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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ILKA SCHAPPER SANTOS O Fluxo do Significado do Brincar na Cadeia Criativa: argumentação e formação de pesquisadores e educadores Doutorado em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem São Paulo, 2010

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PONTIFIacuteCIA UNIVERSIDADE CATOacuteLICA DE SAtildeO PAULO

PUC-SP

ILKA SCHAPPER SANTOS

O Fluxo do Significado do Brincar na Cadeia Criativa argumentaccedilatildeo e

formaccedilatildeo de pesquisadores e educadores

Doutorado em Linguiacutestica Aplicada e Estudos da Linguagem

Satildeo Paulo 2010

Livros Graacutetis

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PONTIFIacuteCIA UNIVERSIDADE CATOacuteLICA DE SAtildeO PAULO

PUC-SP

ILKA SCHAPPER SANTOS

O Fluxo do Significado do Brincar na Cadeia Criativa argumentaccedilatildeo e

formaccedilatildeo de pesquisadores e educadores

Tese apresentada agrave Banca Examinadora

da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de

Satildeo Paulo como exigecircncia parcial para

obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Doutora em

Linguiacutestica Aplicada e Estudos da

Linguagem na Pontifiacutecia Universidade

Catoacutelica de Satildeo Paulo sob a orientaccedilatildeo

da Professora Doutora Fernanda Coelho

Liberali

Satildeo Paulo 2010

FICHA CATALOGRAacuteFICA

SANTOS Ilka Schapper O Fluxo do Significado do Brincar na Cadeia Criativa

argumentaccedilatildeo e formaccedilatildeo de pesquisadores e educadores Satildeo Paulo 237 p2010

Tese (Doutorado em Linguiacutestica Aplicada e Estudos da Linguagem) - Pontifiacutecia

Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo 2010

Aacuterea de Concentraccedilatildeo Linguiacutestica Aplicada e Estudos da Linguagem

Orientadora Professora Doutora Fernanda Coelho Liberali

Palavras-chave Sentido Significado Cadeia Criativa Argumentaccedilatildeo Brincar

Autorizo exclusivamente para fins acadecircmicos e cientiacuteficos a reproduccedilatildeo total ou

parcial desta tese por processos fotocopiadores ou eletrocircnicos

Banca Examinadora

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Aos queridos Ricardo e Joatildeo Pedro

frutos bons

Para Solenio que na nossa relaccedilatildeo

trouxe muitos sentidos para o verbete

pai indo muito aleacutem do significado

estratificado e estaacutevel da palavra Muito

obrigada por ser na minha vida

referecircncia paterna

Agrave Profa Dra Fernanda Coelho Liberali

minha orientadora pelas palavras que

iluminaram este trabalho por acreditar

sempre no outro pelo seu desejo

contagiante em transformar o mundo de

forma criativa Mas principalmente

pelo exerciacutecio do confronto produtivo de

ideias valores e crenccedilas

AGRADECIMENTOS

Aos meus pais Solenio e Zeacutelia por serem sempre referecircncia de lutas e conquistas e

porto seguro para mim e para o Joatildeo Pedro Aacutervores boas

Agrave Leacutea que na nossa relaccedilatildeo traz outros sentidos para o verbete sogra

Ao Luiz Fernando por estar sempre proacuteximo e ser um aconchego para mim para o

Ricardo e em especial para o Joatildeo Pedro

Ao Ricardo meu companheiro de vida por sua colaboraccedilatildeo na feitura das figuras e dos

quadros presentes neste trabalho

Ao Joatildeo Pedro meu filho por partilhar comigo o exerciacutecio da relaccedilatildeo materna e

tambeacutem por seu brilho expresso em sua interlocuccedilatildeo com o mundo

Aos meus irmatildeos Joatildeo Nuacutebia Maacutercio Poliana e Pablo por serem imprescindiacuteveis Em

especial agrave Nuacutebia e agrave Poliana irmatildes-amigas por suas presenccedilas e por nossa interlocuccedilatildeo

acadecircmica que transcende os espaccedilos da famiacutelia

Aacute Profa Dra Leacutea Stahlschmidt Pinto Silva por possibilitar um espaccedilo no GP EFoPI

para a construccedilatildeo de uma metodologia de pesquisa revolucionaacuteria e transformadora e

por sua luta incansaacutevel pelas crianccedilas e suas infacircncias

Aos professores e coordenadores das creches do municiacutepio de Juiz de Fora por

possibilitarem a minha incursatildeo na reflexatildeo da praacutetica e na praacutetica da reflexatildeo no

universo da infacircncia de crianccedilas de 2 e 3 anos

Aos participantes dos grupos de pesquisa EFoPI LACE e LIC pelas interlocuccedilotildees

acadecircmicas que atravessam esta tese

Agrave Tida nossa querida funcionaacuteria que cuidou do Ricardo e principalmente do Joatildeo

Pedro nos momentos em que estava viajando para Satildeo Paulo ou imersa na escrita da

tese

Agrave Profa Dra Maria Ceciacutelia Magalhatildees (Ciccedila) pelas significativas contribuiccedilotildees para o

meu desenvolvimento como aluna e professora-pesquisadora e por suas caracteriacutesticas

que se revelam em palavras e atos sensibilidade solidariedade inteligecircncia e

compromisso com a transformaccedilatildeo de si do outro e do mundo

Agrave amiga Elvira Aranha pelo seu acolhimento por nossos diaacutelogos que transcendem os

espaccedilos desta tese e principalmente por ser algueacutem em quem posso confiar Por mais

que ela natildeo goste que diga uma profissional-acadecircmica brilhante

Agraves professores doutoras que participaram das bancas de qualificaccedilatildeo Alzira Shimoura

Maria Ceciacutelia Magalhatildees Maria Helena Pistori Mona Hawi e Wanda Aguiar Junqueira

porpromoverem uma interlocuccedilatildeo calorosa permitindo que eu repensasse o percurso

desta pesquisa

Aacute Profa Dra Maria Teresa de Assunccedilatildeo Freitas por seu compromisso com a produccedilatildeo

do conhecimento na praacutetica de pesquisa por suas contribuiccedilotildees teoacutericas e por nosso

diaacutelogo que transcende o universo acadecircmico e invade os espaccedilos da afetividade

Agrave Profa Dra Mona Hawi pelas inuacutemeras contribuiccedilotildees neste trabalho no periacuteodo da

segunda qualificaccedilatildeo e ao longo de todo doutorado Por nossos diaacutelogos vivecircncias e

principalmente por ter se tornado referecircncia para mim na cidade de Satildeo Paulo

Agrave Fernanda Cardoso por nossa intensa interlocuccedilatildeo no periacuteodo de revisatildeo deste

trabalho e principalmente por ter demonstrado ser coerente agrave categoria colaboraccedilatildeo

Agrave Lena por nossos diaacutelogos acadecircmicos e afetivos que muito contribuiacuteram para este

trabalho final

Agrave Alexsandra amiga-irmatilde de longa data por estar sempre por perto Nossa interlocuccedilatildeo

e nosso afeto atravessam tempos e espaccedilos

Agrave amiga Bruna por ter sempre uma enunciaccedilatildeo recheada de afeto disponibilidade e

muitas inquietaccedilotildees instigantes e por se tornar uma interlocutora imprescindiacutevel Haacute

muito de Bruna Sola Ramos nesta tese

Agrave Mocircnica (Mamu) comadre amiga-irmatilde por nossa interlocuccedilatildeo que supera as

adversidades da vida e pelas aprendizagens que partilhamos Por meio de nossos

diaacutelogos pude aprimorar minha capacidade argumentativa

Agrave querida Claacuteudia Bonfatti por ter sido uma referecircncia para o Joatildeo Pedro no periacuteodo

de ingresso na educaccedilatildeo infantil e por ter se tornado amiga da famiacutelia Sua experiecircncia

posturas e atitudes como professora dos pequenos sinalizam o compromisso que tem

com as crianccedilas e suas infacircncias

Agrave Rose por trazer beliacutessimas imagens para o Joatildeo Pedro transmutadas por meio do

maravilhoso e por ter enriquecido sua infacircncia com movimentos de expansatildeo e

contraccedilatildeo no momento em que natildeo pude estar

Agrave Hilda amiga querida pela presenccedila colaborativa e por me ensinar a objetivar as accedilotildees

e tarefas do cotidiano acadecircmicoprofissional

A todos os amigos do LAEL especialmente aos colegas do Seminaacuterio de Orientaccedilatildeo

colaboradores no processo de construccedilatildeo desta pesquisa

Agrave Maria Luacutecia e agrave Maacutercia por suas accedilotildees generosas em periacuteodos como Matriacutecula Prova

de Francecircs e Exame de Aacuterea Complementar

Agrave Universidade Federal de Juiz de Fora em especial ao Departamento de Educaccedilatildeo

pelo afastamento concedido e agrave CAPES pelo apoio financeiro que tornou possiacutevel

meus estudos no LAEL

SUMAacuteRIO

COMECcedilANDO O DIAacuteLOGO 18

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO

DOS ldquoNOacuteSrdquo

27

11 ndash O Movimento da Cadeia Criativa linguagem e produccedilatildeo de

conhecimento

30

111 ndash A Cadeia Criativa entre o compartilhamento de sentidos e de

significados

31

112 ndash A Cadeia Criativa e a ZPD interregno de conflitos tensotildees e

possibilidades na produccedilatildeo de conhecimento

39

113 ndash Cronotopia e exotopia uma diacuteade no movimento da Cadeia

Criativa

43

114 ndash A Cadeia Criativa sob a eacutegide da totalidade spinozana 46

115 ndash Breve retomada da ldquovelhardquo e da ldquonovardquo retoacuterica um encontro com

a argumentaccedilatildeo na cadeia criativa

52

116 ndash Fluxo da Interaccedilatildeo verbal por uma argumentaccedilatildeo dialoacutegica na

Cadeia Criativa

62

CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFOPI 67

21 ndash Uma breve histoacuteria sobre o brincar 69

211 ndash A imaginaccedilatildeo e a brincadeira de faz de conta 74

212 ndash O desenvolvimento da imaginaccedilatildeo loacutecus da brincadeira de faz de

conta e da (re)invenccedilatildeo do real

81

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E

(DES)CAMINHOS TRILHADOS

90

31 ndash A Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo no Grupo de Pesquisa Linguagem em

Atividades no Contexto Escolar (GP LACE)

94

32 ndash A Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo no Grupo de Pesquisa Educaccedilatildeo

Formaccedilatildeo de professores e Infacircncia (GP EFoPI)

97

33 ndash Espaccedilos-tempo de uma construccedilatildeo coletiva caracterizaccedilatildeo do(s)

contexto(s) de pesquisa

104

331 ndash Projeto de 2006-2007 A verticalizaccedilatildeo e a horizontalizaccedilatildeo do

espaccedilo da sala de educaccedilatildeo infantil

104

332 ndash Projeto de 2008-2009 Espaccedilo de reflexatildeo criacutetica em contexto de

colaboraccedilatildeo reconstruindo os sentidos e os significados da praacutetica

educativa na creche

109

333 ndash Espaccedilos de Atuaccedilatildeo do GP EFoPI 113

3331 ndash A Entidade Civil que manteacutem as creches no Municiacutepio de

Juiz de Fora uma breve incursatildeo na AMAC

113

3332 ndash A Extensatildeo Universitaacuteria e o Curso de Extensatildeo na

Universidade Federal de Juiz de Fora

116

334 ndash Equipe de pesquisadores participantes do GP EFoPI no Periacuteodo

2006-2009

120

34 ndash Pesquisadores Focais do trabalho de Tese 122

35 ndash Procedimentos de produccedilatildeo-geraccedilatildeo coleta organizaccedilatildeo e

armazenamento dos dados

123

36 ndash Procedimentos de Anaacutelise e Interpretaccedilatildeo de Resultados 125

361 ndash Categorias de Anaacutelise 126

3611 ndash Marcas da Interaccedilatildeo 128

3612 ndash Marcas Argumentativas 1 129

3613 ndash Marcas Argumentativas 2 129

3614 ndash Marcas Linguiacutesticas 130

362 ndash Categorias de Interpretaccedilatildeo 131

37 ndash Credibilidade neste Processo de Pesquisa 132

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 134

41 ndash 1ordm Cronotopo da Cadeia Criativa ndash Sessotildees reflexivas com pesquisadoras

do GP EFoPI e educadoras da creche

135

411 ndash 1ordf Sessatildeo Reflexiva Analisada ndash dia 14 de agosto de 2006 135

412 ndash 2ordf Sessatildeo Reflexiva Analisada ndash dia 21 de agosto de 2006 149

413 ndash 3ordf Sessatildeo Reflexiva Analisada ndash dia 04 de setembro de 2006 166

42 ndash 2ordm Cronotopo da Cadeia Criativa ndash Curso de Extensatildeo 183

421 ndash Encontros do Curso de Extensatildeo Analisados ldquoA Dimensatildeo Luacutedica

na Crianccedila e na Crecherdquo e ldquoA Dimensatildeo Luacutedica no Espaccedilo-Ambiente

da Creche reflexotildees sobre o brincarrdquo ndash dias 05 e 12 de novembro de

2007

183

43 ndash 3ordm Cronotopo da Cadeia Criativa ndash Sessatildeo Reflexiva com as

Coordenadoras das Creches da AMAC

201

431 ndash 4ordf Sessatildeo Reflexiva Analisada ndash dia 11 de novembro de 2009 201

44 ndash Consideraccedilotildees Parciais 215

CONSIDERACcedilOtildeES E REFLEXOtildeES ABERTAS 220

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 226

ANEXOS 236

Anexo 1 236

Anexo 2 237

IacuteNDICE DE QUADROS

Quadro 01 ndash Os trecircs gecircneros do discurso na Retoacuterica com base em Reboul 58

Quadro 02 ndash Desenho da Pesquisa 93

Quadro 03 ndash Accedilotildees e questotildees relativas ao processo reflexivo 100

Quadro 04 ndash Accedilotildees e questotildees relativas ao processo reflexivo construiacutedas pelo

EFoPI a partir de Smyth

101

Quadro 05 ndash Cronograma do planejamento das accedilotildees do GP EFoPI nos anos

de 2006 e 2007

108

Quadro 06 ndash Cronograma do planejamento das accedilotildees do GP EFoPI nos anos

de 2008 e 2009

112

Quadro 07 ndash Relaccedilatildeo AdultoCrianccedila nas Creches Comunitaacuterias da

AMAC2009

115

Quadro 08 ndash Proporccedilatildeo AdultoCrianccedila nas Turmas das Instituiccedilotildees de

Educaccedilatildeo Infantil segundo a Resoluccedilatildeo Municipal No 12000

115

Quadro 09 ndash Coordenadores do GP EFoPI 121

Quadro 10 ndash Pesquisadores Doutores Doutorandos Mestres e Mestrandos 121

Quadro 11 ndash Alunos de Iniciaccedilatildeo Cientiacutefica 122

Quadro 12 ndash Pesquisadores Colaboradores 122

Quadro 13 ndash Siacutentese dos instrumentos usados para a discussatildeo 125

Quadro 14 ndash Marcas da interaccedilatildeo 128

Quadro 15 ndash Marcas Argumentativas 1 129

Quadro 16 ndash Marcas Argumentativas 2 130

Quadro 17 ndash Marcas Linguiacutesticas 131

Quadro 18 ndash Categorias de Interpretaccedilatildeo 131

IacuteNDICE DE FIGURAS

Figura 01 ndash Fluxograma da Pesquisa 92

Figura 02 ndash Accedilotildees para materializar interdisciplinaridade e transversalidade

na triacuteade ensino-pesquisa-extensatildeo

119

RESUMO

Esta pesquisa se insere na aacuterea da Linguiacutestica Aplicada na linha Educaccedilatildeo e

Linguagem da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica ndash Satildeo Paulo tendo como objetivo

investigar o fluxo do significado do brincar na Cadeia Criativa no interior do Grupo de

Pesquisa Educaccedilatildeo Formaccedilatildeo de Professores e Infacircncia (EFoPI) Apresenta como

aporte teoacuterico as referecircncias da Teoria Soacutecio-Histoacuterico-Cultural em especial as

contribuiccedilotildees de Vygotsky do Ciacuterculo de Bakhtin e de seus respectivos seguidores

Adota tambeacutem a perspectiva monista spinozana (Spinoza 16772005) para tecer uma

discussatildeo sobre o movimento da Cadeia Criativa (Liberali 2006 2009) A linguagem

nesse movimento eacute vista sob a perspectiva bakhtiniana e de seu ciacuterculo bem como sob

a oacutetica dos elementos da ldquovelhardquo e da ldquonovardquo retoacuterica (Aristoacuteteles 350 aC2005

Perelman e Olbrechts-Tyteca 19702005) que fundam neste trabalho um significativo

debate sobre a argumentaccedilatildeo Nesse contexto a linguagem eacute vista como possibilitadora

de traduzir-realizar os eventos do existir humano atravessados pelas (inter-)relaccedilotildees nos

vaacuterios contextos do GP EFoPI por meio de intervenccedilotildees com os educadores das creches

puacuteblicas municipais da cidade de Juiz de Fora O referencial metodoloacutegico eacute norteado

pelos princiacutepios da Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo (Magalhatildees 2002 2004 2006

2009) entendida como um processo que possibilita a todos os participantes da pesquisa

a construccedilatildeo-produccedilatildeo do conhecimento com ecircnfase no papel da colaboraccedilatildeo como

espaccedilo de aprendizado e desenvolvimento a todos os envolvidos no processo A

discussatildeo dos resultados estaacute pautada em categorias de anaacutelise argumentativas

desenvolvidas com base em Perelman e Olbrechts-Tyteca (19702005) e Liberali e

Shimoura (2007) bem como de interpretaccedilatildeo embasadas no referencial teoacuterico deste

trabalho em especial as categorias teoacutericas da perspectiva Soacutecio-Histoacuterico-Cultural no

interior do movimento da Cadeia Criativa Os resultados indicam que a praacutexis do GP

EFoPI nos cronotopos da Cadeia Criativa foi gradativamente assumindo os princiacutepios

epistemoloacutegicos e praacuteticos da colaboraccedilatildeo Os educadores das creches junto com os

pesquisadores foram se tornando protagonistas nas discussotildees teoacuterico-praacuteticas sobre o

brincar bem como na ressignificaccedilatildeo das praacuteticas que circundam essa atividade Para

estes as transformaccedilotildees ficaram circunscritas aos modos e agraves maneiras de intervir jaacute

para os educadores notaram-se mudanccedilas nos proacuteprios sentidos e significados acerca da

temaacutetica

Palavras-chave Sentido Significado Cadeia Criativa Argumentaccedilatildeo Brincar

ABSTRACT

This research is inserted in the area of Applied Linguistics in the line of Education and

Language of Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica ndash Satildeo Paulo having as its goal to

investigate the flow of the meaning of playing in the Creative Chain inside the

Education Research Group Teacher Formation and Childhood (EFoPI) It is presented

as theoretic foundation the references from the Social-Historical-Cultural Theory

especially the contributions from Vygotsky Bakhtinrsquos Circle and their respective

followers It is also adopted the monist Spinozan perspective (Spinoza 16772005) to

weave a discussion on the movement of the Creative Chain (Liberali 2006 2009) The

language in this movement is seen under the Bakhtinian perspective and his circle as

well as under the optic of the elements from ldquooldrdquo and ldquonewrdquo rhetoric (Aristotle 350

aC2005 Perelman and Olbrechts-Tyteca 19702005) which found in this paper a

significant debate on the argumentation In this context the language is seen as able to

translate-realize the events of being human through the (inter)relationships in many

contexts of GP EFoPI by means of interventions with the educators of the cityrsquos public

daycare centers in the city of Juiz de Fora The methodological reference is guided by

the principles of Critic Research of Collaboration (Magalhatildees 2002 2004 2006 2009)

understood as a process that allows to all the participants of the research the

construction-production of the knowledge with emphasis on the role of collaboration as

a space of learning and developing to all those involved in the process The discussion

of the results is based on categories of argumentative analysis developed over Perelman

and Olbrechts-Tyteca (19702005) Liberali and Shimoura (2007) as well as

interpretation based on the theoretical reference from this paper especially the

theoretical categories of the Social-Historical-Cultural perspective inside the Creative

Chain movement The results indicate that the praxis used on GP EFoPi in the

chronotopes of the Creative Chain gradually has been taking over the epistemological

and practical principals of collaboration The daycare center educators along with the

researchers were becoming protagonists in the theoretical-practical discussions on

playing as well as the resignification of the practices that circle this activity For these

the transformations were circumscribed to the ways and manners of intervening as for

the educators changes were noticed in their own senses and meanings about the theme

Key-words Sense Meaning Creative Chain Argumentation Playing

ILKA SCHAPPER SANTOS

COMECcedilANDO O DIAacuteLOGO

Neste trabalho busco compreender criticamente a formaccedilatildeo das professoras

pesquisadoras e das educadoras1 participantes de um grupo de pesquisa que investiga a

formaccedilatildeo dos profissionais da educaccedilatildeo infantil Em especial investigo como se

processa o compartilhamento de sentidos e de significados sobre o brincar Um dos

focos da investigaccedilatildeo eacute discutir as concepccedilotildees sobre o brincar no espaccedilo de pesquisa ndash

que se materializa nas reuniotildees de discussatildeo teoacuterica de definiccedilatildeo de metodologia e de

instrumentos de ingresso no campo e de anaacutelise criacutetica de dados ndash em um grupo que

estuda a crianccedila e suas infacircncias nas creches puacuteblicas municipais de Juiz de Fora O

Grupo de Pesquisa (GP) em questatildeo eacute o EFoPI (Educaccedilatildeo Formaccedilatildeo de Professores e

Infacircncia) Na realidade investigo o que estou intitulando de metapesquisa2

O prefixo meta- indica transcendecircncia ldquopara aleacutemrdquo da pesquisa Num

movimento dialeacutetico as reuniotildees do grupo de pesquisa e os diaacutelogos com os

participantes sistematizam e organizam as pesquisas em si mas tambeacutem criam espaccedilos

de investigaccedilatildeo cientiacutefica que transcendem as discussotildees das definiccedilotildees de questotildees de

estudos de objetivos de fundamentaccedilatildeo teoacuterica de anaacutelise de dados objetivando a

transformaccedilatildeo da realidade

Os professores pesquisadores e os participantes da pesquisa na apropriaccedilatildeo de

concepccedilotildees teoacutericas e no ingresso das discussotildees acadecircmicas e trabalho de campo

reescrevem ressignificam sua praacutexis continuando a tecer e a fiar nas dobras das suas

construccedilotildees a produccedilatildeo do conhecimento Isso porque entrecruzam as formulaccedilotildees

teoacutericas com outras leituras e outras vivecircncias que tiveram no campo da academia e no

diaacutelogo com seus interlocutores Aleacutem disso quando estudam um construto teoacuterico e o

relacionam com o trabalho cotidiano no interior de uma pesquisa as professoras-

pesquisadoras e as educadoras participantes da pesquisa trazem para a cena da

investigaccedilatildeo cientiacutefica atores diferentes daqueles que os proacuteprios teoacutericos elegeram

Mas na modernidade ndash ou poacutes-modernidade ndash a tarefa de pensar de estabelecer

relaccedilotildees e proposiccedilotildees de reconstruir como muitas outras sofre com a pressa e a

brevidade do tempo

1 Neste trabalho de tese o verbete ldquoeducadorasrdquo se refere tanto agraves professoras quanto agraves coordenadoras

pedagoacutegicas das creches puacuteblicas municipais de Juiz de Fora 2 A terminologia metapesquisa foi criada por mim para definir o processo de investigar a praacutetica de

pesquisa

COMECcedilANDO O DIAacuteLOGO 19

ILKA SCHAPPER SANTOS

O homem contemporacircneo estaacute de fato marcado pela pressa e pela falta de

tempo Falta de tempo para a reflexatildeo cientiacutefica que requer dialogar e digerir a ldquoideia do

outrordquo ndash no caso da pesquisa aprofundar nos autores selecionados ndash para no

entrecruzamento da ldquoideia proacutepriardquo ndash a questatildeo a ser investigada ndash criar a ldquoideia novardquo

com novas significaccedilotildees Esse terceiro elemento que diz da originalidade da criaccedilatildeo

estaacute se esvaziando na atualidade Soacute se tem tempo de analisar a ldquoideia do outrordquo e a

ldquoideia proacutepriardquo Muitas vezes natildeo se tem tempo para originalidade e criatividade que

requerem a interlocuccedilatildeo das trecircs ideias citadas Nesse contexto estamos perdendo no

campo da produccedilatildeo cientiacutefica da construccedilatildeo de conhecimento a capacidade de transitar

na terceira margem do rio

A dificuldade de criaccedilatildeo estaacute posta no excesso de informaccedilatildeo na tentativa de se

dar conta de tudo dos prazos achatados das agecircncias de fomento Natildeo sobra tempo para

o processo criativo no interior do processo de pesquisa Isso porque na busca de se

achar a melhor definiccedilatildeo na palavra do outro haacute uma reproduccedilatildeo do texto do outro

inserido no contexto da investigaccedilatildeo Mas com isso muitas vezes se esvazia a palavra

do pesquisador ndash que seria a tocircnica da diferenccedila entre argumentar analisar e transformar

a realidade

Para investigar o processo de produccedilatildeo de conhecimento sobre o brincar com

as professoras-investigadoras e as demais participantes da pesquisa analisei

longitudinalmente a produccedilatildeo dos dados do GP EFoPI ao longo de quatro anos de

intervenccedilatildeo do iniacutecio de 2006 ateacute o final de 2009 Isso foi feito a partir das sessotildees

reflexivas realizadas com as educadoras das creches dos encontros do curso de

extensatildeo e das sessotildees reflexivas que o grupo ofereceu para as coordenadoras das 23

creches da cidade de Juiz de Fora

O meu interesse pelo tema estaacute relacionado agrave minha preocupaccedilatildeo como

professora de uma universidade puacuteblica de compreender como o processo de pesquisa

numa perspectiva soacutecio-histoacuterico-cultural de colaboraccedilatildeo possibilita aos participantes a

transformaccedilatildeo e a reconstruccedilatildeo do mundo que os cercam Aleacutem disso na minha

trajetoacuteria acadecircmica o binocircmio professora-pesquisadora sempre esteve presente

Em 1990 concluiacute o curso de magisteacuterio de niacutevel meacutedio em uma escola puacuteblica

estadual na cidade de Satildeo Gonccedilalo do Sapucaiacute em Minas Gerais Nesse periacuteodo

trabalhei dois anos na APAE da cidade

No ano seguinte mudei-me para o Municiacutepio Juiz de Fora por conta da

aprovaccedilatildeo no vestibular Em 1991 apoacutes aprovaccedilatildeo em concurso puacuteblico comecei

COMECcedilANDO O DIAacuteLOGO 20

ILKA SCHAPPER SANTOS

minha carreira como professora alfabetizadora da SME (Secretaria Municipal de

Educaccedilatildeo) da cidade Paralela a essa atividade era estudante do curso de Pedagogia da

Universidade Federal de Juiz de Fora onde tambeacutem participava de projetos de pesquisa

de extensatildeo e de monitoria que investigavam e atendiam crianccedilas que vivenciaram anos

de fracasso na alfabetizaccedilatildeo inicial

Terminada a graduaccedilatildeo em 1994 no ano subsequente ingressei no mestrado em

educaccedilatildeo na PUC-Rio sob a orientaccedilatildeo da professora Dra Socircnia Kramer Nesse

periacuteodo desejava continuar minhas investigaccedilotildees no campo da alfabetizaccedilatildeo leitura e

escrita Inscrevi-me entatildeo no segundo periacuteodo do curso na pesquisa intitulada Cultura

Modernidade e Linguagem Leitura e Escrita de Professores em suas Histoacuterias de Vida

e Formaccedilatildeo Foi nesse projeto interinstitucional que vivenciei minhas primeiras

experiecircncias de pesquisa numa abordagem histoacuterica e cultural sob a orientaccedilatildeo das

professoras doutoras Socircnia Kramer e Solange Jobim e Souza Foi tambeacutem no interior

desse projeto que minha dissertaccedilatildeo se originou

Ao lado disso fui aprovada em uma seleccedilatildeo para professor substituto no

Departamento de Psicologia da Educaccedilatildeo e Orientaccedilatildeo Educacional da Faculdade de

Educaccedilatildeo da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)

Finalizado o mestrado fui aprovada em um concurso puacuteblico de coordenaccedilatildeo

pedagoacutegica da Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo (SME) do municiacutepio de Juiz de Fora

Na convocaccedilatildeo escolhi trabalhar com a educaccedilatildeo infantil e as quatro primeiras seacuteries do

ensino fundamental Na escola defini junto agrave direccedilatildeo que minha tarefa seria a de

orientaccedilatildeo-formaccedilatildeo pedagoacutegica de professores da educaccedilatildeo infantil e professores

alfabetizadores Nessa coordenaccedilatildeo realizei junto aos outros profissionais da escola

vaacuterios trabalhos de pesquisa-intervenccedilatildeo com as professoras alfabetizadoras Nesse

periacuteodo terminava o curso de letras na UFJF

Trecircs anos depois de estar na coordenaccedilatildeo pedagoacutegica de uma escola puacuteblica

municipal fui aprovada em concurso puacuteblico na UFJF Desde entatildeo participo de dois

grupos de pesquisa Linguagem Interaccedilatildeo e Conhecimento (LIC) e Educaccedilatildeo

Formaccedilatildeo de Professores e Infacircncia (EFoPI) coordenados pelas professoras doutoras

Maria Teresa de Assunccedilatildeo Freitas e Leacutea S P Silva respectivamente No interior dos

grupos de pesquisa interessei-me pela discussatildeo da formaccedilatildeo contiacutenua do professor da

educaccedilatildeo infantil e do ensino fundamental Nesse entremeio fui Coordenadora de

Extensatildeo cargo que me levou a assumir os programas e projetos de extensatildeo da UFJF

COMECcedilANDO O DIAacuteLOGO 21

ILKA SCHAPPER SANTOS

A experiecircncia na proacute-reitoria mostrou-me a relevacircncia da interface do binocircmio

pesquisa-extensatildeo Percebi que muitas aacutereas do conhecimento trabalhavam com esse

binocircmio de forma indissociaacutevel Foi isso que me levou agrave PUC-SP a querer ingressar no

fluxo de uma aacuterea do conhecimento que tivesse essa caracteriacutestica a Linguiacutestica

Aplicada

No ano de 2006 ingressei no Programa de Doutorado em Linguiacutestica Aplicada e

Estudos da Linguagem (LAEL) na PUC-SP sob a orientaccedilatildeo da profa Dra Fernanda

Coelho Liberali Comecei entatildeo a participar do Grupo de Pesquisa Linguagem em

Atividade no Contexto Escolar (LACE) liderado pelas professoras doutoras Fernanda

Coelho Liberali e Maria Ceciacutelia Magalhatildees

A participaccedilatildeo nos trecircs grupos de pesquisa LIC EFoPI e LACE foi

especialmente importante para a minha formaccedilatildeo de professora pesquisadora e para o

levantamento de questotildees que me levaram agrave construccedilatildeo desta tese Os trecircs grupos tecircm

em comum o referencial soacutecio-histoacuterico-cultural e a busca de transformaccedilatildeo da

realidade circunscrita nos espaccedilos acadecircmicos e escolares

Minha busca em compreender criticamente esse processo de transformaccedilatildeo

levou-me a optar por desenvolver minha tese de doutoramento em um programa de

Linguiacutestica Aplicada e Estudos da Linguagem como disse anteriormente

Nesse movimento dois motivos especiacuteficos me impulsionaram a estar em um

doutorado ligado agrave LA O primeiro deles seria uma formulaccedilatildeo mesticcedila e nocircmade

(Moita Lopes 2006) da LA e da minha proacutepria formaccedilatildeo e praacutetica docente jaacute que no

hibridismo da minha formaccedilatildeo inicial em Pedagogia e Letras ndash desdobrados em

Educaccedilatildeo e Linguagem ndash atuo como professora de uma universidade puacuteblica na aacuterea da

Psicologia e Educaccedilatildeo O segundo indissociaacutevel do primeiro estaacute pautado na crenccedila

que tenho na produccedilatildeo do conhecimento sob a eacutegide da pesquisa aplicada na qual a

investigaccedilatildeo eacute fundamentalmente centrada no contexto igualmente aplicado (ibid

p21) Um processo que possibilita transitar entre a praacutetica da reflexatildeo e a reflexatildeo da

praacutetica esboccedilando a procura da pretensa totalidade

A LA se configura como um campo de pesquisa que estuda a linguagem em uso

e como explica Marx (1945-19462002 p 24) ldquoeacute tatildeo velha como a consciecircncia ()

aparece com a necessidade dos intercacircmbios com os outros homensrdquo A linguagem

nesse contexto de investigaccedilatildeo eacute concebida como elemento indispensaacutevel entre o ser

humano e o mundo que o cerca A consciecircncia humana se constitui por meio da

linguagem em um movimento circunscrito agrave realidade material e imaterial Em um

COMECcedilANDO O DIAacuteLOGO 22

ILKA SCHAPPER SANTOS

movimento dialeacutetico os seres humanos satildeo constituiacutedos napela linguagem e tambeacutem a

constitui e por conta disso natildeo podem dela dissociar-se para compreender a realidade

transformado-a e sendo por ela transformado

Nessa perspectiva o estudo da LA amplia seu campo de accedilatildeo e deixa de ser

percebida apenas como aacuterea que permite solucionar os problemas concernentes agrave

linguagem em uso As pesquisas em LA na contemporaneidade procuram investigar

situaccedilotildees concretas de maneira que possam responder agraves demandas sociais do contexto

pesquisado (Moita Lopes 2006 p 20) No movimento de pesquisa esse eacute um ponto

fundamental uma vez que permite um estreitamento com a comunidade investigada

propiciando espaccedilo para a construccedilatildeo-produccedilatildeo do conhecimento responsivo ativo agrave

vida social dos sujeitos envolvidos

Em uma leitura bakhtiniana podemos inferir (o leitor e eu) que a pesquisa

aplicada materializada em praacuteticas de linguagem natildeo permanece silenciada pois como

praacutetica discursiva se faz em uma praacutexis3 dialoacutegica e ideoloacutegica Esse movimento estaacute

fundado na comunicaccedilatildeo verbal posto que um enunciado seja sempre acompanhado de

uma atitude responsiva ativa No dizer de Bakhtin (1997 p 290) toda compreensatildeo eacute

prenha de resposta e de uma forma ou de outra forccedilosamente a produz o ouvinte

torna-se locutor

Foi por meio dos diaacutelogos tecidos no GP LACE no GP EFoPI na participaccedilatildeo

dos seminaacuterios de pesquisa dos seminaacuterios de orientaccedilatildeo e nas discussotildees das

disciplinas4 do doutorado que inicio um novo campo de investigaccedilatildeo compreender o

fluxo do significado sobre o brincar entre pesquisadores e educadores do GP EFoPI no

interior da argumentaccedilatildeo colaborativa Isso foi fomentado principalmente nos debates

tecidos sobre a Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo com a Profa Dra Maria Ceciacutelia

Magalhatildees e na participaccedilatildeo do projeto de produtividade teacutecnica do CNPq sob a

coordenaccedilatildeo da Profa Dra Fernanda Coelho Liberali ldquoArgumentos na Produccedilatildeo

Criativa de Significados em Contextos Escolares de Formaccedilatildeo de Educadoresrdquo em que

esta tese eacute um sub-eixo

3 O conceito de Praacutexis de Karl Marx diz da articulaccedilatildeo entre teoria e praacutetica uma praacutetica desenvolvida

compelaatraveacutes de reflexotildees Uma busca de compreensatildeo ativa no dizer de Bakhtin (1997) da atividade

praacutetica Eacute a atividade praacutetica imbricada de teoria 4 Disciplinas (a) Teorias da Linguagem II teorias e praacuteticas da argumentaccedilatildeo ndash perspectiva enunciativo-

discursivo (b) Argumentaccedilatildeo em Contexto Escolar (c) Linguiacutestica Aplicada II - linguagem e produccedilatildeo

do conhecimento (d) Toacutepicos em Linguiacutestica Aplicada II formaccedilatildeo de professores e reflexatildeo

COMECcedilANDO O DIAacuteLOGO 23

ILKA SCHAPPER SANTOS

No interior do GP LACE e do GP EFoPI vaacuterias pesquisas foram concluiacutedas e

outras estatildeo em desenvolvimento Destacarei aqui aquelas que tecircm relaccedilatildeo com o tema

desta tese ou seja as que discutem a brincadeira na infacircncia de 0 a 6 anos (GP EFoPI) e

as que tratam da argumentaccedilatildeo no interior da formaccedilatildeo de educadores criacuteticos (GP

LACE)

No GP EFoPI temos os trabalhos de bacharelado de Fabrino (2005) cuja

temaacutetica gira em torno das concepccedilotildees de educaccedilatildeo infantil e infacircncia nos projetos

poliacutetico-pedagoacutegicos das creches da AMAC de Salgado (2007) em que a autora

discute a construccedilatildeo da identidade da profissional recreadora de creche de Abreu

(2008) que investiga o brincar de faz de conta e o letramento na educaccedilatildeo infantil

Em niacutevel de mestrado temos as pesquisas de Santos (2005) que investigou o

processo de construccedilatildeo da identidade negra tendo como contexto de anaacutelise a

brincadeira de faz de conta de Ribeiro (2006) cujo tema era compreender a concepccedilatildeo

de educaccedilatildeo infantil presente nas escolas puacuteblicas municipais de Juiz de Fora de Costa

(2007) que procurou analisar a compreensatildeo de educadores de creches acerca do

movimento corporal no desenvolvimento infantil de Arauacutejo (2008) que pesquisou o

lugar do brincar na instituiccedilatildeo de educaccedilatildeo infantil em tempo integral E no doutorado

a pesquisa em andamento de Santos que busca compreender os significados atribuiacutedos

ao choro na creche

No GP LACE destaco as pesquisas de iniciaccedilatildeo cientiacutefica de Silva (2004) e

Olivetti (2004) cujas temaacuteticas estatildeo circunscritas ao campo da argumentaccedilatildeo e

formaccedilatildeo da cidadania Em niacutevel de mestrado temos o trabalho de Aranha (2009) que

procura compreender criticamente o papel da argumentaccedilatildeo na construccedilatildeo de

significados compartilhados por formadores e participantes em contextos de formaccedilatildeo

continuada de Meaney (2009) que investiga a argumentaccedilatildeo na formaccedilatildeo do professor

na escola biliacutengue e de Rodrigues (2010) que analisa o papel da argumentaccedilatildeo na

formaccedilatildeo criacutetica de professores em uma creche

Ainda no campo do mestrado temos pesquisas em andamento de Oliveira que

investiga como a argumentaccedilatildeo e o pensamento criacutetico valorizado em diaacutelogos

organizados em um grupo de teatro de uma escola podem configurar como espaccedilos de

mediaccedilatildeo impliacutecita do aluno e de Santos que investiga a produccedilatildeo criacutetica

argumentativa no espaccedilo da sala de aula

No doutorado outras investigaccedilotildees em curso de Guerra que procura

compreender criticamente como a argumentaccedilatildeo presente nas negociaccedilotildees das

COMECcedilANDO O DIAacuteLOGO 24

ILKA SCHAPPER SANTOS

atividades do Projeto Aprender Brincando possibilita a produccedilatildeo de significados

compartilhados de Vendramini-Zanella que objetiva desenvolver um trabalho de

formaccedilatildeo criacutetica dos alunos de cursos de licenciatura por meio da argumentaccedilatildeo na

atividade de contar histoacuterias para crianccedilas com cacircncer em hospital especializado

Todos os trabalhos aqui destacados tanto do GP EFoPI quanto do GP LACE

satildeo de suma importacircncia pois em cada grupo de pesquisa essas investigaccedilotildees tecem

intersecccedilotildees gerando dados que estabelecem uma rede de diaacutelogos que tornam possiacutevel

sua avaliaccedilatildeo pelos pesquisadores dos grupos e por conseguinte sua reconstruccedilatildeo em

outros contextos de produccedilatildeo Com igual relevacircncia este trabalho de tese aconteceu no

interregno de confluecircncias entre os dois grupos de pesquisa anteriormente citados

Agora narrarei como se processou a construccedilatildeo desta pesquisa no interior do GP

EFoPI Depois de ter demarcado o campo de estudos teoacuterico-metodoloacutegico do trabalho

de tese em diaacutelogos sistematizados com minha orientadora fiz a proposta para a Profa

Dra Leacutea S P Silva coordenadora do GP EFoPI de iniciarmos um trabalho de

investigaccedilatildeo por meio da Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo sob a oacutetica da perspectiva

soacutecio-histoacuterica-cultural Assim do ano de 2006 ateacute agora desenvolvemos duas

pesquisas intituladas ldquoA verticalizaccedilatildeo e a horizontalizaccedilatildeo do espaccedilo da sala de

atividades da educaccedilatildeo infantilrdquo e ldquoEspaccedilo de reflexatildeo criacutetica em contexto de

colaboraccedilatildeo reconstruindo os sentidos e os significados da praacutetica educativa na

crecherdquo no periacuteodo de 2006 ndash 2007 e 2008-2009 respectivamente

Desde entatildeo meu trabalho de campo ficou circunscrito agraves intervenccedilotildees

desenvolvidas nesse periacuteodo e acabou por se configurar em um trabalho longitudinal

Envolvi-me assim ativamente no desenvolvimento de todas as atividades do grupo

desde o planejamento ateacute as intervenccedilotildees no campo no periacuteodo de 2006 a 2009

A princiacutepio desejava investigar o movimento da produccedilatildeo de sentidos-

significados no processo de pesquisa Dito de outro modo procurava compreender a

formaccedilatildeo do professor-pesquisador por meio do dispositivo argumentativo no interior

do processo de pesquisa do GP EFoPI Por conta disso naquele periacuteodo delimitei que

analisaria as transcriccedilotildees das reuniotildees de pesquisa e das intervenccedilotildees nas sessotildees

reflexivas e no curso de extensatildeo com as professoras e coordenadoras das creches as

notas de campo e as atas produzidas pelo grupo Mas parafraseando Drummond no

meio do caminho tinha uma pedra Deparei-me com a inquietaccedilatildeo de que desenvolveria

uma anaacutelise unilateral apenas a perspectiva de um lado da moeda as produccedilotildees-

construccedilotildees do conhecimento das pesquisadoras E o reverso da moeda A interlocuccedilatildeo

COMECcedilANDO O DIAacuteLOGO 25

ILKA SCHAPPER SANTOS

com os participantes da pesquisa Como poderia trabalhar sob a oacutetica da colaboraccedilatildeo se

estava focando de modo dualista apenas a produccedilatildeo das pesquisadoras

Foram esses questionamentos que me fizeram refletir e tomar a decisatildeo de focar

minha ldquolenterdquo no possiacutevel movimento de colaboraccedilatildeo desenvolvida entre as

pesquisadoras e as educadoras participantes do GP EFoPI No entanto como disse jaacute

estava no meio do caminho Deparei-me com um grande volume de material no banco

de dados do grupo de pesquisa pois jaacute haviacuteamos feito sessotildees reflexivas com 4

professoras de uma das creches puacuteblicas municipais de Juiz de Fora e jaacute estaacutevamos

trabalhando com as coordenadoras pedagoacutegicas Depois de uma longa imersatildeo nos

dados ateacute entatildeo gerados-produzidos pude perceber o principal eixo de discussatildeo e a

ldquovocaccedilatildeordquo do GP EFoPI o debate sobre a brincadeira em especial a brincadeira de faz

de conta A partir dessa ldquodescobertardquo resolvi investigar o fluxo do significado sobre o

brincar na cadeia criativa entre pesquisadoras e educadores tendo como eixo a

argumentaccedilatildeo Para tal defini como norte para a investigaccedilatildeo os seguintes

questionamentos

Como o processo da argumentaccedilatildeo desenvolvido entre pesquisadoras e educadoras

permite expor sentidos e significados sobre a brincadeira no movimento da cadeia

Quais argumentos contribuiacuteram para a produccedilatildeo de significado sobre o brincar no

movimento da Cadeia Criativa

Foi influenciada pelas discussotildees de dois campos epistemoloacutegicos ndash a teoria

soacutecio-histoacuterico-cultural e os estudos sobre argumentaccedilatildeo ndash que inicio este trabalho

Assim no primeiro capiacutetulo intitulado No meio do caminho eu tu eles no encontro

dosbdquo noacutes‟ abordo a fundamentaccedilatildeo teoacuterica deste estudo Nele haacute uma macrocategoria

teoacuterica a Cadeia Criativa (doravante CC) No movimento da Cadeia as abordagens

teoacutericas de Bakhtin Vygotsky e Spinoza ganham contornos de uma (inter)confluecircncia

Nesse entremeio a argumentaccedilatildeo atravessa a discussatildeo configurando-se como um

dispositivo inerente ao fluxo da interaccedilatildeo verbal Ainda no campo do debate teoacuterico

tambeacutem sob a oacutetica da teoria soacutecio-histoacuterico-cultural trago no segundo capiacutetulo uma

discussatildeo sobre o brincar intitulado O lugar do Brincar no GP EFoPI Isso porque

nesta investigaccedilatildeo ele eacute o objeto das cenas discursivas analisadas

No terceiro capiacutetulo Movimentos de um percurso caminhos e (des)caminhos

trilhados o leitor perceberaacute como procedi nesta investigaccedilatildeo Abordo em um primeiro

momento as bases teoacutericas da Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo (PCCol) (Magalhatildees

2002 2004 2006 2009) que de igual forma sustenta o GP EFoPI Laacute detalho os

COMECcedilANDO O DIAacuteLOGO 26

ILKA SCHAPPER SANTOS

vaacuterios contextos em que o GP EFoPI se desenvolve as pesquisadoras e as demais

participantes Para discutir os dados enfoco os procedimentos de coleta e produccedilatildeo de

dados as categorias de anaacutelise linguiacutestico-discursivas e de interpretaccedilatildeo Por fim

abordo os aspectos relativos agrave credibilidade da pesquisa

No quarto capiacutetulo Diaacutelogos em construccedilatildeo apresento a discussatildeo e a anaacutelise

dos dados Nesse capiacutetulo mostro as relaccedilotildees entre o movimento da Cadeia Criativa nos

trecircs cronotopos (3 sessotildees reflexivas com 4 professoras de uma das creches do

Municiacutepio de Juiz de Fora e as pesquisadoras do GP EFoPI 2 encontros do curso de

extensatildeo e 1 sessatildeo reflexiva com as 23 coordenadoras das creches) a partir dos

objetivos e questotildees de pesquisa Trilho uma ordem cronoloacutegica tendo em vista o

movimento da Cadeia Criativa Apoacutes discussatildeo e anaacutelise dos dados teccedilo as

consideraccedilotildees parciais no conjunto dos cronotopos Por fim apresento as reflexotildees e

consideraccedilotildees do trabalho como um todo As Referecircncias Bibliograacuteficas utilizadas na

elaboraccedilatildeo deste trabalho e os Anexos compotildeem a uacuteltima parte deste estudo

Para finalizar este capiacutetulo introdutoacuterio gostaria de dizer que este texto eacute

redigido em primeira pessoa do singular porque sou participante ativa do processo de

investigaccedilatildeo no entanto haacute muitos momentos em que uso a primeira pessoa do plural

quando me reporto aos grupos de pesquisa a que pertenccedilo bem como quando partilho

com o leitor ideias e inferecircncias relativas agraves discussotildees teoacuterico-metodoloacutegicas e agrave

anaacutelise e discussatildeo dos dados

ILKA SCHAPPER SANTOS

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO

DOS ldquoNOacuteSrdquo

Mas a essecircncia humana natildeo eacute uma abstraccedilatildeo

inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade eacute

o conjunto das relaccedilotildees sociais

(Karl Marx)

Neste trabalho de tese busco compreender criticamente as formas de

apresentaccedilatildeo questionamento e contraposiccedilatildeo de argumentos que podem oferecer

elementos para a produccedilatildeo do conhecimento na praacutetica de pesquisa do GP EFoPI em

especial as praacuteticas relacionadas agraves brincadeiras na infacircncia de 2 e 3 anos

Para realizar tal empreitada apresento no presente capiacutetulo o aporte teoacuterico em

que esta pesquisa estaacute fundada Como o leitor pode perceber na introduccedilatildeo deste

trabalho a temaacutetica que busco desenvolver estaacute imbricada em um projeto

interinstitucional entre os grupos de pesquisa LACE e EFoPI da PUC-SP e da UFJF

respectivamente Refletindo sobre essa intersecccedilatildeo em que o elemento de ligaccedilatildeo eacute esta

tese refaccedilo os caminhos teoacuterico-metodoloacutegicos que embasam o interregno de

confluecircncias entre os dois grupos de pesquisa fazendo um mergulho maior nas questotildees

que satildeo relevantes a esta investigaccedilatildeo Desse modo procuro nas discussotildees teoacuterico-

praacuteticas um diaacutelogo que teccedila intersecccedilotildees com a teoria soacutecio-histoacuterico-cultural (SHC)

entremeado agrave perspectiva filosoacutefica spinozana com foco na argumentaccedilatildeo

A opccedilatildeo por tais referenciais estaacute pautada na busca de compreender o

movimento dialoacutegico na produccedilatildeo do conhecimento como elemento para uma praacutexis

revolucionaacuteria que possibilita uma autotransformaccedilatildeo do sujeito e uma transformaccedilatildeo

do seu espaccedilo de accedilatildeo nocom o mundo (Marx e Engels apud Labica 19871990 p

30) Assim este trabalho de tese em consonacircncia com o GP LACE e o GP EFoPI

busca no espaccedilo de pesquisa propiciar elementos em que os participantes possam ter

uma compreensatildeo criacutetica de que tanto as circunstacircncias fazem os homens como os

homens fazem as circunstacircncias

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 28

ILKA SCHAPPER SANTOS

A preocupaccedilatildeo eacute entender a atividade de pesquisa e de extensatildeo em um

movimento que possibilita a transformaccedilatildeo da realidade social dos sujeitos envolvidos

nos processos de pesquisa um movimento que procura ldquoa transformaccedilatildeo do estado de

coisas existentes ou a transformaccedilatildeo da totalidade do que haacuterdquo (Newman amp Holzman

19932002 p 25)

Segundo Konder (1988) eacute importante que noacutes indaguemos se estamos de fato

trabalhando com a totalidade correta se a totalizaccedilatildeo eacute adequada agrave situaccedilatildeo em que nos

encontramos O autor explica que

natildeo haacute no plano puramente teoacuterico soluccedilatildeo para o problema A teoria

eacute necessaacuteria e nos ajuda muito mas por si soacute natildeo fornece os criteacuterios

suficientes para noacutes estarmos seguros de agir com acerto Nenhuma

teoria pode ser tatildeo boa a ponto de nos evitar erros A gente depende

em uacuteltima anaacutelise da praacutetica ndash especialmente da praacutetica social ndash para

verificar o maior ou menor acerto do nosso trabalho com os conceitos

(e com as totalizaccedilotildees) (Konder 1988 p 43) (grifos do autor)

Nesse sentido a teoria nos auxilia subsidiando a formulaccedilatildeo de indicadores No

campo da totalidade dialeacutetico-dialoacutegica eacute importante prestar atenccedilatildeo ao ldquorecheiordquo de

cada siacutentese (op cit p 44) presente no singular monadoloacutegico no dizer de Benjamin

(1984) que traz os fragmentos e estilhaccedilos da totalidade Implica refletirmos sobre as

contradiccedilotildees e mediaccedilotildees concretas que a siacutentese encerra Isso se torna possiacutevel por

conta da unidade dialeacutetico-monista posta nas relaccedilotildees entre teoria-praacutetica e pensar-agir

As concepccedilotildees teoacutericas do Ciacuterculo de Bakhtin e de Vygotsky conforme explica

Freitas (1997) tecircm intersecccedilotildees em muitos aspectos Apesar de aquele ter se

preocupado com a construccedilatildeo de uma filosofia histoacuterica e social da linguagem e este ter

desenvolvido uma psicologia historicamente fundamentada os dois pensadores

formularam seus construtos teoacutericos a partir de uma visatildeo totalizante da realidade

fundada em uma compreensatildeo do humano como um conjunto de relaccedilotildees sociais

Segundo a autora os dois teoacutericos russos foram contraacuterios

agraves dicotomias presentes nas concepccedilotildees de linguagem e de psicologia

de seu tempo por oscilarem entre os poacutelos subjetivo e objetivo

arquitetaram suas teorias em um entrelaccedilamento entre sujeito e objeto

propondo uma siacutentese dialeacutetica imersa na cultura e na histoacuteria (Freitas

1997 p 316)

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 29

ILKA SCHAPPER SANTOS

Encontramos no Ciacuterculo Bakhtiniano e em Vygotsky uma concepccedilatildeo de

consciecircncia engendrada pelas relaccedilotildees que os seres humanos estabelecem nocom o

mundo tendo como eixo mediador a linguagem Nas duas perspectivas teoacutericas a

interaccedilatildeo com o outro atravessada pela linguagem tem um papel fundamental Isso

porque ldquosem ele (o outro) o homem natildeo mergulha no mundo siacutegnico natildeo penetra na

corrente da linguagem natildeo se desenvolve natildeo realiza aprendizagens natildeo ascende agraves

funccedilotildees psiacutequicas superiores natildeo forma a consciecircncia enfim natildeo se constitui como

sujeitordquo (ibid p 320)

Rojo (2000 p 2) assim como Freitas explica que a teoria da enunciaccedilatildeo

bakhtiniana funda-se em ldquouma boa elaboraccedilatildeo para as questotildees da linguagem e do

discurso crucialmente envolvidas na aprendizagemrdquo relacionando assim com a visatildeo

vygotskyana de que aquilo que eacute propriamente humano eacute constituiacutedo por meio das

relaccedilotildees interpessoais Dito de outro modo eacute no encontro com o outro nos discursos

alheios que constituiacutemos e internalizamos os nossos proacuteprios discursos

Encontramos tanto em Bakhtin e seu Ciacuterculo quanto em Vygotsky um

constante esforccedilo de compreensatildeo da tensatildeo dialeacutetico-ideoloacutegica que se funda na

relaccedilatildeo entre o eu e o outro por intermeacutedio da linguagem Ambos com diferentes

recortes destacaram o valor da palavra e da interaccedilatildeo com o outro no mundo na

formaccedilatildeo da consciecircncia humana

Tais relaccedilotildees como disse acima satildeo tecidas a partir de uma visatildeo de totalidade

circunscrita em uma realidade histoacuterica Vygotsky (19342004 p 149) ressalta isso

quando diz que a tarefa principal da psicologia dialeacutetica ldquoconsiste precisamente em

descobrir a conexatildeo significativa entre as partes e o todo em saber considerar o

processo psiacutequico em conexatildeo orgacircnica nos limites de um processo mais complexordquo Eacute

na perspectiva da totalidade que fazemos uma aproximaccedilatildeo entre Vygotsky Bakhtin e

tambeacutem Spinoza

As incursotildees teoacutericas de Spinoza nesta investigaccedilatildeo e no GP EFoPI estatildeo

relacionadas aos diaacutelogos tecidos com o GP LACE no interior de um projeto

interinstitucional como disse anteriormente que busca nas construccedilotildees teoacutericas

spinozanas reforccedilar a ideia de um trabalho sob a eacutegide da totalidade A gecircnese dessa

busca no grupo de pesquisa se deu pela reincidecircncia das citaccedilotildees de Spinoza na obra

de Vygotsky em especial a afirmativa no prefaacutecio de seu livro Psicologia da Arte ldquomeu

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 30

ILKA SCHAPPER SANTOS

pensamento constitui-se sob o signo das palavras de Spinozardquo (Vygotsky 19342000)

O vieacutes spinozano amplia o quadro de entendimento na praacutetica de pesquisa da noccedilatildeo de

totalidade a partir de seu tratado sobre a Eacutetica (Spinoza 1677)

Assim este capiacutetulo teoacuterico em siacutentese possibilita nas malhas das discussotildees

elaboradas por Bakhtin Vygotsky e Spinoza a reflexatildeo da totalidade na praacutetica de

pesquisa do GP EFoPI em especial as reflexotildees sobre o brincar nas creches com

crianccedilas de 2 e 3 anos de idade Isso indica que este trabalho trata de forma monista a

relaccedilatildeo entre teoria e praacutetica na busca de uma praacutexis revolucionaacuteria

Na proacutexima seccedilatildeo abordo as categorias teoacutericas a partir do movimento da CC

Isso porque eacute no seu movimento que o leitor poderaacute compreender o princiacutepio norteador

da praacutetica de pesquisa dos GP LACE e GP EFoPI bem como desta investigaccedilatildeo

11 ndash O movimento da Cadeia Criativa linguagem e produccedilatildeo de conhecimento

Esta seccedilatildeo estaacute centrada na compreensatildeo criacutetica da produccedilatildeo e

compartilhamento dos significados dos integrantes do GP EFoPI Para isso

entrecruzarei os conceitos bakhtinianos vygotskyanos e spinozanos para

compreendermos o movimento da Cadeia Criativa (CC) na produccedilatildeo de conhecimentos

dos participantes do grupo de pesquisa

O sintagma Cadeia Criativa (CC) criado por Liberali (2009) diz de um processo

que tem sua gecircnese na indissociabilidade entre teoria e praacutetica com ecircnfase ldquona vida que

se viverdquo (Marx amp Engels 1945-1946) implica ldquoesforccedilos em parceria em uma atividade

produzindo significados que seratildeo posteriormente compartilhados com novos

parceiros atraveacutes dos sentidos (Vygotsky 1934) que aqueles os trazem para uma nova

atividaderdquo (Liberali 2009 p 102) Assim novos significados podem ser criativamente

produzidos carregando alguns aspectos dos sentidos compartilhados na primeira

atividade Da mesma forma alguns dos parceiros da segunda atividade quando

envolvidos em uma terceira vivenciam o mesmo processo formando uma Cadeia

Criativa (ibid)

A expressatildeo ldquocadeiardquo explica Liberali (informaccedilatildeo verbal)5 natildeo deve ser

relacionada a um significado pejorativo mas como um conjunto de fatos ou fenocircmenos

5 Explicaccedilatildeo dada por Liberali em exposiccedilatildeo oral em 2009

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 31

ILKA SCHAPPER SANTOS

linguiacutestico-discursivos que ocorrem sucessivamente no tempo-espaccedilo demarcados

historicamente pelos parceiros em interaccedilatildeo social Dito de outro modo a CC

considera por exemplo que dadas ldquoas atividades (a) (b) e (c) no tempo a atividade

(b) pode criar significados novos para os sentidos levados de volta (no tempo) para a

atividade (a) e para outra atividade da rede (c)rdquo (Fuga 2009 p 47)

A CC estaacute fundada na perspectiva SHC e sob a oacutetica da totalidade constituindo-

se em uma categoria teoacuterico-metodoloacutegica que traz a unidade dialeacutetica dos conceitos

bakhtinianos vygotskyanos e spinozanos O processo da CC possibilita pensar que o ser

humano constitui sua consciecircncia nas relaccedilotildees sociais que se concretizam no

movimento dialeacutetico entre as pessoas do discurso ldquoeurdquo ldquoturdquo ldquonoacutesrdquo Nesse movimento

das ldquopessoas do discursordquo o compartilhamento de sentidos possibilita a produccedilatildeo de

significados temporariamente estaacuteveis para um determinado grupo social isto eacute

possibilita alcanccedilar em um dado momento histoacuterico as ideias adequadas

Vejamos entatildeo como os conceitos de Bakhtin Vygotsky e Spinoza se articulam

no movimento da cadeia criativa

111 ndash A Cadeia Criativa entre o compartilhamento de sentidos e de significados

Ao contraacuterio do que em geral se crecirc sentido e

significado nunca foram a mesma coisa o

significado fica-se logo por aiacute eacute direto literal

expliacutecito fechado em si mesmo uniacutevoco por assim

dizer ao passo que o sentido natildeo eacute capaz de

permanecer quieto fervilha de sentidos segundos

terceiros e quartos de direccedilotildees irradiantes que se

vatildeo dividindo em ramos e ramilhos ateacute se perderem

de vista o sentido de cada palavra parece-se com

uma estrela quando se potildee a projetar mareacutes vivas

pelo espaccedilo fora ventos coacutesmicos perturbaccedilotildees

magneacuteticas afliccedilotildees

(Joseacute Saramago)

- Mamatildee o que significa significar

Joatildeo Pedro (5 anos)

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 32

ILKA SCHAPPER SANTOS

Para Stam (1992) as discussotildees sobre a linguagem se constituem como um

campo importante do pensamento contemporacircneo configurando-se como objeto de

estudo de diferentes pensadores Bakhtin e Vygotsky inserem-se nesse cenaacuterio

contemporacircneo e de maneira distinta mas partindo da mesma raiz teoacuterica elaboram

uma teoria sobre o papel dos signos na constituiccedilatildeo da consciecircncia do sujeito

A questatildeo central da perspectiva soacutecio-histoacuterico-cultural eacute a concepccedilatildeo de

linguagem como uma construccedilatildeo que se processa no campo da intersubjetividade nas

relaccedilotildees ldquointerrdquo sujeitos marcadas pelas contradiccedilotildees sociais e pelos diferentes lugares

que estes ocupam na esfera social

Na epiacutegrafe desta seccedilatildeo aproprio-me da poeacutetica de Saramago do livro intitulado

Todos os Nomes para iniciar a discussatildeo Saramago no texto literaacuterio nos possibilita

pensar sentido e significado de uma maneira similar agrave discussatildeo teoacuterica de Bakhtin e

Vygotsky Para o poeta portuguecircs o significado eacute algo ldquofechado em si mesmo

uniacutevocordquo jaacute o sentido ldquofervilha de sentidos segundos terceiros e quartos de direccedilotildees

irradiantes que se vatildeo dividindo em ramos e ramilhosrdquo Eacute com este fragmento literaacuterio

e com a inquietaccedilatildeo de uma crianccedila de 5 anos (que tambeacutem se faz nossa) que comeccedilarei

a discorrer sobre o binocircmio sentido-significado

- O que significa significar

Para BakhtinVolochinov (1988) o problema da significaccedilatildeo eacute um dos mais

complexos da linguiacutestica Segundo os autores as buscas de resoluccedilatildeo dessa questatildeo tecircm

mostrado o estreito monoacutelogo da ciecircncia linguiacutestica que estaacute alicerccedilada sobre uma

compreensatildeo passiva da significaccedilatildeo

Para auxiliar na soluccedilatildeo desse debate os teoacutericos russos fazem uma distinccedilatildeo

entre significado (significaccedilatildeo) e sentido (tema) Este seria individual e natildeo reiteraacutevel

assim como a proacutepria enunciaccedilatildeo Jaacute aquele estaacute fundado sobre uma convenccedilatildeo

reiteraacutevel e idecircntica natildeo tendo uma existecircncia concreta e independente A significaccedilatildeo eacute

ldquoum estaacutegio inferior da capacidade de significar e o tema um estaacutegio superior da

mesma capacidade A significaccedilatildeo existe como potencial de construir sentido proacutepria

dos signos linguiacutesticos e das formas gramaticais da liacutenguardquo (Cereja 2005 p 202)

Assim natildeo diz nada em si mesma ela eacute apenas uma ldquopotecircnciardquo uma possibilidade

BakhtinVolochinov (1988 p 129) explicam que diferente da significaccedilatildeo o

sentido da enunciaccedilatildeo eacute concreto similar ao instante histoacuterico ao qual pertence posto

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 33

ILKA SCHAPPER SANTOS

que ldquosomente a enunciaccedilatildeo tomada em toda a sua amplitude concreta como fenocircmeno

histoacuterico possui um tema isto eacute o que se entende por tema da enunciaccedilatildeordquo

Assim o sentido eacute determinado natildeo apenas pelas formas linguiacutesticas (as

palavras as formas morfoloacutegicas e sintaacuteticas os sons as entonaccedilotildees) como ocorre na

significaccedilatildeo mas tambeacutem pelos elementos extraverbais da cena discursiva

Eacute no processo da compreensatildeo ativa6 que podemos entender a distinccedilatildeo entre

sentido e significaccedilatildeo jaacute que esta compreensatildeo eacute uma forma de diaacutelogo que possibilita

ao locutor-ouvinte espaccedilos de oposiccedilatildeo na contrapalavra na reacuteplica

Vimos ateacute agora os aspectos que distinguem significaccedilatildeo e sentido mas assim

como Bakhtin fiz isso como recurso didaacutetico do texto para a explanaccedilatildeo Pois em uma

perspectiva monista sentido e significado formam um binocircmio indissociaacutevel Os

sujeitos na interaccedilatildeo trazem as marcas de interaccedilotildees anteriores com diferentes

comunidades semioacuteticas que por sua vez jaacute alteraram os sentidos das palavras que

vinham construindo Essa alteraccedilatildeo pela qual passa a palavra se na comunidade

semioacutetica criar certa estabilidade pode ficar em um espaccedilo inferior da capacidade de

significar e atingir o status de significaccedilatildeo Nesse movimento paradoxalmente a

palavra volta a se desestabilizar agrave medida que entra no fluxo da enunciaccedilatildeo concreta

trazendo as marcas do signo ideoloacutegico e voltando ao status de tema (sentido) da

enunciaccedilatildeo

Eacute no interior da comunidade semioacutetica que o signo linguiacutestico e por

conseguinte a indissociabilidade entre sentido e significado pode ser compreendida

pois o signo reflete e refrata a realidade e muitas outras No lugar onde o signo se

encontra se materializa encontra-se tambeacutem a ideologia pois ldquotudo que eacute ideoloacutegico

possui um valor semioacutetico () cada signo ideoloacutegico eacute natildeo apenas um reflexo uma

sombra da realidade mas tambeacutem um fragmento material dessa realidaderdquo

(BakhtinVolochinov 1988 p 32-33)

6 Segundo BakhtinVolochinov (1988 p 132) ldquoqualquer tipo de compreensatildeo deve ser ativo deve conter

jaacute o germe de uma resposta Soacute a compreensatildeo ativa nos permite apreender o tema pois a evoluccedilatildeo natildeo

pode ser apreendida senatildeo com a ajuda de um outro processo evolutivo Compreender a enunciaccedilatildeo de

outrem significa orientar-se em relaccedilatildeo a ela encontrar o seu lugar adequado no contexto correspondente

A cada palavra da enunciaccedilatildeo que estamos em processo de compreender fazemos corresponder uma seacuterie

de palavras nossas formando uma reacuteplica Quanto mais numerosas e substanciais forem mais profunda e

real eacute a nossa compreensatildeordquo

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 34

ILKA SCHAPPER SANTOS

Para compreendermos melhor essa discussatildeo utilizarei um fragmento de uma das

sessotildees reflexivas realizadas no GP EFoPI com as educadoras das creches

Teresa7 Teve um tempo que a gente ateacute era chamada

crecheira assim quanto tempo jaacute mudou o termo Agora

eacute recreadora educadora e tem pessoas que falam ldquoVocecirc

trabalha laacute Ah Vocecirc eacute crecheira Vocecirc toma conta de

crianccedila o dia inteirordquo A gente sempre escuta isso

(Sessatildeo reflexiva ndeg1 ndash 07082006)

No dicionaacuterio Houaiss o verbete crecheiro (a) eacute relativo a ou o que trabalha em

creche (creche+eiro) O significado dicionarizado da palavra natildeo eacute diferente

aparentemente do sentido da enunciaccedilatildeo que indaga ldquovocecirc trabalha laacute Ah vocecirc eacute

crecheirardquo mas na comunidade semioacutetica dessas educadoras a adjetivaccedilatildeo presente

no sufixo ldquo-eirordquo traz a marca pejorativa para aquele que trabalha na creche Isso

porque no interior dessa enunciaccedilatildeo haacute a desvalorizaccedilatildeo e o natildeo reconhecimento

profissional das educadoras por parte da sociedade uma vez que na instituiccedilatildeo natildeo satildeo

reconhecidas como profissionais que cuidam e educam e sim como crecheiras que

ldquotomam conta de crianccedilardquo Aleacutem disso natildeo haacute poliacuteticas puacuteblicas de valorizaccedilatildeo

profissional em consonacircncia com as necessidades das educadoras das crianccedilas e das

instituiccedilotildees de Educaccedilatildeo Infantil A contrataccedilatildeo dos educadores das creches

investigadas havia sido feita pelo oacutergatildeo de assistecircncia (AMAC)8 atraveacutes de seleccedilatildeo

com exigecircncia de no miacutenimo niacutevel meacutedio de formaccedilatildeo Caso fossem aprovadas as

funcionaacuterias das creches eram contratadas como recreadoras para o berccedilaacuterio e crianccedilas

de ateacute 2 anos Jaacute para crianccedilas de 3 anos a denominaccedilatildeo no contrato eacute de educadora

social havendo uma diferenccedila na remuneraccedilatildeo salarial para uma jornada diaacuteria de 8

horas de trabalho com aproximadamente quinze crianccedilas

Ao contraacuterio do que ocorre com as profissionais das creches as educadoras da

preacute-escola do municiacutepio de Juiz de Fora que trabalham com crianccedilas de 4 e 5 anos

recebem maior salaacuterio uma jornada de trabalho de 15 horas semanais atenccedilatildeo e

respeito uma vez que lhes satildeo atribuiacutedas as tarefas de educar e cuidar Elas satildeo

consideradas professoras recebendo maior reconhecimento por parte da sociedade

7 Os nomes das educadoras satildeo fictiacutecios

8 Atualmente a partir de 2009 estaacute sendo realizada a transiccedilatildeo das creches do oacutergatildeo de assistecircncia para a

Secretaria de Educaccedilatildeo do Municiacutepio de Juiz de Fora

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 35

ILKA SCHAPPER SANTOS

Diante do exposto podemos inferir que o sentido da enunciaccedilatildeo crecheira eacute

determinado pelos elementos extraverbais do instante histoacuterico ao qual pertence Esses

elementos se materializam na luta dos profissionais da creche para emergirem desse

contexto de indefiniccedilotildees no qual se encontram em especial os profissionais que

trabalham com a infacircncia de 0 a 3 anos

Vygotsky tambeacutem se preocupou em resolver o problema da significaccedilatildeo Mas

diferente de Bakhtin que tinha como objeto de anaacutelise a linguagem travando uma luta

teoacuterica com a linguiacutestica de seu tempo Vygotsky tambeacutem numa perspectiva soacutecio-

histoacuterica e cultural buscou formular uma psicologia historicamente fundamentada

tecendo um debate com as teorias psicoloacutegicas de sua eacutepoca Para alcanccedilar seus

objetivos os autores russos buscaram o meacutetodo dialeacutetico pautado nas construccedilotildees

teoacutericas de Karl Marx e Frederic Engels

Apesar da similaridade dos conceitos de sentido e significado nas perspectivas

teoacutericas de Bakhtin e Vygotsky como disse anteriormente este se fundamenta nos

construtos teoacutericos da Psicologia9 para explicar como se processa a relaccedilatildeo do homem

com o mundo em constantes transformaccedilotildees e mudanccedilas

Vygotsky explica que o significado eacute um fenocircmeno da fala e do pensamento Da

fala porque a palavra sem significado eacute meramente um som vazio e do pensamento

porque o significado de cada palavra eacute um conceito uma generalizaccedilatildeo que materializa

os atos do pensamento Desse modo como sintetiza Freitas (1997 p 323) ldquoo

significado da palavra eacute a chave da compreensatildeo dialeacutetica entre pensamento e

linguagemrdquo Nesse sentido a linguagem natildeo eacute apenas uma materializaccedilatildeo do

pensamento pois o ldquopensamento natildeo eacute simplesmente expresso em palavras eacute por meio

delas que ele passa a existirrdquo (Vygotsky 19341993 p 108)

O significado na perspectiva vygotskyana eacute uma generalizaccedilatildeo um conceito que

caracteriza um fenocircmeno do pensamento e ao mesmo tempo um fenocircmeno da fala da

linguagem Tanto a fala interfere no pensamento quanto este na linguagem verbal

A evoluccedilatildeo do significado da palavra possibilita ao sujeito soacutecio-histoacuterico-

cultural o desenvolvimento do conceito entendido como um sistema de generalizaccedilotildees

expresso nas palavras que se modificam ao longo das vivecircncias e experiecircncias do

9 Para sistematizar uma Psicologia Marxista Vygotsky se opocircs agraves principais correntes que dicotomizaram

a relaccedilatildeo entre pensamento e linguagem

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 36

ILKA SCHAPPER SANTOS

sujeito da linguagem Essas transformaccedilotildees e mudanccedilas na vida do homem promovem

as transformaccedilotildees ldquointerrdquo consciecircncias e por conseguinte mudanccedila na capacidade de

significar

O sentido para Vygotsky (19341993 p 125) pode ser assim explicado como

a soma de todos os eventos psicoloacutegicos que a palavra desperta em

nossa consciecircncia Eacute um todo complexo fluido e dinacircmico que tem

vaacuterias zonas de estabilidade desigual O significado eacute apenas uma das

zonas do sentido a mais estaacutevel e precisa Uma palavra adquire o seu

sentido no contexto em que surge em contextos diferentes altera o

sentido O significado permanece estaacutevel ao longo de todas as

alteraccedilotildees do sentido O significado dicionarizado de uma palavra

nada mais eacute do que uma pedra no edifiacutecio do sentido natildeo passa de

uma potencialidade que se realiza de formas diversas na fala

Eacute interessante refletir como o sentido permite vislumbrar a dinamicidade o

movimento da linguagem pois possibilita que vejamos o reverso da significaccedilatildeo ou

seja seu caraacuteter dinacircmico complexo e instaacutevel Eacute sob a eacutegide dos sentidos que os

significados deixam de ser tatildeo-somente zonas estaacuteveis jaacute que os sentidos datildeo

dinamicidade ao significado das palavras

Na perspectiva vygotskyana o significado foi demarcado como sendo o proacuteprio

signo e o sentido eacute mais amplo Aquele eacute convencional e dicionarizado portanto mais

preciso e estaacutevel Este ldquoeacute um fenocircmeno complexo moacutevel que muda constantemente ateacute

certo ponto em conformidade com as consciecircncias isoladas para uma mesma

consciecircnciardquo (Vygotsky 19342001 p 466)

Como disse no iniacutecio desta seccedilatildeo sentido e significado satildeo dois movimentos

indissociaacuteveis pois

os significados satildeo produccedilotildees histoacutericas e sociais Satildeo eles que

permitem a comunicaccedilatildeo a socializaccedilatildeo de nossas experiecircncias

Muito embora sejam estaacuteveis ldquodicionarizadosrdquo eles tambeacutem se

transformam no movimento histoacuterico momento em que sua natureza

interior se modifica alterando em consequecircncia a relaccedilatildeo que

mantecircm com o pensamento entendido como processo Os significados

referem-se assim aos conteuacutedos instituiacutedos mais fixos

compartilhados que satildeo apropriados pelos sujeitos a partir de suas

proacuteprias subjetividades (Aguiar amp Ozella 2006 p 226)

Em siacutentese eacute no interior desse movimento da significaccedilatildeo que dialeticamente

os sentidos vatildeo se constituindo pois se aproximam mais da subjetividade do sujeito

criando zonas de sentido que desestabilizam a significaccedilatildeo Essa desestabilizaccedilatildeo posta

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 37

ILKA SCHAPPER SANTOS

nos muacuteltiplos movimentos do significado que constituem os diversos sentidos

possibilita a uma determinada comunidade semioacutetica alcanccedilar novamente um

significado mais ou menos estaacutevel Isso porque segundo Vygotsky (19342001 p 465-

466)

esse enriquecimento das palavras que o sentido lhes confere a partir

do contexto eacute a lei fundamental da dinacircmica do significado das

palavras A palavra incorpora absorve de todo o contexto com que

estaacute entrelaccedilada os conteuacutedos intelectuais e afetivos e comeccedila a

significar mais e menos do que conteacutem o seu significado quando a

tomamos isoladamente e fora do contexto mais porque o ciacuterculo dos

seus significados se amplia adquirindo adicionalmente toda uma

variedade de zonas preenchidas por um novo conteuacutedo menos porque

o significado abstrato da palavra se limita e se restringe agravequilo que ela

significa apenas em um determinado contexto

Feitas as discussotildees teoacutericas do binocircmio sentido-significado para Vygotsky e

tema-significaccedilatildeo para Bakhtin passemos agora para a discussatildeo dessas categorias

teoacutericas no movimento da CC

Liberali (2009) para explicar o compartilhamento de sentidos e significados na

produccedilatildeo de significados na CC tece uma aproximaccedilatildeo entre tema e significaccedilatildeo para

Bakhtin e sentido e significado para Vygotsky assim como busquei fazer na discussatildeo

acima A autora explica que em russo as palavras ldquosmyslrdquo e ldquoznachnierdquo satildeo usadas por

ambos os autores O verbete russo ldquoznachnierdquo traduzido para o inglecircs como ldquomeaningrdquo

eacute usado nas elaboraccedilotildees teoacutericas de Bakhtin e Vygotsky para discorrerem sobre os

elementos de generalizaccedilatildeo de uma palavra A distinccedilatildeo soacute existe no portuguecircs em que

ldquoznachnierdquo eacute entendido como ldquosignificadordquo e ldquosignificaccedilatildeordquo para Vygotsky e

BakhtinVolochinov respectivamente Jaacute ldquosmyslrdquo que foi traduzida para o inglecircs como

ldquosenserdquo nos escritos de Vygotsky em portuguecircs foi entendida como ldquosentidordquo a

traduccedilatildeo do termo ldquosmyslrdquo para Bakhtin ficou como ldquothemerdquo em inglecircs e no portuguecircs

ldquotemardquo

Eacute interessante notar que ldquoznachnierdquo e ldquosmyslrdquo satildeo verbetes utilizados pelos dois

teoacutericos russos Aquele eacute usado tanto por Bakhtin como por Vygotsky para discutir os

elementos de generalizaccedilatildeo historicamente estabelecidos por uma palavra e este

expressa a subjetividade do indiviacuteduo

Na realidade histoacuterica ldquosmyslrdquo eacute ldquopotencialmente infinito e soacute se atualiza no

contato com outro sentidordquo (Bakhtin 1997 p 386) posto de outro modo o sentido natildeo

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 38

ILKA SCHAPPER SANTOS

existe nem se ressignifica de forma isolada sua potencialidade infinita adveacutem do

encontro entre sentidos que formam elos na cadeia Esses elos se renovam

dialogicamente por meio da interaccedilatildeo verbal e tornam a cadeia tambeacutem potencialmente

infinita

A discussatildeo dos conceitos ldquosmyslrdquo e ldquoznachnierdquo auxilia a pensar a questatildeo das

relaccedilotildees dialoacutegicas entre os sujeitos gerando algo mais estaacutevel que os aproxima

ldquoZnachnierdquo pode natildeo ser ldquopotencialmente infinitardquo nem abrigar a amplitude de ldquosmyslrdquo

entretanto para encontrar os pontos em comum que tornam o significado partilhaacutevel na

interaccedilatildeo verbal o ser humano precisa assumir alguns pontos dos sentidos e excluir

outros para em um movimento dialeacutetico-dialoacutegico realizar algo em comum (Liberali e

Fuga 2007)

Liberali em seu texto intitulado ldquoCreative Chain in the Process of Becoming a

Totalityrdquo10

afirma que na CC o ser humano criativo atraveacutes de seu trabalho e

experiecircncia subjetiva amplia os sentidos de um objeto palavra ou siacutembolo trazendo

um novo sentido para o significado social do fenocircmeno Posto de outro modo o sujeito

cria novas relaccedilotildees entre o significado e o sentido do fenocircmeno Na gecircnese desse

movimento estaacute a possibilidade de transformaccedilatildeo no interior da vida social

No entanto a instauraccedilatildeo do novo sentido soacute eacute possiacutevel quando existe o

compartilhamento de ldquosmyslrdquo o que possibilita a evoluccedilatildeo de significados em uma dada

comunidade semioacutetica Esse movimento promove a transformaccedilatildeo do sujeito do outro

do contexto social imediato e do conhecimento Sob essa oacutetica de transformaccedilatildeo das

relaccedilotildees (inter)sujeitos podemos pensar a produccedilatildeo do conhecimento humano a partir da

luta discursivo-ideoloacutegica entre significados cristalizados e sentidos subjetivos

Essa discussatildeo dos conceitos de sentido e significado numa perspectiva soacutecio-

histoacuterico-cultural vai ao encontro de uma modalidade de pesquisa criacutetico-colaborativa

pois possibilita compreender como se processa o compartilhamento de sentidos na

formulaccedilatildeo de novos significados mais ou menos estaacuteveis para a comunidade semioacutetica

