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PONTIFIacuteCIA UNIVERSIDADE CATOacuteLICA DE SAtildeO PAULO
PUC-SP
ILKA SCHAPPER SANTOS
O Fluxo do Significado do Brincar na Cadeia Criativa argumentaccedilatildeo e
formaccedilatildeo de pesquisadores e educadores
Doutorado em Linguiacutestica Aplicada e Estudos da Linguagem
Satildeo Paulo 2010
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PONTIFIacuteCIA UNIVERSIDADE CATOacuteLICA DE SAtildeO PAULO
PUC-SP
ILKA SCHAPPER SANTOS
O Fluxo do Significado do Brincar na Cadeia Criativa argumentaccedilatildeo e
formaccedilatildeo de pesquisadores e educadores
Tese apresentada agrave Banca Examinadora
da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de
Satildeo Paulo como exigecircncia parcial para
obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Doutora em
Linguiacutestica Aplicada e Estudos da
Linguagem na Pontifiacutecia Universidade
Catoacutelica de Satildeo Paulo sob a orientaccedilatildeo
da Professora Doutora Fernanda Coelho
Liberali
Satildeo Paulo 2010
FICHA CATALOGRAacuteFICA
SANTOS Ilka Schapper O Fluxo do Significado do Brincar na Cadeia Criativa
argumentaccedilatildeo e formaccedilatildeo de pesquisadores e educadores Satildeo Paulo 237 p2010
Tese (Doutorado em Linguiacutestica Aplicada e Estudos da Linguagem) - Pontifiacutecia
Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo 2010
Aacuterea de Concentraccedilatildeo Linguiacutestica Aplicada e Estudos da Linguagem
Orientadora Professora Doutora Fernanda Coelho Liberali
Palavras-chave Sentido Significado Cadeia Criativa Argumentaccedilatildeo Brincar
Autorizo exclusivamente para fins acadecircmicos e cientiacuteficos a reproduccedilatildeo total ou
parcial desta tese por processos fotocopiadores ou eletrocircnicos
Banca Examinadora
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Aos queridos Ricardo e Joatildeo Pedro
frutos bons
Para Solenio que na nossa relaccedilatildeo
trouxe muitos sentidos para o verbete
pai indo muito aleacutem do significado
estratificado e estaacutevel da palavra Muito
obrigada por ser na minha vida
referecircncia paterna
Agrave Profa Dra Fernanda Coelho Liberali
minha orientadora pelas palavras que
iluminaram este trabalho por acreditar
sempre no outro pelo seu desejo
contagiante em transformar o mundo de
forma criativa Mas principalmente
pelo exerciacutecio do confronto produtivo de
ideias valores e crenccedilas
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais Solenio e Zeacutelia por serem sempre referecircncia de lutas e conquistas e
porto seguro para mim e para o Joatildeo Pedro Aacutervores boas
Agrave Leacutea que na nossa relaccedilatildeo traz outros sentidos para o verbete sogra
Ao Luiz Fernando por estar sempre proacuteximo e ser um aconchego para mim para o
Ricardo e em especial para o Joatildeo Pedro
Ao Ricardo meu companheiro de vida por sua colaboraccedilatildeo na feitura das figuras e dos
quadros presentes neste trabalho
Ao Joatildeo Pedro meu filho por partilhar comigo o exerciacutecio da relaccedilatildeo materna e
tambeacutem por seu brilho expresso em sua interlocuccedilatildeo com o mundo
Aos meus irmatildeos Joatildeo Nuacutebia Maacutercio Poliana e Pablo por serem imprescindiacuteveis Em
especial agrave Nuacutebia e agrave Poliana irmatildes-amigas por suas presenccedilas e por nossa interlocuccedilatildeo
acadecircmica que transcende os espaccedilos da famiacutelia
Aacute Profa Dra Leacutea Stahlschmidt Pinto Silva por possibilitar um espaccedilo no GP EFoPI
para a construccedilatildeo de uma metodologia de pesquisa revolucionaacuteria e transformadora e
por sua luta incansaacutevel pelas crianccedilas e suas infacircncias
Aos professores e coordenadores das creches do municiacutepio de Juiz de Fora por
possibilitarem a minha incursatildeo na reflexatildeo da praacutetica e na praacutetica da reflexatildeo no
universo da infacircncia de crianccedilas de 2 e 3 anos
Aos participantes dos grupos de pesquisa EFoPI LACE e LIC pelas interlocuccedilotildees
acadecircmicas que atravessam esta tese
Agrave Tida nossa querida funcionaacuteria que cuidou do Ricardo e principalmente do Joatildeo
Pedro nos momentos em que estava viajando para Satildeo Paulo ou imersa na escrita da
tese
Agrave Profa Dra Maria Ceciacutelia Magalhatildees (Ciccedila) pelas significativas contribuiccedilotildees para o
meu desenvolvimento como aluna e professora-pesquisadora e por suas caracteriacutesticas
que se revelam em palavras e atos sensibilidade solidariedade inteligecircncia e
compromisso com a transformaccedilatildeo de si do outro e do mundo
Agrave amiga Elvira Aranha pelo seu acolhimento por nossos diaacutelogos que transcendem os
espaccedilos desta tese e principalmente por ser algueacutem em quem posso confiar Por mais
que ela natildeo goste que diga uma profissional-acadecircmica brilhante
Agraves professores doutoras que participaram das bancas de qualificaccedilatildeo Alzira Shimoura
Maria Ceciacutelia Magalhatildees Maria Helena Pistori Mona Hawi e Wanda Aguiar Junqueira
porpromoverem uma interlocuccedilatildeo calorosa permitindo que eu repensasse o percurso
desta pesquisa
Aacute Profa Dra Maria Teresa de Assunccedilatildeo Freitas por seu compromisso com a produccedilatildeo
do conhecimento na praacutetica de pesquisa por suas contribuiccedilotildees teoacutericas e por nosso
diaacutelogo que transcende o universo acadecircmico e invade os espaccedilos da afetividade
Agrave Profa Dra Mona Hawi pelas inuacutemeras contribuiccedilotildees neste trabalho no periacuteodo da
segunda qualificaccedilatildeo e ao longo de todo doutorado Por nossos diaacutelogos vivecircncias e
principalmente por ter se tornado referecircncia para mim na cidade de Satildeo Paulo
Agrave Fernanda Cardoso por nossa intensa interlocuccedilatildeo no periacuteodo de revisatildeo deste
trabalho e principalmente por ter demonstrado ser coerente agrave categoria colaboraccedilatildeo
Agrave Lena por nossos diaacutelogos acadecircmicos e afetivos que muito contribuiacuteram para este
trabalho final
Agrave Alexsandra amiga-irmatilde de longa data por estar sempre por perto Nossa interlocuccedilatildeo
e nosso afeto atravessam tempos e espaccedilos
Agrave amiga Bruna por ter sempre uma enunciaccedilatildeo recheada de afeto disponibilidade e
muitas inquietaccedilotildees instigantes e por se tornar uma interlocutora imprescindiacutevel Haacute
muito de Bruna Sola Ramos nesta tese
Agrave Mocircnica (Mamu) comadre amiga-irmatilde por nossa interlocuccedilatildeo que supera as
adversidades da vida e pelas aprendizagens que partilhamos Por meio de nossos
diaacutelogos pude aprimorar minha capacidade argumentativa
Agrave querida Claacuteudia Bonfatti por ter sido uma referecircncia para o Joatildeo Pedro no periacuteodo
de ingresso na educaccedilatildeo infantil e por ter se tornado amiga da famiacutelia Sua experiecircncia
posturas e atitudes como professora dos pequenos sinalizam o compromisso que tem
com as crianccedilas e suas infacircncias
Agrave Rose por trazer beliacutessimas imagens para o Joatildeo Pedro transmutadas por meio do
maravilhoso e por ter enriquecido sua infacircncia com movimentos de expansatildeo e
contraccedilatildeo no momento em que natildeo pude estar
Agrave Hilda amiga querida pela presenccedila colaborativa e por me ensinar a objetivar as accedilotildees
e tarefas do cotidiano acadecircmicoprofissional
A todos os amigos do LAEL especialmente aos colegas do Seminaacuterio de Orientaccedilatildeo
colaboradores no processo de construccedilatildeo desta pesquisa
Agrave Maria Luacutecia e agrave Maacutercia por suas accedilotildees generosas em periacuteodos como Matriacutecula Prova
de Francecircs e Exame de Aacuterea Complementar
Agrave Universidade Federal de Juiz de Fora em especial ao Departamento de Educaccedilatildeo
pelo afastamento concedido e agrave CAPES pelo apoio financeiro que tornou possiacutevel
meus estudos no LAEL
SUMAacuteRIO
COMECcedilANDO O DIAacuteLOGO 18
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO
DOS ldquoNOacuteSrdquo
27
11 ndash O Movimento da Cadeia Criativa linguagem e produccedilatildeo de
conhecimento
30
111 ndash A Cadeia Criativa entre o compartilhamento de sentidos e de
significados
31
112 ndash A Cadeia Criativa e a ZPD interregno de conflitos tensotildees e
possibilidades na produccedilatildeo de conhecimento
39
113 ndash Cronotopia e exotopia uma diacuteade no movimento da Cadeia
Criativa
43
114 ndash A Cadeia Criativa sob a eacutegide da totalidade spinozana 46
115 ndash Breve retomada da ldquovelhardquo e da ldquonovardquo retoacuterica um encontro com
a argumentaccedilatildeo na cadeia criativa
52
116 ndash Fluxo da Interaccedilatildeo verbal por uma argumentaccedilatildeo dialoacutegica na
Cadeia Criativa
62
CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFOPI 67
21 ndash Uma breve histoacuteria sobre o brincar 69
211 ndash A imaginaccedilatildeo e a brincadeira de faz de conta 74
212 ndash O desenvolvimento da imaginaccedilatildeo loacutecus da brincadeira de faz de
conta e da (re)invenccedilatildeo do real
81
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E
(DES)CAMINHOS TRILHADOS
90
31 ndash A Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo no Grupo de Pesquisa Linguagem em
Atividades no Contexto Escolar (GP LACE)
94
32 ndash A Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo no Grupo de Pesquisa Educaccedilatildeo
Formaccedilatildeo de professores e Infacircncia (GP EFoPI)
97
33 ndash Espaccedilos-tempo de uma construccedilatildeo coletiva caracterizaccedilatildeo do(s)
contexto(s) de pesquisa
104
331 ndash Projeto de 2006-2007 A verticalizaccedilatildeo e a horizontalizaccedilatildeo do
espaccedilo da sala de educaccedilatildeo infantil
104
332 ndash Projeto de 2008-2009 Espaccedilo de reflexatildeo criacutetica em contexto de
colaboraccedilatildeo reconstruindo os sentidos e os significados da praacutetica
educativa na creche
109
333 ndash Espaccedilos de Atuaccedilatildeo do GP EFoPI 113
3331 ndash A Entidade Civil que manteacutem as creches no Municiacutepio de
Juiz de Fora uma breve incursatildeo na AMAC
113
3332 ndash A Extensatildeo Universitaacuteria e o Curso de Extensatildeo na
Universidade Federal de Juiz de Fora
116
334 ndash Equipe de pesquisadores participantes do GP EFoPI no Periacuteodo
2006-2009
120
34 ndash Pesquisadores Focais do trabalho de Tese 122
35 ndash Procedimentos de produccedilatildeo-geraccedilatildeo coleta organizaccedilatildeo e
armazenamento dos dados
123
36 ndash Procedimentos de Anaacutelise e Interpretaccedilatildeo de Resultados 125
361 ndash Categorias de Anaacutelise 126
3611 ndash Marcas da Interaccedilatildeo 128
3612 ndash Marcas Argumentativas 1 129
3613 ndash Marcas Argumentativas 2 129
3614 ndash Marcas Linguiacutesticas 130
362 ndash Categorias de Interpretaccedilatildeo 131
37 ndash Credibilidade neste Processo de Pesquisa 132
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 134
41 ndash 1ordm Cronotopo da Cadeia Criativa ndash Sessotildees reflexivas com pesquisadoras
do GP EFoPI e educadoras da creche
135
411 ndash 1ordf Sessatildeo Reflexiva Analisada ndash dia 14 de agosto de 2006 135
412 ndash 2ordf Sessatildeo Reflexiva Analisada ndash dia 21 de agosto de 2006 149
413 ndash 3ordf Sessatildeo Reflexiva Analisada ndash dia 04 de setembro de 2006 166
42 ndash 2ordm Cronotopo da Cadeia Criativa ndash Curso de Extensatildeo 183
421 ndash Encontros do Curso de Extensatildeo Analisados ldquoA Dimensatildeo Luacutedica
na Crianccedila e na Crecherdquo e ldquoA Dimensatildeo Luacutedica no Espaccedilo-Ambiente
da Creche reflexotildees sobre o brincarrdquo ndash dias 05 e 12 de novembro de
2007
183
43 ndash 3ordm Cronotopo da Cadeia Criativa ndash Sessatildeo Reflexiva com as
Coordenadoras das Creches da AMAC
201
431 ndash 4ordf Sessatildeo Reflexiva Analisada ndash dia 11 de novembro de 2009 201
44 ndash Consideraccedilotildees Parciais 215
CONSIDERACcedilOtildeES E REFLEXOtildeES ABERTAS 220
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 226
ANEXOS 236
Anexo 1 236
Anexo 2 237
IacuteNDICE DE QUADROS
Quadro 01 ndash Os trecircs gecircneros do discurso na Retoacuterica com base em Reboul 58
Quadro 02 ndash Desenho da Pesquisa 93
Quadro 03 ndash Accedilotildees e questotildees relativas ao processo reflexivo 100
Quadro 04 ndash Accedilotildees e questotildees relativas ao processo reflexivo construiacutedas pelo
EFoPI a partir de Smyth
101
Quadro 05 ndash Cronograma do planejamento das accedilotildees do GP EFoPI nos anos
de 2006 e 2007
108
Quadro 06 ndash Cronograma do planejamento das accedilotildees do GP EFoPI nos anos
de 2008 e 2009
112
Quadro 07 ndash Relaccedilatildeo AdultoCrianccedila nas Creches Comunitaacuterias da
AMAC2009
115
Quadro 08 ndash Proporccedilatildeo AdultoCrianccedila nas Turmas das Instituiccedilotildees de
Educaccedilatildeo Infantil segundo a Resoluccedilatildeo Municipal No 12000
115
Quadro 09 ndash Coordenadores do GP EFoPI 121
Quadro 10 ndash Pesquisadores Doutores Doutorandos Mestres e Mestrandos 121
Quadro 11 ndash Alunos de Iniciaccedilatildeo Cientiacutefica 122
Quadro 12 ndash Pesquisadores Colaboradores 122
Quadro 13 ndash Siacutentese dos instrumentos usados para a discussatildeo 125
Quadro 14 ndash Marcas da interaccedilatildeo 128
Quadro 15 ndash Marcas Argumentativas 1 129
Quadro 16 ndash Marcas Argumentativas 2 130
Quadro 17 ndash Marcas Linguiacutesticas 131
Quadro 18 ndash Categorias de Interpretaccedilatildeo 131
IacuteNDICE DE FIGURAS
Figura 01 ndash Fluxograma da Pesquisa 92
Figura 02 ndash Accedilotildees para materializar interdisciplinaridade e transversalidade
na triacuteade ensino-pesquisa-extensatildeo
119
RESUMO
Esta pesquisa se insere na aacuterea da Linguiacutestica Aplicada na linha Educaccedilatildeo e
Linguagem da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica ndash Satildeo Paulo tendo como objetivo
investigar o fluxo do significado do brincar na Cadeia Criativa no interior do Grupo de
Pesquisa Educaccedilatildeo Formaccedilatildeo de Professores e Infacircncia (EFoPI) Apresenta como
aporte teoacuterico as referecircncias da Teoria Soacutecio-Histoacuterico-Cultural em especial as
contribuiccedilotildees de Vygotsky do Ciacuterculo de Bakhtin e de seus respectivos seguidores
Adota tambeacutem a perspectiva monista spinozana (Spinoza 16772005) para tecer uma
discussatildeo sobre o movimento da Cadeia Criativa (Liberali 2006 2009) A linguagem
nesse movimento eacute vista sob a perspectiva bakhtiniana e de seu ciacuterculo bem como sob
a oacutetica dos elementos da ldquovelhardquo e da ldquonovardquo retoacuterica (Aristoacuteteles 350 aC2005
Perelman e Olbrechts-Tyteca 19702005) que fundam neste trabalho um significativo
debate sobre a argumentaccedilatildeo Nesse contexto a linguagem eacute vista como possibilitadora
de traduzir-realizar os eventos do existir humano atravessados pelas (inter-)relaccedilotildees nos
vaacuterios contextos do GP EFoPI por meio de intervenccedilotildees com os educadores das creches
puacuteblicas municipais da cidade de Juiz de Fora O referencial metodoloacutegico eacute norteado
pelos princiacutepios da Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo (Magalhatildees 2002 2004 2006
2009) entendida como um processo que possibilita a todos os participantes da pesquisa
a construccedilatildeo-produccedilatildeo do conhecimento com ecircnfase no papel da colaboraccedilatildeo como
espaccedilo de aprendizado e desenvolvimento a todos os envolvidos no processo A
discussatildeo dos resultados estaacute pautada em categorias de anaacutelise argumentativas
desenvolvidas com base em Perelman e Olbrechts-Tyteca (19702005) e Liberali e
Shimoura (2007) bem como de interpretaccedilatildeo embasadas no referencial teoacuterico deste
trabalho em especial as categorias teoacutericas da perspectiva Soacutecio-Histoacuterico-Cultural no
interior do movimento da Cadeia Criativa Os resultados indicam que a praacutexis do GP
EFoPI nos cronotopos da Cadeia Criativa foi gradativamente assumindo os princiacutepios
epistemoloacutegicos e praacuteticos da colaboraccedilatildeo Os educadores das creches junto com os
pesquisadores foram se tornando protagonistas nas discussotildees teoacuterico-praacuteticas sobre o
brincar bem como na ressignificaccedilatildeo das praacuteticas que circundam essa atividade Para
estes as transformaccedilotildees ficaram circunscritas aos modos e agraves maneiras de intervir jaacute
para os educadores notaram-se mudanccedilas nos proacuteprios sentidos e significados acerca da
temaacutetica
Palavras-chave Sentido Significado Cadeia Criativa Argumentaccedilatildeo Brincar
ABSTRACT
This research is inserted in the area of Applied Linguistics in the line of Education and
Language of Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica ndash Satildeo Paulo having as its goal to
investigate the flow of the meaning of playing in the Creative Chain inside the
Education Research Group Teacher Formation and Childhood (EFoPI) It is presented
as theoretic foundation the references from the Social-Historical-Cultural Theory
especially the contributions from Vygotsky Bakhtinrsquos Circle and their respective
followers It is also adopted the monist Spinozan perspective (Spinoza 16772005) to
weave a discussion on the movement of the Creative Chain (Liberali 2006 2009) The
language in this movement is seen under the Bakhtinian perspective and his circle as
well as under the optic of the elements from ldquooldrdquo and ldquonewrdquo rhetoric (Aristotle 350
aC2005 Perelman and Olbrechts-Tyteca 19702005) which found in this paper a
significant debate on the argumentation In this context the language is seen as able to
translate-realize the events of being human through the (inter)relationships in many
contexts of GP EFoPI by means of interventions with the educators of the cityrsquos public
daycare centers in the city of Juiz de Fora The methodological reference is guided by
the principles of Critic Research of Collaboration (Magalhatildees 2002 2004 2006 2009)
understood as a process that allows to all the participants of the research the
construction-production of the knowledge with emphasis on the role of collaboration as
a space of learning and developing to all those involved in the process The discussion
of the results is based on categories of argumentative analysis developed over Perelman
and Olbrechts-Tyteca (19702005) Liberali and Shimoura (2007) as well as
interpretation based on the theoretical reference from this paper especially the
theoretical categories of the Social-Historical-Cultural perspective inside the Creative
Chain movement The results indicate that the praxis used on GP EFoPi in the
chronotopes of the Creative Chain gradually has been taking over the epistemological
and practical principals of collaboration The daycare center educators along with the
researchers were becoming protagonists in the theoretical-practical discussions on
playing as well as the resignification of the practices that circle this activity For these
the transformations were circumscribed to the ways and manners of intervening as for
the educators changes were noticed in their own senses and meanings about the theme
Key-words Sense Meaning Creative Chain Argumentation Playing
ILKA SCHAPPER SANTOS
COMECcedilANDO O DIAacuteLOGO
Neste trabalho busco compreender criticamente a formaccedilatildeo das professoras
pesquisadoras e das educadoras1 participantes de um grupo de pesquisa que investiga a
formaccedilatildeo dos profissionais da educaccedilatildeo infantil Em especial investigo como se
processa o compartilhamento de sentidos e de significados sobre o brincar Um dos
focos da investigaccedilatildeo eacute discutir as concepccedilotildees sobre o brincar no espaccedilo de pesquisa ndash
que se materializa nas reuniotildees de discussatildeo teoacuterica de definiccedilatildeo de metodologia e de
instrumentos de ingresso no campo e de anaacutelise criacutetica de dados ndash em um grupo que
estuda a crianccedila e suas infacircncias nas creches puacuteblicas municipais de Juiz de Fora O
Grupo de Pesquisa (GP) em questatildeo eacute o EFoPI (Educaccedilatildeo Formaccedilatildeo de Professores e
Infacircncia) Na realidade investigo o que estou intitulando de metapesquisa2
O prefixo meta- indica transcendecircncia ldquopara aleacutemrdquo da pesquisa Num
movimento dialeacutetico as reuniotildees do grupo de pesquisa e os diaacutelogos com os
participantes sistematizam e organizam as pesquisas em si mas tambeacutem criam espaccedilos
de investigaccedilatildeo cientiacutefica que transcendem as discussotildees das definiccedilotildees de questotildees de
estudos de objetivos de fundamentaccedilatildeo teoacuterica de anaacutelise de dados objetivando a
transformaccedilatildeo da realidade
Os professores pesquisadores e os participantes da pesquisa na apropriaccedilatildeo de
concepccedilotildees teoacutericas e no ingresso das discussotildees acadecircmicas e trabalho de campo
reescrevem ressignificam sua praacutexis continuando a tecer e a fiar nas dobras das suas
construccedilotildees a produccedilatildeo do conhecimento Isso porque entrecruzam as formulaccedilotildees
teoacutericas com outras leituras e outras vivecircncias que tiveram no campo da academia e no
diaacutelogo com seus interlocutores Aleacutem disso quando estudam um construto teoacuterico e o
relacionam com o trabalho cotidiano no interior de uma pesquisa as professoras-
pesquisadoras e as educadoras participantes da pesquisa trazem para a cena da
investigaccedilatildeo cientiacutefica atores diferentes daqueles que os proacuteprios teoacutericos elegeram
Mas na modernidade ndash ou poacutes-modernidade ndash a tarefa de pensar de estabelecer
relaccedilotildees e proposiccedilotildees de reconstruir como muitas outras sofre com a pressa e a
brevidade do tempo
1 Neste trabalho de tese o verbete ldquoeducadorasrdquo se refere tanto agraves professoras quanto agraves coordenadoras
pedagoacutegicas das creches puacuteblicas municipais de Juiz de Fora 2 A terminologia metapesquisa foi criada por mim para definir o processo de investigar a praacutetica de
pesquisa
COMECcedilANDO O DIAacuteLOGO 19
ILKA SCHAPPER SANTOS
O homem contemporacircneo estaacute de fato marcado pela pressa e pela falta de
tempo Falta de tempo para a reflexatildeo cientiacutefica que requer dialogar e digerir a ldquoideia do
outrordquo ndash no caso da pesquisa aprofundar nos autores selecionados ndash para no
entrecruzamento da ldquoideia proacutepriardquo ndash a questatildeo a ser investigada ndash criar a ldquoideia novardquo
com novas significaccedilotildees Esse terceiro elemento que diz da originalidade da criaccedilatildeo
estaacute se esvaziando na atualidade Soacute se tem tempo de analisar a ldquoideia do outrordquo e a
ldquoideia proacutepriardquo Muitas vezes natildeo se tem tempo para originalidade e criatividade que
requerem a interlocuccedilatildeo das trecircs ideias citadas Nesse contexto estamos perdendo no
campo da produccedilatildeo cientiacutefica da construccedilatildeo de conhecimento a capacidade de transitar
na terceira margem do rio
A dificuldade de criaccedilatildeo estaacute posta no excesso de informaccedilatildeo na tentativa de se
dar conta de tudo dos prazos achatados das agecircncias de fomento Natildeo sobra tempo para
o processo criativo no interior do processo de pesquisa Isso porque na busca de se
achar a melhor definiccedilatildeo na palavra do outro haacute uma reproduccedilatildeo do texto do outro
inserido no contexto da investigaccedilatildeo Mas com isso muitas vezes se esvazia a palavra
do pesquisador ndash que seria a tocircnica da diferenccedila entre argumentar analisar e transformar
a realidade
Para investigar o processo de produccedilatildeo de conhecimento sobre o brincar com
as professoras-investigadoras e as demais participantes da pesquisa analisei
longitudinalmente a produccedilatildeo dos dados do GP EFoPI ao longo de quatro anos de
intervenccedilatildeo do iniacutecio de 2006 ateacute o final de 2009 Isso foi feito a partir das sessotildees
reflexivas realizadas com as educadoras das creches dos encontros do curso de
extensatildeo e das sessotildees reflexivas que o grupo ofereceu para as coordenadoras das 23
creches da cidade de Juiz de Fora
O meu interesse pelo tema estaacute relacionado agrave minha preocupaccedilatildeo como
professora de uma universidade puacuteblica de compreender como o processo de pesquisa
numa perspectiva soacutecio-histoacuterico-cultural de colaboraccedilatildeo possibilita aos participantes a
transformaccedilatildeo e a reconstruccedilatildeo do mundo que os cercam Aleacutem disso na minha
trajetoacuteria acadecircmica o binocircmio professora-pesquisadora sempre esteve presente
Em 1990 concluiacute o curso de magisteacuterio de niacutevel meacutedio em uma escola puacuteblica
estadual na cidade de Satildeo Gonccedilalo do Sapucaiacute em Minas Gerais Nesse periacuteodo
trabalhei dois anos na APAE da cidade
No ano seguinte mudei-me para o Municiacutepio Juiz de Fora por conta da
aprovaccedilatildeo no vestibular Em 1991 apoacutes aprovaccedilatildeo em concurso puacuteblico comecei
COMECcedilANDO O DIAacuteLOGO 20
ILKA SCHAPPER SANTOS
minha carreira como professora alfabetizadora da SME (Secretaria Municipal de
Educaccedilatildeo) da cidade Paralela a essa atividade era estudante do curso de Pedagogia da
Universidade Federal de Juiz de Fora onde tambeacutem participava de projetos de pesquisa
de extensatildeo e de monitoria que investigavam e atendiam crianccedilas que vivenciaram anos
de fracasso na alfabetizaccedilatildeo inicial
Terminada a graduaccedilatildeo em 1994 no ano subsequente ingressei no mestrado em
educaccedilatildeo na PUC-Rio sob a orientaccedilatildeo da professora Dra Socircnia Kramer Nesse
periacuteodo desejava continuar minhas investigaccedilotildees no campo da alfabetizaccedilatildeo leitura e
escrita Inscrevi-me entatildeo no segundo periacuteodo do curso na pesquisa intitulada Cultura
Modernidade e Linguagem Leitura e Escrita de Professores em suas Histoacuterias de Vida
e Formaccedilatildeo Foi nesse projeto interinstitucional que vivenciei minhas primeiras
experiecircncias de pesquisa numa abordagem histoacuterica e cultural sob a orientaccedilatildeo das
professoras doutoras Socircnia Kramer e Solange Jobim e Souza Foi tambeacutem no interior
desse projeto que minha dissertaccedilatildeo se originou
Ao lado disso fui aprovada em uma seleccedilatildeo para professor substituto no
Departamento de Psicologia da Educaccedilatildeo e Orientaccedilatildeo Educacional da Faculdade de
Educaccedilatildeo da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)
Finalizado o mestrado fui aprovada em um concurso puacuteblico de coordenaccedilatildeo
pedagoacutegica da Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo (SME) do municiacutepio de Juiz de Fora
Na convocaccedilatildeo escolhi trabalhar com a educaccedilatildeo infantil e as quatro primeiras seacuteries do
ensino fundamental Na escola defini junto agrave direccedilatildeo que minha tarefa seria a de
orientaccedilatildeo-formaccedilatildeo pedagoacutegica de professores da educaccedilatildeo infantil e professores
alfabetizadores Nessa coordenaccedilatildeo realizei junto aos outros profissionais da escola
vaacuterios trabalhos de pesquisa-intervenccedilatildeo com as professoras alfabetizadoras Nesse
periacuteodo terminava o curso de letras na UFJF
Trecircs anos depois de estar na coordenaccedilatildeo pedagoacutegica de uma escola puacuteblica
municipal fui aprovada em concurso puacuteblico na UFJF Desde entatildeo participo de dois
grupos de pesquisa Linguagem Interaccedilatildeo e Conhecimento (LIC) e Educaccedilatildeo
Formaccedilatildeo de Professores e Infacircncia (EFoPI) coordenados pelas professoras doutoras
Maria Teresa de Assunccedilatildeo Freitas e Leacutea S P Silva respectivamente No interior dos
grupos de pesquisa interessei-me pela discussatildeo da formaccedilatildeo contiacutenua do professor da
educaccedilatildeo infantil e do ensino fundamental Nesse entremeio fui Coordenadora de
Extensatildeo cargo que me levou a assumir os programas e projetos de extensatildeo da UFJF
COMECcedilANDO O DIAacuteLOGO 21
ILKA SCHAPPER SANTOS
A experiecircncia na proacute-reitoria mostrou-me a relevacircncia da interface do binocircmio
pesquisa-extensatildeo Percebi que muitas aacutereas do conhecimento trabalhavam com esse
binocircmio de forma indissociaacutevel Foi isso que me levou agrave PUC-SP a querer ingressar no
fluxo de uma aacuterea do conhecimento que tivesse essa caracteriacutestica a Linguiacutestica
Aplicada
No ano de 2006 ingressei no Programa de Doutorado em Linguiacutestica Aplicada e
Estudos da Linguagem (LAEL) na PUC-SP sob a orientaccedilatildeo da profa Dra Fernanda
Coelho Liberali Comecei entatildeo a participar do Grupo de Pesquisa Linguagem em
Atividade no Contexto Escolar (LACE) liderado pelas professoras doutoras Fernanda
Coelho Liberali e Maria Ceciacutelia Magalhatildees
A participaccedilatildeo nos trecircs grupos de pesquisa LIC EFoPI e LACE foi
especialmente importante para a minha formaccedilatildeo de professora pesquisadora e para o
levantamento de questotildees que me levaram agrave construccedilatildeo desta tese Os trecircs grupos tecircm
em comum o referencial soacutecio-histoacuterico-cultural e a busca de transformaccedilatildeo da
realidade circunscrita nos espaccedilos acadecircmicos e escolares
Minha busca em compreender criticamente esse processo de transformaccedilatildeo
levou-me a optar por desenvolver minha tese de doutoramento em um programa de
Linguiacutestica Aplicada e Estudos da Linguagem como disse anteriormente
Nesse movimento dois motivos especiacuteficos me impulsionaram a estar em um
doutorado ligado agrave LA O primeiro deles seria uma formulaccedilatildeo mesticcedila e nocircmade
(Moita Lopes 2006) da LA e da minha proacutepria formaccedilatildeo e praacutetica docente jaacute que no
hibridismo da minha formaccedilatildeo inicial em Pedagogia e Letras ndash desdobrados em
Educaccedilatildeo e Linguagem ndash atuo como professora de uma universidade puacuteblica na aacuterea da
Psicologia e Educaccedilatildeo O segundo indissociaacutevel do primeiro estaacute pautado na crenccedila
que tenho na produccedilatildeo do conhecimento sob a eacutegide da pesquisa aplicada na qual a
investigaccedilatildeo eacute fundamentalmente centrada no contexto igualmente aplicado (ibid
p21) Um processo que possibilita transitar entre a praacutetica da reflexatildeo e a reflexatildeo da
praacutetica esboccedilando a procura da pretensa totalidade
A LA se configura como um campo de pesquisa que estuda a linguagem em uso
e como explica Marx (1945-19462002 p 24) ldquoeacute tatildeo velha como a consciecircncia ()
aparece com a necessidade dos intercacircmbios com os outros homensrdquo A linguagem
nesse contexto de investigaccedilatildeo eacute concebida como elemento indispensaacutevel entre o ser
humano e o mundo que o cerca A consciecircncia humana se constitui por meio da
linguagem em um movimento circunscrito agrave realidade material e imaterial Em um
COMECcedilANDO O DIAacuteLOGO 22
ILKA SCHAPPER SANTOS
movimento dialeacutetico os seres humanos satildeo constituiacutedos napela linguagem e tambeacutem a
constitui e por conta disso natildeo podem dela dissociar-se para compreender a realidade
transformado-a e sendo por ela transformado
Nessa perspectiva o estudo da LA amplia seu campo de accedilatildeo e deixa de ser
percebida apenas como aacuterea que permite solucionar os problemas concernentes agrave
linguagem em uso As pesquisas em LA na contemporaneidade procuram investigar
situaccedilotildees concretas de maneira que possam responder agraves demandas sociais do contexto
pesquisado (Moita Lopes 2006 p 20) No movimento de pesquisa esse eacute um ponto
fundamental uma vez que permite um estreitamento com a comunidade investigada
propiciando espaccedilo para a construccedilatildeo-produccedilatildeo do conhecimento responsivo ativo agrave
vida social dos sujeitos envolvidos
Em uma leitura bakhtiniana podemos inferir (o leitor e eu) que a pesquisa
aplicada materializada em praacuteticas de linguagem natildeo permanece silenciada pois como
praacutetica discursiva se faz em uma praacutexis3 dialoacutegica e ideoloacutegica Esse movimento estaacute
fundado na comunicaccedilatildeo verbal posto que um enunciado seja sempre acompanhado de
uma atitude responsiva ativa No dizer de Bakhtin (1997 p 290) toda compreensatildeo eacute
prenha de resposta e de uma forma ou de outra forccedilosamente a produz o ouvinte
torna-se locutor
Foi por meio dos diaacutelogos tecidos no GP LACE no GP EFoPI na participaccedilatildeo
dos seminaacuterios de pesquisa dos seminaacuterios de orientaccedilatildeo e nas discussotildees das
disciplinas4 do doutorado que inicio um novo campo de investigaccedilatildeo compreender o
fluxo do significado sobre o brincar entre pesquisadores e educadores do GP EFoPI no
interior da argumentaccedilatildeo colaborativa Isso foi fomentado principalmente nos debates
tecidos sobre a Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo com a Profa Dra Maria Ceciacutelia
Magalhatildees e na participaccedilatildeo do projeto de produtividade teacutecnica do CNPq sob a
coordenaccedilatildeo da Profa Dra Fernanda Coelho Liberali ldquoArgumentos na Produccedilatildeo
Criativa de Significados em Contextos Escolares de Formaccedilatildeo de Educadoresrdquo em que
esta tese eacute um sub-eixo
3 O conceito de Praacutexis de Karl Marx diz da articulaccedilatildeo entre teoria e praacutetica uma praacutetica desenvolvida
compelaatraveacutes de reflexotildees Uma busca de compreensatildeo ativa no dizer de Bakhtin (1997) da atividade
praacutetica Eacute a atividade praacutetica imbricada de teoria 4 Disciplinas (a) Teorias da Linguagem II teorias e praacuteticas da argumentaccedilatildeo ndash perspectiva enunciativo-
discursivo (b) Argumentaccedilatildeo em Contexto Escolar (c) Linguiacutestica Aplicada II - linguagem e produccedilatildeo
do conhecimento (d) Toacutepicos em Linguiacutestica Aplicada II formaccedilatildeo de professores e reflexatildeo
COMECcedilANDO O DIAacuteLOGO 23
ILKA SCHAPPER SANTOS
No interior do GP LACE e do GP EFoPI vaacuterias pesquisas foram concluiacutedas e
outras estatildeo em desenvolvimento Destacarei aqui aquelas que tecircm relaccedilatildeo com o tema
desta tese ou seja as que discutem a brincadeira na infacircncia de 0 a 6 anos (GP EFoPI) e
as que tratam da argumentaccedilatildeo no interior da formaccedilatildeo de educadores criacuteticos (GP
LACE)
No GP EFoPI temos os trabalhos de bacharelado de Fabrino (2005) cuja
temaacutetica gira em torno das concepccedilotildees de educaccedilatildeo infantil e infacircncia nos projetos
poliacutetico-pedagoacutegicos das creches da AMAC de Salgado (2007) em que a autora
discute a construccedilatildeo da identidade da profissional recreadora de creche de Abreu
(2008) que investiga o brincar de faz de conta e o letramento na educaccedilatildeo infantil
Em niacutevel de mestrado temos as pesquisas de Santos (2005) que investigou o
processo de construccedilatildeo da identidade negra tendo como contexto de anaacutelise a
brincadeira de faz de conta de Ribeiro (2006) cujo tema era compreender a concepccedilatildeo
de educaccedilatildeo infantil presente nas escolas puacuteblicas municipais de Juiz de Fora de Costa
(2007) que procurou analisar a compreensatildeo de educadores de creches acerca do
movimento corporal no desenvolvimento infantil de Arauacutejo (2008) que pesquisou o
lugar do brincar na instituiccedilatildeo de educaccedilatildeo infantil em tempo integral E no doutorado
a pesquisa em andamento de Santos que busca compreender os significados atribuiacutedos
ao choro na creche
No GP LACE destaco as pesquisas de iniciaccedilatildeo cientiacutefica de Silva (2004) e
Olivetti (2004) cujas temaacuteticas estatildeo circunscritas ao campo da argumentaccedilatildeo e
formaccedilatildeo da cidadania Em niacutevel de mestrado temos o trabalho de Aranha (2009) que
procura compreender criticamente o papel da argumentaccedilatildeo na construccedilatildeo de
significados compartilhados por formadores e participantes em contextos de formaccedilatildeo
continuada de Meaney (2009) que investiga a argumentaccedilatildeo na formaccedilatildeo do professor
na escola biliacutengue e de Rodrigues (2010) que analisa o papel da argumentaccedilatildeo na
formaccedilatildeo criacutetica de professores em uma creche
Ainda no campo do mestrado temos pesquisas em andamento de Oliveira que
investiga como a argumentaccedilatildeo e o pensamento criacutetico valorizado em diaacutelogos
organizados em um grupo de teatro de uma escola podem configurar como espaccedilos de
mediaccedilatildeo impliacutecita do aluno e de Santos que investiga a produccedilatildeo criacutetica
argumentativa no espaccedilo da sala de aula
No doutorado outras investigaccedilotildees em curso de Guerra que procura
compreender criticamente como a argumentaccedilatildeo presente nas negociaccedilotildees das
COMECcedilANDO O DIAacuteLOGO 24
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atividades do Projeto Aprender Brincando possibilita a produccedilatildeo de significados
compartilhados de Vendramini-Zanella que objetiva desenvolver um trabalho de
formaccedilatildeo criacutetica dos alunos de cursos de licenciatura por meio da argumentaccedilatildeo na
atividade de contar histoacuterias para crianccedilas com cacircncer em hospital especializado
Todos os trabalhos aqui destacados tanto do GP EFoPI quanto do GP LACE
satildeo de suma importacircncia pois em cada grupo de pesquisa essas investigaccedilotildees tecem
intersecccedilotildees gerando dados que estabelecem uma rede de diaacutelogos que tornam possiacutevel
sua avaliaccedilatildeo pelos pesquisadores dos grupos e por conseguinte sua reconstruccedilatildeo em
outros contextos de produccedilatildeo Com igual relevacircncia este trabalho de tese aconteceu no
interregno de confluecircncias entre os dois grupos de pesquisa anteriormente citados
Agora narrarei como se processou a construccedilatildeo desta pesquisa no interior do GP
EFoPI Depois de ter demarcado o campo de estudos teoacuterico-metodoloacutegico do trabalho
de tese em diaacutelogos sistematizados com minha orientadora fiz a proposta para a Profa
Dra Leacutea S P Silva coordenadora do GP EFoPI de iniciarmos um trabalho de
investigaccedilatildeo por meio da Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo sob a oacutetica da perspectiva
soacutecio-histoacuterica-cultural Assim do ano de 2006 ateacute agora desenvolvemos duas
pesquisas intituladas ldquoA verticalizaccedilatildeo e a horizontalizaccedilatildeo do espaccedilo da sala de
atividades da educaccedilatildeo infantilrdquo e ldquoEspaccedilo de reflexatildeo criacutetica em contexto de
colaboraccedilatildeo reconstruindo os sentidos e os significados da praacutetica educativa na
crecherdquo no periacuteodo de 2006 ndash 2007 e 2008-2009 respectivamente
Desde entatildeo meu trabalho de campo ficou circunscrito agraves intervenccedilotildees
desenvolvidas nesse periacuteodo e acabou por se configurar em um trabalho longitudinal
Envolvi-me assim ativamente no desenvolvimento de todas as atividades do grupo
desde o planejamento ateacute as intervenccedilotildees no campo no periacuteodo de 2006 a 2009
A princiacutepio desejava investigar o movimento da produccedilatildeo de sentidos-
significados no processo de pesquisa Dito de outro modo procurava compreender a
formaccedilatildeo do professor-pesquisador por meio do dispositivo argumentativo no interior
do processo de pesquisa do GP EFoPI Por conta disso naquele periacuteodo delimitei que
analisaria as transcriccedilotildees das reuniotildees de pesquisa e das intervenccedilotildees nas sessotildees
reflexivas e no curso de extensatildeo com as professoras e coordenadoras das creches as
notas de campo e as atas produzidas pelo grupo Mas parafraseando Drummond no
meio do caminho tinha uma pedra Deparei-me com a inquietaccedilatildeo de que desenvolveria
uma anaacutelise unilateral apenas a perspectiva de um lado da moeda as produccedilotildees-
construccedilotildees do conhecimento das pesquisadoras E o reverso da moeda A interlocuccedilatildeo
COMECcedilANDO O DIAacuteLOGO 25
ILKA SCHAPPER SANTOS
com os participantes da pesquisa Como poderia trabalhar sob a oacutetica da colaboraccedilatildeo se
estava focando de modo dualista apenas a produccedilatildeo das pesquisadoras
Foram esses questionamentos que me fizeram refletir e tomar a decisatildeo de focar
minha ldquolenterdquo no possiacutevel movimento de colaboraccedilatildeo desenvolvida entre as
pesquisadoras e as educadoras participantes do GP EFoPI No entanto como disse jaacute
estava no meio do caminho Deparei-me com um grande volume de material no banco
de dados do grupo de pesquisa pois jaacute haviacuteamos feito sessotildees reflexivas com 4
professoras de uma das creches puacuteblicas municipais de Juiz de Fora e jaacute estaacutevamos
trabalhando com as coordenadoras pedagoacutegicas Depois de uma longa imersatildeo nos
dados ateacute entatildeo gerados-produzidos pude perceber o principal eixo de discussatildeo e a
ldquovocaccedilatildeordquo do GP EFoPI o debate sobre a brincadeira em especial a brincadeira de faz
de conta A partir dessa ldquodescobertardquo resolvi investigar o fluxo do significado sobre o
brincar na cadeia criativa entre pesquisadoras e educadores tendo como eixo a
argumentaccedilatildeo Para tal defini como norte para a investigaccedilatildeo os seguintes
questionamentos
Como o processo da argumentaccedilatildeo desenvolvido entre pesquisadoras e educadoras
permite expor sentidos e significados sobre a brincadeira no movimento da cadeia
Quais argumentos contribuiacuteram para a produccedilatildeo de significado sobre o brincar no
movimento da Cadeia Criativa
Foi influenciada pelas discussotildees de dois campos epistemoloacutegicos ndash a teoria
soacutecio-histoacuterico-cultural e os estudos sobre argumentaccedilatildeo ndash que inicio este trabalho
Assim no primeiro capiacutetulo intitulado No meio do caminho eu tu eles no encontro
dosbdquo noacutes‟ abordo a fundamentaccedilatildeo teoacuterica deste estudo Nele haacute uma macrocategoria
teoacuterica a Cadeia Criativa (doravante CC) No movimento da Cadeia as abordagens
teoacutericas de Bakhtin Vygotsky e Spinoza ganham contornos de uma (inter)confluecircncia
Nesse entremeio a argumentaccedilatildeo atravessa a discussatildeo configurando-se como um
dispositivo inerente ao fluxo da interaccedilatildeo verbal Ainda no campo do debate teoacuterico
tambeacutem sob a oacutetica da teoria soacutecio-histoacuterico-cultural trago no segundo capiacutetulo uma
discussatildeo sobre o brincar intitulado O lugar do Brincar no GP EFoPI Isso porque
nesta investigaccedilatildeo ele eacute o objeto das cenas discursivas analisadas
No terceiro capiacutetulo Movimentos de um percurso caminhos e (des)caminhos
trilhados o leitor perceberaacute como procedi nesta investigaccedilatildeo Abordo em um primeiro
momento as bases teoacutericas da Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo (PCCol) (Magalhatildees
2002 2004 2006 2009) que de igual forma sustenta o GP EFoPI Laacute detalho os
COMECcedilANDO O DIAacuteLOGO 26
ILKA SCHAPPER SANTOS
vaacuterios contextos em que o GP EFoPI se desenvolve as pesquisadoras e as demais
participantes Para discutir os dados enfoco os procedimentos de coleta e produccedilatildeo de
dados as categorias de anaacutelise linguiacutestico-discursivas e de interpretaccedilatildeo Por fim
abordo os aspectos relativos agrave credibilidade da pesquisa
No quarto capiacutetulo Diaacutelogos em construccedilatildeo apresento a discussatildeo e a anaacutelise
dos dados Nesse capiacutetulo mostro as relaccedilotildees entre o movimento da Cadeia Criativa nos
trecircs cronotopos (3 sessotildees reflexivas com 4 professoras de uma das creches do
Municiacutepio de Juiz de Fora e as pesquisadoras do GP EFoPI 2 encontros do curso de
extensatildeo e 1 sessatildeo reflexiva com as 23 coordenadoras das creches) a partir dos
objetivos e questotildees de pesquisa Trilho uma ordem cronoloacutegica tendo em vista o
movimento da Cadeia Criativa Apoacutes discussatildeo e anaacutelise dos dados teccedilo as
consideraccedilotildees parciais no conjunto dos cronotopos Por fim apresento as reflexotildees e
consideraccedilotildees do trabalho como um todo As Referecircncias Bibliograacuteficas utilizadas na
elaboraccedilatildeo deste trabalho e os Anexos compotildeem a uacuteltima parte deste estudo
Para finalizar este capiacutetulo introdutoacuterio gostaria de dizer que este texto eacute
redigido em primeira pessoa do singular porque sou participante ativa do processo de
investigaccedilatildeo no entanto haacute muitos momentos em que uso a primeira pessoa do plural
quando me reporto aos grupos de pesquisa a que pertenccedilo bem como quando partilho
com o leitor ideias e inferecircncias relativas agraves discussotildees teoacuterico-metodoloacutegicas e agrave
anaacutelise e discussatildeo dos dados
ILKA SCHAPPER SANTOS
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO
DOS ldquoNOacuteSrdquo
Mas a essecircncia humana natildeo eacute uma abstraccedilatildeo
inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade eacute
o conjunto das relaccedilotildees sociais
(Karl Marx)
Neste trabalho de tese busco compreender criticamente as formas de
apresentaccedilatildeo questionamento e contraposiccedilatildeo de argumentos que podem oferecer
elementos para a produccedilatildeo do conhecimento na praacutetica de pesquisa do GP EFoPI em
especial as praacuteticas relacionadas agraves brincadeiras na infacircncia de 2 e 3 anos
Para realizar tal empreitada apresento no presente capiacutetulo o aporte teoacuterico em
que esta pesquisa estaacute fundada Como o leitor pode perceber na introduccedilatildeo deste
trabalho a temaacutetica que busco desenvolver estaacute imbricada em um projeto
interinstitucional entre os grupos de pesquisa LACE e EFoPI da PUC-SP e da UFJF
respectivamente Refletindo sobre essa intersecccedilatildeo em que o elemento de ligaccedilatildeo eacute esta
tese refaccedilo os caminhos teoacuterico-metodoloacutegicos que embasam o interregno de
confluecircncias entre os dois grupos de pesquisa fazendo um mergulho maior nas questotildees
que satildeo relevantes a esta investigaccedilatildeo Desse modo procuro nas discussotildees teoacuterico-
praacuteticas um diaacutelogo que teccedila intersecccedilotildees com a teoria soacutecio-histoacuterico-cultural (SHC)
entremeado agrave perspectiva filosoacutefica spinozana com foco na argumentaccedilatildeo
A opccedilatildeo por tais referenciais estaacute pautada na busca de compreender o
movimento dialoacutegico na produccedilatildeo do conhecimento como elemento para uma praacutexis
revolucionaacuteria que possibilita uma autotransformaccedilatildeo do sujeito e uma transformaccedilatildeo
do seu espaccedilo de accedilatildeo nocom o mundo (Marx e Engels apud Labica 19871990 p
30) Assim este trabalho de tese em consonacircncia com o GP LACE e o GP EFoPI
busca no espaccedilo de pesquisa propiciar elementos em que os participantes possam ter
uma compreensatildeo criacutetica de que tanto as circunstacircncias fazem os homens como os
homens fazem as circunstacircncias
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 28
ILKA SCHAPPER SANTOS
A preocupaccedilatildeo eacute entender a atividade de pesquisa e de extensatildeo em um
movimento que possibilita a transformaccedilatildeo da realidade social dos sujeitos envolvidos
nos processos de pesquisa um movimento que procura ldquoa transformaccedilatildeo do estado de
coisas existentes ou a transformaccedilatildeo da totalidade do que haacuterdquo (Newman amp Holzman
19932002 p 25)
Segundo Konder (1988) eacute importante que noacutes indaguemos se estamos de fato
trabalhando com a totalidade correta se a totalizaccedilatildeo eacute adequada agrave situaccedilatildeo em que nos
encontramos O autor explica que
natildeo haacute no plano puramente teoacuterico soluccedilatildeo para o problema A teoria
eacute necessaacuteria e nos ajuda muito mas por si soacute natildeo fornece os criteacuterios
suficientes para noacutes estarmos seguros de agir com acerto Nenhuma
teoria pode ser tatildeo boa a ponto de nos evitar erros A gente depende
em uacuteltima anaacutelise da praacutetica ndash especialmente da praacutetica social ndash para
verificar o maior ou menor acerto do nosso trabalho com os conceitos
(e com as totalizaccedilotildees) (Konder 1988 p 43) (grifos do autor)
Nesse sentido a teoria nos auxilia subsidiando a formulaccedilatildeo de indicadores No
campo da totalidade dialeacutetico-dialoacutegica eacute importante prestar atenccedilatildeo ao ldquorecheiordquo de
cada siacutentese (op cit p 44) presente no singular monadoloacutegico no dizer de Benjamin
(1984) que traz os fragmentos e estilhaccedilos da totalidade Implica refletirmos sobre as
contradiccedilotildees e mediaccedilotildees concretas que a siacutentese encerra Isso se torna possiacutevel por
conta da unidade dialeacutetico-monista posta nas relaccedilotildees entre teoria-praacutetica e pensar-agir
As concepccedilotildees teoacutericas do Ciacuterculo de Bakhtin e de Vygotsky conforme explica
Freitas (1997) tecircm intersecccedilotildees em muitos aspectos Apesar de aquele ter se
preocupado com a construccedilatildeo de uma filosofia histoacuterica e social da linguagem e este ter
desenvolvido uma psicologia historicamente fundamentada os dois pensadores
formularam seus construtos teoacutericos a partir de uma visatildeo totalizante da realidade
fundada em uma compreensatildeo do humano como um conjunto de relaccedilotildees sociais
Segundo a autora os dois teoacutericos russos foram contraacuterios
agraves dicotomias presentes nas concepccedilotildees de linguagem e de psicologia
de seu tempo por oscilarem entre os poacutelos subjetivo e objetivo
arquitetaram suas teorias em um entrelaccedilamento entre sujeito e objeto
propondo uma siacutentese dialeacutetica imersa na cultura e na histoacuteria (Freitas
1997 p 316)
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 29
ILKA SCHAPPER SANTOS
Encontramos no Ciacuterculo Bakhtiniano e em Vygotsky uma concepccedilatildeo de
consciecircncia engendrada pelas relaccedilotildees que os seres humanos estabelecem nocom o
mundo tendo como eixo mediador a linguagem Nas duas perspectivas teoacutericas a
interaccedilatildeo com o outro atravessada pela linguagem tem um papel fundamental Isso
porque ldquosem ele (o outro) o homem natildeo mergulha no mundo siacutegnico natildeo penetra na
corrente da linguagem natildeo se desenvolve natildeo realiza aprendizagens natildeo ascende agraves
funccedilotildees psiacutequicas superiores natildeo forma a consciecircncia enfim natildeo se constitui como
sujeitordquo (ibid p 320)
Rojo (2000 p 2) assim como Freitas explica que a teoria da enunciaccedilatildeo
bakhtiniana funda-se em ldquouma boa elaboraccedilatildeo para as questotildees da linguagem e do
discurso crucialmente envolvidas na aprendizagemrdquo relacionando assim com a visatildeo
vygotskyana de que aquilo que eacute propriamente humano eacute constituiacutedo por meio das
relaccedilotildees interpessoais Dito de outro modo eacute no encontro com o outro nos discursos
alheios que constituiacutemos e internalizamos os nossos proacuteprios discursos
Encontramos tanto em Bakhtin e seu Ciacuterculo quanto em Vygotsky um
constante esforccedilo de compreensatildeo da tensatildeo dialeacutetico-ideoloacutegica que se funda na
relaccedilatildeo entre o eu e o outro por intermeacutedio da linguagem Ambos com diferentes
recortes destacaram o valor da palavra e da interaccedilatildeo com o outro no mundo na
formaccedilatildeo da consciecircncia humana
Tais relaccedilotildees como disse acima satildeo tecidas a partir de uma visatildeo de totalidade
circunscrita em uma realidade histoacuterica Vygotsky (19342004 p 149) ressalta isso
quando diz que a tarefa principal da psicologia dialeacutetica ldquoconsiste precisamente em
descobrir a conexatildeo significativa entre as partes e o todo em saber considerar o
processo psiacutequico em conexatildeo orgacircnica nos limites de um processo mais complexordquo Eacute
na perspectiva da totalidade que fazemos uma aproximaccedilatildeo entre Vygotsky Bakhtin e
tambeacutem Spinoza
As incursotildees teoacutericas de Spinoza nesta investigaccedilatildeo e no GP EFoPI estatildeo
relacionadas aos diaacutelogos tecidos com o GP LACE no interior de um projeto
interinstitucional como disse anteriormente que busca nas construccedilotildees teoacutericas
spinozanas reforccedilar a ideia de um trabalho sob a eacutegide da totalidade A gecircnese dessa
busca no grupo de pesquisa se deu pela reincidecircncia das citaccedilotildees de Spinoza na obra
de Vygotsky em especial a afirmativa no prefaacutecio de seu livro Psicologia da Arte ldquomeu
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 30
ILKA SCHAPPER SANTOS
pensamento constitui-se sob o signo das palavras de Spinozardquo (Vygotsky 19342000)
O vieacutes spinozano amplia o quadro de entendimento na praacutetica de pesquisa da noccedilatildeo de
totalidade a partir de seu tratado sobre a Eacutetica (Spinoza 1677)
Assim este capiacutetulo teoacuterico em siacutentese possibilita nas malhas das discussotildees
elaboradas por Bakhtin Vygotsky e Spinoza a reflexatildeo da totalidade na praacutetica de
pesquisa do GP EFoPI em especial as reflexotildees sobre o brincar nas creches com
crianccedilas de 2 e 3 anos de idade Isso indica que este trabalho trata de forma monista a
relaccedilatildeo entre teoria e praacutetica na busca de uma praacutexis revolucionaacuteria
Na proacutexima seccedilatildeo abordo as categorias teoacutericas a partir do movimento da CC
Isso porque eacute no seu movimento que o leitor poderaacute compreender o princiacutepio norteador
da praacutetica de pesquisa dos GP LACE e GP EFoPI bem como desta investigaccedilatildeo
11 ndash O movimento da Cadeia Criativa linguagem e produccedilatildeo de conhecimento
Esta seccedilatildeo estaacute centrada na compreensatildeo criacutetica da produccedilatildeo e
compartilhamento dos significados dos integrantes do GP EFoPI Para isso
entrecruzarei os conceitos bakhtinianos vygotskyanos e spinozanos para
compreendermos o movimento da Cadeia Criativa (CC) na produccedilatildeo de conhecimentos
dos participantes do grupo de pesquisa
O sintagma Cadeia Criativa (CC) criado por Liberali (2009) diz de um processo
que tem sua gecircnese na indissociabilidade entre teoria e praacutetica com ecircnfase ldquona vida que
se viverdquo (Marx amp Engels 1945-1946) implica ldquoesforccedilos em parceria em uma atividade
produzindo significados que seratildeo posteriormente compartilhados com novos
parceiros atraveacutes dos sentidos (Vygotsky 1934) que aqueles os trazem para uma nova
atividaderdquo (Liberali 2009 p 102) Assim novos significados podem ser criativamente
produzidos carregando alguns aspectos dos sentidos compartilhados na primeira
atividade Da mesma forma alguns dos parceiros da segunda atividade quando
envolvidos em uma terceira vivenciam o mesmo processo formando uma Cadeia
Criativa (ibid)
A expressatildeo ldquocadeiardquo explica Liberali (informaccedilatildeo verbal)5 natildeo deve ser
relacionada a um significado pejorativo mas como um conjunto de fatos ou fenocircmenos
5 Explicaccedilatildeo dada por Liberali em exposiccedilatildeo oral em 2009
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 31
ILKA SCHAPPER SANTOS
linguiacutestico-discursivos que ocorrem sucessivamente no tempo-espaccedilo demarcados
historicamente pelos parceiros em interaccedilatildeo social Dito de outro modo a CC
considera por exemplo que dadas ldquoas atividades (a) (b) e (c) no tempo a atividade
(b) pode criar significados novos para os sentidos levados de volta (no tempo) para a
atividade (a) e para outra atividade da rede (c)rdquo (Fuga 2009 p 47)
A CC estaacute fundada na perspectiva SHC e sob a oacutetica da totalidade constituindo-
se em uma categoria teoacuterico-metodoloacutegica que traz a unidade dialeacutetica dos conceitos
bakhtinianos vygotskyanos e spinozanos O processo da CC possibilita pensar que o ser
humano constitui sua consciecircncia nas relaccedilotildees sociais que se concretizam no
movimento dialeacutetico entre as pessoas do discurso ldquoeurdquo ldquoturdquo ldquonoacutesrdquo Nesse movimento
das ldquopessoas do discursordquo o compartilhamento de sentidos possibilita a produccedilatildeo de
significados temporariamente estaacuteveis para um determinado grupo social isto eacute
possibilita alcanccedilar em um dado momento histoacuterico as ideias adequadas
Vejamos entatildeo como os conceitos de Bakhtin Vygotsky e Spinoza se articulam
no movimento da cadeia criativa
111 ndash A Cadeia Criativa entre o compartilhamento de sentidos e de significados
Ao contraacuterio do que em geral se crecirc sentido e
significado nunca foram a mesma coisa o
significado fica-se logo por aiacute eacute direto literal
expliacutecito fechado em si mesmo uniacutevoco por assim
dizer ao passo que o sentido natildeo eacute capaz de
permanecer quieto fervilha de sentidos segundos
terceiros e quartos de direccedilotildees irradiantes que se
vatildeo dividindo em ramos e ramilhos ateacute se perderem
de vista o sentido de cada palavra parece-se com
uma estrela quando se potildee a projetar mareacutes vivas
pelo espaccedilo fora ventos coacutesmicos perturbaccedilotildees
magneacuteticas afliccedilotildees
(Joseacute Saramago)
- Mamatildee o que significa significar
Joatildeo Pedro (5 anos)
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 32
ILKA SCHAPPER SANTOS
Para Stam (1992) as discussotildees sobre a linguagem se constituem como um
campo importante do pensamento contemporacircneo configurando-se como objeto de
estudo de diferentes pensadores Bakhtin e Vygotsky inserem-se nesse cenaacuterio
contemporacircneo e de maneira distinta mas partindo da mesma raiz teoacuterica elaboram
uma teoria sobre o papel dos signos na constituiccedilatildeo da consciecircncia do sujeito
A questatildeo central da perspectiva soacutecio-histoacuterico-cultural eacute a concepccedilatildeo de
linguagem como uma construccedilatildeo que se processa no campo da intersubjetividade nas
relaccedilotildees ldquointerrdquo sujeitos marcadas pelas contradiccedilotildees sociais e pelos diferentes lugares
que estes ocupam na esfera social
Na epiacutegrafe desta seccedilatildeo aproprio-me da poeacutetica de Saramago do livro intitulado
Todos os Nomes para iniciar a discussatildeo Saramago no texto literaacuterio nos possibilita
pensar sentido e significado de uma maneira similar agrave discussatildeo teoacuterica de Bakhtin e
Vygotsky Para o poeta portuguecircs o significado eacute algo ldquofechado em si mesmo
uniacutevocordquo jaacute o sentido ldquofervilha de sentidos segundos terceiros e quartos de direccedilotildees
irradiantes que se vatildeo dividindo em ramos e ramilhosrdquo Eacute com este fragmento literaacuterio
e com a inquietaccedilatildeo de uma crianccedila de 5 anos (que tambeacutem se faz nossa) que comeccedilarei
a discorrer sobre o binocircmio sentido-significado
- O que significa significar
Para BakhtinVolochinov (1988) o problema da significaccedilatildeo eacute um dos mais
complexos da linguiacutestica Segundo os autores as buscas de resoluccedilatildeo dessa questatildeo tecircm
mostrado o estreito monoacutelogo da ciecircncia linguiacutestica que estaacute alicerccedilada sobre uma
compreensatildeo passiva da significaccedilatildeo
Para auxiliar na soluccedilatildeo desse debate os teoacutericos russos fazem uma distinccedilatildeo
entre significado (significaccedilatildeo) e sentido (tema) Este seria individual e natildeo reiteraacutevel
assim como a proacutepria enunciaccedilatildeo Jaacute aquele estaacute fundado sobre uma convenccedilatildeo
reiteraacutevel e idecircntica natildeo tendo uma existecircncia concreta e independente A significaccedilatildeo eacute
ldquoum estaacutegio inferior da capacidade de significar e o tema um estaacutegio superior da
mesma capacidade A significaccedilatildeo existe como potencial de construir sentido proacutepria
dos signos linguiacutesticos e das formas gramaticais da liacutenguardquo (Cereja 2005 p 202)
Assim natildeo diz nada em si mesma ela eacute apenas uma ldquopotecircnciardquo uma possibilidade
BakhtinVolochinov (1988 p 129) explicam que diferente da significaccedilatildeo o
sentido da enunciaccedilatildeo eacute concreto similar ao instante histoacuterico ao qual pertence posto
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 33
ILKA SCHAPPER SANTOS
que ldquosomente a enunciaccedilatildeo tomada em toda a sua amplitude concreta como fenocircmeno
histoacuterico possui um tema isto eacute o que se entende por tema da enunciaccedilatildeordquo
Assim o sentido eacute determinado natildeo apenas pelas formas linguiacutesticas (as
palavras as formas morfoloacutegicas e sintaacuteticas os sons as entonaccedilotildees) como ocorre na
significaccedilatildeo mas tambeacutem pelos elementos extraverbais da cena discursiva
Eacute no processo da compreensatildeo ativa6 que podemos entender a distinccedilatildeo entre
sentido e significaccedilatildeo jaacute que esta compreensatildeo eacute uma forma de diaacutelogo que possibilita
ao locutor-ouvinte espaccedilos de oposiccedilatildeo na contrapalavra na reacuteplica
Vimos ateacute agora os aspectos que distinguem significaccedilatildeo e sentido mas assim
como Bakhtin fiz isso como recurso didaacutetico do texto para a explanaccedilatildeo Pois em uma
perspectiva monista sentido e significado formam um binocircmio indissociaacutevel Os
sujeitos na interaccedilatildeo trazem as marcas de interaccedilotildees anteriores com diferentes
comunidades semioacuteticas que por sua vez jaacute alteraram os sentidos das palavras que
vinham construindo Essa alteraccedilatildeo pela qual passa a palavra se na comunidade
semioacutetica criar certa estabilidade pode ficar em um espaccedilo inferior da capacidade de
significar e atingir o status de significaccedilatildeo Nesse movimento paradoxalmente a
palavra volta a se desestabilizar agrave medida que entra no fluxo da enunciaccedilatildeo concreta
trazendo as marcas do signo ideoloacutegico e voltando ao status de tema (sentido) da
enunciaccedilatildeo
Eacute no interior da comunidade semioacutetica que o signo linguiacutestico e por
conseguinte a indissociabilidade entre sentido e significado pode ser compreendida
pois o signo reflete e refrata a realidade e muitas outras No lugar onde o signo se
encontra se materializa encontra-se tambeacutem a ideologia pois ldquotudo que eacute ideoloacutegico
possui um valor semioacutetico () cada signo ideoloacutegico eacute natildeo apenas um reflexo uma
sombra da realidade mas tambeacutem um fragmento material dessa realidaderdquo
(BakhtinVolochinov 1988 p 32-33)
6 Segundo BakhtinVolochinov (1988 p 132) ldquoqualquer tipo de compreensatildeo deve ser ativo deve conter
jaacute o germe de uma resposta Soacute a compreensatildeo ativa nos permite apreender o tema pois a evoluccedilatildeo natildeo
pode ser apreendida senatildeo com a ajuda de um outro processo evolutivo Compreender a enunciaccedilatildeo de
outrem significa orientar-se em relaccedilatildeo a ela encontrar o seu lugar adequado no contexto correspondente
A cada palavra da enunciaccedilatildeo que estamos em processo de compreender fazemos corresponder uma seacuterie
de palavras nossas formando uma reacuteplica Quanto mais numerosas e substanciais forem mais profunda e
real eacute a nossa compreensatildeordquo
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 34
ILKA SCHAPPER SANTOS
Para compreendermos melhor essa discussatildeo utilizarei um fragmento de uma das
sessotildees reflexivas realizadas no GP EFoPI com as educadoras das creches
Teresa7 Teve um tempo que a gente ateacute era chamada
crecheira assim quanto tempo jaacute mudou o termo Agora
eacute recreadora educadora e tem pessoas que falam ldquoVocecirc
trabalha laacute Ah Vocecirc eacute crecheira Vocecirc toma conta de
crianccedila o dia inteirordquo A gente sempre escuta isso
(Sessatildeo reflexiva ndeg1 ndash 07082006)
No dicionaacuterio Houaiss o verbete crecheiro (a) eacute relativo a ou o que trabalha em
creche (creche+eiro) O significado dicionarizado da palavra natildeo eacute diferente
aparentemente do sentido da enunciaccedilatildeo que indaga ldquovocecirc trabalha laacute Ah vocecirc eacute
crecheirardquo mas na comunidade semioacutetica dessas educadoras a adjetivaccedilatildeo presente
no sufixo ldquo-eirordquo traz a marca pejorativa para aquele que trabalha na creche Isso
porque no interior dessa enunciaccedilatildeo haacute a desvalorizaccedilatildeo e o natildeo reconhecimento
profissional das educadoras por parte da sociedade uma vez que na instituiccedilatildeo natildeo satildeo
reconhecidas como profissionais que cuidam e educam e sim como crecheiras que
ldquotomam conta de crianccedilardquo Aleacutem disso natildeo haacute poliacuteticas puacuteblicas de valorizaccedilatildeo
profissional em consonacircncia com as necessidades das educadoras das crianccedilas e das
instituiccedilotildees de Educaccedilatildeo Infantil A contrataccedilatildeo dos educadores das creches
investigadas havia sido feita pelo oacutergatildeo de assistecircncia (AMAC)8 atraveacutes de seleccedilatildeo
com exigecircncia de no miacutenimo niacutevel meacutedio de formaccedilatildeo Caso fossem aprovadas as
funcionaacuterias das creches eram contratadas como recreadoras para o berccedilaacuterio e crianccedilas
de ateacute 2 anos Jaacute para crianccedilas de 3 anos a denominaccedilatildeo no contrato eacute de educadora
social havendo uma diferenccedila na remuneraccedilatildeo salarial para uma jornada diaacuteria de 8
horas de trabalho com aproximadamente quinze crianccedilas
Ao contraacuterio do que ocorre com as profissionais das creches as educadoras da
preacute-escola do municiacutepio de Juiz de Fora que trabalham com crianccedilas de 4 e 5 anos
recebem maior salaacuterio uma jornada de trabalho de 15 horas semanais atenccedilatildeo e
respeito uma vez que lhes satildeo atribuiacutedas as tarefas de educar e cuidar Elas satildeo
consideradas professoras recebendo maior reconhecimento por parte da sociedade
7 Os nomes das educadoras satildeo fictiacutecios
8 Atualmente a partir de 2009 estaacute sendo realizada a transiccedilatildeo das creches do oacutergatildeo de assistecircncia para a
Secretaria de Educaccedilatildeo do Municiacutepio de Juiz de Fora
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 35
ILKA SCHAPPER SANTOS
Diante do exposto podemos inferir que o sentido da enunciaccedilatildeo crecheira eacute
determinado pelos elementos extraverbais do instante histoacuterico ao qual pertence Esses
elementos se materializam na luta dos profissionais da creche para emergirem desse
contexto de indefiniccedilotildees no qual se encontram em especial os profissionais que
trabalham com a infacircncia de 0 a 3 anos
Vygotsky tambeacutem se preocupou em resolver o problema da significaccedilatildeo Mas
diferente de Bakhtin que tinha como objeto de anaacutelise a linguagem travando uma luta
teoacuterica com a linguiacutestica de seu tempo Vygotsky tambeacutem numa perspectiva soacutecio-
histoacuterica e cultural buscou formular uma psicologia historicamente fundamentada
tecendo um debate com as teorias psicoloacutegicas de sua eacutepoca Para alcanccedilar seus
objetivos os autores russos buscaram o meacutetodo dialeacutetico pautado nas construccedilotildees
teoacutericas de Karl Marx e Frederic Engels
Apesar da similaridade dos conceitos de sentido e significado nas perspectivas
teoacutericas de Bakhtin e Vygotsky como disse anteriormente este se fundamenta nos
construtos teoacutericos da Psicologia9 para explicar como se processa a relaccedilatildeo do homem
com o mundo em constantes transformaccedilotildees e mudanccedilas
Vygotsky explica que o significado eacute um fenocircmeno da fala e do pensamento Da
fala porque a palavra sem significado eacute meramente um som vazio e do pensamento
porque o significado de cada palavra eacute um conceito uma generalizaccedilatildeo que materializa
os atos do pensamento Desse modo como sintetiza Freitas (1997 p 323) ldquoo
significado da palavra eacute a chave da compreensatildeo dialeacutetica entre pensamento e
linguagemrdquo Nesse sentido a linguagem natildeo eacute apenas uma materializaccedilatildeo do
pensamento pois o ldquopensamento natildeo eacute simplesmente expresso em palavras eacute por meio
delas que ele passa a existirrdquo (Vygotsky 19341993 p 108)
O significado na perspectiva vygotskyana eacute uma generalizaccedilatildeo um conceito que
caracteriza um fenocircmeno do pensamento e ao mesmo tempo um fenocircmeno da fala da
linguagem Tanto a fala interfere no pensamento quanto este na linguagem verbal
A evoluccedilatildeo do significado da palavra possibilita ao sujeito soacutecio-histoacuterico-
cultural o desenvolvimento do conceito entendido como um sistema de generalizaccedilotildees
expresso nas palavras que se modificam ao longo das vivecircncias e experiecircncias do
9 Para sistematizar uma Psicologia Marxista Vygotsky se opocircs agraves principais correntes que dicotomizaram
a relaccedilatildeo entre pensamento e linguagem
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 36
ILKA SCHAPPER SANTOS
sujeito da linguagem Essas transformaccedilotildees e mudanccedilas na vida do homem promovem
as transformaccedilotildees ldquointerrdquo consciecircncias e por conseguinte mudanccedila na capacidade de
significar
O sentido para Vygotsky (19341993 p 125) pode ser assim explicado como
a soma de todos os eventos psicoloacutegicos que a palavra desperta em
nossa consciecircncia Eacute um todo complexo fluido e dinacircmico que tem
vaacuterias zonas de estabilidade desigual O significado eacute apenas uma das
zonas do sentido a mais estaacutevel e precisa Uma palavra adquire o seu
sentido no contexto em que surge em contextos diferentes altera o
sentido O significado permanece estaacutevel ao longo de todas as
alteraccedilotildees do sentido O significado dicionarizado de uma palavra
nada mais eacute do que uma pedra no edifiacutecio do sentido natildeo passa de
uma potencialidade que se realiza de formas diversas na fala
Eacute interessante refletir como o sentido permite vislumbrar a dinamicidade o
movimento da linguagem pois possibilita que vejamos o reverso da significaccedilatildeo ou
seja seu caraacuteter dinacircmico complexo e instaacutevel Eacute sob a eacutegide dos sentidos que os
significados deixam de ser tatildeo-somente zonas estaacuteveis jaacute que os sentidos datildeo
dinamicidade ao significado das palavras
Na perspectiva vygotskyana o significado foi demarcado como sendo o proacuteprio
signo e o sentido eacute mais amplo Aquele eacute convencional e dicionarizado portanto mais
preciso e estaacutevel Este ldquoeacute um fenocircmeno complexo moacutevel que muda constantemente ateacute
certo ponto em conformidade com as consciecircncias isoladas para uma mesma
consciecircnciardquo (Vygotsky 19342001 p 466)
Como disse no iniacutecio desta seccedilatildeo sentido e significado satildeo dois movimentos
indissociaacuteveis pois
os significados satildeo produccedilotildees histoacutericas e sociais Satildeo eles que
permitem a comunicaccedilatildeo a socializaccedilatildeo de nossas experiecircncias
Muito embora sejam estaacuteveis ldquodicionarizadosrdquo eles tambeacutem se
transformam no movimento histoacuterico momento em que sua natureza
interior se modifica alterando em consequecircncia a relaccedilatildeo que
mantecircm com o pensamento entendido como processo Os significados
referem-se assim aos conteuacutedos instituiacutedos mais fixos
compartilhados que satildeo apropriados pelos sujeitos a partir de suas
proacuteprias subjetividades (Aguiar amp Ozella 2006 p 226)
Em siacutentese eacute no interior desse movimento da significaccedilatildeo que dialeticamente
os sentidos vatildeo se constituindo pois se aproximam mais da subjetividade do sujeito
criando zonas de sentido que desestabilizam a significaccedilatildeo Essa desestabilizaccedilatildeo posta
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 37
ILKA SCHAPPER SANTOS
nos muacuteltiplos movimentos do significado que constituem os diversos sentidos
possibilita a uma determinada comunidade semioacutetica alcanccedilar novamente um
significado mais ou menos estaacutevel Isso porque segundo Vygotsky (19342001 p 465-
466)
esse enriquecimento das palavras que o sentido lhes confere a partir
do contexto eacute a lei fundamental da dinacircmica do significado das
palavras A palavra incorpora absorve de todo o contexto com que
estaacute entrelaccedilada os conteuacutedos intelectuais e afetivos e comeccedila a
significar mais e menos do que conteacutem o seu significado quando a
tomamos isoladamente e fora do contexto mais porque o ciacuterculo dos
seus significados se amplia adquirindo adicionalmente toda uma
variedade de zonas preenchidas por um novo conteuacutedo menos porque
o significado abstrato da palavra se limita e se restringe agravequilo que ela
significa apenas em um determinado contexto
Feitas as discussotildees teoacutericas do binocircmio sentido-significado para Vygotsky e
tema-significaccedilatildeo para Bakhtin passemos agora para a discussatildeo dessas categorias
teoacutericas no movimento da CC
Liberali (2009) para explicar o compartilhamento de sentidos e significados na
produccedilatildeo de significados na CC tece uma aproximaccedilatildeo entre tema e significaccedilatildeo para
Bakhtin e sentido e significado para Vygotsky assim como busquei fazer na discussatildeo
acima A autora explica que em russo as palavras ldquosmyslrdquo e ldquoznachnierdquo satildeo usadas por
ambos os autores O verbete russo ldquoznachnierdquo traduzido para o inglecircs como ldquomeaningrdquo
eacute usado nas elaboraccedilotildees teoacutericas de Bakhtin e Vygotsky para discorrerem sobre os
elementos de generalizaccedilatildeo de uma palavra A distinccedilatildeo soacute existe no portuguecircs em que
ldquoznachnierdquo eacute entendido como ldquosignificadordquo e ldquosignificaccedilatildeordquo para Vygotsky e
BakhtinVolochinov respectivamente Jaacute ldquosmyslrdquo que foi traduzida para o inglecircs como
ldquosenserdquo nos escritos de Vygotsky em portuguecircs foi entendida como ldquosentidordquo a
traduccedilatildeo do termo ldquosmyslrdquo para Bakhtin ficou como ldquothemerdquo em inglecircs e no portuguecircs
ldquotemardquo
Eacute interessante notar que ldquoznachnierdquo e ldquosmyslrdquo satildeo verbetes utilizados pelos dois
teoacutericos russos Aquele eacute usado tanto por Bakhtin como por Vygotsky para discutir os
elementos de generalizaccedilatildeo historicamente estabelecidos por uma palavra e este
expressa a subjetividade do indiviacuteduo
Na realidade histoacuterica ldquosmyslrdquo eacute ldquopotencialmente infinito e soacute se atualiza no
contato com outro sentidordquo (Bakhtin 1997 p 386) posto de outro modo o sentido natildeo
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 38
ILKA SCHAPPER SANTOS
existe nem se ressignifica de forma isolada sua potencialidade infinita adveacutem do
encontro entre sentidos que formam elos na cadeia Esses elos se renovam
dialogicamente por meio da interaccedilatildeo verbal e tornam a cadeia tambeacutem potencialmente
infinita
A discussatildeo dos conceitos ldquosmyslrdquo e ldquoznachnierdquo auxilia a pensar a questatildeo das
relaccedilotildees dialoacutegicas entre os sujeitos gerando algo mais estaacutevel que os aproxima
ldquoZnachnierdquo pode natildeo ser ldquopotencialmente infinitardquo nem abrigar a amplitude de ldquosmyslrdquo
entretanto para encontrar os pontos em comum que tornam o significado partilhaacutevel na
interaccedilatildeo verbal o ser humano precisa assumir alguns pontos dos sentidos e excluir
outros para em um movimento dialeacutetico-dialoacutegico realizar algo em comum (Liberali e
Fuga 2007)
Liberali em seu texto intitulado ldquoCreative Chain in the Process of Becoming a
Totalityrdquo10
afirma que na CC o ser humano criativo atraveacutes de seu trabalho e
experiecircncia subjetiva amplia os sentidos de um objeto palavra ou siacutembolo trazendo
um novo sentido para o significado social do fenocircmeno Posto de outro modo o sujeito
cria novas relaccedilotildees entre o significado e o sentido do fenocircmeno Na gecircnese desse
movimento estaacute a possibilidade de transformaccedilatildeo no interior da vida social
No entanto a instauraccedilatildeo do novo sentido soacute eacute possiacutevel quando existe o
compartilhamento de ldquosmyslrdquo o que possibilita a evoluccedilatildeo de significados em uma dada
comunidade semioacutetica Esse movimento promove a transformaccedilatildeo do sujeito do outro
do contexto social imediato e do conhecimento Sob essa oacutetica de transformaccedilatildeo das
relaccedilotildees (inter)sujeitos podemos pensar a produccedilatildeo do conhecimento humano a partir da
luta discursivo-ideoloacutegica entre significados cristalizados e sentidos subjetivos
Essa discussatildeo dos conceitos de sentido e significado numa perspectiva soacutecio-
histoacuterico-cultural vai ao encontro de uma modalidade de pesquisa criacutetico-colaborativa
pois possibilita compreender como se processa o compartilhamento de sentidos na
formulaccedilatildeo de novos significados mais ou menos estaacuteveis para a comunidade semioacutetica
(no nosso caso o grupo de pesquisa EFoPI) em que as intervenccedilotildees do grupo de
pesquisa se materializam em atividades historicamente concretas na esfera da educaccedilatildeo
infantil em especial na crianccedila de 2 e 3 anos de idade Por conta disso o planejamento
da pesquisa colaborativa eacute sistematizado a partir do diaacutelogo com os participantes da
10 Traduccedilatildeo A Cadeia Criativa no Processo de Tornar-se Totalidade
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 39
ILKA SCHAPPER SANTOS
investigaccedilatildeo Nessa perspectiva os participantes ao desvelarem e compartilharem seus
sentidos auxiliam na construccedilatildeo e ampliaccedilatildeo de significados que se tornam mais ou
menos estaacuteveis para o grupo e paradoxalmente ao serem novamente partilhados criam
outros sentidos singulares para cada membro que vivencia a intervenccedilatildeo escapando aos
tradicionalmente determinados
O desafio desta tese eacute buscar apreender os sentidos e compreender criticamente
como os significados foram se estabilizando nos espaccedilos discursivos travados entre os
professores pesquisadores e seus interlocutores na praacutetica de pesquisa para entender
como ocorre a produccedilatildeo de conhecimento sobre o brincar no processo de investigaccedilatildeo
No Ciacuterculo de Bakhtin ldquosmyslrdquo pode ser compreendido tambeacutem como ldquouma
reaccedilatildeo da consciecircncia em devir ao ser em devirrdquo (BakhtinVolochinov 1988 p 129)
Isso vai ao encontro de uma citaccedilatildeo de Vygotsky para quem a ldquocooperaccedilatildeo entre
consciecircnciasrdquo eacute uma instacircncia que possibilita a transformaccedilatildeo de ldquoznachnierdquo (Vygotsky
2004 p 187)
Essa instacircncia da ldquoconsciecircncia em devir ao ser em devirrdquo e o espaccedilo de
ldquocooperaccedilatildeo entre consciecircnciasrdquo eacute um movimento dialoacutegico-dialeacutetico que nos remete
neste trabalho ao conceito vygotskyano de Zona Proximal de Desenvolvimento a ZPD
instacircncia instauradora da produccedilatildeo do conhecimento
Passemos entatildeo no proacuteximo toacutepico deste capiacutetulo para a discussatildeo de ZPD no
movimento da CC
112 ndash A Cadeia Criativa e a ZPD interregno de conflitos tensotildees e possibilidades
na produccedilatildeo de conhecimento
Dois meninos de dois anos brincavam no paacutetio da
creche em um brinquedo grande de plaacutestico em
forma de castelo No brinquedo havia uma escada
que dava acesso a um platocirc onde havia um
escorregador Um dos meninos que estava no alto
chamou - ldquoVem soberdquo Ao que outro respondeu
ldquoEu natildeo seirdquo O menino insistiu -ldquosoberdquo O menino
que estava embaixo pediu ajuda para a professora
ela se aproximou e estimulou a crianccedila atraveacutes da
fala a superar o obstaacuteculo da subida Apoacutes o
encontro dentro do castelo escorregaram e voltaram
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 40
ILKA SCHAPPER SANTOS
imediatamente para a escada para subir novamente
A cena se repete -ldquoVem soberdquo - ldquoEu natildeo seirdquo -
ldquoMas vocecirc jaacute subiu Vocecirc sabe simrdquo O menino vai
entatildeo refazendo o caminho anterior pondo a matildeo
equilibrando o corpo ateacute chegar ao ponto onde
alcanccedila a outra crianccedila que lhe estende a matildeo e o
ajuda (narrativa de um dos participantes da
pesquisa do GP EFoPI no encontro com as
coordenadoras das 23 creches ndash 03 de junho de
2009)
Em seu texto inaugural ldquoInteraccedilatildeo entre aprendizado e desenvolvimentordquo
publicado no livro A Formaccedilatildeo Social da Mente Vygotsky tece criacuteticas significativas agrave
Psicologia do seu tempo em especial no que concerne agrave diacuteade
desenvolvimentoaprendizado Ao lado disso propotildee uma nova categoria teoacutericopraacutetica
para estudar esse binocircmio a Zona Proximal de Desenvolvimento (ZPD) O autor
explica nesse trabalho que a zona de desenvolvimento proximal eacute a distacircncia entre o
niacutevel de desenvolvimento real que seria determinado pela soluccedilatildeo independente de
problemas e o niacutevel de desenvolvimento potencial determinado pela capacidade do
sujeito em resolver problemas com o auxiacutelio do outro (Vygotsky 19301991 p 91)
O autor expotildee que a ZPD eacute um instrumento atraveacutes do qual psicoacutelogos e
educadores podem compreender o curso interno do desenvolvimento humano Diz
ainda que esse meacutetodo possibilita natildeo soacute entender os ciclos e processos de maturaccedilatildeo jaacute
completados como tambeacutem os processos que estatildeo em estado de formaccedilatildeo que estatildeo
comeccedilando a amadurecer e a se desenvolver (ibid p 97-98) Essa abertura em
considerar natildeo soacute os processos de maturaccedilatildeo jaacute completados mas tambeacutem os processos
que estatildeo em formaccedilatildeo em devir mediante a interaccedilatildeo com o outro funda a categoria
ZPD como um instrumento de intervenccedilatildeo revolucionaacuterio
No campo acadecircmico e no processo educativo essa discussatildeo sobre ZPD e sua
relaccedilatildeo com o aprendizado teve por parte de muitos pesquisadores e educadores uma
apropriaccedilatildeo dualista Tal apropriaccedilatildeo (mais literal) manteve a ecircnfase ldquona diferenccedila entre
o que se pode fazer bdquocom outros‟ e o que se pode fazer bdquosozinho‟ ndash como instrumento
para a compreensatildeo de processos mentais individuaisrdquo (Magalhatildees 2009 p 57) e na
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 41
ILKA SCHAPPER SANTOS
internalizaccedilatildeo11
do conhecimento com a colaboraccedilatildeo do outro mais experiente
Magalhatildees afirma que essa compreensatildeo como discutem Holzman (1997 2002) John-
Steiner Weber e Minis (1998) e Jantzen (2005) vai ao encontro de toda discussatildeo do
meacutetodo dialeacutetico vygotskyano que ldquoeacute ao mesmo tempo preacute-requisito e produto o
instrumento e o resultado do estudordquo (Vygotsky 19301991 p 74)
Como dito acima a apropriaccedilatildeo do conceito de ZPD no contexto de pesquisa e
no contexto escolar foi feita de forma dualista O foco estava em identificar espaccedilos de
interaccedilatildeo em que as crianccedilas pudessem aprender mediante a ajuda com a colaboraccedilatildeo
de algueacutem mais experiente Essa dicotomia fez com que muitos profissionais da
educaccedilatildeo ficassem preocupados em promover espaccedilos de aprendizagens em que aqueles
mais capazes auxiliassem os julgados menos capazes A ecircnfase continuava no
indiviacuteduo O outro par mais experiente criaria ZPDs para que os menos experientes
pudessem atingir uma reflexatildeo mais elevada sobre a natureza mais abstrata das coisas
(Bruner 1986)
Eacute esse ponto que nos interessa analisar
O excerto que utilizei como epiacutegrafe para iniciar esta seccedilatildeo seraacute nosso
companheiro de viagem nas palavras de Sartre para ilustrar a maneira como dialogarei
com o leitor sobre o conceito de ZPD no movimento da CC bem como suas
implicaccedilotildees na praacutetica de pesquisa
Na cena narrada as falas ldquo-Vem soberdquo -ldquoEu natildeo seirdquo - ldquoMas vocecirc jaacute subiu
Vocecirc sabe simrdquo ilustram como o auxiacutelio do outro em uma relaccedilatildeo colaborativa
possibilita a realizaccedilatildeo da atividade O problema eacute que tradicionalmente o foco se
manteve na busca de superaccedilatildeo das dificuldades do sujeito considerado menos capaz O
presumido eacute que o companheiro mais experiente influencia com seu ponto vista o
menos experiente levando-o agrave internalizaccedilatildeo de conhecimentos de que antes natildeo
dispunha
Chamo atenccedilatildeo para a dicotomizaccedilatildeo no interior da discussatildeo de ZPD
relacionada agrave aprendizagem escolar O que nos instiga pensar eacute o reverso da moeda se
estamos tratando de aprendizagem colaborativa se consideramos que as accedilotildees dos
11 Vygotsky (19301991 p 63) nomeia de internalizaccedilatildeo a reconstruccedilatildeo interna de uma operaccedilatildeo externa
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 42
ILKA SCHAPPER SANTOS
indiviacuteduos satildeo instigadas pelas accedilotildees do outro e produzidas socialmente por que aquele
que eacute dito como mais capaz e mais experiente fica agrave margem do processo
Esse dualismo em considerar que no processo de colaboraccedilatildeo o par mais
experiente seraacute o mediador entre a passagem do niacutevel de desenvolvimento potencial
para o desenvolvimento real simplifica sobremaneira a relaccedilatildeo aprendizado-
desenvolvimento o que natildeo faz jus agrave proposta de Vygotsky Pois ao discutir a
internalizaccedilatildeo das funccedilotildees psicoloacutegicas superiores o autor russo explica que ldquoo
desenvolvimento se daacute natildeo em ciacuterculo mas em espiral passando por um mesmo ponto
a cada nova resoluccedilatildeo enquanto avanccedila para um niacutevel superiorrdquo (Vygotsky
19301991 p 62) Com essa explanaccedilatildeo ele nos possibilita pensar a existecircncia de
conflitos tensotildees na ZPD Assim a demarcaccedilatildeo de que o par mais experiente ldquopuxardquo o
aprendizado do outro eacute unilateral natildeo trazendo o movimento de transformaccedilotildees e
mudanccedilas ocorridas no companheiro tido como mais capaz O desenvolvimento em
espiral em que o sujeito passa por um mesmo ponto a cada nova resoluccedilatildeo eacute um
movimento dialeacutetico Assim em cada espaccedilo de interaccedilatildeo vivenciamos transformaccedilotildees
e mudanccedilas independentemente de na cena enunciativa sermos considerados mais ou
menos experientes
No GP LACE e GP EFoPI trabalhamos com a concepccedilatildeo de que a ZPD eacute uma
zona de conflito de tensatildeo um espaccedilo de produccedilatildeo de conhecimento A interlocuccedilatildeo
com os educadores sociais e as coordenadoras das creches no caso do GP EFoPI e deste
trabalho de tese transita na unidade dialeacutetica teoria-praacutetica buscando superar o fosso
entre saber-pensar e fazer-agir materializado entre o dito e o feito O desenvolvimento e
aprendizado dos participantes se concretizam em ZPDs em que o status de mais
experiente natildeo estaacute fixado em um participante mas no processo coletivo de produccedilatildeo do
conhecimento mediado pela linguagem
No interior do processo de pesquisa os participantes criam espaccedilos de
aprendizagem e reflexatildeo sobrena accedilatildeo significativa A preocupaccedilatildeo dos pesquisadores
do EFoPI natildeo eacute em atuar no intervalo entre aquilo que os professores educadores e
pesquisadores externos eram e aquilo que eles se tornaram (ou tornaratildeo) mediante a
colaboraccedilatildeo do grupo de pesquisa com as questotildees levantadas no processo criacutetico
reflexivo Os investigadores buscam criar espaccedilos discursivos em que a linguagem eacute
entendida como um produto da atividade humana coletiva constituindo-se portanto
ldquolugar de interaccedilatildeo mateacuteria e instrumento do trabalho em que sujeitos e linguagem se
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 43
ILKA SCHAPPER SANTOS
constituem produzindo sentidos que se inscrevem no processo discursivo de cada
formaccedilatildeo histoacuterico-socialrdquo (Barreto 2002 p 18) Nesse sentido o elemento mediador
natildeo se fixa nos sujeitos que podem propiciar aprendizados mas na mediaccedilatildeo constituiacuteda
por praacuteticas de linguagem discursivo-simboacutelicas nas relaccedilotildees entre todos os sujeitos
Nesse movimento as tensotildees conflitos confrontos e possibilidades entre os
saberes escolares e os saberes do grupo de pesquisa satildeo elementos de transformaccedilotildees e
mudanccedilas tanto para os professores que participaram da pesquisa quanto para os
pesquisadores Assim a ZPD se constitui um espaccedilo de compartilhamento de sentidos
na produccedilatildeo de novos significados transformando-se em ldquopalco para batalhas
ideoloacutegicasrdquo (Bernstein 19931998 p 14)
A ZPD no movimento da CC se institui como instacircncia de possibilidades de
uma aprendizagem conduzindo o desenvolvimento (Newman e Holzman 19932002)
Essa instacircncia na siacutentese do vir-a-ser eacute palco de produccedilatildeo e transformaccedilatildeo do
conhecimento do ser humano no interior da coletividade porque em um contexto
colaborativo a ZPD inaugura um espaccedilo em que os participantes tecircm a possibilidade de
tornar seus processos mentais mais claros podendo demonstrar e explicar esses
processos no fluxo da interaccedilatildeo verbal Isso cria para os outros participantes
possibilidades de questionar expandir argumentar e recolocar o que foi posto em
negociaccedilatildeo (Magalhatildees 2004)
113 ndash Cronotopia e exotopia uma diacuteade no movimento da Cadeia Criativa
Dois conceitos bakhtinianos que tratam da relaccedilatildeo tempo-espaccedilo podem ser
resgatados para pensarmos a cadeia criativa a partir do movimento que imprime
dinacircmica ao compartilhamento-produccedilatildeo de sentidos e de significados exotopia e
cronotopia O primeiro tem sua gecircnese no acircmbito do texto literaacuterio o segundo sintetiza
a atividade criadora em geral Neste trabalho a interseccedilatildeo entre esses dois conceitos
possibilita pensar os encadeamentos da CC a partir dos diferentes pontos espaccedilo-
temporais em que se situam as praacuteticas de linguagem dos participantes em elos que vatildeo
compondo e recompondo o movimento discursivo Eacute nesse espaccedilo-tempo constituiacutedo
como uma zona de tensatildeo conflitos e possibilidades que a produccedilatildeo do conhecimento
se institui
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 44
ILKA SCHAPPER SANTOS
A discussatildeo que envolve a categoria exotopia na obra bakhtiniana estaacute presente
no texto O Autor e o Heroacutei Vale lembrar que esta categoria natildeo pode ser dissociada de
outras do Ciacuterculo de Bakhtin em especial o plurilinguismo social (as outras vozes
sociais que se presentificam na formaccedilatildeo e constituiccedilatildeo do sujeito) o presumido
(extraverbal) e a natureza dialoacutegica da linguagem
Etimologicamente a palavra exotopia eacute formada pelo prefixo ex que significa
fora e topos que significa lugar Assim exotopia simboliza um lugar afastado mas
natildeo distante da situaccedilatildeo Designa o ldquoexcedente de visatildeordquo a ldquoextraposiccedilatildeordquo ldquoo estar de
forardquo uma posiccedilatildeo a partir da qual o sujeito vecirc o mundo com certo distanciamento de
sua proacutepria condiccedilatildeo nele o que lhe permite perceber elementos que a proximidade natildeo
lhe permitiria Conforme Bakhtin (1987 p 43) ldquoquando contemplo um homem situado
fora de mim e agrave minha frente nossos horizontes concretos tais como satildeo efetivamente
vividos por noacutes dois natildeo coincidemrdquo No movimento do seu ldquoexcedente de visatildeordquo o
sujeito percebe no outro elementos que soacute ele pode perceber pelo lugar que eacute o uacutenico
a ocupar (e pelos sentidos e significados que foi construindo a partir desse lugar que
ocupa) O autor reforccedila ainda que o ldquoexcedente de minha visatildeordquo com relaccedilatildeo ao outro
instaura uma esfera particular da minha atividade isto eacute um conjunto de atos internos
ou externos que soacute posso preacute-formar a respeito desse outro e que o completam
justamente onde ele natildeo pode se completar (ibid p 44)
Neste processo dialoacutegico podemos perceber a efetivaccedilatildeo da empatia ldquover o
mundo atraveacutes dos valores do outrordquo notando coisas que soacute estatildeo no campo de visatildeo de
um dos interlocutores para depois retornar (atraveacutes da contemplaccedilatildeo) agrave posiccedilatildeo inicial
que permite elaborar o acabamento proacuteprio e o do outro pois de acordo com Bakhtin
ldquoo heroacutei natildeo faz seu acabamento proacutepriordquo (ibid p 202)
A posiccedilatildeo exotoacutepica do autor se define como aquela que lhe permite criar a obra
sendo firmada por seu distanciamento dela o que lhe permite ter uma visatildeo global do
enunciado da enunciaccedilatildeo O autor situa-se assim numa fronteira entre o mundo
concreto e o discurso que cria Nas palavras de Bakhtin (1987 p 43)
Por mais perto de mim que possa estar esse outro sempre verei e
saberei algo que ele proacuteprio na posiccedilatildeo que ocupa e que o situa fora
de mim e agrave minha frente natildeo pode ver () toda uma seacuterie de objetos
e de relaccedilotildees que em funccedilatildeo da respectiva relaccedilatildeo em que podemos
situar-nos satildeo acessiacuteveis a mim e inacessiacuteveis a ele
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 45
ILKA SCHAPPER SANTOS
Amorim (2004 p 96) corrobora com este entendimento quando explicita que
somente aquele que estaacute de fora pode dar uma imagem acabada de mim pois ldquonatildeo
posso me ver como totalidade natildeo posso ter uma visatildeo completa de mim mesmo e
somente um outro pode construir o todo que me definerdquo Nesse sentido eacute importante
esclarecer que a ideia de acabamento natildeo estaacute associada agrave perspectiva de
aprisionamento mas assume uma leitura de ato generoso posiccedilatildeo que permite ver e
compreender a partir de uma dimensatildeo ativo-responsiva Assim para a autora a
categoria teoacuterico-metodoloacutegica exotopia tece uma relaccedilatildeo de tensatildeo entre pelo menos
dois lugares o sujeito que na vida que se vive (no dizer de Karl Marx) olha de onde
vive ldquoe daquele que estando de fora da experiecircncia do primeiro tenta mostrar o que
vecirc do olhar do outrordquo (ibid 101)
Pensemos agora na categoria cronotopia A palavra cronotopia em sua
etimologia sintetiza as dimensotildees indissociaacuteveis do tempo e do espaccedilo Neste trabalho
essas dimensotildees tomam o sentido dado por Bakhtin (1987) de um lado para expressar a
grande temporalidade demarcada em um tempo histoacuterico estendido pois mostra a
instacircncia do movimento no campo das transformaccedilotildees e dos acontecimentos De outro
o espaccedilo que possibilita escreverinscrever as marcas dessa grande temporalidade O
conceito de cronotopo designa portanto uma produccedilatildeo da histoacuteria diz de um loacutecus
coletivo ldquoespeacutecie de matriz espaccedilo-temporal de onde as vaacuterias histoacuterias se contam e se
escrevemrdquo (Amorim 2004 p105) Ou seja
No cronotopo artiacutestico-literaacuterio ocorre a fusatildeo dos indiacutecios espaciais e
temporais num todo compreensivo e concreto Aqui o tempo
condensa-se comprime-se torna-se artisticamente visiacutevel o proacuteprio
espaccedilo intensifica-se penetra no movimento do tempo do enredo e da
histoacuteria Os iacutendices do tempo transparecem no espaccedilo e o espaccedilo
reveste-se de sentido e eacute medido com o tempo (Bakhtin 1983 p 211)
Mas de que maneira os conceitos de exotopia e cronotopia auxiliam na
compreensatildeo do movimento da Cadeia Criativa Revisitando a definiccedilatildeo dada por
Liberali (2009) encontro importantes interseccedilotildees entre a ideia de produccedilatildeo
compartilhada de conhecimento e a de construccedilatildeo de significados que possibilitam
novos sentidos atribuiacutedos em outras atividades pelos participantes da CC Em siacutentese
cria-se uma loacutegica que traduz um fluxo dialoacutegico entre as atividades que se instituem
em diferentes tempos e espaccedilos Haacute um duplo movimento no intervalo das atividades
pesquisadores e participantes da pesquisa em posiccedilatildeo extraposta podem enxergar
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 46
ILKA SCHAPPER SANTOS
elementos que ateacute entatildeo sua implicaccedilatildeo direta na atividade natildeo lhes permitia perceber
ao passo que quando retornam em uma nova atividade por terem se distanciado da
situaccedilatildeo anterior podem usufruir da reflexatildeo feita a partir da posiccedilatildeo exotoacutepica
No GP EFoPI esse processo exotoacutepico ocorreu entre os pesquisadores e entre os
educadores sociais e coordenadores das creches A crenccedila na perspectiva exotoacutepica fez
com que os pesquisadores e participantes tomassem um distanciamento de seu trabalho
rotinizado e pudessem refletir sobre o cotidiano das creches em especial sobre os
momentos destinados agrave brincadeira O olhar exotoacutepico dos pesquisadores e participantes
da pesquisa (educadores sociais e coordenadores) lhes possibilitou dialogar com o outro
no campo argumentativo circunscrito agraves atividades propostas expressando a diferenccedila e
a tensatildeo existente entre dois (ou mais) olhares entre dois (ou mais) pontos de vista
Uma atitude dialoacutegica nas sessotildees reflexivas e no curso de extensatildeo auxiliou na
compreensatildeo dos enunciados tecidos no interior dos diferentes discursos No caso da
pesquisa em questatildeo houve uma tentativa de captar o olhar do outro de buscar uma
compreensatildeo ativa do modo como veem para que as intervenccedilotildees e modos de
aproximaccedilatildeo e diaacutelogo com o grupo permitissem aos participantes da pesquisa (e aos
proacuteprios pesquisadores) um movimento de compartilhamento de sentidos e de
significados
Nesse lugar coletivo os cronotopos constituem-se como elos da cadeia criativa
materializando-se nas atividades que se configuram como instacircncias discursivas em que
o tempoespaccedilo eacute demarcado historicamente pelos sujeitos participantes da interaccedilatildeo
verbal Isso significa dizer que cada atividade neste trabalho de tese eacute percebida a
partir de um determinado tempo entre atividades da Cadeia Criativa (cada atividade um
cronotopo) espaccedilo que se inscreve na temporalidade do movimento de transformaccedilatildeo
dos sentidos e dos sujeitos
114 ndash A Cadeia Criativa sob a eacutegide da totalidade spinozana
A filosofia de Baruch de Spinoza tem tido vaacuterias interpretaccedilotildees No campo da
academia haacute controveacutersias e convergecircncias quando agraves suas formulaccedilotildees teoacutericas Muitos
o classificam como filoacutesofo racionalista por conta da sua tese de que ldquoa verdadeira
sabedoria soacute pode ser alcanccedilada com uma criacutetica racional das noccedilotildees que se
apresentam como evidentes ou reveladasrdquo (Marccedilon 2009 p 25) outros o consideraram
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 47
ILKA SCHAPPER SANTOS
como um materialista ortodoxo Mas concordo com Pierre Macherey (1979) quando
aponta que os construtos teoacutericos de Spinoza possibilitam eles proacuteprios uma filosofia
da imanecircncia Para aleacutem da imanecircncia uma filosofia da totalidade
Considero que a obra spinozana atravessa a grande temporalidade histoacuterico-
cultural que pode ser observada nas batalhas (ideo)loacutegicas do livro sobre Eacutetica a partir
das (re)construccedilotildees teoacutericas em torno da metafiacutesica medieval no confronto agrave
perspectiva dualista e linear cartesiana das relaccedilotildees entre corpomente na filosofia da
totalidade na concepccedilatildeo de imaginaccedilatildeo como regime de signos que expressam as
paixotildees coletivas na tentativa de mostrar quais satildeo nossos afetos como afetamos e
somos afetados na defesa da liberdade de pensamento O autor holandecircs traz na sua
obra provocaccedilotildees instigantes para pensar os valores e crenccedilas da sociedade circunscrita
na sua eacutepoca e tambeacutem por conta de um confronto transtemporal na sociedade
contemporacircnea
Para Spinoza (na primeira parte do tratado sobre Eacutetica) os seres humanos
constituem parte dos modos12
da substacircncia O que significa para o humano constituir-
se parte da substacircncia O autor explica que substacircncia eacute aquilo que existe em si mesmo
e por si mesmo eacute concebido dito de outro modo aquilo cuja conceituaccedilatildeo natildeo exige a
conceituaccedilatildeo de outra coisa do qual deva ser formado (Spinoza 16772005 I III p
62) A substacircncia possui assim autossuficiecircncia loacutegico-conceitual mas haacute no interior
dela uma derivaccedilatildeo que o teoacuterico chamou de modos isto eacute os elementos dependentes
finitos e suscetiacuteveis agraves causas externas
Segundo o autor holandecircs o ser humano integraria modos da substacircncia no
monismo entre corpo e mente Mas se a substacircncia eacute o uno infinito e ilimitado da
existecircncia eacute causa de si e expressa a totalidade como pode comportar na sua gecircnese a
relaccedilatildeo entre corpo e mente A resposta de Spinoza eacute que apesar de haver apenas uma
substacircncia uma soacute natureza eacute ldquoconstituiacuteda por uma infinidade de atributos13
que
expressam de formas distintas sua uacutenica essecircncia eterna e infinitardquo (Marccedilon 2009 p
38)
12 A substacircncia para Spinoza eacute constituiacuteda de infinitos modos mas os modos em si natildeo satildeo infinitos O
modo natildeo possui infinitos atributos mas o ser humano percebe atraveacutes dos modos os mesmo atributos
que vecirc na substacircncia Assim atraveacutes dos modos o ser humano identifica os atributos de pensamento e
extensatildeo (I Definiccedilatildeo V II Proposiccedilatildeo XIII) 13
Para Spinoza um atributo eacute um modo de se ver a substacircncia
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 48
ILKA SCHAPPER SANTOS
Respondendo a questatildeo do paraacutegrafo anterior de outro modo pode-se afirmar
que a substacircncia possui infinitos atributos Ou seja a substacircncia tem infinitas
possibilidades de ser vista sendo essas possibilidades concebidas como fundadas agrave sua
essecircncia (Spinoza 16772005 Proposiccedilotildees X e XI) Apesar de possuir infinitos
atributos e dessa maneira possuir infinitos modos de ser visto o ser humano soacute tem
capacidade de identificar dois desses atributos o pensamento e a extensatildeo
Com respeito ao binocircmio corpomente como modos da substacircncia natildeo tecircm uma
relaccedilatildeo hieraacuterquica natildeo haacute supremacia de um sobre o outro isso porque corpo e mente
constituem uma mesma coisa em um soacute Haacute nesse binocircmio uma correspondecircncia que
Spinoza intitulou de paralelismo14
o que o atributo extensatildeo (os corpos como modos
finitos da extensatildeo) realiza o atributo pensamento compreende (Spinoza 16772005
III II p 199) Extensatildeo e pensamento satildeo indissociaacuteveis e imbricados pois formam
uma totalidade satildeo o verso e o reverso de uma mesma e uacutenica substacircncia multifacetada
Eacute no interior da siacutentese desse paralelismo entre corpo-mente (ideia do corpo) que temos
a gecircnese da explicaccedilatildeo do monismo spinozano
Segundo Marilena Chauiacute (1999) o pensamento de Spinoza inova natildeo apenas
pelo fato de compreender o ser humano como instacircncia dos modos finitos da substacircncia
que nele se expressa mas tambeacutem por trazer para o debate a concepccedilatildeo do modo finito
impresso no humano que carrega as marcas da imanecircncia infinita da substacircncia
Podemos inferir que os seres humanos constituem-se parte da substacircncia em
seus modos dependentes finitos e sujeitos a causas externas Por conta dessa finitude
sua liberdade eacute parcial e por mais que tenha o livre arbiacutetrio ldquonunca chega a ser
totalidade livre na ordem do universordquo (Fuga 2009 p 51) Isso porque o modo
manteacutem relaccedilotildees com o que eacute externo a ele que configura outro modo A (inter-)relaccedilatildeo
dos modos eacute nomeada por Spinoza (16772005 II Proposiccedilotildees XIII p 143) de
ldquoafecccedilatildeordquo Assim um modo ldquoafectardquo e eacute ldquoafectadordquo por outro modo natildeo podendo pela
vontade evitar a ldquoafecccedilatildeordquo Nessa (inter-)relaccedilatildeo pode ocorrer um aumento ou uma
diminuiccedilatildeo do poder de expressatildeo da potecircncia do agir ou do seu conatus que
etimologicamente significa ldquoesforccedilordquo em latim
14 Para Spinoza a tese do paralelismo entre corpomente diz de uma espeacutecie de correspondecircncia ou
isonomia entre os dois modos ou atributos ldquoum modo da extensatildeo e a ideia desse modo satildeo uma soacute e
mesma coisa que se exprime entretanto de duas maneirasrdquo (II Proposiccedilatildeo VII Escoacutelio 2005 p 136)
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 49
ILKA SCHAPPER SANTOS
Segundo Deleuze (2002 p 62-63) para Spinoza o conhecimento natildeo eacute a
operaccedilatildeo de um sujeito mas a afirmaccedilatildeo de uma ideia Ele se constitui como modos da
existecircncia porque no movimento de conhecer prolonga-se nos tipos de consciecircncia e
de afetos que lhe correspondem de modo que todo poder de ser afetado seja preenchido
(ibid p 64) O conhecimento verdadeiro eacute aquele que expressa uma essecircncia singular
Para ele haacute trecircs gecircneros de conhecimentos a) o primeiro gecircnero foi nomeado pelo autor
por ideias inadequadas que exprimem as condiccedilotildees naturais de nossa existecircncia
enquanto natildeo temos as noccedilotildees comuns nem as ideias adequadas As ideias
inadequadas se definem por signos indicativos e signos imperativos Estes como sendo
os signos que envolvem o conhecimento inadequado das leis e aqueles signos que
envolvem o conhecimento inadequado das coisas b) o segundo gecircnero do
conhecimento satildeo as noccedilotildees comuns que satildeo as ideias que podem ser aplicadas a
diversas essecircncias singulares mas que natildeo conseguem expressar adequadamente
nenhuma dessas ideias c) o terceiro gecircnero tratado pelo autor foi intitulado de ideias
adequadas que expressam conhecimento verdadeiro pois possibilitam conhecer a
essecircncia singular como ela eacute
A relaccedilatildeo de conveniecircncia ou composiccedilatildeo entre os seres (Spinoza 16772005
II Lema II) permite pensar a relaccedilatildeo entre os trecircs gecircneros do pensamento as ideias
inadequadas podem se transformar em noccedilotildees comuns deixando de ser ldquoideias
confusas ou vagasrdquo para compor algo que eacute o mesmo tanto nas partes quanto no todo
mas natildeo idecircnticas nas partes Por sua vez as noccedilotildees comuns por trazerem partes da
totalidade se aproximam mais do terceiro gecircnero as ideias adequadas Eacute a concepccedilatildeo
de totalidade que nos faz passar do segundo para o terceiro gecircnero pois estaacute de certa
forma vinculada agraves noccedilotildees comuns ldquoo que eacute comum a todas as coisas e se acha
igualmente na parte e no todo natildeo pode ser concebido senatildeo adequadamenterdquo
(Spinoza 16772005 p 171) por conta de agregar mais partes da substacircncia a noccedilatildeo
comum nos possibilita sob esse aspecto passar para as ideias adequadas que
exprimem a essecircncia da natureza
Segundo Deleuze no interregno entre o primeiro e o segundo gecircnero existe uma
relaccedilatildeo ocasional que viabiliza o salto de um para outro O autor explica que
Por um lado quando encontramos corpos que convecircm com o nosso
ainda natildeo temos a ideia adequada desses outros corpos nem de noacutes
mesmos mas sentimos paixotildees alegres (aumento de nossa potecircncia de
agir) que pertencem ainda ao primeiro gecircnero mas nos induzem a
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 50
ILKA SCHAPPER SANTOS
formar a ideia adequada do que eacute comum entre tais corpos e o nosso
Por outro lado a noccedilatildeo comum em si mesma estabelece harmonias
complexas com as imagens confusas do primeiro gecircnero e apoia-se em
certas caracteriacutesticas da imaginaccedilatildeo (Deleuze 2002 p 55)
Isso pode ser sintetizado no que Spinoza chamou de relaccedilatildeo de conveniecircncia ou
composiccedilatildeo entre os seres Nessa relaccedilatildeo o ser humano pode aumentar ou diminuir seu
conatus expresso na sua potecircncia de agir Para Spinoza o conatus eacute uma potecircncia de um
modo finito natural de autoconservaccedilatildeo que se manifesta no nosso esforccedilo para
preservar a existecircncia Isso natildeo significa uma preservaccedilatildeo estaacutetica ou inerte ao
contraacuterio ldquoesse esforccedilo requer uma dinacircmica que evolui por meio dos encontros com
outros modos ao longo de toda existecircnciardquo (Fuga 2009 p 51)
O conatus natildeo eacute caracteriacutestica exclusiva do ser humano Todos os seres possuem
conatus inclusive os seres do reino mineral que tendem involuntariamente a preservar
na existecircncia pois como modo da substacircncia eacute determinado a existir por um tempo
indefinido No entanto um ser do reino mineral ldquonatildeo tem a ideia da ideia de seu corpordquo
(Spinoza 16772005 III VIII demonstraccedilatildeo p 206) posto que natildeo tem consciecircncia de
si A manifestaccedilatildeo de um diferente conatus depende do grau de complexidade de seu
corpo No caso do ser humano devido a seu elevado grau de complexidade aleacutem da
constante busca em se preservar na existecircncia procura uma autoexpansatildeo na (inter-)
relaccedilatildeo com outros seres podendo aumentar ou diminuir sua potecircncia de agir
Para Spinoza ao encontrar um outro corpo que lhe conveacutem o ser humano pode
experimentar sentimentos de alegria ou de tristeza No primeiro sentimento haacute o
aumento do conatus e no segundo uma diminuiccedilatildeo da potecircncia do agir Nesse
movimento de interaccedilatildeo entre corpos ou de composiccedilotildees nas palavras de Spinoza os
seres humanos vatildeo se constituindo afetando e sendo afetados As composiccedilotildees e
decomposiccedilotildees de corpos quando estatildeo sob a eacutegide da alegria possibilitam que o ser
humano se aproxime das ideias adequadas Assim a atividade de nossa mente
corresponde agraves alteraccedilotildees que decorrem do contato do nosso corpo com outros corpos
nessa relaccedilatildeo com outros corpos distintos pensamentos ou conhecimentos satildeo gerados
Dependendo do grau de composiccedilatildeo esses pensamentos ou conhecimentos se fundam
ora nas ideias inadequadas ora nas noccedilotildees comuns ora nas ideias adequadas
Quais as relaccedilotildees entre esses construtos teoacutericos spinozanos tratados acima
com a CC
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 51
ILKA SCHAPPER SANTOS
Como vimos o ser humano eacute parte da substacircncia que conteacutem a totalidade e
sendo finito e parcialmente livre tem tambeacutem possibilidade parcial de criar ideias
adequadas que propiciam a liberdade Assim por conta dessa finitude o humano
observa as coisas de forma inadequada No entanto quando em contato com outros
seres humanos em um fluxo de composiccedilatildeo as ideias inadequadas e as noccedilotildees comuns
de cada sujeito satildeo confrontadas gerando tensotildees e conflitos que desestabilizam as
dicotomias e ideias simplistas que satildeo elementos da inadequaccedilatildeo do conhecimento
Nesse movimento de compartilhamento de pensamentos e conhecimentos de ideias
inadequadas os sujeitos podem criar novas ideias ainda parciais e insuficientes mas
muito mais proacuteximas das noccedilotildees comuns dos aspectos infinitos e adequados dos modos
da substacircncia que conteacutem elementos da totalidade (Liberali 2009)
O entendimento do processo de composiccedilatildeo entre os corpos para formar uma
noccedilatildeo comum e se aproximar das ideias adequadas eacute fundamental para a compreensatildeo
da produccedilatildeo de conhecimento no caso desta tese a produccedilatildeo de conhecimento do GP
EFoPI Essa interaccedilatildeo entre os participantes do grupo pode gerar um aumento na
potecircncia do agir (o conatus) de cada participante bem como no conatus do grupo e
possibilitar a todos estarem parcialmente nas partes e completamente no todo se
aproximando cada vez mais da substacircncia Isso porque ldquose dois indiviacuteduos se aliam um
ao outro formam um indiviacuteduo duas vezes mais poderoso do que cada um deles tomado
separadamenterdquo (Spinoza 16772005 IV XVIII escoacutelio p 303) Assim nesse fluxo
interacional os participantes ldquoimprimem por assim dizer certos vestiacutegiosrdquo (Spinoza
Postulado V p 151) nos sujeitos afetados melhor dizendo que afetam e satildeo afetados
Esses vestiacutegios marcam a gecircnese da transformaccedilatildeo do pensamento e do conhecimento
dos membros do GP EFoPI e dos participantes desta pesquisa
Esse movimento da busca de produccedilatildeo de ideias adequadas no interior da CC
encontra eco quando refletimos sobre o compartilhamento de sentidos e a produccedilatildeo de
significados na perspectiva soacutecio-histoacuterico-cultural Em especial nas construccedilotildees
teoacutericas de Bakhtin e seu ciacuterculo e nas de Vygotsky que foram tecidas neste capiacutetulo da
tese As obras de ambos os autores trazem na sua gecircnese uma visatildeo de totalidade
muito proacutexima agrave presente nas discussotildees do monismo spinozano que nos auxilia a
refletir sobre a indissociabilidade entre znacheniesmysl corpomente ideias
adequadasideias inadequadas aprendizadodesenvolvimento internoexterno
teoriapraacuteticas sociais entre outros
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 52
ILKA SCHAPPER SANTOS
No proacuteximo toacutepico discorrerei sobre aspectos importantes no movimento da
ldquovelhardquo e da ldquonovardquo retoacuterica para fundamentar a discussatildeo sobre a argumentaccedilatildeo no
interior deste trabalho de tese
115 ndash Breve retomada da ldquovelhardquo e da ldquonovardquo retoacuterica um encontro com a
argumentaccedilatildeo na cadeia criativa
Considerando ser o foco desta investigaccedilatildeo a argumentaccedilatildeo desenvolvida entre
pesquisadores e educadores participantes do GP EFoPI sobre a brincadeira esta seccedilatildeo
pretende tecer uma discussatildeo sobre o argumentar movimento considerado nesta tese
como elemento dialoacutegico manifesto nas accedilotildees de linguagem no fluxo da Cadeia
Criativa
Desde a antiguidade claacutessica a argumentaccedilatildeo tem se constituiacutedo como objeto de
estudo de pensadores e teoacutericos fato expresso nos estudos sobre a retoacuterica Assim
apresento uma breve siacutentese dos construtos sobre a argumentaccedilatildeo tendo como eixo A
Arte Retoacuterica de Aristoacuteteles (350 aC 2005) e o estudo da Nova Retoacuterica de Perelman
amp Olbrechts-Tyteca (19702005) este uacuteltimo resultante da releitura da tradiccedilatildeo claacutessica
Os estudos sobre argumentaccedilatildeo tecircm suas raiacutezes na arte retoacuterica Eacute consenso que
esta eacute a arte de argumentar e no interior disso a argumentaccedilatildeo estaacute sob a eacutegide da arte
de persuadir e de convencer No dicionaacuterio Houaiss da Liacutengua Portuguesa os verbetes
persuadir e convencer tecircm proximidades semacircnticas Aquele eacute definido como ldquolevar ou
convencer (algueacutem ou a si mesmo) a acreditar ou convencer (-se)rdquo (Houaiss 2001 p
2197) e este como ldquopersuadir (algueacutem ou a si mesmo) a aceitar uma ideia ou admitir
um fato por meio de razotildees ou argumentos bem fundadosrdquo (ibid p 826) No entanto
as sutilezas semacircnticas mostram que persuadir estaacute mais relacionado ao campo do
sentimento da emoccedilatildeo enquanto o convencer transita no terreno das ideias sob o signo
da razatildeo pois postula que o convencimento se daacute por meio de razotildees ou argumentos
bem fundados Esses dois verbetes satildeo indissociaacuteveis na praacutetica argumentativa
Segundo Abreu (1999 p 25) ldquoconvencer eacute construir algo no campo das ideiasrdquo
e ldquopersuadir eacute construir no terreno das emoccedilotildees eacute sensibilizar o outro para o agirrdquo A
capacidade de argumentar em uma perspectiva monista seria o verso e o reverso dessas
duas construccedilotildees Reboul (2004) explica que a retoacuterica eacute a ldquoa arte de persuadir pelo
discursordquo Para o autor persuadir eacute levar algueacutem a crer em algo no campo da discussatildeo
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 53
ILKA SCHAPPER SANTOS
Entretanto refuta a tese que distingue convencer e persuadir por consideraacute-la
ldquoexcessivamente dualistardquo ao dicotomizar crenccedila e inteligecircncia razatildeo e emoccedilatildeo
Essa mesma discussatildeo eacute apresentada por Koch (19922004) que discorre sobre o
ato de convencer e persuadir Para a autora este tem como foco os sentimentos dos
interlocutores o auditoacuterio particular e os argumentos pautados no verossiacutemil Jaacute aquele
estaacute direcionado ao auditoacuterio universal sob o eixo da razatildeo
A argumentaccedilatildeo estaacute relacionada ao conjunto das accedilotildees humanas cuja finalidade
eacute a adesatildeo do outro ora na adoccedilatildeo de um comportamento ora na adoccedilatildeo de um ponto
de vista Isso pode ocorrer em uma audiecircncia formada por um uacutenico sujeito (auditoacuterio
interno) ou em uma audiecircncia coletiva mais ampla (auditoacuterio universal) O ato de
argumentar fundado nas accedilotildees humanas estaacute imbricado agraves accedilotildees semiotizadas pela
linguagem em situaccedilatildeo de interaccedilatildeo verbal e extraverbal que procura a
indissociabilidade entre o convencer e o persuadir como jaacute disse Desde que ldquoa espeacutecie
humana se distingue da primata por sua capacidade de construir cultura como agente
mental e intencional e por utilizar intencionalmente e intersubjetivamente instrumentos
semioacuteticos para interagir com o outro atribui agrave linguagem um caraacuteter argumentativordquo
(Santos 2006 p 85) Isto implica afirmar que desde muito cedo o ser humano domina
mesmo que de maneira assistemaacutetica e espontacircnea modos e maneiras de argumentar
Eacute precisamente na antiguidade claacutessica grega que nasce um saber estruturado e
sistematizado sobre a argumentaccedilatildeo esse modo de agir sobre o outro fundado napela
linguagem cuja intencionalidade eacute convencer-persuadir manipular pontos de vista
consciecircncia-espiacuterito sob a eacutegide da arte denominada retoacuterica
A argumentaccedilatildeo desde sua origem tem tido diferentes acepccedilotildees o que nos
remete a uma bifurcaccedilatildeo ora ligada aacute retoacuterica ora relacionada agrave loacutegica Compreender
sua significaccedilatildeo na contemporaneidade requer iniciar o diaacutelogo com o pensamento
aristoteacutelico que constitui um marco nos estudos sobre raciocinar a partir de um campo
argumentativo
Para discutir a argumentaccedilatildeo e suas relaccedilotildees com a antiga retoacuterica neste
trabalho tratarei de algumas definiccedilotildees Apesar de ser a definiccedilatildeo de retoacuterica de
Quintiliano (ldquoarte de falar bemrdquo) do seacutec I da nossa era que atravessou tempos e
espaccedilos e a que ficou mais conhecida eacute importante destacar que a gecircnese da
conceituaccedilatildeo aristoteacutelica (seacutec IV aC) na obra Arte Retoacuterica como ldquoa faculdade de ver
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 54
ILKA SCHAPPER SANTOS
teoricamente o que em cada caso pode ser capaz de gerar a persuasatildeordquo (I 1355 apud
Pistori 2009 p 25) eacute a base epistemoloacutegica para todas as discussotildees posteriores
A questatildeo fundamental do corpus epistemoloacutegico aristoteacutelico na Retoacuterica estaacute
posta nos conhecimentos passiacuteveis de serem provados as crenccedilas e opiniotildees que se
estruturam no confronto das ideias tendo como origem os pontos controversos uma vez
que ldquodeliberamos sobre as questotildees suscetiacuteveis de comportar duas soluccedilotildees opostasrdquo
(ibid)
O texto A Retoacuterica de Aristoacuteteles (350 aC2005) eacute composto por trecircs livros No
livro I o autor discorre sobre os trecircs gecircneros retoacutericos (a) o deliberativo que tem como
eixo discursivo a persuasatildeo e a dissuasatildeo (b) o judiciaacuterio que tem como objetivo
defender ou acusar o epidiacutectico que se funda no elogio ou na censura Ainda neste
primeiro livro o teoacuterico apresenta argumentos na defesa da utilidade da retoacuterica e tece
uma anaacutelise da natureza da prova retoacuterica intitulada de entimema uma espeacutecie de
silogismo derivado No Livro II Aristoacuteteles faz uma anaacutelise de dois elementos inter-
relacionados no campo retoacuterico o plano emocional e a recepccedilatildeo do discurso retoacuterico
Para isso destaca sentimentos que se manifestam no entremeio da argumentaccedilatildeo tais
como ira amizade confianccedila vergonha e seus contraacuterios Tambeacutem apresenta as formas
em que se materializa a argumentaccedilatildeo em especial os toacutepicos argumentativos o uso de
maacuteximas e de entimemas Por fim no livro III satildeo analisados o estilo e a composiccedilatildeo
do discurso retoacuterico No movimento explicativo desses dois pontos traz para a cena da
discussatildeo elementos como clareza correccedilatildeo gramatical e ritmo o uso de metaacuteforas e as
partes imprescindiacuteveis a um discurso (Aristoacuteteles 350 aC 2005 p 22) Nas
discussotildees que datildeo corpo a essa obra Aristoacuteteles promulga as bases da retoacuterica
ocidental Bases que assumidamente se sustentam ao longo dos seacuteculos pois no campo
da evoluccedilatildeo retoacuterica o que se acrescentou representa muito mais um aperfeiccediloamento
sobre a temaacutetica do que construccedilotildees que rompam com o campo epistemoloacutegico
aristoteacutelico
Na tradiccedilatildeo aristoteacutelica a retoacuterica visa agrave descoberta e escolha dos meios que
possam levar um determinado auditoacuterio agrave persuasatildeo Segundo o filoacutesofo satildeo
necessaacuterios trecircs tipos de provas teacutecnicas o ethos que estaacute ligado agrave moral do orador e eacute
concebido como a imagem que este projeta de si atraveacutes de sua maneira de falar com o
intuito de conquistar a confianccedila de seu puacuteblico assegurando e tornando criacutevel o seu
discurso o pathos visto como o modo de recepccedilatildeo do discurso ou seja os sentimentos
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 55
ILKA SCHAPPER SANTOS
que o auditoacuterio experimenta ao ser confrontado com o que eacute dito podendo ter adesatildeo ou
natildeo agrave tese e finalmente o logos entendido como o proacuteprio discurso ou seja as
escolhas linguiacutesticas e estiliacutesticas que contribuem para dar credibilidade ao discurso
tendo como base o raciociacutenio Eacute no interior desses elementos da retoacuterica que se tece um
viacutenculo intersubjetivo entre orador e audiecircncia e que vai determinar a forccedila persuasiva
dos argumentos
Nos estudos mais recentes dois aspectos relacionados agrave argumentaccedilatildeo satildeo
destacados (1) a intenccedilatildeo persuasiva do orador materializada em uma fala convincente
que possibilita mudanccedila de atitude na audiecircncia e (2) a organizaccedilatildeo estrutural do
discurso O primeiro aspecto estaacute relacionado agraves estrateacutegias discursivas de
convencimento utilizadas pelo orador e retomadas por Perelman amp Olbrechts-Tyteca
(19702005) na releitura criacutetica que fizeram da Arte Retoacuterica de Aristoacuteteles (350 aC
2005) Jaacute o segundo aspecto diz respeito agrave infraestrutura textual da argumentaccedilatildeo
retomada por Toulmin (1974)
No entremeio desses dois elementos constitutivos da argumentaccedilatildeo satildeo tecidos
dois modos baacutesicos de raciociacutenio que estruturam o argumentar (1) o que ficou
conhecido como silogismo ndash demonstraccedilatildeo analiacutetica que se refere agrave demonstraccedilatildeo
pautada em proposiccedilotildees evidentes (provas vaacutelidas decorrentes de premissas universais)
fundadas na loacutegica formal e (2) a argumentaccedilatildeo dialeacutetica que se manifesta a partir de
argumentos com base em enunciados possiacuteveis no campo de conclusotildees verossiacutemeis
(Aristoacuteteles 350 aC 2005)
Neste trabalho de tese privilegiarei o segundo modo de raciociacutenio para o
argumentar qual seja a argumentaccedilatildeo dialeacutetica que tem sua gecircnese no pensamento
aristoteacutelico e na contemporaneidade foi retomado de forma criacutetica por Perelman e
Olbrechts-Tyteca (19702005)
O movimento da argumentaccedilatildeo dialeacutetica funda-se em enunciados provaacuteveis dos
quais se pode chegar a conclusotildees apenas verossiacutemeis natildeo tendo o estatuto de verdade
absoluta mas que promovem diversos modos de raciocinar
A dialeacutetica de Aristoacuteteles constitui-se em um jogo cujo objetivo eacute vencer mas
sem burlar as regras inerentes agrave loacutegica Na maioria das vezes esse jogo tem o fim em si
mesmo Eacute estruturado por silogismo demonstrativo que parte das premissas evidentes e
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 56
ILKA SCHAPPER SANTOS
por silogismo dialeacutetico que se funda nas premissas provaacuteveis (aquilo que pode ser
verdadeiro)15
Eacute importante dizer que a argumentaccedilatildeo dialeacutetica de Aristoacuteteles ao longo dos
seacuteculos foi perdendo espaccedilo na comunidade dos filoacutesofos para a demonstraccedilatildeo
analiacutetica Isso por conta da rigidez do racionalismo e do cristianismo sendo percebida
como uma forma menos confiaacutevel por estar sob a eacutegide do verossiacutemil e natildeo do estatuto
de verdade Esse momento da histoacuteria corresponde ao Renascimento
Opondo-se a essa visatildeo vejo que a arquitetura aristoteacutelica da retoacuterica traz
importantes elementos para pensarmos a argumentaccedilatildeo Na sua obra magna o pensador
da antiguidade claacutessica afirma que todo ser humano resguardadas as limitaccedilotildees de cada
um eacute capaz de argumentar porque no interior de sua interlocuccedilatildeo no mundo se propotildee
a partir de uma tese defender ou refutar algo Dito de outro modo a retoacuterica se constitui
como elemento fundante da competecircncia argumentativa dos sujeitos Eacute na praacutetica
discursiva que persuadimos convencemos sempre que buscamos demonstrar o
verossiacutemil
Pautados nas noccedilotildees de Aristoacuteteles podemos provar o verossiacutemil atraveacutes dos trecircs
elementos constituintes do movimento discursivo de que tratei anteriormente ethos
pathos e logos Esses trecircs elementos estatildeo presentes nos trecircs gecircneros retoacutericos da
argumentaccedilatildeo o retoacuterico judiciaacuterio o retoacuterico deliberativo e o retoacuterico epidiacutectico A
determinaccedilatildeo desses gecircneros ou tipos demarca o protagonismo do papel do orador na
construccedilatildeo retoacuterica de seu discurso ldquoagrave medida que eacute capaz de se orientar pela
accedilatildeoreaccedilatildeo da audiecircncia quer seja em termos de cooperaccedilatildeo quer seja em termos de
conflitordquo (Santos 2006 p 88)
A seguir apresento de forma sintetizada os gecircneros retoacutericos do discurso16
tal
como foram elaborados por Aristoacuteteles e sistematizados no trabalho de Santos (ibid p
88-90)
A gecircnese da retoacuterica deliberativa encontra-se na assembleia democraacutetica tem
por objetivo apresentar projeccedilotildees de futuro para que a audiecircncia aprecie e avalie os
15 Reboul (2004 p 28) define silogismo como ldquodiscurso argumentativo baseado na causa contendo trecircs
proposiccedilotildees sendo duas premissas e a conclusatildeordquo 16
Eacute importante esclarecer que o gecircnero do discurso em Aristoacuteteles difere da discussatildeo de gecircneros de
Bakhtin Para este uacuteltimo grosso modo os gecircneros do discurso constituem-se como tipos de enunciados
relativamente estaacuteveis que estatildeo intrinsecamente relacionados a contextos tiacutepicos da comunicaccedilatildeo social
em situaccedilotildees sociais de interaccedilatildeo no interior de uma determinada comunidade semioacutetica
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 57
ILKA SCHAPPER SANTOS
possiacuteveis desdobramentos de uma tomada de decisatildeo tendo como referente a promoccedilatildeo
de lucros ou prejuiacutezos para a partir daiacute posicionar-se frente aos argumentos O uso de
argumentos de exemplo eacute a principal estrateacutegia argumentativa em que se pauta o orador
Isso porque eacute este argumento que facilita o raciociacutenio indutivo em especial quando se
trata de grandes audiecircncias
A retoacuterica judiciaacuteria pauta-se na existecircncia de uma questatildeo polecircmica em
evidecircncia e teses que se contrapotildeem A estrutura desse gecircnero estaacute sob a eacutegide das
dicotomias justoinjusto aceitaccedilatildeotransgressatildeo de normas e leis posto que tem como
auditoacuterio o tribunal que ora acusa (acusaccedilatildeo) ora defende (defesa) Assim ldquoprovar a
adequaccedilatildeo e inadequaccedilatildeo normativa de uma accedilatildeo ocorrida eacute o tipo ideal de situaccedilatildeo
em que se potildee o modo judiciaacuteriordquo (Magalhatildees17
R F 2002 p 44) Cabe ao orador
com(provar) baseado em leis e regras compartilhadas com a audiecircncia a adequaccedilatildeo ou
inadequaccedilatildeo dos episoacutedios narrados ldquona medida em que reconstroacutei persuasivamente os
fatos do passado em rede causal e os apresenta agrave audiecircncia como juiacutezes das accedilotildees
cabe julgar os fatos conforme a cadeia que se pode deles inferirrdquo (Santos 2006 p 89)
Jaacute a retoacuterica epidiacutectica tem objetivos diferentes dos dois gecircneros citados
anteriormente natildeo busca travar combate entre adversaacuterios seja para aconselhar ou
deliberar o melhor para a audiecircncia ou advogar sobre o justo Este gecircnero tem a funccedilatildeo
de construir a esteacutetica do discurso Para isso sua linguagem se estrutura na eloquecircncia
procurando construir uma cena discursiva que exprima a trageacutedia a comeacutedia o destaque
a valores como o viacutecio e a virtude (ibid p 89) Magalhatildees R F (2002 p 45) explica
que ldquoo discurso epidiacutectico natildeo discute o objeto mas toma-o como dado e trata de
engrandececirc-lo ou denegri-lordquo o papel do auditoacuterio nesse contexto portanto eacute de
espectador aquele que aprecia e aplaude o discurso do orador como se fosse
apresentaccedilatildeo cecircnica ou uma obra de arte No quadro abaixo mostrarei a siacutentese desses
gecircneros retoacutericos do discurso
17 Quando me referir ao artigo ldquoA reconstruccedilatildeo da racionalidade no paradigma da linguagem a
contribuiccedilatildeo retoacutericardquo utilizarei Magalhatildees R F (2002) Nas demais citaccedilotildees de Magalhatildees estarei me
referindo agrave Profordf Drordf Maria Ceciacutelia Camargo de Magalhatildees
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 58
ILKA SCHAPPER SANTOS
Quadro 01- Os trecircs gecircneros do discurso na Retoacuterica com base em Rebul (200447)
Gecircneros do
Discurso
Auditoacuterio Situaccedilatildeo Tempo Ato Valor
es
Argument
o-tipo
Judiciaacuterio Juiacutezes Aceitaccedilatildeo ou
transgressatildeo de leis e
normas
Passado
(fatos
por
julgar)
Acusar
Defender
Justo
Injust
o
Etinema
(dedutivo)
Deliberativo Assembleia
democraacutetica
Consulta a lucros ou
prejuiacutezos
Futuro Aconselhar
Desaconselhar
Uacutetil
Nociv
o
Exemplo
(indutivo)
Epidiacutectico Espectador Exprimir a trageacutedia a
comeacutedia a exaltaccedilatildeo
a valores
Presente Louvar
Censurar
Nobre
vil
Ampliaccedilatildeo
Para Perelman e Olbrechts-Tyteca a ausecircncia de um juiacutezo de valor e de
intensidade da adesatildeo e a ecircnfase na esteacutetica do discurso caracteriacutesticas da retoacuterica
epidiacutectica acabaram por criar uma compreensatildeo equivocada sobre o loacutecus desse gecircnero
na retoacuterica persuasiva Em decorrecircncia disso historicamente ele foi mais ldquoenquadradordquo
agrave literatura do que agrave argumentaccedilatildeo ldquoa distinccedilatildeo dos gecircneros contribuiu para a
posterior desagregaccedilatildeo da retoacuterica pois os dois primeiros gecircneros (deliberativo e
judiciaacuterio) foram anexados pela filosofia e pela dialeacutetica tendo sido o terceiro (o
epidiacutectico) englobado na prosa literaacuteriardquo (Perelman e Olbrechts-Tyteca 19702005 p
54)
Magalhatildees R F (2002 p 43) discorre sobre a triacuteade claacutessica desses trecircs
gecircneros e propotildee ainda a discussatildeo do quarto gecircnero que aparece mais diluiacutedo na obra
de Aristoacuteteles (350 aC 2005) o analiacutetico A retoacuterica analiacutetica se presentifica no
universo do raciociacutenio loacutegico-cientiacutefico fundada na maneira de guiar e fundamentar os
argumentos cujo objetivo eacute explicar as razotildees de fenocircmeno O loacutecus desse gecircnero eacute o
da ciecircncia e assim como os espaccedilos de opiniatildeo de debate e de persuasatildeo ldquoexpressa um
tipo de retoacuterica que atende hoje agraves demandas de um mundo moderno no qual se
discutem e se explicam com relativo desembaraccedilo mesmo que atraveacutes de jargotildees mais
simplificados questotildees de natureza cientiacuteficardquo (Santos 2006 p 90)
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 59
ILKA SCHAPPER SANTOS
Apesar desta exposiccedilatildeo didaacutetica de cada gecircnero do discurso separadamente
quero registrar que natildeo os vejo como dissociados Pautada em Magalhatildees R F (2002)
defendo que haacute um entrelaccedilamento entre eles o que possibilita percebecirc-los imbricados
promovendo uma configuraccedilatildeo variada do debate retoacuterico Desse modo encontramos
na estrutura da retoacuterica judiciaacuteria elementos da retoacuterica deliberativa quanto agraves
consequecircncias de uma condenaccedilatildeo ou de uma absolviccedilatildeo o inverso tambeacutem eacute
verdadeiro Eacute tambeacutem possiacutevel perceber na retoacuterica deliberativa uma estrutura
discursiva que se pauta na reconstruccedilatildeo de narrativas caracteriacutesticas da retoacuterica
judiciaacuteria para validar as projeccedilotildees de futuro e promover as deliberaccedilotildees pretendidas
pela audiecircncia o que pode ser exemplificado com o gecircnero propaganda poliacutetica
Para se conseguir a adesatildeo do eleitor o candidato apresenta uma
relaccedilatildeo retrospectiva de realizaccedilotildees de sua vida puacuteblica para que
entatildeo o eleitor delibere por votar no candidato com base em
projeccedilotildees futuras de continuidade desses feitos e os possiacuteveis lucros
de sua vitoacuteria Do mesmo modo como observa o autor a fala sobre a
moralidade dificilmente pode ser alcanccedilada usando-se apenas os
silogismos ou a induccedilatildeo que caracterizam os modos deliberativo e
judiciaacuterio (Santos 2006 p 90)
A discussatildeo que teci dos gecircneros da argumentaccedilatildeo presentes desde a retoacuterica
claacutessica juntamente com a discussatildeo sobre sua estrutura variada no debate retoacuterico
servem de alicerce para os estudos modernos sobre argumentaccedilatildeo em dois importantes
aspectos (1) a consideraccedilatildeo do caraacuteter heterogecircneo dos gecircneros discursivos e de seus
diferentes modos e maneiras de realizaccedilatildeo na prerrogativa de atender intenccedilotildees
comunicativas diversas (2) a heranccedila claacutessica nos estudos modernos sobre a
argumentaccedilatildeo no que se refere agrave relevacircncia dada agrave estrutura e ao planejamento do
discurso argumentativo (ibid p 91) Este uacuteltimo aspecto eacute o que nos interessa neste
trabalho pois auxilia na reflexatildeo sobre o discurso argumentativo na arte retoacuterica e sua
influecircncia na contemporaneidade destacando trecircs aspectos importantes da composiccedilatildeo
verbal do discurso na arte retoacuterica da antiguidade grega quais sejam taxis heuresis e
lexis
A taxis (lat Dispositio) corresponde ao plano de organizaccedilatildeo do
discurso que pode ser alterado em curso agrave medida em que se atendam
as demandas comunicativas como a reaccedilatildeo da audiecircncia frente ao
exposto A taacutexis reconhece os seguintes componentes de uma
argumentaccedilatildeo conforme nos apresenta Nach (1989 p 6-9) heuresis
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 60
ILKA SCHAPPER SANTOS
(lat Inventio) que diz respeito agrave capacidade do orador de utilizar
dentro de seu repertoacuterio de conhecimentos aquele(s) necessaacuterios(s) agrave
introduccedilatildeo ou ao desenvolvimento do assunto e que funciona(m)
como ferramenta(s) oratoacuteria(s) para a abordagem do conteuacutedo uma
pergunta retoacuterica uma anedota uma definiccedilatildeo uma comparaccedilatildeo e
lexis (lat elocutio) que corresponde agraves escolhas linguiacutesticas
(discursivas) que semiotizam as intenccedilotildees comunicativas de
persuasatildeo e convencimento (ibid p 91)
Perelman e Olbrechts-Tyteca propotildeem uma ruptura das concepccedilotildees de razatildeo e
raciociacutenio cartesiano defendendo a tese de que um raciociacutenio pode convencer sem
necessariamente ser um caacutelculo e pode ter o estatuto cientiacutefico tatildeo riacutegido e ter a precisatildeo
matemaacutetica No interregno entre as discussotildees aristoteacutelicas e o raciociacutenio cartesiano
temos em Perelman e Olbrechts-Tyteca (19702005) uma nova visatildeo de argumentaccedilatildeo
(1) estudo de teacutecnicas discursivas que permitem provocar ou aumentar a adesatildeo das
pessoas agraves teses que satildeo apresentadas (p 5) e
(2) provocar ou aumentar a adesatildeo dos espiacuteritos agraves teses que se apresentam a seu
assentimento uma argumentaccedilatildeo eficaz eacute a que consegue aumentar essa
intensidade de adesatildeo de forma que se desencadeie nos ouvintes a accedilatildeo
pretendida (accedilatildeo positiva ou abstenccedilatildeo) ou pelo menos crie neles uma
disposiccedilatildeo para a accedilatildeo que se manifestaraacute no momento oportuno (p 50)
Eacute importante dizer que nesse interregno a obra de Perelman e Olbrechts-Tyteca
resgata da doutrina aristoteacutelica a retoacuterica a partir dos conhecimentos provaacuteveis do
verossiacutemil e natildeo das certezas e verdades absolutas A delineaccedilatildeo de seu campo era o da
controveacutersia da crenccedila do mundo da opiniatildeo que se movimenta dialeticamente pelo
confronto de ideias e pela habilidade na praacutetica discursiva Foi no interior desse resgate
que surgiram as ldquonovas retoacutericasrdquo estruturadas nas loacutegicas natildeo formais e nas loacutegicas
naturais (Mosca 2004 p 20)
Esse novo movimento da retoacuterica estaacute fundado na inter-relaccedilatildeo das ciecircncias
humanas com as ciecircncias dos discursos tendo como referente a loacutegica e as evidecircncias
As teorias da argumentaccedilatildeo passam a se desenvolver sobre postulados democraacuteticos
lidando necessariamente com elementos que a loacutegica cartesiana natildeo permitiria tais
como crenccedilas valores preferecircncias e decisotildees Desse modo aceitam a existecircncia de
limitaccedilotildees e imperfeiccedilotildees uma vez que a argumentaccedilatildeo natildeo pretende se estruturar como
verdade absoluta e sim sob a perspectiva do provaacutevel do verossiacutemil e do criacutevel Nesse
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 61
ILKA SCHAPPER SANTOS
contexto cabe ao auditoacuterio (universal ou particular) decisatildeo de aderir ou natildeo agraves teses e
aos argumentos da cena enunciativa
Na perspectiva da nova retoacuterica eacute importante ter preocupaccedilatildeo com a adesatildeo do
auditoacuterio Desse modo possibilita-se que no espaccedilo de interaccedilatildeo o interlocutor
apresente uma accedilatildeo imediata ou futura diante das proposiccedilotildees e das perguntas
levantadas (Perelman e Olbrechts-Tyteca 19702005 p16) Isso porque como
discutido anteriormente o objetivo da retoacuterica eacute ldquoproduzir ou aumentar a adesatildeo de um
determinado auditoacuterio a certas teses e seu ponto inicial seraacute a adesatildeo desse auditoacuterio a
outras tesesrdquo (Perelman e Olbrechts-Tyteca 19702005 p70)
O ponto de intersecccedilatildeo entre a retoacuterica aristoteacutelica (350 aC 2005) e a Nova
Retoacuterica (Perelman e Olbrechts-Tyteca 19702005) eacute a crenccedila de que os interlocutores
no campo da enunciaccedilatildeo e no campo da intencionalidade se influenciam de alguma
maneira (Mosca 2004)
Segundo Osakabe (1999) Perelman e Olbrechts-Tyteca (19702005) trazem
algumas distinccedilotildees em relaccedilatildeo ao trabalho sobre a retoacuterica de Aristoacuteteles em especial
no que se refere ao gecircnero epidiacutectico e agrave questatildeo do loacutecus do qual se extraem as
premissas Em relaccedilatildeo ao gecircnero epidiacutectico acrescentam que eacute necessaacuterio que o orador
leve em consideraccedilatildeo a complexidade do contexto em que estaacute inserido complexidade
que pode ser desvelada pela linguagem no interior das praacuteticas sociais Jaacute a questatildeo do
ldquolugarrdquo do qual se retiram as premissas os autores discutem a necessidade de
simplificaacute-las em quantidade e qualidade
Eacute importante dizer que os estudos da Retoacuterica Claacutessica Aristoteacutelica bem como
da Nova Retoacuterica de Perelman e Olbrechts-Tyteca influenciaram sobremaneira a
reconstruccedilatildeo epistemoloacutegica e as releituras criacuteticas da abordagem retoacuterica dos estudos
literaacuterios e mais recentemente os estudos da linguagem desenvolvidos pela Linguiacutestica
Aplicada em especial os trabalhos desenvolvidos e orientados por Liberali no LAEL
da PUC-SP no seu projeto de produtividade do CNPq (Liberali 2008) do qual esta tese
faz parte
Nesse sentido o diaacutelogo tecido ateacute aqui entre a ldquovelhardquo e a ldquonovardquo retoacuterica tem
como objetivo refletir sobre a argumentaccedilatildeo a partir desses paracircmetros e daqueles
construiacutedos e discutidos por Liberali (2006 p 7) ldquouma argumentaccedilatildeo colaborativa que
permite a restriccedilatildeo e expansatildeo dos significados que saciaratildeo natildeo (somente) a
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 62
ILKA SCHAPPER SANTOS
necessidade individual mas aquela necessidade que permite perceber que somos parte
de uma totalidade que existe nas partesrdquo Nessa perspectiva a argumentaccedilatildeo eacute um
dispositivo que permite aos sujeitos interagirem no campo das ideias concepccedilotildees
valores e crenccedilas colocando-os em contato ora conflitantes ora em concordacircncia
Diante do exposto neste trabalho defino argumentaccedilatildeo como um dispositivo
enunciativo que a partir dos tipos de argumentos discutidos (que satildeo explicitados no
capiacutetulo 2) especialmente os propostos por Perelman e Olbrechts-Tyteca (19702005)
permite descrever informar confrontar e transformar os sentidos produzidos pelos
sujeitos nos espaccedilos discursivos da praacutetica de pesquisa Um movimento que revela
sentidos e significados compartilhados em outros espaccedilos criando em um loacutecus
especiacutefico particular uma instacircncia nova de significaccedilatildeo no movimento da CC
Na proacutexima seccedilatildeo discutirei esse movimento argumentativo no fluxo da
interaccedilatildeo verbal tendo como horizonte de visatildeo as categorias teoacutericas bakhtinianas
dialogismo discurso autoritaacuterio e discurso internamente persuasivo
116 ndash Fluxo da Interaccedilatildeo verbal por uma argumentaccedilatildeo dialoacutegica na Cadeia
Criativa
A interaccedilatildeo social por intermeacutedio da liacutengua caracteriza-se
fundamentalmente pela argumentatividade () o ato linguiacutestico
fundamental eacute o ato de argumentar
(Ingedore Koch)
No cenaacuterio dos estudos e pesquisas em Linguiacutestica Aplicada (LA) o tema
argumentaccedilatildeo tem sido importante ponto de discussatildeo Isso porque o campo de
investigaccedilatildeo da LA estabelece uma interface com diferentes domiacutenios do conhecimento
numa perspectiva transdisciplinar que tem como eixo a linguagem E como aponta a
epiacutegrafe desta seccedilatildeo o ato linguiacutestico fundamental eacute o ato de argumentar Dito isto o
binocircmio linguagem-argumentaccedilatildeo eacute elemento indissociaacutevel para trabalhos que buscam
investigar as interaccedilotildees sociais Nesta seccedilatildeo do capiacutetulo este binocircmio seraacute analisado no
fluxo da interaccedilatildeo verbal a partir das contribuiccedilotildees teoacutericas do Ciacuterculo de Bakhtin
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 63
ILKA SCHAPPER SANTOS
Ateacute agora discuti sobre as condiccedilotildees sociais histoacutericas e culturais que
determinam a existecircncia do ser humano e como focalizo neste trabalho a produccedilatildeo de
seu conhecimento Discorri tambeacutem a partir da perspectiva soacutecio-histoacuterico-cultural que
essa produccedilatildeo se processa no entremeio da realidade material e imaterial mediada por
representaccedilotildees siacutegnicas que constituem a essecircncia para a formaccedilatildeo da consciecircncia do
sujeito no interior da linguagem discursivo-simboacutelica Esse processo de internalizaccedilatildeo
do mundo exterior atraveacutes das representaccedilotildees siacutegnicas eacute dialeacutetico-ideoloacutegico o que
possibilita a transformaccedilatildeo do homem no mundo e a transformaccedilatildeo do mundo pelo
homem E por fim teci relaccedilotildees entre a ldquovelhardquo e a ldquonovardquo retoacuterica Passemos entatildeo a
discutir a argumentaccedilatildeo na Cadeia Criativa tendo como eixo a dialogia de Bakhtin
O ciacuterculo de Bakhtin traz uma nova perspectiva para a linguiacutestica moderna em
especial com os estudos sobre enunciaccedilatildeo interaccedilatildeo verbal e nas relaccedilotildees que tece sobre
linguagem-histoacuteria linguagem-sociedade e linguagem-dialogia
Bakhtin e seus colaboradores tecircm uma visatildeo da enunciaccedilatildeo como ldquomateacuteria
linguiacutestica e como contexto enunciativo e afirma ser o enunciado assim entendido o
objeto de estudos da linguagem O texto enunciativo recupera estatuto pleno de objeto
discursivo social e histoacutericordquo (Barros 1994 p 1) Sob a anaacutelise bakhtiniana a
enunciaccedilatildeo se processa no interior da interaccedilatildeo verbal presente nas mais variadas
interaccedilotildees do indiviacuteduo Nesse contexto podemos compreender a linguagem como um
sistema simboacutelico discursivo que enfatiza a interaccedilatildeo entre os sujeitos em todas as
dimensotildees da enunciaccedilatildeo pois o contexto soacutecio-histoacuterico-cultural no qual estamos
inseridos eacute um rico conjunto de significaccedilotildees
Eacute no interior desse contexto por meio da internalizaccedilatildeo e do revozeamento dos
discursos alheios que a liacutengua materna se funda
a liacutengua materna ndash a constituiccedilatildeo do seu leacutexico e sua estrutura
gramatical ndash natildeo a aprendemos nos dicionaacuterios e nas gramaacuteticas noacutes
a adquirimos mediante enunciados concretos que ouvimos e
reproduzimos durante a comunicaccedilatildeo verbal viva que se efetua com
indiviacuteduos que nos rodeiam (Bakhtin 1987 p 301-302)
Para Bakhtin internalizaccedilatildeo e revozeamento dos enunciados alheios
materializam-se no movimento dialoacutegico e heterogloacutessico da linguagem O dialogismo
expressa a natureza interdiscursiva da linguagem nem sempre consensual pois expressa
o ldquopermanente diaacutelogo nem sempre simeacutetrico e harmonioso existente entre os
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 64
ILKA SCHAPPER SANTOS
diferentes discursos que configuram uma comunidade uma cultura uma sociedaderdquo
(Brait 1997 p 98)
No dialogismo o discurso natildeo se constroacutei sobre ele mesmo mas se materializa
em vista do outro enquanto esse outro perpassa atravessa o discurso do ldquoeurdquo Esses
enunciados alheios e proacuteprios possibilitam a transformaccedilatildeo dos sujeitos em autores que
organizam suas praacuteticas discursivas a partir da interaccedilatildeo verbal A coluna vertebral da
interlocuccedilatildeo eacute pois a palavra
na realidade toda palavra comporta duas faces Ela eacute determinada
tanto pelo fato de que procede de algueacutem como pelo fato de que se
dirige para algueacutem Ela constitui justamente o produto da interaccedilatildeo do
locutor e do ouvinte Toda palavra serve de expressatildeo a um em
relaccedilatildeo ao outro atraveacutes da palavra defino-me em relaccedilatildeo ao outro
isto eacute em uacuteltima anaacutelise em relaccedilatildeo agrave coletividade A palavra eacute uma
espeacutecie de ponte lanccedilada entre mim e os outros Se ela se apoia sobre
mim numa extremidade na outra apoia-se sobre o meu interlocutor
(BakhtinVolochinov 1988 p 113)
Na perspectiva bakhtiniana a palavra existe para o enunciataacuterio em trecircs formas
diferentes
palavra neutra da liacutengua e que natildeo pertence a ningueacutem como
palavra do outro pertence aos outros e que preenche os ecos dos
enunciados alheios e finalmente palavra minha pois na medida em
que uso essa palavra numa determinada situaccedilatildeo com intenccedilatildeo
discursiva ela jaacute se impregnou de minha expressividade (Bakhtin
1987 p 388)
A palavra eacute o elemento em que se confrontam os valores sociais contraditoacuterios
materializando as crenccedilas e os antagonismos sociais produzindo muitas vezes discursos
ideologicamente opostos na luta pelo poder e pela primazia de um modelo econocircmico
pode ocorrer o mascaramento do dialogismo inerente ao sujeito social sobrepondo-se o
discurso oficial Por isso Bakhtin afirmou que o ldquosigno se torna a arena onde se
desenvolvem as lutas de classesrdquo (BakhtinVolochinov 1988) Nesse espaccedilo de luta
ideoloacutegica o signo linguiacutestico reflete e refrata a possibilidade de transformaccedilotildees sociais
pois
as palavras satildeo tecidas a partir de uma multidatildeo de fios ideoloacutegicos e
servem de trama a todas as relaccedilotildees sociais em todos os domiacutenios ()
A palavra constitui o meio no qual se produzem lentas acumulaccedilotildees
quantitativas de mudanccedilas que ainda natildeo tiveram tempo de adquirir
uma nova qualidade ideoloacutegica () A palavra eacute capaz de registrar as
fases transitoacuterias mais iacutentimas mais efecircmeras das mudanccedilas sociais
(BakhtinVolochinov 1988 p 41)
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 65
ILKA SCHAPPER SANTOS
O discurso expresso na palavra eacute dialoacutegico pois a dialeacutetica nasce do diaacutelogo e
nele se prolonga colocando pessoas e textos em um permanente processo dialoacutegico
(Freitas 1994 p 131) A compreensatildeo do discurso de outrem no diaacutelogo entre os
professores-pesquisadores e os demais participantes desta investigaccedilatildeo eacute fundamental
na medida em que possibilita entender o processo de reflexatildeo desencadeado no interior
do espaccedilo de pesquisa
A materializaccedilatildeo do discurso de outrem ocorre principalmente no discurso
citado que BakhtinVolochinov (1988) definem como o ldquodiscurso no discurso a
enunciaccedilatildeo na enunciaccedilatildeordquo e tambeacutem ldquoo discurso sobre o discurso e a enunciaccedilatildeo
sobre a enunciaccedilatildeordquo As questotildees fundamentais para a discussatildeo da temaacutetica
desenvolvida neste trabalho satildeo a) como esse discurso se materializa na praacutetica da
investigaccedilatildeo e b) como o discurso de outrem atravessa o diaacutelogo entre os professores-
pesquisadores e os demais participantes da pesquisa
Para Bakhtin haacute dois tipos de palavra do outro que adquirem um sentido ainda
mais denso e mais importante no processo de formaccedilatildeo ideoloacutegica do homem no
mundo a palavra de autoridade e a palavra internamente persuasiva O discurso citado
que se concretiza na palavra de autoridade tem o estatuto de verdade absoluta natildeo
havendo espaccedilo para argumentaccedilatildeo refutaccedilatildeo contestaccedilatildeo e reflexatildeo posto que a ldquoa
palavra autoritaacuteria natildeo se representa ndash ela apenas eacute transmitidardquo (Bakhtin 1983 p
144) Jaacute a palavra internamente persuasiva eacute identificada pelo autor como revelando
possibilidades bastante diferentes Esta palavra eacute determinante para o
processo de transformaccedilatildeo ideoloacutegica da consciecircncia individual para
uma vida ideoloacutegica independente a consciecircncia desperta num mundo
onde as palavras de outrem a rodeiam e onde logo de iniacutecio ela se
destaca () No fluxo de nossa consciecircncia a palavra persuasiva
anterior eacute comumente metade nossa metade de outrem (ibid p 145)
Para Bakhtin (ibid p 143) ldquoa palavra autoritaacuteria exige de noacutes o
reconhecimento e a assimilaccedilatildeo ela se impotildee a noacutes independentemente do grau de sua
persuasatildeo interior no que nos diz respeitordquo No movimento do discurso autoritaacuterio fica
difiacutecil para o interlocutor tecer modificaccedilotildees de sentido no interior do contexto em que
o discurso aparece Um enunciado que toma contornos de uma palavra autoritaacuteria que
tem o poder de colocar-se por si soacute natildeo promove variaccedilotildees criativas uma vez que tal
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 66
ILKA SCHAPPER SANTOS
palavra ldquonatildeo eacute circundada de diaacutelogos vivos e em muacuteltiplas ressonacircncias em volta
dela morre o contexto as palavras secamrdquo (ibid p 144)
Diferente do discurso autoritaacuterio o discurso internamente persuasivo se
configura como autocircnomo com mobilidade e abertura discursiva em um
desenvolvimento livre que se adapta aos novos contextos e circunstacircncias enunciativas
da palavra Assim nesse tipo de discurso o sentido fica sempre em aberto
possibilitando prosseguir com criatividade no contexto de nossa consciecircncia ideoloacutegica
ldquonoacutes o introduzimos em novos contextos o aplicamos em novo material noacutes o
colocamos numa nova posiccedilatildeo a fim de obter dele novas respostas novos
esclarecimentos sobre seu sentido e novas palavras para noacutesrdquo (ibid p 146) Isso
porque ldquoa palavra persuasiva interior eacute comumente metade nossa metade de outremrdquo
(ibid 145) Essa palavra eacute produzida criativamente e possibilita espaccedilo para o
surgimento de outras palavras em nossa consciecircncia desvelando novas possibilidades
semacircnticas em cada contexto em que eacute pronunciada Ela nasce em uma ldquozona de
contato com o presente inacabadordquo (Bakhtin 1983 p 146)
Neste trabalho a argumentaccedilatildeo configura-se como um movimento dialoacutegico
pois a partir das construccedilotildees teoacutericas de Bakhtin podemos pensar os enunciados
(materializados nos excertos do capiacutetulo de anaacutelise) como textos e observar se se
configuram como discurso autoritaacuterio que carece de persuasatildeo interior para a
consciecircncia ou se satildeo constituiacutedos por discurso internamente persuasivo Dito de outro
modo eacute a oportunidade de observar as palavras internamente persuasivas para
compreender como elas se relacionam no fluxo argumentativo como se entrelaccedilam ao
discurso do outro para criar espaccedilos de possibilidades de na palavra proacutepria trazer a
palavra do outro e na palavra do outro produzir a palavra proacutepria Eacute nesse fluxo da
interaccedilatildeo verbal tendo a argumentaccedilatildeo como dispositivo que os discursos de
autoridade e internamente persuasivo se atravessam Esse movimento discursivo
promove o encontro-confronto de vozes em que no seu interior emergem os sentidos e
os significados dos sujeitos em interaccedilatildeo
No proacuteximo capiacutetulo discutirei o brincar em especial a brincadeira de faz de
conta Isso porque um dos eixos de discussatildeo teoacuterico-praacutetica do GP EFoPI e tambeacutem
desta investigaccedilatildeo eacute a brincadeira na infacircncia de 2 e 3 anos
ILKA SCHAPPER SANTOS
CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI
21 - Uma breve histoacuteria sobre o brincar
Jogos Infantis ndash Pieter Bruegel 1560
Nesta seccedilatildeo seraacute feita uma breve exposiccedilatildeo sobre como as crianccedilas brincavam
em diferentes tempos as relaccedilotildees entre suas brincadeiras e o contexto soacutecio-histoacuterico e
o papel das atividades luacutedicas no interior da educaccedilatildeo infantil
Antes de tecer essas relaccedilotildees discutirei sobre a interface dos jogos e brincadeiras
no processo civilizatoacuterio O estudo de Huizinga (1938) constitui exemplo claacutessico desse
vieacutes Apesar de o teoacuterico reconhecer que haacute elementos imbricados entre o jogo da
crianccedila e o do adulto sua literatura estaacute mais voltada para o jogo do adulto
classificando-o como qualitativamente diferente Na sua teoria partindo da ideia de que
mesmo as mais seacuterias accedilotildees do homem tecircm elementos que se fundam no jogo este tem
caracteriacutestica agoniacutestica gecircnese da disposiccedilatildeo inata do homem para a competiccedilatildeo Isso
pode ser percebido nas atividades institucionalizadas tais como o direito a guerra o
conhecimento a poesia a filosofia a arte e a religiatildeo (Szundy 2005)
Johan Huizinga importante historiador holandecircs explica em sua obra intitulada
Homo Ludens que foi editada pela primeira vez em 1938 suas ideias sobre o luacutedico
apontando o jogo como a origem das mais seacuterias atividades humanas O autor esclarece
CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 68
ILKA SCHAPPER SANTOS
que ldquonatildeo vecirc razatildeo alguma para abandonar a noccedilatildeo de jogo como um fator distintivo e
fundamental presente em tudo o que acontece no mundordquo explicitando sua ldquoconvicccedilatildeo
de que eacute no jogo e pelo jogo que a civilizaccedilatildeo surge e se desenvolverdquo (Huizinga
19381996 prefaacutecio) Seria extremamente radical afirmarmos que toda e qualquer
atividade humana se constitui a partir do jogo mas como defende o autor eacute inegaacutevel o
papel dele no processo civilizatoacuterio Assim sua obra tem como objeto de estudo o jogo
como forma especiacutefica de atividade destacando sua funccedilatildeo social uma funccedilatildeo de
significante e que encerra um determinado sentido (Silva 2003) Essa funccedilatildeo estaacute
imbricada em todas as manifestaccedilotildees humanas como a linguagem o mito e os ritos
sagrados Diante do exposto Huizinga (19381996 p 4) afirma que ldquoseja qual for a
maneira como o considerem o simples fato de o jogo encerrar um sentido implica a
presenccedila de elemento natildeo material em sua proacutepria essecircnciardquo A funccedilatildeo de significante
encerrando um sentido eacute explicada a partir de um paralelo que o autor faz entre o jogo e
a capacidade humana de nomear de designar as coisas por meio da linguagem Assim
sugere que eacute jogando e brincando que as mais diversas metaacuteforas satildeo produzidas
No campo histoacuterico e cultural o jogo tem um papel fundamental nas diversas
atividades das civilizaccedilotildees antigas de cuja influecircncia tanto o mito quanto o culto satildeo
expoentes Szundy (2005 p 38) explica que ldquoao criar um jogo entre realidade e
fantasia o homem primitivo procurava atraveacutes da linguagem dar conta dos fenocircmenos
do mundordquo De algum modo isso ocorria tambeacutem com o culto jaacute que os rituais
sagrados das civilizaccedilotildees antigas eram realizados sob a eacutegide do jogo no sentido literal
da palavra um jogo entre as forccedilas do bem e as forccedilas do mal Em muitas civilizaccedilotildees
esse movimento subscrito no mito e no culto ainda se faz presente pois transcende as
geraccedilotildees e retorna a elas por meio das narrativas vivecircncias e experiecircncias de seus
membros mais velhos
Huizinga mostra como o jogo eacute ldquouma evasatildeo da vida bdquoreal‟ para uma esfera de
orientaccedilatildeo proacutepriardquo (19381996 p 6) jaacute que nessa atividade o jogador mergulha no
universo do secreto em que de algum modo se sente protegido das leis da realidade
externa e do cotidiano da vida Dito de outra maneira essa evasatildeo natildeo carrega as leis da
vida real mas eacute desenvolvida com toda a seriedade pois se trata apenas de fazer de
conta Mas nesse movimento as atividades luacutedicas criam uma ordem e
paradoxalmente constituem a proacutepria ordem ou leis proacuteprias No fluir do jogo vemos a
confusatildeo e a imperfeiccedilatildeo do mundo mas paradoxalmente haacute no ato luacutedico elementos
CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 69
ILKA SCHAPPER SANTOS
da esteacutetica da beleza e da harmonia (Silva 2003 p 18) Esses elementos levam o ser
humano a se envolver freneticamente na atividade luacutedica gerando pontos de tensatildeo
produzidos pela incerteza e pelo acaso que obriga aquele que joga a colocar ldquoagrave prova a
criatividade tenacidade virilidade capacidades espirituais e lealdaderdquo (ibid)
Apesar de afirmar ser a seriedade um dos elementos fundantes do jogo Huizinga
admite que ao jogar podemos nos situar abaixo do niacutevel da seriedade atingindo os
espaccedilos do belo e do sagrado Apesar de natildeo deixar de lado a seriedade da brincadeira o
historiador afirma que nela temos gradaccedilotildees Nas gradaccedilotildees estatildeo presentes duas
funccedilotildees inerentes ao jogo ldquode ser uma luta por alguma coisa e de ser a representaccedilatildeo
de alguma coisardquo (Huizinga 19381996 p 16)
Mesmo natildeo focalizando seu interesse no jogo infantil o autor discorre sobre o
jogo representativo que tambeacutem eacute conhecido como dramaacutetico protagonizado ou de faz
de conta dizendo que as representaccedilotildees das crianccedilas satildeo estruturadas a partir de uma
elevada capacidade de imaginar posto que ldquomais do que uma realidade falsa eacute a
realizaccedilatildeo de uma aparecircncia eacute bdquoimaginaccedilatildeo‟ no sentido original do termordquo (ibid p
17)
Essas tessituras teoacutericas de Huizinga sobre a funccedilatildeo social do jogo e seus
aspectos fundamentais em especial ldquode ser uma luta por alguma coisa e de ser a
representaccedilatildeo de alguma coisardquo auxiliam-nos a refletir e a problematizar a) esses
elementos estatildeo presentes nas concepccedilotildees sobre jogos e brincadeiras infantis e b)
como isso foi se constituindo ao longo do processo educativo
Silva (2003) aqui em siacutentese faz um interessante esboccedilo sobre as diversas
concepccedilotildees da infacircncia em diferentes tempos histoacutericos possibilitando-nos
compreender o quanto o debate nessa aacuterea tem sinalizado conquistas significativas em
contextos mais recentes em especial na brincadeira de faz de conta
A autora encontrou informaccedilotildees significativas em um trabalho de Rosamilha
(1979) outro importante estudo bibliograacutefico que investigou a vida quotidiana de
vaacuterias culturas e sociedades que estiveram mais proacuteximas da mentalidade ocidental no
que diz respeito agraves concepccedilotildees sobre o brincar mostrando como essas influecircncias
interferiram sobremaneira em nossas praacuteticas educativas
Rosamilha (1979) em sua pesquisa encontrou natildeo soacute referecircncias ao luacutedico no
texto biacuteblico e no cristianismo primitivo mas tambeacutem registros de posturas negativas
CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 70
ILKA SCHAPPER SANTOS
por parte da igreja quanto a brinquedos e brincadeiras no seacuteculo XVIII Embora haja
registros mais recentes de alguns autores seguidores do cristianismo que adotaram
postura diferente a posiccedilatildeo negativa dita anteriormente trouxe impactos para o
desenvolvimento de atividades luacutedicas na educaccedilatildeo escolar Haacute registros importantes
sobre essa interferecircncia Em Portugal e na Alemanha no final do seacuteculo XVIII e iniacutecio
do seacuteculo XIX a instituiccedilatildeo escolar natildeo era um espaccedilo agradaacutevel os estudantes tinham
castigos corporais e natildeo aparece nenhum registro sobre o espaccedilo de brinquedos e
brincadeiras no contexto educacional Em muitas outras sociedades o quadro eacute similar
Na Ruacutessia por exemplo a brincadeira era afastada do ambiente escolar (Silva 2003 p
12)
No iniacutecio do seacuteculo XX o contraponto a essas posturas foi feito a partir das
ideias de Rousseau Pestalozzi e Froebel e ldquomuitas afirmaccedilotildees desses escritores e
educadores foram incorporadas aos poucos no movimento da chamada educaccedilatildeo
nova nos meacutetodos ativosrdquo (Rosamilha 1979 p 19) As elaboraccedilotildees teoacutericas desses
pensadores e educadores influenciaram a Psicologia do seacuteculo XX como as
referendadas na obra de John Dewey (1859-1952) filoacutesofo norte-americano e um dos
principais teoacutericos a influenciar o movimento escolanovista O autor eacute responsaacutevel pelos
primeiros trabalhos que enfatizam a importacircncia dos jogos dos brinquedos e das
brincadeiras no processo educativo A tese de Dewey eacute de que por meio da brincadeira
a crianccedila aprende a respeito do mundo que a cerca Na brincadeira de papeacuteis (como a
nomeia Vygotsky e seus colaboradores) a crianccedila representa o mundo da famiacutelia Na
brincadeira de casinha por exemplo imita o contexto social em que estaacute circunscrita e
representa as diferentes situaccedilotildees que vivencia em seu cotidiano
No Brasil as ideias do movimento da Escola Nova foram trazidas inicialmente
por Rui Barbosa (1849-1923) em 1882 Sob a influecircncia desse movimento Aniacutesio
Teixeira (1900-1971) Lourenccedilo Filho (1897-1970) e o poeta Maacuterio de Andrade (1893-
1945) mentor da idealizaccedilatildeo dos parques infantis na cidade de Satildeo Paulo iniciaram um
movimento em defesa da presenccedila de jogos e de brincadeiras na educaccedilatildeo das crianccedilas
pequenas Para esses autores os jogos e as brincadeiras deveriam ser atividades livres
que seriam um meio de manifestaccedilatildeo das forccedilas criadoras do homem (Kuhlman Jr
2000) Isso porque os escolanovistas iam de encontro agrave tese de que a educaccedilatildeo deve ser
uma preparaccedilatildeo para a vida uma educaccedilatildeo do devir ao contraacuterio para eles a escola
deve se pautar na proacutepria vida O eixo norteador do processo educativo deveria ser a
CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 71
ILKA SCHAPPER SANTOS
diacuteade vida-experiecircncia e em decorrecircncia disso a funccedilatildeo da escola seria a de possibilitar
um entrecruzamento de vivecircncias experiecircncias e aprendizagens construiacutedas no interior
da vida
Podemos inferir que as mudanccedilas histoacutericas e sociais sobre os jogos as
brincadeiras e os brinquedos infantis tecircm uma interface com o fazer pedagoacutegico nas
creches e preacute-escolas Nesse movimento as raiacutezes histoacutericas culturais e sociais a
respeito dos jogos e brincadeiras trazem concepccedilotildees sobre as crianccedilas e suas infacircncias
em uma unidade dialeacutetica ao longo de diferentes tempos e espaccedilos sociais No
interregno de diferentes tempos e espaccedilos soacutecio-culturais coexistem concepccedilotildees que
ora enfatizam a relevacircncia dos jogos e brincadeiras livres ora dizem da importacircncia de
se suprimir aquilo que desvia a atenccedilatildeo das crianccedilas Neste sentido o luacutedico manifesto
em atividades serve apenas para ocupar um tempo livre ao final da aula ou no uacuteltimo
dia da semana (Silva 2003)
Silva (2003) alerta que ldquoao observar de um modo geral como esteve
distribuiacutedo o espaccedilo fiacutesico nas escolas percebe-se que sempre haacute ao lado das salas de
aula um paacutetio para recreaccedilatildeordquo (ibid p 14) Em funccedilatildeo disso discute como as
atividades das crianccedilas na escola estatildeo divididas entre o luacutedico e o trabalho de ordem
intelectual A arquitetura e a organizaccedilatildeo dos espaccedilos de creches e preacute-escolas mostram
o fosso que desde a tenra infacircncia nossas crianccedilas vivenciam o dualismo entre o
brincar e o trabalho intelectual revelando talvez uma transposiccedilatildeo dos conteuacutedos
curriculares do ensino fundamental para a educaccedilatildeo infantil Muito embora as
concepccedilotildees sobre jogos e brincadeiras e em decorrecircncia disso as proacuteprias concepccedilotildees
sobre crianccedilas e suas infacircncias tenham avanccedilado especialmente nas deacutecadas de 1970 e
1980 a separaccedilatildeo do trabalho intelectual e do luacutedico ainda se faz presente nas
instituiccedilotildees de educaccedilatildeo infantil
A respeito dessa dicotomia Kuhlmann Jr (1998) e Kishimoto (1999) explicam
que as propostas para a educaccedilatildeo infantil em diversas localidades do paiacutes desconsideram
o universo histoacuterico cultural das crianccedilas da educaccedilatildeo infantil antecipando praacuteticas
inerentes ao periacuteodo de escolarizaccedilatildeo e deixando agrave margem do processo os jogos as
brincadeiras e os brinquedos Cria-se assim um fosso entre conteuacutedos escolares e o
movimento luacutedico
A gecircnese desse pensamento encontra-se na visatildeo de uma educaccedilatildeo infantil
ldquopreparatoacuteriardquo para construir os pilares necessaacuterios agraves primeiras seacuteries do ensino
CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 72
ILKA SCHAPPER SANTOS
fundamental Em um artigo no Jornal Folha de Satildeo Paulo de 11012010 intitulado
ldquoEstudo aponta que aluno da rede puacuteblica jaacute chega pior agrave 1ordf seacuterierdquo haacute uma
discussatildeo que nos auxilia compreender como cada vez mais a sociedade relaciona as
dificuldades das crianccedilas das primeiras seacuteries do ensino fundamental agrave educaccedilatildeo infantil
e por conseguinte tenta sanar essas dificuldades em um trabalho ldquoantecipadordquo na
infacircncia de 0 a 6 anos O artigo inicia-se afirmando
Os alunos que ingressam nas escolas particulares chegam agrave primeira
seacuterie jaacute com larga vantagem em relaccedilatildeo agraves crianccedilas de escolas
puacuteblicas E essa desigualdade nas meacutedias pouco se altera ateacute o final da
quarta seacuterie do ensino fundamental
Esta eacute uma das conclusotildees de um estudo pioneiro no Brasil o Projeto
Geres que acompanhou de 2005 a 2008 20 mil alunos de Belo
Horizonte Rio de Janeiro Campinas Campo Grande e Salvador
() Para Faacutetima Alves pesquisadora da PUC-Rio e uma das
coordenadoras do projeto eacute preciso investir mais em educaccedilatildeo infantil
(creches e preacute-escolas) para diminuir essa desigualdade inicial
Pensemos se o Projeto Geres (Projeto Geraccedilatildeo Escolar) eacute um estudo
longitudinal que focaliza a aprendizagem dos alunos nos primeiros anos do ensino
fundamental e uma de suas conclusotildees eacute a de que os alunos da rede puacuteblica em relaccedilatildeo
aos alunos da rede privada jaacute chegam em defasagem nesse grau de ensino a premissa eacute
que o loacutecus do problema esteja tambeacutem na educaccedilatildeo infantil Essa inferecircncia leva a
pesquisadora Faacutetima Alves a dizer que se faz necessaacuterio investir mais na educaccedilatildeo
infantil (creches e preacute-escolas) para diminuir essa desigualdade inicial Mas qual seria a
natureza desse investimento A preparaccedilatildeo para ler escrever e contar Como ficaria o
espaccedilo para as brincadeiras tatildeo necessaacuterias ao desenvolvimento infantil
Fiz essa digressatildeo para ilustrar os paradoxos que permeiam as orientaccedilotildees
pedagoacutegicas para a educaccedilatildeo infantil Mas a histoacuteria das ideias e das praacuteticas no campo
da infacircncia mostra que muitos autores jaacute pensaram no reverso dessa moeda Iniciamos
nosso debate com as influecircncias de Dewey no movimento da Escola Nova no Brasil
(1932) Passemos entatildeo a outras concepccedilotildees com outros autores
Friedrich Froebel (1782-1852) foi um dos primeiros educadores a discutir sobre
a importacircncia da accedilatildeo do brincar no trabalho educativo A perspectiva do autor alematildeo
estava pautada na crenccedila em uma educaccedilatildeo infantil que valorizasse a natureza infantil a
partir das brincadeiras livres e espontacircneas (Kishimoto 1998) Essa visatildeo influenciou
vaacuterias propostas de trabalho pedagoacutegico na educaccedilatildeo infantil e incentivou a introduccedilatildeo
de jogos e brincadeiras nas instituiccedilotildees de creches e preacute-escolas do paiacutes
CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 73
ILKA SCHAPPER SANTOS
Paradoxalmente a propagaccedilatildeo do brincar nas instituiccedilotildees infantis brasileiras natildeo
teve uma inserccedilatildeo uniforme Pelo contraacuterio ancorou-se em crenccedilas e valores proacuteprios
ao contexto histoacuterico-cultural dessas instituiccedilotildees infantis (Silva 2003) Froebel foi o
primeiro a discorrer sobre o valor das brincadeiras como elemento essencial no trabalho
pedagoacutegico com as crianccedilas pequenas ao fundar o jardim de infacircncia entendendo ldquoo
jogo como objeto e accedilatildeo do brincar que se caracteriza pela liberdade e
espontaneidaderdquo (ibid p 15) Froebel atribuiacutea um duplo sentido agrave ideia do brincar e agrave
educaccedilatildeo infantil (os jardins de infacircncia) de um lado via como material educativo
necessaacuterio agrave aquisiccedilatildeo de conhecimentos de outro notava que o brincar tinha um fim em
si mesmo quando se fundava na liberdade e espontaneidade Nesse movimento as
concepccedilotildees e praacuteticas pedagoacutegicas transitavam entre a primeira e segunda premissa do
autor
Na verdade esse dualismo em relaccedilatildeo aos jogos e brincadeiras ndash ora como
recurso auxiliar na aquisiccedilatildeo do conhecimento meio de ensino ora como um fim em si
mesmo ndash eacute bem antigo Desde a antiguidade claacutessica com Platatildeo e Aristoacuteteles passando
pelo Renascimento e teacutermino da Revoluccedilatildeo Francesa haacute diferentes interpretaccedilotildees sobre
a cultura do jogo infantil e seus desdobramentos na praacutetica pedagoacutegica Nesse
interregno histoacuterico surge a polecircmica da utilizaccedilatildeo pedagoacutegica dos jogos e brincadeiras
no interior da educaccedilatildeo infantil Eacute interessante refletir sobre a natureza do movimento
luacutedico que permite o desenvolvimento do imaginaacuterio infantil por meio de objetos
simboacutelicos disponibilizados intencionalmente pelo educador para subsidiar o
desenvolvimento integral da crianccedila (Silva 2003) que sintetiza o fim em si mesmo
No interior das pesquisas do GP EFoPI pudemos observar que muitas vezes haacute
uma disparidade entre o espaccedilo que deveria ser dado aos jogos e brincadeiras e o que se
observa nas creches e preacute-escolas Haacute muitas contradiccedilotildees a respeito da relaccedilatildeo entre
jogos e brincadeiras e a educaccedilatildeo das crianccedilas pequenas Silva explica que satildeo poucas
as atividades que possibilitam o desenvolvimento do imaginaacuterio infantil pela mediaccedilatildeo
de objetos simboacutelicos disponibilizados intencionalmente pelo educador A autora
esclarece ainda que para muitos educadores e pais prevalece a ideia de que os jogos e
brincadeiras constituem um momento de oacutecio de perda de tempo nas instituiccedilotildees de
educaccedilatildeo infantil e que devem ocupar o periacuteodo de laser e de descanso Aleacutem disso as
pesquisas do GP EFoPI apontam o uso de jogos e brincadeiras como um meio de se
trabalhar conteuacutedos relativos ao ler escrever e contar (Silva 2008-2009)
CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 74
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A posiccedilatildeo do GP EFoPI eacute de que os brinquedos objetos mediadores dos jogos e
brincadeiras possibilitam agraves crianccedilas (re)inventarem a realidade despertando
curiosidade e desejo de aprender e apreender o mundo O grupo de pesquisa parte do
pressuposto de que satildeo muitas as contribuiccedilotildees do brincar para o desenvolvimento
infantil a) os jogos e brincadeiras proporcionam diversatildeo e satisfaccedilatildeo agraves crianccedilas
quando elas dominam suas caracteriacutesticas e entendem sua funccedilatildeo social b) a crianccedila vai
sofisticando seus modos e maneiras de brincar c) a crianccedila ao brincar desenvolve sua
imaginaccedilatildeo (ideias inadequadas) e agrave medida que vai entrando em contato com outras
crianccedilas e com outros adultos constroacutei uma noccedilatildeo comum sobre os modos e maneiras de
brincar Essas noccedilotildees prenhas de significaccedilotildees vatildeo sendo incorporadas pela crianccedila
aos brinquedos que subsidiam as brincadeiras de papeacuteis as representaccedilotildees do contexto
social imediato
Essa perspectiva do GP EFoPI estaacute pautada nos estudos da teoria Soacutecio-
Histoacuterico-Cultural tendo como referecircncia baacutesica as construccedilotildees teoacutericas de Vygotsky
Leontiev e Elkonin Assim na proacutexima seccedilatildeo discutirei o desenvolvimento infantil sob
a eacutegide da imaginaccedilatildeo e a brincadeira de faz de conta
211 ndash A imaginaccedilatildeo e a brincadeira de faz de conta
Um refuacutegio
Uma barriga
Um abrigo onde esconder quando estiver se
afogando da chuva ou sendo quebrado pelo
frio ou sendo revirado pelo vento
Temos um esplecircndido
passado pela frente
Para os navegantes com desejo de vento a
memoacuteria eacute o porto de partida
(Eduardo Galeano)
Nesta seccedilatildeo da tese a discussatildeo do desenvolvimento da imaginaccedilatildeo tendo como
eixo a brincadeira de faz de conta seraacute tecida a partir das elaboraccedilotildees teoacutericas e
intervenccedilotildees do GP EFoPI sob a oacutetica da perspectiva soacutecio-histoacuterico-cultural Para isso
discorro primeiro sobre como Vygotsky concebe a imaginaccedilatildeo criadora depois discuto
a relaccedilatildeo entre imaginaccedilatildeo e as brincadeiras de faz de conta a partir de alguns
CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 75
ILKA SCHAPPER SANTOS
pensadores ao longo da histoacuteria Por fim teccedilo as relaccedilotildees produzidas pelo teoacuterico russo
e seus colaboradores em especial Leontiev e Elkonin
A infacircncia e a crianccedila se transformaram em temas que a partir das uacuteltimas
deacutecadas passaram a representar um dos grandes eixos de preocupaccedilatildeo no cenaacuterio
acadecircmico nas instituiccedilotildees de educaccedilatildeo infantil e tambeacutem nas poliacuteticas puacuteblicas Mas o
campo da imaginaccedilatildeo e seu desenvolvimento na infacircncia tendo como eixo da
brincadeira de faz de conta tecircm sido ainda pouco discutidos no panorama educacional
brasileiro Isso pode ser constado nos proacuteprios documentos oficiais Tanto o Referencial
Curricular para Educaccedilatildeo Infantil (BRASIL 1998a b c) como as Diretrizes
Curriculares para a Educaccedilatildeo Infantil (BRASIL 1999) tecircm prescrito que a brincadeira
deva ser um dos eixos para o trabalho nessa fase da educaccedilatildeo baacutesica
Nesses documentos estaacute previsto que as propostas pedagoacutegicas das instituiccedilotildees
de educaccedilatildeo infantil devem incluir o luacutedico a criatividade e praacuteticas de educar e cuidar
que possibilitem a inter-relaccedilatildeo entre aspectos fiacutesicos emocionais afetivos
cognitivolinguiacutesticos e sociais da crianccedila (BRASIL 1999) Aleacutem disso a brincadeira eacute
considerada como base da linguagem da infacircncia destacando a relevacircncia do brincar
tanto em situaccedilotildees formais como informais (BRASIL 1998a) Entretanto apesar de nos
documentos oficiais a brincadeira aparecer como eixo do trabalho pedagoacutegico na
educaccedilatildeo infantil natildeo haacute clareza sobre os pressupostos teoacutericos em que esse elemento
estaacute pautado
Assim o desenvolvimento da imaginaccedilatildeo infantil acionado pela brincadeira de
faz de conta pode configurar um espaccedilo de discussatildeo muito interessante tanto do ponto
de vista teoacuterico quanto do ponto de vista da praacutetica pedagoacutegica Em especial o que se
refere agrave possibilidade de estudo sobre suas relaccedilotildees com o desenvolvimento da crianccedila
no interior dos processos de socializaccedilatildeo de (re)construccedilatildeo do real e da internalizaccedilatildeo
de modos valores e costumes da produccedilatildeo cultural
Cada periacuteodo histoacuterico constroacutei simultaneamente suas indagaccedilotildees e inquietaccedilotildees
e os modos pelos quais busca refleti-las e resolvecirc-las Assim quando relacionamos a
questatildeo da imaginaccedilatildeo e seu desenvolvimento na infacircncia alguns caminhos se
apresentaram tais como a) a imaginaccedilatildeo eacute sinocircnimo de memoacuteria b) seria a memoacuteria
um caso particular da imaginaccedilatildeo c) podemos no interior da teoria soacutecio-histoacuterico-
cultural caracterizar a imaginaccedilatildeo como funccedilatildeo psicoloacutegica superior d) como a
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brincadeira de faz de conta possibilita o desenvolvimento da imaginaccedilatildeo e em
decorrecircncia disso o desenvolvimento do processo de criaccedilatildeo
Minha crenccedila materializada nas discussotildees do GP EFoPI e respaldada na
perspectiva soacutecio-histoacuterico-cultural eacute que a imaginaccedilatildeo se constitui como um somatoacuterio
de duas imagens (a pregressa e a atual) somatoacuterio este que possibilita a criaccedilatildeo de uma
nova imagem totalmente distinta em cada mente humana Numa equaccedilatildeo simples
diriacuteamos que a cena da imaginaccedilatildeo se estrutura com a combinaccedilatildeo de dois elementos
que resultando num terceiro constitui-se como algo totalmente novo O primeiro
elemento seria configurado por estilhaccedilos e fragmentos da memoacuteria de vivecircncias e
experiecircncias sociais que se materializam na imitaccedilatildeo o segundo seria a vivecircncia do
sujeito no momento em que decide reconstruir essa imagem e o somatoacuterio desses dois
elementos seria uma nova imagem criada pelo humano
Segundo Vygotsky (19321998) a imaginaccedilatildeo devia se constituir como uma
incoacutegnita para a psicologia associacionista jaacute que tal corrente considerava qualquer
atividade como uma combinaccedilatildeo de elementos e imagens que jaacute existiam na
consciecircncia Entretanto essa vertente teoacuterica procurou evitar esse enigma e estabeleceu
uma relaccedilatildeo de sinoniacutemia entre a imaginaccedilatildeo e as outras funccedilotildees psiacutequicas
Ao tratar da imaginaccedilatildeo os teoacutericos da velha psicologia a consideraram em duas
categorias a reprodutora e a criadora ou reconstrutiva A primeira era sinocircnimo da
proacutepria memoacuteria pois segundo a psicologia comportamental natildeo existe outro caminho
para explicar a atividade da imaginaccedilatildeo a natildeo ser supor que certa existecircncia de imagens
provoca outras associadas a ela Assim como jaacute foi destacado diante de tal
formulaccedilatildeo o problema da imaginaccedilatildeo fundia-se totalmente com o da memoacuteria sendo
por conta disso considerada como uma de suas funccedilotildees dentre muitas outras Jaacute na
segunda ndash imaginaccedilatildeo criadora ou reconstrutiva ndash a questatildeo se colocava de forma mais
complicada Isso porque a perspectiva comportamental explicava o surgimento de novas
imagens criativas como resultado de combinaccedilotildees singulares e causais de elementos Na
imaginaccedilatildeo criativa aparecem novas combinaccedilotildees desses elementos que natildeo satildeo novos
em si (Vygotsky 19321998 p 108)
Para o teoacuterico soacutecio-histoacuterico-cultural o trabalho desses psicoacutelogos foi em parte
muito importante jaacute que mostrava que os processos da imaginaccedilatildeo eram condicionados
pelos sentimentos Em outras palavras eles descobriram o substrato real da imaginaccedilatildeo
sua conexatildeo com a experiecircncia anterior com as impressotildees acumuladas No entanto o
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outro aspecto do problema qual seja demonstrar o que constitui na imaginaccedilatildeo a base
da atividade que permite representar de forma totalmente nova em uma nova
combinaccedilatildeo todas as impressotildees acumuladas natildeo foi resolvido por eles tendo sido
apenas apresentado (Vygotsky 19321998 p 110) A psicologia associacionista
mostrou-se impotente para explicar como surge a imaginaccedilatildeo criativa Seus construtos
teoacutericos encerram contradiccedilotildees que mostram um caminho feacutertil para a necessidade de
estudo e aprofundamento sobre o tema
Vygotsky (19321998) tambeacutem questionou como os idealistas buscaram discutir
a questatildeo da imaginaccedilatildeo Para os psicoacutelogos intuitivistas toda atividade da consciecircncia
humana estaacute impregnada de um princiacutepio criativo Grosso modo se a psicologia
associacionista estabelecia uma relaccedilatildeo de sinoniacutemia entre a imaginaccedilatildeo e a memoacuteria o
idealismo procurou mostrar que a proacutepria memoacuteria nada mais eacute do que um caso
particular da imaginaccedilatildeo Partindo desse princiacutepio os subjetivistas consideraram a
percepccedilatildeo como um nuacutecleo da imaginaccedilatildeo (ibid p 112)
Em siacutentese explicar a imaginaccedilatildeo tanto do ponto de vista objetivista quanto do
ponto de vista subjetivista consiste no seguinte ambos resumiam a questatildeo de um
modo igualmente metafiacutesico uma vez que ao tomar como original a atividade
reprodutora da consciecircncia fechavam o caminho para explicar como surge a atividade
criativa no processo de desenvolvimento
O idealismo mostrou-se impotente no sentido de que atribuiacutea agrave consciecircncia uma
propriedade criativa primaacuteria incluindo assim a imaginaccedilatildeo no ciacuterculo das atividades
primaacuterias da consciecircncia que segundo os comentaacuterios dos subjetivistas satildeo proacuteprias da
consciecircncia desde o seu nascimento Um uacuteltimo aspecto para a formulaccedilatildeo do problema
da imaginaccedilatildeo de acordo com a psicologia idealista refere-se agrave questatildeo da sua natureza
que por ser muito importante foi transportada para o plano geneacutetico e reduzida agrave
questatildeo de sua prioridade (ibid p 114)
Jaacute a perspectiva psicanaliacutetica para Vygotsky (1932) traz a ideia de que a
imaginaccedilatildeo eacute primaacuteria estando presente desde o princiacutepio na consciecircncia infantil da
qual procede todo o resto da personalidade A crianccedila eacute o uacutenico ser segundo Freud que
estaacute completamente emancipado da realidade Eacute um ser que se acha submerso no prazer
cuja consciecircncia tem como funccedilatildeo principal natildeo a de refletir a realidade em que vive
mas apenas a de servir aos seus desejos e agraves suas tendecircncias sensoriais
CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 78
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Eacute interessante notar que Vygotsky (1932) tambeacutem identificou essa ideia nos
trabalhos de Piaget cujo ponto de partida para o autor soacutecio-histoacuterico consiste em que
o primaacuterio eacute a atividade da imaginaccedilatildeo ou do pensamento que natildeo se dirige pela
realidade Entretanto para o teoacuterico da Epistemologia Geneacutetica existem formas
transitoacuterias ou intermediaacuterias entre a imaginaccedilatildeo e o pensamento realista Isso se
materializa no egocentrismo infantil que representa a escala de transiccedilatildeo entre esses
dois processos Atraveacutes das formas intermediaacuterias do egocentrismo inicia-se o
desenvolvimento do pensamento loacutegico e realista movimento de transiccedilatildeo para o
estaacutegio das operaccedilotildees formais Piaget explica que o egocentrismo eacute o puro estado da
consciecircncia da pessoa que vivendo num mundo de criaccedilotildees proacuteprias natildeo conhece outra
realidade a natildeo ser a de si mesma
Assim para a perspectiva soacutecio-histoacuterico-cultural tanto a psicanaacutelise quanto a
epistemologia geneacutetica satildeo construtos teoacutericos que natildeo consideram a imaginaccedilatildeo como
uma atividade que possibilita construccedilatildeo do conhecimento e transformaccedilatildeo da realidade
por se tratar de uma funccedilatildeo psiacutequica natildeo social de caraacuteter natildeo comunicaacutevel
Para Vygotsky a imaginaccedilatildeo ndash que caracteriza uma funccedilatildeo superior ndash depende
da experiecircncia que na crianccedila vai se acumulando e aumentando paulatinamente com
peculiaridades que a diferenciam da experiecircncia dos adultos A proacutepria experiecircncia
com sua complexidade com suas (con)tradiccedilotildees e influecircncias estimula o processo
criativo visto que a atividade criadora se encontra intimamente relacionada com a
riqueza e a variedade das vivecircncias acumuladas pelo homem no interior das suas
interaccedilotildees com o mundo Como jaacute fora anteriormente mencionado a experiecircncia eacute o
material com o qual o homem ergue seus princiacutepios para a (re)construccedilatildeo e
transformaccedilatildeo do real
A simplicidade e a espontaneidade da imaginaccedilatildeo infantil que jaacute natildeo eacute livre e
tatildeo espontacircnea no jovem podem possibilitar a inferecircncia de que haacute maior riqueza na
capacidade de imaginar na infacircncia do que na idade adulta No entanto natildeo podemos
dizer que a imaginaccedilatildeo na infacircncia seja mais rica do que na adolescecircncia Ao contraacuterio
no decurso de crescimento da crianccedila a imaginaccedilatildeo tambeacutem se desenvolve alcanccedilando
seu processo criativo na idade adulta
Eacute interessante percebermos que a crianccedila ao imaginar acredita mais no fruto de
sua criaccedilatildeo controlando-a menos o que faz com que a imaginaccedilatildeo na infacircncia tenha seu
processo criativo vinculado agraves vivecircncias e experiecircncias imediatas da crianccedila Nesse
CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 79
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sentido seria mais interessante dizer que na idade adulta a imaginaccedilatildeo e o
desenvolvimento da razatildeo se tornam movimentos paralelos desaparecendo desse
modo a fantasia incondicionada da infacircncia Assim agrave medida que a crianccedila vai
crescendo sua capacidade de imaginar estaacute mais relacionada com o raciociacutenio com o
qual caminha no mesmo passo A funccedilatildeo imaginativa prossegue adaptando-se agraves
condiccedilotildees racionais subsidiando o processo de criaccedilatildeo do humano
Essa distinccedilatildeo que Vygotsky (1932) estabelece entre as caracteriacutesticas da
imaginaccedilatildeo na infacircncia e na idade adulta pode ser exemplificada na relaccedilatildeo existente
entre a produccedilatildeo literaacuteria de Monteiro Lobato e seus pequenos leitores O autor na
capacidade imaginativa criou ldquoo mundo do faz de contardquo Nessa criaccedilatildeo ndash em que
realidade e fantasia natildeo tinham fronteira definida ndash Lobato criticava a realidade de seu
tempo no qual em uma sociedade extremamente conservadora reacionaacuteria e
preconceituosa Tia Nastaacutecia a cozinheira negra tinha presenccedila direta nas decisotildees do
grupo Dona Benta com toda sua clareza e pensamento livre socializadora de
conhecimentos e representante de uma nova ordem familiar matriarcal eacute quem delibera
e encaminha as decisotildees familiares Assim o criador do Siacutetio do Pica-Pau-Amarelo em
um movimento de combinar realidade e imaginaccedilatildeo utilizou a sua obra para pensar sua
eacutepoca seu tempo Jaacute a crianccedila leitora com seus sonhos fantasias e imaginaccedilatildeo ingressa
no mundo do faz de conta de Lobato e a partir de sua imaginaccedilatildeo criadora continua a
histoacuteria da velha boneca de pano e da espiga de milho ndash a Emiacutelia e o Visconde de
Sabugosa respectivamente ndash personagens em permanente construccedilatildeo de um espaccedilo
inacabado em que a forccedila criadora ganha significado Em siacutentese enquanto em
Monteiro Lobato temos a imaginaccedilatildeo criadora caracteriacutestica da idade adulta na crianccedila
leitora de sua obra temos a imaginaccedilatildeo criadora infantil que reconstroacutei o real pelas
imagens que lhes satildeo oferecidas na tecitura da obra do autor
Um outro exemplo interessante para ilustrar o conceito vygotskyano de
imaginaccedilatildeo criadora na idade adulta pode ser materializado no pensamento do poeta e
criacutetico de arte Ferreira Gullar ldquouma das coisas que a arte eacute parece eacute a transformaccedilatildeo
simboacutelica no mundo Quer dizer o artista cria um mundo outro ndash mais bonito ou mais
intenso ou mais significativo ou mais ordenado ndash a partir da realidade imediatardquo
(Ferreira Gullar apud Nicola 1998 p11) Nesse ponto o pensamento de Gullar se
aproxima da acepccedilatildeo da criaccedilatildeo artiacutestica de Vygotsky (19301987) para quem a
CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 80
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imaginaccedilatildeo criativa no campo da arte exige em alto grau a participaccedilatildeo do
pensamento realista no processo da imaginaccedilatildeo
Nessa perspectiva se a atividade criadora depende do talento pode-se
questionar se ela seria apenas prerrogativa dos que o possuem considerados escolhidos
para exercer tal atividade Entretanto se considerarmos que a criaccedilatildeo no sentido
psicoloacutegico consiste em fazer algo novo a partir das experiecircncias do meio em que o
sujeito estaacute circunscrito das fantasias dos reflexos de algum objeto do mundo exterior
de determinadas construccedilotildees do ceacuterebro ou dos sentimentos que vivem e se manifestam
somente no homem chegaremos agrave conclusatildeo de que todos podem criar em maior ou
menor grau Assim a criaccedilatildeo eacute acompanhante natural e permanente do desenvolvimento
humano da infacircncia agrave idade adulta Obviamente que esse processo estaraacute intimamente
relacionado agrave cultura na qual o sujeito estaacute inserido agraves suas experiecircncias de vida e a
partir daiacute ao modo como foi construindo suas relaccedilotildees nocom o mundo que o cerca
Aleacutem disso natildeo podemos esquecer que a imaginaccedilatildeo conforme a perspectiva
soacutecio-histoacuterico-cultural natildeo repete em formas e combinaccedilotildees iguais impressotildees
acumuladas isoladas mas (re)constroacutei (re)cria o novo a partir das impressotildees
anteriormente vivenciadas Embora imaginaccedilatildeo criadora natildeo seja sinocircnimo de memoacuteria
nela se apoia jaacute que as novas imagens soacute surgem a partir das reminiscecircncias do vivido
Por isso acreditamos como Eduardo Galeano cujo pensamento se constitui como
epiacutegrafe desta seccedilatildeo que a memoacuteria eacute o porto de partida para os navegantes com
desejo de vento ndash considerando-se aqui o vento como metaacutefora da imaginaccedilatildeo
criadora
No mundo que nos cerca existem todas as condiccedilotildees necessaacuterias para criar
Tudo que excede a rotina encerrando uma miacutenima parte de novidade tem sua origem
no processo criativo do ser humano Ao entendermos dessa forma a imaginaccedilatildeo
criadora concluiacutemos que os processos criativos se apresentam desde a mais tenra idade
contribuindo para o desenvolvimento infantil e em geral para a maturidade Por conta
disso encontramos jaacute nos primeiros anos de vida da crianccedila processos criadores que se
concretizam nos jogos e brincadeiras
Na proacutexima seccedilatildeo relacionarei aspectos sobre o desenvolvimento da imaginaccedilatildeo
a partir da brincadeira de faz de conta e os impactos dessa discussatildeo no interior do GP
EFoPI e desta tese
CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 81
ILKA SCHAPPER SANTOS
212 ndash O desenvolvimento da imaginaccedilatildeo loacutecus da brincadeira de faz de conta e
da (re)invenccedilatildeo do real
As coisas natildeo querem mais ser
vistas por pessoas razoaacuteveis
Elas desejam ser olhadas de azul
ndashQue nem uma crianccedila que vocecirc
olha de ave
Manoel de Barros
O brincar de faz de conta eacute uma atividade inerente ao humano Nele a
imaginaccedilatildeo eacute exercida e desenvolvida atraveacutes do brinquedo da brincadeira e das
histoacuterias que o compotildeem Nas brincadeiras de faz de conta satildeo recuperados os mitos os
modos os costumes e os ritos da civilizaccedilatildeo como afirma Huizinga (19381996)
Muitos foram os pensadores que discutiram o brincar relacionando-o ao
desenvolvimento da imaginaccedilatildeo Passemos agora a fiar e a tecer um diaacutelogo com eles
para depois chegarmos agrave discussatildeo dessa relaccedilatildeo na teoria soacutecio-histoacuterico-cultural
Piaget (1978) classificou os jogos em trecircs categorias jogo de exerciacutecio jogo de
regra e jogo simboacutelico ou de faz de conta Este ldquoestaacute entre os tipos de representaccedilatildeo de
objetos e eventos cuja capacidade se desenvolve no estaacutegio preacute-operacionalrdquo (Silva
2003 p 25) O autor define o jogo como atividade em que haacute uma supremacia da
assimilaccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave acomodaccedilatildeo o objeto eacute assimilado a um esquema mental jaacute
existente sem haver a acomodaccedilatildeo Isso ocorre quando a crianccedila daacute significado ao
objeto ampliando as caracteriacutesticas desse objeto sem contudo mudar os esquemas
mentais referentes a ele Ao contraacuterio do que veremos na perspectiva de Vygotsky e
seus colaboradores para Piaget a imaginaccedilatildeo natildeo eacute uma funccedilatildeo psicoloacutegica mas um
dos poacutelos do pensamento
Em siacutentese para o teoacuterico da Epistemologia Geneacutetica o jogo simboacutelico auxilia
na construccedilatildeo do pensamento como um todo transformando-se a partir da imaginaccedilatildeo
ldquocom o processo duplo de interiorizaccedilatildeo do siacutembolo na direccedilatildeo da construccedilatildeo
representativa e de um alargamento do pensamento sob a forma de imaginaccedilatildeo
criadorardquo (Silva 2003 p 119) Como disse esse movimento se daacute a partir dos
processos assimilativos
CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 82
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Tanto Piaget quanto Vygotsky concordam com a concepccedilatildeo de que a brincadeira
se estrutura a partir da accedilatildeo No entanto a diferenccedila entre os dois autores estaacute no que
caracteriza a atividade luacutedica e no conteuacutedo que se deseja representar nos jogos e
brincadeiras Na obra do autor suiacuteccedilo encontramos a ideia de que eacute da maneira como as
accedilotildees se organizam que emerge o jogo simboacutelico Jaacute para o autor russo a gecircnese da
brincadeira de faz de conta estaacute no sentido social da accedilatildeo (e na interferecircncia das suas
raiacutezes histoacutericas) que tem uma orientaccedilatildeo externa para depois ser internalizada
(Vygotsky 19301991)
O psicoacutelogo cognitivista das inteligecircncias muacuteltiplas Howard Gardner tambeacutem
discorreu sobre a relaccedilatildeo entre a brincadeira de faz de conta e a imaginaccedilatildeo Gardner
(1994 p 64) explica que essa modalidade de brincadeira eacute uma ldquometarrepresentaccedilatildeordquo
uma forma de tratar o objeto como se fosse outro Para esse autor no brincar de faz de
conta a crianccedila cria ordens representacionais em que trata nada como se fosse algo
trata algo como se fosse nada ou distorce uma propriedade de modo a trataacute-la como
propriedade Assim o sujeito que brinca ldquoestaacute operando uma recogniccedilatildeo de que o que
aparentemente eacute o estado das coisas pode ser intencionalmente posto entre parecircnteses
de modo a criar outro estado de coisas que o autor (da brincadeira) queria evocarrdquo
(ibid p 65)
O autor mostra que a capacidade de ldquometarrepresentaccedilatildeordquo manifesta no faz de
conta possibilita agravequele que brinca um movimento que transcende a habilidade direta
do pensar o mundo circunscrito na experiecircncia pois esse movimento eacute prenho de
imaginaccedilatildeo Nessa perspectiva ao imaginar as crianccedilas ldquoestatildeo aptas a visualizar um
estado de coisas contraacuterio agravequele que eacute apreendido em seus sentidos a captar aquela
atividade imaginaacuteria em formas simboacutelicas puacuteblicas e a continuar a elaborar sobre
aquela capacidade imaginaacuteriardquo (Gardner 1994 p 65)
Assim como Piaget Gardner tambeacutem relaciona o brincar de faz de conta e o
desenvolvimento da imaginaccedilatildeo No entanto tanto um quanto outro focalizam esse
desenvolvimento a partir das construccedilotildees individuais de cada sujeito desconsiderando
as questotildees sociais culturais e histoacutericas
Walter Benjamin teoacuterico da escola de Frankfurt acredita que o brincar significa
sempre libertaccedilatildeo O autor ressalta que apesar de na modernidade a crianccedila estar cada
vez mais imbricada no universo do mundo do adulto atraveacutes das brincadeiras que
envolvem o faz de conta ela cria um mundo proacuteprio manifesto pela imaginaccedilatildeo Ainda
CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 83
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que os brinquedos e brincadeiras sejam muitas vezes impostos pelos adultos o filoacutesofo
frankfurtiano adverte que a crianccedila subverte a ordem posta e transforma esse universo
da brincadeira com os elementos da imaginaccedilatildeo ldquoa crianccedila quer puxar alguma coisa e
torna-se um cavalo quer brincar com areia e torna-se padeiro quer esconder-se e
torna-se ladratildeo ou guardardquo (Benjamin 1984 p 70)
Nesse movimento mimeacutetico a crianccedila por meio da imitaccedilatildeo de outros seres
animados ou inanimados representa o real acreditando ser verdadeiramente aquilo que
sua imaginaccedilatildeo deseja Para Benjamin essas representaccedilotildees que aquele que brinca daacute
aos brinquedos na brincadeira expressam fragmentos e estilhaccedilos da cultura na qual a
crianccedila estaacute inserida Nesse ponto o filoacutesofo aproxima-se da perspectiva soacutecio-
histoacuterico-cultural de Vygotsky
Ateacute agora apresentei um panorama de algumas discussotildees sobre a imaginaccedilatildeo e
seu papel no desenvolvimento infantil a partir de alguns pensadores Para delinear
melhor os estudos teoacutericos do GP EFoPI sobre o tema discorrerei sobre as relaccedilotildees
teoacutericas que o GP teceu entre a importacircncia do desenvolvimento da imaginaccedilatildeo no
contexto da brincadeira de faz de conta a partir da perspectiva soacutecio-histoacuterico-cultural
de Vygotsky Leontiev e Elkonin
Segundo Vygotsky (19301991) a crianccedila menor tem sua accedilatildeo sobre o mundo
determinada pelo contexto perceptual e pelos objetos nele contidos Entretanto quando
ingressa na creche ou na preacute-escola vivencia por meio do universo da brincadeira de
faz de conta a possibilidade do desenvolvimento de uma importante funccedilatildeo psicoloacutegica
superior ndash a imaginaccedilatildeo ndash que lhe permite desprender-se das restriccedilotildees impostas pelo
ambiente imediato possibilitando-lhe transgredir e subverter as regras impostas por ele
Essa crianccedila agora eacute capaz de transformar o significado dos objetos modificando um
elemento da realidade em outro
Esse formato que a crianccedila atribui aos objetos representados tem implicaccedilotildees
importantes em seu desenvolvimento em especial para a (re)construccedilatildeo de sentidos e
significados sobre o mundo material em que vive Ao montar suas brincadeiras de faz
de conta a partir do contexto soacutecio-histoacuterico-cultural em que estaacute inserida ela traz
elementos novos que natildeo estavam postos nas experiecircncias passadas A criaccedilatildeo de novas
imagens no interior das imagens e vivecircncias passadas satildeo elementos importantes para
que ela possa inaugurar novas maneiras de compreender e (re)inventar a realidade que a
cerca configurando-se tambeacutem como a base da atividade criadora do homem Na
CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 84
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brincadeira de faz de conta temos o pilar do desenvolvimento da imaginaccedilatildeo que se
constitui como a base para o desenvolvimento do sujeito criativo
O processo de criaccedilatildeo humana tem sua gecircnese na imaginaccedilatildeo na capacidade que
o sujeito tem de combinar variaacuteveis e fazer uma nova leitura da realidade Para
Vygotsky (19301987) na atividade criadora a imaginaccedilatildeo e a realidade imbricando-
se estabelecem uma relaccedilatildeo dialeacutetica que possibilita a transformaccedilatildeo do homem na sua
relaccedilatildeo nocom o mundo Daiacute a importacircncia de possibilitarmos agraves crianccedilas
espaccedilostempos de brincadeiras uma vez que quanto mais elas desenvolverem sua
capacidade de imaginar mais desenvolveratildeo processos criativos
Como vimos para Vygotsky a brincadeira de faz de conta eacute caracterizada pelo
elemento da imaginaccedilatildeo Entretanto paradoxalmente essa dimensatildeo imaginaacuteria
manteacutem uma relaccedilatildeo de subordinaccedilatildeo agraves regras impostas pela realidade circundante do
sujeito O autor russo diz
Sempre que haacute uma situaccedilatildeo imaginaacuteria no brinquedo haacute regras ndash natildeo
as regras previamente formuladas e que mudam durante o jogo mas
aquelas que tecircm sua origem na proacutepria situaccedilatildeo imaginaacuteria (Vygotsky
19301991 p 108)
A crianccedila obedece agraves regras do comportamento que estaacute representando Se ela
estiver representando o papel de pai por exemplo obedeceraacute agraves regras do
comportamento paterno A relaccedilatildeo que a crianccedila estabelece com o papel representado eacute
que define as regras que utiliza para encenaacute-lo
Nesse sentido a brincadeira de faz de conta eacute o loacutecus em que a imaginaccedilatildeo na
infacircncia se manifesta e se desenvolve possibilitando agrave crianccedila tornar-se aquilo que natildeo
eacute e permitindo-lhe ultrapassar os limites postos pela realidade Um espaccedilo de
construccedilatildeo de sentidos e de significados no campo da produccedilatildeo dos saberes Esses
saberes satildeo produzidos porque a brincadeira impulsiona a crianccedila a conhecer e a
dominar os objetos e as representaccedilotildees humanas uma vez que as situaccedilotildees de
brincadeiras das crianccedilas satildeo construiacutedas a partir do contexto social que a circunda
Vygotsky (19321998 p 132) explica que
uma crianccedila natildeo se comporta de forma puramente simboacutelica no
brinquedo ao inveacutes disso ela quer e realiza seus desejos permitindo
que as categorias baacutesicas da realidade passem atraveacutes da experiecircncia
A crianccedila ao querer realiza seus desejos Ao pensar ela age As accedilotildees
internas e externas satildeo inseparaacuteveis a imaginaccedilatildeo a interpretaccedilatildeo e a
vontade satildeo processos internos conduzidos pela accedilatildeo externa
CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 85
ILKA SCHAPPER SANTOS
Procurando fundamentar a importacircncia da brincadeira de faz de conta para o
desenvolvimento infantil continuarei o diaacutelogo com outros autores que tambeacutem
trabalharam na perspectiva soacutecio-histoacuterico-cultural e que tecem importantes
contribuiccedilotildees como Leontiev e Elkonin
Aleacutexis N Leontiev foi um importante psicoacutelogo russo que trabalhou com
Vygotsky e colaborou na criaccedilatildeo da psicologia sovieacutetica que se tornou conhecida por
psicologia soacutecio-histoacuterico-cultural O autor tambeacutem pesquisou sobre os princiacutepios
psicoloacutegicos da brincadeira no desenvolvimento infantil Para o teoacuterico a brincadeira eacute
uma atividade inerente ao humano fundada a partir da percepccedilatildeo que a crianccedila tem do
seu contexto histoacuterico e cultural
Para esse autor a brincadeira eacute a principal atividade da crianccedila atividade que a
desafia a operar com os objetos e situaccedilotildees do universo do adulto que ela ainda natildeo
domina Ao antecipar accedilotildees inerentes ao mundo do adulto a crianccedila procura uma
relaccedilatildeo ativa natildeo apenas com os objetos circunscritos ao seu contexto mas tambeacutem
com o mundo mais amplo Para solucionar a contradiccedilatildeo existente entre a necessidade
de (inter)agir e a impossibilidade de realizar operaccedilotildees exigidas pelas accedilotildees a crianccedila
busca no movimento da brincadeira uma maneira de resolver tal contradiccedilatildeo
Para que possamos compreender a assertiva de Leontiev (1998) que a
brincadeira eacute a principal atividade da crianccedila faz-se necessaacuterio entender a definiccedilatildeo do
autor de atividade principal Para isso retomo a definiccedilatildeo explicitada por Arauacutejo (2008
p 37)
aquela em que eacute possibilitada a realizaccedilatildeo de conexotildees importantes
que trazem mudanccedilas no desenvolvimento psiacutequico da crianccedila e
dentro da qual se desenvolvem processos que preparam o caminho da
transiccedilatildeo da crianccedila para um novo e mais elevado niacutevel de
desenvolvimento
Assim a brincadeira de faz de conta como atividade principal do universo
infantil se constitui como um importante mecanismo do desenvolvimento global dos
processos psiacutequicos das crianccedilas no interior de suas infacircncias Segundo Leontiev
(1998) na medida em que a crianccedila se depara com uma progressiva expansatildeo da
quantidade de objetos humanos circunscritos agrave sua realidade mais o brincar torna-se sua
atividade principal pela necessidade de se apropriar do universo do mundo adulto Dito
de outro modo esse movimento impulsiona a crianccedila a dominar esse universo que se
CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 86
ILKA SCHAPPER SANTOS
configura em constante expansatildeo uma aacuterea mais ampla da realidade que soacute se torna
acessiacutevel a ela por meio da brincadeira
Em seus estudos e pesquisas Leontiev (1998) aponta que a maneira de brincar
evolui de acordo com a idade da crianccedila sendo necessaacuterio considerar as especificidades
de cada fase18
do desenvolvimento infantil Para o autor a passagem de uma etapa de
desenvolvimento para uma outra ocorre no decorrer do desenvolvimento da crianccedila
quando ela percebe que as suas (inter)relaccedilotildees com seu mundo imediato natildeo
correspondem mais agraves suas potencialidades Dessa tensatildeo haacute uma mudanccedila na
motivaccedilatildeo da atividade principal da crianccedila por conseguinte essa mudanccedila deixa a
atividade principal antes desempenhada em um segundo plano surgindo uma nova
atividade principal e propiciando um novo estaacutegio do desenvolvimento As
transformaccedilotildees que acontecem no desenvolvimento infantil em cada estaacutegio tecircm uma
relaccedilatildeo de interdependecircncia Eacute importante dizer que embora o desenvolvimento de uma
atividade principal natildeo elimine a que existia antes sua importacircncia muda na relaccedilatildeo da
crianccedila com a realidade (Arauacutejo 2008 p 38)
Leontiev (1998) assim como Vygotsky tambeacutem discorreu sobre a relaccedilatildeo entre
a imaginaccedilatildeo e o desenvolvimento infantil a partir da brincadeira de faz de conta Em
suas investigaccedilotildees o autor chegou agraves mesmas inferecircncias que Vygotsky quais sejam as
crianccedilas na brincadeira natildeo expressam o improvaacutevel ou fantaacutestico mas pautam-se em
elementos da realidade para evocar uma situaccedilatildeo luacutedica imaginaacuteria Nesse movimento
as condiccedilotildees das accedilotildees no interior do brincar em especial do brincar de faz de conta
tornam imprescindiacutevel a imaginaccedilatildeo e datildeo origem a ela (Arauacutejo 2008 p 38)
Eacute interessante notar que segundo Leontiev (1998) os objetos na situaccedilatildeo
imaginaacuteria da brincadeira mantecircm o mesmo campo de significaccedilatildeo da vida real no
entanto ganham contornos luacutedicos Nesse fluxo de significaccedilatildeo do real os sentidos e
significados compartilhados no brincar tecircm sua gecircnese na realidade circunscrita agrave vida
da crianccedila Desse modo o autor acredita que as brincadeiras das crianccedilas satildeo operaccedilotildees
reais e sociais fundadas nas atividades humanas que promovem uma melhor
compreensatildeo da realidade material
18 Eacute importante dizer que os verbetes ldquoetapardquo ldquofaserdquo e ldquoestaacutegiordquo em um vieacutes soacutecio-histoacuterico-cultural natildeo
satildeo relacionados a um desenvolvimento maturacional mas dependem das condiccedilotildees concretas em que
ocorre o desenvolvimento
CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 87
ILKA SCHAPPER SANTOS
Elkonin (1998) do mesmo modo que Vygotsky e Leontiev tambeacutem desenvolveu
estudos e pesquisas a respeito da brincadeira de faz de conta aprofundando as questotildees
referentes agrave psicologia do jogo Por conta disso tornou-se uma referecircncia para esse
campo de discussatildeo no interior da teoria soacutecio-hitoacuterico-cultural Em seu principal
trabalho Psicologia do jogo deu ecircnfase ao que intitulou de jogo protagonizado Seus
estudos tecircm como base os trabalhos de Vygotsky em especial a premissa de que a
gecircnese do jogo natildeo estaacute relacionada a uma essecircncia natural e bioloacutegica mas social
histoacuterica e cultural
Para Elkonin (1998) o jogo protagonizado (ou brincadeira de papeacuteis) tem sua
gecircnese na realidade histoacuterica e cultural natildeo se constituindo uma atividade espontacircnea
para a crianccedila mas sim uma atividade principal no dizer de Leontiev (1998) Essa
atividade principal possibilita o desenvolvimento das accedilotildees mentais tais como o
pensamento generalizante e a descontextualizaccedilatildeo Em uma brincadeira de faz de conta
a crianccedila ao interpretar determinado papel orienta sua accedilatildeo a partir dos elementos que
identifica na ldquopersonagem realrdquo O processo de descontextualizaccedilatildeo possibilita ao
sujeito no faz de conta ldquodiscriminar abstrair e isolar informaccedilotildees de sua realidade
concreta e utilizaacute-las nos contextos luacutedicos criados estabelecendo novas relaccedilotildees e
combinaccedilotildeesrdquo (Arauacutejo 2008 p 41) O desenvolvimento da conduta voluntaacuteria
constitui-se de regras que satildeo abstraiacutedas da realidade material e na brincadeira tornam-
se arbitraacuterias e voluntaacuterias possibilitando o envolvimento da crianccedila na atividade Esse
eacute um importante ponto das discussotildees de Elkonin (1998) pois ldquosubordinar-se aacutes regras
faz parte do universo da brincadeira que se mantecircm desde que todos estejam de acordo
com as regras construiacutedasrdquo (Arauacutejo 2008 p 41)
As reflexotildees que teci ateacute agora sobre a brincadeira de faz de conta podem
indicar ao leitor que elas se distinguem das brincadeiras de regras No entanto uma se
desenvolve a partir da outra Na brincadeira de faz de conta a subordinaccedilatildeo agraves regras
dos papeacuteis protagonizados pelas crianccedilas satildeo a base para que mais tarde elas possam
