmbito jurídico

da qualidade humana36 e é ela quem adquire personalidade civil no momento

de seu nascimento com vida e, por conseguinte, a aptidão para ser sujeito de

direito.

A existência da personalidade é que permite à pessoa ser capaz de

direitos ou deveres. Ensina José de Oliveira ASCENÇÃO que conceito nada diz

sobre a extensão dessa titularidade, se uma pessoa tem poucos ou muitos

direitos, mas somente que os pode ter37. Se for pessoa tem personalidade, e

somente quem é dotado de personalidade pode ser titular de direitos,

35

Walter MORAES, Concepção Tomista de Pessoa: um contributo para a teoria do direito da personalidade, in Doutrinas essenciais: Responsabilidade Civil, v. 1. Teoria Geral, p. 820.

36 Carlos Enric FLORENSA TOMÀS, Persona Fisica, in Nueva enciclopedia jurídica, p. 614.

37 Direito Civil: teoria geral, introdução, as pessoas, os bens, p. 110.

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26

pretensões, ações e exceções e também de deveres, obrigações, ações e

exceções38.

É preciso destacar que personalidade se distingue de capacidade. A

capacidade é um atributo da personalidade. Para José de Oliveira

ASCENÇÃO, a capacidade é quantitativa. Esse autor define capacidade como

a medida das situações jurídicas de que uma pessoa pode ser titular ou que

pode atuar, pois “pode-se ser mais ou menos capaz, mas não se é mais ou

menos pessoa”39.

Personalidade também não deve ser confundida com direitos da

personalidade, uma vez que a distância jurídica entre eles é enorme. Enquanto

personalidade é um valor jurídico derivado da condição de ser pessoa natural

ou jurídica, os denominados direitos da personalidade, que serão analisados no

próximo capítulo, são efetivamente direitos subjetivos próprios da pessoa

natural, previstos em caráter exemplificativo na legislação e extensíveis,

apenas parcialmente e, por analogia, às pessoas jurídicas.

Finalmente, a pessoa humana é sujeito, fundamento e fim do Direito.

Como sujeito de direito, evidentemente não se quer dizer que o ser

humano é de forma exclusiva, porque outros entes também o são (como a

pessoa jurídica obviamente), mas que não pode deixar de ser. Ele é sujeito de

direito por excelência, pois apenas atuando na vida jurídica pode exprimir na

vida social sua autonomia. Como fundamento e fim porque o Direito existe em

consequência de ter sido uma criação do homem. É na realidade da pessoa

que se encontra a justificação profunda do Direito e é para a realização da

pessoa que a ordem jurídica existe40.

38

Pontes de MIRANDA, Tratado de direito privado, Tomo I, § 48, 1, p. 245.

39 Op. cit., p. 116-117.

40 José de Oliveira ASCENÇÃO, Pessoa, Direitos Fundamentais e Direito da Personalidade, in

Revista Mestrado em Direito UNIFIEO, ano 6, nº 1, 2006, p.160.

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27

1.2.1. Características da personalidade

Sendo a personalidade a aptidão para ser pessoa, porque é o que

reveste o sujeito de individualidade, o que lhe faz único, Rosa NERY destaca

cinco características da personalidade, às quais denomina de atributos da

personalidade41, que à luz da Teoria Geral do Direito Privado permitem a

individualização da pessoa como sujeito de direito42.

Essas características são capacidade, status (estado), nome,

domicílio e fama. Todas elas fundem-se à pessoa de modo que sua

individualização seja reconhecida, diferenciando-a dos demais membros da

coletividade.

1.2.1.1. Capacidade

A característica da Capacidade é a possibilidade de a pessoa

adquirir ou de exercer direito e deveres; por vezes é confundida com o conceito

de personalidade, mas como visto o conceito de personalidade refere-se à

existência da pessoa, já capacidade é aptidão da pessoa para a realização de

atos civis.

A capacidade pode ser de direito ou de fato. A capacidade de direito

é a aquisição de direitos atribuída indistintamente a todas as pessoas.

Capacidade de fato (ou de exercício de direito) não é própria de toda pessoa,

mas apenas dos sujeitos de direitos que estão aptos para os atos da vida civil e

para a maneira de exercê-los.

A capacidade de exercer direitos das pessoas jurídicas é plena, sem

limitação, enquanto as pessoas físicas ou naturais poderão sofrer limitação em

sua capacidade de exercício, de modo absoluto ou relativo em razão da idade

41

Também utilizam essa denominação Limongi FRANÇA, Manual de direito civil. v. 1, p. 145 e Louis JOSSERAND, Derecho Civil: Tomo I, v. 1. p. 193.

42 Rosa Maria de Andrade NERY, Introdução ao pensamento jurídico e à teoria geral do

direito privado, p. 277.

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28

(Art. 3º, I e Art. 4º, I do CC) ou em razão de estado de saúde física ou mental

permanente ou temporária, mais grave ou menos grave (Art. 3, II e III e Art. 4º,

II, III, e IV do CC).

Ressalte-se que as hipóteses de limitação da capacidade de

exercício da pessoa natural em nada afetam a sua personalidade, pois, o

menor de idade, o enfermo que não puder exprimir sua vontade, o doente

mental, o pródigo, o interditado civilmente, conservam integralmente sua

individualidade.

A limitação da capacidade de exercício dessas pessoas, nessas

situações, está no exercício de sua capacidade na vida jurídica, e para cada

situação jurídica há uma solução jurídica possível (são representados ou

assistidos, conforme seja a incapacidade absoluta ou relativa). Isso porque o

exercício é limitado, mas não é restringido, uma vez que se houvesse restrição

se atingiria a própria qualidade de pessoa. Nota-se que a capacidade é a regra,

a incapacidade, exceção.

A capacidade se justifica como característica da personalidade, pois

se fosse negada à pessoa, como sujeito de direito, a capacidade de adquirir

direitos (e, por consequência, deveres) e de exercício de direitos, o resultado

seria a negação da existência de pessoa no mundo jurídico. Nesse sentido,

Rosa NERY aponta que a capacidade, assim como os demais atributos, está

intimamente relacionada com exercício, negação ou diminuição da cidadania43.

É esta condição de atributo que torna impossível à pessoa renunciar ou

declarar reduzida sua capacidade44.

1.2.1.2. Estado individual, familiar e político

43

Idem, p. 278.

44 Caio Mario da Silva PEREIRA, Instituições de direito civil: v. I, p. 265.

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29

A formulação do conceito de capacidade, no direito antigo, se

organizou em torno do conceito de “status”45, pois quem reunia as qualidades

jurídicas específicas do status libertatis, do status civitatis e do status familiae

gozava de capacidade plena46. A falta desses estados acarretava a capitis

diminutio, máxima, média e mínima, respectivamente47.

Caio Mário da Silva PEREIRA explica que o estado da pessoa

“relaciona-se com a personalidade, porque é uma forma de sua integração, e

articula-se com a capacidade porque influi sobre ela48”, uma vez que o estado

político importa para o exercício de direitos na ordem política, enquanto o

estado civil interfere no exercício de direitos na ordem civil.

O estado (status) é característica da personalidade, que traduz a

qualificação jurídica da pessoa no grupo social no qual está inserida, seja no

âmbito individual, familiar ou político.

As pessoas são qualificadas pelo seu estado individual (status

personalis)49 que corresponde à maneira de ser da pessoa quanto ao gênero

(masculino/feminino), quanto à idade, que pode ser modificada pelo fator tempo

(maioridade ou menoridade), quanto à saúde mental (livre de qualquer das

hipóteses previstas nos arts. 3º e 4º do CC).

A qualificação do estado ocorre também pelo status familiae que

corresponde ao papel, ou melhor, papéis, que a pessoa exerce no núcleo

familiar, derivado de fato natural, como o nascimento, ou de fato jurídico, como

a adoção ou casamento. Esses papéis podem ser o de pai, mãe, filho, irmão,

avô/avó, neto, tio, sobrinho, sogro/a, genro, nora, cunhado. Cada um desses

papéis produz uma enorme gama de direitos e obrigações, assumidos pela

45

Rosa Maria de Andrade NERY, Noções preliminares de direito civil, p. 155.

46 Carlos Roberto GONÇALVES, Direito civil brasileiro: parte geral, p. 168.

47 Silvio de Salvo VENOSA, Direito civil: parte geral, p. 129.

48 Instituições de direito civil: v. I, p. 265. No mesmo trecho o autor ensina: “O direito romano

atentava para o fato de o individuo ser ou não cidadão, ou ser livre ou escravo, para conceder-lhe ou recusar-lhe a capacidade de direito, e a isto chamava-se status civitatis e status libertatis. O direito moderno indaga se o homem é casado, solteiro ou viúvo; se é separado ou divorciado, se é nacional ou estrangeiro (...)”.

49 Caio Mário da Silva PEREIRA, op. cit., p. 265.

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30

pessoa em razão de estar em determinada posição jurídica ― assim como um

filho tem direitos e deveres próprios dessa condição de filho e os pais direitos e

deveres inerentes a esse status50. As normas referentes ao estado familiar são

próprias do direito de família, mas repercutem no direito das coisas, das

obrigações e das sucessões.

Maria Helena DINIZ destaca que os efeitos dos estados individual e

familiar são de grande importância, a ponto de o Art. 9º do CC exigir o registro

público, de nascimento, casamento, óbito, emancipação, interdição e de

sentença declaratória de ausência e de morte presumida, e o Art. 10 requerer a

averbação em registro público de alterações dessas situações51.

A qualificação da pessoa também ocorre pelo estado político (status

civitatis) que identifica a pessoa perante a ordem política, em seu estado de

nacional, estrangeiro ou apátrida, ou, ainda, de nato ou naturalizado. A

identificação do status político da pessoa diante do Estado influi na sua

condição de ser ou não cidadão, estabelecendo direitos e obrigações

referentes à situação exercida.

Sendo o estado individual, familiar e político um atributo da

personalidade, portanto vinculado à condição de pessoa, ele é indivisível,

indisponível e imprescritível. Indivisível porque a pessoa está impedida de ser

titular simultaneamente de condições incompatíveis, como ser maior de idade e

menor de idade; ser casado e solteiro; ser brasileiro e estrangeiro (salvo

exceção legal da dupla nacionalidade). Indisponível, pois a pessoa não pode

renunciar ou transacionar sua condição de filho, de brasileiro etc. É possível

apenas a modificação que, todavia, não é arbitrária, visto que sempre ocorrerá

na maneira prevista por lei. Finalmente é imprescritível, uma vez que a inércia

da pessoa no tempo em nada interfere na aquisição ou perda do estado que

lhe compete, por exemplo, uma vida de décadas em união estável, não altera o 50

Rosa Maria de Andrade NERY, Introdução ao pensamento jurídico e à teoria geral do direito privado, p. 280.

51 Maria Helena DINIZ, Curso de direito civil brasileiro: Teoria Geral de Direito Civil, p. 242.

Rosa Maria de Andrade NERY chama a atenção para a exigência legal de intervenção do Ministério Público, conforme os Art. 82, II e Art. 472 do CPC, nas ações judiciais, denominadas ações de estado, que tem por objeto preservar, alterar ou reconhecer estado individual, familiar ou político de alguém, em Noções preliminares de Direito Civil, p. 156.

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estado das pessoas para casado porque a celebração do casamento é ato

essencial e solene de validade. Outro exemplo: o estado de filho pode ser

pleiteado em qualquer tempo52.

O estado como elemento integrante da personalidade nasce com a

pessoa e com ela desaparece, por ocasião de seu falecimento53, podendo ser

modificado apenas de acordo com a lei.

PONTES DE MIRANDA relata que houve quem classificasse o

“status” como um direito da personalidade, contudo a qualificação da pessoa

quanto à nacionalidade, à cidadania, ao estado civil, à filiação, não se irradia da

sua natureza humana, mas de fato jurídico. Exemplifica o autor: “(...) se o

exposto nunca veio a conhecer a sua origem, paterna ou materna, nem por

isso se pode entender que algo perdeu da sua pessoa”, ou “tão-pouco perde

em sua pessoa o que nasce sem pátria, ou fica sem pátria: o apátrida é

pessoa, como o que tem pátria”54. Ou seja, ainda que não se conheça

ascendentes ou nacionalidade a que pertence a pessoa, inalterável a sua

natureza humana suporte fáticos dos direitos da personalidade.

Portanto, o “status” prende-se à personalidade como característica

desta, e não aos denominados direitos da personalidade, que se referem à

natureza da pessoa.

1.2.1.3. Nome

PONTES DE MIRANDA explica: “(...) o direito ao nome é atribuído à

pessoa ― possibilidade de ser sujeito de direitos e deveres exige que se adote

e se tenha direito ao nome. Se esse direito implica o uso exclusivo, ou se

apenas dá pretensão e ação a não ser lesado por nome igual, depende do

sistema jurídico”55. Muito embora os recursos linguísticos sejam limitados para

52

Caio Mário da Silva PEREIRA, Instituições de direito civil: v. I, p. 266 e 267.

53 Maria Helena DINIZ, Curso de direito civil brasileiro: Teoria Geral do Direito Civil, p. 244.

54 PONTES DE MIRANDA, Tratado de direito privado: Parte Especial: tomo VII, p. 62.

55 PONTES DE MIRANDA, Tratado de direito privado: Parte Especial: tomo VII, p. 138.

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possibilitar um nome único para cada indivíduo, é por meio dele que a pessoa é

individualizada.

O nome das pessoas naturais compreende o prenome, o sobrenome

e o agnome, se houver. O prenome é a identificação individual, o sobrenome a

identificação da família, da origem familiar do indivíduo; e o agnome, utilizado

para distinguir parentes que possuem o mesmo nome (prenome e sobrenome),

por exemplo “júnior”, “neto”, “sobrinho”.

Limongi FRANÇA explica ainda que o nome seja escolhido apenas

no momento do registro do nascimento; o rebento é identificado, chamado,

denominado de algum modo, como “bebê”, “nenê”, e nas maternidades como

“a criança número tal" ou “a criança Tal (nome da mãe)”, sem o que muitas das

suas atividades essenciais para garantir-lhe ao próprio direito à vida (como

alimentação, higiene, tratamento médico) não podem ser atendidas de modo

regular56.

A doutrina ensina que, por ser característica da personalidade, o

nome é inalienável, imprescritível, portanto protegido judicialmente57. Todavia,

a compreensão do nome como característica da personalidade, parte da

percepção de que o sujeito está impedido de renunciar a ser nominado, pois o

nome tem função identificativa.

A função identificativa do nome não implica que o nome seja em si

imutável e inalterável. Alteração do prenome, do sobrenome ou do nome

completo é possível, nos termos da legislação específica ou no caso de ato

ilícito como utilização de nomes falsos. Há sempre a necessidade de um nome

qualquer, o sujeito deve ser identificado de alguma maneira.

A esse respeito há um exemplo curioso, ocorrido em 1993 com o

cantor norte-americano Prince, que travou uma briga judicial em defesa dos

direitos de suas músicas com a Warner Bros., gravadora que comercializava o

trabalho dele. Em razão desse conflito, Prince mudou seu nome para um

56

Limongi FRANÇA, Do nome das pessoas naturais, p. 139.

57 Maria Helena DINIZ, Curso de direito civil brasileiro: Teoria Geral do Direito Civil, p. 230.

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símbolo impronunciável, que unia caracteres masculinos e femininos. Pelo fato

de não ter como pronunciar o símbolo, o cantor exigia que o chamassem de “o

artista anteriormente conhecido como Prince” ou de “o Artista”, e somente

voltou a utilizar seu nome em 16 de maio de 2000, quando o seu contrato com

a gravadora expirou58. Esse período foi o de menor sucesso comercial da

carreira do cantor, talvez pela falta de nome. De qualquer forma, apesar da

excentricidade e contrariando a vontade do cantor, ele continuou a ser Prince

nesse período, mesmo que não atendesse a quem assim o chamasse.

O nome é a designação ou sinal exterior pelo qual a pessoa

identifica-se no seio da família e da sociedade59. O nome independe da

vontade da pessoa, que o adquire com o nascimento e o carrega consigo até

seu falecimento. Em suma, não há pessoa sem nome.

1.2.1.4. Domicílio

O domicílio constitui uma característica da personalidade, porque a

dimensão espaço60 é inerente à existência da pessoa, a existência não ocorre

no vazio, no nada. A pessoa está sempre em algum lugar e apenas em um

58

“Prince Roger Nelson (nascido em 7 de junho de 1958, em Minneapolis, nos Estados Unidos) é um multi-instrumentista, músico e dançarino. Sua música mescla diversos gêneros musicais como funk, R&B, soul, new wave, jazz, rock psicodélico, pop, hip hop. Foi considerado o 33º melhor guitarrista de todos os tempos pela revista norte-americana Rolling Stone. Prince tem a habilidade de juntar elementos de todos estes estilos musicais fazendo uso de sintetizadores e bateria eletrônica, desde o início de sua carreira, no fim dos anos 70, tornando conhecido o som de Minneapolis, que influencia muitos artistas até hoje. Já vendeu mais de 100 milhões de álbuns em todo o mundo. O álbum duplo Sign O’The Times, lançado em 1987, entrou para a lista dos 100 melhores álbuns de todos os tempos da Rolling Stone e da revista Time, sendo eleito o melhor dos anos 80. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Prince>. Acesso em: 30 de janeiro de 2013.

59 Carlos Roberto GONÇALVES, Direito civil brasileiro, vol. 1 p. 148.

60 Conforme ABBAGNANO, no Dicionário de Filosofia, no verbete “Espaço”: o termo deu

origem a três ordens de problema: 1º, a respeito da sua natureza; 2º, da sua realidade; 3º, da sua estrutura métrica. Neste trabalho interessa o problema da natureza, que compreende espaço como lugar, como recipiente e como campo. A concepção de espaço como lugar prevaleceu na Antiguidade e na Idade Média e era entendido como atributo, como propriedade da substância. Como recipiente, era a tese defendida por Newton e prevaleceu por todo séc. XIX. Finalmente, a concepção de espaço como campo foi apresentada por Einstein no séc. XX. Essa concepção tem o mérito de retornar à teoria clássica, mas de acrescentar outro aspecto, o tempo. (Nicola ABBAGNANO, Dicionário de Filosofia, p. 406 a 411.)

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lugar. A essa dimensão espacial da pessoa deu-se no campo jurídico a

denominação de domicílio.

A sua importância encontra origem na Antiguidade, momento no

qual se exigia que o cidadão, para poder participar dos assuntos do mundo,

deveria possuir uma casa, um lugar que fosse propriamente seu61.

O domicílio é definido pelo direito romano como o local onde alguém

constitui o seu lar, bem como a sede de seus negócios62. É, em linguagem

mais moderna, “(...) a sede jurídica da pessoa, onde ela se presume presente

para efeitos de direito e onde exerce ou pratica, habitualmente, seus atos e

negócios jurídicos63”.

A normatização do instituto no Brasil está no Código Civil de 2002,

nos artigos 70 a 78, que dispõe sobre o domicílio da pessoa natural e jurídica,

da mudança, das espécies - voluntário, legal (necessário) e de eleição. O

instituto produz consequências em diversas áreas do direito, tanto na esfera

material quanto processual.

Prescreve o artigo 70 do Código Civil de 2002: “(...) o domicílio da

pessoa natural é o lugar onde ela estabelece a sua residência com ânimo

definitivo”. Segundo Carlos Roberto GONÇALVES o conceito de domicílio civil

se compõe de dois elementos: “(...) o objetivo, que é a residência, mero estado

de fato material; e o subjetivo, de caráter psicológico, consistente no ânimo

definitivo, na intenção de aí fixar-se de modo permanente64”. O conjunto desses

dois elementos forma o domicílio civil.

O aspecto que se quer ressaltar, no entanto, é o de compreendê-lo

como característica da personalidade. A fixação espacial da pessoa independe

de sua disposição de vontade, tanto que, mesmo que não tenha residência

61

Hannah ARENDT, A condição humana, p. 35. A autora alerta, no entanto, que o sentido não é de riqueza, de propriedade, mas de limites entre esfera pública e privada.

62 “Ubi quis larem rerumque ac fortunarum suarum summan constituit” in Caio Mario da Silva

PEREIRA, Instituições de direito civil: v. I, p. 369.

63 Maria Helena DINIZ, Curso de direito civil brasileiro: teoria geral do direito civil, p. 244.

64 Direito civil brasileiro: parte geral, p. 173.

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habitual ― por ser nômade, como os ciganos, ou desprovido de recursos,

como os moradores de rua, ou, ainda, porque passa a vida viajando, sem um

ponto central de negócios ―, terá por domicílio o local em que for encontrada

(Art. 73 do CC e Art. 94, §2º do CPC). Conclui-se que toda pessoa possui

domicílio, pois sua existência ocupa um espaço.

1.2.1.5. Fama

Toda pessoa traz consigo características e qualidades que a tornam

única e irrepetível, porque a individualizam.

Individualizar significa diferenciar, tornar singular. A singularidade de

cada pessoa é composta de infinitos elementos que conjuntamente a

identificam, a fazem única e a tornam conhecida em seu ambiente social. A

este conjunto de traços distintivos dá-se o nome de fama.

A fama tem assim a função de fazer alguém ser conhecido ou

reconhecido por suas características (qualidades, defeitos, méritos),

singularizando-o. É, portanto, mais um critério de identificação do sujeito,

juntamente com a capacidade, o estado, o nome e o domicilio, compõe o

conjunto das características da personalidade.

A fama, como atributo da personalidade, não se confunde com a

fama no sentido de reputação. Como atributo da personalidade, ela limita-se a

identificar o sujeito, por exemplo: “Fulano da Silva, empresário do ramo

agropecuário...”. Quando se passa a qualificar a pessoa de Fulano da Silva

referindo à sua fama (reputação) de bom ou mau empresário, pode-se atingir a

integridade moral ou profissional dessa pessoa, causando-lhe prejuízos tanto

morais quanto materiais.

Nesse sentido, Rosa NERY alerta que se a referência à fama não for

a de identificação, mas de qualificação, de avaliação (boa ou ruim), então se

sairá do campo do atributo da personalidade para adentrar a esfera dos

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chamados direitos da personalidade, pois adquirirá o caráter de objeto, pois se

referirá à natureza do homem, à humanidade do ser, como a autoestima65.

1.3. Natureza humana

A fim de fixar parâmetros para o trabalho que aqui desenvolvemos,

importa conhecer e identificar a natureza humana, pois reconhecer que o

homem (ser humano) é pessoa não explica, todavia, o que significa ser

homem, ou, de outro modo, o que significa o ente com a natureza humana. A

compreensão do significado do que seja ser homem não se encontra no

sentido de pessoa, mas no de natureza humana.

Saber em que consiste a natureza humana é mais uma das

contribuições tomistas à história do pensamento filosófico. Tomás de AQUINO

ensina que a natureza é a diferença específica que informa cada coisa.

Conhecer essa diferença é conhecer a natureza do objeto, e a função da

natureza é a de completar a definição da coisa66.

Desse modo, compreender a natureza humana importa para

determinar o que faz o homem ser homem (ou ser humano, se assim se

preferir), ou, em outras palavras, o que no homem o diferencia de Deus e dos

demais seres vivos, “o que” o caracteriza.

Na concepção aristotélica, Natureza é o movimento que todas as

coisas existentes possuem67, sendo “ao mesmo tempo, término e princípio do

movimento que resulta naquilo ‘que nasce’, ‘que é gerado’”68. Tomás de Aquino

recupera esse sentido de movimento, de agir para um fim, para explicar que

65

Rosa Maria de Andrade NERY, Noções preliminares de direito civil, p. 160.

66 Tomás de AQUINO, Suma teológica: Parte I – Questões 1 a 43, q. 29, a. 1, r. 4, p. 524.

67 As expressões “Permitir a ação da natureza”, “Entregar-se à natureza” ou “Seguir a natureza”

decorrem desse conceito, conforme o verbete “Natureza” do Dicionário de Filosofia, de Nicola ABBAGNANO, p. 814.

68 Marie-Joseph NICOLAS, Verbete: Natureza, Vocabulário da Suma teológica, in: Suma

teológica: teologia, Deus, Trindade. V. 1. Parte I – Questões 1- 43, p. 88.

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natureza é o que age para que o ser realize seu fim69. Para que seja o que se

é, causa e fim.

Assim, dizer “natureza” é revelar o que é, ou qual é a essência do

ser.

Para Tomás de Aquino, ser significa existir70. Existir em uma forma,

para que se situe esse ser em uma espécie determinada, e existir no ato que

lhe dá origem, na sua essência. O que significa que cada ente tem sua própria

essência e que deve existir conforme essa essência.

Mas natureza e essência são conceitos distintos. A essência que

existe do ser é estática, enquanto a natureza como “aquilo que age” é

dinâmica. Daí que os conceitos se complementam para significar que cada

ente deve agir de acordo com a sua natureza, com seus limites, suas

particularidades, suas possíveis deficiências71.

A natureza humana é um composto de matéria e forma. Matéria

significa, no sentido aristotélico, “puro princípio de indeterminação, de

pluralidade e de dispersão72”, matéria pode ser assim qualquer coisa. Já forma

significa “princípio de determinação, de atualização e de especificação”73. A

forma é no ser vivo o princípio vital que dá à matéria específica unidade,

autonomia e espontaneidade, que faz com que deixe de ser indeterminada.

A concepção tomista de que o homem é um composto de matéria e

forma é a aplicação ao ser humano do hilomorfismo grego, que afirma que tudo

que é compõe-se de matéria e forma74. Nesse sentido, uma não existe sem a

outra; para a existência de uma coisa qualquer é necessário a união da matéria

69

Marie-Joseph NICOLAS, Verbete: Natureza..., p. 88.

70 Marie-Joseph NICOLAS, Verbete: Ser (Esse, ens)..., p. 97.

71 Maire-Joseph NICOLAS, Introdução à Suma teológica, In Suma teológica: teologia, Deus,

Trindade. V. 1. Parte I – Questões 1- 43, p. 43.

72 Maire-Joseph NICOLAS, op. cit., p. 46 e Nicola ABBAGNANO, verbete Matéria, in Dicionário

de Filosofia, p. 744.

73 Maire-Joseph NICOLAS, idem, ibidem.

74 Nicola ABBAGNANO, verbete Hilomorfismo, in Dicionário de Filosofia, p. 580.

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com a forma. Transportando essa ideia de hilomorfismo para compreender a

natureza humana, significa que, como um composto de matéria e forma, o ser

humano não é apenas uma coisa ou outra, ele é a unidade de matéria e forma.

O homem é corpo75 e espírito.

De modo que “quando o homem pensa, é o composto inteiro que

pensa, embora seja pela atividade própria e espiritual da alma que, pensando,

se torna livre da matéria que ela informa, mas não a ponto de abrir mão dela e

das atividades de que é inseparável”76.

Ao explicar a intrínseca relação entre esses dois elementos, Edvino

A. RABUSKE comenta: “(...) é difícil encontrar a terminologia adequada. Não

posso dizer simplesmente: ‘eu sou o meu corpo’, porque sou mais que isto.

Também não é exato dizer: ’Eu tenho um corpo’. O verbo ‘ter’ não é apropriado

para exprimir a relação de transcendência e de imanência do espírito com o

corpo. Igualmente é insuficiente falar em ‘expressão ‘ ou ‘verbalização’: que o

espírito ‘se exprime’, ‘se verbaliza’ no corpo”77.

Para Tomás de Aquino, espírito significa consciência e liberdade

(livre-arbítrio). Consciência é conhecer e pensar, para compreender o ser em

sua amplitude, e por consequência, amar. Liberdade é ser livre para agir e

querer. De modo que, por meio de atos intelectivos e volitivos, o espírito

humano se manifesta.

Como ato intelectivo, a antropologia aponta a consciência, que se

caracteriza pela percepção do “eu”, que simultaneamente percebe que não é o

outro ― essa consciência produz o conhecimento que se realiza pelo ato de

pensar. Mas não é apenas a consciência e o pensamento que definem o

75

Para José de Oliveira ASCENSÃO corpo humano é tudo o que é expresso pelo mesmo genoma. (Dignidade da pessoa e o fundamento dos direitos humanos, In: Revista Mestrado em Direito, p. 88).

76 Maire-Joseph NICOLAS, op. cit., p. 47.

77 Antropologia filosófica: um estudo sistemático, p. 82.

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espírito, pois ele também se manifesta pela vontade, e a característica

fundamental da vontade é a liberdade78.

Assim, a natureza humana é espiritual, pode pensar e é livre para

agir. Muito diferente das outras naturezas, como a dos animais e vegetais79,

que não possuem escolha e, assim, estão fadadas a agir conforme sua

natureza. Conclui, então, Maire-Joseph NICOLAS: “(...) daí vem que a natureza

humana, mesmo única e constante nas pessoas e através dos tempos, é capaz

de diversificações mais profundas que as das naturezas puramente

materiais”80.

Possuir consciência e liberdade permite ao homem escapar do

determinismo do universo, porque ele é responsável pelo seu próprio destino, e

esta diferença específica o distingue dos animais. Graças à razão e à

liberdade, o homem é o único ser dotado de inteligência e vontade capaz de, a

partir da sua interioridade, buscar e realizar os valores que sua natureza lhe

permite realizar81. Essa diferença específica faz com que o homem seja

pessoa.

Mas o que faz do homem ser humano? Se, para os estudos

tomistas, pessoa é o que há de mais perfeito em toda a natureza82, e, por isso,

é o nome que cabe para designar Deus, o que faz a pessoa humana ser

humana?

A resposta encontra-se também na natureza, nessa diferença

específica que caracteriza o homem como o ser a se realizar, o homem em

toda a sua magnífica imperfeição.

78

Edvino A. RABUSKE, Antropologia filosófica: um estudo sistemático, p. 68 e 87.

79 Na concepção aristotélica-tomista todos os seres vivos são matéria e forma, mas como

explica Maire-Joseph NICOLAS no animal a forma é um princípio psíquico, que dá lhe a sensibilidade, a aptidão para captar as qualidades das coisas sem ser modificado por elas, mas também sem retirá-las de seu condicionamento material. Enquanto no homem a forma é espiritual. (Introdução à Suma teológica, In Suma teológica: teologia, Deus, Trindade. V. 1. Parte I – Questões 1- 43, p. 46.).

80 Op. cit., p. 48.

81 Jacy de Souza MENDONÇA, Introdução ao estudo do direito, p. 180.

82 Tomás de AQUINO, Suma teológica: Parte I – Questões 1 a 43, q. 29, a. 3, p. 529.

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Como demonstrado nos parágrafos anteriores, o homem é composto

de duas substâncias incompletas: espírito (anima, psique, eu, consciência) e

matéria (corpo). A união dessas substâncias forma o ser humano, é essa sua

natureza. E é tal união de espírito/matéria que possibilita a vida, o movimento,

ele é o que é (causa), e o que se torna (fim).

Tornar-se o que já se é, é ser em essência ou ter a potência (a

faculdade, a capacidade)83 de ser.

As potências, conforme a classificação, podem ser vegetativa,

sensitiva e intelectiva. A potência vegetativa corresponde ao poder de nutrição,

crescimento e procriação dos seres vivos; a potência sensitiva é própria dos

animais e compreende a sensibilidade ― sensação, percepção, imaginação e

memória; e a potência intelectiva abrange atenção, ideia, juízo e raciocínio. A

potência sensitiva realiza-se em atos de instinto, prazer e dor, já a potência

intelectiva realiza-se em atos de vontade (apetite e desejo) e de intelecto,

propriamente dito.

Evidentemente que no ser humano todas as potências (vegetativa,

sensitiva e intelectiva) estão presentes, porque é um ser vivo (potência

vegetativa), porque pertence como espécie ao reino dos animais (potência

sensitiva), mas é a potência intelectiva, como potência característica dos seres

humanos, que o faz o ser admirável que é. A vontade como ato da potência

intelectiva tem como propriedade essencial a liberdade. O que significa que o

ser humano ao ser livre para conhecer, agir e querer tornar-se aquilo que já é,

cumpre com sua natureza.

Assim, o que há de mais humano no homem é ser em potência, é

ser um ser a se realizar. Destaca-se que a potência é potencialmente infinita,

mas cada homem está de algum modo limitado em sua potência. De modo que

para a compreensão da natureza humana é necessário entender que ela

somente se realiza na pluralidade, em si ilimitada, de indivíduos.

83

Aqui as palavras “faculdade” e “capacidade” são utilizadas em sentido filosófico e não no sentido jurídico.

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2. DIREITOS DA PERSONALIDADE

No capítulo I, destacou-se que o sujeito de direito para atuar no

mundo jurídico é individualizado pela capacidade, nome, estado, domicílio e

fama. Esses elementos característicos da personalidade referem-se à pessoa,

em outras palavras, ao ente dotado de personalidade.

A proposta do presente capítulo é analisar o sentido daquilo que a

doutrina identifica como Direitos da Personalidade.

2.1. Considerações sobre direitos da personalidade, direitos

humanos e direitos fundamentais

Os direitos da personalidade são direitos inerentes à pessoa em

razão de sua natureza84 humana, sendo o seu bem jurídico o resguardo da

natureza humana nas relações privadas. O valor que fundamenta os direitos da

personalidade é a dignidade da pessoa humana.

O conteúdo dos direitos da personalidade insere-se nos direitos

fundamentais e nos direitos humanos85. Embora sustentem seu fundamento no

mesmo valor que os direitos da personalidade, com ele não se confundem86.

A denominação “direitos humanos” se refere aos documentos de

direito internacional que tratam da regulação da proteção da dignidade humana

no âmbito internacional, no qual a Declaração Universal dos Direitos Humanos

de 1948 é exemplo máximo, pois inaugurou uma época em que se tornou

84

Roberto Senise LISBOA, Manual de direito civil: teoria geral do direito civil, v. 1, p. 204.

85 Francisco AMARAL, Direito Civil: Introdução, p. 285; Anderson SCHREIBER, Direitos da

personalidade, p. 13.

86 Roberto Senise LISBOA, Idem, ibidem. Anderson SCHREIBER, op. cit., p. 12 e Ingo

Wolfgang SARLET, A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional, p. 27-35.

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possível implementar mecanismos jurídicos de proteção à pessoa humana em

face da soberania do Estado87.

Já a denominação “direitos fundamentais” é utilizada para designar

os direitos positivados, que tratam desse conteúdo, no texto constitucional de

um determinado Estado; é a terminologia apropriada para tratar da proteção da

pessoa humana no plano interno, no âmbito do direito constitucional positivo88.

Direitos fundamentais são todas aquelas posições jurídicas concernentes às

pessoas, que, por seu conteúdo e importância, foram previstas

constitucionalmente, ou que, como ensina Ingo Wolfgang SARLET, por seu

conteúdo e significado, possam lhes ser equiparados, agregando-se também à

Constituição material, tendo, ou não, assento na Constituição formal89.

Os direitos fundamentais são fundados no pacto constituinte e

limitam o poder das maiorias parlamentares para qualquer alteração normativa

que o atinja, enquanto os direitos humanos são direitos supraestatais, com

validade universal, e são vinculativos até mesmo em relação às maiorias

constituintes90.

A distinção entre direitos fundamentais e direitos de personalidade é

destacada por José de Oliveira ASCENSÃO ao afirmar que não há

equivalência entre os direitos91, pois cada um tem uma preocupação diferente.

O texto constitucional, por sua vez, tem em vista a posição do indivíduo em

face do Estado, o direito da personalidade atende às emanações da natureza

humana em si.

Quanto à abrangência dos direitos fundamentais e da personalidade

é preciso observar que o catálogo dos direitos fundamentais contempla

proteção a outros bens de caráter patrimonial (por exemplo, direito de herança

e direito de propriedade) ou de caráter coletivo (como o direito de greve), que

87

Ingo Wolfgang SARLET, op. cit., p. 29.

88 Anderson SCHEIBER, op. cit., p. 13.

89 Ingo Wolfgang SARLET, op. cit., p. 77.

90 Ingo Wolfgang SARLET, op. cit., p. 30.

91Jose de Oliveira ASCENSÃO, Direito Civil, p. 61.

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evidentemente não tratam da natureza humana, portanto não podem ser

considerados direitos da personalidade92.

Com isso os direitos da personalidade regulam a proteção da

natureza humana no âmbito das relações privadas, presente também o seu

conteúdo nos direitos fundamentais e nos direitos humanos, tendo nas relações

jurídicas e no âmbito de vigência seus traços de distinção.

2.2. Da dignidade da pessoa humana

A tarefa de distinguir os direitos fundamentais dos direitos da

personalidade produz nova indagação, uma vez que se há necessidade de

distinguir é porque certamente em algum aspecto parecem se assemelhar.

Ora, o valor que ambos regulam é o da dignidade da pessoa

humana, o que impõe ao menos breve reflexão sobre o que esta expressão

significa.

Contudo, essa não é tarefa fácil. Anderson SCHREIBER ao se

debruçar sobre o tema constata que o valor “dignidade humana” tem sido

invocado nos debates acadêmicos, nas motivações das decisões judicias, nas

peças advocatícias, em decisões administrativas, nos debates parlamentares,

em justificativas de projetos de lei e em outras tantas oportunidades, mas

curiosamente raramente ele é conceituado93.

Para exemplificar que a invocação desse valor em um grau elevado

de abstração assume pouco ou nenhum significado e que o uso indiscriminado

92

Para Ingo Wolfgang SARLET, os direitos fundamentais compreendem direitos das quatro dimensões. Os direitos de primeira e segunda dimensão são facilmente reconhecidos na constituição, que acolheu tanto os direitos tradicionais da vida, liberdade e propriedade, quanto o princípio da igualdade e os direitos e garantias políticas; quanto aos direitos de terceira e quarta dimensão o autor entende que a interpretação deve ser mais cautelosa, mas também é possível considerar como direitos fundamentais o “direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado” (mesmo que a sua previsão constitucional ― Art. 225 ― localiza-se fora do título dos direitos fundamentais), a proteção do consumidor (Art. 5º, inc. XXXII), o direito a informações prestadas pelos órgãos públicos (Art. 5º, XXXIII), entre outros exemplos. Op. cit., p. 67.

93 Anderson SCHREIBER, Direitos da personalidade, p. 7.

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pode permitir a banalização de conceito que ocupa posição central na ordem

jurídica contemporânea, o autor reproduz o discurso de Jorge Rafael Videla,

ditador argentino, que disse: “Para nós, o respeito aos direitos humanos não

nasce somente do mandamento da lei ou das declarações internacionais, mas

é resultante da nossa cristã e profunda convicção de que a dignidade do

homem representa um valor fundamental”94.

José de Oliveira ASCENSÃO constata que a afirmação retórica da

dignidade da pessoa humana é compatível com entendimentos contraditórios e

que esconde dentro dela o vazio quanto ao conteúdo que se atribui à pessoa

em que a dignidade é proclamada95. Para o autor, a dignidade da pessoa

humana não lhe é atribuída de fora, mas decorre de sua capacidade de

realizar-se, de construir-se; a pessoa humana “não é apenas um ser biológico

ou um ser ao sabor do arbítrio: É um ser com fins de realização próprios. É

responsável pela condução da sua vida. Nisso reside a sua dignidade”96. Desse

modo, continua o autor, o homem é digno porque é pessoa97.

Para Ingo Wolfgang SARLET, a primeira consideração a ser

realizada é que a dignidade da pessoa humana apenas existe em relação à

pessoa humana individualmente determinada. A expressão não se confunde

com “dignidade humana”, pois esta é relativa à humanidade e não à pessoa.

Sarlet ainda destaca que a Constituição Federal de 1988 acolhe esta distinção

em virtude de consagrar o princípio da dignidade da pessoa humana (e não da

humanidade) como princípio fundamental em Art. 1º, inciso III98.

A dignidade reside na própria condição de ser pessoa humana. É

elemento integrante dessa natureza, e, por isso, não pode ser concedido à

pessoa, mas somente reconhecido, respeitado e protegido.

94

Op. cit., p. 8.

95 Jose de Oliveira ASCENSÃO, Dignidade da pessoa e o fundamento dos direitos humanos, in

Revista Mestrado em Direito, p. 82.

96 Op. cit., p. 95.

97 Idem, ibidem.

98 Ingo Wolfgang SARLET, A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos

direitos fundamentais na perspectiva constitucional, p. 102.

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Nesse sentido, a dignidade impõe um dever de abstenção (respeito)

por parte do Estado, sendo um limite a esse poder, mas simultaneamente

impõe ao mesmo a obrigação de realização de tarefas, de condutas positivas

para efetivamente proteger a dignidade da pessoa humana. Ela é assim tanto

“um fundamento para limitação dos direitos fundamentais (restringem-se

direitos em prol da garantia da dignidade) quanto de um limite dos limites, ou

seja, de uma barreira contra limitações efetuadas em proveitos de outros bens

fundamentais”99.

Dessa forma, ensina Ingo Wolfgang SARLET que a normatização da

dignidade da pessoa humana deve englobar respeito e proteção à integridade

física e corporal do ser humano, garantia de condições justas e adequadas de

vida, como a proteção da pessoa contras as necessidades de ordem material,

garantia de isonomia entre todos os seres humanos, garantia de identidade,

garantia ao direito de autodeterminação sobre assuntos de esfera particular,

bem como garantia a um espaço privativo100.

A Constituição Federal de 1988, logo em seu primeiro artigo,

consagrou a dignidade da pessoa humana como fundamento da República

Federativa do Brasil (Art. 1º, III). Mas não se limitou a este dispositivo. A

dignidade foi tratada também em outros artigos da Constituição, como no Art.

170, caput, em que se determinou que a existência digna fosse finalidade a ser

alcançada pela ordem econômica fundada na valorização do trabalho e na livre

iniciativa; também no § 7º do Art. 226 ao dispor que o princípio da dignidade da

pessoa humana juntamente com a paternidade responsável deve ser a base do

99

Ingo Wolfgang SARLET, op. cit., p.106.

100 Ingo Wolfgang SARLET, A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos

direitos fundamentais na perspectiva constitucional, p. 104. O mesmo autor desenvolve uma definição que merece ser reproduzida, uma vez que se deteve profundamente sobre o tema e porque mais de uma vez a reformulou. Assim, ele conceitua a dignidade da pessoa humana como “a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos, mediante o devido respeito aos demais seres que integram a rede da vida”. (Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988, p. 73).

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planejamento familiar; bem como ao assegurar à criança e ao adolescente o

direito à dignidade (Art. 227, caput). E, ainda, ao estabelecer como dever da

família, da sociedade e do Estado defender a dignidade da pessoa idosa (Art.

230).

A existência de todos esses dispositivos, no texto constitucional,

permite afirmar que a dignidade da pessoa humana é um valor fundamental.

Valor e princípio, no entanto, embora estejam intimamente

relacionados, possuem diferenças importantes. Os valores pertencem ao plano

axiológico e apenas qualificam (como bom, justo, social, democrático, liberal

etc.) um determinado objeto. Ao passo que os princípios estabelecem a

obrigatoriedade da realização de condutas necessárias à promoção de uma

finalidade; eles se situam no plano deontológico (do dever ser)101.