(no nosso caso o grupo de pesquisa EFoPI) em que as intervenccedilotildees do grupo de

pesquisa se materializam em atividades historicamente concretas na esfera da educaccedilatildeo

infantil em especial na crianccedila de 2 e 3 anos de idade Por conta disso o planejamento

da pesquisa colaborativa eacute sistematizado a partir do diaacutelogo com os participantes da

10 Traduccedilatildeo A Cadeia Criativa no Processo de Tornar-se Totalidade

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 39

ILKA SCHAPPER SANTOS

investigaccedilatildeo Nessa perspectiva os participantes ao desvelarem e compartilharem seus

sentidos auxiliam na construccedilatildeo e ampliaccedilatildeo de significados que se tornam mais ou

menos estaacuteveis para o grupo e paradoxalmente ao serem novamente partilhados criam

outros sentidos singulares para cada membro que vivencia a intervenccedilatildeo escapando aos

tradicionalmente determinados

O desafio desta tese eacute buscar apreender os sentidos e compreender criticamente

como os significados foram se estabilizando nos espaccedilos discursivos travados entre os

professores pesquisadores e seus interlocutores na praacutetica de pesquisa para entender

como ocorre a produccedilatildeo de conhecimento sobre o brincar no processo de investigaccedilatildeo

No Ciacuterculo de Bakhtin ldquosmyslrdquo pode ser compreendido tambeacutem como ldquouma

reaccedilatildeo da consciecircncia em devir ao ser em devirrdquo (BakhtinVolochinov 1988 p 129)

Isso vai ao encontro de uma citaccedilatildeo de Vygotsky para quem a ldquocooperaccedilatildeo entre

consciecircnciasrdquo eacute uma instacircncia que possibilita a transformaccedilatildeo de ldquoznachnierdquo (Vygotsky

2004 p 187)

Essa instacircncia da ldquoconsciecircncia em devir ao ser em devirrdquo e o espaccedilo de

ldquocooperaccedilatildeo entre consciecircnciasrdquo eacute um movimento dialoacutegico-dialeacutetico que nos remete

neste trabalho ao conceito vygotskyano de Zona Proximal de Desenvolvimento a ZPD

instacircncia instauradora da produccedilatildeo do conhecimento

Passemos entatildeo no proacuteximo toacutepico deste capiacutetulo para a discussatildeo de ZPD no

movimento da CC

112 ndash A Cadeia Criativa e a ZPD interregno de conflitos tensotildees e possibilidades

na produccedilatildeo de conhecimento

Dois meninos de dois anos brincavam no paacutetio da

creche em um brinquedo grande de plaacutestico em

forma de castelo No brinquedo havia uma escada

que dava acesso a um platocirc onde havia um

escorregador Um dos meninos que estava no alto

chamou - ldquoVem soberdquo Ao que outro respondeu

ldquoEu natildeo seirdquo O menino insistiu -ldquosoberdquo O menino

que estava embaixo pediu ajuda para a professora

ela se aproximou e estimulou a crianccedila atraveacutes da

fala a superar o obstaacuteculo da subida Apoacutes o

encontro dentro do castelo escorregaram e voltaram

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 40

ILKA SCHAPPER SANTOS

imediatamente para a escada para subir novamente

A cena se repete -ldquoVem soberdquo - ldquoEu natildeo seirdquo -

ldquoMas vocecirc jaacute subiu Vocecirc sabe simrdquo O menino vai

entatildeo refazendo o caminho anterior pondo a matildeo

equilibrando o corpo ateacute chegar ao ponto onde

alcanccedila a outra crianccedila que lhe estende a matildeo e o

ajuda (narrativa de um dos participantes da

pesquisa do GP EFoPI no encontro com as

coordenadoras das 23 creches ndash 03 de junho de

2009)

Em seu texto inaugural ldquoInteraccedilatildeo entre aprendizado e desenvolvimentordquo

publicado no livro A Formaccedilatildeo Social da Mente Vygotsky tece criacuteticas significativas agrave

Psicologia do seu tempo em especial no que concerne agrave diacuteade

desenvolvimentoaprendizado Ao lado disso propotildee uma nova categoria teoacutericopraacutetica

para estudar esse binocircmio a Zona Proximal de Desenvolvimento (ZPD) O autor

explica nesse trabalho que a zona de desenvolvimento proximal eacute a distacircncia entre o

niacutevel de desenvolvimento real que seria determinado pela soluccedilatildeo independente de

problemas e o niacutevel de desenvolvimento potencial determinado pela capacidade do

sujeito em resolver problemas com o auxiacutelio do outro (Vygotsky 19301991 p 91)

O autor expotildee que a ZPD eacute um instrumento atraveacutes do qual psicoacutelogos e

educadores podem compreender o curso interno do desenvolvimento humano Diz

ainda que esse meacutetodo possibilita natildeo soacute entender os ciclos e processos de maturaccedilatildeo jaacute

completados como tambeacutem os processos que estatildeo em estado de formaccedilatildeo que estatildeo

comeccedilando a amadurecer e a se desenvolver (ibid p 97-98) Essa abertura em

considerar natildeo soacute os processos de maturaccedilatildeo jaacute completados mas tambeacutem os processos

que estatildeo em formaccedilatildeo em devir mediante a interaccedilatildeo com o outro funda a categoria

ZPD como um instrumento de intervenccedilatildeo revolucionaacuterio

No campo acadecircmico e no processo educativo essa discussatildeo sobre ZPD e sua

relaccedilatildeo com o aprendizado teve por parte de muitos pesquisadores e educadores uma

apropriaccedilatildeo dualista Tal apropriaccedilatildeo (mais literal) manteve a ecircnfase ldquona diferenccedila entre

o que se pode fazer bdquocom outros‟ e o que se pode fazer bdquosozinho‟ ndash como instrumento

para a compreensatildeo de processos mentais individuaisrdquo (Magalhatildees 2009 p 57) e na

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 41

ILKA SCHAPPER SANTOS

internalizaccedilatildeo11

do conhecimento com a colaboraccedilatildeo do outro mais experiente

Magalhatildees afirma que essa compreensatildeo como discutem Holzman (1997 2002) John-

Steiner Weber e Minis (1998) e Jantzen (2005) vai ao encontro de toda discussatildeo do

meacutetodo dialeacutetico vygotskyano que ldquoeacute ao mesmo tempo preacute-requisito e produto o

instrumento e o resultado do estudordquo (Vygotsky 19301991 p 74)

Como dito acima a apropriaccedilatildeo do conceito de ZPD no contexto de pesquisa e

no contexto escolar foi feita de forma dualista O foco estava em identificar espaccedilos de

interaccedilatildeo em que as crianccedilas pudessem aprender mediante a ajuda com a colaboraccedilatildeo

de algueacutem mais experiente Essa dicotomia fez com que muitos profissionais da

educaccedilatildeo ficassem preocupados em promover espaccedilos de aprendizagens em que aqueles

mais capazes auxiliassem os julgados menos capazes A ecircnfase continuava no

indiviacuteduo O outro par mais experiente criaria ZPDs para que os menos experientes

pudessem atingir uma reflexatildeo mais elevada sobre a natureza mais abstrata das coisas

(Bruner 1986)

Eacute esse ponto que nos interessa analisar

O excerto que utilizei como epiacutegrafe para iniciar esta seccedilatildeo seraacute nosso

companheiro de viagem nas palavras de Sartre para ilustrar a maneira como dialogarei

com o leitor sobre o conceito de ZPD no movimento da CC bem como suas

implicaccedilotildees na praacutetica de pesquisa

Na cena narrada as falas ldquo-Vem soberdquo -ldquoEu natildeo seirdquo - ldquoMas vocecirc jaacute subiu

Vocecirc sabe simrdquo ilustram como o auxiacutelio do outro em uma relaccedilatildeo colaborativa

possibilita a realizaccedilatildeo da atividade O problema eacute que tradicionalmente o foco se

manteve na busca de superaccedilatildeo das dificuldades do sujeito considerado menos capaz O

presumido eacute que o companheiro mais experiente influencia com seu ponto vista o

menos experiente levando-o agrave internalizaccedilatildeo de conhecimentos de que antes natildeo

dispunha

Chamo atenccedilatildeo para a dicotomizaccedilatildeo no interior da discussatildeo de ZPD

relacionada agrave aprendizagem escolar O que nos instiga pensar eacute o reverso da moeda se

estamos tratando de aprendizagem colaborativa se consideramos que as accedilotildees dos

11 Vygotsky (19301991 p 63) nomeia de internalizaccedilatildeo a reconstruccedilatildeo interna de uma operaccedilatildeo externa

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 42

ILKA SCHAPPER SANTOS

indiviacuteduos satildeo instigadas pelas accedilotildees do outro e produzidas socialmente por que aquele

que eacute dito como mais capaz e mais experiente fica agrave margem do processo

Esse dualismo em considerar que no processo de colaboraccedilatildeo o par mais

experiente seraacute o mediador entre a passagem do niacutevel de desenvolvimento potencial

para o desenvolvimento real simplifica sobremaneira a relaccedilatildeo aprendizado-

desenvolvimento o que natildeo faz jus agrave proposta de Vygotsky Pois ao discutir a

internalizaccedilatildeo das funccedilotildees psicoloacutegicas superiores o autor russo explica que ldquoo

desenvolvimento se daacute natildeo em ciacuterculo mas em espiral passando por um mesmo ponto

a cada nova resoluccedilatildeo enquanto avanccedila para um niacutevel superiorrdquo (Vygotsky

19301991 p 62) Com essa explanaccedilatildeo ele nos possibilita pensar a existecircncia de

conflitos tensotildees na ZPD Assim a demarcaccedilatildeo de que o par mais experiente ldquopuxardquo o

aprendizado do outro eacute unilateral natildeo trazendo o movimento de transformaccedilotildees e

mudanccedilas ocorridas no companheiro tido como mais capaz O desenvolvimento em

espiral em que o sujeito passa por um mesmo ponto a cada nova resoluccedilatildeo eacute um

movimento dialeacutetico Assim em cada espaccedilo de interaccedilatildeo vivenciamos transformaccedilotildees

e mudanccedilas independentemente de na cena enunciativa sermos considerados mais ou

menos experientes

No GP LACE e GP EFoPI trabalhamos com a concepccedilatildeo de que a ZPD eacute uma

zona de conflito de tensatildeo um espaccedilo de produccedilatildeo de conhecimento A interlocuccedilatildeo

com os educadores sociais e as coordenadoras das creches no caso do GP EFoPI e deste

trabalho de tese transita na unidade dialeacutetica teoria-praacutetica buscando superar o fosso

entre saber-pensar e fazer-agir materializado entre o dito e o feito O desenvolvimento e

aprendizado dos participantes se concretizam em ZPDs em que o status de mais

experiente natildeo estaacute fixado em um participante mas no processo coletivo de produccedilatildeo do

conhecimento mediado pela linguagem

No interior do processo de pesquisa os participantes criam espaccedilos de

aprendizagem e reflexatildeo sobrena accedilatildeo significativa A preocupaccedilatildeo dos pesquisadores

do EFoPI natildeo eacute em atuar no intervalo entre aquilo que os professores educadores e

pesquisadores externos eram e aquilo que eles se tornaram (ou tornaratildeo) mediante a

colaboraccedilatildeo do grupo de pesquisa com as questotildees levantadas no processo criacutetico

reflexivo Os investigadores buscam criar espaccedilos discursivos em que a linguagem eacute

entendida como um produto da atividade humana coletiva constituindo-se portanto

ldquolugar de interaccedilatildeo mateacuteria e instrumento do trabalho em que sujeitos e linguagem se

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 43

ILKA SCHAPPER SANTOS

constituem produzindo sentidos que se inscrevem no processo discursivo de cada

formaccedilatildeo histoacuterico-socialrdquo (Barreto 2002 p 18) Nesse sentido o elemento mediador

natildeo se fixa nos sujeitos que podem propiciar aprendizados mas na mediaccedilatildeo constituiacuteda

por praacuteticas de linguagem discursivo-simboacutelicas nas relaccedilotildees entre todos os sujeitos

Nesse movimento as tensotildees conflitos confrontos e possibilidades entre os

saberes escolares e os saberes do grupo de pesquisa satildeo elementos de transformaccedilotildees e

mudanccedilas tanto para os professores que participaram da pesquisa quanto para os

pesquisadores Assim a ZPD se constitui um espaccedilo de compartilhamento de sentidos

na produccedilatildeo de novos significados transformando-se em ldquopalco para batalhas

ideoloacutegicasrdquo (Bernstein 19931998 p 14)

A ZPD no movimento da CC se institui como instacircncia de possibilidades de

uma aprendizagem conduzindo o desenvolvimento (Newman e Holzman 19932002)

Essa instacircncia na siacutentese do vir-a-ser eacute palco de produccedilatildeo e transformaccedilatildeo do

conhecimento do ser humano no interior da coletividade porque em um contexto

colaborativo a ZPD inaugura um espaccedilo em que os participantes tecircm a possibilidade de

tornar seus processos mentais mais claros podendo demonstrar e explicar esses

processos no fluxo da interaccedilatildeo verbal Isso cria para os outros participantes

possibilidades de questionar expandir argumentar e recolocar o que foi posto em

negociaccedilatildeo (Magalhatildees 2004)

113 ndash Cronotopia e exotopia uma diacuteade no movimento da Cadeia Criativa

Dois conceitos bakhtinianos que tratam da relaccedilatildeo tempo-espaccedilo podem ser

resgatados para pensarmos a cadeia criativa a partir do movimento que imprime

dinacircmica ao compartilhamento-produccedilatildeo de sentidos e de significados exotopia e

cronotopia O primeiro tem sua gecircnese no acircmbito do texto literaacuterio o segundo sintetiza

a atividade criadora em geral Neste trabalho a interseccedilatildeo entre esses dois conceitos

possibilita pensar os encadeamentos da CC a partir dos diferentes pontos espaccedilo-

temporais em que se situam as praacuteticas de linguagem dos participantes em elos que vatildeo

compondo e recompondo o movimento discursivo Eacute nesse espaccedilo-tempo constituiacutedo

como uma zona de tensatildeo conflitos e possibilidades que a produccedilatildeo do conhecimento

se institui

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 44

ILKA SCHAPPER SANTOS

A discussatildeo que envolve a categoria exotopia na obra bakhtiniana estaacute presente

no texto O Autor e o Heroacutei Vale lembrar que esta categoria natildeo pode ser dissociada de

outras do Ciacuterculo de Bakhtin em especial o plurilinguismo social (as outras vozes

sociais que se presentificam na formaccedilatildeo e constituiccedilatildeo do sujeito) o presumido

(extraverbal) e a natureza dialoacutegica da linguagem

Etimologicamente a palavra exotopia eacute formada pelo prefixo ex que significa

fora e topos que significa lugar Assim exotopia simboliza um lugar afastado mas

natildeo distante da situaccedilatildeo Designa o ldquoexcedente de visatildeordquo a ldquoextraposiccedilatildeordquo ldquoo estar de

forardquo uma posiccedilatildeo a partir da qual o sujeito vecirc o mundo com certo distanciamento de

sua proacutepria condiccedilatildeo nele o que lhe permite perceber elementos que a proximidade natildeo

lhe permitiria Conforme Bakhtin (1987 p 43) ldquoquando contemplo um homem situado

fora de mim e agrave minha frente nossos horizontes concretos tais como satildeo efetivamente

vividos por noacutes dois natildeo coincidemrdquo No movimento do seu ldquoexcedente de visatildeordquo o

sujeito percebe no outro elementos que soacute ele pode perceber pelo lugar que eacute o uacutenico

a ocupar (e pelos sentidos e significados que foi construindo a partir desse lugar que

ocupa) O autor reforccedila ainda que o ldquoexcedente de minha visatildeordquo com relaccedilatildeo ao outro

instaura uma esfera particular da minha atividade isto eacute um conjunto de atos internos

ou externos que soacute posso preacute-formar a respeito desse outro e que o completam

justamente onde ele natildeo pode se completar (ibid p 44)

Neste processo dialoacutegico podemos perceber a efetivaccedilatildeo da empatia ldquover o

mundo atraveacutes dos valores do outrordquo notando coisas que soacute estatildeo no campo de visatildeo de

um dos interlocutores para depois retornar (atraveacutes da contemplaccedilatildeo) agrave posiccedilatildeo inicial

que permite elaborar o acabamento proacuteprio e o do outro pois de acordo com Bakhtin

ldquoo heroacutei natildeo faz seu acabamento proacutepriordquo (ibid p 202)

A posiccedilatildeo exotoacutepica do autor se define como aquela que lhe permite criar a obra

sendo firmada por seu distanciamento dela o que lhe permite ter uma visatildeo global do

enunciado da enunciaccedilatildeo O autor situa-se assim numa fronteira entre o mundo

concreto e o discurso que cria Nas palavras de Bakhtin (1987 p 43)

Por mais perto de mim que possa estar esse outro sempre verei e

saberei algo que ele proacuteprio na posiccedilatildeo que ocupa e que o situa fora

de mim e agrave minha frente natildeo pode ver () toda uma seacuterie de objetos

e de relaccedilotildees que em funccedilatildeo da respectiva relaccedilatildeo em que podemos

situar-nos satildeo acessiacuteveis a mim e inacessiacuteveis a ele

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 45

ILKA SCHAPPER SANTOS

Amorim (2004 p 96) corrobora com este entendimento quando explicita que

somente aquele que estaacute de fora pode dar uma imagem acabada de mim pois ldquonatildeo

posso me ver como totalidade natildeo posso ter uma visatildeo completa de mim mesmo e

somente um outro pode construir o todo que me definerdquo Nesse sentido eacute importante

esclarecer que a ideia de acabamento natildeo estaacute associada agrave perspectiva de

aprisionamento mas assume uma leitura de ato generoso posiccedilatildeo que permite ver e

compreender a partir de uma dimensatildeo ativo-responsiva Assim para a autora a

categoria teoacuterico-metodoloacutegica exotopia tece uma relaccedilatildeo de tensatildeo entre pelo menos

dois lugares o sujeito que na vida que se vive (no dizer de Karl Marx) olha de onde

vive ldquoe daquele que estando de fora da experiecircncia do primeiro tenta mostrar o que

vecirc do olhar do outrordquo (ibid 101)

Pensemos agora na categoria cronotopia A palavra cronotopia em sua

etimologia sintetiza as dimensotildees indissociaacuteveis do tempo e do espaccedilo Neste trabalho

essas dimensotildees tomam o sentido dado por Bakhtin (1987) de um lado para expressar a

grande temporalidade demarcada em um tempo histoacuterico estendido pois mostra a

instacircncia do movimento no campo das transformaccedilotildees e dos acontecimentos De outro

o espaccedilo que possibilita escreverinscrever as marcas dessa grande temporalidade O

conceito de cronotopo designa portanto uma produccedilatildeo da histoacuteria diz de um loacutecus

coletivo ldquoespeacutecie de matriz espaccedilo-temporal de onde as vaacuterias histoacuterias se contam e se

escrevemrdquo (Amorim 2004 p105) Ou seja

No cronotopo artiacutestico-literaacuterio ocorre a fusatildeo dos indiacutecios espaciais e

temporais num todo compreensivo e concreto Aqui o tempo

condensa-se comprime-se torna-se artisticamente visiacutevel o proacuteprio

espaccedilo intensifica-se penetra no movimento do tempo do enredo e da

histoacuteria Os iacutendices do tempo transparecem no espaccedilo e o espaccedilo

reveste-se de sentido e eacute medido com o tempo (Bakhtin 1983 p 211)

Mas de que maneira os conceitos de exotopia e cronotopia auxiliam na

compreensatildeo do movimento da Cadeia Criativa Revisitando a definiccedilatildeo dada por

Liberali (2009) encontro importantes interseccedilotildees entre a ideia de produccedilatildeo

compartilhada de conhecimento e a de construccedilatildeo de significados que possibilitam

novos sentidos atribuiacutedos em outras atividades pelos participantes da CC Em siacutentese

cria-se uma loacutegica que traduz um fluxo dialoacutegico entre as atividades que se instituem

em diferentes tempos e espaccedilos Haacute um duplo movimento no intervalo das atividades

pesquisadores e participantes da pesquisa em posiccedilatildeo extraposta podem enxergar

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 46

ILKA SCHAPPER SANTOS

elementos que ateacute entatildeo sua implicaccedilatildeo direta na atividade natildeo lhes permitia perceber

ao passo que quando retornam em uma nova atividade por terem se distanciado da

situaccedilatildeo anterior podem usufruir da reflexatildeo feita a partir da posiccedilatildeo exotoacutepica

No GP EFoPI esse processo exotoacutepico ocorreu entre os pesquisadores e entre os

educadores sociais e coordenadores das creches A crenccedila na perspectiva exotoacutepica fez

com que os pesquisadores e participantes tomassem um distanciamento de seu trabalho

rotinizado e pudessem refletir sobre o cotidiano das creches em especial sobre os

momentos destinados agrave brincadeira O olhar exotoacutepico dos pesquisadores e participantes

da pesquisa (educadores sociais e coordenadores) lhes possibilitou dialogar com o outro

no campo argumentativo circunscrito agraves atividades propostas expressando a diferenccedila e

a tensatildeo existente entre dois (ou mais) olhares entre dois (ou mais) pontos de vista

Uma atitude dialoacutegica nas sessotildees reflexivas e no curso de extensatildeo auxiliou na

compreensatildeo dos enunciados tecidos no interior dos diferentes discursos No caso da

pesquisa em questatildeo houve uma tentativa de captar o olhar do outro de buscar uma

compreensatildeo ativa do modo como veem para que as intervenccedilotildees e modos de

aproximaccedilatildeo e diaacutelogo com o grupo permitissem aos participantes da pesquisa (e aos

proacuteprios pesquisadores) um movimento de compartilhamento de sentidos e de

significados

Nesse lugar coletivo os cronotopos constituem-se como elos da cadeia criativa

materializando-se nas atividades que se configuram como instacircncias discursivas em que

o tempoespaccedilo eacute demarcado historicamente pelos sujeitos participantes da interaccedilatildeo

verbal Isso significa dizer que cada atividade neste trabalho de tese eacute percebida a

partir de um determinado tempo entre atividades da Cadeia Criativa (cada atividade um

cronotopo) espaccedilo que se inscreve na temporalidade do movimento de transformaccedilatildeo

dos sentidos e dos sujeitos

114 ndash A Cadeia Criativa sob a eacutegide da totalidade spinozana

A filosofia de Baruch de Spinoza tem tido vaacuterias interpretaccedilotildees No campo da

academia haacute controveacutersias e convergecircncias quando agraves suas formulaccedilotildees teoacutericas Muitos

o classificam como filoacutesofo racionalista por conta da sua tese de que ldquoa verdadeira

sabedoria soacute pode ser alcanccedilada com uma criacutetica racional das noccedilotildees que se

apresentam como evidentes ou reveladasrdquo (Marccedilon 2009 p 25) outros o consideraram

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 47

ILKA SCHAPPER SANTOS

como um materialista ortodoxo Mas concordo com Pierre Macherey (1979) quando

aponta que os construtos teoacutericos de Spinoza possibilitam eles proacuteprios uma filosofia

da imanecircncia Para aleacutem da imanecircncia uma filosofia da totalidade

Considero que a obra spinozana atravessa a grande temporalidade histoacuterico-

cultural que pode ser observada nas batalhas (ideo)loacutegicas do livro sobre Eacutetica a partir

das (re)construccedilotildees teoacutericas em torno da metafiacutesica medieval no confronto agrave

perspectiva dualista e linear cartesiana das relaccedilotildees entre corpomente na filosofia da

totalidade na concepccedilatildeo de imaginaccedilatildeo como regime de signos que expressam as

paixotildees coletivas na tentativa de mostrar quais satildeo nossos afetos como afetamos e

somos afetados na defesa da liberdade de pensamento O autor holandecircs traz na sua

obra provocaccedilotildees instigantes para pensar os valores e crenccedilas da sociedade circunscrita

na sua eacutepoca e tambeacutem por conta de um confronto transtemporal na sociedade

contemporacircnea

Para Spinoza (na primeira parte do tratado sobre Eacutetica) os seres humanos

constituem parte dos modos12

da substacircncia O que significa para o humano constituir-

se parte da substacircncia O autor explica que substacircncia eacute aquilo que existe em si mesmo

e por si mesmo eacute concebido dito de outro modo aquilo cuja conceituaccedilatildeo natildeo exige a

conceituaccedilatildeo de outra coisa do qual deva ser formado (Spinoza 16772005 I III p

62) A substacircncia possui assim autossuficiecircncia loacutegico-conceitual mas haacute no interior

dela uma derivaccedilatildeo que o teoacuterico chamou de modos isto eacute os elementos dependentes

finitos e suscetiacuteveis agraves causas externas

Segundo o autor holandecircs o ser humano integraria modos da substacircncia no

monismo entre corpo e mente Mas se a substacircncia eacute o uno infinito e ilimitado da

existecircncia eacute causa de si e expressa a totalidade como pode comportar na sua gecircnese a

relaccedilatildeo entre corpo e mente A resposta de Spinoza eacute que apesar de haver apenas uma

substacircncia uma soacute natureza eacute ldquoconstituiacuteda por uma infinidade de atributos13

que

expressam de formas distintas sua uacutenica essecircncia eterna e infinitardquo (Marccedilon 2009 p

38)

12 A substacircncia para Spinoza eacute constituiacuteda de infinitos modos mas os modos em si natildeo satildeo infinitos O

modo natildeo possui infinitos atributos mas o ser humano percebe atraveacutes dos modos os mesmo atributos

que vecirc na substacircncia Assim atraveacutes dos modos o ser humano identifica os atributos de pensamento e

extensatildeo (I Definiccedilatildeo V II Proposiccedilatildeo XIII) 13

Para Spinoza um atributo eacute um modo de se ver a substacircncia

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 48

ILKA SCHAPPER SANTOS

Respondendo a questatildeo do paraacutegrafo anterior de outro modo pode-se afirmar

que a substacircncia possui infinitos atributos Ou seja a substacircncia tem infinitas

possibilidades de ser vista sendo essas possibilidades concebidas como fundadas agrave sua

essecircncia (Spinoza 16772005 Proposiccedilotildees X e XI) Apesar de possuir infinitos

atributos e dessa maneira possuir infinitos modos de ser visto o ser humano soacute tem

capacidade de identificar dois desses atributos o pensamento e a extensatildeo

Com respeito ao binocircmio corpomente como modos da substacircncia natildeo tecircm uma

relaccedilatildeo hieraacuterquica natildeo haacute supremacia de um sobre o outro isso porque corpo e mente

constituem uma mesma coisa em um soacute Haacute nesse binocircmio uma correspondecircncia que

Spinoza intitulou de paralelismo14

o que o atributo extensatildeo (os corpos como modos

finitos da extensatildeo) realiza o atributo pensamento compreende (Spinoza 16772005

III II p 199) Extensatildeo e pensamento satildeo indissociaacuteveis e imbricados pois formam

uma totalidade satildeo o verso e o reverso de uma mesma e uacutenica substacircncia multifacetada

Eacute no interior da siacutentese desse paralelismo entre corpo-mente (ideia do corpo) que temos

a gecircnese da explicaccedilatildeo do monismo spinozano

Segundo Marilena Chauiacute (1999) o pensamento de Spinoza inova natildeo apenas

pelo fato de compreender o ser humano como instacircncia dos modos finitos da substacircncia

que nele se expressa mas tambeacutem por trazer para o debate a concepccedilatildeo do modo finito

impresso no humano que carrega as marcas da imanecircncia infinita da substacircncia

Podemos inferir que os seres humanos constituem-se parte da substacircncia em

seus modos dependentes finitos e sujeitos a causas externas Por conta dessa finitude

sua liberdade eacute parcial e por mais que tenha o livre arbiacutetrio ldquonunca chega a ser

totalidade livre na ordem do universordquo (Fuga 2009 p 51) Isso porque o modo

manteacutem relaccedilotildees com o que eacute externo a ele que configura outro modo A (inter-)relaccedilatildeo

dos modos eacute nomeada por Spinoza (16772005 II Proposiccedilotildees XIII p 143) de

ldquoafecccedilatildeordquo Assim um modo ldquoafectardquo e eacute ldquoafectadordquo por outro modo natildeo podendo pela

vontade evitar a ldquoafecccedilatildeordquo Nessa (inter-)relaccedilatildeo pode ocorrer um aumento ou uma

diminuiccedilatildeo do poder de expressatildeo da potecircncia do agir ou do seu conatus que

etimologicamente significa ldquoesforccedilordquo em latim

14 Para Spinoza a tese do paralelismo entre corpomente diz de uma espeacutecie de correspondecircncia ou

isonomia entre os dois modos ou atributos ldquoum modo da extensatildeo e a ideia desse modo satildeo uma soacute e

mesma coisa que se exprime entretanto de duas maneirasrdquo (II Proposiccedilatildeo VII Escoacutelio 2005 p 136)

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 49

ILKA SCHAPPER SANTOS

Segundo Deleuze (2002 p 62-63) para Spinoza o conhecimento natildeo eacute a

operaccedilatildeo de um sujeito mas a afirmaccedilatildeo de uma ideia Ele se constitui como modos da

existecircncia porque no movimento de conhecer prolonga-se nos tipos de consciecircncia e

de afetos que lhe correspondem de modo que todo poder de ser afetado seja preenchido

(ibid p 64) O conhecimento verdadeiro eacute aquele que expressa uma essecircncia singular

Para ele haacute trecircs gecircneros de conhecimentos a) o primeiro gecircnero foi nomeado pelo autor

por ideias inadequadas que exprimem as condiccedilotildees naturais de nossa existecircncia

enquanto natildeo temos as noccedilotildees comuns nem as ideias adequadas As ideias

inadequadas se definem por signos indicativos e signos imperativos Estes como sendo

os signos que envolvem o conhecimento inadequado das leis e aqueles signos que

envolvem o conhecimento inadequado das coisas b) o segundo gecircnero do

conhecimento satildeo as noccedilotildees comuns que satildeo as ideias que podem ser aplicadas a

diversas essecircncias singulares mas que natildeo conseguem expressar adequadamente

nenhuma dessas ideias c) o terceiro gecircnero tratado pelo autor foi intitulado de ideias

adequadas que expressam conhecimento verdadeiro pois possibilitam conhecer a

essecircncia singular como ela eacute

A relaccedilatildeo de conveniecircncia ou composiccedilatildeo entre os seres (Spinoza 16772005

II Lema II) permite pensar a relaccedilatildeo entre os trecircs gecircneros do pensamento as ideias

inadequadas podem se transformar em noccedilotildees comuns deixando de ser ldquoideias

confusas ou vagasrdquo para compor algo que eacute o mesmo tanto nas partes quanto no todo

mas natildeo idecircnticas nas partes Por sua vez as noccedilotildees comuns por trazerem partes da

totalidade se aproximam mais do terceiro gecircnero as ideias adequadas Eacute a concepccedilatildeo

de totalidade que nos faz passar do segundo para o terceiro gecircnero pois estaacute de certa

forma vinculada agraves noccedilotildees comuns ldquoo que eacute comum a todas as coisas e se acha

igualmente na parte e no todo natildeo pode ser concebido senatildeo adequadamenterdquo

(Spinoza 16772005 p 171) por conta de agregar mais partes da substacircncia a noccedilatildeo

comum nos possibilita sob esse aspecto passar para as ideias adequadas que

exprimem a essecircncia da natureza

Segundo Deleuze no interregno entre o primeiro e o segundo gecircnero existe uma

relaccedilatildeo ocasional que viabiliza o salto de um para outro O autor explica que

Por um lado quando encontramos corpos que convecircm com o nosso

ainda natildeo temos a ideia adequada desses outros corpos nem de noacutes

mesmos mas sentimos paixotildees alegres (aumento de nossa potecircncia de

agir) que pertencem ainda ao primeiro gecircnero mas nos induzem a

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 50

ILKA SCHAPPER SANTOS

formar a ideia adequada do que eacute comum entre tais corpos e o nosso

Por outro lado a noccedilatildeo comum em si mesma estabelece harmonias

complexas com as imagens confusas do primeiro gecircnero e apoia-se em

certas caracteriacutesticas da imaginaccedilatildeo (Deleuze 2002 p 55)

Isso pode ser sintetizado no que Spinoza chamou de relaccedilatildeo de conveniecircncia ou

composiccedilatildeo entre os seres Nessa relaccedilatildeo o ser humano pode aumentar ou diminuir seu

conatus expresso na sua potecircncia de agir Para Spinoza o conatus eacute uma potecircncia de um

modo finito natural de autoconservaccedilatildeo que se manifesta no nosso esforccedilo para

preservar a existecircncia Isso natildeo significa uma preservaccedilatildeo estaacutetica ou inerte ao

contraacuterio ldquoesse esforccedilo requer uma dinacircmica que evolui por meio dos encontros com

outros modos ao longo de toda existecircnciardquo (Fuga 2009 p 51)

O conatus natildeo eacute caracteriacutestica exclusiva do ser humano Todos os seres possuem

conatus inclusive os seres do reino mineral que tendem involuntariamente a preservar

na existecircncia pois como modo da substacircncia eacute determinado a existir por um tempo

indefinido No entanto um ser do reino mineral ldquonatildeo tem a ideia da ideia de seu corpordquo

(Spinoza 16772005 III VIII demonstraccedilatildeo p 206) posto que natildeo tem consciecircncia de

si A manifestaccedilatildeo de um diferente conatus depende do grau de complexidade de seu

corpo No caso do ser humano devido a seu elevado grau de complexidade aleacutem da

constante busca em se preservar na existecircncia procura uma autoexpansatildeo na (inter-)

relaccedilatildeo com outros seres podendo aumentar ou diminuir sua potecircncia de agir

Para Spinoza ao encontrar um outro corpo que lhe conveacutem o ser humano pode

experimentar sentimentos de alegria ou de tristeza No primeiro sentimento haacute o

aumento do conatus e no segundo uma diminuiccedilatildeo da potecircncia do agir Nesse

movimento de interaccedilatildeo entre corpos ou de composiccedilotildees nas palavras de Spinoza os

seres humanos vatildeo se constituindo afetando e sendo afetados As composiccedilotildees e

decomposiccedilotildees de corpos quando estatildeo sob a eacutegide da alegria possibilitam que o ser

humano se aproxime das ideias adequadas Assim a atividade de nossa mente

corresponde agraves alteraccedilotildees que decorrem do contato do nosso corpo com outros corpos

nessa relaccedilatildeo com outros corpos distintos pensamentos ou conhecimentos satildeo gerados

Dependendo do grau de composiccedilatildeo esses pensamentos ou conhecimentos se fundam

ora nas ideias inadequadas ora nas noccedilotildees comuns ora nas ideias adequadas

Quais as relaccedilotildees entre esses construtos teoacutericos spinozanos tratados acima

com a CC

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 51

ILKA SCHAPPER SANTOS

Como vimos o ser humano eacute parte da substacircncia que conteacutem a totalidade e

sendo finito e parcialmente livre tem tambeacutem possibilidade parcial de criar ideias

adequadas que propiciam a liberdade Assim por conta dessa finitude o humano

observa as coisas de forma inadequada No entanto quando em contato com outros

seres humanos em um fluxo de composiccedilatildeo as ideias inadequadas e as noccedilotildees comuns

de cada sujeito satildeo confrontadas gerando tensotildees e conflitos que desestabilizam as

dicotomias e ideias simplistas que satildeo elementos da inadequaccedilatildeo do conhecimento

Nesse movimento de compartilhamento de pensamentos e conhecimentos de ideias

inadequadas os sujeitos podem criar novas ideias ainda parciais e insuficientes mas

muito mais proacuteximas das noccedilotildees comuns dos aspectos infinitos e adequados dos modos

da substacircncia que conteacutem elementos da totalidade (Liberali 2009)

O entendimento do processo de composiccedilatildeo entre os corpos para formar uma

noccedilatildeo comum e se aproximar das ideias adequadas eacute fundamental para a compreensatildeo

da produccedilatildeo de conhecimento no caso desta tese a produccedilatildeo de conhecimento do GP

EFoPI Essa interaccedilatildeo entre os participantes do grupo pode gerar um aumento na

potecircncia do agir (o conatus) de cada participante bem como no conatus do grupo e

possibilitar a todos estarem parcialmente nas partes e completamente no todo se

aproximando cada vez mais da substacircncia Isso porque ldquose dois indiviacuteduos se aliam um

ao outro formam um indiviacuteduo duas vezes mais poderoso do que cada um deles tomado

separadamenterdquo (Spinoza 16772005 IV XVIII escoacutelio p 303) Assim nesse fluxo

interacional os participantes ldquoimprimem por assim dizer certos vestiacutegiosrdquo (Spinoza

Postulado V p 151) nos sujeitos afetados melhor dizendo que afetam e satildeo afetados

Esses vestiacutegios marcam a gecircnese da transformaccedilatildeo do pensamento e do conhecimento

dos membros do GP EFoPI e dos participantes desta pesquisa

Esse movimento da busca de produccedilatildeo de ideias adequadas no interior da CC

encontra eco quando refletimos sobre o compartilhamento de sentidos e a produccedilatildeo de

significados na perspectiva soacutecio-histoacuterico-cultural Em especial nas construccedilotildees

teoacutericas de Bakhtin e seu ciacuterculo e nas de Vygotsky que foram tecidas neste capiacutetulo da

tese As obras de ambos os autores trazem na sua gecircnese uma visatildeo de totalidade

muito proacutexima agrave presente nas discussotildees do monismo spinozano que nos auxilia a

refletir sobre a indissociabilidade entre znacheniesmysl corpomente ideias

adequadasideias inadequadas aprendizadodesenvolvimento internoexterno

teoriapraacuteticas sociais entre outros

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 52

ILKA SCHAPPER SANTOS

No proacuteximo toacutepico discorrerei sobre aspectos importantes no movimento da

ldquovelhardquo e da ldquonovardquo retoacuterica para fundamentar a discussatildeo sobre a argumentaccedilatildeo no

interior deste trabalho de tese

115 ndash Breve retomada da ldquovelhardquo e da ldquonovardquo retoacuterica um encontro com a

argumentaccedilatildeo na cadeia criativa

Considerando ser o foco desta investigaccedilatildeo a argumentaccedilatildeo desenvolvida entre

pesquisadores e educadores participantes do GP EFoPI sobre a brincadeira esta seccedilatildeo

pretende tecer uma discussatildeo sobre o argumentar movimento considerado nesta tese

como elemento dialoacutegico manifesto nas accedilotildees de linguagem no fluxo da Cadeia

Criativa

Desde a antiguidade claacutessica a argumentaccedilatildeo tem se constituiacutedo como objeto de

estudo de pensadores e teoacutericos fato expresso nos estudos sobre a retoacuterica Assim

apresento uma breve siacutentese dos construtos sobre a argumentaccedilatildeo tendo como eixo A

Arte Retoacuterica de Aristoacuteteles (350 aC 2005) e o estudo da Nova Retoacuterica de Perelman

amp Olbrechts-Tyteca (19702005) este uacuteltimo resultante da releitura da tradiccedilatildeo claacutessica

Os estudos sobre argumentaccedilatildeo tecircm suas raiacutezes na arte retoacuterica Eacute consenso que

esta eacute a arte de argumentar e no interior disso a argumentaccedilatildeo estaacute sob a eacutegide da arte

de persuadir e de convencer No dicionaacuterio Houaiss da Liacutengua Portuguesa os verbetes

persuadir e convencer tecircm proximidades semacircnticas Aquele eacute definido como ldquolevar ou

convencer (algueacutem ou a si mesmo) a acreditar ou convencer (-se)rdquo (Houaiss 2001 p

2197) e este como ldquopersuadir (algueacutem ou a si mesmo) a aceitar uma ideia ou admitir

um fato por meio de razotildees ou argumentos bem fundadosrdquo (ibid p 826) No entanto

as sutilezas semacircnticas mostram que persuadir estaacute mais relacionado ao campo do

sentimento da emoccedilatildeo enquanto o convencer transita no terreno das ideias sob o signo

da razatildeo pois postula que o convencimento se daacute por meio de razotildees ou argumentos

bem fundados Esses dois verbetes satildeo indissociaacuteveis na praacutetica argumentativa

Segundo Abreu (1999 p 25) ldquoconvencer eacute construir algo no campo das ideiasrdquo

e ldquopersuadir eacute construir no terreno das emoccedilotildees eacute sensibilizar o outro para o agirrdquo A

capacidade de argumentar em uma perspectiva monista seria o verso e o reverso dessas

duas construccedilotildees Reboul (2004) explica que a retoacuterica eacute a ldquoa arte de persuadir pelo

discursordquo Para o autor persuadir eacute levar algueacutem a crer em algo no campo da discussatildeo

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 53

ILKA SCHAPPER SANTOS

Entretanto refuta a tese que distingue convencer e persuadir por consideraacute-la

ldquoexcessivamente dualistardquo ao dicotomizar crenccedila e inteligecircncia razatildeo e emoccedilatildeo

Essa mesma discussatildeo eacute apresentada por Koch (19922004) que discorre sobre o

ato de convencer e persuadir Para a autora este tem como foco os sentimentos dos

interlocutores o auditoacuterio particular e os argumentos pautados no verossiacutemil Jaacute aquele

estaacute direcionado ao auditoacuterio universal sob o eixo da razatildeo

A argumentaccedilatildeo estaacute relacionada ao conjunto das accedilotildees humanas cuja finalidade

eacute a adesatildeo do outro ora na adoccedilatildeo de um comportamento ora na adoccedilatildeo de um ponto

de vista Isso pode ocorrer em uma audiecircncia formada por um uacutenico sujeito (auditoacuterio

interno) ou em uma audiecircncia coletiva mais ampla (auditoacuterio universal) O ato de

argumentar fundado nas accedilotildees humanas estaacute imbricado agraves accedilotildees semiotizadas pela

linguagem em situaccedilatildeo de interaccedilatildeo verbal e extraverbal que procura a

indissociabilidade entre o convencer e o persuadir como jaacute disse Desde que ldquoa espeacutecie

humana se distingue da primata por sua capacidade de construir cultura como agente

mental e intencional e por utilizar intencionalmente e intersubjetivamente instrumentos

semioacuteticos para interagir com o outro atribui agrave linguagem um caraacuteter argumentativordquo

(Santos 2006 p 85) Isto implica afirmar que desde muito cedo o ser humano domina

mesmo que de maneira assistemaacutetica e espontacircnea modos e maneiras de argumentar

Eacute precisamente na antiguidade claacutessica grega que nasce um saber estruturado e

sistematizado sobre a argumentaccedilatildeo esse modo de agir sobre o outro fundado napela

linguagem cuja intencionalidade eacute convencer-persuadir manipular pontos de vista

consciecircncia-espiacuterito sob a eacutegide da arte denominada retoacuterica

A argumentaccedilatildeo desde sua origem tem tido diferentes acepccedilotildees o que nos

remete a uma bifurcaccedilatildeo ora ligada aacute retoacuterica ora relacionada agrave loacutegica Compreender

sua significaccedilatildeo na contemporaneidade requer iniciar o diaacutelogo com o pensamento

aristoteacutelico que constitui um marco nos estudos sobre raciocinar a partir de um campo

argumentativo

Para discutir a argumentaccedilatildeo e suas relaccedilotildees com a antiga retoacuterica neste

trabalho tratarei de algumas definiccedilotildees Apesar de ser a definiccedilatildeo de retoacuterica de

Quintiliano (ldquoarte de falar bemrdquo) do seacutec I da nossa era que atravessou tempos e

espaccedilos e a que ficou mais conhecida eacute importante destacar que a gecircnese da

conceituaccedilatildeo aristoteacutelica (seacutec IV aC) na obra Arte Retoacuterica como ldquoa faculdade de ver

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 54

ILKA SCHAPPER SANTOS

teoricamente o que em cada caso pode ser capaz de gerar a persuasatildeordquo (I 1355 apud

Pistori 2009 p 25) eacute a base epistemoloacutegica para todas as discussotildees posteriores

A questatildeo fundamental do corpus epistemoloacutegico aristoteacutelico na Retoacuterica estaacute

posta nos conhecimentos passiacuteveis de serem provados as crenccedilas e opiniotildees que se

estruturam no confronto das ideias tendo como origem os pontos controversos uma vez

que ldquodeliberamos sobre as questotildees suscetiacuteveis de comportar duas soluccedilotildees opostasrdquo

(ibid)

O texto A Retoacuterica de Aristoacuteteles (350 aC2005) eacute composto por trecircs livros No

livro I o autor discorre sobre os trecircs gecircneros retoacutericos (a) o deliberativo que tem como

eixo discursivo a persuasatildeo e a dissuasatildeo (b) o judiciaacuterio que tem como objetivo

defender ou acusar o epidiacutectico que se funda no elogio ou na censura Ainda neste

primeiro livro o teoacuterico apresenta argumentos na defesa da utilidade da retoacuterica e tece

uma anaacutelise da natureza da prova retoacuterica intitulada de entimema uma espeacutecie de

silogismo derivado No Livro II Aristoacuteteles faz uma anaacutelise de dois elementos inter-

relacionados no campo retoacuterico o plano emocional e a recepccedilatildeo do discurso retoacuterico

Para isso destaca sentimentos que se manifestam no entremeio da argumentaccedilatildeo tais

como ira amizade confianccedila vergonha e seus contraacuterios Tambeacutem apresenta as formas

em que se materializa a argumentaccedilatildeo em especial os toacutepicos argumentativos o uso de

maacuteximas e de entimemas Por fim no livro III satildeo analisados o estilo e a composiccedilatildeo

do discurso retoacuterico No movimento explicativo desses dois pontos traz para a cena da

discussatildeo elementos como clareza correccedilatildeo gramatical e ritmo o uso de metaacuteforas e as

partes imprescindiacuteveis a um discurso (Aristoacuteteles 350 aC 2005 p 22) Nas

discussotildees que datildeo corpo a essa obra Aristoacuteteles promulga as bases da retoacuterica

ocidental Bases que assumidamente se sustentam ao longo dos seacuteculos pois no campo

da evoluccedilatildeo retoacuterica o que se acrescentou representa muito mais um aperfeiccediloamento

sobre a temaacutetica do que construccedilotildees que rompam com o campo epistemoloacutegico

aristoteacutelico

Na tradiccedilatildeo aristoteacutelica a retoacuterica visa agrave descoberta e escolha dos meios que

possam levar um determinado auditoacuterio agrave persuasatildeo Segundo o filoacutesofo satildeo

necessaacuterios trecircs tipos de provas teacutecnicas o ethos que estaacute ligado agrave moral do orador e eacute

concebido como a imagem que este projeta de si atraveacutes de sua maneira de falar com o

intuito de conquistar a confianccedila de seu puacuteblico assegurando e tornando criacutevel o seu

discurso o pathos visto como o modo de recepccedilatildeo do discurso ou seja os sentimentos

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 55

ILKA SCHAPPER SANTOS

que o auditoacuterio experimenta ao ser confrontado com o que eacute dito podendo ter adesatildeo ou

natildeo agrave tese e finalmente o logos entendido como o proacuteprio discurso ou seja as

escolhas linguiacutesticas e estiliacutesticas que contribuem para dar credibilidade ao discurso

tendo como base o raciociacutenio Eacute no interior desses elementos da retoacuterica que se tece um

viacutenculo intersubjetivo entre orador e audiecircncia e que vai determinar a forccedila persuasiva

dos argumentos

Nos estudos mais recentes dois aspectos relacionados agrave argumentaccedilatildeo satildeo

destacados (1) a intenccedilatildeo persuasiva do orador materializada em uma fala convincente

que possibilita mudanccedila de atitude na audiecircncia e (2) a organizaccedilatildeo estrutural do

discurso O primeiro aspecto estaacute relacionado agraves estrateacutegias discursivas de

convencimento utilizadas pelo orador e retomadas por Perelman amp Olbrechts-Tyteca

(19702005) na releitura criacutetica que fizeram da Arte Retoacuterica de Aristoacuteteles (350 aC

2005) Jaacute o segundo aspecto diz respeito agrave infraestrutura textual da argumentaccedilatildeo

retomada por Toulmin (1974)

No entremeio desses dois elementos constitutivos da argumentaccedilatildeo satildeo tecidos

dois modos baacutesicos de raciociacutenio que estruturam o argumentar (1) o que ficou

conhecido como silogismo ndash demonstraccedilatildeo analiacutetica que se refere agrave demonstraccedilatildeo

pautada em proposiccedilotildees evidentes (provas vaacutelidas decorrentes de premissas universais)

fundadas na loacutegica formal e (2) a argumentaccedilatildeo dialeacutetica que se manifesta a partir de

argumentos com base em enunciados possiacuteveis no campo de conclusotildees verossiacutemeis

(Aristoacuteteles 350 aC 2005)

Neste trabalho de tese privilegiarei o segundo modo de raciociacutenio para o

argumentar qual seja a argumentaccedilatildeo dialeacutetica que tem sua gecircnese no pensamento

aristoteacutelico e na contemporaneidade foi retomado de forma criacutetica por Perelman e

Olbrechts-Tyteca (19702005)

O movimento da argumentaccedilatildeo dialeacutetica funda-se em enunciados provaacuteveis dos

quais se pode chegar a conclusotildees apenas verossiacutemeis natildeo tendo o estatuto de verdade

absoluta mas que promovem diversos modos de raciocinar

A dialeacutetica de Aristoacuteteles constitui-se em um jogo cujo objetivo eacute vencer mas

sem burlar as regras inerentes agrave loacutegica Na maioria das vezes esse jogo tem o fim em si

mesmo Eacute estruturado por silogismo demonstrativo que parte das premissas evidentes e

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 56

ILKA SCHAPPER SANTOS

por silogismo dialeacutetico que se funda nas premissas provaacuteveis (aquilo que pode ser

verdadeiro)15

Eacute importante dizer que a argumentaccedilatildeo dialeacutetica de Aristoacuteteles ao longo dos

seacuteculos foi perdendo espaccedilo na comunidade dos filoacutesofos para a demonstraccedilatildeo

analiacutetica Isso por conta da rigidez do racionalismo e do cristianismo sendo percebida

como uma forma menos confiaacutevel por estar sob a eacutegide do verossiacutemil e natildeo do estatuto

de verdade Esse momento da histoacuteria corresponde ao Renascimento

Opondo-se a essa visatildeo vejo que a arquitetura aristoteacutelica da retoacuterica traz

importantes elementos para pensarmos a argumentaccedilatildeo Na sua obra magna o pensador

da antiguidade claacutessica afirma que todo ser humano resguardadas as limitaccedilotildees de cada

um eacute capaz de argumentar porque no interior de sua interlocuccedilatildeo no mundo se propotildee

a partir de uma tese defender ou refutar algo Dito de outro modo a retoacuterica se constitui

como elemento fundante da competecircncia argumentativa dos sujeitos Eacute na praacutetica

discursiva que persuadimos convencemos sempre que buscamos demonstrar o

verossiacutemil

Pautados nas noccedilotildees de Aristoacuteteles podemos provar o verossiacutemil atraveacutes dos trecircs

elementos constituintes do movimento discursivo de que tratei anteriormente ethos

pathos e logos Esses trecircs elementos estatildeo presentes nos trecircs gecircneros retoacutericos da

argumentaccedilatildeo o retoacuterico judiciaacuterio o retoacuterico deliberativo e o retoacuterico epidiacutectico A

determinaccedilatildeo desses gecircneros ou tipos demarca o protagonismo do papel do orador na

construccedilatildeo retoacuterica de seu discurso ldquoagrave medida que eacute capaz de se orientar pela

accedilatildeoreaccedilatildeo da audiecircncia quer seja em termos de cooperaccedilatildeo quer seja em termos de

conflitordquo (Santos 2006 p 88)

A seguir apresento de forma sintetizada os gecircneros retoacutericos do discurso16

tal

como foram elaborados por Aristoacuteteles e sistematizados no trabalho de Santos (ibid p

88-90)

A gecircnese da retoacuterica deliberativa encontra-se na assembleia democraacutetica tem

por objetivo apresentar projeccedilotildees de futuro para que a audiecircncia aprecie e avalie os

15 Reboul (2004 p 28) define silogismo como ldquodiscurso argumentativo baseado na causa contendo trecircs

proposiccedilotildees sendo duas premissas e a conclusatildeordquo 16

Eacute importante esclarecer que o gecircnero do discurso em Aristoacuteteles difere da discussatildeo de gecircneros de

Bakhtin Para este uacuteltimo grosso modo os gecircneros do discurso constituem-se como tipos de enunciados

relativamente estaacuteveis que estatildeo intrinsecamente relacionados a contextos tiacutepicos da comunicaccedilatildeo social

em situaccedilotildees sociais de interaccedilatildeo no interior de uma determinada comunidade semioacutetica

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 57

ILKA SCHAPPER SANTOS

possiacuteveis desdobramentos de uma tomada de decisatildeo tendo como referente a promoccedilatildeo

de lucros ou prejuiacutezos para a partir daiacute posicionar-se frente aos argumentos O uso de

argumentos de exemplo eacute a principal estrateacutegia argumentativa em que se pauta o orador

Isso porque eacute este argumento que facilita o raciociacutenio indutivo em especial quando se

trata de grandes audiecircncias

A retoacuterica judiciaacuteria pauta-se na existecircncia de uma questatildeo polecircmica em

evidecircncia e teses que se contrapotildeem A estrutura desse gecircnero estaacute sob a eacutegide das

dicotomias justoinjusto aceitaccedilatildeotransgressatildeo de normas e leis posto que tem como

auditoacuterio o tribunal que ora acusa (acusaccedilatildeo) ora defende (defesa) Assim ldquoprovar a

adequaccedilatildeo e inadequaccedilatildeo normativa de uma accedilatildeo ocorrida eacute o tipo ideal de situaccedilatildeo

em que se potildee o modo judiciaacuteriordquo (Magalhatildees17

R F 2002 p 44) Cabe ao orador

com(provar) baseado em leis e regras compartilhadas com a audiecircncia a adequaccedilatildeo ou

inadequaccedilatildeo dos episoacutedios narrados ldquona medida em que reconstroacutei persuasivamente os

fatos do passado em rede causal e os apresenta agrave audiecircncia como juiacutezes das accedilotildees

cabe julgar os fatos conforme a cadeia que se pode deles inferirrdquo (Santos 2006 p 89)

Jaacute a retoacuterica epidiacutectica tem objetivos diferentes dos dois gecircneros citados

anteriormente natildeo busca travar combate entre adversaacuterios seja para aconselhar ou

deliberar o melhor para a audiecircncia ou advogar sobre o justo Este gecircnero tem a funccedilatildeo

de construir a esteacutetica do discurso Para isso sua linguagem se estrutura na eloquecircncia

procurando construir uma cena discursiva que exprima a trageacutedia a comeacutedia o destaque

a valores como o viacutecio e a virtude (ibid p 89) Magalhatildees R F (2002 p 45) explica

que ldquoo discurso epidiacutectico natildeo discute o objeto mas toma-o como dado e trata de

engrandececirc-lo ou denegri-lordquo o papel do auditoacuterio nesse contexto portanto eacute de

espectador aquele que aprecia e aplaude o discurso do orador como se fosse

apresentaccedilatildeo cecircnica ou uma obra de arte No quadro abaixo mostrarei a siacutentese desses

gecircneros retoacutericos do discurso

17 Quando me referir ao artigo ldquoA reconstruccedilatildeo da racionalidade no paradigma da linguagem a

contribuiccedilatildeo retoacutericardquo utilizarei Magalhatildees R F (2002) Nas demais citaccedilotildees de Magalhatildees estarei me

referindo agrave Profordf Drordf Maria Ceciacutelia Camargo de Magalhatildees

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 58

ILKA SCHAPPER SANTOS

Quadro 01- Os trecircs gecircneros do discurso na Retoacuterica com base em Rebul (200447)

Gecircneros do

Discurso

Auditoacuterio Situaccedilatildeo Tempo Ato Valor

es

Argument

o-tipo

Judiciaacuterio Juiacutezes Aceitaccedilatildeo ou

transgressatildeo de leis e

normas

Passado

(fatos

por

julgar)

Acusar

Defender

Justo

Injust

o

Etinema

(dedutivo)

Deliberativo Assembleia

democraacutetica

Consulta a lucros ou

prejuiacutezos

Futuro Aconselhar

Desaconselhar

Uacutetil

Nociv

o

Exemplo

(indutivo)

Epidiacutectico Espectador Exprimir a trageacutedia a

comeacutedia a exaltaccedilatildeo

a valores

Presente Louvar

Censurar

Nobre

vil

Ampliaccedilatildeo

Para Perelman e Olbrechts-Tyteca a ausecircncia de um juiacutezo de valor e de

intensidade da adesatildeo e a ecircnfase na esteacutetica do discurso caracteriacutesticas da retoacuterica

epidiacutectica acabaram por criar uma compreensatildeo equivocada sobre o loacutecus desse gecircnero

na retoacuterica persuasiva Em decorrecircncia disso historicamente ele foi mais ldquoenquadradordquo

agrave literatura do que agrave argumentaccedilatildeo ldquoa distinccedilatildeo dos gecircneros contribuiu para a

posterior desagregaccedilatildeo da retoacuterica pois os dois primeiros gecircneros (deliberativo e

judiciaacuterio) foram anexados pela filosofia e pela dialeacutetica tendo sido o terceiro (o

epidiacutectico) englobado na prosa literaacuteriardquo (Perelman e Olbrechts-Tyteca 19702005 p

54)

Magalhatildees R F (2002 p 43) discorre sobre a triacuteade claacutessica desses trecircs

gecircneros e propotildee ainda a discussatildeo do quarto gecircnero que aparece mais diluiacutedo na obra

de Aristoacuteteles (350 aC 2005) o analiacutetico A retoacuterica analiacutetica se presentifica no

universo do raciociacutenio loacutegico-cientiacutefico fundada na maneira de guiar e fundamentar os

argumentos cujo objetivo eacute explicar as razotildees de fenocircmeno O loacutecus desse gecircnero eacute o

da ciecircncia e assim como os espaccedilos de opiniatildeo de debate e de persuasatildeo ldquoexpressa um

tipo de retoacuterica que atende hoje agraves demandas de um mundo moderno no qual se

discutem e se explicam com relativo desembaraccedilo mesmo que atraveacutes de jargotildees mais

simplificados questotildees de natureza cientiacuteficardquo (Santos 2006 p 90)

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 59

ILKA SCHAPPER SANTOS

Apesar desta exposiccedilatildeo didaacutetica de cada gecircnero do discurso separadamente

quero registrar que natildeo os vejo como dissociados Pautada em Magalhatildees R F (2002)

defendo que haacute um entrelaccedilamento entre eles o que possibilita percebecirc-los imbricados

promovendo uma configuraccedilatildeo variada do debate retoacuterico Desse modo encontramos

na estrutura da retoacuterica judiciaacuteria elementos da retoacuterica deliberativa quanto agraves

consequecircncias de uma condenaccedilatildeo ou de uma absolviccedilatildeo o inverso tambeacutem eacute

verdadeiro Eacute tambeacutem possiacutevel perceber na retoacuterica deliberativa uma estrutura

discursiva que se pauta na reconstruccedilatildeo de narrativas caracteriacutesticas da retoacuterica

judiciaacuteria para validar as projeccedilotildees de futuro e promover as deliberaccedilotildees pretendidas

pela audiecircncia o que pode ser exemplificado com o gecircnero propaganda poliacutetica

Para se conseguir a adesatildeo do eleitor o candidato apresenta uma

relaccedilatildeo retrospectiva de realizaccedilotildees de sua vida puacuteblica para que

entatildeo o eleitor delibere por votar no candidato com base em

projeccedilotildees futuras de continuidade desses feitos e os possiacuteveis lucros

de sua vitoacuteria Do mesmo modo como observa o autor a fala sobre a

moralidade dificilmente pode ser alcanccedilada usando-se apenas os

silogismos ou a induccedilatildeo que caracterizam os modos deliberativo e

judiciaacuterio (Santos 2006 p 90)

A discussatildeo que teci dos gecircneros da argumentaccedilatildeo presentes desde a retoacuterica

claacutessica juntamente com a discussatildeo sobre sua estrutura variada no debate retoacuterico

servem de alicerce para os estudos modernos sobre argumentaccedilatildeo em dois importantes

aspectos (1) a consideraccedilatildeo do caraacuteter heterogecircneo dos gecircneros discursivos e de seus

diferentes modos e maneiras de realizaccedilatildeo na prerrogativa de atender intenccedilotildees

comunicativas diversas (2) a heranccedila claacutessica nos estudos modernos sobre a

argumentaccedilatildeo no que se refere agrave relevacircncia dada agrave estrutura e ao planejamento do

discurso argumentativo (ibid p 91) Este uacuteltimo aspecto eacute o que nos interessa neste

trabalho pois auxilia na reflexatildeo sobre o discurso argumentativo na arte retoacuterica e sua

influecircncia na contemporaneidade destacando trecircs aspectos importantes da composiccedilatildeo

verbal do discurso na arte retoacuterica da antiguidade grega quais sejam taxis heuresis e

lexis

A taxis (lat Dispositio) corresponde ao plano de organizaccedilatildeo do

discurso que pode ser alterado em curso agrave medida em que se atendam

as demandas comunicativas como a reaccedilatildeo da audiecircncia frente ao

exposto A taacutexis reconhece os seguintes componentes de uma

argumentaccedilatildeo conforme nos apresenta Nach (1989 p 6-9) heuresis

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 60

ILKA SCHAPPER SANTOS

(lat Inventio) que diz respeito agrave capacidade do orador de utilizar

dentro de seu repertoacuterio de conhecimentos aquele(s) necessaacuterios(s) agrave

introduccedilatildeo ou ao desenvolvimento do assunto e que funciona(m)

como ferramenta(s) oratoacuteria(s) para a abordagem do conteuacutedo uma

pergunta retoacuterica uma anedota uma definiccedilatildeo uma comparaccedilatildeo e

lexis (lat elocutio) que corresponde agraves escolhas linguiacutesticas

(discursivas) que semiotizam as intenccedilotildees comunicativas de

persuasatildeo e convencimento (ibid p 91)

Perelman e Olbrechts-Tyteca propotildeem uma ruptura das concepccedilotildees de razatildeo e

raciociacutenio cartesiano defendendo a tese de que um raciociacutenio pode convencer sem

necessariamente ser um caacutelculo e pode ter o estatuto cientiacutefico tatildeo riacutegido e ter a precisatildeo

matemaacutetica No interregno entre as discussotildees aristoteacutelicas e o raciociacutenio cartesiano

temos em Perelman e Olbrechts-Tyteca (19702005) uma nova visatildeo de argumentaccedilatildeo

(1) estudo de teacutecnicas discursivas que permitem provocar ou aumentar a adesatildeo das

pessoas agraves teses que satildeo apresentadas (p 5) e

(2) provocar ou aumentar a adesatildeo dos espiacuteritos agraves teses que se apresentam a seu

assentimento uma argumentaccedilatildeo eficaz eacute a que consegue aumentar essa

intensidade de adesatildeo de forma que se desencadeie nos ouvintes a accedilatildeo

pretendida (accedilatildeo positiva ou abstenccedilatildeo) ou pelo menos crie neles uma

disposiccedilatildeo para a accedilatildeo que se manifestaraacute no momento oportuno (p 50)

Eacute importante dizer que nesse interregno a obra de Perelman e Olbrechts-Tyteca

resgata da doutrina aristoteacutelica a retoacuterica a partir dos conhecimentos provaacuteveis do

verossiacutemil e natildeo das certezas e verdades absolutas A delineaccedilatildeo de seu campo era o da

controveacutersia da crenccedila do mundo da opiniatildeo que se movimenta dialeticamente pelo

confronto de ideias e pela habilidade na praacutetica discursiva Foi no interior desse resgate

que surgiram as ldquonovas retoacutericasrdquo estruturadas nas loacutegicas natildeo formais e nas loacutegicas

naturais (Mosca 2004 p 20)

Esse novo movimento da retoacuterica estaacute fundado na inter-relaccedilatildeo das ciecircncias

humanas com as ciecircncias dos discursos tendo como referente a loacutegica e as evidecircncias

As teorias da argumentaccedilatildeo passam a se desenvolver sobre postulados democraacuteticos

lidando necessariamente com elementos que a loacutegica cartesiana natildeo permitiria tais

como crenccedilas valores preferecircncias e decisotildees Desse modo aceitam a existecircncia de

limitaccedilotildees e imperfeiccedilotildees uma vez que a argumentaccedilatildeo natildeo pretende se estruturar como

verdade absoluta e sim sob a perspectiva do provaacutevel do verossiacutemil e do criacutevel Nesse

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 61

ILKA SCHAPPER SANTOS

contexto cabe ao auditoacuterio (universal ou particular) decisatildeo de aderir ou natildeo agraves teses e

aos argumentos da cena enunciativa

Na perspectiva da nova retoacuterica eacute importante ter preocupaccedilatildeo com a adesatildeo do

auditoacuterio Desse modo possibilita-se que no espaccedilo de interaccedilatildeo o interlocutor

apresente uma accedilatildeo imediata ou futura diante das proposiccedilotildees e das perguntas

levantadas (Perelman e Olbrechts-Tyteca 19702005 p16) Isso porque como

discutido anteriormente o objetivo da retoacuterica eacute ldquoproduzir ou aumentar a adesatildeo de um

determinado auditoacuterio a certas teses e seu ponto inicial seraacute a adesatildeo desse auditoacuterio a

outras tesesrdquo (Perelman e Olbrechts-Tyteca 19702005 p70)

O ponto de intersecccedilatildeo entre a retoacuterica aristoteacutelica (350 aC 2005) e a Nova

Retoacuterica (Perelman e Olbrechts-Tyteca 19702005) eacute a crenccedila de que os interlocutores

no campo da enunciaccedilatildeo e no campo da intencionalidade se influenciam de alguma

maneira (Mosca 2004)

Segundo Osakabe (1999) Perelman e Olbrechts-Tyteca (19702005) trazem

algumas distinccedilotildees em relaccedilatildeo ao trabalho sobre a retoacuterica de Aristoacuteteles em especial

no que se refere ao gecircnero epidiacutectico e agrave questatildeo do loacutecus do qual se extraem as

premissas Em relaccedilatildeo ao gecircnero epidiacutectico acrescentam que eacute necessaacuterio que o orador

leve em consideraccedilatildeo a complexidade do contexto em que estaacute inserido complexidade

que pode ser desvelada pela linguagem no interior das praacuteticas sociais Jaacute a questatildeo do

ldquolugarrdquo do qual se retiram as premissas os autores discutem a necessidade de

simplificaacute-las em quantidade e qualidade

Eacute importante dizer que os estudos da Retoacuterica Claacutessica Aristoteacutelica bem como

da Nova Retoacuterica de Perelman e Olbrechts-Tyteca influenciaram sobremaneira a

reconstruccedilatildeo epistemoloacutegica e as releituras criacuteticas da abordagem retoacuterica dos estudos

literaacuterios e mais recentemente os estudos da linguagem desenvolvidos pela Linguiacutestica

Aplicada em especial os trabalhos desenvolvidos e orientados por Liberali no LAEL

da PUC-SP no seu projeto de produtividade do CNPq (Liberali 2008) do qual esta tese

faz parte

Nesse sentido o diaacutelogo tecido ateacute aqui entre a ldquovelhardquo e a ldquonovardquo retoacuterica tem

como objetivo refletir sobre a argumentaccedilatildeo a partir desses paracircmetros e daqueles

construiacutedos e discutidos por Liberali (2006 p 7) ldquouma argumentaccedilatildeo colaborativa que

permite a restriccedilatildeo e expansatildeo dos significados que saciaratildeo natildeo (somente) a

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 62

ILKA SCHAPPER SANTOS

necessidade individual mas aquela necessidade que permite perceber que somos parte

de uma totalidade que existe nas partesrdquo Nessa perspectiva a argumentaccedilatildeo eacute um

dispositivo que permite aos sujeitos interagirem no campo das ideias concepccedilotildees

valores e crenccedilas colocando-os em contato ora conflitantes ora em concordacircncia

Diante do exposto neste trabalho defino argumentaccedilatildeo como um dispositivo

enunciativo que a partir dos tipos de argumentos discutidos (que satildeo explicitados no

capiacutetulo 2) especialmente os propostos por Perelman e Olbrechts-Tyteca (19702005)

permite descrever informar confrontar e transformar os sentidos produzidos pelos

sujeitos nos espaccedilos discursivos da praacutetica de pesquisa Um movimento que revela

sentidos e significados compartilhados em outros espaccedilos criando em um loacutecus

especiacutefico particular uma instacircncia nova de significaccedilatildeo no movimento da CC

Na proacutexima seccedilatildeo discutirei esse movimento argumentativo no fluxo da

interaccedilatildeo verbal tendo como horizonte de visatildeo as categorias teoacutericas bakhtinianas

dialogismo discurso autoritaacuterio e discurso internamente persuasivo

116 ndash Fluxo da Interaccedilatildeo verbal por uma argumentaccedilatildeo dialoacutegica na Cadeia

Criativa

A interaccedilatildeo social por intermeacutedio da liacutengua caracteriza-se

fundamentalmente pela argumentatividade () o ato linguiacutestico

fundamental eacute o ato de argumentar

(Ingedore Koch)

No cenaacuterio dos estudos e pesquisas em Linguiacutestica Aplicada (LA) o tema

argumentaccedilatildeo tem sido importante ponto de discussatildeo Isso porque o campo de

investigaccedilatildeo da LA estabelece uma interface com diferentes domiacutenios do conhecimento

numa perspectiva transdisciplinar que tem como eixo a linguagem E como aponta a

epiacutegrafe desta seccedilatildeo o ato linguiacutestico fundamental eacute o ato de argumentar Dito isto o

binocircmio linguagem-argumentaccedilatildeo eacute elemento indissociaacutevel para trabalhos que buscam

investigar as interaccedilotildees sociais Nesta seccedilatildeo do capiacutetulo este binocircmio seraacute analisado no

fluxo da interaccedilatildeo verbal a partir das contribuiccedilotildees teoacutericas do Ciacuterculo de Bakhtin

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 63

ILKA SCHAPPER SANTOS

Ateacute agora discuti sobre as condiccedilotildees sociais histoacutericas e culturais que

determinam a existecircncia do ser humano e como focalizo neste trabalho a produccedilatildeo de

seu conhecimento Discorri tambeacutem a partir da perspectiva soacutecio-histoacuterico-cultural que

essa produccedilatildeo se processa no entremeio da realidade material e imaterial mediada por

representaccedilotildees siacutegnicas que constituem a essecircncia para a formaccedilatildeo da consciecircncia do

sujeito no interior da linguagem discursivo-simboacutelica Esse processo de internalizaccedilatildeo

do mundo exterior atraveacutes das representaccedilotildees siacutegnicas eacute dialeacutetico-ideoloacutegico o que

possibilita a transformaccedilatildeo do homem no mundo e a transformaccedilatildeo do mundo pelo

homem E por fim teci relaccedilotildees entre a ldquovelhardquo e a ldquonovardquo retoacuterica Passemos entatildeo a

discutir a argumentaccedilatildeo na Cadeia Criativa tendo como eixo a dialogia de Bakhtin

O ciacuterculo de Bakhtin traz uma nova perspectiva para a linguiacutestica moderna em

especial com os estudos sobre enunciaccedilatildeo interaccedilatildeo verbal e nas relaccedilotildees que tece sobre

linguagem-histoacuteria linguagem-sociedade e linguagem-dialogia

Bakhtin e seus colaboradores tecircm uma visatildeo da enunciaccedilatildeo como ldquomateacuteria

linguiacutestica e como contexto enunciativo e afirma ser o enunciado assim entendido o

objeto de estudos da linguagem O texto enunciativo recupera estatuto pleno de objeto

discursivo social e histoacutericordquo (Barros 1994 p 1) Sob a anaacutelise bakhtiniana a

enunciaccedilatildeo se processa no interior da interaccedilatildeo verbal presente nas mais variadas

interaccedilotildees do indiviacuteduo Nesse contexto podemos compreender a linguagem como um

sistema simboacutelico discursivo que enfatiza a interaccedilatildeo entre os sujeitos em todas as

dimensotildees da enunciaccedilatildeo pois o contexto soacutecio-histoacuterico-cultural no qual estamos

inseridos eacute um rico conjunto de significaccedilotildees

Eacute no interior desse contexto por meio da internalizaccedilatildeo e do revozeamento dos

discursos alheios que a liacutengua materna se funda

a liacutengua materna ndash a constituiccedilatildeo do seu leacutexico e sua estrutura

gramatical ndash natildeo a aprendemos nos dicionaacuterios e nas gramaacuteticas noacutes

a adquirimos mediante enunciados concretos que ouvimos e

reproduzimos durante a comunicaccedilatildeo verbal viva que se efetua com

indiviacuteduos que nos rodeiam (Bakhtin 1987 p 301-302)

Para Bakhtin internalizaccedilatildeo e revozeamento dos enunciados alheios

materializam-se no movimento dialoacutegico e heterogloacutessico da linguagem O dialogismo

expressa a natureza interdiscursiva da linguagem nem sempre consensual pois expressa

o ldquopermanente diaacutelogo nem sempre simeacutetrico e harmonioso existente entre os

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 64

ILKA SCHAPPER SANTOS

diferentes discursos que configuram uma comunidade uma cultura uma sociedaderdquo

(Brait 1997 p 98)

No dialogismo o discurso natildeo se constroacutei sobre ele mesmo mas se materializa

em vista do outro enquanto esse outro perpassa atravessa o discurso do ldquoeurdquo Esses

enunciados alheios e proacuteprios possibilitam a transformaccedilatildeo dos sujeitos em autores que

organizam suas praacuteticas discursivas a partir da interaccedilatildeo verbal A coluna vertebral da

interlocuccedilatildeo eacute pois a palavra

na realidade toda palavra comporta duas faces Ela eacute determinada

tanto pelo fato de que procede de algueacutem como pelo fato de que se

dirige para algueacutem Ela constitui justamente o produto da interaccedilatildeo do

locutor e do ouvinte Toda palavra serve de expressatildeo a um em

relaccedilatildeo ao outro atraveacutes da palavra defino-me em relaccedilatildeo ao outro

isto eacute em uacuteltima anaacutelise em relaccedilatildeo agrave coletividade A palavra eacute uma

espeacutecie de ponte lanccedilada entre mim e os outros Se ela se apoia sobre

mim numa extremidade na outra apoia-se sobre o meu interlocutor

(BakhtinVolochinov 1988 p 113)

Na perspectiva bakhtiniana a palavra existe para o enunciataacuterio em trecircs formas

diferentes

palavra neutra da liacutengua e que natildeo pertence a ningueacutem como

palavra do outro pertence aos outros e que preenche os ecos dos

enunciados alheios e finalmente palavra minha pois na medida em

que uso essa palavra numa determinada situaccedilatildeo com intenccedilatildeo

discursiva ela jaacute se impregnou de minha expressividade (Bakhtin

1987 p 388)

A palavra eacute o elemento em que se confrontam os valores sociais contraditoacuterios

materializando as crenccedilas e os antagonismos sociais produzindo muitas vezes discursos

ideologicamente opostos na luta pelo poder e pela primazia de um modelo econocircmico

pode ocorrer o mascaramento do dialogismo inerente ao sujeito social sobrepondo-se o

discurso oficial Por isso Bakhtin afirmou que o ldquosigno se torna a arena onde se

desenvolvem as lutas de classesrdquo (BakhtinVolochinov 1988) Nesse espaccedilo de luta

ideoloacutegica o signo linguiacutestico reflete e refrata a possibilidade de transformaccedilotildees sociais

pois

as palavras satildeo tecidas a partir de uma multidatildeo de fios ideoloacutegicos e

servem de trama a todas as relaccedilotildees sociais em todos os domiacutenios ()

A palavra constitui o meio no qual se produzem lentas acumulaccedilotildees

quantitativas de mudanccedilas que ainda natildeo tiveram tempo de adquirir

uma nova qualidade ideoloacutegica () A palavra eacute capaz de registrar as

fases transitoacuterias mais iacutentimas mais efecircmeras das mudanccedilas sociais

(BakhtinVolochinov 1988 p 41)

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 65

ILKA SCHAPPER SANTOS

O discurso expresso na palavra eacute dialoacutegico pois a dialeacutetica nasce do diaacutelogo e

nele se prolonga colocando pessoas e textos em um permanente processo dialoacutegico

(Freitas 1994 p 131) A compreensatildeo do discurso de outrem no diaacutelogo entre os

professores-pesquisadores e os demais participantes desta investigaccedilatildeo eacute fundamental

na medida em que possibilita entender o processo de reflexatildeo desencadeado no interior

do espaccedilo de pesquisa

A materializaccedilatildeo do discurso de outrem ocorre principalmente no discurso

citado que BakhtinVolochinov (1988) definem como o ldquodiscurso no discurso a

enunciaccedilatildeo na enunciaccedilatildeordquo e tambeacutem ldquoo discurso sobre o discurso e a enunciaccedilatildeo

sobre a enunciaccedilatildeordquo As questotildees fundamentais para a discussatildeo da temaacutetica

desenvolvida neste trabalho satildeo a) como esse discurso se materializa na praacutetica da

investigaccedilatildeo e b) como o discurso de outrem atravessa o diaacutelogo entre os professores-

pesquisadores e os demais participantes da pesquisa

Para Bakhtin haacute dois tipos de palavra do outro que adquirem um sentido ainda

mais denso e mais importante no processo de formaccedilatildeo ideoloacutegica do homem no

mundo a palavra de autoridade e a palavra internamente persuasiva O discurso citado

que se concretiza na palavra de autoridade tem o estatuto de verdade absoluta natildeo

havendo espaccedilo para argumentaccedilatildeo refutaccedilatildeo contestaccedilatildeo e reflexatildeo posto que a ldquoa

palavra autoritaacuteria natildeo se representa ndash ela apenas eacute transmitidardquo (Bakhtin 1983 p

144) Jaacute a palavra internamente persuasiva eacute identificada pelo autor como revelando

possibilidades bastante diferentes Esta palavra eacute determinante para o

processo de transformaccedilatildeo ideoloacutegica da consciecircncia individual para

uma vida ideoloacutegica independente a consciecircncia desperta num mundo

onde as palavras de outrem a rodeiam e onde logo de iniacutecio ela se

destaca () No fluxo de nossa consciecircncia a palavra persuasiva

anterior eacute comumente metade nossa metade de outrem (ibid p 145)

Para Bakhtin (ibid p 143) ldquoa palavra autoritaacuteria exige de noacutes o

reconhecimento e a assimilaccedilatildeo ela se impotildee a noacutes independentemente do grau de sua

persuasatildeo interior no que nos diz respeitordquo No movimento do discurso autoritaacuterio fica

difiacutecil para o interlocutor tecer modificaccedilotildees de sentido no interior do contexto em que

o discurso aparece Um enunciado que toma contornos de uma palavra autoritaacuteria que

tem o poder de colocar-se por si soacute natildeo promove variaccedilotildees criativas uma vez que tal

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 66

ILKA SCHAPPER SANTOS

palavra ldquonatildeo eacute circundada de diaacutelogos vivos e em muacuteltiplas ressonacircncias em volta

dela morre o contexto as palavras secamrdquo (ibid p 144)

Diferente do discurso autoritaacuterio o discurso internamente persuasivo se

configura como autocircnomo com mobilidade e abertura discursiva em um

desenvolvimento livre que se adapta aos novos contextos e circunstacircncias enunciativas

da palavra Assim nesse tipo de discurso o sentido fica sempre em aberto

possibilitando prosseguir com criatividade no contexto de nossa consciecircncia ideoloacutegica

ldquonoacutes o introduzimos em novos contextos o aplicamos em novo material noacutes o

colocamos numa nova posiccedilatildeo a fim de obter dele novas respostas novos

esclarecimentos sobre seu sentido e novas palavras para noacutesrdquo (ibid p 146) Isso

porque ldquoa palavra persuasiva interior eacute comumente metade nossa metade de outremrdquo

(ibid 145) Essa palavra eacute produzida criativamente e possibilita espaccedilo para o

surgimento de outras palavras em nossa consciecircncia desvelando novas possibilidades

semacircnticas em cada contexto em que eacute pronunciada Ela nasce em uma ldquozona de

contato com o presente inacabadordquo (Bakhtin 1983 p 146)

Neste trabalho a argumentaccedilatildeo configura-se como um movimento dialoacutegico

pois a partir das construccedilotildees teoacutericas de Bakhtin podemos pensar os enunciados