compreender os jogos com regras que tecircm objetivos definidos Eacute importante dizer que
nos jogos com regras os objetivos e as regras prevalecem mas o desempenho de um
papel e a situaccedilatildeo luacutedica tecircm ainda que de forma secundarizada seu lugar no
desenvolvimento da brincadeira No entanto neste trabalho os jogos de regras natildeo
seratildeo aprofundados pois o foco da discussatildeo centra-se na brincadeira de faz de conta
com crianccedilas de dois e trecircs anos de idade
CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 88
ILKA SCHAPPER SANTOS
Nas discussotildees que foram explicitadas ateacute agora fica claro que o grupo
sovieacutetico em especial Vygotsky Leontiev e Elkonin trata da questatildeo da brincadeira de
faz de conta em um vieacutes soacutecio-histoacuterico-cultural como uma siacutentese dialeacutetica das
relaccedilotildees sociais e da vida concreta das crianccedilas
As contribuiccedilotildees desses autores da teoria soacutecio-histoacuterico-cultural satildeo
fundamentais para as pesquisas do GP EFoPI e para este trabalho de tese pois nos
possibilitam pensar o desenvolvimento infantil na corrente da histoacuteria e da cultura na
qual a crianccedila estaacute inserida Aleacutem disso oportuniza refletir sobre as crianccedilas e suas
infacircncias em um espaccedilo circunscrito e compatiacutevel aos seus desejos motivaccedilotildees e
indagaccedilotildees sobre a realidade concreta Esse interregno de confluecircncias cria zonas de
conflitos e tensotildees ZPDs que propiciam agrave crianccedila aprendizagens significativas
Retomemos entatildeo o percurso A infacircncia o desenvolvimento da imaginaccedilatildeo e a
brincadeira de faz de conta foram questotildees ponderadas nesta seccedilatildeo tendo como eixo as
discussotildees teoacutericas tecidas no interior do grupo de pesquisa EFoPI e neste trabalho E o
que estas discussotildees anunciaram Anunciaram uma possibilidade de tratarmos a questatildeo
da crianccedila e suas infacircncias a partir do prisma de algo que eacute inerente ao seu
desenvolvimento a internalizaccedilatildeo e (re)construccedilatildeo do real sob a oacutetica da imaginaccedilatildeo e
da brincadeira de faz de conta
Aleacutem disso a criaccedilatildeo de uma situaccedilatildeo imaginaacuteria na brincadeira de faz de
conta no dizer de Newman e Holzman (19932002 p 119) eacute uma atividade
revolucionaacuteria que possibilita a criaccedilatildeo de ZPDs ldquoaquela distacircncia emergente e
contiacutenua entre o ser e o tornar-serdquo pois se configura como uma atividade propiciadora
de aprendizado e por conseguinte impulsionadora do desenvolvimento da crianccedila Isso
ocorre porque a crianccedila na brincadeira age de modo mais avanccedilado que o esperado
para o seu niacutevel de desenvolvimento Nesse contexto os brinquedos satildeo os artefatos do
contexto social imediato elementos mediadores que transformam o brincar em uma
atividade circunscrita agrave sua realidade social histoacuterica e cultural
Relacionando agrave concepccedilatildeo de instrumento-e-resultado e natildeo instrumento-para-
resultado de Vygotsky Newman e Holzman (19932002 p 119) fazem uma analogia e
distinguem as brincadeiras por regras-para-resultados daquelas orientadas por regras-e-
resultados ldquoo resultado imaginaacuterio informa o modo de desempenho (do brincar) tanto
quanto o desempenho informa o modo imaginaacuteriordquo Na atividade de brincar a crianccedila
encontra no brinquedo e na interaccedilatildeo com seus pares elementos que geram conflitos
CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 89
ILKA SCHAPPER SANTOS
tensotildees e transformaccedilatildeo da situaccedilatildeo imaginada indo aleacutem das suas proacuteprias
possibilidades e produzindo novos conhecimentos sobre o mundo que a cerca
Eacute importante dizer que diante desse compromisso o grupo de pesquisa decidiu
continuar o diaacutelogo e com a crenccedila de que poderia colaborar criticamente com os
profissionais da educaccedilatildeo infantil resolveu criar um espaccedilo de interlocuccedilatildeo de reflexatildeo
criacutetico-colaborativa Assim iniciou o trabalho de campo da pesquisa com sessotildees
reflexivas com 4 educadoras de uma creche municipal e com as 23 coordenadoras de
todas as creches municipais da cidade de Juiz de Fora O diaacutelogo teve como um dos
eixos as discussotildees sobre os espaccedilos que a brincadeira de faz de conta ocupava nas
creches
Isso porque os participantes do grupo de pesquisa acreditam poder contribuir
para as discussotildees das propostas pedagoacutegicas e tambeacutem para as discussotildees das praacuteticas
no interior das creches e preacute-escolas O eixo da reflexatildeo foi a brincadeira de faz de
conta como um espaccedilo feacutertil para o desenvolvimento da crianccedila que possibilita a
formaccedilatildeo de sujeitos que podem natildeo soacute descrever a partir dos esteacutereis conteuacutedos e
programas a realidade que os cerca mas tambeacutem criar novas imagens de transformaccedilatildeo
das experiecircncias cotidianas da cultura e da produccedilatildeo cientiacutefica do conhecimento
ILKA SCHAPPER SANTOS
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E
(DES)CAMINHOS TRILHADOS
Veio me dizer que eu desestruturo a linguagem Eu desestruturo
a linguagem Vejamos eu estou bem sentado num lugar Vem
uma palavra e tira o lugar de debaixo de mim Tira o lugar em
que eu estava sentado Eu natildeo fazia nada para que a palavra me
desalojasse daquele lugar E eu nem atrapalhava a passagem de
ningueacutem Ao retirar de debaixo de mim o lugar eu desaprumei
Ali soacute havia um grilo com a sua flauta de couro O grilo
feridava o silecircncio Os moradores do lugar se queixavam do
grilo Veio uma palavra e retirou o grilo da flauta Agora eu
pergunto quem desestruturou a linguagem Fui eu ou foram as
palavras E o lugar que retiraram de debaixo de mim Natildeo era
para terem retirado a mim de lugar Foram as palavras pois
que desestruturam a linguagem E natildeo eu
Manoel de Barros
Eacute Manuel de Barros que ilumina o caminho deste capiacutetulo E se me aproprio de
parte de seu corpus literaacuterio eacute porque o poeta brasileiro nos auxilia (a mim e ao leitor) a
compreender que os lugares jaacute natildeo estatildeo ldquodebaixo de noacutesrdquo Se admitimos que se faz
necessaacuterio romper com esquemas de pensamento que legitimam apenas uma forma de
fazer ciecircncia precisamos tambeacutem encontrar outros lugares para pensar sobre a
materialidade das coisas no loacutecus da pesquisa Nesse sentido como podemos pensar a
Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo nos espaccedilos das creches Como esta modalidade de
pesquisa pode auxiliar na ressignificaccedilatildeo da praacutetica pedagoacutegica dos profissionais que
atuam na educaccedilatildeo infantil na educaccedilatildeo baacutesica
Refletindo sobre essas questotildees teccedilo neste capiacutetulo o percurso metodoloacutegico da
realizaccedilatildeo deste estudo Primeiro esclareccedilo o que eacute uma Pesquisa Criacutetica de
Colaboraccedilatildeo e como ela aconteceu no interior do GP LACE e do GP EFoPI Por se
tratar de um contexto amplo explicito seus vaacuterios focos de atuaccedilatildeo ilustrando com
quadros que trazem resumidamente seus espaccedilos de produccedilotildees Apresento logo em
seguida a descriccedilatildeo dos participantes do GP EFoPI e dos colaboradores externos em
quadros ilustrativos e depois destaco como procedi na coletaproduccedilatildeo e organizaccedilatildeo
dos dados Essas informaccedilotildees tambeacutem estatildeo distribuiacutedas em quadros para melhor
visualizaccedilatildeo e compreensatildeo do leitor em relaccedilatildeo ao que foi feito no processo
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 91
ILKA SCHAPPER SANTOS
Continuo o caminho esclarecendo ao leitor sobre os procedimentos de anaacutelise e
interpretaccedilatildeo dos resultados me respaldando em categorias linguiacutestico-discursivas e de
interpretaccedilatildeo para discutir os possiacuteveis resultados do estudo Por fim mostro ao leitor os
vaacuterios momentos em que este trabalho foi avaliado No proacuteximo item apresento o
fluxograma e o desenho da pesquisa em que sintetizo as etapas realizadas nesta
investigaccedilatildeo
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 92
ILKA SCHAPPER SANTOS
Figura 01 ndash Fluxograma da Pesquisa
GRUPO DE PESQUISA LACE
PROJETO DE PESQUISA
ARGUMENTOS NA PRODUCcedilAtildeO CRIATIVA DE SIGNIFICADOS
EM CONTEXTOS ESCOLARES DE
FORMACcedilAtildeO DE EDUCADORES
O FLUXO DO SIGNIFICADO DO
BRINCAR NA CADEIA CRITATIVA ARGUMENTACcedilAtildeO E
FORMACcedilAtildeO DE EDUCADORES E PESQUISADORES
PESQUISA
GRUPO DE PESQUISA
EFoPI
EXTENSAtildeO
3 SESSOtildeES REFLEXIVAS
EDUCADORAS SOCIAIS
DAS CRECHES
1 SESSAtildeO REFLEXIVA
COORDENADORAS
CRECHE
2 ENCONTROS DO CURSO
DE EXTENSAtildeO
COORDENADORAS
CRECHES
ANAacuteLISE E
INTERPRETACcedilAtildeO DOS
DADOS
PRODUCcedilAtildeO DO
CONHECIMENTO
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 93
ILKA SCHAPPER SANTOS
Quadro 02 ndash Desenho da Pesquisa (inspirado em Fuga 2009)
Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo
Macro Contexto Argumentos na Produccedilatildeo Criativa de Significados em Contextos
Escolares de Formaccedilatildeo de Educadores
Contexto desta pesquisa GP EFoPI
Subcontextos
Creche Municipal Curso de Extensatildeo FACEDUFJF
Participantes 4 Professores de uma Creche Municipal da AMAC + Coordenadores das 23
creches da AMAC + Pesquisadores do GP EFoPI
Perguntas de
Pesquisa
Enfoque
Teoacuterico
Instrumentos
para discussatildeo
Participantes Procedimentos de
anaacuteliseinterpreta-
ccedilatildeo dos dados
Como o
processo da
argumentaccedilatildeo
desenvolvido entre
pesquisadoras e
educadoras
permite expor
sentidos e
significados sobre
a brincadeira no
movimento da
cadeia
Quais
argumentos
contribuiacuteram para
a produccedilatildeo de
significado sobre
o brincar no
movimento da
Cadeia Criativa
A Teoria
Soacutecio-Histoacuterico-
Cultural A
Cadeia Criativa
Argumentaccedilatildeo
na Retoacuterica e na
Nova Retoacuterica
Argumentaccedilatildeo
Dialoacutegica
Discussotildees
sobre o brincar
nas creches nas
sessotildees
reflexivas ndash
2006 a 2009
Discussotildees
sobre o brincar
no Curso de
Extensatildeo
Pesquisadores
do GP EFoPI e
quatro
professores de
uma creche
puacuteblica
municipal
Pesquisadores
do GP EFoPI e
vinte e trecircs
Coordenadoras
das creches
municipais
Marcas da
interaccedilatildeo
Questionamento
Instruccedilatildeo
Explicaccedilatildeo
Retomada de vozes
anteriores
Colocaccedilatildeo e
recolocaccedilatildeo de
problemas
Marcas
Argumentativas 1
Ponto de vista
Contra-argumento
Questatildeo controversa
e Acordo
Marcas
Argumentativas 2
Tipos de argumentos
ndash teoacuterico
autoridade fonte
exemplo definiccedilatildeo
comparaccedilatildeo
pragmaacutetico
Marcas
Linguiacutesticas
Decirciticos e
Operadores
argumentativos
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 94
ILKA SCHAPPER SANTOS
31 ndash A Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo no Grupo de Pesquisa Linguagem em
Atividades no Contexto Escolar (GP LACE)
Esta investigaccedilatildeo como jaacute mencionado tem como contexto o GP EFoPI em
especial as intervenccedilotildees de pesquisa e extensatildeo do grupo no periacuteodo de 2006 a 2009 Eacute
importante esclarecer que em 2006 junto com o meu ingresso no doutorado de
Linguiacutestica Aplica e Estudos da Linguagem (LAEL) o EFoPI inicia um trabalho
interinstitucional com o GP LACE em que o elo de interlocuccedilatildeo eacute a Pesquisa Criacutetica de
Colaboraccedilatildeo (Smyth 1992 John-Steiner 2000 Engestroumlm 2002 Magalhatildees 2002
2004 2006 2007 2009 Magalhatildees amp Fidalgo 2007 Liberali 2004 2006 2007
Schapper amp Silva 2009) Isto implica dizer que o GP EFoPI e por conseguinte este
trabalho de tese estatildeo estruturados sob a oacutetica do paradigma criacutetico e tecircm na
colaboraccedilatildeo seu meacutetodo de trabalho
Mas o que significa ser pesquisa criacutetica de colaboraccedilatildeo Para que o leitor possa
entender melhor a inserccedilatildeo do GP LACE do GP EFoPI bem como esta investigaccedilatildeo
na perspectiva do sintagma Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo eacute necessaacuterio fazer uma
incursatildeo sobre o que significa criacutetico e o que significa colaboraccedilatildeo
No modelo de investigaccedilatildeo da Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo o verbete criacutetica
estaacute alicerccedilado no paradigma19
criacutetico de pesquisa que emerge a partir dos anos 70 e
ganha forccedila sobretudo nos anos 80 Grosso modo este paradigma busca no
movimento de pesquisa a transformaccedilatildeo da realidade por meio da reflexatildeo fundada na
indissociabilidade entre teoria e praacutetica intersecccedilatildeo fundamental para a efetivaccedilatildeo de
mudanccedilas nos contextos pesquisados e para a produccedilatildeo do conhecimento Isso ocorre
porque a investigaccedilatildeo se estrutura a partir das necessidades reais dos participantes e do
proacuteprio grupo de pesquisa O pesquisador em um movimento de compreensatildeo ativa
19 Para Kuhn (1992) um paradigma se funda a partir de realizaccedilotildees cientiacuteficas universalmente
reconhecidas que por um certo tempo fornecem problemas e soluccedilotildees-modelo para uma comunidade de
profissionais Na contemporaneidade defende-se no universo investigativo educacional a existecircncia de
trecircs paradigmas (1) o positivista ndash fundado nos meacutetodos quantitativos e de verificaccedilatildeo de hipoacuteteses
proacuteprios das ciecircncias naturais e exatas cujo objetivo eacute controlar predizer prever explicar as formulaccedilotildees
de leis gerais a realidade material eacute uacutenica vista de forma universal e busca reproduzir os eventos
investigados (2) o interpretativo ndash baseado na ciecircncia hermenecircutica tem a convicccedilatildeo de que o real natildeo eacute
apreensiacutevel diretamente seus objetivos satildeo compreender e interpretar a realidade vista como muacuteltipla
intangiacutevel e holiacutestica o movimento investigativo eacute atravessado pela influecircncia do investigador que se
torna um construtor da realidade pesquisada e por ser passiacutevel de interpretaccedilatildeo entendida como uma
criaccedilatildeo subjetiva dos participantes envolvidos nos eventos do trabalho de campo que trazem para a cena
da pesquisa seus valores para a seleccedilatildeo do problema teoria e meacutetodos de anaacutelise e (3) o paradigma
criacutetico no qual esta pesquisa se funda e que eacute exposto no corpo do texto
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 95
ILKA SCHAPPER SANTOS
interveacutem no campo pesquisado no sentido de propiciar espaccedilos de transformaccedilotildees e
mudanccedilas Subjaz a este paradigma a inexistecircncia de verdades prontas e generalizaccedilotildees
a respeito dos contextos investigados uma vez que as verdades satildeo verossiacutemeis fiadas e
tecidas no fluxo do diaacutelogo em um contexto circunscrito agrave realidade histoacuterica e
material O processo de investigaccedilatildeo parte das reais necessidades de um dado contexto
e nesse movimento busca promover as mudanccedilas por meio de atitudes de intervenccedilatildeo
No Paradigma Criacutetico temos anaacutelises contextualizadas qualitativas imbricadas
no processo soacutecio-histoacuterico-cultural A ciecircncia sob a oacutetica desse paradigma procura
promover a transformaccedilatildeo da realidade e a investigaccedilatildeo descortina possibilidades de os
participantes analisarem os contextos nos quais estatildeo inseridos por meio da reflexatildeo
teoria-praacutetica (Freitas 2007) A dinacircmica inicial de refletir sobrena accedilatildeo possibilita
outros olhares outros posicionamentos que antes natildeo eram vislumbrados criando uma
siacutentese dialeacutetica que ganha novos contornos na triacuteade accedilatildeo-reflexatildeo-nova accedilatildeo Isso
ocorre porque haacute no movimento de investigaccedilatildeo um interesse intriacutenseco pelo
conhecimento que traz agrave tona os aspectos de alienaccedilatildeo e de dominaccedilatildeo de grupos sociais
ou de indiviacuteduos sobre outros (Fuga 2009)
Nesse contexto do Paradigma Criacutetico o verbete colaboraccedilatildeo ganha novos
contornos e institui a PCCol (Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo) criada pela Professora
Dra Maria Ceciacutelia Camargo Magalhatildees (2002 2004 2006 2007 2009) no interior do
GP LACE Nas palavras de Magalhatildees (2009 p 55)
a pesquisa criacutetica de colaboraccedilatildeo estaacute inserida em um paradigma
criacutetico que tem como objetivo intervir e transformar contextos de
modo a propiciar que os participantes aprendam por meio da
participaccedilatildeo coletiva na conduccedilatildeo da pesquisa Dessa forma a
pesquisa realiza-se como um processo de questionamento de sentidos-
significados rotinizados bem como de produccedilatildeo conjunta de novos
significados
A autora destaca que na praacutetica de pesquisa essa colaboraccedilatildeo e esse
questionamento criacutetico natildeo devem ser polarizados Por outro lado se o pesquisador
focar apenas o questionamento (sem colaboraccedilatildeo) tenderaacute agrave imposiccedilatildeo de ideias a partir
de sua autoridade afastando qualquer possibilidade de compartilhamento de sentidos e
de significados na produccedilatildeo-construccedilatildeo do conhecimento
Para a pesquisadora haacute a ideia de coautoria e de coconstruccedilatildeoproduccedilatildeo de
conhecimento entre pesquisadores e participantes no processo de transformaccedilatildeo
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 96
ILKA SCHAPPER SANTOS
circunscrito ao momento histoacuterico em que a accedilatildeo de pesquisa foi desenvolvida Isso
mostra como explicita Liberali (2008) a essecircncia da colaboraccedilatildeo como uma categoria
teoacuterico-metodoloacutegica que possibilita aos pesquisadores e participantes se posicionarem
como aprendizes no percurso investigativo Aleacutem disso materializa um meacutetodo de
pesquisa como instrumento-e-resultado e natildeo instrumento-para-resultado (Vygotsky
19301991)
Segundo Magalhatildees (2009) a colaboraccedilatildeo se estrutura em coautoria e
coconstruccedilatildeoproduccedilatildeo de pesquisadores e participantes como disse anteriormente
Contudo isso natildeo significa estabelecer uma relaccedilatildeo de simetria de conhecimento eou
semelhanccedilas de ideias representaccedilotildees sociais e valores ao contraacuterio implica tensotildees e
contradiccedilotildees (Engestroumlm 1999b) as quais geram conflitos questionamentos pontos de
vista distintos que satildeo elementos fundantes do processo criacutetico-reflexivo e por
conseguinte desencadeadores das possiacuteveis transformaccedilotildees dana praacutetica Para lidar
com essas tensotildees e conflitos a autora explica que se torna imprescindiacutevel estruturar a
linguagem pela argumentaccedilatildeo elemento tratado nesta tese Poderemos entender melhor
essa discussatildeo por suas proacuteprias palavras
eacute fundamental que sejam reconhecidas e questionadas as contradiccedilotildees
entre o objeto da atividade instrumentos e accedilotildees dos participantes
regras que embasam as relaccedilotildees e a qualidade da divisatildeo do trabalho
que conflitos sejam enfocados e trabalhados Assim eacute necessaacuterio que
a colaboraccedilatildeo organize uma linguagem que se estruture pela
argumentaccedilatildeo (Magalhatildees 2009 p 64)
A colaboraccedilatildeo eacute uma categoria que tece-fia uma estreita relaccedilatildeo com os
conceitos bakhtinianos de dialogismo exotopia e cronotopia Os desdobramentos dos
diaacutelogos tecidos entre pesquisadores e participantes no interior da praacutetica de pesquisa a
partir de um distanciamento no tempo e no espaccedilo (lugares e tempos exteriores ao
instante do processo de investigaccedilatildeo) permitem que se vejam elementos dos ldquooutrosrdquo e
do proacuteprio processo que os sujeitos no momento de construccedilatildeo-produccedilatildeo nunca
poderiam ver Nesse movimento os diversos olhares diante de um mesmo evento
possibilitam um ldquodelineamento de quadros interpretativos mais abrangentes de uma
realidade o que pode evitar conclusotildees unilaterais na produccedilatildeo e leitura dos dadosrdquo
(Fuga 2009) Aleacutem disso promove no jogo dialoacutegico uma compreensatildeo ativa-
responsiva entre sujeitos que transformam a realidade e por ela satildeo transformados
Na proacutexima seccedilatildeo discutirei como essa referecircncia paradigmaacutetica da PCCol tem
orientado de forma geral as accedilotildees do GP EFoPI
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 97
ILKA SCHAPPER SANTOS
32 ndash A Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo no Grupo de Pesquisa Educaccedilatildeo
Formaccedilatildeo de professores e Infacircncia (GP EFoPI)
O GP EFoPI iniciou o trabalho de investigaccedilatildeo com accedilotildees fundadas na Pesquisa
Criacutetica de Colaboraccedilatildeo (PCCol) em 2006 a partir de um projeto interinstitucional com
o GP LACE Assim a tocircnica das pesquisas passou a ser no pesquisador que natildeo soacute
interveacutem mas tambeacutem sofre influecircncia no processo de intervenccedilatildeo entendendo que ele
pesquisa porque pergunta questiona e na compreensatildeo do grupo satildeo as perguntas que
o fazem avanccedilar no processo de produccedilatildeo do conhecimento cientiacutefico
A perspectiva criacutetica possibilita aos participantes espaccedilos de reflexatildeo-
transformaccedilatildeo e elementos para a (re)construccedilatildeo de seus discursos e de suas accedilotildees com
base no diaacutelogo nas praacuteticas discursivas formando uma Cadeia Criativa na qual um
texto entrecruzado com outros criam novos textos em novas praacuteticas discursivas que
se configuram em novas accedilotildees
No processo de colaboraccedilatildeo todos os participantes da pesquisa podem dizer
sobre suas vivecircncias e experiecircncias suas compreensotildees suas concordacircncias e
discordacircncias em relaccedilatildeo a seu proacuteprio discurso e dos outros participantes (Magalhatildees
1994) Aleacutem disso essa perspectiva possibilita problematizar as accedilotildees cotidianas
repensar e ressignificar o que eacute familiar o conhecido o realizado sob a oacutetica dos
conceitos do cotidiano criando espaccedilo para a compreensatildeo ativa dos conceitos
cientiacuteficos
A ecircnfase estaacute na participaccedilatildeo de cada um dos envolvidos e na contribuiccedilatildeo de
reciprocidade para o grupo No caso da formaccedilatildeo dos profissionais da creche a
diversidade de conhecimentos formaccedilatildeo possibilidades quanto ao tempo disponiacutevel
tem levado agrave diversidade de atuaccedilatildeo na pesquisa A accedilatildeo dos pesquisadores da
universidade e dos profissionais das creches na investigaccedilatildeo das proacuteprias accedilotildees eacute
compreendida e examinada como um processo de colaboraccedilatildeo criacutetica Nesse contexto
os participantes analisam praacuteticas refutam refletem e argumentam para tecer e fiar as
accedilotildees cotidianas e compreender os interesses que embasam suas praacuteticas pedagoacutegicas
Aleacutem disso tecircm sido respeitadas nesse processo colaborativo as negociaccedilotildees
desenvolvidas por parte dos pesquisadores e dos profissionais dessas instituiccedilotildees por
meio do dispositivo da argumentaccedilatildeo
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 98
ILKA SCHAPPER SANTOS
A opccedilatildeo do GP EFoPI por este modelo de investigaccedilatildeo deve-se agrave crenccedila de que a
formaccedilatildeo profissional natildeo pode mais se restringir aos espaccedilos formais e escolarizados
organizados com esse fim Ela precisa ser concebida como algo que pode se dar antes
durante e depois do processo formal como espaccedilos de reflexatildeo sobre o proacuteprio trabalho
em seu proacuteprio contexto de produccedilatildeo
A Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo no GP EFoPI e nesta tese se insere na
abordagem qualitativa com enfoque soacutecio-histoacuterico-cultural uma vez que
() aceptamos la naturaleza diferenciada del objeto de investigacioacuten
de las ciencias sociales y humanas el cual es un sujeto interactivo
motivado e intencional que assume una posicioacuten frente a las tareas
que enfrenta La investigacioacuten sobre este sujeto no puede ignorar estas
caracteriacutesticas generales La investigacioacuten en las ciencias humanas es
entre otras cosas un proceso de comunicacioacuten entre investigador e
investigado un diaacutelogo permanente que toma diferentes formas en el
curso de este proceso (Rey 1999 p 57)
Essa perspectiva eacute marcada como sinaliza Rey pela interaccedilatildeo pelo diaacutelogo e
pelo compromisso de mudanccedila e transformaccedilatildeo estabelecido entre os participantes da
investigaccedilatildeo que se comprometem com o processo e natildeo somente com os resultados da
pesquisa Nesse enfoque mais do que compreender a realidade os participantes tecircm
principalmente preocupaccedilatildeo em transformaacute-la
Freitas (2003) a partir de um diaacutelogo com Bogdan amp Biklen (1994) diz que a
pesquisa qualitativa de base histoacuterico-cultural se caracteriza pelos seguintes aspectos
A fonte dos dados eacute o texto (contexto) no qual o acontecimento emerge focalizando o
particular enquanto instacircncia de uma totalidade social Procura-se portanto
compreender os sujeitos envolvidos na investigaccedilatildeo para atraveacutes deles compreender
tambeacutem o seu contexto
As questotildees formuladas para a pesquisa natildeo satildeo estabelecidas a partir da
operacionalizaccedilatildeo de variaacuteveis mas se orientam para a compreensatildeo dos fenocircmenos
em toda a sua complexidade e em seu acontecer histoacuterico Isto eacute natildeo se cria
artificialmente uma situaccedilatildeo para ser pesquisada mas vai-se ao encontro da situaccedilatildeo
no seu acontecer no seu processo de desenvolvimento
A ecircnfase da atividade do pesquisador situa-se no processo de transformaccedilatildeo e
mudanccedila em que se desenrolam os fenocircmenos humanos procurando reconstruir a
histoacuteria de sua origem e de seu desenvolvimento
O pesquisador eacute um dos principais instrumentos da pesquisa porque sendo parte
integrante da investigaccedilatildeo sua compreensatildeo se constroacutei a partir do lugar soacutecio-
histoacuterico no qual se situa e depende das relaccedilotildees intersubjetivas que estabelece com
os sujeitos com quem pesquisa
O criteacuterio que se busca numa pesquisa natildeo eacute a precisatildeo do conhecimento mas a
profundidade da penetraccedilatildeo e a participaccedilatildeo ativa tanto do investigador quanto do
investigado Disso resulta que pesquisador e pesquisado tecircm oportunidade para
refletir aprender e ressignificar-se no processo de pesquisa (Freitas 2003 p 27-28)
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 99
ILKA SCHAPPER SANTOS
Dentro desse quadro de caracteriacutesticas natildeo poderia deixar de relacionaacute-lo como
o faz Freitas agrave teoria enunciativa da linguagem de Mikhail Bakhtin Para Bakhtin
(1987 p 403) as ciecircncias exatas que tecircm o paradigma positivista como referente de
pesquisa se constituem como forma monoloacutegica do conhecimento pois a compreensatildeo
do fenocircmeno pesquisado daacute-se no movimento de o intelecto contemplar uma coisa e
pronunciar-se sobre o objeto analisado Este eacute ldquocoisa mudardquo no dizer do autor e
produz o conhecimento monoloacutegico Numa leitura bakhtiniana podemos inferir (eu e o
leitor) que o sujeito sendo da linguagem natildeo pode permanecer emudecido pois como
sujeito da enunciaccedilatildeo estabelece nocom o mundo uma relaccedilatildeo dialoacutegica Essa relaccedilatildeo
se materializa na comunicaccedilatildeo verbal posto que um enunciado eacute sempre acompanhado
de uma atitude responsiva ativa Ou seja ldquotoda compreensatildeo eacute prenha de resposta e de
uma forma ou de outra forccedilosamente a produz o ouvinte torna-se locutorrdquo (Bakhtin
1987 p 290)
O processo de pesquisa nessa perspectiva eacute dialeacutetico Os participantes se
revezam nos posicionamentos ora de ouvinte ora de locutor no fluxo dialoacutegico da
linguagem Eacute nesse movimento dialeacutetico de ouvinte-locutor que o enunciado no
(con)texto de produccedilatildeo da investigaccedilatildeo ganha novas formas de expressatildeo e novas
construccedilotildees coletivas
Contreras (2002) explica que o professor natildeo se constitui como um profissional
reflexivo sozinho de maneira isolada pois a reflexatildeo eacute um processo coletivo e
acrescentamos dialoacutegico Nessa perspectiva refletir criticamente possibilita que o
educador analise de forma problematizadora as condiccedilotildees sociais histoacutericas e materiais
nas quais se estruturaram sua praacutetica educativa
Smyth (1992) propotildee aos professores questotildees que auxiliam nesse processo
criacutetico-reflexivo
De onde procedem historicamente as ideias que eu incorporo em minha praacutetica de
ensino
Como cheguei a apropriar-me delas
Por que ainda continuo respaldando o meu trabalho nelas
A que interesses servem
Que relaccedilotildees de poder estatildeo imbricadas
Como estas ideias influem no meu relacionamento com os alunos
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 100
ILKA SCHAPPER SANTOS
Nesta pesquisa tais consideraccedilotildees e questionamentos reforccedilaram a compreensatildeo
dos participantes de que a colaboraccedilatildeo visa ao desenvolvimento de novos
conhecimentos novas compreensotildees e possibilidades de accedilatildeo para todos os sujeitos nela
envolvidos
Para Smyth (1992) o processo reflexivo abarca quatro accedilotildees indissociaacuteveis que
estatildeo ligadas a certos tipos de perguntas que possibilitam refletir criticamente Ao
descrever suas accedilotildees em resposta a uma pergunta ndash o que faccedilo ndash o participante se
distancia delas e passa a se questionar sobre as razotildees das escolhas feitas Isto contribui
inicialmente para o favorecimento de um diaacutelogo com os professores promovendo o
reconhecimento e a anaacutelise dos fatores que limitam a sua atuaccedilatildeo e a possibilidade de
verem a si mesmos como capazes de levar a cabo a transformaccedilatildeo da praacutetica e dos
valores educativos Natildeo basta criticar a realidade mas mudaacute-la Para isso o autor
organizou como apontado acima um ciclo de quatro fases que representam as accedilotildees que
os docentes deveriam adotar descrever informar confrontar e reconstruir Eacute
importante esclarecer que essas fases natildeo satildeo etapas hierarquizadas podendo ocorrer
concomitantemente
Quadro 03 Accedilotildees e questotildees relativas ao processo reflexivo (Smyth 1992)20
Actions Questions
Describe What do I do
Inform What does this mean
Confront How did I come to be like this
Reconstruct How might I do things differently
20 Descrever O que faccedilo
Informar O que isso significa
Confrontar Como eu cheguei a ser assim
Reconstruir Como eu poderia fazer as coisas diferentemente
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 101
ILKA SCHAPPER SANTOS
Quadro 04 - Accedilotildees e questotildees relativas ao processo reflexivo construiacutedas pelo EFoPI a
partir de Smyth (1992)
Siacutentese do Processo de Reflexatildeo do Grupo de Pesquisa EFoPI
Accedilotildees Questotildees
Descrever O que faccedilo
Informar Qual o significado das minhas accedilotildees
Confrontar A que interesses minha praacutetica estaacute servindo
Reconstruir Como vocecirc organizaria essa atividade de
outra maneira Por quecirc
Segundo Liberali (2004) o descrever estaacute relacionado agrave descriccedilatildeo da accedilatildeo para
que esta fique clara aos participantes Esta forma de accedilatildeo estaacute relacionada ao
questionamento ldquoo que faccedilordquo Na descriccedilatildeo concreta das accedilotildees eacute possiacutevel tornar
evidente o que estaacute por traacutes de cada uma delas e abrir caminho para o informar Nesta
accedilatildeo haacute uma revisita ao descrever para compreender as teorias que foram sendo
construiacutedas pelo professor ao longo da vida e que influenciaram as suas praacuteticas O
educador procura responder sobre ldquoqual o significado de suas accedilotildeesrdquo A resposta abre
caminho para o confrontar das accedilotildees com base na compreensatildeo delas e natildeo na sugestatildeo
de novos procedimentos e modelos de atividades Envolve natildeo somente a busca das
inconsistecircncias da praacutetica entre preferecircncias pessoais e modos de agir como tambeacutem
remete a questotildees poliacuteticas como por exemplo ldquoa que interesses minha praacutetica estaacute
servindordquo Eacute no confrontar que eacute possiacutevel perceber como os discursos e as praacuteticas que
ocorrem fora das creches influenciam o modo de agir dentro delas Essa postura abre as
portas para o reconstruir no qual buscamos alternativas para a praacutetica educativa na
reflexatildeo de cada accedilatildeo com base nos diaacutelogos e informaccedilotildees ocorridos nas sessotildees
reflexivas a partir de questotildees do tipo de ldquoComo vocecirc organizaria essa atividade de
outra maneira Por quecircrdquo entre outras (Liberali 2004)
Atentando e concordando com essas premissas os procedimentos para a
consecuccedilatildeo dos objetivos da pesquisa em questatildeo pautaram-se inicialmente no
desenvolvimento de sessotildees reflexivas21
com a participaccedilatildeo dos pesquisadores externos
21 As sessotildees reflexivas satildeo pensadas como contextos em que satildeo criadas oportunidades para a construccedilatildeo de
significados sobre a praacutetica docente em colaboraccedilatildeo com um pesquisador externo caracterizando-se como sessotildees de
discussatildeo (Szundy 2005 p 90)
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 102
ILKA SCHAPPER SANTOS
(professores da universidade mestrandos e bolsistas de iniciaccedilatildeo cientiacutefica) e quatro
educadoras de uma creche puacuteblica do Municiacutepio de Juiz de Fora no ano de 2006 Aleacutem
disso as 23 coordenadoras das 23 creches puacuteblicas da cidade mineira participaram de
um curso de extensatildeo e sessotildees reflexivas no periacuteodo de 2007 a 2009
O enfoque metodoloacutegico possibilitou que o grupo elaborasse uma proposta que
pudesse dar subsiacutedios para o trabalho de pesquisa com os 4 professores de uma creche e
as 23 coordenadores no periacuteodo de 2006 a 2009 A proposta abrangeu as seguintes
accedilotildees (1) 12 sessotildees reflexivas com 4 professores de uma das creches municipais da
AMAC em 2006 (2) 10 encontros com os 23 coordenadores da AMAC no curso de
extensatildeo intitulado ldquoEspaccedilo de Reflexatildeo Teoacuterico-Praacutetico em Contexto de
Colaboraccedilatildeordquo em 2007 (3) 8 sessotildees reflexivas com os 23 coordenadores da AMAC
nos anos de 2008 e 2009
Voltando agrave discussatildeo que Magalhatildees (2002 2004 2009) tece sobre coautoria e
coconstruccedilatildeo entre participantes e pesquisadores no processo de construccedilatildeo-produccedilatildeo
de conhecimento no GP EFoPI estes atuaram para a formaccedilatildeo buscando trazer
subsiacutedios agrave transformaccedilatildeo da praacutetica daqueles envolvidos nas pesquisas Jaacute os
professores e coordenadores participantes trouxeram respostas (e muitas vezes
perguntas) para o grupo de pesquisadores Tal processo de argumentaccedilatildeo dialoacutegica
possibilitou a reflexatildeo na siacutentese dialeacutetica teoria-praacutetica enriquecendo a ldquoarquiteturardquo
do fazer-pensar pedagoacutegico em ambas as comunidades Esse movimento imbricado nas
contribuiccedilotildees dessas duas comunidades incidiu de maneira positiva na produccedilatildeo de
conhecimento Em siacutentese um movimento que possibilitou a todos a aprendizagem-
desenvolvimento isto eacute um contexto de empoderamento (Magalhatildees amp Fidalgo 2007)
Segundo Magalhatildees (2009) na colaboraccedilatildeo existem diferentes modos e niacuteveis
de participaccedilatildeo dos envolvidos que nem sempre participam de todos os momentos da
conduccedilatildeo da pesquisa por motivos diversos Minha participaccedilatildeo nas duas uacuteltimas
pesquisas do GP EFoPi ocorreu por volta de fevereiro de 2006 momento em que a
equipe firmava o compromisso de realizar o trabalho com as 4 educadoras de uma das
creches puacuteblicas municipais de Juiz de Fora O fluxo do trabalho nesse periacuteodo foi
intenso pois o grupo iniciava a parceria com GP LACE e aprofundava seus estudos na
metodologia de Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo
Participei de todas as reuniotildees de planejamento das 12 sessotildees reflexivas no
acircmbito da UFJF Nessa etapa os pesquisadores jaacute tinham organizado o material de
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 103
ILKA SCHAPPER SANTOS
estudos As discussotildees se pautavam em torno de investigar as atividades que envolviam
a brincadeira no contexto da creche analisada
Como abordado por Liberali (2008) para alguns pesquisadores juniores no caso
Patriacutecia Cestaro22
e para mim a tarefa de conduzir as sessotildees reflexivas soacute foi
consolidada por conta da ausecircncia da coordenadora do grupo de pesquisa em funccedilatildeo de
problemas de sauacutede na famiacutelia Essa situaccedilatildeo tornou as duas pesquisadoras mais
responsaacuteveis e mais engajadas nas intervenccedilotildees seguintes do GP EFoPI criando para
noacutes possibilidades de ter uma compreensatildeo ativa na praacutetica de pesquisa
Minha funccedilatildeo naquele momento centrava-se em responder as duacutevidas
metodoloacutegicas relacionadas agrave Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo Isso porque jaacute
participava ativamente das discussotildees do GP LACE na PUC e tambeacutem porque cursava
uma disciplina com a Profa Dra Maria Ceciacutelia Magalhatildees cujo principal conteuacutedo eram
as discussotildees da PCCol
No ano de 2007 realizamos o curso de extensatildeo intitulado ldquoEspaccedilo de Reflexatildeo
Teoacuterico-Praacutetico em Contexto de Colaboraccedilatildeordquo para as 23 coordenadoras das 23
creches municipais Jaacute em 2008 e 2009 centramos nossas accedilotildees em 8 sessotildees
reflexivas com as mesmas coordenadoras Nesse periacuteodo participei ativamente tanto no
curso quanto nas sessotildees em reuniotildees de estudos teoacutericos e planejamento de todas as
atividades do grupo realizadas com as coordenadoras Assim minha observaccedilatildeo e
intervenccedilatildeo aconteceram de forma direta e depois de forma indireta por meio das
gravaccedilotildees em viacutedeo a mim repassadas para tecer as anaacutelises e interpretaccedilotildees que datildeo
subsiacutedios agraves discussotildees desta tese As discussotildees deste trabalho estatildeo portanto
pautadas em uma investigaccedilatildeo longitudinal que fiz a partir das intervenccedilotildees do GP
EFoPI com educadores e coordenadores das creches municipais de Juiz de Fora
Acredito que minha accedilatildeo colaborativa com o GP EFoPI ficou circunscrita a
vaacuterios contextos (1) discussotildees teoacuterico-metodoloacutegicas com o grupo que resultaram em
apresentaccedilotildees de trabalho e escrita de vaacuterios artigos publicados no acircmbito nacional e
internacional em coautoria com a coordenadora do grupo o que possibilitou repensar as
nossas accedilotildees nas pesquisas do GP EFoPI (2) planejamento e execuccedilatildeo do curso de
extensatildeo e das sessotildees reflexivas com os professores e os coordenadores da creches (3)
22 Eacute mestre em educaccedilatildeo pesquisadora do GP EFoPI e professora da rede municipal do municiacutepio de Juiz
de Fora Atualmente trabalha na Secretaria de Educaccedilatildeo no Departamento de Educaccedilatildeo Infantil
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 104
ILKA SCHAPPER SANTOS
participaccedilatildeo em bancas de trabalhos de bacharelado de algumas bolsistas de iniciaccedilatildeo
cientiacutefica integrantes do grupo de pesquisa (4) elo de intersecccedilatildeo materializado
principalmente nesta tese entre os GP EFoPI e o GP LACE
Os caminhos do GP EFoPI demandaram a inserccedilatildeo em diferentes espaccedilos fiacutesicos
para que o trabalho pudesse ser realizado espaccedilos esses que estiveram interligados ndash
acircmbito da UFJF e da AMAC ndash natildeo havendo possibilidade de discorrer apenas sobre um
deles jaacute que o GP EFoPI era pensado em cada parte para se constituir como totalidade
Desse modo no proacuteximo item apresento os diversos contextos que configuram o GP
EFoPI no periacuteodo de 2006 a 2009 em especial os contextos e as atividades que estatildeo
circunscritas a este trabalho
33 ndash Espaccedilos-tempo de uma construccedilatildeo coletiva caracterizaccedilatildeo do(s) contexto(s)
de pesquisa
Nesta pesquisa discuto como jaacute disse anteriormente como a argumentaccedilatildeo
desenvolvida entre pesquisadores e professores do GP EFoPI permite expor sentidos e
significados sobre a brincadeira no movimento da Cadeia Criativa Aleacutem disso procuro
identificar quais argumentos satildeo utilizados no espaccedilo discursivo e investigar se eles
possibilitam o compartilhamento de sentidos e de significados sobre o brincar
Para que o leitor possa melhor compreender o contexto de produccedilatildeo apresento a
seguir os dois projetos do GP EFoPI que configuram o material de anaacutelise deste
trabalho (1) A verticalizaccedilatildeo e a horizontalizaccedilatildeo do espaccedilo da sala de educaccedilatildeo
infantil ndash 2006-2007 e (2) Espaccedilo de reflexatildeo criacutetica em contexto de colaboraccedilatildeo
reconstruindo os sentidos e os significados da praacutetica educativa na creche Essa
descriccedilatildeo seraacute realizada porque acredito que como explica BakhtinVolochinov (1988
p 129) eacute imprescindiacutevel agrave anaacutelise da linguagem a compreensatildeo ldquodas formas e dos tipos
de interaccedilatildeo verbal em ligaccedilatildeo com as condiccedilotildees concretas em que se realizardquo
331 ndash Projeto de 2006-2007 A verticalizaccedilatildeo e a horizontalizaccedilatildeo do espaccedilo da sala
de educaccedilatildeo infantil
Este projeto buscou estudar o espaccedilo das creches bem como as vivecircncias e
saberes que se estabelecem nas salas de atividades23
de educaccedilatildeo infantil em especial
23 Usaremos a expressatildeo sala de atividades em substituiccedilatildeo agrave sala de aula por ser um termo comumente
utilizado quando se trata de crianccedilas de 0-6 anos
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 105
ILKA SCHAPPER SANTOS
aqueles relacionados agraves brincadeiras A questatildeo investigada foi assim delineada O que
dizem os limites da sala de atividades de educaccedilatildeo infantil tanto do ponto de vista
vertical ndash as paredes ndash quanto do ponto de vista horizontalizado ndash o chatildeo
O processo de reflexatildeo sobre esses aspectos nos levou ao desdobramento da
questatildeo central
- Observar o desenvolvimento das experiecircncias infantis orientadas pelo
educadorprofessor na sala de atividades da creche em especial aquelas relacionadas
agraves brincadeiras
- Conhecer como satildeo organizadas e documentadas essas experiecircncias infantis pelo
educadorprofessor e pelas proacuteprias crianccedilas Quais atividades satildeo selecionadas para
serem desenvolvidas no chatildeo da sala e quais satildeo escolhidas para serem afixadas nas
paredes
- Desencadear a reflexatildeo do educadorprofessor acerca das experiecircncias infantis por
ele orientadas e o significado que o pensar sobre elas tem para o desenvolvimento
infantil e para a ressignificaccedilatildeo24
de sua praacutetica educativa
O interesse do GP EFoPI pelo tema em questatildeo origina-se dos resultados das
pesquisas anteriormente desenvolvidas em escolas de educaccedilatildeo infantil dentre as quais
ldquoO brincar de faz-de-conta e a imaginaccedilatildeo infantil concepccedilotildees e praacuteticas do professorrdquo
e ldquoConcepccedilatildeo de qualidade em educaccedilatildeo infantil um estudo de casordquo A primeira estaacute
documentada na tese de doutorado da coordenadora do GP EFoPI professora Dra Leacutea
S P Silva e a uacuteltima encontra-se registrada no livro ldquoUma experiecircncia de pesquisa
formaccedilatildeo e intervenccedilatildeo em educaccedilatildeo infantilrdquo lanccedilado no mecircs de junho de 2005 pela
editora FEME ndash UFJF
Objetivos
Pretendiacuteamos investigar o que revelavam os limites da sala de atividades de
educaccedilatildeo infantil tanto do ponto de vista vertical ndash as paredes ndash quanto do ponto de
vista horizontalizado ndash o chatildeo ndash sobre as vivecircncias e saberes que se estabelecem nas
salas de atividades de educaccedilatildeo infantil em especial aqueles relacionados agraves
brincadeiras
24 O termo ressignificaccedilatildeo vem de re + significar que pode ser entendido como significar outra vez dar
outra vez significado tornar a significar conferir novo significado
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 106
ILKA SCHAPPER SANTOS
Objetivos especiacuteficos
- Compreender como estaacute organizada a documentaccedilatildeo das experiecircncias educativas
realizadas
- Observar em que medida as informaccedilotildees visuais realizadas e apresentadas nas paredes
valorizam o ato autocircnomo e criativo na apropriaccedilatildeo do espaccedilo-ambiente
- Investigar qual a concepccedilatildeo de linguagem revelada no espaccedilo-ambiente da sala de
atividades nos eixos de trabalho e nos aspectos que estatildeo sendo trabalhados com a
crianccedila no acircmbito do brincar
EstrateacutegiasMetodologia
A escolha de uma metodologia de pesquisa na maioria das vezes natildeo eacute faacutecil
para o pesquisador Destaca-se na instacircncia da decisatildeo a importacircncia dos pressupostos
teoacutericos adotados e o tipo de fenocircmeno que se pretende estudarintervir Ao
desconsiderar tais aspectos podemos correr o risco de ganhar em rigor e perder a
interlocuccedilatildeo e vice-versa Portanto entendemos no GP EFoPI que os caminhos satildeo
demarcados pela questatildeo investigada embora eles possam ser (re)construiacutedos pelo
pesquisador com a colaboraccedilatildeo do referencial teoacuterico abordado e na interaccedilatildeo com os
participantes da pesquisa
Eacute sabido que cada pesquisador ao elaborar um projeto de pesquisa tem as suas
convicccedilotildees influenciadas pela quantidade e qualidade de informaccedilotildees que tem sobre
uma aacuterea do conhecimento Portanto as suas crenccedilas satildeo resultado das informaccedilotildees de
que dispotildee sobre um determinado assunto ou tema somadas agraves suas experiecircncias de
vida
Para subsidiar esta pesquisa contamos com a literatura que aborda o tema
espaccedilo-ambiente como um dos elementos fundamentais para uma pedagogia da
educaccedilatildeo infantil dentre as quais se destacam Zabalza (1998) e Vintildeao Frago amp
Escolano (1999) A leitura de trabalhos de Vygotsky Leontiev e Elkonin sobre o
desenvolvimento da imaginaccedilatildeo infantil e a brincadeira possibilitaram a compreensatildeo
das vivecircncias e saberes que se estabelecem nas salas de atividades de educaccedilatildeo infantil
atraveacutes das interaccedilotildees crianccedila-crianccedila e crianccedila-adulto-crianccedila no espaccedilo-ambiente
escolar no acircmbito das brincadeiras
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 107
ILKA SCHAPPER SANTOS
Para desenvolver o estudo de forma criacutetica e reflexiva optamos pela Pesquisa
Criacutetica de Colaboraccedilatildeo
Os sujeitos da investigaccedilatildeo foram 04 professoras e seus alunos no contexto da
sala de atividades de escolas puacuteblicas de educaccedilatildeo infantil da cidade de Juiz de Fora As
estrateacutegias adotadas foram
Procedimentos metodoloacutegicos
a) Instrumentos
- Sessotildees Reflexivas com os professores
- Observaccedilatildeo do dia a dia escolar nas salas de atividades
b) Organizaccedilatildeo e planejamento
- Visita agraves escolas visando agrave apresentaccedilatildeo dos objetivos da pesquisa por meio de
entrevista com os professores e coordenador pedagoacutegico
- Organizaccedilatildeo planejamento e construccedilatildeo dos roteiros das sessotildees reflexivas e das
observaccedilotildees
- Montagem do cronograma das observaccedilotildees do dia a dia escolar e das sessotildees
reflexivas com os professores
O quadro abaixo apresenta o cronograma do planejamento das accedilotildees do ano de
2006 e 2007
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 108
ILKA SCHAPPER SANTOS
Quadro 05 - Cronograma do planejamento das accedilotildees do GP EFoPI nos anos de 2006 e
2007
Accedilotildees 2006 2006 2007 2007
Estudo da literatura X X X X
Apresentaccedilatildeo da proposta de
pesquisa agraves creches de educaccedilatildeo
infantil e professores
X
Organizaccedilatildeo planejamento e
construccedilatildeo das sessotildees reflexivas e
das observaccedilotildees
X
Montagem do cronograma das
observaccedilotildees do dia a dia escolar e
das sessotildees reflexivas com os
professores
X
Realizaccedilatildeo das 12 sessotildees reflexivas
com os educadores
X
X
Observaccedilatildeo do dia a dia escolar das
crianccedilas na sala de atividades com
registro
X X
Realizaccedilatildeo do Curso de Extensatildeo
intitulado ldquoEspaccedilo de reflexatildeo
Teoacuterico-Praacutetico em Contexto de
Colaboraccedilatildeo nas Crechesrdquo
X X
Transcriccedilatildeo das sessotildees reflexivas X X
Anaacutelise dos dados X X
Relatoacuterio Final X X
Publicaccedilatildeo X X
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 109
ILKA SCHAPPER SANTOS
332 ndash Projeto de 2008-2009 Espaccedilo de reflexatildeo criacutetica em contexto de colaboraccedilatildeo
reconstruindo os sentidos e os significados da praacutetica educativa na creche
A origem do interesse pelo tema deste projeto de pesquisa encontrou-se nos
resultados da pesquisa anterior desenvolvida pelo GP EFoPI em espaccedilos de educaccedilatildeo
infantil em um das creches municipais sob o tiacutetulo ldquoA verticalizaccedilatildeo e a
horizontalizaccedilatildeo do espaccedilo da sala de educaccedilatildeo infantilrdquo desenvolvida com a
aprovaccedilatildeo dos programas PIBIC e BIC da UFJF em 2006-2007 descrita anteriormente
Os resultados dessa pesquisa jaacute foram apresentados em relatoacuterio enviado agrave Proacute-
Reitoria de Pesquisa da UFJF e tambeacutem nas publicaccedilotildees de eventos de natureza
cientiacutefica e em perioacutedicos25
Tais resultados apontaram para a urgecircncia de pesquisas que
possibilitassem a reflexatildeo criacutetica dos participantes e consequentemente a formaccedilatildeo de
todos os profissionais comprometidos com a educaccedilatildeo de crianccedilas pequenas Por essa
razatildeo o principal objetivo desta investigaccedilatildeo foi desencadear a reflexatildeo criacutetica e a accedilatildeo
colaborativa entre coordenadoras de 23 creches municipais e pesquisadores externos
representados pelos integrantes do GP EFoPI sobre as atividades educativas que se
apresentavam na rotina da creche
Objetivos
- Desencadear a reflexatildeo criacutetica e a accedilatildeo colaborativa dos coordenadores de creche
responsaacuteveis pelo planejamento e execuccedilatildeo das accedilotildees administrativas e pedagoacutegicas e
dos pesquisadores externos26
no espaccedilo da creche acerca das experiecircncias infantis e do
sentido que o pensar sobre elas tem para o desenvolvimento infantil e para a
(re)construccedilatildeo da accedilatildeo na praacutetica educativa em especial aquelas relacionadas agraves
brincadeiras
- Promover espaccedilos de reflexatildeo criacutetica e accedilatildeo colaborativa sobre as atividades
educativas que se apresentam na rotina da creche com a participaccedilatildeo dos coordenadores
da creche e dos pesquisadores externos
- Construir propostas alternativas para a orientaccedilatildeo das experiecircncias infantis na creche
num processo de coparticipaccedilatildeo ativa e colaborativa entre coordenadores da creche e
pesquisadores externos
25 Cf EDUCACcedilAtildeO EM FOCO vol 13 nordm2 - set 2008fev 2009
26 Estatildeo sendo considerados como pesquisadores externos os integrantes do grupo de pesquisa EFoPI
(cadastrado no CNPq ) coordenado pelas autoras deste projeto de pesquisa Profa Dra Leacutea S P Silva e
Profa Ilka Schapper Santos
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 110
ILKA SCHAPPER SANTOS
A preocupaccedilatildeo em realizar pesquisas nos contextos educativos de modo a
contribuir com seus profissionais na compreensatildeo e no encaminhamento de respostas agraves
dificuldades nelas inerentes levou-nos agrave certeza de que queriacuteamos realizar pesquisas
com os profissionais no contexto da creche e natildeo sobre eles Essa certeza se consolidou
com sua aprovaccedilatildeo no programa PIBIC e BICUFJF 2008-2009
As accedilotildees realizadas no 2ordm semestre de 2008 e 1ordm semestre de 2009 foram
- Inserccedilatildeo no campo com os coordenadores das 24 creches do programa de creches da
AMAC em transiccedilatildeo para a Secretaria de Educaccedilatildeo do Municiacutepio de Juiz de Fora
- Descriccedilatildeo por escrito dos viacutedeos que gravaram as accedilotildees de inserccedilatildeo no campo ou seja
das sessotildees reflexivas e do curso de extensatildeo realizados durante o semestre com a
presenccedila dos profissionais da creche e dos pesquisadores externos
- Anaacutelise dos dados obtidos no campo e descritos a partir dos viacutedeos obtidos no 2ordm
semestre de 2008
- Retorno ao campo com os coordenadores das 23 creches
- Redaccedilatildeo de textos que foram publicados e apresentados em eventos
- Construccedilatildeo de um livro (no prelo pela editora UFF)
EstrateacutegiasMetodologia
Nesta pesquisa continuamos a utilizar os preceitos da Pesquisa Criacutetica de
Colaboraccedilatildeo Eacute necessaacuterio reforccedilar que a ecircnfase desta investigaccedilatildeo recai sobre a
participaccedilatildeo de cada um dos envolvidos e a contribuiccedilatildeo de reciprocidade para o grupo
envolvendo portanto uma situaccedilatildeo de colaboraccedilatildeo entre os participantes O foco estaacute
em uma maneira de refletir criticamente e relacionar teoria e praacutetica a partir do diaacutelogo
entre pesquisadores e coordenadores da creche e a consequente produccedilatildeo de
conhecimento novo Com isso foi necessaacuterio compreendermos o processo de
colaboraccedilatildeo que possibilitava examinar praacuteticas refletir criticamente e argumentar para
assim podermos (des)construir accedilotildees cotidianas e interesses que realmente embasavam
as praacuteticas no espaccedilo da creche Aleacutem disso foram respeitadas nesse processo
colaborativo as negociaccedilotildees envolvidas por parte dos pesquisadores e dos profissionais
da creche
Os procedimentos para a consecuccedilatildeo dos objetivos deste projeto de pesquisa
continuaram a se pautar no desenvolvimento de sessotildees reflexivas com a participaccedilatildeo
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 111
ILKA SCHAPPER SANTOS
dos pesquisadores externos (professores da UFJF e do municiacutepio mestrandos e bolsistas
de iniciaccedilatildeo cientiacutefica) e os coordenadores das creches da Prefeitura de Juiz de Fora
Entendemos como Szundy (2005 p 90) que ldquoas sessotildees reflexivas satildeo pensadas como
contextos em que satildeo criadas oportunidades para a construccedilatildeo de significados sobre a
praacutetica docente em colaboraccedilatildeo com um pesquisador externo caracterizando-se como
sessotildees de discussatildeordquo
Nas sessotildees reflexivas os profissionais da creche e os pesquisadores em
processo de reflexatildeo criacutetica colaborativa fizeram a anaacutelise de accedilotildees desenvolvidas
comumente no cotidiano das creches utilizando o ciclo de quatro accedilotildees proposto por
Smyth (1992) descrever informar confrontar e reconstruir
A partir dos dados de campo obtidos no projeto anterior estabeleceu-se como
prioridade para este projeto a discussatildeo das sessotildees reflexivas que tiveram os seguintes
temas a) o desenvolvimento infantil (neste caso mais especificamente sobre a questatildeo
do choro na creche como condiccedilatildeo da crianccedila tendo como subsiacutedio as consideraccedilotildees de
Henri Wallon (1975 1995) b) a atividade da roda de conversa como espaccedilo de
investigaccedilatildeo c) o desenvolvimento da imaginaccedilatildeo infantil e o brincar e d) as relaccedilotildees
de poder na creche
Foi realizado um relatoacuterio detalhado trazendo a contribuiccedilatildeo dos pesquisadores
e profissionais da creche construiacutedo e publicado ao teacutermino da pesquisa sob a forma de
um livro que estaacute no prelo pela editora da UFF
Aleacutem disso continuamos estabelecendo uma importante parceria com as
professoras Drordf Maria Ceciacutelia C Magalhatildees e Drordf Fernanda C Liberali do grupo de
pesquisa do LAEL ndash Programa de Estudos Poacutes-graduados em Linguiacutestica Aplicada e
Estudos da Linguagem da PUC-SP A interlocuccedilatildeo com as referidas pesquisadoras
possibilitoupossibilita o aprofundamento teoacuterico na metodologia de Pesquisa Criacutetica de
Colaboraccedilatildeo
Pelo fato de fomentar discussotildees acerca dos saberes construiacutedos no espaccedilo das
creches por meio da reflexatildeo criacutetica dos educadores e dos coordenadores das creches
puacuteblicas de Juiz de Fora e dos pesquisadores este estudo propiciou o surgimento de
novas questotildees que puderam se desdobrar em novos projetos de pesquisa aleacutem de
motivar investigaccedilotildees desenvolvidas por alunos do programa de Poacutes-
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 112
ILKA SCHAPPER SANTOS
graduaccedilatildeoMestrado em Educaccedilatildeo da Faculdade de Educaccedilatildeo e por alunos dos cursos de
especializaccedilatildeo e de graduaccedilatildeo
O quadro abaixo apresenta o cronograma do planejamento das accedilotildees dos anos de
2008 e 2009
Quadro 06 ndash Cronograma do planejamento das accedilotildees do GP EFoPI nos anos de 2008 e
2009
Accedilotildees 2006 2006 2007 2007
Estudo da literatura X X X X
Apresentaccedilatildeo da proposta de
pesquisa agraves creches de educaccedilatildeo
infantil e professores
X
Organizaccedilatildeo planejamento e
construccedilatildeo das sessotildees reflexivas e
das observaccedilotildees
X
Montagem do cronograma das
observaccedilotildees do dia a dia escolar e
das sessotildees reflexivas com os
professores
X
Realizaccedilatildeo das 12 sessotildees reflexivas
com os educadores
X
X
Observaccedilatildeo do dia a dia escolar das
crianccedilas na sala de atividades com
registro
X X
Realizaccedilatildeo do Curso de Extensatildeo
intitulado ldquoEspaccedilo de reflexatildeo
Teoacuterico-Praacutetico em Contexto de
Colaboraccedilatildeo nas Crechesrdquo
X X
Transcriccedilatildeo das sessotildees reflexivas X X
Anaacutelise dos dados X X
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 113
ILKA SCHAPPER SANTOS
Relatoacuterio Final X X
Publicaccedilatildeo X X
Assim analiso em uma perspectiva longitudinal as accedilotildeesintervenccedilotildees do GP
EFoPI sobre o brincar na formaccedilatildeo dos profissionais da educaccedilatildeo infantil no municiacutepio
de Juiz de Fora a partir dos dois projetos supra citados com foco no brincar A seleccedilatildeo
dos dados ficou assim organizada (a) 3 sessotildees reflexivas com a participaccedilatildeo de 2
pesquisadores da Universidade Federal de Juiz de Fora em uma creche municipal da
AMAC no ano de 2006 ndash 1ordm cronotopo (b) 2 encontros do curso de extensatildeo intitulado
ldquoEspaccedilo de Reflexatildeo Teoacuterico-Praacutetico em Contexto de Colaboraccedilatildeordquo ministrado por 3
pesquisadores para as 23 coordenadoras das creches municipais da AMAC no ano de
2007 ndash 2ordm cronotopo (c) 1 sessatildeo reflexiva com 4 pesquisadores do GP EFoPI e as 23
coordenadoras das creches municipais da AMAC no periacuteodo entre 2008 e 2009 ndash 3ordm
cronotopo da Cadeia Criativa
3 3 3 ndash Espaccedilos de Atuaccedilatildeo do GP EFoPI
Nesta seccedilatildeo discorro sobre os espaccedilos de atuaccedilatildeo do GP EFoPi em especial
aqueles que estatildeo diretamente relacionados a este trabalho de tese as creches da AMAC
e o curso de extensatildeo na UFJF
3331 ndash A Entidade Civil que manteacutem as creches no Municiacutepio de Juiz de Fora
uma breve incursatildeo na AMAC
A Associaccedilatildeo Municipal de Apoio Comunitaacuterio (AMAC) eacute uma associaccedilatildeo
civil sem fins lucrativos criada no ano de 1984 e implantada em 1985 Essa associaccedilatildeo
segue as diretrizes da Loas ndash Lei Orgacircnica de Assistecircncia Social (Brasil 1993) a
Poliacutetica Nacional de Assistecircncia Social (Brasil 2004) e a Norma de Operacional Baacutesica
da Assistecircncia Social (Brasil 2005) Assim eacute responsaacutevel pela execuccedilatildeo de accedilotildees da
Prefeitura de Juiz de Fora na aacuterea da assistecircncia social desenvolvendo vaacuterios programas
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 114
ILKA SCHAPPER SANTOS
para atender aos mais diferentes segmentos27
Dentre os programas desenvolvidos pela
AMAC estaacute o de creches que atende as crianccedilas de 0 a 3 anos e 11 meses
Destaque-se que em Juiz de Fora no periacuteodo em que esta pesquisa se
desenvolveu a educaccedilatildeo de crianccedilas de 0 a 3 anos estaacute sob a responsabilidade da
Assistecircncia Social e natildeo da Secretaria de Educaccedilatildeo28
O Programa de Creches configurou-se inicialmente com 1 coordenadora geral
uma equipe teacutecnica que atendia todas as creches e era composta por 1 administrador 2
psicoacutelogos 1 assistente social 1 nutricionista 1 meacutedico 1 acadecircmico de Medicina 4
estagiaacuterias de Serviccedilo Social e 5 pedagogas aleacutem de uma equipe que exercia atividades
administrativas (abastecimento almoxarifado acompanhamento de doaccedilotildees) Para atuar
diretamente com as crianccedilas foram contratadas 7 auxiliares por creche nuacutemero
considerado insuficiente tendo em vista a proporccedilatildeo adultocrianccedila Diante dessa
situaccedilatildeo as mesmas ldquoredobravam seu trabalho a tiacutetulo de voluntariado bem como os
esforccedilos para mobilizar a proacutepria comunidaderdquo No decorrer do tempo esses
funcionaacuterios passaram a compor o quadro de servidores da AMAC (Costa 2006 p 41)
Os profissionais das creches possuem uma condiccedilatildeo de trabalho distinta
daqueles que atuam nas escolas administradas pela Secretaria de Educaccedilatildeo Sua
atividade eacute regida pela CLT-Consolidaccedilatildeo das Leis do Trabalho exigindo o
cumprimento de uma jornada de oito horas diaacuterias natildeo tendo sido construiacuteda uma
carreira que valorize sua formaccedilatildeo o que gera uma distinccedilatildeo salarial discrepante em
relaccedilatildeo aos docentes da rede municipal Essa situaccedilatildeo tornou-se comum na realidade
brasileira pois historicamente a assistecircncia social e a educaccedilatildeo foram campos que
disputaram e compartilharam atribuiccedilotildees e recursos da educaccedilatildeo infantil
arregimentando para isso pessoas com status diferentes e diferentes qualificaccedilotildees
(Vieira 2007 apud Zanetti 2010)
Os profissionais que atuam junto agraves crianccedilas nas creches municipais dividiam-
se ateacute o ano de 2008 em duas categorias ndash uma denominada recreadora e outra
denominada educadora social Durante a campanha salarial de 2009 houve uma
27 Maiores informaccedilotildees sobre os diferentes programas desenvolvidos em Juiz de Fora se encontram
disponiacuteveis no site oficial do municiacutepio lt wwwpjfmggovbrgt 28
Em 2010 iniciou-se o processo de transiccedilatildeo das creches da AMAC para a Secretaria Municipal de
Educaccedilatildeo de Juiz de Fora
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 115
ILKA SCHAPPER SANTOS
equiparaccedilatildeo das funccedilotildees e salaacuterios
Essas informaccedilotildees sobre os profissionais das creches sinalizam o quadro de
(natildeo) valorizaccedilatildeo em que se encontram esses profissionais que tecircm a tarefa de cuidar e
de educar as crianccedilas de 0 a 3 anos de idade Mostram o desprestiacutegio que a educaccedilatildeo
infantil sofre perante os oacutergatildeos governamentais Revelam um espaccedilo de ldquomenos valiardquo
com relaccedilatildeo agraves crianccedilas e suas infacircncias e aos profissionais que as atendem
O grupamento das crianccedilas nos espaccedilos das creches eacute feito por faixa etaacuteria
levando-se em conta o espaccedilo fiacutesico e a proporccedilatildeo adultocrianccedila Segundo Patriacutecia
Cestaro pesquisadora do GP EFoPI em comunicaccedilatildeo oral ateacute o ano de 2009 as
crianccedilas eram agrupadas conforme quadro abaixo
Quadro 07 ndash Relaccedilatildeo AdultoCrianccedila nas Creches Comunitaacuterias da AMAC2009
Grupamentos Nordm de crianccedilas Educadoras
3 meses a 1 ano e dois meses 04 01
1 ano e trecircs meses a 1 ano e onze
meses 06 01
2 anos 12 01
3 anos 18 01
Jaacute a resoluccedilatildeo Municipal No 12000 de Juiz de Fora (apud Costa 2006)
promulga que a proporccedilatildeo adultocrianccedila nas turmas das instituiccedilotildees de educaccedilatildeo
infantil deve se pautar no quadro seguinte
Quadro 08 ndash Proporccedilatildeo AdultoCrianccedila nas Turmas das Instituiccedilotildees de Educaccedilatildeo
Infantil segundo a Resoluccedilatildeo Municipal nordm 12000
Grupamentos Nordm de crianccedilas Professor
0 a 1 ano 06 01
1 ano a 2 anos 08 01
2 anos a 3 anos 12 a 15 01
Fonte Costa (2006 p52)
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 116
ILKA SCHAPPER SANTOS
Comparando o nuacutemero de crianccedilas por educadores(as) e professores(as) haacute entre
as crianccedilas menores de 0 a 2 anos de idade uma proporccedilatildeo menor ou igual nas salas de
atividades das creches em relaccedilatildeo ao estipulado na Resoluccedilatildeo Municipal No 12000 Jaacute
para as crianccedilas de 3 anos o nuacutemero eacute acima da meacutedia do recomendado na relaccedilatildeo
adultocrianccedilas
O primeiro aspecto relacionado mostra-se abaixo da meacutedia estabelecida pela
resoluccedilatildeo Esse aspecto mostra-se muito positivo pois os educadores podem
disponibilizar mais atenccedilatildeo e cuidados agraves crianccedilas no desenvolvimento das atividades
propostas O segundo ponto relacionado jaacute natildeo possibilita aos educadores a mesma
disponibilidade pois a proporccedilatildeo crianccedilasadulto eacute maior do que a recomendada
Cada creche da AMAC conta com uma coordenadora totalizando 23
coordenadoras em 23 creches
Eacute neste contexto de organizaccedilatildeo das creches no Municiacutepio de Juiz de Fora que
se insere esta pesquisa Apesar de o meu diaacutelogo ser com as produccedilotildees do grupo de
pesquisa EFoPI as investigaccedilotildeesintervenccedilotildees do grupo estatildeo inseridas no contexto das
creches municipais O primeiro momento da pesquisa do GP EFoPI foi com 4
educadoras de uma creche municipal por meio de sessotildees reflexivas Depois em um
segundo momento foi realizado o curso de extensatildeo na UFJF Assim no proacuteximo item
teccedilo uma breve discussatildeo sobre a extensatildeo universitaacuteria e faccedilo a descriccedilatildeo do curso de
que participaram as 23 coordenadoras das 23 creches municipais
3332 - A Extensatildeo Universitaacuteria e o Curso de Extensatildeo na Universidade Federal
de Juiz de Fora
No cenaacuterio das universidades brasileiras as temaacuteticas acerca da extensatildeo vecircm
sendo bastante debatidas e essa discussatildeo tem peculiaridades inerentes ao movimento de
cada eacutepoca
Os primeiros documentos oficiais de que temos notiacutecia sobre a extensatildeo
universitaacuteria satildeo as reformas de Francisco Campos e o Manifesto dos Pioneiros da
Educaccedilatildeo Nova (1932) Nesse periacuteodo cabia agrave extensatildeo universitaacuteria a vulgarizaccedilatildeo ou
popularizaccedilatildeo das ciecircncias e das artes Temos entretanto que ter claro que natildeo se
tratava da popularizaccedilatildeo total a qualquer puacuteblico mas que a socializaccedilatildeo se restringia agrave
classe burguesa da eacutepoca
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 117
ILKA SCHAPPER SANTOS
Depois em 1961 temos a Lei 4024 que faz pouca referecircncia agrave extensatildeo
limitando-a aos ldquocursos de especializaccedilatildeo aperfeiccediloamento e extensatildeo ou quaisquer
outrosrdquo Ainda nos anos 60 do seacuteculo passado a extensatildeo eacute retomada nas discussotildees
oficiais dos governos militares Isso foi materializado em 1968 na Lei 554068 que
promulga que as atividades de ensino e pesquisa realizadas nas universidades devem ser
estendidas agrave comunidade A extensatildeo eacute compreendida como uma maneira singular de
materializar as funccedilotildees puras de ensino e pesquisa e natildeo como uma terceira funccedilatildeo
concebida como um canal encarregado de conduzir o ensino e a pesquisa para aleacutem das
torres universitaacuterias
Nesse periacuteodo a ideia de discutir os grandes problemas nacionais e a dimensatildeo
transformadora da realidade foi apropriada pelos militares como elemento de garantia
do desenvolvimento e da seguranccedila nacional adquirindo a perspectiva assistencialista e
redentora da sociedade Desse modo a extensatildeo assumia o papel de articuladora entre
ensino e pesquisa e responsaacutevel por estabelecer os viacutenculos entre universidade e
sociedade Isso se afirma na lei 569271
Na atualidade temos na nova LDB (Brasil 1996) a caracterizaccedilatildeo da extensatildeo
como terceira atividade ao lado das outras duas de ensino e pesquisa retornando agrave
chamada perspectiva do tripeacute ensino pesquisa e extensatildeo
Diante do breve histoacuterico esboccedilado podemos perceber que a extensatildeo nas
universidades brasileiras natildeo tem uma caracterizaccedilatildeo bem delineada jaacute que ora aparece
como desdobramento da atividade de ensino e pesquisa ora aparece como uma terceira
atividade universitaacuteria inter-relacionada a essas duas
A tarefa de mapeamento do papel e das atribuiccedilotildees da extensatildeo eacute bem difiacutecil jaacute
que para isso devemos entrecruzar concepccedilotildees com tarefas a serem realizadas Dentro
desse quadro acredito que natildeo podemos cometer o erro histoacuterico de manter para a
extensatildeo o papel de materializar os elementos essenciais da ordem vigente como vimos
claramente nos anos 30 e 60 do seacuteculo passado
A extensatildeo universitaacuteria tem um espaccedilo bastante demarcado jaacute que a
universidade desde o seacuteculo XX busca ser o loacutecus por excelecircncia da produccedilatildeo do
conhecimento cientiacutefico e sua produtividade eacute mensurada a partir de um amplo domiacutenio
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 118
ILKA SCHAPPER SANTOS
no campo da investigaccedilatildeo Nesse contexto os professores satildeo considerados docentes-
investigadores que produzem e socializam seus conhecimentos
Assim na atualidade cada vez mais as universidades buscam estabelecer uma
interface entre pesquisa ensino e extensatildeo Como Proacute-Reitora Adjunta de Extensatildeo na
Universidade Federal de Juiz de Fora no periacuteodo de setembro de 2002 a marccedilo de 2006
pude junto com a Proacute-Reitora criar programas e projetos em parceria com a Proacute-
Reitoria de Graduaccedilatildeo e Proacute-Reitoria de Pesquisa Assim buscaacutevamos desatar os noacutes de
distanciamento entre pesquisa ensino e extensatildeo
Nossa poliacutetica era associar as atividades de extensatildeo agraves de pesquisa e ensino natildeo
se identificando como praacuteticas pontuais isoladas e desvinculadas do processo de
construccedilatildeo e produccedilatildeo de conhecimento Em razatildeo da pluralidade de suas interfaces
com o ensino e a pesquisa a extensatildeo agregava no seu conjunto de accedilotildees projetos
cursos eventos produccedilotildees serviccedilos entre outras
Com esse encaminhamento elaboramos uma poliacutetica de extensatildeo que visava
contribuir com o projeto poliacutetico pedagoacutegico da Universidade Federal de Juiz de Fora
Buscamos horizontalizar aquilo que historicamente foi verticalizado nas universidades
assegurando os princiacutepios da transversalidade e da interdisciplinaridade para as praacuteticas
de extensatildeo as praacuteticas de pesquisa e as praacuteticas de ensino
Foi a partir das experiecircncias como Proacute-Reitora Adjunta que passei a acreditar
como professora e como pesquisadora que a praacutetica de extensatildeo deveria atravessar
minhas praacuteticas de ensino e de pesquisa Por conta disso busquei um programa de
doutorado que tivesse essa tradiccedilatildeo Ingressei no doutorado do LAELPUC-SP e no GP
LACE podendo nesse contexto vivenciar a praacutetica de pesquisa que emerge de
intervenccedilotildees extensionistas Diante da oportunidade sugeri para o GP EFoPI do qual jaacute
participava que delineasse suas intervenccedilotildees nas creches sob o eixo da pesquisa-
extensatildeo de cunho criacutetico colaborativo
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 119
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O GP EFoPI assumiu essa visatildeo mais ampla da responsabilidade social de
participaccedilatildeo nas comunidades em que realiza suas praacuteticas de pesquisa e da perspectiva
de intervenccedilatildeo nos problemas sociais que circundam o universo das creches Buscou
uma produccedilatildeo de pesquisa extensionista que dialogou com os profissionais das creches
procurando contribuir para a formaccedilatildeo de um profissional criacutetico que reflete sobre suas
intervenccedilotildees no interior da instituiccedilatildeo O desenho abaixo sintetiza os princiacutepios
interdisciplinares entre ensino pesquisa e extensatildeo em que o GP EFoPI acredita
Figura 02 ndash Accedilotildees para materializar interdisciplinaridade e transversalidade na triacuteade
ensino-pesquisa-extensatildeo
Assim acreditando na indissociabilidade entre ensino-pesquisa-extensatildeo o GP
EFoPI montou um curso de extensatildeo em 2007 para as coordenadores das creches
municipais tendo dois objetivos (1) resgatar as discussotildees tecidas com as 4 professoras
da creche municipal e (2) promover espaccedilos de reflexatildeo e accedilatildeo colaborativa sobre as
atividades educativas que se apresentam na rotina das creches
O curso foi estruturado em 10 encontros com os seguintes temas
respectivamente (1) Oficina de Roda resgatando as memoacuterias (2) Oficina O dia-a-dia
na Creche (3) A Dimensatildeo Luacutedica na Crianccedila e na Creche (4) A Dimensatildeo Luacutedica no
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 120
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Espaccedilo-Ambiente da Creche reflexotildees sobre o brincar (5) Encontro ndash Conflitos na
Infacircncia e a Rotina na Creche (6) ndash Estaacutetua Se Mexer Natildeo Vale O Conhecimento
do Movimento Corporal (7) A Sistematizaccedilatildeo de Propostas Pedagoacutegicas nas Creches
(8) Narrativas Orais e o Desenvolvimento da Imaginaccedilatildeo Infantil (9) Vivecircncias
Artiacutesticas pensando nos pequenos e (10) Espaccedilo de ReflexatildeoAvaliaccedilatildeo
Eacute preciso esclarecer ao leitor que dos 10 encontros do curso de extensatildeo 2 satildeo
focos de anaacutelise desta tese (1) o terceiro encontro ldquoA Dimensatildeo Luacutedica na Crianccedila e
na Crecherdquo e (2) o quarto encontro ldquoA Dimensatildeo Luacutedica no Espaccedilo-Ambiente da
Creche reflexotildees sobre o brincarrdquo Isso porque nesses encontros foram discutidas as
relaccedilotildees que podemos estabelecer entre o desenvolvimento da imaginaccedilatildeo e a
brincadeira elementos que satildeo objetos de estudo desta investigaccedilatildeo
O curso de extensatildeo foi planejado e ministrado pelos participantes do GP EFoPI
com a intenccedilatildeo de ampliar no movimento da Cadeia Criativa a interlocuccedilatildeo criacutetica de
colaboraccedilatildeo com os profissionais das creches ateacute entatildeo tecidas com 4 educadoras de
uma das creches Finalizado o curso os pesquisadores pautaram suas intervenccedilotildees em 8
sessotildees reflexivas com os 23 coordenadores das 23 creches municipais nos anos de
2008 e de 2009
334 ndash Equipe de pesquisadores participantes do GP EFoPI no Periacuteodo 2006-2009
Como apresentado o grupo de pesquisa EFoPI tem como objetivo realizar
pesquisas nos contextos educativos de modo a contribuir com seus profissionais na
compreensatildeo e no encaminhamento de respostas agraves dificuldades inerentes ao cotidiano
educacional em especial naqueles que abrigam crianccedilas de 0 a 6 anos Por isso o
grupo realiza investigaccedilotildees com os profissionais no contexto da creche e natildeo sobre eles
De 2006 a 2009 o grupo contou com uma equipe de pesquisadores que incluiacutea
doutores doutorandos mestres mestrandos alunos de iniciaccedilatildeo cientiacutefica professores e
coordenadores aleacutem de pesquisadores colaboradores externos
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 121
ILKA SCHAPPER SANTOS
Quadro 09 ndash Coordenadores do GP EFoPI
2006
Equipe UFJF
Coordenaccedilatildeo do
Projeto
2007
Equipe UFJF
Coordenaccedilatildeo do
Projeto
2008
Equipe UFJF
Coordenaccedilatildeo do
Projeto
2009
Equipe UFJF
Coordenaccedilatildeo do
Projeto
Profa Dra Leacutea
Stahlschmidt P
Silva
Profa Ilka
Schapper Santos
Profa Dra Leacutea
Stahlschmidt P
Silva
Profa Ilka
Schapper Santos
Profa Dra Leacutea
Stahlschmidt P
Silva
Profa Ilka
Schapper Santos
Profa Dra Leacutea
Stahlschmidt P
Silva
Profa Ilka
Schapper Santos
Quadro 10 ndash Pesquisadores Doutores Doutorandos Mestres e Mestrandos
2006
Pesquisadores
Mestres e
Mestrandos
2007
Pesquisadores
Mestres e
Mestrandos
2008
Pesquisadores
Doutores
Doutorandos
Mestres e
Mestrandos
2009
Pesquisadores
Doutores
Doutorandos
Mestres e
Mestrandos
Profa Patriacutecia
Cestaro
Profa Nathalye
Nallon
Profa Ana Cristina
Costa
Profa Aretusa
Santos
Prof Pedro Gabriel
Profa Raquel
Lusardo
Profa Viviam
Arauacutejo
Profa Patriacutecia
Cestaro
Profa Nathalye
Nallon
Profa Ana Cristina
Costa
Profa Aretusa
Santos
Prof Pedro Gabriel
Profa Raquel
Lusardo
Profa Viviam
Arauacutejo
Profa Dra Hilda
Micarello
Profa Patriacutecia
Cestaro
Profa Ana Cristina
Costa
Profa Aretusa
Santos
Profa Raquel
Lusardo
Profa Viviam
Arauacutejo
Profa Nuacutebia
Schaper
Profa Alexsandra
Zanetti
Profa Nilceacuteia
Braga
Profa Maria
Cristina Amaral
Profa Claacuteudia
Bonfatti
Profa Luciana
Oliveira
Profa Denise
Rangel
Profa Dra Hilda
Micarello
Profa Patriacutecia
Cestaro
Profa Aretusa
Santos
Profa Raquel
Lusardo
Profa Viviam
Arauacutejo
Profa Nuacutebia
Schaper
Profa Alexsandra
Profa Marisley
Pereira
Profa Maritza
Abreu
Profa Luciana
Oliveira
Profa Denise
Rangel
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 122
ILKA SCHAPPER SANTOS
Quadro 11 ndash Alunos de Iniciaccedilatildeo Cientiacutefica
2006
2007
2008
2009
Celina Salgado
Flaacutevia Almeida
Michele Filgueiras
Carolina Arauacutejo
Ana Claacuteudia Santos
Celina Salgado
Flaacutevia Almeida
Michele Filgueiras
Carolina Arauacutejo
Ana Claacuteudia Santos
Marisley Pereira
Maritza Abreu
Michele Cardoso
Carolina Arauacutejo
Mariacutelia Almeida
Nataacutelia Martins
Michele Cardoso
Carolina Arauacutejo
Mariacutelia Almeida
Nataacutelia Martins
Mislene Nascimento
Quadro 12 ndash Pesquisadores Colaboradores
2006
2007
2008
2009
Profa Dra Fernanda
Coelho Liberali ndash
PUC-SP
Profa Dra Maria
Ceciacutelia Magalhatildees ndash
PUC-SP
Profa Dra Fernanda
Coelho Liberali
Profa Dra Maria
Ceciacutelia Magalhatildees
Profa Gisela
Pelizzoni ndash UFJF
Profa Dra Hilda
Micarello ndash UFJF
Profa Dra Alzira
Shimoura ndash PUC-SP
Profa Dra Fernanda
Coelho Liberali
Profa Dra Maria
Ceciacutelia Magalhatildees
Profa Dra Alzira
Shimoura
Profa Dra Fernanda
Coelho Liberali
Profa Dra Maria
Ceciacutelia Magalhatildees
Profa Dra Alzira
Shimoura
34 ndash Pesquisadores Focais do trabalho de Tese
Como consta nos quadros dos itens acima muitos pesquisadores marcaram
presenccedila nas intervenccedilotildees do GP EFoPI No entanto na discussatildeo dos resultados
analiso o discurso dos pesquisadores abaixo relacionados Os professores autorizaram
sua identificaccedilatildeo
Leacutea Stahlschmidt Pinto Silva mestre em Educaccedilatildeo pela Universidade Federal
do Rio de Janeiro e doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela
Universidade de Satildeo Paulo Eacute professora Associada I da Universidade Federal de Juiz
de Fora e coordena o GP EFoPI No momento seu objeto de estudo eacute a educaccedilatildeo
infantil com imersatildeo nas creches municipais de Juiz de Fora onde desenvolve um
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 123
ILKA SCHAPPER SANTOS
trabalho criacutetico reflexivo com os professores e educadores tendo como foco a
organizaccedilatildeo dos tempos e espaccedilos das creches para o desenvolvimento do brincar
Patriacutecia Maria Reis Cestaro mestre em Educaccedilatildeo pela Universidade Catoacutelica
de Petroacutepolis Tem cargo efetivo de professora da Prefeitura de Juiz de Fora tendo uma
vasta experiecircncia em gestatildeo escolar Atualmente compotildee o quadro de profissionais da
Secretaria de Educaccedilatildeo do Municiacutepio de Juiz de Fora atuando no Departamento de
Educaccedilatildeo Infantil Eacute pesquisadora desde 2005 do GP EFoPI tendo conduzido o
trabalho de quatro das doze sessotildees reflexivas realizadas no ano de 2006 Seu foco de
interesse no processo de pesquisa eacute a formaccedilatildeo em contexto
Hilda Aparecida Linhares da Silva Micarello mestre em Educaccedilatildeo pela
Universidade Federal de Juiz de Fora e doutora pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do
Rio de Janeiro Eacute professora Adjunta da Universidade Federal de Juiz de Fora e
Coordenadora de Linguagem do Centro de Poliacuteticas Puacuteblicas e Avaliaccedilatildeo da Educaccedilatildeo
(CAED) Participa do GP EFoPI tendo uma vasta experiecircncia em educaccedilatildeo infantil e
formaccedilatildeo de professores
Ilka Schapper mestre em Educaccedilatildeo pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do
Rio de Janeiro e doutoranda em Linguiacutestica Aplicada pelo Programa de Linguiacutestica
Aplicada e Estudos da Linguagem (LAEL ndash PUC-SP) Sou professora Adjunta II da
Universidade Federal de Juiz de Fora fui Proacute-Reitora Adjunta de Extensatildeo dessa
Universidade no periacuteodo de setembro de 2002 a marccedilo de 2006 Atuo como
Coordenadora do GP EfoPI tendo como aacutereas de interesse linguagem e argumentaccedilatildeo
formaccedilatildeo de professores e educaccedilatildeo infantil Uma apresentaccedilatildeo mais detalhada
encontra-se na introduccedilatildeo deste trabalho
35 ndash Procedimentos de produccedilatildeo-geraccedilatildeo coleta organizaccedilatildeo e armazenamento
dos dados
Nesta pesquisa os procedimentos de coleta produccedilatildeo organizaccedilatildeo e
armazenamento de dados seguem os preceitos do Comitecirc de Eacutetica da PUC-SP O leitor
pode ter certo estranhamento sobre as diferenccedilas dos termos usados Refiro-me agrave coleta
porque utilizo o banco de dados do GP EFoPI para proceder a investigaccedilatildeo Eacute
importante esclarecer que todas as informaccedilotildees que busquei no banco de dados tiveram
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 124
ILKA SCHAPPER SANTOS
minha participaccedilatildeo no momento em que foram produzidas Participei ativamente das
discussotildees teoacutericas dos planejamentos e dos encontros em todos os momentos das
investigaccedilotildees desenvolvidas pelo grupo de pesquisa no periacuteodo de 2006 a 2009 natildeo soacute
para contribuir nos trabalhos de pesquisa do GP EFoPI mas tambeacutem para construir o
meu trabalho de tese
O sintagma ldquoproduccedilatildeo-geraccedilatildeo de dadosrdquo estaacute ldquorelacionado agrave produccedilatildeo de
conhecimento cientiacutefico na acepccedilatildeo marxista desvinculado da ideia taylorista de
mecanizaccedilatildeordquo (Fuga 2009 p 111) Seu uso se deve ao fato de este trabalho estar
filiado ao paradigma criacutetico como mencionado na introduccedilatildeo deste capiacutetulo pois a
pesquisa aqui desenvolvida ldquoestaacute relacionada agrave compreensatildeo transformaccedilatildeo da
realidade por meio da reflexatildeo teoria e praacutetica ainda pelo vieacutes bakhtiniano de
linguagem ao dizer que o ser humano e sua palavra constituem o objeto fundamental
do conhecimentordquo (ibid)
O corpus utilizado foi pois construiacutedo-produzido por meio de gravaccedilotildees e
viacutedeos das sessotildees reflexivas e do curso de extensatildeo no acircmbito de uma das creches
puacuteblicas municipais e da UFJF Devido agrave riqueza e ao volume de registros produzidos
nos vaacuterios contextos da pesquisa selecionei alguns momentos em forma de excertos
que pudessem ilustrar e responder as questotildees deste trabalho no momento da anaacutelise e
interpretaccedilatildeo dos dados
O procedimento de produccedilatildeo e geraccedilatildeo dos dados da presente investigaccedilatildeo
ocorreu de marccedilo a dezembro de 2006 e de marccedilo a dezembro de 2009 por meio de trecircs
instrumentos 3 sessotildees reflexivas com 4 professoras de uma creche municipal da
AMAC 2 encontros do curso de extensatildeo e 1 sessatildeo reflexiva com as coordenadoras
das 23 creches do municiacutepio de Juiz de Fora Assim no proacuteximo quadro apresento uma
siacutentese dos instrumentos usados para a discussatildeo
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 125
ILKA SCHAPPER SANTOS
Quadro 13 ndash Siacutentese dos instrumentos usados para a discussatildeo
Para responder as questotildees de pesquisa constam nesses instrumentos dados relevantes para a
compreensatildeo do compartilhamento de sentidos e significados por meio da argumentaccedilatildeo no
movimento da Cadeia Criativa
Questotildees da Pesquisa
Como o processo da argumentaccedilatildeo desenvolvido entre pesquisadoras e educadoras
permite expor sentidos e significados sobre a brincadeira no movimento da cadeia
Quais argumentos contribuiacuteram para a produccedilatildeo de significado sobre o brincar no
movimento da Cadeia Criativa
Instrumentos Local de
ColetaProduccedilatildeo
3 sessotildees reflexivas com 4 professoras Uma creche municipal ndash
2006
2 encontros do curso de extensatildeo intitulado ldquoEspaccedilo de Reflexatildeo
Teoacuterico-Praacutetico em Contexto de Colaboraccedilatildeordquo com 23 as
coordenadoras das 23 creches municipais
Universidade Federal de
Juiz de Fora ndash 2007
1 sessatildeo reflexiva com as 23 coordenadoras das 23 creches
municipais
Universidade Federal de
Juiz de Fora ndash 2009
36 ndash Procedimentos de Anaacutelise e Interpretaccedilatildeo de Resultados
Nesta sessatildeo esclareccedilo ao leitor como procedi para analisar e interpretar os
dados desta tese Primeiro apresento as Categorias Linguiacutestico-Discursivas e as
Categorias de Interpretaccedilatildeo que seratildeo utilizadas para responder as perguntas da
pesquisa Para melhor compreensatildeo do leitor faccedilo uso de quadros que sintetizam os
elementos constitutivos de cada categoria
No campo das Ciecircncias Humanas o ser humano e sua palavra constituem objeto
fundante do conhecimento Suas ideias seus pontos de vista seus questionamentos e
explicaccedilotildees se concretizam por meio de enunciados verbais e extraverbais e em um
movimento dialeacutetico ao mesmo tempo em que produz esses enunciados eacute tambeacutem por
eles representados Na ausecircncia dos enunciados alheios e proacuteprios temos a ausecircncia do
objeto de estudo e do proacuteprio pensamento Pois como explica Amorim (2004 p 188)
ldquoo objeto de estudos torna-se sujeito sujeito falante autor do mesmo modo que aquele
que estudardquo
Bakhtin (1987) por meio de sua teoria enunciativa da linguagem permite pensar
a pesquisa em Ciecircncias Humanas numa perspectiva dialoacutegica Para ele ldquoo objeto das
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 126
ILKA SCHAPPER SANTOS
ciecircncias humanas eacute o ser expressivo e falanterdquo (p 395) Este natildeo deve ser portanto
concebido como objeto mas como um sujeito coparticipante coautor no processo de
pesquisa a qual deve se pautar na reflexatildeo-compreensatildeo com o sujeito da pesquisa e
natildeo sobre ele
Segundo Fuga (2009 p 115) ldquoos dados bdquofalam‟ ou seja apontam o caminho
para a compreensatildeo do problema investigado e por conseguinte uma possibilidade de
interferecircncia e transformaccedilatildeo na questatildeo abordadardquo Assim ldquoouvir os dadosrdquo na
perspectiva da LA implica sobremaneira a criaccedilatildeo de duas classes de categorias a
linguiacutestico-discursiva e a interpretativa Refletir sobre a linguagem no interior do
processo de pesquisa requer tecer um diaacutelogo entre esses dois tipos de categorias o que
possibilita identificar o movimento discursivo dos pesquisadores e participantes da
pesquisa na construccedilatildeo-produccedilatildeo do conhecimento Assim no proacuteximo item apresento
as categorias de anaacutelise
361 ndash Categorias de Anaacutelise
Para responder as questotildees desta pesquisa foram analisados como jaacute disse
anteriormente 3 sessotildees reflexivas com professores de uma creche municipal 2
encontros de um curso de extensatildeo e 1 sessatildeo reflexiva com os 23 coordenadores das
23 creches municipais Cada atividade selecionada foi nomeada na anaacutelise de
cronotopo da Cadeia Criativa (BakhtinVolochinov 1988) Dito de outro modo o
tempo e o espaccedilo em que ocorreu cada atividade constituem-se como elos no
movimento de anaacutelise da Cadeia Criativa Esse movimento foi fundamental para que
pudesse compreender a situaccedilatildeo de interaccedilatildeo bem como os aspectos que influenciaram
os enunciados produzidos
Na busca de compreender como ocorreu o compartilhamento de sentidos e
significados entre os professores e os demais participantes e para entender o papel da
argumentaccedilatildeo na construccedilatildeo-produccedilatildeo de conhecimento dos sujeitos nas atividades que
compotildeem o corpus desta tese apoacutes a seleccedilatildeo dos excertos foram identificados os
elementos que constituem a estrutura argumentativa (Liberali 2009) Esse levantamento
auxiliou na compreensatildeo do desenvolvimento do raciociacutenio por meio da apresentaccedilatildeo
de argumentoscontra-argumentos pontos de vista mediante uma questatildeo controversa
ou uma busca de se chegar a um acordo Esses elementos foram intitulados no quadro
das categorias de anaacutelise linguiacutestico-discursivas de marcas argumentativas I
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 127
ILKA SCHAPPER SANTOS
Jaacute as marcas da interaccedilatildeo (Liberali e Shimoura 2007) ndash questionamentos
instruccedilotildees explicaccedilotildees retomadas de vozes anteriores e colocaccedilatildeo e recolocaccedilatildeo de
problemas tambeacutem satildeo categorias linguiacutestico-discursivas que datildeo movimento agraves
interaccedilotildees verbais e possibilitam a continuidade do fluxo discursivo
Por fim nas marcas argumentativas 2 busco por meio dos tipos de argumentos
(Perelman amp Olbrechts-Tyteca 19702005) apreender os sentidos e os significados
compartilhados pelos pesquisadores e participantes Os tipos de argumentos satildeo
elementos discursivos utilizados pelos interlocutores na busca de compartilhamento de
um ponto de vista Assim eacute importante que levantemos o que chamei de marcas
linguiacutesticas materializadas nos operadores argumentativos e nos decirciticos pois por meio
delas podemos mapear os tipos de argumentos
Grosso modo os operadores argumentativos tecircm no texto a finalidade de
designar ldquocertos elementos da gramaacutetica de uma liacutengua que tecircm por funccedilatildeo indicar a
forccedila argumentativa dos enunciados a direccedilatildeo (o sentido) para o qual apontamrdquo
(Koch 19922004 p 30) Esses elementos argumentativos se materializam em
conjunccedilotildees conectivos e adveacuterbios A anaacutelise dos operadores argumentativos possibilita
mostrar a forccedila argumentativa dos enunciados dito de outro modo possibilita
compreender o sentido para o qual apontam pois eles introduzem nos enunciados
novos conteuacutedos semacircnticos
Jaacute os decirciticos tecircm no movimento textual a funccedilatildeo de ldquoapontarrdquo para o contexto
situacional Constituem-se como marcas linguiacutesticas que permitem inscrever no
enunciado as marcas da interaccedilatildeo que se materializam como uacutenicas e irrepetiacuteveis
Desse modo os decirciticos assinalam o sujeito que enuncia e o seu interlocutor (decircixis
pessoal) aleacutem de ldquoapontarrdquo qual eacute o tempo (decircixis temporal) e o espaccedilo (decircixis
espacial) da enunciaccedilatildeo Gramaticalmente os decirciticos de pessoa satildeo denominados
pronomes pessoais pronomes possessivos sufixos flexionais de pessoa-nuacutemero
vocativos os decirciticos temporais satildeo conhecidos na gramaacutetica como adveacuterbios
locuccedilotildees adverbiais ou expressotildees de tempo por fim os decirciticos espaciais satildeo
representados gramaticalmente pelos adveacuterbios ou locuccedilotildees adverbiais de lugar
Analisar no fluxo da interaccedilatildeo verbal a funccedilatildeo decircitica possibilita sinalizar para o
contexto situacional e para loacutecus argumentativo possibilitando uma reflexatildeo sobre as
pessoas do discurso e os tempos e espaccedilos da interlocuccedilatildeo
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 128
ILKA SCHAPPER SANTOS
Retomo a seguir as categorias linguiacutestico-discursivas que subsidiam a anaacutelise
desta tese sintetizando-as em quadros ilustrativos
3611 ndash Marcas da Interaccedilatildeo
As marcas da interaccedilatildeo estatildeo presentes nos mecanismos enunciativos e nos tipos
de interaccedilotildees apresentadas nas sessotildees reflexivas e nos encontros do curso de extensatildeo
questionamentos instruccedilotildees explicaccedilotildees retomadas de vozes e colocaccedilatildeo e recolocaccedilatildeo
de problemas A anaacutelise do movimento dessas marcas pode revelar como se estabeleceu
a relaccedilatildeo entre os participantes
Quadro 14 ndash Marcas da interaccedilatildeo
Marcas da Interaccedilatildeo
Elementos discursivos que possibilitam
a interaccedilatildeo Definiccedilatildeo
Questionamento Levanta e apresenta questotildees contidas ou
natildeo nas discussotildees Esta marca possibilita
fomentar a discussatildeo
Instruccedilatildeo Apresenta as orientaccedilotildees as diretrizes
presentes em momentos da discussatildeo que
pode ser seguidas ou natildeo dependendo da
credibilidade do orador
Explicaccedilatildeo Apresenta elementos que possibilitam
elucidar pontos ou questotildees natildeo
compreendidas pelo auditoacuterio
Retomada de vozes Pauta-se no uso de enunciados anteriores
de pessoas presentes ou no momento da
discussatildeo para dar credibilidade ao orador
Colocaccedilatildeo e recolocaccedilatildeo de problemas Apresenta ou resgata os elementos contidos
nas discussotildees em forma de situaccedilotildees-
problema que possibilitam geralmente a
ampliaccedilatildeo do debate Sua eficaacutecia depende
da credibilidade do orador diante da
audiecircncia
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 129
ILKA SCHAPPER SANTOS
3612 ndash Marcas Argumentativas 1
Focalizando a anaacutelise argumentativa Liberali (2009) explica que o movimento
argumentativo apresenta elementos caracteriacutesticos no interior de sua estrutura Com
base nessa reflexatildeo apresento no quadro a seguir os itens que compotildeem o fluxo da
argumentatividade
Quadro 15 ndash Marcas Argumentativas 1
Marcas Argumentativas 1
Movimento Argumentativo Definiccedilatildeo
Ponto de vista Modo como os interlocutores se
posicionam diante das questotildees e
discussotildees apresentadas Geralmente
possibilita aos interlocutores ampliarem
seus sentidos
Contra-argumento Pautado na contraposiccedilatildeo agrave tese
apresentada ou nos argumentos utilizados
para defendecirc-la
Questatildeo controversa Geralmente eacute uma questatildeo que coloca em
duacutevida a tese apresentada Esse
movimento fomenta a reflexatildeo criacutetica
pois abre para possibilidades outras
diferentes das apresentadas nas
discussotildees
Acordo Em uma avaliaccedilatildeo dos diferentes pontos
de vista apresenta a possibilidade de
resoluccedilatildeo das situaccedilotildees de conflitos e
tensotildees
3613 ndash Marcas Argumentativas 2
As marcas argumentativas 2 nesta tese estatildeo fundamentadas na releitura que fiz de
alguns tipos de argumentos tratados por Perelman e Olbrechts-Tyteka (19702005) na
obra Tratado da Argumentaccedilatildeo ndash a nova retoacuterica abordados na terceira parte do livro
A releitura se fez necessaacuteria por conta de historicamente essas teacutecnicas argumentativas
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 130
ILKA SCHAPPER SANTOS
estarem no loacutecus da argumentaccedilatildeo juriacutedica Busquei portanto inseri-las nas
especificidades do contexto da educaccedilatildeo infantil no interior das creches
Quadro 16 ndash Marcas Argumentativas 2
Marcas Argumentativas 2
Tipos de Argumentos que respaldam
o movimento argumentativo Definiccedilatildeo
Citaccedilatildeo
Teoacuterico Pode reforccedilar ou refutar a tese
defendida Sua forccedila argumentativa soacute
existe se tiver credibilidade
Autoridade A voz do outro pode ser seguida ou
natildeo pois depende da posiccedilatildeo que
ocupa
Fonte Precisa ser considerada coerente e
fidedigna pelo auditoacuterio
Definiccedilatildeo
Indica o sentidosignificado de algo a partir de suas
caracteriacutesticas observaacuteveis ou subjetivas Pode pautar-se
ainda em uma convenccedilatildeo estando assim isento de
julgamentos
Comparaccedilatildeo Confronta dois (ou mais) acontecimentos para estabelecer
distinccedilotildees oposiccedilotildees entre si
Pragmaacutetico
Possibilita apreciar um acontecimento ou um ato por meio de
suas consequecircncias presentes ou futuras tendo relevacircncia
direta para a accedilatildeo Este argumento geralmente estaacute pautado no
senso comum
Exemplo Quando accedilotildees ou acontecimentos passados satildeo retomados para
sustentar uma explicaccedilatildeo
3614 ndash Marcas Linguiacutesticas
As marcas linguiacutesticas satildeo aqui representadas por decirciticos espaciais temporais
e de pessoas e por operadores argumentativos como elementos que possibilitam apontar
o loacutecus do contexto situacional da interlocuccedilatildeo e a forccedila dos enunciados tecidos entre
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 131
ILKA SCHAPPER SANTOS
pesquisadores e participantes da pesquisa como jaacute mencionado Promovem um ingresso
no movimento argumentativo no fluxo da interaccedilatildeo verbal
Quadro 17 ndash Marcas Linguiacutesticas
Marcas Linguiacutesticas
Decirciticos espacial temporal e de pessoa
Operadores argumentativos
362 ndash Categorias de Interpretaccedilatildeo
As categorias de interpretaccedilatildeo foram criadas a partir dos conceitos de sentido e
significado (BakhtinVolochinov 1988 Vygotsky 19301991 19342001) ZPD como
zona de conflitos de criticidade e de colaboraccedilatildeo (Magalhatildees 2009 p 61) discurso
internamente persuasivo e discurso de autoridade (Bakhtin 1983) cronotopia e
exotopia (Bakhtin 1987) A seleccedilatildeo dessas categorias decorre da possibilidade de se
perceber por meio de sua anaacutelise como se processa o compartilhamento de sentidos e
significados na produccedilatildeo-construccedilatildeo do conhecimento no movimento da Cadeia
Criativa
Quadro 18 ndash Categorias de Interpretaccedilatildeo
Categorias de Interpretaccedilatildeo
Sentidos e significados
ZPD ndash zona de conflitos criticidade e colaboraccedilatildeo
Discurso internamente persuasivo e Discurso de autoridade
Cronotopia e Exotopia
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 132
ILKA SCHAPPER SANTOS
37 ndash Credibilidade neste Processo de Pesquisa
Eacute importante que qualquer pesquisa cientiacutefica seja submetida natildeo soacute agrave criacutetica dos
pares mas tambeacutem daqueles que tecircm posiccedilotildees contraacuterias agraves discussotildees debatidas no
interior da investigaccedilatildeo Diferentes olhares embates argumentativos que possibilitam
rever o trabalho revisitar posicionamentos e posturas e principalmente permitir o
levantamento de questotildees que geram inquietaccedilotildees quanto ao motivo de uma dada
escolha Essas posturas diante do processo de pesquisa conferem credibilidade ao
trabalho do pesquisador (Fuga 2009 p 122)
Segundo Fuga (2009) um dos processos necessaacuterios agrave confiabilidade no
processo de pesquisa eacute o engajamento prolongado do pesquisador no contexto de
pesquisa necessaacuterio para alcanccedilar os objetivos traccedilados Como jaacute explicitado estive
presente em todos os contextos em que esta pesquisa se insere nas sessotildees reflexivas
com as 4 professoras de uma das creches puacuteblicas municipais (2006) no planejamento e
execuccedilatildeo dos 10 encontros do curso de extensatildeo (2007) e das 8 sessotildees reflexivas
realizadas com as 23 coordenadoras das 23 creches municipais (2008-2009)
Esta pesquisa tambeacutem passou por discussotildees nos seminaacuterios de orientaccedilatildeo
principalmente discussotildees sobre dos aspectos teoacutericos metodoloacutegicos e sobre a anaacutelise
dos resultados Nesse espaccedilo os colegas mestrandos e doutorandos fizeram
questionamentos e deram contribuiccedilotildees para a estruturaccedilatildeo textual Tive ainda
orientaccedilatildeo e acompanhamento individual da minha orientadora em todos os momentos
da feitura desta tese
Aleacutem disso os dados produzidos no GP EFoPI material de anaacutelise deste
trabalho geraram textos acadecircmicos que foram apresentados em vaacuterios congressos
nacionais e internacionais e no acircmbito da PUC-SP e da UFJF o que desdobrou na
publicaccedilatildeo de artigos em importantes perioacutedicos de circulaccedilatildeo nacional No acircmbito do
LAEL ndash PUC-SP este estudo foi submetido a trecircs bancas de qualificaccedilatildeo cujas
sugestotildees e questionamentos permitiram mudanccedilas reorganizaccedilotildees e redefiniccedilatildeo de
questotildees Nos periacuteodos das qualificaccedilotildees pude discutir a abordagem teoacuterica a opccedilatildeo
metodoloacutegica e os procedimentos de anaacutelise e interpretaccedilatildeo dos dados Esse processo
permitiu que repensasse o percurso desta pesquisa em uma interlocuccedilatildeo calorosa com as
professoras doutoras que compuseram as bancas Alzira Shimoura Maria Ceciacutelia
Magalhatildees Maria Helena Pistori Mona Hawi e Wanda Aguiar Junqueira
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 133
ILKA SCHAPPER SANTOS
Por fim em 31 de agosto de 2009 a pesquisa foi aprovada pelo Comitecirc de Eacutetica
da PUC-SP Esse oacutergatildeo da PUC tem por objetivo resguardar os direitos e as imagens
dos participantes da investigaccedilatildeo A autorizaccedilatildeo desse Comitecirc foi registrada sob o
protocolo no 1942009 em anexo no final deste trabalho
Assim depois de ter tecido discussotildees que atravessam esta pesquisa referentes agrave
metodologia apresentarei no proacuteximo capiacutetulo a discussatildeo dos resultados por meio da
anaacutelise e interpretaccedilatildeo dos dados
ILKA SCHAPPER SANTOS
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO
Este capiacutetulo objetiva apresentar e discutir os resultados da pesquisa dialogando
com eles agrave luz dos fundamentos teoacuterico-metodoloacutegicos que sustentam esta tese para
responder as questotildees que orientam este trabalho a saber
Como o processo da argumentaccedilatildeo desenvolvido entre pesquisadores e educadores
permite expor sentidos e significados sobre a brincadeira no movimento da Cadeia
Criativa
Quais argumentos contribuiacuteram para a produccedilatildeo de significado sobre o brincar no
movimento da Cadeia Criativa
O capiacutetulo estaacute estruturado em trecircs partes tendo em vista a sequecircncia dos
cronotopos (Bakhtin 1983) no movimento da Cadeia Criativa A divisatildeo das partes em
cronotopos se justifica neste trabalho pela tentativa de situar o tempo-espaccedilo da
produccedilatildeo discursiva no interior das discussotildees tecidas entre pesquisadoras e educadoras
do GP EFoPI selecionada para a anaacutelise
Na primeira seccedilatildeo a discussatildeo se fixa nos excertos de 3 sessotildees reflexivas para
analisar a partir das perguntas da tese o processo reflexivo construiacutedo entre duas
pesquisadoras do GP EFoPI e quatro professoras participantes de uma das 23 creches do
municiacutepio de Juiz de Fora realizadas ao longo do ano de 2006 configurando o primeiro
cronotopo da Cadeia Criativa Estas sessotildees tiveram o objetivo de discutir o brincar
como eixo do trabalho docente com crianccedilas de dois e trecircs anos de idade
Em seguida abordo as interlocuccedilotildees tecidas entre o GP EFoPI e as 23
coordenadoras das 23 creches da AMAC do municiacutepio de Juiz de Fora no interior de
dois encontros do curso de extensatildeo intitulado ldquoEspaccedilo de Reflexatildeo Teoacuterico-Praacutetico em
Contexto de Colaboraccedilatildeordquo que expressam o segundo cronotopo Eacute importante
esclarecer que a escolha desses dois encontros se deu por conta da relaccedilatildeo dos temas
com este estudo (1) o terceiro encontro ldquoA Dimensatildeo Luacutedica na Crianccedila e na
Crecherdquo e (2) o quarto encontro ldquoA Dimensatildeo Luacutedica no Espaccedilo-Ambiente da Creche
reflexotildees sobre o brincarrdquo Por fim continuo o diaacutelogo entre as pesquisadoras e as
referidas coordenadoras por meio de uma nova sessatildeo reflexiva
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 135
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Em todos os cronotopos haacute subseccedilotildees que traduzem um agrupamento de
excertos circunscritos a uma mesma temaacutetica Os tiacutetulos dessas subseccedilotildees satildeo nomeados
a partir da atividade desenvolvida no interior das interaccedilotildees vivenciadas pelo grupo
41 ndash 1ordm Cronotopo da Cadeia Criativa ndash Sessotildees reflexivas com pesquisadoras do
GP EFoPI e educadoras da creche
As sessotildees reflexivas com as pesquisadoras do GP EFoPI e educadoras de uma
das 23 creches do municiacutepio de Juiz de Fora foram planejadas no interior das reuniotildees
de pesquisa para compreender criticamente o lugar das brincadeiras de faz de conta no
universo da creche buscando observar o desenvolvimento das experiecircncias infantis
orientadas pelo educadorprofessor O diaacutelogo nas sessotildees foi tecido a partir da
observaccedilatildeo de atividades filmadas de outras educadoras e das proacuteprias professoras que
tiveram como eixo a brincadeira de faz de conta Os encontros com as educadoras
subsidiaram as discussotildees tecidas no curso de extensatildeo e nas sessotildees reflexivas com as
coordenadoras das 23 creches do municiacutepio (cronotopos 2 e 3 da cadeia criativa)
Em todo o movimento da cadeia criativa formada pelas pesquisadoras e
profissionais das creches as participantes buscavam discutir como a disposiccedilatildeo dos
brinquedos e as brincadeiras desenvolvidas podiam ser elementos de aprendizagens
relevantes e de reconstruccedilatildeo do real pela crianccedila
411 ndash 1ordf Sessatildeo Reflexiva Analisada ndash dia 14 de agosto de 2006
Os trecircs primeiros excertos selecionados para este capiacutetulo de anaacutelise foram
retirados da segunda sessatildeo reflexiva com as quatro professoras de uma das creches
municipais que trabalham com crianccedilas de dois e trecircs anos de idade e duas
pesquisadoras do GP EFoPI em 14 de agosto de 2006 na sala de reuniotildees da creche O
objetivo da sessatildeo era discutir o lugar do luacutedico na educaccedilatildeo infantil tendo como
referente um viacutedeo em que uma professora desenvolve duas atividades luacutedicas com
crianccedilas de quatro anos de idade
Na primeira atividade do viacutedeo a professora pega uma caixa de blocos loacutegicos29
e vai mostrando o material para as crianccedilas enquanto solicita que o grupo de alunos
29 Constitui-se de 48 peccedilas que combinam quatro atributos em cada uma sendo
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 136
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responda quais as formas (quadrado ciacuterculo triacircngulo e retacircngulo) as cores (vermelho
amarelo e azul) os tamanhos (grande pequeno) e as espessuras (grosso e fino) Na
segunda atividade a professora entrega pedaccedilos de papeizinhos com as formas
geomeacutetricas dos blocos loacutegicos e solicita agraves crianccedilas que montem desenhos a partir
delas mas com um referente definido com o ciacuterculo fazer um sol por exemplo
Vejamos o 1ordm fragmento em que a pesquisadora solicita agraves professoras a
descriccedilatildeo de uma atividade
1ordm Excerto
(1) Leacutea Noacutes vamos assistir agora agrave atividade e vocecircs descrevam a atividade Sabe o
que que eacute descrever neacute Eacute escrever o que viu na atividade Eu queria uma atividade de
brincadeira com as crianccedilas certo Eu vou dar uma sugestatildeo de como escrever o que
que vocecircs viram vocecircs vatildeo descrever o que que a professora fez o que que o aluno
fez o que que vocecircs viram no viacutedeo Vamos Eacute soacute vocecircs descreverem
A pesquisadora espera as professoras finalizarem as descriccedilotildees da cena vista no
viacutedeo e depois solicita que elas iniciem a descriccedilatildeo
(2) Leacutea Entatildeo vamos laacute quem gostaria de comeccedilar e estar comentando e descrevendo
o que que viu nessa atividade que vocecircs assistiram no viacutedeo
(3) Claacuteudia Eu percebi que a professora trabalhou de forma luacutedica diversos
conteuacutedos como a matemaacutetica atraveacutes dos alunos manipularem blocos loacutegicos
observando formas e cores a linguagem oral e escrita onde cada um procurou criar
variados objetos deixando transparecer a importacircncia do brincar na educaccedilatildeo infantil
(4) Leacutea Vamos laacute Vocecirc professora Mirela
(5) Mirela eacute eu tambeacutem observei que a professora deixou as crianccedilas muito livres
naquela hora que ela estaacute trabalhando as figuras geomeacutetricas aiacute trabalhou as cores
trabalhou assim deixou as crianccedilas falarem oralmente livremente cada transformaccedilatildeo
ali que eles estavam transformando E eu achei interessante tambeacutem na hora em que a
menina falou - Isso daqui eacute um papagaio Aiacute ela (a professora) falou assim - Natildeo
Tamanho (grande e pequeno)
Cor (amarelo azul e vermelho)
Forma (ciacuterculo quadrado triacircngulo e retacircngulo)
Espessura (grosso e fino)
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 137
ILKA SCHAPPER SANTOS
parece uma casa natildeo Aiacute vocecirc vecirc assim que interessante a crianccedila quando ela fala que
eacute uma coisa como que ela visualiza aquilo
(6) Fabiana Eacute eu tambeacutem vi que ela trabalhou as cores as formas dentro da
linguagem matemaacutetica tambeacutem A liberdade que ela deu agraves crianccedilas cada um com as
suas formas geomeacutetricas elas criaram tiveram a criatividade foi um momento de
desenvolver a criatividade deles natildeo foi aquela coisa presa eles fizeram livremente
No exoacuterdio30
(introduccedilatildeo do discurso que tem como objetivo conquistar a
simpatia do auditoacuterio) do excerto acima a pesquisadora (1) faz a apresentaccedilatildeo do
partitio ndash o plano a seguir a) Noacutes vamos assistir agora a atividade e vocecircs descrevam a
atividade e b) depois expotildee como deve ser feita a descriccedilatildeo da cena analisada Eu vou
dar uma sugestatildeo de como escrever o que que vocecircs viram vocecircs vatildeo descrever o
que que a professora fez o que que o aluno fez o que que vocecircs viram no viacutedeo
Vamos gente Eacute soacute vocecircs descreverem Aleacutem da apresentaccedilatildeo do discurso o exoacuterdio
tem a funccedilatildeo segundo Reboul (2004 p 55) de apresentar o assunto e projetar o ethos
do orador Isso eacute feito com o uso da funccedilatildeo faacutetica que busca uma adesatildeo inicial por
parte do auditoacuterio
O fragmento (1) ldquoNoacutes vamos assistir agora a atividaderdquo sinaliza o grau de
implicaccedilatildeo que a oradora deseja imprimir ao discurso expresso com o uso do pronome
pessoal na primeira pessoal do plural ldquonoacutesrdquo Depois a pesquisadora continua o turno
dizendo ldquoe vocecircs descrevam a atividaderdquo Para solicitar a tarefa ao auditoacuterio a
pesquisadora faz uso do pronome ldquovocecircsrdquo e tambeacutem faz uso do verbo descrever no
imperativo afirmativo (ldquodescrevamrdquo) que exprime uma solicitaccedilatildeo uma ordem Fica
claro assim que a descriccedilatildeo seraacute feita pelas professoras participantes
Eacute interessante notar que a pesquisadora no exoacuterdio pede agraves professoras para
assistirem e descreverem o que viram na cena depois anuncia que daraacute uma sugestatildeo de
como elas devem descrever Para isso solicita exemplos ldquoo que que a professora fez
o que que o aluno fezrdquo No entanto natildeo satildeo levantados questionamentos sobre a
estrutura do que seja descriccedilatildeo de uma atividade envolvendo a brincadeira Ao contraacuterio
disso a pesquisadora levanta questotildees geneacutericas sem formular questionamentos ou
fornecer exemplos que possam orientar as professoras na realizaccedilatildeo da tarefa
30 Do latim exordire (ldquocomeccedilarrdquo)
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 138
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Em seguida a oradora finaliza o turno dizendo ldquoEacute soacute vocecircs descreveremrdquo Esse
argumento tem para o auditoacuterio um efeito de hierarquia pois a orientaccedilatildeo eacute algo a ser
seguido Na cena enunciativa isso se presentifica com o uso do adjetivo ldquosoacuterdquo
mostrando que as professoras tecircm que fazer apenas isso uma descriccedilatildeo
Em siacutentese o turno (1) mostra que a pesquisadora pretende fazer com que as
educadoras a partir da descriccedilatildeo da cena na sessatildeo reflexiva consigam ter elementos
para refletir sobre o lugar do luacutedico da brincadeira na educaccedilatildeo infantil Essa mediaccedilatildeo
revela a interpretaccedilatildeo da pesquisadora das etapas do processo criacutetico reflexivo propostas
por Smyth (1992) e a busca de trazer para o diaacutelogo com as professoras questotildees
relacionadas ao momento do descrever Apesar de estar relacionada com essa etapa do
processo criacutetico reflexivo natildeo haacute desdobramentos de questotildees que possibilitem agraves
professoras participantes fazerem um detalhamento do que viram no viacutedeo
Segundo Liberali (2008) o levantamento de alguns elementos auxilia na
elaboraccedilatildeo de uma descriccedilatildeo detalhada do contexto de produccedilatildeo e pode servir de base
para um futuro confrontar Neste caso poderiam se constituir recursos para confrontar
as praacuteticas das salas de atividades de educaccedilatildeo infantil apresentaccedilatildeo do contexto de
produccedilatildeo da atividade mapeamento de quem satildeo os envolvidos na cena analisada o
tipo de atividade desenvolvida faixa etaacuteria e nuacutemero de crianccedilas assunto abordado
interaccedilatildeo crianccedilacrianccedila e adultocrianccedila caracteriacutesticas da sala de atividade como e
em que periacuteodo a atividade foi desenvolvida como a atividade se processou
apresentaccedilatildeo do tema a ser desenvolvido que tipo de trabalho foi desenvolvido ndash em
grupo em dupla individualmente ndash como os alunos atuaram durante a atividade como
os alunos responderam as questotildees levantadas pela professora e demais colegas e o que
os alunos e a professora disseramfizeram no decorrer da atividade Essas seriam
algumas das questotildees que a pesquisadora poderia levantar para orientar as professoras
na descriccedilatildeo da cena do viacutedeo
Apesar de natildeo especificar a tarefa a pesquisadora tem o intuito de que as
professoras descrevam a cena para promover o debate sobre as estrateacutegias que a
educadora do viacutedeo utilizou para promover a atividade luacutedica com crianccedilas pequenas
No turno (3) a professora Claacuteudia inicia seu discurso dizendo ldquoEu percebi que a
professora trabalhou de forma luacutedica diversos conteuacutedosrdquo com isso anuncia que seu
discurso estaraacute pautado na sua percepccedilatildeo do que foi visto e natildeo na descriccedilatildeo da
atividade Desse modo a educadora apenas menciona o que notou na cena de modo
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 139
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mais superficial sem respaldar seus argumentos em um detalhamento do contexto de
produccedilatildeo da atividade desenvolvida no viacutedeo
A professora Mirela por sua vez inicia seu turno dizendo (5) ldquoEacute observei
tambeacutemrdquo mostrando a partir do adveacuterbio ldquotambeacutemrdquo que percebeu da mesma forma que
a professora Claacuteudia depois amplia especificando seu argumento Na explicaccedilatildeo a
educadora insere mais um dado para o que entende sobre a importacircncia do brincar na
educaccedilatildeo infantil Com o adjetivo ldquolivresrdquo e a expressatildeo ldquotrabalhou de forma luacutedica
diversos conteuacutedosrdquo procura sinalizar que a educadora do viacutedeo priorizou o trabalho
com o luacutedico No entanto faz uso do argumento pragmaacutetico relacionando o movimento
da ludicidade com os conteuacutedos da matemaacutetica e da linguagem oral e escrita ldquocomo a
matemaacutetica atraveacutes dos alunos manipularem blocos loacutegicos observando formas e
cores a linguagem oral e escrita onde cada um procurou criar variados objetosrdquo O
uso desse recurso argumentativo permitiu agrave educadora apreciar acontecimentos segundo
suas consequecircncias buscando mostrar sua importacircncia direta na accedilatildeo da cena analisada
No entanto a forma como tece as relaccedilotildees entre os acontecimentos e suas
consequecircncias sinaliza para uma concepccedilatildeo de brincar estruturada sob a oacutetica do
conhecimento sistematizado desenvolvimento loacutegico matemaacutetico e linguagem
destacando formas e cores e linguagem oral e escrita respectivamente Nesse momento
a professora compartilha um significado cristalizado do brincar qual seja aquele
vinculado a um atividade escolarizada com o vistas agrave aprendizagem de conteuacutedos
especiacuteficos
Depois Mirela explica que ao manipularem os materiais como por exemplo os
blocos loacutegicos as crianccedilas estavam em processo de transformaccedilatildeo ldquodeixou as crianccedilas
falarem oralmente livremente cada transformaccedilatildeo ali neacute que eles estavam
transformandordquo Para explicar esse processo de transformaccedilatildeo na atividade que julgou
luacutedica a professora usa outro argumento de exemplo agora pautado em uma cena do
viacutedeo ldquoE eu achei interessante tambeacutem na hora em que a menina falou - Como que
eacute Isso daqui eacute um papagaio Aiacute ela (a professora do viacutedeo) falou assim - Natildeo parece
uma casa natildeo Aiacute vocecirc vecirc assim que interessante a crianccedila quando ela fala que eacute
uma coisa como que ela visualiza aquilordquo Na explicaccedilatildeo a partir do argumento de
exemplo a professora exemplifica com a afirmativa da crianccedila ldquoIsso daqui eacute um
papagaiordquo depois explica que ldquointeressante a crianccedila quando ela fala que eacute uma
coisa como que ela visualiza aquilordquo Ao usar o qualificativo ldquointeressanterdquo em dois
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 140
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momentos do argumento de exemplo a professora em um primeiro movimento avalia o
exemplo antes mesmo de relataacute-lo e depois reforccedila sua avaliaccedilatildeo para concluir que a
crianccedila a partir de um dado objeto o transforma em outro Mas natildeo se posiciona diante
da assertiva da professora do viacutedeo que questiona ldquoNatildeo parece uma casa natildeordquo
Eacute sim interessante perceber que a professora Mirela havia dito no fragmento
ldquopercebi que a professora deixou as crianccedilas muito livresrdquo e paradoxalmente o
exemplo que ela utilizou contradiz sua fala pois a professora do viacutedeo natildeo considera o
enunciado da crianccedila ldquoIsso daqui eacute um papagaiordquo mas reforccedila sua proacutepria
compreensatildeo do objeto representado ou seja uma casa No fluxo discursivo da
educadora notamos que sua fala vai de encontro ao processo da descriccedilatildeo
No turno (6) a professora Fabiana enuncia ldquoEacute eu tambeacutem vi que ela
trabalhou as cores as formas dentro da linguagem matemaacutetica tambeacutem A liberdade
que ela deu agraves crianccedilas cada um com as suas formas geomeacutetricas eles criaram
tiveram a criatividade foi um momento de desenvolver a criatividade deles natildeo foi
aquela coisa presa eles fizeram livrementerdquo Na fala de Fabiana reaparece o adveacuterbio
ldquotambeacutemrdquo para confirmar as observaccedilotildees das duas outras professoras retomando a
assertiva com o argumento de exemplo que a professora trabalhou os conhecimentos
matemaacuteticos Mas Fabiana introduz no seu argumento o substantivo ldquocriatividaderdquo
para explicar que a atividade foi desenvolvida pela professora do viacutedeo de forma
criativa No entanto natildeo faz uso de elementos discursivos que esclareccedilam os sentidos-
significados que ela professora atribui agrave criatividade
O 1ordm excerto revela uma contradiccedilatildeo latente na fala das professoras participantes
nas relaccedilotildees que estabelecem entre os binocircmios luacutedicolivre luacutedicocriatividade e
luacutedicoconteuacutedos diversos (em especial os conteuacutedos de linguagem e da matemaacutetica)
Os dois primeiros estatildeo atrelados ao luacutedico como reconstruccedilatildeo do real como
possibilidade de as crianccedilas anteciparem papeacuteis sociais e o terceiro ao luacutedico como
instrumento de aprendizagem dos conteuacutedos escolares
Embora na sessatildeo reflexiva haja um espaccedilo para que todos se coloquem a partir
da indagaccedilatildeo da pesquisadora cria-se um fosso entre os diaacutelogos tecidos pelas
coordenadoras e o silecircncio da pesquisadora sobre suas concepccedilotildees em relaccedilatildeo ao luacutedico
e ao brincar Esse silecircncio inviabilizou trazer para o espaccedilo enunciativo elementos de
tensatildeo conflitos e possibilidade de transformaccedilatildeo dos significados rotinizados que as
educadoras compartilharam sobre a temaacutetica Assim a ausecircncia de contrapalavras de
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 141
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reacuteplicas das pesquisadoras (BakhtinVolochinov 1988) em relaccedilatildeo aos significados que
as coordenadoras trouxeram na sessatildeo impossibilitou que a atividade fosse
desenvolvida por meio da colaboraccedilatildeo criacutetica (Magalhatildees 2009)
Nas cenas discursivas natildeo se chega a uma base de sustentaccedilatildeo comum Em
outras palavras podemos inferir que as relaccedilotildees tecidas nesses turnos estatildeo pautadas nas
praacuteticas rotinizadas das professoras sem que se produzam questotildees de fundo teoacuterico ou
a argumentaccedilatildeo para a formaccedilatildeo de conceitos Podemos perceber no movimento
discursivo uma dificuldade das pesquisadoras em levantarem a partir dos sentidos
trazidos pelas professoras naquela comunidade semioacutetica questionamentos que
pudessem gerar duacutevidas polecircmicas em relaccedilatildeo ao estabelecido e ao rotinizado
Isso fica expliacutecito quando as educadoras lanccedilam matildeo de argumentos de exemplo
e argumentos pragmaacuteticos estruturados a partir do que assistiram no viacutedeo e de suas
experiecircncias profissionais (ie por trecircs vezes destacaram que a professora do viacutedeo
estava trabalhando a matemaacutetica ndash cores formas ndash e em dois momentos do discurso
disseram que a atividade possibilitava o desenvolvimento da linguagem) A reincidecircncia
desses argumentos nas falas sinaliza que os sentidos das professoras sobre o luacutedico e
sua materializaccedilatildeo na sala de atividade de educaccedilatildeo infantil satildeo muito parecidos Aleacutem
disso a circularidade argumentativa sem intervenccedilatildeo das pesquisadoras inviabiliza que
significados outros possam emergir no fluxo da interaccedilatildeo verbal
Em resumo neste excerto a pesquisadora faz questionamentos para fomentar a
tarefa no entanto natildeo especifica o que deve ser descrito e natildeo usa argumentos de
exemplo para esclarecer sobre o que deve ser feito Com isso as professoras tecem
descriccedilotildees e narrativas geneacutericas
Passemos agora para a anaacutelise do 2ordm trecho selecionado da mesma sessatildeo
reflexiva momento em que as pesquisadoras procuram possibilitar um espaccedilo de
compartilhamento dos significados trazidos pelas professoras sobre o brincar em
especial a relaccedilatildeo entre material concreto e o desenvolvimento de atividades luacutedicas
2ordm Excerto
(7) Patriacutecia Entatildeo vocecircs jaacute falaram mais ou menos o descrever E aiacute qual eacute o foco da
apresentaccedilatildeo do conteuacutedo da atividade Assim o que que ela quis estar mostrando
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com essa atividade ali (do viacutedeo)
(8) Mirela De forma luacutedica as cores e as formas geomeacutetricas mesmo e aiacute associou
cores com formas
(9) Claacuteudia E tambeacutem expressatildeo oral jaacute que ela foi nas mesas perguntando
(10) Leacutea Esperem aiacute um minutinho Vocecircs concordam com a Mirela Com o que a
Mirela disse Que eacute de forma luacutedica
(11) Claacuteudia Eu concordo porque as crianccedilas estavam aprendendo e brincando ao
mesmo tempo elas brincaram com brinquedos loacutegicos que eacute um recurso brincar com
brinquedos loacutegicos que motiva bastante a imaginaccedilatildeo delas
(12) Leacutea O que que te levou a dizer que motiva bastante a imaginaccedilatildeo deles O que
que no viacutedeo Claacuteudia te mostra que as crianccedilas estatildeo imaginando
(13) Claacuteudia O brincar com o material que a professora deixou que eles fossem
manipulando de acordo com o que iam manipulando
(14) Leacutea Qual material vocecirc estaacute falando
(15) Claacuteudia Os blocos loacutegicos
(16) Leacutea O que faz com que vocecirc ache que a atividade foi uma atividade luacutedica
(17) Claacuteudia Por manipular o concreto por estarem manipulando o concreto
(18) Leacutea Entatildeo vocecirc pensa que toda vez que as pessoas pensam que toda vez que
vocecirc trabalha com material concreto eacute luacutedico
(19) Mirela Eacute porque a gente trabalha assim
(20) Leacutea Toda vez que vocecircs trabalham com material concreto eacute luacutedico
(21) Mirela Eacute luacutedico
(22) Leacutea O trabalhar com material concreto eacute luacutedico para vocecircs
(23) Mirela eacute pra a gente aqui eacute
No primeiro fragmento do turno (7) a pesquisadora Patriacutecia inicia o enunciado
dizendo ldquoentatildeo vocecircs jaacute falaram mais ou menos o descrever rdquo Com a locuccedilatildeo
adverbial ldquomais ou menosrdquo avalia de forma modalizada que as professoras natildeo
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conseguiram estruturar a descriccedilatildeo da cena assistida Apesar de sinalizar que
descreveram ldquomais ou menosrdquo a cena do viacutedeo a pesquisadora natildeo mostra
discursivamente o que entatildeo as professoras fizeram aleacutem disso natildeo daacute indicativos de
como fazer
Depois a pesquisadora centraliza seus questionamentos com perguntas para a
explicaccedilatildeo ldquoE aiacute qual eacute o foco da apresentaccedilatildeo do conteuacutedo da atividade Assim o
que que ela quis estar mostrando com essa atividade alirdquo Assim as professoras satildeo
chamadas a refletirem sobre o conteuacutedo da atividade e a pensarem sobre os objetivos
que a professora do viacutedeo desejava alcanccedilar As professoras participantes retomam os
argumentos do recorte anterior e reafirmam a tese de que a professora trabalhou de
forma luacutedica usando os mesmos argumentos de exemplo e pragmaacutetico Isso se revela
nos turnos (8) e (9) quando voltam a relacionar o luacutedico com os conteuacutedos matemaacuteticos
e os conteuacutedos de linguagem
Para as pesquisadoras a definiccedilatildeo de um campo comum sobre o que as
professoras entendem como um trabalho pautado na atividade luacutedica eacute essencial para a
discussatildeo que pretendem tecer com as educadoras Por isso no turno (10) Leacutea levanta
os questionamentos ldquoVocecircs concordam com a Mirela Com o que a Mirela disse que
eacute de forma luacutedicardquo O que estaacute em jogo eacute a busca de um significado compartilhado
sobre o brincar mas como as pesquisadoras natildeo se posicionaram no campo
argumentativo sobre as concepccedilotildees do GP EFoPI relativas agrave brincadeira na educaccedilatildeo
infantil a discussatildeo fica fundada apenas na retomada da fala anterior de Mirela Mais
uma vez natildeo se cria um espaccedilo de polecircmica com contra-argumentos que possam gerar
uma crise nos significados estratificados
No turno (16) a pesquisadora faz um questionamento que exige
explicaccedilatildeoraciociacutenio ldquoo que faz com que vocecirc ache que a atividade foi uma atividade
luacutedicardquo Ao tecer esse questionamento a pesquisadora busca propiciar um espaccedilo de
ampliaccedilatildeo dos argumentos das professoras procurando fazer emergir outros sentidos e
conhecimentos cotidianos que elas possam vir a ter sobre o luacutedico A professora Claacuteudia
(17) explica que ldquopor manipular o concreto por estarem manipulando o concretordquo a
atividade pode ser considerada luacutedica Essa explicaccedilatildeo leva a pesquisadora a retomar o
enunciado da professora (18) ldquoentatildeo vocecirc pensa que toda vez que as pessoas
pensam que toda vez que vocecirc trabalha com material concreto eacute luacutedicordquo Essa
retomada por meio de um questionamento tem a funccedilatildeo de produzir uma definiccedilatildeo
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sobre os saberes das educadoras em relaccedilatildeo agrave diacuteade luacutedicoconcreto mas como natildeo estaacute
elaborado para tal soacute alcanccedila confirmaccedilatildeo e natildeo uma definiccedilatildeo Isso ocorreu porque
natildeo foi solicitado diretamente agraves participantes o conceito de luacutedico adotado natildeo
promovendo um espaccedilo em que elas pudessem tecer consideraccedilotildees sobre a ludicidade
Aleacutem disso as proacuteprias pesquisadoras natildeo trazem seus sentidos-significados sobre a
temaacutetica
Na sua resposta Mirela (19) usa o sintagma nominal ldquoa genterdquo (no lugar do
pronome de primeira pessoa do plural ldquonoacutesrdquo) ressaltando o grau de implicaccedilatildeo de todas
as professoras da creche em um trabalho que veicula o luacutedico ao material concreto
Aqui os significados referem-se aos conteuacutedos instituiacutedos (Aguiar e Ozella 2006) que
foram sendo apropriados pelas professoras a partir de suas praacuteticas docentes na
interlocuccedilatildeo com os demais profissionais da creche
Diante da assertiva da professora a pesquisadora repete o questionamento nos
turnos (20) ldquotoda vez que vocecircs trabalham com material concreto eacute luacutedicordquo e (22)
ldquotrabalhar com material concreto eacute luacutedico para vocecircsrdquo deixando transparecer seu
estranhamento com a tese da educadora da creche Em resposta a educadora reafirma a
tese de que o trabalho com o material concreto eacute um trabalho luacutedico ndash (23) ldquoeacute pra a
gente aqui eacuterdquo ndash sinalizando por meio do uso do adveacuterbio de lugar ldquoaquirdquo como decircitico
espacial que na creche essa concepccedilatildeo prevalece Haacute uma revelaccedilatildeo de cisatildeo em seu
discurso que separa ldquoa gente aqui rdquo remetendo-se agraves professoras da creche e excluindo
as pesquisadoras do seu discurso Essa cisatildeo desvela um distanciamento entre os saberes
das professoras no cotidiano da creche e os saberes da universidade natildeo criando zonas
de sentido que pudessem desestabilizar as significaccedilotildees apresentadas
Apesar de a pesquisadora questionar a concepccedilatildeo de que todo trabalho com
material concreto eacute luacutedico a reincidecircncia de seus questionamentos natildeo traz para cena
discursiva neste excerto argumentos baseados na teoria para refutar a tese das
professoras Isso porque as pesquisadoras natildeo esclarecem natildeo compartilham seus
proacuteprios significados sobre o luacutedico construiacutedos-produzidos no GP EFoPI aleacutem de natildeo
criarem contra-argumentos a partir dos pontos de vista das professoras Mais uma vez
natildeo se cria uma zona de conflitos tensotildees e por conseguinte uma zona de colaboraccedilatildeo
criacutetica (Magalhatildees 2009) entre os participantes que pudesse promover um
compartilhamento de significados e produccedilatildeo-construccedilatildeo de conhecimentos gerados na
siacutentese dialeacutetica entre teoria e praacutetica
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 145
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A ausecircncia de um contexto colaborativo inviabilizou inaugurar um espaccedilo em
que os participantes tivessem a possibilidade de tornar seus processos mentais mais
claros em que pudessem demonstrar e explicar esses processos no fluxo da interaccedilatildeo
verbal Assim natildeo houve ruptura nos sentidos-significados trazidos pelas professoras
ficando estes inscritos agraves esferas anteriores em que foram produzidos
Vejamos entatildeo na sequecircncia da sessatildeo reflexiva em anaacutelise um trecho em que
a discussatildeo se volta para a forma como a professora interveacutem nas accedilotildees das crianccedilas
3ordm Excerto
(24) Leacutea Agora pensando mais na atividade seguinte e natildeo naquela dos blocos
loacutegicos eacute vamos pensar mais um pouquinho pensando neacute descrevendo analisando o
que a professora fez Vocecircs disseram que as crianccedilas estavam livres para imaginarem o
que quisessem
(25) Fabiana eacute dos papeizinhos Porque a partir do momento em que ela colocou as
formas geomeacutetricas em cima da mesa antes dela intervir eles poderiam mostrar o que
eles quisessem eles estavam livres para mostrar o que eles quisessem Eu soacute achei
assim que na hora em que ela comeccedilou a intervir em que ele (o aluno) ia montar a
casa nem eacute assim uma criacutetica porque agraves vezes eu faccedilo isso tambeacutem por querer que
seja o sol sem deixar que seja uma casa ou palhaccedilo
(26) Mirela mas eu acho que de toda forma mesmo com ela intervindo a crianccedila ela
estava brincando em uma atividade luacutedica porque ateacute o momento em que eles (os
alunos) estavam manipulando o papel eles estavam do jeito deles colocavam ali
colocavam aqui na hora em que ela (a professora) chegou fez a intervenccedilatildeo da forma
que ela achava que era o melhor Por quecirc Porque fica muito abstrato vocecirc colar uma
coisa que a crianccedila fez no caderno sem um contexto fica fora de esteacutetica vocecirc colar no
caderno uma obra da crianccedila na visatildeo da professora com o quadrado aqui o ciacuterculo ali
(27) Leacutea na visatildeo da esteacutetica
(28) Leacutea deixa eu ver se eu entendi entatildeo Mirela Vocecirc disse entatildeo que a orientaccedilatildeo
da professora eacute de que fizessem alguma coisa que depois fossem colar no caderno
vocecirc fala nessa questatildeo da esteacutetica que vocecirc acha que a professora fez bem que a
professora agiu corretamente em estar orientando o lugar de pocircr o sol perguntando se
depois fazia alguma coisa porque depois na hora de colar no caderno precisaria ter
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 146
ILKA SCHAPPER SANTOS
uma certa esteacutetica
(29) Mirela natildeo vocecirc entendeu errado Eu disse que ela agiu deixando as crianccedilas
brincarem ludicamente deixando fazer o que queriam soacute que na hora de colar no
caderno ela se preocupou com a esteacutetica de quem vai ver Porque quem vai ver vai
olhar e falar assim ldquonossa por que vocecirc colou um ciacuterculo aqui e um triacircngulo alirdquo
Agora se ela juntasse colocasse um sol em cima um triacircngulo e um quadrado
embaixo esteticamente estaacute mais bonito O pai quando olhar vai dizer ldquonossa meu
filho que bonito vocecirc realmente fez uma casardquo Agora tudo separado o que que o pai
vai ver em casa ldquonossa filho vocecirc colou assim por que vocecirc natildeo juntourdquo Eu acho
que a preocupaccedilatildeo da professora foi isso
(30) Leacutea e a preocupaccedilatildeo sua qual seria Como vocecirc faria
Neste excerto a pesquisadora procura ampliar o debate a partir das atividades
analisadas Para isso faz uso principalmente de argumento de comparaccedilatildeo Jaacute as
educadoras continuam a fazer uso do argumento pragmaacutetico que pouco promove a
ampliaccedilatildeo do debate sobre o jaacute estabelecido
No turno (24) com o operador argumentativo ldquoagorardquo a pesquisadora introduz
no enunciado conteuacutedos pressupostos O pressuposto eacute desvelado com a continuidade
do discurso em que a oradora usa um argumento de comparaccedilatildeo ldquopensando mais na
atividade seguinte e natildeo naquela dos blocos loacutegicosrdquo para sinalizar que as professoras
participantes ateacute entatildeo estavam focando mais a primeira atividade do viacutedeo do que a
segunda Assim convida o auditoacuterio a se ater agrave segunda atividade a partir da
explicaccedilatildeo ldquovamos pensar mais um pouquinho pensando neacute descrevendo
analisando o que a professora fezrdquo Depois finaliza o enunciado retomando a tese das
professoras ndash ldquoas crianccedilas estavam livres para imaginarem o que quisessemrdquo ndash como
estrateacutegia de reflexatildeo abrindo espaccedilo para confirmaccedilotildees ou refutaccedilotildees
Em (25) a educadora da creche Fabiana busca sustentar a tese de que na
atividade ldquoas crianccedilas estavam livres para imaginarem o que quisessemrdquo atraveacutes de
argumento pragmaacutetico isso se evidencia na explicaccedilatildeo ldquoa partir do momento em que
ela colocou as formas geomeacutetricas em cima da mesa antes dela intervir eles
poderiam mostrar o que eles quisessem eles estavam livres para mostrar o que eles
quisessem rdquo
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 147
ILKA SCHAPPER SANTOS
No entanto ao continuar o diaacutelogo refuta a tese usando outro argumento
pragmaacutetico ldquoEu soacute achei assim que na hora em que ela comeccedilou a intervir em que
ele (o aluno) ia montar a casa nem eacute assim uma criacutetica porque agraves vezes eu faccedilo isso
tambeacutem por querer que seja o sol sem deixar que seja uma casa ou palhaccedilordquo
Eacute interessante notar que Mirela em (26) inicia seu enunciado com um operador
argumentativo para contrapor o uacuteltimo argumento pragmaacutetico de Fabiana ldquomas eu acho
que de toda forma mesmo com ela intervindo a crianccedila ela estava brincando em
uma atividade luacutedicardquo Na continuaccedilatildeo do diaacutelogo faz uso de outro operador ldquomesmordquo
para assinalar o argumento mais forte de uma escala orientada para uma determinada
conclusatildeo (Koch 19922004) ldquoela estava brincando em uma atividade luacutedicardquo
Depois termina o turno fazendo uso mais uma vez do argumento pragmaacutetico
ldquochegou fez a intervenccedilatildeo da forma que ela achava que era o melhor Por quecirc
Porque fica muito abstrato vocecirc colar uma coisa que a crianccedila fez no caderno sem
um contexto fica fora de esteacutetica vocecirc colar no caderno uma obra da crianccedila na
visatildeo da professora com o quadrado aqui o ciacuterculo alirdquo Com esse argumento
pretende mostrar o motivo pelo qual a professora do viacutedeo fez uma intervenccedilatildeo que natildeo
estava pautada em uma atividade de brincadeira livre Isso fica claro na explicaccedilatildeo ldquofica
fora de esteacuteticardquo
Leacutea em (28) com a expressatildeo ldquodeixa eu ver se eu entendi entatildeo Mirelardquo
busca confrontar o que a educadora havia dito Ao retomar a fala de Mirela a
pesquisadora apresenta uma siacutentese do que foi dito buscando aparentemente confrontar
a fala da educadora ldquoVocecirc disse entatildeo que a orientaccedilatildeo da professora eacute de que
fizessem alguma coisa que depois fossem colar no caderno vocecirc fala nessa questatildeo
da esteacutetica que vocecirc acha que a professora fez bem que a professora agiu
corretamente em estar orientando o lugar de pocircr o sol perguntando se depois fazia
alguma coisa porque depois na hora de colar no caderno precisaria ter uma certa
esteacuteticardquo No entanto o confrontar ficou pautado no senso comum sem que houvesse
compartilhamento de sentidos sobre a relaccedilatildeo entre a atividade luacutedica e a esteacutetica
declarado por Mirela
Diante da retomada de sua fala pela pesquisadora Mirela contra-argumenta
linguisticamente com o decircitico de pessoa ldquovocecircrdquo que sua fala foi entendida errada
logo em seguida faz a retificaccedilatildeo ldquoEu disse que ela (a professora do viacutedeo) agiu
deixando as crianccedilas brincarem ludicamente deixando fazer o que queriam soacute que
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 148
ILKA SCHAPPER SANTOS
na hora de colar no caderno ela se preocupou com a esteacutetica de quem vai verrdquo Nesse
movimento a professora continua sua explicaccedilatildeo usando um argumento pragmaacutetico
ldquoagiu deixando as crianccedilas brincarem ludicamente deixando fazer o que queriamrdquo
Depois faz uso do operador ldquosoacuterdquo para indicar a restriccedilatildeo no interior da sua
argumentaccedilatildeo orientando seu discurso para a negaccedilatildeo da totalidade jaacute que reforccedila a
preocupaccedilatildeo com a esteacutetica em relaccedilatildeo a quem vai ver a atividade no caderno das
crianccedilas Na verdade a educadora na sua explicaccedilatildeo utiliza argumentos de autoridade
ldquoo pai quando olhar vai dizer - nossa meu filho que bonito Vocecirc realmente fez
uma casardquo e ldquoo pai vai ver em casa - nossa filho vocecirc colou assim por que vocecirc natildeo
juntourdquo
No movimento discursivo entre argumentos pragmaacuteticos e argumentos de
autoridade a educadora busca justificar sua tese de que foi necessaacuterio a professora
considerar os aspectos esteacuteticos Os elementos argumentativos continuam circunscritos
ao senso comum sem um aporte teoacuterico que possa subsidiar a educadora na definiccedilatildeo
do que seja atividade luacutedica e na restriccedilatildeo em se priorizar o que estaacute chamando de
ldquoesteacuteticardquo
No turno seguinte (30) a pesquisadora faz dois questionamentos ldquoe a
preocupaccedilatildeo sua qual seria Como vocecirc fariardquo Com estas indagaccedilotildees Leacutea natildeo
retoma os argumentos anteriores passando para o que Smyth (1992) intitula de
reconstruir com isso tem a intenccedilatildeo de promover novas possibilidades de se pensar
atividades sobre o brincar No entanto como natildeo compartilhou no interior da sessatildeo o
significado do brincar adotado no GP EFoPI e pautado em explicaccedilotildees fundamentadas
e coerentes natildeo cria tambeacutem espaccedilos de ZPD (Vygotsky 19301991 Magalhatildees
2009) que possam gerar no dizer de BakhtinVolochinov (1988) uma compreensatildeo
ativa uma reacuteplica uma contrapalavra materializada em uma mudanccedila de postura das
educadoras Podemos pensar que nesse momento do turno a pesquisadora poderia
antes de levantar questionamentos para promover o reconstruir usar argumentos de
citaccedilatildeo respaldados em argumentos teoacutericos argumentos de autoridade e argumentos
de fontes que subsidiassem agraves educadoras elementos para refletirem sobre possiacuteveis
reconstruccedilotildees
De modo geral a anaacutelise do conjunto dos trecircs excertos da primeira sessatildeo
reflexiva do primeiro cronotopo aponta para algumas reflexotildees no interior do elo da
Cadeia Criativa Em especial no que se refere de um lado ao modo como as
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 149
ILKA SCHAPPER SANTOS
pesquisadoras se posicionaram em suas intervenccedilotildees e de outro como as educadoras
foram desvelando seus sentidos e compartilhando seus significados sobre o brincar no
interior do movimento enunciativo-argumentativo
No fluxo da interlocuccedilatildeo das pesquisadoras e educadoras ateacute aqui pode-se notar
um distanciamento entre o que se pretendia na sessatildeo e o que de fato ocorreu A
circularidade argumentativa das educadoras em relacionar o brincar a atividades
sistematizadas em reafirmar a tese de que ldquotudo que eacute concreto eacute luacutedicordquo em dizer
que as atividades dirigidas assistidas no viacutedeo se constituem como atividades livres que
promovem o desenvolvimento da imaginaccedilatildeo natildeo foram ressignificadas por meio de
intervenccedilotildees colaborativas das pesquisadoras O que prevaleceu foram exemplificaccedilotildees
ancoradas nas proacuteprias experiecircncias pessoais das professoras por meio de exposiccedilotildees
espontacircneas As pesquisadoras por sua vez ingressaram nos enunciados das professoras
tecendo alguns questionamentos mas sem criar questotildees controversas que pudessem
gerar conflitos duacutevidas e polecircmicas em relaccedilatildeo aos significados instituiacutedos
Aleacutem disso as pesquisadoras tiveram dificuldades em diminuir as marcas do
distanciamento dos mundos universidade-creche Desse modo quando a educadora
Mirela diz ldquoeacute pra gente aqui eacuterdquo mostra linguisticamente por meio dos decirciticos de
pessoa e espacial ldquoa genterdquo e ldquoaquirdquo respectivamente o interregno de distacircncia entre
seus saberes e os saberes da universidade Com isso ficou difiacutecil promover um espaccedilo
em que pesquisadoras e demais participantes pudessem ter um aumento de seu conatus
(potecircncia de agir) e tivessem elementos para chegar mais proacuteximo da ideia adequada
(Spinoza 16772005) sobre o tema tratado
A produccedilatildeo de significado sobre o brincar neste primeiro elo da Cadeia
Criativa ficou comprometida por conta de uma argumentaccedilatildeo circular e reincidente
entre pesquisadoras e educadoras como disse acima
412 ndash 2ordf Sessatildeo Reflexiva Analisada ndash dia 21 de agosto de 2006
Os excertos que se seguem foram recortados da terceira sessatildeo reflexiva com as
quatro educadoras da creche e as duas pesquisadoras do GP EFoPI no dia 21 de agosto
de 2006 O objetivo da sessatildeo era continuar discutindo o lugar do luacutedico na educaccedilatildeo
infantil tendo como referente um viacutedeo em que uma outra professora desenvolveu uma
atividade luacutedica com crianccedilas de quatro anos de idade O viacutedeo inicia com a educadora
arrumando as mesas para organizar as crianccedilas em quatro grupos diferentes nesse
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 150
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movimento a professora solicita que as crianccedilas a ajudem na disposiccedilatildeo dos brinquedos
em quatro cantinhos a) o da casinha b) o dos carrinhos e bonequinhos c) o dos
fantoches e d) o do desenho e colagem No decorrer da atividade as crianccedilas se dirigem
aos brinquedos de suas preferecircncias visitando as mesinhas dos outros colegas
compartilhando as brincadeiras A professora observa as brincadeiras das crianccedilas com
os brinquedos e participa quando eacute solicitada
Vejamos como se desenvolve o iniacutecio da sessatildeo reflexiva
1ordm Excerto
(1) Leacutea Quem quer comeccedilar gente a descrever Vamos ver quem gostaria de
comeccedilar a descrever
(2) Mirela Eu A atividade aplicada pela professora de educaccedilatildeo infantil na turma de 4
anos foi de faz de conta Ela comeccedilou a atividade com a organizaccedilatildeo da sala junto com
as crianccedilas depois ela organiza a sala em cantinhos cantinho do brinquedo o cantinho
dos fantoches e um de revistas canetas papel ofiacutecio e pincel atocircmico Observei que o
tempo todo ela participou das atividades junto com as crianccedilas e mediou o trabalho
junto com elas laacute Eu observei tambeacutem que as crianccedilas estavam gostando das
brincadeiras porque elas estavam todas interagindo e elas podiam todas transitar pela
sala natildeo tinha aquela coisa ldquovocecirc vai ficar sentada aqui vai ficar sentada ali natildeordquo
Elas puderam fazer tudo livremente
(3) Leacutea vai vai laacute Claacuteudia
(4) Claacuteudia bom isso tudo que a Mirela jaacute falou eu anotei para natildeo repetir eu vou
falar outra coisa
(5) Leacutea Natildeo natildeo Eacute importante que vocecirc coloque tudo que vocecirc escreveu mesmo que
repita
(6) Fabiana eu notei que era um faz de conta mas um faz de conta em que elas
retratavam o dia-a-dia delas porque tem o neneacutem que ela fez mingau para a
bonequinha O neneacutem vocecirc estaacute fazendo o quecirc O mingau ela deve vivenciar isso no
dia-a-dia A outra quis cozinhar fez cafeacute fez suco entatildeo aquilo eacute um retrato do dia-a-
dia o que eles vivenciavam e tambeacutem um momento da professora estar conhecendo
eles que era o que ela estava fazendo Aiacute ela perguntava fazia perguntas e a crianccedila
falava Nessas brincadeiras a gente conhece muito as crianccedilas Nossa aqui as crianccedilas
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 151
ILKA SCHAPPER SANTOS
brincam demais a gente faz recreaccedilatildeo com elas externa e laacute fora com a areia vira
tudo vira suco vira comida vira bolo elas viram personagens elas viram pessoas da
creche elas falam - eu sou a tia fulana E outros satildeo cozinheiras aiacute elas vatildeo fazem
bolo e cantam parabeacutens eles vivenciam isso mesmo realmente aqui E os bichinhos
eles retrataram bem o momento em que retratavam os bichinhos elas falavam ldquoonde
estaacute tua matildeerdquo ldquoa tua matildee ‟taacute em tal lugarrdquo Foi muito bom eu gostei muito da atividade
dela Porque as crianccedilas estavam todas organizadas cada um escolheu tiveram
liberdade para escolher qual cantinho eles queriam e natildeo houve aquela desorganizaccedilatildeo
Eu achei que foi organizada a atividade dela
(7) Mirela Eu tambeacutem percebi que a professora distribui a sala em cantinho deixou as
crianccedilas escolherem livremente com o que queriam brincar interagiu o tempo todo
com as crianccedilas e deixou as crianccedilas se expressarem usarem a criatividade e a
imaginaccedilatildeo
O questionamento da pesquisadora no turno (1) tem a finalidade de instigar as
professoras a iniciarem as descriccedilotildees A professora Mirela se prontifica a descrever a
cena ressaltando que a atividade desenvolvida pela professora do viacutedeo era de faz de
conta Para respaldar sua assertiva usa o argumento de exemplo (2) ldquoela (a professora)
comeccedilou a atividade com a organizaccedilatildeo da sala junto com as crianccedilas depois ela
organiza a sala em cantinhos cantinho do brinquedo o cantinho dos fantoches e um
de revistas canetas papel oficio e pincel atocircmicordquo Ao exemplificar os recursos
utilizados pela professora do viacutedeo em especial a organizaccedilatildeo da sala de atividades em
cantinhos a educadora compartilha no grupo um significado importante sobre como a
organizaccedilatildeo do espaccedilo pode propiciar o brincar de faz de conta No argumento em que
baseia sua descriccedilatildeo fica expliacutecito como a diversidade dos cantinhos pode ser elemento
fundante para as crianccedilas transitarem no universo do faz de conta
Na continuidade de seu turno a professora destaca ldquoObservei que o tempo todo
ela participou das atividades junto com as crianccedilas e mediou o trabalho junto com
elas laacuterdquo Aqui a educadora diz que a professora do viacutedeo ldquomediou o trabalhordquo apesar
de trazer para cena enunciativa uma palavra que faz parte do campo epistemoloacutegico da
perspectiva vygotskyana a educadora natildeo discorre sobre quais accedilotildees realizadas pela
professora do viacutedeo indicam o processo de mediaccedilatildeo Assim parece natildeo ter claro que
esse processo segundo Vygotsky (19301991 p 33) estaria relacionado a uma
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 152
ILKA SCHAPPER SANTOS
intervenccedilatildeo de um elemento intermediaacuterio em uma accedilatildeo deixando de ser direta e
passando a ser mediada por esse elemento
Ainda em seu turno a professora diz ldquoEu observei tambeacutem que as crianccedilas
estavam gostando das brincadeiras porque elas estavam todas interagindordquo na
afirmativa justifica a sua fala com o operador argumentativo ldquoporquerdquo para mostrar
que houve um processo de interaccedilatildeo na cena No entanto apesar de mais uma vez usar
um verbete importante da teoria soacutecio-histoacuterico-cultural ndash ldquointeraccedilatildeordquo ndash novamente natildeo
explicita como isso se materializou
No turno da professora podemos notar dois pontos importantes para
compartilhamento de sentidos sobre a brincadeira de faz de conta a formaccedilatildeo dos
cantinhos na sala de atividade e o processo de interaccedilatildeo das crianccedilas No entanto as
descriccedilotildees tecidas mostram explicaccedilotildees geneacutericas e julgamentos das professoras isso
tampona a possibilidade de as educadoras de fato refletirem sobre a atividade analisada
e tambeacutem sobre as teorias que a embasam
Em (3) a pesquisadora convoca mais uma professora a expor sua descriccedilatildeo ldquovai
vai laacute Claacuteudiardquo quando a professora anuncia (4) ldquobom isso tudo que a Mirela jaacute falou
eu anotei para natildeo repetir eu vou falar outra coisardquo a pesquisadora diz (5) ldquonatildeo
natildeo Eacute importante que vocecirc coloque tudo que vocecirc escreveu mesmo que repitardquo a
ecircnfase da pesquisadora ao usar duas vezes o adveacuterbio de negaccedilatildeo ldquonatildeordquo busca garantir
a todas as professoras o espaccedilo para descriccedilatildeo ainda que sejam descriccedilotildees reincidentes
Isso porque para ela eacute importante que todas revejam a accedilatildeo descrita de forma
informada para criar um espaccedilo em que todas as educadoras apresentem as impressotildees
ocorridas na cena para uma visualizaccedilatildeo coletiva das accedilotildees realizadas Segundo
Liberali (2008) esse momento de visualizaccedilatildeo coletiva eacute importante para que o
professor possa entender o que foi feito a partir do detalhamento do evento analisado
para em uma compreensatildeo ativa refletir sobre as praacuteticas rotinizadas no cotidiano das
creches e preacute-escolas
Diante da explicaccedilatildeo da pesquisadora ldquoEacute importante que vocecirc coloque tudo que
vocecirc escreveu mesmo que repitardquo Fabiana define a brincadeira assim como Mirela
como de faz de conta mas traz outros elementos para a cena enunciativa Com o
operador argumentativo ldquomasrdquo orienta para uma conclusatildeo aparentemente contraacuteria ao
que ateacute entatildeo foi dito ldquomas um faz de conta em que elas retratavam o dia-a-dia
delas porque tem o neneacutem que ela fez mingau para a bonequinha O neneacutem vocecirc
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 153
ILKA SCHAPPER SANTOS
estaacute fazendo o quecirc O mingau ela deve vivenciar isso no dia-a-dia A outra quis
cozinhar fez cafeacute fez suco entatildeo aquilo eacute um retrato do dia-a-diardquo Nesse
movimento a professora explica que as crianccedilas pautaram a brincadeira de faz de conta
nas suas experiecircncias cotidianas Aqui a educadora relaciona o brincar de faz de conta agrave
atividade humana mostrando como a crianccedila recupera os modos costumes e
comportamentos do grupo social em que estaacute inserida (Vygotsky 19301991)
Depois de relatar como a professora do viacutedeo propiciou o desenvolvimento da
brincadeira de faz de conta Fabiana tece uma aproximaccedilatildeo a partir do argumento de
exemplo com o trabalho realizado na creche ldquoaqui as crianccedilas brincam demais a
gente faz recreaccedilatildeo com elas externa e laacute fora com a areia vira tudo vira suco vira
comida vira bolo elas viram personagens elas viram pessoas da creche elas falam
eu sou a tia fulana e outros satildeo cozinheiras aiacute elas vatildeo fazem bolo e cantam
parabeacutens eles vivenciam isso mesmo realmente aquirdquo Ao iniciar sua declarativa com
o adveacuterbio ldquoaquirdquo funcionando como decircitico espacial a educadora marca que no
espaccedilo da creche em que atua as crianccedilas vivenciam o brincar de faz de conta
mostrando como essa vivecircncia estaacute pautada na reconstruccedilatildeo do real e na antecipaccedilatildeo de
papeacuteis sociais Apesar de no enunciado Fabiana natildeo usar nenhum argumento teoacuterico
busca no argumento de exemplo afirmar que seu trabalho tambeacutem estaacute pautado em
brincadeiras que possibilitem o desenvolvimento de situaccedilotildees imaginaacuterias de faz de
conta
No final de sua fala a professora declara com o uso do pronome pessoal na
primeira pessoa do singular ldquoeu gostei muito da atividade delardquo para avaliar
positivamente a atividade desenvolvida pela professora do viacutedeo Essa declarativa
reforccedila a identificaccedilatildeo da educadora com as accedilotildees analisadas
Em (7) Mirela destaca tambeacutem o trabalho realizado pela professora do viacutedeo a
partir dos cantinhos ldquoEu tambeacutem percebi que a professora distribui a sala em
cantinhosrdquo reforccedilando a organizaccedilatildeo da sala de aula em cantinhos dado que jaacute tinha
sido ressaltado pelas outras educadoras Depois traz trecircs argumentos que avaliou como
importantes a) ldquodeixou as crianccedilas escolherem livremente com o que queriam
brincar b) interagiu o tempo todo com as crianccedilas e c) deixou as crianccedilas se
expressarem usarem a criatividade e a imaginaccedilatildeordquo Ao destacar esses argumentos a
professora daacute a entender que o trabalho pautado na organizaccedilatildeo da sala de atividades
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 154
ILKA SCHAPPER SANTOS
em cantinhos possibilita agraves crianccedilas um brincar mais livre uma interaccedilatildeo
crianccedilaprofessora e o desenvolvimento da criatividade e da imaginaccedilatildeo
Neste excerto haacute um movimento diferente em relaccedilatildeo aos excertos ateacute agora
analisados Aqui as professoras demonstram ter percebido outros elementos
importantes no desenvolvimento de atividades pautadas na brincadeira como a
organizaccedilatildeo do espaccedilo das salas de atividades em cantinhos e por conseguinte como
isso possibilita agrave crianccedila ingressar na imaginaccedilatildeo no faz de conta Apesar de tecerem
essas consideraccedilotildees as educadoras continuam pautando suas consideraccedilotildees em
argumentos de exemplo fundados na proacutepria atividade analisada e em suas experiecircncias
na creche
No fluxo discursivo novamente as pesquisadoras natildeo interferem nas
interlocuccedilotildees de modo a possibilitar a expansatildeo dos significados trazidos pelas
educadoras como por exemplo questionando como a professora do viacutedeo analisado
ldquomediourdquo a atividade desenvolvida A ausecircncia de questionamentos dessa ordem
impede que as educadoras ampliem seus campos de reflexotildees que possam ter uma
compreensatildeo ativa (BakhtinVolochinov 1988) do processo vivenciado e por
conseguinte que tenham uma atitude responsiva ativa diante da cena analisada
Por conta disso as professoras continuam transitando em ideias inadequadas
confusas (Spinoza 16772005) em relaccedilatildeo ao brincar de faz de conta Essa teria sido
uma oportunidade interessante para as pesquisadoras ingressarem no fluxo
argumentativo das professoras por meio de argumentos teoacuterico-praacuteticos que
promovessem um (re)pensar dos significados sobre a brincadeira
No proacuteximo recorte as pesquisadoras tecem questionamentos sobre como a
professora do viacutedeo analisado orientou a atividade e tambeacutem como desenvolveu o
trabalho com as crianccedilas Vejamos
2ordm Excerto
(8) Leacutea Muito bem Que tipo de trabalho foi desenvolvido Foi em grupo foi em
dupla foi individual O que vocecircs conseguiram observar
(9) Fabiana Elas mesmas (as crianccedilas) formaram o proacuteprio grupo delas elas foram
formando seus grupinhos um queria brincar com a boneca entatildeo ela estava ali dentro
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 155
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do grupo da casinha ela estava dentro daquele grupinho ningueacutem ficou disperso
assim separado pelo que deu para ver natildeo
(10) Mirela foi um trabalho em grupo
(11) Fabiana pelo menos o que deu para a gente ver foi um trabalho em grupo as
crianccedilas mesmo se organizaram elas se organizaram
(12) Leacutea Isso E qual que foi o foco de apresentaccedilatildeo da atividade da professora Qual
que foi o objetivo o foco O que que vocecircs acham que essa professora tinha por
objetivo por foco para estar trabalhando ali com as crianccedilas Eu estou perguntando
isso porque na primeira atividade vocecircs lembram da primeira atividade (da sessatildeo
reflexiva anterior) Eu tambeacutem fiz o mesmo pedido para a professora eu fiz o mesmo
pedido que eu gostaria que ela ‟tivesse trabalhando com uma brincadeira livre A
mesma coisa que eu pedi para a primeira professora na uacuteltima sessatildeo eu pedi para essa
Entatildeo eu pergunto assim qual o objetivo da professora que vocecircs acham que a
professora tinha aleacutem do que a Fabiana disse tinha falado qual seria o conteuacutedo
objetivo dela estar trabalhando daquela forma Haveria uma outra forma de estar
trabalhando com as crianccedilas a partir do meu pedido
(13) Mirela Eacute se tivesse mais espaccedilo teria porque ela natildeo utilizaria as mesas
entendeu Ela podia usar o espaccedilo no chatildeo mais espaccedilo sem estar presa nas mesinhas
(14) Fabiana elas (as crianccedilas) ficariam mais agrave vontade o espaccedilo da sala eacute sempre
melhor se elas estivessem no chatildeo pelo chatildeo da sala se tivesse uma sala mais
espaccedilosa afastar as carteiras elas ateacute organizaram as mesas mas mesmo assim a gente
sabe que se fosse outra escola outra escola todas as escolas municipais tecircm a sala
geralmente pequena quando tem espaccedilo eacute loacutegico que a proacutepria crianccedila cria mais tem
oportunidade de criaccedilatildeo porque a gente sente isso porque eles brincam muito porque a
gente aqui (na creche) daacute muito essa recreaccedilatildeo mas no espaccedilo externo como eu te falei
elas vatildeo em um canto elas vatildeo no outro elas mexem aqui natildeo tem aquela preocupaccedilatildeo
de sujar porque a gente ensina para elas que natildeo pode sujar essas coisas Entatildeo se ela
tivesse um espaccedilo mais amplo talvez natildeo foi ruim mas talvez fosse melhor ainda
(15) Patriacutecia Como vocecircs organizariam essas atividades
(16) Mirela porque aqui a gente jaacute tem jaacute trabalha com as oficinas
(17) Fabiana eacute a gente tem as oficinas
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No segundo excerto a pesquisadora inicia sua intervenccedilatildeo com trecircs
questionamentos a) Que tipo de trabalho foi desenvolvido b) Foi em grupo foi em
dupla foi individual c) O que vocecircs conseguiram observar Com estes questotildees Leacutea
busca ampliar o campo das descriccedilotildees elaboradas pelas educadoras da atividade
desenvolvida pela professora do viacutedeo Fabiana (9) e (11) e Mirela (10) respondem aos
questionamentos dizendo que o trabalho desenvolvido foi em grupo e que foram as
crianccedilas que se agruparam em conformidade ao interesse A pesquisadora levanta os
questionamentos sobre como as crianccedilas se organizaram nas brincadeiras se em grupo
dupla ou individualmente porque procura investigar se na descriccedilatildeo as educadoras
atentaram para tais questotildees Isso porque no interior da discussatildeo do GP EFoPI haacute uma
ecircnfase sobre a importacircncia de as professoras no contexto das salas de atividades de
educaccedilatildeo infantil fomentarem a interaccedilatildeo crianccedilacrianccedila e crianccedilaadultocrianccedila
Apesar da ecircnfase dada pela pesquisadora nos questionamentos sobre a formaccedilatildeo
dos grupos natildeo haacute uma retomada de fala para explicar a relevacircncia de um trabalho sob
a oacutetica da interaccedilatildeo ao contraacuterio no iniacutecio do seu turno (12) Leacutea faz uso do decircitico
ldquoissordquo para fechar a discussatildeo mostrando concordacircncia com as respostas anteriores das
educadoras Desse modo natildeo haacute expansatildeo de significados sobre os questionamentos
relativos ao trabalho realizado
Aqui a pesquisadora estabelece uma relaccedilatildeo de simetria de conhecimento e
ideias natildeo levantando questotildees que pudessem gerar conflitos contradiccedilotildees (Engestroumlm
1999) pontos de vistas distintos que satildeo elementos imprescindiacuteveis ao processo criacutetico-
reflexivo e por conseguinte desencadeadores das possiacuteveis transformaccedilotildees dana
praacutetica (Magalhatildees 2009)
Dito isso a pesquisadora passa a questionamentos que segundo sua
compreensatildeo de Smyth (1992) e Liberali (2008) se configuraria no informar
procurando propiciar um espaccedilo em que as educadoras pudessem retomar conceitos
sobre questotildees relacionadas ao brincar ldquoE qual que foi o foco de apresentaccedilatildeo da
atividade da professora Qual que foi o objetivo o foco O que que vocecircs acham que
essa professora tinha por objetivo por foco para estar trabalhando ali com as
crianccedilas Eu estou perguntando isso porque na primeira atividade vocecircs lembram da
primeira atividade (da sessatildeo reflexiva anterior)rdquo
Essas questotildees foram elaboradas no periacuteodo de planejamento da sessatildeo Para
realizar tal elaboraccedilatildeo as pesquisadoras se pautaram na terceira parte do livro de
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 157
ILKA SCHAPPER SANTOS
Liberali Formaccedilatildeo Criacutetica de educadores questotildees fundamentais (2008b p 61) em
que a autora formula alguns questionamentos para cada etapa do processo reflexivo
segundo Smyth (1992) Nessa obra as duas primeiras questotildees relativas ao informar
satildeo ldquoqual o foco da apresentaccedilatildeo do conteuacutedordquo ldquoque objetosconteuacutedos foram
trabalhadosrdquo Como o leitor pode observar haacute uma semelhanccedila muito grande entre as
questotildees levantadas pela pesquisadora e aquelas formuladas por Liberali No entanto
como nas discussotildees tecidas a partir das descriccedilotildees feitas pelas educadoras o grupo natildeo
compartilhou os significados referentes ao brincar o movimento do informar ficou
circunscrito a elementos pautados no senso comum nos saberes construiacutedos a partir da
praacutetica diaacuteria das professoras
Nas discussotildees do excerto natildeo aparecem argumentos respaldados em teorias que
auxiliem reflexotildees mas sim explicaccedilotildees generalizantes de conceitos presentes nas accedilotildees
cotidianas Isso fica expliacutecito nas falas de Mirela e de Fabiana (13) e (14)
respectivamente a) ldquoEacute se tivesse mais espaccedilo teria porque ela natildeo utilizaria as mesas
entendeu Ela podia usar o espaccedilo no chatildeo mais espaccedilo sem estar presa nas
mesinhasrdquo b) ldquoelas (as crianccedilas) ficariam mais agrave vontade o espaccedilo da sala eacute sempre
melhor se elas estivessem no chatildeordquo Mais uma vez as professoras usam argumentos
pragmaacuteticos para discutirem natildeo trazendo respaldo teoacuterico
Natildeo atentando para isso as pesquisadoras tecircm a pretensatildeo de trabalhar o
reconstruir (Smyth 1992) levantando o seguinte questionamento (15) Como vocecircs
organizariam essas atividades Novamente a pesquisadora segue as orientaccedilotildees de
Liberali (2008b p 82) na obra citada em que o questionar sobre como o educador
organizaria a aula de outra maneira eacute um ponto interessante para auxiliar no reconstruir
Mas como os pontos de vista levantados no descrever e no informar natildeo propiciaram
espaccedilos de uma compreensatildeo ativa dos princiacutepios que embasaram as accedilotildees das
atividades analisadas o grupo natildeo consegue ateacute entatildeo tecer uma inter-relaccedilatildeo entre as
accedilotildees e os possiacuteveis significados que poderiam ser compartilhados sobre as praacuteticas
cotidianas do brincar nas salas de atividades da educaccedilatildeo infantil
O reconstruir natildeo se configurou como um momento em que os participantes
pudessem repensar como fariam as atividades desenvolvidas no viacutedeo (e suas proacuteprias
atividades no cotidiano da creche) pois natildeo chegaram a descrever detalhadamente as
atividades nem foram confrontados por meio de questionamentos que pudessem
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 158
ILKA SCHAPPER SANTOS
elucidar os valores que subsidiam o agir e o pensar dos participantes das sessotildees
reflexivas (Liberali 2008b)
Assim o excerto acima natildeo se configurou como um momento em que as
educadoras pudessem refletir sobre as accedilotildees analisadas por meio de sustentaccedilatildeo
refutaccedilatildeo e negociaccedilatildeo de posiccedilotildees pautadas em um discurso mais teoacuterico Dito de outro
modo os enunciados ficaram circunscritos a argumentos de exemplo e pragmaacuteticos natildeo
sendo destacados valores concepccedilotildees sobre aprendizagem e ficando suas enunciaccedilotildees
alicerccediladas sobre as praacuteticas cotidianas como podemos notar nos turnos (16) e (17) de
Mirela e Fabiana respectivamente ldquoporque aqui a gente jaacute tem jaacute trabalha com as
oficinasrdquo e ldquoeacute a gente jaacute tem as oficinasrdquo Mirela inicia seu turno com o uso do
ldquoporquerdquo sinalizando que vai dar uma explicaccedilatildeo e depois faz uso dos decirciticos ldquoaquirdquo
(espacial) e ldquoa genterdquo (pessoal) para demarcar que na creche elas jaacute trabalham com as
oficinas Fabiana por sua vez inicia concordando com Mirela ldquoeacuterdquo e revozeia a sua fala
reforccedilando o posicionamento da creche em que trabalham com o decircitico de pessoa ldquoa
genterdquo
No excerto abaixo as participantes focalizam na atividade analisada a postura
da professora com as crianccedilas destacando que houve mediaccedilatildeo e interaccedilatildeo
3ordm Excerto
(18) Patriacutecia Voltando agrave atividade Qual que foi a postura da professora nessa
atividade o que que vocecircs acham
(19) Mirela ela mediou o trabalho ela se envolveu ela brincou porque isso faz parte
ela natildeo distribuiu e ficou laacute parada natildeo ela interagiu ela perguntou entatildeo eu achei isso
muito interessante porque agraves vezes o professor noacutes vamos fazer isso dar distribuir as
atividades e estar laacute (Mirela cruza os braccedilos) olhando o que que a crianccedila estaacute fazendo
ela estava junto ali eu achei muito interessante a postura dela
(20) Fabiana A professora estava junto com elas nas brincadeiras no momento
daquela atividade quando vocecirc senta na cadeirinha junto com as crianccedilas na mesinha
com elas estaacute ali brincando junto aiacute elas se envolvem mais
(21) Patriacutecia E aiacute na atividade vocecirc acha que houve esse envolvimento crianccedila-
crianccedila e professora-crianccedila
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 159
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(22) Fabiana natildeo acho que ela se envolveu sim elas (as crianccedilas) ofereceram a
comidinha para ela o cafezinho e tudo ela aceitou ela se envolveu
(23) Mirela teve uma hora em que ela falou - tem que pocircr mais accediluacutecar Mostra que
ela estava participando tambeacutem envolvida na brincadeira
Neste terceiro excerto temos a retomada da pesquisadora Patriacutecia com um
questionamento que busca fazer com que as educadoras reflitam sobre a postura da
professora do viacutedeo em relaccedilatildeo ao desenvolvimento da atividade (18) ldquoVoltando agrave
atividade Qual que foi a postura da professora nessa atividade o que que vocecircs
achamrdquo Nesse momento Mirela defende a tese respaldada teoricamente no conceito
de mediaccedilatildeo de Vygotsky de que a professora atua como mediadora no
desenvolvimento da brincadeira de faz de conta com as crianccedilas destacando ldquoela
mediou o trabalhordquo Para defender seu ponto de vista usa argumentos de exemplos a)
ldquoela se envolveurdquo b) ldquoela brincourdquo c) ldquoela estava junto alirdquo Apesar de a professora
ter identificado o processo de mediaccedilatildeo na sua argumentaccedilatildeo por exemplos natildeo fez um
detalhamento das accedilotildees relacionando-as com o construto teoacuterico que menciona na tese
O mesmo ocorre com o campo argumentativo de Fabiana que fica circunscrito a
argumentos de exemplo A professora estava junto com elas nas brincadeiras
(porque) no momento daquela atividade quando vocecirc senta na cadeirinha junto com
as crianccedilas na mesinha com elas estaacute ali brincando junto aiacute elas se envolvem mais
O ldquoporquerdquo impliacutecito objetiva a tomada de posiccedilatildeo no primeiro segmento do
enunciado sendo assim um argumento para a defesa da tese de que a professora do
viacutedeo estava mediando a brincadeira entre as crianccedilas No entanto como disse
anteriormente a defesa a partir de argumentos de exemplos natildeo possibilita ingressar em
um fluxo de transformaccedilotildees e mudanccedilas das educadoras jaacute que a argumentaccedilatildeo se
estrutura apenas na citaccedilatildeo dos acontecimentos anteriores Faltam nesse contexto
argumentos de definiccedilatildeo que pudessem promover o compartilhamento de sentidos e de
significados
A partir dos enunciados das educadoras a pesquisadora busca aprofundar a
questatildeo da mediaccedilatildeo procurando trazer os elementos teoacutericos para a pauta de discussatildeo
Desse modo tece o seguinte questionamento (21) ldquoE aiacute na atividade vocecirc acha que
houve esse envolvimento crianccedila-crianccedila e professora-crianccedilardquo A pergunta de
Patriacutecia sugere que as professoras aprofundem seus enunciados sobre a mediaccedilatildeo Mais
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 160
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uma vez as professoras fundamentam suas respostas com as situaccedilotildees que observaram
na atividade mostrando de novo com argumentos de exemplo como a educadora do
viacutedeo participou das atividades com as crianccedilas Assim descrevem as accedilotildees em que
para elas estavam pautadas em um processo de mediaccedilatildeo (22) ldquonatildeo acho que ela se
envolveu sim elas (as crianccedilas) ofereceram a comidinha para ela o cafezinho e tudo
ela aceitou ela se envolveurdquo e (23) ldquoteve uma hora em que ela falou - tem que pocircr
mais accediluacutecar Mostra que ela estava participando tambeacutem envolvida na brincadeirardquo
No entanto mais uma vez fazem uso de exemplificaccedilotildees sem trazer para o cenaacuterio
discursivo argumento por definiccedilatildeo Deste modo natildeo discutem sobre os sentidos e
significados que atribuem aos dois verbetes que podem ser considerados conceitos
cientiacuteficos ndash mediaccedilatildeo e interaccedilatildeo
O objetivo desse encontro era promover um espaccedilo de conflitos mediados pelas
duas atividades analisadas Portanto no proacuteximo fragmento discursivo a pesquisadora
busca tecer um confronto entre a atividade da sessatildeo com a da sessatildeo anterior
4ordm Excerto
(23) Leacutea confrontando com a outra atividade que a gente assistiu que vocecircs acham
Confrontando isso que vocecircs estatildeo falando dessa atividade lembrando da atividade da
semana passada Dos papeizinhos entenderam o que eu estou perguntando
(24) Fabiana fazendo uma relaccedilatildeo com a outra atividade
(25) Leacutea eacute fazendo uma relaccedilatildeo entre as duas atividades (dessa semana e da semana
passada) porque nessa vocecircs estatildeo achando que por trabalhar dessa forma por isso as
coisas aconteceram de forma bem natural sem muita confusatildeo
(26) Mirela A atividade dessa semana foi mais luacutedica
(27) Leacutea Confrontando com a atividade anterior que a gente viu semana passada o
que que a gente pode deduzir daquela atividade que foi feita semana passada
(28) Fabiana eu acho que a de hoje assim era o mundinho delas eram brinquedos
eram coisas que elas estatildeo acostumadas entatildeo era mais o mundo delas do cotidiano
de faz de conta ali que elas vivenciaram
(29) Leacutea o que que vocecirc pensa Claacuteudia
(30) Claacuteudia eu penso o mesmo que ela que a atividade da semana passada eu acho
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 161
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que a professora se colocou natildeo impocircs mais o que seria feito eu jaacute achei que na de
hoje as crianccedilas ficaram mais livremente brincando
(31) Leacutea entatildeo a gente pode dizer que as crianccedilas estavam construindo o
conhecimento de forma mais interativa mais rica
(32) Claacuteudia isso isso mesmo
(33) Leacutea e vocecirc Mirela o que vocecirc observa da primeira atividade da semana passada
dessa semana o que te chamou mais atenccedilatildeo
(34) Mirela como a Claacuteudia disse ela impocircs muito menos hoje aliaacutes ela natildeo impocircs
em momento algum ela deixou as crianccedilas construiacuterem e na semana passada ela (a
outra professora) estava interagindo soacute que impondo os valores que ela acreditava que
era legal como eu disse na semana passada a de hoje natildeo estava preocupada em algo
para fora ela estava preocupada com a construccedilatildeo do desenvolvimento deles ali e da
semana passada tinha a preocupaccedilatildeo de levar algo para casa para os pais verem o
produto entatildeo algo a levar quando se leva alguma atividade ela ficou preocupada com
a esteacutetica e hoje natildeo aconteceu isso Eles estavam construindo entendeu
(35) Leacutea quando vocecirc diz preocupada com a esteacutetica vocecirc pode explicar para noacutes
melhor o que que eacute isso
(36) Mirela posso igual eu te falei semana passada a construccedilatildeo a visualizaccedilatildeo que a
crianccedila faz igual ela deu as formas geomeacutetricas para elas fazerem qualquer coisa com
as crianccedilas algumas colocaram aleatoriamente ela olhando ela olhava e falava assim
- Meu Deus que seraacute isso o que que a matildee vai ver em casa
(37) Patriacutecia e aiacute voltando nesse confronto de uma atividade com a outra qual
atividade vocecircs acham que contribuiu para a construccedilatildeo da autonomia da crianccedila
(38) Todas as professoras juntas a de hoje sem sombra de duacutevida a de hoje
(39) Leacutea daacute para vocecircs citarem situaccedilotildees especiacuteficas onde vocecircs observaram essa
construccedilatildeo da autonomia
(40) Mirela desde o momento em que ela deixou elas escolherem os cantinhos isso jaacute
eacute a autonomia deles porque eacute aonde eles se sentem mais agrave vontade para que o faz de
conta se desenvolva
Neste excerto Leacutea procura tecer uma relaccedilatildeo entre a atividade observada na
sessatildeo anterior e a atividade da sessatildeo atual A pesquisadora procura pautar a reflexatildeo a
partir de trecircs perspectivas a) discussotildees tecidas na sessatildeo anterior b) atividade
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 162
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assistida na sessatildeo e c) os pontos de interregno entre esses dois momentos que
poderia instaurar na perspectiva da pesquisadora o processo de transformaccedilatildeo e
mudanccedila do grupo Eacute interessante notar que na sua pergunta a pesquisadora busca
relacionar atividades analisadas em duas sessotildees reflexivas possibilitando que as
professoras possam em um olhar exotoacutepico afastado mas natildeo distante da situaccedilatildeo
compreender elementos que a proximidade natildeo permitiria A partir desse ldquoexcedente de
visatildeordquo as pesquisadoras do GP EFoPI procuram propiciar um espaccedilo em que os
participantes possam trazer os sentidos sobre o brincar de uma atividade anterior para a
atividade atual podendo ser ressignificados Esse pensamento vai ao encontro da
concepccedilatildeo de Cadeia Criativa (Liberali 2009) em que o grupo busca se pautar
Diante da questatildeo formulada pela pesquisadora Fabiana faz uma pergunta no
turno (24) que tem a finalidade de clarificar o questionamento da pesquisadora fazendo
uma relaccedilatildeo com a outra atividade O tipo de intervenccedilatildeo da professora tem o efeito
esperado Pois a pesquisadora retoma a fala (25) ldquoeacute fazendo uma relaccedilatildeo entre as
duas atividades porque nessa vocecircs estatildeo achando que por trabalhar dessa forma
por isso as coisas aconteceram de forma bem natural sem muita confusatildeordquo O uso do
ldquoporquerdquo mostra que a pesquisadora vai acrescentar elementos agrave explicaccedilatildeo anterior
Na continuidade da explicaccedilatildeo Leacutea traz elementos novos sintetizando o que o grupo
percebeu da atividade atual para fomentar a discussatildeo a partir da atividade anterior
Linguisticamente isso se materializa com o uso do pronome de segunda pessoa do
plural ldquovocecircsrdquo seguido do tempo verbal
Em (26) Mirela declara que a atividade atual foi mais luacutedica A pesquisadora
natildeo explora a declarativa e retoma seu questionamento em relaccedilatildeo agrave atividade da sessatildeo
anterior no turno (28) ldquoConfrontando com a atividade anterior que a gente viu
semana passada o que que a gente pode deduzir daquela atividade que foi feita
semana passadardquo Ao retomar o questionamento a pesquisadora mostra que deseja
aprofundar o debate entre as duas atividades no interior das duas sessotildees reflexivas No
entanto quando Mirela se posiciona dizendo que a atividade atual foi mais luacutedica a
pesquisadora natildeo entra no fluxo discursivo da educadora para compreender o que a faz
pensar isso
Fabiana (28) diz ldquoeu acho que a de hoje assim era o mundinho delas eram
brinquedos eram coisas que elas estatildeo acostumadas entatildeo era mais o mundo delas
do cotidiano de faz de conta ali que elas vivenciaramrdquo A professora inicia seu
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 163
ILKA SCHAPPER SANTOS
discurso de forma modalizada ldquoeu achordquo para discorrer sobre sua percepccedilatildeo depois usa
o decircitico temporal ldquohojerdquo para demarcar que vai tecer consideraccedilotildees sobre a atividade
atual Para isso faz uso de argumentos de exemplo fundados ora na sua experiecircncia ldquoera
o mundinho delasrdquo ldquoeram coisas que elas estatildeo acostumadasrdquo ldquodo cotidianordquo ora na
atividade desenvolvida pela professora do viacutedeo ldquode faz de conta ali que elas
vivenciaramrdquo Esse movimento discursivo mostra que a professora se identificou mais
com a atividade da segunda sessatildeo reflexiva pois estava circunscrita agrave brincadeira de
faz de conta mais proacutexima da realidade das crianccedilas No entanto as educadoras
continuam se posicionando a partir de dois elementos ndash as experiecircncias circunscritas ao
trabalho desenvolvido na creche e a atividade analisada
Claacuteudia ingressa no fluxo argumentativo de Fabiana e declara ldquoeu penso o
mesmo que elardquo fazendo uso do pronome ldquomesmordquo e do pronome pessoal de terceira
pessoa do singular ldquoelardquo para mostrar que sua anaacutelise vai ao encontro da perspectiva de
Fabiana Ao produzir seu enunciado a partir da voz da outra a professora concede agrave
mesma poder maior do que teria como representaccedilatildeo proacutepria em uma tentativa de dar
maior credibilidade ao que vai anunciar Apesar de ancorar seu enunciado na palavra
alheia a educadora traz outros elementos para a cena enunciativa (30) ldquoeu acho que a
professora se colocou natildeo impocircs mais o que seria feito eu jaacute achei que na de hoje as
crianccedilas ficaram mais livremente brincandordquo No seu turno faz uso duas vezes do
modalizador ldquoeu acho eu jaacute acheirdquo para dizer sobre a atividade analisada destacando
que a professora do viacutedeo se ldquocolocou natildeo impocircsrdquo e que ldquoas crianccedilas ficaram mais
livremente brincandordquo
Baseada nos enunciados das professoras Leacutea (31) faz um questionamento que
tem efeito conclusivo que pode ser notado linguisticamente com o uso no iniacutecio da
questatildeo do operador ldquoentatildeordquo ldquoentatildeo a gente pode dizer que as crianccedilas estavam
construindo o conhecimento de forma mais interativa mais ricardquo A pesquisadora
faz tambeacutem uso do decircitico pessoal ldquoa genterdquo e da expressatildeo ldquopode dizerrdquo (pode +
infinitivo) modalizando e aproximando sua conclusatildeo agraves das professoras O relato
interativo ressalta o grau de implicaccedilatildeo que Leacutea deseja imprimir entre participantes
compartilhando a crenccedila de que a atividade possibilitou a produccedilatildeo de conhecimentos
para as crianccedilas porque foi mais interativa Claacuteudia em seu turno (32) sinaliza que a
pesquisadora conseguiu a adesatildeo do grupo quando diz ldquoisso isso mesmordquo
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 164
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Depois disso a pesquisadora procurando tecer uma relaccedilatildeo entre os elos da
Cadeia Criativa pergunta (33) ldquoo que vocecirc observa da primeira atividade da semana
passada dessa semana o que te chamou mais atenccedilatildeordquo Tal questionamento poderia
possibilitar agraves participantes refletirem sobre diferentes atividades que tecircm como
referente o mesmo tema poreacutem no caso tratado natildeo consegue alcanccedilar seu objetivo
Diante da questatildeo levantada Mirela (36) enfatiza que a professora do viacutedeo da
sessatildeo anterior priorizou o trabalho das formas geomeacutetricas desfocando a produccedilatildeo do
conhecimento da crianccedila para o que a matildee iria pensar sobre o produto da atividade isso
se explicita no enunciado ldquoigual ela deu as formas geomeacutetricas para elas fazerem
qualquer coisa com as crianccedilas algumas colocaram aleatoriamente ela olhando ela
olhava e falava assim - Meu Deus que seraacute isso o que que a matildee vai ver em
casardquo Ao verbalizar sua fala interior (ldquoMeu Deus que seraacute isso o que que a matildee vai
ver em casardquo) Mirela expressa o conflito entre dois tipos de discurso o de autoridade e
o internamente persuasivo Para Bakhtin (1983 p 344) ldquoos discursos de autoridade
podem contemplar vaacuterios conteuacutedos a autoridade como tal ou a autoridade da
tradiccedilatildeo das verdades genericamente aceitas da linha oficial e outras autoridades
similaresrdquo Grosso modo o discurso de autoridade pode ser anaacutelogo agrave terceira voz ou a
uma terceira pessoa que na discussatildeo bakhtiniana (citado em Cheyne e Tarulli 2004 p
6) ldquoeacute um tipo de autoridade cuja compreensatildeo responsiva idealizada assume vaacuterias
expressotildees ideoloacutegicas tais como Deus a verdade absoluta o mundo da consciecircncia
racional as pessoas a histoacuteria a ciecircncia e assim por dianterdquo Na avaliaccedilatildeo de Mirela
a referecircncia agrave matildee aparece como outra voz de autoridade que deve ser considerada
Mirela parece pois reconhecer um conflito vivenciado pela professora do viacutedeo da
sessatildeo anterior entre os seus objetivos pedagoacutegicos e a avaliaccedilatildeo da atividade apoiada
sobre sua obrigaccedilatildeo social que se funda em ldquoo que a matildee vai ver em casardquo
No turno seguinte (37) a pesquisadora Patriacutecia levanta uma questatildeo que
pretende novamente relacionar duas atividades no interior da Cadeia Criativa ldquoe aiacute
voltando nesse confronto de uma atividade com a outra qual atividade vocecircs acham
que contribuiu para a construccedilatildeo da autonomia da crianccedilardquo A retomada do
questionamento sinaliza a preocupaccedilatildeo da pesquisadora em possibilitar um espaccedilo de
reflexatildeo fundada nas duas atividades Em uma univocidade de vozes todas as
professoras concordam que a segunda atividade analisada propiciou um espaccedilo de
desenvolvimento da autonomia das crianccedilas (38) ldquoa de hoje sem sombra de duacutevida a
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 165
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de hojerdquo A reincidecircncia da escolha lexical ldquohojerdquo como decircitico temporal demarca
essa posiccedilatildeo No entanto natildeo foram compartilhados os sentidos-significados de
autonomia no interior do grupo
Em (39) Leacutea levanta uma questatildeo que procura a partir de exemplos
materializar a assertiva de que a atividade do dia foi a que oportunizou o
desenvolvimento da autonomia das crianccedilas ldquodaacute para vocecircs citarem situaccedilotildees
especiacuteficas onde vocecircs observaram essa construccedilatildeo da autonomiardquo A explicaccedilatildeo de
Mirela em (40) ldquodesde o momento em que ela deixou elas escolherem os cantinhosrdquo
demarca que a livre escolha dos cantinhos sem a imposiccedilatildeo da professora eacute um
importante dado para a defesa da tese de que houve o desenvolvimento da autonomia
Aleacutem disso a participante traz outra explicaccedilatildeo a partir do operador ldquoporquerdquo agora
sob a oacutetica do faz de conta ldquoporque eacute aonde eles se sentem mais agrave vontade para que o
faz de conta se desenvolvardquo
Neste excerto observamos a busca das pesquisadoras em relacionar as
atividades no interior dos elos da Cadeia Criativa A estrateacutegia principal das
pesquisadoras foi promover um espaccedilo em que as professoras pudessem por meio da
relaccedilatildeo entre duas atividades nos elos da Cadeia Criativa produzir-compartilhar novos
significados em relaccedilatildeo ao tema tratado
De alguma maneira a anaacutelise do excerto mostra que as pesquisadoras natildeo
levantam questotildees que possam desestabilizar os significados rotinizados apresentados
pelas professoras Isso pode ter ocorrido por conta de uma dificuldade em compreender
que a intersecccedilatildeo entre os elos da cadeia soacute se materializa diante de uma argumentaccedilatildeo
colaborativa (Liberali 2004) Nesse episoacutedio daacute para inferir que assim como as
professoras na suas argumentaccedilotildees sobre o tema tratado as pesquisadoras trazem uma
apropriaccedilatildeo muito incipiente do que seria uma colaboraccedilatildeo criacutetica mediada pelos
significados que emergem no interior do grupo Em uma Pesquisa Criacutetica de
Colaboraccedilatildeo (Magalhatildees 2002 2006 2009) teoricamente fundamentada e com os
conceitos devidamente apropriados os pesquisadores levantariam questionamentos do
sentido-significado cristalizado (Magalhatildees 2009 p 55) para possibilitar a produccedilatildeo
conjunta de novos significados
Em siacutentese a argumentaccedilatildeo desenvolvida entre pesquisadoras e professoras natildeo
permitiu a ressignificaccedilatildeo dos sentidos e significados sobre a temaacutetica no interior da
Cadeia Criativa pois natildeo houve uma ampliaccedilatildeo do campo argumentativo de ambas
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 166
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sobre o assunto Os argumentos natildeo chegam a ser explorados continuam transitando em
sentidos e significados conhecidos haacute muito pelo grupo Mais uma vez faltam
intervenccedilotildees que tragam a siacutentese dialeacutetica entre perspectivas teoacutericas relacionadas agraves
accedilotildees descritas e que possibilitariam aprofundar as visotildees de mundo acerca da temaacutetica
tratada
413 ndash 3ordf Sessatildeo Reflexiva Analisada ndash dia 04 de setembro de 2006
Os excertos que se seguem foram recortados da quinta sessatildeo reflexiva com as
quatro educadoras da creche e uma pesquisadora do GP EFoPI a Patriacutecia no dia 04 de
setembro de 2006 A coordenadora da pesquisa Leacutea natildeo pocircde participar do encontro
por conta de doenccedila em famiacutelia
O viacutedeo analisado trata de uma atividade desenvolvida numa escola de educaccedilatildeo
infantil de Portugal O viacutedeo foi disponibilizado pela professora Juacutelia Formosinho da
Universidade do Minho Doutora em Estudos da Crianccedila com tese sobre o
desenvolvimento profissional das educadoras da infacircncia Nesse periacuteodo a professora
havia dado uma consultoria ao GP EFoPI jaacute que o referido grupo de pesquisa fazia
parte junto com a professora Dra Kishimoto da Universidade de Satildeo Paulo (USP) de
uma rede de pesquisadores sob a orientaccedilatildeo da professora Juacutelia Formosinho O objetivo
da sessatildeo era mostrar agraves educadoras das creches outras possibilidades de organizaccedilatildeo
dos espaccedilos para as brincadeiras Aleacutem disso pretendia possibilitar que elas refletissem
sobre modos e maneiras de o educador intervir na brincadeira livre Tomemos o 1ordm
recorte
1ordm excerto
(1) Patriacutecia Essa eacute uma escola laacute de Portugal ateacute aqueles pesquisadores estiveram
aqui Lembram que a Leacutea falou com vocecircs que eles vinham para o foacuterum de educaccedilatildeo
infantil
Todas as professoras respondem que lembram
(2) Patriacutecia Pois eacute eacute a Juacutelia Formosinho e essa escola eacute uma escola que eles fazem
um trabalho laacute que fazem a formaccedilatildeo em contexto com os professores das creches E
essa escola tambeacutem pertence a uma rede de formaccedilatildeo em contexto que tem aqui no
Brasil tambeacutem na USP com a Tizuko e a Leacutea tambeacutem participa dessa rede Entatildeo eacute
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 167
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uma filmagem bem interessante e acho que vocecircs vatildeo gostar (abre um sorriso)
Depois de as professoras assistirem agrave filmagem a pesquisadora retoma a fala
(3) Patriacutecia E aiacute vamos descrever o que vocecircs viram na filmagem Quem quer
comeccedilar falar sobre o que escreveu
(4) Mirela Nossa eacute uma escola de sonho neacute
(5) Claacuteudia Ai Podia ser aqui Entatildeo eacute eu coloquei assim Eu percebi que eacute uma
escola onde as crianccedilas interagiam o tempo todo com o meio Que elas iam
experimentando coisas novas o tempo todo E que os trabalhos eram feitos em
oficinas bem estruturadas que permitiam agraves crianccedilas exteriorizarem suas vivecircncias A
professora mediava quando lhe era conveniente e cada crianccedila podia escolher o seu
brinquedo pois havia uma grande diversidade destes (Ela balanccedila a cabeccedila de forma
positiva sorrindo e olhando para a Patriacutecia) O que natildeo acontece aqui com a gente
(6) Mirela Aiacute fica muito faacutecil neacute
(7) Claacuteudia Eacute
(8) Fabiana O nosso projeto da creche com a nossa oficina que noacutes temos quando
noacutes explicamos para vocecircs que noacutes trabalhaacutevamos com oficinas era mais ou menos
eu acho que a ideia seria ser mais ou menos daquele tipo as oficinas Porque noacutes
temos aqui a oficina de casinha que laacute seria a oficina do faz de conta Soacute que o nosso
espaccedilo natildeo eacute tatildeo adequado natildeo se tem um espaccedilo como se tem laacute Eu acho ateacute que de
repente pelo fato cultural que a gente vive que natildeo daacute aquele sonho todo que tem ali
A nossa realidade eacute bem diferente Noacutes natildeo temos tantos brinquedos como passa ali
natildeo tem condiccedilotildees de ter A oficina de jogos nossa nossa sala de jogo eacute satildeo poucos
brinquedos quando a crianccedila vai chegando certa fase do ano a crianccedila jaacute estaacute cansada
de ver aqueles jogos jaacute natildeo estatildeo se interessando mais com aqueles jogos Mas eu
acho que eacute o que se sonhou aqui para dentro da creche com as nossas oficinas
(9) Claacuteudia No nosso caso assim o que acontece no nosso caso Eacute que trabalhar
com a oficina quer dizer eu gosto natildeo sei vocecircs eu gosto porque muda mas o que
nos barra eacute agraves vezes o espaccedilo fiacutesico que se tem nas unidades num daacute conta Se
precisar de uma biblioteca para eles ficarem mais agrave vontade para trabalhar com a
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leitura com os livrinhos
Neste recorte as educadoras da creche comentam um viacutedeo de uma escola em
Portugal O objetivo era retomar a discussatildeo da organizaccedilatildeo das salas de atividades de
educaccedilatildeo infantil por meio dos cantinhos
A pesquisadora Patriacutecia inicia seu turno contextualizando a origem da atividade
a ser analisada Para isso faz referecircncia ao lugar fiacutesico onde ocorreu (1) ldquoEssa eacute uma
escola laacute de Portugalrdquo fazendo uso de dois decirciticos espaciais o pronome
demonstrativo ldquoessardquo e o adveacuterbio de lugar ldquolaacuterdquo Aleacutem disso utiliza o argumento de
autoridade para tecer seu questionamento ldquolembram que a Leacutea falou com vocecircs que
eles vinham para o foacuterum de educaccedilatildeo infantilrdquo Nesse movimento a pesquisadora
busca no exoacuterdio apresentar o contexto de produccedilatildeo em que a atividade foi
desenvolvida e as diferentes interlocuccedilotildees em que o GP EFoPI estaacute inserido Patriacutecia
retoma o turno em (2) para aprofundar o contexto de produccedilatildeo e no seu discurso faz
uso de duas marcas de interaccedilatildeo a retomada de vozes anteriores por meio de
explicaccedilatildeo ldquoPois eacute eacute a Juacutelia Formosinho e essa escola eacute uma escola que eles fazem
um trabalho laacute que fazem a formaccedilatildeo em contexto com os professores das creches E
essa escola tambeacutem pertence a uma rede de formaccedilatildeo em contexto que tem aqui no
Brasil tambeacutem na USP com a Tizuko e a Leacutea tambeacutem participa dessa rede Entatildeo eacute
uma filmagem bem interessante e acho que vocecircs vatildeo gostar (abre um sorriso)rdquo
Depois no turno seguinte Patriacutecia (3) pergunta quem gostaria de descrever a
atividade da filmagem Mirela responde (4) que ldquoeacute uma escola de sonhordquo Com essa
resposta a professora sinaliza para a pesquisadora a distacircncia entre a realidade da
creche em que atua e a realidade circunscrita agrave atividade analisada Mostra tambeacutem
com a expressatildeo como o contexto analisado estaacute no campo do idealizado
Claacuteudia continua a interlocuccedilatildeo na esfera do desejado com a expressatildeo (5) ldquoAi
Podia ser aquirdquo Ao usar o verbo poder no preteacuterito imperfeito do modo indicativo
mostra na enunciaccedilatildeo um fato do qual natildeo tem certeza quanto agraves probabilidades de
realizaccedilotildees futuras Desse modo se isenta de compartilhar com o grupo possibilidades
de no futuro desenvolver um trabalho na creche que traga esses novos significados
compartilhados por meio das atividades assistidas no viacutedeo
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Na continuidade de seu turno Claacuteudia destaca outros elementos que jaacute haviam
sido tratados em interlocuccedilotildees anteriores a) interaccedilatildeo entre as crianccedilas (ldquoeu percebi
que eacute uma escola onde as crianccedilas interagiam o tempo todordquo) b) mediaccedilatildeo da
professora (ldquoA professora mediava quando lhe era convenienterdquo) c) escolha livre dos
brinquedos pelas crianccedilas (ldquocada crianccedila podia escolher o seu brinquedordquo) A
professora retoma nessa sessatildeo expressotildees que satildeo proacuteprias do campo lexical da
perspectiva teoacuterica soacutecio-histoacuterico-cultural ndash ldquomediarrdquo e ldquointeragirrdquo No entanto mais
uma vez parece natildeo compartilhar com a pesquisadora segundo a perspectiva teoacuterica
mencionada os significados desses verbetes Aqui tambeacutem a pesquisadora natildeo fez
intervenccedilotildees em que esses elementos pudessem ser questionados e por conseguinte
pudessem ter os seus significados esclarecidos para a professora Ou seja natildeo criou
espaccedilo para que as professoras internalizassem os significados dos verbetes
mencionados sob a oacutetica da perspectiva soacutecio-histoacuterico-cultural
Aleacutem disso a pesquisadora natildeo promoveu o confronto entre os sentidos trazidos
que no quadro enunciativo se configuram como ideias inadequadas para se aproximar
das ideias adequadas e aumentar a potecircncia de pensaragir das professoras (conatus)
(Spinoza 16772005) no contexto da discussatildeo
Outro ponto que chama atenccedilatildeo na fala de Claacuteudia eacute que ela destaca a
diversidade de brinquedos na creche onde a atividade foi desenvolvida marcando em
seu discurso que isso natildeo ocorre na creche em que atua (ldquoo que natildeo acontece aqui com
a genterdquo) O adveacuterbio de negaccedilatildeo ldquonatildeordquo o decircitico espacial e o decircitico de pessoa ldquoaquirdquo
e ldquoa genterdquo respectivamente demarcam linguisticamente essa inferecircncia Se pensarmos
que a crianccedila na brincadeira no vieacutes histoacuterico-cultural reinventa o real por meio de
objetos em que seus significados satildeo modificados natildeo procede a justificativa da
professora de que na creche natildeo haacute muitos brinquedos Como explica Vygotsky
(19301991) um cabo de vassoura na situaccedilatildeo imaginaacuteria vira um cavalo Ou seja na
situaccedilatildeo do faz de conta a crianccedila atribui a um mesmo brinquedo diferentes
significados e diferentes papeacuteis
Fabiana em (8) continua explicando as relaccedilotildees entre a oficina desenvolvida na
atividade analisada e as que costumam realizar na creche concluindo que na esfera do
idealizado as propostas satildeo muito proacuteximas ldquoquando noacutes explicamos para vocecircs que
noacutes trabalhaacutevamos com oficinas era mais ou menos eu acho que a ideia seria ser
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mais ou menos daquele tipo as oficinasrdquo A professora usa a estrutura modalizada ldquoeu
achordquo assim como a expressatildeo ldquomais ou menosrdquo para tecer essas aproximaccedilotildees
Esse movimento discursivo pautado na intersecccedilatildeo entre a oficina desenvolvida
no viacutedeo e aquelas realizadas pelas educadoras no cotidiano das creches mostra que no
campo do idealizado natildeo haacute grandes diferenccedilas quanto agrave estrutura do trabalho No
entanto as professoras trazem algumas restriccedilotildees quanto agraves aproximaccedilotildees declaradas
isso fica expliacutecito linguiacutesticamente com o uso do operador ldquosoacuterdquo e do decircitico espacial
ldquolaacuterdquo ldquosoacute que o nosso espaccedilo natildeo eacute tatildeo adequado natildeo se tem um espaccedilo como se tem
laacuterdquo Para ampliar sua argumentaccedilatildeo Fabiana utiliza um argumento pragmaacutetico ldquoa
nossa realidade eacute bem diferente Noacutes natildeo temos tantos brinquedos como passa ali
natildeo tem condiccedilotildees de terrdquo explicando que a diferenccedila entre a oficina assistida no viacutedeo
e as que realizam na creche estaacute na escassez de brinquedos tendo isso uma
consequecircncia direta para as accedilotildees que perpassam as atividades desenvolvidas nas
oficinas Aqui a professora na justificativa alia a escassez dos brinquedos ao espaccedilo
inadequado Ocorre que a creche tem espaccedilos internos e externos amplos e isso natildeo foi
explicitado como um questionamento a elas
Seguindo seu movimento argumentativo a professora usa novamente o
argumento pragmaacutetico fechando ainda mais a argumentaccedilatildeo ldquosatildeo poucos brinquedos
quando a crianccedila vai chegando certa fase do ano a crianccedila jaacute estaacute cansada de ver
aqueles jogos jaacute natildeo estatildeo se interessando mais com aqueles jogosrdquo Mais uma vez a
questatildeo da escassez dos brinquedos eacute usada como justificativa para as professoras natildeo
realizarem atividades similares agraves assistidas no viacutedeo Nesse contexto a pesquisadora
natildeo levantou questotildees sobre quais os tipos de brinquedos satildeo disponibilizados na
creche nem promoveu reflexotildees sobre como as professoras poderiam desenvolver
atividades por meio desses brinquedos
Finalizando seu enunciado a professora volta a pautar seu discurso no campo do
idealizado Usa o operador argumentativo ldquomasrdquo e o modalizador ldquoeu achordquo para dizer
que as educadoras da creche ldquosonharamrdquo com a organizaccedilatildeo das oficinas de modo
similar agrave que foi apresentada no viacutedeo pelo GP EFoPI ldquomas eu acho que eacute o que se
sonhou aqui para dentro da creche com as nossas oficinasrdquo Ao pautar novamente
seu discurso no campo do idealizado a professora rompe com a possibilidade de refletir
sobre o que se ldquosonhourdquo e o que elas poderiam realizar a partir do idealizado
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Claacuteudia no turno seguinte (9) continua a interlocuccedilatildeo fazendo uso tambeacutem do
argumento pragmaacutetico ldquoeacute que trabalhar com a oficina quer dizer eu gosto natildeo sei
vocecircs eu gosto porque muda mas o que nos barra eacute agraves vezes o espaccedilo fiacutesico que se
tem nas unidades num daacute contardquo e do argumento de exemplo ldquose precisar de uma
biblioteca para eles ficarem mais agrave vontade para trabalhar com a leitura com os
livrinhosrdquo
Neste excerto os recursos argumentativos utilizados pelas professoras em
especial os argumentos pragmaacuteticos e de exemplos promovem pouco espaccedilo de
discussatildeo uma vez que as educadoras expressam ideias concluiacutedas sobre os empecilhos
de se realizar na creche atividades similares agraves apresentadas no viacutedeo Assim natildeo foi
possiacutevel estabelecer um espaccedilo de criticidade em que os sentidos dos participantes
pudessem ser apresentados e por conseguinte novos significados produzidos
Na sequecircncia a pesquisadora Patriacutecia continua trabalhando com a organizaccedilatildeo
dos espaccedilos das salas de atividades buscando criar um espaccedilo de reflexatildeo sobre as
possibilidades de reestruturar os espaccedilos instituiacutedos na creche em especial aqueles
destinados agraves brincadeiras
2ordm Excerto
(10) Patriacutecia Na semana passada a gente trabalhou com a organizaccedilatildeo da sala A gente
tambeacutem escolheu essa fita para a gente ‟tar mais uma vez trabalhando mais uma vez
com a questatildeo dessa organizaccedilatildeo Vocecircs viram que tinha brinquedos aqueles de
construccedilotildees que satildeo de madeira que isso a gente pode ‟tar conseguindo sim
(11) Fabiana Eacute meu incocircmodo eacute como as meninas falaram eacute que tem umas questotildees
dessas transformaccedilotildees que muitas vezes a gente esbarra eacute no outro processo que natildeo
depende soacute de noacutes mesmas entendeu Eu natildeo acredito que seja soacute aqui que seja em
qualquer escola ou creche Que se esbarra muitas vezes a professora na sala ela quer
ateacute fazer esses cantinhos da leitura mas tem os outros processos Igual noacutes nossas
salas agraves vezes viram sala de repouso natildeo pode se ocupar o espaccedilo todo porque tem os
repousos porque tem que deixar esses espaccedilos para isso entendeu Entatildeo natildeo daacute
(12) Patriacutecia Entatildeo isso eacute uma determinaccedilatildeo da AMAC
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(13) Fabiana Agraves vezes a gente pode ateacute pensar em modificar mas aiacute com certeza natildeo
seria uma decisatildeo somente da professora da sala tem que ser uma decisatildeo em conjunto
com todas as unidades de todas as creches
(14) Patriacutecia Mas como vocecircs pensam sobre a organizaccedilatildeo da sala o que vocecircs
pensam sobre isso Como que deveria ser feita essa organizaccedilatildeo
(15) Mirela Eu acho que deveria ter mais brinquedos mais uma sala para a televisatildeo
porque do jeito que ‟taacute cada oficina em uma sala natildeo eacute ruim porque se colocar tudo
igual ali ali eacute porque o espaccedilo eacute enorme agora imagina a sua sala com jogos com
televisatildeo como que seria no nosso pequeno espaccedilo Assim casinha jogos teria que ter
assim mais salas para poder ‟tar dividindo a televisatildeo ter assim uma biblioteca
(16) Patriacutecia Entatildeo assim o que vocecircs colocam como dificuldades de estar fazendo
essas aacutereas na sala
(17) Claacuteudia O espaccedilo
(18) Mirela E a gente esbarra tambeacutem que aqui na creche tudo eacute padronizado entatildeo se
fizer aqui a gente tem que tem que fazer em todas
(19) Fabiana Eacute tem que ‟tar comunicando porque eacute a instituiccedilatildeo e a instituiccedilatildeo tem
vaacuterias unidades e aiacute natildeo depende somente da gente depende de toda uma poliacutetica
(20) Mirela Tanto que hoje eu percebo que o pedagogo tinha que fazer parte dessas
reuniotildees (as sessotildees reflexivas) para ele poder ‟tar vendo as mudanccedilas necessaacuterias
(21) Mirela Ela (a coordenadora) teria que estar aqui para ver as mudanccedilas para ver
uma fita dessas para poder ‟tar levando para o programa Seria muito interessante
(22) Patriacutecia O pedagogo aqui
(23) Patriacutecia Por que os projetos satildeo feitos pelas pedagogas E aiacute encaminham para
vocecircs
(24) Mirela Uma vez por mecircs eacute feito as reuniotildees para elaboraccedilatildeo desse projeto soacute que
desce vai uma funcionaacuteria de cada creche vai laacute embaixo na AMAC e se reuacutene para
fazer a construccedilatildeo desse projeto Aiacute o que se decide laacute eacute impresso e mandado para todas
as unidades Soacute que aiacute satildeo datas fechadas os temas que definem os projetos satildeo
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fechados os temas satildeo enviados Muitas vezes acaba fugindo do que a gente gostaria de
‟tar trabalhando aqui da forma que a gente gostaria que fosse e tem que complementar
com o projeto que foi feito Natildeo eacute que a gente natildeo possa ‟tar trabalhando o que a gente
gostaria mas talvez se fechasse o tema e a gente pudesse elaborar do nosso jeito com a
nossa realidade ficaria melhor
Patriacutecia inicia seu turno (10) retomando o trabalho da sessatildeo anterior em que o
assunto era a organizaccedilatildeo da sala de atividades da educaccedilatildeo infantil ldquona semana
passada a gente trabalhou com a organizaccedilatildeo da salardquo Eacute interessante notar que a
oradora busca com o uso do decircitico de pessoa ldquoa genterdquo implicar os interlocutores no
trabalho de reflexatildeo usando a marca de interaccedilatildeo intitulada neste trabalho de retomada
de vozes anteriores Esse movimento eacute interessante pois sinaliza a preocupaccedilatildeo da
pesquisadora em ser coerente com o trabalho colaborativo Depois faz um
questionamento que visa a promover uma reflexatildeo sobre as possibilidades de se
conseguir realizar um trabalho de reorganizaccedilatildeo do espaccedilo e de se conseguir aumentar o
nuacutemero de brinquedos na creche ldquovocecircs viram que tinha brinquedos aqueles de
construccedilotildees que satildeo de madeira que isso a gente pode ‟tar conseguindordquo Para isso
faz uso do decircitico espacial ldquoaquelesrdquo procurando indicar que os brinquedos de
construccedilotildees natildeo satildeo difiacuteceis de serem adquiridos
Esse movimento argumentativo da pesquisadora eacute importante jaacute que traz
alternativas para a justificativa das professoras em relaccedilatildeo agrave escassez dos brinquedos
procurando instigar as professoras a refletirem sobre outras possibilidades de aquisiccedilatildeo
de mais brinquedos para a creche No entanto apesar da provocaccedilatildeo da oradora as
professoras retomam os argumentos pautados na impossibilidade e falta de autonomia
delas em transformar os espaccedilos instituiacutedos na creche
Mais uma vez as professoras estruturam seu corpus argumentativo em
argumento pragmaacutetico e de exemplo O argumento pragmaacutetico se materializa no
discurso de Fabiana (11) quando ela diz ldquomeu incocircmodo eacute como as meninas falaram
eacute que tem umas questotildees dessas transformaccedilotildees que muitas vezes a gente esbarra eacute no
outro processo que natildeo depende soacute de noacutes mesmas entendeurdquo Nesse movimento
argumentativo a professora faz uso da marca de interaccedilatildeo retomada de vozes anteriores
(ldquocomo as meninas falaramrdquo) fechando mais uma vez seu discurso O fluxo
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argumentativo fica circunscrito a um discurso da impossibilidade de delegar a outras
instacircncias o poder de transformar os espaccedilos instituiacutedos ldquonatildeo depende soacute de noacutes
mesmasrdquo
A educadora continua seu enunciado com o argumento de exemplo ldquonossas
salas agraves vezes viram sala de repouso natildeo pode se ocupar o espaccedilo todo porque tem
os repousos porque tem que deixar esses espaccedilos para issordquo Os dois tipos de
argumentos utilizados pela professora tecircm um efeito de ineacutercia no grupo que emudece
pois traz uma ideia concluiacuteda (argumento pragmaacutetico) apresentando um argumento de
exemplo que daacute agrave situaccedilatildeo o estatuto de fato inquestionaacutevel
A pesquisadora percebe a rotativa discursiva das educadoras e formula uma
questatildeo controversa para o grupo (12) ldquoentatildeo isso eacute uma determinaccedilatildeo da AMACrdquo
Com o uso do decircitico espacial ldquoissordquo busca assinalar na enunciaccedilatildeo da professora o
ponto de referecircncia em que seus argumentos estatildeo pautados Traz uma questatildeo
controversa para o grupo desvelando a gecircnese dos impedimentos prescritos qual seja
ldquouma determinaccedilatildeo da AMACrdquo Subjaz a essa questatildeo controversa uma outra ldquoum
impedimento de transformaccedilatildeo do espaccedilo por conta da AMACrdquo Desse modo a
pesquisadora procura promover no grupo uma zona de colaboraccedilatildeo e criticidade
buscando possibilitar um espaccedilo de reflexatildeo criacutetica em que todos possam tecer
comentaacuterios e discussotildees Isso porque no interior das discussotildees as educadoras jaacute
haviam mencionado sobre como o oacutergatildeo ao qual satildeo vinculados procura padronizar os
espaccedilos as accedilotildees pedagoacutegicas e os horaacuterios de todas as 23 creches do municiacutepio
Diante da questatildeo formulada pela pesquisadora Fabiana (13) usa a marca de
interaccedilatildeo colocaccedilatildeo de problema ldquoagraves vezes a gente pode ateacute pensar em modificar mas
aiacute com certeza natildeo seria uma decisatildeo somente da professora da sala tem que ser
uma decisatildeo em conjunto com todas as unidades de todas as crechesrdquo O uso do ldquoa
genterdquo como decircitico pessoal inclusivo mostra que a professora envolve o grupo de
educadoras na sua argumentaccedilatildeo Depois usa o operador argumentativo ldquoateacuterdquo (ateacute
mesmo inclusive) assinalando um argumento mais forte dentro da perspectiva da
mudanccedila na organizaccedilatildeo das salas de atividades da creche e por fim haacute no seu
discurso a reincidecircncia do operador ldquotodasrdquo na tentativa de fazer uma afirmaccedilatildeo plena
A professora parece escolher tais operadores para indicar a partir da forccedila
argumentativa do seu enunciado uma direccedilatildeo uma explicaccedilatildeo plausiacutevel que justifique a
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dificuldade de transformaccedilatildeo dos espaccedilos disponibilizados para o desenvolvimento da
brincadeira na creche
Atenta ao processo criacuteticondashreflexivo a pesquisadora Patriacutecia (14) tece o seguinte
questionamento ldquoMas como vocecircs pensam sobre a organizaccedilatildeo da sala o que vocecircs
pensam sobre isso Como que deveria ser feita essa organizaccedilatildeordquo Assim pretende