A definição de princípios é de serem normas imediatamente

finalísticas, que estabelecem uma orientação prática para alcançar um

conteúdo previamente estabelecido. Nas palavras de Humberto ÁVILA são

“normas finalísticas que exigem delimitação de um estado ideal de coisas a ser

buscado por meio de comportamentos necessários a essa realização”102, e,

com isso, afasta-se da concepção muito difundida de que princípios são

normas de elevado grau de abstração e generalidade e que por esse motivo é

preciso para sua aplicação alto grau de subjetividade.

É nessa perspectiva que deve ocorrer à análise do sentido da

dignidade da pessoa humana, tendo em vista que ela não é apenas um valor

filosófico ou constitucional dependente da escala de valores do intérprete ou do

aplicador do Direito.

A dignidade da pessoa humana é um princípio, portanto norma, e

como tal obrigatória, mas igualmente exerce função integradora e

hermenêutica. Por ser a pessoa humana o fim de todo o sistema jurídico, é

101

Robert ALEXY, Teoria dos direitos fundamentais, p. 145.

102 Humberto ÁVILA, Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos,

p. 91.

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sempre sujeito de direito, jamais objeto103. Portanto, o princípio da dignidade da

pessoa humana é fundamento axiológico do direito, parâmetro para a

aplicação, interpretação e integração não apenas dos direitos fundamentais e

das demais normas constitucionais, mas de todo o ordenamento jurídico,

dando ao sistema uma coerência interna104.

No mesmo sentido, Rosa Maria de Andrade NERY afirma que o

princípio da dignidade da pessoa humana se bastaria sozinho para estruturar o

sistema jurídico, pois não é apenas uma arma de argumentação ou uma tábua

de salvação105, ele é a razão de ser do direito.

Quanto à eficácia dos princípios, ensina Humberto ÁVILA, pode ser

externa (objetiva ou subjetiva) e interna (de forma direta ou indireta). A eficácia

externa significa que o princípio atua na compreensão dos fatos e das provas

produzidas, para que a aplicação da norma ocorra no sentido de alcançar o fim

desejado no princípio106.

O que interessa neste trabalho, contudo, é a eficácia interna dos

princípios. Conforme afirmado no parágrafo anterior, a eficácia interna do

princípio pode ser direta ou indireta. A eficácia interna direta dos princípios

indica que exercem uma função integrativa para agregar elementos não

previstos em subprincípios ou regras. Já a eficácia interna indireta é a atuação

do princípio por meio de outro princípio, subprincípio ou regra, e pode ocorrer

para definir o alcance de outro princípio axiologicamente superior (função

definitória), para restringir ou ampliar o sentido de normas construídas sobre

textos normativos expressos (função interpretativa), e, finalmente, para afastar

103

Nelson NERY Jr. e Rosa Maria de Andrade NERY, Constituição Federal comentada e legislação constitucional, p. 151.

104 Ingo Wolfgang SARLET, A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos

direitos fundamentais na perspectiva constitucional, p. 107.

105 Noções preliminares de direito civil, p. 114. É este também o entendimento do Supremo

Tribunal Federal: “A dignidade da pessoa humana é princípio central do sistema jurídico, sendo significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional.” (STF, HC 85988/PA, decisão monocrática, j. 7.6.2005, rel. Min. Celso de Mello, DJU 10.6.2005).

106 Humberto ÁVILA, Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos,

p. 97 e 99.

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elementos expressamente previstos que sejam incompatíveis com o estado de

coisa a ser promovido (função bloqueadora)107.

O princípio da dignidade da pessoa humana está expressamente

previsto no ordenamento jurídico em outros subprincípios. Vários dispositivos

dos direitos fundamentais são, por meio dessa perspectiva, subprincípios

desse princípio maior que é o da dignidade da pessoa humana. Assim, em

relação a eles exerceria as funções interpretativa e bloqueadora.

O constituinte deu à dignidade da pessoa humana o status jurídico

normativo de princípio, mas não a incluiu no rol dos direitos e garantias

fundamentais.

A primeira consequência lógica a ser destacada é que o princípio da

dignidade da pessoa humana não é um direito, mas norma108. Como princípio

não impõe um direito à dignidade. Esta posição converge com a

fundamentação filosófica realizada de que a noção de dignidade repousa na

própria condição de ser pessoa humana (livre e racional): é o fato de ser

pessoa humana que o faz digno, não é o ordenamento jurídico que confere

essa qualidade a pessoa. O que o ordenamento e o sistema jurídico podem é

estabelecer o direito ao reconhecimento, ao respeito, à proteção e à promoção

da dignidade.

A construção pelo intérprete do sentido normativo do dispositivo

impõe a conclusão que não é apenas pela sua formulação ou localização que

um artigo será qualificado como princípio. É necessário, portanto, construir

esse entendimento e compreendê-lo com base na estrutura do sistema, para

só então compreender sua eficácia. No rol dos direitos fundamentais, na

Constituição brasileira, há dispositivos que não versam de forma direta sobre a

107

Humberto ÁVILA, op. cit., p. 98.

108 Humberto ÁVILA explica que há uma distinção entre dispositivo e norma. O dispositivo é o

texto, o artigo em si, que é objeto de análise, enquanto que norma são os sentidos construídos por meio de uma interpretação sistemática dos textos normativos. O autor exemplifica que há normas sem dispositivo, por exemplo, o princípio da segurança jurídica e da certeza do Direito, como há dispositivos que não são normas, o exemplo dado é o enunciado constitucional que prevê a proteção a Deus. (Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos, p. 30).

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dignidade da pessoa humana, por exemplo a imposição do 13º salário (Art. 7º,

inc. VIII) 109.

2.3. Eficácia do princípio da dignidade humana no âmbito do

direito privado

O reconhecimento da dignidade da pessoa humana como

fundamento constitucional, como princípio normativo que tem um fim a ser

atingido, permite que a doutrina admita de forma implícita – já que nesse

sentido existe uma omissão constitucional – a consagração de um direito ao

livre desenvolvimento da personalidade110.

De modo que o direito fundamental de inviolabilidade da intimidade,

da vida privada, honra e imagem (Art. 5, X), por exemplo, em que cada qual é

objeto dos direitos da personalidade, deve ser interpretado e aplicado de forma

conjunta: dignidade da pessoa humana, direitos e garantias fundamentais e

direito da personalidade, para que efetivamente reconheça-se o conteúdo

normativo do texto constitucional e se cumpra o princípio determinado no Art. 1

inc. III, da Constituição Federal.

Dessa forma, ocorre a chamada irradiação das normas de direitos

fundamentais a todo o sistema jurídico111. A irradiação do direito constitucional

para os demais ramos do direito pode, à primeira vista, parecer trivial, mas é

uma construção historicamente recente no estudo do direito privado, que

tradicionalmente ao codificar assumiu um caráter patrimonialista e

fundamentou seus dispositivos na autonomia privada.

No que se refere à irradiação das normas constitucionais quanto aos

direitos fundamentais, significa dizer que estes direitos não se restringem

apenas à relação Estado/cidadão, mas igualmente às relações

109

Ingo Wolfgang SARLET, Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988, p. 93.

110 Ingo Wolfgang SARLET, op. cit., p. 103.

111 Robert ALEXY, Teoria dos direitos fundamentais, p. 524.

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cidadão/cidadão. A esse efeito deu-se o nome de “efeito perante terceiro” ou de

“efeito horizontal dos direitos fundamentais”112.

Este efeito é relevante para o Tribunal Constitucional Alemão,

consagrado no chamado Caso Lüth (Erich Lüth em 15 de janeiro de1958)113.

Entretanto, no Brasil deve ser considerado com ressalvas, porque da análise

da Constituição de 1988 verifica-se que certos direitos são compreendidos no

âmbito da relação entre cidadão/cidadão, como os direitos relativos à

intimidade, à vida privada, à honra e à imagem (Art. 5º, X), que são oponíveis

contra possíveis violações oriundas de atos de particulares e a previsão de que

a liberdade de expressão (Art. 5º, IV) está sujeita ao direito de resposta (Art. 5º,

V). Isso permite o entendimento de que sua aplicação ocorre na relação entre

particulares114.

Para Rosa NERY chama-se eficácia civil dos direitos fundamentais

“o fenômeno de as disciplinas do direito privado respeitarem os direitos

fundamentais insculpidos na Constituição e todos os regramentos que ela

adota, como maneira de realização do bem comum de produção de efeitos

jurídicos compatíveis com o respeito aos direitos fundamentais, essenciais à

preservação da dignidade do ser humano”115.

112

Robert ALEXY, op. cit., p. 523.

113 Cinquenta anos de jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal Alemão, p.

381/382. Nas palavras de Virgílio Afonso da SILVA: “Em 1950, Erich Lüth, presidente de uma associação de imprensa em Hamburgo, na Alemanha, em uma conferência na presença de diversos produtores e distribuidores de filmes para cinema, defendeu um boicote ao filme Unsterbliche Geliebte (Amantes imortais), do diretor Veit Harlan, que, na época do regime nazista, havia dirigido filmes antissemitas e de cunho propagandístico para o regime em vigor. Diante disso, o produtor do filme ajuizou ação, considerada procedente pelas instâncias inferiores, contra Lüth, com o intuito de exigir indenização e proibi-lo de continuar defendendo tal boicote, com base no § 826 do Código Civil alemão, segundo o qual “aquele que, de forma contrária aos bons costumes, causa prejuízo a outrem, fica obrigado a indenizá-lo”. Em face do resultado, Lüth recorreu ao Tribunal Constitucional, que anulou as decisões inferiores, sustentando que elas feriam a livre manifestação do pensamento de Lüth. Mas a decisão não se fundou em uma aplicabilidade direta do direito à manifestação do pensamento ao caso concreto, mas em uma exigência de interpretação do próprio § 826 do Código Civil alemão, especialmente do conceito de bons costumes, pois, segundo o Tribunal, “toda [disposição de direto privado] deve ser interpretada sob a luz dos direitos fundamentais” (A constitucionalização do direito: os direitos fundamentais nas relações entre particulares, p. 80).

114 Virgílio Afonso da SILVA, op. cit., p. 22.

115 Rosa Maria de Andrade NERY, Introdução ao pensamento jurídico e teoria geral do

direito privado, p. 280.

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51

O reconhecimento da superioridade hierárquica do dispositivo

constitucional e de que os princípios constitucionais irradiam em todos os

setores da ordem jurídica, inclusive sobre as situações civis, não significa, no

entanto, que se adotou a tese de existência de um “direito civil

constitucional”116.

A expressão “direito civil constitucional” pode indicar a existência de

um sub-ramo de direito constitucional, um novo ramo de direito civil, e até um

terceiro ramo do direito que envolva aspectos civis e constitucionais. Nenhuma

dessas acepções é aceitável, pois as normas de direito civil não deixam de ter

natureza civilista apenas porque podem, eventualmente, estar presentes no

texto constitucional.

Ao se qualificar o direito civil como “constitucional”, pressupõe-se

que há uma parte do direito civil “não constitucional”, no sentido de que há um

direito civil que está ao largo da Constituição117, o que também é inaceitável.

Isso porque o sistema jurídico deve ser visto como um todo harmonioso, em

que as diversas normas se integram.

Assim, não há um novo ramo do direito civil (direito civil

constitucional) ou novo ramo do direito constitucional (direito constitucional

civil). O direito civil continua a ser a fonte imediata no domínio das situações

civis, mas deve ser interpretada levando em conta as diretrizes constitucionais,

como, aliás, deve ocorrer com toda a regra jurídica, independente do ramo do

direito ao qual está inserida.

116

José Oliveira Ascenção explica a razão e a origem dessa expressão: “(...) foi desenvolvida na Itália a tese da existência de um Direito Civil Constitucional. (...) A tese teve grande repercussão no Brasil, por meio de juristas de relevo, como Gustavo Tepedino. Haverá uma circunstância que explica esta aceitação da doutrina italiana. Num caso e noutro, uma nova ordem constitucional entrava em choque com um Código Civil que não refletia os valores constitucionais, pois fora elaborado em regime político diferente. O Código Civil italiano é de 1942: é um documento notável, mas fora aprovado em pleno regime fascista. Algo semelhante acontece no Brasil, mesmo perante o Código Civil de 2002, uma vez que o Projeto, embora em si muito valioso, datava de 1975”. Panorama e perspectivas do direito civil na União Europeia, in V Jornada de Direito Civil, p. 32.

117 Virgílio Afonso da SILVA, A constitucionalização do direito: os direitos fundamentais nas

relações entre particulares, p. 172.

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A delimitação entre o direito privado e o direito constitucional,

embora muito criticada, guarda bastante relevância, até mesmo para preservar

suas respectivas forças normativas, pois se cabe ao direito privado a tarefa de

regular as situações jurídicas privadas, o faz com base em leis, que, por sua

vez, são produto do processo legislativo que parte de uma legitimidade

democrática, criada e autorizada constitucionalmente.

A constitucionalização de todo o ordenamento enfraquece o direito

constitucional, que perde sua força normativa de servir de parâmetro de

controle da instância política legislativa (do Poder Legislativo) em face das

diretrizes firmadas no texto constitucional, comprometendo sua autonomia e o

cumprimento de função118.

2.4. Noções de sistema dos direitos da personalidade

O desenvolvimento dos estudos e da legislação dos denominados

direitos da personalidade trilhou caminho diverso da maioria dos institutos do

direito privado. Os civilistas se habituaram a encontrar no direito grego e

principalmente no direito romano a fonte de suas teorias e a justificação da

evolução dos institutos119. Contudo, no caso dos direitos da personalidade esse

mecanismo de análise pouco acrescenta, pois embora seja possível encontrar

suas raízes históricas no direito grego e romano mediante normas de proteção

a bens como vida, corpo, honra ou liberdade, não constituiu um sistema. Isso

porque foi necessária para sua sistematização a consolidação das ideias de

118

Leonardo MARTINS, Introdução à jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal Alemão, in Cinquenta anos de jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal alemão, p. 96.

119 Sobre o interesse na história dos institutos jurídicos Franz WIEACKAR alerta que sistemas,

princípios e conceitos têm, na verdade, pouca história, tais como as leis da natureza ou os princípios lógicos. A chamada “evolução” consiste “em mutações na consciência, nas convicções e nas regras de comportamento dos ‘corpos’ históricos dos juristas. Só a conexão da atual dogmática com as anteriores, operada através da tradição, provoca a ilusão de que a dogmática teria uma história”. História do Direito Privado moderno, p. 6.

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direitos inatos, de direitos fundamentais e de direitos subjetivos, que

floresceram a partir do séc. XVIII120.

Outra consideração histórica é que a proteção dos bens objeto dos

direitos da personalidade se desenvolveu primeiramente sob o ponto de vista

do direito público. Para Milton FERNANDES, o excepcional destaque atribuído

ao tema no direito constitucional, penal e administrativo contribuiu para que os

civilistas o considerassem matéria de direito público, ignorando sua importância

no âmbito privado, sendo esta a razão pela omissão legislativa por tanto tempo

nos códigos civis121 e pelo tardio e ainda insatisfatório desenvolvimento

doutrinário.

O interesse pelos direitos da personalidade é recente, do ponto de

vista histórico. Por isso, não se justifica a busca em um passado longínquo dos

fundamentos desse direito, mesmo porque a grande intensidade de situações

conflituosas que necessitaram de solução jurídica para proteger bens próprios

dos direitos da personalidade é resultado da vida moderna122. Exemplo desse

fenômeno é o direito de imagem que, antes do advento da tecnologia de

captação da imagem (conhecida hoje como fotografia), praticamente não era

atingida.

Até mesmo o conceito de vida privada sofreu alterações importantes

ao longo da história, tendo raízes modernas123 o direito à privacidade. Na

120

Rabindranath Valentino Aleixo CAPELO DE SOUZA, O Direito geral da personalidade, p. 91. No primeiro capítulo do livro, o autor realiza um amplo estudo sobre a evolução da tutela da personalidade que, embora interessante, ultrapassa os limites do trabalho aqui por nós desenvolvido.

121 Os Direitos da Personalidade, in Estudos jurídicos em homenagem ao professor Caio

Mário da Silva Pereira, p. 135 a 138. Limongi FRANÇA ensina que o primeiro diploma normativo a tratar de um direito da personalidade no âmbito privado foi a lei romena sobre direito ao nome, de 18 mar.1895, seguido pelo Código Alemão em 1900 e o Código Civil Suíço em 1907, que também trataram da tutela do direito ao nome. Apenas com o Código Italiano em 1942 que se passou a prever a tutela de outros direitos da personalidade como o próprio corpo e a imagem, por exemplo. (Direito da Personalidade I, in Enciclopédia Saraiva do Direito: v. 28, Direito processual/ dissolução de sociedade anônima, p. 142/143).

122 Adriano de CUPIS, Os direitos da personalidade, p.23 a 28. Tércio Sampaio FERRAZ Jr.,

Sigilo de dados: o Direito à privacidade e os limites à função fiscalizadora do Estado, in Sigilo fiscal e bancário, p. 18. Nota-se, porém que a afirmação do autor refere-se ao direito à privacidade.

123 Tércio Sampaio FERRAZ Jr., idem, p. 18.

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54

Antiguidade, ao contrário, a esfera do público significava a atividade exercida

pelo cidadão livre no âmbito da polis (da cidade) entre iguais para realizar uma

ação política (governança), e a esfera privada significava as atividades

exercidas pelo homem para atender às exigências próprias da sua condição de

animal (comer, dormir, procriar etc.) no âmbito familiar. Na era moderna, a

distinção dessas esferas de atuação do homem foi embaralhada pela ideia de

que o homem era um animal social124. O termo “social” serve para qualificar a

atuação humana tanto na esfera pública quanto na esfera privada.

A esfera do “social público” é própria da política, da criação do

Estado, já a esfera do “social privado” produz a noção de sociedade. Ora,

sociedade é diferente de indivíduo. É essa a raiz dos direitos humanos

modernos, uma vez que a atividade humana não se realiza mais como na

Antiguidade, no âmbito da polis (para os cidadãos) e em âmbito doméstico-

familiar: ela ocorre no Estado, na sociedade e com os indivíduos. É nesse

contexto que surge o direito de privacidade.

Essas transformações da atividade humana no âmbito público-

político, social-privado e individual, que modificaram de forma decisiva as

circunstâncias sociais, econômicas e técnicas da vida em comum dos homens,

alcançou o direito privado, que necessitou, e ainda necessita encontrar

mecanismos e uma metodologia segura para a solução dos conflitos que

afligem as pessoas.

Nessa perspectiva histórica recente de transformação é que se

desenvolvem os direitos da personalidade. Em primeiro lugar, em razão do

surgimento de situações jurídicas próprias desse novo tempo, e, em segundo,

diante da necessidade de solução civilista e não apenas penal e constitucional

para esses conflitos.

124

Hannah ARENDT explica em A condição humana, p. 27, que a palavra “social” é de origem romana e não tem equivalente na língua ou no pensamento grego, mas a tradução de zoon politikon de Aristóteles como animal socialis na tradução consagrada por São Tomás de Aquino de que “o homem é, por natureza politico, isto é, social” (homo est naturaliter politicus, id est, socialis) revela que a original compreensão grega da política se perdeu, transformando profundamente o significado das esferas públicas e privadas.

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Com o escopo de conhecer os direitos da personalidade, os

doutrinadores têm se dedicado a caracterizá-los e a classificá-los. Quanto às

características, afirmam em regra que esses direitos são absolutos,

extrapatrimoniais, originários, vitalícios, imprescindíveis, indisponíveis,

imprescritíveis, irrenunciáveis e intransmissíveis125.

2.5. Rol aberto dos direitos da personalidade

Quanto à classificação, interessou-se a doutrina em estabelecer um

rol dos direitos da personalidade e separá-los em espécies. Nessa tarefa

doutrinária, cada autor criou seu próprio método classificatório e reconheceu

diferentes bens ou situações jurídicas próprias dos direitos da personalidade.

No âmbito nacional, uma classificação que se tornou clássica é a de

Limongi FRANÇA. Ele entendeu que, embora o traço comum entre os diversos

direitos era o de ser todos direitos privados da personalidade, cada um deles

correspondia a aspectos determinados da personalidade, devendo ser

agrupados conforme esses aspectos, que, em seu modo de ver, são três:

aspecto físico, aspecto intelectual e aspecto moral. Utilizando os aspectos

como critério, classificou os direitos da personalidade em direito à integridade

física, direito à integridade intelectual e direito à integridade moral. Direito à

integridade física abrange, entre outros direitos, o direito à vida e ao próprio

corpo; direito à integridade intelectual o direito de autor científico, artístico e de

invenção; e direito à integridade moral. E, também entre outros direitos, os

direitos à honra, ao segredo, à imagem e à identidade pessoal126.

125

Na realização deste trabalho optou-se em não analisar cada uma das características, pois o direito da personalidade não é o objeto principal. As características próprias do direito de imagem serão analisadas em item próprio.

126 Direitos da personalidade: coordenadas fundamentais, in RT 567, janeiro de 1983, p. 12 e

13. O rol de direitos apontados foi o primeiro elaborado pelo autor, que embora tenha mantido o critério da tríplice divisão em aspectos físicos, intelectual e moral, especificou esse rol alcançando o número de 63 direitos (Op. cit., p. 14).

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56

Outra classificação clássica é a proposta por Heinrich HUBMANN127,

que divide os bens jurídicos da personalidade em três grandes grupos

estabelecidos com base em um critério de valores. Adotando como valores

desejar (aspirar) e criar, o primeiro grupo é o do direito ao desenvolvimento da

personalidade que inclui as liberdades em geral (liberdade de agir, de reunir, de

associar-se, de trabalhar, de escolher a profissão, de ir e vir, de pensar, de

religião etc.). O segundo grupo trata do que chamou de direito da

personalidade, usando como critério de valor o que há de comum nos seres

humanos em geral, como a existência (direito à vida, à sua manutenção, à

saúde, ao corpo), o espírito (direito de autor), a vontade, a vida sentimental,

entre outros itens. O terceiro grupo tratou da individualidade do homem,

dividindo em três subgrupos, ao qual chamou de esferas: individual, privada e

secreta. A esfera individual tutela o homem na sua unicidade, no seu modo de

ser próprio, incluindo, assim, o direito à identidade, ao nome, à honra, à

imagem física, à imagem de vida, à imagem do caráter, e à palavra falada ou

escrita. A esfera privada tutela a vida privada para salvaguardar as relações

humanas de círculo determinado ou limitado de pessoas. E a esfera secreta

protege ações, expressões e pensamentos aos quais ninguém deve ter

conhecimento e aqueles que o possuem cabe o dever, se não jurídico, mas

moral de guardar segredo128.

A respeito das variadas classificações propostas pela doutrina,

Milton FERNANDES reconhece que, a seu ver, não possuem bases sólidas de

apoio e não produzem resultados verdadeiramente úteis129. A função delas,

127

O autor alemão do livro Das Persönlichkeitsrecht (1967) foi estudado de forma indireta pelos escritos de Rabindranath V. A. Capelo de SOUZA, em Direitos gerais da personalidade. A importância de sua proposta para o nosso trabalho é o de ser fonte para a doutrina nacional no que se convencionou chamar de Teoria das Esferas e em relação ao conceito de desenvolvimento da personalidade. Em virtude do não acesso ao texto original, o presente estudo se limitou a citar a proposta, sem criticá-la ou adotá-la.

128 Rabindranath V. A. Capelo de SOUZA em Direitos gerais da personalidade, p.147 e148.

A esse respeito, vale citar as palavras de Jacques MARITAIN: “(...) o homem encontra-se a si próprio subordinando-se ao grupo, e o grupo não atinge sua finalidade senão servindo o homem e sabendo que o homem tem segredos que escapam ao grupo e uma vocação que o grupo não contém”. (Os direitos do homem e a lei natural, p. 29).

129 O autor não somente faz a crítica como também propõe sua própria classificação: a) direito

à vida e à integridade física (inclui direito à saúde e ao corpo vivo ou morto); b) direito à integridade moral (liberdade de opinião, de honra, identidade pessoal – nome, sobrenome e pseudônimo –, imagem e direito moral do autor; c) direito à vida privada (segredo – epistolar, profissional ou doméstico; inédito – escrito não literário; e investigação médica e psicológica

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57

afirma, é apenas a de enumerar esses direitos ― cujo elenco é por vezes ainda

desconhecido ― e agrupá-los em espécies que possuem algum ponto de

contato130.

Para Walter MORAES, a quantidade e variedade dos direitos de

personalidade, a singularidade e a sutileza de muitos deles, produzem “a

sensação ora de algo muito sofisticado dentro do campo jurídico, ora de uma

doutrina desorientada ou perdida em dimensão cujas bases ainda não logrou

encontrar”131.

Para encontrar o que há de comum entre esses direitos, o autor

refuta teses e expressões como “esfera da própria personalidade”, “direito da

personalidade como tal”, “modo de ser da pessoa” e “emanações da

personalidade”, por serem imprecisas e vagas e por não distinguirem os

conceitos de pessoa e personalidade. Esclarece o autor, conforme já

desenvolvido neste trabalho: pessoa é sujeito de direito; personalidade é

aptidão para ser pessoa; e a utilização do termo “personalidade” para compor

os chamados direitos da personalidade não se refere à personalidade e a suas

características, mas apenas a uma utilização analógica do termo para se referir

aos bens próprios da natureza humana.

Dessa forma, afirma que o ponto em comum dessa variedade de

direitos guardados sob o manto dos direitos da personalidade é que todos se

referem à existência do indivíduo da espécie humana, seja na sua

corporificação (matéria, corpo humano), seja na sua psique (anima),

considerada em si mesma e também na sua essência (vida), potências

(vegetativa, sensitiva, locomotiva, apetitiva e intelectiva) e atos (potência

realizada)132.

não autorizada). O curioso desta classificação é que o autor observa que a violação ao direito à imagem é uma invasão de privacidade, mas que não se exaure nela, por isso prefere classificá-la em categoria mais ampla, como o direito à integridade moral. (Os Direitos da Personalidade, in Estudos jurídicos em homenagem ao professor Caio Mário da Silva Pereira, p. 149.).

130 Op. cit., p. 145.

131 Concepção Tomista de Pessoa: um contributo para a teoria do direito da personalidade, in

Doutrinas essenciais: Responsabilidade Civil, v. 1. Teoria Geral, p. 818.

132 Op. cit., p. 827.

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Esses componentes da natureza humana vão se convertendo em

bens jurídicos à medida que se tornam relevantes nas relações intersubjetivas.

Assim, retomando o exemplo de parágrafos anteriores, o bem “imagem” é

próprio da existência humana, pois é a corporificação da pessoa, sem ela não

há existência. Mas enquanto não existiu tecnologia para captação da imagem,

não havia um direito sobre ela. O surgimento e desenvolvimento do direito de

imagem ocorrem apenas quando a imagem passa a ser objeto das ações

judiciais.

O mesmo ocorre com a vida privada ou a privacidade. A existência

humana realiza muitos de seus atos na solidão ou na companhia de poucas

pessoas; enquanto os atos humanos privados não atraíam interesse público,

não se falava em direito à vida privada ou em direito à privacidade. Esses

direitos surgem quando os sujeitos passam a se ressentir do desfazimento das

fronteiras das esferas pública e privada dos atos humanos133.

Em tese, cada um dos componentes humanos pode ser convertido

em objeto de direitos subjetivos, denominados, pela maior parte da doutrina, de

direitos da personalidade.

A proposta metodológica de Walter MORAES para a identificação

dos objetos dos direitos da personalidade aponta quais os objetos da extensa

lista134, proposta por vários doutrinadores, que devem ser excluídos; no seu

entendimento são aqueles que extravasam o limite da individualidade

humana135.

O rol dos direitos da personalidade é, portanto, aberto, de modo a

permitir que novas situações que afetam a individualidade humana possam ser

protegidas por esse mecanismo legal. Ser aberto, no entanto, não significa

ilimitado, em que tudo se é permitido, pois isso faria com que perdesse sua 133

Tércio Sampaio FERRAZ Jr., Sigilo de dados: o Direito à privacidade e os limites à função fiscalizadora do Estado, in Sigilo fiscal e bancário, p. 18.

134 Limongi FRANÇA inclui entre os direitos da personalidade os direitos à alimentação, à

habitação, à educação, ao trabalho, ao transporte adequado, à segurança física, à proteção médica e hospitalar, ao meio ambiente ecológico, entre outros. Direitos da personalidade: coordenadas fundamentais, in RT 567, janeiro de 1983, p. 14.

135 Op. cit., p. 835.

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força. Há um critério para determinar esse limite, e esse critério é reconhecer

se a violação afeta um bem jurídico pertencente à natureza humana.

Contudo, é pertinente considerar neste aspecto a posição de

Heirinch HUBMANN136, quando situa a personalidade (no sentido de “total

existência humana em todos os domínios do viver”137) em espaço ético que

reúne três elementos: a dignidade humana, a individualidade e a

pessoalidade138.

A reunião desses elementos éticos dá origem a uma existência, a

uma personalidade, que deve realizar-se. Ao homem, como único ser dotado

de liberdade e razão, cabe à tarefa ética de usar sua liberdade para construir

sua personalidade, que representa a sua própria realização como ser

espiritual139.

A realização da personalidade é transformar-se naquilo que se é em

essência, ou, ainda, é realizar em atos as potencialidades próprias, mas para

tanto necessita de um elemento essencial: o outro.

136

Neste ponto o pensamento do autor do livro Das Persönlichkeitsrecht (1967) é estudado de forma indireta pelos escritos de Rabindranath V. A. Capelo de SOUZA, em Direitos gerais da personalidade, e de Rosa Maria de Andrade NERY, no Código Civil comentado e na Introdução ao pensamento jurídico e à teoria geral do direito privado. A importância do pensamento Heirinch HUBMANN é o de incluir nos elementos éticos da personalidade a sua realização mediante o reconhecimento da existência do outro.

137 Rabindranath V. A. Capelo de SOUZA, Direitos gerais da personalidade, nota de rodapé

n. 2º, p. 14.

138 Dignidade humana é a predominância do homem no Universo, em face dos demais seres,

decorrente da estrutura espiritual comum presente em todos os homens. Individualidade é a realização da existência una e total de cada ser para desempenhar a tarefa ética de aspirar aos valores gerais da humanidade e de realizar em si mesmo esses valores. Pessoalidade consiste na qualidade do indivíduo humano de afirmar e defender sua autonomia mesmo em relacionamentos com outros seres humanos, com o mundo exterior, com ele mesmo e com os valores éticos. (Rabindranath V. A. Capelo de SOUZA, Op. cit., p. 144, e Rosa Maria de Andrade NERY, Código Civil comentado, comentário do Art. 10, item 13 (Direitos da Humanidade), p. 224.)

139 José de Oliveira ASCENÇÃO, A dignidade da pessoa e os fundamentos dos direitos

humanos, in Revista Mestrado em Direito UNIFIEO, ano 8, nº 2, p. 95. No mesmo sentido é o pensamento de Hubmann, que enfatiza ser cada homem a imagem singular de Deus, e caber a cada um realizar-se para aproximar-se dessa imagem ideal, para nessa realização tornar-se gradualmente mais parecido consigo mesmo. (Rabindranath V. A. Capelo de SOUZA, Direitos gerais da personalidade, p. 145.)

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Cada homem é uma substância, um universo completo, mas só se

realiza espiritualmente com os outros e para os outros, é um ser em relação140.

Essa relação impõe direito, mas também deveres. Se até aqui abordamos o

reconhecimento dos direitos da personalidade, agora é importante verificar os

deveres.

A existência de outros, de muitos indivíduos que possuem tantos

direitos como um em especial, representa um obstáculo à ideia de ter direitos,

que se solucionam com a fórmula tantas vezes anunciada: “A liberdade de um

cessa quando se inicia a liberdade do outro”. Esclarece José de Oliveira

ASCENÇÃO, contudo, que nessa acepção o outro fica reduzido a

desempenhar uma função negativa141, a realizar um dever geral de abstenção,

que, embora seja o contraposto do direito da personalidade, não é suficiente,

no entendimento desse autor.

Para ASCENÇÃO, a ligação com o outro é de comunhão, de tal

ordem que a realização humana não é egoística, um abandono ao arbítrio ou

um isolamento social, é uma realização que passa necessariamente pela

realização do outro, trazendo uma valoração ética e uma responsabilização de

cada um pelos fins da comunidade142.

O direito de realizar suas potencialidades impõe à pessoa humana o

dever de exercê-las em comunhão com os outros, tendo por base a

solidariedade. O dever não é uma exceção, é uma categoria tão normal quanto

à do direito.

Na opinião de José Oliveira ASCENÇÃO, reconhecer que os

deveres não são anomalias, mas emanações vindas da solidariedade, permitirá

um sistema coerente, “que enquadrará a pessoa como ente que se constrói a si

mesmo na prossecução de fins próprios, integrado solidariamente em

140

José de Oliveira ASCENÇÃO, A dignidade da pessoa e os fundamentos dos direitos humanos, in Revista Mestrado em Direito UNIFIEO, ano 8, nº 2, p. 96.

141 José de Oliveira ASCENÇÃO, op. cit., p. 96.

142 Op. cit., p. 97.

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comunidade com outras pessoas”143. Para que ao lado do reconhecimento dos

direitos da personalidade (próprios da natureza humana) reconheça-se o dever,

também componente da humanidade, de realização do outro. Um mínimo ético

que garanta condições a possibilitar a vida de todos em igualdade e

oportunidade144.

2.6. Os direitos da personalidade no Código Civil de 2002

O Código Civil de 2002 regulou os direitos da personalidade em

onze artigos (arts. 11 a 21), dispondo sobre direito ao próprio corpo, ao nome,

à honra, à imagem e à privacidade.

Dentre esses artigos, de acordo com Gustavo TEPEDINO dois

possuem a categoria de cláusulas gerais: o Art. 12 que autoriza, juntamente

com o ressarcimento pelos danos causados, a tomada de medidas necessárias

para cessar ameaça ou lesão aos direitos da personalidade e o Art. 21 que

impõe ao juiz, desde que requerido pelo interessado, o dever de autorizar as

providências necessárias a impedir ou cessar ato de violação à vida privada da

pessoa natural145.

Esses dispositivos devem ser interpretados sob a perspectiva do

texto constitucional. Nele se determina que a lei não excluirá, da apreciação do

Poder Judiciário, lesão ou ameaça a direito (Art. 5º, XXXV), que admite a

expansão do rol dos direitos fundamentais para incluir outros direitos e

garantias não expressos que decorrerem do regime ou dos princípios adotados

pela Constituição (Art. 1º, III e Art. 3º, III, dignidade da pessoa humana e

igualdade). E, ainda, os que decorrem dos tratados internacionais ao qual o

Brasil é signatário (Art. 5º, §2º)146, para ir além da tipificação do Código Civil, a

143

Pessoa, Direitos fundamentais e Direito da Personalidade, in Revista de Mestrado em Direito Unifieo, ano 6, nº1, p. 167.

144 Rosa Maria de Andrade NERY, Código Civil comentado, comentário do Art. 10, item 13

(Direitos da Humanidade), p. 224.

145 Crise das fontes normativas e técnica legislativa na parte geral do Código Civil de 2001, in

Temas de Direito Civil, p. 10.

146 Gustavo TEPEDINO, op. cit., p. 9.

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fim de ampliar a tutela da pessoa humana, admitindo outros direitos subjetivos

próprios da natureza humana que não foram previstos pelo legislador

codificador.

O modelo adotado no Código Civil de tipificação dos direitos da

personalidade é criticado pela doutrina, uma vez que ela o considera

insuficiente para atender às possíveis situações jurídicas que dele reclamarem

proteção. Como bem observou Gustavo TEPEDINO, a personalidade humana

é insuscetível “de redução a uma situação jurídica-tipo ou a um elenco de

direitos subjetivos típicos, de modo a se proteger eficaz e efetivamente as

múltiplas e renovadas situações em que a pessoa venha a se encontrar,

envolta em suas próprias e variadas circunstancias”147.

Deve-se considerar, portanto, que os direitos da personalidade

referem-se a um rol de direitos subjetivos próprios da pessoa humana,

previstos em caráter exemplificativo no Código Civil nos artigos 11 a 21148, uma

vez que não esgota o seu número, sendo impossível pensar em um numerus

clausus em direito da personalidade. Ademais, devido aos avanços

tecnológicos novas ameaças a esses direitos próprios da pessoa humana

podem vir à existência, necessitando sempre de uma atualização legislativa e

jurisprudencial149.

Os artigos 12 e 21 autorizam a tomada das medidas necessárias

para cessar a ameaça ou lesão aos direitos da personalidade, bem como ao

ressarcimento pelos danos causados. O ressarcimento dos danos compreende

tanto o dano material quanto o moral, conforme a Súmula 37 do Superior

147

Idem, p. 11.

148 “(...) a matéria é objeto do Capítulo II, do Título I, da Parte Geral, (...) sendo que o art. 11

estabelece as características básicas dos direitos da personalidade, a intransmissibilidade, a irrenunciabilidade e a sua indisponibilidade; no art. 12, referência se faz à defesa e sanção patrimonial em caso de violação; nos arts. 13 a15, normas sobre o direito ao corpo, com a possibilidade de disposição gratuita do corpo humano, vivo ou morto, e a proibição de constrangimento a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica; nos arts. 16 as 19, o direito ao nome, à identidade pessoal, familiar e social; no art. 20, a direito à integridade intelectual, nela se compreendendo a liberdade de pensamento e os direitos de autor e de inventor. Finalmente, no art. 21, o direito à integridade moral, como o direito ao recato e à proteção da vida privada”. Francisco AMARAL, Direito civil: introdução, p. 292 e 293.

149 Carlos Roberto GONÇALVES, Direito civil brasileiro: parte geral, p.189.

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Tribunal de Justiça150. Para a verificação do dano moral não é necessário

existência de sentimentos humanos desagradáveis, como dor ou sofrimento,

bastando punição da violação ou a proteção da dignidade da pessoa

humana151.

2.7. Da denominação “Direitos da Personalidade”

Para Walter MORAES, a denominação direito de personalidade,

embora assimilada pela doutrina, não objetiva a personalidade nem bens que a

integrem. O termo “personalidade” é utilizado de modo analógico para designar

realidade diversa152.

Explica o autor que personalidade se refere ao “sujeito”, enquanto

direitos da personalidade como “objeto” referem-se à natureza humana.

Recorrendo ao conceito de bem no sentido da Ética153, aquele de “ciência do

fim para o qual a conduta dos homens deve ser orientada e dos meios para

atingir tal fim, deduzindo tanto o fim quanto os meios da natureza do

homem”154. O bem é, portanto, o fim a que o homem tende para a satisfação de

uma necessidade ou de um desejo.

Nessa acepção, bens éticos são aqueles aos quais o homem não

pode deixar de possuir. Em outras palavras: “(...) constituem-se em bens, para

um sujeito, as substâncias, essências, potências, atos e propriedades que

integram o seu composto natural, pela suficiente razão de carecer delas o

150

“São cumuláveis as indenizações por dano material e moral oriundos do mesmo fato.”

151 Nesse sentido foi aprovado o Enunciado 445 da V Jornada de Direito Civil: “O dano moral

indenizável não pressupõe necessariamente a verificação de sentimentos humanos desagradáveis como dor ou sofrimento”.

152 Walter MORAES, Concepção Tomista de Pessoa: um contributo para a teoria do direito da

personalidade, in Doutrinas essenciais: Responsabilidade Civil, v. 1. Teoria Geral, p. 835.

153 Nicola ABBAGNANO, Dicionário de Filosofia, verbete Bem, p. 123.

154 Nicola ABBAGNANO, Dicionário de Filosofia, verbete Ética, p. 443.

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homem, como é evidente”155. Em suma, os bens que constituem o objeto dos

direitos de personalidade, são parte integrante do homem “in natura”.

Estes componentes da natureza humana (substâncias, essências,

potências, atos e propriedade) convertem-se em objeto de direito para a

pessoa, tendo em vista que se tornam relevantes motivos de relações

intersubjetivas. A qualquer desses bens éticos pode ser conferida proteção

específica, por meio da ordem jurídica; qualquer deles pode ser reconhecido

como objeto de direitos subjetivos.

Dessa forma, Walter MORAES entende que o objeto dos direitos da

personalidade deve encontrar seu limite na individualidade humana. Muito

embora ele não enumere taxativamente, considera como tais bens: o

corpo/saúde (substância), a psique/integridade psíquica (substância), a vida

(essência da psique), a obra dita do espírito (ato de potência intelectiva), a

imagem (propriedade do corpo), a condição de família (propriedade da potência

generativa), a liberdade (propriedade da anima/potência intelectiva), a

dignidade (propriedade da anima/potência intelectiva), a

intimidade/incomunicabilidade ontológica e a identidade/verdade pessoal/nome

que são propriedades de todo ser humano156.

Deve-se observar que o termo propriedade não é aqui utilizado no

sentido jurídico, que permite seja o bem adquirido e alienado pelos modos

comuns do direito, mas no sentido de ser o que é próprio ao ser humano.

Assim, parece correta a análise desenvolvida por Walter Moraes. No

Código Civil de 2002, os direitos da personalidade estão previstos do Art. 11 ao

Art. 21 e tratam de direito ao próprio corpo (integridade física), à honra, à

imagem, à privacidade, ao nome (à identidade pessoal) e ao direito de autor, e,

ainda que esse rol não seja taxativo, é possível observar que todos os bens

protegidos são componentes da natureza humana e não de pessoa.

155

Walter MORAES, op. cit., p. 834.

156 Idem, ibidem.

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65

Reconhecendo que a natureza humana é uma unidade composta de

espírito e matéria (anima e corpo), a ofensa ao chamado direitos da

personalidade consiste em quebra dessa unidade157, de modo que a ofensa, a

violação, não atinge a personalidade jurídica ― no sentido de que é o atributo

que faz do ente sujeito de direito ―, mas a natureza humana dessa pessoa.

Por essa razão, Rosa NERY critica o uso da expressão consagrada

“direito da personalidade”, pois o termo confunde dois conceitos, o de pessoa

(ente com personalidade) e o de natureza humana (essências e potências da

humanidade do ser). E a autora igualmente afirma que, como os direitos da

personalidade se referem à natureza do homem (humanitas = humanidade),

isto é, a sua humanidade, e não exatamente à personalidade, a denominação

mais técnica deveria ser “direito de humanidade”158.

Rosa NERY ressalta ainda que o legislador poderia ter tratado dos

direitos da personalidade na parte especial do Código Civil, em livro próprio,

como fez com obrigações, empresa, coisas, família e sucessões, já que não

tratam de sujeito (pessoa/personalidade), mas de direito, de objeto159. Do

mesmo rigor técnico é o entendimento Limongi FRANÇA, embora se refira ao

Código Civil de 1916160.

157

Rosa Maria de Andrade NERY, Noções preliminares de direito civil, p.135.

158 Rosa Maria de Andrade NERY, Noções preliminares de direito civil, p.143 e também

Nelson NERY Jr e Rosa Maria de Andrade NERY, Código Civil comentado, comentário do Art. 10, item 9: Direito de personalidade. Direito de humanidade, p. 223.