(materializados nos excertos do capiacutetulo de anaacutelise) como textos e observar se se

configuram como discurso autoritaacuterio que carece de persuasatildeo interior para a

consciecircncia ou se satildeo constituiacutedos por discurso internamente persuasivo Dito de outro

modo eacute a oportunidade de observar as palavras internamente persuasivas para

compreender como elas se relacionam no fluxo argumentativo como se entrelaccedilam ao

discurso do outro para criar espaccedilos de possibilidades de na palavra proacutepria trazer a

palavra do outro e na palavra do outro produzir a palavra proacutepria Eacute nesse fluxo da

interaccedilatildeo verbal tendo a argumentaccedilatildeo como dispositivo que os discursos de

autoridade e internamente persuasivo se atravessam Esse movimento discursivo

promove o encontro-confronto de vozes em que no seu interior emergem os sentidos e

os significados dos sujeitos em interaccedilatildeo

No proacuteximo capiacutetulo discutirei o brincar em especial a brincadeira de faz de

conta Isso porque um dos eixos de discussatildeo teoacuterico-praacutetica do GP EFoPI e tambeacutem

desta investigaccedilatildeo eacute a brincadeira na infacircncia de 2 e 3 anos

ILKA SCHAPPER SANTOS

CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI

21 - Uma breve histoacuteria sobre o brincar

Jogos Infantis ndash Pieter Bruegel 1560

Nesta seccedilatildeo seraacute feita uma breve exposiccedilatildeo sobre como as crianccedilas brincavam

em diferentes tempos as relaccedilotildees entre suas brincadeiras e o contexto soacutecio-histoacuterico e

o papel das atividades luacutedicas no interior da educaccedilatildeo infantil

Antes de tecer essas relaccedilotildees discutirei sobre a interface dos jogos e brincadeiras

no processo civilizatoacuterio O estudo de Huizinga (1938) constitui exemplo claacutessico desse

vieacutes Apesar de o teoacuterico reconhecer que haacute elementos imbricados entre o jogo da

crianccedila e o do adulto sua literatura estaacute mais voltada para o jogo do adulto

classificando-o como qualitativamente diferente Na sua teoria partindo da ideia de que

mesmo as mais seacuterias accedilotildees do homem tecircm elementos que se fundam no jogo este tem

caracteriacutestica agoniacutestica gecircnese da disposiccedilatildeo inata do homem para a competiccedilatildeo Isso

pode ser percebido nas atividades institucionalizadas tais como o direito a guerra o

conhecimento a poesia a filosofia a arte e a religiatildeo (Szundy 2005)

Johan Huizinga importante historiador holandecircs explica em sua obra intitulada

Homo Ludens que foi editada pela primeira vez em 1938 suas ideias sobre o luacutedico

apontando o jogo como a origem das mais seacuterias atividades humanas O autor esclarece

CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 68

ILKA SCHAPPER SANTOS

que ldquonatildeo vecirc razatildeo alguma para abandonar a noccedilatildeo de jogo como um fator distintivo e

fundamental presente em tudo o que acontece no mundordquo explicitando sua ldquoconvicccedilatildeo

de que eacute no jogo e pelo jogo que a civilizaccedilatildeo surge e se desenvolverdquo (Huizinga

19381996 prefaacutecio) Seria extremamente radical afirmarmos que toda e qualquer

atividade humana se constitui a partir do jogo mas como defende o autor eacute inegaacutevel o

papel dele no processo civilizatoacuterio Assim sua obra tem como objeto de estudo o jogo

como forma especiacutefica de atividade destacando sua funccedilatildeo social uma funccedilatildeo de

significante e que encerra um determinado sentido (Silva 2003) Essa funccedilatildeo estaacute

imbricada em todas as manifestaccedilotildees humanas como a linguagem o mito e os ritos

sagrados Diante do exposto Huizinga (19381996 p 4) afirma que ldquoseja qual for a

maneira como o considerem o simples fato de o jogo encerrar um sentido implica a

presenccedila de elemento natildeo material em sua proacutepria essecircnciardquo A funccedilatildeo de significante

encerrando um sentido eacute explicada a partir de um paralelo que o autor faz entre o jogo e

a capacidade humana de nomear de designar as coisas por meio da linguagem Assim

sugere que eacute jogando e brincando que as mais diversas metaacuteforas satildeo produzidas

No campo histoacuterico e cultural o jogo tem um papel fundamental nas diversas

atividades das civilizaccedilotildees antigas de cuja influecircncia tanto o mito quanto o culto satildeo

expoentes Szundy (2005 p 38) explica que ldquoao criar um jogo entre realidade e

fantasia o homem primitivo procurava atraveacutes da linguagem dar conta dos fenocircmenos

do mundordquo De algum modo isso ocorria tambeacutem com o culto jaacute que os rituais

sagrados das civilizaccedilotildees antigas eram realizados sob a eacutegide do jogo no sentido literal

da palavra um jogo entre as forccedilas do bem e as forccedilas do mal Em muitas civilizaccedilotildees

esse movimento subscrito no mito e no culto ainda se faz presente pois transcende as

geraccedilotildees e retorna a elas por meio das narrativas vivecircncias e experiecircncias de seus

membros mais velhos

Huizinga mostra como o jogo eacute ldquouma evasatildeo da vida bdquoreal‟ para uma esfera de

orientaccedilatildeo proacutepriardquo (19381996 p 6) jaacute que nessa atividade o jogador mergulha no

universo do secreto em que de algum modo se sente protegido das leis da realidade

externa e do cotidiano da vida Dito de outra maneira essa evasatildeo natildeo carrega as leis da

vida real mas eacute desenvolvida com toda a seriedade pois se trata apenas de fazer de

conta Mas nesse movimento as atividades luacutedicas criam uma ordem e

paradoxalmente constituem a proacutepria ordem ou leis proacuteprias No fluir do jogo vemos a

confusatildeo e a imperfeiccedilatildeo do mundo mas paradoxalmente haacute no ato luacutedico elementos

CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 69

ILKA SCHAPPER SANTOS

da esteacutetica da beleza e da harmonia (Silva 2003 p 18) Esses elementos levam o ser

humano a se envolver freneticamente na atividade luacutedica gerando pontos de tensatildeo

produzidos pela incerteza e pelo acaso que obriga aquele que joga a colocar ldquoagrave prova a

criatividade tenacidade virilidade capacidades espirituais e lealdaderdquo (ibid)

Apesar de afirmar ser a seriedade um dos elementos fundantes do jogo Huizinga

admite que ao jogar podemos nos situar abaixo do niacutevel da seriedade atingindo os

espaccedilos do belo e do sagrado Apesar de natildeo deixar de lado a seriedade da brincadeira o

historiador afirma que nela temos gradaccedilotildees Nas gradaccedilotildees estatildeo presentes duas

funccedilotildees inerentes ao jogo ldquode ser uma luta por alguma coisa e de ser a representaccedilatildeo

de alguma coisardquo (Huizinga 19381996 p 16)

Mesmo natildeo focalizando seu interesse no jogo infantil o autor discorre sobre o

jogo representativo que tambeacutem eacute conhecido como dramaacutetico protagonizado ou de faz

de conta dizendo que as representaccedilotildees das crianccedilas satildeo estruturadas a partir de uma

elevada capacidade de imaginar posto que ldquomais do que uma realidade falsa eacute a

realizaccedilatildeo de uma aparecircncia eacute bdquoimaginaccedilatildeo‟ no sentido original do termordquo (ibid p

17)

Essas tessituras teoacutericas de Huizinga sobre a funccedilatildeo social do jogo e seus

aspectos fundamentais em especial ldquode ser uma luta por alguma coisa e de ser a

representaccedilatildeo de alguma coisardquo auxiliam-nos a refletir e a problematizar a) esses

elementos estatildeo presentes nas concepccedilotildees sobre jogos e brincadeiras infantis e b)

como isso foi se constituindo ao longo do processo educativo

Silva (2003) aqui em siacutentese faz um interessante esboccedilo sobre as diversas

concepccedilotildees da infacircncia em diferentes tempos histoacutericos possibilitando-nos

compreender o quanto o debate nessa aacuterea tem sinalizado conquistas significativas em

contextos mais recentes em especial na brincadeira de faz de conta

A autora encontrou informaccedilotildees significativas em um trabalho de Rosamilha

(1979) outro importante estudo bibliograacutefico que investigou a vida quotidiana de

vaacuterias culturas e sociedades que estiveram mais proacuteximas da mentalidade ocidental no

que diz respeito agraves concepccedilotildees sobre o brincar mostrando como essas influecircncias

interferiram sobremaneira em nossas praacuteticas educativas

Rosamilha (1979) em sua pesquisa encontrou natildeo soacute referecircncias ao luacutedico no

texto biacuteblico e no cristianismo primitivo mas tambeacutem registros de posturas negativas

CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 70

ILKA SCHAPPER SANTOS

por parte da igreja quanto a brinquedos e brincadeiras no seacuteculo XVIII Embora haja

registros mais recentes de alguns autores seguidores do cristianismo que adotaram

postura diferente a posiccedilatildeo negativa dita anteriormente trouxe impactos para o

desenvolvimento de atividades luacutedicas na educaccedilatildeo escolar Haacute registros importantes

sobre essa interferecircncia Em Portugal e na Alemanha no final do seacuteculo XVIII e iniacutecio

do seacuteculo XIX a instituiccedilatildeo escolar natildeo era um espaccedilo agradaacutevel os estudantes tinham

castigos corporais e natildeo aparece nenhum registro sobre o espaccedilo de brinquedos e

brincadeiras no contexto educacional Em muitas outras sociedades o quadro eacute similar

Na Ruacutessia por exemplo a brincadeira era afastada do ambiente escolar (Silva 2003 p

12)

No iniacutecio do seacuteculo XX o contraponto a essas posturas foi feito a partir das

ideias de Rousseau Pestalozzi e Froebel e ldquomuitas afirmaccedilotildees desses escritores e

educadores foram incorporadas aos poucos no movimento da chamada educaccedilatildeo

nova nos meacutetodos ativosrdquo (Rosamilha 1979 p 19) As elaboraccedilotildees teoacutericas desses

pensadores e educadores influenciaram a Psicologia do seacuteculo XX como as

referendadas na obra de John Dewey (1859-1952) filoacutesofo norte-americano e um dos

principais teoacutericos a influenciar o movimento escolanovista O autor eacute responsaacutevel pelos

primeiros trabalhos que enfatizam a importacircncia dos jogos dos brinquedos e das

brincadeiras no processo educativo A tese de Dewey eacute de que por meio da brincadeira

a crianccedila aprende a respeito do mundo que a cerca Na brincadeira de papeacuteis (como a

nomeia Vygotsky e seus colaboradores) a crianccedila representa o mundo da famiacutelia Na

brincadeira de casinha por exemplo imita o contexto social em que estaacute circunscrita e

representa as diferentes situaccedilotildees que vivencia em seu cotidiano

No Brasil as ideias do movimento da Escola Nova foram trazidas inicialmente

por Rui Barbosa (1849-1923) em 1882 Sob a influecircncia desse movimento Aniacutesio

Teixeira (1900-1971) Lourenccedilo Filho (1897-1970) e o poeta Maacuterio de Andrade (1893-

1945) mentor da idealizaccedilatildeo dos parques infantis na cidade de Satildeo Paulo iniciaram um

movimento em defesa da presenccedila de jogos e de brincadeiras na educaccedilatildeo das crianccedilas

pequenas Para esses autores os jogos e as brincadeiras deveriam ser atividades livres

que seriam um meio de manifestaccedilatildeo das forccedilas criadoras do homem (Kuhlman Jr

2000) Isso porque os escolanovistas iam de encontro agrave tese de que a educaccedilatildeo deve ser

uma preparaccedilatildeo para a vida uma educaccedilatildeo do devir ao contraacuterio para eles a escola

deve se pautar na proacutepria vida O eixo norteador do processo educativo deveria ser a

CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 71

ILKA SCHAPPER SANTOS

diacuteade vida-experiecircncia e em decorrecircncia disso a funccedilatildeo da escola seria a de possibilitar

um entrecruzamento de vivecircncias experiecircncias e aprendizagens construiacutedas no interior

da vida

Podemos inferir que as mudanccedilas histoacutericas e sociais sobre os jogos as

brincadeiras e os brinquedos infantis tecircm uma interface com o fazer pedagoacutegico nas

creches e preacute-escolas Nesse movimento as raiacutezes histoacutericas culturais e sociais a

respeito dos jogos e brincadeiras trazem concepccedilotildees sobre as crianccedilas e suas infacircncias

em uma unidade dialeacutetica ao longo de diferentes tempos e espaccedilos sociais No

interregno de diferentes tempos e espaccedilos soacutecio-culturais coexistem concepccedilotildees que

ora enfatizam a relevacircncia dos jogos e brincadeiras livres ora dizem da importacircncia de

se suprimir aquilo que desvia a atenccedilatildeo das crianccedilas Neste sentido o luacutedico manifesto

em atividades serve apenas para ocupar um tempo livre ao final da aula ou no uacuteltimo

dia da semana (Silva 2003)

Silva (2003) alerta que ldquoao observar de um modo geral como esteve

distribuiacutedo o espaccedilo fiacutesico nas escolas percebe-se que sempre haacute ao lado das salas de

aula um paacutetio para recreaccedilatildeordquo (ibid p 14) Em funccedilatildeo disso discute como as

atividades das crianccedilas na escola estatildeo divididas entre o luacutedico e o trabalho de ordem

intelectual A arquitetura e a organizaccedilatildeo dos espaccedilos de creches e preacute-escolas mostram

o fosso que desde a tenra infacircncia nossas crianccedilas vivenciam o dualismo entre o

brincar e o trabalho intelectual revelando talvez uma transposiccedilatildeo dos conteuacutedos

curriculares do ensino fundamental para a educaccedilatildeo infantil Muito embora as

concepccedilotildees sobre jogos e brincadeiras e em decorrecircncia disso as proacuteprias concepccedilotildees

sobre crianccedilas e suas infacircncias tenham avanccedilado especialmente nas deacutecadas de 1970 e

1980 a separaccedilatildeo do trabalho intelectual e do luacutedico ainda se faz presente nas

instituiccedilotildees de educaccedilatildeo infantil

A respeito dessa dicotomia Kuhlmann Jr (1998) e Kishimoto (1999) explicam

que as propostas para a educaccedilatildeo infantil em diversas localidades do paiacutes desconsideram

o universo histoacuterico cultural das crianccedilas da educaccedilatildeo infantil antecipando praacuteticas

inerentes ao periacuteodo de escolarizaccedilatildeo e deixando agrave margem do processo os jogos as

brincadeiras e os brinquedos Cria-se assim um fosso entre conteuacutedos escolares e o

movimento luacutedico

A gecircnese desse pensamento encontra-se na visatildeo de uma educaccedilatildeo infantil

ldquopreparatoacuteriardquo para construir os pilares necessaacuterios agraves primeiras seacuteries do ensino

CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 72

ILKA SCHAPPER SANTOS

fundamental Em um artigo no Jornal Folha de Satildeo Paulo de 11012010 intitulado

ldquoEstudo aponta que aluno da rede puacuteblica jaacute chega pior agrave 1ordf seacuterierdquo haacute uma

discussatildeo que nos auxilia compreender como cada vez mais a sociedade relaciona as

dificuldades das crianccedilas das primeiras seacuteries do ensino fundamental agrave educaccedilatildeo infantil

e por conseguinte tenta sanar essas dificuldades em um trabalho ldquoantecipadordquo na

infacircncia de 0 a 6 anos O artigo inicia-se afirmando

Os alunos que ingressam nas escolas particulares chegam agrave primeira

seacuterie jaacute com larga vantagem em relaccedilatildeo agraves crianccedilas de escolas

puacuteblicas E essa desigualdade nas meacutedias pouco se altera ateacute o final da

quarta seacuterie do ensino fundamental

Esta eacute uma das conclusotildees de um estudo pioneiro no Brasil o Projeto

Geres que acompanhou de 2005 a 2008 20 mil alunos de Belo

Horizonte Rio de Janeiro Campinas Campo Grande e Salvador

() Para Faacutetima Alves pesquisadora da PUC-Rio e uma das

coordenadoras do projeto eacute preciso investir mais em educaccedilatildeo infantil

(creches e preacute-escolas) para diminuir essa desigualdade inicial

Pensemos se o Projeto Geres (Projeto Geraccedilatildeo Escolar) eacute um estudo

longitudinal que focaliza a aprendizagem dos alunos nos primeiros anos do ensino

fundamental e uma de suas conclusotildees eacute a de que os alunos da rede puacuteblica em relaccedilatildeo

aos alunos da rede privada jaacute chegam em defasagem nesse grau de ensino a premissa eacute

que o loacutecus do problema esteja tambeacutem na educaccedilatildeo infantil Essa inferecircncia leva a

pesquisadora Faacutetima Alves a dizer que se faz necessaacuterio investir mais na educaccedilatildeo

infantil (creches e preacute-escolas) para diminuir essa desigualdade inicial Mas qual seria a

natureza desse investimento A preparaccedilatildeo para ler escrever e contar Como ficaria o

espaccedilo para as brincadeiras tatildeo necessaacuterias ao desenvolvimento infantil

Fiz essa digressatildeo para ilustrar os paradoxos que permeiam as orientaccedilotildees

pedagoacutegicas para a educaccedilatildeo infantil Mas a histoacuteria das ideias e das praacuteticas no campo

da infacircncia mostra que muitos autores jaacute pensaram no reverso dessa moeda Iniciamos

nosso debate com as influecircncias de Dewey no movimento da Escola Nova no Brasil

(1932) Passemos entatildeo a outras concepccedilotildees com outros autores

Friedrich Froebel (1782-1852) foi um dos primeiros educadores a discutir sobre

a importacircncia da accedilatildeo do brincar no trabalho educativo A perspectiva do autor alematildeo

estava pautada na crenccedila em uma educaccedilatildeo infantil que valorizasse a natureza infantil a

partir das brincadeiras livres e espontacircneas (Kishimoto 1998) Essa visatildeo influenciou

vaacuterias propostas de trabalho pedagoacutegico na educaccedilatildeo infantil e incentivou a introduccedilatildeo

de jogos e brincadeiras nas instituiccedilotildees de creches e preacute-escolas do paiacutes

CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 73

ILKA SCHAPPER SANTOS

Paradoxalmente a propagaccedilatildeo do brincar nas instituiccedilotildees infantis brasileiras natildeo

teve uma inserccedilatildeo uniforme Pelo contraacuterio ancorou-se em crenccedilas e valores proacuteprios

ao contexto histoacuterico-cultural dessas instituiccedilotildees infantis (Silva 2003) Froebel foi o

primeiro a discorrer sobre o valor das brincadeiras como elemento essencial no trabalho

pedagoacutegico com as crianccedilas pequenas ao fundar o jardim de infacircncia entendendo ldquoo

jogo como objeto e accedilatildeo do brincar que se caracteriza pela liberdade e

espontaneidaderdquo (ibid p 15) Froebel atribuiacutea um duplo sentido agrave ideia do brincar e agrave

educaccedilatildeo infantil (os jardins de infacircncia) de um lado via como material educativo

necessaacuterio agrave aquisiccedilatildeo de conhecimentos de outro notava que o brincar tinha um fim em

si mesmo quando se fundava na liberdade e espontaneidade Nesse movimento as

concepccedilotildees e praacuteticas pedagoacutegicas transitavam entre a primeira e segunda premissa do

autor

Na verdade esse dualismo em relaccedilatildeo aos jogos e brincadeiras ndash ora como

recurso auxiliar na aquisiccedilatildeo do conhecimento meio de ensino ora como um fim em si

mesmo ndash eacute bem antigo Desde a antiguidade claacutessica com Platatildeo e Aristoacuteteles passando

pelo Renascimento e teacutermino da Revoluccedilatildeo Francesa haacute diferentes interpretaccedilotildees sobre

a cultura do jogo infantil e seus desdobramentos na praacutetica pedagoacutegica Nesse

interregno histoacuterico surge a polecircmica da utilizaccedilatildeo pedagoacutegica dos jogos e brincadeiras

no interior da educaccedilatildeo infantil Eacute interessante refletir sobre a natureza do movimento

luacutedico que permite o desenvolvimento do imaginaacuterio infantil por meio de objetos

simboacutelicos disponibilizados intencionalmente pelo educador para subsidiar o

desenvolvimento integral da crianccedila (Silva 2003) que sintetiza o fim em si mesmo

No interior das pesquisas do GP EFoPI pudemos observar que muitas vezes haacute

uma disparidade entre o espaccedilo que deveria ser dado aos jogos e brincadeiras e o que se

observa nas creches e preacute-escolas Haacute muitas contradiccedilotildees a respeito da relaccedilatildeo entre

jogos e brincadeiras e a educaccedilatildeo das crianccedilas pequenas Silva explica que satildeo poucas

as atividades que possibilitam o desenvolvimento do imaginaacuterio infantil pela mediaccedilatildeo

de objetos simboacutelicos disponibilizados intencionalmente pelo educador A autora

esclarece ainda que para muitos educadores e pais prevalece a ideia de que os jogos e

brincadeiras constituem um momento de oacutecio de perda de tempo nas instituiccedilotildees de

educaccedilatildeo infantil e que devem ocupar o periacuteodo de laser e de descanso Aleacutem disso as

pesquisas do GP EFoPI apontam o uso de jogos e brincadeiras como um meio de se

trabalhar conteuacutedos relativos ao ler escrever e contar (Silva 2008-2009)

CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 74

ILKA SCHAPPER SANTOS

A posiccedilatildeo do GP EFoPI eacute de que os brinquedos objetos mediadores dos jogos e

brincadeiras possibilitam agraves crianccedilas (re)inventarem a realidade despertando

curiosidade e desejo de aprender e apreender o mundo O grupo de pesquisa parte do

pressuposto de que satildeo muitas as contribuiccedilotildees do brincar para o desenvolvimento

infantil a) os jogos e brincadeiras proporcionam diversatildeo e satisfaccedilatildeo agraves crianccedilas

quando elas dominam suas caracteriacutesticas e entendem sua funccedilatildeo social b) a crianccedila vai

sofisticando seus modos e maneiras de brincar c) a crianccedila ao brincar desenvolve sua

imaginaccedilatildeo (ideias inadequadas) e agrave medida que vai entrando em contato com outras

crianccedilas e com outros adultos constroacutei uma noccedilatildeo comum sobre os modos e maneiras de

brincar Essas noccedilotildees prenhas de significaccedilotildees vatildeo sendo incorporadas pela crianccedila

aos brinquedos que subsidiam as brincadeiras de papeacuteis as representaccedilotildees do contexto

social imediato

Essa perspectiva do GP EFoPI estaacute pautada nos estudos da teoria Soacutecio-

Histoacuterico-Cultural tendo como referecircncia baacutesica as construccedilotildees teoacutericas de Vygotsky

Leontiev e Elkonin Assim na proacutexima seccedilatildeo discutirei o desenvolvimento infantil sob

a eacutegide da imaginaccedilatildeo e a brincadeira de faz de conta

211 ndash A imaginaccedilatildeo e a brincadeira de faz de conta

Um refuacutegio

Uma barriga

Um abrigo onde esconder quando estiver se

afogando da chuva ou sendo quebrado pelo

frio ou sendo revirado pelo vento

Temos um esplecircndido

passado pela frente

Para os navegantes com desejo de vento a

memoacuteria eacute o porto de partida

(Eduardo Galeano)

Nesta seccedilatildeo da tese a discussatildeo do desenvolvimento da imaginaccedilatildeo tendo como

eixo a brincadeira de faz de conta seraacute tecida a partir das elaboraccedilotildees teoacutericas e

intervenccedilotildees do GP EFoPI sob a oacutetica da perspectiva soacutecio-histoacuterico-cultural Para isso

discorro primeiro sobre como Vygotsky concebe a imaginaccedilatildeo criadora depois discuto

a relaccedilatildeo entre imaginaccedilatildeo e as brincadeiras de faz de conta a partir de alguns

CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 75

ILKA SCHAPPER SANTOS

pensadores ao longo da histoacuteria Por fim teccedilo as relaccedilotildees produzidas pelo teoacuterico russo

e seus colaboradores em especial Leontiev e Elkonin

A infacircncia e a crianccedila se transformaram em temas que a partir das uacuteltimas

deacutecadas passaram a representar um dos grandes eixos de preocupaccedilatildeo no cenaacuterio

acadecircmico nas instituiccedilotildees de educaccedilatildeo infantil e tambeacutem nas poliacuteticas puacuteblicas Mas o

campo da imaginaccedilatildeo e seu desenvolvimento na infacircncia tendo como eixo da

brincadeira de faz de conta tecircm sido ainda pouco discutidos no panorama educacional

brasileiro Isso pode ser constado nos proacuteprios documentos oficiais Tanto o Referencial

Curricular para Educaccedilatildeo Infantil (BRASIL 1998a b c) como as Diretrizes

Curriculares para a Educaccedilatildeo Infantil (BRASIL 1999) tecircm prescrito que a brincadeira

deva ser um dos eixos para o trabalho nessa fase da educaccedilatildeo baacutesica

Nesses documentos estaacute previsto que as propostas pedagoacutegicas das instituiccedilotildees

de educaccedilatildeo infantil devem incluir o luacutedico a criatividade e praacuteticas de educar e cuidar

que possibilitem a inter-relaccedilatildeo entre aspectos fiacutesicos emocionais afetivos

cognitivolinguiacutesticos e sociais da crianccedila (BRASIL 1999) Aleacutem disso a brincadeira eacute

considerada como base da linguagem da infacircncia destacando a relevacircncia do brincar

tanto em situaccedilotildees formais como informais (BRASIL 1998a) Entretanto apesar de nos

documentos oficiais a brincadeira aparecer como eixo do trabalho pedagoacutegico na

educaccedilatildeo infantil natildeo haacute clareza sobre os pressupostos teoacutericos em que esse elemento

estaacute pautado

Assim o desenvolvimento da imaginaccedilatildeo infantil acionado pela brincadeira de

faz de conta pode configurar um espaccedilo de discussatildeo muito interessante tanto do ponto

de vista teoacuterico quanto do ponto de vista da praacutetica pedagoacutegica Em especial o que se

refere agrave possibilidade de estudo sobre suas relaccedilotildees com o desenvolvimento da crianccedila

no interior dos processos de socializaccedilatildeo de (re)construccedilatildeo do real e da internalizaccedilatildeo

de modos valores e costumes da produccedilatildeo cultural

Cada periacuteodo histoacuterico constroacutei simultaneamente suas indagaccedilotildees e inquietaccedilotildees

e os modos pelos quais busca refleti-las e resolvecirc-las Assim quando relacionamos a

questatildeo da imaginaccedilatildeo e seu desenvolvimento na infacircncia alguns caminhos se

apresentaram tais como a) a imaginaccedilatildeo eacute sinocircnimo de memoacuteria b) seria a memoacuteria

um caso particular da imaginaccedilatildeo c) podemos no interior da teoria soacutecio-histoacuterico-

cultural caracterizar a imaginaccedilatildeo como funccedilatildeo psicoloacutegica superior d) como a

CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 76

ILKA SCHAPPER SANTOS

brincadeira de faz de conta possibilita o desenvolvimento da imaginaccedilatildeo e em

decorrecircncia disso o desenvolvimento do processo de criaccedilatildeo

Minha crenccedila materializada nas discussotildees do GP EFoPI e respaldada na

perspectiva soacutecio-histoacuterico-cultural eacute que a imaginaccedilatildeo se constitui como um somatoacuterio

de duas imagens (a pregressa e a atual) somatoacuterio este que possibilita a criaccedilatildeo de uma

nova imagem totalmente distinta em cada mente humana Numa equaccedilatildeo simples

diriacuteamos que a cena da imaginaccedilatildeo se estrutura com a combinaccedilatildeo de dois elementos

que resultando num terceiro constitui-se como algo totalmente novo O primeiro

elemento seria configurado por estilhaccedilos e fragmentos da memoacuteria de vivecircncias e

experiecircncias sociais que se materializam na imitaccedilatildeo o segundo seria a vivecircncia do

sujeito no momento em que decide reconstruir essa imagem e o somatoacuterio desses dois

elementos seria uma nova imagem criada pelo humano

Segundo Vygotsky (19321998) a imaginaccedilatildeo devia se constituir como uma

incoacutegnita para a psicologia associacionista jaacute que tal corrente considerava qualquer

atividade como uma combinaccedilatildeo de elementos e imagens que jaacute existiam na

consciecircncia Entretanto essa vertente teoacuterica procurou evitar esse enigma e estabeleceu

uma relaccedilatildeo de sinoniacutemia entre a imaginaccedilatildeo e as outras funccedilotildees psiacutequicas

Ao tratar da imaginaccedilatildeo os teoacutericos da velha psicologia a consideraram em duas

categorias a reprodutora e a criadora ou reconstrutiva A primeira era sinocircnimo da

proacutepria memoacuteria pois segundo a psicologia comportamental natildeo existe outro caminho

para explicar a atividade da imaginaccedilatildeo a natildeo ser supor que certa existecircncia de imagens

provoca outras associadas a ela Assim como jaacute foi destacado diante de tal

formulaccedilatildeo o problema da imaginaccedilatildeo fundia-se totalmente com o da memoacuteria sendo

por conta disso considerada como uma de suas funccedilotildees dentre muitas outras Jaacute na

segunda ndash imaginaccedilatildeo criadora ou reconstrutiva ndash a questatildeo se colocava de forma mais

complicada Isso porque a perspectiva comportamental explicava o surgimento de novas

imagens criativas como resultado de combinaccedilotildees singulares e causais de elementos Na

imaginaccedilatildeo criativa aparecem novas combinaccedilotildees desses elementos que natildeo satildeo novos

em si (Vygotsky 19321998 p 108)

Para o teoacuterico soacutecio-histoacuterico-cultural o trabalho desses psicoacutelogos foi em parte

muito importante jaacute que mostrava que os processos da imaginaccedilatildeo eram condicionados

pelos sentimentos Em outras palavras eles descobriram o substrato real da imaginaccedilatildeo

sua conexatildeo com a experiecircncia anterior com as impressotildees acumuladas No entanto o

CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 77

ILKA SCHAPPER SANTOS

outro aspecto do problema qual seja demonstrar o que constitui na imaginaccedilatildeo a base

da atividade que permite representar de forma totalmente nova em uma nova

combinaccedilatildeo todas as impressotildees acumuladas natildeo foi resolvido por eles tendo sido

apenas apresentado (Vygotsky 19321998 p 110) A psicologia associacionista

mostrou-se impotente para explicar como surge a imaginaccedilatildeo criativa Seus construtos

teoacutericos encerram contradiccedilotildees que mostram um caminho feacutertil para a necessidade de

estudo e aprofundamento sobre o tema

Vygotsky (19321998) tambeacutem questionou como os idealistas buscaram discutir

a questatildeo da imaginaccedilatildeo Para os psicoacutelogos intuitivistas toda atividade da consciecircncia

humana estaacute impregnada de um princiacutepio criativo Grosso modo se a psicologia

associacionista estabelecia uma relaccedilatildeo de sinoniacutemia entre a imaginaccedilatildeo e a memoacuteria o

idealismo procurou mostrar que a proacutepria memoacuteria nada mais eacute do que um caso

particular da imaginaccedilatildeo Partindo desse princiacutepio os subjetivistas consideraram a

percepccedilatildeo como um nuacutecleo da imaginaccedilatildeo (ibid p 112)

Em siacutentese explicar a imaginaccedilatildeo tanto do ponto de vista objetivista quanto do

ponto de vista subjetivista consiste no seguinte ambos resumiam a questatildeo de um

modo igualmente metafiacutesico uma vez que ao tomar como original a atividade

reprodutora da consciecircncia fechavam o caminho para explicar como surge a atividade

criativa no processo de desenvolvimento

O idealismo mostrou-se impotente no sentido de que atribuiacutea agrave consciecircncia uma

propriedade criativa primaacuteria incluindo assim a imaginaccedilatildeo no ciacuterculo das atividades

primaacuterias da consciecircncia que segundo os comentaacuterios dos subjetivistas satildeo proacuteprias da

consciecircncia desde o seu nascimento Um uacuteltimo aspecto para a formulaccedilatildeo do problema

da imaginaccedilatildeo de acordo com a psicologia idealista refere-se agrave questatildeo da sua natureza

que por ser muito importante foi transportada para o plano geneacutetico e reduzida agrave

questatildeo de sua prioridade (ibid p 114)

Jaacute a perspectiva psicanaliacutetica para Vygotsky (1932) traz a ideia de que a

imaginaccedilatildeo eacute primaacuteria estando presente desde o princiacutepio na consciecircncia infantil da

qual procede todo o resto da personalidade A crianccedila eacute o uacutenico ser segundo Freud que

estaacute completamente emancipado da realidade Eacute um ser que se acha submerso no prazer

cuja consciecircncia tem como funccedilatildeo principal natildeo a de refletir a realidade em que vive

mas apenas a de servir aos seus desejos e agraves suas tendecircncias sensoriais

CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 78

ILKA SCHAPPER SANTOS

Eacute interessante notar que Vygotsky (1932) tambeacutem identificou essa ideia nos

trabalhos de Piaget cujo ponto de partida para o autor soacutecio-histoacuterico consiste em que

o primaacuterio eacute a atividade da imaginaccedilatildeo ou do pensamento que natildeo se dirige pela

realidade Entretanto para o teoacuterico da Epistemologia Geneacutetica existem formas

transitoacuterias ou intermediaacuterias entre a imaginaccedilatildeo e o pensamento realista Isso se

materializa no egocentrismo infantil que representa a escala de transiccedilatildeo entre esses

dois processos Atraveacutes das formas intermediaacuterias do egocentrismo inicia-se o

desenvolvimento do pensamento loacutegico e realista movimento de transiccedilatildeo para o

estaacutegio das operaccedilotildees formais Piaget explica que o egocentrismo eacute o puro estado da

consciecircncia da pessoa que vivendo num mundo de criaccedilotildees proacuteprias natildeo conhece outra

realidade a natildeo ser a de si mesma

Assim para a perspectiva soacutecio-histoacuterico-cultural tanto a psicanaacutelise quanto a

epistemologia geneacutetica satildeo construtos teoacutericos que natildeo consideram a imaginaccedilatildeo como

uma atividade que possibilita construccedilatildeo do conhecimento e transformaccedilatildeo da realidade

por se tratar de uma funccedilatildeo psiacutequica natildeo social de caraacuteter natildeo comunicaacutevel

Para Vygotsky a imaginaccedilatildeo ndash que caracteriza uma funccedilatildeo superior ndash depende

da experiecircncia que na crianccedila vai se acumulando e aumentando paulatinamente com

peculiaridades que a diferenciam da experiecircncia dos adultos A proacutepria experiecircncia

com sua complexidade com suas (con)tradiccedilotildees e influecircncias estimula o processo

criativo visto que a atividade criadora se encontra intimamente relacionada com a

riqueza e a variedade das vivecircncias acumuladas pelo homem no interior das suas

interaccedilotildees com o mundo Como jaacute fora anteriormente mencionado a experiecircncia eacute o

material com o qual o homem ergue seus princiacutepios para a (re)construccedilatildeo e

transformaccedilatildeo do real

A simplicidade e a espontaneidade da imaginaccedilatildeo infantil que jaacute natildeo eacute livre e

tatildeo espontacircnea no jovem podem possibilitar a inferecircncia de que haacute maior riqueza na

capacidade de imaginar na infacircncia do que na idade adulta No entanto natildeo podemos

dizer que a imaginaccedilatildeo na infacircncia seja mais rica do que na adolescecircncia Ao contraacuterio

no decurso de crescimento da crianccedila a imaginaccedilatildeo tambeacutem se desenvolve alcanccedilando

seu processo criativo na idade adulta

Eacute interessante percebermos que a crianccedila ao imaginar acredita mais no fruto de

sua criaccedilatildeo controlando-a menos o que faz com que a imaginaccedilatildeo na infacircncia tenha seu

processo criativo vinculado agraves vivecircncias e experiecircncias imediatas da crianccedila Nesse

CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 79

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sentido seria mais interessante dizer que na idade adulta a imaginaccedilatildeo e o

desenvolvimento da razatildeo se tornam movimentos paralelos desaparecendo desse

modo a fantasia incondicionada da infacircncia Assim agrave medida que a crianccedila vai

crescendo sua capacidade de imaginar estaacute mais relacionada com o raciociacutenio com o

qual caminha no mesmo passo A funccedilatildeo imaginativa prossegue adaptando-se agraves

condiccedilotildees racionais subsidiando o processo de criaccedilatildeo do humano

Essa distinccedilatildeo que Vygotsky (1932) estabelece entre as caracteriacutesticas da

imaginaccedilatildeo na infacircncia e na idade adulta pode ser exemplificada na relaccedilatildeo existente

entre a produccedilatildeo literaacuteria de Monteiro Lobato e seus pequenos leitores O autor na

capacidade imaginativa criou ldquoo mundo do faz de contardquo Nessa criaccedilatildeo ndash em que

realidade e fantasia natildeo tinham fronteira definida ndash Lobato criticava a realidade de seu

tempo no qual em uma sociedade extremamente conservadora reacionaacuteria e

preconceituosa Tia Nastaacutecia a cozinheira negra tinha presenccedila direta nas decisotildees do

grupo Dona Benta com toda sua clareza e pensamento livre socializadora de

conhecimentos e representante de uma nova ordem familiar matriarcal eacute quem delibera

e encaminha as decisotildees familiares Assim o criador do Siacutetio do Pica-Pau-Amarelo em

um movimento de combinar realidade e imaginaccedilatildeo utilizou a sua obra para pensar sua

eacutepoca seu tempo Jaacute a crianccedila leitora com seus sonhos fantasias e imaginaccedilatildeo ingressa

no mundo do faz de conta de Lobato e a partir de sua imaginaccedilatildeo criadora continua a

histoacuteria da velha boneca de pano e da espiga de milho ndash a Emiacutelia e o Visconde de

Sabugosa respectivamente ndash personagens em permanente construccedilatildeo de um espaccedilo

inacabado em que a forccedila criadora ganha significado Em siacutentese enquanto em

Monteiro Lobato temos a imaginaccedilatildeo criadora caracteriacutestica da idade adulta na crianccedila

leitora de sua obra temos a imaginaccedilatildeo criadora infantil que reconstroacutei o real pelas

imagens que lhes satildeo oferecidas na tecitura da obra do autor

Um outro exemplo interessante para ilustrar o conceito vygotskyano de

imaginaccedilatildeo criadora na idade adulta pode ser materializado no pensamento do poeta e

criacutetico de arte Ferreira Gullar ldquouma das coisas que a arte eacute parece eacute a transformaccedilatildeo

simboacutelica no mundo Quer dizer o artista cria um mundo outro ndash mais bonito ou mais

intenso ou mais significativo ou mais ordenado ndash a partir da realidade imediatardquo

(Ferreira Gullar apud Nicola 1998 p11) Nesse ponto o pensamento de Gullar se

aproxima da acepccedilatildeo da criaccedilatildeo artiacutestica de Vygotsky (19301987) para quem a

CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 80

ILKA SCHAPPER SANTOS

imaginaccedilatildeo criativa no campo da arte exige em alto grau a participaccedilatildeo do

pensamento realista no processo da imaginaccedilatildeo

Nessa perspectiva se a atividade criadora depende do talento pode-se

questionar se ela seria apenas prerrogativa dos que o possuem considerados escolhidos

para exercer tal atividade Entretanto se considerarmos que a criaccedilatildeo no sentido

psicoloacutegico consiste em fazer algo novo a partir das experiecircncias do meio em que o

sujeito estaacute circunscrito das fantasias dos reflexos de algum objeto do mundo exterior

de determinadas construccedilotildees do ceacuterebro ou dos sentimentos que vivem e se manifestam

somente no homem chegaremos agrave conclusatildeo de que todos podem criar em maior ou

menor grau Assim a criaccedilatildeo eacute acompanhante natural e permanente do desenvolvimento

humano da infacircncia agrave idade adulta Obviamente que esse processo estaraacute intimamente

relacionado agrave cultura na qual o sujeito estaacute inserido agraves suas experiecircncias de vida e a

partir daiacute ao modo como foi construindo suas relaccedilotildees nocom o mundo que o cerca

Aleacutem disso natildeo podemos esquecer que a imaginaccedilatildeo conforme a perspectiva

soacutecio-histoacuterico-cultural natildeo repete em formas e combinaccedilotildees iguais impressotildees

acumuladas isoladas mas (re)constroacutei (re)cria o novo a partir das impressotildees

anteriormente vivenciadas Embora imaginaccedilatildeo criadora natildeo seja sinocircnimo de memoacuteria

nela se apoia jaacute que as novas imagens soacute surgem a partir das reminiscecircncias do vivido

Por isso acreditamos como Eduardo Galeano cujo pensamento se constitui como

epiacutegrafe desta seccedilatildeo que a memoacuteria eacute o porto de partida para os navegantes com

desejo de vento ndash considerando-se aqui o vento como metaacutefora da imaginaccedilatildeo

criadora

No mundo que nos cerca existem todas as condiccedilotildees necessaacuterias para criar

Tudo que excede a rotina encerrando uma miacutenima parte de novidade tem sua origem

no processo criativo do ser humano Ao entendermos dessa forma a imaginaccedilatildeo

criadora concluiacutemos que os processos criativos se apresentam desde a mais tenra idade

contribuindo para o desenvolvimento infantil e em geral para a maturidade Por conta

disso encontramos jaacute nos primeiros anos de vida da crianccedila processos criadores que se

concretizam nos jogos e brincadeiras

Na proacutexima seccedilatildeo relacionarei aspectos sobre o desenvolvimento da imaginaccedilatildeo

a partir da brincadeira de faz de conta e os impactos dessa discussatildeo no interior do GP

EFoPI e desta tese

CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 81

ILKA SCHAPPER SANTOS

212 ndash O desenvolvimento da imaginaccedilatildeo loacutecus da brincadeira de faz de conta e

da (re)invenccedilatildeo do real

As coisas natildeo querem mais ser

vistas por pessoas razoaacuteveis

Elas desejam ser olhadas de azul

ndashQue nem uma crianccedila que vocecirc

olha de ave

Manoel de Barros

O brincar de faz de conta eacute uma atividade inerente ao humano Nele a

imaginaccedilatildeo eacute exercida e desenvolvida atraveacutes do brinquedo da brincadeira e das

histoacuterias que o compotildeem Nas brincadeiras de faz de conta satildeo recuperados os mitos os

modos os costumes e os ritos da civilizaccedilatildeo como afirma Huizinga (19381996)

Muitos foram os pensadores que discutiram o brincar relacionando-o ao

desenvolvimento da imaginaccedilatildeo Passemos agora a fiar e a tecer um diaacutelogo com eles

para depois chegarmos agrave discussatildeo dessa relaccedilatildeo na teoria soacutecio-histoacuterico-cultural

Piaget (1978) classificou os jogos em trecircs categorias jogo de exerciacutecio jogo de

regra e jogo simboacutelico ou de faz de conta Este ldquoestaacute entre os tipos de representaccedilatildeo de

objetos e eventos cuja capacidade se desenvolve no estaacutegio preacute-operacionalrdquo (Silva

2003 p 25) O autor define o jogo como atividade em que haacute uma supremacia da

assimilaccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave acomodaccedilatildeo o objeto eacute assimilado a um esquema mental jaacute

existente sem haver a acomodaccedilatildeo Isso ocorre quando a crianccedila daacute significado ao

objeto ampliando as caracteriacutesticas desse objeto sem contudo mudar os esquemas

mentais referentes a ele Ao contraacuterio do que veremos na perspectiva de Vygotsky e

seus colaboradores para Piaget a imaginaccedilatildeo natildeo eacute uma funccedilatildeo psicoloacutegica mas um

dos poacutelos do pensamento

Em siacutentese para o teoacuterico da Epistemologia Geneacutetica o jogo simboacutelico auxilia

na construccedilatildeo do pensamento como um todo transformando-se a partir da imaginaccedilatildeo

ldquocom o processo duplo de interiorizaccedilatildeo do siacutembolo na direccedilatildeo da construccedilatildeo

representativa e de um alargamento do pensamento sob a forma de imaginaccedilatildeo

criadorardquo (Silva 2003 p 119) Como disse esse movimento se daacute a partir dos

processos assimilativos

CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 82

ILKA SCHAPPER SANTOS

Tanto Piaget quanto Vygotsky concordam com a concepccedilatildeo de que a brincadeira

se estrutura a partir da accedilatildeo No entanto a diferenccedila entre os dois autores estaacute no que

caracteriza a atividade luacutedica e no conteuacutedo que se deseja representar nos jogos e

brincadeiras Na obra do autor suiacuteccedilo encontramos a ideia de que eacute da maneira como as

accedilotildees se organizam que emerge o jogo simboacutelico Jaacute para o autor russo a gecircnese da

brincadeira de faz de conta estaacute no sentido social da accedilatildeo (e na interferecircncia das suas

raiacutezes histoacutericas) que tem uma orientaccedilatildeo externa para depois ser internalizada

(Vygotsky 19301991)

O psicoacutelogo cognitivista das inteligecircncias muacuteltiplas Howard Gardner tambeacutem

discorreu sobre a relaccedilatildeo entre a brincadeira de faz de conta e a imaginaccedilatildeo Gardner

(1994 p 64) explica que essa modalidade de brincadeira eacute uma ldquometarrepresentaccedilatildeordquo

uma forma de tratar o objeto como se fosse outro Para esse autor no brincar de faz de

conta a crianccedila cria ordens representacionais em que trata nada como se fosse algo

trata algo como se fosse nada ou distorce uma propriedade de modo a trataacute-la como

propriedade Assim o sujeito que brinca ldquoestaacute operando uma recogniccedilatildeo de que o que

aparentemente eacute o estado das coisas pode ser intencionalmente posto entre parecircnteses

de modo a criar outro estado de coisas que o autor (da brincadeira) queria evocarrdquo

(ibid p 65)

O autor mostra que a capacidade de ldquometarrepresentaccedilatildeordquo manifesta no faz de

conta possibilita agravequele que brinca um movimento que transcende a habilidade direta

do pensar o mundo circunscrito na experiecircncia pois esse movimento eacute prenho de

imaginaccedilatildeo Nessa perspectiva ao imaginar as crianccedilas ldquoestatildeo aptas a visualizar um

estado de coisas contraacuterio agravequele que eacute apreendido em seus sentidos a captar aquela

atividade imaginaacuteria em formas simboacutelicas puacuteblicas e a continuar a elaborar sobre

aquela capacidade imaginaacuteriardquo (Gardner 1994 p 65)

Assim como Piaget Gardner tambeacutem relaciona o brincar de faz de conta e o

desenvolvimento da imaginaccedilatildeo No entanto tanto um quanto outro focalizam esse

desenvolvimento a partir das construccedilotildees individuais de cada sujeito desconsiderando

as questotildees sociais culturais e histoacutericas

Walter Benjamin teoacuterico da escola de Frankfurt acredita que o brincar significa

sempre libertaccedilatildeo O autor ressalta que apesar de na modernidade a crianccedila estar cada

vez mais imbricada no universo do mundo do adulto atraveacutes das brincadeiras que

envolvem o faz de conta ela cria um mundo proacuteprio manifesto pela imaginaccedilatildeo Ainda

CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 83

ILKA SCHAPPER SANTOS

que os brinquedos e brincadeiras sejam muitas vezes impostos pelos adultos o filoacutesofo

frankfurtiano adverte que a crianccedila subverte a ordem posta e transforma esse universo

da brincadeira com os elementos da imaginaccedilatildeo ldquoa crianccedila quer puxar alguma coisa e

torna-se um cavalo quer brincar com areia e torna-se padeiro quer esconder-se e

torna-se ladratildeo ou guardardquo (Benjamin 1984 p 70)

Nesse movimento mimeacutetico a crianccedila por meio da imitaccedilatildeo de outros seres

animados ou inanimados representa o real acreditando ser verdadeiramente aquilo que

sua imaginaccedilatildeo deseja Para Benjamin essas representaccedilotildees que aquele que brinca daacute

aos brinquedos na brincadeira expressam fragmentos e estilhaccedilos da cultura na qual a

crianccedila estaacute inserida Nesse ponto o filoacutesofo aproxima-se da perspectiva soacutecio-

histoacuterico-cultural de Vygotsky

Ateacute agora apresentei um panorama de algumas discussotildees sobre a imaginaccedilatildeo e

seu papel no desenvolvimento infantil a partir de alguns pensadores Para delinear

melhor os estudos teoacutericos do GP EFoPI sobre o tema discorrerei sobre as relaccedilotildees

teoacutericas que o GP teceu entre a importacircncia do desenvolvimento da imaginaccedilatildeo no

contexto da brincadeira de faz de conta a partir da perspectiva soacutecio-histoacuterico-cultural

de Vygotsky Leontiev e Elkonin

Segundo Vygotsky (19301991) a crianccedila menor tem sua accedilatildeo sobre o mundo

determinada pelo contexto perceptual e pelos objetos nele contidos Entretanto quando

ingressa na creche ou na preacute-escola vivencia por meio do universo da brincadeira de

faz de conta a possibilidade do desenvolvimento de uma importante funccedilatildeo psicoloacutegica

superior ndash a imaginaccedilatildeo ndash que lhe permite desprender-se das restriccedilotildees impostas pelo

ambiente imediato possibilitando-lhe transgredir e subverter as regras impostas por ele

Essa crianccedila agora eacute capaz de transformar o significado dos objetos modificando um

elemento da realidade em outro

Esse formato que a crianccedila atribui aos objetos representados tem implicaccedilotildees

importantes em seu desenvolvimento em especial para a (re)construccedilatildeo de sentidos e

significados sobre o mundo material em que vive Ao montar suas brincadeiras de faz

de conta a partir do contexto soacutecio-histoacuterico-cultural em que estaacute inserida ela traz

elementos novos que natildeo estavam postos nas experiecircncias passadas A criaccedilatildeo de novas

imagens no interior das imagens e vivecircncias passadas satildeo elementos importantes para

que ela possa inaugurar novas maneiras de compreender e (re)inventar a realidade que a

cerca configurando-se tambeacutem como a base da atividade criadora do homem Na

CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 84

ILKA SCHAPPER SANTOS

brincadeira de faz de conta temos o pilar do desenvolvimento da imaginaccedilatildeo que se

constitui como a base para o desenvolvimento do sujeito criativo

O processo de criaccedilatildeo humana tem sua gecircnese na imaginaccedilatildeo na capacidade que

o sujeito tem de combinar variaacuteveis e fazer uma nova leitura da realidade Para

Vygotsky (19301987) na atividade criadora a imaginaccedilatildeo e a realidade imbricando-

se estabelecem uma relaccedilatildeo dialeacutetica que possibilita a transformaccedilatildeo do homem na sua

relaccedilatildeo nocom o mundo Daiacute a importacircncia de possibilitarmos agraves crianccedilas

espaccedilostempos de brincadeiras uma vez que quanto mais elas desenvolverem sua

capacidade de imaginar mais desenvolveratildeo processos criativos

Como vimos para Vygotsky a brincadeira de faz de conta eacute caracterizada pelo

elemento da imaginaccedilatildeo Entretanto paradoxalmente essa dimensatildeo imaginaacuteria

manteacutem uma relaccedilatildeo de subordinaccedilatildeo agraves regras impostas pela realidade circundante do

sujeito O autor russo diz

Sempre que haacute uma situaccedilatildeo imaginaacuteria no brinquedo haacute regras ndash natildeo

as regras previamente formuladas e que mudam durante o jogo mas

aquelas que tecircm sua origem na proacutepria situaccedilatildeo imaginaacuteria (Vygotsky

19301991 p 108)

A crianccedila obedece agraves regras do comportamento que estaacute representando Se ela

estiver representando o papel de pai por exemplo obedeceraacute agraves regras do

comportamento paterno A relaccedilatildeo que a crianccedila estabelece com o papel representado eacute

que define as regras que utiliza para encenaacute-lo

Nesse sentido a brincadeira de faz de conta eacute o loacutecus em que a imaginaccedilatildeo na

infacircncia se manifesta e se desenvolve possibilitando agrave crianccedila tornar-se aquilo que natildeo

eacute e permitindo-lhe ultrapassar os limites postos pela realidade Um espaccedilo de

construccedilatildeo de sentidos e de significados no campo da produccedilatildeo dos saberes Esses

saberes satildeo produzidos porque a brincadeira impulsiona a crianccedila a conhecer e a

dominar os objetos e as representaccedilotildees humanas uma vez que as situaccedilotildees de

brincadeiras das crianccedilas satildeo construiacutedas a partir do contexto social que a circunda

Vygotsky (19321998 p 132) explica que

uma crianccedila natildeo se comporta de forma puramente simboacutelica no

brinquedo ao inveacutes disso ela quer e realiza seus desejos permitindo

que as categorias baacutesicas da realidade passem atraveacutes da experiecircncia

A crianccedila ao querer realiza seus desejos Ao pensar ela age As accedilotildees

internas e externas satildeo inseparaacuteveis a imaginaccedilatildeo a interpretaccedilatildeo e a

vontade satildeo processos internos conduzidos pela accedilatildeo externa

CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 85

ILKA SCHAPPER SANTOS

Procurando fundamentar a importacircncia da brincadeira de faz de conta para o

desenvolvimento infantil continuarei o diaacutelogo com outros autores que tambeacutem

trabalharam na perspectiva soacutecio-histoacuterico-cultural e que tecem importantes

contribuiccedilotildees como Leontiev e Elkonin

Aleacutexis N Leontiev foi um importante psicoacutelogo russo que trabalhou com

Vygotsky e colaborou na criaccedilatildeo da psicologia sovieacutetica que se tornou conhecida por

psicologia soacutecio-histoacuterico-cultural O autor tambeacutem pesquisou sobre os princiacutepios

psicoloacutegicos da brincadeira no desenvolvimento infantil Para o teoacuterico a brincadeira eacute

uma atividade inerente ao humano fundada a partir da percepccedilatildeo que a crianccedila tem do

seu contexto histoacuterico e cultural

Para esse autor a brincadeira eacute a principal atividade da crianccedila atividade que a

desafia a operar com os objetos e situaccedilotildees do universo do adulto que ela ainda natildeo

domina Ao antecipar accedilotildees inerentes ao mundo do adulto a crianccedila procura uma

relaccedilatildeo ativa natildeo apenas com os objetos circunscritos ao seu contexto mas tambeacutem

com o mundo mais amplo Para solucionar a contradiccedilatildeo existente entre a necessidade

de (inter)agir e a impossibilidade de realizar operaccedilotildees exigidas pelas accedilotildees a crianccedila

busca no movimento da brincadeira uma maneira de resolver tal contradiccedilatildeo

Para que possamos compreender a assertiva de Leontiev (1998) que a

brincadeira eacute a principal atividade da crianccedila faz-se necessaacuterio entender a definiccedilatildeo do

autor de atividade principal Para isso retomo a definiccedilatildeo explicitada por Arauacutejo (2008

p 37)

aquela em que eacute possibilitada a realizaccedilatildeo de conexotildees importantes

que trazem mudanccedilas no desenvolvimento psiacutequico da crianccedila e

dentro da qual se desenvolvem processos que preparam o caminho da

transiccedilatildeo da crianccedila para um novo e mais elevado niacutevel de

desenvolvimento

Assim a brincadeira de faz de conta como atividade principal do universo

infantil se constitui como um importante mecanismo do desenvolvimento global dos

processos psiacutequicos das crianccedilas no interior de suas infacircncias Segundo Leontiev

(1998) na medida em que a crianccedila se depara com uma progressiva expansatildeo da

quantidade de objetos humanos circunscritos agrave sua realidade mais o brincar torna-se sua

atividade principal pela necessidade de se apropriar do universo do mundo adulto Dito

de outro modo esse movimento impulsiona a crianccedila a dominar esse universo que se

CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 86

ILKA SCHAPPER SANTOS

configura em constante expansatildeo uma aacuterea mais ampla da realidade que soacute se torna

acessiacutevel a ela por meio da brincadeira

Em seus estudos e pesquisas Leontiev (1998) aponta que a maneira de brincar

evolui de acordo com a idade da crianccedila sendo necessaacuterio considerar as especificidades

de cada fase18

do desenvolvimento infantil Para o autor a passagem de uma etapa de

desenvolvimento para uma outra ocorre no decorrer do desenvolvimento da crianccedila

quando ela percebe que as suas (inter)relaccedilotildees com seu mundo imediato natildeo

correspondem mais agraves suas potencialidades Dessa tensatildeo haacute uma mudanccedila na

motivaccedilatildeo da atividade principal da crianccedila por conseguinte essa mudanccedila deixa a

atividade principal antes desempenhada em um segundo plano surgindo uma nova

atividade principal e propiciando um novo estaacutegio do desenvolvimento As

transformaccedilotildees que acontecem no desenvolvimento infantil em cada estaacutegio tecircm uma

relaccedilatildeo de interdependecircncia Eacute importante dizer que embora o desenvolvimento de uma

atividade principal natildeo elimine a que existia antes sua importacircncia muda na relaccedilatildeo da

crianccedila com a realidade (Arauacutejo 2008 p 38)

Leontiev (1998) assim como Vygotsky tambeacutem discorreu sobre a relaccedilatildeo entre

a imaginaccedilatildeo e o desenvolvimento infantil a partir da brincadeira de faz de conta Em

suas investigaccedilotildees o autor chegou agraves mesmas inferecircncias que Vygotsky quais sejam as

crianccedilas na brincadeira natildeo expressam o improvaacutevel ou fantaacutestico mas pautam-se em

elementos da realidade para evocar uma situaccedilatildeo luacutedica imaginaacuteria Nesse movimento

as condiccedilotildees das accedilotildees no interior do brincar em especial do brincar de faz de conta

tornam imprescindiacutevel a imaginaccedilatildeo e datildeo origem a ela (Arauacutejo 2008 p 38)

Eacute interessante notar que segundo Leontiev (1998) os objetos na situaccedilatildeo

imaginaacuteria da brincadeira mantecircm o mesmo campo de significaccedilatildeo da vida real no

entanto ganham contornos luacutedicos Nesse fluxo de significaccedilatildeo do real os sentidos e

significados compartilhados no brincar tecircm sua gecircnese na realidade circunscrita agrave vida

da crianccedila Desse modo o autor acredita que as brincadeiras das crianccedilas satildeo operaccedilotildees

reais e sociais fundadas nas atividades humanas que promovem uma melhor

compreensatildeo da realidade material

18 Eacute importante dizer que os verbetes ldquoetapardquo ldquofaserdquo e ldquoestaacutegiordquo em um vieacutes soacutecio-histoacuterico-cultural natildeo

satildeo relacionados a um desenvolvimento maturacional mas dependem das condiccedilotildees concretas em que

ocorre o desenvolvimento

CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 87

ILKA SCHAPPER SANTOS

Elkonin (1998) do mesmo modo que Vygotsky e Leontiev tambeacutem desenvolveu

estudos e pesquisas a respeito da brincadeira de faz de conta aprofundando as questotildees

referentes agrave psicologia do jogo Por conta disso tornou-se uma referecircncia para esse

campo de discussatildeo no interior da teoria soacutecio-hitoacuterico-cultural Em seu principal

trabalho Psicologia do jogo deu ecircnfase ao que intitulou de jogo protagonizado Seus

estudos tecircm como base os trabalhos de Vygotsky em especial a premissa de que a

gecircnese do jogo natildeo estaacute relacionada a uma essecircncia natural e bioloacutegica mas social

histoacuterica e cultural

Para Elkonin (1998) o jogo protagonizado (ou brincadeira de papeacuteis) tem sua

gecircnese na realidade histoacuterica e cultural natildeo se constituindo uma atividade espontacircnea

para a crianccedila mas sim uma atividade principal no dizer de Leontiev (1998) Essa

atividade principal possibilita o desenvolvimento das accedilotildees mentais tais como o

pensamento generalizante e a descontextualizaccedilatildeo Em uma brincadeira de faz de conta

a crianccedila ao interpretar determinado papel orienta sua accedilatildeo a partir dos elementos que

identifica na ldquopersonagem realrdquo O processo de descontextualizaccedilatildeo possibilita ao

sujeito no faz de conta ldquodiscriminar abstrair e isolar informaccedilotildees de sua realidade

concreta e utilizaacute-las nos contextos luacutedicos criados estabelecendo novas relaccedilotildees e

combinaccedilotildeesrdquo (Arauacutejo 2008 p 41) O desenvolvimento da conduta voluntaacuteria

constitui-se de regras que satildeo abstraiacutedas da realidade material e na brincadeira tornam-

se arbitraacuterias e voluntaacuterias possibilitando o envolvimento da crianccedila na atividade Esse

eacute um importante ponto das discussotildees de Elkonin (1998) pois ldquosubordinar-se aacutes regras

faz parte do universo da brincadeira que se mantecircm desde que todos estejam de acordo

com as regras construiacutedasrdquo (Arauacutejo 2008 p 41)

As reflexotildees que teci ateacute agora sobre a brincadeira de faz de conta podem

indicar ao leitor que elas se distinguem das brincadeiras de regras No entanto uma se

desenvolve a partir da outra Na brincadeira de faz de conta a subordinaccedilatildeo agraves regras

dos papeacuteis protagonizados pelas crianccedilas satildeo a base para que mais tarde elas possam

compreender os jogos com regras que tecircm objetivos definidos Eacute importante dizer que

nos jogos com regras os objetivos e as regras prevalecem mas o desempenho de um

papel e a situaccedilatildeo luacutedica tecircm ainda que de forma secundarizada seu lugar no

desenvolvimento da brincadeira No entanto neste trabalho os jogos de regras natildeo

seratildeo aprofundados pois o foco da discussatildeo centra-se na brincadeira de faz de conta

com crianccedilas de dois e trecircs anos de idade

CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 88

ILKA SCHAPPER SANTOS

Nas discussotildees que foram explicitadas ateacute agora fica claro que o grupo

sovieacutetico em especial Vygotsky Leontiev e Elkonin trata da questatildeo da brincadeira de

faz de conta em um vieacutes soacutecio-histoacuterico-cultural como uma siacutentese dialeacutetica das

relaccedilotildees sociais e da vida concreta das crianccedilas

As contribuiccedilotildees desses autores da teoria soacutecio-histoacuterico-cultural satildeo

fundamentais para as pesquisas do GP EFoPI e para este trabalho de tese pois nos

possibilitam pensar o desenvolvimento infantil na corrente da histoacuteria e da cultura na

qual a crianccedila estaacute inserida Aleacutem disso oportuniza refletir sobre as crianccedilas e suas

infacircncias em um espaccedilo circunscrito e compatiacutevel aos seus desejos motivaccedilotildees e

indagaccedilotildees sobre a realidade concreta Esse interregno de confluecircncias cria zonas de

conflitos e tensotildees ZPDs que propiciam agrave crianccedila aprendizagens significativas

Retomemos entatildeo o percurso A infacircncia o desenvolvimento da imaginaccedilatildeo e a

brincadeira de faz de conta foram questotildees ponderadas nesta seccedilatildeo tendo como eixo as

discussotildees teoacutericas tecidas no interior do grupo de pesquisa EFoPI e neste trabalho E o

que estas discussotildees anunciaram Anunciaram uma possibilidade de tratarmos a questatildeo

da crianccedila e suas infacircncias a partir do prisma de algo que eacute inerente ao seu

desenvolvimento a internalizaccedilatildeo e (re)construccedilatildeo do real sob a oacutetica da imaginaccedilatildeo e

da brincadeira de faz de conta

Aleacutem disso a criaccedilatildeo de uma situaccedilatildeo imaginaacuteria na brincadeira de faz de

conta no dizer de Newman e Holzman (19932002 p 119) eacute uma atividade

revolucionaacuteria que possibilita a criaccedilatildeo de ZPDs ldquoaquela distacircncia emergente e

contiacutenua entre o ser e o tornar-serdquo pois se configura como uma atividade propiciadora

de aprendizado e por conseguinte impulsionadora do desenvolvimento da crianccedila Isso

ocorre porque a crianccedila na brincadeira age de modo mais avanccedilado que o esperado

para o seu niacutevel de desenvolvimento Nesse contexto os brinquedos satildeo os artefatos do

contexto social imediato elementos mediadores que transformam o brincar em uma

atividade circunscrita agrave sua realidade social histoacuterica e cultural

Relacionando agrave concepccedilatildeo de instrumento-e-resultado e natildeo instrumento-para-

resultado de Vygotsky Newman e Holzman (19932002 p 119) fazem uma analogia e

distinguem as brincadeiras por regras-para-resultados daquelas orientadas por regras-e-

resultados ldquoo resultado imaginaacuterio informa o modo de desempenho (do brincar) tanto

quanto o desempenho informa o modo imaginaacuteriordquo Na atividade de brincar a crianccedila

encontra no brinquedo e na interaccedilatildeo com seus pares elementos que geram conflitos

CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 89

ILKA SCHAPPER SANTOS

tensotildees e transformaccedilatildeo da situaccedilatildeo imaginada indo aleacutem das suas proacuteprias

possibilidades e produzindo novos conhecimentos sobre o mundo que a cerca

Eacute importante dizer que diante desse compromisso o grupo de pesquisa decidiu

continuar o diaacutelogo e com a crenccedila de que poderia colaborar criticamente com os

profissionais da educaccedilatildeo infantil resolveu criar um espaccedilo de interlocuccedilatildeo de reflexatildeo

criacutetico-colaborativa Assim iniciou o trabalho de campo da pesquisa com sessotildees

reflexivas com 4 educadoras de uma creche municipal e com as 23 coordenadoras de

todas as creches municipais da cidade de Juiz de Fora O diaacutelogo teve como um dos

eixos as discussotildees sobre os espaccedilos que a brincadeira de faz de conta ocupava nas

creches

Isso porque os participantes do grupo de pesquisa acreditam poder contribuir

para as discussotildees das propostas pedagoacutegicas e tambeacutem para as discussotildees das praacuteticas

no interior das creches e preacute-escolas O eixo da reflexatildeo foi a brincadeira de faz de

conta como um espaccedilo feacutertil para o desenvolvimento da crianccedila que possibilita a

formaccedilatildeo de sujeitos que podem natildeo soacute descrever a partir dos esteacutereis conteuacutedos e

programas a realidade que os cerca mas tambeacutem criar novas imagens de transformaccedilatildeo

das experiecircncias cotidianas da cultura e da produccedilatildeo cientiacutefica do conhecimento

ILKA SCHAPPER SANTOS

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E

(DES)CAMINHOS TRILHADOS

Veio me dizer que eu desestruturo a linguagem Eu desestruturo

a linguagem Vejamos eu estou bem sentado num lugar Vem

uma palavra e tira o lugar de debaixo de mim Tira o lugar em

que eu estava sentado Eu natildeo fazia nada para que a palavra me

desalojasse daquele lugar E eu nem atrapalhava a passagem de

ningueacutem Ao retirar de debaixo de mim o lugar eu desaprumei

Ali soacute havia um grilo com a sua flauta de couro O grilo

feridava o silecircncio Os moradores do lugar se queixavam do

grilo Veio uma palavra e retirou o grilo da flauta Agora eu

pergunto quem desestruturou a linguagem Fui eu ou foram as

palavras E o lugar que retiraram de debaixo de mim Natildeo era

para terem retirado a mim de lugar Foram as palavras pois

que desestruturam a linguagem E natildeo eu

Manoel de Barros

Eacute Manuel de Barros que ilumina o caminho deste capiacutetulo E se me aproprio de

parte de seu corpus literaacuterio eacute porque o poeta brasileiro nos auxilia (a mim e ao leitor) a

compreender que os lugares jaacute natildeo estatildeo ldquodebaixo de noacutesrdquo Se admitimos que se faz

necessaacuterio romper com esquemas de pensamento que legitimam apenas uma forma de

fazer ciecircncia precisamos tambeacutem encontrar outros lugares para pensar sobre a

materialidade das coisas no loacutecus da pesquisa Nesse sentido como podemos pensar a

Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo nos espaccedilos das creches Como esta modalidade de

pesquisa pode auxiliar na ressignificaccedilatildeo da praacutetica pedagoacutegica dos profissionais que

atuam na educaccedilatildeo infantil na educaccedilatildeo baacutesica

Refletindo sobre essas questotildees teccedilo neste capiacutetulo o percurso metodoloacutegico da

realizaccedilatildeo deste estudo Primeiro esclareccedilo o que eacute uma Pesquisa Criacutetica de

Colaboraccedilatildeo e como ela aconteceu no interior do GP LACE e do GP EFoPI Por se

tratar de um contexto amplo explicito seus vaacuterios focos de atuaccedilatildeo ilustrando com

quadros que trazem resumidamente seus espaccedilos de produccedilotildees Apresento logo em

seguida a descriccedilatildeo dos participantes do GP EFoPI e dos colaboradores externos em

quadros ilustrativos e depois destaco como procedi na coletaproduccedilatildeo e organizaccedilatildeo

dos dados Essas informaccedilotildees tambeacutem estatildeo distribuiacutedas em quadros para melhor

visualizaccedilatildeo e compreensatildeo do leitor em relaccedilatildeo ao que foi feito no processo

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 91

ILKA SCHAPPER SANTOS

Continuo o caminho esclarecendo ao leitor sobre os procedimentos de anaacutelise e

interpretaccedilatildeo dos resultados me respaldando em categorias linguiacutestico-discursivas e de

interpretaccedilatildeo para discutir os possiacuteveis resultados do estudo Por fim mostro ao leitor os

vaacuterios momentos em que este trabalho foi avaliado No proacuteximo item apresento o

fluxograma e o desenho da pesquisa em que sintetizo as etapas realizadas nesta

investigaccedilatildeo

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 92

ILKA SCHAPPER SANTOS

Figura 01 ndash Fluxograma da Pesquisa

GRUPO DE PESQUISA LACE

PROJETO DE PESQUISA

ARGUMENTOS NA PRODUCcedilAtildeO CRIATIVA DE SIGNIFICADOS

EM CONTEXTOS ESCOLARES DE

FORMACcedilAtildeO DE EDUCADORES

O FLUXO DO SIGNIFICADO DO

BRINCAR NA CADEIA CRITATIVA ARGUMENTACcedilAtildeO E

FORMACcedilAtildeO DE EDUCADORES E PESQUISADORES

PESQUISA

GRUPO DE PESQUISA

EFoPI

EXTENSAtildeO

3 SESSOtildeES REFLEXIVAS

EDUCADORAS SOCIAIS

DAS CRECHES

1 SESSAtildeO REFLEXIVA

COORDENADORAS

CRECHE

2 ENCONTROS DO CURSO

DE EXTENSAtildeO

COORDENADORAS

CRECHES

ANAacuteLISE E

INTERPRETACcedilAtildeO DOS

DADOS

PRODUCcedilAtildeO DO

CONHECIMENTO

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 93

ILKA SCHAPPER SANTOS

Quadro 02 ndash Desenho da Pesquisa (inspirado em Fuga 2009)

Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo

Macro Contexto Argumentos na Produccedilatildeo Criativa de Significados em Contextos

Escolares de Formaccedilatildeo de Educadores

Contexto desta pesquisa GP EFoPI

Subcontextos

Creche Municipal Curso de Extensatildeo FACEDUFJF

Participantes 4 Professores de uma Creche Municipal da AMAC + Coordenadores das 23

creches da AMAC + Pesquisadores do GP EFoPI

Perguntas de

Pesquisa

Enfoque

Teoacuterico

Instrumentos

para discussatildeo

Participantes Procedimentos de

anaacuteliseinterpreta-

ccedilatildeo dos dados

Como o

processo da

argumentaccedilatildeo

desenvolvido entre

pesquisadoras e

educadoras

permite expor

sentidos e

significados sobre

a brincadeira no

movimento da

cadeia

Quais

argumentos

contribuiacuteram para

a produccedilatildeo de

significado sobre

o brincar no

movimento da

Cadeia Criativa

A Teoria

Soacutecio-Histoacuterico-

Cultural A

Cadeia Criativa

Argumentaccedilatildeo

na Retoacuterica e na

Nova Retoacuterica

Argumentaccedilatildeo

Dialoacutegica

Discussotildees

sobre o brincar

nas creches nas

sessotildees

reflexivas ndash

2006 a 2009

Discussotildees

sobre o brincar

no Curso de

Extensatildeo

Pesquisadores

do GP EFoPI e

quatro

professores de

uma creche

puacuteblica

municipal

Pesquisadores

do GP EFoPI e

vinte e trecircs

Coordenadoras

das creches

municipais

Marcas da

interaccedilatildeo

Questionamento

Instruccedilatildeo

Explicaccedilatildeo

Retomada de vozes

anteriores

Colocaccedilatildeo e

recolocaccedilatildeo de

problemas

Marcas

Argumentativas 1

Ponto de vista

Contra-argumento

Questatildeo controversa

e Acordo

Marcas

Argumentativas 2

Tipos de argumentos

ndash teoacuterico

autoridade fonte

exemplo definiccedilatildeo

comparaccedilatildeo

pragmaacutetico

Marcas

Linguiacutesticas

Decirciticos e

Operadores

argumentativos

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 94

ILKA SCHAPPER SANTOS

31 ndash A Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo no Grupo de Pesquisa Linguagem em

Atividades no Contexto Escolar (GP LACE)

Esta investigaccedilatildeo como jaacute mencionado tem como contexto o GP EFoPI em

especial as intervenccedilotildees de pesquisa e extensatildeo do grupo no periacuteodo de 2006 a 2009 Eacute

importante esclarecer que em 2006 junto com o meu ingresso no doutorado de

Linguiacutestica Aplica e Estudos da Linguagem (LAEL) o EFoPI inicia um trabalho

interinstitucional com o GP LACE em que o elo de interlocuccedilatildeo eacute a Pesquisa Criacutetica de

Colaboraccedilatildeo (Smyth 1992 John-Steiner 2000 Engestroumlm 2002 Magalhatildees 2002

2004 2006 2007 2009 Magalhatildees amp Fidalgo 2007 Liberali 2004 2006 2007

Schapper amp Silva 2009) Isto implica dizer que o GP EFoPI e por conseguinte este

trabalho de tese estatildeo estruturados sob a oacutetica do paradigma criacutetico e tecircm na

colaboraccedilatildeo seu meacutetodo de trabalho

Mas o que significa ser pesquisa criacutetica de colaboraccedilatildeo Para que o leitor possa

entender melhor a inserccedilatildeo do GP LACE do GP EFoPI bem como esta investigaccedilatildeo

na perspectiva do sintagma Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo eacute necessaacuterio fazer uma

incursatildeo sobre o que significa criacutetico e o que significa colaboraccedilatildeo

No modelo de investigaccedilatildeo da Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo o verbete criacutetica

estaacute alicerccedilado no paradigma19

criacutetico de pesquisa que emerge a partir dos anos 70 e

ganha forccedila sobretudo nos anos 80 Grosso modo este paradigma busca no

movimento de pesquisa a transformaccedilatildeo da realidade por meio da reflexatildeo fundada na

indissociabilidade entre teoria e praacutetica intersecccedilatildeo fundamental para a efetivaccedilatildeo de

mudanccedilas nos contextos pesquisados e para a produccedilatildeo do conhecimento Isso ocorre

porque a investigaccedilatildeo se estrutura a partir das necessidades reais dos participantes e do

proacuteprio grupo de pesquisa O pesquisador em um movimento de compreensatildeo ativa

19 Para Kuhn (1992) um paradigma se funda a partir de realizaccedilotildees cientiacuteficas universalmente

reconhecidas que por um certo tempo fornecem problemas e soluccedilotildees-modelo para uma comunidade de

profissionais Na contemporaneidade defende-se no universo investigativo educacional a existecircncia de

trecircs paradigmas (1) o positivista ndash fundado nos meacutetodos quantitativos e de verificaccedilatildeo de hipoacuteteses

proacuteprios das ciecircncias naturais e exatas cujo objetivo eacute controlar predizer prever explicar as formulaccedilotildees

de leis gerais a realidade material eacute uacutenica vista de forma universal e busca reproduzir os eventos

investigados (2) o interpretativo ndash baseado na ciecircncia hermenecircutica tem a convicccedilatildeo de que o real natildeo eacute

apreensiacutevel diretamente seus objetivos satildeo compreender e interpretar a realidade vista como muacuteltipla

intangiacutevel e holiacutestica o movimento investigativo eacute atravessado pela influecircncia do investigador que se

torna um construtor da realidade pesquisada e por ser passiacutevel de interpretaccedilatildeo entendida como uma

criaccedilatildeo subjetiva dos participantes envolvidos nos eventos do trabalho de campo que trazem para a cena

da pesquisa seus valores para a seleccedilatildeo do problema teoria e meacutetodos de anaacutelise e (3) o paradigma

criacutetico no qual esta pesquisa se funda e que eacute exposto no corpo do texto

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 95

ILKA SCHAPPER SANTOS

interveacutem no campo pesquisado no sentido de propiciar espaccedilos de transformaccedilotildees e

mudanccedilas Subjaz a este paradigma a inexistecircncia de verdades prontas e generalizaccedilotildees

a respeito dos contextos investigados uma vez que as verdades satildeo verossiacutemeis fiadas e

tecidas no fluxo do diaacutelogo em um contexto circunscrito agrave realidade histoacuterica e

material O processo de investigaccedilatildeo parte das reais necessidades de um dado contexto

e nesse movimento busca promover as mudanccedilas por meio de atitudes de intervenccedilatildeo

No Paradigma Criacutetico temos anaacutelises contextualizadas qualitativas imbricadas

no processo soacutecio-histoacuterico-cultural A ciecircncia sob a oacutetica desse paradigma procura

promover a transformaccedilatildeo da realidade e a investigaccedilatildeo descortina possibilidades de os

participantes analisarem os contextos nos quais estatildeo inseridos por meio da reflexatildeo

teoria-praacutetica (Freitas 2007) A dinacircmica inicial de refletir sobrena accedilatildeo possibilita

outros olhares outros posicionamentos que antes natildeo eram vislumbrados criando uma

siacutentese dialeacutetica que ganha novos contornos na triacuteade accedilatildeo-reflexatildeo-nova accedilatildeo Isso

ocorre porque haacute no movimento de investigaccedilatildeo um interesse intriacutenseco pelo

conhecimento que traz agrave tona os aspectos de alienaccedilatildeo e de dominaccedilatildeo de grupos sociais

ou de indiviacuteduos sobre outros (Fuga 2009)

Nesse contexto do Paradigma Criacutetico o verbete colaboraccedilatildeo ganha novos

contornos e institui a PCCol (Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo) criada pela Professora

Dra Maria Ceciacutelia Camargo Magalhatildees (2002 2004 2006 2007 2009) no interior do

GP LACE Nas palavras de Magalhatildees (2009 p 55)

a pesquisa criacutetica de colaboraccedilatildeo estaacute inserida em um paradigma

criacutetico que tem como objetivo intervir e transformar contextos de

modo a propiciar que os participantes aprendam por meio da

participaccedilatildeo coletiva na conduccedilatildeo da pesquisa Dessa forma a

pesquisa realiza-se como um processo de questionamento de sentidos-

significados rotinizados bem como de produccedilatildeo conjunta de novos

significados

A autora destaca que na praacutetica de pesquisa essa colaboraccedilatildeo e esse

questionamento criacutetico natildeo devem ser polarizados Por outro lado se o pesquisador

focar apenas o questionamento (sem colaboraccedilatildeo) tenderaacute agrave imposiccedilatildeo de ideias a partir

de sua autoridade afastando qualquer possibilidade de compartilhamento de sentidos e

de significados na produccedilatildeo-construccedilatildeo do conhecimento

Para a pesquisadora haacute a ideia de coautoria e de coconstruccedilatildeoproduccedilatildeo de

conhecimento entre pesquisadores e participantes no processo de transformaccedilatildeo

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 96

ILKA SCHAPPER SANTOS

circunscrito ao momento histoacuterico em que a accedilatildeo de pesquisa foi desenvolvida Isso

mostra como explicita Liberali (2008) a essecircncia da colaboraccedilatildeo como uma categoria

teoacuterico-metodoloacutegica que possibilita aos pesquisadores e participantes se posicionarem

como aprendizes no percurso investigativo Aleacutem disso materializa um meacutetodo de

pesquisa como instrumento-e-resultado e natildeo instrumento-para-resultado (Vygotsky

19301991)

Segundo Magalhatildees (2009) a colaboraccedilatildeo se estrutura em coautoria e

coconstruccedilatildeoproduccedilatildeo de pesquisadores e participantes como disse anteriormente

Contudo isso natildeo significa estabelecer uma relaccedilatildeo de simetria de conhecimento eou

semelhanccedilas de ideias representaccedilotildees sociais e valores ao contraacuterio implica tensotildees e

contradiccedilotildees (Engestroumlm 1999b) as quais geram conflitos questionamentos pontos de

vista distintos que satildeo elementos fundantes do processo criacutetico-reflexivo e por

conseguinte desencadeadores das possiacuteveis transformaccedilotildees dana praacutetica Para lidar

com essas tensotildees e conflitos a autora explica que se torna imprescindiacutevel estruturar a

linguagem pela argumentaccedilatildeo elemento tratado nesta tese Poderemos entender melhor

essa discussatildeo por suas proacuteprias palavras

eacute fundamental que sejam reconhecidas e questionadas as contradiccedilotildees

entre o objeto da atividade instrumentos e accedilotildees dos participantes

regras que embasam as relaccedilotildees e a qualidade da divisatildeo do trabalho

que conflitos sejam enfocados e trabalhados Assim eacute necessaacuterio que

a colaboraccedilatildeo organize uma linguagem que se estruture pela

argumentaccedilatildeo (Magalhatildees 2009 p 64)