fazer com que as professoras a partir dos questionamentos que formula pensem em
possiacuteveis mudanccedilas relativas agrave organizaccedilatildeo das salas de atividades e por conseguinte
transformaccedilotildees dos espaccedilos para as brincadeiras A intervenccedilatildeo revela a preocupaccedilatildeo da
pesquisadora em compreender os pontos de vista que sustentam o modo como as
professoras veem a questatildeo buscando identificar as possiacuteveis teorias que embasam suas
reflexotildees e os possiacuteveis valores que estatildeo por traacutes delas O movimento discursivo estaacute
pautado segundo Smyth (1992) no informar pois possibilita promover explicaccedilotildees que
mostrem as bases teoacutericas sobre o tema em debate Eacute no interior desse fluxo
argumentativo que se pode abrir caminhos para o confrontar (Liberali 2008a p 60)
Assim mais uma vez as professoras destacam elementos de mudanccedilas na esfera
do idealizado e em accedilotildees que transcendem as possibilidades que lhes competem Isso
fica expliacutecito no turno (15) de Mirela ldquoeu acho que deveria ter mais brinquedos mais
uma sala para a televisatildeo porque do jeito que ‟taacute cada oficina em uma sala natildeo eacute
ruim porque se colocar tudo igual ali ali eacute porque o espaccedilo eacute enorme agora imagina
a sua sala com jogos com televisatildeo como que seria no nosso pequeno espaccedilo Assim
casinha jogos teria que ter assim mais salas para poder ‟tar dividindo a televisatildeo
ter assim uma bibliotecardquo No movimento discursivo a professora destaca os objetos
que deveriam ser adquiridos e os espaccedilos que deveriam ser criados para que se pudesse
pensar em alguma mudanccedila Desse modo natildeo consegue vislumbrar mudanccedilas no
interior das condiccedilotildees materiais em que se encontra Linguiacutesticamente isso fica
demarcado no iniacutecio do turno quando usa a locuccedilatildeo verbal ldquodeveria terrdquo
A rotatividade discursiva se reapresenta na retomada de turno da pesquisadora
(16) que tece mais uma questatildeo controversa com ecircnfase nas dificuldades e natildeo nas
possibilidades ldquoentatildeo assim o que vocecircs colocam como dificuldades de estar fazendo
essas aacutereas na salardquo Diante do questionamento a educadora reponde (17) ldquoo espaccedilordquo
Eacute interessante notar que as professoras escapam do movimento de compartilhar
seus significados sobre a questatildeo discutida e como poderiam refletir sobre o que fazer
focando as impossibilidades na poliacutetica de padronizaccedilatildeo das creches e na necessidade da
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ILKA SCHAPPER SANTOS
participaccedilatildeo dos pedagogos da AMAC nas sessotildees reflexivas Isso pode ser percebido
nos turnos (18) (19) (20) e (21) das educadoras Mirela e Fabiana
Nos turnos citados as professoras usam o argumento de exemplo para
discorrerem sobre a padronizaccedilatildeo das atividades e dos espaccedilos das creches e a
importacircncia de a equipe pedagoacutegica participar das sessotildees reflexivas (18) ldquoa gente
esbarra tambeacutem que aqui na creche tudo eacute padronizado entatildeo se fizer aqui a gente
tem que tem que fazer em todasrdquo Primeiro a professora explica que ldquotudo eacute
padronizadordquo depois faz uso do ldquoentatildeordquo para concluir que ldquotem que fazer em todasrdquo
(as 23 creches do municiacutepio) (19) ldquotem que ‟tar comunicando porque eacute a instituiccedilatildeo
e a instituiccedilatildeo tem vaacuterias unidades e aiacute natildeo depende somente da gente depende de
toda uma poliacuteticardquo (20) ldquotanto que hoje eu percebo que o pedagogo tinha que fazer
parte dessas reuniotildees (as sessotildees reflexivas) para ele poder ‟tar vendo as mudanccedilas
necessaacuteriasrdquo (21) ldquoela (a coordenadora) teria que estar aqui para ver as mudanccedilas
para ver uma fita dessas para poder ‟tar levando para o programa Seria muito
interessanterdquo
O enunciado da educadora traz as marcas do discurso oficial monologizante
Como definiu Bakhtin (apud Nystrand et al 1997 p 12) ldquoo monologismo em seu
extremo nega a existecircncia de outra consciecircncia fora de si com direitos e
responsabilidades iguais O monoacutelogo eacute finalizador e surdo agrave resposta do outro ()
deseja ser a uacuteltima palavrardquo Assim usam as vozes oficiais da instituiccedilatildeo como
subterfuacutegio de explicar suas impossibilidades de transformaccedilotildees e mudanccedilas Apesar de
o oacutergatildeo governamental tentar controlar as accedilotildees no interior das creches seria importante
as educadoras perceberem que podem superar a imposiccedilatildeo e alienaccedilatildeo em seus modos e
maneiras de transformar aquilo que estaacute dentro de seu campo de accedilatildeo
Mirela explica em (24) por meio do argumento de exemplo que os projetos satildeo
elaborados mensalmente com uma representante de cada creche ldquouma vez por mecircs eacute
feito as reuniotildees para elaboraccedilatildeo desse projeto soacute que vai uma funcionaacuteria de cada
creche vai laacute pra baixo na AMAC e se reuacutene para fazer a construccedilatildeo desse projeto
Aiacute o que se decide laacute eacute impresso e mandado para todas as unidades Soacute que aiacute eacute satildeo
datas fechadas os temas que definem os projetos satildeo fechados os projetos satildeo
enviados para as crechesrdquo Com o argumento de que os projetos chegam prontos e satildeo
unificados para as 23 creches a explicaccedilatildeo da educadora serve mais uma vez para
tamponar o (re)pensar de sua praacutetica no interior das creches Esse movimento
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enunciativo impossibilita compartilhar em quais sentidos-significados estatildeo ancoradas
as suas accedilotildees
Apesar de neste excerto a pesquisadora formular questionamentos que busquem
promover um espaccedilo de reflexatildeo sobre possiacuteveis mudanccedilas relativas agrave organizaccedilatildeo das
salas de atividades na creche e em consequecircncia a transformaccedilotildees dos espaccedilos para as
brincadeiras com questotildees relativas ao processo reflexivo (Smyth 1992 Liberali
2008) as enunciaccedilotildees das professoras vatildeo de encontro a esse movimento
As educadoras trazem prioritariamente o discurso autoritaacuterio imposto pela
instituiccedilatildeo agrave qual pertencem para justificar a dificuldade que tecircm em transformar suas
praacuteticas cotidianas Segundo Bakhtin (1983) esse tipo de discurso tem o estatuto de
verdade absoluta natildeo propiciando espaccedilo para a argumentaccedilatildeo refutaccedilatildeo contestaccedilatildeo e
reflexatildeo jaacute que ldquoa palavra autoritaacuteria natildeo se representa ndash ela apenas eacute transmitidardquo
(Bakhtin 1983 p 144) A apropriaccedilatildeo da palavra autoritaacuteria aqui teve a funccedilatildeo de
justificar o jaacute instituiacutedo e os motivos que impossibilitam (re)pensar sobre novos modos
de se trabalhar sobre as praacuteticas cristalizadas Em decorrecircncia disso os significados
compartilhados ficaram inscritos em argumentos sobre o ldquojaacute-feitordquo e natildeo em novas
maneiras em se pensar o ldquopor-fazerrdquo
No fragmento abaixo mais uma vez a pesquisadora Patriacutecia retoma a discussatildeo
sobre a organizaccedilatildeo dos espaccedilos No entanto o foco recai agora sobre a construccedilatildeo de
espaccedilos que promovam a construccedilatildeo do conhecimento
3ordm Excerto
(25) Patriacutecia Como que a gente pode ‟tar organizando a nossa sala de maneira que
haja esses conhecimentos essa coisa da crianccedila ‟tar brincando e ‟tar experimentando e
‟tar pesquisando
(26) Fabiana Eacute aquilo que eu te falei no iniacutecio que a organizaccedilatildeo das nossas salas
tem todo um padratildeo que tem que ser seguido da instituiccedilatildeo
(27) Patriacutecia Mesmo assim vocecircs querendo propondo
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(28) Fabiana Seria um processo assim de ‟tar discutindo falando expondo e ter a
aceitaccedilatildeo da unidade da pedagoga e tudo Porque como eu te falei minha sala eacute
oficina eu tenho dentro da minha sala (faz um sinal negativo com a boca virando para
um lado) mesa as cadeiras um armaacuterio que eu coloco as colchonetes eu tenho um
outro armaacuterio uma outra estante que coloco os jogos com a televisatildeo e o aparelho de
viacutedeo de DVD Entatildeo eu natildeo posso ocupar aquele espaccedilo todo porque eu tenho uma
oficina de jogos e uma oficina de viacutedeo dentro do meu espaccedilo entendeu Entatildeo eu natildeo
posso ocupar aquilo tudo sem deixar o espaccedilo da oficina de jogos e de viacutedeo entendeu
(29) Patriacutecia Isso eacute complicado para as crianccedilas
(30) Fabiana E outra tem que ter o espaccedilo para elas brincarem Entatildeo eu tenho que
estar respeitando aquele espaccedilo todo de maneira que fique organizado entendeu Entatildeo
eu posso na hora das minhas atividades eu viro mesa eu ponho para brincar no chatildeo
que eacute mais faacutecil Pois eu acho assim que o espaccedilo do chatildeo eacute melhor do que o das
mesas para eles montarem os jogos e tudo na hora da pintura eu forro as mesas todas
eu junto as mesas para ficar um espaccedilo maior Isso eu faccedilo porque eu posso Agora
uma questatildeo de eu ficar fazendo um cantinho de leitura um cantinho de faz de conta
Aiacute eu natildeo posso porque tem uma outra oficina de casinha que seria a sala dela (olha
para Mirela) e tem uma outra oficina de artes cecircnicas que eacute na do berccedilaacuterio Aiacute a gente
tem que passar para outra sala
(31) Claacuteudia minha sala natildeo tem condiccedilotildees porque natildeo tem muito espaccedilo porque eacute
muito pequena soacute cabem quatro mesinhas e natildeo cabe mais nada Aiacute agraves vezes eu tenho
que fazer o que ela faz tambeacutem colocar as mesas para um canto e deixar eles
brincarem no chatildeo onde o espaccedilo tambeacutem eacute bem restrito
As professoras mais uma vez fixam seus argumentos no campo das
impossibilidades Para isso usam argumentos de autoridade ndash a AMAC e sua
padronizaccedilatildeo
A pesquisadora (25) retoma o questionamento anterior sobre a organizaccedilatildeo das
salas de atividades nas creches agora pautado na construccedilatildeo e produccedilatildeo do
conhecimento das crianccedilas a partir de trecircs pontos (a) a brincadeira (b) a vivecircncia e (c)
a pesquisa Assim levanta a seguinte pergunta ldquocomo que a gente pode ‟tar
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 179
ILKA SCHAPPER SANTOS
organizando a nossa sala de maneira que haja esses conhecimentos essa coisa da
crianccedila ‟tar brincando e ‟tar experimentando e ‟tar pesquisandordquo Ao utilizar a
expressatildeo ldquoa genterdquo (no lugar do pronome da 1ordf pessoa do plural ldquonoacutesrdquo) Patriacutecia
sinaliza de maneira impliacutecita alguns elementos do trabalho colaborativo entre eles a
necessidade de se mostrar implicada estabelecendo uma interdependecircncia entre o
questionamento feito e as buscas de elementos argumentativos para a soluccedilatildeo do
conflito Aleacutem disso faz uso dos decirciticos ldquoessesrdquo e ldquoessardquo para sinalizar o ponto de
referecircncia de seu questionamento e auxiliar as educadoras na construccedilatildeo de seus
discursos e partilhar seus sentidos sobre o que foi focado
Ao ingressar no fluxo do questionamento da pesquisadora Fabiana (26) retoma
vozes anteriores ldquoeacute aquilo que eu te falei no iniacutecio que a organizaccedilatildeo das nossas
salas tem todo um padratildeo que tem que ser seguido da instituiccedilatildeordquo Ao dizer isso a
professora retoma seu ponto de vista de que haacute ldquoum padratildeo que tem que ser seguido da
instituiccedilatildeordquo Isso mostra uma circularidade discursiva em que natildeo aparecem novos
elementos argumentativos para tratar a questatildeo e por conseguinte o grupo natildeo
consegue criar zonas de confluecircncias de ideias para refletir sobre o jaacute estruturado
conhecido e realizado Como a argumentaccedilatildeo se funda em argumentos de exemplos e
pragmaacuteticos a possibilidade de reflexatildeo fica circunscrita agraves questotildees que transcendem o
espaccedilo da sala de atividades Aqui natildeo se trata como na reflexatildeo tecida do excerto
anterior de dizer de uma compreensatildeo dos aspectos poliacuteticos o questionamento estaacute
pautado em pensar a organizaccedilatildeo dos espaccedilos da creche para a produccedilatildeo do
conhecimento do desenvolvimento da pesquisa no universo das crianccedilas
Percebendo a circularidade discursiva das professoras a pesquisadora retoma o
turno e diz (27) ldquomesmo assim vocecircs querendo propondordquo A escolha da expressatildeo
ldquomesmo assimrdquo mostra que a pesquisadora busca transpor essa circularidade e provocar
as educadoras a refletirem Isso se evidencia quando ela enuncia ldquovocecircs querendo
propondordquo
Em (28) Fabiana daacute instruccedilotildees de como o grupo poderia fazer para romper com
o padratildeo impresso pela AMAC na organizaccedilatildeo dos espaccedilos das creches ldquoseria um
processo assim de ‟tar discutindo falando expondo e ter a aceitaccedilatildeo da unidade da
pedagoga e tudordquo Depois a professora tece uma explicaccedilatildeo a partir da retomada de
uma fala anterior ldquoPorque como eu te falei minha sala eacute oficina eu tenho dentro da
minha sala (faz um sinal negativo com a boca virando para um lado) mesa as cadeiras
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 180
ILKA SCHAPPER SANTOS
um armaacuterio que eu coloco as colchonetes eu tenho um outro armaacuterio uma outra
estante que coloco os jogos com a televisatildeo e o aparelho de viacutedeo de DVDrdquo
Eacute possiacutevel perceber que o movimento argumentativo tanto por parte da
pesquisadora quanto das educadoras se fixa em argumentos pautados nos exemplos de
situaccedilotildees e organizaccedilotildees dos espaccedilos instituiacutedos na creche As marcas de interaccedilatildeo que
datildeo movimento a esses argumentos satildeo as explicaccedilotildees e retomadas de vozes anteriores
As professoras natildeo se implicam nas accedilotildees que determinam o instituiacutedo na creche como
em excertos analisados anteriormente Os conflitos as contradiccedilotildees que satildeo
ldquodenunciadasrdquo se configuram como algo externo distante e impossiacutevel de ser
transformado As educadoras mostram os significados cristalizados fixos e natildeo
reiteraacuteveis da organizaccedilatildeo dos espaccedilos natildeo buscando compartilhar seus sentidos para a
possibilidade de romper com essa estrutura Desse modo natildeo compartilham sentidos e
natildeo criam outros significados diferentes desses instituiacutedos pela AMAC Novamente
prevalece o discurso autoritaacuterio (Bakhtin 1983)
Nessa discussatildeo sobre a organizaccedilatildeo dos espaccedilos instituiacutedos nas creches haacute uma
dificuldade de o grupo perceber as possibilidades de transformaccedilotildees e mudanccedilas desta
organizaccedilatildeo O historiador espanhol Vintildeao Frago (1998) discorre sobre a natildeo
neutralidade do espaccedilo posto que este produz sentidos em um movimento dinacircmico
demarcando relaccedilotildees de poder e de escolhas ldquoa arquitetura escolar eacute tambeacutem por si
mesma um programa uma espeacutecie de discurso que institui na sua materialidade um
sistema de valoresrdquo (p 26)
A compreensatildeo do espaccedilo e sua organizaccedilatildeo eacute assim um(a) processoproduccedilatildeo
cultural Para o autor esta compreensatildeo na verdade estaacute pautada na percepccedilatildeo que
temos dos lugares (espaccedilos construiacutedos) Dito de outro modo eacute no lugar que o espaccedilo
ganha significado e corporeidade O espaccedilo vai se corporificando (se transformando em
lugar) na medida em que vai tendo significado para os sujeitos que o ocupamconstroem
cotidianamente
A ocupaccedilatildeo do espaccedilo sua utilizaccedilatildeo supotildee sua constituiccedilatildeo como
lugar O ldquosalto qualitativordquo que leva do espaccedilo ao lugar eacute pois uma
construccedilatildeo O espaccedilo se projeta ou se imagina o lugar se constroacutei
Constroacutei-se ldquoa partir do fluir da vidardquo e a partir do espaccedilo como
suporte o espaccedilo portanto estaacute sempre disponiacutevel e disposto para
converter-se em lugar para ser construiacutedo (Vintildeao Frago 1998 p 61)
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 181
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O espaccedilo eacute processoproduto de inter-relaccedilotildees ldquoeacute o produto das dificuldades e
complexidades dos entrelaccedilamentos e dos natildeo entrelaccedilamentos de relaccedilotildeesrdquo (Massey
2004 p 17) A organizaccedilatildeo em espaccedilos universalizantes que desconsidera essa
complexidade gera tambeacutem rotinas universais e padronizadas materializadas em
praacuteticas homogecircneas que tamponam as diferenccedilas criam um discurso uacutenico
desconsiderando o contexto social histoacuterico e as praacuteticas culturais presentes em cada
instituiccedilatildeo (Silva 2009)
Como toda realidade social o espaccedilo precisa ser pensado no campo
metodoloacutegico e teoacuterico a partir de trecircs conceitos indissociaacuteveis forma estrutura e
funccedilatildeo (Santos 1997) Ao contraacuterio disso os excertos analisados mostram que a
definiccedilatildeo de organizaccedilatildeo do espaccedilo nas creches municipais de Juiz de Fora eacute
estruturada de maneira uniforme desconsiderando o contexto de produccedilatildeo de cada uma
e suas especificidades Mas principalmente natildeo configura um ambiente no qual
crianccedilas e adultos possam construir interaccedilotildees que promovam diversas formas de
expressatildeo dos saberes cotidianos que traduzam os saberes infantis
Apesar de trazer ateacute entatildeo a discussatildeo do espaccedilo instituiacutedo por meio do
discurso autoritaacuterio (ldquoseria um processo assim de ‟tar discutindo falando expondo ter
a aceitaccedilatildeo da unidade da pedagoga e tudordquo) as professoras nos turnos que se
seguem comeccedilam a sinalizar para algumas possibilidades mostrando uma outra faceta
Sinalizam que buscam na contradiccedilatildeo reorganizar os lugares para as brincadeiras
infantis Isto fica claro no turno de Fabiana (29) ldquoE outra tem que ter o espaccedilo para
elas brincarem Entatildeo eu tenho que estar respeitando aquele espaccedilo todo de maneira
que fique organizado entendeu Entatildeo eu posso na hora das minhas atividades eu
viro mesa eu ponho para brincar no chatildeo que eacute mais faacutecilrdquo Ao iniciar sua enunciaccedilatildeo
com a expressatildeo ldquoe outrardquo indica que traraacute um outro elemento para a discussatildeo isso
ocorre por meio de uma explicaccedilatildeo ldquotem que ter o espaccedilo para elas (as crianccedilas)
brincaremrdquo Esta explicaccedilatildeo traz para a cena discursiva um importante sentido da
professora partilhado com o grupo sobre a relaccedilatildeo que estabeleceu entre a organizaccedilatildeo
do espaccedilo na creche e o desenvolvimento da brincadeira com as crianccedilas No entanto
apesar de compartilhar tal significado ainda mostra o peso da imposiccedilatildeo institucional
ldquoeu tenho que estar respeitando aquele espaccedilo todo de maneira que fique
organizadordquo
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 182
ILKA SCHAPPER SANTOS
Na continuidade do seu turno a educadora tece uma explicaccedilatildeo pautada no
argumento de exemplo para mostrar como dentro de um contexto de espaccedilo
padronizado rompe com o instituiacutedo ldquona hora das minhas atividades eu viro mesa
eu ponho para brincar no chatildeo que eacute mais faacutecilrdquo ldquoo espaccedilo do chatildeo eacute melhor do que
o das mesas para eles montarem os jogos e tudo na hora da pintura eu forro as
mesas todas eu junto as mesas para ficar um espaccedilo maiorrdquo Ao dizer ldquoviro as
mesasrdquo ldquoponho para brincar no chatildeordquo compartilha com todos os participantes seus
sentidos-significados sobre a necessidade de transformar os espaccedilos circunscritos das
creches Isso tambeacutem se apresenta quando discorre a partir do argumento de
comparaccedilatildeo ldquoo espaccedilo do chatildeo eacute melhor do que o das mesas para eles montarem os
jogos e tudordquo
Neste excerto foi possiacutevel perceber em um primeiro momento a reincidecircncia de
argumentos sobre a impossibilidade sinalizada pelas professoras de se (re)pensar a
organizaccedilatildeo dos espaccedilos das creches Nesse sentido haacute ainda uma circularidade
enunciativa em torno do discurso autoritaacuterio (Bakhtin 1983) Depois as professoras
comeccedilam a compartilhar um outro significado em que destacam que viram e juntam as
mesas fazem atividades no chatildeo mostrando que de algum modo reestruturam os
espaccedilos instituiacutedos Nesse momento pode-se perceber que foi importante o
questionamento da pesquisadora sobre como o espaccedilo poderia ser organizado Essa
marca da interaccedilatildeo propiciou que as professoras revisitassem seus sentidos-significados
sobre a temaacutetica proposta
Como aponta Magalhatildees (2004) e Liberali (2006) para colocar em praacutetica o
processo criacutetico-reflexivo (Smyth 1992) a presenccedila do pesquisador como formador eacute
imprescindiacutevel pois eacute por meio de suas intervenccedilotildees que se instaura um espaccedilo
colaborativo de modo que ocorram autoquestionamentos e a reflexatildeo criacutetica Segundo
Magalhatildees (2004) o papel do formador implica criar possibilidades de construccedilatildeo-
produccedilatildeo de significados com base na argumentaccedilatildeo e no questionamento
Na proacutexima seccedilatildeo seratildeo analisados os excertos do segundo cronotopo da Cadeia
Criativa referente a dois encontros do curso de extensatildeo que estavam interligados
ldquoEspaccedilo de Reflexatildeo Teoacuterico-Praacutetico em Contexto de Colaboraccedilatildeordquo (1) o terceiro
encontro ndash ldquoA Dimensatildeo Luacutedica na Crianccedila e na Crecherdquo e (2) o quarto encontro ndash ldquoA
Dimensatildeo Luacutedica no Espaccedilo-Ambiente da Creche reflexotildees sobre o brincarrdquo
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 183
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42 ndash 2ordm Cronotopo da Cadeia Criativa ndash Curso de Extensatildeo
O curso de extensatildeo com as 23 coordenadoras das creches puacuteblicas municipais
como explicitado no terceiro capiacutetulo desta tese foi estruturado em 10 encontros com
os seguintes temas respectivamente (1) Oficina de Roda resgatando as memoacuterias (2)
Oficina O dia-a-dia na Creche (3) A Dimensatildeo Luacutedica na Crianccedila e na Creche (4) A
Dimensatildeo Luacutedica no Espaccedilo-Ambiente da Creche reflexotildees sobre o brincar (5)
Encontro ndash Conflitos na Infacircncia e a Rotina na Creche (6) ndash Estaacutetua Se Mexer Natildeo
Vale O Conhecimento do Movimento Corporal (7) A Sistematizaccedilatildeo de Propostas
Pedagoacutegicas nas Creches (8) Narrativas Orais e o Desenvolvimento da Imaginaccedilatildeo
Infantil (9) Vivecircncias Artiacutesticas pensando nos pequenos e (10) Espaccedilo de
ReflexatildeoAvaliaccedilatildeo
O curso foi planejado e ministrado pelas pesquisadoras do GP EFoPI com a
intenccedilatildeo de ampliar no movimento da Cadeia Criativa a interlocuccedilatildeo criacutetica de
colaboraccedilatildeo com os profissionais das creches municipais de Juiz de Fora ateacute entatildeo
tecidas com 4 educadoras de uma das instituiccedilotildees Isso porque na interlocuccedilatildeo com as
professoras chegou-se agrave conclusatildeo de que seria imprescindiacutevel abrir um espaccedilo para um
trabalho criacutetico-reflexivo com todas as coordenadoras das 23 creches puacuteblicas
municipais
Neste 2ordm cronotopo seratildeo analisados dois encontros do curso (1) o terceiro
encontro ldquoA Dimensatildeo Luacutedica na Crianccedila e na Crecherdquo e (2) o quarto encontro ldquoA
Dimensatildeo Luacutedica no Espaccedilo-Ambiente da Creche reflexotildees sobre o brincarrdquo Nesses
encontros foram discutidas as relaccedilotildees que podem se estabelecer entre o
desenvolvimento da imaginaccedilatildeo e a brincadeira elementos que satildeo objetos de estudo
desta investigaccedilatildeo
421 ndash Encontros do Curso de Extensatildeo Analisados ldquoA Dimensatildeo Luacutedica na
Crianccedila e na Crecherdquo e ldquoA Dimensatildeo Luacutedica no Espaccedilo-Ambiente da Creche
reflexotildees sobre o brincarrdquo ndash dias 05 e 12 de novembro de 2007
Para a anaacutelise deste cronotopo foram selecionados trecircs excertos dos dois
encontros do curso de extensatildeo mencionados anteriormente referentes agraves discussotildees
sobre a brincadeira nas creches com as 23 coordenadoras das creches municipais de
Juiz de Fora e duas pesquisadoras do GP EFoPI desenvolvido na Faculdade de
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 184
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Educaccedilatildeo na Universidade Federal de Juiz de Fora O objetivo dos encontros era
promover um espaccedilo criacutetico-reflexivo sobre o brincar no interior da educaccedilatildeo infantil
As pesquisadoras no primeiro encontro discutiram sobre a dimensatildeo luacutedica na
crianccedila e na creche destacando o brincar como processo Na introduccedilatildeo da temaacutetica
Leacutea pergunta agraves coordenadoras o que significava brincar para elas e imediatamente
tece o comentaacuterio de que essa era uma questatildeo de difiacutecil definiccedilatildeo Desse modo para
respaldar seu comentaacuterio traz para a cena discursiva o posicionamento de alguns
autores que atribuem diferentes significaccedilotildees aos jogos brinquedos e brincadeiras
destacando as contribuiccedilotildees da autora Kishimoto (1996) professora e pesquisadora da
Universidade de Satildeo Paulo que faz alusatildeo aos brinquedos e agraves brincadeiras em
diferentes contextos sociais
Depois as discussotildees ficam circunscritas a temas como (1) o brincar e a cultura
(2) brincar se aprende Para ilustrar o debate teoacuterico-praacutetico acerca desses temas as
pesquisadoras trazem as imagens do livro ldquoQuando as crianccedilas dizem agora chegardquo em
que Tonucci (2003) por meio de charges mostra por exemplo como as crianccedilas satildeo
vistas de cima para baixo
No segundo encontro continuam as discussotildees sobre a dimensatildeo luacutedica mas
agora inscrita no espaccedilo-ambiente da creche As pesquisadoras apresentam os pilares
da perspectiva soacutecio-histoacuterico-cultural em especial as categorias teoacutericas que podem
auxiliar na compreensatildeo do brincar como processo e como atividade cultural Assim
destacam as funccedilotildees psicoloacutegicas o funcionamento psicoloacutegico fundado nas relaccedilotildees
sociais a mediaccedilatildeo simboacutelica zona proximal de desenvolvimento Nesse entremeio
reforccedilam a ideia de que brincar se aprende A partir disso enfatizam as contribuiccedilotildees
teoacutericas de Vygotsky e seus colaboradores para a compreensatildeo da brincadeira de faz de
conta e os diferentes significados que a crianccedila atribui aos objetos no movimento do
brincar
Como o leitor poderaacute perceber esse cronotopo estaacute recheado de incursotildees
teoacutericas e traz os significados do brincar do GP EFoPI fato que natildeo ocorreu no elo
anterior da Cadeia Criativa Assim os argumentos das pesquisadoras estatildeo respaldados
tambeacutem em construtos teoacutericos que medeiam a interlocuccedilatildeo
No excerto a seguir a pesquisadora Leacutea discute junto com as coordenadoras a
dificuldade em se definir o brincar Depois promove um debate sobre a brincadeira
livre e a brincadeira dirigida Para isso estrutura seu campo argumentativo
prioritariamente no argumento baseado em citaccedilotildees
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 185
ILKA SCHAPPER SANTOS
1ordm excerto
(1) Leacutea Vamos falar hoje das questotildees sobre o brincar Entatildeo como vocecircs viram no
proacuteprio folder (do curso de extensatildeo) a gente vai ‟tar falando da questatildeo do brincar
hoje e na proacutexima segunda-feira continuaremos essas questotildees que se referem ao
brincar Eu achei interessante que uma pessoa que trabalha aqui na Prefeitura ela
entrou e disse assim - Leacutea a gente fala muito no brincar mas eacute difiacutecil a gente saber
como pratica isso neacute Entatildeo eu disse assim pra ela - Olha isso eacute realmente um
desafio eu ‟tou aqui hoje conversando com o pessoal o pessoal que trabalha nas
creches que estaacute muito pertinho das crianccedilas de zero a trecircs anos Noacutes vamos estar com
esse curso aqui ele tem o nome de ldquoReflexatildeo teoacuterico-praacuteticardquo noacutes estamos fazendo
aqui uma troca Realmente eacute uma troca eacute uma discussatildeo como eacute que eacute o que natildeo eacute eu
penso que assim bdquotaacute trazendo o estudo dos teoacutericos as ideias que eles trouxeram pra
noacutes o que isso tem a ver com a nossa realidade com o nosso tempo de hoje Certo
Tem um livro do Tonucci que chama ldquoCom os olhos da crianccedilardquo ele eacute todo de
caricaturas Entatildeo ele traz essas caricaturas que eu acho muito interessante Entatildeo o
que acontece O adulto ali dizendo ldquome ensina a brincar que eu natildeo me lembro maisrdquo
Isso eacute uma coisa assim bastante interessante pra gente estar refletindo aqui eacute porque se
vocecirc for brincar com a crianccedila vocecirc precisa se despir ou da sua categoria vamos
dizer assim de adulto e vocecirc realmente se colocar na categoria de crianccedila vamos dizer
assim porque se vocecirc natildeo faz isso realmente a coisa natildeo funciona e a gente pode
perceber muito isso quando agraves vezes a crianccedila estaacute laacute brincando numa boa e tal e vocecirc
chega vocecirc quer interferir A primeira coisa que vocecirc fala eacute ldquode que vocecirc estaacute
brincandordquo Ou entatildeo vocecirc pergunta ldquode que cor eacute issordquo ldquode que forma eacute aquilordquo
Quer dizer entatildeo vocecirc jaacute puxa para alguma questatildeo eacute eacute de conceitos
(sistematizados) alguma questatildeo que vocecirc tenha que estar ensinando Quer dizer
entatildeo se vocecirc realmente natildeo se coloca no lugar de crianccedila fica difiacutecil o brincar
realmente acontecer Entatildeo aiacute eu pergunto pra vocecircs afinal de contas o quecirc que eacute
brincar hein Bem rapidinho (vocecircs) vatildeo tentar definir em uma palavra o quecirc que eacute
brincar pra cada uma de vocecircs
(2) Coordenadora que a cacircmera natildeo focaliza Fazer o que quiser
(3) Coordenadora que a cacircmera natildeo focaliza Imaginar
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 186
ILKA SCHAPPER SANTOS
(4) Leacutea Imaginar Mais o quecirc
(5) Coordenadora que a cacircmera natildeo focaliza Concentraccedilatildeo
(6) Leacutea Concentraccedilatildeo
(7) Diva Desenvolvimento
(8) Leacutea Desenvolvimento Mais o quecirc O que eacute o brincar
(9) Coordenadora que a cacircmera natildeo focaliza Maacutegica
(10) Leacutea Maacutegica Que mais eacute o brincar
(11) Coordenadora que a cacircmera natildeo focaliza Fazer de conta
(12) Leacutea Fazer de conta Que mais eacute brincar (Faz gesto com as matildeos pedindo mais
opiniotildees) Que mais Difiacutecil neacute Se a gente pensar que tem que escrever uma definiccedilatildeo
para o brincar a gente jaacute vai tendo uma certa dificuldade A professora Tizuco eu acho
que muitas de vocecircs jaacute devem ter lido ou conhecido os livros dela Ela fala que o
brincar ele eacute muito difiacutecil de definir porque ele eacute uma coisa muito contraditoacuteria Entatildeo
ela vem dizendo que o brincar ele eacute visto ora como uma accedilatildeo livre ora eacute uma atividade
supervisionada pelo adulto E aiacute ela ateacute vai mais longe e vai dizendo que muitas
vezes na escola o quecirc que vocecirc faz Por exemplo - Vamos brincar E aiacute o adulto diz
- Vamos agora brincar eacute de casinha Isso eacute supervisionado ou tambeacutem - Agora noacutes
vamos brincar disso ou vocecirc faz a sugestatildeo todas as crianccedilas ou todas as pessoas que
estatildeo ali tecircm que brincar da mesma coisa entatildeo ela acaba sendo uma atividade dirigida
No iniacutecio do turno (1) Leacutea explica ao grupo de coordenadoras que vai no curso
de extensatildeo discutir as questotildees referentes ao brincar Eacute interessante notar que para
dizer da dificuldade da temaacutetica a pesquisadora narra uma conversa que teve com uma
profissional da prefeitura referecircncia na aacuterea de educaccedilatildeo infantil no municiacutepio de Juiz
de Fora Com isso a pesquisadora faz uso de um argumento de autoridade para
defender a tese sobre a dificuldade de se trabalhar (praticar) o brincar na educaccedilatildeo
infantil ela (a profissional) entrou e disse assim - Leacutea a gente fala muito no brincar
mas eacute difiacutecil a gente saber como pratica isso As escolhas lexicais da pesquisadora na
narrativa por meio do pronome pessoal da terceira pessoa do singular ldquoelardquo mostram a
necessidade de pautar sua enunciaccedilatildeo no discurso citado para buscar a adesatildeo do
auditoacuterio Haacute ainda no discurso citado uma questatildeo controversa importante ldquoa gente
fala muito no brincar mas eacute difiacutecil a gente saber como pratica issordquo As marcas
linguiacutesticas que sinalizam a controversa satildeo (1) a reincidecircncia do sintagma nominal ldquoa
genterdquo (no lugar do pronome de primeira pessoal do plural ldquonoacutesrdquo) e o operador
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 187
ILKA SCHAPPER SANTOS
argumentativo ldquomasrdquo que contrapotildee elementos anteriores levando a uma conclusatildeo
contraacuteria Depois a pesquisadora diz ldquoEntatildeo eu disse assim pra ela - Olha isso eacute
realmente um desafiordquo A utilizaccedilatildeo do operador argumentativo ldquoentatildeordquo pressupotildee a
conclusatildeo que Leacutea daraacute agrave enunciaccedilatildeo anterior que se materializa no uso do decircitico
espacial ldquoissordquo Implicitamente esse movimento discursivo inicial sinaliza a
preocupaccedilatildeo da pesquisadora em desvelar as possiacuteveis dificuldades da temaacutetica a ser
tratada no curso e procura de alguma maneira implicar o grupo nesse desafio
A continuidade do turno funda-se em um discurso interativo cujos
interlocutores satildeo envolvidos pela pesquisadora nas suas escolhas lexicais Nessa
relaccedilatildeo a decircixis referencial permite a localizaccedilatildeo o momento e a identificaccedilatildeo das
pessoas ldquoNoacutes vamos estar com esse curso aqui ele tem o nome de ldquoReflexatildeo teoacuterico-
praacuteticardquo noacutes estamos fazendo aqui uma troca Realmente eacute uma troca eacute uma
discussatildeo como eacute que eacute o que natildeo eacute eu penso que assim ‟taacute trazendo o estudo dos
teoacutericos as ideias que eles trouxeram pra noacutes o que isso tem a ver com a nossa
realidade com o nosso tempo de hoje Certordquo Essa interaccedilatildeo ainda que esteja
calcada no interior do movimento discursivo da pesquisa promove um espaccedilo de
colaboraccedilatildeo pois todos acabam sendo implicados nas accedilotildees que seratildeo desenvolvidas
Refletindo sobre o movimento linguiacutestico-discursivo a pesquisadora vale-se do
pronome de primeira pessoal do plural para interagir com o auditoacuterio Esse recurso de
escolha da 1ordf pessoa do discurso gera um espaccedilo de confianccedila compromisso e respeito
que deve existir em um trabalho colaborativo Esse comprometimento destaca tambeacutem
de maneira impliacutecita outros aspectos do trabalho colaborativo entre eles a necessidade
de se estabelecerem objetivos comuns e uma relaccedilatildeo de interdependecircncia pois eacute nessa
relaccedilatildeo que os participantes podem desenvolver a ldquoresponsividaderdquo (Sobral 2005 p
20) em processo de trabalho coletivo
Depois de buscar envolver colaborativamente o grupo de coordenadoras das
creches Leacutea mostra o seguinte slide
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 188
ILKA SCHAPPER SANTOS
(Tonucci 2003)
Assim a partir de um argumento de citaccedilatildeo pautado em argumento de
autoridade e de fonte explica ldquotem um livro do Tonucci que chama ldquoCom os olhos da
crianccedilardquo ele eacute todo de caricaturas Entatildeo ele traz essas caricaturas que eu acho
muito interessanterdquo Ao concluir com o operador argumentativo ldquoentatildeordquo e continuar
dizendo ldquoele traz essas caricaturas que eu acho muito interessanterdquo a pesquisadora
compartilha da crenccedila do autor e obra citados de que eacute importante que o adulto se dispa
da sua categoria de adulto e se coloque na categoria de crianccedila Isso se explicita na
continuidade de seu turno ldquoEntatildeo o que acontece O adulto ali dizendo bdquome ensina a
brincar que eu natildeo me lembro mais‟ Isso eacute uma coisa assim bastante interessante
pra gente estar refletindo aqui eacute porque se vocecirc for brincar com a crianccedila vocecirc
precisa se despir da sua categoria vamos dizer assim de adulto e vocecirc realmente se
colocar na categoria de crianccedila ()rdquo O uso do decircitico ldquoissordquo acompanhado do
adjunto intensificador ldquobastanterdquo sinaliza a crenccedila da pesquisadora da necessidade de
se compreender o brincar sob a oacutetica da crianccedila
Depois de tecer explicaccedilotildees sobre a relevacircncia de compreendermos a brincadeira
sob a oacutetica da crianccedila por meio do argumento de citaccedilatildeo (referenciado em uma fonte)
Leacutea continua sua argumentaccedilatildeo a partir de argumentos de exemplos ldquoporque se vocecirc
natildeo faz isso realmente a coisa natildeo funciona e a gente pode perceber muito isso
quando agraves vezes a crianccedila estaacute laacute brincando numa boa e tal e vocecirc chega vocecirc quer
interferir A primeira coisa que vocecirc fala eacute bdquode que vocecirc estaacute brincando‟ Ou entatildeo
vocecirc pergunta bdquode que cor eacute isso‟ bdquode que forma eacute aquilo‟rdquo A pesquisadora usa o
argumento de exemplo para chegar a uma conclusatildeo Quer dizer entatildeo vocecirc jaacute puxa
para alguma questatildeo eacute eacute de conceitos (sistematizados) alguma questatildeo que vocecirc
tenha que estar ensinando Nesse momento Leacutea compartilha com o grupo de
coordenadoras um importante significado que tem sobre o lugar que o brincar ocupa na
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 189
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educaccedilatildeo infantil preacute-texto para ensinar conceitos sistematizados Em seguida a
pesquisadora conclui o seu turno com um questionamento ldquoEntatildeo aiacute eu pergunto pra
vocecircs afinal de contas o quecirc que eacute brincar hein Bem rapidinho (vocecircs) vatildeo tentar
definir em uma palavra o quecirc que eacute brincar pra cada uma de vocecircsrdquo
Feito isso a pesquisadora a partir da marca de interaccedilatildeo questionamento indaga
ldquoEntatildeo aiacute eu pergunto para vocecircs afinal de contas o quecirc que eacute brincar (vocecircs) vatildeo
tentar definir em uma palavra o quecirc que eacute brincar pra cada uma de vocecircsrdquo Eacute
interessante notar que esse questionamento veio depois de a pesquisadora compartilhar
significados circunscritos a como o brincar eacute visto pelo adulto como estaacute relacionado agrave
aquisiccedilatildeo de conhecimentos Assim sua pergunta traz em si pontos que satildeo geradores
de respostas Na verdade a oradora primeiro procura compartilhar seus significados e
com a questatildeo busca criar um espaccedilo para que os significados das coordenadoras sobre
o assunto sejam tambeacutem explicitados No entanto o modo como tece a instruccedilatildeo
ldquoBem rapidinho (vocecircs) vatildeo tentar definir em uma palavra o quecirc que eacute brincar pra
cada uma de vocecircsrdquo acaba por restringir o compartilhamento de significados
Discursivamente isso fica expresso nos enunciados ldquobem rapidinhordquo e ldquodefinir em
uma palavrardquo como podemos perceber nos turnos seguintes das coordenadoras (2)
ldquofazer o que quiserrdquo (3) ldquoimaginarrdquo (5) ldquoconcentraccedilatildeordquo (7) ldquodesenvolvimentordquo (9)
ldquomaacutegicardquo (11) ldquofazer de contardquo Assim observamos que nos enunciados das
participantes natildeo fica claro em quais elementos seus significados sobre o brincar estatildeo
fundados pois elas seguiram a instruccedilatildeo da pesquisadora ndash que elas fizessem isso ldquobem
rapidinhordquo e ldquoem uma palavrardquo (ou em uma expressatildeo) ndash exigindo uma resposta
objetiva do grupo Essa instruccedilatildeo inviabilizou que as participantes compartilhassem
com o grupo um significado mais amplo e detalhado sobre o brincar
Como vimos os recursos argumentativos que a pesquisadora lanccedila matildeo em seu
turno (1) promovem pouco espaccedilo para a discussatildeo e expansatildeo da reflexatildeo e por
conseguinte para a produccedilatildeo do conhecimento sobre o brincar pois a oradora apresenta
uma ideia jaacute concluiacuteda O movimento enunciativo se funda em significados
compartilhados com o grupo por meio de um discurso autoritaacuterio (Bakhtin 1983) uma
vez que buscou o reconhecimento e a assimilaccedilatildeo do que foi verbalizado O foco da
discussatildeo para Leacutea era que as coordenadoras precisariam compreender (1) que
trabalhar o brincar na educaccedilatildeo infantil natildeo eacute tarefa faacutecil e (2) a necessidade de
trabalhar o brincar sob a oacutetica das crianccedilas
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 190
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No uacuteltimo turno do excerto Leacutea (12) usa as marcas de interaccedilatildeo recolocaccedilatildeo de
problema e questionamento ldquoQue mais eacute brincar (Faz gesto com as matildeos pedindo
mais opiniotildees) Que maisrdquo Na verdade a pesquisadora aparentemente retoma o
questionamento para o grupo pois a questatildeo funciona mais como recurso discursivo
para continuar a defender a sua tese de que eacute difiacutecil definir o brincar ldquose a gente pensar
que tem que escrever uma definiccedilatildeo para o brincar a gente jaacute vai tendo uma certa
dificuldaderdquo Ao retomar sua tese a pesquisadora natildeo utiliza pronomes de primeira
pessoa do singular mas usa reincidentemente o sintagma ldquoa genterdquo no lugar do
pronome de primeira pessoa do plural procurando envolver o grupo e reafirmar sua
explicaccedilatildeo aproximando assim os participantes para quem fala daquilo que busca
defender Aleacutem disso mostra o tipo de relaccedilatildeo que deseja imprimir no fluxo de sua
interaccedilatildeo verbal
Na continuidade do turno a pesquisadora continua a interlocuccedilatildeo fazendo um
questionamento ldquoPor que isso acontecerdquo A questatildeo tem a finalidade de introduzir a
explicaccedilatildeo sobre os elementos que geram a dificuldade em se definir o brincar Desse
modo a pesquisadora no entremeio de seu discurso usa argumento de autoridade e
argumento de exemplo para tecer sua explicaccedilatildeo ldquoA professora Tizuco eu acho que
muitas de vocecircs jaacute devem ter lido ou conhecido os livros dela Ela fala que o brincar
ele eacute muito difiacutecil de definir porque ele eacute uma coisa muito contraditoacuteria Entatildeo ela
vem dizendo que o brincar ele eacute visto ora como uma accedilatildeo livre ora eacute uma atividade
supervisionada pelo adulto E aiacute ela ateacute vai mais longe e vai dizendo que muitas
vezes na escola o quecirc que vocecirc faz Por exemplo - Vamos brincar E aiacute o adulto diz
- Vamos agora brincar eacute de casinha Isso eacute supervisionado ou tambeacutem - Agora
noacutes vamos brincar disso ou vocecirc faz a sugestatildeo todas as crianccedilas ou todas as pessoas
que estatildeo ali tecircm que brincar da mesma coisa entatildeo ela acaba sendo uma atividade
dirigidardquo Esses recursos argumentativos possibilitam agrave pesquisadora respaldar seu
ponto de vista sobre a questatildeo levantada a partir do discurso de outrem Na visatildeo
bakhtiniana um discurso se constroacutei por meio de outros discursos se dirigindo para
outros mantendo com eles uma interaccedilatildeo viva e tensa (Bakhtin 1983) Ao trazer para a
cena enunciativa outras vozes que vatildeo ao encontro de seu ponto de vista Leacutea promove
um espaccedilo de ampliaccedilatildeo de significados sobre o brincar livre e o brincar dirigido
criando uma zona de colaboraccedilatildeo (Magalhatildees 2009) no interior do debate
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 191
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Na sequecircncia a pesquisadora levanta questionamentos sobre o brincar livre e o
brincar dirigido levantando questotildees sobre os motivos que levam os educadores de um
modo geral a abdicarem de uma situaccedilatildeo livre em funccedilatildeo do brincar dirigido
2ordm excerto
(13) Leacutea Muitas vezes a gente acredita em algumas situaccedilotildees de brincar livre em
funccedilatildeo de outra atividade dirigida por que hein gente Por que a gente abdica de uma
situaccedilatildeo livre de fazer uma sugestatildeo numa hora em que pode escolher aquilo que e
acaba fazendo uma opccedilatildeo por alguma coisa dirigida por alguma tarefa Por que a
gente faz isso
(14) Coordenadora que a cacircmera natildeo focaliza Vocecirc tem maior controle
(15) Leacutea Isso pode ser tambeacutem Vocecirc tem maior controle Mas por que mais gente
(16) Gabriela Teme a desorganizaccedilatildeo
(17) Leacutea Teme a desorganizaccedilatildeo Tambeacutem pode ser a questatildeo da disciplina e pensa -
sei laacute o que a diretora vai falar se ela passar aqui na porta da minha sala que a faxineira
vai dizer vai pegar no meu peacute depois porque eu tirei as mesas do lugar e deixei
encostadas
(18) Diva Eacute pelo compromisso tambeacutem que a gente tem de cumprir as tarefas
pedagoacutegicas
(19) Leacutea O compromisso de cumprir as tarefas pedagoacutegicas
(20) Isabela A preocupaccedilatildeo de vencer o conteuacutedo que agraves vezes eacute mais importante isso
do que o brincar
(21) Algumas coordenadoras trabalha com os conteuacutedos de 1ordf agrave 4ordf
(22) Joana Quando vocecirc (Leacutea) colocou ali a opiniatildeo a fala ali daquela autora do
brincar livre e do brincar dirigido Entatildeo a gente divide muito esse tempo no luacutedico na
fantasia nesse estiacutemulo a essas brincadeiras com as oficinas de contar histoacuterias deles
mesmos traduzir a histoacuteria deles Eu acho assim que a proposta pedagoacutegica que hoje a
gente estaacute trabalhando com ela eacute muito com o brincar Mas muitas vezes a professora
a recreadora ela mesmo tem a tendecircncia em querer dar atividade dirigida o
trabalhinho na folha como forma dela mostrar dela garantir para ela mesma - eu estou
trabalhando
(23) Leacutea Eu concordo com vocecirc seria uma forma talvez de garantir que aquela
crianccedila aprendeu ela sabe as cores ela sabe sei laacute as formas
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 192
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A pesquisadora inicia seu turno (13) dizendo ldquoMuitas vezes a gente acredita
em algumas situaccedilotildees de brincar livre em funccedilatildeo de outra atividade dirigida Por que
hein genterdquo Leacutea no seu enunciado retoma implicitamente o argumento de
autoridade expresso na explicaccedilatildeo da professora Tizuko sobre o brincar livre e a
atividade dirigida O fato de retomar o enunciado do outro tem o objetivo de mostrar a
importacircncia de se refletir sobre o tema Logo em seguida a pesquisadora faz um
questionamento por meio da pergunta ldquoPor que hein genterdquo a fim de recolocar um
ponto relevante que havia sido discutido anteriormente Assim faz uso da marca de
interaccedilatildeo questionamento ldquoPor que a gente abdica de uma situaccedilatildeo livre de fazer
uma sugestatildeo numa hora em que pode escolher aquilo e acaba fazendo uma opccedilatildeo
por alguma coisa dirigida por alguma tarefardquo demarcada linguisticamente a partir do
operador argumentativo ldquopor querdquo
Depois da explicaccedilatildeo a pesquisadora retoma o questionamento indagando
ldquoPor que a gente faz issordquo Esse movimento de levantamento de questotildees contribui
como aponta Magalhatildees (2009) para a discussatildeo de sentidos-significados rotinizados
bem como de produccedilatildeo conjunta de novos significados entre coordenadoras e
pesquisadoras Esse movimento argumentativo da pesquisadora promove um espaccedilo de
socializaccedilatildeo de motivos que levam os profissionais da creche a priorizarem o brincar a
partir de atividades dirigidas Podemos perceber isso nas explicaccedilotildees que as
coordenadoras datildeo em seus turnos (14) ldquovocecirc tem maior controlerdquo (16) ldquoteme a
desorganizaccedilatildeordquo (18) ldquoeacute pelo compromisso tambeacutem que a gente tem de cumprir as
tarefas pedagoacutegicasrdquo (20) ldquoa preocupaccedilatildeo de vencer o conteuacutedo que agraves vezes eacute mais
importante isso do que o brincarrdquo e (21) ldquotrabalha com os conteuacutedos de 1ordf agrave 4ordfrdquo
Dizer que muitas vezes os profissionais das creches priorizam o brincar dirigido por
conta do controle falar do temor agrave desorganizaccedilatildeo da necessidade de cumprir as tarefas
pedagoacutegicas da preocupaccedilatildeo em vencer o conteuacutedo e trabalhar com os conteuacutedos das
primeiras seacuteries do ensino fundamental revelam significados compartilhados em outros
espaccedilos e nesse espaccedilo particular do curso criam uma instacircncia nova em que esses
significados ganham outros contornos
Em seu turno (22) a coordenadora Joana usa de argumento de autoridade para
expor seu ponto de vista sobre a questatildeo tratada ldquoquando vocecirc (Leacutea) colocou ali a
opiniatildeo a fala ali daquela autora do brincar livre e do brincar dirigidordquo Esse
movimento argumentativo daacute respaldo de antematildeo ao que a participante vai dizer Joana
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utiliza o operador argumentativo ldquoentatildeordquo que prepara o interlocutor para a conclusatildeo
que teceraacute ao enunciado anterior ldquoEntatildeo a gente divide muito esse tempo no luacutedico
na fantasia nesse estiacutemulo a essas brincadeiras com as oficinas de contar histoacuterias
deles mesmo traduzir a histoacuteria delesrdquo Aleacutem disso usa o sintagma nominal ldquoa genterdquo
para sinalizar que todo o grupo da coordenaccedilatildeo jaacute faz esse trabalho Faz uso ainda do
argumento de exemplo para ilustrar quais atividades realizam a partir da brincadeira
livre ldquocom as oficinas de contar histoacuterias deles mesmos traduzir a histoacuteria delesrdquo
A coordenadora continua a interlocuccedilatildeo por meio do operador argumentativo
ldquomasrdquo mostrando que vai discorrer para uma conclusatildeo contraacuteria ao que vinha dizendo
ldquoMas muitas vezes a professora a recreadora ela mesmo tem a tendecircncia em querer
dar atividade dirigida o trabalhinho na folha como forma dela mostrar dela
garantir para ela mesma - eu estou trabalhandordquo Essa conclusatildeo contraacuteria ao que
havia sido dito anteriormente pela coordenadora recupera a voz das professoras que tecircm
uma tendecircncia a dar atividade dirigida fato sintetizado no exemplo ldquoo trabalhinho na
folhardquo Por fim conclui seu turno ldquocomo forma dela mostrar dela garantir para ela
mesma - eu estou trabalhandordquo Nesse momento a coordenadora compartilha com o
grupo um importante significado da atividade dirigida e o brincar livre por meio do
discurso citado (da professora) ldquo- eu estou trabalhandordquo Assim a coordenadora na
voz da professora sinaliza para a ldquovelhardquo dicotomia entre a atividade dirigida e a
brincadeira livre Aquela se pauta em um trabalho efetivo da professora possibilitando
mostrar a concretude de suas accedilotildees com as crianccedilas que natildeo seria possiacutevel com o
brincar
A pesquisadora retoma o turno (23) e chega a um acordo em relaccedilatildeo ao que a
coordenadora havia dito ldquoEu concordo com vocecirc seria uma forma talvez de garantir
que aquela crianccedila aprendeu ela sabe as cores ela sabe sei laacute as formasrdquo Nesse
momento ambas revelam seus sentidos compartilhados em outros espaccedilos que ganham
novos contornos na discussatildeo Esse movimento propicia o compartilhamento de
significados sustentados pelos recursos argumentativos da enunciaccedilatildeo no caso da
pesquisadora seu discurso estaacute pautado prioritariamente no argumento de autoridade e
o da coordenadora fundado em argumentos de exemplo fundados na citaccedilatildeo Os
recursos argumentativos utilizados sinalizam para um embate de vozes que culmina em
um acordo Segundo Bakhtin (1983 p 139) ldquoqualquer conversa eacute repleta de
transmissotildees e interpretaccedilotildees das palavras dos outrosrdquo Isso implica pensar que nossa
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enunciaccedilatildeo apresenta citaccedilotildees ou referecircncia agravequilo que uma determinada pessoa disse
sobre um dado assunto Na visatildeo bakhtiniana em um diaacutelogo metade de todas as
palavras proacuteprias satildeo objetos de transmissatildeo de outra pessoa
No excerto acima vimos a produccedilatildeo de significados compartilhados por meio da
colaboraccedilatildeo Segundo Magalhatildees (2009) colaborar implica tensotildees e contradiccedilotildees que
trazem conflitos A pesquisadora aqui natildeo hesitou em utilizar questionamentos que
promovessem o levantamento de duacutevida e de polecircmica elementos fundamentais para a
reflexatildeo criacutetica e o aprofundamento de questotildees problemaacuteticas em foco que
propiciaram a expansatildeo da discussatildeo por meio de uma zona de conflito e tensotildees
chegando a um acordo e promovendo a produccedilatildeo-construccedilatildeo do conhecimento para
todo o grupo
No proacuteximo excerto as pesquisadoras Leacutea e Viviam tecem explicaccedilotildees teoacutericas
sobre a importacircncia do brincar no desenvolvimento infantil Depois as pesquisadoras
fazem questionamentos buscando relacionar os construtos teoacutericos e as accedilotildees das
coordenadoras em relaccedilatildeo agrave temaacutetica
3ordm Excerto
(24) Leacutea Eu acho que vocecircs podem estar colocando essas questotildees que a gente trouxe
hoje Como que vocecircs veem isso relacionando com a creche de vocecircs Vocecircs
poderiam estar pensando na forma de estar mudando alguma coisa Natildeo que aqui a
gente esteja dizendo que a sua posiccedilatildeo seja errada natildeo eacute nesse sentido eacute naquele
sentido que a gente procurou aqui na fala desse encontro como a crianccedila ao brincar
ela daacute saltos qualitativos no proacuteprio desenvolvimento E como eu acho que noacutes adultos
fazemos isso diariamente agrave medida que noacutes interagimos e dialogamos com os outros
porque aqui noacutes estamos dialogando com essas coisas que vocecircs tecircm falado noacutes temos
tido grandes contribuiccedilotildees nessa troca Eu acho que a gente pode sair daqui dizendo
que valeu a pena eu natildeo tinha pensado nisso eu posso estar pensando nisso de outra
forma Agraves vezes vocecirc olha um viacutedeo com a sensaccedilatildeo de que natildeo eacute creche puacuteblica aiacute
pensa - ah natildeo daacute para fazer ndash Ah porque o espaccedilo que eu tenho eacute pequeno Entatildeo a
minha questatildeo para vocecircs agora que a gente estaacute encerrando eacute que cada uma pensasse
na sua creche do tamanho que for com os recursos que tem o que jaacute faz e o que
poderia acrescentar a partir das nossas conversas a partir dessas questotildees que a Viviam
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 195
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trouxe e como bateu para cada uma Eu acho que essas questotildees tecircm que ser colocadas
exatamente para que a gente possa estar reelaborando porque conforme a Viviam
colocou ali no conceito do Vygotsky num primeiro momento da aprendizagem ela
acontece na minha troca com o outro somente depois dessa troca que eu reelaboro que
eu discuto eacute que eu internalizo Quando eu digo que internalizo eacute o que ficou comigo
natildeo entrou aqui e saiu aqui (Leacutea faz gestos apontando para os ouvidos) Natildeo eacute soacute mais
um curso e natildeo eacute realmente esse o nosso objetivo o nosso objetivo eacute de troca de
colaboraccedilatildeo o quecirc que daacute para fazer a partir do que eu tenho o que isso aiacute me
despertou o quecirc que eu jaacute relacionei com o que eu tenho que posso ateacute estar
contribuindo chegando laacute (na creche) mudando seraacute que a gente tem que ter a mesma
organizaccedilatildeo nas salas sempre Eu posso mudar um pouquinho Posso mudar aquela
rotina Como eu posso estar fazendo isso Entatildeo eu acho que seria importante que
cada pessoa pudesse colocar pode ter certeza de que vocecircs tecircm grandes contribuiccedilotildees
E quando eu natildeo falo agraves vezes eu deixo de colaborar com o meu colega Porque agraves
vezes eu natildeo me coloco
(25) Marina Eu acho que a visatildeo que a gente hoje na creche tem desse faz de conta eacute
bem diferente do que foi apresentado aqui Natildeo no sentido da crianccedila e do faz de conta
mas o proacuteprio espaccedilo fiacutesico Eu acho que as nossas meninas por exemplo elas datildeo
muito mais ecircnfase agrave questatildeo pedagoacutegica mesmo por exemplo ainda do papel do
trabalhinho elas natildeo acompanham as crianccedilas no faz de conta igual aparece aqui natildeo
elas natildeo tecircm essa visatildeo Porque eacute tudo muito corrido eu acho assim que a importacircncia
que elas datildeo ao pedagoacutegico ao fazer eacute muito maior que esse momento tatildeo legal que a
gente viu aqui e que a gente natildeo faz natildeo faz
(26) Leacutea Isso que vocecirc viu aqui vocecirc acha que natildeo eacute pedagoacutegico
(27) Marina Natildeo natildeo que natildeo seja o pedagoacutegico Mas assim a gente trabalhando
essas questotildees da forma como foi discutida
(28) Isabela de uma forma mais luacutedica
(29) Joana Eu acho que isso eacute o que precisa na creche esse outro olhar que vocecircs
colocaram aqui para o brincar para o faz de conta Natildeo tem um quadro com cartaz do
tempo quantos somos que dia eacute hoje nada disso E isso a gente faz todo dia A crianccedila
pode vivenciar esses conhecimentos a partir da brincadeira por exemplo vendo como
‟taacute o dia laacute fora brincando mesmo
(30) Isabela Eu acho que o que a gente estaacute oferecendo natildeo eacute o melhor natildeo eacute o legal
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 196
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entendeu Natildeo que a gente faccedila errado eu acho que estaacute na hora de repensar sim para
a gente poder trabalhar o brincar desse modo que vocecircs ‟tatildeo dizendo
No excerto acima a pesquisadora inicia seu turno (24) com a marca de interaccedilatildeo
instruccedilatildeo e para isso entremeia sua fala com outra marca o questionamento ldquoeu acho
que vocecircs podem estar colocando essas questotildees que a gente trouxe hoje Como que
vocecircs veem isso relacionando com a creche de vocecircsrdquo A instruccedilatildeo e o
questionamento satildeo usados como recursos discursivos para que as coordenadoras
reflitam sobre as possiacuteveis contribuiccedilotildees das discussotildees tecidas no encontro para o
trabalho nas creches Linguisticamente isso fica demarcado quando Leacutea faz uso do
pronome ldquoissordquo o qual se refere agraves questotildees propostas aliado ao decircitico temporal
ldquohojerdquo referindo-se ao periacuteodo em que elas ocorreram
No turno a pesquisadora continua discursivamente usando a marca de interaccedilatildeo
instruccedilatildeo de forma bastante modalizada ldquopoderiam pensando mudando alguma
coisardquo Desse modo busca promover a construccedilatildeo de um novo percurso para o tema
tratado que poderia subsidiar elementos para as coordenadoras reconstruiacuterem suas
percepccedilotildees e accedilotildees diante do que foi apresentado Para ilustrar suas colocaccedilotildees a
pesquisadora usa um argumento teoacuterico ldquoeacute naquele sentido que a gente procurou aqui
na fala desse encontro como a crianccedila ao brincar ela daacute saltos qualitativos no
proacuteprio desenvolvimentordquo as marcas linguiacutesticas que sinalizam satildeo o decirciticos espacial
ldquoaquirdquo demarcando o lugar fiacutesico da interlocuccedilatildeo e o pronome ldquonaquelerdquo apontando
para o significado compartilhado do brincar como possibilidade de propiciar agrave crianccedila
ldquosaltos qualitativos no proacuteprio desenvolvimentordquo
Na continuidade de seu turno a pesquisadora utiliza argumento pragmaacutetico para
apreciar um ato ou acontecimento segundo suas consequecircncias presentes ou futuras
tendo importacircncia direta para a reflexatildeo esse fluxo argumentativo se funda tambeacutem
em um discurso internamente persuasivo (Bakhtin 1983 p 144) que pretende trazer as
diversas vozes envolvidas na interaccedilatildeo ldquoe como eu acho que noacutes adultos fazemos isso
diariamente agrave medida que noacutes interagimos e dialogamos com os outros porque aqui
noacutes estamos dialogando com essas coisas que vocecircs tecircm falado noacutes temos tido
grandes contribuiccedilotildees nessa troca Eu acho que a gente pode sair daqui dizendo que
- valeu a pena eu natildeo tinha pensado nisso eu posso estar pensando nisso de outra
formardquo O uso do argumento pragmaacutetico neste contexto indica que o papel do
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 197
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pesquisador-formador natildeo eacute apenas o de trocar informaccedilotildees e sintetizar compreensotildees
compartilhadas mas tambeacutem o de criar um espaccedilo de construccedilatildeo-produccedilatildeo do
conhecimento por meio de uma reflexatildeo criacutetica com base na argumentaccedilatildeo permitindo
que os participantes repensem sobre as questotildees tratadas e os impactos que elas tecircm no
seu trabalho na creche
No campo linguiacutestico o discurso internamente persuasivo se materializou nas
escolhas dos decirciticos pessoais utilizados pela pesquisadora em especial a reincidecircncia
do uso do pronome de primeira pessoa do plural ldquonoacutesrdquo sendo que nas duas primeiras
ocorrecircncias (ldquonoacutes adultosrdquo e ldquonoacutes interagimosrdquo) a pesquisadora se inclui e nas duas
seguintes estabelece uma diferenccedila entre pesquisadoras formadoras e educadoras em
formaccedilatildeo quando tambeacutem introduz a segunda pessoal do plural ldquovocecircsrdquo ldquonoacutes
[pesquisadoras-formadoras] estamos dialogando com essas coisas que vocecircs
[educadoras em formaccedilatildeo] tecircm falado noacutes [pesquisadoras-formadoras] temos tido
grandes contribuiccedilotildees nessa trocardquo Em seguida recorre ao pronome de primeira
pessoal do singular para se posicionar ldquoEu acho querdquo mas se inclui novamente nas
accedilotildees em colaboraccedilatildeo utilizando o sintagma nominal ldquoa genterdquo (no lugar do ldquonoacutesrdquo)
Depois completa com uma avaliaccedilatildeo geneacuterica ldquovaleu a penardquo jaacute introduzindo uma voz
social que tanto pode se referir agrave educadora como tambeacutem agrave pesquisadora materializada
pelo decircitico pessoal de primeira pessoa ldquoeurdquo no sentido expandido (ldquoeu natildeo tinha
pensado nisso eu posso estar pensando nisso de outra formardquo)
Prosseguindo o turno a pesquisadora vale-se das vozes sociais das
coordenadoras enunciadas em outros momentos da interlocuccedilatildeo para dizer da
resistecircncia delas em transformar os espaccedilos da sala de atividades em espaccedilos que
propiciem a brincadeira ldquoagraves vezes vocecirc olha um viacutedeo com a sensaccedilatildeo de que natildeo eacute
creche puacuteblica aiacute pensa - ah natildeo daacute para fazer ndash Ah porque o espaccedilo que eu tenho
eacute pequenordquo Ao introduzir em seu discurso as vozes do outro por meio do discurso
direto a pesquisadora busca estabelecer um sentido de aceitaccedilatildeo geral e reconhecimento
comprovado do conflito Wertsch (1991) explica que o contexto social determina que
vozes sejam privilegiadas em funccedilatildeo de serem mais apropriadas e mais eficazes Ao
(re)produzir um enunciado pautado na voz social dos proacuteprios participantes a
pesquisadora investe na crenccedila de que ela tem poder maior do que a sua proacutepria voz
representaria Assim faz uso da marca de interaccedilatildeo retomada de vozes anteriores para
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ILKA SCHAPPER SANTOS
evitar que as coordenadoras usem os mesmos argumentos para dizer da inviabilidade de
transformar o contexto da sala de atividade no interior da creche
No momento seguinte a pesquisadora continua utilizando a marca de interaccedilatildeo
instruccedilatildeo para orientar sobre as reflexotildees que as coordenadoras deveratildeo tecer ldquoentatildeo a
minha questatildeo para vocecircs agora que a gente estaacute encerrando eacute que cada uma
pensasse na sua creche do tamanho que for com os recursos que tem o que jaacute faz e o
que poderia acrescentar a partir das nossas conversas a partir dessas questotildees que a
Viviam trouxe e como bateu para cada umardquo No interior da instruccedilatildeo Leacutea faz uso do
argumento de autoridade citando a pesquisadora do GP EFoPI Viviam Carvalho
referecircncia nas discussotildees teoacuterico-praacuteticas sobre o brincar para deixar claro em qual
perspectiva elas devem se apoiar no processo de reflexatildeo
A pesquisadora daacute seguimento ainda por meio do argumento de autoridade e
introduzindo um argumento teoacuterico para retomar conceituaccedilotildees anteriores que
poderiam subsidiar a reflexatildeo sobre o tema e criar um espaccedilo de ressignificaccedilatildeo de
significados ldquoEu acho que essas questotildees tecircm que ser colocadas exatamente para que
a gente possa estar reelaborando porque conforme a Viviam colocou ali no conceito
do Vygotsky num primeiro momento da aprendizagem ela acontece na minha troca
com o outro somente depois dessa troca que eu reelaboro que eu discuto eacute que eu
internalizordquo Como argumento de autoridade Leacutea cita novamente a pesquisadora
Viviam e o autor estudado Vygotsky para se referir ao processo de reelaboraccedilatildeo das
participantes Para reforccedilar a perspectiva que deve ser adotada aleacutem de autoridade a
pesquisadora traz no interior da enunciaccedilatildeo o argumento teoacuterico ldquonum primeiro
momento da aprendizagem ela acontece na minha troca com o outro somente depois
dessa troca que eu reelaboro que eu discuto eacute que eu internalizordquo Traz assim uma
importante discussatildeo vygotskyana que foi tecida com as coordenadoras no
desenvolvimento do curso o processo de internalizaccedilatildeo que segundo o autor
possibilita mudanccedilas qualitativas no ser humano Dito de outro modo o indiviacuteduo
reconstroacutei internamente uma operaccedilatildeo externa elaborando uma seacuterie de
transformaccedilotildees (Vygotsky 19301991 p 75) Retomando o que diz o autor russo a esse
respeito as transformaccedilotildees que ocorrem nesse processo satildeo as seguintes (1) uma
operaccedilatildeo que a princiacutepio representa uma atividade externa eacute reconstruiacuteda e comeccedila a
ocorrer internamente (2) um processo interpessoal (niacutevel social) eacute transformado em um
processo intrapessoal (niacutevel individual) e (3) a siacutentese do processo de internalizaccedilatildeo eacute
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 199
ILKA SCHAPPER SANTOS
resultado de uma seacuterie de eventos ocorridos ao longo das relaccedilotildees reais entre as pessoas
no interior de seu contexto soacutecio-histoacuterico-pessoal
Nesse movimento discursivo a pesquisadora procura mostrar a relevacircncia das
interaccedilotildees desenvolvidas nos encontros do curso para as participantes na siacutentese das
relaccedilotildees inter e intrapessoais No fluxo de intervenccedilotildees Leacutea finaliza seu turno com
questionamentos que possam promover um momento para as coordenadoras repensarem
seus significados instituiacutedos que muitas vezes impedem a reorganizaccedilatildeo dos espaccedilos
das creches e por conseguinte diferentes espaccedilos para o brincar ldquoseraacute que a gente tem
que ter a mesma organizaccedilatildeo nas salas sempre Eu posso mudar um pouquinho
Posso mudar aquela rotina Como eu posso estar fazendo issordquo
Os questionamentos formulados por Leacutea procuram fomentar o estabelecimento
de possiacuteveis bases para a produccedilatildeo de (novos) significados construiacutedos
colaborativamente sobre o trabalho realizado e sobre a teoria em estudo Ao colocar na
cena discursiva os elementos teoacutericos retomados e os questionamentos levantados a
pesquisadora busca criar um espaccedilo argumentativo-colaborativo em que seja possiacutevel
refletir sobre o instituiacutedo bem como possibilitar a recolocaccedilatildeo dos significados trazidos
pelas coordenadoras propiciando expandir o significado coletivo daquela comunidade
semioacutetica
No turno seguinte (25) Marina traz uma interessante reflexatildeo ldquoEu acho que a
visatildeo que a gente hoje na creche tem desse faz de conta eacute bem diferente do que foi
apresentado aquirdquo A declarativa sinaliza o conflito vivenciado pela coordenadora entre
o significado trazido pelas professoras sobre a brincadeira de faz de conta e aqueles
compartilhados pelas pesquisadoras Leacutea e Viviam Ao fazer essa afirmaccedilatildeo Marina cria
um espaccedilo de tensatildeo de confronto entre o instituiacutedo cristalizado nos espaccedilos das
creches e o que foi discutido no encontro Esse momento eacute muito importante pois
possibilita a todos os participantes refletirem entre o ditofeito o instituiacutedopossiacutevel e
aleacutem disso promove um espaccedilo de compartilhamento de novos significados marcados
pela siacutentese dialeacutetica entre os significados anteriores e aqueles compartilhados pelas
pesquisadoras
Para confirmar sua tese de que ldquovisatildeo que a gente hoje na creche tem desse faz
de conta eacute bem diferente do que foi apresentado aquirdquo a coordenadora continua o
turno usando o argumento de exemplo como marca de interaccedilatildeo explicaccedilatildeo ldquoEu acho
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 200
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que as nossas meninas (professoras das creches) elas datildeo muito mais ecircnfase agrave
questatildeo pedagoacutegica mesmo por exemplo ainda do papel do trabalhinho elas natildeo
acompanham as crianccedilas no faz de conta igual aparece aqui natildeo elas natildeo tecircm essa
visatildeordquo Por fim Marina diz ldquoa gente natildeo faz natildeo fazrdquo mostrando com o sintagma
nominal ldquoa genterdquo (no lugar do ldquonoacutesrdquo) que a brincadeira na creche natildeo estaacute sob a oacutetica
do faz de conta mas sob a perspectiva de um conteuacutedo sistematizado
Diante da marca de interaccedilatildeo explicaccedilatildeo da coordenadora Leacutea (26) levanta o
questionamento por meio de uma questatildeo controversa ldquoIsso que vocecirc viu aqui vocecirc
acha que natildeo eacute pedagoacutegicordquo Tal questatildeo exigiu das coordenadoras um
posicionamento sobre o que estava sendo discutido e portanto criou espaccedilo para o
argumentar Com isso Marina (27) por meio de um contra-argumento diz ldquoNatildeo natildeo
que natildeo seja o pedagoacutegico Mas assim a gente trabalhando essas questotildees da forma
como foi discutidardquo Nesse movimento discursivo a coordenadora explicita que na
verdade natildeo queria dizer que a brincadeira de faz de conta natildeo fazia parte do
pedagoacutegico mas sim que nas creches as educadoras natildeo trabalhavam o brincar do
modo como estava sendo discutido no curso
Dando continuidade ao debate duas coordenadoras Joana e Isabela nos turnos
(29) e (30) respectivamente mostram por meio do acordo compartilhar o novo
significado manifesto pelas pesquisadoras sobre o trabalho do brincar de faz de conta
nas creches (29) ldquoEu acho que isso eacute o que precisa na creche esse outro olhar que
vocecircs colocaram aqui para o brincar para o faz de contardquoe (30) ldquoeu acho que estaacute
na hora de repensar sim para a gente poder trabalhar o brincar desse modo que
vocecircs ‟tatildeo dizendordquo Linguisticamente isso se faz com o uso dos decirciticos de pessoa e de
espaccedilo ldquovocecircsrdquo e ldquoaquirdquo mostrando que as coordenadoras estatildeo se referindo ao que foi
tratado pelas pesquisadoras no interior do curso de extensatildeo
Nas interaccedilotildees tecidas neste elo da Cadeia Criativa podemos indicar tentativas
indiacutecios e pistas de estabelecimento de uma zona de colaboraccedilatildeo e criticidade na
medida em que o dispositivo argumentativo foi sendo utilizado como instrumento para a
produccedilatildeo de significados compartilhados nas discussotildees estabelecidas Dito de outro
modo a argumentaccedilatildeo possibilitou o estabelecimento de um processo de
questionamento de sentidos-significados rotinizados bem como a produccedilatildeo conjunta de
novos significados por meio de um espaccedilo em que todos os envolvidos puderam se
colocar questionar a si e aos outros mas apoiando suas discussotildees em estudos teoacutericos
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 201
ILKA SCHAPPER SANTOS
43 ndash 3ordm Cronotopo da Cadeia Criativa ndash Sessatildeo Reflexiva com as Coordenadoras
das Creches da AMAC
Os quatro excertos selecionados para esta seccedilatildeo de anaacutelise foram retirados da
quarta sessatildeo reflexiva com as coordenadoras das creches municipais que trabalham
com crianccedilas de dois e trecircs anos de idade e trecircs pesquisadoras do GP EFoPI realizada
em 11 de novembro de 2009 em uma das salas de aula da Faculdade de Educaccedilatildeo da
Universidade Federal de Juiz de Fora O objetivo da sessatildeo foi discutir como as
coordenadoras desenvolveram junto com as professoras das creches e as crianccedilas o
projeto de accedilatildeo sobre a brincadeira elaborado em sessatildeo anterior
431 ndash 4ordf Sessatildeo Reflexiva Analisada ndash dia 11 de novembro de 2009
No primeiro fragmento as pesquisadoras e as coordenadoras discutem os
impactos dos debates tecidos ao longo das sessotildees reflexivas sobre o brincar No fluxo
da interaccedilatildeo o grupo (re)pensa as intervenccedilotildees didatizadas em torno do brincar
1ordm Excerto
(1) Isabela Esse espaccedilo aqui possibilita pensar nas accedilotildees do dia a dia Esses dias eu
observei o seguinte uma crianccedila virou e falou assim ldquoTia ‟tou fazendo um peixerdquo A
professora pegou a cadeira puxou pra perto da crianccedila e falou assim ldquoVamos fazer o
peixe igual a gente faz na salardquo Quer dizer ela cortou a criatividade da crianccedila ela (a
crianccedila) ‟tava assim eufoacuterica mostrando o peixe e ela puxou a cadeira e falou -
ldquoVamos fazer o peixe igual a gente faz na salardquo
(2) Leacutea A que vocecirc atribui isso Essa entrada dela
(3) Bruna Acho que falta interesse
(4) Isabela Eu acho tambeacutem Falta de interesse
(5) Ilka A questatildeo eacute outra eu acho Porque ela pode ter interesse enfim todos os
adjetivos que a gente pode pensar por conta de uma pessoa que falta algum
compromisso mas o que a Leacutea ‟taacute perguntando eacute outra coisa
(6) Assunccedilatildeo Ela vecirc mais o cuidar do que o educar
(7) Ilka Entatildeo mas o que a Leacutea ‟taacute perguntando eacute assim a fala dela (da professora)
ela teve um movimento entatildeo natildeo me parece desinteresse ela ‟tava laacute Mas por que
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 202
ILKA SCHAPPER SANTOS
ela disse ldquovamos fazer o peixe que a gente faz na salardquo Por que ao inveacutes dela falar
assim ldquoque peixe eacute esserdquo Mas por que vocecirc acha que no lugar dela ingressar nesse
universo da crianccedila ela trouxe para esse movimento do real daquilo que se faz na
sala Porque a questatildeo eacute essa A questatildeo agora natildeo eacute culpar o comportamento dela a
questatildeo eu acho eacute O que leva ela a pensar que tem que trazer o menino para o campo
do real e tirar do imaginaacuterio da fantasia Porque a intenccedilatildeo era essa vamos fazer com
que ele descreva o peixe que existe o real
(8) Isabela Aiacute eacute que ‟taacute ela ainda natildeo incorporou essa questatildeo do trabalho com a
imaginaccedilatildeo esse entrar no mundo da imaginaccedilatildeo ela natildeo eacute assim
(9) Ilka Vocecirc acha que ela desconhece
(10) Isabela Natildeo eacute que ela desconhece ela conhece teoricamente mas natildeo
incorporou Ela natildeo se envolve porque ela natildeo internalizou ainda
(11) Ilka Eu ‟tou pensando alto Vocecirc natildeo acha que ela acredita que essa intervenccedilatildeo
que eacute correta
(12) Hilda Porque eu acho que eacute muito isso eu acho que professor da Educaccedilatildeo
Infantil ele tem muito esse conflito se eu embarco na fantasia da crianccedila eu deixo ela
onde ela ‟taacute e aiacute eu natildeo cumpro a minha funccedilatildeo de professor Eu tenho que ensinar
alguma coisa pra ela Eu lembro direitinho uma vez uma cena na sala da minha filha
ela propocircs uma contaccedilatildeo de histoacuteria e aiacute as crianccedilas foram contando a histoacuteria do
tubaratildeo aiacute uma crianccedila falou assim ldquoe aiacute o tubaratildeo saiu voandordquo e a uacutenica
intervenccedilatildeo da professora foi ldquoopa tubaratildeo voardquo Ela cortou a cena totalmente para
ela na narrativa dela o tubaratildeo voava e era isso que tinha graccedila mas ao mesmo
tempo a intervenccedilatildeo dela foi assim ela achou que ela tinha que falar aquilo como ela
ia deixar aquela crianccedila achando que tubaratildeo voava
(13) Marina Para falar a verdade eu acho que ela quis mostrar ali que ela trabalha
com os conteuacutedos em sala de aula
(14) Sirlaine Exatamente aquela visatildeo didatizada do brincar que a gente viu aqui
que tem que ter um conteuacutedo escolar
A coordenadora (1) inicia seu turno dizendo ldquoEsse espaccedilo aqui possibilita
pensar nas accedilotildees do dia a diardquo Com essa declaraccedilatildeo Isabela sinaliza que os encontros
com as pesquisadoras estatildeo possibilitando refletir sobre as accedilotildees que ocorrem no
cotidiano da creche Isso fica demarcado linguisticamente pelo uso dos decirciticos
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 203
ILKA SCHAPPER SANTOS
espaciais ldquoesserdquo e ldquoaquirdquo Depois usa o argumento de exemplo para explicitar sobre o
que vem refletindo Esses dias eu observei o seguinte uma crianccedila virou e falou
assim ldquoTia ‟tou fazendo um peixerdquo A professora pegou a cadeira puxou pra perto
da crianccedila e falou assim ldquoVamos fazer o peixe igual a gente faz na salardquo Quer
dizer ela cortou a criatividade da crianccedila ela (a crianccedila) ‟tava assim eufoacuterica
mostrando o peixe e ela (a professora) puxou a cadeira e falou - ldquoVamos fazer o
peixe igual a gente faz na salardquo Nesse momento a coordenadora compartilha um
importante significado do brincar trazido pelas pesquisadoras qual seja a capacidade da
crianccedila segundo Vygotsky (19301991) de transformar o significado dos objetos
modificando um elemento da realidade em outro Mostra ainda a compreensatildeo de que
esse formato que a crianccedila atribui aos objetos tem implicaccedilotildees importantes para seu
desenvolvimento principalmente no que se refere agrave (re)construccedilatildeo de sentidos e
significados sobre a realidade material em que vive Assim Isabela passa a refletir sobre
as accedilotildees relacionadas ao brincar por meio desse novo significado compartilhado nas
discussotildees do GP EFoPI
Diante da declaraccedilatildeo da professora Leacutea (2) formula uma questatildeo controversa
ldquoA que vocecirc atribui isso Essa entrada delardquo Tal questatildeo exige das coordenadoras
um posicionamento isto eacute a apresentaccedilatildeo dos seus sentidos-significados sobre o que
Isabela havia dito No entanto apesar de a pesquisadora buscar no seu questionamento
que as coordenadoras relacionem a partir da reflexatildeo tecida os significados trazidos
por Isabela agraves discussotildees travadas no segundo cronotopo relativo ao curso de extensatildeo
os pontos de vista que emergem estatildeo pautados no senso comum Discursivamente isso
pode ser visto nas respostas das coordenadoras nos turnos (3) e (4) respectivamente
ldquoAcho que falta interesserdquo e ldquoeu acho tambeacutem Falta de interesserdquo
Diante dos pontos de vista declarados apresento como pesquisadora do GP
EFoPI um contra-argumento nos turnos (5) e (7) respectivamente ldquoA questatildeo eacute
outra eu acho Porque ela pode ter interesse enfim todos os adjetivos que a gente
pode pensar por conta de uma pessoa que falta algum compromisso mas o que a Leacutea
‟taacute perguntando eacute outra coisardquo e ldquoEntatildeo mas o que a Leacutea ‟taacute perguntando eacute assim
a fala dela (da professora) ela teve um movimento entatildeo natildeo me parece
desinteresse ela ‟tava laacute Mas por que ela disse acutevamos fazer o peixe que a gente faz
na sala` Por que ao inveacutes dela falar assim acuteque peixe eacute esse` Mas por que vocecirc
acha que no lugar dela ingressar nesse universo da crianccedila ela trouxe para esse
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 204
ILKA SCHAPPER SANTOS
movimento do real daquilo que se faz na sala Porque a questatildeo eacute essa A questatildeo
agora natildeo eacute culpar o comportamento dela a questatildeo eu acho eacute O que leva ela a
pensar que tem que trazer o menino para o campo do real e tirar do imaginaacuterio da
fantasia Porque a intenccedilatildeo era essa vamos fazer com que ele descreva o peixe que
existe o realrdquo O uso desse recurso argumentativo que estaacute relacionado agrave dissociaccedilatildeo
emerge como contraponto aos argumentos apresentados buscando desencadear uma
situaccedilatildeo de conflito exigindo do grupo um posicionamento diante da questatildeo
apresentada pela pesquisadora Leacutea
A utilizaccedilatildeo desse dispositivo argumentativo na maioria das vezes possibilita o
estabelecimento de conflito e de crise em relaccedilatildeo ao instituiacutedo provocando respostas
que propiciam rever o dito e o estabelecido Assim nesse movimento discursivo
procuro no interior do conflito instaurado e no embate entre os sentidos propiciar
elementos para a produccedilatildeo-construccedilatildeo de significados Isso pode ser percebido no
enunciado de Isabela que antes tinha atribuiacutedo a intervenccedilatildeo da professora agrave ldquofalta de
interesserdquo e agora diz (8) ldquoAiacute eacute que ‟taacute ela ainda natildeo incorporou essa questatildeo do
trabalho com a imaginaccedilatildeo esse entrar no mundo da imaginaccedilatildeo ela natildeo eacute assimrdquo
mostrando que a referida professora desconhece o trabalho pautado no desenvolvimento
da imaginaccedilatildeo (Vygotsky 19301991) tal como tratado nas discussotildees do grupo
No turno (12) a pesquisadora Hilda apresenta uma reflexatildeo que vai ao encontro
do novo significado construiacutedo sobre o trabalho com o brincar e para isso faz uso do
argumento pragmaacutetico ldquoPorque eu acho que eacute muito isso eu acho que professor da
Educaccedilatildeo Infantil ele tem muito esse conflito se eu embarco na fantasia da crianccedila
eu deixo ela onde ela ‟taacute e aiacute eu natildeo cumpro a minha funccedilatildeo de professor Eu tenho
que ensinar alguma coisa pra elardquo Com isso a pesquisadora faz uma apreciaccedilatildeo do
que fora discutido segundo suas possiacuteveis consequecircncias presentes e futuras tendo
relevacircncia direta para a accedilatildeo O argumento funciona como um dispositivo para discutir
os novos significados que estatildeo sendo compartilhados Para ilustrar o que havia dito
anteriormente a pesquisadora continua sua interlocuccedilatildeo por meio de um argumento de
exemplo Eu lembro direitinho uma vez uma cena na sala da minha filha ela (a
professora) propocircs uma contaccedilatildeo de histoacuteria e aiacute as crianccedilas foram contando a
histoacuteria do tubaratildeo aiacute uma crianccedila falou assim ldquoe aiacute o tubaratildeo saiu voandordquo e a
uacutenica intervenccedilatildeo da professora foi ldquoopa tubaratildeo voardquo
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 205
ILKA SCHAPPER SANTOS
Depois Hilda finaliza seu turno usando um contra-argumento por meio do
discurso citado ou seja procura recuperar o que a professora do exemplo pode ter
pensado quando fez a intervenccedilatildeo com a crianccedila ldquoa intervenccedilatildeo dela (da professora)
foi assim ela achou que ela tinha que falar aquilo como ela ia deixar aquela crianccedila
achando que tubaratildeo voavardquo No movimento argumentativo Hilda traz por meio de
argumento pragmaacutetico argumento de exemplo e contra-argumento os sentidos e
significados compartilhados sobre a temaacutetica criando uma zona de criticidade e
colaboraccedilatildeo (Magalhatildees 2009) que veio se instaurando no fluxo da interaccedilatildeo verbal
entre as pesquisadoras e as coordenadoras e que culminou em sua intervenccedilatildeo
Isso se concretiza nos turnos seguintes das coordenadoras Marina (13) e
Sirlaine(14) respectivamente quando recuperam significados compartilhados no 2ordm
cronotopo relativo ao curso de extensatildeo ldquoPara falar a verdade eu acho que ela quis
mostrar ali que ela trabalha com os conteuacutedos em sala de aulardquo e ldquoExatamente
aquela visatildeo didatizada do brincar que a gente viu aqui que tem que ter um
conteuacutedo escolarrdquo Nesse sentido chegam a um acordo de que muitas vezes o brincar
na creche estaacute pautado em uma visatildeo didatizada que prioriza conteuacutedos escolares
Na sequecircncia da sessatildeo reflexiva as pesquisadoras e as coordenadoras
conversam e refletem sobre a forma como estas apresentaram nas creches a proposta
do projeto de accedilatildeo a respeito da brincadeira
2ordm Excerto
(15) Leacutea Aiacute outra questatildeo que a gente gostaria que vocecircs refletissem A pergunta
seria A expectativa que vocecircs tinham com relaccedilatildeo agrave acolhida e ao desenvolvimento da
atividade pela educadora foi atingido Quer dizer as expectativas que vocecircs tinham
quando foram propor para educadora essa acolhida delas com relaccedilatildeo agrave proposta de
vocecircs e do proacuteprio desenvolvimento a forma que elas desenvolveram a atividade ela
foi atingida
(16) Assunccedilatildeo Eu acho que ateacute superou porque assim era para duas educadoras e aiacute o
grupo todo acolheu e assim trecircs dias que eu estava presente no desenvolvimento da
atividade eu fiquei assim taacute (faz expressatildeo boquiaberta) porque laacute na creche natildeo tem
mais aquele horaacuterio riacutegido ldquoAh eacute hora de ir laacute pra fora e natildeo sei o quecircrdquo Entatildeo elas
falavam ldquoOh vamos se natildeo natildeo vai dar tempordquo Foi uma chamando a outra ldquoVem
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 206
ILKA SCHAPPER SANTOS
para gente fazer a brincadeira se natildeo natildeo vai dar tempo da gente fazer legalrdquo Entatildeo
elas estavam envolvidas e elas se envolveram e depois elas vinham me contar ldquoOh
Assunccedilatildeo vamos laacute para vocecirc tirar foto ‟taacute tatildeo legalrdquo Sabem entatildeo assim elas
mesmas foram se envolvendo e participando
(17) Leacutea Elas tinham consciecircncia que isso era um pedido dessa reuniatildeo
(18) Assunccedilatildeo Tinham Porque quando a gente foi apresentar as meninas tinham
falado para gente apresentar falar o porquecirc como que eacute o projeto aqui
(19) Elisa Noacutes colocamos neacute Assunccedilatildeo Apresentamos o grupo EFoPI qual que eacute o
objetivo o que a gente faz aqui nesse grupo elas ficaram ateacute assim muito curiosas
ldquoAh que legalrdquo A gente colocou sucintamente para elas qual eacute o objetivo do grupo
que eacute o trabalho com a parceria que a gente aprende com vocecircs vocecircs aprendem com
a gente que a gente ‟taacute ali socializando com elas com vocecircs a experiecircncia que a gente
vivencia laacute dentro da creche
(20) Ilka O que eu achei interessante no relato de vocecircs eacute que apareceu pelo menos
umas duas ou trecircs vezes a palavra reflexatildeo vocecircs falam assim ldquoAh pensamos em
refletir com elasrdquo Vocecircs veem alguma proximidade nessas reflexotildees postas aqui com
os modos e maneiras que vocecircs atuaram nessa atividade com elas com a sua
orientaccedilatildeo Vocecircs sentem alguma proximidade com esse movimento aqui e o
movimento que vocecircs fizeram laacute Eacute que apareceu falando do campo do significado das
palavras eu achei muito interessante achei muito interessante o desenvolvimento da
atividade mais que isso a forma como vocecircs concretizaram materializaram a
proposta o diaacutelogo com elas eu queria saber um pouco como eacute que isso foi para vocecircs
o que vocecircs pensaram quando solicitaram essa reflexatildeo de pensar sobre as brincadeiras
as antigas brincadeiras a presenccedila da educadora na creche esse espaccedilo que vocecircs
propuseram de reflexatildeo sobre a brincadeira porque apareceu um pouco isso neacute
(21) Assunccedilatildeo Eu acho bacana assim porque o que a gente conversa aqui nos faz
refletir e isso vai claro ter algum efeito no nosso trabalho do dia a dia Entatildeo quando
a gente leva uma proposta que foi discutida aqui para as nossas educadoras a gente
tambeacutem vai com essa coisa de cutucar para que elas reflitam natildeo simplesmente atuem
para que elas observem e em cima disso avaliem o trabalho delas e o desenvolvimento
da crianccedila Entatildeo acho que isso eacute um reflexo do nosso trabalho aqui e do envolvimento
de todo mundo e com isso vai contaminando vocecircs contaminam a gente a gente
contamina elas e elas contaminam as crianccedilas as crianccedilas os pais e assim neacute
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 207
ILKA SCHAPPER SANTOS
(22) Ilka Muito bom Gostei Eacute uma cadeia
(23) Leacutea Eacute uma cadeia
(24) Ilka Uma Cadeia Criativa
Neste excerto Leacutea formula dois questionamentos para identificar os impactos
dos projetos de accedilatildeo elaborados na sessatildeo reflexiva anterior e desenvolvidos com as
professoras (1) ldquoA expectativa que vocecircs tinham com relaccedilatildeo agrave acolhida e ao
desenvolvimento da atividade pela educadora foi atingidordquo e (2) ldquoQuer dizer as
expectativas que vocecircs tinham quando foram propor para educadora essa acolhida
delas com relaccedilatildeo agrave proposta de vocecircs e do proacuteprio desenvolvimento a forma que elas
desenvolveram a atividade ela foi atingidardquo Esses questionamentos propiciam um
espaccedilo para que as coordenadoras avaliem o processo de interaccedilatildeo estabelecido entre as
coordenadoras e as educadoras das creches
A partir dos questionamentos da pesquisadora Assunccedilatildeo (16) diz que o
desenvolvimento da atividade superou as expectativas ldquoEu acho que ateacute superourdquo Em
seguida faz uso em dois momentos no enunciado do operador argumentativo (Koch
19922004) ldquoporquerdquo buscando introduzir uma justificativa ou explicaccedilatildeo relativa ao
enunciado anterior Porque assim era para duas educadoras e aiacute o grupo todo
acolheu e assim trecircs dias que eu estava presente no desenvolvimento da atividade eu
fiquei assim taacute (faz expressatildeo boquiaberta) porque laacute na creche natildeo tem mais
aquele horaacuterio riacutegido ldquoAh eacute hora de ir laacute pra fora e natildeo sei o quecircrdquo Neste fragmento
a coordenadora mostra com a expressatildeo extraverbal (gesto com a boca) sua admiraccedilatildeo
pela transformaccedilatildeo ocorrida na creche pois agora natildeo se tem mais horaacuterio riacutegido em
relaccedilatildeo agraves atividades desenvolvidas Com esse enunciado Assunccedilatildeo compartilha um
significado que foi construiacutedo no cronotopo relativo ao curso de extensatildeo em que as
pesquisadoras discutiram sobre a importacircncia de se considerar o tempo das crianccedilas nas
brincadeiras de faz de conta Dito de outro modo nesse cronotopo do curso de extensatildeo
foi discutido como os alunos estabelecem regras vivenciam conflitos e (re)constroem o
real no brincar de faz de conta (Vygotsky 19301987) e a relevacircncia de sabermos como
interferir nesse processo sem por exemplo cortar abruptamente a cena criada pelas
crianccedilas por conta dos horaacuterios riacutegidos da instituiccedilatildeo
Depois a coordenadora usa o argumento de exemplo para ilustrar sua tese de
que o trabalho desenvolvido superou as expectativas Para isso faz uso em seu turno
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 208
ILKA SCHAPPER SANTOS
do operador argumentativo ldquoentatildeo em dois momentos o que lhe possibilita introduzir
conclusotildees relativas ao que foi apresentado anteriormente ldquoEntatildeo elas falavam ldquoOh
vamos se natildeo natildeo vai dar tempordquo Foi uma chamando a outra ldquoVem para gente
fazer a brincadeira se natildeo natildeo vai dar tempo da gente fazer legalrdquo Entatildeo elas
estavam envolvidas e elas se envolveram e depois elas vinham me contar ldquoOh
Assunccedilatildeo vamos laacute para vocecirc tirar foto ‟taacute tatildeo legal Sabem entatildeo assim elas
mesmas foram se envolvendo e participandordquo Em seu turno a coordenadora mostra
como as professoras estavam envolvidas nas atividades e como ela pocircde compartilhar
com elas em uma outra atividade significados construiacutedos no interior dos encontros
com o GP EFoPI Dessa forma eacute possiacutevel perceber o movimento da Cadeia Criativa
(Liberali 2009) em que a participaccedilatildeo do indiviacuteduo nas atividades (a) (b) e (c) evolui
no tempo a atividade (b) por exemplo pode criar significados novos para os sentidos
levados de volta (no tempo) para atividade (a) e para outra atividade da Cadeia (Fuga
2009 p 47)
No entremeio da discussatildeo trazida por Assunccedilatildeo Leacutea (17) faz o seguinte
questionamento ldquoElas tinham consciecircncia que isso era um pedido dessa reuniatildeordquo O
questionamento da pesquisadora tem a intenccedilatildeo de perceber se as atividades estavam
interligadas num movimento em cadeia Diante do questionamento Assunccedilatildeo (18)
responde por meio de um argumento de exemplo ldquoTinham Porque quando a gente
foi apresentar as meninas tinham falado para a gente apresentar falar o porquecirc
como que eacute o projeto aquirdquo Este recurso argumentativo mostra para o grupo como esse
cronotopo da cadeia se relaciona com outras atividades desenvolvidas pelas
coordenadoras a partir das discussotildees fiadas no interior das sessotildees reflexivas
Depois outra coordenadora Elisa continua especificando em seu turno (19)
utilizando tambeacutem o argumento de exemplo para dizer como apresentou o trabalho
desenvolvido entre pesquisadoras e coordenadoras no GP EFoPI ldquoApresentamos o
grupo EFoPI qual que eacute o objetivo o que a gente faz aqui nesse grupo elas ficaram
ateacute assim muito curiosas acuteAh que legal`rdquo A gente colocou sucintamente para elas
qual eacute o objetivo do grupo que eacute o trabalho com a parceria que a gente aprende com
vocecircs vocecircs aprendem com a gente que a gente ‟taacute ali socializando com elas com
vocecircs a experiecircncia que a gente vivencia laacute dentro da crecherdquo Em seu turno a
coordenadora mostra mais uma vez como o trabalho desenvolvido estaacute interligado no
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 209
ILKA SCHAPPER SANTOS
fluxo da cadeia (Liberali 2009) pois destaca a parceria ldquoque a gente aprende com
vocecircs vocecircs aprendem com a gente que a gente ‟taacute ali socializando com elasrdquo
No turno (19) eacute possiacutevel captar os sentidos que Elisa atribui ao trabalho
desenvolvido no GP EFoPI bem como os impactos dele na interlocuccedilatildeo com as
professoras da creche A coordenadora demarca em seu discurso que ldquoaprenderdquo com o
grupo de pesquisa e as pesquisadoras ldquoaprendemrdquo com as coordenadoras e por
conseguinte isso eacute ldquosocializadordquo com as professoras por meio das intervenccedilotildees no
brincar Tal fala mostra segundo uma visatildeo bakhtiniana sua compreensatildeo ainda que
implicitamente de que a produccedilatildeo de sentidos eacute potencialmente infinita revigorando-se
no contato com outros sentidos dito de outro modo em outros contextos mas
carregando as marcas dos contextos anteriores (Bakhtin 1987)
Diante do exposto nos enunciados anteriores no turno (20) busco entrelaccedilar os
elos da cadeia e compreender os impactos das intervenccedilotildees do GP EFoPI nos diferentes
contextos em que as coordenadoras transitam em especial nos contextos com as
professoras das creches Isso porque procuro ldquocapturarrdquo quais sentidos-significados satildeo
compartilhados com as respectivas professoras Para tanto uso as marcas de interaccedilatildeo
retomada de vozes anteriores ldquoO que eu achei interessante no relato de vocecircs eacute que
apareceu pelo menos umas duas ou trecircs vezes a palavra reflexatildeo ldquovocecircs falam assim
acuteAh pensamos em refletir com elas`rdquo Para sustentar minha avaliaccedilatildeo valho-me do
discurso das coordenadoras Na perspectiva bakhtiniana essa eacute uma relaccedilatildeo de sentido
construiacuteda por meio da palavra de outrem no caso aqui eacute identificado como discurso
representado ou objetivado o discurso direto (Bakhtin 1987) Esse eco de vozes
anteriores pode ser compreendido ainda em Bakhtin sob a oacutetica do plurilinguismo
dialogizado considerado o verdadeiro elemento da enunciaccedilatildeo (Bakhtin 1983) Meu
enunciado traz reminiscecircncias de outros enunciados dentro da comunidade semioacutetica em
que estou inserida como dispositivo para continuar o diaacutelogo Isso se concretiza nos
questionamentos que levanto logo depois ldquoVocecircs veem alguma proximidade nessas
reflexotildees postas aqui com os modos e maneiras que vocecircs atuaram nessa atividade
com elas com a sua orientaccedilatildeo Vocecircs sentem alguma proximidade com esse
movimento aqui e o movimento que vocecircs fizeram laacuterdquo
No fluxo da interaccedilatildeo verbal os questionamentos levantados tecircm a finalidade de
identificar se os esforccedilos em parceria em uma atividade produziram significados que
foram posteriormente compartilhados com outros parceiros atraveacutes dos sentidos que
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 210
ILKA SCHAPPER SANTOS
aqueles trouxeram para uma nova atividade (Liberali 2009) Esse movimento fica
explicitado no turno de Assunccedilatildeo (21) por meio de argumento pragmaacutetico ldquoquando a
gente leva uma proposta que foi discutida aqui para as nossas educadoras a gente
tambeacutem vai com essa coisa de cutucar para que elas reflitam natildeo simplesmente
atuem para que elas observem e em cima disso avaliem o trabalho delas e o
desenvolvimento da crianccedilardquo O uso desse recurso argumentativo como disse
anteriormente permite agrave coordenadora apreciar o trabalhado reflexivo que desenvolveu
com as professoras segundo suas consequecircncias presentes-futuras tendo relevacircncia
direta na accedilatildeo Dito de outro modo Assunccedilatildeo consegue mostrar os impactos das
interaccedilotildees tecidas entre pesquisadoras e coordenadoras no interior de outros contextos
de produccedilatildeo destacando elementos similares aos que foram enunciados por Elisa
Assim finaliza seu turno com argumentos que reforccedilam a ideia do movimento
da Cadeia Criativa na produccedilatildeo de novos significados ldquoEntatildeo acho que isso eacute um
reflexo do nosso trabalho aqui e do envolvimento de todo mundo e com isso vai
contaminando vocecircs contaminam a gente a gente contamina elas e elas contaminam
as crianccedilas as crianccedilas os pais e assim neacuterdquo A metaacutefora da ldquocontaminaccedilatildeordquo utilizada
pela coordenadora eacute a siacutentese desse pensamento Um movimento que inicia com o GP
EFoPI ldquocontaminandordquo as coordenadoras que ldquocontaminamrdquo as professoras que por
sua vez ldquocontaminamrdquo as crianccedilas que por sua vez ldquocontaminamrdquo os pais Diante da
reflexatildeo da coordenadora tanto Leacutea quanto eu nos turnos (22) (23) e (24) sintetizamos
seu pensamento como em ldquocadeiardquo na siacutentese dialeacutetica da Cadeia Criativa (Liberali
2009)
No excerto a seguir duas coordenadoras discutem sobre o trabalho
desenvolvido a partir do projeto de accedilatildeo sobre as brincadeiras nas creches apontando os
impactos e a relevacircncia do trabalho desenvolvido
3ordm Excerto
(25) Elisa O que a gente se pautou O que eu propus para as meninas Conforme foi
a proposta do grupo aqui tambeacutem De que a gente natildeo focasse somente - ah vamos
trabalhar tal brincadeira em funccedilatildeo de desenvolvimento da coordenaccedilatildeo motora fina
coordenaccedilatildeo motora grossa e psicomotor A gente focou o brincar da crianccedila mesmo
a observaccedilatildeo na brincadeira trazer o que esse momento proporciona para a crianccedila o
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 211
ILKA SCHAPPER SANTOS
que essa brincadeira traz de positivo pra essa crianccedila Aiacute colocamos as nossas
reflexotildees O desenvolvimento do plano de accedilatildeo foi pautado em reflexotildees como qual a
importacircncia da brincadeira para as nossas crianccedilas o que a brincadeira proporciona
aos pequenos o que se ganha brincando como brincam Qual o papel que a
brincadeira tem ocupado na vida de nossas crianccedilas e qual o papel do educador neste
processo Como a gente se posiciona frente a esse processo Entatildeo diante das
brincadeiras a gente foi fazendo essa reflexatildeo E eu coloquei algumas citaccedilotildees que a
gente veio discutindo no decorrer dos encontros no final do projeto junto com a
Cibele Entatildeo a gente foi fazendo uma anaacutelise do significado daquela brincadeira para
determinada crianccedila e o significado que ela daacute agrave brincadeira o imaginaacuterio dela O
fundamento de brincar eacute criar uma relaccedilatildeo entre o pensamento e realidade A gente
fala que a crianccedila ela mostra o ambiente que ela vive a realidade que ela vivencia a
famiacutelia tudo atraveacutes da brincadeira Entatildeo satildeo focos que a gente pegou como
reflexatildeo
(26) Joana Entatildeo o objetivo foi alcanccedilado visto que ao enfatizarmos mais as
brincadeiras atraveacutes do plano de accedilatildeo essas passaram a fazer parte mais intensamente
do cotidiano da nossa creche de modo a contagiar todas as demais turmas As
educadoras pediram que a brincadeira fosse desenvolvida nas demais turmas Entatildeo
assim todo mundo passou a brincar natildeo soacute a turminha que ‟tava sendo alvo do projeto
E a gente ‟taacute trabalhando com os cantinhos nas turmas de trecircs anos
Em seu turno Elisa (25) retoma os questionamentos que foram levantados em
momentos anteriores pela pesquisadora Leacutea ldquoO que a gente se pautou O que eu
propus para as meninasrdquo Esse movimento de retomada dos questionamentos auxilia
a coordenadora a organizar seu discurso em funccedilatildeo do que foi solicitado
Na continuidade de seu turno Elisa compartilha um importante significado
referente ao brincar ldquoConforme foi a proposta do grupo aqui tambeacutem De que a
gente natildeo focasse somente - ah vamos trabalhar tal brincadeira em funccedilatildeo de
desenvolvimento da coordenaccedilatildeo motora fina coordenaccedilatildeo motora grossa e
psicomotorrdquo Ao trazer esse discurso citado como um exemplo do que se deve evitar a
coordenadora mostra compreender que o desenvolvimento da brincadeira transcende o
trabalho estruturado em especial aquele relativo ao desenvolvimento ldquopsicomotorrdquo
Em seguida explica que o desenvolvimento do plano de accedilatildeo sobre o tema foi
pautado em alguns questionamentos que levantou junto agraves professoras (1) qual a
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 212
ILKA SCHAPPER SANTOS
importacircncia da brincadeira para as nossas crianccedilas (2) O que a brincadeira
proporciona aos pequenos o que se ganha brincando como brincam (3) Qual o papel
que a brincadeira tem ocupado na vida de nossas crianccedilas e qual o papel do educador
neste processo (4) Como a gente se posiciona frente a esse processo
Eacute interessante notar que Elisa mostra seu aprendizado sobre a importacircncia de no
processo reflexivo levantar questotildees que possam propiciar o (re)pensar da praacutetica
educativa e tambeacutem o (re)pensar da teorias que as embasam Neste turno temos
explicitado um importante movimento do compartilhamento de significados nos elos da
Cadeia Criativa pois a coordenadora passa a agir com o grupo de professoras que
coordena de forma similar agraves experiecircncias vivenciadas no GP EFoPI
Aleacutem de levantar questionamentos a coordenadora busca identificar os
significados que as professoras atribuem ao brincar e ao desenvolvimento da
imaginaccedilatildeo ldquoa gente foi fazendo uma anaacutelise do significado daquela brincadeira
para determinada crianccedila e o significado que ela daacute agrave brincadeira o imaginaacuterio
delardquo mostrando mais uma vez que compreendeu a discussatildeo sobre sentidos e
significados tecidas no interior do grupo de pesquisa Por fim a pesquisadora sinaliza
para outro significado sobre o brincar compartilhado no GP EFoPI ldquoO fundamento de
brincar eacute criar uma relaccedilatildeo entre o pensamento e realidaderdquo
Em (26) Joana inicia seu turno fazendo uso do ldquoentatildeordquo sinalizando que vai
tecer uma conclusatildeo sobre o que estava sendo dito demonstrando compartilhar
significados da discussatildeo anterior Desta forma sua reflexatildeo responde um
questionamento levantado no 2ordm excerto desta seccedilatildeo ldquoo objetivo foi alcanccedilado visto
que ao enfatizarmos mais as brincadeiras atraveacutes do plano de accedilatildeo essas passaram a
fazer parte mais intensamente do cotidiano da nossa creche de modo a contagiar
todas as demais turmasrdquo Aleacutem disso compartilha com o grupo que agora na creche
as salas de atividades estatildeo organizadas a partir dos cantinhos ldquoE a gente ‟taacute
trabalhando com os cantinhos nas turmas de trecircs anosrdquo tema que perpassou as
discussotildees dos dois cronotopos anteriores ao qual de iniacutecio tanto as 4 professoras
quanto as coordenadoras haviam mostrado resistecircncia
No proacuteximo fragmento trecircs coordenadoras compartilham os significados que
foram construindo nos encontros do GP EFoPI com as pesquisadoras em diferentes
elos da Cadeia Criativa (Liberali 2009) bem como a influecircncia dessas construccedilotildees no
trabalho com as professoras e no trabalho destas com as crianccedilas
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 213
ILKA SCHAPPER SANTOS
4ordm Excerto
(27) Bernadete () Entatildeo assim quando a gente apresentou o que vocecirc falou assim
quando disse ldquoapareceu muito essa palavra reflexatildeordquo Entatildeo tudo eacute um processo de
reflexatildeo que a gente estaacute passando ultimamente aqui E isso eacute muito rico porque hoje
agraves vezes quando a gente no dia a dia senta aqui e vai ouvindo talvez assim o nosso
rosto natildeo demonstra o tanto que a gente vem absorvendo tudo que ‟taacute sendo falado
Mas depois aquilo tudo que foi discutido por exemplo no curso de extensatildeo nas
sessotildees as teorias que embasam nossa praacutetica como trabalhar o brincar na creche foi
muito importante
(28) Yara Falado e internalizado
(29) Marina Com essa nova forma de ver o brincar com essa nova concepccedilatildeo que a
gente tem do brincar observamos como as relaccedilotildees satildeo construiacutedas de forma mais
dinacircmica como eacute que o aproveitamento do brincar eacute melhor Isso de que ningueacutem
aprende nada sozinho brincar eacute uma questatildeo social Vocecirc aprende a brincar vocecirc natildeo
nasce sabendo brincar e como eacute que eacute importante mesmo que o educador ensine a
crianccedila a brincar que ele faccedila parte da brincadeira que ele esteja junto Entatildeo a gente
colheu bastante coisa bastante observaccedilatildeo com isso tudo apresentado por vocecircs Como
eacute que vocecirc muda a sua postura e a concepccedilatildeo de certas coisas que satildeo tatildeo simples que
fazem com que vocecirc observe mais o cotidiano que a crianccedila interaja e se solte como
que possibilita trabalhar a autonomia da crianccedila
Neste excerto Bernadete (27) usa a marca de interaccedilatildeo retomada de vozes
anteriores para iniciar sua reflexatildeo ldquoquando disse bdquoapareceu muito essa palavra
reflexatildeo‟ A coordenadora faz uso da retomada de vozes para explicar ldquoEntatildeo tudo eacute
um processo de reflexatildeo que a gente estaacute passando ultimamente aquirdquo Por meio do
operador argumentativo ldquoentatildeordquo sinaliza para uma conclusatildeo em relaccedilatildeo ao que havia
enunciado antes explicando que a palavra ldquoreflexatildeordquo apareceu muitas vezes porque diz
de algo que elas estatildeo vivenciando nos encontros com o GP EFoPI Linguisticamente
isso pode ser observado a partir do decircitico espacial ldquoaquirdquo
Depois a coordenadora usa o argumento de exemplo para mostrar em que estaacute
pautada essa reflexatildeo ldquodepois aquilo tudo que foi discutido por exemplo no curso de
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 214
ILKA SCHAPPER SANTOS
extensatildeo nas sessotildees as teorias que embasam nossa praacutetica como trabalhar o
brincar na creche foi muito importanterdquo
Em (28) Yara tambeacutem faz uso da marca de interaccedilatildeo retomada de vozes
anteriores ldquofalado e internalizadordquo mostrando sinteticamente sua compreensatildeo do
processo de internalizaccedilatildeo pois o verbete ldquofaladordquo expressa o processo interpsicoloacutegico
(as discussotildees nos encontros) e o verbete ldquointernalizadordquo diz do processo
intrapsicoloacutegico apontando as bases para seus olhares entre o plano social e individual
No turno (29) Marina faz uma siacutentese dos significados que foram
compartilhados durante o trabalho desenvolvido entre as pesquisadoras e as
coordenadoras no interior das discussotildees do GP EFoPi ldquoCom essa nova forma de ver
o brincar com essa nova concepccedilatildeo que a gente tem do brincar observamos como as
relaccedilotildees satildeo construiacutedas de forma mais dinacircmica como eacute que o aproveitamento do
brincar eacute melhorrdquo A coordenadora usa por duas vezes o pronome ldquoessardquo para se
referir as concepccedilotildees discutidas sobre o brincar Eacute interessante que ao fazer isso traz
para a cena enunciativa concepccedilotildees tratadas em outro cronotopo da Cadeia Criativa o
curso de extensatildeo ldquoIsso de que ningueacutem aprende nada sozinho brincar eacute uma
questatildeo social Vocecirc aprende a brincar vocecirc natildeo nasce sabendo brincar e como eacute
importante mesmo que o educador ensine a crianccedila a brincar que ele faccedila parte da
brincadeira que ele esteja juntordquo Aqui vemos como a atividade do segundo
cronotopo interferiu na atividade atual e possibilitou criar novos significados para
sentidos que ateacute entatildeo estavam circunscritos agrave atividade anterior pois como ensina
Bakhtin (1987 p 393) ldquonatildeo existe nada morto de maneira absoluta cada sentido teraacute
sua festa de ressurreiccedilatildeordquo
Depois a coordenadora destaca como as discussotildees do GP EFoPI contribuiacuteram
para transformar suas posturas e concepccedilotildees em relaccedilatildeo ao trabalho realizado com a
crianccedila na creche ldquoEntatildeo a gente colheu bastante coisa bastante observaccedilatildeo com
isso tudo apresentado por vocecircs Como eacute que vocecirc muda a sua postura e a concepccedilatildeo
de certas coisas que satildeo tatildeo simples que fazem com que vocecirc observe mais o
cotidiano que a crianccedila interaja e se solte como que possibilita trabalhar a
autonomia da crianccedilardquo Nesse movimento discursivo a coordenadora revela
transformaccedilotildees em suas concepccedilotildees sobre o desenvolvimento infantil Eacute interessante
notar tambeacutem como Marina no interior do grupo aumentou seu conatus sua potecircncia
de agir Expressa como foi ldquoafetadardquo no sentido spinozano pelas intervenccedilotildees do
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 215
ILKA SCHAPPER SANTOS
grupo sinalizando para uma importante definiccedilatildeo de Spinoza (16772005 p 303) ldquose
dois indiviacuteduos inteiramente da mesma natureza se aliam um ao outro formam um
indiviacuteduo duas vezes mais poderoso do que cada um deles tomado separadamenterdquo
44 ndash Consideraccedilotildees Parciais
Neste ponto seratildeo retomadas as questotildees de pesquisa na busca de respondecirc-las
a partir da anaacutelise e das discussotildees tecidas
Como o processo da argumentaccedilatildeo desenvolvido entre pesquisadores e educadores
permite expor sentidos e significados sobre a brincadeira no movimento da Cadeia
Criativa
Quais argumentos contribuiacuteram para a produccedilatildeo de significado sobre o brincar no
movimento da Cadeia Criativa
Para neste espaccedilo refletir se o processo da argumentaccedilatildeo desenvolvido entre
pesquisadoras e educadoras de creche permitiu expor sentidos e significados sobre a
brincadeira no movimento da Cadeia Criativa e ainda pensar sobre quais argumentos
contribuiacuteram para a produccedilatildeo de significado sobre o brincar precisamos rememorar o
movimento discursivo no interior dos excertos nos trecircs cronotopos da Cadeia Criativa
No fluxo da interaccedilatildeo verbal diria que no primeiro cronotopo referente ao
diaacutelogo entre 4 professoras e duas pesquisadoras do GP EFoPI o processo
argumentativo ficou prioritariamente circunscrito agrave reincidecircncia de argumentos de
exemplo e de argumentos pragmaacuteticos calcados ora nas atividades dos viacutedeos
assistidas pelas professoras ora nas suas experiecircncias profissionais imediatas
ancoradas em exposiccedilotildees espontacircneas A recorrecircncia desses argumentos sinaliza que os
sentidos das educadoras sobre a brincadeira e sua materializaccedilatildeo na sala de atividades
de educaccedilatildeo infantil satildeo muito parecidos agravequeles assistidos nas atividades do viacutedeo em
especial os que relacionavam o brincar com atividades conteudistas
As pesquisadoras nesse primeiro momento mantiveram-se muitas vezes em
silecircncio diante das exposiccedilotildees das professoras Esse silecircncio inviabilizou trazer para o
espaccedilo enunciativo contrapalavras (BakhtinVolochinov 1988) que pudessem
desestabilizar os significados rotinizados que as educadoras compartilhavam sobre a
temaacutetica da brincadeira Assim a ausecircncia do embate do conflito e de tensotildees por
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 216
ILKA SCHAPPER SANTOS
meio de questotildees controversas por exemplo sobre os significados cristalizados e
instituiacutedos impossibilitou que as atividades do primeiro cronotopo fossem
desenvolvidas na perspectiva da colaboraccedilatildeo criacutetica (Magalhatildees 2009) Por
conseguinte as pesquisadoras natildeo promoveram um espaccedilo de interlocuccedilatildeo em que os
participantes pudessem tornar seus processos mentais mais claros no fluxo
enunciativo Aleacutem disso natildeo fizeram uso de argumentos teoacutericos que poderiam
funcionar como contraponto agraves ldquoideias inadequadasrdquo (Spinoza 16772005)
Em siacutentese no primeiro cronotopo a construccedilatildeo-produccedilatildeo de novos
significados sobre o brincar ficou comprometida por conta de uma circularidade e
reincidecircncia argumentativa entre pesquisadoras e professoras De um lado as
professoras ancoravam seus argumentos no senso comum e de outro as pesquisadoras
natildeo ingressavam na corrente enunciativa da linguagem com elementos que pudessem
promover para o grupo uma ldquocriserdquo em relaccedilatildeo aos significados estaacuteveis e mais
estratificados Esse movimento fez com que as educadoras continuassem tendo ldquoideias
inadequadasrdquo no sentido spinozano em relaccedilatildeo agrave brincadeira
A argumentaccedilatildeo no primeiro cronotopo da Cadeia Criativa natildeo se configurou
como um tempoespaccedilo em que os participantes pudessem refletir criticamente sobre o
instituiacutedo por meio de sustentaccedilatildeo refutaccedilatildeo e negociaccedilatildeo de posturas pautadas em
uma base argumentativa comum construiacuteda por meio do compartilhamento e produccedilatildeo
de significados
Por fim como foi dito no item 412 da anaacutelise e discussatildeo dos dados a
argumentaccedilatildeo empreendida no primeiro cronotopo natildeo funcionou como um dispositivo
que permitisse a ressignificaccedilatildeo dos conceitos em relaccedilatildeo ao brincar no movimento da
Cadeia Criativa Isso porque natildeo houve uma ampliaccedilatildeo dos sentidos-significados
trazidos pelas professoras e tambeacutem porque natildeo houve intervenccedilotildees das pesquisadoras
que trouxessem a siacutentese dialeacutetica entre construtos teoacutericos relacionados aos pontos de
vista compartilhados a ponto de possibilitar o aprofundamento das visotildees de mundo
circunscritas agrave temaacutetica
No segundo cronotopo referente a dois encontros do curso de extensatildeo
observa-se uma mudanccedila interessante as pesquisadoras iniciaram o trabalho
apresentando categorias teoacutericas da perspectiva soacutecio-histoacuterico-cultural que auxiliam a
pensar o brincar como atividade cultural inscrita na realidade material da crianccedila
Enfatizaram o desenvolvimento das funccedilotildees psicoloacutegicas fundadas nas relaccedilotildees
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 217
ILKA SCHAPPER SANTOS
sociais a mediaccedilatildeo simboacutelica a zona proximal de desenvolvimento reforccedilando desse
modo as contribuiccedilotildees de Vygotsky para a compreensatildeo do brincar de faz de conta O
dispositivo argumentativo sob eixo do argumento teoacuterico eacute um elemento que natildeo
apareceu no cronotopo anterior mas neste segundo momento forneceu mais dados
para o (re)pensar concepccedilotildees e visotildees de mundo alicerccediladas no senso comum e na
experiecircncia imediata
Ao introduzir nas cenas discursivas recursos argumentativos alicerccedilados no
discurso de outrem no caso no discurso teoacuterico houve a construccedilatildeo de um espaccedilo que
possibilitou o compartilhamento e a ampliaccedilatildeo de significados sobre o brincar criando
uma zona de colaboraccedilatildeo criacutetica (Magalhatildees 2009) no interior do fluxo da interaccedilatildeo
verbal
Eacute interessante notar que no cronotopo anterior houve tambeacutem referecircncia ao
discurso citado No entanto este estava pautado na voz do discurso oficial da
instituiccedilatildeo agrave qual as professores estavam vinculadas servindo como acircncora para
justificar a impossibilidade em se (re)pensar a organizaccedilatildeo dos espaccedilos da creche para
um melhor desenvolvimento da brincadeira de faz de conta Esse discurso autoritaacuterio
(Bakhtin 1983) foi apropriado pelas professoras possivelmente como estrateacutegia para
se eximirem de participar de uma discussatildeo que promovesse transformaccedilotildees e
mudanccedilas do haacute muito rotinizado comum e conhecido
Aleacutem de introduzir o argumento teoacuterico no segundo cronotopo houve um
nuacutemero maior de questionamentos que promovessem a produccedilatildeo de significados
compartilhados por meio da colaboraccedilatildeo Ao lado do questionamento houve
levantamento de questotildees polecircmicas as quais geraram a expansatildeo da discussatildeo
culminado em acordos que sinalizaram para uma base de construccedilatildeo de novos
significados que em seguida se tornaram comuns ao grupo
Nas interaccedilotildees neste elo da Cadeia Criativa haacute indiacutecios de que se estabeleceu
uma zona de colaboraccedilatildeo e criticidade cujo dispositivo argumentativo foi se
estruturando como um elemento desencadeador de compartilhamentos de novos
significados do brincar Nele a argumentaccedilatildeo ganhou novos contornos em relaccedilatildeo ao
cronotopo anterior Por meio desse processo argumentativo as pesquisadoras saiacuteram de
sua ldquozona de silecircnciordquo e passaram a socializar significados construiacutedos em outras
atividades do grupo de pesquisa tais como reuniotildees de estudo e escrita de textos
referentes ao assunto tratado
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 218
ILKA SCHAPPER SANTOS
No terceiro e uacuteltimo cronotopo da Cadeia Criativa referente a uma sessatildeo
reflexiva entre pesquisadoras e coordenadoras as participantes discutiram o projeto de
accedilatildeo sobre a brincadeira na creche elaborado em uma sessatildeo anterior
Os dispositivos argumentativos neste elo ficaram circunscritos a argumentos
de exemplo argumentos pragmaacuteticos como no primeiro cronotopo da cadeia Criativa
No entanto natildeo foram utilizados como recursos para reforccedilar experiecircncias do senso
comum e experiecircncias imediatas do trabalho desenvolvido na creche uma vez que ao
lado deles o grupo utilizou contra-argumentos e muitos questionamentos Assim o
movimento discursivo ganhou contornos que possibilitaram o confronto de ideias
valores e crenccedilas sobre a brincadeira se configurando como um espaccedilo de
compartilhamento de novos significados sobre o brincar
As coordenadoras trouxeram marcas enunciativas do cronotopo anterior
referindo-se aos encontros do curso de extensatildeo Dessa forma recuperaram sentidos
que como jaacute foi mencionado tiveram ldquosua festa de ressurreiccedilatildeordquo no dizer de Bakhtin
(1987 p 393) Nesse fluxo discursivo temos nitidamente as marcas do movimento da
Cadeia Criativa pois satildeo evidenciados os esforccedilos que em parceria em uma atividade
produzem significados que seratildeo posteriormente compartilhados por meio dos
sentidos que os sujeitos da interaccedilatildeo trazem para a nova atividade (Liberali 2009 p
102)
Eacute importante dizer que o processo argumentativo desenvolvido entre
pesquisadoras e educadoras (professoras e coordenadoras das creches puacuteblicas
municipais de Juiz de Fora) sobre a brincadeira passou por uma evoluccedilatildeo no interior
dos cronotopos da Cadeia Criativa Podemos pois inferir que houve transformaccedilotildees e
mudanccedilas tanto para as pesquisadoras quanto para as demais participantes Estas no
campo da ressignificaccedilatildeo de concepccedilotildees e praacuteticas sobre o brincar aquelas no desafio
de desenvolver uma metodologia de investigaccedilatildeo inscrita na Pesquisa Criacutetica de
Colaboraccedilatildeo sendo a argumentaccedilatildeo colaborativa seu eixo de interlocuccedilatildeo
Refletir sobre quais argumentos contribuiacuteram para a produccedilatildeo de significados
no interior do processo argumentativo sobre o brincar no movimento da Cadeia
Criativa tambeacutem se faz importante Pocircde-se constatar que os argumentos que
contribuem para essa produccedilatildeo de significados satildeo aqueles que trazem as marcas dos
pontos de vista contra-argumentos questotildees controversas e os que possibilitam chegar
a um acordo sendo que neste uacuteltimo ficam mais evidentes a produccedilatildeo e o
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 219
ILKA SCHAPPER SANTOS
compartilhamento de significados No entanto esse movimento argumentativo se
constitui por meio de marcas de interaccedilatildeo questionamento instruccedilatildeo explicaccedilatildeo
retomada de vozes anteriores colocaccedilatildeo e recolocaccedilatildeo de problemas Aleacutem disso se
estrutura tambeacutem a partir de determinados tipos de argumentos de citaccedilatildeo de
definiccedilatildeo de comparaccedilatildeo pragmaacutetico e de exemplo
O fluxo argumentativo analisado neste trabalho de tese mostra que a
argumentaccedilatildeo quando usada de forma circular e reincidente calcada no senso comum e
nas experiecircncias imediatas dos sujeitos em interaccedilatildeo pouco colabora para a criaccedilatildeo de
conflitos e tensotildees que poderiam desestabilizar os significados estratificados e apontar
para a construccedilatildeo de novos significados Assim ao lado de descriccedilotildees de accedilotildees eacute
importante se ter por exemplo o argumento teoacuterico que possibilita (re)pensar as teorias
nas quais as praacuteticas descritas pelos participantes estatildeo embasadas
Refletir sobre o inverso tambeacutem eacute importante ou seja os argumentos teoacutericos
precisam se articular agrave leitura da realidade material e imaterial em argumentos
estruturados sob a oacutetica do exemplo da accedilatildeo e suas consequecircncias da comparaccedilatildeo entre
accedilotildees
ILKA SCHAPPER SANTOS
CONSIDERACcedilOtildeES E REFLEXOtildeES ABERTAS
No ano de 1998 finalizei o meu mestrado Naquele periacuteodo senti-me insatisfeita
quanto aos desdobramentos de minha dissertaccedilatildeo Talvez porque continuasse com as
mesmas inquietaccedilotildees a respeito das discussotildees sobre a linguagem no periacuteodo de
ingresso no curso Por conta disso comecei a fazer disciplina isolada no Programa de
Mestrado do Curso de Letras da Universidade Federal de Juiz mas as inquietaccedilotildees
persistiram o curso era pautado prioritariamente nos estudos da Linguiacutestica Teoacuterica
Desisti de participar do processo de seleccedilatildeo ao inveacutes disso fiz minha inscriccedilatildeo para o
vestibular do Curso de Letras Aprovada no vestibular comecei o meu segundo curso de
graduaccedilatildeo Muitas foram as minhas descobertas acadecircmicas entre elas a Linguiacutestica
Aplicada
Terminada a graduaccedilatildeo decidi que faria o doutorado na aacuterea da LA Mas
precisei adiar um pouco meu projeto por conta de ter sido convidada a ocupar o cargo
de Coordenadora de Extensatildeo como mencionei na introduccedilatildeo deste estudo
Paradoxalmente foi a experiecircncia na Proacute-Reitoria que potencializou meu desejo de
fazer o doutorado em uma aacuterea aplicada pois coordenava programas e projetos de
extensatildeo que tinham um estreito compromisso teoacuterico-praacutetico com diferentes
comunidades circunvizinhas ao campus da Universidade E aqui estou eu finalizando
um trabalho que me daacute o tiacutetulo de Linguista Aplicada Voltemos ao comeccedilo
A partir do primeiro semestre de 2006 iniciei meus estudos em dois campos que
foram essenciais para este trabalho de tese a Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo
(Magalhatildees 2002 2006 2009) e a argumentaccedilatildeo em um vieacutes colaborativo
Paralelamente propus ao GP EFoPI grupo de pesquisa cuja coordenaccedilatildeo partilhava
com a Profa Dra Leacutea S P Silva que fizeacutessemos nossas investigaccedilotildees a partir da
PCCol Depois de conseguir a adesatildeo do grupo quanto agrave proposta iniciamos um longo
caminho de estudos e intervenccedilotildees de 2006 ateacute hoje
Envolvi-me intensamente nos trabalhos de investigaccedilatildeo do grupo Junto com a
profa Dra Leacutea P S Silva fazia levantamento de referecircncias bibliograacuteficas para
subsidiar as reuniotildees de pesquisa montava projetos para as agecircncias de fomenta
planejava as sessotildees reflexivas e os encontros do curso de extensatildeo para os professores
e coordenadores das creches e escrevia textos sobre a metodologia de pesquisa Como jaacute
mencionei no capiacutetulo metodoloacutegico foram quatro anos de intenso trabalho Esse
trabalho levou-me a refletir sobre a importacircncia de se fazer um estudo longitudinal na
CONSIDERACcedilOtildeES E REFLEXOtildeES ABERTAS 221
ILKA SCHAPPER SANTOS
tese de doutorado sobre as produccedilotildees do grupo Assim ao lado de todas as atividades
mencionadas fiz um mergulho intenso no banco de dados do GP EFoPI leitura das atas
de pesquisa e leitura das transcriccedilotildees das reuniotildees de estudo e das notas expandidas do
trabalho de campo Laacute encontrei um material riquiacutessimo mas entrei em conflito ao
refletir que natildeo desejava apenas investigar as produccedilotildees do grupo e os impactos delas
na formaccedilatildeo dos profissionais das creches puacuteblicas municipais Isso ia de encontro com
a perspectiva metodoloacutegica que estaacutevamos construindo no grupo de pesquisa Assim
resolvi focalizar meu trabalho nas interlocuccedilotildees tecidas entre os pesquisadores e os
participantes do GP EFoPI e natildeo mais nas produccedilotildees isoladas do grupo
Tomada essa primeira decisatildeo faltava outra de igual importacircncia dentre os
temas trabalhados no grupo com os participantes qual poderia focar Mais uma vez fiz
uma imersatildeo no banco de dados para tentar apreender o tema que era tratado com maior
forccedila no interior das interlocuccedilotildees tecidas e apoacutes um cuidadoso estudo deparei-me com
a brincadeira de faz de conta Decidi ampliar meu campo de estudos agora tambeacutem no
brincar Na verdade natildeo foi uma decisatildeo difiacutecil pois jaacute haviacuteamos realizado vaacuterias
intervenccedilotildees nesse campo e mapeado vaacuterias estrateacutegias de trabalho do brincar na creche
Nesse contexto iniciei a minha pesquisa que teve como propoacutesito compreender
criticamente a formaccedilatildeo do professor pesquisador e dos educadores participantes em
especial investigar como se processou o compartilhamento de sentidos e de
significados sobre o brincar As perguntas de pesquisa concentraram-se entatildeo no
processo de desenvolvimento da argumentaccedilatildeo entre pesquisadores e professores como
possibilidade de expor sentidos sobre a brincadeira e nos argumentos que contribuiacuteram
para a produccedilatildeo de significado novo sobre o brincar no movimento da Cadeia Criativa
Como jaacute fiz menccedilatildeo nas consideraccedilotildees parciais do capiacutetulo de anaacutelise as
interaccedilotildees tecidas pelas pesquisadoras e demais participantes do GP EFoPI foram
evoluindo No primeiro cronotopo da cadeia em trecircs sessotildees reflexivas com as
professoras de uma das creches municipais pude perceber que o fluxo da interaccedilatildeo
verbal entre as educadoras e as pesquisadoras foi estruturado por meio de argumentos
de exemplo pragmaacuteticos e de comparaccedilatildeo Ao focar a estrutura de tais argumentos
notei um movimento discursivo circunscrito agraves vivecircncias e experiecircncias do que eacute
familiar conhecido rotineiro e principalmente aos saberes que vatildeo se instituiacutedo no
fazer do dia a dia da creche Interessante que as pesquisadoras ingressaram nesse fluxo
argumentativo sem trazer por exemplo tipos de argumentos estruturados na citaccedilatildeo
CONSIDERACcedilOtildeES E REFLEXOtildeES ABERTAS 222
ILKA SCHAPPER SANTOS
com ecircnfase em teorias Essa circularidade argumentativa impediu o compartilhamento
de novos significados sobre o brincar Eacute interessante dizer que as sessotildees reflexivas
aconteceram na sala de reuniotildees da creche em que as professoras atuavam Refletirei
sobre essa informaccedilatildeo a seguir
O segundo cronotopo dois encontros do curso de extensatildeo com as
coordenadoras das creches aconteceu em espaccedilos de formaccedilatildeo ocupados pelos
profissionais da Universidade O movimento argumentativo muda consideravelmente
Agora para argumentos baseados na citaccedilatildeo na autoridade e na relaccedilatildeo teoria-praacutetica
mostrando nesse elo da cadeia o fortalecimento da contrapalavra das pesquisadoras do
GP EFoPI
Assim as pesquisadoras saem da ldquozona de silecircnciordquo criada no cronotopo
anterior e passam a compartilhar os significados do GP EFoPI sobre o brincar Os
elementos discursivos transitam em explicaccedilotildees teoacutericas e em definiccedilotildees Temos nesse
contexto duas questotildees importantes (1) os espaccedilos fiacutesicos que ocupamos interferem
nas relaccedilotildees discursivas que construiacutemos (2) os gecircneros discursivos que nos satildeo mais
familiares (no caso da academia cursos aulas palestras) dificultam o ingresso em
outros gecircneros
De todo modo essas demarcaccedilotildees argumentativas a partir da relaccedilatildeo
tempoespaccedilo e dos gecircneros que nos satildeo familiares sinalizam para uma ldquovelhardquo e
conhecida discussatildeo o fosso entre universidade e escola de ensino fundamental No
caso desta pesquisa entre universidade e creche No entanto agrave medida que
pesquisadoras e demais participantes comeccedilam a transitar em territoacuterios ateacute entatildeo
desconhecidos passam a refletir sobre os coacutedigos que circulam neles e comeccedilam
tambeacutem a partilhar nesses novos contextos de produccedilatildeo novos significados
Assim no terceiro cronotopo da Cadeia vejo jaacute aproximaccedilotildees entre as
pesquisadoras e as demais participantes da pesquisa Aquelas buscando conhecer mais
as praacuteticas cotidianas das creches e estas procurando ter uma compreensatildeo ativa dos
processos de construccedilatildeoproduccedilatildeo dos saberes acadecircmicos Tanto que em dezembro de
2009 as coordenadoras das creches apresentaram o trabalho intitulado ldquoA brincadeira
de faz de conta na crecherdquo no III SIAC na PUC-SP Viajaram mais de 1000 km ndash Juiz
de ForaSatildeo PauloJuiz de Fora ndash para realizar essa tarefa Das 23 coordenadoras 15
compareceram ao SIAC Na apresentaccedilatildeo mostraram desenvoltura com o espaccedilo
acadecircmico instituiacutedo bem como com a argumentaccedilatildeo sob o eixo do argumento teoacuterico
CONSIDERACcedilOtildeES E REFLEXOtildeES ABERTAS 223
ILKA SCHAPPER SANTOS
Na perspectiva spinozana diria que o GP EFoPI construiu ao longo de sua
interlocuccedilatildeo principalmente com as coordenadoras relaccedilotildees de composiccedilatildeo interaccedilotildees
que possibilitaram aos sujeitos se aproximarem das ideias adequadas pautadas no
desenvolvimento de ldquoafecccedilotildeesrdquo o que gerou noccedilotildees comuns entre os envolvidos
Lembremos que as noccedilotildees comuns podem ser mais proacuteximas das ideias adequadas da
Substacircncia uma vez que tecircm mais partes da totalidade
A produccedilatildeo acadecircmica dos pesquisadores tambeacutem passou a ser mais intensa
Nesse contexto destaco (1) a realizaccedilatildeo do I Seminaacuterio de Grupos de Pesquisa sobre
Crianccedilas e Infacircncias (I Grupeci) entre os dias 25 26 e 27 de setembro de 2008
promovido pelo GP EFoPI e pela Faculdade de Educaccedilatildeo da Universidade Federal de
Juiz de Fora com a participaccedilatildeo de mais de 350 participantes inscritos sendo muitos de
diversas instituiccedilotildees de ensino superior do Brasil como Fundaccedilatildeo Joaquim Nabuco
(PE) PUC-MG PUC-SP Universidade Catoacutelica de Petroacutepolis (RJ) Universidade
Catoacutelica Dom Bosco (MS) UNEB (BA) UERJ UESC (BA) UFES UFMG UFSC
UFSCar (SP) UFV (MG) UFMA UFMS UFSJ (MG) e UFF (RJ) (2) a escrita de sete
artigos no v13 da Revista Educaccedilatildeo em Foco Editora UFJF em setembro de 2008 (3)
a participaccedilatildeo no livro ldquoTrajetoacuterias caminhos na pesquisa em educaccedilatildeordquo (tambeacutem pela
Editora da UFJF) com o artigo intitulado A creche como espaccedilo de reflexatildeo entre
diaacutelogos experiecircncias e colaboraccedilatildeo criacutetica lanccedilado em 2009 (4) a escrita de artigos
para o livro ldquoDiaacutelogos de Pesquisardquo organizado pela Profa Dra Leacutea S P Silva e pelo
Prof Dr Jader Jane Moreira Lopes (no prelo pela Editora da UFF) com vaacuterios artigos
do GP LACE e do GP EFoPI Aleacutem da produccedilatildeo escrita deve-se registrar apresentaccedilatildeo
de trabalhos dos pesquisadores em vaacuterios congressos encontros e simpoacutesios nacionais e
internacionais Aqui nesse movimento de intensa produccedilatildeo cientiacutefica os pesquisadores
mostram ter aumentado o conatus de cada um (Spinoza 16772005) ampliando
tambeacutem o conatus coletivo do grupo
Agora peccedilo licenccedila ao leitor para quebrar o protocolo da escrita que o gecircnero
conclusatildeo de uma tese encerra e continuar a interlocuccedilatildeo com duas cenas discursivas
que ilustram bem como o movimento da Cadeia Criativa transcende os espaccedilos das
atividades desenvolvidas atravessando vida formaccedilatildeo e trabalho
Cena discursiva 1
ldquoEstava fazendo compras em um supermercado quando a Diva uma das
coordenadoras das creches e participante do GP EFoPI chegou ateacute mim e perguntou se
CONSIDERACcedilOtildeES E REFLEXOtildeES ABERTAS 224
ILKA SCHAPPER SANTOS
poderia me incomodar um pouquinho pois gostaria de falar algo muito importante
Prontamente respondo que sim Ela entatildeo comeccedila a contar como estatildeo organizados os
espaccedilos e horaacuterios na creche em que trabalha Relata que muita coisa havia mudado
desde o curso de extensatildeo Diz que o trabalho com os cantinhos nas salas de atividades
estava dando muito certo Continua dizendo que eu nem reconheceria mais Depois
finaliza - Sabe agora as crianccedilas transformam as cadeirinhas em trens que partem para
os lugares que eles jaacute conheceram e aqueles que nunca saiacuteram de Juiz de Fora passam a
vivenciar isso de conhecer outros lugares pelo coleguinha Estamos fazendo aquelas
cabanas de pano que vocecircs ensinaram para as crianccedilas brincarem de casinha Ah
tambeacutem mudamos a roda de conversa As crianccedilas natildeo ficam soacute contando o que
aconteceu no dia anterior a gente canta brinca de cantiga de roda tem parlendas e
trava-liacutenguas E termina dizendo - Senti falta de vocecirc menina no uacuteltimo encontro
Despedi-me dela e tambeacutem das minhas compras e corri para o carro atraacutes de caneta e
papel para tentar transcrever a cena rdquo
Cena discursiva 2-
ldquoEstava na banca de monografia da Nataacutelia Toledo ex-bolsista de iniciaccedilatildeo
cientiacutefica do GP EFoPI da UFJF O trabalho versava sobre os sentidos e significados da
ldquoroda de conversardquo (rodinha) na creche O texto estava muito bem estruturado as
categorias teoacutericas metodoloacutegicas e a interpretaccedilatildeo foram construiacutedas a partir da
perspectiva soacutecio-histoacuterico-cultural no interior do GP EFoPI Ao final da apresentaccedilatildeo
a aluna pediu licenccedila para agradecer o tempo de conviacutevio no grupo e disse que agora
trabalha como professora em uma das creches puacuteblicas municipais Continuou dizendo
da importacircncia do grupo para sua formaccedilatildeo E como seu tema de investigaccedilatildeo era a
ldquoroda de conversardquo e seu trabalho um sub-eixo do projeto de pesquisa do GP EFoPI
disse que gostaria dizer que estava fazendo um trabalho muito interessante na
ldquorodinhardquo enfatizou que natildeo ficava pedindo agraves crianccedilas para falarem sobre fatos
referentes ao dia anterior mas que elas cantavam cantigas de roda faziam teatrinho na
proacutepria rodinha que era muito bom Na mesma hora lembrei de Diva e fiquei pensando
como tanto ela quase aposentando quanto a Nataacutelia terminando a formaccedilatildeo inicial e
comeccedilando seu percurso de professora compartilharam significados tatildeo similares
relativos principalmente a acuteroda de conversa`rdquo
As duas cenas discursivas recuperadas acima nos auxiliam a compreender o
movimento da Cadeia Criativa natildeo soacute entre atividades mas como disse na vida no
CONSIDERACcedilOtildeES E REFLEXOtildeES ABERTAS 225
ILKA SCHAPPER SANTOS
trabalho na formaccedilatildeo e na praacutetica docente Aleacutem disso as cenas mostram o trabalho de
colaboraccedilatildeo criacutetica que efetivamente o GP EFoPI desenvolveu Relatei os dois
episoacutedios em uma reuniatildeo do grupo de pesquisa e chegamos agrave conclusatildeo de que nosso
objeto idealizado sobre o brincar de faz de conta nas creches e preacute-escolas estava mais
concreto pois nos depoimentos acima tanto Diva quanto Nataacutelia demonstram
compreender um importante significado de brincar para o GP EFoPI o processo
ensino-aprendizagem segue o fluxo e o ritmo das experiecircncias das crianccedilas no interior
de suas infacircncias com ecircnfase no fazer buscando o (re)construir criativo por meio da
brincadeira
A sala de atividades na educaccedilatildeo infantil para o grupo precisa ter o aconchego
e o movimento da infacircncia trens de partida carros que chegam cavalos montados
casas construiacutedas Alunos que possibilitados de reconstruiacuterem o real transmutam-se em
reis rainhas fadas duendes cavaleiros matildees pais filhos E no universo do
maravilhoso cozinham costuram fazem biscoitos Satildeo situaccedilotildees em que as crianccedilas
podem representar o real ldquocom olhos de crianccedilardquo Ciacuterculos de vivecircncias e experiecircncias
Na roda cantam danccedilam rodopiam giram e veem a vida sob a oacutetica da infacircncia
Infacircncia que emerge do ldquovir a serrdquo mas toma o rumo do ldquoeu sou agorardquo Esse era um
importante significado que gostaria ao final do trabalho compartilhar com vocecirc leitor
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ANEXOS 236
ILKA SCHAPPER SANTOS
Anexo 1
ANEXOS 237
ILKA SCHAPPER SANTOS
Anexo 2
PONTIFIacuteCIA UNIVERSIDADE CATOacuteLICA DE SAtildeO PAULO
SETOR DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO
COMITEcirc DE EacuteTICA EM PESQUISA
Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Linguumliacutestica Aplicada e Estudos da Linguagem
DECLARACcedilAtildeO DE CONCORDAcircNCIA DO PARTICIPANTE
De acordo com a descriccedilatildeo da pesquisa e dos compromissos firmados pela
pesquisadora eu ________________________________ assumo aqui a minha
concordacircncia em participar da pesquisa intitulada ldquoO Fluxo do Significado do Brincar
na Cadeia Criativa argumentaccedilatildeo e formaccedilatildeo de pesquisadores e educadoresrdquo
Assumo ainda que permito a divulgaccedilatildeo de seus resultados em Tese de Doutorado
Entretanto declaro que minha concordacircncia estaacute condicionada aos seguintes
requisitos
a) Anonimamente isto eacute que a divulgaccedilatildeo dos resultados seja feita sem mencionar os nomes dos participantes envolvidos ( )
b) Sem anonimato ( ) c) Que se possa ter acesso aos dados coletados ( ) d) Que tenha acesso aos produtos finais da anaacutelise e de sua interpretaccedilatildeo antes
de sua divulgaccedilatildeo puacuteblica ( ) e) Que caso necessaacuterio minha reaccedilatildeo diante dessas interpretaccedilotildees sejam
incorporadas antes de sua divulgaccedilatildeo puacuteblica ( )
Satildeo Paulo ___ ___ 2006
Assinatura ____________________________
Tendo em vista a declaraccedilatildeo do participante acima assinado eu Ilka Schapper Santos
assumo a responsabilidade total de cumprir as condiccedilotildees de pesquisa descritas
atendendo aos requisitos demandados pelos participantes
Satildeo Paulo ___ ___ 2006
Assinatura da pesquisadora _____________________________________
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PONTIFIacuteCIA UNIVERSIDADE CATOacuteLICA DE SAtildeO PAULO
PUC-SP
ILKA SCHAPPER SANTOS
O Fluxo do Significado do Brincar na Cadeia Criativa argumentaccedilatildeo e
formaccedilatildeo de pesquisadores e educadores
Tese apresentada agrave Banca Examinadora
da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de
Satildeo Paulo como exigecircncia parcial para
obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Doutora em
Linguiacutestica Aplicada e Estudos da
Linguagem na Pontifiacutecia Universidade
Catoacutelica de Satildeo Paulo sob a orientaccedilatildeo
da Professora Doutora Fernanda Coelho
Liberali
Satildeo Paulo 2010
FICHA CATALOGRAacuteFICA
SANTOS Ilka Schapper O Fluxo do Significado do Brincar na Cadeia Criativa
argumentaccedilatildeo e formaccedilatildeo de pesquisadores e educadores Satildeo Paulo 237 p2010
Tese (Doutorado em Linguiacutestica Aplicada e Estudos da Linguagem) - Pontifiacutecia
Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo 2010
Aacuterea de Concentraccedilatildeo Linguiacutestica Aplicada e Estudos da Linguagem
Orientadora Professora Doutora Fernanda Coelho Liberali
Palavras-chave Sentido Significado Cadeia Criativa Argumentaccedilatildeo Brincar
Autorizo exclusivamente para fins acadecircmicos e cientiacuteficos a reproduccedilatildeo total ou
parcial desta tese por processos fotocopiadores ou eletrocircnicos
Banca Examinadora
_________________________________________________
_________________________________________________
_________________________________________________
_________________________________________________
_________________________________________________
Aos queridos Ricardo e Joatildeo Pedro
frutos bons
Para Solenio que na nossa relaccedilatildeo
trouxe muitos sentidos para o verbete
pai indo muito aleacutem do significado
estratificado e estaacutevel da palavra Muito
obrigada por ser na minha vida
referecircncia paterna
Agrave Profa Dra Fernanda Coelho Liberali
minha orientadora pelas palavras que
iluminaram este trabalho por acreditar
sempre no outro pelo seu desejo
contagiante em transformar o mundo de
forma criativa Mas principalmente
pelo exerciacutecio do confronto produtivo de
ideias valores e crenccedilas
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais Solenio e Zeacutelia por serem sempre referecircncia de lutas e conquistas e
porto seguro para mim e para o Joatildeo Pedro Aacutervores boas
Agrave Leacutea que na nossa relaccedilatildeo traz outros sentidos para o verbete sogra
Ao Luiz Fernando por estar sempre proacuteximo e ser um aconchego para mim para o
Ricardo e em especial para o Joatildeo Pedro
Ao Ricardo meu companheiro de vida por sua colaboraccedilatildeo na feitura das figuras e dos
quadros presentes neste trabalho
Ao Joatildeo Pedro meu filho por partilhar comigo o exerciacutecio da relaccedilatildeo materna e
tambeacutem por seu brilho expresso em sua interlocuccedilatildeo com o mundo
Aos meus irmatildeos Joatildeo Nuacutebia Maacutercio Poliana e Pablo por serem imprescindiacuteveis Em
especial agrave Nuacutebia e agrave Poliana irmatildes-amigas por suas presenccedilas e por nossa interlocuccedilatildeo
acadecircmica que transcende os espaccedilos da famiacutelia
Aacute Profa Dra Leacutea Stahlschmidt Pinto Silva por possibilitar um espaccedilo no GP EFoPI
para a construccedilatildeo de uma metodologia de pesquisa revolucionaacuteria e transformadora e
por sua luta incansaacutevel pelas crianccedilas e suas infacircncias
Aos professores e coordenadores das creches do municiacutepio de Juiz de Fora por
possibilitarem a minha incursatildeo na reflexatildeo da praacutetica e na praacutetica da reflexatildeo no
universo da infacircncia de crianccedilas de 2 e 3 anos
Aos participantes dos grupos de pesquisa EFoPI LACE e LIC pelas interlocuccedilotildees
acadecircmicas que atravessam esta tese
Agrave Tida nossa querida funcionaacuteria que cuidou do Ricardo e principalmente do Joatildeo
Pedro nos momentos em que estava viajando para Satildeo Paulo ou imersa na escrita da
tese
Agrave Profa Dra Maria Ceciacutelia Magalhatildees (Ciccedila) pelas significativas contribuiccedilotildees para o
meu desenvolvimento como aluna e professora-pesquisadora e por suas caracteriacutesticas
que se revelam em palavras e atos sensibilidade solidariedade inteligecircncia e
compromisso com a transformaccedilatildeo de si do outro e do mundo
Agrave amiga Elvira Aranha pelo seu acolhimento por nossos diaacutelogos que transcendem os
espaccedilos desta tese e principalmente por ser algueacutem em quem posso confiar Por mais
que ela natildeo goste que diga uma profissional-acadecircmica brilhante
Agraves professores doutoras que participaram das bancas de qualificaccedilatildeo Alzira Shimoura
Maria Ceciacutelia Magalhatildees Maria Helena Pistori Mona Hawi e Wanda Aguiar Junqueira
porpromoverem uma interlocuccedilatildeo calorosa permitindo que eu repensasse o percurso
desta pesquisa
Aacute Profa Dra Maria Teresa de Assunccedilatildeo Freitas por seu compromisso com a produccedilatildeo
do conhecimento na praacutetica de pesquisa por suas contribuiccedilotildees teoacutericas e por nosso
diaacutelogo que transcende o universo acadecircmico e invade os espaccedilos da afetividade
Agrave Profa Dra Mona Hawi pelas inuacutemeras contribuiccedilotildees neste trabalho no periacuteodo da
segunda qualificaccedilatildeo e ao longo de todo doutorado Por nossos diaacutelogos vivecircncias e
principalmente por ter se tornado referecircncia para mim na cidade de Satildeo Paulo
Agrave Fernanda Cardoso por nossa intensa interlocuccedilatildeo no periacuteodo de revisatildeo deste
trabalho e principalmente por ter demonstrado ser coerente agrave categoria colaboraccedilatildeo
Agrave Lena por nossos diaacutelogos acadecircmicos e afetivos que muito contribuiacuteram para este
trabalho final
Agrave Alexsandra amiga-irmatilde de longa data por estar sempre por perto Nossa interlocuccedilatildeo
e nosso afeto atravessam tempos e espaccedilos
Agrave amiga Bruna por ter sempre uma enunciaccedilatildeo recheada de afeto disponibilidade e
muitas inquietaccedilotildees instigantes e por se tornar uma interlocutora imprescindiacutevel Haacute
muito de Bruna Sola Ramos nesta tese
Agrave Mocircnica (Mamu) comadre amiga-irmatilde por nossa interlocuccedilatildeo que supera as
adversidades da vida e pelas aprendizagens que partilhamos Por meio de nossos
diaacutelogos pude aprimorar minha capacidade argumentativa
Agrave querida Claacuteudia Bonfatti por ter sido uma referecircncia para o Joatildeo Pedro no periacuteodo
de ingresso na educaccedilatildeo infantil e por ter se tornado amiga da famiacutelia Sua experiecircncia
posturas e atitudes como professora dos pequenos sinalizam o compromisso que tem
com as crianccedilas e suas infacircncias
Agrave Rose por trazer beliacutessimas imagens para o Joatildeo Pedro transmutadas por meio do
maravilhoso e por ter enriquecido sua infacircncia com movimentos de expansatildeo e
contraccedilatildeo no momento em que natildeo pude estar
Agrave Hilda amiga querida pela presenccedila colaborativa e por me ensinar a objetivar as accedilotildees
e tarefas do cotidiano acadecircmicoprofissional
A todos os amigos do LAEL especialmente aos colegas do Seminaacuterio de Orientaccedilatildeo
colaboradores no processo de construccedilatildeo desta pesquisa
Agrave Maria Luacutecia e agrave Maacutercia por suas accedilotildees generosas em periacuteodos como Matriacutecula Prova
de Francecircs e Exame de Aacuterea Complementar
Agrave Universidade Federal de Juiz de Fora em especial ao Departamento de Educaccedilatildeo
pelo afastamento concedido e agrave CAPES pelo apoio financeiro que tornou possiacutevel
meus estudos no LAEL
SUMAacuteRIO
COMECcedilANDO O DIAacuteLOGO 18
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO
DOS ldquoNOacuteSrdquo
27
11 ndash O Movimento da Cadeia Criativa linguagem e produccedilatildeo de
conhecimento
30
111 ndash A Cadeia Criativa entre o compartilhamento de sentidos e de
significados
31
112 ndash A Cadeia Criativa e a ZPD interregno de conflitos tensotildees e
possibilidades na produccedilatildeo de conhecimento
39
113 ndash Cronotopia e exotopia uma diacuteade no movimento da Cadeia
Criativa
43
114 ndash A Cadeia Criativa sob a eacutegide da totalidade spinozana 46
115 ndash Breve retomada da ldquovelhardquo e da ldquonovardquo retoacuterica um encontro com
a argumentaccedilatildeo na cadeia criativa
52
116 ndash Fluxo da Interaccedilatildeo verbal por uma argumentaccedilatildeo dialoacutegica na
Cadeia Criativa
62
CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFOPI 67
21 ndash Uma breve histoacuteria sobre o brincar 69
211 ndash A imaginaccedilatildeo e a brincadeira de faz de conta 74
212 ndash O desenvolvimento da imaginaccedilatildeo loacutecus da brincadeira de faz de
conta e da (re)invenccedilatildeo do real
81
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E
(DES)CAMINHOS TRILHADOS
90
31 ndash A Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo no Grupo de Pesquisa Linguagem em
Atividades no Contexto Escolar (GP LACE)
94
32 ndash A Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo no Grupo de Pesquisa Educaccedilatildeo
Formaccedilatildeo de professores e Infacircncia (GP EFoPI)
97
33 ndash Espaccedilos-tempo de uma construccedilatildeo coletiva caracterizaccedilatildeo do(s)
contexto(s) de pesquisa
104
331 ndash Projeto de 2006-2007 A verticalizaccedilatildeo e a horizontalizaccedilatildeo do
espaccedilo da sala de educaccedilatildeo infantil
104
332 ndash Projeto de 2008-2009 Espaccedilo de reflexatildeo criacutetica em contexto de
colaboraccedilatildeo reconstruindo os sentidos e os significados da praacutetica
educativa na creche
109
333 ndash Espaccedilos de Atuaccedilatildeo do GP EFoPI 113
3331 ndash A Entidade Civil que manteacutem as creches no Municiacutepio de
Juiz de Fora uma breve incursatildeo na AMAC
113
3332 ndash A Extensatildeo Universitaacuteria e o Curso de Extensatildeo na
Universidade Federal de Juiz de Fora
116
334 ndash Equipe de pesquisadores participantes do GP EFoPI no Periacuteodo
2006-2009
120
34 ndash Pesquisadores Focais do trabalho de Tese 122
35 ndash Procedimentos de produccedilatildeo-geraccedilatildeo coleta organizaccedilatildeo e
armazenamento dos dados
123
36 ndash Procedimentos de Anaacutelise e Interpretaccedilatildeo de Resultados 125
361 ndash Categorias de Anaacutelise 126
3611 ndash Marcas da Interaccedilatildeo 128
3612 ndash Marcas Argumentativas 1 129
3613 ndash Marcas Argumentativas 2 129
3614 ndash Marcas Linguiacutesticas 130
362 ndash Categorias de Interpretaccedilatildeo 131
37 ndash Credibilidade neste Processo de Pesquisa 132
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 134
41 ndash 1ordm Cronotopo da Cadeia Criativa ndash Sessotildees reflexivas com pesquisadoras
do GP EFoPI e educadoras da creche
135
411 ndash 1ordf Sessatildeo Reflexiva Analisada ndash dia 14 de agosto de 2006 135
412 ndash 2ordf Sessatildeo Reflexiva Analisada ndash dia 21 de agosto de 2006 149
413 ndash 3ordf Sessatildeo Reflexiva Analisada ndash dia 04 de setembro de 2006 166
42 ndash 2ordm Cronotopo da Cadeia Criativa ndash Curso de Extensatildeo 183
421 ndash Encontros do Curso de Extensatildeo Analisados ldquoA Dimensatildeo Luacutedica
na Crianccedila e na Crecherdquo e ldquoA Dimensatildeo Luacutedica no Espaccedilo-Ambiente
da Creche reflexotildees sobre o brincarrdquo ndash dias 05 e 12 de novembro de
2007
183
43 ndash 3ordm Cronotopo da Cadeia Criativa ndash Sessatildeo Reflexiva com as
Coordenadoras das Creches da AMAC
201
431 ndash 4ordf Sessatildeo Reflexiva Analisada ndash dia 11 de novembro de 2009 201
44 ndash Consideraccedilotildees Parciais 215
CONSIDERACcedilOtildeES E REFLEXOtildeES ABERTAS 220
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 226
ANEXOS 236
Anexo 1 236
Anexo 2 237
IacuteNDICE DE QUADROS
Quadro 01 ndash Os trecircs gecircneros do discurso na Retoacuterica com base em Reboul 58
Quadro 02 ndash Desenho da Pesquisa 93
Quadro 03 ndash Accedilotildees e questotildees relativas ao processo reflexivo 100
Quadro 04 ndash Accedilotildees e questotildees relativas ao processo reflexivo construiacutedas pelo
EFoPI a partir de Smyth
101
Quadro 05 ndash Cronograma do planejamento das accedilotildees do GP EFoPI nos anos
de 2006 e 2007
108
Quadro 06 ndash Cronograma do planejamento das accedilotildees do GP EFoPI nos anos
de 2008 e 2009
112
Quadro 07 ndash Relaccedilatildeo AdultoCrianccedila nas Creches Comunitaacuterias da
AMAC2009
115
Quadro 08 ndash Proporccedilatildeo AdultoCrianccedila nas Turmas das Instituiccedilotildees de
Educaccedilatildeo Infantil segundo a Resoluccedilatildeo Municipal No 12000
115
Quadro 09 ndash Coordenadores do GP EFoPI 121
Quadro 10 ndash Pesquisadores Doutores Doutorandos Mestres e Mestrandos 121
Quadro 11 ndash Alunos de Iniciaccedilatildeo Cientiacutefica 122
Quadro 12 ndash Pesquisadores Colaboradores 122
Quadro 13 ndash Siacutentese dos instrumentos usados para a discussatildeo 125
Quadro 14 ndash Marcas da interaccedilatildeo 128
Quadro 15 ndash Marcas Argumentativas 1 129
Quadro 16 ndash Marcas Argumentativas 2 130
Quadro 17 ndash Marcas Linguiacutesticas 131
Quadro 18 ndash Categorias de Interpretaccedilatildeo 131
IacuteNDICE DE FIGURAS
Figura 01 ndash Fluxograma da Pesquisa 92
Figura 02 ndash Accedilotildees para materializar interdisciplinaridade e transversalidade
na triacuteade ensino-pesquisa-extensatildeo
119
RESUMO
Esta pesquisa se insere na aacuterea da Linguiacutestica Aplicada na linha Educaccedilatildeo e
Linguagem da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica ndash Satildeo Paulo tendo como objetivo
investigar o fluxo do significado do brincar na Cadeia Criativa no interior do Grupo de
Pesquisa Educaccedilatildeo Formaccedilatildeo de Professores e Infacircncia (EFoPI) Apresenta como
aporte teoacuterico as referecircncias da Teoria Soacutecio-Histoacuterico-Cultural em especial as
contribuiccedilotildees de Vygotsky do Ciacuterculo de Bakhtin e de seus respectivos seguidores
Adota tambeacutem a perspectiva monista spinozana (Spinoza 16772005) para tecer uma
discussatildeo sobre o movimento da Cadeia Criativa (Liberali 2006 2009) A linguagem
nesse movimento eacute vista sob a perspectiva bakhtiniana e de seu ciacuterculo bem como sob
a oacutetica dos elementos da ldquovelhardquo e da ldquonovardquo retoacuterica (Aristoacuteteles 350 aC2005
Perelman e Olbrechts-Tyteca 19702005) que fundam neste trabalho um significativo
debate sobre a argumentaccedilatildeo Nesse contexto a linguagem eacute vista como possibilitadora
de traduzir-realizar os eventos do existir humano atravessados pelas (inter-)relaccedilotildees nos
vaacuterios contextos do GP EFoPI por meio de intervenccedilotildees com os educadores das creches
puacuteblicas municipais da cidade de Juiz de Fora O referencial metodoloacutegico eacute norteado
pelos princiacutepios da Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo (Magalhatildees 2002 2004 2006
2009) entendida como um processo que possibilita a todos os participantes da pesquisa
a construccedilatildeo-produccedilatildeo do conhecimento com ecircnfase no papel da colaboraccedilatildeo como
espaccedilo de aprendizado e desenvolvimento a todos os envolvidos no processo A
discussatildeo dos resultados estaacute pautada em categorias de anaacutelise argumentativas
desenvolvidas com base em Perelman e Olbrechts-Tyteca (19702005) e Liberali e
Shimoura (2007) bem como de interpretaccedilatildeo embasadas no referencial teoacuterico deste
trabalho em especial as categorias teoacutericas da perspectiva Soacutecio-Histoacuterico-Cultural no
interior do movimento da Cadeia Criativa Os resultados indicam que a praacutexis do GP
EFoPI nos cronotopos da Cadeia Criativa foi gradativamente assumindo os princiacutepios
epistemoloacutegicos e praacuteticos da colaboraccedilatildeo Os educadores das creches junto com os
pesquisadores foram se tornando protagonistas nas discussotildees teoacuterico-praacuteticas sobre o
brincar bem como na ressignificaccedilatildeo das praacuteticas que circundam essa atividade Para
estes as transformaccedilotildees ficaram circunscritas aos modos e agraves maneiras de intervir jaacute
para os educadores notaram-se mudanccedilas nos proacuteprios sentidos e significados acerca da
temaacutetica
Palavras-chave Sentido Significado Cadeia Criativa Argumentaccedilatildeo Brincar
ABSTRACT
This research is inserted in the area of Applied Linguistics in the line of Education and
Language of Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica ndash Satildeo Paulo having as its goal to
investigate the flow of the meaning of playing in the Creative Chain inside the
Education Research Group Teacher Formation and Childhood (EFoPI) It is presented
as theoretic foundation the references from the Social-Historical-Cultural Theory
especially the contributions from Vygotsky Bakhtinrsquos Circle and their respective
followers It is also adopted the monist Spinozan perspective (Spinoza 16772005) to
weave a discussion on the movement of the Creative Chain (Liberali 2006 2009) The
language in this movement is seen under the Bakhtinian perspective and his circle as
well as under the optic of the elements from ldquooldrdquo and ldquonewrdquo rhetoric (Aristotle 350
aC2005 Perelman and Olbrechts-Tyteca 19702005) which found in this paper a
significant debate on the argumentation In this context the language is seen as able to
translate-realize the events of being human through the (inter)relationships in many
contexts of GP EFoPI by means of interventions with the educators of the cityrsquos public
daycare centers in the city of Juiz de Fora The methodological reference is guided by
the principles of Critic Research of Collaboration (Magalhatildees 2002 2004 2006 2009)
understood as a process that allows to all the participants of the research the
construction-production of the knowledge with emphasis on the role of collaboration as
a space of learning and developing to all those involved in the process The discussion
of the results is based on categories of argumentative analysis developed over Perelman
and Olbrechts-Tyteca (19702005) Liberali and Shimoura (2007) as well as
interpretation based on the theoretical reference from this paper especially the
theoretical categories of the Social-Historical-Cultural perspective inside the Creative
Chain movement The results indicate that the praxis used on GP EFoPi in the
chronotopes of the Creative Chain gradually has been taking over the epistemological
and practical principals of collaboration The daycare center educators along with the
researchers were becoming protagonists in the theoretical-practical discussions on
playing as well as the resignification of the practices that circle this activity For these
the transformations were circumscribed to the ways and manners of intervening as for
the educators changes were noticed in their own senses and meanings about the theme
Key-words Sense Meaning Creative Chain Argumentation Playing
ILKA SCHAPPER SANTOS
COMECcedilANDO O DIAacuteLOGO
Neste trabalho busco compreender criticamente a formaccedilatildeo das professoras
pesquisadoras e das educadoras1 participantes de um grupo de pesquisa que investiga a
formaccedilatildeo dos profissionais da educaccedilatildeo infantil Em especial investigo como se
processa o compartilhamento de sentidos e de significados sobre o brincar Um dos
focos da investigaccedilatildeo eacute discutir as concepccedilotildees sobre o brincar no espaccedilo de pesquisa ndash
que se materializa nas reuniotildees de discussatildeo teoacuterica de definiccedilatildeo de metodologia e de
instrumentos de ingresso no campo e de anaacutelise criacutetica de dados ndash em um grupo que
estuda a crianccedila e suas infacircncias nas creches puacuteblicas municipais de Juiz de Fora O
Grupo de Pesquisa (GP) em questatildeo eacute o EFoPI (Educaccedilatildeo Formaccedilatildeo de Professores e
Infacircncia) Na realidade investigo o que estou intitulando de metapesquisa2
O prefixo meta- indica transcendecircncia ldquopara aleacutemrdquo da pesquisa Num
movimento dialeacutetico as reuniotildees do grupo de pesquisa e os diaacutelogos com os
participantes sistematizam e organizam as pesquisas em si mas tambeacutem criam espaccedilos
de investigaccedilatildeo cientiacutefica que transcendem as discussotildees das definiccedilotildees de questotildees de
estudos de objetivos de fundamentaccedilatildeo teoacuterica de anaacutelise de dados objetivando a
transformaccedilatildeo da realidade
Os professores pesquisadores e os participantes da pesquisa na apropriaccedilatildeo de
concepccedilotildees teoacutericas e no ingresso das discussotildees acadecircmicas e trabalho de campo
reescrevem ressignificam sua praacutexis continuando a tecer e a fiar nas dobras das suas
construccedilotildees a produccedilatildeo do conhecimento Isso porque entrecruzam as formulaccedilotildees
teoacutericas com outras leituras e outras vivecircncias que tiveram no campo da academia e no
diaacutelogo com seus interlocutores Aleacutem disso quando estudam um construto teoacuterico e o
relacionam com o trabalho cotidiano no interior de uma pesquisa as professoras-
pesquisadoras e as educadoras participantes da pesquisa trazem para a cena da
investigaccedilatildeo cientiacutefica atores diferentes daqueles que os proacuteprios teoacutericos elegeram
Mas na modernidade ndash ou poacutes-modernidade ndash a tarefa de pensar de estabelecer
relaccedilotildees e proposiccedilotildees de reconstruir como muitas outras sofre com a pressa e a
brevidade do tempo
1 Neste trabalho de tese o verbete ldquoeducadorasrdquo se refere tanto agraves professoras quanto agraves coordenadoras
pedagoacutegicas das creches puacuteblicas municipais de Juiz de Fora 2 A terminologia metapesquisa foi criada por mim para definir o processo de investigar a praacutetica de
pesquisa
COMECcedilANDO O DIAacuteLOGO 19
ILKA SCHAPPER SANTOS
O homem contemporacircneo estaacute de fato marcado pela pressa e pela falta de
tempo Falta de tempo para a reflexatildeo cientiacutefica que requer dialogar e digerir a ldquoideia do
outrordquo ndash no caso da pesquisa aprofundar nos autores selecionados ndash para no
entrecruzamento da ldquoideia proacutepriardquo ndash a questatildeo a ser investigada ndash criar a ldquoideia novardquo
com novas significaccedilotildees Esse terceiro elemento que diz da originalidade da criaccedilatildeo
estaacute se esvaziando na atualidade Soacute se tem tempo de analisar a ldquoideia do outrordquo e a
ldquoideia proacutepriardquo Muitas vezes natildeo se tem tempo para originalidade e criatividade que
requerem a interlocuccedilatildeo das trecircs ideias citadas Nesse contexto estamos perdendo no
campo da produccedilatildeo cientiacutefica da construccedilatildeo de conhecimento a capacidade de transitar
na terceira margem do rio
A dificuldade de criaccedilatildeo estaacute posta no excesso de informaccedilatildeo na tentativa de se
dar conta de tudo dos prazos achatados das agecircncias de fomento Natildeo sobra tempo para
o processo criativo no interior do processo de pesquisa Isso porque na busca de se
achar a melhor definiccedilatildeo na palavra do outro haacute uma reproduccedilatildeo do texto do outro
inserido no contexto da investigaccedilatildeo Mas com isso muitas vezes se esvazia a palavra
do pesquisador ndash que seria a tocircnica da diferenccedila entre argumentar analisar e transformar
a realidade
Para investigar o processo de produccedilatildeo de conhecimento sobre o brincar com
as professoras-investigadoras e as demais participantes da pesquisa analisei
longitudinalmente a produccedilatildeo dos dados do GP EFoPI ao longo de quatro anos de
intervenccedilatildeo do iniacutecio de 2006 ateacute o final de 2009 Isso foi feito a partir das sessotildees
reflexivas realizadas com as educadoras das creches dos encontros do curso de
extensatildeo e das sessotildees reflexivas que o grupo ofereceu para as coordenadoras das 23
creches da cidade de Juiz de Fora
O meu interesse pelo tema estaacute relacionado agrave minha preocupaccedilatildeo como
professora de uma universidade puacuteblica de compreender como o processo de pesquisa
numa perspectiva soacutecio-histoacuterico-cultural de colaboraccedilatildeo possibilita aos participantes a
transformaccedilatildeo e a reconstruccedilatildeo do mundo que os cercam Aleacutem disso na minha
trajetoacuteria acadecircmica o binocircmio professora-pesquisadora sempre esteve presente
Em 1990 concluiacute o curso de magisteacuterio de niacutevel meacutedio em uma escola puacuteblica
estadual na cidade de Satildeo Gonccedilalo do Sapucaiacute em Minas Gerais Nesse periacuteodo
trabalhei dois anos na APAE da cidade
No ano seguinte mudei-me para o Municiacutepio Juiz de Fora por conta da
aprovaccedilatildeo no vestibular Em 1991 apoacutes aprovaccedilatildeo em concurso puacuteblico comecei
COMECcedilANDO O DIAacuteLOGO 20
ILKA SCHAPPER SANTOS
minha carreira como professora alfabetizadora da SME (Secretaria Municipal de
Educaccedilatildeo) da cidade Paralela a essa atividade era estudante do curso de Pedagogia da
Universidade Federal de Juiz de Fora onde tambeacutem participava de projetos de pesquisa
de extensatildeo e de monitoria que investigavam e atendiam crianccedilas que vivenciaram anos
de fracasso na alfabetizaccedilatildeo inicial
Terminada a graduaccedilatildeo em 1994 no ano subsequente ingressei no mestrado em
educaccedilatildeo na PUC-Rio sob a orientaccedilatildeo da professora Dra Socircnia Kramer Nesse
periacuteodo desejava continuar minhas investigaccedilotildees no campo da alfabetizaccedilatildeo leitura e
escrita Inscrevi-me entatildeo no segundo periacuteodo do curso na pesquisa intitulada Cultura
Modernidade e Linguagem Leitura e Escrita de Professores em suas Histoacuterias de Vida
e Formaccedilatildeo Foi nesse projeto interinstitucional que vivenciei minhas primeiras
experiecircncias de pesquisa numa abordagem histoacuterica e cultural sob a orientaccedilatildeo das
professoras doutoras Socircnia Kramer e Solange Jobim e Souza Foi tambeacutem no interior
desse projeto que minha dissertaccedilatildeo se originou
Ao lado disso fui aprovada em uma seleccedilatildeo para professor substituto no
Departamento de Psicologia da Educaccedilatildeo e Orientaccedilatildeo Educacional da Faculdade de
Educaccedilatildeo da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)
Finalizado o mestrado fui aprovada em um concurso puacuteblico de coordenaccedilatildeo
pedagoacutegica da Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo (SME) do municiacutepio de Juiz de Fora
Na convocaccedilatildeo escolhi trabalhar com a educaccedilatildeo infantil e as quatro primeiras seacuteries do
ensino fundamental Na escola defini junto agrave direccedilatildeo que minha tarefa seria a de
orientaccedilatildeo-formaccedilatildeo pedagoacutegica de professores da educaccedilatildeo infantil e professores
alfabetizadores Nessa coordenaccedilatildeo realizei junto aos outros profissionais da escola
vaacuterios trabalhos de pesquisa-intervenccedilatildeo com as professoras alfabetizadoras Nesse
periacuteodo terminava o curso de letras na UFJF
Trecircs anos depois de estar na coordenaccedilatildeo pedagoacutegica de uma escola puacuteblica
municipal fui aprovada em concurso puacuteblico na UFJF Desde entatildeo participo de dois
grupos de pesquisa Linguagem Interaccedilatildeo e Conhecimento (LIC) e Educaccedilatildeo
Formaccedilatildeo de Professores e Infacircncia (EFoPI) coordenados pelas professoras doutoras
Maria Teresa de Assunccedilatildeo Freitas e Leacutea S P Silva respectivamente No interior dos
grupos de pesquisa interessei-me pela discussatildeo da formaccedilatildeo contiacutenua do professor da
educaccedilatildeo infantil e do ensino fundamental Nesse entremeio fui Coordenadora de
Extensatildeo cargo que me levou a assumir os programas e projetos de extensatildeo da UFJF
COMECcedilANDO O DIAacuteLOGO 21
ILKA SCHAPPER SANTOS
A experiecircncia na proacute-reitoria mostrou-me a relevacircncia da interface do binocircmio
pesquisa-extensatildeo Percebi que muitas aacutereas do conhecimento trabalhavam com esse
binocircmio de forma indissociaacutevel Foi isso que me levou agrave PUC-SP a querer ingressar no
fluxo de uma aacuterea do conhecimento que tivesse essa caracteriacutestica a Linguiacutestica
Aplicada
No ano de 2006 ingressei no Programa de Doutorado em Linguiacutestica Aplicada e
Estudos da Linguagem (LAEL) na PUC-SP sob a orientaccedilatildeo da profa Dra Fernanda
Coelho Liberali Comecei entatildeo a participar do Grupo de Pesquisa Linguagem em
Atividade no Contexto Escolar (LACE) liderado pelas professoras doutoras Fernanda
Coelho Liberali e Maria Ceciacutelia Magalhatildees
A participaccedilatildeo nos trecircs grupos de pesquisa LIC EFoPI e LACE foi
especialmente importante para a minha formaccedilatildeo de professora pesquisadora e para o
levantamento de questotildees que me levaram agrave construccedilatildeo desta tese Os trecircs grupos tecircm
em comum o referencial soacutecio-histoacuterico-cultural e a busca de transformaccedilatildeo da
realidade circunscrita nos espaccedilos acadecircmicos e escolares
Minha busca em compreender criticamente esse processo de transformaccedilatildeo
levou-me a optar por desenvolver minha tese de doutoramento em um programa de
Linguiacutestica Aplicada e Estudos da Linguagem como disse anteriormente
Nesse movimento dois motivos especiacuteficos me impulsionaram a estar em um
doutorado ligado agrave LA O primeiro deles seria uma formulaccedilatildeo mesticcedila e nocircmade
(Moita Lopes 2006) da LA e da minha proacutepria formaccedilatildeo e praacutetica docente jaacute que no
hibridismo da minha formaccedilatildeo inicial em Pedagogia e Letras ndash desdobrados em
Educaccedilatildeo e Linguagem ndash atuo como professora de uma universidade puacuteblica na aacuterea da
Psicologia e Educaccedilatildeo O segundo indissociaacutevel do primeiro estaacute pautado na crenccedila
que tenho na produccedilatildeo do conhecimento sob a eacutegide da pesquisa aplicada na qual a
investigaccedilatildeo eacute fundamentalmente centrada no contexto igualmente aplicado (ibid
p21) Um processo que possibilita transitar entre a praacutetica da reflexatildeo e a reflexatildeo da
praacutetica esboccedilando a procura da pretensa totalidade
A LA se configura como um campo de pesquisa que estuda a linguagem em uso
e como explica Marx (1945-19462002 p 24) ldquoeacute tatildeo velha como a consciecircncia ()
aparece com a necessidade dos intercacircmbios com os outros homensrdquo A linguagem
nesse contexto de investigaccedilatildeo eacute concebida como elemento indispensaacutevel entre o ser
humano e o mundo que o cerca A consciecircncia humana se constitui por meio da
linguagem em um movimento circunscrito agrave realidade material e imaterial Em um
COMECcedilANDO O DIAacuteLOGO 22
ILKA SCHAPPER SANTOS
movimento dialeacutetico os seres humanos satildeo constituiacutedos napela linguagem e tambeacutem a
constitui e por conta disso natildeo podem dela dissociar-se para compreender a realidade
transformado-a e sendo por ela transformado
Nessa perspectiva o estudo da LA amplia seu campo de accedilatildeo e deixa de ser
percebida apenas como aacuterea que permite solucionar os problemas concernentes agrave
linguagem em uso As pesquisas em LA na contemporaneidade procuram investigar
situaccedilotildees concretas de maneira que possam responder agraves demandas sociais do contexto
pesquisado (Moita Lopes 2006 p 20) No movimento de pesquisa esse eacute um ponto
fundamental uma vez que permite um estreitamento com a comunidade investigada
propiciando espaccedilo para a construccedilatildeo-produccedilatildeo do conhecimento responsivo ativo agrave
vida social dos sujeitos envolvidos
Em uma leitura bakhtiniana podemos inferir (o leitor e eu) que a pesquisa
aplicada materializada em praacuteticas de linguagem natildeo permanece silenciada pois como
praacutetica discursiva se faz em uma praacutexis3 dialoacutegica e ideoloacutegica Esse movimento estaacute
fundado na comunicaccedilatildeo verbal posto que um enunciado seja sempre acompanhado de
uma atitude responsiva ativa No dizer de Bakhtin (1997 p 290) toda compreensatildeo eacute
prenha de resposta e de uma forma ou de outra forccedilosamente a produz o ouvinte
torna-se locutor
Foi por meio dos diaacutelogos tecidos no GP LACE no GP EFoPI na participaccedilatildeo
dos seminaacuterios de pesquisa dos seminaacuterios de orientaccedilatildeo e nas discussotildees das
disciplinas4 do doutorado que inicio um novo campo de investigaccedilatildeo compreender o
fluxo do significado sobre o brincar entre pesquisadores e educadores do GP EFoPI no
interior da argumentaccedilatildeo colaborativa Isso foi fomentado principalmente nos debates
tecidos sobre a Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo com a Profa Dra Maria Ceciacutelia
Magalhatildees e na participaccedilatildeo do projeto de produtividade teacutecnica do CNPq sob a
coordenaccedilatildeo da Profa Dra Fernanda Coelho Liberali ldquoArgumentos na Produccedilatildeo
Criativa de Significados em Contextos Escolares de Formaccedilatildeo de Educadoresrdquo em que
esta tese eacute um sub-eixo
3 O conceito de Praacutexis de Karl Marx diz da articulaccedilatildeo entre teoria e praacutetica uma praacutetica desenvolvida
compelaatraveacutes de reflexotildees Uma busca de compreensatildeo ativa no dizer de Bakhtin (1997) da atividade
praacutetica Eacute a atividade praacutetica imbricada de teoria 4 Disciplinas (a) Teorias da Linguagem II teorias e praacuteticas da argumentaccedilatildeo ndash perspectiva enunciativo-
discursivo (b) Argumentaccedilatildeo em Contexto Escolar (c) Linguiacutestica Aplicada II - linguagem e produccedilatildeo
do conhecimento (d) Toacutepicos em Linguiacutestica Aplicada II formaccedilatildeo de professores e reflexatildeo
COMECcedilANDO O DIAacuteLOGO 23
ILKA SCHAPPER SANTOS
No interior do GP LACE e do GP EFoPI vaacuterias pesquisas foram concluiacutedas e
outras estatildeo em desenvolvimento Destacarei aqui aquelas que tecircm relaccedilatildeo com o tema
desta tese ou seja as que discutem a brincadeira na infacircncia de 0 a 6 anos (GP EFoPI) e
as que tratam da argumentaccedilatildeo no interior da formaccedilatildeo de educadores criacuteticos (GP
LACE)
No GP EFoPI temos os trabalhos de bacharelado de Fabrino (2005) cuja
temaacutetica gira em torno das concepccedilotildees de educaccedilatildeo infantil e infacircncia nos projetos
poliacutetico-pedagoacutegicos das creches da AMAC de Salgado (2007) em que a autora
discute a construccedilatildeo da identidade da profissional recreadora de creche de Abreu
(2008) que investiga o brincar de faz de conta e o letramento na educaccedilatildeo infantil
Em niacutevel de mestrado temos as pesquisas de Santos (2005) que investigou o
processo de construccedilatildeo da identidade negra tendo como contexto de anaacutelise a
brincadeira de faz de conta de Ribeiro (2006) cujo tema era compreender a concepccedilatildeo
de educaccedilatildeo infantil presente nas escolas puacuteblicas municipais de Juiz de Fora de Costa
(2007) que procurou analisar a compreensatildeo de educadores de creches acerca do
movimento corporal no desenvolvimento infantil de Arauacutejo (2008) que pesquisou o
lugar do brincar na instituiccedilatildeo de educaccedilatildeo infantil em tempo integral E no doutorado
a pesquisa em andamento de Santos que busca compreender os significados atribuiacutedos
ao choro na creche
No GP LACE destaco as pesquisas de iniciaccedilatildeo cientiacutefica de Silva (2004) e
Olivetti (2004) cujas temaacuteticas estatildeo circunscritas ao campo da argumentaccedilatildeo e
formaccedilatildeo da cidadania Em niacutevel de mestrado temos o trabalho de Aranha (2009) que
procura compreender criticamente o papel da argumentaccedilatildeo na construccedilatildeo de
significados compartilhados por formadores e participantes em contextos de formaccedilatildeo
continuada de Meaney (2009) que investiga a argumentaccedilatildeo na formaccedilatildeo do professor
na escola biliacutengue e de Rodrigues (2010) que analisa o papel da argumentaccedilatildeo na
formaccedilatildeo criacutetica de professores em uma creche
Ainda no campo do mestrado temos pesquisas em andamento de Oliveira que
investiga como a argumentaccedilatildeo e o pensamento criacutetico valorizado em diaacutelogos
organizados em um grupo de teatro de uma escola podem configurar como espaccedilos de
mediaccedilatildeo impliacutecita do aluno e de Santos que investiga a produccedilatildeo criacutetica
argumentativa no espaccedilo da sala de aula
No doutorado outras investigaccedilotildees em curso de Guerra que procura
compreender criticamente como a argumentaccedilatildeo presente nas negociaccedilotildees das
COMECcedilANDO O DIAacuteLOGO 24
ILKA SCHAPPER SANTOS
atividades do Projeto Aprender Brincando possibilita a produccedilatildeo de significados
compartilhados de Vendramini-Zanella que objetiva desenvolver um trabalho de
formaccedilatildeo criacutetica dos alunos de cursos de licenciatura por meio da argumentaccedilatildeo na
atividade de contar histoacuterias para crianccedilas com cacircncer em hospital especializado
Todos os trabalhos aqui destacados tanto do GP EFoPI quanto do GP LACE
satildeo de suma importacircncia pois em cada grupo de pesquisa essas investigaccedilotildees tecem
intersecccedilotildees gerando dados que estabelecem uma rede de diaacutelogos que tornam possiacutevel
sua avaliaccedilatildeo pelos pesquisadores dos grupos e por conseguinte sua reconstruccedilatildeo em
outros contextos de produccedilatildeo Com igual relevacircncia este trabalho de tese aconteceu no
interregno de confluecircncias entre os dois grupos de pesquisa anteriormente citados
Agora narrarei como se processou a construccedilatildeo desta pesquisa no interior do GP
EFoPI Depois de ter demarcado o campo de estudos teoacuterico-metodoloacutegico do trabalho
de tese em diaacutelogos sistematizados com minha orientadora fiz a proposta para a Profa
Dra Leacutea S P Silva coordenadora do GP EFoPI de iniciarmos um trabalho de
investigaccedilatildeo por meio da Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo sob a oacutetica da perspectiva
soacutecio-histoacuterica-cultural Assim do ano de 2006 ateacute agora desenvolvemos duas
pesquisas intituladas ldquoA verticalizaccedilatildeo e a horizontalizaccedilatildeo do espaccedilo da sala de
atividades da educaccedilatildeo infantilrdquo e ldquoEspaccedilo de reflexatildeo criacutetica em contexto de
colaboraccedilatildeo reconstruindo os sentidos e os significados da praacutetica educativa na
crecherdquo no periacuteodo de 2006 ndash 2007 e 2008-2009 respectivamente
Desde entatildeo meu trabalho de campo ficou circunscrito agraves intervenccedilotildees
desenvolvidas nesse periacuteodo e acabou por se configurar em um trabalho longitudinal
Envolvi-me assim ativamente no desenvolvimento de todas as atividades do grupo
desde o planejamento ateacute as intervenccedilotildees no campo no periacuteodo de 2006 a 2009
A princiacutepio desejava investigar o movimento da produccedilatildeo de sentidos-
significados no processo de pesquisa Dito de outro modo procurava compreender a
formaccedilatildeo do professor-pesquisador por meio do dispositivo argumentativo no interior
do processo de pesquisa do GP EFoPI Por conta disso naquele periacuteodo delimitei que
analisaria as transcriccedilotildees das reuniotildees de pesquisa e das intervenccedilotildees nas sessotildees
reflexivas e no curso de extensatildeo com as professoras e coordenadoras das creches as
notas de campo e as atas produzidas pelo grupo Mas parafraseando Drummond no
meio do caminho tinha uma pedra Deparei-me com a inquietaccedilatildeo de que desenvolveria
uma anaacutelise unilateral apenas a perspectiva de um lado da moeda as produccedilotildees-
construccedilotildees do conhecimento das pesquisadoras E o reverso da moeda A interlocuccedilatildeo
COMECcedilANDO O DIAacuteLOGO 25
ILKA SCHAPPER SANTOS
com os participantes da pesquisa Como poderia trabalhar sob a oacutetica da colaboraccedilatildeo se
estava focando de modo dualista apenas a produccedilatildeo das pesquisadoras
Foram esses questionamentos que me fizeram refletir e tomar a decisatildeo de focar
minha ldquolenterdquo no possiacutevel movimento de colaboraccedilatildeo desenvolvida entre as
pesquisadoras e as educadoras participantes do GP EFoPI No entanto como disse jaacute
estava no meio do caminho Deparei-me com um grande volume de material no banco
de dados do grupo de pesquisa pois jaacute haviacuteamos feito sessotildees reflexivas com 4
professoras de uma das creches puacuteblicas municipais de Juiz de Fora e jaacute estaacutevamos
trabalhando com as coordenadoras pedagoacutegicas Depois de uma longa imersatildeo nos
dados ateacute entatildeo gerados-produzidos pude perceber o principal eixo de discussatildeo e a
ldquovocaccedilatildeordquo do GP EFoPI o debate sobre a brincadeira em especial a brincadeira de faz
de conta A partir dessa ldquodescobertardquo resolvi investigar o fluxo do significado sobre o
brincar na cadeia criativa entre pesquisadoras e educadores tendo como eixo a
argumentaccedilatildeo Para tal defini como norte para a investigaccedilatildeo os seguintes
questionamentos
Como o processo da argumentaccedilatildeo desenvolvido entre pesquisadoras e educadoras
permite expor sentidos e significados sobre a brincadeira no movimento da cadeia
Quais argumentos contribuiacuteram para a produccedilatildeo de significado sobre o brincar no
movimento da Cadeia Criativa
Foi influenciada pelas discussotildees de dois campos epistemoloacutegicos ndash a teoria
soacutecio-histoacuterico-cultural e os estudos sobre argumentaccedilatildeo ndash que inicio este trabalho
Assim no primeiro capiacutetulo intitulado No meio do caminho eu tu eles no encontro
dosbdquo noacutes‟ abordo a fundamentaccedilatildeo teoacuterica deste estudo Nele haacute uma macrocategoria
teoacuterica a Cadeia Criativa (doravante CC) No movimento da Cadeia as abordagens
teoacutericas de Bakhtin Vygotsky e Spinoza ganham contornos de uma (inter)confluecircncia
Nesse entremeio a argumentaccedilatildeo atravessa a discussatildeo configurando-se como um
dispositivo inerente ao fluxo da interaccedilatildeo verbal Ainda no campo do debate teoacuterico
tambeacutem sob a oacutetica da teoria soacutecio-histoacuterico-cultural trago no segundo capiacutetulo uma
discussatildeo sobre o brincar intitulado O lugar do Brincar no GP EFoPI Isso porque
nesta investigaccedilatildeo ele eacute o objeto das cenas discursivas analisadas
No terceiro capiacutetulo Movimentos de um percurso caminhos e (des)caminhos
trilhados o leitor perceberaacute como procedi nesta investigaccedilatildeo Abordo em um primeiro
momento as bases teoacutericas da Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo (PCCol) (Magalhatildees
2002 2004 2006 2009) que de igual forma sustenta o GP EFoPI Laacute detalho os
COMECcedilANDO O DIAacuteLOGO 26
ILKA SCHAPPER SANTOS
vaacuterios contextos em que o GP EFoPI se desenvolve as pesquisadoras e as demais
participantes Para discutir os dados enfoco os procedimentos de coleta e produccedilatildeo de
dados as categorias de anaacutelise linguiacutestico-discursivas e de interpretaccedilatildeo Por fim
abordo os aspectos relativos agrave credibilidade da pesquisa
No quarto capiacutetulo Diaacutelogos em construccedilatildeo apresento a discussatildeo e a anaacutelise
dos dados Nesse capiacutetulo mostro as relaccedilotildees entre o movimento da Cadeia Criativa nos
trecircs cronotopos (3 sessotildees reflexivas com 4 professoras de uma das creches do
Municiacutepio de Juiz de Fora e as pesquisadoras do GP EFoPI 2 encontros do curso de
extensatildeo e 1 sessatildeo reflexiva com as 23 coordenadoras das creches) a partir dos
objetivos e questotildees de pesquisa Trilho uma ordem cronoloacutegica tendo em vista o
movimento da Cadeia Criativa Apoacutes discussatildeo e anaacutelise dos dados teccedilo as
consideraccedilotildees parciais no conjunto dos cronotopos Por fim apresento as reflexotildees e
consideraccedilotildees do trabalho como um todo As Referecircncias Bibliograacuteficas utilizadas na
elaboraccedilatildeo deste trabalho e os Anexos compotildeem a uacuteltima parte deste estudo
Para finalizar este capiacutetulo introdutoacuterio gostaria de dizer que este texto eacute
redigido em primeira pessoa do singular porque sou participante ativa do processo de
investigaccedilatildeo no entanto haacute muitos momentos em que uso a primeira pessoa do plural
quando me reporto aos grupos de pesquisa a que pertenccedilo bem como quando partilho
com o leitor ideias e inferecircncias relativas agraves discussotildees teoacuterico-metodoloacutegicas e agrave
anaacutelise e discussatildeo dos dados
ILKA SCHAPPER SANTOS
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO
DOS ldquoNOacuteSrdquo
Mas a essecircncia humana natildeo eacute uma abstraccedilatildeo
inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade eacute
o conjunto das relaccedilotildees sociais
(Karl Marx)
Neste trabalho de tese busco compreender criticamente as formas de
apresentaccedilatildeo questionamento e contraposiccedilatildeo de argumentos que podem oferecer
elementos para a produccedilatildeo do conhecimento na praacutetica de pesquisa do GP EFoPI em
especial as praacuteticas relacionadas agraves brincadeiras na infacircncia de 2 e 3 anos
Para realizar tal empreitada apresento no presente capiacutetulo o aporte teoacuterico em
que esta pesquisa estaacute fundada Como o leitor pode perceber na introduccedilatildeo deste
trabalho a temaacutetica que busco desenvolver estaacute imbricada em um projeto
interinstitucional entre os grupos de pesquisa LACE e EFoPI da PUC-SP e da UFJF
respectivamente Refletindo sobre essa intersecccedilatildeo em que o elemento de ligaccedilatildeo eacute esta
tese refaccedilo os caminhos teoacuterico-metodoloacutegicos que embasam o interregno de
confluecircncias entre os dois grupos de pesquisa fazendo um mergulho maior nas questotildees
que satildeo relevantes a esta investigaccedilatildeo Desse modo procuro nas discussotildees teoacuterico-
praacuteticas um diaacutelogo que teccedila intersecccedilotildees com a teoria soacutecio-histoacuterico-cultural (SHC)
entremeado agrave perspectiva filosoacutefica spinozana com foco na argumentaccedilatildeo
A opccedilatildeo por tais referenciais estaacute pautada na busca de compreender o
movimento dialoacutegico na produccedilatildeo do conhecimento como elemento para uma praacutexis
revolucionaacuteria que possibilita uma autotransformaccedilatildeo do sujeito e uma transformaccedilatildeo
do seu espaccedilo de accedilatildeo nocom o mundo (Marx e Engels apud Labica 19871990 p
30) Assim este trabalho de tese em consonacircncia com o GP LACE e o GP EFoPI
busca no espaccedilo de pesquisa propiciar elementos em que os participantes possam ter
uma compreensatildeo criacutetica de que tanto as circunstacircncias fazem os homens como os
homens fazem as circunstacircncias
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 28
ILKA SCHAPPER SANTOS
A preocupaccedilatildeo eacute entender a atividade de pesquisa e de extensatildeo em um
movimento que possibilita a transformaccedilatildeo da realidade social dos sujeitos envolvidos
nos processos de pesquisa um movimento que procura ldquoa transformaccedilatildeo do estado de
coisas existentes ou a transformaccedilatildeo da totalidade do que haacuterdquo (Newman amp Holzman
19932002 p 25)
Segundo Konder (1988) eacute importante que noacutes indaguemos se estamos de fato
trabalhando com a totalidade correta se a totalizaccedilatildeo eacute adequada agrave situaccedilatildeo em que nos
encontramos O autor explica que
natildeo haacute no plano puramente teoacuterico soluccedilatildeo para o problema A teoria
eacute necessaacuteria e nos ajuda muito mas por si soacute natildeo fornece os criteacuterios
suficientes para noacutes estarmos seguros de agir com acerto Nenhuma
teoria pode ser tatildeo boa a ponto de nos evitar erros A gente depende
em uacuteltima anaacutelise da praacutetica ndash especialmente da praacutetica social ndash para
verificar o maior ou menor acerto do nosso trabalho com os conceitos
(e com as totalizaccedilotildees) (Konder 1988 p 43) (grifos do autor)
Nesse sentido a teoria nos auxilia subsidiando a formulaccedilatildeo de indicadores No
campo da totalidade dialeacutetico-dialoacutegica eacute importante prestar atenccedilatildeo ao ldquorecheiordquo de
cada siacutentese (op cit p 44) presente no singular monadoloacutegico no dizer de Benjamin
(1984) que traz os fragmentos e estilhaccedilos da totalidade Implica refletirmos sobre as
contradiccedilotildees e mediaccedilotildees concretas que a siacutentese encerra Isso se torna possiacutevel por
conta da unidade dialeacutetico-monista posta nas relaccedilotildees entre teoria-praacutetica e pensar-agir
As concepccedilotildees teoacutericas do Ciacuterculo de Bakhtin e de Vygotsky conforme explica
Freitas (1997) tecircm intersecccedilotildees em muitos aspectos Apesar de aquele ter se
preocupado com a construccedilatildeo de uma filosofia histoacuterica e social da linguagem e este ter
desenvolvido uma psicologia historicamente fundamentada os dois pensadores
formularam seus construtos teoacutericos a partir de uma visatildeo totalizante da realidade
fundada em uma compreensatildeo do humano como um conjunto de relaccedilotildees sociais
Segundo a autora os dois teoacutericos russos foram contraacuterios
agraves dicotomias presentes nas concepccedilotildees de linguagem e de psicologia
de seu tempo por oscilarem entre os poacutelos subjetivo e objetivo
arquitetaram suas teorias em um entrelaccedilamento entre sujeito e objeto
propondo uma siacutentese dialeacutetica imersa na cultura e na histoacuteria (Freitas
1997 p 316)
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 29
ILKA SCHAPPER SANTOS
Encontramos no Ciacuterculo Bakhtiniano e em Vygotsky uma concepccedilatildeo de
consciecircncia engendrada pelas relaccedilotildees que os seres humanos estabelecem nocom o
mundo tendo como eixo mediador a linguagem Nas duas perspectivas teoacutericas a
interaccedilatildeo com o outro atravessada pela linguagem tem um papel fundamental Isso
porque ldquosem ele (o outro) o homem natildeo mergulha no mundo siacutegnico natildeo penetra na
corrente da linguagem natildeo se desenvolve natildeo realiza aprendizagens natildeo ascende agraves
funccedilotildees psiacutequicas superiores natildeo forma a consciecircncia enfim natildeo se constitui como
sujeitordquo (ibid p 320)
Rojo (2000 p 2) assim como Freitas explica que a teoria da enunciaccedilatildeo
bakhtiniana funda-se em ldquouma boa elaboraccedilatildeo para as questotildees da linguagem e do
discurso crucialmente envolvidas na aprendizagemrdquo relacionando assim com a visatildeo
vygotskyana de que aquilo que eacute propriamente humano eacute constituiacutedo por meio das
relaccedilotildees interpessoais Dito de outro modo eacute no encontro com o outro nos discursos
alheios que constituiacutemos e internalizamos os nossos proacuteprios discursos
Encontramos tanto em Bakhtin e seu Ciacuterculo quanto em Vygotsky um
constante esforccedilo de compreensatildeo da tensatildeo dialeacutetico-ideoloacutegica que se funda na
relaccedilatildeo entre o eu e o outro por intermeacutedio da linguagem Ambos com diferentes
recortes destacaram o valor da palavra e da interaccedilatildeo com o outro no mundo na
formaccedilatildeo da consciecircncia humana
Tais relaccedilotildees como disse acima satildeo tecidas a partir de uma visatildeo de totalidade
circunscrita em uma realidade histoacuterica Vygotsky (19342004 p 149) ressalta isso
quando diz que a tarefa principal da psicologia dialeacutetica ldquoconsiste precisamente em
descobrir a conexatildeo significativa entre as partes e o todo em saber considerar o
processo psiacutequico em conexatildeo orgacircnica nos limites de um processo mais complexordquo Eacute
na perspectiva da totalidade que fazemos uma aproximaccedilatildeo entre Vygotsky Bakhtin e
tambeacutem Spinoza
As incursotildees teoacutericas de Spinoza nesta investigaccedilatildeo e no GP EFoPI estatildeo
relacionadas aos diaacutelogos tecidos com o GP LACE no interior de um projeto
interinstitucional como disse anteriormente que busca nas construccedilotildees teoacutericas
spinozanas reforccedilar a ideia de um trabalho sob a eacutegide da totalidade A gecircnese dessa
busca no grupo de pesquisa se deu pela reincidecircncia das citaccedilotildees de Spinoza na obra
de Vygotsky em especial a afirmativa no prefaacutecio de seu livro Psicologia da Arte ldquomeu
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pensamento constitui-se sob o signo das palavras de Spinozardquo (Vygotsky 19342000)
O vieacutes spinozano amplia o quadro de entendimento na praacutetica de pesquisa da noccedilatildeo de
totalidade a partir de seu tratado sobre a Eacutetica (Spinoza 1677)
Assim este capiacutetulo teoacuterico em siacutentese possibilita nas malhas das discussotildees
elaboradas por Bakhtin Vygotsky e Spinoza a reflexatildeo da totalidade na praacutetica de
pesquisa do GP EFoPI em especial as reflexotildees sobre o brincar nas creches com
crianccedilas de 2 e 3 anos de idade Isso indica que este trabalho trata de forma monista a
relaccedilatildeo entre teoria e praacutetica na busca de uma praacutexis revolucionaacuteria
Na proacutexima seccedilatildeo abordo as categorias teoacutericas a partir do movimento da CC
Isso porque eacute no seu movimento que o leitor poderaacute compreender o princiacutepio norteador
da praacutetica de pesquisa dos GP LACE e GP EFoPI bem como desta investigaccedilatildeo
11 ndash O movimento da Cadeia Criativa linguagem e produccedilatildeo de conhecimento
Esta seccedilatildeo estaacute centrada na compreensatildeo criacutetica da produccedilatildeo e
compartilhamento dos significados dos integrantes do GP EFoPI Para isso
entrecruzarei os conceitos bakhtinianos vygotskyanos e spinozanos para
compreendermos o movimento da Cadeia Criativa (CC) na produccedilatildeo de conhecimentos
dos participantes do grupo de pesquisa
O sintagma Cadeia Criativa (CC) criado por Liberali (2009) diz de um processo
que tem sua gecircnese na indissociabilidade entre teoria e praacutetica com ecircnfase ldquona vida que
se viverdquo (Marx amp Engels 1945-1946) implica ldquoesforccedilos em parceria em uma atividade
produzindo significados que seratildeo posteriormente compartilhados com novos
parceiros atraveacutes dos sentidos (Vygotsky 1934) que aqueles os trazem para uma nova
atividaderdquo (Liberali 2009 p 102) Assim novos significados podem ser criativamente
produzidos carregando alguns aspectos dos sentidos compartilhados na primeira
atividade Da mesma forma alguns dos parceiros da segunda atividade quando
envolvidos em uma terceira vivenciam o mesmo processo formando uma Cadeia
Criativa (ibid)
A expressatildeo ldquocadeiardquo explica Liberali (informaccedilatildeo verbal)5 natildeo deve ser
relacionada a um significado pejorativo mas como um conjunto de fatos ou fenocircmenos
5 Explicaccedilatildeo dada por Liberali em exposiccedilatildeo oral em 2009
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linguiacutestico-discursivos que ocorrem sucessivamente no tempo-espaccedilo demarcados
historicamente pelos parceiros em interaccedilatildeo social Dito de outro modo a CC
considera por exemplo que dadas ldquoas atividades (a) (b) e (c) no tempo a atividade
(b) pode criar significados novos para os sentidos levados de volta (no tempo) para a
atividade (a) e para outra atividade da rede (c)rdquo (Fuga 2009 p 47)
A CC estaacute fundada na perspectiva SHC e sob a oacutetica da totalidade constituindo-
se em uma categoria teoacuterico-metodoloacutegica que traz a unidade dialeacutetica dos conceitos
bakhtinianos vygotskyanos e spinozanos O processo da CC possibilita pensar que o ser
humano constitui sua consciecircncia nas relaccedilotildees sociais que se concretizam no
movimento dialeacutetico entre as pessoas do discurso ldquoeurdquo ldquoturdquo ldquonoacutesrdquo Nesse movimento
das ldquopessoas do discursordquo o compartilhamento de sentidos possibilita a produccedilatildeo de
significados temporariamente estaacuteveis para um determinado grupo social isto eacute
possibilita alcanccedilar em um dado momento histoacuterico as ideias adequadas
Vejamos entatildeo como os conceitos de Bakhtin Vygotsky e Spinoza se articulam
no movimento da cadeia criativa
111 ndash A Cadeia Criativa entre o compartilhamento de sentidos e de significados
Ao contraacuterio do que em geral se crecirc sentido e
significado nunca foram a mesma coisa o
significado fica-se logo por aiacute eacute direto literal
expliacutecito fechado em si mesmo uniacutevoco por assim
dizer ao passo que o sentido natildeo eacute capaz de
permanecer quieto fervilha de sentidos segundos
terceiros e quartos de direccedilotildees irradiantes que se
vatildeo dividindo em ramos e ramilhos ateacute se perderem
de vista o sentido de cada palavra parece-se com
uma estrela quando se potildee a projetar mareacutes vivas
pelo espaccedilo fora ventos coacutesmicos perturbaccedilotildees
magneacuteticas afliccedilotildees
(Joseacute Saramago)
- Mamatildee o que significa significar
Joatildeo Pedro (5 anos)
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Para Stam (1992) as discussotildees sobre a linguagem se constituem como um
campo importante do pensamento contemporacircneo configurando-se como objeto de
estudo de diferentes pensadores Bakhtin e Vygotsky inserem-se nesse cenaacuterio
contemporacircneo e de maneira distinta mas partindo da mesma raiz teoacuterica elaboram
uma teoria sobre o papel dos signos na constituiccedilatildeo da consciecircncia do sujeito
A questatildeo central da perspectiva soacutecio-histoacuterico-cultural eacute a concepccedilatildeo de
linguagem como uma construccedilatildeo que se processa no campo da intersubjetividade nas
relaccedilotildees ldquointerrdquo sujeitos marcadas pelas contradiccedilotildees sociais e pelos diferentes lugares
que estes ocupam na esfera social
Na epiacutegrafe desta seccedilatildeo aproprio-me da poeacutetica de Saramago do livro intitulado
Todos os Nomes para iniciar a discussatildeo Saramago no texto literaacuterio nos possibilita
pensar sentido e significado de uma maneira similar agrave discussatildeo teoacuterica de Bakhtin e
Vygotsky Para o poeta portuguecircs o significado eacute algo ldquofechado em si mesmo
uniacutevocordquo jaacute o sentido ldquofervilha de sentidos segundos terceiros e quartos de direccedilotildees
irradiantes que se vatildeo dividindo em ramos e ramilhosrdquo Eacute com este fragmento literaacuterio
e com a inquietaccedilatildeo de uma crianccedila de 5 anos (que tambeacutem se faz nossa) que comeccedilarei
a discorrer sobre o binocircmio sentido-significado
- O que significa significar
Para BakhtinVolochinov (1988) o problema da significaccedilatildeo eacute um dos mais
complexos da linguiacutestica Segundo os autores as buscas de resoluccedilatildeo dessa questatildeo tecircm
mostrado o estreito monoacutelogo da ciecircncia linguiacutestica que estaacute alicerccedilada sobre uma
compreensatildeo passiva da significaccedilatildeo
Para auxiliar na soluccedilatildeo desse debate os teoacutericos russos fazem uma distinccedilatildeo
entre significado (significaccedilatildeo) e sentido (tema) Este seria individual e natildeo reiteraacutevel
assim como a proacutepria enunciaccedilatildeo Jaacute aquele estaacute fundado sobre uma convenccedilatildeo
reiteraacutevel e idecircntica natildeo tendo uma existecircncia concreta e independente A significaccedilatildeo eacute
ldquoum estaacutegio inferior da capacidade de significar e o tema um estaacutegio superior da
mesma capacidade A significaccedilatildeo existe como potencial de construir sentido proacutepria
dos signos linguiacutesticos e das formas gramaticais da liacutenguardquo (Cereja 2005 p 202)
Assim natildeo diz nada em si mesma ela eacute apenas uma ldquopotecircnciardquo uma possibilidade
BakhtinVolochinov (1988 p 129) explicam que diferente da significaccedilatildeo o
sentido da enunciaccedilatildeo eacute concreto similar ao instante histoacuterico ao qual pertence posto
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que ldquosomente a enunciaccedilatildeo tomada em toda a sua amplitude concreta como fenocircmeno
histoacuterico possui um tema isto eacute o que se entende por tema da enunciaccedilatildeordquo
Assim o sentido eacute determinado natildeo apenas pelas formas linguiacutesticas (as
palavras as formas morfoloacutegicas e sintaacuteticas os sons as entonaccedilotildees) como ocorre na
significaccedilatildeo mas tambeacutem pelos elementos extraverbais da cena discursiva
Eacute no processo da compreensatildeo ativa6 que podemos entender a distinccedilatildeo entre
sentido e significaccedilatildeo jaacute que esta compreensatildeo eacute uma forma de diaacutelogo que possibilita
ao locutor-ouvinte espaccedilos de oposiccedilatildeo na contrapalavra na reacuteplica
Vimos ateacute agora os aspectos que distinguem significaccedilatildeo e sentido mas assim
como Bakhtin fiz isso como recurso didaacutetico do texto para a explanaccedilatildeo Pois em uma
perspectiva monista sentido e significado formam um binocircmio indissociaacutevel Os
sujeitos na interaccedilatildeo trazem as marcas de interaccedilotildees anteriores com diferentes
comunidades semioacuteticas que por sua vez jaacute alteraram os sentidos das palavras que
vinham construindo Essa alteraccedilatildeo pela qual passa a palavra se na comunidade
semioacutetica criar certa estabilidade pode ficar em um espaccedilo inferior da capacidade de
significar e atingir o status de significaccedilatildeo Nesse movimento paradoxalmente a
palavra volta a se desestabilizar agrave medida que entra no fluxo da enunciaccedilatildeo concreta
trazendo as marcas do signo ideoloacutegico e voltando ao status de tema (sentido) da
enunciaccedilatildeo
Eacute no interior da comunidade semioacutetica que o signo linguiacutestico e por
conseguinte a indissociabilidade entre sentido e significado pode ser compreendida
pois o signo reflete e refrata a realidade e muitas outras No lugar onde o signo se
encontra se materializa encontra-se tambeacutem a ideologia pois ldquotudo que eacute ideoloacutegico
possui um valor semioacutetico () cada signo ideoloacutegico eacute natildeo apenas um reflexo uma
sombra da realidade mas tambeacutem um fragmento material dessa realidaderdquo
(BakhtinVolochinov 1988 p 32-33)
6 Segundo BakhtinVolochinov (1988 p 132) ldquoqualquer tipo de compreensatildeo deve ser ativo deve conter
jaacute o germe de uma resposta Soacute a compreensatildeo ativa nos permite apreender o tema pois a evoluccedilatildeo natildeo
pode ser apreendida senatildeo com a ajuda de um outro processo evolutivo Compreender a enunciaccedilatildeo de
outrem significa orientar-se em relaccedilatildeo a ela encontrar o seu lugar adequado no contexto correspondente
A cada palavra da enunciaccedilatildeo que estamos em processo de compreender fazemos corresponder uma seacuterie
de palavras nossas formando uma reacuteplica Quanto mais numerosas e substanciais forem mais profunda e
real eacute a nossa compreensatildeordquo
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 34
ILKA SCHAPPER SANTOS
Para compreendermos melhor essa discussatildeo utilizarei um fragmento de uma das
sessotildees reflexivas realizadas no GP EFoPI com as educadoras das creches
Teresa7 Teve um tempo que a gente ateacute era chamada
crecheira assim quanto tempo jaacute mudou o termo Agora
eacute recreadora educadora e tem pessoas que falam ldquoVocecirc
trabalha laacute Ah Vocecirc eacute crecheira Vocecirc toma conta de
crianccedila o dia inteirordquo A gente sempre escuta isso
(Sessatildeo reflexiva ndeg1 ndash 07082006)
No dicionaacuterio Houaiss o verbete crecheiro (a) eacute relativo a ou o que trabalha em
creche (creche+eiro) O significado dicionarizado da palavra natildeo eacute diferente
aparentemente do sentido da enunciaccedilatildeo que indaga ldquovocecirc trabalha laacute Ah vocecirc eacute
crecheirardquo mas na comunidade semioacutetica dessas educadoras a adjetivaccedilatildeo presente
no sufixo ldquo-eirordquo traz a marca pejorativa para aquele que trabalha na creche Isso
porque no interior dessa enunciaccedilatildeo haacute a desvalorizaccedilatildeo e o natildeo reconhecimento
profissional das educadoras por parte da sociedade uma vez que na instituiccedilatildeo natildeo satildeo
reconhecidas como profissionais que cuidam e educam e sim como crecheiras que
ldquotomam conta de crianccedilardquo Aleacutem disso natildeo haacute poliacuteticas puacuteblicas de valorizaccedilatildeo
profissional em consonacircncia com as necessidades das educadoras das crianccedilas e das
instituiccedilotildees de Educaccedilatildeo Infantil A contrataccedilatildeo dos educadores das creches
investigadas havia sido feita pelo oacutergatildeo de assistecircncia (AMAC)8 atraveacutes de seleccedilatildeo
com exigecircncia de no miacutenimo niacutevel meacutedio de formaccedilatildeo Caso fossem aprovadas as
funcionaacuterias das creches eram contratadas como recreadoras para o berccedilaacuterio e crianccedilas
de ateacute 2 anos Jaacute para crianccedilas de 3 anos a denominaccedilatildeo no contrato eacute de educadora
social havendo uma diferenccedila na remuneraccedilatildeo salarial para uma jornada diaacuteria de 8
horas de trabalho com aproximadamente quinze crianccedilas
Ao contraacuterio do que ocorre com as profissionais das creches as educadoras da
preacute-escola do municiacutepio de Juiz de Fora que trabalham com crianccedilas de 4 e 5 anos
recebem maior salaacuterio uma jornada de trabalho de 15 horas semanais atenccedilatildeo e
respeito uma vez que lhes satildeo atribuiacutedas as tarefas de educar e cuidar Elas satildeo
consideradas professoras recebendo maior reconhecimento por parte da sociedade
7 Os nomes das educadoras satildeo fictiacutecios
8 Atualmente a partir de 2009 estaacute sendo realizada a transiccedilatildeo das creches do oacutergatildeo de assistecircncia para a
Secretaria de Educaccedilatildeo do Municiacutepio de Juiz de Fora
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ILKA SCHAPPER SANTOS
Diante do exposto podemos inferir que o sentido da enunciaccedilatildeo crecheira eacute
determinado pelos elementos extraverbais do instante histoacuterico ao qual pertence Esses
elementos se materializam na luta dos profissionais da creche para emergirem desse
contexto de indefiniccedilotildees no qual se encontram em especial os profissionais que
trabalham com a infacircncia de 0 a 3 anos
Vygotsky tambeacutem se preocupou em resolver o problema da significaccedilatildeo Mas
diferente de Bakhtin que tinha como objeto de anaacutelise a linguagem travando uma luta
teoacuterica com a linguiacutestica de seu tempo Vygotsky tambeacutem numa perspectiva soacutecio-
histoacuterica e cultural buscou formular uma psicologia historicamente fundamentada
tecendo um debate com as teorias psicoloacutegicas de sua eacutepoca Para alcanccedilar seus
objetivos os autores russos buscaram o meacutetodo dialeacutetico pautado nas construccedilotildees
teoacutericas de Karl Marx e Frederic Engels
Apesar da similaridade dos conceitos de sentido e significado nas perspectivas
teoacutericas de Bakhtin e Vygotsky como disse anteriormente este se fundamenta nos
construtos teoacutericos da Psicologia9 para explicar como se processa a relaccedilatildeo do homem
com o mundo em constantes transformaccedilotildees e mudanccedilas
Vygotsky explica que o significado eacute um fenocircmeno da fala e do pensamento Da
fala porque a palavra sem significado eacute meramente um som vazio e do pensamento
porque o significado de cada palavra eacute um conceito uma generalizaccedilatildeo que materializa
os atos do pensamento Desse modo como sintetiza Freitas (1997 p 323) ldquoo
significado da palavra eacute a chave da compreensatildeo dialeacutetica entre pensamento e
linguagemrdquo Nesse sentido a linguagem natildeo eacute apenas uma materializaccedilatildeo do
pensamento pois o ldquopensamento natildeo eacute simplesmente expresso em palavras eacute por meio
delas que ele passa a existirrdquo (Vygotsky 19341993 p 108)
O significado na perspectiva vygotskyana eacute uma generalizaccedilatildeo um conceito que
caracteriza um fenocircmeno do pensamento e ao mesmo tempo um fenocircmeno da fala da
linguagem Tanto a fala interfere no pensamento quanto este na linguagem verbal
A evoluccedilatildeo do significado da palavra possibilita ao sujeito soacutecio-histoacuterico-
cultural o desenvolvimento do conceito entendido como um sistema de generalizaccedilotildees
expresso nas palavras que se modificam ao longo das vivecircncias e experiecircncias do
9 Para sistematizar uma Psicologia Marxista Vygotsky se opocircs agraves principais correntes que dicotomizaram
a relaccedilatildeo entre pensamento e linguagem
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sujeito da linguagem Essas transformaccedilotildees e mudanccedilas na vida do homem promovem
as transformaccedilotildees ldquointerrdquo consciecircncias e por conseguinte mudanccedila na capacidade de
significar
O sentido para Vygotsky (19341993 p 125) pode ser assim explicado como
a soma de todos os eventos psicoloacutegicos que a palavra desperta em
nossa consciecircncia Eacute um todo complexo fluido e dinacircmico que tem
vaacuterias zonas de estabilidade desigual O significado eacute apenas uma das
zonas do sentido a mais estaacutevel e precisa Uma palavra adquire o seu
sentido no contexto em que surge em contextos diferentes altera o
sentido O significado permanece estaacutevel ao longo de todas as
alteraccedilotildees do sentido O significado dicionarizado de uma palavra
nada mais eacute do que uma pedra no edifiacutecio do sentido natildeo passa de
uma potencialidade que se realiza de formas diversas na fala
Eacute interessante refletir como o sentido permite vislumbrar a dinamicidade o
movimento da linguagem pois possibilita que vejamos o reverso da significaccedilatildeo ou
seja seu caraacuteter dinacircmico complexo e instaacutevel Eacute sob a eacutegide dos sentidos que os
significados deixam de ser tatildeo-somente zonas estaacuteveis jaacute que os sentidos datildeo
dinamicidade ao significado das palavras
Na perspectiva vygotskyana o significado foi demarcado como sendo o proacuteprio
signo e o sentido eacute mais amplo Aquele eacute convencional e dicionarizado portanto mais
preciso e estaacutevel Este ldquoeacute um fenocircmeno complexo moacutevel que muda constantemente ateacute
certo ponto em conformidade com as consciecircncias isoladas para uma mesma
consciecircnciardquo (Vygotsky 19342001 p 466)
Como disse no iniacutecio desta seccedilatildeo sentido e significado satildeo dois movimentos
indissociaacuteveis pois
os significados satildeo produccedilotildees histoacutericas e sociais Satildeo eles que
permitem a comunicaccedilatildeo a socializaccedilatildeo de nossas experiecircncias
Muito embora sejam estaacuteveis ldquodicionarizadosrdquo eles tambeacutem se
transformam no movimento histoacuterico momento em que sua natureza
interior se modifica alterando em consequecircncia a relaccedilatildeo que
mantecircm com o pensamento entendido como processo Os significados
referem-se assim aos conteuacutedos instituiacutedos mais fixos
compartilhados que satildeo apropriados pelos sujeitos a partir de suas
proacuteprias subjetividades (Aguiar amp Ozella 2006 p 226)
Em siacutentese eacute no interior desse movimento da significaccedilatildeo que dialeticamente
os sentidos vatildeo se constituindo pois se aproximam mais da subjetividade do sujeito
criando zonas de sentido que desestabilizam a significaccedilatildeo Essa desestabilizaccedilatildeo posta
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 37
ILKA SCHAPPER SANTOS
nos muacuteltiplos movimentos do significado que constituem os diversos sentidos
possibilita a uma determinada comunidade semioacutetica alcanccedilar novamente um
significado mais ou menos estaacutevel Isso porque segundo Vygotsky (19342001 p 465-
466)
esse enriquecimento das palavras que o sentido lhes confere a partir
do contexto eacute a lei fundamental da dinacircmica do significado das
palavras A palavra incorpora absorve de todo o contexto com que
estaacute entrelaccedilada os conteuacutedos intelectuais e afetivos e comeccedila a
significar mais e menos do que conteacutem o seu significado quando a
tomamos isoladamente e fora do contexto mais porque o ciacuterculo dos
seus significados se amplia adquirindo adicionalmente toda uma
variedade de zonas preenchidas por um novo conteuacutedo menos porque
o significado abstrato da palavra se limita e se restringe agravequilo que ela
significa apenas em um determinado contexto
Feitas as discussotildees teoacutericas do binocircmio sentido-significado para Vygotsky e
tema-significaccedilatildeo para Bakhtin passemos agora para a discussatildeo dessas categorias
teoacutericas no movimento da CC