159 Rosa Maria de Andrade NERY, Introdução ao pensamento jurídico e à teoria geral do

direito privado, p. 272.

160 Afirma o autor no verbete Direito da Personalidade I, in Enciclopédia Saraiva do Direito: v.

28: (direito processual – dissolução de sociedade anônima), p. 141: “A nosso ver, a matéria deve ser inserida na Parte Especial, antes do Livro ‘Dos direitos de família’, juntamente com os institutos de proteção à personalidade, a saber, a tutela, a curatela, e, sob certos aspectos, a adoção, a legitimação adotiva e a afiliação (instituto este do direito italiano)” (grifo nosso). Ressalte-se que, além de compreender que o objeto dos direitos da personalidade não se confunde exatamente com pessoa (utiliza a ideia de “aspectos da própria pessoa”), o autor inclui outros institutos que originariamente pertencem ao direito de família, mas que possuem intrínseca relação com a natureza humana.

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3. DIREITO À IMAGEM

3.1. Contextualização histórica

A maior ocorrência das questões sobre o direito à imagem resulta do

desenvolvimento tecnológico ocorrido a partir do séc. XIX, mas é possível

apontar em tempos remotos situações que envolveram o tema.

Na Grécia Antiga durante o século IV a.C., Frineia, uma cortesã

famosa por sua beleza foi levada a julgamento por difamações de um

admirador rejeitado. Em sua defesa o orador grego Hipérides, sem argumentos

suficientes para persuadir os juízes, a despiu a fim de que vissem sua imagem

e se convencessem de sua inocência, pois tanta beleza só poderia ser

atribuída a um favor dos deuses161.

Outro acontecimento envolvendo imagem ocorreu na época do

Renascimento. Sem ter recebido autorização, o artista Michelangelo pintou o

mestre de cerimônia papal Sr. Biagio de Cesano (Braz de Casena) — que

criticava o trabalho do pintor na Capela Sistina, em Roma —, reproduzindo sua

figura na pintura do fundo da sala da Capela em que retratava o afresco

intitulado O Juízo Final, colocando-o no inferno na figura de Minos com uma

grande serpente enrolada nas pernas, fazendo que o próprio fosse reclamar

diretamente ao Papa162.

Entretanto, as primeiras decisões judiciais oriundas de um poder

jurisdicional sobre o tema da imagem datam da metade do século XIX na

França, envolvendo questões de retrato e fotografia.

161

Exemplo citado por Jacqueline Sarmento DIAS, O direito à imagem, p. 65, e por Álvaro Antonio do Cabo Notaroberto BARBOSA, Direito à própria imagem: aspectos fundamentais, p. 2. Fato narrado por Olavo Bilac em seu poema “O Julgamento de Frineia” (Sarças de Fogo, in Poesias, 14ª ed., Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1930).

162 Silma BERTI, Direito à própria imagem, p. 86 e 87.

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Segundo Silma BERTI, a primeira decisão judicial sobre proteção à

imagem ocorreu em 16 de junho de 1858, ocasião em que o Tribunal de Seine

julgou o caso da reprodução em desenho da fotografia de uma célebre atriz e

comediante francesa da época, Elisa Felix — conhecida pelo nome artístico de

Rachel —, no seu leito de morte. No caso examinado pelo Tribunal, os

fotógrafos contratados pela família permitiram que uma pintora reproduzisse

em desenho a fotografia póstuma da famosa atriz e os comercializasse.

Inconformada com a divulgação, a família da comediante reclamou alegando

que os fotógrafos descumpriram o compromisso de resguardo. O Tribunal deu

razão aos familiares, determinando a apreensão e a destruição do negativo e

das cópias, declarando que a reprodução e a publicação dos traços

fisionômicos de uma pessoa em seu leito de morte apenas podiam ser

realizadas com a autorização da família, ainda que a pessoa fosse — no modo

de dizer de hoje — uma celebridade163.

Nota-se que esse primeiro enfrentamento judicial sobre o direito de

resguardar a imagem ocorreu em razão da invenção da fotografia, um modo de

reproduzir imagem utilizando-se de um equipamento específico de captação de

luz, ou seja, de tecnologia. Antes de tal invento, a reprodução dos traços

fisionômicos de uma pessoa ficava a cargo de pintores, que normalmente

possuíam autorização do retratado no momento do ato de pintar.

A invenção da fotografia não é atribuída a uma única pessoa. Ao

longo do século XIX, vários cientistas se interessaram em desenvolver um

mecanismo de captação e fixação de imagem. O primeiro a obter êxito foi o

francês Joseph Nicèphore Niépce, em 1826 (ou em 1827; não se conhece o

ano de modo preciso), mas apesar do reconhecimento histórico a imagem

obtida era de pouca qualidade — os contornos só eram percebidos se

observados por ângulo específico e com luz adequada —, de modo que o

próprio autor não ficou satisfeito com o resultado. Assim, continuou com as

pesquisas e em 1829 firmou sociedade com o também francês Louis Jacques

Mandé Daguerre, e juntos trabalharam para obter uma reprodução de imagem

163

Silma BERTI, Direito à própria imagem, p. 20. O mesmo episódio é citado com maior riqueza de detalhes, mas sem indicação de fonte, por Serrano NEVES no livro A tutela penal da solidão, p. 151.

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com nitidez e fixação, o que aconteceu meio por acaso após a morte de

Nicèphore Niépce, em 1837, sendo a descoberta anunciada na Academia de

Ciência de Paris em 7 de janeiro de 1839164.

O sucesso de Daguerre deixou para trás muitos outros cientistas que

desenvolviam o mesmo projeto, dentre eles a história da fotografia destaca os

ingleses Willian Fox Talbot e John William Frederick Herschel, que

conseguiram desenvolver a técnica para a reprodução em papel, embora com

imagem ruim. O francês Hercules Florence, tendo vivido no Brasil entre 1824 e

1879, na Vila de São Carlos (atualmente a cidade de Campinas), também se

dedicou a encontrar um meio de capturar e fixar imagem, e, se não conseguiu

a notoriedade dos demais, ao menos se deve a ele o nome da técnica, a

origem da palavra “fotografia” 165.

A popularidade da fotografia, contudo, ocorreu apenas a partir de

1888, quando o inglês George Eastman conseguiu reproduzir imagem em uma

base flexível de nitrocelulose que poderia ser enrolada e colocada dentro de

câmara apropriada. Assim, foi possível a captação de várias imagens.

Eastman fez em laboratório a revelação positiva dessas imagens,

possibilitando-lhe criar o filme em rolo e a câmara fotográfica própria para seu

invento, ao qual chamou de Kodak166.

Com seu invento George Eastman conseguiu unir praticidade na

captação da imagem, qualidade da imagem e possibilidade de reprodução,

tornando todos os outros processos obsoletos. E com eficiente discurso de

marketing, enfatizando que qualquer pessoa poderia fotografar – “você aperta o

164

Filipe SALLES, Breve história da fotografia. Escrito: seg., 22 de Setembro de 2008, 09:56. Disponível em: < http://mnemocine.art.br/index.php/fotografia/33-fotohistoria/168-histfoto>. Acesso em 19/mar./2013.

165 Consta que Florence resolveu investigar os efeitos de materiais fotossensíveis para

encontrar uma maneira de reproduzir tipos gráficos. Desenvolveu um método de impressão em papel por contato em negativo que foi chamado de Fotografia, nome dado por ele e por um colaborador, o boticário Joaquim Corrêa de Mello. Segundo consta, foi a primeira vez que se utilizou o termo e, ao que tudo indica, cabe a ele o mérito da nomenclatura. Conforme Filipe Salles, idem.

166 De acordo com Filipe SALLES, reza a lenda que o nome Kodak é uma onomatopeia, pois

reproduz o som que a câmara fazia ao disparar o obturador.

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botão, nós fazemos o resto” foi o anúncio por ele divulgado –, a fotografia

tornou-se popular167.

Em pouco mais de 60 anos, 1826 (27) a 1888, passou-se do borrão

à nitidez, da imagem única à possibilidade de reproduções infinitas. E foi

justamente no final do século XIX que a doutrina jurídica começou a se

debruçar sobre o tema.

Voltando aos exemplos do julgamento de Frineia e do episódio do

pintor renascentista Michelangelo, é preciso ressaltar, no entanto, que a

proteção da imagem não se restringe à fotografia, mas também à pintura, à

escultura ou a qualquer outro modo de captura da imagem, pois como bem

alertou Adriano de CUPIS sob o ponto de vista jurídico é indiferente o modo de

confecção do retrato da pessoa168.

O primeiro trabalho tradicionalmente reconhecido como o precursor

dos estudos sobre o direito à imagem é o do jurista alemão KEYSSNER, que

publicou a monografia Das Recht em eigenen Bilde em 1896. Walter MORAES

e Silma BERTI, entretanto, apontam outros escritos anteriores, como os de

BIGEON (La photographie devant la loi et la jurisprudence, 1892; e La

photographie et le Droit, 1893), Joseph KOHLER (Autorrecht, 1880, e Das

individualrecht als Namenrecht, 1895?) e VAUNOIS (La liberté du portrait,

1894)169. Já Manuel GITRAMA GONZÁLEZ170 cita vários outros autores que

ainda no século XIX e antes de Keyssner analisaram o assunto.

167

Filipe SALLES, idem.

168 Adriano de CUPIS, Os direitos da personalidade, p. 144.

169 Walter MORAES, Direito à própria imagem (I), in RT 443, set. 1972, p. 65, e Silma BERTI,

Direito à própria imagem, p. 21.

170 Manuel GITRAMA GONZÁLEZ cita os autores: AMAR, Dei diritti degli autori di opera

dell’ingegno, Turin, 1874; BREDIF, Étude théorique et pratique sur la protectiondes aeuvres photographiques, Paris, 1894; COPINGER, The law of copyright, Londres, 1893; FERRARI Y ZAMBELLINI, Principes et limites de la protection légale due aux produits de la photographie, Milão, 1892; FRAIPONT, La photographie au Palais de Justice, Bruxelas, 1890; KRAMER, Ueber das Recht in Besug auf den menschlichen Körper, Berlim, 1887; LENTNER, Das Recht der Photographie nach dem Gewerbe- Press- und Nachdrucksgesetz, Viena, 1886; ROMANELLI, N., Il diritto di proprietà sul ritratto, in Foro Napolitano, 1897, p. 84 e seg.; ROSMINI, Le droit d’àuteur, 1893 e Se si possa fare, esporre e vender il ritratto di uma persona senza il consenso di essa o dei suoi eredi, in Monitore dei Tribunali, Milão, 1894; SAUVEL, La propriété artistique em photographie, spécialement em matiére de portaits, Paris, 1897;

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No curso do século XX, o tema obteve ainda mais interesse com a

invenção do cinema, em que a imagem em movimento pôde ser captada e

utilizada para publicidade e divulgação de bens e ideias. As questões jurídicas

tornaram-se mais frequentes nos Tribunais e a doutrina não se furtou em

desempenhar seu papel de elaboração teórica. No Brasil, merecem destaque

os estudos de Walter Moraes e Antonio Chaves.

A legislação sobre o direito à imagem se expandiu acompanhando a

positivação do direito do autor. Ensina Walter MORAES que a primeira lei que

dispôs sobre fotografia foi de origem alemã, datada de 10 de janeiro de

1899171. GITRAMA GONZÁLEZ destaca, ainda no século XIX, as leis sobre

propriedade intelectual da Bélgica (22 mar. 1886) e do Japão (04 mar. 1899), e

no século XX as da Áustria (9 abr. 1936), do Uruguai (17 dez. 1937), da Grã-

Bretanha (7 nov. 1956) e do México (20 dez. 1956). E em relação ao direito de

autor, as leis da Alemanha (9 jan. 1907), da Suíça (7 dez 1922), dos Estados

Unidos (Estado de Nova Iorque, em 1930), da Argentina (26 set. 1933), da

Itália (22 abr. 1941), da Bulgária (12 nov. 1951), da Checoslováquia (22 dez

1953) e do Egito (24 jun. 1954)172.

Antonio CHAVES menciona especialmente o Código Civil Italiano de

1942, que, ao tratar do abuso da imagem alheia, no Art. 10, engendrou

produção bibliográfica sobre o tema173.

Em geral, todos esses diplomas legais possuem a mesma estrutura.

Primeiramente, proíbem a reprodução, a divulgação e a exposição de retrato

sem o consentimento da pessoa retratada. Em seguida, estabelecem o rol dos

sucessores neste direito de consentir e finalmente estabelecem a hipótese em

SCHEELE, Das Deutsche Urheberrecht na literarischen, künstlerischen und photographischen Werken, Leipzig, 1892; SCHRANK, Des Schutz des Urheberrechts an Photographien, Halle, 1893; SHAEFER, Das Recht am eigenen Bilde, in Gewerbliche Rechtschutz und Urheberrecht, 1897, t. II, p. 206 e seg.; STOLZE, Zum Schutze der Photographie, in Photographische Nachrichten, 1891, p. 449 e segs. WAECHTER, Das Recht der Briefe und Photographien, Berlin, 1863. Verbete: Imagen (Derecho a la propia). In: Nueva enciclopedia jurídica. T. 11, p. 371 a 376.

171 Walter MORAES, Direito à própria imagem (I), in RT 443, set. 1972, p. 66.

172 Manuel GITRAMA GONZÁLEZ, Imagen (Derecho a la propia). In: Nueva enciclopedia

jurídica. T. 11, p. 369 a 371.

173 Tratado de direito civil, p. 539.

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que o consentimento é dispensado (como interesse judicial, policial, artístico e

científico, fotografado em local público, ou, ainda, se for pessoa que goza de

grande notoriedade em razão de função pública ou de interesse do público) e a

hipótese em que é presumido em favor do autor do retrato, por exemplo no

caso de remuneração do retratado174.

Nas hipóteses em que essa legislação previu a dispensa do

consentimento há, no entanto, a ressalva: a honra, a reputação, o decoro ou

qualquer outro legítimo interesse deverão sempre ser resguardados, como se

verifica na legislação acima referida da Alemanha, do Egito, da Itália, do

México e da antiga Checoslováquia175.

É certo que a curiosidade da Ciência do Direito a respeito do tema

do direito à imagem foi aguçada pelo desenvolvimento tecnológico. Mas ainda

que pareça ser a tecnologia o ponto de partida para as questões jurídicas sobre

imagem, não é nela que se encontra o direito e tampouco não é na tecnologia

que se encontrará o limite. O estudo do direito à imagem não significa apenas

e tão somente direito à fotografia ou ao retrato.

3.2. O direito à imagem na legislação brasileira

No Brasil, o legislador seguiu caminho parecido ao das legislações

alienígenas ao tratar da proteção à imagem. Fez isso por meio do capítulo

referente ao direito do autor. O Código Civil de 1916, no Art. 666, inc. X

conferia à pessoa retratada e a seus sucessores o direito a opor-se à

reprodução ou à exposição pública de seu retrato ou busto. E, igualmente,

174

Walter MORAES, Direito à própria imagem (I), in RT 443, set. 1972, p. 66.

175 Manuel GITRAMA GONZÁLEZ, Imagen (Derecho a la propia). In: Nueva enciclopedia

jurídica. T. 11, p. 369 a 371.

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permitia ao proprietário de retrato ou busto encomendado o direito de

reprodução em detrimento do direito de autor176.

Embora perceptível no dispositivo legal que o direito à própria

imagem prevalece ao direito do autor, pois este apenas pode exercer sua

função mediante a existência e autorização do outro, o que o legislador

verdadeiramente trata é do chamado “direito moral” do autor de ser

reconhecido pelo seu trabalho e não do direito do titular da imagem. Tanto é

verdade que a hipótese prevista é a de realização de retrato ou busto por

encomenda. Se não houver encomenda, não haverá direito do autor.

Walter MORAES destaca que a redação do inc. X do Art. 666 do

CC/16 é imprecisa, pois em primeira leitura parece que tanto o autor quanto o

terceiro que encomendou o retrato ou busto estão autorizados a reproduzir ou

a expor o objeto encomendado (retrato ou busto), desde que o sujeito

representado não se oponha177. Ora, não está claro se o autor ou terceiro que

encomendou o trabalho necessitam de autorização para realizá-lo. Ou, ainda,

se ao retratado é assegurado além do direito de proibir também o direito de

consentir.

Ainda assim, a primeira decisão judicial brasileira de que se tem

notícia sobre direito à própria imagem foi proferida com fundamento nesse

dispositivo pelo Juiz Octávio Kelly, da antiga Capital Federal, então no Rio de

Janeiro, em 28 de maio de 1923, com a finalidade de resguardar os direitos da

Miss Brasil de 1922, Zezé Leone, que havia sido filmada sem ter dado

autorização178.

Essa decisão é de relevante interesse histórico-jurídico para a

proteção do direito à própria imagem, pois, nas palavras de Walter MORAES:

“(...) primeiro, colocou o problema no terreno do direito da personalidade;

176

Art. 666. Não se considera ofensa aos direitos de autor: X- A reprodução de retratos ou bustos de encomenda particular, quando feita pelo proprietário dos objetos encomendados. A pessoa representada e seus sucessores imediatamente podem opor-se à reprodução ou pública exposição do retrato ou busto.

177 Walter MORAES, Direito à própria imagem (II), in RT 444, out. 1972, p. 12.

178 Antonio CHAVES, Tratado de direito civil, p. 542.

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73

segundo, reconheceu a tutela dos próprios traços físicos originais do sujeito

(...); terceiro, compreendeu a necessidade do consentimento para ser filmado e

a eficácia da oposição ao ato de filmar (...); quarto, estendeu a tutela jurídica à

imagem dinâmica (...); quinto, encontrou fundamento para tudo isso no Art.

666, X, do CC”179.

Ainda sob o ponto de vista do direito do autor, o legislador tratou do

tema no Art. 49, I, f da Lei nº 5.988, de 14 de dezembro de 1973180,

posteriormente revogado pela Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, que

dispôs o mesmo conteúdo no Art. 46, I, c, apenas com a alteração da palavra

“efígie” por “imagem”. Essa mesma Lei nº 9.610/98 também revogou

expressamente o Art. 666 do CC/16.

Mas antes mesmo de lei específica sobre o direito do autor, o

legislador já havia feito referência à imagem, quando legislou sobre

propriedade industrial (Art. 65, item 12 da Lei nº 5.772, de 21 de dezembro de

1971)181 e manteve dispositivo parecido na lei revogadora de nº 9.279, de 14

de maio de 1996, no Art. 124, XV182. Nota-se novamente que o legislador

utilizou na lei mais antiga a palavra “efígie” e na mais recente a palavra

“imagem”.

Deve ser observado, no entanto, que essas legislações (o Código

Civil de 1916, a Lei de Direito do Autor e a Lei de Propriedade Industrial) ao se

referirem a “retrato”, “efígie” ou “imagem” não salvaguardam o direito da

179

Op. cit, p. 22. Apesar dos elogios que Walter Moraes faz à decisão chamando-a de “luminosa” por estar de acordo com a melhor doutrina sobre direito à própria imagem, ele a critica por não ter concedido também a apreensão do filme, porque sempre haverá a possibilidade de o autor utilizá-la. Entende assim que, nesse aspecto, a decisão se aproxima do direito do autor, afastando-se do direito à própria imagem.

180 Art. 49. Não constitui ofensa aos direitos do autor: I – a reprodução: f) de retratos, ou de

outra forma de representação da efígie, feitos sob encomenda, quando realizada pelo proprietário do objeto encomendado, não havendo a oposição da pessoa neles representada ou de seus herdeiros. (Destaque nosso.)

181 Art. 65. Não é registrável como marca: 12) nome civil, ou pseudônimo notório, e efígie de

terceiro salvo com expresso consentimento do titular ou de seus sucessores diretos. (Destaque nosso.)

182 Art. 124. Não são registráveis como marca: XV - nome civil ou sua assinatura, nome de

família ou patronímico e imagem de terceiros, salvo com consentimento do titular, herdeiros ou sucessores. (Destaque nosso.)

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pessoa à própria imagem – o objetivo é proteger o direito moral do autor e de

regular o registro de marcas e patentes.

Com o advento da Constituição Federal, promulgada em 5 de

outubro de 1988, foi pela primeira vez prevista a proteção do direito à própria

imagem.

A Constituição Federal de 1988 elegeu como princípio fundamental

do Estado brasileiro a dignidade da pessoa humana, e estabeleceu no Título II

direitos e garantias fundamentais que têm por objetivo justamente proteger a

dignidade da pessoa humana em todas as suas dimensões, seja no âmbito

individual, seja no coletivo, social, político ou relativo à nacionalidade. Os

direitos fundamentais individuais e coletivos estão previstos no Art. 5º “caput” e

seus 78 (setenta e oito) incisos. Entre esses incisos, há três que se referem à

proteção da imagem. São eles, incisos V, X e XXVIII, a183.

Após a Constituição Federal, o legislador produziu outras normas

infraconstitucionais que também se referem ao direito à imagem, como os Arts.

17 e 247, § 1º do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8069, de 13 de

julho de 1990) 184, o Art. 7, IV da Lei de Proteção à Vítima e à Testemunha (Lei

nº 9.807, 13 de julho de 1999) 185 e o Art. 10, § 2º da lei que instituiu o Estatuto

do Idoso (Lei nº 10.741, 1 de outubro de 2003) 186.

183

Art. 5º, inc. V: é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; inc. X: são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; inc. XXVIII, a: são assegurados, nos termos da lei: a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas.

184 Art. 17. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e

moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.

Art. 247. § 1. Incorre na mesma pena quem exibe, total ou parcialmente, fotografia de criança ou adolescente envolvido em ato infracional, ou qualquer ilustração que lhe diga respeito ou se refira a atos que lhe sejam atribuídos, de forma a permitir sua identificação, direta ou indiretamente.

185 Art. 7, IV: preservação da identidade, imagem e dados pessoais;

186 Art. 10, § 2. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e

moral, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, de valores, ideais e crenças, dos espaços e dos objetos pessoais.

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75

Contudo, a grande novidade legislativa quanto ao direito de imagem

ocorreu com a vigência do Novo Código Civil de 2002 que tratou dos direitos da

personalidade e dispôs no Art. 20 que a publicação, a exposição ou a utilização

da imagem de uma pessoa poderá ser proibida, a seu requerimento e sem

prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a

respeitabilidade ou, ainda, se destinadas a fins comerciais, salvo,

evidentemente, se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça

ou à manutenção da ordem pública.

3.3. A palavra “imagem”

Antonio CHAVES escreveu certa vez: “Dentre todos os direitos da

personalidade não existe outro tão humano, profundo e apaixonante como o

direito à própria imagem. Mas o que é que vem a ser imagem?”187.

A conceituação de imagem, de acordo com o verbete no dicionário

Houaiss, sinaliza que não é tarefa fácil a delimitação de seu conteúdo

semântico, pois aponta várias acepções para a palavra, dentre elas as de que

é “representação da forma188 ou do aspecto do ser ou objeto por meios

artísticos”, de “aspecto particular pelo qual um ser ou um objeto é percebido” e

“reprodução invertida de um ser ou de um objeto, transmitida por uma

superfície refletora”189.

Esses três sentidos da palavra “imagem” limitam-se apenas à

assimilação do ente ou da coisa por meio da representação, percepção e

reflexo. Em outras palavras, comporta o que o sujeito vê, o que o outro percebe

e como pode ser representado.

187

Antonio CHAVES, Direito à própria imagem, in RT 451, maio de 1973, p. 11.

188 A palavra “forma” é utilizada em seu significado de “aquilo que pertence à essência ou

substância da coisa, por isso, essencial, substancial, atual”. (Nicola ABBAGNANO, verbete Formal, in Dicionário de Filosofia, p. 545).

189 Dicionário Houaiss da língua portuguesa, p. 1573.

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Para Nicola ABBAGNANO imagem é “semelhança ou signo das

coisas, que pode conservar-se independentemente das coisas”190. Portanto,

imagem é composta de duas ideias: a primeira é que existe uma coisa (ou um

ente) e a segunda é que existe a representação deste. O mesmo autor ensina

que os epicuristas191 desenvolveram conceito igual ao admitirem a verdade de

todas as imagens produzidas pelas coisas, pois o que não existe não produz

nada192.

Também Lucia SANTAELLA e Winfried NÖTH ensinam que o

mundo das imagens se divide em dois domínios que estão inextricavelmente

ligados em sua gênese: o domínio das imagens como representações visuais

(desenhos, pinturas, gravuras, fotografias e as imagens cinematográficas,

televisivas, holo e infográficas) e o domínio imaterial das imagens em nossa

mente como representações mentais que tem origem no mundo concreto dos

objetos visuais193.

É comum denominar de imagem a representação que se tem das

coisas ou entes. Com isso, os termos imagem e representação são

empregados com o mesmo significado194. Tomás de AQUINO, no entanto,

afirma que para compreender imagem é preciso, antes, estabelecer

considerações sobre origem e semelhança195.

Sobre a ideia de origem, Tomás de AQUINO cita Santo Agostinho

190

Nicola ABBAGNANO, verbete Imagem, in Dicionário de Filosofia, p. 620.

191 Escola filosófica fundada por Epicuro de Samos no ano de 300 aC em Atenas (Nicola

ABBAGNANO, verbete Epicurismo, op. cit., p. 390).

192 Nicola ABBAGNANO, idem, ibidem.

193 Lucia SANTAELLA e Winfried NÖTH, Imagem: cognição, semiótica, mídia, p. 15.

194 José FERRATER Mora, verbete Imagen, in Diccionario de FilosofÍa, p. 1625.

195 São Tomás de Aquino trata do tema Imagem na Questão 35, em dois artigos, e na Questão

93, em nove artigos, ambas da Parte I da Suma teológica. A importância do tema para Tomás de Aquino se justifica para explicar a Trindade (Pai, Filho e Espírito Santo – se os dois últimos são imagem do primeiro) e para esclarecer o que significa ser o homem produzido “à imagem e à semelhança de Deus”.

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77

para explicar que “um ovo não é a imagem de outro ovo, porque ele é sua não

expressão196. Para que algo seja verdadeiramente imagem, requer-se que

proceda de outro de maneira a se assemelhar na espécie, ou pelo menos em

um sinal da espécie”197. Nesse sentido, para existir imagem é necessário existir

dois objetos separados pelo tempo, uma vez que a existência de um é anterior

ao do outro, mas unidos pela origem em que o último deriva do primeiro.

Quanto à semelhança, explica que para compreender se algo é

imagem de outro é preciso considerar se há semelhança, não qualquer

semelhança, mas a contida na espécie da coisa ou em algum sinal da espécie

que justifique a ideia de imagem. Afirma AQUINO, por exemplo, que o sinal da

espécie para as coisas corpóreas parece ser a figura, e esclarece: “Vemos,

com efeito, que os animais de espécies diferentes têm figuras diferentes, mas

não cores diferentes. Por isso, se se pinta sobre a parede a cor de alguma

coisa não se chama a isso imagem, mas somente se se pinta sua figura”198.

Tomás de AQUINO denomina de “exemplar” o objeto (coisa,

suporte, elemento) original e de imagem o que procede à sua semelhança. O

conceito de exemplar é o que funciona como modelo ou arquétipo, no sentido

de ser objeto de imitação. É causa formal199 ou ideal daquilo que a imitação

produz 200.

A distinção é muito oportuna para o desenvolvimento deste trabalho.

Isso porque as indagações sobre o direito à imagem ora versam sobre o

“exemplar” – mais tecnicamente à “tutela da imagem original” –, ora se referem

à imagem propriamente dita que são as representações, percepções ou

reflexos do ente ou coisa, materializados por vários meios, como pintura,

196

A palavra “expressão” tem em um dos seus sentidos filosóficos o de “manifestação por meio de símbolos ou comportamentos simbólicos” (Nicola ABBAGNANO, verbete Expressão, in Dicionário de Filosofia, p. 484). Antonio HOUAISS cita para o verbete os seguintes sinônimos: “(...) 3. fisionomia: semblante; 4. manifestação; 5. personificação: encarnação, exemplar, modelo, protótipo; 6. revelação: demonstração, exibição, exteriorização” (Dicionário Houaiss de sinônimos e antônimos, p. 311.).

197 Suma teológica: Parte I, questão 35, artigo 1 (resposta), p. 588.

198 Op. cit., p. 587.

199 Vide nota 188 deste trabalho.

200 Nicola ABBAGNANO, verbete Exemplar, in Dicionário de Filosofia, p. 463.

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78

desenho, caricatura, fotografia, filme ficcional ou documental, gravação de voz

falada ou cantada e outros meios que vierem a ser desenvolvidos com base em

avanços tecnológicos.

3.4. A imagem e o direito

O aspecto obscuro do estudo do direito à imagem é o enfrentamento

do tema alusivo a como a doutrina define o que é imagem: se essa

compreende a coisa reproduzida (a fotografia, a tela, entre outras

possibilidades) e/ou a forma corporal perceptível, para o mundo exterior, da

personalidade do ente (o exemplar, o original).

No propósito de determinar o objeto, Paolo VERCELLONE partiu da

observação de que toda matéria, até mesmo o corpo humano, quando exposto

à luz pode ser visto por outra pessoa. E tal visão é individual e variada, porque

é a percepção de quem vê no momento em que esse ato se realiza. Conclui

que um mesmo corpo pode produzir uma infinidade de imagens, em que cada

uma corresponde a uma sensação visual e, por esse motivo, não haveria

direito à imagem, pois, se a sensação é do outro, não seria possível para

aquele que é o “visto” ter direito à sensação do outro201. Em seu entendimento,

o que existe é apenas um direito do retratado ao retrato, como produto

resultante do ato de fotografar.

Nesse sentido, defendeu VERCELLONE que deveria ser afastada a

denominação “direito à imagem” para se adotar como mais correto e preciso o

termo “direito ao retrato”, definindo como retrato a obra de arte figurativa ou a

fotografia em que se reconhece o semblante de uma pessoa determinada,

distanciando as hipóteses de retrato falado ou literário202.

Do mesmo entendimento compartilhou, em certa medida, GITRAMA

GONZÁLEZ. Todavia, entende que a denominação “direito à imagem” é

201

Il diritto sul proprio ritrato, p. 10.

202 Op. cit., p.10 e11.

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correta, pois imagem é a reprodução, em oposição à figura física do homem

em si. Tal qual Vercellone, afirma que imagem é a reprodução da figura e sua

fixação em uma res material que denomina retrato. E define como imagem, ou

retrato, a obra de arte figurativa ou a fotografia que reproduz de forma

reconhecível os traços, as feições, de uma pessoa203.

Na doutrina civilista brasileira, vários autores acompanham esse

entendimento. Entre eles, Pontes de MIRANDA considera: “(...) direito à

imagem é direito de personalidade quando tem como conteúdo a reprodução

das formas, ou da voz, ou dos gestos, identificativamente”204. Francisco

AMARAL enfatiza: “O direito à imagem é o direito que a pessoa tem de não ver

divulgado seu retrato sem sua autorização, salvo nos casos de notoriedade ou

exigência de ordem pública”205. No mesmo sentido, continua Rene Ariel DOTTI:

“(...) para os efeitos jurídicos o bem personalíssimo da imagem deve ser

definido como a representação gráfica, plástica ou fotográfica de um ser

humano”206. Maria Helena DINIZ ensina: “Direito à imagem é o de ninguém ver

sua efígie exposta em público ou mercantilizada sem o seu consenso e o de

não ter a sua personalidade alterada material ou intelectualmente, causando

dano à sua reputação”207. De modo contundente Edilsom Pereira de FARIAS

registra: “Entretanto, para a ordem jurídica, a ideia de imagem não é

assegurada nesse sentido lato, restringe-se à reprodução dos traços físicos da

figura humana sobre um suporte material qualquer”208. No mesmo tom é dada a

ênfase por Roxana Cardoso Brasileiro BORGES: “Através do direito à imagem,

protege-se a representação física de uma pessoa, seja esta fixada em fotos,

filmes, vídeos, pinturas e outros meios que reproduzem o rosto da pessoa ou

203

Manuel GITRAMA GONZÁLEZ, “Imagen” (Derecho a la propia), in Nueva enciclopedia jurídica, Tomo XI, p. 304 e 305.

204 Tratado de direito privado: parte especial: tomo VII, § 738, p. 111.

205 Francisco AMARAL, Direito civil: introdução, p. 307.

206 Rene Ariel DOTTI, O Direito ao esquecimento e a proteção do Habeas Data, in Habeas

Data, p. 310.

207 Continua a autora “Abrange o direito: à própria imagem; ao uso ou difusão da imagem; a

imagem das coisas próprias e a imagem em coisas e publicação; de obter imagem ou de consentir em sua captação por qualquer meio tecnológico”, Maria Helena DINIZ, Curso de direito civil brasileiro: teoria geral do direito civil, p. 146 e 147.

208 Edilsom Pereira de FARIAS, Colisão de direitos: a honra, a intimidade, a vida privada e a

imagem versus a liberdade de expressão e informação, p. 148.

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partes de seu corpo, sinais físicos ou gestos que possam servir à identificação

e reconhecimento”209. Assim como ressalta Jacqueline Sarmento DIAS: “O

direito à imagem é aquele direito subjetivo pelo qual o titular possui uma

faculdade de permitir ou não a divulgação, publicação e reprodução de sua

imagem conforme o seu desejo”210. E Silvio de Salvo VENOSA se preocupa

com o abuso da divulgação, afirmando: “O uso indevido da imagem traz, de

fato, situações de prejuízo e constrangimento, no entanto, em cada situação é

preciso avaliar se, de fato, há abuso na divulgação da imagem. Nem sempre a

simples divulgação da imagem é indevida, doutra forma seria inviável noticiário

televisivo, jornalístico ou similar”211 (grifos nossos).

Esses autores apresentam como objeto do direito à imagem a

imagem reproduzida, denominada também de imagem decorrente ou derivada,

ressalvando a relevância para o Direito se essa imagem é divulgada com ou

sem consentimento da pessoa retratada. Não admitem ou não mencionam que

para ter imagem é necessário existir o exemplar (imagem primitiva, original ou

matriz).

Entretanto, há doutrinadores que mencionam o exemplar. Miguel

Maria De Serpa LOPES enuncia: “A imagem humana é a matéria prima

originária, que se distingue notoriamente das projeções ou reflexos artísticos

produzidos pelos meios técnicos de manipulação, transformação ou

reprodução”212. O autor considera que a fotografia é espécie da qual a imagem

é gênero, uma vez que é apenas um dos objetos ao qual recai o direito à

imagem.

Carlos Affonso Pereira De SOUZA afirma: “(...) o entendimento de

que a imagem tutelada pelo Direito apenas compreende a representação

gráfica, particulariza em excesso o escopo da proteção, deixando descoberta

209

Roxana Cardoso Brasileiro BORGES, Dos Direitos da Personalidade, in Teoria geral do direito civil, p. 267.

210 Jacqueline Sarmento DIAS, O direito à imagem, p. 125.

211 Silvio De Salvo VENOSA, Direito civil: parte geral, p. 205.

212 Curso de Direito civil: introdução, parte geral e teoria dos negócios jurídicos, vol. 1, p. 273

e 274.

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uma série de hipóteses em que a imagem da pessoa é violada sem que se

elabore uma reprodução gráfica da mesma”213.

O constitucionalista Luiz Alberto David de ARAUJO expõe: “A nosso

ver, a imagem apresenta duas faces: a de matriz, que deve ser preservada e é

objeto de cuidados e proteção, e a, assim chamada, imagem decorrente, ou

seja, a reproduzida por qualquer dos meios já mencionados. Há, dessa forma,

uma imagem a ser preservada, considerando os traços essenciais e especiais

de um determinado indivíduo, e a imagem que é decorrência da primeira, por

força de uma reprodução. Podemos, inclusive, denominar a primeira de

imagem primitiva, e a segunda de imagem derivada, posto que reproduzida”214.

O entendimento de imagem para esses autores não se limita apenas

e tão somente à imagem retratada. Ademais, considerar como imagem apenas

a reprodução ou imagem decorrente, gera uma omissão quanto à proteção da

imagem original da pessoa.

Walter MORAES reconhece que a ideia de imagem para os estudos

jurídicos refere-se quase sempre “(...) à tutela jurídica da representação

figurativa da pessoa tão-somente, e não da imagem como forma e aspecto

corporal do sujeito”215. E argumenta: tanto é verdade que a percepção visual de

uma figura qualquer é de quem vê e está sujeita a diversas circunstâncias,

quanto é também verdadeiro que porque existe de forma sensível e

identificável pode ser visto216. O que a câmara fotográfica capta é algo que

existe reconhecível e identificável, pois se há imagem, há o original.

Desse modo, a corrente doutrinária que admite a existência da

imagem original (primitiva, matriz) possui uma percepção completa do bem

jurídico do direito à imagem. A proteção da imagem compreende, portanto, a

213

Contornos atuais do direito à Imagem, in Revista Trimestral de Direito Civil, p. 36.

214 A proteção constitucional da própria imagem: pessoa física, pessoa jurídica e produto, p.

30.

215 Direito à própria imagem (I), in RT 443, setembro de 1972, p. 74.

216 Direito à própria imagem (I), in RT 443, setembro de 1972, p. 75.

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proteção da pessoa enquanto imagem original, e a representação, que é o seu

retrato.

Luiz Alberto David de ARAUJO embora reconheça as duas espécies

de imagem, afirma que é desnecessária a distinção, pois em seu entendimento

elas constituem momentos diferentes do mesmo direito217, posição

acompanhada por Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona218.

Em que pese o entendimento desses autores, a compreensão da

importância da imagem original objetiva destacar que o bem jurídico do direito

à imagem não se limita à reprodução e à casuística da autorização e

divulgação da imagem decorrente. Considerar, como afirma ARAUJO, da

desnecessidade da distinção promove omissão doutrinária sobre a proteção da

imagem original, tornando incompleto o conteúdo do bem jurídico do direito à

imagem.

A imagem da pessoa pode ser atingida sem envolver a sua imagem

reproduzida ou decorrente. Por exemplo, um cirurgião plástico que deforma um

indivíduo, não obstante as regras do contrato de prestação de serviço,

ocasiona um dano à imagem original dessa pessoa. E ainda que essa

alteração não seja deformadora, basta não alcançar as expectativas pactuadas

para que a imagem original seja atingida. Não há de se falar que o bem

atingido é o da integridade física, porque eventualmente pode o indivíduo ficar

até mais formoso. Se a alteração, no entanto, causar o seu não

reconhecimento, caracterizado está o dano à sua imagem original. Como será

exposta em item apropriado, a imagem original da pessoa não se resume ao

aspecto físico, mas também a sua forma.

O que se poderia dizer é que esse dano à imagem original é de

difícil aferição ou de significância econômica reduzida, dependendo da

casuística. Esse é outro argumento detectado por Walter MORAES para

217

A proteção constitucional da própria imagem: pessoa física, pessoa jurídica e produto, p. 30.

218 Novo curso de direito civil: parte geral, p. 174.

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justificar o porquê de a doutrina não enfrentar a questão da existência da

imagem original219.

O fato da imagem original não possuir a mesma repercussão

econômica, ocorrência e frequência da imagem reproduzida em nossos

Tribunais, não torna a proteção da imagem original irrelevante, porque

concluiríamos que para o Direito só haveria proteção daquilo que fosse

frequente e economicamente aferível. A ciência jurídica tem como escopo

aprofundar o estudo do Direito, buscando uma nova dimensão daquilo que a

comunidade jurídica tem como conceito comum.

3.4.1. Imagem original

Visto que o direito à imagem também compreende a proteção da

imagem original, é necessário determinar em que consiste essa imagem matriz.

É preciso destacar que a imagem original não se restringe à

aparência física, cor de olhos, cabelos, pele, sinais ou marcas, formatos de

rosto, nariz, boca ou olhos e mais tantas outras particularidades. Esses

elementos compõem a aparência, uma vez que envolvem o corpo, mas a

imagem humana não se limita ao corpo.

Conforme exposto no primeiro capítulo, a pessoa humana é um

composto de matéria e forma. Matéria é o corpo humano e forma é o que

especifica, determina esse corpo. O que individualiza não é a matéria, mas a

forma. A matéria identifica a espécie humana, a forma individualiza e especifica

cada ser humano, evidenciando sua originalidade.

É o que há de espiritual, psíquico, moral da natureza humana que

juntamente com a matéria produz a imagem humana.

219

Nas palavras do autor: “Não é de estranhar, todavia, a ausência da figura original do homem na mente dos legisladores. Não é a imagem, como forma indivisível em si, alvo quase inatingível dos interesses aparentes que acende diretamente conflitos e pretensões concretas, senão as suas expressões pegadas a corpos comerciáveis”. Direito à própria imagem (II), in RT 444, outubro de 1972, p. 18.

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84

Nesse sentido, a primeira decisão judicial sobre direito à imagem no

Brasil, proferida pelo Juiz Octávio Kelly é exemplo:

“Funda-se essa tutela jurídica, no dever, que tem o Estado de,

assim como lhe defende o nome, a reputação e demais direitos,

amparar a personalidade física ou artística do indivíduo, revelada nos

seus traços fisionômicos naturais ou no emprego de sua inteligência e

esforço, para os tornar mais apreciáveis pela originalidade em si ou

pelo êxito da educação de suas maneiras e gestos, como

frequentemente sucede com os atores de teatro ou cinematográfico,

nas chamadas criações prediletas”220

. (Grifo nosso.)

A imagem para o direito é definida por MORAES como “forma em si

de uma personalidade (física e também moral, na expressão psíquica do

semblante, por exemplo) que, recobrindo, embora, um corpo humano, é

destacável do 8esmo, suscetível de existência múltipla e independente do seu

suporte original (conquanto nunca dispense algum suporte físico) através de

processos figurativos artísticos e mecânicos, e, como tal, uma abstração”221.

A fim de ilustrar essa definição, é oportuno analisar o caso do norte-

americano Richard Lee Norris que, após um acidente com arma de fogo, teve

seu rosto completamente desfigurado. Esse fato por si demonstra que a

aparência da figura humana compõe o bem jurídico da imagem, pois Richard

Norris relata que durante quinze anos viveu recluso, escondido atrás de uma

máscara cirúrgica, realizando suas atividades como compras apenas no

período da noite, para que não fosse visto.

220

Decisão anteriormente citada em nota 178. (Direito à própria imagem (II), in RT 444, outubro de 1972, p. 22.)

221 Walter MORAES, Direito à própria imagem (I), RT 443, setembro de 1972, p. 76. Do mesmo

entendimento compartilha Pascual QUINTANA: “(...) en la imagen encontramos un aspecto corpóreo y otro espiritual; por un lado, constituye la envoltura del cuerpo y como tal participa de la naturaleza de éste como conjunto de huesos, músculos y epidermis, y por otro se nos presenta bajo un aspecto psicológico. La imagen toma individualidad propia formada por elementos psicológicos; por tanto, para la construcción del concepto de la imagen humana no podemos prescindir de los elementos, tanto físicos como psíquicos, y goza de los dos estados; es un bien inmaterial de la persona en tanto y cuanto es un signo de identidad, y es inmaterial en cuanto representa la individualidad de ésta y su espíritu, y, como tales factores psíquicos, nos dan la explicación de la diferente sustancia de la imagen respecto al cuerpo, lo cual le imprime un sello de inmaterialidad”, PASCUAL QUINTANA, J. M., El derecho a la propia imagen, em “Revista de la Facultad de Derecho de Madri”, núm. 17, 1949, p. 138. Apud Gitrama González, op. cit., p. 317.