A colaboraccedilatildeo eacute uma categoria que tece-fia uma estreita relaccedilatildeo com os

conceitos bakhtinianos de dialogismo exotopia e cronotopia Os desdobramentos dos

diaacutelogos tecidos entre pesquisadores e participantes no interior da praacutetica de pesquisa a

partir de um distanciamento no tempo e no espaccedilo (lugares e tempos exteriores ao

instante do processo de investigaccedilatildeo) permitem que se vejam elementos dos ldquooutrosrdquo e

do proacuteprio processo que os sujeitos no momento de construccedilatildeo-produccedilatildeo nunca

poderiam ver Nesse movimento os diversos olhares diante de um mesmo evento

possibilitam um ldquodelineamento de quadros interpretativos mais abrangentes de uma

realidade o que pode evitar conclusotildees unilaterais na produccedilatildeo e leitura dos dadosrdquo

(Fuga 2009) Aleacutem disso promove no jogo dialoacutegico uma compreensatildeo ativa-

responsiva entre sujeitos que transformam a realidade e por ela satildeo transformados

Na proacutexima seccedilatildeo discutirei como essa referecircncia paradigmaacutetica da PCCol tem

orientado de forma geral as accedilotildees do GP EFoPI

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 97

ILKA SCHAPPER SANTOS

32 ndash A Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo no Grupo de Pesquisa Educaccedilatildeo

Formaccedilatildeo de professores e Infacircncia (GP EFoPI)

O GP EFoPI iniciou o trabalho de investigaccedilatildeo com accedilotildees fundadas na Pesquisa

Criacutetica de Colaboraccedilatildeo (PCCol) em 2006 a partir de um projeto interinstitucional com

o GP LACE Assim a tocircnica das pesquisas passou a ser no pesquisador que natildeo soacute

interveacutem mas tambeacutem sofre influecircncia no processo de intervenccedilatildeo entendendo que ele

pesquisa porque pergunta questiona e na compreensatildeo do grupo satildeo as perguntas que

o fazem avanccedilar no processo de produccedilatildeo do conhecimento cientiacutefico

A perspectiva criacutetica possibilita aos participantes espaccedilos de reflexatildeo-

transformaccedilatildeo e elementos para a (re)construccedilatildeo de seus discursos e de suas accedilotildees com

base no diaacutelogo nas praacuteticas discursivas formando uma Cadeia Criativa na qual um

texto entrecruzado com outros criam novos textos em novas praacuteticas discursivas que

se configuram em novas accedilotildees

No processo de colaboraccedilatildeo todos os participantes da pesquisa podem dizer

sobre suas vivecircncias e experiecircncias suas compreensotildees suas concordacircncias e

discordacircncias em relaccedilatildeo a seu proacuteprio discurso e dos outros participantes (Magalhatildees

1994) Aleacutem disso essa perspectiva possibilita problematizar as accedilotildees cotidianas

repensar e ressignificar o que eacute familiar o conhecido o realizado sob a oacutetica dos

conceitos do cotidiano criando espaccedilo para a compreensatildeo ativa dos conceitos

cientiacuteficos

A ecircnfase estaacute na participaccedilatildeo de cada um dos envolvidos e na contribuiccedilatildeo de

reciprocidade para o grupo No caso da formaccedilatildeo dos profissionais da creche a

diversidade de conhecimentos formaccedilatildeo possibilidades quanto ao tempo disponiacutevel

tem levado agrave diversidade de atuaccedilatildeo na pesquisa A accedilatildeo dos pesquisadores da

universidade e dos profissionais das creches na investigaccedilatildeo das proacuteprias accedilotildees eacute

compreendida e examinada como um processo de colaboraccedilatildeo criacutetica Nesse contexto

os participantes analisam praacuteticas refutam refletem e argumentam para tecer e fiar as

accedilotildees cotidianas e compreender os interesses que embasam suas praacuteticas pedagoacutegicas

Aleacutem disso tecircm sido respeitadas nesse processo colaborativo as negociaccedilotildees

desenvolvidas por parte dos pesquisadores e dos profissionais dessas instituiccedilotildees por

meio do dispositivo da argumentaccedilatildeo

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 98

ILKA SCHAPPER SANTOS

A opccedilatildeo do GP EFoPI por este modelo de investigaccedilatildeo deve-se agrave crenccedila de que a

formaccedilatildeo profissional natildeo pode mais se restringir aos espaccedilos formais e escolarizados

organizados com esse fim Ela precisa ser concebida como algo que pode se dar antes

durante e depois do processo formal como espaccedilos de reflexatildeo sobre o proacuteprio trabalho

em seu proacuteprio contexto de produccedilatildeo

A Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo no GP EFoPI e nesta tese se insere na

abordagem qualitativa com enfoque soacutecio-histoacuterico-cultural uma vez que

() aceptamos la naturaleza diferenciada del objeto de investigacioacuten

de las ciencias sociales y humanas el cual es un sujeto interactivo

motivado e intencional que assume una posicioacuten frente a las tareas

que enfrenta La investigacioacuten sobre este sujeto no puede ignorar estas

caracteriacutesticas generales La investigacioacuten en las ciencias humanas es

entre otras cosas un proceso de comunicacioacuten entre investigador e

investigado un diaacutelogo permanente que toma diferentes formas en el

curso de este proceso (Rey 1999 p 57)

Essa perspectiva eacute marcada como sinaliza Rey pela interaccedilatildeo pelo diaacutelogo e

pelo compromisso de mudanccedila e transformaccedilatildeo estabelecido entre os participantes da

investigaccedilatildeo que se comprometem com o processo e natildeo somente com os resultados da

pesquisa Nesse enfoque mais do que compreender a realidade os participantes tecircm

principalmente preocupaccedilatildeo em transformaacute-la

Freitas (2003) a partir de um diaacutelogo com Bogdan amp Biklen (1994) diz que a

pesquisa qualitativa de base histoacuterico-cultural se caracteriza pelos seguintes aspectos

A fonte dos dados eacute o texto (contexto) no qual o acontecimento emerge focalizando o

particular enquanto instacircncia de uma totalidade social Procura-se portanto

compreender os sujeitos envolvidos na investigaccedilatildeo para atraveacutes deles compreender

tambeacutem o seu contexto

As questotildees formuladas para a pesquisa natildeo satildeo estabelecidas a partir da

operacionalizaccedilatildeo de variaacuteveis mas se orientam para a compreensatildeo dos fenocircmenos

em toda a sua complexidade e em seu acontecer histoacuterico Isto eacute natildeo se cria

artificialmente uma situaccedilatildeo para ser pesquisada mas vai-se ao encontro da situaccedilatildeo

no seu acontecer no seu processo de desenvolvimento

A ecircnfase da atividade do pesquisador situa-se no processo de transformaccedilatildeo e

mudanccedila em que se desenrolam os fenocircmenos humanos procurando reconstruir a

histoacuteria de sua origem e de seu desenvolvimento

O pesquisador eacute um dos principais instrumentos da pesquisa porque sendo parte

integrante da investigaccedilatildeo sua compreensatildeo se constroacutei a partir do lugar soacutecio-

histoacuterico no qual se situa e depende das relaccedilotildees intersubjetivas que estabelece com

os sujeitos com quem pesquisa

O criteacuterio que se busca numa pesquisa natildeo eacute a precisatildeo do conhecimento mas a

profundidade da penetraccedilatildeo e a participaccedilatildeo ativa tanto do investigador quanto do

investigado Disso resulta que pesquisador e pesquisado tecircm oportunidade para

refletir aprender e ressignificar-se no processo de pesquisa (Freitas 2003 p 27-28)

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 99

ILKA SCHAPPER SANTOS

Dentro desse quadro de caracteriacutesticas natildeo poderia deixar de relacionaacute-lo como

o faz Freitas agrave teoria enunciativa da linguagem de Mikhail Bakhtin Para Bakhtin

(1987 p 403) as ciecircncias exatas que tecircm o paradigma positivista como referente de

pesquisa se constituem como forma monoloacutegica do conhecimento pois a compreensatildeo

do fenocircmeno pesquisado daacute-se no movimento de o intelecto contemplar uma coisa e

pronunciar-se sobre o objeto analisado Este eacute ldquocoisa mudardquo no dizer do autor e

produz o conhecimento monoloacutegico Numa leitura bakhtiniana podemos inferir (eu e o

leitor) que o sujeito sendo da linguagem natildeo pode permanecer emudecido pois como

sujeito da enunciaccedilatildeo estabelece nocom o mundo uma relaccedilatildeo dialoacutegica Essa relaccedilatildeo

se materializa na comunicaccedilatildeo verbal posto que um enunciado eacute sempre acompanhado

de uma atitude responsiva ativa Ou seja ldquotoda compreensatildeo eacute prenha de resposta e de

uma forma ou de outra forccedilosamente a produz o ouvinte torna-se locutorrdquo (Bakhtin

1987 p 290)

O processo de pesquisa nessa perspectiva eacute dialeacutetico Os participantes se

revezam nos posicionamentos ora de ouvinte ora de locutor no fluxo dialoacutegico da

linguagem Eacute nesse movimento dialeacutetico de ouvinte-locutor que o enunciado no

(con)texto de produccedilatildeo da investigaccedilatildeo ganha novas formas de expressatildeo e novas

construccedilotildees coletivas

Contreras (2002) explica que o professor natildeo se constitui como um profissional

reflexivo sozinho de maneira isolada pois a reflexatildeo eacute um processo coletivo e

acrescentamos dialoacutegico Nessa perspectiva refletir criticamente possibilita que o

educador analise de forma problematizadora as condiccedilotildees sociais histoacutericas e materiais

nas quais se estruturaram sua praacutetica educativa

Smyth (1992) propotildee aos professores questotildees que auxiliam nesse processo

criacutetico-reflexivo

De onde procedem historicamente as ideias que eu incorporo em minha praacutetica de

ensino

Como cheguei a apropriar-me delas

Por que ainda continuo respaldando o meu trabalho nelas

A que interesses servem

Que relaccedilotildees de poder estatildeo imbricadas

Como estas ideias influem no meu relacionamento com os alunos

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 100

ILKA SCHAPPER SANTOS

Nesta pesquisa tais consideraccedilotildees e questionamentos reforccedilaram a compreensatildeo

dos participantes de que a colaboraccedilatildeo visa ao desenvolvimento de novos

conhecimentos novas compreensotildees e possibilidades de accedilatildeo para todos os sujeitos nela

envolvidos

Para Smyth (1992) o processo reflexivo abarca quatro accedilotildees indissociaacuteveis que

estatildeo ligadas a certos tipos de perguntas que possibilitam refletir criticamente Ao

descrever suas accedilotildees em resposta a uma pergunta ndash o que faccedilo ndash o participante se

distancia delas e passa a se questionar sobre as razotildees das escolhas feitas Isto contribui

inicialmente para o favorecimento de um diaacutelogo com os professores promovendo o

reconhecimento e a anaacutelise dos fatores que limitam a sua atuaccedilatildeo e a possibilidade de

verem a si mesmos como capazes de levar a cabo a transformaccedilatildeo da praacutetica e dos

valores educativos Natildeo basta criticar a realidade mas mudaacute-la Para isso o autor

organizou como apontado acima um ciclo de quatro fases que representam as accedilotildees que

os docentes deveriam adotar descrever informar confrontar e reconstruir Eacute

importante esclarecer que essas fases natildeo satildeo etapas hierarquizadas podendo ocorrer

concomitantemente

Quadro 03 Accedilotildees e questotildees relativas ao processo reflexivo (Smyth 1992)20

Actions Questions

Describe What do I do

Inform What does this mean

Confront How did I come to be like this

Reconstruct How might I do things differently

20 Descrever O que faccedilo

Informar O que isso significa

Confrontar Como eu cheguei a ser assim

Reconstruir Como eu poderia fazer as coisas diferentemente

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 101

ILKA SCHAPPER SANTOS

Quadro 04 - Accedilotildees e questotildees relativas ao processo reflexivo construiacutedas pelo EFoPI a

partir de Smyth (1992)

Siacutentese do Processo de Reflexatildeo do Grupo de Pesquisa EFoPI

Accedilotildees Questotildees

Descrever O que faccedilo

Informar Qual o significado das minhas accedilotildees

Confrontar A que interesses minha praacutetica estaacute servindo

Reconstruir Como vocecirc organizaria essa atividade de

outra maneira Por quecirc

Segundo Liberali (2004) o descrever estaacute relacionado agrave descriccedilatildeo da accedilatildeo para

que esta fique clara aos participantes Esta forma de accedilatildeo estaacute relacionada ao

questionamento ldquoo que faccedilordquo Na descriccedilatildeo concreta das accedilotildees eacute possiacutevel tornar

evidente o que estaacute por traacutes de cada uma delas e abrir caminho para o informar Nesta

accedilatildeo haacute uma revisita ao descrever para compreender as teorias que foram sendo

construiacutedas pelo professor ao longo da vida e que influenciaram as suas praacuteticas O

educador procura responder sobre ldquoqual o significado de suas accedilotildeesrdquo A resposta abre

caminho para o confrontar das accedilotildees com base na compreensatildeo delas e natildeo na sugestatildeo

de novos procedimentos e modelos de atividades Envolve natildeo somente a busca das

inconsistecircncias da praacutetica entre preferecircncias pessoais e modos de agir como tambeacutem

remete a questotildees poliacuteticas como por exemplo ldquoa que interesses minha praacutetica estaacute

servindordquo Eacute no confrontar que eacute possiacutevel perceber como os discursos e as praacuteticas que

ocorrem fora das creches influenciam o modo de agir dentro delas Essa postura abre as

portas para o reconstruir no qual buscamos alternativas para a praacutetica educativa na

reflexatildeo de cada accedilatildeo com base nos diaacutelogos e informaccedilotildees ocorridos nas sessotildees

reflexivas a partir de questotildees do tipo de ldquoComo vocecirc organizaria essa atividade de

outra maneira Por quecircrdquo entre outras (Liberali 2004)

Atentando e concordando com essas premissas os procedimentos para a

consecuccedilatildeo dos objetivos da pesquisa em questatildeo pautaram-se inicialmente no

desenvolvimento de sessotildees reflexivas21

com a participaccedilatildeo dos pesquisadores externos

21 As sessotildees reflexivas satildeo pensadas como contextos em que satildeo criadas oportunidades para a construccedilatildeo de

significados sobre a praacutetica docente em colaboraccedilatildeo com um pesquisador externo caracterizando-se como sessotildees de

discussatildeo (Szundy 2005 p 90)

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 102

ILKA SCHAPPER SANTOS

(professores da universidade mestrandos e bolsistas de iniciaccedilatildeo cientiacutefica) e quatro

educadoras de uma creche puacuteblica do Municiacutepio de Juiz de Fora no ano de 2006 Aleacutem

disso as 23 coordenadoras das 23 creches puacuteblicas da cidade mineira participaram de

um curso de extensatildeo e sessotildees reflexivas no periacuteodo de 2007 a 2009

O enfoque metodoloacutegico possibilitou que o grupo elaborasse uma proposta que

pudesse dar subsiacutedios para o trabalho de pesquisa com os 4 professores de uma creche e

as 23 coordenadores no periacuteodo de 2006 a 2009 A proposta abrangeu as seguintes

accedilotildees (1) 12 sessotildees reflexivas com 4 professores de uma das creches municipais da

AMAC em 2006 (2) 10 encontros com os 23 coordenadores da AMAC no curso de

extensatildeo intitulado ldquoEspaccedilo de Reflexatildeo Teoacuterico-Praacutetico em Contexto de

Colaboraccedilatildeordquo em 2007 (3) 8 sessotildees reflexivas com os 23 coordenadores da AMAC

nos anos de 2008 e 2009

Voltando agrave discussatildeo que Magalhatildees (2002 2004 2009) tece sobre coautoria e

coconstruccedilatildeo entre participantes e pesquisadores no processo de construccedilatildeo-produccedilatildeo

de conhecimento no GP EFoPI estes atuaram para a formaccedilatildeo buscando trazer

subsiacutedios agrave transformaccedilatildeo da praacutetica daqueles envolvidos nas pesquisas Jaacute os

professores e coordenadores participantes trouxeram respostas (e muitas vezes

perguntas) para o grupo de pesquisadores Tal processo de argumentaccedilatildeo dialoacutegica

possibilitou a reflexatildeo na siacutentese dialeacutetica teoria-praacutetica enriquecendo a ldquoarquiteturardquo

do fazer-pensar pedagoacutegico em ambas as comunidades Esse movimento imbricado nas

contribuiccedilotildees dessas duas comunidades incidiu de maneira positiva na produccedilatildeo de

conhecimento Em siacutentese um movimento que possibilitou a todos a aprendizagem-

desenvolvimento isto eacute um contexto de empoderamento (Magalhatildees amp Fidalgo 2007)

Segundo Magalhatildees (2009) na colaboraccedilatildeo existem diferentes modos e niacuteveis

de participaccedilatildeo dos envolvidos que nem sempre participam de todos os momentos da

conduccedilatildeo da pesquisa por motivos diversos Minha participaccedilatildeo nas duas uacuteltimas

pesquisas do GP EFoPi ocorreu por volta de fevereiro de 2006 momento em que a

equipe firmava o compromisso de realizar o trabalho com as 4 educadoras de uma das

creches puacuteblicas municipais de Juiz de Fora O fluxo do trabalho nesse periacuteodo foi

intenso pois o grupo iniciava a parceria com GP LACE e aprofundava seus estudos na

metodologia de Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo

Participei de todas as reuniotildees de planejamento das 12 sessotildees reflexivas no

acircmbito da UFJF Nessa etapa os pesquisadores jaacute tinham organizado o material de

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 103

ILKA SCHAPPER SANTOS

estudos As discussotildees se pautavam em torno de investigar as atividades que envolviam

a brincadeira no contexto da creche analisada

Como abordado por Liberali (2008) para alguns pesquisadores juniores no caso

Patriacutecia Cestaro22

e para mim a tarefa de conduzir as sessotildees reflexivas soacute foi

consolidada por conta da ausecircncia da coordenadora do grupo de pesquisa em funccedilatildeo de

problemas de sauacutede na famiacutelia Essa situaccedilatildeo tornou as duas pesquisadoras mais

responsaacuteveis e mais engajadas nas intervenccedilotildees seguintes do GP EFoPI criando para

noacutes possibilidades de ter uma compreensatildeo ativa na praacutetica de pesquisa

Minha funccedilatildeo naquele momento centrava-se em responder as duacutevidas

metodoloacutegicas relacionadas agrave Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo Isso porque jaacute

participava ativamente das discussotildees do GP LACE na PUC e tambeacutem porque cursava

uma disciplina com a Profa Dra Maria Ceciacutelia Magalhatildees cujo principal conteuacutedo eram

as discussotildees da PCCol

No ano de 2007 realizamos o curso de extensatildeo intitulado ldquoEspaccedilo de Reflexatildeo

Teoacuterico-Praacutetico em Contexto de Colaboraccedilatildeordquo para as 23 coordenadoras das 23

creches municipais Jaacute em 2008 e 2009 centramos nossas accedilotildees em 8 sessotildees

reflexivas com as mesmas coordenadoras Nesse periacuteodo participei ativamente tanto no

curso quanto nas sessotildees em reuniotildees de estudos teoacutericos e planejamento de todas as

atividades do grupo realizadas com as coordenadoras Assim minha observaccedilatildeo e

intervenccedilatildeo aconteceram de forma direta e depois de forma indireta por meio das

gravaccedilotildees em viacutedeo a mim repassadas para tecer as anaacutelises e interpretaccedilotildees que datildeo

subsiacutedios agraves discussotildees desta tese As discussotildees deste trabalho estatildeo portanto

pautadas em uma investigaccedilatildeo longitudinal que fiz a partir das intervenccedilotildees do GP

EFoPI com educadores e coordenadores das creches municipais de Juiz de Fora

Acredito que minha accedilatildeo colaborativa com o GP EFoPI ficou circunscrita a

vaacuterios contextos (1) discussotildees teoacuterico-metodoloacutegicas com o grupo que resultaram em

apresentaccedilotildees de trabalho e escrita de vaacuterios artigos publicados no acircmbito nacional e

internacional em coautoria com a coordenadora do grupo o que possibilitou repensar as

nossas accedilotildees nas pesquisas do GP EFoPI (2) planejamento e execuccedilatildeo do curso de

extensatildeo e das sessotildees reflexivas com os professores e os coordenadores da creches (3)

22 Eacute mestre em educaccedilatildeo pesquisadora do GP EFoPI e professora da rede municipal do municiacutepio de Juiz

de Fora Atualmente trabalha na Secretaria de Educaccedilatildeo no Departamento de Educaccedilatildeo Infantil

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 104

ILKA SCHAPPER SANTOS

participaccedilatildeo em bancas de trabalhos de bacharelado de algumas bolsistas de iniciaccedilatildeo

cientiacutefica integrantes do grupo de pesquisa (4) elo de intersecccedilatildeo materializado

principalmente nesta tese entre os GP EFoPI e o GP LACE

Os caminhos do GP EFoPI demandaram a inserccedilatildeo em diferentes espaccedilos fiacutesicos

para que o trabalho pudesse ser realizado espaccedilos esses que estiveram interligados ndash

acircmbito da UFJF e da AMAC ndash natildeo havendo possibilidade de discorrer apenas sobre um

deles jaacute que o GP EFoPI era pensado em cada parte para se constituir como totalidade

Desse modo no proacuteximo item apresento os diversos contextos que configuram o GP

EFoPI no periacuteodo de 2006 a 2009 em especial os contextos e as atividades que estatildeo

circunscritas a este trabalho

33 ndash Espaccedilos-tempo de uma construccedilatildeo coletiva caracterizaccedilatildeo do(s) contexto(s)

de pesquisa

Nesta pesquisa discuto como jaacute disse anteriormente como a argumentaccedilatildeo

desenvolvida entre pesquisadores e professores do GP EFoPI permite expor sentidos e

significados sobre a brincadeira no movimento da Cadeia Criativa Aleacutem disso procuro

identificar quais argumentos satildeo utilizados no espaccedilo discursivo e investigar se eles

possibilitam o compartilhamento de sentidos e de significados sobre o brincar

Para que o leitor possa melhor compreender o contexto de produccedilatildeo apresento a

seguir os dois projetos do GP EFoPI que configuram o material de anaacutelise deste

trabalho (1) A verticalizaccedilatildeo e a horizontalizaccedilatildeo do espaccedilo da sala de educaccedilatildeo

infantil ndash 2006-2007 e (2) Espaccedilo de reflexatildeo criacutetica em contexto de colaboraccedilatildeo

reconstruindo os sentidos e os significados da praacutetica educativa na creche Essa

descriccedilatildeo seraacute realizada porque acredito que como explica BakhtinVolochinov (1988

p 129) eacute imprescindiacutevel agrave anaacutelise da linguagem a compreensatildeo ldquodas formas e dos tipos

de interaccedilatildeo verbal em ligaccedilatildeo com as condiccedilotildees concretas em que se realizardquo

331 ndash Projeto de 2006-2007 A verticalizaccedilatildeo e a horizontalizaccedilatildeo do espaccedilo da sala

de educaccedilatildeo infantil

Este projeto buscou estudar o espaccedilo das creches bem como as vivecircncias e

saberes que se estabelecem nas salas de atividades23

de educaccedilatildeo infantil em especial

23 Usaremos a expressatildeo sala de atividades em substituiccedilatildeo agrave sala de aula por ser um termo comumente

utilizado quando se trata de crianccedilas de 0-6 anos

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 105

ILKA SCHAPPER SANTOS

aqueles relacionados agraves brincadeiras A questatildeo investigada foi assim delineada O que

dizem os limites da sala de atividades de educaccedilatildeo infantil tanto do ponto de vista

vertical ndash as paredes ndash quanto do ponto de vista horizontalizado ndash o chatildeo

O processo de reflexatildeo sobre esses aspectos nos levou ao desdobramento da

questatildeo central

- Observar o desenvolvimento das experiecircncias infantis orientadas pelo

educadorprofessor na sala de atividades da creche em especial aquelas relacionadas

agraves brincadeiras

- Conhecer como satildeo organizadas e documentadas essas experiecircncias infantis pelo

educadorprofessor e pelas proacuteprias crianccedilas Quais atividades satildeo selecionadas para

serem desenvolvidas no chatildeo da sala e quais satildeo escolhidas para serem afixadas nas

paredes

- Desencadear a reflexatildeo do educadorprofessor acerca das experiecircncias infantis por

ele orientadas e o significado que o pensar sobre elas tem para o desenvolvimento

infantil e para a ressignificaccedilatildeo24

de sua praacutetica educativa

O interesse do GP EFoPI pelo tema em questatildeo origina-se dos resultados das

pesquisas anteriormente desenvolvidas em escolas de educaccedilatildeo infantil dentre as quais

ldquoO brincar de faz-de-conta e a imaginaccedilatildeo infantil concepccedilotildees e praacuteticas do professorrdquo

e ldquoConcepccedilatildeo de qualidade em educaccedilatildeo infantil um estudo de casordquo A primeira estaacute

documentada na tese de doutorado da coordenadora do GP EFoPI professora Dra Leacutea

S P Silva e a uacuteltima encontra-se registrada no livro ldquoUma experiecircncia de pesquisa

formaccedilatildeo e intervenccedilatildeo em educaccedilatildeo infantilrdquo lanccedilado no mecircs de junho de 2005 pela

editora FEME ndash UFJF

Objetivos

Pretendiacuteamos investigar o que revelavam os limites da sala de atividades de

educaccedilatildeo infantil tanto do ponto de vista vertical ndash as paredes ndash quanto do ponto de

vista horizontalizado ndash o chatildeo ndash sobre as vivecircncias e saberes que se estabelecem nas

salas de atividades de educaccedilatildeo infantil em especial aqueles relacionados agraves

brincadeiras

24 O termo ressignificaccedilatildeo vem de re + significar que pode ser entendido como significar outra vez dar

outra vez significado tornar a significar conferir novo significado

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 106

ILKA SCHAPPER SANTOS

Objetivos especiacuteficos

- Compreender como estaacute organizada a documentaccedilatildeo das experiecircncias educativas

realizadas

- Observar em que medida as informaccedilotildees visuais realizadas e apresentadas nas paredes

valorizam o ato autocircnomo e criativo na apropriaccedilatildeo do espaccedilo-ambiente

- Investigar qual a concepccedilatildeo de linguagem revelada no espaccedilo-ambiente da sala de

atividades nos eixos de trabalho e nos aspectos que estatildeo sendo trabalhados com a

crianccedila no acircmbito do brincar

EstrateacutegiasMetodologia

A escolha de uma metodologia de pesquisa na maioria das vezes natildeo eacute faacutecil

para o pesquisador Destaca-se na instacircncia da decisatildeo a importacircncia dos pressupostos

teoacutericos adotados e o tipo de fenocircmeno que se pretende estudarintervir Ao

desconsiderar tais aspectos podemos correr o risco de ganhar em rigor e perder a

interlocuccedilatildeo e vice-versa Portanto entendemos no GP EFoPI que os caminhos satildeo

demarcados pela questatildeo investigada embora eles possam ser (re)construiacutedos pelo

pesquisador com a colaboraccedilatildeo do referencial teoacuterico abordado e na interaccedilatildeo com os

participantes da pesquisa

Eacute sabido que cada pesquisador ao elaborar um projeto de pesquisa tem as suas

convicccedilotildees influenciadas pela quantidade e qualidade de informaccedilotildees que tem sobre

uma aacuterea do conhecimento Portanto as suas crenccedilas satildeo resultado das informaccedilotildees de

que dispotildee sobre um determinado assunto ou tema somadas agraves suas experiecircncias de

vida

Para subsidiar esta pesquisa contamos com a literatura que aborda o tema

espaccedilo-ambiente como um dos elementos fundamentais para uma pedagogia da

educaccedilatildeo infantil dentre as quais se destacam Zabalza (1998) e Vintildeao Frago amp

Escolano (1999) A leitura de trabalhos de Vygotsky Leontiev e Elkonin sobre o

desenvolvimento da imaginaccedilatildeo infantil e a brincadeira possibilitaram a compreensatildeo

das vivecircncias e saberes que se estabelecem nas salas de atividades de educaccedilatildeo infantil

atraveacutes das interaccedilotildees crianccedila-crianccedila e crianccedila-adulto-crianccedila no espaccedilo-ambiente

escolar no acircmbito das brincadeiras

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 107

ILKA SCHAPPER SANTOS

Para desenvolver o estudo de forma criacutetica e reflexiva optamos pela Pesquisa

Criacutetica de Colaboraccedilatildeo

Os sujeitos da investigaccedilatildeo foram 04 professoras e seus alunos no contexto da

sala de atividades de escolas puacuteblicas de educaccedilatildeo infantil da cidade de Juiz de Fora As

estrateacutegias adotadas foram

Procedimentos metodoloacutegicos

a) Instrumentos

- Sessotildees Reflexivas com os professores

- Observaccedilatildeo do dia a dia escolar nas salas de atividades

b) Organizaccedilatildeo e planejamento

- Visita agraves escolas visando agrave apresentaccedilatildeo dos objetivos da pesquisa por meio de

entrevista com os professores e coordenador pedagoacutegico

- Organizaccedilatildeo planejamento e construccedilatildeo dos roteiros das sessotildees reflexivas e das

observaccedilotildees

- Montagem do cronograma das observaccedilotildees do dia a dia escolar e das sessotildees

reflexivas com os professores

O quadro abaixo apresenta o cronograma do planejamento das accedilotildees do ano de

2006 e 2007

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 108

ILKA SCHAPPER SANTOS

Quadro 05 - Cronograma do planejamento das accedilotildees do GP EFoPI nos anos de 2006 e

2007

Accedilotildees 2006 2006 2007 2007

Estudo da literatura X X X X

Apresentaccedilatildeo da proposta de

pesquisa agraves creches de educaccedilatildeo

infantil e professores

X

Organizaccedilatildeo planejamento e

construccedilatildeo das sessotildees reflexivas e

das observaccedilotildees

X

Montagem do cronograma das

observaccedilotildees do dia a dia escolar e

das sessotildees reflexivas com os

professores

X

Realizaccedilatildeo das 12 sessotildees reflexivas

com os educadores

X

X

Observaccedilatildeo do dia a dia escolar das

crianccedilas na sala de atividades com

registro

X X

Realizaccedilatildeo do Curso de Extensatildeo

intitulado ldquoEspaccedilo de reflexatildeo

Teoacuterico-Praacutetico em Contexto de

Colaboraccedilatildeo nas Crechesrdquo

X X

Transcriccedilatildeo das sessotildees reflexivas X X

Anaacutelise dos dados X X

Relatoacuterio Final X X

Publicaccedilatildeo X X

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 109

ILKA SCHAPPER SANTOS

332 ndash Projeto de 2008-2009 Espaccedilo de reflexatildeo criacutetica em contexto de colaboraccedilatildeo

reconstruindo os sentidos e os significados da praacutetica educativa na creche

A origem do interesse pelo tema deste projeto de pesquisa encontrou-se nos

resultados da pesquisa anterior desenvolvida pelo GP EFoPI em espaccedilos de educaccedilatildeo

infantil em um das creches municipais sob o tiacutetulo ldquoA verticalizaccedilatildeo e a

horizontalizaccedilatildeo do espaccedilo da sala de educaccedilatildeo infantilrdquo desenvolvida com a

aprovaccedilatildeo dos programas PIBIC e BIC da UFJF em 2006-2007 descrita anteriormente

Os resultados dessa pesquisa jaacute foram apresentados em relatoacuterio enviado agrave Proacute-

Reitoria de Pesquisa da UFJF e tambeacutem nas publicaccedilotildees de eventos de natureza

cientiacutefica e em perioacutedicos25

Tais resultados apontaram para a urgecircncia de pesquisas que

possibilitassem a reflexatildeo criacutetica dos participantes e consequentemente a formaccedilatildeo de

todos os profissionais comprometidos com a educaccedilatildeo de crianccedilas pequenas Por essa

razatildeo o principal objetivo desta investigaccedilatildeo foi desencadear a reflexatildeo criacutetica e a accedilatildeo

colaborativa entre coordenadoras de 23 creches municipais e pesquisadores externos

representados pelos integrantes do GP EFoPI sobre as atividades educativas que se

apresentavam na rotina da creche

Objetivos

- Desencadear a reflexatildeo criacutetica e a accedilatildeo colaborativa dos coordenadores de creche

responsaacuteveis pelo planejamento e execuccedilatildeo das accedilotildees administrativas e pedagoacutegicas e

dos pesquisadores externos26

no espaccedilo da creche acerca das experiecircncias infantis e do

sentido que o pensar sobre elas tem para o desenvolvimento infantil e para a

(re)construccedilatildeo da accedilatildeo na praacutetica educativa em especial aquelas relacionadas agraves

brincadeiras

- Promover espaccedilos de reflexatildeo criacutetica e accedilatildeo colaborativa sobre as atividades

educativas que se apresentam na rotina da creche com a participaccedilatildeo dos coordenadores

da creche e dos pesquisadores externos

- Construir propostas alternativas para a orientaccedilatildeo das experiecircncias infantis na creche

num processo de coparticipaccedilatildeo ativa e colaborativa entre coordenadores da creche e

pesquisadores externos

25 Cf EDUCACcedilAtildeO EM FOCO vol 13 nordm2 - set 2008fev 2009

26 Estatildeo sendo considerados como pesquisadores externos os integrantes do grupo de pesquisa EFoPI

(cadastrado no CNPq ) coordenado pelas autoras deste projeto de pesquisa Profa Dra Leacutea S P Silva e

Profa Ilka Schapper Santos

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 110

ILKA SCHAPPER SANTOS

A preocupaccedilatildeo em realizar pesquisas nos contextos educativos de modo a

contribuir com seus profissionais na compreensatildeo e no encaminhamento de respostas agraves

dificuldades nelas inerentes levou-nos agrave certeza de que queriacuteamos realizar pesquisas

com os profissionais no contexto da creche e natildeo sobre eles Essa certeza se consolidou

com sua aprovaccedilatildeo no programa PIBIC e BICUFJF 2008-2009

As accedilotildees realizadas no 2ordm semestre de 2008 e 1ordm semestre de 2009 foram

- Inserccedilatildeo no campo com os coordenadores das 24 creches do programa de creches da

AMAC em transiccedilatildeo para a Secretaria de Educaccedilatildeo do Municiacutepio de Juiz de Fora

- Descriccedilatildeo por escrito dos viacutedeos que gravaram as accedilotildees de inserccedilatildeo no campo ou seja

das sessotildees reflexivas e do curso de extensatildeo realizados durante o semestre com a

presenccedila dos profissionais da creche e dos pesquisadores externos

- Anaacutelise dos dados obtidos no campo e descritos a partir dos viacutedeos obtidos no 2ordm

semestre de 2008

- Retorno ao campo com os coordenadores das 23 creches

- Redaccedilatildeo de textos que foram publicados e apresentados em eventos

- Construccedilatildeo de um livro (no prelo pela editora UFF)

EstrateacutegiasMetodologia

Nesta pesquisa continuamos a utilizar os preceitos da Pesquisa Criacutetica de

Colaboraccedilatildeo Eacute necessaacuterio reforccedilar que a ecircnfase desta investigaccedilatildeo recai sobre a

participaccedilatildeo de cada um dos envolvidos e a contribuiccedilatildeo de reciprocidade para o grupo

envolvendo portanto uma situaccedilatildeo de colaboraccedilatildeo entre os participantes O foco estaacute

em uma maneira de refletir criticamente e relacionar teoria e praacutetica a partir do diaacutelogo

entre pesquisadores e coordenadores da creche e a consequente produccedilatildeo de

conhecimento novo Com isso foi necessaacuterio compreendermos o processo de

colaboraccedilatildeo que possibilitava examinar praacuteticas refletir criticamente e argumentar para

assim podermos (des)construir accedilotildees cotidianas e interesses que realmente embasavam

as praacuteticas no espaccedilo da creche Aleacutem disso foram respeitadas nesse processo

colaborativo as negociaccedilotildees envolvidas por parte dos pesquisadores e dos profissionais

da creche

Os procedimentos para a consecuccedilatildeo dos objetivos deste projeto de pesquisa

continuaram a se pautar no desenvolvimento de sessotildees reflexivas com a participaccedilatildeo

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 111

ILKA SCHAPPER SANTOS

dos pesquisadores externos (professores da UFJF e do municiacutepio mestrandos e bolsistas

de iniciaccedilatildeo cientiacutefica) e os coordenadores das creches da Prefeitura de Juiz de Fora

Entendemos como Szundy (2005 p 90) que ldquoas sessotildees reflexivas satildeo pensadas como

contextos em que satildeo criadas oportunidades para a construccedilatildeo de significados sobre a

praacutetica docente em colaboraccedilatildeo com um pesquisador externo caracterizando-se como

sessotildees de discussatildeordquo

Nas sessotildees reflexivas os profissionais da creche e os pesquisadores em

processo de reflexatildeo criacutetica colaborativa fizeram a anaacutelise de accedilotildees desenvolvidas

comumente no cotidiano das creches utilizando o ciclo de quatro accedilotildees proposto por

Smyth (1992) descrever informar confrontar e reconstruir

A partir dos dados de campo obtidos no projeto anterior estabeleceu-se como

prioridade para este projeto a discussatildeo das sessotildees reflexivas que tiveram os seguintes

temas a) o desenvolvimento infantil (neste caso mais especificamente sobre a questatildeo

do choro na creche como condiccedilatildeo da crianccedila tendo como subsiacutedio as consideraccedilotildees de

Henri Wallon (1975 1995) b) a atividade da roda de conversa como espaccedilo de

investigaccedilatildeo c) o desenvolvimento da imaginaccedilatildeo infantil e o brincar e d) as relaccedilotildees

de poder na creche

Foi realizado um relatoacuterio detalhado trazendo a contribuiccedilatildeo dos pesquisadores

e profissionais da creche construiacutedo e publicado ao teacutermino da pesquisa sob a forma de

um livro que estaacute no prelo pela editora da UFF

Aleacutem disso continuamos estabelecendo uma importante parceria com as

professoras Drordf Maria Ceciacutelia C Magalhatildees e Drordf Fernanda C Liberali do grupo de

pesquisa do LAEL ndash Programa de Estudos Poacutes-graduados em Linguiacutestica Aplicada e

Estudos da Linguagem da PUC-SP A interlocuccedilatildeo com as referidas pesquisadoras

possibilitoupossibilita o aprofundamento teoacuterico na metodologia de Pesquisa Criacutetica de

Colaboraccedilatildeo

Pelo fato de fomentar discussotildees acerca dos saberes construiacutedos no espaccedilo das

creches por meio da reflexatildeo criacutetica dos educadores e dos coordenadores das creches

puacuteblicas de Juiz de Fora e dos pesquisadores este estudo propiciou o surgimento de

novas questotildees que puderam se desdobrar em novos projetos de pesquisa aleacutem de

motivar investigaccedilotildees desenvolvidas por alunos do programa de Poacutes-

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 112

ILKA SCHAPPER SANTOS

graduaccedilatildeoMestrado em Educaccedilatildeo da Faculdade de Educaccedilatildeo e por alunos dos cursos de

especializaccedilatildeo e de graduaccedilatildeo

O quadro abaixo apresenta o cronograma do planejamento das accedilotildees dos anos de

2008 e 2009

Quadro 06 ndash Cronograma do planejamento das accedilotildees do GP EFoPI nos anos de 2008 e

2009

Accedilotildees 2006 2006 2007 2007

Estudo da literatura X X X X

Apresentaccedilatildeo da proposta de

pesquisa agraves creches de educaccedilatildeo

infantil e professores

X

Organizaccedilatildeo planejamento e

construccedilatildeo das sessotildees reflexivas e

das observaccedilotildees

X

Montagem do cronograma das

observaccedilotildees do dia a dia escolar e

das sessotildees reflexivas com os

professores

X

Realizaccedilatildeo das 12 sessotildees reflexivas

com os educadores

X

X

Observaccedilatildeo do dia a dia escolar das

crianccedilas na sala de atividades com

registro

X X

Realizaccedilatildeo do Curso de Extensatildeo

intitulado ldquoEspaccedilo de reflexatildeo

Teoacuterico-Praacutetico em Contexto de

Colaboraccedilatildeo nas Crechesrdquo

X X

Transcriccedilatildeo das sessotildees reflexivas X X

Anaacutelise dos dados X X

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 113

ILKA SCHAPPER SANTOS

Relatoacuterio Final X X

Publicaccedilatildeo X X

Assim analiso em uma perspectiva longitudinal as accedilotildeesintervenccedilotildees do GP

EFoPI sobre o brincar na formaccedilatildeo dos profissionais da educaccedilatildeo infantil no municiacutepio

de Juiz de Fora a partir dos dois projetos supra citados com foco no brincar A seleccedilatildeo

dos dados ficou assim organizada (a) 3 sessotildees reflexivas com a participaccedilatildeo de 2

pesquisadores da Universidade Federal de Juiz de Fora em uma creche municipal da

AMAC no ano de 2006 ndash 1ordm cronotopo (b) 2 encontros do curso de extensatildeo intitulado

ldquoEspaccedilo de Reflexatildeo Teoacuterico-Praacutetico em Contexto de Colaboraccedilatildeordquo ministrado por 3

pesquisadores para as 23 coordenadoras das creches municipais da AMAC no ano de

2007 ndash 2ordm cronotopo (c) 1 sessatildeo reflexiva com 4 pesquisadores do GP EFoPI e as 23

coordenadoras das creches municipais da AMAC no periacuteodo entre 2008 e 2009 ndash 3ordm

cronotopo da Cadeia Criativa

3 3 3 ndash Espaccedilos de Atuaccedilatildeo do GP EFoPI

Nesta seccedilatildeo discorro sobre os espaccedilos de atuaccedilatildeo do GP EFoPi em especial

aqueles que estatildeo diretamente relacionados a este trabalho de tese as creches da AMAC

e o curso de extensatildeo na UFJF

3331 ndash A Entidade Civil que manteacutem as creches no Municiacutepio de Juiz de Fora

uma breve incursatildeo na AMAC

A Associaccedilatildeo Municipal de Apoio Comunitaacuterio (AMAC) eacute uma associaccedilatildeo

civil sem fins lucrativos criada no ano de 1984 e implantada em 1985 Essa associaccedilatildeo

segue as diretrizes da Loas ndash Lei Orgacircnica de Assistecircncia Social (Brasil 1993) a

Poliacutetica Nacional de Assistecircncia Social (Brasil 2004) e a Norma de Operacional Baacutesica

da Assistecircncia Social (Brasil 2005) Assim eacute responsaacutevel pela execuccedilatildeo de accedilotildees da

Prefeitura de Juiz de Fora na aacuterea da assistecircncia social desenvolvendo vaacuterios programas

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 114

ILKA SCHAPPER SANTOS

para atender aos mais diferentes segmentos27

Dentre os programas desenvolvidos pela

AMAC estaacute o de creches que atende as crianccedilas de 0 a 3 anos e 11 meses

Destaque-se que em Juiz de Fora no periacuteodo em que esta pesquisa se

desenvolveu a educaccedilatildeo de crianccedilas de 0 a 3 anos estaacute sob a responsabilidade da

Assistecircncia Social e natildeo da Secretaria de Educaccedilatildeo28

O Programa de Creches configurou-se inicialmente com 1 coordenadora geral

uma equipe teacutecnica que atendia todas as creches e era composta por 1 administrador 2

psicoacutelogos 1 assistente social 1 nutricionista 1 meacutedico 1 acadecircmico de Medicina 4

estagiaacuterias de Serviccedilo Social e 5 pedagogas aleacutem de uma equipe que exercia atividades

administrativas (abastecimento almoxarifado acompanhamento de doaccedilotildees) Para atuar

diretamente com as crianccedilas foram contratadas 7 auxiliares por creche nuacutemero

considerado insuficiente tendo em vista a proporccedilatildeo adultocrianccedila Diante dessa

situaccedilatildeo as mesmas ldquoredobravam seu trabalho a tiacutetulo de voluntariado bem como os

esforccedilos para mobilizar a proacutepria comunidaderdquo No decorrer do tempo esses

funcionaacuterios passaram a compor o quadro de servidores da AMAC (Costa 2006 p 41)

Os profissionais das creches possuem uma condiccedilatildeo de trabalho distinta

daqueles que atuam nas escolas administradas pela Secretaria de Educaccedilatildeo Sua

atividade eacute regida pela CLT-Consolidaccedilatildeo das Leis do Trabalho exigindo o

cumprimento de uma jornada de oito horas diaacuterias natildeo tendo sido construiacuteda uma

carreira que valorize sua formaccedilatildeo o que gera uma distinccedilatildeo salarial discrepante em

relaccedilatildeo aos docentes da rede municipal Essa situaccedilatildeo tornou-se comum na realidade

brasileira pois historicamente a assistecircncia social e a educaccedilatildeo foram campos que

disputaram e compartilharam atribuiccedilotildees e recursos da educaccedilatildeo infantil

arregimentando para isso pessoas com status diferentes e diferentes qualificaccedilotildees

(Vieira 2007 apud Zanetti 2010)

Os profissionais que atuam junto agraves crianccedilas nas creches municipais dividiam-

se ateacute o ano de 2008 em duas categorias ndash uma denominada recreadora e outra

denominada educadora social Durante a campanha salarial de 2009 houve uma

27 Maiores informaccedilotildees sobre os diferentes programas desenvolvidos em Juiz de Fora se encontram

disponiacuteveis no site oficial do municiacutepio lt wwwpjfmggovbrgt 28

Em 2010 iniciou-se o processo de transiccedilatildeo das creches da AMAC para a Secretaria Municipal de

Educaccedilatildeo de Juiz de Fora

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 115

ILKA SCHAPPER SANTOS

equiparaccedilatildeo das funccedilotildees e salaacuterios

Essas informaccedilotildees sobre os profissionais das creches sinalizam o quadro de

(natildeo) valorizaccedilatildeo em que se encontram esses profissionais que tecircm a tarefa de cuidar e

de educar as crianccedilas de 0 a 3 anos de idade Mostram o desprestiacutegio que a educaccedilatildeo

infantil sofre perante os oacutergatildeos governamentais Revelam um espaccedilo de ldquomenos valiardquo

com relaccedilatildeo agraves crianccedilas e suas infacircncias e aos profissionais que as atendem

O grupamento das crianccedilas nos espaccedilos das creches eacute feito por faixa etaacuteria

levando-se em conta o espaccedilo fiacutesico e a proporccedilatildeo adultocrianccedila Segundo Patriacutecia

Cestaro pesquisadora do GP EFoPI em comunicaccedilatildeo oral ateacute o ano de 2009 as

crianccedilas eram agrupadas conforme quadro abaixo

Quadro 07 ndash Relaccedilatildeo AdultoCrianccedila nas Creches Comunitaacuterias da AMAC2009

Grupamentos Nordm de crianccedilas Educadoras

3 meses a 1 ano e dois meses 04 01

1 ano e trecircs meses a 1 ano e onze

meses 06 01

2 anos 12 01

3 anos 18 01

Jaacute a resoluccedilatildeo Municipal No 12000 de Juiz de Fora (apud Costa 2006)

promulga que a proporccedilatildeo adultocrianccedila nas turmas das instituiccedilotildees de educaccedilatildeo

infantil deve se pautar no quadro seguinte

Quadro 08 ndash Proporccedilatildeo AdultoCrianccedila nas Turmas das Instituiccedilotildees de Educaccedilatildeo

Infantil segundo a Resoluccedilatildeo Municipal nordm 12000

Grupamentos Nordm de crianccedilas Professor

0 a 1 ano 06 01

1 ano a 2 anos 08 01

2 anos a 3 anos 12 a 15 01

Fonte Costa (2006 p52)

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 116

ILKA SCHAPPER SANTOS

Comparando o nuacutemero de crianccedilas por educadores(as) e professores(as) haacute entre

as crianccedilas menores de 0 a 2 anos de idade uma proporccedilatildeo menor ou igual nas salas de

atividades das creches em relaccedilatildeo ao estipulado na Resoluccedilatildeo Municipal No 12000 Jaacute

para as crianccedilas de 3 anos o nuacutemero eacute acima da meacutedia do recomendado na relaccedilatildeo

adultocrianccedilas

O primeiro aspecto relacionado mostra-se abaixo da meacutedia estabelecida pela

resoluccedilatildeo Esse aspecto mostra-se muito positivo pois os educadores podem

disponibilizar mais atenccedilatildeo e cuidados agraves crianccedilas no desenvolvimento das atividades

propostas O segundo ponto relacionado jaacute natildeo possibilita aos educadores a mesma

disponibilidade pois a proporccedilatildeo crianccedilasadulto eacute maior do que a recomendada

Cada creche da AMAC conta com uma coordenadora totalizando 23

coordenadoras em 23 creches

Eacute neste contexto de organizaccedilatildeo das creches no Municiacutepio de Juiz de Fora que

se insere esta pesquisa Apesar de o meu diaacutelogo ser com as produccedilotildees do grupo de

pesquisa EFoPI as investigaccedilotildeesintervenccedilotildees do grupo estatildeo inseridas no contexto das

creches municipais O primeiro momento da pesquisa do GP EFoPI foi com 4

educadoras de uma creche municipal por meio de sessotildees reflexivas Depois em um

segundo momento foi realizado o curso de extensatildeo na UFJF Assim no proacuteximo item

teccedilo uma breve discussatildeo sobre a extensatildeo universitaacuteria e faccedilo a descriccedilatildeo do curso de

que participaram as 23 coordenadoras das 23 creches municipais

3332 - A Extensatildeo Universitaacuteria e o Curso de Extensatildeo na Universidade Federal

de Juiz de Fora

No cenaacuterio das universidades brasileiras as temaacuteticas acerca da extensatildeo vecircm

sendo bastante debatidas e essa discussatildeo tem peculiaridades inerentes ao movimento de

cada eacutepoca

Os primeiros documentos oficiais de que temos notiacutecia sobre a extensatildeo

universitaacuteria satildeo as reformas de Francisco Campos e o Manifesto dos Pioneiros da

Educaccedilatildeo Nova (1932) Nesse periacuteodo cabia agrave extensatildeo universitaacuteria a vulgarizaccedilatildeo ou

popularizaccedilatildeo das ciecircncias e das artes Temos entretanto que ter claro que natildeo se

tratava da popularizaccedilatildeo total a qualquer puacuteblico mas que a socializaccedilatildeo se restringia agrave

classe burguesa da eacutepoca

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 117

ILKA SCHAPPER SANTOS

Depois em 1961 temos a Lei 4024 que faz pouca referecircncia agrave extensatildeo

limitando-a aos ldquocursos de especializaccedilatildeo aperfeiccediloamento e extensatildeo ou quaisquer

outrosrdquo Ainda nos anos 60 do seacuteculo passado a extensatildeo eacute retomada nas discussotildees

oficiais dos governos militares Isso foi materializado em 1968 na Lei 554068 que

promulga que as atividades de ensino e pesquisa realizadas nas universidades devem ser

estendidas agrave comunidade A extensatildeo eacute compreendida como uma maneira singular de

materializar as funccedilotildees puras de ensino e pesquisa e natildeo como uma terceira funccedilatildeo

concebida como um canal encarregado de conduzir o ensino e a pesquisa para aleacutem das

torres universitaacuterias

Nesse periacuteodo a ideia de discutir os grandes problemas nacionais e a dimensatildeo

transformadora da realidade foi apropriada pelos militares como elemento de garantia

do desenvolvimento e da seguranccedila nacional adquirindo a perspectiva assistencialista e

redentora da sociedade Desse modo a extensatildeo assumia o papel de articuladora entre

ensino e pesquisa e responsaacutevel por estabelecer os viacutenculos entre universidade e

sociedade Isso se afirma na lei 569271

Na atualidade temos na nova LDB (Brasil 1996) a caracterizaccedilatildeo da extensatildeo

como terceira atividade ao lado das outras duas de ensino e pesquisa retornando agrave

chamada perspectiva do tripeacute ensino pesquisa e extensatildeo

Diante do breve histoacuterico esboccedilado podemos perceber que a extensatildeo nas

universidades brasileiras natildeo tem uma caracterizaccedilatildeo bem delineada jaacute que ora aparece

como desdobramento da atividade de ensino e pesquisa ora aparece como uma terceira

atividade universitaacuteria inter-relacionada a essas duas

A tarefa de mapeamento do papel e das atribuiccedilotildees da extensatildeo eacute bem difiacutecil jaacute

que para isso devemos entrecruzar concepccedilotildees com tarefas a serem realizadas Dentro

desse quadro acredito que natildeo podemos cometer o erro histoacuterico de manter para a

extensatildeo o papel de materializar os elementos essenciais da ordem vigente como vimos

claramente nos anos 30 e 60 do seacuteculo passado

A extensatildeo universitaacuteria tem um espaccedilo bastante demarcado jaacute que a

universidade desde o seacuteculo XX busca ser o loacutecus por excelecircncia da produccedilatildeo do

conhecimento cientiacutefico e sua produtividade eacute mensurada a partir de um amplo domiacutenio

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 118

ILKA SCHAPPER SANTOS

no campo da investigaccedilatildeo Nesse contexto os professores satildeo considerados docentes-

investigadores que produzem e socializam seus conhecimentos

Assim na atualidade cada vez mais as universidades buscam estabelecer uma

interface entre pesquisa ensino e extensatildeo Como Proacute-Reitora Adjunta de Extensatildeo na

Universidade Federal de Juiz de Fora no periacuteodo de setembro de 2002 a marccedilo de 2006

pude junto com a Proacute-Reitora criar programas e projetos em parceria com a Proacute-

Reitoria de Graduaccedilatildeo e Proacute-Reitoria de Pesquisa Assim buscaacutevamos desatar os noacutes de

distanciamento entre pesquisa ensino e extensatildeo

Nossa poliacutetica era associar as atividades de extensatildeo agraves de pesquisa e ensino natildeo

se identificando como praacuteticas pontuais isoladas e desvinculadas do processo de

construccedilatildeo e produccedilatildeo de conhecimento Em razatildeo da pluralidade de suas interfaces

com o ensino e a pesquisa a extensatildeo agregava no seu conjunto de accedilotildees projetos

cursos eventos produccedilotildees serviccedilos entre outras

Com esse encaminhamento elaboramos uma poliacutetica de extensatildeo que visava

contribuir com o projeto poliacutetico pedagoacutegico da Universidade Federal de Juiz de Fora

Buscamos horizontalizar aquilo que historicamente foi verticalizado nas universidades

assegurando os princiacutepios da transversalidade e da interdisciplinaridade para as praacuteticas

de extensatildeo as praacuteticas de pesquisa e as praacuteticas de ensino

Foi a partir das experiecircncias como Proacute-Reitora Adjunta que passei a acreditar

como professora e como pesquisadora que a praacutetica de extensatildeo deveria atravessar

minhas praacuteticas de ensino e de pesquisa Por conta disso busquei um programa de

doutorado que tivesse essa tradiccedilatildeo Ingressei no doutorado do LAELPUC-SP e no GP

LACE podendo nesse contexto vivenciar a praacutetica de pesquisa que emerge de

intervenccedilotildees extensionistas Diante da oportunidade sugeri para o GP EFoPI do qual jaacute

participava que delineasse suas intervenccedilotildees nas creches sob o eixo da pesquisa-

extensatildeo de cunho criacutetico colaborativo

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 119

ILKA SCHAPPER SANTOS

O GP EFoPI assumiu essa visatildeo mais ampla da responsabilidade social de

participaccedilatildeo nas comunidades em que realiza suas praacuteticas de pesquisa e da perspectiva

de intervenccedilatildeo nos problemas sociais que circundam o universo das creches Buscou

uma produccedilatildeo de pesquisa extensionista que dialogou com os profissionais das creches

procurando contribuir para a formaccedilatildeo de um profissional criacutetico que reflete sobre suas

intervenccedilotildees no interior da instituiccedilatildeo O desenho abaixo sintetiza os princiacutepios

interdisciplinares entre ensino pesquisa e extensatildeo em que o GP EFoPI acredita

Figura 02 ndash Accedilotildees para materializar interdisciplinaridade e transversalidade na triacuteade

ensino-pesquisa-extensatildeo

Assim acreditando na indissociabilidade entre ensino-pesquisa-extensatildeo o GP

EFoPI montou um curso de extensatildeo em 2007 para as coordenadores das creches

municipais tendo dois objetivos (1) resgatar as discussotildees tecidas com as 4 professoras

da creche municipal e (2) promover espaccedilos de reflexatildeo e accedilatildeo colaborativa sobre as

atividades educativas que se apresentam na rotina das creches

O curso foi estruturado em 10 encontros com os seguintes temas

respectivamente (1) Oficina de Roda resgatando as memoacuterias (2) Oficina O dia-a-dia

na Creche (3) A Dimensatildeo Luacutedica na Crianccedila e na Creche (4) A Dimensatildeo Luacutedica no

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 120

ILKA SCHAPPER SANTOS

Espaccedilo-Ambiente da Creche reflexotildees sobre o brincar (5) Encontro ndash Conflitos na

Infacircncia e a Rotina na Creche (6) ndash Estaacutetua Se Mexer Natildeo Vale O Conhecimento

do Movimento Corporal (7) A Sistematizaccedilatildeo de Propostas Pedagoacutegicas nas Creches

(8) Narrativas Orais e o Desenvolvimento da Imaginaccedilatildeo Infantil (9) Vivecircncias

Artiacutesticas pensando nos pequenos e (10) Espaccedilo de ReflexatildeoAvaliaccedilatildeo

Eacute preciso esclarecer ao leitor que dos 10 encontros do curso de extensatildeo 2 satildeo

focos de anaacutelise desta tese (1) o terceiro encontro ldquoA Dimensatildeo Luacutedica na Crianccedila e

na Crecherdquo e (2) o quarto encontro ldquoA Dimensatildeo Luacutedica no Espaccedilo-Ambiente da

Creche reflexotildees sobre o brincarrdquo Isso porque nesses encontros foram discutidas as

relaccedilotildees que podemos estabelecer entre o desenvolvimento da imaginaccedilatildeo e a

brincadeira elementos que satildeo objetos de estudo desta investigaccedilatildeo

O curso de extensatildeo foi planejado e ministrado pelos participantes do GP EFoPI

com a intenccedilatildeo de ampliar no movimento da Cadeia Criativa a interlocuccedilatildeo criacutetica de

colaboraccedilatildeo com os profissionais das creches ateacute entatildeo tecidas com 4 educadoras de

uma das creches Finalizado o curso os pesquisadores pautaram suas intervenccedilotildees em 8

sessotildees reflexivas com os 23 coordenadores das 23 creches municipais nos anos de

2008 e de 2009

334 ndash Equipe de pesquisadores participantes do GP EFoPI no Periacuteodo 2006-2009

Como apresentado o grupo de pesquisa EFoPI tem como objetivo realizar

pesquisas nos contextos educativos de modo a contribuir com seus profissionais na

compreensatildeo e no encaminhamento de respostas agraves dificuldades inerentes ao cotidiano

educacional em especial naqueles que abrigam crianccedilas de 0 a 6 anos Por isso o

grupo realiza investigaccedilotildees com os profissionais no contexto da creche e natildeo sobre eles

De 2006 a 2009 o grupo contou com uma equipe de pesquisadores que incluiacutea

doutores doutorandos mestres mestrandos alunos de iniciaccedilatildeo cientiacutefica professores e

coordenadores aleacutem de pesquisadores colaboradores externos

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 121

ILKA SCHAPPER SANTOS

Quadro 09 ndash Coordenadores do GP EFoPI

2006

Equipe UFJF

Coordenaccedilatildeo do

Projeto

2007

Equipe UFJF

Coordenaccedilatildeo do

Projeto

2008

Equipe UFJF

Coordenaccedilatildeo do

Projeto

2009

Equipe UFJF

Coordenaccedilatildeo do

Projeto

Profa Dra Leacutea

Stahlschmidt P

Silva

Profa Ilka

Schapper Santos

Profa Dra Leacutea

Stahlschmidt P

Silva

Profa Ilka

Schapper Santos

Profa Dra Leacutea

Stahlschmidt P

Silva

Profa Ilka

Schapper Santos

Profa Dra Leacutea

Stahlschmidt P

Silva

Profa Ilka

Schapper Santos

Quadro 10 ndash Pesquisadores Doutores Doutorandos Mestres e Mestrandos

2006

Pesquisadores

Mestres e

Mestrandos

2007

Pesquisadores

Mestres e

Mestrandos

2008

Pesquisadores

Doutores

Doutorandos

Mestres e

Mestrandos

2009

Pesquisadores

Doutores

Doutorandos

Mestres e

Mestrandos

Profa Patriacutecia

Cestaro

Profa Nathalye

Nallon

Profa Ana Cristina

Costa

Profa Aretusa

Santos

Prof Pedro Gabriel

Profa Raquel

Lusardo

Profa Viviam

Arauacutejo

Profa Patriacutecia

Cestaro

Profa Nathalye

Nallon

Profa Ana Cristina

Costa

Profa Aretusa

Santos

Prof Pedro Gabriel

Profa Raquel

Lusardo

Profa Viviam

Arauacutejo

Profa Dra Hilda

Micarello

Profa Patriacutecia

Cestaro

Profa Ana Cristina

Costa

Profa Aretusa

Santos

Profa Raquel

Lusardo

Profa Viviam

Arauacutejo

Profa Nuacutebia

Schaper

Profa Alexsandra

Zanetti

Profa Nilceacuteia

Braga

Profa Maria

Cristina Amaral

Profa Claacuteudia

Bonfatti

Profa Luciana

Oliveira

Profa Denise

Rangel

Profa Dra Hilda

Micarello

Profa Patriacutecia

Cestaro

Profa Aretusa

Santos

Profa Raquel

Lusardo

Profa Viviam

Arauacutejo

Profa Nuacutebia

Schaper

Profa Alexsandra

Profa Marisley

Pereira

Profa Maritza

Abreu

Profa Luciana

Oliveira

Profa Denise

Rangel

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 122

ILKA SCHAPPER SANTOS

Quadro 11 ndash Alunos de Iniciaccedilatildeo Cientiacutefica

2006

2007

2008

2009

Celina Salgado

Flaacutevia Almeida

Michele Filgueiras

Carolina Arauacutejo

Ana Claacuteudia Santos

Celina Salgado

Flaacutevia Almeida

Michele Filgueiras

Carolina Arauacutejo

Ana Claacuteudia Santos

Marisley Pereira

Maritza Abreu

Michele Cardoso

Carolina Arauacutejo

Mariacutelia Almeida

Nataacutelia Martins

Michele Cardoso

Carolina Arauacutejo

Mariacutelia Almeida

Nataacutelia Martins

Mislene Nascimento

Quadro 12 ndash Pesquisadores Colaboradores

2006

2007

2008

2009

Profa Dra Fernanda

Coelho Liberali ndash

PUC-SP

Profa Dra Maria

Ceciacutelia Magalhatildees ndash

PUC-SP

Profa Dra Fernanda

Coelho Liberali

Profa Dra Maria

Ceciacutelia Magalhatildees

Profa Gisela

Pelizzoni ndash UFJF

Profa Dra Hilda

Micarello ndash UFJF

Profa Dra Alzira

Shimoura ndash PUC-SP

Profa Dra Fernanda

Coelho Liberali

Profa Dra Maria

Ceciacutelia Magalhatildees

Profa Dra Alzira

Shimoura

Profa Dra Fernanda

Coelho Liberali

Profa Dra Maria

Ceciacutelia Magalhatildees

Profa Dra Alzira

Shimoura

34 ndash Pesquisadores Focais do trabalho de Tese

Como consta nos quadros dos itens acima muitos pesquisadores marcaram

presenccedila nas intervenccedilotildees do GP EFoPI No entanto na discussatildeo dos resultados

analiso o discurso dos pesquisadores abaixo relacionados Os professores autorizaram

sua identificaccedilatildeo

Leacutea Stahlschmidt Pinto Silva mestre em Educaccedilatildeo pela Universidade Federal

do Rio de Janeiro e doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela

Universidade de Satildeo Paulo Eacute professora Associada I da Universidade Federal de Juiz

de Fora e coordena o GP EFoPI No momento seu objeto de estudo eacute a educaccedilatildeo

infantil com imersatildeo nas creches municipais de Juiz de Fora onde desenvolve um

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 123

ILKA SCHAPPER SANTOS

trabalho criacutetico reflexivo com os professores e educadores tendo como foco a

organizaccedilatildeo dos tempos e espaccedilos das creches para o desenvolvimento do brincar

Patriacutecia Maria Reis Cestaro mestre em Educaccedilatildeo pela Universidade Catoacutelica

de Petroacutepolis Tem cargo efetivo de professora da Prefeitura de Juiz de Fora tendo uma

vasta experiecircncia em gestatildeo escolar Atualmente compotildee o quadro de profissionais da

Secretaria de Educaccedilatildeo do Municiacutepio de Juiz de Fora atuando no Departamento de

Educaccedilatildeo Infantil Eacute pesquisadora desde 2005 do GP EFoPI tendo conduzido o

trabalho de quatro das doze sessotildees reflexivas realizadas no ano de 2006 Seu foco de

interesse no processo de pesquisa eacute a formaccedilatildeo em contexto

Hilda Aparecida Linhares da Silva Micarello mestre em Educaccedilatildeo pela

Universidade Federal de Juiz de Fora e doutora pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do

Rio de Janeiro Eacute professora Adjunta da Universidade Federal de Juiz de Fora e

Coordenadora de Linguagem do Centro de Poliacuteticas Puacuteblicas e Avaliaccedilatildeo da Educaccedilatildeo

(CAED) Participa do GP EFoPI tendo uma vasta experiecircncia em educaccedilatildeo infantil e

formaccedilatildeo de professores

Ilka Schapper mestre em Educaccedilatildeo pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do

Rio de Janeiro e doutoranda em Linguiacutestica Aplicada pelo Programa de Linguiacutestica

Aplicada e Estudos da Linguagem (LAEL ndash PUC-SP) Sou professora Adjunta II da

Universidade Federal de Juiz de Fora fui Proacute-Reitora Adjunta de Extensatildeo dessa

Universidade no periacuteodo de setembro de 2002 a marccedilo de 2006 Atuo como

Coordenadora do GP EfoPI tendo como aacutereas de interesse linguagem e argumentaccedilatildeo

formaccedilatildeo de professores e educaccedilatildeo infantil Uma apresentaccedilatildeo mais detalhada

encontra-se na introduccedilatildeo deste trabalho

35 ndash Procedimentos de produccedilatildeo-geraccedilatildeo coleta organizaccedilatildeo e armazenamento

dos dados

Nesta pesquisa os procedimentos de coleta produccedilatildeo organizaccedilatildeo e

armazenamento de dados seguem os preceitos do Comitecirc de Eacutetica da PUC-SP O leitor

pode ter certo estranhamento sobre as diferenccedilas dos termos usados Refiro-me agrave coleta

porque utilizo o banco de dados do GP EFoPI para proceder a investigaccedilatildeo Eacute

importante esclarecer que todas as informaccedilotildees que busquei no banco de dados tiveram

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 124

ILKA SCHAPPER SANTOS

minha participaccedilatildeo no momento em que foram produzidas Participei ativamente das

discussotildees teoacutericas dos planejamentos e dos encontros em todos os momentos das

investigaccedilotildees desenvolvidas pelo grupo de pesquisa no periacuteodo de 2006 a 2009 natildeo soacute

para contribuir nos trabalhos de pesquisa do GP EFoPI mas tambeacutem para construir o

meu trabalho de tese

O sintagma ldquoproduccedilatildeo-geraccedilatildeo de dadosrdquo estaacute ldquorelacionado agrave produccedilatildeo de

conhecimento cientiacutefico na acepccedilatildeo marxista desvinculado da ideia taylorista de

mecanizaccedilatildeordquo (Fuga 2009 p 111) Seu uso se deve ao fato de este trabalho estar

filiado ao paradigma criacutetico como mencionado na introduccedilatildeo deste capiacutetulo pois a

pesquisa aqui desenvolvida ldquoestaacute relacionada agrave compreensatildeo transformaccedilatildeo da

realidade por meio da reflexatildeo teoria e praacutetica ainda pelo vieacutes bakhtiniano de

linguagem ao dizer que o ser humano e sua palavra constituem o objeto fundamental

do conhecimentordquo (ibid)

O corpus utilizado foi pois construiacutedo-produzido por meio de gravaccedilotildees e

viacutedeos das sessotildees reflexivas e do curso de extensatildeo no acircmbito de uma das creches

puacuteblicas municipais e da UFJF Devido agrave riqueza e ao volume de registros produzidos

nos vaacuterios contextos da pesquisa selecionei alguns momentos em forma de excertos

que pudessem ilustrar e responder as questotildees deste trabalho no momento da anaacutelise e

interpretaccedilatildeo dos dados

O procedimento de produccedilatildeo e geraccedilatildeo dos dados da presente investigaccedilatildeo

ocorreu de marccedilo a dezembro de 2006 e de marccedilo a dezembro de 2009 por meio de trecircs

instrumentos 3 sessotildees reflexivas com 4 professoras de uma creche municipal da

AMAC 2 encontros do curso de extensatildeo e 1 sessatildeo reflexiva com as coordenadoras

das 23 creches do municiacutepio de Juiz de Fora Assim no proacuteximo quadro apresento uma

siacutentese dos instrumentos usados para a discussatildeo

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 125

ILKA SCHAPPER SANTOS

Quadro 13 ndash Siacutentese dos instrumentos usados para a discussatildeo

Para responder as questotildees de pesquisa constam nesses instrumentos dados relevantes para a

compreensatildeo do compartilhamento de sentidos e significados por meio da argumentaccedilatildeo no

movimento da Cadeia Criativa

Questotildees da Pesquisa

Como o processo da argumentaccedilatildeo desenvolvido entre pesquisadoras e educadoras

permite expor sentidos e significados sobre a brincadeira no movimento da cadeia

Quais argumentos contribuiacuteram para a produccedilatildeo de significado sobre o brincar no

movimento da Cadeia Criativa

Instrumentos Local de

ColetaProduccedilatildeo

3 sessotildees reflexivas com 4 professoras Uma creche municipal ndash

2006

2 encontros do curso de extensatildeo intitulado ldquoEspaccedilo de Reflexatildeo

Teoacuterico-Praacutetico em Contexto de Colaboraccedilatildeordquo com 23 as

coordenadoras das 23 creches municipais

Universidade Federal de

Juiz de Fora ndash 2007

1 sessatildeo reflexiva com as 23 coordenadoras das 23 creches

municipais

Universidade Federal de

Juiz de Fora ndash 2009

36 ndash Procedimentos de Anaacutelise e Interpretaccedilatildeo de Resultados

Nesta sessatildeo esclareccedilo ao leitor como procedi para analisar e interpretar os

dados desta tese Primeiro apresento as Categorias Linguiacutestico-Discursivas e as

Categorias de Interpretaccedilatildeo que seratildeo utilizadas para responder as perguntas da

pesquisa Para melhor compreensatildeo do leitor faccedilo uso de quadros que sintetizam os

elementos constitutivos de cada categoria

No campo das Ciecircncias Humanas o ser humano e sua palavra constituem objeto

fundante do conhecimento Suas ideias seus pontos de vista seus questionamentos e

explicaccedilotildees se concretizam por meio de enunciados verbais e extraverbais e em um

movimento dialeacutetico ao mesmo tempo em que produz esses enunciados eacute tambeacutem por

eles representados Na ausecircncia dos enunciados alheios e proacuteprios temos a ausecircncia do

objeto de estudo e do proacuteprio pensamento Pois como explica Amorim (2004 p 188)

ldquoo objeto de estudos torna-se sujeito sujeito falante autor do mesmo modo que aquele

que estudardquo

Bakhtin (1987) por meio de sua teoria enunciativa da linguagem permite pensar

a pesquisa em Ciecircncias Humanas numa perspectiva dialoacutegica Para ele ldquoo objeto das

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 126

ILKA SCHAPPER SANTOS

ciecircncias humanas eacute o ser expressivo e falanterdquo (p 395) Este natildeo deve ser portanto

concebido como objeto mas como um sujeito coparticipante coautor no processo de

pesquisa a qual deve se pautar na reflexatildeo-compreensatildeo com o sujeito da pesquisa e

natildeo sobre ele

Segundo Fuga (2009 p 115) ldquoos dados bdquofalam‟ ou seja apontam o caminho

para a compreensatildeo do problema investigado e por conseguinte uma possibilidade de

interferecircncia e transformaccedilatildeo na questatildeo abordadardquo Assim ldquoouvir os dadosrdquo na

perspectiva da LA implica sobremaneira a criaccedilatildeo de duas classes de categorias a

linguiacutestico-discursiva e a interpretativa Refletir sobre a linguagem no interior do

processo de pesquisa requer tecer um diaacutelogo entre esses dois tipos de categorias o que

possibilita identificar o movimento discursivo dos pesquisadores e participantes da

pesquisa na construccedilatildeo-produccedilatildeo do conhecimento Assim no proacuteximo item apresento

as categorias de anaacutelise

361 ndash Categorias de Anaacutelise

Para responder as questotildees desta pesquisa foram analisados como jaacute disse

anteriormente 3 sessotildees reflexivas com professores de uma creche municipal 2

encontros de um curso de extensatildeo e 1 sessatildeo reflexiva com os 23 coordenadores das

23 creches municipais Cada atividade selecionada foi nomeada na anaacutelise de

cronotopo da Cadeia Criativa (BakhtinVolochinov 1988) Dito de outro modo o

tempo e o espaccedilo em que ocorreu cada atividade constituem-se como elos no

movimento de anaacutelise da Cadeia Criativa Esse movimento foi fundamental para que

pudesse compreender a situaccedilatildeo de interaccedilatildeo bem como os aspectos que influenciaram

os enunciados produzidos

Na busca de compreender como ocorreu o compartilhamento de sentidos e

significados entre os professores e os demais participantes e para entender o papel da

argumentaccedilatildeo na construccedilatildeo-produccedilatildeo de conhecimento dos sujeitos nas atividades que

compotildeem o corpus desta tese apoacutes a seleccedilatildeo dos excertos foram identificados os

elementos que constituem a estrutura argumentativa (Liberali 2009) Esse levantamento

auxiliou na compreensatildeo do desenvolvimento do raciociacutenio por meio da apresentaccedilatildeo

de argumentoscontra-argumentos pontos de vista mediante uma questatildeo controversa

ou uma busca de se chegar a um acordo Esses elementos foram intitulados no quadro

das categorias de anaacutelise linguiacutestico-discursivas de marcas argumentativas I

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 127

ILKA SCHAPPER SANTOS

Jaacute as marcas da interaccedilatildeo (Liberali e Shimoura 2007) ndash questionamentos

instruccedilotildees explicaccedilotildees retomadas de vozes anteriores e colocaccedilatildeo e recolocaccedilatildeo de

problemas tambeacutem satildeo categorias linguiacutestico-discursivas que datildeo movimento agraves

interaccedilotildees verbais e possibilitam a continuidade do fluxo discursivo

Por fim nas marcas argumentativas 2 busco por meio dos tipos de argumentos

(Perelman amp Olbrechts-Tyteca 19702005) apreender os sentidos e os significados

compartilhados pelos pesquisadores e participantes Os tipos de argumentos satildeo

elementos discursivos utilizados pelos interlocutores na busca de compartilhamento de

um ponto de vista Assim eacute importante que levantemos o que chamei de marcas

linguiacutesticas materializadas nos operadores argumentativos e nos decirciticos pois por meio

delas podemos mapear os tipos de argumentos

Grosso modo os operadores argumentativos tecircm no texto a finalidade de

designar ldquocertos elementos da gramaacutetica de uma liacutengua que tecircm por funccedilatildeo indicar a

forccedila argumentativa dos enunciados a direccedilatildeo (o sentido) para o qual apontamrdquo

(Koch 19922004 p 30) Esses elementos argumentativos se materializam em

conjunccedilotildees conectivos e adveacuterbios A anaacutelise dos operadores argumentativos possibilita

mostrar a forccedila argumentativa dos enunciados dito de outro modo possibilita

compreender o sentido para o qual apontam pois eles introduzem nos enunciados

novos conteuacutedos semacircnticos

Jaacute os decirciticos tecircm no movimento textual a funccedilatildeo de ldquoapontarrdquo para o contexto

situacional Constituem-se como marcas linguiacutesticas que permitem inscrever no

enunciado as marcas da interaccedilatildeo que se materializam como uacutenicas e irrepetiacuteveis

Desse modo os decirciticos assinalam o sujeito que enuncia e o seu interlocutor (decircixis

pessoal) aleacutem de ldquoapontarrdquo qual eacute o tempo (decircixis temporal) e o espaccedilo (decircixis

espacial) da enunciaccedilatildeo Gramaticalmente os decirciticos de pessoa satildeo denominados

pronomes pessoais pronomes possessivos sufixos flexionais de pessoa-nuacutemero

vocativos os decirciticos temporais satildeo conhecidos na gramaacutetica como adveacuterbios

locuccedilotildees adverbiais ou expressotildees de tempo por fim os decirciticos espaciais satildeo

representados gramaticalmente pelos adveacuterbios ou locuccedilotildees adverbiais de lugar

Analisar no fluxo da interaccedilatildeo verbal a funccedilatildeo decircitica possibilita sinalizar para o

contexto situacional e para loacutecus argumentativo possibilitando uma reflexatildeo sobre as

pessoas do discurso e os tempos e espaccedilos da interlocuccedilatildeo

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 128

ILKA SCHAPPER SANTOS

Retomo a seguir as categorias linguiacutestico-discursivas que subsidiam a anaacutelise

desta tese sintetizando-as em quadros ilustrativos

3611 ndash Marcas da Interaccedilatildeo

As marcas da interaccedilatildeo estatildeo presentes nos mecanismos enunciativos e nos tipos

de interaccedilotildees apresentadas nas sessotildees reflexivas e nos encontros do curso de extensatildeo

questionamentos instruccedilotildees explicaccedilotildees retomadas de vozes e colocaccedilatildeo e recolocaccedilatildeo

de problemas A anaacutelise do movimento dessas marcas pode revelar como se estabeleceu

a relaccedilatildeo entre os participantes

Quadro 14 ndash Marcas da interaccedilatildeo

Marcas da Interaccedilatildeo

Elementos discursivos que possibilitam

a interaccedilatildeo Definiccedilatildeo

Questionamento Levanta e apresenta questotildees contidas ou

natildeo nas discussotildees Esta marca possibilita

fomentar a discussatildeo

Instruccedilatildeo Apresenta as orientaccedilotildees as diretrizes

presentes em momentos da discussatildeo que

pode ser seguidas ou natildeo dependendo da

credibilidade do orador

Explicaccedilatildeo Apresenta elementos que possibilitam

elucidar pontos ou questotildees natildeo

compreendidas pelo auditoacuterio

Retomada de vozes Pauta-se no uso de enunciados anteriores

de pessoas presentes ou no momento da

discussatildeo para dar credibilidade ao orador

Colocaccedilatildeo e recolocaccedilatildeo de problemas Apresenta ou resgata os elementos contidos

nas discussotildees em forma de situaccedilotildees-

problema que possibilitam geralmente a

ampliaccedilatildeo do debate Sua eficaacutecia depende

da credibilidade do orador diante da

audiecircncia

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 129

ILKA SCHAPPER SANTOS

3612 ndash Marcas Argumentativas 1

Focalizando a anaacutelise argumentativa Liberali (2009) explica que o movimento

argumentativo apresenta elementos caracteriacutesticos no interior de sua estrutura Com

base nessa reflexatildeo apresento no quadro a seguir os itens que compotildeem o fluxo da

argumentatividade

Quadro 15 ndash Marcas Argumentativas 1

Marcas Argumentativas 1

Movimento Argumentativo Definiccedilatildeo

Ponto de vista Modo como os interlocutores se

posicionam diante das questotildees e

discussotildees apresentadas Geralmente

possibilita aos interlocutores ampliarem

seus sentidos

Contra-argumento Pautado na contraposiccedilatildeo agrave tese

apresentada ou nos argumentos utilizados

para defendecirc-la

Questatildeo controversa Geralmente eacute uma questatildeo que coloca em

duacutevida a tese apresentada Esse

movimento fomenta a reflexatildeo criacutetica

pois abre para possibilidades outras

diferentes das apresentadas nas

discussotildees

Acordo Em uma avaliaccedilatildeo dos diferentes pontos

de vista apresenta a possibilidade de

resoluccedilatildeo das situaccedilotildees de conflitos e

tensotildees

3613 ndash Marcas Argumentativas 2

As marcas argumentativas 2 nesta tese estatildeo fundamentadas na releitura que fiz de

alguns tipos de argumentos tratados por Perelman e Olbrechts-Tyteka (19702005) na

obra Tratado da Argumentaccedilatildeo ndash a nova retoacuterica abordados na terceira parte do livro