Liberali (2009) para explicar o compartilhamento de sentidos e significados na
produccedilatildeo de significados na CC tece uma aproximaccedilatildeo entre tema e significaccedilatildeo para
Bakhtin e sentido e significado para Vygotsky assim como busquei fazer na discussatildeo
acima A autora explica que em russo as palavras ldquosmyslrdquo e ldquoznachnierdquo satildeo usadas por
ambos os autores O verbete russo ldquoznachnierdquo traduzido para o inglecircs como ldquomeaningrdquo
eacute usado nas elaboraccedilotildees teoacutericas de Bakhtin e Vygotsky para discorrerem sobre os
elementos de generalizaccedilatildeo de uma palavra A distinccedilatildeo soacute existe no portuguecircs em que
ldquoznachnierdquo eacute entendido como ldquosignificadordquo e ldquosignificaccedilatildeordquo para Vygotsky e
BakhtinVolochinov respectivamente Jaacute ldquosmyslrdquo que foi traduzida para o inglecircs como
ldquosenserdquo nos escritos de Vygotsky em portuguecircs foi entendida como ldquosentidordquo a
traduccedilatildeo do termo ldquosmyslrdquo para Bakhtin ficou como ldquothemerdquo em inglecircs e no portuguecircs
ldquotemardquo
Eacute interessante notar que ldquoznachnierdquo e ldquosmyslrdquo satildeo verbetes utilizados pelos dois
teoacutericos russos Aquele eacute usado tanto por Bakhtin como por Vygotsky para discutir os
elementos de generalizaccedilatildeo historicamente estabelecidos por uma palavra e este
expressa a subjetividade do indiviacuteduo
Na realidade histoacuterica ldquosmyslrdquo eacute ldquopotencialmente infinito e soacute se atualiza no
contato com outro sentidordquo (Bakhtin 1997 p 386) posto de outro modo o sentido natildeo
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 38
ILKA SCHAPPER SANTOS
existe nem se ressignifica de forma isolada sua potencialidade infinita adveacutem do
encontro entre sentidos que formam elos na cadeia Esses elos se renovam
dialogicamente por meio da interaccedilatildeo verbal e tornam a cadeia tambeacutem potencialmente
infinita
A discussatildeo dos conceitos ldquosmyslrdquo e ldquoznachnierdquo auxilia a pensar a questatildeo das
relaccedilotildees dialoacutegicas entre os sujeitos gerando algo mais estaacutevel que os aproxima
ldquoZnachnierdquo pode natildeo ser ldquopotencialmente infinitardquo nem abrigar a amplitude de ldquosmyslrdquo
entretanto para encontrar os pontos em comum que tornam o significado partilhaacutevel na
interaccedilatildeo verbal o ser humano precisa assumir alguns pontos dos sentidos e excluir
outros para em um movimento dialeacutetico-dialoacutegico realizar algo em comum (Liberali e
Fuga 2007)
Liberali em seu texto intitulado ldquoCreative Chain in the Process of Becoming a
Totalityrdquo10
afirma que na CC o ser humano criativo atraveacutes de seu trabalho e
experiecircncia subjetiva amplia os sentidos de um objeto palavra ou siacutembolo trazendo
um novo sentido para o significado social do fenocircmeno Posto de outro modo o sujeito
cria novas relaccedilotildees entre o significado e o sentido do fenocircmeno Na gecircnese desse
movimento estaacute a possibilidade de transformaccedilatildeo no interior da vida social
No entanto a instauraccedilatildeo do novo sentido soacute eacute possiacutevel quando existe o
compartilhamento de ldquosmyslrdquo o que possibilita a evoluccedilatildeo de significados em uma dada
comunidade semioacutetica Esse movimento promove a transformaccedilatildeo do sujeito do outro
do contexto social imediato e do conhecimento Sob essa oacutetica de transformaccedilatildeo das
relaccedilotildees (inter)sujeitos podemos pensar a produccedilatildeo do conhecimento humano a partir da
luta discursivo-ideoloacutegica entre significados cristalizados e sentidos subjetivos
Essa discussatildeo dos conceitos de sentido e significado numa perspectiva soacutecio-
histoacuterico-cultural vai ao encontro de uma modalidade de pesquisa criacutetico-colaborativa
pois possibilita compreender como se processa o compartilhamento de sentidos na
formulaccedilatildeo de novos significados mais ou menos estaacuteveis para a comunidade semioacutetica
(no nosso caso o grupo de pesquisa EFoPI) em que as intervenccedilotildees do grupo de
pesquisa se materializam em atividades historicamente concretas na esfera da educaccedilatildeo
infantil em especial na crianccedila de 2 e 3 anos de idade Por conta disso o planejamento
da pesquisa colaborativa eacute sistematizado a partir do diaacutelogo com os participantes da
10 Traduccedilatildeo A Cadeia Criativa no Processo de Tornar-se Totalidade
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 39
ILKA SCHAPPER SANTOS
investigaccedilatildeo Nessa perspectiva os participantes ao desvelarem e compartilharem seus
sentidos auxiliam na construccedilatildeo e ampliaccedilatildeo de significados que se tornam mais ou
menos estaacuteveis para o grupo e paradoxalmente ao serem novamente partilhados criam
outros sentidos singulares para cada membro que vivencia a intervenccedilatildeo escapando aos
tradicionalmente determinados
O desafio desta tese eacute buscar apreender os sentidos e compreender criticamente
como os significados foram se estabilizando nos espaccedilos discursivos travados entre os
professores pesquisadores e seus interlocutores na praacutetica de pesquisa para entender
como ocorre a produccedilatildeo de conhecimento sobre o brincar no processo de investigaccedilatildeo
No Ciacuterculo de Bakhtin ldquosmyslrdquo pode ser compreendido tambeacutem como ldquouma
reaccedilatildeo da consciecircncia em devir ao ser em devirrdquo (BakhtinVolochinov 1988 p 129)
Isso vai ao encontro de uma citaccedilatildeo de Vygotsky para quem a ldquocooperaccedilatildeo entre
consciecircnciasrdquo eacute uma instacircncia que possibilita a transformaccedilatildeo de ldquoznachnierdquo (Vygotsky
2004 p 187)
Essa instacircncia da ldquoconsciecircncia em devir ao ser em devirrdquo e o espaccedilo de
ldquocooperaccedilatildeo entre consciecircnciasrdquo eacute um movimento dialoacutegico-dialeacutetico que nos remete
neste trabalho ao conceito vygotskyano de Zona Proximal de Desenvolvimento a ZPD
instacircncia instauradora da produccedilatildeo do conhecimento
Passemos entatildeo no proacuteximo toacutepico deste capiacutetulo para a discussatildeo de ZPD no
movimento da CC
112 ndash A Cadeia Criativa e a ZPD interregno de conflitos tensotildees e possibilidades
na produccedilatildeo de conhecimento
Dois meninos de dois anos brincavam no paacutetio da
creche em um brinquedo grande de plaacutestico em
forma de castelo No brinquedo havia uma escada
que dava acesso a um platocirc onde havia um
escorregador Um dos meninos que estava no alto
chamou - ldquoVem soberdquo Ao que outro respondeu
ldquoEu natildeo seirdquo O menino insistiu -ldquosoberdquo O menino
que estava embaixo pediu ajuda para a professora
ela se aproximou e estimulou a crianccedila atraveacutes da
fala a superar o obstaacuteculo da subida Apoacutes o
encontro dentro do castelo escorregaram e voltaram
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 40
ILKA SCHAPPER SANTOS
imediatamente para a escada para subir novamente
A cena se repete -ldquoVem soberdquo - ldquoEu natildeo seirdquo -
ldquoMas vocecirc jaacute subiu Vocecirc sabe simrdquo O menino vai
entatildeo refazendo o caminho anterior pondo a matildeo
equilibrando o corpo ateacute chegar ao ponto onde
alcanccedila a outra crianccedila que lhe estende a matildeo e o
ajuda (narrativa de um dos participantes da
pesquisa do GP EFoPI no encontro com as
coordenadoras das 23 creches ndash 03 de junho de
2009)
Em seu texto inaugural ldquoInteraccedilatildeo entre aprendizado e desenvolvimentordquo
publicado no livro A Formaccedilatildeo Social da Mente Vygotsky tece criacuteticas significativas agrave
Psicologia do seu tempo em especial no que concerne agrave diacuteade
desenvolvimentoaprendizado Ao lado disso propotildee uma nova categoria teoacutericopraacutetica
para estudar esse binocircmio a Zona Proximal de Desenvolvimento (ZPD) O autor
explica nesse trabalho que a zona de desenvolvimento proximal eacute a distacircncia entre o
niacutevel de desenvolvimento real que seria determinado pela soluccedilatildeo independente de
problemas e o niacutevel de desenvolvimento potencial determinado pela capacidade do
sujeito em resolver problemas com o auxiacutelio do outro (Vygotsky 19301991 p 91)
O autor expotildee que a ZPD eacute um instrumento atraveacutes do qual psicoacutelogos e
educadores podem compreender o curso interno do desenvolvimento humano Diz
ainda que esse meacutetodo possibilita natildeo soacute entender os ciclos e processos de maturaccedilatildeo jaacute
completados como tambeacutem os processos que estatildeo em estado de formaccedilatildeo que estatildeo
comeccedilando a amadurecer e a se desenvolver (ibid p 97-98) Essa abertura em
considerar natildeo soacute os processos de maturaccedilatildeo jaacute completados mas tambeacutem os processos
que estatildeo em formaccedilatildeo em devir mediante a interaccedilatildeo com o outro funda a categoria
ZPD como um instrumento de intervenccedilatildeo revolucionaacuterio
No campo acadecircmico e no processo educativo essa discussatildeo sobre ZPD e sua
relaccedilatildeo com o aprendizado teve por parte de muitos pesquisadores e educadores uma
apropriaccedilatildeo dualista Tal apropriaccedilatildeo (mais literal) manteve a ecircnfase ldquona diferenccedila entre
o que se pode fazer bdquocom outros‟ e o que se pode fazer bdquosozinho‟ ndash como instrumento
para a compreensatildeo de processos mentais individuaisrdquo (Magalhatildees 2009 p 57) e na
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 41
ILKA SCHAPPER SANTOS
internalizaccedilatildeo11
do conhecimento com a colaboraccedilatildeo do outro mais experiente
Magalhatildees afirma que essa compreensatildeo como discutem Holzman (1997 2002) John-
Steiner Weber e Minis (1998) e Jantzen (2005) vai ao encontro de toda discussatildeo do
meacutetodo dialeacutetico vygotskyano que ldquoeacute ao mesmo tempo preacute-requisito e produto o
instrumento e o resultado do estudordquo (Vygotsky 19301991 p 74)
Como dito acima a apropriaccedilatildeo do conceito de ZPD no contexto de pesquisa e
no contexto escolar foi feita de forma dualista O foco estava em identificar espaccedilos de
interaccedilatildeo em que as crianccedilas pudessem aprender mediante a ajuda com a colaboraccedilatildeo
de algueacutem mais experiente Essa dicotomia fez com que muitos profissionais da
educaccedilatildeo ficassem preocupados em promover espaccedilos de aprendizagens em que aqueles
mais capazes auxiliassem os julgados menos capazes A ecircnfase continuava no
indiviacuteduo O outro par mais experiente criaria ZPDs para que os menos experientes
pudessem atingir uma reflexatildeo mais elevada sobre a natureza mais abstrata das coisas
(Bruner 1986)
Eacute esse ponto que nos interessa analisar
O excerto que utilizei como epiacutegrafe para iniciar esta seccedilatildeo seraacute nosso
companheiro de viagem nas palavras de Sartre para ilustrar a maneira como dialogarei
com o leitor sobre o conceito de ZPD no movimento da CC bem como suas
implicaccedilotildees na praacutetica de pesquisa
Na cena narrada as falas ldquo-Vem soberdquo -ldquoEu natildeo seirdquo - ldquoMas vocecirc jaacute subiu
Vocecirc sabe simrdquo ilustram como o auxiacutelio do outro em uma relaccedilatildeo colaborativa
possibilita a realizaccedilatildeo da atividade O problema eacute que tradicionalmente o foco se
manteve na busca de superaccedilatildeo das dificuldades do sujeito considerado menos capaz O
presumido eacute que o companheiro mais experiente influencia com seu ponto vista o
menos experiente levando-o agrave internalizaccedilatildeo de conhecimentos de que antes natildeo
dispunha
Chamo atenccedilatildeo para a dicotomizaccedilatildeo no interior da discussatildeo de ZPD
relacionada agrave aprendizagem escolar O que nos instiga pensar eacute o reverso da moeda se
estamos tratando de aprendizagem colaborativa se consideramos que as accedilotildees dos
11 Vygotsky (19301991 p 63) nomeia de internalizaccedilatildeo a reconstruccedilatildeo interna de uma operaccedilatildeo externa
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 42
ILKA SCHAPPER SANTOS
indiviacuteduos satildeo instigadas pelas accedilotildees do outro e produzidas socialmente por que aquele
que eacute dito como mais capaz e mais experiente fica agrave margem do processo
Esse dualismo em considerar que no processo de colaboraccedilatildeo o par mais
experiente seraacute o mediador entre a passagem do niacutevel de desenvolvimento potencial
para o desenvolvimento real simplifica sobremaneira a relaccedilatildeo aprendizado-
desenvolvimento o que natildeo faz jus agrave proposta de Vygotsky Pois ao discutir a
internalizaccedilatildeo das funccedilotildees psicoloacutegicas superiores o autor russo explica que ldquoo
desenvolvimento se daacute natildeo em ciacuterculo mas em espiral passando por um mesmo ponto
a cada nova resoluccedilatildeo enquanto avanccedila para um niacutevel superiorrdquo (Vygotsky
19301991 p 62) Com essa explanaccedilatildeo ele nos possibilita pensar a existecircncia de
conflitos tensotildees na ZPD Assim a demarcaccedilatildeo de que o par mais experiente ldquopuxardquo o
aprendizado do outro eacute unilateral natildeo trazendo o movimento de transformaccedilotildees e
mudanccedilas ocorridas no companheiro tido como mais capaz O desenvolvimento em
espiral em que o sujeito passa por um mesmo ponto a cada nova resoluccedilatildeo eacute um
movimento dialeacutetico Assim em cada espaccedilo de interaccedilatildeo vivenciamos transformaccedilotildees
e mudanccedilas independentemente de na cena enunciativa sermos considerados mais ou
menos experientes
No GP LACE e GP EFoPI trabalhamos com a concepccedilatildeo de que a ZPD eacute uma
zona de conflito de tensatildeo um espaccedilo de produccedilatildeo de conhecimento A interlocuccedilatildeo
com os educadores sociais e as coordenadoras das creches no caso do GP EFoPI e deste
trabalho de tese transita na unidade dialeacutetica teoria-praacutetica buscando superar o fosso
entre saber-pensar e fazer-agir materializado entre o dito e o feito O desenvolvimento e
aprendizado dos participantes se concretizam em ZPDs em que o status de mais
experiente natildeo estaacute fixado em um participante mas no processo coletivo de produccedilatildeo do
conhecimento mediado pela linguagem
No interior do processo de pesquisa os participantes criam espaccedilos de
aprendizagem e reflexatildeo sobrena accedilatildeo significativa A preocupaccedilatildeo dos pesquisadores
do EFoPI natildeo eacute em atuar no intervalo entre aquilo que os professores educadores e
pesquisadores externos eram e aquilo que eles se tornaram (ou tornaratildeo) mediante a
colaboraccedilatildeo do grupo de pesquisa com as questotildees levantadas no processo criacutetico
reflexivo Os investigadores buscam criar espaccedilos discursivos em que a linguagem eacute
entendida como um produto da atividade humana coletiva constituindo-se portanto
ldquolugar de interaccedilatildeo mateacuteria e instrumento do trabalho em que sujeitos e linguagem se
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 43
ILKA SCHAPPER SANTOS
constituem produzindo sentidos que se inscrevem no processo discursivo de cada
formaccedilatildeo histoacuterico-socialrdquo (Barreto 2002 p 18) Nesse sentido o elemento mediador
natildeo se fixa nos sujeitos que podem propiciar aprendizados mas na mediaccedilatildeo constituiacuteda
por praacuteticas de linguagem discursivo-simboacutelicas nas relaccedilotildees entre todos os sujeitos
Nesse movimento as tensotildees conflitos confrontos e possibilidades entre os
saberes escolares e os saberes do grupo de pesquisa satildeo elementos de transformaccedilotildees e
mudanccedilas tanto para os professores que participaram da pesquisa quanto para os
pesquisadores Assim a ZPD se constitui um espaccedilo de compartilhamento de sentidos
na produccedilatildeo de novos significados transformando-se em ldquopalco para batalhas
ideoloacutegicasrdquo (Bernstein 19931998 p 14)
A ZPD no movimento da CC se institui como instacircncia de possibilidades de
uma aprendizagem conduzindo o desenvolvimento (Newman e Holzman 19932002)
Essa instacircncia na siacutentese do vir-a-ser eacute palco de produccedilatildeo e transformaccedilatildeo do
conhecimento do ser humano no interior da coletividade porque em um contexto
colaborativo a ZPD inaugura um espaccedilo em que os participantes tecircm a possibilidade de
tornar seus processos mentais mais claros podendo demonstrar e explicar esses
processos no fluxo da interaccedilatildeo verbal Isso cria para os outros participantes
possibilidades de questionar expandir argumentar e recolocar o que foi posto em
negociaccedilatildeo (Magalhatildees 2004)
113 ndash Cronotopia e exotopia uma diacuteade no movimento da Cadeia Criativa
Dois conceitos bakhtinianos que tratam da relaccedilatildeo tempo-espaccedilo podem ser
resgatados para pensarmos a cadeia criativa a partir do movimento que imprime
dinacircmica ao compartilhamento-produccedilatildeo de sentidos e de significados exotopia e
cronotopia O primeiro tem sua gecircnese no acircmbito do texto literaacuterio o segundo sintetiza
a atividade criadora em geral Neste trabalho a interseccedilatildeo entre esses dois conceitos
possibilita pensar os encadeamentos da CC a partir dos diferentes pontos espaccedilo-
temporais em que se situam as praacuteticas de linguagem dos participantes em elos que vatildeo
compondo e recompondo o movimento discursivo Eacute nesse espaccedilo-tempo constituiacutedo
como uma zona de tensatildeo conflitos e possibilidades que a produccedilatildeo do conhecimento
se institui
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 44
ILKA SCHAPPER SANTOS
A discussatildeo que envolve a categoria exotopia na obra bakhtiniana estaacute presente
no texto O Autor e o Heroacutei Vale lembrar que esta categoria natildeo pode ser dissociada de
outras do Ciacuterculo de Bakhtin em especial o plurilinguismo social (as outras vozes
sociais que se presentificam na formaccedilatildeo e constituiccedilatildeo do sujeito) o presumido
(extraverbal) e a natureza dialoacutegica da linguagem
Etimologicamente a palavra exotopia eacute formada pelo prefixo ex que significa
fora e topos que significa lugar Assim exotopia simboliza um lugar afastado mas
natildeo distante da situaccedilatildeo Designa o ldquoexcedente de visatildeordquo a ldquoextraposiccedilatildeordquo ldquoo estar de
forardquo uma posiccedilatildeo a partir da qual o sujeito vecirc o mundo com certo distanciamento de
sua proacutepria condiccedilatildeo nele o que lhe permite perceber elementos que a proximidade natildeo
lhe permitiria Conforme Bakhtin (1987 p 43) ldquoquando contemplo um homem situado
fora de mim e agrave minha frente nossos horizontes concretos tais como satildeo efetivamente
vividos por noacutes dois natildeo coincidemrdquo No movimento do seu ldquoexcedente de visatildeordquo o
sujeito percebe no outro elementos que soacute ele pode perceber pelo lugar que eacute o uacutenico
a ocupar (e pelos sentidos e significados que foi construindo a partir desse lugar que
ocupa) O autor reforccedila ainda que o ldquoexcedente de minha visatildeordquo com relaccedilatildeo ao outro
instaura uma esfera particular da minha atividade isto eacute um conjunto de atos internos
ou externos que soacute posso preacute-formar a respeito desse outro e que o completam
justamente onde ele natildeo pode se completar (ibid p 44)
Neste processo dialoacutegico podemos perceber a efetivaccedilatildeo da empatia ldquover o
mundo atraveacutes dos valores do outrordquo notando coisas que soacute estatildeo no campo de visatildeo de
um dos interlocutores para depois retornar (atraveacutes da contemplaccedilatildeo) agrave posiccedilatildeo inicial
que permite elaborar o acabamento proacuteprio e o do outro pois de acordo com Bakhtin
ldquoo heroacutei natildeo faz seu acabamento proacutepriordquo (ibid p 202)
A posiccedilatildeo exotoacutepica do autor se define como aquela que lhe permite criar a obra
sendo firmada por seu distanciamento dela o que lhe permite ter uma visatildeo global do
enunciado da enunciaccedilatildeo O autor situa-se assim numa fronteira entre o mundo
concreto e o discurso que cria Nas palavras de Bakhtin (1987 p 43)
Por mais perto de mim que possa estar esse outro sempre verei e
saberei algo que ele proacuteprio na posiccedilatildeo que ocupa e que o situa fora
de mim e agrave minha frente natildeo pode ver () toda uma seacuterie de objetos
e de relaccedilotildees que em funccedilatildeo da respectiva relaccedilatildeo em que podemos
situar-nos satildeo acessiacuteveis a mim e inacessiacuteveis a ele
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 45
ILKA SCHAPPER SANTOS
Amorim (2004 p 96) corrobora com este entendimento quando explicita que
somente aquele que estaacute de fora pode dar uma imagem acabada de mim pois ldquonatildeo
posso me ver como totalidade natildeo posso ter uma visatildeo completa de mim mesmo e
somente um outro pode construir o todo que me definerdquo Nesse sentido eacute importante
esclarecer que a ideia de acabamento natildeo estaacute associada agrave perspectiva de
aprisionamento mas assume uma leitura de ato generoso posiccedilatildeo que permite ver e
compreender a partir de uma dimensatildeo ativo-responsiva Assim para a autora a
categoria teoacuterico-metodoloacutegica exotopia tece uma relaccedilatildeo de tensatildeo entre pelo menos
dois lugares o sujeito que na vida que se vive (no dizer de Karl Marx) olha de onde
vive ldquoe daquele que estando de fora da experiecircncia do primeiro tenta mostrar o que
vecirc do olhar do outrordquo (ibid 101)
Pensemos agora na categoria cronotopia A palavra cronotopia em sua
etimologia sintetiza as dimensotildees indissociaacuteveis do tempo e do espaccedilo Neste trabalho
essas dimensotildees tomam o sentido dado por Bakhtin (1987) de um lado para expressar a
grande temporalidade demarcada em um tempo histoacuterico estendido pois mostra a
instacircncia do movimento no campo das transformaccedilotildees e dos acontecimentos De outro
o espaccedilo que possibilita escreverinscrever as marcas dessa grande temporalidade O
conceito de cronotopo designa portanto uma produccedilatildeo da histoacuteria diz de um loacutecus
coletivo ldquoespeacutecie de matriz espaccedilo-temporal de onde as vaacuterias histoacuterias se contam e se
escrevemrdquo (Amorim 2004 p105) Ou seja
No cronotopo artiacutestico-literaacuterio ocorre a fusatildeo dos indiacutecios espaciais e
temporais num todo compreensivo e concreto Aqui o tempo
condensa-se comprime-se torna-se artisticamente visiacutevel o proacuteprio
espaccedilo intensifica-se penetra no movimento do tempo do enredo e da
histoacuteria Os iacutendices do tempo transparecem no espaccedilo e o espaccedilo
reveste-se de sentido e eacute medido com o tempo (Bakhtin 1983 p 211)
Mas de que maneira os conceitos de exotopia e cronotopia auxiliam na
compreensatildeo do movimento da Cadeia Criativa Revisitando a definiccedilatildeo dada por
Liberali (2009) encontro importantes interseccedilotildees entre a ideia de produccedilatildeo
compartilhada de conhecimento e a de construccedilatildeo de significados que possibilitam
novos sentidos atribuiacutedos em outras atividades pelos participantes da CC Em siacutentese
cria-se uma loacutegica que traduz um fluxo dialoacutegico entre as atividades que se instituem
em diferentes tempos e espaccedilos Haacute um duplo movimento no intervalo das atividades
pesquisadores e participantes da pesquisa em posiccedilatildeo extraposta podem enxergar
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 46
ILKA SCHAPPER SANTOS
elementos que ateacute entatildeo sua implicaccedilatildeo direta na atividade natildeo lhes permitia perceber
ao passo que quando retornam em uma nova atividade por terem se distanciado da
situaccedilatildeo anterior podem usufruir da reflexatildeo feita a partir da posiccedilatildeo exotoacutepica
No GP EFoPI esse processo exotoacutepico ocorreu entre os pesquisadores e entre os
educadores sociais e coordenadores das creches A crenccedila na perspectiva exotoacutepica fez
com que os pesquisadores e participantes tomassem um distanciamento de seu trabalho
rotinizado e pudessem refletir sobre o cotidiano das creches em especial sobre os
momentos destinados agrave brincadeira O olhar exotoacutepico dos pesquisadores e participantes
da pesquisa (educadores sociais e coordenadores) lhes possibilitou dialogar com o outro
no campo argumentativo circunscrito agraves atividades propostas expressando a diferenccedila e
a tensatildeo existente entre dois (ou mais) olhares entre dois (ou mais) pontos de vista
Uma atitude dialoacutegica nas sessotildees reflexivas e no curso de extensatildeo auxiliou na
compreensatildeo dos enunciados tecidos no interior dos diferentes discursos No caso da
pesquisa em questatildeo houve uma tentativa de captar o olhar do outro de buscar uma
compreensatildeo ativa do modo como veem para que as intervenccedilotildees e modos de
aproximaccedilatildeo e diaacutelogo com o grupo permitissem aos participantes da pesquisa (e aos
proacuteprios pesquisadores) um movimento de compartilhamento de sentidos e de
significados
Nesse lugar coletivo os cronotopos constituem-se como elos da cadeia criativa
materializando-se nas atividades que se configuram como instacircncias discursivas em que
o tempoespaccedilo eacute demarcado historicamente pelos sujeitos participantes da interaccedilatildeo
verbal Isso significa dizer que cada atividade neste trabalho de tese eacute percebida a
partir de um determinado tempo entre atividades da Cadeia Criativa (cada atividade um
cronotopo) espaccedilo que se inscreve na temporalidade do movimento de transformaccedilatildeo
dos sentidos e dos sujeitos
114 ndash A Cadeia Criativa sob a eacutegide da totalidade spinozana
A filosofia de Baruch de Spinoza tem tido vaacuterias interpretaccedilotildees No campo da
academia haacute controveacutersias e convergecircncias quando agraves suas formulaccedilotildees teoacutericas Muitos
o classificam como filoacutesofo racionalista por conta da sua tese de que ldquoa verdadeira
sabedoria soacute pode ser alcanccedilada com uma criacutetica racional das noccedilotildees que se
apresentam como evidentes ou reveladasrdquo (Marccedilon 2009 p 25) outros o consideraram
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 47
ILKA SCHAPPER SANTOS
como um materialista ortodoxo Mas concordo com Pierre Macherey (1979) quando
aponta que os construtos teoacutericos de Spinoza possibilitam eles proacuteprios uma filosofia
da imanecircncia Para aleacutem da imanecircncia uma filosofia da totalidade
Considero que a obra spinozana atravessa a grande temporalidade histoacuterico-
cultural que pode ser observada nas batalhas (ideo)loacutegicas do livro sobre Eacutetica a partir
das (re)construccedilotildees teoacutericas em torno da metafiacutesica medieval no confronto agrave
perspectiva dualista e linear cartesiana das relaccedilotildees entre corpomente na filosofia da
totalidade na concepccedilatildeo de imaginaccedilatildeo como regime de signos que expressam as
paixotildees coletivas na tentativa de mostrar quais satildeo nossos afetos como afetamos e
somos afetados na defesa da liberdade de pensamento O autor holandecircs traz na sua
obra provocaccedilotildees instigantes para pensar os valores e crenccedilas da sociedade circunscrita
na sua eacutepoca e tambeacutem por conta de um confronto transtemporal na sociedade
contemporacircnea
Para Spinoza (na primeira parte do tratado sobre Eacutetica) os seres humanos
constituem parte dos modos12
da substacircncia O que significa para o humano constituir-
se parte da substacircncia O autor explica que substacircncia eacute aquilo que existe em si mesmo
e por si mesmo eacute concebido dito de outro modo aquilo cuja conceituaccedilatildeo natildeo exige a
conceituaccedilatildeo de outra coisa do qual deva ser formado (Spinoza 16772005 I III p
62) A substacircncia possui assim autossuficiecircncia loacutegico-conceitual mas haacute no interior
dela uma derivaccedilatildeo que o teoacuterico chamou de modos isto eacute os elementos dependentes
finitos e suscetiacuteveis agraves causas externas
Segundo o autor holandecircs o ser humano integraria modos da substacircncia no
monismo entre corpo e mente Mas se a substacircncia eacute o uno infinito e ilimitado da
existecircncia eacute causa de si e expressa a totalidade como pode comportar na sua gecircnese a
relaccedilatildeo entre corpo e mente A resposta de Spinoza eacute que apesar de haver apenas uma
substacircncia uma soacute natureza eacute ldquoconstituiacuteda por uma infinidade de atributos13
que
expressam de formas distintas sua uacutenica essecircncia eterna e infinitardquo (Marccedilon 2009 p
38)
12 A substacircncia para Spinoza eacute constituiacuteda de infinitos modos mas os modos em si natildeo satildeo infinitos O
modo natildeo possui infinitos atributos mas o ser humano percebe atraveacutes dos modos os mesmo atributos
que vecirc na substacircncia Assim atraveacutes dos modos o ser humano identifica os atributos de pensamento e
extensatildeo (I Definiccedilatildeo V II Proposiccedilatildeo XIII) 13
Para Spinoza um atributo eacute um modo de se ver a substacircncia
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 48
ILKA SCHAPPER SANTOS
Respondendo a questatildeo do paraacutegrafo anterior de outro modo pode-se afirmar
que a substacircncia possui infinitos atributos Ou seja a substacircncia tem infinitas
possibilidades de ser vista sendo essas possibilidades concebidas como fundadas agrave sua
essecircncia (Spinoza 16772005 Proposiccedilotildees X e XI) Apesar de possuir infinitos
atributos e dessa maneira possuir infinitos modos de ser visto o ser humano soacute tem
capacidade de identificar dois desses atributos o pensamento e a extensatildeo
Com respeito ao binocircmio corpomente como modos da substacircncia natildeo tecircm uma
relaccedilatildeo hieraacuterquica natildeo haacute supremacia de um sobre o outro isso porque corpo e mente
constituem uma mesma coisa em um soacute Haacute nesse binocircmio uma correspondecircncia que
Spinoza intitulou de paralelismo14
o que o atributo extensatildeo (os corpos como modos
finitos da extensatildeo) realiza o atributo pensamento compreende (Spinoza 16772005
III II p 199) Extensatildeo e pensamento satildeo indissociaacuteveis e imbricados pois formam
uma totalidade satildeo o verso e o reverso de uma mesma e uacutenica substacircncia multifacetada
Eacute no interior da siacutentese desse paralelismo entre corpo-mente (ideia do corpo) que temos
a gecircnese da explicaccedilatildeo do monismo spinozano
Segundo Marilena Chauiacute (1999) o pensamento de Spinoza inova natildeo apenas
pelo fato de compreender o ser humano como instacircncia dos modos finitos da substacircncia
que nele se expressa mas tambeacutem por trazer para o debate a concepccedilatildeo do modo finito
impresso no humano que carrega as marcas da imanecircncia infinita da substacircncia
Podemos inferir que os seres humanos constituem-se parte da substacircncia em
seus modos dependentes finitos e sujeitos a causas externas Por conta dessa finitude
sua liberdade eacute parcial e por mais que tenha o livre arbiacutetrio ldquonunca chega a ser
totalidade livre na ordem do universordquo (Fuga 2009 p 51) Isso porque o modo
manteacutem relaccedilotildees com o que eacute externo a ele que configura outro modo A (inter-)relaccedilatildeo
dos modos eacute nomeada por Spinoza (16772005 II Proposiccedilotildees XIII p 143) de
ldquoafecccedilatildeordquo Assim um modo ldquoafectardquo e eacute ldquoafectadordquo por outro modo natildeo podendo pela
vontade evitar a ldquoafecccedilatildeordquo Nessa (inter-)relaccedilatildeo pode ocorrer um aumento ou uma
diminuiccedilatildeo do poder de expressatildeo da potecircncia do agir ou do seu conatus que
etimologicamente significa ldquoesforccedilordquo em latim
14 Para Spinoza a tese do paralelismo entre corpomente diz de uma espeacutecie de correspondecircncia ou
isonomia entre os dois modos ou atributos ldquoum modo da extensatildeo e a ideia desse modo satildeo uma soacute e
mesma coisa que se exprime entretanto de duas maneirasrdquo (II Proposiccedilatildeo VII Escoacutelio 2005 p 136)
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 49
ILKA SCHAPPER SANTOS
Segundo Deleuze (2002 p 62-63) para Spinoza o conhecimento natildeo eacute a
operaccedilatildeo de um sujeito mas a afirmaccedilatildeo de uma ideia Ele se constitui como modos da
existecircncia porque no movimento de conhecer prolonga-se nos tipos de consciecircncia e
de afetos que lhe correspondem de modo que todo poder de ser afetado seja preenchido
(ibid p 64) O conhecimento verdadeiro eacute aquele que expressa uma essecircncia singular
Para ele haacute trecircs gecircneros de conhecimentos a) o primeiro gecircnero foi nomeado pelo autor
por ideias inadequadas que exprimem as condiccedilotildees naturais de nossa existecircncia
enquanto natildeo temos as noccedilotildees comuns nem as ideias adequadas As ideias
inadequadas se definem por signos indicativos e signos imperativos Estes como sendo
os signos que envolvem o conhecimento inadequado das leis e aqueles signos que
envolvem o conhecimento inadequado das coisas b) o segundo gecircnero do
conhecimento satildeo as noccedilotildees comuns que satildeo as ideias que podem ser aplicadas a
diversas essecircncias singulares mas que natildeo conseguem expressar adequadamente
nenhuma dessas ideias c) o terceiro gecircnero tratado pelo autor foi intitulado de ideias
adequadas que expressam conhecimento verdadeiro pois possibilitam conhecer a
essecircncia singular como ela eacute
A relaccedilatildeo de conveniecircncia ou composiccedilatildeo entre os seres (Spinoza 16772005
II Lema II) permite pensar a relaccedilatildeo entre os trecircs gecircneros do pensamento as ideias
inadequadas podem se transformar em noccedilotildees comuns deixando de ser ldquoideias
confusas ou vagasrdquo para compor algo que eacute o mesmo tanto nas partes quanto no todo
mas natildeo idecircnticas nas partes Por sua vez as noccedilotildees comuns por trazerem partes da
totalidade se aproximam mais do terceiro gecircnero as ideias adequadas Eacute a concepccedilatildeo
de totalidade que nos faz passar do segundo para o terceiro gecircnero pois estaacute de certa
forma vinculada agraves noccedilotildees comuns ldquoo que eacute comum a todas as coisas e se acha
igualmente na parte e no todo natildeo pode ser concebido senatildeo adequadamenterdquo
(Spinoza 16772005 p 171) por conta de agregar mais partes da substacircncia a noccedilatildeo
comum nos possibilita sob esse aspecto passar para as ideias adequadas que
exprimem a essecircncia da natureza
Segundo Deleuze no interregno entre o primeiro e o segundo gecircnero existe uma
relaccedilatildeo ocasional que viabiliza o salto de um para outro O autor explica que
Por um lado quando encontramos corpos que convecircm com o nosso
ainda natildeo temos a ideia adequada desses outros corpos nem de noacutes
mesmos mas sentimos paixotildees alegres (aumento de nossa potecircncia de
agir) que pertencem ainda ao primeiro gecircnero mas nos induzem a
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 50
ILKA SCHAPPER SANTOS
formar a ideia adequada do que eacute comum entre tais corpos e o nosso
Por outro lado a noccedilatildeo comum em si mesma estabelece harmonias
complexas com as imagens confusas do primeiro gecircnero e apoia-se em
certas caracteriacutesticas da imaginaccedilatildeo (Deleuze 2002 p 55)
Isso pode ser sintetizado no que Spinoza chamou de relaccedilatildeo de conveniecircncia ou
composiccedilatildeo entre os seres Nessa relaccedilatildeo o ser humano pode aumentar ou diminuir seu
conatus expresso na sua potecircncia de agir Para Spinoza o conatus eacute uma potecircncia de um
modo finito natural de autoconservaccedilatildeo que se manifesta no nosso esforccedilo para
preservar a existecircncia Isso natildeo significa uma preservaccedilatildeo estaacutetica ou inerte ao
contraacuterio ldquoesse esforccedilo requer uma dinacircmica que evolui por meio dos encontros com
outros modos ao longo de toda existecircnciardquo (Fuga 2009 p 51)
O conatus natildeo eacute caracteriacutestica exclusiva do ser humano Todos os seres possuem
conatus inclusive os seres do reino mineral que tendem involuntariamente a preservar
na existecircncia pois como modo da substacircncia eacute determinado a existir por um tempo
indefinido No entanto um ser do reino mineral ldquonatildeo tem a ideia da ideia de seu corpordquo
(Spinoza 16772005 III VIII demonstraccedilatildeo p 206) posto que natildeo tem consciecircncia de
si A manifestaccedilatildeo de um diferente conatus depende do grau de complexidade de seu
corpo No caso do ser humano devido a seu elevado grau de complexidade aleacutem da
constante busca em se preservar na existecircncia procura uma autoexpansatildeo na (inter-)
relaccedilatildeo com outros seres podendo aumentar ou diminuir sua potecircncia de agir
Para Spinoza ao encontrar um outro corpo que lhe conveacutem o ser humano pode
experimentar sentimentos de alegria ou de tristeza No primeiro sentimento haacute o
aumento do conatus e no segundo uma diminuiccedilatildeo da potecircncia do agir Nesse
movimento de interaccedilatildeo entre corpos ou de composiccedilotildees nas palavras de Spinoza os
seres humanos vatildeo se constituindo afetando e sendo afetados As composiccedilotildees e
decomposiccedilotildees de corpos quando estatildeo sob a eacutegide da alegria possibilitam que o ser
humano se aproxime das ideias adequadas Assim a atividade de nossa mente
corresponde agraves alteraccedilotildees que decorrem do contato do nosso corpo com outros corpos
nessa relaccedilatildeo com outros corpos distintos pensamentos ou conhecimentos satildeo gerados
Dependendo do grau de composiccedilatildeo esses pensamentos ou conhecimentos se fundam
ora nas ideias inadequadas ora nas noccedilotildees comuns ora nas ideias adequadas
Quais as relaccedilotildees entre esses construtos teoacutericos spinozanos tratados acima
com a CC
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 51
ILKA SCHAPPER SANTOS
Como vimos o ser humano eacute parte da substacircncia que conteacutem a totalidade e
sendo finito e parcialmente livre tem tambeacutem possibilidade parcial de criar ideias
adequadas que propiciam a liberdade Assim por conta dessa finitude o humano
observa as coisas de forma inadequada No entanto quando em contato com outros
seres humanos em um fluxo de composiccedilatildeo as ideias inadequadas e as noccedilotildees comuns
de cada sujeito satildeo confrontadas gerando tensotildees e conflitos que desestabilizam as
dicotomias e ideias simplistas que satildeo elementos da inadequaccedilatildeo do conhecimento
Nesse movimento de compartilhamento de pensamentos e conhecimentos de ideias
inadequadas os sujeitos podem criar novas ideias ainda parciais e insuficientes mas
muito mais proacuteximas das noccedilotildees comuns dos aspectos infinitos e adequados dos modos
da substacircncia que conteacutem elementos da totalidade (Liberali 2009)
O entendimento do processo de composiccedilatildeo entre os corpos para formar uma
noccedilatildeo comum e se aproximar das ideias adequadas eacute fundamental para a compreensatildeo
da produccedilatildeo de conhecimento no caso desta tese a produccedilatildeo de conhecimento do GP
EFoPI Essa interaccedilatildeo entre os participantes do grupo pode gerar um aumento na
potecircncia do agir (o conatus) de cada participante bem como no conatus do grupo e
possibilitar a todos estarem parcialmente nas partes e completamente no todo se
aproximando cada vez mais da substacircncia Isso porque ldquose dois indiviacuteduos se aliam um
ao outro formam um indiviacuteduo duas vezes mais poderoso do que cada um deles tomado
separadamenterdquo (Spinoza 16772005 IV XVIII escoacutelio p 303) Assim nesse fluxo
interacional os participantes ldquoimprimem por assim dizer certos vestiacutegiosrdquo (Spinoza
Postulado V p 151) nos sujeitos afetados melhor dizendo que afetam e satildeo afetados
Esses vestiacutegios marcam a gecircnese da transformaccedilatildeo do pensamento e do conhecimento
dos membros do GP EFoPI e dos participantes desta pesquisa
Esse movimento da busca de produccedilatildeo de ideias adequadas no interior da CC
encontra eco quando refletimos sobre o compartilhamento de sentidos e a produccedilatildeo de
significados na perspectiva soacutecio-histoacuterico-cultural Em especial nas construccedilotildees
teoacutericas de Bakhtin e seu ciacuterculo e nas de Vygotsky que foram tecidas neste capiacutetulo da
tese As obras de ambos os autores trazem na sua gecircnese uma visatildeo de totalidade
muito proacutexima agrave presente nas discussotildees do monismo spinozano que nos auxilia a
refletir sobre a indissociabilidade entre znacheniesmysl corpomente ideias
adequadasideias inadequadas aprendizadodesenvolvimento internoexterno
teoriapraacuteticas sociais entre outros
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 52
ILKA SCHAPPER SANTOS
No proacuteximo toacutepico discorrerei sobre aspectos importantes no movimento da
ldquovelhardquo e da ldquonovardquo retoacuterica para fundamentar a discussatildeo sobre a argumentaccedilatildeo no
interior deste trabalho de tese
115 ndash Breve retomada da ldquovelhardquo e da ldquonovardquo retoacuterica um encontro com a
argumentaccedilatildeo na cadeia criativa
Considerando ser o foco desta investigaccedilatildeo a argumentaccedilatildeo desenvolvida entre
pesquisadores e educadores participantes do GP EFoPI sobre a brincadeira esta seccedilatildeo
pretende tecer uma discussatildeo sobre o argumentar movimento considerado nesta tese
como elemento dialoacutegico manifesto nas accedilotildees de linguagem no fluxo da Cadeia
Criativa
Desde a antiguidade claacutessica a argumentaccedilatildeo tem se constituiacutedo como objeto de
estudo de pensadores e teoacutericos fato expresso nos estudos sobre a retoacuterica Assim
apresento uma breve siacutentese dos construtos sobre a argumentaccedilatildeo tendo como eixo A
Arte Retoacuterica de Aristoacuteteles (350 aC 2005) e o estudo da Nova Retoacuterica de Perelman
amp Olbrechts-Tyteca (19702005) este uacuteltimo resultante da releitura da tradiccedilatildeo claacutessica
Os estudos sobre argumentaccedilatildeo tecircm suas raiacutezes na arte retoacuterica Eacute consenso que
esta eacute a arte de argumentar e no interior disso a argumentaccedilatildeo estaacute sob a eacutegide da arte
de persuadir e de convencer No dicionaacuterio Houaiss da Liacutengua Portuguesa os verbetes
persuadir e convencer tecircm proximidades semacircnticas Aquele eacute definido como ldquolevar ou
convencer (algueacutem ou a si mesmo) a acreditar ou convencer (-se)rdquo (Houaiss 2001 p
2197) e este como ldquopersuadir (algueacutem ou a si mesmo) a aceitar uma ideia ou admitir
um fato por meio de razotildees ou argumentos bem fundadosrdquo (ibid p 826) No entanto
as sutilezas semacircnticas mostram que persuadir estaacute mais relacionado ao campo do
sentimento da emoccedilatildeo enquanto o convencer transita no terreno das ideias sob o signo
da razatildeo pois postula que o convencimento se daacute por meio de razotildees ou argumentos
bem fundados Esses dois verbetes satildeo indissociaacuteveis na praacutetica argumentativa
Segundo Abreu (1999 p 25) ldquoconvencer eacute construir algo no campo das ideiasrdquo
e ldquopersuadir eacute construir no terreno das emoccedilotildees eacute sensibilizar o outro para o agirrdquo A
capacidade de argumentar em uma perspectiva monista seria o verso e o reverso dessas
duas construccedilotildees Reboul (2004) explica que a retoacuterica eacute a ldquoa arte de persuadir pelo
discursordquo Para o autor persuadir eacute levar algueacutem a crer em algo no campo da discussatildeo
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 53
ILKA SCHAPPER SANTOS
Entretanto refuta a tese que distingue convencer e persuadir por consideraacute-la
ldquoexcessivamente dualistardquo ao dicotomizar crenccedila e inteligecircncia razatildeo e emoccedilatildeo
Essa mesma discussatildeo eacute apresentada por Koch (19922004) que discorre sobre o
ato de convencer e persuadir Para a autora este tem como foco os sentimentos dos
interlocutores o auditoacuterio particular e os argumentos pautados no verossiacutemil Jaacute aquele
estaacute direcionado ao auditoacuterio universal sob o eixo da razatildeo
A argumentaccedilatildeo estaacute relacionada ao conjunto das accedilotildees humanas cuja finalidade
eacute a adesatildeo do outro ora na adoccedilatildeo de um comportamento ora na adoccedilatildeo de um ponto
de vista Isso pode ocorrer em uma audiecircncia formada por um uacutenico sujeito (auditoacuterio
interno) ou em uma audiecircncia coletiva mais ampla (auditoacuterio universal) O ato de
argumentar fundado nas accedilotildees humanas estaacute imbricado agraves accedilotildees semiotizadas pela
linguagem em situaccedilatildeo de interaccedilatildeo verbal e extraverbal que procura a
indissociabilidade entre o convencer e o persuadir como jaacute disse Desde que ldquoa espeacutecie
humana se distingue da primata por sua capacidade de construir cultura como agente
mental e intencional e por utilizar intencionalmente e intersubjetivamente instrumentos
semioacuteticos para interagir com o outro atribui agrave linguagem um caraacuteter argumentativordquo
(Santos 2006 p 85) Isto implica afirmar que desde muito cedo o ser humano domina
mesmo que de maneira assistemaacutetica e espontacircnea modos e maneiras de argumentar
Eacute precisamente na antiguidade claacutessica grega que nasce um saber estruturado e
sistematizado sobre a argumentaccedilatildeo esse modo de agir sobre o outro fundado napela
linguagem cuja intencionalidade eacute convencer-persuadir manipular pontos de vista
consciecircncia-espiacuterito sob a eacutegide da arte denominada retoacuterica
A argumentaccedilatildeo desde sua origem tem tido diferentes acepccedilotildees o que nos
remete a uma bifurcaccedilatildeo ora ligada aacute retoacuterica ora relacionada agrave loacutegica Compreender
sua significaccedilatildeo na contemporaneidade requer iniciar o diaacutelogo com o pensamento
aristoteacutelico que constitui um marco nos estudos sobre raciocinar a partir de um campo
argumentativo
Para discutir a argumentaccedilatildeo e suas relaccedilotildees com a antiga retoacuterica neste
trabalho tratarei de algumas definiccedilotildees Apesar de ser a definiccedilatildeo de retoacuterica de
Quintiliano (ldquoarte de falar bemrdquo) do seacutec I da nossa era que atravessou tempos e
espaccedilos e a que ficou mais conhecida eacute importante destacar que a gecircnese da
conceituaccedilatildeo aristoteacutelica (seacutec IV aC) na obra Arte Retoacuterica como ldquoa faculdade de ver
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 54
ILKA SCHAPPER SANTOS
teoricamente o que em cada caso pode ser capaz de gerar a persuasatildeordquo (I 1355 apud
Pistori 2009 p 25) eacute a base epistemoloacutegica para todas as discussotildees posteriores
A questatildeo fundamental do corpus epistemoloacutegico aristoteacutelico na Retoacuterica estaacute
posta nos conhecimentos passiacuteveis de serem provados as crenccedilas e opiniotildees que se
estruturam no confronto das ideias tendo como origem os pontos controversos uma vez
que ldquodeliberamos sobre as questotildees suscetiacuteveis de comportar duas soluccedilotildees opostasrdquo
(ibid)
O texto A Retoacuterica de Aristoacuteteles (350 aC2005) eacute composto por trecircs livros No
livro I o autor discorre sobre os trecircs gecircneros retoacutericos (a) o deliberativo que tem como
eixo discursivo a persuasatildeo e a dissuasatildeo (b) o judiciaacuterio que tem como objetivo
defender ou acusar o epidiacutectico que se funda no elogio ou na censura Ainda neste
primeiro livro o teoacuterico apresenta argumentos na defesa da utilidade da retoacuterica e tece
uma anaacutelise da natureza da prova retoacuterica intitulada de entimema uma espeacutecie de
silogismo derivado No Livro II Aristoacuteteles faz uma anaacutelise de dois elementos inter-
relacionados no campo retoacuterico o plano emocional e a recepccedilatildeo do discurso retoacuterico
Para isso destaca sentimentos que se manifestam no entremeio da argumentaccedilatildeo tais
como ira amizade confianccedila vergonha e seus contraacuterios Tambeacutem apresenta as formas
em que se materializa a argumentaccedilatildeo em especial os toacutepicos argumentativos o uso de
maacuteximas e de entimemas Por fim no livro III satildeo analisados o estilo e a composiccedilatildeo
do discurso retoacuterico No movimento explicativo desses dois pontos traz para a cena da
discussatildeo elementos como clareza correccedilatildeo gramatical e ritmo o uso de metaacuteforas e as
partes imprescindiacuteveis a um discurso (Aristoacuteteles 350 aC 2005 p 22) Nas
discussotildees que datildeo corpo a essa obra Aristoacuteteles promulga as bases da retoacuterica
ocidental Bases que assumidamente se sustentam ao longo dos seacuteculos pois no campo
da evoluccedilatildeo retoacuterica o que se acrescentou representa muito mais um aperfeiccediloamento
sobre a temaacutetica do que construccedilotildees que rompam com o campo epistemoloacutegico
aristoteacutelico
Na tradiccedilatildeo aristoteacutelica a retoacuterica visa agrave descoberta e escolha dos meios que
possam levar um determinado auditoacuterio agrave persuasatildeo Segundo o filoacutesofo satildeo
necessaacuterios trecircs tipos de provas teacutecnicas o ethos que estaacute ligado agrave moral do orador e eacute
concebido como a imagem que este projeta de si atraveacutes de sua maneira de falar com o
intuito de conquistar a confianccedila de seu puacuteblico assegurando e tornando criacutevel o seu
discurso o pathos visto como o modo de recepccedilatildeo do discurso ou seja os sentimentos
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 55
ILKA SCHAPPER SANTOS
que o auditoacuterio experimenta ao ser confrontado com o que eacute dito podendo ter adesatildeo ou
natildeo agrave tese e finalmente o logos entendido como o proacuteprio discurso ou seja as
escolhas linguiacutesticas e estiliacutesticas que contribuem para dar credibilidade ao discurso
tendo como base o raciociacutenio Eacute no interior desses elementos da retoacuterica que se tece um
viacutenculo intersubjetivo entre orador e audiecircncia e que vai determinar a forccedila persuasiva
dos argumentos
Nos estudos mais recentes dois aspectos relacionados agrave argumentaccedilatildeo satildeo
destacados (1) a intenccedilatildeo persuasiva do orador materializada em uma fala convincente
que possibilita mudanccedila de atitude na audiecircncia e (2) a organizaccedilatildeo estrutural do
discurso O primeiro aspecto estaacute relacionado agraves estrateacutegias discursivas de
convencimento utilizadas pelo orador e retomadas por Perelman amp Olbrechts-Tyteca
(19702005) na releitura criacutetica que fizeram da Arte Retoacuterica de Aristoacuteteles (350 aC
2005) Jaacute o segundo aspecto diz respeito agrave infraestrutura textual da argumentaccedilatildeo
retomada por Toulmin (1974)
No entremeio desses dois elementos constitutivos da argumentaccedilatildeo satildeo tecidos
dois modos baacutesicos de raciociacutenio que estruturam o argumentar (1) o que ficou
conhecido como silogismo ndash demonstraccedilatildeo analiacutetica que se refere agrave demonstraccedilatildeo
pautada em proposiccedilotildees evidentes (provas vaacutelidas decorrentes de premissas universais)
fundadas na loacutegica formal e (2) a argumentaccedilatildeo dialeacutetica que se manifesta a partir de
argumentos com base em enunciados possiacuteveis no campo de conclusotildees verossiacutemeis
(Aristoacuteteles 350 aC 2005)
Neste trabalho de tese privilegiarei o segundo modo de raciociacutenio para o
argumentar qual seja a argumentaccedilatildeo dialeacutetica que tem sua gecircnese no pensamento
aristoteacutelico e na contemporaneidade foi retomado de forma criacutetica por Perelman e
Olbrechts-Tyteca (19702005)
O movimento da argumentaccedilatildeo dialeacutetica funda-se em enunciados provaacuteveis dos
quais se pode chegar a conclusotildees apenas verossiacutemeis natildeo tendo o estatuto de verdade
absoluta mas que promovem diversos modos de raciocinar
A dialeacutetica de Aristoacuteteles constitui-se em um jogo cujo objetivo eacute vencer mas
sem burlar as regras inerentes agrave loacutegica Na maioria das vezes esse jogo tem o fim em si
mesmo Eacute estruturado por silogismo demonstrativo que parte das premissas evidentes e
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 56
ILKA SCHAPPER SANTOS
por silogismo dialeacutetico que se funda nas premissas provaacuteveis (aquilo que pode ser
verdadeiro)15
Eacute importante dizer que a argumentaccedilatildeo dialeacutetica de Aristoacuteteles ao longo dos
seacuteculos foi perdendo espaccedilo na comunidade dos filoacutesofos para a demonstraccedilatildeo
analiacutetica Isso por conta da rigidez do racionalismo e do cristianismo sendo percebida
como uma forma menos confiaacutevel por estar sob a eacutegide do verossiacutemil e natildeo do estatuto
de verdade Esse momento da histoacuteria corresponde ao Renascimento
Opondo-se a essa visatildeo vejo que a arquitetura aristoteacutelica da retoacuterica traz
importantes elementos para pensarmos a argumentaccedilatildeo Na sua obra magna o pensador
da antiguidade claacutessica afirma que todo ser humano resguardadas as limitaccedilotildees de cada
um eacute capaz de argumentar porque no interior de sua interlocuccedilatildeo no mundo se propotildee
a partir de uma tese defender ou refutar algo Dito de outro modo a retoacuterica se constitui
como elemento fundante da competecircncia argumentativa dos sujeitos Eacute na praacutetica
discursiva que persuadimos convencemos sempre que buscamos demonstrar o
verossiacutemil
Pautados nas noccedilotildees de Aristoacuteteles podemos provar o verossiacutemil atraveacutes dos trecircs
elementos constituintes do movimento discursivo de que tratei anteriormente ethos
pathos e logos Esses trecircs elementos estatildeo presentes nos trecircs gecircneros retoacutericos da
argumentaccedilatildeo o retoacuterico judiciaacuterio o retoacuterico deliberativo e o retoacuterico epidiacutectico A
determinaccedilatildeo desses gecircneros ou tipos demarca o protagonismo do papel do orador na
construccedilatildeo retoacuterica de seu discurso ldquoagrave medida que eacute capaz de se orientar pela
accedilatildeoreaccedilatildeo da audiecircncia quer seja em termos de cooperaccedilatildeo quer seja em termos de
conflitordquo (Santos 2006 p 88)
A seguir apresento de forma sintetizada os gecircneros retoacutericos do discurso16
tal
como foram elaborados por Aristoacuteteles e sistematizados no trabalho de Santos (ibid p
88-90)
A gecircnese da retoacuterica deliberativa encontra-se na assembleia democraacutetica tem
por objetivo apresentar projeccedilotildees de futuro para que a audiecircncia aprecie e avalie os
15 Reboul (2004 p 28) define silogismo como ldquodiscurso argumentativo baseado na causa contendo trecircs
proposiccedilotildees sendo duas premissas e a conclusatildeordquo 16
Eacute importante esclarecer que o gecircnero do discurso em Aristoacuteteles difere da discussatildeo de gecircneros de
Bakhtin Para este uacuteltimo grosso modo os gecircneros do discurso constituem-se como tipos de enunciados
relativamente estaacuteveis que estatildeo intrinsecamente relacionados a contextos tiacutepicos da comunicaccedilatildeo social
em situaccedilotildees sociais de interaccedilatildeo no interior de uma determinada comunidade semioacutetica
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 57
ILKA SCHAPPER SANTOS
possiacuteveis desdobramentos de uma tomada de decisatildeo tendo como referente a promoccedilatildeo
de lucros ou prejuiacutezos para a partir daiacute posicionar-se frente aos argumentos O uso de
argumentos de exemplo eacute a principal estrateacutegia argumentativa em que se pauta o orador
Isso porque eacute este argumento que facilita o raciociacutenio indutivo em especial quando se
trata de grandes audiecircncias
A retoacuterica judiciaacuteria pauta-se na existecircncia de uma questatildeo polecircmica em
evidecircncia e teses que se contrapotildeem A estrutura desse gecircnero estaacute sob a eacutegide das
dicotomias justoinjusto aceitaccedilatildeotransgressatildeo de normas e leis posto que tem como
auditoacuterio o tribunal que ora acusa (acusaccedilatildeo) ora defende (defesa) Assim ldquoprovar a
adequaccedilatildeo e inadequaccedilatildeo normativa de uma accedilatildeo ocorrida eacute o tipo ideal de situaccedilatildeo
em que se potildee o modo judiciaacuteriordquo (Magalhatildees17
R F 2002 p 44) Cabe ao orador
com(provar) baseado em leis e regras compartilhadas com a audiecircncia a adequaccedilatildeo ou
inadequaccedilatildeo dos episoacutedios narrados ldquona medida em que reconstroacutei persuasivamente os
fatos do passado em rede causal e os apresenta agrave audiecircncia como juiacutezes das accedilotildees
cabe julgar os fatos conforme a cadeia que se pode deles inferirrdquo (Santos 2006 p 89)
Jaacute a retoacuterica epidiacutectica tem objetivos diferentes dos dois gecircneros citados
anteriormente natildeo busca travar combate entre adversaacuterios seja para aconselhar ou
deliberar o melhor para a audiecircncia ou advogar sobre o justo Este gecircnero tem a funccedilatildeo
de construir a esteacutetica do discurso Para isso sua linguagem se estrutura na eloquecircncia
procurando construir uma cena discursiva que exprima a trageacutedia a comeacutedia o destaque
a valores como o viacutecio e a virtude (ibid p 89) Magalhatildees R F (2002 p 45) explica
que ldquoo discurso epidiacutectico natildeo discute o objeto mas toma-o como dado e trata de
engrandececirc-lo ou denegri-lordquo o papel do auditoacuterio nesse contexto portanto eacute de
espectador aquele que aprecia e aplaude o discurso do orador como se fosse
apresentaccedilatildeo cecircnica ou uma obra de arte No quadro abaixo mostrarei a siacutentese desses
gecircneros retoacutericos do discurso
17 Quando me referir ao artigo ldquoA reconstruccedilatildeo da racionalidade no paradigma da linguagem a
contribuiccedilatildeo retoacutericardquo utilizarei Magalhatildees R F (2002) Nas demais citaccedilotildees de Magalhatildees estarei me
referindo agrave Profordf Drordf Maria Ceciacutelia Camargo de Magalhatildees
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 58
ILKA SCHAPPER SANTOS
Quadro 01- Os trecircs gecircneros do discurso na Retoacuterica com base em Rebul (200447)
Gecircneros do
Discurso
Auditoacuterio Situaccedilatildeo Tempo Ato Valor
es
Argument
o-tipo
Judiciaacuterio Juiacutezes Aceitaccedilatildeo ou
transgressatildeo de leis e
normas
Passado
(fatos
por
julgar)
Acusar
Defender
Justo
Injust
o
Etinema
(dedutivo)
Deliberativo Assembleia
democraacutetica
Consulta a lucros ou
prejuiacutezos
Futuro Aconselhar
Desaconselhar
Uacutetil
Nociv
o
Exemplo
(indutivo)
Epidiacutectico Espectador Exprimir a trageacutedia a
comeacutedia a exaltaccedilatildeo
a valores
Presente Louvar
Censurar
Nobre
vil
Ampliaccedilatildeo
Para Perelman e Olbrechts-Tyteca a ausecircncia de um juiacutezo de valor e de
intensidade da adesatildeo e a ecircnfase na esteacutetica do discurso caracteriacutesticas da retoacuterica
epidiacutectica acabaram por criar uma compreensatildeo equivocada sobre o loacutecus desse gecircnero
na retoacuterica persuasiva Em decorrecircncia disso historicamente ele foi mais ldquoenquadradordquo
agrave literatura do que agrave argumentaccedilatildeo ldquoa distinccedilatildeo dos gecircneros contribuiu para a
posterior desagregaccedilatildeo da retoacuterica pois os dois primeiros gecircneros (deliberativo e
judiciaacuterio) foram anexados pela filosofia e pela dialeacutetica tendo sido o terceiro (o
epidiacutectico) englobado na prosa literaacuteriardquo (Perelman e Olbrechts-Tyteca 19702005 p
54)
Magalhatildees R F (2002 p 43) discorre sobre a triacuteade claacutessica desses trecircs
gecircneros e propotildee ainda a discussatildeo do quarto gecircnero que aparece mais diluiacutedo na obra
de Aristoacuteteles (350 aC 2005) o analiacutetico A retoacuterica analiacutetica se presentifica no
universo do raciociacutenio loacutegico-cientiacutefico fundada na maneira de guiar e fundamentar os
argumentos cujo objetivo eacute explicar as razotildees de fenocircmeno O loacutecus desse gecircnero eacute o
da ciecircncia e assim como os espaccedilos de opiniatildeo de debate e de persuasatildeo ldquoexpressa um
tipo de retoacuterica que atende hoje agraves demandas de um mundo moderno no qual se
discutem e se explicam com relativo desembaraccedilo mesmo que atraveacutes de jargotildees mais
simplificados questotildees de natureza cientiacuteficardquo (Santos 2006 p 90)
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 59
ILKA SCHAPPER SANTOS
Apesar desta exposiccedilatildeo didaacutetica de cada gecircnero do discurso separadamente
quero registrar que natildeo os vejo como dissociados Pautada em Magalhatildees R F (2002)
defendo que haacute um entrelaccedilamento entre eles o que possibilita percebecirc-los imbricados
promovendo uma configuraccedilatildeo variada do debate retoacuterico Desse modo encontramos
na estrutura da retoacuterica judiciaacuteria elementos da retoacuterica deliberativa quanto agraves
consequecircncias de uma condenaccedilatildeo ou de uma absolviccedilatildeo o inverso tambeacutem eacute
verdadeiro Eacute tambeacutem possiacutevel perceber na retoacuterica deliberativa uma estrutura
discursiva que se pauta na reconstruccedilatildeo de narrativas caracteriacutesticas da retoacuterica
judiciaacuteria para validar as projeccedilotildees de futuro e promover as deliberaccedilotildees pretendidas
pela audiecircncia o que pode ser exemplificado com o gecircnero propaganda poliacutetica
Para se conseguir a adesatildeo do eleitor o candidato apresenta uma
relaccedilatildeo retrospectiva de realizaccedilotildees de sua vida puacuteblica para que
entatildeo o eleitor delibere por votar no candidato com base em
projeccedilotildees futuras de continuidade desses feitos e os possiacuteveis lucros
de sua vitoacuteria Do mesmo modo como observa o autor a fala sobre a
moralidade dificilmente pode ser alcanccedilada usando-se apenas os
silogismos ou a induccedilatildeo que caracterizam os modos deliberativo e
judiciaacuterio (Santos 2006 p 90)
A discussatildeo que teci dos gecircneros da argumentaccedilatildeo presentes desde a retoacuterica
claacutessica juntamente com a discussatildeo sobre sua estrutura variada no debate retoacuterico
servem de alicerce para os estudos modernos sobre argumentaccedilatildeo em dois importantes
aspectos (1) a consideraccedilatildeo do caraacuteter heterogecircneo dos gecircneros discursivos e de seus
diferentes modos e maneiras de realizaccedilatildeo na prerrogativa de atender intenccedilotildees
comunicativas diversas (2) a heranccedila claacutessica nos estudos modernos sobre a
argumentaccedilatildeo no que se refere agrave relevacircncia dada agrave estrutura e ao planejamento do
discurso argumentativo (ibid p 91) Este uacuteltimo aspecto eacute o que nos interessa neste
trabalho pois auxilia na reflexatildeo sobre o discurso argumentativo na arte retoacuterica e sua
influecircncia na contemporaneidade destacando trecircs aspectos importantes da composiccedilatildeo
verbal do discurso na arte retoacuterica da antiguidade grega quais sejam taxis heuresis e
lexis
A taxis (lat Dispositio) corresponde ao plano de organizaccedilatildeo do
discurso que pode ser alterado em curso agrave medida em que se atendam
as demandas comunicativas como a reaccedilatildeo da audiecircncia frente ao
exposto A taacutexis reconhece os seguintes componentes de uma
argumentaccedilatildeo conforme nos apresenta Nach (1989 p 6-9) heuresis
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 60
ILKA SCHAPPER SANTOS
(lat Inventio) que diz respeito agrave capacidade do orador de utilizar
dentro de seu repertoacuterio de conhecimentos aquele(s) necessaacuterios(s) agrave
introduccedilatildeo ou ao desenvolvimento do assunto e que funciona(m)
como ferramenta(s) oratoacuteria(s) para a abordagem do conteuacutedo uma
pergunta retoacuterica uma anedota uma definiccedilatildeo uma comparaccedilatildeo e
lexis (lat elocutio) que corresponde agraves escolhas linguiacutesticas
(discursivas) que semiotizam as intenccedilotildees comunicativas de
persuasatildeo e convencimento (ibid p 91)
Perelman e Olbrechts-Tyteca propotildeem uma ruptura das concepccedilotildees de razatildeo e
raciociacutenio cartesiano defendendo a tese de que um raciociacutenio pode convencer sem
necessariamente ser um caacutelculo e pode ter o estatuto cientiacutefico tatildeo riacutegido e ter a precisatildeo
matemaacutetica No interregno entre as discussotildees aristoteacutelicas e o raciociacutenio cartesiano
temos em Perelman e Olbrechts-Tyteca (19702005) uma nova visatildeo de argumentaccedilatildeo
(1) estudo de teacutecnicas discursivas que permitem provocar ou aumentar a adesatildeo das
pessoas agraves teses que satildeo apresentadas (p 5) e
(2) provocar ou aumentar a adesatildeo dos espiacuteritos agraves teses que se apresentam a seu
assentimento uma argumentaccedilatildeo eficaz eacute a que consegue aumentar essa
intensidade de adesatildeo de forma que se desencadeie nos ouvintes a accedilatildeo
pretendida (accedilatildeo positiva ou abstenccedilatildeo) ou pelo menos crie neles uma
disposiccedilatildeo para a accedilatildeo que se manifestaraacute no momento oportuno (p 50)
Eacute importante dizer que nesse interregno a obra de Perelman e Olbrechts-Tyteca
resgata da doutrina aristoteacutelica a retoacuterica a partir dos conhecimentos provaacuteveis do
verossiacutemil e natildeo das certezas e verdades absolutas A delineaccedilatildeo de seu campo era o da
controveacutersia da crenccedila do mundo da opiniatildeo que se movimenta dialeticamente pelo
confronto de ideias e pela habilidade na praacutetica discursiva Foi no interior desse resgate
que surgiram as ldquonovas retoacutericasrdquo estruturadas nas loacutegicas natildeo formais e nas loacutegicas
naturais (Mosca 2004 p 20)
Esse novo movimento da retoacuterica estaacute fundado na inter-relaccedilatildeo das ciecircncias
humanas com as ciecircncias dos discursos tendo como referente a loacutegica e as evidecircncias
As teorias da argumentaccedilatildeo passam a se desenvolver sobre postulados democraacuteticos
lidando necessariamente com elementos que a loacutegica cartesiana natildeo permitiria tais
como crenccedilas valores preferecircncias e decisotildees Desse modo aceitam a existecircncia de
limitaccedilotildees e imperfeiccedilotildees uma vez que a argumentaccedilatildeo natildeo pretende se estruturar como
verdade absoluta e sim sob a perspectiva do provaacutevel do verossiacutemil e do criacutevel Nesse
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 61
ILKA SCHAPPER SANTOS
contexto cabe ao auditoacuterio (universal ou particular) decisatildeo de aderir ou natildeo agraves teses e
aos argumentos da cena enunciativa
Na perspectiva da nova retoacuterica eacute importante ter preocupaccedilatildeo com a adesatildeo do
auditoacuterio Desse modo possibilita-se que no espaccedilo de interaccedilatildeo o interlocutor
apresente uma accedilatildeo imediata ou futura diante das proposiccedilotildees e das perguntas
levantadas (Perelman e Olbrechts-Tyteca 19702005 p16) Isso porque como
discutido anteriormente o objetivo da retoacuterica eacute ldquoproduzir ou aumentar a adesatildeo de um
determinado auditoacuterio a certas teses e seu ponto inicial seraacute a adesatildeo desse auditoacuterio a
outras tesesrdquo (Perelman e Olbrechts-Tyteca 19702005 p70)
O ponto de intersecccedilatildeo entre a retoacuterica aristoteacutelica (350 aC 2005) e a Nova
Retoacuterica (Perelman e Olbrechts-Tyteca 19702005) eacute a crenccedila de que os interlocutores
no campo da enunciaccedilatildeo e no campo da intencionalidade se influenciam de alguma
maneira (Mosca 2004)
Segundo Osakabe (1999) Perelman e Olbrechts-Tyteca (19702005) trazem
algumas distinccedilotildees em relaccedilatildeo ao trabalho sobre a retoacuterica de Aristoacuteteles em especial
no que se refere ao gecircnero epidiacutectico e agrave questatildeo do loacutecus do qual se extraem as
premissas Em relaccedilatildeo ao gecircnero epidiacutectico acrescentam que eacute necessaacuterio que o orador
leve em consideraccedilatildeo a complexidade do contexto em que estaacute inserido complexidade
que pode ser desvelada pela linguagem no interior das praacuteticas sociais Jaacute a questatildeo do
ldquolugarrdquo do qual se retiram as premissas os autores discutem a necessidade de
simplificaacute-las em quantidade e qualidade
Eacute importante dizer que os estudos da Retoacuterica Claacutessica Aristoteacutelica bem como
da Nova Retoacuterica de Perelman e Olbrechts-Tyteca influenciaram sobremaneira a
reconstruccedilatildeo epistemoloacutegica e as releituras criacuteticas da abordagem retoacuterica dos estudos
literaacuterios e mais recentemente os estudos da linguagem desenvolvidos pela Linguiacutestica
Aplicada em especial os trabalhos desenvolvidos e orientados por Liberali no LAEL
da PUC-SP no seu projeto de produtividade do CNPq (Liberali 2008) do qual esta tese
faz parte
Nesse sentido o diaacutelogo tecido ateacute aqui entre a ldquovelhardquo e a ldquonovardquo retoacuterica tem
como objetivo refletir sobre a argumentaccedilatildeo a partir desses paracircmetros e daqueles
construiacutedos e discutidos por Liberali (2006 p 7) ldquouma argumentaccedilatildeo colaborativa que
permite a restriccedilatildeo e expansatildeo dos significados que saciaratildeo natildeo (somente) a
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 62
ILKA SCHAPPER SANTOS
necessidade individual mas aquela necessidade que permite perceber que somos parte
de uma totalidade que existe nas partesrdquo Nessa perspectiva a argumentaccedilatildeo eacute um
dispositivo que permite aos sujeitos interagirem no campo das ideias concepccedilotildees
valores e crenccedilas colocando-os em contato ora conflitantes ora em concordacircncia
Diante do exposto neste trabalho defino argumentaccedilatildeo como um dispositivo
enunciativo que a partir dos tipos de argumentos discutidos (que satildeo explicitados no
capiacutetulo 2) especialmente os propostos por Perelman e Olbrechts-Tyteca (19702005)
permite descrever informar confrontar e transformar os sentidos produzidos pelos
sujeitos nos espaccedilos discursivos da praacutetica de pesquisa Um movimento que revela
sentidos e significados compartilhados em outros espaccedilos criando em um loacutecus
especiacutefico particular uma instacircncia nova de significaccedilatildeo no movimento da CC
Na proacutexima seccedilatildeo discutirei esse movimento argumentativo no fluxo da
interaccedilatildeo verbal tendo como horizonte de visatildeo as categorias teoacutericas bakhtinianas
dialogismo discurso autoritaacuterio e discurso internamente persuasivo
116 ndash Fluxo da Interaccedilatildeo verbal por uma argumentaccedilatildeo dialoacutegica na Cadeia
Criativa
A interaccedilatildeo social por intermeacutedio da liacutengua caracteriza-se
fundamentalmente pela argumentatividade () o ato linguiacutestico
fundamental eacute o ato de argumentar
(Ingedore Koch)
No cenaacuterio dos estudos e pesquisas em Linguiacutestica Aplicada (LA) o tema
argumentaccedilatildeo tem sido importante ponto de discussatildeo Isso porque o campo de
investigaccedilatildeo da LA estabelece uma interface com diferentes domiacutenios do conhecimento
numa perspectiva transdisciplinar que tem como eixo a linguagem E como aponta a
epiacutegrafe desta seccedilatildeo o ato linguiacutestico fundamental eacute o ato de argumentar Dito isto o
binocircmio linguagem-argumentaccedilatildeo eacute elemento indissociaacutevel para trabalhos que buscam
investigar as interaccedilotildees sociais Nesta seccedilatildeo do capiacutetulo este binocircmio seraacute analisado no
fluxo da interaccedilatildeo verbal a partir das contribuiccedilotildees teoacutericas do Ciacuterculo de Bakhtin
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 63
ILKA SCHAPPER SANTOS
Ateacute agora discuti sobre as condiccedilotildees sociais histoacutericas e culturais que
determinam a existecircncia do ser humano e como focalizo neste trabalho a produccedilatildeo de
seu conhecimento Discorri tambeacutem a partir da perspectiva soacutecio-histoacuterico-cultural que
essa produccedilatildeo se processa no entremeio da realidade material e imaterial mediada por
representaccedilotildees siacutegnicas que constituem a essecircncia para a formaccedilatildeo da consciecircncia do
sujeito no interior da linguagem discursivo-simboacutelica Esse processo de internalizaccedilatildeo
do mundo exterior atraveacutes das representaccedilotildees siacutegnicas eacute dialeacutetico-ideoloacutegico o que
possibilita a transformaccedilatildeo do homem no mundo e a transformaccedilatildeo do mundo pelo
homem E por fim teci relaccedilotildees entre a ldquovelhardquo e a ldquonovardquo retoacuterica Passemos entatildeo a
discutir a argumentaccedilatildeo na Cadeia Criativa tendo como eixo a dialogia de Bakhtin
O ciacuterculo de Bakhtin traz uma nova perspectiva para a linguiacutestica moderna em
especial com os estudos sobre enunciaccedilatildeo interaccedilatildeo verbal e nas relaccedilotildees que tece sobre
linguagem-histoacuteria linguagem-sociedade e linguagem-dialogia
Bakhtin e seus colaboradores tecircm uma visatildeo da enunciaccedilatildeo como ldquomateacuteria
linguiacutestica e como contexto enunciativo e afirma ser o enunciado assim entendido o
objeto de estudos da linguagem O texto enunciativo recupera estatuto pleno de objeto
discursivo social e histoacutericordquo (Barros 1994 p 1) Sob a anaacutelise bakhtiniana a
enunciaccedilatildeo se processa no interior da interaccedilatildeo verbal presente nas mais variadas
interaccedilotildees do indiviacuteduo Nesse contexto podemos compreender a linguagem como um
sistema simboacutelico discursivo que enfatiza a interaccedilatildeo entre os sujeitos em todas as
dimensotildees da enunciaccedilatildeo pois o contexto soacutecio-histoacuterico-cultural no qual estamos
inseridos eacute um rico conjunto de significaccedilotildees
Eacute no interior desse contexto por meio da internalizaccedilatildeo e do revozeamento dos
discursos alheios que a liacutengua materna se funda
a liacutengua materna ndash a constituiccedilatildeo do seu leacutexico e sua estrutura
gramatical ndash natildeo a aprendemos nos dicionaacuterios e nas gramaacuteticas noacutes
a adquirimos mediante enunciados concretos que ouvimos e
reproduzimos durante a comunicaccedilatildeo verbal viva que se efetua com
indiviacuteduos que nos rodeiam (Bakhtin 1987 p 301-302)
Para Bakhtin internalizaccedilatildeo e revozeamento dos enunciados alheios
materializam-se no movimento dialoacutegico e heterogloacutessico da linguagem O dialogismo
expressa a natureza interdiscursiva da linguagem nem sempre consensual pois expressa
o ldquopermanente diaacutelogo nem sempre simeacutetrico e harmonioso existente entre os
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 64
ILKA SCHAPPER SANTOS
diferentes discursos que configuram uma comunidade uma cultura uma sociedaderdquo
(Brait 1997 p 98)
No dialogismo o discurso natildeo se constroacutei sobre ele mesmo mas se materializa
em vista do outro enquanto esse outro perpassa atravessa o discurso do ldquoeurdquo Esses
enunciados alheios e proacuteprios possibilitam a transformaccedilatildeo dos sujeitos em autores que
organizam suas praacuteticas discursivas a partir da interaccedilatildeo verbal A coluna vertebral da
interlocuccedilatildeo eacute pois a palavra
na realidade toda palavra comporta duas faces Ela eacute determinada
tanto pelo fato de que procede de algueacutem como pelo fato de que se
dirige para algueacutem Ela constitui justamente o produto da interaccedilatildeo do
locutor e do ouvinte Toda palavra serve de expressatildeo a um em
relaccedilatildeo ao outro atraveacutes da palavra defino-me em relaccedilatildeo ao outro
isto eacute em uacuteltima anaacutelise em relaccedilatildeo agrave coletividade A palavra eacute uma
espeacutecie de ponte lanccedilada entre mim e os outros Se ela se apoia sobre
mim numa extremidade na outra apoia-se sobre o meu interlocutor
(BakhtinVolochinov 1988 p 113)
Na perspectiva bakhtiniana a palavra existe para o enunciataacuterio em trecircs formas
diferentes
palavra neutra da liacutengua e que natildeo pertence a ningueacutem como
palavra do outro pertence aos outros e que preenche os ecos dos
enunciados alheios e finalmente palavra minha pois na medida em
que uso essa palavra numa determinada situaccedilatildeo com intenccedilatildeo
discursiva ela jaacute se impregnou de minha expressividade (Bakhtin
1987 p 388)
A palavra eacute o elemento em que se confrontam os valores sociais contraditoacuterios
materializando as crenccedilas e os antagonismos sociais produzindo muitas vezes discursos
ideologicamente opostos na luta pelo poder e pela primazia de um modelo econocircmico
pode ocorrer o mascaramento do dialogismo inerente ao sujeito social sobrepondo-se o
discurso oficial Por isso Bakhtin afirmou que o ldquosigno se torna a arena onde se
desenvolvem as lutas de classesrdquo (BakhtinVolochinov 1988) Nesse espaccedilo de luta
ideoloacutegica o signo linguiacutestico reflete e refrata a possibilidade de transformaccedilotildees sociais
pois
as palavras satildeo tecidas a partir de uma multidatildeo de fios ideoloacutegicos e
servem de trama a todas as relaccedilotildees sociais em todos os domiacutenios ()
A palavra constitui o meio no qual se produzem lentas acumulaccedilotildees
quantitativas de mudanccedilas que ainda natildeo tiveram tempo de adquirir
uma nova qualidade ideoloacutegica () A palavra eacute capaz de registrar as
fases transitoacuterias mais iacutentimas mais efecircmeras das mudanccedilas sociais
(BakhtinVolochinov 1988 p 41)
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 65
ILKA SCHAPPER SANTOS
O discurso expresso na palavra eacute dialoacutegico pois a dialeacutetica nasce do diaacutelogo e
nele se prolonga colocando pessoas e textos em um permanente processo dialoacutegico
(Freitas 1994 p 131) A compreensatildeo do discurso de outrem no diaacutelogo entre os
professores-pesquisadores e os demais participantes desta investigaccedilatildeo eacute fundamental
na medida em que possibilita entender o processo de reflexatildeo desencadeado no interior
do espaccedilo de pesquisa
A materializaccedilatildeo do discurso de outrem ocorre principalmente no discurso
citado que BakhtinVolochinov (1988) definem como o ldquodiscurso no discurso a
enunciaccedilatildeo na enunciaccedilatildeordquo e tambeacutem ldquoo discurso sobre o discurso e a enunciaccedilatildeo
sobre a enunciaccedilatildeordquo As questotildees fundamentais para a discussatildeo da temaacutetica
desenvolvida neste trabalho satildeo a) como esse discurso se materializa na praacutetica da
investigaccedilatildeo e b) como o discurso de outrem atravessa o diaacutelogo entre os professores-
pesquisadores e os demais participantes da pesquisa
Para Bakhtin haacute dois tipos de palavra do outro que adquirem um sentido ainda
mais denso e mais importante no processo de formaccedilatildeo ideoloacutegica do homem no
mundo a palavra de autoridade e a palavra internamente persuasiva O discurso citado
que se concretiza na palavra de autoridade tem o estatuto de verdade absoluta natildeo
havendo espaccedilo para argumentaccedilatildeo refutaccedilatildeo contestaccedilatildeo e reflexatildeo posto que a ldquoa
palavra autoritaacuteria natildeo se representa ndash ela apenas eacute transmitidardquo (Bakhtin 1983 p
144) Jaacute a palavra internamente persuasiva eacute identificada pelo autor como revelando
possibilidades bastante diferentes Esta palavra eacute determinante para o
processo de transformaccedilatildeo ideoloacutegica da consciecircncia individual para
uma vida ideoloacutegica independente a consciecircncia desperta num mundo
onde as palavras de outrem a rodeiam e onde logo de iniacutecio ela se
destaca () No fluxo de nossa consciecircncia a palavra persuasiva
anterior eacute comumente metade nossa metade de outrem (ibid p 145)
Para Bakhtin (ibid p 143) ldquoa palavra autoritaacuteria exige de noacutes o
reconhecimento e a assimilaccedilatildeo ela se impotildee a noacutes independentemente do grau de sua
persuasatildeo interior no que nos diz respeitordquo No movimento do discurso autoritaacuterio fica
difiacutecil para o interlocutor tecer modificaccedilotildees de sentido no interior do contexto em que
o discurso aparece Um enunciado que toma contornos de uma palavra autoritaacuteria que
tem o poder de colocar-se por si soacute natildeo promove variaccedilotildees criativas uma vez que tal
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 66
ILKA SCHAPPER SANTOS
palavra ldquonatildeo eacute circundada de diaacutelogos vivos e em muacuteltiplas ressonacircncias em volta
dela morre o contexto as palavras secamrdquo (ibid p 144)
Diferente do discurso autoritaacuterio o discurso internamente persuasivo se
configura como autocircnomo com mobilidade e abertura discursiva em um
desenvolvimento livre que se adapta aos novos contextos e circunstacircncias enunciativas
da palavra Assim nesse tipo de discurso o sentido fica sempre em aberto
possibilitando prosseguir com criatividade no contexto de nossa consciecircncia ideoloacutegica
ldquonoacutes o introduzimos em novos contextos o aplicamos em novo material noacutes o
colocamos numa nova posiccedilatildeo a fim de obter dele novas respostas novos
esclarecimentos sobre seu sentido e novas palavras para noacutesrdquo (ibid p 146) Isso
porque ldquoa palavra persuasiva interior eacute comumente metade nossa metade de outremrdquo
(ibid 145) Essa palavra eacute produzida criativamente e possibilita espaccedilo para o
surgimento de outras palavras em nossa consciecircncia desvelando novas possibilidades
semacircnticas em cada contexto em que eacute pronunciada Ela nasce em uma ldquozona de
contato com o presente inacabadordquo (Bakhtin 1983 p 146)
Neste trabalho a argumentaccedilatildeo configura-se como um movimento dialoacutegico
pois a partir das construccedilotildees teoacutericas de Bakhtin podemos pensar os enunciados
(materializados nos excertos do capiacutetulo de anaacutelise) como textos e observar se se
configuram como discurso autoritaacuterio que carece de persuasatildeo interior para a
consciecircncia ou se satildeo constituiacutedos por discurso internamente persuasivo Dito de outro
modo eacute a oportunidade de observar as palavras internamente persuasivas para
compreender como elas se relacionam no fluxo argumentativo como se entrelaccedilam ao
discurso do outro para criar espaccedilos de possibilidades de na palavra proacutepria trazer a
palavra do outro e na palavra do outro produzir a palavra proacutepria Eacute nesse fluxo da
interaccedilatildeo verbal tendo a argumentaccedilatildeo como dispositivo que os discursos de
autoridade e internamente persuasivo se atravessam Esse movimento discursivo
promove o encontro-confronto de vozes em que no seu interior emergem os sentidos e
os significados dos sujeitos em interaccedilatildeo
No proacuteximo capiacutetulo discutirei o brincar em especial a brincadeira de faz de
conta Isso porque um dos eixos de discussatildeo teoacuterico-praacutetica do GP EFoPI e tambeacutem
desta investigaccedilatildeo eacute a brincadeira na infacircncia de 2 e 3 anos
ILKA SCHAPPER SANTOS
CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI
21 - Uma breve histoacuteria sobre o brincar
Jogos Infantis ndash Pieter Bruegel 1560
Nesta seccedilatildeo seraacute feita uma breve exposiccedilatildeo sobre como as crianccedilas brincavam
em diferentes tempos as relaccedilotildees entre suas brincadeiras e o contexto soacutecio-histoacuterico e
o papel das atividades luacutedicas no interior da educaccedilatildeo infantil
Antes de tecer essas relaccedilotildees discutirei sobre a interface dos jogos e brincadeiras
no processo civilizatoacuterio O estudo de Huizinga (1938) constitui exemplo claacutessico desse
vieacutes Apesar de o teoacuterico reconhecer que haacute elementos imbricados entre o jogo da
crianccedila e o do adulto sua literatura estaacute mais voltada para o jogo do adulto
classificando-o como qualitativamente diferente Na sua teoria partindo da ideia de que
mesmo as mais seacuterias accedilotildees do homem tecircm elementos que se fundam no jogo este tem
caracteriacutestica agoniacutestica gecircnese da disposiccedilatildeo inata do homem para a competiccedilatildeo Isso
pode ser percebido nas atividades institucionalizadas tais como o direito a guerra o
conhecimento a poesia a filosofia a arte e a religiatildeo (Szundy 2005)
Johan Huizinga importante historiador holandecircs explica em sua obra intitulada
Homo Ludens que foi editada pela primeira vez em 1938 suas ideias sobre o luacutedico
apontando o jogo como a origem das mais seacuterias atividades humanas O autor esclarece
CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 68
ILKA SCHAPPER SANTOS
que ldquonatildeo vecirc razatildeo alguma para abandonar a noccedilatildeo de jogo como um fator distintivo e
fundamental presente em tudo o que acontece no mundordquo explicitando sua ldquoconvicccedilatildeo
de que eacute no jogo e pelo jogo que a civilizaccedilatildeo surge e se desenvolverdquo (Huizinga
19381996 prefaacutecio) Seria extremamente radical afirmarmos que toda e qualquer
atividade humana se constitui a partir do jogo mas como defende o autor eacute inegaacutevel o
papel dele no processo civilizatoacuterio Assim sua obra tem como objeto de estudo o jogo
como forma especiacutefica de atividade destacando sua funccedilatildeo social uma funccedilatildeo de
significante e que encerra um determinado sentido (Silva 2003) Essa funccedilatildeo estaacute
imbricada em todas as manifestaccedilotildees humanas como a linguagem o mito e os ritos
sagrados Diante do exposto Huizinga (19381996 p 4) afirma que ldquoseja qual for a
maneira como o considerem o simples fato de o jogo encerrar um sentido implica a
presenccedila de elemento natildeo material em sua proacutepria essecircnciardquo A funccedilatildeo de significante
encerrando um sentido eacute explicada a partir de um paralelo que o autor faz entre o jogo e
a capacidade humana de nomear de designar as coisas por meio da linguagem Assim
sugere que eacute jogando e brincando que as mais diversas metaacuteforas satildeo produzidas
No campo histoacuterico e cultural o jogo tem um papel fundamental nas diversas
atividades das civilizaccedilotildees antigas de cuja influecircncia tanto o mito quanto o culto satildeo
expoentes Szundy (2005 p 38) explica que ldquoao criar um jogo entre realidade e
fantasia o homem primitivo procurava atraveacutes da linguagem dar conta dos fenocircmenos
do mundordquo De algum modo isso ocorria tambeacutem com o culto jaacute que os rituais
sagrados das civilizaccedilotildees antigas eram realizados sob a eacutegide do jogo no sentido literal
da palavra um jogo entre as forccedilas do bem e as forccedilas do mal Em muitas civilizaccedilotildees
esse movimento subscrito no mito e no culto ainda se faz presente pois transcende as
geraccedilotildees e retorna a elas por meio das narrativas vivecircncias e experiecircncias de seus
membros mais velhos
Huizinga mostra como o jogo eacute ldquouma evasatildeo da vida bdquoreal‟ para uma esfera de
orientaccedilatildeo proacutepriardquo (19381996 p 6) jaacute que nessa atividade o jogador mergulha no
universo do secreto em que de algum modo se sente protegido das leis da realidade
externa e do cotidiano da vida Dito de outra maneira essa evasatildeo natildeo carrega as leis da
vida real mas eacute desenvolvida com toda a seriedade pois se trata apenas de fazer de
conta Mas nesse movimento as atividades luacutedicas criam uma ordem e
paradoxalmente constituem a proacutepria ordem ou leis proacuteprias No fluir do jogo vemos a
confusatildeo e a imperfeiccedilatildeo do mundo mas paradoxalmente haacute no ato luacutedico elementos
CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 69
ILKA SCHAPPER SANTOS
da esteacutetica da beleza e da harmonia (Silva 2003 p 18) Esses elementos levam o ser
humano a se envolver freneticamente na atividade luacutedica gerando pontos de tensatildeo
produzidos pela incerteza e pelo acaso que obriga aquele que joga a colocar ldquoagrave prova a
criatividade tenacidade virilidade capacidades espirituais e lealdaderdquo (ibid)
Apesar de afirmar ser a seriedade um dos elementos fundantes do jogo Huizinga
admite que ao jogar podemos nos situar abaixo do niacutevel da seriedade atingindo os
espaccedilos do belo e do sagrado Apesar de natildeo deixar de lado a seriedade da brincadeira o
historiador afirma que nela temos gradaccedilotildees Nas gradaccedilotildees estatildeo presentes duas
funccedilotildees inerentes ao jogo ldquode ser uma luta por alguma coisa e de ser a representaccedilatildeo
de alguma coisardquo (Huizinga 19381996 p 16)
Mesmo natildeo focalizando seu interesse no jogo infantil o autor discorre sobre o
jogo representativo que tambeacutem eacute conhecido como dramaacutetico protagonizado ou de faz
de conta dizendo que as representaccedilotildees das crianccedilas satildeo estruturadas a partir de uma
elevada capacidade de imaginar posto que ldquomais do que uma realidade falsa eacute a
realizaccedilatildeo de uma aparecircncia eacute bdquoimaginaccedilatildeo‟ no sentido original do termordquo (ibid p
17)
Essas tessituras teoacutericas de Huizinga sobre a funccedilatildeo social do jogo e seus
aspectos fundamentais em especial ldquode ser uma luta por alguma coisa e de ser a
representaccedilatildeo de alguma coisardquo auxiliam-nos a refletir e a problematizar a) esses
elementos estatildeo presentes nas concepccedilotildees sobre jogos e brincadeiras infantis e b)
como isso foi se constituindo ao longo do processo educativo
Silva (2003) aqui em siacutentese faz um interessante esboccedilo sobre as diversas
concepccedilotildees da infacircncia em diferentes tempos histoacutericos possibilitando-nos
compreender o quanto o debate nessa aacuterea tem sinalizado conquistas significativas em
contextos mais recentes em especial na brincadeira de faz de conta
A autora encontrou informaccedilotildees significativas em um trabalho de Rosamilha
(1979) outro importante estudo bibliograacutefico que investigou a vida quotidiana de
vaacuterias culturas e sociedades que estiveram mais proacuteximas da mentalidade ocidental no
que diz respeito agraves concepccedilotildees sobre o brincar mostrando como essas influecircncias
interferiram sobremaneira em nossas praacuteticas educativas
Rosamilha (1979) em sua pesquisa encontrou natildeo soacute referecircncias ao luacutedico no
texto biacuteblico e no cristianismo primitivo mas tambeacutem registros de posturas negativas
CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 70
ILKA SCHAPPER SANTOS
por parte da igreja quanto a brinquedos e brincadeiras no seacuteculo XVIII Embora haja
registros mais recentes de alguns autores seguidores do cristianismo que adotaram
postura diferente a posiccedilatildeo negativa dita anteriormente trouxe impactos para o
desenvolvimento de atividades luacutedicas na educaccedilatildeo escolar Haacute registros importantes
sobre essa interferecircncia Em Portugal e na Alemanha no final do seacuteculo XVIII e iniacutecio
do seacuteculo XIX a instituiccedilatildeo escolar natildeo era um espaccedilo agradaacutevel os estudantes tinham
castigos corporais e natildeo aparece nenhum registro sobre o espaccedilo de brinquedos e
brincadeiras no contexto educacional Em muitas outras sociedades o quadro eacute similar
Na Ruacutessia por exemplo a brincadeira era afastada do ambiente escolar (Silva 2003 p
12)
No iniacutecio do seacuteculo XX o contraponto a essas posturas foi feito a partir das
ideias de Rousseau Pestalozzi e Froebel e ldquomuitas afirmaccedilotildees desses escritores e
educadores foram incorporadas aos poucos no movimento da chamada educaccedilatildeo
nova nos meacutetodos ativosrdquo (Rosamilha 1979 p 19) As elaboraccedilotildees teoacutericas desses
pensadores e educadores influenciaram a Psicologia do seacuteculo XX como as
referendadas na obra de John Dewey (1859-1952) filoacutesofo norte-americano e um dos
principais teoacutericos a influenciar o movimento escolanovista O autor eacute responsaacutevel pelos
primeiros trabalhos que enfatizam a importacircncia dos jogos dos brinquedos e das
brincadeiras no processo educativo A tese de Dewey eacute de que por meio da brincadeira
a crianccedila aprende a respeito do mundo que a cerca Na brincadeira de papeacuteis (como a
nomeia Vygotsky e seus colaboradores) a crianccedila representa o mundo da famiacutelia Na
brincadeira de casinha por exemplo imita o contexto social em que estaacute circunscrita e
representa as diferentes situaccedilotildees que vivencia em seu cotidiano
No Brasil as ideias do movimento da Escola Nova foram trazidas inicialmente
por Rui Barbosa (1849-1923) em 1882 Sob a influecircncia desse movimento Aniacutesio
Teixeira (1900-1971) Lourenccedilo Filho (1897-1970) e o poeta Maacuterio de Andrade (1893-
1945) mentor da idealizaccedilatildeo dos parques infantis na cidade de Satildeo Paulo iniciaram um
movimento em defesa da presenccedila de jogos e de brincadeiras na educaccedilatildeo das crianccedilas
pequenas Para esses autores os jogos e as brincadeiras deveriam ser atividades livres
que seriam um meio de manifestaccedilatildeo das forccedilas criadoras do homem (Kuhlman Jr
2000) Isso porque os escolanovistas iam de encontro agrave tese de que a educaccedilatildeo deve ser
uma preparaccedilatildeo para a vida uma educaccedilatildeo do devir ao contraacuterio para eles a escola
deve se pautar na proacutepria vida O eixo norteador do processo educativo deveria ser a
CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 71
ILKA SCHAPPER SANTOS
diacuteade vida-experiecircncia e em decorrecircncia disso a funccedilatildeo da escola seria a de possibilitar
um entrecruzamento de vivecircncias experiecircncias e aprendizagens construiacutedas no interior
da vida
Podemos inferir que as mudanccedilas histoacutericas e sociais sobre os jogos as
brincadeiras e os brinquedos infantis tecircm uma interface com o fazer pedagoacutegico nas
creches e preacute-escolas Nesse movimento as raiacutezes histoacutericas culturais e sociais a
respeito dos jogos e brincadeiras trazem concepccedilotildees sobre as crianccedilas e suas infacircncias
em uma unidade dialeacutetica ao longo de diferentes tempos e espaccedilos sociais No
interregno de diferentes tempos e espaccedilos soacutecio-culturais coexistem concepccedilotildees que
ora enfatizam a relevacircncia dos jogos e brincadeiras livres ora dizem da importacircncia de
se suprimir aquilo que desvia a atenccedilatildeo das crianccedilas Neste sentido o luacutedico manifesto
em atividades serve apenas para ocupar um tempo livre ao final da aula ou no uacuteltimo
dia da semana (Silva 2003)
Silva (2003) alerta que ldquoao observar de um modo geral como esteve
distribuiacutedo o espaccedilo fiacutesico nas escolas percebe-se que sempre haacute ao lado das salas de
aula um paacutetio para recreaccedilatildeordquo (ibid p 14) Em funccedilatildeo disso discute como as
atividades das crianccedilas na escola estatildeo divididas entre o luacutedico e o trabalho de ordem
intelectual A arquitetura e a organizaccedilatildeo dos espaccedilos de creches e preacute-escolas mostram
o fosso que desde a tenra infacircncia nossas crianccedilas vivenciam o dualismo entre o
brincar e o trabalho intelectual revelando talvez uma transposiccedilatildeo dos conteuacutedos
curriculares do ensino fundamental para a educaccedilatildeo infantil Muito embora as
concepccedilotildees sobre jogos e brincadeiras e em decorrecircncia disso as proacuteprias concepccedilotildees
sobre crianccedilas e suas infacircncias tenham avanccedilado especialmente nas deacutecadas de 1970 e
1980 a separaccedilatildeo do trabalho intelectual e do luacutedico ainda se faz presente nas
instituiccedilotildees de educaccedilatildeo infantil
A respeito dessa dicotomia Kuhlmann Jr (1998) e Kishimoto (1999) explicam
que as propostas para a educaccedilatildeo infantil em diversas localidades do paiacutes desconsideram
o universo histoacuterico cultural das crianccedilas da educaccedilatildeo infantil antecipando praacuteticas
inerentes ao periacuteodo de escolarizaccedilatildeo e deixando agrave margem do processo os jogos as
brincadeiras e os brinquedos Cria-se assim um fosso entre conteuacutedos escolares e o
movimento luacutedico
A gecircnese desse pensamento encontra-se na visatildeo de uma educaccedilatildeo infantil
ldquopreparatoacuteriardquo para construir os pilares necessaacuterios agraves primeiras seacuteries do ensino
CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 72
ILKA SCHAPPER SANTOS
fundamental Em um artigo no Jornal Folha de Satildeo Paulo de 11012010 intitulado
ldquoEstudo aponta que aluno da rede puacuteblica jaacute chega pior agrave 1ordf seacuterierdquo haacute uma
discussatildeo que nos auxilia compreender como cada vez mais a sociedade relaciona as
dificuldades das crianccedilas das primeiras seacuteries do ensino fundamental agrave educaccedilatildeo infantil
e por conseguinte tenta sanar essas dificuldades em um trabalho ldquoantecipadordquo na
infacircncia de 0 a 6 anos O artigo inicia-se afirmando
Os alunos que ingressam nas escolas particulares chegam agrave primeira
seacuterie jaacute com larga vantagem em relaccedilatildeo agraves crianccedilas de escolas
puacuteblicas E essa desigualdade nas meacutedias pouco se altera ateacute o final da
quarta seacuterie do ensino fundamental
Esta eacute uma das conclusotildees de um estudo pioneiro no Brasil o Projeto
Geres que acompanhou de 2005 a 2008 20 mil alunos de Belo
Horizonte Rio de Janeiro Campinas Campo Grande e Salvador
() Para Faacutetima Alves pesquisadora da PUC-Rio e uma das
coordenadoras do projeto eacute preciso investir mais em educaccedilatildeo infantil
(creches e preacute-escolas) para diminuir essa desigualdade inicial
Pensemos se o Projeto Geres (Projeto Geraccedilatildeo Escolar) eacute um estudo
longitudinal que focaliza a aprendizagem dos alunos nos primeiros anos do ensino
fundamental e uma de suas conclusotildees eacute a de que os alunos da rede puacuteblica em relaccedilatildeo
aos alunos da rede privada jaacute chegam em defasagem nesse grau de ensino a premissa eacute
que o loacutecus do problema esteja tambeacutem na educaccedilatildeo infantil Essa inferecircncia leva a
pesquisadora Faacutetima Alves a dizer que se faz necessaacuterio investir mais na educaccedilatildeo
infantil (creches e preacute-escolas) para diminuir essa desigualdade inicial Mas qual seria a
natureza desse investimento A preparaccedilatildeo para ler escrever e contar Como ficaria o
espaccedilo para as brincadeiras tatildeo necessaacuterias ao desenvolvimento infantil
Fiz essa digressatildeo para ilustrar os paradoxos que permeiam as orientaccedilotildees
pedagoacutegicas para a educaccedilatildeo infantil Mas a histoacuteria das ideias e das praacuteticas no campo
da infacircncia mostra que muitos autores jaacute pensaram no reverso dessa moeda Iniciamos
nosso debate com as influecircncias de Dewey no movimento da Escola Nova no Brasil
(1932) Passemos entatildeo a outras concepccedilotildees com outros autores
Friedrich Froebel (1782-1852) foi um dos primeiros educadores a discutir sobre
a importacircncia da accedilatildeo do brincar no trabalho educativo A perspectiva do autor alematildeo
estava pautada na crenccedila em uma educaccedilatildeo infantil que valorizasse a natureza infantil a
partir das brincadeiras livres e espontacircneas (Kishimoto 1998) Essa visatildeo influenciou
vaacuterias propostas de trabalho pedagoacutegico na educaccedilatildeo infantil e incentivou a introduccedilatildeo
de jogos e brincadeiras nas instituiccedilotildees de creches e preacute-escolas do paiacutes
CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 73
ILKA SCHAPPER SANTOS
Paradoxalmente a propagaccedilatildeo do brincar nas instituiccedilotildees infantis brasileiras natildeo
teve uma inserccedilatildeo uniforme Pelo contraacuterio ancorou-se em crenccedilas e valores proacuteprios
ao contexto histoacuterico-cultural dessas instituiccedilotildees infantis (Silva 2003) Froebel foi o
primeiro a discorrer sobre o valor das brincadeiras como elemento essencial no trabalho
pedagoacutegico com as crianccedilas pequenas ao fundar o jardim de infacircncia entendendo ldquoo
jogo como objeto e accedilatildeo do brincar que se caracteriza pela liberdade e
espontaneidaderdquo (ibid p 15) Froebel atribuiacutea um duplo sentido agrave ideia do brincar e agrave
educaccedilatildeo infantil (os jardins de infacircncia) de um lado via como material educativo
necessaacuterio agrave aquisiccedilatildeo de conhecimentos de outro notava que o brincar tinha um fim em
si mesmo quando se fundava na liberdade e espontaneidade Nesse movimento as
concepccedilotildees e praacuteticas pedagoacutegicas transitavam entre a primeira e segunda premissa do
autor
Na verdade esse dualismo em relaccedilatildeo aos jogos e brincadeiras ndash ora como
recurso auxiliar na aquisiccedilatildeo do conhecimento meio de ensino ora como um fim em si
mesmo ndash eacute bem antigo Desde a antiguidade claacutessica com Platatildeo e Aristoacuteteles passando
pelo Renascimento e teacutermino da Revoluccedilatildeo Francesa haacute diferentes interpretaccedilotildees sobre
a cultura do jogo infantil e seus desdobramentos na praacutetica pedagoacutegica Nesse
interregno histoacuterico surge a polecircmica da utilizaccedilatildeo pedagoacutegica dos jogos e brincadeiras
no interior da educaccedilatildeo infantil Eacute interessante refletir sobre a natureza do movimento
luacutedico que permite o desenvolvimento do imaginaacuterio infantil por meio de objetos
simboacutelicos disponibilizados intencionalmente pelo educador para subsidiar o
desenvolvimento integral da crianccedila (Silva 2003) que sintetiza o fim em si mesmo
No interior das pesquisas do GP EFoPI pudemos observar que muitas vezes haacute
uma disparidade entre o espaccedilo que deveria ser dado aos jogos e brincadeiras e o que se
observa nas creches e preacute-escolas Haacute muitas contradiccedilotildees a respeito da relaccedilatildeo entre
jogos e brincadeiras e a educaccedilatildeo das crianccedilas pequenas Silva explica que satildeo poucas
as atividades que possibilitam o desenvolvimento do imaginaacuterio infantil pela mediaccedilatildeo
de objetos simboacutelicos disponibilizados intencionalmente pelo educador A autora
esclarece ainda que para muitos educadores e pais prevalece a ideia de que os jogos e
brincadeiras constituem um momento de oacutecio de perda de tempo nas instituiccedilotildees de
educaccedilatildeo infantil e que devem ocupar o periacuteodo de laser e de descanso Aleacutem disso as
pesquisas do GP EFoPI apontam o uso de jogos e brincadeiras como um meio de se
trabalhar conteuacutedos relativos ao ler escrever e contar (Silva 2008-2009)
CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 74
ILKA SCHAPPER SANTOS
A posiccedilatildeo do GP EFoPI eacute de que os brinquedos objetos mediadores dos jogos e
brincadeiras possibilitam agraves crianccedilas (re)inventarem a realidade despertando
curiosidade e desejo de aprender e apreender o mundo O grupo de pesquisa parte do
pressuposto de que satildeo muitas as contribuiccedilotildees do brincar para o desenvolvimento
infantil a) os jogos e brincadeiras proporcionam diversatildeo e satisfaccedilatildeo agraves crianccedilas
quando elas dominam suas caracteriacutesticas e entendem sua funccedilatildeo social b) a crianccedila vai
sofisticando seus modos e maneiras de brincar c) a crianccedila ao brincar desenvolve sua
imaginaccedilatildeo (ideias inadequadas) e agrave medida que vai entrando em contato com outras
crianccedilas e com outros adultos constroacutei uma noccedilatildeo comum sobre os modos e maneiras de
brincar Essas noccedilotildees prenhas de significaccedilotildees vatildeo sendo incorporadas pela crianccedila
aos brinquedos que subsidiam as brincadeiras de papeacuteis as representaccedilotildees do contexto
social imediato
Essa perspectiva do GP EFoPI estaacute pautada nos estudos da teoria Soacutecio-
Histoacuterico-Cultural tendo como referecircncia baacutesica as construccedilotildees teoacutericas de Vygotsky
Leontiev e Elkonin Assim na proacutexima seccedilatildeo discutirei o desenvolvimento infantil sob
a eacutegide da imaginaccedilatildeo e a brincadeira de faz de conta
211 ndash A imaginaccedilatildeo e a brincadeira de faz de conta
Um refuacutegio
Uma barriga
Um abrigo onde esconder quando estiver se
afogando da chuva ou sendo quebrado pelo
frio ou sendo revirado pelo vento
Temos um esplecircndido
passado pela frente
Para os navegantes com desejo de vento a
memoacuteria eacute o porto de partida
(Eduardo Galeano)
Nesta seccedilatildeo da tese a discussatildeo do desenvolvimento da imaginaccedilatildeo tendo como
eixo a brincadeira de faz de conta seraacute tecida a partir das elaboraccedilotildees teoacutericas e
intervenccedilotildees do GP EFoPI sob a oacutetica da perspectiva soacutecio-histoacuterico-cultural Para isso
discorro primeiro sobre como Vygotsky concebe a imaginaccedilatildeo criadora depois discuto
a relaccedilatildeo entre imaginaccedilatildeo e as brincadeiras de faz de conta a partir de alguns
CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 75
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pensadores ao longo da histoacuteria Por fim teccedilo as relaccedilotildees produzidas pelo teoacuterico russo
e seus colaboradores em especial Leontiev e Elkonin
A infacircncia e a crianccedila se transformaram em temas que a partir das uacuteltimas
deacutecadas passaram a representar um dos grandes eixos de preocupaccedilatildeo no cenaacuterio
acadecircmico nas instituiccedilotildees de educaccedilatildeo infantil e tambeacutem nas poliacuteticas puacuteblicas Mas o
campo da imaginaccedilatildeo e seu desenvolvimento na infacircncia tendo como eixo da
brincadeira de faz de conta tecircm sido ainda pouco discutidos no panorama educacional
brasileiro Isso pode ser constado nos proacuteprios documentos oficiais Tanto o Referencial
Curricular para Educaccedilatildeo Infantil (BRASIL 1998a b c) como as Diretrizes
Curriculares para a Educaccedilatildeo Infantil (BRASIL 1999) tecircm prescrito que a brincadeira
deva ser um dos eixos para o trabalho nessa fase da educaccedilatildeo baacutesica
Nesses documentos estaacute previsto que as propostas pedagoacutegicas das instituiccedilotildees
de educaccedilatildeo infantil devem incluir o luacutedico a criatividade e praacuteticas de educar e cuidar
que possibilitem a inter-relaccedilatildeo entre aspectos fiacutesicos emocionais afetivos
cognitivolinguiacutesticos e sociais da crianccedila (BRASIL 1999) Aleacutem disso a brincadeira eacute
considerada como base da linguagem da infacircncia destacando a relevacircncia do brincar
tanto em situaccedilotildees formais como informais (BRASIL 1998a) Entretanto apesar de nos
documentos oficiais a brincadeira aparecer como eixo do trabalho pedagoacutegico na
educaccedilatildeo infantil natildeo haacute clareza sobre os pressupostos teoacutericos em que esse elemento
estaacute pautado
Assim o desenvolvimento da imaginaccedilatildeo infantil acionado pela brincadeira de
faz de conta pode configurar um espaccedilo de discussatildeo muito interessante tanto do ponto
de vista teoacuterico quanto do ponto de vista da praacutetica pedagoacutegica Em especial o que se
refere agrave possibilidade de estudo sobre suas relaccedilotildees com o desenvolvimento da crianccedila
no interior dos processos de socializaccedilatildeo de (re)construccedilatildeo do real e da internalizaccedilatildeo
de modos valores e costumes da produccedilatildeo cultural
Cada periacuteodo histoacuterico constroacutei simultaneamente suas indagaccedilotildees e inquietaccedilotildees
e os modos pelos quais busca refleti-las e resolvecirc-las Assim quando relacionamos a
questatildeo da imaginaccedilatildeo e seu desenvolvimento na infacircncia alguns caminhos se
apresentaram tais como a) a imaginaccedilatildeo eacute sinocircnimo de memoacuteria b) seria a memoacuteria
um caso particular da imaginaccedilatildeo c) podemos no interior da teoria soacutecio-histoacuterico-
cultural caracterizar a imaginaccedilatildeo como funccedilatildeo psicoloacutegica superior d) como a
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brincadeira de faz de conta possibilita o desenvolvimento da imaginaccedilatildeo e em
decorrecircncia disso o desenvolvimento do processo de criaccedilatildeo
Minha crenccedila materializada nas discussotildees do GP EFoPI e respaldada na
perspectiva soacutecio-histoacuterico-cultural eacute que a imaginaccedilatildeo se constitui como um somatoacuterio
de duas imagens (a pregressa e a atual) somatoacuterio este que possibilita a criaccedilatildeo de uma
nova imagem totalmente distinta em cada mente humana Numa equaccedilatildeo simples
diriacuteamos que a cena da imaginaccedilatildeo se estrutura com a combinaccedilatildeo de dois elementos
que resultando num terceiro constitui-se como algo totalmente novo O primeiro
elemento seria configurado por estilhaccedilos e fragmentos da memoacuteria de vivecircncias e
experiecircncias sociais que se materializam na imitaccedilatildeo o segundo seria a vivecircncia do
sujeito no momento em que decide reconstruir essa imagem e o somatoacuterio desses dois
elementos seria uma nova imagem criada pelo humano
Segundo Vygotsky (19321998) a imaginaccedilatildeo devia se constituir como uma
incoacutegnita para a psicologia associacionista jaacute que tal corrente considerava qualquer
atividade como uma combinaccedilatildeo de elementos e imagens que jaacute existiam na
consciecircncia Entretanto essa vertente teoacuterica procurou evitar esse enigma e estabeleceu
uma relaccedilatildeo de sinoniacutemia entre a imaginaccedilatildeo e as outras funccedilotildees psiacutequicas
Ao tratar da imaginaccedilatildeo os teoacutericos da velha psicologia a consideraram em duas
categorias a reprodutora e a criadora ou reconstrutiva A primeira era sinocircnimo da
proacutepria memoacuteria pois segundo a psicologia comportamental natildeo existe outro caminho
para explicar a atividade da imaginaccedilatildeo a natildeo ser supor que certa existecircncia de imagens
provoca outras associadas a ela Assim como jaacute foi destacado diante de tal
formulaccedilatildeo o problema da imaginaccedilatildeo fundia-se totalmente com o da memoacuteria sendo
por conta disso considerada como uma de suas funccedilotildees dentre muitas outras Jaacute na
segunda ndash imaginaccedilatildeo criadora ou reconstrutiva ndash a questatildeo se colocava de forma mais
complicada Isso porque a perspectiva comportamental explicava o surgimento de novas
imagens criativas como resultado de combinaccedilotildees singulares e causais de elementos Na
imaginaccedilatildeo criativa aparecem novas combinaccedilotildees desses elementos que natildeo satildeo novos
em si (Vygotsky 19321998 p 108)
Para o teoacuterico soacutecio-histoacuterico-cultural o trabalho desses psicoacutelogos foi em parte
muito importante jaacute que mostrava que os processos da imaginaccedilatildeo eram condicionados
pelos sentimentos Em outras palavras eles descobriram o substrato real da imaginaccedilatildeo
sua conexatildeo com a experiecircncia anterior com as impressotildees acumuladas No entanto o
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outro aspecto do problema qual seja demonstrar o que constitui na imaginaccedilatildeo a base
da atividade que permite representar de forma totalmente nova em uma nova
combinaccedilatildeo todas as impressotildees acumuladas natildeo foi resolvido por eles tendo sido
apenas apresentado (Vygotsky 19321998 p 110) A psicologia associacionista
mostrou-se impotente para explicar como surge a imaginaccedilatildeo criativa Seus construtos
teoacutericos encerram contradiccedilotildees que mostram um caminho feacutertil para a necessidade de
estudo e aprofundamento sobre o tema
Vygotsky (19321998) tambeacutem questionou como os idealistas buscaram discutir
a questatildeo da imaginaccedilatildeo Para os psicoacutelogos intuitivistas toda atividade da consciecircncia
humana estaacute impregnada de um princiacutepio criativo Grosso modo se a psicologia
associacionista estabelecia uma relaccedilatildeo de sinoniacutemia entre a imaginaccedilatildeo e a memoacuteria o
idealismo procurou mostrar que a proacutepria memoacuteria nada mais eacute do que um caso
particular da imaginaccedilatildeo Partindo desse princiacutepio os subjetivistas consideraram a
percepccedilatildeo como um nuacutecleo da imaginaccedilatildeo (ibid p 112)
Em siacutentese explicar a imaginaccedilatildeo tanto do ponto de vista objetivista quanto do
ponto de vista subjetivista consiste no seguinte ambos resumiam a questatildeo de um
modo igualmente metafiacutesico uma vez que ao tomar como original a atividade
reprodutora da consciecircncia fechavam o caminho para explicar como surge a atividade
criativa no processo de desenvolvimento
O idealismo mostrou-se impotente no sentido de que atribuiacutea agrave consciecircncia uma
propriedade criativa primaacuteria incluindo assim a imaginaccedilatildeo no ciacuterculo das atividades
primaacuterias da consciecircncia que segundo os comentaacuterios dos subjetivistas satildeo proacuteprias da
consciecircncia desde o seu nascimento Um uacuteltimo aspecto para a formulaccedilatildeo do problema
da imaginaccedilatildeo de acordo com a psicologia idealista refere-se agrave questatildeo da sua natureza
que por ser muito importante foi transportada para o plano geneacutetico e reduzida agrave
questatildeo de sua prioridade (ibid p 114)
Jaacute a perspectiva psicanaliacutetica para Vygotsky (1932) traz a ideia de que a
imaginaccedilatildeo eacute primaacuteria estando presente desde o princiacutepio na consciecircncia infantil da
qual procede todo o resto da personalidade A crianccedila eacute o uacutenico ser segundo Freud que
estaacute completamente emancipado da realidade Eacute um ser que se acha submerso no prazer
cuja consciecircncia tem como funccedilatildeo principal natildeo a de refletir a realidade em que vive
mas apenas a de servir aos seus desejos e agraves suas tendecircncias sensoriais
CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 78
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Eacute interessante notar que Vygotsky (1932) tambeacutem identificou essa ideia nos
trabalhos de Piaget cujo ponto de partida para o autor soacutecio-histoacuterico consiste em que
o primaacuterio eacute a atividade da imaginaccedilatildeo ou do pensamento que natildeo se dirige pela
realidade Entretanto para o teoacuterico da Epistemologia Geneacutetica existem formas
transitoacuterias ou intermediaacuterias entre a imaginaccedilatildeo e o pensamento realista Isso se
materializa no egocentrismo infantil que representa a escala de transiccedilatildeo entre esses
dois processos Atraveacutes das formas intermediaacuterias do egocentrismo inicia-se o
desenvolvimento do pensamento loacutegico e realista movimento de transiccedilatildeo para o
estaacutegio das operaccedilotildees formais Piaget explica que o egocentrismo eacute o puro estado da
consciecircncia da pessoa que vivendo num mundo de criaccedilotildees proacuteprias natildeo conhece outra
realidade a natildeo ser a de si mesma
Assim para a perspectiva soacutecio-histoacuterico-cultural tanto a psicanaacutelise quanto a
epistemologia geneacutetica satildeo construtos teoacutericos que natildeo consideram a imaginaccedilatildeo como
uma atividade que possibilita construccedilatildeo do conhecimento e transformaccedilatildeo da realidade
por se tratar de uma funccedilatildeo psiacutequica natildeo social de caraacuteter natildeo comunicaacutevel
Para Vygotsky a imaginaccedilatildeo ndash que caracteriza uma funccedilatildeo superior ndash depende
da experiecircncia que na crianccedila vai se acumulando e aumentando paulatinamente com
peculiaridades que a diferenciam da experiecircncia dos adultos A proacutepria experiecircncia
com sua complexidade com suas (con)tradiccedilotildees e influecircncias estimula o processo
criativo visto que a atividade criadora se encontra intimamente relacionada com a
riqueza e a variedade das vivecircncias acumuladas pelo homem no interior das suas
interaccedilotildees com o mundo Como jaacute fora anteriormente mencionado a experiecircncia eacute o
material com o qual o homem ergue seus princiacutepios para a (re)construccedilatildeo e
transformaccedilatildeo do real
A simplicidade e a espontaneidade da imaginaccedilatildeo infantil que jaacute natildeo eacute livre e
tatildeo espontacircnea no jovem podem possibilitar a inferecircncia de que haacute maior riqueza na
capacidade de imaginar na infacircncia do que na idade adulta No entanto natildeo podemos
dizer que a imaginaccedilatildeo na infacircncia seja mais rica do que na adolescecircncia Ao contraacuterio
no decurso de crescimento da crianccedila a imaginaccedilatildeo tambeacutem se desenvolve alcanccedilando
seu processo criativo na idade adulta
Eacute interessante percebermos que a crianccedila ao imaginar acredita mais no fruto de
sua criaccedilatildeo controlando-a menos o que faz com que a imaginaccedilatildeo na infacircncia tenha seu
processo criativo vinculado agraves vivecircncias e experiecircncias imediatas da crianccedila Nesse
CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 79
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sentido seria mais interessante dizer que na idade adulta a imaginaccedilatildeo e o
desenvolvimento da razatildeo se tornam movimentos paralelos desaparecendo desse
modo a fantasia incondicionada da infacircncia Assim agrave medida que a crianccedila vai
crescendo sua capacidade de imaginar estaacute mais relacionada com o raciociacutenio com o
qual caminha no mesmo passo A funccedilatildeo imaginativa prossegue adaptando-se agraves
condiccedilotildees racionais subsidiando o processo de criaccedilatildeo do humano
Essa distinccedilatildeo que Vygotsky (1932) estabelece entre as caracteriacutesticas da
imaginaccedilatildeo na infacircncia e na idade adulta pode ser exemplificada na relaccedilatildeo existente
entre a produccedilatildeo literaacuteria de Monteiro Lobato e seus pequenos leitores O autor na
capacidade imaginativa criou ldquoo mundo do faz de contardquo Nessa criaccedilatildeo ndash em que
realidade e fantasia natildeo tinham fronteira definida ndash Lobato criticava a realidade de seu
tempo no qual em uma sociedade extremamente conservadora reacionaacuteria e
preconceituosa Tia Nastaacutecia a cozinheira negra tinha presenccedila direta nas decisotildees do
grupo Dona Benta com toda sua clareza e pensamento livre socializadora de
conhecimentos e representante de uma nova ordem familiar matriarcal eacute quem delibera
e encaminha as decisotildees familiares Assim o criador do Siacutetio do Pica-Pau-Amarelo em
um movimento de combinar realidade e imaginaccedilatildeo utilizou a sua obra para pensar sua
eacutepoca seu tempo Jaacute a crianccedila leitora com seus sonhos fantasias e imaginaccedilatildeo ingressa
no mundo do faz de conta de Lobato e a partir de sua imaginaccedilatildeo criadora continua a
histoacuteria da velha boneca de pano e da espiga de milho ndash a Emiacutelia e o Visconde de
Sabugosa respectivamente ndash personagens em permanente construccedilatildeo de um espaccedilo
inacabado em que a forccedila criadora ganha significado Em siacutentese enquanto em
Monteiro Lobato temos a imaginaccedilatildeo criadora caracteriacutestica da idade adulta na crianccedila
leitora de sua obra temos a imaginaccedilatildeo criadora infantil que reconstroacutei o real pelas
imagens que lhes satildeo oferecidas na tecitura da obra do autor
Um outro exemplo interessante para ilustrar o conceito vygotskyano de
imaginaccedilatildeo criadora na idade adulta pode ser materializado no pensamento do poeta e
criacutetico de arte Ferreira Gullar ldquouma das coisas que a arte eacute parece eacute a transformaccedilatildeo
simboacutelica no mundo Quer dizer o artista cria um mundo outro ndash mais bonito ou mais
intenso ou mais significativo ou mais ordenado ndash a partir da realidade imediatardquo
(Ferreira Gullar apud Nicola 1998 p11) Nesse ponto o pensamento de Gullar se
aproxima da acepccedilatildeo da criaccedilatildeo artiacutestica de Vygotsky (19301987) para quem a
CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 80
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imaginaccedilatildeo criativa no campo da arte exige em alto grau a participaccedilatildeo do
pensamento realista no processo da imaginaccedilatildeo
Nessa perspectiva se a atividade criadora depende do talento pode-se
questionar se ela seria apenas prerrogativa dos que o possuem considerados escolhidos
para exercer tal atividade Entretanto se considerarmos que a criaccedilatildeo no sentido
psicoloacutegico consiste em fazer algo novo a partir das experiecircncias do meio em que o
sujeito estaacute circunscrito das fantasias dos reflexos de algum objeto do mundo exterior
de determinadas construccedilotildees do ceacuterebro ou dos sentimentos que vivem e se manifestam
somente no homem chegaremos agrave conclusatildeo de que todos podem criar em maior ou
menor grau Assim a criaccedilatildeo eacute acompanhante natural e permanente do desenvolvimento
humano da infacircncia agrave idade adulta Obviamente que esse processo estaraacute intimamente
relacionado agrave cultura na qual o sujeito estaacute inserido agraves suas experiecircncias de vida e a
partir daiacute ao modo como foi construindo suas relaccedilotildees nocom o mundo que o cerca
Aleacutem disso natildeo podemos esquecer que a imaginaccedilatildeo conforme a perspectiva
soacutecio-histoacuterico-cultural natildeo repete em formas e combinaccedilotildees iguais impressotildees
acumuladas isoladas mas (re)constroacutei (re)cria o novo a partir das impressotildees
anteriormente vivenciadas Embora imaginaccedilatildeo criadora natildeo seja sinocircnimo de memoacuteria
nela se apoia jaacute que as novas imagens soacute surgem a partir das reminiscecircncias do vivido
Por isso acreditamos como Eduardo Galeano cujo pensamento se constitui como
epiacutegrafe desta seccedilatildeo que a memoacuteria eacute o porto de partida para os navegantes com
desejo de vento ndash considerando-se aqui o vento como metaacutefora da imaginaccedilatildeo
criadora
No mundo que nos cerca existem todas as condiccedilotildees necessaacuterias para criar
Tudo que excede a rotina encerrando uma miacutenima parte de novidade tem sua origem
no processo criativo do ser humano Ao entendermos dessa forma a imaginaccedilatildeo
criadora concluiacutemos que os processos criativos se apresentam desde a mais tenra idade
contribuindo para o desenvolvimento infantil e em geral para a maturidade Por conta
disso encontramos jaacute nos primeiros anos de vida da crianccedila processos criadores que se
concretizam nos jogos e brincadeiras
Na proacutexima seccedilatildeo relacionarei aspectos sobre o desenvolvimento da imaginaccedilatildeo
a partir da brincadeira de faz de conta e os impactos dessa discussatildeo no interior do GP
EFoPI e desta tese
CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 81
ILKA SCHAPPER SANTOS
212 ndash O desenvolvimento da imaginaccedilatildeo loacutecus da brincadeira de faz de conta e
da (re)invenccedilatildeo do real
As coisas natildeo querem mais ser
vistas por pessoas razoaacuteveis
Elas desejam ser olhadas de azul
ndashQue nem uma crianccedila que vocecirc
olha de ave
Manoel de Barros
O brincar de faz de conta eacute uma atividade inerente ao humano Nele a
imaginaccedilatildeo eacute exercida e desenvolvida atraveacutes do brinquedo da brincadeira e das
histoacuterias que o compotildeem Nas brincadeiras de faz de conta satildeo recuperados os mitos os
modos os costumes e os ritos da civilizaccedilatildeo como afirma Huizinga (19381996)
Muitos foram os pensadores que discutiram o brincar relacionando-o ao
desenvolvimento da imaginaccedilatildeo Passemos agora a fiar e a tecer um diaacutelogo com eles
para depois chegarmos agrave discussatildeo dessa relaccedilatildeo na teoria soacutecio-histoacuterico-cultural
Piaget (1978) classificou os jogos em trecircs categorias jogo de exerciacutecio jogo de
regra e jogo simboacutelico ou de faz de conta Este ldquoestaacute entre os tipos de representaccedilatildeo de
objetos e eventos cuja capacidade se desenvolve no estaacutegio preacute-operacionalrdquo (Silva
2003 p 25) O autor define o jogo como atividade em que haacute uma supremacia da
assimilaccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave acomodaccedilatildeo o objeto eacute assimilado a um esquema mental jaacute
existente sem haver a acomodaccedilatildeo Isso ocorre quando a crianccedila daacute significado ao
objeto ampliando as caracteriacutesticas desse objeto sem contudo mudar os esquemas
mentais referentes a ele Ao contraacuterio do que veremos na perspectiva de Vygotsky e
seus colaboradores para Piaget a imaginaccedilatildeo natildeo eacute uma funccedilatildeo psicoloacutegica mas um
dos poacutelos do pensamento
Em siacutentese para o teoacuterico da Epistemologia Geneacutetica o jogo simboacutelico auxilia
na construccedilatildeo do pensamento como um todo transformando-se a partir da imaginaccedilatildeo
ldquocom o processo duplo de interiorizaccedilatildeo do siacutembolo na direccedilatildeo da construccedilatildeo
representativa e de um alargamento do pensamento sob a forma de imaginaccedilatildeo
criadorardquo (Silva 2003 p 119) Como disse esse movimento se daacute a partir dos
processos assimilativos
CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 82
ILKA SCHAPPER SANTOS
Tanto Piaget quanto Vygotsky concordam com a concepccedilatildeo de que a brincadeira
se estrutura a partir da accedilatildeo No entanto a diferenccedila entre os dois autores estaacute no que
caracteriza a atividade luacutedica e no conteuacutedo que se deseja representar nos jogos e
brincadeiras Na obra do autor suiacuteccedilo encontramos a ideia de que eacute da maneira como as
accedilotildees se organizam que emerge o jogo simboacutelico Jaacute para o autor russo a gecircnese da
brincadeira de faz de conta estaacute no sentido social da accedilatildeo (e na interferecircncia das suas
raiacutezes histoacutericas) que tem uma orientaccedilatildeo externa para depois ser internalizada
(Vygotsky 19301991)
O psicoacutelogo cognitivista das inteligecircncias muacuteltiplas Howard Gardner tambeacutem
discorreu sobre a relaccedilatildeo entre a brincadeira de faz de conta e a imaginaccedilatildeo Gardner
(1994 p 64) explica que essa modalidade de brincadeira eacute uma ldquometarrepresentaccedilatildeordquo
uma forma de tratar o objeto como se fosse outro Para esse autor no brincar de faz de
conta a crianccedila cria ordens representacionais em que trata nada como se fosse algo
trata algo como se fosse nada ou distorce uma propriedade de modo a trataacute-la como
propriedade Assim o sujeito que brinca ldquoestaacute operando uma recogniccedilatildeo de que o que
aparentemente eacute o estado das coisas pode ser intencionalmente posto entre parecircnteses
de modo a criar outro estado de coisas que o autor (da brincadeira) queria evocarrdquo
(ibid p 65)
O autor mostra que a capacidade de ldquometarrepresentaccedilatildeordquo manifesta no faz de
conta possibilita agravequele que brinca um movimento que transcende a habilidade direta
do pensar o mundo circunscrito na experiecircncia pois esse movimento eacute prenho de
imaginaccedilatildeo Nessa perspectiva ao imaginar as crianccedilas ldquoestatildeo aptas a visualizar um
estado de coisas contraacuterio agravequele que eacute apreendido em seus sentidos a captar aquela
atividade imaginaacuteria em formas simboacutelicas puacuteblicas e a continuar a elaborar sobre
aquela capacidade imaginaacuteriardquo (Gardner 1994 p 65)
Assim como Piaget Gardner tambeacutem relaciona o brincar de faz de conta e o
desenvolvimento da imaginaccedilatildeo No entanto tanto um quanto outro focalizam esse
desenvolvimento a partir das construccedilotildees individuais de cada sujeito desconsiderando
as questotildees sociais culturais e histoacutericas
Walter Benjamin teoacuterico da escola de Frankfurt acredita que o brincar significa
sempre libertaccedilatildeo O autor ressalta que apesar de na modernidade a crianccedila estar cada
vez mais imbricada no universo do mundo do adulto atraveacutes das brincadeiras que
envolvem o faz de conta ela cria um mundo proacuteprio manifesto pela imaginaccedilatildeo Ainda
CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 83
ILKA SCHAPPER SANTOS
que os brinquedos e brincadeiras sejam muitas vezes impostos pelos adultos o filoacutesofo
frankfurtiano adverte que a crianccedila subverte a ordem posta e transforma esse universo
da brincadeira com os elementos da imaginaccedilatildeo ldquoa crianccedila quer puxar alguma coisa e
torna-se um cavalo quer brincar com areia e torna-se padeiro quer esconder-se e
torna-se ladratildeo ou guardardquo (Benjamin 1984 p 70)
Nesse movimento mimeacutetico a crianccedila por meio da imitaccedilatildeo de outros seres
animados ou inanimados representa o real acreditando ser verdadeiramente aquilo que
sua imaginaccedilatildeo deseja Para Benjamin essas representaccedilotildees que aquele que brinca daacute
aos brinquedos na brincadeira expressam fragmentos e estilhaccedilos da cultura na qual a
crianccedila estaacute inserida Nesse ponto o filoacutesofo aproxima-se da perspectiva soacutecio-
histoacuterico-cultural de Vygotsky
Ateacute agora apresentei um panorama de algumas discussotildees sobre a imaginaccedilatildeo e
seu papel no desenvolvimento infantil a partir de alguns pensadores Para delinear
melhor os estudos teoacutericos do GP EFoPI sobre o tema discorrerei sobre as relaccedilotildees
teoacutericas que o GP teceu entre a importacircncia do desenvolvimento da imaginaccedilatildeo no
contexto da brincadeira de faz de conta a partir da perspectiva soacutecio-histoacuterico-cultural
de Vygotsky Leontiev e Elkonin
Segundo Vygotsky (19301991) a crianccedila menor tem sua accedilatildeo sobre o mundo
determinada pelo contexto perceptual e pelos objetos nele contidos Entretanto quando
ingressa na creche ou na preacute-escola vivencia por meio do universo da brincadeira de
faz de conta a possibilidade do desenvolvimento de uma importante funccedilatildeo psicoloacutegica
superior ndash a imaginaccedilatildeo ndash que lhe permite desprender-se das restriccedilotildees impostas pelo
ambiente imediato possibilitando-lhe transgredir e subverter as regras impostas por ele
Essa crianccedila agora eacute capaz de transformar o significado dos objetos modificando um
elemento da realidade em outro
Esse formato que a crianccedila atribui aos objetos representados tem implicaccedilotildees
importantes em seu desenvolvimento em especial para a (re)construccedilatildeo de sentidos e
significados sobre o mundo material em que vive Ao montar suas brincadeiras de faz
de conta a partir do contexto soacutecio-histoacuterico-cultural em que estaacute inserida ela traz
elementos novos que natildeo estavam postos nas experiecircncias passadas A criaccedilatildeo de novas
imagens no interior das imagens e vivecircncias passadas satildeo elementos importantes para
que ela possa inaugurar novas maneiras de compreender e (re)inventar a realidade que a
cerca configurando-se tambeacutem como a base da atividade criadora do homem Na
CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 84
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brincadeira de faz de conta temos o pilar do desenvolvimento da imaginaccedilatildeo que se
constitui como a base para o desenvolvimento do sujeito criativo
O processo de criaccedilatildeo humana tem sua gecircnese na imaginaccedilatildeo na capacidade que
o sujeito tem de combinar variaacuteveis e fazer uma nova leitura da realidade Para
Vygotsky (19301987) na atividade criadora a imaginaccedilatildeo e a realidade imbricando-
se estabelecem uma relaccedilatildeo dialeacutetica que possibilita a transformaccedilatildeo do homem na sua
relaccedilatildeo nocom o mundo Daiacute a importacircncia de possibilitarmos agraves crianccedilas
espaccedilostempos de brincadeiras uma vez que quanto mais elas desenvolverem sua
capacidade de imaginar mais desenvolveratildeo processos criativos
Como vimos para Vygotsky a brincadeira de faz de conta eacute caracterizada pelo
elemento da imaginaccedilatildeo Entretanto paradoxalmente essa dimensatildeo imaginaacuteria
manteacutem uma relaccedilatildeo de subordinaccedilatildeo agraves regras impostas pela realidade circundante do
sujeito O autor russo diz
Sempre que haacute uma situaccedilatildeo imaginaacuteria no brinquedo haacute regras ndash natildeo
as regras previamente formuladas e que mudam durante o jogo mas
aquelas que tecircm sua origem na proacutepria situaccedilatildeo imaginaacuteria (Vygotsky
19301991 p 108)
A crianccedila obedece agraves regras do comportamento que estaacute representando Se ela
estiver representando o papel de pai por exemplo obedeceraacute agraves regras do
comportamento paterno A relaccedilatildeo que a crianccedila estabelece com o papel representado eacute
que define as regras que utiliza para encenaacute-lo
Nesse sentido a brincadeira de faz de conta eacute o loacutecus em que a imaginaccedilatildeo na
infacircncia se manifesta e se desenvolve possibilitando agrave crianccedila tornar-se aquilo que natildeo
eacute e permitindo-lhe ultrapassar os limites postos pela realidade Um espaccedilo de
construccedilatildeo de sentidos e de significados no campo da produccedilatildeo dos saberes Esses
saberes satildeo produzidos porque a brincadeira impulsiona a crianccedila a conhecer e a
dominar os objetos e as representaccedilotildees humanas uma vez que as situaccedilotildees de
brincadeiras das crianccedilas satildeo construiacutedas a partir do contexto social que a circunda
Vygotsky (19321998 p 132) explica que
uma crianccedila natildeo se comporta de forma puramente simboacutelica no
brinquedo ao inveacutes disso ela quer e realiza seus desejos permitindo
que as categorias baacutesicas da realidade passem atraveacutes da experiecircncia
A crianccedila ao querer realiza seus desejos Ao pensar ela age As accedilotildees
internas e externas satildeo inseparaacuteveis a imaginaccedilatildeo a interpretaccedilatildeo e a
vontade satildeo processos internos conduzidos pela accedilatildeo externa
CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 85
ILKA SCHAPPER SANTOS
Procurando fundamentar a importacircncia da brincadeira de faz de conta para o
desenvolvimento infantil continuarei o diaacutelogo com outros autores que tambeacutem
trabalharam na perspectiva soacutecio-histoacuterico-cultural e que tecem importantes
contribuiccedilotildees como Leontiev e Elkonin
Aleacutexis N Leontiev foi um importante psicoacutelogo russo que trabalhou com
Vygotsky e colaborou na criaccedilatildeo da psicologia sovieacutetica que se tornou conhecida por
psicologia soacutecio-histoacuterico-cultural O autor tambeacutem pesquisou sobre os princiacutepios
psicoloacutegicos da brincadeira no desenvolvimento infantil Para o teoacuterico a brincadeira eacute
uma atividade inerente ao humano fundada a partir da percepccedilatildeo que a crianccedila tem do
seu contexto histoacuterico e cultural
Para esse autor a brincadeira eacute a principal atividade da crianccedila atividade que a
desafia a operar com os objetos e situaccedilotildees do universo do adulto que ela ainda natildeo
domina Ao antecipar accedilotildees inerentes ao mundo do adulto a crianccedila procura uma
relaccedilatildeo ativa natildeo apenas com os objetos circunscritos ao seu contexto mas tambeacutem
com o mundo mais amplo Para solucionar a contradiccedilatildeo existente entre a necessidade
de (inter)agir e a impossibilidade de realizar operaccedilotildees exigidas pelas accedilotildees a crianccedila
busca no movimento da brincadeira uma maneira de resolver tal contradiccedilatildeo
Para que possamos compreender a assertiva de Leontiev (1998) que a
brincadeira eacute a principal atividade da crianccedila faz-se necessaacuterio entender a definiccedilatildeo do
autor de atividade principal Para isso retomo a definiccedilatildeo explicitada por Arauacutejo (2008
p 37)
aquela em que eacute possibilitada a realizaccedilatildeo de conexotildees importantes
que trazem mudanccedilas no desenvolvimento psiacutequico da crianccedila e
dentro da qual se desenvolvem processos que preparam o caminho da
transiccedilatildeo da crianccedila para um novo e mais elevado niacutevel de
desenvolvimento
Assim a brincadeira de faz de conta como atividade principal do universo
infantil se constitui como um importante mecanismo do desenvolvimento global dos
processos psiacutequicos das crianccedilas no interior de suas infacircncias Segundo Leontiev
(1998) na medida em que a crianccedila se depara com uma progressiva expansatildeo da
quantidade de objetos humanos circunscritos agrave sua realidade mais o brincar torna-se sua
atividade principal pela necessidade de se apropriar do universo do mundo adulto Dito
de outro modo esse movimento impulsiona a crianccedila a dominar esse universo que se
CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 86
ILKA SCHAPPER SANTOS
configura em constante expansatildeo uma aacuterea mais ampla da realidade que soacute se torna
acessiacutevel a ela por meio da brincadeira
Em seus estudos e pesquisas Leontiev (1998) aponta que a maneira de brincar
evolui de acordo com a idade da crianccedila sendo necessaacuterio considerar as especificidades
de cada fase18
do desenvolvimento infantil Para o autor a passagem de uma etapa de
desenvolvimento para uma outra ocorre no decorrer do desenvolvimento da crianccedila
quando ela percebe que as suas (inter)relaccedilotildees com seu mundo imediato natildeo
correspondem mais agraves suas potencialidades Dessa tensatildeo haacute uma mudanccedila na
motivaccedilatildeo da atividade principal da crianccedila por conseguinte essa mudanccedila deixa a
atividade principal antes desempenhada em um segundo plano surgindo uma nova
atividade principal e propiciando um novo estaacutegio do desenvolvimento As
transformaccedilotildees que acontecem no desenvolvimento infantil em cada estaacutegio tecircm uma
relaccedilatildeo de interdependecircncia Eacute importante dizer que embora o desenvolvimento de uma
atividade principal natildeo elimine a que existia antes sua importacircncia muda na relaccedilatildeo da
crianccedila com a realidade (Arauacutejo 2008 p 38)
Leontiev (1998) assim como Vygotsky tambeacutem discorreu sobre a relaccedilatildeo entre
a imaginaccedilatildeo e o desenvolvimento infantil a partir da brincadeira de faz de conta Em
suas investigaccedilotildees o autor chegou agraves mesmas inferecircncias que Vygotsky quais sejam as
crianccedilas na brincadeira natildeo expressam o improvaacutevel ou fantaacutestico mas pautam-se em
elementos da realidade para evocar uma situaccedilatildeo luacutedica imaginaacuteria Nesse movimento
as condiccedilotildees das accedilotildees no interior do brincar em especial do brincar de faz de conta
tornam imprescindiacutevel a imaginaccedilatildeo e datildeo origem a ela (Arauacutejo 2008 p 38)
Eacute interessante notar que segundo Leontiev (1998) os objetos na situaccedilatildeo
imaginaacuteria da brincadeira mantecircm o mesmo campo de significaccedilatildeo da vida real no
entanto ganham contornos luacutedicos Nesse fluxo de significaccedilatildeo do real os sentidos e
significados compartilhados no brincar tecircm sua gecircnese na realidade circunscrita agrave vida
da crianccedila Desse modo o autor acredita que as brincadeiras das crianccedilas satildeo operaccedilotildees
reais e sociais fundadas nas atividades humanas que promovem uma melhor
compreensatildeo da realidade material
18 Eacute importante dizer que os verbetes ldquoetapardquo ldquofaserdquo e ldquoestaacutegiordquo em um vieacutes soacutecio-histoacuterico-cultural natildeo
satildeo relacionados a um desenvolvimento maturacional mas dependem das condiccedilotildees concretas em que
ocorre o desenvolvimento
CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 87
ILKA SCHAPPER SANTOS
Elkonin (1998) do mesmo modo que Vygotsky e Leontiev tambeacutem desenvolveu
estudos e pesquisas a respeito da brincadeira de faz de conta aprofundando as questotildees
referentes agrave psicologia do jogo Por conta disso tornou-se uma referecircncia para esse
campo de discussatildeo no interior da teoria soacutecio-hitoacuterico-cultural Em seu principal
trabalho Psicologia do jogo deu ecircnfase ao que intitulou de jogo protagonizado Seus
estudos tecircm como base os trabalhos de Vygotsky em especial a premissa de que a
gecircnese do jogo natildeo estaacute relacionada a uma essecircncia natural e bioloacutegica mas social
histoacuterica e cultural
Para Elkonin (1998) o jogo protagonizado (ou brincadeira de papeacuteis) tem sua
gecircnese na realidade histoacuterica e cultural natildeo se constituindo uma atividade espontacircnea
para a crianccedila mas sim uma atividade principal no dizer de Leontiev (1998) Essa
atividade principal possibilita o desenvolvimento das accedilotildees mentais tais como o
pensamento generalizante e a descontextualizaccedilatildeo Em uma brincadeira de faz de conta
a crianccedila ao interpretar determinado papel orienta sua accedilatildeo a partir dos elementos que
identifica na ldquopersonagem realrdquo O processo de descontextualizaccedilatildeo possibilita ao
sujeito no faz de conta ldquodiscriminar abstrair e isolar informaccedilotildees de sua realidade
concreta e utilizaacute-las nos contextos luacutedicos criados estabelecendo novas relaccedilotildees e
combinaccedilotildeesrdquo (Arauacutejo 2008 p 41) O desenvolvimento da conduta voluntaacuteria
constitui-se de regras que satildeo abstraiacutedas da realidade material e na brincadeira tornam-
se arbitraacuterias e voluntaacuterias possibilitando o envolvimento da crianccedila na atividade Esse
eacute um importante ponto das discussotildees de Elkonin (1998) pois ldquosubordinar-se aacutes regras
faz parte do universo da brincadeira que se mantecircm desde que todos estejam de acordo
com as regras construiacutedasrdquo (Arauacutejo 2008 p 41)
As reflexotildees que teci ateacute agora sobre a brincadeira de faz de conta podem
indicar ao leitor que elas se distinguem das brincadeiras de regras No entanto uma se
desenvolve a partir da outra Na brincadeira de faz de conta a subordinaccedilatildeo agraves regras
dos papeacuteis protagonizados pelas crianccedilas satildeo a base para que mais tarde elas possam
compreender os jogos com regras que tecircm objetivos definidos Eacute importante dizer que
nos jogos com regras os objetivos e as regras prevalecem mas o desempenho de um
papel e a situaccedilatildeo luacutedica tecircm ainda que de forma secundarizada seu lugar no
desenvolvimento da brincadeira No entanto neste trabalho os jogos de regras natildeo
seratildeo aprofundados pois o foco da discussatildeo centra-se na brincadeira de faz de conta
com crianccedilas de dois e trecircs anos de idade
CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 88
ILKA SCHAPPER SANTOS
Nas discussotildees que foram explicitadas ateacute agora fica claro que o grupo
sovieacutetico em especial Vygotsky Leontiev e Elkonin trata da questatildeo da brincadeira de
faz de conta em um vieacutes soacutecio-histoacuterico-cultural como uma siacutentese dialeacutetica das
relaccedilotildees sociais e da vida concreta das crianccedilas
As contribuiccedilotildees desses autores da teoria soacutecio-histoacuterico-cultural satildeo
fundamentais para as pesquisas do GP EFoPI e para este trabalho de tese pois nos
possibilitam pensar o desenvolvimento infantil na corrente da histoacuteria e da cultura na
qual a crianccedila estaacute inserida Aleacutem disso oportuniza refletir sobre as crianccedilas e suas
infacircncias em um espaccedilo circunscrito e compatiacutevel aos seus desejos motivaccedilotildees e
indagaccedilotildees sobre a realidade concreta Esse interregno de confluecircncias cria zonas de
conflitos e tensotildees ZPDs que propiciam agrave crianccedila aprendizagens significativas
Retomemos entatildeo o percurso A infacircncia o desenvolvimento da imaginaccedilatildeo e a
brincadeira de faz de conta foram questotildees ponderadas nesta seccedilatildeo tendo como eixo as
discussotildees teoacutericas tecidas no interior do grupo de pesquisa EFoPI e neste trabalho E o
que estas discussotildees anunciaram Anunciaram uma possibilidade de tratarmos a questatildeo
da crianccedila e suas infacircncias a partir do prisma de algo que eacute inerente ao seu
desenvolvimento a internalizaccedilatildeo e (re)construccedilatildeo do real sob a oacutetica da imaginaccedilatildeo e
da brincadeira de faz de conta
Aleacutem disso a criaccedilatildeo de uma situaccedilatildeo imaginaacuteria na brincadeira de faz de
conta no dizer de Newman e Holzman (19932002 p 119) eacute uma atividade
revolucionaacuteria que possibilita a criaccedilatildeo de ZPDs ldquoaquela distacircncia emergente e
contiacutenua entre o ser e o tornar-serdquo pois se configura como uma atividade propiciadora
de aprendizado e por conseguinte impulsionadora do desenvolvimento da crianccedila Isso
ocorre porque a crianccedila na brincadeira age de modo mais avanccedilado que o esperado
para o seu niacutevel de desenvolvimento Nesse contexto os brinquedos satildeo os artefatos do
contexto social imediato elementos mediadores que transformam o brincar em uma
atividade circunscrita agrave sua realidade social histoacuterica e cultural
Relacionando agrave concepccedilatildeo de instrumento-e-resultado e natildeo instrumento-para-
resultado de Vygotsky Newman e Holzman (19932002 p 119) fazem uma analogia e
distinguem as brincadeiras por regras-para-resultados daquelas orientadas por regras-e-
resultados ldquoo resultado imaginaacuterio informa o modo de desempenho (do brincar) tanto
quanto o desempenho informa o modo imaginaacuteriordquo Na atividade de brincar a crianccedila
encontra no brinquedo e na interaccedilatildeo com seus pares elementos que geram conflitos
CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 89
ILKA SCHAPPER SANTOS
tensotildees e transformaccedilatildeo da situaccedilatildeo imaginada indo aleacutem das suas proacuteprias
possibilidades e produzindo novos conhecimentos sobre o mundo que a cerca
Eacute importante dizer que diante desse compromisso o grupo de pesquisa decidiu
continuar o diaacutelogo e com a crenccedila de que poderia colaborar criticamente com os
profissionais da educaccedilatildeo infantil resolveu criar um espaccedilo de interlocuccedilatildeo de reflexatildeo
criacutetico-colaborativa Assim iniciou o trabalho de campo da pesquisa com sessotildees
reflexivas com 4 educadoras de uma creche municipal e com as 23 coordenadoras de
todas as creches municipais da cidade de Juiz de Fora O diaacutelogo teve como um dos
eixos as discussotildees sobre os espaccedilos que a brincadeira de faz de conta ocupava nas
creches
Isso porque os participantes do grupo de pesquisa acreditam poder contribuir
para as discussotildees das propostas pedagoacutegicas e tambeacutem para as discussotildees das praacuteticas
no interior das creches e preacute-escolas O eixo da reflexatildeo foi a brincadeira de faz de
conta como um espaccedilo feacutertil para o desenvolvimento da crianccedila que possibilita a
formaccedilatildeo de sujeitos que podem natildeo soacute descrever a partir dos esteacutereis conteuacutedos e
programas a realidade que os cerca mas tambeacutem criar novas imagens de transformaccedilatildeo
das experiecircncias cotidianas da cultura e da produccedilatildeo cientiacutefica do conhecimento
ILKA SCHAPPER SANTOS
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E
(DES)CAMINHOS TRILHADOS
Veio me dizer que eu desestruturo a linguagem Eu desestruturo
a linguagem Vejamos eu estou bem sentado num lugar Vem
uma palavra e tira o lugar de debaixo de mim Tira o lugar em
que eu estava sentado Eu natildeo fazia nada para que a palavra me
desalojasse daquele lugar E eu nem atrapalhava a passagem de
ningueacutem Ao retirar de debaixo de mim o lugar eu desaprumei
Ali soacute havia um grilo com a sua flauta de couro O grilo
feridava o silecircncio Os moradores do lugar se queixavam do
grilo Veio uma palavra e retirou o grilo da flauta Agora eu
pergunto quem desestruturou a linguagem Fui eu ou foram as
palavras E o lugar que retiraram de debaixo de mim Natildeo era
para terem retirado a mim de lugar Foram as palavras pois
que desestruturam a linguagem E natildeo eu
Manoel de Barros
Eacute Manuel de Barros que ilumina o caminho deste capiacutetulo E se me aproprio de
parte de seu corpus literaacuterio eacute porque o poeta brasileiro nos auxilia (a mim e ao leitor) a
compreender que os lugares jaacute natildeo estatildeo ldquodebaixo de noacutesrdquo Se admitimos que se faz
necessaacuterio romper com esquemas de pensamento que legitimam apenas uma forma de
fazer ciecircncia precisamos tambeacutem encontrar outros lugares para pensar sobre a
materialidade das coisas no loacutecus da pesquisa Nesse sentido como podemos pensar a
Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo nos espaccedilos das creches Como esta modalidade de
pesquisa pode auxiliar na ressignificaccedilatildeo da praacutetica pedagoacutegica dos profissionais que
atuam na educaccedilatildeo infantil na educaccedilatildeo baacutesica
Refletindo sobre essas questotildees teccedilo neste capiacutetulo o percurso metodoloacutegico da
realizaccedilatildeo deste estudo Primeiro esclareccedilo o que eacute uma Pesquisa Criacutetica de
Colaboraccedilatildeo e como ela aconteceu no interior do GP LACE e do GP EFoPI Por se
tratar de um contexto amplo explicito seus vaacuterios focos de atuaccedilatildeo ilustrando com
quadros que trazem resumidamente seus espaccedilos de produccedilotildees Apresento logo em
seguida a descriccedilatildeo dos participantes do GP EFoPI e dos colaboradores externos em
quadros ilustrativos e depois destaco como procedi na coletaproduccedilatildeo e organizaccedilatildeo
dos dados Essas informaccedilotildees tambeacutem estatildeo distribuiacutedas em quadros para melhor
visualizaccedilatildeo e compreensatildeo do leitor em relaccedilatildeo ao que foi feito no processo
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 91
ILKA SCHAPPER SANTOS
Continuo o caminho esclarecendo ao leitor sobre os procedimentos de anaacutelise e
interpretaccedilatildeo dos resultados me respaldando em categorias linguiacutestico-discursivas e de
interpretaccedilatildeo para discutir os possiacuteveis resultados do estudo Por fim mostro ao leitor os
vaacuterios momentos em que este trabalho foi avaliado No proacuteximo item apresento o
fluxograma e o desenho da pesquisa em que sintetizo as etapas realizadas nesta
investigaccedilatildeo
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 92
ILKA SCHAPPER SANTOS
Figura 01 ndash Fluxograma da Pesquisa
GRUPO DE PESQUISA LACE
PROJETO DE PESQUISA
ARGUMENTOS NA PRODUCcedilAtildeO CRIATIVA DE SIGNIFICADOS
EM CONTEXTOS ESCOLARES DE
FORMACcedilAtildeO DE EDUCADORES
O FLUXO DO SIGNIFICADO DO
BRINCAR NA CADEIA CRITATIVA ARGUMENTACcedilAtildeO E
FORMACcedilAtildeO DE EDUCADORES E PESQUISADORES
PESQUISA
GRUPO DE PESQUISA
EFoPI
EXTENSAtildeO
3 SESSOtildeES REFLEXIVAS
EDUCADORAS SOCIAIS
DAS CRECHES
1 SESSAtildeO REFLEXIVA
COORDENADORAS
CRECHE
2 ENCONTROS DO CURSO
DE EXTENSAtildeO
COORDENADORAS
CRECHES
ANAacuteLISE E
INTERPRETACcedilAtildeO DOS
DADOS
PRODUCcedilAtildeO DO
CONHECIMENTO
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 93
ILKA SCHAPPER SANTOS
Quadro 02 ndash Desenho da Pesquisa (inspirado em Fuga 2009)
Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo
Macro Contexto Argumentos na Produccedilatildeo Criativa de Significados em Contextos
Escolares de Formaccedilatildeo de Educadores
Contexto desta pesquisa GP EFoPI
Subcontextos
Creche Municipal Curso de Extensatildeo FACEDUFJF
Participantes 4 Professores de uma Creche Municipal da AMAC + Coordenadores das 23
creches da AMAC + Pesquisadores do GP EFoPI
Perguntas de
Pesquisa
Enfoque
Teoacuterico
Instrumentos
para discussatildeo
Participantes Procedimentos de
anaacuteliseinterpreta-
ccedilatildeo dos dados
Como o
processo da
argumentaccedilatildeo
desenvolvido entre
pesquisadoras e
educadoras
permite expor
sentidos e
significados sobre
a brincadeira no
movimento da
cadeia
Quais
argumentos
contribuiacuteram para
a produccedilatildeo de
significado sobre
o brincar no
movimento da
Cadeia Criativa
A Teoria
Soacutecio-Histoacuterico-
Cultural A
Cadeia Criativa
Argumentaccedilatildeo
na Retoacuterica e na
Nova Retoacuterica
Argumentaccedilatildeo
Dialoacutegica
Discussotildees
sobre o brincar
nas creches nas
sessotildees
reflexivas ndash
2006 a 2009
Discussotildees
sobre o brincar
no Curso de
Extensatildeo
Pesquisadores
do GP EFoPI e
quatro
professores de
uma creche
puacuteblica
municipal
Pesquisadores
do GP EFoPI e
vinte e trecircs
Coordenadoras
das creches
municipais
Marcas da
interaccedilatildeo
Questionamento
Instruccedilatildeo
Explicaccedilatildeo
Retomada de vozes
anteriores
Colocaccedilatildeo e
recolocaccedilatildeo de
problemas
Marcas
Argumentativas 1
Ponto de vista
Contra-argumento
Questatildeo controversa
e Acordo
Marcas
Argumentativas 2
Tipos de argumentos
ndash teoacuterico
autoridade fonte
exemplo definiccedilatildeo
comparaccedilatildeo
pragmaacutetico
Marcas
Linguiacutesticas
Decirciticos e
Operadores
argumentativos
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 94
ILKA SCHAPPER SANTOS
31 ndash A Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo no Grupo de Pesquisa Linguagem em
Atividades no Contexto Escolar (GP LACE)
Esta investigaccedilatildeo como jaacute mencionado tem como contexto o GP EFoPI em
especial as intervenccedilotildees de pesquisa e extensatildeo do grupo no periacuteodo de 2006 a 2009 Eacute
importante esclarecer que em 2006 junto com o meu ingresso no doutorado de
Linguiacutestica Aplica e Estudos da Linguagem (LAEL) o EFoPI inicia um trabalho
interinstitucional com o GP LACE em que o elo de interlocuccedilatildeo eacute a Pesquisa Criacutetica de
Colaboraccedilatildeo (Smyth 1992 John-Steiner 2000 Engestroumlm 2002 Magalhatildees 2002
2004 2006 2007 2009 Magalhatildees amp Fidalgo 2007 Liberali 2004 2006 2007
Schapper amp Silva 2009) Isto implica dizer que o GP EFoPI e por conseguinte este
trabalho de tese estatildeo estruturados sob a oacutetica do paradigma criacutetico e tecircm na
colaboraccedilatildeo seu meacutetodo de trabalho
Mas o que significa ser pesquisa criacutetica de colaboraccedilatildeo Para que o leitor possa
entender melhor a inserccedilatildeo do GP LACE do GP EFoPI bem como esta investigaccedilatildeo
na perspectiva do sintagma Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo eacute necessaacuterio fazer uma
incursatildeo sobre o que significa criacutetico e o que significa colaboraccedilatildeo
No modelo de investigaccedilatildeo da Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo o verbete criacutetica
estaacute alicerccedilado no paradigma19
criacutetico de pesquisa que emerge a partir dos anos 70 e
ganha forccedila sobretudo nos anos 80 Grosso modo este paradigma busca no
movimento de pesquisa a transformaccedilatildeo da realidade por meio da reflexatildeo fundada na
indissociabilidade entre teoria e praacutetica intersecccedilatildeo fundamental para a efetivaccedilatildeo de
mudanccedilas nos contextos pesquisados e para a produccedilatildeo do conhecimento Isso ocorre
porque a investigaccedilatildeo se estrutura a partir das necessidades reais dos participantes e do
proacuteprio grupo de pesquisa O pesquisador em um movimento de compreensatildeo ativa
19 Para Kuhn (1992) um paradigma se funda a partir de realizaccedilotildees cientiacuteficas universalmente
reconhecidas que por um certo tempo fornecem problemas e soluccedilotildees-modelo para uma comunidade de
profissionais Na contemporaneidade defende-se no universo investigativo educacional a existecircncia de
trecircs paradigmas (1) o positivista ndash fundado nos meacutetodos quantitativos e de verificaccedilatildeo de hipoacuteteses
proacuteprios das ciecircncias naturais e exatas cujo objetivo eacute controlar predizer prever explicar as formulaccedilotildees
de leis gerais a realidade material eacute uacutenica vista de forma universal e busca reproduzir os eventos
investigados (2) o interpretativo ndash baseado na ciecircncia hermenecircutica tem a convicccedilatildeo de que o real natildeo eacute
apreensiacutevel diretamente seus objetivos satildeo compreender e interpretar a realidade vista como muacuteltipla
intangiacutevel e holiacutestica o movimento investigativo eacute atravessado pela influecircncia do investigador que se
torna um construtor da realidade pesquisada e por ser passiacutevel de interpretaccedilatildeo entendida como uma
criaccedilatildeo subjetiva dos participantes envolvidos nos eventos do trabalho de campo que trazem para a cena
da pesquisa seus valores para a seleccedilatildeo do problema teoria e meacutetodos de anaacutelise e (3) o paradigma
criacutetico no qual esta pesquisa se funda e que eacute exposto no corpo do texto
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 95
ILKA SCHAPPER SANTOS
interveacutem no campo pesquisado no sentido de propiciar espaccedilos de transformaccedilotildees e
mudanccedilas Subjaz a este paradigma a inexistecircncia de verdades prontas e generalizaccedilotildees
a respeito dos contextos investigados uma vez que as verdades satildeo verossiacutemeis fiadas e
tecidas no fluxo do diaacutelogo em um contexto circunscrito agrave realidade histoacuterica e
material O processo de investigaccedilatildeo parte das reais necessidades de um dado contexto
e nesse movimento busca promover as mudanccedilas por meio de atitudes de intervenccedilatildeo
No Paradigma Criacutetico temos anaacutelises contextualizadas qualitativas imbricadas
no processo soacutecio-histoacuterico-cultural A ciecircncia sob a oacutetica desse paradigma procura
promover a transformaccedilatildeo da realidade e a investigaccedilatildeo descortina possibilidades de os
participantes analisarem os contextos nos quais estatildeo inseridos por meio da reflexatildeo
teoria-praacutetica (Freitas 2007) A dinacircmica inicial de refletir sobrena accedilatildeo possibilita
outros olhares outros posicionamentos que antes natildeo eram vislumbrados criando uma
siacutentese dialeacutetica que ganha novos contornos na triacuteade accedilatildeo-reflexatildeo-nova accedilatildeo Isso
ocorre porque haacute no movimento de investigaccedilatildeo um interesse intriacutenseco pelo
conhecimento que traz agrave tona os aspectos de alienaccedilatildeo e de dominaccedilatildeo de grupos sociais
ou de indiviacuteduos sobre outros (Fuga 2009)
Nesse contexto do Paradigma Criacutetico o verbete colaboraccedilatildeo ganha novos
contornos e institui a PCCol (Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo) criada pela Professora
Dra Maria Ceciacutelia Camargo Magalhatildees (2002 2004 2006 2007 2009) no interior do
GP LACE Nas palavras de Magalhatildees (2009 p 55)
a pesquisa criacutetica de colaboraccedilatildeo estaacute inserida em um paradigma
criacutetico que tem como objetivo intervir e transformar contextos de
modo a propiciar que os participantes aprendam por meio da
participaccedilatildeo coletiva na conduccedilatildeo da pesquisa Dessa forma a
pesquisa realiza-se como um processo de questionamento de sentidos-
significados rotinizados bem como de produccedilatildeo conjunta de novos
significados
A autora destaca que na praacutetica de pesquisa essa colaboraccedilatildeo e esse
questionamento criacutetico natildeo devem ser polarizados Por outro lado se o pesquisador
focar apenas o questionamento (sem colaboraccedilatildeo) tenderaacute agrave imposiccedilatildeo de ideias a partir
de sua autoridade afastando qualquer possibilidade de compartilhamento de sentidos e
de significados na produccedilatildeo-construccedilatildeo do conhecimento
Para a pesquisadora haacute a ideia de coautoria e de coconstruccedilatildeoproduccedilatildeo de
conhecimento entre pesquisadores e participantes no processo de transformaccedilatildeo
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 96
ILKA SCHAPPER SANTOS
circunscrito ao momento histoacuterico em que a accedilatildeo de pesquisa foi desenvolvida Isso
mostra como explicita Liberali (2008) a essecircncia da colaboraccedilatildeo como uma categoria
teoacuterico-metodoloacutegica que possibilita aos pesquisadores e participantes se posicionarem
como aprendizes no percurso investigativo Aleacutem disso materializa um meacutetodo de
pesquisa como instrumento-e-resultado e natildeo instrumento-para-resultado (Vygotsky
19301991)
Segundo Magalhatildees (2009) a colaboraccedilatildeo se estrutura em coautoria e
coconstruccedilatildeoproduccedilatildeo de pesquisadores e participantes como disse anteriormente
Contudo isso natildeo significa estabelecer uma relaccedilatildeo de simetria de conhecimento eou
semelhanccedilas de ideias representaccedilotildees sociais e valores ao contraacuterio implica tensotildees e
contradiccedilotildees (Engestroumlm 1999b) as quais geram conflitos questionamentos pontos de
vista distintos que satildeo elementos fundantes do processo criacutetico-reflexivo e por
conseguinte desencadeadores das possiacuteveis transformaccedilotildees dana praacutetica Para lidar
com essas tensotildees e conflitos a autora explica que se torna imprescindiacutevel estruturar a
linguagem pela argumentaccedilatildeo elemento tratado nesta tese Poderemos entender melhor
essa discussatildeo por suas proacuteprias palavras
eacute fundamental que sejam reconhecidas e questionadas as contradiccedilotildees
entre o objeto da atividade instrumentos e accedilotildees dos participantes
regras que embasam as relaccedilotildees e a qualidade da divisatildeo do trabalho
que conflitos sejam enfocados e trabalhados Assim eacute necessaacuterio que
a colaboraccedilatildeo organize uma linguagem que se estruture pela
argumentaccedilatildeo (Magalhatildees 2009 p 64)
A colaboraccedilatildeo eacute uma categoria que tece-fia uma estreita relaccedilatildeo com os
conceitos bakhtinianos de dialogismo exotopia e cronotopia Os desdobramentos dos
diaacutelogos tecidos entre pesquisadores e participantes no interior da praacutetica de pesquisa a
partir de um distanciamento no tempo e no espaccedilo (lugares e tempos exteriores ao
instante do processo de investigaccedilatildeo) permitem que se vejam elementos dos ldquooutrosrdquo e
do proacuteprio processo que os sujeitos no momento de construccedilatildeo-produccedilatildeo nunca
poderiam ver Nesse movimento os diversos olhares diante de um mesmo evento
possibilitam um ldquodelineamento de quadros interpretativos mais abrangentes de uma
realidade o que pode evitar conclusotildees unilaterais na produccedilatildeo e leitura dos dadosrdquo
(Fuga 2009) Aleacutem disso promove no jogo dialoacutegico uma compreensatildeo ativa-
responsiva entre sujeitos que transformam a realidade e por ela satildeo transformados
Na proacutexima seccedilatildeo discutirei como essa referecircncia paradigmaacutetica da PCCol tem
orientado de forma geral as accedilotildees do GP EFoPI
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 97
ILKA SCHAPPER SANTOS
32 ndash A Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo no Grupo de Pesquisa Educaccedilatildeo
Formaccedilatildeo de professores e Infacircncia (GP EFoPI)
O GP EFoPI iniciou o trabalho de investigaccedilatildeo com accedilotildees fundadas na Pesquisa
Criacutetica de Colaboraccedilatildeo (PCCol) em 2006 a partir de um projeto interinstitucional com
o GP LACE Assim a tocircnica das pesquisas passou a ser no pesquisador que natildeo soacute
interveacutem mas tambeacutem sofre influecircncia no processo de intervenccedilatildeo entendendo que ele
pesquisa porque pergunta questiona e na compreensatildeo do grupo satildeo as perguntas que
o fazem avanccedilar no processo de produccedilatildeo do conhecimento cientiacutefico
A perspectiva criacutetica possibilita aos participantes espaccedilos de reflexatildeo-
transformaccedilatildeo e elementos para a (re)construccedilatildeo de seus discursos e de suas accedilotildees com
base no diaacutelogo nas praacuteticas discursivas formando uma Cadeia Criativa na qual um
texto entrecruzado com outros criam novos textos em novas praacuteticas discursivas que
se configuram em novas accedilotildees
No processo de colaboraccedilatildeo todos os participantes da pesquisa podem dizer
sobre suas vivecircncias e experiecircncias suas compreensotildees suas concordacircncias e
discordacircncias em relaccedilatildeo a seu proacuteprio discurso e dos outros participantes (Magalhatildees
1994) Aleacutem disso essa perspectiva possibilita problematizar as accedilotildees cotidianas
repensar e ressignificar o que eacute familiar o conhecido o realizado sob a oacutetica dos
conceitos do cotidiano criando espaccedilo para a compreensatildeo ativa dos conceitos
cientiacuteficos
A ecircnfase estaacute na participaccedilatildeo de cada um dos envolvidos e na contribuiccedilatildeo de
reciprocidade para o grupo No caso da formaccedilatildeo dos profissionais da creche a
diversidade de conhecimentos formaccedilatildeo possibilidades quanto ao tempo disponiacutevel
tem levado agrave diversidade de atuaccedilatildeo na pesquisa A accedilatildeo dos pesquisadores da
universidade e dos profissionais das creches na investigaccedilatildeo das proacuteprias accedilotildees eacute
compreendida e examinada como um processo de colaboraccedilatildeo criacutetica Nesse contexto
os participantes analisam praacuteticas refutam refletem e argumentam para tecer e fiar as
accedilotildees cotidianas e compreender os interesses que embasam suas praacuteticas pedagoacutegicas
Aleacutem disso tecircm sido respeitadas nesse processo colaborativo as negociaccedilotildees
desenvolvidas por parte dos pesquisadores e dos profissionais dessas instituiccedilotildees por
meio do dispositivo da argumentaccedilatildeo
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 98
ILKA SCHAPPER SANTOS
A opccedilatildeo do GP EFoPI por este modelo de investigaccedilatildeo deve-se agrave crenccedila de que a
formaccedilatildeo profissional natildeo pode mais se restringir aos espaccedilos formais e escolarizados
organizados com esse fim Ela precisa ser concebida como algo que pode se dar antes
durante e depois do processo formal como espaccedilos de reflexatildeo sobre o proacuteprio trabalho
em seu proacuteprio contexto de produccedilatildeo
A Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo no GP EFoPI e nesta tese se insere na
abordagem qualitativa com enfoque soacutecio-histoacuterico-cultural uma vez que
() aceptamos la naturaleza diferenciada del objeto de investigacioacuten
de las ciencias sociales y humanas el cual es un sujeto interactivo
motivado e intencional que assume una posicioacuten frente a las tareas
que enfrenta La investigacioacuten sobre este sujeto no puede ignorar estas
caracteriacutesticas generales La investigacioacuten en las ciencias humanas es
entre otras cosas un proceso de comunicacioacuten entre investigador e
investigado un diaacutelogo permanente que toma diferentes formas en el
curso de este proceso (Rey 1999 p 57)
Essa perspectiva eacute marcada como sinaliza Rey pela interaccedilatildeo pelo diaacutelogo e
pelo compromisso de mudanccedila e transformaccedilatildeo estabelecido entre os participantes da
investigaccedilatildeo que se comprometem com o processo e natildeo somente com os resultados da
pesquisa Nesse enfoque mais do que compreender a realidade os participantes tecircm
principalmente preocupaccedilatildeo em transformaacute-la
Freitas (2003) a partir de um diaacutelogo com Bogdan amp Biklen (1994) diz que a
pesquisa qualitativa de base histoacuterico-cultural se caracteriza pelos seguintes aspectos
A fonte dos dados eacute o texto (contexto) no qual o acontecimento emerge focalizando o
particular enquanto instacircncia de uma totalidade social Procura-se portanto
compreender os sujeitos envolvidos na investigaccedilatildeo para atraveacutes deles compreender
tambeacutem o seu contexto
As questotildees formuladas para a pesquisa natildeo satildeo estabelecidas a partir da
operacionalizaccedilatildeo de variaacuteveis mas se orientam para a compreensatildeo dos fenocircmenos
em toda a sua complexidade e em seu acontecer histoacuterico Isto eacute natildeo se cria
artificialmente uma situaccedilatildeo para ser pesquisada mas vai-se ao encontro da situaccedilatildeo
no seu acontecer no seu processo de desenvolvimento
A ecircnfase da atividade do pesquisador situa-se no processo de transformaccedilatildeo e
mudanccedila em que se desenrolam os fenocircmenos humanos procurando reconstruir a
histoacuteria de sua origem e de seu desenvolvimento
O pesquisador eacute um dos principais instrumentos da pesquisa porque sendo parte
integrante da investigaccedilatildeo sua compreensatildeo se constroacutei a partir do lugar soacutecio-
histoacuterico no qual se situa e depende das relaccedilotildees intersubjetivas que estabelece com
os sujeitos com quem pesquisa
O criteacuterio que se busca numa pesquisa natildeo eacute a precisatildeo do conhecimento mas a
profundidade da penetraccedilatildeo e a participaccedilatildeo ativa tanto do investigador quanto do
investigado Disso resulta que pesquisador e pesquisado tecircm oportunidade para
refletir aprender e ressignificar-se no processo de pesquisa (Freitas 2003 p 27-28)
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 99
ILKA SCHAPPER SANTOS
Dentro desse quadro de caracteriacutesticas natildeo poderia deixar de relacionaacute-lo como
o faz Freitas agrave teoria enunciativa da linguagem de Mikhail Bakhtin Para Bakhtin
(1987 p 403) as ciecircncias exatas que tecircm o paradigma positivista como referente de
pesquisa se constituem como forma monoloacutegica do conhecimento pois a compreensatildeo
do fenocircmeno pesquisado daacute-se no movimento de o intelecto contemplar uma coisa e
pronunciar-se sobre o objeto analisado Este eacute ldquocoisa mudardquo no dizer do autor e
produz o conhecimento monoloacutegico Numa leitura bakhtiniana podemos inferir (eu e o
leitor) que o sujeito sendo da linguagem natildeo pode permanecer emudecido pois como
sujeito da enunciaccedilatildeo estabelece nocom o mundo uma relaccedilatildeo dialoacutegica Essa relaccedilatildeo
se materializa na comunicaccedilatildeo verbal posto que um enunciado eacute sempre acompanhado
de uma atitude responsiva ativa Ou seja ldquotoda compreensatildeo eacute prenha de resposta e de
uma forma ou de outra forccedilosamente a produz o ouvinte torna-se locutorrdquo (Bakhtin
1987 p 290)
O processo de pesquisa nessa perspectiva eacute dialeacutetico Os participantes se
revezam nos posicionamentos ora de ouvinte ora de locutor no fluxo dialoacutegico da
linguagem Eacute nesse movimento dialeacutetico de ouvinte-locutor que o enunciado no
(con)texto de produccedilatildeo da investigaccedilatildeo ganha novas formas de expressatildeo e novas
construccedilotildees coletivas
Contreras (2002) explica que o professor natildeo se constitui como um profissional
reflexivo sozinho de maneira isolada pois a reflexatildeo eacute um processo coletivo e
acrescentamos dialoacutegico Nessa perspectiva refletir criticamente possibilita que o
educador analise de forma problematizadora as condiccedilotildees sociais histoacutericas e materiais
nas quais se estruturaram sua praacutetica educativa
Smyth (1992) propotildee aos professores questotildees que auxiliam nesse processo
criacutetico-reflexivo
De onde procedem historicamente as ideias que eu incorporo em minha praacutetica de
ensino
Como cheguei a apropriar-me delas
Por que ainda continuo respaldando o meu trabalho nelas
A que interesses servem
Que relaccedilotildees de poder estatildeo imbricadas
Como estas ideias influem no meu relacionamento com os alunos
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 100
ILKA SCHAPPER SANTOS
Nesta pesquisa tais consideraccedilotildees e questionamentos reforccedilaram a compreensatildeo
dos participantes de que a colaboraccedilatildeo visa ao desenvolvimento de novos
conhecimentos novas compreensotildees e possibilidades de accedilatildeo para todos os sujeitos nela
envolvidos
Para Smyth (1992) o processo reflexivo abarca quatro accedilotildees indissociaacuteveis que
estatildeo ligadas a certos tipos de perguntas que possibilitam refletir criticamente Ao
descrever suas accedilotildees em resposta a uma pergunta ndash o que faccedilo ndash o participante se
distancia delas e passa a se questionar sobre as razotildees das escolhas feitas Isto contribui
inicialmente para o favorecimento de um diaacutelogo com os professores promovendo o
reconhecimento e a anaacutelise dos fatores que limitam a sua atuaccedilatildeo e a possibilidade de
verem a si mesmos como capazes de levar a cabo a transformaccedilatildeo da praacutetica e dos
valores educativos Natildeo basta criticar a realidade mas mudaacute-la Para isso o autor
organizou como apontado acima um ciclo de quatro fases que representam as accedilotildees que
os docentes deveriam adotar descrever informar confrontar e reconstruir Eacute
importante esclarecer que essas fases natildeo satildeo etapas hierarquizadas podendo ocorrer
concomitantemente
Quadro 03 Accedilotildees e questotildees relativas ao processo reflexivo (Smyth 1992)20
Actions Questions
Describe What do I do
Inform What does this mean
Confront How did I come to be like this
Reconstruct How might I do things differently
20 Descrever O que faccedilo
Informar O que isso significa
Confrontar Como eu cheguei a ser assim
Reconstruir Como eu poderia fazer as coisas diferentemente
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 101
ILKA SCHAPPER SANTOS
Quadro 04 - Accedilotildees e questotildees relativas ao processo reflexivo construiacutedas pelo EFoPI a
partir de Smyth (1992)
Siacutentese do Processo de Reflexatildeo do Grupo de Pesquisa EFoPI
Accedilotildees Questotildees
Descrever O que faccedilo
Informar Qual o significado das minhas accedilotildees
Confrontar A que interesses minha praacutetica estaacute servindo
Reconstruir Como vocecirc organizaria essa atividade de
outra maneira Por quecirc
Segundo Liberali (2004) o descrever estaacute relacionado agrave descriccedilatildeo da accedilatildeo para
que esta fique clara aos participantes Esta forma de accedilatildeo estaacute relacionada ao
questionamento ldquoo que faccedilordquo Na descriccedilatildeo concreta das accedilotildees eacute possiacutevel tornar
evidente o que estaacute por traacutes de cada uma delas e abrir caminho para o informar Nesta
accedilatildeo haacute uma revisita ao descrever para compreender as teorias que foram sendo
construiacutedas pelo professor ao longo da vida e que influenciaram as suas praacuteticas O
educador procura responder sobre ldquoqual o significado de suas accedilotildeesrdquo A resposta abre
caminho para o confrontar das accedilotildees com base na compreensatildeo delas e natildeo na sugestatildeo
de novos procedimentos e modelos de atividades Envolve natildeo somente a busca das
inconsistecircncias da praacutetica entre preferecircncias pessoais e modos de agir como tambeacutem
remete a questotildees poliacuteticas como por exemplo ldquoa que interesses minha praacutetica estaacute
servindordquo Eacute no confrontar que eacute possiacutevel perceber como os discursos e as praacuteticas que
ocorrem fora das creches influenciam o modo de agir dentro delas Essa postura abre as
portas para o reconstruir no qual buscamos alternativas para a praacutetica educativa na
reflexatildeo de cada accedilatildeo com base nos diaacutelogos e informaccedilotildees ocorridos nas sessotildees
reflexivas a partir de questotildees do tipo de ldquoComo vocecirc organizaria essa atividade de
outra maneira Por quecircrdquo entre outras (Liberali 2004)
Atentando e concordando com essas premissas os procedimentos para a
consecuccedilatildeo dos objetivos da pesquisa em questatildeo pautaram-se inicialmente no
desenvolvimento de sessotildees reflexivas21
com a participaccedilatildeo dos pesquisadores externos
21 As sessotildees reflexivas satildeo pensadas como contextos em que satildeo criadas oportunidades para a construccedilatildeo de
significados sobre a praacutetica docente em colaboraccedilatildeo com um pesquisador externo caracterizando-se como sessotildees de
discussatildeo (Szundy 2005 p 90)
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 102
ILKA SCHAPPER SANTOS
(professores da universidade mestrandos e bolsistas de iniciaccedilatildeo cientiacutefica) e quatro
educadoras de uma creche puacuteblica do Municiacutepio de Juiz de Fora no ano de 2006 Aleacutem
disso as 23 coordenadoras das 23 creches puacuteblicas da cidade mineira participaram de
um curso de extensatildeo e sessotildees reflexivas no periacuteodo de 2007 a 2009
O enfoque metodoloacutegico possibilitou que o grupo elaborasse uma proposta que
pudesse dar subsiacutedios para o trabalho de pesquisa com os 4 professores de uma creche e
as 23 coordenadores no periacuteodo de 2006 a 2009 A proposta abrangeu as seguintes
accedilotildees (1) 12 sessotildees reflexivas com 4 professores de uma das creches municipais da
AMAC em 2006 (2) 10 encontros com os 23 coordenadores da AMAC no curso de
extensatildeo intitulado ldquoEspaccedilo de Reflexatildeo Teoacuterico-Praacutetico em Contexto de
Colaboraccedilatildeordquo em 2007 (3) 8 sessotildees reflexivas com os 23 coordenadores da AMAC
nos anos de 2008 e 2009
Voltando agrave discussatildeo que Magalhatildees (2002 2004 2009) tece sobre coautoria e
coconstruccedilatildeo entre participantes e pesquisadores no processo de construccedilatildeo-produccedilatildeo
de conhecimento no GP EFoPI estes atuaram para a formaccedilatildeo buscando trazer
subsiacutedios agrave transformaccedilatildeo da praacutetica daqueles envolvidos nas pesquisas Jaacute os
professores e coordenadores participantes trouxeram respostas (e muitas vezes
perguntas) para o grupo de pesquisadores Tal processo de argumentaccedilatildeo dialoacutegica
possibilitou a reflexatildeo na siacutentese dialeacutetica teoria-praacutetica enriquecendo a ldquoarquiteturardquo
do fazer-pensar pedagoacutegico em ambas as comunidades Esse movimento imbricado nas
contribuiccedilotildees dessas duas comunidades incidiu de maneira positiva na produccedilatildeo de
conhecimento Em siacutentese um movimento que possibilitou a todos a aprendizagem-
desenvolvimento isto eacute um contexto de empoderamento (Magalhatildees amp Fidalgo 2007)
Segundo Magalhatildees (2009) na colaboraccedilatildeo existem diferentes modos e niacuteveis
de participaccedilatildeo dos envolvidos que nem sempre participam de todos os momentos da
conduccedilatildeo da pesquisa por motivos diversos Minha participaccedilatildeo nas duas uacuteltimas
pesquisas do GP EFoPi ocorreu por volta de fevereiro de 2006 momento em que a
equipe firmava o compromisso de realizar o trabalho com as 4 educadoras de uma das
creches puacuteblicas municipais de Juiz de Fora O fluxo do trabalho nesse periacuteodo foi
intenso pois o grupo iniciava a parceria com GP LACE e aprofundava seus estudos na
metodologia de Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo
Participei de todas as reuniotildees de planejamento das 12 sessotildees reflexivas no
acircmbito da UFJF Nessa etapa os pesquisadores jaacute tinham organizado o material de
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 103
ILKA SCHAPPER SANTOS
estudos As discussotildees se pautavam em torno de investigar as atividades que envolviam
a brincadeira no contexto da creche analisada
Como abordado por Liberali (2008) para alguns pesquisadores juniores no caso
Patriacutecia Cestaro22
e para mim a tarefa de conduzir as sessotildees reflexivas soacute foi
consolidada por conta da ausecircncia da coordenadora do grupo de pesquisa em funccedilatildeo de
problemas de sauacutede na famiacutelia Essa situaccedilatildeo tornou as duas pesquisadoras mais
responsaacuteveis e mais engajadas nas intervenccedilotildees seguintes do GP EFoPI criando para
noacutes possibilidades de ter uma compreensatildeo ativa na praacutetica de pesquisa
Minha funccedilatildeo naquele momento centrava-se em responder as duacutevidas
metodoloacutegicas relacionadas agrave Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo Isso porque jaacute
participava ativamente das discussotildees do GP LACE na PUC e tambeacutem porque cursava
uma disciplina com a Profa Dra Maria Ceciacutelia Magalhatildees cujo principal conteuacutedo eram
as discussotildees da PCCol
No ano de 2007 realizamos o curso de extensatildeo intitulado ldquoEspaccedilo de Reflexatildeo
Teoacuterico-Praacutetico em Contexto de Colaboraccedilatildeordquo para as 23 coordenadoras das 23
creches municipais Jaacute em 2008 e 2009 centramos nossas accedilotildees em 8 sessotildees
reflexivas com as mesmas coordenadoras Nesse periacuteodo participei ativamente tanto no
curso quanto nas sessotildees em reuniotildees de estudos teoacutericos e planejamento de todas as
atividades do grupo realizadas com as coordenadoras Assim minha observaccedilatildeo e
intervenccedilatildeo aconteceram de forma direta e depois de forma indireta por meio das
gravaccedilotildees em viacutedeo a mim repassadas para tecer as anaacutelises e interpretaccedilotildees que datildeo
subsiacutedios agraves discussotildees desta tese As discussotildees deste trabalho estatildeo portanto
pautadas em uma investigaccedilatildeo longitudinal que fiz a partir das intervenccedilotildees do GP
EFoPI com educadores e coordenadores das creches municipais de Juiz de Fora
Acredito que minha accedilatildeo colaborativa com o GP EFoPI ficou circunscrita a
vaacuterios contextos (1) discussotildees teoacuterico-metodoloacutegicas com o grupo que resultaram em
apresentaccedilotildees de trabalho e escrita de vaacuterios artigos publicados no acircmbito nacional e
internacional em coautoria com a coordenadora do grupo o que possibilitou repensar as
nossas accedilotildees nas pesquisas do GP EFoPI (2) planejamento e execuccedilatildeo do curso de
extensatildeo e das sessotildees reflexivas com os professores e os coordenadores da creches (3)
22 Eacute mestre em educaccedilatildeo pesquisadora do GP EFoPI e professora da rede municipal do municiacutepio de Juiz
de Fora Atualmente trabalha na Secretaria de Educaccedilatildeo no Departamento de Educaccedilatildeo Infantil
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 104
ILKA SCHAPPER SANTOS
participaccedilatildeo em bancas de trabalhos de bacharelado de algumas bolsistas de iniciaccedilatildeo
cientiacutefica integrantes do grupo de pesquisa (4) elo de intersecccedilatildeo materializado
principalmente nesta tese entre os GP EFoPI e o GP LACE
Os caminhos do GP EFoPI demandaram a inserccedilatildeo em diferentes espaccedilos fiacutesicos
para que o trabalho pudesse ser realizado espaccedilos esses que estiveram interligados ndash
acircmbito da UFJF e da AMAC ndash natildeo havendo possibilidade de discorrer apenas sobre um
deles jaacute que o GP EFoPI era pensado em cada parte para se constituir como totalidade
Desse modo no proacuteximo item apresento os diversos contextos que configuram o GP
EFoPI no periacuteodo de 2006 a 2009 em especial os contextos e as atividades que estatildeo
circunscritas a este trabalho
33 ndash Espaccedilos-tempo de uma construccedilatildeo coletiva caracterizaccedilatildeo do(s) contexto(s)
de pesquisa
Nesta pesquisa discuto como jaacute disse anteriormente como a argumentaccedilatildeo
desenvolvida entre pesquisadores e professores do GP EFoPI permite expor sentidos e
significados sobre a brincadeira no movimento da Cadeia Criativa Aleacutem disso procuro
identificar quais argumentos satildeo utilizados no espaccedilo discursivo e investigar se eles
possibilitam o compartilhamento de sentidos e de significados sobre o brincar
Para que o leitor possa melhor compreender o contexto de produccedilatildeo apresento a
seguir os dois projetos do GP EFoPI que configuram o material de anaacutelise deste
trabalho (1) A verticalizaccedilatildeo e a horizontalizaccedilatildeo do espaccedilo da sala de educaccedilatildeo
infantil ndash 2006-2007 e (2) Espaccedilo de reflexatildeo criacutetica em contexto de colaboraccedilatildeo
reconstruindo os sentidos e os significados da praacutetica educativa na creche Essa
descriccedilatildeo seraacute realizada porque acredito que como explica BakhtinVolochinov (1988
p 129) eacute imprescindiacutevel agrave anaacutelise da linguagem a compreensatildeo ldquodas formas e dos tipos
de interaccedilatildeo verbal em ligaccedilatildeo com as condiccedilotildees concretas em que se realizardquo
331 ndash Projeto de 2006-2007 A verticalizaccedilatildeo e a horizontalizaccedilatildeo do espaccedilo da sala
de educaccedilatildeo infantil
Este projeto buscou estudar o espaccedilo das creches bem como as vivecircncias e
saberes que se estabelecem nas salas de atividades23
de educaccedilatildeo infantil em especial
23 Usaremos a expressatildeo sala de atividades em substituiccedilatildeo agrave sala de aula por ser um termo comumente
utilizado quando se trata de crianccedilas de 0-6 anos
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 105
ILKA SCHAPPER SANTOS
aqueles relacionados agraves brincadeiras A questatildeo investigada foi assim delineada O que
dizem os limites da sala de atividades de educaccedilatildeo infantil tanto do ponto de vista
vertical ndash as paredes ndash quanto do ponto de vista horizontalizado ndash o chatildeo
O processo de reflexatildeo sobre esses aspectos nos levou ao desdobramento da
questatildeo central
- Observar o desenvolvimento das experiecircncias infantis orientadas pelo
educadorprofessor na sala de atividades da creche em especial aquelas relacionadas
agraves brincadeiras
- Conhecer como satildeo organizadas e documentadas essas experiecircncias infantis pelo
educadorprofessor e pelas proacuteprias crianccedilas Quais atividades satildeo selecionadas para
serem desenvolvidas no chatildeo da sala e quais satildeo escolhidas para serem afixadas nas
paredes
- Desencadear a reflexatildeo do educadorprofessor acerca das experiecircncias infantis por
ele orientadas e o significado que o pensar sobre elas tem para o desenvolvimento
infantil e para a ressignificaccedilatildeo24
de sua praacutetica educativa
O interesse do GP EFoPI pelo tema em questatildeo origina-se dos resultados das
pesquisas anteriormente desenvolvidas em escolas de educaccedilatildeo infantil dentre as quais
ldquoO brincar de faz-de-conta e a imaginaccedilatildeo infantil concepccedilotildees e praacuteticas do professorrdquo
e ldquoConcepccedilatildeo de qualidade em educaccedilatildeo infantil um estudo de casordquo A primeira estaacute
documentada na tese de doutorado da coordenadora do GP EFoPI professora Dra Leacutea
S P Silva e a uacuteltima encontra-se registrada no livro ldquoUma experiecircncia de pesquisa
formaccedilatildeo e intervenccedilatildeo em educaccedilatildeo infantilrdquo lanccedilado no mecircs de junho de 2005 pela
editora FEME ndash UFJF
Objetivos
Pretendiacuteamos investigar o que revelavam os limites da sala de atividades de
educaccedilatildeo infantil tanto do ponto de vista vertical ndash as paredes ndash quanto do ponto de
vista horizontalizado ndash o chatildeo ndash sobre as vivecircncias e saberes que se estabelecem nas
salas de atividades de educaccedilatildeo infantil em especial aqueles relacionados agraves
brincadeiras
24 O termo ressignificaccedilatildeo vem de re + significar que pode ser entendido como significar outra vez dar
outra vez significado tornar a significar conferir novo significado
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 106
ILKA SCHAPPER SANTOS
Objetivos especiacuteficos
- Compreender como estaacute organizada a documentaccedilatildeo das experiecircncias educativas
realizadas
- Observar em que medida as informaccedilotildees visuais realizadas e apresentadas nas paredes
valorizam o ato autocircnomo e criativo na apropriaccedilatildeo do espaccedilo-ambiente
- Investigar qual a concepccedilatildeo de linguagem revelada no espaccedilo-ambiente da sala de
atividades nos eixos de trabalho e nos aspectos que estatildeo sendo trabalhados com a
crianccedila no acircmbito do brincar
EstrateacutegiasMetodologia
A escolha de uma metodologia de pesquisa na maioria das vezes natildeo eacute faacutecil
para o pesquisador Destaca-se na instacircncia da decisatildeo a importacircncia dos pressupostos
teoacutericos adotados e o tipo de fenocircmeno que se pretende estudarintervir Ao
desconsiderar tais aspectos podemos correr o risco de ganhar em rigor e perder a
interlocuccedilatildeo e vice-versa Portanto entendemos no GP EFoPI que os caminhos satildeo
demarcados pela questatildeo investigada embora eles possam ser (re)construiacutedos pelo
pesquisador com a colaboraccedilatildeo do referencial teoacuterico abordado e na interaccedilatildeo com os
participantes da pesquisa
Eacute sabido que cada pesquisador ao elaborar um projeto de pesquisa tem as suas
convicccedilotildees influenciadas pela quantidade e qualidade de informaccedilotildees que tem sobre
uma aacuterea do conhecimento Portanto as suas crenccedilas satildeo resultado das informaccedilotildees de
que dispotildee sobre um determinado assunto ou tema somadas agraves suas experiecircncias de
vida
Para subsidiar esta pesquisa contamos com a literatura que aborda o tema
espaccedilo-ambiente como um dos elementos fundamentais para uma pedagogia da
educaccedilatildeo infantil dentre as quais se destacam Zabalza (1998) e Vintildeao Frago amp
Escolano (1999) A leitura de trabalhos de Vygotsky Leontiev e Elkonin sobre o
desenvolvimento da imaginaccedilatildeo infantil e a brincadeira possibilitaram a compreensatildeo
das vivecircncias e saberes que se estabelecem nas salas de atividades de educaccedilatildeo infantil
atraveacutes das interaccedilotildees crianccedila-crianccedila e crianccedila-adulto-crianccedila no espaccedilo-ambiente
escolar no acircmbito das brincadeiras
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 107
ILKA SCHAPPER SANTOS
Para desenvolver o estudo de forma criacutetica e reflexiva optamos pela Pesquisa
Criacutetica de Colaboraccedilatildeo
Os sujeitos da investigaccedilatildeo foram 04 professoras e seus alunos no contexto da
sala de atividades de escolas puacuteblicas de educaccedilatildeo infantil da cidade de Juiz de Fora As
estrateacutegias adotadas foram
Procedimentos metodoloacutegicos
a) Instrumentos
- Sessotildees Reflexivas com os professores
- Observaccedilatildeo do dia a dia escolar nas salas de atividades
b) Organizaccedilatildeo e planejamento
- Visita agraves escolas visando agrave apresentaccedilatildeo dos objetivos da pesquisa por meio de
entrevista com os professores e coordenador pedagoacutegico
- Organizaccedilatildeo planejamento e construccedilatildeo dos roteiros das sessotildees reflexivas e das
observaccedilotildees
- Montagem do cronograma das observaccedilotildees do dia a dia escolar e das sessotildees
reflexivas com os professores
O quadro abaixo apresenta o cronograma do planejamento das accedilotildees do ano de
2006 e 2007
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 108
ILKA SCHAPPER SANTOS
Quadro 05 - Cronograma do planejamento das accedilotildees do GP EFoPI nos anos de 2006 e
2007
Accedilotildees 2006 2006 2007 2007
Estudo da literatura X X X X
Apresentaccedilatildeo da proposta de
pesquisa agraves creches de educaccedilatildeo
infantil e professores
X
Organizaccedilatildeo planejamento e
construccedilatildeo das sessotildees reflexivas e
das observaccedilotildees
X
Montagem do cronograma das
observaccedilotildees do dia a dia escolar e
das sessotildees reflexivas com os
professores
X
Realizaccedilatildeo das 12 sessotildees reflexivas
com os educadores
X
X
Observaccedilatildeo do dia a dia escolar das
crianccedilas na sala de atividades com
registro
X X
Realizaccedilatildeo do Curso de Extensatildeo
intitulado ldquoEspaccedilo de reflexatildeo
Teoacuterico-Praacutetico em Contexto de
Colaboraccedilatildeo nas Crechesrdquo
X X
Transcriccedilatildeo das sessotildees reflexivas X X
Anaacutelise dos dados X X
Relatoacuterio Final X X
Publicaccedilatildeo X X
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 109
ILKA SCHAPPER SANTOS
332 ndash Projeto de 2008-2009 Espaccedilo de reflexatildeo criacutetica em contexto de colaboraccedilatildeo
reconstruindo os sentidos e os significados da praacutetica educativa na creche
A origem do interesse pelo tema deste projeto de pesquisa encontrou-se nos
resultados da pesquisa anterior desenvolvida pelo GP EFoPI em espaccedilos de educaccedilatildeo
infantil em um das creches municipais sob o tiacutetulo ldquoA verticalizaccedilatildeo e a
horizontalizaccedilatildeo do espaccedilo da sala de educaccedilatildeo infantilrdquo desenvolvida com a
aprovaccedilatildeo dos programas PIBIC e BIC da UFJF em 2006-2007 descrita anteriormente
Os resultados dessa pesquisa jaacute foram apresentados em relatoacuterio enviado agrave Proacute-
Reitoria de Pesquisa da UFJF e tambeacutem nas publicaccedilotildees de eventos de natureza
cientiacutefica e em perioacutedicos25
Tais resultados apontaram para a urgecircncia de pesquisas que
possibilitassem a reflexatildeo criacutetica dos participantes e consequentemente a formaccedilatildeo de
todos os profissionais comprometidos com a educaccedilatildeo de crianccedilas pequenas Por essa
razatildeo o principal objetivo desta investigaccedilatildeo foi desencadear a reflexatildeo criacutetica e a accedilatildeo
colaborativa entre coordenadoras de 23 creches municipais e pesquisadores externos
representados pelos integrantes do GP EFoPI sobre as atividades educativas que se
apresentavam na rotina da creche
Objetivos
- Desencadear a reflexatildeo criacutetica e a accedilatildeo colaborativa dos coordenadores de creche
responsaacuteveis pelo planejamento e execuccedilatildeo das accedilotildees administrativas e pedagoacutegicas e
dos pesquisadores externos26
no espaccedilo da creche acerca das experiecircncias infantis e do
sentido que o pensar sobre elas tem para o desenvolvimento infantil e para a
(re)construccedilatildeo da accedilatildeo na praacutetica educativa em especial aquelas relacionadas agraves
brincadeiras
- Promover espaccedilos de reflexatildeo criacutetica e accedilatildeo colaborativa sobre as atividades
educativas que se apresentam na rotina da creche com a participaccedilatildeo dos coordenadores
da creche e dos pesquisadores externos
- Construir propostas alternativas para a orientaccedilatildeo das experiecircncias infantis na creche
num processo de coparticipaccedilatildeo ativa e colaborativa entre coordenadores da creche e
pesquisadores externos
25 Cf EDUCACcedilAtildeO EM FOCO vol 13 nordm2 - set 2008fev 2009
26 Estatildeo sendo considerados como pesquisadores externos os integrantes do grupo de pesquisa EFoPI
(cadastrado no CNPq ) coordenado pelas autoras deste projeto de pesquisa Profa Dra Leacutea S P Silva e
Profa Ilka Schapper Santos
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 110
ILKA SCHAPPER SANTOS
A preocupaccedilatildeo em realizar pesquisas nos contextos educativos de modo a
contribuir com seus profissionais na compreensatildeo e no encaminhamento de respostas agraves
dificuldades nelas inerentes levou-nos agrave certeza de que queriacuteamos realizar pesquisas
com os profissionais no contexto da creche e natildeo sobre eles Essa certeza se consolidou
com sua aprovaccedilatildeo no programa PIBIC e BICUFJF 2008-2009
As accedilotildees realizadas no 2ordm semestre de 2008 e 1ordm semestre de 2009 foram
- Inserccedilatildeo no campo com os coordenadores das 24 creches do programa de creches da
AMAC em transiccedilatildeo para a Secretaria de Educaccedilatildeo do Municiacutepio de Juiz de Fora
- Descriccedilatildeo por escrito dos viacutedeos que gravaram as accedilotildees de inserccedilatildeo no campo ou seja
das sessotildees reflexivas e do curso de extensatildeo realizados durante o semestre com a
presenccedila dos profissionais da creche e dos pesquisadores externos
- Anaacutelise dos dados obtidos no campo e descritos a partir dos viacutedeos obtidos no 2ordm
semestre de 2008
- Retorno ao campo com os coordenadores das 23 creches
- Redaccedilatildeo de textos que foram publicados e apresentados em eventos
- Construccedilatildeo de um livro (no prelo pela editora UFF)
EstrateacutegiasMetodologia
Nesta pesquisa continuamos a utilizar os preceitos da Pesquisa Criacutetica de
Colaboraccedilatildeo Eacute necessaacuterio reforccedilar que a ecircnfase desta investigaccedilatildeo recai sobre a
participaccedilatildeo de cada um dos envolvidos e a contribuiccedilatildeo de reciprocidade para o grupo
envolvendo portanto uma situaccedilatildeo de colaboraccedilatildeo entre os participantes O foco estaacute
em uma maneira de refletir criticamente e relacionar teoria e praacutetica a partir do diaacutelogo
entre pesquisadores e coordenadores da creche e a consequente produccedilatildeo de
conhecimento novo Com isso foi necessaacuterio compreendermos o processo de
colaboraccedilatildeo que possibilitava examinar praacuteticas refletir criticamente e argumentar para
assim podermos (des)construir accedilotildees cotidianas e interesses que realmente embasavam
as praacuteticas no espaccedilo da creche Aleacutem disso foram respeitadas nesse processo
colaborativo as negociaccedilotildees envolvidas por parte dos pesquisadores e dos profissionais
da creche
Os procedimentos para a consecuccedilatildeo dos objetivos deste projeto de pesquisa
continuaram a se pautar no desenvolvimento de sessotildees reflexivas com a participaccedilatildeo
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 111
ILKA SCHAPPER SANTOS
dos pesquisadores externos (professores da UFJF e do municiacutepio mestrandos e bolsistas
de iniciaccedilatildeo cientiacutefica) e os coordenadores das creches da Prefeitura de Juiz de Fora
Entendemos como Szundy (2005 p 90) que ldquoas sessotildees reflexivas satildeo pensadas como
contextos em que satildeo criadas oportunidades para a construccedilatildeo de significados sobre a
praacutetica docente em colaboraccedilatildeo com um pesquisador externo caracterizando-se como
sessotildees de discussatildeordquo
Nas sessotildees reflexivas os profissionais da creche e os pesquisadores em
processo de reflexatildeo criacutetica colaborativa fizeram a anaacutelise de accedilotildees desenvolvidas
comumente no cotidiano das creches utilizando o ciclo de quatro accedilotildees proposto por
Smyth (1992) descrever informar confrontar e reconstruir
A partir dos dados de campo obtidos no projeto anterior estabeleceu-se como
prioridade para este projeto a discussatildeo das sessotildees reflexivas que tiveram os seguintes
temas a) o desenvolvimento infantil (neste caso mais especificamente sobre a questatildeo
do choro na creche como condiccedilatildeo da crianccedila tendo como subsiacutedio as consideraccedilotildees de
Henri Wallon (1975 1995) b) a atividade da roda de conversa como espaccedilo de
investigaccedilatildeo c) o desenvolvimento da imaginaccedilatildeo infantil e o brincar e d) as relaccedilotildees
de poder na creche
Foi realizado um relatoacuterio detalhado trazendo a contribuiccedilatildeo dos pesquisadores
e profissionais da creche construiacutedo e publicado ao teacutermino da pesquisa sob a forma de
um livro que estaacute no prelo pela editora da UFF
Aleacutem disso continuamos estabelecendo uma importante parceria com as
professoras Drordf Maria Ceciacutelia C Magalhatildees e Drordf Fernanda C Liberali do grupo de
pesquisa do LAEL ndash Programa de Estudos Poacutes-graduados em Linguiacutestica Aplicada e
Estudos da Linguagem da PUC-SP A interlocuccedilatildeo com as referidas pesquisadoras
possibilitoupossibilita o aprofundamento teoacuterico na metodologia de Pesquisa Criacutetica de
Colaboraccedilatildeo
Pelo fato de fomentar discussotildees acerca dos saberes construiacutedos no espaccedilo das
creches por meio da reflexatildeo criacutetica dos educadores e dos coordenadores das creches
puacuteblicas de Juiz de Fora e dos pesquisadores este estudo propiciou o surgimento de
novas questotildees que puderam se desdobrar em novos projetos de pesquisa aleacutem de
motivar investigaccedilotildees desenvolvidas por alunos do programa de Poacutes-
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 112
ILKA SCHAPPER SANTOS
graduaccedilatildeoMestrado em Educaccedilatildeo da Faculdade de Educaccedilatildeo e por alunos dos cursos de
especializaccedilatildeo e de graduaccedilatildeo
O quadro abaixo apresenta o cronograma do planejamento das accedilotildees dos anos de
2008 e 2009
Quadro 06 ndash Cronograma do planejamento das accedilotildees do GP EFoPI nos anos de 2008 e
2009
Accedilotildees 2006 2006 2007 2007
Estudo da literatura X X X X
Apresentaccedilatildeo da proposta de
pesquisa agraves creches de educaccedilatildeo
infantil e professores
X
Organizaccedilatildeo planejamento e
construccedilatildeo das sessotildees reflexivas e
das observaccedilotildees
X
Montagem do cronograma das
observaccedilotildees do dia a dia escolar e
das sessotildees reflexivas com os
professores
X
Realizaccedilatildeo das 12 sessotildees reflexivas
com os educadores
X
X
Observaccedilatildeo do dia a dia escolar das
crianccedilas na sala de atividades com
registro
X X
Realizaccedilatildeo do Curso de Extensatildeo
intitulado ldquoEspaccedilo de reflexatildeo
Teoacuterico-Praacutetico em Contexto de
Colaboraccedilatildeo nas Crechesrdquo
X X
Transcriccedilatildeo das sessotildees reflexivas X X
Anaacutelise dos dados X X
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 113
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Relatoacuterio Final X X
Publicaccedilatildeo X X
Assim analiso em uma perspectiva longitudinal as accedilotildeesintervenccedilotildees do GP
EFoPI sobre o brincar na formaccedilatildeo dos profissionais da educaccedilatildeo infantil no municiacutepio
de Juiz de Fora a partir dos dois projetos supra citados com foco no brincar A seleccedilatildeo
dos dados ficou assim organizada (a) 3 sessotildees reflexivas com a participaccedilatildeo de 2
pesquisadores da Universidade Federal de Juiz de Fora em uma creche municipal da
AMAC no ano de 2006 ndash 1ordm cronotopo (b) 2 encontros do curso de extensatildeo intitulado
ldquoEspaccedilo de Reflexatildeo Teoacuterico-Praacutetico em Contexto de Colaboraccedilatildeordquo ministrado por 3
pesquisadores para as 23 coordenadoras das creches municipais da AMAC no ano de
2007 ndash 2ordm cronotopo (c) 1 sessatildeo reflexiva com 4 pesquisadores do GP EFoPI e as 23
coordenadoras das creches municipais da AMAC no periacuteodo entre 2008 e 2009 ndash 3ordm
cronotopo da Cadeia Criativa
3 3 3 ndash Espaccedilos de Atuaccedilatildeo do GP EFoPI
Nesta seccedilatildeo discorro sobre os espaccedilos de atuaccedilatildeo do GP EFoPi em especial
aqueles que estatildeo diretamente relacionados a este trabalho de tese as creches da AMAC
e o curso de extensatildeo na UFJF
3331 ndash A Entidade Civil que manteacutem as creches no Municiacutepio de Juiz de Fora
uma breve incursatildeo na AMAC
A Associaccedilatildeo Municipal de Apoio Comunitaacuterio (AMAC) eacute uma associaccedilatildeo
civil sem fins lucrativos criada no ano de 1984 e implantada em 1985 Essa associaccedilatildeo
segue as diretrizes da Loas ndash Lei Orgacircnica de Assistecircncia Social (Brasil 1993) a
Poliacutetica Nacional de Assistecircncia Social (Brasil 2004) e a Norma de Operacional Baacutesica
da Assistecircncia Social (Brasil 2005) Assim eacute responsaacutevel pela execuccedilatildeo de accedilotildees da
Prefeitura de Juiz de Fora na aacuterea da assistecircncia social desenvolvendo vaacuterios programas
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 114
ILKA SCHAPPER SANTOS
para atender aos mais diferentes segmentos27
Dentre os programas desenvolvidos pela
AMAC estaacute o de creches que atende as crianccedilas de 0 a 3 anos e 11 meses
Destaque-se que em Juiz de Fora no periacuteodo em que esta pesquisa se
desenvolveu a educaccedilatildeo de crianccedilas de 0 a 3 anos estaacute sob a responsabilidade da
Assistecircncia Social e natildeo da Secretaria de Educaccedilatildeo28
O Programa de Creches configurou-se inicialmente com 1 coordenadora geral
uma equipe teacutecnica que atendia todas as creches e era composta por 1 administrador 2
psicoacutelogos 1 assistente social 1 nutricionista 1 meacutedico 1 acadecircmico de Medicina 4
estagiaacuterias de Serviccedilo Social e 5 pedagogas aleacutem de uma equipe que exercia atividades
administrativas (abastecimento almoxarifado acompanhamento de doaccedilotildees) Para atuar
diretamente com as crianccedilas foram contratadas 7 auxiliares por creche nuacutemero
considerado insuficiente tendo em vista a proporccedilatildeo adultocrianccedila Diante dessa
situaccedilatildeo as mesmas ldquoredobravam seu trabalho a tiacutetulo de voluntariado bem como os
esforccedilos para mobilizar a proacutepria comunidaderdquo No decorrer do tempo esses
funcionaacuterios passaram a compor o quadro de servidores da AMAC (Costa 2006 p 41)
Os profissionais das creches possuem uma condiccedilatildeo de trabalho distinta
daqueles que atuam nas escolas administradas pela Secretaria de Educaccedilatildeo Sua
atividade eacute regida pela CLT-Consolidaccedilatildeo das Leis do Trabalho exigindo o
cumprimento de uma jornada de oito horas diaacuterias natildeo tendo sido construiacuteda uma
carreira que valorize sua formaccedilatildeo o que gera uma distinccedilatildeo salarial discrepante em
relaccedilatildeo aos docentes da rede municipal Essa situaccedilatildeo tornou-se comum na realidade
brasileira pois historicamente a assistecircncia social e a educaccedilatildeo foram campos que
disputaram e compartilharam atribuiccedilotildees e recursos da educaccedilatildeo infantil
arregimentando para isso pessoas com status diferentes e diferentes qualificaccedilotildees
(Vieira 2007 apud Zanetti 2010)
Os profissionais que atuam junto agraves crianccedilas nas creches municipais dividiam-
se ateacute o ano de 2008 em duas categorias ndash uma denominada recreadora e outra
denominada educadora social Durante a campanha salarial de 2009 houve uma
27 Maiores informaccedilotildees sobre os diferentes programas desenvolvidos em Juiz de Fora se encontram
disponiacuteveis no site oficial do municiacutepio lt wwwpjfmggovbrgt 28
Em 2010 iniciou-se o processo de transiccedilatildeo das creches da AMAC para a Secretaria Municipal de
Educaccedilatildeo de Juiz de Fora
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 115
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equiparaccedilatildeo das funccedilotildees e salaacuterios
Essas informaccedilotildees sobre os profissionais das creches sinalizam o quadro de
(natildeo) valorizaccedilatildeo em que se encontram esses profissionais que tecircm a tarefa de cuidar e
de educar as crianccedilas de 0 a 3 anos de idade Mostram o desprestiacutegio que a educaccedilatildeo
infantil sofre perante os oacutergatildeos governamentais Revelam um espaccedilo de ldquomenos valiardquo
com relaccedilatildeo agraves crianccedilas e suas infacircncias e aos profissionais que as atendem
O grupamento das crianccedilas nos espaccedilos das creches eacute feito por faixa etaacuteria
levando-se em conta o espaccedilo fiacutesico e a proporccedilatildeo adultocrianccedila Segundo Patriacutecia
Cestaro pesquisadora do GP EFoPI em comunicaccedilatildeo oral ateacute o ano de 2009 as
crianccedilas eram agrupadas conforme quadro abaixo
Quadro 07 ndash Relaccedilatildeo AdultoCrianccedila nas Creches Comunitaacuterias da AMAC2009
Grupamentos Nordm de crianccedilas Educadoras
3 meses a 1 ano e dois meses 04 01
1 ano e trecircs meses a 1 ano e onze
meses 06 01
2 anos 12 01
3 anos 18 01
Jaacute a resoluccedilatildeo Municipal No 12000 de Juiz de Fora (apud Costa 2006)
promulga que a proporccedilatildeo adultocrianccedila nas turmas das instituiccedilotildees de educaccedilatildeo
infantil deve se pautar no quadro seguinte
Quadro 08 ndash Proporccedilatildeo AdultoCrianccedila nas Turmas das Instituiccedilotildees de Educaccedilatildeo
Infantil segundo a Resoluccedilatildeo Municipal nordm 12000
Grupamentos Nordm de crianccedilas Professor
0 a 1 ano 06 01
1 ano a 2 anos 08 01
2 anos a 3 anos 12 a 15 01
Fonte Costa (2006 p52)
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 116
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Comparando o nuacutemero de crianccedilas por educadores(as) e professores(as) haacute entre
as crianccedilas menores de 0 a 2 anos de idade uma proporccedilatildeo menor ou igual nas salas de
atividades das creches em relaccedilatildeo ao estipulado na Resoluccedilatildeo Municipal No 12000 Jaacute
para as crianccedilas de 3 anos o nuacutemero eacute acima da meacutedia do recomendado na relaccedilatildeo
adultocrianccedilas
O primeiro aspecto relacionado mostra-se abaixo da meacutedia estabelecida pela
resoluccedilatildeo Esse aspecto mostra-se muito positivo pois os educadores podem
disponibilizar mais atenccedilatildeo e cuidados agraves crianccedilas no desenvolvimento das atividades
propostas O segundo ponto relacionado jaacute natildeo possibilita aos educadores a mesma
disponibilidade pois a proporccedilatildeo crianccedilasadulto eacute maior do que a recomendada
Cada creche da AMAC conta com uma coordenadora totalizando 23
coordenadoras em 23 creches
Eacute neste contexto de organizaccedilatildeo das creches no Municiacutepio de Juiz de Fora que
se insere esta pesquisa Apesar de o meu diaacutelogo ser com as produccedilotildees do grupo de
pesquisa EFoPI as investigaccedilotildeesintervenccedilotildees do grupo estatildeo inseridas no contexto das
creches municipais O primeiro momento da pesquisa do GP EFoPI foi com 4
educadoras de uma creche municipal por meio de sessotildees reflexivas Depois em um
segundo momento foi realizado o curso de extensatildeo na UFJF Assim no proacuteximo item
teccedilo uma breve discussatildeo sobre a extensatildeo universitaacuteria e faccedilo a descriccedilatildeo do curso de
que participaram as 23 coordenadoras das 23 creches municipais
3332 - A Extensatildeo Universitaacuteria e o Curso de Extensatildeo na Universidade Federal
de Juiz de Fora
No cenaacuterio das universidades brasileiras as temaacuteticas acerca da extensatildeo vecircm
sendo bastante debatidas e essa discussatildeo tem peculiaridades inerentes ao movimento de
cada eacutepoca
Os primeiros documentos oficiais de que temos notiacutecia sobre a extensatildeo
universitaacuteria satildeo as reformas de Francisco Campos e o Manifesto dos Pioneiros da
Educaccedilatildeo Nova (1932) Nesse periacuteodo cabia agrave extensatildeo universitaacuteria a vulgarizaccedilatildeo ou
popularizaccedilatildeo das ciecircncias e das artes Temos entretanto que ter claro que natildeo se
tratava da popularizaccedilatildeo total a qualquer puacuteblico mas que a socializaccedilatildeo se restringia agrave
classe burguesa da eacutepoca
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 117
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Depois em 1961 temos a Lei 4024 que faz pouca referecircncia agrave extensatildeo
limitando-a aos ldquocursos de especializaccedilatildeo aperfeiccediloamento e extensatildeo ou quaisquer
outrosrdquo Ainda nos anos 60 do seacuteculo passado a extensatildeo eacute retomada nas discussotildees
oficiais dos governos militares Isso foi materializado em 1968 na Lei 554068 que
promulga que as atividades de ensino e pesquisa realizadas nas universidades devem ser
estendidas agrave comunidade A extensatildeo eacute compreendida como uma maneira singular de
materializar as funccedilotildees puras de ensino e pesquisa e natildeo como uma terceira funccedilatildeo
concebida como um canal encarregado de conduzir o ensino e a pesquisa para aleacutem das
torres universitaacuterias
Nesse periacuteodo a ideia de discutir os grandes problemas nacionais e a dimensatildeo
transformadora da realidade foi apropriada pelos militares como elemento de garantia
do desenvolvimento e da seguranccedila nacional adquirindo a perspectiva assistencialista e
redentora da sociedade Desse modo a extensatildeo assumia o papel de articuladora entre
ensino e pesquisa e responsaacutevel por estabelecer os viacutenculos entre universidade e
sociedade Isso se afirma na lei 569271
Na atualidade temos na nova LDB (Brasil 1996) a caracterizaccedilatildeo da extensatildeo
como terceira atividade ao lado das outras duas de ensino e pesquisa retornando agrave
chamada perspectiva do tripeacute ensino pesquisa e extensatildeo
Diante do breve histoacuterico esboccedilado podemos perceber que a extensatildeo nas
universidades brasileiras natildeo tem uma caracterizaccedilatildeo bem delineada jaacute que ora aparece
como desdobramento da atividade de ensino e pesquisa ora aparece como uma terceira
atividade universitaacuteria inter-relacionada a essas duas
A tarefa de mapeamento do papel e das atribuiccedilotildees da extensatildeo eacute bem difiacutecil jaacute
que para isso devemos entrecruzar concepccedilotildees com tarefas a serem realizadas Dentro
desse quadro acredito que natildeo podemos cometer o erro histoacuterico de manter para a
extensatildeo o papel de materializar os elementos essenciais da ordem vigente como vimos
claramente nos anos 30 e 60 do seacuteculo passado
A extensatildeo universitaacuteria tem um espaccedilo bastante demarcado jaacute que a
universidade desde o seacuteculo XX busca ser o loacutecus por excelecircncia da produccedilatildeo do
conhecimento cientiacutefico e sua produtividade eacute mensurada a partir de um amplo domiacutenio
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 118
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no campo da investigaccedilatildeo Nesse contexto os professores satildeo considerados docentes-
investigadores que produzem e socializam seus conhecimentos
Assim na atualidade cada vez mais as universidades buscam estabelecer uma
interface entre pesquisa ensino e extensatildeo Como Proacute-Reitora Adjunta de Extensatildeo na
Universidade Federal de Juiz de Fora no periacuteodo de setembro de 2002 a marccedilo de 2006
pude junto com a Proacute-Reitora criar programas e projetos em parceria com a Proacute-
Reitoria de Graduaccedilatildeo e Proacute-Reitoria de Pesquisa Assim buscaacutevamos desatar os noacutes de
distanciamento entre pesquisa ensino e extensatildeo
Nossa poliacutetica era associar as atividades de extensatildeo agraves de pesquisa e ensino natildeo
se identificando como praacuteticas pontuais isoladas e desvinculadas do processo de
construccedilatildeo e produccedilatildeo de conhecimento Em razatildeo da pluralidade de suas interfaces
com o ensino e a pesquisa a extensatildeo agregava no seu conjunto de accedilotildees projetos
cursos eventos produccedilotildees serviccedilos entre outras
Com esse encaminhamento elaboramos uma poliacutetica de extensatildeo que visava
contribuir com o projeto poliacutetico pedagoacutegico da Universidade Federal de Juiz de Fora
Buscamos horizontalizar aquilo que historicamente foi verticalizado nas universidades
assegurando os princiacutepios da transversalidade e da interdisciplinaridade para as praacuteticas
de extensatildeo as praacuteticas de pesquisa e as praacuteticas de ensino
Foi a partir das experiecircncias como Proacute-Reitora Adjunta que passei a acreditar
como professora e como pesquisadora que a praacutetica de extensatildeo deveria atravessar
minhas praacuteticas de ensino e de pesquisa Por conta disso busquei um programa de
doutorado que tivesse essa tradiccedilatildeo Ingressei no doutorado do LAELPUC-SP e no GP
LACE podendo nesse contexto vivenciar a praacutetica de pesquisa que emerge de
intervenccedilotildees extensionistas Diante da oportunidade sugeri para o GP EFoPI do qual jaacute
participava que delineasse suas intervenccedilotildees nas creches sob o eixo da pesquisa-
extensatildeo de cunho criacutetico colaborativo