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Em março de 2012, no Centro Médico da Universidade de Maryland,

por meio de uma cirurgia de transplante, a partir do rosto de um doador,

Richard Lee obteve um novo semblante. Contudo, curiosamente, embora tenha

recebido a doação de um “rosto”, o próprio médico que realizou a cirurgia,

Eduardo Rodriguez, afirma que eles não se parecem, tendo o resultado sido

uma combinação de dois indivíduos. Não é o exterior, a matéria, que determina

unicamente a aparência: há algo do próprio indivíduo que a determina. O novo

rosto de Richard Lee Norris, embora tenha em certa medida sido de outra

pessoa, é dele e só dele, o representa, é o “sinal sensível da sua

personalidade”222. Esse é um caso que bem exemplifica a complexidade da

imagem223.

Assim, a imagem humana é tanto o que envolve o corpo – e como

tal participa da sua natureza física, única e irrepetível –, como também a sua

individualidade em sua complexidade psicológica. A imagem traduz para o

mundo exterior o ser imaterial da personalidade, delineia-a, dá-lhe forma224.

3.5. A imagem e a Constituição Federal de 1988

Nesse ponto do trabalho é importante situar como a imagem está

prevista na Constituição Federal de 1988.

O inciso V, do Art. 5º225, prevê indenização por dano à imagem em

razão de agressão originada pela liberdade de manifestação do pensamento,

desde que o sujeito que manifesta o pensamento se identifique, para que seja

222

Walter MORAES, Direito à própria imagem (I), RT 443, setembro de 1972, p. 76.

223 A notícia do transplante e as fotos do “antes, durante e depois” foram amplamente

divulgadas em jornais, revistas e telejornais. A fonte deste trabalho são as matérias da Folha de S. Paulo dos dias 27/3/2012 “Americano recebe transplante de rosto depois de ser deformado por tiro” e 17/10/2012 “Americano exibe rosto recuperado sete meses após transplante”. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/1170550-americano-exibe-rosto-recuperado-sete-meses-apos-transplante.shtml>. Acesso em 23/10/2012.

224 Walter MORAES, Op. cit., p 76.

225 Art. 5º, inc. V: é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da

indenização por dano material, moral ou à imagem.

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responsabilizado por eventual dano a terceiro (esse dano pode ser material,

moral ou em relação à imagem) e para que seja destinatário de eventual direito

de resposta daquele que se sentiu atingido pelo pensamento manifestado. No

referido inciso há, portanto, um confronto entre dois direitos fundamentais.

A doutrina constitucionalista destaca como conteúdo do inciso V o

direito de resposta, e ressalta que é assegurada indenização por dano material,

moral e à imagem. Entretanto não aprofunda sobre o que significa a previsão

constitucional de indenização por dano à imagem226, afirmando por vezes que

o dano à imagem está ligado ao dano moral227.

Os autores Luiz Alberto David ARAUJO e Vidal Serrano NUNES Jr.

afirmam até mesmo que a inclusão do dano à imagem não se trata de um novo

tipo de dano, mas apenas de facilitação da reparação, bastando comprovação

da lesão à imagem para permitir ao juiz a fixação por arbitramento da

indenização228. Contudo, os mesmos autores ao tratarem da previsão

constitucional do inciso X do mesmo Art. 5ª sobre direito à imagem destacam

como “derivativo do direito à imagem, o direito à integridade da imagem, o que

faz com que se indenize o dano estético” 229.

Ora, o constituinte ao incluir o dano à imagem não o fez para facilitar

a indenização de dano material e moral, o que fez foi reconhecer a existência

de outro dano independente dos outros dois, que incide sobre um bem jurídico

autônomo que é a imagem. Nelson NERY Jr. e Rosa Maria de Andrade NERY

em comentários ao referido inciso enunciam: “O texto não deixa dúvida quanto

à categoria do dano à imagem, distinta do dano material e moral”230.

226

Celso Ribeiro BASTOS, Comentários à Constituição do Brasil, 2º vol. (arts. 5º a17), p. 45 e 46. José CRETELLA Jr, Comentários à Constituição brasileira de 1988, vol. 1 (Art. 1º a 5º, I a LXVII), p. 213. Uadi Lammêgo BULOS, Constituição Federal anotada, p. 93.

227 É esse o entendimento de José CRETELLA Jr, Comentários à Constituição brasileira de

1988, vol. 1 (Art. 1º a 5º, I a LXVII), p. 215.

228 Curso de direito constitucional, p. 121.

229 Op. cit., p. 126.

230 Constituição Federal comentada e legislação constitucional, item 17, p. 176.

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No que se refere à existência de dano estético, é curioso o

entendimento: o dispositivo constitucional ao explicitamente tratar do dano à

imagem não o reconheceu e, por outro lado, admitiu a existência de outra

espécie de dano, denominado estético, sem qualquer previsão constitucional.

Já o inciso X do Art. 5º231 tornou inviolável a imagem das pessoas,

bem como a intimidade, a vida privada e a honra. Para o constitucionalista José

Afonso da SILVA, esse inciso pretende assegurar o direito à privacidade232 que

compreende todas as manifestações da esfera privada e íntima consagradas

pelo texto constitucional.

Cumpre esclarecer que o termo “privacidade” trata-se de um

anglicismo originário do termo em inglês “privacy”, assimilado na língua

portuguesa, falada no Brasil, a partir da década de 1970, é utilizado com

significado de vida privada, particular e íntima233, sendo sinônimo de

intimidade234. Ressalta-se que a expressão “direito à privacidade” é criação

doutrinária, uma vez que tanto a Constituição Federal (Art. 5º, X) quanto o

Código Civil (Art. 20 e Art. 21) tratam de intimidade, imagem, vida privada e

honra e não empregam essa expressão.

Tércio Sampaio FERRAZ Jr. ao analisar o inciso X adota a

denominação de “direito à privacidade”. Entende, no entanto, que a intimidade

e a imagem, bem como, o nome e a reputação pertencem a esse direito com

gradações distintas235.

O autor demonstra que ao longo da história a distinção entre esfera

pública e privada existente na civilização greco-romana transformou-se,

perdendo suas delimitações nítidas quando se desenvolveu a ideia do social, e

231

Art. 5º, inc. X: são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

232 Esclarece o autor que utiliza a expressão “direito à privacidade” em sentido genérico e

amplo por lhe parecer a que melhor explica todos os bens protegidos pelo inciso (intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas). Curso de direito constitucional positivo, p. 206.

233 Dicionário Houaiss da língua portuguesa, verbete Privacidade, p. 2300.

234 Dicionário Houaiss de sinônimos e antônimos, verbete Intimidade, p. 391.

235 Sigilo de dados: o direito à privacidade e os limites à função fiscalizadora do Estado, in

Sigilo fiscal e bancário, p. 20.

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foram criadas as esferas do social-público (área da política), do social-privado

(área econômica, do mercado) e a do totalmente privado (a do indivíduo)236.

Cada uma dessas esferas é marcada por um princípio característico: a esfera

social-pública é marcada pelo princípio da transparência e da igualdade;

enquanto a do social-privado caracteriza-se pelo princípio da diferenciação

(direito de ser diferente) e a da individualidade privativa pelo princípio da

exclusividade.

Para o desenvolvimento deste trabalho interessa a reflexão do autor

sobre o princípio da exclusividade. Sua função é assegurar ao indivíduo sua

identidade protegendo-o das pressões sociais e do poder público, garantindo-

lhe como exclusivas as ações e decisões pessoais que se dirigem a si mesmo

e que independem da ordem normativa ou de padrões sociais. Como

características dessa exclusividade destacam-se a solidão (fundamento do

chamado direito de estar só237), o segredo (que impõe a exigência de sigilo) e a

autonomia (que se caracteriza pela liberdade de decidir sobre si mesmo como

centro produtor de informações). É o princípio da exclusividade que rege o

direito à privacidade, e se define em ser o direito do indivíduo de excluir do

conhecimento de terceiros o que só a si mesmo é pertinente e que diga

respeito a seu modo de ser exclusivo no âmbito de sua vida privativa238.

Tércio Sampaio FERRAZ Jr. analisa sob essa perspectiva a

intimidade e a imagem. Aponta que a intimidade é no âmbito privativo o mais

exclusivo dos direitos, uma vez que não envolve terceiros e caracteriza-se pelo

desejo de estar só (atributo da solidão, acima referido)239.

Já a imagem (e também, o nome e a reputação) é própria do

indivíduo, mas só tem importância perante o outro, porque ninguém tem

imagem (nome ou reputação) para si mesmo, mas como condição de

236

Idem, p. 19.

237 Tema desenvolvido pelos criminalistas Paulo José da COSTA Jr. (O direito de estar só:

tutela penal da intimidade. São Paulo: RT, 1995) e Francisco de Assis Serrano NEVES (A tutela penal da solidão. Rio de Janeiro: Ed. Trabalhistas, 1981).

238Tércio Sampaio FERRAZ Jr, Sigilo de dados: o direito à privacidade e os limites à função

fiscalizadora do Estado, in Sigilo fiscal e bancário, p. 17.

239 Op. cit., p. 20.

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comunicação. Para o autor, o direito à imagem tem um sentido comunicacional

que inevitavelmente envolve terceiros, pois se caracteriza em ser o direito de

não ver a própria imagem mercantilizada, usada, sem o seu exclusivo

consentimento, em proveito de outros interesses que não os próprios. O

princípio da exclusividade incide sobre ele no atributo da autonomia240 para, na

esfera privativa, proteger a imagem a fim de que situações e informações

avaliadas como negativas pelo seu titular ou que este não deseja ver explorada

por terceiro seja mantida ao abrigo de sua única e discricionária decisão.

Em que pese a opinião do autor, para considerar que imagem tem

um sentido comunicacional é necessário, primeiro, considerar a sua existência.

A imagem não tem apenas função comunicacional, mas também existencial, o

direito não está na relação comunicacional, mas na existência do bem jurídico.

A pessoa é livre para construir, modificar, alterar ou preservar a sua imagem

por sua vontade, por exemplo, a aparência física importa tanto para o outro,

quanto e principalmente para o titular que a reconhece como sua imagem e a

seu critério pode modificá-la por ato próprio (como se barbear) ou de outrem

(cortar e tingir os cabelos) e impedir que outros sem sua autorização o façam.

A imagem da pessoa é, por conseguinte, constitucionalmente

protegida para ser respeitada em sua integridade, sendo que a sua violação

acarretará direito a indenização por dano material e moral241.

Quanto ao inciso XXVIII, a,242 refere-se a uma situação específica

própria do direito do autor e ao denominado direito de arena. Alguns indivíduos

emprestam sua imagem para a criação de obras coletivas ou de eventos

esportivos — nesses casos caberá eventualmente pagamento pela utilização

de sua imagem. Como bem afirma Luiz Alberto David ARAUJO, o inciso não

240

Idem, p. 30.

241 O inciso X do Art. 5º da Constituição diz “dano material ou moral”, mas o STJ já se

manifestou sobre o tema entendendo que “são cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato” (Súmula nº 37).

242 Art. 5º, inc. XXVIII, a: são assegurados, nos termos da lei: a) a proteção às participações

individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas.

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traz regra nova, apenas esmiúça o direito elencado de forma genérica no inciso

X243.

Nota-se que os incisos referem-se a situações jurídicas distintas. O

inciso V trata do dano à imagem, o inciso X da inviolabilidade da imagem e o

inciso XXVIII, a, da reprodução da imagem. Nesses termos, o direito à imagem

é um direito subjetivo fundamental, abarcando um conceito de imagem que

abrange imagem original e reprodução. Essa compreensão decorre do disposto

no inciso III, do artigo 1º da Constituição Federal, que prescreve como um dos

fundamentos do Estado Democrático de Direito a dignidade da pessoa

humana, que impõe ao Estado e aos particulares o dever de respeitar e não

atingir a imagem original da pessoa.

A Constituição Federal de 1988 ao apresentar esse conceito

completo de imagem, produz duas causas distintas de pretensão. A pretensão

cominatória para que proíba ou determine que cesse por parte do Estado ou do

particular dano, existente ou eminente à imagem original, e a indenizatória de

ressarcir os danos materiais e morais que a pessoa sofreu em relação à sua

imagem.

3.5.1. Considerações sobre a denominação imagem-retrato e imagem-atributo

Na interpretação do texto constitucional, Luiz Alberto David ARAUJO

entende que os incisos que tratam do direito à imagem não se referem a

apenas uma ideia de imagem, mas a imagens, em duas ideias diferentes.

Nessa perspectiva, adjetivou o conceito de imagem, denominando um aspecto,

de imagem-retrato, e o outro, de imagem-atributo244.

O autor identifica como imagem-retrato o conceito que afirma ser o

da tradição civilista, desenvolvido no Brasil por Antonio Chaves, Walter Moraes

243

A proteção constitucional da própria imagem, p. 108.

244 A proteção constitucional da própria imagem, p. 27.

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e Hermano Durval e, na Itália, por Adriano De Cupis245, em que imagem é

compreendida como um direito da personalidade que engloba tanto o aspecto

físico, quanto qualquer outra expressão formal e sensível da personalidade,

como voz e gestos.

O conceito de imagem-atributo decorre, na opinião do autor, do

desenvolvimento das relações sociais. É uma consequência da vida em

sociedade, em que o sujeito “quer em seu ambiente familiar, profissional ou

mesmo em suas relações de lazer, tende a ser visto de determinada forma pela

sociedade que o cerca246”, e essa imagem pode ser atingida sem que haja

qualquer violação à imagem-retrato. Assim, exemplificando, o pai de família

tem uma imagem a ser assegurada em seu âmbito familiar, como também o

tem o profissional em relação a sua profissão, a seus clientes, fornecedores,

colegas, entre outras pessoas.

Define, assim, como imagem-atributo “o conjunto de característicos

apresentados socialmente por determinado indivíduo247” e, nesse sentido,

afirma que o conceito impõe a proteção da imagem social248 da pessoa, seja

como integrante de uma família, seja como profissional, líder religioso, político,

síndico predial etc..

Desse modo, continua o autor, o conceito de imagem-atributo

possibilita que expressões como “a imagem do Poder Judiciário” ou “a imagem

do Presidente da República” tenham sentido juridicamente, pois tutela esse

conceito social do indivíduo, permitindo até mesmo, portanto, a proteção da

imagem da pessoa jurídica, bem como seus produtos e serviços249.

A denominação “imagem-atributo” é criticada por Regina Beatriz

Tavares da SILVA, porque entende que a ideia de imagem-atributo se

245

Op. cit., p. 27 a 29.

246 Op. cit., p. 31.

247 Op. cit., p. 32.

248 Uadi Lammêgo BULOS segue o entendimento de Luiz Alberto David de Araujo. Contudo,

denomina de imagem social o que Araujo chamou de imagem-atributo, e de imagem física, a imagem-retrato. (Constituição Federal anotada, p. 97).

249 Op. cit., p. 32.

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confunde com a honra, e afirma: “Se o legislador constituinte confundiu a honra

com a imagem no Art. 5º, V, da Lei Maior, descabe ao intérprete perpetuar a

confusão com tais denominações”250.

Apesar de a autora ter feito a crítica a respeito da denominação de

“imagem-atributo”, e do pretenso ineditismo de Luiz Alberto David ARAUJO em

criá-la, o fato é que há referências na doutrina alienígena de expressões como

“imagem de vida”, “imagem de caráter”, “imagem moral” e até “retrato moral”251.

O conceito de imagem moral é colocado por Rabindranath V. A. Capelo de

SOUZA como “conjunto das expressões instintivas, das inibições e complexos

interiores, das capacidades, talentos e deficiências espirituais, artísticas e

laborais, da consciência ética, do carácter, do temperamento e dos objetivos

existenciais de cada indivíduo”252.

Sobre a imagem-atributo ser confundida com a honra, o próprio Luiz

Alberto David ARAUJO cita exemplo em que a imagem de alguém pode ser

abalada, sem que necessariamente seja atingida a sua honra, na hipótese de

se noticiar que um grande lutador se dedique a tricotar, fato que em nada

atinge à sua honra, mas que abala enormemente a sua imagem de

“matador”253.

Observa-se que a palavra imagem é empregada pelo autor no

sentido de reputação, que significa “conceito de que alguém ou algo goza num

grupo humano” ou “renome, estima, fama”254. Esse sentido é muito próximo

também da palavra “consideração”, cujo significado é “respeito ou estima que

250

Regina Beatriz Tavares da SILVA, Sistema protetivo dos direitos da personalidade, in: Responsabilidade civil na internet e nos demais meios de comunicação, p. 25 e 26.

251 Rabindranath V. A. Capelo de SOUZA em Direitos gerais da personalidade cita essas

expressões nas páginas 148, 247 e 248 (as duas últimas em nota de rodapé). Ao mencionar esses conceitos Capelo de Souza aponta especialmente os estudos de Heinrich HUBMANN (Das Persönlichkeitsrecht, Colonia: Böhlau, 1967, p. 302 e segs.), entre outros.

252 Direitos gerais da personalidade, p. 247.

253 Op. cit., p. 120

254 O texto entre aspas são os significados do verbete Reputação citados no Dicionário

Houaiss da língua portuguesa, p. 2434. Curiosamente no verbete Imagem, entre as tantas acepções da palavra imagem, consta: “fig. opinião (contra ou a favor) que o público pode ter de uma instituição, organização, personalidade de renome, marca, produto etc.; conceito de que uma pessoa goza junto a outrem (um político precisa cuidar de sua i.) (teve a i. abalada pelo escândalo)”, p. 1573.

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se demonstra por algo ou alguém, deferência"255. A utilização da palavra

imagem nesses sentidos indica que ARAUJO está correto em afirmar que não

se confunde com a honra.

Em que pesem os argumentos de Regina Beatriz Tavares da Silva

sobre o constituinte ter confundido imagem com honra no inciso V, do Art. 5º da

Constituição, temos um consideração diferente. Entendemos que isso não faz

sentido, porque afinal no inciso X do mesmo artigo são utilizadas as palavras

honra e imagem, o que significa que o constituinte reconheceu a diferença

entre elas. Ademais, se trocasse no inciso V o dano à imagem por honra, em

que esta se distinguiria do dano moral? A crítica da autora representa mais um

incômodo pelo constituinte ter à primeira vista criado outra espécie de dano,

além de material e moral, do que realmente ao equívoco de chamar honra de

imagem.

Retomando as ideias de imagem-retrato e imagem-atributo, vale

observar que o texto constitucional não faz essa distinção, apenas utiliza

“imagem”. Portanto, o esforço do exegeta deve se dar na direção de explicar

qual é o significado da palavra imagem, e por consequência o conteúdo do

direito à imagem.

Como afirmado anteriormente, imagem é a representação exterior

de uma pessoa; sua figura é um composto de matéria e forma, que não se

limita aos ossos, músculos, pele e tantas outras características físicas. Vai

além delas, incluindo a própria anima, cujo significado é a “forma substancial

de um ser vivo”256. Forma, contudo, não deve ser compreendida como forma

externa (disposição externa das linhas e dos volumes de um ser material), mas

como o princípio animador de todo o ser vivo257.

Assim, a imagem de uma pessoa não é apenas sua aparência física,

mas também a sua aparência. Quando se vê os olhos de uma pessoa, o que

255

Dicionário Houaiss da língua portuguesa, p. 808.

256 Marie-Joseph NICOLAS, Vocabulário da Suma Teológica, in: Suma Teológica: teologia,

Deus, Trindade. V. 1. Parte I – Questões 1- 43, verbete Alma (anima), p. 73.

257 Idem, verbete Forma, p. 83. Retoma-se nesse ponto ao conceito do hilomorfismo grego

desenvolvido no item 1.3.”Natureza Humana”.

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se nota é muito além da cor, formato ou marcas, o que se nota é o brilho, o

mistério, a tristeza desses olhos. O mesmo se diz do sorriso: o que se observa

não são exatamente os dentes ou o formato da boca, mas a alegria, o modo de

sorrir. A própria indústria da moda, da publicidade, da televisão ou do cinema

reconhece essa característica. Embora a beleza física seja importante para

essa indústria, o recrutamento do modelo não se dá apenas pela estética, mas

principalmente pela sua personalidade, pela mensagem que sua figura

transmite.

Dessa maneira, Luiz Alberto David ARAUJO ao distinguir imagem-

retrato e imagem-atributo tem o mérito de notar que a imagem não se limita à

aparência física, que há algo mais. Tal distinção foi aceita ou atendeu as

expectativas da comunidade jurídica até o momento. Contudo, se defende

nesse estudo que a distinção de imagem-atributo e imagem-retrato é

desnecessária porque o significado de imagem forçosamente contém esses

dois sentidos.

A fim de ilustração, obsta-se à distinção de imagem-atributo e

imagem-retrato porque não resolve o problema da imagem de crianças, pois é

evidente que esta tem direito à imagem retrato. Mas teria em relação à imagem

atributo, se esta é definida como aquela reconhecida socialmente? Ora, qual é

o reconhecimento social de uma criança pequena?

O ilustre constitucionalista adjetiva o bem jurídico imagem. O que se

deve compreender, no entanto, é que esse bem jurídico possui duas espécies,

repetindo: a imagem original (exemplar ou matriz) e a imagem decorrente

(reprodução, refletida). As duas espécies de imagem (original e decorrente)

possuem o mesmo atributo, não há dissociação da imagem original com o seu

retrato — o que o sujeito é, transparece em sua figura.

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4. DA AUTONOMIA DO DIREITO À IMAGEM

O direito à imagem, antes de ser considerado um direito autônomo,

esteve submisso a outras teorias que definiam o bem jurídico e a natureza

jurídica do direito à imagem. Para um direito ser considerado autônomo, é

necessário verificar se o bem jurídico que constitui objeto desse direito é

independente de outro bem jurídico.

Na pesquisa sobre o bem jurídico do direito à imagem, o espanhol

Gitrama González identificou sete teorias. A primeira foi de caráter negativista,

que sequer reconheceu a existência do direito à imagem. As demais teorias

pretenderam estabelecer os contornos de definição desse bem jurídico atrelado

a outros bens jurídicos, como: honra; intimidade; manifestação do direito ao

próprio corpo; liberdade, patrimônio moral da pessoa e identidade pessoal258.

4.1. Teorias sobre a natureza jurídica do direito à imagem

4.1.1. Teoria negativista

No final do século XIX e início do século XX predominava a teoria

que negava a existência do direito à própria imagem. Evidentemente, esta é

uma teoria superada, específica de uma época em que não era possível

perceber a dimensão que a tecnologia alcançaria no mundo contemporâneo,

notadamente na captura de imagem e da reprodução da figura humana.

258

Manuel GITRAMA GONZÁLEZ, “Imagen” (Derecho a la propia), in Nueva enciclopedia jurídica: Tomo XI, p. 320 a 329.

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GITRAMA González destacou três argumentos dos autores da

época para negar o direito à própria imagem259.

O primeiro deles afirmava que a proteção da própria imagem

impediria a manifestação artística e o seu desenvolvimento. Argumento

refutado pelo autor, pois a arte figurativa se desenvolveu muito bem apesar da

proteção jurídica da imagem. A proteção da imagem não impede a

manifestação artística, apenas obriga que o modelo dê o seu consentimento

para a captura de sua imagem, porque “é a arte que deve estar a serviço da

pessoa, e não o contrário”260.

O segundo argumento para a negação partia da premissa de que a

imagem da pessoa nasce com ela – e, portanto, não é resultado de um esforço

seu –, até concluir que a proteção jurídica deveria caber a quem captura a

imagem. Para essa teoria o que prevaleceria era o direito de autor. Argumento

também afastado por Gitrama González: ao afirmar que entender que o bem

jurídico da imagem centra-se apenas no direito de autor é considerar que a

imagem só é relevante para quem captura ou cria essa imagem, relegando a

imagem em si. Se tal raciocínio fosse plausível, continua o autor, poderia se

admitir que o direito à vida é irrelevante em relação ao direito do fabricante de

armas261. Com isso, estaria o ordenamento jurídico abandonando bens

jurídicos como a imagem, a vida, por outros bens relacionados com a criação

humana e a propriedade.

Um último argumento partia da premissa de que se as pessoas

podem ser vistas umas pelas outras, quem fotografa alguém na rua, com ou

sem autorização, não fere nenhum direito, pois quem se expõe visivelmente a

seus semelhantes, permite que seja visto. Assim, não importa se quem vê

imprima a imagem de maneira fugaz na retina ou de maneira duradoura em

uma fotografia. A esse argumento GITRAMA responde que as câmeras

259

Autores citados por Gitrama González são: SCHUSTER; KOHLER (1903); GALLEMKAMP (1903); COVIELLO, ROSMINI, PIOLA CASELLI (1904); VENZI (1928) e PACCHIONI (1905).

260 Manuel GITRAMA GONZÁLEZ, “Imagen” (Derecho a la propia), in Nueva enciclopedia

jurídica, p. 320.

261 Idem, ibidem.

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97

fotográficas são providas de lentes teleobjetivas que captam imagens

imperceptíveis para o olhar humano262.

4.1.2. Teoria do direito à imagem como direito à honra

No âmbito do direito à honra, o direito à imagem encontrou suas

primeiras soluções jurisprudenciais no séc. XIX, especialmente nos tribunais

franceses, alemães e norte-americanos. Essas primeiras decisões de direito à

imagem referiam-se ao retrato com fundamento na proteção da honra263. Isso

se deu simplesmente porque a questão jurídica sobre a honra ocorre desde a

Antiguidade, e a da imagem relaciona-se ao mundo moderno.

A honra é um bem jurídico previsto desde as Leis de Manu, que

puniam as imputações difamatórias e as expressões injuriosas, passando pelos

gregos na legislação de Sólon e os romanos que puniam qualquer ofensa

intencional e ilegítima à personalidade, dentre elas a honra264. Também na

Idade Média, o direito canônico se ocupou da ofensa à honra e à fama265 e

igualmente o fez, em época mais recente, o direito francês mediante o Código

de Napoleão, e o direito alemão por intermédio do Código de 1870266, apenas

para citar as legislações que mais influenciaram o nosso sistema267.

O jurista Alfredo ORGAZ afirma que a imagem não é protegida em si

mesma, somente será protegida quando houver prejuízo à honra objetiva ou

262

Idem, ibidem.

263 Walter MORAES, Direito à própria imagem (I), in RT 443, set. 1972, p. 68.

264 Nélson HUNGRIA, Comentários ao Código Penal, p. 32.

265 Tomas de AQUINO, Suma teológica: Seção II da Parte II, q. 72 e q 73, p. 208 e ss.

266 Nélson HUNGRIA, Comentários ao Código Penal, p. 33.

267 Na legislação portuguesa por longo período as ofensas à honra eram resolvidas pelas

armas. No tempo do rei D. Afonso IV, no entanto, as ações judiciais em razão da injúria já eram populares, tanto que foi necessário editar a Lei de 12 de março de 1393, determinando que apenas se admitisse ação de injúria se o autor desse fiança para indenizar o réu caso não provasse o alegado, e mandava punir a injúria verbal com pena arbitrária e pecuniária (Ord. Liv. 1, Tit. 65, §25) e reputava maior e mais grave a injúria feita em lugar público (Ord. Liv. 5, Tit. 36, §1, Tit. 63, §1 e Tit. 89, §5). JORDÃO, Levy Maria. Commentario ao Codigo Penal Portuguez. Tomo IV. Typografia de José Baptista Morando: Lisboa, 1854, p. 210.

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subjetiva. Trata-se de uma manifestação singular de proteção da honra contra

exibições ou publicações injuriosas, compreendendo também todo o prejuízo

ou lesão a qualquer interesse moral digno de consideração268.

Na legislação brasileira, a proteção da honra pela via penal ocorre

na figura dos tipos penais da injúria, difamação e calúnia. Sua finalidade é

proteger os interesses jurídicos dos cidadãos, consistindo na preservação da

própria honra, pois esta lhe é útil, como também há o fim mediato de preservar

a sociedade de animosidades que podem levar a inimizades, ódios e violência.

Sendo a honra objeto jurídico tutelado pelo direito penal, foi

amplamente analisada pelos penalistas, que a definiram: “Em sua acepção

objetiva é a honra o valor que tem a pessoa na sociedade, a consideração ou

reputação que adquire pela sua conduta privada ou pública, pelo

preenchimento dos deveres que a posição impõe. Pressupõe, primeiramente, o

valor moral da pessoa, sua probidade, retidão, lealdade, caráter íntegro, e

depois o valor ou o preenchimento dos deveres que a posição impõe”269. (A

ortografia foi atualizada.)

A doutrina distinguiu, portanto, duas espécies de honra. Uma que se

caracteriza como o sentimento da própria dignidade, denominada honra interna

ou subjetiva. A outra é caracterizada pelo reconhecimento e respeito dirigido ao

sujeito por aqueles que o cercam. Seu objeto é a reputação, a boa-fama, e tal

espécie é denominada honra externa ou objetiva.

As duas espécies identificadas se complementam. A necessidade

humana de viver em uma sociedade impõe ao indivíduo o desejo de ser aceito

e reconhecido em seu grupo social. A sua reputação é, portanto, um bem

precioso, e esse reconhecimento que lhe traz satisfação, permite que construa

internamente a consciência de seu próprio valor moral e social, de sua própria

dignidade. Como explica Nélson HUNGRIA: “A vigilante consciência da

utilidade que ao indivíduo, no convívio social, advém da estima e favorável

268

Alfredo ORGAZ, Personas individuales, p. 163 e 164.

269 Galdino SIQUEIRA, Projecto de Codigo Penal Brazileiro, p.109.

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opinião dos outros (honra objetiva), é que apura e exalta o sentimento íntimo

da dignidade pessoal (honra subjetiva)”270.

O mesmo autor ensina que a honra pode ser atingida por meio da

linguagem falada, escrita ou mímica271. Pela fala entende-se a ofensa emitida

diretamente ou reproduzida por qualquer meio mecânico, como telefone, rádio,

alto-falante, televisão, entre outros veículos. Pela escrita é a ofensa

manuscrita, datilografada, impressa ou digitada; e pela mímica por meio

simbólico ou figurativo, como pintura, escultura, fotografia, filme, caricatura,

entre outros suportes272.

Logo, a fotografia seria um dos modos de atingir o direito à honra e

de modo bastante efetivo, pois a visualização de uma cena é usualmente mais

impactante ao sujeito que recebe a mensagem do que o ouvir dizer, além de

que a imagem fotográfica tem a característica da presunção de que a cena

fotografada é real273.

E são muitas as hipóteses em que uma fotografia pode atingir a

honra do indivíduo, por exemplo, é possível por meio de montagens,

adulteração ou truques fotográficos realizar uma imagem ofensiva ao indivíduo.

Mesmo uma fotografia sem nenhuma modificação pode ser ofensiva, se captar

um gesto ou uma expressão não condizente com o prestígio da pessoa

fotografada, como também pode ser ofensiva à honra uma fotografia

verdadeira em que a pessoa retratada faz uma pose bonita, mas a fotografia é

exibida ou divulgada em local inapropriado.

Justamente em razão dessas hipóteses de ataque à honra do

indivíduo por meio de sua imagem, e na ausência de qualquer legislação que

270

Nélson HUNGRIA, Comentários ao Código Penal: vol. VI – arts. 137 a 154, p. 37.

271 Nélson HUNGRIA, op. cit., p. 36.

272 Esclarecimento: o autor utiliza a palavra “mímica” no sentido de representação em geral e

não apenas no sentido de imitação.

273A lei portuguesa de 26 de abril de 1435, editada por D. Diniz, já reconhecia que a injúria

escrita por meio de pasquins ou cartazes difamatórios era mais grave que a injúria verbal, sendo punida com pena maior que a injúria verbal. Essa lei foi compilada tanto pelas Ordenações Afonsinas (Liv. 5, Tit. 117) quanto pelas Filipinas (Liv. 5, Tit. 84). Levy Maria JORDÃO, Commentario ao Codigo Penal Portuguez, Tomo IV, p. 210.

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tratasse de um direito à própria imagem, houve a necessidade de a doutrina

desenvolver a tese de que o direito à própria imagem era apenas uma faceta

do direito à honra274, o que foi aceito prontamente pela jurisprudência.

Neste trabalho, já apresentamos a denominação imagem-atributo275.

Retomando esse tema, à primeira vista ela poderia ser entendida como parte

do direito à honra, uma vez que imagem-atributo consiste “no conjunto de

características apresentadas socialmente por determinado indivíduo”276.

Entretanto, ela não pode ser confundida com a honra-objetiva277, pois a honra é

um valor moral, enquanto a imagem-atributo é uma construção.

Cada indivíduo, a seu modo, constrói uma imagem social que não

está necessariamente ligada à sua honra, por exemplo, a de ser ateu, religioso,

comunista, feminista, moderno, conservador, profissional, entre outras

possibilidades. Essas características compõem a sua imagem e em nada se

referem à honra.

Comenta Levy Maria JORDÃO, penalista português, a distinção que

o antigo Código Penal Português fez entre “honra” e “consideração”, ao tipificar

os crimes de difamação e calúnia como a imputação a alguém de um fato

determinado ofensivo a sua honra ou a sua consideração. O autor narra

discussão parlamentar sobre o tema em que se concluiu: “A consideração

entende-se especialmente da estima que cada um pode ter adquirido no estado

que exerce, estima que é para ele uma propriedade preciosa, e que a

difamação poderia atacar sem ofender a sua honra, mas pode sê-lo nas outras

qualidades morais que o fazem considerar na opinião pública como bom

negociante, bom advogado, bom médico etc.”278. (A ortografia foi atualizada.)

274

Manuel GITRAMA GONZÁLEZ, op. cit., p. 323.

275 Vide item 3.5.1. “Considerações sobre a denominação imagem-retrato e imagem-atributo”.

276 Luiz Alberto David de ARAÚJO, A proteção constitucional da própria imagem, p. 32.

277 Luiz Alberto David de Araújo indaga em um primeiro momento se a imagem-atributo seria

um conceito coincidente com a honra-subjetiva, para afastar a hipótese logo em seguida (Op. cit., p. 34 e 35).

278 Levy Maria JORDÃO, Commentario ao Codigo Penal Portuguez. Tomo IV, p. 207.

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101

O bem denominado “consideração”, tutelado pelo Código Penal

português do séc. XIX, parece ser o que Luiz Alberto David ARAUJO

denominou de “imagem-atributo”, que é distinto do conceito de honra.

A tese da honra é comum, mas não esclarecedora. Muito embora a

violação ao direito à imagem possa ferir a honra, atrelar uma a outra é, nas

palavras de Walter MORAES, uma construção teórica “’suicida’, pois quer

instituir um direito sem objeto próprio, um direito à imagem cujo bem tutelado é

a honra”279.

Para Walter MORAES, essa teoria não se justifica nem mesmo

como tese para fundamentar a proteção jurídica da imagem, pois não explica

hipóteses em que a pessoa vê sua imagem divulgada, exposta em situações

que não atingem sua honra, por exemplo na utilização de fotografia de outro

como se fosse sua própria, ou na promoção comercial em que se exalta a sua

beleza, que, ao contrário de ofender, elogia280.

A teoria do direito à imagem ligada ao direito à honra é na verdade a

teoria negativista atenuada281 ou, nas palavras de Santos CIFUENTES, uma

evolução da teoria negativa282. GITRAMA González explica que, para os

defensores da teoria, a imagem não é um objeto do direito, mas um meio pelo

qual se pode violar um direito, especialmente o direito à honra283. Enfim, não é

a imagem em si mesma que recebe proteção, e sim a honra.

Tal teoria, embora superada pela doutrina, até hoje é motivo de

fundamento de muitas decisões judiciais sobre o direito à imagem. Mesmo para

aqueles que admitem a autonomia do direito à imagem, é difícil abandonar a

associação com o direito à honra. Como ilustração dessa conduta, houve o

julgado do TST que, ao analisar pleito de indenização por dano moral pela

279

Walter MORAES, Direito à própria imagem (I), in RT 443, set. 1972, p. 69.

280 Idem. Do mesmo entendimento: Gustavo TEPEDINO, Código Civil interpretado: conforme

a Constituição da República, v. 1, p. 55, e Carlos Affonso Pereira de SOUZA, Contornos atuais do direito à imagem, p. 51.

281 Silma BERTI, Direito à própria imagem, p. 85.

282 Derechos personalísimos, p. 504.

283 Op. cit., p. 323.

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veiculação da imagem de empregado que trabalhava como segurança de

programa de televisão que exibia brigas de cônjuges traídos, justificou a

decisão negando provimento ao Agravo de Instrumento:

“(...) ‘há direito de indenização se a divulgação da imagem ferir a

honra, boa fama ou respeitabilidade do indivíduo, ou se for utilizada

para fins comerciais’, hipóteses que não restaram configuradas na

situação dos autos. Portanto, o tribunal a quo, ao negar o pedido de

condenação da reclamada no pagamento de indenização por danos

morais, aplicou os artigos supracitados”. (Art. 5, X, da CF e Art. 20 do

CC) 284

. (Grifo nosso.)

Ressalte-se que na análise do acórdão a decisão do TST nos parece

adequada, mas por outro motivo: o do consentimento tácito do empregado que

desde sua contratação sabia que o programa era levado ao ar no modo em que

era gravado, e sua função era de estar presente no evento para garantir a

integridade física dos participantes apartando eventuais brigas.

4.1.3. Teoria do direito à imagem como expressão do direito à intimidade

Muitas vezes o direito à própria imagem aproxima-se da intimidade,

uma vez que, ao se fotografar, retratar, filmar alguém, captura-se o instante, a

fração de tempo, vivida por aquela pessoa (evidente que nesse caso não se

trata de profissionais, modelos ou atores, no exercício de suas funções). Esse

momento único e irrepetível se eterniza por meio da imagem captada. Esse

momento em tese só deve interessar àquele que o vivencia. Ao se captar a

imagem de alguém sem o seu consentimento em situações vividas em âmbito

particular invade-se a sua intimidade.

284

TST, AIRR, 37240-76.2007.5.02.0202, 2ª Turma, Rel. Renato de Lacerda Paiva, j. 09.02.2011.

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103

Santos CIFUENTES sustenta que intimidade e privacidade285 são

conceitos equivalentes, assim como a distinção de que a intimidade

compreende situações mais reservadas e privacidade de situações que não

são públicas, tão pouco íntimas286, constitui apenas no esmiuçar de um

fenômeno inteiro e único que é a intimidade287.

A intimidade, na definição de Walter Moraes, “compreende esfera

exclusiva da vida privada de cada um, velada à indiscrição alheia288”, e a

própria imagem participa desta esfera privada assim como o segredo e a

correspondência. Desse modo, se a própria imagem é componente da

intimidade individual, quem capta imagem de outrem sem o seu consentimento,

invade sua intimidade.

Esse entendimento segundo a crítica de Walter Moraes é “uma

teoria algo mais convincente que a da honra”289 e encontrou também grande

aceitação na jurisprudência francesa290 e na doutrina. GITRAMA González

ensina que esse é o entendimento denominado right of privacy do sistema

anglo-americano, ou diritto alla riservatezza da doutrina italiana, ou, ainda, o

“direito da esfera secreta da própria pessoa” da doutrina alemã291.

285

Sobre “privacidade”, vide oitavo parágrafo do item 3.5. “Imagem e a Constituição Federal de 1988” desse trabalho.

286 Para ilustrar essa situação, Vazquez FERREYRA exemplifica, no caso dos praticantes de

esportes no clube no fim de semana, que não se trata de uma situação íntima, mas pertence a sua vida privada (Responsabilidad Civil por Lesión a los Derechos de la Personalidad, in Derecho de daños: segunda parte. Buenos Aires: La Rocca, 1996). O exemplo é citado indiretamente por Celso Ribeiro BASTOS, Comentários à Constituição do Brasil: Arts. 5º a 17, p. 64; expressamente por Santos CIFUENTES (Derechos personalísimos, p. 547) e por Antonio Jeová SANTOS (Dano moral na internet, p. 178).

287 O tema também foi desenvolvido no item 3.5. “A imagem e a Constituição Federal de 1988”.

288 Walter MORAES, Direito à própria imagem (I), in RT 443, set. 1972, p. 70.

289 Ibidem, p. 70.

290 Cf. Silma BERTI, Direito de imagem, p. 75.

291 Manuel GITRAMA GONZÁLEZ, op. cit., p. 326.

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104

Entre os autores que adotaram este posicionamento, encontra-se

Adriano de CUPIS292, para quem o direito à imagem é uma das manifestações

do direito de resguardo, e a violação a esse direito não atinge o corpo ou altera

qualquer das suas funções (alusão do autor à teoria que entende o direito à

imagem como manifestação ao próprio corpo), mas promove uma mudança na

reserva ou discrição pessoal que se torna exposta pela violação. Assim, em

razão da necessidade do sujeito proteger sua individualidade, cria-se o direito

próprio de resguardar a sua imagem293.

Em que pese a reflexão doutrinária de ligar direito à própria imagem

ao direito à intimidade, a própria teoria cria numerosas exceções para afastar

uma da outra e permitir a divulgação da imagem em alguns casos, por exemplo

interesse público, artístico ou científico, consentimento implícito da pessoa

pública ou famosa, consentimento tácito de quem está em área pública etc.

Esse entendimento também não explica a hipótese da usurpação de

imagem já levantada na teoria da honra, em que o indivíduo utiliza-se de

imagem de outrem como se sua fosse, pois esta situação não afeta a

intimidade, e mesmo assim é proibida294.

Outra crítica de Walter Moraes que merece ser considerada: se a

imagem estiver ligada à intimidade, quando se autoriza a exposição e

divulgação da própria imagem também se autoriza a exposição e divulgação da

intimidade. Assim, não será possível posteriormente pretender proibir a

292

Contudo, antes de analisar o posicionamento do autor é preciso fazer breve referência ao significado da palavra “riservatezza”. O tradutor brasileiro da obra para o português preferiu a palavra “resguardo” como a mais apropriada para expressar a ideia (Adriano de Cupis, Os direitos da personalidade, p. 140, nota do tradutor). Mas outros autores, como Serrano Neves, comentam a obra de Adriano Cupis utilizando-se da expressão “reserva pessoal” (A tutela penal da solidão, p. 71). Já Walter Moraes preferiu a palavra “intimidade” (Op. cit., p. 70), denominação esta adotada neste trabalho. E Gitrama González utiliza-se da expressão “reserva da vida privada” (Op. cit., p. 326).

293 Adriano de CUPIS, Os direitos da personalidade, p. 140. Do mesmo entendimento: Luis

DIEZ-PICASO e Antonio GULLON, Sistema de Derecho civil: introducción, derecho de la persona, negocio jurídico, p. 324. Antonio CHAVES, Tratado de direito civil: Parte Geral, vol. I, p. 540. Pontes de MIRANDA, por sua vez, rejeita expressamente o posicionamento de Adriano de Cupis (Tratado de direito privado: parte especial: tomo VII, p. 115).