A releitura se fez necessaacuteria por conta de historicamente essas teacutecnicas argumentativas

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 130

ILKA SCHAPPER SANTOS

estarem no loacutecus da argumentaccedilatildeo juriacutedica Busquei portanto inseri-las nas

especificidades do contexto da educaccedilatildeo infantil no interior das creches

Quadro 16 ndash Marcas Argumentativas 2

Marcas Argumentativas 2

Tipos de Argumentos que respaldam

o movimento argumentativo Definiccedilatildeo

Citaccedilatildeo

Teoacuterico Pode reforccedilar ou refutar a tese

defendida Sua forccedila argumentativa soacute

existe se tiver credibilidade

Autoridade A voz do outro pode ser seguida ou

natildeo pois depende da posiccedilatildeo que

ocupa

Fonte Precisa ser considerada coerente e

fidedigna pelo auditoacuterio

Definiccedilatildeo

Indica o sentidosignificado de algo a partir de suas

caracteriacutesticas observaacuteveis ou subjetivas Pode pautar-se

ainda em uma convenccedilatildeo estando assim isento de

julgamentos

Comparaccedilatildeo Confronta dois (ou mais) acontecimentos para estabelecer

distinccedilotildees oposiccedilotildees entre si

Pragmaacutetico

Possibilita apreciar um acontecimento ou um ato por meio de

suas consequecircncias presentes ou futuras tendo relevacircncia

direta para a accedilatildeo Este argumento geralmente estaacute pautado no

senso comum

Exemplo Quando accedilotildees ou acontecimentos passados satildeo retomados para

sustentar uma explicaccedilatildeo

3614 ndash Marcas Linguiacutesticas

As marcas linguiacutesticas satildeo aqui representadas por decirciticos espaciais temporais

e de pessoas e por operadores argumentativos como elementos que possibilitam apontar

o loacutecus do contexto situacional da interlocuccedilatildeo e a forccedila dos enunciados tecidos entre

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 131

ILKA SCHAPPER SANTOS

pesquisadores e participantes da pesquisa como jaacute mencionado Promovem um ingresso

no movimento argumentativo no fluxo da interaccedilatildeo verbal

Quadro 17 ndash Marcas Linguiacutesticas

Marcas Linguiacutesticas

Decirciticos espacial temporal e de pessoa

Operadores argumentativos

362 ndash Categorias de Interpretaccedilatildeo

As categorias de interpretaccedilatildeo foram criadas a partir dos conceitos de sentido e

significado (BakhtinVolochinov 1988 Vygotsky 19301991 19342001) ZPD como

zona de conflitos de criticidade e de colaboraccedilatildeo (Magalhatildees 2009 p 61) discurso

internamente persuasivo e discurso de autoridade (Bakhtin 1983) cronotopia e

exotopia (Bakhtin 1987) A seleccedilatildeo dessas categorias decorre da possibilidade de se

perceber por meio de sua anaacutelise como se processa o compartilhamento de sentidos e

significados na produccedilatildeo-construccedilatildeo do conhecimento no movimento da Cadeia

Criativa

Quadro 18 ndash Categorias de Interpretaccedilatildeo

Categorias de Interpretaccedilatildeo

Sentidos e significados

ZPD ndash zona de conflitos criticidade e colaboraccedilatildeo

Discurso internamente persuasivo e Discurso de autoridade

Cronotopia e Exotopia

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 132

ILKA SCHAPPER SANTOS

37 ndash Credibilidade neste Processo de Pesquisa

Eacute importante que qualquer pesquisa cientiacutefica seja submetida natildeo soacute agrave criacutetica dos

pares mas tambeacutem daqueles que tecircm posiccedilotildees contraacuterias agraves discussotildees debatidas no

interior da investigaccedilatildeo Diferentes olhares embates argumentativos que possibilitam

rever o trabalho revisitar posicionamentos e posturas e principalmente permitir o

levantamento de questotildees que geram inquietaccedilotildees quanto ao motivo de uma dada

escolha Essas posturas diante do processo de pesquisa conferem credibilidade ao

trabalho do pesquisador (Fuga 2009 p 122)

Segundo Fuga (2009) um dos processos necessaacuterios agrave confiabilidade no

processo de pesquisa eacute o engajamento prolongado do pesquisador no contexto de

pesquisa necessaacuterio para alcanccedilar os objetivos traccedilados Como jaacute explicitado estive

presente em todos os contextos em que esta pesquisa se insere nas sessotildees reflexivas

com as 4 professoras de uma das creches puacuteblicas municipais (2006) no planejamento e

execuccedilatildeo dos 10 encontros do curso de extensatildeo (2007) e das 8 sessotildees reflexivas

realizadas com as 23 coordenadoras das 23 creches municipais (2008-2009)

Esta pesquisa tambeacutem passou por discussotildees nos seminaacuterios de orientaccedilatildeo

principalmente discussotildees sobre dos aspectos teoacutericos metodoloacutegicos e sobre a anaacutelise

dos resultados Nesse espaccedilo os colegas mestrandos e doutorandos fizeram

questionamentos e deram contribuiccedilotildees para a estruturaccedilatildeo textual Tive ainda

orientaccedilatildeo e acompanhamento individual da minha orientadora em todos os momentos

da feitura desta tese

Aleacutem disso os dados produzidos no GP EFoPI material de anaacutelise deste

trabalho geraram textos acadecircmicos que foram apresentados em vaacuterios congressos

nacionais e internacionais e no acircmbito da PUC-SP e da UFJF o que desdobrou na

publicaccedilatildeo de artigos em importantes perioacutedicos de circulaccedilatildeo nacional No acircmbito do

LAEL ndash PUC-SP este estudo foi submetido a trecircs bancas de qualificaccedilatildeo cujas

sugestotildees e questionamentos permitiram mudanccedilas reorganizaccedilotildees e redefiniccedilatildeo de

questotildees Nos periacuteodos das qualificaccedilotildees pude discutir a abordagem teoacuterica a opccedilatildeo

metodoloacutegica e os procedimentos de anaacutelise e interpretaccedilatildeo dos dados Esse processo

permitiu que repensasse o percurso desta pesquisa em uma interlocuccedilatildeo calorosa com as

professoras doutoras que compuseram as bancas Alzira Shimoura Maria Ceciacutelia

Magalhatildees Maria Helena Pistori Mona Hawi e Wanda Aguiar Junqueira

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 133

ILKA SCHAPPER SANTOS

Por fim em 31 de agosto de 2009 a pesquisa foi aprovada pelo Comitecirc de Eacutetica

da PUC-SP Esse oacutergatildeo da PUC tem por objetivo resguardar os direitos e as imagens

dos participantes da investigaccedilatildeo A autorizaccedilatildeo desse Comitecirc foi registrada sob o

protocolo no 1942009 em anexo no final deste trabalho

Assim depois de ter tecido discussotildees que atravessam esta pesquisa referentes agrave

metodologia apresentarei no proacuteximo capiacutetulo a discussatildeo dos resultados por meio da

anaacutelise e interpretaccedilatildeo dos dados

ILKA SCHAPPER SANTOS

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO

Este capiacutetulo objetiva apresentar e discutir os resultados da pesquisa dialogando

com eles agrave luz dos fundamentos teoacuterico-metodoloacutegicos que sustentam esta tese para

responder as questotildees que orientam este trabalho a saber

Como o processo da argumentaccedilatildeo desenvolvido entre pesquisadores e educadores

permite expor sentidos e significados sobre a brincadeira no movimento da Cadeia

Criativa

Quais argumentos contribuiacuteram para a produccedilatildeo de significado sobre o brincar no

movimento da Cadeia Criativa

O capiacutetulo estaacute estruturado em trecircs partes tendo em vista a sequecircncia dos

cronotopos (Bakhtin 1983) no movimento da Cadeia Criativa A divisatildeo das partes em

cronotopos se justifica neste trabalho pela tentativa de situar o tempo-espaccedilo da

produccedilatildeo discursiva no interior das discussotildees tecidas entre pesquisadoras e educadoras

do GP EFoPI selecionada para a anaacutelise

Na primeira seccedilatildeo a discussatildeo se fixa nos excertos de 3 sessotildees reflexivas para

analisar a partir das perguntas da tese o processo reflexivo construiacutedo entre duas

pesquisadoras do GP EFoPI e quatro professoras participantes de uma das 23 creches do

municiacutepio de Juiz de Fora realizadas ao longo do ano de 2006 configurando o primeiro

cronotopo da Cadeia Criativa Estas sessotildees tiveram o objetivo de discutir o brincar

como eixo do trabalho docente com crianccedilas de dois e trecircs anos de idade

Em seguida abordo as interlocuccedilotildees tecidas entre o GP EFoPI e as 23

coordenadoras das 23 creches da AMAC do municiacutepio de Juiz de Fora no interior de

dois encontros do curso de extensatildeo intitulado ldquoEspaccedilo de Reflexatildeo Teoacuterico-Praacutetico em

Contexto de Colaboraccedilatildeordquo que expressam o segundo cronotopo Eacute importante

esclarecer que a escolha desses dois encontros se deu por conta da relaccedilatildeo dos temas

com este estudo (1) o terceiro encontro ldquoA Dimensatildeo Luacutedica na Crianccedila e na

Crecherdquo e (2) o quarto encontro ldquoA Dimensatildeo Luacutedica no Espaccedilo-Ambiente da Creche

reflexotildees sobre o brincarrdquo Por fim continuo o diaacutelogo entre as pesquisadoras e as

referidas coordenadoras por meio de uma nova sessatildeo reflexiva

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 135

ILKA SCHAPPER SANTOS

Em todos os cronotopos haacute subseccedilotildees que traduzem um agrupamento de

excertos circunscritos a uma mesma temaacutetica Os tiacutetulos dessas subseccedilotildees satildeo nomeados

a partir da atividade desenvolvida no interior das interaccedilotildees vivenciadas pelo grupo

41 ndash 1ordm Cronotopo da Cadeia Criativa ndash Sessotildees reflexivas com pesquisadoras do

GP EFoPI e educadoras da creche

As sessotildees reflexivas com as pesquisadoras do GP EFoPI e educadoras de uma

das 23 creches do municiacutepio de Juiz de Fora foram planejadas no interior das reuniotildees

de pesquisa para compreender criticamente o lugar das brincadeiras de faz de conta no

universo da creche buscando observar o desenvolvimento das experiecircncias infantis

orientadas pelo educadorprofessor O diaacutelogo nas sessotildees foi tecido a partir da

observaccedilatildeo de atividades filmadas de outras educadoras e das proacuteprias professoras que

tiveram como eixo a brincadeira de faz de conta Os encontros com as educadoras

subsidiaram as discussotildees tecidas no curso de extensatildeo e nas sessotildees reflexivas com as

coordenadoras das 23 creches do municiacutepio (cronotopos 2 e 3 da cadeia criativa)

Em todo o movimento da cadeia criativa formada pelas pesquisadoras e

profissionais das creches as participantes buscavam discutir como a disposiccedilatildeo dos

brinquedos e as brincadeiras desenvolvidas podiam ser elementos de aprendizagens

relevantes e de reconstruccedilatildeo do real pela crianccedila

411 ndash 1ordf Sessatildeo Reflexiva Analisada ndash dia 14 de agosto de 2006

Os trecircs primeiros excertos selecionados para este capiacutetulo de anaacutelise foram

retirados da segunda sessatildeo reflexiva com as quatro professoras de uma das creches

municipais que trabalham com crianccedilas de dois e trecircs anos de idade e duas

pesquisadoras do GP EFoPI em 14 de agosto de 2006 na sala de reuniotildees da creche O

objetivo da sessatildeo era discutir o lugar do luacutedico na educaccedilatildeo infantil tendo como

referente um viacutedeo em que uma professora desenvolve duas atividades luacutedicas com

crianccedilas de quatro anos de idade

Na primeira atividade do viacutedeo a professora pega uma caixa de blocos loacutegicos29

e vai mostrando o material para as crianccedilas enquanto solicita que o grupo de alunos

29 Constitui-se de 48 peccedilas que combinam quatro atributos em cada uma sendo

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 136

ILKA SCHAPPER SANTOS

responda quais as formas (quadrado ciacuterculo triacircngulo e retacircngulo) as cores (vermelho

amarelo e azul) os tamanhos (grande pequeno) e as espessuras (grosso e fino) Na

segunda atividade a professora entrega pedaccedilos de papeizinhos com as formas

geomeacutetricas dos blocos loacutegicos e solicita agraves crianccedilas que montem desenhos a partir

delas mas com um referente definido com o ciacuterculo fazer um sol por exemplo

Vejamos o 1ordm fragmento em que a pesquisadora solicita agraves professoras a

descriccedilatildeo de uma atividade

1ordm Excerto

(1) Leacutea Noacutes vamos assistir agora agrave atividade e vocecircs descrevam a atividade Sabe o

que que eacute descrever neacute Eacute escrever o que viu na atividade Eu queria uma atividade de

brincadeira com as crianccedilas certo Eu vou dar uma sugestatildeo de como escrever o que

que vocecircs viram vocecircs vatildeo descrever o que que a professora fez o que que o aluno

fez o que que vocecircs viram no viacutedeo Vamos Eacute soacute vocecircs descreverem

A pesquisadora espera as professoras finalizarem as descriccedilotildees da cena vista no

viacutedeo e depois solicita que elas iniciem a descriccedilatildeo

(2) Leacutea Entatildeo vamos laacute quem gostaria de comeccedilar e estar comentando e descrevendo

o que que viu nessa atividade que vocecircs assistiram no viacutedeo

(3) Claacuteudia Eu percebi que a professora trabalhou de forma luacutedica diversos

conteuacutedos como a matemaacutetica atraveacutes dos alunos manipularem blocos loacutegicos

observando formas e cores a linguagem oral e escrita onde cada um procurou criar

variados objetos deixando transparecer a importacircncia do brincar na educaccedilatildeo infantil

(4) Leacutea Vamos laacute Vocecirc professora Mirela

(5) Mirela eacute eu tambeacutem observei que a professora deixou as crianccedilas muito livres

naquela hora que ela estaacute trabalhando as figuras geomeacutetricas aiacute trabalhou as cores

trabalhou assim deixou as crianccedilas falarem oralmente livremente cada transformaccedilatildeo

ali que eles estavam transformando E eu achei interessante tambeacutem na hora em que a

menina falou - Isso daqui eacute um papagaio Aiacute ela (a professora) falou assim - Natildeo

Tamanho (grande e pequeno)

Cor (amarelo azul e vermelho)

Forma (ciacuterculo quadrado triacircngulo e retacircngulo)

Espessura (grosso e fino)

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 137

ILKA SCHAPPER SANTOS

parece uma casa natildeo Aiacute vocecirc vecirc assim que interessante a crianccedila quando ela fala que

eacute uma coisa como que ela visualiza aquilo

(6) Fabiana Eacute eu tambeacutem vi que ela trabalhou as cores as formas dentro da

linguagem matemaacutetica tambeacutem A liberdade que ela deu agraves crianccedilas cada um com as

suas formas geomeacutetricas elas criaram tiveram a criatividade foi um momento de

desenvolver a criatividade deles natildeo foi aquela coisa presa eles fizeram livremente

No exoacuterdio30

(introduccedilatildeo do discurso que tem como objetivo conquistar a

simpatia do auditoacuterio) do excerto acima a pesquisadora (1) faz a apresentaccedilatildeo do

partitio ndash o plano a seguir a) Noacutes vamos assistir agora a atividade e vocecircs descrevam a

atividade e b) depois expotildee como deve ser feita a descriccedilatildeo da cena analisada Eu vou

dar uma sugestatildeo de como escrever o que que vocecircs viram vocecircs vatildeo descrever o

que que a professora fez o que que o aluno fez o que que vocecircs viram no viacutedeo

Vamos gente Eacute soacute vocecircs descreverem Aleacutem da apresentaccedilatildeo do discurso o exoacuterdio

tem a funccedilatildeo segundo Reboul (2004 p 55) de apresentar o assunto e projetar o ethos

do orador Isso eacute feito com o uso da funccedilatildeo faacutetica que busca uma adesatildeo inicial por

parte do auditoacuterio

O fragmento (1) ldquoNoacutes vamos assistir agora a atividaderdquo sinaliza o grau de

implicaccedilatildeo que a oradora deseja imprimir ao discurso expresso com o uso do pronome

pessoal na primeira pessoal do plural ldquonoacutesrdquo Depois a pesquisadora continua o turno

dizendo ldquoe vocecircs descrevam a atividaderdquo Para solicitar a tarefa ao auditoacuterio a

pesquisadora faz uso do pronome ldquovocecircsrdquo e tambeacutem faz uso do verbo descrever no

imperativo afirmativo (ldquodescrevamrdquo) que exprime uma solicitaccedilatildeo uma ordem Fica

claro assim que a descriccedilatildeo seraacute feita pelas professoras participantes

Eacute interessante notar que a pesquisadora no exoacuterdio pede agraves professoras para

assistirem e descreverem o que viram na cena depois anuncia que daraacute uma sugestatildeo de

como elas devem descrever Para isso solicita exemplos ldquoo que que a professora fez

o que que o aluno fezrdquo No entanto natildeo satildeo levantados questionamentos sobre a

estrutura do que seja descriccedilatildeo de uma atividade envolvendo a brincadeira Ao contraacuterio

disso a pesquisadora levanta questotildees geneacutericas sem formular questionamentos ou

fornecer exemplos que possam orientar as professoras na realizaccedilatildeo da tarefa

30 Do latim exordire (ldquocomeccedilarrdquo)

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 138

ILKA SCHAPPER SANTOS

Em seguida a oradora finaliza o turno dizendo ldquoEacute soacute vocecircs descreveremrdquo Esse

argumento tem para o auditoacuterio um efeito de hierarquia pois a orientaccedilatildeo eacute algo a ser

seguido Na cena enunciativa isso se presentifica com o uso do adjetivo ldquosoacuterdquo

mostrando que as professoras tecircm que fazer apenas isso uma descriccedilatildeo

Em siacutentese o turno (1) mostra que a pesquisadora pretende fazer com que as

educadoras a partir da descriccedilatildeo da cena na sessatildeo reflexiva consigam ter elementos

para refletir sobre o lugar do luacutedico da brincadeira na educaccedilatildeo infantil Essa mediaccedilatildeo

revela a interpretaccedilatildeo da pesquisadora das etapas do processo criacutetico reflexivo propostas

por Smyth (1992) e a busca de trazer para o diaacutelogo com as professoras questotildees

relacionadas ao momento do descrever Apesar de estar relacionada com essa etapa do

processo criacutetico reflexivo natildeo haacute desdobramentos de questotildees que possibilitem agraves

professoras participantes fazerem um detalhamento do que viram no viacutedeo

Segundo Liberali (2008) o levantamento de alguns elementos auxilia na

elaboraccedilatildeo de uma descriccedilatildeo detalhada do contexto de produccedilatildeo e pode servir de base

para um futuro confrontar Neste caso poderiam se constituir recursos para confrontar

as praacuteticas das salas de atividades de educaccedilatildeo infantil apresentaccedilatildeo do contexto de

produccedilatildeo da atividade mapeamento de quem satildeo os envolvidos na cena analisada o

tipo de atividade desenvolvida faixa etaacuteria e nuacutemero de crianccedilas assunto abordado

interaccedilatildeo crianccedilacrianccedila e adultocrianccedila caracteriacutesticas da sala de atividade como e

em que periacuteodo a atividade foi desenvolvida como a atividade se processou

apresentaccedilatildeo do tema a ser desenvolvido que tipo de trabalho foi desenvolvido ndash em

grupo em dupla individualmente ndash como os alunos atuaram durante a atividade como

os alunos responderam as questotildees levantadas pela professora e demais colegas e o que

os alunos e a professora disseramfizeram no decorrer da atividade Essas seriam

algumas das questotildees que a pesquisadora poderia levantar para orientar as professoras

na descriccedilatildeo da cena do viacutedeo

Apesar de natildeo especificar a tarefa a pesquisadora tem o intuito de que as

professoras descrevam a cena para promover o debate sobre as estrateacutegias que a

educadora do viacutedeo utilizou para promover a atividade luacutedica com crianccedilas pequenas

No turno (3) a professora Claacuteudia inicia seu discurso dizendo ldquoEu percebi que a

professora trabalhou de forma luacutedica diversos conteuacutedosrdquo com isso anuncia que seu

discurso estaraacute pautado na sua percepccedilatildeo do que foi visto e natildeo na descriccedilatildeo da

atividade Desse modo a educadora apenas menciona o que notou na cena de modo

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 139

ILKA SCHAPPER SANTOS

mais superficial sem respaldar seus argumentos em um detalhamento do contexto de

produccedilatildeo da atividade desenvolvida no viacutedeo

A professora Mirela por sua vez inicia seu turno dizendo (5) ldquoEacute observei

tambeacutemrdquo mostrando a partir do adveacuterbio ldquotambeacutemrdquo que percebeu da mesma forma que

a professora Claacuteudia depois amplia especificando seu argumento Na explicaccedilatildeo a

educadora insere mais um dado para o que entende sobre a importacircncia do brincar na

educaccedilatildeo infantil Com o adjetivo ldquolivresrdquo e a expressatildeo ldquotrabalhou de forma luacutedica

diversos conteuacutedosrdquo procura sinalizar que a educadora do viacutedeo priorizou o trabalho

com o luacutedico No entanto faz uso do argumento pragmaacutetico relacionando o movimento

da ludicidade com os conteuacutedos da matemaacutetica e da linguagem oral e escrita ldquocomo a

matemaacutetica atraveacutes dos alunos manipularem blocos loacutegicos observando formas e

cores a linguagem oral e escrita onde cada um procurou criar variados objetosrdquo O

uso desse recurso argumentativo permitiu agrave educadora apreciar acontecimentos segundo

suas consequecircncias buscando mostrar sua importacircncia direta na accedilatildeo da cena analisada

No entanto a forma como tece as relaccedilotildees entre os acontecimentos e suas

consequecircncias sinaliza para uma concepccedilatildeo de brincar estruturada sob a oacutetica do

conhecimento sistematizado desenvolvimento loacutegico matemaacutetico e linguagem

destacando formas e cores e linguagem oral e escrita respectivamente Nesse momento

a professora compartilha um significado cristalizado do brincar qual seja aquele

vinculado a um atividade escolarizada com o vistas agrave aprendizagem de conteuacutedos

especiacuteficos

Depois Mirela explica que ao manipularem os materiais como por exemplo os

blocos loacutegicos as crianccedilas estavam em processo de transformaccedilatildeo ldquodeixou as crianccedilas

falarem oralmente livremente cada transformaccedilatildeo ali neacute que eles estavam

transformandordquo Para explicar esse processo de transformaccedilatildeo na atividade que julgou

luacutedica a professora usa outro argumento de exemplo agora pautado em uma cena do

viacutedeo ldquoE eu achei interessante tambeacutem na hora em que a menina falou - Como que

eacute Isso daqui eacute um papagaio Aiacute ela (a professora do viacutedeo) falou assim - Natildeo parece

uma casa natildeo Aiacute vocecirc vecirc assim que interessante a crianccedila quando ela fala que eacute

uma coisa como que ela visualiza aquilordquo Na explicaccedilatildeo a partir do argumento de

exemplo a professora exemplifica com a afirmativa da crianccedila ldquoIsso daqui eacute um

papagaiordquo depois explica que ldquointeressante a crianccedila quando ela fala que eacute uma

coisa como que ela visualiza aquilordquo Ao usar o qualificativo ldquointeressanterdquo em dois

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 140

ILKA SCHAPPER SANTOS

momentos do argumento de exemplo a professora em um primeiro movimento avalia o

exemplo antes mesmo de relataacute-lo e depois reforccedila sua avaliaccedilatildeo para concluir que a

crianccedila a partir de um dado objeto o transforma em outro Mas natildeo se posiciona diante

da assertiva da professora do viacutedeo que questiona ldquoNatildeo parece uma casa natildeordquo

Eacute sim interessante perceber que a professora Mirela havia dito no fragmento

ldquopercebi que a professora deixou as crianccedilas muito livresrdquo e paradoxalmente o

exemplo que ela utilizou contradiz sua fala pois a professora do viacutedeo natildeo considera o

enunciado da crianccedila ldquoIsso daqui eacute um papagaiordquo mas reforccedila sua proacutepria

compreensatildeo do objeto representado ou seja uma casa No fluxo discursivo da

educadora notamos que sua fala vai de encontro ao processo da descriccedilatildeo

No turno (6) a professora Fabiana enuncia ldquoEacute eu tambeacutem vi que ela

trabalhou as cores as formas dentro da linguagem matemaacutetica tambeacutem A liberdade

que ela deu agraves crianccedilas cada um com as suas formas geomeacutetricas eles criaram

tiveram a criatividade foi um momento de desenvolver a criatividade deles natildeo foi

aquela coisa presa eles fizeram livrementerdquo Na fala de Fabiana reaparece o adveacuterbio

ldquotambeacutemrdquo para confirmar as observaccedilotildees das duas outras professoras retomando a

assertiva com o argumento de exemplo que a professora trabalhou os conhecimentos

matemaacuteticos Mas Fabiana introduz no seu argumento o substantivo ldquocriatividaderdquo

para explicar que a atividade foi desenvolvida pela professora do viacutedeo de forma

criativa No entanto natildeo faz uso de elementos discursivos que esclareccedilam os sentidos-

significados que ela professora atribui agrave criatividade

O 1ordm excerto revela uma contradiccedilatildeo latente na fala das professoras participantes

nas relaccedilotildees que estabelecem entre os binocircmios luacutedicolivre luacutedicocriatividade e

luacutedicoconteuacutedos diversos (em especial os conteuacutedos de linguagem e da matemaacutetica)

Os dois primeiros estatildeo atrelados ao luacutedico como reconstruccedilatildeo do real como

possibilidade de as crianccedilas anteciparem papeacuteis sociais e o terceiro ao luacutedico como

instrumento de aprendizagem dos conteuacutedos escolares

Embora na sessatildeo reflexiva haja um espaccedilo para que todos se coloquem a partir

da indagaccedilatildeo da pesquisadora cria-se um fosso entre os diaacutelogos tecidos pelas

coordenadoras e o silecircncio da pesquisadora sobre suas concepccedilotildees em relaccedilatildeo ao luacutedico

e ao brincar Esse silecircncio inviabilizou trazer para o espaccedilo enunciativo elementos de

tensatildeo conflitos e possibilidade de transformaccedilatildeo dos significados rotinizados que as

educadoras compartilharam sobre a temaacutetica Assim a ausecircncia de contrapalavras de

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 141

ILKA SCHAPPER SANTOS

reacuteplicas das pesquisadoras (BakhtinVolochinov 1988) em relaccedilatildeo aos significados que

as coordenadoras trouxeram na sessatildeo impossibilitou que a atividade fosse

desenvolvida por meio da colaboraccedilatildeo criacutetica (Magalhatildees 2009)

Nas cenas discursivas natildeo se chega a uma base de sustentaccedilatildeo comum Em

outras palavras podemos inferir que as relaccedilotildees tecidas nesses turnos estatildeo pautadas nas

praacuteticas rotinizadas das professoras sem que se produzam questotildees de fundo teoacuterico ou

a argumentaccedilatildeo para a formaccedilatildeo de conceitos Podemos perceber no movimento

discursivo uma dificuldade das pesquisadoras em levantarem a partir dos sentidos

trazidos pelas professoras naquela comunidade semioacutetica questionamentos que

pudessem gerar duacutevidas polecircmicas em relaccedilatildeo ao estabelecido e ao rotinizado

Isso fica expliacutecito quando as educadoras lanccedilam matildeo de argumentos de exemplo

e argumentos pragmaacuteticos estruturados a partir do que assistiram no viacutedeo e de suas

experiecircncias profissionais (ie por trecircs vezes destacaram que a professora do viacutedeo

estava trabalhando a matemaacutetica ndash cores formas ndash e em dois momentos do discurso

disseram que a atividade possibilitava o desenvolvimento da linguagem) A reincidecircncia

desses argumentos nas falas sinaliza que os sentidos das professoras sobre o luacutedico e

sua materializaccedilatildeo na sala de atividade de educaccedilatildeo infantil satildeo muito parecidos Aleacutem

disso a circularidade argumentativa sem intervenccedilatildeo das pesquisadoras inviabiliza que

significados outros possam emergir no fluxo da interaccedilatildeo verbal

Em resumo neste excerto a pesquisadora faz questionamentos para fomentar a

tarefa no entanto natildeo especifica o que deve ser descrito e natildeo usa argumentos de

exemplo para esclarecer sobre o que deve ser feito Com isso as professoras tecem

descriccedilotildees e narrativas geneacutericas

Passemos agora para a anaacutelise do 2ordm trecho selecionado da mesma sessatildeo

reflexiva momento em que as pesquisadoras procuram possibilitar um espaccedilo de

compartilhamento dos significados trazidos pelas professoras sobre o brincar em

especial a relaccedilatildeo entre material concreto e o desenvolvimento de atividades luacutedicas

2ordm Excerto

(7) Patriacutecia Entatildeo vocecircs jaacute falaram mais ou menos o descrever E aiacute qual eacute o foco da

apresentaccedilatildeo do conteuacutedo da atividade Assim o que que ela quis estar mostrando

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 142

ILKA SCHAPPER SANTOS

com essa atividade ali (do viacutedeo)

(8) Mirela De forma luacutedica as cores e as formas geomeacutetricas mesmo e aiacute associou

cores com formas

(9) Claacuteudia E tambeacutem expressatildeo oral jaacute que ela foi nas mesas perguntando

(10) Leacutea Esperem aiacute um minutinho Vocecircs concordam com a Mirela Com o que a

Mirela disse Que eacute de forma luacutedica

(11) Claacuteudia Eu concordo porque as crianccedilas estavam aprendendo e brincando ao

mesmo tempo elas brincaram com brinquedos loacutegicos que eacute um recurso brincar com

brinquedos loacutegicos que motiva bastante a imaginaccedilatildeo delas

(12) Leacutea O que que te levou a dizer que motiva bastante a imaginaccedilatildeo deles O que

que no viacutedeo Claacuteudia te mostra que as crianccedilas estatildeo imaginando

(13) Claacuteudia O brincar com o material que a professora deixou que eles fossem

manipulando de acordo com o que iam manipulando

(14) Leacutea Qual material vocecirc estaacute falando

(15) Claacuteudia Os blocos loacutegicos

(16) Leacutea O que faz com que vocecirc ache que a atividade foi uma atividade luacutedica

(17) Claacuteudia Por manipular o concreto por estarem manipulando o concreto

(18) Leacutea Entatildeo vocecirc pensa que toda vez que as pessoas pensam que toda vez que

vocecirc trabalha com material concreto eacute luacutedico

(19) Mirela Eacute porque a gente trabalha assim

(20) Leacutea Toda vez que vocecircs trabalham com material concreto eacute luacutedico

(21) Mirela Eacute luacutedico

(22) Leacutea O trabalhar com material concreto eacute luacutedico para vocecircs

(23) Mirela eacute pra a gente aqui eacute

No primeiro fragmento do turno (7) a pesquisadora Patriacutecia inicia o enunciado

dizendo ldquoentatildeo vocecircs jaacute falaram mais ou menos o descrever rdquo Com a locuccedilatildeo

adverbial ldquomais ou menosrdquo avalia de forma modalizada que as professoras natildeo

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 143

ILKA SCHAPPER SANTOS

conseguiram estruturar a descriccedilatildeo da cena assistida Apesar de sinalizar que

descreveram ldquomais ou menosrdquo a cena do viacutedeo a pesquisadora natildeo mostra

discursivamente o que entatildeo as professoras fizeram aleacutem disso natildeo daacute indicativos de

como fazer

Depois a pesquisadora centraliza seus questionamentos com perguntas para a

explicaccedilatildeo ldquoE aiacute qual eacute o foco da apresentaccedilatildeo do conteuacutedo da atividade Assim o

que que ela quis estar mostrando com essa atividade alirdquo Assim as professoras satildeo

chamadas a refletirem sobre o conteuacutedo da atividade e a pensarem sobre os objetivos

que a professora do viacutedeo desejava alcanccedilar As professoras participantes retomam os

argumentos do recorte anterior e reafirmam a tese de que a professora trabalhou de

forma luacutedica usando os mesmos argumentos de exemplo e pragmaacutetico Isso se revela

nos turnos (8) e (9) quando voltam a relacionar o luacutedico com os conteuacutedos matemaacuteticos

e os conteuacutedos de linguagem

Para as pesquisadoras a definiccedilatildeo de um campo comum sobre o que as

professoras entendem como um trabalho pautado na atividade luacutedica eacute essencial para a

discussatildeo que pretendem tecer com as educadoras Por isso no turno (10) Leacutea levanta

os questionamentos ldquoVocecircs concordam com a Mirela Com o que a Mirela disse que

eacute de forma luacutedicardquo O que estaacute em jogo eacute a busca de um significado compartilhado

sobre o brincar mas como as pesquisadoras natildeo se posicionaram no campo

argumentativo sobre as concepccedilotildees do GP EFoPI relativas agrave brincadeira na educaccedilatildeo

infantil a discussatildeo fica fundada apenas na retomada da fala anterior de Mirela Mais

uma vez natildeo se cria um espaccedilo de polecircmica com contra-argumentos que possam gerar

uma crise nos significados estratificados

No turno (16) a pesquisadora faz um questionamento que exige

explicaccedilatildeoraciociacutenio ldquoo que faz com que vocecirc ache que a atividade foi uma atividade

luacutedicardquo Ao tecer esse questionamento a pesquisadora busca propiciar um espaccedilo de

ampliaccedilatildeo dos argumentos das professoras procurando fazer emergir outros sentidos e

conhecimentos cotidianos que elas possam vir a ter sobre o luacutedico A professora Claacuteudia

(17) explica que ldquopor manipular o concreto por estarem manipulando o concretordquo a

atividade pode ser considerada luacutedica Essa explicaccedilatildeo leva a pesquisadora a retomar o

enunciado da professora (18) ldquoentatildeo vocecirc pensa que toda vez que as pessoas

pensam que toda vez que vocecirc trabalha com material concreto eacute luacutedicordquo Essa

retomada por meio de um questionamento tem a funccedilatildeo de produzir uma definiccedilatildeo

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 144

ILKA SCHAPPER SANTOS

sobre os saberes das educadoras em relaccedilatildeo agrave diacuteade luacutedicoconcreto mas como natildeo estaacute

elaborado para tal soacute alcanccedila confirmaccedilatildeo e natildeo uma definiccedilatildeo Isso ocorreu porque

natildeo foi solicitado diretamente agraves participantes o conceito de luacutedico adotado natildeo

promovendo um espaccedilo em que elas pudessem tecer consideraccedilotildees sobre a ludicidade

Aleacutem disso as proacuteprias pesquisadoras natildeo trazem seus sentidos-significados sobre a

temaacutetica

Na sua resposta Mirela (19) usa o sintagma nominal ldquoa genterdquo (no lugar do

pronome de primeira pessoa do plural ldquonoacutesrdquo) ressaltando o grau de implicaccedilatildeo de todas

as professoras da creche em um trabalho que veicula o luacutedico ao material concreto

Aqui os significados referem-se aos conteuacutedos instituiacutedos (Aguiar e Ozella 2006) que

foram sendo apropriados pelas professoras a partir de suas praacuteticas docentes na

interlocuccedilatildeo com os demais profissionais da creche

Diante da assertiva da professora a pesquisadora repete o questionamento nos

turnos (20) ldquotoda vez que vocecircs trabalham com material concreto eacute luacutedicordquo e (22)

ldquotrabalhar com material concreto eacute luacutedico para vocecircsrdquo deixando transparecer seu

estranhamento com a tese da educadora da creche Em resposta a educadora reafirma a

tese de que o trabalho com o material concreto eacute um trabalho luacutedico ndash (23) ldquoeacute pra a

gente aqui eacuterdquo ndash sinalizando por meio do uso do adveacuterbio de lugar ldquoaquirdquo como decircitico

espacial que na creche essa concepccedilatildeo prevalece Haacute uma revelaccedilatildeo de cisatildeo em seu

discurso que separa ldquoa gente aqui rdquo remetendo-se agraves professoras da creche e excluindo

as pesquisadoras do seu discurso Essa cisatildeo desvela um distanciamento entre os saberes

das professoras no cotidiano da creche e os saberes da universidade natildeo criando zonas

de sentido que pudessem desestabilizar as significaccedilotildees apresentadas

Apesar de a pesquisadora questionar a concepccedilatildeo de que todo trabalho com

material concreto eacute luacutedico a reincidecircncia de seus questionamentos natildeo traz para cena

discursiva neste excerto argumentos baseados na teoria para refutar a tese das

professoras Isso porque as pesquisadoras natildeo esclarecem natildeo compartilham seus

proacuteprios significados sobre o luacutedico construiacutedos-produzidos no GP EFoPI aleacutem de natildeo

criarem contra-argumentos a partir dos pontos de vista das professoras Mais uma vez

natildeo se cria uma zona de conflitos tensotildees e por conseguinte uma zona de colaboraccedilatildeo

criacutetica (Magalhatildees 2009) entre os participantes que pudesse promover um

compartilhamento de significados e produccedilatildeo-construccedilatildeo de conhecimentos gerados na

siacutentese dialeacutetica entre teoria e praacutetica

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 145

ILKA SCHAPPER SANTOS

A ausecircncia de um contexto colaborativo inviabilizou inaugurar um espaccedilo em

que os participantes tivessem a possibilidade de tornar seus processos mentais mais

claros em que pudessem demonstrar e explicar esses processos no fluxo da interaccedilatildeo

verbal Assim natildeo houve ruptura nos sentidos-significados trazidos pelas professoras

ficando estes inscritos agraves esferas anteriores em que foram produzidos

Vejamos entatildeo na sequecircncia da sessatildeo reflexiva em anaacutelise um trecho em que

a discussatildeo se volta para a forma como a professora interveacutem nas accedilotildees das crianccedilas

3ordm Excerto

(24) Leacutea Agora pensando mais na atividade seguinte e natildeo naquela dos blocos

loacutegicos eacute vamos pensar mais um pouquinho pensando neacute descrevendo analisando o

que a professora fez Vocecircs disseram que as crianccedilas estavam livres para imaginarem o

que quisessem

(25) Fabiana eacute dos papeizinhos Porque a partir do momento em que ela colocou as

formas geomeacutetricas em cima da mesa antes dela intervir eles poderiam mostrar o que

eles quisessem eles estavam livres para mostrar o que eles quisessem Eu soacute achei

assim que na hora em que ela comeccedilou a intervir em que ele (o aluno) ia montar a

casa nem eacute assim uma criacutetica porque agraves vezes eu faccedilo isso tambeacutem por querer que

seja o sol sem deixar que seja uma casa ou palhaccedilo

(26) Mirela mas eu acho que de toda forma mesmo com ela intervindo a crianccedila ela

estava brincando em uma atividade luacutedica porque ateacute o momento em que eles (os

alunos) estavam manipulando o papel eles estavam do jeito deles colocavam ali

colocavam aqui na hora em que ela (a professora) chegou fez a intervenccedilatildeo da forma

que ela achava que era o melhor Por quecirc Porque fica muito abstrato vocecirc colar uma

coisa que a crianccedila fez no caderno sem um contexto fica fora de esteacutetica vocecirc colar no

caderno uma obra da crianccedila na visatildeo da professora com o quadrado aqui o ciacuterculo ali

(27) Leacutea na visatildeo da esteacutetica

(28) Leacutea deixa eu ver se eu entendi entatildeo Mirela Vocecirc disse entatildeo que a orientaccedilatildeo

da professora eacute de que fizessem alguma coisa que depois fossem colar no caderno

vocecirc fala nessa questatildeo da esteacutetica que vocecirc acha que a professora fez bem que a

professora agiu corretamente em estar orientando o lugar de pocircr o sol perguntando se

depois fazia alguma coisa porque depois na hora de colar no caderno precisaria ter

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 146

ILKA SCHAPPER SANTOS

uma certa esteacutetica

(29) Mirela natildeo vocecirc entendeu errado Eu disse que ela agiu deixando as crianccedilas

brincarem ludicamente deixando fazer o que queriam soacute que na hora de colar no

caderno ela se preocupou com a esteacutetica de quem vai ver Porque quem vai ver vai

olhar e falar assim ldquonossa por que vocecirc colou um ciacuterculo aqui e um triacircngulo alirdquo

Agora se ela juntasse colocasse um sol em cima um triacircngulo e um quadrado

embaixo esteticamente estaacute mais bonito O pai quando olhar vai dizer ldquonossa meu

filho que bonito vocecirc realmente fez uma casardquo Agora tudo separado o que que o pai

vai ver em casa ldquonossa filho vocecirc colou assim por que vocecirc natildeo juntourdquo Eu acho

que a preocupaccedilatildeo da professora foi isso

(30) Leacutea e a preocupaccedilatildeo sua qual seria Como vocecirc faria

Neste excerto a pesquisadora procura ampliar o debate a partir das atividades

analisadas Para isso faz uso principalmente de argumento de comparaccedilatildeo Jaacute as

educadoras continuam a fazer uso do argumento pragmaacutetico que pouco promove a

ampliaccedilatildeo do debate sobre o jaacute estabelecido

No turno (24) com o operador argumentativo ldquoagorardquo a pesquisadora introduz

no enunciado conteuacutedos pressupostos O pressuposto eacute desvelado com a continuidade

do discurso em que a oradora usa um argumento de comparaccedilatildeo ldquopensando mais na

atividade seguinte e natildeo naquela dos blocos loacutegicosrdquo para sinalizar que as professoras

participantes ateacute entatildeo estavam focando mais a primeira atividade do viacutedeo do que a

segunda Assim convida o auditoacuterio a se ater agrave segunda atividade a partir da

explicaccedilatildeo ldquovamos pensar mais um pouquinho pensando neacute descrevendo

analisando o que a professora fezrdquo Depois finaliza o enunciado retomando a tese das

professoras ndash ldquoas crianccedilas estavam livres para imaginarem o que quisessemrdquo ndash como

estrateacutegia de reflexatildeo abrindo espaccedilo para confirmaccedilotildees ou refutaccedilotildees

Em (25) a educadora da creche Fabiana busca sustentar a tese de que na

atividade ldquoas crianccedilas estavam livres para imaginarem o que quisessemrdquo atraveacutes de

argumento pragmaacutetico isso se evidencia na explicaccedilatildeo ldquoa partir do momento em que

ela colocou as formas geomeacutetricas em cima da mesa antes dela intervir eles

poderiam mostrar o que eles quisessem eles estavam livres para mostrar o que eles

quisessem rdquo

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 147

ILKA SCHAPPER SANTOS

No entanto ao continuar o diaacutelogo refuta a tese usando outro argumento

pragmaacutetico ldquoEu soacute achei assim que na hora em que ela comeccedilou a intervir em que

ele (o aluno) ia montar a casa nem eacute assim uma criacutetica porque agraves vezes eu faccedilo isso

tambeacutem por querer que seja o sol sem deixar que seja uma casa ou palhaccedilordquo

Eacute interessante notar que Mirela em (26) inicia seu enunciado com um operador

argumentativo para contrapor o uacuteltimo argumento pragmaacutetico de Fabiana ldquomas eu acho

que de toda forma mesmo com ela intervindo a crianccedila ela estava brincando em

uma atividade luacutedicardquo Na continuaccedilatildeo do diaacutelogo faz uso de outro operador ldquomesmordquo

para assinalar o argumento mais forte de uma escala orientada para uma determinada

conclusatildeo (Koch 19922004) ldquoela estava brincando em uma atividade luacutedicardquo

Depois termina o turno fazendo uso mais uma vez do argumento pragmaacutetico

ldquochegou fez a intervenccedilatildeo da forma que ela achava que era o melhor Por quecirc

Porque fica muito abstrato vocecirc colar uma coisa que a crianccedila fez no caderno sem

um contexto fica fora de esteacutetica vocecirc colar no caderno uma obra da crianccedila na

visatildeo da professora com o quadrado aqui o ciacuterculo alirdquo Com esse argumento

pretende mostrar o motivo pelo qual a professora do viacutedeo fez uma intervenccedilatildeo que natildeo

estava pautada em uma atividade de brincadeira livre Isso fica claro na explicaccedilatildeo ldquofica

fora de esteacuteticardquo

Leacutea em (28) com a expressatildeo ldquodeixa eu ver se eu entendi entatildeo Mirelardquo

busca confrontar o que a educadora havia dito Ao retomar a fala de Mirela a

pesquisadora apresenta uma siacutentese do que foi dito buscando aparentemente confrontar

a fala da educadora ldquoVocecirc disse entatildeo que a orientaccedilatildeo da professora eacute de que

fizessem alguma coisa que depois fossem colar no caderno vocecirc fala nessa questatildeo

da esteacutetica que vocecirc acha que a professora fez bem que a professora agiu

corretamente em estar orientando o lugar de pocircr o sol perguntando se depois fazia

alguma coisa porque depois na hora de colar no caderno precisaria ter uma certa

esteacuteticardquo No entanto o confrontar ficou pautado no senso comum sem que houvesse

compartilhamento de sentidos sobre a relaccedilatildeo entre a atividade luacutedica e a esteacutetica

declarado por Mirela

Diante da retomada de sua fala pela pesquisadora Mirela contra-argumenta

linguisticamente com o decircitico de pessoa ldquovocecircrdquo que sua fala foi entendida errada

logo em seguida faz a retificaccedilatildeo ldquoEu disse que ela (a professora do viacutedeo) agiu

deixando as crianccedilas brincarem ludicamente deixando fazer o que queriam soacute que

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 148

ILKA SCHAPPER SANTOS

na hora de colar no caderno ela se preocupou com a esteacutetica de quem vai verrdquo Nesse

movimento a professora continua sua explicaccedilatildeo usando um argumento pragmaacutetico

ldquoagiu deixando as crianccedilas brincarem ludicamente deixando fazer o que queriamrdquo

Depois faz uso do operador ldquosoacuterdquo para indicar a restriccedilatildeo no interior da sua

argumentaccedilatildeo orientando seu discurso para a negaccedilatildeo da totalidade jaacute que reforccedila a

preocupaccedilatildeo com a esteacutetica em relaccedilatildeo a quem vai ver a atividade no caderno das

crianccedilas Na verdade a educadora na sua explicaccedilatildeo utiliza argumentos de autoridade

ldquoo pai quando olhar vai dizer - nossa meu filho que bonito Vocecirc realmente fez

uma casardquo e ldquoo pai vai ver em casa - nossa filho vocecirc colou assim por que vocecirc natildeo

juntourdquo

No movimento discursivo entre argumentos pragmaacuteticos e argumentos de

autoridade a educadora busca justificar sua tese de que foi necessaacuterio a professora

considerar os aspectos esteacuteticos Os elementos argumentativos continuam circunscritos

ao senso comum sem um aporte teoacuterico que possa subsidiar a educadora na definiccedilatildeo

do que seja atividade luacutedica e na restriccedilatildeo em se priorizar o que estaacute chamando de

ldquoesteacuteticardquo

No turno seguinte (30) a pesquisadora faz dois questionamentos ldquoe a

preocupaccedilatildeo sua qual seria Como vocecirc fariardquo Com estas indagaccedilotildees Leacutea natildeo

retoma os argumentos anteriores passando para o que Smyth (1992) intitula de

reconstruir com isso tem a intenccedilatildeo de promover novas possibilidades de se pensar

atividades sobre o brincar No entanto como natildeo compartilhou no interior da sessatildeo o

significado do brincar adotado no GP EFoPI e pautado em explicaccedilotildees fundamentadas

e coerentes natildeo cria tambeacutem espaccedilos de ZPD (Vygotsky 19301991 Magalhatildees

2009) que possam gerar no dizer de BakhtinVolochinov (1988) uma compreensatildeo

ativa uma reacuteplica uma contrapalavra materializada em uma mudanccedila de postura das

educadoras Podemos pensar que nesse momento do turno a pesquisadora poderia

antes de levantar questionamentos para promover o reconstruir usar argumentos de

citaccedilatildeo respaldados em argumentos teoacutericos argumentos de autoridade e argumentos

de fontes que subsidiassem agraves educadoras elementos para refletirem sobre possiacuteveis

reconstruccedilotildees

De modo geral a anaacutelise do conjunto dos trecircs excertos da primeira sessatildeo

reflexiva do primeiro cronotopo aponta para algumas reflexotildees no interior do elo da

Cadeia Criativa Em especial no que se refere de um lado ao modo como as

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 149

ILKA SCHAPPER SANTOS

pesquisadoras se posicionaram em suas intervenccedilotildees e de outro como as educadoras

foram desvelando seus sentidos e compartilhando seus significados sobre o brincar no

interior do movimento enunciativo-argumentativo

No fluxo da interlocuccedilatildeo das pesquisadoras e educadoras ateacute aqui pode-se notar

um distanciamento entre o que se pretendia na sessatildeo e o que de fato ocorreu A

circularidade argumentativa das educadoras em relacionar o brincar a atividades

sistematizadas em reafirmar a tese de que ldquotudo que eacute concreto eacute luacutedicordquo em dizer

que as atividades dirigidas assistidas no viacutedeo se constituem como atividades livres que

promovem o desenvolvimento da imaginaccedilatildeo natildeo foram ressignificadas por meio de

intervenccedilotildees colaborativas das pesquisadoras O que prevaleceu foram exemplificaccedilotildees

ancoradas nas proacuteprias experiecircncias pessoais das professoras por meio de exposiccedilotildees

espontacircneas As pesquisadoras por sua vez ingressaram nos enunciados das professoras

tecendo alguns questionamentos mas sem criar questotildees controversas que pudessem

gerar conflitos duacutevidas e polecircmicas em relaccedilatildeo aos significados instituiacutedos

Aleacutem disso as pesquisadoras tiveram dificuldades em diminuir as marcas do

distanciamento dos mundos universidade-creche Desse modo quando a educadora

Mirela diz ldquoeacute pra gente aqui eacuterdquo mostra linguisticamente por meio dos decirciticos de

pessoa e espacial ldquoa genterdquo e ldquoaquirdquo respectivamente o interregno de distacircncia entre

seus saberes e os saberes da universidade Com isso ficou difiacutecil promover um espaccedilo

em que pesquisadoras e demais participantes pudessem ter um aumento de seu conatus

(potecircncia de agir) e tivessem elementos para chegar mais proacuteximo da ideia adequada

(Spinoza 16772005) sobre o tema tratado

A produccedilatildeo de significado sobre o brincar neste primeiro elo da Cadeia

Criativa ficou comprometida por conta de uma argumentaccedilatildeo circular e reincidente

entre pesquisadoras e educadoras como disse acima

412 ndash 2ordf Sessatildeo Reflexiva Analisada ndash dia 21 de agosto de 2006

Os excertos que se seguem foram recortados da terceira sessatildeo reflexiva com as

quatro educadoras da creche e as duas pesquisadoras do GP EFoPI no dia 21 de agosto

de 2006 O objetivo da sessatildeo era continuar discutindo o lugar do luacutedico na educaccedilatildeo

infantil tendo como referente um viacutedeo em que uma outra professora desenvolveu uma

atividade luacutedica com crianccedilas de quatro anos de idade O viacutedeo inicia com a educadora

arrumando as mesas para organizar as crianccedilas em quatro grupos diferentes nesse

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 150

ILKA SCHAPPER SANTOS

movimento a professora solicita que as crianccedilas a ajudem na disposiccedilatildeo dos brinquedos

em quatro cantinhos a) o da casinha b) o dos carrinhos e bonequinhos c) o dos

fantoches e d) o do desenho e colagem No decorrer da atividade as crianccedilas se dirigem

aos brinquedos de suas preferecircncias visitando as mesinhas dos outros colegas

compartilhando as brincadeiras A professora observa as brincadeiras das crianccedilas com

os brinquedos e participa quando eacute solicitada

Vejamos como se desenvolve o iniacutecio da sessatildeo reflexiva

1ordm Excerto

(1) Leacutea Quem quer comeccedilar gente a descrever Vamos ver quem gostaria de

comeccedilar a descrever

(2) Mirela Eu A atividade aplicada pela professora de educaccedilatildeo infantil na turma de 4

anos foi de faz de conta Ela comeccedilou a atividade com a organizaccedilatildeo da sala junto com

as crianccedilas depois ela organiza a sala em cantinhos cantinho do brinquedo o cantinho

dos fantoches e um de revistas canetas papel ofiacutecio e pincel atocircmico Observei que o

tempo todo ela participou das atividades junto com as crianccedilas e mediou o trabalho

junto com elas laacute Eu observei tambeacutem que as crianccedilas estavam gostando das

brincadeiras porque elas estavam todas interagindo e elas podiam todas transitar pela

sala natildeo tinha aquela coisa ldquovocecirc vai ficar sentada aqui vai ficar sentada ali natildeordquo

Elas puderam fazer tudo livremente

(3) Leacutea vai vai laacute Claacuteudia

(4) Claacuteudia bom isso tudo que a Mirela jaacute falou eu anotei para natildeo repetir eu vou

falar outra coisa

(5) Leacutea Natildeo natildeo Eacute importante que vocecirc coloque tudo que vocecirc escreveu mesmo que

repita

(6) Fabiana eu notei que era um faz de conta mas um faz de conta em que elas

retratavam o dia-a-dia delas porque tem o neneacutem que ela fez mingau para a

bonequinha O neneacutem vocecirc estaacute fazendo o quecirc O mingau ela deve vivenciar isso no

dia-a-dia A outra quis cozinhar fez cafeacute fez suco entatildeo aquilo eacute um retrato do dia-a-

dia o que eles vivenciavam e tambeacutem um momento da professora estar conhecendo

eles que era o que ela estava fazendo Aiacute ela perguntava fazia perguntas e a crianccedila

falava Nessas brincadeiras a gente conhece muito as crianccedilas Nossa aqui as crianccedilas

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 151

ILKA SCHAPPER SANTOS

brincam demais a gente faz recreaccedilatildeo com elas externa e laacute fora com a areia vira

tudo vira suco vira comida vira bolo elas viram personagens elas viram pessoas da

creche elas falam - eu sou a tia fulana E outros satildeo cozinheiras aiacute elas vatildeo fazem

bolo e cantam parabeacutens eles vivenciam isso mesmo realmente aqui E os bichinhos

eles retrataram bem o momento em que retratavam os bichinhos elas falavam ldquoonde

estaacute tua matildeerdquo ldquoa tua matildee ‟taacute em tal lugarrdquo Foi muito bom eu gostei muito da atividade

dela Porque as crianccedilas estavam todas organizadas cada um escolheu tiveram

liberdade para escolher qual cantinho eles queriam e natildeo houve aquela desorganizaccedilatildeo

Eu achei que foi organizada a atividade dela

(7) Mirela Eu tambeacutem percebi que a professora distribui a sala em cantinho deixou as

crianccedilas escolherem livremente com o que queriam brincar interagiu o tempo todo

com as crianccedilas e deixou as crianccedilas se expressarem usarem a criatividade e a

imaginaccedilatildeo

O questionamento da pesquisadora no turno (1) tem a finalidade de instigar as

professoras a iniciarem as descriccedilotildees A professora Mirela se prontifica a descrever a

cena ressaltando que a atividade desenvolvida pela professora do viacutedeo era de faz de

conta Para respaldar sua assertiva usa o argumento de exemplo (2) ldquoela (a professora)

comeccedilou a atividade com a organizaccedilatildeo da sala junto com as crianccedilas depois ela

organiza a sala em cantinhos cantinho do brinquedo o cantinho dos fantoches e um

de revistas canetas papel oficio e pincel atocircmicordquo Ao exemplificar os recursos

utilizados pela professora do viacutedeo em especial a organizaccedilatildeo da sala de atividades em

cantinhos a educadora compartilha no grupo um significado importante sobre como a

organizaccedilatildeo do espaccedilo pode propiciar o brincar de faz de conta No argumento em que

baseia sua descriccedilatildeo fica expliacutecito como a diversidade dos cantinhos pode ser elemento

fundante para as crianccedilas transitarem no universo do faz de conta

Na continuidade de seu turno a professora destaca ldquoObservei que o tempo todo

ela participou das atividades junto com as crianccedilas e mediou o trabalho junto com

elas laacuterdquo Aqui a educadora diz que a professora do viacutedeo ldquomediou o trabalhordquo apesar

de trazer para cena enunciativa uma palavra que faz parte do campo epistemoloacutegico da

perspectiva vygotskyana a educadora natildeo discorre sobre quais accedilotildees realizadas pela

professora do viacutedeo indicam o processo de mediaccedilatildeo Assim parece natildeo ter claro que

esse processo segundo Vygotsky (19301991 p 33) estaria relacionado a uma

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 152

ILKA SCHAPPER SANTOS

intervenccedilatildeo de um elemento intermediaacuterio em uma accedilatildeo deixando de ser direta e

passando a ser mediada por esse elemento

Ainda em seu turno a professora diz ldquoEu observei tambeacutem que as crianccedilas

estavam gostando das brincadeiras porque elas estavam todas interagindordquo na

afirmativa justifica a sua fala com o operador argumentativo ldquoporquerdquo para mostrar

que houve um processo de interaccedilatildeo na cena No entanto apesar de mais uma vez usar

um verbete importante da teoria soacutecio-histoacuterico-cultural ndash ldquointeraccedilatildeordquo ndash novamente natildeo

explicita como isso se materializou

No turno da professora podemos notar dois pontos importantes para

compartilhamento de sentidos sobre a brincadeira de faz de conta a formaccedilatildeo dos

cantinhos na sala de atividade e o processo de interaccedilatildeo das crianccedilas No entanto as

descriccedilotildees tecidas mostram explicaccedilotildees geneacutericas e julgamentos das professoras isso

tampona a possibilidade de as educadoras de fato refletirem sobre a atividade analisada

e tambeacutem sobre as teorias que a embasam

Em (3) a pesquisadora convoca mais uma professora a expor sua descriccedilatildeo ldquovai

vai laacute Claacuteudiardquo quando a professora anuncia (4) ldquobom isso tudo que a Mirela jaacute falou

eu anotei para natildeo repetir eu vou falar outra coisardquo a pesquisadora diz (5) ldquonatildeo

natildeo Eacute importante que vocecirc coloque tudo que vocecirc escreveu mesmo que repitardquo a

ecircnfase da pesquisadora ao usar duas vezes o adveacuterbio de negaccedilatildeo ldquonatildeordquo busca garantir

a todas as professoras o espaccedilo para descriccedilatildeo ainda que sejam descriccedilotildees reincidentes

Isso porque para ela eacute importante que todas revejam a accedilatildeo descrita de forma

informada para criar um espaccedilo em que todas as educadoras apresentem as impressotildees

ocorridas na cena para uma visualizaccedilatildeo coletiva das accedilotildees realizadas Segundo

Liberali (2008) esse momento de visualizaccedilatildeo coletiva eacute importante para que o

professor possa entender o que foi feito a partir do detalhamento do evento analisado

para em uma compreensatildeo ativa refletir sobre as praacuteticas rotinizadas no cotidiano das

creches e preacute-escolas

Diante da explicaccedilatildeo da pesquisadora ldquoEacute importante que vocecirc coloque tudo que

vocecirc escreveu mesmo que repitardquo Fabiana define a brincadeira assim como Mirela

como de faz de conta mas traz outros elementos para a cena enunciativa Com o

operador argumentativo ldquomasrdquo orienta para uma conclusatildeo aparentemente contraacuteria ao

que ateacute entatildeo foi dito ldquomas um faz de conta em que elas retratavam o dia-a-dia

delas porque tem o neneacutem que ela fez mingau para a bonequinha O neneacutem vocecirc

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 153

ILKA SCHAPPER SANTOS

estaacute fazendo o quecirc O mingau ela deve vivenciar isso no dia-a-dia A outra quis

cozinhar fez cafeacute fez suco entatildeo aquilo eacute um retrato do dia-a-diardquo Nesse

movimento a professora explica que as crianccedilas pautaram a brincadeira de faz de conta

nas suas experiecircncias cotidianas Aqui a educadora relaciona o brincar de faz de conta agrave

atividade humana mostrando como a crianccedila recupera os modos costumes e

comportamentos do grupo social em que estaacute inserida (Vygotsky 19301991)

Depois de relatar como a professora do viacutedeo propiciou o desenvolvimento da

brincadeira de faz de conta Fabiana tece uma aproximaccedilatildeo a partir do argumento de

exemplo com o trabalho realizado na creche ldquoaqui as crianccedilas brincam demais a

gente faz recreaccedilatildeo com elas externa e laacute fora com a areia vira tudo vira suco vira

comida vira bolo elas viram personagens elas viram pessoas da creche elas falam

eu sou a tia fulana e outros satildeo cozinheiras aiacute elas vatildeo fazem bolo e cantam

parabeacutens eles vivenciam isso mesmo realmente aquirdquo Ao iniciar sua declarativa com

o adveacuterbio ldquoaquirdquo funcionando como decircitico espacial a educadora marca que no

espaccedilo da creche em que atua as crianccedilas vivenciam o brincar de faz de conta

mostrando como essa vivecircncia estaacute pautada na reconstruccedilatildeo do real e na antecipaccedilatildeo de

papeacuteis sociais Apesar de no enunciado Fabiana natildeo usar nenhum argumento teoacuterico

busca no argumento de exemplo afirmar que seu trabalho tambeacutem estaacute pautado em

brincadeiras que possibilitem o desenvolvimento de situaccedilotildees imaginaacuterias de faz de

conta

No final de sua fala a professora declara com o uso do pronome pessoal na

primeira pessoa do singular ldquoeu gostei muito da atividade delardquo para avaliar

positivamente a atividade desenvolvida pela professora do viacutedeo Essa declarativa

reforccedila a identificaccedilatildeo da educadora com as accedilotildees analisadas

Em (7) Mirela destaca tambeacutem o trabalho realizado pela professora do viacutedeo a

partir dos cantinhos ldquoEu tambeacutem percebi que a professora distribui a sala em

cantinhosrdquo reforccedilando a organizaccedilatildeo da sala de aula em cantinhos dado que jaacute tinha

sido ressaltado pelas outras educadoras Depois traz trecircs argumentos que avaliou como

importantes a) ldquodeixou as crianccedilas escolherem livremente com o que queriam

brincar b) interagiu o tempo todo com as crianccedilas e c) deixou as crianccedilas se

expressarem usarem a criatividade e a imaginaccedilatildeordquo Ao destacar esses argumentos a

professora daacute a entender que o trabalho pautado na organizaccedilatildeo da sala de atividades

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 154

ILKA SCHAPPER SANTOS

em cantinhos possibilita agraves crianccedilas um brincar mais livre uma interaccedilatildeo

crianccedilaprofessora e o desenvolvimento da criatividade e da imaginaccedilatildeo

Neste excerto haacute um movimento diferente em relaccedilatildeo aos excertos ateacute agora

analisados Aqui as professoras demonstram ter percebido outros elementos

importantes no desenvolvimento de atividades pautadas na brincadeira como a

organizaccedilatildeo do espaccedilo das salas de atividades em cantinhos e por conseguinte como

isso possibilita agrave crianccedila ingressar na imaginaccedilatildeo no faz de conta Apesar de tecerem

essas consideraccedilotildees as educadoras continuam pautando suas consideraccedilotildees em

argumentos de exemplo fundados na proacutepria atividade analisada e em suas experiecircncias

na creche

No fluxo discursivo novamente as pesquisadoras natildeo interferem nas

interlocuccedilotildees de modo a possibilitar a expansatildeo dos significados trazidos pelas

educadoras como por exemplo questionando como a professora do viacutedeo analisado

ldquomediourdquo a atividade desenvolvida A ausecircncia de questionamentos dessa ordem

impede que as educadoras ampliem seus campos de reflexotildees que possam ter uma

compreensatildeo ativa (BakhtinVolochinov 1988) do processo vivenciado e por

conseguinte que tenham uma atitude responsiva ativa diante da cena analisada

Por conta disso as professoras continuam transitando em ideias inadequadas

confusas (Spinoza 16772005) em relaccedilatildeo ao brincar de faz de conta Essa teria sido

uma oportunidade interessante para as pesquisadoras ingressarem no fluxo

argumentativo das professoras por meio de argumentos teoacuterico-praacuteticos que

promovessem um (re)pensar dos significados sobre a brincadeira

No proacuteximo recorte as pesquisadoras tecem questionamentos sobre como a

professora do viacutedeo analisado orientou a atividade e tambeacutem como desenvolveu o

trabalho com as crianccedilas Vejamos

2ordm Excerto

(8) Leacutea Muito bem Que tipo de trabalho foi desenvolvido Foi em grupo foi em

dupla foi individual O que vocecircs conseguiram observar

(9) Fabiana Elas mesmas (as crianccedilas) formaram o proacuteprio grupo delas elas foram

formando seus grupinhos um queria brincar com a boneca entatildeo ela estava ali dentro

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 155

ILKA SCHAPPER SANTOS

do grupo da casinha ela estava dentro daquele grupinho ningueacutem ficou disperso

assim separado pelo que deu para ver natildeo

(10) Mirela foi um trabalho em grupo

(11) Fabiana pelo menos o que deu para a gente ver foi um trabalho em grupo as

crianccedilas mesmo se organizaram elas se organizaram

(12) Leacutea Isso E qual que foi o foco de apresentaccedilatildeo da atividade da professora Qual

que foi o objetivo o foco O que que vocecircs acham que essa professora tinha por

objetivo por foco para estar trabalhando ali com as crianccedilas Eu estou perguntando

isso porque na primeira atividade vocecircs lembram da primeira atividade (da sessatildeo

reflexiva anterior) Eu tambeacutem fiz o mesmo pedido para a professora eu fiz o mesmo

pedido que eu gostaria que ela ‟tivesse trabalhando com uma brincadeira livre A

mesma coisa que eu pedi para a primeira professora na uacuteltima sessatildeo eu pedi para essa

Entatildeo eu pergunto assim qual o objetivo da professora que vocecircs acham que a

professora tinha aleacutem do que a Fabiana disse tinha falado qual seria o conteuacutedo

objetivo dela estar trabalhando daquela forma Haveria uma outra forma de estar

trabalhando com as crianccedilas a partir do meu pedido

(13) Mirela Eacute se tivesse mais espaccedilo teria porque ela natildeo utilizaria as mesas

entendeu Ela podia usar o espaccedilo no chatildeo mais espaccedilo sem estar presa nas mesinhas

(14) Fabiana elas (as crianccedilas) ficariam mais agrave vontade o espaccedilo da sala eacute sempre

melhor se elas estivessem no chatildeo pelo chatildeo da sala se tivesse uma sala mais

espaccedilosa afastar as carteiras elas ateacute organizaram as mesas mas mesmo assim a gente

sabe que se fosse outra escola outra escola todas as escolas municipais tecircm a sala

geralmente pequena quando tem espaccedilo eacute loacutegico que a proacutepria crianccedila cria mais tem

oportunidade de criaccedilatildeo porque a gente sente isso porque eles brincam muito porque a

gente aqui (na creche) daacute muito essa recreaccedilatildeo mas no espaccedilo externo como eu te falei

elas vatildeo em um canto elas vatildeo no outro elas mexem aqui natildeo tem aquela preocupaccedilatildeo

de sujar porque a gente ensina para elas que natildeo pode sujar essas coisas Entatildeo se ela

tivesse um espaccedilo mais amplo talvez natildeo foi ruim mas talvez fosse melhor ainda

(15) Patriacutecia Como vocecircs organizariam essas atividades

(16) Mirela porque aqui a gente jaacute tem jaacute trabalha com as oficinas

(17) Fabiana eacute a gente tem as oficinas

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 156

ILKA SCHAPPER SANTOS

No segundo excerto a pesquisadora inicia sua intervenccedilatildeo com trecircs

questionamentos a) Que tipo de trabalho foi desenvolvido b) Foi em grupo foi em

dupla foi individual c) O que vocecircs conseguiram observar Com estes questotildees Leacutea

busca ampliar o campo das descriccedilotildees elaboradas pelas educadoras da atividade

desenvolvida pela professora do viacutedeo Fabiana (9) e (11) e Mirela (10) respondem aos

questionamentos dizendo que o trabalho desenvolvido foi em grupo e que foram as

crianccedilas que se agruparam em conformidade ao interesse A pesquisadora levanta os

questionamentos sobre como as crianccedilas se organizaram nas brincadeiras se em grupo

dupla ou individualmente porque procura investigar se na descriccedilatildeo as educadoras

atentaram para tais questotildees Isso porque no interior da discussatildeo do GP EFoPI haacute uma

ecircnfase sobre a importacircncia de as professoras no contexto das salas de atividades de

educaccedilatildeo infantil fomentarem a interaccedilatildeo crianccedilacrianccedila e crianccedilaadultocrianccedila

Apesar da ecircnfase dada pela pesquisadora nos questionamentos sobre a formaccedilatildeo

dos grupos natildeo haacute uma retomada de fala para explicar a relevacircncia de um trabalho sob

a oacutetica da interaccedilatildeo ao contraacuterio no iniacutecio do seu turno (12) Leacutea faz uso do decircitico

ldquoissordquo para fechar a discussatildeo mostrando concordacircncia com as respostas anteriores das

educadoras Desse modo natildeo haacute expansatildeo de significados sobre os questionamentos

relativos ao trabalho realizado

Aqui a pesquisadora estabelece uma relaccedilatildeo de simetria de conhecimento e

ideias natildeo levantando questotildees que pudessem gerar conflitos contradiccedilotildees (Engestroumlm

1999) pontos de vistas distintos que satildeo elementos imprescindiacuteveis ao processo criacutetico-

reflexivo e por conseguinte desencadeadores das possiacuteveis transformaccedilotildees dana

praacutetica (Magalhatildees 2009)

Dito isso a pesquisadora passa a questionamentos que segundo sua

compreensatildeo de Smyth (1992) e Liberali (2008) se configuraria no informar

procurando propiciar um espaccedilo em que as educadoras pudessem retomar conceitos

sobre questotildees relacionadas ao brincar ldquoE qual que foi o foco de apresentaccedilatildeo da

atividade da professora Qual que foi o objetivo o foco O que que vocecircs acham que

essa professora tinha por objetivo por foco para estar trabalhando ali com as

crianccedilas Eu estou perguntando isso porque na primeira atividade vocecircs lembram da

primeira atividade (da sessatildeo reflexiva anterior)rdquo

Essas questotildees foram elaboradas no periacuteodo de planejamento da sessatildeo Para

realizar tal elaboraccedilatildeo as pesquisadoras se pautaram na terceira parte do livro de

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 157

ILKA SCHAPPER SANTOS

Liberali Formaccedilatildeo Criacutetica de educadores questotildees fundamentais (2008b p 61) em

que a autora formula alguns questionamentos para cada etapa do processo reflexivo

segundo Smyth (1992) Nessa obra as duas primeiras questotildees relativas ao informar

satildeo ldquoqual o foco da apresentaccedilatildeo do conteuacutedordquo ldquoque objetosconteuacutedos foram

trabalhadosrdquo Como o leitor pode observar haacute uma semelhanccedila muito grande entre as

questotildees levantadas pela pesquisadora e aquelas formuladas por Liberali No entanto

como nas discussotildees tecidas a partir das descriccedilotildees feitas pelas educadoras o grupo natildeo

compartilhou os significados referentes ao brincar o movimento do informar ficou

circunscrito a elementos pautados no senso comum nos saberes construiacutedos a partir da

praacutetica diaacuteria das professoras

Nas discussotildees do excerto natildeo aparecem argumentos respaldados em teorias que

auxiliem reflexotildees mas sim explicaccedilotildees generalizantes de conceitos presentes nas accedilotildees

cotidianas Isso fica expliacutecito nas falas de Mirela e de Fabiana (13) e (14)

respectivamente a) ldquoEacute se tivesse mais espaccedilo teria porque ela natildeo utilizaria as mesas

entendeu Ela podia usar o espaccedilo no chatildeo mais espaccedilo sem estar presa nas

mesinhasrdquo b) ldquoelas (as crianccedilas) ficariam mais agrave vontade o espaccedilo da sala eacute sempre

melhor se elas estivessem no chatildeordquo Mais uma vez as professoras usam argumentos

pragmaacuteticos para discutirem natildeo trazendo respaldo teoacuterico

Natildeo atentando para isso as pesquisadoras tecircm a pretensatildeo de trabalhar o

reconstruir (Smyth 1992) levantando o seguinte questionamento (15) Como vocecircs

organizariam essas atividades Novamente a pesquisadora segue as orientaccedilotildees de

Liberali (2008b p 82) na obra citada em que o questionar sobre como o educador

organizaria a aula de outra maneira eacute um ponto interessante para auxiliar no reconstruir

Mas como os pontos de vista levantados no descrever e no informar natildeo propiciaram

espaccedilos de uma compreensatildeo ativa dos princiacutepios que embasaram as accedilotildees das

atividades analisadas o grupo natildeo consegue ateacute entatildeo tecer uma inter-relaccedilatildeo entre as

accedilotildees e os possiacuteveis significados que poderiam ser compartilhados sobre as praacuteticas

cotidianas do brincar nas salas de atividades da educaccedilatildeo infantil

O reconstruir natildeo se configurou como um momento em que os participantes

pudessem repensar como fariam as atividades desenvolvidas no viacutedeo (e suas proacuteprias

atividades no cotidiano da creche) pois natildeo chegaram a descrever detalhadamente as

atividades nem foram confrontados por meio de questionamentos que pudessem

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 158

ILKA SCHAPPER SANTOS

elucidar os valores que subsidiam o agir e o pensar dos participantes das sessotildees

reflexivas (Liberali 2008b)

Assim o excerto acima natildeo se configurou como um momento em que as

educadoras pudessem refletir sobre as accedilotildees analisadas por meio de sustentaccedilatildeo

refutaccedilatildeo e negociaccedilatildeo de posiccedilotildees pautadas em um discurso mais teoacuterico Dito de outro

modo os enunciados ficaram circunscritos a argumentos de exemplo e pragmaacuteticos natildeo

sendo destacados valores concepccedilotildees sobre aprendizagem e ficando suas enunciaccedilotildees

alicerccediladas sobre as praacuteticas cotidianas como podemos notar nos turnos (16) e (17) de

Mirela e Fabiana respectivamente ldquoporque aqui a gente jaacute tem jaacute trabalha com as

oficinasrdquo e ldquoeacute a gente jaacute tem as oficinasrdquo Mirela inicia seu turno com o uso do

ldquoporquerdquo sinalizando que vai dar uma explicaccedilatildeo e depois faz uso dos decirciticos ldquoaquirdquo

(espacial) e ldquoa genterdquo (pessoal) para demarcar que na creche elas jaacute trabalham com as

oficinas Fabiana por sua vez inicia concordando com Mirela ldquoeacuterdquo e revozeia a sua fala

reforccedilando o posicionamento da creche em que trabalham com o decircitico de pessoa ldquoa

genterdquo

No excerto abaixo as participantes focalizam na atividade analisada a postura

da professora com as crianccedilas destacando que houve mediaccedilatildeo e interaccedilatildeo

3ordm Excerto

(18) Patriacutecia Voltando agrave atividade Qual que foi a postura da professora nessa

atividade o que que vocecircs acham

(19) Mirela ela mediou o trabalho ela se envolveu ela brincou porque isso faz parte

ela natildeo distribuiu e ficou laacute parada natildeo ela interagiu ela perguntou entatildeo eu achei isso

muito interessante porque agraves vezes o professor noacutes vamos fazer isso dar distribuir as

atividades e estar laacute (Mirela cruza os braccedilos) olhando o que que a crianccedila estaacute fazendo

ela estava junto ali eu achei muito interessante a postura dela

(20) Fabiana A professora estava junto com elas nas brincadeiras no momento

daquela atividade quando vocecirc senta na cadeirinha junto com as crianccedilas na mesinha

com elas estaacute ali brincando junto aiacute elas se envolvem mais

(21) Patriacutecia E aiacute na atividade vocecirc acha que houve esse envolvimento crianccedila-

crianccedila e professora-crianccedila

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 159

ILKA SCHAPPER SANTOS

(22) Fabiana natildeo acho que ela se envolveu sim elas (as crianccedilas) ofereceram a

comidinha para ela o cafezinho e tudo ela aceitou ela se envolveu

(23) Mirela teve uma hora em que ela falou - tem que pocircr mais accediluacutecar Mostra que

ela estava participando tambeacutem envolvida na brincadeira

Neste terceiro excerto temos a retomada da pesquisadora Patriacutecia com um

questionamento que busca fazer com que as educadoras reflitam sobre a postura da

professora do viacutedeo em relaccedilatildeo ao desenvolvimento da atividade (18) ldquoVoltando agrave

atividade Qual que foi a postura da professora nessa atividade o que que vocecircs

achamrdquo Nesse momento Mirela defende a tese respaldada teoricamente no conceito

de mediaccedilatildeo de Vygotsky de que a professora atua como mediadora no

desenvolvimento da brincadeira de faz de conta com as crianccedilas destacando ldquoela

mediou o trabalhordquo Para defender seu ponto de vista usa argumentos de exemplos a)

ldquoela se envolveurdquo b) ldquoela brincourdquo c) ldquoela estava junto alirdquo Apesar de a professora

ter identificado o processo de mediaccedilatildeo na sua argumentaccedilatildeo por exemplos natildeo fez um

detalhamento das accedilotildees relacionando-as com o construto teoacuterico que menciona na tese

O mesmo ocorre com o campo argumentativo de Fabiana que fica circunscrito a

argumentos de exemplo A professora estava junto com elas nas brincadeiras

(porque) no momento daquela atividade quando vocecirc senta na cadeirinha junto com

as crianccedilas na mesinha com elas estaacute ali brincando junto aiacute elas se envolvem mais

O ldquoporquerdquo impliacutecito objetiva a tomada de posiccedilatildeo no primeiro segmento do

enunciado sendo assim um argumento para a defesa da tese de que a professora do

viacutedeo estava mediando a brincadeira entre as crianccedilas No entanto como disse

anteriormente a defesa a partir de argumentos de exemplos natildeo possibilita ingressar em

um fluxo de transformaccedilotildees e mudanccedilas das educadoras jaacute que a argumentaccedilatildeo se

estrutura apenas na citaccedilatildeo dos acontecimentos anteriores Faltam nesse contexto

argumentos de definiccedilatildeo que pudessem promover o compartilhamento de sentidos e de

significados

A partir dos enunciados das educadoras a pesquisadora busca aprofundar a

questatildeo da mediaccedilatildeo procurando trazer os elementos teoacutericos para a pauta de discussatildeo

Desse modo tece o seguinte questionamento (21) ldquoE aiacute na atividade vocecirc acha que

houve esse envolvimento crianccedila-crianccedila e professora-crianccedilardquo A pergunta de

Patriacutecia sugere que as professoras aprofundem seus enunciados sobre a mediaccedilatildeo Mais

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 160

ILKA SCHAPPER SANTOS

uma vez as professoras fundamentam suas respostas com as situaccedilotildees que observaram

na atividade mostrando de novo com argumentos de exemplo como a educadora do

viacutedeo participou das atividades com as crianccedilas Assim descrevem as accedilotildees em que

para elas estavam pautadas em um processo de mediaccedilatildeo (22) ldquonatildeo acho que ela se

envolveu sim elas (as crianccedilas) ofereceram a comidinha para ela o cafezinho e tudo

ela aceitou ela se envolveurdquo e (23) ldquoteve uma hora em que ela falou - tem que pocircr

mais accediluacutecar Mostra que ela estava participando tambeacutem envolvida na brincadeirardquo

No entanto mais uma vez fazem uso de exemplificaccedilotildees sem trazer para o cenaacuterio

discursivo argumento por definiccedilatildeo Deste modo natildeo discutem sobre os sentidos e

significados que atribuem aos dois verbetes que podem ser considerados conceitos

cientiacuteficos ndash mediaccedilatildeo e interaccedilatildeo

O objetivo desse encontro era promover um espaccedilo de conflitos mediados pelas

duas atividades analisadas Portanto no proacuteximo fragmento discursivo a pesquisadora

busca tecer um confronto entre a atividade da sessatildeo com a da sessatildeo anterior

4ordm Excerto

(23) Leacutea confrontando com a outra atividade que a gente assistiu que vocecircs acham