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 119
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O GP EFoPI assumiu essa visatildeo mais ampla da responsabilidade social de
participaccedilatildeo nas comunidades em que realiza suas praacuteticas de pesquisa e da perspectiva
de intervenccedilatildeo nos problemas sociais que circundam o universo das creches Buscou
uma produccedilatildeo de pesquisa extensionista que dialogou com os profissionais das creches
procurando contribuir para a formaccedilatildeo de um profissional criacutetico que reflete sobre suas
intervenccedilotildees no interior da instituiccedilatildeo O desenho abaixo sintetiza os princiacutepios
interdisciplinares entre ensino pesquisa e extensatildeo em que o GP EFoPI acredita
Figura 02 ndash Accedilotildees para materializar interdisciplinaridade e transversalidade na triacuteade
ensino-pesquisa-extensatildeo
Assim acreditando na indissociabilidade entre ensino-pesquisa-extensatildeo o GP
EFoPI montou um curso de extensatildeo em 2007 para as coordenadores das creches
municipais tendo dois objetivos (1) resgatar as discussotildees tecidas com as 4 professoras
da creche municipal e (2) promover espaccedilos de reflexatildeo e accedilatildeo colaborativa sobre as
atividades educativas que se apresentam na rotina das creches
O curso foi estruturado em 10 encontros com os seguintes temas
respectivamente (1) Oficina de Roda resgatando as memoacuterias (2) Oficina O dia-a-dia
na Creche (3) A Dimensatildeo Luacutedica na Crianccedila e na Creche (4) A Dimensatildeo Luacutedica no
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 120
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Espaccedilo-Ambiente da Creche reflexotildees sobre o brincar (5) Encontro ndash Conflitos na
Infacircncia e a Rotina na Creche (6) ndash Estaacutetua Se Mexer Natildeo Vale O Conhecimento
do Movimento Corporal (7) A Sistematizaccedilatildeo de Propostas Pedagoacutegicas nas Creches
(8) Narrativas Orais e o Desenvolvimento da Imaginaccedilatildeo Infantil (9) Vivecircncias
Artiacutesticas pensando nos pequenos e (10) Espaccedilo de ReflexatildeoAvaliaccedilatildeo
Eacute preciso esclarecer ao leitor que dos 10 encontros do curso de extensatildeo 2 satildeo
focos de anaacutelise desta tese (1) o terceiro encontro ldquoA Dimensatildeo Luacutedica na Crianccedila e
na Crecherdquo e (2) o quarto encontro ldquoA Dimensatildeo Luacutedica no Espaccedilo-Ambiente da
Creche reflexotildees sobre o brincarrdquo Isso porque nesses encontros foram discutidas as
relaccedilotildees que podemos estabelecer entre o desenvolvimento da imaginaccedilatildeo e a
brincadeira elementos que satildeo objetos de estudo desta investigaccedilatildeo
O curso de extensatildeo foi planejado e ministrado pelos participantes do GP EFoPI
com a intenccedilatildeo de ampliar no movimento da Cadeia Criativa a interlocuccedilatildeo criacutetica de
colaboraccedilatildeo com os profissionais das creches ateacute entatildeo tecidas com 4 educadoras de
uma das creches Finalizado o curso os pesquisadores pautaram suas intervenccedilotildees em 8
sessotildees reflexivas com os 23 coordenadores das 23 creches municipais nos anos de
2008 e de 2009
334 ndash Equipe de pesquisadores participantes do GP EFoPI no Periacuteodo 2006-2009
Como apresentado o grupo de pesquisa EFoPI tem como objetivo realizar
pesquisas nos contextos educativos de modo a contribuir com seus profissionais na
compreensatildeo e no encaminhamento de respostas agraves dificuldades inerentes ao cotidiano
educacional em especial naqueles que abrigam crianccedilas de 0 a 6 anos Por isso o
grupo realiza investigaccedilotildees com os profissionais no contexto da creche e natildeo sobre eles
De 2006 a 2009 o grupo contou com uma equipe de pesquisadores que incluiacutea
doutores doutorandos mestres mestrandos alunos de iniciaccedilatildeo cientiacutefica professores e
coordenadores aleacutem de pesquisadores colaboradores externos
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 121
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Quadro 09 ndash Coordenadores do GP EFoPI
2006
Equipe UFJF
Coordenaccedilatildeo do
Projeto
2007
Equipe UFJF
Coordenaccedilatildeo do
Projeto
2008
Equipe UFJF
Coordenaccedilatildeo do
Projeto
2009
Equipe UFJF
Coordenaccedilatildeo do
Projeto
Profa Dra Leacutea
Stahlschmidt P
Silva
Profa Ilka
Schapper Santos
Profa Dra Leacutea
Stahlschmidt P
Silva
Profa Ilka
Schapper Santos
Profa Dra Leacutea
Stahlschmidt P
Silva
Profa Ilka
Schapper Santos
Profa Dra Leacutea
Stahlschmidt P
Silva
Profa Ilka
Schapper Santos
Quadro 10 ndash Pesquisadores Doutores Doutorandos Mestres e Mestrandos
2006
Pesquisadores
Mestres e
Mestrandos
2007
Pesquisadores
Mestres e
Mestrandos
2008
Pesquisadores
Doutores
Doutorandos
Mestres e
Mestrandos
2009
Pesquisadores
Doutores
Doutorandos
Mestres e
Mestrandos
Profa Patriacutecia
Cestaro
Profa Nathalye
Nallon
Profa Ana Cristina
Costa
Profa Aretusa
Santos
Prof Pedro Gabriel
Profa Raquel
Lusardo
Profa Viviam
Arauacutejo
Profa Patriacutecia
Cestaro
Profa Nathalye
Nallon
Profa Ana Cristina
Costa
Profa Aretusa
Santos
Prof Pedro Gabriel
Profa Raquel
Lusardo
Profa Viviam
Arauacutejo
Profa Dra Hilda
Micarello
Profa Patriacutecia
Cestaro
Profa Ana Cristina
Costa
Profa Aretusa
Santos
Profa Raquel
Lusardo
Profa Viviam
Arauacutejo
Profa Nuacutebia
Schaper
Profa Alexsandra
Zanetti
Profa Nilceacuteia
Braga
Profa Maria
Cristina Amaral
Profa Claacuteudia
Bonfatti
Profa Luciana
Oliveira
Profa Denise
Rangel
Profa Dra Hilda
Micarello
Profa Patriacutecia
Cestaro
Profa Aretusa
Santos
Profa Raquel
Lusardo
Profa Viviam
Arauacutejo
Profa Nuacutebia
Schaper
Profa Alexsandra
Profa Marisley
Pereira
Profa Maritza
Abreu
Profa Luciana
Oliveira
Profa Denise
Rangel
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 122
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Quadro 11 ndash Alunos de Iniciaccedilatildeo Cientiacutefica
2006
2007
2008
2009
Celina Salgado
Flaacutevia Almeida
Michele Filgueiras
Carolina Arauacutejo
Ana Claacuteudia Santos
Celina Salgado
Flaacutevia Almeida
Michele Filgueiras
Carolina Arauacutejo
Ana Claacuteudia Santos
Marisley Pereira
Maritza Abreu
Michele Cardoso
Carolina Arauacutejo
Mariacutelia Almeida
Nataacutelia Martins
Michele Cardoso
Carolina Arauacutejo
Mariacutelia Almeida
Nataacutelia Martins
Mislene Nascimento
Quadro 12 ndash Pesquisadores Colaboradores
2006
2007
2008
2009
Profa Dra Fernanda
Coelho Liberali ndash
PUC-SP
Profa Dra Maria
Ceciacutelia Magalhatildees ndash
PUC-SP
Profa Dra Fernanda
Coelho Liberali
Profa Dra Maria
Ceciacutelia Magalhatildees
Profa Gisela
Pelizzoni ndash UFJF
Profa Dra Hilda
Micarello ndash UFJF
Profa Dra Alzira
Shimoura ndash PUC-SP
Profa Dra Fernanda
Coelho Liberali
Profa Dra Maria
Ceciacutelia Magalhatildees
Profa Dra Alzira
Shimoura
Profa Dra Fernanda
Coelho Liberali
Profa Dra Maria
Ceciacutelia Magalhatildees
Profa Dra Alzira
Shimoura
34 ndash Pesquisadores Focais do trabalho de Tese
Como consta nos quadros dos itens acima muitos pesquisadores marcaram
presenccedila nas intervenccedilotildees do GP EFoPI No entanto na discussatildeo dos resultados
analiso o discurso dos pesquisadores abaixo relacionados Os professores autorizaram
sua identificaccedilatildeo
Leacutea Stahlschmidt Pinto Silva mestre em Educaccedilatildeo pela Universidade Federal
do Rio de Janeiro e doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela
Universidade de Satildeo Paulo Eacute professora Associada I da Universidade Federal de Juiz
de Fora e coordena o GP EFoPI No momento seu objeto de estudo eacute a educaccedilatildeo
infantil com imersatildeo nas creches municipais de Juiz de Fora onde desenvolve um
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 123
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trabalho criacutetico reflexivo com os professores e educadores tendo como foco a
organizaccedilatildeo dos tempos e espaccedilos das creches para o desenvolvimento do brincar
Patriacutecia Maria Reis Cestaro mestre em Educaccedilatildeo pela Universidade Catoacutelica
de Petroacutepolis Tem cargo efetivo de professora da Prefeitura de Juiz de Fora tendo uma
vasta experiecircncia em gestatildeo escolar Atualmente compotildee o quadro de profissionais da
Secretaria de Educaccedilatildeo do Municiacutepio de Juiz de Fora atuando no Departamento de
Educaccedilatildeo Infantil Eacute pesquisadora desde 2005 do GP EFoPI tendo conduzido o
trabalho de quatro das doze sessotildees reflexivas realizadas no ano de 2006 Seu foco de
interesse no processo de pesquisa eacute a formaccedilatildeo em contexto
Hilda Aparecida Linhares da Silva Micarello mestre em Educaccedilatildeo pela
Universidade Federal de Juiz de Fora e doutora pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do
Rio de Janeiro Eacute professora Adjunta da Universidade Federal de Juiz de Fora e
Coordenadora de Linguagem do Centro de Poliacuteticas Puacuteblicas e Avaliaccedilatildeo da Educaccedilatildeo
(CAED) Participa do GP EFoPI tendo uma vasta experiecircncia em educaccedilatildeo infantil e
formaccedilatildeo de professores
Ilka Schapper mestre em Educaccedilatildeo pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do
Rio de Janeiro e doutoranda em Linguiacutestica Aplicada pelo Programa de Linguiacutestica
Aplicada e Estudos da Linguagem (LAEL ndash PUC-SP) Sou professora Adjunta II da
Universidade Federal de Juiz de Fora fui Proacute-Reitora Adjunta de Extensatildeo dessa
Universidade no periacuteodo de setembro de 2002 a marccedilo de 2006 Atuo como
Coordenadora do GP EfoPI tendo como aacutereas de interesse linguagem e argumentaccedilatildeo
formaccedilatildeo de professores e educaccedilatildeo infantil Uma apresentaccedilatildeo mais detalhada
encontra-se na introduccedilatildeo deste trabalho
35 ndash Procedimentos de produccedilatildeo-geraccedilatildeo coleta organizaccedilatildeo e armazenamento
dos dados
Nesta pesquisa os procedimentos de coleta produccedilatildeo organizaccedilatildeo e
armazenamento de dados seguem os preceitos do Comitecirc de Eacutetica da PUC-SP O leitor
pode ter certo estranhamento sobre as diferenccedilas dos termos usados Refiro-me agrave coleta
porque utilizo o banco de dados do GP EFoPI para proceder a investigaccedilatildeo Eacute
importante esclarecer que todas as informaccedilotildees que busquei no banco de dados tiveram
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 124
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minha participaccedilatildeo no momento em que foram produzidas Participei ativamente das
discussotildees teoacutericas dos planejamentos e dos encontros em todos os momentos das
investigaccedilotildees desenvolvidas pelo grupo de pesquisa no periacuteodo de 2006 a 2009 natildeo soacute
para contribuir nos trabalhos de pesquisa do GP EFoPI mas tambeacutem para construir o
meu trabalho de tese
O sintagma ldquoproduccedilatildeo-geraccedilatildeo de dadosrdquo estaacute ldquorelacionado agrave produccedilatildeo de
conhecimento cientiacutefico na acepccedilatildeo marxista desvinculado da ideia taylorista de
mecanizaccedilatildeordquo (Fuga 2009 p 111) Seu uso se deve ao fato de este trabalho estar
filiado ao paradigma criacutetico como mencionado na introduccedilatildeo deste capiacutetulo pois a
pesquisa aqui desenvolvida ldquoestaacute relacionada agrave compreensatildeo transformaccedilatildeo da
realidade por meio da reflexatildeo teoria e praacutetica ainda pelo vieacutes bakhtiniano de
linguagem ao dizer que o ser humano e sua palavra constituem o objeto fundamental
do conhecimentordquo (ibid)
O corpus utilizado foi pois construiacutedo-produzido por meio de gravaccedilotildees e
viacutedeos das sessotildees reflexivas e do curso de extensatildeo no acircmbito de uma das creches
puacuteblicas municipais e da UFJF Devido agrave riqueza e ao volume de registros produzidos
nos vaacuterios contextos da pesquisa selecionei alguns momentos em forma de excertos
que pudessem ilustrar e responder as questotildees deste trabalho no momento da anaacutelise e
interpretaccedilatildeo dos dados
O procedimento de produccedilatildeo e geraccedilatildeo dos dados da presente investigaccedilatildeo
ocorreu de marccedilo a dezembro de 2006 e de marccedilo a dezembro de 2009 por meio de trecircs
instrumentos 3 sessotildees reflexivas com 4 professoras de uma creche municipal da
AMAC 2 encontros do curso de extensatildeo e 1 sessatildeo reflexiva com as coordenadoras
das 23 creches do municiacutepio de Juiz de Fora Assim no proacuteximo quadro apresento uma
siacutentese dos instrumentos usados para a discussatildeo
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 125
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Quadro 13 ndash Siacutentese dos instrumentos usados para a discussatildeo
Para responder as questotildees de pesquisa constam nesses instrumentos dados relevantes para a
compreensatildeo do compartilhamento de sentidos e significados por meio da argumentaccedilatildeo no
movimento da Cadeia Criativa
Questotildees da Pesquisa
Como o processo da argumentaccedilatildeo desenvolvido entre pesquisadoras e educadoras
permite expor sentidos e significados sobre a brincadeira no movimento da cadeia
Quais argumentos contribuiacuteram para a produccedilatildeo de significado sobre o brincar no
movimento da Cadeia Criativa
Instrumentos Local de
ColetaProduccedilatildeo
3 sessotildees reflexivas com 4 professoras Uma creche municipal ndash
2006
2 encontros do curso de extensatildeo intitulado ldquoEspaccedilo de Reflexatildeo
Teoacuterico-Praacutetico em Contexto de Colaboraccedilatildeordquo com 23 as
coordenadoras das 23 creches municipais
Universidade Federal de
Juiz de Fora ndash 2007
1 sessatildeo reflexiva com as 23 coordenadoras das 23 creches
municipais
Universidade Federal de
Juiz de Fora ndash 2009
36 ndash Procedimentos de Anaacutelise e Interpretaccedilatildeo de Resultados
Nesta sessatildeo esclareccedilo ao leitor como procedi para analisar e interpretar os
dados desta tese Primeiro apresento as Categorias Linguiacutestico-Discursivas e as
Categorias de Interpretaccedilatildeo que seratildeo utilizadas para responder as perguntas da
pesquisa Para melhor compreensatildeo do leitor faccedilo uso de quadros que sintetizam os
elementos constitutivos de cada categoria
No campo das Ciecircncias Humanas o ser humano e sua palavra constituem objeto
fundante do conhecimento Suas ideias seus pontos de vista seus questionamentos e
explicaccedilotildees se concretizam por meio de enunciados verbais e extraverbais e em um
movimento dialeacutetico ao mesmo tempo em que produz esses enunciados eacute tambeacutem por
eles representados Na ausecircncia dos enunciados alheios e proacuteprios temos a ausecircncia do
objeto de estudo e do proacuteprio pensamento Pois como explica Amorim (2004 p 188)
ldquoo objeto de estudos torna-se sujeito sujeito falante autor do mesmo modo que aquele
que estudardquo
Bakhtin (1987) por meio de sua teoria enunciativa da linguagem permite pensar
a pesquisa em Ciecircncias Humanas numa perspectiva dialoacutegica Para ele ldquoo objeto das
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 126
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ciecircncias humanas eacute o ser expressivo e falanterdquo (p 395) Este natildeo deve ser portanto
concebido como objeto mas como um sujeito coparticipante coautor no processo de
pesquisa a qual deve se pautar na reflexatildeo-compreensatildeo com o sujeito da pesquisa e
natildeo sobre ele
Segundo Fuga (2009 p 115) ldquoos dados bdquofalam‟ ou seja apontam o caminho
para a compreensatildeo do problema investigado e por conseguinte uma possibilidade de
interferecircncia e transformaccedilatildeo na questatildeo abordadardquo Assim ldquoouvir os dadosrdquo na
perspectiva da LA implica sobremaneira a criaccedilatildeo de duas classes de categorias a
linguiacutestico-discursiva e a interpretativa Refletir sobre a linguagem no interior do
processo de pesquisa requer tecer um diaacutelogo entre esses dois tipos de categorias o que
possibilita identificar o movimento discursivo dos pesquisadores e participantes da
pesquisa na construccedilatildeo-produccedilatildeo do conhecimento Assim no proacuteximo item apresento
as categorias de anaacutelise
361 ndash Categorias de Anaacutelise
Para responder as questotildees desta pesquisa foram analisados como jaacute disse
anteriormente 3 sessotildees reflexivas com professores de uma creche municipal 2
encontros de um curso de extensatildeo e 1 sessatildeo reflexiva com os 23 coordenadores das
23 creches municipais Cada atividade selecionada foi nomeada na anaacutelise de
cronotopo da Cadeia Criativa (BakhtinVolochinov 1988) Dito de outro modo o
tempo e o espaccedilo em que ocorreu cada atividade constituem-se como elos no
movimento de anaacutelise da Cadeia Criativa Esse movimento foi fundamental para que
pudesse compreender a situaccedilatildeo de interaccedilatildeo bem como os aspectos que influenciaram
os enunciados produzidos
Na busca de compreender como ocorreu o compartilhamento de sentidos e
significados entre os professores e os demais participantes e para entender o papel da
argumentaccedilatildeo na construccedilatildeo-produccedilatildeo de conhecimento dos sujeitos nas atividades que
compotildeem o corpus desta tese apoacutes a seleccedilatildeo dos excertos foram identificados os
elementos que constituem a estrutura argumentativa (Liberali 2009) Esse levantamento
auxiliou na compreensatildeo do desenvolvimento do raciociacutenio por meio da apresentaccedilatildeo
de argumentoscontra-argumentos pontos de vista mediante uma questatildeo controversa
ou uma busca de se chegar a um acordo Esses elementos foram intitulados no quadro
das categorias de anaacutelise linguiacutestico-discursivas de marcas argumentativas I
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 127
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Jaacute as marcas da interaccedilatildeo (Liberali e Shimoura 2007) ndash questionamentos
instruccedilotildees explicaccedilotildees retomadas de vozes anteriores e colocaccedilatildeo e recolocaccedilatildeo de
problemas tambeacutem satildeo categorias linguiacutestico-discursivas que datildeo movimento agraves
interaccedilotildees verbais e possibilitam a continuidade do fluxo discursivo
Por fim nas marcas argumentativas 2 busco por meio dos tipos de argumentos
(Perelman amp Olbrechts-Tyteca 19702005) apreender os sentidos e os significados
compartilhados pelos pesquisadores e participantes Os tipos de argumentos satildeo
elementos discursivos utilizados pelos interlocutores na busca de compartilhamento de
um ponto de vista Assim eacute importante que levantemos o que chamei de marcas
linguiacutesticas materializadas nos operadores argumentativos e nos decirciticos pois por meio
delas podemos mapear os tipos de argumentos
Grosso modo os operadores argumentativos tecircm no texto a finalidade de
designar ldquocertos elementos da gramaacutetica de uma liacutengua que tecircm por funccedilatildeo indicar a
forccedila argumentativa dos enunciados a direccedilatildeo (o sentido) para o qual apontamrdquo
(Koch 19922004 p 30) Esses elementos argumentativos se materializam em
conjunccedilotildees conectivos e adveacuterbios A anaacutelise dos operadores argumentativos possibilita
mostrar a forccedila argumentativa dos enunciados dito de outro modo possibilita
compreender o sentido para o qual apontam pois eles introduzem nos enunciados
novos conteuacutedos semacircnticos
Jaacute os decirciticos tecircm no movimento textual a funccedilatildeo de ldquoapontarrdquo para o contexto
situacional Constituem-se como marcas linguiacutesticas que permitem inscrever no
enunciado as marcas da interaccedilatildeo que se materializam como uacutenicas e irrepetiacuteveis
Desse modo os decirciticos assinalam o sujeito que enuncia e o seu interlocutor (decircixis
pessoal) aleacutem de ldquoapontarrdquo qual eacute o tempo (decircixis temporal) e o espaccedilo (decircixis
espacial) da enunciaccedilatildeo Gramaticalmente os decirciticos de pessoa satildeo denominados
pronomes pessoais pronomes possessivos sufixos flexionais de pessoa-nuacutemero
vocativos os decirciticos temporais satildeo conhecidos na gramaacutetica como adveacuterbios
locuccedilotildees adverbiais ou expressotildees de tempo por fim os decirciticos espaciais satildeo
representados gramaticalmente pelos adveacuterbios ou locuccedilotildees adverbiais de lugar
Analisar no fluxo da interaccedilatildeo verbal a funccedilatildeo decircitica possibilita sinalizar para o
contexto situacional e para loacutecus argumentativo possibilitando uma reflexatildeo sobre as
pessoas do discurso e os tempos e espaccedilos da interlocuccedilatildeo
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 128
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Retomo a seguir as categorias linguiacutestico-discursivas que subsidiam a anaacutelise
desta tese sintetizando-as em quadros ilustrativos
3611 ndash Marcas da Interaccedilatildeo
As marcas da interaccedilatildeo estatildeo presentes nos mecanismos enunciativos e nos tipos
de interaccedilotildees apresentadas nas sessotildees reflexivas e nos encontros do curso de extensatildeo
questionamentos instruccedilotildees explicaccedilotildees retomadas de vozes e colocaccedilatildeo e recolocaccedilatildeo
de problemas A anaacutelise do movimento dessas marcas pode revelar como se estabeleceu
a relaccedilatildeo entre os participantes
Quadro 14 ndash Marcas da interaccedilatildeo
Marcas da Interaccedilatildeo
Elementos discursivos que possibilitam
a interaccedilatildeo Definiccedilatildeo
Questionamento Levanta e apresenta questotildees contidas ou
natildeo nas discussotildees Esta marca possibilita
fomentar a discussatildeo
Instruccedilatildeo Apresenta as orientaccedilotildees as diretrizes
presentes em momentos da discussatildeo que
pode ser seguidas ou natildeo dependendo da
credibilidade do orador
Explicaccedilatildeo Apresenta elementos que possibilitam
elucidar pontos ou questotildees natildeo
compreendidas pelo auditoacuterio
Retomada de vozes Pauta-se no uso de enunciados anteriores
de pessoas presentes ou no momento da
discussatildeo para dar credibilidade ao orador
Colocaccedilatildeo e recolocaccedilatildeo de problemas Apresenta ou resgata os elementos contidos
nas discussotildees em forma de situaccedilotildees-
problema que possibilitam geralmente a
ampliaccedilatildeo do debate Sua eficaacutecia depende
da credibilidade do orador diante da
audiecircncia
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 129
ILKA SCHAPPER SANTOS
3612 ndash Marcas Argumentativas 1
Focalizando a anaacutelise argumentativa Liberali (2009) explica que o movimento
argumentativo apresenta elementos caracteriacutesticos no interior de sua estrutura Com
base nessa reflexatildeo apresento no quadro a seguir os itens que compotildeem o fluxo da
argumentatividade
Quadro 15 ndash Marcas Argumentativas 1
Marcas Argumentativas 1
Movimento Argumentativo Definiccedilatildeo
Ponto de vista Modo como os interlocutores se
posicionam diante das questotildees e
discussotildees apresentadas Geralmente
possibilita aos interlocutores ampliarem
seus sentidos
Contra-argumento Pautado na contraposiccedilatildeo agrave tese
apresentada ou nos argumentos utilizados
para defendecirc-la
Questatildeo controversa Geralmente eacute uma questatildeo que coloca em
duacutevida a tese apresentada Esse
movimento fomenta a reflexatildeo criacutetica
pois abre para possibilidades outras
diferentes das apresentadas nas
discussotildees
Acordo Em uma avaliaccedilatildeo dos diferentes pontos
de vista apresenta a possibilidade de
resoluccedilatildeo das situaccedilotildees de conflitos e
tensotildees
3613 ndash Marcas Argumentativas 2
As marcas argumentativas 2 nesta tese estatildeo fundamentadas na releitura que fiz de
alguns tipos de argumentos tratados por Perelman e Olbrechts-Tyteka (19702005) na
obra Tratado da Argumentaccedilatildeo ndash a nova retoacuterica abordados na terceira parte do livro
A releitura se fez necessaacuteria por conta de historicamente essas teacutecnicas argumentativas
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 130
ILKA SCHAPPER SANTOS
estarem no loacutecus da argumentaccedilatildeo juriacutedica Busquei portanto inseri-las nas
especificidades do contexto da educaccedilatildeo infantil no interior das creches
Quadro 16 ndash Marcas Argumentativas 2
Marcas Argumentativas 2
Tipos de Argumentos que respaldam
o movimento argumentativo Definiccedilatildeo
Citaccedilatildeo
Teoacuterico Pode reforccedilar ou refutar a tese
defendida Sua forccedila argumentativa soacute
existe se tiver credibilidade
Autoridade A voz do outro pode ser seguida ou
natildeo pois depende da posiccedilatildeo que
ocupa
Fonte Precisa ser considerada coerente e
fidedigna pelo auditoacuterio
Definiccedilatildeo
Indica o sentidosignificado de algo a partir de suas
caracteriacutesticas observaacuteveis ou subjetivas Pode pautar-se
ainda em uma convenccedilatildeo estando assim isento de
julgamentos
Comparaccedilatildeo Confronta dois (ou mais) acontecimentos para estabelecer
distinccedilotildees oposiccedilotildees entre si
Pragmaacutetico
Possibilita apreciar um acontecimento ou um ato por meio de
suas consequecircncias presentes ou futuras tendo relevacircncia
direta para a accedilatildeo Este argumento geralmente estaacute pautado no
senso comum
Exemplo Quando accedilotildees ou acontecimentos passados satildeo retomados para
sustentar uma explicaccedilatildeo
3614 ndash Marcas Linguiacutesticas
As marcas linguiacutesticas satildeo aqui representadas por decirciticos espaciais temporais
e de pessoas e por operadores argumentativos como elementos que possibilitam apontar
o loacutecus do contexto situacional da interlocuccedilatildeo e a forccedila dos enunciados tecidos entre
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 131
ILKA SCHAPPER SANTOS
pesquisadores e participantes da pesquisa como jaacute mencionado Promovem um ingresso
no movimento argumentativo no fluxo da interaccedilatildeo verbal
Quadro 17 ndash Marcas Linguiacutesticas
Marcas Linguiacutesticas
Decirciticos espacial temporal e de pessoa
Operadores argumentativos
362 ndash Categorias de Interpretaccedilatildeo
As categorias de interpretaccedilatildeo foram criadas a partir dos conceitos de sentido e
significado (BakhtinVolochinov 1988 Vygotsky 19301991 19342001) ZPD como
zona de conflitos de criticidade e de colaboraccedilatildeo (Magalhatildees 2009 p 61) discurso
internamente persuasivo e discurso de autoridade (Bakhtin 1983) cronotopia e
exotopia (Bakhtin 1987) A seleccedilatildeo dessas categorias decorre da possibilidade de se
perceber por meio de sua anaacutelise como se processa o compartilhamento de sentidos e
significados na produccedilatildeo-construccedilatildeo do conhecimento no movimento da Cadeia
Criativa
Quadro 18 ndash Categorias de Interpretaccedilatildeo
Categorias de Interpretaccedilatildeo
Sentidos e significados
ZPD ndash zona de conflitos criticidade e colaboraccedilatildeo
Discurso internamente persuasivo e Discurso de autoridade
Cronotopia e Exotopia
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 132
ILKA SCHAPPER SANTOS
37 ndash Credibilidade neste Processo de Pesquisa
Eacute importante que qualquer pesquisa cientiacutefica seja submetida natildeo soacute agrave criacutetica dos
pares mas tambeacutem daqueles que tecircm posiccedilotildees contraacuterias agraves discussotildees debatidas no
interior da investigaccedilatildeo Diferentes olhares embates argumentativos que possibilitam
rever o trabalho revisitar posicionamentos e posturas e principalmente permitir o
levantamento de questotildees que geram inquietaccedilotildees quanto ao motivo de uma dada
escolha Essas posturas diante do processo de pesquisa conferem credibilidade ao
trabalho do pesquisador (Fuga 2009 p 122)
Segundo Fuga (2009) um dos processos necessaacuterios agrave confiabilidade no
processo de pesquisa eacute o engajamento prolongado do pesquisador no contexto de
pesquisa necessaacuterio para alcanccedilar os objetivos traccedilados Como jaacute explicitado estive
presente em todos os contextos em que esta pesquisa se insere nas sessotildees reflexivas
com as 4 professoras de uma das creches puacuteblicas municipais (2006) no planejamento e
execuccedilatildeo dos 10 encontros do curso de extensatildeo (2007) e das 8 sessotildees reflexivas
realizadas com as 23 coordenadoras das 23 creches municipais (2008-2009)
Esta pesquisa tambeacutem passou por discussotildees nos seminaacuterios de orientaccedilatildeo
principalmente discussotildees sobre dos aspectos teoacutericos metodoloacutegicos e sobre a anaacutelise
dos resultados Nesse espaccedilo os colegas mestrandos e doutorandos fizeram
questionamentos e deram contribuiccedilotildees para a estruturaccedilatildeo textual Tive ainda
orientaccedilatildeo e acompanhamento individual da minha orientadora em todos os momentos
da feitura desta tese
Aleacutem disso os dados produzidos no GP EFoPI material de anaacutelise deste
trabalho geraram textos acadecircmicos que foram apresentados em vaacuterios congressos
nacionais e internacionais e no acircmbito da PUC-SP e da UFJF o que desdobrou na
publicaccedilatildeo de artigos em importantes perioacutedicos de circulaccedilatildeo nacional No acircmbito do
LAEL ndash PUC-SP este estudo foi submetido a trecircs bancas de qualificaccedilatildeo cujas
sugestotildees e questionamentos permitiram mudanccedilas reorganizaccedilotildees e redefiniccedilatildeo de
questotildees Nos periacuteodos das qualificaccedilotildees pude discutir a abordagem teoacuterica a opccedilatildeo
metodoloacutegica e os procedimentos de anaacutelise e interpretaccedilatildeo dos dados Esse processo
permitiu que repensasse o percurso desta pesquisa em uma interlocuccedilatildeo calorosa com as
professoras doutoras que compuseram as bancas Alzira Shimoura Maria Ceciacutelia
Magalhatildees Maria Helena Pistori Mona Hawi e Wanda Aguiar Junqueira
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 133
ILKA SCHAPPER SANTOS
Por fim em 31 de agosto de 2009 a pesquisa foi aprovada pelo Comitecirc de Eacutetica
da PUC-SP Esse oacutergatildeo da PUC tem por objetivo resguardar os direitos e as imagens
dos participantes da investigaccedilatildeo A autorizaccedilatildeo desse Comitecirc foi registrada sob o
protocolo no 1942009 em anexo no final deste trabalho
Assim depois de ter tecido discussotildees que atravessam esta pesquisa referentes agrave
metodologia apresentarei no proacuteximo capiacutetulo a discussatildeo dos resultados por meio da
anaacutelise e interpretaccedilatildeo dos dados
ILKA SCHAPPER SANTOS
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO
Este capiacutetulo objetiva apresentar e discutir os resultados da pesquisa dialogando
com eles agrave luz dos fundamentos teoacuterico-metodoloacutegicos que sustentam esta tese para
responder as questotildees que orientam este trabalho a saber
Como o processo da argumentaccedilatildeo desenvolvido entre pesquisadores e educadores
permite expor sentidos e significados sobre a brincadeira no movimento da Cadeia
Criativa
Quais argumentos contribuiacuteram para a produccedilatildeo de significado sobre o brincar no
movimento da Cadeia Criativa
O capiacutetulo estaacute estruturado em trecircs partes tendo em vista a sequecircncia dos
cronotopos (Bakhtin 1983) no movimento da Cadeia Criativa A divisatildeo das partes em
cronotopos se justifica neste trabalho pela tentativa de situar o tempo-espaccedilo da
produccedilatildeo discursiva no interior das discussotildees tecidas entre pesquisadoras e educadoras
do GP EFoPI selecionada para a anaacutelise
Na primeira seccedilatildeo a discussatildeo se fixa nos excertos de 3 sessotildees reflexivas para
analisar a partir das perguntas da tese o processo reflexivo construiacutedo entre duas
pesquisadoras do GP EFoPI e quatro professoras participantes de uma das 23 creches do
municiacutepio de Juiz de Fora realizadas ao longo do ano de 2006 configurando o primeiro
cronotopo da Cadeia Criativa Estas sessotildees tiveram o objetivo de discutir o brincar
como eixo do trabalho docente com crianccedilas de dois e trecircs anos de idade
Em seguida abordo as interlocuccedilotildees tecidas entre o GP EFoPI e as 23
coordenadoras das 23 creches da AMAC do municiacutepio de Juiz de Fora no interior de
dois encontros do curso de extensatildeo intitulado ldquoEspaccedilo de Reflexatildeo Teoacuterico-Praacutetico em
Contexto de Colaboraccedilatildeordquo que expressam o segundo cronotopo Eacute importante
esclarecer que a escolha desses dois encontros se deu por conta da relaccedilatildeo dos temas
com este estudo (1) o terceiro encontro ldquoA Dimensatildeo Luacutedica na Crianccedila e na
Crecherdquo e (2) o quarto encontro ldquoA Dimensatildeo Luacutedica no Espaccedilo-Ambiente da Creche
reflexotildees sobre o brincarrdquo Por fim continuo o diaacutelogo entre as pesquisadoras e as
referidas coordenadoras por meio de uma nova sessatildeo reflexiva
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 135
ILKA SCHAPPER SANTOS
Em todos os cronotopos haacute subseccedilotildees que traduzem um agrupamento de
excertos circunscritos a uma mesma temaacutetica Os tiacutetulos dessas subseccedilotildees satildeo nomeados
a partir da atividade desenvolvida no interior das interaccedilotildees vivenciadas pelo grupo
41 ndash 1ordm Cronotopo da Cadeia Criativa ndash Sessotildees reflexivas com pesquisadoras do
GP EFoPI e educadoras da creche
As sessotildees reflexivas com as pesquisadoras do GP EFoPI e educadoras de uma
das 23 creches do municiacutepio de Juiz de Fora foram planejadas no interior das reuniotildees
de pesquisa para compreender criticamente o lugar das brincadeiras de faz de conta no
universo da creche buscando observar o desenvolvimento das experiecircncias infantis
orientadas pelo educadorprofessor O diaacutelogo nas sessotildees foi tecido a partir da
observaccedilatildeo de atividades filmadas de outras educadoras e das proacuteprias professoras que
tiveram como eixo a brincadeira de faz de conta Os encontros com as educadoras
subsidiaram as discussotildees tecidas no curso de extensatildeo e nas sessotildees reflexivas com as
coordenadoras das 23 creches do municiacutepio (cronotopos 2 e 3 da cadeia criativa)
Em todo o movimento da cadeia criativa formada pelas pesquisadoras e
profissionais das creches as participantes buscavam discutir como a disposiccedilatildeo dos
brinquedos e as brincadeiras desenvolvidas podiam ser elementos de aprendizagens
relevantes e de reconstruccedilatildeo do real pela crianccedila
411 ndash 1ordf Sessatildeo Reflexiva Analisada ndash dia 14 de agosto de 2006
Os trecircs primeiros excertos selecionados para este capiacutetulo de anaacutelise foram
retirados da segunda sessatildeo reflexiva com as quatro professoras de uma das creches
municipais que trabalham com crianccedilas de dois e trecircs anos de idade e duas
pesquisadoras do GP EFoPI em 14 de agosto de 2006 na sala de reuniotildees da creche O
objetivo da sessatildeo era discutir o lugar do luacutedico na educaccedilatildeo infantil tendo como
referente um viacutedeo em que uma professora desenvolve duas atividades luacutedicas com
crianccedilas de quatro anos de idade
Na primeira atividade do viacutedeo a professora pega uma caixa de blocos loacutegicos29
e vai mostrando o material para as crianccedilas enquanto solicita que o grupo de alunos
29 Constitui-se de 48 peccedilas que combinam quatro atributos em cada uma sendo
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 136
ILKA SCHAPPER SANTOS
responda quais as formas (quadrado ciacuterculo triacircngulo e retacircngulo) as cores (vermelho
amarelo e azul) os tamanhos (grande pequeno) e as espessuras (grosso e fino) Na
segunda atividade a professora entrega pedaccedilos de papeizinhos com as formas
geomeacutetricas dos blocos loacutegicos e solicita agraves crianccedilas que montem desenhos a partir
delas mas com um referente definido com o ciacuterculo fazer um sol por exemplo
Vejamos o 1ordm fragmento em que a pesquisadora solicita agraves professoras a
descriccedilatildeo de uma atividade
1ordm Excerto
(1) Leacutea Noacutes vamos assistir agora agrave atividade e vocecircs descrevam a atividade Sabe o
que que eacute descrever neacute Eacute escrever o que viu na atividade Eu queria uma atividade de
brincadeira com as crianccedilas certo Eu vou dar uma sugestatildeo de como escrever o que
que vocecircs viram vocecircs vatildeo descrever o que que a professora fez o que que o aluno
fez o que que vocecircs viram no viacutedeo Vamos Eacute soacute vocecircs descreverem
A pesquisadora espera as professoras finalizarem as descriccedilotildees da cena vista no
viacutedeo e depois solicita que elas iniciem a descriccedilatildeo
(2) Leacutea Entatildeo vamos laacute quem gostaria de comeccedilar e estar comentando e descrevendo
o que que viu nessa atividade que vocecircs assistiram no viacutedeo
(3) Claacuteudia Eu percebi que a professora trabalhou de forma luacutedica diversos
conteuacutedos como a matemaacutetica atraveacutes dos alunos manipularem blocos loacutegicos
observando formas e cores a linguagem oral e escrita onde cada um procurou criar
variados objetos deixando transparecer a importacircncia do brincar na educaccedilatildeo infantil
(4) Leacutea Vamos laacute Vocecirc professora Mirela
(5) Mirela eacute eu tambeacutem observei que a professora deixou as crianccedilas muito livres
naquela hora que ela estaacute trabalhando as figuras geomeacutetricas aiacute trabalhou as cores
trabalhou assim deixou as crianccedilas falarem oralmente livremente cada transformaccedilatildeo
ali que eles estavam transformando E eu achei interessante tambeacutem na hora em que a
menina falou - Isso daqui eacute um papagaio Aiacute ela (a professora) falou assim - Natildeo
Tamanho (grande e pequeno)
Cor (amarelo azul e vermelho)
Forma (ciacuterculo quadrado triacircngulo e retacircngulo)
Espessura (grosso e fino)
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 137
ILKA SCHAPPER SANTOS
parece uma casa natildeo Aiacute vocecirc vecirc assim que interessante a crianccedila quando ela fala que
eacute uma coisa como que ela visualiza aquilo
(6) Fabiana Eacute eu tambeacutem vi que ela trabalhou as cores as formas dentro da
linguagem matemaacutetica tambeacutem A liberdade que ela deu agraves crianccedilas cada um com as
suas formas geomeacutetricas elas criaram tiveram a criatividade foi um momento de
desenvolver a criatividade deles natildeo foi aquela coisa presa eles fizeram livremente
No exoacuterdio30
(introduccedilatildeo do discurso que tem como objetivo conquistar a
simpatia do auditoacuterio) do excerto acima a pesquisadora (1) faz a apresentaccedilatildeo do
partitio ndash o plano a seguir a) Noacutes vamos assistir agora a atividade e vocecircs descrevam a
atividade e b) depois expotildee como deve ser feita a descriccedilatildeo da cena analisada Eu vou
dar uma sugestatildeo de como escrever o que que vocecircs viram vocecircs vatildeo descrever o
que que a professora fez o que que o aluno fez o que que vocecircs viram no viacutedeo
Vamos gente Eacute soacute vocecircs descreverem Aleacutem da apresentaccedilatildeo do discurso o exoacuterdio
tem a funccedilatildeo segundo Reboul (2004 p 55) de apresentar o assunto e projetar o ethos
do orador Isso eacute feito com o uso da funccedilatildeo faacutetica que busca uma adesatildeo inicial por
parte do auditoacuterio
O fragmento (1) ldquoNoacutes vamos assistir agora a atividaderdquo sinaliza o grau de
implicaccedilatildeo que a oradora deseja imprimir ao discurso expresso com o uso do pronome
pessoal na primeira pessoal do plural ldquonoacutesrdquo Depois a pesquisadora continua o turno
dizendo ldquoe vocecircs descrevam a atividaderdquo Para solicitar a tarefa ao auditoacuterio a
pesquisadora faz uso do pronome ldquovocecircsrdquo e tambeacutem faz uso do verbo descrever no
imperativo afirmativo (ldquodescrevamrdquo) que exprime uma solicitaccedilatildeo uma ordem Fica
claro assim que a descriccedilatildeo seraacute feita pelas professoras participantes
Eacute interessante notar que a pesquisadora no exoacuterdio pede agraves professoras para
assistirem e descreverem o que viram na cena depois anuncia que daraacute uma sugestatildeo de
como elas devem descrever Para isso solicita exemplos ldquoo que que a professora fez
o que que o aluno fezrdquo No entanto natildeo satildeo levantados questionamentos sobre a
estrutura do que seja descriccedilatildeo de uma atividade envolvendo a brincadeira Ao contraacuterio
disso a pesquisadora levanta questotildees geneacutericas sem formular questionamentos ou
fornecer exemplos que possam orientar as professoras na realizaccedilatildeo da tarefa
30 Do latim exordire (ldquocomeccedilarrdquo)
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 138
ILKA SCHAPPER SANTOS
Em seguida a oradora finaliza o turno dizendo ldquoEacute soacute vocecircs descreveremrdquo Esse
argumento tem para o auditoacuterio um efeito de hierarquia pois a orientaccedilatildeo eacute algo a ser
seguido Na cena enunciativa isso se presentifica com o uso do adjetivo ldquosoacuterdquo
mostrando que as professoras tecircm que fazer apenas isso uma descriccedilatildeo
Em siacutentese o turno (1) mostra que a pesquisadora pretende fazer com que as
educadoras a partir da descriccedilatildeo da cena na sessatildeo reflexiva consigam ter elementos
para refletir sobre o lugar do luacutedico da brincadeira na educaccedilatildeo infantil Essa mediaccedilatildeo
revela a interpretaccedilatildeo da pesquisadora das etapas do processo criacutetico reflexivo propostas
por Smyth (1992) e a busca de trazer para o diaacutelogo com as professoras questotildees
relacionadas ao momento do descrever Apesar de estar relacionada com essa etapa do
processo criacutetico reflexivo natildeo haacute desdobramentos de questotildees que possibilitem agraves
professoras participantes fazerem um detalhamento do que viram no viacutedeo
Segundo Liberali (2008) o levantamento de alguns elementos auxilia na
elaboraccedilatildeo de uma descriccedilatildeo detalhada do contexto de produccedilatildeo e pode servir de base
para um futuro confrontar Neste caso poderiam se constituir recursos para confrontar
as praacuteticas das salas de atividades de educaccedilatildeo infantil apresentaccedilatildeo do contexto de
produccedilatildeo da atividade mapeamento de quem satildeo os envolvidos na cena analisada o
tipo de atividade desenvolvida faixa etaacuteria e nuacutemero de crianccedilas assunto abordado
interaccedilatildeo crianccedilacrianccedila e adultocrianccedila caracteriacutesticas da sala de atividade como e
em que periacuteodo a atividade foi desenvolvida como a atividade se processou
apresentaccedilatildeo do tema a ser desenvolvido que tipo de trabalho foi desenvolvido ndash em
grupo em dupla individualmente ndash como os alunos atuaram durante a atividade como
os alunos responderam as questotildees levantadas pela professora e demais colegas e o que
os alunos e a professora disseramfizeram no decorrer da atividade Essas seriam
algumas das questotildees que a pesquisadora poderia levantar para orientar as professoras
na descriccedilatildeo da cena do viacutedeo
Apesar de natildeo especificar a tarefa a pesquisadora tem o intuito de que as
professoras descrevam a cena para promover o debate sobre as estrateacutegias que a
educadora do viacutedeo utilizou para promover a atividade luacutedica com crianccedilas pequenas
No turno (3) a professora Claacuteudia inicia seu discurso dizendo ldquoEu percebi que a
professora trabalhou de forma luacutedica diversos conteuacutedosrdquo com isso anuncia que seu
discurso estaraacute pautado na sua percepccedilatildeo do que foi visto e natildeo na descriccedilatildeo da
atividade Desse modo a educadora apenas menciona o que notou na cena de modo
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 139
ILKA SCHAPPER SANTOS
mais superficial sem respaldar seus argumentos em um detalhamento do contexto de
produccedilatildeo da atividade desenvolvida no viacutedeo
A professora Mirela por sua vez inicia seu turno dizendo (5) ldquoEacute observei
tambeacutemrdquo mostrando a partir do adveacuterbio ldquotambeacutemrdquo que percebeu da mesma forma que
a professora Claacuteudia depois amplia especificando seu argumento Na explicaccedilatildeo a
educadora insere mais um dado para o que entende sobre a importacircncia do brincar na
educaccedilatildeo infantil Com o adjetivo ldquolivresrdquo e a expressatildeo ldquotrabalhou de forma luacutedica
diversos conteuacutedosrdquo procura sinalizar que a educadora do viacutedeo priorizou o trabalho
com o luacutedico No entanto faz uso do argumento pragmaacutetico relacionando o movimento
da ludicidade com os conteuacutedos da matemaacutetica e da linguagem oral e escrita ldquocomo a
matemaacutetica atraveacutes dos alunos manipularem blocos loacutegicos observando formas e
cores a linguagem oral e escrita onde cada um procurou criar variados objetosrdquo O
uso desse recurso argumentativo permitiu agrave educadora apreciar acontecimentos segundo
suas consequecircncias buscando mostrar sua importacircncia direta na accedilatildeo da cena analisada
No entanto a forma como tece as relaccedilotildees entre os acontecimentos e suas
consequecircncias sinaliza para uma concepccedilatildeo de brincar estruturada sob a oacutetica do
conhecimento sistematizado desenvolvimento loacutegico matemaacutetico e linguagem
destacando formas e cores e linguagem oral e escrita respectivamente Nesse momento
a professora compartilha um significado cristalizado do brincar qual seja aquele
vinculado a um atividade escolarizada com o vistas agrave aprendizagem de conteuacutedos
especiacuteficos
Depois Mirela explica que ao manipularem os materiais como por exemplo os
blocos loacutegicos as crianccedilas estavam em processo de transformaccedilatildeo ldquodeixou as crianccedilas
falarem oralmente livremente cada transformaccedilatildeo ali neacute que eles estavam
transformandordquo Para explicar esse processo de transformaccedilatildeo na atividade que julgou
luacutedica a professora usa outro argumento de exemplo agora pautado em uma cena do
viacutedeo ldquoE eu achei interessante tambeacutem na hora em que a menina falou - Como que
eacute Isso daqui eacute um papagaio Aiacute ela (a professora do viacutedeo) falou assim - Natildeo parece
uma casa natildeo Aiacute vocecirc vecirc assim que interessante a crianccedila quando ela fala que eacute
uma coisa como que ela visualiza aquilordquo Na explicaccedilatildeo a partir do argumento de
exemplo a professora exemplifica com a afirmativa da crianccedila ldquoIsso daqui eacute um
papagaiordquo depois explica que ldquointeressante a crianccedila quando ela fala que eacute uma
coisa como que ela visualiza aquilordquo Ao usar o qualificativo ldquointeressanterdquo em dois
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 140
ILKA SCHAPPER SANTOS
momentos do argumento de exemplo a professora em um primeiro movimento avalia o
exemplo antes mesmo de relataacute-lo e depois reforccedila sua avaliaccedilatildeo para concluir que a
crianccedila a partir de um dado objeto o transforma em outro Mas natildeo se posiciona diante
da assertiva da professora do viacutedeo que questiona ldquoNatildeo parece uma casa natildeordquo
Eacute sim interessante perceber que a professora Mirela havia dito no fragmento
ldquopercebi que a professora deixou as crianccedilas muito livresrdquo e paradoxalmente o
exemplo que ela utilizou contradiz sua fala pois a professora do viacutedeo natildeo considera o
enunciado da crianccedila ldquoIsso daqui eacute um papagaiordquo mas reforccedila sua proacutepria
compreensatildeo do objeto representado ou seja uma casa No fluxo discursivo da
educadora notamos que sua fala vai de encontro ao processo da descriccedilatildeo
No turno (6) a professora Fabiana enuncia ldquoEacute eu tambeacutem vi que ela
trabalhou as cores as formas dentro da linguagem matemaacutetica tambeacutem A liberdade
que ela deu agraves crianccedilas cada um com as suas formas geomeacutetricas eles criaram
tiveram a criatividade foi um momento de desenvolver a criatividade deles natildeo foi
aquela coisa presa eles fizeram livrementerdquo Na fala de Fabiana reaparece o adveacuterbio
ldquotambeacutemrdquo para confirmar as observaccedilotildees das duas outras professoras retomando a
assertiva com o argumento de exemplo que a professora trabalhou os conhecimentos
matemaacuteticos Mas Fabiana introduz no seu argumento o substantivo ldquocriatividaderdquo
para explicar que a atividade foi desenvolvida pela professora do viacutedeo de forma
criativa No entanto natildeo faz uso de elementos discursivos que esclareccedilam os sentidos-
significados que ela professora atribui agrave criatividade
O 1ordm excerto revela uma contradiccedilatildeo latente na fala das professoras participantes
nas relaccedilotildees que estabelecem entre os binocircmios luacutedicolivre luacutedicocriatividade e
luacutedicoconteuacutedos diversos (em especial os conteuacutedos de linguagem e da matemaacutetica)
Os dois primeiros estatildeo atrelados ao luacutedico como reconstruccedilatildeo do real como
possibilidade de as crianccedilas anteciparem papeacuteis sociais e o terceiro ao luacutedico como
instrumento de aprendizagem dos conteuacutedos escolares
Embora na sessatildeo reflexiva haja um espaccedilo para que todos se coloquem a partir
da indagaccedilatildeo da pesquisadora cria-se um fosso entre os diaacutelogos tecidos pelas
coordenadoras e o silecircncio da pesquisadora sobre suas concepccedilotildees em relaccedilatildeo ao luacutedico
e ao brincar Esse silecircncio inviabilizou trazer para o espaccedilo enunciativo elementos de
tensatildeo conflitos e possibilidade de transformaccedilatildeo dos significados rotinizados que as
educadoras compartilharam sobre a temaacutetica Assim a ausecircncia de contrapalavras de
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 141
ILKA SCHAPPER SANTOS
reacuteplicas das pesquisadoras (BakhtinVolochinov 1988) em relaccedilatildeo aos significados que
as coordenadoras trouxeram na sessatildeo impossibilitou que a atividade fosse
desenvolvida por meio da colaboraccedilatildeo criacutetica (Magalhatildees 2009)
Nas cenas discursivas natildeo se chega a uma base de sustentaccedilatildeo comum Em
outras palavras podemos inferir que as relaccedilotildees tecidas nesses turnos estatildeo pautadas nas
praacuteticas rotinizadas das professoras sem que se produzam questotildees de fundo teoacuterico ou
a argumentaccedilatildeo para a formaccedilatildeo de conceitos Podemos perceber no movimento
discursivo uma dificuldade das pesquisadoras em levantarem a partir dos sentidos
trazidos pelas professoras naquela comunidade semioacutetica questionamentos que
pudessem gerar duacutevidas polecircmicas em relaccedilatildeo ao estabelecido e ao rotinizado
Isso fica expliacutecito quando as educadoras lanccedilam matildeo de argumentos de exemplo
e argumentos pragmaacuteticos estruturados a partir do que assistiram no viacutedeo e de suas
experiecircncias profissionais (ie por trecircs vezes destacaram que a professora do viacutedeo
estava trabalhando a matemaacutetica ndash cores formas ndash e em dois momentos do discurso
disseram que a atividade possibilitava o desenvolvimento da linguagem) A reincidecircncia
desses argumentos nas falas sinaliza que os sentidos das professoras sobre o luacutedico e
sua materializaccedilatildeo na sala de atividade de educaccedilatildeo infantil satildeo muito parecidos Aleacutem
disso a circularidade argumentativa sem intervenccedilatildeo das pesquisadoras inviabiliza que
significados outros possam emergir no fluxo da interaccedilatildeo verbal
Em resumo neste excerto a pesquisadora faz questionamentos para fomentar a
tarefa no entanto natildeo especifica o que deve ser descrito e natildeo usa argumentos de
exemplo para esclarecer sobre o que deve ser feito Com isso as professoras tecem
descriccedilotildees e narrativas geneacutericas
Passemos agora para a anaacutelise do 2ordm trecho selecionado da mesma sessatildeo
reflexiva momento em que as pesquisadoras procuram possibilitar um espaccedilo de
compartilhamento dos significados trazidos pelas professoras sobre o brincar em
especial a relaccedilatildeo entre material concreto e o desenvolvimento de atividades luacutedicas
2ordm Excerto
(7) Patriacutecia Entatildeo vocecircs jaacute falaram mais ou menos o descrever E aiacute qual eacute o foco da
apresentaccedilatildeo do conteuacutedo da atividade Assim o que que ela quis estar mostrando
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 142
ILKA SCHAPPER SANTOS
com essa atividade ali (do viacutedeo)
(8) Mirela De forma luacutedica as cores e as formas geomeacutetricas mesmo e aiacute associou
cores com formas
(9) Claacuteudia E tambeacutem expressatildeo oral jaacute que ela foi nas mesas perguntando
(10) Leacutea Esperem aiacute um minutinho Vocecircs concordam com a Mirela Com o que a
Mirela disse Que eacute de forma luacutedica
(11) Claacuteudia Eu concordo porque as crianccedilas estavam aprendendo e brincando ao
mesmo tempo elas brincaram com brinquedos loacutegicos que eacute um recurso brincar com
brinquedos loacutegicos que motiva bastante a imaginaccedilatildeo delas
(12) Leacutea O que que te levou a dizer que motiva bastante a imaginaccedilatildeo deles O que
que no viacutedeo Claacuteudia te mostra que as crianccedilas estatildeo imaginando
(13) Claacuteudia O brincar com o material que a professora deixou que eles fossem
manipulando de acordo com o que iam manipulando
(14) Leacutea Qual material vocecirc estaacute falando
(15) Claacuteudia Os blocos loacutegicos
(16) Leacutea O que faz com que vocecirc ache que a atividade foi uma atividade luacutedica
(17) Claacuteudia Por manipular o concreto por estarem manipulando o concreto
(18) Leacutea Entatildeo vocecirc pensa que toda vez que as pessoas pensam que toda vez que
vocecirc trabalha com material concreto eacute luacutedico
(19) Mirela Eacute porque a gente trabalha assim
(20) Leacutea Toda vez que vocecircs trabalham com material concreto eacute luacutedico
(21) Mirela Eacute luacutedico
(22) Leacutea O trabalhar com material concreto eacute luacutedico para vocecircs
(23) Mirela eacute pra a gente aqui eacute
No primeiro fragmento do turno (7) a pesquisadora Patriacutecia inicia o enunciado
dizendo ldquoentatildeo vocecircs jaacute falaram mais ou menos o descrever rdquo Com a locuccedilatildeo
adverbial ldquomais ou menosrdquo avalia de forma modalizada que as professoras natildeo
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 143
ILKA SCHAPPER SANTOS
conseguiram estruturar a descriccedilatildeo da cena assistida Apesar de sinalizar que
descreveram ldquomais ou menosrdquo a cena do viacutedeo a pesquisadora natildeo mostra
discursivamente o que entatildeo as professoras fizeram aleacutem disso natildeo daacute indicativos de
como fazer
Depois a pesquisadora centraliza seus questionamentos com perguntas para a
explicaccedilatildeo ldquoE aiacute qual eacute o foco da apresentaccedilatildeo do conteuacutedo da atividade Assim o
que que ela quis estar mostrando com essa atividade alirdquo Assim as professoras satildeo
chamadas a refletirem sobre o conteuacutedo da atividade e a pensarem sobre os objetivos
que a professora do viacutedeo desejava alcanccedilar As professoras participantes retomam os
argumentos do recorte anterior e reafirmam a tese de que a professora trabalhou de
forma luacutedica usando os mesmos argumentos de exemplo e pragmaacutetico Isso se revela
nos turnos (8) e (9) quando voltam a relacionar o luacutedico com os conteuacutedos matemaacuteticos
e os conteuacutedos de linguagem
Para as pesquisadoras a definiccedilatildeo de um campo comum sobre o que as
professoras entendem como um trabalho pautado na atividade luacutedica eacute essencial para a
discussatildeo que pretendem tecer com as educadoras Por isso no turno (10) Leacutea levanta
os questionamentos ldquoVocecircs concordam com a Mirela Com o que a Mirela disse que
eacute de forma luacutedicardquo O que estaacute em jogo eacute a busca de um significado compartilhado
sobre o brincar mas como as pesquisadoras natildeo se posicionaram no campo
argumentativo sobre as concepccedilotildees do GP EFoPI relativas agrave brincadeira na educaccedilatildeo
infantil a discussatildeo fica fundada apenas na retomada da fala anterior de Mirela Mais
uma vez natildeo se cria um espaccedilo de polecircmica com contra-argumentos que possam gerar
uma crise nos significados estratificados
No turno (16) a pesquisadora faz um questionamento que exige
explicaccedilatildeoraciociacutenio ldquoo que faz com que vocecirc ache que a atividade foi uma atividade
luacutedicardquo Ao tecer esse questionamento a pesquisadora busca propiciar um espaccedilo de
ampliaccedilatildeo dos argumentos das professoras procurando fazer emergir outros sentidos e
conhecimentos cotidianos que elas possam vir a ter sobre o luacutedico A professora Claacuteudia
(17) explica que ldquopor manipular o concreto por estarem manipulando o concretordquo a
atividade pode ser considerada luacutedica Essa explicaccedilatildeo leva a pesquisadora a retomar o
enunciado da professora (18) ldquoentatildeo vocecirc pensa que toda vez que as pessoas
pensam que toda vez que vocecirc trabalha com material concreto eacute luacutedicordquo Essa
retomada por meio de um questionamento tem a funccedilatildeo de produzir uma definiccedilatildeo
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 144
ILKA SCHAPPER SANTOS
sobre os saberes das educadoras em relaccedilatildeo agrave diacuteade luacutedicoconcreto mas como natildeo estaacute
elaborado para tal soacute alcanccedila confirmaccedilatildeo e natildeo uma definiccedilatildeo Isso ocorreu porque
natildeo foi solicitado diretamente agraves participantes o conceito de luacutedico adotado natildeo
promovendo um espaccedilo em que elas pudessem tecer consideraccedilotildees sobre a ludicidade
Aleacutem disso as proacuteprias pesquisadoras natildeo trazem seus sentidos-significados sobre a
temaacutetica
Na sua resposta Mirela (19) usa o sintagma nominal ldquoa genterdquo (no lugar do
pronome de primeira pessoa do plural ldquonoacutesrdquo) ressaltando o grau de implicaccedilatildeo de todas
as professoras da creche em um trabalho que veicula o luacutedico ao material concreto
Aqui os significados referem-se aos conteuacutedos instituiacutedos (Aguiar e Ozella 2006) que
foram sendo apropriados pelas professoras a partir de suas praacuteticas docentes na
interlocuccedilatildeo com os demais profissionais da creche
Diante da assertiva da professora a pesquisadora repete o questionamento nos
turnos (20) ldquotoda vez que vocecircs trabalham com material concreto eacute luacutedicordquo e (22)
ldquotrabalhar com material concreto eacute luacutedico para vocecircsrdquo deixando transparecer seu
estranhamento com a tese da educadora da creche Em resposta a educadora reafirma a
tese de que o trabalho com o material concreto eacute um trabalho luacutedico ndash (23) ldquoeacute pra a
gente aqui eacuterdquo ndash sinalizando por meio do uso do adveacuterbio de lugar ldquoaquirdquo como decircitico
espacial que na creche essa concepccedilatildeo prevalece Haacute uma revelaccedilatildeo de cisatildeo em seu
discurso que separa ldquoa gente aqui rdquo remetendo-se agraves professoras da creche e excluindo
as pesquisadoras do seu discurso Essa cisatildeo desvela um distanciamento entre os saberes
das professoras no cotidiano da creche e os saberes da universidade natildeo criando zonas
de sentido que pudessem desestabilizar as significaccedilotildees apresentadas
Apesar de a pesquisadora questionar a concepccedilatildeo de que todo trabalho com
material concreto eacute luacutedico a reincidecircncia de seus questionamentos natildeo traz para cena
discursiva neste excerto argumentos baseados na teoria para refutar a tese das
professoras Isso porque as pesquisadoras natildeo esclarecem natildeo compartilham seus
proacuteprios significados sobre o luacutedico construiacutedos-produzidos no GP EFoPI aleacutem de natildeo
criarem contra-argumentos a partir dos pontos de vista das professoras Mais uma vez
natildeo se cria uma zona de conflitos tensotildees e por conseguinte uma zona de colaboraccedilatildeo
criacutetica (Magalhatildees 2009) entre os participantes que pudesse promover um
compartilhamento de significados e produccedilatildeo-construccedilatildeo de conhecimentos gerados na
siacutentese dialeacutetica entre teoria e praacutetica
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 145
ILKA SCHAPPER SANTOS
A ausecircncia de um contexto colaborativo inviabilizou inaugurar um espaccedilo em
que os participantes tivessem a possibilidade de tornar seus processos mentais mais
claros em que pudessem demonstrar e explicar esses processos no fluxo da interaccedilatildeo
verbal Assim natildeo houve ruptura nos sentidos-significados trazidos pelas professoras
ficando estes inscritos agraves esferas anteriores em que foram produzidos
Vejamos entatildeo na sequecircncia da sessatildeo reflexiva em anaacutelise um trecho em que
a discussatildeo se volta para a forma como a professora interveacutem nas accedilotildees das crianccedilas
3ordm Excerto
(24) Leacutea Agora pensando mais na atividade seguinte e natildeo naquela dos blocos
loacutegicos eacute vamos pensar mais um pouquinho pensando neacute descrevendo analisando o
que a professora fez Vocecircs disseram que as crianccedilas estavam livres para imaginarem o
que quisessem
(25) Fabiana eacute dos papeizinhos Porque a partir do momento em que ela colocou as
formas geomeacutetricas em cima da mesa antes dela intervir eles poderiam mostrar o que
eles quisessem eles estavam livres para mostrar o que eles quisessem Eu soacute achei
assim que na hora em que ela comeccedilou a intervir em que ele (o aluno) ia montar a
casa nem eacute assim uma criacutetica porque agraves vezes eu faccedilo isso tambeacutem por querer que
seja o sol sem deixar que seja uma casa ou palhaccedilo
(26) Mirela mas eu acho que de toda forma mesmo com ela intervindo a crianccedila ela
estava brincando em uma atividade luacutedica porque ateacute o momento em que eles (os
alunos) estavam manipulando o papel eles estavam do jeito deles colocavam ali
colocavam aqui na hora em que ela (a professora) chegou fez a intervenccedilatildeo da forma
que ela achava que era o melhor Por quecirc Porque fica muito abstrato vocecirc colar uma
coisa que a crianccedila fez no caderno sem um contexto fica fora de esteacutetica vocecirc colar no
caderno uma obra da crianccedila na visatildeo da professora com o quadrado aqui o ciacuterculo ali
(27) Leacutea na visatildeo da esteacutetica
(28) Leacutea deixa eu ver se eu entendi entatildeo Mirela Vocecirc disse entatildeo que a orientaccedilatildeo
da professora eacute de que fizessem alguma coisa que depois fossem colar no caderno
vocecirc fala nessa questatildeo da esteacutetica que vocecirc acha que a professora fez bem que a
professora agiu corretamente em estar orientando o lugar de pocircr o sol perguntando se
depois fazia alguma coisa porque depois na hora de colar no caderno precisaria ter
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 146
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uma certa esteacutetica
(29) Mirela natildeo vocecirc entendeu errado Eu disse que ela agiu deixando as crianccedilas
brincarem ludicamente deixando fazer o que queriam soacute que na hora de colar no
caderno ela se preocupou com a esteacutetica de quem vai ver Porque quem vai ver vai
olhar e falar assim ldquonossa por que vocecirc colou um ciacuterculo aqui e um triacircngulo alirdquo
Agora se ela juntasse colocasse um sol em cima um triacircngulo e um quadrado
embaixo esteticamente estaacute mais bonito O pai quando olhar vai dizer ldquonossa meu
filho que bonito vocecirc realmente fez uma casardquo Agora tudo separado o que que o pai
vai ver em casa ldquonossa filho vocecirc colou assim por que vocecirc natildeo juntourdquo Eu acho
que a preocupaccedilatildeo da professora foi isso
(30) Leacutea e a preocupaccedilatildeo sua qual seria Como vocecirc faria
Neste excerto a pesquisadora procura ampliar o debate a partir das atividades
analisadas Para isso faz uso principalmente de argumento de comparaccedilatildeo Jaacute as
educadoras continuam a fazer uso do argumento pragmaacutetico que pouco promove a
ampliaccedilatildeo do debate sobre o jaacute estabelecido
No turno (24) com o operador argumentativo ldquoagorardquo a pesquisadora introduz
no enunciado conteuacutedos pressupostos O pressuposto eacute desvelado com a continuidade
do discurso em que a oradora usa um argumento de comparaccedilatildeo ldquopensando mais na
atividade seguinte e natildeo naquela dos blocos loacutegicosrdquo para sinalizar que as professoras
participantes ateacute entatildeo estavam focando mais a primeira atividade do viacutedeo do que a
segunda Assim convida o auditoacuterio a se ater agrave segunda atividade a partir da
explicaccedilatildeo ldquovamos pensar mais um pouquinho pensando neacute descrevendo
analisando o que a professora fezrdquo Depois finaliza o enunciado retomando a tese das
professoras ndash ldquoas crianccedilas estavam livres para imaginarem o que quisessemrdquo ndash como
estrateacutegia de reflexatildeo abrindo espaccedilo para confirmaccedilotildees ou refutaccedilotildees
Em (25) a educadora da creche Fabiana busca sustentar a tese de que na
atividade ldquoas crianccedilas estavam livres para imaginarem o que quisessemrdquo atraveacutes de
argumento pragmaacutetico isso se evidencia na explicaccedilatildeo ldquoa partir do momento em que
ela colocou as formas geomeacutetricas em cima da mesa antes dela intervir eles
poderiam mostrar o que eles quisessem eles estavam livres para mostrar o que eles
quisessem rdquo
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 147
ILKA SCHAPPER SANTOS
No entanto ao continuar o diaacutelogo refuta a tese usando outro argumento
pragmaacutetico ldquoEu soacute achei assim que na hora em que ela comeccedilou a intervir em que
ele (o aluno) ia montar a casa nem eacute assim uma criacutetica porque agraves vezes eu faccedilo isso
tambeacutem por querer que seja o sol sem deixar que seja uma casa ou palhaccedilordquo
Eacute interessante notar que Mirela em (26) inicia seu enunciado com um operador
argumentativo para contrapor o uacuteltimo argumento pragmaacutetico de Fabiana ldquomas eu acho
que de toda forma mesmo com ela intervindo a crianccedila ela estava brincando em
uma atividade luacutedicardquo Na continuaccedilatildeo do diaacutelogo faz uso de outro operador ldquomesmordquo
para assinalar o argumento mais forte de uma escala orientada para uma determinada
conclusatildeo (Koch 19922004) ldquoela estava brincando em uma atividade luacutedicardquo
Depois termina o turno fazendo uso mais uma vez do argumento pragmaacutetico
ldquochegou fez a intervenccedilatildeo da forma que ela achava que era o melhor Por quecirc
Porque fica muito abstrato vocecirc colar uma coisa que a crianccedila fez no caderno sem
um contexto fica fora de esteacutetica vocecirc colar no caderno uma obra da crianccedila na
visatildeo da professora com o quadrado aqui o ciacuterculo alirdquo Com esse argumento
pretende mostrar o motivo pelo qual a professora do viacutedeo fez uma intervenccedilatildeo que natildeo
estava pautada em uma atividade de brincadeira livre Isso fica claro na explicaccedilatildeo ldquofica
fora de esteacuteticardquo
Leacutea em (28) com a expressatildeo ldquodeixa eu ver se eu entendi entatildeo Mirelardquo
busca confrontar o que a educadora havia dito Ao retomar a fala de Mirela a
pesquisadora apresenta uma siacutentese do que foi dito buscando aparentemente confrontar
a fala da educadora ldquoVocecirc disse entatildeo que a orientaccedilatildeo da professora eacute de que
fizessem alguma coisa que depois fossem colar no caderno vocecirc fala nessa questatildeo
da esteacutetica que vocecirc acha que a professora fez bem que a professora agiu
corretamente em estar orientando o lugar de pocircr o sol perguntando se depois fazia
alguma coisa porque depois na hora de colar no caderno precisaria ter uma certa
esteacuteticardquo No entanto o confrontar ficou pautado no senso comum sem que houvesse
compartilhamento de sentidos sobre a relaccedilatildeo entre a atividade luacutedica e a esteacutetica
declarado por Mirela
Diante da retomada de sua fala pela pesquisadora Mirela contra-argumenta
linguisticamente com o decircitico de pessoa ldquovocecircrdquo que sua fala foi entendida errada
logo em seguida faz a retificaccedilatildeo ldquoEu disse que ela (a professora do viacutedeo) agiu
deixando as crianccedilas brincarem ludicamente deixando fazer o que queriam soacute que
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 148
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na hora de colar no caderno ela se preocupou com a esteacutetica de quem vai verrdquo Nesse
movimento a professora continua sua explicaccedilatildeo usando um argumento pragmaacutetico
ldquoagiu deixando as crianccedilas brincarem ludicamente deixando fazer o que queriamrdquo
Depois faz uso do operador ldquosoacuterdquo para indicar a restriccedilatildeo no interior da sua
argumentaccedilatildeo orientando seu discurso para a negaccedilatildeo da totalidade jaacute que reforccedila a
preocupaccedilatildeo com a esteacutetica em relaccedilatildeo a quem vai ver a atividade no caderno das
crianccedilas Na verdade a educadora na sua explicaccedilatildeo utiliza argumentos de autoridade
ldquoo pai quando olhar vai dizer - nossa meu filho que bonito Vocecirc realmente fez
uma casardquo e ldquoo pai vai ver em casa - nossa filho vocecirc colou assim por que vocecirc natildeo
juntourdquo
No movimento discursivo entre argumentos pragmaacuteticos e argumentos de
autoridade a educadora busca justificar sua tese de que foi necessaacuterio a professora
considerar os aspectos esteacuteticos Os elementos argumentativos continuam circunscritos
ao senso comum sem um aporte teoacuterico que possa subsidiar a educadora na definiccedilatildeo
do que seja atividade luacutedica e na restriccedilatildeo em se priorizar o que estaacute chamando de
ldquoesteacuteticardquo
No turno seguinte (30) a pesquisadora faz dois questionamentos ldquoe a
preocupaccedilatildeo sua qual seria Como vocecirc fariardquo Com estas indagaccedilotildees Leacutea natildeo
retoma os argumentos anteriores passando para o que Smyth (1992) intitula de
reconstruir com isso tem a intenccedilatildeo de promover novas possibilidades de se pensar
atividades sobre o brincar No entanto como natildeo compartilhou no interior da sessatildeo o
significado do brincar adotado no GP EFoPI e pautado em explicaccedilotildees fundamentadas
e coerentes natildeo cria tambeacutem espaccedilos de ZPD (Vygotsky 19301991 Magalhatildees
2009) que possam gerar no dizer de BakhtinVolochinov (1988) uma compreensatildeo
ativa uma reacuteplica uma contrapalavra materializada em uma mudanccedila de postura das
educadoras Podemos pensar que nesse momento do turno a pesquisadora poderia
antes de levantar questionamentos para promover o reconstruir usar argumentos de
citaccedilatildeo respaldados em argumentos teoacutericos argumentos de autoridade e argumentos
de fontes que subsidiassem agraves educadoras elementos para refletirem sobre possiacuteveis
reconstruccedilotildees
De modo geral a anaacutelise do conjunto dos trecircs excertos da primeira sessatildeo
reflexiva do primeiro cronotopo aponta para algumas reflexotildees no interior do elo da
Cadeia Criativa Em especial no que se refere de um lado ao modo como as
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 149
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pesquisadoras se posicionaram em suas intervenccedilotildees e de outro como as educadoras
foram desvelando seus sentidos e compartilhando seus significados sobre o brincar no
interior do movimento enunciativo-argumentativo
No fluxo da interlocuccedilatildeo das pesquisadoras e educadoras ateacute aqui pode-se notar
um distanciamento entre o que se pretendia na sessatildeo e o que de fato ocorreu A
circularidade argumentativa das educadoras em relacionar o brincar a atividades
sistematizadas em reafirmar a tese de que ldquotudo que eacute concreto eacute luacutedicordquo em dizer
que as atividades dirigidas assistidas no viacutedeo se constituem como atividades livres que
promovem o desenvolvimento da imaginaccedilatildeo natildeo foram ressignificadas por meio de
intervenccedilotildees colaborativas das pesquisadoras O que prevaleceu foram exemplificaccedilotildees
ancoradas nas proacuteprias experiecircncias pessoais das professoras por meio de exposiccedilotildees
espontacircneas As pesquisadoras por sua vez ingressaram nos enunciados das professoras
tecendo alguns questionamentos mas sem criar questotildees controversas que pudessem
gerar conflitos duacutevidas e polecircmicas em relaccedilatildeo aos significados instituiacutedos
Aleacutem disso as pesquisadoras tiveram dificuldades em diminuir as marcas do
distanciamento dos mundos universidade-creche Desse modo quando a educadora
Mirela diz ldquoeacute pra gente aqui eacuterdquo mostra linguisticamente por meio dos decirciticos de
pessoa e espacial ldquoa genterdquo e ldquoaquirdquo respectivamente o interregno de distacircncia entre
seus saberes e os saberes da universidade Com isso ficou difiacutecil promover um espaccedilo
em que pesquisadoras e demais participantes pudessem ter um aumento de seu conatus
(potecircncia de agir) e tivessem elementos para chegar mais proacuteximo da ideia adequada
(Spinoza 16772005) sobre o tema tratado
A produccedilatildeo de significado sobre o brincar neste primeiro elo da Cadeia
Criativa ficou comprometida por conta de uma argumentaccedilatildeo circular e reincidente
entre pesquisadoras e educadoras como disse acima
412 ndash 2ordf Sessatildeo Reflexiva Analisada ndash dia 21 de agosto de 2006
Os excertos que se seguem foram recortados da terceira sessatildeo reflexiva com as
quatro educadoras da creche e as duas pesquisadoras do GP EFoPI no dia 21 de agosto
de 2006 O objetivo da sessatildeo era continuar discutindo o lugar do luacutedico na educaccedilatildeo
infantil tendo como referente um viacutedeo em que uma outra professora desenvolveu uma
atividade luacutedica com crianccedilas de quatro anos de idade O viacutedeo inicia com a educadora
arrumando as mesas para organizar as crianccedilas em quatro grupos diferentes nesse
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 150
ILKA SCHAPPER SANTOS
movimento a professora solicita que as crianccedilas a ajudem na disposiccedilatildeo dos brinquedos
em quatro cantinhos a) o da casinha b) o dos carrinhos e bonequinhos c) o dos
fantoches e d) o do desenho e colagem No decorrer da atividade as crianccedilas se dirigem
aos brinquedos de suas preferecircncias visitando as mesinhas dos outros colegas
compartilhando as brincadeiras A professora observa as brincadeiras das crianccedilas com
os brinquedos e participa quando eacute solicitada
Vejamos como se desenvolve o iniacutecio da sessatildeo reflexiva
1ordm Excerto
(1) Leacutea Quem quer comeccedilar gente a descrever Vamos ver quem gostaria de
comeccedilar a descrever
(2) Mirela Eu A atividade aplicada pela professora de educaccedilatildeo infantil na turma de 4
anos foi de faz de conta Ela comeccedilou a atividade com a organizaccedilatildeo da sala junto com
as crianccedilas depois ela organiza a sala em cantinhos cantinho do brinquedo o cantinho
dos fantoches e um de revistas canetas papel ofiacutecio e pincel atocircmico Observei que o
tempo todo ela participou das atividades junto com as crianccedilas e mediou o trabalho
junto com elas laacute Eu observei tambeacutem que as crianccedilas estavam gostando das
brincadeiras porque elas estavam todas interagindo e elas podiam todas transitar pela
sala natildeo tinha aquela coisa ldquovocecirc vai ficar sentada aqui vai ficar sentada ali natildeordquo
Elas puderam fazer tudo livremente
(3) Leacutea vai vai laacute Claacuteudia
(4) Claacuteudia bom isso tudo que a Mirela jaacute falou eu anotei para natildeo repetir eu vou
falar outra coisa
(5) Leacutea Natildeo natildeo Eacute importante que vocecirc coloque tudo que vocecirc escreveu mesmo que
repita
(6) Fabiana eu notei que era um faz de conta mas um faz de conta em que elas
retratavam o dia-a-dia delas porque tem o neneacutem que ela fez mingau para a
bonequinha O neneacutem vocecirc estaacute fazendo o quecirc O mingau ela deve vivenciar isso no
dia-a-dia A outra quis cozinhar fez cafeacute fez suco entatildeo aquilo eacute um retrato do dia-a-
dia o que eles vivenciavam e tambeacutem um momento da professora estar conhecendo
eles que era o que ela estava fazendo Aiacute ela perguntava fazia perguntas e a crianccedila
falava Nessas brincadeiras a gente conhece muito as crianccedilas Nossa aqui as crianccedilas
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brincam demais a gente faz recreaccedilatildeo com elas externa e laacute fora com a areia vira
tudo vira suco vira comida vira bolo elas viram personagens elas viram pessoas da
creche elas falam - eu sou a tia fulana E outros satildeo cozinheiras aiacute elas vatildeo fazem
bolo e cantam parabeacutens eles vivenciam isso mesmo realmente aqui E os bichinhos
eles retrataram bem o momento em que retratavam os bichinhos elas falavam ldquoonde
estaacute tua matildeerdquo ldquoa tua matildee ‟taacute em tal lugarrdquo Foi muito bom eu gostei muito da atividade
dela Porque as crianccedilas estavam todas organizadas cada um escolheu tiveram
liberdade para escolher qual cantinho eles queriam e natildeo houve aquela desorganizaccedilatildeo
Eu achei que foi organizada a atividade dela
(7) Mirela Eu tambeacutem percebi que a professora distribui a sala em cantinho deixou as
crianccedilas escolherem livremente com o que queriam brincar interagiu o tempo todo
com as crianccedilas e deixou as crianccedilas se expressarem usarem a criatividade e a
imaginaccedilatildeo
O questionamento da pesquisadora no turno (1) tem a finalidade de instigar as
professoras a iniciarem as descriccedilotildees A professora Mirela se prontifica a descrever a
cena ressaltando que a atividade desenvolvida pela professora do viacutedeo era de faz de
conta Para respaldar sua assertiva usa o argumento de exemplo (2) ldquoela (a professora)
comeccedilou a atividade com a organizaccedilatildeo da sala junto com as crianccedilas depois ela
organiza a sala em cantinhos cantinho do brinquedo o cantinho dos fantoches e um
de revistas canetas papel oficio e pincel atocircmicordquo Ao exemplificar os recursos
utilizados pela professora do viacutedeo em especial a organizaccedilatildeo da sala de atividades em
cantinhos a educadora compartilha no grupo um significado importante sobre como a
organizaccedilatildeo do espaccedilo pode propiciar o brincar de faz de conta No argumento em que
baseia sua descriccedilatildeo fica expliacutecito como a diversidade dos cantinhos pode ser elemento
fundante para as crianccedilas transitarem no universo do faz de conta
Na continuidade de seu turno a professora destaca ldquoObservei que o tempo todo
ela participou das atividades junto com as crianccedilas e mediou o trabalho junto com
elas laacuterdquo Aqui a educadora diz que a professora do viacutedeo ldquomediou o trabalhordquo apesar
de trazer para cena enunciativa uma palavra que faz parte do campo epistemoloacutegico da
perspectiva vygotskyana a educadora natildeo discorre sobre quais accedilotildees realizadas pela
professora do viacutedeo indicam o processo de mediaccedilatildeo Assim parece natildeo ter claro que
esse processo segundo Vygotsky (19301991 p 33) estaria relacionado a uma
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 152
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intervenccedilatildeo de um elemento intermediaacuterio em uma accedilatildeo deixando de ser direta e
passando a ser mediada por esse elemento
Ainda em seu turno a professora diz ldquoEu observei tambeacutem que as crianccedilas
estavam gostando das brincadeiras porque elas estavam todas interagindordquo na
afirmativa justifica a sua fala com o operador argumentativo ldquoporquerdquo para mostrar
que houve um processo de interaccedilatildeo na cena No entanto apesar de mais uma vez usar
um verbete importante da teoria soacutecio-histoacuterico-cultural ndash ldquointeraccedilatildeordquo ndash novamente natildeo
explicita como isso se materializou
No turno da professora podemos notar dois pontos importantes para
compartilhamento de sentidos sobre a brincadeira de faz de conta a formaccedilatildeo dos
cantinhos na sala de atividade e o processo de interaccedilatildeo das crianccedilas No entanto as
descriccedilotildees tecidas mostram explicaccedilotildees geneacutericas e julgamentos das professoras isso
tampona a possibilidade de as educadoras de fato refletirem sobre a atividade analisada
e tambeacutem sobre as teorias que a embasam
Em (3) a pesquisadora convoca mais uma professora a expor sua descriccedilatildeo ldquovai
vai laacute Claacuteudiardquo quando a professora anuncia (4) ldquobom isso tudo que a Mirela jaacute falou
eu anotei para natildeo repetir eu vou falar outra coisardquo a pesquisadora diz (5) ldquonatildeo
natildeo Eacute importante que vocecirc coloque tudo que vocecirc escreveu mesmo que repitardquo a
ecircnfase da pesquisadora ao usar duas vezes o adveacuterbio de negaccedilatildeo ldquonatildeordquo busca garantir
a todas as professoras o espaccedilo para descriccedilatildeo ainda que sejam descriccedilotildees reincidentes
Isso porque para ela eacute importante que todas revejam a accedilatildeo descrita de forma
informada para criar um espaccedilo em que todas as educadoras apresentem as impressotildees
ocorridas na cena para uma visualizaccedilatildeo coletiva das accedilotildees realizadas Segundo
Liberali (2008) esse momento de visualizaccedilatildeo coletiva eacute importante para que o
professor possa entender o que foi feito a partir do detalhamento do evento analisado
para em uma compreensatildeo ativa refletir sobre as praacuteticas rotinizadas no cotidiano das
creches e preacute-escolas
Diante da explicaccedilatildeo da pesquisadora ldquoEacute importante que vocecirc coloque tudo que
vocecirc escreveu mesmo que repitardquo Fabiana define a brincadeira assim como Mirela
como de faz de conta mas traz outros elementos para a cena enunciativa Com o
operador argumentativo ldquomasrdquo orienta para uma conclusatildeo aparentemente contraacuteria ao
que ateacute entatildeo foi dito ldquomas um faz de conta em que elas retratavam o dia-a-dia
delas porque tem o neneacutem que ela fez mingau para a bonequinha O neneacutem vocecirc
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 153
ILKA SCHAPPER SANTOS
estaacute fazendo o quecirc O mingau ela deve vivenciar isso no dia-a-dia A outra quis
cozinhar fez cafeacute fez suco entatildeo aquilo eacute um retrato do dia-a-diardquo Nesse
movimento a professora explica que as crianccedilas pautaram a brincadeira de faz de conta
nas suas experiecircncias cotidianas Aqui a educadora relaciona o brincar de faz de conta agrave
atividade humana mostrando como a crianccedila recupera os modos costumes e
comportamentos do grupo social em que estaacute inserida (Vygotsky 19301991)
Depois de relatar como a professora do viacutedeo propiciou o desenvolvimento da
brincadeira de faz de conta Fabiana tece uma aproximaccedilatildeo a partir do argumento de
exemplo com o trabalho realizado na creche ldquoaqui as crianccedilas brincam demais a
gente faz recreaccedilatildeo com elas externa e laacute fora com a areia vira tudo vira suco vira
comida vira bolo elas viram personagens elas viram pessoas da creche elas falam
eu sou a tia fulana e outros satildeo cozinheiras aiacute elas vatildeo fazem bolo e cantam
parabeacutens eles vivenciam isso mesmo realmente aquirdquo Ao iniciar sua declarativa com
o adveacuterbio ldquoaquirdquo funcionando como decircitico espacial a educadora marca que no
espaccedilo da creche em que atua as crianccedilas vivenciam o brincar de faz de conta
mostrando como essa vivecircncia estaacute pautada na reconstruccedilatildeo do real e na antecipaccedilatildeo de
papeacuteis sociais Apesar de no enunciado Fabiana natildeo usar nenhum argumento teoacuterico
busca no argumento de exemplo afirmar que seu trabalho tambeacutem estaacute pautado em
brincadeiras que possibilitem o desenvolvimento de situaccedilotildees imaginaacuterias de faz de
conta
No final de sua fala a professora declara com o uso do pronome pessoal na
primeira pessoa do singular ldquoeu gostei muito da atividade delardquo para avaliar
positivamente a atividade desenvolvida pela professora do viacutedeo Essa declarativa
reforccedila a identificaccedilatildeo da educadora com as accedilotildees analisadas
Em (7) Mirela destaca tambeacutem o trabalho realizado pela professora do viacutedeo a
partir dos cantinhos ldquoEu tambeacutem percebi que a professora distribui a sala em
cantinhosrdquo reforccedilando a organizaccedilatildeo da sala de aula em cantinhos dado que jaacute tinha
sido ressaltado pelas outras educadoras Depois traz trecircs argumentos que avaliou como
importantes a) ldquodeixou as crianccedilas escolherem livremente com o que queriam
brincar b) interagiu o tempo todo com as crianccedilas e c) deixou as crianccedilas se
expressarem usarem a criatividade e a imaginaccedilatildeordquo Ao destacar esses argumentos a
professora daacute a entender que o trabalho pautado na organizaccedilatildeo da sala de atividades
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 154
ILKA SCHAPPER SANTOS
em cantinhos possibilita agraves crianccedilas um brincar mais livre uma interaccedilatildeo
crianccedilaprofessora e o desenvolvimento da criatividade e da imaginaccedilatildeo
Neste excerto haacute um movimento diferente em relaccedilatildeo aos excertos ateacute agora
analisados Aqui as professoras demonstram ter percebido outros elementos
importantes no desenvolvimento de atividades pautadas na brincadeira como a
organizaccedilatildeo do espaccedilo das salas de atividades em cantinhos e por conseguinte como
isso possibilita agrave crianccedila ingressar na imaginaccedilatildeo no faz de conta Apesar de tecerem
essas consideraccedilotildees as educadoras continuam pautando suas consideraccedilotildees em
argumentos de exemplo fundados na proacutepria atividade analisada e em suas experiecircncias
na creche
No fluxo discursivo novamente as pesquisadoras natildeo interferem nas
interlocuccedilotildees de modo a possibilitar a expansatildeo dos significados trazidos pelas
educadoras como por exemplo questionando como a professora do viacutedeo analisado
ldquomediourdquo a atividade desenvolvida A ausecircncia de questionamentos dessa ordem
impede que as educadoras ampliem seus campos de reflexotildees que possam ter uma
compreensatildeo ativa (BakhtinVolochinov 1988) do processo vivenciado e por
conseguinte que tenham uma atitude responsiva ativa diante da cena analisada
Por conta disso as professoras continuam transitando em ideias inadequadas
confusas (Spinoza 16772005) em relaccedilatildeo ao brincar de faz de conta Essa teria sido
uma oportunidade interessante para as pesquisadoras ingressarem no fluxo
argumentativo das professoras por meio de argumentos teoacuterico-praacuteticos que
promovessem um (re)pensar dos significados sobre a brincadeira
No proacuteximo recorte as pesquisadoras tecem questionamentos sobre como a
professora do viacutedeo analisado orientou a atividade e tambeacutem como desenvolveu o
trabalho com as crianccedilas Vejamos
2ordm Excerto
(8) Leacutea Muito bem Que tipo de trabalho foi desenvolvido Foi em grupo foi em
dupla foi individual O que vocecircs conseguiram observar
(9) Fabiana Elas mesmas (as crianccedilas) formaram o proacuteprio grupo delas elas foram
formando seus grupinhos um queria brincar com a boneca entatildeo ela estava ali dentro
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 155
ILKA SCHAPPER SANTOS
do grupo da casinha ela estava dentro daquele grupinho ningueacutem ficou disperso
assim separado pelo que deu para ver natildeo
(10) Mirela foi um trabalho em grupo
(11) Fabiana pelo menos o que deu para a gente ver foi um trabalho em grupo as
crianccedilas mesmo se organizaram elas se organizaram
(12) Leacutea Isso E qual que foi o foco de apresentaccedilatildeo da atividade da professora Qual
que foi o objetivo o foco O que que vocecircs acham que essa professora tinha por
objetivo por foco para estar trabalhando ali com as crianccedilas Eu estou perguntando
isso porque na primeira atividade vocecircs lembram da primeira atividade (da sessatildeo
reflexiva anterior) Eu tambeacutem fiz o mesmo pedido para a professora eu fiz o mesmo
pedido que eu gostaria que ela ‟tivesse trabalhando com uma brincadeira livre A
mesma coisa que eu pedi para a primeira professora na uacuteltima sessatildeo eu pedi para essa
Entatildeo eu pergunto assim qual o objetivo da professora que vocecircs acham que a
professora tinha aleacutem do que a Fabiana disse tinha falado qual seria o conteuacutedo
objetivo dela estar trabalhando daquela forma Haveria uma outra forma de estar
trabalhando com as crianccedilas a partir do meu pedido
(13) Mirela Eacute se tivesse mais espaccedilo teria porque ela natildeo utilizaria as mesas
entendeu Ela podia usar o espaccedilo no chatildeo mais espaccedilo sem estar presa nas mesinhas
(14) Fabiana elas (as crianccedilas) ficariam mais agrave vontade o espaccedilo da sala eacute sempre
melhor se elas estivessem no chatildeo pelo chatildeo da sala se tivesse uma sala mais
espaccedilosa afastar as carteiras elas ateacute organizaram as mesas mas mesmo assim a gente
sabe que se fosse outra escola outra escola todas as escolas municipais tecircm a sala
geralmente pequena quando tem espaccedilo eacute loacutegico que a proacutepria crianccedila cria mais tem
oportunidade de criaccedilatildeo porque a gente sente isso porque eles brincam muito porque a
gente aqui (na creche) daacute muito essa recreaccedilatildeo mas no espaccedilo externo como eu te falei
elas vatildeo em um canto elas vatildeo no outro elas mexem aqui natildeo tem aquela preocupaccedilatildeo
de sujar porque a gente ensina para elas que natildeo pode sujar essas coisas Entatildeo se ela
tivesse um espaccedilo mais amplo talvez natildeo foi ruim mas talvez fosse melhor ainda
(15) Patriacutecia Como vocecircs organizariam essas atividades
(16) Mirela porque aqui a gente jaacute tem jaacute trabalha com as oficinas
(17) Fabiana eacute a gente tem as oficinas
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 156
ILKA SCHAPPER SANTOS
No segundo excerto a pesquisadora inicia sua intervenccedilatildeo com trecircs
questionamentos a) Que tipo de trabalho foi desenvolvido b) Foi em grupo foi em
dupla foi individual c) O que vocecircs conseguiram observar Com estes questotildees Leacutea
busca ampliar o campo das descriccedilotildees elaboradas pelas educadoras da atividade
desenvolvida pela professora do viacutedeo Fabiana (9) e (11) e Mirela (10) respondem aos
questionamentos dizendo que o trabalho desenvolvido foi em grupo e que foram as
crianccedilas que se agruparam em conformidade ao interesse A pesquisadora levanta os
questionamentos sobre como as crianccedilas se organizaram nas brincadeiras se em grupo
dupla ou individualmente porque procura investigar se na descriccedilatildeo as educadoras
atentaram para tais questotildees Isso porque no interior da discussatildeo do GP EFoPI haacute uma
ecircnfase sobre a importacircncia de as professoras no contexto das salas de atividades de
educaccedilatildeo infantil fomentarem a interaccedilatildeo crianccedilacrianccedila e crianccedilaadultocrianccedila
Apesar da ecircnfase dada pela pesquisadora nos questionamentos sobre a formaccedilatildeo
dos grupos natildeo haacute uma retomada de fala para explicar a relevacircncia de um trabalho sob
a oacutetica da interaccedilatildeo ao contraacuterio no iniacutecio do seu turno (12) Leacutea faz uso do decircitico
ldquoissordquo para fechar a discussatildeo mostrando concordacircncia com as respostas anteriores das
educadoras Desse modo natildeo haacute expansatildeo de significados sobre os questionamentos
relativos ao trabalho realizado
Aqui a pesquisadora estabelece uma relaccedilatildeo de simetria de conhecimento e
ideias natildeo levantando questotildees que pudessem gerar conflitos contradiccedilotildees (Engestroumlm
1999) pontos de vistas distintos que satildeo elementos imprescindiacuteveis ao processo criacutetico-
reflexivo e por conseguinte desencadeadores das possiacuteveis transformaccedilotildees dana
praacutetica (Magalhatildees 2009)
Dito isso a pesquisadora passa a questionamentos que segundo sua
compreensatildeo de Smyth (1992) e Liberali (2008) se configuraria no informar
procurando propiciar um espaccedilo em que as educadoras pudessem retomar conceitos
sobre questotildees relacionadas ao brincar ldquoE qual que foi o foco de apresentaccedilatildeo da
atividade da professora Qual que foi o objetivo o foco O que que vocecircs acham que
essa professora tinha por objetivo por foco para estar trabalhando ali com as
crianccedilas Eu estou perguntando isso porque na primeira atividade vocecircs lembram da
primeira atividade (da sessatildeo reflexiva anterior)rdquo
Essas questotildees foram elaboradas no periacuteodo de planejamento da sessatildeo Para
realizar tal elaboraccedilatildeo as pesquisadoras se pautaram na terceira parte do livro de
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 157
ILKA SCHAPPER SANTOS
Liberali Formaccedilatildeo Criacutetica de educadores questotildees fundamentais (2008b p 61) em
que a autora formula alguns questionamentos para cada etapa do processo reflexivo
segundo Smyth (1992) Nessa obra as duas primeiras questotildees relativas ao informar
satildeo ldquoqual o foco da apresentaccedilatildeo do conteuacutedordquo ldquoque objetosconteuacutedos foram
trabalhadosrdquo Como o leitor pode observar haacute uma semelhanccedila muito grande entre as
questotildees levantadas pela pesquisadora e aquelas formuladas por Liberali No entanto
como nas discussotildees tecidas a partir das descriccedilotildees feitas pelas educadoras o grupo natildeo
compartilhou os significados referentes ao brincar o movimento do informar ficou
circunscrito a elementos pautados no senso comum nos saberes construiacutedos a partir da
praacutetica diaacuteria das professoras
Nas discussotildees do excerto natildeo aparecem argumentos respaldados em teorias que
auxiliem reflexotildees mas sim explicaccedilotildees generalizantes de conceitos presentes nas accedilotildees
cotidianas Isso fica expliacutecito nas falas de Mirela e de Fabiana (13) e (14)
respectivamente a) ldquoEacute se tivesse mais espaccedilo teria porque ela natildeo utilizaria as mesas
entendeu Ela podia usar o espaccedilo no chatildeo mais espaccedilo sem estar presa nas
mesinhasrdquo b) ldquoelas (as crianccedilas) ficariam mais agrave vontade o espaccedilo da sala eacute sempre
melhor se elas estivessem no chatildeordquo Mais uma vez as professoras usam argumentos
pragmaacuteticos para discutirem natildeo trazendo respaldo teoacuterico
Natildeo atentando para isso as pesquisadoras tecircm a pretensatildeo de trabalhar o
reconstruir (Smyth 1992) levantando o seguinte questionamento (15) Como vocecircs
organizariam essas atividades Novamente a pesquisadora segue as orientaccedilotildees de
Liberali (2008b p 82) na obra citada em que o questionar sobre como o educador
organizaria a aula de outra maneira eacute um ponto interessante para auxiliar no reconstruir
Mas como os pontos de vista levantados no descrever e no informar natildeo propiciaram
espaccedilos de uma compreensatildeo ativa dos princiacutepios que embasaram as accedilotildees das
atividades analisadas o grupo natildeo consegue ateacute entatildeo tecer uma inter-relaccedilatildeo entre as
accedilotildees e os possiacuteveis significados que poderiam ser compartilhados sobre as praacuteticas
cotidianas do brincar nas salas de atividades da educaccedilatildeo infantil
O reconstruir natildeo se configurou como um momento em que os participantes
pudessem repensar como fariam as atividades desenvolvidas no viacutedeo (e suas proacuteprias
atividades no cotidiano da creche) pois natildeo chegaram a descrever detalhadamente as
atividades nem foram confrontados por meio de questionamentos que pudessem
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 158
ILKA SCHAPPER SANTOS
elucidar os valores que subsidiam o agir e o pensar dos participantes das sessotildees
reflexivas (Liberali 2008b)
Assim o excerto acima natildeo se configurou como um momento em que as
educadoras pudessem refletir sobre as accedilotildees analisadas por meio de sustentaccedilatildeo
refutaccedilatildeo e negociaccedilatildeo de posiccedilotildees pautadas em um discurso mais teoacuterico Dito de outro
modo os enunciados ficaram circunscritos a argumentos de exemplo e pragmaacuteticos natildeo
sendo destacados valores concepccedilotildees sobre aprendizagem e ficando suas enunciaccedilotildees
alicerccediladas sobre as praacuteticas cotidianas como podemos notar nos turnos (16) e (17) de
Mirela e Fabiana respectivamente ldquoporque aqui a gente jaacute tem jaacute trabalha com as
oficinasrdquo e ldquoeacute a gente jaacute tem as oficinasrdquo Mirela inicia seu turno com o uso do
ldquoporquerdquo sinalizando que vai dar uma explicaccedilatildeo e depois faz uso dos decirciticos ldquoaquirdquo
(espacial) e ldquoa genterdquo (pessoal) para demarcar que na creche elas jaacute trabalham com as
oficinas Fabiana por sua vez inicia concordando com Mirela ldquoeacuterdquo e revozeia a sua fala
reforccedilando o posicionamento da creche em que trabalham com o decircitico de pessoa ldquoa
genterdquo
No excerto abaixo as participantes focalizam na atividade analisada a postura
da professora com as crianccedilas destacando que houve mediaccedilatildeo e interaccedilatildeo
3ordm Excerto
(18) Patriacutecia Voltando agrave atividade Qual que foi a postura da professora nessa
atividade o que que vocecircs acham
(19) Mirela ela mediou o trabalho ela se envolveu ela brincou porque isso faz parte
ela natildeo distribuiu e ficou laacute parada natildeo ela interagiu ela perguntou entatildeo eu achei isso
muito interessante porque agraves vezes o professor noacutes vamos fazer isso dar distribuir as
atividades e estar laacute (Mirela cruza os braccedilos) olhando o que que a crianccedila estaacute fazendo
ela estava junto ali eu achei muito interessante a postura dela
(20) Fabiana A professora estava junto com elas nas brincadeiras no momento
daquela atividade quando vocecirc senta na cadeirinha junto com as crianccedilas na mesinha
com elas estaacute ali brincando junto aiacute elas se envolvem mais
(21) Patriacutecia E aiacute na atividade vocecirc acha que houve esse envolvimento crianccedila-
crianccedila e professora-crianccedila
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 159
ILKA SCHAPPER SANTOS
(22) Fabiana natildeo acho que ela se envolveu sim elas (as crianccedilas) ofereceram a
comidinha para ela o cafezinho e tudo ela aceitou ela se envolveu
(23) Mirela teve uma hora em que ela falou - tem que pocircr mais accediluacutecar Mostra que
ela estava participando tambeacutem envolvida na brincadeira
Neste terceiro excerto temos a retomada da pesquisadora Patriacutecia com um
questionamento que busca fazer com que as educadoras reflitam sobre a postura da
professora do viacutedeo em relaccedilatildeo ao desenvolvimento da atividade (18) ldquoVoltando agrave
atividade Qual que foi a postura da professora nessa atividade o que que vocecircs
achamrdquo Nesse momento Mirela defende a tese respaldada teoricamente no conceito
de mediaccedilatildeo de Vygotsky de que a professora atua como mediadora no
desenvolvimento da brincadeira de faz de conta com as crianccedilas destacando ldquoela
mediou o trabalhordquo Para defender seu ponto de vista usa argumentos de exemplos a)
ldquoela se envolveurdquo b) ldquoela brincourdquo c) ldquoela estava junto alirdquo Apesar de a professora
ter identificado o processo de mediaccedilatildeo na sua argumentaccedilatildeo por exemplos natildeo fez um
detalhamento das accedilotildees relacionando-as com o construto teoacuterico que menciona na tese
O mesmo ocorre com o campo argumentativo de Fabiana que fica circunscrito a
argumentos de exemplo A professora estava junto com elas nas brincadeiras
(porque) no momento daquela atividade quando vocecirc senta na cadeirinha junto com
as crianccedilas na mesinha com elas estaacute ali brincando junto aiacute elas se envolvem mais
O ldquoporquerdquo impliacutecito objetiva a tomada de posiccedilatildeo no primeiro segmento do
enunciado sendo assim um argumento para a defesa da tese de que a professora do
viacutedeo estava mediando a brincadeira entre as crianccedilas No entanto como disse
anteriormente a defesa a partir de argumentos de exemplos natildeo possibilita ingressar em
um fluxo de transformaccedilotildees e mudanccedilas das educadoras jaacute que a argumentaccedilatildeo se
estrutura apenas na citaccedilatildeo dos acontecimentos anteriores Faltam nesse contexto
argumentos de definiccedilatildeo que pudessem promover o compartilhamento de sentidos e de
significados
A partir dos enunciados das educadoras a pesquisadora busca aprofundar a
questatildeo da mediaccedilatildeo procurando trazer os elementos teoacutericos para a pauta de discussatildeo
Desse modo tece o seguinte questionamento (21) ldquoE aiacute na atividade vocecirc acha que
houve esse envolvimento crianccedila-crianccedila e professora-crianccedilardquo A pergunta de
Patriacutecia sugere que as professoras aprofundem seus enunciados sobre a mediaccedilatildeo Mais
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 160
ILKA SCHAPPER SANTOS
uma vez as professoras fundamentam suas respostas com as situaccedilotildees que observaram
na atividade mostrando de novo com argumentos de exemplo como a educadora do
viacutedeo participou das atividades com as crianccedilas Assim descrevem as accedilotildees em que
para elas estavam pautadas em um processo de mediaccedilatildeo (22) ldquonatildeo acho que ela se
envolveu sim elas (as crianccedilas) ofereceram a comidinha para ela o cafezinho e tudo
ela aceitou ela se envolveurdquo e (23) ldquoteve uma hora em que ela falou - tem que pocircr
mais accediluacutecar Mostra que ela estava participando tambeacutem envolvida na brincadeirardquo
No entanto mais uma vez fazem uso de exemplificaccedilotildees sem trazer para o cenaacuterio
discursivo argumento por definiccedilatildeo Deste modo natildeo discutem sobre os sentidos e
significados que atribuem aos dois verbetes que podem ser considerados conceitos
cientiacuteficos ndash mediaccedilatildeo e interaccedilatildeo
O objetivo desse encontro era promover um espaccedilo de conflitos mediados pelas
duas atividades analisadas Portanto no proacuteximo fragmento discursivo a pesquisadora
busca tecer um confronto entre a atividade da sessatildeo com a da sessatildeo anterior
4ordm Excerto
(23) Leacutea confrontando com a outra atividade que a gente assistiu que vocecircs acham
Confrontando isso que vocecircs estatildeo falando dessa atividade lembrando da atividade da
semana passada Dos papeizinhos entenderam o que eu estou perguntando
(24) Fabiana fazendo uma relaccedilatildeo com a outra atividade
(25) Leacutea eacute fazendo uma relaccedilatildeo entre as duas atividades (dessa semana e da semana
passada) porque nessa vocecircs estatildeo achando que por trabalhar dessa forma por isso as
coisas aconteceram de forma bem natural sem muita confusatildeo
(26) Mirela A atividade dessa semana foi mais luacutedica
(27) Leacutea Confrontando com a atividade anterior que a gente viu semana passada o
que que a gente pode deduzir daquela atividade que foi feita semana passada
(28) Fabiana eu acho que a de hoje assim era o mundinho delas eram brinquedos
eram coisas que elas estatildeo acostumadas entatildeo era mais o mundo delas do cotidiano
de faz de conta ali que elas vivenciaram
(29) Leacutea o que que vocecirc pensa Claacuteudia
(30) Claacuteudia eu penso o mesmo que ela que a atividade da semana passada eu acho
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 161
ILKA SCHAPPER SANTOS
que a professora se colocou natildeo impocircs mais o que seria feito eu jaacute achei que na de
hoje as crianccedilas ficaram mais livremente brincando
(31) Leacutea entatildeo a gente pode dizer que as crianccedilas estavam construindo o
conhecimento de forma mais interativa mais rica
(32) Claacuteudia isso isso mesmo
(33) Leacutea e vocecirc Mirela o que vocecirc observa da primeira atividade da semana passada
dessa semana o que te chamou mais atenccedilatildeo
(34) Mirela como a Claacuteudia disse ela impocircs muito menos hoje aliaacutes ela natildeo impocircs
em momento algum ela deixou as crianccedilas construiacuterem e na semana passada ela (a
outra professora) estava interagindo soacute que impondo os valores que ela acreditava que
era legal como eu disse na semana passada a de hoje natildeo estava preocupada em algo
para fora ela estava preocupada com a construccedilatildeo do desenvolvimento deles ali e da
semana passada tinha a preocupaccedilatildeo de levar algo para casa para os pais verem o
produto entatildeo algo a levar quando se leva alguma atividade ela ficou preocupada com
a esteacutetica e hoje natildeo aconteceu isso Eles estavam construindo entendeu
(35) Leacutea quando vocecirc diz preocupada com a esteacutetica vocecirc pode explicar para noacutes
melhor o que que eacute isso
(36) Mirela posso igual eu te falei semana passada a construccedilatildeo a visualizaccedilatildeo que a
crianccedila faz igual ela deu as formas geomeacutetricas para elas fazerem qualquer coisa com
as crianccedilas algumas colocaram aleatoriamente ela olhando ela olhava e falava assim
- Meu Deus que seraacute isso o que que a matildee vai ver em casa
(37) Patriacutecia e aiacute voltando nesse confronto de uma atividade com a outra qual
atividade vocecircs acham que contribuiu para a construccedilatildeo da autonomia da crianccedila
(38) Todas as professoras juntas a de hoje sem sombra de duacutevida a de hoje
(39) Leacutea daacute para vocecircs citarem situaccedilotildees especiacuteficas onde vocecircs observaram essa
construccedilatildeo da autonomia
(40) Mirela desde o momento em que ela deixou elas escolherem os cantinhos isso jaacute
eacute a autonomia deles porque eacute aonde eles se sentem mais agrave vontade para que o faz de
conta se desenvolva
Neste excerto Leacutea procura tecer uma relaccedilatildeo entre a atividade observada na
sessatildeo anterior e a atividade da sessatildeo atual A pesquisadora procura pautar a reflexatildeo a
partir de trecircs perspectivas a) discussotildees tecidas na sessatildeo anterior b) atividade
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 162
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assistida na sessatildeo e c) os pontos de interregno entre esses dois momentos que
poderia instaurar na perspectiva da pesquisadora o processo de transformaccedilatildeo e
mudanccedila do grupo Eacute interessante notar que na sua pergunta a pesquisadora busca
relacionar atividades analisadas em duas sessotildees reflexivas possibilitando que as
professoras possam em um olhar exotoacutepico afastado mas natildeo distante da situaccedilatildeo
compreender elementos que a proximidade natildeo permitiria A partir desse ldquoexcedente de
visatildeordquo as pesquisadoras do GP EFoPI procuram propiciar um espaccedilo em que os
participantes possam trazer os sentidos sobre o brincar de uma atividade anterior para a
atividade atual podendo ser ressignificados Esse pensamento vai ao encontro da
concepccedilatildeo de Cadeia Criativa (Liberali 2009) em que o grupo busca se pautar
Diante da questatildeo formulada pela pesquisadora Fabiana faz uma pergunta no
turno (24) que tem a finalidade de clarificar o questionamento da pesquisadora fazendo
uma relaccedilatildeo com a outra atividade O tipo de intervenccedilatildeo da professora tem o efeito
esperado Pois a pesquisadora retoma a fala (25) ldquoeacute fazendo uma relaccedilatildeo entre as
duas atividades porque nessa vocecircs estatildeo achando que por trabalhar dessa forma
por isso as coisas aconteceram de forma bem natural sem muita confusatildeordquo O uso do
ldquoporquerdquo mostra que a pesquisadora vai acrescentar elementos agrave explicaccedilatildeo anterior
Na continuidade da explicaccedilatildeo Leacutea traz elementos novos sintetizando o que o grupo
percebeu da atividade atual para fomentar a discussatildeo a partir da atividade anterior
Linguisticamente isso se materializa com o uso do pronome de segunda pessoa do
plural ldquovocecircsrdquo seguido do tempo verbal
Em (26) Mirela declara que a atividade atual foi mais luacutedica A pesquisadora
natildeo explora a declarativa e retoma seu questionamento em relaccedilatildeo agrave atividade da sessatildeo
anterior no turno (28) ldquoConfrontando com a atividade anterior que a gente viu
semana passada o que que a gente pode deduzir daquela atividade que foi feita
semana passadardquo Ao retomar o questionamento a pesquisadora mostra que deseja
aprofundar o debate entre as duas atividades no interior das duas sessotildees reflexivas No
entanto quando Mirela se posiciona dizendo que a atividade atual foi mais luacutedica a
pesquisadora natildeo entra no fluxo discursivo da educadora para compreender o que a faz
pensar isso
Fabiana (28) diz ldquoeu acho que a de hoje assim era o mundinho delas eram
brinquedos eram coisas que elas estatildeo acostumadas entatildeo era mais o mundo delas
do cotidiano de faz de conta ali que elas vivenciaramrdquo A professora inicia seu
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 163
ILKA SCHAPPER SANTOS
discurso de forma modalizada ldquoeu achordquo para discorrer sobre sua percepccedilatildeo depois usa
o decircitico temporal ldquohojerdquo para demarcar que vai tecer consideraccedilotildees sobre a atividade
atual Para isso faz uso de argumentos de exemplo fundados ora na sua experiecircncia ldquoera
o mundinho delasrdquo ldquoeram coisas que elas estatildeo acostumadasrdquo ldquodo cotidianordquo ora na
atividade desenvolvida pela professora do viacutedeo ldquode faz de conta ali que elas
vivenciaramrdquo Esse movimento discursivo mostra que a professora se identificou mais
com a atividade da segunda sessatildeo reflexiva pois estava circunscrita agrave brincadeira de
faz de conta mais proacutexima da realidade das crianccedilas No entanto as educadoras
continuam se posicionando a partir de dois elementos ndash as experiecircncias circunscritas ao
trabalho desenvolvido na creche e a atividade analisada
Claacuteudia ingressa no fluxo argumentativo de Fabiana e declara ldquoeu penso o
mesmo que elardquo fazendo uso do pronome ldquomesmordquo e do pronome pessoal de terceira
pessoa do singular ldquoelardquo para mostrar que sua anaacutelise vai ao encontro da perspectiva de
Fabiana Ao produzir seu enunciado a partir da voz da outra a professora concede agrave
mesma poder maior do que teria como representaccedilatildeo proacutepria em uma tentativa de dar
maior credibilidade ao que vai anunciar Apesar de ancorar seu enunciado na palavra
alheia a educadora traz outros elementos para a cena enunciativa (30) ldquoeu acho que a
professora se colocou natildeo impocircs mais o que seria feito eu jaacute achei que na de hoje as
crianccedilas ficaram mais livremente brincandordquo No seu turno faz uso duas vezes do
modalizador ldquoeu acho eu jaacute acheirdquo para dizer sobre a atividade analisada destacando
que a professora do viacutedeo se ldquocolocou natildeo impocircsrdquo e que ldquoas crianccedilas ficaram mais
livremente brincandordquo
Baseada nos enunciados das professoras Leacutea (31) faz um questionamento que
tem efeito conclusivo que pode ser notado linguisticamente com o uso no iniacutecio da
questatildeo do operador ldquoentatildeordquo ldquoentatildeo a gente pode dizer que as crianccedilas estavam
construindo o conhecimento de forma mais interativa mais ricardquo A pesquisadora
faz tambeacutem uso do decircitico pessoal ldquoa genterdquo e da expressatildeo ldquopode dizerrdquo (pode +
infinitivo) modalizando e aproximando sua conclusatildeo agraves das professoras O relato
interativo ressalta o grau de implicaccedilatildeo que Leacutea deseja imprimir entre participantes
compartilhando a crenccedila de que a atividade possibilitou a produccedilatildeo de conhecimentos
para as crianccedilas porque foi mais interativa Claacuteudia em seu turno (32) sinaliza que a
pesquisadora conseguiu a adesatildeo do grupo quando diz ldquoisso isso mesmordquo
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 164
ILKA SCHAPPER SANTOS
Depois disso a pesquisadora procurando tecer uma relaccedilatildeo entre os elos da
Cadeia Criativa pergunta (33) ldquoo que vocecirc observa da primeira atividade da semana
passada dessa semana o que te chamou mais atenccedilatildeordquo Tal questionamento poderia
possibilitar agraves participantes refletirem sobre diferentes atividades que tecircm como
referente o mesmo tema poreacutem no caso tratado natildeo consegue alcanccedilar seu objetivo
Diante da questatildeo levantada Mirela (36) enfatiza que a professora do viacutedeo da
sessatildeo anterior priorizou o trabalho das formas geomeacutetricas desfocando a produccedilatildeo do
conhecimento da crianccedila para o que a matildee iria pensar sobre o produto da atividade isso
se explicita no enunciado ldquoigual ela deu as formas geomeacutetricas para elas fazerem
qualquer coisa com as crianccedilas algumas colocaram aleatoriamente ela olhando ela
olhava e falava assim - Meu Deus que seraacute isso o que que a matildee vai ver em
casardquo Ao verbalizar sua fala interior (ldquoMeu Deus que seraacute isso o que que a matildee vai
ver em casardquo) Mirela expressa o conflito entre dois tipos de discurso o de autoridade e
o internamente persuasivo Para Bakhtin (1983 p 344) ldquoos discursos de autoridade
podem contemplar vaacuterios conteuacutedos a autoridade como tal ou a autoridade da
tradiccedilatildeo das verdades genericamente aceitas da linha oficial e outras autoridades
similaresrdquo Grosso modo o discurso de autoridade pode ser anaacutelogo agrave terceira voz ou a
uma terceira pessoa que na discussatildeo bakhtiniana (citado em Cheyne e Tarulli 2004 p
6) ldquoeacute um tipo de autoridade cuja compreensatildeo responsiva idealizada assume vaacuterias
expressotildees ideoloacutegicas tais como Deus a verdade absoluta o mundo da consciecircncia
racional as pessoas a histoacuteria a ciecircncia e assim por dianterdquo Na avaliaccedilatildeo de Mirela
a referecircncia agrave matildee aparece como outra voz de autoridade que deve ser considerada
Mirela parece pois reconhecer um conflito vivenciado pela professora do viacutedeo da
sessatildeo anterior entre os seus objetivos pedagoacutegicos e a avaliaccedilatildeo da atividade apoiada
sobre sua obrigaccedilatildeo social que se funda em ldquoo que a matildee vai ver em casardquo
No turno seguinte (37) a pesquisadora Patriacutecia levanta uma questatildeo que
pretende novamente relacionar duas atividades no interior da Cadeia Criativa ldquoe aiacute
voltando nesse confronto de uma atividade com a outra qual atividade vocecircs acham
que contribuiu para a construccedilatildeo da autonomia da crianccedilardquo A retomada do
questionamento sinaliza a preocupaccedilatildeo da pesquisadora em possibilitar um espaccedilo de
reflexatildeo fundada nas duas atividades Em uma univocidade de vozes todas as
professoras concordam que a segunda atividade analisada propiciou um espaccedilo de
desenvolvimento da autonomia das crianccedilas (38) ldquoa de hoje sem sombra de duacutevida a
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 165
ILKA SCHAPPER SANTOS
de hojerdquo A reincidecircncia da escolha lexical ldquohojerdquo como decircitico temporal demarca
essa posiccedilatildeo No entanto natildeo foram compartilhados os sentidos-significados de
autonomia no interior do grupo
Em (39) Leacutea levanta uma questatildeo que procura a partir de exemplos
materializar a assertiva de que a atividade do dia foi a que oportunizou o
desenvolvimento da autonomia das crianccedilas ldquodaacute para vocecircs citarem situaccedilotildees
especiacuteficas onde vocecircs observaram essa construccedilatildeo da autonomiardquo A explicaccedilatildeo de
Mirela em (40) ldquodesde o momento em que ela deixou elas escolherem os cantinhosrdquo
demarca que a livre escolha dos cantinhos sem a imposiccedilatildeo da professora eacute um
importante dado para a defesa da tese de que houve o desenvolvimento da autonomia
Aleacutem disso a participante traz outra explicaccedilatildeo a partir do operador ldquoporquerdquo agora
sob a oacutetica do faz de conta ldquoporque eacute aonde eles se sentem mais agrave vontade para que o
faz de conta se desenvolvardquo
Neste excerto observamos a busca das pesquisadoras em relacionar as
atividades no interior dos elos da Cadeia Criativa A estrateacutegia principal das
pesquisadoras foi promover um espaccedilo em que as professoras pudessem por meio da
relaccedilatildeo entre duas atividades nos elos da Cadeia Criativa produzir-compartilhar novos
significados em relaccedilatildeo ao tema tratado
De alguma maneira a anaacutelise do excerto mostra que as pesquisadoras natildeo
levantam questotildees que possam desestabilizar os significados rotinizados apresentados
pelas professoras Isso pode ter ocorrido por conta de uma dificuldade em compreender
que a intersecccedilatildeo entre os elos da cadeia soacute se materializa diante de uma argumentaccedilatildeo
colaborativa (Liberali 2004) Nesse episoacutedio daacute para inferir que assim como as
professoras na suas argumentaccedilotildees sobre o tema tratado as pesquisadoras trazem uma
apropriaccedilatildeo muito incipiente do que seria uma colaboraccedilatildeo criacutetica mediada pelos
significados que emergem no interior do grupo Em uma Pesquisa Criacutetica de
Colaboraccedilatildeo (Magalhatildees 2002 2006 2009) teoricamente fundamentada e com os
conceitos devidamente apropriados os pesquisadores levantariam questionamentos do
sentido-significado cristalizado (Magalhatildees 2009 p 55) para possibilitar a produccedilatildeo
conjunta de novos significados
Em siacutentese a argumentaccedilatildeo desenvolvida entre pesquisadoras e professoras natildeo
permitiu a ressignificaccedilatildeo dos sentidos e significados sobre a temaacutetica no interior da
Cadeia Criativa pois natildeo houve uma ampliaccedilatildeo do campo argumentativo de ambas
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 166
ILKA SCHAPPER SANTOS
sobre o assunto Os argumentos natildeo chegam a ser explorados continuam transitando em
sentidos e significados conhecidos haacute muito pelo grupo Mais uma vez faltam
intervenccedilotildees que tragam a siacutentese dialeacutetica entre perspectivas teoacutericas relacionadas agraves
accedilotildees descritas e que possibilitariam aprofundar as visotildees de mundo acerca da temaacutetica
tratada
413 ndash 3ordf Sessatildeo Reflexiva Analisada ndash dia 04 de setembro de 2006
Os excertos que se seguem foram recortados da quinta sessatildeo reflexiva com as
quatro educadoras da creche e uma pesquisadora do GP EFoPI a Patriacutecia no dia 04 de
setembro de 2006 A coordenadora da pesquisa Leacutea natildeo pocircde participar do encontro
por conta de doenccedila em famiacutelia
O viacutedeo analisado trata de uma atividade desenvolvida numa escola de educaccedilatildeo
infantil de Portugal O viacutedeo foi disponibilizado pela professora Juacutelia Formosinho da
Universidade do Minho Doutora em Estudos da Crianccedila com tese sobre o
desenvolvimento profissional das educadoras da infacircncia Nesse periacuteodo a professora
havia dado uma consultoria ao GP EFoPI jaacute que o referido grupo de pesquisa fazia
parte junto com a professora Dra Kishimoto da Universidade de Satildeo Paulo (USP) de
uma rede de pesquisadores sob a orientaccedilatildeo da professora Juacutelia Formosinho O objetivo
da sessatildeo era mostrar agraves educadoras das creches outras possibilidades de organizaccedilatildeo
dos espaccedilos para as brincadeiras Aleacutem disso pretendia possibilitar que elas refletissem
sobre modos e maneiras de o educador intervir na brincadeira livre Tomemos o 1ordm
recorte
1ordm excerto
(1) Patriacutecia Essa eacute uma escola laacute de Portugal ateacute aqueles pesquisadores estiveram
aqui Lembram que a Leacutea falou com vocecircs que eles vinham para o foacuterum de educaccedilatildeo
infantil
Todas as professoras respondem que lembram
(2) Patriacutecia Pois eacute eacute a Juacutelia Formosinho e essa escola eacute uma escola que eles fazem
um trabalho laacute que fazem a formaccedilatildeo em contexto com os professores das creches E
essa escola tambeacutem pertence a uma rede de formaccedilatildeo em contexto que tem aqui no
Brasil tambeacutem na USP com a Tizuko e a Leacutea tambeacutem participa dessa rede Entatildeo eacute
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 167
ILKA SCHAPPER SANTOS
uma filmagem bem interessante e acho que vocecircs vatildeo gostar (abre um sorriso)
Depois de as professoras assistirem agrave filmagem a pesquisadora retoma a fala
(3) Patriacutecia E aiacute vamos descrever o que vocecircs viram na filmagem Quem quer
comeccedilar falar sobre o que escreveu
(4) Mirela Nossa eacute uma escola de sonho neacute
(5) Claacuteudia Ai Podia ser aqui Entatildeo eacute eu coloquei assim Eu percebi que eacute uma
escola onde as crianccedilas interagiam o tempo todo com o meio Que elas iam
experimentando coisas novas o tempo todo E que os trabalhos eram feitos em
oficinas bem estruturadas que permitiam agraves crianccedilas exteriorizarem suas vivecircncias A
professora mediava quando lhe era conveniente e cada crianccedila podia escolher o seu
brinquedo pois havia uma grande diversidade destes (Ela balanccedila a cabeccedila de forma
positiva sorrindo e olhando para a Patriacutecia) O que natildeo acontece aqui com a gente
(6) Mirela Aiacute fica muito faacutecil neacute
(7) Claacuteudia Eacute
(8) Fabiana O nosso projeto da creche com a nossa oficina que noacutes temos quando
noacutes explicamos para vocecircs que noacutes trabalhaacutevamos com oficinas era mais ou menos
eu acho que a ideia seria ser mais ou menos daquele tipo as oficinas Porque noacutes
temos aqui a oficina de casinha que laacute seria a oficina do faz de conta Soacute que o nosso
espaccedilo natildeo eacute tatildeo adequado natildeo se tem um espaccedilo como se tem laacute Eu acho ateacute que de
repente pelo fato cultural que a gente vive que natildeo daacute aquele sonho todo que tem ali
A nossa realidade eacute bem diferente Noacutes natildeo temos tantos brinquedos como passa ali
natildeo tem condiccedilotildees de ter A oficina de jogos nossa nossa sala de jogo eacute satildeo poucos
brinquedos quando a crianccedila vai chegando certa fase do ano a crianccedila jaacute estaacute cansada
de ver aqueles jogos jaacute natildeo estatildeo se interessando mais com aqueles jogos Mas eu
acho que eacute o que se sonhou aqui para dentro da creche com as nossas oficinas
(9) Claacuteudia No nosso caso assim o que acontece no nosso caso Eacute que trabalhar
com a oficina quer dizer eu gosto natildeo sei vocecircs eu gosto porque muda mas o que
nos barra eacute agraves vezes o espaccedilo fiacutesico que se tem nas unidades num daacute conta Se
precisar de uma biblioteca para eles ficarem mais agrave vontade para trabalhar com a
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 168
ILKA SCHAPPER SANTOS
leitura com os livrinhos
Neste recorte as educadoras da creche comentam um viacutedeo de uma escola em
Portugal O objetivo era retomar a discussatildeo da organizaccedilatildeo das salas de atividades de
educaccedilatildeo infantil por meio dos cantinhos
A pesquisadora Patriacutecia inicia seu turno contextualizando a origem da atividade
a ser analisada Para isso faz referecircncia ao lugar fiacutesico onde ocorreu (1) ldquoEssa eacute uma
escola laacute de Portugalrdquo fazendo uso de dois decirciticos espaciais o pronome
demonstrativo ldquoessardquo e o adveacuterbio de lugar ldquolaacuterdquo Aleacutem disso utiliza o argumento de
autoridade para tecer seu questionamento ldquolembram que a Leacutea falou com vocecircs que
eles vinham para o foacuterum de educaccedilatildeo infantilrdquo Nesse movimento a pesquisadora
busca no exoacuterdio apresentar o contexto de produccedilatildeo em que a atividade foi
desenvolvida e as diferentes interlocuccedilotildees em que o GP EFoPI estaacute inserido Patriacutecia
retoma o turno em (2) para aprofundar o contexto de produccedilatildeo e no seu discurso faz
uso de duas marcas de interaccedilatildeo a retomada de vozes anteriores por meio de
explicaccedilatildeo ldquoPois eacute eacute a Juacutelia Formosinho e essa escola eacute uma escola que eles fazem
um trabalho laacute que fazem a formaccedilatildeo em contexto com os professores das creches E
essa escola tambeacutem pertence a uma rede de formaccedilatildeo em contexto que tem aqui no
Brasil tambeacutem na USP com a Tizuko e a Leacutea tambeacutem participa dessa rede Entatildeo eacute
uma filmagem bem interessante e acho que vocecircs vatildeo gostar (abre um sorriso)rdquo
Depois no turno seguinte Patriacutecia (3) pergunta quem gostaria de descrever a
atividade da filmagem Mirela responde (4) que ldquoeacute uma escola de sonhordquo Com essa
resposta a professora sinaliza para a pesquisadora a distacircncia entre a realidade da
creche em que atua e a realidade circunscrita agrave atividade analisada Mostra tambeacutem
com a expressatildeo como o contexto analisado estaacute no campo do idealizado
Claacuteudia continua a interlocuccedilatildeo na esfera do desejado com a expressatildeo (5) ldquoAi
Podia ser aquirdquo Ao usar o verbo poder no preteacuterito imperfeito do modo indicativo
mostra na enunciaccedilatildeo um fato do qual natildeo tem certeza quanto agraves probabilidades de
realizaccedilotildees futuras Desse modo se isenta de compartilhar com o grupo possibilidades
de no futuro desenvolver um trabalho na creche que traga esses novos significados
compartilhados por meio das atividades assistidas no viacutedeo
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 169
ILKA SCHAPPER SANTOS
Na continuidade de seu turno Claacuteudia destaca outros elementos que jaacute haviam
sido tratados em interlocuccedilotildees anteriores a) interaccedilatildeo entre as crianccedilas (ldquoeu percebi
que eacute uma escola onde as crianccedilas interagiam o tempo todordquo) b) mediaccedilatildeo da
professora (ldquoA professora mediava quando lhe era convenienterdquo) c) escolha livre dos
brinquedos pelas crianccedilas (ldquocada crianccedila podia escolher o seu brinquedordquo) A
professora retoma nessa sessatildeo expressotildees que satildeo proacuteprias do campo lexical da
perspectiva teoacuterica soacutecio-histoacuterico-cultural ndash ldquomediarrdquo e ldquointeragirrdquo No entanto mais
uma vez parece natildeo compartilhar com a pesquisadora segundo a perspectiva teoacuterica
mencionada os significados desses verbetes Aqui tambeacutem a pesquisadora natildeo fez
intervenccedilotildees em que esses elementos pudessem ser questionados e por conseguinte
pudessem ter os seus significados esclarecidos para a professora Ou seja natildeo criou
espaccedilo para que as professoras internalizassem os significados dos verbetes
mencionados sob a oacutetica da perspectiva soacutecio-histoacuterico-cultural
Aleacutem disso a pesquisadora natildeo promoveu o confronto entre os sentidos trazidos
que no quadro enunciativo se configuram como ideias inadequadas para se aproximar
das ideias adequadas e aumentar a potecircncia de pensaragir das professoras (conatus)
(Spinoza 16772005) no contexto da discussatildeo
Outro ponto que chama atenccedilatildeo na fala de Claacuteudia eacute que ela destaca a
diversidade de brinquedos na creche onde a atividade foi desenvolvida marcando em
seu discurso que isso natildeo ocorre na creche em que atua (ldquoo que natildeo acontece aqui com
a genterdquo) O adveacuterbio de negaccedilatildeo ldquonatildeordquo o decircitico espacial e o decircitico de pessoa ldquoaquirdquo
e ldquoa genterdquo respectivamente demarcam linguisticamente essa inferecircncia Se pensarmos
que a crianccedila na brincadeira no vieacutes histoacuterico-cultural reinventa o real por meio de
objetos em que seus significados satildeo modificados natildeo procede a justificativa da
professora de que na creche natildeo haacute muitos brinquedos Como explica Vygotsky
(19301991) um cabo de vassoura na situaccedilatildeo imaginaacuteria vira um cavalo Ou seja na
situaccedilatildeo do faz de conta a crianccedila atribui a um mesmo brinquedo diferentes
significados e diferentes papeacuteis
Fabiana em (8) continua explicando as relaccedilotildees entre a oficina desenvolvida na
atividade analisada e as que costumam realizar na creche concluindo que na esfera do
idealizado as propostas satildeo muito proacuteximas ldquoquando noacutes explicamos para vocecircs que
noacutes trabalhaacutevamos com oficinas era mais ou menos eu acho que a ideia seria ser
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 170
ILKA SCHAPPER SANTOS
mais ou menos daquele tipo as oficinasrdquo A professora usa a estrutura modalizada ldquoeu
achordquo assim como a expressatildeo ldquomais ou menosrdquo para tecer essas aproximaccedilotildees
Esse movimento discursivo pautado na intersecccedilatildeo entre a oficina desenvolvida
no viacutedeo e aquelas realizadas pelas educadoras no cotidiano das creches mostra que no
campo do idealizado natildeo haacute grandes diferenccedilas quanto agrave estrutura do trabalho No
entanto as professoras trazem algumas restriccedilotildees quanto agraves aproximaccedilotildees declaradas
isso fica expliacutecito linguiacutesticamente com o uso do operador ldquosoacuterdquo e do decircitico espacial
ldquolaacuterdquo ldquosoacute que o nosso espaccedilo natildeo eacute tatildeo adequado natildeo se tem um espaccedilo como se tem
laacuterdquo Para ampliar sua argumentaccedilatildeo Fabiana utiliza um argumento pragmaacutetico ldquoa
nossa realidade eacute bem diferente Noacutes natildeo temos tantos brinquedos como passa ali
natildeo tem condiccedilotildees de terrdquo explicando que a diferenccedila entre a oficina assistida no viacutedeo
e as que realizam na creche estaacute na escassez de brinquedos tendo isso uma
consequecircncia direta para as accedilotildees que perpassam as atividades desenvolvidas nas
oficinas Aqui a professora na justificativa alia a escassez dos brinquedos ao espaccedilo
inadequado Ocorre que a creche tem espaccedilos internos e externos amplos e isso natildeo foi
explicitado como um questionamento a elas
Seguindo seu movimento argumentativo a professora usa novamente o
argumento pragmaacutetico fechando ainda mais a argumentaccedilatildeo ldquosatildeo poucos brinquedos
quando a crianccedila vai chegando certa fase do ano a crianccedila jaacute estaacute cansada de ver
aqueles jogos jaacute natildeo estatildeo se interessando mais com aqueles jogosrdquo Mais uma vez a
questatildeo da escassez dos brinquedos eacute usada como justificativa para as professoras natildeo
realizarem atividades similares agraves assistidas no viacutedeo Nesse contexto a pesquisadora
natildeo levantou questotildees sobre quais os tipos de brinquedos satildeo disponibilizados na
creche nem promoveu reflexotildees sobre como as professoras poderiam desenvolver
atividades por meio desses brinquedos
Finalizando seu enunciado a professora volta a pautar seu discurso no campo do
idealizado Usa o operador argumentativo ldquomasrdquo e o modalizador ldquoeu achordquo para dizer
que as educadoras da creche ldquosonharamrdquo com a organizaccedilatildeo das oficinas de modo
similar agrave que foi apresentada no viacutedeo pelo GP EFoPI ldquomas eu acho que eacute o que se
sonhou aqui para dentro da creche com as nossas oficinasrdquo Ao pautar novamente
seu discurso no campo do idealizado a professora rompe com a possibilidade de refletir
sobre o que se ldquosonhourdquo e o que elas poderiam realizar a partir do idealizado
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 171
ILKA SCHAPPER SANTOS
Claacuteudia no turno seguinte (9) continua a interlocuccedilatildeo fazendo uso tambeacutem do
argumento pragmaacutetico ldquoeacute que trabalhar com a oficina quer dizer eu gosto natildeo sei
vocecircs eu gosto porque muda mas o que nos barra eacute agraves vezes o espaccedilo fiacutesico que se
tem nas unidades num daacute contardquo e do argumento de exemplo ldquose precisar de uma
biblioteca para eles ficarem mais agrave vontade para trabalhar com a leitura com os
livrinhosrdquo
Neste excerto os recursos argumentativos utilizados pelas professoras em
especial os argumentos pragmaacuteticos e de exemplos promovem pouco espaccedilo de
discussatildeo uma vez que as educadoras expressam ideias concluiacutedas sobre os empecilhos
de se realizar na creche atividades similares agraves apresentadas no viacutedeo Assim natildeo foi
possiacutevel estabelecer um espaccedilo de criticidade em que os sentidos dos participantes
pudessem ser apresentados e por conseguinte novos significados produzidos
Na sequecircncia a pesquisadora Patriacutecia continua trabalhando com a organizaccedilatildeo
dos espaccedilos das salas de atividades buscando criar um espaccedilo de reflexatildeo sobre as
possibilidades de reestruturar os espaccedilos instituiacutedos na creche em especial aqueles
destinados agraves brincadeiras
2ordm Excerto
(10) Patriacutecia Na semana passada a gente trabalhou com a organizaccedilatildeo da sala A gente
tambeacutem escolheu essa fita para a gente ‟tar mais uma vez trabalhando mais uma vez
com a questatildeo dessa organizaccedilatildeo Vocecircs viram que tinha brinquedos aqueles de
construccedilotildees que satildeo de madeira que isso a gente pode ‟tar conseguindo sim
(11) Fabiana Eacute meu incocircmodo eacute como as meninas falaram eacute que tem umas questotildees
dessas transformaccedilotildees que muitas vezes a gente esbarra eacute no outro processo que natildeo
depende soacute de noacutes mesmas entendeu Eu natildeo acredito que seja soacute aqui que seja em
qualquer escola ou creche Que se esbarra muitas vezes a professora na sala ela quer
ateacute fazer esses cantinhos da leitura mas tem os outros processos Igual noacutes nossas
salas agraves vezes viram sala de repouso natildeo pode se ocupar o espaccedilo todo porque tem os
repousos porque tem que deixar esses espaccedilos para isso entendeu Entatildeo natildeo daacute
(12) Patriacutecia Entatildeo isso eacute uma determinaccedilatildeo da AMAC
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 172
ILKA SCHAPPER SANTOS
(13) Fabiana Agraves vezes a gente pode ateacute pensar em modificar mas aiacute com certeza natildeo
seria uma decisatildeo somente da professora da sala tem que ser uma decisatildeo em conjunto
com todas as unidades de todas as creches
(14) Patriacutecia Mas como vocecircs pensam sobre a organizaccedilatildeo da sala o que vocecircs
pensam sobre isso Como que deveria ser feita essa organizaccedilatildeo
(15) Mirela Eu acho que deveria ter mais brinquedos mais uma sala para a televisatildeo
porque do jeito que ‟taacute cada oficina em uma sala natildeo eacute ruim porque se colocar tudo
igual ali ali eacute porque o espaccedilo eacute enorme agora imagina a sua sala com jogos com
televisatildeo como que seria no nosso pequeno espaccedilo Assim casinha jogos teria que ter
assim mais salas para poder ‟tar dividindo a televisatildeo ter assim uma biblioteca
(16) Patriacutecia Entatildeo assim o que vocecircs colocam como dificuldades de estar fazendo
essas aacutereas na sala
(17) Claacuteudia O espaccedilo
(18) Mirela E a gente esbarra tambeacutem que aqui na creche tudo eacute padronizado entatildeo se
fizer aqui a gente tem que tem que fazer em todas
(19) Fabiana Eacute tem que ‟tar comunicando porque eacute a instituiccedilatildeo e a instituiccedilatildeo tem
vaacuterias unidades e aiacute natildeo depende somente da gente depende de toda uma poliacutetica
(20) Mirela Tanto que hoje eu percebo que o pedagogo tinha que fazer parte dessas
reuniotildees (as sessotildees reflexivas) para ele poder ‟tar vendo as mudanccedilas necessaacuterias
(21) Mirela Ela (a coordenadora) teria que estar aqui para ver as mudanccedilas para ver
uma fita dessas para poder ‟tar levando para o programa Seria muito interessante
(22) Patriacutecia O pedagogo aqui
(23) Patriacutecia Por que os projetos satildeo feitos pelas pedagogas E aiacute encaminham para
vocecircs
(24) Mirela Uma vez por mecircs eacute feito as reuniotildees para elaboraccedilatildeo desse projeto soacute que
desce vai uma funcionaacuteria de cada creche vai laacute embaixo na AMAC e se reuacutene para
fazer a construccedilatildeo desse projeto Aiacute o que se decide laacute eacute impresso e mandado para todas
as unidades Soacute que aiacute satildeo datas fechadas os temas que definem os projetos satildeo
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 173
ILKA SCHAPPER SANTOS
fechados os temas satildeo enviados Muitas vezes acaba fugindo do que a gente gostaria de
‟tar trabalhando aqui da forma que a gente gostaria que fosse e tem que complementar
com o projeto que foi feito Natildeo eacute que a gente natildeo possa ‟tar trabalhando o que a gente
gostaria mas talvez se fechasse o tema e a gente pudesse elaborar do nosso jeito com a
nossa realidade ficaria melhor
Patriacutecia inicia seu turno (10) retomando o trabalho da sessatildeo anterior em que o
assunto era a organizaccedilatildeo da sala de atividades da educaccedilatildeo infantil ldquona semana
passada a gente trabalhou com a organizaccedilatildeo da salardquo Eacute interessante notar que a
oradora busca com o uso do decircitico de pessoa ldquoa genterdquo implicar os interlocutores no
trabalho de reflexatildeo usando a marca de interaccedilatildeo intitulada neste trabalho de retomada
de vozes anteriores Esse movimento eacute interessante pois sinaliza a preocupaccedilatildeo da
pesquisadora em ser coerente com o trabalho colaborativo Depois faz um
questionamento que visa a promover uma reflexatildeo sobre as possibilidades de se
conseguir realizar um trabalho de reorganizaccedilatildeo do espaccedilo e de se conseguir aumentar o
nuacutemero de brinquedos na creche ldquovocecircs viram que tinha brinquedos aqueles de
construccedilotildees que satildeo de madeira que isso a gente pode ‟tar conseguindordquo Para isso
faz uso do decircitico espacial ldquoaquelesrdquo procurando indicar que os brinquedos de
construccedilotildees natildeo satildeo difiacuteceis de serem adquiridos
Esse movimento argumentativo da pesquisadora eacute importante jaacute que traz
alternativas para a justificativa das professoras em relaccedilatildeo agrave escassez dos brinquedos
procurando instigar as professoras a refletirem sobre outras possibilidades de aquisiccedilatildeo
de mais brinquedos para a creche No entanto apesar da provocaccedilatildeo da oradora as
professoras retomam os argumentos pautados na impossibilidade e falta de autonomia
delas em transformar os espaccedilos instituiacutedos na creche
Mais uma vez as professoras estruturam seu corpus argumentativo em
argumento pragmaacutetico e de exemplo O argumento pragmaacutetico se materializa no
discurso de Fabiana (11) quando ela diz ldquomeu incocircmodo eacute como as meninas falaram
eacute que tem umas questotildees dessas transformaccedilotildees que muitas vezes a gente esbarra eacute no
outro processo que natildeo depende soacute de noacutes mesmas entendeurdquo Nesse movimento
argumentativo a professora faz uso da marca de interaccedilatildeo retomada de vozes anteriores
(ldquocomo as meninas falaramrdquo) fechando mais uma vez seu discurso O fluxo
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argumentativo fica circunscrito a um discurso da impossibilidade de delegar a outras
instacircncias o poder de transformar os espaccedilos instituiacutedos ldquonatildeo depende soacute de noacutes
mesmasrdquo
A educadora continua seu enunciado com o argumento de exemplo ldquonossas
salas agraves vezes viram sala de repouso natildeo pode se ocupar o espaccedilo todo porque tem
os repousos porque tem que deixar esses espaccedilos para issordquo Os dois tipos de
argumentos utilizados pela professora tecircm um efeito de ineacutercia no grupo que emudece
pois traz uma ideia concluiacuteda (argumento pragmaacutetico) apresentando um argumento de
exemplo que daacute agrave situaccedilatildeo o estatuto de fato inquestionaacutevel
A pesquisadora percebe a rotativa discursiva das educadoras e formula uma
questatildeo controversa para o grupo (12) ldquoentatildeo isso eacute uma determinaccedilatildeo da AMACrdquo
Com o uso do decircitico espacial ldquoissordquo busca assinalar na enunciaccedilatildeo da professora o
ponto de referecircncia em que seus argumentos estatildeo pautados Traz uma questatildeo
controversa para o grupo desvelando a gecircnese dos impedimentos prescritos qual seja
ldquouma determinaccedilatildeo da AMACrdquo Subjaz a essa questatildeo controversa uma outra ldquoum
impedimento de transformaccedilatildeo do espaccedilo por conta da AMACrdquo Desse modo a
pesquisadora procura promover no grupo uma zona de colaboraccedilatildeo e criticidade
buscando possibilitar um espaccedilo de reflexatildeo criacutetica em que todos possam tecer
comentaacuterios e discussotildees Isso porque no interior das discussotildees as educadoras jaacute
haviam mencionado sobre como o oacutergatildeo ao qual satildeo vinculados procura padronizar os
espaccedilos as accedilotildees pedagoacutegicas e os horaacuterios de todas as 23 creches do municiacutepio
Diante da questatildeo formulada pela pesquisadora Fabiana (13) usa a marca de
interaccedilatildeo colocaccedilatildeo de problema ldquoagraves vezes a gente pode ateacute pensar em modificar mas
aiacute com certeza natildeo seria uma decisatildeo somente da professora da sala tem que ser
uma decisatildeo em conjunto com todas as unidades de todas as crechesrdquo O uso do ldquoa
genterdquo como decircitico pessoal inclusivo mostra que a professora envolve o grupo de
educadoras na sua argumentaccedilatildeo Depois usa o operador argumentativo ldquoateacuterdquo (ateacute
mesmo inclusive) assinalando um argumento mais forte dentro da perspectiva da
mudanccedila na organizaccedilatildeo das salas de atividades da creche e por fim haacute no seu
discurso a reincidecircncia do operador ldquotodasrdquo na tentativa de fazer uma afirmaccedilatildeo plena
A professora parece escolher tais operadores para indicar a partir da forccedila
argumentativa do seu enunciado uma direccedilatildeo uma explicaccedilatildeo plausiacutevel que justifique a
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 175
ILKA SCHAPPER SANTOS
dificuldade de transformaccedilatildeo dos espaccedilos disponibilizados para o desenvolvimento da
brincadeira na creche
Atenta ao processo criacuteticondashreflexivo a pesquisadora Patriacutecia (14) tece o seguinte
questionamento ldquoMas como vocecircs pensam sobre a organizaccedilatildeo da sala o que vocecircs
pensam sobre isso Como que deveria ser feita essa organizaccedilatildeordquo Assim pretende
fazer com que as professoras a partir dos questionamentos que formula pensem em
possiacuteveis mudanccedilas relativas agrave organizaccedilatildeo das salas de atividades e por conseguinte
transformaccedilotildees dos espaccedilos para as brincadeiras A intervenccedilatildeo revela a preocupaccedilatildeo da
pesquisadora em compreender os pontos de vista que sustentam o modo como as
professoras veem a questatildeo buscando identificar as possiacuteveis teorias que embasam suas
reflexotildees e os possiacuteveis valores que estatildeo por traacutes delas O movimento discursivo estaacute
pautado segundo Smyth (1992) no informar pois possibilita promover explicaccedilotildees que
mostrem as bases teoacutericas sobre o tema em debate Eacute no interior desse fluxo
argumentativo que se pode abrir caminhos para o confrontar (Liberali 2008a p 60)
Assim mais uma vez as professoras destacam elementos de mudanccedilas na esfera
do idealizado e em accedilotildees que transcendem as possibilidades que lhes competem Isso
fica expliacutecito no turno (15) de Mirela ldquoeu acho que deveria ter mais brinquedos mais
uma sala para a televisatildeo porque do jeito que ‟taacute cada oficina em uma sala natildeo eacute
ruim porque se colocar tudo igual ali ali eacute porque o espaccedilo eacute enorme agora imagina
a sua sala com jogos com televisatildeo como que seria no nosso pequeno espaccedilo Assim
casinha jogos teria que ter assim mais salas para poder ‟tar dividindo a televisatildeo
ter assim uma bibliotecardquo No movimento discursivo a professora destaca os objetos
que deveriam ser adquiridos e os espaccedilos que deveriam ser criados para que se pudesse
pensar em alguma mudanccedila Desse modo natildeo consegue vislumbrar mudanccedilas no
interior das condiccedilotildees materiais em que se encontra Linguiacutesticamente isso fica
demarcado no iniacutecio do turno quando usa a locuccedilatildeo verbal ldquodeveria terrdquo
A rotatividade discursiva se reapresenta na retomada de turno da pesquisadora
(16) que tece mais uma questatildeo controversa com ecircnfase nas dificuldades e natildeo nas
possibilidades ldquoentatildeo assim o que vocecircs colocam como dificuldades de estar fazendo
essas aacutereas na salardquo Diante do questionamento a educadora reponde (17) ldquoo espaccedilordquo
Eacute interessante notar que as professoras escapam do movimento de compartilhar
seus significados sobre a questatildeo discutida e como poderiam refletir sobre o que fazer
focando as impossibilidades na poliacutetica de padronizaccedilatildeo das creches e na necessidade da
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 176
ILKA SCHAPPER SANTOS
participaccedilatildeo dos pedagogos da AMAC nas sessotildees reflexivas Isso pode ser percebido
nos turnos (18) (19) (20) e (21) das educadoras Mirela e Fabiana
Nos turnos citados as professoras usam o argumento de exemplo para
discorrerem sobre a padronizaccedilatildeo das atividades e dos espaccedilos das creches e a
importacircncia de a equipe pedagoacutegica participar das sessotildees reflexivas (18) ldquoa gente
esbarra tambeacutem que aqui na creche tudo eacute padronizado entatildeo se fizer aqui a gente
tem que tem que fazer em todasrdquo Primeiro a professora explica que ldquotudo eacute
padronizadordquo depois faz uso do ldquoentatildeordquo para concluir que ldquotem que fazer em todasrdquo
(as 23 creches do municiacutepio) (19) ldquotem que ‟tar comunicando porque eacute a instituiccedilatildeo
e a instituiccedilatildeo tem vaacuterias unidades e aiacute natildeo depende somente da gente depende de
toda uma poliacuteticardquo (20) ldquotanto que hoje eu percebo que o pedagogo tinha que fazer
parte dessas reuniotildees (as sessotildees reflexivas) para ele poder ‟tar vendo as mudanccedilas
necessaacuteriasrdquo (21) ldquoela (a coordenadora) teria que estar aqui para ver as mudanccedilas
para ver uma fita dessas para poder ‟tar levando para o programa Seria muito
interessanterdquo
O enunciado da educadora traz as marcas do discurso oficial monologizante
Como definiu Bakhtin (apud Nystrand et al 1997 p 12) ldquoo monologismo em seu
extremo nega a existecircncia de outra consciecircncia fora de si com direitos e
responsabilidades iguais O monoacutelogo eacute finalizador e surdo agrave resposta do outro ()
deseja ser a uacuteltima palavrardquo Assim usam as vozes oficiais da instituiccedilatildeo como
subterfuacutegio de explicar suas impossibilidades de transformaccedilotildees e mudanccedilas Apesar de
o oacutergatildeo governamental tentar controlar as accedilotildees no interior das creches seria importante
as educadoras perceberem que podem superar a imposiccedilatildeo e alienaccedilatildeo em seus modos e
maneiras de transformar aquilo que estaacute dentro de seu campo de accedilatildeo
Mirela explica em (24) por meio do argumento de exemplo que os projetos satildeo
elaborados mensalmente com uma representante de cada creche ldquouma vez por mecircs eacute
feito as reuniotildees para elaboraccedilatildeo desse projeto soacute que vai uma funcionaacuteria de cada
creche vai laacute pra baixo na AMAC e se reuacutene para fazer a construccedilatildeo desse projeto
Aiacute o que se decide laacute eacute impresso e mandado para todas as unidades Soacute que aiacute eacute satildeo
datas fechadas os temas que definem os projetos satildeo fechados os projetos satildeo
enviados para as crechesrdquo Com o argumento de que os projetos chegam prontos e satildeo
unificados para as 23 creches a explicaccedilatildeo da educadora serve mais uma vez para
tamponar o (re)pensar de sua praacutetica no interior das creches Esse movimento
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 177
ILKA SCHAPPER SANTOS
enunciativo impossibilita compartilhar em quais sentidos-significados estatildeo ancoradas
as suas accedilotildees
Apesar de neste excerto a pesquisadora formular questionamentos que busquem
promover um espaccedilo de reflexatildeo sobre possiacuteveis mudanccedilas relativas agrave organizaccedilatildeo das
salas de atividades na creche e em consequecircncia a transformaccedilotildees dos espaccedilos para as
brincadeiras com questotildees relativas ao processo reflexivo (Smyth 1992 Liberali
2008) as enunciaccedilotildees das professoras vatildeo de encontro a esse movimento
As educadoras trazem prioritariamente o discurso autoritaacuterio imposto pela
instituiccedilatildeo agrave qual pertencem para justificar a dificuldade que tecircm em transformar suas
praacuteticas cotidianas Segundo Bakhtin (1983) esse tipo de discurso tem o estatuto de
verdade absoluta natildeo propiciando espaccedilo para a argumentaccedilatildeo refutaccedilatildeo contestaccedilatildeo e
reflexatildeo jaacute que ldquoa palavra autoritaacuteria natildeo se representa ndash ela apenas eacute transmitidardquo
(Bakhtin 1983 p 144) A apropriaccedilatildeo da palavra autoritaacuteria aqui teve a funccedilatildeo de
justificar o jaacute instituiacutedo e os motivos que impossibilitam (re)pensar sobre novos modos
de se trabalhar sobre as praacuteticas cristalizadas Em decorrecircncia disso os significados
compartilhados ficaram inscritos em argumentos sobre o ldquojaacute-feitordquo e natildeo em novas
maneiras em se pensar o ldquopor-fazerrdquo
No fragmento abaixo mais uma vez a pesquisadora Patriacutecia retoma a discussatildeo
sobre a organizaccedilatildeo dos espaccedilos No entanto o foco recai agora sobre a construccedilatildeo de
espaccedilos que promovam a construccedilatildeo do conhecimento
3ordm Excerto
(25) Patriacutecia Como que a gente pode ‟tar organizando a nossa sala de maneira que
haja esses conhecimentos essa coisa da crianccedila ‟tar brincando e ‟tar experimentando e
‟tar pesquisando
(26) Fabiana Eacute aquilo que eu te falei no iniacutecio que a organizaccedilatildeo das nossas salas
tem todo um padratildeo que tem que ser seguido da instituiccedilatildeo
(27) Patriacutecia Mesmo assim vocecircs querendo propondo
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 178
ILKA SCHAPPER SANTOS
(28) Fabiana Seria um processo assim de ‟tar discutindo falando expondo e ter a
aceitaccedilatildeo da unidade da pedagoga e tudo Porque como eu te falei minha sala eacute
oficina eu tenho dentro da minha sala (faz um sinal negativo com a boca virando para
um lado) mesa as cadeiras um armaacuterio que eu coloco as colchonetes eu tenho um
outro armaacuterio uma outra estante que coloco os jogos com a televisatildeo e o aparelho de
viacutedeo de DVD Entatildeo eu natildeo posso ocupar aquele espaccedilo todo porque eu tenho uma
oficina de jogos e uma oficina de viacutedeo dentro do meu espaccedilo entendeu Entatildeo eu natildeo
posso ocupar aquilo tudo sem deixar o espaccedilo da oficina de jogos e de viacutedeo entendeu
(29) Patriacutecia Isso eacute complicado para as crianccedilas
(30) Fabiana E outra tem que ter o espaccedilo para elas brincarem Entatildeo eu tenho que
estar respeitando aquele espaccedilo todo de maneira que fique organizado entendeu Entatildeo
eu posso na hora das minhas atividades eu viro mesa eu ponho para brincar no chatildeo
que eacute mais faacutecil Pois eu acho assim que o espaccedilo do chatildeo eacute melhor do que o das
mesas para eles montarem os jogos e tudo na hora da pintura eu forro as mesas todas
eu junto as mesas para ficar um espaccedilo maior Isso eu faccedilo porque eu posso Agora
uma questatildeo de eu ficar fazendo um cantinho de leitura um cantinho de faz de conta
Aiacute eu natildeo posso porque tem uma outra oficina de casinha que seria a sala dela (olha
para Mirela) e tem uma outra oficina de artes cecircnicas que eacute na do berccedilaacuterio Aiacute a gente
tem que passar para outra sala
(31) Claacuteudia minha sala natildeo tem condiccedilotildees porque natildeo tem muito espaccedilo porque eacute
muito pequena soacute cabem quatro mesinhas e natildeo cabe mais nada Aiacute agraves vezes eu tenho
que fazer o que ela faz tambeacutem colocar as mesas para um canto e deixar eles
brincarem no chatildeo onde o espaccedilo tambeacutem eacute bem restrito
As professoras mais uma vez fixam seus argumentos no campo das
impossibilidades Para isso usam argumentos de autoridade ndash a AMAC e sua
padronizaccedilatildeo
A pesquisadora (25) retoma o questionamento anterior sobre a organizaccedilatildeo das
salas de atividades nas creches agora pautado na construccedilatildeo e produccedilatildeo do
conhecimento das crianccedilas a partir de trecircs pontos (a) a brincadeira (b) a vivecircncia e (c)
a pesquisa Assim levanta a seguinte pergunta ldquocomo que a gente pode ‟tar
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 179
ILKA SCHAPPER SANTOS
organizando a nossa sala de maneira que haja esses conhecimentos essa coisa da
crianccedila ‟tar brincando e ‟tar experimentando e ‟tar pesquisandordquo Ao utilizar a
expressatildeo ldquoa genterdquo (no lugar do pronome da 1ordf pessoa do plural ldquonoacutesrdquo) Patriacutecia
sinaliza de maneira impliacutecita alguns elementos do trabalho colaborativo entre eles a
necessidade de se mostrar implicada estabelecendo uma interdependecircncia entre o
questionamento feito e as buscas de elementos argumentativos para a soluccedilatildeo do
conflito Aleacutem disso faz uso dos decirciticos ldquoessesrdquo e ldquoessardquo para sinalizar o ponto de
referecircncia de seu questionamento e auxiliar as educadoras na construccedilatildeo de seus
discursos e partilhar seus sentidos sobre o que foi focado
Ao ingressar no fluxo do questionamento da pesquisadora Fabiana (26) retoma
vozes anteriores ldquoeacute aquilo que eu te falei no iniacutecio que a organizaccedilatildeo das nossas
salas tem todo um padratildeo que tem que ser seguido da instituiccedilatildeordquo Ao dizer isso a
professora retoma seu ponto de vista de que haacute ldquoum padratildeo que tem que ser seguido da
instituiccedilatildeordquo Isso mostra uma circularidade discursiva em que natildeo aparecem novos
elementos argumentativos para tratar a questatildeo e por conseguinte o grupo natildeo
consegue criar zonas de confluecircncias de ideias para refletir sobre o jaacute estruturado
conhecido e realizado Como a argumentaccedilatildeo se funda em argumentos de exemplos e
pragmaacuteticos a possibilidade de reflexatildeo fica circunscrita agraves questotildees que transcendem o
espaccedilo da sala de atividades Aqui natildeo se trata como na reflexatildeo tecida do excerto
anterior de dizer de uma compreensatildeo dos aspectos poliacuteticos o questionamento estaacute
pautado em pensar a organizaccedilatildeo dos espaccedilos da creche para a produccedilatildeo do
conhecimento do desenvolvimento da pesquisa no universo das crianccedilas
Percebendo a circularidade discursiva das professoras a pesquisadora retoma o
turno e diz (27) ldquomesmo assim vocecircs querendo propondordquo A escolha da expressatildeo
ldquomesmo assimrdquo mostra que a pesquisadora busca transpor essa circularidade e provocar
as educadoras a refletirem Isso se evidencia quando ela enuncia ldquovocecircs querendo
propondordquo
Em (28) Fabiana daacute instruccedilotildees de como o grupo poderia fazer para romper com
o padratildeo impresso pela AMAC na organizaccedilatildeo dos espaccedilos das creches ldquoseria um
processo assim de ‟tar discutindo falando expondo e ter a aceitaccedilatildeo da unidade da
pedagoga e tudordquo Depois a professora tece uma explicaccedilatildeo a partir da retomada de
uma fala anterior ldquoPorque como eu te falei minha sala eacute oficina eu tenho dentro da
minha sala (faz um sinal negativo com a boca virando para um lado) mesa as cadeiras
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 180
ILKA SCHAPPER SANTOS
um armaacuterio que eu coloco as colchonetes eu tenho um outro armaacuterio uma outra
estante que coloco os jogos com a televisatildeo e o aparelho de viacutedeo de DVDrdquo
Eacute possiacutevel perceber que o movimento argumentativo tanto por parte da
pesquisadora quanto das educadoras se fixa em argumentos pautados nos exemplos de
situaccedilotildees e organizaccedilotildees dos espaccedilos instituiacutedos na creche As marcas de interaccedilatildeo que
datildeo movimento a esses argumentos satildeo as explicaccedilotildees e retomadas de vozes anteriores
As professoras natildeo se implicam nas accedilotildees que determinam o instituiacutedo na creche como
em excertos analisados anteriormente Os conflitos as contradiccedilotildees que satildeo
ldquodenunciadasrdquo se configuram como algo externo distante e impossiacutevel de ser
transformado As educadoras mostram os significados cristalizados fixos e natildeo
reiteraacuteveis da organizaccedilatildeo dos espaccedilos natildeo buscando compartilhar seus sentidos para a
possibilidade de romper com essa estrutura Desse modo natildeo compartilham sentidos e
natildeo criam outros significados diferentes desses instituiacutedos pela AMAC Novamente
prevalece o discurso autoritaacuterio (Bakhtin 1983)
Nessa discussatildeo sobre a organizaccedilatildeo dos espaccedilos instituiacutedos nas creches haacute uma
dificuldade de o grupo perceber as possibilidades de transformaccedilotildees e mudanccedilas desta
organizaccedilatildeo O historiador espanhol Vintildeao Frago (1998) discorre sobre a natildeo
neutralidade do espaccedilo posto que este produz sentidos em um movimento dinacircmico
demarcando relaccedilotildees de poder e de escolhas ldquoa arquitetura escolar eacute tambeacutem por si
mesma um programa uma espeacutecie de discurso que institui na sua materialidade um
sistema de valoresrdquo (p 26)
A compreensatildeo do espaccedilo e sua organizaccedilatildeo eacute assim um(a) processoproduccedilatildeo
cultural Para o autor esta compreensatildeo na verdade estaacute pautada na percepccedilatildeo que
temos dos lugares (espaccedilos construiacutedos) Dito de outro modo eacute no lugar que o espaccedilo
ganha significado e corporeidade O espaccedilo vai se corporificando (se transformando em
lugar) na medida em que vai tendo significado para os sujeitos que o ocupamconstroem
cotidianamente
A ocupaccedilatildeo do espaccedilo sua utilizaccedilatildeo supotildee sua constituiccedilatildeo como
lugar O ldquosalto qualitativordquo que leva do espaccedilo ao lugar eacute pois uma
construccedilatildeo O espaccedilo se projeta ou se imagina o lugar se constroacutei
Constroacutei-se ldquoa partir do fluir da vidardquo e a partir do espaccedilo como
suporte o espaccedilo portanto estaacute sempre disponiacutevel e disposto para
converter-se em lugar para ser construiacutedo (Vintildeao Frago 1998 p 61)
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 181
ILKA SCHAPPER SANTOS
O espaccedilo eacute processoproduto de inter-relaccedilotildees ldquoeacute o produto das dificuldades e
complexidades dos entrelaccedilamentos e dos natildeo entrelaccedilamentos de relaccedilotildeesrdquo (Massey
2004 p 17) A organizaccedilatildeo em espaccedilos universalizantes que desconsidera essa
complexidade gera tambeacutem rotinas universais e padronizadas materializadas em
praacuteticas homogecircneas que tamponam as diferenccedilas criam um discurso uacutenico
desconsiderando o contexto social histoacuterico e as praacuteticas culturais presentes em cada
instituiccedilatildeo (Silva 2009)
Como toda realidade social o espaccedilo precisa ser pensado no campo
metodoloacutegico e teoacuterico a partir de trecircs conceitos indissociaacuteveis forma estrutura e
funccedilatildeo (Santos 1997) Ao contraacuterio disso os excertos analisados mostram que a
definiccedilatildeo de organizaccedilatildeo do espaccedilo nas creches municipais de Juiz de Fora eacute
estruturada de maneira uniforme desconsiderando o contexto de produccedilatildeo de cada uma
e suas especificidades Mas principalmente natildeo configura um ambiente no qual
crianccedilas e adultos possam construir interaccedilotildees que promovam diversas formas de
expressatildeo dos saberes cotidianos que traduzam os saberes infantis
Apesar de trazer ateacute entatildeo a discussatildeo do espaccedilo instituiacutedo por meio do
discurso autoritaacuterio (ldquoseria um processo assim de ‟tar discutindo falando expondo ter
a aceitaccedilatildeo da unidade da pedagoga e tudordquo) as professoras nos turnos que se
seguem comeccedilam a sinalizar para algumas possibilidades mostrando uma outra faceta
Sinalizam que buscam na contradiccedilatildeo reorganizar os lugares para as brincadeiras
infantis Isto fica claro no turno de Fabiana (29) ldquoE outra tem que ter o espaccedilo para
elas brincarem Entatildeo eu tenho que estar respeitando aquele espaccedilo todo de maneira
que fique organizado entendeu Entatildeo eu posso na hora das minhas atividades eu
viro mesa eu ponho para brincar no chatildeo que eacute mais faacutecilrdquo Ao iniciar sua enunciaccedilatildeo
com a expressatildeo ldquoe outrardquo indica que traraacute um outro elemento para a discussatildeo isso
ocorre por meio de uma explicaccedilatildeo ldquotem que ter o espaccedilo para elas (as crianccedilas)
brincaremrdquo Esta explicaccedilatildeo traz para a cena discursiva um importante sentido da
professora partilhado com o grupo sobre a relaccedilatildeo que estabeleceu entre a organizaccedilatildeo
do espaccedilo na creche e o desenvolvimento da brincadeira com as crianccedilas No entanto
apesar de compartilhar tal significado ainda mostra o peso da imposiccedilatildeo institucional
ldquoeu tenho que estar respeitando aquele espaccedilo todo de maneira que fique
organizadordquo
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 182
ILKA SCHAPPER SANTOS
Na continuidade do seu turno a educadora tece uma explicaccedilatildeo pautada no
argumento de exemplo para mostrar como dentro de um contexto de espaccedilo
padronizado rompe com o instituiacutedo ldquona hora das minhas atividades eu viro mesa
eu ponho para brincar no chatildeo que eacute mais faacutecilrdquo ldquoo espaccedilo do chatildeo eacute melhor do que
o das mesas para eles montarem os jogos e tudo na hora da pintura eu forro as
mesas todas eu junto as mesas para ficar um espaccedilo maiorrdquo Ao dizer ldquoviro as
mesasrdquo ldquoponho para brincar no chatildeordquo compartilha com todos os participantes seus
sentidos-significados sobre a necessidade de transformar os espaccedilos circunscritos das
creches Isso tambeacutem se apresenta quando discorre a partir do argumento de
comparaccedilatildeo ldquoo espaccedilo do chatildeo eacute melhor do que o das mesas para eles montarem os
jogos e tudordquo
Neste excerto foi possiacutevel perceber em um primeiro momento a reincidecircncia de
argumentos sobre a impossibilidade sinalizada pelas professoras de se (re)pensar a
organizaccedilatildeo dos espaccedilos das creches Nesse sentido haacute ainda uma circularidade
enunciativa em torno do discurso autoritaacuterio (Bakhtin 1983) Depois as professoras
comeccedilam a compartilhar um outro significado em que destacam que viram e juntam as
mesas fazem atividades no chatildeo mostrando que de algum modo reestruturam os
espaccedilos instituiacutedos Nesse momento pode-se perceber que foi importante o
questionamento da pesquisadora sobre como o espaccedilo poderia ser organizado Essa
marca da interaccedilatildeo propiciou que as professoras revisitassem seus sentidos-significados
sobre a temaacutetica proposta
Como aponta Magalhatildees (2004) e Liberali (2006) para colocar em praacutetica o
processo criacutetico-reflexivo (Smyth 1992) a presenccedila do pesquisador como formador eacute
imprescindiacutevel pois eacute por meio de suas intervenccedilotildees que se instaura um espaccedilo
colaborativo de modo que ocorram autoquestionamentos e a reflexatildeo criacutetica Segundo
Magalhatildees (2004) o papel do formador implica criar possibilidades de construccedilatildeo-
produccedilatildeo de significados com base na argumentaccedilatildeo e no questionamento
Na proacutexima seccedilatildeo seratildeo analisados os excertos do segundo cronotopo da Cadeia
Criativa referente a dois encontros do curso de extensatildeo que estavam interligados
ldquoEspaccedilo de Reflexatildeo Teoacuterico-Praacutetico em Contexto de Colaboraccedilatildeordquo (1) o terceiro
encontro ndash ldquoA Dimensatildeo Luacutedica na Crianccedila e na Crecherdquo e (2) o quarto encontro ndash ldquoA
Dimensatildeo Luacutedica no Espaccedilo-Ambiente da Creche reflexotildees sobre o brincarrdquo
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 183
ILKA SCHAPPER SANTOS
42 ndash 2ordm Cronotopo da Cadeia Criativa ndash Curso de Extensatildeo
O curso de extensatildeo com as 23 coordenadoras das creches puacuteblicas municipais
como explicitado no terceiro capiacutetulo desta tese foi estruturado em 10 encontros com
os seguintes temas respectivamente (1) Oficina de Roda resgatando as memoacuterias (2)
Oficina O dia-a-dia na Creche (3) A Dimensatildeo Luacutedica na Crianccedila e na Creche (4) A
Dimensatildeo Luacutedica no Espaccedilo-Ambiente da Creche reflexotildees sobre o brincar (5)
Encontro ndash Conflitos na Infacircncia e a Rotina na Creche (6) ndash Estaacutetua Se Mexer Natildeo
Vale O Conhecimento do Movimento Corporal (7) A Sistematizaccedilatildeo de Propostas
Pedagoacutegicas nas Creches (8) Narrativas Orais e o Desenvolvimento da Imaginaccedilatildeo
Infantil (9) Vivecircncias Artiacutesticas pensando nos pequenos e (10) Espaccedilo de
ReflexatildeoAvaliaccedilatildeo
O curso foi planejado e ministrado pelas pesquisadoras do GP EFoPI com a
intenccedilatildeo de ampliar no movimento da Cadeia Criativa a interlocuccedilatildeo criacutetica de
colaboraccedilatildeo com os profissionais das creches municipais de Juiz de Fora ateacute entatildeo
tecidas com 4 educadoras de uma das instituiccedilotildees Isso porque na interlocuccedilatildeo com as
professoras chegou-se agrave conclusatildeo de que seria imprescindiacutevel abrir um espaccedilo para um
trabalho criacutetico-reflexivo com todas as coordenadoras das 23 creches puacuteblicas
municipais
Neste 2ordm cronotopo seratildeo analisados dois encontros do curso (1) o terceiro
encontro ldquoA Dimensatildeo Luacutedica na Crianccedila e na Crecherdquo e (2) o quarto encontro ldquoA
Dimensatildeo Luacutedica no Espaccedilo-Ambiente da Creche reflexotildees sobre o brincarrdquo Nesses
encontros foram discutidas as relaccedilotildees que podem se estabelecer entre o
desenvolvimento da imaginaccedilatildeo e a brincadeira elementos que satildeo objetos de estudo
desta investigaccedilatildeo
421 ndash Encontros do Curso de Extensatildeo Analisados ldquoA Dimensatildeo Luacutedica na
Crianccedila e na Crecherdquo e ldquoA Dimensatildeo Luacutedica no Espaccedilo-Ambiente da Creche
reflexotildees sobre o brincarrdquo ndash dias 05 e 12 de novembro de 2007
Para a anaacutelise deste cronotopo foram selecionados trecircs excertos dos dois
encontros do curso de extensatildeo mencionados anteriormente referentes agraves discussotildees
sobre a brincadeira nas creches com as 23 coordenadoras das creches municipais de
Juiz de Fora e duas pesquisadoras do GP EFoPI desenvolvido na Faculdade de
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 184
ILKA SCHAPPER SANTOS
Educaccedilatildeo na Universidade Federal de Juiz de Fora O objetivo dos encontros era
promover um espaccedilo criacutetico-reflexivo sobre o brincar no interior da educaccedilatildeo infantil
As pesquisadoras no primeiro encontro discutiram sobre a dimensatildeo luacutedica na
crianccedila e na creche destacando o brincar como processo Na introduccedilatildeo da temaacutetica
Leacutea pergunta agraves coordenadoras o que significava brincar para elas e imediatamente
tece o comentaacuterio de que essa era uma questatildeo de difiacutecil definiccedilatildeo Desse modo para
respaldar seu comentaacuterio traz para a cena discursiva o posicionamento de alguns
autores que atribuem diferentes significaccedilotildees aos jogos brinquedos e brincadeiras
destacando as contribuiccedilotildees da autora Kishimoto (1996) professora e pesquisadora da
Universidade de Satildeo Paulo que faz alusatildeo aos brinquedos e agraves brincadeiras em
diferentes contextos sociais
Depois as discussotildees ficam circunscritas a temas como (1) o brincar e a cultura
(2) brincar se aprende Para ilustrar o debate teoacuterico-praacutetico acerca desses temas as
pesquisadoras trazem as imagens do livro ldquoQuando as crianccedilas dizem agora chegardquo em
que Tonucci (2003) por meio de charges mostra por exemplo como as crianccedilas satildeo
vistas de cima para baixo
No segundo encontro continuam as discussotildees sobre a dimensatildeo luacutedica mas
agora inscrita no espaccedilo-ambiente da creche As pesquisadoras apresentam os pilares
da perspectiva soacutecio-histoacuterico-cultural em especial as categorias teoacutericas que podem
auxiliar na compreensatildeo do brincar como processo e como atividade cultural Assim
destacam as funccedilotildees psicoloacutegicas o funcionamento psicoloacutegico fundado nas relaccedilotildees
sociais a mediaccedilatildeo simboacutelica zona proximal de desenvolvimento Nesse entremeio
reforccedilam a ideia de que brincar se aprende A partir disso enfatizam as contribuiccedilotildees
teoacutericas de Vygotsky e seus colaboradores para a compreensatildeo da brincadeira de faz de
conta e os diferentes significados que a crianccedila atribui aos objetos no movimento do
brincar
Como o leitor poderaacute perceber esse cronotopo estaacute recheado de incursotildees
teoacutericas e traz os significados do brincar do GP EFoPI fato que natildeo ocorreu no elo
anterior da Cadeia Criativa Assim os argumentos das pesquisadoras estatildeo respaldados
tambeacutem em construtos teoacutericos que medeiam a interlocuccedilatildeo
No excerto a seguir a pesquisadora Leacutea discute junto com as coordenadoras a
dificuldade em se definir o brincar Depois promove um debate sobre a brincadeira
livre e a brincadeira dirigida Para isso estrutura seu campo argumentativo
prioritariamente no argumento baseado em citaccedilotildees
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 185
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1ordm excerto
(1) Leacutea Vamos falar hoje das questotildees sobre o brincar Entatildeo como vocecircs viram no
proacuteprio folder (do curso de extensatildeo) a gente vai ‟tar falando da questatildeo do brincar
hoje e na proacutexima segunda-feira continuaremos essas questotildees que se referem ao
brincar Eu achei interessante que uma pessoa que trabalha aqui na Prefeitura ela
entrou e disse assim - Leacutea a gente fala muito no brincar mas eacute difiacutecil a gente saber
como pratica isso neacute Entatildeo eu disse assim pra ela - Olha isso eacute realmente um
desafio eu ‟tou aqui hoje conversando com o pessoal o pessoal que trabalha nas
creches que estaacute muito pertinho das crianccedilas de zero a trecircs anos Noacutes vamos estar com
esse curso aqui ele tem o nome de ldquoReflexatildeo teoacuterico-praacuteticardquo noacutes estamos fazendo
aqui uma troca Realmente eacute uma troca eacute uma discussatildeo como eacute que eacute o que natildeo eacute eu
penso que assim bdquotaacute trazendo o estudo dos teoacutericos as ideias que eles trouxeram pra
noacutes o que isso tem a ver com a nossa realidade com o nosso tempo de hoje Certo
Tem um livro do Tonucci que chama ldquoCom os olhos da crianccedilardquo ele eacute todo de
caricaturas Entatildeo ele traz essas caricaturas que eu acho muito interessante Entatildeo o
que acontece O adulto ali dizendo ldquome ensina a brincar que eu natildeo me lembro maisrdquo
Isso eacute uma coisa assim bastante interessante pra gente estar refletindo aqui eacute porque se
vocecirc for brincar com a crianccedila vocecirc precisa se despir ou da sua categoria vamos
dizer assim de adulto e vocecirc realmente se colocar na categoria de crianccedila vamos dizer
assim porque se vocecirc natildeo faz isso realmente a coisa natildeo funciona e a gente pode
perceber muito isso quando agraves vezes a crianccedila estaacute laacute brincando numa boa e tal e vocecirc
chega vocecirc quer interferir A primeira coisa que vocecirc fala eacute ldquode que vocecirc estaacute
brincandordquo Ou entatildeo vocecirc pergunta ldquode que cor eacute issordquo ldquode que forma eacute aquilordquo
Quer dizer entatildeo vocecirc jaacute puxa para alguma questatildeo eacute eacute de conceitos
(sistematizados) alguma questatildeo que vocecirc tenha que estar ensinando Quer dizer
entatildeo se vocecirc realmente natildeo se coloca no lugar de crianccedila fica difiacutecil o brincar
realmente acontecer Entatildeo aiacute eu pergunto pra vocecircs afinal de contas o quecirc que eacute
brincar hein Bem rapidinho (vocecircs) vatildeo tentar definir em uma palavra o quecirc que eacute
brincar pra cada uma de vocecircs
(2) Coordenadora que a cacircmera natildeo focaliza Fazer o que quiser
(3) Coordenadora que a cacircmera natildeo focaliza Imaginar
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 186
ILKA SCHAPPER SANTOS
(4) Leacutea Imaginar Mais o quecirc
(5) Coordenadora que a cacircmera natildeo focaliza Concentraccedilatildeo
(6) Leacutea Concentraccedilatildeo
(7) Diva Desenvolvimento
(8) Leacutea Desenvolvimento Mais o quecirc O que eacute o brincar
(9) Coordenadora que a cacircmera natildeo focaliza Maacutegica
(10) Leacutea Maacutegica Que mais eacute o brincar
(11) Coordenadora que a cacircmera natildeo focaliza Fazer de conta
(12) Leacutea Fazer de conta Que mais eacute brincar (Faz gesto com as matildeos pedindo mais
opiniotildees) Que mais Difiacutecil neacute Se a gente pensar que tem que escrever uma definiccedilatildeo
para o brincar a gente jaacute vai tendo uma certa dificuldade A professora Tizuco eu acho
que muitas de vocecircs jaacute devem ter lido ou conhecido os livros dela Ela fala que o
brincar ele eacute muito difiacutecil de definir porque ele eacute uma coisa muito contraditoacuteria Entatildeo
ela vem dizendo que o brincar ele eacute visto ora como uma accedilatildeo livre ora eacute uma atividade
supervisionada pelo adulto E aiacute ela ateacute vai mais longe e vai dizendo que muitas
vezes na escola o quecirc que vocecirc faz Por exemplo - Vamos brincar E aiacute o adulto diz
- Vamos agora brincar eacute de casinha Isso eacute supervisionado ou tambeacutem - Agora noacutes
vamos brincar disso ou vocecirc faz a sugestatildeo todas as crianccedilas ou todas as pessoas que
estatildeo ali tecircm que brincar da mesma coisa entatildeo ela acaba sendo uma atividade dirigida
No iniacutecio do turno (1) Leacutea explica ao grupo de coordenadoras que vai no curso
de extensatildeo discutir as questotildees referentes ao brincar Eacute interessante notar que para
dizer da dificuldade da temaacutetica a pesquisadora narra uma conversa que teve com uma
profissional da prefeitura referecircncia na aacuterea de educaccedilatildeo infantil no municiacutepio de Juiz
de Fora Com isso a pesquisadora faz uso de um argumento de autoridade para
defender a tese sobre a dificuldade de se trabalhar (praticar) o brincar na educaccedilatildeo
infantil ela (a profissional) entrou e disse assim - Leacutea a gente fala muito no brincar
mas eacute difiacutecil a gente saber como pratica isso As escolhas lexicais da pesquisadora na
narrativa por meio do pronome pessoal da terceira pessoa do singular ldquoelardquo mostram a
necessidade de pautar sua enunciaccedilatildeo no discurso citado para buscar a adesatildeo do
auditoacuterio Haacute ainda no discurso citado uma questatildeo controversa importante ldquoa gente
fala muito no brincar mas eacute difiacutecil a gente saber como pratica issordquo As marcas
linguiacutesticas que sinalizam a controversa satildeo (1) a reincidecircncia do sintagma nominal ldquoa
genterdquo (no lugar do pronome de primeira pessoal do plural ldquonoacutesrdquo) e o operador
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 187
ILKA SCHAPPER SANTOS
argumentativo ldquomasrdquo que contrapotildee elementos anteriores levando a uma conclusatildeo
contraacuteria Depois a pesquisadora diz ldquoEntatildeo eu disse assim pra ela - Olha isso eacute
realmente um desafiordquo A utilizaccedilatildeo do operador argumentativo ldquoentatildeordquo pressupotildee a
conclusatildeo que Leacutea daraacute agrave enunciaccedilatildeo anterior que se materializa no uso do decircitico
espacial ldquoissordquo Implicitamente esse movimento discursivo inicial sinaliza a
preocupaccedilatildeo da pesquisadora em desvelar as possiacuteveis dificuldades da temaacutetica a ser
tratada no curso e procura de alguma maneira implicar o grupo nesse desafio
A continuidade do turno funda-se em um discurso interativo cujos
interlocutores satildeo envolvidos pela pesquisadora nas suas escolhas lexicais Nessa
relaccedilatildeo a decircixis referencial permite a localizaccedilatildeo o momento e a identificaccedilatildeo das
pessoas ldquoNoacutes vamos estar com esse curso aqui ele tem o nome de ldquoReflexatildeo teoacuterico-
praacuteticardquo noacutes estamos fazendo aqui uma troca Realmente eacute uma troca eacute uma
discussatildeo como eacute que eacute o que natildeo eacute eu penso que assim ‟taacute trazendo o estudo dos
teoacutericos as ideias que eles trouxeram pra noacutes o que isso tem a ver com a nossa
realidade com o nosso tempo de hoje Certordquo Essa interaccedilatildeo ainda que esteja
calcada no interior do movimento discursivo da pesquisa promove um espaccedilo de
colaboraccedilatildeo pois todos acabam sendo implicados nas accedilotildees que seratildeo desenvolvidas
Refletindo sobre o movimento linguiacutestico-discursivo a pesquisadora vale-se do
pronome de primeira pessoal do plural para interagir com o auditoacuterio Esse recurso de
escolha da 1ordf pessoa do discurso gera um espaccedilo de confianccedila compromisso e respeito
que deve existir em um trabalho colaborativo Esse comprometimento destaca tambeacutem
de maneira impliacutecita outros aspectos do trabalho colaborativo entre eles a necessidade
de se estabelecerem objetivos comuns e uma relaccedilatildeo de interdependecircncia pois eacute nessa
relaccedilatildeo que os participantes podem desenvolver a ldquoresponsividaderdquo (Sobral 2005 p
20) em processo de trabalho coletivo
Depois de buscar envolver colaborativamente o grupo de coordenadoras das
creches Leacutea mostra o seguinte slide
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 188
ILKA SCHAPPER SANTOS
(Tonucci 2003)
Assim a partir de um argumento de citaccedilatildeo pautado em argumento de
autoridade e de fonte explica ldquotem um livro do Tonucci que chama ldquoCom os olhos da
crianccedilardquo ele eacute todo de caricaturas Entatildeo ele traz essas caricaturas que eu acho
muito interessanterdquo Ao concluir com o operador argumentativo ldquoentatildeordquo e continuar
dizendo ldquoele traz essas caricaturas que eu acho muito interessanterdquo a pesquisadora
compartilha da crenccedila do autor e obra citados de que eacute importante que o adulto se dispa
da sua categoria de adulto e se coloque na categoria de crianccedila Isso se explicita na
continuidade de seu turno ldquoEntatildeo o que acontece O adulto ali dizendo bdquome ensina a
brincar que eu natildeo me lembro mais‟ Isso eacute uma coisa assim bastante interessante
pra gente estar refletindo aqui eacute porque se vocecirc for brincar com a crianccedila vocecirc
precisa se despir da sua categoria vamos dizer assim de adulto e vocecirc realmente se
colocar na categoria de crianccedila ()rdquo O uso do decircitico ldquoissordquo acompanhado do
adjunto intensificador ldquobastanterdquo sinaliza a crenccedila da pesquisadora da necessidade de
se compreender o brincar sob a oacutetica da crianccedila
Depois de tecer explicaccedilotildees sobre a relevacircncia de compreendermos a brincadeira
sob a oacutetica da crianccedila por meio do argumento de citaccedilatildeo (referenciado em uma fonte)
Leacutea continua sua argumentaccedilatildeo a partir de argumentos de exemplos ldquoporque se vocecirc
natildeo faz isso realmente a coisa natildeo funciona e a gente pode perceber muito isso
quando agraves vezes a crianccedila estaacute laacute brincando numa boa e tal e vocecirc chega vocecirc quer
interferir A primeira coisa que vocecirc fala eacute bdquode que vocecirc estaacute brincando‟ Ou entatildeo
vocecirc pergunta bdquode que cor eacute isso‟ bdquode que forma eacute aquilo‟rdquo A pesquisadora usa o
argumento de exemplo para chegar a uma conclusatildeo Quer dizer entatildeo vocecirc jaacute puxa
para alguma questatildeo eacute eacute de conceitos (sistematizados) alguma questatildeo que vocecirc
tenha que estar ensinando Nesse momento Leacutea compartilha com o grupo de
coordenadoras um importante significado que tem sobre o lugar que o brincar ocupa na
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 189
ILKA SCHAPPER SANTOS
educaccedilatildeo infantil preacute-texto para ensinar conceitos sistematizados Em seguida a
pesquisadora conclui o seu turno com um questionamento ldquoEntatildeo aiacute eu pergunto pra
vocecircs afinal de contas o quecirc que eacute brincar hein Bem rapidinho (vocecircs) vatildeo tentar
definir em uma palavra o quecirc que eacute brincar pra cada uma de vocecircsrdquo
Feito isso a pesquisadora a partir da marca de interaccedilatildeo questionamento indaga
ldquoEntatildeo aiacute eu pergunto para vocecircs afinal de contas o quecirc que eacute brincar (vocecircs) vatildeo
tentar definir em uma palavra o quecirc que eacute brincar pra cada uma de vocecircsrdquo Eacute
interessante notar que esse questionamento veio depois de a pesquisadora compartilhar
significados circunscritos a como o brincar eacute visto pelo adulto como estaacute relacionado agrave
aquisiccedilatildeo de conhecimentos Assim sua pergunta traz em si pontos que satildeo geradores
de respostas Na verdade a oradora primeiro procura compartilhar seus significados e
com a questatildeo busca criar um espaccedilo para que os significados das coordenadoras sobre
o assunto sejam tambeacutem explicitados No entanto o modo como tece a instruccedilatildeo
ldquoBem rapidinho (vocecircs) vatildeo tentar definir em uma palavra o quecirc que eacute brincar pra
cada uma de vocecircsrdquo acaba por restringir o compartilhamento de significados
Discursivamente isso fica expresso nos enunciados ldquobem rapidinhordquo e ldquodefinir em
uma palavrardquo como podemos perceber nos turnos seguintes das coordenadoras (2)
ldquofazer o que quiserrdquo (3) ldquoimaginarrdquo (5) ldquoconcentraccedilatildeordquo (7) ldquodesenvolvimentordquo (9)
ldquomaacutegicardquo (11) ldquofazer de contardquo Assim observamos que nos enunciados das
participantes natildeo fica claro em quais elementos seus significados sobre o brincar estatildeo
fundados pois elas seguiram a instruccedilatildeo da pesquisadora ndash que elas fizessem isso ldquobem
rapidinhordquo e ldquoem uma palavrardquo (ou em uma expressatildeo) ndash exigindo uma resposta
objetiva do grupo Essa instruccedilatildeo inviabilizou que as participantes compartilhassem
com o grupo um significado mais amplo e detalhado sobre o brincar
Como vimos os recursos argumentativos que a pesquisadora lanccedila matildeo em seu
turno (1) promovem pouco espaccedilo para a discussatildeo e expansatildeo da reflexatildeo e por
conseguinte para a produccedilatildeo do conhecimento sobre o brincar pois a oradora apresenta
uma ideia jaacute concluiacuteda O movimento enunciativo se funda em significados
compartilhados com o grupo por meio de um discurso autoritaacuterio (Bakhtin 1983) uma
vez que buscou o reconhecimento e a assimilaccedilatildeo do que foi verbalizado O foco da
discussatildeo para Leacutea era que as coordenadoras precisariam compreender (1) que
trabalhar o brincar na educaccedilatildeo infantil natildeo eacute tarefa faacutecil e (2) a necessidade de
trabalhar o brincar sob a oacutetica das crianccedilas
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 190
ILKA SCHAPPER SANTOS
No uacuteltimo turno do excerto Leacutea (12) usa as marcas de interaccedilatildeo recolocaccedilatildeo de
problema e questionamento ldquoQue mais eacute brincar (Faz gesto com as matildeos pedindo
mais opiniotildees) Que maisrdquo Na verdade a pesquisadora aparentemente retoma o
questionamento para o grupo pois a questatildeo funciona mais como recurso discursivo
para continuar a defender a sua tese de que eacute difiacutecil definir o brincar ldquose a gente pensar
que tem que escrever uma definiccedilatildeo para o brincar a gente jaacute vai tendo uma certa
dificuldaderdquo Ao retomar sua tese a pesquisadora natildeo utiliza pronomes de primeira
pessoa do singular mas usa reincidentemente o sintagma ldquoa genterdquo no lugar do
pronome de primeira pessoa do plural procurando envolver o grupo e reafirmar sua
explicaccedilatildeo aproximando assim os participantes para quem fala daquilo que busca
defender Aleacutem disso mostra o tipo de relaccedilatildeo que deseja imprimir no fluxo de sua
interaccedilatildeo verbal
Na continuidade do turno a pesquisadora continua a interlocuccedilatildeo fazendo um
questionamento ldquoPor que isso acontecerdquo A questatildeo tem a finalidade de introduzir a
explicaccedilatildeo sobre os elementos que geram a dificuldade em se definir o brincar Desse
modo a pesquisadora no entremeio de seu discurso usa argumento de autoridade e
argumento de exemplo para tecer sua explicaccedilatildeo ldquoA professora Tizuco eu acho que
muitas de vocecircs jaacute devem ter lido ou conhecido os livros dela Ela fala que o brincar
ele eacute muito difiacutecil de definir porque ele eacute uma coisa muito contraditoacuteria Entatildeo ela
vem dizendo que o brincar ele eacute visto ora como uma accedilatildeo livre ora eacute uma atividade
supervisionada pelo adulto E aiacute ela ateacute vai mais longe e vai dizendo que muitas
vezes na escola o quecirc que vocecirc faz Por exemplo - Vamos brincar E aiacute o adulto diz
- Vamos agora brincar eacute de casinha Isso eacute supervisionado ou tambeacutem - Agora
noacutes vamos brincar disso ou vocecirc faz a sugestatildeo todas as crianccedilas ou todas as pessoas
que estatildeo ali tecircm que brincar da mesma coisa entatildeo ela acaba sendo uma atividade
dirigidardquo Esses recursos argumentativos possibilitam agrave pesquisadora respaldar seu
ponto de vista sobre a questatildeo levantada a partir do discurso de outrem Na visatildeo
bakhtiniana um discurso se constroacutei por meio de outros discursos se dirigindo para
outros mantendo com eles uma interaccedilatildeo viva e tensa (Bakhtin 1983) Ao trazer para a
cena enunciativa outras vozes que vatildeo ao encontro de seu ponto de vista Leacutea promove
um espaccedilo de ampliaccedilatildeo de significados sobre o brincar livre e o brincar dirigido
criando uma zona de colaboraccedilatildeo (Magalhatildees 2009) no interior do debate
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 191
ILKA SCHAPPER SANTOS
Na sequecircncia a pesquisadora levanta questionamentos sobre o brincar livre e o
brincar dirigido levantando questotildees sobre os motivos que levam os educadores de um
modo geral a abdicarem de uma situaccedilatildeo livre em funccedilatildeo do brincar dirigido
2ordm excerto
(13) Leacutea Muitas vezes a gente acredita em algumas situaccedilotildees de brincar livre em
funccedilatildeo de outra atividade dirigida por que hein gente Por que a gente abdica de uma
situaccedilatildeo livre de fazer uma sugestatildeo numa hora em que pode escolher aquilo que e
acaba fazendo uma opccedilatildeo por alguma coisa dirigida por alguma tarefa Por que a
gente faz isso
(14) Coordenadora que a cacircmera natildeo focaliza Vocecirc tem maior controle
(15) Leacutea Isso pode ser tambeacutem Vocecirc tem maior controle Mas por que mais gente
(16) Gabriela Teme a desorganizaccedilatildeo
(17) Leacutea Teme a desorganizaccedilatildeo Tambeacutem pode ser a questatildeo da disciplina e pensa -
sei laacute o que a diretora vai falar se ela passar aqui na porta da minha sala que a faxineira
vai dizer vai pegar no meu peacute depois porque eu tirei as mesas do lugar e deixei
encostadas
(18) Diva Eacute pelo compromisso tambeacutem que a gente tem de cumprir as tarefas
pedagoacutegicas
(19) Leacutea O compromisso de cumprir as tarefas pedagoacutegicas
(20) Isabela A preocupaccedilatildeo de vencer o conteuacutedo que agraves vezes eacute mais importante isso
do que o brincar
(21) Algumas coordenadoras trabalha com os conteuacutedos de 1ordf agrave 4ordf
(22) Joana Quando vocecirc (Leacutea) colocou ali a opiniatildeo a fala ali daquela autora do
brincar livre e do brincar dirigido Entatildeo a gente divide muito esse tempo no luacutedico na
fantasia nesse estiacutemulo a essas brincadeiras com as oficinas de contar histoacuterias deles
mesmos traduzir a histoacuteria deles Eu acho assim que a proposta pedagoacutegica que hoje a
gente estaacute trabalhando com ela eacute muito com o brincar Mas muitas vezes a professora
a recreadora ela mesmo tem a tendecircncia em querer dar atividade dirigida o
trabalhinho na folha como forma dela mostrar dela garantir para ela mesma - eu estou
trabalhando
(23) Leacutea Eu concordo com vocecirc seria uma forma talvez de garantir que aquela
crianccedila aprendeu ela sabe as cores ela sabe sei laacute as formas
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 192
ILKA SCHAPPER SANTOS
A pesquisadora inicia seu turno (13) dizendo ldquoMuitas vezes a gente acredita
em algumas situaccedilotildees de brincar livre em funccedilatildeo de outra atividade dirigida Por que
hein genterdquo Leacutea no seu enunciado retoma implicitamente o argumento de
autoridade expresso na explicaccedilatildeo da professora Tizuko sobre o brincar livre e a
atividade dirigida O fato de retomar o enunciado do outro tem o objetivo de mostrar a
importacircncia de se refletir sobre o tema Logo em seguida a pesquisadora faz um
questionamento por meio da pergunta ldquoPor que hein genterdquo a fim de recolocar um
ponto relevante que havia sido discutido anteriormente Assim faz uso da marca de
interaccedilatildeo questionamento ldquoPor que a gente abdica de uma situaccedilatildeo livre de fazer
uma sugestatildeo numa hora em que pode escolher aquilo e acaba fazendo uma opccedilatildeo
por alguma coisa dirigida por alguma tarefardquo demarcada linguisticamente a partir do
operador argumentativo ldquopor querdquo
Depois da explicaccedilatildeo a pesquisadora retoma o questionamento indagando
ldquoPor que a gente faz issordquo Esse movimento de levantamento de questotildees contribui
como aponta Magalhatildees (2009) para a discussatildeo de sentidos-significados rotinizados
bem como de produccedilatildeo conjunta de novos significados entre coordenadoras e
pesquisadoras Esse movimento argumentativo da pesquisadora promove um espaccedilo de
socializaccedilatildeo de motivos que levam os profissionais da creche a priorizarem o brincar a
partir de atividades dirigidas Podemos perceber isso nas explicaccedilotildees que as
coordenadoras datildeo em seus turnos (14) ldquovocecirc tem maior controlerdquo (16) ldquoteme a
desorganizaccedilatildeordquo (18) ldquoeacute pelo compromisso tambeacutem que a gente tem de cumprir as
tarefas pedagoacutegicasrdquo (20) ldquoa preocupaccedilatildeo de vencer o conteuacutedo que agraves vezes eacute mais
importante isso do que o brincarrdquo e (21) ldquotrabalha com os conteuacutedos de 1ordf agrave 4ordfrdquo
Dizer que muitas vezes os profissionais das creches priorizam o brincar dirigido por
conta do controle falar do temor agrave desorganizaccedilatildeo da necessidade de cumprir as tarefas
pedagoacutegicas da preocupaccedilatildeo em vencer o conteuacutedo e trabalhar com os conteuacutedos das
primeiras seacuteries do ensino fundamental revelam significados compartilhados em outros
espaccedilos e nesse espaccedilo particular do curso criam uma instacircncia nova em que esses
significados ganham outros contornos
Em seu turno (22) a coordenadora Joana usa de argumento de autoridade para
expor seu ponto de vista sobre a questatildeo tratada ldquoquando vocecirc (Leacutea) colocou ali a
opiniatildeo a fala ali daquela autora do brincar livre e do brincar dirigidordquo Esse
movimento argumentativo daacute respaldo de antematildeo ao que a participante vai dizer Joana
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 193
ILKA SCHAPPER SANTOS
utiliza o operador argumentativo ldquoentatildeordquo que prepara o interlocutor para a conclusatildeo
que teceraacute ao enunciado anterior ldquoEntatildeo a gente divide muito esse tempo no luacutedico
na fantasia nesse estiacutemulo a essas brincadeiras com as oficinas de contar histoacuterias
deles mesmo traduzir a histoacuteria delesrdquo Aleacutem disso usa o sintagma nominal ldquoa genterdquo
para sinalizar que todo o grupo da coordenaccedilatildeo jaacute faz esse trabalho Faz uso ainda do
argumento de exemplo para ilustrar quais atividades realizam a partir da brincadeira
livre ldquocom as oficinas de contar histoacuterias deles mesmos traduzir a histoacuteria delesrdquo
A coordenadora continua a interlocuccedilatildeo por meio do operador argumentativo
ldquomasrdquo mostrando que vai discorrer para uma conclusatildeo contraacuteria ao que vinha dizendo
ldquoMas muitas vezes a professora a recreadora ela mesmo tem a tendecircncia em querer
dar atividade dirigida o trabalhinho na folha como forma dela mostrar dela
garantir para ela mesma - eu estou trabalhandordquo Essa conclusatildeo contraacuteria ao que
havia sido dito anteriormente pela coordenadora recupera a voz das professoras que tecircm
uma tendecircncia a dar atividade dirigida fato sintetizado no exemplo ldquoo trabalhinho na
folhardquo Por fim conclui seu turno ldquocomo forma dela mostrar dela garantir para ela
mesma - eu estou trabalhandordquo Nesse momento a coordenadora compartilha com o
grupo um importante significado da atividade dirigida e o brincar livre por meio do
discurso citado (da professora) ldquo- eu estou trabalhandordquo Assim a coordenadora na
voz da professora sinaliza para a ldquovelhardquo dicotomia entre a atividade dirigida e a
brincadeira livre Aquela se pauta em um trabalho efetivo da professora possibilitando
mostrar a concretude de suas accedilotildees com as crianccedilas que natildeo seria possiacutevel com o
brincar
A pesquisadora retoma o turno (23) e chega a um acordo em relaccedilatildeo ao que a
coordenadora havia dito ldquoEu concordo com vocecirc seria uma forma talvez de garantir
que aquela crianccedila aprendeu ela sabe as cores ela sabe sei laacute as formasrdquo Nesse
momento ambas revelam seus sentidos compartilhados em outros espaccedilos que ganham
novos contornos na discussatildeo Esse movimento propicia o compartilhamento de
significados sustentados pelos recursos argumentativos da enunciaccedilatildeo no caso da
pesquisadora seu discurso estaacute pautado prioritariamente no argumento de autoridade e
o da coordenadora fundado em argumentos de exemplo fundados na citaccedilatildeo Os
recursos argumentativos utilizados sinalizam para um embate de vozes que culmina em
um acordo Segundo Bakhtin (1983 p 139) ldquoqualquer conversa eacute repleta de
transmissotildees e interpretaccedilotildees das palavras dos outrosrdquo Isso implica pensar que nossa
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 194
ILKA SCHAPPER SANTOS
enunciaccedilatildeo apresenta citaccedilotildees ou referecircncia agravequilo que uma determinada pessoa disse
sobre um dado assunto Na visatildeo bakhtiniana em um diaacutelogo metade de todas as
palavras proacuteprias satildeo objetos de transmissatildeo de outra pessoa
No excerto acima vimos a produccedilatildeo de significados compartilhados por meio da
colaboraccedilatildeo Segundo Magalhatildees (2009) colaborar implica tensotildees e contradiccedilotildees que
trazem conflitos A pesquisadora aqui natildeo hesitou em utilizar questionamentos que
promovessem o levantamento de duacutevida e de polecircmica elementos fundamentais para a
reflexatildeo criacutetica e o aprofundamento de questotildees problemaacuteticas em foco que
propiciaram a expansatildeo da discussatildeo por meio de uma zona de conflito e tensotildees
chegando a um acordo e promovendo a produccedilatildeo-construccedilatildeo do conhecimento para
todo o grupo
No proacuteximo excerto as pesquisadoras Leacutea e Viviam tecem explicaccedilotildees teoacutericas
sobre a importacircncia do brincar no desenvolvimento infantil Depois as pesquisadoras
fazem questionamentos buscando relacionar os construtos teoacutericos e as accedilotildees das
coordenadoras em relaccedilatildeo agrave temaacutetica
3ordm Excerto
(24) Leacutea Eu acho que vocecircs podem estar colocando essas questotildees que a gente trouxe
hoje Como que vocecircs veem isso relacionando com a creche de vocecircs Vocecircs
poderiam estar pensando na forma de estar mudando alguma coisa Natildeo que aqui a
gente esteja dizendo que a sua posiccedilatildeo seja errada natildeo eacute nesse sentido eacute naquele
sentido que a gente procurou aqui na fala desse encontro como a crianccedila ao brincar
ela daacute saltos qualitativos no proacuteprio desenvolvimento E como eu acho que noacutes adultos
fazemos isso diariamente agrave medida que noacutes interagimos e dialogamos com os outros
porque aqui noacutes estamos dialogando com essas coisas que vocecircs tecircm falado noacutes temos
tido grandes contribuiccedilotildees nessa troca Eu acho que a gente pode sair daqui dizendo
que valeu a pena eu natildeo tinha pensado nisso eu posso estar pensando nisso de outra
forma Agraves vezes vocecirc olha um viacutedeo com a sensaccedilatildeo de que natildeo eacute creche puacuteblica aiacute
pensa - ah natildeo daacute para fazer ndash Ah porque o espaccedilo que eu tenho eacute pequeno Entatildeo a
minha questatildeo para vocecircs agora que a gente estaacute encerrando eacute que cada uma pensasse
na sua creche do tamanho que for com os recursos que tem o que jaacute faz e o que
poderia acrescentar a partir das nossas conversas a partir dessas questotildees que a Viviam
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 195
ILKA SCHAPPER SANTOS
trouxe e como bateu para cada uma Eu acho que essas questotildees tecircm que ser colocadas
exatamente para que a gente possa estar reelaborando porque conforme a Viviam
colocou ali no conceito do Vygotsky num primeiro momento da aprendizagem ela
acontece na minha troca com o outro somente depois dessa troca que eu reelaboro que
eu discuto eacute que eu internalizo Quando eu digo que internalizo eacute o que ficou comigo
natildeo entrou aqui e saiu aqui (Leacutea faz gestos apontando para os ouvidos) Natildeo eacute soacute mais
um curso e natildeo eacute realmente esse o nosso objetivo o nosso objetivo eacute de troca de
colaboraccedilatildeo o quecirc que daacute para fazer a partir do que eu tenho o que isso aiacute me
despertou o quecirc que eu jaacute relacionei com o que eu tenho que posso ateacute estar
contribuindo chegando laacute (na creche) mudando seraacute que a gente tem que ter a mesma
organizaccedilatildeo nas salas sempre Eu posso mudar um pouquinho Posso mudar aquela
rotina Como eu posso estar fazendo isso Entatildeo eu acho que seria importante que
cada pessoa pudesse colocar pode ter certeza de que vocecircs tecircm grandes contribuiccedilotildees
E quando eu natildeo falo agraves vezes eu deixo de colaborar com o meu colega Porque agraves
vezes eu natildeo me coloco
(25) Marina Eu acho que a visatildeo que a gente hoje na creche tem desse faz de conta eacute
bem diferente do que foi apresentado aqui Natildeo no sentido da crianccedila e do faz de conta
mas o proacuteprio espaccedilo fiacutesico Eu acho que as nossas meninas por exemplo elas datildeo
muito mais ecircnfase agrave questatildeo pedagoacutegica mesmo por exemplo ainda do papel do
trabalhinho elas natildeo acompanham as crianccedilas no faz de conta igual aparece aqui natildeo
elas natildeo tecircm essa visatildeo Porque eacute tudo muito corrido eu acho assim que a importacircncia
que elas datildeo ao pedagoacutegico ao fazer eacute muito maior que esse momento tatildeo legal que a
gente viu aqui e que a gente natildeo faz natildeo faz
(26) Leacutea Isso que vocecirc viu aqui vocecirc acha que natildeo eacute pedagoacutegico
(27) Marina Natildeo natildeo que natildeo seja o pedagoacutegico Mas assim a gente trabalhando
essas questotildees da forma como foi discutida
(28) Isabela de uma forma mais luacutedica
(29) Joana Eu acho que isso eacute o que precisa na creche esse outro olhar que vocecircs
colocaram aqui para o brincar para o faz de conta Natildeo tem um quadro com cartaz do
tempo quantos somos que dia eacute hoje nada disso E isso a gente faz todo dia A crianccedila
pode vivenciar esses conhecimentos a partir da brincadeira por exemplo vendo como
‟taacute o dia laacute fora brincando mesmo
(30) Isabela Eu acho que o que a gente estaacute oferecendo natildeo eacute o melhor natildeo eacute o legal
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 196
ILKA SCHAPPER SANTOS
entendeu Natildeo que a gente faccedila errado eu acho que estaacute na hora de repensar sim para
a gente poder trabalhar o brincar desse modo que vocecircs ‟tatildeo dizendo
No excerto acima a pesquisadora inicia seu turno (24) com a marca de interaccedilatildeo
instruccedilatildeo e para isso entremeia sua fala com outra marca o questionamento ldquoeu acho
que vocecircs podem estar colocando essas questotildees que a gente trouxe hoje Como que
vocecircs veem isso relacionando com a creche de vocecircsrdquo A instruccedilatildeo e o
questionamento satildeo usados como recursos discursivos para que as coordenadoras
reflitam sobre as possiacuteveis contribuiccedilotildees das discussotildees tecidas no encontro para o
trabalho nas creches Linguisticamente isso fica demarcado quando Leacutea faz uso do
pronome ldquoissordquo o qual se refere agraves questotildees propostas aliado ao decircitico temporal
ldquohojerdquo referindo-se ao periacuteodo em que elas ocorreram
No turno a pesquisadora continua discursivamente usando a marca de interaccedilatildeo
instruccedilatildeo de forma bastante modalizada ldquopoderiam pensando mudando alguma
coisardquo Desse modo busca promover a construccedilatildeo de um novo percurso para o tema
tratado que poderia subsidiar elementos para as coordenadoras reconstruiacuterem suas
percepccedilotildees e accedilotildees diante do que foi apresentado Para ilustrar suas colocaccedilotildees a
pesquisadora usa um argumento teoacuterico ldquoeacute naquele sentido que a gente procurou aqui
na fala desse encontro como a crianccedila ao brincar ela daacute saltos qualitativos no
proacuteprio desenvolvimentordquo as marcas linguiacutesticas que sinalizam satildeo o decirciticos espacial
ldquoaquirdquo demarcando o lugar fiacutesico da interlocuccedilatildeo e o pronome ldquonaquelerdquo apontando
para o significado compartilhado do brincar como possibilidade de propiciar agrave crianccedila
ldquosaltos qualitativos no proacuteprio desenvolvimentordquo
Na continuidade de seu turno a pesquisadora utiliza argumento pragmaacutetico para
apreciar um ato ou acontecimento segundo suas consequecircncias presentes ou futuras
tendo importacircncia direta para a reflexatildeo esse fluxo argumentativo se funda tambeacutem
em um discurso internamente persuasivo (Bakhtin 1983 p 144) que pretende trazer as
diversas vozes envolvidas na interaccedilatildeo ldquoe como eu acho que noacutes adultos fazemos isso
diariamente agrave medida que noacutes interagimos e dialogamos com os outros porque aqui
noacutes estamos dialogando com essas coisas que vocecircs tecircm falado noacutes temos tido
grandes contribuiccedilotildees nessa troca Eu acho que a gente pode sair daqui dizendo que
- valeu a pena eu natildeo tinha pensado nisso eu posso estar pensando nisso de outra
formardquo O uso do argumento pragmaacutetico neste contexto indica que o papel do
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 197
ILKA SCHAPPER SANTOS
pesquisador-formador natildeo eacute apenas o de trocar informaccedilotildees e sintetizar compreensotildees
compartilhadas mas tambeacutem o de criar um espaccedilo de construccedilatildeo-produccedilatildeo do
conhecimento por meio de uma reflexatildeo criacutetica com base na argumentaccedilatildeo permitindo
que os participantes repensem sobre as questotildees tratadas e os impactos que elas tecircm no
seu trabalho na creche
No campo linguiacutestico o discurso internamente persuasivo se materializou nas
escolhas dos decirciticos pessoais utilizados pela pesquisadora em especial a reincidecircncia
do uso do pronome de primeira pessoa do plural ldquonoacutesrdquo sendo que nas duas primeiras
ocorrecircncias (ldquonoacutes adultosrdquo e ldquonoacutes interagimosrdquo) a pesquisadora se inclui e nas duas
seguintes estabelece uma diferenccedila entre pesquisadoras formadoras e educadoras em
formaccedilatildeo quando tambeacutem introduz a segunda pessoal do plural ldquovocecircsrdquo ldquonoacutes
[pesquisadoras-formadoras] estamos dialogando com essas coisas que vocecircs
[educadoras em formaccedilatildeo] tecircm falado noacutes [pesquisadoras-formadoras] temos tido
grandes contribuiccedilotildees nessa trocardquo Em seguida recorre ao pronome de primeira
pessoal do singular para se posicionar ldquoEu acho querdquo mas se inclui novamente nas
accedilotildees em colaboraccedilatildeo utilizando o sintagma nominal ldquoa genterdquo (no lugar do ldquonoacutesrdquo)
Depois completa com uma avaliaccedilatildeo geneacuterica ldquovaleu a penardquo jaacute introduzindo uma voz
social que tanto pode se referir agrave educadora como tambeacutem agrave pesquisadora materializada
pelo decircitico pessoal de primeira pessoa ldquoeurdquo no sentido expandido (ldquoeu natildeo tinha
pensado nisso eu posso estar pensando nisso de outra formardquo)
Prosseguindo o turno a pesquisadora vale-se das vozes sociais das
coordenadoras enunciadas em outros momentos da interlocuccedilatildeo para dizer da
resistecircncia delas em transformar os espaccedilos da sala de atividades em espaccedilos que
propiciem a brincadeira ldquoagraves vezes vocecirc olha um viacutedeo com a sensaccedilatildeo de que natildeo eacute
creche puacuteblica aiacute pensa - ah natildeo daacute para fazer ndash Ah porque o espaccedilo que eu tenho
eacute pequenordquo Ao introduzir em seu discurso as vozes do outro por meio do discurso
direto a pesquisadora busca estabelecer um sentido de aceitaccedilatildeo geral e reconhecimento
comprovado do conflito Wertsch (1991) explica que o contexto social determina que
vozes sejam privilegiadas em funccedilatildeo de serem mais apropriadas e mais eficazes Ao
(re)produzir um enunciado pautado na voz social dos proacuteprios participantes a
pesquisadora investe na crenccedila de que ela tem poder maior do que a sua proacutepria voz
representaria Assim faz uso da marca de interaccedilatildeo retomada de vozes anteriores para
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 198
ILKA SCHAPPER SANTOS
evitar que as coordenadoras usem os mesmos argumentos para dizer da inviabilidade de
transformar o contexto da sala de atividade no interior da creche
No momento seguinte a pesquisadora continua utilizando a marca de interaccedilatildeo
instruccedilatildeo para orientar sobre as reflexotildees que as coordenadoras deveratildeo tecer ldquoentatildeo a
minha questatildeo para vocecircs agora que a gente estaacute encerrando eacute que cada uma
pensasse na sua creche do tamanho que for com os recursos que tem o que jaacute faz e o
que poderia acrescentar a partir das nossas conversas a partir dessas questotildees que a
Viviam trouxe e como bateu para cada umardquo No interior da instruccedilatildeo Leacutea faz uso do
argumento de autoridade citando a pesquisadora do GP EFoPI Viviam Carvalho
referecircncia nas discussotildees teoacuterico-praacuteticas sobre o brincar para deixar claro em qual
perspectiva elas devem se apoiar no processo de reflexatildeo
A pesquisadora daacute seguimento ainda por meio do argumento de autoridade e
introduzindo um argumento teoacuterico para retomar conceituaccedilotildees anteriores que
poderiam subsidiar a reflexatildeo sobre o tema e criar um espaccedilo de ressignificaccedilatildeo de
significados ldquoEu acho que essas questotildees tecircm que ser colocadas exatamente para que
a gente possa estar reelaborando porque conforme a Viviam colocou ali no conceito
do Vygotsky num primeiro momento da aprendizagem ela acontece na minha troca
com o outro somente depois dessa troca que eu reelaboro que eu discuto eacute que eu
internalizordquo Como argumento de autoridade Leacutea cita novamente a pesquisadora
Viviam e o autor estudado Vygotsky para se referir ao processo de reelaboraccedilatildeo das
participantes Para reforccedilar a perspectiva que deve ser adotada aleacutem de autoridade a
pesquisadora traz no interior da enunciaccedilatildeo o argumento teoacuterico ldquonum primeiro
momento da aprendizagem ela acontece na minha troca com o outro somente depois
dessa troca que eu reelaboro que eu discuto eacute que eu internalizordquo Traz assim uma
importante discussatildeo vygotskyana que foi tecida com as coordenadoras no
desenvolvimento do curso o processo de internalizaccedilatildeo que segundo o autor
possibilita mudanccedilas qualitativas no ser humano Dito de outro modo o indiviacuteduo
reconstroacutei internamente uma operaccedilatildeo externa elaborando uma seacuterie de
transformaccedilotildees (Vygotsky 19301991 p 75) Retomando o que diz o autor russo a esse
respeito as transformaccedilotildees que ocorrem nesse processo satildeo as seguintes (1) uma
operaccedilatildeo que a princiacutepio representa uma atividade externa eacute reconstruiacuteda e comeccedila a
ocorrer internamente (2) um processo interpessoal (niacutevel social) eacute transformado em um
processo intrapessoal (niacutevel individual) e (3) a siacutentese do processo de internalizaccedilatildeo eacute
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 199
ILKA SCHAPPER SANTOS
resultado de uma seacuterie de eventos ocorridos ao longo das relaccedilotildees reais entre as pessoas
no interior de seu contexto soacutecio-histoacuterico-pessoal
Nesse movimento discursivo a pesquisadora procura mostrar a relevacircncia das
interaccedilotildees desenvolvidas nos encontros do curso para as participantes na siacutentese das
relaccedilotildees inter e intrapessoais No fluxo de intervenccedilotildees Leacutea finaliza seu turno com
questionamentos que possam promover um momento para as coordenadoras repensarem
seus significados instituiacutedos que muitas vezes impedem a reorganizaccedilatildeo dos espaccedilos
das creches e por conseguinte diferentes espaccedilos para o brincar ldquoseraacute que a gente tem
que ter a mesma organizaccedilatildeo nas salas sempre Eu posso mudar um pouquinho
Posso mudar aquela rotina Como eu posso estar fazendo issordquo
Os questionamentos formulados por Leacutea procuram fomentar o estabelecimento
de possiacuteveis bases para a produccedilatildeo de (novos) significados construiacutedos
colaborativamente sobre o trabalho realizado e sobre a teoria em estudo Ao colocar na
cena discursiva os elementos teoacutericos retomados e os questionamentos levantados a
pesquisadora busca criar um espaccedilo argumentativo-colaborativo em que seja possiacutevel
refletir sobre o instituiacutedo bem como possibilitar a recolocaccedilatildeo dos significados trazidos
pelas coordenadoras propiciando expandir o significado coletivo daquela comunidade
semioacutetica
No turno seguinte (25) Marina traz uma interessante reflexatildeo ldquoEu acho que a
visatildeo que a gente hoje na creche tem desse faz de conta eacute bem diferente do que foi
apresentado aquirdquo A declarativa sinaliza o conflito vivenciado pela coordenadora entre
o significado trazido pelas professoras sobre a brincadeira de faz de conta e aqueles
compartilhados pelas pesquisadoras Leacutea e Viviam Ao fazer essa afirmaccedilatildeo Marina cria
um espaccedilo de tensatildeo de confronto entre o instituiacutedo cristalizado nos espaccedilos das
creches e o que foi discutido no encontro Esse momento eacute muito importante pois
possibilita a todos os participantes refletirem entre o ditofeito o instituiacutedopossiacutevel e
aleacutem disso promove um espaccedilo de compartilhamento de novos significados marcados
pela siacutentese dialeacutetica entre os significados anteriores e aqueles compartilhados pelas
pesquisadoras
Para confirmar sua tese de que ldquovisatildeo que a gente hoje na creche tem desse faz
de conta eacute bem diferente do que foi apresentado aquirdquo a coordenadora continua o
turno usando o argumento de exemplo como marca de interaccedilatildeo explicaccedilatildeo ldquoEu acho
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 200
ILKA SCHAPPER SANTOS
que as nossas meninas (professoras das creches) elas datildeo muito mais ecircnfase agrave
questatildeo pedagoacutegica mesmo por exemplo ainda do papel do trabalhinho elas natildeo
acompanham as crianccedilas no faz de conta igual aparece aqui natildeo elas natildeo tecircm essa
visatildeordquo Por fim Marina diz ldquoa gente natildeo faz natildeo fazrdquo mostrando com o sintagma
nominal ldquoa genterdquo (no lugar do ldquonoacutesrdquo) que a brincadeira na creche natildeo estaacute sob a oacutetica
do faz de conta mas sob a perspectiva de um conteuacutedo sistematizado
Diante da marca de interaccedilatildeo explicaccedilatildeo da coordenadora Leacutea (26) levanta o
questionamento por meio de uma questatildeo controversa ldquoIsso que vocecirc viu aqui vocecirc
acha que natildeo eacute pedagoacutegicordquo Tal questatildeo exigiu das coordenadoras um
posicionamento sobre o que estava sendo discutido e portanto criou espaccedilo para o
argumentar Com isso Marina (27) por meio de um contra-argumento diz ldquoNatildeo natildeo
que natildeo seja o pedagoacutegico Mas assim a gente trabalhando essas questotildees da forma
como foi discutidardquo Nesse movimento discursivo a coordenadora explicita que na
verdade natildeo queria dizer que a brincadeira de faz de conta natildeo fazia parte do
pedagoacutegico mas sim que nas creches as educadoras natildeo trabalhavam o brincar do
modo como estava sendo discutido no curso
Dando continuidade ao debate duas coordenadoras Joana e Isabela nos turnos
(29) e (30) respectivamente mostram por meio do acordo compartilhar o novo
significado manifesto pelas pesquisadoras sobre o trabalho do brincar de faz de conta
nas creches (29) ldquoEu acho que isso eacute o que precisa na creche esse outro olhar que
vocecircs colocaram aqui para o brincar para o faz de contardquoe (30) ldquoeu acho que estaacute
na hora de repensar sim para a gente poder trabalhar o brincar desse modo que
vocecircs ‟tatildeo dizendordquo Linguisticamente isso se faz com o uso dos decirciticos de pessoa e de
espaccedilo ldquovocecircsrdquo e ldquoaquirdquo mostrando que as coordenadoras estatildeo se referindo ao que foi
tratado pelas pesquisadoras no interior do curso de extensatildeo
Nas interaccedilotildees tecidas neste elo da Cadeia Criativa podemos indicar tentativas
indiacutecios e pistas de estabelecimento de uma zona de colaboraccedilatildeo e criticidade na
medida em que o dispositivo argumentativo foi sendo utilizado como instrumento para a
produccedilatildeo de significados compartilhados nas discussotildees estabelecidas Dito de outro
modo a argumentaccedilatildeo possibilitou o estabelecimento de um processo de