294 Art. 307 do Código Penal Brasileiro: “Atribuir-se ou atribuir a terceiro falsa identidade para

obter vantagem, em proveito próprio ou alheio, ou para causar dano a outrem: Pena –detenção, de três meses a um ano, ou multa, se o fato não constitui elemento de crime mais grave”.

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exposição e divulgação dessa imagem, porque afinal a intimidade já foi

devassada, não existe mais295.

Em que pese o entendimento doutrinário de essa teoria ter sido

superada, a jurisprudência do STJ associa o direito à imagem com a

intimidade, conforme acórdão que não conheceu do recurso no caso de

divulgação, em jornal de grande circulação, de fotografia obtida sem

autorização de banhista de topless em praia de Santa Catarina296.

Ora, o bem jurídico da imagem é independente da intimidade (ou

privacidade). Se a pessoa se expõe em um ambiente não se presume que

autorize a divulgação de sua imagem na mídia. Ao fazer topless na praia, a

mulher pode querer se expor ao sol e se bronzear sem deixar marcas, provocar

os outros populares com seu comportamento ou até mesmo achar natural essa

prática que é aceita em muitos lugares do mundo. Ao realizar o topless, aceita

e assume os contratempos do local em que se encontra, mas isso não

significa, no entanto, que autoriza sua exposição além daqueles limites. Até

porque, como afirma a melhor doutrina, o consentimento para captação,

divulgação e exposição, deve ter interpretação restritiva297.

O que se constata, por fim, é que a proteção da imagem não está

atrelada à proteção da intimidade298. A teoria que afirma uma abranger a outra,

a intimidade abarcar a imagem, cria um direito sem objeto.

295

Walter MORAES, Direito à própria imagem (I), in RT 443, set. 1972, p. 71. No mesmo entendimento inclui-se Edilsom Pereira de FARIAS, Colisão de direitos: a honra, a intimidade, a vida privada e a imagem versus a liberdade de expressão e informação, p.150.

296 “DIREITO CIVIL. DIREITO DE IMAGEM. TOPLESS PRATICADO EM CENÁRIO PÚBLICO.

Não se pode cometer o delírio de, em nome do direito de privacidade, estabelecer-se uma redoma protetora em torno de uma pessoa para torná-la imune de qualquer veiculação atinente a sua imagem. Se a demandante expõe sua imagem em cenário público, não é ilícita ou indevida sua reprodução pela imprensa, uma vez que a proteção à privacidade encontra limite na própria exposição realizada. Recurso especial não conhecido”. (REsp 595600/SC: Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, 4ª Turma, j. 18.03.2004, DJ 13/09/2004 p. 259).

297 Fábio Siebeneichler de ANDRADE, Considerações sobre a Tutela dos Direitos da

Personalidade no Código Civil de 2002, in O novo Código Civil e a Constituição, p.113. Anderson SCHREIBER, Direitos da personalidade, p. 114.

298 Ementa: “I- A proteção à imagem, consagrada no art. 5º, inciso X, última figura da

Constituição Federal, se estende não só às reproduções corpóreas, através de fotografias ou filmagens, mas a todas as características pessoais do lesado, desde o seu nome até sua conduta ético-social. II- O resguardo à imagem, vedando sua utilização não autorizada para

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4.1.4. Teoria do direito à imagem como manifestação do direito ao próprio corpo

Essa teoria supera, na opinião de Walter Moraes, todas as outras

em originalidade e profundidade299, pois é a primeira que se afasta do

casuísmo de retratos e bustos para voltar-se à imagem da pessoa em si,

elegendo o corpo físico do ser humano como objeto de proteção jurídica.

Para essa teoria, se o ser humano tem direito sobre o seu próprio

corpo, também tem sobre a imagem dele. Nesse sentido, o direito ao próprio

corpo engloba a estrutura física em si (o corpo físico, propriamente dito) e a

imagem que este produz, entendida como manifestação do corpo ou como

parte dele.

Santos CIFUENTES explica que, para essa teoria, do mesmo modo

que a pessoa tem direito a seu próprio corpo, deve ter sobre a própria imagem,

a qual é sua fiel reprodução, tal qual a sua sombra300.

GITRAMA González critica a teoria afirmando que, a despeito da

opinião dos autores que a defendem301, toda e qualquer legislação que

reconheceu o direito à própria imagem não o fez com intenção de tutelar o

corpo humano, pois quando se infringe a proibição de reproduzir imagem

alheia, não significa em absoluto que houve ofensa física ao corpo da

pessoa302.

fins mercantis, nada tem a ver com a proteção à intimidade. São valores distintos, ainda que protegidos pelo mesmo dispositivo constitucional. III- A circunstância de o autor ser pessoa de conduta extrovertida, na qual se destacam as bravuras sexuais, não autoriza que, em revista destinada a voyeurs, se use sua imagem para aumentar, através do envolvimento não autorizado de seu nome, a vendagem da publicação”. (Grifo nosso.) Decisão do TJRJ, Einf. 149/99, 9º CC., Rel. Des. Bernardo Garcez Neto, j. 27/05/1999. REV. DIREITO DO T.J.E.R.J., vol. 42/155.

299 Walter MORAES, Direito à própria imagem (I), in RT 443, set. 1972, p. 73.

300 Derechos personalísimos, p. 503.

301 Gitrama González cita entre os autores que defendem a teoria do direito à imagem como

manifestação do próprio corpo: AMAR, CAMPOGRANDE, FADDA y BENSA, GAREIS, DEGNI e CARNELUTTI. Op. cit., p. 325. Santos CIFUENTES cita também KEYSSNER e ROMANELLI. (Idem, ibidem.)

302 Ibidem.

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107

Igualmente é a posição de Walter Moraes ao afirmar que imagem é

a forma em si de uma personalidade que embora recubra um corpo humano,

se destaca dele, visto que, por meio de processos figurativos e mecânicos, a

imagem passa a ter existência múltipla e independente desse suporte

original303.

Portanto, o direito à própria imagem não é parte do direito ao próprio

corpo, vez que a imagem não é algo físico, mas abstrato – é um bem ligado

aos direitos da personalidade, embasado na dignidade humana, e não no corpo

físico.

4.1.5. Teoria do direito à imagem como direito relacionado com a liberdade

Essa teoria sustenta que o sujeito titular da imagem retratada tem

direito à liberdade de permitir ou não divulgação de sua imagem. Assim, aquele

que divulga imagem de outrem sem a sua autorização atinge o direito deste de

ser livre para manifestar sua imagem quando quiser, pois é direito de cada

indivíduo limitar ou não o seu contato com a sociedade, não cabendo a terceiro

ampliá-lo.

GITRAMA González ensina que para os autores que defenderam

essa teoria304 a ideia de liberdade comporta a permissão de cada pessoa

escolher com quem e em qual grau quer relacionar-se. Na hipótese de uma

pessoa querer manter-se incógnita, a publicação de sua imagem sem

autorização violará essa sua vontade, pois outras pessoas, que não aquelas,

que deseja, conhecerão sua figura.

O mérito dessa teoria consiste no entendimento do direito à própria

imagem dissociada da ideia de injúria e de ofensa, bastando a publicação sem

autorização para caracterizar a violação ao direito.

303

Walter MORAES, Direito à própria imagem (I), in RT 443, set. 1972 p. 74.

304 Gitrama González cita OSTERRIETH, DEL VECHIO e RICCA BARBERIS, Op. cit., p. 328.

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108

Contudo, Walter MORAES critica a teoria ao afirmar que a liberdade

pode ser circunstância que envolve o direito à imagem, mas não objeto desse

direito, vez que a publicação sem autorização não cerceia a liberdade do

indivíduo, não a atinge: apenas contraria a faculdade que o indivíduo tem de

uso exclusivo da sua própria figura, o que, nas suas palavras, “são coisas

muito diferentes” 305.

4.1.6. Teoria do direito à imagem como patrimônio moral da pessoa

A tese parte da ideia de que existem direitos patrimoniais e

extrapatrimoniais, em que o primeiro se define como conjunto de direitos e

obrigações de uma pessoa apreciável economicamente e, o último,

consequentemente, como o que não tem valor econômico. Esses direitos

extrapatrimoniais constituiriam, então, um patrimônio moral da pessoa306.

Para a doutrina clássica inexiste pessoa sem patrimônio, pois toda

pessoa que vive em sociedade participa de situações jurídicas apreciáveis

economicamente. Ensina Caio Mario da Silva PEREIRA que pessoa e

patrimônio são ideias indissociáveis, e por essa razão patrimônio é definido

como projeção da personalidade civil307. O autor define projeção da

personalidade como um complexo de relações jurídicas308, e é nesse sentido

que direitos e bens compõem o patrimônio apreciável economicamente ou não.

A teoria parte da concepção de patrimônio que compreende o direito

à imagem como patrimônio moral. Conforme explica GITRAMA González,

aqueles que desenvolveram a teoria afirmam que se o patrimônio é uma noção

abstrata que implica na íntima relação deste com a personalidade, é lógico

concluir que as características que são vinculadas à personalidade, que

305

Walter MORAES, Direito à própria imagem (I), in RT 443, set. 1972, p. 74.

306 Manuel GITRAMA GONZÁLEZ, op. cit., p. 329.

307 Instituições de direito civil, v. 1, p. 393.

308 Idem, ibidem.

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109

emanam dela, incluem-se nessa noção de patrimônio309. De tal modo que o

direito à imagem pertenceria, assim, a esse patrimônio moral, juntamente com

outros direitos de personalidade.

Justamente por servir a qualquer direito de personalidade, Walter

MORAES entende carecer a essa teoria conteúdo que a sustente, pois o objeto

do direito analisado é a imagem e é sobre esse bem jurídico que a ordem

normativa disciplina. Em sua opinião, não há necessidade de “se buscar

paradigma na figura das categorias patrimoniais”310.

4.1.7. Teoria do direito à imagem como manifestação do direito à identidade pessoal

Essa teoria traça um paralelo com o direito ao nome. Se o nome é

um signo de identificação, a imagem também o é311, e com muito mais eficácia,

porque é possível que a própria pessoa esqueça o seu nome em razão de

perda parcial ou total da memória, mas sempre possuirá uma imagem, uma

figura.

A imagem da pessoa a identifica, a faz reconhecida, tanto por ela

mesma quanto por outros. Cada pessoa é um ser único e por consequência

diferente de outro. Essa identificação importa em individualização. Haverá

violação ao direito à própria imagem quando houver usurpação, adulteração ou

qualquer outra lesão a essa identidade pessoal. Nesse sentido, haveria lesão

ao direito à própria imagem quando se utiliza a imagem de outrem como se

fosse sua, ou quando se nega ser a imagem da pessoa dela mesma.

309

Manuel GITRAMA GONZÁLEZ, op. cit., p. 329.

310 Walter MORAES, Direito à própria imagem (I), in RT 443, set. 1972, p. 74.

311 Idem, p. 71.

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110

Pontes de MIRANDA exemplifica: tanto viola o direito à imagem

quem vende retrato de A, como sendo de B, quanto o que nega que o retrato

de A seja de A, ou o que usa o retrato de A como seu312.

Entende o autor que o direito à própria imagem tem natureza de

direito da personalidade quando a imagem é utilizada para identificação

pessoal (tal qual o nome). À primeira vista, essa afirmação parece conter uma

verdade verificável, contudo falta precisão ao significado de “imagem”313.

Na imprecisão está o equívoco de Pontes de Miranda, porque toda a

construção de seu pensamento quanto ao direito à imagem repousa nas

características visíveis do indivíduo que servem à sua identificação, tanto que a

compara ao nome (que tem certamente função identificativa314). Porém, a

identidade em si é uma coisa, já a imagem, objetivamente considerada, é outra

e da identidade se distingue.

Referindo a essa função identificadora Walter MORAES escreve:

“Não há como negar o valor especificamente individualizador da imagem da

pessoa no conjunto dos sinais que a distinguem das demais. A aparência

exterior, ou a forma corporal do homem, é, aliás, o primeiro e mais relevante

dado da identidade de qualquer indivíduo”315.

Nesse sentido, também GITRAMA González afirma que a figura

humana é um atributo antropológico, pois é um elemento que individualiza e

identifica cada um distinguindo-o dos demais316, tanto que é possível “imaginar

uma pessoa sem nome, mas não sem fisionomia317”. E é ainda mais eficaz

para a identificação que o nome e o domicílio. Como o mesmo autor

312

Pontes de MIRANDA, Tratado de direito privado: parte especial: tomo VII, p. 111.

313 Conforme exposto no trabalho, o estudo do direito à imagem compreende imagem-original

(matriz) e imagem-reprodução (decorrente).

314 Pontes de Miranda distingue o direito ao nome do direito a ter nome (Tratado de direito

privado: parte especial: tomo VII, § 742, p. 136).

315 Walter MORAES, Direito à própria imagem (I), in RT 443, set. 1972, p.72.

316 Manuel GITRAMA GONZÁLEZ, Imagen (Derecho a la propia), in Nueva enciclopedia

jurídica, p. 307.

317 KEYSSNER, Das Recht an eigenen Bilde, Berlin, 1896, p. 23 apud Manuel GITRAMA

GONZÁLEZ, op. cit., p. 307.

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111

exemplifica, na hipótese de um morador de rua, sem documentos, sofrendo de

amnésia e sem nenhuma pessoa que possa dar informação de seu nome ou

domicílio, ainda assim ele poderá ser identificado e reconhecido por sua figura.

Ou ainda, continua GITRAMA, em outra situação corriqueira: “Quantas vezes

saudamos na rua, em qualquer lugar público, pessoas que conhecemos – por

sua figura, por sua imagem –, mesmo que não nos recordemos de seu

nome”318.

A importância da imagem reproduzida no suporte físico é tão

eficiente que a utilização de fotografia no documento de identidade tornou-se

imprescindível em todos os sistemas de identificação. No Brasil, por exemplo,

apesar de o documento de inscrição na Justiça Eleitoral – o título de eleitor –

não necessitar de fotografia, para o eleitor votar precisa apresentar outro

documento com foto. Ora, se bastasse o nome para identificação, este requisito

não seria necessário, pois o mesário só permite o acesso à urna eletrônica de

votação após verificar (leia-se: olhar) se o rosto do eleitor está de acordo com o

retrato contido no documento apresentado, que não o título de eleitor. Assim, o

direito fundamental de votar apenas pode ser exercido se houver identificação

do sujeito por meio de sua figura ou por outros sinais externos captados e

reconhecidos pelo sistema de identificação biométrico319.

Pontes de MIRANDA considera o uso da imagem de alguém para se

identificar ou identificar terceiro ofensa ao direito de personalidade à própria

imagem. Já utilizar a imagem para indicar coisa ou usar cópias de um retrato

deixa de ser ofensa ao direito da personalidade, para ser de direito de dispor

do uso da imagem320. A distinção produz como efeito do “direito de

318

Ibidem.

319 Esse sistema, em fase de implementação no Brasil pela Justiça Eleitoral, tem por objetivo

tornar mais eficiente o procedimento de identificação. A biometria nada mais é que um mecanismo de individualização da pessoa de forma automática através do reconhecimento de medidas biológicas (anatômicas e fisiológicas), sendo as mais comuns as impressões digitais, reconhecimento de face, íris, assinatura e até a geometria das mãos. Porém, há muitas outras modalidades em fase de desenvolvimento e estudos.

320 Nas palavras do autor “o direito de afixar, publicar ou difundir o retrato (a imagem) pertence

à pessoa identificada, porém não é direito da personalidade; é direito que toca à pessoa por ter interesse em que não se use, a líbito, a sua imagem. Daí precisar-se do consentimento do retratado (...)”. Pontes de MIRANDA, Tratado de direito privado: parte especial: tomo VII, p. 112.

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112

personalidade de direito à própria imagem” ser esta intransmissível,

irrenunciável e inalienável, visto que A não pode autorizar que B se identifique

como A. Ao passo que o direito à imagem sem ser direito da personalidade

autorizaria a utilização da imagem de alguém mediante seu consentimento ou

nos casos previstos na lei.

Walter MORAES constata que para essa teoria apenas ocorreria

ofensa à imagem se a identidade fosse atingida, porque não haveria violação

do direito à imagem na reprodução e difusão de retrato alheio autêntico, o que

contrariaria a concepção de ser direito do sujeito impedir, proibir, que sua

imagem seja distribuída e divulgada sem sua autorização321. Ora, se a imagem

da pessoa é bem que pertence à sua natureza humana e se o direito a este

bem é absoluto, não há por que distinguir hipóteses em que o exercício desse

direito não seja de personalidade.

O direito que liga o sujeito à sua imagem como modo de

identificação, do outro que o liga à sua imagem para o exercício exclusivo do

seu uso, é o mesmo. A relação jurídica é a mesma322.

É certo que a imagem é meio de identificação, mas isto é uma

consequência da característica própria da imagem: ser modo da

individualização.

Identificação e individualização não se confundem. A identificação

pessoal tem por objetivo o interesse coletivo de reconhecer o indivíduo,

enquanto o direito de imagem sustenta-se no interesse pessoal de

individualizar-se323.

E raciocinar sobre imagem apenas como identificação levaria a

conclusão de que a identificação por impressões digitais utilizadas há mais de

321

Walter MORAES, Direito à própria imagem (I), in RT 443, set. 1972, p. 72.

322 Idem, p. 72.

323 Idem, ibidem. No mesmo sentido, Santos CIFUENTES: “La identificación personal nace de

un interés social de reconocer al individuo, tal cual es; de la imagen nace un interés preponderantemente personal de individualizarse, hacerse individuo” (Derechos personalísimos, p. 507).

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113

um século constituiria a imagem de alguém, o que nenhum autor ousaria

afirmar. Portanto, direito à imagem é diferente de identificação.

4.1.8. Teoria da autonomia do direito à imagem

As teorias expostas nos itens anteriores demonstram que o bem

jurídico do direito à imagem aproxima-se de bens jurídicos próprios dos direitos

da personalidade, porém com eles não se confundem. Isso porque há

situações jurídicas em que a proteção do bem jurídico da imagem não se

enquadra nas hipóteses das teorias. Assim, somente considerando-o um bem

autônomo é que se fará a proteção dele em sua totalidade e suas

circunstâncias.

A imagem definida como o sinal sensível do direito da

personalidade324 é uma propriedade do homem, no sentido de ser própria do

homem, da sua natureza humana. O Direito não atribui imagem ao homem: é a

sua natureza de ser humano que o faz um ser único e irrepetível, provido de

uma imagem própria. O que cabe ao Direito é produzir norma jurídica que

reconheça essa faculdade humana, essa potência em ser o que se é.

Sendo a imagem aquilo que é próprio da pessoa, ela é um bem

jurídico seu, porque é o seu modo de ser, é o que a faz ser conhecida e

reconhecida como ser que é. Ela lhe é necessária e útil, pois faz da pessoa

exclusiva, um ser próprio, no sentido apresentado por Goffredo TELLES Jr.:

“Nada é mais próprio de um ser do que ele próprio”325.

Como algo próprio da pessoa, que lhe é necessário e útil, a imagem

reúne os requisitos clássicos que a colocam como objeto de direito subjetivo.

Assim, o direito à imagem consiste no direito subjetivo de defender o

que lhe é próprio. Não é um direito de ter imagem, de permissão a uma

324

Walter MORAES, Direito à própria imagem (I), RT 443, setembro de 1972, p. 76.

325 Goffredo TELLES Junior, Direito Subjetivo, in Enciclopédia Saraiva do Direito, p. 316.

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imagem, mas de defender, proteger o bem que traduz para o mundo exterior o

que se é, que o distingue de qualquer outro indivíduo.

Nesse sentido, Santos CIFUENTES diz que a autonomia do direito à

imagem consiste na proteção da exibição, divulgação e, especialmente, na

defesa da apropriação da imagem (captação da imagem), uma vez que a razão

motivadora da proteção está em não permitir que se capte a imagem da

pessoa. De tal modo que o amparo deve ser anterior caso se queira assegurar

os meios de se evitarem condutas antijurídicas326.

Para o exercício do direito à imagem é desnecessária qualquer

motivação ou violação a outro direito de personalidade — a sua defesa basta

por si mesma. A simples usurpação da exclusividade de disposição da pessoa

da sua imagem constitui ato ilícito, ainda que não haja qualquer outro dano,

porque o dano em si consiste na própria ausência de respeito devido à

personalidade do indivíduo que teve sua imagem violada a contragosto327.

Walter MORAES exemplifica a razão prática da autonomia do direito

à imagem: se entendermos que o sujeito não pode impedir divulgação ou

exploração comercial da própria imagem porque não fere a sua identidade

pessoal, é porque se reduziu o conceito de imagem ao de identidade; ou se

não puder, porque não feriu sua intimidade, é porque se reduziu o conceito à

intimidade; e se alguém está impedido de publicar ou divulgar figura de outrem

se isto lhe trouxer algum prejuízo à honra, à boa fama ou à respeitabilidade, o

que se protege é a honra, não é a imagem328.

Continua o autor: se o direito à imagem for reduzido a um capítulo

do direito à honra, do direito ao próprio corpo, à intimidade, à identidade, à

liberdade, confundindo-se com cada um deles, não será um bem jurídico

autônomo o que contrariaria toda a edificação teórica sobre o tema329. De

326

Derechos personalísimos, p. 513.

327 Walter MORAES, Direito à própria imagem (I), in RT 443, set. 1972, p. 78.

328 Idem, p. 67.

329 Idem, ibidem.

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115

acordo com Santos CIFUENTES, também contraria a legislação sobre o bem,

que o tem considerado como autônomo330.

Luiz Alberto David ARAUJO afirma que a questão da natureza

jurídica do direito à imagem foi superada após a promulgação da Constituição

Federal de 1988, e que a análise das várias teorias elaboradas tem a função

apenas de reforçar o aspecto histórico331. Todavia, as decisões dos Tribunais

ainda são influenciadas por essas teorias, principalmente a da intimidade e a

da honra.

O Código Civil de 2002 no Art. 20332 trouxe para o ordenamento

dispositivo expresso sobre o direito à imagem. A redação um tanto confusa do

texto, porém, deu margem a certo retorno de teorias superadas, ao inserir a

hipótese de proteção da própria imagem quando a veiculação atingir a honra, a

boa fama ou a respeitabilidade. Mas como se verá em item 4.3. “Proteção

jurídica da imagem” preservou-se a autonomia do bem jurídico da imagem, pois

esta somente poderá ser alterada, modificada e capturada com o

consentimento da pessoa.

4.2. Características do direito à imagem

O direito à imagem é um direito da personalidade, e como tal

caracteriza-se pelos mesmos traços mencionados no parágrafo último do item

2.4 deste trabalho. Todavia, apresenta especificidades interessantes em

relação às características gerais dos direitos da personalidade, uma vez que há

duas acepções para o conceito de imagem, conforme anteriormente

330

Exemplifica com a análise dos Arts. 10 do Código Italiano, os Arts. 22 a 24 da lei alemã de 9/1/1907 derrogado pelo Art. 141 da Lei de 9/9/1965 (direitos de autor sobre obras de arte plástica e de fotografia), Art. 162 do Anteprojeto Francês e por meio da Lei Argentina 11.733. (Op. cit., p. 510).

331 A proteção constitucional da própria imagem, p. 32.

332 Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à

manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade ou se forem destinadas a fins comerciais.

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116

explicamos. São elas: imagem original, matriz ou exemplar; e imagem

decorrente, reprodução ou refletida.

A primeira característica do direito à imagem é o de ser coisa

consubstancial à pessoa333. Em outras palavras, a imagem compõe a pessoa.

A imagem corporifica, materializa a pessoa. É por meio de sua imagem que a

pessoa é percebida no mundo, de modo que apenas por meio dela a pessoa

pode ser reconhecida.

Cada ser humano se apresenta ao mundo com uma figura composta

de forma e matéria. Esse conjunto é sua imagem, que compreende pele, carne,

ossos e músculos, mas também de gestos, voz, ações... Assim como é por

meio dos sentidos (visão, tato, olfato, audição e paladar) que ele é percebido.

A íntima conexão da imagem com a personalidade humana, ou de

outro modo, do corpo físico com a forma do ente, é o que justificou a antiga

ideia de que o recém-nascido devia ter a aparência humana. Esta teoria foi

superada justamente porque se reconheceu que se “o nascido é homem,

humana é a sua figura, pois a forma não pode determinar a substância, embora

lhe seja essencial” 334.

A essencialidade da forma para materializar a pessoa, faz da

imagem um bem inato, pois pessoa nasce para o direito, já revestida de uma

aparência que lhe compõe naturalmente a sua personalidade335. O direito inato

não tem por objeto um bem ou uma coisa exterior: é algo íntimo e único da

pessoa336. E como bem intrínseco da existência humana por óbvio que é

também irrenunciável, intransmissível, inalienável, pois há a impossibilidade

lógica e física de deixar de ter ou de transferir a própria imagem (aparência).

333

Walter MORAES, Direito à própria imagem, in Enciclopédia Saraiva de Direito: vol. 25, p. 351.

334 Walter MORAES, Direito à própria imagem (I), in RT 443, set. 1972, p. 80.

335 Walter MORAES, Direito à própria imagem (II), in RT 444, out. 1972, p. 11.

336 Manuel GITRAMA GONZÁLEZ, Imagen (Derecho a la propia). In: Nueva enciclopedia

jurídica. T. 11, p. 331.

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117

No que tange à intransmissibilidade, GITRAMA GONZÁLEZ aponta

que a mesma ocorre na causa mortis, porque concebe a imagem apenas como

reprodução (retrato). O autor afirma que a herança é o patrimônio do de cujus e

caso se pense que os direitos da personalidade não formam parte desse

patrimônio, logo a imagem não é transmitida pela herança337, muito embora os

herdeiros possam defender a honra e a memória do falecido.

O conceito do que é imagem, como já expusemos neste trabalho,

amplia a compreensão da natureza e das características do direito à imagem. A

imagem seja original ou decorrente não é transmissível ― a confusão está no

fato da divulgação da imagem original ou decorrente. No âmbito da divulgação,

é possível fazer a comercialização da imagem, mas isso não pressupõe que

uma pessoa recebeu como sua a imagem de outrem, de tal modo que o centro

da questão está na divulgação da imagem. A característica da

intransmissibilidade da imagem é presente em vida ou causa mortis: ninguém

pode transmitir para outrem aquilo que é só seu.

O mesmo raciocínio se aplica à inalienabilidade da imagem. No que

diz respeito ao aspecto da divulgação, não se aliena a imagem, o que se aliena

são os direitos da divulgação de uma imagem. Isso pode parecer, num primeiro

momento, um jogo de palavras. Contém, no entanto, um sentido lógico, posto

que a imagem ou a vida não se alienam como se aliena outro bem jurídico

material, podendo ser dado a esse qualquer destino. Como bem ensina

GITRAMA GONZÁLEZ, imagem é um bem que se identifica com os bens mais

elevados da pessoa, e, assim, o titular do direito à imagem não pode

desprender-se plenamente deste direito338.

No que se refere à irrenunciabilidade do direito à imagem, é

necessário analisar com cautela essa característica, porque renúncia parece

significar a abdicação de um direito de forma definitiva e irreversível.

Alguns autores fazem distinção entre a renúncia a um direito e a

renúncia ao exercício desse direito. Também enfatizam que somente no

337

Imagen (Derecho a la propia). In: Nueva enciclopedia jurídica. T. 11, p. 337.

338 Idem, p. 336.

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segundo caso a renúncia seria possível. Essa distinção, para Virgílio Afonso da

SILVA, é desprovida de qualquer finalidade, por exemplo quanto ao direito à

propriedade. Este é notoriamente um direito próprio do direito privado, mas

também é um direito fundamental. E, assim, esse autor explica que quando o

Código Civil, em seu Art. 1275, II, prevê a renúncia como um dos modos de

perda do direito de propriedade, certamente não o faz no sentido de que seja

possível por meio de declaração de vontade renunciar à possibilidade de nunca

mais exercer o direito de propriedade. A renúncia a que se refere o artigo é

determinada à propriedade de um bem339.

Quando se faz menção à renúncia aos direitos da personalidade, ou

outro tipo de transação que os envolva, quer se afirmar que em uma relação

determinada com uma situação jurídica específica existe a possibilidade de

renúncia ou transação do direito de personalidade, mas, contudo, os efeitos

dessa renúncia ou transação se limitam a esta situação específica. E em

hipótese alguma se pretende dizer que seja possível, mediante declaração de

vontade, abdicar ao direito em si e a toda e qualquer possibilidade futura de

exercê-lo.

Evidentemente que também é imprescritível, pois se não se pode

despojar-se da própria imagem (aparência), por toda a sua vida a pessoa terá

direito de agir: a imagem da pessoa faz parte dela até a sua morte. E mesmo

após a morte a imagem da pessoa “A” continuará sendo da pessoa “A” porque

a forma que corporifica a substância, a aparência que envolve a pessoa, que a

faz ser conhecida e reconhecida no mundo, é um atributo físico personalíssimo

que não poderá integrar outra personalidade.

Em que pese o esforço doutrinário de apontar essas características

próprias dos direitos da personalidade no direito à imagem, elas pouco

acrescentam ao estudo do tema, pois nas palavras sempre precisas de Walter

MORAES são “estas as qualidades que se costumam enumerar como

339

A constitucionalização do direito: os direitos fundamentais nas relações entre particulares, p. 63.

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características do direto à própria imagem, muito embora não representem

senão corolário da essencialidade do bem da imagem”340.

O direito à imagem é um direito absoluto porque é inerente a toda

pessoa humana, possui caráter geral e oponível contra todos os demais341 e o

próprio Estado. E continua Walter MORAES: “A relação jurídica que se verifica

entre o sujeito titular da imagem e o dever universal de abstenção, respeito e

preservação, em razão do objeto imagem, é uma relação de direito

absoluto”342.

Dizer que o direito à imagem é um direito absoluto não significa

afirmar que é um direito real. A imagem, ao exprimir uma individualidade, é tão

exclusiva quanto a propriedade. Entretanto, apesar de apresentar traço de

semelhança com o direito de propriedade, não é correto concluir que o direito à

imagem constitui um direito de propriedade, porque o valor da propriedade está

no mundo exterior, material ou imaterial, ao passo que o valor da imagem se

encontra em bem jurídico inerente à personalidade do titular, sem nenhuma

expressão de valor econômico, tal como é a vida. Não se mensura

economicamente a vida humana, e assim, do mesmo modo, a imagem.

O caráter absoluto do direito à imagem o exclui dos direitos pessoais

que são relativos, transitórios, subordinados a uma obrigação de dar, fazer e

não fazer, os quais são exclusivamente patrimoniais.

4.3. Proteção jurídica da imagem

A Ciência do Direito quanto ao direito à imagem tem dirigido seus

esforços em estudar a imagem sob a vertente da imagem decorrente,

concentrando no retrato e na sua divulgação a incidência dos estudos e

340

Direito à própria imagem (I), in RT 443, set. 1972, p. 81.

341 Carlos Roberto GONÇALVES, Direito civil brasileiro: parte geral, vol. 1, p. 188.

342 Walter MORAES, op. cit., p. 80.

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comentários. É necessário, contudo, observar o conceito da imagem de modo

amplo, compreendendo todos os aspectos que integram seu conjunto.

Conforme já citamos neste trabalho, Paulo VERCELLONE e

GITRAMA González compreendem ser a imagem apenas aquela decorrente,

reprodução ou refletida (retrato). Os mesmos não vislumbram a proteção

jurídica da imagem original (exemplar), restringindo a proteção jurídica da

imagem decorrente ao direito de opor-se a divulgação do retrato343.

Walter MORAES distingue três categorias de fatos que demonstram

a proteção direta da imagem original:

1) Na faculdade de auferir proveito pecuniário da própria imagem,

por meio de contrato. O ato de servir de modelo, de posar para propaganda,

publicidade, cinema ou qualquer outra situação similar, consiste no ato de

disposição direta da própria imagem original. Nesse fato está demarcada a

objetividade jurídica da imagem original, que é amparada pelo direito do sujeito

ao ato de dispor de sua imagem e do dever do ato de respeito dos demais,

compondo uma relação de direito da personalidade344.

O conteúdo econômico desse contrato é a figura original do

retratado, é o modelo ou artista em si. Isso porque as suas reproduções só

valem, só apresentam repercussão econômica enquanto extensão de sua

respectiva imagem original. É Pontes de MIRANDA quem ressalta: “Sem o

modelo, o artista reprodutor não logra a figura. Só modelo poderia permitir a

figura. O modelo é o dono da figura”345.

E o objeto desse contrato é a cessão dessa imagem original, um

direito a algo que pode retornar ao sujeito a qualquer tempo. Ademais a cessão

de uso e gozo não é privativa desse direito, mas exclusiva dele, ou seja, o

titular da imagem não se priva de usar e fruir dela. Por essa razão, podemos

dizer que esse objeto não é de locação de coisas ou serviços ou empreitada, 343

Il diritto sul proprio ritrato, p. 10; “Imagen” (Derecho a la propia), in Nueva enciclopedia jurídica, Tomo XI, p. 304 e 305.

344 Direito à própria imagem (II), in RT 444, out. 1972, p. 18.

345 Tratado de direito privado: parte especial: tomo VII, § 738, p. 117.

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porque nesses o uso e gozo do bem é privativo de quem é locatário ou tomador

dos serviços, o que não ocorre com a cessão da imagem: o cessionário nunca

é dono da imagem do cedente346.

2) Nos atos de modificação da imagem que competem

exclusivamente ao sujeito titular da imagem original. Nas palavras de

MORAES: “Não há lei que diga isso talvez por desnecessidade, talvez pela

obediência instintiva a esse respeito”347. A pessoa é a dona de sua aparência e

mais ninguém.

Pelo consentimento do titular da imagem original e por ato próprio ou

de terceiro, a pessoa pode modificar a sua imagem. Qualquer alteração

executada por terceiro, sem consentimento do titular da imagem ou fora dos

limites, é ato ensejador de responsabilidade civil.

O Tribunal Constitucional Português enfrenta a questão sobre

imagem original ao decidir sobre a conduta de um cobrador de transporte

público que descumpriu o dever de apresentar-se ao trabalho uniformizado e

barbeado. Ele foi trabalhar com barba por fazer de um dia, alegando

sensibilidade de sua pele que sangrava quando barbeava todos os dias,

fundamentando seu pedido no direito à imagem. Apesar de o Tribunal em sua

decisão ter considerado que o ordenamento jurídico português não protege a

imagem, mas sim o retrato, eis um aspecto curioso: a decisão incorporou a

distinção entre eles.

Parece fora de dúvida que a infracção de que o arguido é

acusado, não pode encontrar qualquer proteção ao direito à imagem

consagrado no nº 1 do artigo 26º da Constituição da República 348

.

Com efeito, a referência que nesse artigo se faz à imagem, sem

qualquer definição, leva-nos a pensar que se quis considerar o que a

346

Walter MORAES, Direito à própria imagem (II), in RT 444, out. 1972, p. 19.

347 Op. cit., p. 19.

348 CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA DE 1976: ARTIGO 26º (Outros direitos

pessoais): 1. A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação.

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122

seu respeito se dispõe no nosso Código Civil, e só isso. E basta uma

leitura do artigo 79º do Código Civil349

, para se concluir que a

proteção legal da imagem tem a ver não com aspecto da pessoa e a

imagem que dela se tenha, mas sim e apenas com a imagem no

sentido de retrato, seja em pintura, simples desenho, fotografia, slide

ou filme impedindo a sua exposição ou o seu lançamento no

comércio, sem autorização do retratado, ou das pessoas citadas no

nº 2 do artigo 71º do mesmo Código, se este já tiver falecido,

dispensando-se o consentimento nos casos especiais que o nº 2 do

citado artigo 79º contempla. Quer dizer: o artigo 79º do Código Civil

tem em vista proteger a pessoa contra a utilização abusiva da sua

imagem, e não o conceder o direito, bem distinto daquele da pessoa

determinar a sua própria aparência externa, que é sem dúvida um

direito de acolher, mas que não pode ser isento de limitações,

designadamente as que tenham por objeto a proteção dos direitos

dos outros, impedindo a sua ofensa. ACÓRDÃO nº 6/84. Processo nº

42/83, 2ª Secção Tribunal Constitucional. Relator: Conselheiro

Magalhães Godinho. Lisboa, 18 de janeiro de 1984.

É importante elucidar que os fundamentos do Tribunal Constitucional

Português não se aplicam ao ordenamento jurídico brasileiro, pois o legislador

quando quis tratar de reprodução o fez de forma expressa, no inciso XXVIII, a,

do Art. 5º da Constituição Federal e no § 2º, do Art. 90 da Lei nº 9.610/98 (Lei

dos Direitos Autorais) e de fotografia no § 1º, Art. 245 da Lei nº 8.069/90

(Estatuto da Criança e do Adolescente). Nos dispositivos em que tratou de

direito, usou apenas a palavra imagem (inciso X do Art. 5º da CF, Art. 17 do

ECA, inciso IV, Art. 7º da Lei de Proteção a Vítima e a Testemunha, e § 2º do

349

CÓDIGO CIVIL PORTUGUÊS: ARTIGO 79º (Direito à imagem)

1. O retrato de uma pessoa não pode ser exposto, reproduzido ou lançado no comércio sem o consentimento dela; depois da morte da pessoa retratada, a autorização compete às pessoas designadas no nº 2 do artigo 71º, segundo a ordem nele indicada.

2. Não é necessário o consentimento da pessoa retratada quando assim o justifiquem a sua notoriedade, o cargo que desempenhe, exigências de polícia ou de justiça, finalidades científicas, didácticas ou culturais, ou quando a reprodução da imagem vier enquadrada na de lugares públicos, ou na de factos de interesse público ou que hajam decorrido publicamente.

350 Acórdão disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19840006.html .

Acesso em 01 mar. 2013.

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123

Art. 10 do Estatuto do Idoso)351. Portanto, as duas acepções de imagem

existem na legislação brasileira.

O ato de modificar a imagem pressupõe que seja a da imagem

original, porque a imagem decorrente quando modificada se caracterizará

como uma manifestação artística ou um ilícito civil ou penal.

3) No consentimento tácito da captação da imagem, mas não de sua

reprodução. Destaca Walter MORAES que captação e reprodução são atos

sucessivos e distintos352. A imagem captada por meio da câmera fotográfica,

por exemplo, transforma-se em um objeto de propriedade do autor da

captação. Contudo, a reprodução e posterior multiplicação dessa imagem só

podem ocorrer mediante autorização daquele que foi fotografado, pois é sua

imagem que está contida na fotografia.

Ressalta-se que para se captar a imagem não é necessário

consentimento expresso, admite-se o tácito.

A principal proteção da imagem original está no construir livremente

sua própria imagem e de se opor a sua captação. A pessoa pode proteger sua

imagem de eventual ingerência ou captação por meio de uma proteção

cominatória, sendo a reprodução e a divulgação um fato posterior que gera

uma proteção proibitória ou indenizatória.

Uma das consequências jurídicas dessas considerações a respeito

da imagem original implica na abstenção do Estado de produzir legislação ou

atos que interfira ou impeça a livre construção da própria imagem353.

351

A transcrição desses dispositivos consta em notas de rodapé do item 3.2. “O direito à imagem na legislação brasileira”.

352 Walter MORAES, Direito à própria imagem (II), in RT 444, out. 1972, p. 21.

353 Ementa: Ação declaratória - Concurso público - Exclusão do candidato por portar tatuagem.

Inadmissibilidade. Ofensa à dignidade da pessoa humana. Exigência desarrazoada que ofende os princípios da isonomia e da impessoalidade, por discriminar candidato sem qualquer razão plausível que poderia influenciar no exercício de suas atribuições militares. Sentença de improcedência. Recurso provido para anular o ato e reintegrá-lo às fileiras militares." (TJSP 0011940-17.2011.8.26.0053, 7ª Câmara de Direito Público, Rel. Guerrieri Rezende, j. 28/01/2013.).

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E ainda, com fundamento na dignidade da pessoa humana (Art. 1º,

III da Constituição Federal), implica no dever do Estado de, por meio de atos e

políticas públicas, possibilitar às pessoas ter uma imagem apreciável, porque

aquele que tem uma imagem desagradável pode ter afetado sua autoestima e

seu convívio social, ferindo a sua dignidade. A esse respeito Antonio CHAVES

defendeu ser dever do Estado a recomposição de feições das pessoas com

malformação lábio-palatal354. Os Tribunais enfrentam a questão ao tratarem

das cirurgias reparadoras (por exemplo, a bariátrica e a de mama355) que tem

por escopo não apenas a saúde do paciente, tampouco a beleza (que pode

ocorrer ou não), mas a autoestima, reconstruindo uma imagem original356.

4.4. Sujeitos do direito à imagem

O titular de um direito é o sujeito, que é toda e qualquer pessoa,

física ou jurídica, brasileira ou estrangeira, residente ou não no país.

O direito à imagem é um dos direitos fundamentais da pessoa,

previsto nos incisos V, X e XXVIII, a, do Art. 5º da Constituição Federal de

354

Tratado de direito civil: parte geral, p. 537.

355 Lei nº 9.797, de 6 de Maio de 1999 dispõe sobre a obrigatoriedade da cirurgia plástica

reparadora da mama pela rede de unidades integrantes do Sistema Único de Saúde - SUS nos casos de mutilação decorrentes de tratamento de câncer. A justificação do Projeto de Lei n. 3.769, de 1997 que lhe deu origem enuncia: “A reparação estética poderia trazer para muitas delas um importante e imprescindível suporte psicológico e um inestimável apoio à sua recomposição moral, especialmente para a mulher pobre” (grifo nosso) (DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. Sexta-feira, 14, novembro de 1997, p. 36.585).

Há ainda em tramitação no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 2.784 de 2008 de alteração da Lei nº 9797/99 para garantir à mulher que a reconstrução ocorra no mesmo tempo cirúrgico da mastectomia se houver condições técnicas e na impossibilidade garantir a realização da cirurgia assim que possível. A justificação esclarece: “É evidente a importância da aparência física inclusive para estimular a recuperação, uma vez que já é sobejamente conhecida a relação entre o estado de espírito e a superação de enfermidades, especialmente sobre o câncer”.

356 Ementa: SAÚDE. Idosa portadora de "abdômen em avental com flacidez e excesso de pele"

decorrente de cirurgia bariátrica a que foi submetida anteriormente. Pretensão à cirurgia reparadora abdominal. Pedido amparado no artigo 196 da Constituição Federal. Inexistência de infração às normas e princípios que informam a Administração, o orçamento e o SUS. Necessidade da cirurgia comprovada nos autos. Sentença que julgou a ação procedente. Recurso não provido, convertida, de ofício, em reais a multa diária cominada com salário mínimo. (TJSP, Apel:. 0032473-53.2006.8.26.0576, 10ª Câmara de Direito Público Rel. Antonio Carlos Villen, j. 15/10/2012).

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125

1988. O caput do referido artigo dispõe que os direitos fundamentais se dirigem

aos brasileiros e estrangeiros residentes no país. Entretanto, a doutrina

estende aos não residentes a salvaguarda desses direitos em razão da

dignidade da pessoa humana ser princípio fundamental do Estado brasileiro357.