Confrontando isso que vocecircs estatildeo falando dessa atividade lembrando da atividade da

semana passada Dos papeizinhos entenderam o que eu estou perguntando

(24) Fabiana fazendo uma relaccedilatildeo com a outra atividade

(25) Leacutea eacute fazendo uma relaccedilatildeo entre as duas atividades (dessa semana e da semana

passada) porque nessa vocecircs estatildeo achando que por trabalhar dessa forma por isso as

coisas aconteceram de forma bem natural sem muita confusatildeo

(26) Mirela A atividade dessa semana foi mais luacutedica

(27) Leacutea Confrontando com a atividade anterior que a gente viu semana passada o

que que a gente pode deduzir daquela atividade que foi feita semana passada

(28) Fabiana eu acho que a de hoje assim era o mundinho delas eram brinquedos

eram coisas que elas estatildeo acostumadas entatildeo era mais o mundo delas do cotidiano

de faz de conta ali que elas vivenciaram

(29) Leacutea o que que vocecirc pensa Claacuteudia

(30) Claacuteudia eu penso o mesmo que ela que a atividade da semana passada eu acho

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 161

ILKA SCHAPPER SANTOS

que a professora se colocou natildeo impocircs mais o que seria feito eu jaacute achei que na de

hoje as crianccedilas ficaram mais livremente brincando

(31) Leacutea entatildeo a gente pode dizer que as crianccedilas estavam construindo o

conhecimento de forma mais interativa mais rica

(32) Claacuteudia isso isso mesmo

(33) Leacutea e vocecirc Mirela o que vocecirc observa da primeira atividade da semana passada

dessa semana o que te chamou mais atenccedilatildeo

(34) Mirela como a Claacuteudia disse ela impocircs muito menos hoje aliaacutes ela natildeo impocircs

em momento algum ela deixou as crianccedilas construiacuterem e na semana passada ela (a

outra professora) estava interagindo soacute que impondo os valores que ela acreditava que

era legal como eu disse na semana passada a de hoje natildeo estava preocupada em algo

para fora ela estava preocupada com a construccedilatildeo do desenvolvimento deles ali e da

semana passada tinha a preocupaccedilatildeo de levar algo para casa para os pais verem o

produto entatildeo algo a levar quando se leva alguma atividade ela ficou preocupada com

a esteacutetica e hoje natildeo aconteceu isso Eles estavam construindo entendeu

(35) Leacutea quando vocecirc diz preocupada com a esteacutetica vocecirc pode explicar para noacutes

melhor o que que eacute isso

(36) Mirela posso igual eu te falei semana passada a construccedilatildeo a visualizaccedilatildeo que a

crianccedila faz igual ela deu as formas geomeacutetricas para elas fazerem qualquer coisa com

as crianccedilas algumas colocaram aleatoriamente ela olhando ela olhava e falava assim

- Meu Deus que seraacute isso o que que a matildee vai ver em casa

(37) Patriacutecia e aiacute voltando nesse confronto de uma atividade com a outra qual

atividade vocecircs acham que contribuiu para a construccedilatildeo da autonomia da crianccedila

(38) Todas as professoras juntas a de hoje sem sombra de duacutevida a de hoje

(39) Leacutea daacute para vocecircs citarem situaccedilotildees especiacuteficas onde vocecircs observaram essa

construccedilatildeo da autonomia

(40) Mirela desde o momento em que ela deixou elas escolherem os cantinhos isso jaacute

eacute a autonomia deles porque eacute aonde eles se sentem mais agrave vontade para que o faz de

conta se desenvolva

Neste excerto Leacutea procura tecer uma relaccedilatildeo entre a atividade observada na

sessatildeo anterior e a atividade da sessatildeo atual A pesquisadora procura pautar a reflexatildeo a

partir de trecircs perspectivas a) discussotildees tecidas na sessatildeo anterior b) atividade

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 162

ILKA SCHAPPER SANTOS

assistida na sessatildeo e c) os pontos de interregno entre esses dois momentos que

poderia instaurar na perspectiva da pesquisadora o processo de transformaccedilatildeo e

mudanccedila do grupo Eacute interessante notar que na sua pergunta a pesquisadora busca

relacionar atividades analisadas em duas sessotildees reflexivas possibilitando que as

professoras possam em um olhar exotoacutepico afastado mas natildeo distante da situaccedilatildeo

compreender elementos que a proximidade natildeo permitiria A partir desse ldquoexcedente de

visatildeordquo as pesquisadoras do GP EFoPI procuram propiciar um espaccedilo em que os

participantes possam trazer os sentidos sobre o brincar de uma atividade anterior para a

atividade atual podendo ser ressignificados Esse pensamento vai ao encontro da

concepccedilatildeo de Cadeia Criativa (Liberali 2009) em que o grupo busca se pautar

Diante da questatildeo formulada pela pesquisadora Fabiana faz uma pergunta no

turno (24) que tem a finalidade de clarificar o questionamento da pesquisadora fazendo

uma relaccedilatildeo com a outra atividade O tipo de intervenccedilatildeo da professora tem o efeito

esperado Pois a pesquisadora retoma a fala (25) ldquoeacute fazendo uma relaccedilatildeo entre as

duas atividades porque nessa vocecircs estatildeo achando que por trabalhar dessa forma

por isso as coisas aconteceram de forma bem natural sem muita confusatildeordquo O uso do

ldquoporquerdquo mostra que a pesquisadora vai acrescentar elementos agrave explicaccedilatildeo anterior

Na continuidade da explicaccedilatildeo Leacutea traz elementos novos sintetizando o que o grupo

percebeu da atividade atual para fomentar a discussatildeo a partir da atividade anterior

Linguisticamente isso se materializa com o uso do pronome de segunda pessoa do

plural ldquovocecircsrdquo seguido do tempo verbal

Em (26) Mirela declara que a atividade atual foi mais luacutedica A pesquisadora

natildeo explora a declarativa e retoma seu questionamento em relaccedilatildeo agrave atividade da sessatildeo

anterior no turno (28) ldquoConfrontando com a atividade anterior que a gente viu

semana passada o que que a gente pode deduzir daquela atividade que foi feita

semana passadardquo Ao retomar o questionamento a pesquisadora mostra que deseja

aprofundar o debate entre as duas atividades no interior das duas sessotildees reflexivas No

entanto quando Mirela se posiciona dizendo que a atividade atual foi mais luacutedica a

pesquisadora natildeo entra no fluxo discursivo da educadora para compreender o que a faz

pensar isso

Fabiana (28) diz ldquoeu acho que a de hoje assim era o mundinho delas eram

brinquedos eram coisas que elas estatildeo acostumadas entatildeo era mais o mundo delas

do cotidiano de faz de conta ali que elas vivenciaramrdquo A professora inicia seu

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 163

ILKA SCHAPPER SANTOS

discurso de forma modalizada ldquoeu achordquo para discorrer sobre sua percepccedilatildeo depois usa

o decircitico temporal ldquohojerdquo para demarcar que vai tecer consideraccedilotildees sobre a atividade

atual Para isso faz uso de argumentos de exemplo fundados ora na sua experiecircncia ldquoera

o mundinho delasrdquo ldquoeram coisas que elas estatildeo acostumadasrdquo ldquodo cotidianordquo ora na

atividade desenvolvida pela professora do viacutedeo ldquode faz de conta ali que elas

vivenciaramrdquo Esse movimento discursivo mostra que a professora se identificou mais

com a atividade da segunda sessatildeo reflexiva pois estava circunscrita agrave brincadeira de

faz de conta mais proacutexima da realidade das crianccedilas No entanto as educadoras

continuam se posicionando a partir de dois elementos ndash as experiecircncias circunscritas ao

trabalho desenvolvido na creche e a atividade analisada

Claacuteudia ingressa no fluxo argumentativo de Fabiana e declara ldquoeu penso o

mesmo que elardquo fazendo uso do pronome ldquomesmordquo e do pronome pessoal de terceira

pessoa do singular ldquoelardquo para mostrar que sua anaacutelise vai ao encontro da perspectiva de

Fabiana Ao produzir seu enunciado a partir da voz da outra a professora concede agrave

mesma poder maior do que teria como representaccedilatildeo proacutepria em uma tentativa de dar

maior credibilidade ao que vai anunciar Apesar de ancorar seu enunciado na palavra

alheia a educadora traz outros elementos para a cena enunciativa (30) ldquoeu acho que a

professora se colocou natildeo impocircs mais o que seria feito eu jaacute achei que na de hoje as

crianccedilas ficaram mais livremente brincandordquo No seu turno faz uso duas vezes do

modalizador ldquoeu acho eu jaacute acheirdquo para dizer sobre a atividade analisada destacando

que a professora do viacutedeo se ldquocolocou natildeo impocircsrdquo e que ldquoas crianccedilas ficaram mais

livremente brincandordquo

Baseada nos enunciados das professoras Leacutea (31) faz um questionamento que

tem efeito conclusivo que pode ser notado linguisticamente com o uso no iniacutecio da

questatildeo do operador ldquoentatildeordquo ldquoentatildeo a gente pode dizer que as crianccedilas estavam

construindo o conhecimento de forma mais interativa mais ricardquo A pesquisadora

faz tambeacutem uso do decircitico pessoal ldquoa genterdquo e da expressatildeo ldquopode dizerrdquo (pode +

infinitivo) modalizando e aproximando sua conclusatildeo agraves das professoras O relato

interativo ressalta o grau de implicaccedilatildeo que Leacutea deseja imprimir entre participantes

compartilhando a crenccedila de que a atividade possibilitou a produccedilatildeo de conhecimentos

para as crianccedilas porque foi mais interativa Claacuteudia em seu turno (32) sinaliza que a

pesquisadora conseguiu a adesatildeo do grupo quando diz ldquoisso isso mesmordquo

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 164

ILKA SCHAPPER SANTOS

Depois disso a pesquisadora procurando tecer uma relaccedilatildeo entre os elos da

Cadeia Criativa pergunta (33) ldquoo que vocecirc observa da primeira atividade da semana

passada dessa semana o que te chamou mais atenccedilatildeordquo Tal questionamento poderia

possibilitar agraves participantes refletirem sobre diferentes atividades que tecircm como

referente o mesmo tema poreacutem no caso tratado natildeo consegue alcanccedilar seu objetivo

Diante da questatildeo levantada Mirela (36) enfatiza que a professora do viacutedeo da

sessatildeo anterior priorizou o trabalho das formas geomeacutetricas desfocando a produccedilatildeo do

conhecimento da crianccedila para o que a matildee iria pensar sobre o produto da atividade isso

se explicita no enunciado ldquoigual ela deu as formas geomeacutetricas para elas fazerem

qualquer coisa com as crianccedilas algumas colocaram aleatoriamente ela olhando ela

olhava e falava assim - Meu Deus que seraacute isso o que que a matildee vai ver em

casardquo Ao verbalizar sua fala interior (ldquoMeu Deus que seraacute isso o que que a matildee vai

ver em casardquo) Mirela expressa o conflito entre dois tipos de discurso o de autoridade e

o internamente persuasivo Para Bakhtin (1983 p 344) ldquoos discursos de autoridade

podem contemplar vaacuterios conteuacutedos a autoridade como tal ou a autoridade da

tradiccedilatildeo das verdades genericamente aceitas da linha oficial e outras autoridades

similaresrdquo Grosso modo o discurso de autoridade pode ser anaacutelogo agrave terceira voz ou a

uma terceira pessoa que na discussatildeo bakhtiniana (citado em Cheyne e Tarulli 2004 p

6) ldquoeacute um tipo de autoridade cuja compreensatildeo responsiva idealizada assume vaacuterias

expressotildees ideoloacutegicas tais como Deus a verdade absoluta o mundo da consciecircncia

racional as pessoas a histoacuteria a ciecircncia e assim por dianterdquo Na avaliaccedilatildeo de Mirela

a referecircncia agrave matildee aparece como outra voz de autoridade que deve ser considerada

Mirela parece pois reconhecer um conflito vivenciado pela professora do viacutedeo da

sessatildeo anterior entre os seus objetivos pedagoacutegicos e a avaliaccedilatildeo da atividade apoiada

sobre sua obrigaccedilatildeo social que se funda em ldquoo que a matildee vai ver em casardquo

No turno seguinte (37) a pesquisadora Patriacutecia levanta uma questatildeo que

pretende novamente relacionar duas atividades no interior da Cadeia Criativa ldquoe aiacute

voltando nesse confronto de uma atividade com a outra qual atividade vocecircs acham

que contribuiu para a construccedilatildeo da autonomia da crianccedilardquo A retomada do

questionamento sinaliza a preocupaccedilatildeo da pesquisadora em possibilitar um espaccedilo de

reflexatildeo fundada nas duas atividades Em uma univocidade de vozes todas as

professoras concordam que a segunda atividade analisada propiciou um espaccedilo de

desenvolvimento da autonomia das crianccedilas (38) ldquoa de hoje sem sombra de duacutevida a

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 165

ILKA SCHAPPER SANTOS

de hojerdquo A reincidecircncia da escolha lexical ldquohojerdquo como decircitico temporal demarca

essa posiccedilatildeo No entanto natildeo foram compartilhados os sentidos-significados de

autonomia no interior do grupo

Em (39) Leacutea levanta uma questatildeo que procura a partir de exemplos

materializar a assertiva de que a atividade do dia foi a que oportunizou o

desenvolvimento da autonomia das crianccedilas ldquodaacute para vocecircs citarem situaccedilotildees

especiacuteficas onde vocecircs observaram essa construccedilatildeo da autonomiardquo A explicaccedilatildeo de

Mirela em (40) ldquodesde o momento em que ela deixou elas escolherem os cantinhosrdquo

demarca que a livre escolha dos cantinhos sem a imposiccedilatildeo da professora eacute um

importante dado para a defesa da tese de que houve o desenvolvimento da autonomia

Aleacutem disso a participante traz outra explicaccedilatildeo a partir do operador ldquoporquerdquo agora

sob a oacutetica do faz de conta ldquoporque eacute aonde eles se sentem mais agrave vontade para que o

faz de conta se desenvolvardquo

Neste excerto observamos a busca das pesquisadoras em relacionar as

atividades no interior dos elos da Cadeia Criativa A estrateacutegia principal das

pesquisadoras foi promover um espaccedilo em que as professoras pudessem por meio da

relaccedilatildeo entre duas atividades nos elos da Cadeia Criativa produzir-compartilhar novos

significados em relaccedilatildeo ao tema tratado

De alguma maneira a anaacutelise do excerto mostra que as pesquisadoras natildeo

levantam questotildees que possam desestabilizar os significados rotinizados apresentados

pelas professoras Isso pode ter ocorrido por conta de uma dificuldade em compreender

que a intersecccedilatildeo entre os elos da cadeia soacute se materializa diante de uma argumentaccedilatildeo

colaborativa (Liberali 2004) Nesse episoacutedio daacute para inferir que assim como as

professoras na suas argumentaccedilotildees sobre o tema tratado as pesquisadoras trazem uma

apropriaccedilatildeo muito incipiente do que seria uma colaboraccedilatildeo criacutetica mediada pelos

significados que emergem no interior do grupo Em uma Pesquisa Criacutetica de

Colaboraccedilatildeo (Magalhatildees 2002 2006 2009) teoricamente fundamentada e com os

conceitos devidamente apropriados os pesquisadores levantariam questionamentos do

sentido-significado cristalizado (Magalhatildees 2009 p 55) para possibilitar a produccedilatildeo

conjunta de novos significados

Em siacutentese a argumentaccedilatildeo desenvolvida entre pesquisadoras e professoras natildeo

permitiu a ressignificaccedilatildeo dos sentidos e significados sobre a temaacutetica no interior da

Cadeia Criativa pois natildeo houve uma ampliaccedilatildeo do campo argumentativo de ambas

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 166

ILKA SCHAPPER SANTOS

sobre o assunto Os argumentos natildeo chegam a ser explorados continuam transitando em

sentidos e significados conhecidos haacute muito pelo grupo Mais uma vez faltam

intervenccedilotildees que tragam a siacutentese dialeacutetica entre perspectivas teoacutericas relacionadas agraves

accedilotildees descritas e que possibilitariam aprofundar as visotildees de mundo acerca da temaacutetica

tratada

413 ndash 3ordf Sessatildeo Reflexiva Analisada ndash dia 04 de setembro de 2006

Os excertos que se seguem foram recortados da quinta sessatildeo reflexiva com as

quatro educadoras da creche e uma pesquisadora do GP EFoPI a Patriacutecia no dia 04 de

setembro de 2006 A coordenadora da pesquisa Leacutea natildeo pocircde participar do encontro

por conta de doenccedila em famiacutelia

O viacutedeo analisado trata de uma atividade desenvolvida numa escola de educaccedilatildeo

infantil de Portugal O viacutedeo foi disponibilizado pela professora Juacutelia Formosinho da

Universidade do Minho Doutora em Estudos da Crianccedila com tese sobre o

desenvolvimento profissional das educadoras da infacircncia Nesse periacuteodo a professora

havia dado uma consultoria ao GP EFoPI jaacute que o referido grupo de pesquisa fazia

parte junto com a professora Dra Kishimoto da Universidade de Satildeo Paulo (USP) de

uma rede de pesquisadores sob a orientaccedilatildeo da professora Juacutelia Formosinho O objetivo

da sessatildeo era mostrar agraves educadoras das creches outras possibilidades de organizaccedilatildeo

dos espaccedilos para as brincadeiras Aleacutem disso pretendia possibilitar que elas refletissem

sobre modos e maneiras de o educador intervir na brincadeira livre Tomemos o 1ordm

recorte

1ordm excerto

(1) Patriacutecia Essa eacute uma escola laacute de Portugal ateacute aqueles pesquisadores estiveram

aqui Lembram que a Leacutea falou com vocecircs que eles vinham para o foacuterum de educaccedilatildeo

infantil

Todas as professoras respondem que lembram

(2) Patriacutecia Pois eacute eacute a Juacutelia Formosinho e essa escola eacute uma escola que eles fazem

um trabalho laacute que fazem a formaccedilatildeo em contexto com os professores das creches E

essa escola tambeacutem pertence a uma rede de formaccedilatildeo em contexto que tem aqui no

Brasil tambeacutem na USP com a Tizuko e a Leacutea tambeacutem participa dessa rede Entatildeo eacute

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 167

ILKA SCHAPPER SANTOS

uma filmagem bem interessante e acho que vocecircs vatildeo gostar (abre um sorriso)

Depois de as professoras assistirem agrave filmagem a pesquisadora retoma a fala

(3) Patriacutecia E aiacute vamos descrever o que vocecircs viram na filmagem Quem quer

comeccedilar falar sobre o que escreveu

(4) Mirela Nossa eacute uma escola de sonho neacute

(5) Claacuteudia Ai Podia ser aqui Entatildeo eacute eu coloquei assim Eu percebi que eacute uma

escola onde as crianccedilas interagiam o tempo todo com o meio Que elas iam

experimentando coisas novas o tempo todo E que os trabalhos eram feitos em

oficinas bem estruturadas que permitiam agraves crianccedilas exteriorizarem suas vivecircncias A

professora mediava quando lhe era conveniente e cada crianccedila podia escolher o seu

brinquedo pois havia uma grande diversidade destes (Ela balanccedila a cabeccedila de forma

positiva sorrindo e olhando para a Patriacutecia) O que natildeo acontece aqui com a gente

(6) Mirela Aiacute fica muito faacutecil neacute

(7) Claacuteudia Eacute

(8) Fabiana O nosso projeto da creche com a nossa oficina que noacutes temos quando

noacutes explicamos para vocecircs que noacutes trabalhaacutevamos com oficinas era mais ou menos

eu acho que a ideia seria ser mais ou menos daquele tipo as oficinas Porque noacutes

temos aqui a oficina de casinha que laacute seria a oficina do faz de conta Soacute que o nosso

espaccedilo natildeo eacute tatildeo adequado natildeo se tem um espaccedilo como se tem laacute Eu acho ateacute que de

repente pelo fato cultural que a gente vive que natildeo daacute aquele sonho todo que tem ali

A nossa realidade eacute bem diferente Noacutes natildeo temos tantos brinquedos como passa ali

natildeo tem condiccedilotildees de ter A oficina de jogos nossa nossa sala de jogo eacute satildeo poucos

brinquedos quando a crianccedila vai chegando certa fase do ano a crianccedila jaacute estaacute cansada

de ver aqueles jogos jaacute natildeo estatildeo se interessando mais com aqueles jogos Mas eu

acho que eacute o que se sonhou aqui para dentro da creche com as nossas oficinas

(9) Claacuteudia No nosso caso assim o que acontece no nosso caso Eacute que trabalhar

com a oficina quer dizer eu gosto natildeo sei vocecircs eu gosto porque muda mas o que

nos barra eacute agraves vezes o espaccedilo fiacutesico que se tem nas unidades num daacute conta Se

precisar de uma biblioteca para eles ficarem mais agrave vontade para trabalhar com a

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 168

ILKA SCHAPPER SANTOS

leitura com os livrinhos

Neste recorte as educadoras da creche comentam um viacutedeo de uma escola em

Portugal O objetivo era retomar a discussatildeo da organizaccedilatildeo das salas de atividades de

educaccedilatildeo infantil por meio dos cantinhos

A pesquisadora Patriacutecia inicia seu turno contextualizando a origem da atividade

a ser analisada Para isso faz referecircncia ao lugar fiacutesico onde ocorreu (1) ldquoEssa eacute uma

escola laacute de Portugalrdquo fazendo uso de dois decirciticos espaciais o pronome

demonstrativo ldquoessardquo e o adveacuterbio de lugar ldquolaacuterdquo Aleacutem disso utiliza o argumento de

autoridade para tecer seu questionamento ldquolembram que a Leacutea falou com vocecircs que

eles vinham para o foacuterum de educaccedilatildeo infantilrdquo Nesse movimento a pesquisadora

busca no exoacuterdio apresentar o contexto de produccedilatildeo em que a atividade foi

desenvolvida e as diferentes interlocuccedilotildees em que o GP EFoPI estaacute inserido Patriacutecia

retoma o turno em (2) para aprofundar o contexto de produccedilatildeo e no seu discurso faz

uso de duas marcas de interaccedilatildeo a retomada de vozes anteriores por meio de

explicaccedilatildeo ldquoPois eacute eacute a Juacutelia Formosinho e essa escola eacute uma escola que eles fazem

um trabalho laacute que fazem a formaccedilatildeo em contexto com os professores das creches E

essa escola tambeacutem pertence a uma rede de formaccedilatildeo em contexto que tem aqui no

Brasil tambeacutem na USP com a Tizuko e a Leacutea tambeacutem participa dessa rede Entatildeo eacute

uma filmagem bem interessante e acho que vocecircs vatildeo gostar (abre um sorriso)rdquo

Depois no turno seguinte Patriacutecia (3) pergunta quem gostaria de descrever a

atividade da filmagem Mirela responde (4) que ldquoeacute uma escola de sonhordquo Com essa

resposta a professora sinaliza para a pesquisadora a distacircncia entre a realidade da

creche em que atua e a realidade circunscrita agrave atividade analisada Mostra tambeacutem

com a expressatildeo como o contexto analisado estaacute no campo do idealizado

Claacuteudia continua a interlocuccedilatildeo na esfera do desejado com a expressatildeo (5) ldquoAi

Podia ser aquirdquo Ao usar o verbo poder no preteacuterito imperfeito do modo indicativo

mostra na enunciaccedilatildeo um fato do qual natildeo tem certeza quanto agraves probabilidades de

realizaccedilotildees futuras Desse modo se isenta de compartilhar com o grupo possibilidades

de no futuro desenvolver um trabalho na creche que traga esses novos significados

compartilhados por meio das atividades assistidas no viacutedeo

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 169

ILKA SCHAPPER SANTOS

Na continuidade de seu turno Claacuteudia destaca outros elementos que jaacute haviam

sido tratados em interlocuccedilotildees anteriores a) interaccedilatildeo entre as crianccedilas (ldquoeu percebi

que eacute uma escola onde as crianccedilas interagiam o tempo todordquo) b) mediaccedilatildeo da

professora (ldquoA professora mediava quando lhe era convenienterdquo) c) escolha livre dos

brinquedos pelas crianccedilas (ldquocada crianccedila podia escolher o seu brinquedordquo) A

professora retoma nessa sessatildeo expressotildees que satildeo proacuteprias do campo lexical da

perspectiva teoacuterica soacutecio-histoacuterico-cultural ndash ldquomediarrdquo e ldquointeragirrdquo No entanto mais

uma vez parece natildeo compartilhar com a pesquisadora segundo a perspectiva teoacuterica

mencionada os significados desses verbetes Aqui tambeacutem a pesquisadora natildeo fez

intervenccedilotildees em que esses elementos pudessem ser questionados e por conseguinte

pudessem ter os seus significados esclarecidos para a professora Ou seja natildeo criou

espaccedilo para que as professoras internalizassem os significados dos verbetes

mencionados sob a oacutetica da perspectiva soacutecio-histoacuterico-cultural

Aleacutem disso a pesquisadora natildeo promoveu o confronto entre os sentidos trazidos

que no quadro enunciativo se configuram como ideias inadequadas para se aproximar

das ideias adequadas e aumentar a potecircncia de pensaragir das professoras (conatus)

(Spinoza 16772005) no contexto da discussatildeo

Outro ponto que chama atenccedilatildeo na fala de Claacuteudia eacute que ela destaca a

diversidade de brinquedos na creche onde a atividade foi desenvolvida marcando em

seu discurso que isso natildeo ocorre na creche em que atua (ldquoo que natildeo acontece aqui com

a genterdquo) O adveacuterbio de negaccedilatildeo ldquonatildeordquo o decircitico espacial e o decircitico de pessoa ldquoaquirdquo

e ldquoa genterdquo respectivamente demarcam linguisticamente essa inferecircncia Se pensarmos

que a crianccedila na brincadeira no vieacutes histoacuterico-cultural reinventa o real por meio de

objetos em que seus significados satildeo modificados natildeo procede a justificativa da

professora de que na creche natildeo haacute muitos brinquedos Como explica Vygotsky

(19301991) um cabo de vassoura na situaccedilatildeo imaginaacuteria vira um cavalo Ou seja na

situaccedilatildeo do faz de conta a crianccedila atribui a um mesmo brinquedo diferentes

significados e diferentes papeacuteis

Fabiana em (8) continua explicando as relaccedilotildees entre a oficina desenvolvida na

atividade analisada e as que costumam realizar na creche concluindo que na esfera do

idealizado as propostas satildeo muito proacuteximas ldquoquando noacutes explicamos para vocecircs que

noacutes trabalhaacutevamos com oficinas era mais ou menos eu acho que a ideia seria ser

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 170

ILKA SCHAPPER SANTOS

mais ou menos daquele tipo as oficinasrdquo A professora usa a estrutura modalizada ldquoeu

achordquo assim como a expressatildeo ldquomais ou menosrdquo para tecer essas aproximaccedilotildees

Esse movimento discursivo pautado na intersecccedilatildeo entre a oficina desenvolvida

no viacutedeo e aquelas realizadas pelas educadoras no cotidiano das creches mostra que no

campo do idealizado natildeo haacute grandes diferenccedilas quanto agrave estrutura do trabalho No

entanto as professoras trazem algumas restriccedilotildees quanto agraves aproximaccedilotildees declaradas

isso fica expliacutecito linguiacutesticamente com o uso do operador ldquosoacuterdquo e do decircitico espacial

ldquolaacuterdquo ldquosoacute que o nosso espaccedilo natildeo eacute tatildeo adequado natildeo se tem um espaccedilo como se tem

laacuterdquo Para ampliar sua argumentaccedilatildeo Fabiana utiliza um argumento pragmaacutetico ldquoa

nossa realidade eacute bem diferente Noacutes natildeo temos tantos brinquedos como passa ali

natildeo tem condiccedilotildees de terrdquo explicando que a diferenccedila entre a oficina assistida no viacutedeo

e as que realizam na creche estaacute na escassez de brinquedos tendo isso uma

consequecircncia direta para as accedilotildees que perpassam as atividades desenvolvidas nas

oficinas Aqui a professora na justificativa alia a escassez dos brinquedos ao espaccedilo

inadequado Ocorre que a creche tem espaccedilos internos e externos amplos e isso natildeo foi

explicitado como um questionamento a elas

Seguindo seu movimento argumentativo a professora usa novamente o

argumento pragmaacutetico fechando ainda mais a argumentaccedilatildeo ldquosatildeo poucos brinquedos

quando a crianccedila vai chegando certa fase do ano a crianccedila jaacute estaacute cansada de ver

aqueles jogos jaacute natildeo estatildeo se interessando mais com aqueles jogosrdquo Mais uma vez a

questatildeo da escassez dos brinquedos eacute usada como justificativa para as professoras natildeo

realizarem atividades similares agraves assistidas no viacutedeo Nesse contexto a pesquisadora

natildeo levantou questotildees sobre quais os tipos de brinquedos satildeo disponibilizados na

creche nem promoveu reflexotildees sobre como as professoras poderiam desenvolver

atividades por meio desses brinquedos

Finalizando seu enunciado a professora volta a pautar seu discurso no campo do

idealizado Usa o operador argumentativo ldquomasrdquo e o modalizador ldquoeu achordquo para dizer

que as educadoras da creche ldquosonharamrdquo com a organizaccedilatildeo das oficinas de modo

similar agrave que foi apresentada no viacutedeo pelo GP EFoPI ldquomas eu acho que eacute o que se

sonhou aqui para dentro da creche com as nossas oficinasrdquo Ao pautar novamente

seu discurso no campo do idealizado a professora rompe com a possibilidade de refletir

sobre o que se ldquosonhourdquo e o que elas poderiam realizar a partir do idealizado

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 171

ILKA SCHAPPER SANTOS

Claacuteudia no turno seguinte (9) continua a interlocuccedilatildeo fazendo uso tambeacutem do

argumento pragmaacutetico ldquoeacute que trabalhar com a oficina quer dizer eu gosto natildeo sei

vocecircs eu gosto porque muda mas o que nos barra eacute agraves vezes o espaccedilo fiacutesico que se

tem nas unidades num daacute contardquo e do argumento de exemplo ldquose precisar de uma

biblioteca para eles ficarem mais agrave vontade para trabalhar com a leitura com os

livrinhosrdquo

Neste excerto os recursos argumentativos utilizados pelas professoras em

especial os argumentos pragmaacuteticos e de exemplos promovem pouco espaccedilo de

discussatildeo uma vez que as educadoras expressam ideias concluiacutedas sobre os empecilhos

de se realizar na creche atividades similares agraves apresentadas no viacutedeo Assim natildeo foi

possiacutevel estabelecer um espaccedilo de criticidade em que os sentidos dos participantes

pudessem ser apresentados e por conseguinte novos significados produzidos

Na sequecircncia a pesquisadora Patriacutecia continua trabalhando com a organizaccedilatildeo

dos espaccedilos das salas de atividades buscando criar um espaccedilo de reflexatildeo sobre as

possibilidades de reestruturar os espaccedilos instituiacutedos na creche em especial aqueles

destinados agraves brincadeiras

2ordm Excerto

(10) Patriacutecia Na semana passada a gente trabalhou com a organizaccedilatildeo da sala A gente

tambeacutem escolheu essa fita para a gente ‟tar mais uma vez trabalhando mais uma vez

com a questatildeo dessa organizaccedilatildeo Vocecircs viram que tinha brinquedos aqueles de

construccedilotildees que satildeo de madeira que isso a gente pode ‟tar conseguindo sim

(11) Fabiana Eacute meu incocircmodo eacute como as meninas falaram eacute que tem umas questotildees

dessas transformaccedilotildees que muitas vezes a gente esbarra eacute no outro processo que natildeo

depende soacute de noacutes mesmas entendeu Eu natildeo acredito que seja soacute aqui que seja em

qualquer escola ou creche Que se esbarra muitas vezes a professora na sala ela quer

ateacute fazer esses cantinhos da leitura mas tem os outros processos Igual noacutes nossas

salas agraves vezes viram sala de repouso natildeo pode se ocupar o espaccedilo todo porque tem os

repousos porque tem que deixar esses espaccedilos para isso entendeu Entatildeo natildeo daacute

(12) Patriacutecia Entatildeo isso eacute uma determinaccedilatildeo da AMAC

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 172

ILKA SCHAPPER SANTOS

(13) Fabiana Agraves vezes a gente pode ateacute pensar em modificar mas aiacute com certeza natildeo

seria uma decisatildeo somente da professora da sala tem que ser uma decisatildeo em conjunto

com todas as unidades de todas as creches

(14) Patriacutecia Mas como vocecircs pensam sobre a organizaccedilatildeo da sala o que vocecircs

pensam sobre isso Como que deveria ser feita essa organizaccedilatildeo

(15) Mirela Eu acho que deveria ter mais brinquedos mais uma sala para a televisatildeo

porque do jeito que ‟taacute cada oficina em uma sala natildeo eacute ruim porque se colocar tudo

igual ali ali eacute porque o espaccedilo eacute enorme agora imagina a sua sala com jogos com

televisatildeo como que seria no nosso pequeno espaccedilo Assim casinha jogos teria que ter

assim mais salas para poder ‟tar dividindo a televisatildeo ter assim uma biblioteca

(16) Patriacutecia Entatildeo assim o que vocecircs colocam como dificuldades de estar fazendo

essas aacutereas na sala

(17) Claacuteudia O espaccedilo

(18) Mirela E a gente esbarra tambeacutem que aqui na creche tudo eacute padronizado entatildeo se

fizer aqui a gente tem que tem que fazer em todas

(19) Fabiana Eacute tem que ‟tar comunicando porque eacute a instituiccedilatildeo e a instituiccedilatildeo tem

vaacuterias unidades e aiacute natildeo depende somente da gente depende de toda uma poliacutetica

(20) Mirela Tanto que hoje eu percebo que o pedagogo tinha que fazer parte dessas

reuniotildees (as sessotildees reflexivas) para ele poder ‟tar vendo as mudanccedilas necessaacuterias

(21) Mirela Ela (a coordenadora) teria que estar aqui para ver as mudanccedilas para ver

uma fita dessas para poder ‟tar levando para o programa Seria muito interessante

(22) Patriacutecia O pedagogo aqui

(23) Patriacutecia Por que os projetos satildeo feitos pelas pedagogas E aiacute encaminham para

vocecircs

(24) Mirela Uma vez por mecircs eacute feito as reuniotildees para elaboraccedilatildeo desse projeto soacute que

desce vai uma funcionaacuteria de cada creche vai laacute embaixo na AMAC e se reuacutene para

fazer a construccedilatildeo desse projeto Aiacute o que se decide laacute eacute impresso e mandado para todas

as unidades Soacute que aiacute satildeo datas fechadas os temas que definem os projetos satildeo

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 173

ILKA SCHAPPER SANTOS

fechados os temas satildeo enviados Muitas vezes acaba fugindo do que a gente gostaria de

‟tar trabalhando aqui da forma que a gente gostaria que fosse e tem que complementar

com o projeto que foi feito Natildeo eacute que a gente natildeo possa ‟tar trabalhando o que a gente

gostaria mas talvez se fechasse o tema e a gente pudesse elaborar do nosso jeito com a

nossa realidade ficaria melhor

Patriacutecia inicia seu turno (10) retomando o trabalho da sessatildeo anterior em que o

assunto era a organizaccedilatildeo da sala de atividades da educaccedilatildeo infantil ldquona semana

passada a gente trabalhou com a organizaccedilatildeo da salardquo Eacute interessante notar que a

oradora busca com o uso do decircitico de pessoa ldquoa genterdquo implicar os interlocutores no

trabalho de reflexatildeo usando a marca de interaccedilatildeo intitulada neste trabalho de retomada

de vozes anteriores Esse movimento eacute interessante pois sinaliza a preocupaccedilatildeo da

pesquisadora em ser coerente com o trabalho colaborativo Depois faz um

questionamento que visa a promover uma reflexatildeo sobre as possibilidades de se

conseguir realizar um trabalho de reorganizaccedilatildeo do espaccedilo e de se conseguir aumentar o

nuacutemero de brinquedos na creche ldquovocecircs viram que tinha brinquedos aqueles de

construccedilotildees que satildeo de madeira que isso a gente pode ‟tar conseguindordquo Para isso

faz uso do decircitico espacial ldquoaquelesrdquo procurando indicar que os brinquedos de

construccedilotildees natildeo satildeo difiacuteceis de serem adquiridos

Esse movimento argumentativo da pesquisadora eacute importante jaacute que traz

alternativas para a justificativa das professoras em relaccedilatildeo agrave escassez dos brinquedos

procurando instigar as professoras a refletirem sobre outras possibilidades de aquisiccedilatildeo

de mais brinquedos para a creche No entanto apesar da provocaccedilatildeo da oradora as

professoras retomam os argumentos pautados na impossibilidade e falta de autonomia

delas em transformar os espaccedilos instituiacutedos na creche

Mais uma vez as professoras estruturam seu corpus argumentativo em

argumento pragmaacutetico e de exemplo O argumento pragmaacutetico se materializa no

discurso de Fabiana (11) quando ela diz ldquomeu incocircmodo eacute como as meninas falaram

eacute que tem umas questotildees dessas transformaccedilotildees que muitas vezes a gente esbarra eacute no

outro processo que natildeo depende soacute de noacutes mesmas entendeurdquo Nesse movimento

argumentativo a professora faz uso da marca de interaccedilatildeo retomada de vozes anteriores

(ldquocomo as meninas falaramrdquo) fechando mais uma vez seu discurso O fluxo

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 174

ILKA SCHAPPER SANTOS

argumentativo fica circunscrito a um discurso da impossibilidade de delegar a outras

instacircncias o poder de transformar os espaccedilos instituiacutedos ldquonatildeo depende soacute de noacutes

mesmasrdquo

A educadora continua seu enunciado com o argumento de exemplo ldquonossas

salas agraves vezes viram sala de repouso natildeo pode se ocupar o espaccedilo todo porque tem

os repousos porque tem que deixar esses espaccedilos para issordquo Os dois tipos de

argumentos utilizados pela professora tecircm um efeito de ineacutercia no grupo que emudece

pois traz uma ideia concluiacuteda (argumento pragmaacutetico) apresentando um argumento de

exemplo que daacute agrave situaccedilatildeo o estatuto de fato inquestionaacutevel

A pesquisadora percebe a rotativa discursiva das educadoras e formula uma

questatildeo controversa para o grupo (12) ldquoentatildeo isso eacute uma determinaccedilatildeo da AMACrdquo

Com o uso do decircitico espacial ldquoissordquo busca assinalar na enunciaccedilatildeo da professora o

ponto de referecircncia em que seus argumentos estatildeo pautados Traz uma questatildeo

controversa para o grupo desvelando a gecircnese dos impedimentos prescritos qual seja

ldquouma determinaccedilatildeo da AMACrdquo Subjaz a essa questatildeo controversa uma outra ldquoum

impedimento de transformaccedilatildeo do espaccedilo por conta da AMACrdquo Desse modo a

pesquisadora procura promover no grupo uma zona de colaboraccedilatildeo e criticidade

buscando possibilitar um espaccedilo de reflexatildeo criacutetica em que todos possam tecer

comentaacuterios e discussotildees Isso porque no interior das discussotildees as educadoras jaacute

haviam mencionado sobre como o oacutergatildeo ao qual satildeo vinculados procura padronizar os

espaccedilos as accedilotildees pedagoacutegicas e os horaacuterios de todas as 23 creches do municiacutepio

Diante da questatildeo formulada pela pesquisadora Fabiana (13) usa a marca de

interaccedilatildeo colocaccedilatildeo de problema ldquoagraves vezes a gente pode ateacute pensar em modificar mas

aiacute com certeza natildeo seria uma decisatildeo somente da professora da sala tem que ser

uma decisatildeo em conjunto com todas as unidades de todas as crechesrdquo O uso do ldquoa

genterdquo como decircitico pessoal inclusivo mostra que a professora envolve o grupo de

educadoras na sua argumentaccedilatildeo Depois usa o operador argumentativo ldquoateacuterdquo (ateacute

mesmo inclusive) assinalando um argumento mais forte dentro da perspectiva da

mudanccedila na organizaccedilatildeo das salas de atividades da creche e por fim haacute no seu

discurso a reincidecircncia do operador ldquotodasrdquo na tentativa de fazer uma afirmaccedilatildeo plena

A professora parece escolher tais operadores para indicar a partir da forccedila

argumentativa do seu enunciado uma direccedilatildeo uma explicaccedilatildeo plausiacutevel que justifique a

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 175

ILKA SCHAPPER SANTOS

dificuldade de transformaccedilatildeo dos espaccedilos disponibilizados para o desenvolvimento da

brincadeira na creche

Atenta ao processo criacuteticondashreflexivo a pesquisadora Patriacutecia (14) tece o seguinte

questionamento ldquoMas como vocecircs pensam sobre a organizaccedilatildeo da sala o que vocecircs

pensam sobre isso Como que deveria ser feita essa organizaccedilatildeordquo Assim pretende

fazer com que as professoras a partir dos questionamentos que formula pensem em

possiacuteveis mudanccedilas relativas agrave organizaccedilatildeo das salas de atividades e por conseguinte

transformaccedilotildees dos espaccedilos para as brincadeiras A intervenccedilatildeo revela a preocupaccedilatildeo da

pesquisadora em compreender os pontos de vista que sustentam o modo como as

professoras veem a questatildeo buscando identificar as possiacuteveis teorias que embasam suas

reflexotildees e os possiacuteveis valores que estatildeo por traacutes delas O movimento discursivo estaacute

pautado segundo Smyth (1992) no informar pois possibilita promover explicaccedilotildees que

mostrem as bases teoacutericas sobre o tema em debate Eacute no interior desse fluxo

argumentativo que se pode abrir caminhos para o confrontar (Liberali 2008a p 60)

Assim mais uma vez as professoras destacam elementos de mudanccedilas na esfera

do idealizado e em accedilotildees que transcendem as possibilidades que lhes competem Isso

fica expliacutecito no turno (15) de Mirela ldquoeu acho que deveria ter mais brinquedos mais

uma sala para a televisatildeo porque do jeito que ‟taacute cada oficina em uma sala natildeo eacute

ruim porque se colocar tudo igual ali ali eacute porque o espaccedilo eacute enorme agora imagina

a sua sala com jogos com televisatildeo como que seria no nosso pequeno espaccedilo Assim

casinha jogos teria que ter assim mais salas para poder ‟tar dividindo a televisatildeo

ter assim uma bibliotecardquo No movimento discursivo a professora destaca os objetos

que deveriam ser adquiridos e os espaccedilos que deveriam ser criados para que se pudesse

pensar em alguma mudanccedila Desse modo natildeo consegue vislumbrar mudanccedilas no

interior das condiccedilotildees materiais em que se encontra Linguiacutesticamente isso fica

demarcado no iniacutecio do turno quando usa a locuccedilatildeo verbal ldquodeveria terrdquo

A rotatividade discursiva se reapresenta na retomada de turno da pesquisadora

(16) que tece mais uma questatildeo controversa com ecircnfase nas dificuldades e natildeo nas

possibilidades ldquoentatildeo assim o que vocecircs colocam como dificuldades de estar fazendo

essas aacutereas na salardquo Diante do questionamento a educadora reponde (17) ldquoo espaccedilordquo

Eacute interessante notar que as professoras escapam do movimento de compartilhar

seus significados sobre a questatildeo discutida e como poderiam refletir sobre o que fazer

focando as impossibilidades na poliacutetica de padronizaccedilatildeo das creches e na necessidade da

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 176

ILKA SCHAPPER SANTOS

participaccedilatildeo dos pedagogos da AMAC nas sessotildees reflexivas Isso pode ser percebido

nos turnos (18) (19) (20) e (21) das educadoras Mirela e Fabiana

Nos turnos citados as professoras usam o argumento de exemplo para

discorrerem sobre a padronizaccedilatildeo das atividades e dos espaccedilos das creches e a

importacircncia de a equipe pedagoacutegica participar das sessotildees reflexivas (18) ldquoa gente

esbarra tambeacutem que aqui na creche tudo eacute padronizado entatildeo se fizer aqui a gente

tem que tem que fazer em todasrdquo Primeiro a professora explica que ldquotudo eacute

padronizadordquo depois faz uso do ldquoentatildeordquo para concluir que ldquotem que fazer em todasrdquo

(as 23 creches do municiacutepio) (19) ldquotem que ‟tar comunicando porque eacute a instituiccedilatildeo

e a instituiccedilatildeo tem vaacuterias unidades e aiacute natildeo depende somente da gente depende de

toda uma poliacuteticardquo (20) ldquotanto que hoje eu percebo que o pedagogo tinha que fazer

parte dessas reuniotildees (as sessotildees reflexivas) para ele poder ‟tar vendo as mudanccedilas

necessaacuteriasrdquo (21) ldquoela (a coordenadora) teria que estar aqui para ver as mudanccedilas

para ver uma fita dessas para poder ‟tar levando para o programa Seria muito

interessanterdquo

O enunciado da educadora traz as marcas do discurso oficial monologizante

Como definiu Bakhtin (apud Nystrand et al 1997 p 12) ldquoo monologismo em seu

extremo nega a existecircncia de outra consciecircncia fora de si com direitos e

responsabilidades iguais O monoacutelogo eacute finalizador e surdo agrave resposta do outro ()

deseja ser a uacuteltima palavrardquo Assim usam as vozes oficiais da instituiccedilatildeo como

subterfuacutegio de explicar suas impossibilidades de transformaccedilotildees e mudanccedilas Apesar de

o oacutergatildeo governamental tentar controlar as accedilotildees no interior das creches seria importante

as educadoras perceberem que podem superar a imposiccedilatildeo e alienaccedilatildeo em seus modos e

maneiras de transformar aquilo que estaacute dentro de seu campo de accedilatildeo

Mirela explica em (24) por meio do argumento de exemplo que os projetos satildeo

elaborados mensalmente com uma representante de cada creche ldquouma vez por mecircs eacute

feito as reuniotildees para elaboraccedilatildeo desse projeto soacute que vai uma funcionaacuteria de cada

creche vai laacute pra baixo na AMAC e se reuacutene para fazer a construccedilatildeo desse projeto

Aiacute o que se decide laacute eacute impresso e mandado para todas as unidades Soacute que aiacute eacute satildeo

datas fechadas os temas que definem os projetos satildeo fechados os projetos satildeo

enviados para as crechesrdquo Com o argumento de que os projetos chegam prontos e satildeo

unificados para as 23 creches a explicaccedilatildeo da educadora serve mais uma vez para

tamponar o (re)pensar de sua praacutetica no interior das creches Esse movimento

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 177

ILKA SCHAPPER SANTOS

enunciativo impossibilita compartilhar em quais sentidos-significados estatildeo ancoradas

as suas accedilotildees

Apesar de neste excerto a pesquisadora formular questionamentos que busquem

promover um espaccedilo de reflexatildeo sobre possiacuteveis mudanccedilas relativas agrave organizaccedilatildeo das

salas de atividades na creche e em consequecircncia a transformaccedilotildees dos espaccedilos para as

brincadeiras com questotildees relativas ao processo reflexivo (Smyth 1992 Liberali

2008) as enunciaccedilotildees das professoras vatildeo de encontro a esse movimento

As educadoras trazem prioritariamente o discurso autoritaacuterio imposto pela

instituiccedilatildeo agrave qual pertencem para justificar a dificuldade que tecircm em transformar suas

praacuteticas cotidianas Segundo Bakhtin (1983) esse tipo de discurso tem o estatuto de

verdade absoluta natildeo propiciando espaccedilo para a argumentaccedilatildeo refutaccedilatildeo contestaccedilatildeo e

reflexatildeo jaacute que ldquoa palavra autoritaacuteria natildeo se representa ndash ela apenas eacute transmitidardquo

(Bakhtin 1983 p 144) A apropriaccedilatildeo da palavra autoritaacuteria aqui teve a funccedilatildeo de

justificar o jaacute instituiacutedo e os motivos que impossibilitam (re)pensar sobre novos modos

de se trabalhar sobre as praacuteticas cristalizadas Em decorrecircncia disso os significados

compartilhados ficaram inscritos em argumentos sobre o ldquojaacute-feitordquo e natildeo em novas

maneiras em se pensar o ldquopor-fazerrdquo

No fragmento abaixo mais uma vez a pesquisadora Patriacutecia retoma a discussatildeo

sobre a organizaccedilatildeo dos espaccedilos No entanto o foco recai agora sobre a construccedilatildeo de

espaccedilos que promovam a construccedilatildeo do conhecimento

3ordm Excerto

(25) Patriacutecia Como que a gente pode ‟tar organizando a nossa sala de maneira que

haja esses conhecimentos essa coisa da crianccedila ‟tar brincando e ‟tar experimentando e

‟tar pesquisando

(26) Fabiana Eacute aquilo que eu te falei no iniacutecio que a organizaccedilatildeo das nossas salas

tem todo um padratildeo que tem que ser seguido da instituiccedilatildeo

(27) Patriacutecia Mesmo assim vocecircs querendo propondo

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 178

ILKA SCHAPPER SANTOS

(28) Fabiana Seria um processo assim de ‟tar discutindo falando expondo e ter a

aceitaccedilatildeo da unidade da pedagoga e tudo Porque como eu te falei minha sala eacute

oficina eu tenho dentro da minha sala (faz um sinal negativo com a boca virando para

um lado) mesa as cadeiras um armaacuterio que eu coloco as colchonetes eu tenho um

outro armaacuterio uma outra estante que coloco os jogos com a televisatildeo e o aparelho de

viacutedeo de DVD Entatildeo eu natildeo posso ocupar aquele espaccedilo todo porque eu tenho uma

oficina de jogos e uma oficina de viacutedeo dentro do meu espaccedilo entendeu Entatildeo eu natildeo

posso ocupar aquilo tudo sem deixar o espaccedilo da oficina de jogos e de viacutedeo entendeu

(29) Patriacutecia Isso eacute complicado para as crianccedilas

(30) Fabiana E outra tem que ter o espaccedilo para elas brincarem Entatildeo eu tenho que

estar respeitando aquele espaccedilo todo de maneira que fique organizado entendeu Entatildeo

eu posso na hora das minhas atividades eu viro mesa eu ponho para brincar no chatildeo

que eacute mais faacutecil Pois eu acho assim que o espaccedilo do chatildeo eacute melhor do que o das

mesas para eles montarem os jogos e tudo na hora da pintura eu forro as mesas todas

eu junto as mesas para ficar um espaccedilo maior Isso eu faccedilo porque eu posso Agora

uma questatildeo de eu ficar fazendo um cantinho de leitura um cantinho de faz de conta

Aiacute eu natildeo posso porque tem uma outra oficina de casinha que seria a sala dela (olha

para Mirela) e tem uma outra oficina de artes cecircnicas que eacute na do berccedilaacuterio Aiacute a gente

tem que passar para outra sala

(31) Claacuteudia minha sala natildeo tem condiccedilotildees porque natildeo tem muito espaccedilo porque eacute

muito pequena soacute cabem quatro mesinhas e natildeo cabe mais nada Aiacute agraves vezes eu tenho

que fazer o que ela faz tambeacutem colocar as mesas para um canto e deixar eles

brincarem no chatildeo onde o espaccedilo tambeacutem eacute bem restrito

As professoras mais uma vez fixam seus argumentos no campo das

impossibilidades Para isso usam argumentos de autoridade ndash a AMAC e sua

padronizaccedilatildeo

A pesquisadora (25) retoma o questionamento anterior sobre a organizaccedilatildeo das

salas de atividades nas creches agora pautado na construccedilatildeo e produccedilatildeo do

conhecimento das crianccedilas a partir de trecircs pontos (a) a brincadeira (b) a vivecircncia e (c)

a pesquisa Assim levanta a seguinte pergunta ldquocomo que a gente pode ‟tar

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 179

ILKA SCHAPPER SANTOS

organizando a nossa sala de maneira que haja esses conhecimentos essa coisa da

crianccedila ‟tar brincando e ‟tar experimentando e ‟tar pesquisandordquo Ao utilizar a

expressatildeo ldquoa genterdquo (no lugar do pronome da 1ordf pessoa do plural ldquonoacutesrdquo) Patriacutecia

sinaliza de maneira impliacutecita alguns elementos do trabalho colaborativo entre eles a

necessidade de se mostrar implicada estabelecendo uma interdependecircncia entre o

questionamento feito e as buscas de elementos argumentativos para a soluccedilatildeo do

conflito Aleacutem disso faz uso dos decirciticos ldquoessesrdquo e ldquoessardquo para sinalizar o ponto de

referecircncia de seu questionamento e auxiliar as educadoras na construccedilatildeo de seus

discursos e partilhar seus sentidos sobre o que foi focado

Ao ingressar no fluxo do questionamento da pesquisadora Fabiana (26) retoma

vozes anteriores ldquoeacute aquilo que eu te falei no iniacutecio que a organizaccedilatildeo das nossas

salas tem todo um padratildeo que tem que ser seguido da instituiccedilatildeordquo Ao dizer isso a

professora retoma seu ponto de vista de que haacute ldquoum padratildeo que tem que ser seguido da

instituiccedilatildeordquo Isso mostra uma circularidade discursiva em que natildeo aparecem novos

elementos argumentativos para tratar a questatildeo e por conseguinte o grupo natildeo

consegue criar zonas de confluecircncias de ideias para refletir sobre o jaacute estruturado

conhecido e realizado Como a argumentaccedilatildeo se funda em argumentos de exemplos e

pragmaacuteticos a possibilidade de reflexatildeo fica circunscrita agraves questotildees que transcendem o

espaccedilo da sala de atividades Aqui natildeo se trata como na reflexatildeo tecida do excerto

anterior de dizer de uma compreensatildeo dos aspectos poliacuteticos o questionamento estaacute

pautado em pensar a organizaccedilatildeo dos espaccedilos da creche para a produccedilatildeo do

conhecimento do desenvolvimento da pesquisa no universo das crianccedilas

Percebendo a circularidade discursiva das professoras a pesquisadora retoma o

turno e diz (27) ldquomesmo assim vocecircs querendo propondordquo A escolha da expressatildeo

ldquomesmo assimrdquo mostra que a pesquisadora busca transpor essa circularidade e provocar

as educadoras a refletirem Isso se evidencia quando ela enuncia ldquovocecircs querendo

propondordquo

Em (28) Fabiana daacute instruccedilotildees de como o grupo poderia fazer para romper com

o padratildeo impresso pela AMAC na organizaccedilatildeo dos espaccedilos das creches ldquoseria um

processo assim de ‟tar discutindo falando expondo e ter a aceitaccedilatildeo da unidade da

pedagoga e tudordquo Depois a professora tece uma explicaccedilatildeo a partir da retomada de

uma fala anterior ldquoPorque como eu te falei minha sala eacute oficina eu tenho dentro da

minha sala (faz um sinal negativo com a boca virando para um lado) mesa as cadeiras

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 180

ILKA SCHAPPER SANTOS

um armaacuterio que eu coloco as colchonetes eu tenho um outro armaacuterio uma outra

estante que coloco os jogos com a televisatildeo e o aparelho de viacutedeo de DVDrdquo

Eacute possiacutevel perceber que o movimento argumentativo tanto por parte da

pesquisadora quanto das educadoras se fixa em argumentos pautados nos exemplos de

situaccedilotildees e organizaccedilotildees dos espaccedilos instituiacutedos na creche As marcas de interaccedilatildeo que

datildeo movimento a esses argumentos satildeo as explicaccedilotildees e retomadas de vozes anteriores

As professoras natildeo se implicam nas accedilotildees que determinam o instituiacutedo na creche como

em excertos analisados anteriormente Os conflitos as contradiccedilotildees que satildeo

ldquodenunciadasrdquo se configuram como algo externo distante e impossiacutevel de ser

transformado As educadoras mostram os significados cristalizados fixos e natildeo

reiteraacuteveis da organizaccedilatildeo dos espaccedilos natildeo buscando compartilhar seus sentidos para a

possibilidade de romper com essa estrutura Desse modo natildeo compartilham sentidos e

natildeo criam outros significados diferentes desses instituiacutedos pela AMAC Novamente

prevalece o discurso autoritaacuterio (Bakhtin 1983)

Nessa discussatildeo sobre a organizaccedilatildeo dos espaccedilos instituiacutedos nas creches haacute uma

dificuldade de o grupo perceber as possibilidades de transformaccedilotildees e mudanccedilas desta

organizaccedilatildeo O historiador espanhol Vintildeao Frago (1998) discorre sobre a natildeo

neutralidade do espaccedilo posto que este produz sentidos em um movimento dinacircmico

demarcando relaccedilotildees de poder e de escolhas ldquoa arquitetura escolar eacute tambeacutem por si

mesma um programa uma espeacutecie de discurso que institui na sua materialidade um

sistema de valoresrdquo (p 26)

A compreensatildeo do espaccedilo e sua organizaccedilatildeo eacute assim um(a) processoproduccedilatildeo

cultural Para o autor esta compreensatildeo na verdade estaacute pautada na percepccedilatildeo que

temos dos lugares (espaccedilos construiacutedos) Dito de outro modo eacute no lugar que o espaccedilo

ganha significado e corporeidade O espaccedilo vai se corporificando (se transformando em

lugar) na medida em que vai tendo significado para os sujeitos que o ocupamconstroem

cotidianamente

A ocupaccedilatildeo do espaccedilo sua utilizaccedilatildeo supotildee sua constituiccedilatildeo como

lugar O ldquosalto qualitativordquo que leva do espaccedilo ao lugar eacute pois uma

construccedilatildeo O espaccedilo se projeta ou se imagina o lugar se constroacutei

Constroacutei-se ldquoa partir do fluir da vidardquo e a partir do espaccedilo como

suporte o espaccedilo portanto estaacute sempre disponiacutevel e disposto para

converter-se em lugar para ser construiacutedo (Vintildeao Frago 1998 p 61)

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 181

ILKA SCHAPPER SANTOS

O espaccedilo eacute processoproduto de inter-relaccedilotildees ldquoeacute o produto das dificuldades e

complexidades dos entrelaccedilamentos e dos natildeo entrelaccedilamentos de relaccedilotildeesrdquo (Massey

2004 p 17) A organizaccedilatildeo em espaccedilos universalizantes que desconsidera essa

complexidade gera tambeacutem rotinas universais e padronizadas materializadas em

praacuteticas homogecircneas que tamponam as diferenccedilas criam um discurso uacutenico

desconsiderando o contexto social histoacuterico e as praacuteticas culturais presentes em cada

instituiccedilatildeo (Silva 2009)

Como toda realidade social o espaccedilo precisa ser pensado no campo

metodoloacutegico e teoacuterico a partir de trecircs conceitos indissociaacuteveis forma estrutura e

funccedilatildeo (Santos 1997) Ao contraacuterio disso os excertos analisados mostram que a

definiccedilatildeo de organizaccedilatildeo do espaccedilo nas creches municipais de Juiz de Fora eacute

estruturada de maneira uniforme desconsiderando o contexto de produccedilatildeo de cada uma

e suas especificidades Mas principalmente natildeo configura um ambiente no qual

crianccedilas e adultos possam construir interaccedilotildees que promovam diversas formas de

expressatildeo dos saberes cotidianos que traduzam os saberes infantis

Apesar de trazer ateacute entatildeo a discussatildeo do espaccedilo instituiacutedo por meio do

discurso autoritaacuterio (ldquoseria um processo assim de ‟tar discutindo falando expondo ter

a aceitaccedilatildeo da unidade da pedagoga e tudordquo) as professoras nos turnos que se

seguem comeccedilam a sinalizar para algumas possibilidades mostrando uma outra faceta

Sinalizam que buscam na contradiccedilatildeo reorganizar os lugares para as brincadeiras

infantis Isto fica claro no turno de Fabiana (29) ldquoE outra tem que ter o espaccedilo para

elas brincarem Entatildeo eu tenho que estar respeitando aquele espaccedilo todo de maneira

que fique organizado entendeu Entatildeo eu posso na hora das minhas atividades eu

viro mesa eu ponho para brincar no chatildeo que eacute mais faacutecilrdquo Ao iniciar sua enunciaccedilatildeo

com a expressatildeo ldquoe outrardquo indica que traraacute um outro elemento para a discussatildeo isso

ocorre por meio de uma explicaccedilatildeo ldquotem que ter o espaccedilo para elas (as crianccedilas)

brincaremrdquo Esta explicaccedilatildeo traz para a cena discursiva um importante sentido da

professora partilhado com o grupo sobre a relaccedilatildeo que estabeleceu entre a organizaccedilatildeo

do espaccedilo na creche e o desenvolvimento da brincadeira com as crianccedilas No entanto

apesar de compartilhar tal significado ainda mostra o peso da imposiccedilatildeo institucional

ldquoeu tenho que estar respeitando aquele espaccedilo todo de maneira que fique

organizadordquo

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 182

ILKA SCHAPPER SANTOS

Na continuidade do seu turno a educadora tece uma explicaccedilatildeo pautada no

argumento de exemplo para mostrar como dentro de um contexto de espaccedilo

padronizado rompe com o instituiacutedo ldquona hora das minhas atividades eu viro mesa

eu ponho para brincar no chatildeo que eacute mais faacutecilrdquo ldquoo espaccedilo do chatildeo eacute melhor do que

o das mesas para eles montarem os jogos e tudo na hora da pintura eu forro as

mesas todas eu junto as mesas para ficar um espaccedilo maiorrdquo Ao dizer ldquoviro as

mesasrdquo ldquoponho para brincar no chatildeordquo compartilha com todos os participantes seus

sentidos-significados sobre a necessidade de transformar os espaccedilos circunscritos das

creches Isso tambeacutem se apresenta quando discorre a partir do argumento de

comparaccedilatildeo ldquoo espaccedilo do chatildeo eacute melhor do que o das mesas para eles montarem os

jogos e tudordquo

Neste excerto foi possiacutevel perceber em um primeiro momento a reincidecircncia de

argumentos sobre a impossibilidade sinalizada pelas professoras de se (re)pensar a

organizaccedilatildeo dos espaccedilos das creches Nesse sentido haacute ainda uma circularidade

enunciativa em torno do discurso autoritaacuterio (Bakhtin 1983) Depois as professoras

comeccedilam a compartilhar um outro significado em que destacam que viram e juntam as

mesas fazem atividades no chatildeo mostrando que de algum modo reestruturam os

espaccedilos instituiacutedos Nesse momento pode-se perceber que foi importante o

questionamento da pesquisadora sobre como o espaccedilo poderia ser organizado Essa

marca da interaccedilatildeo propiciou que as professoras revisitassem seus sentidos-significados

sobre a temaacutetica proposta

Como aponta Magalhatildees (2004) e Liberali (2006) para colocar em praacutetica o

processo criacutetico-reflexivo (Smyth 1992) a presenccedila do pesquisador como formador eacute

imprescindiacutevel pois eacute por meio de suas intervenccedilotildees que se instaura um espaccedilo

colaborativo de modo que ocorram autoquestionamentos e a reflexatildeo criacutetica Segundo

Magalhatildees (2004) o papel do formador implica criar possibilidades de construccedilatildeo-

produccedilatildeo de significados com base na argumentaccedilatildeo e no questionamento

Na proacutexima seccedilatildeo seratildeo analisados os excertos do segundo cronotopo da Cadeia

Criativa referente a dois encontros do curso de extensatildeo que estavam interligados

ldquoEspaccedilo de Reflexatildeo Teoacuterico-Praacutetico em Contexto de Colaboraccedilatildeordquo (1) o terceiro

encontro ndash ldquoA Dimensatildeo Luacutedica na Crianccedila e na Crecherdquo e (2) o quarto encontro ndash ldquoA

Dimensatildeo Luacutedica no Espaccedilo-Ambiente da Creche reflexotildees sobre o brincarrdquo

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 183

ILKA SCHAPPER SANTOS

42 ndash 2ordm Cronotopo da Cadeia Criativa ndash Curso de Extensatildeo

O curso de extensatildeo com as 23 coordenadoras das creches puacuteblicas municipais

como explicitado no terceiro capiacutetulo desta tese foi estruturado em 10 encontros com

os seguintes temas respectivamente (1) Oficina de Roda resgatando as memoacuterias (2)

Oficina O dia-a-dia na Creche (3) A Dimensatildeo Luacutedica na Crianccedila e na Creche (4) A

Dimensatildeo Luacutedica no Espaccedilo-Ambiente da Creche reflexotildees sobre o brincar (5)

Encontro ndash Conflitos na Infacircncia e a Rotina na Creche (6) ndash Estaacutetua Se Mexer Natildeo

Vale O Conhecimento do Movimento Corporal (7) A Sistematizaccedilatildeo de Propostas

Pedagoacutegicas nas Creches (8) Narrativas Orais e o Desenvolvimento da Imaginaccedilatildeo

Infantil (9) Vivecircncias Artiacutesticas pensando nos pequenos e (10) Espaccedilo de

ReflexatildeoAvaliaccedilatildeo

O curso foi planejado e ministrado pelas pesquisadoras do GP EFoPI com a

intenccedilatildeo de ampliar no movimento da Cadeia Criativa a interlocuccedilatildeo criacutetica de

colaboraccedilatildeo com os profissionais das creches municipais de Juiz de Fora ateacute entatildeo

tecidas com 4 educadoras de uma das instituiccedilotildees Isso porque na interlocuccedilatildeo com as

professoras chegou-se agrave conclusatildeo de que seria imprescindiacutevel abrir um espaccedilo para um

trabalho criacutetico-reflexivo com todas as coordenadoras das 23 creches puacuteblicas

municipais

Neste 2ordm cronotopo seratildeo analisados dois encontros do curso (1) o terceiro

encontro ldquoA Dimensatildeo Luacutedica na Crianccedila e na Crecherdquo e (2) o quarto encontro ldquoA

Dimensatildeo Luacutedica no Espaccedilo-Ambiente da Creche reflexotildees sobre o brincarrdquo Nesses

encontros foram discutidas as relaccedilotildees que podem se estabelecer entre o

desenvolvimento da imaginaccedilatildeo e a brincadeira elementos que satildeo objetos de estudo

desta investigaccedilatildeo

421 ndash Encontros do Curso de Extensatildeo Analisados ldquoA Dimensatildeo Luacutedica na

Crianccedila e na Crecherdquo e ldquoA Dimensatildeo Luacutedica no Espaccedilo-Ambiente da Creche

reflexotildees sobre o brincarrdquo ndash dias 05 e 12 de novembro de 2007

Para a anaacutelise deste cronotopo foram selecionados trecircs excertos dos dois

encontros do curso de extensatildeo mencionados anteriormente referentes agraves discussotildees

sobre a brincadeira nas creches com as 23 coordenadoras das creches municipais de

Juiz de Fora e duas pesquisadoras do GP EFoPI desenvolvido na Faculdade de

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 184

ILKA SCHAPPER SANTOS

Educaccedilatildeo na Universidade Federal de Juiz de Fora O objetivo dos encontros era

promover um espaccedilo criacutetico-reflexivo sobre o brincar no interior da educaccedilatildeo infantil

As pesquisadoras no primeiro encontro discutiram sobre a dimensatildeo luacutedica na

crianccedila e na creche destacando o brincar como processo Na introduccedilatildeo da temaacutetica

Leacutea pergunta agraves coordenadoras o que significava brincar para elas e imediatamente

tece o comentaacuterio de que essa era uma questatildeo de difiacutecil definiccedilatildeo Desse modo para

respaldar seu comentaacuterio traz para a cena discursiva o posicionamento de alguns

autores que atribuem diferentes significaccedilotildees aos jogos brinquedos e brincadeiras

destacando as contribuiccedilotildees da autora Kishimoto (1996) professora e pesquisadora da

Universidade de Satildeo Paulo que faz alusatildeo aos brinquedos e agraves brincadeiras em

diferentes contextos sociais

Depois as discussotildees ficam circunscritas a temas como (1) o brincar e a cultura

(2) brincar se aprende Para ilustrar o debate teoacuterico-praacutetico acerca desses temas as

pesquisadoras trazem as imagens do livro ldquoQuando as crianccedilas dizem agora chegardquo em

que Tonucci (2003) por meio de charges mostra por exemplo como as crianccedilas satildeo

vistas de cima para baixo

No segundo encontro continuam as discussotildees sobre a dimensatildeo luacutedica mas

agora inscrita no espaccedilo-ambiente da creche As pesquisadoras apresentam os pilares

da perspectiva soacutecio-histoacuterico-cultural em especial as categorias teoacutericas que podem

auxiliar na compreensatildeo do brincar como processo e como atividade cultural Assim

destacam as funccedilotildees psicoloacutegicas o funcionamento psicoloacutegico fundado nas relaccedilotildees

sociais a mediaccedilatildeo simboacutelica zona proximal de desenvolvimento Nesse entremeio

reforccedilam a ideia de que brincar se aprende A partir disso enfatizam as contribuiccedilotildees

teoacutericas de Vygotsky e seus colaboradores para a compreensatildeo da brincadeira de faz de

conta e os diferentes significados que a crianccedila atribui aos objetos no movimento do

brincar

Como o leitor poderaacute perceber esse cronotopo estaacute recheado de incursotildees

teoacutericas e traz os significados do brincar do GP EFoPI fato que natildeo ocorreu no elo

anterior da Cadeia Criativa Assim os argumentos das pesquisadoras estatildeo respaldados

tambeacutem em construtos teoacutericos que medeiam a interlocuccedilatildeo

No excerto a seguir a pesquisadora Leacutea discute junto com as coordenadoras a

dificuldade em se definir o brincar Depois promove um debate sobre a brincadeira

livre e a brincadeira dirigida Para isso estrutura seu campo argumentativo

prioritariamente no argumento baseado em citaccedilotildees

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 185

ILKA SCHAPPER SANTOS

1ordm excerto

(1) Leacutea Vamos falar hoje das questotildees sobre o brincar Entatildeo como vocecircs viram no

proacuteprio folder (do curso de extensatildeo) a gente vai ‟tar falando da questatildeo do brincar

hoje e na proacutexima segunda-feira continuaremos essas questotildees que se referem ao

brincar Eu achei interessante que uma pessoa que trabalha aqui na Prefeitura ela

entrou e disse assim - Leacutea a gente fala muito no brincar mas eacute difiacutecil a gente saber

como pratica isso neacute Entatildeo eu disse assim pra ela - Olha isso eacute realmente um

desafio eu ‟tou aqui hoje conversando com o pessoal o pessoal que trabalha nas

creches que estaacute muito pertinho das crianccedilas de zero a trecircs anos Noacutes vamos estar com

esse curso aqui ele tem o nome de ldquoReflexatildeo teoacuterico-praacuteticardquo noacutes estamos fazendo

aqui uma troca Realmente eacute uma troca eacute uma discussatildeo como eacute que eacute o que natildeo eacute eu

penso que assim bdquotaacute trazendo o estudo dos teoacutericos as ideias que eles trouxeram pra

noacutes o que isso tem a ver com a nossa realidade com o nosso tempo de hoje Certo

Tem um livro do Tonucci que chama ldquoCom os olhos da crianccedilardquo ele eacute todo de

caricaturas Entatildeo ele traz essas caricaturas que eu acho muito interessante Entatildeo o

que acontece O adulto ali dizendo ldquome ensina a brincar que eu natildeo me lembro maisrdquo

Isso eacute uma coisa assim bastante interessante pra gente estar refletindo aqui eacute porque se

vocecirc for brincar com a crianccedila vocecirc precisa se despir ou da sua categoria vamos

dizer assim de adulto e vocecirc realmente se colocar na categoria de crianccedila vamos dizer

assim porque se vocecirc natildeo faz isso realmente a coisa natildeo funciona e a gente pode

perceber muito isso quando agraves vezes a crianccedila estaacute laacute brincando numa boa e tal e vocecirc

chega vocecirc quer interferir A primeira coisa que vocecirc fala eacute ldquode que vocecirc estaacute

brincandordquo Ou entatildeo vocecirc pergunta ldquode que cor eacute issordquo ldquode que forma eacute aquilordquo

Quer dizer entatildeo vocecirc jaacute puxa para alguma questatildeo eacute eacute de conceitos

(sistematizados) alguma questatildeo que vocecirc tenha que estar ensinando Quer dizer

entatildeo se vocecirc realmente natildeo se coloca no lugar de crianccedila fica difiacutecil o brincar

realmente acontecer Entatildeo aiacute eu pergunto pra vocecircs afinal de contas o quecirc que eacute

brincar hein Bem rapidinho (vocecircs) vatildeo tentar definir em uma palavra o quecirc que eacute

brincar pra cada uma de vocecircs

(2) Coordenadora que a cacircmera natildeo focaliza Fazer o que quiser

(3) Coordenadora que a cacircmera natildeo focaliza Imaginar

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 186

ILKA SCHAPPER SANTOS

(4) Leacutea Imaginar Mais o quecirc

(5) Coordenadora que a cacircmera natildeo focaliza Concentraccedilatildeo

(6) Leacutea Concentraccedilatildeo

(7) Diva Desenvolvimento

(8) Leacutea Desenvolvimento Mais o quecirc O que eacute o brincar

(9) Coordenadora que a cacircmera natildeo focaliza Maacutegica

(10) Leacutea Maacutegica Que mais eacute o brincar

(11) Coordenadora que a cacircmera natildeo focaliza Fazer de conta

(12) Leacutea Fazer de conta Que mais eacute brincar (Faz gesto com as matildeos pedindo mais

opiniotildees) Que mais Difiacutecil neacute Se a gente pensar que tem que escrever uma definiccedilatildeo

para o brincar a gente jaacute vai tendo uma certa dificuldade A professora Tizuco eu acho

que muitas de vocecircs jaacute devem ter lido ou conhecido os livros dela Ela fala que o

brincar ele eacute muito difiacutecil de definir porque ele eacute uma coisa muito contraditoacuteria Entatildeo

ela vem dizendo que o brincar ele eacute visto ora como uma accedilatildeo livre ora eacute uma atividade

supervisionada pelo adulto E aiacute ela ateacute vai mais longe e vai dizendo que muitas

vezes na escola o quecirc que vocecirc faz Por exemplo - Vamos brincar E aiacute o adulto diz

- Vamos agora brincar eacute de casinha Isso eacute supervisionado ou tambeacutem - Agora noacutes

vamos brincar disso ou vocecirc faz a sugestatildeo todas as crianccedilas ou todas as pessoas que

estatildeo ali tecircm que brincar da mesma coisa entatildeo ela acaba sendo uma atividade dirigida

No iniacutecio do turno (1) Leacutea explica ao grupo de coordenadoras que vai no curso

de extensatildeo discutir as questotildees referentes ao brincar Eacute interessante notar que para

dizer da dificuldade da temaacutetica a pesquisadora narra uma conversa que teve com uma

profissional da prefeitura referecircncia na aacuterea de educaccedilatildeo infantil no municiacutepio de Juiz

de Fora Com isso a pesquisadora faz uso de um argumento de autoridade para

defender a tese sobre a dificuldade de se trabalhar (praticar) o brincar na educaccedilatildeo

infantil ela (a profissional) entrou e disse assim - Leacutea a gente fala muito no brincar

mas eacute difiacutecil a gente saber como pratica isso As escolhas lexicais da pesquisadora na

narrativa por meio do pronome pessoal da terceira pessoa do singular ldquoelardquo mostram a

necessidade de pautar sua enunciaccedilatildeo no discurso citado para buscar a adesatildeo do

auditoacuterio Haacute ainda no discurso citado uma questatildeo controversa importante ldquoa gente

fala muito no brincar mas eacute difiacutecil a gente saber como pratica issordquo As marcas

linguiacutesticas que sinalizam a controversa satildeo (1) a reincidecircncia do sintagma nominal ldquoa

genterdquo (no lugar do pronome de primeira pessoal do plural ldquonoacutesrdquo) e o operador

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 187

ILKA SCHAPPER SANTOS

argumentativo ldquomasrdquo que contrapotildee elementos anteriores levando a uma conclusatildeo

contraacuteria Depois a pesquisadora diz ldquoEntatildeo eu disse assim pra ela - Olha isso eacute

realmente um desafiordquo A utilizaccedilatildeo do operador argumentativo ldquoentatildeordquo pressupotildee a

conclusatildeo que Leacutea daraacute agrave enunciaccedilatildeo anterior que se materializa no uso do decircitico

espacial ldquoissordquo Implicitamente esse movimento discursivo inicial sinaliza a

preocupaccedilatildeo da pesquisadora em desvelar as possiacuteveis dificuldades da temaacutetica a ser

tratada no curso e procura de alguma maneira implicar o grupo nesse desafio

A continuidade do turno funda-se em um discurso interativo cujos

interlocutores satildeo envolvidos pela pesquisadora nas suas escolhas lexicais Nessa

relaccedilatildeo a decircixis referencial permite a localizaccedilatildeo o momento e a identificaccedilatildeo das

pessoas ldquoNoacutes vamos estar com esse curso aqui ele tem o nome de ldquoReflexatildeo teoacuterico-

praacuteticardquo noacutes estamos fazendo aqui uma troca Realmente eacute uma troca eacute uma

discussatildeo como eacute que eacute o que natildeo eacute eu penso que assim ‟taacute trazendo o estudo dos

teoacutericos as ideias que eles trouxeram pra noacutes o que isso tem a ver com a nossa

realidade com o nosso tempo de hoje Certordquo Essa interaccedilatildeo ainda que esteja

calcada no interior do movimento discursivo da pesquisa promove um espaccedilo de

colaboraccedilatildeo pois todos acabam sendo implicados nas accedilotildees que seratildeo desenvolvidas

Refletindo sobre o movimento linguiacutestico-discursivo a pesquisadora vale-se do

pronome de primeira pessoal do plural para interagir com o auditoacuterio Esse recurso de

escolha da 1ordf pessoa do discurso gera um espaccedilo de confianccedila compromisso e respeito

que deve existir em um trabalho colaborativo Esse comprometimento destaca tambeacutem

de maneira impliacutecita outros aspectos do trabalho colaborativo entre eles a necessidade

de se estabelecerem objetivos comuns e uma relaccedilatildeo de interdependecircncia pois eacute nessa

relaccedilatildeo que os participantes podem desenvolver a ldquoresponsividaderdquo (Sobral 2005 p

20) em processo de trabalho coletivo

Depois de buscar envolver colaborativamente o grupo de coordenadoras das

creches Leacutea mostra o seguinte slide

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 188

ILKA SCHAPPER SANTOS

(Tonucci 2003)

Assim a partir de um argumento de citaccedilatildeo pautado em argumento de

autoridade e de fonte explica ldquotem um livro do Tonucci que chama ldquoCom os olhos da

crianccedilardquo ele eacute todo de caricaturas Entatildeo ele traz essas caricaturas que eu acho

muito interessanterdquo Ao concluir com o operador argumentativo ldquoentatildeordquo e continuar

dizendo ldquoele traz essas caricaturas que eu acho muito interessanterdquo a pesquisadora

compartilha da crenccedila do autor e obra citados de que eacute importante que o adulto se dispa

da sua categoria de adulto e se coloque na categoria de crianccedila Isso se explicita na

continuidade de seu turno ldquoEntatildeo o que acontece O adulto ali dizendo bdquome ensina a

brincar que eu natildeo me lembro mais‟ Isso eacute uma coisa assim bastante interessante

pra gente estar refletindo aqui eacute porque se vocecirc for brincar com a crianccedila vocecirc

precisa se despir da sua categoria vamos dizer assim de adulto e vocecirc realmente se

colocar na categoria de crianccedila ()rdquo O uso do decircitico ldquoissordquo acompanhado do

adjunto intensificador ldquobastanterdquo sinaliza a crenccedila da pesquisadora da necessidade de

se compreender o brincar sob a oacutetica da crianccedila

Depois de tecer explicaccedilotildees sobre a relevacircncia de compreendermos a brincadeira

sob a oacutetica da crianccedila por meio do argumento de citaccedilatildeo (referenciado em uma fonte)

Leacutea continua sua argumentaccedilatildeo a partir de argumentos de exemplos ldquoporque se vocecirc

natildeo faz isso realmente a coisa natildeo funciona e a gente pode perceber muito isso

quando agraves vezes a crianccedila estaacute laacute brincando numa boa e tal e vocecirc chega vocecirc quer

interferir A primeira coisa que vocecirc fala eacute bdquode que vocecirc estaacute brincando‟ Ou entatildeo

vocecirc pergunta bdquode que cor eacute isso‟ bdquode que forma eacute aquilo‟rdquo A pesquisadora usa o

argumento de exemplo para chegar a uma conclusatildeo Quer dizer entatildeo vocecirc jaacute puxa

para alguma questatildeo eacute eacute de conceitos (sistematizados) alguma questatildeo que vocecirc

tenha que estar ensinando Nesse momento Leacutea compartilha com o grupo de

coordenadoras um importante significado que tem sobre o lugar que o brincar ocupa na

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 189

ILKA SCHAPPER SANTOS

educaccedilatildeo infantil preacute-texto para ensinar conceitos sistematizados Em seguida a

pesquisadora conclui o seu turno com um questionamento ldquoEntatildeo aiacute eu pergunto pra

vocecircs afinal de contas o quecirc que eacute brincar hein Bem rapidinho (vocecircs) vatildeo tentar

definir em uma palavra o quecirc que eacute brincar pra cada uma de vocecircsrdquo