questionamento de sentidos-significados rotinizados bem como a produccedilatildeo conjunta de
novos significados por meio de um espaccedilo em que todos os envolvidos puderam se
colocar questionar a si e aos outros mas apoiando suas discussotildees em estudos teoacutericos
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 201
ILKA SCHAPPER SANTOS
43 ndash 3ordm Cronotopo da Cadeia Criativa ndash Sessatildeo Reflexiva com as Coordenadoras
das Creches da AMAC
Os quatro excertos selecionados para esta seccedilatildeo de anaacutelise foram retirados da
quarta sessatildeo reflexiva com as coordenadoras das creches municipais que trabalham
com crianccedilas de dois e trecircs anos de idade e trecircs pesquisadoras do GP EFoPI realizada
em 11 de novembro de 2009 em uma das salas de aula da Faculdade de Educaccedilatildeo da
Universidade Federal de Juiz de Fora O objetivo da sessatildeo foi discutir como as
coordenadoras desenvolveram junto com as professoras das creches e as crianccedilas o
projeto de accedilatildeo sobre a brincadeira elaborado em sessatildeo anterior
431 ndash 4ordf Sessatildeo Reflexiva Analisada ndash dia 11 de novembro de 2009
No primeiro fragmento as pesquisadoras e as coordenadoras discutem os
impactos dos debates tecidos ao longo das sessotildees reflexivas sobre o brincar No fluxo
da interaccedilatildeo o grupo (re)pensa as intervenccedilotildees didatizadas em torno do brincar
1ordm Excerto
(1) Isabela Esse espaccedilo aqui possibilita pensar nas accedilotildees do dia a dia Esses dias eu
observei o seguinte uma crianccedila virou e falou assim ldquoTia ‟tou fazendo um peixerdquo A
professora pegou a cadeira puxou pra perto da crianccedila e falou assim ldquoVamos fazer o
peixe igual a gente faz na salardquo Quer dizer ela cortou a criatividade da crianccedila ela (a
crianccedila) ‟tava assim eufoacuterica mostrando o peixe e ela puxou a cadeira e falou -
ldquoVamos fazer o peixe igual a gente faz na salardquo
(2) Leacutea A que vocecirc atribui isso Essa entrada dela
(3) Bruna Acho que falta interesse
(4) Isabela Eu acho tambeacutem Falta de interesse
(5) Ilka A questatildeo eacute outra eu acho Porque ela pode ter interesse enfim todos os
adjetivos que a gente pode pensar por conta de uma pessoa que falta algum
compromisso mas o que a Leacutea ‟taacute perguntando eacute outra coisa
(6) Assunccedilatildeo Ela vecirc mais o cuidar do que o educar
(7) Ilka Entatildeo mas o que a Leacutea ‟taacute perguntando eacute assim a fala dela (da professora)
ela teve um movimento entatildeo natildeo me parece desinteresse ela ‟tava laacute Mas por que
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 202
ILKA SCHAPPER SANTOS
ela disse ldquovamos fazer o peixe que a gente faz na salardquo Por que ao inveacutes dela falar
assim ldquoque peixe eacute esserdquo Mas por que vocecirc acha que no lugar dela ingressar nesse
universo da crianccedila ela trouxe para esse movimento do real daquilo que se faz na
sala Porque a questatildeo eacute essa A questatildeo agora natildeo eacute culpar o comportamento dela a
questatildeo eu acho eacute O que leva ela a pensar que tem que trazer o menino para o campo
do real e tirar do imaginaacuterio da fantasia Porque a intenccedilatildeo era essa vamos fazer com
que ele descreva o peixe que existe o real
(8) Isabela Aiacute eacute que ‟taacute ela ainda natildeo incorporou essa questatildeo do trabalho com a
imaginaccedilatildeo esse entrar no mundo da imaginaccedilatildeo ela natildeo eacute assim
(9) Ilka Vocecirc acha que ela desconhece
(10) Isabela Natildeo eacute que ela desconhece ela conhece teoricamente mas natildeo
incorporou Ela natildeo se envolve porque ela natildeo internalizou ainda
(11) Ilka Eu ‟tou pensando alto Vocecirc natildeo acha que ela acredita que essa intervenccedilatildeo
que eacute correta
(12) Hilda Porque eu acho que eacute muito isso eu acho que professor da Educaccedilatildeo
Infantil ele tem muito esse conflito se eu embarco na fantasia da crianccedila eu deixo ela
onde ela ‟taacute e aiacute eu natildeo cumpro a minha funccedilatildeo de professor Eu tenho que ensinar
alguma coisa pra ela Eu lembro direitinho uma vez uma cena na sala da minha filha
ela propocircs uma contaccedilatildeo de histoacuteria e aiacute as crianccedilas foram contando a histoacuteria do
tubaratildeo aiacute uma crianccedila falou assim ldquoe aiacute o tubaratildeo saiu voandordquo e a uacutenica
intervenccedilatildeo da professora foi ldquoopa tubaratildeo voardquo Ela cortou a cena totalmente para
ela na narrativa dela o tubaratildeo voava e era isso que tinha graccedila mas ao mesmo
tempo a intervenccedilatildeo dela foi assim ela achou que ela tinha que falar aquilo como ela
ia deixar aquela crianccedila achando que tubaratildeo voava
(13) Marina Para falar a verdade eu acho que ela quis mostrar ali que ela trabalha
com os conteuacutedos em sala de aula
(14) Sirlaine Exatamente aquela visatildeo didatizada do brincar que a gente viu aqui
que tem que ter um conteuacutedo escolar
A coordenadora (1) inicia seu turno dizendo ldquoEsse espaccedilo aqui possibilita
pensar nas accedilotildees do dia a diardquo Com essa declaraccedilatildeo Isabela sinaliza que os encontros
com as pesquisadoras estatildeo possibilitando refletir sobre as accedilotildees que ocorrem no
cotidiano da creche Isso fica demarcado linguisticamente pelo uso dos decirciticos
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 203
ILKA SCHAPPER SANTOS
espaciais ldquoesserdquo e ldquoaquirdquo Depois usa o argumento de exemplo para explicitar sobre o
que vem refletindo Esses dias eu observei o seguinte uma crianccedila virou e falou
assim ldquoTia ‟tou fazendo um peixerdquo A professora pegou a cadeira puxou pra perto
da crianccedila e falou assim ldquoVamos fazer o peixe igual a gente faz na salardquo Quer
dizer ela cortou a criatividade da crianccedila ela (a crianccedila) ‟tava assim eufoacuterica
mostrando o peixe e ela (a professora) puxou a cadeira e falou - ldquoVamos fazer o
peixe igual a gente faz na salardquo Nesse momento a coordenadora compartilha um
importante significado do brincar trazido pelas pesquisadoras qual seja a capacidade da
crianccedila segundo Vygotsky (19301991) de transformar o significado dos objetos
modificando um elemento da realidade em outro Mostra ainda a compreensatildeo de que
esse formato que a crianccedila atribui aos objetos tem implicaccedilotildees importantes para seu
desenvolvimento principalmente no que se refere agrave (re)construccedilatildeo de sentidos e
significados sobre a realidade material em que vive Assim Isabela passa a refletir sobre
as accedilotildees relacionadas ao brincar por meio desse novo significado compartilhado nas
discussotildees do GP EFoPI
Diante da declaraccedilatildeo da professora Leacutea (2) formula uma questatildeo controversa
ldquoA que vocecirc atribui isso Essa entrada delardquo Tal questatildeo exige das coordenadoras
um posicionamento isto eacute a apresentaccedilatildeo dos seus sentidos-significados sobre o que
Isabela havia dito No entanto apesar de a pesquisadora buscar no seu questionamento
que as coordenadoras relacionem a partir da reflexatildeo tecida os significados trazidos
por Isabela agraves discussotildees travadas no segundo cronotopo relativo ao curso de extensatildeo
os pontos de vista que emergem estatildeo pautados no senso comum Discursivamente isso
pode ser visto nas respostas das coordenadoras nos turnos (3) e (4) respectivamente
ldquoAcho que falta interesserdquo e ldquoeu acho tambeacutem Falta de interesserdquo
Diante dos pontos de vista declarados apresento como pesquisadora do GP
EFoPI um contra-argumento nos turnos (5) e (7) respectivamente ldquoA questatildeo eacute
outra eu acho Porque ela pode ter interesse enfim todos os adjetivos que a gente
pode pensar por conta de uma pessoa que falta algum compromisso mas o que a Leacutea
‟taacute perguntando eacute outra coisardquo e ldquoEntatildeo mas o que a Leacutea ‟taacute perguntando eacute assim
a fala dela (da professora) ela teve um movimento entatildeo natildeo me parece
desinteresse ela ‟tava laacute Mas por que ela disse acutevamos fazer o peixe que a gente faz
na sala` Por que ao inveacutes dela falar assim acuteque peixe eacute esse` Mas por que vocecirc
acha que no lugar dela ingressar nesse universo da crianccedila ela trouxe para esse
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 204
ILKA SCHAPPER SANTOS
movimento do real daquilo que se faz na sala Porque a questatildeo eacute essa A questatildeo
agora natildeo eacute culpar o comportamento dela a questatildeo eu acho eacute O que leva ela a
pensar que tem que trazer o menino para o campo do real e tirar do imaginaacuterio da
fantasia Porque a intenccedilatildeo era essa vamos fazer com que ele descreva o peixe que
existe o realrdquo O uso desse recurso argumentativo que estaacute relacionado agrave dissociaccedilatildeo
emerge como contraponto aos argumentos apresentados buscando desencadear uma
situaccedilatildeo de conflito exigindo do grupo um posicionamento diante da questatildeo
apresentada pela pesquisadora Leacutea
A utilizaccedilatildeo desse dispositivo argumentativo na maioria das vezes possibilita o
estabelecimento de conflito e de crise em relaccedilatildeo ao instituiacutedo provocando respostas
que propiciam rever o dito e o estabelecido Assim nesse movimento discursivo
procuro no interior do conflito instaurado e no embate entre os sentidos propiciar
elementos para a produccedilatildeo-construccedilatildeo de significados Isso pode ser percebido no
enunciado de Isabela que antes tinha atribuiacutedo a intervenccedilatildeo da professora agrave ldquofalta de
interesserdquo e agora diz (8) ldquoAiacute eacute que ‟taacute ela ainda natildeo incorporou essa questatildeo do
trabalho com a imaginaccedilatildeo esse entrar no mundo da imaginaccedilatildeo ela natildeo eacute assimrdquo
mostrando que a referida professora desconhece o trabalho pautado no desenvolvimento
da imaginaccedilatildeo (Vygotsky 19301991) tal como tratado nas discussotildees do grupo
No turno (12) a pesquisadora Hilda apresenta uma reflexatildeo que vai ao encontro
do novo significado construiacutedo sobre o trabalho com o brincar e para isso faz uso do
argumento pragmaacutetico ldquoPorque eu acho que eacute muito isso eu acho que professor da
Educaccedilatildeo Infantil ele tem muito esse conflito se eu embarco na fantasia da crianccedila
eu deixo ela onde ela ‟taacute e aiacute eu natildeo cumpro a minha funccedilatildeo de professor Eu tenho
que ensinar alguma coisa pra elardquo Com isso a pesquisadora faz uma apreciaccedilatildeo do
que fora discutido segundo suas possiacuteveis consequecircncias presentes e futuras tendo
relevacircncia direta para a accedilatildeo O argumento funciona como um dispositivo para discutir
os novos significados que estatildeo sendo compartilhados Para ilustrar o que havia dito
anteriormente a pesquisadora continua sua interlocuccedilatildeo por meio de um argumento de
exemplo Eu lembro direitinho uma vez uma cena na sala da minha filha ela (a
professora) propocircs uma contaccedilatildeo de histoacuteria e aiacute as crianccedilas foram contando a
histoacuteria do tubaratildeo aiacute uma crianccedila falou assim ldquoe aiacute o tubaratildeo saiu voandordquo e a
uacutenica intervenccedilatildeo da professora foi ldquoopa tubaratildeo voardquo
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 205
ILKA SCHAPPER SANTOS
Depois Hilda finaliza seu turno usando um contra-argumento por meio do
discurso citado ou seja procura recuperar o que a professora do exemplo pode ter
pensado quando fez a intervenccedilatildeo com a crianccedila ldquoa intervenccedilatildeo dela (da professora)
foi assim ela achou que ela tinha que falar aquilo como ela ia deixar aquela crianccedila
achando que tubaratildeo voavardquo No movimento argumentativo Hilda traz por meio de
argumento pragmaacutetico argumento de exemplo e contra-argumento os sentidos e
significados compartilhados sobre a temaacutetica criando uma zona de criticidade e
colaboraccedilatildeo (Magalhatildees 2009) que veio se instaurando no fluxo da interaccedilatildeo verbal
entre as pesquisadoras e as coordenadoras e que culminou em sua intervenccedilatildeo
Isso se concretiza nos turnos seguintes das coordenadoras Marina (13) e
Sirlaine(14) respectivamente quando recuperam significados compartilhados no 2ordm
cronotopo relativo ao curso de extensatildeo ldquoPara falar a verdade eu acho que ela quis
mostrar ali que ela trabalha com os conteuacutedos em sala de aulardquo e ldquoExatamente
aquela visatildeo didatizada do brincar que a gente viu aqui que tem que ter um
conteuacutedo escolarrdquo Nesse sentido chegam a um acordo de que muitas vezes o brincar
na creche estaacute pautado em uma visatildeo didatizada que prioriza conteuacutedos escolares
Na sequecircncia da sessatildeo reflexiva as pesquisadoras e as coordenadoras
conversam e refletem sobre a forma como estas apresentaram nas creches a proposta
do projeto de accedilatildeo a respeito da brincadeira
2ordm Excerto
(15) Leacutea Aiacute outra questatildeo que a gente gostaria que vocecircs refletissem A pergunta
seria A expectativa que vocecircs tinham com relaccedilatildeo agrave acolhida e ao desenvolvimento da
atividade pela educadora foi atingido Quer dizer as expectativas que vocecircs tinham
quando foram propor para educadora essa acolhida delas com relaccedilatildeo agrave proposta de
vocecircs e do proacuteprio desenvolvimento a forma que elas desenvolveram a atividade ela
foi atingida
(16) Assunccedilatildeo Eu acho que ateacute superou porque assim era para duas educadoras e aiacute o
grupo todo acolheu e assim trecircs dias que eu estava presente no desenvolvimento da
atividade eu fiquei assim taacute (faz expressatildeo boquiaberta) porque laacute na creche natildeo tem
mais aquele horaacuterio riacutegido ldquoAh eacute hora de ir laacute pra fora e natildeo sei o quecircrdquo Entatildeo elas
falavam ldquoOh vamos se natildeo natildeo vai dar tempordquo Foi uma chamando a outra ldquoVem
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 206
ILKA SCHAPPER SANTOS
para gente fazer a brincadeira se natildeo natildeo vai dar tempo da gente fazer legalrdquo Entatildeo
elas estavam envolvidas e elas se envolveram e depois elas vinham me contar ldquoOh
Assunccedilatildeo vamos laacute para vocecirc tirar foto ‟taacute tatildeo legalrdquo Sabem entatildeo assim elas
mesmas foram se envolvendo e participando
(17) Leacutea Elas tinham consciecircncia que isso era um pedido dessa reuniatildeo
(18) Assunccedilatildeo Tinham Porque quando a gente foi apresentar as meninas tinham
falado para gente apresentar falar o porquecirc como que eacute o projeto aqui
(19) Elisa Noacutes colocamos neacute Assunccedilatildeo Apresentamos o grupo EFoPI qual que eacute o
objetivo o que a gente faz aqui nesse grupo elas ficaram ateacute assim muito curiosas
ldquoAh que legalrdquo A gente colocou sucintamente para elas qual eacute o objetivo do grupo
que eacute o trabalho com a parceria que a gente aprende com vocecircs vocecircs aprendem com
a gente que a gente ‟taacute ali socializando com elas com vocecircs a experiecircncia que a gente
vivencia laacute dentro da creche
(20) Ilka O que eu achei interessante no relato de vocecircs eacute que apareceu pelo menos
umas duas ou trecircs vezes a palavra reflexatildeo vocecircs falam assim ldquoAh pensamos em
refletir com elasrdquo Vocecircs veem alguma proximidade nessas reflexotildees postas aqui com
os modos e maneiras que vocecircs atuaram nessa atividade com elas com a sua
orientaccedilatildeo Vocecircs sentem alguma proximidade com esse movimento aqui e o
movimento que vocecircs fizeram laacute Eacute que apareceu falando do campo do significado das
palavras eu achei muito interessante achei muito interessante o desenvolvimento da
atividade mais que isso a forma como vocecircs concretizaram materializaram a
proposta o diaacutelogo com elas eu queria saber um pouco como eacute que isso foi para vocecircs
o que vocecircs pensaram quando solicitaram essa reflexatildeo de pensar sobre as brincadeiras
as antigas brincadeiras a presenccedila da educadora na creche esse espaccedilo que vocecircs
propuseram de reflexatildeo sobre a brincadeira porque apareceu um pouco isso neacute
(21) Assunccedilatildeo Eu acho bacana assim porque o que a gente conversa aqui nos faz
refletir e isso vai claro ter algum efeito no nosso trabalho do dia a dia Entatildeo quando
a gente leva uma proposta que foi discutida aqui para as nossas educadoras a gente
tambeacutem vai com essa coisa de cutucar para que elas reflitam natildeo simplesmente atuem
para que elas observem e em cima disso avaliem o trabalho delas e o desenvolvimento
da crianccedila Entatildeo acho que isso eacute um reflexo do nosso trabalho aqui e do envolvimento
de todo mundo e com isso vai contaminando vocecircs contaminam a gente a gente
contamina elas e elas contaminam as crianccedilas as crianccedilas os pais e assim neacute
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 207
ILKA SCHAPPER SANTOS
(22) Ilka Muito bom Gostei Eacute uma cadeia
(23) Leacutea Eacute uma cadeia
(24) Ilka Uma Cadeia Criativa
Neste excerto Leacutea formula dois questionamentos para identificar os impactos
dos projetos de accedilatildeo elaborados na sessatildeo reflexiva anterior e desenvolvidos com as
professoras (1) ldquoA expectativa que vocecircs tinham com relaccedilatildeo agrave acolhida e ao
desenvolvimento da atividade pela educadora foi atingidordquo e (2) ldquoQuer dizer as
expectativas que vocecircs tinham quando foram propor para educadora essa acolhida
delas com relaccedilatildeo agrave proposta de vocecircs e do proacuteprio desenvolvimento a forma que elas
desenvolveram a atividade ela foi atingidardquo Esses questionamentos propiciam um
espaccedilo para que as coordenadoras avaliem o processo de interaccedilatildeo estabelecido entre as
coordenadoras e as educadoras das creches
A partir dos questionamentos da pesquisadora Assunccedilatildeo (16) diz que o
desenvolvimento da atividade superou as expectativas ldquoEu acho que ateacute superourdquo Em
seguida faz uso em dois momentos no enunciado do operador argumentativo (Koch
19922004) ldquoporquerdquo buscando introduzir uma justificativa ou explicaccedilatildeo relativa ao
enunciado anterior Porque assim era para duas educadoras e aiacute o grupo todo
acolheu e assim trecircs dias que eu estava presente no desenvolvimento da atividade eu
fiquei assim taacute (faz expressatildeo boquiaberta) porque laacute na creche natildeo tem mais
aquele horaacuterio riacutegido ldquoAh eacute hora de ir laacute pra fora e natildeo sei o quecircrdquo Neste fragmento
a coordenadora mostra com a expressatildeo extraverbal (gesto com a boca) sua admiraccedilatildeo
pela transformaccedilatildeo ocorrida na creche pois agora natildeo se tem mais horaacuterio riacutegido em
relaccedilatildeo agraves atividades desenvolvidas Com esse enunciado Assunccedilatildeo compartilha um
significado que foi construiacutedo no cronotopo relativo ao curso de extensatildeo em que as
pesquisadoras discutiram sobre a importacircncia de se considerar o tempo das crianccedilas nas
brincadeiras de faz de conta Dito de outro modo nesse cronotopo do curso de extensatildeo
foi discutido como os alunos estabelecem regras vivenciam conflitos e (re)constroem o
real no brincar de faz de conta (Vygotsky 19301987) e a relevacircncia de sabermos como
interferir nesse processo sem por exemplo cortar abruptamente a cena criada pelas
crianccedilas por conta dos horaacuterios riacutegidos da instituiccedilatildeo
Depois a coordenadora usa o argumento de exemplo para ilustrar sua tese de
que o trabalho desenvolvido superou as expectativas Para isso faz uso em seu turno
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 208
ILKA SCHAPPER SANTOS
do operador argumentativo ldquoentatildeo em dois momentos o que lhe possibilita introduzir
conclusotildees relativas ao que foi apresentado anteriormente ldquoEntatildeo elas falavam ldquoOh
vamos se natildeo natildeo vai dar tempordquo Foi uma chamando a outra ldquoVem para gente
fazer a brincadeira se natildeo natildeo vai dar tempo da gente fazer legalrdquo Entatildeo elas
estavam envolvidas e elas se envolveram e depois elas vinham me contar ldquoOh
Assunccedilatildeo vamos laacute para vocecirc tirar foto ‟taacute tatildeo legal Sabem entatildeo assim elas
mesmas foram se envolvendo e participandordquo Em seu turno a coordenadora mostra
como as professoras estavam envolvidas nas atividades e como ela pocircde compartilhar
com elas em uma outra atividade significados construiacutedos no interior dos encontros
com o GP EFoPI Dessa forma eacute possiacutevel perceber o movimento da Cadeia Criativa
(Liberali 2009) em que a participaccedilatildeo do indiviacuteduo nas atividades (a) (b) e (c) evolui
no tempo a atividade (b) por exemplo pode criar significados novos para os sentidos
levados de volta (no tempo) para atividade (a) e para outra atividade da Cadeia (Fuga
2009 p 47)
No entremeio da discussatildeo trazida por Assunccedilatildeo Leacutea (17) faz o seguinte
questionamento ldquoElas tinham consciecircncia que isso era um pedido dessa reuniatildeordquo O
questionamento da pesquisadora tem a intenccedilatildeo de perceber se as atividades estavam
interligadas num movimento em cadeia Diante do questionamento Assunccedilatildeo (18)
responde por meio de um argumento de exemplo ldquoTinham Porque quando a gente
foi apresentar as meninas tinham falado para a gente apresentar falar o porquecirc
como que eacute o projeto aquirdquo Este recurso argumentativo mostra para o grupo como esse
cronotopo da cadeia se relaciona com outras atividades desenvolvidas pelas
coordenadoras a partir das discussotildees fiadas no interior das sessotildees reflexivas
Depois outra coordenadora Elisa continua especificando em seu turno (19)
utilizando tambeacutem o argumento de exemplo para dizer como apresentou o trabalho
desenvolvido entre pesquisadoras e coordenadoras no GP EFoPI ldquoApresentamos o
grupo EFoPI qual que eacute o objetivo o que a gente faz aqui nesse grupo elas ficaram
ateacute assim muito curiosas acuteAh que legal`rdquo A gente colocou sucintamente para elas
qual eacute o objetivo do grupo que eacute o trabalho com a parceria que a gente aprende com
vocecircs vocecircs aprendem com a gente que a gente ‟taacute ali socializando com elas com
vocecircs a experiecircncia que a gente vivencia laacute dentro da crecherdquo Em seu turno a
coordenadora mostra mais uma vez como o trabalho desenvolvido estaacute interligado no
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 209
ILKA SCHAPPER SANTOS
fluxo da cadeia (Liberali 2009) pois destaca a parceria ldquoque a gente aprende com
vocecircs vocecircs aprendem com a gente que a gente ‟taacute ali socializando com elasrdquo
No turno (19) eacute possiacutevel captar os sentidos que Elisa atribui ao trabalho
desenvolvido no GP EFoPI bem como os impactos dele na interlocuccedilatildeo com as
professoras da creche A coordenadora demarca em seu discurso que ldquoaprenderdquo com o
grupo de pesquisa e as pesquisadoras ldquoaprendemrdquo com as coordenadoras e por
conseguinte isso eacute ldquosocializadordquo com as professoras por meio das intervenccedilotildees no
brincar Tal fala mostra segundo uma visatildeo bakhtiniana sua compreensatildeo ainda que
implicitamente de que a produccedilatildeo de sentidos eacute potencialmente infinita revigorando-se
no contato com outros sentidos dito de outro modo em outros contextos mas
carregando as marcas dos contextos anteriores (Bakhtin 1987)
Diante do exposto nos enunciados anteriores no turno (20) busco entrelaccedilar os
elos da cadeia e compreender os impactos das intervenccedilotildees do GP EFoPI nos diferentes
contextos em que as coordenadoras transitam em especial nos contextos com as
professoras das creches Isso porque procuro ldquocapturarrdquo quais sentidos-significados satildeo
compartilhados com as respectivas professoras Para tanto uso as marcas de interaccedilatildeo
retomada de vozes anteriores ldquoO que eu achei interessante no relato de vocecircs eacute que
apareceu pelo menos umas duas ou trecircs vezes a palavra reflexatildeo ldquovocecircs falam assim
acuteAh pensamos em refletir com elas`rdquo Para sustentar minha avaliaccedilatildeo valho-me do
discurso das coordenadoras Na perspectiva bakhtiniana essa eacute uma relaccedilatildeo de sentido
construiacuteda por meio da palavra de outrem no caso aqui eacute identificado como discurso
representado ou objetivado o discurso direto (Bakhtin 1987) Esse eco de vozes
anteriores pode ser compreendido ainda em Bakhtin sob a oacutetica do plurilinguismo
dialogizado considerado o verdadeiro elemento da enunciaccedilatildeo (Bakhtin 1983) Meu
enunciado traz reminiscecircncias de outros enunciados dentro da comunidade semioacutetica em
que estou inserida como dispositivo para continuar o diaacutelogo Isso se concretiza nos
questionamentos que levanto logo depois ldquoVocecircs veem alguma proximidade nessas
reflexotildees postas aqui com os modos e maneiras que vocecircs atuaram nessa atividade
com elas com a sua orientaccedilatildeo Vocecircs sentem alguma proximidade com esse
movimento aqui e o movimento que vocecircs fizeram laacuterdquo
No fluxo da interaccedilatildeo verbal os questionamentos levantados tecircm a finalidade de
identificar se os esforccedilos em parceria em uma atividade produziram significados que
foram posteriormente compartilhados com outros parceiros atraveacutes dos sentidos que
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 210
ILKA SCHAPPER SANTOS
aqueles trouxeram para uma nova atividade (Liberali 2009) Esse movimento fica
explicitado no turno de Assunccedilatildeo (21) por meio de argumento pragmaacutetico ldquoquando a
gente leva uma proposta que foi discutida aqui para as nossas educadoras a gente
tambeacutem vai com essa coisa de cutucar para que elas reflitam natildeo simplesmente
atuem para que elas observem e em cima disso avaliem o trabalho delas e o
desenvolvimento da crianccedilardquo O uso desse recurso argumentativo como disse
anteriormente permite agrave coordenadora apreciar o trabalhado reflexivo que desenvolveu
com as professoras segundo suas consequecircncias presentes-futuras tendo relevacircncia
direta na accedilatildeo Dito de outro modo Assunccedilatildeo consegue mostrar os impactos das
interaccedilotildees tecidas entre pesquisadoras e coordenadoras no interior de outros contextos
de produccedilatildeo destacando elementos similares aos que foram enunciados por Elisa
Assim finaliza seu turno com argumentos que reforccedilam a ideia do movimento
da Cadeia Criativa na produccedilatildeo de novos significados ldquoEntatildeo acho que isso eacute um
reflexo do nosso trabalho aqui e do envolvimento de todo mundo e com isso vai
contaminando vocecircs contaminam a gente a gente contamina elas e elas contaminam
as crianccedilas as crianccedilas os pais e assim neacuterdquo A metaacutefora da ldquocontaminaccedilatildeordquo utilizada
pela coordenadora eacute a siacutentese desse pensamento Um movimento que inicia com o GP
EFoPI ldquocontaminandordquo as coordenadoras que ldquocontaminamrdquo as professoras que por
sua vez ldquocontaminamrdquo as crianccedilas que por sua vez ldquocontaminamrdquo os pais Diante da
reflexatildeo da coordenadora tanto Leacutea quanto eu nos turnos (22) (23) e (24) sintetizamos
seu pensamento como em ldquocadeiardquo na siacutentese dialeacutetica da Cadeia Criativa (Liberali
2009)
No excerto a seguir duas coordenadoras discutem sobre o trabalho
desenvolvido a partir do projeto de accedilatildeo sobre as brincadeiras nas creches apontando os
impactos e a relevacircncia do trabalho desenvolvido
3ordm Excerto
(25) Elisa O que a gente se pautou O que eu propus para as meninas Conforme foi
a proposta do grupo aqui tambeacutem De que a gente natildeo focasse somente - ah vamos
trabalhar tal brincadeira em funccedilatildeo de desenvolvimento da coordenaccedilatildeo motora fina
coordenaccedilatildeo motora grossa e psicomotor A gente focou o brincar da crianccedila mesmo
a observaccedilatildeo na brincadeira trazer o que esse momento proporciona para a crianccedila o
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 211
ILKA SCHAPPER SANTOS
que essa brincadeira traz de positivo pra essa crianccedila Aiacute colocamos as nossas
reflexotildees O desenvolvimento do plano de accedilatildeo foi pautado em reflexotildees como qual a
importacircncia da brincadeira para as nossas crianccedilas o que a brincadeira proporciona
aos pequenos o que se ganha brincando como brincam Qual o papel que a
brincadeira tem ocupado na vida de nossas crianccedilas e qual o papel do educador neste
processo Como a gente se posiciona frente a esse processo Entatildeo diante das
brincadeiras a gente foi fazendo essa reflexatildeo E eu coloquei algumas citaccedilotildees que a
gente veio discutindo no decorrer dos encontros no final do projeto junto com a
Cibele Entatildeo a gente foi fazendo uma anaacutelise do significado daquela brincadeira para
determinada crianccedila e o significado que ela daacute agrave brincadeira o imaginaacuterio dela O
fundamento de brincar eacute criar uma relaccedilatildeo entre o pensamento e realidade A gente
fala que a crianccedila ela mostra o ambiente que ela vive a realidade que ela vivencia a
famiacutelia tudo atraveacutes da brincadeira Entatildeo satildeo focos que a gente pegou como
reflexatildeo
(26) Joana Entatildeo o objetivo foi alcanccedilado visto que ao enfatizarmos mais as
brincadeiras atraveacutes do plano de accedilatildeo essas passaram a fazer parte mais intensamente
do cotidiano da nossa creche de modo a contagiar todas as demais turmas As
educadoras pediram que a brincadeira fosse desenvolvida nas demais turmas Entatildeo
assim todo mundo passou a brincar natildeo soacute a turminha que ‟tava sendo alvo do projeto
E a gente ‟taacute trabalhando com os cantinhos nas turmas de trecircs anos
Em seu turno Elisa (25) retoma os questionamentos que foram levantados em
momentos anteriores pela pesquisadora Leacutea ldquoO que a gente se pautou O que eu
propus para as meninasrdquo Esse movimento de retomada dos questionamentos auxilia
a coordenadora a organizar seu discurso em funccedilatildeo do que foi solicitado
Na continuidade de seu turno Elisa compartilha um importante significado
referente ao brincar ldquoConforme foi a proposta do grupo aqui tambeacutem De que a
gente natildeo focasse somente - ah vamos trabalhar tal brincadeira em funccedilatildeo de
desenvolvimento da coordenaccedilatildeo motora fina coordenaccedilatildeo motora grossa e
psicomotorrdquo Ao trazer esse discurso citado como um exemplo do que se deve evitar a
coordenadora mostra compreender que o desenvolvimento da brincadeira transcende o
trabalho estruturado em especial aquele relativo ao desenvolvimento ldquopsicomotorrdquo
Em seguida explica que o desenvolvimento do plano de accedilatildeo sobre o tema foi
pautado em alguns questionamentos que levantou junto agraves professoras (1) qual a
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 212
ILKA SCHAPPER SANTOS
importacircncia da brincadeira para as nossas crianccedilas (2) O que a brincadeira
proporciona aos pequenos o que se ganha brincando como brincam (3) Qual o papel
que a brincadeira tem ocupado na vida de nossas crianccedilas e qual o papel do educador
neste processo (4) Como a gente se posiciona frente a esse processo
Eacute interessante notar que Elisa mostra seu aprendizado sobre a importacircncia de no
processo reflexivo levantar questotildees que possam propiciar o (re)pensar da praacutetica
educativa e tambeacutem o (re)pensar da teorias que as embasam Neste turno temos
explicitado um importante movimento do compartilhamento de significados nos elos da
Cadeia Criativa pois a coordenadora passa a agir com o grupo de professoras que
coordena de forma similar agraves experiecircncias vivenciadas no GP EFoPI
Aleacutem de levantar questionamentos a coordenadora busca identificar os
significados que as professoras atribuem ao brincar e ao desenvolvimento da
imaginaccedilatildeo ldquoa gente foi fazendo uma anaacutelise do significado daquela brincadeira
para determinada crianccedila e o significado que ela daacute agrave brincadeira o imaginaacuterio
delardquo mostrando mais uma vez que compreendeu a discussatildeo sobre sentidos e
significados tecidas no interior do grupo de pesquisa Por fim a pesquisadora sinaliza
para outro significado sobre o brincar compartilhado no GP EFoPI ldquoO fundamento de
brincar eacute criar uma relaccedilatildeo entre o pensamento e realidaderdquo
Em (26) Joana inicia seu turno fazendo uso do ldquoentatildeordquo sinalizando que vai
tecer uma conclusatildeo sobre o que estava sendo dito demonstrando compartilhar
significados da discussatildeo anterior Desta forma sua reflexatildeo responde um
questionamento levantado no 2ordm excerto desta seccedilatildeo ldquoo objetivo foi alcanccedilado visto
que ao enfatizarmos mais as brincadeiras atraveacutes do plano de accedilatildeo essas passaram a
fazer parte mais intensamente do cotidiano da nossa creche de modo a contagiar
todas as demais turmasrdquo Aleacutem disso compartilha com o grupo que agora na creche
as salas de atividades estatildeo organizadas a partir dos cantinhos ldquoE a gente ‟taacute
trabalhando com os cantinhos nas turmas de trecircs anosrdquo tema que perpassou as
discussotildees dos dois cronotopos anteriores ao qual de iniacutecio tanto as 4 professoras
quanto as coordenadoras haviam mostrado resistecircncia
No proacuteximo fragmento trecircs coordenadoras compartilham os significados que
foram construindo nos encontros do GP EFoPI com as pesquisadoras em diferentes
elos da Cadeia Criativa (Liberali 2009) bem como a influecircncia dessas construccedilotildees no
trabalho com as professoras e no trabalho destas com as crianccedilas
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 213
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4ordm Excerto
(27) Bernadete () Entatildeo assim quando a gente apresentou o que vocecirc falou assim
quando disse ldquoapareceu muito essa palavra reflexatildeordquo Entatildeo tudo eacute um processo de
reflexatildeo que a gente estaacute passando ultimamente aqui E isso eacute muito rico porque hoje
agraves vezes quando a gente no dia a dia senta aqui e vai ouvindo talvez assim o nosso
rosto natildeo demonstra o tanto que a gente vem absorvendo tudo que ‟taacute sendo falado
Mas depois aquilo tudo que foi discutido por exemplo no curso de extensatildeo nas
sessotildees as teorias que embasam nossa praacutetica como trabalhar o brincar na creche foi
muito importante
(28) Yara Falado e internalizado
(29) Marina Com essa nova forma de ver o brincar com essa nova concepccedilatildeo que a
gente tem do brincar observamos como as relaccedilotildees satildeo construiacutedas de forma mais
dinacircmica como eacute que o aproveitamento do brincar eacute melhor Isso de que ningueacutem
aprende nada sozinho brincar eacute uma questatildeo social Vocecirc aprende a brincar vocecirc natildeo
nasce sabendo brincar e como eacute que eacute importante mesmo que o educador ensine a
crianccedila a brincar que ele faccedila parte da brincadeira que ele esteja junto Entatildeo a gente
colheu bastante coisa bastante observaccedilatildeo com isso tudo apresentado por vocecircs Como
eacute que vocecirc muda a sua postura e a concepccedilatildeo de certas coisas que satildeo tatildeo simples que
fazem com que vocecirc observe mais o cotidiano que a crianccedila interaja e se solte como
que possibilita trabalhar a autonomia da crianccedila
Neste excerto Bernadete (27) usa a marca de interaccedilatildeo retomada de vozes
anteriores para iniciar sua reflexatildeo ldquoquando disse bdquoapareceu muito essa palavra
reflexatildeo‟ A coordenadora faz uso da retomada de vozes para explicar ldquoEntatildeo tudo eacute
um processo de reflexatildeo que a gente estaacute passando ultimamente aquirdquo Por meio do
operador argumentativo ldquoentatildeordquo sinaliza para uma conclusatildeo em relaccedilatildeo ao que havia
enunciado antes explicando que a palavra ldquoreflexatildeordquo apareceu muitas vezes porque diz
de algo que elas estatildeo vivenciando nos encontros com o GP EFoPI Linguisticamente
isso pode ser observado a partir do decircitico espacial ldquoaquirdquo
Depois a coordenadora usa o argumento de exemplo para mostrar em que estaacute
pautada essa reflexatildeo ldquodepois aquilo tudo que foi discutido por exemplo no curso de
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 214
ILKA SCHAPPER SANTOS
extensatildeo nas sessotildees as teorias que embasam nossa praacutetica como trabalhar o
brincar na creche foi muito importanterdquo
Em (28) Yara tambeacutem faz uso da marca de interaccedilatildeo retomada de vozes
anteriores ldquofalado e internalizadordquo mostrando sinteticamente sua compreensatildeo do
processo de internalizaccedilatildeo pois o verbete ldquofaladordquo expressa o processo interpsicoloacutegico
(as discussotildees nos encontros) e o verbete ldquointernalizadordquo diz do processo
intrapsicoloacutegico apontando as bases para seus olhares entre o plano social e individual
No turno (29) Marina faz uma siacutentese dos significados que foram
compartilhados durante o trabalho desenvolvido entre as pesquisadoras e as
coordenadoras no interior das discussotildees do GP EFoPi ldquoCom essa nova forma de ver
o brincar com essa nova concepccedilatildeo que a gente tem do brincar observamos como as
relaccedilotildees satildeo construiacutedas de forma mais dinacircmica como eacute que o aproveitamento do
brincar eacute melhorrdquo A coordenadora usa por duas vezes o pronome ldquoessardquo para se
referir as concepccedilotildees discutidas sobre o brincar Eacute interessante que ao fazer isso traz
para a cena enunciativa concepccedilotildees tratadas em outro cronotopo da Cadeia Criativa o
curso de extensatildeo ldquoIsso de que ningueacutem aprende nada sozinho brincar eacute uma
questatildeo social Vocecirc aprende a brincar vocecirc natildeo nasce sabendo brincar e como eacute
importante mesmo que o educador ensine a crianccedila a brincar que ele faccedila parte da
brincadeira que ele esteja juntordquo Aqui vemos como a atividade do segundo
cronotopo interferiu na atividade atual e possibilitou criar novos significados para
sentidos que ateacute entatildeo estavam circunscritos agrave atividade anterior pois como ensina
Bakhtin (1987 p 393) ldquonatildeo existe nada morto de maneira absoluta cada sentido teraacute
sua festa de ressurreiccedilatildeordquo
Depois a coordenadora destaca como as discussotildees do GP EFoPI contribuiacuteram
para transformar suas posturas e concepccedilotildees em relaccedilatildeo ao trabalho realizado com a
crianccedila na creche ldquoEntatildeo a gente colheu bastante coisa bastante observaccedilatildeo com
isso tudo apresentado por vocecircs Como eacute que vocecirc muda a sua postura e a concepccedilatildeo
de certas coisas que satildeo tatildeo simples que fazem com que vocecirc observe mais o
cotidiano que a crianccedila interaja e se solte como que possibilita trabalhar a
autonomia da crianccedilardquo Nesse movimento discursivo a coordenadora revela
transformaccedilotildees em suas concepccedilotildees sobre o desenvolvimento infantil Eacute interessante
notar tambeacutem como Marina no interior do grupo aumentou seu conatus sua potecircncia
de agir Expressa como foi ldquoafetadardquo no sentido spinozano pelas intervenccedilotildees do
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 215
ILKA SCHAPPER SANTOS
grupo sinalizando para uma importante definiccedilatildeo de Spinoza (16772005 p 303) ldquose
dois indiviacuteduos inteiramente da mesma natureza se aliam um ao outro formam um
indiviacuteduo duas vezes mais poderoso do que cada um deles tomado separadamenterdquo
44 ndash Consideraccedilotildees Parciais
Neste ponto seratildeo retomadas as questotildees de pesquisa na busca de respondecirc-las
a partir da anaacutelise e das discussotildees tecidas
Como o processo da argumentaccedilatildeo desenvolvido entre pesquisadores e educadores
permite expor sentidos e significados sobre a brincadeira no movimento da Cadeia
Criativa
Quais argumentos contribuiacuteram para a produccedilatildeo de significado sobre o brincar no
movimento da Cadeia Criativa
Para neste espaccedilo refletir se o processo da argumentaccedilatildeo desenvolvido entre
pesquisadoras e educadoras de creche permitiu expor sentidos e significados sobre a
brincadeira no movimento da Cadeia Criativa e ainda pensar sobre quais argumentos
contribuiacuteram para a produccedilatildeo de significado sobre o brincar precisamos rememorar o
movimento discursivo no interior dos excertos nos trecircs cronotopos da Cadeia Criativa
No fluxo da interaccedilatildeo verbal diria que no primeiro cronotopo referente ao
diaacutelogo entre 4 professoras e duas pesquisadoras do GP EFoPI o processo
argumentativo ficou prioritariamente circunscrito agrave reincidecircncia de argumentos de
exemplo e de argumentos pragmaacuteticos calcados ora nas atividades dos viacutedeos
assistidas pelas professoras ora nas suas experiecircncias profissionais imediatas
ancoradas em exposiccedilotildees espontacircneas A recorrecircncia desses argumentos sinaliza que os
sentidos das educadoras sobre a brincadeira e sua materializaccedilatildeo na sala de atividades
de educaccedilatildeo infantil satildeo muito parecidos agravequeles assistidos nas atividades do viacutedeo em
especial os que relacionavam o brincar com atividades conteudistas
As pesquisadoras nesse primeiro momento mantiveram-se muitas vezes em
silecircncio diante das exposiccedilotildees das professoras Esse silecircncio inviabilizou trazer para o
espaccedilo enunciativo contrapalavras (BakhtinVolochinov 1988) que pudessem
desestabilizar os significados rotinizados que as educadoras compartilhavam sobre a
temaacutetica da brincadeira Assim a ausecircncia do embate do conflito e de tensotildees por
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meio de questotildees controversas por exemplo sobre os significados cristalizados e
instituiacutedos impossibilitou que as atividades do primeiro cronotopo fossem
desenvolvidas na perspectiva da colaboraccedilatildeo criacutetica (Magalhatildees 2009) Por
conseguinte as pesquisadoras natildeo promoveram um espaccedilo de interlocuccedilatildeo em que os
participantes pudessem tornar seus processos mentais mais claros no fluxo
enunciativo Aleacutem disso natildeo fizeram uso de argumentos teoacutericos que poderiam
funcionar como contraponto agraves ldquoideias inadequadasrdquo (Spinoza 16772005)
Em siacutentese no primeiro cronotopo a construccedilatildeo-produccedilatildeo de novos
significados sobre o brincar ficou comprometida por conta de uma circularidade e
reincidecircncia argumentativa entre pesquisadoras e professoras De um lado as
professoras ancoravam seus argumentos no senso comum e de outro as pesquisadoras
natildeo ingressavam na corrente enunciativa da linguagem com elementos que pudessem
promover para o grupo uma ldquocriserdquo em relaccedilatildeo aos significados estaacuteveis e mais
estratificados Esse movimento fez com que as educadoras continuassem tendo ldquoideias
inadequadasrdquo no sentido spinozano em relaccedilatildeo agrave brincadeira
A argumentaccedilatildeo no primeiro cronotopo da Cadeia Criativa natildeo se configurou
como um tempoespaccedilo em que os participantes pudessem refletir criticamente sobre o
instituiacutedo por meio de sustentaccedilatildeo refutaccedilatildeo e negociaccedilatildeo de posturas pautadas em
uma base argumentativa comum construiacuteda por meio do compartilhamento e produccedilatildeo
de significados
Por fim como foi dito no item 412 da anaacutelise e discussatildeo dos dados a
argumentaccedilatildeo empreendida no primeiro cronotopo natildeo funcionou como um dispositivo
que permitisse a ressignificaccedilatildeo dos conceitos em relaccedilatildeo ao brincar no movimento da
Cadeia Criativa Isso porque natildeo houve uma ampliaccedilatildeo dos sentidos-significados
trazidos pelas professoras e tambeacutem porque natildeo houve intervenccedilotildees das pesquisadoras
que trouxessem a siacutentese dialeacutetica entre construtos teoacutericos relacionados aos pontos de
vista compartilhados a ponto de possibilitar o aprofundamento das visotildees de mundo
circunscritas agrave temaacutetica
No segundo cronotopo referente a dois encontros do curso de extensatildeo
observa-se uma mudanccedila interessante as pesquisadoras iniciaram o trabalho
apresentando categorias teoacutericas da perspectiva soacutecio-histoacuterico-cultural que auxiliam a
pensar o brincar como atividade cultural inscrita na realidade material da crianccedila
Enfatizaram o desenvolvimento das funccedilotildees psicoloacutegicas fundadas nas relaccedilotildees
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 217
ILKA SCHAPPER SANTOS
sociais a mediaccedilatildeo simboacutelica a zona proximal de desenvolvimento reforccedilando desse
modo as contribuiccedilotildees de Vygotsky para a compreensatildeo do brincar de faz de conta O
dispositivo argumentativo sob eixo do argumento teoacuterico eacute um elemento que natildeo
apareceu no cronotopo anterior mas neste segundo momento forneceu mais dados
para o (re)pensar concepccedilotildees e visotildees de mundo alicerccediladas no senso comum e na
experiecircncia imediata
Ao introduzir nas cenas discursivas recursos argumentativos alicerccedilados no
discurso de outrem no caso no discurso teoacuterico houve a construccedilatildeo de um espaccedilo que
possibilitou o compartilhamento e a ampliaccedilatildeo de significados sobre o brincar criando
uma zona de colaboraccedilatildeo criacutetica (Magalhatildees 2009) no interior do fluxo da interaccedilatildeo
verbal
Eacute interessante notar que no cronotopo anterior houve tambeacutem referecircncia ao
discurso citado No entanto este estava pautado na voz do discurso oficial da
instituiccedilatildeo agrave qual as professores estavam vinculadas servindo como acircncora para
justificar a impossibilidade em se (re)pensar a organizaccedilatildeo dos espaccedilos da creche para
um melhor desenvolvimento da brincadeira de faz de conta Esse discurso autoritaacuterio
(Bakhtin 1983) foi apropriado pelas professoras possivelmente como estrateacutegia para
se eximirem de participar de uma discussatildeo que promovesse transformaccedilotildees e
mudanccedilas do haacute muito rotinizado comum e conhecido
Aleacutem de introduzir o argumento teoacuterico no segundo cronotopo houve um
nuacutemero maior de questionamentos que promovessem a produccedilatildeo de significados
compartilhados por meio da colaboraccedilatildeo Ao lado do questionamento houve
levantamento de questotildees polecircmicas as quais geraram a expansatildeo da discussatildeo
culminado em acordos que sinalizaram para uma base de construccedilatildeo de novos
significados que em seguida se tornaram comuns ao grupo
Nas interaccedilotildees neste elo da Cadeia Criativa haacute indiacutecios de que se estabeleceu
uma zona de colaboraccedilatildeo e criticidade cujo dispositivo argumentativo foi se
estruturando como um elemento desencadeador de compartilhamentos de novos
significados do brincar Nele a argumentaccedilatildeo ganhou novos contornos em relaccedilatildeo ao
cronotopo anterior Por meio desse processo argumentativo as pesquisadoras saiacuteram de
sua ldquozona de silecircnciordquo e passaram a socializar significados construiacutedos em outras
atividades do grupo de pesquisa tais como reuniotildees de estudo e escrita de textos
referentes ao assunto tratado
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 218
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No terceiro e uacuteltimo cronotopo da Cadeia Criativa referente a uma sessatildeo
reflexiva entre pesquisadoras e coordenadoras as participantes discutiram o projeto de
accedilatildeo sobre a brincadeira na creche elaborado em uma sessatildeo anterior
Os dispositivos argumentativos neste elo ficaram circunscritos a argumentos
de exemplo argumentos pragmaacuteticos como no primeiro cronotopo da cadeia Criativa
No entanto natildeo foram utilizados como recursos para reforccedilar experiecircncias do senso
comum e experiecircncias imediatas do trabalho desenvolvido na creche uma vez que ao
lado deles o grupo utilizou contra-argumentos e muitos questionamentos Assim o
movimento discursivo ganhou contornos que possibilitaram o confronto de ideias
valores e crenccedilas sobre a brincadeira se configurando como um espaccedilo de
compartilhamento de novos significados sobre o brincar
As coordenadoras trouxeram marcas enunciativas do cronotopo anterior
referindo-se aos encontros do curso de extensatildeo Dessa forma recuperaram sentidos
que como jaacute foi mencionado tiveram ldquosua festa de ressurreiccedilatildeordquo no dizer de Bakhtin
(1987 p 393) Nesse fluxo discursivo temos nitidamente as marcas do movimento da
Cadeia Criativa pois satildeo evidenciados os esforccedilos que em parceria em uma atividade
produzem significados que seratildeo posteriormente compartilhados por meio dos
sentidos que os sujeitos da interaccedilatildeo trazem para a nova atividade (Liberali 2009 p
102)
Eacute importante dizer que o processo argumentativo desenvolvido entre
pesquisadoras e educadoras (professoras e coordenadoras das creches puacuteblicas
municipais de Juiz de Fora) sobre a brincadeira passou por uma evoluccedilatildeo no interior
dos cronotopos da Cadeia Criativa Podemos pois inferir que houve transformaccedilotildees e
mudanccedilas tanto para as pesquisadoras quanto para as demais participantes Estas no
campo da ressignificaccedilatildeo de concepccedilotildees e praacuteticas sobre o brincar aquelas no desafio
de desenvolver uma metodologia de investigaccedilatildeo inscrita na Pesquisa Criacutetica de
Colaboraccedilatildeo sendo a argumentaccedilatildeo colaborativa seu eixo de interlocuccedilatildeo
Refletir sobre quais argumentos contribuiacuteram para a produccedilatildeo de significados
no interior do processo argumentativo sobre o brincar no movimento da Cadeia
Criativa tambeacutem se faz importante Pocircde-se constatar que os argumentos que
contribuem para essa produccedilatildeo de significados satildeo aqueles que trazem as marcas dos
pontos de vista contra-argumentos questotildees controversas e os que possibilitam chegar
a um acordo sendo que neste uacuteltimo ficam mais evidentes a produccedilatildeo e o
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 219
ILKA SCHAPPER SANTOS
compartilhamento de significados No entanto esse movimento argumentativo se
constitui por meio de marcas de interaccedilatildeo questionamento instruccedilatildeo explicaccedilatildeo
retomada de vozes anteriores colocaccedilatildeo e recolocaccedilatildeo de problemas Aleacutem disso se
estrutura tambeacutem a partir de determinados tipos de argumentos de citaccedilatildeo de
definiccedilatildeo de comparaccedilatildeo pragmaacutetico e de exemplo
O fluxo argumentativo analisado neste trabalho de tese mostra que a
argumentaccedilatildeo quando usada de forma circular e reincidente calcada no senso comum e
nas experiecircncias imediatas dos sujeitos em interaccedilatildeo pouco colabora para a criaccedilatildeo de
conflitos e tensotildees que poderiam desestabilizar os significados estratificados e apontar
para a construccedilatildeo de novos significados Assim ao lado de descriccedilotildees de accedilotildees eacute
importante se ter por exemplo o argumento teoacuterico que possibilita (re)pensar as teorias
nas quais as praacuteticas descritas pelos participantes estatildeo embasadas
Refletir sobre o inverso tambeacutem eacute importante ou seja os argumentos teoacutericos
precisam se articular agrave leitura da realidade material e imaterial em argumentos
estruturados sob a oacutetica do exemplo da accedilatildeo e suas consequecircncias da comparaccedilatildeo entre
accedilotildees
ILKA SCHAPPER SANTOS
CONSIDERACcedilOtildeES E REFLEXOtildeES ABERTAS
No ano de 1998 finalizei o meu mestrado Naquele periacuteodo senti-me insatisfeita
quanto aos desdobramentos de minha dissertaccedilatildeo Talvez porque continuasse com as
mesmas inquietaccedilotildees a respeito das discussotildees sobre a linguagem no periacuteodo de
ingresso no curso Por conta disso comecei a fazer disciplina isolada no Programa de
Mestrado do Curso de Letras da Universidade Federal de Juiz mas as inquietaccedilotildees
persistiram o curso era pautado prioritariamente nos estudos da Linguiacutestica Teoacuterica
Desisti de participar do processo de seleccedilatildeo ao inveacutes disso fiz minha inscriccedilatildeo para o
vestibular do Curso de Letras Aprovada no vestibular comecei o meu segundo curso de
graduaccedilatildeo Muitas foram as minhas descobertas acadecircmicas entre elas a Linguiacutestica
Aplicada
Terminada a graduaccedilatildeo decidi que faria o doutorado na aacuterea da LA Mas
precisei adiar um pouco meu projeto por conta de ter sido convidada a ocupar o cargo
de Coordenadora de Extensatildeo como mencionei na introduccedilatildeo deste estudo
Paradoxalmente foi a experiecircncia na Proacute-Reitoria que potencializou meu desejo de
fazer o doutorado em uma aacuterea aplicada pois coordenava programas e projetos de
extensatildeo que tinham um estreito compromisso teoacuterico-praacutetico com diferentes
comunidades circunvizinhas ao campus da Universidade E aqui estou eu finalizando
um trabalho que me daacute o tiacutetulo de Linguista Aplicada Voltemos ao comeccedilo
A partir do primeiro semestre de 2006 iniciei meus estudos em dois campos que
foram essenciais para este trabalho de tese a Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo
(Magalhatildees 2002 2006 2009) e a argumentaccedilatildeo em um vieacutes colaborativo
Paralelamente propus ao GP EFoPI grupo de pesquisa cuja coordenaccedilatildeo partilhava
com a Profa Dra Leacutea S P Silva que fizeacutessemos nossas investigaccedilotildees a partir da
PCCol Depois de conseguir a adesatildeo do grupo quanto agrave proposta iniciamos um longo
caminho de estudos e intervenccedilotildees de 2006 ateacute hoje
Envolvi-me intensamente nos trabalhos de investigaccedilatildeo do grupo Junto com a
profa Dra Leacutea P S Silva fazia levantamento de referecircncias bibliograacuteficas para
subsidiar as reuniotildees de pesquisa montava projetos para as agecircncias de fomenta
planejava as sessotildees reflexivas e os encontros do curso de extensatildeo para os professores
e coordenadores das creches e escrevia textos sobre a metodologia de pesquisa Como jaacute
mencionei no capiacutetulo metodoloacutegico foram quatro anos de intenso trabalho Esse
trabalho levou-me a refletir sobre a importacircncia de se fazer um estudo longitudinal na
CONSIDERACcedilOtildeES E REFLEXOtildeES ABERTAS 221
ILKA SCHAPPER SANTOS
tese de doutorado sobre as produccedilotildees do grupo Assim ao lado de todas as atividades
mencionadas fiz um mergulho intenso no banco de dados do GP EFoPI leitura das atas
de pesquisa e leitura das transcriccedilotildees das reuniotildees de estudo e das notas expandidas do
trabalho de campo Laacute encontrei um material riquiacutessimo mas entrei em conflito ao
refletir que natildeo desejava apenas investigar as produccedilotildees do grupo e os impactos delas
na formaccedilatildeo dos profissionais das creches puacuteblicas municipais Isso ia de encontro com
a perspectiva metodoloacutegica que estaacutevamos construindo no grupo de pesquisa Assim
resolvi focalizar meu trabalho nas interlocuccedilotildees tecidas entre os pesquisadores e os
participantes do GP EFoPI e natildeo mais nas produccedilotildees isoladas do grupo
Tomada essa primeira decisatildeo faltava outra de igual importacircncia dentre os
temas trabalhados no grupo com os participantes qual poderia focar Mais uma vez fiz
uma imersatildeo no banco de dados para tentar apreender o tema que era tratado com maior
forccedila no interior das interlocuccedilotildees tecidas e apoacutes um cuidadoso estudo deparei-me com
a brincadeira de faz de conta Decidi ampliar meu campo de estudos agora tambeacutem no
brincar Na verdade natildeo foi uma decisatildeo difiacutecil pois jaacute haviacuteamos realizado vaacuterias
intervenccedilotildees nesse campo e mapeado vaacuterias estrateacutegias de trabalho do brincar na creche
Nesse contexto iniciei a minha pesquisa que teve como propoacutesito compreender
criticamente a formaccedilatildeo do professor pesquisador e dos educadores participantes em
especial investigar como se processou o compartilhamento de sentidos e de
significados sobre o brincar As perguntas de pesquisa concentraram-se entatildeo no
processo de desenvolvimento da argumentaccedilatildeo entre pesquisadores e professores como
possibilidade de expor sentidos sobre a brincadeira e nos argumentos que contribuiacuteram
para a produccedilatildeo de significado novo sobre o brincar no movimento da Cadeia Criativa
Como jaacute fiz menccedilatildeo nas consideraccedilotildees parciais do capiacutetulo de anaacutelise as
interaccedilotildees tecidas pelas pesquisadoras e demais participantes do GP EFoPI foram
evoluindo No primeiro cronotopo da cadeia em trecircs sessotildees reflexivas com as
professoras de uma das creches municipais pude perceber que o fluxo da interaccedilatildeo
verbal entre as educadoras e as pesquisadoras foi estruturado por meio de argumentos
de exemplo pragmaacuteticos e de comparaccedilatildeo Ao focar a estrutura de tais argumentos
notei um movimento discursivo circunscrito agraves vivecircncias e experiecircncias do que eacute
familiar conhecido rotineiro e principalmente aos saberes que vatildeo se instituiacutedo no
fazer do dia a dia da creche Interessante que as pesquisadoras ingressaram nesse fluxo
argumentativo sem trazer por exemplo tipos de argumentos estruturados na citaccedilatildeo
CONSIDERACcedilOtildeES E REFLEXOtildeES ABERTAS 222
ILKA SCHAPPER SANTOS
com ecircnfase em teorias Essa circularidade argumentativa impediu o compartilhamento
de novos significados sobre o brincar Eacute interessante dizer que as sessotildees reflexivas
aconteceram na sala de reuniotildees da creche em que as professoras atuavam Refletirei
sobre essa informaccedilatildeo a seguir
O segundo cronotopo dois encontros do curso de extensatildeo com as
coordenadoras das creches aconteceu em espaccedilos de formaccedilatildeo ocupados pelos
profissionais da Universidade O movimento argumentativo muda consideravelmente
Agora para argumentos baseados na citaccedilatildeo na autoridade e na relaccedilatildeo teoria-praacutetica
mostrando nesse elo da cadeia o fortalecimento da contrapalavra das pesquisadoras do
GP EFoPI
Assim as pesquisadoras saem da ldquozona de silecircnciordquo criada no cronotopo
anterior e passam a compartilhar os significados do GP EFoPI sobre o brincar Os
elementos discursivos transitam em explicaccedilotildees teoacutericas e em definiccedilotildees Temos nesse
contexto duas questotildees importantes (1) os espaccedilos fiacutesicos que ocupamos interferem
nas relaccedilotildees discursivas que construiacutemos (2) os gecircneros discursivos que nos satildeo mais
familiares (no caso da academia cursos aulas palestras) dificultam o ingresso em
outros gecircneros
De todo modo essas demarcaccedilotildees argumentativas a partir da relaccedilatildeo
tempoespaccedilo e dos gecircneros que nos satildeo familiares sinalizam para uma ldquovelhardquo e
conhecida discussatildeo o fosso entre universidade e escola de ensino fundamental No
caso desta pesquisa entre universidade e creche No entanto agrave medida que
pesquisadoras e demais participantes comeccedilam a transitar em territoacuterios ateacute entatildeo
desconhecidos passam a refletir sobre os coacutedigos que circulam neles e comeccedilam
tambeacutem a partilhar nesses novos contextos de produccedilatildeo novos significados
Assim no terceiro cronotopo da Cadeia vejo jaacute aproximaccedilotildees entre as
pesquisadoras e as demais participantes da pesquisa Aquelas buscando conhecer mais
as praacuteticas cotidianas das creches e estas procurando ter uma compreensatildeo ativa dos
processos de construccedilatildeoproduccedilatildeo dos saberes acadecircmicos Tanto que em dezembro de
2009 as coordenadoras das creches apresentaram o trabalho intitulado ldquoA brincadeira
de faz de conta na crecherdquo no III SIAC na PUC-SP Viajaram mais de 1000 km ndash Juiz
de ForaSatildeo PauloJuiz de Fora ndash para realizar essa tarefa Das 23 coordenadoras 15
compareceram ao SIAC Na apresentaccedilatildeo mostraram desenvoltura com o espaccedilo
acadecircmico instituiacutedo bem como com a argumentaccedilatildeo sob o eixo do argumento teoacuterico
CONSIDERACcedilOtildeES E REFLEXOtildeES ABERTAS 223
ILKA SCHAPPER SANTOS
Na perspectiva spinozana diria que o GP EFoPI construiu ao longo de sua
interlocuccedilatildeo principalmente com as coordenadoras relaccedilotildees de composiccedilatildeo interaccedilotildees
que possibilitaram aos sujeitos se aproximarem das ideias adequadas pautadas no
desenvolvimento de ldquoafecccedilotildeesrdquo o que gerou noccedilotildees comuns entre os envolvidos
Lembremos que as noccedilotildees comuns podem ser mais proacuteximas das ideias adequadas da
Substacircncia uma vez que tecircm mais partes da totalidade
A produccedilatildeo acadecircmica dos pesquisadores tambeacutem passou a ser mais intensa
Nesse contexto destaco (1) a realizaccedilatildeo do I Seminaacuterio de Grupos de Pesquisa sobre
Crianccedilas e Infacircncias (I Grupeci) entre os dias 25 26 e 27 de setembro de 2008
promovido pelo GP EFoPI e pela Faculdade de Educaccedilatildeo da Universidade Federal de
Juiz de Fora com a participaccedilatildeo de mais de 350 participantes inscritos sendo muitos de
diversas instituiccedilotildees de ensino superior do Brasil como Fundaccedilatildeo Joaquim Nabuco
(PE) PUC-MG PUC-SP Universidade Catoacutelica de Petroacutepolis (RJ) Universidade
Catoacutelica Dom Bosco (MS) UNEB (BA) UERJ UESC (BA) UFES UFMG UFSC
UFSCar (SP) UFV (MG) UFMA UFMS UFSJ (MG) e UFF (RJ) (2) a escrita de sete
artigos no v13 da Revista Educaccedilatildeo em Foco Editora UFJF em setembro de 2008 (3)
a participaccedilatildeo no livro ldquoTrajetoacuterias caminhos na pesquisa em educaccedilatildeordquo (tambeacutem pela
Editora da UFJF) com o artigo intitulado A creche como espaccedilo de reflexatildeo entre
diaacutelogos experiecircncias e colaboraccedilatildeo criacutetica lanccedilado em 2009 (4) a escrita de artigos
para o livro ldquoDiaacutelogos de Pesquisardquo organizado pela Profa Dra Leacutea S P Silva e pelo
Prof Dr Jader Jane Moreira Lopes (no prelo pela Editora da UFF) com vaacuterios artigos
do GP LACE e do GP EFoPI Aleacutem da produccedilatildeo escrita deve-se registrar apresentaccedilatildeo
de trabalhos dos pesquisadores em vaacuterios congressos encontros e simpoacutesios nacionais e
internacionais Aqui nesse movimento de intensa produccedilatildeo cientiacutefica os pesquisadores
mostram ter aumentado o conatus de cada um (Spinoza 16772005) ampliando
tambeacutem o conatus coletivo do grupo
Agora peccedilo licenccedila ao leitor para quebrar o protocolo da escrita que o gecircnero
conclusatildeo de uma tese encerra e continuar a interlocuccedilatildeo com duas cenas discursivas
que ilustram bem como o movimento da Cadeia Criativa transcende os espaccedilos das
atividades desenvolvidas atravessando vida formaccedilatildeo e trabalho
Cena discursiva 1
ldquoEstava fazendo compras em um supermercado quando a Diva uma das
coordenadoras das creches e participante do GP EFoPI chegou ateacute mim e perguntou se
CONSIDERACcedilOtildeES E REFLEXOtildeES ABERTAS 224
ILKA SCHAPPER SANTOS
poderia me incomodar um pouquinho pois gostaria de falar algo muito importante
Prontamente respondo que sim Ela entatildeo comeccedila a contar como estatildeo organizados os
espaccedilos e horaacuterios na creche em que trabalha Relata que muita coisa havia mudado
desde o curso de extensatildeo Diz que o trabalho com os cantinhos nas salas de atividades
estava dando muito certo Continua dizendo que eu nem reconheceria mais Depois
finaliza - Sabe agora as crianccedilas transformam as cadeirinhas em trens que partem para
os lugares que eles jaacute conheceram e aqueles que nunca saiacuteram de Juiz de Fora passam a
vivenciar isso de conhecer outros lugares pelo coleguinha Estamos fazendo aquelas
cabanas de pano que vocecircs ensinaram para as crianccedilas brincarem de casinha Ah
tambeacutem mudamos a roda de conversa As crianccedilas natildeo ficam soacute contando o que
aconteceu no dia anterior a gente canta brinca de cantiga de roda tem parlendas e
trava-liacutenguas E termina dizendo - Senti falta de vocecirc menina no uacuteltimo encontro
Despedi-me dela e tambeacutem das minhas compras e corri para o carro atraacutes de caneta e
papel para tentar transcrever a cena rdquo
Cena discursiva 2-
ldquoEstava na banca de monografia da Nataacutelia Toledo ex-bolsista de iniciaccedilatildeo
cientiacutefica do GP EFoPI da UFJF O trabalho versava sobre os sentidos e significados da
ldquoroda de conversardquo (rodinha) na creche O texto estava muito bem estruturado as
categorias teoacutericas metodoloacutegicas e a interpretaccedilatildeo foram construiacutedas a partir da
perspectiva soacutecio-histoacuterico-cultural no interior do GP EFoPI Ao final da apresentaccedilatildeo
a aluna pediu licenccedila para agradecer o tempo de conviacutevio no grupo e disse que agora
trabalha como professora em uma das creches puacuteblicas municipais Continuou dizendo
da importacircncia do grupo para sua formaccedilatildeo E como seu tema de investigaccedilatildeo era a
ldquoroda de conversardquo e seu trabalho um sub-eixo do projeto de pesquisa do GP EFoPI
disse que gostaria dizer que estava fazendo um trabalho muito interessante na
ldquorodinhardquo enfatizou que natildeo ficava pedindo agraves crianccedilas para falarem sobre fatos
referentes ao dia anterior mas que elas cantavam cantigas de roda faziam teatrinho na
proacutepria rodinha que era muito bom Na mesma hora lembrei de Diva e fiquei pensando
como tanto ela quase aposentando quanto a Nataacutelia terminando a formaccedilatildeo inicial e
comeccedilando seu percurso de professora compartilharam significados tatildeo similares
relativos principalmente a acuteroda de conversa`rdquo
As duas cenas discursivas recuperadas acima nos auxiliam a compreender o
movimento da Cadeia Criativa natildeo soacute entre atividades mas como disse na vida no
CONSIDERACcedilOtildeES E REFLEXOtildeES ABERTAS 225
ILKA SCHAPPER SANTOS
trabalho na formaccedilatildeo e na praacutetica docente Aleacutem disso as cenas mostram o trabalho de
colaboraccedilatildeo criacutetica que efetivamente o GP EFoPI desenvolveu Relatei os dois
episoacutedios em uma reuniatildeo do grupo de pesquisa e chegamos agrave conclusatildeo de que nosso
objeto idealizado sobre o brincar de faz de conta nas creches e preacute-escolas estava mais
concreto pois nos depoimentos acima tanto Diva quanto Nataacutelia demonstram
compreender um importante significado de brincar para o GP EFoPI o processo
ensino-aprendizagem segue o fluxo e o ritmo das experiecircncias das crianccedilas no interior
de suas infacircncias com ecircnfase no fazer buscando o (re)construir criativo por meio da
brincadeira
A sala de atividades na educaccedilatildeo infantil para o grupo precisa ter o aconchego
e o movimento da infacircncia trens de partida carros que chegam cavalos montados
casas construiacutedas Alunos que possibilitados de reconstruiacuterem o real transmutam-se em
reis rainhas fadas duendes cavaleiros matildees pais filhos E no universo do
maravilhoso cozinham costuram fazem biscoitos Satildeo situaccedilotildees em que as crianccedilas
podem representar o real ldquocom olhos de crianccedilardquo Ciacuterculos de vivecircncias e experiecircncias
Na roda cantam danccedilam rodopiam giram e veem a vida sob a oacutetica da infacircncia
Infacircncia que emerge do ldquovir a serrdquo mas toma o rumo do ldquoeu sou agorardquo Esse era um
importante significado que gostaria ao final do trabalho compartilhar com vocecirc leitor
ILKA SCHAPPER SANTOS
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ANEXOS 236
ILKA SCHAPPER SANTOS
Anexo 1
ANEXOS 237
ILKA SCHAPPER SANTOS
Anexo 2
PONTIFIacuteCIA UNIVERSIDADE CATOacuteLICA DE SAtildeO PAULO
SETOR DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO
COMITEcirc DE EacuteTICA EM PESQUISA
Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Linguumliacutestica Aplicada e Estudos da Linguagem
DECLARACcedilAtildeO DE CONCORDAcircNCIA DO PARTICIPANTE
De acordo com a descriccedilatildeo da pesquisa e dos compromissos firmados pela
pesquisadora eu ________________________________ assumo aqui a minha
concordacircncia em participar da pesquisa intitulada ldquoO Fluxo do Significado do Brincar
na Cadeia Criativa argumentaccedilatildeo e formaccedilatildeo de pesquisadores e educadoresrdquo
Assumo ainda que permito a divulgaccedilatildeo de seus resultados em Tese de Doutorado
Entretanto declaro que minha concordacircncia estaacute condicionada aos seguintes
requisitos
a) Anonimamente isto eacute que a divulgaccedilatildeo dos resultados seja feita sem mencionar os nomes dos participantes envolvidos ( )
b) Sem anonimato ( ) c) Que se possa ter acesso aos dados coletados ( ) d) Que tenha acesso aos produtos finais da anaacutelise e de sua interpretaccedilatildeo antes
de sua divulgaccedilatildeo puacuteblica ( ) e) Que caso necessaacuterio minha reaccedilatildeo diante dessas interpretaccedilotildees sejam
incorporadas antes de sua divulgaccedilatildeo puacuteblica ( )
Satildeo Paulo ___ ___ 2006
Assinatura ____________________________
Tendo em vista a declaraccedilatildeo do participante acima assinado eu Ilka Schapper Santos
assumo a responsabilidade total de cumprir as condiccedilotildees de pesquisa descritas
atendendo aos requisitos demandados pelos participantes
Satildeo Paulo ___ ___ 2006
Assinatura da pesquisadora _____________________________________
Livros Graacutetis( httpwwwlivrosgratiscombr )
Milhares de Livros para Download Baixar livros de AdministraccedilatildeoBaixar livros de AgronomiaBaixar livros de ArquiteturaBaixar livros de ArtesBaixar livros de AstronomiaBaixar livros de Biologia GeralBaixar livros de Ciecircncia da ComputaccedilatildeoBaixar livros de Ciecircncia da InformaccedilatildeoBaixar livros de Ciecircncia PoliacuteticaBaixar livros de Ciecircncias da SauacutedeBaixar livros de ComunicaccedilatildeoBaixar livros do Conselho Nacional de Educaccedilatildeo - CNEBaixar livros de Defesa civilBaixar livros de DireitoBaixar livros de Direitos humanosBaixar livros de EconomiaBaixar livros de Economia DomeacutesticaBaixar livros de EducaccedilatildeoBaixar livros de Educaccedilatildeo - TracircnsitoBaixar livros de Educaccedilatildeo FiacutesicaBaixar livros de Engenharia AeroespacialBaixar livros de FarmaacuteciaBaixar livros de FilosofiaBaixar livros de FiacutesicaBaixar livros de GeociecircnciasBaixar livros de GeografiaBaixar livros de HistoacuteriaBaixar livros de Liacutenguas
Baixar livros de LiteraturaBaixar livros de Literatura de CordelBaixar livros de Literatura InfantilBaixar livros de MatemaacuteticaBaixar livros de MedicinaBaixar livros de Medicina VeterinaacuteriaBaixar livros de Meio AmbienteBaixar livros de MeteorologiaBaixar Monografias e TCCBaixar livros MultidisciplinarBaixar livros de MuacutesicaBaixar livros de PsicologiaBaixar livros de QuiacutemicaBaixar livros de Sauacutede ColetivaBaixar livros de Serviccedilo SocialBaixar livros de SociologiaBaixar livros de TeologiaBaixar livros de TrabalhoBaixar livros de Turismo
PONTIFIacuteCIA UNIVERSIDADE CATOacuteLICA DE SAtildeO PAULO
PUC-SP
ILKA SCHAPPER SANTOS
O Fluxo do Significado do Brincar na Cadeia Criativa argumentaccedilatildeo e
formaccedilatildeo de pesquisadores e educadores
Tese apresentada agrave Banca Examinadora
da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de
Satildeo Paulo como exigecircncia parcial para
obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Doutora em
Linguiacutestica Aplicada e Estudos da
Linguagem na Pontifiacutecia Universidade
Catoacutelica de Satildeo Paulo sob a orientaccedilatildeo
da Professora Doutora Fernanda Coelho
Liberali
Satildeo Paulo 2010
FICHA CATALOGRAacuteFICA
SANTOS Ilka Schapper O Fluxo do Significado do Brincar na Cadeia Criativa
argumentaccedilatildeo e formaccedilatildeo de pesquisadores e educadores Satildeo Paulo 237 p2010
Tese (Doutorado em Linguiacutestica Aplicada e Estudos da Linguagem) - Pontifiacutecia
Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo 2010
Aacuterea de Concentraccedilatildeo Linguiacutestica Aplicada e Estudos da Linguagem
Orientadora Professora Doutora Fernanda Coelho Liberali
Palavras-chave Sentido Significado Cadeia Criativa Argumentaccedilatildeo Brincar
Autorizo exclusivamente para fins acadecircmicos e cientiacuteficos a reproduccedilatildeo total ou
parcial desta tese por processos fotocopiadores ou eletrocircnicos
Banca Examinadora
_________________________________________________
_________________________________________________
_________________________________________________
_________________________________________________
_________________________________________________
Aos queridos Ricardo e Joatildeo Pedro
frutos bons
Para Solenio que na nossa relaccedilatildeo
trouxe muitos sentidos para o verbete
pai indo muito aleacutem do significado
estratificado e estaacutevel da palavra Muito
obrigada por ser na minha vida
referecircncia paterna
Agrave Profa Dra Fernanda Coelho Liberali
minha orientadora pelas palavras que
iluminaram este trabalho por acreditar
sempre no outro pelo seu desejo
contagiante em transformar o mundo de
forma criativa Mas principalmente
pelo exerciacutecio do confronto produtivo de
ideias valores e crenccedilas
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais Solenio e Zeacutelia por serem sempre referecircncia de lutas e conquistas e
porto seguro para mim e para o Joatildeo Pedro Aacutervores boas
Agrave Leacutea que na nossa relaccedilatildeo traz outros sentidos para o verbete sogra
Ao Luiz Fernando por estar sempre proacuteximo e ser um aconchego para mim para o
Ricardo e em especial para o Joatildeo Pedro
Ao Ricardo meu companheiro de vida por sua colaboraccedilatildeo na feitura das figuras e dos
quadros presentes neste trabalho
Ao Joatildeo Pedro meu filho por partilhar comigo o exerciacutecio da relaccedilatildeo materna e
tambeacutem por seu brilho expresso em sua interlocuccedilatildeo com o mundo
Aos meus irmatildeos Joatildeo Nuacutebia Maacutercio Poliana e Pablo por serem imprescindiacuteveis Em
especial agrave Nuacutebia e agrave Poliana irmatildes-amigas por suas presenccedilas e por nossa interlocuccedilatildeo
acadecircmica que transcende os espaccedilos da famiacutelia
Aacute Profa Dra Leacutea Stahlschmidt Pinto Silva por possibilitar um espaccedilo no GP EFoPI
para a construccedilatildeo de uma metodologia de pesquisa revolucionaacuteria e transformadora e
por sua luta incansaacutevel pelas crianccedilas e suas infacircncias
Aos professores e coordenadores das creches do municiacutepio de Juiz de Fora por
possibilitarem a minha incursatildeo na reflexatildeo da praacutetica e na praacutetica da reflexatildeo no
universo da infacircncia de crianccedilas de 2 e 3 anos
Aos participantes dos grupos de pesquisa EFoPI LACE e LIC pelas interlocuccedilotildees
acadecircmicas que atravessam esta tese
Agrave Tida nossa querida funcionaacuteria que cuidou do Ricardo e principalmente do Joatildeo
Pedro nos momentos em que estava viajando para Satildeo Paulo ou imersa na escrita da
tese
Agrave Profa Dra Maria Ceciacutelia Magalhatildees (Ciccedila) pelas significativas contribuiccedilotildees para o
meu desenvolvimento como aluna e professora-pesquisadora e por suas caracteriacutesticas
que se revelam em palavras e atos sensibilidade solidariedade inteligecircncia e
compromisso com a transformaccedilatildeo de si do outro e do mundo
Agrave amiga Elvira Aranha pelo seu acolhimento por nossos diaacutelogos que transcendem os
espaccedilos desta tese e principalmente por ser algueacutem em quem posso confiar Por mais
que ela natildeo goste que diga uma profissional-acadecircmica brilhante
Agraves professores doutoras que participaram das bancas de qualificaccedilatildeo Alzira Shimoura
Maria Ceciacutelia Magalhatildees Maria Helena Pistori Mona Hawi e Wanda Aguiar Junqueira
porpromoverem uma interlocuccedilatildeo calorosa permitindo que eu repensasse o percurso
desta pesquisa
Aacute Profa Dra Maria Teresa de Assunccedilatildeo Freitas por seu compromisso com a produccedilatildeo
do conhecimento na praacutetica de pesquisa por suas contribuiccedilotildees teoacutericas e por nosso
diaacutelogo que transcende o universo acadecircmico e invade os espaccedilos da afetividade
Agrave Profa Dra Mona Hawi pelas inuacutemeras contribuiccedilotildees neste trabalho no periacuteodo da
segunda qualificaccedilatildeo e ao longo de todo doutorado Por nossos diaacutelogos vivecircncias e
principalmente por ter se tornado referecircncia para mim na cidade de Satildeo Paulo
Agrave Fernanda Cardoso por nossa intensa interlocuccedilatildeo no periacuteodo de revisatildeo deste
trabalho e principalmente por ter demonstrado ser coerente agrave categoria colaboraccedilatildeo
Agrave Lena por nossos diaacutelogos acadecircmicos e afetivos que muito contribuiacuteram para este
trabalho final
Agrave Alexsandra amiga-irmatilde de longa data por estar sempre por perto Nossa interlocuccedilatildeo
e nosso afeto atravessam tempos e espaccedilos
Agrave amiga Bruna por ter sempre uma enunciaccedilatildeo recheada de afeto disponibilidade e
muitas inquietaccedilotildees instigantes e por se tornar uma interlocutora imprescindiacutevel Haacute
muito de Bruna Sola Ramos nesta tese
Agrave Mocircnica (Mamu) comadre amiga-irmatilde por nossa interlocuccedilatildeo que supera as
adversidades da vida e pelas aprendizagens que partilhamos Por meio de nossos
diaacutelogos pude aprimorar minha capacidade argumentativa
Agrave querida Claacuteudia Bonfatti por ter sido uma referecircncia para o Joatildeo Pedro no periacuteodo
de ingresso na educaccedilatildeo infantil e por ter se tornado amiga da famiacutelia Sua experiecircncia
posturas e atitudes como professora dos pequenos sinalizam o compromisso que tem
com as crianccedilas e suas infacircncias
Agrave Rose por trazer beliacutessimas imagens para o Joatildeo Pedro transmutadas por meio do
maravilhoso e por ter enriquecido sua infacircncia com movimentos de expansatildeo e
contraccedilatildeo no momento em que natildeo pude estar
Agrave Hilda amiga querida pela presenccedila colaborativa e por me ensinar a objetivar as accedilotildees
e tarefas do cotidiano acadecircmicoprofissional
A todos os amigos do LAEL especialmente aos colegas do Seminaacuterio de Orientaccedilatildeo
colaboradores no processo de construccedilatildeo desta pesquisa
Agrave Maria Luacutecia e agrave Maacutercia por suas accedilotildees generosas em periacuteodos como Matriacutecula Prova
de Francecircs e Exame de Aacuterea Complementar
Agrave Universidade Federal de Juiz de Fora em especial ao Departamento de Educaccedilatildeo
pelo afastamento concedido e agrave CAPES pelo apoio financeiro que tornou possiacutevel
meus estudos no LAEL
SUMAacuteRIO
COMECcedilANDO O DIAacuteLOGO 18
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO
DOS ldquoNOacuteSrdquo
27
11 ndash O Movimento da Cadeia Criativa linguagem e produccedilatildeo de
conhecimento
30
111 ndash A Cadeia Criativa entre o compartilhamento de sentidos e de
significados
31
112 ndash A Cadeia Criativa e a ZPD interregno de conflitos tensotildees e
possibilidades na produccedilatildeo de conhecimento
39
113 ndash Cronotopia e exotopia uma diacuteade no movimento da Cadeia
Criativa
43
114 ndash A Cadeia Criativa sob a eacutegide da totalidade spinozana 46
115 ndash Breve retomada da ldquovelhardquo e da ldquonovardquo retoacuterica um encontro com
a argumentaccedilatildeo na cadeia criativa
52
116 ndash Fluxo da Interaccedilatildeo verbal por uma argumentaccedilatildeo dialoacutegica na
Cadeia Criativa
62
CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFOPI 67
21 ndash Uma breve histoacuteria sobre o brincar 69
211 ndash A imaginaccedilatildeo e a brincadeira de faz de conta 74
212 ndash O desenvolvimento da imaginaccedilatildeo loacutecus da brincadeira de faz de
conta e da (re)invenccedilatildeo do real
81
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E
(DES)CAMINHOS TRILHADOS
90
31 ndash A Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo no Grupo de Pesquisa Linguagem em
Atividades no Contexto Escolar (GP LACE)
94
32 ndash A Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo no Grupo de Pesquisa Educaccedilatildeo
Formaccedilatildeo de professores e Infacircncia (GP EFoPI)
97
33 ndash Espaccedilos-tempo de uma construccedilatildeo coletiva caracterizaccedilatildeo do(s)
contexto(s) de pesquisa
104
331 ndash Projeto de 2006-2007 A verticalizaccedilatildeo e a horizontalizaccedilatildeo do
espaccedilo da sala de educaccedilatildeo infantil
104
332 ndash Projeto de 2008-2009 Espaccedilo de reflexatildeo criacutetica em contexto de
colaboraccedilatildeo reconstruindo os sentidos e os significados da praacutetica
educativa na creche
109
333 ndash Espaccedilos de Atuaccedilatildeo do GP EFoPI 113
3331 ndash A Entidade Civil que manteacutem as creches no Municiacutepio de
Juiz de Fora uma breve incursatildeo na AMAC
113
3332 ndash A Extensatildeo Universitaacuteria e o Curso de Extensatildeo na
Universidade Federal de Juiz de Fora
116
334 ndash Equipe de pesquisadores participantes do GP EFoPI no Periacuteodo
2006-2009
120
34 ndash Pesquisadores Focais do trabalho de Tese 122
35 ndash Procedimentos de produccedilatildeo-geraccedilatildeo coleta organizaccedilatildeo e
armazenamento dos dados
123
36 ndash Procedimentos de Anaacutelise e Interpretaccedilatildeo de Resultados 125
361 ndash Categorias de Anaacutelise 126
3611 ndash Marcas da Interaccedilatildeo 128
3612 ndash Marcas Argumentativas 1 129
3613 ndash Marcas Argumentativas 2 129
3614 ndash Marcas Linguiacutesticas 130
362 ndash Categorias de Interpretaccedilatildeo 131
37 ndash Credibilidade neste Processo de Pesquisa 132
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 134
41 ndash 1ordm Cronotopo da Cadeia Criativa ndash Sessotildees reflexivas com pesquisadoras
do GP EFoPI e educadoras da creche
135
411 ndash 1ordf Sessatildeo Reflexiva Analisada ndash dia 14 de agosto de 2006 135
412 ndash 2ordf Sessatildeo Reflexiva Analisada ndash dia 21 de agosto de 2006 149
413 ndash 3ordf Sessatildeo Reflexiva Analisada ndash dia 04 de setembro de 2006 166
42 ndash 2ordm Cronotopo da Cadeia Criativa ndash Curso de Extensatildeo 183
421 ndash Encontros do Curso de Extensatildeo Analisados ldquoA Dimensatildeo Luacutedica
na Crianccedila e na Crecherdquo e ldquoA Dimensatildeo Luacutedica no Espaccedilo-Ambiente
da Creche reflexotildees sobre o brincarrdquo ndash dias 05 e 12 de novembro de
2007
183
43 ndash 3ordm Cronotopo da Cadeia Criativa ndash Sessatildeo Reflexiva com as
Coordenadoras das Creches da AMAC
201
431 ndash 4ordf Sessatildeo Reflexiva Analisada ndash dia 11 de novembro de 2009 201
44 ndash Consideraccedilotildees Parciais 215
CONSIDERACcedilOtildeES E REFLEXOtildeES ABERTAS 220
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 226
ANEXOS 236
Anexo 1 236
Anexo 2 237
IacuteNDICE DE QUADROS
Quadro 01 ndash Os trecircs gecircneros do discurso na Retoacuterica com base em Reboul 58
Quadro 02 ndash Desenho da Pesquisa 93
Quadro 03 ndash Accedilotildees e questotildees relativas ao processo reflexivo 100
Quadro 04 ndash Accedilotildees e questotildees relativas ao processo reflexivo construiacutedas pelo
EFoPI a partir de Smyth
101
Quadro 05 ndash Cronograma do planejamento das accedilotildees do GP EFoPI nos anos
de 2006 e 2007
108
Quadro 06 ndash Cronograma do planejamento das accedilotildees do GP EFoPI nos anos
de 2008 e 2009
112
Quadro 07 ndash Relaccedilatildeo AdultoCrianccedila nas Creches Comunitaacuterias da
AMAC2009
115
Quadro 08 ndash Proporccedilatildeo AdultoCrianccedila nas Turmas das Instituiccedilotildees de
Educaccedilatildeo Infantil segundo a Resoluccedilatildeo Municipal No 12000
115
Quadro 09 ndash Coordenadores do GP EFoPI 121
Quadro 10 ndash Pesquisadores Doutores Doutorandos Mestres e Mestrandos 121
Quadro 11 ndash Alunos de Iniciaccedilatildeo Cientiacutefica 122
Quadro 12 ndash Pesquisadores Colaboradores 122
Quadro 13 ndash Siacutentese dos instrumentos usados para a discussatildeo 125
Quadro 14 ndash Marcas da interaccedilatildeo 128
Quadro 15 ndash Marcas Argumentativas 1 129
Quadro 16 ndash Marcas Argumentativas 2 130
Quadro 17 ndash Marcas Linguiacutesticas 131
Quadro 18 ndash Categorias de Interpretaccedilatildeo 131
IacuteNDICE DE FIGURAS
Figura 01 ndash Fluxograma da Pesquisa 92
Figura 02 ndash Accedilotildees para materializar interdisciplinaridade e transversalidade
na triacuteade ensino-pesquisa-extensatildeo
119
RESUMO
Esta pesquisa se insere na aacuterea da Linguiacutestica Aplicada na linha Educaccedilatildeo e
Linguagem da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica ndash Satildeo Paulo tendo como objetivo
investigar o fluxo do significado do brincar na Cadeia Criativa no interior do Grupo de
Pesquisa Educaccedilatildeo Formaccedilatildeo de Professores e Infacircncia (EFoPI) Apresenta como
aporte teoacuterico as referecircncias da Teoria Soacutecio-Histoacuterico-Cultural em especial as
contribuiccedilotildees de Vygotsky do Ciacuterculo de Bakhtin e de seus respectivos seguidores
Adota tambeacutem a perspectiva monista spinozana (Spinoza 16772005) para tecer uma
discussatildeo sobre o movimento da Cadeia Criativa (Liberali 2006 2009) A linguagem
nesse movimento eacute vista sob a perspectiva bakhtiniana e de seu ciacuterculo bem como sob
a oacutetica dos elementos da ldquovelhardquo e da ldquonovardquo retoacuterica (Aristoacuteteles 350 aC2005
Perelman e Olbrechts-Tyteca 19702005) que fundam neste trabalho um significativo
debate sobre a argumentaccedilatildeo Nesse contexto a linguagem eacute vista como possibilitadora
de traduzir-realizar os eventos do existir humano atravessados pelas (inter-)relaccedilotildees nos
vaacuterios contextos do GP EFoPI por meio de intervenccedilotildees com os educadores das creches
puacuteblicas municipais da cidade de Juiz de Fora O referencial metodoloacutegico eacute norteado
pelos princiacutepios da Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo (Magalhatildees 2002 2004 2006
2009) entendida como um processo que possibilita a todos os participantes da pesquisa
a construccedilatildeo-produccedilatildeo do conhecimento com ecircnfase no papel da colaboraccedilatildeo como
espaccedilo de aprendizado e desenvolvimento a todos os envolvidos no processo A
discussatildeo dos resultados estaacute pautada em categorias de anaacutelise argumentativas
desenvolvidas com base em Perelman e Olbrechts-Tyteca (19702005) e Liberali e
Shimoura (2007) bem como de interpretaccedilatildeo embasadas no referencial teoacuterico deste
trabalho em especial as categorias teoacutericas da perspectiva Soacutecio-Histoacuterico-Cultural no
interior do movimento da Cadeia Criativa Os resultados indicam que a praacutexis do GP
EFoPI nos cronotopos da Cadeia Criativa foi gradativamente assumindo os princiacutepios
epistemoloacutegicos e praacuteticos da colaboraccedilatildeo Os educadores das creches junto com os
pesquisadores foram se tornando protagonistas nas discussotildees teoacuterico-praacuteticas sobre o
brincar bem como na ressignificaccedilatildeo das praacuteticas que circundam essa atividade Para
estes as transformaccedilotildees ficaram circunscritas aos modos e agraves maneiras de intervir jaacute
para os educadores notaram-se mudanccedilas nos proacuteprios sentidos e significados acerca da
temaacutetica
Palavras-chave Sentido Significado Cadeia Criativa Argumentaccedilatildeo Brincar
ABSTRACT
This research is inserted in the area of Applied Linguistics in the line of Education and
Language of Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica ndash Satildeo Paulo having as its goal to
investigate the flow of the meaning of playing in the Creative Chain inside the
Education Research Group Teacher Formation and Childhood (EFoPI) It is presented
as theoretic foundation the references from the Social-Historical-Cultural Theory
especially the contributions from Vygotsky Bakhtinrsquos Circle and their respective
followers It is also adopted the monist Spinozan perspective (Spinoza 16772005) to
weave a discussion on the movement of the Creative Chain (Liberali 2006 2009) The
language in this movement is seen under the Bakhtinian perspective and his circle as
well as under the optic of the elements from ldquooldrdquo and ldquonewrdquo rhetoric (Aristotle 350
aC2005 Perelman and Olbrechts-Tyteca 19702005) which found in this paper a
significant debate on the argumentation In this context the language is seen as able to
translate-realize the events of being human through the (inter)relationships in many
contexts of GP EFoPI by means of interventions with the educators of the cityrsquos public
daycare centers in the city of Juiz de Fora The methodological reference is guided by
the principles of Critic Research of Collaboration (Magalhatildees 2002 2004 2006 2009)
understood as a process that allows to all the participants of the research the
construction-production of the knowledge with emphasis on the role of collaboration as
a space of learning and developing to all those involved in the process The discussion
of the results is based on categories of argumentative analysis developed over Perelman
and Olbrechts-Tyteca (19702005) Liberali and Shimoura (2007) as well as
interpretation based on the theoretical reference from this paper especially the
theoretical categories of the Social-Historical-Cultural perspective inside the Creative
Chain movement The results indicate that the praxis used on GP EFoPi in the
chronotopes of the Creative Chain gradually has been taking over the epistemological
and practical principals of collaboration The daycare center educators along with the
researchers were becoming protagonists in the theoretical-practical discussions on
playing as well as the resignification of the practices that circle this activity For these
the transformations were circumscribed to the ways and manners of intervening as for
the educators changes were noticed in their own senses and meanings about the theme
Key-words Sense Meaning Creative Chain Argumentation Playing
ILKA SCHAPPER SANTOS
COMECcedilANDO O DIAacuteLOGO
Neste trabalho busco compreender criticamente a formaccedilatildeo das professoras
pesquisadoras e das educadoras1 participantes de um grupo de pesquisa que investiga a
formaccedilatildeo dos profissionais da educaccedilatildeo infantil Em especial investigo como se
processa o compartilhamento de sentidos e de significados sobre o brincar Um dos
focos da investigaccedilatildeo eacute discutir as concepccedilotildees sobre o brincar no espaccedilo de pesquisa ndash
que se materializa nas reuniotildees de discussatildeo teoacuterica de definiccedilatildeo de metodologia e de
instrumentos de ingresso no campo e de anaacutelise criacutetica de dados ndash em um grupo que
estuda a crianccedila e suas infacircncias nas creches puacuteblicas municipais de Juiz de Fora O
Grupo de Pesquisa (GP) em questatildeo eacute o EFoPI (Educaccedilatildeo Formaccedilatildeo de Professores e
Infacircncia) Na realidade investigo o que estou intitulando de metapesquisa2
O prefixo meta- indica transcendecircncia ldquopara aleacutemrdquo da pesquisa Num
movimento dialeacutetico as reuniotildees do grupo de pesquisa e os diaacutelogos com os
participantes sistematizam e organizam as pesquisas em si mas tambeacutem criam espaccedilos
de investigaccedilatildeo cientiacutefica que transcendem as discussotildees das definiccedilotildees de questotildees de
estudos de objetivos de fundamentaccedilatildeo teoacuterica de anaacutelise de dados objetivando a
transformaccedilatildeo da realidade
Os professores pesquisadores e os participantes da pesquisa na apropriaccedilatildeo de
concepccedilotildees teoacutericas e no ingresso das discussotildees acadecircmicas e trabalho de campo
reescrevem ressignificam sua praacutexis continuando a tecer e a fiar nas dobras das suas
construccedilotildees a produccedilatildeo do conhecimento Isso porque entrecruzam as formulaccedilotildees
teoacutericas com outras leituras e outras vivecircncias que tiveram no campo da academia e no
diaacutelogo com seus interlocutores Aleacutem disso quando estudam um construto teoacuterico e o
relacionam com o trabalho cotidiano no interior de uma pesquisa as professoras-
pesquisadoras e as educadoras participantes da pesquisa trazem para a cena da
investigaccedilatildeo cientiacutefica atores diferentes daqueles que os proacuteprios teoacutericos elegeram
Mas na modernidade ndash ou poacutes-modernidade ndash a tarefa de pensar de estabelecer
relaccedilotildees e proposiccedilotildees de reconstruir como muitas outras sofre com a pressa e a
brevidade do tempo
1 Neste trabalho de tese o verbete ldquoeducadorasrdquo se refere tanto agraves professoras quanto agraves coordenadoras
pedagoacutegicas das creches puacuteblicas municipais de Juiz de Fora 2 A terminologia metapesquisa foi criada por mim para definir o processo de investigar a praacutetica de
pesquisa
COMECcedilANDO O DIAacuteLOGO 19
ILKA SCHAPPER SANTOS
O homem contemporacircneo estaacute de fato marcado pela pressa e pela falta de
tempo Falta de tempo para a reflexatildeo cientiacutefica que requer dialogar e digerir a ldquoideia do
outrordquo ndash no caso da pesquisa aprofundar nos autores selecionados ndash para no
entrecruzamento da ldquoideia proacutepriardquo ndash a questatildeo a ser investigada ndash criar a ldquoideia novardquo
com novas significaccedilotildees Esse terceiro elemento que diz da originalidade da criaccedilatildeo
estaacute se esvaziando na atualidade Soacute se tem tempo de analisar a ldquoideia do outrordquo e a
ldquoideia proacutepriardquo Muitas vezes natildeo se tem tempo para originalidade e criatividade que
requerem a interlocuccedilatildeo das trecircs ideias citadas Nesse contexto estamos perdendo no
campo da produccedilatildeo cientiacutefica da construccedilatildeo de conhecimento a capacidade de transitar
na terceira margem do rio
A dificuldade de criaccedilatildeo estaacute posta no excesso de informaccedilatildeo na tentativa de se
dar conta de tudo dos prazos achatados das agecircncias de fomento Natildeo sobra tempo para
o processo criativo no interior do processo de pesquisa Isso porque na busca de se
achar a melhor definiccedilatildeo na palavra do outro haacute uma reproduccedilatildeo do texto do outro
inserido no contexto da investigaccedilatildeo Mas com isso muitas vezes se esvazia a palavra
do pesquisador ndash que seria a tocircnica da diferenccedila entre argumentar analisar e transformar
a realidade
Para investigar o processo de produccedilatildeo de conhecimento sobre o brincar com
as professoras-investigadoras e as demais participantes da pesquisa analisei
longitudinalmente a produccedilatildeo dos dados do GP EFoPI ao longo de quatro anos de
intervenccedilatildeo do iniacutecio de 2006 ateacute o final de 2009 Isso foi feito a partir das sessotildees
reflexivas realizadas com as educadoras das creches dos encontros do curso de
extensatildeo e das sessotildees reflexivas que o grupo ofereceu para as coordenadoras das 23
creches da cidade de Juiz de Fora
O meu interesse pelo tema estaacute relacionado agrave minha preocupaccedilatildeo como
professora de uma universidade puacuteblica de compreender como o processo de pesquisa
numa perspectiva soacutecio-histoacuterico-cultural de colaboraccedilatildeo possibilita aos participantes a
transformaccedilatildeo e a reconstruccedilatildeo do mundo que os cercam Aleacutem disso na minha
trajetoacuteria acadecircmica o binocircmio professora-pesquisadora sempre esteve presente
Em 1990 concluiacute o curso de magisteacuterio de niacutevel meacutedio em uma escola puacuteblica
estadual na cidade de Satildeo Gonccedilalo do Sapucaiacute em Minas Gerais Nesse periacuteodo
trabalhei dois anos na APAE da cidade
No ano seguinte mudei-me para o Municiacutepio Juiz de Fora por conta da
aprovaccedilatildeo no vestibular Em 1991 apoacutes aprovaccedilatildeo em concurso puacuteblico comecei
COMECcedilANDO O DIAacuteLOGO 20
ILKA SCHAPPER SANTOS
minha carreira como professora alfabetizadora da SME (Secretaria Municipal de
Educaccedilatildeo) da cidade Paralela a essa atividade era estudante do curso de Pedagogia da
Universidade Federal de Juiz de Fora onde tambeacutem participava de projetos de pesquisa
de extensatildeo e de monitoria que investigavam e atendiam crianccedilas que vivenciaram anos
de fracasso na alfabetizaccedilatildeo inicial
Terminada a graduaccedilatildeo em 1994 no ano subsequente ingressei no mestrado em
educaccedilatildeo na PUC-Rio sob a orientaccedilatildeo da professora Dra Socircnia Kramer Nesse
periacuteodo desejava continuar minhas investigaccedilotildees no campo da alfabetizaccedilatildeo leitura e
escrita Inscrevi-me entatildeo no segundo periacuteodo do curso na pesquisa intitulada Cultura
Modernidade e Linguagem Leitura e Escrita de Professores em suas Histoacuterias de Vida
e Formaccedilatildeo Foi nesse projeto interinstitucional que vivenciei minhas primeiras
experiecircncias de pesquisa numa abordagem histoacuterica e cultural sob a orientaccedilatildeo das
professoras doutoras Socircnia Kramer e Solange Jobim e Souza Foi tambeacutem no interior
desse projeto que minha dissertaccedilatildeo se originou
Ao lado disso fui aprovada em uma seleccedilatildeo para professor substituto no
Departamento de Psicologia da Educaccedilatildeo e Orientaccedilatildeo Educacional da Faculdade de
Educaccedilatildeo da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)
Finalizado o mestrado fui aprovada em um concurso puacuteblico de coordenaccedilatildeo
pedagoacutegica da Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo (SME) do municiacutepio de Juiz de Fora
Na convocaccedilatildeo escolhi trabalhar com a educaccedilatildeo infantil e as quatro primeiras seacuteries do
ensino fundamental Na escola defini junto agrave direccedilatildeo que minha tarefa seria a de
orientaccedilatildeo-formaccedilatildeo pedagoacutegica de professores da educaccedilatildeo infantil e professores
alfabetizadores Nessa coordenaccedilatildeo realizei junto aos outros profissionais da escola
vaacuterios trabalhos de pesquisa-intervenccedilatildeo com as professoras alfabetizadoras Nesse
periacuteodo terminava o curso de letras na UFJF
Trecircs anos depois de estar na coordenaccedilatildeo pedagoacutegica de uma escola puacuteblica
municipal fui aprovada em concurso puacuteblico na UFJF Desde entatildeo participo de dois
grupos de pesquisa Linguagem Interaccedilatildeo e Conhecimento (LIC) e Educaccedilatildeo
Formaccedilatildeo de Professores e Infacircncia (EFoPI) coordenados pelas professoras doutoras
Maria Teresa de Assunccedilatildeo Freitas e Leacutea S P Silva respectivamente No interior dos
grupos de pesquisa interessei-me pela discussatildeo da formaccedilatildeo contiacutenua do professor da
educaccedilatildeo infantil e do ensino fundamental Nesse entremeio fui Coordenadora de
Extensatildeo cargo que me levou a assumir os programas e projetos de extensatildeo da UFJF
COMECcedilANDO O DIAacuteLOGO 21
ILKA SCHAPPER SANTOS
A experiecircncia na proacute-reitoria mostrou-me a relevacircncia da interface do binocircmio
pesquisa-extensatildeo Percebi que muitas aacutereas do conhecimento trabalhavam com esse
binocircmio de forma indissociaacutevel Foi isso que me levou agrave PUC-SP a querer ingressar no
fluxo de uma aacuterea do conhecimento que tivesse essa caracteriacutestica a Linguiacutestica
Aplicada
No ano de 2006 ingressei no Programa de Doutorado em Linguiacutestica Aplicada e
Estudos da Linguagem (LAEL) na PUC-SP sob a orientaccedilatildeo da profa Dra Fernanda
Coelho Liberali Comecei entatildeo a participar do Grupo de Pesquisa Linguagem em
Atividade no Contexto Escolar (LACE) liderado pelas professoras doutoras Fernanda
Coelho Liberali e Maria Ceciacutelia Magalhatildees
A participaccedilatildeo nos trecircs grupos de pesquisa LIC EFoPI e LACE foi
especialmente importante para a minha formaccedilatildeo de professora pesquisadora e para o
levantamento de questotildees que me levaram agrave construccedilatildeo desta tese Os trecircs grupos tecircm
em comum o referencial soacutecio-histoacuterico-cultural e a busca de transformaccedilatildeo da
realidade circunscrita nos espaccedilos acadecircmicos e escolares
Minha busca em compreender criticamente esse processo de transformaccedilatildeo
levou-me a optar por desenvolver minha tese de doutoramento em um programa de
Linguiacutestica Aplicada e Estudos da Linguagem como disse anteriormente
Nesse movimento dois motivos especiacuteficos me impulsionaram a estar em um
doutorado ligado agrave LA O primeiro deles seria uma formulaccedilatildeo mesticcedila e nocircmade
(Moita Lopes 2006) da LA e da minha proacutepria formaccedilatildeo e praacutetica docente jaacute que no
hibridismo da minha formaccedilatildeo inicial em Pedagogia e Letras ndash desdobrados em
Educaccedilatildeo e Linguagem ndash atuo como professora de uma universidade puacuteblica na aacuterea da
Psicologia e Educaccedilatildeo O segundo indissociaacutevel do primeiro estaacute pautado na crenccedila
que tenho na produccedilatildeo do conhecimento sob a eacutegide da pesquisa aplicada na qual a
investigaccedilatildeo eacute fundamentalmente centrada no contexto igualmente aplicado (ibid
p21) Um processo que possibilita transitar entre a praacutetica da reflexatildeo e a reflexatildeo da
praacutetica esboccedilando a procura da pretensa totalidade
A LA se configura como um campo de pesquisa que estuda a linguagem em uso
e como explica Marx (1945-19462002 p 24) ldquoeacute tatildeo velha como a consciecircncia ()
aparece com a necessidade dos intercacircmbios com os outros homensrdquo A linguagem
nesse contexto de investigaccedilatildeo eacute concebida como elemento indispensaacutevel entre o ser
humano e o mundo que o cerca A consciecircncia humana se constitui por meio da
linguagem em um movimento circunscrito agrave realidade material e imaterial Em um
COMECcedilANDO O DIAacuteLOGO 22
ILKA SCHAPPER SANTOS
movimento dialeacutetico os seres humanos satildeo constituiacutedos napela linguagem e tambeacutem a
constitui e por conta disso natildeo podem dela dissociar-se para compreender a realidade
transformado-a e sendo por ela transformado
Nessa perspectiva o estudo da LA amplia seu campo de accedilatildeo e deixa de ser
percebida apenas como aacuterea que permite solucionar os problemas concernentes agrave
linguagem em uso As pesquisas em LA na contemporaneidade procuram investigar
situaccedilotildees concretas de maneira que possam responder agraves demandas sociais do contexto
pesquisado (Moita Lopes 2006 p 20) No movimento de pesquisa esse eacute um ponto
fundamental uma vez que permite um estreitamento com a comunidade investigada
propiciando espaccedilo para a construccedilatildeo-produccedilatildeo do conhecimento responsivo ativo agrave
vida social dos sujeitos envolvidos
Em uma leitura bakhtiniana podemos inferir (o leitor e eu) que a pesquisa
aplicada materializada em praacuteticas de linguagem natildeo permanece silenciada pois como
praacutetica discursiva se faz em uma praacutexis3 dialoacutegica e ideoloacutegica Esse movimento estaacute
fundado na comunicaccedilatildeo verbal posto que um enunciado seja sempre acompanhado de
uma atitude responsiva ativa No dizer de Bakhtin (1997 p 290) toda compreensatildeo eacute
prenha de resposta e de uma forma ou de outra forccedilosamente a produz o ouvinte
torna-se locutor
Foi por meio dos diaacutelogos tecidos no GP LACE no GP EFoPI na participaccedilatildeo
dos seminaacuterios de pesquisa dos seminaacuterios de orientaccedilatildeo e nas discussotildees das
disciplinas4 do doutorado que inicio um novo campo de investigaccedilatildeo compreender o
fluxo do significado sobre o brincar entre pesquisadores e educadores do GP EFoPI no
interior da argumentaccedilatildeo colaborativa Isso foi fomentado principalmente nos debates
tecidos sobre a Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo com a Profa Dra Maria Ceciacutelia
Magalhatildees e na participaccedilatildeo do projeto de produtividade teacutecnica do CNPq sob a
coordenaccedilatildeo da Profa Dra Fernanda Coelho Liberali ldquoArgumentos na Produccedilatildeo
Criativa de Significados em Contextos Escolares de Formaccedilatildeo de Educadoresrdquo em que
esta tese eacute um sub-eixo
3 O conceito de Praacutexis de Karl Marx diz da articulaccedilatildeo entre teoria e praacutetica uma praacutetica desenvolvida
compelaatraveacutes de reflexotildees Uma busca de compreensatildeo ativa no dizer de Bakhtin (1997) da atividade
praacutetica Eacute a atividade praacutetica imbricada de teoria 4 Disciplinas (a) Teorias da Linguagem II teorias e praacuteticas da argumentaccedilatildeo ndash perspectiva enunciativo-
discursivo (b) Argumentaccedilatildeo em Contexto Escolar (c) Linguiacutestica Aplicada II - linguagem e produccedilatildeo
do conhecimento (d) Toacutepicos em Linguiacutestica Aplicada II formaccedilatildeo de professores e reflexatildeo
COMECcedilANDO O DIAacuteLOGO 23
ILKA SCHAPPER SANTOS
No interior do GP LACE e do GP EFoPI vaacuterias pesquisas foram concluiacutedas e
outras estatildeo em desenvolvimento Destacarei aqui aquelas que tecircm relaccedilatildeo com o tema
desta tese ou seja as que discutem a brincadeira na infacircncia de 0 a 6 anos (GP EFoPI) e
as que tratam da argumentaccedilatildeo no interior da formaccedilatildeo de educadores criacuteticos (GP
LACE)
No GP EFoPI temos os trabalhos de bacharelado de Fabrino (2005) cuja
temaacutetica gira em torno das concepccedilotildees de educaccedilatildeo infantil e infacircncia nos projetos
poliacutetico-pedagoacutegicos das creches da AMAC de Salgado (2007) em que a autora
discute a construccedilatildeo da identidade da profissional recreadora de creche de Abreu
(2008) que investiga o brincar de faz de conta e o letramento na educaccedilatildeo infantil
Em niacutevel de mestrado temos as pesquisas de Santos (2005) que investigou o
processo de construccedilatildeo da identidade negra tendo como contexto de anaacutelise a
brincadeira de faz de conta de Ribeiro (2006) cujo tema era compreender a concepccedilatildeo
de educaccedilatildeo infantil presente nas escolas puacuteblicas municipais de Juiz de Fora de Costa
(2007) que procurou analisar a compreensatildeo de educadores de creches acerca do
movimento corporal no desenvolvimento infantil de Arauacutejo (2008) que pesquisou o
lugar do brincar na instituiccedilatildeo de educaccedilatildeo infantil em tempo integral E no doutorado
a pesquisa em andamento de Santos que busca compreender os significados atribuiacutedos
ao choro na creche
No GP LACE destaco as pesquisas de iniciaccedilatildeo cientiacutefica de Silva (2004) e
Olivetti (2004) cujas temaacuteticas estatildeo circunscritas ao campo da argumentaccedilatildeo e
formaccedilatildeo da cidadania Em niacutevel de mestrado temos o trabalho de Aranha (2009) que
procura compreender criticamente o papel da argumentaccedilatildeo na construccedilatildeo de
significados compartilhados por formadores e participantes em contextos de formaccedilatildeo
continuada de Meaney (2009) que investiga a argumentaccedilatildeo na formaccedilatildeo do professor
na escola biliacutengue e de Rodrigues (2010) que analisa o papel da argumentaccedilatildeo na
formaccedilatildeo criacutetica de professores em uma creche
Ainda no campo do mestrado temos pesquisas em andamento de Oliveira que
investiga como a argumentaccedilatildeo e o pensamento criacutetico valorizado em diaacutelogos
organizados em um grupo de teatro de uma escola podem configurar como espaccedilos de
mediaccedilatildeo impliacutecita do aluno e de Santos que investiga a produccedilatildeo criacutetica
argumentativa no espaccedilo da sala de aula
No doutorado outras investigaccedilotildees em curso de Guerra que procura
compreender criticamente como a argumentaccedilatildeo presente nas negociaccedilotildees das
COMECcedilANDO O DIAacuteLOGO 24
ILKA SCHAPPER SANTOS
atividades do Projeto Aprender Brincando possibilita a produccedilatildeo de significados
compartilhados de Vendramini-Zanella que objetiva desenvolver um trabalho de
formaccedilatildeo criacutetica dos alunos de cursos de licenciatura por meio da argumentaccedilatildeo na
atividade de contar histoacuterias para crianccedilas com cacircncer em hospital especializado
Todos os trabalhos aqui destacados tanto do GP EFoPI quanto do GP LACE
satildeo de suma importacircncia pois em cada grupo de pesquisa essas investigaccedilotildees tecem
intersecccedilotildees gerando dados que estabelecem uma rede de diaacutelogos que tornam possiacutevel
sua avaliaccedilatildeo pelos pesquisadores dos grupos e por conseguinte sua reconstruccedilatildeo em
outros contextos de produccedilatildeo Com igual relevacircncia este trabalho de tese aconteceu no
interregno de confluecircncias entre os dois grupos de pesquisa anteriormente citados
Agora narrarei como se processou a construccedilatildeo desta pesquisa no interior do GP
EFoPI Depois de ter demarcado o campo de estudos teoacuterico-metodoloacutegico do trabalho
de tese em diaacutelogos sistematizados com minha orientadora fiz a proposta para a Profa
Dra Leacutea S P Silva coordenadora do GP EFoPI de iniciarmos um trabalho de
investigaccedilatildeo por meio da Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo sob a oacutetica da perspectiva
soacutecio-histoacuterica-cultural Assim do ano de 2006 ateacute agora desenvolvemos duas
pesquisas intituladas ldquoA verticalizaccedilatildeo e a horizontalizaccedilatildeo do espaccedilo da sala de
atividades da educaccedilatildeo infantilrdquo e ldquoEspaccedilo de reflexatildeo criacutetica em contexto de
colaboraccedilatildeo reconstruindo os sentidos e os significados da praacutetica educativa na
crecherdquo no periacuteodo de 2006 ndash 2007 e 2008-2009 respectivamente
Desde entatildeo meu trabalho de campo ficou circunscrito agraves intervenccedilotildees
desenvolvidas nesse periacuteodo e acabou por se configurar em um trabalho longitudinal
Envolvi-me assim ativamente no desenvolvimento de todas as atividades do grupo
desde o planejamento ateacute as intervenccedilotildees no campo no periacuteodo de 2006 a 2009
A princiacutepio desejava investigar o movimento da produccedilatildeo de sentidos-
significados no processo de pesquisa Dito de outro modo procurava compreender a
formaccedilatildeo do professor-pesquisador por meio do dispositivo argumentativo no interior
do processo de pesquisa do GP EFoPI Por conta disso naquele periacuteodo delimitei que
analisaria as transcriccedilotildees das reuniotildees de pesquisa e das intervenccedilotildees nas sessotildees
reflexivas e no curso de extensatildeo com as professoras e coordenadoras das creches as
notas de campo e as atas produzidas pelo grupo Mas parafraseando Drummond no
meio do caminho tinha uma pedra Deparei-me com a inquietaccedilatildeo de que desenvolveria
uma anaacutelise unilateral apenas a perspectiva de um lado da moeda as produccedilotildees-
construccedilotildees do conhecimento das pesquisadoras E o reverso da moeda A interlocuccedilatildeo
COMECcedilANDO O DIAacuteLOGO 25
ILKA SCHAPPER SANTOS
com os participantes da pesquisa Como poderia trabalhar sob a oacutetica da colaboraccedilatildeo se
estava focando de modo dualista apenas a produccedilatildeo das pesquisadoras
Foram esses questionamentos que me fizeram refletir e tomar a decisatildeo de focar
minha ldquolenterdquo no possiacutevel movimento de colaboraccedilatildeo desenvolvida entre as
pesquisadoras e as educadoras participantes do GP EFoPI No entanto como disse jaacute
estava no meio do caminho Deparei-me com um grande volume de material no banco
de dados do grupo de pesquisa pois jaacute haviacuteamos feito sessotildees reflexivas com 4
professoras de uma das creches puacuteblicas municipais de Juiz de Fora e jaacute estaacutevamos
trabalhando com as coordenadoras pedagoacutegicas Depois de uma longa imersatildeo nos
dados ateacute entatildeo gerados-produzidos pude perceber o principal eixo de discussatildeo e a
ldquovocaccedilatildeordquo do GP EFoPI o debate sobre a brincadeira em especial a brincadeira de faz
de conta A partir dessa ldquodescobertardquo resolvi investigar o fluxo do significado sobre o
brincar na cadeia criativa entre pesquisadoras e educadores tendo como eixo a
argumentaccedilatildeo Para tal defini como norte para a investigaccedilatildeo os seguintes
questionamentos
Como o processo da argumentaccedilatildeo desenvolvido entre pesquisadoras e educadoras
permite expor sentidos e significados sobre a brincadeira no movimento da cadeia
Quais argumentos contribuiacuteram para a produccedilatildeo de significado sobre o brincar no
movimento da Cadeia Criativa
Foi influenciada pelas discussotildees de dois campos epistemoloacutegicos ndash a teoria
soacutecio-histoacuterico-cultural e os estudos sobre argumentaccedilatildeo ndash que inicio este trabalho
Assim no primeiro capiacutetulo intitulado No meio do caminho eu tu eles no encontro
dosbdquo noacutes‟ abordo a fundamentaccedilatildeo teoacuterica deste estudo Nele haacute uma macrocategoria
teoacuterica a Cadeia Criativa (doravante CC) No movimento da Cadeia as abordagens
teoacutericas de Bakhtin Vygotsky e Spinoza ganham contornos de uma (inter)confluecircncia
Nesse entremeio a argumentaccedilatildeo atravessa a discussatildeo configurando-se como um
dispositivo inerente ao fluxo da interaccedilatildeo verbal Ainda no campo do debate teoacuterico
tambeacutem sob a oacutetica da teoria soacutecio-histoacuterico-cultural trago no segundo capiacutetulo uma
discussatildeo sobre o brincar intitulado O lugar do Brincar no GP EFoPI Isso porque
nesta investigaccedilatildeo ele eacute o objeto das cenas discursivas analisadas
No terceiro capiacutetulo Movimentos de um percurso caminhos e (des)caminhos
trilhados o leitor perceberaacute como procedi nesta investigaccedilatildeo Abordo em um primeiro
momento as bases teoacutericas da Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo (PCCol) (Magalhatildees
2002 2004 2006 2009) que de igual forma sustenta o GP EFoPI Laacute detalho os
COMECcedilANDO O DIAacuteLOGO 26
ILKA SCHAPPER SANTOS
vaacuterios contextos em que o GP EFoPI se desenvolve as pesquisadoras e as demais
participantes Para discutir os dados enfoco os procedimentos de coleta e produccedilatildeo de
dados as categorias de anaacutelise linguiacutestico-discursivas e de interpretaccedilatildeo Por fim
abordo os aspectos relativos agrave credibilidade da pesquisa
No quarto capiacutetulo Diaacutelogos em construccedilatildeo apresento a discussatildeo e a anaacutelise
dos dados Nesse capiacutetulo mostro as relaccedilotildees entre o movimento da Cadeia Criativa nos
trecircs cronotopos (3 sessotildees reflexivas com 4 professoras de uma das creches do
Municiacutepio de Juiz de Fora e as pesquisadoras do GP EFoPI 2 encontros do curso de
extensatildeo e 1 sessatildeo reflexiva com as 23 coordenadoras das creches) a partir dos
objetivos e questotildees de pesquisa Trilho uma ordem cronoloacutegica tendo em vista o
movimento da Cadeia Criativa Apoacutes discussatildeo e anaacutelise dos dados teccedilo as
consideraccedilotildees parciais no conjunto dos cronotopos Por fim apresento as reflexotildees e
consideraccedilotildees do trabalho como um todo As Referecircncias Bibliograacuteficas utilizadas na
elaboraccedilatildeo deste trabalho e os Anexos compotildeem a uacuteltima parte deste estudo
Para finalizar este capiacutetulo introdutoacuterio gostaria de dizer que este texto eacute
redigido em primeira pessoa do singular porque sou participante ativa do processo de
investigaccedilatildeo no entanto haacute muitos momentos em que uso a primeira pessoa do plural
quando me reporto aos grupos de pesquisa a que pertenccedilo bem como quando partilho
com o leitor ideias e inferecircncias relativas agraves discussotildees teoacuterico-metodoloacutegicas e agrave
anaacutelise e discussatildeo dos dados
ILKA SCHAPPER SANTOS
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO
DOS ldquoNOacuteSrdquo
Mas a essecircncia humana natildeo eacute uma abstraccedilatildeo
inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade eacute
o conjunto das relaccedilotildees sociais
(Karl Marx)
Neste trabalho de tese busco compreender criticamente as formas de
apresentaccedilatildeo questionamento e contraposiccedilatildeo de argumentos que podem oferecer
elementos para a produccedilatildeo do conhecimento na praacutetica de pesquisa do GP EFoPI em
especial as praacuteticas relacionadas agraves brincadeiras na infacircncia de 2 e 3 anos
Para realizar tal empreitada apresento no presente capiacutetulo o aporte teoacuterico em
que esta pesquisa estaacute fundada Como o leitor pode perceber na introduccedilatildeo deste
trabalho a temaacutetica que busco desenvolver estaacute imbricada em um projeto
interinstitucional entre os grupos de pesquisa LACE e EFoPI da PUC-SP e da UFJF
respectivamente Refletindo sobre essa intersecccedilatildeo em que o elemento de ligaccedilatildeo eacute esta
tese refaccedilo os caminhos teoacuterico-metodoloacutegicos que embasam o interregno de
confluecircncias entre os dois grupos de pesquisa fazendo um mergulho maior nas questotildees
que satildeo relevantes a esta investigaccedilatildeo Desse modo procuro nas discussotildees teoacuterico-
praacuteticas um diaacutelogo que teccedila intersecccedilotildees com a teoria soacutecio-histoacuterico-cultural (SHC)
entremeado agrave perspectiva filosoacutefica spinozana com foco na argumentaccedilatildeo
A opccedilatildeo por tais referenciais estaacute pautada na busca de compreender o
movimento dialoacutegico na produccedilatildeo do conhecimento como elemento para uma praacutexis
revolucionaacuteria que possibilita uma autotransformaccedilatildeo do sujeito e uma transformaccedilatildeo
do seu espaccedilo de accedilatildeo nocom o mundo (Marx e Engels apud Labica 19871990 p
30) Assim este trabalho de tese em consonacircncia com o GP LACE e o GP EFoPI
busca no espaccedilo de pesquisa propiciar elementos em que os participantes possam ter
uma compreensatildeo criacutetica de que tanto as circunstacircncias fazem os homens como os
homens fazem as circunstacircncias
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 28
ILKA SCHAPPER SANTOS
A preocupaccedilatildeo eacute entender a atividade de pesquisa e de extensatildeo em um
movimento que possibilita a transformaccedilatildeo da realidade social dos sujeitos envolvidos
nos processos de pesquisa um movimento que procura ldquoa transformaccedilatildeo do estado de
coisas existentes ou a transformaccedilatildeo da totalidade do que haacuterdquo (Newman amp Holzman
19932002 p 25)
Segundo Konder (1988) eacute importante que noacutes indaguemos se estamos de fato
trabalhando com a totalidade correta se a totalizaccedilatildeo eacute adequada agrave situaccedilatildeo em que nos
encontramos O autor explica que
natildeo haacute no plano puramente teoacuterico soluccedilatildeo para o problema A teoria
eacute necessaacuteria e nos ajuda muito mas por si soacute natildeo fornece os criteacuterios
suficientes para noacutes estarmos seguros de agir com acerto Nenhuma
teoria pode ser tatildeo boa a ponto de nos evitar erros A gente depende
em uacuteltima anaacutelise da praacutetica ndash especialmente da praacutetica social ndash para
verificar o maior ou menor acerto do nosso trabalho com os conceitos
(e com as totalizaccedilotildees) (Konder 1988 p 43) (grifos do autor)
Nesse sentido a teoria nos auxilia subsidiando a formulaccedilatildeo de indicadores No
campo da totalidade dialeacutetico-dialoacutegica eacute importante prestar atenccedilatildeo ao ldquorecheiordquo de
cada siacutentese (op cit p 44) presente no singular monadoloacutegico no dizer de Benjamin
(1984) que traz os fragmentos e estilhaccedilos da totalidade Implica refletirmos sobre as
contradiccedilotildees e mediaccedilotildees concretas que a siacutentese encerra Isso se torna possiacutevel por
conta da unidade dialeacutetico-monista posta nas relaccedilotildees entre teoria-praacutetica e pensar-agir
As concepccedilotildees teoacutericas do Ciacuterculo de Bakhtin e de Vygotsky conforme explica
Freitas (1997) tecircm intersecccedilotildees em muitos aspectos Apesar de aquele ter se
preocupado com a construccedilatildeo de uma filosofia histoacuterica e social da linguagem e este ter
desenvolvido uma psicologia historicamente fundamentada os dois pensadores
formularam seus construtos teoacutericos a partir de uma visatildeo totalizante da realidade
fundada em uma compreensatildeo do humano como um conjunto de relaccedilotildees sociais
Segundo a autora os dois teoacutericos russos foram contraacuterios
agraves dicotomias presentes nas concepccedilotildees de linguagem e de psicologia
de seu tempo por oscilarem entre os poacutelos subjetivo e objetivo
arquitetaram suas teorias em um entrelaccedilamento entre sujeito e objeto
propondo uma siacutentese dialeacutetica imersa na cultura e na histoacuteria (Freitas
1997 p 316)
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 29
ILKA SCHAPPER SANTOS
Encontramos no Ciacuterculo Bakhtiniano e em Vygotsky uma concepccedilatildeo de
consciecircncia engendrada pelas relaccedilotildees que os seres humanos estabelecem nocom o
mundo tendo como eixo mediador a linguagem Nas duas perspectivas teoacutericas a
interaccedilatildeo com o outro atravessada pela linguagem tem um papel fundamental Isso
porque ldquosem ele (o outro) o homem natildeo mergulha no mundo siacutegnico natildeo penetra na
corrente da linguagem natildeo se desenvolve natildeo realiza aprendizagens natildeo ascende agraves
funccedilotildees psiacutequicas superiores natildeo forma a consciecircncia enfim natildeo se constitui como
sujeitordquo (ibid p 320)
Rojo (2000 p 2) assim como Freitas explica que a teoria da enunciaccedilatildeo
bakhtiniana funda-se em ldquouma boa elaboraccedilatildeo para as questotildees da linguagem e do
discurso crucialmente envolvidas na aprendizagemrdquo relacionando assim com a visatildeo
vygotskyana de que aquilo que eacute propriamente humano eacute constituiacutedo por meio das
relaccedilotildees interpessoais Dito de outro modo eacute no encontro com o outro nos discursos
alheios que constituiacutemos e internalizamos os nossos proacuteprios discursos
Encontramos tanto em Bakhtin e seu Ciacuterculo quanto em Vygotsky um
constante esforccedilo de compreensatildeo da tensatildeo dialeacutetico-ideoloacutegica que se funda na
relaccedilatildeo entre o eu e o outro por intermeacutedio da linguagem Ambos com diferentes
recortes destacaram o valor da palavra e da interaccedilatildeo com o outro no mundo na
formaccedilatildeo da consciecircncia humana
Tais relaccedilotildees como disse acima satildeo tecidas a partir de uma visatildeo de totalidade
circunscrita em uma realidade histoacuterica Vygotsky (19342004 p 149) ressalta isso
quando diz que a tarefa principal da psicologia dialeacutetica ldquoconsiste precisamente em
descobrir a conexatildeo significativa entre as partes e o todo em saber considerar o
processo psiacutequico em conexatildeo orgacircnica nos limites de um processo mais complexordquo Eacute
na perspectiva da totalidade que fazemos uma aproximaccedilatildeo entre Vygotsky Bakhtin e
tambeacutem Spinoza
As incursotildees teoacutericas de Spinoza nesta investigaccedilatildeo e no GP EFoPI estatildeo
relacionadas aos diaacutelogos tecidos com o GP LACE no interior de um projeto
interinstitucional como disse anteriormente que busca nas construccedilotildees teoacutericas
spinozanas reforccedilar a ideia de um trabalho sob a eacutegide da totalidade A gecircnese dessa
busca no grupo de pesquisa se deu pela reincidecircncia das citaccedilotildees de Spinoza na obra
de Vygotsky em especial a afirmativa no prefaacutecio de seu livro Psicologia da Arte ldquomeu
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 30
ILKA SCHAPPER SANTOS
pensamento constitui-se sob o signo das palavras de Spinozardquo (Vygotsky 19342000)
O vieacutes spinozano amplia o quadro de entendimento na praacutetica de pesquisa da noccedilatildeo de
totalidade a partir de seu tratado sobre a Eacutetica (Spinoza 1677)
Assim este capiacutetulo teoacuterico em siacutentese possibilita nas malhas das discussotildees
elaboradas por Bakhtin Vygotsky e Spinoza a reflexatildeo da totalidade na praacutetica de
pesquisa do GP EFoPI em especial as reflexotildees sobre o brincar nas creches com
crianccedilas de 2 e 3 anos de idade Isso indica que este trabalho trata de forma monista a
relaccedilatildeo entre teoria e praacutetica na busca de uma praacutexis revolucionaacuteria
Na proacutexima seccedilatildeo abordo as categorias teoacutericas a partir do movimento da CC
Isso porque eacute no seu movimento que o leitor poderaacute compreender o princiacutepio norteador
da praacutetica de pesquisa dos GP LACE e GP EFoPI bem como desta investigaccedilatildeo
11 ndash O movimento da Cadeia Criativa linguagem e produccedilatildeo de conhecimento
Esta seccedilatildeo estaacute centrada na compreensatildeo criacutetica da produccedilatildeo e
compartilhamento dos significados dos integrantes do GP EFoPI Para isso
entrecruzarei os conceitos bakhtinianos vygotskyanos e spinozanos para
compreendermos o movimento da Cadeia Criativa (CC) na produccedilatildeo de conhecimentos
dos participantes do grupo de pesquisa
O sintagma Cadeia Criativa (CC) criado por Liberali (2009) diz de um processo
que tem sua gecircnese na indissociabilidade entre teoria e praacutetica com ecircnfase ldquona vida que
se viverdquo (Marx amp Engels 1945-1946) implica ldquoesforccedilos em parceria em uma atividade
produzindo significados que seratildeo posteriormente compartilhados com novos
parceiros atraveacutes dos sentidos (Vygotsky 1934) que aqueles os trazem para uma nova
atividaderdquo (Liberali 2009 p 102) Assim novos significados podem ser criativamente
produzidos carregando alguns aspectos dos sentidos compartilhados na primeira
atividade Da mesma forma alguns dos parceiros da segunda atividade quando
envolvidos em uma terceira vivenciam o mesmo processo formando uma Cadeia
Criativa (ibid)
A expressatildeo ldquocadeiardquo explica Liberali (informaccedilatildeo verbal)5 natildeo deve ser
relacionada a um significado pejorativo mas como um conjunto de fatos ou fenocircmenos
5 Explicaccedilatildeo dada por Liberali em exposiccedilatildeo oral em 2009
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 31
ILKA SCHAPPER SANTOS
linguiacutestico-discursivos que ocorrem sucessivamente no tempo-espaccedilo demarcados
historicamente pelos parceiros em interaccedilatildeo social Dito de outro modo a CC
considera por exemplo que dadas ldquoas atividades (a) (b) e (c) no tempo a atividade
(b) pode criar significados novos para os sentidos levados de volta (no tempo) para a
atividade (a) e para outra atividade da rede (c)rdquo (Fuga 2009 p 47)
A CC estaacute fundada na perspectiva SHC e sob a oacutetica da totalidade constituindo-
se em uma categoria teoacuterico-metodoloacutegica que traz a unidade dialeacutetica dos conceitos
bakhtinianos vygotskyanos e spinozanos O processo da CC possibilita pensar que o ser
humano constitui sua consciecircncia nas relaccedilotildees sociais que se concretizam no
movimento dialeacutetico entre as pessoas do discurso ldquoeurdquo ldquoturdquo ldquonoacutesrdquo Nesse movimento
das ldquopessoas do discursordquo o compartilhamento de sentidos possibilita a produccedilatildeo de
significados temporariamente estaacuteveis para um determinado grupo social isto eacute
possibilita alcanccedilar em um dado momento histoacuterico as ideias adequadas
Vejamos entatildeo como os conceitos de Bakhtin Vygotsky e Spinoza se articulam
no movimento da cadeia criativa
111 ndash A Cadeia Criativa entre o compartilhamento de sentidos e de significados
Ao contraacuterio do que em geral se crecirc sentido e
significado nunca foram a mesma coisa o
significado fica-se logo por aiacute eacute direto literal
expliacutecito fechado em si mesmo uniacutevoco por assim
dizer ao passo que o sentido natildeo eacute capaz de
permanecer quieto fervilha de sentidos segundos
terceiros e quartos de direccedilotildees irradiantes que se
vatildeo dividindo em ramos e ramilhos ateacute se perderem
de vista o sentido de cada palavra parece-se com
uma estrela quando se potildee a projetar mareacutes vivas
pelo espaccedilo fora ventos coacutesmicos perturbaccedilotildees
magneacuteticas afliccedilotildees
(Joseacute Saramago)
- Mamatildee o que significa significar
Joatildeo Pedro (5 anos)
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 32
ILKA SCHAPPER SANTOS
Para Stam (1992) as discussotildees sobre a linguagem se constituem como um
campo importante do pensamento contemporacircneo configurando-se como objeto de
estudo de diferentes pensadores Bakhtin e Vygotsky inserem-se nesse cenaacuterio
contemporacircneo e de maneira distinta mas partindo da mesma raiz teoacuterica elaboram
uma teoria sobre o papel dos signos na constituiccedilatildeo da consciecircncia do sujeito
A questatildeo central da perspectiva soacutecio-histoacuterico-cultural eacute a concepccedilatildeo de
linguagem como uma construccedilatildeo que se processa no campo da intersubjetividade nas
relaccedilotildees ldquointerrdquo sujeitos marcadas pelas contradiccedilotildees sociais e pelos diferentes lugares
que estes ocupam na esfera social
Na epiacutegrafe desta seccedilatildeo aproprio-me da poeacutetica de Saramago do livro intitulado
Todos os Nomes para iniciar a discussatildeo Saramago no texto literaacuterio nos possibilita
pensar sentido e significado de uma maneira similar agrave discussatildeo teoacuterica de Bakhtin e
Vygotsky Para o poeta portuguecircs o significado eacute algo ldquofechado em si mesmo
uniacutevocordquo jaacute o sentido ldquofervilha de sentidos segundos terceiros e quartos de direccedilotildees
irradiantes que se vatildeo dividindo em ramos e ramilhosrdquo Eacute com este fragmento literaacuterio
e com a inquietaccedilatildeo de uma crianccedila de 5 anos (que tambeacutem se faz nossa) que comeccedilarei
a discorrer sobre o binocircmio sentido-significado
- O que significa significar
Para BakhtinVolochinov (1988) o problema da significaccedilatildeo eacute um dos mais
complexos da linguiacutestica Segundo os autores as buscas de resoluccedilatildeo dessa questatildeo tecircm
mostrado o estreito monoacutelogo da ciecircncia linguiacutestica que estaacute alicerccedilada sobre uma
compreensatildeo passiva da significaccedilatildeo
Para auxiliar na soluccedilatildeo desse debate os teoacutericos russos fazem uma distinccedilatildeo
entre significado (significaccedilatildeo) e sentido (tema) Este seria individual e natildeo reiteraacutevel
assim como a proacutepria enunciaccedilatildeo Jaacute aquele estaacute fundado sobre uma convenccedilatildeo
reiteraacutevel e idecircntica natildeo tendo uma existecircncia concreta e independente A significaccedilatildeo eacute
ldquoum estaacutegio inferior da capacidade de significar e o tema um estaacutegio superior da
mesma capacidade A significaccedilatildeo existe como potencial de construir sentido proacutepria
dos signos linguiacutesticos e das formas gramaticais da liacutenguardquo (Cereja 2005 p 202)
Assim natildeo diz nada em si mesma ela eacute apenas uma ldquopotecircnciardquo uma possibilidade
BakhtinVolochinov (1988 p 129) explicam que diferente da significaccedilatildeo o
sentido da enunciaccedilatildeo eacute concreto similar ao instante histoacuterico ao qual pertence posto
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 33
ILKA SCHAPPER SANTOS
que ldquosomente a enunciaccedilatildeo tomada em toda a sua amplitude concreta como fenocircmeno
histoacuterico possui um tema isto eacute o que se entende por tema da enunciaccedilatildeordquo
Assim o sentido eacute determinado natildeo apenas pelas formas linguiacutesticas (as
palavras as formas morfoloacutegicas e sintaacuteticas os sons as entonaccedilotildees) como ocorre na
significaccedilatildeo mas tambeacutem pelos elementos extraverbais da cena discursiva
Eacute no processo da compreensatildeo ativa6 que podemos entender a distinccedilatildeo entre
sentido e significaccedilatildeo jaacute que esta compreensatildeo eacute uma forma de diaacutelogo que possibilita
ao locutor-ouvinte espaccedilos de oposiccedilatildeo na contrapalavra na reacuteplica
Vimos ateacute agora os aspectos que distinguem significaccedilatildeo e sentido mas assim
como Bakhtin fiz isso como recurso didaacutetico do texto para a explanaccedilatildeo Pois em uma
perspectiva monista sentido e significado formam um binocircmio indissociaacutevel Os
sujeitos na interaccedilatildeo trazem as marcas de interaccedilotildees anteriores com diferentes
comunidades semioacuteticas que por sua vez jaacute alteraram os sentidos das palavras que
vinham construindo Essa alteraccedilatildeo pela qual passa a palavra se na comunidade
semioacutetica criar certa estabilidade pode ficar em um espaccedilo inferior da capacidade de
significar e atingir o status de significaccedilatildeo Nesse movimento paradoxalmente a
palavra volta a se desestabilizar agrave medida que entra no fluxo da enunciaccedilatildeo concreta
trazendo as marcas do signo ideoloacutegico e voltando ao status de tema (sentido) da
enunciaccedilatildeo
Eacute no interior da comunidade semioacutetica que o signo linguiacutestico e por
conseguinte a indissociabilidade entre sentido e significado pode ser compreendida
pois o signo reflete e refrata a realidade e muitas outras No lugar onde o signo se
encontra se materializa encontra-se tambeacutem a ideologia pois ldquotudo que eacute ideoloacutegico
possui um valor semioacutetico () cada signo ideoloacutegico eacute natildeo apenas um reflexo uma
sombra da realidade mas tambeacutem um fragmento material dessa realidaderdquo
(BakhtinVolochinov 1988 p 32-33)
6 Segundo BakhtinVolochinov (1988 p 132) ldquoqualquer tipo de compreensatildeo deve ser ativo deve conter
jaacute o germe de uma resposta Soacute a compreensatildeo ativa nos permite apreender o tema pois a evoluccedilatildeo natildeo
pode ser apreendida senatildeo com a ajuda de um outro processo evolutivo Compreender a enunciaccedilatildeo de
outrem significa orientar-se em relaccedilatildeo a ela encontrar o seu lugar adequado no contexto correspondente
A cada palavra da enunciaccedilatildeo que estamos em processo de compreender fazemos corresponder uma seacuterie
de palavras nossas formando uma reacuteplica Quanto mais numerosas e substanciais forem mais profunda e
real eacute a nossa compreensatildeordquo
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 34
ILKA SCHAPPER SANTOS
Para compreendermos melhor essa discussatildeo utilizarei um fragmento de uma das
sessotildees reflexivas realizadas no GP EFoPI com as educadoras das creches
Teresa7 Teve um tempo que a gente ateacute era chamada
crecheira assim quanto tempo jaacute mudou o termo Agora
eacute recreadora educadora e tem pessoas que falam ldquoVocecirc
trabalha laacute Ah Vocecirc eacute crecheira Vocecirc toma conta de
crianccedila o dia inteirordquo A gente sempre escuta isso
(Sessatildeo reflexiva ndeg1 ndash 07082006)
No dicionaacuterio Houaiss o verbete crecheiro (a) eacute relativo a ou o que trabalha em
creche (creche+eiro) O significado dicionarizado da palavra natildeo eacute diferente
aparentemente do sentido da enunciaccedilatildeo que indaga ldquovocecirc trabalha laacute Ah vocecirc eacute
crecheirardquo mas na comunidade semioacutetica dessas educadoras a adjetivaccedilatildeo presente
no sufixo ldquo-eirordquo traz a marca pejorativa para aquele que trabalha na creche Isso
porque no interior dessa enunciaccedilatildeo haacute a desvalorizaccedilatildeo e o natildeo reconhecimento
profissional das educadoras por parte da sociedade uma vez que na instituiccedilatildeo natildeo satildeo
reconhecidas como profissionais que cuidam e educam e sim como crecheiras que
ldquotomam conta de crianccedilardquo Aleacutem disso natildeo haacute poliacuteticas puacuteblicas de valorizaccedilatildeo
profissional em consonacircncia com as necessidades das educadoras das crianccedilas e das
instituiccedilotildees de Educaccedilatildeo Infantil A contrataccedilatildeo dos educadores das creches
investigadas havia sido feita pelo oacutergatildeo de assistecircncia (AMAC)8 atraveacutes de seleccedilatildeo
com exigecircncia de no miacutenimo niacutevel meacutedio de formaccedilatildeo Caso fossem aprovadas as
funcionaacuterias das creches eram contratadas como recreadoras para o berccedilaacuterio e crianccedilas
de ateacute 2 anos Jaacute para crianccedilas de 3 anos a denominaccedilatildeo no contrato eacute de educadora
social havendo uma diferenccedila na remuneraccedilatildeo salarial para uma jornada diaacuteria de 8
horas de trabalho com aproximadamente quinze crianccedilas
Ao contraacuterio do que ocorre com as profissionais das creches as educadoras da
preacute-escola do municiacutepio de Juiz de Fora que trabalham com crianccedilas de 4 e 5 anos
recebem maior salaacuterio uma jornada de trabalho de 15 horas semanais atenccedilatildeo e
respeito uma vez que lhes satildeo atribuiacutedas as tarefas de educar e cuidar Elas satildeo
consideradas professoras recebendo maior reconhecimento por parte da sociedade
7 Os nomes das educadoras satildeo fictiacutecios
8 Atualmente a partir de 2009 estaacute sendo realizada a transiccedilatildeo das creches do oacutergatildeo de assistecircncia para a
Secretaria de Educaccedilatildeo do Municiacutepio de Juiz de Fora
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 35
ILKA SCHAPPER SANTOS
Diante do exposto podemos inferir que o sentido da enunciaccedilatildeo crecheira eacute
determinado pelos elementos extraverbais do instante histoacuterico ao qual pertence Esses
elementos se materializam na luta dos profissionais da creche para emergirem desse
contexto de indefiniccedilotildees no qual se encontram em especial os profissionais que
trabalham com a infacircncia de 0 a 3 anos
Vygotsky tambeacutem se preocupou em resolver o problema da significaccedilatildeo Mas
diferente de Bakhtin que tinha como objeto de anaacutelise a linguagem travando uma luta
teoacuterica com a linguiacutestica de seu tempo Vygotsky tambeacutem numa perspectiva soacutecio-
histoacuterica e cultural buscou formular uma psicologia historicamente fundamentada
tecendo um debate com as teorias psicoloacutegicas de sua eacutepoca Para alcanccedilar seus
objetivos os autores russos buscaram o meacutetodo dialeacutetico pautado nas construccedilotildees
teoacutericas de Karl Marx e Frederic Engels
Apesar da similaridade dos conceitos de sentido e significado nas perspectivas
teoacutericas de Bakhtin e Vygotsky como disse anteriormente este se fundamenta nos
construtos teoacutericos da Psicologia9 para explicar como se processa a relaccedilatildeo do homem
com o mundo em constantes transformaccedilotildees e mudanccedilas
Vygotsky explica que o significado eacute um fenocircmeno da fala e do pensamento Da
fala porque a palavra sem significado eacute meramente um som vazio e do pensamento
porque o significado de cada palavra eacute um conceito uma generalizaccedilatildeo que materializa
os atos do pensamento Desse modo como sintetiza Freitas (1997 p 323) ldquoo
significado da palavra eacute a chave da compreensatildeo dialeacutetica entre pensamento e
linguagemrdquo Nesse sentido a linguagem natildeo eacute apenas uma materializaccedilatildeo do
pensamento pois o ldquopensamento natildeo eacute simplesmente expresso em palavras eacute por meio
delas que ele passa a existirrdquo (Vygotsky 19341993 p 108)
O significado na perspectiva vygotskyana eacute uma generalizaccedilatildeo um conceito que
caracteriza um fenocircmeno do pensamento e ao mesmo tempo um fenocircmeno da fala da
linguagem Tanto a fala interfere no pensamento quanto este na linguagem verbal
A evoluccedilatildeo do significado da palavra possibilita ao sujeito soacutecio-histoacuterico-
cultural o desenvolvimento do conceito entendido como um sistema de generalizaccedilotildees
expresso nas palavras que se modificam ao longo das vivecircncias e experiecircncias do
9 Para sistematizar uma Psicologia Marxista Vygotsky se opocircs agraves principais correntes que dicotomizaram
a relaccedilatildeo entre pensamento e linguagem
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 36
ILKA SCHAPPER SANTOS
sujeito da linguagem Essas transformaccedilotildees e mudanccedilas na vida do homem promovem
as transformaccedilotildees ldquointerrdquo consciecircncias e por conseguinte mudanccedila na capacidade de
significar
O sentido para Vygotsky (19341993 p 125) pode ser assim explicado como
a soma de todos os eventos psicoloacutegicos que a palavra desperta em
nossa consciecircncia Eacute um todo complexo fluido e dinacircmico que tem
vaacuterias zonas de estabilidade desigual O significado eacute apenas uma das
zonas do sentido a mais estaacutevel e precisa Uma palavra adquire o seu
sentido no contexto em que surge em contextos diferentes altera o
sentido O significado permanece estaacutevel ao longo de todas as
alteraccedilotildees do sentido O significado dicionarizado de uma palavra
nada mais eacute do que uma pedra no edifiacutecio do sentido natildeo passa de
uma potencialidade que se realiza de formas diversas na fala
Eacute interessante refletir como o sentido permite vislumbrar a dinamicidade o
movimento da linguagem pois possibilita que vejamos o reverso da significaccedilatildeo ou
seja seu caraacuteter dinacircmico complexo e instaacutevel Eacute sob a eacutegide dos sentidos que os
significados deixam de ser tatildeo-somente zonas estaacuteveis jaacute que os sentidos datildeo
dinamicidade ao significado das palavras
Na perspectiva vygotskyana o significado foi demarcado como sendo o proacuteprio
signo e o sentido eacute mais amplo Aquele eacute convencional e dicionarizado portanto mais
preciso e estaacutevel Este ldquoeacute um fenocircmeno complexo moacutevel que muda constantemente ateacute
certo ponto em conformidade com as consciecircncias isoladas para uma mesma
consciecircnciardquo (Vygotsky 19342001 p 466)
Como disse no iniacutecio desta seccedilatildeo sentido e significado satildeo dois movimentos
indissociaacuteveis pois
os significados satildeo produccedilotildees histoacutericas e sociais Satildeo eles que
permitem a comunicaccedilatildeo a socializaccedilatildeo de nossas experiecircncias
Muito embora sejam estaacuteveis ldquodicionarizadosrdquo eles tambeacutem se
transformam no movimento histoacuterico momento em que sua natureza
interior se modifica alterando em consequecircncia a relaccedilatildeo que
mantecircm com o pensamento entendido como processo Os significados
referem-se assim aos conteuacutedos instituiacutedos mais fixos
compartilhados que satildeo apropriados pelos sujeitos a partir de suas
proacuteprias subjetividades (Aguiar amp Ozella 2006 p 226)
Em siacutentese eacute no interior desse movimento da significaccedilatildeo que dialeticamente
os sentidos vatildeo se constituindo pois se aproximam mais da subjetividade do sujeito
criando zonas de sentido que desestabilizam a significaccedilatildeo Essa desestabilizaccedilatildeo posta
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 37
ILKA SCHAPPER SANTOS
nos muacuteltiplos movimentos do significado que constituem os diversos sentidos
possibilita a uma determinada comunidade semioacutetica alcanccedilar novamente um
significado mais ou menos estaacutevel Isso porque segundo Vygotsky (19342001 p 465-
466)
esse enriquecimento das palavras que o sentido lhes confere a partir
do contexto eacute a lei fundamental da dinacircmica do significado das
palavras A palavra incorpora absorve de todo o contexto com que
estaacute entrelaccedilada os conteuacutedos intelectuais e afetivos e comeccedila a
significar mais e menos do que conteacutem o seu significado quando a
tomamos isoladamente e fora do contexto mais porque o ciacuterculo dos
seus significados se amplia adquirindo adicionalmente toda uma
variedade de zonas preenchidas por um novo conteuacutedo menos porque
o significado abstrato da palavra se limita e se restringe agravequilo que ela
significa apenas em um determinado contexto
Feitas as discussotildees teoacutericas do binocircmio sentido-significado para Vygotsky e
tema-significaccedilatildeo para Bakhtin passemos agora para a discussatildeo dessas categorias
teoacutericas no movimento da CC
Liberali (2009) para explicar o compartilhamento de sentidos e significados na
produccedilatildeo de significados na CC tece uma aproximaccedilatildeo entre tema e significaccedilatildeo para
Bakhtin e sentido e significado para Vygotsky assim como busquei fazer na discussatildeo
acima A autora explica que em russo as palavras ldquosmyslrdquo e ldquoznachnierdquo satildeo usadas por
ambos os autores O verbete russo ldquoznachnierdquo traduzido para o inglecircs como ldquomeaningrdquo
eacute usado nas elaboraccedilotildees teoacutericas de Bakhtin e Vygotsky para discorrerem sobre os
elementos de generalizaccedilatildeo de uma palavra A distinccedilatildeo soacute existe no portuguecircs em que
ldquoznachnierdquo eacute entendido como ldquosignificadordquo e ldquosignificaccedilatildeordquo para Vygotsky e
BakhtinVolochinov respectivamente Jaacute ldquosmyslrdquo que foi traduzida para o inglecircs como
ldquosenserdquo nos escritos de Vygotsky em portuguecircs foi entendida como ldquosentidordquo a
traduccedilatildeo do termo ldquosmyslrdquo para Bakhtin ficou como ldquothemerdquo em inglecircs e no portuguecircs
ldquotemardquo
Eacute interessante notar que ldquoznachnierdquo e ldquosmyslrdquo satildeo verbetes utilizados pelos dois
teoacutericos russos Aquele eacute usado tanto por Bakhtin como por Vygotsky para discutir os
elementos de generalizaccedilatildeo historicamente estabelecidos por uma palavra e este
expressa a subjetividade do indiviacuteduo
Na realidade histoacuterica ldquosmyslrdquo eacute ldquopotencialmente infinito e soacute se atualiza no
contato com outro sentidordquo (Bakhtin 1997 p 386) posto de outro modo o sentido natildeo
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 38
ILKA SCHAPPER SANTOS
existe nem se ressignifica de forma isolada sua potencialidade infinita adveacutem do
encontro entre sentidos que formam elos na cadeia Esses elos se renovam
dialogicamente por meio da interaccedilatildeo verbal e tornam a cadeia tambeacutem potencialmente
infinita
A discussatildeo dos conceitos ldquosmyslrdquo e ldquoznachnierdquo auxilia a pensar a questatildeo das
relaccedilotildees dialoacutegicas entre os sujeitos gerando algo mais estaacutevel que os aproxima
ldquoZnachnierdquo pode natildeo ser ldquopotencialmente infinitardquo nem abrigar a amplitude de ldquosmyslrdquo
entretanto para encontrar os pontos em comum que tornam o significado partilhaacutevel na
interaccedilatildeo verbal o ser humano precisa assumir alguns pontos dos sentidos e excluir
outros para em um movimento dialeacutetico-dialoacutegico realizar algo em comum (Liberali e
Fuga 2007)
Liberali em seu texto intitulado ldquoCreative Chain in the Process of Becoming a
Totalityrdquo10
afirma que na CC o ser humano criativo atraveacutes de seu trabalho e
experiecircncia subjetiva amplia os sentidos de um objeto palavra ou siacutembolo trazendo
um novo sentido para o significado social do fenocircmeno Posto de outro modo o sujeito
cria novas relaccedilotildees entre o significado e o sentido do fenocircmeno Na gecircnese desse
movimento estaacute a possibilidade de transformaccedilatildeo no interior da vida social
No entanto a instauraccedilatildeo do novo sentido soacute eacute possiacutevel quando existe o
compartilhamento de ldquosmyslrdquo o que possibilita a evoluccedilatildeo de significados em uma dada
comunidade semioacutetica Esse movimento promove a transformaccedilatildeo do sujeito do outro
do contexto social imediato e do conhecimento Sob essa oacutetica de transformaccedilatildeo das
relaccedilotildees (inter)sujeitos podemos pensar a produccedilatildeo do conhecimento humano a partir da
luta discursivo-ideoloacutegica entre significados cristalizados e sentidos subjetivos
Essa discussatildeo dos conceitos de sentido e significado numa perspectiva soacutecio-
histoacuterico-cultural vai ao encontro de uma modalidade de pesquisa criacutetico-colaborativa
pois possibilita compreender como se processa o compartilhamento de sentidos na
formulaccedilatildeo de novos significados mais ou menos estaacuteveis para a comunidade semioacutetica
(no nosso caso o grupo de pesquisa EFoPI) em que as intervenccedilotildees do grupo de
pesquisa se materializam em atividades historicamente concretas na esfera da educaccedilatildeo
infantil em especial na crianccedila de 2 e 3 anos de idade Por conta disso o planejamento
da pesquisa colaborativa eacute sistematizado a partir do diaacutelogo com os participantes da
10 Traduccedilatildeo A Cadeia Criativa no Processo de Tornar-se Totalidade
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 39
ILKA SCHAPPER SANTOS
investigaccedilatildeo Nessa perspectiva os participantes ao desvelarem e compartilharem seus
sentidos auxiliam na construccedilatildeo e ampliaccedilatildeo de significados que se tornam mais ou
menos estaacuteveis para o grupo e paradoxalmente ao serem novamente partilhados criam
outros sentidos singulares para cada membro que vivencia a intervenccedilatildeo escapando aos
tradicionalmente determinados
O desafio desta tese eacute buscar apreender os sentidos e compreender criticamente
como os significados foram se estabilizando nos espaccedilos discursivos travados entre os
professores pesquisadores e seus interlocutores na praacutetica de pesquisa para entender
como ocorre a produccedilatildeo de conhecimento sobre o brincar no processo de investigaccedilatildeo
No Ciacuterculo de Bakhtin ldquosmyslrdquo pode ser compreendido tambeacutem como ldquouma
reaccedilatildeo da consciecircncia em devir ao ser em devirrdquo (BakhtinVolochinov 1988 p 129)
Isso vai ao encontro de uma citaccedilatildeo de Vygotsky para quem a ldquocooperaccedilatildeo entre
consciecircnciasrdquo eacute uma instacircncia que possibilita a transformaccedilatildeo de ldquoznachnierdquo (Vygotsky
2004 p 187)
Essa instacircncia da ldquoconsciecircncia em devir ao ser em devirrdquo e o espaccedilo de
ldquocooperaccedilatildeo entre consciecircnciasrdquo eacute um movimento dialoacutegico-dialeacutetico que nos remete
neste trabalho ao conceito vygotskyano de Zona Proximal de Desenvolvimento a ZPD
instacircncia instauradora da produccedilatildeo do conhecimento
Passemos entatildeo no proacuteximo toacutepico deste capiacutetulo para a discussatildeo de ZPD no
movimento da CC
112 ndash A Cadeia Criativa e a ZPD interregno de conflitos tensotildees e possibilidades
na produccedilatildeo de conhecimento
Dois meninos de dois anos brincavam no paacutetio da
creche em um brinquedo grande de plaacutestico em
forma de castelo No brinquedo havia uma escada
que dava acesso a um platocirc onde havia um
escorregador Um dos meninos que estava no alto
chamou - ldquoVem soberdquo Ao que outro respondeu
ldquoEu natildeo seirdquo O menino insistiu -ldquosoberdquo O menino
que estava embaixo pediu ajuda para a professora
ela se aproximou e estimulou a crianccedila atraveacutes da
fala a superar o obstaacuteculo da subida Apoacutes o
encontro dentro do castelo escorregaram e voltaram
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 40
ILKA SCHAPPER SANTOS
imediatamente para a escada para subir novamente
A cena se repete -ldquoVem soberdquo - ldquoEu natildeo seirdquo -
ldquoMas vocecirc jaacute subiu Vocecirc sabe simrdquo O menino vai
entatildeo refazendo o caminho anterior pondo a matildeo
equilibrando o corpo ateacute chegar ao ponto onde
alcanccedila a outra crianccedila que lhe estende a matildeo e o
ajuda (narrativa de um dos participantes da
pesquisa do GP EFoPI no encontro com as
coordenadoras das 23 creches ndash 03 de junho de
2009)
Em seu texto inaugural ldquoInteraccedilatildeo entre aprendizado e desenvolvimentordquo
publicado no livro A Formaccedilatildeo Social da Mente Vygotsky tece criacuteticas significativas agrave
Psicologia do seu tempo em especial no que concerne agrave diacuteade
desenvolvimentoaprendizado Ao lado disso propotildee uma nova categoria teoacutericopraacutetica
para estudar esse binocircmio a Zona Proximal de Desenvolvimento (ZPD) O autor
explica nesse trabalho que a zona de desenvolvimento proximal eacute a distacircncia entre o
niacutevel de desenvolvimento real que seria determinado pela soluccedilatildeo independente de
problemas e o niacutevel de desenvolvimento potencial determinado pela capacidade do
sujeito em resolver problemas com o auxiacutelio do outro (Vygotsky 19301991 p 91)
O autor expotildee que a ZPD eacute um instrumento atraveacutes do qual psicoacutelogos e
educadores podem compreender o curso interno do desenvolvimento humano Diz
ainda que esse meacutetodo possibilita natildeo soacute entender os ciclos e processos de maturaccedilatildeo jaacute
completados como tambeacutem os processos que estatildeo em estado de formaccedilatildeo que estatildeo
comeccedilando a amadurecer e a se desenvolver (ibid p 97-98) Essa abertura em
considerar natildeo soacute os processos de maturaccedilatildeo jaacute completados mas tambeacutem os processos
que estatildeo em formaccedilatildeo em devir mediante a interaccedilatildeo com o outro funda a categoria
ZPD como um instrumento de intervenccedilatildeo revolucionaacuterio
No campo acadecircmico e no processo educativo essa discussatildeo sobre ZPD e sua
relaccedilatildeo com o aprendizado teve por parte de muitos pesquisadores e educadores uma
apropriaccedilatildeo dualista Tal apropriaccedilatildeo (mais literal) manteve a ecircnfase ldquona diferenccedila entre
o que se pode fazer bdquocom outros‟ e o que se pode fazer bdquosozinho‟ ndash como instrumento
para a compreensatildeo de processos mentais individuaisrdquo (Magalhatildees 2009 p 57) e na
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 41
ILKA SCHAPPER SANTOS
internalizaccedilatildeo11
do conhecimento com a colaboraccedilatildeo do outro mais experiente
Magalhatildees afirma que essa compreensatildeo como discutem Holzman (1997 2002) John-
Steiner Weber e Minis (1998) e Jantzen (2005) vai ao encontro de toda discussatildeo do
meacutetodo dialeacutetico vygotskyano que ldquoeacute ao mesmo tempo preacute-requisito e produto o
instrumento e o resultado do estudordquo (Vygotsky 19301991 p 74)
Como dito acima a apropriaccedilatildeo do conceito de ZPD no contexto de pesquisa e
no contexto escolar foi feita de forma dualista O foco estava em identificar espaccedilos de
interaccedilatildeo em que as crianccedilas pudessem aprender mediante a ajuda com a colaboraccedilatildeo
de algueacutem mais experiente Essa dicotomia fez com que muitos profissionais da
educaccedilatildeo ficassem preocupados em promover espaccedilos de aprendizagens em que aqueles
mais capazes auxiliassem os julgados menos capazes A ecircnfase continuava no
indiviacuteduo O outro par mais experiente criaria ZPDs para que os menos experientes
pudessem atingir uma reflexatildeo mais elevada sobre a natureza mais abstrata das coisas
(Bruner 1986)
Eacute esse ponto que nos interessa analisar
O excerto que utilizei como epiacutegrafe para iniciar esta seccedilatildeo seraacute nosso
companheiro de viagem nas palavras de Sartre para ilustrar a maneira como dialogarei
com o leitor sobre o conceito de ZPD no movimento da CC bem como suas
implicaccedilotildees na praacutetica de pesquisa
Na cena narrada as falas ldquo-Vem soberdquo -ldquoEu natildeo seirdquo - ldquoMas vocecirc jaacute subiu
Vocecirc sabe simrdquo ilustram como o auxiacutelio do outro em uma relaccedilatildeo colaborativa
possibilita a realizaccedilatildeo da atividade O problema eacute que tradicionalmente o foco se
manteve na busca de superaccedilatildeo das dificuldades do sujeito considerado menos capaz O
presumido eacute que o companheiro mais experiente influencia com seu ponto vista o
menos experiente levando-o agrave internalizaccedilatildeo de conhecimentos de que antes natildeo
dispunha
Chamo atenccedilatildeo para a dicotomizaccedilatildeo no interior da discussatildeo de ZPD
relacionada agrave aprendizagem escolar O que nos instiga pensar eacute o reverso da moeda se
estamos tratando de aprendizagem colaborativa se consideramos que as accedilotildees dos
11 Vygotsky (19301991 p 63) nomeia de internalizaccedilatildeo a reconstruccedilatildeo interna de uma operaccedilatildeo externa
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 42
ILKA SCHAPPER SANTOS
indiviacuteduos satildeo instigadas pelas accedilotildees do outro e produzidas socialmente por que aquele
que eacute dito como mais capaz e mais experiente fica agrave margem do processo
Esse dualismo em considerar que no processo de colaboraccedilatildeo o par mais
experiente seraacute o mediador entre a passagem do niacutevel de desenvolvimento potencial
para o desenvolvimento real simplifica sobremaneira a relaccedilatildeo aprendizado-
desenvolvimento o que natildeo faz jus agrave proposta de Vygotsky Pois ao discutir a
internalizaccedilatildeo das funccedilotildees psicoloacutegicas superiores o autor russo explica que ldquoo
desenvolvimento se daacute natildeo em ciacuterculo mas em espiral passando por um mesmo ponto
a cada nova resoluccedilatildeo enquanto avanccedila para um niacutevel superiorrdquo (Vygotsky
19301991 p 62) Com essa explanaccedilatildeo ele nos possibilita pensar a existecircncia de
conflitos tensotildees na ZPD Assim a demarcaccedilatildeo de que o par mais experiente ldquopuxardquo o
aprendizado do outro eacute unilateral natildeo trazendo o movimento de transformaccedilotildees e
mudanccedilas ocorridas no companheiro tido como mais capaz O desenvolvimento em
espiral em que o sujeito passa por um mesmo ponto a cada nova resoluccedilatildeo eacute um
movimento dialeacutetico Assim em cada espaccedilo de interaccedilatildeo vivenciamos transformaccedilotildees
e mudanccedilas independentemente de na cena enunciativa sermos considerados mais ou
menos experientes
No GP LACE e GP EFoPI trabalhamos com a concepccedilatildeo de que a ZPD eacute uma
zona de conflito de tensatildeo um espaccedilo de produccedilatildeo de conhecimento A interlocuccedilatildeo
com os educadores sociais e as coordenadoras das creches no caso do GP EFoPI e deste
trabalho de tese transita na unidade dialeacutetica teoria-praacutetica buscando superar o fosso
entre saber-pensar e fazer-agir materializado entre o dito e o feito O desenvolvimento e
aprendizado dos participantes se concretizam em ZPDs em que o status de mais
experiente natildeo estaacute fixado em um participante mas no processo coletivo de produccedilatildeo do
conhecimento mediado pela linguagem
No interior do processo de pesquisa os participantes criam espaccedilos de
aprendizagem e reflexatildeo sobrena accedilatildeo significativa A preocupaccedilatildeo dos pesquisadores
do EFoPI natildeo eacute em atuar no intervalo entre aquilo que os professores educadores e
pesquisadores externos eram e aquilo que eles se tornaram (ou tornaratildeo) mediante a
colaboraccedilatildeo do grupo de pesquisa com as questotildees levantadas no processo criacutetico
reflexivo Os investigadores buscam criar espaccedilos discursivos em que a linguagem eacute
entendida como um produto da atividade humana coletiva constituindo-se portanto
ldquolugar de interaccedilatildeo mateacuteria e instrumento do trabalho em que sujeitos e linguagem se
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 43
ILKA SCHAPPER SANTOS
constituem produzindo sentidos que se inscrevem no processo discursivo de cada
formaccedilatildeo histoacuterico-socialrdquo (Barreto 2002 p 18) Nesse sentido o elemento mediador
natildeo se fixa nos sujeitos que podem propiciar aprendizados mas na mediaccedilatildeo constituiacuteda
por praacuteticas de linguagem discursivo-simboacutelicas nas relaccedilotildees entre todos os sujeitos
Nesse movimento as tensotildees conflitos confrontos e possibilidades entre os
saberes escolares e os saberes do grupo de pesquisa satildeo elementos de transformaccedilotildees e
mudanccedilas tanto para os professores que participaram da pesquisa quanto para os
pesquisadores Assim a ZPD se constitui um espaccedilo de compartilhamento de sentidos
na produccedilatildeo de novos significados transformando-se em ldquopalco para batalhas
ideoloacutegicasrdquo (Bernstein 19931998 p 14)
A ZPD no movimento da CC se institui como instacircncia de possibilidades de
uma aprendizagem conduzindo o desenvolvimento (Newman e Holzman 19932002)
Essa instacircncia na siacutentese do vir-a-ser eacute palco de produccedilatildeo e transformaccedilatildeo do
conhecimento do ser humano no interior da coletividade porque em um contexto
colaborativo a ZPD inaugura um espaccedilo em que os participantes tecircm a possibilidade de
tornar seus processos mentais mais claros podendo demonstrar e explicar esses
processos no fluxo da interaccedilatildeo verbal Isso cria para os outros participantes
possibilidades de questionar expandir argumentar e recolocar o que foi posto em
negociaccedilatildeo (Magalhatildees 2004)
113 ndash Cronotopia e exotopia uma diacuteade no movimento da Cadeia Criativa
Dois conceitos bakhtinianos que tratam da relaccedilatildeo tempo-espaccedilo podem ser
resgatados para pensarmos a cadeia criativa a partir do movimento que imprime
dinacircmica ao compartilhamento-produccedilatildeo de sentidos e de significados exotopia e
cronotopia O primeiro tem sua gecircnese no acircmbito do texto literaacuterio o segundo sintetiza
a atividade criadora em geral Neste trabalho a interseccedilatildeo entre esses dois conceitos
possibilita pensar os encadeamentos da CC a partir dos diferentes pontos espaccedilo-
temporais em que se situam as praacuteticas de linguagem dos participantes em elos que vatildeo
compondo e recompondo o movimento discursivo Eacute nesse espaccedilo-tempo constituiacutedo
como uma zona de tensatildeo conflitos e possibilidades que a produccedilatildeo do conhecimento
se institui
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 44
ILKA SCHAPPER SANTOS
A discussatildeo que envolve a categoria exotopia na obra bakhtiniana estaacute presente
no texto O Autor e o Heroacutei Vale lembrar que esta categoria natildeo pode ser dissociada de
outras do Ciacuterculo de Bakhtin em especial o plurilinguismo social (as outras vozes
sociais que se presentificam na formaccedilatildeo e constituiccedilatildeo do sujeito) o presumido
(extraverbal) e a natureza dialoacutegica da linguagem
Etimologicamente a palavra exotopia eacute formada pelo prefixo ex que significa
fora e topos que significa lugar Assim exotopia simboliza um lugar afastado mas
natildeo distante da situaccedilatildeo Designa o ldquoexcedente de visatildeordquo a ldquoextraposiccedilatildeordquo ldquoo estar de
forardquo uma posiccedilatildeo a partir da qual o sujeito vecirc o mundo com certo distanciamento de
sua proacutepria condiccedilatildeo nele o que lhe permite perceber elementos que a proximidade natildeo
lhe permitiria Conforme Bakhtin (1987 p 43) ldquoquando contemplo um homem situado
fora de mim e agrave minha frente nossos horizontes concretos tais como satildeo efetivamente
vividos por noacutes dois natildeo coincidemrdquo No movimento do seu ldquoexcedente de visatildeordquo o
sujeito percebe no outro elementos que soacute ele pode perceber pelo lugar que eacute o uacutenico
a ocupar (e pelos sentidos e significados que foi construindo a partir desse lugar que
ocupa) O autor reforccedila ainda que o ldquoexcedente de minha visatildeordquo com relaccedilatildeo ao outro
instaura uma esfera particular da minha atividade isto eacute um conjunto de atos internos
ou externos que soacute posso preacute-formar a respeito desse outro e que o completam
justamente onde ele natildeo pode se completar (ibid p 44)
Neste processo dialoacutegico podemos perceber a efetivaccedilatildeo da empatia ldquover o
mundo atraveacutes dos valores do outrordquo notando coisas que soacute estatildeo no campo de visatildeo de
um dos interlocutores para depois retornar (atraveacutes da contemplaccedilatildeo) agrave posiccedilatildeo inicial
que permite elaborar o acabamento proacuteprio e o do outro pois de acordo com Bakhtin
ldquoo heroacutei natildeo faz seu acabamento proacutepriordquo (ibid p 202)
A posiccedilatildeo exotoacutepica do autor se define como aquela que lhe permite criar a obra
sendo firmada por seu distanciamento dela o que lhe permite ter uma visatildeo global do
enunciado da enunciaccedilatildeo O autor situa-se assim numa fronteira entre o mundo
concreto e o discurso que cria Nas palavras de Bakhtin (1987 p 43)
Por mais perto de mim que possa estar esse outro sempre verei e
saberei algo que ele proacuteprio na posiccedilatildeo que ocupa e que o situa fora
de mim e agrave minha frente natildeo pode ver () toda uma seacuterie de objetos
e de relaccedilotildees que em funccedilatildeo da respectiva relaccedilatildeo em que podemos
situar-nos satildeo acessiacuteveis a mim e inacessiacuteveis a ele
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 45
ILKA SCHAPPER SANTOS
Amorim (2004 p 96) corrobora com este entendimento quando explicita que
somente aquele que estaacute de fora pode dar uma imagem acabada de mim pois ldquonatildeo
posso me ver como totalidade natildeo posso ter uma visatildeo completa de mim mesmo e
somente um outro pode construir o todo que me definerdquo Nesse sentido eacute importante
esclarecer que a ideia de acabamento natildeo estaacute associada agrave perspectiva de
aprisionamento mas assume uma leitura de ato generoso posiccedilatildeo que permite ver e
compreender a partir de uma dimensatildeo ativo-responsiva Assim para a autora a
categoria teoacuterico-metodoloacutegica exotopia tece uma relaccedilatildeo de tensatildeo entre pelo menos
dois lugares o sujeito que na vida que se vive (no dizer de Karl Marx) olha de onde
vive ldquoe daquele que estando de fora da experiecircncia do primeiro tenta mostrar o que
vecirc do olhar do outrordquo (ibid 101)
Pensemos agora na categoria cronotopia A palavra cronotopia em sua
etimologia sintetiza as dimensotildees indissociaacuteveis do tempo e do espaccedilo Neste trabalho
essas dimensotildees tomam o sentido dado por Bakhtin (1987) de um lado para expressar a
grande temporalidade demarcada em um tempo histoacuterico estendido pois mostra a
instacircncia do movimento no campo das transformaccedilotildees e dos acontecimentos De outro
o espaccedilo que possibilita escreverinscrever as marcas dessa grande temporalidade O
conceito de cronotopo designa portanto uma produccedilatildeo da histoacuteria diz de um loacutecus
coletivo ldquoespeacutecie de matriz espaccedilo-temporal de onde as vaacuterias histoacuterias se contam e se
escrevemrdquo (Amorim 2004 p105) Ou seja
No cronotopo artiacutestico-literaacuterio ocorre a fusatildeo dos indiacutecios espaciais e
temporais num todo compreensivo e concreto Aqui o tempo
condensa-se comprime-se torna-se artisticamente visiacutevel o proacuteprio
espaccedilo intensifica-se penetra no movimento do tempo do enredo e da
histoacuteria Os iacutendices do tempo transparecem no espaccedilo e o espaccedilo
reveste-se de sentido e eacute medido com o tempo (Bakhtin 1983 p 211)
Mas de que maneira os conceitos de exotopia e cronotopia auxiliam na
compreensatildeo do movimento da Cadeia Criativa Revisitando a definiccedilatildeo dada por
Liberali (2009) encontro importantes interseccedilotildees entre a ideia de produccedilatildeo
compartilhada de conhecimento e a de construccedilatildeo de significados que possibilitam
novos sentidos atribuiacutedos em outras atividades pelos participantes da CC Em siacutentese
cria-se uma loacutegica que traduz um fluxo dialoacutegico entre as atividades que se instituem
em diferentes tempos e espaccedilos Haacute um duplo movimento no intervalo das atividades
pesquisadores e participantes da pesquisa em posiccedilatildeo extraposta podem enxergar
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 46
ILKA SCHAPPER SANTOS
elementos que ateacute entatildeo sua implicaccedilatildeo direta na atividade natildeo lhes permitia perceber
ao passo que quando retornam em uma nova atividade por terem se distanciado da
situaccedilatildeo anterior podem usufruir da reflexatildeo feita a partir da posiccedilatildeo exotoacutepica
No GP EFoPI esse processo exotoacutepico ocorreu entre os pesquisadores e entre os
educadores sociais e coordenadores das creches A crenccedila na perspectiva exotoacutepica fez
com que os pesquisadores e participantes tomassem um distanciamento de seu trabalho
rotinizado e pudessem refletir sobre o cotidiano das creches em especial sobre os
momentos destinados agrave brincadeira O olhar exotoacutepico dos pesquisadores e participantes
da pesquisa (educadores sociais e coordenadores) lhes possibilitou dialogar com o outro
no campo argumentativo circunscrito agraves atividades propostas expressando a diferenccedila e
a tensatildeo existente entre dois (ou mais) olhares entre dois (ou mais) pontos de vista
Uma atitude dialoacutegica nas sessotildees reflexivas e no curso de extensatildeo auxiliou na
compreensatildeo dos enunciados tecidos no interior dos diferentes discursos No caso da
pesquisa em questatildeo houve uma tentativa de captar o olhar do outro de buscar uma
compreensatildeo ativa do modo como veem para que as intervenccedilotildees e modos de
aproximaccedilatildeo e diaacutelogo com o grupo permitissem aos participantes da pesquisa (e aos
proacuteprios pesquisadores) um movimento de compartilhamento de sentidos e de
significados
Nesse lugar coletivo os cronotopos constituem-se como elos da cadeia criativa
materializando-se nas atividades que se configuram como instacircncias discursivas em que
o tempoespaccedilo eacute demarcado historicamente pelos sujeitos participantes da interaccedilatildeo
verbal Isso significa dizer que cada atividade neste trabalho de tese eacute percebida a
partir de um determinado tempo entre atividades da Cadeia Criativa (cada atividade um
cronotopo) espaccedilo que se inscreve na temporalidade do movimento de transformaccedilatildeo
dos sentidos e dos sujeitos
114 ndash A Cadeia Criativa sob a eacutegide da totalidade spinozana
A filosofia de Baruch de Spinoza tem tido vaacuterias interpretaccedilotildees No campo da
academia haacute controveacutersias e convergecircncias quando agraves suas formulaccedilotildees teoacutericas Muitos
o classificam como filoacutesofo racionalista por conta da sua tese de que ldquoa verdadeira
sabedoria soacute pode ser alcanccedilada com uma criacutetica racional das noccedilotildees que se
apresentam como evidentes ou reveladasrdquo (Marccedilon 2009 p 25) outros o consideraram
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 47
ILKA SCHAPPER SANTOS
como um materialista ortodoxo Mas concordo com Pierre Macherey (1979) quando
aponta que os construtos teoacutericos de Spinoza possibilitam eles proacuteprios uma filosofia
da imanecircncia Para aleacutem da imanecircncia uma filosofia da totalidade
Considero que a obra spinozana atravessa a grande temporalidade histoacuterico-
cultural que pode ser observada nas batalhas (ideo)loacutegicas do livro sobre Eacutetica a partir
das (re)construccedilotildees teoacutericas em torno da metafiacutesica medieval no confronto agrave
perspectiva dualista e linear cartesiana das relaccedilotildees entre corpomente na filosofia da
totalidade na concepccedilatildeo de imaginaccedilatildeo como regime de signos que expressam as
paixotildees coletivas na tentativa de mostrar quais satildeo nossos afetos como afetamos e
somos afetados na defesa da liberdade de pensamento O autor holandecircs traz na sua
obra provocaccedilotildees instigantes para pensar os valores e crenccedilas da sociedade circunscrita
na sua eacutepoca e tambeacutem por conta de um confronto transtemporal na sociedade
contemporacircnea
Para Spinoza (na primeira parte do tratado sobre Eacutetica) os seres humanos
constituem parte dos modos12
da substacircncia O que significa para o humano constituir-
se parte da substacircncia O autor explica que substacircncia eacute aquilo que existe em si mesmo
e por si mesmo eacute concebido dito de outro modo aquilo cuja conceituaccedilatildeo natildeo exige a
conceituaccedilatildeo de outra coisa do qual deva ser formado (Spinoza 16772005 I III p
62) A substacircncia possui assim autossuficiecircncia loacutegico-conceitual mas haacute no interior
dela uma derivaccedilatildeo que o teoacuterico chamou de modos isto eacute os elementos dependentes
finitos e suscetiacuteveis agraves causas externas
Segundo o autor holandecircs o ser humano integraria modos da substacircncia no
monismo entre corpo e mente Mas se a substacircncia eacute o uno infinito e ilimitado da
existecircncia eacute causa de si e expressa a totalidade como pode comportar na sua gecircnese a
relaccedilatildeo entre corpo e mente A resposta de Spinoza eacute que apesar de haver apenas uma
substacircncia uma soacute natureza eacute ldquoconstituiacuteda por uma infinidade de atributos13
que
expressam de formas distintas sua uacutenica essecircncia eterna e infinitardquo (Marccedilon 2009 p
38)
12 A substacircncia para Spinoza eacute constituiacuteda de infinitos modos mas os modos em si natildeo satildeo infinitos O
modo natildeo possui infinitos atributos mas o ser humano percebe atraveacutes dos modos os mesmo atributos
que vecirc na substacircncia Assim atraveacutes dos modos o ser humano identifica os atributos de pensamento e
extensatildeo (I Definiccedilatildeo V II Proposiccedilatildeo XIII) 13
Para Spinoza um atributo eacute um modo de se ver a substacircncia
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 48
ILKA SCHAPPER SANTOS
Respondendo a questatildeo do paraacutegrafo anterior de outro modo pode-se afirmar
que a substacircncia possui infinitos atributos Ou seja a substacircncia tem infinitas
possibilidades de ser vista sendo essas possibilidades concebidas como fundadas agrave sua
essecircncia (Spinoza 16772005 Proposiccedilotildees X e XI) Apesar de possuir infinitos
atributos e dessa maneira possuir infinitos modos de ser visto o ser humano soacute tem
capacidade de identificar dois desses atributos o pensamento e a extensatildeo
Com respeito ao binocircmio corpomente como modos da substacircncia natildeo tecircm uma
relaccedilatildeo hieraacuterquica natildeo haacute supremacia de um sobre o outro isso porque corpo e mente
constituem uma mesma coisa em um soacute Haacute nesse binocircmio uma correspondecircncia que
Spinoza intitulou de paralelismo14
o que o atributo extensatildeo (os corpos como modos
finitos da extensatildeo) realiza o atributo pensamento compreende (Spinoza 16772005
III II p 199) Extensatildeo e pensamento satildeo indissociaacuteveis e imbricados pois formam
uma totalidade satildeo o verso e o reverso de uma mesma e uacutenica substacircncia multifacetada
Eacute no interior da siacutentese desse paralelismo entre corpo-mente (ideia do corpo) que temos
a gecircnese da explicaccedilatildeo do monismo spinozano
Segundo Marilena Chauiacute (1999) o pensamento de Spinoza inova natildeo apenas
pelo fato de compreender o ser humano como instacircncia dos modos finitos da substacircncia
que nele se expressa mas tambeacutem por trazer para o debate a concepccedilatildeo do modo finito
impresso no humano que carrega as marcas da imanecircncia infinita da substacircncia
Podemos inferir que os seres humanos constituem-se parte da substacircncia em
seus modos dependentes finitos e sujeitos a causas externas Por conta dessa finitude
sua liberdade eacute parcial e por mais que tenha o livre arbiacutetrio ldquonunca chega a ser
totalidade livre na ordem do universordquo (Fuga 2009 p 51) Isso porque o modo
manteacutem relaccedilotildees com o que eacute externo a ele que configura outro modo A (inter-)relaccedilatildeo
dos modos eacute nomeada por Spinoza (16772005 II Proposiccedilotildees XIII p 143) de
ldquoafecccedilatildeordquo Assim um modo ldquoafectardquo e eacute ldquoafectadordquo por outro modo natildeo podendo pela
vontade evitar a ldquoafecccedilatildeordquo Nessa (inter-)relaccedilatildeo pode ocorrer um aumento ou uma
diminuiccedilatildeo do poder de expressatildeo da potecircncia do agir ou do seu conatus que
etimologicamente significa ldquoesforccedilordquo em latim
14 Para Spinoza a tese do paralelismo entre corpomente diz de uma espeacutecie de correspondecircncia ou
isonomia entre os dois modos ou atributos ldquoum modo da extensatildeo e a ideia desse modo satildeo uma soacute e
mesma coisa que se exprime entretanto de duas maneirasrdquo (II Proposiccedilatildeo VII Escoacutelio 2005 p 136)
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 49
ILKA SCHAPPER SANTOS
Segundo Deleuze (2002 p 62-63) para Spinoza o conhecimento natildeo eacute a
operaccedilatildeo de um sujeito mas a afirmaccedilatildeo de uma ideia Ele se constitui como modos da
existecircncia porque no movimento de conhecer prolonga-se nos tipos de consciecircncia e
de afetos que lhe correspondem de modo que todo poder de ser afetado seja preenchido
(ibid p 64) O conhecimento verdadeiro eacute aquele que expressa uma essecircncia singular
Para ele haacute trecircs gecircneros de conhecimentos a) o primeiro gecircnero foi nomeado pelo autor
por ideias inadequadas que exprimem as condiccedilotildees naturais de nossa existecircncia
enquanto natildeo temos as noccedilotildees comuns nem as ideias adequadas As ideias
inadequadas se definem por signos indicativos e signos imperativos Estes como sendo
os signos que envolvem o conhecimento inadequado das leis e aqueles signos que
envolvem o conhecimento inadequado das coisas b) o segundo gecircnero do
conhecimento satildeo as noccedilotildees comuns que satildeo as ideias que podem ser aplicadas a
diversas essecircncias singulares mas que natildeo conseguem expressar adequadamente
nenhuma dessas ideias c) o terceiro gecircnero tratado pelo autor foi intitulado de ideias
adequadas que expressam conhecimento verdadeiro pois possibilitam conhecer a
essecircncia singular como ela eacute
A relaccedilatildeo de conveniecircncia ou composiccedilatildeo entre os seres (Spinoza 16772005
II Lema II) permite pensar a relaccedilatildeo entre os trecircs gecircneros do pensamento as ideias
inadequadas podem se transformar em noccedilotildees comuns deixando de ser ldquoideias
confusas ou vagasrdquo para compor algo que eacute o mesmo tanto nas partes quanto no todo
mas natildeo idecircnticas nas partes Por sua vez as noccedilotildees comuns por trazerem partes da
totalidade se aproximam mais do terceiro gecircnero as ideias adequadas Eacute a concepccedilatildeo
de totalidade que nos faz passar do segundo para o terceiro gecircnero pois estaacute de certa
forma vinculada agraves noccedilotildees comuns ldquoo que eacute comum a todas as coisas e se acha
igualmente na parte e no todo natildeo pode ser concebido senatildeo adequadamenterdquo
(Spinoza 16772005 p 171) por conta de agregar mais partes da substacircncia a noccedilatildeo
comum nos possibilita sob esse aspecto passar para as ideias adequadas que
exprimem a essecircncia da natureza
Segundo Deleuze no interregno entre o primeiro e o segundo gecircnero existe uma
relaccedilatildeo ocasional que viabiliza o salto de um para outro O autor explica que
Por um lado quando encontramos corpos que convecircm com o nosso
ainda natildeo temos a ideia adequada desses outros corpos nem de noacutes
mesmos mas sentimos paixotildees alegres (aumento de nossa potecircncia de
agir) que pertencem ainda ao primeiro gecircnero mas nos induzem a
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 50
ILKA SCHAPPER SANTOS
formar a ideia adequada do que eacute comum entre tais corpos e o nosso
Por outro lado a noccedilatildeo comum em si mesma estabelece harmonias
complexas com as imagens confusas do primeiro gecircnero e apoia-se em
certas caracteriacutesticas da imaginaccedilatildeo (Deleuze 2002 p 55)
Isso pode ser sintetizado no que Spinoza chamou de relaccedilatildeo de conveniecircncia ou
composiccedilatildeo entre os seres Nessa relaccedilatildeo o ser humano pode aumentar ou diminuir seu
conatus expresso na sua potecircncia de agir Para Spinoza o conatus eacute uma potecircncia de um
modo finito natural de autoconservaccedilatildeo que se manifesta no nosso esforccedilo para
preservar a existecircncia Isso natildeo significa uma preservaccedilatildeo estaacutetica ou inerte ao
contraacuterio ldquoesse esforccedilo requer uma dinacircmica que evolui por meio dos encontros com
outros modos ao longo de toda existecircnciardquo (Fuga 2009 p 51)
O conatus natildeo eacute caracteriacutestica exclusiva do ser humano Todos os seres possuem
conatus inclusive os seres do reino mineral que tendem involuntariamente a preservar
na existecircncia pois como modo da substacircncia eacute determinado a existir por um tempo
indefinido No entanto um ser do reino mineral ldquonatildeo tem a ideia da ideia de seu corpordquo
(Spinoza 16772005 III VIII demonstraccedilatildeo p 206) posto que natildeo tem consciecircncia de
si A manifestaccedilatildeo de um diferente conatus depende do grau de complexidade de seu
corpo No caso do ser humano devido a seu elevado grau de complexidade aleacutem da
constante busca em se preservar na existecircncia procura uma autoexpansatildeo na (inter-)
relaccedilatildeo com outros seres podendo aumentar ou diminuir sua potecircncia de agir
Para Spinoza ao encontrar um outro corpo que lhe conveacutem o ser humano pode
experimentar sentimentos de alegria ou de tristeza No primeiro sentimento haacute o
aumento do conatus e no segundo uma diminuiccedilatildeo da potecircncia do agir Nesse
movimento de interaccedilatildeo entre corpos ou de composiccedilotildees nas palavras de Spinoza os
seres humanos vatildeo se constituindo afetando e sendo afetados As composiccedilotildees e
decomposiccedilotildees de corpos quando estatildeo sob a eacutegide da alegria possibilitam que o ser
humano se aproxime das ideias adequadas Assim a atividade de nossa mente
corresponde agraves alteraccedilotildees que decorrem do contato do nosso corpo com outros corpos
nessa relaccedilatildeo com outros corpos distintos pensamentos ou conhecimentos satildeo gerados
Dependendo do grau de composiccedilatildeo esses pensamentos ou conhecimentos se fundam
ora nas ideias inadequadas ora nas noccedilotildees comuns ora nas ideias adequadas
Quais as relaccedilotildees entre esses construtos teoacutericos spinozanos tratados acima
com a CC
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 51
ILKA SCHAPPER SANTOS
Como vimos o ser humano eacute parte da substacircncia que conteacutem a totalidade e
sendo finito e parcialmente livre tem tambeacutem possibilidade parcial de criar ideias
adequadas que propiciam a liberdade Assim por conta dessa finitude o humano
observa as coisas de forma inadequada No entanto quando em contato com outros
seres humanos em um fluxo de composiccedilatildeo as ideias inadequadas e as noccedilotildees comuns
de cada sujeito satildeo confrontadas gerando tensotildees e conflitos que desestabilizam as
dicotomias e ideias simplistas que satildeo elementos da inadequaccedilatildeo do conhecimento
Nesse movimento de compartilhamento de pensamentos e conhecimentos de ideias
inadequadas os sujeitos podem criar novas ideias ainda parciais e insuficientes mas
muito mais proacuteximas das noccedilotildees comuns dos aspectos infinitos e adequados dos modos
da substacircncia que conteacutem elementos da totalidade (Liberali 2009)
O entendimento do processo de composiccedilatildeo entre os corpos para formar uma
noccedilatildeo comum e se aproximar das ideias adequadas eacute fundamental para a compreensatildeo
da produccedilatildeo de conhecimento no caso desta tese a produccedilatildeo de conhecimento do GP
EFoPI Essa interaccedilatildeo entre os participantes do grupo pode gerar um aumento na
potecircncia do agir (o conatus) de cada participante bem como no conatus do grupo e
possibilitar a todos estarem parcialmente nas partes e completamente no todo se
aproximando cada vez mais da substacircncia Isso porque ldquose dois indiviacuteduos se aliam um
ao outro formam um indiviacuteduo duas vezes mais poderoso do que cada um deles tomado
separadamenterdquo (Spinoza 16772005 IV XVIII escoacutelio p 303) Assim nesse fluxo
interacional os participantes ldquoimprimem por assim dizer certos vestiacutegiosrdquo (Spinoza
Postulado V p 151) nos sujeitos afetados melhor dizendo que afetam e satildeo afetados
Esses vestiacutegios marcam a gecircnese da transformaccedilatildeo do pensamento e do conhecimento
dos membros do GP EFoPI e dos participantes desta pesquisa
Esse movimento da busca de produccedilatildeo de ideias adequadas no interior da CC
encontra eco quando refletimos sobre o compartilhamento de sentidos e a produccedilatildeo de
significados na perspectiva soacutecio-histoacuterico-cultural Em especial nas construccedilotildees
teoacutericas de Bakhtin e seu ciacuterculo e nas de Vygotsky que foram tecidas neste capiacutetulo da
tese As obras de ambos os autores trazem na sua gecircnese uma visatildeo de totalidade
muito proacutexima agrave presente nas discussotildees do monismo spinozano que nos auxilia a
refletir sobre a indissociabilidade entre znacheniesmysl corpomente ideias
adequadasideias inadequadas aprendizadodesenvolvimento internoexterno
teoriapraacuteticas sociais entre outros
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 52
ILKA SCHAPPER SANTOS
No proacuteximo toacutepico discorrerei sobre aspectos importantes no movimento da
ldquovelhardquo e da ldquonovardquo retoacuterica para fundamentar a discussatildeo sobre a argumentaccedilatildeo no
interior deste trabalho de tese
115 ndash Breve retomada da ldquovelhardquo e da ldquonovardquo retoacuterica um encontro com a
argumentaccedilatildeo na cadeia criativa
Considerando ser o foco desta investigaccedilatildeo a argumentaccedilatildeo desenvolvida entre
pesquisadores e educadores participantes do GP EFoPI sobre a brincadeira esta seccedilatildeo
pretende tecer uma discussatildeo sobre o argumentar movimento considerado nesta tese
como elemento dialoacutegico manifesto nas accedilotildees de linguagem no fluxo da Cadeia
Criativa
Desde a antiguidade claacutessica a argumentaccedilatildeo tem se constituiacutedo como objeto de
estudo de pensadores e teoacutericos fato expresso nos estudos sobre a retoacuterica Assim
apresento uma breve siacutentese dos construtos sobre a argumentaccedilatildeo tendo como eixo A
Arte Retoacuterica de Aristoacuteteles (350 aC 2005) e o estudo da Nova Retoacuterica de Perelman
amp Olbrechts-Tyteca (19702005) este uacuteltimo resultante da releitura da tradiccedilatildeo claacutessica
Os estudos sobre argumentaccedilatildeo tecircm suas raiacutezes na arte retoacuterica Eacute consenso que
esta eacute a arte de argumentar e no interior disso a argumentaccedilatildeo estaacute sob a eacutegide da arte
de persuadir e de convencer No dicionaacuterio Houaiss da Liacutengua Portuguesa os verbetes
persuadir e convencer tecircm proximidades semacircnticas Aquele eacute definido como ldquolevar ou
convencer (algueacutem ou a si mesmo) a acreditar ou convencer (-se)rdquo (Houaiss 2001 p
2197) e este como ldquopersuadir (algueacutem ou a si mesmo) a aceitar uma ideia ou admitir
um fato por meio de razotildees ou argumentos bem fundadosrdquo (ibid p 826) No entanto
as sutilezas semacircnticas mostram que persuadir estaacute mais relacionado ao campo do
sentimento da emoccedilatildeo enquanto o convencer transita no terreno das ideias sob o signo
da razatildeo pois postula que o convencimento se daacute por meio de razotildees ou argumentos
bem fundados Esses dois verbetes satildeo indissociaacuteveis na praacutetica argumentativa
Segundo Abreu (1999 p 25) ldquoconvencer eacute construir algo no campo das ideiasrdquo
e ldquopersuadir eacute construir no terreno das emoccedilotildees eacute sensibilizar o outro para o agirrdquo A
capacidade de argumentar em uma perspectiva monista seria o verso e o reverso dessas
duas construccedilotildees Reboul (2004) explica que a retoacuterica eacute a ldquoa arte de persuadir pelo
discursordquo Para o autor persuadir eacute levar algueacutem a crer em algo no campo da discussatildeo
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 53
ILKA SCHAPPER SANTOS
Entretanto refuta a tese que distingue convencer e persuadir por consideraacute-la
ldquoexcessivamente dualistardquo ao dicotomizar crenccedila e inteligecircncia razatildeo e emoccedilatildeo
Essa mesma discussatildeo eacute apresentada por Koch (19922004) que discorre sobre o
ato de convencer e persuadir Para a autora este tem como foco os sentimentos dos
interlocutores o auditoacuterio particular e os argumentos pautados no verossiacutemil Jaacute aquele
estaacute direcionado ao auditoacuterio universal sob o eixo da razatildeo
A argumentaccedilatildeo estaacute relacionada ao conjunto das accedilotildees humanas cuja finalidade
eacute a adesatildeo do outro ora na adoccedilatildeo de um comportamento ora na adoccedilatildeo de um ponto
de vista Isso pode ocorrer em uma audiecircncia formada por um uacutenico sujeito (auditoacuterio
interno) ou em uma audiecircncia coletiva mais ampla (auditoacuterio universal) O ato de
argumentar fundado nas accedilotildees humanas estaacute imbricado agraves accedilotildees semiotizadas pela
linguagem em situaccedilatildeo de interaccedilatildeo verbal e extraverbal que procura a
indissociabilidade entre o convencer e o persuadir como jaacute disse Desde que ldquoa espeacutecie
humana se distingue da primata por sua capacidade de construir cultura como agente
mental e intencional e por utilizar intencionalmente e intersubjetivamente instrumentos
semioacuteticos para interagir com o outro atribui agrave linguagem um caraacuteter argumentativordquo
(Santos 2006 p 85) Isto implica afirmar que desde muito cedo o ser humano domina
mesmo que de maneira assistemaacutetica e espontacircnea modos e maneiras de argumentar
Eacute precisamente na antiguidade claacutessica grega que nasce um saber estruturado e
sistematizado sobre a argumentaccedilatildeo esse modo de agir sobre o outro fundado napela
linguagem cuja intencionalidade eacute convencer-persuadir manipular pontos de vista
consciecircncia-espiacuterito sob a eacutegide da arte denominada retoacuterica
A argumentaccedilatildeo desde sua origem tem tido diferentes acepccedilotildees o que nos
remete a uma bifurcaccedilatildeo ora ligada aacute retoacuterica ora relacionada agrave loacutegica Compreender
sua significaccedilatildeo na contemporaneidade requer iniciar o diaacutelogo com o pensamento
aristoteacutelico que constitui um marco nos estudos sobre raciocinar a partir de um campo
argumentativo
Para discutir a argumentaccedilatildeo e suas relaccedilotildees com a antiga retoacuterica neste
trabalho tratarei de algumas definiccedilotildees Apesar de ser a definiccedilatildeo de retoacuterica de
Quintiliano (ldquoarte de falar bemrdquo) do seacutec I da nossa era que atravessou tempos e
espaccedilos e a que ficou mais conhecida eacute importante destacar que a gecircnese da
conceituaccedilatildeo aristoteacutelica (seacutec IV aC) na obra Arte Retoacuterica como ldquoa faculdade de ver
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 54
ILKA SCHAPPER SANTOS
teoricamente o que em cada caso pode ser capaz de gerar a persuasatildeordquo (I 1355 apud
Pistori 2009 p 25) eacute a base epistemoloacutegica para todas as discussotildees posteriores
A questatildeo fundamental do corpus epistemoloacutegico aristoteacutelico na Retoacuterica estaacute
posta nos conhecimentos passiacuteveis de serem provados as crenccedilas e opiniotildees que se
estruturam no confronto das ideias tendo como origem os pontos controversos uma vez
que ldquodeliberamos sobre as questotildees suscetiacuteveis de comportar duas soluccedilotildees opostasrdquo
(ibid)
O texto A Retoacuterica de Aristoacuteteles (350 aC2005) eacute composto por trecircs livros No
livro I o autor discorre sobre os trecircs gecircneros retoacutericos (a) o deliberativo que tem como
eixo discursivo a persuasatildeo e a dissuasatildeo (b) o judiciaacuterio que tem como objetivo
defender ou acusar o epidiacutectico que se funda no elogio ou na censura Ainda neste
primeiro livro o teoacuterico apresenta argumentos na defesa da utilidade da retoacuterica e tece
uma anaacutelise da natureza da prova retoacuterica intitulada de entimema uma espeacutecie de
silogismo derivado No Livro II Aristoacuteteles faz uma anaacutelise de dois elementos inter-
relacionados no campo retoacuterico o plano emocional e a recepccedilatildeo do discurso retoacuterico
Para isso destaca sentimentos que se manifestam no entremeio da argumentaccedilatildeo tais
como ira amizade confianccedila vergonha e seus contraacuterios Tambeacutem apresenta as formas
em que se materializa a argumentaccedilatildeo em especial os toacutepicos argumentativos o uso de
maacuteximas e de entimemas Por fim no livro III satildeo analisados o estilo e a composiccedilatildeo
do discurso retoacuterico No movimento explicativo desses dois pontos traz para a cena da
discussatildeo elementos como clareza correccedilatildeo gramatical e ritmo o uso de metaacuteforas e as
partes imprescindiacuteveis a um discurso (Aristoacuteteles 350 aC 2005 p 22) Nas
discussotildees que datildeo corpo a essa obra Aristoacuteteles promulga as bases da retoacuterica
ocidental Bases que assumidamente se sustentam ao longo dos seacuteculos pois no campo
da evoluccedilatildeo retoacuterica o que se acrescentou representa muito mais um aperfeiccediloamento
sobre a temaacutetica do que construccedilotildees que rompam com o campo epistemoloacutegico
aristoteacutelico
Na tradiccedilatildeo aristoteacutelica a retoacuterica visa agrave descoberta e escolha dos meios que
possam levar um determinado auditoacuterio agrave persuasatildeo Segundo o filoacutesofo satildeo
necessaacuterios trecircs tipos de provas teacutecnicas o ethos que estaacute ligado agrave moral do orador e eacute
concebido como a imagem que este projeta de si atraveacutes de sua maneira de falar com o
intuito de conquistar a confianccedila de seu puacuteblico assegurando e tornando criacutevel o seu
discurso o pathos visto como o modo de recepccedilatildeo do discurso ou seja os sentimentos
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 55
ILKA SCHAPPER SANTOS
que o auditoacuterio experimenta ao ser confrontado com o que eacute dito podendo ter adesatildeo ou
natildeo agrave tese e finalmente o logos entendido como o proacuteprio discurso ou seja as
escolhas linguiacutesticas e estiliacutesticas que contribuem para dar credibilidade ao discurso
tendo como base o raciociacutenio Eacute no interior desses elementos da retoacuterica que se tece um
viacutenculo intersubjetivo entre orador e audiecircncia e que vai determinar a forccedila persuasiva
dos argumentos
Nos estudos mais recentes dois aspectos relacionados agrave argumentaccedilatildeo satildeo
destacados (1) a intenccedilatildeo persuasiva do orador materializada em uma fala convincente
que possibilita mudanccedila de atitude na audiecircncia e (2) a organizaccedilatildeo estrutural do
discurso O primeiro aspecto estaacute relacionado agraves estrateacutegias discursivas de
convencimento utilizadas pelo orador e retomadas por Perelman amp Olbrechts-Tyteca
(19702005) na releitura criacutetica que fizeram da Arte Retoacuterica de Aristoacuteteles (350 aC
2005) Jaacute o segundo aspecto diz respeito agrave infraestrutura textual da argumentaccedilatildeo
retomada por Toulmin (1974)
No entremeio desses dois elementos constitutivos da argumentaccedilatildeo satildeo tecidos
dois modos baacutesicos de raciociacutenio que estruturam o argumentar (1) o que ficou
conhecido como silogismo ndash demonstraccedilatildeo analiacutetica que se refere agrave demonstraccedilatildeo
pautada em proposiccedilotildees evidentes (provas vaacutelidas decorrentes de premissas universais)
fundadas na loacutegica formal e (2) a argumentaccedilatildeo dialeacutetica que se manifesta a partir de
argumentos com base em enunciados possiacuteveis no campo de conclusotildees verossiacutemeis
(Aristoacuteteles 350 aC 2005)
Neste trabalho de tese privilegiarei o segundo modo de raciociacutenio para o
argumentar qual seja a argumentaccedilatildeo dialeacutetica que tem sua gecircnese no pensamento
aristoteacutelico e na contemporaneidade foi retomado de forma criacutetica por Perelman e
Olbrechts-Tyteca (19702005)
O movimento da argumentaccedilatildeo dialeacutetica funda-se em enunciados provaacuteveis dos
quais se pode chegar a conclusotildees apenas verossiacutemeis natildeo tendo o estatuto de verdade
absoluta mas que promovem diversos modos de raciocinar
A dialeacutetica de Aristoacuteteles constitui-se em um jogo cujo objetivo eacute vencer mas
sem burlar as regras inerentes agrave loacutegica Na maioria das vezes esse jogo tem o fim em si
mesmo Eacute estruturado por silogismo demonstrativo que parte das premissas evidentes e
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 56
ILKA SCHAPPER SANTOS
por silogismo dialeacutetico que se funda nas premissas provaacuteveis (aquilo que pode ser
verdadeiro)15
Eacute importante dizer que a argumentaccedilatildeo dialeacutetica de Aristoacuteteles ao longo dos
seacuteculos foi perdendo espaccedilo na comunidade dos filoacutesofos para a demonstraccedilatildeo
analiacutetica Isso por conta da rigidez do racionalismo e do cristianismo sendo percebida
como uma forma menos confiaacutevel por estar sob a eacutegide do verossiacutemil e natildeo do estatuto
de verdade Esse momento da histoacuteria corresponde ao Renascimento
Opondo-se a essa visatildeo vejo que a arquitetura aristoteacutelica da retoacuterica traz
importantes elementos para pensarmos a argumentaccedilatildeo Na sua obra magna o pensador
da antiguidade claacutessica afirma que todo ser humano resguardadas as limitaccedilotildees de cada
um eacute capaz de argumentar porque no interior de sua interlocuccedilatildeo no mundo se propotildee
a partir de uma tese defender ou refutar algo Dito de outro modo a retoacuterica se constitui
como elemento fundante da competecircncia argumentativa dos sujeitos Eacute na praacutetica
discursiva que persuadimos convencemos sempre que buscamos demonstrar o
verossiacutemil
Pautados nas noccedilotildees de Aristoacuteteles podemos provar o verossiacutemil atraveacutes dos trecircs
elementos constituintes do movimento discursivo de que tratei anteriormente ethos
pathos e logos Esses trecircs elementos estatildeo presentes nos trecircs gecircneros retoacutericos da
argumentaccedilatildeo o retoacuterico judiciaacuterio o retoacuterico deliberativo e o retoacuterico epidiacutectico A
determinaccedilatildeo desses gecircneros ou tipos demarca o protagonismo do papel do orador na
construccedilatildeo retoacuterica de seu discurso ldquoagrave medida que eacute capaz de se orientar pela
accedilatildeoreaccedilatildeo da audiecircncia quer seja em termos de cooperaccedilatildeo quer seja em termos de
conflitordquo (Santos 2006 p 88)
A seguir apresento de forma sintetizada os gecircneros retoacutericos do discurso16
tal
como foram elaborados por Aristoacuteteles e sistematizados no trabalho de Santos (ibid p
88-90)
A gecircnese da retoacuterica deliberativa encontra-se na assembleia democraacutetica tem
por objetivo apresentar projeccedilotildees de futuro para que a audiecircncia aprecie e avalie os
15 Reboul (2004 p 28) define silogismo como ldquodiscurso argumentativo baseado na causa contendo trecircs
proposiccedilotildees sendo duas premissas e a conclusatildeordquo 16
Eacute importante esclarecer que o gecircnero do discurso em Aristoacuteteles difere da discussatildeo de gecircneros de
Bakhtin Para este uacuteltimo grosso modo os gecircneros do discurso constituem-se como tipos de enunciados
relativamente estaacuteveis que estatildeo intrinsecamente relacionados a contextos tiacutepicos da comunicaccedilatildeo social
em situaccedilotildees sociais de interaccedilatildeo no interior de uma determinada comunidade semioacutetica
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 57
ILKA SCHAPPER SANTOS
possiacuteveis desdobramentos de uma tomada de decisatildeo tendo como referente a promoccedilatildeo
de lucros ou prejuiacutezos para a partir daiacute posicionar-se frente aos argumentos O uso de
argumentos de exemplo eacute a principal estrateacutegia argumentativa em que se pauta o orador
Isso porque eacute este argumento que facilita o raciociacutenio indutivo em especial quando se
trata de grandes audiecircncias
A retoacuterica judiciaacuteria pauta-se na existecircncia de uma questatildeo polecircmica em
evidecircncia e teses que se contrapotildeem A estrutura desse gecircnero estaacute sob a eacutegide das
dicotomias justoinjusto aceitaccedilatildeotransgressatildeo de normas e leis posto que tem como
auditoacuterio o tribunal que ora acusa (acusaccedilatildeo) ora defende (defesa) Assim ldquoprovar a
adequaccedilatildeo e inadequaccedilatildeo normativa de uma accedilatildeo ocorrida eacute o tipo ideal de situaccedilatildeo
em que se potildee o modo judiciaacuteriordquo (Magalhatildees17
R F 2002 p 44) Cabe ao orador
com(provar) baseado em leis e regras compartilhadas com a audiecircncia a adequaccedilatildeo ou
inadequaccedilatildeo dos episoacutedios narrados ldquona medida em que reconstroacutei persuasivamente os
fatos do passado em rede causal e os apresenta agrave audiecircncia como juiacutezes das accedilotildees
cabe julgar os fatos conforme a cadeia que se pode deles inferirrdquo (Santos 2006 p 89)
Jaacute a retoacuterica epidiacutectica tem objetivos diferentes dos dois gecircneros citados
anteriormente natildeo busca travar combate entre adversaacuterios seja para aconselhar ou
deliberar o melhor para a audiecircncia ou advogar sobre o justo Este gecircnero tem a funccedilatildeo
de construir a esteacutetica do discurso Para isso sua linguagem se estrutura na eloquecircncia
procurando construir uma cena discursiva que exprima a trageacutedia a comeacutedia o destaque
a valores como o viacutecio e a virtude (ibid p 89) Magalhatildees R F (2002 p 45) explica
que ldquoo discurso epidiacutectico natildeo discute o objeto mas toma-o como dado e trata de
engrandececirc-lo ou denegri-lordquo o papel do auditoacuterio nesse contexto portanto eacute de
espectador aquele que aprecia e aplaude o discurso do orador como se fosse
apresentaccedilatildeo cecircnica ou uma obra de arte No quadro abaixo mostrarei a siacutentese desses
gecircneros retoacutericos do discurso
17 Quando me referir ao artigo ldquoA reconstruccedilatildeo da racionalidade no paradigma da linguagem a
contribuiccedilatildeo retoacutericardquo utilizarei Magalhatildees R F (2002) Nas demais citaccedilotildees de Magalhatildees estarei me
referindo agrave Profordf Drordf Maria Ceciacutelia Camargo de Magalhatildees
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 58
ILKA SCHAPPER SANTOS
Quadro 01- Os trecircs gecircneros do discurso na Retoacuterica com base em Rebul (200447)
Gecircneros do
Discurso
Auditoacuterio Situaccedilatildeo Tempo Ato Valor
es
Argument
o-tipo
Judiciaacuterio Juiacutezes Aceitaccedilatildeo ou
transgressatildeo de leis e
normas
Passado
(fatos
por
julgar)
Acusar
Defender
Justo
Injust
o
Etinema
(dedutivo)
Deliberativo Assembleia
democraacutetica
Consulta a lucros ou
prejuiacutezos
Futuro Aconselhar
Desaconselhar
Uacutetil
Nociv
o
Exemplo
(indutivo)
Epidiacutectico Espectador Exprimir a trageacutedia a
comeacutedia a exaltaccedilatildeo
a valores
Presente Louvar
Censurar
Nobre
vil
Ampliaccedilatildeo
Para Perelman e Olbrechts-Tyteca a ausecircncia de um juiacutezo de valor e de
intensidade da adesatildeo e a ecircnfase na esteacutetica do discurso caracteriacutesticas da retoacuterica
epidiacutectica acabaram por criar uma compreensatildeo equivocada sobre o loacutecus desse gecircnero
na retoacuterica persuasiva Em decorrecircncia disso historicamente ele foi mais ldquoenquadradordquo
agrave literatura do que agrave argumentaccedilatildeo ldquoa distinccedilatildeo dos gecircneros contribuiu para a
posterior desagregaccedilatildeo da retoacuterica pois os dois primeiros gecircneros (deliberativo e
judiciaacuterio) foram anexados pela filosofia e pela dialeacutetica tendo sido o terceiro (o
epidiacutectico) englobado na prosa literaacuteriardquo (Perelman e Olbrechts-Tyteca 19702005 p
54)
Magalhatildees R F (2002 p 43) discorre sobre a triacuteade claacutessica desses trecircs
gecircneros e propotildee ainda a discussatildeo do quarto gecircnero que aparece mais diluiacutedo na obra
de Aristoacuteteles (350 aC 2005) o analiacutetico A retoacuterica analiacutetica se presentifica no
universo do raciociacutenio loacutegico-cientiacutefico fundada na maneira de guiar e fundamentar os
argumentos cujo objetivo eacute explicar as razotildees de fenocircmeno O loacutecus desse gecircnero eacute o
da ciecircncia e assim como os espaccedilos de opiniatildeo de debate e de persuasatildeo ldquoexpressa um
tipo de retoacuterica que atende hoje agraves demandas de um mundo moderno no qual se
discutem e se explicam com relativo desembaraccedilo mesmo que atraveacutes de jargotildees mais
simplificados questotildees de natureza cientiacuteficardquo (Santos 2006 p 90)
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 59
ILKA SCHAPPER SANTOS
Apesar desta exposiccedilatildeo didaacutetica de cada gecircnero do discurso separadamente
quero registrar que natildeo os vejo como dissociados Pautada em Magalhatildees R F (2002)
defendo que haacute um entrelaccedilamento entre eles o que possibilita percebecirc-los imbricados
promovendo uma configuraccedilatildeo variada do debate retoacuterico Desse modo encontramos
na estrutura da retoacuterica judiciaacuteria elementos da retoacuterica deliberativa quanto agraves
consequecircncias de uma condenaccedilatildeo ou de uma absolviccedilatildeo o inverso tambeacutem eacute
verdadeiro Eacute tambeacutem possiacutevel perceber na retoacuterica deliberativa uma estrutura
discursiva que se pauta na reconstruccedilatildeo de narrativas caracteriacutesticas da retoacuterica
judiciaacuteria para validar as projeccedilotildees de futuro e promover as deliberaccedilotildees pretendidas
pela audiecircncia o que pode ser exemplificado com o gecircnero propaganda poliacutetica
Para se conseguir a adesatildeo do eleitor o candidato apresenta uma
relaccedilatildeo retrospectiva de realizaccedilotildees de sua vida puacuteblica para que
entatildeo o eleitor delibere por votar no candidato com base em
projeccedilotildees futuras de continuidade desses feitos e os possiacuteveis lucros
de sua vitoacuteria Do mesmo modo como observa o autor a fala sobre a
moralidade dificilmente pode ser alcanccedilada usando-se apenas os
silogismos ou a induccedilatildeo que caracterizam os modos deliberativo e
judiciaacuterio (Santos 2006 p 90)
A discussatildeo que teci dos gecircneros da argumentaccedilatildeo presentes desde a retoacuterica
claacutessica juntamente com a discussatildeo sobre sua estrutura variada no debate retoacuterico
servem de alicerce para os estudos modernos sobre argumentaccedilatildeo em dois importantes
aspectos (1) a consideraccedilatildeo do caraacuteter heterogecircneo dos gecircneros discursivos e de seus
diferentes modos e maneiras de realizaccedilatildeo na prerrogativa de atender intenccedilotildees
comunicativas diversas (2) a heranccedila claacutessica nos estudos modernos sobre a
argumentaccedilatildeo no que se refere agrave relevacircncia dada agrave estrutura e ao planejamento do
discurso argumentativo (ibid p 91) Este uacuteltimo aspecto eacute o que nos interessa neste
trabalho pois auxilia na reflexatildeo sobre o discurso argumentativo na arte retoacuterica e sua
influecircncia na contemporaneidade destacando trecircs aspectos importantes da composiccedilatildeo
verbal do discurso na arte retoacuterica da antiguidade grega quais sejam taxis heuresis e
lexis
A taxis (lat Dispositio) corresponde ao plano de organizaccedilatildeo do
discurso que pode ser alterado em curso agrave medida em que se atendam
as demandas comunicativas como a reaccedilatildeo da audiecircncia frente ao
exposto A taacutexis reconhece os seguintes componentes de uma
argumentaccedilatildeo conforme nos apresenta Nach (1989 p 6-9) heuresis
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 60
ILKA SCHAPPER SANTOS
(lat Inventio) que diz respeito agrave capacidade do orador de utilizar
dentro de seu repertoacuterio de conhecimentos aquele(s) necessaacuterios(s) agrave
introduccedilatildeo ou ao desenvolvimento do assunto e que funciona(m)
como ferramenta(s) oratoacuteria(s) para a abordagem do conteuacutedo uma
pergunta retoacuterica uma anedota uma definiccedilatildeo uma comparaccedilatildeo e
lexis (lat elocutio) que corresponde agraves escolhas linguiacutesticas
(discursivas) que semiotizam as intenccedilotildees comunicativas de
persuasatildeo e convencimento (ibid p 91)
Perelman e Olbrechts-Tyteca propotildeem uma ruptura das concepccedilotildees de razatildeo e
raciociacutenio cartesiano defendendo a tese de que um raciociacutenio pode convencer sem
necessariamente ser um caacutelculo e pode ter o estatuto cientiacutefico tatildeo riacutegido e ter a precisatildeo
matemaacutetica No interregno entre as discussotildees aristoteacutelicas e o raciociacutenio cartesiano
temos em Perelman e Olbrechts-Tyteca (19702005) uma nova visatildeo de argumentaccedilatildeo
(1) estudo de teacutecnicas discursivas que permitem provocar ou aumentar a adesatildeo das
pessoas agraves teses que satildeo apresentadas (p 5) e
(2) provocar ou aumentar a adesatildeo dos espiacuteritos agraves teses que se apresentam a seu
assentimento uma argumentaccedilatildeo eficaz eacute a que consegue aumentar essa
intensidade de adesatildeo de forma que se desencadeie nos ouvintes a accedilatildeo
pretendida (accedilatildeo positiva ou abstenccedilatildeo) ou pelo menos crie neles uma
disposiccedilatildeo para a accedilatildeo que se manifestaraacute no momento oportuno (p 50)
Eacute importante dizer que nesse interregno a obra de Perelman e Olbrechts-Tyteca
resgata da doutrina aristoteacutelica a retoacuterica a partir dos conhecimentos provaacuteveis do
verossiacutemil e natildeo das certezas e verdades absolutas A delineaccedilatildeo de seu campo era o da
controveacutersia da crenccedila do mundo da opiniatildeo que se movimenta dialeticamente pelo
confronto de ideias e pela habilidade na praacutetica discursiva Foi no interior desse resgate
que surgiram as ldquonovas retoacutericasrdquo estruturadas nas loacutegicas natildeo formais e nas loacutegicas
naturais (Mosca 2004 p 20)
Esse novo movimento da retoacuterica estaacute fundado na inter-relaccedilatildeo das ciecircncias
humanas com as ciecircncias dos discursos tendo como referente a loacutegica e as evidecircncias
As teorias da argumentaccedilatildeo passam a se desenvolver sobre postulados democraacuteticos
lidando necessariamente com elementos que a loacutegica cartesiana natildeo permitiria tais
como crenccedilas valores preferecircncias e decisotildees Desse modo aceitam a existecircncia de
limitaccedilotildees e imperfeiccedilotildees uma vez que a argumentaccedilatildeo natildeo pretende se estruturar como
verdade absoluta e sim sob a perspectiva do provaacutevel do verossiacutemil e do criacutevel Nesse
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 61
ILKA SCHAPPER SANTOS
contexto cabe ao auditoacuterio (universal ou particular) decisatildeo de aderir ou natildeo agraves teses e
aos argumentos da cena enunciativa
Na perspectiva da nova retoacuterica eacute importante ter preocupaccedilatildeo com a adesatildeo do
auditoacuterio Desse modo possibilita-se que no espaccedilo de interaccedilatildeo o interlocutor
apresente uma accedilatildeo imediata ou futura diante das proposiccedilotildees e das perguntas
levantadas (Perelman e Olbrechts-Tyteca 19702005 p16) Isso porque como
discutido anteriormente o objetivo da retoacuterica eacute ldquoproduzir ou aumentar a adesatildeo de um
determinado auditoacuterio a certas teses e seu ponto inicial seraacute a adesatildeo desse auditoacuterio a
outras tesesrdquo (Perelman e Olbrechts-Tyteca 19702005 p70)
O ponto de intersecccedilatildeo entre a retoacuterica aristoteacutelica (350 aC 2005) e a Nova
Retoacuterica (Perelman e Olbrechts-Tyteca 19702005) eacute a crenccedila de que os interlocutores
no campo da enunciaccedilatildeo e no campo da intencionalidade se influenciam de alguma
maneira (Mosca 2004)
Segundo Osakabe (1999) Perelman e Olbrechts-Tyteca (19702005) trazem
algumas distinccedilotildees em relaccedilatildeo ao trabalho sobre a retoacuterica de Aristoacuteteles em especial
no que se refere ao gecircnero epidiacutectico e agrave questatildeo do loacutecus do qual se extraem as
premissas Em relaccedilatildeo ao gecircnero epidiacutectico acrescentam que eacute necessaacuterio que o orador
leve em consideraccedilatildeo a complexidade do contexto em que estaacute inserido complexidade
que pode ser desvelada pela linguagem no interior das praacuteticas sociais Jaacute a questatildeo do
ldquolugarrdquo do qual se retiram as premissas os autores discutem a necessidade de
simplificaacute-las em quantidade e qualidade
Eacute importante dizer que os estudos da Retoacuterica Claacutessica Aristoteacutelica bem como
da Nova Retoacuterica de Perelman e Olbrechts-Tyteca influenciaram sobremaneira a
reconstruccedilatildeo epistemoloacutegica e as releituras criacuteticas da abordagem retoacuterica dos estudos
literaacuterios e mais recentemente os estudos da linguagem desenvolvidos pela Linguiacutestica
Aplicada em especial os trabalhos desenvolvidos e orientados por Liberali no LAEL
da PUC-SP no seu projeto de produtividade do CNPq (Liberali 2008) do qual esta tese
faz parte
Nesse sentido o diaacutelogo tecido ateacute aqui entre a ldquovelhardquo e a ldquonovardquo retoacuterica tem
como objetivo refletir sobre a argumentaccedilatildeo a partir desses paracircmetros e daqueles
construiacutedos e discutidos por Liberali (2006 p 7) ldquouma argumentaccedilatildeo colaborativa que
permite a restriccedilatildeo e expansatildeo dos significados que saciaratildeo natildeo (somente) a
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 62
ILKA SCHAPPER SANTOS
necessidade individual mas aquela necessidade que permite perceber que somos parte
de uma totalidade que existe nas partesrdquo Nessa perspectiva a argumentaccedilatildeo eacute um
dispositivo que permite aos sujeitos interagirem no campo das ideias concepccedilotildees
valores e crenccedilas colocando-os em contato ora conflitantes ora em concordacircncia
Diante do exposto neste trabalho defino argumentaccedilatildeo como um dispositivo
enunciativo que a partir dos tipos de argumentos discutidos (que satildeo explicitados no
capiacutetulo 2) especialmente os propostos por Perelman e Olbrechts-Tyteca (19702005)
permite descrever informar confrontar e transformar os sentidos produzidos pelos
sujeitos nos espaccedilos discursivos da praacutetica de pesquisa Um movimento que revela
sentidos e significados compartilhados em outros espaccedilos criando em um loacutecus
especiacutefico particular uma instacircncia nova de significaccedilatildeo no movimento da CC
Na proacutexima seccedilatildeo discutirei esse movimento argumentativo no fluxo da
interaccedilatildeo verbal tendo como horizonte de visatildeo as categorias teoacutericas bakhtinianas
dialogismo discurso autoritaacuterio e discurso internamente persuasivo
116 ndash Fluxo da Interaccedilatildeo verbal por uma argumentaccedilatildeo dialoacutegica na Cadeia
Criativa
A interaccedilatildeo social por intermeacutedio da liacutengua caracteriza-se
fundamentalmente pela argumentatividade () o ato linguiacutestico
fundamental eacute o ato de argumentar
(Ingedore Koch)
No cenaacuterio dos estudos e pesquisas em Linguiacutestica Aplicada (LA) o tema
argumentaccedilatildeo tem sido importante ponto de discussatildeo Isso porque o campo de
investigaccedilatildeo da LA estabelece uma interface com diferentes domiacutenios do conhecimento