É razoável e perfeito o entendimento da extensão dos direitos

fundamentais a todas as pessoas, visto que a dignidade da pessoa humana é

consagrada pela ordem internacional e não admite excepcionalidades por

motivo de nacionalidade ou de transitoriedade. Se a pessoa humana está no

território brasileiro, o Estado protege e garante os seus direitos fundamentais,

independente de qualquer outro motivo.

Com isso, são titulares do direito à imagem homens, mulheres,

idosos, crianças e bebês. Como já expusemos neste trabalho, não se concebe

uma pessoa humana sem uma imagem: se há existência, tem-se imagem.

Questões relativas à pessoa jurídica e ao nascituro serão analisadas

a seguir.

4.4.1. Imagem do nascituro

O desenvolvimento tecnológico permite a realização de imagem

(filmagem ou fotografia) da vida intrauterina. Essa imagem que no final do séc.

XX era um borrão indecifrável para os leigos, tornou-se nítida permitindo

atualmente que a mãe conheça a face do filho antes mesmo do nascimento.

Contudo, a personalidade civil da pessoa para a legislação brasileira

começa a partir do nascimento com vida, resguardada desde a concepção os

direitos do nascituro (Art. 2º do Código Civil). Dentre esses direitos estaria

também o de imagem?

357

José Afonso da SILVA, Curso de direito constitucional positivo, p. 193.

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Na primeira Jornada de Direito Civil da Justiça Federal foi aprovado

enunciado no sentido de entender que os direitos da personalidade, entre eles

o de imagem, alcança tanto o nascituro quanto o natimorto358.

Esse também é o entendimento de Maria Helena DINIZ ao afirmar

que “na vida intrauterina, tem o nascituro personalidade jurídica formal, no que

atina aos direitos personalíssimos e aos da personalidade, passando a ter

personalidade jurídica material e alcançando os direitos patrimoniais que

permaneciam em estado potencial somente com o nascimento com vida”359.

O direito à imagem não é mera expectativa de direito, porque com a

captação pelo ultrassom a imagem do nascituro já existe para o mundo, o bem

jurídico está formado.

O exercício do direito à imagem não depende do nascimento com

vida. Ora, mesmo que eventualmente esse nascituro não venha a nascer, sua

imagem não pode ser usurpada, não pode ser utilizada, por exemplo, por outra

pessoa, como se fosse a do seu próprio nascituro. Tampouco é possível

alegar, nesse caso, que a imagem pertence à sua genitora, porque não

pertence. Embora vivesse dentro dela é a imagem de outro ser que por

qualquer circunstância não nasceu.

A condição humana antecede ao nascimento. Aquele que ainda não

nasceu, mas vive no ventre materno, existe na sua forma única e singular,

possui uma figura que será só sua e de mais ninguém. Se anteriormente essa

figura só poderia ser conhecida após o nascimento, e atualmente pode ser

vista antes, esta é apenas uma questão tecnológica e não jurídica.

Muito embora os Tribunais ainda não tenham se manifestado a

respeito, já existe no Brasil decisão judicial sobre o tema, no caso que ficou

conhecido como “a falsa grávida de quadrigêmeos de Taubaté”. Em janeiro de

2012, Maria Verônica Aparecida Santos tornou-se notícia em todo o país ao

358

Enunciado nº 01: “Art. 2º: A proteção que o Código defere ao nascituro alcança o natimorto no que concerne aos direitos da personalidade, tais como: nome, imagem e sepultura”.

359 Maria Helena Diniz, O estado atual do biodireito, p.126 e 408.

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afirmar que estava grávida de quadrigêmeos, aparecendo em entrevistas para

jornais e programas de televisão com uma barriga enorme e mostrando

imagens de seu ultrassom. As imagens, no entanto, eram do filho de Ana Paula

Mückenberger Alves, de Blumenau (SC), que as publicou em seu blog com o

intuito de compartilhar com internautas as experiências da maternidade360.

Descobriu-se então que Maria Verônica sequer estava grávida, e entre as

consequências jurídicas de sua farsa respondeu pelo uso da imagem de

ultrassom de outra pessoa, concordando em audiência de conciliação pagar

R$4.000,00 (quatro mil reais) a título de indenização por danos morais361.

4.4.2. Imagem da Pessoa Jurídica

Neste trabalho, o estudo de direito à imagem voltou a atenção à

imagem da pessoa humana. Todavia, é mister analisar se o direito à imagem

cabe igualmente à pessoa jurídica.

Pessoa Jurídica é uma reunião de pessoas ou de patrimônio

constituído conforme legislação para uma determinada finalidade (objeto

social), detendo personalidade jurídica para contrair e exercer direitos e

obrigações, atuando na vida jurídica com personalidade diversa das pessoas

que a compõe362. A pessoa jurídica, quanto à sua órbita de atuação, pode ser

de direito público (interno e externo) e de direito privado, que são as

corporações (associações e sociedades) e as fundações. Essas pessoas

jurídicas podem ter fins econômicos (sociedade) ou não econômicos

(associações e fundações).

O Direito reconhece a pessoa jurídica como sujeito de direito em

razão de ser ela essencial para a realização de fins, apenas possíveis de

360

Conferir: < http://anabinhoepietro.blogspot.com.br/ > Acesso em 13/mar./2013.

361 Verificar: < http://oglobo.globo.com/pais/falsa-gravida-de-taubate-pagara-indenizacao-por-

usar-ultrassom-4978330-gravida-de-taubate-pagara-indenizacao-por-usar-ultrassom-4978330 > Acesso em 13/mar./2013.

362 Carlos Roberto GONÇALVES, Direito civil brasileiro: parte geral, vol. 1, p. 216.

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serem alcançados com o somatório de pessoas e patrimônio. Além disso, a

pessoa jurídica é um mecanismo de transformação e inserção de benefícios

para toda a sociedade. O Código Civil de 2002 disciplinou sobre a matéria nos

Arts. 40 a 69 (disposições gerais, associações e fundações) e no Livro II – Do

Direito de Empresa (Arts. 966 a 1195). Dentre esses artigos, interessa a

análise do Art. 52 que dispõe: “Aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a

proteção dos direitos da personalidade”.

O direito à imagem é um dos direitos da personalidade. Esse direito

caberia naqueles direitos da personalidade extensíveis à pessoa jurídica? De

outro modo, a pessoa jurídica tem imagem? E, por consequência, tem direito à

imagem?

Walter MORAES entende que o direito à imagem se restringe à

figura humana, não podendo uma pessoa jurídica pleitear a tutela desse direito,

pois o que possui não é imagem, mas símbolos363.

Contudo, é necessário contextualizar a afirmação do autor em

relação ao tempo em que fez esta afirmação, muitos anos antes da

Constituição Federal de 1988, tempo este em que o principal dispositivo sobre

imagem se restringia ao Art. 666 do Código Civil de 1916.

Todavia, a atual Constituição Federal ao garantir a inviolabilidade da

imagem no inciso X, do Art. 5º e ao dispor sobre direito de resposta e

indenização por dano à imagem, no inciso V, do Art. 5º, não excetuou a pessoa

jurídica.

Luiz Alberto David ARAUJO, de acordo com sua distinção de

imagem-retrato e imagem-atributo, afirma que, enquanto a imagem-retrato é

própria das pessoas naturais (inciso X), a imagem-atributo pode envolver além

da pessoa natural, a pessoa jurídica (inciso V)364.

363

Walter MORAES, Direito à própria imagem (I), in RT 443, set. 1972, p. 65.

364 A proteção constitucional da própria imagem, p. 119.

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129

Explica o autor que o constituinte, ao garantir direito de resposta e

indenização ao dano à imagem, reconheceu que os meios de comunicação por

intermédio de mentiras e principalmente de meias-verdades podem causar um

imenso prejuízo material e moral às pessoas, sejam elas naturais, sejam

jurídicas. E por meio do dano à imagem o constituinte facilitou a comprovação

desse prejuízo, pois não é preciso demonstrar redução patrimonial (dano

material) ou existência de dor profunda (dano moral), basta demonstração de

existência de dano à imagem para requerer direito de resposta e

indenização365.

É preciso, porém, compreender em que consiste essa imagem da

pessoa jurídica.

Déborah Regina Lambach Ferreira da COSTA afirma que a pessoa

jurídica possui, além de um patrimônio material, um patrimônio imaterial que

compreende a sua credibilidade, a reputação que goza no meio social em que

desenvolve sua atividade, e eventual lesão a essa imagem pode até mesmo

inviabilizar a realização das atividades para qual foi criada366, como fundações

ou associações, que por serem pessoas jurídicas que não visam lucro,

necessitam resguardar bem sua imagem (confiança, credibilidade, reputação)

perante a comunidade para continuarem a angariar fundos com o fim de

exercer a atividade para o qual foram criadas.

Não obstante, a designação da autora sobre o que é patrimônio

imaterial, é oportuno repassar o estudo dos bens classificados em corpóreos

(materiais) e incorpóreos (imateriais). Os bens corpóreos são aqueles que têm

existência material perceptível pelos sentidos, podendo ser móveis ou imóveis.

Os bens incorpóreos são os de existência abstrata ou ideal, mas de valor

econômico; são criações da mente, reconhecidos pela ordem jurídica367. São

eles: o crédito, a sucessão aberta, o nome, o fundo de comércio (aviamento e

365

Op. cit., p. 122 e 124.

366 Reparação do dano à imagem das pessoas jurídicas. Tese. (Doutorado em Direito Civil

comparado com orientação de Maria Helena Diniz) Faculdade de Direito. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2010, p. 214.

367 Carlos Roberto GONÇALVES, Direito civil brasileiro: parte geral, vol. 1, p. 278. Pablo

STOLZE e Rodolfo PAMPLONA, Novo curso de direito civil: parte geral, p. 260.

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clientela), o direito de autor, as patentes, os desenhos industriais, as marcas

etc.

Na perspectiva de Luiz Alberto David ARAUJO, sob o ponto de vista

tradicional do estudo do tema não se admite que a pessoa jurídica possa

pleitear direito à própria imagem. Sustenta, todavia, que imagem-atributo,

denominação então por ele dada, é extensível à pessoa jurídica368.

Porém, o conceito de imagem-atributo, criado por Luiz Alberto David

ARAUJO, refere-se à reputação, ao prestígio da pessoa jurídica, e não a uma

representação que os outros possuem dela, pois há pessoas jurídicas que

gozam de reputação e prestígio em seus atos e atividades369 e nem por isso

possuem imagem, uma vez que as mesmas não são individualizadas por

nenhuma representação perceptível.

De acordo com o que já expusemos neste trabalho, uma das

acepções da palavra imagem é de aspecto particular, pelo qual um ser ou um

objeto é percebido370. Assim, é possível inferir que algumas pessoas jurídicas

têm uma percepção uniforme pela sociedade. Essa percepção da pessoa

jurídica é a sua imagem construída e desenvolvida ao longo da realização de

seus fins sociais.

Essa imagem construída não é o produto, a marca ou o logotipo

(símbolos), tão pouco o slogan. Também, não é a fotografia da fachada do

estabelecimento. Todos eles são meios de identificação ou obtenção do fim

social da pessoa jurídica.

A imagem da pessoa jurídica é resultado daquilo que ela constrói

como conteúdo de sua mensagem institucional veiculada por slogans,

propagandas e produtos tornados perceptíveis às pessoas humanas. Não se

pode negar que a Empresa Coca-Cola possui uma imagem que vai além dos

368

Op. cit., p. 121.

369 Rosa Maria Barreto Borriello de Andrade NERY ensina que “A vontade realizada do sujeito

se manifesta [...] no direito civil, essencialmente, pelos atos; no direito mercantil, pela atividade”. (Ato e atividade, in Revista de Direito Privado, nº 22, p. 10.)

370 Vide item 3.3. “A palavra ‘imagem’.”

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produtos que essa comercializa; as pessoas desconhecem seu nome

(denominação), seu tipo societário, seu estabelecimento (fábricas), seus

prepostos e até mesmo a composição de seus produtos, ou seja, não

identificam de modo completo a empresa. Mas a maioria possui uma

percepção do que seja a Coca-Cola, porque seus comerciais, com raras

exceções, não vendem os produtos, mas constroem uma ideia de um ente, são

as chamadas propagandas institucionais ou corporativas371, as quais visam

incutir nas pessoas a sensação de que existe algo mais além da fabricação e

comercialização de refrigerantes ali veiculada naquela propaganda. Tanto que

a Coca-Cola pode representar moda, arte (Andy Warhol), diversão, calor, ou

nos termos de seu slogan de 1983: “Coke is it” (Coca-Cola é isso aí!)372.

Ressalte-se que a imagem não é o slogan porque esse pode mudar

com o tempo373, mas sim o conteúdo que o mesmo transmite e é percebido

pelas pessoas. Logicamente, essa percepção advém da repetida influência de

comerciais, da insistência da aparição na vida cotidiana e das sensações que

os produtos ou serviços proporcionam às pessoas.

A Ministra Nancy ANDRIGHI do Superior Tribunal de Justiça ao

decidir sobre pedido de dano moral da pessoa jurídica em razão de falsificação

reconhece o direito à imagem da pessoa jurídica, distinguindo-o do direito de

371

José Benedito PINHO diferencia a propaganda institucional da corporativa: a propaganda institucional denominada por alguns autores americanos de ‘propaganda de relações públicas’, pois é uma área em que as atividades de relações públicas e de propaganda interagem, seu propósito é preencher as necessidades legítimas da empresa, não apenas a de vender um produto ou serviço; a propaganda corporativa é a divulgação institucional de uma empresa, tem, entre seus propósitos específicos, o objetivo de divulgar e informar ao público as políticas, funções e normas da companhia; de construir uma opinião favorável sobre a companhia, e de criar uma imagem de confiabilidade para os investimentos em ações da companhia ou para desenvolver uma estrutura financeira. (Propaganda Institucional: uso e funções da propaganda em relações públicas, p. 23).

372 Outros exemplos: APPLE - “THINK DIFERENT” (Pense Diferente); Rede GLOBO “A gente

se liga em você”; McDonald’s – “Amo muito tudo isso”.

373 Outros slogans da Coca-Cola no Brasil: 1942: "A pausa que refresca"; 1952: "Isto faz um

bem"; 1957: "Signo de bom gosto"; 1960: "Coca-Cola refresca melhor"; 1964: "Tudo vai melhor com Coca-Cola"; 1970: "Isso é que é"; 1976: "Coca-Cola dá mais vida"; 1979: "Abra um sorriso. Coca-Cola dá mais vida"; 1982: "Coca-Cola é isso aí"; 1988: "Emoção pra valer!"; 1993: "Sempre Coca-Cola"; 2000: "Curta"; 2001: "Gostoso é viver"; 2003: "Essa é a real"; 2004: "Viva o que é bom"; 2006: "O lado Coca-Cola da vida"; 2007: "Viva o lado Coca-Cola da música"; 2008: "Cada gota vale a pena"; 2009: "Abra a Felicidade"; 2010: "Viva Positivamente"; 2011: "Os Bons são a Maioria"; 2012: “Existe razões para acreditar”. (Disponível em <http://nerdnaogeek.blogspot.com.br/ e http://jipemania.com/coke/slogans.htm> Acesso em 25/fev./2013)

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marca, ao esclarecer que marca apenas designa um produto e a sua violação

produz dano material374, enquanto a falsificação pode ter outras consequências

além da diferença entre o que foi vendido e o que poderia ter sido

comercializado. Em suas palavras: “A vulgarização do produto e a depreciação

da reputação comercial do titular da marca, efeitos da prática de falsificação,

constituem elementos suficientes a lesar o direito à imagem do titular da marca,

o que autoriza, em consequência, a reparação por danos morais”375.

A violação do direto à imagem da pessoa jurídica pode gerar um

prejuízo material, moral ou de imagem. Gustavo TEPEDINO refuta a ideia de

dano moral da pessoa jurídica por entender que não é admissível atribuir-lhe a

noção de dignidade, mas reconhece que a credibilidade da pessoa jurídica é

elemento imprescindível para o sucesso da sua atividade devendo, portanto,

ser objeto de proteção jurídica. Todavia, essa proteção deve se dar por meio

do ressarcimento por danos materiais e institucionais376.

A fim de explicar o que chama de dano institucional, o autor

diferencia a pessoa jurídica com fins lucrativos e sem fins lucrativos. A proteção

da pessoa jurídica com fins lucrativos resume-se a uma preocupação dos

aspectos pecuniários derivados de um eventual ataque à sua atuação no

mercado, repercutindo em sua capacidade de produzir riqueza, no âmbito da

atividade econômica por ela desenvolvida, traduzindo em diminuição de seus

resultados econômicos, gerando dano material. As pessoas jurídicas sem fins

lucrativos quando atingidas em sua credibilidade ou reputação não sofrem, a

374

REsp 1032014/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 26/5/2009, DJe 4/6/2009). Esclarece-se que nesse julgado o STJ entendeu que o bem atingido pela falsificação foi o do direito à identidade.

Ementa: “[...] Certos direitos de personalidade são extensíveis às pessoas jurídicas, nos termos do art. 52 do CC/02 e, entre eles, se encontra a identidade. Compensam-se os danos morais do fabricante que teve seu direito de identidade lesado pela contrafação de seus produtos”.

375 Nota-se que o caso julgado versa sobre a falsificação de bolsas para consumidores de alta

renda e que importa é a imagem de exclusividade dos produtos; nesse sentido é o teor da Ementa: “(...) A prática de falsificação, em razão dos efeitos que irradia, fere o direito à imagem do titular da marca, o que autoriza, em consequência, a reparação por danos morais.” (REsp 466.761/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, j. 03/04/2003, DJ 4/8/2003, p. 295). Ressalta-se que os Acórdãos foram analisados conjuntamente, pois a ministra relatora faz referência de um no outro.

376 Gustavo TEPEDINO, A tutela da personalidade no ordenamento civil-constitucional

brasileiro, in Temas de direito civil, p. 56.

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seu ver, exatamente dano material, porque não produzem riqueza, e tampouco

sofrem dano moral – o ato lesivo é contra a instituição –, sofrendo, por isso,

dano institucional377.

Em que pese o entendimento do autor, a violação do direito à

imagem repercute na percepção construída pela instituição, independente do

prejuízo material (diminuição de receita) ou moral (reputação, credibilidade). E

não está relacionada com a finalidade econômica ou não da pessoa jurídica.

Isso porque há corporações que têm uma imagem não associada a seu fim

econômico. O dano institucional é um dano à imagem da pessoa jurídica.

A questão do dano moral da pessoa jurídica foi superada pela

Súmula 227 do Superior Tribunal de Justiça: “A pessoa jurídica pode sofrer

dano moral”.

A pessoa jurídica tem um patrimônio material e moral, este último

associado a sua identidade de empresa, reputação e lisura nas suas relações.

A imagem não é a moral da pessoa jurídica, porque a atividade pode ser

moralmente reprovável, não significando necessariamente que a imagem foi

atingida. Por exemplo, a notícia de que fornecedores da loja de roupas ZARA

atuam em sistema de trabalho análogo ao escravo traz reprovação à loja

quanto a moralidade da escolha de seus fornecedores, quando na busca do

lucro se opta por vantagens competitivas oriundas de ilicitudes de terceiro,

afetando até a sua reputação. No entanto, tais fatos não tornaram os produtos

que comercializa e suas lojas, caracterizados por decoração e localização

diferenciados, menos interessantes ou elegantes, nem sequer afetou a

percepção de que a ZARA é um negócio de moda. O mesmo poderia se dizer

da APPLE que tem gadgets378 manufaturados na China, com vantagens

competitivas fruto de trabalho sem direitos e garantias consagrados no âmbito

do direito internacional do trabalho, e nem por isso sua imagem de empresa de

produtos inovadores, diferentes, é abalada por isso. [

377

Op. cit., p. 57.

378 Dispositivos eletrônicos portáteis como PDAs, celulares, smartphones, leitores de mp3,

entre outros.

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134

A imagem da pessoa jurídica é atingida quando por ato lícito ou

ilícito de terceiro se atinge a percepção construída dessa pessoa, assim como

pode ocorrer no caso já referido da falsificação de produto que afeta a imagem

de exclusividade dos produtos ou serviços da pessoa jurídica.

Exemplo de como a imagem da pessoa jurídica pode ser atingida

por ato lícito ocorreu com o documentário sobre a rede de lanchonetes Mc

Donald’s. O diretor Morgan Spurlock no filme “Super size me: A dieta do

palhaço”, indicado ao Oscar de melhor documentário longa-metragem em

2004, demonstrou que se uma pessoa se alimentasse apenas em restaurantes

da rede, realizando três refeições diárias por um mês ficaria obesa e doente.

Ora, o filme pode até não ter causado dano material à empresa, mas

certamente atingiu a imagem que o McDonald’s possui de ser um lugar para

comer supostamente rápido, saboroso, agradável, alegre. Veja que não se trata

de moral, mas da percepção que as pessoas têm do que seja o McDonald’s.

A resposta da corporação a esse documentário foi inserir nos

produtos uma mensagem de alerta. Nela, avisa-se que os lanches não são

refeição e informam-se os ingredientes e as especificações calóricas. Além

disso, a empresa atualmente comercializa saladas de vegetais e mais

recentemente incluiu a opção de frutas como sobremesa nos lanches infantis.

Tudo para não afetar a imagem construída de lugar agradável em que se

vende comida rápida.

As considerações sobre imagem da pessoa jurídica de direito

privado também se aplicam à pessoa jurídica de direito público, especialmente,

mas com algumas ressalvas, as do § 1º do Art. 37 da Constituição Federal de

1988, que dispõe: “A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e

campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de

orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que

caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos”. (Grifo

nosso.)

O Estado democrático de Direito pressupõe uma periodicidade e

alternância de poder, de modo que cada governo tende a construir uma

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imagem de sua gestão, que acaba sendo a percepção que os cidadãos

possuem da pessoa jurídica de direito público. O dispositivo constitucional (Art.

37, §1º) apresenta os parâmetros do conteúdo dessa construção, pois

diferentemente do particular, o Estado só faz aquilo que a lei permite. Dessa

maneira, o legislador proíbe a imagem do agente público, dissociando da

imagem da pessoa jurídica. Para o mesmo fim, a Lei 9.504, de 30 de setembro

de 1997, veda a publicidade institucional em período eleitoral.

Em síntese, tem se que por força do artigo 52 do Código Civil de

2002, a pessoa jurídica tem direitos da personalidade. Dentre esses direitos,

está o direito à imagem.

4.5. Objeto do Direito à Imagem

Na doutrina, é pacífica a consideração de que o direito à imagem é

um direito da personalidade. Há, no entanto, divergência quanto à classificação

desses direitos: se a imagem é bem jurídico que se situa como direito moral ou

físico da personalidade.

Ensina Carlos Alberto BITTAR: os direitos morais procuram

preservar as qualidades da pessoa em sua valoração pessoal, e os direitos

físicos são os que consideram a pessoa em seus dotes físicos ou atributos

naturais379. Para o autor, a imagem deve ser considerada bem jurídico dos

direitos físicos380, entendimento compartilhado por Roberto Senise LISBOA381.

Entre aqueles que possuem posicionamento contrário, que admitem

ser a imagem bem jurídico dos direitos morais, estão Walter MORAES, Limongi

FRANÇA, Francisco AMARAL, Milton FERNANDES, Pablo STOLZE e Rodolfo

PAMPLONA382. Integridade moral compreende a parte não material do

379

Curso de direito civil: v. 1, p. 68.

380 Idem, ibidem.

381 Manual de direito civil: Teoria Geral do Direito Civil, p. 210.

382 Nesse sentido, Walter MORAES, Direito à própria imagem (I), in RT 443, set. 1972, p. 74;

Limongi FRANÇA, verbete Direitos da Personalidade I, in Enciclopédia Saraiva do Direito, p.

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136

indivíduo, do seu eu psíquico, espiritual, que faz dele exatamente o que é, de

modo exclusivo, permitindo-lhe ter a expressão dessa característica na vida

social e na vida pública383.

Na classificação proposta por Santos CIFUENTES, os direitos que

compõem a integridade física são os que compreendem a existência vital do

corpo, do corpo e de suas partes, da saúde e dos meios de preservá-la e obtê-

la, e o destino do cadáver384. Para o autor, os direitos à imagem, bem como os

direitos à honra, à intimidade, à identidade e ao segredo pertencem ao que

denominou integridade espiritual385.

Pondera CIFUENTES que a estrutura espiritual e corporal do

homem exige considerar as manifestações humanas que se originam em

fenômenos anímicos, estéticos e morais, e os direitos da personalidade não

podem deixar à margem essas manifestações imateriais, daí concluir pela

integridade espiritual da pessoa386.

O emprego da palavra “espiritual” não deve causar estranheza, pois

é uma das acepções da palavra “moral” quando utilizada como adjetivo, por

exemplo na expressão “ciências morais”, que são as “ciências do espírito”387. A

despeito de não ser essa a denominação dos juristas brasileiros, os quais

preferem chamar de direitos morais (ou integridade moral), consideramos

apropriada a expressão cunhada por Cifuentes.

146; Francisco AMARAL, Direito Civil: introdução, p. 295; Milton FERNANDES, Os Direitos da Personalidade, in Estudos jurídicos em homenagem ao professor Caio Mário da Silva Pereira, p. 149. Pablo STOLZE e Rodolfo PAMPLONA, Novo curso de direito civil: parte geral, p. 174.

383 Tércio Sampaio FERRAZ Jr, Sigilo de dados: o direito à privacidade e os limites à função

fiscalizadora do Estado, in Sigilo fiscal e bancário, p. 21.

384 Derechos personalísimos, p. 229.

385 Idem, ibidem. Ressalta-se que o autor propõe uma divisão tríplice dos direitos da

personalidade, além da integridade física e da integridade espiritual, também da liberdade que inclui os direitos de ir e vir, de expressão de opinião e pensamento, sexual, de procriação (p. 443 a 452).

386 Derechos personalísimos, p. 453.

387 Nicola ABBAGNANO, verbete Moral (2), Dicionário de Filosofia, p. 795. Conforme o

verbete, o adjetivo Moral passou a ter significado genérico de “espiritual” principalmente nas línguas inglesa, francesa e italiana.

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137

O objeto de um direito é o bem protegido, que tanto pode ser uma

coisa ou um interesse. No caso do direto à imagem, o bem protegido é a

imagem da pessoa, que compreende o original e a reprodução.

Conforme os ensinamentos de Walter Moraes, imagem para o

Direito é “toda expressão formal e sensível da personalidade de um homem”388,

de tal modo que o bem jurídico imagem é objeto do direito nas mais variadas

manifestações, como a estática (pintura, retrato, fotografia, caricatura, molde) e

a dinâmica, com gestos e voz (filme, show, teatro, circo, palestra).

A imagem dinâmica é resultado direto do desenvolvimento

tecnológico que, além da captação da figura humana, tornou possível captar e

reproduzir a imagem do ser humano em movimento389, como também permitiu

gravar a sua voz.

Adriano de CUPIS reconhece a existência da proteção da imagem

dinâmica, por ele denominada de reprodução cinematográfica, que consiste na

reprodução da própria pessoa diretamente sobre a película, pois a única

diferença desta para a pintura ou fotografia é que na imagem dinâmica a

pessoa é reproduzida em movimento390.

Também considera que há proteção legal na reprodução teatral ou

cinematográfica, em que um artista reproduz na cena ou película a figura, os

gestos, a atitude de uma pessoa. Esta representação da pessoa em um

espetáculo público é chamada de máscara cênica. Nela, a figura propriamente

dita, a voz e os gestos compõem uma reprodução do retratado ainda mais

expressiva que uma simples fotografia, o que assegura ao indivíduo a defesa

contra este modo de difusão de sua imagem391.

388

Op. cit., p. 64.

389 Conforme citado neste trabalho, já em 1922 o Juiz Octávio Kelly reconheceu os direitos da,

à época, Miss Brasil Zezé, que sem ter autorizado teve sua imagem, saindo do mar, captada em um filme de atualidade.

390 Adriano de CUPIS, Os direitos da personalidade, p. 144.

391 Adriano de CUPIS, op. cit., p. 144.

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Quanto ao momento da execução da imagem dinâmica, ele pode ser

imediato (ao vivo como teatro, show ou transmissão on-line), ou mediato,

quando as mesmas manifestações são gravadas mas apresentadas em

momento posterior (filme).

A imagem engloba a figura total do ser humano e também as partes

destacadas dele, como olhos, nariz, mãos, pés, entre outras.

Walter MORAES afirma: com o fim de as partes do corpo humano

serem protegidas pelo direito à própria imagem é necessário ser possível

reconhecer por meio delas o indivíduo392. Quanto a essa afirmação é preciso

considerar que, se o todo compreende a parte, a parte traz consigo o todo, ou

seja, se a figura humana possui mãos, essas mãos compõem um ser único e

individualizado. Portanto, a captação de sua imagem somente pode ocorrer se

ela for autorizada.

Sobre a necessidade de condicionar a proteção do direito à

possibilidade de reconhecimento, basta que o próprio titular da imagem se

reconheça. Assim sendo, não é necessário que terceiros o façam, pois

algumas partes do corpo, como mãos e pés, por exemplo, são de grande

interesse para a indústria da propaganda e, ainda que o público em geral não

consiga reconhecer de quem são aquelas mãos ou aqueles pés, o indivíduo

que reconhece parte de seu corpo em publicidade, não tendo dado autorização

para tanto, pode reclamar a violação do seu direito à própria imagem.

Quanto à voz, Adriano de CUPIS afirma ser ilegítima a reprodução

isolada da voz de uma pessoa sem o seu consentimento e, por analogia ao

direito de imagem, é possível construir o direito à voz393. Já Roberto Senise

392

Idem, p. 65.

393 Os direitos da personalidade, p. 155. Mesmo entendimento de Alfredo ORGAZ, Personas

individuales, p. 169 e Luis DIEZ-PICASO, Antonio GULLON, Sistema de derecho civil: introducción, derecho de la persona, negocio jurídico, p. 325.

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LISBOA não trata de analogia, mas de direitos distintos: direito à imagem e

direito à voz394.

Para Pontes de MIRANDA, há um equívoco no entendimento de que

a garantia ao direito à voz ocorre por analogia ao direito à imagem, pois

entende que a voz está contida no conteúdo do direito à própria imagem395.

Pelo mesmo motivo, equivoca-se LISBOA, uma vez que é desnecessário um

novo direito porque um contém o outro. A voz é componente da imagem396.

É mister considerar, porém, em favor dos que admitem um direito à

voz, o dispositivo constitucional que assegura a proteção à reprodução da

imagem e voz humanas, até mesmo nas atividades desportivas (inc. XXVIII, a,

do Art. 5º). Contudo, a partir da perspectiva adotada neste trabalho, a exegese

do inciso não permite afirmar que há um direito autônomo à voz, mas que o

direito de arena (o tema tratado no inciso) compreende também a voz397.

A questão sobre se a voz pertence ao conteúdo do direito à imagem,

se sua proteção deve ser construída por analogia, ou se é um direito

autônomo, retoma ao conceito do que é imagem. Isso porque se fixamos o

sentido de que imagem é a forma da personalidade398, evidentemente que a

voz compõe o seu conteúdo, porque além do componente identificador

(aspecto este que fundamenta o entendimento de Pontes de Miranda), a voz,

como o olhar, expressa o espírito. 394

Manual de direito civil: teoria geral do direito civil, v. 1, p. 226. No mesmo sentido é o entendimento de Roxana Cardoso Brasileiro BORGES, Dos direitos da personalidade, in Teoria geral do direito civil, p. 268.

395 Tratado de direito privado: parte especial: tomo VII, § 738, p. 111.

396 No mesmo sentido é o entendimento de Antonio CHAVES quando exemplifica a hipótese de

usurpação de voz alheia para fins comerciais no caso ocorrido com a atriz norte-americana Katharine Hepburn, a qual exigiu indenização por danos morais na corte federal de Nova York contra uma agência de publicidade que em propaganda de rádio usou uma voz como se fosse a dela, para anunciar um produto. (Direito à própria imagem, in RT 451, maio de 1972, p. 19.)

397 A mesma interpretação deve ser dada ao disposto no Art. 90, §2º da Lei n. 9610, de 19-2-

1998, sobre direitos autorais, ao estabelecer que “A proteção aos artistas intérpretes ou executantes estende-se à reprodução da voz e imagem, quando associadas às suas atuações”.

398 Walter MORAES ao analisar o pensamento de G. PUGLIESE constrói uma frase que explica

o sentido do que se quer afirmar: a imagem é a misteriosa e quase divina emanação da personalidade (Il preteso diritto alla riservatezza e le indiscrezioni cinematografiche, p. 118, in Foro Italiano, Roma: SEP, 1954 apud, Direito à própria imagem (I), in RT 443, set. 1972, p. 87.)

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O direito à própria imagem envolve também a caricatura. A

caricatura, tal qual o retrato obtido por meio de pintura ou de fotografia, permite

o reconhecimento e pode até mesmo exprimir mais sobre o interior da pessoa

que os outros meios399. Observa Pontes de MIRANDA que a caricatura tem

grande valor identificativo, não podendo ser atribuída a outrem sem ofender à

identidade pessoal400.

A despeito de a caricatura ser considerada imagem, há certa

tolerância no seu uso, pois frequentemente é utilizada como charge para

informar e criticar com humor acontecimentos cotidianos e políticos. A

aceitação da caricatura por meio da charge é admitida pela doutrina401, que

ressalva, no entanto, a necessidade da imposição de limites.

Esses limites encontram-se determinados no Art. 20 do Código Civil

ao dispor que a utilização da imagem alheia pode ser proibida se atingir a

honra, a boa fama ou a respeitabilidade do titular ou se, não autorizada, se

destinar a fins comercias. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro apreciou a

questão de violação de direito à imagem por meio de caricatura em que pessoa

mundialmente conhecida era representada utilizando vaso sanitário, que

conforme consta no texto do acórdão “não retrata o autor em situação

agradável, muito embora corriqueira na intimidade”. Além desse fato, a

caricatura fora colocada na porta de banheiro de bar de propriedade de pessoa

também mundialmente conhecida, trazendo para o empreendimento ampla

divulgação na imprensa, o que para o Tribunal “constitui uso da imagem do

primeiro recorrente, para fim de lucro, caracterizando o dano material”402.

399

Pontes de MIRANDA, Tratado de direito privado: parte especial: tomo VII, § 738, item 7, p.119.

400 Idem, ibidem. Ressalta-se que Pontes de Miranda entende que o direito à imagem é

manifestação do direito à identidade pessoal, conforme item 4.1.7.

401 GITRAMA González, Op. cit., p. 305. Jacqueline Sarmento DIAS afirma: “Acreditamos no

profissionalismo dos chargistas e eles fazem de sua arte um meio de representar o dia a dia. Os humoristas profissionais fazem do riso o meio de vida e da imagem alheia a sua inspiração”. (O direito à imagem, p. 77).

402 Ementa: AÇÃO INDENIZATÓRIA. CARICATURA ADORNANDO PORTA DE BANHEIRO

DE BAR TEMÁTICO. MÁCULA À IMAGEM DO AUTOR E SEU USO PARA DIVULGAÇÃO DO BAR, APROVEITANDO-SE DA NOTORIEDADE DAS PESSOAS ENVOLVIDAS. (...). DANOS MATERIAIS E MORAIS INEGÁVEIS. (...). (TJRJ, 15ª CC, Ap. 2001.001.15055, DES. GALDINO SIQUEIRA NETTO, j. 26.03.2003).

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Mister se faz considerar que a caricatura não se limita a charges. O

desenvolvimento tecnológico permite realizar caricaturas e desenhos a partir de

fotografias403, o que reafirma ser a caricatura meio de representação da

imagem da pessoa.

A imitação é outra maneira de se atingir o direito à imagem. Maria

Luiza Andrade Figueira de Sabóia CAMPOS, ao analisar o direito à imagem na

propaganda, cita casos ocorridos nos Estados Unidos que ilustram como a

imagem é atingida por meio de imitação. O primeiro exemplo ocorreu em

outubro de 1981 quando o Tribunal Federal de Manhattan (Nova Iorque)

declarou ter o musical da Broadway “A Day in Hollywood/A Night in the

Ukraine” violado o direito à imagem dos três Irmãos Marx (Harpo, Groucho e

Chico) ao imitá-los sem prévia permissão de seus herdeiros. O segundo caso,

até mais interessante, envolveu Jacqueline Onassis versus Christian Dior New

York, Inc., que teve reconhecido seu direito à imagem com o objetivo de

impedir que Barbara Reynolds (uma secretária que se parecia muito com ela)

de aparecer como se ela (Jacqueline Onassis) fosse. Esse caso, segundo a

autora, restringiu o uso de sócias na propaganda404. No Brasil, sempre há

notícia das disputas judiciais sobre as imitações do apresentador de televisão

Silvio Santos, que vê seus gestos, seu modo de vestir (notadamente o terno

com o microfone na gravata), sua risada, seu cabelo, sua voz, enfim sua

imagem (como conjunto de todos esses elementos), utilizados nas mais

diversas situações, principalmente em programas humorísticos concorrentes a

seu canal de televisão.

A doutrina diverge sobre se viola o direito à imagem os escritos ou a

narração sobre a pessoa, ainda que o autor da obra faça pequenas alterações,

403

Ementa: Ação Indenizatória. Dano à imagem. Foto da autora e de seu filho menor, alterada por meio de desenho caricatural, baseado em foto que ilustrou reportagem veiculada na revista “VEJA RIO”, utilizado em campanha publicitária para divulgação de empreendimento imobiliário, sem expressa autorização. A mera exposição da imagem de alguém, sem sua autorização expressa e prévia, por si só, caracteriza agravo ao direito personalíssimo da imagem desta pessoa, independente de outras ofensas subseqüentes, que lhe maculem a honra, o bom nome, sua fama, intimidade ou privacidade. Dano moral configurado. (...). (TJRJ, 9ª CC, Ap. nº 2008.001.58117, Des. Sérgio Jerônimo Abreu Da Silveira, j. 03.03.2009.). (Negrito nosso.)

404 Direito à imagem na propaganda, in Revista de Direito Civil: Imobiliário, agrário e

empresarial, p. 131 e 132.

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como mudança de nome e de localização. GITRAMA Gonzalez denomina essa

situação de “retrato literário” e a define como obra artística em que o autor

descreve determinadas circunstâncias da vida e de traços característicos da

identidade que permitem o reconhecimento da pessoa. Para o autor, essa

situação não é própria do direito à imagem. Evidentemente, faz a ressalva de

que eventual dano ou prejuízo decorrente de ataque à honra ou à reputação

deve ser admitido405.

O ponto de vista de GITRAMA sustenta-se em sua delimitação do

“tema do direito a própria imagem, que – insistimos – não é a propriamente

imaginativa ou psicológica, mas na plasmação real ou material da figura da

pessoa em forma reconhecível, por exemplo, em um retrato a óleo ou uma

fotografia”406. Em razão dos mesmos motivos o autor afirma que o retrato

falado não é objeto do direito à imagem407.

No entanto, a interpretação do Art. 20 do Código Civil permite outro

entendimento, pois se atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade ou

se destinados a fins comercias, a divulgação de escritos, a transmissão da

palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem podem ser

proibidas, ressalvadas as hipóteses de autorização ou se necessárias à

administração da justiça ou à manutenção da ordem pública. Nesse sentido

decidiu o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro sobre litígio em que

características físicas e fatos da vida pessoal de determinada pessoa foram

mencionados em obra literária e, posteriormente, em filme sem sua

autorização, apesar da utilização de nome fictício408. O Tribunal concluiu que

405

Imagen (Derecho a la propia), in Nueva enciclopedia jurídica, p. 305

406 Idem, ibidem.

407 Ibidem.

408 Ementa: Ação de Obrigação de Fazer c/c Indenização, envolvendo a obra literária "MEU

NOME NÃO É JOHNNY" - Menção, na obra literária e no filme, sobre a pessoa do autor, inclusive com relação as suas dificuldades sexuais por ser o mesmo paraplégico, valendo-se de personagem com o nome fictício de Alex, sem autorização. Conjunto probatório que demonstra que a obra em questão retrata não só o personagem principal da história, João Estrela, como seus amigos, familiares e companheiros de empreitada criminosa, dentre estes últimos, o personagem Alex, que, pelos elementos constantes das narrativas, permitem a perfeita identificação do autor do presente litígio. Conflito entre direitos fundamentais previstos constitucionalmente - O direito à livre expressão da atividade intelectual e de comunicação não pode ser exercido abusivamente, mas, muito pelo contrário, deve respeitar os estreitos limites impostos pela Lei Maior, sob pena de violar valores essenciais, de idêntica estatura jurídica e

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houve uso indevido da imagem, além de violação, por outras razões, à

intimidade e à vida privada.

Há ainda o entendimento de que a violação do direito à imagem

também pode ocorrer por meio de biografias. Com o escopo de alterar os

artigos 20 e 21 do Código Civil, a Associação Nacional dos Editores de Livro

(Anel) propôs, em 5 de julho de 2012, Ação Direta de Inconstitucionalidade

(Adin 4815) junto ao Supremo Tribunal Federal com o fundamento que

infringem os incisos IV, IX e XIV do Art. 5º da Constituição Federal. Para a

Associação, a legislação brasileira só permite a biografia com autorização

prévia do biografado, o que, segundo a Associação, não ocorre em outros

países ocidentais onde “a publicação de biografias não encontra tantas

barreiras, o que faz do caso brasileiro uma espécie de jabuticaba do universo

editorial”.

4.5.1. Imagem-científica

Maria Helena DINIZ ao analisar vários aspectos sobre biodireito

menciona a existência e a importância jurídica sobre o que chamou de

imagem-científica. A autora define como imagem-científica o DNA, uma vez

que o DNA carrega o material humano de determinado sujeito de modo

absolutamente único, pois contém todos os caracteres genóticos do indivíduo.

Essa imagem-científica, para Maria Helena DINIZ, pode ser atingida

por exemplo na hipótese de investigação histórico-genética em que, por meio

de manipulação genética de restos cadavéricos, seja possível conhecer

igualmente protegidos pelo ordenamento constitucional, em especial a intimidade, a vida privada e a honra das pessoas. No mesmo sentido o artigo 20 do Código Civil. Obra intelectual que se destina a exploração comercial e econômica, não obstante o interesse social e a referência pedagógica - Ausência de autorização expressa do autor - Dano moral configurado -Sucumbência recíproca - Provimento parcial do recurso. – TJRJ, Apel. 0028427-24.2008.8.19.0001, PRIMEIRA CAMARA CIVEL, Rel. CAMILO RIBEIRO RULIERE, j. 5/10/2010.

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debilidades ou enfermidades hereditárias de personalidade histórica admirada,

atingindo a sua imagem-atributo409.

Entende, assim, que a imagem-científica deve ser preservada da

mera curiosidade; exames e rastreamento genéticos devem ser realizados

apenas por razões terapêuticas e com autorização da pessoa ou de seus

familiares.