Feito isso a pesquisadora a partir da marca de interaccedilatildeo questionamento indaga

ldquoEntatildeo aiacute eu pergunto para vocecircs afinal de contas o quecirc que eacute brincar (vocecircs) vatildeo

tentar definir em uma palavra o quecirc que eacute brincar pra cada uma de vocecircsrdquo Eacute

interessante notar que esse questionamento veio depois de a pesquisadora compartilhar

significados circunscritos a como o brincar eacute visto pelo adulto como estaacute relacionado agrave

aquisiccedilatildeo de conhecimentos Assim sua pergunta traz em si pontos que satildeo geradores

de respostas Na verdade a oradora primeiro procura compartilhar seus significados e

com a questatildeo busca criar um espaccedilo para que os significados das coordenadoras sobre

o assunto sejam tambeacutem explicitados No entanto o modo como tece a instruccedilatildeo

ldquoBem rapidinho (vocecircs) vatildeo tentar definir em uma palavra o quecirc que eacute brincar pra

cada uma de vocecircsrdquo acaba por restringir o compartilhamento de significados

Discursivamente isso fica expresso nos enunciados ldquobem rapidinhordquo e ldquodefinir em

uma palavrardquo como podemos perceber nos turnos seguintes das coordenadoras (2)

ldquofazer o que quiserrdquo (3) ldquoimaginarrdquo (5) ldquoconcentraccedilatildeordquo (7) ldquodesenvolvimentordquo (9)

ldquomaacutegicardquo (11) ldquofazer de contardquo Assim observamos que nos enunciados das

participantes natildeo fica claro em quais elementos seus significados sobre o brincar estatildeo

fundados pois elas seguiram a instruccedilatildeo da pesquisadora ndash que elas fizessem isso ldquobem

rapidinhordquo e ldquoem uma palavrardquo (ou em uma expressatildeo) ndash exigindo uma resposta

objetiva do grupo Essa instruccedilatildeo inviabilizou que as participantes compartilhassem

com o grupo um significado mais amplo e detalhado sobre o brincar

Como vimos os recursos argumentativos que a pesquisadora lanccedila matildeo em seu

turno (1) promovem pouco espaccedilo para a discussatildeo e expansatildeo da reflexatildeo e por

conseguinte para a produccedilatildeo do conhecimento sobre o brincar pois a oradora apresenta

uma ideia jaacute concluiacuteda O movimento enunciativo se funda em significados

compartilhados com o grupo por meio de um discurso autoritaacuterio (Bakhtin 1983) uma

vez que buscou o reconhecimento e a assimilaccedilatildeo do que foi verbalizado O foco da

discussatildeo para Leacutea era que as coordenadoras precisariam compreender (1) que

trabalhar o brincar na educaccedilatildeo infantil natildeo eacute tarefa faacutecil e (2) a necessidade de

trabalhar o brincar sob a oacutetica das crianccedilas

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 190

ILKA SCHAPPER SANTOS

No uacuteltimo turno do excerto Leacutea (12) usa as marcas de interaccedilatildeo recolocaccedilatildeo de

problema e questionamento ldquoQue mais eacute brincar (Faz gesto com as matildeos pedindo

mais opiniotildees) Que maisrdquo Na verdade a pesquisadora aparentemente retoma o

questionamento para o grupo pois a questatildeo funciona mais como recurso discursivo

para continuar a defender a sua tese de que eacute difiacutecil definir o brincar ldquose a gente pensar

que tem que escrever uma definiccedilatildeo para o brincar a gente jaacute vai tendo uma certa

dificuldaderdquo Ao retomar sua tese a pesquisadora natildeo utiliza pronomes de primeira

pessoa do singular mas usa reincidentemente o sintagma ldquoa genterdquo no lugar do

pronome de primeira pessoa do plural procurando envolver o grupo e reafirmar sua

explicaccedilatildeo aproximando assim os participantes para quem fala daquilo que busca

defender Aleacutem disso mostra o tipo de relaccedilatildeo que deseja imprimir no fluxo de sua

interaccedilatildeo verbal

Na continuidade do turno a pesquisadora continua a interlocuccedilatildeo fazendo um

questionamento ldquoPor que isso acontecerdquo A questatildeo tem a finalidade de introduzir a

explicaccedilatildeo sobre os elementos que geram a dificuldade em se definir o brincar Desse

modo a pesquisadora no entremeio de seu discurso usa argumento de autoridade e

argumento de exemplo para tecer sua explicaccedilatildeo ldquoA professora Tizuco eu acho que

muitas de vocecircs jaacute devem ter lido ou conhecido os livros dela Ela fala que o brincar

ele eacute muito difiacutecil de definir porque ele eacute uma coisa muito contraditoacuteria Entatildeo ela

vem dizendo que o brincar ele eacute visto ora como uma accedilatildeo livre ora eacute uma atividade

supervisionada pelo adulto E aiacute ela ateacute vai mais longe e vai dizendo que muitas

vezes na escola o quecirc que vocecirc faz Por exemplo - Vamos brincar E aiacute o adulto diz

- Vamos agora brincar eacute de casinha Isso eacute supervisionado ou tambeacutem - Agora

noacutes vamos brincar disso ou vocecirc faz a sugestatildeo todas as crianccedilas ou todas as pessoas

que estatildeo ali tecircm que brincar da mesma coisa entatildeo ela acaba sendo uma atividade

dirigidardquo Esses recursos argumentativos possibilitam agrave pesquisadora respaldar seu

ponto de vista sobre a questatildeo levantada a partir do discurso de outrem Na visatildeo

bakhtiniana um discurso se constroacutei por meio de outros discursos se dirigindo para

outros mantendo com eles uma interaccedilatildeo viva e tensa (Bakhtin 1983) Ao trazer para a

cena enunciativa outras vozes que vatildeo ao encontro de seu ponto de vista Leacutea promove

um espaccedilo de ampliaccedilatildeo de significados sobre o brincar livre e o brincar dirigido

criando uma zona de colaboraccedilatildeo (Magalhatildees 2009) no interior do debate

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 191

ILKA SCHAPPER SANTOS

Na sequecircncia a pesquisadora levanta questionamentos sobre o brincar livre e o

brincar dirigido levantando questotildees sobre os motivos que levam os educadores de um

modo geral a abdicarem de uma situaccedilatildeo livre em funccedilatildeo do brincar dirigido

2ordm excerto

(13) Leacutea Muitas vezes a gente acredita em algumas situaccedilotildees de brincar livre em

funccedilatildeo de outra atividade dirigida por que hein gente Por que a gente abdica de uma

situaccedilatildeo livre de fazer uma sugestatildeo numa hora em que pode escolher aquilo que e

acaba fazendo uma opccedilatildeo por alguma coisa dirigida por alguma tarefa Por que a

gente faz isso

(14) Coordenadora que a cacircmera natildeo focaliza Vocecirc tem maior controle

(15) Leacutea Isso pode ser tambeacutem Vocecirc tem maior controle Mas por que mais gente

(16) Gabriela Teme a desorganizaccedilatildeo

(17) Leacutea Teme a desorganizaccedilatildeo Tambeacutem pode ser a questatildeo da disciplina e pensa -

sei laacute o que a diretora vai falar se ela passar aqui na porta da minha sala que a faxineira

vai dizer vai pegar no meu peacute depois porque eu tirei as mesas do lugar e deixei

encostadas

(18) Diva Eacute pelo compromisso tambeacutem que a gente tem de cumprir as tarefas

pedagoacutegicas

(19) Leacutea O compromisso de cumprir as tarefas pedagoacutegicas

(20) Isabela A preocupaccedilatildeo de vencer o conteuacutedo que agraves vezes eacute mais importante isso

do que o brincar

(21) Algumas coordenadoras trabalha com os conteuacutedos de 1ordf agrave 4ordf

(22) Joana Quando vocecirc (Leacutea) colocou ali a opiniatildeo a fala ali daquela autora do

brincar livre e do brincar dirigido Entatildeo a gente divide muito esse tempo no luacutedico na

fantasia nesse estiacutemulo a essas brincadeiras com as oficinas de contar histoacuterias deles

mesmos traduzir a histoacuteria deles Eu acho assim que a proposta pedagoacutegica que hoje a

gente estaacute trabalhando com ela eacute muito com o brincar Mas muitas vezes a professora

a recreadora ela mesmo tem a tendecircncia em querer dar atividade dirigida o

trabalhinho na folha como forma dela mostrar dela garantir para ela mesma - eu estou

trabalhando

(23) Leacutea Eu concordo com vocecirc seria uma forma talvez de garantir que aquela

crianccedila aprendeu ela sabe as cores ela sabe sei laacute as formas

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 192

ILKA SCHAPPER SANTOS

A pesquisadora inicia seu turno (13) dizendo ldquoMuitas vezes a gente acredita

em algumas situaccedilotildees de brincar livre em funccedilatildeo de outra atividade dirigida Por que

hein genterdquo Leacutea no seu enunciado retoma implicitamente o argumento de

autoridade expresso na explicaccedilatildeo da professora Tizuko sobre o brincar livre e a

atividade dirigida O fato de retomar o enunciado do outro tem o objetivo de mostrar a

importacircncia de se refletir sobre o tema Logo em seguida a pesquisadora faz um

questionamento por meio da pergunta ldquoPor que hein genterdquo a fim de recolocar um

ponto relevante que havia sido discutido anteriormente Assim faz uso da marca de

interaccedilatildeo questionamento ldquoPor que a gente abdica de uma situaccedilatildeo livre de fazer

uma sugestatildeo numa hora em que pode escolher aquilo e acaba fazendo uma opccedilatildeo

por alguma coisa dirigida por alguma tarefardquo demarcada linguisticamente a partir do

operador argumentativo ldquopor querdquo

Depois da explicaccedilatildeo a pesquisadora retoma o questionamento indagando

ldquoPor que a gente faz issordquo Esse movimento de levantamento de questotildees contribui

como aponta Magalhatildees (2009) para a discussatildeo de sentidos-significados rotinizados

bem como de produccedilatildeo conjunta de novos significados entre coordenadoras e

pesquisadoras Esse movimento argumentativo da pesquisadora promove um espaccedilo de

socializaccedilatildeo de motivos que levam os profissionais da creche a priorizarem o brincar a

partir de atividades dirigidas Podemos perceber isso nas explicaccedilotildees que as

coordenadoras datildeo em seus turnos (14) ldquovocecirc tem maior controlerdquo (16) ldquoteme a

desorganizaccedilatildeordquo (18) ldquoeacute pelo compromisso tambeacutem que a gente tem de cumprir as

tarefas pedagoacutegicasrdquo (20) ldquoa preocupaccedilatildeo de vencer o conteuacutedo que agraves vezes eacute mais

importante isso do que o brincarrdquo e (21) ldquotrabalha com os conteuacutedos de 1ordf agrave 4ordfrdquo

Dizer que muitas vezes os profissionais das creches priorizam o brincar dirigido por

conta do controle falar do temor agrave desorganizaccedilatildeo da necessidade de cumprir as tarefas

pedagoacutegicas da preocupaccedilatildeo em vencer o conteuacutedo e trabalhar com os conteuacutedos das

primeiras seacuteries do ensino fundamental revelam significados compartilhados em outros

espaccedilos e nesse espaccedilo particular do curso criam uma instacircncia nova em que esses

significados ganham outros contornos

Em seu turno (22) a coordenadora Joana usa de argumento de autoridade para

expor seu ponto de vista sobre a questatildeo tratada ldquoquando vocecirc (Leacutea) colocou ali a

opiniatildeo a fala ali daquela autora do brincar livre e do brincar dirigidordquo Esse

movimento argumentativo daacute respaldo de antematildeo ao que a participante vai dizer Joana

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 193

ILKA SCHAPPER SANTOS

utiliza o operador argumentativo ldquoentatildeordquo que prepara o interlocutor para a conclusatildeo

que teceraacute ao enunciado anterior ldquoEntatildeo a gente divide muito esse tempo no luacutedico

na fantasia nesse estiacutemulo a essas brincadeiras com as oficinas de contar histoacuterias

deles mesmo traduzir a histoacuteria delesrdquo Aleacutem disso usa o sintagma nominal ldquoa genterdquo

para sinalizar que todo o grupo da coordenaccedilatildeo jaacute faz esse trabalho Faz uso ainda do

argumento de exemplo para ilustrar quais atividades realizam a partir da brincadeira

livre ldquocom as oficinas de contar histoacuterias deles mesmos traduzir a histoacuteria delesrdquo

A coordenadora continua a interlocuccedilatildeo por meio do operador argumentativo

ldquomasrdquo mostrando que vai discorrer para uma conclusatildeo contraacuteria ao que vinha dizendo

ldquoMas muitas vezes a professora a recreadora ela mesmo tem a tendecircncia em querer

dar atividade dirigida o trabalhinho na folha como forma dela mostrar dela

garantir para ela mesma - eu estou trabalhandordquo Essa conclusatildeo contraacuteria ao que

havia sido dito anteriormente pela coordenadora recupera a voz das professoras que tecircm

uma tendecircncia a dar atividade dirigida fato sintetizado no exemplo ldquoo trabalhinho na

folhardquo Por fim conclui seu turno ldquocomo forma dela mostrar dela garantir para ela

mesma - eu estou trabalhandordquo Nesse momento a coordenadora compartilha com o

grupo um importante significado da atividade dirigida e o brincar livre por meio do

discurso citado (da professora) ldquo- eu estou trabalhandordquo Assim a coordenadora na

voz da professora sinaliza para a ldquovelhardquo dicotomia entre a atividade dirigida e a

brincadeira livre Aquela se pauta em um trabalho efetivo da professora possibilitando

mostrar a concretude de suas accedilotildees com as crianccedilas que natildeo seria possiacutevel com o

brincar

A pesquisadora retoma o turno (23) e chega a um acordo em relaccedilatildeo ao que a

coordenadora havia dito ldquoEu concordo com vocecirc seria uma forma talvez de garantir

que aquela crianccedila aprendeu ela sabe as cores ela sabe sei laacute as formasrdquo Nesse

momento ambas revelam seus sentidos compartilhados em outros espaccedilos que ganham

novos contornos na discussatildeo Esse movimento propicia o compartilhamento de

significados sustentados pelos recursos argumentativos da enunciaccedilatildeo no caso da

pesquisadora seu discurso estaacute pautado prioritariamente no argumento de autoridade e

o da coordenadora fundado em argumentos de exemplo fundados na citaccedilatildeo Os

recursos argumentativos utilizados sinalizam para um embate de vozes que culmina em

um acordo Segundo Bakhtin (1983 p 139) ldquoqualquer conversa eacute repleta de

transmissotildees e interpretaccedilotildees das palavras dos outrosrdquo Isso implica pensar que nossa

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 194

ILKA SCHAPPER SANTOS

enunciaccedilatildeo apresenta citaccedilotildees ou referecircncia agravequilo que uma determinada pessoa disse

sobre um dado assunto Na visatildeo bakhtiniana em um diaacutelogo metade de todas as

palavras proacuteprias satildeo objetos de transmissatildeo de outra pessoa

No excerto acima vimos a produccedilatildeo de significados compartilhados por meio da

colaboraccedilatildeo Segundo Magalhatildees (2009) colaborar implica tensotildees e contradiccedilotildees que

trazem conflitos A pesquisadora aqui natildeo hesitou em utilizar questionamentos que

promovessem o levantamento de duacutevida e de polecircmica elementos fundamentais para a

reflexatildeo criacutetica e o aprofundamento de questotildees problemaacuteticas em foco que

propiciaram a expansatildeo da discussatildeo por meio de uma zona de conflito e tensotildees

chegando a um acordo e promovendo a produccedilatildeo-construccedilatildeo do conhecimento para

todo o grupo

No proacuteximo excerto as pesquisadoras Leacutea e Viviam tecem explicaccedilotildees teoacutericas

sobre a importacircncia do brincar no desenvolvimento infantil Depois as pesquisadoras

fazem questionamentos buscando relacionar os construtos teoacutericos e as accedilotildees das

coordenadoras em relaccedilatildeo agrave temaacutetica

3ordm Excerto

(24) Leacutea Eu acho que vocecircs podem estar colocando essas questotildees que a gente trouxe

hoje Como que vocecircs veem isso relacionando com a creche de vocecircs Vocecircs

poderiam estar pensando na forma de estar mudando alguma coisa Natildeo que aqui a

gente esteja dizendo que a sua posiccedilatildeo seja errada natildeo eacute nesse sentido eacute naquele

sentido que a gente procurou aqui na fala desse encontro como a crianccedila ao brincar

ela daacute saltos qualitativos no proacuteprio desenvolvimento E como eu acho que noacutes adultos

fazemos isso diariamente agrave medida que noacutes interagimos e dialogamos com os outros

porque aqui noacutes estamos dialogando com essas coisas que vocecircs tecircm falado noacutes temos

tido grandes contribuiccedilotildees nessa troca Eu acho que a gente pode sair daqui dizendo

que valeu a pena eu natildeo tinha pensado nisso eu posso estar pensando nisso de outra

forma Agraves vezes vocecirc olha um viacutedeo com a sensaccedilatildeo de que natildeo eacute creche puacuteblica aiacute

pensa - ah natildeo daacute para fazer ndash Ah porque o espaccedilo que eu tenho eacute pequeno Entatildeo a

minha questatildeo para vocecircs agora que a gente estaacute encerrando eacute que cada uma pensasse

na sua creche do tamanho que for com os recursos que tem o que jaacute faz e o que

poderia acrescentar a partir das nossas conversas a partir dessas questotildees que a Viviam

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 195

ILKA SCHAPPER SANTOS

trouxe e como bateu para cada uma Eu acho que essas questotildees tecircm que ser colocadas

exatamente para que a gente possa estar reelaborando porque conforme a Viviam

colocou ali no conceito do Vygotsky num primeiro momento da aprendizagem ela

acontece na minha troca com o outro somente depois dessa troca que eu reelaboro que

eu discuto eacute que eu internalizo Quando eu digo que internalizo eacute o que ficou comigo

natildeo entrou aqui e saiu aqui (Leacutea faz gestos apontando para os ouvidos) Natildeo eacute soacute mais

um curso e natildeo eacute realmente esse o nosso objetivo o nosso objetivo eacute de troca de

colaboraccedilatildeo o quecirc que daacute para fazer a partir do que eu tenho o que isso aiacute me

despertou o quecirc que eu jaacute relacionei com o que eu tenho que posso ateacute estar

contribuindo chegando laacute (na creche) mudando seraacute que a gente tem que ter a mesma

organizaccedilatildeo nas salas sempre Eu posso mudar um pouquinho Posso mudar aquela

rotina Como eu posso estar fazendo isso Entatildeo eu acho que seria importante que

cada pessoa pudesse colocar pode ter certeza de que vocecircs tecircm grandes contribuiccedilotildees

E quando eu natildeo falo agraves vezes eu deixo de colaborar com o meu colega Porque agraves

vezes eu natildeo me coloco

(25) Marina Eu acho que a visatildeo que a gente hoje na creche tem desse faz de conta eacute

bem diferente do que foi apresentado aqui Natildeo no sentido da crianccedila e do faz de conta

mas o proacuteprio espaccedilo fiacutesico Eu acho que as nossas meninas por exemplo elas datildeo

muito mais ecircnfase agrave questatildeo pedagoacutegica mesmo por exemplo ainda do papel do

trabalhinho elas natildeo acompanham as crianccedilas no faz de conta igual aparece aqui natildeo

elas natildeo tecircm essa visatildeo Porque eacute tudo muito corrido eu acho assim que a importacircncia

que elas datildeo ao pedagoacutegico ao fazer eacute muito maior que esse momento tatildeo legal que a

gente viu aqui e que a gente natildeo faz natildeo faz

(26) Leacutea Isso que vocecirc viu aqui vocecirc acha que natildeo eacute pedagoacutegico

(27) Marina Natildeo natildeo que natildeo seja o pedagoacutegico Mas assim a gente trabalhando

essas questotildees da forma como foi discutida

(28) Isabela de uma forma mais luacutedica

(29) Joana Eu acho que isso eacute o que precisa na creche esse outro olhar que vocecircs

colocaram aqui para o brincar para o faz de conta Natildeo tem um quadro com cartaz do

tempo quantos somos que dia eacute hoje nada disso E isso a gente faz todo dia A crianccedila

pode vivenciar esses conhecimentos a partir da brincadeira por exemplo vendo como

‟taacute o dia laacute fora brincando mesmo

(30) Isabela Eu acho que o que a gente estaacute oferecendo natildeo eacute o melhor natildeo eacute o legal

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 196

ILKA SCHAPPER SANTOS

entendeu Natildeo que a gente faccedila errado eu acho que estaacute na hora de repensar sim para

a gente poder trabalhar o brincar desse modo que vocecircs ‟tatildeo dizendo

No excerto acima a pesquisadora inicia seu turno (24) com a marca de interaccedilatildeo

instruccedilatildeo e para isso entremeia sua fala com outra marca o questionamento ldquoeu acho

que vocecircs podem estar colocando essas questotildees que a gente trouxe hoje Como que

vocecircs veem isso relacionando com a creche de vocecircsrdquo A instruccedilatildeo e o

questionamento satildeo usados como recursos discursivos para que as coordenadoras

reflitam sobre as possiacuteveis contribuiccedilotildees das discussotildees tecidas no encontro para o

trabalho nas creches Linguisticamente isso fica demarcado quando Leacutea faz uso do

pronome ldquoissordquo o qual se refere agraves questotildees propostas aliado ao decircitico temporal

ldquohojerdquo referindo-se ao periacuteodo em que elas ocorreram

No turno a pesquisadora continua discursivamente usando a marca de interaccedilatildeo

instruccedilatildeo de forma bastante modalizada ldquopoderiam pensando mudando alguma

coisardquo Desse modo busca promover a construccedilatildeo de um novo percurso para o tema

tratado que poderia subsidiar elementos para as coordenadoras reconstruiacuterem suas

percepccedilotildees e accedilotildees diante do que foi apresentado Para ilustrar suas colocaccedilotildees a

pesquisadora usa um argumento teoacuterico ldquoeacute naquele sentido que a gente procurou aqui

na fala desse encontro como a crianccedila ao brincar ela daacute saltos qualitativos no

proacuteprio desenvolvimentordquo as marcas linguiacutesticas que sinalizam satildeo o decirciticos espacial

ldquoaquirdquo demarcando o lugar fiacutesico da interlocuccedilatildeo e o pronome ldquonaquelerdquo apontando

para o significado compartilhado do brincar como possibilidade de propiciar agrave crianccedila

ldquosaltos qualitativos no proacuteprio desenvolvimentordquo

Na continuidade de seu turno a pesquisadora utiliza argumento pragmaacutetico para

apreciar um ato ou acontecimento segundo suas consequecircncias presentes ou futuras

tendo importacircncia direta para a reflexatildeo esse fluxo argumentativo se funda tambeacutem

em um discurso internamente persuasivo (Bakhtin 1983 p 144) que pretende trazer as

diversas vozes envolvidas na interaccedilatildeo ldquoe como eu acho que noacutes adultos fazemos isso

diariamente agrave medida que noacutes interagimos e dialogamos com os outros porque aqui

noacutes estamos dialogando com essas coisas que vocecircs tecircm falado noacutes temos tido

grandes contribuiccedilotildees nessa troca Eu acho que a gente pode sair daqui dizendo que

- valeu a pena eu natildeo tinha pensado nisso eu posso estar pensando nisso de outra

formardquo O uso do argumento pragmaacutetico neste contexto indica que o papel do

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 197

ILKA SCHAPPER SANTOS

pesquisador-formador natildeo eacute apenas o de trocar informaccedilotildees e sintetizar compreensotildees

compartilhadas mas tambeacutem o de criar um espaccedilo de construccedilatildeo-produccedilatildeo do

conhecimento por meio de uma reflexatildeo criacutetica com base na argumentaccedilatildeo permitindo

que os participantes repensem sobre as questotildees tratadas e os impactos que elas tecircm no

seu trabalho na creche

No campo linguiacutestico o discurso internamente persuasivo se materializou nas

escolhas dos decirciticos pessoais utilizados pela pesquisadora em especial a reincidecircncia

do uso do pronome de primeira pessoa do plural ldquonoacutesrdquo sendo que nas duas primeiras

ocorrecircncias (ldquonoacutes adultosrdquo e ldquonoacutes interagimosrdquo) a pesquisadora se inclui e nas duas

seguintes estabelece uma diferenccedila entre pesquisadoras formadoras e educadoras em

formaccedilatildeo quando tambeacutem introduz a segunda pessoal do plural ldquovocecircsrdquo ldquonoacutes

[pesquisadoras-formadoras] estamos dialogando com essas coisas que vocecircs

[educadoras em formaccedilatildeo] tecircm falado noacutes [pesquisadoras-formadoras] temos tido

grandes contribuiccedilotildees nessa trocardquo Em seguida recorre ao pronome de primeira

pessoal do singular para se posicionar ldquoEu acho querdquo mas se inclui novamente nas

accedilotildees em colaboraccedilatildeo utilizando o sintagma nominal ldquoa genterdquo (no lugar do ldquonoacutesrdquo)

Depois completa com uma avaliaccedilatildeo geneacuterica ldquovaleu a penardquo jaacute introduzindo uma voz

social que tanto pode se referir agrave educadora como tambeacutem agrave pesquisadora materializada

pelo decircitico pessoal de primeira pessoa ldquoeurdquo no sentido expandido (ldquoeu natildeo tinha

pensado nisso eu posso estar pensando nisso de outra formardquo)

Prosseguindo o turno a pesquisadora vale-se das vozes sociais das

coordenadoras enunciadas em outros momentos da interlocuccedilatildeo para dizer da

resistecircncia delas em transformar os espaccedilos da sala de atividades em espaccedilos que

propiciem a brincadeira ldquoagraves vezes vocecirc olha um viacutedeo com a sensaccedilatildeo de que natildeo eacute

creche puacuteblica aiacute pensa - ah natildeo daacute para fazer ndash Ah porque o espaccedilo que eu tenho

eacute pequenordquo Ao introduzir em seu discurso as vozes do outro por meio do discurso

direto a pesquisadora busca estabelecer um sentido de aceitaccedilatildeo geral e reconhecimento

comprovado do conflito Wertsch (1991) explica que o contexto social determina que

vozes sejam privilegiadas em funccedilatildeo de serem mais apropriadas e mais eficazes Ao

(re)produzir um enunciado pautado na voz social dos proacuteprios participantes a

pesquisadora investe na crenccedila de que ela tem poder maior do que a sua proacutepria voz

representaria Assim faz uso da marca de interaccedilatildeo retomada de vozes anteriores para

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 198

ILKA SCHAPPER SANTOS

evitar que as coordenadoras usem os mesmos argumentos para dizer da inviabilidade de

transformar o contexto da sala de atividade no interior da creche

No momento seguinte a pesquisadora continua utilizando a marca de interaccedilatildeo

instruccedilatildeo para orientar sobre as reflexotildees que as coordenadoras deveratildeo tecer ldquoentatildeo a

minha questatildeo para vocecircs agora que a gente estaacute encerrando eacute que cada uma

pensasse na sua creche do tamanho que for com os recursos que tem o que jaacute faz e o

que poderia acrescentar a partir das nossas conversas a partir dessas questotildees que a

Viviam trouxe e como bateu para cada umardquo No interior da instruccedilatildeo Leacutea faz uso do

argumento de autoridade citando a pesquisadora do GP EFoPI Viviam Carvalho

referecircncia nas discussotildees teoacuterico-praacuteticas sobre o brincar para deixar claro em qual

perspectiva elas devem se apoiar no processo de reflexatildeo

A pesquisadora daacute seguimento ainda por meio do argumento de autoridade e

introduzindo um argumento teoacuterico para retomar conceituaccedilotildees anteriores que

poderiam subsidiar a reflexatildeo sobre o tema e criar um espaccedilo de ressignificaccedilatildeo de

significados ldquoEu acho que essas questotildees tecircm que ser colocadas exatamente para que

a gente possa estar reelaborando porque conforme a Viviam colocou ali no conceito

do Vygotsky num primeiro momento da aprendizagem ela acontece na minha troca

com o outro somente depois dessa troca que eu reelaboro que eu discuto eacute que eu

internalizordquo Como argumento de autoridade Leacutea cita novamente a pesquisadora

Viviam e o autor estudado Vygotsky para se referir ao processo de reelaboraccedilatildeo das

participantes Para reforccedilar a perspectiva que deve ser adotada aleacutem de autoridade a

pesquisadora traz no interior da enunciaccedilatildeo o argumento teoacuterico ldquonum primeiro

momento da aprendizagem ela acontece na minha troca com o outro somente depois

dessa troca que eu reelaboro que eu discuto eacute que eu internalizordquo Traz assim uma

importante discussatildeo vygotskyana que foi tecida com as coordenadoras no

desenvolvimento do curso o processo de internalizaccedilatildeo que segundo o autor

possibilita mudanccedilas qualitativas no ser humano Dito de outro modo o indiviacuteduo

reconstroacutei internamente uma operaccedilatildeo externa elaborando uma seacuterie de

transformaccedilotildees (Vygotsky 19301991 p 75) Retomando o que diz o autor russo a esse

respeito as transformaccedilotildees que ocorrem nesse processo satildeo as seguintes (1) uma

operaccedilatildeo que a princiacutepio representa uma atividade externa eacute reconstruiacuteda e comeccedila a

ocorrer internamente (2) um processo interpessoal (niacutevel social) eacute transformado em um

processo intrapessoal (niacutevel individual) e (3) a siacutentese do processo de internalizaccedilatildeo eacute

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 199

ILKA SCHAPPER SANTOS

resultado de uma seacuterie de eventos ocorridos ao longo das relaccedilotildees reais entre as pessoas

no interior de seu contexto soacutecio-histoacuterico-pessoal

Nesse movimento discursivo a pesquisadora procura mostrar a relevacircncia das

interaccedilotildees desenvolvidas nos encontros do curso para as participantes na siacutentese das

relaccedilotildees inter e intrapessoais No fluxo de intervenccedilotildees Leacutea finaliza seu turno com

questionamentos que possam promover um momento para as coordenadoras repensarem

seus significados instituiacutedos que muitas vezes impedem a reorganizaccedilatildeo dos espaccedilos

das creches e por conseguinte diferentes espaccedilos para o brincar ldquoseraacute que a gente tem

que ter a mesma organizaccedilatildeo nas salas sempre Eu posso mudar um pouquinho

Posso mudar aquela rotina Como eu posso estar fazendo issordquo

Os questionamentos formulados por Leacutea procuram fomentar o estabelecimento

de possiacuteveis bases para a produccedilatildeo de (novos) significados construiacutedos

colaborativamente sobre o trabalho realizado e sobre a teoria em estudo Ao colocar na

cena discursiva os elementos teoacutericos retomados e os questionamentos levantados a

pesquisadora busca criar um espaccedilo argumentativo-colaborativo em que seja possiacutevel

refletir sobre o instituiacutedo bem como possibilitar a recolocaccedilatildeo dos significados trazidos

pelas coordenadoras propiciando expandir o significado coletivo daquela comunidade

semioacutetica

No turno seguinte (25) Marina traz uma interessante reflexatildeo ldquoEu acho que a

visatildeo que a gente hoje na creche tem desse faz de conta eacute bem diferente do que foi

apresentado aquirdquo A declarativa sinaliza o conflito vivenciado pela coordenadora entre

o significado trazido pelas professoras sobre a brincadeira de faz de conta e aqueles

compartilhados pelas pesquisadoras Leacutea e Viviam Ao fazer essa afirmaccedilatildeo Marina cria

um espaccedilo de tensatildeo de confronto entre o instituiacutedo cristalizado nos espaccedilos das

creches e o que foi discutido no encontro Esse momento eacute muito importante pois

possibilita a todos os participantes refletirem entre o ditofeito o instituiacutedopossiacutevel e

aleacutem disso promove um espaccedilo de compartilhamento de novos significados marcados

pela siacutentese dialeacutetica entre os significados anteriores e aqueles compartilhados pelas

pesquisadoras

Para confirmar sua tese de que ldquovisatildeo que a gente hoje na creche tem desse faz

de conta eacute bem diferente do que foi apresentado aquirdquo a coordenadora continua o

turno usando o argumento de exemplo como marca de interaccedilatildeo explicaccedilatildeo ldquoEu acho

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 200

ILKA SCHAPPER SANTOS

que as nossas meninas (professoras das creches) elas datildeo muito mais ecircnfase agrave

questatildeo pedagoacutegica mesmo por exemplo ainda do papel do trabalhinho elas natildeo

acompanham as crianccedilas no faz de conta igual aparece aqui natildeo elas natildeo tecircm essa

visatildeordquo Por fim Marina diz ldquoa gente natildeo faz natildeo fazrdquo mostrando com o sintagma

nominal ldquoa genterdquo (no lugar do ldquonoacutesrdquo) que a brincadeira na creche natildeo estaacute sob a oacutetica

do faz de conta mas sob a perspectiva de um conteuacutedo sistematizado

Diante da marca de interaccedilatildeo explicaccedilatildeo da coordenadora Leacutea (26) levanta o

questionamento por meio de uma questatildeo controversa ldquoIsso que vocecirc viu aqui vocecirc

acha que natildeo eacute pedagoacutegicordquo Tal questatildeo exigiu das coordenadoras um

posicionamento sobre o que estava sendo discutido e portanto criou espaccedilo para o

argumentar Com isso Marina (27) por meio de um contra-argumento diz ldquoNatildeo natildeo

que natildeo seja o pedagoacutegico Mas assim a gente trabalhando essas questotildees da forma

como foi discutidardquo Nesse movimento discursivo a coordenadora explicita que na

verdade natildeo queria dizer que a brincadeira de faz de conta natildeo fazia parte do

pedagoacutegico mas sim que nas creches as educadoras natildeo trabalhavam o brincar do

modo como estava sendo discutido no curso

Dando continuidade ao debate duas coordenadoras Joana e Isabela nos turnos

(29) e (30) respectivamente mostram por meio do acordo compartilhar o novo

significado manifesto pelas pesquisadoras sobre o trabalho do brincar de faz de conta

nas creches (29) ldquoEu acho que isso eacute o que precisa na creche esse outro olhar que

vocecircs colocaram aqui para o brincar para o faz de contardquoe (30) ldquoeu acho que estaacute

na hora de repensar sim para a gente poder trabalhar o brincar desse modo que

vocecircs ‟tatildeo dizendordquo Linguisticamente isso se faz com o uso dos decirciticos de pessoa e de

espaccedilo ldquovocecircsrdquo e ldquoaquirdquo mostrando que as coordenadoras estatildeo se referindo ao que foi

tratado pelas pesquisadoras no interior do curso de extensatildeo

Nas interaccedilotildees tecidas neste elo da Cadeia Criativa podemos indicar tentativas

indiacutecios e pistas de estabelecimento de uma zona de colaboraccedilatildeo e criticidade na

medida em que o dispositivo argumentativo foi sendo utilizado como instrumento para a

produccedilatildeo de significados compartilhados nas discussotildees estabelecidas Dito de outro

modo a argumentaccedilatildeo possibilitou o estabelecimento de um processo de

questionamento de sentidos-significados rotinizados bem como a produccedilatildeo conjunta de

novos significados por meio de um espaccedilo em que todos os envolvidos puderam se

colocar questionar a si e aos outros mas apoiando suas discussotildees em estudos teoacutericos

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 201

ILKA SCHAPPER SANTOS

43 ndash 3ordm Cronotopo da Cadeia Criativa ndash Sessatildeo Reflexiva com as Coordenadoras

das Creches da AMAC

Os quatro excertos selecionados para esta seccedilatildeo de anaacutelise foram retirados da

quarta sessatildeo reflexiva com as coordenadoras das creches municipais que trabalham

com crianccedilas de dois e trecircs anos de idade e trecircs pesquisadoras do GP EFoPI realizada

em 11 de novembro de 2009 em uma das salas de aula da Faculdade de Educaccedilatildeo da

Universidade Federal de Juiz de Fora O objetivo da sessatildeo foi discutir como as

coordenadoras desenvolveram junto com as professoras das creches e as crianccedilas o

projeto de accedilatildeo sobre a brincadeira elaborado em sessatildeo anterior

431 ndash 4ordf Sessatildeo Reflexiva Analisada ndash dia 11 de novembro de 2009

No primeiro fragmento as pesquisadoras e as coordenadoras discutem os

impactos dos debates tecidos ao longo das sessotildees reflexivas sobre o brincar No fluxo

da interaccedilatildeo o grupo (re)pensa as intervenccedilotildees didatizadas em torno do brincar

1ordm Excerto

(1) Isabela Esse espaccedilo aqui possibilita pensar nas accedilotildees do dia a dia Esses dias eu

observei o seguinte uma crianccedila virou e falou assim ldquoTia ‟tou fazendo um peixerdquo A

professora pegou a cadeira puxou pra perto da crianccedila e falou assim ldquoVamos fazer o

peixe igual a gente faz na salardquo Quer dizer ela cortou a criatividade da crianccedila ela (a

crianccedila) ‟tava assim eufoacuterica mostrando o peixe e ela puxou a cadeira e falou -

ldquoVamos fazer o peixe igual a gente faz na salardquo

(2) Leacutea A que vocecirc atribui isso Essa entrada dela

(3) Bruna Acho que falta interesse

(4) Isabela Eu acho tambeacutem Falta de interesse

(5) Ilka A questatildeo eacute outra eu acho Porque ela pode ter interesse enfim todos os

adjetivos que a gente pode pensar por conta de uma pessoa que falta algum

compromisso mas o que a Leacutea ‟taacute perguntando eacute outra coisa

(6) Assunccedilatildeo Ela vecirc mais o cuidar do que o educar

(7) Ilka Entatildeo mas o que a Leacutea ‟taacute perguntando eacute assim a fala dela (da professora)

ela teve um movimento entatildeo natildeo me parece desinteresse ela ‟tava laacute Mas por que

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 202

ILKA SCHAPPER SANTOS

ela disse ldquovamos fazer o peixe que a gente faz na salardquo Por que ao inveacutes dela falar

assim ldquoque peixe eacute esserdquo Mas por que vocecirc acha que no lugar dela ingressar nesse

universo da crianccedila ela trouxe para esse movimento do real daquilo que se faz na

sala Porque a questatildeo eacute essa A questatildeo agora natildeo eacute culpar o comportamento dela a

questatildeo eu acho eacute O que leva ela a pensar que tem que trazer o menino para o campo

do real e tirar do imaginaacuterio da fantasia Porque a intenccedilatildeo era essa vamos fazer com

que ele descreva o peixe que existe o real

(8) Isabela Aiacute eacute que ‟taacute ela ainda natildeo incorporou essa questatildeo do trabalho com a

imaginaccedilatildeo esse entrar no mundo da imaginaccedilatildeo ela natildeo eacute assim

(9) Ilka Vocecirc acha que ela desconhece

(10) Isabela Natildeo eacute que ela desconhece ela conhece teoricamente mas natildeo

incorporou Ela natildeo se envolve porque ela natildeo internalizou ainda

(11) Ilka Eu ‟tou pensando alto Vocecirc natildeo acha que ela acredita que essa intervenccedilatildeo

que eacute correta

(12) Hilda Porque eu acho que eacute muito isso eu acho que professor da Educaccedilatildeo

Infantil ele tem muito esse conflito se eu embarco na fantasia da crianccedila eu deixo ela

onde ela ‟taacute e aiacute eu natildeo cumpro a minha funccedilatildeo de professor Eu tenho que ensinar

alguma coisa pra ela Eu lembro direitinho uma vez uma cena na sala da minha filha

ela propocircs uma contaccedilatildeo de histoacuteria e aiacute as crianccedilas foram contando a histoacuteria do

tubaratildeo aiacute uma crianccedila falou assim ldquoe aiacute o tubaratildeo saiu voandordquo e a uacutenica

intervenccedilatildeo da professora foi ldquoopa tubaratildeo voardquo Ela cortou a cena totalmente para

ela na narrativa dela o tubaratildeo voava e era isso que tinha graccedila mas ao mesmo

tempo a intervenccedilatildeo dela foi assim ela achou que ela tinha que falar aquilo como ela

ia deixar aquela crianccedila achando que tubaratildeo voava

(13) Marina Para falar a verdade eu acho que ela quis mostrar ali que ela trabalha

com os conteuacutedos em sala de aula

(14) Sirlaine Exatamente aquela visatildeo didatizada do brincar que a gente viu aqui

que tem que ter um conteuacutedo escolar

A coordenadora (1) inicia seu turno dizendo ldquoEsse espaccedilo aqui possibilita

pensar nas accedilotildees do dia a diardquo Com essa declaraccedilatildeo Isabela sinaliza que os encontros

com as pesquisadoras estatildeo possibilitando refletir sobre as accedilotildees que ocorrem no

cotidiano da creche Isso fica demarcado linguisticamente pelo uso dos decirciticos

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 203

ILKA SCHAPPER SANTOS

espaciais ldquoesserdquo e ldquoaquirdquo Depois usa o argumento de exemplo para explicitar sobre o

que vem refletindo Esses dias eu observei o seguinte uma crianccedila virou e falou

assim ldquoTia ‟tou fazendo um peixerdquo A professora pegou a cadeira puxou pra perto

da crianccedila e falou assim ldquoVamos fazer o peixe igual a gente faz na salardquo Quer

dizer ela cortou a criatividade da crianccedila ela (a crianccedila) ‟tava assim eufoacuterica

mostrando o peixe e ela (a professora) puxou a cadeira e falou - ldquoVamos fazer o

peixe igual a gente faz na salardquo Nesse momento a coordenadora compartilha um

importante significado do brincar trazido pelas pesquisadoras qual seja a capacidade da

crianccedila segundo Vygotsky (19301991) de transformar o significado dos objetos

modificando um elemento da realidade em outro Mostra ainda a compreensatildeo de que

esse formato que a crianccedila atribui aos objetos tem implicaccedilotildees importantes para seu

desenvolvimento principalmente no que se refere agrave (re)construccedilatildeo de sentidos e

significados sobre a realidade material em que vive Assim Isabela passa a refletir sobre

as accedilotildees relacionadas ao brincar por meio desse novo significado compartilhado nas

discussotildees do GP EFoPI

Diante da declaraccedilatildeo da professora Leacutea (2) formula uma questatildeo controversa

ldquoA que vocecirc atribui isso Essa entrada delardquo Tal questatildeo exige das coordenadoras

um posicionamento isto eacute a apresentaccedilatildeo dos seus sentidos-significados sobre o que

Isabela havia dito No entanto apesar de a pesquisadora buscar no seu questionamento

que as coordenadoras relacionem a partir da reflexatildeo tecida os significados trazidos

por Isabela agraves discussotildees travadas no segundo cronotopo relativo ao curso de extensatildeo

os pontos de vista que emergem estatildeo pautados no senso comum Discursivamente isso

pode ser visto nas respostas das coordenadoras nos turnos (3) e (4) respectivamente

ldquoAcho que falta interesserdquo e ldquoeu acho tambeacutem Falta de interesserdquo

Diante dos pontos de vista declarados apresento como pesquisadora do GP

EFoPI um contra-argumento nos turnos (5) e (7) respectivamente ldquoA questatildeo eacute

outra eu acho Porque ela pode ter interesse enfim todos os adjetivos que a gente

pode pensar por conta de uma pessoa que falta algum compromisso mas o que a Leacutea

‟taacute perguntando eacute outra coisardquo e ldquoEntatildeo mas o que a Leacutea ‟taacute perguntando eacute assim

a fala dela (da professora) ela teve um movimento entatildeo natildeo me parece

desinteresse ela ‟tava laacute Mas por que ela disse acutevamos fazer o peixe que a gente faz

na sala` Por que ao inveacutes dela falar assim acuteque peixe eacute esse` Mas por que vocecirc

acha que no lugar dela ingressar nesse universo da crianccedila ela trouxe para esse

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 204

ILKA SCHAPPER SANTOS

movimento do real daquilo que se faz na sala Porque a questatildeo eacute essa A questatildeo

agora natildeo eacute culpar o comportamento dela a questatildeo eu acho eacute O que leva ela a

pensar que tem que trazer o menino para o campo do real e tirar do imaginaacuterio da

fantasia Porque a intenccedilatildeo era essa vamos fazer com que ele descreva o peixe que

existe o realrdquo O uso desse recurso argumentativo que estaacute relacionado agrave dissociaccedilatildeo

emerge como contraponto aos argumentos apresentados buscando desencadear uma

situaccedilatildeo de conflito exigindo do grupo um posicionamento diante da questatildeo

apresentada pela pesquisadora Leacutea

A utilizaccedilatildeo desse dispositivo argumentativo na maioria das vezes possibilita o

estabelecimento de conflito e de crise em relaccedilatildeo ao instituiacutedo provocando respostas

que propiciam rever o dito e o estabelecido Assim nesse movimento discursivo

procuro no interior do conflito instaurado e no embate entre os sentidos propiciar

elementos para a produccedilatildeo-construccedilatildeo de significados Isso pode ser percebido no

enunciado de Isabela que antes tinha atribuiacutedo a intervenccedilatildeo da professora agrave ldquofalta de

interesserdquo e agora diz (8) ldquoAiacute eacute que ‟taacute ela ainda natildeo incorporou essa questatildeo do

trabalho com a imaginaccedilatildeo esse entrar no mundo da imaginaccedilatildeo ela natildeo eacute assimrdquo

mostrando que a referida professora desconhece o trabalho pautado no desenvolvimento

da imaginaccedilatildeo (Vygotsky 19301991) tal como tratado nas discussotildees do grupo

No turno (12) a pesquisadora Hilda apresenta uma reflexatildeo que vai ao encontro

do novo significado construiacutedo sobre o trabalho com o brincar e para isso faz uso do

argumento pragmaacutetico ldquoPorque eu acho que eacute muito isso eu acho que professor da

Educaccedilatildeo Infantil ele tem muito esse conflito se eu embarco na fantasia da crianccedila

eu deixo ela onde ela ‟taacute e aiacute eu natildeo cumpro a minha funccedilatildeo de professor Eu tenho

que ensinar alguma coisa pra elardquo Com isso a pesquisadora faz uma apreciaccedilatildeo do

que fora discutido segundo suas possiacuteveis consequecircncias presentes e futuras tendo

relevacircncia direta para a accedilatildeo O argumento funciona como um dispositivo para discutir

os novos significados que estatildeo sendo compartilhados Para ilustrar o que havia dito

anteriormente a pesquisadora continua sua interlocuccedilatildeo por meio de um argumento de

exemplo Eu lembro direitinho uma vez uma cena na sala da minha filha ela (a

professora) propocircs uma contaccedilatildeo de histoacuteria e aiacute as crianccedilas foram contando a

histoacuteria do tubaratildeo aiacute uma crianccedila falou assim ldquoe aiacute o tubaratildeo saiu voandordquo e a

uacutenica intervenccedilatildeo da professora foi ldquoopa tubaratildeo voardquo

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 205

ILKA SCHAPPER SANTOS

Depois Hilda finaliza seu turno usando um contra-argumento por meio do

discurso citado ou seja procura recuperar o que a professora do exemplo pode ter

pensado quando fez a intervenccedilatildeo com a crianccedila ldquoa intervenccedilatildeo dela (da professora)

foi assim ela achou que ela tinha que falar aquilo como ela ia deixar aquela crianccedila

achando que tubaratildeo voavardquo No movimento argumentativo Hilda traz por meio de

argumento pragmaacutetico argumento de exemplo e contra-argumento os sentidos e

significados compartilhados sobre a temaacutetica criando uma zona de criticidade e

colaboraccedilatildeo (Magalhatildees 2009) que veio se instaurando no fluxo da interaccedilatildeo verbal

entre as pesquisadoras e as coordenadoras e que culminou em sua intervenccedilatildeo

Isso se concretiza nos turnos seguintes das coordenadoras Marina (13) e

Sirlaine(14) respectivamente quando recuperam significados compartilhados no 2ordm

cronotopo relativo ao curso de extensatildeo ldquoPara falar a verdade eu acho que ela quis

mostrar ali que ela trabalha com os conteuacutedos em sala de aulardquo e ldquoExatamente

aquela visatildeo didatizada do brincar que a gente viu aqui que tem que ter um

conteuacutedo escolarrdquo Nesse sentido chegam a um acordo de que muitas vezes o brincar

na creche estaacute pautado em uma visatildeo didatizada que prioriza conteuacutedos escolares

Na sequecircncia da sessatildeo reflexiva as pesquisadoras e as coordenadoras

conversam e refletem sobre a forma como estas apresentaram nas creches a proposta

do projeto de accedilatildeo a respeito da brincadeira

2ordm Excerto

(15) Leacutea Aiacute outra questatildeo que a gente gostaria que vocecircs refletissem A pergunta

seria A expectativa que vocecircs tinham com relaccedilatildeo agrave acolhida e ao desenvolvimento da

atividade pela educadora foi atingido Quer dizer as expectativas que vocecircs tinham

quando foram propor para educadora essa acolhida delas com relaccedilatildeo agrave proposta de

vocecircs e do proacuteprio desenvolvimento a forma que elas desenvolveram a atividade ela

foi atingida

(16) Assunccedilatildeo Eu acho que ateacute superou porque assim era para duas educadoras e aiacute o

grupo todo acolheu e assim trecircs dias que eu estava presente no desenvolvimento da

atividade eu fiquei assim taacute (faz expressatildeo boquiaberta) porque laacute na creche natildeo tem

mais aquele horaacuterio riacutegido ldquoAh eacute hora de ir laacute pra fora e natildeo sei o quecircrdquo Entatildeo elas

falavam ldquoOh vamos se natildeo natildeo vai dar tempordquo Foi uma chamando a outra ldquoVem

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 206

ILKA SCHAPPER SANTOS

para gente fazer a brincadeira se natildeo natildeo vai dar tempo da gente fazer legalrdquo Entatildeo

elas estavam envolvidas e elas se envolveram e depois elas vinham me contar ldquoOh

Assunccedilatildeo vamos laacute para vocecirc tirar foto ‟taacute tatildeo legalrdquo Sabem entatildeo assim elas

mesmas foram se envolvendo e participando

(17) Leacutea Elas tinham consciecircncia que isso era um pedido dessa reuniatildeo

(18) Assunccedilatildeo Tinham Porque quando a gente foi apresentar as meninas tinham

falado para gente apresentar falar o porquecirc como que eacute o projeto aqui

(19) Elisa Noacutes colocamos neacute Assunccedilatildeo Apresentamos o grupo EFoPI qual que eacute o

objetivo o que a gente faz aqui nesse grupo elas ficaram ateacute assim muito curiosas

ldquoAh que legalrdquo A gente colocou sucintamente para elas qual eacute o objetivo do grupo

que eacute o trabalho com a parceria que a gente aprende com vocecircs vocecircs aprendem com

a gente que a gente ‟taacute ali socializando com elas com vocecircs a experiecircncia que a gente

vivencia laacute dentro da creche

(20) Ilka O que eu achei interessante no relato de vocecircs eacute que apareceu pelo menos

umas duas ou trecircs vezes a palavra reflexatildeo vocecircs falam assim ldquoAh pensamos em

refletir com elasrdquo Vocecircs veem alguma proximidade nessas reflexotildees postas aqui com

os modos e maneiras que vocecircs atuaram nessa atividade com elas com a sua

orientaccedilatildeo Vocecircs sentem alguma proximidade com esse movimento aqui e o

movimento que vocecircs fizeram laacute Eacute que apareceu falando do campo do significado das

palavras eu achei muito interessante achei muito interessante o desenvolvimento da

atividade mais que isso a forma como vocecircs concretizaram materializaram a

proposta o diaacutelogo com elas eu queria saber um pouco como eacute que isso foi para vocecircs

o que vocecircs pensaram quando solicitaram essa reflexatildeo de pensar sobre as brincadeiras

as antigas brincadeiras a presenccedila da educadora na creche esse espaccedilo que vocecircs

propuseram de reflexatildeo sobre a brincadeira porque apareceu um pouco isso neacute

(21) Assunccedilatildeo Eu acho bacana assim porque o que a gente conversa aqui nos faz

refletir e isso vai claro ter algum efeito no nosso trabalho do dia a dia Entatildeo quando

a gente leva uma proposta que foi discutida aqui para as nossas educadoras a gente

tambeacutem vai com essa coisa de cutucar para que elas reflitam natildeo simplesmente atuem

para que elas observem e em cima disso avaliem o trabalho delas e o desenvolvimento

da crianccedila Entatildeo acho que isso eacute um reflexo do nosso trabalho aqui e do envolvimento

de todo mundo e com isso vai contaminando vocecircs contaminam a gente a gente

contamina elas e elas contaminam as crianccedilas as crianccedilas os pais e assim neacute

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 207

ILKA SCHAPPER SANTOS

(22) Ilka Muito bom Gostei Eacute uma cadeia

(23) Leacutea Eacute uma cadeia

(24) Ilka Uma Cadeia Criativa

Neste excerto Leacutea formula dois questionamentos para identificar os impactos

dos projetos de accedilatildeo elaborados na sessatildeo reflexiva anterior e desenvolvidos com as

professoras (1) ldquoA expectativa que vocecircs tinham com relaccedilatildeo agrave acolhida e ao

desenvolvimento da atividade pela educadora foi atingidordquo e (2) ldquoQuer dizer as

expectativas que vocecircs tinham quando foram propor para educadora essa acolhida

delas com relaccedilatildeo agrave proposta de vocecircs e do proacuteprio desenvolvimento a forma que elas

desenvolveram a atividade ela foi atingidardquo Esses questionamentos propiciam um

espaccedilo para que as coordenadoras avaliem o processo de interaccedilatildeo estabelecido entre as

coordenadoras e as educadoras das creches

A partir dos questionamentos da pesquisadora Assunccedilatildeo (16) diz que o

desenvolvimento da atividade superou as expectativas ldquoEu acho que ateacute superourdquo Em

seguida faz uso em dois momentos no enunciado do operador argumentativo (Koch

19922004) ldquoporquerdquo buscando introduzir uma justificativa ou explicaccedilatildeo relativa ao

enunciado anterior Porque assim era para duas educadoras e aiacute o grupo todo

acolheu e assim trecircs dias que eu estava presente no desenvolvimento da atividade eu

fiquei assim taacute (faz expressatildeo boquiaberta) porque laacute na creche natildeo tem mais

aquele horaacuterio riacutegido ldquoAh eacute hora de ir laacute pra fora e natildeo sei o quecircrdquo Neste fragmento

a coordenadora mostra com a expressatildeo extraverbal (gesto com a boca) sua admiraccedilatildeo

pela transformaccedilatildeo ocorrida na creche pois agora natildeo se tem mais horaacuterio riacutegido em

relaccedilatildeo agraves atividades desenvolvidas Com esse enunciado Assunccedilatildeo compartilha um

significado que foi construiacutedo no cronotopo relativo ao curso de extensatildeo em que as

pesquisadoras discutiram sobre a importacircncia de se considerar o tempo das crianccedilas nas

brincadeiras de faz de conta Dito de outro modo nesse cronotopo do curso de extensatildeo

foi discutido como os alunos estabelecem regras vivenciam conflitos e (re)constroem o

real no brincar de faz de conta (Vygotsky 19301987) e a relevacircncia de sabermos como

interferir nesse processo sem por exemplo cortar abruptamente a cena criada pelas

crianccedilas por conta dos horaacuterios riacutegidos da instituiccedilatildeo

Depois a coordenadora usa o argumento de exemplo para ilustrar sua tese de

que o trabalho desenvolvido superou as expectativas Para isso faz uso em seu turno

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 208

ILKA SCHAPPER SANTOS

do operador argumentativo ldquoentatildeo em dois momentos o que lhe possibilita introduzir

conclusotildees relativas ao que foi apresentado anteriormente ldquoEntatildeo elas falavam ldquoOh

vamos se natildeo natildeo vai dar tempordquo Foi uma chamando a outra ldquoVem para gente

fazer a brincadeira se natildeo natildeo vai dar tempo da gente fazer legalrdquo Entatildeo elas

estavam envolvidas e elas se envolveram e depois elas vinham me contar ldquoOh

Assunccedilatildeo vamos laacute para vocecirc tirar foto ‟taacute tatildeo legal Sabem entatildeo assim elas

mesmas foram se envolvendo e participandordquo Em seu turno a coordenadora mostra

como as professoras estavam envolvidas nas atividades e como ela pocircde compartilhar

com elas em uma outra atividade significados construiacutedos no interior dos encontros

com o GP EFoPI Dessa forma eacute possiacutevel perceber o movimento da Cadeia Criativa

(Liberali 2009) em que a participaccedilatildeo do indiviacuteduo nas atividades (a) (b) e (c) evolui

no tempo a atividade (b) por exemplo pode criar significados novos para os sentidos

levados de volta (no tempo) para atividade (a) e para outra atividade da Cadeia (Fuga

2009 p 47)

No entremeio da discussatildeo trazida por Assunccedilatildeo Leacutea (17) faz o seguinte

questionamento ldquoElas tinham consciecircncia que isso era um pedido dessa reuniatildeordquo O

questionamento da pesquisadora tem a intenccedilatildeo de perceber se as atividades estavam

interligadas num movimento em cadeia Diante do questionamento Assunccedilatildeo (18)

responde por meio de um argumento de exemplo ldquoTinham Porque quando a gente

foi apresentar as meninas tinham falado para a gente apresentar falar o porquecirc

como que eacute o projeto aquirdquo Este recurso argumentativo mostra para o grupo como esse

cronotopo da cadeia se relaciona com outras atividades desenvolvidas pelas

coordenadoras a partir das discussotildees fiadas no interior das sessotildees reflexivas

Depois outra coordenadora Elisa continua especificando em seu turno (19)

utilizando tambeacutem o argumento de exemplo para dizer como apresentou o trabalho

desenvolvido entre pesquisadoras e coordenadoras no GP EFoPI ldquoApresentamos o

grupo EFoPI qual que eacute o objetivo o que a gente faz aqui nesse grupo elas ficaram

ateacute assim muito curiosas acuteAh que legal`rdquo A gente colocou sucintamente para elas

qual eacute o objetivo do grupo que eacute o trabalho com a parceria que a gente aprende com

vocecircs vocecircs aprendem com a gente que a gente ‟taacute ali socializando com elas com

vocecircs a experiecircncia que a gente vivencia laacute dentro da crecherdquo Em seu turno a

coordenadora mostra mais uma vez como o trabalho desenvolvido estaacute interligado no

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 209

ILKA SCHAPPER SANTOS

fluxo da cadeia (Liberali 2009) pois destaca a parceria ldquoque a gente aprende com

vocecircs vocecircs aprendem com a gente que a gente ‟taacute ali socializando com elasrdquo

No turno (19) eacute possiacutevel captar os sentidos que Elisa atribui ao trabalho

desenvolvido no GP EFoPI bem como os impactos dele na interlocuccedilatildeo com as

professoras da creche A coordenadora demarca em seu discurso que ldquoaprenderdquo com o

grupo de pesquisa e as pesquisadoras ldquoaprendemrdquo com as coordenadoras e por

conseguinte isso eacute ldquosocializadordquo com as professoras por meio das intervenccedilotildees no

brincar Tal fala mostra segundo uma visatildeo bakhtiniana sua compreensatildeo ainda que

implicitamente de que a produccedilatildeo de sentidos eacute potencialmente infinita revigorando-se

no contato com outros sentidos dito de outro modo em outros contextos mas

carregando as marcas dos contextos anteriores (Bakhtin 1987)

Diante do exposto nos enunciados anteriores no turno (20) busco entrelaccedilar os

elos da cadeia e compreender os impactos das intervenccedilotildees do GP EFoPI nos diferentes

contextos em que as coordenadoras transitam em especial nos contextos com as

professoras das creches Isso porque procuro ldquocapturarrdquo quais sentidos-significados satildeo

compartilhados com as respectivas professoras Para tanto uso as marcas de interaccedilatildeo

retomada de vozes anteriores ldquoO que eu achei interessante no relato de vocecircs eacute que

apareceu pelo menos umas duas ou trecircs vezes a palavra reflexatildeo ldquovocecircs falam assim

acuteAh pensamos em refletir com elas`rdquo Para sustentar minha avaliaccedilatildeo valho-me do

discurso das coordenadoras Na perspectiva bakhtiniana essa eacute uma relaccedilatildeo de sentido

construiacuteda por meio da palavra de outrem no caso aqui eacute identificado como discurso

representado ou objetivado o discurso direto (Bakhtin 1987) Esse eco de vozes

anteriores pode ser compreendido ainda em Bakhtin sob a oacutetica do plurilinguismo

dialogizado considerado o verdadeiro elemento da enunciaccedilatildeo (Bakhtin 1983) Meu

enunciado traz reminiscecircncias de outros enunciados dentro da comunidade semioacutetica em

que estou inserida como dispositivo para continuar o diaacutelogo Isso se concretiza nos

questionamentos que levanto logo depois ldquoVocecircs veem alguma proximidade nessas

reflexotildees postas aqui com os modos e maneiras que vocecircs atuaram nessa atividade

com elas com a sua orientaccedilatildeo Vocecircs sentem alguma proximidade com esse

movimento aqui e o movimento que vocecircs fizeram laacuterdquo

No fluxo da interaccedilatildeo verbal os questionamentos levantados tecircm a finalidade de

identificar se os esforccedilos em parceria em uma atividade produziram significados que

foram posteriormente compartilhados com outros parceiros atraveacutes dos sentidos que

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 210

ILKA SCHAPPER SANTOS

aqueles trouxeram para uma nova atividade (Liberali 2009) Esse movimento fica

explicitado no turno de Assunccedilatildeo (21) por meio de argumento pragmaacutetico ldquoquando a

gente leva uma proposta que foi discutida aqui para as nossas educadoras a gente

tambeacutem vai com essa coisa de cutucar para que elas reflitam natildeo simplesmente

atuem para que elas observem e em cima disso avaliem o trabalho delas e o

desenvolvimento da crianccedilardquo O uso desse recurso argumentativo como disse

anteriormente permite agrave coordenadora apreciar o trabalhado reflexivo que desenvolveu

com as professoras segundo suas consequecircncias presentes-futuras tendo relevacircncia

direta na accedilatildeo Dito de outro modo Assunccedilatildeo consegue mostrar os impactos das

interaccedilotildees tecidas entre pesquisadoras e coordenadoras no interior de outros contextos

de produccedilatildeo destacando elementos similares aos que foram enunciados por Elisa

Assim finaliza seu turno com argumentos que reforccedilam a ideia do movimento

da Cadeia Criativa na produccedilatildeo de novos significados ldquoEntatildeo acho que isso eacute um

reflexo do nosso trabalho aqui e do envolvimento de todo mundo e com isso vai

contaminando vocecircs contaminam a gente a gente contamina elas e elas contaminam

as crianccedilas as crianccedilas os pais e assim neacuterdquo A metaacutefora da ldquocontaminaccedilatildeordquo utilizada

pela coordenadora eacute a siacutentese desse pensamento Um movimento que inicia com o GP

EFoPI ldquocontaminandordquo as coordenadoras que ldquocontaminamrdquo as professoras que por

sua vez ldquocontaminamrdquo as crianccedilas que por sua vez ldquocontaminamrdquo os pais Diante da

reflexatildeo da coordenadora tanto Leacutea quanto eu nos turnos (22) (23) e (24) sintetizamos

seu pensamento como em ldquocadeiardquo na siacutentese dialeacutetica da Cadeia Criativa (Liberali

2009)

No excerto a seguir duas coordenadoras discutem sobre o trabalho

desenvolvido a partir do projeto de accedilatildeo sobre as brincadeiras nas creches apontando os

impactos e a relevacircncia do trabalho desenvolvido

3ordm Excerto

(25) Elisa O que a gente se pautou O que eu propus para as meninas Conforme foi

a proposta do grupo aqui tambeacutem De que a gente natildeo focasse somente - ah vamos

trabalhar tal brincadeira em funccedilatildeo de desenvolvimento da coordenaccedilatildeo motora fina

coordenaccedilatildeo motora grossa e psicomotor A gente focou o brincar da crianccedila mesmo

a observaccedilatildeo na brincadeira trazer o que esse momento proporciona para a crianccedila o

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 211

ILKA SCHAPPER SANTOS

que essa brincadeira traz de positivo pra essa crianccedila Aiacute colocamos as nossas

reflexotildees O desenvolvimento do plano de accedilatildeo foi pautado em reflexotildees como qual a

importacircncia da brincadeira para as nossas crianccedilas o que a brincadeira proporciona

aos pequenos o que se ganha brincando como brincam Qual o papel que a

brincadeira tem ocupado na vida de nossas crianccedilas e qual o papel do educador neste

processo Como a gente se posiciona frente a esse processo Entatildeo diante das

brincadeiras a gente foi fazendo essa reflexatildeo E eu coloquei algumas citaccedilotildees que a

gente veio discutindo no decorrer dos encontros no final do projeto junto com a

Cibele Entatildeo a gente foi fazendo uma anaacutelise do significado daquela brincadeira para

determinada crianccedila e o significado que ela daacute agrave brincadeira o imaginaacuterio dela O

fundamento de brincar eacute criar uma relaccedilatildeo entre o pensamento e realidade A gente

fala que a crianccedila ela mostra o ambiente que ela vive a realidade que ela vivencia a

famiacutelia tudo atraveacutes da brincadeira Entatildeo satildeo focos que a gente pegou como

reflexatildeo

(26) Joana Entatildeo o objetivo foi alcanccedilado visto que ao enfatizarmos mais as

brincadeiras atraveacutes do plano de accedilatildeo essas passaram a fazer parte mais intensamente

do cotidiano da nossa creche de modo a contagiar todas as demais turmas As

educadoras pediram que a brincadeira fosse desenvolvida nas demais turmas Entatildeo

assim todo mundo passou a brincar natildeo soacute a turminha que ‟tava sendo alvo do projeto

E a gente ‟taacute trabalhando com os cantinhos nas turmas de trecircs anos

Em seu turno Elisa (25) retoma os questionamentos que foram levantados em

momentos anteriores pela pesquisadora Leacutea ldquoO que a gente se pautou O que eu

propus para as meninasrdquo Esse movimento de retomada dos questionamentos auxilia

a coordenadora a organizar seu discurso em funccedilatildeo do que foi solicitado

Na continuidade de seu turno Elisa compartilha um importante significado

referente ao brincar ldquoConforme foi a proposta do grupo aqui tambeacutem De que a

gente natildeo focasse somente - ah vamos trabalhar tal brincadeira em funccedilatildeo de

desenvolvimento da coordenaccedilatildeo motora fina coordenaccedilatildeo motora grossa e

psicomotorrdquo Ao trazer esse discurso citado como um exemplo do que se deve evitar a

coordenadora mostra compreender que o desenvolvimento da brincadeira transcende o

trabalho estruturado em especial aquele relativo ao desenvolvimento ldquopsicomotorrdquo

Em seguida explica que o desenvolvimento do plano de accedilatildeo sobre o tema foi

pautado em alguns questionamentos que levantou junto agraves professoras (1) qual a

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 212

ILKA SCHAPPER SANTOS

importacircncia da brincadeira para as nossas crianccedilas (2) O que a brincadeira

proporciona aos pequenos o que se ganha brincando como brincam (3) Qual o papel

que a brincadeira tem ocupado na vida de nossas crianccedilas e qual o papel do educador

neste processo (4) Como a gente se posiciona frente a esse processo

Eacute interessante notar que Elisa mostra seu aprendizado sobre a importacircncia de no

processo reflexivo levantar questotildees que possam propiciar o (re)pensar da praacutetica

educativa e tambeacutem o (re)pensar da teorias que as embasam Neste turno temos

explicitado um importante movimento do compartilhamento de significados nos elos da

Cadeia Criativa pois a coordenadora passa a agir com o grupo de professoras que

coordena de forma similar agraves experiecircncias vivenciadas no GP EFoPI

Aleacutem de levantar questionamentos a coordenadora busca identificar os

significados que as professoras atribuem ao brincar e ao desenvolvimento da

imaginaccedilatildeo ldquoa gente foi fazendo uma anaacutelise do significado daquela brincadeira

para determinada crianccedila e o significado que ela daacute agrave brincadeira o imaginaacuterio

delardquo mostrando mais uma vez que compreendeu a discussatildeo sobre sentidos e

significados tecidas no interior do grupo de pesquisa Por fim a pesquisadora sinaliza

para outro significado sobre o brincar compartilhado no GP EFoPI ldquoO fundamento de

brincar eacute criar uma relaccedilatildeo entre o pensamento e realidaderdquo

Em (26) Joana inicia seu turno fazendo uso do ldquoentatildeordquo sinalizando que vai

tecer uma conclusatildeo sobre o que estava sendo dito demonstrando compartilhar

significados da discussatildeo anterior Desta forma sua reflexatildeo responde um

questionamento levantado no 2ordm excerto desta seccedilatildeo ldquoo objetivo foi alcanccedilado visto

que ao enfatizarmos mais as brincadeiras atraveacutes do plano de accedilatildeo essas passaram a

fazer parte mais intensamente do cotidiano da nossa creche de modo a contagiar

todas as demais turmasrdquo Aleacutem disso compartilha com o grupo que agora na creche

as salas de atividades estatildeo organizadas a partir dos cantinhos ldquoE a gente ‟taacute

trabalhando com os cantinhos nas turmas de trecircs anosrdquo tema que perpassou as

discussotildees dos dois cronotopos anteriores ao qual de iniacutecio tanto as 4 professoras

quanto as coordenadoras haviam mostrado resistecircncia

No proacuteximo fragmento trecircs coordenadoras compartilham os significados que

foram construindo nos encontros do GP EFoPI com as pesquisadoras em diferentes

elos da Cadeia Criativa (Liberali 2009) bem como a influecircncia dessas construccedilotildees no

trabalho com as professoras e no trabalho destas com as crianccedilas

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 213

ILKA SCHAPPER SANTOS

4ordm Excerto

(27) Bernadete () Entatildeo assim quando a gente apresentou o que vocecirc falou assim

quando disse ldquoapareceu muito essa palavra reflexatildeordquo Entatildeo tudo eacute um processo de

reflexatildeo que a gente estaacute passando ultimamente aqui E isso eacute muito rico porque hoje

agraves vezes quando a gente no dia a dia senta aqui e vai ouvindo talvez assim o nosso

rosto natildeo demonstra o tanto que a gente vem absorvendo tudo que ‟taacute sendo falado

Mas depois aquilo tudo que foi discutido por exemplo no curso de extensatildeo nas

sessotildees as teorias que embasam nossa praacutetica como trabalhar o brincar na creche foi

muito importante

(28) Yara Falado e internalizado

(29) Marina Com essa nova forma de ver o brincar com essa nova concepccedilatildeo que a

gente tem do brincar observamos como as relaccedilotildees satildeo construiacutedas de forma mais

dinacircmica como eacute que o aproveitamento do brincar eacute melhor Isso de que ningueacutem

aprende nada sozinho brincar eacute uma questatildeo social Vocecirc aprende a brincar vocecirc natildeo

nasce sabendo brincar e como eacute que eacute importante mesmo que o educador ensine a

crianccedila a brincar que ele faccedila parte da brincadeira que ele esteja junto Entatildeo a gente

colheu bastante coisa bastante observaccedilatildeo com isso tudo apresentado por vocecircs Como

eacute que vocecirc muda a sua postura e a concepccedilatildeo de certas coisas que satildeo tatildeo simples que

fazem com que vocecirc observe mais o cotidiano que a crianccedila interaja e se solte como

que possibilita trabalhar a autonomia da crianccedila

Neste excerto Bernadete (27) usa a marca de interaccedilatildeo retomada de vozes

anteriores para iniciar sua reflexatildeo ldquoquando disse bdquoapareceu muito essa palavra

reflexatildeo‟ A coordenadora faz uso da retomada de vozes para explicar ldquoEntatildeo tudo eacute

um processo de reflexatildeo que a gente estaacute passando ultimamente aquirdquo Por meio do

operador argumentativo ldquoentatildeordquo sinaliza para uma conclusatildeo em relaccedilatildeo ao que havia

enunciado antes explicando que a palavra ldquoreflexatildeordquo apareceu muitas vezes porque diz

de algo que elas estatildeo vivenciando nos encontros com o GP EFoPI Linguisticamente

isso pode ser observado a partir do decircitico espacial ldquoaquirdquo

Depois a coordenadora usa o argumento de exemplo para mostrar em que estaacute

pautada essa reflexatildeo ldquodepois aquilo tudo que foi discutido por exemplo no curso de

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 214

ILKA SCHAPPER SANTOS

extensatildeo nas sessotildees as teorias que embasam nossa praacutetica como trabalhar o

brincar na creche foi muito importanterdquo

Em (28) Yara tambeacutem faz uso da marca de interaccedilatildeo retomada de vozes

anteriores ldquofalado e internalizadordquo mostrando sinteticamente sua compreensatildeo do

processo de internalizaccedilatildeo pois o verbete ldquofaladordquo expressa o processo interpsicoloacutegico

(as discussotildees nos encontros) e o verbete ldquointernalizadordquo diz do processo

intrapsicoloacutegico apontando as bases para seus olhares entre o plano social e individual

No turno (29) Marina faz uma siacutentese dos significados que foram

compartilhados durante o trabalho desenvolvido entre as pesquisadoras e as

coordenadoras no interior das discussotildees do GP EFoPi ldquoCom essa nova forma de ver

o brincar com essa nova concepccedilatildeo que a gente tem do brincar observamos como as

relaccedilotildees satildeo construiacutedas de forma mais dinacircmica como eacute que o aproveitamento do

brincar eacute melhorrdquo A coordenadora usa por duas vezes o pronome ldquoessardquo para se

referir as concepccedilotildees discutidas sobre o brincar Eacute interessante que ao fazer isso traz

para a cena enunciativa concepccedilotildees tratadas em outro cronotopo da Cadeia Criativa o

curso de extensatildeo ldquoIsso de que ningueacutem aprende nada sozinho brincar eacute uma

questatildeo social Vocecirc aprende a brincar vocecirc natildeo nasce sabendo brincar e como eacute

importante mesmo que o educador ensine a crianccedila a brincar que ele faccedila parte da

brincadeira que ele esteja juntordquo Aqui vemos como a atividade do segundo

cronotopo interferiu na atividade atual e possibilitou criar novos significados para

sentidos que ateacute entatildeo estavam circunscritos agrave atividade anterior pois como ensina

Bakhtin (1987 p 393) ldquonatildeo existe nada morto de maneira absoluta cada sentido teraacute

sua festa de ressurreiccedilatildeordquo

Depois a coordenadora destaca como as discussotildees do GP EFoPI contribuiacuteram

para transformar suas posturas e concepccedilotildees em relaccedilatildeo ao trabalho realizado com a

crianccedila na creche ldquoEntatildeo a gente colheu bastante coisa bastante observaccedilatildeo com

isso tudo apresentado por vocecircs Como eacute que vocecirc muda a sua postura e a concepccedilatildeo

de certas coisas que satildeo tatildeo simples que fazem com que vocecirc observe mais o

cotidiano que a crianccedila interaja e se solte como que possibilita trabalhar a

autonomia da crianccedilardquo Nesse movimento discursivo a coordenadora revela

transformaccedilotildees em suas concepccedilotildees sobre o desenvolvimento infantil Eacute interessante

notar tambeacutem como Marina no interior do grupo aumentou seu conatus sua potecircncia

de agir Expressa como foi ldquoafetadardquo no sentido spinozano pelas intervenccedilotildees do

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 215

ILKA SCHAPPER SANTOS

grupo sinalizando para uma importante definiccedilatildeo de Spinoza (16772005 p 303) ldquose

dois indiviacuteduos inteiramente da mesma natureza se aliam um ao outro formam um

indiviacuteduo duas vezes mais poderoso do que cada um deles tomado separadamenterdquo

44 ndash Consideraccedilotildees Parciais

Neste ponto seratildeo retomadas as questotildees de pesquisa na busca de respondecirc-las

a partir da anaacutelise e das discussotildees tecidas

Como o processo da argumentaccedilatildeo desenvolvido entre pesquisadores e educadores

permite expor sentidos e significados sobre a brincadeira no movimento da Cadeia

Criativa

Quais argumentos contribuiacuteram para a produccedilatildeo de significado sobre o brincar no

movimento da Cadeia Criativa

Para neste espaccedilo refletir se o processo da argumentaccedilatildeo desenvolvido entre

pesquisadoras e educadoras de creche permitiu expor sentidos e significados sobre a

brincadeira no movimento da Cadeia Criativa e ainda pensar sobre quais argumentos

contribuiacuteram para a produccedilatildeo de significado sobre o brincar precisamos rememorar o

movimento discursivo no interior dos excertos nos trecircs cronotopos da Cadeia Criativa

No fluxo da interaccedilatildeo verbal diria que no primeiro cronotopo referente ao

diaacutelogo entre 4 professoras e duas pesquisadoras do GP EFoPI o processo

argumentativo ficou prioritariamente circunscrito agrave reincidecircncia de argumentos de

exemplo e de argumentos pragmaacuteticos calcados ora nas atividades dos viacutedeos

assistidas pelas professoras ora nas suas experiecircncias profissionais imediatas

ancoradas em exposiccedilotildees espontacircneas A recorrecircncia desses argumentos sinaliza que os

sentidos das educadoras sobre a brincadeira e sua materializaccedilatildeo na sala de atividades

de educaccedilatildeo infantil satildeo muito parecidos agravequeles assistidos nas atividades do viacutedeo em

especial os que relacionavam o brincar com atividades conteudistas

As pesquisadoras nesse primeiro momento mantiveram-se muitas vezes em

silecircncio diante das exposiccedilotildees das professoras Esse silecircncio inviabilizou trazer para o

espaccedilo enunciativo contrapalavras (BakhtinVolochinov 1988) que pudessem

desestabilizar os significados rotinizados que as educadoras compartilhavam sobre a

temaacutetica da brincadeira Assim a ausecircncia do embate do conflito e de tensotildees por

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 216

ILKA SCHAPPER SANTOS

meio de questotildees controversas por exemplo sobre os significados cristalizados e

instituiacutedos impossibilitou que as atividades do primeiro cronotopo fossem

desenvolvidas na perspectiva da colaboraccedilatildeo criacutetica (Magalhatildees 2009) Por

conseguinte as pesquisadoras natildeo promoveram um espaccedilo de interlocuccedilatildeo em que os

participantes pudessem tornar seus processos mentais mais claros no fluxo

enunciativo Aleacutem disso natildeo fizeram uso de argumentos teoacutericos que poderiam

funcionar como contraponto agraves ldquoideias inadequadasrdquo (Spinoza 16772005)

Em siacutentese no primeiro cronotopo a construccedilatildeo-produccedilatildeo de novos

significados sobre o brincar ficou comprometida por conta de uma circularidade e

reincidecircncia argumentativa entre pesquisadoras e professoras De um lado as

professoras ancoravam seus argumentos no senso comum e de outro as pesquisadoras

natildeo ingressavam na corrente enunciativa da linguagem com elementos que pudessem

promover para o grupo uma ldquocriserdquo em relaccedilatildeo aos significados estaacuteveis e mais

estratificados Esse movimento fez com que as educadoras continuassem tendo ldquoideias

inadequadasrdquo no sentido spinozano em relaccedilatildeo agrave brincadeira

A argumentaccedilatildeo no primeiro cronotopo da Cadeia Criativa natildeo se configurou

como um tempoespaccedilo em que os participantes pudessem refletir criticamente sobre o

instituiacutedo por meio de sustentaccedilatildeo refutaccedilatildeo e negociaccedilatildeo de posturas pautadas em

uma base argumentativa comum construiacuteda por meio do compartilhamento e produccedilatildeo

de significados

Por fim como foi dito no item 412 da anaacutelise e discussatildeo dos dados a

argumentaccedilatildeo empreendida no primeiro cronotopo natildeo funcionou como um dispositivo

que permitisse a ressignificaccedilatildeo dos conceitos em relaccedilatildeo ao brincar no movimento da

Cadeia Criativa Isso porque natildeo houve uma ampliaccedilatildeo dos sentidos-significados

trazidos pelas professoras e tambeacutem porque natildeo houve intervenccedilotildees das pesquisadoras

que trouxessem a siacutentese dialeacutetica entre construtos teoacutericos relacionados aos pontos de

vista compartilhados a ponto de possibilitar o aprofundamento das visotildees de mundo

circunscritas agrave temaacutetica

No segundo cronotopo referente a dois encontros do curso de extensatildeo

observa-se uma mudanccedila interessante as pesquisadoras iniciaram o trabalho

apresentando categorias teoacutericas da perspectiva soacutecio-histoacuterico-cultural que auxiliam a

pensar o brincar como atividade cultural inscrita na realidade material da crianccedila