numa perspectiva transdisciplinar que tem como eixo a linguagem E como aponta a
epiacutegrafe desta seccedilatildeo o ato linguiacutestico fundamental eacute o ato de argumentar Dito isto o
binocircmio linguagem-argumentaccedilatildeo eacute elemento indissociaacutevel para trabalhos que buscam
investigar as interaccedilotildees sociais Nesta seccedilatildeo do capiacutetulo este binocircmio seraacute analisado no
fluxo da interaccedilatildeo verbal a partir das contribuiccedilotildees teoacutericas do Ciacuterculo de Bakhtin
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 63
ILKA SCHAPPER SANTOS
Ateacute agora discuti sobre as condiccedilotildees sociais histoacutericas e culturais que
determinam a existecircncia do ser humano e como focalizo neste trabalho a produccedilatildeo de
seu conhecimento Discorri tambeacutem a partir da perspectiva soacutecio-histoacuterico-cultural que
essa produccedilatildeo se processa no entremeio da realidade material e imaterial mediada por
representaccedilotildees siacutegnicas que constituem a essecircncia para a formaccedilatildeo da consciecircncia do
sujeito no interior da linguagem discursivo-simboacutelica Esse processo de internalizaccedilatildeo
do mundo exterior atraveacutes das representaccedilotildees siacutegnicas eacute dialeacutetico-ideoloacutegico o que
possibilita a transformaccedilatildeo do homem no mundo e a transformaccedilatildeo do mundo pelo
homem E por fim teci relaccedilotildees entre a ldquovelhardquo e a ldquonovardquo retoacuterica Passemos entatildeo a
discutir a argumentaccedilatildeo na Cadeia Criativa tendo como eixo a dialogia de Bakhtin
O ciacuterculo de Bakhtin traz uma nova perspectiva para a linguiacutestica moderna em
especial com os estudos sobre enunciaccedilatildeo interaccedilatildeo verbal e nas relaccedilotildees que tece sobre
linguagem-histoacuteria linguagem-sociedade e linguagem-dialogia
Bakhtin e seus colaboradores tecircm uma visatildeo da enunciaccedilatildeo como ldquomateacuteria
linguiacutestica e como contexto enunciativo e afirma ser o enunciado assim entendido o
objeto de estudos da linguagem O texto enunciativo recupera estatuto pleno de objeto
discursivo social e histoacutericordquo (Barros 1994 p 1) Sob a anaacutelise bakhtiniana a
enunciaccedilatildeo se processa no interior da interaccedilatildeo verbal presente nas mais variadas
interaccedilotildees do indiviacuteduo Nesse contexto podemos compreender a linguagem como um
sistema simboacutelico discursivo que enfatiza a interaccedilatildeo entre os sujeitos em todas as
dimensotildees da enunciaccedilatildeo pois o contexto soacutecio-histoacuterico-cultural no qual estamos
inseridos eacute um rico conjunto de significaccedilotildees
Eacute no interior desse contexto por meio da internalizaccedilatildeo e do revozeamento dos
discursos alheios que a liacutengua materna se funda
a liacutengua materna ndash a constituiccedilatildeo do seu leacutexico e sua estrutura
gramatical ndash natildeo a aprendemos nos dicionaacuterios e nas gramaacuteticas noacutes
a adquirimos mediante enunciados concretos que ouvimos e
reproduzimos durante a comunicaccedilatildeo verbal viva que se efetua com
indiviacuteduos que nos rodeiam (Bakhtin 1987 p 301-302)
Para Bakhtin internalizaccedilatildeo e revozeamento dos enunciados alheios
materializam-se no movimento dialoacutegico e heterogloacutessico da linguagem O dialogismo
expressa a natureza interdiscursiva da linguagem nem sempre consensual pois expressa
o ldquopermanente diaacutelogo nem sempre simeacutetrico e harmonioso existente entre os
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 64
ILKA SCHAPPER SANTOS
diferentes discursos que configuram uma comunidade uma cultura uma sociedaderdquo
(Brait 1997 p 98)
No dialogismo o discurso natildeo se constroacutei sobre ele mesmo mas se materializa
em vista do outro enquanto esse outro perpassa atravessa o discurso do ldquoeurdquo Esses
enunciados alheios e proacuteprios possibilitam a transformaccedilatildeo dos sujeitos em autores que
organizam suas praacuteticas discursivas a partir da interaccedilatildeo verbal A coluna vertebral da
interlocuccedilatildeo eacute pois a palavra
na realidade toda palavra comporta duas faces Ela eacute determinada
tanto pelo fato de que procede de algueacutem como pelo fato de que se
dirige para algueacutem Ela constitui justamente o produto da interaccedilatildeo do
locutor e do ouvinte Toda palavra serve de expressatildeo a um em
relaccedilatildeo ao outro atraveacutes da palavra defino-me em relaccedilatildeo ao outro
isto eacute em uacuteltima anaacutelise em relaccedilatildeo agrave coletividade A palavra eacute uma
espeacutecie de ponte lanccedilada entre mim e os outros Se ela se apoia sobre
mim numa extremidade na outra apoia-se sobre o meu interlocutor
(BakhtinVolochinov 1988 p 113)
Na perspectiva bakhtiniana a palavra existe para o enunciataacuterio em trecircs formas
diferentes
palavra neutra da liacutengua e que natildeo pertence a ningueacutem como
palavra do outro pertence aos outros e que preenche os ecos dos
enunciados alheios e finalmente palavra minha pois na medida em
que uso essa palavra numa determinada situaccedilatildeo com intenccedilatildeo
discursiva ela jaacute se impregnou de minha expressividade (Bakhtin
1987 p 388)
A palavra eacute o elemento em que se confrontam os valores sociais contraditoacuterios
materializando as crenccedilas e os antagonismos sociais produzindo muitas vezes discursos
ideologicamente opostos na luta pelo poder e pela primazia de um modelo econocircmico
pode ocorrer o mascaramento do dialogismo inerente ao sujeito social sobrepondo-se o
discurso oficial Por isso Bakhtin afirmou que o ldquosigno se torna a arena onde se
desenvolvem as lutas de classesrdquo (BakhtinVolochinov 1988) Nesse espaccedilo de luta
ideoloacutegica o signo linguiacutestico reflete e refrata a possibilidade de transformaccedilotildees sociais
pois
as palavras satildeo tecidas a partir de uma multidatildeo de fios ideoloacutegicos e
servem de trama a todas as relaccedilotildees sociais em todos os domiacutenios ()
A palavra constitui o meio no qual se produzem lentas acumulaccedilotildees
quantitativas de mudanccedilas que ainda natildeo tiveram tempo de adquirir
uma nova qualidade ideoloacutegica () A palavra eacute capaz de registrar as
fases transitoacuterias mais iacutentimas mais efecircmeras das mudanccedilas sociais
(BakhtinVolochinov 1988 p 41)
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 65
ILKA SCHAPPER SANTOS
O discurso expresso na palavra eacute dialoacutegico pois a dialeacutetica nasce do diaacutelogo e
nele se prolonga colocando pessoas e textos em um permanente processo dialoacutegico
(Freitas 1994 p 131) A compreensatildeo do discurso de outrem no diaacutelogo entre os
professores-pesquisadores e os demais participantes desta investigaccedilatildeo eacute fundamental
na medida em que possibilita entender o processo de reflexatildeo desencadeado no interior
do espaccedilo de pesquisa
A materializaccedilatildeo do discurso de outrem ocorre principalmente no discurso
citado que BakhtinVolochinov (1988) definem como o ldquodiscurso no discurso a
enunciaccedilatildeo na enunciaccedilatildeordquo e tambeacutem ldquoo discurso sobre o discurso e a enunciaccedilatildeo
sobre a enunciaccedilatildeordquo As questotildees fundamentais para a discussatildeo da temaacutetica
desenvolvida neste trabalho satildeo a) como esse discurso se materializa na praacutetica da
investigaccedilatildeo e b) como o discurso de outrem atravessa o diaacutelogo entre os professores-
pesquisadores e os demais participantes da pesquisa
Para Bakhtin haacute dois tipos de palavra do outro que adquirem um sentido ainda
mais denso e mais importante no processo de formaccedilatildeo ideoloacutegica do homem no
mundo a palavra de autoridade e a palavra internamente persuasiva O discurso citado
que se concretiza na palavra de autoridade tem o estatuto de verdade absoluta natildeo
havendo espaccedilo para argumentaccedilatildeo refutaccedilatildeo contestaccedilatildeo e reflexatildeo posto que a ldquoa
palavra autoritaacuteria natildeo se representa ndash ela apenas eacute transmitidardquo (Bakhtin 1983 p
144) Jaacute a palavra internamente persuasiva eacute identificada pelo autor como revelando
possibilidades bastante diferentes Esta palavra eacute determinante para o
processo de transformaccedilatildeo ideoloacutegica da consciecircncia individual para
uma vida ideoloacutegica independente a consciecircncia desperta num mundo
onde as palavras de outrem a rodeiam e onde logo de iniacutecio ela se
destaca () No fluxo de nossa consciecircncia a palavra persuasiva
anterior eacute comumente metade nossa metade de outrem (ibid p 145)
Para Bakhtin (ibid p 143) ldquoa palavra autoritaacuteria exige de noacutes o
reconhecimento e a assimilaccedilatildeo ela se impotildee a noacutes independentemente do grau de sua
persuasatildeo interior no que nos diz respeitordquo No movimento do discurso autoritaacuterio fica
difiacutecil para o interlocutor tecer modificaccedilotildees de sentido no interior do contexto em que
o discurso aparece Um enunciado que toma contornos de uma palavra autoritaacuteria que
tem o poder de colocar-se por si soacute natildeo promove variaccedilotildees criativas uma vez que tal
CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 66
ILKA SCHAPPER SANTOS
palavra ldquonatildeo eacute circundada de diaacutelogos vivos e em muacuteltiplas ressonacircncias em volta
dela morre o contexto as palavras secamrdquo (ibid p 144)
Diferente do discurso autoritaacuterio o discurso internamente persuasivo se
configura como autocircnomo com mobilidade e abertura discursiva em um
desenvolvimento livre que se adapta aos novos contextos e circunstacircncias enunciativas
da palavra Assim nesse tipo de discurso o sentido fica sempre em aberto
possibilitando prosseguir com criatividade no contexto de nossa consciecircncia ideoloacutegica
ldquonoacutes o introduzimos em novos contextos o aplicamos em novo material noacutes o
colocamos numa nova posiccedilatildeo a fim de obter dele novas respostas novos
esclarecimentos sobre seu sentido e novas palavras para noacutesrdquo (ibid p 146) Isso
porque ldquoa palavra persuasiva interior eacute comumente metade nossa metade de outremrdquo
(ibid 145) Essa palavra eacute produzida criativamente e possibilita espaccedilo para o
surgimento de outras palavras em nossa consciecircncia desvelando novas possibilidades
semacircnticas em cada contexto em que eacute pronunciada Ela nasce em uma ldquozona de
contato com o presente inacabadordquo (Bakhtin 1983 p 146)
Neste trabalho a argumentaccedilatildeo configura-se como um movimento dialoacutegico
pois a partir das construccedilotildees teoacutericas de Bakhtin podemos pensar os enunciados
(materializados nos excertos do capiacutetulo de anaacutelise) como textos e observar se se
configuram como discurso autoritaacuterio que carece de persuasatildeo interior para a
consciecircncia ou se satildeo constituiacutedos por discurso internamente persuasivo Dito de outro
modo eacute a oportunidade de observar as palavras internamente persuasivas para
compreender como elas se relacionam no fluxo argumentativo como se entrelaccedilam ao
discurso do outro para criar espaccedilos de possibilidades de na palavra proacutepria trazer a
palavra do outro e na palavra do outro produzir a palavra proacutepria Eacute nesse fluxo da
interaccedilatildeo verbal tendo a argumentaccedilatildeo como dispositivo que os discursos de
autoridade e internamente persuasivo se atravessam Esse movimento discursivo
promove o encontro-confronto de vozes em que no seu interior emergem os sentidos e
os significados dos sujeitos em interaccedilatildeo
No proacuteximo capiacutetulo discutirei o brincar em especial a brincadeira de faz de
conta Isso porque um dos eixos de discussatildeo teoacuterico-praacutetica do GP EFoPI e tambeacutem
desta investigaccedilatildeo eacute a brincadeira na infacircncia de 2 e 3 anos
ILKA SCHAPPER SANTOS
CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI
21 - Uma breve histoacuteria sobre o brincar
Jogos Infantis ndash Pieter Bruegel 1560
Nesta seccedilatildeo seraacute feita uma breve exposiccedilatildeo sobre como as crianccedilas brincavam
em diferentes tempos as relaccedilotildees entre suas brincadeiras e o contexto soacutecio-histoacuterico e
o papel das atividades luacutedicas no interior da educaccedilatildeo infantil
Antes de tecer essas relaccedilotildees discutirei sobre a interface dos jogos e brincadeiras
no processo civilizatoacuterio O estudo de Huizinga (1938) constitui exemplo claacutessico desse
vieacutes Apesar de o teoacuterico reconhecer que haacute elementos imbricados entre o jogo da
crianccedila e o do adulto sua literatura estaacute mais voltada para o jogo do adulto
classificando-o como qualitativamente diferente Na sua teoria partindo da ideia de que
mesmo as mais seacuterias accedilotildees do homem tecircm elementos que se fundam no jogo este tem
caracteriacutestica agoniacutestica gecircnese da disposiccedilatildeo inata do homem para a competiccedilatildeo Isso
pode ser percebido nas atividades institucionalizadas tais como o direito a guerra o
conhecimento a poesia a filosofia a arte e a religiatildeo (Szundy 2005)
Johan Huizinga importante historiador holandecircs explica em sua obra intitulada
Homo Ludens que foi editada pela primeira vez em 1938 suas ideias sobre o luacutedico
apontando o jogo como a origem das mais seacuterias atividades humanas O autor esclarece
CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 68
ILKA SCHAPPER SANTOS
que ldquonatildeo vecirc razatildeo alguma para abandonar a noccedilatildeo de jogo como um fator distintivo e
fundamental presente em tudo o que acontece no mundordquo explicitando sua ldquoconvicccedilatildeo
de que eacute no jogo e pelo jogo que a civilizaccedilatildeo surge e se desenvolverdquo (Huizinga
19381996 prefaacutecio) Seria extremamente radical afirmarmos que toda e qualquer
atividade humana se constitui a partir do jogo mas como defende o autor eacute inegaacutevel o
papel dele no processo civilizatoacuterio Assim sua obra tem como objeto de estudo o jogo
como forma especiacutefica de atividade destacando sua funccedilatildeo social uma funccedilatildeo de
significante e que encerra um determinado sentido (Silva 2003) Essa funccedilatildeo estaacute
imbricada em todas as manifestaccedilotildees humanas como a linguagem o mito e os ritos
sagrados Diante do exposto Huizinga (19381996 p 4) afirma que ldquoseja qual for a
maneira como o considerem o simples fato de o jogo encerrar um sentido implica a
presenccedila de elemento natildeo material em sua proacutepria essecircnciardquo A funccedilatildeo de significante
encerrando um sentido eacute explicada a partir de um paralelo que o autor faz entre o jogo e
a capacidade humana de nomear de designar as coisas por meio da linguagem Assim
sugere que eacute jogando e brincando que as mais diversas metaacuteforas satildeo produzidas
No campo histoacuterico e cultural o jogo tem um papel fundamental nas diversas
atividades das civilizaccedilotildees antigas de cuja influecircncia tanto o mito quanto o culto satildeo
expoentes Szundy (2005 p 38) explica que ldquoao criar um jogo entre realidade e
fantasia o homem primitivo procurava atraveacutes da linguagem dar conta dos fenocircmenos
do mundordquo De algum modo isso ocorria tambeacutem com o culto jaacute que os rituais
sagrados das civilizaccedilotildees antigas eram realizados sob a eacutegide do jogo no sentido literal
da palavra um jogo entre as forccedilas do bem e as forccedilas do mal Em muitas civilizaccedilotildees
esse movimento subscrito no mito e no culto ainda se faz presente pois transcende as
geraccedilotildees e retorna a elas por meio das narrativas vivecircncias e experiecircncias de seus
membros mais velhos
Huizinga mostra como o jogo eacute ldquouma evasatildeo da vida bdquoreal‟ para uma esfera de
orientaccedilatildeo proacutepriardquo (19381996 p 6) jaacute que nessa atividade o jogador mergulha no
universo do secreto em que de algum modo se sente protegido das leis da realidade
externa e do cotidiano da vida Dito de outra maneira essa evasatildeo natildeo carrega as leis da
vida real mas eacute desenvolvida com toda a seriedade pois se trata apenas de fazer de
conta Mas nesse movimento as atividades luacutedicas criam uma ordem e
paradoxalmente constituem a proacutepria ordem ou leis proacuteprias No fluir do jogo vemos a
confusatildeo e a imperfeiccedilatildeo do mundo mas paradoxalmente haacute no ato luacutedico elementos
CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 69
ILKA SCHAPPER SANTOS
da esteacutetica da beleza e da harmonia (Silva 2003 p 18) Esses elementos levam o ser
humano a se envolver freneticamente na atividade luacutedica gerando pontos de tensatildeo
produzidos pela incerteza e pelo acaso que obriga aquele que joga a colocar ldquoagrave prova a
criatividade tenacidade virilidade capacidades espirituais e lealdaderdquo (ibid)
Apesar de afirmar ser a seriedade um dos elementos fundantes do jogo Huizinga
admite que ao jogar podemos nos situar abaixo do niacutevel da seriedade atingindo os
espaccedilos do belo e do sagrado Apesar de natildeo deixar de lado a seriedade da brincadeira o
historiador afirma que nela temos gradaccedilotildees Nas gradaccedilotildees estatildeo presentes duas
funccedilotildees inerentes ao jogo ldquode ser uma luta por alguma coisa e de ser a representaccedilatildeo
de alguma coisardquo (Huizinga 19381996 p 16)
Mesmo natildeo focalizando seu interesse no jogo infantil o autor discorre sobre o
jogo representativo que tambeacutem eacute conhecido como dramaacutetico protagonizado ou de faz
de conta dizendo que as representaccedilotildees das crianccedilas satildeo estruturadas a partir de uma
elevada capacidade de imaginar posto que ldquomais do que uma realidade falsa eacute a
realizaccedilatildeo de uma aparecircncia eacute bdquoimaginaccedilatildeo‟ no sentido original do termordquo (ibid p
17)
Essas tessituras teoacutericas de Huizinga sobre a funccedilatildeo social do jogo e seus
aspectos fundamentais em especial ldquode ser uma luta por alguma coisa e de ser a
representaccedilatildeo de alguma coisardquo auxiliam-nos a refletir e a problematizar a) esses
elementos estatildeo presentes nas concepccedilotildees sobre jogos e brincadeiras infantis e b)
como isso foi se constituindo ao longo do processo educativo
Silva (2003) aqui em siacutentese faz um interessante esboccedilo sobre as diversas
concepccedilotildees da infacircncia em diferentes tempos histoacutericos possibilitando-nos
compreender o quanto o debate nessa aacuterea tem sinalizado conquistas significativas em
contextos mais recentes em especial na brincadeira de faz de conta
A autora encontrou informaccedilotildees significativas em um trabalho de Rosamilha
(1979) outro importante estudo bibliograacutefico que investigou a vida quotidiana de
vaacuterias culturas e sociedades que estiveram mais proacuteximas da mentalidade ocidental no
que diz respeito agraves concepccedilotildees sobre o brincar mostrando como essas influecircncias
interferiram sobremaneira em nossas praacuteticas educativas
Rosamilha (1979) em sua pesquisa encontrou natildeo soacute referecircncias ao luacutedico no
texto biacuteblico e no cristianismo primitivo mas tambeacutem registros de posturas negativas
CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 70
ILKA SCHAPPER SANTOS
por parte da igreja quanto a brinquedos e brincadeiras no seacuteculo XVIII Embora haja
registros mais recentes de alguns autores seguidores do cristianismo que adotaram
postura diferente a posiccedilatildeo negativa dita anteriormente trouxe impactos para o
desenvolvimento de atividades luacutedicas na educaccedilatildeo escolar Haacute registros importantes
sobre essa interferecircncia Em Portugal e na Alemanha no final do seacuteculo XVIII e iniacutecio
do seacuteculo XIX a instituiccedilatildeo escolar natildeo era um espaccedilo agradaacutevel os estudantes tinham
castigos corporais e natildeo aparece nenhum registro sobre o espaccedilo de brinquedos e
brincadeiras no contexto educacional Em muitas outras sociedades o quadro eacute similar
Na Ruacutessia por exemplo a brincadeira era afastada do ambiente escolar (Silva 2003 p
12)
No iniacutecio do seacuteculo XX o contraponto a essas posturas foi feito a partir das
ideias de Rousseau Pestalozzi e Froebel e ldquomuitas afirmaccedilotildees desses escritores e
educadores foram incorporadas aos poucos no movimento da chamada educaccedilatildeo
nova nos meacutetodos ativosrdquo (Rosamilha 1979 p 19) As elaboraccedilotildees teoacutericas desses
pensadores e educadores influenciaram a Psicologia do seacuteculo XX como as
referendadas na obra de John Dewey (1859-1952) filoacutesofo norte-americano e um dos
principais teoacutericos a influenciar o movimento escolanovista O autor eacute responsaacutevel pelos
primeiros trabalhos que enfatizam a importacircncia dos jogos dos brinquedos e das
brincadeiras no processo educativo A tese de Dewey eacute de que por meio da brincadeira
a crianccedila aprende a respeito do mundo que a cerca Na brincadeira de papeacuteis (como a
nomeia Vygotsky e seus colaboradores) a crianccedila representa o mundo da famiacutelia Na
brincadeira de casinha por exemplo imita o contexto social em que estaacute circunscrita e
representa as diferentes situaccedilotildees que vivencia em seu cotidiano
No Brasil as ideias do movimento da Escola Nova foram trazidas inicialmente
por Rui Barbosa (1849-1923) em 1882 Sob a influecircncia desse movimento Aniacutesio
Teixeira (1900-1971) Lourenccedilo Filho (1897-1970) e o poeta Maacuterio de Andrade (1893-
1945) mentor da idealizaccedilatildeo dos parques infantis na cidade de Satildeo Paulo iniciaram um
movimento em defesa da presenccedila de jogos e de brincadeiras na educaccedilatildeo das crianccedilas
pequenas Para esses autores os jogos e as brincadeiras deveriam ser atividades livres
que seriam um meio de manifestaccedilatildeo das forccedilas criadoras do homem (Kuhlman Jr
2000) Isso porque os escolanovistas iam de encontro agrave tese de que a educaccedilatildeo deve ser
uma preparaccedilatildeo para a vida uma educaccedilatildeo do devir ao contraacuterio para eles a escola
deve se pautar na proacutepria vida O eixo norteador do processo educativo deveria ser a
CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 71
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diacuteade vida-experiecircncia e em decorrecircncia disso a funccedilatildeo da escola seria a de possibilitar
um entrecruzamento de vivecircncias experiecircncias e aprendizagens construiacutedas no interior
da vida
Podemos inferir que as mudanccedilas histoacutericas e sociais sobre os jogos as
brincadeiras e os brinquedos infantis tecircm uma interface com o fazer pedagoacutegico nas
creches e preacute-escolas Nesse movimento as raiacutezes histoacutericas culturais e sociais a
respeito dos jogos e brincadeiras trazem concepccedilotildees sobre as crianccedilas e suas infacircncias
em uma unidade dialeacutetica ao longo de diferentes tempos e espaccedilos sociais No
interregno de diferentes tempos e espaccedilos soacutecio-culturais coexistem concepccedilotildees que
ora enfatizam a relevacircncia dos jogos e brincadeiras livres ora dizem da importacircncia de
se suprimir aquilo que desvia a atenccedilatildeo das crianccedilas Neste sentido o luacutedico manifesto
em atividades serve apenas para ocupar um tempo livre ao final da aula ou no uacuteltimo
dia da semana (Silva 2003)
Silva (2003) alerta que ldquoao observar de um modo geral como esteve
distribuiacutedo o espaccedilo fiacutesico nas escolas percebe-se que sempre haacute ao lado das salas de
aula um paacutetio para recreaccedilatildeordquo (ibid p 14) Em funccedilatildeo disso discute como as
atividades das crianccedilas na escola estatildeo divididas entre o luacutedico e o trabalho de ordem
intelectual A arquitetura e a organizaccedilatildeo dos espaccedilos de creches e preacute-escolas mostram
o fosso que desde a tenra infacircncia nossas crianccedilas vivenciam o dualismo entre o
brincar e o trabalho intelectual revelando talvez uma transposiccedilatildeo dos conteuacutedos
curriculares do ensino fundamental para a educaccedilatildeo infantil Muito embora as
concepccedilotildees sobre jogos e brincadeiras e em decorrecircncia disso as proacuteprias concepccedilotildees
sobre crianccedilas e suas infacircncias tenham avanccedilado especialmente nas deacutecadas de 1970 e
1980 a separaccedilatildeo do trabalho intelectual e do luacutedico ainda se faz presente nas
instituiccedilotildees de educaccedilatildeo infantil
A respeito dessa dicotomia Kuhlmann Jr (1998) e Kishimoto (1999) explicam
que as propostas para a educaccedilatildeo infantil em diversas localidades do paiacutes desconsideram
o universo histoacuterico cultural das crianccedilas da educaccedilatildeo infantil antecipando praacuteticas
inerentes ao periacuteodo de escolarizaccedilatildeo e deixando agrave margem do processo os jogos as
brincadeiras e os brinquedos Cria-se assim um fosso entre conteuacutedos escolares e o
movimento luacutedico
A gecircnese desse pensamento encontra-se na visatildeo de uma educaccedilatildeo infantil
ldquopreparatoacuteriardquo para construir os pilares necessaacuterios agraves primeiras seacuteries do ensino
CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 72
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fundamental Em um artigo no Jornal Folha de Satildeo Paulo de 11012010 intitulado
ldquoEstudo aponta que aluno da rede puacuteblica jaacute chega pior agrave 1ordf seacuterierdquo haacute uma
discussatildeo que nos auxilia compreender como cada vez mais a sociedade relaciona as
dificuldades das crianccedilas das primeiras seacuteries do ensino fundamental agrave educaccedilatildeo infantil
e por conseguinte tenta sanar essas dificuldades em um trabalho ldquoantecipadordquo na
infacircncia de 0 a 6 anos O artigo inicia-se afirmando
Os alunos que ingressam nas escolas particulares chegam agrave primeira
seacuterie jaacute com larga vantagem em relaccedilatildeo agraves crianccedilas de escolas
puacuteblicas E essa desigualdade nas meacutedias pouco se altera ateacute o final da
quarta seacuterie do ensino fundamental
Esta eacute uma das conclusotildees de um estudo pioneiro no Brasil o Projeto
Geres que acompanhou de 2005 a 2008 20 mil alunos de Belo
Horizonte Rio de Janeiro Campinas Campo Grande e Salvador
() Para Faacutetima Alves pesquisadora da PUC-Rio e uma das
coordenadoras do projeto eacute preciso investir mais em educaccedilatildeo infantil
(creches e preacute-escolas) para diminuir essa desigualdade inicial
Pensemos se o Projeto Geres (Projeto Geraccedilatildeo Escolar) eacute um estudo
longitudinal que focaliza a aprendizagem dos alunos nos primeiros anos do ensino
fundamental e uma de suas conclusotildees eacute a de que os alunos da rede puacuteblica em relaccedilatildeo
aos alunos da rede privada jaacute chegam em defasagem nesse grau de ensino a premissa eacute
que o loacutecus do problema esteja tambeacutem na educaccedilatildeo infantil Essa inferecircncia leva a
pesquisadora Faacutetima Alves a dizer que se faz necessaacuterio investir mais na educaccedilatildeo
infantil (creches e preacute-escolas) para diminuir essa desigualdade inicial Mas qual seria a
natureza desse investimento A preparaccedilatildeo para ler escrever e contar Como ficaria o
espaccedilo para as brincadeiras tatildeo necessaacuterias ao desenvolvimento infantil
Fiz essa digressatildeo para ilustrar os paradoxos que permeiam as orientaccedilotildees
pedagoacutegicas para a educaccedilatildeo infantil Mas a histoacuteria das ideias e das praacuteticas no campo
da infacircncia mostra que muitos autores jaacute pensaram no reverso dessa moeda Iniciamos
nosso debate com as influecircncias de Dewey no movimento da Escola Nova no Brasil
(1932) Passemos entatildeo a outras concepccedilotildees com outros autores
Friedrich Froebel (1782-1852) foi um dos primeiros educadores a discutir sobre
a importacircncia da accedilatildeo do brincar no trabalho educativo A perspectiva do autor alematildeo
estava pautada na crenccedila em uma educaccedilatildeo infantil que valorizasse a natureza infantil a
partir das brincadeiras livres e espontacircneas (Kishimoto 1998) Essa visatildeo influenciou
vaacuterias propostas de trabalho pedagoacutegico na educaccedilatildeo infantil e incentivou a introduccedilatildeo
de jogos e brincadeiras nas instituiccedilotildees de creches e preacute-escolas do paiacutes
CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 73
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Paradoxalmente a propagaccedilatildeo do brincar nas instituiccedilotildees infantis brasileiras natildeo
teve uma inserccedilatildeo uniforme Pelo contraacuterio ancorou-se em crenccedilas e valores proacuteprios
ao contexto histoacuterico-cultural dessas instituiccedilotildees infantis (Silva 2003) Froebel foi o
primeiro a discorrer sobre o valor das brincadeiras como elemento essencial no trabalho
pedagoacutegico com as crianccedilas pequenas ao fundar o jardim de infacircncia entendendo ldquoo
jogo como objeto e accedilatildeo do brincar que se caracteriza pela liberdade e
espontaneidaderdquo (ibid p 15) Froebel atribuiacutea um duplo sentido agrave ideia do brincar e agrave
educaccedilatildeo infantil (os jardins de infacircncia) de um lado via como material educativo
necessaacuterio agrave aquisiccedilatildeo de conhecimentos de outro notava que o brincar tinha um fim em
si mesmo quando se fundava na liberdade e espontaneidade Nesse movimento as
concepccedilotildees e praacuteticas pedagoacutegicas transitavam entre a primeira e segunda premissa do
autor
Na verdade esse dualismo em relaccedilatildeo aos jogos e brincadeiras ndash ora como
recurso auxiliar na aquisiccedilatildeo do conhecimento meio de ensino ora como um fim em si
mesmo ndash eacute bem antigo Desde a antiguidade claacutessica com Platatildeo e Aristoacuteteles passando
pelo Renascimento e teacutermino da Revoluccedilatildeo Francesa haacute diferentes interpretaccedilotildees sobre
a cultura do jogo infantil e seus desdobramentos na praacutetica pedagoacutegica Nesse
interregno histoacuterico surge a polecircmica da utilizaccedilatildeo pedagoacutegica dos jogos e brincadeiras
no interior da educaccedilatildeo infantil Eacute interessante refletir sobre a natureza do movimento
luacutedico que permite o desenvolvimento do imaginaacuterio infantil por meio de objetos
simboacutelicos disponibilizados intencionalmente pelo educador para subsidiar o
desenvolvimento integral da crianccedila (Silva 2003) que sintetiza o fim em si mesmo
No interior das pesquisas do GP EFoPI pudemos observar que muitas vezes haacute
uma disparidade entre o espaccedilo que deveria ser dado aos jogos e brincadeiras e o que se
observa nas creches e preacute-escolas Haacute muitas contradiccedilotildees a respeito da relaccedilatildeo entre
jogos e brincadeiras e a educaccedilatildeo das crianccedilas pequenas Silva explica que satildeo poucas
as atividades que possibilitam o desenvolvimento do imaginaacuterio infantil pela mediaccedilatildeo
de objetos simboacutelicos disponibilizados intencionalmente pelo educador A autora
esclarece ainda que para muitos educadores e pais prevalece a ideia de que os jogos e
brincadeiras constituem um momento de oacutecio de perda de tempo nas instituiccedilotildees de
educaccedilatildeo infantil e que devem ocupar o periacuteodo de laser e de descanso Aleacutem disso as
pesquisas do GP EFoPI apontam o uso de jogos e brincadeiras como um meio de se
trabalhar conteuacutedos relativos ao ler escrever e contar (Silva 2008-2009)
CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 74
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A posiccedilatildeo do GP EFoPI eacute de que os brinquedos objetos mediadores dos jogos e
brincadeiras possibilitam agraves crianccedilas (re)inventarem a realidade despertando
curiosidade e desejo de aprender e apreender o mundo O grupo de pesquisa parte do
pressuposto de que satildeo muitas as contribuiccedilotildees do brincar para o desenvolvimento
infantil a) os jogos e brincadeiras proporcionam diversatildeo e satisfaccedilatildeo agraves crianccedilas
quando elas dominam suas caracteriacutesticas e entendem sua funccedilatildeo social b) a crianccedila vai
sofisticando seus modos e maneiras de brincar c) a crianccedila ao brincar desenvolve sua
imaginaccedilatildeo (ideias inadequadas) e agrave medida que vai entrando em contato com outras
crianccedilas e com outros adultos constroacutei uma noccedilatildeo comum sobre os modos e maneiras de
brincar Essas noccedilotildees prenhas de significaccedilotildees vatildeo sendo incorporadas pela crianccedila
aos brinquedos que subsidiam as brincadeiras de papeacuteis as representaccedilotildees do contexto
social imediato
Essa perspectiva do GP EFoPI estaacute pautada nos estudos da teoria Soacutecio-
Histoacuterico-Cultural tendo como referecircncia baacutesica as construccedilotildees teoacutericas de Vygotsky
Leontiev e Elkonin Assim na proacutexima seccedilatildeo discutirei o desenvolvimento infantil sob
a eacutegide da imaginaccedilatildeo e a brincadeira de faz de conta
211 ndash A imaginaccedilatildeo e a brincadeira de faz de conta
Um refuacutegio
Uma barriga
Um abrigo onde esconder quando estiver se
afogando da chuva ou sendo quebrado pelo
frio ou sendo revirado pelo vento
Temos um esplecircndido
passado pela frente
Para os navegantes com desejo de vento a
memoacuteria eacute o porto de partida
(Eduardo Galeano)
Nesta seccedilatildeo da tese a discussatildeo do desenvolvimento da imaginaccedilatildeo tendo como
eixo a brincadeira de faz de conta seraacute tecida a partir das elaboraccedilotildees teoacutericas e
intervenccedilotildees do GP EFoPI sob a oacutetica da perspectiva soacutecio-histoacuterico-cultural Para isso
discorro primeiro sobre como Vygotsky concebe a imaginaccedilatildeo criadora depois discuto
a relaccedilatildeo entre imaginaccedilatildeo e as brincadeiras de faz de conta a partir de alguns
CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 75
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pensadores ao longo da histoacuteria Por fim teccedilo as relaccedilotildees produzidas pelo teoacuterico russo
e seus colaboradores em especial Leontiev e Elkonin
A infacircncia e a crianccedila se transformaram em temas que a partir das uacuteltimas
deacutecadas passaram a representar um dos grandes eixos de preocupaccedilatildeo no cenaacuterio
acadecircmico nas instituiccedilotildees de educaccedilatildeo infantil e tambeacutem nas poliacuteticas puacuteblicas Mas o
campo da imaginaccedilatildeo e seu desenvolvimento na infacircncia tendo como eixo da
brincadeira de faz de conta tecircm sido ainda pouco discutidos no panorama educacional
brasileiro Isso pode ser constado nos proacuteprios documentos oficiais Tanto o Referencial
Curricular para Educaccedilatildeo Infantil (BRASIL 1998a b c) como as Diretrizes
Curriculares para a Educaccedilatildeo Infantil (BRASIL 1999) tecircm prescrito que a brincadeira
deva ser um dos eixos para o trabalho nessa fase da educaccedilatildeo baacutesica
Nesses documentos estaacute previsto que as propostas pedagoacutegicas das instituiccedilotildees
de educaccedilatildeo infantil devem incluir o luacutedico a criatividade e praacuteticas de educar e cuidar
que possibilitem a inter-relaccedilatildeo entre aspectos fiacutesicos emocionais afetivos
cognitivolinguiacutesticos e sociais da crianccedila (BRASIL 1999) Aleacutem disso a brincadeira eacute
considerada como base da linguagem da infacircncia destacando a relevacircncia do brincar
tanto em situaccedilotildees formais como informais (BRASIL 1998a) Entretanto apesar de nos
documentos oficiais a brincadeira aparecer como eixo do trabalho pedagoacutegico na
educaccedilatildeo infantil natildeo haacute clareza sobre os pressupostos teoacutericos em que esse elemento
estaacute pautado
Assim o desenvolvimento da imaginaccedilatildeo infantil acionado pela brincadeira de
faz de conta pode configurar um espaccedilo de discussatildeo muito interessante tanto do ponto
de vista teoacuterico quanto do ponto de vista da praacutetica pedagoacutegica Em especial o que se
refere agrave possibilidade de estudo sobre suas relaccedilotildees com o desenvolvimento da crianccedila
no interior dos processos de socializaccedilatildeo de (re)construccedilatildeo do real e da internalizaccedilatildeo
de modos valores e costumes da produccedilatildeo cultural
Cada periacuteodo histoacuterico constroacutei simultaneamente suas indagaccedilotildees e inquietaccedilotildees
e os modos pelos quais busca refleti-las e resolvecirc-las Assim quando relacionamos a
questatildeo da imaginaccedilatildeo e seu desenvolvimento na infacircncia alguns caminhos se
apresentaram tais como a) a imaginaccedilatildeo eacute sinocircnimo de memoacuteria b) seria a memoacuteria
um caso particular da imaginaccedilatildeo c) podemos no interior da teoria soacutecio-histoacuterico-
cultural caracterizar a imaginaccedilatildeo como funccedilatildeo psicoloacutegica superior d) como a
CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 76
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brincadeira de faz de conta possibilita o desenvolvimento da imaginaccedilatildeo e em
decorrecircncia disso o desenvolvimento do processo de criaccedilatildeo
Minha crenccedila materializada nas discussotildees do GP EFoPI e respaldada na
perspectiva soacutecio-histoacuterico-cultural eacute que a imaginaccedilatildeo se constitui como um somatoacuterio
de duas imagens (a pregressa e a atual) somatoacuterio este que possibilita a criaccedilatildeo de uma
nova imagem totalmente distinta em cada mente humana Numa equaccedilatildeo simples
diriacuteamos que a cena da imaginaccedilatildeo se estrutura com a combinaccedilatildeo de dois elementos
que resultando num terceiro constitui-se como algo totalmente novo O primeiro
elemento seria configurado por estilhaccedilos e fragmentos da memoacuteria de vivecircncias e
experiecircncias sociais que se materializam na imitaccedilatildeo o segundo seria a vivecircncia do
sujeito no momento em que decide reconstruir essa imagem e o somatoacuterio desses dois
elementos seria uma nova imagem criada pelo humano
Segundo Vygotsky (19321998) a imaginaccedilatildeo devia se constituir como uma
incoacutegnita para a psicologia associacionista jaacute que tal corrente considerava qualquer
atividade como uma combinaccedilatildeo de elementos e imagens que jaacute existiam na
consciecircncia Entretanto essa vertente teoacuterica procurou evitar esse enigma e estabeleceu
uma relaccedilatildeo de sinoniacutemia entre a imaginaccedilatildeo e as outras funccedilotildees psiacutequicas
Ao tratar da imaginaccedilatildeo os teoacutericos da velha psicologia a consideraram em duas
categorias a reprodutora e a criadora ou reconstrutiva A primeira era sinocircnimo da
proacutepria memoacuteria pois segundo a psicologia comportamental natildeo existe outro caminho
para explicar a atividade da imaginaccedilatildeo a natildeo ser supor que certa existecircncia de imagens
provoca outras associadas a ela Assim como jaacute foi destacado diante de tal
formulaccedilatildeo o problema da imaginaccedilatildeo fundia-se totalmente com o da memoacuteria sendo
por conta disso considerada como uma de suas funccedilotildees dentre muitas outras Jaacute na
segunda ndash imaginaccedilatildeo criadora ou reconstrutiva ndash a questatildeo se colocava de forma mais
complicada Isso porque a perspectiva comportamental explicava o surgimento de novas
imagens criativas como resultado de combinaccedilotildees singulares e causais de elementos Na
imaginaccedilatildeo criativa aparecem novas combinaccedilotildees desses elementos que natildeo satildeo novos
em si (Vygotsky 19321998 p 108)
Para o teoacuterico soacutecio-histoacuterico-cultural o trabalho desses psicoacutelogos foi em parte
muito importante jaacute que mostrava que os processos da imaginaccedilatildeo eram condicionados
pelos sentimentos Em outras palavras eles descobriram o substrato real da imaginaccedilatildeo
sua conexatildeo com a experiecircncia anterior com as impressotildees acumuladas No entanto o
CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 77
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outro aspecto do problema qual seja demonstrar o que constitui na imaginaccedilatildeo a base
da atividade que permite representar de forma totalmente nova em uma nova
combinaccedilatildeo todas as impressotildees acumuladas natildeo foi resolvido por eles tendo sido
apenas apresentado (Vygotsky 19321998 p 110) A psicologia associacionista
mostrou-se impotente para explicar como surge a imaginaccedilatildeo criativa Seus construtos
teoacutericos encerram contradiccedilotildees que mostram um caminho feacutertil para a necessidade de
estudo e aprofundamento sobre o tema
Vygotsky (19321998) tambeacutem questionou como os idealistas buscaram discutir
a questatildeo da imaginaccedilatildeo Para os psicoacutelogos intuitivistas toda atividade da consciecircncia
humana estaacute impregnada de um princiacutepio criativo Grosso modo se a psicologia
associacionista estabelecia uma relaccedilatildeo de sinoniacutemia entre a imaginaccedilatildeo e a memoacuteria o
idealismo procurou mostrar que a proacutepria memoacuteria nada mais eacute do que um caso
particular da imaginaccedilatildeo Partindo desse princiacutepio os subjetivistas consideraram a
percepccedilatildeo como um nuacutecleo da imaginaccedilatildeo (ibid p 112)
Em siacutentese explicar a imaginaccedilatildeo tanto do ponto de vista objetivista quanto do
ponto de vista subjetivista consiste no seguinte ambos resumiam a questatildeo de um
modo igualmente metafiacutesico uma vez que ao tomar como original a atividade
reprodutora da consciecircncia fechavam o caminho para explicar como surge a atividade
criativa no processo de desenvolvimento
O idealismo mostrou-se impotente no sentido de que atribuiacutea agrave consciecircncia uma
propriedade criativa primaacuteria incluindo assim a imaginaccedilatildeo no ciacuterculo das atividades
primaacuterias da consciecircncia que segundo os comentaacuterios dos subjetivistas satildeo proacuteprias da
consciecircncia desde o seu nascimento Um uacuteltimo aspecto para a formulaccedilatildeo do problema
da imaginaccedilatildeo de acordo com a psicologia idealista refere-se agrave questatildeo da sua natureza
que por ser muito importante foi transportada para o plano geneacutetico e reduzida agrave
questatildeo de sua prioridade (ibid p 114)
Jaacute a perspectiva psicanaliacutetica para Vygotsky (1932) traz a ideia de que a
imaginaccedilatildeo eacute primaacuteria estando presente desde o princiacutepio na consciecircncia infantil da
qual procede todo o resto da personalidade A crianccedila eacute o uacutenico ser segundo Freud que
estaacute completamente emancipado da realidade Eacute um ser que se acha submerso no prazer
cuja consciecircncia tem como funccedilatildeo principal natildeo a de refletir a realidade em que vive
mas apenas a de servir aos seus desejos e agraves suas tendecircncias sensoriais
CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 78
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Eacute interessante notar que Vygotsky (1932) tambeacutem identificou essa ideia nos
trabalhos de Piaget cujo ponto de partida para o autor soacutecio-histoacuterico consiste em que
o primaacuterio eacute a atividade da imaginaccedilatildeo ou do pensamento que natildeo se dirige pela
realidade Entretanto para o teoacuterico da Epistemologia Geneacutetica existem formas
transitoacuterias ou intermediaacuterias entre a imaginaccedilatildeo e o pensamento realista Isso se
materializa no egocentrismo infantil que representa a escala de transiccedilatildeo entre esses
dois processos Atraveacutes das formas intermediaacuterias do egocentrismo inicia-se o
desenvolvimento do pensamento loacutegico e realista movimento de transiccedilatildeo para o
estaacutegio das operaccedilotildees formais Piaget explica que o egocentrismo eacute o puro estado da
consciecircncia da pessoa que vivendo num mundo de criaccedilotildees proacuteprias natildeo conhece outra
realidade a natildeo ser a de si mesma
Assim para a perspectiva soacutecio-histoacuterico-cultural tanto a psicanaacutelise quanto a
epistemologia geneacutetica satildeo construtos teoacutericos que natildeo consideram a imaginaccedilatildeo como
uma atividade que possibilita construccedilatildeo do conhecimento e transformaccedilatildeo da realidade
por se tratar de uma funccedilatildeo psiacutequica natildeo social de caraacuteter natildeo comunicaacutevel
Para Vygotsky a imaginaccedilatildeo ndash que caracteriza uma funccedilatildeo superior ndash depende
da experiecircncia que na crianccedila vai se acumulando e aumentando paulatinamente com
peculiaridades que a diferenciam da experiecircncia dos adultos A proacutepria experiecircncia
com sua complexidade com suas (con)tradiccedilotildees e influecircncias estimula o processo
criativo visto que a atividade criadora se encontra intimamente relacionada com a
riqueza e a variedade das vivecircncias acumuladas pelo homem no interior das suas
interaccedilotildees com o mundo Como jaacute fora anteriormente mencionado a experiecircncia eacute o
material com o qual o homem ergue seus princiacutepios para a (re)construccedilatildeo e
transformaccedilatildeo do real
A simplicidade e a espontaneidade da imaginaccedilatildeo infantil que jaacute natildeo eacute livre e
tatildeo espontacircnea no jovem podem possibilitar a inferecircncia de que haacute maior riqueza na
capacidade de imaginar na infacircncia do que na idade adulta No entanto natildeo podemos
dizer que a imaginaccedilatildeo na infacircncia seja mais rica do que na adolescecircncia Ao contraacuterio
no decurso de crescimento da crianccedila a imaginaccedilatildeo tambeacutem se desenvolve alcanccedilando
seu processo criativo na idade adulta
Eacute interessante percebermos que a crianccedila ao imaginar acredita mais no fruto de
sua criaccedilatildeo controlando-a menos o que faz com que a imaginaccedilatildeo na infacircncia tenha seu
processo criativo vinculado agraves vivecircncias e experiecircncias imediatas da crianccedila Nesse
CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 79
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sentido seria mais interessante dizer que na idade adulta a imaginaccedilatildeo e o
desenvolvimento da razatildeo se tornam movimentos paralelos desaparecendo desse
modo a fantasia incondicionada da infacircncia Assim agrave medida que a crianccedila vai
crescendo sua capacidade de imaginar estaacute mais relacionada com o raciociacutenio com o
qual caminha no mesmo passo A funccedilatildeo imaginativa prossegue adaptando-se agraves
condiccedilotildees racionais subsidiando o processo de criaccedilatildeo do humano
Essa distinccedilatildeo que Vygotsky (1932) estabelece entre as caracteriacutesticas da
imaginaccedilatildeo na infacircncia e na idade adulta pode ser exemplificada na relaccedilatildeo existente
entre a produccedilatildeo literaacuteria de Monteiro Lobato e seus pequenos leitores O autor na
capacidade imaginativa criou ldquoo mundo do faz de contardquo Nessa criaccedilatildeo ndash em que
realidade e fantasia natildeo tinham fronteira definida ndash Lobato criticava a realidade de seu
tempo no qual em uma sociedade extremamente conservadora reacionaacuteria e
preconceituosa Tia Nastaacutecia a cozinheira negra tinha presenccedila direta nas decisotildees do
grupo Dona Benta com toda sua clareza e pensamento livre socializadora de
conhecimentos e representante de uma nova ordem familiar matriarcal eacute quem delibera
e encaminha as decisotildees familiares Assim o criador do Siacutetio do Pica-Pau-Amarelo em
um movimento de combinar realidade e imaginaccedilatildeo utilizou a sua obra para pensar sua
eacutepoca seu tempo Jaacute a crianccedila leitora com seus sonhos fantasias e imaginaccedilatildeo ingressa
no mundo do faz de conta de Lobato e a partir de sua imaginaccedilatildeo criadora continua a
histoacuteria da velha boneca de pano e da espiga de milho ndash a Emiacutelia e o Visconde de
Sabugosa respectivamente ndash personagens em permanente construccedilatildeo de um espaccedilo
inacabado em que a forccedila criadora ganha significado Em siacutentese enquanto em
Monteiro Lobato temos a imaginaccedilatildeo criadora caracteriacutestica da idade adulta na crianccedila
leitora de sua obra temos a imaginaccedilatildeo criadora infantil que reconstroacutei o real pelas
imagens que lhes satildeo oferecidas na tecitura da obra do autor
Um outro exemplo interessante para ilustrar o conceito vygotskyano de
imaginaccedilatildeo criadora na idade adulta pode ser materializado no pensamento do poeta e
criacutetico de arte Ferreira Gullar ldquouma das coisas que a arte eacute parece eacute a transformaccedilatildeo
simboacutelica no mundo Quer dizer o artista cria um mundo outro ndash mais bonito ou mais
intenso ou mais significativo ou mais ordenado ndash a partir da realidade imediatardquo
(Ferreira Gullar apud Nicola 1998 p11) Nesse ponto o pensamento de Gullar se
aproxima da acepccedilatildeo da criaccedilatildeo artiacutestica de Vygotsky (19301987) para quem a
CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 80
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imaginaccedilatildeo criativa no campo da arte exige em alto grau a participaccedilatildeo do
pensamento realista no processo da imaginaccedilatildeo
Nessa perspectiva se a atividade criadora depende do talento pode-se
questionar se ela seria apenas prerrogativa dos que o possuem considerados escolhidos
para exercer tal atividade Entretanto se considerarmos que a criaccedilatildeo no sentido
psicoloacutegico consiste em fazer algo novo a partir das experiecircncias do meio em que o
sujeito estaacute circunscrito das fantasias dos reflexos de algum objeto do mundo exterior
de determinadas construccedilotildees do ceacuterebro ou dos sentimentos que vivem e se manifestam
somente no homem chegaremos agrave conclusatildeo de que todos podem criar em maior ou
menor grau Assim a criaccedilatildeo eacute acompanhante natural e permanente do desenvolvimento
humano da infacircncia agrave idade adulta Obviamente que esse processo estaraacute intimamente
relacionado agrave cultura na qual o sujeito estaacute inserido agraves suas experiecircncias de vida e a
partir daiacute ao modo como foi construindo suas relaccedilotildees nocom o mundo que o cerca
Aleacutem disso natildeo podemos esquecer que a imaginaccedilatildeo conforme a perspectiva
soacutecio-histoacuterico-cultural natildeo repete em formas e combinaccedilotildees iguais impressotildees
acumuladas isoladas mas (re)constroacutei (re)cria o novo a partir das impressotildees
anteriormente vivenciadas Embora imaginaccedilatildeo criadora natildeo seja sinocircnimo de memoacuteria
nela se apoia jaacute que as novas imagens soacute surgem a partir das reminiscecircncias do vivido
Por isso acreditamos como Eduardo Galeano cujo pensamento se constitui como
epiacutegrafe desta seccedilatildeo que a memoacuteria eacute o porto de partida para os navegantes com
desejo de vento ndash considerando-se aqui o vento como metaacutefora da imaginaccedilatildeo
criadora
No mundo que nos cerca existem todas as condiccedilotildees necessaacuterias para criar
Tudo que excede a rotina encerrando uma miacutenima parte de novidade tem sua origem
no processo criativo do ser humano Ao entendermos dessa forma a imaginaccedilatildeo
criadora concluiacutemos que os processos criativos se apresentam desde a mais tenra idade
contribuindo para o desenvolvimento infantil e em geral para a maturidade Por conta
disso encontramos jaacute nos primeiros anos de vida da crianccedila processos criadores que se
concretizam nos jogos e brincadeiras
Na proacutexima seccedilatildeo relacionarei aspectos sobre o desenvolvimento da imaginaccedilatildeo
a partir da brincadeira de faz de conta e os impactos dessa discussatildeo no interior do GP
EFoPI e desta tese
CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 81
ILKA SCHAPPER SANTOS
212 ndash O desenvolvimento da imaginaccedilatildeo loacutecus da brincadeira de faz de conta e
da (re)invenccedilatildeo do real
As coisas natildeo querem mais ser
vistas por pessoas razoaacuteveis
Elas desejam ser olhadas de azul
ndashQue nem uma crianccedila que vocecirc
olha de ave
Manoel de Barros
O brincar de faz de conta eacute uma atividade inerente ao humano Nele a
imaginaccedilatildeo eacute exercida e desenvolvida atraveacutes do brinquedo da brincadeira e das
histoacuterias que o compotildeem Nas brincadeiras de faz de conta satildeo recuperados os mitos os
modos os costumes e os ritos da civilizaccedilatildeo como afirma Huizinga (19381996)
Muitos foram os pensadores que discutiram o brincar relacionando-o ao
desenvolvimento da imaginaccedilatildeo Passemos agora a fiar e a tecer um diaacutelogo com eles
para depois chegarmos agrave discussatildeo dessa relaccedilatildeo na teoria soacutecio-histoacuterico-cultural
Piaget (1978) classificou os jogos em trecircs categorias jogo de exerciacutecio jogo de
regra e jogo simboacutelico ou de faz de conta Este ldquoestaacute entre os tipos de representaccedilatildeo de
objetos e eventos cuja capacidade se desenvolve no estaacutegio preacute-operacionalrdquo (Silva
2003 p 25) O autor define o jogo como atividade em que haacute uma supremacia da
assimilaccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave acomodaccedilatildeo o objeto eacute assimilado a um esquema mental jaacute
existente sem haver a acomodaccedilatildeo Isso ocorre quando a crianccedila daacute significado ao
objeto ampliando as caracteriacutesticas desse objeto sem contudo mudar os esquemas
mentais referentes a ele Ao contraacuterio do que veremos na perspectiva de Vygotsky e
seus colaboradores para Piaget a imaginaccedilatildeo natildeo eacute uma funccedilatildeo psicoloacutegica mas um
dos poacutelos do pensamento
Em siacutentese para o teoacuterico da Epistemologia Geneacutetica o jogo simboacutelico auxilia
na construccedilatildeo do pensamento como um todo transformando-se a partir da imaginaccedilatildeo
ldquocom o processo duplo de interiorizaccedilatildeo do siacutembolo na direccedilatildeo da construccedilatildeo
representativa e de um alargamento do pensamento sob a forma de imaginaccedilatildeo
criadorardquo (Silva 2003 p 119) Como disse esse movimento se daacute a partir dos
processos assimilativos
CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 82
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Tanto Piaget quanto Vygotsky concordam com a concepccedilatildeo de que a brincadeira
se estrutura a partir da accedilatildeo No entanto a diferenccedila entre os dois autores estaacute no que
caracteriza a atividade luacutedica e no conteuacutedo que se deseja representar nos jogos e
brincadeiras Na obra do autor suiacuteccedilo encontramos a ideia de que eacute da maneira como as
accedilotildees se organizam que emerge o jogo simboacutelico Jaacute para o autor russo a gecircnese da
brincadeira de faz de conta estaacute no sentido social da accedilatildeo (e na interferecircncia das suas
raiacutezes histoacutericas) que tem uma orientaccedilatildeo externa para depois ser internalizada
(Vygotsky 19301991)
O psicoacutelogo cognitivista das inteligecircncias muacuteltiplas Howard Gardner tambeacutem
discorreu sobre a relaccedilatildeo entre a brincadeira de faz de conta e a imaginaccedilatildeo Gardner
(1994 p 64) explica que essa modalidade de brincadeira eacute uma ldquometarrepresentaccedilatildeordquo
uma forma de tratar o objeto como se fosse outro Para esse autor no brincar de faz de
conta a crianccedila cria ordens representacionais em que trata nada como se fosse algo
trata algo como se fosse nada ou distorce uma propriedade de modo a trataacute-la como
propriedade Assim o sujeito que brinca ldquoestaacute operando uma recogniccedilatildeo de que o que
aparentemente eacute o estado das coisas pode ser intencionalmente posto entre parecircnteses
de modo a criar outro estado de coisas que o autor (da brincadeira) queria evocarrdquo
(ibid p 65)
O autor mostra que a capacidade de ldquometarrepresentaccedilatildeordquo manifesta no faz de
conta possibilita agravequele que brinca um movimento que transcende a habilidade direta
do pensar o mundo circunscrito na experiecircncia pois esse movimento eacute prenho de
imaginaccedilatildeo Nessa perspectiva ao imaginar as crianccedilas ldquoestatildeo aptas a visualizar um
estado de coisas contraacuterio agravequele que eacute apreendido em seus sentidos a captar aquela
atividade imaginaacuteria em formas simboacutelicas puacuteblicas e a continuar a elaborar sobre
aquela capacidade imaginaacuteriardquo (Gardner 1994 p 65)
Assim como Piaget Gardner tambeacutem relaciona o brincar de faz de conta e o
desenvolvimento da imaginaccedilatildeo No entanto tanto um quanto outro focalizam esse
desenvolvimento a partir das construccedilotildees individuais de cada sujeito desconsiderando
as questotildees sociais culturais e histoacutericas
Walter Benjamin teoacuterico da escola de Frankfurt acredita que o brincar significa
sempre libertaccedilatildeo O autor ressalta que apesar de na modernidade a crianccedila estar cada
vez mais imbricada no universo do mundo do adulto atraveacutes das brincadeiras que
envolvem o faz de conta ela cria um mundo proacuteprio manifesto pela imaginaccedilatildeo Ainda
CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 83
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que os brinquedos e brincadeiras sejam muitas vezes impostos pelos adultos o filoacutesofo
frankfurtiano adverte que a crianccedila subverte a ordem posta e transforma esse universo
da brincadeira com os elementos da imaginaccedilatildeo ldquoa crianccedila quer puxar alguma coisa e
torna-se um cavalo quer brincar com areia e torna-se padeiro quer esconder-se e
torna-se ladratildeo ou guardardquo (Benjamin 1984 p 70)
Nesse movimento mimeacutetico a crianccedila por meio da imitaccedilatildeo de outros seres
animados ou inanimados representa o real acreditando ser verdadeiramente aquilo que
sua imaginaccedilatildeo deseja Para Benjamin essas representaccedilotildees que aquele que brinca daacute
aos brinquedos na brincadeira expressam fragmentos e estilhaccedilos da cultura na qual a
crianccedila estaacute inserida Nesse ponto o filoacutesofo aproxima-se da perspectiva soacutecio-
histoacuterico-cultural de Vygotsky
Ateacute agora apresentei um panorama de algumas discussotildees sobre a imaginaccedilatildeo e
seu papel no desenvolvimento infantil a partir de alguns pensadores Para delinear
melhor os estudos teoacutericos do GP EFoPI sobre o tema discorrerei sobre as relaccedilotildees
teoacutericas que o GP teceu entre a importacircncia do desenvolvimento da imaginaccedilatildeo no
contexto da brincadeira de faz de conta a partir da perspectiva soacutecio-histoacuterico-cultural
de Vygotsky Leontiev e Elkonin
Segundo Vygotsky (19301991) a crianccedila menor tem sua accedilatildeo sobre o mundo
determinada pelo contexto perceptual e pelos objetos nele contidos Entretanto quando
ingressa na creche ou na preacute-escola vivencia por meio do universo da brincadeira de
faz de conta a possibilidade do desenvolvimento de uma importante funccedilatildeo psicoloacutegica
superior ndash a imaginaccedilatildeo ndash que lhe permite desprender-se das restriccedilotildees impostas pelo
ambiente imediato possibilitando-lhe transgredir e subverter as regras impostas por ele
Essa crianccedila agora eacute capaz de transformar o significado dos objetos modificando um
elemento da realidade em outro
Esse formato que a crianccedila atribui aos objetos representados tem implicaccedilotildees
importantes em seu desenvolvimento em especial para a (re)construccedilatildeo de sentidos e
significados sobre o mundo material em que vive Ao montar suas brincadeiras de faz
de conta a partir do contexto soacutecio-histoacuterico-cultural em que estaacute inserida ela traz
elementos novos que natildeo estavam postos nas experiecircncias passadas A criaccedilatildeo de novas
imagens no interior das imagens e vivecircncias passadas satildeo elementos importantes para
que ela possa inaugurar novas maneiras de compreender e (re)inventar a realidade que a
cerca configurando-se tambeacutem como a base da atividade criadora do homem Na
CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 84
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brincadeira de faz de conta temos o pilar do desenvolvimento da imaginaccedilatildeo que se
constitui como a base para o desenvolvimento do sujeito criativo
O processo de criaccedilatildeo humana tem sua gecircnese na imaginaccedilatildeo na capacidade que
o sujeito tem de combinar variaacuteveis e fazer uma nova leitura da realidade Para
Vygotsky (19301987) na atividade criadora a imaginaccedilatildeo e a realidade imbricando-
se estabelecem uma relaccedilatildeo dialeacutetica que possibilita a transformaccedilatildeo do homem na sua
relaccedilatildeo nocom o mundo Daiacute a importacircncia de possibilitarmos agraves crianccedilas
espaccedilostempos de brincadeiras uma vez que quanto mais elas desenvolverem sua
capacidade de imaginar mais desenvolveratildeo processos criativos
Como vimos para Vygotsky a brincadeira de faz de conta eacute caracterizada pelo
elemento da imaginaccedilatildeo Entretanto paradoxalmente essa dimensatildeo imaginaacuteria
manteacutem uma relaccedilatildeo de subordinaccedilatildeo agraves regras impostas pela realidade circundante do
sujeito O autor russo diz
Sempre que haacute uma situaccedilatildeo imaginaacuteria no brinquedo haacute regras ndash natildeo
as regras previamente formuladas e que mudam durante o jogo mas
aquelas que tecircm sua origem na proacutepria situaccedilatildeo imaginaacuteria (Vygotsky
19301991 p 108)
A crianccedila obedece agraves regras do comportamento que estaacute representando Se ela
estiver representando o papel de pai por exemplo obedeceraacute agraves regras do
comportamento paterno A relaccedilatildeo que a crianccedila estabelece com o papel representado eacute
que define as regras que utiliza para encenaacute-lo
Nesse sentido a brincadeira de faz de conta eacute o loacutecus em que a imaginaccedilatildeo na
infacircncia se manifesta e se desenvolve possibilitando agrave crianccedila tornar-se aquilo que natildeo
eacute e permitindo-lhe ultrapassar os limites postos pela realidade Um espaccedilo de
construccedilatildeo de sentidos e de significados no campo da produccedilatildeo dos saberes Esses
saberes satildeo produzidos porque a brincadeira impulsiona a crianccedila a conhecer e a
dominar os objetos e as representaccedilotildees humanas uma vez que as situaccedilotildees de
brincadeiras das crianccedilas satildeo construiacutedas a partir do contexto social que a circunda
Vygotsky (19321998 p 132) explica que
uma crianccedila natildeo se comporta de forma puramente simboacutelica no
brinquedo ao inveacutes disso ela quer e realiza seus desejos permitindo
que as categorias baacutesicas da realidade passem atraveacutes da experiecircncia
A crianccedila ao querer realiza seus desejos Ao pensar ela age As accedilotildees
internas e externas satildeo inseparaacuteveis a imaginaccedilatildeo a interpretaccedilatildeo e a
vontade satildeo processos internos conduzidos pela accedilatildeo externa
CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 85
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Procurando fundamentar a importacircncia da brincadeira de faz de conta para o
desenvolvimento infantil continuarei o diaacutelogo com outros autores que tambeacutem
trabalharam na perspectiva soacutecio-histoacuterico-cultural e que tecem importantes
contribuiccedilotildees como Leontiev e Elkonin
Aleacutexis N Leontiev foi um importante psicoacutelogo russo que trabalhou com
Vygotsky e colaborou na criaccedilatildeo da psicologia sovieacutetica que se tornou conhecida por
psicologia soacutecio-histoacuterico-cultural O autor tambeacutem pesquisou sobre os princiacutepios
psicoloacutegicos da brincadeira no desenvolvimento infantil Para o teoacuterico a brincadeira eacute
uma atividade inerente ao humano fundada a partir da percepccedilatildeo que a crianccedila tem do
seu contexto histoacuterico e cultural
Para esse autor a brincadeira eacute a principal atividade da crianccedila atividade que a
desafia a operar com os objetos e situaccedilotildees do universo do adulto que ela ainda natildeo
domina Ao antecipar accedilotildees inerentes ao mundo do adulto a crianccedila procura uma
relaccedilatildeo ativa natildeo apenas com os objetos circunscritos ao seu contexto mas tambeacutem
com o mundo mais amplo Para solucionar a contradiccedilatildeo existente entre a necessidade
de (inter)agir e a impossibilidade de realizar operaccedilotildees exigidas pelas accedilotildees a crianccedila
busca no movimento da brincadeira uma maneira de resolver tal contradiccedilatildeo
Para que possamos compreender a assertiva de Leontiev (1998) que a
brincadeira eacute a principal atividade da crianccedila faz-se necessaacuterio entender a definiccedilatildeo do
autor de atividade principal Para isso retomo a definiccedilatildeo explicitada por Arauacutejo (2008
p 37)
aquela em que eacute possibilitada a realizaccedilatildeo de conexotildees importantes
que trazem mudanccedilas no desenvolvimento psiacutequico da crianccedila e
dentro da qual se desenvolvem processos que preparam o caminho da
transiccedilatildeo da crianccedila para um novo e mais elevado niacutevel de
desenvolvimento
Assim a brincadeira de faz de conta como atividade principal do universo
infantil se constitui como um importante mecanismo do desenvolvimento global dos
processos psiacutequicos das crianccedilas no interior de suas infacircncias Segundo Leontiev
(1998) na medida em que a crianccedila se depara com uma progressiva expansatildeo da
quantidade de objetos humanos circunscritos agrave sua realidade mais o brincar torna-se sua
atividade principal pela necessidade de se apropriar do universo do mundo adulto Dito
de outro modo esse movimento impulsiona a crianccedila a dominar esse universo que se
CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 86
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configura em constante expansatildeo uma aacuterea mais ampla da realidade que soacute se torna
acessiacutevel a ela por meio da brincadeira
Em seus estudos e pesquisas Leontiev (1998) aponta que a maneira de brincar
evolui de acordo com a idade da crianccedila sendo necessaacuterio considerar as especificidades
de cada fase18
do desenvolvimento infantil Para o autor a passagem de uma etapa de
desenvolvimento para uma outra ocorre no decorrer do desenvolvimento da crianccedila
quando ela percebe que as suas (inter)relaccedilotildees com seu mundo imediato natildeo
correspondem mais agraves suas potencialidades Dessa tensatildeo haacute uma mudanccedila na
motivaccedilatildeo da atividade principal da crianccedila por conseguinte essa mudanccedila deixa a
atividade principal antes desempenhada em um segundo plano surgindo uma nova
atividade principal e propiciando um novo estaacutegio do desenvolvimento As
transformaccedilotildees que acontecem no desenvolvimento infantil em cada estaacutegio tecircm uma
relaccedilatildeo de interdependecircncia Eacute importante dizer que embora o desenvolvimento de uma
atividade principal natildeo elimine a que existia antes sua importacircncia muda na relaccedilatildeo da
crianccedila com a realidade (Arauacutejo 2008 p 38)
Leontiev (1998) assim como Vygotsky tambeacutem discorreu sobre a relaccedilatildeo entre
a imaginaccedilatildeo e o desenvolvimento infantil a partir da brincadeira de faz de conta Em
suas investigaccedilotildees o autor chegou agraves mesmas inferecircncias que Vygotsky quais sejam as
crianccedilas na brincadeira natildeo expressam o improvaacutevel ou fantaacutestico mas pautam-se em
elementos da realidade para evocar uma situaccedilatildeo luacutedica imaginaacuteria Nesse movimento
as condiccedilotildees das accedilotildees no interior do brincar em especial do brincar de faz de conta
tornam imprescindiacutevel a imaginaccedilatildeo e datildeo origem a ela (Arauacutejo 2008 p 38)
Eacute interessante notar que segundo Leontiev (1998) os objetos na situaccedilatildeo
imaginaacuteria da brincadeira mantecircm o mesmo campo de significaccedilatildeo da vida real no
entanto ganham contornos luacutedicos Nesse fluxo de significaccedilatildeo do real os sentidos e
significados compartilhados no brincar tecircm sua gecircnese na realidade circunscrita agrave vida
da crianccedila Desse modo o autor acredita que as brincadeiras das crianccedilas satildeo operaccedilotildees
reais e sociais fundadas nas atividades humanas que promovem uma melhor
compreensatildeo da realidade material
18 Eacute importante dizer que os verbetes ldquoetapardquo ldquofaserdquo e ldquoestaacutegiordquo em um vieacutes soacutecio-histoacuterico-cultural natildeo
satildeo relacionados a um desenvolvimento maturacional mas dependem das condiccedilotildees concretas em que
ocorre o desenvolvimento
CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 87
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Elkonin (1998) do mesmo modo que Vygotsky e Leontiev tambeacutem desenvolveu
estudos e pesquisas a respeito da brincadeira de faz de conta aprofundando as questotildees
referentes agrave psicologia do jogo Por conta disso tornou-se uma referecircncia para esse
campo de discussatildeo no interior da teoria soacutecio-hitoacuterico-cultural Em seu principal
trabalho Psicologia do jogo deu ecircnfase ao que intitulou de jogo protagonizado Seus
estudos tecircm como base os trabalhos de Vygotsky em especial a premissa de que a
gecircnese do jogo natildeo estaacute relacionada a uma essecircncia natural e bioloacutegica mas social
histoacuterica e cultural
Para Elkonin (1998) o jogo protagonizado (ou brincadeira de papeacuteis) tem sua
gecircnese na realidade histoacuterica e cultural natildeo se constituindo uma atividade espontacircnea
para a crianccedila mas sim uma atividade principal no dizer de Leontiev (1998) Essa
atividade principal possibilita o desenvolvimento das accedilotildees mentais tais como o
pensamento generalizante e a descontextualizaccedilatildeo Em uma brincadeira de faz de conta
a crianccedila ao interpretar determinado papel orienta sua accedilatildeo a partir dos elementos que
identifica na ldquopersonagem realrdquo O processo de descontextualizaccedilatildeo possibilita ao
sujeito no faz de conta ldquodiscriminar abstrair e isolar informaccedilotildees de sua realidade
concreta e utilizaacute-las nos contextos luacutedicos criados estabelecendo novas relaccedilotildees e
combinaccedilotildeesrdquo (Arauacutejo 2008 p 41) O desenvolvimento da conduta voluntaacuteria
constitui-se de regras que satildeo abstraiacutedas da realidade material e na brincadeira tornam-
se arbitraacuterias e voluntaacuterias possibilitando o envolvimento da crianccedila na atividade Esse
eacute um importante ponto das discussotildees de Elkonin (1998) pois ldquosubordinar-se aacutes regras
faz parte do universo da brincadeira que se mantecircm desde que todos estejam de acordo
com as regras construiacutedasrdquo (Arauacutejo 2008 p 41)
As reflexotildees que teci ateacute agora sobre a brincadeira de faz de conta podem
indicar ao leitor que elas se distinguem das brincadeiras de regras No entanto uma se
desenvolve a partir da outra Na brincadeira de faz de conta a subordinaccedilatildeo agraves regras
dos papeacuteis protagonizados pelas crianccedilas satildeo a base para que mais tarde elas possam
compreender os jogos com regras que tecircm objetivos definidos Eacute importante dizer que
nos jogos com regras os objetivos e as regras prevalecem mas o desempenho de um
papel e a situaccedilatildeo luacutedica tecircm ainda que de forma secundarizada seu lugar no
desenvolvimento da brincadeira No entanto neste trabalho os jogos de regras natildeo
seratildeo aprofundados pois o foco da discussatildeo centra-se na brincadeira de faz de conta
com crianccedilas de dois e trecircs anos de idade
CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 88
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Nas discussotildees que foram explicitadas ateacute agora fica claro que o grupo
sovieacutetico em especial Vygotsky Leontiev e Elkonin trata da questatildeo da brincadeira de
faz de conta em um vieacutes soacutecio-histoacuterico-cultural como uma siacutentese dialeacutetica das
relaccedilotildees sociais e da vida concreta das crianccedilas
As contribuiccedilotildees desses autores da teoria soacutecio-histoacuterico-cultural satildeo
fundamentais para as pesquisas do GP EFoPI e para este trabalho de tese pois nos
possibilitam pensar o desenvolvimento infantil na corrente da histoacuteria e da cultura na
qual a crianccedila estaacute inserida Aleacutem disso oportuniza refletir sobre as crianccedilas e suas
infacircncias em um espaccedilo circunscrito e compatiacutevel aos seus desejos motivaccedilotildees e
indagaccedilotildees sobre a realidade concreta Esse interregno de confluecircncias cria zonas de
conflitos e tensotildees ZPDs que propiciam agrave crianccedila aprendizagens significativas
Retomemos entatildeo o percurso A infacircncia o desenvolvimento da imaginaccedilatildeo e a
brincadeira de faz de conta foram questotildees ponderadas nesta seccedilatildeo tendo como eixo as
discussotildees teoacutericas tecidas no interior do grupo de pesquisa EFoPI e neste trabalho E o
que estas discussotildees anunciaram Anunciaram uma possibilidade de tratarmos a questatildeo
da crianccedila e suas infacircncias a partir do prisma de algo que eacute inerente ao seu
desenvolvimento a internalizaccedilatildeo e (re)construccedilatildeo do real sob a oacutetica da imaginaccedilatildeo e
da brincadeira de faz de conta
Aleacutem disso a criaccedilatildeo de uma situaccedilatildeo imaginaacuteria na brincadeira de faz de
conta no dizer de Newman e Holzman (19932002 p 119) eacute uma atividade
revolucionaacuteria que possibilita a criaccedilatildeo de ZPDs ldquoaquela distacircncia emergente e
contiacutenua entre o ser e o tornar-serdquo pois se configura como uma atividade propiciadora
de aprendizado e por conseguinte impulsionadora do desenvolvimento da crianccedila Isso
ocorre porque a crianccedila na brincadeira age de modo mais avanccedilado que o esperado
para o seu niacutevel de desenvolvimento Nesse contexto os brinquedos satildeo os artefatos do
contexto social imediato elementos mediadores que transformam o brincar em uma
atividade circunscrita agrave sua realidade social histoacuterica e cultural
Relacionando agrave concepccedilatildeo de instrumento-e-resultado e natildeo instrumento-para-
resultado de Vygotsky Newman e Holzman (19932002 p 119) fazem uma analogia e
distinguem as brincadeiras por regras-para-resultados daquelas orientadas por regras-e-
resultados ldquoo resultado imaginaacuterio informa o modo de desempenho (do brincar) tanto
quanto o desempenho informa o modo imaginaacuteriordquo Na atividade de brincar a crianccedila
encontra no brinquedo e na interaccedilatildeo com seus pares elementos que geram conflitos
CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 89
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tensotildees e transformaccedilatildeo da situaccedilatildeo imaginada indo aleacutem das suas proacuteprias
possibilidades e produzindo novos conhecimentos sobre o mundo que a cerca
Eacute importante dizer que diante desse compromisso o grupo de pesquisa decidiu
continuar o diaacutelogo e com a crenccedila de que poderia colaborar criticamente com os
profissionais da educaccedilatildeo infantil resolveu criar um espaccedilo de interlocuccedilatildeo de reflexatildeo
criacutetico-colaborativa Assim iniciou o trabalho de campo da pesquisa com sessotildees
reflexivas com 4 educadoras de uma creche municipal e com as 23 coordenadoras de
todas as creches municipais da cidade de Juiz de Fora O diaacutelogo teve como um dos
eixos as discussotildees sobre os espaccedilos que a brincadeira de faz de conta ocupava nas
creches
Isso porque os participantes do grupo de pesquisa acreditam poder contribuir
para as discussotildees das propostas pedagoacutegicas e tambeacutem para as discussotildees das praacuteticas
no interior das creches e preacute-escolas O eixo da reflexatildeo foi a brincadeira de faz de
conta como um espaccedilo feacutertil para o desenvolvimento da crianccedila que possibilita a
formaccedilatildeo de sujeitos que podem natildeo soacute descrever a partir dos esteacutereis conteuacutedos e
programas a realidade que os cerca mas tambeacutem criar novas imagens de transformaccedilatildeo
das experiecircncias cotidianas da cultura e da produccedilatildeo cientiacutefica do conhecimento
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CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E
(DES)CAMINHOS TRILHADOS
Veio me dizer que eu desestruturo a linguagem Eu desestruturo
a linguagem Vejamos eu estou bem sentado num lugar Vem
uma palavra e tira o lugar de debaixo de mim Tira o lugar em
que eu estava sentado Eu natildeo fazia nada para que a palavra me
desalojasse daquele lugar E eu nem atrapalhava a passagem de
ningueacutem Ao retirar de debaixo de mim o lugar eu desaprumei
Ali soacute havia um grilo com a sua flauta de couro O grilo
feridava o silecircncio Os moradores do lugar se queixavam do
grilo Veio uma palavra e retirou o grilo da flauta Agora eu
pergunto quem desestruturou a linguagem Fui eu ou foram as
palavras E o lugar que retiraram de debaixo de mim Natildeo era
para terem retirado a mim de lugar Foram as palavras pois
que desestruturam a linguagem E natildeo eu
Manoel de Barros
Eacute Manuel de Barros que ilumina o caminho deste capiacutetulo E se me aproprio de
parte de seu corpus literaacuterio eacute porque o poeta brasileiro nos auxilia (a mim e ao leitor) a
compreender que os lugares jaacute natildeo estatildeo ldquodebaixo de noacutesrdquo Se admitimos que se faz
necessaacuterio romper com esquemas de pensamento que legitimam apenas uma forma de
fazer ciecircncia precisamos tambeacutem encontrar outros lugares para pensar sobre a
materialidade das coisas no loacutecus da pesquisa Nesse sentido como podemos pensar a
Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo nos espaccedilos das creches Como esta modalidade de
pesquisa pode auxiliar na ressignificaccedilatildeo da praacutetica pedagoacutegica dos profissionais que
atuam na educaccedilatildeo infantil na educaccedilatildeo baacutesica
Refletindo sobre essas questotildees teccedilo neste capiacutetulo o percurso metodoloacutegico da
realizaccedilatildeo deste estudo Primeiro esclareccedilo o que eacute uma Pesquisa Criacutetica de
Colaboraccedilatildeo e como ela aconteceu no interior do GP LACE e do GP EFoPI Por se
tratar de um contexto amplo explicito seus vaacuterios focos de atuaccedilatildeo ilustrando com
quadros que trazem resumidamente seus espaccedilos de produccedilotildees Apresento logo em
seguida a descriccedilatildeo dos participantes do GP EFoPI e dos colaboradores externos em
quadros ilustrativos e depois destaco como procedi na coletaproduccedilatildeo e organizaccedilatildeo
dos dados Essas informaccedilotildees tambeacutem estatildeo distribuiacutedas em quadros para melhor
visualizaccedilatildeo e compreensatildeo do leitor em relaccedilatildeo ao que foi feito no processo
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 91
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Continuo o caminho esclarecendo ao leitor sobre os procedimentos de anaacutelise e
interpretaccedilatildeo dos resultados me respaldando em categorias linguiacutestico-discursivas e de
interpretaccedilatildeo para discutir os possiacuteveis resultados do estudo Por fim mostro ao leitor os
vaacuterios momentos em que este trabalho foi avaliado No proacuteximo item apresento o
fluxograma e o desenho da pesquisa em que sintetizo as etapas realizadas nesta
investigaccedilatildeo
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 92
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Figura 01 ndash Fluxograma da Pesquisa
GRUPO DE PESQUISA LACE
PROJETO DE PESQUISA
ARGUMENTOS NA PRODUCcedilAtildeO CRIATIVA DE SIGNIFICADOS
EM CONTEXTOS ESCOLARES DE
FORMACcedilAtildeO DE EDUCADORES
O FLUXO DO SIGNIFICADO DO
BRINCAR NA CADEIA CRITATIVA ARGUMENTACcedilAtildeO E
FORMACcedilAtildeO DE EDUCADORES E PESQUISADORES
PESQUISA
GRUPO DE PESQUISA
EFoPI
EXTENSAtildeO
3 SESSOtildeES REFLEXIVAS
EDUCADORAS SOCIAIS
DAS CRECHES
1 SESSAtildeO REFLEXIVA
COORDENADORAS
CRECHE
2 ENCONTROS DO CURSO
DE EXTENSAtildeO
COORDENADORAS
CRECHES
ANAacuteLISE E
INTERPRETACcedilAtildeO DOS
DADOS
PRODUCcedilAtildeO DO
CONHECIMENTO
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 93
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Quadro 02 ndash Desenho da Pesquisa (inspirado em Fuga 2009)
Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo
Macro Contexto Argumentos na Produccedilatildeo Criativa de Significados em Contextos
Escolares de Formaccedilatildeo de Educadores
Contexto desta pesquisa GP EFoPI
Subcontextos
Creche Municipal Curso de Extensatildeo FACEDUFJF
Participantes 4 Professores de uma Creche Municipal da AMAC + Coordenadores das 23
creches da AMAC + Pesquisadores do GP EFoPI
Perguntas de
Pesquisa
Enfoque
Teoacuterico
Instrumentos
para discussatildeo
Participantes Procedimentos de
anaacuteliseinterpreta-
ccedilatildeo dos dados
Como o
processo da
argumentaccedilatildeo
desenvolvido entre
pesquisadoras e
educadoras
permite expor
sentidos e
significados sobre
a brincadeira no
movimento da
cadeia
Quais
argumentos
contribuiacuteram para
a produccedilatildeo de
significado sobre
o brincar no
movimento da
Cadeia Criativa
A Teoria
Soacutecio-Histoacuterico-
Cultural A
Cadeia Criativa
Argumentaccedilatildeo
na Retoacuterica e na
Nova Retoacuterica
Argumentaccedilatildeo
Dialoacutegica
Discussotildees
sobre o brincar
nas creches nas
sessotildees
reflexivas ndash
2006 a 2009
Discussotildees
sobre o brincar
no Curso de
Extensatildeo
Pesquisadores
do GP EFoPI e
quatro
professores de
uma creche
puacuteblica
municipal
Pesquisadores
do GP EFoPI e
vinte e trecircs
Coordenadoras
das creches
municipais
Marcas da
interaccedilatildeo
Questionamento
Instruccedilatildeo
Explicaccedilatildeo
Retomada de vozes
anteriores
Colocaccedilatildeo e
recolocaccedilatildeo de
problemas
Marcas
Argumentativas 1
Ponto de vista
Contra-argumento
Questatildeo controversa
e Acordo
Marcas
Argumentativas 2
Tipos de argumentos
ndash teoacuterico
autoridade fonte
exemplo definiccedilatildeo
comparaccedilatildeo
pragmaacutetico
Marcas
Linguiacutesticas
Decirciticos e
Operadores
argumentativos
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 94
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31 ndash A Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo no Grupo de Pesquisa Linguagem em
Atividades no Contexto Escolar (GP LACE)
Esta investigaccedilatildeo como jaacute mencionado tem como contexto o GP EFoPI em
especial as intervenccedilotildees de pesquisa e extensatildeo do grupo no periacuteodo de 2006 a 2009 Eacute
importante esclarecer que em 2006 junto com o meu ingresso no doutorado de
Linguiacutestica Aplica e Estudos da Linguagem (LAEL) o EFoPI inicia um trabalho
interinstitucional com o GP LACE em que o elo de interlocuccedilatildeo eacute a Pesquisa Criacutetica de
Colaboraccedilatildeo (Smyth 1992 John-Steiner 2000 Engestroumlm 2002 Magalhatildees 2002
2004 2006 2007 2009 Magalhatildees amp Fidalgo 2007 Liberali 2004 2006 2007
Schapper amp Silva 2009) Isto implica dizer que o GP EFoPI e por conseguinte este
trabalho de tese estatildeo estruturados sob a oacutetica do paradigma criacutetico e tecircm na
colaboraccedilatildeo seu meacutetodo de trabalho
Mas o que significa ser pesquisa criacutetica de colaboraccedilatildeo Para que o leitor possa
entender melhor a inserccedilatildeo do GP LACE do GP EFoPI bem como esta investigaccedilatildeo
na perspectiva do sintagma Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo eacute necessaacuterio fazer uma
incursatildeo sobre o que significa criacutetico e o que significa colaboraccedilatildeo
No modelo de investigaccedilatildeo da Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo o verbete criacutetica
estaacute alicerccedilado no paradigma19
criacutetico de pesquisa que emerge a partir dos anos 70 e
ganha forccedila sobretudo nos anos 80 Grosso modo este paradigma busca no
movimento de pesquisa a transformaccedilatildeo da realidade por meio da reflexatildeo fundada na
indissociabilidade entre teoria e praacutetica intersecccedilatildeo fundamental para a efetivaccedilatildeo de
mudanccedilas nos contextos pesquisados e para a produccedilatildeo do conhecimento Isso ocorre
porque a investigaccedilatildeo se estrutura a partir das necessidades reais dos participantes e do
proacuteprio grupo de pesquisa O pesquisador em um movimento de compreensatildeo ativa
19 Para Kuhn (1992) um paradigma se funda a partir de realizaccedilotildees cientiacuteficas universalmente
reconhecidas que por um certo tempo fornecem problemas e soluccedilotildees-modelo para uma comunidade de
profissionais Na contemporaneidade defende-se no universo investigativo educacional a existecircncia de
trecircs paradigmas (1) o positivista ndash fundado nos meacutetodos quantitativos e de verificaccedilatildeo de hipoacuteteses
proacuteprios das ciecircncias naturais e exatas cujo objetivo eacute controlar predizer prever explicar as formulaccedilotildees
de leis gerais a realidade material eacute uacutenica vista de forma universal e busca reproduzir os eventos
investigados (2) o interpretativo ndash baseado na ciecircncia hermenecircutica tem a convicccedilatildeo de que o real natildeo eacute
apreensiacutevel diretamente seus objetivos satildeo compreender e interpretar a realidade vista como muacuteltipla
intangiacutevel e holiacutestica o movimento investigativo eacute atravessado pela influecircncia do investigador que se
torna um construtor da realidade pesquisada e por ser passiacutevel de interpretaccedilatildeo entendida como uma
criaccedilatildeo subjetiva dos participantes envolvidos nos eventos do trabalho de campo que trazem para a cena
da pesquisa seus valores para a seleccedilatildeo do problema teoria e meacutetodos de anaacutelise e (3) o paradigma
criacutetico no qual esta pesquisa se funda e que eacute exposto no corpo do texto
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 95
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interveacutem no campo pesquisado no sentido de propiciar espaccedilos de transformaccedilotildees e
mudanccedilas Subjaz a este paradigma a inexistecircncia de verdades prontas e generalizaccedilotildees
a respeito dos contextos investigados uma vez que as verdades satildeo verossiacutemeis fiadas e
tecidas no fluxo do diaacutelogo em um contexto circunscrito agrave realidade histoacuterica e
material O processo de investigaccedilatildeo parte das reais necessidades de um dado contexto
e nesse movimento busca promover as mudanccedilas por meio de atitudes de intervenccedilatildeo
No Paradigma Criacutetico temos anaacutelises contextualizadas qualitativas imbricadas
no processo soacutecio-histoacuterico-cultural A ciecircncia sob a oacutetica desse paradigma procura
promover a transformaccedilatildeo da realidade e a investigaccedilatildeo descortina possibilidades de os
participantes analisarem os contextos nos quais estatildeo inseridos por meio da reflexatildeo
teoria-praacutetica (Freitas 2007) A dinacircmica inicial de refletir sobrena accedilatildeo possibilita
outros olhares outros posicionamentos que antes natildeo eram vislumbrados criando uma
siacutentese dialeacutetica que ganha novos contornos na triacuteade accedilatildeo-reflexatildeo-nova accedilatildeo Isso
ocorre porque haacute no movimento de investigaccedilatildeo um interesse intriacutenseco pelo
conhecimento que traz agrave tona os aspectos de alienaccedilatildeo e de dominaccedilatildeo de grupos sociais
ou de indiviacuteduos sobre outros (Fuga 2009)
Nesse contexto do Paradigma Criacutetico o verbete colaboraccedilatildeo ganha novos
contornos e institui a PCCol (Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo) criada pela Professora
Dra Maria Ceciacutelia Camargo Magalhatildees (2002 2004 2006 2007 2009) no interior do
GP LACE Nas palavras de Magalhatildees (2009 p 55)
a pesquisa criacutetica de colaboraccedilatildeo estaacute inserida em um paradigma
criacutetico que tem como objetivo intervir e transformar contextos de
modo a propiciar que os participantes aprendam por meio da
participaccedilatildeo coletiva na conduccedilatildeo da pesquisa Dessa forma a
pesquisa realiza-se como um processo de questionamento de sentidos-
significados rotinizados bem como de produccedilatildeo conjunta de novos
significados
A autora destaca que na praacutetica de pesquisa essa colaboraccedilatildeo e esse
questionamento criacutetico natildeo devem ser polarizados Por outro lado se o pesquisador
focar apenas o questionamento (sem colaboraccedilatildeo) tenderaacute agrave imposiccedilatildeo de ideias a partir
de sua autoridade afastando qualquer possibilidade de compartilhamento de sentidos e
de significados na produccedilatildeo-construccedilatildeo do conhecimento
Para a pesquisadora haacute a ideia de coautoria e de coconstruccedilatildeoproduccedilatildeo de
conhecimento entre pesquisadores e participantes no processo de transformaccedilatildeo
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 96
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circunscrito ao momento histoacuterico em que a accedilatildeo de pesquisa foi desenvolvida Isso
mostra como explicita Liberali (2008) a essecircncia da colaboraccedilatildeo como uma categoria
teoacuterico-metodoloacutegica que possibilita aos pesquisadores e participantes se posicionarem
como aprendizes no percurso investigativo Aleacutem disso materializa um meacutetodo de
pesquisa como instrumento-e-resultado e natildeo instrumento-para-resultado (Vygotsky
19301991)
Segundo Magalhatildees (2009) a colaboraccedilatildeo se estrutura em coautoria e
coconstruccedilatildeoproduccedilatildeo de pesquisadores e participantes como disse anteriormente
Contudo isso natildeo significa estabelecer uma relaccedilatildeo de simetria de conhecimento eou
semelhanccedilas de ideias representaccedilotildees sociais e valores ao contraacuterio implica tensotildees e
contradiccedilotildees (Engestroumlm 1999b) as quais geram conflitos questionamentos pontos de
vista distintos que satildeo elementos fundantes do processo criacutetico-reflexivo e por
conseguinte desencadeadores das possiacuteveis transformaccedilotildees dana praacutetica Para lidar
com essas tensotildees e conflitos a autora explica que se torna imprescindiacutevel estruturar a
linguagem pela argumentaccedilatildeo elemento tratado nesta tese Poderemos entender melhor
essa discussatildeo por suas proacuteprias palavras
eacute fundamental que sejam reconhecidas e questionadas as contradiccedilotildees
entre o objeto da atividade instrumentos e accedilotildees dos participantes
regras que embasam as relaccedilotildees e a qualidade da divisatildeo do trabalho
que conflitos sejam enfocados e trabalhados Assim eacute necessaacuterio que
a colaboraccedilatildeo organize uma linguagem que se estruture pela
argumentaccedilatildeo (Magalhatildees 2009 p 64)
A colaboraccedilatildeo eacute uma categoria que tece-fia uma estreita relaccedilatildeo com os
conceitos bakhtinianos de dialogismo exotopia e cronotopia Os desdobramentos dos
diaacutelogos tecidos entre pesquisadores e participantes no interior da praacutetica de pesquisa a
partir de um distanciamento no tempo e no espaccedilo (lugares e tempos exteriores ao
instante do processo de investigaccedilatildeo) permitem que se vejam elementos dos ldquooutrosrdquo e
do proacuteprio processo que os sujeitos no momento de construccedilatildeo-produccedilatildeo nunca
poderiam ver Nesse movimento os diversos olhares diante de um mesmo evento
possibilitam um ldquodelineamento de quadros interpretativos mais abrangentes de uma
realidade o que pode evitar conclusotildees unilaterais na produccedilatildeo e leitura dos dadosrdquo
(Fuga 2009) Aleacutem disso promove no jogo dialoacutegico uma compreensatildeo ativa-
responsiva entre sujeitos que transformam a realidade e por ela satildeo transformados
Na proacutexima seccedilatildeo discutirei como essa referecircncia paradigmaacutetica da PCCol tem
orientado de forma geral as accedilotildees do GP EFoPI
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32 ndash A Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo no Grupo de Pesquisa Educaccedilatildeo
Formaccedilatildeo de professores e Infacircncia (GP EFoPI)
O GP EFoPI iniciou o trabalho de investigaccedilatildeo com accedilotildees fundadas na Pesquisa
Criacutetica de Colaboraccedilatildeo (PCCol) em 2006 a partir de um projeto interinstitucional com
o GP LACE Assim a tocircnica das pesquisas passou a ser no pesquisador que natildeo soacute
interveacutem mas tambeacutem sofre influecircncia no processo de intervenccedilatildeo entendendo que ele
pesquisa porque pergunta questiona e na compreensatildeo do grupo satildeo as perguntas que
o fazem avanccedilar no processo de produccedilatildeo do conhecimento cientiacutefico
A perspectiva criacutetica possibilita aos participantes espaccedilos de reflexatildeo-
transformaccedilatildeo e elementos para a (re)construccedilatildeo de seus discursos e de suas accedilotildees com
base no diaacutelogo nas praacuteticas discursivas formando uma Cadeia Criativa na qual um
texto entrecruzado com outros criam novos textos em novas praacuteticas discursivas que
se configuram em novas accedilotildees
No processo de colaboraccedilatildeo todos os participantes da pesquisa podem dizer
sobre suas vivecircncias e experiecircncias suas compreensotildees suas concordacircncias e
discordacircncias em relaccedilatildeo a seu proacuteprio discurso e dos outros participantes (Magalhatildees
1994) Aleacutem disso essa perspectiva possibilita problematizar as accedilotildees cotidianas
repensar e ressignificar o que eacute familiar o conhecido o realizado sob a oacutetica dos
conceitos do cotidiano criando espaccedilo para a compreensatildeo ativa dos conceitos
cientiacuteficos
A ecircnfase estaacute na participaccedilatildeo de cada um dos envolvidos e na contribuiccedilatildeo de
reciprocidade para o grupo No caso da formaccedilatildeo dos profissionais da creche a
diversidade de conhecimentos formaccedilatildeo possibilidades quanto ao tempo disponiacutevel
tem levado agrave diversidade de atuaccedilatildeo na pesquisa A accedilatildeo dos pesquisadores da
universidade e dos profissionais das creches na investigaccedilatildeo das proacuteprias accedilotildees eacute
compreendida e examinada como um processo de colaboraccedilatildeo criacutetica Nesse contexto
os participantes analisam praacuteticas refutam refletem e argumentam para tecer e fiar as
accedilotildees cotidianas e compreender os interesses que embasam suas praacuteticas pedagoacutegicas
Aleacutem disso tecircm sido respeitadas nesse processo colaborativo as negociaccedilotildees
desenvolvidas por parte dos pesquisadores e dos profissionais dessas instituiccedilotildees por
meio do dispositivo da argumentaccedilatildeo
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 98
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A opccedilatildeo do GP EFoPI por este modelo de investigaccedilatildeo deve-se agrave crenccedila de que a
formaccedilatildeo profissional natildeo pode mais se restringir aos espaccedilos formais e escolarizados
organizados com esse fim Ela precisa ser concebida como algo que pode se dar antes
durante e depois do processo formal como espaccedilos de reflexatildeo sobre o proacuteprio trabalho
em seu proacuteprio contexto de produccedilatildeo
A Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo no GP EFoPI e nesta tese se insere na
abordagem qualitativa com enfoque soacutecio-histoacuterico-cultural uma vez que
() aceptamos la naturaleza diferenciada del objeto de investigacioacuten
de las ciencias sociales y humanas el cual es un sujeto interactivo
motivado e intencional que assume una posicioacuten frente a las tareas
que enfrenta La investigacioacuten sobre este sujeto no puede ignorar estas
caracteriacutesticas generales La investigacioacuten en las ciencias humanas es
entre otras cosas un proceso de comunicacioacuten entre investigador e
investigado un diaacutelogo permanente que toma diferentes formas en el
curso de este proceso (Rey 1999 p 57)
Essa perspectiva eacute marcada como sinaliza Rey pela interaccedilatildeo pelo diaacutelogo e
pelo compromisso de mudanccedila e transformaccedilatildeo estabelecido entre os participantes da
investigaccedilatildeo que se comprometem com o processo e natildeo somente com os resultados da
pesquisa Nesse enfoque mais do que compreender a realidade os participantes tecircm
principalmente preocupaccedilatildeo em transformaacute-la
Freitas (2003) a partir de um diaacutelogo com Bogdan amp Biklen (1994) diz que a
pesquisa qualitativa de base histoacuterico-cultural se caracteriza pelos seguintes aspectos
A fonte dos dados eacute o texto (contexto) no qual o acontecimento emerge focalizando o
particular enquanto instacircncia de uma totalidade social Procura-se portanto
compreender os sujeitos envolvidos na investigaccedilatildeo para atraveacutes deles compreender
tambeacutem o seu contexto
As questotildees formuladas para a pesquisa natildeo satildeo estabelecidas a partir da
operacionalizaccedilatildeo de variaacuteveis mas se orientam para a compreensatildeo dos fenocircmenos
em toda a sua complexidade e em seu acontecer histoacuterico Isto eacute natildeo se cria
artificialmente uma situaccedilatildeo para ser pesquisada mas vai-se ao encontro da situaccedilatildeo
no seu acontecer no seu processo de desenvolvimento
A ecircnfase da atividade do pesquisador situa-se no processo de transformaccedilatildeo e
mudanccedila em que se desenrolam os fenocircmenos humanos procurando reconstruir a
histoacuteria de sua origem e de seu desenvolvimento
O pesquisador eacute um dos principais instrumentos da pesquisa porque sendo parte
integrante da investigaccedilatildeo sua compreensatildeo se constroacutei a partir do lugar soacutecio-
histoacuterico no qual se situa e depende das relaccedilotildees intersubjetivas que estabelece com
os sujeitos com quem pesquisa
O criteacuterio que se busca numa pesquisa natildeo eacute a precisatildeo do conhecimento mas a
profundidade da penetraccedilatildeo e a participaccedilatildeo ativa tanto do investigador quanto do
investigado Disso resulta que pesquisador e pesquisado tecircm oportunidade para
refletir aprender e ressignificar-se no processo de pesquisa (Freitas 2003 p 27-28)
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 99
ILKA SCHAPPER SANTOS
Dentro desse quadro de caracteriacutesticas natildeo poderia deixar de relacionaacute-lo como
o faz Freitas agrave teoria enunciativa da linguagem de Mikhail Bakhtin Para Bakhtin
(1987 p 403) as ciecircncias exatas que tecircm o paradigma positivista como referente de
pesquisa se constituem como forma monoloacutegica do conhecimento pois a compreensatildeo
do fenocircmeno pesquisado daacute-se no movimento de o intelecto contemplar uma coisa e
pronunciar-se sobre o objeto analisado Este eacute ldquocoisa mudardquo no dizer do autor e
produz o conhecimento monoloacutegico Numa leitura bakhtiniana podemos inferir (eu e o
leitor) que o sujeito sendo da linguagem natildeo pode permanecer emudecido pois como
sujeito da enunciaccedilatildeo estabelece nocom o mundo uma relaccedilatildeo dialoacutegica Essa relaccedilatildeo
se materializa na comunicaccedilatildeo verbal posto que um enunciado eacute sempre acompanhado
de uma atitude responsiva ativa Ou seja ldquotoda compreensatildeo eacute prenha de resposta e de
uma forma ou de outra forccedilosamente a produz o ouvinte torna-se locutorrdquo (Bakhtin
1987 p 290)
O processo de pesquisa nessa perspectiva eacute dialeacutetico Os participantes se
revezam nos posicionamentos ora de ouvinte ora de locutor no fluxo dialoacutegico da
linguagem Eacute nesse movimento dialeacutetico de ouvinte-locutor que o enunciado no
(con)texto de produccedilatildeo da investigaccedilatildeo ganha novas formas de expressatildeo e novas
construccedilotildees coletivas
Contreras (2002) explica que o professor natildeo se constitui como um profissional
reflexivo sozinho de maneira isolada pois a reflexatildeo eacute um processo coletivo e
acrescentamos dialoacutegico Nessa perspectiva refletir criticamente possibilita que o
educador analise de forma problematizadora as condiccedilotildees sociais histoacutericas e materiais
nas quais se estruturaram sua praacutetica educativa
Smyth (1992) propotildee aos professores questotildees que auxiliam nesse processo
criacutetico-reflexivo
De onde procedem historicamente as ideias que eu incorporo em minha praacutetica de
ensino
Como cheguei a apropriar-me delas
Por que ainda continuo respaldando o meu trabalho nelas
A que interesses servem
Que relaccedilotildees de poder estatildeo imbricadas
Como estas ideias influem no meu relacionamento com os alunos
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 100
ILKA SCHAPPER SANTOS
Nesta pesquisa tais consideraccedilotildees e questionamentos reforccedilaram a compreensatildeo
dos participantes de que a colaboraccedilatildeo visa ao desenvolvimento de novos
conhecimentos novas compreensotildees e possibilidades de accedilatildeo para todos os sujeitos nela
envolvidos
Para Smyth (1992) o processo reflexivo abarca quatro accedilotildees indissociaacuteveis que
estatildeo ligadas a certos tipos de perguntas que possibilitam refletir criticamente Ao
descrever suas accedilotildees em resposta a uma pergunta ndash o que faccedilo ndash o participante se
distancia delas e passa a se questionar sobre as razotildees das escolhas feitas Isto contribui
inicialmente para o favorecimento de um diaacutelogo com os professores promovendo o
reconhecimento e a anaacutelise dos fatores que limitam a sua atuaccedilatildeo e a possibilidade de
verem a si mesmos como capazes de levar a cabo a transformaccedilatildeo da praacutetica e dos
valores educativos Natildeo basta criticar a realidade mas mudaacute-la Para isso o autor
organizou como apontado acima um ciclo de quatro fases que representam as accedilotildees que
os docentes deveriam adotar descrever informar confrontar e reconstruir Eacute
importante esclarecer que essas fases natildeo satildeo etapas hierarquizadas podendo ocorrer
concomitantemente
Quadro 03 Accedilotildees e questotildees relativas ao processo reflexivo (Smyth 1992)20
Actions Questions
Describe What do I do
Inform What does this mean
Confront How did I come to be like this
Reconstruct How might I do things differently
20 Descrever O que faccedilo
Informar O que isso significa
Confrontar Como eu cheguei a ser assim
Reconstruir Como eu poderia fazer as coisas diferentemente
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 101
ILKA SCHAPPER SANTOS
Quadro 04 - Accedilotildees e questotildees relativas ao processo reflexivo construiacutedas pelo EFoPI a
partir de Smyth (1992)
Siacutentese do Processo de Reflexatildeo do Grupo de Pesquisa EFoPI
Accedilotildees Questotildees
Descrever O que faccedilo
Informar Qual o significado das minhas accedilotildees
Confrontar A que interesses minha praacutetica estaacute servindo
Reconstruir Como vocecirc organizaria essa atividade de
outra maneira Por quecirc
Segundo Liberali (2004) o descrever estaacute relacionado agrave descriccedilatildeo da accedilatildeo para
que esta fique clara aos participantes Esta forma de accedilatildeo estaacute relacionada ao
questionamento ldquoo que faccedilordquo Na descriccedilatildeo concreta das accedilotildees eacute possiacutevel tornar
evidente o que estaacute por traacutes de cada uma delas e abrir caminho para o informar Nesta
accedilatildeo haacute uma revisita ao descrever para compreender as teorias que foram sendo
construiacutedas pelo professor ao longo da vida e que influenciaram as suas praacuteticas O
educador procura responder sobre ldquoqual o significado de suas accedilotildeesrdquo A resposta abre
caminho para o confrontar das accedilotildees com base na compreensatildeo delas e natildeo na sugestatildeo
de novos procedimentos e modelos de atividades Envolve natildeo somente a busca das
inconsistecircncias da praacutetica entre preferecircncias pessoais e modos de agir como tambeacutem
remete a questotildees poliacuteticas como por exemplo ldquoa que interesses minha praacutetica estaacute
servindordquo Eacute no confrontar que eacute possiacutevel perceber como os discursos e as praacuteticas que
ocorrem fora das creches influenciam o modo de agir dentro delas Essa postura abre as
portas para o reconstruir no qual buscamos alternativas para a praacutetica educativa na
reflexatildeo de cada accedilatildeo com base nos diaacutelogos e informaccedilotildees ocorridos nas sessotildees
reflexivas a partir de questotildees do tipo de ldquoComo vocecirc organizaria essa atividade de
outra maneira Por quecircrdquo entre outras (Liberali 2004)
Atentando e concordando com essas premissas os procedimentos para a
consecuccedilatildeo dos objetivos da pesquisa em questatildeo pautaram-se inicialmente no
desenvolvimento de sessotildees reflexivas21
com a participaccedilatildeo dos pesquisadores externos
21 As sessotildees reflexivas satildeo pensadas como contextos em que satildeo criadas oportunidades para a construccedilatildeo de
significados sobre a praacutetica docente em colaboraccedilatildeo com um pesquisador externo caracterizando-se como sessotildees de
discussatildeo (Szundy 2005 p 90)
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 102
ILKA SCHAPPER SANTOS
(professores da universidade mestrandos e bolsistas de iniciaccedilatildeo cientiacutefica) e quatro
educadoras de uma creche puacuteblica do Municiacutepio de Juiz de Fora no ano de 2006 Aleacutem
disso as 23 coordenadoras das 23 creches puacuteblicas da cidade mineira participaram de
um curso de extensatildeo e sessotildees reflexivas no periacuteodo de 2007 a 2009
O enfoque metodoloacutegico possibilitou que o grupo elaborasse uma proposta que
pudesse dar subsiacutedios para o trabalho de pesquisa com os 4 professores de uma creche e
as 23 coordenadores no periacuteodo de 2006 a 2009 A proposta abrangeu as seguintes
accedilotildees (1) 12 sessotildees reflexivas com 4 professores de uma das creches municipais da
AMAC em 2006 (2) 10 encontros com os 23 coordenadores da AMAC no curso de
extensatildeo intitulado ldquoEspaccedilo de Reflexatildeo Teoacuterico-Praacutetico em Contexto de
Colaboraccedilatildeordquo em 2007 (3) 8 sessotildees reflexivas com os 23 coordenadores da AMAC
nos anos de 2008 e 2009
Voltando agrave discussatildeo que Magalhatildees (2002 2004 2009) tece sobre coautoria e
coconstruccedilatildeo entre participantes e pesquisadores no processo de construccedilatildeo-produccedilatildeo
de conhecimento no GP EFoPI estes atuaram para a formaccedilatildeo buscando trazer
subsiacutedios agrave transformaccedilatildeo da praacutetica daqueles envolvidos nas pesquisas Jaacute os
professores e coordenadores participantes trouxeram respostas (e muitas vezes
perguntas) para o grupo de pesquisadores Tal processo de argumentaccedilatildeo dialoacutegica
possibilitou a reflexatildeo na siacutentese dialeacutetica teoria-praacutetica enriquecendo a ldquoarquiteturardquo
do fazer-pensar pedagoacutegico em ambas as comunidades Esse movimento imbricado nas
contribuiccedilotildees dessas duas comunidades incidiu de maneira positiva na produccedilatildeo de
conhecimento Em siacutentese um movimento que possibilitou a todos a aprendizagem-
desenvolvimento isto eacute um contexto de empoderamento (Magalhatildees amp Fidalgo 2007)
Segundo Magalhatildees (2009) na colaboraccedilatildeo existem diferentes modos e niacuteveis
de participaccedilatildeo dos envolvidos que nem sempre participam de todos os momentos da
conduccedilatildeo da pesquisa por motivos diversos Minha participaccedilatildeo nas duas uacuteltimas
pesquisas do GP EFoPi ocorreu por volta de fevereiro de 2006 momento em que a
equipe firmava o compromisso de realizar o trabalho com as 4 educadoras de uma das
creches puacuteblicas municipais de Juiz de Fora O fluxo do trabalho nesse periacuteodo foi
intenso pois o grupo iniciava a parceria com GP LACE e aprofundava seus estudos na
metodologia de Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo
Participei de todas as reuniotildees de planejamento das 12 sessotildees reflexivas no
acircmbito da UFJF Nessa etapa os pesquisadores jaacute tinham organizado o material de
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 103
ILKA SCHAPPER SANTOS
estudos As discussotildees se pautavam em torno de investigar as atividades que envolviam
a brincadeira no contexto da creche analisada
Como abordado por Liberali (2008) para alguns pesquisadores juniores no caso
Patriacutecia Cestaro22
e para mim a tarefa de conduzir as sessotildees reflexivas soacute foi
consolidada por conta da ausecircncia da coordenadora do grupo de pesquisa em funccedilatildeo de
problemas de sauacutede na famiacutelia Essa situaccedilatildeo tornou as duas pesquisadoras mais
responsaacuteveis e mais engajadas nas intervenccedilotildees seguintes do GP EFoPI criando para
noacutes possibilidades de ter uma compreensatildeo ativa na praacutetica de pesquisa
Minha funccedilatildeo naquele momento centrava-se em responder as duacutevidas
metodoloacutegicas relacionadas agrave Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo Isso porque jaacute
participava ativamente das discussotildees do GP LACE na PUC e tambeacutem porque cursava
uma disciplina com a Profa Dra Maria Ceciacutelia Magalhatildees cujo principal conteuacutedo eram
as discussotildees da PCCol
No ano de 2007 realizamos o curso de extensatildeo intitulado ldquoEspaccedilo de Reflexatildeo
Teoacuterico-Praacutetico em Contexto de Colaboraccedilatildeordquo para as 23 coordenadoras das 23
creches municipais Jaacute em 2008 e 2009 centramos nossas accedilotildees em 8 sessotildees
reflexivas com as mesmas coordenadoras Nesse periacuteodo participei ativamente tanto no
curso quanto nas sessotildees em reuniotildees de estudos teoacutericos e planejamento de todas as
atividades do grupo realizadas com as coordenadoras Assim minha observaccedilatildeo e
intervenccedilatildeo aconteceram de forma direta e depois de forma indireta por meio das
gravaccedilotildees em viacutedeo a mim repassadas para tecer as anaacutelises e interpretaccedilotildees que datildeo
subsiacutedios agraves discussotildees desta tese As discussotildees deste trabalho estatildeo portanto
pautadas em uma investigaccedilatildeo longitudinal que fiz a partir das intervenccedilotildees do GP
EFoPI com educadores e coordenadores das creches municipais de Juiz de Fora
Acredito que minha accedilatildeo colaborativa com o GP EFoPI ficou circunscrita a
vaacuterios contextos (1) discussotildees teoacuterico-metodoloacutegicas com o grupo que resultaram em
apresentaccedilotildees de trabalho e escrita de vaacuterios artigos publicados no acircmbito nacional e
internacional em coautoria com a coordenadora do grupo o que possibilitou repensar as
nossas accedilotildees nas pesquisas do GP EFoPI (2) planejamento e execuccedilatildeo do curso de
extensatildeo e das sessotildees reflexivas com os professores e os coordenadores da creches (3)
22 Eacute mestre em educaccedilatildeo pesquisadora do GP EFoPI e professora da rede municipal do municiacutepio de Juiz
de Fora Atualmente trabalha na Secretaria de Educaccedilatildeo no Departamento de Educaccedilatildeo Infantil
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 104
ILKA SCHAPPER SANTOS
participaccedilatildeo em bancas de trabalhos de bacharelado de algumas bolsistas de iniciaccedilatildeo
cientiacutefica integrantes do grupo de pesquisa (4) elo de intersecccedilatildeo materializado
principalmente nesta tese entre os GP EFoPI e o GP LACE
Os caminhos do GP EFoPI demandaram a inserccedilatildeo em diferentes espaccedilos fiacutesicos
para que o trabalho pudesse ser realizado espaccedilos esses que estiveram interligados ndash
acircmbito da UFJF e da AMAC ndash natildeo havendo possibilidade de discorrer apenas sobre um
deles jaacute que o GP EFoPI era pensado em cada parte para se constituir como totalidade
Desse modo no proacuteximo item apresento os diversos contextos que configuram o GP
EFoPI no periacuteodo de 2006 a 2009 em especial os contextos e as atividades que estatildeo
circunscritas a este trabalho
33 ndash Espaccedilos-tempo de uma construccedilatildeo coletiva caracterizaccedilatildeo do(s) contexto(s)
de pesquisa
Nesta pesquisa discuto como jaacute disse anteriormente como a argumentaccedilatildeo
desenvolvida entre pesquisadores e professores do GP EFoPI permite expor sentidos e
significados sobre a brincadeira no movimento da Cadeia Criativa Aleacutem disso procuro
identificar quais argumentos satildeo utilizados no espaccedilo discursivo e investigar se eles
possibilitam o compartilhamento de sentidos e de significados sobre o brincar
Para que o leitor possa melhor compreender o contexto de produccedilatildeo apresento a
seguir os dois projetos do GP EFoPI que configuram o material de anaacutelise deste
trabalho (1) A verticalizaccedilatildeo e a horizontalizaccedilatildeo do espaccedilo da sala de educaccedilatildeo
infantil ndash 2006-2007 e (2) Espaccedilo de reflexatildeo criacutetica em contexto de colaboraccedilatildeo
reconstruindo os sentidos e os significados da praacutetica educativa na creche Essa
descriccedilatildeo seraacute realizada porque acredito que como explica BakhtinVolochinov (1988
p 129) eacute imprescindiacutevel agrave anaacutelise da linguagem a compreensatildeo ldquodas formas e dos tipos
de interaccedilatildeo verbal em ligaccedilatildeo com as condiccedilotildees concretas em que se realizardquo
331 ndash Projeto de 2006-2007 A verticalizaccedilatildeo e a horizontalizaccedilatildeo do espaccedilo da sala
de educaccedilatildeo infantil
Este projeto buscou estudar o espaccedilo das creches bem como as vivecircncias e
saberes que se estabelecem nas salas de atividades23
de educaccedilatildeo infantil em especial
23 Usaremos a expressatildeo sala de atividades em substituiccedilatildeo agrave sala de aula por ser um termo comumente
utilizado quando se trata de crianccedilas de 0-6 anos
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 105
ILKA SCHAPPER SANTOS
aqueles relacionados agraves brincadeiras A questatildeo investigada foi assim delineada O que
dizem os limites da sala de atividades de educaccedilatildeo infantil tanto do ponto de vista
vertical ndash as paredes ndash quanto do ponto de vista horizontalizado ndash o chatildeo
O processo de reflexatildeo sobre esses aspectos nos levou ao desdobramento da
questatildeo central
- Observar o desenvolvimento das experiecircncias infantis orientadas pelo
educadorprofessor na sala de atividades da creche em especial aquelas relacionadas
agraves brincadeiras
- Conhecer como satildeo organizadas e documentadas essas experiecircncias infantis pelo
educadorprofessor e pelas proacuteprias crianccedilas Quais atividades satildeo selecionadas para
serem desenvolvidas no chatildeo da sala e quais satildeo escolhidas para serem afixadas nas
paredes
- Desencadear a reflexatildeo do educadorprofessor acerca das experiecircncias infantis por
ele orientadas e o significado que o pensar sobre elas tem para o desenvolvimento
infantil e para a ressignificaccedilatildeo24
de sua praacutetica educativa
O interesse do GP EFoPI pelo tema em questatildeo origina-se dos resultados das
pesquisas anteriormente desenvolvidas em escolas de educaccedilatildeo infantil dentre as quais
ldquoO brincar de faz-de-conta e a imaginaccedilatildeo infantil concepccedilotildees e praacuteticas do professorrdquo
e ldquoConcepccedilatildeo de qualidade em educaccedilatildeo infantil um estudo de casordquo A primeira estaacute
documentada na tese de doutorado da coordenadora do GP EFoPI professora Dra Leacutea
S P Silva e a uacuteltima encontra-se registrada no livro ldquoUma experiecircncia de pesquisa
formaccedilatildeo e intervenccedilatildeo em educaccedilatildeo infantilrdquo lanccedilado no mecircs de junho de 2005 pela
editora FEME ndash UFJF
Objetivos
Pretendiacuteamos investigar o que revelavam os limites da sala de atividades de
educaccedilatildeo infantil tanto do ponto de vista vertical ndash as paredes ndash quanto do ponto de
vista horizontalizado ndash o chatildeo ndash sobre as vivecircncias e saberes que se estabelecem nas
salas de atividades de educaccedilatildeo infantil em especial aqueles relacionados agraves
brincadeiras
24 O termo ressignificaccedilatildeo vem de re + significar que pode ser entendido como significar outra vez dar
outra vez significado tornar a significar conferir novo significado
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 106
ILKA SCHAPPER SANTOS
Objetivos especiacuteficos
- Compreender como estaacute organizada a documentaccedilatildeo das experiecircncias educativas
realizadas
- Observar em que medida as informaccedilotildees visuais realizadas e apresentadas nas paredes
valorizam o ato autocircnomo e criativo na apropriaccedilatildeo do espaccedilo-ambiente
- Investigar qual a concepccedilatildeo de linguagem revelada no espaccedilo-ambiente da sala de
atividades nos eixos de trabalho e nos aspectos que estatildeo sendo trabalhados com a
crianccedila no acircmbito do brincar
EstrateacutegiasMetodologia
A escolha de uma metodologia de pesquisa na maioria das vezes natildeo eacute faacutecil
para o pesquisador Destaca-se na instacircncia da decisatildeo a importacircncia dos pressupostos
teoacutericos adotados e o tipo de fenocircmeno que se pretende estudarintervir Ao
desconsiderar tais aspectos podemos correr o risco de ganhar em rigor e perder a
interlocuccedilatildeo e vice-versa Portanto entendemos no GP EFoPI que os caminhos satildeo
demarcados pela questatildeo investigada embora eles possam ser (re)construiacutedos pelo
pesquisador com a colaboraccedilatildeo do referencial teoacuterico abordado e na interaccedilatildeo com os
participantes da pesquisa
Eacute sabido que cada pesquisador ao elaborar um projeto de pesquisa tem as suas
convicccedilotildees influenciadas pela quantidade e qualidade de informaccedilotildees que tem sobre
uma aacuterea do conhecimento Portanto as suas crenccedilas satildeo resultado das informaccedilotildees de
que dispotildee sobre um determinado assunto ou tema somadas agraves suas experiecircncias de
vida
Para subsidiar esta pesquisa contamos com a literatura que aborda o tema
espaccedilo-ambiente como um dos elementos fundamentais para uma pedagogia da
educaccedilatildeo infantil dentre as quais se destacam Zabalza (1998) e Vintildeao Frago amp
Escolano (1999) A leitura de trabalhos de Vygotsky Leontiev e Elkonin sobre o
desenvolvimento da imaginaccedilatildeo infantil e a brincadeira possibilitaram a compreensatildeo
das vivecircncias e saberes que se estabelecem nas salas de atividades de educaccedilatildeo infantil
atraveacutes das interaccedilotildees crianccedila-crianccedila e crianccedila-adulto-crianccedila no espaccedilo-ambiente
escolar no acircmbito das brincadeiras
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 107
ILKA SCHAPPER SANTOS
Para desenvolver o estudo de forma criacutetica e reflexiva optamos pela Pesquisa
Criacutetica de Colaboraccedilatildeo
Os sujeitos da investigaccedilatildeo foram 04 professoras e seus alunos no contexto da
sala de atividades de escolas puacuteblicas de educaccedilatildeo infantil da cidade de Juiz de Fora As
estrateacutegias adotadas foram
Procedimentos metodoloacutegicos
a) Instrumentos
- Sessotildees Reflexivas com os professores
- Observaccedilatildeo do dia a dia escolar nas salas de atividades
b) Organizaccedilatildeo e planejamento
- Visita agraves escolas visando agrave apresentaccedilatildeo dos objetivos da pesquisa por meio de
entrevista com os professores e coordenador pedagoacutegico
- Organizaccedilatildeo planejamento e construccedilatildeo dos roteiros das sessotildees reflexivas e das
observaccedilotildees
- Montagem do cronograma das observaccedilotildees do dia a dia escolar e das sessotildees
reflexivas com os professores
O quadro abaixo apresenta o cronograma do planejamento das accedilotildees do ano de
2006 e 2007
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 108
ILKA SCHAPPER SANTOS
Quadro 05 - Cronograma do planejamento das accedilotildees do GP EFoPI nos anos de 2006 e
2007
Accedilotildees 2006 2006 2007 2007
Estudo da literatura X X X X
Apresentaccedilatildeo da proposta de
pesquisa agraves creches de educaccedilatildeo
infantil e professores
X
Organizaccedilatildeo planejamento e
construccedilatildeo das sessotildees reflexivas e
das observaccedilotildees
X
Montagem do cronograma das
observaccedilotildees do dia a dia escolar e
das sessotildees reflexivas com os
professores
X
Realizaccedilatildeo das 12 sessotildees reflexivas
com os educadores
X
X
Observaccedilatildeo do dia a dia escolar das
crianccedilas na sala de atividades com
registro
X X
Realizaccedilatildeo do Curso de Extensatildeo
intitulado ldquoEspaccedilo de reflexatildeo
Teoacuterico-Praacutetico em Contexto de
Colaboraccedilatildeo nas Crechesrdquo
X X
Transcriccedilatildeo das sessotildees reflexivas X X
Anaacutelise dos dados X X
Relatoacuterio Final X X
Publicaccedilatildeo X X
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 109
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332 ndash Projeto de 2008-2009 Espaccedilo de reflexatildeo criacutetica em contexto de colaboraccedilatildeo
reconstruindo os sentidos e os significados da praacutetica educativa na creche
A origem do interesse pelo tema deste projeto de pesquisa encontrou-se nos
resultados da pesquisa anterior desenvolvida pelo GP EFoPI em espaccedilos de educaccedilatildeo
infantil em um das creches municipais sob o tiacutetulo ldquoA verticalizaccedilatildeo e a
horizontalizaccedilatildeo do espaccedilo da sala de educaccedilatildeo infantilrdquo desenvolvida com a
aprovaccedilatildeo dos programas PIBIC e BIC da UFJF em 2006-2007 descrita anteriormente
Os resultados dessa pesquisa jaacute foram apresentados em relatoacuterio enviado agrave Proacute-
Reitoria de Pesquisa da UFJF e tambeacutem nas publicaccedilotildees de eventos de natureza
cientiacutefica e em perioacutedicos25
Tais resultados apontaram para a urgecircncia de pesquisas que
possibilitassem a reflexatildeo criacutetica dos participantes e consequentemente a formaccedilatildeo de
todos os profissionais comprometidos com a educaccedilatildeo de crianccedilas pequenas Por essa
razatildeo o principal objetivo desta investigaccedilatildeo foi desencadear a reflexatildeo criacutetica e a accedilatildeo
colaborativa entre coordenadoras de 23 creches municipais e pesquisadores externos
representados pelos integrantes do GP EFoPI sobre as atividades educativas que se
apresentavam na rotina da creche
Objetivos
- Desencadear a reflexatildeo criacutetica e a accedilatildeo colaborativa dos coordenadores de creche
responsaacuteveis pelo planejamento e execuccedilatildeo das accedilotildees administrativas e pedagoacutegicas e
dos pesquisadores externos26
no espaccedilo da creche acerca das experiecircncias infantis e do
sentido que o pensar sobre elas tem para o desenvolvimento infantil e para a
(re)construccedilatildeo da accedilatildeo na praacutetica educativa em especial aquelas relacionadas agraves
brincadeiras
- Promover espaccedilos de reflexatildeo criacutetica e accedilatildeo colaborativa sobre as atividades
educativas que se apresentam na rotina da creche com a participaccedilatildeo dos coordenadores
da creche e dos pesquisadores externos
- Construir propostas alternativas para a orientaccedilatildeo das experiecircncias infantis na creche
num processo de coparticipaccedilatildeo ativa e colaborativa entre coordenadores da creche e
pesquisadores externos
25 Cf EDUCACcedilAtildeO EM FOCO vol 13 nordm2 - set 2008fev 2009
26 Estatildeo sendo considerados como pesquisadores externos os integrantes do grupo de pesquisa EFoPI
(cadastrado no CNPq ) coordenado pelas autoras deste projeto de pesquisa Profa Dra Leacutea S P Silva e
Profa Ilka Schapper Santos
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 110
ILKA SCHAPPER SANTOS
A preocupaccedilatildeo em realizar pesquisas nos contextos educativos de modo a
contribuir com seus profissionais na compreensatildeo e no encaminhamento de respostas agraves
dificuldades nelas inerentes levou-nos agrave certeza de que queriacuteamos realizar pesquisas
com os profissionais no contexto da creche e natildeo sobre eles Essa certeza se consolidou
com sua aprovaccedilatildeo no programa PIBIC e BICUFJF 2008-2009
As accedilotildees realizadas no 2ordm semestre de 2008 e 1ordm semestre de 2009 foram
- Inserccedilatildeo no campo com os coordenadores das 24 creches do programa de creches da
AMAC em transiccedilatildeo para a Secretaria de Educaccedilatildeo do Municiacutepio de Juiz de Fora
- Descriccedilatildeo por escrito dos viacutedeos que gravaram as accedilotildees de inserccedilatildeo no campo ou seja
das sessotildees reflexivas e do curso de extensatildeo realizados durante o semestre com a
presenccedila dos profissionais da creche e dos pesquisadores externos
- Anaacutelise dos dados obtidos no campo e descritos a partir dos viacutedeos obtidos no 2ordm
semestre de 2008
- Retorno ao campo com os coordenadores das 23 creches
- Redaccedilatildeo de textos que foram publicados e apresentados em eventos
- Construccedilatildeo de um livro (no prelo pela editora UFF)
EstrateacutegiasMetodologia
Nesta pesquisa continuamos a utilizar os preceitos da Pesquisa Criacutetica de
Colaboraccedilatildeo Eacute necessaacuterio reforccedilar que a ecircnfase desta investigaccedilatildeo recai sobre a
participaccedilatildeo de cada um dos envolvidos e a contribuiccedilatildeo de reciprocidade para o grupo
envolvendo portanto uma situaccedilatildeo de colaboraccedilatildeo entre os participantes O foco estaacute
em uma maneira de refletir criticamente e relacionar teoria e praacutetica a partir do diaacutelogo
entre pesquisadores e coordenadores da creche e a consequente produccedilatildeo de
conhecimento novo Com isso foi necessaacuterio compreendermos o processo de
colaboraccedilatildeo que possibilitava examinar praacuteticas refletir criticamente e argumentar para
assim podermos (des)construir accedilotildees cotidianas e interesses que realmente embasavam
as praacuteticas no espaccedilo da creche Aleacutem disso foram respeitadas nesse processo
colaborativo as negociaccedilotildees envolvidas por parte dos pesquisadores e dos profissionais
da creche
Os procedimentos para a consecuccedilatildeo dos objetivos deste projeto de pesquisa
continuaram a se pautar no desenvolvimento de sessotildees reflexivas com a participaccedilatildeo
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 111
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dos pesquisadores externos (professores da UFJF e do municiacutepio mestrandos e bolsistas
de iniciaccedilatildeo cientiacutefica) e os coordenadores das creches da Prefeitura de Juiz de Fora
Entendemos como Szundy (2005 p 90) que ldquoas sessotildees reflexivas satildeo pensadas como
contextos em que satildeo criadas oportunidades para a construccedilatildeo de significados sobre a
praacutetica docente em colaboraccedilatildeo com um pesquisador externo caracterizando-se como
sessotildees de discussatildeordquo
Nas sessotildees reflexivas os profissionais da creche e os pesquisadores em
processo de reflexatildeo criacutetica colaborativa fizeram a anaacutelise de accedilotildees desenvolvidas
comumente no cotidiano das creches utilizando o ciclo de quatro accedilotildees proposto por
Smyth (1992) descrever informar confrontar e reconstruir
A partir dos dados de campo obtidos no projeto anterior estabeleceu-se como
prioridade para este projeto a discussatildeo das sessotildees reflexivas que tiveram os seguintes
temas a) o desenvolvimento infantil (neste caso mais especificamente sobre a questatildeo
do choro na creche como condiccedilatildeo da crianccedila tendo como subsiacutedio as consideraccedilotildees de
Henri Wallon (1975 1995) b) a atividade da roda de conversa como espaccedilo de
investigaccedilatildeo c) o desenvolvimento da imaginaccedilatildeo infantil e o brincar e d) as relaccedilotildees
de poder na creche
Foi realizado um relatoacuterio detalhado trazendo a contribuiccedilatildeo dos pesquisadores
e profissionais da creche construiacutedo e publicado ao teacutermino da pesquisa sob a forma de
um livro que estaacute no prelo pela editora da UFF
Aleacutem disso continuamos estabelecendo uma importante parceria com as
professoras Drordf Maria Ceciacutelia C Magalhatildees e Drordf Fernanda C Liberali do grupo de
pesquisa do LAEL ndash Programa de Estudos Poacutes-graduados em Linguiacutestica Aplicada e
Estudos da Linguagem da PUC-SP A interlocuccedilatildeo com as referidas pesquisadoras
possibilitoupossibilita o aprofundamento teoacuterico na metodologia de Pesquisa Criacutetica de
Colaboraccedilatildeo
Pelo fato de fomentar discussotildees acerca dos saberes construiacutedos no espaccedilo das
creches por meio da reflexatildeo criacutetica dos educadores e dos coordenadores das creches
puacuteblicas de Juiz de Fora e dos pesquisadores este estudo propiciou o surgimento de
novas questotildees que puderam se desdobrar em novos projetos de pesquisa aleacutem de
motivar investigaccedilotildees desenvolvidas por alunos do programa de Poacutes-
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 112
ILKA SCHAPPER SANTOS
graduaccedilatildeoMestrado em Educaccedilatildeo da Faculdade de Educaccedilatildeo e por alunos dos cursos de
especializaccedilatildeo e de graduaccedilatildeo
O quadro abaixo apresenta o cronograma do planejamento das accedilotildees dos anos de
2008 e 2009
Quadro 06 ndash Cronograma do planejamento das accedilotildees do GP EFoPI nos anos de 2008 e
2009
Accedilotildees 2006 2006 2007 2007
Estudo da literatura X X X X
Apresentaccedilatildeo da proposta de
pesquisa agraves creches de educaccedilatildeo
infantil e professores
X
Organizaccedilatildeo planejamento e
construccedilatildeo das sessotildees reflexivas e
das observaccedilotildees
X
Montagem do cronograma das
observaccedilotildees do dia a dia escolar e
das sessotildees reflexivas com os
professores
X
Realizaccedilatildeo das 12 sessotildees reflexivas
com os educadores
X
X
Observaccedilatildeo do dia a dia escolar das
crianccedilas na sala de atividades com
registro
X X
Realizaccedilatildeo do Curso de Extensatildeo
intitulado ldquoEspaccedilo de reflexatildeo
Teoacuterico-Praacutetico em Contexto de
Colaboraccedilatildeo nas Crechesrdquo
X X
Transcriccedilatildeo das sessotildees reflexivas X X
Anaacutelise dos dados X X
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 113
ILKA SCHAPPER SANTOS
Relatoacuterio Final X X
Publicaccedilatildeo X X
Assim analiso em uma perspectiva longitudinal as accedilotildeesintervenccedilotildees do GP
EFoPI sobre o brincar na formaccedilatildeo dos profissionais da educaccedilatildeo infantil no municiacutepio
de Juiz de Fora a partir dos dois projetos supra citados com foco no brincar A seleccedilatildeo
dos dados ficou assim organizada (a) 3 sessotildees reflexivas com a participaccedilatildeo de 2
pesquisadores da Universidade Federal de Juiz de Fora em uma creche municipal da
AMAC no ano de 2006 ndash 1ordm cronotopo (b) 2 encontros do curso de extensatildeo intitulado
ldquoEspaccedilo de Reflexatildeo Teoacuterico-Praacutetico em Contexto de Colaboraccedilatildeordquo ministrado por 3
pesquisadores para as 23 coordenadoras das creches municipais da AMAC no ano de
2007 ndash 2ordm cronotopo (c) 1 sessatildeo reflexiva com 4 pesquisadores do GP EFoPI e as 23
coordenadoras das creches municipais da AMAC no periacuteodo entre 2008 e 2009 ndash 3ordm
cronotopo da Cadeia Criativa
3 3 3 ndash Espaccedilos de Atuaccedilatildeo do GP EFoPI
Nesta seccedilatildeo discorro sobre os espaccedilos de atuaccedilatildeo do GP EFoPi em especial
aqueles que estatildeo diretamente relacionados a este trabalho de tese as creches da AMAC
e o curso de extensatildeo na UFJF
3331 ndash A Entidade Civil que manteacutem as creches no Municiacutepio de Juiz de Fora
uma breve incursatildeo na AMAC
A Associaccedilatildeo Municipal de Apoio Comunitaacuterio (AMAC) eacute uma associaccedilatildeo
civil sem fins lucrativos criada no ano de 1984 e implantada em 1985 Essa associaccedilatildeo
segue as diretrizes da Loas ndash Lei Orgacircnica de Assistecircncia Social (Brasil 1993) a
Poliacutetica Nacional de Assistecircncia Social (Brasil 2004) e a Norma de Operacional Baacutesica
da Assistecircncia Social (Brasil 2005) Assim eacute responsaacutevel pela execuccedilatildeo de accedilotildees da
Prefeitura de Juiz de Fora na aacuterea da assistecircncia social desenvolvendo vaacuterios programas
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 114
ILKA SCHAPPER SANTOS
para atender aos mais diferentes segmentos27
Dentre os programas desenvolvidos pela
AMAC estaacute o de creches que atende as crianccedilas de 0 a 3 anos e 11 meses
Destaque-se que em Juiz de Fora no periacuteodo em que esta pesquisa se
desenvolveu a educaccedilatildeo de crianccedilas de 0 a 3 anos estaacute sob a responsabilidade da
Assistecircncia Social e natildeo da Secretaria de Educaccedilatildeo28
O Programa de Creches configurou-se inicialmente com 1 coordenadora geral
uma equipe teacutecnica que atendia todas as creches e era composta por 1 administrador 2
psicoacutelogos 1 assistente social 1 nutricionista 1 meacutedico 1 acadecircmico de Medicina 4
estagiaacuterias de Serviccedilo Social e 5 pedagogas aleacutem de uma equipe que exercia atividades
administrativas (abastecimento almoxarifado acompanhamento de doaccedilotildees) Para atuar
diretamente com as crianccedilas foram contratadas 7 auxiliares por creche nuacutemero
considerado insuficiente tendo em vista a proporccedilatildeo adultocrianccedila Diante dessa
situaccedilatildeo as mesmas ldquoredobravam seu trabalho a tiacutetulo de voluntariado bem como os
esforccedilos para mobilizar a proacutepria comunidaderdquo No decorrer do tempo esses
funcionaacuterios passaram a compor o quadro de servidores da AMAC (Costa 2006 p 41)
Os profissionais das creches possuem uma condiccedilatildeo de trabalho distinta
daqueles que atuam nas escolas administradas pela Secretaria de Educaccedilatildeo Sua
atividade eacute regida pela CLT-Consolidaccedilatildeo das Leis do Trabalho exigindo o
cumprimento de uma jornada de oito horas diaacuterias natildeo tendo sido construiacuteda uma
carreira que valorize sua formaccedilatildeo o que gera uma distinccedilatildeo salarial discrepante em
relaccedilatildeo aos docentes da rede municipal Essa situaccedilatildeo tornou-se comum na realidade
brasileira pois historicamente a assistecircncia social e a educaccedilatildeo foram campos que
disputaram e compartilharam atribuiccedilotildees e recursos da educaccedilatildeo infantil
arregimentando para isso pessoas com status diferentes e diferentes qualificaccedilotildees
(Vieira 2007 apud Zanetti 2010)
Os profissionais que atuam junto agraves crianccedilas nas creches municipais dividiam-
se ateacute o ano de 2008 em duas categorias ndash uma denominada recreadora e outra
denominada educadora social Durante a campanha salarial de 2009 houve uma
27 Maiores informaccedilotildees sobre os diferentes programas desenvolvidos em Juiz de Fora se encontram
disponiacuteveis no site oficial do municiacutepio lt wwwpjfmggovbrgt 28
Em 2010 iniciou-se o processo de transiccedilatildeo das creches da AMAC para a Secretaria Municipal de
Educaccedilatildeo de Juiz de Fora
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 115
ILKA SCHAPPER SANTOS
equiparaccedilatildeo das funccedilotildees e salaacuterios
Essas informaccedilotildees sobre os profissionais das creches sinalizam o quadro de
(natildeo) valorizaccedilatildeo em que se encontram esses profissionais que tecircm a tarefa de cuidar e
de educar as crianccedilas de 0 a 3 anos de idade Mostram o desprestiacutegio que a educaccedilatildeo
infantil sofre perante os oacutergatildeos governamentais Revelam um espaccedilo de ldquomenos valiardquo
com relaccedilatildeo agraves crianccedilas e suas infacircncias e aos profissionais que as atendem
O grupamento das crianccedilas nos espaccedilos das creches eacute feito por faixa etaacuteria
levando-se em conta o espaccedilo fiacutesico e a proporccedilatildeo adultocrianccedila Segundo Patriacutecia
Cestaro pesquisadora do GP EFoPI em comunicaccedilatildeo oral ateacute o ano de 2009 as
crianccedilas eram agrupadas conforme quadro abaixo
Quadro 07 ndash Relaccedilatildeo AdultoCrianccedila nas Creches Comunitaacuterias da AMAC2009
Grupamentos Nordm de crianccedilas Educadoras
3 meses a 1 ano e dois meses 04 01
1 ano e trecircs meses a 1 ano e onze
meses 06 01
2 anos 12 01
3 anos 18 01
Jaacute a resoluccedilatildeo Municipal No 12000 de Juiz de Fora (apud Costa 2006)
promulga que a proporccedilatildeo adultocrianccedila nas turmas das instituiccedilotildees de educaccedilatildeo
infantil deve se pautar no quadro seguinte
Quadro 08 ndash Proporccedilatildeo AdultoCrianccedila nas Turmas das Instituiccedilotildees de Educaccedilatildeo
Infantil segundo a Resoluccedilatildeo Municipal nordm 12000
Grupamentos Nordm de crianccedilas Professor
0 a 1 ano 06 01
1 ano a 2 anos 08 01
2 anos a 3 anos 12 a 15 01
Fonte Costa (2006 p52)
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 116
ILKA SCHAPPER SANTOS
Comparando o nuacutemero de crianccedilas por educadores(as) e professores(as) haacute entre
as crianccedilas menores de 0 a 2 anos de idade uma proporccedilatildeo menor ou igual nas salas de
atividades das creches em relaccedilatildeo ao estipulado na Resoluccedilatildeo Municipal No 12000 Jaacute
para as crianccedilas de 3 anos o nuacutemero eacute acima da meacutedia do recomendado na relaccedilatildeo
adultocrianccedilas
O primeiro aspecto relacionado mostra-se abaixo da meacutedia estabelecida pela
resoluccedilatildeo Esse aspecto mostra-se muito positivo pois os educadores podem
disponibilizar mais atenccedilatildeo e cuidados agraves crianccedilas no desenvolvimento das atividades
propostas O segundo ponto relacionado jaacute natildeo possibilita aos educadores a mesma
disponibilidade pois a proporccedilatildeo crianccedilasadulto eacute maior do que a recomendada
Cada creche da AMAC conta com uma coordenadora totalizando 23
coordenadoras em 23 creches
Eacute neste contexto de organizaccedilatildeo das creches no Municiacutepio de Juiz de Fora que
se insere esta pesquisa Apesar de o meu diaacutelogo ser com as produccedilotildees do grupo de
pesquisa EFoPI as investigaccedilotildeesintervenccedilotildees do grupo estatildeo inseridas no contexto das
creches municipais O primeiro momento da pesquisa do GP EFoPI foi com 4
educadoras de uma creche municipal por meio de sessotildees reflexivas Depois em um
segundo momento foi realizado o curso de extensatildeo na UFJF Assim no proacuteximo item
teccedilo uma breve discussatildeo sobre a extensatildeo universitaacuteria e faccedilo a descriccedilatildeo do curso de
que participaram as 23 coordenadoras das 23 creches municipais
3332 - A Extensatildeo Universitaacuteria e o Curso de Extensatildeo na Universidade Federal
de Juiz de Fora
No cenaacuterio das universidades brasileiras as temaacuteticas acerca da extensatildeo vecircm
sendo bastante debatidas e essa discussatildeo tem peculiaridades inerentes ao movimento de
cada eacutepoca
Os primeiros documentos oficiais de que temos notiacutecia sobre a extensatildeo
universitaacuteria satildeo as reformas de Francisco Campos e o Manifesto dos Pioneiros da
Educaccedilatildeo Nova (1932) Nesse periacuteodo cabia agrave extensatildeo universitaacuteria a vulgarizaccedilatildeo ou
popularizaccedilatildeo das ciecircncias e das artes Temos entretanto que ter claro que natildeo se
tratava da popularizaccedilatildeo total a qualquer puacuteblico mas que a socializaccedilatildeo se restringia agrave
classe burguesa da eacutepoca
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 117
ILKA SCHAPPER SANTOS
Depois em 1961 temos a Lei 4024 que faz pouca referecircncia agrave extensatildeo
limitando-a aos ldquocursos de especializaccedilatildeo aperfeiccediloamento e extensatildeo ou quaisquer
outrosrdquo Ainda nos anos 60 do seacuteculo passado a extensatildeo eacute retomada nas discussotildees
oficiais dos governos militares Isso foi materializado em 1968 na Lei 554068 que
promulga que as atividades de ensino e pesquisa realizadas nas universidades devem ser
estendidas agrave comunidade A extensatildeo eacute compreendida como uma maneira singular de
materializar as funccedilotildees puras de ensino e pesquisa e natildeo como uma terceira funccedilatildeo
concebida como um canal encarregado de conduzir o ensino e a pesquisa para aleacutem das
torres universitaacuterias
Nesse periacuteodo a ideia de discutir os grandes problemas nacionais e a dimensatildeo
transformadora da realidade foi apropriada pelos militares como elemento de garantia
do desenvolvimento e da seguranccedila nacional adquirindo a perspectiva assistencialista e
redentora da sociedade Desse modo a extensatildeo assumia o papel de articuladora entre
ensino e pesquisa e responsaacutevel por estabelecer os viacutenculos entre universidade e
sociedade Isso se afirma na lei 569271
Na atualidade temos na nova LDB (Brasil 1996) a caracterizaccedilatildeo da extensatildeo
como terceira atividade ao lado das outras duas de ensino e pesquisa retornando agrave
chamada perspectiva do tripeacute ensino pesquisa e extensatildeo
Diante do breve histoacuterico esboccedilado podemos perceber que a extensatildeo nas
universidades brasileiras natildeo tem uma caracterizaccedilatildeo bem delineada jaacute que ora aparece
como desdobramento da atividade de ensino e pesquisa ora aparece como uma terceira
atividade universitaacuteria inter-relacionada a essas duas
A tarefa de mapeamento do papel e das atribuiccedilotildees da extensatildeo eacute bem difiacutecil jaacute
que para isso devemos entrecruzar concepccedilotildees com tarefas a serem realizadas Dentro
desse quadro acredito que natildeo podemos cometer o erro histoacuterico de manter para a
extensatildeo o papel de materializar os elementos essenciais da ordem vigente como vimos
claramente nos anos 30 e 60 do seacuteculo passado
A extensatildeo universitaacuteria tem um espaccedilo bastante demarcado jaacute que a
universidade desde o seacuteculo XX busca ser o loacutecus por excelecircncia da produccedilatildeo do
conhecimento cientiacutefico e sua produtividade eacute mensurada a partir de um amplo domiacutenio
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 118
ILKA SCHAPPER SANTOS
no campo da investigaccedilatildeo Nesse contexto os professores satildeo considerados docentes-
investigadores que produzem e socializam seus conhecimentos
Assim na atualidade cada vez mais as universidades buscam estabelecer uma
interface entre pesquisa ensino e extensatildeo Como Proacute-Reitora Adjunta de Extensatildeo na
Universidade Federal de Juiz de Fora no periacuteodo de setembro de 2002 a marccedilo de 2006
pude junto com a Proacute-Reitora criar programas e projetos em parceria com a Proacute-
Reitoria de Graduaccedilatildeo e Proacute-Reitoria de Pesquisa Assim buscaacutevamos desatar os noacutes de
distanciamento entre pesquisa ensino e extensatildeo
Nossa poliacutetica era associar as atividades de extensatildeo agraves de pesquisa e ensino natildeo
se identificando como praacuteticas pontuais isoladas e desvinculadas do processo de
construccedilatildeo e produccedilatildeo de conhecimento Em razatildeo da pluralidade de suas interfaces
com o ensino e a pesquisa a extensatildeo agregava no seu conjunto de accedilotildees projetos
cursos eventos produccedilotildees serviccedilos entre outras
Com esse encaminhamento elaboramos uma poliacutetica de extensatildeo que visava
contribuir com o projeto poliacutetico pedagoacutegico da Universidade Federal de Juiz de Fora
Buscamos horizontalizar aquilo que historicamente foi verticalizado nas universidades
assegurando os princiacutepios da transversalidade e da interdisciplinaridade para as praacuteticas
de extensatildeo as praacuteticas de pesquisa e as praacuteticas de ensino
Foi a partir das experiecircncias como Proacute-Reitora Adjunta que passei a acreditar
como professora e como pesquisadora que a praacutetica de extensatildeo deveria atravessar
minhas praacuteticas de ensino e de pesquisa Por conta disso busquei um programa de
doutorado que tivesse essa tradiccedilatildeo Ingressei no doutorado do LAELPUC-SP e no GP
LACE podendo nesse contexto vivenciar a praacutetica de pesquisa que emerge de
intervenccedilotildees extensionistas Diante da oportunidade sugeri para o GP EFoPI do qual jaacute
participava que delineasse suas intervenccedilotildees nas creches sob o eixo da pesquisa-
extensatildeo de cunho criacutetico colaborativo
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 119
ILKA SCHAPPER SANTOS
O GP EFoPI assumiu essa visatildeo mais ampla da responsabilidade social de
participaccedilatildeo nas comunidades em que realiza suas praacuteticas de pesquisa e da perspectiva
de intervenccedilatildeo nos problemas sociais que circundam o universo das creches Buscou
uma produccedilatildeo de pesquisa extensionista que dialogou com os profissionais das creches
procurando contribuir para a formaccedilatildeo de um profissional criacutetico que reflete sobre suas
intervenccedilotildees no interior da instituiccedilatildeo O desenho abaixo sintetiza os princiacutepios
interdisciplinares entre ensino pesquisa e extensatildeo em que o GP EFoPI acredita
Figura 02 ndash Accedilotildees para materializar interdisciplinaridade e transversalidade na triacuteade
ensino-pesquisa-extensatildeo
Assim acreditando na indissociabilidade entre ensino-pesquisa-extensatildeo o GP
EFoPI montou um curso de extensatildeo em 2007 para as coordenadores das creches
municipais tendo dois objetivos (1) resgatar as discussotildees tecidas com as 4 professoras
da creche municipal e (2) promover espaccedilos de reflexatildeo e accedilatildeo colaborativa sobre as
atividades educativas que se apresentam na rotina das creches
O curso foi estruturado em 10 encontros com os seguintes temas
respectivamente (1) Oficina de Roda resgatando as memoacuterias (2) Oficina O dia-a-dia
na Creche (3) A Dimensatildeo Luacutedica na Crianccedila e na Creche (4) A Dimensatildeo Luacutedica no
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 120
ILKA SCHAPPER SANTOS
Espaccedilo-Ambiente da Creche reflexotildees sobre o brincar (5) Encontro ndash Conflitos na
Infacircncia e a Rotina na Creche (6) ndash Estaacutetua Se Mexer Natildeo Vale O Conhecimento
do Movimento Corporal (7) A Sistematizaccedilatildeo de Propostas Pedagoacutegicas nas Creches
(8) Narrativas Orais e o Desenvolvimento da Imaginaccedilatildeo Infantil (9) Vivecircncias
Artiacutesticas pensando nos pequenos e (10) Espaccedilo de ReflexatildeoAvaliaccedilatildeo
Eacute preciso esclarecer ao leitor que dos 10 encontros do curso de extensatildeo 2 satildeo
focos de anaacutelise desta tese (1) o terceiro encontro ldquoA Dimensatildeo Luacutedica na Crianccedila e
na Crecherdquo e (2) o quarto encontro ldquoA Dimensatildeo Luacutedica no Espaccedilo-Ambiente da
Creche reflexotildees sobre o brincarrdquo Isso porque nesses encontros foram discutidas as
relaccedilotildees que podemos estabelecer entre o desenvolvimento da imaginaccedilatildeo e a
brincadeira elementos que satildeo objetos de estudo desta investigaccedilatildeo
O curso de extensatildeo foi planejado e ministrado pelos participantes do GP EFoPI
com a intenccedilatildeo de ampliar no movimento da Cadeia Criativa a interlocuccedilatildeo criacutetica de
colaboraccedilatildeo com os profissionais das creches ateacute entatildeo tecidas com 4 educadoras de
uma das creches Finalizado o curso os pesquisadores pautaram suas intervenccedilotildees em 8
sessotildees reflexivas com os 23 coordenadores das 23 creches municipais nos anos de
2008 e de 2009
334 ndash Equipe de pesquisadores participantes do GP EFoPI no Periacuteodo 2006-2009
Como apresentado o grupo de pesquisa EFoPI tem como objetivo realizar
pesquisas nos contextos educativos de modo a contribuir com seus profissionais na
compreensatildeo e no encaminhamento de respostas agraves dificuldades inerentes ao cotidiano
educacional em especial naqueles que abrigam crianccedilas de 0 a 6 anos Por isso o
grupo realiza investigaccedilotildees com os profissionais no contexto da creche e natildeo sobre eles
De 2006 a 2009 o grupo contou com uma equipe de pesquisadores que incluiacutea
doutores doutorandos mestres mestrandos alunos de iniciaccedilatildeo cientiacutefica professores e
coordenadores aleacutem de pesquisadores colaboradores externos
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 121
ILKA SCHAPPER SANTOS
Quadro 09 ndash Coordenadores do GP EFoPI
2006
Equipe UFJF
Coordenaccedilatildeo do
Projeto
2007
Equipe UFJF
Coordenaccedilatildeo do
Projeto
2008
Equipe UFJF
Coordenaccedilatildeo do
Projeto
2009
Equipe UFJF
Coordenaccedilatildeo do
Projeto
Profa Dra Leacutea
Stahlschmidt P
Silva
Profa Ilka
Schapper Santos
Profa Dra Leacutea
Stahlschmidt P
Silva
Profa Ilka
Schapper Santos
Profa Dra Leacutea
Stahlschmidt P
Silva
Profa Ilka
Schapper Santos
Profa Dra Leacutea
Stahlschmidt P
Silva
Profa Ilka
Schapper Santos
Quadro 10 ndash Pesquisadores Doutores Doutorandos Mestres e Mestrandos
2006
Pesquisadores
Mestres e
Mestrandos
2007
Pesquisadores
Mestres e
Mestrandos
2008
Pesquisadores
Doutores
Doutorandos
Mestres e
Mestrandos
2009
Pesquisadores
Doutores
Doutorandos
Mestres e
Mestrandos
Profa Patriacutecia
Cestaro
Profa Nathalye
Nallon
Profa Ana Cristina
Costa
Profa Aretusa
Santos
Prof Pedro Gabriel
Profa Raquel
Lusardo
Profa Viviam
Arauacutejo
Profa Patriacutecia
Cestaro
Profa Nathalye
Nallon
Profa Ana Cristina
Costa
Profa Aretusa
Santos
Prof Pedro Gabriel
Profa Raquel
Lusardo
Profa Viviam
Arauacutejo
Profa Dra Hilda
Micarello
Profa Patriacutecia
Cestaro
Profa Ana Cristina
Costa
Profa Aretusa
Santos
Profa Raquel
Lusardo
Profa Viviam
Arauacutejo
Profa Nuacutebia
Schaper
Profa Alexsandra
Zanetti
Profa Nilceacuteia
Braga
Profa Maria
Cristina Amaral
Profa Claacuteudia
Bonfatti
Profa Luciana
Oliveira
Profa Denise
Rangel
Profa Dra Hilda
Micarello
Profa Patriacutecia
Cestaro
Profa Aretusa
Santos
Profa Raquel
Lusardo
Profa Viviam
Arauacutejo
Profa Nuacutebia
Schaper
Profa Alexsandra
Profa Marisley
Pereira
Profa Maritza
Abreu
Profa Luciana
Oliveira
Profa Denise
Rangel
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 122
ILKA SCHAPPER SANTOS
Quadro 11 ndash Alunos de Iniciaccedilatildeo Cientiacutefica
2006
2007
2008
2009
Celina Salgado
Flaacutevia Almeida
Michele Filgueiras
Carolina Arauacutejo
Ana Claacuteudia Santos
Celina Salgado
Flaacutevia Almeida
Michele Filgueiras
Carolina Arauacutejo
Ana Claacuteudia Santos
Marisley Pereira
Maritza Abreu
Michele Cardoso
Carolina Arauacutejo
Mariacutelia Almeida
Nataacutelia Martins
Michele Cardoso
Carolina Arauacutejo
Mariacutelia Almeida
Nataacutelia Martins
Mislene Nascimento
Quadro 12 ndash Pesquisadores Colaboradores
2006
2007
2008
2009
Profa Dra Fernanda
Coelho Liberali ndash
PUC-SP
Profa Dra Maria
Ceciacutelia Magalhatildees ndash
PUC-SP
Profa Dra Fernanda
Coelho Liberali
Profa Dra Maria
Ceciacutelia Magalhatildees
Profa Gisela
Pelizzoni ndash UFJF
Profa Dra Hilda
Micarello ndash UFJF
Profa Dra Alzira
Shimoura ndash PUC-SP
Profa Dra Fernanda
Coelho Liberali
Profa Dra Maria
Ceciacutelia Magalhatildees
Profa Dra Alzira
Shimoura
Profa Dra Fernanda
Coelho Liberali
Profa Dra Maria
Ceciacutelia Magalhatildees
Profa Dra Alzira
Shimoura
34 ndash Pesquisadores Focais do trabalho de Tese
Como consta nos quadros dos itens acima muitos pesquisadores marcaram
presenccedila nas intervenccedilotildees do GP EFoPI No entanto na discussatildeo dos resultados
analiso o discurso dos pesquisadores abaixo relacionados Os professores autorizaram
sua identificaccedilatildeo
Leacutea Stahlschmidt Pinto Silva mestre em Educaccedilatildeo pela Universidade Federal
do Rio de Janeiro e doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela
Universidade de Satildeo Paulo Eacute professora Associada I da Universidade Federal de Juiz
de Fora e coordena o GP EFoPI No momento seu objeto de estudo eacute a educaccedilatildeo
infantil com imersatildeo nas creches municipais de Juiz de Fora onde desenvolve um
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 123
ILKA SCHAPPER SANTOS
trabalho criacutetico reflexivo com os professores e educadores tendo como foco a
organizaccedilatildeo dos tempos e espaccedilos das creches para o desenvolvimento do brincar
Patriacutecia Maria Reis Cestaro mestre em Educaccedilatildeo pela Universidade Catoacutelica
de Petroacutepolis Tem cargo efetivo de professora da Prefeitura de Juiz de Fora tendo uma
vasta experiecircncia em gestatildeo escolar Atualmente compotildee o quadro de profissionais da
Secretaria de Educaccedilatildeo do Municiacutepio de Juiz de Fora atuando no Departamento de
Educaccedilatildeo Infantil Eacute pesquisadora desde 2005 do GP EFoPI tendo conduzido o
trabalho de quatro das doze sessotildees reflexivas realizadas no ano de 2006 Seu foco de
interesse no processo de pesquisa eacute a formaccedilatildeo em contexto
Hilda Aparecida Linhares da Silva Micarello mestre em Educaccedilatildeo pela
Universidade Federal de Juiz de Fora e doutora pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do
Rio de Janeiro Eacute professora Adjunta da Universidade Federal de Juiz de Fora e
Coordenadora de Linguagem do Centro de Poliacuteticas Puacuteblicas e Avaliaccedilatildeo da Educaccedilatildeo
(CAED) Participa do GP EFoPI tendo uma vasta experiecircncia em educaccedilatildeo infantil e
formaccedilatildeo de professores
Ilka Schapper mestre em Educaccedilatildeo pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do
Rio de Janeiro e doutoranda em Linguiacutestica Aplicada pelo Programa de Linguiacutestica
Aplicada e Estudos da Linguagem (LAEL ndash PUC-SP) Sou professora Adjunta II da
Universidade Federal de Juiz de Fora fui Proacute-Reitora Adjunta de Extensatildeo dessa
Universidade no periacuteodo de setembro de 2002 a marccedilo de 2006 Atuo como
Coordenadora do GP EfoPI tendo como aacutereas de interesse linguagem e argumentaccedilatildeo
formaccedilatildeo de professores e educaccedilatildeo infantil Uma apresentaccedilatildeo mais detalhada
encontra-se na introduccedilatildeo deste trabalho
35 ndash Procedimentos de produccedilatildeo-geraccedilatildeo coleta organizaccedilatildeo e armazenamento
dos dados
Nesta pesquisa os procedimentos de coleta produccedilatildeo organizaccedilatildeo e
armazenamento de dados seguem os preceitos do Comitecirc de Eacutetica da PUC-SP O leitor
pode ter certo estranhamento sobre as diferenccedilas dos termos usados Refiro-me agrave coleta
porque utilizo o banco de dados do GP EFoPI para proceder a investigaccedilatildeo Eacute
importante esclarecer que todas as informaccedilotildees que busquei no banco de dados tiveram
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 124
ILKA SCHAPPER SANTOS
minha participaccedilatildeo no momento em que foram produzidas Participei ativamente das
discussotildees teoacutericas dos planejamentos e dos encontros em todos os momentos das
investigaccedilotildees desenvolvidas pelo grupo de pesquisa no periacuteodo de 2006 a 2009 natildeo soacute
para contribuir nos trabalhos de pesquisa do GP EFoPI mas tambeacutem para construir o
meu trabalho de tese
O sintagma ldquoproduccedilatildeo-geraccedilatildeo de dadosrdquo estaacute ldquorelacionado agrave produccedilatildeo de
conhecimento cientiacutefico na acepccedilatildeo marxista desvinculado da ideia taylorista de
mecanizaccedilatildeordquo (Fuga 2009 p 111) Seu uso se deve ao fato de este trabalho estar
filiado ao paradigma criacutetico como mencionado na introduccedilatildeo deste capiacutetulo pois a
pesquisa aqui desenvolvida ldquoestaacute relacionada agrave compreensatildeo transformaccedilatildeo da
realidade por meio da reflexatildeo teoria e praacutetica ainda pelo vieacutes bakhtiniano de
linguagem ao dizer que o ser humano e sua palavra constituem o objeto fundamental
do conhecimentordquo (ibid)
O corpus utilizado foi pois construiacutedo-produzido por meio de gravaccedilotildees e
viacutedeos das sessotildees reflexivas e do curso de extensatildeo no acircmbito de uma das creches
puacuteblicas municipais e da UFJF Devido agrave riqueza e ao volume de registros produzidos
nos vaacuterios contextos da pesquisa selecionei alguns momentos em forma de excertos
que pudessem ilustrar e responder as questotildees deste trabalho no momento da anaacutelise e
interpretaccedilatildeo dos dados
O procedimento de produccedilatildeo e geraccedilatildeo dos dados da presente investigaccedilatildeo
ocorreu de marccedilo a dezembro de 2006 e de marccedilo a dezembro de 2009 por meio de trecircs
instrumentos 3 sessotildees reflexivas com 4 professoras de uma creche municipal da
AMAC 2 encontros do curso de extensatildeo e 1 sessatildeo reflexiva com as coordenadoras
das 23 creches do municiacutepio de Juiz de Fora Assim no proacuteximo quadro apresento uma
siacutentese dos instrumentos usados para a discussatildeo
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 125
ILKA SCHAPPER SANTOS
Quadro 13 ndash Siacutentese dos instrumentos usados para a discussatildeo
Para responder as questotildees de pesquisa constam nesses instrumentos dados relevantes para a
compreensatildeo do compartilhamento de sentidos e significados por meio da argumentaccedilatildeo no
movimento da Cadeia Criativa
Questotildees da Pesquisa
Como o processo da argumentaccedilatildeo desenvolvido entre pesquisadoras e educadoras
permite expor sentidos e significados sobre a brincadeira no movimento da cadeia
Quais argumentos contribuiacuteram para a produccedilatildeo de significado sobre o brincar no
movimento da Cadeia Criativa
Instrumentos Local de
ColetaProduccedilatildeo
3 sessotildees reflexivas com 4 professoras Uma creche municipal ndash
2006
2 encontros do curso de extensatildeo intitulado ldquoEspaccedilo de Reflexatildeo
Teoacuterico-Praacutetico em Contexto de Colaboraccedilatildeordquo com 23 as
coordenadoras das 23 creches municipais
Universidade Federal de
Juiz de Fora ndash 2007
1 sessatildeo reflexiva com as 23 coordenadoras das 23 creches
municipais
Universidade Federal de
Juiz de Fora ndash 2009
36 ndash Procedimentos de Anaacutelise e Interpretaccedilatildeo de Resultados
Nesta sessatildeo esclareccedilo ao leitor como procedi para analisar e interpretar os
dados desta tese Primeiro apresento as Categorias Linguiacutestico-Discursivas e as
Categorias de Interpretaccedilatildeo que seratildeo utilizadas para responder as perguntas da
pesquisa Para melhor compreensatildeo do leitor faccedilo uso de quadros que sintetizam os
elementos constitutivos de cada categoria
No campo das Ciecircncias Humanas o ser humano e sua palavra constituem objeto
fundante do conhecimento Suas ideias seus pontos de vista seus questionamentos e
explicaccedilotildees se concretizam por meio de enunciados verbais e extraverbais e em um
movimento dialeacutetico ao mesmo tempo em que produz esses enunciados eacute tambeacutem por
eles representados Na ausecircncia dos enunciados alheios e proacuteprios temos a ausecircncia do
objeto de estudo e do proacuteprio pensamento Pois como explica Amorim (2004 p 188)
ldquoo objeto de estudos torna-se sujeito sujeito falante autor do mesmo modo que aquele
que estudardquo
Bakhtin (1987) por meio de sua teoria enunciativa da linguagem permite pensar
a pesquisa em Ciecircncias Humanas numa perspectiva dialoacutegica Para ele ldquoo objeto das
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 126
ILKA SCHAPPER SANTOS
ciecircncias humanas eacute o ser expressivo e falanterdquo (p 395) Este natildeo deve ser portanto
concebido como objeto mas como um sujeito coparticipante coautor no processo de
pesquisa a qual deve se pautar na reflexatildeo-compreensatildeo com o sujeito da pesquisa e
natildeo sobre ele
Segundo Fuga (2009 p 115) ldquoos dados bdquofalam‟ ou seja apontam o caminho
para a compreensatildeo do problema investigado e por conseguinte uma possibilidade de
interferecircncia e transformaccedilatildeo na questatildeo abordadardquo Assim ldquoouvir os dadosrdquo na
perspectiva da LA implica sobremaneira a criaccedilatildeo de duas classes de categorias a
linguiacutestico-discursiva e a interpretativa Refletir sobre a linguagem no interior do
processo de pesquisa requer tecer um diaacutelogo entre esses dois tipos de categorias o que
possibilita identificar o movimento discursivo dos pesquisadores e participantes da
pesquisa na construccedilatildeo-produccedilatildeo do conhecimento Assim no proacuteximo item apresento
as categorias de anaacutelise
361 ndash Categorias de Anaacutelise
Para responder as questotildees desta pesquisa foram analisados como jaacute disse
anteriormente 3 sessotildees reflexivas com professores de uma creche municipal 2
encontros de um curso de extensatildeo e 1 sessatildeo reflexiva com os 23 coordenadores das
23 creches municipais Cada atividade selecionada foi nomeada na anaacutelise de
cronotopo da Cadeia Criativa (BakhtinVolochinov 1988) Dito de outro modo o
tempo e o espaccedilo em que ocorreu cada atividade constituem-se como elos no
movimento de anaacutelise da Cadeia Criativa Esse movimento foi fundamental para que
pudesse compreender a situaccedilatildeo de interaccedilatildeo bem como os aspectos que influenciaram
os enunciados produzidos
Na busca de compreender como ocorreu o compartilhamento de sentidos e
significados entre os professores e os demais participantes e para entender o papel da
argumentaccedilatildeo na construccedilatildeo-produccedilatildeo de conhecimento dos sujeitos nas atividades que
compotildeem o corpus desta tese apoacutes a seleccedilatildeo dos excertos foram identificados os
elementos que constituem a estrutura argumentativa (Liberali 2009) Esse levantamento
auxiliou na compreensatildeo do desenvolvimento do raciociacutenio por meio da apresentaccedilatildeo
de argumentoscontra-argumentos pontos de vista mediante uma questatildeo controversa
ou uma busca de se chegar a um acordo Esses elementos foram intitulados no quadro
das categorias de anaacutelise linguiacutestico-discursivas de marcas argumentativas I
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 127
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Jaacute as marcas da interaccedilatildeo (Liberali e Shimoura 2007) ndash questionamentos
instruccedilotildees explicaccedilotildees retomadas de vozes anteriores e colocaccedilatildeo e recolocaccedilatildeo de
problemas tambeacutem satildeo categorias linguiacutestico-discursivas que datildeo movimento agraves
interaccedilotildees verbais e possibilitam a continuidade do fluxo discursivo
Por fim nas marcas argumentativas 2 busco por meio dos tipos de argumentos
(Perelman amp Olbrechts-Tyteca 19702005) apreender os sentidos e os significados
compartilhados pelos pesquisadores e participantes Os tipos de argumentos satildeo
elementos discursivos utilizados pelos interlocutores na busca de compartilhamento de
um ponto de vista Assim eacute importante que levantemos o que chamei de marcas
linguiacutesticas materializadas nos operadores argumentativos e nos decirciticos pois por meio
delas podemos mapear os tipos de argumentos
Grosso modo os operadores argumentativos tecircm no texto a finalidade de
designar ldquocertos elementos da gramaacutetica de uma liacutengua que tecircm por funccedilatildeo indicar a
forccedila argumentativa dos enunciados a direccedilatildeo (o sentido) para o qual apontamrdquo
(Koch 19922004 p 30) Esses elementos argumentativos se materializam em
conjunccedilotildees conectivos e adveacuterbios A anaacutelise dos operadores argumentativos possibilita
mostrar a forccedila argumentativa dos enunciados dito de outro modo possibilita
compreender o sentido para o qual apontam pois eles introduzem nos enunciados
novos conteuacutedos semacircnticos
Jaacute os decirciticos tecircm no movimento textual a funccedilatildeo de ldquoapontarrdquo para o contexto
situacional Constituem-se como marcas linguiacutesticas que permitem inscrever no
enunciado as marcas da interaccedilatildeo que se materializam como uacutenicas e irrepetiacuteveis
Desse modo os decirciticos assinalam o sujeito que enuncia e o seu interlocutor (decircixis
pessoal) aleacutem de ldquoapontarrdquo qual eacute o tempo (decircixis temporal) e o espaccedilo (decircixis
espacial) da enunciaccedilatildeo Gramaticalmente os decirciticos de pessoa satildeo denominados
pronomes pessoais pronomes possessivos sufixos flexionais de pessoa-nuacutemero
vocativos os decirciticos temporais satildeo conhecidos na gramaacutetica como adveacuterbios
locuccedilotildees adverbiais ou expressotildees de tempo por fim os decirciticos espaciais satildeo
representados gramaticalmente pelos adveacuterbios ou locuccedilotildees adverbiais de lugar
Analisar no fluxo da interaccedilatildeo verbal a funccedilatildeo decircitica possibilita sinalizar para o
contexto situacional e para loacutecus argumentativo possibilitando uma reflexatildeo sobre as
pessoas do discurso e os tempos e espaccedilos da interlocuccedilatildeo
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 128
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Retomo a seguir as categorias linguiacutestico-discursivas que subsidiam a anaacutelise
desta tese sintetizando-as em quadros ilustrativos
3611 ndash Marcas da Interaccedilatildeo
As marcas da interaccedilatildeo estatildeo presentes nos mecanismos enunciativos e nos tipos
de interaccedilotildees apresentadas nas sessotildees reflexivas e nos encontros do curso de extensatildeo
questionamentos instruccedilotildees explicaccedilotildees retomadas de vozes e colocaccedilatildeo e recolocaccedilatildeo
de problemas A anaacutelise do movimento dessas marcas pode revelar como se estabeleceu
a relaccedilatildeo entre os participantes
Quadro 14 ndash Marcas da interaccedilatildeo
Marcas da Interaccedilatildeo
Elementos discursivos que possibilitam
a interaccedilatildeo Definiccedilatildeo
Questionamento Levanta e apresenta questotildees contidas ou
natildeo nas discussotildees Esta marca possibilita
fomentar a discussatildeo
Instruccedilatildeo Apresenta as orientaccedilotildees as diretrizes
presentes em momentos da discussatildeo que
pode ser seguidas ou natildeo dependendo da
credibilidade do orador
Explicaccedilatildeo Apresenta elementos que possibilitam
elucidar pontos ou questotildees natildeo
compreendidas pelo auditoacuterio
Retomada de vozes Pauta-se no uso de enunciados anteriores
de pessoas presentes ou no momento da
discussatildeo para dar credibilidade ao orador
Colocaccedilatildeo e recolocaccedilatildeo de problemas Apresenta ou resgata os elementos contidos
nas discussotildees em forma de situaccedilotildees-
problema que possibilitam geralmente a
ampliaccedilatildeo do debate Sua eficaacutecia depende
da credibilidade do orador diante da
audiecircncia
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 129
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3612 ndash Marcas Argumentativas 1
Focalizando a anaacutelise argumentativa Liberali (2009) explica que o movimento
argumentativo apresenta elementos caracteriacutesticos no interior de sua estrutura Com
base nessa reflexatildeo apresento no quadro a seguir os itens que compotildeem o fluxo da
argumentatividade
Quadro 15 ndash Marcas Argumentativas 1
Marcas Argumentativas 1
Movimento Argumentativo Definiccedilatildeo
Ponto de vista Modo como os interlocutores se
posicionam diante das questotildees e
discussotildees apresentadas Geralmente
possibilita aos interlocutores ampliarem
seus sentidos
Contra-argumento Pautado na contraposiccedilatildeo agrave tese
apresentada ou nos argumentos utilizados
para defendecirc-la
Questatildeo controversa Geralmente eacute uma questatildeo que coloca em
duacutevida a tese apresentada Esse
movimento fomenta a reflexatildeo criacutetica
pois abre para possibilidades outras
diferentes das apresentadas nas
discussotildees
Acordo Em uma avaliaccedilatildeo dos diferentes pontos
de vista apresenta a possibilidade de
resoluccedilatildeo das situaccedilotildees de conflitos e
tensotildees
3613 ndash Marcas Argumentativas 2
As marcas argumentativas 2 nesta tese estatildeo fundamentadas na releitura que fiz de
alguns tipos de argumentos tratados por Perelman e Olbrechts-Tyteka (19702005) na
obra Tratado da Argumentaccedilatildeo ndash a nova retoacuterica abordados na terceira parte do livro
A releitura se fez necessaacuteria por conta de historicamente essas teacutecnicas argumentativas
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 130
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estarem no loacutecus da argumentaccedilatildeo juriacutedica Busquei portanto inseri-las nas
especificidades do contexto da educaccedilatildeo infantil no interior das creches
Quadro 16 ndash Marcas Argumentativas 2
Marcas Argumentativas 2
Tipos de Argumentos que respaldam
o movimento argumentativo Definiccedilatildeo
Citaccedilatildeo
Teoacuterico Pode reforccedilar ou refutar a tese
defendida Sua forccedila argumentativa soacute
existe se tiver credibilidade
Autoridade A voz do outro pode ser seguida ou
natildeo pois depende da posiccedilatildeo que
ocupa
Fonte Precisa ser considerada coerente e
fidedigna pelo auditoacuterio
Definiccedilatildeo
Indica o sentidosignificado de algo a partir de suas
caracteriacutesticas observaacuteveis ou subjetivas Pode pautar-se
ainda em uma convenccedilatildeo estando assim isento de
julgamentos
Comparaccedilatildeo Confronta dois (ou mais) acontecimentos para estabelecer
distinccedilotildees oposiccedilotildees entre si
Pragmaacutetico
Possibilita apreciar um acontecimento ou um ato por meio de
suas consequecircncias presentes ou futuras tendo relevacircncia
direta para a accedilatildeo Este argumento geralmente estaacute pautado no
senso comum
Exemplo Quando accedilotildees ou acontecimentos passados satildeo retomados para
sustentar uma explicaccedilatildeo
3614 ndash Marcas Linguiacutesticas
As marcas linguiacutesticas satildeo aqui representadas por decirciticos espaciais temporais
e de pessoas e por operadores argumentativos como elementos que possibilitam apontar
o loacutecus do contexto situacional da interlocuccedilatildeo e a forccedila dos enunciados tecidos entre
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 131
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pesquisadores e participantes da pesquisa como jaacute mencionado Promovem um ingresso
no movimento argumentativo no fluxo da interaccedilatildeo verbal
Quadro 17 ndash Marcas Linguiacutesticas
Marcas Linguiacutesticas
Decirciticos espacial temporal e de pessoa
Operadores argumentativos
362 ndash Categorias de Interpretaccedilatildeo
As categorias de interpretaccedilatildeo foram criadas a partir dos conceitos de sentido e
significado (BakhtinVolochinov 1988 Vygotsky 19301991 19342001) ZPD como
zona de conflitos de criticidade e de colaboraccedilatildeo (Magalhatildees 2009 p 61) discurso
internamente persuasivo e discurso de autoridade (Bakhtin 1983) cronotopia e
exotopia (Bakhtin 1987) A seleccedilatildeo dessas categorias decorre da possibilidade de se
perceber por meio de sua anaacutelise como se processa o compartilhamento de sentidos e
significados na produccedilatildeo-construccedilatildeo do conhecimento no movimento da Cadeia
Criativa
Quadro 18 ndash Categorias de Interpretaccedilatildeo
Categorias de Interpretaccedilatildeo
Sentidos e significados
ZPD ndash zona de conflitos criticidade e colaboraccedilatildeo
Discurso internamente persuasivo e Discurso de autoridade
Cronotopia e Exotopia
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 132
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37 ndash Credibilidade neste Processo de Pesquisa
Eacute importante que qualquer pesquisa cientiacutefica seja submetida natildeo soacute agrave criacutetica dos
pares mas tambeacutem daqueles que tecircm posiccedilotildees contraacuterias agraves discussotildees debatidas no
interior da investigaccedilatildeo Diferentes olhares embates argumentativos que possibilitam
rever o trabalho revisitar posicionamentos e posturas e principalmente permitir o
levantamento de questotildees que geram inquietaccedilotildees quanto ao motivo de uma dada
escolha Essas posturas diante do processo de pesquisa conferem credibilidade ao
trabalho do pesquisador (Fuga 2009 p 122)
Segundo Fuga (2009) um dos processos necessaacuterios agrave confiabilidade no
processo de pesquisa eacute o engajamento prolongado do pesquisador no contexto de
pesquisa necessaacuterio para alcanccedilar os objetivos traccedilados Como jaacute explicitado estive
presente em todos os contextos em que esta pesquisa se insere nas sessotildees reflexivas
com as 4 professoras de uma das creches puacuteblicas municipais (2006) no planejamento e
execuccedilatildeo dos 10 encontros do curso de extensatildeo (2007) e das 8 sessotildees reflexivas
realizadas com as 23 coordenadoras das 23 creches municipais (2008-2009)
Esta pesquisa tambeacutem passou por discussotildees nos seminaacuterios de orientaccedilatildeo
principalmente discussotildees sobre dos aspectos teoacutericos metodoloacutegicos e sobre a anaacutelise
dos resultados Nesse espaccedilo os colegas mestrandos e doutorandos fizeram
questionamentos e deram contribuiccedilotildees para a estruturaccedilatildeo textual Tive ainda
orientaccedilatildeo e acompanhamento individual da minha orientadora em todos os momentos
da feitura desta tese
Aleacutem disso os dados produzidos no GP EFoPI material de anaacutelise deste
trabalho geraram textos acadecircmicos que foram apresentados em vaacuterios congressos
nacionais e internacionais e no acircmbito da PUC-SP e da UFJF o que desdobrou na
publicaccedilatildeo de artigos em importantes perioacutedicos de circulaccedilatildeo nacional No acircmbito do
LAEL ndash PUC-SP este estudo foi submetido a trecircs bancas de qualificaccedilatildeo cujas
sugestotildees e questionamentos permitiram mudanccedilas reorganizaccedilotildees e redefiniccedilatildeo de
questotildees Nos periacuteodos das qualificaccedilotildees pude discutir a abordagem teoacuterica a opccedilatildeo
metodoloacutegica e os procedimentos de anaacutelise e interpretaccedilatildeo dos dados Esse processo
permitiu que repensasse o percurso desta pesquisa em uma interlocuccedilatildeo calorosa com as
professoras doutoras que compuseram as bancas Alzira Shimoura Maria Ceciacutelia
Magalhatildees Maria Helena Pistori Mona Hawi e Wanda Aguiar Junqueira
CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 133
ILKA SCHAPPER SANTOS
Por fim em 31 de agosto de 2009 a pesquisa foi aprovada pelo Comitecirc de Eacutetica
da PUC-SP Esse oacutergatildeo da PUC tem por objetivo resguardar os direitos e as imagens
dos participantes da investigaccedilatildeo A autorizaccedilatildeo desse Comitecirc foi registrada sob o
protocolo no 1942009 em anexo no final deste trabalho
Assim depois de ter tecido discussotildees que atravessam esta pesquisa referentes agrave
metodologia apresentarei no proacuteximo capiacutetulo a discussatildeo dos resultados por meio da
anaacutelise e interpretaccedilatildeo dos dados
ILKA SCHAPPER SANTOS
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO
Este capiacutetulo objetiva apresentar e discutir os resultados da pesquisa dialogando
com eles agrave luz dos fundamentos teoacuterico-metodoloacutegicos que sustentam esta tese para
responder as questotildees que orientam este trabalho a saber
Como o processo da argumentaccedilatildeo desenvolvido entre pesquisadores e educadores
permite expor sentidos e significados sobre a brincadeira no movimento da Cadeia
Criativa
Quais argumentos contribuiacuteram para a produccedilatildeo de significado sobre o brincar no
movimento da Cadeia Criativa
O capiacutetulo estaacute estruturado em trecircs partes tendo em vista a sequecircncia dos
cronotopos (Bakhtin 1983) no movimento da Cadeia Criativa A divisatildeo das partes em
cronotopos se justifica neste trabalho pela tentativa de situar o tempo-espaccedilo da
produccedilatildeo discursiva no interior das discussotildees tecidas entre pesquisadoras e educadoras
do GP EFoPI selecionada para a anaacutelise
Na primeira seccedilatildeo a discussatildeo se fixa nos excertos de 3 sessotildees reflexivas para
analisar a partir das perguntas da tese o processo reflexivo construiacutedo entre duas
pesquisadoras do GP EFoPI e quatro professoras participantes de uma das 23 creches do
municiacutepio de Juiz de Fora realizadas ao longo do ano de 2006 configurando o primeiro
cronotopo da Cadeia Criativa Estas sessotildees tiveram o objetivo de discutir o brincar
como eixo do trabalho docente com crianccedilas de dois e trecircs anos de idade
Em seguida abordo as interlocuccedilotildees tecidas entre o GP EFoPI e as 23
coordenadoras das 23 creches da AMAC do municiacutepio de Juiz de Fora no interior de
dois encontros do curso de extensatildeo intitulado ldquoEspaccedilo de Reflexatildeo Teoacuterico-Praacutetico em
Contexto de Colaboraccedilatildeordquo que expressam o segundo cronotopo Eacute importante
esclarecer que a escolha desses dois encontros se deu por conta da relaccedilatildeo dos temas
com este estudo (1) o terceiro encontro ldquoA Dimensatildeo Luacutedica na Crianccedila e na
Crecherdquo e (2) o quarto encontro ldquoA Dimensatildeo Luacutedica no Espaccedilo-Ambiente da Creche
reflexotildees sobre o brincarrdquo Por fim continuo o diaacutelogo entre as pesquisadoras e as
referidas coordenadoras por meio de uma nova sessatildeo reflexiva
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 135
ILKA SCHAPPER SANTOS
Em todos os cronotopos haacute subseccedilotildees que traduzem um agrupamento de
excertos circunscritos a uma mesma temaacutetica Os tiacutetulos dessas subseccedilotildees satildeo nomeados
a partir da atividade desenvolvida no interior das interaccedilotildees vivenciadas pelo grupo
41 ndash 1ordm Cronotopo da Cadeia Criativa ndash Sessotildees reflexivas com pesquisadoras do
GP EFoPI e educadoras da creche
As sessotildees reflexivas com as pesquisadoras do GP EFoPI e educadoras de uma
das 23 creches do municiacutepio de Juiz de Fora foram planejadas no interior das reuniotildees
de pesquisa para compreender criticamente o lugar das brincadeiras de faz de conta no
universo da creche buscando observar o desenvolvimento das experiecircncias infantis
orientadas pelo educadorprofessor O diaacutelogo nas sessotildees foi tecido a partir da
observaccedilatildeo de atividades filmadas de outras educadoras e das proacuteprias professoras que
tiveram como eixo a brincadeira de faz de conta Os encontros com as educadoras
subsidiaram as discussotildees tecidas no curso de extensatildeo e nas sessotildees reflexivas com as
coordenadoras das 23 creches do municiacutepio (cronotopos 2 e 3 da cadeia criativa)
Em todo o movimento da cadeia criativa formada pelas pesquisadoras e
profissionais das creches as participantes buscavam discutir como a disposiccedilatildeo dos
brinquedos e as brincadeiras desenvolvidas podiam ser elementos de aprendizagens
relevantes e de reconstruccedilatildeo do real pela crianccedila
411 ndash 1ordf Sessatildeo Reflexiva Analisada ndash dia 14 de agosto de 2006
Os trecircs primeiros excertos selecionados para este capiacutetulo de anaacutelise foram
retirados da segunda sessatildeo reflexiva com as quatro professoras de uma das creches
municipais que trabalham com crianccedilas de dois e trecircs anos de idade e duas
pesquisadoras do GP EFoPI em 14 de agosto de 2006 na sala de reuniotildees da creche O
objetivo da sessatildeo era discutir o lugar do luacutedico na educaccedilatildeo infantil tendo como
referente um viacutedeo em que uma professora desenvolve duas atividades luacutedicas com
crianccedilas de quatro anos de idade
Na primeira atividade do viacutedeo a professora pega uma caixa de blocos loacutegicos29
e vai mostrando o material para as crianccedilas enquanto solicita que o grupo de alunos
29 Constitui-se de 48 peccedilas que combinam quatro atributos em cada uma sendo
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 136
ILKA SCHAPPER SANTOS
responda quais as formas (quadrado ciacuterculo triacircngulo e retacircngulo) as cores (vermelho
amarelo e azul) os tamanhos (grande pequeno) e as espessuras (grosso e fino) Na
segunda atividade a professora entrega pedaccedilos de papeizinhos com as formas
geomeacutetricas dos blocos loacutegicos e solicita agraves crianccedilas que montem desenhos a partir
delas mas com um referente definido com o ciacuterculo fazer um sol por exemplo
Vejamos o 1ordm fragmento em que a pesquisadora solicita agraves professoras a
descriccedilatildeo de uma atividade
1ordm Excerto
(1) Leacutea Noacutes vamos assistir agora agrave atividade e vocecircs descrevam a atividade Sabe o
que que eacute descrever neacute Eacute escrever o que viu na atividade Eu queria uma atividade de
brincadeira com as crianccedilas certo Eu vou dar uma sugestatildeo de como escrever o que
que vocecircs viram vocecircs vatildeo descrever o que que a professora fez o que que o aluno
fez o que que vocecircs viram no viacutedeo Vamos Eacute soacute vocecircs descreverem
A pesquisadora espera as professoras finalizarem as descriccedilotildees da cena vista no
viacutedeo e depois solicita que elas iniciem a descriccedilatildeo
(2) Leacutea Entatildeo vamos laacute quem gostaria de comeccedilar e estar comentando e descrevendo
o que que viu nessa atividade que vocecircs assistiram no viacutedeo
(3) Claacuteudia Eu percebi que a professora trabalhou de forma luacutedica diversos
conteuacutedos como a matemaacutetica atraveacutes dos alunos manipularem blocos loacutegicos
observando formas e cores a linguagem oral e escrita onde cada um procurou criar
variados objetos deixando transparecer a importacircncia do brincar na educaccedilatildeo infantil
(4) Leacutea Vamos laacute Vocecirc professora Mirela
(5) Mirela eacute eu tambeacutem observei que a professora deixou as crianccedilas muito livres
naquela hora que ela estaacute trabalhando as figuras geomeacutetricas aiacute trabalhou as cores
trabalhou assim deixou as crianccedilas falarem oralmente livremente cada transformaccedilatildeo
ali que eles estavam transformando E eu achei interessante tambeacutem na hora em que a
menina falou - Isso daqui eacute um papagaio Aiacute ela (a professora) falou assim - Natildeo
Tamanho (grande e pequeno)
Cor (amarelo azul e vermelho)
Forma (ciacuterculo quadrado triacircngulo e retacircngulo)
Espessura (grosso e fino)
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 137
ILKA SCHAPPER SANTOS
parece uma casa natildeo Aiacute vocecirc vecirc assim que interessante a crianccedila quando ela fala que
eacute uma coisa como que ela visualiza aquilo
(6) Fabiana Eacute eu tambeacutem vi que ela trabalhou as cores as formas dentro da
linguagem matemaacutetica tambeacutem A liberdade que ela deu agraves crianccedilas cada um com as
suas formas geomeacutetricas elas criaram tiveram a criatividade foi um momento de
desenvolver a criatividade deles natildeo foi aquela coisa presa eles fizeram livremente
No exoacuterdio30
(introduccedilatildeo do discurso que tem como objetivo conquistar a
simpatia do auditoacuterio) do excerto acima a pesquisadora (1) faz a apresentaccedilatildeo do
partitio ndash o plano a seguir a) Noacutes vamos assistir agora a atividade e vocecircs descrevam a
atividade e b) depois expotildee como deve ser feita a descriccedilatildeo da cena analisada Eu vou
dar uma sugestatildeo de como escrever o que que vocecircs viram vocecircs vatildeo descrever o
que que a professora fez o que que o aluno fez o que que vocecircs viram no viacutedeo
Vamos gente Eacute soacute vocecircs descreverem Aleacutem da apresentaccedilatildeo do discurso o exoacuterdio
tem a funccedilatildeo segundo Reboul (2004 p 55) de apresentar o assunto e projetar o ethos
do orador Isso eacute feito com o uso da funccedilatildeo faacutetica que busca uma adesatildeo inicial por
parte do auditoacuterio
O fragmento (1) ldquoNoacutes vamos assistir agora a atividaderdquo sinaliza o grau de
implicaccedilatildeo que a oradora deseja imprimir ao discurso expresso com o uso do pronome
pessoal na primeira pessoal do plural ldquonoacutesrdquo Depois a pesquisadora continua o turno
dizendo ldquoe vocecircs descrevam a atividaderdquo Para solicitar a tarefa ao auditoacuterio a
pesquisadora faz uso do pronome ldquovocecircsrdquo e tambeacutem faz uso do verbo descrever no
imperativo afirmativo (ldquodescrevamrdquo) que exprime uma solicitaccedilatildeo uma ordem Fica
claro assim que a descriccedilatildeo seraacute feita pelas professoras participantes
Eacute interessante notar que a pesquisadora no exoacuterdio pede agraves professoras para
assistirem e descreverem o que viram na cena depois anuncia que daraacute uma sugestatildeo de
como elas devem descrever Para isso solicita exemplos ldquoo que que a professora fez
o que que o aluno fezrdquo No entanto natildeo satildeo levantados questionamentos sobre a
estrutura do que seja descriccedilatildeo de uma atividade envolvendo a brincadeira Ao contraacuterio
disso a pesquisadora levanta questotildees geneacutericas sem formular questionamentos ou
fornecer exemplos que possam orientar as professoras na realizaccedilatildeo da tarefa
30 Do latim exordire (ldquocomeccedilarrdquo)
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 138
ILKA SCHAPPER SANTOS
Em seguida a oradora finaliza o turno dizendo ldquoEacute soacute vocecircs descreveremrdquo Esse
argumento tem para o auditoacuterio um efeito de hierarquia pois a orientaccedilatildeo eacute algo a ser
seguido Na cena enunciativa isso se presentifica com o uso do adjetivo ldquosoacuterdquo
mostrando que as professoras tecircm que fazer apenas isso uma descriccedilatildeo
Em siacutentese o turno (1) mostra que a pesquisadora pretende fazer com que as
educadoras a partir da descriccedilatildeo da cena na sessatildeo reflexiva consigam ter elementos
para refletir sobre o lugar do luacutedico da brincadeira na educaccedilatildeo infantil Essa mediaccedilatildeo
revela a interpretaccedilatildeo da pesquisadora das etapas do processo criacutetico reflexivo propostas
por Smyth (1992) e a busca de trazer para o diaacutelogo com as professoras questotildees
relacionadas ao momento do descrever Apesar de estar relacionada com essa etapa do
processo criacutetico reflexivo natildeo haacute desdobramentos de questotildees que possibilitem agraves
professoras participantes fazerem um detalhamento do que viram no viacutedeo
Segundo Liberali (2008) o levantamento de alguns elementos auxilia na
elaboraccedilatildeo de uma descriccedilatildeo detalhada do contexto de produccedilatildeo e pode servir de base
para um futuro confrontar Neste caso poderiam se constituir recursos para confrontar
as praacuteticas das salas de atividades de educaccedilatildeo infantil apresentaccedilatildeo do contexto de
produccedilatildeo da atividade mapeamento de quem satildeo os envolvidos na cena analisada o
tipo de atividade desenvolvida faixa etaacuteria e nuacutemero de crianccedilas assunto abordado
interaccedilatildeo crianccedilacrianccedila e adultocrianccedila caracteriacutesticas da sala de atividade como e
em que periacuteodo a atividade foi desenvolvida como a atividade se processou
apresentaccedilatildeo do tema a ser desenvolvido que tipo de trabalho foi desenvolvido ndash em
grupo em dupla individualmente ndash como os alunos atuaram durante a atividade como
os alunos responderam as questotildees levantadas pela professora e demais colegas e o que
os alunos e a professora disseramfizeram no decorrer da atividade Essas seriam
algumas das questotildees que a pesquisadora poderia levantar para orientar as professoras
na descriccedilatildeo da cena do viacutedeo
Apesar de natildeo especificar a tarefa a pesquisadora tem o intuito de que as
professoras descrevam a cena para promover o debate sobre as estrateacutegias que a
educadora do viacutedeo utilizou para promover a atividade luacutedica com crianccedilas pequenas
No turno (3) a professora Claacuteudia inicia seu discurso dizendo ldquoEu percebi que a
professora trabalhou de forma luacutedica diversos conteuacutedosrdquo com isso anuncia que seu
discurso estaraacute pautado na sua percepccedilatildeo do que foi visto e natildeo na descriccedilatildeo da
atividade Desse modo a educadora apenas menciona o que notou na cena de modo
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 139
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mais superficial sem respaldar seus argumentos em um detalhamento do contexto de
produccedilatildeo da atividade desenvolvida no viacutedeo
A professora Mirela por sua vez inicia seu turno dizendo (5) ldquoEacute observei
tambeacutemrdquo mostrando a partir do adveacuterbio ldquotambeacutemrdquo que percebeu da mesma forma que
a professora Claacuteudia depois amplia especificando seu argumento Na explicaccedilatildeo a
educadora insere mais um dado para o que entende sobre a importacircncia do brincar na
educaccedilatildeo infantil Com o adjetivo ldquolivresrdquo e a expressatildeo ldquotrabalhou de forma luacutedica
diversos conteuacutedosrdquo procura sinalizar que a educadora do viacutedeo priorizou o trabalho
com o luacutedico No entanto faz uso do argumento pragmaacutetico relacionando o movimento
da ludicidade com os conteuacutedos da matemaacutetica e da linguagem oral e escrita ldquocomo a
matemaacutetica atraveacutes dos alunos manipularem blocos loacutegicos observando formas e
cores a linguagem oral e escrita onde cada um procurou criar variados objetosrdquo O
uso desse recurso argumentativo permitiu agrave educadora apreciar acontecimentos segundo
suas consequecircncias buscando mostrar sua importacircncia direta na accedilatildeo da cena analisada
No entanto a forma como tece as relaccedilotildees entre os acontecimentos e suas
consequecircncias sinaliza para uma concepccedilatildeo de brincar estruturada sob a oacutetica do
conhecimento sistematizado desenvolvimento loacutegico matemaacutetico e linguagem
destacando formas e cores e linguagem oral e escrita respectivamente Nesse momento
a professora compartilha um significado cristalizado do brincar qual seja aquele
vinculado a um atividade escolarizada com o vistas agrave aprendizagem de conteuacutedos
especiacuteficos
Depois Mirela explica que ao manipularem os materiais como por exemplo os
blocos loacutegicos as crianccedilas estavam em processo de transformaccedilatildeo ldquodeixou as crianccedilas
falarem oralmente livremente cada transformaccedilatildeo ali neacute que eles estavam
transformandordquo Para explicar esse processo de transformaccedilatildeo na atividade que julgou
luacutedica a professora usa outro argumento de exemplo agora pautado em uma cena do
viacutedeo ldquoE eu achei interessante tambeacutem na hora em que a menina falou - Como que
eacute Isso daqui eacute um papagaio Aiacute ela (a professora do viacutedeo) falou assim - Natildeo parece
uma casa natildeo Aiacute vocecirc vecirc assim que interessante a crianccedila quando ela fala que eacute
uma coisa como que ela visualiza aquilordquo Na explicaccedilatildeo a partir do argumento de
exemplo a professora exemplifica com a afirmativa da crianccedila ldquoIsso daqui eacute um
papagaiordquo depois explica que ldquointeressante a crianccedila quando ela fala que eacute uma
coisa como que ela visualiza aquilordquo Ao usar o qualificativo ldquointeressanterdquo em dois
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 140
ILKA SCHAPPER SANTOS
momentos do argumento de exemplo a professora em um primeiro movimento avalia o
exemplo antes mesmo de relataacute-lo e depois reforccedila sua avaliaccedilatildeo para concluir que a
crianccedila a partir de um dado objeto o transforma em outro Mas natildeo se posiciona diante
da assertiva da professora do viacutedeo que questiona ldquoNatildeo parece uma casa natildeordquo
Eacute sim interessante perceber que a professora Mirela havia dito no fragmento
ldquopercebi que a professora deixou as crianccedilas muito livresrdquo e paradoxalmente o
exemplo que ela utilizou contradiz sua fala pois a professora do viacutedeo natildeo considera o
enunciado da crianccedila ldquoIsso daqui eacute um papagaiordquo mas reforccedila sua proacutepria
compreensatildeo do objeto representado ou seja uma casa No fluxo discursivo da
educadora notamos que sua fala vai de encontro ao processo da descriccedilatildeo
No turno (6) a professora Fabiana enuncia ldquoEacute eu tambeacutem vi que ela
trabalhou as cores as formas dentro da linguagem matemaacutetica tambeacutem A liberdade
que ela deu agraves crianccedilas cada um com as suas formas geomeacutetricas eles criaram
tiveram a criatividade foi um momento de desenvolver a criatividade deles natildeo foi
aquela coisa presa eles fizeram livrementerdquo Na fala de Fabiana reaparece o adveacuterbio
ldquotambeacutemrdquo para confirmar as observaccedilotildees das duas outras professoras retomando a
assertiva com o argumento de exemplo que a professora trabalhou os conhecimentos
matemaacuteticos Mas Fabiana introduz no seu argumento o substantivo ldquocriatividaderdquo
para explicar que a atividade foi desenvolvida pela professora do viacutedeo de forma
criativa No entanto natildeo faz uso de elementos discursivos que esclareccedilam os sentidos-
significados que ela professora atribui agrave criatividade
O 1ordm excerto revela uma contradiccedilatildeo latente na fala das professoras participantes
nas relaccedilotildees que estabelecem entre os binocircmios luacutedicolivre luacutedicocriatividade e
luacutedicoconteuacutedos diversos (em especial os conteuacutedos de linguagem e da matemaacutetica)
Os dois primeiros estatildeo atrelados ao luacutedico como reconstruccedilatildeo do real como
possibilidade de as crianccedilas anteciparem papeacuteis sociais e o terceiro ao luacutedico como
instrumento de aprendizagem dos conteuacutedos escolares
Embora na sessatildeo reflexiva haja um espaccedilo para que todos se coloquem a partir
da indagaccedilatildeo da pesquisadora cria-se um fosso entre os diaacutelogos tecidos pelas
coordenadoras e o silecircncio da pesquisadora sobre suas concepccedilotildees em relaccedilatildeo ao luacutedico
e ao brincar Esse silecircncio inviabilizou trazer para o espaccedilo enunciativo elementos de
tensatildeo conflitos e possibilidade de transformaccedilatildeo dos significados rotinizados que as
educadoras compartilharam sobre a temaacutetica Assim a ausecircncia de contrapalavras de
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 141
ILKA SCHAPPER SANTOS
reacuteplicas das pesquisadoras (BakhtinVolochinov 1988) em relaccedilatildeo aos significados que
as coordenadoras trouxeram na sessatildeo impossibilitou que a atividade fosse
desenvolvida por meio da colaboraccedilatildeo criacutetica (Magalhatildees 2009)
Nas cenas discursivas natildeo se chega a uma base de sustentaccedilatildeo comum Em
outras palavras podemos inferir que as relaccedilotildees tecidas nesses turnos estatildeo pautadas nas
praacuteticas rotinizadas das professoras sem que se produzam questotildees de fundo teoacuterico ou
a argumentaccedilatildeo para a formaccedilatildeo de conceitos Podemos perceber no movimento
discursivo uma dificuldade das pesquisadoras em levantarem a partir dos sentidos
trazidos pelas professoras naquela comunidade semioacutetica questionamentos que
pudessem gerar duacutevidas polecircmicas em relaccedilatildeo ao estabelecido e ao rotinizado
Isso fica expliacutecito quando as educadoras lanccedilam matildeo de argumentos de exemplo
e argumentos pragmaacuteticos estruturados a partir do que assistiram no viacutedeo e de suas
experiecircncias profissionais (ie por trecircs vezes destacaram que a professora do viacutedeo
estava trabalhando a matemaacutetica ndash cores formas ndash e em dois momentos do discurso
disseram que a atividade possibilitava o desenvolvimento da linguagem) A reincidecircncia
desses argumentos nas falas sinaliza que os sentidos das professoras sobre o luacutedico e
sua materializaccedilatildeo na sala de atividade de educaccedilatildeo infantil satildeo muito parecidos Aleacutem
disso a circularidade argumentativa sem intervenccedilatildeo das pesquisadoras inviabiliza que
significados outros possam emergir no fluxo da interaccedilatildeo verbal
Em resumo neste excerto a pesquisadora faz questionamentos para fomentar a
tarefa no entanto natildeo especifica o que deve ser descrito e natildeo usa argumentos de
exemplo para esclarecer sobre o que deve ser feito Com isso as professoras tecem
descriccedilotildees e narrativas geneacutericas
Passemos agora para a anaacutelise do 2ordm trecho selecionado da mesma sessatildeo
reflexiva momento em que as pesquisadoras procuram possibilitar um espaccedilo de
compartilhamento dos significados trazidos pelas professoras sobre o brincar em
especial a relaccedilatildeo entre material concreto e o desenvolvimento de atividades luacutedicas
2ordm Excerto
(7) Patriacutecia Entatildeo vocecircs jaacute falaram mais ou menos o descrever E aiacute qual eacute o foco da
apresentaccedilatildeo do conteuacutedo da atividade Assim o que que ela quis estar mostrando
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 142
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com essa atividade ali (do viacutedeo)
(8) Mirela De forma luacutedica as cores e as formas geomeacutetricas mesmo e aiacute associou
cores com formas
(9) Claacuteudia E tambeacutem expressatildeo oral jaacute que ela foi nas mesas perguntando
(10) Leacutea Esperem aiacute um minutinho Vocecircs concordam com a Mirela Com o que a
Mirela disse Que eacute de forma luacutedica
(11) Claacuteudia Eu concordo porque as crianccedilas estavam aprendendo e brincando ao
mesmo tempo elas brincaram com brinquedos loacutegicos que eacute um recurso brincar com
brinquedos loacutegicos que motiva bastante a imaginaccedilatildeo delas
(12) Leacutea O que que te levou a dizer que motiva bastante a imaginaccedilatildeo deles O que
que no viacutedeo Claacuteudia te mostra que as crianccedilas estatildeo imaginando
(13) Claacuteudia O brincar com o material que a professora deixou que eles fossem
manipulando de acordo com o que iam manipulando
(14) Leacutea Qual material vocecirc estaacute falando
(15) Claacuteudia Os blocos loacutegicos
(16) Leacutea O que faz com que vocecirc ache que a atividade foi uma atividade luacutedica
(17) Claacuteudia Por manipular o concreto por estarem manipulando o concreto
(18) Leacutea Entatildeo vocecirc pensa que toda vez que as pessoas pensam que toda vez que
vocecirc trabalha com material concreto eacute luacutedico
(19) Mirela Eacute porque a gente trabalha assim
(20) Leacutea Toda vez que vocecircs trabalham com material concreto eacute luacutedico
(21) Mirela Eacute luacutedico
(22) Leacutea O trabalhar com material concreto eacute luacutedico para vocecircs
(23) Mirela eacute pra a gente aqui eacute
No primeiro fragmento do turno (7) a pesquisadora Patriacutecia inicia o enunciado
dizendo ldquoentatildeo vocecircs jaacute falaram mais ou menos o descrever rdquo Com a locuccedilatildeo
adverbial ldquomais ou menosrdquo avalia de forma modalizada que as professoras natildeo
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 143
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conseguiram estruturar a descriccedilatildeo da cena assistida Apesar de sinalizar que
descreveram ldquomais ou menosrdquo a cena do viacutedeo a pesquisadora natildeo mostra
discursivamente o que entatildeo as professoras fizeram aleacutem disso natildeo daacute indicativos de
como fazer
Depois a pesquisadora centraliza seus questionamentos com perguntas para a
explicaccedilatildeo ldquoE aiacute qual eacute o foco da apresentaccedilatildeo do conteuacutedo da atividade Assim o
que que ela quis estar mostrando com essa atividade alirdquo Assim as professoras satildeo
chamadas a refletirem sobre o conteuacutedo da atividade e a pensarem sobre os objetivos
que a professora do viacutedeo desejava alcanccedilar As professoras participantes retomam os
argumentos do recorte anterior e reafirmam a tese de que a professora trabalhou de
forma luacutedica usando os mesmos argumentos de exemplo e pragmaacutetico Isso se revela
nos turnos (8) e (9) quando voltam a relacionar o luacutedico com os conteuacutedos matemaacuteticos
e os conteuacutedos de linguagem
Para as pesquisadoras a definiccedilatildeo de um campo comum sobre o que as
professoras entendem como um trabalho pautado na atividade luacutedica eacute essencial para a
discussatildeo que pretendem tecer com as educadoras Por isso no turno (10) Leacutea levanta
os questionamentos ldquoVocecircs concordam com a Mirela Com o que a Mirela disse que
eacute de forma luacutedicardquo O que estaacute em jogo eacute a busca de um significado compartilhado
sobre o brincar mas como as pesquisadoras natildeo se posicionaram no campo
argumentativo sobre as concepccedilotildees do GP EFoPI relativas agrave brincadeira na educaccedilatildeo
infantil a discussatildeo fica fundada apenas na retomada da fala anterior de Mirela Mais
uma vez natildeo se cria um espaccedilo de polecircmica com contra-argumentos que possam gerar
uma crise nos significados estratificados
No turno (16) a pesquisadora faz um questionamento que exige
explicaccedilatildeoraciociacutenio ldquoo que faz com que vocecirc ache que a atividade foi uma atividade
luacutedicardquo Ao tecer esse questionamento a pesquisadora busca propiciar um espaccedilo de
ampliaccedilatildeo dos argumentos das professoras procurando fazer emergir outros sentidos e
conhecimentos cotidianos que elas possam vir a ter sobre o luacutedico A professora Claacuteudia
(17) explica que ldquopor manipular o concreto por estarem manipulando o concretordquo a
atividade pode ser considerada luacutedica Essa explicaccedilatildeo leva a pesquisadora a retomar o
enunciado da professora (18) ldquoentatildeo vocecirc pensa que toda vez que as pessoas
pensam que toda vez que vocecirc trabalha com material concreto eacute luacutedicordquo Essa
retomada por meio de um questionamento tem a funccedilatildeo de produzir uma definiccedilatildeo
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 144
ILKA SCHAPPER SANTOS
sobre os saberes das educadoras em relaccedilatildeo agrave diacuteade luacutedicoconcreto mas como natildeo estaacute
elaborado para tal soacute alcanccedila confirmaccedilatildeo e natildeo uma definiccedilatildeo Isso ocorreu porque
natildeo foi solicitado diretamente agraves participantes o conceito de luacutedico adotado natildeo
promovendo um espaccedilo em que elas pudessem tecer consideraccedilotildees sobre a ludicidade
Aleacutem disso as proacuteprias pesquisadoras natildeo trazem seus sentidos-significados sobre a
temaacutetica
Na sua resposta Mirela (19) usa o sintagma nominal ldquoa genterdquo (no lugar do
pronome de primeira pessoa do plural ldquonoacutesrdquo) ressaltando o grau de implicaccedilatildeo de todas
as professoras da creche em um trabalho que veicula o luacutedico ao material concreto
Aqui os significados referem-se aos conteuacutedos instituiacutedos (Aguiar e Ozella 2006) que
foram sendo apropriados pelas professoras a partir de suas praacuteticas docentes na
interlocuccedilatildeo com os demais profissionais da creche
Diante da assertiva da professora a pesquisadora repete o questionamento nos
turnos (20) ldquotoda vez que vocecircs trabalham com material concreto eacute luacutedicordquo e (22)
ldquotrabalhar com material concreto eacute luacutedico para vocecircsrdquo deixando transparecer seu
estranhamento com a tese da educadora da creche Em resposta a educadora reafirma a
tese de que o trabalho com o material concreto eacute um trabalho luacutedico ndash (23) ldquoeacute pra a
gente aqui eacuterdquo ndash sinalizando por meio do uso do adveacuterbio de lugar ldquoaquirdquo como decircitico
espacial que na creche essa concepccedilatildeo prevalece Haacute uma revelaccedilatildeo de cisatildeo em seu
discurso que separa ldquoa gente aqui rdquo remetendo-se agraves professoras da creche e excluindo
as pesquisadoras do seu discurso Essa cisatildeo desvela um distanciamento entre os saberes
das professoras no cotidiano da creche e os saberes da universidade natildeo criando zonas
de sentido que pudessem desestabilizar as significaccedilotildees apresentadas
Apesar de a pesquisadora questionar a concepccedilatildeo de que todo trabalho com
material concreto eacute luacutedico a reincidecircncia de seus questionamentos natildeo traz para cena
discursiva neste excerto argumentos baseados na teoria para refutar a tese das
professoras Isso porque as pesquisadoras natildeo esclarecem natildeo compartilham seus
proacuteprios significados sobre o luacutedico construiacutedos-produzidos no GP EFoPI aleacutem de natildeo
criarem contra-argumentos a partir dos pontos de vista das professoras Mais uma vez
natildeo se cria uma zona de conflitos tensotildees e por conseguinte uma zona de colaboraccedilatildeo
criacutetica (Magalhatildees 2009) entre os participantes que pudesse promover um
compartilhamento de significados e produccedilatildeo-construccedilatildeo de conhecimentos gerados na
siacutentese dialeacutetica entre teoria e praacutetica
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 145
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A ausecircncia de um contexto colaborativo inviabilizou inaugurar um espaccedilo em
que os participantes tivessem a possibilidade de tornar seus processos mentais mais
claros em que pudessem demonstrar e explicar esses processos no fluxo da interaccedilatildeo
verbal Assim natildeo houve ruptura nos sentidos-significados trazidos pelas professoras
ficando estes inscritos agraves esferas anteriores em que foram produzidos
Vejamos entatildeo na sequecircncia da sessatildeo reflexiva em anaacutelise um trecho em que
a discussatildeo se volta para a forma como a professora interveacutem nas accedilotildees das crianccedilas
3ordm Excerto
(24) Leacutea Agora pensando mais na atividade seguinte e natildeo naquela dos blocos
loacutegicos eacute vamos pensar mais um pouquinho pensando neacute descrevendo analisando o
que a professora fez Vocecircs disseram que as crianccedilas estavam livres para imaginarem o
que quisessem
(25) Fabiana eacute dos papeizinhos Porque a partir do momento em que ela colocou as
formas geomeacutetricas em cima da mesa antes dela intervir eles poderiam mostrar o que
eles quisessem eles estavam livres para mostrar o que eles quisessem Eu soacute achei
assim que na hora em que ela comeccedilou a intervir em que ele (o aluno) ia montar a
casa nem eacute assim uma criacutetica porque agraves vezes eu faccedilo isso tambeacutem por querer que
seja o sol sem deixar que seja uma casa ou palhaccedilo
(26) Mirela mas eu acho que de toda forma mesmo com ela intervindo a crianccedila ela
estava brincando em uma atividade luacutedica porque ateacute o momento em que eles (os
alunos) estavam manipulando o papel eles estavam do jeito deles colocavam ali
colocavam aqui na hora em que ela (a professora) chegou fez a intervenccedilatildeo da forma
que ela achava que era o melhor Por quecirc Porque fica muito abstrato vocecirc colar uma
coisa que a crianccedila fez no caderno sem um contexto fica fora de esteacutetica vocecirc colar no
caderno uma obra da crianccedila na visatildeo da professora com o quadrado aqui o ciacuterculo ali
(27) Leacutea na visatildeo da esteacutetica
(28) Leacutea deixa eu ver se eu entendi entatildeo Mirela Vocecirc disse entatildeo que a orientaccedilatildeo
da professora eacute de que fizessem alguma coisa que depois fossem colar no caderno
vocecirc fala nessa questatildeo da esteacutetica que vocecirc acha que a professora fez bem que a
professora agiu corretamente em estar orientando o lugar de pocircr o sol perguntando se
depois fazia alguma coisa porque depois na hora de colar no caderno precisaria ter
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uma certa esteacutetica
(29) Mirela natildeo vocecirc entendeu errado Eu disse que ela agiu deixando as crianccedilas
brincarem ludicamente deixando fazer o que queriam soacute que na hora de colar no
caderno ela se preocupou com a esteacutetica de quem vai ver Porque quem vai ver vai
olhar e falar assim ldquonossa por que vocecirc colou um ciacuterculo aqui e um triacircngulo alirdquo
Agora se ela juntasse colocasse um sol em cima um triacircngulo e um quadrado
embaixo esteticamente estaacute mais bonito O pai quando olhar vai dizer ldquonossa meu
filho que bonito vocecirc realmente fez uma casardquo Agora tudo separado o que que o pai
vai ver em casa ldquonossa filho vocecirc colou assim por que vocecirc natildeo juntourdquo Eu acho
que a preocupaccedilatildeo da professora foi isso
(30) Leacutea e a preocupaccedilatildeo sua qual seria Como vocecirc faria
Neste excerto a pesquisadora procura ampliar o debate a partir das atividades
analisadas Para isso faz uso principalmente de argumento de comparaccedilatildeo Jaacute as
educadoras continuam a fazer uso do argumento pragmaacutetico que pouco promove a
ampliaccedilatildeo do debate sobre o jaacute estabelecido
No turno (24) com o operador argumentativo ldquoagorardquo a pesquisadora introduz
no enunciado conteuacutedos pressupostos O pressuposto eacute desvelado com a continuidade
do discurso em que a oradora usa um argumento de comparaccedilatildeo ldquopensando mais na
atividade seguinte e natildeo naquela dos blocos loacutegicosrdquo para sinalizar que as professoras
participantes ateacute entatildeo estavam focando mais a primeira atividade do viacutedeo do que a
segunda Assim convida o auditoacuterio a se ater agrave segunda atividade a partir da
explicaccedilatildeo ldquovamos pensar mais um pouquinho pensando neacute descrevendo
analisando o que a professora fezrdquo Depois finaliza o enunciado retomando a tese das
professoras ndash ldquoas crianccedilas estavam livres para imaginarem o que quisessemrdquo ndash como
estrateacutegia de reflexatildeo abrindo espaccedilo para confirmaccedilotildees ou refutaccedilotildees
Em (25) a educadora da creche Fabiana busca sustentar a tese de que na
atividade ldquoas crianccedilas estavam livres para imaginarem o que quisessemrdquo atraveacutes de
argumento pragmaacutetico isso se evidencia na explicaccedilatildeo ldquoa partir do momento em que
ela colocou as formas geomeacutetricas em cima da mesa antes dela intervir eles
poderiam mostrar o que eles quisessem eles estavam livres para mostrar o que eles
quisessem rdquo
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No entanto ao continuar o diaacutelogo refuta a tese usando outro argumento
pragmaacutetico ldquoEu soacute achei assim que na hora em que ela comeccedilou a intervir em que
ele (o aluno) ia montar a casa nem eacute assim uma criacutetica porque agraves vezes eu faccedilo isso
tambeacutem por querer que seja o sol sem deixar que seja uma casa ou palhaccedilordquo
Eacute interessante notar que Mirela em (26) inicia seu enunciado com um operador
argumentativo para contrapor o uacuteltimo argumento pragmaacutetico de Fabiana ldquomas eu acho
que de toda forma mesmo com ela intervindo a crianccedila ela estava brincando em
uma atividade luacutedicardquo Na continuaccedilatildeo do diaacutelogo faz uso de outro operador ldquomesmordquo
para assinalar o argumento mais forte de uma escala orientada para uma determinada
conclusatildeo (Koch 19922004) ldquoela estava brincando em uma atividade luacutedicardquo
Depois termina o turno fazendo uso mais uma vez do argumento pragmaacutetico
ldquochegou fez a intervenccedilatildeo da forma que ela achava que era o melhor Por quecirc
Porque fica muito abstrato vocecirc colar uma coisa que a crianccedila fez no caderno sem
um contexto fica fora de esteacutetica vocecirc colar no caderno uma obra da crianccedila na
visatildeo da professora com o quadrado aqui o ciacuterculo alirdquo Com esse argumento
pretende mostrar o motivo pelo qual a professora do viacutedeo fez uma intervenccedilatildeo que natildeo
estava pautada em uma atividade de brincadeira livre Isso fica claro na explicaccedilatildeo ldquofica
fora de esteacuteticardquo
Leacutea em (28) com a expressatildeo ldquodeixa eu ver se eu entendi entatildeo Mirelardquo
busca confrontar o que a educadora havia dito Ao retomar a fala de Mirela a
pesquisadora apresenta uma siacutentese do que foi dito buscando aparentemente confrontar
a fala da educadora ldquoVocecirc disse entatildeo que a orientaccedilatildeo da professora eacute de que
fizessem alguma coisa que depois fossem colar no caderno vocecirc fala nessa questatildeo
da esteacutetica que vocecirc acha que a professora fez bem que a professora agiu
corretamente em estar orientando o lugar de pocircr o sol perguntando se depois fazia
alguma coisa porque depois na hora de colar no caderno precisaria ter uma certa
esteacuteticardquo No entanto o confrontar ficou pautado no senso comum sem que houvesse
compartilhamento de sentidos sobre a relaccedilatildeo entre a atividade luacutedica e a esteacutetica
declarado por Mirela
Diante da retomada de sua fala pela pesquisadora Mirela contra-argumenta
linguisticamente com o decircitico de pessoa ldquovocecircrdquo que sua fala foi entendida errada
logo em seguida faz a retificaccedilatildeo ldquoEu disse que ela (a professora do viacutedeo) agiu
deixando as crianccedilas brincarem ludicamente deixando fazer o que queriam soacute que
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na hora de colar no caderno ela se preocupou com a esteacutetica de quem vai verrdquo Nesse
movimento a professora continua sua explicaccedilatildeo usando um argumento pragmaacutetico
ldquoagiu deixando as crianccedilas brincarem ludicamente deixando fazer o que queriamrdquo
Depois faz uso do operador ldquosoacuterdquo para indicar a restriccedilatildeo no interior da sua
argumentaccedilatildeo orientando seu discurso para a negaccedilatildeo da totalidade jaacute que reforccedila a
preocupaccedilatildeo com a esteacutetica em relaccedilatildeo a quem vai ver a atividade no caderno das
crianccedilas Na verdade a educadora na sua explicaccedilatildeo utiliza argumentos de autoridade
ldquoo pai quando olhar vai dizer - nossa meu filho que bonito Vocecirc realmente fez
uma casardquo e ldquoo pai vai ver em casa - nossa filho vocecirc colou assim por que vocecirc natildeo
juntourdquo
No movimento discursivo entre argumentos pragmaacuteticos e argumentos de
autoridade a educadora busca justificar sua tese de que foi necessaacuterio a professora
considerar os aspectos esteacuteticos Os elementos argumentativos continuam circunscritos
ao senso comum sem um aporte teoacuterico que possa subsidiar a educadora na definiccedilatildeo
do que seja atividade luacutedica e na restriccedilatildeo em se priorizar o que estaacute chamando de
ldquoesteacuteticardquo
No turno seguinte (30) a pesquisadora faz dois questionamentos ldquoe a
preocupaccedilatildeo sua qual seria Como vocecirc fariardquo Com estas indagaccedilotildees Leacutea natildeo
retoma os argumentos anteriores passando para o que Smyth (1992) intitula de
reconstruir com isso tem a intenccedilatildeo de promover novas possibilidades de se pensar
atividades sobre o brincar No entanto como natildeo compartilhou no interior da sessatildeo o
significado do brincar adotado no GP EFoPI e pautado em explicaccedilotildees fundamentadas
e coerentes natildeo cria tambeacutem espaccedilos de ZPD (Vygotsky 19301991 Magalhatildees
2009) que possam gerar no dizer de BakhtinVolochinov (1988) uma compreensatildeo
ativa uma reacuteplica uma contrapalavra materializada em uma mudanccedila de postura das
educadoras Podemos pensar que nesse momento do turno a pesquisadora poderia
antes de levantar questionamentos para promover o reconstruir usar argumentos de
citaccedilatildeo respaldados em argumentos teoacutericos argumentos de autoridade e argumentos