Outra hipótese levantada pela autora é se juridicamente seria

possível a clonagem humana. Em seu entendimento os incisos V e X do Art. 5º

da Constituição Federal, ao resguardarem o direito de imagem, impedem a

técnica da clonagem humana, pois, uma vez que os genes carregam todas as

características do indivíduo, elas seriam completamente transferidas ao clone,

constituindo, assim, violação à imagem-científica. Clonar um ser humano é, em

sua opinião, a mais violenta das invasões do direito de imagem410.

Ressalte-se, porém, que tanto o conceito quanto a denominação

“imagem-científica” ainda carecem de maior precisão técnica. Na quinta

Jornada de Direito Civil, por exemplo, foi aprovado enunciado que afirma que

as informações genéticas são parte da vida privada411.

A denominação imagem-científica para proteção das informações

genéticas é pouco apropriada, pois o que existe é um código genético exclusivo

e único de cada um, em que seu conhecimento e cópia violam o segredo de

cada ser humano.

4.5.2. A imagem das coisas

409

O estado atual do biodireito, p. 374.

410 Maria Helena DINIZ, op. cit., p. 440.

411 Enunciado 405: Art. 21: As informações genéticas são parte da vida privada e não podem

ser utilizadas para fins diversos daqueles que motivaram seu armazenamento, registro ou uso, salvo com autorização do titular. V Jornada de Direito Civil, realizada pelo Conselho da Justiça Federal, nos dias 9, 10 e 11 de novembro de 2011, em Brasília.

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A definição da palavra imagem engloba a representação, a

percepção ou o reflexo de um ser ou um objeto (coisa)412, o que significa dizer

que os objetos (as coisas) possuem imagem. Esse objeto é protegido pelo

direito à imagem?

Exemplificando, o proprietário de uma casa ou morador de um

edifício de algum modo notável, seja porque é bem cuidado, com um lindo

jardim, ou mal cuidado, ou, ainda, porque é arquitetonicamente interessante ―

por razões históricas, por traços de beleza ou ousadia ―, pode impedir a

reprodução e divulgação da imagem dessa casa, jardim ou edifício?

Gitrama GONZÁLEZ responde à questão afirmando que se o

interesse é arquitetônico, a obra criativa está protegida pelo direito de autor, tal

qual uma obra de arte exposta em um museu. Desse modo, apenas com a

autorização do autor a obra pode ser fotografada e reproduzida413. Se, todavia

o objeto pode ser observado da via pública e o interesse seja, por exemplo,

estético, nada impede que seja fotografado, o que não ocorre na hipótese de o

fotógrafo necessitar escalar muro para fotografar, pois, nesse caso, infringirá

direito de propriedade.

É possível que uma pessoa deseje impedir a divulgação da imagem

de sua residência por razões de segurança ― ainda mais nos dias de hoje, em

que é possível se obter imagem fotográfica por via satélite ou avião, e

disponibilizá-la na rede mundial de computadores como o Google Earth ou

Google Maps414. Nesse caso, haveria um direito à imagem da própria casa? O

melhor entendimento é negativo: o bem tutelado atingido não é o de imagem

da pessoa, mas o da intimidade, vida privada ou honra415.

412

Vide segundo parágrafo do item 3.3. “A palavra ‘imagem’”.

413 Imagen (Derecho a la propia), in Nueva enciclopedia jurídica, p. 308.

414 Ambos são aplicativos de localização.

415 Ementa: RESPONSABILIDADE CIVIL - Dano moral - Google Maps - Serviço da ré que

disponibilizou na 'internet' imagem da residência do autor vinculada a seus dados pessoais? Alegação de impossibilidade técnica para impedir a ocorrência de fatos como esse que não convence? Ademais, irrelevante prova dessa impossibilidade ante a teoria do risco da atividade - Ofensa aos direitos à privacidade e segurança do autor - Devida indenização por dano moral - Redução do valor arbitrado na origem em observância aos princípios da proporcionalidade, razoabilidade e modicidade - Desprovido apelo do autor e provido em parte

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146

O mesmo acontece em relação a um automóvel que, por ser

identificado pelo emplacamento ao ser fotografado, pode indicar os hábitos de

seu motorista. Afastada a hipótese de utilização dessas imagens para solução

de crimes ou de multas de trânsito, a placa do automóvel não deve ser

identificada em razão de direito à privacidade.

Quanto aos animais, principalmente àqueles que recebem afeto de

seus donos, tratados como ente familiar, há direito à imagem?

Muitos animais são utilizados como modelos de campanha

publicitária ou participam de obra cinematográfica ou de televisão, e, para

tanto, sua imagem deve ser autorizada pelo seu proprietário. Contudo, se o

animal for fotografado sem autorização do dono e se for considerado por seu

dono como um ente familiar, o bem jurídico atingido certamente não é o da

imagem do animal416, mas talvez o da intimidade de seu proprietário. Fazendo

uma aproximação para melhor entender o caso, seria como se o guarda-roupa

de alguém fosse fotografado sem autorização. Há bens e objetos que se deseja

preservar dos olhos alheios, que pertencem à esfera privada, e os animais de

estimação são exemplos deles.

Desse modo, não é possível admitir um direito à imagem das

próprias coisas como extensão do direito à própria imagem da pessoa417, o que

apelo da ré, apenas para baixar valor da indenização. TJSP, Apel.: 0195078-74.2010.8.26.0100, 6ª Câmara de Direito Privado, Rel. Costabilè e Solimene, j. 20/10/2011. (Negrito nosso.)

Ementa: Responsabilidade civil. Direito à informação. Liberdade de imprensa. Notícia veiculada em jornal. Exibição de fotografia da residência da autora indicando ser a residência de criminoso ligado ao tráfico de entorpecentes. Informação inverídica. Negligência do meio de comunicação ao exibir notícia de interesse público sem a necessária cautela limitações ao direito de informar. Violação de direito da personalidade. Honra ofendida. Dano moral caracterizado. Publicação de errata não descaracteriza a ofensa. "Quantum" indenizatório que comporta redução. Recurso parcialmente provido. TJSP, Apel. 0124004-37.2008.8.26.0000. 10ª Câmara de Direito Privado, Rel. Coelho Mendes, j 11/12/2012. (Negrito nosso.)

416 Ementa: Responsabilidade civil - Uso indevido da imagem de gata - Indenização indevida,

pois o artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal protege apenas o direito da personalidade da pessoa humana e não dos animais - Caso em que inexistiu o dano apontado - Recurso improvido. TJSP, Apel.: 9193014-25.2002.8.26.0000. 9ª Câmara de Direito Privado. Rel. José Luiz Gavião de Almeida, j. 16/3/2010.

417 DANO À IMAGEM. Fachada de Casas. Divulgação de Fotos em Stand de Vendas, Violação

dos Direitos à Imagem e à Intimidade. Inocorrência. O Direito à imagem, por ser personalíssimo, exclusivo da pessoa física, não se estende a coisas e animais, pelo que

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ocorre é direito de propriedade sobre a coisa, ou direito de autor, ou ainda

direito à intimidade (ou privacidade), a vida privada, à honra.

4.6. Conteúdo do direito de imagem

O direito à imagem apresenta conteúdo positivo e negativo418. O

conteúdo positivo consiste no direito de dispor do uso da imagem de maneira

ampla, compreendendo a faculdade de fruição, exposição, reprodução e

modificação da própria imagem. O conteúdo negativo dá-se pela oposição ou

proibição do uso da imagem com fulcro de defendê-la e preservá-la contra a

usurpação, falsidade, adulteração ou transformação e na reprodução não

consentida419.

Logo, o conteúdo do direito de imagem consiste na faculdade

específica atribuída ao titular de constranger os outros ao respeito e de manter

para si a decisão de divulgação ou não de sua imagem.

4.6.1. Direito de dispor da imagem

O titular do direito à imagem tem o direito de dispor da sua imagem,

ressalta-se que dispor não é privar-se, e, sim, destinar, fazer da coisa o que

bem entender, ressalvado eventuais limitações previstas no ordenamento. O

aspecto central do ato de dispor está na vontade do titular de dar destinação a

não se pode falar em dano moral pelo simples fato de terem sido divulgadas fotos de casas residenciais no stand de vendas da empresa construtora, sem violação da intimidade nem da vida privada dos seus proprietários ou moradores. Inocorre, igualmente, dano material se as fotos divulgadas não acarretaram nenhuma redução patrimonial para os autores, mas, pelo contrário, até valorização do imóvel. Desprovimento do recurso. TJRJ, Apel.: 2004.001.06005, 2ª Câmara Cível, Rel. SERGIO CAVALIERI FILHO, j. 20/04/2004. (Negrito nosso.)

418 Miguel Maria de Serpa LOPES, Curso de direito civil: introdução, parte geral e teoria dos

negócios jurídicos, vol. 1, p. 274.

419 Idem, ibidem.

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esse bem jurídico. Na faculdade de autorizar ou consentir revela-se o seu

direito de dispor420.

Essa declaração da vontade pode se manifestar de modo expresso

ou tácito. Manifestação expressa de vontade pode se dar por meio de escrita,

fala ou mímica (gestos). A manifestação tácita consiste em comportamento da

pessoa que indica a exteriorização da vontade, podendo ocorrer até mesmo

pelo silêncio quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem e quando não

for exigível declaração de vontade expressa (Art. 111 do Código Civil).

Entre os direitos de dispor da imagem está o de permitir que esta

seja capturada. Essa captação pode ocorrer pelo consentimento tácito em

relação à pessoa natural, afinal a não ser que viva absolutamente isolada, há

sempre autorização para que o outro capture sua imagem por meio dos

sentidos, mais comumente pela visão421. Quanto à pessoa jurídica, é difícil

imaginar situação hipotética que se admita o consentimento tácito, pois

necessita sempre de manifestação expressa de seus representantes, já que

suas manifestações de vontade exigem conformidade com seu ato constitutivo

(conforme Art. 46, III, Art. 47 e Art. 48 do Código Civil).

Antonio CHAVES ponderando sobre o exercício do direito à imagem

enumera cinco situações: uso gratuito da imagem mediante consentimento

tácito; uso gratuito mediante consentimento expresso; uso mediante

pagamento; uso contra a vontade do interessado e uso ofensivo e torpe422.

Não obstante a proveitosa percepção do autor sobre as situações

referidas, observa-se que se dividem em uso consentido e sem consentimento.

Na análise dessas situações, adotamos neste trabalho a terminologia de

420

Walter MORAES, Direito à própria imagem (II), in RT 444, outubro de 1972, p. 16.

421 Vide item 4.3. Proteção jurídica da imagem. O exemplo do diálogo do transeunte com

fotógrafo ilustra essa situação: Diz o transeunte: ― Eu não quero prestar-me a nenhuma espécie de retrato; e creio que posso pretender que ninguém se atreva a fixar o meu semblante contra a minha vontade. Responde o fotógrafo: ― A tua vontade me é indiferente. Posso ver-te, logo, posso fotografar-te. (o exemplo é de Karl Von Gareis – Das Recht am eigenen bilde (1902) -, mas citado e comentado por diversos doutrinadores, entre eles Walter Moraes, Direito à própria imagem I e II, p. 78 e p. 21).

422 Antonio CHAVES, Tratado de direito civil: parte geral, p. 540 a 545.

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cessão do uso da imagem para as situações em que há consentimento, ainda

que seja tácito.

A cessão de uso do direito à imagem tem caráter excepcional, visto

que a imagem é bem jurídico pertencente aos direitos da personalidade, razão

pela qual a interpretação da cessão de uso deve ser restritiva. Essa cessão de

uso da imagem permite divulgação, reprodução, multiplicação e até

comercialização da imagem.

Cessão do uso gratuito da imagem mediante consentimento tácito:

partindo da ideia de que imagem é reprodução por meio de fotografia,

escultura, caricatura, pintura etc., Antonio CHAVES admite a divulgação da

imagem por consentimento tácito. Ilustra seu entendimento em dois exemplos:

O das fotografias expostas em vitrine dos antigos estúdios fotográficos, que

serviam como decoração e propaganda do trabalho do fotógrafo, que em vez

de aborrecer, lisonjeavam o retratado. E, ainda, na situação em que um

cidadão comparece em público em companhia de um personagem célebre, que

sofre pela sua notoriedade uma limitação do seu direito a imagem, sendo lógico

que o acompanhante conhecedor dessa popularidade aceite as consequências

que possam decorrer sobre a sua pessoa423.

Há de se realizar, no entanto, algumas considerações a respeito

desse entendimento. O autor confunde nos exemplos dados dois momentos

distintos: o da captação e o da divulgação da imagem. Para a captação não

resta dúvida ser admissível o consentimento tácito, pelas razões expostas nos

parágrafos acima, mas para a publicação, a divulgação e a exposição da

imagem, embora seja consequência da captação, são independentes entre si.

O exemplo dos estúdios fotográficos que exibiam as fotos de seus

clientes pode ser considerado na atualidade, singelo, inocente, romântico. Com

o advento e a popularização das câmaras digitais, da internet e das redes de

relacionamento, a exposição da imagem na rede mundial de computadores

pode ser autorizada tacitamente? Essa é uma situação excepcional, apesar de

423

Tratado de direito civil: parte geral, p. 540.

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numerosa. A exposição da imagem de outrem no álbum virtual de fotos de

amigos que pertencem à mesma rede de relacionamento pode ocorrer por

consentimento tácito, contudo alerta-se que essa autorização não comporta em

comercialização, divulgação em outras páginas da rede ou mesmo em

alterações digitais dessa imagem.

Quanto ao exemplo dado por Chaves de que aquele que acompanha

pessoa notória aceita tacitamente o uso da sua imagem em consequência da

notoriedade do outro, isso não é mais admissível. A tecnologia permite que o

fotógrafo desfoque (borre) a imagem da pessoa que não goza de notoriedade,

resguardando seu direito à imagem, e, no caso do exemplo, resguarde o direito

à vida privada.

Decisão judicial de interesse sobre o tema é o conhecido Caso do

Topless424. Comenta Anderson SCHREIBER que o Superior Tribunal de Justiça

presumiu que o comportamento da jovem de estar em pé em praia lotada

ensejou o entendimento de que houve o seu consentimento tácito para a

captação e difusão de sua imagem para público imensamente superior aos

presentes no local425. O autor critica esse posicionamento para destacar que a

autorização, especialmente a tácita, deve ser interpretada restritivamente426.

Cessão de uso gratuito mediante consentimento expresso: é

situação em que pessoa aceita ou tolera a divulgação de sua imagem. Nessa

situação não se cogita em violação a qualquer direito, pois o foco de atenção

reside no fim determinado consentido pela pessoa, de modo que não se podem

ultrapassar as delimitações expressas do consentimento427.

Sobre consentimento expresso é curioso o caso de atriz e modelo

que disse em entrevista: “Eu queria aproveitar essa entrevista para agradecer a

todos os fotógrafos e redatores, para continuarem tirando fotos de mim as mais

424

Referido neste trabalho no item 4.1.3. Teoria do direito à imagem como expressão do direito à intimidade. (REsp 595600/SC: Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, 4ª Turma, j. 18.03.2004, DJ 13/9/2004, p. 259)

425 Direitos da personalidade, p. 114.

426 Idem, ibidem.

427 Op. cit., p. 541.

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ousadas possíveis, escrever as coisas mais absurdas para chocar todo o

mundo, para botar o Brasil inteiro a falar de mim. Quanto mais eles fizerem

isso, mais popular eu fico”. O STJ entendeu que a publicação de fotografia da

atriz/modelo em revista foi consentida de forma expressa428.

Cessão do uso mediante pagamento: A profissão de modelo e

manequim é exemplo dessa situação, mas não se restringe a essa profissão e

tampouco se restringe à necessidade de ser profissional. Toda pessoa mesmo

sem ter como fonte de renda a sua imagem está autorizada a ceder seu uso

mediante pagamento.

Cessão do uso da imagem mediante pagamento não se restringe à

reprodução. Parte dos ganhos de uma “celebridade” é a sua participação em

eventos como festas de debutantes, inauguração de lojas e restaurantes,

festas de lançamento de produtos, presença em camarotes corporativos, e

tantos outros, em que é remunerada apenas pela sua presença, não

importando, em muitos casos, no compromisso de posar para fotos ou filmes.

Ainda sobre a cessão de uso da imagem mediante pagamento, é

oportuno analisar o direito de arena, no qual o atleta profissional, notadamente

o de futebol, é contratado para jogar, mas para exercer sua profissão deve se

exibir em público com as cores e símbolos de seu empregador, podendo o

evento esportivo ser televisionado e exibido por todo o país e até pelo

mundo429. Essa cessão de uso da imagem do atleta em eventos esportivos é

denominada Direito de Arena, previsto constitucionalmente no Art. 5º, XXVIII,

a430.

428

REsp 230.306/RJ, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, julgado em 18/5/2000, DJ 07/08/2000, p. 113.

429 Jorge Miguel Acosta SOARES, Direito de imagem e direito de arena no contrato de

trabalho do atleta profissional, p. 79. Sobre o tema: Silmara Juny CHINELATO, Direito de arena, direito de autor e direito à imagem, in Estudos de direito de autor, direito da personalidade, direito do consumidor e danos morais. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002, p. 3 a 24.

430 O Direito de Arena foi regulamentado pelo Art. 42 da Lei 9.615 de 1998, conhecido como Lei

Pelé, que prescreve ser a entidade esportiva o titular desse direito. (Art. 42: Pertence às entidades de prática desportiva o direito de arena, consistente na prerrogativa exclusiva de negociar, autorizar ou proibir a captação, a fixação, a emissão, a transmissão, a retransmissão

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No direito de arena há a cessão de uso da imagem mediante

pagamento de modo indireto, uma vez que o atleta profissional cede o uso de

sua imagem gratuitamente ao empregador (entidade desportiva), recebendo

posteriormente um repasse em dinheiro da entidade sindical, que tem uma

porcentagem do valor negociado pela entidade desportiva431.

Ressalte-se que o direito de arena não é direito à imagem, porque o

titular do direito de arena é a entidade desportiva. O atleta continua a ser o

titular do direito à sua própria imagem.

Antonio CHAVES ainda identifica as situações de uso contra a

vontade do interessado e uso ofensivo ou torpe: são aquelas que ensejam os

atos de conteúdo negativo do direito de dispor da própria imagem, a fim de

defendê-la e preservá-la.

Uso contra a vontade do interessado compreende qualquer

reprodução da imagem alheia e por qualquer meio (retratos pintados a mão,

reprodução de imagens por meio de fotos, filmes, mudos ou falados, imagens

em alto ou baixo relevo, figuras de gesso, madeira, mármore, acrílico, vidro,

metal, cimento, massa, barro cozido etc.432, e, ainda, como já apontado no

trabalho, caricatura e bibliografia).

Considera-se uso contra a vontade do interessado se, ainda que

eventualmente tenha sido autorizado, ultrapassar a finalidade, o tempo, o

veículo ou o modo estabelecido pelo titular da imagem433.

Uso ofensivo ou torpe ocorre quando por meio da imagem da

pessoa se objetiva atingir a sua honra, boa fama ou respeitabilidade434. O Art.

ou a reprodução de imagens, por qualquer meio ou processo, de espetáculo desportivo de que participem.)

431 § 1º, do Art. 42: Salvo convenção coletiva de trabalho em contrário, 5% (cinco por cento) da

receita proveniente da exploração de direitos desportivos audiovisuais serão repassados aos sindicatos de atletas profissionais, e estes distribuirão, em partes iguais, aos atletas profissionais participantes do espetáculo, como parcela de natureza civil. (Redação dada pela Lei nº 12.395, de 2011.)

432 Antonio CHAVES, Tratado de direito civil: parte geral, p. 542.

433 Roxana Cardoso Brasileiro BORGES, Dos Direitos da Personalidade, in Teoria geral do

direito civil, p. 268.

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20 do Código Civil prescreve essas finalidades como causa para o exercício do

direito de proibir o uso da imagem, além de eventual indenização.

4.6.2. Limites ao direito à imagem

O reverso do direito de dispor da imagem encontra-se em

circunstâncias em que o interesse geral se sobrepõe aos interesses do titular

do direito à imagem, permitindo o uso da imagem alheia, mesmo sem o

consentimento. Essas circunstâncias são limites ao direito à imagem que

neutralizam a proteção desse direito435.

Walter MORAES elucida que os limites do direito à imagem

decorrem de sua própria natureza de direito essencial e da prevalência do

interesse público436.

Como decorrência da proteção de um bem jurídico essencial, a

pessoa titular pode exercer sobre a imagem os atos de disposição que lhe

aprouver, salvo os que implicam em privar-se dela437. Indubitável que a pessoa

pode expor, divulgar, multiplicar e até comercializar o uso de sua imagem,

como também poderá impor os limites a essas faculdades, entretanto não

poderá destruir a sua imagem original, uma vez que deixará de existir.

Oportuno é conjecturar sobre as circunstâncias dissociadas da

vontade do titular do exercício do direito à imagem, que implicam em limitações

ou restrições ao exercício do respectivo direito.

434

Antonio CHAVES cita acordão do TJSP da 6ª Cam. Civ., que em 1/4/1949 decidiu sobre caso de fotografia não autorizada e com finalidade maliciosa: “O retrato é uma emanação da pessoa, e sua representação por meio físico ou mecânico. Ninguém pode ser fotografado contra sua vontade, especialmente para ser pivô de escândalos” (Revista do Tribunais, vol. 180/161). Op. cit., p. 545.

435 Manuel GITRAMA GONZÁLEZ, Imagen (Derecho a la propia), in Nueva enciclopedia

jurídica. T. 11, p. 350.

436 Direito à própria imagem (II), in RT 444, p. 23.

437 Idem, ibidem.

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154

Walter MORAES identifica quatro circunstâncias limitativas do direito

de dispor do titular da imagem que possibilitam a livre difusão dela, que são:

notoriedade do sujeito, interesse de ordem pública, interesse cultural e a

presença de pessoa (sujeito) em cenário público438. GITRAMA GONZÁLEZ

aponta: a popularidade da pessoa, necessidades de justiça, finalidade

científica, didática e cultural, fatos de interesse público ou eventos púbicos439.

Adriano de CUPIS expõe as seguintes circunstâncias conforme a lei italiana da

época: notoriedade da pessoa, cargo público exercido, necessidade de justiça

ou de polícia, fins científicos, didáticos ou culturais, repercussão relacionada

com fatos, acontecimentos, cerimônias de interesse público ou ocorridas em

público440. Já Zulmar Antonio FACHIN apresenta as seguintes circunstâncias:

interesse da segurança nacional, interesse da investigação criminal, interesse

histórico, interesse da saúde pública, interesse sobre figuras públicas, interesse

sobre eventos públicos, interesse de informação e pelo consentimento do

interessado441. Apesar das várias circunstâncias, ressalva FACHIN que se trata

de rol exemplificativo, uma vez que o interesse público pode se inserir em

novas causas não elencadas.

Quanto às circunstâncias citadas pelos referidos autores, cabe

algumas considerações.

A qualidade de ser a pessoa, popular, pública ou notória442, por si só

não elide a proteção à sua imagem. Como bem destaca Anderson

SCHREIBER há um falso parâmetro de pessoa pública, pois “pessoas são

privadas por definição”443. A ideia de que as pessoas ditas celebridades têm

438

As limitações apontadas por Walter Moraes resultam de pesquisa em legislações estrangeiras, visto que a legislação brasileira à sua época não dispunha sobre o tema (Direito à própria imagem (II), in Revista dos Tribunais n. 444, p. 23 e 24). Sobre essa legislação estrangeira, vide item. 3.1. “Contextualização histórica”.

439 Manuel GITRAMA GONZÁLEZ, Imagen (Derecho a la propia). In: Nueva enciclopedia

jurídica. T. 11, p. 349 a 355.

440 Direitos da personalidade, p. 147.

441 Zulmar Antonio FACHIN, A proteção jurídica da imagem, p. 109.

442 Popular: aquele que tem aprovação ou afeto pelo público em geral (artistas, esportistas

etc.); público: aquele que pertence ao Governo de um país, estado ou cidade (agente público); notório: aquele que possui fama proveniente de ações, opiniões, conhecimentos considerados valorosos pela sociedade.

443 Anderson SCHREIBER, Direitos da personalidade, p. 107.

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mitigado o seu direito à imagem é equivocada, uma vez que “o fato de a

pessoa retratada ser célebre ou notória pode, quando muito, sugerir que há

algum grau de interesse do público em ter acesso à imagem, pela só razão de

dizer respeito àquela pessoa”444. A proteção ao direito à imagem dessas

pessoas é tão relevante quanto à de qualquer um; o seu direito à imagem não

pode ser afetado em razão de sua popularidade ou notoriedade.

GITRAMA GONZÁLEZ esclarece sobre a notoriedade da pessoa ou

interesse em relação a figuras públicas que para existir essa limitação devem

concorrer três requisitos: ser a imagem de pessoa popular, pública ou notória; a

divulgação ter o fim público de informação; e a imagem não se referir à vida

privada445. A falta de qualquer dos requisitos gera a ilicitude do uso da imagem.

Nesse sentido, Antonio CHAVES diz “que as leis não afirmaram

simplesmente ser lícito à divulgação do retrato das pessoas notórias;

estabeleceram, sim, que a divulgação é livre quando justificada pela

notoriedade, justificação essa que concerne a limitações do interesse privado,

colocadas em prol do interesse público, e não de outras particularidades”446.

O entendimento de que a presença de pessoa em cenário público é

causa de limitação ao seu direito à imagem, retoma a concepção superada de

que o direito à imagem é oriundo do direito à intimidade ou de vida privada.

Direito à imagem não está restrito a quatro paredes. Anderson SCHREIBER

enfatiza: “O caráter público do lugar não pode, de modo algum, ser tomado

como um salvo-conduto para a captação de imagens. O que se deve examinar

é, antes, o contexto em que a imagem é captada, a expectativa das pessoas

envolvidas e o grau de individualização de sua imagem”447.

Em relação a esse ponto, vale considerar os casos mencionados por

SCHREIBER, como os do cantor e compositor Chico Buarque namorando na

444

Anderson SCHREIBER, op. cit., p. 108.

445 Manuel GITRAMA GONZÁLEZ, Imagen (Derecho a la propia). In: Nueva enciclopedia

jurídica. T. 11, p. 350.

446 Direito à própria imagem, in RT 451, maio de 1973, p. 20.

447 Anderson SCHREIBER, Direitos da personalidade, p. 107.

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praia do Leblon com mulher desconhecida do grande público, no qual a

imprensa alegou que se tratava de local público e de pessoa pública448. O

mesmo ocorreu com a modelo e apresentadora Daniela Cicarelli, flagrada em

cenas íntimas em praias espanholas, divulgadas por meio de filme no site

Youtube; aqueles que desaprovaram a atitude da modelo alegaram que ela

estava em local público.

Ora, deve-se concordar com SCHREIBER ao afirmar que é preciso

considerar o peso desempenhado pela tecnologia na captação da imagem. Por

meio de lentes de longa distância, de edição para melhoramento de luz e

cortes específicos, condutas até discretas no local público passam a ter clareza

e definição impactantes449.

A circunstância da presença de pessoa em eventos de interesse

público só é limite ao direito à imagem quando a utilização da imagem tiver

como finalidade a notícia de um evento, ou melhor, a imagem da pessoa for

usada no contexto do evento ou acontecimento. Se na utilização da imagem for

destacada a presença da pessoa em detrimento do evento, ocorrerá uma

violação ao direito à imagem450.

448

Op. cit., p. 108. As fotos foram divulgadas pelas revistas Contigo! da Editora Abril e Quem da Editora Globo em março de 2005. Sobre a polêmica que se instaurou na época se era dever da imprensa informar sobre o namoro e publicar as fotos, ver: Paulo de Souza, Operação Abafa, in Revista Veja, Edição 1895, 9 de março de 2005. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/090305/p_075.html>. Acesso em: 5/mar./2013.

449 Op. cit., p. 121 a 123. Afirma o autor sobre o vídeo: “Em análise fria do vídeo revela que os

frequentadores da praia parecem não perceber a troca de intimidade entre Daniela e seu namorado. Reforça-se a suspeita de que a coisa toda aconteceu de modo bem mais discreto do que sugere o filme, (...).”, p. 123.

O Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu a favor do casal. Ementa: Ação inibitória fundada em violação do direito à imagem, privacidade e intimidade de pessoas fotografadas e filmadas em posições amorosas em areia e mar espanhóis. - Esfera íntima que goza de proteção absoluta, ainda que um dos personagens tenha alguma notoriedade, por não se tolerar invasão de intimidades [cenas de sexo] de artista ou apresentadora de TV. - Inexistência de interesse público para se manter a ofensa aos direitos individuais fundamentais [artigos 1o, III e 5o, V e X, da CF]. - Manutenção da tutela antecipada expedida no agravo de instrumento n° 472.738-4 e confirmada no julgamento do agravo de instrumento n° 488.184-4/3. - Provimento para fazer cessar a divulgação dos filmes e fotografias em web-sites, por não ter ocorrido consentimento para a publicação. - Interpretação do art. 461, do CPC e 12 e 21, do CC, preservada a multa diária de R$ 250.000,00, para inibir transgressão ao comando de abstenção. TJSP, Apelação Cível Nº 0120050-80.2008.8.26.0000, 4ª Câmara de Direito Privado, Rel. Enio Zuliani, j. 12/6/2008.

450 Zulmar Antonio FACHIN, A proteção jurídica da imagem, p. 117.

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A Ministra Nancy ANDRIGHI, em voto de acórdão que decidiu sobre

dano moral por publicação em portal de notícia de fotografia não autorizada de

mãe e filho como apoiadores de uma passeata, traçou parâmetros para a

reprodução de fotografias retiradas em ambiente público:

Não é necessário, para informar sobre o movimento de apoio à

causa LGBT, que se fotografem os participantes em close de

rosto. Fotografias amplas, mostrando a extensão do

movimento, as faixas exibidas, a seriedade da causa, são

suficientes. Fotos individuais dos manifestantes somente

poderiam ser exibidas pelos veículos de comunicação se delas

resultar inequívoca a ciência quanto ao fato de que são

fotografados e de que concordam com a divulgação. Ou,

alternativamente, na hipótese em que sua imagem, na

passeata, contém elementos que indiquem o desejo de

aparecer, como ocorre quando há inscrições de apoio nas

camisetas que vestem, elementos em sua fantasia que

justifiquem a reprodução da imagem ou quando portam

cartazes com palavras de ordem. Fora dessas situações, a

reprodução das fotos em close é desnecessária e, portanto,

sua publicação implica acentuado risco de lesão de direitos. (p.

07)451

. (Grifo nosso.)

A limitação do direito à imagem em razão de interesse cultural

engloba para Walter MORAES e GITRAMA GONZÁLEZ os de interesses

científicos, didáticos, educativos ou artísticos452. Para Jacqueline Sarmento

DIAS essa limitação somente ocorrerá se o uso da imagem alheia servir a

propósito cultural como objetivo principal e não a finalidade lucrativa453, mas

alerta a autora que é vedada a publicação de imagens que em nome desses

interesses culturais, científicos e didáticos servirem apenas para alimentar

curiosidades mórbidas454 ou violar outros direitos da personalidade.

451

Ementa: DIREITO CIVIL. DIREITO DE IMAGEM. REPRODUÇÃO NÃO AUTORIZADA DE FOTOGRAFIA DO AUTOR, NA PASSEATA LGBT, EM SÃO PAULO. PEDIDO DE INDENIZAÇÃO. PROCEDÊNCIA. RECURSO NÃO PROVIDO. (STJ, REsp 1135543/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, 3º TURMA, j. 22/5/2012, DJe 7/11/2012).

452 MORAES, Direito à própria imagem (II), op. cit., p. 24; GITRAMA, op. cit., p. 354.

453 O Direito à imagem, p. 135.

454 Op. cit., p. 137.

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158

O Superior Tribunal de Justiça decidiu um caso relativo a uma

propaganda veiculada em televisão. Com o pretexto de ensinar o público a

escolher um bom prestador de serviço e a conhecer seus direitos como

consumidor, um programa de TV preparou uma “pegadinha” que consistia na

troca de um fusível em perfeito estado, por outro queimado em uma televisão

nova. Uma atriz, interpretando uma dona de casa, chamava técnicos de

televisão e ouvia vários diagnósticos apresentavam-lhe diferentes orçamentos

para solucionar o problema, enquanto o apresentador do programa e um

convidado, personagem que representava o superintendente do Procon do

Estado do Rio de Janeiro faziam comentários à cena. Apesar do argumento da

emissora de televisão de que a matéria jornalística tinha o intuito didático e

educativo, o Tribunal condenou a emissora por uso de imagem alheia sem

consentimento455.

Quanto à limitação do direito à imagem baseada no interesse

histórico afirma Zulmar Antonio FACHIN que “quem teve uma vida notabilizada

por grandes feitos não pode exigir reserva absoluta de sua imagem”456. O

autor, no entanto, não define o que é histórico.

A vida de um cantor famoso, chamado até de Rei, tem importância

histórica? Ou esse interesse se restringe a fatos da história política do país? No

primeiro caso, as decisões judicias têm proibido as biografias não-autorizadas,

resguardando a imagem de artistas e esportistas. Quanto à segunda hipótese

as decisões do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, seguem sentido

contrário, como sobre a imagem de guerrilheiro no filme “O que é isso

companheiro”457, ou da imagem de ex-comandante do Batalhão de Operações

Especiais (Bope) no filme documentário “Ônibus 174”458.

455

Ementa: (...) 2. Na hipótese, não obstante o direito de informação da empresa de comunicação e o perceptível caráter de interesse público do quadro retratado no programa televisivo, está clara a ofensa ao direito à imagem do recorrido, pela utilização econômica desta, sem a proteção dos recursos de editoração de voz e de imagem para ocultar a pessoa, evitando-se a perfeita identificação do entrevistado, à revelia de autorização expressa deste, o que constitui ato ilícito indenizável. (...). (REsp 794.586/RJ, Rel. Min. RAUL ARAÚJO, 4ª TURMA, j. 15/3/2012, DJe 21/03/2012).

456 Zulmar Antonio FACHIN, A proteção jurídica da imagem, p. 112.

457 Filme de Bruno Barreto que narra episódio do sequestro do embaixador dos Estados Unidos

no Brasil, Charles Burke Elbrick, em setembro de 1969, por integrantes dos grupos

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159

Quanto à causa de limitação do direito à imagem no interesse de

saúde, Luiz Alberto David ARAUJO entende que “dentre ainda das razões

autorizadoras do limite ao direito à imagem, surge o interesse da saúde

pública. O interesse em destaque deve, certamente, sobrepor-se ao interesse

individual, consubstanciado no direito à imagem”459 e para tanto cria exemplo

hipotético:

O indivíduo que sofre de doença gravíssima de fácil

transmissão e não tem conhecimento, pondo em risco toda a

sociedade, não pode impedir ou pretender indenização por afixação,

pelos órgãos de saúde pública, de cartazes noticiando tal fato. Não

houve violação da imagem. O retratado não pode, com certeza,

pretender a indenização por uso indevido de sua imagem. O retrato do

indivíduo, justamente em benefício da saúde pública, deve ser

divulgado, não se cogitando do direito à imagem, nesse caso460

.

Em que pese o interesse geral de saúde pública, o Estado dispõe de

outros mecanismos para alertar a população e encontrar a pessoa doente, sem

precisar divulgar seu retrato.

A limitação, apontada por ZACHIN, em razão de interesse à

segurança nacional461 traz consigo expressão que alude a um período de

exceção do Estado brasileiro.

A Constituição Federal de 1988 prevê o estado de defesa e de sítio

(Art. 136 a 141), mas como fenômenos excepcionais e sempre sob a

fiscalização e limites impostos pelo Congresso Nacional. Apesar de nesses

guerrilheiros de esquerda "MR-8" e "Ação Libertadora Nacional - ALN". STJ, REsp 750.698/RJ, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, 4ª TURMA, julgado em 19/4/2012, DJe 24/5/2012, que determinou o retorno dos autos à instância de origem para a prolação de novo acórdão.

458 Filme de José Padilha que narra o episódio em que um assaltante faz os passageiros do

ônibus refém e que culminou com a morte dele e de uma refém. Apel. Proc. Nº 0006916-43.2003.8.19.0001, 7ª Câmara Cível, Rel.. Caetano E. da Fonseca Costa, j. 10/3/2010.

459 Luiz Alberto David ARAUJO, A proteção constitucional da própria imagem, p. 96.

460 Idem, ibidem.

461 Op. cit., p. 110. Sobre o tema: Luiz Alberto David ARAUJO, A proteção constitucional da

própria imagem, p. 95 e René Ariel DOTTI, Proteção da vida privada e liberdade de informação, p. 197.

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estados o constituinte ter autorizado a restrição de alguns direitos462, dentre

eles não se encontra o direito à imagem.

Essa hipótese de limitação ao direito à imagem é incompatível com o

estado democrático de Direito. Segurança Nacional é diferente de manutenção

da ordem pública (prevista no Art. 20 do Código Civil), e, ainda assim,

respeitando os Direitos de Personalidade e Direitos Humanos, que são os

“escudos protetores” da pessoa humana diante do Poder Constituído do

Estado.

O limite do direito à imagem em razão de interesse de investigação

criminal consiste na divulgação de retrato de suspeito ou condenado foragido.

Essa divulgação da imagem pode ocorrer por meio de fotografia, desenho

(retrato falado), gravação de câmara de segurança, filmes, com o intuito de que

a sociedade perceba a pessoa procurada e informe a autoridade policial para

localizá-la.

Nota-se que o uso da imagem nessa circunstância somente se

justifica para identificar pessoa não conhecida ou localizar foragidos, e não

para execração pública ou para envaidecer os agentes públicos.

Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça julgou habeas corpus

impetrado contra acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e

Territórios, que extinguiu o processo lá impetrado sem exame do mérito, que se

insurgia contra “denúncia com a expressão ‘ação penal condenatória' na folha

de rosto e digitalização da fotografia do réu por meio eletrônico na própria

denúncia”. O STJ concedeu a ordem de habeas corpus parcialmente

determinando que a fotografia do denunciado fosse riscada463.

462

Art. 136, § 1º, I da Constituição Federal: a) reunião, ainda que exercida no seio das associações; b) sigilo de correspondência; c) sigilo de comunicação telegráfica e telefônica.

463 Ementa: HABEAS CORPUS. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. DENÚNCIA. UTILIZAÇÃO DA

TITULAÇÃO AÇÃO PENAL CONDENATÓRIA E INSERÇÃO DA FOTOGRAFIA DO ACUSADO. INEXISTÊNCIA DE LESÃO OU AMEAÇA DE LESÃO À LIBERDADE DE IR, VIR E PERMANECER DO PACIENTE. INADMISSIBILIDADE DA VIA ELEITA. (...) 7. A inserção da fotografia do acusado na vestibular viola diferentes normas constitucionais, dentre as quais o direito à honra, à imagem e também o princípio matriz de toda a ordem constitucional: o da dignidade da pessoa humana. (...) 9. É desnecessária a digitalização de foto já constante nos autos da ação penal para, novamente, colocá-la na peça acusatória. Isso porque se efetivou,

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161

Analisadas as circunstâncias limitativas do direito à imagem

proposta pela doutrina, se faz necessário considerar a determinação do Art. 20

do Código Civil de 2002, que é o marco legal sobre o tema.

O artigo dispõe que a imagem alheia pode ser usada sem

autorização se for necessária para administração da justiça ou para a

manutenção da ordem pública. Anderson SCHREIBER critica o dispositivo

porque não é sempre que essas situações podem autorizar a veiculação da

imagem alheia464, de tal modo que é preciso existir uma finalidade justificável

para o uso da imagem.

A redação do artigo também é criticada por Silmara Juny

CHINELLATO, pois induz ao entendimento de que a imagem alheia pode ser

usada sem o consentimento do titular, desde que sua honra, fama ou

reputação não seja atingida ou que não tenha fins econômicos465. Com o fim de

confirmar a pertinência da crítica de CHINELLATO à redação do artigo

colaciona-se decisão da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça:

“Não é cabível indenização por dano moral na hipótese de

uso da imagem da pessoa natural para divulgação de jogos

universitários da faculdade para a qual trabalhava, ainda que não tenha

havido sua expressa autorização, visto que as fotografias divulgadas

não ferem a integridade física ou moral do recorrido, não o expõe a

situação vexatória, tampouco foram utilizadas para fins econômicos”

466. (Grifo nosso.)

Ora, em que pese o entendimento na decisão referida acima, direito

à imagem é um direito autônomo, que pode ser atingido independentemente de

atingir outros bens jurídicos ou de auferir vantagem econômica.

num momento anterior, a devida identificação – civil e criminal – do investigado. 10. Ordem parcialmente concedida, com o intuito de determinar ao Juiz do processo que tome providências no sentido de riscar da denúncia a parte em que consta a fotografia do ora paciente. HABEAS CORPUS Nº 88.448 - DF (2007/0183303-6) Rel. MIN. OG FERNANDES, j. 6/5/2010, DJe: 2/8/2010.

464 Anderson SCHREIBER, Direitos da personalidade, p. 103.

465 Código Civil interpretado: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo, p. 45.

466 REsp 803.129/RS, Rel. Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, 4ª TURMA, j. 29/9/2009, DJe

13/10/2009.

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O consentimento da pessoa interessada é causa de limitação do uso

da imagem se visto sob o aspecto de que a pessoa ao autorizar a cessão de

uso de sua imagem impõe os limites dessa cessão. Walter MORAES ensina

que é direito exclusivo do titular da imagem autorizar a reprodução pública de

seu retrato467, mas tal direito não é ilimitado e é direcionado ao terceiro que se

utiliza desse retrato. De acordo com Zulmar Antonio FACHIN, “o consentimento

da pessoa torna lícito o uso que terceiro faz de sua imagem. Extrapolados os

limites, o uso é ilícito e acarreta o dever de indenizar” 468.

As limitações ao direito à imagem previstas no Art. 20 do Código

Civil (consentimento, administração da justiça ou manutenção da ordem

pública) não são circunstâncias que por si só limitam o direito à imagem. A

limitação encontra-se na finalidade existente em cada uma dessas situações.

O consentimento para a utilização da própria imagem tem uma

finalidade particular que interessa ao titular da imagem, qualquer utilização

além do pactuado é um desvio de finalidade, eivado de ilicitude.

A administração da justiça ou manutenção da ordem pública objetiva

o interesse público. O uso da imagem alheia para essa finalidade não pode ser

considerado de modo absoluto, na sua ocorrência deve ser ponderado o caso

específico, outros bem jurídicos envolvidos (como honra, intimidade, etc.) e o

impacto na própria imagem da pessoa, pois a finalidade do interesse público

não pode atingir os direitos da personalidade.

4. 7. Extinção do direito à imagem

A imagem acompanha a pessoa da gestação à morte. Não há

pessoa sem imagem. O direito à própria imagem é conservado por toda a vida

da pessoa. Logo, o direito à imagem é vitalício, pois a pessoa pode exercê-lo

467

Direito à própria imagem (II), in RT 444, p. 13.

468 Zulmar Antonio FACHIN, A proteção jurídica da imagem, p. 120.

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enquanto viver469. Walter MORAES prefere enfatizar que o direito à imagem é

inextinguível, ou seja, que não se extingue enquanto não se extinguir a

personalidade jurídica do sujeito470. Francisco AMARAL prefere dizer que é um

direito permanente, uma vez que nasce com a pessoa e a acompanha por toda

a sua existência471.

A existência da pessoa natural termina com a morte, extinguindo a

sua personalidade jurídica (Art. 6º do Código Civil). A imagem acaba com a

morte? Walter MORAES assegura: “morto o sujeito, subsiste-lhe a imagem

física por algum tempo, e as reproduções dela indefinidamente”472.

Entretanto, a morte finda o direito à própria imagem. É causa

absoluta de extinção desse direito473.

O direito à imagem tem como uma de suas características a

intransmissibilidade, a morte não transfere para os herdeiros a imagem do

falecido. Não há como pensar que os direitos da personalidade de uma pessoa

são transferidos para os herdeiros. Como bem ensina MORAES: “as leis

atribuem aos sucessores um direito a estas reproduções ou ainda ao modelo

morto, de direito de conteúdo imaterial que evidentemente não é direito de

personalidade porque não é direito a própria imagem”474.

Quanto à proteção da imagem após a morte, é oportuno citar a

dedicatória da obra literária de Machado de Assis:

Ao verme

que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver

dedico como saudosa lembrança estas

469

Leonardo Estevam de Assis ZANINI, Direitos da Personalidade, p. 190; Carlos Roberto GONÇALVES, Direito civil brasileiro: parte geral, p. 190; Maria Helena DINIZ, Curso de direito civil brasileiro: teoria geral de direito civil, p. 136.

470 Walter MORAES, Direito à própria imagem (II), in RT 444, out. 1972, p. 26.

471 Francisco AMARAL, Direito civil: introdução, p. 285.

472 Idem, ibidem.

473 Manuel GITRAMA GONZÁLEZ, “Imagen” (Derecho a la propia), in Nueva enciclopedia

jurídica: Tomo XI, p. 361.

474 Op. cit., p. 26.

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memórias póstumas.475

O fundamento da proteção encontra-se na chamada “teoria do

direito dos vivos” que consiste na proteção dos sucessores que são afetados

por atos ofensivos à memória do falecido476.

O Código Civil no parágrafo único do Art. 20 estabelece que em se

tratando de morto ou de ausente são partes legítimas para proibir divulgação

de escritos, transmissão da palavra ou publicação, exposição, utilização da

imagem, sem prejuízo de indenização que couber: o cônjuge, os ascendentes e

os descendentes. Já o parágrafo único do Art. 12 inclui entre os legitimados

para requerer que cesse a ameaça ou lesão a direito a personalidade, e

reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei

qualquer parente colateral até o quarto grau. Ambos dispositivos deixam de

mencionar o companheiro, todavia é sustentável admitir que, por interpretação

extensiva, ele possa ser incluído no rol dos legitimados.

Sobre o parágrafo único do Art. 12 do Código Civil comentam Nelson

NERY e Rosa Maria de Andrade NERY:

“Pode dar a falsa impressão de que o titular do direito a

fazer cessar a ameaça, ou de postular a indenização seja a pessoa

morta, cujo direito de personalidade tenha sido ferido. Isto não é

possível, a não ser que já estivesse em andamento pretensão nesse

sentido, em cujo procedimento processual os herdeiros do lesado

pudessem se habilitar. Entretanto o importante é observar que, caso o

lesado venha a falecer após ter sofrido a ofensa, evidentemente, o que

se protege é o direito de sucessão dos herdeiros ao recebimento de

indenização ou à cessação da ofensa sofrida por aquele de quem são

herdeiros. Essas pretensões podem ser, também, postuladas pelos

herdeiros do morto, ou por quem demonstrar interesse jurídico para

tanto, em nome pessoal, se invocada ofensa a direito de personalidade

próprio, consistente em resguardo da potência sensitiva (autoestima,

memória) do familiar do lesado”.477

475

Machado de ASSIS, Memórias póstumas de Brás Cubas.

476 Leonardo Estevam de Assis ZANINI, Direitos da personalidade, p. 193.

477 Código civil comentado, item 16. Pessoas Mortas, p. 227.

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165

Desse modo, os legitimados defendem em nome próprio a imagem

do falecido, para autorizar ou proibir o seu uso 478.

Em suma, a morte põe fim ao exercício do direito à imagem. A

imagem original perdurará por algum tempo até a sua decomposição e o

desaparecimento de sua percepção. Persistirá a imagem enquanto reprodução,

estática ou dinâmica, se houver, desde que preservada, pois se por ventura

todas as reproduções desaparecerem, com elas desaparecerá a imagem.

A extinção do exercício do direito à imagem decorre da

intransmissibilidade desse direito; os legitimados terão os direitos imateriais de

proteção de tudo aquilo que representava, significava ou materializava a

imagem do falecido, ou melhor, todos os aspectos de moral, memória e

reputação que continham a imagem do falecido. Buscarão preservar os seus

direitos decorrentes de serem sucessores de tudo o que essa imagem

representava.

E, ainda, os sucessores serão os legitimados para responderem

pelos direitos e deveres das obrigações decorrentes da cessão do uso da

imagem vigente à época do falecimento, que, nesse caso, só poderá recair

sobre a imagem decorrente.

478

EMENTA: CIVIL E PROCESSUAL. ÁLBUM DE FIGURINHAS (“HERÓIS DO TRI”) SOBRE A CAMPANHA DO BRASIL NAS COPAS DE 1958, 1962 E 1970. USO DE FOTOGRAFIA DE JOGADOR SEM AUTORIZAÇÃO DOS SUCESSORES. DIREITO DE IMAGEM. VIOLAÇÃO. LEI N. 5.988, DE 14.12.1973, ART. 100. EXEGESE. LEGITIMIDADE ATIVA DA VIÚVA MEEIRA E HERDEIROS. CPC, ARTS. 12, V, E 991, I. CONTRARIEDADE INOCORRENTE. I. A viúva e os herdeiros do jogador falecido são parte legitimada ativamente para promoverem ação de indenização pelo uso indevido da imagem do de cujus, se não chegou a ser formalmente constituído espólio ante a inexistência de bens a inventariar. II. Constitui violação ao Direito de Imagem, que não se confunde com o de Arena, a publicação, carente de autorização dos sucessores do de cujus, de fotografia do jogador em álbum de figurinhas alusivo à campanha do tricampeonato mundial de futebol, devida, em consequência, a respectiva indenização, ainda que elogiosa a publicação. III. Recurso especial não conhecido.(REsp 113.963/SP, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 20/9/2005, DJ 10/10/2005, p. 369)

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5. RESPONSABILIDADE CIVIL E O DIREITO À IMAGEM

Neste item, o desafio é enfocar a responsabilidade civil no âmbito do

direito à imagem e sua importância para a reparação da lesão à imagem.

Inicialmente, cabe apresentar breve distinção entre obrigação e

responsabilidade. Segundo Carlos Roberto GONÇALVES, essa distinção teve

início na Alemanha, na análise da relação obrigacional, discriminando-se dois

momentos, que são o débito (schuld), que consiste na obrigação de realizar a

prestação dependente sempre da ação ou omissão do devedor e o da

responsabilidade (haftung), que consiste na faculdade do credor de executar o

patrimônio do devedor para obter o pagamento devido ou indenização pelos

prejuízos causados pela inadimplência479. Com isso, tem-se que do

inadimplemento da obrigação surge a responsabilidade, a consequência

jurídica patrimonial do descumprimento da obrigação480. Para Maria Helena

DINIZ sua função é de garantir o direito do lesado à segurança e servir como

sanção civil, de natureza compensatória, mediante a reparação do dano

causado à vítima, punindo o lesante e desestimulando a prática de atos

lesivos481.

Desse modo, pode se dizer que responsabilidade civil é decorrente

de uma ação ou omissão de um agente que com culpa ou dolo, por meio de

uma relação de causalidade, provoca um dano a outrem.

Maria Helena DINIZ classifica a responsabilidade civil em várias

espécies, dependendo da perspectiva examinada. Quanto ao fato gerador pode

ser contratual482, oriunda de uma obrigação de dar, fazer ou não fazer, ou

479

Direito civil brasileiro: responsabilidade civil, p. 21.

480 Idem, p. 20.

481 Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil, p. 25.

482 Art. 389 a 420 (Do inadimplemento das obrigações) do Código Civil de 2002.

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extracontratual483, decorrente de uma ação ou omissão sem qualquer vínculo

obrigacional. Quanto ao fundamento pode ser subjetiva, que necessita de culpa

ou de dolo na ação ou omissão, ou objetiva, por determinação legal, prescinde

da culpa ou de dolo, bastando relação causal entre ação ou omissão e o dano,

classificação essa que se refere ao ônus probatório da ação de indenização. E

por fim, quanto ao agente pode ser direta, quando o próprio é o executor do

ato, ou indireta quando a execução do ato é realizada por terceiros ou por

animais conforme sua vontade ou determinação484.

José de Aguiar DIAS, em síntese, une responsabilidade contratual e

extracontratual em princípios comuns, que são: a) o dano, que deve ser certo,

podendo ser material ou moral; b) a relação de causalidade, relação direta de

causa a efeito entre o fato gerador da responsabilidade e o dano são

pressupostos indispensáveis (a causalidade é exigência, não se admite a mera

coincidência entre o dano e a ação ou omissão do suposto responsável); c) a

força maior e a exclusiva culpa da vítima suprimem a relação de causa e efeito;

e d) as autorizações judiciárias e administrativas não constituem motivo de

exoneração de responsabilidade485, pois o agente não pode alegar isenção de

responsabilidade por ter cumprido exigência judiciária ou administrativa, por

exemplo, quem tem carteira de habilitação para dirigir não se exime de culpa

em acidente de veículo porque foi aprovado em exame ou, um dono de

estabelecimento que explodiu não pode se valer da respectiva licença de

funcionamento para se eximir de responsabilidade.

No direito à imagem, a responsabilidade civil surge da ação ou

omissão de um agente que causa lesão à imagem alheia. A aparência do titular

do direito à imagem pode ser alterada, modificada, transformada por ato

próprio ou de outrem, autorizada ou não. O ato de se barbear é uma alteração

na aparência física realizada pelo próprio titular, já o corte de cabelo ou a

tatuagem são ações autorizadas realizadas por outras pessoas.

483

Art. 186 a 188 (Dos atos ilícitos) e Art. 927 a 954 (Da Responsabilidade civil) do Código Civil de 2002.

484 Maria Helena DINIZ, Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil, p. 144 e 145.

485 Da responsabilidade civil, p. 107.

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A integridade da imagem da pessoa pode ser atingida por ato ilícito

de forma direta ou indireta. A lesão à imagem original de forma direta pode

ocorrer, por exemplo, na hipótese de uma intervenção cirúrgica malsucedida

que por negligência ou imprudência do médico cirurgião ou de sua equipe

deforma a aparência física do paciente causando-lhe dano à imagem. O

responsável pelo ato poderá responder por dano moral e material no âmbito

civil, como também, se for o caso, criminalmente por lesão corporal de

natureza grave (inc. III e IV, § 2º do Art. 129 do Código Penal).

Mas a imagem original também pode ser atingida de forma indireta,

por exemplo, em razão da morte do marido por ato ilícito a viúva passa a ter

uma aparência envelhecida486, ou, ainda, como consequência indireta de um

trauma provocado em decorrência de ato ilícito a pessoa passa a engordar,

pesando vinte, trinta quilos a mais do que possuía antes do acontecimento.

A integridade da imagem da pessoa alcança também a voz e a

faculdade de se mover. Atentados à voz ou à faculdade de se movimentar

podem resultar, a nosso ver, em um dano à imagem. Nesse sentido, Jean

CARRARD exemplifica: “a vítima, que possuía uma voz quente e sedutora, não

tem mais, em consequência das lesões, do que uma voz estridente; a vítima

que se movia com graça, não pode mais fazer senão movimentos irregulares e

sacudidos”487.

486

O Supremo Tribunal de Justiça português considerou expressamente este aspecto no acórdão SJ200406030035272, Rel. LUCAS COELHO, j. 3/6/2004: “I - É conforme à equidade, à luz do artigo 496.º, n.º 3, última parte, do Código Civil, a indemnização de 3 500 contos pelos danos morais que sofreu a viúva de ciclomotorista falecido em acidente de viação por culpa do condutor do veículo segurado na ré, provando-se, nomeadamente, que marido e mulher constituíam um casal feliz, nutrindo um pelo outro um forte amor conjugal; que a morte interrompeu esta afectividade furtando à esposa a alegria de viver e envelhecendo-a física e psiquicamente; que o falecimento do marido a impediu de partilhar com ele o que de bom lhes trouxe o nascimento da filha (...) cerca de um mês e meio antes, passando a sofrer sozinha as vicissitudes e dificuldades de a criar e educar sem o acompanhamento do pai;” (grifo nosso – mantida a ortografia utilizada no acórdão). Disponível em: <http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/22bbafa4ca2fadf080256ec20055bb19?OpenDocument&Highlight=0,dano,existencial>. Acesso em: 15/ mar./ 2013. (Referência a esse acórdão encontra-se no artigo de Hidemberg Alves da FROTA e Fernanda Leite BIÃO, A dimensão existencial da pessoa humana, o dano existencial e o dano ao projeto de vida: reflexões à luz do direito comparado, in Revista Forense, v. 411, p. 108 e 109.).

487 Ressalta-se, porém, que Jean Carrard ao exemplificar refere-se a dano estético. (O dano

estético e sua reparação, in Revista Forense, vol. LXXXIII, p. 405).

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A lesão à imagem não ocorre apenas sob o aspecto da imagem

original, também a imagem decorrente pode sofrer com atentados como

montagens (imagem estática), edições (imagem dinâmica)488, etc..

Várias são as situações que podem atingir a imagem da pessoa,

considerando o conceito jurídico de imagem desenvolvido neste trabalho489,

apresenta-se o seguinte rol exemplificativo de atentados à imagem:

a) na alteração da aparência física, por ato lícito ou ilícito, que

implique modificação ou transformação da imagem da pessoa;

independentemente da relação jurídica envolvida (por exemplo, no âmbito das

relações trabalhistas, das relações de consumo, civis, contratuais – serviços

médicos, estéticos, transportes – até mesmo no âmbito das relações

familiares).

b) na captação da imagem sem ciência do titular da imagem,

ressalta-se que não se trata de consentimento, mas de prévia ciência de que

algo ou alguém está captando a sua imagem;

c) no uso da imagem alheia sem o consentimento;

d) no uso da imagem cedida que exorbita as finalidades pactuadas;

e) na divulgação da imagem em meio diverso (revista, jornal, redes

sociais, produtos) do pactuado;

f) na divulgação de imagem falsa em relação à pessoa ou em

relação a fato ou situação falsa, ou mesmo que verídica já esquecida ou

superada sem nenhum contexto razoável ou justificável;

g) na reprodução, pública ou privada; da imagem, por meio de

fotografia, filme, caricatura, biografia, sem o consentimento do titular da

imagem490;

488

Tema desenvolvido no oitavo e nono parágrafo do item 4.5. “Objeto do direito à imagem”.

489 Vide item 3.4. “A imagem e o direito”.

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h) na reprodução da imagem com alteração do retrato por meio de

montagens (photoshop), caricatura ou desenho etc.491;

i) na reprodução da imagem em contexto diverso da captação492;

j) na multiplicação da imagem sem o consentimento;

l) na comercialização sem o consentimento ou se autorizado sem

auferir os respectivos vencimentos;

m) na usurpação da imagem, que consiste em se apropriar da

imagem de outrem como se sua fosse para auferir ou não vantagem.

Outros atentados à imagem que merecem destaque são os previstos

nos artigos 240 a 241-E493 do Estatuto da Criança e Adolescente (Lei nº

8.069/1990). Estes artigos são tipos penais que independentemente da

responsabilidade criminal, pressupõem uma responsabilidade civil. Tais

dispositivos têm como objetividade jurídica combater a pedofilia e a exploração

sexual de menores, por seus vários meios, como fotografias, internet, filmes, e

indiretamente protegem o uso da imagem da criança e do adolescente.

Todos esses atentados são violações ao direito à imagem podendo

gerar dano. José Aguiar DIAS ensina que para haver responsabilidade civil

necessita existir o dano, por ser este requisito para indenização, afinal não

haverá obrigação de ressarcimento se não houver o que se reparar494.

Daí a importância da divisão dos danos em patrimoniais (materiais) e

morais (imateriais)495. Por um lado, danos patrimoniais consistem em prejuízo

490

Maria Helena DINIZ, Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil, p. 192.

491 Maria Helena DINIZ, op. cit., p. 196.

492 Idem, ibidem.

493 A redação dos artigos 240 e 241 foram alteradas pela Lei nº 11829, de 25 de novembro de

2008, que na mesma oportunidade incluiu os artigos 241-A, 241-B, 241-C, 241-D e 241-E.

494 Da responsabilidade civil, p. 819.

495 Idem, p. 822.

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econômico. Por outro, danos extrapatrimoniais são aqueles morais496 que

consistem em sofrimento psíquico ou moral, exteriorizado pelas dores,

angústias e frustrações infligidas ao ofendido497.

Para Pontes de MIRANDA “dano patrimonial é o dano que atinge o

patrimônio do ofendido; dano não patrimonial é o que, só atingindo o devedor

como ser humano, não lhe atinge o patrimônio”498. Dano material é aquele que

representa prejuízo econômico. Já Orlando GOMES prefere dizer “a expressão

dano moral deve ser reservada exclusivamente para designar o agravo que

não produz qualquer efeito patrimonial. Se há consequência de ordem

patrimonial, ainda que mediante repercussão, o dano deixa de ser

extrapatrimonial”499.

Sobre o tema, Wilson Melo da SILVA ensina que os danos morais

são lesões sofridas pela pessoa natural de direito em seu patrimônio ideal em

contraposição a patrimônio material. Patrimônio ideal é o conjunto de tudo

aquilo que não seja suscetível de valor econômico500, que consiste em bens

que possuem valor precípuo na vida do homem, como a paz, a tranquilidade de

espírito, a liberdade individual, a integridade individual, a integridade física, a

honra e os demais sagrados afetos501.

Limongi FRANÇA amplia o entendimento de dano moral para incluir

a pessoa jurídica, conceituando-o como aquele que, direta ou indiretamente, a

pessoa física ou jurídica, bem assim a coletividade, sofre no aspecto não

econômico dos seus bens jurídicos502.

496

Apesar das críticas sobre a imprecisão da expressão “danos morais”, acabou por ser adotada e amplamente aceita pela doutrina a partir do seu uso por Orozimbo Nonato, Aguiar Dias, Pedro Lessa, Clóvis Bevilaqua e Filadelfo Azevedo (Wilson Melo da SILVA, O dano moral e sua reparação, p. 12).

497 Yussef Said CAHALI, Dano moral, p. 21.

498 Tratado do direito privado: parte especial. Tomo XXVI, § 3108, p. 30.

499 Obrigações, n. 195, p. 271.

500 O dano moral e sua reparação, p.11.

501 Yussef Said CAHALI, Dano moral, p. 22.

502 Reparação do dano moral, in RT 631, p. 31.

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A distinção entre dano patrimonial e dano moral só diz respeito aos

efeitos, não a sua origem, pois o dano é único e indivisível503. Tal afirmação

deriva do fato de o dano se originar de uma ação ou omissão. Mesmo sendo

único repercute em vários âmbitos do direito (civil, penal, administrativo,

ambiental, etc.) e, assim, no ramo civil poderá ter repercussão patrimonial

(material) ou moral (imaterial).

Com isso, existem atentados contra a imagem que provocam dano,

portanto, seria possível dizer que esse dano repercute na própria imagem da

pessoa? Além do dano patrimonial e moral poderia se admitir que exista dano à

imagem?

Uma lesão à imagem original da pessoa, mais especificamente uma

lesão em sua aparência física, como uma cicatriz504 ocasiona um dano à

própria imagem, que pode não voltar a ser a mesma. Nesse caso tem se uma

responsabilização reparatória para devolver o status quo anterior, se não

possível realiza-se uma indenização que represente ou alivie o status quo atual

e futuro.

Atente-se que não se trata de atentados contra a integridade física,

mas de modificações aparentes ou definitivas que transformam ou alteram a

imagem. Não se deve confundir, no entanto, os atentados contra a unidade

corporal da pessoa com aqueles que visam a imagem como bem jurídico a ser

afetado. Pode até acontecer de um atentado à integridade física gerar um dano

à imagem ou à extinção do direito, se ocasionar a morte, mas será sempre uma

consequência e não um fim505.

503

Conforme nota de rodapé nº 1178 do livro de José Aguiar DIAS, Da responsabilidade civil, p. 822, que faz alusão aos estudos de Alfredo MINOZZI (Studio sul danno non patrimoniale. Milão: Società Editrice Libraria, 1901).

504 Jean CARRARD afirma: “Não é possível enumerar todos os atentados (...). Seria preciso,

para isto, escrever um dos capítulos da miséria humana; cicatrizes de todas as naturezas e todas as origens no rosto, ou em outras partes do corpo, deformação de um órgão (por exemplo do nariz, da boca, da orelha, da arcada superciliar); aparição de tumores, de crostas, de colorações, etc., na superfície da pele; perda dos cabelos, das sobrancelhas, dos cílios, dos dentes ou de um órgão qualquer.” O dano estético e sua reparação, in Revista Forense, vol. LXXXIII, p. 405).

505 Jean CARRARD comenta a distinção entre atentado à estética e atentado à integridade

corporal, afirmando que em certos casos, o atentado à estética poderá acarretar um dano bem

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O Código Civil de 2002 em seus artigos 949 e 950506 dispõe sobre a

lesão à pessoa ensejadora de deformação ou incapacidade laborativa. A

doutrina e a jurisprudência consagram à lesão ensejadora de deformidade,

aleijão ou sequela dolorosa a denominação de dano estético.

Teresa Ancona LOPEZ afirma que dano estético ou “ob

deformitatem” para existir pressupõe um “enfeamento” do ofendido, porque se

acaso mantiver ou melhorar a imagem do ofendido, não há que se falar em

deformidade507. Para a autora, o dano estético é sempre uma espécie de dano

moral que pode ensejar também dano material508 e se caracteriza como

qualquer modificação, certa ou permanente, na integridade física da pessoa,

que torna feia a aparência externa, causando-lhe humilhação, tristezas,

desgostos e constrangimentos509.

Do mesmo entendimento, Carlos Roberto GONÇALVES diz que

para existir dano estético é necessário deformidade, sendo que o que se

indeniza é a tristeza, o vexame, a humilhação. Para o autor, dano estético é o

dano moral que decorre de deformidade física; não se trata de um novo dano,

ao lado do dano material ou moral, mas de um aspecto do dano moral510.

mais elevado do que o atentado à integridade corporal, mas em outros casos, o dano estético será totalmente ou quase inexistente é a vítima deverá contentar-se com uma indenização por ofensa à integridade corporal. (O dano estético e sua reparação, in Revista Forense, vol. LXXXIII, p. 405).

506 Art. 949. No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das

despesas do tratamento e dos lucros cessantes até ao fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido.

Art. 950. Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até ao fim da convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu.

Parágrafo único. O prejudicado, se preferir, poderá exigir que a indenização seja arbitrada e paga de uma só vez.

507 Dano estético: responsabilidade civil, p. 53.

508 Op. cit., p. 55.

509 Idem, p. 46 a 54. Para Eneas de Oliveira MATOS apenas caracterizam dano estético os

requisitos: i) qualquer modificação na integridade física e ii) dano certo e permanente. Os requisitos de aparência externa, enfeamento e rejeição social, a seu entender, não podem ser considerados, tendo em vista o atual estágio da doutrina sobre a matéria. (Dano moral e dano estético, p. 184).

510 Direito civil brasileiro: responsabilidade civil, p. 445.

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Para Yussef Said CAHALI a simples deformação, mesmo que não

seja uma deformidade ou um aleijão, pode representar uma sequela dolorosa,

frustrando expectativas de vida do lesado. O ser humano deve ser protegido na

sua integridade corporal e espiritual511. Explica CAHALI, citando Gubert

Griot512, que cada ser humano vem ao mundo envolvido na forma do seu corpo,

o que constitui a sua aparência física; é por sua aparência que uma pessoa

marca desde o início seu círculo de ação, atraindo simpatia ou antipatia,

favorecendo ou prejudicando o desenvolvimento de sua personalidade, por isso

haverá atentado à existência física não somente em caso de ferimento, de

secção ou fratura de uma parte do corpo, mas também quando atingir a

aparência física, pois para Griot integridade corporal compreende a integridade

da aparência, da imagem, principalmente os traços da face e os movimentos

habituais de uma pessoa513.

Igualmente Wilson Melo da SILVA ensina que na esfera cível o dano

estético não é apenas o aleijão, abrangem deformidades ou deformações

outras, marcas ou defeitos, ainda que mínimos que impliquem sob qualquer

aspecto em “afeamento” da vítima ou que possam constituir para ela em

simples lesão “desgostante” ou ainda em permanente motivo de exposição ao

ridículo ou inferiorizantes complexos514. Qualquer alteração no rosto, mesmo

que possam ser acobertadas, disfarçadas ou dissimuladas, por exemplo, pela

barba ou maquiagem, pode implicar em dano estético na esfera cível, embora

irrelevantes na esfera penal515.

511

Dano moral, p. 202 e 203.

512 Das Recht am eigenen Körper auf Grund des Art. 28 des Schweizerischen

Zivilgesetzbuches. Sarnen: J. Abaecherli, 1921, 89p. (Tese de doutorado defendida na Faculdade de Ciências Políticas da Universidade de Zurique a respeito do “direito sobre o próprio corpo” conforme o Código Suíço vigente). Informações da Rede Virtual de Bibliotecas – RDBI. Disponível: <http://www.senado.gov.br/biblioteca/DetalhaDocumento.action?id=000207494>. Acesso em: 15/mar./2013.

513 Dano moral, p. 203. O mesmo trecho é citado por Artur Marques da Silva Filho, A

responsabilidade civil e dano estético, in RT 689, p. 41, Jean Carrard, O dano estético e sua reparação, in Revista Forense, vol. LXXXIII, p. 408 e Tereza Ancona Lopez, O dano estético: responsabilidade civil, p. 30.

514 O dano estético, in Revista Forense, vol. 194, p. 23.

515 Idem, ibidem.

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Jean CARRARD enfatiza que o prejuízo estético supõe uma

deformação, todavia o direito a indenização pode surgir mesmo quando a

vítima não é deformada, mas somente transformada516. Exemplifica:

“Um viajante do comércio, outrora possuidor de um nariz

aquilino, é vítima de um acidente; seu nariz é mutilado, a despeito de

todas as maravilhas da cirurgia estética, não é possível restabelecer

seu nariz aquilino; tudo o que o cirurgião pode fazer é um nariz grego.

Na opinião de muitas pessoas, o viajante do comércio tem melhor

fisionomia com seu nariz grego; ele não está, pois, deformado.

Todavia, não está contente: seus clientes que ele visitou depois de

longos anos, não o reconheciam mais, e ele teve que lhes dar longas

explicações para os convencer de que era sempre o mesmo homem;

mas alguns não querem se deixar persuadir e o tomam por um

impostor. No café, onde era uma figura conhecida e popular, onde era

saudado por todo mundo, passa hoje despercebido. Este viajante do

comércio sofre, em virtude da transformação do seu nariz, uma ofensa

ao seu futuro econômico, e talvez um dano moral”.

“Um político afeta, com ajuda de sua barba muito basta e

descuidada, um ar boêmio que lhe dá notoriedade pública – e que

muito agrada aos eleitores de seu partido. Adversários políticos o

assaltam de emboscada e o pelam cuidadosamente. Saído de suas

mãos, o político que não tem mais um fio de barba, tem daí em diante

uma aparência glabra e correta, quase eclesiástica; ele faz pensar em

certos homens de negócios anglo-saxões. Muitos acham que este

político ficou melhor depois que não tem mais barba. Mas nos comícios

populares não o reconhecem mais; não o saúdam mais na rua; ele não

agrada mais como antes. Sua situação política está abalada, este

político terá sofrido talvez uma ofensa ao seu futuro econômico (se ele

vive da política) e muito provavelmente um dano moral517

”.

Os exemplos de CARRARD sintetizam a concepção de que o dano

incide sobre a integridade corporal e espiritual518 do ser humano que compõem

a sua imagem (aparência física).

516

O dano estético e sua reparação, in Revista Forense, vol. LXXXIII, p. 407.

517 Idem, ibidem.

518 Conforme explica Yussef Said CAHALI, Dano moral, p. 203.

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Observa Rosália Toledo Veiga OMETTO que embora os artigos 949

e 950 do Código Civil de 2002 não explicitem a existência de dano estético,

considera-se sua possibilidade em decorrência do ordenamento como um

todo519.

Cabe fazer algumas considerações sobre a denominação “dano

estético”. O significado da palavra “estético” compreende a ideia do que é

atraente, de identificação e apreciação do que é belo e de embelezamento de

um indivíduo520, e tem como sinônimos: belo, atraente, elegante, harmonioso,

lindo; e antônimos: desarmônico, deselegante, feio. Ora, essa palavra trata de

valor, não de um bem.

Quando os autores se referem ao dano estético, tratam a nosso ver

de imagem. Nesse sentido, Teresa Ancona LOPEZ afirma que o dano estético

é ofensa a um direito da personalidade – o da integridade física pessoal –, que

nomeia como imagem externa521. Contudo, conforme a ideia desenvolvida

neste trabalho, a imagem é um todo (chamamos de imagem original) e

compreende matéria e forma (corpo e essência). Portanto, não há imagem

externa, há apenas imagem.

O bem jurídico protegido é a imagem e o valor encontra-se na

dignidade da pessoa humana, e não na beleza da pessoa humana.

Como exemplo, um modelo pode ser selecionado para realizar

publicidade, não porque é bonito, mas porque é feio. Faz da sua feiura o seu

sustento, a lesão a essa imagem pode trazer certamente dano material, pois

deixará de trabalhar, mas trará também dano à imagem, visto que era daquela

maneira que era conhecido522. Quem determina o dano estético e diz que tal

pessoa ficou mais feia ou mais bonita? O dano é à imagem. Não é necessária

519

Rosália Toledo Veiga OMETTO, Código Civil interpretado: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo, p. 690.

520 Dicionário Houaiss, verbete Estético, p. 1253.

521 Dano estético: responsabilidade civil, p. 55. Nas suas palavras: “Em resumo, diríamos que

o dano estético é a lesão a um direito da personalidade – o direito à integridade física, especialmente na sua aparência externa, na imagem que se apresenta”. (Idem, p. 64).

522 Observa-se que a situação assemelha-se ao exemplo citado acima de Jean CARRARD (O

dano estético e sua reparação, in Revista Forense, vol. LXXXIII, p. 407).

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a piora, basta que haja a transformação. Sequer é necessário o sofrimento

para caracterizar o dano: muitas pessoas por resiliência, caráter, filosofia de

vida, podem sofrer os maiores infortúnios, como ficarem feias, aleijadas, com

aparência desagradável e mesmo assim continuarem a se sentir bem e

bonitas. Ainda nesse caso existe o dano à imagem.

Teresa Ancona LOPEZ afirma que o dano estético atinge a imagem

social, que define como o modo com que os outros veem a pessoa, fazendo-a

se sentir bem ou mal, e não ao direito da personalidade da própria imagem523.

Todavia, o que os outros veem é a própria imagem da pessoa alterada,

modificada, transformada por um ato lícito ou ilícito. O dano não está em como

o outro vê; a percepção (opinião, atitudes) dos outros (da sociedade) é oriunda

do dano à imagem.

Assim, o prejuízo na imagem da pessoa é a alteração que, em

princípio, não retorna a sua condição anterior, a sua imagem original e suas

reproduções são resultados da sua aparência física atual. Ressalta-se que a

Constituição Federal de 1988, em seu Art. 5º, inciso V, dispôs sobre a

existência do dano material, moral e à imagem. A nosso ver o que a doutrina e

a jurisprudência denominam de dano estético relacionado a pessoa natural,

trata-se de um dano à imagem.

A fim de esclarecer essa percepção, verifica-se que Teresa Ancona

LOPEZ embora se refira ao dano estético, sustenta a tese de admissão de

cumulação524 de dano moral e de dano estético no inciso V, do Art. 5º da

523

Dano estético: responsabilidade civil, p. 30.

524 Ementa: RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. INDENIZAÇÃO. ACIDENTE

OCORRIDO DURANTE A UTILIZAÇÃO DE MÁQUINA DE PASSAR ROUPAS. DANO MORAL E ESTÉTICO. CUMULAÇÃO. POSSIBILIDADE. 1. É possível a cumulação do dano moral e do dano estético, quando possuem ambos fundamentos distintos, ainda que originários do mesmo fato.2. Agravo regimental improvido. (AgRg no Ag 276.023/RJ, Rel. Ministro PAULO GALLOTTI, SEGUNDA TURMA, julgado em 27/6/2000, DJ 28/8/2000, p. 68).

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Constituição Federal525. Ora, o texto do artigo diz “dano à imagem”, então por

que se deve ler “dano estético”526?

Em nosso ponto de vista, a solução encontrada pela doutrina e

jurisprudência decorre do sentido estrito do entendimento do que significa

direito à imagem. Procurou-se neste trabalho destacar que o direito à própria

imagem compreende tanto os direitos sobre a captação, reprodução e

divulgação da imagem decorrente, como também à sua imagem original

(imagem-matriz).

Assim, os danos patrimoniais, morais e à imagem são todos

passíveis de reparação. A reparação do dano pode ocorrer por diversos meios,

o mais usual é a reparação do equivalente da perda sofrida em dinheiro, mas

também pode se dar pela restituição da coisa perdida específica ou por

equivalente, e ainda por compensação527.

No âmbito do direito à imagem, admite-se que um dano à imagem

seja reparado por meio de restauração, de reintegração e de indenização.

Por exemplo, em acidente do trabalho que cause uma lesão física ao

empregado, e consequentemente à sua imagem, não resta dúvida de que ao

empregador cabe a responsabilidade de restaurar o dano, pela reparação por

meio de cirurgia plástica, desde que o empregado permita a intervenção em

seu próprio corpo. Em lição de Pontes de MIRANDA: “Se a reparação em

natura, na pessoa, é praticável, somente o lesado pode admitir o pagamento

em dinheiro. (...) O tratamento é qualquer processo de recuperação, conforme

a ciência do momento em que dele se cogita. Mesmo se algum tempo após

primeira atividade médica, inclusive cirúrgica, e antes de prescrever a

525

Nas palavras de LOPEZ: “a base legal para admissão da cumulação do dano moral e do dano estético e o Art. 5, V, da nossa Carta Magna, pois a referida norma constitucional admite reparação para três tipos de danos: o material, o moral e o dano à imagem”. Op. cit., p.165.

526 É o que defende Eneas de Oliveira MATOS: “(...): poder-se-ia ler, então, na Constituição

que são reparáveis e cumuláveis os danos material, moral e estético em tal dispositivo, ao invés da literalidade do texto que é danos material, moral e à imagem”. (Dano moral e dano estético, p. 265).

527 Nelson NERY Jr e Rosa Maria de Andrade NERY, Código Civil comentado, p. 787.

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pretensão, algum meio científico ou técnico se descobre que melhor solução

daria, pode ser exigida a prestação do profissional, à custa do lesante”528.

Exemplo de reparação por meio de reintegração pode ocorrer na

hipótese de fotografia de uma pessoa ter o seu contexto alterado; ao lesado

caberá o direito de requerer que se devolva à situação anterior, para reintegrar

a condição à época da captação da imagem.

Nos exemplos citados, se a restauração ou reintegração não for

possível ou se seu êxito foi limitado, caberá indenização pelo dano à imagem,

independentemente de outras indenizações decorrentes de prejuízos materiais

ou morais.

Do atentado da imagem por publicação sem autorização surge a

questão se para ocorrer reparação é necessário prejuízo econômico. A Súmula

403 do STJ pacificou a questão ao entender que: “Independe de prova do

prejuízo a indenização pela publicação não autorizada de imagem de pessoa

com fins econômicos ou comerciais”. A proteção da imagem independe de

seus fins econômicos ou morais, quando o artigo 5º, inc. V, da CF de 1988

elenca três tipos de danos, temos três tipos de interesses que são o

patrimonial, moral e o da dignidade da pessoa humana representado pela

imagem da pessoa.

528

Tratado de Direito Privado: Parte Especial. Tomo LIV: Direitos das obrigações: (...), § 5538, item 6, p. 175.

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CONCLUSÃO

A imagem é a aparência da pessoa: somente por meio dela a

pessoa pode ser conhecida e reconhecida. Não há pessoa humana sem

imagem. Essa aparência é constituída pela matéria e pela forma.

Nesse sentido, entende-se a definição de que a imagem da pessoa

para o Direito é “toda expressão formal e sensível da personalidade”529, não se

limitando a seus aspectos físicos, mas ao que ela é como um todo (os gestos,

a voz, os modos, juntamente com seu corpo físico).

Essa concepção integral de imagem se opõe à ideia corrente de

que há duas imagens, previstas constitucionalmente: imagem-atributo e

imagem-retrato. Ora, os incisos V e X do Art. 5º da Constituição Federal de

1988 não distinguem imagens, pois esta é um todo – a imagem da pessoa.

O bem jurídico imagem não se confunde com outros bens como a

honra, a intimidade, o corpo (integridade física), a liberdade, o patrimônio moral

ou a identidade. A imagem é um bem jurídico autônomo, porque não é o Direito

que atribui imagem à pessoa, é a sua própria natureza que a faz um ser único

e irrepetível, munida de uma imagem. A função da ordem jurídica é produzir

normas jurídicas para reconhecer e proteger o direito à imagem, que se insere

no rol dos direitos da personalidade.

A imagem não é apenas reprodução em representações visuais

(desenhos, pinturas, gravuras, fotografias e imagens cinematográficas,

televisivas, holo e infográficas).

O direito à imagem compreende o original e a reprodução. Diante do

espelho existe o original e o seu reflexo530. A imagem envolve o original e o

529

Walter MORAES, Direito à própria imagem (II), in RT 444, p.27.

530 A ideia contida entre o original e o espelho é oriunda do mito de Narciso e inspiradora de

várias obras artísticas entre elas, O Retrato de Dorian Gray de Oscar Wilde.

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reflexo, pois o reflexo não existe se não existe o original. Se trocarmos um

espelho por uma câmera fotográfica, teremos o original e a fotografia (retrato);

haverá uma imagem original e uma imagem decorrente. O original será sempre

alterado pela força do tempo, enquanto a decorrente se manterá intacta,

dependendo de sua conservação, ou dos recursos tecnológicos para alterá-la

(photoshop, recursos de rejuvenescimento e envelhecimento).

A pessoa natural é revestida de uma aparência que compõe

naturalmente a sua personalidade. Essa aparência é sua imagem, bem inato e

intrínseco à sua existência, por consequência irrenunciável, intransmissível,

inalienável, pois há a impossibilidade lógica e física de deixar de ter ou de

transferir a própria imagem (aparência).

O direito à imagem da pessoa subsiste mesmo antes do nascimento,

pois em razão dos avanços tecnológicos ela pode ser conhecida e

reconhecida.

O direito à imagem se estende à pessoa jurídica por força do Art. 52

do Código Civil de 2002 e se justifica no entendimento de que imagem é um

todo perceptível, oriundo da veiculação de sua mensagem institucional.

O direito à imagem apresenta conteúdo positivo e negativo. O

conteúdo positivo consiste no direito de dispor do uso da imagem de maneira

ampla, abrangendo a faculdade de fruição, exposição, reprodução e

modificação da própria imagem. O conteúdo negativo dá-se pela oposição ou

proibição do uso da imagem com fulcro de defendê-la e preservá-la contra a

usurpação, falsidade, adulteração ou transformação e na reprodução não

consentida. Logo, o conteúdo do direito à imagem consiste na faculdade

específica atribuída ao titular de constranger os outros ao respeito à sua

própria imagem e de manter para si a decisão de divulgação ou não de sua

imagem.

Ressalta-se que o conteúdo do direito à imagem não está na

proibição de se capturar a imagem, pois em muitos lugares há câmeras

fotográficas ou filmadoras, de tal modo que na sociedade contemporânea

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quase já não se questiona a demasiada presença delas. A proteção da imagem

está no direito de opor-se à captação da própria imagem, permitindo ao titular

atos de legítima defesa, com a finalidade de nas câmeras analógicas destruir

os filmes e nas câmeras digitais apagar as fotos do cartão de memória, e

consentindo em algumas situações a proibição, e eventual revista, de câmeras

e filmadoras. Opor-se à captação incide também em atos de dissimulação da

própria aparência, como uso de óculos escuros, capuz, bonés, barba, bigodes,

entre outros disfarces, e na tutela jurisdicional de proibir a aproximação do

agente captador.

E se captada a imagem, o titular do direito pode opor-se à

reprodução, divulgação, multiplicação ou comercialização. A proteção da

imagem permite, portanto, duas pretensões, uma cominatória e outra

indenizatória.

Os limites ao direito à imagem são o consentimento, a administração

da justiça ou a manutenção da ordem pública, todos previstos no Art. 20 do

Código Civil. Todavia, para que essas circunstâncias justifiquem o uso da

imagem alheia é necessário verificar o objetivo desse uso. No caso da

utilização autorizada, o consentimento dado de uso da própria imagem tem

escopo particular que interessa ao titular da imagem ― qualquer utilização

além do pactuado é um desvio de finalidade, eivado de ilicitude.

Na hipótese de administração da justiça ou de manutenção da

ordem pública, o objetivo é o interesse público. O uso da imagem alheia para

esse escopo não pode ser considerada de modo absoluto, em sua ocorrência é

necessário ponderar o caso específico, outros bem jurídicos envolvidos (como

honra, intimidade etc.) e o impacto desse uso na imagem da pessoa, uma vez

que a finalidade do interesse público não pode atingir ilimitadamente os direitos

da personalidade.

A extinção do exercício do direito à imagem tem na morte sua única

causa decorrente da intransmissibilidade. Eis mais uma característica desse

direito. Restará para os legitimados preservar os direitos decorrentes de serem

sucessores de tudo o que a imagem do falecido representava.

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A responsabilidade civil no âmbito do direito à imagem apresenta

pretensões reparatória e indenizatória. A lesão à imagem permite ao lesado

requerer que se repare o dano, além de eventuais outros danos materiais ou

morais.

Deduz-se que o dano estético para o conceito jurídico pleno de

imagem é um dano à imagem porque a lesão ocorre no bem jurídico que é a

própria imagem do indivíduo. Tem-se também que as pessoas jurídicas podem

sofrer danos à sua imagem institucional. O dano institucional é o dano à

imagem da pessoa jurídica.

A ordem jurídica admite a cumulação de danos materiais, morais e à

imagem, visto que são interesses distintos protegidos pelo Direito, imputando

ao agente causador do dano responsabilidade civil.

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