de fontes que subsidiassem agraves educadoras elementos para refletirem sobre possiacuteveis
reconstruccedilotildees
De modo geral a anaacutelise do conjunto dos trecircs excertos da primeira sessatildeo
reflexiva do primeiro cronotopo aponta para algumas reflexotildees no interior do elo da
Cadeia Criativa Em especial no que se refere de um lado ao modo como as
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 149
ILKA SCHAPPER SANTOS
pesquisadoras se posicionaram em suas intervenccedilotildees e de outro como as educadoras
foram desvelando seus sentidos e compartilhando seus significados sobre o brincar no
interior do movimento enunciativo-argumentativo
No fluxo da interlocuccedilatildeo das pesquisadoras e educadoras ateacute aqui pode-se notar
um distanciamento entre o que se pretendia na sessatildeo e o que de fato ocorreu A
circularidade argumentativa das educadoras em relacionar o brincar a atividades
sistematizadas em reafirmar a tese de que ldquotudo que eacute concreto eacute luacutedicordquo em dizer
que as atividades dirigidas assistidas no viacutedeo se constituem como atividades livres que
promovem o desenvolvimento da imaginaccedilatildeo natildeo foram ressignificadas por meio de
intervenccedilotildees colaborativas das pesquisadoras O que prevaleceu foram exemplificaccedilotildees
ancoradas nas proacuteprias experiecircncias pessoais das professoras por meio de exposiccedilotildees
espontacircneas As pesquisadoras por sua vez ingressaram nos enunciados das professoras
tecendo alguns questionamentos mas sem criar questotildees controversas que pudessem
gerar conflitos duacutevidas e polecircmicas em relaccedilatildeo aos significados instituiacutedos
Aleacutem disso as pesquisadoras tiveram dificuldades em diminuir as marcas do
distanciamento dos mundos universidade-creche Desse modo quando a educadora
Mirela diz ldquoeacute pra gente aqui eacuterdquo mostra linguisticamente por meio dos decirciticos de
pessoa e espacial ldquoa genterdquo e ldquoaquirdquo respectivamente o interregno de distacircncia entre
seus saberes e os saberes da universidade Com isso ficou difiacutecil promover um espaccedilo
em que pesquisadoras e demais participantes pudessem ter um aumento de seu conatus
(potecircncia de agir) e tivessem elementos para chegar mais proacuteximo da ideia adequada
(Spinoza 16772005) sobre o tema tratado
A produccedilatildeo de significado sobre o brincar neste primeiro elo da Cadeia
Criativa ficou comprometida por conta de uma argumentaccedilatildeo circular e reincidente
entre pesquisadoras e educadoras como disse acima
412 ndash 2ordf Sessatildeo Reflexiva Analisada ndash dia 21 de agosto de 2006
Os excertos que se seguem foram recortados da terceira sessatildeo reflexiva com as
quatro educadoras da creche e as duas pesquisadoras do GP EFoPI no dia 21 de agosto
de 2006 O objetivo da sessatildeo era continuar discutindo o lugar do luacutedico na educaccedilatildeo
infantil tendo como referente um viacutedeo em que uma outra professora desenvolveu uma
atividade luacutedica com crianccedilas de quatro anos de idade O viacutedeo inicia com a educadora
arrumando as mesas para organizar as crianccedilas em quatro grupos diferentes nesse
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 150
ILKA SCHAPPER SANTOS
movimento a professora solicita que as crianccedilas a ajudem na disposiccedilatildeo dos brinquedos
em quatro cantinhos a) o da casinha b) o dos carrinhos e bonequinhos c) o dos
fantoches e d) o do desenho e colagem No decorrer da atividade as crianccedilas se dirigem
aos brinquedos de suas preferecircncias visitando as mesinhas dos outros colegas
compartilhando as brincadeiras A professora observa as brincadeiras das crianccedilas com
os brinquedos e participa quando eacute solicitada
Vejamos como se desenvolve o iniacutecio da sessatildeo reflexiva
1ordm Excerto
(1) Leacutea Quem quer comeccedilar gente a descrever Vamos ver quem gostaria de
comeccedilar a descrever
(2) Mirela Eu A atividade aplicada pela professora de educaccedilatildeo infantil na turma de 4
anos foi de faz de conta Ela comeccedilou a atividade com a organizaccedilatildeo da sala junto com
as crianccedilas depois ela organiza a sala em cantinhos cantinho do brinquedo o cantinho
dos fantoches e um de revistas canetas papel ofiacutecio e pincel atocircmico Observei que o
tempo todo ela participou das atividades junto com as crianccedilas e mediou o trabalho
junto com elas laacute Eu observei tambeacutem que as crianccedilas estavam gostando das
brincadeiras porque elas estavam todas interagindo e elas podiam todas transitar pela
sala natildeo tinha aquela coisa ldquovocecirc vai ficar sentada aqui vai ficar sentada ali natildeordquo
Elas puderam fazer tudo livremente
(3) Leacutea vai vai laacute Claacuteudia
(4) Claacuteudia bom isso tudo que a Mirela jaacute falou eu anotei para natildeo repetir eu vou
falar outra coisa
(5) Leacutea Natildeo natildeo Eacute importante que vocecirc coloque tudo que vocecirc escreveu mesmo que
repita
(6) Fabiana eu notei que era um faz de conta mas um faz de conta em que elas
retratavam o dia-a-dia delas porque tem o neneacutem que ela fez mingau para a
bonequinha O neneacutem vocecirc estaacute fazendo o quecirc O mingau ela deve vivenciar isso no
dia-a-dia A outra quis cozinhar fez cafeacute fez suco entatildeo aquilo eacute um retrato do dia-a-
dia o que eles vivenciavam e tambeacutem um momento da professora estar conhecendo
eles que era o que ela estava fazendo Aiacute ela perguntava fazia perguntas e a crianccedila
falava Nessas brincadeiras a gente conhece muito as crianccedilas Nossa aqui as crianccedilas
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 151
ILKA SCHAPPER SANTOS
brincam demais a gente faz recreaccedilatildeo com elas externa e laacute fora com a areia vira
tudo vira suco vira comida vira bolo elas viram personagens elas viram pessoas da
creche elas falam - eu sou a tia fulana E outros satildeo cozinheiras aiacute elas vatildeo fazem
bolo e cantam parabeacutens eles vivenciam isso mesmo realmente aqui E os bichinhos
eles retrataram bem o momento em que retratavam os bichinhos elas falavam ldquoonde
estaacute tua matildeerdquo ldquoa tua matildee ‟taacute em tal lugarrdquo Foi muito bom eu gostei muito da atividade
dela Porque as crianccedilas estavam todas organizadas cada um escolheu tiveram
liberdade para escolher qual cantinho eles queriam e natildeo houve aquela desorganizaccedilatildeo
Eu achei que foi organizada a atividade dela
(7) Mirela Eu tambeacutem percebi que a professora distribui a sala em cantinho deixou as
crianccedilas escolherem livremente com o que queriam brincar interagiu o tempo todo
com as crianccedilas e deixou as crianccedilas se expressarem usarem a criatividade e a
imaginaccedilatildeo
O questionamento da pesquisadora no turno (1) tem a finalidade de instigar as
professoras a iniciarem as descriccedilotildees A professora Mirela se prontifica a descrever a
cena ressaltando que a atividade desenvolvida pela professora do viacutedeo era de faz de
conta Para respaldar sua assertiva usa o argumento de exemplo (2) ldquoela (a professora)
comeccedilou a atividade com a organizaccedilatildeo da sala junto com as crianccedilas depois ela
organiza a sala em cantinhos cantinho do brinquedo o cantinho dos fantoches e um
de revistas canetas papel oficio e pincel atocircmicordquo Ao exemplificar os recursos
utilizados pela professora do viacutedeo em especial a organizaccedilatildeo da sala de atividades em
cantinhos a educadora compartilha no grupo um significado importante sobre como a
organizaccedilatildeo do espaccedilo pode propiciar o brincar de faz de conta No argumento em que
baseia sua descriccedilatildeo fica expliacutecito como a diversidade dos cantinhos pode ser elemento
fundante para as crianccedilas transitarem no universo do faz de conta
Na continuidade de seu turno a professora destaca ldquoObservei que o tempo todo
ela participou das atividades junto com as crianccedilas e mediou o trabalho junto com
elas laacuterdquo Aqui a educadora diz que a professora do viacutedeo ldquomediou o trabalhordquo apesar
de trazer para cena enunciativa uma palavra que faz parte do campo epistemoloacutegico da
perspectiva vygotskyana a educadora natildeo discorre sobre quais accedilotildees realizadas pela
professora do viacutedeo indicam o processo de mediaccedilatildeo Assim parece natildeo ter claro que
esse processo segundo Vygotsky (19301991 p 33) estaria relacionado a uma
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 152
ILKA SCHAPPER SANTOS
intervenccedilatildeo de um elemento intermediaacuterio em uma accedilatildeo deixando de ser direta e
passando a ser mediada por esse elemento
Ainda em seu turno a professora diz ldquoEu observei tambeacutem que as crianccedilas
estavam gostando das brincadeiras porque elas estavam todas interagindordquo na
afirmativa justifica a sua fala com o operador argumentativo ldquoporquerdquo para mostrar
que houve um processo de interaccedilatildeo na cena No entanto apesar de mais uma vez usar
um verbete importante da teoria soacutecio-histoacuterico-cultural ndash ldquointeraccedilatildeordquo ndash novamente natildeo
explicita como isso se materializou
No turno da professora podemos notar dois pontos importantes para
compartilhamento de sentidos sobre a brincadeira de faz de conta a formaccedilatildeo dos
cantinhos na sala de atividade e o processo de interaccedilatildeo das crianccedilas No entanto as
descriccedilotildees tecidas mostram explicaccedilotildees geneacutericas e julgamentos das professoras isso
tampona a possibilidade de as educadoras de fato refletirem sobre a atividade analisada
e tambeacutem sobre as teorias que a embasam
Em (3) a pesquisadora convoca mais uma professora a expor sua descriccedilatildeo ldquovai
vai laacute Claacuteudiardquo quando a professora anuncia (4) ldquobom isso tudo que a Mirela jaacute falou
eu anotei para natildeo repetir eu vou falar outra coisardquo a pesquisadora diz (5) ldquonatildeo
natildeo Eacute importante que vocecirc coloque tudo que vocecirc escreveu mesmo que repitardquo a
ecircnfase da pesquisadora ao usar duas vezes o adveacuterbio de negaccedilatildeo ldquonatildeordquo busca garantir
a todas as professoras o espaccedilo para descriccedilatildeo ainda que sejam descriccedilotildees reincidentes
Isso porque para ela eacute importante que todas revejam a accedilatildeo descrita de forma
informada para criar um espaccedilo em que todas as educadoras apresentem as impressotildees
ocorridas na cena para uma visualizaccedilatildeo coletiva das accedilotildees realizadas Segundo
Liberali (2008) esse momento de visualizaccedilatildeo coletiva eacute importante para que o
professor possa entender o que foi feito a partir do detalhamento do evento analisado
para em uma compreensatildeo ativa refletir sobre as praacuteticas rotinizadas no cotidiano das
creches e preacute-escolas
Diante da explicaccedilatildeo da pesquisadora ldquoEacute importante que vocecirc coloque tudo que
vocecirc escreveu mesmo que repitardquo Fabiana define a brincadeira assim como Mirela
como de faz de conta mas traz outros elementos para a cena enunciativa Com o
operador argumentativo ldquomasrdquo orienta para uma conclusatildeo aparentemente contraacuteria ao
que ateacute entatildeo foi dito ldquomas um faz de conta em que elas retratavam o dia-a-dia
delas porque tem o neneacutem que ela fez mingau para a bonequinha O neneacutem vocecirc
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 153
ILKA SCHAPPER SANTOS
estaacute fazendo o quecirc O mingau ela deve vivenciar isso no dia-a-dia A outra quis
cozinhar fez cafeacute fez suco entatildeo aquilo eacute um retrato do dia-a-diardquo Nesse
movimento a professora explica que as crianccedilas pautaram a brincadeira de faz de conta
nas suas experiecircncias cotidianas Aqui a educadora relaciona o brincar de faz de conta agrave
atividade humana mostrando como a crianccedila recupera os modos costumes e
comportamentos do grupo social em que estaacute inserida (Vygotsky 19301991)
Depois de relatar como a professora do viacutedeo propiciou o desenvolvimento da
brincadeira de faz de conta Fabiana tece uma aproximaccedilatildeo a partir do argumento de
exemplo com o trabalho realizado na creche ldquoaqui as crianccedilas brincam demais a
gente faz recreaccedilatildeo com elas externa e laacute fora com a areia vira tudo vira suco vira
comida vira bolo elas viram personagens elas viram pessoas da creche elas falam
eu sou a tia fulana e outros satildeo cozinheiras aiacute elas vatildeo fazem bolo e cantam
parabeacutens eles vivenciam isso mesmo realmente aquirdquo Ao iniciar sua declarativa com
o adveacuterbio ldquoaquirdquo funcionando como decircitico espacial a educadora marca que no
espaccedilo da creche em que atua as crianccedilas vivenciam o brincar de faz de conta
mostrando como essa vivecircncia estaacute pautada na reconstruccedilatildeo do real e na antecipaccedilatildeo de
papeacuteis sociais Apesar de no enunciado Fabiana natildeo usar nenhum argumento teoacuterico
busca no argumento de exemplo afirmar que seu trabalho tambeacutem estaacute pautado em
brincadeiras que possibilitem o desenvolvimento de situaccedilotildees imaginaacuterias de faz de
conta
No final de sua fala a professora declara com o uso do pronome pessoal na
primeira pessoa do singular ldquoeu gostei muito da atividade delardquo para avaliar
positivamente a atividade desenvolvida pela professora do viacutedeo Essa declarativa
reforccedila a identificaccedilatildeo da educadora com as accedilotildees analisadas
Em (7) Mirela destaca tambeacutem o trabalho realizado pela professora do viacutedeo a
partir dos cantinhos ldquoEu tambeacutem percebi que a professora distribui a sala em
cantinhosrdquo reforccedilando a organizaccedilatildeo da sala de aula em cantinhos dado que jaacute tinha
sido ressaltado pelas outras educadoras Depois traz trecircs argumentos que avaliou como
importantes a) ldquodeixou as crianccedilas escolherem livremente com o que queriam
brincar b) interagiu o tempo todo com as crianccedilas e c) deixou as crianccedilas se
expressarem usarem a criatividade e a imaginaccedilatildeordquo Ao destacar esses argumentos a
professora daacute a entender que o trabalho pautado na organizaccedilatildeo da sala de atividades
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 154
ILKA SCHAPPER SANTOS
em cantinhos possibilita agraves crianccedilas um brincar mais livre uma interaccedilatildeo
crianccedilaprofessora e o desenvolvimento da criatividade e da imaginaccedilatildeo
Neste excerto haacute um movimento diferente em relaccedilatildeo aos excertos ateacute agora
analisados Aqui as professoras demonstram ter percebido outros elementos
importantes no desenvolvimento de atividades pautadas na brincadeira como a
organizaccedilatildeo do espaccedilo das salas de atividades em cantinhos e por conseguinte como
isso possibilita agrave crianccedila ingressar na imaginaccedilatildeo no faz de conta Apesar de tecerem
essas consideraccedilotildees as educadoras continuam pautando suas consideraccedilotildees em
argumentos de exemplo fundados na proacutepria atividade analisada e em suas experiecircncias
na creche
No fluxo discursivo novamente as pesquisadoras natildeo interferem nas
interlocuccedilotildees de modo a possibilitar a expansatildeo dos significados trazidos pelas
educadoras como por exemplo questionando como a professora do viacutedeo analisado
ldquomediourdquo a atividade desenvolvida A ausecircncia de questionamentos dessa ordem
impede que as educadoras ampliem seus campos de reflexotildees que possam ter uma
compreensatildeo ativa (BakhtinVolochinov 1988) do processo vivenciado e por
conseguinte que tenham uma atitude responsiva ativa diante da cena analisada
Por conta disso as professoras continuam transitando em ideias inadequadas
confusas (Spinoza 16772005) em relaccedilatildeo ao brincar de faz de conta Essa teria sido
uma oportunidade interessante para as pesquisadoras ingressarem no fluxo
argumentativo das professoras por meio de argumentos teoacuterico-praacuteticos que
promovessem um (re)pensar dos significados sobre a brincadeira
No proacuteximo recorte as pesquisadoras tecem questionamentos sobre como a
professora do viacutedeo analisado orientou a atividade e tambeacutem como desenvolveu o
trabalho com as crianccedilas Vejamos
2ordm Excerto
(8) Leacutea Muito bem Que tipo de trabalho foi desenvolvido Foi em grupo foi em
dupla foi individual O que vocecircs conseguiram observar
(9) Fabiana Elas mesmas (as crianccedilas) formaram o proacuteprio grupo delas elas foram
formando seus grupinhos um queria brincar com a boneca entatildeo ela estava ali dentro
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 155
ILKA SCHAPPER SANTOS
do grupo da casinha ela estava dentro daquele grupinho ningueacutem ficou disperso
assim separado pelo que deu para ver natildeo
(10) Mirela foi um trabalho em grupo
(11) Fabiana pelo menos o que deu para a gente ver foi um trabalho em grupo as
crianccedilas mesmo se organizaram elas se organizaram
(12) Leacutea Isso E qual que foi o foco de apresentaccedilatildeo da atividade da professora Qual
que foi o objetivo o foco O que que vocecircs acham que essa professora tinha por
objetivo por foco para estar trabalhando ali com as crianccedilas Eu estou perguntando
isso porque na primeira atividade vocecircs lembram da primeira atividade (da sessatildeo
reflexiva anterior) Eu tambeacutem fiz o mesmo pedido para a professora eu fiz o mesmo
pedido que eu gostaria que ela ‟tivesse trabalhando com uma brincadeira livre A
mesma coisa que eu pedi para a primeira professora na uacuteltima sessatildeo eu pedi para essa
Entatildeo eu pergunto assim qual o objetivo da professora que vocecircs acham que a
professora tinha aleacutem do que a Fabiana disse tinha falado qual seria o conteuacutedo
objetivo dela estar trabalhando daquela forma Haveria uma outra forma de estar
trabalhando com as crianccedilas a partir do meu pedido
(13) Mirela Eacute se tivesse mais espaccedilo teria porque ela natildeo utilizaria as mesas
entendeu Ela podia usar o espaccedilo no chatildeo mais espaccedilo sem estar presa nas mesinhas
(14) Fabiana elas (as crianccedilas) ficariam mais agrave vontade o espaccedilo da sala eacute sempre
melhor se elas estivessem no chatildeo pelo chatildeo da sala se tivesse uma sala mais
espaccedilosa afastar as carteiras elas ateacute organizaram as mesas mas mesmo assim a gente
sabe que se fosse outra escola outra escola todas as escolas municipais tecircm a sala
geralmente pequena quando tem espaccedilo eacute loacutegico que a proacutepria crianccedila cria mais tem
oportunidade de criaccedilatildeo porque a gente sente isso porque eles brincam muito porque a
gente aqui (na creche) daacute muito essa recreaccedilatildeo mas no espaccedilo externo como eu te falei
elas vatildeo em um canto elas vatildeo no outro elas mexem aqui natildeo tem aquela preocupaccedilatildeo
de sujar porque a gente ensina para elas que natildeo pode sujar essas coisas Entatildeo se ela
tivesse um espaccedilo mais amplo talvez natildeo foi ruim mas talvez fosse melhor ainda
(15) Patriacutecia Como vocecircs organizariam essas atividades
(16) Mirela porque aqui a gente jaacute tem jaacute trabalha com as oficinas
(17) Fabiana eacute a gente tem as oficinas
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 156
ILKA SCHAPPER SANTOS
No segundo excerto a pesquisadora inicia sua intervenccedilatildeo com trecircs
questionamentos a) Que tipo de trabalho foi desenvolvido b) Foi em grupo foi em
dupla foi individual c) O que vocecircs conseguiram observar Com estes questotildees Leacutea
busca ampliar o campo das descriccedilotildees elaboradas pelas educadoras da atividade
desenvolvida pela professora do viacutedeo Fabiana (9) e (11) e Mirela (10) respondem aos
questionamentos dizendo que o trabalho desenvolvido foi em grupo e que foram as
crianccedilas que se agruparam em conformidade ao interesse A pesquisadora levanta os
questionamentos sobre como as crianccedilas se organizaram nas brincadeiras se em grupo
dupla ou individualmente porque procura investigar se na descriccedilatildeo as educadoras
atentaram para tais questotildees Isso porque no interior da discussatildeo do GP EFoPI haacute uma
ecircnfase sobre a importacircncia de as professoras no contexto das salas de atividades de
educaccedilatildeo infantil fomentarem a interaccedilatildeo crianccedilacrianccedila e crianccedilaadultocrianccedila
Apesar da ecircnfase dada pela pesquisadora nos questionamentos sobre a formaccedilatildeo
dos grupos natildeo haacute uma retomada de fala para explicar a relevacircncia de um trabalho sob
a oacutetica da interaccedilatildeo ao contraacuterio no iniacutecio do seu turno (12) Leacutea faz uso do decircitico
ldquoissordquo para fechar a discussatildeo mostrando concordacircncia com as respostas anteriores das
educadoras Desse modo natildeo haacute expansatildeo de significados sobre os questionamentos
relativos ao trabalho realizado
Aqui a pesquisadora estabelece uma relaccedilatildeo de simetria de conhecimento e
ideias natildeo levantando questotildees que pudessem gerar conflitos contradiccedilotildees (Engestroumlm
1999) pontos de vistas distintos que satildeo elementos imprescindiacuteveis ao processo criacutetico-
reflexivo e por conseguinte desencadeadores das possiacuteveis transformaccedilotildees dana
praacutetica (Magalhatildees 2009)
Dito isso a pesquisadora passa a questionamentos que segundo sua
compreensatildeo de Smyth (1992) e Liberali (2008) se configuraria no informar
procurando propiciar um espaccedilo em que as educadoras pudessem retomar conceitos
sobre questotildees relacionadas ao brincar ldquoE qual que foi o foco de apresentaccedilatildeo da
atividade da professora Qual que foi o objetivo o foco O que que vocecircs acham que
essa professora tinha por objetivo por foco para estar trabalhando ali com as
crianccedilas Eu estou perguntando isso porque na primeira atividade vocecircs lembram da
primeira atividade (da sessatildeo reflexiva anterior)rdquo
Essas questotildees foram elaboradas no periacuteodo de planejamento da sessatildeo Para
realizar tal elaboraccedilatildeo as pesquisadoras se pautaram na terceira parte do livro de
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 157
ILKA SCHAPPER SANTOS
Liberali Formaccedilatildeo Criacutetica de educadores questotildees fundamentais (2008b p 61) em
que a autora formula alguns questionamentos para cada etapa do processo reflexivo
segundo Smyth (1992) Nessa obra as duas primeiras questotildees relativas ao informar
satildeo ldquoqual o foco da apresentaccedilatildeo do conteuacutedordquo ldquoque objetosconteuacutedos foram
trabalhadosrdquo Como o leitor pode observar haacute uma semelhanccedila muito grande entre as
questotildees levantadas pela pesquisadora e aquelas formuladas por Liberali No entanto
como nas discussotildees tecidas a partir das descriccedilotildees feitas pelas educadoras o grupo natildeo
compartilhou os significados referentes ao brincar o movimento do informar ficou
circunscrito a elementos pautados no senso comum nos saberes construiacutedos a partir da
praacutetica diaacuteria das professoras
Nas discussotildees do excerto natildeo aparecem argumentos respaldados em teorias que
auxiliem reflexotildees mas sim explicaccedilotildees generalizantes de conceitos presentes nas accedilotildees
cotidianas Isso fica expliacutecito nas falas de Mirela e de Fabiana (13) e (14)
respectivamente a) ldquoEacute se tivesse mais espaccedilo teria porque ela natildeo utilizaria as mesas
entendeu Ela podia usar o espaccedilo no chatildeo mais espaccedilo sem estar presa nas
mesinhasrdquo b) ldquoelas (as crianccedilas) ficariam mais agrave vontade o espaccedilo da sala eacute sempre
melhor se elas estivessem no chatildeordquo Mais uma vez as professoras usam argumentos
pragmaacuteticos para discutirem natildeo trazendo respaldo teoacuterico
Natildeo atentando para isso as pesquisadoras tecircm a pretensatildeo de trabalhar o
reconstruir (Smyth 1992) levantando o seguinte questionamento (15) Como vocecircs
organizariam essas atividades Novamente a pesquisadora segue as orientaccedilotildees de
Liberali (2008b p 82) na obra citada em que o questionar sobre como o educador
organizaria a aula de outra maneira eacute um ponto interessante para auxiliar no reconstruir
Mas como os pontos de vista levantados no descrever e no informar natildeo propiciaram
espaccedilos de uma compreensatildeo ativa dos princiacutepios que embasaram as accedilotildees das
atividades analisadas o grupo natildeo consegue ateacute entatildeo tecer uma inter-relaccedilatildeo entre as
accedilotildees e os possiacuteveis significados que poderiam ser compartilhados sobre as praacuteticas
cotidianas do brincar nas salas de atividades da educaccedilatildeo infantil
O reconstruir natildeo se configurou como um momento em que os participantes
pudessem repensar como fariam as atividades desenvolvidas no viacutedeo (e suas proacuteprias
atividades no cotidiano da creche) pois natildeo chegaram a descrever detalhadamente as
atividades nem foram confrontados por meio de questionamentos que pudessem
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 158
ILKA SCHAPPER SANTOS
elucidar os valores que subsidiam o agir e o pensar dos participantes das sessotildees
reflexivas (Liberali 2008b)
Assim o excerto acima natildeo se configurou como um momento em que as
educadoras pudessem refletir sobre as accedilotildees analisadas por meio de sustentaccedilatildeo
refutaccedilatildeo e negociaccedilatildeo de posiccedilotildees pautadas em um discurso mais teoacuterico Dito de outro
modo os enunciados ficaram circunscritos a argumentos de exemplo e pragmaacuteticos natildeo
sendo destacados valores concepccedilotildees sobre aprendizagem e ficando suas enunciaccedilotildees
alicerccediladas sobre as praacuteticas cotidianas como podemos notar nos turnos (16) e (17) de
Mirela e Fabiana respectivamente ldquoporque aqui a gente jaacute tem jaacute trabalha com as
oficinasrdquo e ldquoeacute a gente jaacute tem as oficinasrdquo Mirela inicia seu turno com o uso do
ldquoporquerdquo sinalizando que vai dar uma explicaccedilatildeo e depois faz uso dos decirciticos ldquoaquirdquo
(espacial) e ldquoa genterdquo (pessoal) para demarcar que na creche elas jaacute trabalham com as
oficinas Fabiana por sua vez inicia concordando com Mirela ldquoeacuterdquo e revozeia a sua fala
reforccedilando o posicionamento da creche em que trabalham com o decircitico de pessoa ldquoa
genterdquo
No excerto abaixo as participantes focalizam na atividade analisada a postura
da professora com as crianccedilas destacando que houve mediaccedilatildeo e interaccedilatildeo
3ordm Excerto
(18) Patriacutecia Voltando agrave atividade Qual que foi a postura da professora nessa
atividade o que que vocecircs acham
(19) Mirela ela mediou o trabalho ela se envolveu ela brincou porque isso faz parte
ela natildeo distribuiu e ficou laacute parada natildeo ela interagiu ela perguntou entatildeo eu achei isso
muito interessante porque agraves vezes o professor noacutes vamos fazer isso dar distribuir as
atividades e estar laacute (Mirela cruza os braccedilos) olhando o que que a crianccedila estaacute fazendo
ela estava junto ali eu achei muito interessante a postura dela
(20) Fabiana A professora estava junto com elas nas brincadeiras no momento
daquela atividade quando vocecirc senta na cadeirinha junto com as crianccedilas na mesinha
com elas estaacute ali brincando junto aiacute elas se envolvem mais
(21) Patriacutecia E aiacute na atividade vocecirc acha que houve esse envolvimento crianccedila-
crianccedila e professora-crianccedila
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 159
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(22) Fabiana natildeo acho que ela se envolveu sim elas (as crianccedilas) ofereceram a
comidinha para ela o cafezinho e tudo ela aceitou ela se envolveu
(23) Mirela teve uma hora em que ela falou - tem que pocircr mais accediluacutecar Mostra que
ela estava participando tambeacutem envolvida na brincadeira
Neste terceiro excerto temos a retomada da pesquisadora Patriacutecia com um
questionamento que busca fazer com que as educadoras reflitam sobre a postura da
professora do viacutedeo em relaccedilatildeo ao desenvolvimento da atividade (18) ldquoVoltando agrave
atividade Qual que foi a postura da professora nessa atividade o que que vocecircs
achamrdquo Nesse momento Mirela defende a tese respaldada teoricamente no conceito
de mediaccedilatildeo de Vygotsky de que a professora atua como mediadora no
desenvolvimento da brincadeira de faz de conta com as crianccedilas destacando ldquoela
mediou o trabalhordquo Para defender seu ponto de vista usa argumentos de exemplos a)
ldquoela se envolveurdquo b) ldquoela brincourdquo c) ldquoela estava junto alirdquo Apesar de a professora
ter identificado o processo de mediaccedilatildeo na sua argumentaccedilatildeo por exemplos natildeo fez um
detalhamento das accedilotildees relacionando-as com o construto teoacuterico que menciona na tese
O mesmo ocorre com o campo argumentativo de Fabiana que fica circunscrito a
argumentos de exemplo A professora estava junto com elas nas brincadeiras
(porque) no momento daquela atividade quando vocecirc senta na cadeirinha junto com
as crianccedilas na mesinha com elas estaacute ali brincando junto aiacute elas se envolvem mais
O ldquoporquerdquo impliacutecito objetiva a tomada de posiccedilatildeo no primeiro segmento do
enunciado sendo assim um argumento para a defesa da tese de que a professora do
viacutedeo estava mediando a brincadeira entre as crianccedilas No entanto como disse
anteriormente a defesa a partir de argumentos de exemplos natildeo possibilita ingressar em
um fluxo de transformaccedilotildees e mudanccedilas das educadoras jaacute que a argumentaccedilatildeo se
estrutura apenas na citaccedilatildeo dos acontecimentos anteriores Faltam nesse contexto
argumentos de definiccedilatildeo que pudessem promover o compartilhamento de sentidos e de
significados
A partir dos enunciados das educadoras a pesquisadora busca aprofundar a
questatildeo da mediaccedilatildeo procurando trazer os elementos teoacutericos para a pauta de discussatildeo
Desse modo tece o seguinte questionamento (21) ldquoE aiacute na atividade vocecirc acha que
houve esse envolvimento crianccedila-crianccedila e professora-crianccedilardquo A pergunta de
Patriacutecia sugere que as professoras aprofundem seus enunciados sobre a mediaccedilatildeo Mais
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 160
ILKA SCHAPPER SANTOS
uma vez as professoras fundamentam suas respostas com as situaccedilotildees que observaram
na atividade mostrando de novo com argumentos de exemplo como a educadora do
viacutedeo participou das atividades com as crianccedilas Assim descrevem as accedilotildees em que
para elas estavam pautadas em um processo de mediaccedilatildeo (22) ldquonatildeo acho que ela se
envolveu sim elas (as crianccedilas) ofereceram a comidinha para ela o cafezinho e tudo
ela aceitou ela se envolveurdquo e (23) ldquoteve uma hora em que ela falou - tem que pocircr
mais accediluacutecar Mostra que ela estava participando tambeacutem envolvida na brincadeirardquo
No entanto mais uma vez fazem uso de exemplificaccedilotildees sem trazer para o cenaacuterio
discursivo argumento por definiccedilatildeo Deste modo natildeo discutem sobre os sentidos e
significados que atribuem aos dois verbetes que podem ser considerados conceitos
cientiacuteficos ndash mediaccedilatildeo e interaccedilatildeo
O objetivo desse encontro era promover um espaccedilo de conflitos mediados pelas
duas atividades analisadas Portanto no proacuteximo fragmento discursivo a pesquisadora
busca tecer um confronto entre a atividade da sessatildeo com a da sessatildeo anterior
4ordm Excerto
(23) Leacutea confrontando com a outra atividade que a gente assistiu que vocecircs acham
Confrontando isso que vocecircs estatildeo falando dessa atividade lembrando da atividade da
semana passada Dos papeizinhos entenderam o que eu estou perguntando
(24) Fabiana fazendo uma relaccedilatildeo com a outra atividade
(25) Leacutea eacute fazendo uma relaccedilatildeo entre as duas atividades (dessa semana e da semana
passada) porque nessa vocecircs estatildeo achando que por trabalhar dessa forma por isso as
coisas aconteceram de forma bem natural sem muita confusatildeo
(26) Mirela A atividade dessa semana foi mais luacutedica
(27) Leacutea Confrontando com a atividade anterior que a gente viu semana passada o
que que a gente pode deduzir daquela atividade que foi feita semana passada
(28) Fabiana eu acho que a de hoje assim era o mundinho delas eram brinquedos
eram coisas que elas estatildeo acostumadas entatildeo era mais o mundo delas do cotidiano
de faz de conta ali que elas vivenciaram
(29) Leacutea o que que vocecirc pensa Claacuteudia
(30) Claacuteudia eu penso o mesmo que ela que a atividade da semana passada eu acho
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 161
ILKA SCHAPPER SANTOS
que a professora se colocou natildeo impocircs mais o que seria feito eu jaacute achei que na de
hoje as crianccedilas ficaram mais livremente brincando
(31) Leacutea entatildeo a gente pode dizer que as crianccedilas estavam construindo o
conhecimento de forma mais interativa mais rica
(32) Claacuteudia isso isso mesmo
(33) Leacutea e vocecirc Mirela o que vocecirc observa da primeira atividade da semana passada
dessa semana o que te chamou mais atenccedilatildeo
(34) Mirela como a Claacuteudia disse ela impocircs muito menos hoje aliaacutes ela natildeo impocircs
em momento algum ela deixou as crianccedilas construiacuterem e na semana passada ela (a
outra professora) estava interagindo soacute que impondo os valores que ela acreditava que
era legal como eu disse na semana passada a de hoje natildeo estava preocupada em algo
para fora ela estava preocupada com a construccedilatildeo do desenvolvimento deles ali e da
semana passada tinha a preocupaccedilatildeo de levar algo para casa para os pais verem o
produto entatildeo algo a levar quando se leva alguma atividade ela ficou preocupada com
a esteacutetica e hoje natildeo aconteceu isso Eles estavam construindo entendeu
(35) Leacutea quando vocecirc diz preocupada com a esteacutetica vocecirc pode explicar para noacutes
melhor o que que eacute isso
(36) Mirela posso igual eu te falei semana passada a construccedilatildeo a visualizaccedilatildeo que a
crianccedila faz igual ela deu as formas geomeacutetricas para elas fazerem qualquer coisa com
as crianccedilas algumas colocaram aleatoriamente ela olhando ela olhava e falava assim
- Meu Deus que seraacute isso o que que a matildee vai ver em casa
(37) Patriacutecia e aiacute voltando nesse confronto de uma atividade com a outra qual
atividade vocecircs acham que contribuiu para a construccedilatildeo da autonomia da crianccedila
(38) Todas as professoras juntas a de hoje sem sombra de duacutevida a de hoje
(39) Leacutea daacute para vocecircs citarem situaccedilotildees especiacuteficas onde vocecircs observaram essa
construccedilatildeo da autonomia
(40) Mirela desde o momento em que ela deixou elas escolherem os cantinhos isso jaacute
eacute a autonomia deles porque eacute aonde eles se sentem mais agrave vontade para que o faz de
conta se desenvolva
Neste excerto Leacutea procura tecer uma relaccedilatildeo entre a atividade observada na
sessatildeo anterior e a atividade da sessatildeo atual A pesquisadora procura pautar a reflexatildeo a
partir de trecircs perspectivas a) discussotildees tecidas na sessatildeo anterior b) atividade
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 162
ILKA SCHAPPER SANTOS
assistida na sessatildeo e c) os pontos de interregno entre esses dois momentos que
poderia instaurar na perspectiva da pesquisadora o processo de transformaccedilatildeo e
mudanccedila do grupo Eacute interessante notar que na sua pergunta a pesquisadora busca
relacionar atividades analisadas em duas sessotildees reflexivas possibilitando que as
professoras possam em um olhar exotoacutepico afastado mas natildeo distante da situaccedilatildeo
compreender elementos que a proximidade natildeo permitiria A partir desse ldquoexcedente de
visatildeordquo as pesquisadoras do GP EFoPI procuram propiciar um espaccedilo em que os
participantes possam trazer os sentidos sobre o brincar de uma atividade anterior para a
atividade atual podendo ser ressignificados Esse pensamento vai ao encontro da
concepccedilatildeo de Cadeia Criativa (Liberali 2009) em que o grupo busca se pautar
Diante da questatildeo formulada pela pesquisadora Fabiana faz uma pergunta no
turno (24) que tem a finalidade de clarificar o questionamento da pesquisadora fazendo
uma relaccedilatildeo com a outra atividade O tipo de intervenccedilatildeo da professora tem o efeito
esperado Pois a pesquisadora retoma a fala (25) ldquoeacute fazendo uma relaccedilatildeo entre as
duas atividades porque nessa vocecircs estatildeo achando que por trabalhar dessa forma
por isso as coisas aconteceram de forma bem natural sem muita confusatildeordquo O uso do
ldquoporquerdquo mostra que a pesquisadora vai acrescentar elementos agrave explicaccedilatildeo anterior
Na continuidade da explicaccedilatildeo Leacutea traz elementos novos sintetizando o que o grupo
percebeu da atividade atual para fomentar a discussatildeo a partir da atividade anterior
Linguisticamente isso se materializa com o uso do pronome de segunda pessoa do
plural ldquovocecircsrdquo seguido do tempo verbal
Em (26) Mirela declara que a atividade atual foi mais luacutedica A pesquisadora
natildeo explora a declarativa e retoma seu questionamento em relaccedilatildeo agrave atividade da sessatildeo
anterior no turno (28) ldquoConfrontando com a atividade anterior que a gente viu
semana passada o que que a gente pode deduzir daquela atividade que foi feita
semana passadardquo Ao retomar o questionamento a pesquisadora mostra que deseja
aprofundar o debate entre as duas atividades no interior das duas sessotildees reflexivas No
entanto quando Mirela se posiciona dizendo que a atividade atual foi mais luacutedica a
pesquisadora natildeo entra no fluxo discursivo da educadora para compreender o que a faz
pensar isso
Fabiana (28) diz ldquoeu acho que a de hoje assim era o mundinho delas eram
brinquedos eram coisas que elas estatildeo acostumadas entatildeo era mais o mundo delas
do cotidiano de faz de conta ali que elas vivenciaramrdquo A professora inicia seu
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 163
ILKA SCHAPPER SANTOS
discurso de forma modalizada ldquoeu achordquo para discorrer sobre sua percepccedilatildeo depois usa
o decircitico temporal ldquohojerdquo para demarcar que vai tecer consideraccedilotildees sobre a atividade
atual Para isso faz uso de argumentos de exemplo fundados ora na sua experiecircncia ldquoera
o mundinho delasrdquo ldquoeram coisas que elas estatildeo acostumadasrdquo ldquodo cotidianordquo ora na
atividade desenvolvida pela professora do viacutedeo ldquode faz de conta ali que elas
vivenciaramrdquo Esse movimento discursivo mostra que a professora se identificou mais
com a atividade da segunda sessatildeo reflexiva pois estava circunscrita agrave brincadeira de
faz de conta mais proacutexima da realidade das crianccedilas No entanto as educadoras
continuam se posicionando a partir de dois elementos ndash as experiecircncias circunscritas ao
trabalho desenvolvido na creche e a atividade analisada
Claacuteudia ingressa no fluxo argumentativo de Fabiana e declara ldquoeu penso o
mesmo que elardquo fazendo uso do pronome ldquomesmordquo e do pronome pessoal de terceira
pessoa do singular ldquoelardquo para mostrar que sua anaacutelise vai ao encontro da perspectiva de
Fabiana Ao produzir seu enunciado a partir da voz da outra a professora concede agrave
mesma poder maior do que teria como representaccedilatildeo proacutepria em uma tentativa de dar
maior credibilidade ao que vai anunciar Apesar de ancorar seu enunciado na palavra
alheia a educadora traz outros elementos para a cena enunciativa (30) ldquoeu acho que a
professora se colocou natildeo impocircs mais o que seria feito eu jaacute achei que na de hoje as
crianccedilas ficaram mais livremente brincandordquo No seu turno faz uso duas vezes do
modalizador ldquoeu acho eu jaacute acheirdquo para dizer sobre a atividade analisada destacando
que a professora do viacutedeo se ldquocolocou natildeo impocircsrdquo e que ldquoas crianccedilas ficaram mais
livremente brincandordquo
Baseada nos enunciados das professoras Leacutea (31) faz um questionamento que
tem efeito conclusivo que pode ser notado linguisticamente com o uso no iniacutecio da
questatildeo do operador ldquoentatildeordquo ldquoentatildeo a gente pode dizer que as crianccedilas estavam
construindo o conhecimento de forma mais interativa mais ricardquo A pesquisadora
faz tambeacutem uso do decircitico pessoal ldquoa genterdquo e da expressatildeo ldquopode dizerrdquo (pode +
infinitivo) modalizando e aproximando sua conclusatildeo agraves das professoras O relato
interativo ressalta o grau de implicaccedilatildeo que Leacutea deseja imprimir entre participantes
compartilhando a crenccedila de que a atividade possibilitou a produccedilatildeo de conhecimentos
para as crianccedilas porque foi mais interativa Claacuteudia em seu turno (32) sinaliza que a
pesquisadora conseguiu a adesatildeo do grupo quando diz ldquoisso isso mesmordquo
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 164
ILKA SCHAPPER SANTOS
Depois disso a pesquisadora procurando tecer uma relaccedilatildeo entre os elos da
Cadeia Criativa pergunta (33) ldquoo que vocecirc observa da primeira atividade da semana
passada dessa semana o que te chamou mais atenccedilatildeordquo Tal questionamento poderia
possibilitar agraves participantes refletirem sobre diferentes atividades que tecircm como
referente o mesmo tema poreacutem no caso tratado natildeo consegue alcanccedilar seu objetivo
Diante da questatildeo levantada Mirela (36) enfatiza que a professora do viacutedeo da
sessatildeo anterior priorizou o trabalho das formas geomeacutetricas desfocando a produccedilatildeo do
conhecimento da crianccedila para o que a matildee iria pensar sobre o produto da atividade isso
se explicita no enunciado ldquoigual ela deu as formas geomeacutetricas para elas fazerem
qualquer coisa com as crianccedilas algumas colocaram aleatoriamente ela olhando ela
olhava e falava assim - Meu Deus que seraacute isso o que que a matildee vai ver em
casardquo Ao verbalizar sua fala interior (ldquoMeu Deus que seraacute isso o que que a matildee vai
ver em casardquo) Mirela expressa o conflito entre dois tipos de discurso o de autoridade e
o internamente persuasivo Para Bakhtin (1983 p 344) ldquoos discursos de autoridade
podem contemplar vaacuterios conteuacutedos a autoridade como tal ou a autoridade da
tradiccedilatildeo das verdades genericamente aceitas da linha oficial e outras autoridades
similaresrdquo Grosso modo o discurso de autoridade pode ser anaacutelogo agrave terceira voz ou a
uma terceira pessoa que na discussatildeo bakhtiniana (citado em Cheyne e Tarulli 2004 p
6) ldquoeacute um tipo de autoridade cuja compreensatildeo responsiva idealizada assume vaacuterias
expressotildees ideoloacutegicas tais como Deus a verdade absoluta o mundo da consciecircncia
racional as pessoas a histoacuteria a ciecircncia e assim por dianterdquo Na avaliaccedilatildeo de Mirela
a referecircncia agrave matildee aparece como outra voz de autoridade que deve ser considerada
Mirela parece pois reconhecer um conflito vivenciado pela professora do viacutedeo da
sessatildeo anterior entre os seus objetivos pedagoacutegicos e a avaliaccedilatildeo da atividade apoiada
sobre sua obrigaccedilatildeo social que se funda em ldquoo que a matildee vai ver em casardquo
No turno seguinte (37) a pesquisadora Patriacutecia levanta uma questatildeo que
pretende novamente relacionar duas atividades no interior da Cadeia Criativa ldquoe aiacute
voltando nesse confronto de uma atividade com a outra qual atividade vocecircs acham
que contribuiu para a construccedilatildeo da autonomia da crianccedilardquo A retomada do
questionamento sinaliza a preocupaccedilatildeo da pesquisadora em possibilitar um espaccedilo de
reflexatildeo fundada nas duas atividades Em uma univocidade de vozes todas as
professoras concordam que a segunda atividade analisada propiciou um espaccedilo de
desenvolvimento da autonomia das crianccedilas (38) ldquoa de hoje sem sombra de duacutevida a
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 165
ILKA SCHAPPER SANTOS
de hojerdquo A reincidecircncia da escolha lexical ldquohojerdquo como decircitico temporal demarca
essa posiccedilatildeo No entanto natildeo foram compartilhados os sentidos-significados de
autonomia no interior do grupo
Em (39) Leacutea levanta uma questatildeo que procura a partir de exemplos
materializar a assertiva de que a atividade do dia foi a que oportunizou o
desenvolvimento da autonomia das crianccedilas ldquodaacute para vocecircs citarem situaccedilotildees
especiacuteficas onde vocecircs observaram essa construccedilatildeo da autonomiardquo A explicaccedilatildeo de
Mirela em (40) ldquodesde o momento em que ela deixou elas escolherem os cantinhosrdquo
demarca que a livre escolha dos cantinhos sem a imposiccedilatildeo da professora eacute um
importante dado para a defesa da tese de que houve o desenvolvimento da autonomia
Aleacutem disso a participante traz outra explicaccedilatildeo a partir do operador ldquoporquerdquo agora
sob a oacutetica do faz de conta ldquoporque eacute aonde eles se sentem mais agrave vontade para que o
faz de conta se desenvolvardquo
Neste excerto observamos a busca das pesquisadoras em relacionar as
atividades no interior dos elos da Cadeia Criativa A estrateacutegia principal das
pesquisadoras foi promover um espaccedilo em que as professoras pudessem por meio da
relaccedilatildeo entre duas atividades nos elos da Cadeia Criativa produzir-compartilhar novos
significados em relaccedilatildeo ao tema tratado
De alguma maneira a anaacutelise do excerto mostra que as pesquisadoras natildeo
levantam questotildees que possam desestabilizar os significados rotinizados apresentados
pelas professoras Isso pode ter ocorrido por conta de uma dificuldade em compreender
que a intersecccedilatildeo entre os elos da cadeia soacute se materializa diante de uma argumentaccedilatildeo
colaborativa (Liberali 2004) Nesse episoacutedio daacute para inferir que assim como as
professoras na suas argumentaccedilotildees sobre o tema tratado as pesquisadoras trazem uma
apropriaccedilatildeo muito incipiente do que seria uma colaboraccedilatildeo criacutetica mediada pelos
significados que emergem no interior do grupo Em uma Pesquisa Criacutetica de
Colaboraccedilatildeo (Magalhatildees 2002 2006 2009) teoricamente fundamentada e com os
conceitos devidamente apropriados os pesquisadores levantariam questionamentos do
sentido-significado cristalizado (Magalhatildees 2009 p 55) para possibilitar a produccedilatildeo
conjunta de novos significados
Em siacutentese a argumentaccedilatildeo desenvolvida entre pesquisadoras e professoras natildeo
permitiu a ressignificaccedilatildeo dos sentidos e significados sobre a temaacutetica no interior da
Cadeia Criativa pois natildeo houve uma ampliaccedilatildeo do campo argumentativo de ambas
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 166
ILKA SCHAPPER SANTOS
sobre o assunto Os argumentos natildeo chegam a ser explorados continuam transitando em
sentidos e significados conhecidos haacute muito pelo grupo Mais uma vez faltam
intervenccedilotildees que tragam a siacutentese dialeacutetica entre perspectivas teoacutericas relacionadas agraves
accedilotildees descritas e que possibilitariam aprofundar as visotildees de mundo acerca da temaacutetica
tratada
413 ndash 3ordf Sessatildeo Reflexiva Analisada ndash dia 04 de setembro de 2006
Os excertos que se seguem foram recortados da quinta sessatildeo reflexiva com as
quatro educadoras da creche e uma pesquisadora do GP EFoPI a Patriacutecia no dia 04 de
setembro de 2006 A coordenadora da pesquisa Leacutea natildeo pocircde participar do encontro
por conta de doenccedila em famiacutelia
O viacutedeo analisado trata de uma atividade desenvolvida numa escola de educaccedilatildeo
infantil de Portugal O viacutedeo foi disponibilizado pela professora Juacutelia Formosinho da
Universidade do Minho Doutora em Estudos da Crianccedila com tese sobre o
desenvolvimento profissional das educadoras da infacircncia Nesse periacuteodo a professora
havia dado uma consultoria ao GP EFoPI jaacute que o referido grupo de pesquisa fazia
parte junto com a professora Dra Kishimoto da Universidade de Satildeo Paulo (USP) de
uma rede de pesquisadores sob a orientaccedilatildeo da professora Juacutelia Formosinho O objetivo
da sessatildeo era mostrar agraves educadoras das creches outras possibilidades de organizaccedilatildeo
dos espaccedilos para as brincadeiras Aleacutem disso pretendia possibilitar que elas refletissem
sobre modos e maneiras de o educador intervir na brincadeira livre Tomemos o 1ordm
recorte
1ordm excerto
(1) Patriacutecia Essa eacute uma escola laacute de Portugal ateacute aqueles pesquisadores estiveram
aqui Lembram que a Leacutea falou com vocecircs que eles vinham para o foacuterum de educaccedilatildeo
infantil
Todas as professoras respondem que lembram
(2) Patriacutecia Pois eacute eacute a Juacutelia Formosinho e essa escola eacute uma escola que eles fazem
um trabalho laacute que fazem a formaccedilatildeo em contexto com os professores das creches E
essa escola tambeacutem pertence a uma rede de formaccedilatildeo em contexto que tem aqui no
Brasil tambeacutem na USP com a Tizuko e a Leacutea tambeacutem participa dessa rede Entatildeo eacute
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 167
ILKA SCHAPPER SANTOS
uma filmagem bem interessante e acho que vocecircs vatildeo gostar (abre um sorriso)
Depois de as professoras assistirem agrave filmagem a pesquisadora retoma a fala
(3) Patriacutecia E aiacute vamos descrever o que vocecircs viram na filmagem Quem quer
comeccedilar falar sobre o que escreveu
(4) Mirela Nossa eacute uma escola de sonho neacute
(5) Claacuteudia Ai Podia ser aqui Entatildeo eacute eu coloquei assim Eu percebi que eacute uma
escola onde as crianccedilas interagiam o tempo todo com o meio Que elas iam
experimentando coisas novas o tempo todo E que os trabalhos eram feitos em
oficinas bem estruturadas que permitiam agraves crianccedilas exteriorizarem suas vivecircncias A
professora mediava quando lhe era conveniente e cada crianccedila podia escolher o seu
brinquedo pois havia uma grande diversidade destes (Ela balanccedila a cabeccedila de forma
positiva sorrindo e olhando para a Patriacutecia) O que natildeo acontece aqui com a gente
(6) Mirela Aiacute fica muito faacutecil neacute
(7) Claacuteudia Eacute
(8) Fabiana O nosso projeto da creche com a nossa oficina que noacutes temos quando
noacutes explicamos para vocecircs que noacutes trabalhaacutevamos com oficinas era mais ou menos
eu acho que a ideia seria ser mais ou menos daquele tipo as oficinas Porque noacutes
temos aqui a oficina de casinha que laacute seria a oficina do faz de conta Soacute que o nosso
espaccedilo natildeo eacute tatildeo adequado natildeo se tem um espaccedilo como se tem laacute Eu acho ateacute que de
repente pelo fato cultural que a gente vive que natildeo daacute aquele sonho todo que tem ali
A nossa realidade eacute bem diferente Noacutes natildeo temos tantos brinquedos como passa ali
natildeo tem condiccedilotildees de ter A oficina de jogos nossa nossa sala de jogo eacute satildeo poucos
brinquedos quando a crianccedila vai chegando certa fase do ano a crianccedila jaacute estaacute cansada
de ver aqueles jogos jaacute natildeo estatildeo se interessando mais com aqueles jogos Mas eu
acho que eacute o que se sonhou aqui para dentro da creche com as nossas oficinas
(9) Claacuteudia No nosso caso assim o que acontece no nosso caso Eacute que trabalhar
com a oficina quer dizer eu gosto natildeo sei vocecircs eu gosto porque muda mas o que
nos barra eacute agraves vezes o espaccedilo fiacutesico que se tem nas unidades num daacute conta Se
precisar de uma biblioteca para eles ficarem mais agrave vontade para trabalhar com a
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 168
ILKA SCHAPPER SANTOS
leitura com os livrinhos
Neste recorte as educadoras da creche comentam um viacutedeo de uma escola em
Portugal O objetivo era retomar a discussatildeo da organizaccedilatildeo das salas de atividades de
educaccedilatildeo infantil por meio dos cantinhos
A pesquisadora Patriacutecia inicia seu turno contextualizando a origem da atividade
a ser analisada Para isso faz referecircncia ao lugar fiacutesico onde ocorreu (1) ldquoEssa eacute uma
escola laacute de Portugalrdquo fazendo uso de dois decirciticos espaciais o pronome
demonstrativo ldquoessardquo e o adveacuterbio de lugar ldquolaacuterdquo Aleacutem disso utiliza o argumento de
autoridade para tecer seu questionamento ldquolembram que a Leacutea falou com vocecircs que
eles vinham para o foacuterum de educaccedilatildeo infantilrdquo Nesse movimento a pesquisadora
busca no exoacuterdio apresentar o contexto de produccedilatildeo em que a atividade foi
desenvolvida e as diferentes interlocuccedilotildees em que o GP EFoPI estaacute inserido Patriacutecia
retoma o turno em (2) para aprofundar o contexto de produccedilatildeo e no seu discurso faz
uso de duas marcas de interaccedilatildeo a retomada de vozes anteriores por meio de
explicaccedilatildeo ldquoPois eacute eacute a Juacutelia Formosinho e essa escola eacute uma escola que eles fazem
um trabalho laacute que fazem a formaccedilatildeo em contexto com os professores das creches E
essa escola tambeacutem pertence a uma rede de formaccedilatildeo em contexto que tem aqui no
Brasil tambeacutem na USP com a Tizuko e a Leacutea tambeacutem participa dessa rede Entatildeo eacute
uma filmagem bem interessante e acho que vocecircs vatildeo gostar (abre um sorriso)rdquo
Depois no turno seguinte Patriacutecia (3) pergunta quem gostaria de descrever a
atividade da filmagem Mirela responde (4) que ldquoeacute uma escola de sonhordquo Com essa
resposta a professora sinaliza para a pesquisadora a distacircncia entre a realidade da
creche em que atua e a realidade circunscrita agrave atividade analisada Mostra tambeacutem
com a expressatildeo como o contexto analisado estaacute no campo do idealizado
Claacuteudia continua a interlocuccedilatildeo na esfera do desejado com a expressatildeo (5) ldquoAi
Podia ser aquirdquo Ao usar o verbo poder no preteacuterito imperfeito do modo indicativo
mostra na enunciaccedilatildeo um fato do qual natildeo tem certeza quanto agraves probabilidades de
realizaccedilotildees futuras Desse modo se isenta de compartilhar com o grupo possibilidades
de no futuro desenvolver um trabalho na creche que traga esses novos significados
compartilhados por meio das atividades assistidas no viacutedeo
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Na continuidade de seu turno Claacuteudia destaca outros elementos que jaacute haviam
sido tratados em interlocuccedilotildees anteriores a) interaccedilatildeo entre as crianccedilas (ldquoeu percebi
que eacute uma escola onde as crianccedilas interagiam o tempo todordquo) b) mediaccedilatildeo da
professora (ldquoA professora mediava quando lhe era convenienterdquo) c) escolha livre dos
brinquedos pelas crianccedilas (ldquocada crianccedila podia escolher o seu brinquedordquo) A
professora retoma nessa sessatildeo expressotildees que satildeo proacuteprias do campo lexical da
perspectiva teoacuterica soacutecio-histoacuterico-cultural ndash ldquomediarrdquo e ldquointeragirrdquo No entanto mais
uma vez parece natildeo compartilhar com a pesquisadora segundo a perspectiva teoacuterica
mencionada os significados desses verbetes Aqui tambeacutem a pesquisadora natildeo fez
intervenccedilotildees em que esses elementos pudessem ser questionados e por conseguinte
pudessem ter os seus significados esclarecidos para a professora Ou seja natildeo criou
espaccedilo para que as professoras internalizassem os significados dos verbetes
mencionados sob a oacutetica da perspectiva soacutecio-histoacuterico-cultural
Aleacutem disso a pesquisadora natildeo promoveu o confronto entre os sentidos trazidos
que no quadro enunciativo se configuram como ideias inadequadas para se aproximar
das ideias adequadas e aumentar a potecircncia de pensaragir das professoras (conatus)
(Spinoza 16772005) no contexto da discussatildeo
Outro ponto que chama atenccedilatildeo na fala de Claacuteudia eacute que ela destaca a
diversidade de brinquedos na creche onde a atividade foi desenvolvida marcando em
seu discurso que isso natildeo ocorre na creche em que atua (ldquoo que natildeo acontece aqui com
a genterdquo) O adveacuterbio de negaccedilatildeo ldquonatildeordquo o decircitico espacial e o decircitico de pessoa ldquoaquirdquo
e ldquoa genterdquo respectivamente demarcam linguisticamente essa inferecircncia Se pensarmos
que a crianccedila na brincadeira no vieacutes histoacuterico-cultural reinventa o real por meio de
objetos em que seus significados satildeo modificados natildeo procede a justificativa da
professora de que na creche natildeo haacute muitos brinquedos Como explica Vygotsky
(19301991) um cabo de vassoura na situaccedilatildeo imaginaacuteria vira um cavalo Ou seja na
situaccedilatildeo do faz de conta a crianccedila atribui a um mesmo brinquedo diferentes
significados e diferentes papeacuteis
Fabiana em (8) continua explicando as relaccedilotildees entre a oficina desenvolvida na
atividade analisada e as que costumam realizar na creche concluindo que na esfera do
idealizado as propostas satildeo muito proacuteximas ldquoquando noacutes explicamos para vocecircs que
noacutes trabalhaacutevamos com oficinas era mais ou menos eu acho que a ideia seria ser
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 170
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mais ou menos daquele tipo as oficinasrdquo A professora usa a estrutura modalizada ldquoeu
achordquo assim como a expressatildeo ldquomais ou menosrdquo para tecer essas aproximaccedilotildees
Esse movimento discursivo pautado na intersecccedilatildeo entre a oficina desenvolvida
no viacutedeo e aquelas realizadas pelas educadoras no cotidiano das creches mostra que no
campo do idealizado natildeo haacute grandes diferenccedilas quanto agrave estrutura do trabalho No
entanto as professoras trazem algumas restriccedilotildees quanto agraves aproximaccedilotildees declaradas
isso fica expliacutecito linguiacutesticamente com o uso do operador ldquosoacuterdquo e do decircitico espacial
ldquolaacuterdquo ldquosoacute que o nosso espaccedilo natildeo eacute tatildeo adequado natildeo se tem um espaccedilo como se tem
laacuterdquo Para ampliar sua argumentaccedilatildeo Fabiana utiliza um argumento pragmaacutetico ldquoa
nossa realidade eacute bem diferente Noacutes natildeo temos tantos brinquedos como passa ali
natildeo tem condiccedilotildees de terrdquo explicando que a diferenccedila entre a oficina assistida no viacutedeo
e as que realizam na creche estaacute na escassez de brinquedos tendo isso uma
consequecircncia direta para as accedilotildees que perpassam as atividades desenvolvidas nas
oficinas Aqui a professora na justificativa alia a escassez dos brinquedos ao espaccedilo
inadequado Ocorre que a creche tem espaccedilos internos e externos amplos e isso natildeo foi
explicitado como um questionamento a elas
Seguindo seu movimento argumentativo a professora usa novamente o
argumento pragmaacutetico fechando ainda mais a argumentaccedilatildeo ldquosatildeo poucos brinquedos
quando a crianccedila vai chegando certa fase do ano a crianccedila jaacute estaacute cansada de ver
aqueles jogos jaacute natildeo estatildeo se interessando mais com aqueles jogosrdquo Mais uma vez a
questatildeo da escassez dos brinquedos eacute usada como justificativa para as professoras natildeo
realizarem atividades similares agraves assistidas no viacutedeo Nesse contexto a pesquisadora
natildeo levantou questotildees sobre quais os tipos de brinquedos satildeo disponibilizados na
creche nem promoveu reflexotildees sobre como as professoras poderiam desenvolver
atividades por meio desses brinquedos
Finalizando seu enunciado a professora volta a pautar seu discurso no campo do
idealizado Usa o operador argumentativo ldquomasrdquo e o modalizador ldquoeu achordquo para dizer
que as educadoras da creche ldquosonharamrdquo com a organizaccedilatildeo das oficinas de modo
similar agrave que foi apresentada no viacutedeo pelo GP EFoPI ldquomas eu acho que eacute o que se
sonhou aqui para dentro da creche com as nossas oficinasrdquo Ao pautar novamente
seu discurso no campo do idealizado a professora rompe com a possibilidade de refletir
sobre o que se ldquosonhourdquo e o que elas poderiam realizar a partir do idealizado
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 171
ILKA SCHAPPER SANTOS
Claacuteudia no turno seguinte (9) continua a interlocuccedilatildeo fazendo uso tambeacutem do
argumento pragmaacutetico ldquoeacute que trabalhar com a oficina quer dizer eu gosto natildeo sei
vocecircs eu gosto porque muda mas o que nos barra eacute agraves vezes o espaccedilo fiacutesico que se
tem nas unidades num daacute contardquo e do argumento de exemplo ldquose precisar de uma
biblioteca para eles ficarem mais agrave vontade para trabalhar com a leitura com os
livrinhosrdquo
Neste excerto os recursos argumentativos utilizados pelas professoras em
especial os argumentos pragmaacuteticos e de exemplos promovem pouco espaccedilo de
discussatildeo uma vez que as educadoras expressam ideias concluiacutedas sobre os empecilhos
de se realizar na creche atividades similares agraves apresentadas no viacutedeo Assim natildeo foi
possiacutevel estabelecer um espaccedilo de criticidade em que os sentidos dos participantes
pudessem ser apresentados e por conseguinte novos significados produzidos
Na sequecircncia a pesquisadora Patriacutecia continua trabalhando com a organizaccedilatildeo
dos espaccedilos das salas de atividades buscando criar um espaccedilo de reflexatildeo sobre as
possibilidades de reestruturar os espaccedilos instituiacutedos na creche em especial aqueles
destinados agraves brincadeiras
2ordm Excerto
(10) Patriacutecia Na semana passada a gente trabalhou com a organizaccedilatildeo da sala A gente
tambeacutem escolheu essa fita para a gente ‟tar mais uma vez trabalhando mais uma vez
com a questatildeo dessa organizaccedilatildeo Vocecircs viram que tinha brinquedos aqueles de
construccedilotildees que satildeo de madeira que isso a gente pode ‟tar conseguindo sim
(11) Fabiana Eacute meu incocircmodo eacute como as meninas falaram eacute que tem umas questotildees
dessas transformaccedilotildees que muitas vezes a gente esbarra eacute no outro processo que natildeo
depende soacute de noacutes mesmas entendeu Eu natildeo acredito que seja soacute aqui que seja em
qualquer escola ou creche Que se esbarra muitas vezes a professora na sala ela quer
ateacute fazer esses cantinhos da leitura mas tem os outros processos Igual noacutes nossas
salas agraves vezes viram sala de repouso natildeo pode se ocupar o espaccedilo todo porque tem os
repousos porque tem que deixar esses espaccedilos para isso entendeu Entatildeo natildeo daacute
(12) Patriacutecia Entatildeo isso eacute uma determinaccedilatildeo da AMAC
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 172
ILKA SCHAPPER SANTOS
(13) Fabiana Agraves vezes a gente pode ateacute pensar em modificar mas aiacute com certeza natildeo
seria uma decisatildeo somente da professora da sala tem que ser uma decisatildeo em conjunto
com todas as unidades de todas as creches
(14) Patriacutecia Mas como vocecircs pensam sobre a organizaccedilatildeo da sala o que vocecircs
pensam sobre isso Como que deveria ser feita essa organizaccedilatildeo
(15) Mirela Eu acho que deveria ter mais brinquedos mais uma sala para a televisatildeo
porque do jeito que ‟taacute cada oficina em uma sala natildeo eacute ruim porque se colocar tudo
igual ali ali eacute porque o espaccedilo eacute enorme agora imagina a sua sala com jogos com
televisatildeo como que seria no nosso pequeno espaccedilo Assim casinha jogos teria que ter
assim mais salas para poder ‟tar dividindo a televisatildeo ter assim uma biblioteca
(16) Patriacutecia Entatildeo assim o que vocecircs colocam como dificuldades de estar fazendo
essas aacutereas na sala
(17) Claacuteudia O espaccedilo
(18) Mirela E a gente esbarra tambeacutem que aqui na creche tudo eacute padronizado entatildeo se
fizer aqui a gente tem que tem que fazer em todas
(19) Fabiana Eacute tem que ‟tar comunicando porque eacute a instituiccedilatildeo e a instituiccedilatildeo tem
vaacuterias unidades e aiacute natildeo depende somente da gente depende de toda uma poliacutetica
(20) Mirela Tanto que hoje eu percebo que o pedagogo tinha que fazer parte dessas
reuniotildees (as sessotildees reflexivas) para ele poder ‟tar vendo as mudanccedilas necessaacuterias
(21) Mirela Ela (a coordenadora) teria que estar aqui para ver as mudanccedilas para ver
uma fita dessas para poder ‟tar levando para o programa Seria muito interessante
(22) Patriacutecia O pedagogo aqui
(23) Patriacutecia Por que os projetos satildeo feitos pelas pedagogas E aiacute encaminham para
vocecircs
(24) Mirela Uma vez por mecircs eacute feito as reuniotildees para elaboraccedilatildeo desse projeto soacute que
desce vai uma funcionaacuteria de cada creche vai laacute embaixo na AMAC e se reuacutene para
fazer a construccedilatildeo desse projeto Aiacute o que se decide laacute eacute impresso e mandado para todas
as unidades Soacute que aiacute satildeo datas fechadas os temas que definem os projetos satildeo
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 173
ILKA SCHAPPER SANTOS
fechados os temas satildeo enviados Muitas vezes acaba fugindo do que a gente gostaria de
‟tar trabalhando aqui da forma que a gente gostaria que fosse e tem que complementar
com o projeto que foi feito Natildeo eacute que a gente natildeo possa ‟tar trabalhando o que a gente
gostaria mas talvez se fechasse o tema e a gente pudesse elaborar do nosso jeito com a
nossa realidade ficaria melhor
Patriacutecia inicia seu turno (10) retomando o trabalho da sessatildeo anterior em que o
assunto era a organizaccedilatildeo da sala de atividades da educaccedilatildeo infantil ldquona semana
passada a gente trabalhou com a organizaccedilatildeo da salardquo Eacute interessante notar que a
oradora busca com o uso do decircitico de pessoa ldquoa genterdquo implicar os interlocutores no
trabalho de reflexatildeo usando a marca de interaccedilatildeo intitulada neste trabalho de retomada
de vozes anteriores Esse movimento eacute interessante pois sinaliza a preocupaccedilatildeo da
pesquisadora em ser coerente com o trabalho colaborativo Depois faz um
questionamento que visa a promover uma reflexatildeo sobre as possibilidades de se
conseguir realizar um trabalho de reorganizaccedilatildeo do espaccedilo e de se conseguir aumentar o
nuacutemero de brinquedos na creche ldquovocecircs viram que tinha brinquedos aqueles de
construccedilotildees que satildeo de madeira que isso a gente pode ‟tar conseguindordquo Para isso
faz uso do decircitico espacial ldquoaquelesrdquo procurando indicar que os brinquedos de
construccedilotildees natildeo satildeo difiacuteceis de serem adquiridos
Esse movimento argumentativo da pesquisadora eacute importante jaacute que traz
alternativas para a justificativa das professoras em relaccedilatildeo agrave escassez dos brinquedos
procurando instigar as professoras a refletirem sobre outras possibilidades de aquisiccedilatildeo
de mais brinquedos para a creche No entanto apesar da provocaccedilatildeo da oradora as
professoras retomam os argumentos pautados na impossibilidade e falta de autonomia
delas em transformar os espaccedilos instituiacutedos na creche
Mais uma vez as professoras estruturam seu corpus argumentativo em
argumento pragmaacutetico e de exemplo O argumento pragmaacutetico se materializa no
discurso de Fabiana (11) quando ela diz ldquomeu incocircmodo eacute como as meninas falaram
eacute que tem umas questotildees dessas transformaccedilotildees que muitas vezes a gente esbarra eacute no
outro processo que natildeo depende soacute de noacutes mesmas entendeurdquo Nesse movimento
argumentativo a professora faz uso da marca de interaccedilatildeo retomada de vozes anteriores
(ldquocomo as meninas falaramrdquo) fechando mais uma vez seu discurso O fluxo
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 174
ILKA SCHAPPER SANTOS
argumentativo fica circunscrito a um discurso da impossibilidade de delegar a outras
instacircncias o poder de transformar os espaccedilos instituiacutedos ldquonatildeo depende soacute de noacutes
mesmasrdquo
A educadora continua seu enunciado com o argumento de exemplo ldquonossas
salas agraves vezes viram sala de repouso natildeo pode se ocupar o espaccedilo todo porque tem
os repousos porque tem que deixar esses espaccedilos para issordquo Os dois tipos de
argumentos utilizados pela professora tecircm um efeito de ineacutercia no grupo que emudece
pois traz uma ideia concluiacuteda (argumento pragmaacutetico) apresentando um argumento de
exemplo que daacute agrave situaccedilatildeo o estatuto de fato inquestionaacutevel
A pesquisadora percebe a rotativa discursiva das educadoras e formula uma
questatildeo controversa para o grupo (12) ldquoentatildeo isso eacute uma determinaccedilatildeo da AMACrdquo
Com o uso do decircitico espacial ldquoissordquo busca assinalar na enunciaccedilatildeo da professora o
ponto de referecircncia em que seus argumentos estatildeo pautados Traz uma questatildeo
controversa para o grupo desvelando a gecircnese dos impedimentos prescritos qual seja
ldquouma determinaccedilatildeo da AMACrdquo Subjaz a essa questatildeo controversa uma outra ldquoum
impedimento de transformaccedilatildeo do espaccedilo por conta da AMACrdquo Desse modo a
pesquisadora procura promover no grupo uma zona de colaboraccedilatildeo e criticidade
buscando possibilitar um espaccedilo de reflexatildeo criacutetica em que todos possam tecer
comentaacuterios e discussotildees Isso porque no interior das discussotildees as educadoras jaacute
haviam mencionado sobre como o oacutergatildeo ao qual satildeo vinculados procura padronizar os
espaccedilos as accedilotildees pedagoacutegicas e os horaacuterios de todas as 23 creches do municiacutepio
Diante da questatildeo formulada pela pesquisadora Fabiana (13) usa a marca de
interaccedilatildeo colocaccedilatildeo de problema ldquoagraves vezes a gente pode ateacute pensar em modificar mas
aiacute com certeza natildeo seria uma decisatildeo somente da professora da sala tem que ser
uma decisatildeo em conjunto com todas as unidades de todas as crechesrdquo O uso do ldquoa
genterdquo como decircitico pessoal inclusivo mostra que a professora envolve o grupo de
educadoras na sua argumentaccedilatildeo Depois usa o operador argumentativo ldquoateacuterdquo (ateacute
mesmo inclusive) assinalando um argumento mais forte dentro da perspectiva da
mudanccedila na organizaccedilatildeo das salas de atividades da creche e por fim haacute no seu
discurso a reincidecircncia do operador ldquotodasrdquo na tentativa de fazer uma afirmaccedilatildeo plena
A professora parece escolher tais operadores para indicar a partir da forccedila
argumentativa do seu enunciado uma direccedilatildeo uma explicaccedilatildeo plausiacutevel que justifique a
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 175
ILKA SCHAPPER SANTOS
dificuldade de transformaccedilatildeo dos espaccedilos disponibilizados para o desenvolvimento da
brincadeira na creche
Atenta ao processo criacuteticondashreflexivo a pesquisadora Patriacutecia (14) tece o seguinte
questionamento ldquoMas como vocecircs pensam sobre a organizaccedilatildeo da sala o que vocecircs
pensam sobre isso Como que deveria ser feita essa organizaccedilatildeordquo Assim pretende
fazer com que as professoras a partir dos questionamentos que formula pensem em
possiacuteveis mudanccedilas relativas agrave organizaccedilatildeo das salas de atividades e por conseguinte
transformaccedilotildees dos espaccedilos para as brincadeiras A intervenccedilatildeo revela a preocupaccedilatildeo da
pesquisadora em compreender os pontos de vista que sustentam o modo como as
professoras veem a questatildeo buscando identificar as possiacuteveis teorias que embasam suas
reflexotildees e os possiacuteveis valores que estatildeo por traacutes delas O movimento discursivo estaacute
pautado segundo Smyth (1992) no informar pois possibilita promover explicaccedilotildees que
mostrem as bases teoacutericas sobre o tema em debate Eacute no interior desse fluxo
argumentativo que se pode abrir caminhos para o confrontar (Liberali 2008a p 60)
Assim mais uma vez as professoras destacam elementos de mudanccedilas na esfera
do idealizado e em accedilotildees que transcendem as possibilidades que lhes competem Isso
fica expliacutecito no turno (15) de Mirela ldquoeu acho que deveria ter mais brinquedos mais
uma sala para a televisatildeo porque do jeito que ‟taacute cada oficina em uma sala natildeo eacute
ruim porque se colocar tudo igual ali ali eacute porque o espaccedilo eacute enorme agora imagina
a sua sala com jogos com televisatildeo como que seria no nosso pequeno espaccedilo Assim
casinha jogos teria que ter assim mais salas para poder ‟tar dividindo a televisatildeo
ter assim uma bibliotecardquo No movimento discursivo a professora destaca os objetos
que deveriam ser adquiridos e os espaccedilos que deveriam ser criados para que se pudesse
pensar em alguma mudanccedila Desse modo natildeo consegue vislumbrar mudanccedilas no
interior das condiccedilotildees materiais em que se encontra Linguiacutesticamente isso fica
demarcado no iniacutecio do turno quando usa a locuccedilatildeo verbal ldquodeveria terrdquo
A rotatividade discursiva se reapresenta na retomada de turno da pesquisadora
(16) que tece mais uma questatildeo controversa com ecircnfase nas dificuldades e natildeo nas
possibilidades ldquoentatildeo assim o que vocecircs colocam como dificuldades de estar fazendo
essas aacutereas na salardquo Diante do questionamento a educadora reponde (17) ldquoo espaccedilordquo
Eacute interessante notar que as professoras escapam do movimento de compartilhar
seus significados sobre a questatildeo discutida e como poderiam refletir sobre o que fazer
focando as impossibilidades na poliacutetica de padronizaccedilatildeo das creches e na necessidade da
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 176
ILKA SCHAPPER SANTOS
participaccedilatildeo dos pedagogos da AMAC nas sessotildees reflexivas Isso pode ser percebido
nos turnos (18) (19) (20) e (21) das educadoras Mirela e Fabiana
Nos turnos citados as professoras usam o argumento de exemplo para
discorrerem sobre a padronizaccedilatildeo das atividades e dos espaccedilos das creches e a
importacircncia de a equipe pedagoacutegica participar das sessotildees reflexivas (18) ldquoa gente
esbarra tambeacutem que aqui na creche tudo eacute padronizado entatildeo se fizer aqui a gente
tem que tem que fazer em todasrdquo Primeiro a professora explica que ldquotudo eacute
padronizadordquo depois faz uso do ldquoentatildeordquo para concluir que ldquotem que fazer em todasrdquo
(as 23 creches do municiacutepio) (19) ldquotem que ‟tar comunicando porque eacute a instituiccedilatildeo
e a instituiccedilatildeo tem vaacuterias unidades e aiacute natildeo depende somente da gente depende de
toda uma poliacuteticardquo (20) ldquotanto que hoje eu percebo que o pedagogo tinha que fazer
parte dessas reuniotildees (as sessotildees reflexivas) para ele poder ‟tar vendo as mudanccedilas
necessaacuteriasrdquo (21) ldquoela (a coordenadora) teria que estar aqui para ver as mudanccedilas
para ver uma fita dessas para poder ‟tar levando para o programa Seria muito
interessanterdquo
O enunciado da educadora traz as marcas do discurso oficial monologizante
Como definiu Bakhtin (apud Nystrand et al 1997 p 12) ldquoo monologismo em seu
extremo nega a existecircncia de outra consciecircncia fora de si com direitos e
responsabilidades iguais O monoacutelogo eacute finalizador e surdo agrave resposta do outro ()
deseja ser a uacuteltima palavrardquo Assim usam as vozes oficiais da instituiccedilatildeo como
subterfuacutegio de explicar suas impossibilidades de transformaccedilotildees e mudanccedilas Apesar de
o oacutergatildeo governamental tentar controlar as accedilotildees no interior das creches seria importante
as educadoras perceberem que podem superar a imposiccedilatildeo e alienaccedilatildeo em seus modos e
maneiras de transformar aquilo que estaacute dentro de seu campo de accedilatildeo
Mirela explica em (24) por meio do argumento de exemplo que os projetos satildeo
elaborados mensalmente com uma representante de cada creche ldquouma vez por mecircs eacute
feito as reuniotildees para elaboraccedilatildeo desse projeto soacute que vai uma funcionaacuteria de cada
creche vai laacute pra baixo na AMAC e se reuacutene para fazer a construccedilatildeo desse projeto
Aiacute o que se decide laacute eacute impresso e mandado para todas as unidades Soacute que aiacute eacute satildeo
datas fechadas os temas que definem os projetos satildeo fechados os projetos satildeo
enviados para as crechesrdquo Com o argumento de que os projetos chegam prontos e satildeo
unificados para as 23 creches a explicaccedilatildeo da educadora serve mais uma vez para
tamponar o (re)pensar de sua praacutetica no interior das creches Esse movimento
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 177
ILKA SCHAPPER SANTOS
enunciativo impossibilita compartilhar em quais sentidos-significados estatildeo ancoradas
as suas accedilotildees
Apesar de neste excerto a pesquisadora formular questionamentos que busquem
promover um espaccedilo de reflexatildeo sobre possiacuteveis mudanccedilas relativas agrave organizaccedilatildeo das
salas de atividades na creche e em consequecircncia a transformaccedilotildees dos espaccedilos para as
brincadeiras com questotildees relativas ao processo reflexivo (Smyth 1992 Liberali
2008) as enunciaccedilotildees das professoras vatildeo de encontro a esse movimento
As educadoras trazem prioritariamente o discurso autoritaacuterio imposto pela
instituiccedilatildeo agrave qual pertencem para justificar a dificuldade que tecircm em transformar suas
praacuteticas cotidianas Segundo Bakhtin (1983) esse tipo de discurso tem o estatuto de
verdade absoluta natildeo propiciando espaccedilo para a argumentaccedilatildeo refutaccedilatildeo contestaccedilatildeo e
reflexatildeo jaacute que ldquoa palavra autoritaacuteria natildeo se representa ndash ela apenas eacute transmitidardquo
(Bakhtin 1983 p 144) A apropriaccedilatildeo da palavra autoritaacuteria aqui teve a funccedilatildeo de
justificar o jaacute instituiacutedo e os motivos que impossibilitam (re)pensar sobre novos modos
de se trabalhar sobre as praacuteticas cristalizadas Em decorrecircncia disso os significados
compartilhados ficaram inscritos em argumentos sobre o ldquojaacute-feitordquo e natildeo em novas
maneiras em se pensar o ldquopor-fazerrdquo
No fragmento abaixo mais uma vez a pesquisadora Patriacutecia retoma a discussatildeo
sobre a organizaccedilatildeo dos espaccedilos No entanto o foco recai agora sobre a construccedilatildeo de
espaccedilos que promovam a construccedilatildeo do conhecimento
3ordm Excerto
(25) Patriacutecia Como que a gente pode ‟tar organizando a nossa sala de maneira que
haja esses conhecimentos essa coisa da crianccedila ‟tar brincando e ‟tar experimentando e
‟tar pesquisando
(26) Fabiana Eacute aquilo que eu te falei no iniacutecio que a organizaccedilatildeo das nossas salas
tem todo um padratildeo que tem que ser seguido da instituiccedilatildeo
(27) Patriacutecia Mesmo assim vocecircs querendo propondo
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 178
ILKA SCHAPPER SANTOS
(28) Fabiana Seria um processo assim de ‟tar discutindo falando expondo e ter a
aceitaccedilatildeo da unidade da pedagoga e tudo Porque como eu te falei minha sala eacute
oficina eu tenho dentro da minha sala (faz um sinal negativo com a boca virando para
um lado) mesa as cadeiras um armaacuterio que eu coloco as colchonetes eu tenho um
outro armaacuterio uma outra estante que coloco os jogos com a televisatildeo e o aparelho de
viacutedeo de DVD Entatildeo eu natildeo posso ocupar aquele espaccedilo todo porque eu tenho uma
oficina de jogos e uma oficina de viacutedeo dentro do meu espaccedilo entendeu Entatildeo eu natildeo
posso ocupar aquilo tudo sem deixar o espaccedilo da oficina de jogos e de viacutedeo entendeu
(29) Patriacutecia Isso eacute complicado para as crianccedilas
(30) Fabiana E outra tem que ter o espaccedilo para elas brincarem Entatildeo eu tenho que
estar respeitando aquele espaccedilo todo de maneira que fique organizado entendeu Entatildeo
eu posso na hora das minhas atividades eu viro mesa eu ponho para brincar no chatildeo
que eacute mais faacutecil Pois eu acho assim que o espaccedilo do chatildeo eacute melhor do que o das
mesas para eles montarem os jogos e tudo na hora da pintura eu forro as mesas todas
eu junto as mesas para ficar um espaccedilo maior Isso eu faccedilo porque eu posso Agora
uma questatildeo de eu ficar fazendo um cantinho de leitura um cantinho de faz de conta
Aiacute eu natildeo posso porque tem uma outra oficina de casinha que seria a sala dela (olha
para Mirela) e tem uma outra oficina de artes cecircnicas que eacute na do berccedilaacuterio Aiacute a gente
tem que passar para outra sala
(31) Claacuteudia minha sala natildeo tem condiccedilotildees porque natildeo tem muito espaccedilo porque eacute
muito pequena soacute cabem quatro mesinhas e natildeo cabe mais nada Aiacute agraves vezes eu tenho
que fazer o que ela faz tambeacutem colocar as mesas para um canto e deixar eles
brincarem no chatildeo onde o espaccedilo tambeacutem eacute bem restrito
As professoras mais uma vez fixam seus argumentos no campo das
impossibilidades Para isso usam argumentos de autoridade ndash a AMAC e sua
padronizaccedilatildeo
A pesquisadora (25) retoma o questionamento anterior sobre a organizaccedilatildeo das
salas de atividades nas creches agora pautado na construccedilatildeo e produccedilatildeo do
conhecimento das crianccedilas a partir de trecircs pontos (a) a brincadeira (b) a vivecircncia e (c)
a pesquisa Assim levanta a seguinte pergunta ldquocomo que a gente pode ‟tar
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 179
ILKA SCHAPPER SANTOS
organizando a nossa sala de maneira que haja esses conhecimentos essa coisa da
crianccedila ‟tar brincando e ‟tar experimentando e ‟tar pesquisandordquo Ao utilizar a
expressatildeo ldquoa genterdquo (no lugar do pronome da 1ordf pessoa do plural ldquonoacutesrdquo) Patriacutecia
sinaliza de maneira impliacutecita alguns elementos do trabalho colaborativo entre eles a
necessidade de se mostrar implicada estabelecendo uma interdependecircncia entre o
questionamento feito e as buscas de elementos argumentativos para a soluccedilatildeo do
conflito Aleacutem disso faz uso dos decirciticos ldquoessesrdquo e ldquoessardquo para sinalizar o ponto de
referecircncia de seu questionamento e auxiliar as educadoras na construccedilatildeo de seus
discursos e partilhar seus sentidos sobre o que foi focado
Ao ingressar no fluxo do questionamento da pesquisadora Fabiana (26) retoma
vozes anteriores ldquoeacute aquilo que eu te falei no iniacutecio que a organizaccedilatildeo das nossas
salas tem todo um padratildeo que tem que ser seguido da instituiccedilatildeordquo Ao dizer isso a
professora retoma seu ponto de vista de que haacute ldquoum padratildeo que tem que ser seguido da
instituiccedilatildeordquo Isso mostra uma circularidade discursiva em que natildeo aparecem novos
elementos argumentativos para tratar a questatildeo e por conseguinte o grupo natildeo
consegue criar zonas de confluecircncias de ideias para refletir sobre o jaacute estruturado
conhecido e realizado Como a argumentaccedilatildeo se funda em argumentos de exemplos e
pragmaacuteticos a possibilidade de reflexatildeo fica circunscrita agraves questotildees que transcendem o
espaccedilo da sala de atividades Aqui natildeo se trata como na reflexatildeo tecida do excerto
anterior de dizer de uma compreensatildeo dos aspectos poliacuteticos o questionamento estaacute
pautado em pensar a organizaccedilatildeo dos espaccedilos da creche para a produccedilatildeo do
conhecimento do desenvolvimento da pesquisa no universo das crianccedilas
Percebendo a circularidade discursiva das professoras a pesquisadora retoma o
turno e diz (27) ldquomesmo assim vocecircs querendo propondordquo A escolha da expressatildeo
ldquomesmo assimrdquo mostra que a pesquisadora busca transpor essa circularidade e provocar
as educadoras a refletirem Isso se evidencia quando ela enuncia ldquovocecircs querendo
propondordquo
Em (28) Fabiana daacute instruccedilotildees de como o grupo poderia fazer para romper com
o padratildeo impresso pela AMAC na organizaccedilatildeo dos espaccedilos das creches ldquoseria um
processo assim de ‟tar discutindo falando expondo e ter a aceitaccedilatildeo da unidade da
pedagoga e tudordquo Depois a professora tece uma explicaccedilatildeo a partir da retomada de
uma fala anterior ldquoPorque como eu te falei minha sala eacute oficina eu tenho dentro da
minha sala (faz um sinal negativo com a boca virando para um lado) mesa as cadeiras
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 180
ILKA SCHAPPER SANTOS
um armaacuterio que eu coloco as colchonetes eu tenho um outro armaacuterio uma outra
estante que coloco os jogos com a televisatildeo e o aparelho de viacutedeo de DVDrdquo
Eacute possiacutevel perceber que o movimento argumentativo tanto por parte da
pesquisadora quanto das educadoras se fixa em argumentos pautados nos exemplos de
situaccedilotildees e organizaccedilotildees dos espaccedilos instituiacutedos na creche As marcas de interaccedilatildeo que
datildeo movimento a esses argumentos satildeo as explicaccedilotildees e retomadas de vozes anteriores
As professoras natildeo se implicam nas accedilotildees que determinam o instituiacutedo na creche como
em excertos analisados anteriormente Os conflitos as contradiccedilotildees que satildeo
ldquodenunciadasrdquo se configuram como algo externo distante e impossiacutevel de ser
transformado As educadoras mostram os significados cristalizados fixos e natildeo
reiteraacuteveis da organizaccedilatildeo dos espaccedilos natildeo buscando compartilhar seus sentidos para a
possibilidade de romper com essa estrutura Desse modo natildeo compartilham sentidos e
natildeo criam outros significados diferentes desses instituiacutedos pela AMAC Novamente
prevalece o discurso autoritaacuterio (Bakhtin 1983)
Nessa discussatildeo sobre a organizaccedilatildeo dos espaccedilos instituiacutedos nas creches haacute uma
dificuldade de o grupo perceber as possibilidades de transformaccedilotildees e mudanccedilas desta
organizaccedilatildeo O historiador espanhol Vintildeao Frago (1998) discorre sobre a natildeo
neutralidade do espaccedilo posto que este produz sentidos em um movimento dinacircmico
demarcando relaccedilotildees de poder e de escolhas ldquoa arquitetura escolar eacute tambeacutem por si
mesma um programa uma espeacutecie de discurso que institui na sua materialidade um
sistema de valoresrdquo (p 26)
A compreensatildeo do espaccedilo e sua organizaccedilatildeo eacute assim um(a) processoproduccedilatildeo
cultural Para o autor esta compreensatildeo na verdade estaacute pautada na percepccedilatildeo que
temos dos lugares (espaccedilos construiacutedos) Dito de outro modo eacute no lugar que o espaccedilo
ganha significado e corporeidade O espaccedilo vai se corporificando (se transformando em
lugar) na medida em que vai tendo significado para os sujeitos que o ocupamconstroem
cotidianamente
A ocupaccedilatildeo do espaccedilo sua utilizaccedilatildeo supotildee sua constituiccedilatildeo como
lugar O ldquosalto qualitativordquo que leva do espaccedilo ao lugar eacute pois uma
construccedilatildeo O espaccedilo se projeta ou se imagina o lugar se constroacutei
Constroacutei-se ldquoa partir do fluir da vidardquo e a partir do espaccedilo como
suporte o espaccedilo portanto estaacute sempre disponiacutevel e disposto para
converter-se em lugar para ser construiacutedo (Vintildeao Frago 1998 p 61)
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 181
ILKA SCHAPPER SANTOS
O espaccedilo eacute processoproduto de inter-relaccedilotildees ldquoeacute o produto das dificuldades e
complexidades dos entrelaccedilamentos e dos natildeo entrelaccedilamentos de relaccedilotildeesrdquo (Massey
2004 p 17) A organizaccedilatildeo em espaccedilos universalizantes que desconsidera essa
complexidade gera tambeacutem rotinas universais e padronizadas materializadas em
praacuteticas homogecircneas que tamponam as diferenccedilas criam um discurso uacutenico
desconsiderando o contexto social histoacuterico e as praacuteticas culturais presentes em cada
instituiccedilatildeo (Silva 2009)
Como toda realidade social o espaccedilo precisa ser pensado no campo
metodoloacutegico e teoacuterico a partir de trecircs conceitos indissociaacuteveis forma estrutura e
funccedilatildeo (Santos 1997) Ao contraacuterio disso os excertos analisados mostram que a
definiccedilatildeo de organizaccedilatildeo do espaccedilo nas creches municipais de Juiz de Fora eacute
estruturada de maneira uniforme desconsiderando o contexto de produccedilatildeo de cada uma
e suas especificidades Mas principalmente natildeo configura um ambiente no qual
crianccedilas e adultos possam construir interaccedilotildees que promovam diversas formas de
expressatildeo dos saberes cotidianos que traduzam os saberes infantis
Apesar de trazer ateacute entatildeo a discussatildeo do espaccedilo instituiacutedo por meio do
discurso autoritaacuterio (ldquoseria um processo assim de ‟tar discutindo falando expondo ter
a aceitaccedilatildeo da unidade da pedagoga e tudordquo) as professoras nos turnos que se
seguem comeccedilam a sinalizar para algumas possibilidades mostrando uma outra faceta
Sinalizam que buscam na contradiccedilatildeo reorganizar os lugares para as brincadeiras
infantis Isto fica claro no turno de Fabiana (29) ldquoE outra tem que ter o espaccedilo para
elas brincarem Entatildeo eu tenho que estar respeitando aquele espaccedilo todo de maneira
que fique organizado entendeu Entatildeo eu posso na hora das minhas atividades eu
viro mesa eu ponho para brincar no chatildeo que eacute mais faacutecilrdquo Ao iniciar sua enunciaccedilatildeo
com a expressatildeo ldquoe outrardquo indica que traraacute um outro elemento para a discussatildeo isso
ocorre por meio de uma explicaccedilatildeo ldquotem que ter o espaccedilo para elas (as crianccedilas)
brincaremrdquo Esta explicaccedilatildeo traz para a cena discursiva um importante sentido da
professora partilhado com o grupo sobre a relaccedilatildeo que estabeleceu entre a organizaccedilatildeo
do espaccedilo na creche e o desenvolvimento da brincadeira com as crianccedilas No entanto
apesar de compartilhar tal significado ainda mostra o peso da imposiccedilatildeo institucional
ldquoeu tenho que estar respeitando aquele espaccedilo todo de maneira que fique
organizadordquo
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 182
ILKA SCHAPPER SANTOS
Na continuidade do seu turno a educadora tece uma explicaccedilatildeo pautada no
argumento de exemplo para mostrar como dentro de um contexto de espaccedilo
padronizado rompe com o instituiacutedo ldquona hora das minhas atividades eu viro mesa
eu ponho para brincar no chatildeo que eacute mais faacutecilrdquo ldquoo espaccedilo do chatildeo eacute melhor do que
o das mesas para eles montarem os jogos e tudo na hora da pintura eu forro as
mesas todas eu junto as mesas para ficar um espaccedilo maiorrdquo Ao dizer ldquoviro as
mesasrdquo ldquoponho para brincar no chatildeordquo compartilha com todos os participantes seus
sentidos-significados sobre a necessidade de transformar os espaccedilos circunscritos das
creches Isso tambeacutem se apresenta quando discorre a partir do argumento de
comparaccedilatildeo ldquoo espaccedilo do chatildeo eacute melhor do que o das mesas para eles montarem os
jogos e tudordquo
Neste excerto foi possiacutevel perceber em um primeiro momento a reincidecircncia de
argumentos sobre a impossibilidade sinalizada pelas professoras de se (re)pensar a
organizaccedilatildeo dos espaccedilos das creches Nesse sentido haacute ainda uma circularidade
enunciativa em torno do discurso autoritaacuterio (Bakhtin 1983) Depois as professoras
comeccedilam a compartilhar um outro significado em que destacam que viram e juntam as
mesas fazem atividades no chatildeo mostrando que de algum modo reestruturam os
espaccedilos instituiacutedos Nesse momento pode-se perceber que foi importante o
questionamento da pesquisadora sobre como o espaccedilo poderia ser organizado Essa
marca da interaccedilatildeo propiciou que as professoras revisitassem seus sentidos-significados
sobre a temaacutetica proposta
Como aponta Magalhatildees (2004) e Liberali (2006) para colocar em praacutetica o
processo criacutetico-reflexivo (Smyth 1992) a presenccedila do pesquisador como formador eacute
imprescindiacutevel pois eacute por meio de suas intervenccedilotildees que se instaura um espaccedilo
colaborativo de modo que ocorram autoquestionamentos e a reflexatildeo criacutetica Segundo
Magalhatildees (2004) o papel do formador implica criar possibilidades de construccedilatildeo-
produccedilatildeo de significados com base na argumentaccedilatildeo e no questionamento
Na proacutexima seccedilatildeo seratildeo analisados os excertos do segundo cronotopo da Cadeia
Criativa referente a dois encontros do curso de extensatildeo que estavam interligados
ldquoEspaccedilo de Reflexatildeo Teoacuterico-Praacutetico em Contexto de Colaboraccedilatildeordquo (1) o terceiro
encontro ndash ldquoA Dimensatildeo Luacutedica na Crianccedila e na Crecherdquo e (2) o quarto encontro ndash ldquoA
Dimensatildeo Luacutedica no Espaccedilo-Ambiente da Creche reflexotildees sobre o brincarrdquo
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 183
ILKA SCHAPPER SANTOS
42 ndash 2ordm Cronotopo da Cadeia Criativa ndash Curso de Extensatildeo
O curso de extensatildeo com as 23 coordenadoras das creches puacuteblicas municipais
como explicitado no terceiro capiacutetulo desta tese foi estruturado em 10 encontros com
os seguintes temas respectivamente (1) Oficina de Roda resgatando as memoacuterias (2)
Oficina O dia-a-dia na Creche (3) A Dimensatildeo Luacutedica na Crianccedila e na Creche (4) A
Dimensatildeo Luacutedica no Espaccedilo-Ambiente da Creche reflexotildees sobre o brincar (5)
Encontro ndash Conflitos na Infacircncia e a Rotina na Creche (6) ndash Estaacutetua Se Mexer Natildeo
Vale O Conhecimento do Movimento Corporal (7) A Sistematizaccedilatildeo de Propostas
Pedagoacutegicas nas Creches (8) Narrativas Orais e o Desenvolvimento da Imaginaccedilatildeo
Infantil (9) Vivecircncias Artiacutesticas pensando nos pequenos e (10) Espaccedilo de
ReflexatildeoAvaliaccedilatildeo
O curso foi planejado e ministrado pelas pesquisadoras do GP EFoPI com a
intenccedilatildeo de ampliar no movimento da Cadeia Criativa a interlocuccedilatildeo criacutetica de
colaboraccedilatildeo com os profissionais das creches municipais de Juiz de Fora ateacute entatildeo
tecidas com 4 educadoras de uma das instituiccedilotildees Isso porque na interlocuccedilatildeo com as
professoras chegou-se agrave conclusatildeo de que seria imprescindiacutevel abrir um espaccedilo para um
trabalho criacutetico-reflexivo com todas as coordenadoras das 23 creches puacuteblicas
municipais
Neste 2ordm cronotopo seratildeo analisados dois encontros do curso (1) o terceiro
encontro ldquoA Dimensatildeo Luacutedica na Crianccedila e na Crecherdquo e (2) o quarto encontro ldquoA
Dimensatildeo Luacutedica no Espaccedilo-Ambiente da Creche reflexotildees sobre o brincarrdquo Nesses
encontros foram discutidas as relaccedilotildees que podem se estabelecer entre o
desenvolvimento da imaginaccedilatildeo e a brincadeira elementos que satildeo objetos de estudo
desta investigaccedilatildeo
421 ndash Encontros do Curso de Extensatildeo Analisados ldquoA Dimensatildeo Luacutedica na
Crianccedila e na Crecherdquo e ldquoA Dimensatildeo Luacutedica no Espaccedilo-Ambiente da Creche
reflexotildees sobre o brincarrdquo ndash dias 05 e 12 de novembro de 2007
Para a anaacutelise deste cronotopo foram selecionados trecircs excertos dos dois
encontros do curso de extensatildeo mencionados anteriormente referentes agraves discussotildees
sobre a brincadeira nas creches com as 23 coordenadoras das creches municipais de
Juiz de Fora e duas pesquisadoras do GP EFoPI desenvolvido na Faculdade de
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 184
ILKA SCHAPPER SANTOS
Educaccedilatildeo na Universidade Federal de Juiz de Fora O objetivo dos encontros era
promover um espaccedilo criacutetico-reflexivo sobre o brincar no interior da educaccedilatildeo infantil
As pesquisadoras no primeiro encontro discutiram sobre a dimensatildeo luacutedica na
crianccedila e na creche destacando o brincar como processo Na introduccedilatildeo da temaacutetica
Leacutea pergunta agraves coordenadoras o que significava brincar para elas e imediatamente
tece o comentaacuterio de que essa era uma questatildeo de difiacutecil definiccedilatildeo Desse modo para
respaldar seu comentaacuterio traz para a cena discursiva o posicionamento de alguns
autores que atribuem diferentes significaccedilotildees aos jogos brinquedos e brincadeiras
destacando as contribuiccedilotildees da autora Kishimoto (1996) professora e pesquisadora da
Universidade de Satildeo Paulo que faz alusatildeo aos brinquedos e agraves brincadeiras em
diferentes contextos sociais
Depois as discussotildees ficam circunscritas a temas como (1) o brincar e a cultura
(2) brincar se aprende Para ilustrar o debate teoacuterico-praacutetico acerca desses temas as
pesquisadoras trazem as imagens do livro ldquoQuando as crianccedilas dizem agora chegardquo em
que Tonucci (2003) por meio de charges mostra por exemplo como as crianccedilas satildeo
vistas de cima para baixo
No segundo encontro continuam as discussotildees sobre a dimensatildeo luacutedica mas
agora inscrita no espaccedilo-ambiente da creche As pesquisadoras apresentam os pilares
da perspectiva soacutecio-histoacuterico-cultural em especial as categorias teoacutericas que podem
auxiliar na compreensatildeo do brincar como processo e como atividade cultural Assim
destacam as funccedilotildees psicoloacutegicas o funcionamento psicoloacutegico fundado nas relaccedilotildees
sociais a mediaccedilatildeo simboacutelica zona proximal de desenvolvimento Nesse entremeio
reforccedilam a ideia de que brincar se aprende A partir disso enfatizam as contribuiccedilotildees
teoacutericas de Vygotsky e seus colaboradores para a compreensatildeo da brincadeira de faz de
conta e os diferentes significados que a crianccedila atribui aos objetos no movimento do
brincar
Como o leitor poderaacute perceber esse cronotopo estaacute recheado de incursotildees
teoacutericas e traz os significados do brincar do GP EFoPI fato que natildeo ocorreu no elo
anterior da Cadeia Criativa Assim os argumentos das pesquisadoras estatildeo respaldados
tambeacutem em construtos teoacutericos que medeiam a interlocuccedilatildeo
No excerto a seguir a pesquisadora Leacutea discute junto com as coordenadoras a
dificuldade em se definir o brincar Depois promove um debate sobre a brincadeira
livre e a brincadeira dirigida Para isso estrutura seu campo argumentativo
prioritariamente no argumento baseado em citaccedilotildees
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 185
ILKA SCHAPPER SANTOS
1ordm excerto
(1) Leacutea Vamos falar hoje das questotildees sobre o brincar Entatildeo como vocecircs viram no
proacuteprio folder (do curso de extensatildeo) a gente vai ‟tar falando da questatildeo do brincar
hoje e na proacutexima segunda-feira continuaremos essas questotildees que se referem ao
brincar Eu achei interessante que uma pessoa que trabalha aqui na Prefeitura ela
entrou e disse assim - Leacutea a gente fala muito no brincar mas eacute difiacutecil a gente saber
como pratica isso neacute Entatildeo eu disse assim pra ela - Olha isso eacute realmente um
desafio eu ‟tou aqui hoje conversando com o pessoal o pessoal que trabalha nas
creches que estaacute muito pertinho das crianccedilas de zero a trecircs anos Noacutes vamos estar com
esse curso aqui ele tem o nome de ldquoReflexatildeo teoacuterico-praacuteticardquo noacutes estamos fazendo
aqui uma troca Realmente eacute uma troca eacute uma discussatildeo como eacute que eacute o que natildeo eacute eu
penso que assim bdquotaacute trazendo o estudo dos teoacutericos as ideias que eles trouxeram pra
noacutes o que isso tem a ver com a nossa realidade com o nosso tempo de hoje Certo
Tem um livro do Tonucci que chama ldquoCom os olhos da crianccedilardquo ele eacute todo de
caricaturas Entatildeo ele traz essas caricaturas que eu acho muito interessante Entatildeo o
que acontece O adulto ali dizendo ldquome ensina a brincar que eu natildeo me lembro maisrdquo
Isso eacute uma coisa assim bastante interessante pra gente estar refletindo aqui eacute porque se
vocecirc for brincar com a crianccedila vocecirc precisa se despir ou da sua categoria vamos
dizer assim de adulto e vocecirc realmente se colocar na categoria de crianccedila vamos dizer
assim porque se vocecirc natildeo faz isso realmente a coisa natildeo funciona e a gente pode
perceber muito isso quando agraves vezes a crianccedila estaacute laacute brincando numa boa e tal e vocecirc
chega vocecirc quer interferir A primeira coisa que vocecirc fala eacute ldquode que vocecirc estaacute
brincandordquo Ou entatildeo vocecirc pergunta ldquode que cor eacute issordquo ldquode que forma eacute aquilordquo
Quer dizer entatildeo vocecirc jaacute puxa para alguma questatildeo eacute eacute de conceitos
(sistematizados) alguma questatildeo que vocecirc tenha que estar ensinando Quer dizer
entatildeo se vocecirc realmente natildeo se coloca no lugar de crianccedila fica difiacutecil o brincar
realmente acontecer Entatildeo aiacute eu pergunto pra vocecircs afinal de contas o quecirc que eacute
brincar hein Bem rapidinho (vocecircs) vatildeo tentar definir em uma palavra o quecirc que eacute
brincar pra cada uma de vocecircs
(2) Coordenadora que a cacircmera natildeo focaliza Fazer o que quiser
(3) Coordenadora que a cacircmera natildeo focaliza Imaginar
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 186
ILKA SCHAPPER SANTOS
(4) Leacutea Imaginar Mais o quecirc
(5) Coordenadora que a cacircmera natildeo focaliza Concentraccedilatildeo
(6) Leacutea Concentraccedilatildeo
(7) Diva Desenvolvimento
(8) Leacutea Desenvolvimento Mais o quecirc O que eacute o brincar
(9) Coordenadora que a cacircmera natildeo focaliza Maacutegica
(10) Leacutea Maacutegica Que mais eacute o brincar
(11) Coordenadora que a cacircmera natildeo focaliza Fazer de conta
(12) Leacutea Fazer de conta Que mais eacute brincar (Faz gesto com as matildeos pedindo mais
opiniotildees) Que mais Difiacutecil neacute Se a gente pensar que tem que escrever uma definiccedilatildeo
para o brincar a gente jaacute vai tendo uma certa dificuldade A professora Tizuco eu acho
que muitas de vocecircs jaacute devem ter lido ou conhecido os livros dela Ela fala que o
brincar ele eacute muito difiacutecil de definir porque ele eacute uma coisa muito contraditoacuteria Entatildeo
ela vem dizendo que o brincar ele eacute visto ora como uma accedilatildeo livre ora eacute uma atividade
supervisionada pelo adulto E aiacute ela ateacute vai mais longe e vai dizendo que muitas
vezes na escola o quecirc que vocecirc faz Por exemplo - Vamos brincar E aiacute o adulto diz
- Vamos agora brincar eacute de casinha Isso eacute supervisionado ou tambeacutem - Agora noacutes
vamos brincar disso ou vocecirc faz a sugestatildeo todas as crianccedilas ou todas as pessoas que
estatildeo ali tecircm que brincar da mesma coisa entatildeo ela acaba sendo uma atividade dirigida
No iniacutecio do turno (1) Leacutea explica ao grupo de coordenadoras que vai no curso
de extensatildeo discutir as questotildees referentes ao brincar Eacute interessante notar que para
dizer da dificuldade da temaacutetica a pesquisadora narra uma conversa que teve com uma
profissional da prefeitura referecircncia na aacuterea de educaccedilatildeo infantil no municiacutepio de Juiz
de Fora Com isso a pesquisadora faz uso de um argumento de autoridade para
defender a tese sobre a dificuldade de se trabalhar (praticar) o brincar na educaccedilatildeo
infantil ela (a profissional) entrou e disse assim - Leacutea a gente fala muito no brincar
mas eacute difiacutecil a gente saber como pratica isso As escolhas lexicais da pesquisadora na
narrativa por meio do pronome pessoal da terceira pessoa do singular ldquoelardquo mostram a
necessidade de pautar sua enunciaccedilatildeo no discurso citado para buscar a adesatildeo do
auditoacuterio Haacute ainda no discurso citado uma questatildeo controversa importante ldquoa gente
fala muito no brincar mas eacute difiacutecil a gente saber como pratica issordquo As marcas
linguiacutesticas que sinalizam a controversa satildeo (1) a reincidecircncia do sintagma nominal ldquoa
genterdquo (no lugar do pronome de primeira pessoal do plural ldquonoacutesrdquo) e o operador
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 187
ILKA SCHAPPER SANTOS
argumentativo ldquomasrdquo que contrapotildee elementos anteriores levando a uma conclusatildeo
contraacuteria Depois a pesquisadora diz ldquoEntatildeo eu disse assim pra ela - Olha isso eacute
realmente um desafiordquo A utilizaccedilatildeo do operador argumentativo ldquoentatildeordquo pressupotildee a
conclusatildeo que Leacutea daraacute agrave enunciaccedilatildeo anterior que se materializa no uso do decircitico
espacial ldquoissordquo Implicitamente esse movimento discursivo inicial sinaliza a
preocupaccedilatildeo da pesquisadora em desvelar as possiacuteveis dificuldades da temaacutetica a ser
tratada no curso e procura de alguma maneira implicar o grupo nesse desafio
A continuidade do turno funda-se em um discurso interativo cujos
interlocutores satildeo envolvidos pela pesquisadora nas suas escolhas lexicais Nessa
relaccedilatildeo a decircixis referencial permite a localizaccedilatildeo o momento e a identificaccedilatildeo das
pessoas ldquoNoacutes vamos estar com esse curso aqui ele tem o nome de ldquoReflexatildeo teoacuterico-
praacuteticardquo noacutes estamos fazendo aqui uma troca Realmente eacute uma troca eacute uma
discussatildeo como eacute que eacute o que natildeo eacute eu penso que assim ‟taacute trazendo o estudo dos
teoacutericos as ideias que eles trouxeram pra noacutes o que isso tem a ver com a nossa
realidade com o nosso tempo de hoje Certordquo Essa interaccedilatildeo ainda que esteja
calcada no interior do movimento discursivo da pesquisa promove um espaccedilo de
colaboraccedilatildeo pois todos acabam sendo implicados nas accedilotildees que seratildeo desenvolvidas
Refletindo sobre o movimento linguiacutestico-discursivo a pesquisadora vale-se do
pronome de primeira pessoal do plural para interagir com o auditoacuterio Esse recurso de
escolha da 1ordf pessoa do discurso gera um espaccedilo de confianccedila compromisso e respeito
que deve existir em um trabalho colaborativo Esse comprometimento destaca tambeacutem
de maneira impliacutecita outros aspectos do trabalho colaborativo entre eles a necessidade
de se estabelecerem objetivos comuns e uma relaccedilatildeo de interdependecircncia pois eacute nessa
relaccedilatildeo que os participantes podem desenvolver a ldquoresponsividaderdquo (Sobral 2005 p
20) em processo de trabalho coletivo
Depois de buscar envolver colaborativamente o grupo de coordenadoras das
creches Leacutea mostra o seguinte slide
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 188
ILKA SCHAPPER SANTOS
(Tonucci 2003)
Assim a partir de um argumento de citaccedilatildeo pautado em argumento de
autoridade e de fonte explica ldquotem um livro do Tonucci que chama ldquoCom os olhos da
crianccedilardquo ele eacute todo de caricaturas Entatildeo ele traz essas caricaturas que eu acho
muito interessanterdquo Ao concluir com o operador argumentativo ldquoentatildeordquo e continuar
dizendo ldquoele traz essas caricaturas que eu acho muito interessanterdquo a pesquisadora
compartilha da crenccedila do autor e obra citados de que eacute importante que o adulto se dispa
da sua categoria de adulto e se coloque na categoria de crianccedila Isso se explicita na
continuidade de seu turno ldquoEntatildeo o que acontece O adulto ali dizendo bdquome ensina a
brincar que eu natildeo me lembro mais‟ Isso eacute uma coisa assim bastante interessante
pra gente estar refletindo aqui eacute porque se vocecirc for brincar com a crianccedila vocecirc
precisa se despir da sua categoria vamos dizer assim de adulto e vocecirc realmente se
colocar na categoria de crianccedila ()rdquo O uso do decircitico ldquoissordquo acompanhado do
adjunto intensificador ldquobastanterdquo sinaliza a crenccedila da pesquisadora da necessidade de
se compreender o brincar sob a oacutetica da crianccedila
Depois de tecer explicaccedilotildees sobre a relevacircncia de compreendermos a brincadeira
sob a oacutetica da crianccedila por meio do argumento de citaccedilatildeo (referenciado em uma fonte)
Leacutea continua sua argumentaccedilatildeo a partir de argumentos de exemplos ldquoporque se vocecirc
natildeo faz isso realmente a coisa natildeo funciona e a gente pode perceber muito isso
quando agraves vezes a crianccedila estaacute laacute brincando numa boa e tal e vocecirc chega vocecirc quer
interferir A primeira coisa que vocecirc fala eacute bdquode que vocecirc estaacute brincando‟ Ou entatildeo
vocecirc pergunta bdquode que cor eacute isso‟ bdquode que forma eacute aquilo‟rdquo A pesquisadora usa o
argumento de exemplo para chegar a uma conclusatildeo Quer dizer entatildeo vocecirc jaacute puxa
para alguma questatildeo eacute eacute de conceitos (sistematizados) alguma questatildeo que vocecirc
tenha que estar ensinando Nesse momento Leacutea compartilha com o grupo de
coordenadoras um importante significado que tem sobre o lugar que o brincar ocupa na
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 189
ILKA SCHAPPER SANTOS
educaccedilatildeo infantil preacute-texto para ensinar conceitos sistematizados Em seguida a
pesquisadora conclui o seu turno com um questionamento ldquoEntatildeo aiacute eu pergunto pra
vocecircs afinal de contas o quecirc que eacute brincar hein Bem rapidinho (vocecircs) vatildeo tentar
definir em uma palavra o quecirc que eacute brincar pra cada uma de vocecircsrdquo
Feito isso a pesquisadora a partir da marca de interaccedilatildeo questionamento indaga
ldquoEntatildeo aiacute eu pergunto para vocecircs afinal de contas o quecirc que eacute brincar (vocecircs) vatildeo
tentar definir em uma palavra o quecirc que eacute brincar pra cada uma de vocecircsrdquo Eacute
interessante notar que esse questionamento veio depois de a pesquisadora compartilhar
significados circunscritos a como o brincar eacute visto pelo adulto como estaacute relacionado agrave
aquisiccedilatildeo de conhecimentos Assim sua pergunta traz em si pontos que satildeo geradores
de respostas Na verdade a oradora primeiro procura compartilhar seus significados e
com a questatildeo busca criar um espaccedilo para que os significados das coordenadoras sobre
o assunto sejam tambeacutem explicitados No entanto o modo como tece a instruccedilatildeo
ldquoBem rapidinho (vocecircs) vatildeo tentar definir em uma palavra o quecirc que eacute brincar pra
cada uma de vocecircsrdquo acaba por restringir o compartilhamento de significados
Discursivamente isso fica expresso nos enunciados ldquobem rapidinhordquo e ldquodefinir em
uma palavrardquo como podemos perceber nos turnos seguintes das coordenadoras (2)
ldquofazer o que quiserrdquo (3) ldquoimaginarrdquo (5) ldquoconcentraccedilatildeordquo (7) ldquodesenvolvimentordquo (9)
ldquomaacutegicardquo (11) ldquofazer de contardquo Assim observamos que nos enunciados das
participantes natildeo fica claro em quais elementos seus significados sobre o brincar estatildeo
fundados pois elas seguiram a instruccedilatildeo da pesquisadora ndash que elas fizessem isso ldquobem
rapidinhordquo e ldquoem uma palavrardquo (ou em uma expressatildeo) ndash exigindo uma resposta
objetiva do grupo Essa instruccedilatildeo inviabilizou que as participantes compartilhassem
com o grupo um significado mais amplo e detalhado sobre o brincar
Como vimos os recursos argumentativos que a pesquisadora lanccedila matildeo em seu
turno (1) promovem pouco espaccedilo para a discussatildeo e expansatildeo da reflexatildeo e por
conseguinte para a produccedilatildeo do conhecimento sobre o brincar pois a oradora apresenta
uma ideia jaacute concluiacuteda O movimento enunciativo se funda em significados
compartilhados com o grupo por meio de um discurso autoritaacuterio (Bakhtin 1983) uma
vez que buscou o reconhecimento e a assimilaccedilatildeo do que foi verbalizado O foco da
discussatildeo para Leacutea era que as coordenadoras precisariam compreender (1) que
trabalhar o brincar na educaccedilatildeo infantil natildeo eacute tarefa faacutecil e (2) a necessidade de
trabalhar o brincar sob a oacutetica das crianccedilas
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 190
ILKA SCHAPPER SANTOS
No uacuteltimo turno do excerto Leacutea (12) usa as marcas de interaccedilatildeo recolocaccedilatildeo de
problema e questionamento ldquoQue mais eacute brincar (Faz gesto com as matildeos pedindo
mais opiniotildees) Que maisrdquo Na verdade a pesquisadora aparentemente retoma o
questionamento para o grupo pois a questatildeo funciona mais como recurso discursivo
para continuar a defender a sua tese de que eacute difiacutecil definir o brincar ldquose a gente pensar
que tem que escrever uma definiccedilatildeo para o brincar a gente jaacute vai tendo uma certa
dificuldaderdquo Ao retomar sua tese a pesquisadora natildeo utiliza pronomes de primeira
pessoa do singular mas usa reincidentemente o sintagma ldquoa genterdquo no lugar do
pronome de primeira pessoa do plural procurando envolver o grupo e reafirmar sua
explicaccedilatildeo aproximando assim os participantes para quem fala daquilo que busca
defender Aleacutem disso mostra o tipo de relaccedilatildeo que deseja imprimir no fluxo de sua
interaccedilatildeo verbal
Na continuidade do turno a pesquisadora continua a interlocuccedilatildeo fazendo um
questionamento ldquoPor que isso acontecerdquo A questatildeo tem a finalidade de introduzir a
explicaccedilatildeo sobre os elementos que geram a dificuldade em se definir o brincar Desse
modo a pesquisadora no entremeio de seu discurso usa argumento de autoridade e
argumento de exemplo para tecer sua explicaccedilatildeo ldquoA professora Tizuco eu acho que
muitas de vocecircs jaacute devem ter lido ou conhecido os livros dela Ela fala que o brincar
ele eacute muito difiacutecil de definir porque ele eacute uma coisa muito contraditoacuteria Entatildeo ela
vem dizendo que o brincar ele eacute visto ora como uma accedilatildeo livre ora eacute uma atividade
supervisionada pelo adulto E aiacute ela ateacute vai mais longe e vai dizendo que muitas
vezes na escola o quecirc que vocecirc faz Por exemplo - Vamos brincar E aiacute o adulto diz
- Vamos agora brincar eacute de casinha Isso eacute supervisionado ou tambeacutem - Agora
noacutes vamos brincar disso ou vocecirc faz a sugestatildeo todas as crianccedilas ou todas as pessoas
que estatildeo ali tecircm que brincar da mesma coisa entatildeo ela acaba sendo uma atividade
dirigidardquo Esses recursos argumentativos possibilitam agrave pesquisadora respaldar seu
ponto de vista sobre a questatildeo levantada a partir do discurso de outrem Na visatildeo
bakhtiniana um discurso se constroacutei por meio de outros discursos se dirigindo para
outros mantendo com eles uma interaccedilatildeo viva e tensa (Bakhtin 1983) Ao trazer para a
cena enunciativa outras vozes que vatildeo ao encontro de seu ponto de vista Leacutea promove
um espaccedilo de ampliaccedilatildeo de significados sobre o brincar livre e o brincar dirigido
criando uma zona de colaboraccedilatildeo (Magalhatildees 2009) no interior do debate
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 191
ILKA SCHAPPER SANTOS
Na sequecircncia a pesquisadora levanta questionamentos sobre o brincar livre e o
brincar dirigido levantando questotildees sobre os motivos que levam os educadores de um
modo geral a abdicarem de uma situaccedilatildeo livre em funccedilatildeo do brincar dirigido
2ordm excerto
(13) Leacutea Muitas vezes a gente acredita em algumas situaccedilotildees de brincar livre em
funccedilatildeo de outra atividade dirigida por que hein gente Por que a gente abdica de uma
situaccedilatildeo livre de fazer uma sugestatildeo numa hora em que pode escolher aquilo que e
acaba fazendo uma opccedilatildeo por alguma coisa dirigida por alguma tarefa Por que a
gente faz isso
(14) Coordenadora que a cacircmera natildeo focaliza Vocecirc tem maior controle
(15) Leacutea Isso pode ser tambeacutem Vocecirc tem maior controle Mas por que mais gente
(16) Gabriela Teme a desorganizaccedilatildeo
(17) Leacutea Teme a desorganizaccedilatildeo Tambeacutem pode ser a questatildeo da disciplina e pensa -
sei laacute o que a diretora vai falar se ela passar aqui na porta da minha sala que a faxineira
vai dizer vai pegar no meu peacute depois porque eu tirei as mesas do lugar e deixei
encostadas
(18) Diva Eacute pelo compromisso tambeacutem que a gente tem de cumprir as tarefas
pedagoacutegicas
(19) Leacutea O compromisso de cumprir as tarefas pedagoacutegicas
(20) Isabela A preocupaccedilatildeo de vencer o conteuacutedo que agraves vezes eacute mais importante isso
do que o brincar
(21) Algumas coordenadoras trabalha com os conteuacutedos de 1ordf agrave 4ordf
(22) Joana Quando vocecirc (Leacutea) colocou ali a opiniatildeo a fala ali daquela autora do
brincar livre e do brincar dirigido Entatildeo a gente divide muito esse tempo no luacutedico na
fantasia nesse estiacutemulo a essas brincadeiras com as oficinas de contar histoacuterias deles
mesmos traduzir a histoacuteria deles Eu acho assim que a proposta pedagoacutegica que hoje a
gente estaacute trabalhando com ela eacute muito com o brincar Mas muitas vezes a professora
a recreadora ela mesmo tem a tendecircncia em querer dar atividade dirigida o
trabalhinho na folha como forma dela mostrar dela garantir para ela mesma - eu estou
trabalhando
(23) Leacutea Eu concordo com vocecirc seria uma forma talvez de garantir que aquela
crianccedila aprendeu ela sabe as cores ela sabe sei laacute as formas
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A pesquisadora inicia seu turno (13) dizendo ldquoMuitas vezes a gente acredita
em algumas situaccedilotildees de brincar livre em funccedilatildeo de outra atividade dirigida Por que
hein genterdquo Leacutea no seu enunciado retoma implicitamente o argumento de
autoridade expresso na explicaccedilatildeo da professora Tizuko sobre o brincar livre e a
atividade dirigida O fato de retomar o enunciado do outro tem o objetivo de mostrar a
importacircncia de se refletir sobre o tema Logo em seguida a pesquisadora faz um
questionamento por meio da pergunta ldquoPor que hein genterdquo a fim de recolocar um
ponto relevante que havia sido discutido anteriormente Assim faz uso da marca de
interaccedilatildeo questionamento ldquoPor que a gente abdica de uma situaccedilatildeo livre de fazer
uma sugestatildeo numa hora em que pode escolher aquilo e acaba fazendo uma opccedilatildeo
por alguma coisa dirigida por alguma tarefardquo demarcada linguisticamente a partir do
operador argumentativo ldquopor querdquo
Depois da explicaccedilatildeo a pesquisadora retoma o questionamento indagando
ldquoPor que a gente faz issordquo Esse movimento de levantamento de questotildees contribui
como aponta Magalhatildees (2009) para a discussatildeo de sentidos-significados rotinizados
bem como de produccedilatildeo conjunta de novos significados entre coordenadoras e
pesquisadoras Esse movimento argumentativo da pesquisadora promove um espaccedilo de
socializaccedilatildeo de motivos que levam os profissionais da creche a priorizarem o brincar a
partir de atividades dirigidas Podemos perceber isso nas explicaccedilotildees que as
coordenadoras datildeo em seus turnos (14) ldquovocecirc tem maior controlerdquo (16) ldquoteme a
desorganizaccedilatildeordquo (18) ldquoeacute pelo compromisso tambeacutem que a gente tem de cumprir as
tarefas pedagoacutegicasrdquo (20) ldquoa preocupaccedilatildeo de vencer o conteuacutedo que agraves vezes eacute mais
importante isso do que o brincarrdquo e (21) ldquotrabalha com os conteuacutedos de 1ordf agrave 4ordfrdquo
Dizer que muitas vezes os profissionais das creches priorizam o brincar dirigido por
conta do controle falar do temor agrave desorganizaccedilatildeo da necessidade de cumprir as tarefas
pedagoacutegicas da preocupaccedilatildeo em vencer o conteuacutedo e trabalhar com os conteuacutedos das
primeiras seacuteries do ensino fundamental revelam significados compartilhados em outros
espaccedilos e nesse espaccedilo particular do curso criam uma instacircncia nova em que esses
significados ganham outros contornos
Em seu turno (22) a coordenadora Joana usa de argumento de autoridade para
expor seu ponto de vista sobre a questatildeo tratada ldquoquando vocecirc (Leacutea) colocou ali a
opiniatildeo a fala ali daquela autora do brincar livre e do brincar dirigidordquo Esse
movimento argumentativo daacute respaldo de antematildeo ao que a participante vai dizer Joana
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 193
ILKA SCHAPPER SANTOS
utiliza o operador argumentativo ldquoentatildeordquo que prepara o interlocutor para a conclusatildeo
que teceraacute ao enunciado anterior ldquoEntatildeo a gente divide muito esse tempo no luacutedico
na fantasia nesse estiacutemulo a essas brincadeiras com as oficinas de contar histoacuterias
deles mesmo traduzir a histoacuteria delesrdquo Aleacutem disso usa o sintagma nominal ldquoa genterdquo
para sinalizar que todo o grupo da coordenaccedilatildeo jaacute faz esse trabalho Faz uso ainda do
argumento de exemplo para ilustrar quais atividades realizam a partir da brincadeira
livre ldquocom as oficinas de contar histoacuterias deles mesmos traduzir a histoacuteria delesrdquo
A coordenadora continua a interlocuccedilatildeo por meio do operador argumentativo
ldquomasrdquo mostrando que vai discorrer para uma conclusatildeo contraacuteria ao que vinha dizendo
ldquoMas muitas vezes a professora a recreadora ela mesmo tem a tendecircncia em querer
dar atividade dirigida o trabalhinho na folha como forma dela mostrar dela
garantir para ela mesma - eu estou trabalhandordquo Essa conclusatildeo contraacuteria ao que
havia sido dito anteriormente pela coordenadora recupera a voz das professoras que tecircm
uma tendecircncia a dar atividade dirigida fato sintetizado no exemplo ldquoo trabalhinho na
folhardquo Por fim conclui seu turno ldquocomo forma dela mostrar dela garantir para ela
mesma - eu estou trabalhandordquo Nesse momento a coordenadora compartilha com o
grupo um importante significado da atividade dirigida e o brincar livre por meio do
discurso citado (da professora) ldquo- eu estou trabalhandordquo Assim a coordenadora na
voz da professora sinaliza para a ldquovelhardquo dicotomia entre a atividade dirigida e a
brincadeira livre Aquela se pauta em um trabalho efetivo da professora possibilitando
mostrar a concretude de suas accedilotildees com as crianccedilas que natildeo seria possiacutevel com o
brincar
A pesquisadora retoma o turno (23) e chega a um acordo em relaccedilatildeo ao que a
coordenadora havia dito ldquoEu concordo com vocecirc seria uma forma talvez de garantir
que aquela crianccedila aprendeu ela sabe as cores ela sabe sei laacute as formasrdquo Nesse
momento ambas revelam seus sentidos compartilhados em outros espaccedilos que ganham
novos contornos na discussatildeo Esse movimento propicia o compartilhamento de
significados sustentados pelos recursos argumentativos da enunciaccedilatildeo no caso da
pesquisadora seu discurso estaacute pautado prioritariamente no argumento de autoridade e
o da coordenadora fundado em argumentos de exemplo fundados na citaccedilatildeo Os
recursos argumentativos utilizados sinalizam para um embate de vozes que culmina em
um acordo Segundo Bakhtin (1983 p 139) ldquoqualquer conversa eacute repleta de
transmissotildees e interpretaccedilotildees das palavras dos outrosrdquo Isso implica pensar que nossa
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 194
ILKA SCHAPPER SANTOS
enunciaccedilatildeo apresenta citaccedilotildees ou referecircncia agravequilo que uma determinada pessoa disse
sobre um dado assunto Na visatildeo bakhtiniana em um diaacutelogo metade de todas as
palavras proacuteprias satildeo objetos de transmissatildeo de outra pessoa
No excerto acima vimos a produccedilatildeo de significados compartilhados por meio da
colaboraccedilatildeo Segundo Magalhatildees (2009) colaborar implica tensotildees e contradiccedilotildees que
trazem conflitos A pesquisadora aqui natildeo hesitou em utilizar questionamentos que
promovessem o levantamento de duacutevida e de polecircmica elementos fundamentais para a
reflexatildeo criacutetica e o aprofundamento de questotildees problemaacuteticas em foco que
propiciaram a expansatildeo da discussatildeo por meio de uma zona de conflito e tensotildees
chegando a um acordo e promovendo a produccedilatildeo-construccedilatildeo do conhecimento para
todo o grupo
No proacuteximo excerto as pesquisadoras Leacutea e Viviam tecem explicaccedilotildees teoacutericas
sobre a importacircncia do brincar no desenvolvimento infantil Depois as pesquisadoras
fazem questionamentos buscando relacionar os construtos teoacutericos e as accedilotildees das
coordenadoras em relaccedilatildeo agrave temaacutetica
3ordm Excerto
(24) Leacutea Eu acho que vocecircs podem estar colocando essas questotildees que a gente trouxe
hoje Como que vocecircs veem isso relacionando com a creche de vocecircs Vocecircs
poderiam estar pensando na forma de estar mudando alguma coisa Natildeo que aqui a
gente esteja dizendo que a sua posiccedilatildeo seja errada natildeo eacute nesse sentido eacute naquele
sentido que a gente procurou aqui na fala desse encontro como a crianccedila ao brincar
ela daacute saltos qualitativos no proacuteprio desenvolvimento E como eu acho que noacutes adultos
fazemos isso diariamente agrave medida que noacutes interagimos e dialogamos com os outros
porque aqui noacutes estamos dialogando com essas coisas que vocecircs tecircm falado noacutes temos
tido grandes contribuiccedilotildees nessa troca Eu acho que a gente pode sair daqui dizendo
que valeu a pena eu natildeo tinha pensado nisso eu posso estar pensando nisso de outra
forma Agraves vezes vocecirc olha um viacutedeo com a sensaccedilatildeo de que natildeo eacute creche puacuteblica aiacute
pensa - ah natildeo daacute para fazer ndash Ah porque o espaccedilo que eu tenho eacute pequeno Entatildeo a
minha questatildeo para vocecircs agora que a gente estaacute encerrando eacute que cada uma pensasse
na sua creche do tamanho que for com os recursos que tem o que jaacute faz e o que
poderia acrescentar a partir das nossas conversas a partir dessas questotildees que a Viviam
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 195
ILKA SCHAPPER SANTOS
trouxe e como bateu para cada uma Eu acho que essas questotildees tecircm que ser colocadas
exatamente para que a gente possa estar reelaborando porque conforme a Viviam
colocou ali no conceito do Vygotsky num primeiro momento da aprendizagem ela
acontece na minha troca com o outro somente depois dessa troca que eu reelaboro que
eu discuto eacute que eu internalizo Quando eu digo que internalizo eacute o que ficou comigo
natildeo entrou aqui e saiu aqui (Leacutea faz gestos apontando para os ouvidos) Natildeo eacute soacute mais
um curso e natildeo eacute realmente esse o nosso objetivo o nosso objetivo eacute de troca de
colaboraccedilatildeo o quecirc que daacute para fazer a partir do que eu tenho o que isso aiacute me
despertou o quecirc que eu jaacute relacionei com o que eu tenho que posso ateacute estar
contribuindo chegando laacute (na creche) mudando seraacute que a gente tem que ter a mesma
organizaccedilatildeo nas salas sempre Eu posso mudar um pouquinho Posso mudar aquela
rotina Como eu posso estar fazendo isso Entatildeo eu acho que seria importante que
cada pessoa pudesse colocar pode ter certeza de que vocecircs tecircm grandes contribuiccedilotildees
E quando eu natildeo falo agraves vezes eu deixo de colaborar com o meu colega Porque agraves
vezes eu natildeo me coloco
(25) Marina Eu acho que a visatildeo que a gente hoje na creche tem desse faz de conta eacute
bem diferente do que foi apresentado aqui Natildeo no sentido da crianccedila e do faz de conta
mas o proacuteprio espaccedilo fiacutesico Eu acho que as nossas meninas por exemplo elas datildeo
muito mais ecircnfase agrave questatildeo pedagoacutegica mesmo por exemplo ainda do papel do
trabalhinho elas natildeo acompanham as crianccedilas no faz de conta igual aparece aqui natildeo
elas natildeo tecircm essa visatildeo Porque eacute tudo muito corrido eu acho assim que a importacircncia
que elas datildeo ao pedagoacutegico ao fazer eacute muito maior que esse momento tatildeo legal que a
gente viu aqui e que a gente natildeo faz natildeo faz
(26) Leacutea Isso que vocecirc viu aqui vocecirc acha que natildeo eacute pedagoacutegico
(27) Marina Natildeo natildeo que natildeo seja o pedagoacutegico Mas assim a gente trabalhando
essas questotildees da forma como foi discutida
(28) Isabela de uma forma mais luacutedica
(29) Joana Eu acho que isso eacute o que precisa na creche esse outro olhar que vocecircs
colocaram aqui para o brincar para o faz de conta Natildeo tem um quadro com cartaz do
tempo quantos somos que dia eacute hoje nada disso E isso a gente faz todo dia A crianccedila
pode vivenciar esses conhecimentos a partir da brincadeira por exemplo vendo como
‟taacute o dia laacute fora brincando mesmo
(30) Isabela Eu acho que o que a gente estaacute oferecendo natildeo eacute o melhor natildeo eacute o legal
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 196
ILKA SCHAPPER SANTOS
entendeu Natildeo que a gente faccedila errado eu acho que estaacute na hora de repensar sim para
a gente poder trabalhar o brincar desse modo que vocecircs ‟tatildeo dizendo
No excerto acima a pesquisadora inicia seu turno (24) com a marca de interaccedilatildeo
instruccedilatildeo e para isso entremeia sua fala com outra marca o questionamento ldquoeu acho
que vocecircs podem estar colocando essas questotildees que a gente trouxe hoje Como que
vocecircs veem isso relacionando com a creche de vocecircsrdquo A instruccedilatildeo e o
questionamento satildeo usados como recursos discursivos para que as coordenadoras
reflitam sobre as possiacuteveis contribuiccedilotildees das discussotildees tecidas no encontro para o
trabalho nas creches Linguisticamente isso fica demarcado quando Leacutea faz uso do
pronome ldquoissordquo o qual se refere agraves questotildees propostas aliado ao decircitico temporal
ldquohojerdquo referindo-se ao periacuteodo em que elas ocorreram
No turno a pesquisadora continua discursivamente usando a marca de interaccedilatildeo
instruccedilatildeo de forma bastante modalizada ldquopoderiam pensando mudando alguma
coisardquo Desse modo busca promover a construccedilatildeo de um novo percurso para o tema
tratado que poderia subsidiar elementos para as coordenadoras reconstruiacuterem suas
percepccedilotildees e accedilotildees diante do que foi apresentado Para ilustrar suas colocaccedilotildees a
pesquisadora usa um argumento teoacuterico ldquoeacute naquele sentido que a gente procurou aqui
na fala desse encontro como a crianccedila ao brincar ela daacute saltos qualitativos no
proacuteprio desenvolvimentordquo as marcas linguiacutesticas que sinalizam satildeo o decirciticos espacial
ldquoaquirdquo demarcando o lugar fiacutesico da interlocuccedilatildeo e o pronome ldquonaquelerdquo apontando
para o significado compartilhado do brincar como possibilidade de propiciar agrave crianccedila
ldquosaltos qualitativos no proacuteprio desenvolvimentordquo
Na continuidade de seu turno a pesquisadora utiliza argumento pragmaacutetico para
apreciar um ato ou acontecimento segundo suas consequecircncias presentes ou futuras
tendo importacircncia direta para a reflexatildeo esse fluxo argumentativo se funda tambeacutem
em um discurso internamente persuasivo (Bakhtin 1983 p 144) que pretende trazer as
diversas vozes envolvidas na interaccedilatildeo ldquoe como eu acho que noacutes adultos fazemos isso
diariamente agrave medida que noacutes interagimos e dialogamos com os outros porque aqui
noacutes estamos dialogando com essas coisas que vocecircs tecircm falado noacutes temos tido
grandes contribuiccedilotildees nessa troca Eu acho que a gente pode sair daqui dizendo que
- valeu a pena eu natildeo tinha pensado nisso eu posso estar pensando nisso de outra
formardquo O uso do argumento pragmaacutetico neste contexto indica que o papel do
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 197
ILKA SCHAPPER SANTOS
pesquisador-formador natildeo eacute apenas o de trocar informaccedilotildees e sintetizar compreensotildees
compartilhadas mas tambeacutem o de criar um espaccedilo de construccedilatildeo-produccedilatildeo do
conhecimento por meio de uma reflexatildeo criacutetica com base na argumentaccedilatildeo permitindo
que os participantes repensem sobre as questotildees tratadas e os impactos que elas tecircm no
seu trabalho na creche
No campo linguiacutestico o discurso internamente persuasivo se materializou nas
escolhas dos decirciticos pessoais utilizados pela pesquisadora em especial a reincidecircncia
do uso do pronome de primeira pessoa do plural ldquonoacutesrdquo sendo que nas duas primeiras
ocorrecircncias (ldquonoacutes adultosrdquo e ldquonoacutes interagimosrdquo) a pesquisadora se inclui e nas duas
seguintes estabelece uma diferenccedila entre pesquisadoras formadoras e educadoras em
formaccedilatildeo quando tambeacutem introduz a segunda pessoal do plural ldquovocecircsrdquo ldquonoacutes
[pesquisadoras-formadoras] estamos dialogando com essas coisas que vocecircs
[educadoras em formaccedilatildeo] tecircm falado noacutes [pesquisadoras-formadoras] temos tido
grandes contribuiccedilotildees nessa trocardquo Em seguida recorre ao pronome de primeira
pessoal do singular para se posicionar ldquoEu acho querdquo mas se inclui novamente nas
accedilotildees em colaboraccedilatildeo utilizando o sintagma nominal ldquoa genterdquo (no lugar do ldquonoacutesrdquo)
Depois completa com uma avaliaccedilatildeo geneacuterica ldquovaleu a penardquo jaacute introduzindo uma voz
social que tanto pode se referir agrave educadora como tambeacutem agrave pesquisadora materializada
pelo decircitico pessoal de primeira pessoa ldquoeurdquo no sentido expandido (ldquoeu natildeo tinha
pensado nisso eu posso estar pensando nisso de outra formardquo)
Prosseguindo o turno a pesquisadora vale-se das vozes sociais das
coordenadoras enunciadas em outros momentos da interlocuccedilatildeo para dizer da
resistecircncia delas em transformar os espaccedilos da sala de atividades em espaccedilos que
propiciem a brincadeira ldquoagraves vezes vocecirc olha um viacutedeo com a sensaccedilatildeo de que natildeo eacute
creche puacuteblica aiacute pensa - ah natildeo daacute para fazer ndash Ah porque o espaccedilo que eu tenho
eacute pequenordquo Ao introduzir em seu discurso as vozes do outro por meio do discurso
direto a pesquisadora busca estabelecer um sentido de aceitaccedilatildeo geral e reconhecimento
comprovado do conflito Wertsch (1991) explica que o contexto social determina que
vozes sejam privilegiadas em funccedilatildeo de serem mais apropriadas e mais eficazes Ao
(re)produzir um enunciado pautado na voz social dos proacuteprios participantes a
pesquisadora investe na crenccedila de que ela tem poder maior do que a sua proacutepria voz
representaria Assim faz uso da marca de interaccedilatildeo retomada de vozes anteriores para
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 198
ILKA SCHAPPER SANTOS
evitar que as coordenadoras usem os mesmos argumentos para dizer da inviabilidade de
transformar o contexto da sala de atividade no interior da creche
No momento seguinte a pesquisadora continua utilizando a marca de interaccedilatildeo
instruccedilatildeo para orientar sobre as reflexotildees que as coordenadoras deveratildeo tecer ldquoentatildeo a
minha questatildeo para vocecircs agora que a gente estaacute encerrando eacute que cada uma
pensasse na sua creche do tamanho que for com os recursos que tem o que jaacute faz e o
que poderia acrescentar a partir das nossas conversas a partir dessas questotildees que a
Viviam trouxe e como bateu para cada umardquo No interior da instruccedilatildeo Leacutea faz uso do
argumento de autoridade citando a pesquisadora do GP EFoPI Viviam Carvalho
referecircncia nas discussotildees teoacuterico-praacuteticas sobre o brincar para deixar claro em qual
perspectiva elas devem se apoiar no processo de reflexatildeo
A pesquisadora daacute seguimento ainda por meio do argumento de autoridade e
introduzindo um argumento teoacuterico para retomar conceituaccedilotildees anteriores que
poderiam subsidiar a reflexatildeo sobre o tema e criar um espaccedilo de ressignificaccedilatildeo de
significados ldquoEu acho que essas questotildees tecircm que ser colocadas exatamente para que
a gente possa estar reelaborando porque conforme a Viviam colocou ali no conceito
do Vygotsky num primeiro momento da aprendizagem ela acontece na minha troca
com o outro somente depois dessa troca que eu reelaboro que eu discuto eacute que eu
internalizordquo Como argumento de autoridade Leacutea cita novamente a pesquisadora
Viviam e o autor estudado Vygotsky para se referir ao processo de reelaboraccedilatildeo das
participantes Para reforccedilar a perspectiva que deve ser adotada aleacutem de autoridade a
pesquisadora traz no interior da enunciaccedilatildeo o argumento teoacuterico ldquonum primeiro
momento da aprendizagem ela acontece na minha troca com o outro somente depois
dessa troca que eu reelaboro que eu discuto eacute que eu internalizordquo Traz assim uma
importante discussatildeo vygotskyana que foi tecida com as coordenadoras no
desenvolvimento do curso o processo de internalizaccedilatildeo que segundo o autor
possibilita mudanccedilas qualitativas no ser humano Dito de outro modo o indiviacuteduo
reconstroacutei internamente uma operaccedilatildeo externa elaborando uma seacuterie de
transformaccedilotildees (Vygotsky 19301991 p 75) Retomando o que diz o autor russo a esse
respeito as transformaccedilotildees que ocorrem nesse processo satildeo as seguintes (1) uma
operaccedilatildeo que a princiacutepio representa uma atividade externa eacute reconstruiacuteda e comeccedila a
ocorrer internamente (2) um processo interpessoal (niacutevel social) eacute transformado em um
processo intrapessoal (niacutevel individual) e (3) a siacutentese do processo de internalizaccedilatildeo eacute
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 199
ILKA SCHAPPER SANTOS
resultado de uma seacuterie de eventos ocorridos ao longo das relaccedilotildees reais entre as pessoas
no interior de seu contexto soacutecio-histoacuterico-pessoal
Nesse movimento discursivo a pesquisadora procura mostrar a relevacircncia das
interaccedilotildees desenvolvidas nos encontros do curso para as participantes na siacutentese das
relaccedilotildees inter e intrapessoais No fluxo de intervenccedilotildees Leacutea finaliza seu turno com
questionamentos que possam promover um momento para as coordenadoras repensarem
seus significados instituiacutedos que muitas vezes impedem a reorganizaccedilatildeo dos espaccedilos
das creches e por conseguinte diferentes espaccedilos para o brincar ldquoseraacute que a gente tem
que ter a mesma organizaccedilatildeo nas salas sempre Eu posso mudar um pouquinho
Posso mudar aquela rotina Como eu posso estar fazendo issordquo
Os questionamentos formulados por Leacutea procuram fomentar o estabelecimento
de possiacuteveis bases para a produccedilatildeo de (novos) significados construiacutedos
colaborativamente sobre o trabalho realizado e sobre a teoria em estudo Ao colocar na
cena discursiva os elementos teoacutericos retomados e os questionamentos levantados a
pesquisadora busca criar um espaccedilo argumentativo-colaborativo em que seja possiacutevel
refletir sobre o instituiacutedo bem como possibilitar a recolocaccedilatildeo dos significados trazidos
pelas coordenadoras propiciando expandir o significado coletivo daquela comunidade
semioacutetica
No turno seguinte (25) Marina traz uma interessante reflexatildeo ldquoEu acho que a
visatildeo que a gente hoje na creche tem desse faz de conta eacute bem diferente do que foi
apresentado aquirdquo A declarativa sinaliza o conflito vivenciado pela coordenadora entre
o significado trazido pelas professoras sobre a brincadeira de faz de conta e aqueles
compartilhados pelas pesquisadoras Leacutea e Viviam Ao fazer essa afirmaccedilatildeo Marina cria
um espaccedilo de tensatildeo de confronto entre o instituiacutedo cristalizado nos espaccedilos das
creches e o que foi discutido no encontro Esse momento eacute muito importante pois
possibilita a todos os participantes refletirem entre o ditofeito o instituiacutedopossiacutevel e
aleacutem disso promove um espaccedilo de compartilhamento de novos significados marcados
pela siacutentese dialeacutetica entre os significados anteriores e aqueles compartilhados pelas
pesquisadoras
Para confirmar sua tese de que ldquovisatildeo que a gente hoje na creche tem desse faz
de conta eacute bem diferente do que foi apresentado aquirdquo a coordenadora continua o
turno usando o argumento de exemplo como marca de interaccedilatildeo explicaccedilatildeo ldquoEu acho
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 200
ILKA SCHAPPER SANTOS
que as nossas meninas (professoras das creches) elas datildeo muito mais ecircnfase agrave
questatildeo pedagoacutegica mesmo por exemplo ainda do papel do trabalhinho elas natildeo
acompanham as crianccedilas no faz de conta igual aparece aqui natildeo elas natildeo tecircm essa
visatildeordquo Por fim Marina diz ldquoa gente natildeo faz natildeo fazrdquo mostrando com o sintagma
nominal ldquoa genterdquo (no lugar do ldquonoacutesrdquo) que a brincadeira na creche natildeo estaacute sob a oacutetica
do faz de conta mas sob a perspectiva de um conteuacutedo sistematizado
Diante da marca de interaccedilatildeo explicaccedilatildeo da coordenadora Leacutea (26) levanta o
questionamento por meio de uma questatildeo controversa ldquoIsso que vocecirc viu aqui vocecirc
acha que natildeo eacute pedagoacutegicordquo Tal questatildeo exigiu das coordenadoras um
posicionamento sobre o que estava sendo discutido e portanto criou espaccedilo para o
argumentar Com isso Marina (27) por meio de um contra-argumento diz ldquoNatildeo natildeo
que natildeo seja o pedagoacutegico Mas assim a gente trabalhando essas questotildees da forma
como foi discutidardquo Nesse movimento discursivo a coordenadora explicita que na
verdade natildeo queria dizer que a brincadeira de faz de conta natildeo fazia parte do
pedagoacutegico mas sim que nas creches as educadoras natildeo trabalhavam o brincar do
modo como estava sendo discutido no curso
Dando continuidade ao debate duas coordenadoras Joana e Isabela nos turnos
(29) e (30) respectivamente mostram por meio do acordo compartilhar o novo
significado manifesto pelas pesquisadoras sobre o trabalho do brincar de faz de conta
nas creches (29) ldquoEu acho que isso eacute o que precisa na creche esse outro olhar que
vocecircs colocaram aqui para o brincar para o faz de contardquoe (30) ldquoeu acho que estaacute
na hora de repensar sim para a gente poder trabalhar o brincar desse modo que
vocecircs ‟tatildeo dizendordquo Linguisticamente isso se faz com o uso dos decirciticos de pessoa e de
espaccedilo ldquovocecircsrdquo e ldquoaquirdquo mostrando que as coordenadoras estatildeo se referindo ao que foi
tratado pelas pesquisadoras no interior do curso de extensatildeo
Nas interaccedilotildees tecidas neste elo da Cadeia Criativa podemos indicar tentativas
indiacutecios e pistas de estabelecimento de uma zona de colaboraccedilatildeo e criticidade na
medida em que o dispositivo argumentativo foi sendo utilizado como instrumento para a
produccedilatildeo de significados compartilhados nas discussotildees estabelecidas Dito de outro
modo a argumentaccedilatildeo possibilitou o estabelecimento de um processo de
questionamento de sentidos-significados rotinizados bem como a produccedilatildeo conjunta de
novos significados por meio de um espaccedilo em que todos os envolvidos puderam se
colocar questionar a si e aos outros mas apoiando suas discussotildees em estudos teoacutericos
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 201
ILKA SCHAPPER SANTOS
43 ndash 3ordm Cronotopo da Cadeia Criativa ndash Sessatildeo Reflexiva com as Coordenadoras
das Creches da AMAC
Os quatro excertos selecionados para esta seccedilatildeo de anaacutelise foram retirados da
quarta sessatildeo reflexiva com as coordenadoras das creches municipais que trabalham
com crianccedilas de dois e trecircs anos de idade e trecircs pesquisadoras do GP EFoPI realizada
em 11 de novembro de 2009 em uma das salas de aula da Faculdade de Educaccedilatildeo da
Universidade Federal de Juiz de Fora O objetivo da sessatildeo foi discutir como as
coordenadoras desenvolveram junto com as professoras das creches e as crianccedilas o
projeto de accedilatildeo sobre a brincadeira elaborado em sessatildeo anterior
431 ndash 4ordf Sessatildeo Reflexiva Analisada ndash dia 11 de novembro de 2009
No primeiro fragmento as pesquisadoras e as coordenadoras discutem os
impactos dos debates tecidos ao longo das sessotildees reflexivas sobre o brincar No fluxo
da interaccedilatildeo o grupo (re)pensa as intervenccedilotildees didatizadas em torno do brincar
1ordm Excerto
(1) Isabela Esse espaccedilo aqui possibilita pensar nas accedilotildees do dia a dia Esses dias eu
observei o seguinte uma crianccedila virou e falou assim ldquoTia ‟tou fazendo um peixerdquo A
professora pegou a cadeira puxou pra perto da crianccedila e falou assim ldquoVamos fazer o
peixe igual a gente faz na salardquo Quer dizer ela cortou a criatividade da crianccedila ela (a
crianccedila) ‟tava assim eufoacuterica mostrando o peixe e ela puxou a cadeira e falou -
ldquoVamos fazer o peixe igual a gente faz na salardquo
(2) Leacutea A que vocecirc atribui isso Essa entrada dela
(3) Bruna Acho que falta interesse
(4) Isabela Eu acho tambeacutem Falta de interesse
(5) Ilka A questatildeo eacute outra eu acho Porque ela pode ter interesse enfim todos os
adjetivos que a gente pode pensar por conta de uma pessoa que falta algum
compromisso mas o que a Leacutea ‟taacute perguntando eacute outra coisa
(6) Assunccedilatildeo Ela vecirc mais o cuidar do que o educar
(7) Ilka Entatildeo mas o que a Leacutea ‟taacute perguntando eacute assim a fala dela (da professora)
ela teve um movimento entatildeo natildeo me parece desinteresse ela ‟tava laacute Mas por que
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 202
ILKA SCHAPPER SANTOS
ela disse ldquovamos fazer o peixe que a gente faz na salardquo Por que ao inveacutes dela falar
assim ldquoque peixe eacute esserdquo Mas por que vocecirc acha que no lugar dela ingressar nesse
universo da crianccedila ela trouxe para esse movimento do real daquilo que se faz na
sala Porque a questatildeo eacute essa A questatildeo agora natildeo eacute culpar o comportamento dela a
questatildeo eu acho eacute O que leva ela a pensar que tem que trazer o menino para o campo
do real e tirar do imaginaacuterio da fantasia Porque a intenccedilatildeo era essa vamos fazer com
que ele descreva o peixe que existe o real
(8) Isabela Aiacute eacute que ‟taacute ela ainda natildeo incorporou essa questatildeo do trabalho com a
imaginaccedilatildeo esse entrar no mundo da imaginaccedilatildeo ela natildeo eacute assim
(9) Ilka Vocecirc acha que ela desconhece
(10) Isabela Natildeo eacute que ela desconhece ela conhece teoricamente mas natildeo
incorporou Ela natildeo se envolve porque ela natildeo internalizou ainda
(11) Ilka Eu ‟tou pensando alto Vocecirc natildeo acha que ela acredita que essa intervenccedilatildeo
que eacute correta
(12) Hilda Porque eu acho que eacute muito isso eu acho que professor da Educaccedilatildeo
Infantil ele tem muito esse conflito se eu embarco na fantasia da crianccedila eu deixo ela
onde ela ‟taacute e aiacute eu natildeo cumpro a minha funccedilatildeo de professor Eu tenho que ensinar
alguma coisa pra ela Eu lembro direitinho uma vez uma cena na sala da minha filha
ela propocircs uma contaccedilatildeo de histoacuteria e aiacute as crianccedilas foram contando a histoacuteria do
tubaratildeo aiacute uma crianccedila falou assim ldquoe aiacute o tubaratildeo saiu voandordquo e a uacutenica
intervenccedilatildeo da professora foi ldquoopa tubaratildeo voardquo Ela cortou a cena totalmente para
ela na narrativa dela o tubaratildeo voava e era isso que tinha graccedila mas ao mesmo
tempo a intervenccedilatildeo dela foi assim ela achou que ela tinha que falar aquilo como ela
ia deixar aquela crianccedila achando que tubaratildeo voava
(13) Marina Para falar a verdade eu acho que ela quis mostrar ali que ela trabalha
com os conteuacutedos em sala de aula
(14) Sirlaine Exatamente aquela visatildeo didatizada do brincar que a gente viu aqui
que tem que ter um conteuacutedo escolar
A coordenadora (1) inicia seu turno dizendo ldquoEsse espaccedilo aqui possibilita
pensar nas accedilotildees do dia a diardquo Com essa declaraccedilatildeo Isabela sinaliza que os encontros
com as pesquisadoras estatildeo possibilitando refletir sobre as accedilotildees que ocorrem no
cotidiano da creche Isso fica demarcado linguisticamente pelo uso dos decirciticos
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 203
ILKA SCHAPPER SANTOS
espaciais ldquoesserdquo e ldquoaquirdquo Depois usa o argumento de exemplo para explicitar sobre o
que vem refletindo Esses dias eu observei o seguinte uma crianccedila virou e falou
assim ldquoTia ‟tou fazendo um peixerdquo A professora pegou a cadeira puxou pra perto
da crianccedila e falou assim ldquoVamos fazer o peixe igual a gente faz na salardquo Quer
dizer ela cortou a criatividade da crianccedila ela (a crianccedila) ‟tava assim eufoacuterica
mostrando o peixe e ela (a professora) puxou a cadeira e falou - ldquoVamos fazer o
peixe igual a gente faz na salardquo Nesse momento a coordenadora compartilha um
importante significado do brincar trazido pelas pesquisadoras qual seja a capacidade da
crianccedila segundo Vygotsky (19301991) de transformar o significado dos objetos
modificando um elemento da realidade em outro Mostra ainda a compreensatildeo de que
esse formato que a crianccedila atribui aos objetos tem implicaccedilotildees importantes para seu
desenvolvimento principalmente no que se refere agrave (re)construccedilatildeo de sentidos e
significados sobre a realidade material em que vive Assim Isabela passa a refletir sobre
as accedilotildees relacionadas ao brincar por meio desse novo significado compartilhado nas
discussotildees do GP EFoPI
Diante da declaraccedilatildeo da professora Leacutea (2) formula uma questatildeo controversa
ldquoA que vocecirc atribui isso Essa entrada delardquo Tal questatildeo exige das coordenadoras
um posicionamento isto eacute a apresentaccedilatildeo dos seus sentidos-significados sobre o que
Isabela havia dito No entanto apesar de a pesquisadora buscar no seu questionamento
que as coordenadoras relacionem a partir da reflexatildeo tecida os significados trazidos
por Isabela agraves discussotildees travadas no segundo cronotopo relativo ao curso de extensatildeo
os pontos de vista que emergem estatildeo pautados no senso comum Discursivamente isso
pode ser visto nas respostas das coordenadoras nos turnos (3) e (4) respectivamente
ldquoAcho que falta interesserdquo e ldquoeu acho tambeacutem Falta de interesserdquo
Diante dos pontos de vista declarados apresento como pesquisadora do GP
EFoPI um contra-argumento nos turnos (5) e (7) respectivamente ldquoA questatildeo eacute
outra eu acho Porque ela pode ter interesse enfim todos os adjetivos que a gente
pode pensar por conta de uma pessoa que falta algum compromisso mas o que a Leacutea
‟taacute perguntando eacute outra coisardquo e ldquoEntatildeo mas o que a Leacutea ‟taacute perguntando eacute assim
a fala dela (da professora) ela teve um movimento entatildeo natildeo me parece
desinteresse ela ‟tava laacute Mas por que ela disse acutevamos fazer o peixe que a gente faz
na sala` Por que ao inveacutes dela falar assim acuteque peixe eacute esse` Mas por que vocecirc
acha que no lugar dela ingressar nesse universo da crianccedila ela trouxe para esse
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 204
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movimento do real daquilo que se faz na sala Porque a questatildeo eacute essa A questatildeo
agora natildeo eacute culpar o comportamento dela a questatildeo eu acho eacute O que leva ela a
pensar que tem que trazer o menino para o campo do real e tirar do imaginaacuterio da
fantasia Porque a intenccedilatildeo era essa vamos fazer com que ele descreva o peixe que
existe o realrdquo O uso desse recurso argumentativo que estaacute relacionado agrave dissociaccedilatildeo
emerge como contraponto aos argumentos apresentados buscando desencadear uma
situaccedilatildeo de conflito exigindo do grupo um posicionamento diante da questatildeo
apresentada pela pesquisadora Leacutea
A utilizaccedilatildeo desse dispositivo argumentativo na maioria das vezes possibilita o
estabelecimento de conflito e de crise em relaccedilatildeo ao instituiacutedo provocando respostas
que propiciam rever o dito e o estabelecido Assim nesse movimento discursivo
procuro no interior do conflito instaurado e no embate entre os sentidos propiciar
elementos para a produccedilatildeo-construccedilatildeo de significados Isso pode ser percebido no
enunciado de Isabela que antes tinha atribuiacutedo a intervenccedilatildeo da professora agrave ldquofalta de
interesserdquo e agora diz (8) ldquoAiacute eacute que ‟taacute ela ainda natildeo incorporou essa questatildeo do
trabalho com a imaginaccedilatildeo esse entrar no mundo da imaginaccedilatildeo ela natildeo eacute assimrdquo
mostrando que a referida professora desconhece o trabalho pautado no desenvolvimento
da imaginaccedilatildeo (Vygotsky 19301991) tal como tratado nas discussotildees do grupo
No turno (12) a pesquisadora Hilda apresenta uma reflexatildeo que vai ao encontro
do novo significado construiacutedo sobre o trabalho com o brincar e para isso faz uso do
argumento pragmaacutetico ldquoPorque eu acho que eacute muito isso eu acho que professor da
Educaccedilatildeo Infantil ele tem muito esse conflito se eu embarco na fantasia da crianccedila
eu deixo ela onde ela ‟taacute e aiacute eu natildeo cumpro a minha funccedilatildeo de professor Eu tenho
que ensinar alguma coisa pra elardquo Com isso a pesquisadora faz uma apreciaccedilatildeo do
que fora discutido segundo suas possiacuteveis consequecircncias presentes e futuras tendo
relevacircncia direta para a accedilatildeo O argumento funciona como um dispositivo para discutir
os novos significados que estatildeo sendo compartilhados Para ilustrar o que havia dito
anteriormente a pesquisadora continua sua interlocuccedilatildeo por meio de um argumento de
exemplo Eu lembro direitinho uma vez uma cena na sala da minha filha ela (a
professora) propocircs uma contaccedilatildeo de histoacuteria e aiacute as crianccedilas foram contando a
histoacuteria do tubaratildeo aiacute uma crianccedila falou assim ldquoe aiacute o tubaratildeo saiu voandordquo e a
uacutenica intervenccedilatildeo da professora foi ldquoopa tubaratildeo voardquo
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 205
ILKA SCHAPPER SANTOS
Depois Hilda finaliza seu turno usando um contra-argumento por meio do
discurso citado ou seja procura recuperar o que a professora do exemplo pode ter
pensado quando fez a intervenccedilatildeo com a crianccedila ldquoa intervenccedilatildeo dela (da professora)
foi assim ela achou que ela tinha que falar aquilo como ela ia deixar aquela crianccedila
achando que tubaratildeo voavardquo No movimento argumentativo Hilda traz por meio de
argumento pragmaacutetico argumento de exemplo e contra-argumento os sentidos e
significados compartilhados sobre a temaacutetica criando uma zona de criticidade e
colaboraccedilatildeo (Magalhatildees 2009) que veio se instaurando no fluxo da interaccedilatildeo verbal
entre as pesquisadoras e as coordenadoras e que culminou em sua intervenccedilatildeo
Isso se concretiza nos turnos seguintes das coordenadoras Marina (13) e
Sirlaine(14) respectivamente quando recuperam significados compartilhados no 2ordm
cronotopo relativo ao curso de extensatildeo ldquoPara falar a verdade eu acho que ela quis
mostrar ali que ela trabalha com os conteuacutedos em sala de aulardquo e ldquoExatamente
aquela visatildeo didatizada do brincar que a gente viu aqui que tem que ter um
conteuacutedo escolarrdquo Nesse sentido chegam a um acordo de que muitas vezes o brincar
na creche estaacute pautado em uma visatildeo didatizada que prioriza conteuacutedos escolares
Na sequecircncia da sessatildeo reflexiva as pesquisadoras e as coordenadoras
conversam e refletem sobre a forma como estas apresentaram nas creches a proposta
do projeto de accedilatildeo a respeito da brincadeira
2ordm Excerto
(15) Leacutea Aiacute outra questatildeo que a gente gostaria que vocecircs refletissem A pergunta
seria A expectativa que vocecircs tinham com relaccedilatildeo agrave acolhida e ao desenvolvimento da
atividade pela educadora foi atingido Quer dizer as expectativas que vocecircs tinham
quando foram propor para educadora essa acolhida delas com relaccedilatildeo agrave proposta de
vocecircs e do proacuteprio desenvolvimento a forma que elas desenvolveram a atividade ela
foi atingida
(16) Assunccedilatildeo Eu acho que ateacute superou porque assim era para duas educadoras e aiacute o
grupo todo acolheu e assim trecircs dias que eu estava presente no desenvolvimento da
atividade eu fiquei assim taacute (faz expressatildeo boquiaberta) porque laacute na creche natildeo tem
mais aquele horaacuterio riacutegido ldquoAh eacute hora de ir laacute pra fora e natildeo sei o quecircrdquo Entatildeo elas
falavam ldquoOh vamos se natildeo natildeo vai dar tempordquo Foi uma chamando a outra ldquoVem
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 206
ILKA SCHAPPER SANTOS
para gente fazer a brincadeira se natildeo natildeo vai dar tempo da gente fazer legalrdquo Entatildeo
elas estavam envolvidas e elas se envolveram e depois elas vinham me contar ldquoOh
Assunccedilatildeo vamos laacute para vocecirc tirar foto ‟taacute tatildeo legalrdquo Sabem entatildeo assim elas
mesmas foram se envolvendo e participando
(17) Leacutea Elas tinham consciecircncia que isso era um pedido dessa reuniatildeo
(18) Assunccedilatildeo Tinham Porque quando a gente foi apresentar as meninas tinham
falado para gente apresentar falar o porquecirc como que eacute o projeto aqui
(19) Elisa Noacutes colocamos neacute Assunccedilatildeo Apresentamos o grupo EFoPI qual que eacute o
objetivo o que a gente faz aqui nesse grupo elas ficaram ateacute assim muito curiosas
ldquoAh que legalrdquo A gente colocou sucintamente para elas qual eacute o objetivo do grupo
que eacute o trabalho com a parceria que a gente aprende com vocecircs vocecircs aprendem com
a gente que a gente ‟taacute ali socializando com elas com vocecircs a experiecircncia que a gente
vivencia laacute dentro da creche
(20) Ilka O que eu achei interessante no relato de vocecircs eacute que apareceu pelo menos
umas duas ou trecircs vezes a palavra reflexatildeo vocecircs falam assim ldquoAh pensamos em
refletir com elasrdquo Vocecircs veem alguma proximidade nessas reflexotildees postas aqui com
os modos e maneiras que vocecircs atuaram nessa atividade com elas com a sua
orientaccedilatildeo Vocecircs sentem alguma proximidade com esse movimento aqui e o
movimento que vocecircs fizeram laacute Eacute que apareceu falando do campo do significado das
palavras eu achei muito interessante achei muito interessante o desenvolvimento da
atividade mais que isso a forma como vocecircs concretizaram materializaram a
proposta o diaacutelogo com elas eu queria saber um pouco como eacute que isso foi para vocecircs
o que vocecircs pensaram quando solicitaram essa reflexatildeo de pensar sobre as brincadeiras
as antigas brincadeiras a presenccedila da educadora na creche esse espaccedilo que vocecircs
propuseram de reflexatildeo sobre a brincadeira porque apareceu um pouco isso neacute
(21) Assunccedilatildeo Eu acho bacana assim porque o que a gente conversa aqui nos faz
refletir e isso vai claro ter algum efeito no nosso trabalho do dia a dia Entatildeo quando
a gente leva uma proposta que foi discutida aqui para as nossas educadoras a gente
tambeacutem vai com essa coisa de cutucar para que elas reflitam natildeo simplesmente atuem
para que elas observem e em cima disso avaliem o trabalho delas e o desenvolvimento
da crianccedila Entatildeo acho que isso eacute um reflexo do nosso trabalho aqui e do envolvimento
de todo mundo e com isso vai contaminando vocecircs contaminam a gente a gente
contamina elas e elas contaminam as crianccedilas as crianccedilas os pais e assim neacute
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 207
ILKA SCHAPPER SANTOS
(22) Ilka Muito bom Gostei Eacute uma cadeia
(23) Leacutea Eacute uma cadeia
(24) Ilka Uma Cadeia Criativa
Neste excerto Leacutea formula dois questionamentos para identificar os impactos
dos projetos de accedilatildeo elaborados na sessatildeo reflexiva anterior e desenvolvidos com as
professoras (1) ldquoA expectativa que vocecircs tinham com relaccedilatildeo agrave acolhida e ao
desenvolvimento da atividade pela educadora foi atingidordquo e (2) ldquoQuer dizer as
expectativas que vocecircs tinham quando foram propor para educadora essa acolhida
delas com relaccedilatildeo agrave proposta de vocecircs e do proacuteprio desenvolvimento a forma que elas
desenvolveram a atividade ela foi atingidardquo Esses questionamentos propiciam um
espaccedilo para que as coordenadoras avaliem o processo de interaccedilatildeo estabelecido entre as
coordenadoras e as educadoras das creches
A partir dos questionamentos da pesquisadora Assunccedilatildeo (16) diz que o
desenvolvimento da atividade superou as expectativas ldquoEu acho que ateacute superourdquo Em
seguida faz uso em dois momentos no enunciado do operador argumentativo (Koch
19922004) ldquoporquerdquo buscando introduzir uma justificativa ou explicaccedilatildeo relativa ao
enunciado anterior Porque assim era para duas educadoras e aiacute o grupo todo
acolheu e assim trecircs dias que eu estava presente no desenvolvimento da atividade eu
fiquei assim taacute (faz expressatildeo boquiaberta) porque laacute na creche natildeo tem mais
aquele horaacuterio riacutegido ldquoAh eacute hora de ir laacute pra fora e natildeo sei o quecircrdquo Neste fragmento
a coordenadora mostra com a expressatildeo extraverbal (gesto com a boca) sua admiraccedilatildeo
pela transformaccedilatildeo ocorrida na creche pois agora natildeo se tem mais horaacuterio riacutegido em
relaccedilatildeo agraves atividades desenvolvidas Com esse enunciado Assunccedilatildeo compartilha um
significado que foi construiacutedo no cronotopo relativo ao curso de extensatildeo em que as
pesquisadoras discutiram sobre a importacircncia de se considerar o tempo das crianccedilas nas
brincadeiras de faz de conta Dito de outro modo nesse cronotopo do curso de extensatildeo
foi discutido como os alunos estabelecem regras vivenciam conflitos e (re)constroem o
real no brincar de faz de conta (Vygotsky 19301987) e a relevacircncia de sabermos como
interferir nesse processo sem por exemplo cortar abruptamente a cena criada pelas
crianccedilas por conta dos horaacuterios riacutegidos da instituiccedilatildeo
Depois a coordenadora usa o argumento de exemplo para ilustrar sua tese de
que o trabalho desenvolvido superou as expectativas Para isso faz uso em seu turno
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 208
ILKA SCHAPPER SANTOS
do operador argumentativo ldquoentatildeo em dois momentos o que lhe possibilita introduzir
conclusotildees relativas ao que foi apresentado anteriormente ldquoEntatildeo elas falavam ldquoOh
vamos se natildeo natildeo vai dar tempordquo Foi uma chamando a outra ldquoVem para gente
fazer a brincadeira se natildeo natildeo vai dar tempo da gente fazer legalrdquo Entatildeo elas
estavam envolvidas e elas se envolveram e depois elas vinham me contar ldquoOh
Assunccedilatildeo vamos laacute para vocecirc tirar foto ‟taacute tatildeo legal Sabem entatildeo assim elas
mesmas foram se envolvendo e participandordquo Em seu turno a coordenadora mostra
como as professoras estavam envolvidas nas atividades e como ela pocircde compartilhar
com elas em uma outra atividade significados construiacutedos no interior dos encontros
com o GP EFoPI Dessa forma eacute possiacutevel perceber o movimento da Cadeia Criativa
(Liberali 2009) em que a participaccedilatildeo do indiviacuteduo nas atividades (a) (b) e (c) evolui
no tempo a atividade (b) por exemplo pode criar significados novos para os sentidos
levados de volta (no tempo) para atividade (a) e para outra atividade da Cadeia (Fuga
2009 p 47)
No entremeio da discussatildeo trazida por Assunccedilatildeo Leacutea (17) faz o seguinte
questionamento ldquoElas tinham consciecircncia que isso era um pedido dessa reuniatildeordquo O
questionamento da pesquisadora tem a intenccedilatildeo de perceber se as atividades estavam
interligadas num movimento em cadeia Diante do questionamento Assunccedilatildeo (18)
responde por meio de um argumento de exemplo ldquoTinham Porque quando a gente
foi apresentar as meninas tinham falado para a gente apresentar falar o porquecirc
como que eacute o projeto aquirdquo Este recurso argumentativo mostra para o grupo como esse
cronotopo da cadeia se relaciona com outras atividades desenvolvidas pelas
coordenadoras a partir das discussotildees fiadas no interior das sessotildees reflexivas
Depois outra coordenadora Elisa continua especificando em seu turno (19)
utilizando tambeacutem o argumento de exemplo para dizer como apresentou o trabalho
desenvolvido entre pesquisadoras e coordenadoras no GP EFoPI ldquoApresentamos o
grupo EFoPI qual que eacute o objetivo o que a gente faz aqui nesse grupo elas ficaram
ateacute assim muito curiosas acuteAh que legal`rdquo A gente colocou sucintamente para elas
qual eacute o objetivo do grupo que eacute o trabalho com a parceria que a gente aprende com
vocecircs vocecircs aprendem com a gente que a gente ‟taacute ali socializando com elas com
vocecircs a experiecircncia que a gente vivencia laacute dentro da crecherdquo Em seu turno a
coordenadora mostra mais uma vez como o trabalho desenvolvido estaacute interligado no
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 209
ILKA SCHAPPER SANTOS
fluxo da cadeia (Liberali 2009) pois destaca a parceria ldquoque a gente aprende com
vocecircs vocecircs aprendem com a gente que a gente ‟taacute ali socializando com elasrdquo
No turno (19) eacute possiacutevel captar os sentidos que Elisa atribui ao trabalho
desenvolvido no GP EFoPI bem como os impactos dele na interlocuccedilatildeo com as
professoras da creche A coordenadora demarca em seu discurso que ldquoaprenderdquo com o
grupo de pesquisa e as pesquisadoras ldquoaprendemrdquo com as coordenadoras e por
conseguinte isso eacute ldquosocializadordquo com as professoras por meio das intervenccedilotildees no
brincar Tal fala mostra segundo uma visatildeo bakhtiniana sua compreensatildeo ainda que
implicitamente de que a produccedilatildeo de sentidos eacute potencialmente infinita revigorando-se
no contato com outros sentidos dito de outro modo em outros contextos mas
carregando as marcas dos contextos anteriores (Bakhtin 1987)
Diante do exposto nos enunciados anteriores no turno (20) busco entrelaccedilar os
elos da cadeia e compreender os impactos das intervenccedilotildees do GP EFoPI nos diferentes
contextos em que as coordenadoras transitam em especial nos contextos com as
professoras das creches Isso porque procuro ldquocapturarrdquo quais sentidos-significados satildeo
compartilhados com as respectivas professoras Para tanto uso as marcas de interaccedilatildeo
retomada de vozes anteriores ldquoO que eu achei interessante no relato de vocecircs eacute que
apareceu pelo menos umas duas ou trecircs vezes a palavra reflexatildeo ldquovocecircs falam assim
acuteAh pensamos em refletir com elas`rdquo Para sustentar minha avaliaccedilatildeo valho-me do
discurso das coordenadoras Na perspectiva bakhtiniana essa eacute uma relaccedilatildeo de sentido
construiacuteda por meio da palavra de outrem no caso aqui eacute identificado como discurso
representado ou objetivado o discurso direto (Bakhtin 1987) Esse eco de vozes
anteriores pode ser compreendido ainda em Bakhtin sob a oacutetica do plurilinguismo
dialogizado considerado o verdadeiro elemento da enunciaccedilatildeo (Bakhtin 1983) Meu
enunciado traz reminiscecircncias de outros enunciados dentro da comunidade semioacutetica em
que estou inserida como dispositivo para continuar o diaacutelogo Isso se concretiza nos
questionamentos que levanto logo depois ldquoVocecircs veem alguma proximidade nessas
reflexotildees postas aqui com os modos e maneiras que vocecircs atuaram nessa atividade
com elas com a sua orientaccedilatildeo Vocecircs sentem alguma proximidade com esse
movimento aqui e o movimento que vocecircs fizeram laacuterdquo
No fluxo da interaccedilatildeo verbal os questionamentos levantados tecircm a finalidade de
identificar se os esforccedilos em parceria em uma atividade produziram significados que
foram posteriormente compartilhados com outros parceiros atraveacutes dos sentidos que
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 210
ILKA SCHAPPER SANTOS
aqueles trouxeram para uma nova atividade (Liberali 2009) Esse movimento fica
explicitado no turno de Assunccedilatildeo (21) por meio de argumento pragmaacutetico ldquoquando a
gente leva uma proposta que foi discutida aqui para as nossas educadoras a gente
tambeacutem vai com essa coisa de cutucar para que elas reflitam natildeo simplesmente
atuem para que elas observem e em cima disso avaliem o trabalho delas e o
desenvolvimento da crianccedilardquo O uso desse recurso argumentativo como disse
anteriormente permite agrave coordenadora apreciar o trabalhado reflexivo que desenvolveu
com as professoras segundo suas consequecircncias presentes-futuras tendo relevacircncia
direta na accedilatildeo Dito de outro modo Assunccedilatildeo consegue mostrar os impactos das
interaccedilotildees tecidas entre pesquisadoras e coordenadoras no interior de outros contextos
de produccedilatildeo destacando elementos similares aos que foram enunciados por Elisa
Assim finaliza seu turno com argumentos que reforccedilam a ideia do movimento
da Cadeia Criativa na produccedilatildeo de novos significados ldquoEntatildeo acho que isso eacute um
reflexo do nosso trabalho aqui e do envolvimento de todo mundo e com isso vai
contaminando vocecircs contaminam a gente a gente contamina elas e elas contaminam
as crianccedilas as crianccedilas os pais e assim neacuterdquo A metaacutefora da ldquocontaminaccedilatildeordquo utilizada
pela coordenadora eacute a siacutentese desse pensamento Um movimento que inicia com o GP
EFoPI ldquocontaminandordquo as coordenadoras que ldquocontaminamrdquo as professoras que por
sua vez ldquocontaminamrdquo as crianccedilas que por sua vez ldquocontaminamrdquo os pais Diante da
reflexatildeo da coordenadora tanto Leacutea quanto eu nos turnos (22) (23) e (24) sintetizamos
seu pensamento como em ldquocadeiardquo na siacutentese dialeacutetica da Cadeia Criativa (Liberali
2009)
No excerto a seguir duas coordenadoras discutem sobre o trabalho
desenvolvido a partir do projeto de accedilatildeo sobre as brincadeiras nas creches apontando os
impactos e a relevacircncia do trabalho desenvolvido
3ordm Excerto
(25) Elisa O que a gente se pautou O que eu propus para as meninas Conforme foi
a proposta do grupo aqui tambeacutem De que a gente natildeo focasse somente - ah vamos
trabalhar tal brincadeira em funccedilatildeo de desenvolvimento da coordenaccedilatildeo motora fina
coordenaccedilatildeo motora grossa e psicomotor A gente focou o brincar da crianccedila mesmo
a observaccedilatildeo na brincadeira trazer o que esse momento proporciona para a crianccedila o
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 211
ILKA SCHAPPER SANTOS
que essa brincadeira traz de positivo pra essa crianccedila Aiacute colocamos as nossas
reflexotildees O desenvolvimento do plano de accedilatildeo foi pautado em reflexotildees como qual a
importacircncia da brincadeira para as nossas crianccedilas o que a brincadeira proporciona
aos pequenos o que se ganha brincando como brincam Qual o papel que a
brincadeira tem ocupado na vida de nossas crianccedilas e qual o papel do educador neste
processo Como a gente se posiciona frente a esse processo Entatildeo diante das
brincadeiras a gente foi fazendo essa reflexatildeo E eu coloquei algumas citaccedilotildees que a
gente veio discutindo no decorrer dos encontros no final do projeto junto com a
Cibele Entatildeo a gente foi fazendo uma anaacutelise do significado daquela brincadeira para
determinada crianccedila e o significado que ela daacute agrave brincadeira o imaginaacuterio dela O
fundamento de brincar eacute criar uma relaccedilatildeo entre o pensamento e realidade A gente
fala que a crianccedila ela mostra o ambiente que ela vive a realidade que ela vivencia a
famiacutelia tudo atraveacutes da brincadeira Entatildeo satildeo focos que a gente pegou como
reflexatildeo
(26) Joana Entatildeo o objetivo foi alcanccedilado visto que ao enfatizarmos mais as
brincadeiras atraveacutes do plano de accedilatildeo essas passaram a fazer parte mais intensamente
do cotidiano da nossa creche de modo a contagiar todas as demais turmas As
educadoras pediram que a brincadeira fosse desenvolvida nas demais turmas Entatildeo
assim todo mundo passou a brincar natildeo soacute a turminha que ‟tava sendo alvo do projeto
E a gente ‟taacute trabalhando com os cantinhos nas turmas de trecircs anos
Em seu turno Elisa (25) retoma os questionamentos que foram levantados em
momentos anteriores pela pesquisadora Leacutea ldquoO que a gente se pautou O que eu
propus para as meninasrdquo Esse movimento de retomada dos questionamentos auxilia
a coordenadora a organizar seu discurso em funccedilatildeo do que foi solicitado
Na continuidade de seu turno Elisa compartilha um importante significado
referente ao brincar ldquoConforme foi a proposta do grupo aqui tambeacutem De que a
gente natildeo focasse somente - ah vamos trabalhar tal brincadeira em funccedilatildeo de
desenvolvimento da coordenaccedilatildeo motora fina coordenaccedilatildeo motora grossa e
psicomotorrdquo Ao trazer esse discurso citado como um exemplo do que se deve evitar a
coordenadora mostra compreender que o desenvolvimento da brincadeira transcende o
trabalho estruturado em especial aquele relativo ao desenvolvimento ldquopsicomotorrdquo
Em seguida explica que o desenvolvimento do plano de accedilatildeo sobre o tema foi
pautado em alguns questionamentos que levantou junto agraves professoras (1) qual a
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 212
ILKA SCHAPPER SANTOS
importacircncia da brincadeira para as nossas crianccedilas (2) O que a brincadeira
proporciona aos pequenos o que se ganha brincando como brincam (3) Qual o papel
que a brincadeira tem ocupado na vida de nossas crianccedilas e qual o papel do educador
neste processo (4) Como a gente se posiciona frente a esse processo
Eacute interessante notar que Elisa mostra seu aprendizado sobre a importacircncia de no
processo reflexivo levantar questotildees que possam propiciar o (re)pensar da praacutetica
educativa e tambeacutem o (re)pensar da teorias que as embasam Neste turno temos
explicitado um importante movimento do compartilhamento de significados nos elos da
Cadeia Criativa pois a coordenadora passa a agir com o grupo de professoras que
coordena de forma similar agraves experiecircncias vivenciadas no GP EFoPI
Aleacutem de levantar questionamentos a coordenadora busca identificar os
significados que as professoras atribuem ao brincar e ao desenvolvimento da
imaginaccedilatildeo ldquoa gente foi fazendo uma anaacutelise do significado daquela brincadeira
para determinada crianccedila e o significado que ela daacute agrave brincadeira o imaginaacuterio
delardquo mostrando mais uma vez que compreendeu a discussatildeo sobre sentidos e
significados tecidas no interior do grupo de pesquisa Por fim a pesquisadora sinaliza
para outro significado sobre o brincar compartilhado no GP EFoPI ldquoO fundamento de
brincar eacute criar uma relaccedilatildeo entre o pensamento e realidaderdquo
Em (26) Joana inicia seu turno fazendo uso do ldquoentatildeordquo sinalizando que vai
tecer uma conclusatildeo sobre o que estava sendo dito demonstrando compartilhar
significados da discussatildeo anterior Desta forma sua reflexatildeo responde um
questionamento levantado no 2ordm excerto desta seccedilatildeo ldquoo objetivo foi alcanccedilado visto
que ao enfatizarmos mais as brincadeiras atraveacutes do plano de accedilatildeo essas passaram a
fazer parte mais intensamente do cotidiano da nossa creche de modo a contagiar
todas as demais turmasrdquo Aleacutem disso compartilha com o grupo que agora na creche
as salas de atividades estatildeo organizadas a partir dos cantinhos ldquoE a gente ‟taacute
trabalhando com os cantinhos nas turmas de trecircs anosrdquo tema que perpassou as
discussotildees dos dois cronotopos anteriores ao qual de iniacutecio tanto as 4 professoras
quanto as coordenadoras haviam mostrado resistecircncia
No proacuteximo fragmento trecircs coordenadoras compartilham os significados que
foram construindo nos encontros do GP EFoPI com as pesquisadoras em diferentes
elos da Cadeia Criativa (Liberali 2009) bem como a influecircncia dessas construccedilotildees no
trabalho com as professoras e no trabalho destas com as crianccedilas
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 213
ILKA SCHAPPER SANTOS
4ordm Excerto
(27) Bernadete () Entatildeo assim quando a gente apresentou o que vocecirc falou assim
quando disse ldquoapareceu muito essa palavra reflexatildeordquo Entatildeo tudo eacute um processo de
reflexatildeo que a gente estaacute passando ultimamente aqui E isso eacute muito rico porque hoje
agraves vezes quando a gente no dia a dia senta aqui e vai ouvindo talvez assim o nosso
rosto natildeo demonstra o tanto que a gente vem absorvendo tudo que ‟taacute sendo falado
Mas depois aquilo tudo que foi discutido por exemplo no curso de extensatildeo nas
sessotildees as teorias que embasam nossa praacutetica como trabalhar o brincar na creche foi
muito importante
(28) Yara Falado e internalizado
(29) Marina Com essa nova forma de ver o brincar com essa nova concepccedilatildeo que a
gente tem do brincar observamos como as relaccedilotildees satildeo construiacutedas de forma mais
dinacircmica como eacute que o aproveitamento do brincar eacute melhor Isso de que ningueacutem
aprende nada sozinho brincar eacute uma questatildeo social Vocecirc aprende a brincar vocecirc natildeo
nasce sabendo brincar e como eacute que eacute importante mesmo que o educador ensine a
crianccedila a brincar que ele faccedila parte da brincadeira que ele esteja junto Entatildeo a gente
colheu bastante coisa bastante observaccedilatildeo com isso tudo apresentado por vocecircs Como
eacute que vocecirc muda a sua postura e a concepccedilatildeo de certas coisas que satildeo tatildeo simples que
fazem com que vocecirc observe mais o cotidiano que a crianccedila interaja e se solte como
que possibilita trabalhar a autonomia da crianccedila
Neste excerto Bernadete (27) usa a marca de interaccedilatildeo retomada de vozes
anteriores para iniciar sua reflexatildeo ldquoquando disse bdquoapareceu muito essa palavra
reflexatildeo‟ A coordenadora faz uso da retomada de vozes para explicar ldquoEntatildeo tudo eacute
um processo de reflexatildeo que a gente estaacute passando ultimamente aquirdquo Por meio do
operador argumentativo ldquoentatildeordquo sinaliza para uma conclusatildeo em relaccedilatildeo ao que havia
enunciado antes explicando que a palavra ldquoreflexatildeordquo apareceu muitas vezes porque diz
de algo que elas estatildeo vivenciando nos encontros com o GP EFoPI Linguisticamente
isso pode ser observado a partir do decircitico espacial ldquoaquirdquo
Depois a coordenadora usa o argumento de exemplo para mostrar em que estaacute
pautada essa reflexatildeo ldquodepois aquilo tudo que foi discutido por exemplo no curso de
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 214
ILKA SCHAPPER SANTOS
extensatildeo nas sessotildees as teorias que embasam nossa praacutetica como trabalhar o
brincar na creche foi muito importanterdquo
Em (28) Yara tambeacutem faz uso da marca de interaccedilatildeo retomada de vozes
anteriores ldquofalado e internalizadordquo mostrando sinteticamente sua compreensatildeo do
processo de internalizaccedilatildeo pois o verbete ldquofaladordquo expressa o processo interpsicoloacutegico
(as discussotildees nos encontros) e o verbete ldquointernalizadordquo diz do processo
intrapsicoloacutegico apontando as bases para seus olhares entre o plano social e individual
No turno (29) Marina faz uma siacutentese dos significados que foram
compartilhados durante o trabalho desenvolvido entre as pesquisadoras e as
coordenadoras no interior das discussotildees do GP EFoPi ldquoCom essa nova forma de ver
o brincar com essa nova concepccedilatildeo que a gente tem do brincar observamos como as
relaccedilotildees satildeo construiacutedas de forma mais dinacircmica como eacute que o aproveitamento do
brincar eacute melhorrdquo A coordenadora usa por duas vezes o pronome ldquoessardquo para se
referir as concepccedilotildees discutidas sobre o brincar Eacute interessante que ao fazer isso traz
para a cena enunciativa concepccedilotildees tratadas em outro cronotopo da Cadeia Criativa o
curso de extensatildeo ldquoIsso de que ningueacutem aprende nada sozinho brincar eacute uma
questatildeo social Vocecirc aprende a brincar vocecirc natildeo nasce sabendo brincar e como eacute
importante mesmo que o educador ensine a crianccedila a brincar que ele faccedila parte da
brincadeira que ele esteja juntordquo Aqui vemos como a atividade do segundo
cronotopo interferiu na atividade atual e possibilitou criar novos significados para
sentidos que ateacute entatildeo estavam circunscritos agrave atividade anterior pois como ensina
Bakhtin (1987 p 393) ldquonatildeo existe nada morto de maneira absoluta cada sentido teraacute
sua festa de ressurreiccedilatildeordquo
Depois a coordenadora destaca como as discussotildees do GP EFoPI contribuiacuteram
para transformar suas posturas e concepccedilotildees em relaccedilatildeo ao trabalho realizado com a
crianccedila na creche ldquoEntatildeo a gente colheu bastante coisa bastante observaccedilatildeo com
isso tudo apresentado por vocecircs Como eacute que vocecirc muda a sua postura e a concepccedilatildeo
de certas coisas que satildeo tatildeo simples que fazem com que vocecirc observe mais o
cotidiano que a crianccedila interaja e se solte como que possibilita trabalhar a
autonomia da crianccedilardquo Nesse movimento discursivo a coordenadora revela
transformaccedilotildees em suas concepccedilotildees sobre o desenvolvimento infantil Eacute interessante
notar tambeacutem como Marina no interior do grupo aumentou seu conatus sua potecircncia
de agir Expressa como foi ldquoafetadardquo no sentido spinozano pelas intervenccedilotildees do
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 215
ILKA SCHAPPER SANTOS
grupo sinalizando para uma importante definiccedilatildeo de Spinoza (16772005 p 303) ldquose
dois indiviacuteduos inteiramente da mesma natureza se aliam um ao outro formam um
indiviacuteduo duas vezes mais poderoso do que cada um deles tomado separadamenterdquo
44 ndash Consideraccedilotildees Parciais
Neste ponto seratildeo retomadas as questotildees de pesquisa na busca de respondecirc-las
a partir da anaacutelise e das discussotildees tecidas
Como o processo da argumentaccedilatildeo desenvolvido entre pesquisadores e educadores
permite expor sentidos e significados sobre a brincadeira no movimento da Cadeia
Criativa
Quais argumentos contribuiacuteram para a produccedilatildeo de significado sobre o brincar no
movimento da Cadeia Criativa
Para neste espaccedilo refletir se o processo da argumentaccedilatildeo desenvolvido entre
pesquisadoras e educadoras de creche permitiu expor sentidos e significados sobre a
brincadeira no movimento da Cadeia Criativa e ainda pensar sobre quais argumentos
contribuiacuteram para a produccedilatildeo de significado sobre o brincar precisamos rememorar o
movimento discursivo no interior dos excertos nos trecircs cronotopos da Cadeia Criativa
No fluxo da interaccedilatildeo verbal diria que no primeiro cronotopo referente ao
diaacutelogo entre 4 professoras e duas pesquisadoras do GP EFoPI o processo
argumentativo ficou prioritariamente circunscrito agrave reincidecircncia de argumentos de
exemplo e de argumentos pragmaacuteticos calcados ora nas atividades dos viacutedeos
assistidas pelas professoras ora nas suas experiecircncias profissionais imediatas
ancoradas em exposiccedilotildees espontacircneas A recorrecircncia desses argumentos sinaliza que os
sentidos das educadoras sobre a brincadeira e sua materializaccedilatildeo na sala de atividades
de educaccedilatildeo infantil satildeo muito parecidos agravequeles assistidos nas atividades do viacutedeo em
especial os que relacionavam o brincar com atividades conteudistas
As pesquisadoras nesse primeiro momento mantiveram-se muitas vezes em
silecircncio diante das exposiccedilotildees das professoras Esse silecircncio inviabilizou trazer para o
espaccedilo enunciativo contrapalavras (BakhtinVolochinov 1988) que pudessem
desestabilizar os significados rotinizados que as educadoras compartilhavam sobre a
temaacutetica da brincadeira Assim a ausecircncia do embate do conflito e de tensotildees por
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 216
ILKA SCHAPPER SANTOS
meio de questotildees controversas por exemplo sobre os significados cristalizados e
instituiacutedos impossibilitou que as atividades do primeiro cronotopo fossem
desenvolvidas na perspectiva da colaboraccedilatildeo criacutetica (Magalhatildees 2009) Por
conseguinte as pesquisadoras natildeo promoveram um espaccedilo de interlocuccedilatildeo em que os
participantes pudessem tornar seus processos mentais mais claros no fluxo
enunciativo Aleacutem disso natildeo fizeram uso de argumentos teoacutericos que poderiam
funcionar como contraponto agraves ldquoideias inadequadasrdquo (Spinoza 16772005)
Em siacutentese no primeiro cronotopo a construccedilatildeo-produccedilatildeo de novos
significados sobre o brincar ficou comprometida por conta de uma circularidade e
reincidecircncia argumentativa entre pesquisadoras e professoras De um lado as
professoras ancoravam seus argumentos no senso comum e de outro as pesquisadoras
natildeo ingressavam na corrente enunciativa da linguagem com elementos que pudessem
promover para o grupo uma ldquocriserdquo em relaccedilatildeo aos significados estaacuteveis e mais
estratificados Esse movimento fez com que as educadoras continuassem tendo ldquoideias
inadequadasrdquo no sentido spinozano em relaccedilatildeo agrave brincadeira
A argumentaccedilatildeo no primeiro cronotopo da Cadeia Criativa natildeo se configurou
como um tempoespaccedilo em que os participantes pudessem refletir criticamente sobre o
instituiacutedo por meio de sustentaccedilatildeo refutaccedilatildeo e negociaccedilatildeo de posturas pautadas em
uma base argumentativa comum construiacuteda por meio do compartilhamento e produccedilatildeo
de significados
Por fim como foi dito no item 412 da anaacutelise e discussatildeo dos dados a
argumentaccedilatildeo empreendida no primeiro cronotopo natildeo funcionou como um dispositivo
que permitisse a ressignificaccedilatildeo dos conceitos em relaccedilatildeo ao brincar no movimento da
Cadeia Criativa Isso porque natildeo houve uma ampliaccedilatildeo dos sentidos-significados
trazidos pelas professoras e tambeacutem porque natildeo houve intervenccedilotildees das pesquisadoras
que trouxessem a siacutentese dialeacutetica entre construtos teoacutericos relacionados aos pontos de
vista compartilhados a ponto de possibilitar o aprofundamento das visotildees de mundo
circunscritas agrave temaacutetica
No segundo cronotopo referente a dois encontros do curso de extensatildeo
observa-se uma mudanccedila interessante as pesquisadoras iniciaram o trabalho
apresentando categorias teoacutericas da perspectiva soacutecio-histoacuterico-cultural que auxiliam a
pensar o brincar como atividade cultural inscrita na realidade material da crianccedila
Enfatizaram o desenvolvimento das funccedilotildees psicoloacutegicas fundadas nas relaccedilotildees
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 217
ILKA SCHAPPER SANTOS
sociais a mediaccedilatildeo simboacutelica a zona proximal de desenvolvimento reforccedilando desse
modo as contribuiccedilotildees de Vygotsky para a compreensatildeo do brincar de faz de conta O
dispositivo argumentativo sob eixo do argumento teoacuterico eacute um elemento que natildeo
apareceu no cronotopo anterior mas neste segundo momento forneceu mais dados
para o (re)pensar concepccedilotildees e visotildees de mundo alicerccediladas no senso comum e na
experiecircncia imediata
Ao introduzir nas cenas discursivas recursos argumentativos alicerccedilados no
discurso de outrem no caso no discurso teoacuterico houve a construccedilatildeo de um espaccedilo que
possibilitou o compartilhamento e a ampliaccedilatildeo de significados sobre o brincar criando
uma zona de colaboraccedilatildeo criacutetica (Magalhatildees 2009) no interior do fluxo da interaccedilatildeo
verbal
Eacute interessante notar que no cronotopo anterior houve tambeacutem referecircncia ao
discurso citado No entanto este estava pautado na voz do discurso oficial da
instituiccedilatildeo agrave qual as professores estavam vinculadas servindo como acircncora para
justificar a impossibilidade em se (re)pensar a organizaccedilatildeo dos espaccedilos da creche para
um melhor desenvolvimento da brincadeira de faz de conta Esse discurso autoritaacuterio
(Bakhtin 1983) foi apropriado pelas professoras possivelmente como estrateacutegia para
se eximirem de participar de uma discussatildeo que promovesse transformaccedilotildees e
mudanccedilas do haacute muito rotinizado comum e conhecido
Aleacutem de introduzir o argumento teoacuterico no segundo cronotopo houve um
nuacutemero maior de questionamentos que promovessem a produccedilatildeo de significados
compartilhados por meio da colaboraccedilatildeo Ao lado do questionamento houve
levantamento de questotildees polecircmicas as quais geraram a expansatildeo da discussatildeo
culminado em acordos que sinalizaram para uma base de construccedilatildeo de novos
significados que em seguida se tornaram comuns ao grupo
Nas interaccedilotildees neste elo da Cadeia Criativa haacute indiacutecios de que se estabeleceu
uma zona de colaboraccedilatildeo e criticidade cujo dispositivo argumentativo foi se
estruturando como um elemento desencadeador de compartilhamentos de novos
significados do brincar Nele a argumentaccedilatildeo ganhou novos contornos em relaccedilatildeo ao
cronotopo anterior Por meio desse processo argumentativo as pesquisadoras saiacuteram de
sua ldquozona de silecircnciordquo e passaram a socializar significados construiacutedos em outras
atividades do grupo de pesquisa tais como reuniotildees de estudo e escrita de textos
referentes ao assunto tratado
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 218
ILKA SCHAPPER SANTOS
No terceiro e uacuteltimo cronotopo da Cadeia Criativa referente a uma sessatildeo
reflexiva entre pesquisadoras e coordenadoras as participantes discutiram o projeto de
accedilatildeo sobre a brincadeira na creche elaborado em uma sessatildeo anterior
Os dispositivos argumentativos neste elo ficaram circunscritos a argumentos
de exemplo argumentos pragmaacuteticos como no primeiro cronotopo da cadeia Criativa
No entanto natildeo foram utilizados como recursos para reforccedilar experiecircncias do senso
comum e experiecircncias imediatas do trabalho desenvolvido na creche uma vez que ao
lado deles o grupo utilizou contra-argumentos e muitos questionamentos Assim o
movimento discursivo ganhou contornos que possibilitaram o confronto de ideias
valores e crenccedilas sobre a brincadeira se configurando como um espaccedilo de
compartilhamento de novos significados sobre o brincar
As coordenadoras trouxeram marcas enunciativas do cronotopo anterior
referindo-se aos encontros do curso de extensatildeo Dessa forma recuperaram sentidos
que como jaacute foi mencionado tiveram ldquosua festa de ressurreiccedilatildeordquo no dizer de Bakhtin
(1987 p 393) Nesse fluxo discursivo temos nitidamente as marcas do movimento da
Cadeia Criativa pois satildeo evidenciados os esforccedilos que em parceria em uma atividade
produzem significados que seratildeo posteriormente compartilhados por meio dos
sentidos que os sujeitos da interaccedilatildeo trazem para a nova atividade (Liberali 2009 p
102)
Eacute importante dizer que o processo argumentativo desenvolvido entre
pesquisadoras e educadoras (professoras e coordenadoras das creches puacuteblicas
municipais de Juiz de Fora) sobre a brincadeira passou por uma evoluccedilatildeo no interior
dos cronotopos da Cadeia Criativa Podemos pois inferir que houve transformaccedilotildees e
mudanccedilas tanto para as pesquisadoras quanto para as demais participantes Estas no
campo da ressignificaccedilatildeo de concepccedilotildees e praacuteticas sobre o brincar aquelas no desafio
de desenvolver uma metodologia de investigaccedilatildeo inscrita na Pesquisa Criacutetica de
Colaboraccedilatildeo sendo a argumentaccedilatildeo colaborativa seu eixo de interlocuccedilatildeo
Refletir sobre quais argumentos contribuiacuteram para a produccedilatildeo de significados
no interior do processo argumentativo sobre o brincar no movimento da Cadeia
Criativa tambeacutem se faz importante Pocircde-se constatar que os argumentos que
contribuem para essa produccedilatildeo de significados satildeo aqueles que trazem as marcas dos
pontos de vista contra-argumentos questotildees controversas e os que possibilitam chegar
a um acordo sendo que neste uacuteltimo ficam mais evidentes a produccedilatildeo e o
CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 219
ILKA SCHAPPER SANTOS
compartilhamento de significados No entanto esse movimento argumentativo se
constitui por meio de marcas de interaccedilatildeo questionamento instruccedilatildeo explicaccedilatildeo
retomada de vozes anteriores colocaccedilatildeo e recolocaccedilatildeo de problemas Aleacutem disso se
estrutura tambeacutem a partir de determinados tipos de argumentos de citaccedilatildeo de
definiccedilatildeo de comparaccedilatildeo pragmaacutetico e de exemplo
O fluxo argumentativo analisado neste trabalho de tese mostra que a
argumentaccedilatildeo quando usada de forma circular e reincidente calcada no senso comum e
nas experiecircncias imediatas dos sujeitos em interaccedilatildeo pouco colabora para a criaccedilatildeo de
conflitos e tensotildees que poderiam desestabilizar os significados estratificados e apontar
para a construccedilatildeo de novos significados Assim ao lado de descriccedilotildees de accedilotildees eacute
importante se ter por exemplo o argumento teoacuterico que possibilita (re)pensar as teorias
nas quais as praacuteticas descritas pelos participantes estatildeo embasadas
Refletir sobre o inverso tambeacutem eacute importante ou seja os argumentos teoacutericos
precisam se articular agrave leitura da realidade material e imaterial em argumentos
estruturados sob a oacutetica do exemplo da accedilatildeo e suas consequecircncias da comparaccedilatildeo entre
accedilotildees
ILKA SCHAPPER SANTOS
CONSIDERACcedilOtildeES E REFLEXOtildeES ABERTAS
No ano de 1998 finalizei o meu mestrado Naquele periacuteodo senti-me insatisfeita
quanto aos desdobramentos de minha dissertaccedilatildeo Talvez porque continuasse com as
mesmas inquietaccedilotildees a respeito das discussotildees sobre a linguagem no periacuteodo de
ingresso no curso Por conta disso comecei a fazer disciplina isolada no Programa de
Mestrado do Curso de Letras da Universidade Federal de Juiz mas as inquietaccedilotildees
persistiram o curso era pautado prioritariamente nos estudos da Linguiacutestica Teoacuterica
Desisti de participar do processo de seleccedilatildeo ao inveacutes disso fiz minha inscriccedilatildeo para o
vestibular do Curso de Letras Aprovada no vestibular comecei o meu segundo curso de
graduaccedilatildeo Muitas foram as minhas descobertas acadecircmicas entre elas a Linguiacutestica
Aplicada
Terminada a graduaccedilatildeo decidi que faria o doutorado na aacuterea da LA Mas
precisei adiar um pouco meu projeto por conta de ter sido convidada a ocupar o cargo
de Coordenadora de Extensatildeo como mencionei na introduccedilatildeo deste estudo
Paradoxalmente foi a experiecircncia na Proacute-Reitoria que potencializou meu desejo de
fazer o doutorado em uma aacuterea aplicada pois coordenava programas e projetos de
extensatildeo que tinham um estreito compromisso teoacuterico-praacutetico com diferentes
comunidades circunvizinhas ao campus da Universidade E aqui estou eu finalizando
um trabalho que me daacute o tiacutetulo de Linguista Aplicada Voltemos ao comeccedilo
A partir do primeiro semestre de 2006 iniciei meus estudos em dois campos que
foram essenciais para este trabalho de tese a Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo
(Magalhatildees 2002 2006 2009) e a argumentaccedilatildeo em um vieacutes colaborativo
Paralelamente propus ao GP EFoPI grupo de pesquisa cuja coordenaccedilatildeo partilhava
com a Profa Dra Leacutea S P Silva que fizeacutessemos nossas investigaccedilotildees a partir da
PCCol Depois de conseguir a adesatildeo do grupo quanto agrave proposta iniciamos um longo
caminho de estudos e intervenccedilotildees de 2006 ateacute hoje
Envolvi-me intensamente nos trabalhos de investigaccedilatildeo do grupo Junto com a
profa Dra Leacutea P S Silva fazia levantamento de referecircncias bibliograacuteficas para
subsidiar as reuniotildees de pesquisa montava projetos para as agecircncias de fomenta
planejava as sessotildees reflexivas e os encontros do curso de extensatildeo para os professores
e coordenadores das creches e escrevia textos sobre a metodologia de pesquisa Como jaacute
mencionei no capiacutetulo metodoloacutegico foram quatro anos de intenso trabalho Esse
trabalho levou-me a refletir sobre a importacircncia de se fazer um estudo longitudinal na
CONSIDERACcedilOtildeES E REFLEXOtildeES ABERTAS 221
ILKA SCHAPPER SANTOS
tese de doutorado sobre as produccedilotildees do grupo Assim ao lado de todas as atividades
mencionadas fiz um mergulho intenso no banco de dados do GP EFoPI leitura das atas
de pesquisa e leitura das transcriccedilotildees das reuniotildees de estudo e das notas expandidas do
trabalho de campo Laacute encontrei um material riquiacutessimo mas entrei em conflito ao
refletir que natildeo desejava apenas investigar as produccedilotildees do grupo e os impactos delas
na formaccedilatildeo dos profissionais das creches puacuteblicas municipais Isso ia de encontro com
a perspectiva metodoloacutegica que estaacutevamos construindo no grupo de pesquisa Assim
resolvi focalizar meu trabalho nas interlocuccedilotildees tecidas entre os pesquisadores e os
participantes do GP EFoPI e natildeo mais nas produccedilotildees isoladas do grupo
Tomada essa primeira decisatildeo faltava outra de igual importacircncia dentre os
temas trabalhados no grupo com os participantes qual poderia focar Mais uma vez fiz
uma imersatildeo no banco de dados para tentar apreender o tema que era tratado com maior
forccedila no interior das interlocuccedilotildees tecidas e apoacutes um cuidadoso estudo deparei-me com
a brincadeira de faz de conta Decidi ampliar meu campo de estudos agora tambeacutem no
brincar Na verdade natildeo foi uma decisatildeo difiacutecil pois jaacute haviacuteamos realizado vaacuterias
intervenccedilotildees nesse campo e mapeado vaacuterias estrateacutegias de trabalho do brincar na creche
Nesse contexto iniciei a minha pesquisa que teve como propoacutesito compreender
criticamente a formaccedilatildeo do professor pesquisador e dos educadores participantes em
especial investigar como se processou o compartilhamento de sentidos e de
significados sobre o brincar As perguntas de pesquisa concentraram-se entatildeo no
processo de desenvolvimento da argumentaccedilatildeo entre pesquisadores e professores como
possibilidade de expor sentidos sobre a brincadeira e nos argumentos que contribuiacuteram
para a produccedilatildeo de significado novo sobre o brincar no movimento da Cadeia Criativa
Como jaacute fiz menccedilatildeo nas consideraccedilotildees parciais do capiacutetulo de anaacutelise as
interaccedilotildees tecidas pelas pesquisadoras e demais participantes do GP EFoPI foram
evoluindo No primeiro cronotopo da cadeia em trecircs sessotildees reflexivas com as
professoras de uma das creches municipais pude perceber que o fluxo da interaccedilatildeo
verbal entre as educadoras e as pesquisadoras foi estruturado por meio de argumentos
de exemplo pragmaacuteticos e de comparaccedilatildeo Ao focar a estrutura de tais argumentos
notei um movimento discursivo circunscrito agraves vivecircncias e experiecircncias do que eacute
familiar conhecido rotineiro e principalmente aos saberes que vatildeo se instituiacutedo no
fazer do dia a dia da creche Interessante que as pesquisadoras ingressaram nesse fluxo
argumentativo sem trazer por exemplo tipos de argumentos estruturados na citaccedilatildeo
CONSIDERACcedilOtildeES E REFLEXOtildeES ABERTAS 222
ILKA SCHAPPER SANTOS
com ecircnfase em teorias Essa circularidade argumentativa impediu o compartilhamento
de novos significados sobre o brincar Eacute interessante dizer que as sessotildees reflexivas
aconteceram na sala de reuniotildees da creche em que as professoras atuavam Refletirei
sobre essa informaccedilatildeo a seguir
O segundo cronotopo dois encontros do curso de extensatildeo com as
coordenadoras das creches aconteceu em espaccedilos de formaccedilatildeo ocupados pelos
profissionais da Universidade O movimento argumentativo muda consideravelmente
Agora para argumentos baseados na citaccedilatildeo na autoridade e na relaccedilatildeo teoria-praacutetica
mostrando nesse elo da cadeia o fortalecimento da contrapalavra das pesquisadoras do
GP EFoPI
Assim as pesquisadoras saem da ldquozona de silecircnciordquo criada no cronotopo
anterior e passam a compartilhar os significados do GP EFoPI sobre o brincar Os
elementos discursivos transitam em explicaccedilotildees teoacutericas e em definiccedilotildees Temos nesse
contexto duas questotildees importantes (1) os espaccedilos fiacutesicos que ocupamos interferem
nas relaccedilotildees discursivas que construiacutemos (2) os gecircneros discursivos que nos satildeo mais
familiares (no caso da academia cursos aulas palestras) dificultam o ingresso em
outros gecircneros
De todo modo essas demarcaccedilotildees argumentativas a partir da relaccedilatildeo
tempoespaccedilo e dos gecircneros que nos satildeo familiares sinalizam para uma ldquovelhardquo e
conhecida discussatildeo o fosso entre universidade e escola de ensino fundamental No
caso desta pesquisa entre universidade e creche No entanto agrave medida que
pesquisadoras e demais participantes comeccedilam a transitar em territoacuterios ateacute entatildeo
desconhecidos passam a refletir sobre os coacutedigos que circulam neles e comeccedilam
tambeacutem a partilhar nesses novos contextos de produccedilatildeo novos significados
Assim no terceiro cronotopo da Cadeia vejo jaacute aproximaccedilotildees entre as
pesquisadoras e as demais participantes da pesquisa Aquelas buscando conhecer mais
as praacuteticas cotidianas das creches e estas procurando ter uma compreensatildeo ativa dos
processos de construccedilatildeoproduccedilatildeo dos saberes acadecircmicos Tanto que em dezembro de
2009 as coordenadoras das creches apresentaram o trabalho intitulado ldquoA brincadeira
de faz de conta na crecherdquo no III SIAC na PUC-SP Viajaram mais de 1000 km ndash Juiz
de ForaSatildeo PauloJuiz de Fora ndash para realizar essa tarefa Das 23 coordenadoras 15
compareceram ao SIAC Na apresentaccedilatildeo mostraram desenvoltura com o espaccedilo
acadecircmico instituiacutedo bem como com a argumentaccedilatildeo sob o eixo do argumento teoacuterico
CONSIDERACcedilOtildeES E REFLEXOtildeES ABERTAS 223
ILKA SCHAPPER SANTOS
Na perspectiva spinozana diria que o GP EFoPI construiu ao longo de sua
interlocuccedilatildeo principalmente com as coordenadoras relaccedilotildees de composiccedilatildeo interaccedilotildees
que possibilitaram aos sujeitos se aproximarem das ideias adequadas pautadas no
desenvolvimento de ldquoafecccedilotildeesrdquo o que gerou noccedilotildees comuns entre os envolvidos
Lembremos que as noccedilotildees comuns podem ser mais proacuteximas das ideias adequadas da
Substacircncia uma vez que tecircm mais partes da totalidade
A produccedilatildeo acadecircmica dos pesquisadores tambeacutem passou a ser mais intensa
Nesse contexto destaco (1) a realizaccedilatildeo do I Seminaacuterio de Grupos de Pesquisa sobre
Crianccedilas e Infacircncias (I Grupeci) entre os dias 25 26 e 27 de setembro de 2008
promovido pelo GP EFoPI e pela Faculdade de Educaccedilatildeo da Universidade Federal de
Juiz de Fora com a participaccedilatildeo de mais de 350 participantes inscritos sendo muitos de
diversas instituiccedilotildees de ensino superior do Brasil como Fundaccedilatildeo Joaquim Nabuco
(PE) PUC-MG PUC-SP Universidade Catoacutelica de Petroacutepolis (RJ) Universidade
Catoacutelica Dom Bosco (MS) UNEB (BA) UERJ UESC (BA) UFES UFMG UFSC
UFSCar (SP) UFV (MG) UFMA UFMS UFSJ (MG) e UFF (RJ) (2) a escrita de sete
artigos no v13 da Revista Educaccedilatildeo em Foco Editora UFJF em setembro de 2008 (3)
a participaccedilatildeo no livro ldquoTrajetoacuterias caminhos na pesquisa em educaccedilatildeordquo (tambeacutem pela
Editora da UFJF) com o artigo intitulado A creche como espaccedilo de reflexatildeo entre
diaacutelogos experiecircncias e colaboraccedilatildeo criacutetica lanccedilado em 2009 (4) a escrita de artigos
para o livro ldquoDiaacutelogos de Pesquisardquo organizado pela Profa Dra Leacutea S P Silva e pelo
Prof Dr Jader Jane Moreira Lopes (no prelo pela Editora da UFF) com vaacuterios artigos
do GP LACE e do GP EFoPI Aleacutem da produccedilatildeo escrita deve-se registrar apresentaccedilatildeo
de trabalhos dos pesquisadores em vaacuterios congressos encontros e simpoacutesios nacionais e
internacionais Aqui nesse movimento de intensa produccedilatildeo cientiacutefica os pesquisadores
mostram ter aumentado o conatus de cada um (Spinoza 16772005) ampliando
tambeacutem o conatus coletivo do grupo
Agora peccedilo licenccedila ao leitor para quebrar o protocolo da escrita que o gecircnero
conclusatildeo de uma tese encerra e continuar a interlocuccedilatildeo com duas cenas discursivas
que ilustram bem como o movimento da Cadeia Criativa transcende os espaccedilos das
atividades desenvolvidas atravessando vida formaccedilatildeo e trabalho
Cena discursiva 1
ldquoEstava fazendo compras em um supermercado quando a Diva uma das
coordenadoras das creches e participante do GP EFoPI chegou ateacute mim e perguntou se
CONSIDERACcedilOtildeES E REFLEXOtildeES ABERTAS 224
ILKA SCHAPPER SANTOS
poderia me incomodar um pouquinho pois gostaria de falar algo muito importante
Prontamente respondo que sim Ela entatildeo comeccedila a contar como estatildeo organizados os
espaccedilos e horaacuterios na creche em que trabalha Relata que muita coisa havia mudado
desde o curso de extensatildeo Diz que o trabalho com os cantinhos nas salas de atividades
estava dando muito certo Continua dizendo que eu nem reconheceria mais Depois
finaliza - Sabe agora as crianccedilas transformam as cadeirinhas em trens que partem para
os lugares que eles jaacute conheceram e aqueles que nunca saiacuteram de Juiz de Fora passam a
vivenciar isso de conhecer outros lugares pelo coleguinha Estamos fazendo aquelas
cabanas de pano que vocecircs ensinaram para as crianccedilas brincarem de casinha Ah
tambeacutem mudamos a roda de conversa As crianccedilas natildeo ficam soacute contando o que
aconteceu no dia anterior a gente canta brinca de cantiga de roda tem parlendas e
trava-liacutenguas E termina dizendo - Senti falta de vocecirc menina no uacuteltimo encontro
Despedi-me dela e tambeacutem das minhas compras e corri para o carro atraacutes de caneta e
papel para tentar transcrever a cena rdquo
Cena discursiva 2-
ldquoEstava na banca de monografia da Nataacutelia Toledo ex-bolsista de iniciaccedilatildeo
cientiacutefica do GP EFoPI da UFJF O trabalho versava sobre os sentidos e significados da
ldquoroda de conversardquo (rodinha) na creche O texto estava muito bem estruturado as
categorias teoacutericas metodoloacutegicas e a interpretaccedilatildeo foram construiacutedas a partir da
perspectiva soacutecio-histoacuterico-cultural no interior do GP EFoPI Ao final da apresentaccedilatildeo
a aluna pediu licenccedila para agradecer o tempo de conviacutevio no grupo e disse que agora
trabalha como professora em uma das creches puacuteblicas municipais Continuou dizendo
da importacircncia do grupo para sua formaccedilatildeo E como seu tema de investigaccedilatildeo era a
ldquoroda de conversardquo e seu trabalho um sub-eixo do projeto de pesquisa do GP EFoPI
disse que gostaria dizer que estava fazendo um trabalho muito interessante na
ldquorodinhardquo enfatizou que natildeo ficava pedindo agraves crianccedilas para falarem sobre fatos
referentes ao dia anterior mas que elas cantavam cantigas de roda faziam teatrinho na
proacutepria rodinha que era muito bom Na mesma hora lembrei de Diva e fiquei pensando
como tanto ela quase aposentando quanto a Nataacutelia terminando a formaccedilatildeo inicial e
comeccedilando seu percurso de professora compartilharam significados tatildeo similares
relativos principalmente a acuteroda de conversa`rdquo
As duas cenas discursivas recuperadas acima nos auxiliam a compreender o
movimento da Cadeia Criativa natildeo soacute entre atividades mas como disse na vida no
CONSIDERACcedilOtildeES E REFLEXOtildeES ABERTAS 225
ILKA SCHAPPER SANTOS
trabalho na formaccedilatildeo e na praacutetica docente Aleacutem disso as cenas mostram o trabalho de
colaboraccedilatildeo criacutetica que efetivamente o GP EFoPI desenvolveu Relatei os dois
episoacutedios em uma reuniatildeo do grupo de pesquisa e chegamos agrave conclusatildeo de que nosso
objeto idealizado sobre o brincar de faz de conta nas creches e preacute-escolas estava mais
concreto pois nos depoimentos acima tanto Diva quanto Nataacutelia demonstram
compreender um importante significado de brincar para o GP EFoPI o processo
ensino-aprendizagem segue o fluxo e o ritmo das experiecircncias das crianccedilas no interior
de suas infacircncias com ecircnfase no fazer buscando o (re)construir criativo por meio da
brincadeira
A sala de atividades na educaccedilatildeo infantil para o grupo precisa ter o aconchego
e o movimento da infacircncia trens de partida carros que chegam cavalos montados
casas construiacutedas Alunos que possibilitados de reconstruiacuterem o real transmutam-se em
reis rainhas fadas duendes cavaleiros matildees pais filhos E no universo do
maravilhoso cozinham costuram fazem biscoitos Satildeo situaccedilotildees em que as crianccedilas
podem representar o real ldquocom olhos de crianccedilardquo Ciacuterculos de vivecircncias e experiecircncias
Na roda cantam danccedilam rodopiam giram e veem a vida sob a oacutetica da infacircncia
Infacircncia que emerge do ldquovir a serrdquo mas toma o rumo do ldquoeu sou agorardquo Esse era um
importante significado que gostaria ao final do trabalho compartilhar com vocecirc leitor
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_______ (1934) Psicologia da arte Satildeo Paulo Martins Fontes 2000
_______ (1934) A construccedilatildeo do pensamento e linguagem 4ordf ed Satildeo Paulo Martins
Fontes 2001
_______ (1934) Teoria e meacutetodo em psicologia 3ordf ed Trad Claudia Berliner Satildeo
Paulo Martins Fontes 2004
WALLON H Psicologia da educaccedilatildeo e da infacircncia Lisboa Portugal Editorial
Estampa 1975
_______ A evoluccedilatildeo psicoloacutegica da crianccedila Lisboa Portugal Ediccedilotildees 70 1995
WERTSCH J VVoices of the Mind a Sociocultural Approach to Mediated Action
Cambridge M A Harvard University Press 1991
WERTSCH J V SMOLKA A L B Continuando o diaacutelogo Vygotsky Bakhtin e
Lotman IN DANIELS H Vygotsky em foco pressupostos e desdobramentos
Campinas Papirus 19941999
ZABALZA M A Qualidade em educaccedilatildeo infantil Editora Artes Meacutedicas Porto
Alegre 1998
ZANETTI A Entre a histoacuteria e seu desafios por um contexto de pesquisa In LOPES
J M SILVA L S P S (Orgs) Diaacutelogos de Pesquisa Editora UFF Rio de Janeiro no
prelo
ZEICHNER K M A formaccedilatildeo reflexiva de professores ideacuteias e praacuteticas Lisboa
Educa1993
ANEXOS 236
ILKA SCHAPPER SANTOS
Anexo 1
ANEXOS 237
ILKA SCHAPPER SANTOS
Anexo 2
PONTIFIacuteCIA UNIVERSIDADE CATOacuteLICA DE SAtildeO PAULO
SETOR DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO
COMITEcirc DE EacuteTICA EM PESQUISA
Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Linguumliacutestica Aplicada e Estudos da Linguagem
DECLARACcedilAtildeO DE CONCORDAcircNCIA DO PARTICIPANTE
De acordo com a descriccedilatildeo da pesquisa e dos compromissos firmados pela
pesquisadora eu ________________________________ assumo aqui a minha
concordacircncia em participar da pesquisa intitulada ldquoO Fluxo do Significado do Brincar
na Cadeia Criativa argumentaccedilatildeo e formaccedilatildeo de pesquisadores e educadoresrdquo
Assumo ainda que permito a divulgaccedilatildeo de seus resultados em Tese de Doutorado
Entretanto declaro que minha concordacircncia estaacute condicionada aos seguintes
requisitos
a) Anonimamente isto eacute que a divulgaccedilatildeo dos resultados seja feita sem mencionar os nomes dos participantes envolvidos ( )
b) Sem anonimato ( ) c) Que se possa ter acesso aos dados coletados ( ) d) Que tenha acesso aos produtos finais da anaacutelise e de sua interpretaccedilatildeo antes
de sua divulgaccedilatildeo puacuteblica ( ) e) Que caso necessaacuterio minha reaccedilatildeo diante dessas interpretaccedilotildees sejam
incorporadas antes de sua divulgaccedilatildeo puacuteblica ( )
Satildeo Paulo ___ ___ 2006
Assinatura ____________________________
Tendo em vista a declaraccedilatildeo do participante acima assinado eu Ilka Schapper Santos
assumo a responsabilidade total de cumprir as condiccedilotildees de pesquisa descritas
atendendo aos requisitos demandados pelos participantes
Satildeo Paulo ___ ___ 2006
Assinatura da pesquisadora _____________________________________
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