Enfatizaram o desenvolvimento das funccedilotildees psicoloacutegicas fundadas nas relaccedilotildees

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 217

ILKA SCHAPPER SANTOS

sociais a mediaccedilatildeo simboacutelica a zona proximal de desenvolvimento reforccedilando desse

modo as contribuiccedilotildees de Vygotsky para a compreensatildeo do brincar de faz de conta O

dispositivo argumentativo sob eixo do argumento teoacuterico eacute um elemento que natildeo

apareceu no cronotopo anterior mas neste segundo momento forneceu mais dados

para o (re)pensar concepccedilotildees e visotildees de mundo alicerccediladas no senso comum e na

experiecircncia imediata

Ao introduzir nas cenas discursivas recursos argumentativos alicerccedilados no

discurso de outrem no caso no discurso teoacuterico houve a construccedilatildeo de um espaccedilo que

possibilitou o compartilhamento e a ampliaccedilatildeo de significados sobre o brincar criando

uma zona de colaboraccedilatildeo criacutetica (Magalhatildees 2009) no interior do fluxo da interaccedilatildeo

verbal

Eacute interessante notar que no cronotopo anterior houve tambeacutem referecircncia ao

discurso citado No entanto este estava pautado na voz do discurso oficial da

instituiccedilatildeo agrave qual as professores estavam vinculadas servindo como acircncora para

justificar a impossibilidade em se (re)pensar a organizaccedilatildeo dos espaccedilos da creche para

um melhor desenvolvimento da brincadeira de faz de conta Esse discurso autoritaacuterio

(Bakhtin 1983) foi apropriado pelas professoras possivelmente como estrateacutegia para

se eximirem de participar de uma discussatildeo que promovesse transformaccedilotildees e

mudanccedilas do haacute muito rotinizado comum e conhecido

Aleacutem de introduzir o argumento teoacuterico no segundo cronotopo houve um

nuacutemero maior de questionamentos que promovessem a produccedilatildeo de significados

compartilhados por meio da colaboraccedilatildeo Ao lado do questionamento houve

levantamento de questotildees polecircmicas as quais geraram a expansatildeo da discussatildeo

culminado em acordos que sinalizaram para uma base de construccedilatildeo de novos

significados que em seguida se tornaram comuns ao grupo

Nas interaccedilotildees neste elo da Cadeia Criativa haacute indiacutecios de que se estabeleceu

uma zona de colaboraccedilatildeo e criticidade cujo dispositivo argumentativo foi se

estruturando como um elemento desencadeador de compartilhamentos de novos

significados do brincar Nele a argumentaccedilatildeo ganhou novos contornos em relaccedilatildeo ao

cronotopo anterior Por meio desse processo argumentativo as pesquisadoras saiacuteram de

sua ldquozona de silecircnciordquo e passaram a socializar significados construiacutedos em outras

atividades do grupo de pesquisa tais como reuniotildees de estudo e escrita de textos

referentes ao assunto tratado

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 218

ILKA SCHAPPER SANTOS

No terceiro e uacuteltimo cronotopo da Cadeia Criativa referente a uma sessatildeo

reflexiva entre pesquisadoras e coordenadoras as participantes discutiram o projeto de

accedilatildeo sobre a brincadeira na creche elaborado em uma sessatildeo anterior

Os dispositivos argumentativos neste elo ficaram circunscritos a argumentos

de exemplo argumentos pragmaacuteticos como no primeiro cronotopo da cadeia Criativa

No entanto natildeo foram utilizados como recursos para reforccedilar experiecircncias do senso

comum e experiecircncias imediatas do trabalho desenvolvido na creche uma vez que ao

lado deles o grupo utilizou contra-argumentos e muitos questionamentos Assim o

movimento discursivo ganhou contornos que possibilitaram o confronto de ideias

valores e crenccedilas sobre a brincadeira se configurando como um espaccedilo de

compartilhamento de novos significados sobre o brincar

As coordenadoras trouxeram marcas enunciativas do cronotopo anterior

referindo-se aos encontros do curso de extensatildeo Dessa forma recuperaram sentidos

que como jaacute foi mencionado tiveram ldquosua festa de ressurreiccedilatildeordquo no dizer de Bakhtin

(1987 p 393) Nesse fluxo discursivo temos nitidamente as marcas do movimento da

Cadeia Criativa pois satildeo evidenciados os esforccedilos que em parceria em uma atividade

produzem significados que seratildeo posteriormente compartilhados por meio dos

sentidos que os sujeitos da interaccedilatildeo trazem para a nova atividade (Liberali 2009 p

102)

Eacute importante dizer que o processo argumentativo desenvolvido entre

pesquisadoras e educadoras (professoras e coordenadoras das creches puacuteblicas

municipais de Juiz de Fora) sobre a brincadeira passou por uma evoluccedilatildeo no interior

dos cronotopos da Cadeia Criativa Podemos pois inferir que houve transformaccedilotildees e

mudanccedilas tanto para as pesquisadoras quanto para as demais participantes Estas no

campo da ressignificaccedilatildeo de concepccedilotildees e praacuteticas sobre o brincar aquelas no desafio

de desenvolver uma metodologia de investigaccedilatildeo inscrita na Pesquisa Criacutetica de

Colaboraccedilatildeo sendo a argumentaccedilatildeo colaborativa seu eixo de interlocuccedilatildeo

Refletir sobre quais argumentos contribuiacuteram para a produccedilatildeo de significados

no interior do processo argumentativo sobre o brincar no movimento da Cadeia

Criativa tambeacutem se faz importante Pocircde-se constatar que os argumentos que

contribuem para essa produccedilatildeo de significados satildeo aqueles que trazem as marcas dos

pontos de vista contra-argumentos questotildees controversas e os que possibilitam chegar

a um acordo sendo que neste uacuteltimo ficam mais evidentes a produccedilatildeo e o

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 219

ILKA SCHAPPER SANTOS

compartilhamento de significados No entanto esse movimento argumentativo se

constitui por meio de marcas de interaccedilatildeo questionamento instruccedilatildeo explicaccedilatildeo

retomada de vozes anteriores colocaccedilatildeo e recolocaccedilatildeo de problemas Aleacutem disso se

estrutura tambeacutem a partir de determinados tipos de argumentos de citaccedilatildeo de

definiccedilatildeo de comparaccedilatildeo pragmaacutetico e de exemplo

O fluxo argumentativo analisado neste trabalho de tese mostra que a

argumentaccedilatildeo quando usada de forma circular e reincidente calcada no senso comum e

nas experiecircncias imediatas dos sujeitos em interaccedilatildeo pouco colabora para a criaccedilatildeo de

conflitos e tensotildees que poderiam desestabilizar os significados estratificados e apontar

para a construccedilatildeo de novos significados Assim ao lado de descriccedilotildees de accedilotildees eacute

importante se ter por exemplo o argumento teoacuterico que possibilita (re)pensar as teorias

nas quais as praacuteticas descritas pelos participantes estatildeo embasadas

Refletir sobre o inverso tambeacutem eacute importante ou seja os argumentos teoacutericos

precisam se articular agrave leitura da realidade material e imaterial em argumentos

estruturados sob a oacutetica do exemplo da accedilatildeo e suas consequecircncias da comparaccedilatildeo entre

accedilotildees

ILKA SCHAPPER SANTOS

CONSIDERACcedilOtildeES E REFLEXOtildeES ABERTAS

No ano de 1998 finalizei o meu mestrado Naquele periacuteodo senti-me insatisfeita

quanto aos desdobramentos de minha dissertaccedilatildeo Talvez porque continuasse com as

mesmas inquietaccedilotildees a respeito das discussotildees sobre a linguagem no periacuteodo de

ingresso no curso Por conta disso comecei a fazer disciplina isolada no Programa de

Mestrado do Curso de Letras da Universidade Federal de Juiz mas as inquietaccedilotildees

persistiram o curso era pautado prioritariamente nos estudos da Linguiacutestica Teoacuterica

Desisti de participar do processo de seleccedilatildeo ao inveacutes disso fiz minha inscriccedilatildeo para o

vestibular do Curso de Letras Aprovada no vestibular comecei o meu segundo curso de

graduaccedilatildeo Muitas foram as minhas descobertas acadecircmicas entre elas a Linguiacutestica

Aplicada

Terminada a graduaccedilatildeo decidi que faria o doutorado na aacuterea da LA Mas

precisei adiar um pouco meu projeto por conta de ter sido convidada a ocupar o cargo

de Coordenadora de Extensatildeo como mencionei na introduccedilatildeo deste estudo

Paradoxalmente foi a experiecircncia na Proacute-Reitoria que potencializou meu desejo de

fazer o doutorado em uma aacuterea aplicada pois coordenava programas e projetos de

extensatildeo que tinham um estreito compromisso teoacuterico-praacutetico com diferentes

comunidades circunvizinhas ao campus da Universidade E aqui estou eu finalizando

um trabalho que me daacute o tiacutetulo de Linguista Aplicada Voltemos ao comeccedilo

A partir do primeiro semestre de 2006 iniciei meus estudos em dois campos que

foram essenciais para este trabalho de tese a Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo

(Magalhatildees 2002 2006 2009) e a argumentaccedilatildeo em um vieacutes colaborativo

Paralelamente propus ao GP EFoPI grupo de pesquisa cuja coordenaccedilatildeo partilhava

com a Profa Dra Leacutea S P Silva que fizeacutessemos nossas investigaccedilotildees a partir da

PCCol Depois de conseguir a adesatildeo do grupo quanto agrave proposta iniciamos um longo

caminho de estudos e intervenccedilotildees de 2006 ateacute hoje

Envolvi-me intensamente nos trabalhos de investigaccedilatildeo do grupo Junto com a

profa Dra Leacutea P S Silva fazia levantamento de referecircncias bibliograacuteficas para

subsidiar as reuniotildees de pesquisa montava projetos para as agecircncias de fomenta

planejava as sessotildees reflexivas e os encontros do curso de extensatildeo para os professores

e coordenadores das creches e escrevia textos sobre a metodologia de pesquisa Como jaacute

mencionei no capiacutetulo metodoloacutegico foram quatro anos de intenso trabalho Esse

trabalho levou-me a refletir sobre a importacircncia de se fazer um estudo longitudinal na

CONSIDERACcedilOtildeES E REFLEXOtildeES ABERTAS 221

ILKA SCHAPPER SANTOS

tese de doutorado sobre as produccedilotildees do grupo Assim ao lado de todas as atividades

mencionadas fiz um mergulho intenso no banco de dados do GP EFoPI leitura das atas

de pesquisa e leitura das transcriccedilotildees das reuniotildees de estudo e das notas expandidas do

trabalho de campo Laacute encontrei um material riquiacutessimo mas entrei em conflito ao

refletir que natildeo desejava apenas investigar as produccedilotildees do grupo e os impactos delas

na formaccedilatildeo dos profissionais das creches puacuteblicas municipais Isso ia de encontro com

a perspectiva metodoloacutegica que estaacutevamos construindo no grupo de pesquisa Assim

resolvi focalizar meu trabalho nas interlocuccedilotildees tecidas entre os pesquisadores e os

participantes do GP EFoPI e natildeo mais nas produccedilotildees isoladas do grupo

Tomada essa primeira decisatildeo faltava outra de igual importacircncia dentre os

temas trabalhados no grupo com os participantes qual poderia focar Mais uma vez fiz

uma imersatildeo no banco de dados para tentar apreender o tema que era tratado com maior

forccedila no interior das interlocuccedilotildees tecidas e apoacutes um cuidadoso estudo deparei-me com

a brincadeira de faz de conta Decidi ampliar meu campo de estudos agora tambeacutem no

brincar Na verdade natildeo foi uma decisatildeo difiacutecil pois jaacute haviacuteamos realizado vaacuterias

intervenccedilotildees nesse campo e mapeado vaacuterias estrateacutegias de trabalho do brincar na creche

Nesse contexto iniciei a minha pesquisa que teve como propoacutesito compreender

criticamente a formaccedilatildeo do professor pesquisador e dos educadores participantes em

especial investigar como se processou o compartilhamento de sentidos e de

significados sobre o brincar As perguntas de pesquisa concentraram-se entatildeo no

processo de desenvolvimento da argumentaccedilatildeo entre pesquisadores e professores como

possibilidade de expor sentidos sobre a brincadeira e nos argumentos que contribuiacuteram

para a produccedilatildeo de significado novo sobre o brincar no movimento da Cadeia Criativa

Como jaacute fiz menccedilatildeo nas consideraccedilotildees parciais do capiacutetulo de anaacutelise as

interaccedilotildees tecidas pelas pesquisadoras e demais participantes do GP EFoPI foram

evoluindo No primeiro cronotopo da cadeia em trecircs sessotildees reflexivas com as

professoras de uma das creches municipais pude perceber que o fluxo da interaccedilatildeo

verbal entre as educadoras e as pesquisadoras foi estruturado por meio de argumentos

de exemplo pragmaacuteticos e de comparaccedilatildeo Ao focar a estrutura de tais argumentos

notei um movimento discursivo circunscrito agraves vivecircncias e experiecircncias do que eacute

familiar conhecido rotineiro e principalmente aos saberes que vatildeo se instituiacutedo no

fazer do dia a dia da creche Interessante que as pesquisadoras ingressaram nesse fluxo

argumentativo sem trazer por exemplo tipos de argumentos estruturados na citaccedilatildeo

CONSIDERACcedilOtildeES E REFLEXOtildeES ABERTAS 222

ILKA SCHAPPER SANTOS

com ecircnfase em teorias Essa circularidade argumentativa impediu o compartilhamento

de novos significados sobre o brincar Eacute interessante dizer que as sessotildees reflexivas

aconteceram na sala de reuniotildees da creche em que as professoras atuavam Refletirei

sobre essa informaccedilatildeo a seguir

O segundo cronotopo dois encontros do curso de extensatildeo com as

coordenadoras das creches aconteceu em espaccedilos de formaccedilatildeo ocupados pelos

profissionais da Universidade O movimento argumentativo muda consideravelmente

Agora para argumentos baseados na citaccedilatildeo na autoridade e na relaccedilatildeo teoria-praacutetica

mostrando nesse elo da cadeia o fortalecimento da contrapalavra das pesquisadoras do

GP EFoPI

Assim as pesquisadoras saem da ldquozona de silecircnciordquo criada no cronotopo

anterior e passam a compartilhar os significados do GP EFoPI sobre o brincar Os

elementos discursivos transitam em explicaccedilotildees teoacutericas e em definiccedilotildees Temos nesse

contexto duas questotildees importantes (1) os espaccedilos fiacutesicos que ocupamos interferem

nas relaccedilotildees discursivas que construiacutemos (2) os gecircneros discursivos que nos satildeo mais

familiares (no caso da academia cursos aulas palestras) dificultam o ingresso em

outros gecircneros

De todo modo essas demarcaccedilotildees argumentativas a partir da relaccedilatildeo

tempoespaccedilo e dos gecircneros que nos satildeo familiares sinalizam para uma ldquovelhardquo e

conhecida discussatildeo o fosso entre universidade e escola de ensino fundamental No

caso desta pesquisa entre universidade e creche No entanto agrave medida que

pesquisadoras e demais participantes comeccedilam a transitar em territoacuterios ateacute entatildeo

desconhecidos passam a refletir sobre os coacutedigos que circulam neles e comeccedilam

tambeacutem a partilhar nesses novos contextos de produccedilatildeo novos significados

Assim no terceiro cronotopo da Cadeia vejo jaacute aproximaccedilotildees entre as

pesquisadoras e as demais participantes da pesquisa Aquelas buscando conhecer mais

as praacuteticas cotidianas das creches e estas procurando ter uma compreensatildeo ativa dos

processos de construccedilatildeoproduccedilatildeo dos saberes acadecircmicos Tanto que em dezembro de

2009 as coordenadoras das creches apresentaram o trabalho intitulado ldquoA brincadeira

de faz de conta na crecherdquo no III SIAC na PUC-SP Viajaram mais de 1000 km ndash Juiz

de ForaSatildeo PauloJuiz de Fora ndash para realizar essa tarefa Das 23 coordenadoras 15

compareceram ao SIAC Na apresentaccedilatildeo mostraram desenvoltura com o espaccedilo

acadecircmico instituiacutedo bem como com a argumentaccedilatildeo sob o eixo do argumento teoacuterico

CONSIDERACcedilOtildeES E REFLEXOtildeES ABERTAS 223

ILKA SCHAPPER SANTOS

Na perspectiva spinozana diria que o GP EFoPI construiu ao longo de sua

interlocuccedilatildeo principalmente com as coordenadoras relaccedilotildees de composiccedilatildeo interaccedilotildees

que possibilitaram aos sujeitos se aproximarem das ideias adequadas pautadas no

desenvolvimento de ldquoafecccedilotildeesrdquo o que gerou noccedilotildees comuns entre os envolvidos

Lembremos que as noccedilotildees comuns podem ser mais proacuteximas das ideias adequadas da

Substacircncia uma vez que tecircm mais partes da totalidade

A produccedilatildeo acadecircmica dos pesquisadores tambeacutem passou a ser mais intensa

Nesse contexto destaco (1) a realizaccedilatildeo do I Seminaacuterio de Grupos de Pesquisa sobre

Crianccedilas e Infacircncias (I Grupeci) entre os dias 25 26 e 27 de setembro de 2008

promovido pelo GP EFoPI e pela Faculdade de Educaccedilatildeo da Universidade Federal de

Juiz de Fora com a participaccedilatildeo de mais de 350 participantes inscritos sendo muitos de

diversas instituiccedilotildees de ensino superior do Brasil como Fundaccedilatildeo Joaquim Nabuco

(PE) PUC-MG PUC-SP Universidade Catoacutelica de Petroacutepolis (RJ) Universidade

Catoacutelica Dom Bosco (MS) UNEB (BA) UERJ UESC (BA) UFES UFMG UFSC

UFSCar (SP) UFV (MG) UFMA UFMS UFSJ (MG) e UFF (RJ) (2) a escrita de sete

artigos no v13 da Revista Educaccedilatildeo em Foco Editora UFJF em setembro de 2008 (3)

a participaccedilatildeo no livro ldquoTrajetoacuterias caminhos na pesquisa em educaccedilatildeordquo (tambeacutem pela

Editora da UFJF) com o artigo intitulado A creche como espaccedilo de reflexatildeo entre

diaacutelogos experiecircncias e colaboraccedilatildeo criacutetica lanccedilado em 2009 (4) a escrita de artigos

para o livro ldquoDiaacutelogos de Pesquisardquo organizado pela Profa Dra Leacutea S P Silva e pelo

Prof Dr Jader Jane Moreira Lopes (no prelo pela Editora da UFF) com vaacuterios artigos

do GP LACE e do GP EFoPI Aleacutem da produccedilatildeo escrita deve-se registrar apresentaccedilatildeo

de trabalhos dos pesquisadores em vaacuterios congressos encontros e simpoacutesios nacionais e

internacionais Aqui nesse movimento de intensa produccedilatildeo cientiacutefica os pesquisadores

mostram ter aumentado o conatus de cada um (Spinoza 16772005) ampliando

tambeacutem o conatus coletivo do grupo

Agora peccedilo licenccedila ao leitor para quebrar o protocolo da escrita que o gecircnero

conclusatildeo de uma tese encerra e continuar a interlocuccedilatildeo com duas cenas discursivas

que ilustram bem como o movimento da Cadeia Criativa transcende os espaccedilos das

atividades desenvolvidas atravessando vida formaccedilatildeo e trabalho

Cena discursiva 1

ldquoEstava fazendo compras em um supermercado quando a Diva uma das

coordenadoras das creches e participante do GP EFoPI chegou ateacute mim e perguntou se

CONSIDERACcedilOtildeES E REFLEXOtildeES ABERTAS 224

ILKA SCHAPPER SANTOS

poderia me incomodar um pouquinho pois gostaria de falar algo muito importante

Prontamente respondo que sim Ela entatildeo comeccedila a contar como estatildeo organizados os

espaccedilos e horaacuterios na creche em que trabalha Relata que muita coisa havia mudado

desde o curso de extensatildeo Diz que o trabalho com os cantinhos nas salas de atividades

estava dando muito certo Continua dizendo que eu nem reconheceria mais Depois

finaliza - Sabe agora as crianccedilas transformam as cadeirinhas em trens que partem para

os lugares que eles jaacute conheceram e aqueles que nunca saiacuteram de Juiz de Fora passam a

vivenciar isso de conhecer outros lugares pelo coleguinha Estamos fazendo aquelas

cabanas de pano que vocecircs ensinaram para as crianccedilas brincarem de casinha Ah

tambeacutem mudamos a roda de conversa As crianccedilas natildeo ficam soacute contando o que

aconteceu no dia anterior a gente canta brinca de cantiga de roda tem parlendas e

trava-liacutenguas E termina dizendo - Senti falta de vocecirc menina no uacuteltimo encontro

Despedi-me dela e tambeacutem das minhas compras e corri para o carro atraacutes de caneta e

papel para tentar transcrever a cena rdquo

Cena discursiva 2-

ldquoEstava na banca de monografia da Nataacutelia Toledo ex-bolsista de iniciaccedilatildeo

cientiacutefica do GP EFoPI da UFJF O trabalho versava sobre os sentidos e significados da

ldquoroda de conversardquo (rodinha) na creche O texto estava muito bem estruturado as

categorias teoacutericas metodoloacutegicas e a interpretaccedilatildeo foram construiacutedas a partir da

perspectiva soacutecio-histoacuterico-cultural no interior do GP EFoPI Ao final da apresentaccedilatildeo

a aluna pediu licenccedila para agradecer o tempo de conviacutevio no grupo e disse que agora

trabalha como professora em uma das creches puacuteblicas municipais Continuou dizendo

da importacircncia do grupo para sua formaccedilatildeo E como seu tema de investigaccedilatildeo era a

ldquoroda de conversardquo e seu trabalho um sub-eixo do projeto de pesquisa do GP EFoPI

disse que gostaria dizer que estava fazendo um trabalho muito interessante na

ldquorodinhardquo enfatizou que natildeo ficava pedindo agraves crianccedilas para falarem sobre fatos

referentes ao dia anterior mas que elas cantavam cantigas de roda faziam teatrinho na

proacutepria rodinha que era muito bom Na mesma hora lembrei de Diva e fiquei pensando

como tanto ela quase aposentando quanto a Nataacutelia terminando a formaccedilatildeo inicial e

comeccedilando seu percurso de professora compartilharam significados tatildeo similares

relativos principalmente a acuteroda de conversa`rdquo

As duas cenas discursivas recuperadas acima nos auxiliam a compreender o

movimento da Cadeia Criativa natildeo soacute entre atividades mas como disse na vida no

CONSIDERACcedilOtildeES E REFLEXOtildeES ABERTAS 225

ILKA SCHAPPER SANTOS

trabalho na formaccedilatildeo e na praacutetica docente Aleacutem disso as cenas mostram o trabalho de

colaboraccedilatildeo criacutetica que efetivamente o GP EFoPI desenvolveu Relatei os dois

episoacutedios em uma reuniatildeo do grupo de pesquisa e chegamos agrave conclusatildeo de que nosso

objeto idealizado sobre o brincar de faz de conta nas creches e preacute-escolas estava mais

concreto pois nos depoimentos acima tanto Diva quanto Nataacutelia demonstram

compreender um importante significado de brincar para o GP EFoPI o processo

ensino-aprendizagem segue o fluxo e o ritmo das experiecircncias das crianccedilas no interior

de suas infacircncias com ecircnfase no fazer buscando o (re)construir criativo por meio da

brincadeira

A sala de atividades na educaccedilatildeo infantil para o grupo precisa ter o aconchego

e o movimento da infacircncia trens de partida carros que chegam cavalos montados

casas construiacutedas Alunos que possibilitados de reconstruiacuterem o real transmutam-se em

reis rainhas fadas duendes cavaleiros matildees pais filhos E no universo do

maravilhoso cozinham costuram fazem biscoitos Satildeo situaccedilotildees em que as crianccedilas

podem representar o real ldquocom olhos de crianccedilardquo Ciacuterculos de vivecircncias e experiecircncias

Na roda cantam danccedilam rodopiam giram e veem a vida sob a oacutetica da infacircncia

Infacircncia que emerge do ldquovir a serrdquo mas toma o rumo do ldquoeu sou agorardquo Esse era um

importante significado que gostaria ao final do trabalho compartilhar com vocecirc leitor

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J M SILVA L S P S (Orgs) Diaacutelogos de Pesquisa Editora UFF Rio de Janeiro no

prelo

ZEICHNER K M A formaccedilatildeo reflexiva de professores ideacuteias e praacuteticas Lisboa

Educa1993

ANEXOS 236

ILKA SCHAPPER SANTOS

Anexo 1

ANEXOS 237

ILKA SCHAPPER SANTOS

Anexo 2

PONTIFIacuteCIA UNIVERSIDADE CATOacuteLICA DE SAtildeO PAULO

SETOR DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO

COMITEcirc DE EacuteTICA EM PESQUISA

Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Linguumliacutestica Aplicada e Estudos da Linguagem

DECLARACcedilAtildeO DE CONCORDAcircNCIA DO PARTICIPANTE

De acordo com a descriccedilatildeo da pesquisa e dos compromissos firmados pela

pesquisadora eu ________________________________ assumo aqui a minha

concordacircncia em participar da pesquisa intitulada ldquoO Fluxo do Significado do Brincar

na Cadeia Criativa argumentaccedilatildeo e formaccedilatildeo de pesquisadores e educadoresrdquo

Assumo ainda que permito a divulgaccedilatildeo de seus resultados em Tese de Doutorado

Entretanto declaro que minha concordacircncia estaacute condicionada aos seguintes

requisitos

a) Anonimamente isto eacute que a divulgaccedilatildeo dos resultados seja feita sem mencionar os nomes dos participantes envolvidos ( )

b) Sem anonimato ( ) c) Que se possa ter acesso aos dados coletados ( ) d) Que tenha acesso aos produtos finais da anaacutelise e de sua interpretaccedilatildeo antes

de sua divulgaccedilatildeo puacuteblica ( ) e) Que caso necessaacuterio minha reaccedilatildeo diante dessas interpretaccedilotildees sejam

incorporadas antes de sua divulgaccedilatildeo puacuteblica ( )

Satildeo Paulo ___ ___ 2006

Assinatura ____________________________

Tendo em vista a declaraccedilatildeo do participante acima assinado eu Ilka Schapper Santos

assumo a responsabilidade total de cumprir as condiccedilotildees de pesquisa descritas

atendendo aos requisitos demandados pelos participantes

Satildeo Paulo ___ ___ 2006

Assinatura da pesquisadora _____________________________________

Livros Graacutetis( httpwwwlivrosgratiscombr )

Milhares de Livros para Download Baixar livros de AdministraccedilatildeoBaixar livros de AgronomiaBaixar livros de ArquiteturaBaixar livros de ArtesBaixar livros de AstronomiaBaixar livros de Biologia GeralBaixar livros de Ciecircncia da ComputaccedilatildeoBaixar livros de Ciecircncia da InformaccedilatildeoBaixar livros de Ciecircncia PoliacuteticaBaixar livros de Ciecircncias da SauacutedeBaixar livros de ComunicaccedilatildeoBaixar livros do Conselho Nacional de Educaccedilatildeo - CNEBaixar livros de Defesa civilBaixar livros de DireitoBaixar livros de Direitos humanosBaixar livros de EconomiaBaixar livros de Economia DomeacutesticaBaixar livros de EducaccedilatildeoBaixar livros de Educaccedilatildeo - TracircnsitoBaixar livros de Educaccedilatildeo FiacutesicaBaixar livros de Engenharia AeroespacialBaixar livros de FarmaacuteciaBaixar livros de FilosofiaBaixar livros de FiacutesicaBaixar livros de GeociecircnciasBaixar livros de GeografiaBaixar livros de HistoacuteriaBaixar livros de Liacutenguas

Baixar livros de LiteraturaBaixar livros de Literatura de CordelBaixar livros de Literatura InfantilBaixar livros de MatemaacuteticaBaixar livros de MedicinaBaixar livros de Medicina VeterinaacuteriaBaixar livros de Meio AmbienteBaixar livros de MeteorologiaBaixar Monografias e TCCBaixar livros MultidisciplinarBaixar livros de MuacutesicaBaixar livros de PsicologiaBaixar livros de QuiacutemicaBaixar livros de Sauacutede ColetivaBaixar livros de Serviccedilo SocialBaixar livros de SociologiaBaixar livros de TeologiaBaixar livros de TrabalhoBaixar livros de Turismo

Page 2: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp154582.pdfO Fluxo do Significado do Brincar na Cadeia Criativa: argumentação e formação de pesquisadores

Livros Graacutetis

httpwwwlivrosgratiscombr

Milhares de livros graacutetis para download

PONTIFIacuteCIA UNIVERSIDADE CATOacuteLICA DE SAtildeO PAULO

PUC-SP

ILKA SCHAPPER SANTOS

O Fluxo do Significado do Brincar na Cadeia Criativa argumentaccedilatildeo e

formaccedilatildeo de pesquisadores e educadores

Tese apresentada agrave Banca Examinadora

da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de

Satildeo Paulo como exigecircncia parcial para

obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Doutora em

Linguiacutestica Aplicada e Estudos da

Linguagem na Pontifiacutecia Universidade

Catoacutelica de Satildeo Paulo sob a orientaccedilatildeo

da Professora Doutora Fernanda Coelho

Liberali

Satildeo Paulo 2010

FICHA CATALOGRAacuteFICA

SANTOS Ilka Schapper O Fluxo do Significado do Brincar na Cadeia Criativa

argumentaccedilatildeo e formaccedilatildeo de pesquisadores e educadores Satildeo Paulo 237 p2010

Tese (Doutorado em Linguiacutestica Aplicada e Estudos da Linguagem) - Pontifiacutecia

Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo 2010

Aacuterea de Concentraccedilatildeo Linguiacutestica Aplicada e Estudos da Linguagem

Orientadora Professora Doutora Fernanda Coelho Liberali

Palavras-chave Sentido Significado Cadeia Criativa Argumentaccedilatildeo Brincar

Autorizo exclusivamente para fins acadecircmicos e cientiacuteficos a reproduccedilatildeo total ou

parcial desta tese por processos fotocopiadores ou eletrocircnicos

Banca Examinadora

_________________________________________________

_________________________________________________

_________________________________________________

_________________________________________________

_________________________________________________

Aos queridos Ricardo e Joatildeo Pedro

frutos bons

Para Solenio que na nossa relaccedilatildeo

trouxe muitos sentidos para o verbete

pai indo muito aleacutem do significado

estratificado e estaacutevel da palavra Muito

obrigada por ser na minha vida

referecircncia paterna

Agrave Profa Dra Fernanda Coelho Liberali

minha orientadora pelas palavras que

iluminaram este trabalho por acreditar

sempre no outro pelo seu desejo

contagiante em transformar o mundo de

forma criativa Mas principalmente

pelo exerciacutecio do confronto produtivo de

ideias valores e crenccedilas

AGRADECIMENTOS

Aos meus pais Solenio e Zeacutelia por serem sempre referecircncia de lutas e conquistas e

porto seguro para mim e para o Joatildeo Pedro Aacutervores boas

Agrave Leacutea que na nossa relaccedilatildeo traz outros sentidos para o verbete sogra

Ao Luiz Fernando por estar sempre proacuteximo e ser um aconchego para mim para o

Ricardo e em especial para o Joatildeo Pedro

Ao Ricardo meu companheiro de vida por sua colaboraccedilatildeo na feitura das figuras e dos

quadros presentes neste trabalho

Ao Joatildeo Pedro meu filho por partilhar comigo o exerciacutecio da relaccedilatildeo materna e

tambeacutem por seu brilho expresso em sua interlocuccedilatildeo com o mundo

Aos meus irmatildeos Joatildeo Nuacutebia Maacutercio Poliana e Pablo por serem imprescindiacuteveis Em

especial agrave Nuacutebia e agrave Poliana irmatildes-amigas por suas presenccedilas e por nossa interlocuccedilatildeo

acadecircmica que transcende os espaccedilos da famiacutelia

Aacute Profa Dra Leacutea Stahlschmidt Pinto Silva por possibilitar um espaccedilo no GP EFoPI

para a construccedilatildeo de uma metodologia de pesquisa revolucionaacuteria e transformadora e

por sua luta incansaacutevel pelas crianccedilas e suas infacircncias

Aos professores e coordenadores das creches do municiacutepio de Juiz de Fora por

possibilitarem a minha incursatildeo na reflexatildeo da praacutetica e na praacutetica da reflexatildeo no

universo da infacircncia de crianccedilas de 2 e 3 anos

Aos participantes dos grupos de pesquisa EFoPI LACE e LIC pelas interlocuccedilotildees

acadecircmicas que atravessam esta tese

Agrave Tida nossa querida funcionaacuteria que cuidou do Ricardo e principalmente do Joatildeo

Pedro nos momentos em que estava viajando para Satildeo Paulo ou imersa na escrita da

tese

Agrave Profa Dra Maria Ceciacutelia Magalhatildees (Ciccedila) pelas significativas contribuiccedilotildees para o

meu desenvolvimento como aluna e professora-pesquisadora e por suas caracteriacutesticas

que se revelam em palavras e atos sensibilidade solidariedade inteligecircncia e

compromisso com a transformaccedilatildeo de si do outro e do mundo

Agrave amiga Elvira Aranha pelo seu acolhimento por nossos diaacutelogos que transcendem os

espaccedilos desta tese e principalmente por ser algueacutem em quem posso confiar Por mais

que ela natildeo goste que diga uma profissional-acadecircmica brilhante

Agraves professores doutoras que participaram das bancas de qualificaccedilatildeo Alzira Shimoura

Maria Ceciacutelia Magalhatildees Maria Helena Pistori Mona Hawi e Wanda Aguiar Junqueira

porpromoverem uma interlocuccedilatildeo calorosa permitindo que eu repensasse o percurso

desta pesquisa

Aacute Profa Dra Maria Teresa de Assunccedilatildeo Freitas por seu compromisso com a produccedilatildeo

do conhecimento na praacutetica de pesquisa por suas contribuiccedilotildees teoacutericas e por nosso

diaacutelogo que transcende o universo acadecircmico e invade os espaccedilos da afetividade

Agrave Profa Dra Mona Hawi pelas inuacutemeras contribuiccedilotildees neste trabalho no periacuteodo da

segunda qualificaccedilatildeo e ao longo de todo doutorado Por nossos diaacutelogos vivecircncias e

principalmente por ter se tornado referecircncia para mim na cidade de Satildeo Paulo

Agrave Fernanda Cardoso por nossa intensa interlocuccedilatildeo no periacuteodo de revisatildeo deste

trabalho e principalmente por ter demonstrado ser coerente agrave categoria colaboraccedilatildeo

Agrave Lena por nossos diaacutelogos acadecircmicos e afetivos que muito contribuiacuteram para este

trabalho final

Agrave Alexsandra amiga-irmatilde de longa data por estar sempre por perto Nossa interlocuccedilatildeo

e nosso afeto atravessam tempos e espaccedilos

Agrave amiga Bruna por ter sempre uma enunciaccedilatildeo recheada de afeto disponibilidade e

muitas inquietaccedilotildees instigantes e por se tornar uma interlocutora imprescindiacutevel Haacute

muito de Bruna Sola Ramos nesta tese

Agrave Mocircnica (Mamu) comadre amiga-irmatilde por nossa interlocuccedilatildeo que supera as

adversidades da vida e pelas aprendizagens que partilhamos Por meio de nossos

diaacutelogos pude aprimorar minha capacidade argumentativa

Agrave querida Claacuteudia Bonfatti por ter sido uma referecircncia para o Joatildeo Pedro no periacuteodo

de ingresso na educaccedilatildeo infantil e por ter se tornado amiga da famiacutelia Sua experiecircncia

posturas e atitudes como professora dos pequenos sinalizam o compromisso que tem

com as crianccedilas e suas infacircncias

Agrave Rose por trazer beliacutessimas imagens para o Joatildeo Pedro transmutadas por meio do

maravilhoso e por ter enriquecido sua infacircncia com movimentos de expansatildeo e

contraccedilatildeo no momento em que natildeo pude estar

Agrave Hilda amiga querida pela presenccedila colaborativa e por me ensinar a objetivar as accedilotildees

e tarefas do cotidiano acadecircmicoprofissional

A todos os amigos do LAEL especialmente aos colegas do Seminaacuterio de Orientaccedilatildeo

colaboradores no processo de construccedilatildeo desta pesquisa

Agrave Maria Luacutecia e agrave Maacutercia por suas accedilotildees generosas em periacuteodos como Matriacutecula Prova

de Francecircs e Exame de Aacuterea Complementar

Agrave Universidade Federal de Juiz de Fora em especial ao Departamento de Educaccedilatildeo

pelo afastamento concedido e agrave CAPES pelo apoio financeiro que tornou possiacutevel

meus estudos no LAEL

SUMAacuteRIO

COMECcedilANDO O DIAacuteLOGO 18

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO

DOS ldquoNOacuteSrdquo

27

11 ndash O Movimento da Cadeia Criativa linguagem e produccedilatildeo de

conhecimento

30

111 ndash A Cadeia Criativa entre o compartilhamento de sentidos e de

significados

31

112 ndash A Cadeia Criativa e a ZPD interregno de conflitos tensotildees e

possibilidades na produccedilatildeo de conhecimento

39

113 ndash Cronotopia e exotopia uma diacuteade no movimento da Cadeia

Criativa

43

114 ndash A Cadeia Criativa sob a eacutegide da totalidade spinozana 46

115 ndash Breve retomada da ldquovelhardquo e da ldquonovardquo retoacuterica um encontro com

a argumentaccedilatildeo na cadeia criativa

52

116 ndash Fluxo da Interaccedilatildeo verbal por uma argumentaccedilatildeo dialoacutegica na

Cadeia Criativa

62

CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFOPI 67

21 ndash Uma breve histoacuteria sobre o brincar 69

211 ndash A imaginaccedilatildeo e a brincadeira de faz de conta 74

212 ndash O desenvolvimento da imaginaccedilatildeo loacutecus da brincadeira de faz de

conta e da (re)invenccedilatildeo do real

81

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E

(DES)CAMINHOS TRILHADOS

90

31 ndash A Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo no Grupo de Pesquisa Linguagem em

Atividades no Contexto Escolar (GP LACE)

94

32 ndash A Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo no Grupo de Pesquisa Educaccedilatildeo

Formaccedilatildeo de professores e Infacircncia (GP EFoPI)

97

33 ndash Espaccedilos-tempo de uma construccedilatildeo coletiva caracterizaccedilatildeo do(s)

contexto(s) de pesquisa

104

331 ndash Projeto de 2006-2007 A verticalizaccedilatildeo e a horizontalizaccedilatildeo do

espaccedilo da sala de educaccedilatildeo infantil

104

332 ndash Projeto de 2008-2009 Espaccedilo de reflexatildeo criacutetica em contexto de

colaboraccedilatildeo reconstruindo os sentidos e os significados da praacutetica

educativa na creche

109

333 ndash Espaccedilos de Atuaccedilatildeo do GP EFoPI 113

3331 ndash A Entidade Civil que manteacutem as creches no Municiacutepio de

Juiz de Fora uma breve incursatildeo na AMAC

113

3332 ndash A Extensatildeo Universitaacuteria e o Curso de Extensatildeo na

Universidade Federal de Juiz de Fora

116

334 ndash Equipe de pesquisadores participantes do GP EFoPI no Periacuteodo

2006-2009

120

34 ndash Pesquisadores Focais do trabalho de Tese 122

35 ndash Procedimentos de produccedilatildeo-geraccedilatildeo coleta organizaccedilatildeo e

armazenamento dos dados

123

36 ndash Procedimentos de Anaacutelise e Interpretaccedilatildeo de Resultados 125

361 ndash Categorias de Anaacutelise 126

3611 ndash Marcas da Interaccedilatildeo 128

3612 ndash Marcas Argumentativas 1 129

3613 ndash Marcas Argumentativas 2 129

3614 ndash Marcas Linguiacutesticas 130

362 ndash Categorias de Interpretaccedilatildeo 131

37 ndash Credibilidade neste Processo de Pesquisa 132

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 134

41 ndash 1ordm Cronotopo da Cadeia Criativa ndash Sessotildees reflexivas com pesquisadoras

do GP EFoPI e educadoras da creche

135

411 ndash 1ordf Sessatildeo Reflexiva Analisada ndash dia 14 de agosto de 2006 135

412 ndash 2ordf Sessatildeo Reflexiva Analisada ndash dia 21 de agosto de 2006 149

413 ndash 3ordf Sessatildeo Reflexiva Analisada ndash dia 04 de setembro de 2006 166

42 ndash 2ordm Cronotopo da Cadeia Criativa ndash Curso de Extensatildeo 183

421 ndash Encontros do Curso de Extensatildeo Analisados ldquoA Dimensatildeo Luacutedica

na Crianccedila e na Crecherdquo e ldquoA Dimensatildeo Luacutedica no Espaccedilo-Ambiente

da Creche reflexotildees sobre o brincarrdquo ndash dias 05 e 12 de novembro de

2007

183

43 ndash 3ordm Cronotopo da Cadeia Criativa ndash Sessatildeo Reflexiva com as

Coordenadoras das Creches da AMAC

201

431 ndash 4ordf Sessatildeo Reflexiva Analisada ndash dia 11 de novembro de 2009 201

44 ndash Consideraccedilotildees Parciais 215

CONSIDERACcedilOtildeES E REFLEXOtildeES ABERTAS 220

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 226

ANEXOS 236

Anexo 1 236

Anexo 2 237

IacuteNDICE DE QUADROS

Quadro 01 ndash Os trecircs gecircneros do discurso na Retoacuterica com base em Reboul 58

Quadro 02 ndash Desenho da Pesquisa 93

Quadro 03 ndash Accedilotildees e questotildees relativas ao processo reflexivo 100

Quadro 04 ndash Accedilotildees e questotildees relativas ao processo reflexivo construiacutedas pelo

EFoPI a partir de Smyth

101

Quadro 05 ndash Cronograma do planejamento das accedilotildees do GP EFoPI nos anos

de 2006 e 2007

108

Quadro 06 ndash Cronograma do planejamento das accedilotildees do GP EFoPI nos anos

de 2008 e 2009

112

Quadro 07 ndash Relaccedilatildeo AdultoCrianccedila nas Creches Comunitaacuterias da

AMAC2009

115

Quadro 08 ndash Proporccedilatildeo AdultoCrianccedila nas Turmas das Instituiccedilotildees de

Educaccedilatildeo Infantil segundo a Resoluccedilatildeo Municipal No 12000

115

Quadro 09 ndash Coordenadores do GP EFoPI 121

Quadro 10 ndash Pesquisadores Doutores Doutorandos Mestres e Mestrandos 121

Quadro 11 ndash Alunos de Iniciaccedilatildeo Cientiacutefica 122

Quadro 12 ndash Pesquisadores Colaboradores 122

Quadro 13 ndash Siacutentese dos instrumentos usados para a discussatildeo 125

Quadro 14 ndash Marcas da interaccedilatildeo 128

Quadro 15 ndash Marcas Argumentativas 1 129

Quadro 16 ndash Marcas Argumentativas 2 130

Quadro 17 ndash Marcas Linguiacutesticas 131

Quadro 18 ndash Categorias de Interpretaccedilatildeo 131

IacuteNDICE DE FIGURAS

Figura 01 ndash Fluxograma da Pesquisa 92

Figura 02 ndash Accedilotildees para materializar interdisciplinaridade e transversalidade

na triacuteade ensino-pesquisa-extensatildeo

119

RESUMO

Esta pesquisa se insere na aacuterea da Linguiacutestica Aplicada na linha Educaccedilatildeo e

Linguagem da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica ndash Satildeo Paulo tendo como objetivo

investigar o fluxo do significado do brincar na Cadeia Criativa no interior do Grupo de

Pesquisa Educaccedilatildeo Formaccedilatildeo de Professores e Infacircncia (EFoPI) Apresenta como

aporte teoacuterico as referecircncias da Teoria Soacutecio-Histoacuterico-Cultural em especial as

contribuiccedilotildees de Vygotsky do Ciacuterculo de Bakhtin e de seus respectivos seguidores

Adota tambeacutem a perspectiva monista spinozana (Spinoza 16772005) para tecer uma

discussatildeo sobre o movimento da Cadeia Criativa (Liberali 2006 2009) A linguagem

nesse movimento eacute vista sob a perspectiva bakhtiniana e de seu ciacuterculo bem como sob

a oacutetica dos elementos da ldquovelhardquo e da ldquonovardquo retoacuterica (Aristoacuteteles 350 aC2005

Perelman e Olbrechts-Tyteca 19702005) que fundam neste trabalho um significativo

debate sobre a argumentaccedilatildeo Nesse contexto a linguagem eacute vista como possibilitadora

de traduzir-realizar os eventos do existir humano atravessados pelas (inter-)relaccedilotildees nos

vaacuterios contextos do GP EFoPI por meio de intervenccedilotildees com os educadores das creches

puacuteblicas municipais da cidade de Juiz de Fora O referencial metodoloacutegico eacute norteado

pelos princiacutepios da Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo (Magalhatildees 2002 2004 2006

2009) entendida como um processo que possibilita a todos os participantes da pesquisa

a construccedilatildeo-produccedilatildeo do conhecimento com ecircnfase no papel da colaboraccedilatildeo como

espaccedilo de aprendizado e desenvolvimento a todos os envolvidos no processo A

discussatildeo dos resultados estaacute pautada em categorias de anaacutelise argumentativas

desenvolvidas com base em Perelman e Olbrechts-Tyteca (19702005) e Liberali e

Shimoura (2007) bem como de interpretaccedilatildeo embasadas no referencial teoacuterico deste

trabalho em especial as categorias teoacutericas da perspectiva Soacutecio-Histoacuterico-Cultural no

interior do movimento da Cadeia Criativa Os resultados indicam que a praacutexis do GP

EFoPI nos cronotopos da Cadeia Criativa foi gradativamente assumindo os princiacutepios

epistemoloacutegicos e praacuteticos da colaboraccedilatildeo Os educadores das creches junto com os

pesquisadores foram se tornando protagonistas nas discussotildees teoacuterico-praacuteticas sobre o

brincar bem como na ressignificaccedilatildeo das praacuteticas que circundam essa atividade Para

estes as transformaccedilotildees ficaram circunscritas aos modos e agraves maneiras de intervir jaacute

para os educadores notaram-se mudanccedilas nos proacuteprios sentidos e significados acerca da

temaacutetica

Palavras-chave Sentido Significado Cadeia Criativa Argumentaccedilatildeo Brincar

ABSTRACT

This research is inserted in the area of Applied Linguistics in the line of Education and

Language of Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica ndash Satildeo Paulo having as its goal to

investigate the flow of the meaning of playing in the Creative Chain inside the

Education Research Group Teacher Formation and Childhood (EFoPI) It is presented

as theoretic foundation the references from the Social-Historical-Cultural Theory

especially the contributions from Vygotsky Bakhtinrsquos Circle and their respective

followers It is also adopted the monist Spinozan perspective (Spinoza 16772005) to

weave a discussion on the movement of the Creative Chain (Liberali 2006 2009) The

language in this movement is seen under the Bakhtinian perspective and his circle as

well as under the optic of the elements from ldquooldrdquo and ldquonewrdquo rhetoric (Aristotle 350

aC2005 Perelman and Olbrechts-Tyteca 19702005) which found in this paper a

significant debate on the argumentation In this context the language is seen as able to

translate-realize the events of being human through the (inter)relationships in many

contexts of GP EFoPI by means of interventions with the educators of the cityrsquos public

daycare centers in the city of Juiz de Fora The methodological reference is guided by

the principles of Critic Research of Collaboration (Magalhatildees 2002 2004 2006 2009)

understood as a process that allows to all the participants of the research the

construction-production of the knowledge with emphasis on the role of collaboration as

a space of learning and developing to all those involved in the process The discussion

of the results is based on categories of argumentative analysis developed over Perelman

and Olbrechts-Tyteca (19702005) Liberali and Shimoura (2007) as well as

interpretation based on the theoretical reference from this paper especially the

theoretical categories of the Social-Historical-Cultural perspective inside the Creative

Chain movement The results indicate that the praxis used on GP EFoPi in the

chronotopes of the Creative Chain gradually has been taking over the epistemological

and practical principals of collaboration The daycare center educators along with the

researchers were becoming protagonists in the theoretical-practical discussions on

playing as well as the resignification of the practices that circle this activity For these

the transformations were circumscribed to the ways and manners of intervening as for

the educators changes were noticed in their own senses and meanings about the theme

Key-words Sense Meaning Creative Chain Argumentation Playing

ILKA SCHAPPER SANTOS

COMECcedilANDO O DIAacuteLOGO

Neste trabalho busco compreender criticamente a formaccedilatildeo das professoras

pesquisadoras e das educadoras1 participantes de um grupo de pesquisa que investiga a

formaccedilatildeo dos profissionais da educaccedilatildeo infantil Em especial investigo como se

processa o compartilhamento de sentidos e de significados sobre o brincar Um dos

focos da investigaccedilatildeo eacute discutir as concepccedilotildees sobre o brincar no espaccedilo de pesquisa ndash

que se materializa nas reuniotildees de discussatildeo teoacuterica de definiccedilatildeo de metodologia e de

instrumentos de ingresso no campo e de anaacutelise criacutetica de dados ndash em um grupo que

estuda a crianccedila e suas infacircncias nas creches puacuteblicas municipais de Juiz de Fora O

Grupo de Pesquisa (GP) em questatildeo eacute o EFoPI (Educaccedilatildeo Formaccedilatildeo de Professores e

Infacircncia) Na realidade investigo o que estou intitulando de metapesquisa2

O prefixo meta- indica transcendecircncia ldquopara aleacutemrdquo da pesquisa Num

movimento dialeacutetico as reuniotildees do grupo de pesquisa e os diaacutelogos com os

participantes sistematizam e organizam as pesquisas em si mas tambeacutem criam espaccedilos

de investigaccedilatildeo cientiacutefica que transcendem as discussotildees das definiccedilotildees de questotildees de

estudos de objetivos de fundamentaccedilatildeo teoacuterica de anaacutelise de dados objetivando a

transformaccedilatildeo da realidade

Os professores pesquisadores e os participantes da pesquisa na apropriaccedilatildeo de

concepccedilotildees teoacutericas e no ingresso das discussotildees acadecircmicas e trabalho de campo

reescrevem ressignificam sua praacutexis continuando a tecer e a fiar nas dobras das suas

construccedilotildees a produccedilatildeo do conhecimento Isso porque entrecruzam as formulaccedilotildees

teoacutericas com outras leituras e outras vivecircncias que tiveram no campo da academia e no

diaacutelogo com seus interlocutores Aleacutem disso quando estudam um construto teoacuterico e o

relacionam com o trabalho cotidiano no interior de uma pesquisa as professoras-

pesquisadoras e as educadoras participantes da pesquisa trazem para a cena da

investigaccedilatildeo cientiacutefica atores diferentes daqueles que os proacuteprios teoacutericos elegeram

Mas na modernidade ndash ou poacutes-modernidade ndash a tarefa de pensar de estabelecer

relaccedilotildees e proposiccedilotildees de reconstruir como muitas outras sofre com a pressa e a

brevidade do tempo

1 Neste trabalho de tese o verbete ldquoeducadorasrdquo se refere tanto agraves professoras quanto agraves coordenadoras

pedagoacutegicas das creches puacuteblicas municipais de Juiz de Fora 2 A terminologia metapesquisa foi criada por mim para definir o processo de investigar a praacutetica de

pesquisa

COMECcedilANDO O DIAacuteLOGO 19

ILKA SCHAPPER SANTOS

O homem contemporacircneo estaacute de fato marcado pela pressa e pela falta de

tempo Falta de tempo para a reflexatildeo cientiacutefica que requer dialogar e digerir a ldquoideia do

outrordquo ndash no caso da pesquisa aprofundar nos autores selecionados ndash para no

entrecruzamento da ldquoideia proacutepriardquo ndash a questatildeo a ser investigada ndash criar a ldquoideia novardquo

com novas significaccedilotildees Esse terceiro elemento que diz da originalidade da criaccedilatildeo

estaacute se esvaziando na atualidade Soacute se tem tempo de analisar a ldquoideia do outrordquo e a

ldquoideia proacutepriardquo Muitas vezes natildeo se tem tempo para originalidade e criatividade que

requerem a interlocuccedilatildeo das trecircs ideias citadas Nesse contexto estamos perdendo no

campo da produccedilatildeo cientiacutefica da construccedilatildeo de conhecimento a capacidade de transitar

na terceira margem do rio

A dificuldade de criaccedilatildeo estaacute posta no excesso de informaccedilatildeo na tentativa de se

dar conta de tudo dos prazos achatados das agecircncias de fomento Natildeo sobra tempo para

o processo criativo no interior do processo de pesquisa Isso porque na busca de se

achar a melhor definiccedilatildeo na palavra do outro haacute uma reproduccedilatildeo do texto do outro

inserido no contexto da investigaccedilatildeo Mas com isso muitas vezes se esvazia a palavra

do pesquisador ndash que seria a tocircnica da diferenccedila entre argumentar analisar e transformar

a realidade

Para investigar o processo de produccedilatildeo de conhecimento sobre o brincar com

as professoras-investigadoras e as demais participantes da pesquisa analisei

longitudinalmente a produccedilatildeo dos dados do GP EFoPI ao longo de quatro anos de

intervenccedilatildeo do iniacutecio de 2006 ateacute o final de 2009 Isso foi feito a partir das sessotildees

reflexivas realizadas com as educadoras das creches dos encontros do curso de

extensatildeo e das sessotildees reflexivas que o grupo ofereceu para as coordenadoras das 23

creches da cidade de Juiz de Fora

O meu interesse pelo tema estaacute relacionado agrave minha preocupaccedilatildeo como

professora de uma universidade puacuteblica de compreender como o processo de pesquisa

numa perspectiva soacutecio-histoacuterico-cultural de colaboraccedilatildeo possibilita aos participantes a

transformaccedilatildeo e a reconstruccedilatildeo do mundo que os cercam Aleacutem disso na minha

trajetoacuteria acadecircmica o binocircmio professora-pesquisadora sempre esteve presente

Em 1990 concluiacute o curso de magisteacuterio de niacutevel meacutedio em uma escola puacuteblica

estadual na cidade de Satildeo Gonccedilalo do Sapucaiacute em Minas Gerais Nesse periacuteodo

trabalhei dois anos na APAE da cidade

No ano seguinte mudei-me para o Municiacutepio Juiz de Fora por conta da

aprovaccedilatildeo no vestibular Em 1991 apoacutes aprovaccedilatildeo em concurso puacuteblico comecei

COMECcedilANDO O DIAacuteLOGO 20

ILKA SCHAPPER SANTOS

minha carreira como professora alfabetizadora da SME (Secretaria Municipal de

Educaccedilatildeo) da cidade Paralela a essa atividade era estudante do curso de Pedagogia da

Universidade Federal de Juiz de Fora onde tambeacutem participava de projetos de pesquisa

de extensatildeo e de monitoria que investigavam e atendiam crianccedilas que vivenciaram anos

de fracasso na alfabetizaccedilatildeo inicial

Terminada a graduaccedilatildeo em 1994 no ano subsequente ingressei no mestrado em

educaccedilatildeo na PUC-Rio sob a orientaccedilatildeo da professora Dra Socircnia Kramer Nesse

periacuteodo desejava continuar minhas investigaccedilotildees no campo da alfabetizaccedilatildeo leitura e

escrita Inscrevi-me entatildeo no segundo periacuteodo do curso na pesquisa intitulada Cultura

Modernidade e Linguagem Leitura e Escrita de Professores em suas Histoacuterias de Vida

e Formaccedilatildeo Foi nesse projeto interinstitucional que vivenciei minhas primeiras

experiecircncias de pesquisa numa abordagem histoacuterica e cultural sob a orientaccedilatildeo das

professoras doutoras Socircnia Kramer e Solange Jobim e Souza Foi tambeacutem no interior

desse projeto que minha dissertaccedilatildeo se originou

Ao lado disso fui aprovada em uma seleccedilatildeo para professor substituto no

Departamento de Psicologia da Educaccedilatildeo e Orientaccedilatildeo Educacional da Faculdade de

Educaccedilatildeo da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)

Finalizado o mestrado fui aprovada em um concurso puacuteblico de coordenaccedilatildeo

pedagoacutegica da Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo (SME) do municiacutepio de Juiz de Fora

Na convocaccedilatildeo escolhi trabalhar com a educaccedilatildeo infantil e as quatro primeiras seacuteries do

ensino fundamental Na escola defini junto agrave direccedilatildeo que minha tarefa seria a de

orientaccedilatildeo-formaccedilatildeo pedagoacutegica de professores da educaccedilatildeo infantil e professores

alfabetizadores Nessa coordenaccedilatildeo realizei junto aos outros profissionais da escola

vaacuterios trabalhos de pesquisa-intervenccedilatildeo com as professoras alfabetizadoras Nesse

periacuteodo terminava o curso de letras na UFJF

Trecircs anos depois de estar na coordenaccedilatildeo pedagoacutegica de uma escola puacuteblica

municipal fui aprovada em concurso puacuteblico na UFJF Desde entatildeo participo de dois

grupos de pesquisa Linguagem Interaccedilatildeo e Conhecimento (LIC) e Educaccedilatildeo

Formaccedilatildeo de Professores e Infacircncia (EFoPI) coordenados pelas professoras doutoras

Maria Teresa de Assunccedilatildeo Freitas e Leacutea S P Silva respectivamente No interior dos

grupos de pesquisa interessei-me pela discussatildeo da formaccedilatildeo contiacutenua do professor da

educaccedilatildeo infantil e do ensino fundamental Nesse entremeio fui Coordenadora de

Extensatildeo cargo que me levou a assumir os programas e projetos de extensatildeo da UFJF

COMECcedilANDO O DIAacuteLOGO 21

ILKA SCHAPPER SANTOS

A experiecircncia na proacute-reitoria mostrou-me a relevacircncia da interface do binocircmio

pesquisa-extensatildeo Percebi que muitas aacutereas do conhecimento trabalhavam com esse

binocircmio de forma indissociaacutevel Foi isso que me levou agrave PUC-SP a querer ingressar no

fluxo de uma aacuterea do conhecimento que tivesse essa caracteriacutestica a Linguiacutestica

Aplicada

No ano de 2006 ingressei no Programa de Doutorado em Linguiacutestica Aplicada e

Estudos da Linguagem (LAEL) na PUC-SP sob a orientaccedilatildeo da profa Dra Fernanda

Coelho Liberali Comecei entatildeo a participar do Grupo de Pesquisa Linguagem em

Atividade no Contexto Escolar (LACE) liderado pelas professoras doutoras Fernanda

Coelho Liberali e Maria Ceciacutelia Magalhatildees

A participaccedilatildeo nos trecircs grupos de pesquisa LIC EFoPI e LACE foi

especialmente importante para a minha formaccedilatildeo de professora pesquisadora e para o

levantamento de questotildees que me levaram agrave construccedilatildeo desta tese Os trecircs grupos tecircm

em comum o referencial soacutecio-histoacuterico-cultural e a busca de transformaccedilatildeo da

realidade circunscrita nos espaccedilos acadecircmicos e escolares

Minha busca em compreender criticamente esse processo de transformaccedilatildeo

levou-me a optar por desenvolver minha tese de doutoramento em um programa de

Linguiacutestica Aplicada e Estudos da Linguagem como disse anteriormente

Nesse movimento dois motivos especiacuteficos me impulsionaram a estar em um

doutorado ligado agrave LA O primeiro deles seria uma formulaccedilatildeo mesticcedila e nocircmade

(Moita Lopes 2006) da LA e da minha proacutepria formaccedilatildeo e praacutetica docente jaacute que no

hibridismo da minha formaccedilatildeo inicial em Pedagogia e Letras ndash desdobrados em

Educaccedilatildeo e Linguagem ndash atuo como professora de uma universidade puacuteblica na aacuterea da

Psicologia e Educaccedilatildeo O segundo indissociaacutevel do primeiro estaacute pautado na crenccedila

que tenho na produccedilatildeo do conhecimento sob a eacutegide da pesquisa aplicada na qual a

investigaccedilatildeo eacute fundamentalmente centrada no contexto igualmente aplicado (ibid

p21) Um processo que possibilita transitar entre a praacutetica da reflexatildeo e a reflexatildeo da

praacutetica esboccedilando a procura da pretensa totalidade

A LA se configura como um campo de pesquisa que estuda a linguagem em uso

e como explica Marx (1945-19462002 p 24) ldquoeacute tatildeo velha como a consciecircncia ()

aparece com a necessidade dos intercacircmbios com os outros homensrdquo A linguagem

nesse contexto de investigaccedilatildeo eacute concebida como elemento indispensaacutevel entre o ser

humano e o mundo que o cerca A consciecircncia humana se constitui por meio da

linguagem em um movimento circunscrito agrave realidade material e imaterial Em um

COMECcedilANDO O DIAacuteLOGO 22

ILKA SCHAPPER SANTOS

movimento dialeacutetico os seres humanos satildeo constituiacutedos napela linguagem e tambeacutem a

constitui e por conta disso natildeo podem dela dissociar-se para compreender a realidade

transformado-a e sendo por ela transformado

Nessa perspectiva o estudo da LA amplia seu campo de accedilatildeo e deixa de ser

percebida apenas como aacuterea que permite solucionar os problemas concernentes agrave

linguagem em uso As pesquisas em LA na contemporaneidade procuram investigar

situaccedilotildees concretas de maneira que possam responder agraves demandas sociais do contexto

pesquisado (Moita Lopes 2006 p 20) No movimento de pesquisa esse eacute um ponto

fundamental uma vez que permite um estreitamento com a comunidade investigada

propiciando espaccedilo para a construccedilatildeo-produccedilatildeo do conhecimento responsivo ativo agrave

vida social dos sujeitos envolvidos

Em uma leitura bakhtiniana podemos inferir (o leitor e eu) que a pesquisa

aplicada materializada em praacuteticas de linguagem natildeo permanece silenciada pois como

praacutetica discursiva se faz em uma praacutexis3 dialoacutegica e ideoloacutegica Esse movimento estaacute

fundado na comunicaccedilatildeo verbal posto que um enunciado seja sempre acompanhado de

uma atitude responsiva ativa No dizer de Bakhtin (1997 p 290) toda compreensatildeo eacute

prenha de resposta e de uma forma ou de outra forccedilosamente a produz o ouvinte

torna-se locutor

Foi por meio dos diaacutelogos tecidos no GP LACE no GP EFoPI na participaccedilatildeo

dos seminaacuterios de pesquisa dos seminaacuterios de orientaccedilatildeo e nas discussotildees das

disciplinas4 do doutorado que inicio um novo campo de investigaccedilatildeo compreender o

fluxo do significado sobre o brincar entre pesquisadores e educadores do GP EFoPI no

interior da argumentaccedilatildeo colaborativa Isso foi fomentado principalmente nos debates

tecidos sobre a Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo com a Profa Dra Maria Ceciacutelia

Magalhatildees e na participaccedilatildeo do projeto de produtividade teacutecnica do CNPq sob a

coordenaccedilatildeo da Profa Dra Fernanda Coelho Liberali ldquoArgumentos na Produccedilatildeo

Criativa de Significados em Contextos Escolares de Formaccedilatildeo de Educadoresrdquo em que

esta tese eacute um sub-eixo

3 O conceito de Praacutexis de Karl Marx diz da articulaccedilatildeo entre teoria e praacutetica uma praacutetica desenvolvida

compelaatraveacutes de reflexotildees Uma busca de compreensatildeo ativa no dizer de Bakhtin (1997) da atividade

praacutetica Eacute a atividade praacutetica imbricada de teoria 4 Disciplinas (a) Teorias da Linguagem II teorias e praacuteticas da argumentaccedilatildeo ndash perspectiva enunciativo-

discursivo (b) Argumentaccedilatildeo em Contexto Escolar (c) Linguiacutestica Aplicada II - linguagem e produccedilatildeo

do conhecimento (d) Toacutepicos em Linguiacutestica Aplicada II formaccedilatildeo de professores e reflexatildeo

COMECcedilANDO O DIAacuteLOGO 23

ILKA SCHAPPER SANTOS

No interior do GP LACE e do GP EFoPI vaacuterias pesquisas foram concluiacutedas e

outras estatildeo em desenvolvimento Destacarei aqui aquelas que tecircm relaccedilatildeo com o tema

desta tese ou seja as que discutem a brincadeira na infacircncia de 0 a 6 anos (GP EFoPI) e

as que tratam da argumentaccedilatildeo no interior da formaccedilatildeo de educadores criacuteticos (GP

LACE)

No GP EFoPI temos os trabalhos de bacharelado de Fabrino (2005) cuja

temaacutetica gira em torno das concepccedilotildees de educaccedilatildeo infantil e infacircncia nos projetos

poliacutetico-pedagoacutegicos das creches da AMAC de Salgado (2007) em que a autora

discute a construccedilatildeo da identidade da profissional recreadora de creche de Abreu

(2008) que investiga o brincar de faz de conta e o letramento na educaccedilatildeo infantil

Em niacutevel de mestrado temos as pesquisas de Santos (2005) que investigou o

processo de construccedilatildeo da identidade negra tendo como contexto de anaacutelise a

brincadeira de faz de conta de Ribeiro (2006) cujo tema era compreender a concepccedilatildeo

de educaccedilatildeo infantil presente nas escolas puacuteblicas municipais de Juiz de Fora de Costa

(2007) que procurou analisar a compreensatildeo de educadores de creches acerca do

movimento corporal no desenvolvimento infantil de Arauacutejo (2008) que pesquisou o

lugar do brincar na instituiccedilatildeo de educaccedilatildeo infantil em tempo integral E no doutorado

a pesquisa em andamento de Santos que busca compreender os significados atribuiacutedos

ao choro na creche

No GP LACE destaco as pesquisas de iniciaccedilatildeo cientiacutefica de Silva (2004) e

Olivetti (2004) cujas temaacuteticas estatildeo circunscritas ao campo da argumentaccedilatildeo e

formaccedilatildeo da cidadania Em niacutevel de mestrado temos o trabalho de Aranha (2009) que

procura compreender criticamente o papel da argumentaccedilatildeo na construccedilatildeo de

significados compartilhados por formadores e participantes em contextos de formaccedilatildeo

continuada de Meaney (2009) que investiga a argumentaccedilatildeo na formaccedilatildeo do professor

na escola biliacutengue e de Rodrigues (2010) que analisa o papel da argumentaccedilatildeo na

formaccedilatildeo criacutetica de professores em uma creche

Ainda no campo do mestrado temos pesquisas em andamento de Oliveira que

investiga como a argumentaccedilatildeo e o pensamento criacutetico valorizado em diaacutelogos

organizados em um grupo de teatro de uma escola podem configurar como espaccedilos de

mediaccedilatildeo impliacutecita do aluno e de Santos que investiga a produccedilatildeo criacutetica

argumentativa no espaccedilo da sala de aula

No doutorado outras investigaccedilotildees em curso de Guerra que procura

compreender criticamente como a argumentaccedilatildeo presente nas negociaccedilotildees das

COMECcedilANDO O DIAacuteLOGO 24

ILKA SCHAPPER SANTOS

atividades do Projeto Aprender Brincando possibilita a produccedilatildeo de significados

compartilhados de Vendramini-Zanella que objetiva desenvolver um trabalho de

formaccedilatildeo criacutetica dos alunos de cursos de licenciatura por meio da argumentaccedilatildeo na

atividade de contar histoacuterias para crianccedilas com cacircncer em hospital especializado

Todos os trabalhos aqui destacados tanto do GP EFoPI quanto do GP LACE

satildeo de suma importacircncia pois em cada grupo de pesquisa essas investigaccedilotildees tecem

intersecccedilotildees gerando dados que estabelecem uma rede de diaacutelogos que tornam possiacutevel

sua avaliaccedilatildeo pelos pesquisadores dos grupos e por conseguinte sua reconstruccedilatildeo em

outros contextos de produccedilatildeo Com igual relevacircncia este trabalho de tese aconteceu no

interregno de confluecircncias entre os dois grupos de pesquisa anteriormente citados

Agora narrarei como se processou a construccedilatildeo desta pesquisa no interior do GP

EFoPI Depois de ter demarcado o campo de estudos teoacuterico-metodoloacutegico do trabalho

de tese em diaacutelogos sistematizados com minha orientadora fiz a proposta para a Profa

Dra Leacutea S P Silva coordenadora do GP EFoPI de iniciarmos um trabalho de

investigaccedilatildeo por meio da Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo sob a oacutetica da perspectiva

soacutecio-histoacuterica-cultural Assim do ano de 2006 ateacute agora desenvolvemos duas

pesquisas intituladas ldquoA verticalizaccedilatildeo e a horizontalizaccedilatildeo do espaccedilo da sala de

atividades da educaccedilatildeo infantilrdquo e ldquoEspaccedilo de reflexatildeo criacutetica em contexto de

colaboraccedilatildeo reconstruindo os sentidos e os significados da praacutetica educativa na

crecherdquo no periacuteodo de 2006 ndash 2007 e 2008-2009 respectivamente

Desde entatildeo meu trabalho de campo ficou circunscrito agraves intervenccedilotildees

desenvolvidas nesse periacuteodo e acabou por se configurar em um trabalho longitudinal

Envolvi-me assim ativamente no desenvolvimento de todas as atividades do grupo

desde o planejamento ateacute as intervenccedilotildees no campo no periacuteodo de 2006 a 2009

A princiacutepio desejava investigar o movimento da produccedilatildeo de sentidos-

significados no processo de pesquisa Dito de outro modo procurava compreender a

formaccedilatildeo do professor-pesquisador por meio do dispositivo argumentativo no interior

do processo de pesquisa do GP EFoPI Por conta disso naquele periacuteodo delimitei que

analisaria as transcriccedilotildees das reuniotildees de pesquisa e das intervenccedilotildees nas sessotildees

reflexivas e no curso de extensatildeo com as professoras e coordenadoras das creches as

notas de campo e as atas produzidas pelo grupo Mas parafraseando Drummond no

meio do caminho tinha uma pedra Deparei-me com a inquietaccedilatildeo de que desenvolveria

uma anaacutelise unilateral apenas a perspectiva de um lado da moeda as produccedilotildees-

construccedilotildees do conhecimento das pesquisadoras E o reverso da moeda A interlocuccedilatildeo

COMECcedilANDO O DIAacuteLOGO 25

ILKA SCHAPPER SANTOS

com os participantes da pesquisa Como poderia trabalhar sob a oacutetica da colaboraccedilatildeo se

estava focando de modo dualista apenas a produccedilatildeo das pesquisadoras

Foram esses questionamentos que me fizeram refletir e tomar a decisatildeo de focar

minha ldquolenterdquo no possiacutevel movimento de colaboraccedilatildeo desenvolvida entre as

pesquisadoras e as educadoras participantes do GP EFoPI No entanto como disse jaacute

estava no meio do caminho Deparei-me com um grande volume de material no banco

de dados do grupo de pesquisa pois jaacute haviacuteamos feito sessotildees reflexivas com 4

professoras de uma das creches puacuteblicas municipais de Juiz de Fora e jaacute estaacutevamos

trabalhando com as coordenadoras pedagoacutegicas Depois de uma longa imersatildeo nos

dados ateacute entatildeo gerados-produzidos pude perceber o principal eixo de discussatildeo e a

ldquovocaccedilatildeordquo do GP EFoPI o debate sobre a brincadeira em especial a brincadeira de faz

de conta A partir dessa ldquodescobertardquo resolvi investigar o fluxo do significado sobre o

brincar na cadeia criativa entre pesquisadoras e educadores tendo como eixo a

argumentaccedilatildeo Para tal defini como norte para a investigaccedilatildeo os seguintes

questionamentos

Como o processo da argumentaccedilatildeo desenvolvido entre pesquisadoras e educadoras

permite expor sentidos e significados sobre a brincadeira no movimento da cadeia

Quais argumentos contribuiacuteram para a produccedilatildeo de significado sobre o brincar no

movimento da Cadeia Criativa

Foi influenciada pelas discussotildees de dois campos epistemoloacutegicos ndash a teoria

soacutecio-histoacuterico-cultural e os estudos sobre argumentaccedilatildeo ndash que inicio este trabalho

Assim no primeiro capiacutetulo intitulado No meio do caminho eu tu eles no encontro

dosbdquo noacutes‟ abordo a fundamentaccedilatildeo teoacuterica deste estudo Nele haacute uma macrocategoria

teoacuterica a Cadeia Criativa (doravante CC) No movimento da Cadeia as abordagens

teoacutericas de Bakhtin Vygotsky e Spinoza ganham contornos de uma (inter)confluecircncia

Nesse entremeio a argumentaccedilatildeo atravessa a discussatildeo configurando-se como um

dispositivo inerente ao fluxo da interaccedilatildeo verbal Ainda no campo do debate teoacuterico

tambeacutem sob a oacutetica da teoria soacutecio-histoacuterico-cultural trago no segundo capiacutetulo uma

discussatildeo sobre o brincar intitulado O lugar do Brincar no GP EFoPI Isso porque

nesta investigaccedilatildeo ele eacute o objeto das cenas discursivas analisadas

No terceiro capiacutetulo Movimentos de um percurso caminhos e (des)caminhos

trilhados o leitor perceberaacute como procedi nesta investigaccedilatildeo Abordo em um primeiro

momento as bases teoacutericas da Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo (PCCol) (Magalhatildees

2002 2004 2006 2009) que de igual forma sustenta o GP EFoPI Laacute detalho os

COMECcedilANDO O DIAacuteLOGO 26

ILKA SCHAPPER SANTOS

vaacuterios contextos em que o GP EFoPI se desenvolve as pesquisadoras e as demais

participantes Para discutir os dados enfoco os procedimentos de coleta e produccedilatildeo de

dados as categorias de anaacutelise linguiacutestico-discursivas e de interpretaccedilatildeo Por fim

abordo os aspectos relativos agrave credibilidade da pesquisa

No quarto capiacutetulo Diaacutelogos em construccedilatildeo apresento a discussatildeo e a anaacutelise

dos dados Nesse capiacutetulo mostro as relaccedilotildees entre o movimento da Cadeia Criativa nos

trecircs cronotopos (3 sessotildees reflexivas com 4 professoras de uma das creches do

Municiacutepio de Juiz de Fora e as pesquisadoras do GP EFoPI 2 encontros do curso de

extensatildeo e 1 sessatildeo reflexiva com as 23 coordenadoras das creches) a partir dos

objetivos e questotildees de pesquisa Trilho uma ordem cronoloacutegica tendo em vista o

movimento da Cadeia Criativa Apoacutes discussatildeo e anaacutelise dos dados teccedilo as

consideraccedilotildees parciais no conjunto dos cronotopos Por fim apresento as reflexotildees e

consideraccedilotildees do trabalho como um todo As Referecircncias Bibliograacuteficas utilizadas na

elaboraccedilatildeo deste trabalho e os Anexos compotildeem a uacuteltima parte deste estudo

Para finalizar este capiacutetulo introdutoacuterio gostaria de dizer que este texto eacute

redigido em primeira pessoa do singular porque sou participante ativa do processo de

investigaccedilatildeo no entanto haacute muitos momentos em que uso a primeira pessoa do plural

quando me reporto aos grupos de pesquisa a que pertenccedilo bem como quando partilho

com o leitor ideias e inferecircncias relativas agraves discussotildees teoacuterico-metodoloacutegicas e agrave

anaacutelise e discussatildeo dos dados

ILKA SCHAPPER SANTOS

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO

DOS ldquoNOacuteSrdquo

Mas a essecircncia humana natildeo eacute uma abstraccedilatildeo

inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade eacute

o conjunto das relaccedilotildees sociais

(Karl Marx)

Neste trabalho de tese busco compreender criticamente as formas de

apresentaccedilatildeo questionamento e contraposiccedilatildeo de argumentos que podem oferecer

elementos para a produccedilatildeo do conhecimento na praacutetica de pesquisa do GP EFoPI em

especial as praacuteticas relacionadas agraves brincadeiras na infacircncia de 2 e 3 anos

Para realizar tal empreitada apresento no presente capiacutetulo o aporte teoacuterico em

que esta pesquisa estaacute fundada Como o leitor pode perceber na introduccedilatildeo deste

trabalho a temaacutetica que busco desenvolver estaacute imbricada em um projeto

interinstitucional entre os grupos de pesquisa LACE e EFoPI da PUC-SP e da UFJF

respectivamente Refletindo sobre essa intersecccedilatildeo em que o elemento de ligaccedilatildeo eacute esta

tese refaccedilo os caminhos teoacuterico-metodoloacutegicos que embasam o interregno de

confluecircncias entre os dois grupos de pesquisa fazendo um mergulho maior nas questotildees

que satildeo relevantes a esta investigaccedilatildeo Desse modo procuro nas discussotildees teoacuterico-

praacuteticas um diaacutelogo que teccedila intersecccedilotildees com a teoria soacutecio-histoacuterico-cultural (SHC)

entremeado agrave perspectiva filosoacutefica spinozana com foco na argumentaccedilatildeo

A opccedilatildeo por tais referenciais estaacute pautada na busca de compreender o

movimento dialoacutegico na produccedilatildeo do conhecimento como elemento para uma praacutexis

revolucionaacuteria que possibilita uma autotransformaccedilatildeo do sujeito e uma transformaccedilatildeo

do seu espaccedilo de accedilatildeo nocom o mundo (Marx e Engels apud Labica 19871990 p

30) Assim este trabalho de tese em consonacircncia com o GP LACE e o GP EFoPI

busca no espaccedilo de pesquisa propiciar elementos em que os participantes possam ter

uma compreensatildeo criacutetica de que tanto as circunstacircncias fazem os homens como os

homens fazem as circunstacircncias

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 28

ILKA SCHAPPER SANTOS

A preocupaccedilatildeo eacute entender a atividade de pesquisa e de extensatildeo em um

movimento que possibilita a transformaccedilatildeo da realidade social dos sujeitos envolvidos

nos processos de pesquisa um movimento que procura ldquoa transformaccedilatildeo do estado de

coisas existentes ou a transformaccedilatildeo da totalidade do que haacuterdquo (Newman amp Holzman

19932002 p 25)

Segundo Konder (1988) eacute importante que noacutes indaguemos se estamos de fato

trabalhando com a totalidade correta se a totalizaccedilatildeo eacute adequada agrave situaccedilatildeo em que nos

encontramos O autor explica que

natildeo haacute no plano puramente teoacuterico soluccedilatildeo para o problema A teoria

eacute necessaacuteria e nos ajuda muito mas por si soacute natildeo fornece os criteacuterios

suficientes para noacutes estarmos seguros de agir com acerto Nenhuma

teoria pode ser tatildeo boa a ponto de nos evitar erros A gente depende

em uacuteltima anaacutelise da praacutetica ndash especialmente da praacutetica social ndash para

verificar o maior ou menor acerto do nosso trabalho com os conceitos

(e com as totalizaccedilotildees) (Konder 1988 p 43) (grifos do autor)

Nesse sentido a teoria nos auxilia subsidiando a formulaccedilatildeo de indicadores No

campo da totalidade dialeacutetico-dialoacutegica eacute importante prestar atenccedilatildeo ao ldquorecheiordquo de

cada siacutentese (op cit p 44) presente no singular monadoloacutegico no dizer de Benjamin

(1984) que traz os fragmentos e estilhaccedilos da totalidade Implica refletirmos sobre as

contradiccedilotildees e mediaccedilotildees concretas que a siacutentese encerra Isso se torna possiacutevel por

conta da unidade dialeacutetico-monista posta nas relaccedilotildees entre teoria-praacutetica e pensar-agir

As concepccedilotildees teoacutericas do Ciacuterculo de Bakhtin e de Vygotsky conforme explica

Freitas (1997) tecircm intersecccedilotildees em muitos aspectos Apesar de aquele ter se

preocupado com a construccedilatildeo de uma filosofia histoacuterica e social da linguagem e este ter

desenvolvido uma psicologia historicamente fundamentada os dois pensadores

formularam seus construtos teoacutericos a partir de uma visatildeo totalizante da realidade

fundada em uma compreensatildeo do humano como um conjunto de relaccedilotildees sociais

Segundo a autora os dois teoacutericos russos foram contraacuterios

agraves dicotomias presentes nas concepccedilotildees de linguagem e de psicologia

de seu tempo por oscilarem entre os poacutelos subjetivo e objetivo

arquitetaram suas teorias em um entrelaccedilamento entre sujeito e objeto

propondo uma siacutentese dialeacutetica imersa na cultura e na histoacuteria (Freitas

1997 p 316)

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 29

ILKA SCHAPPER SANTOS

Encontramos no Ciacuterculo Bakhtiniano e em Vygotsky uma concepccedilatildeo de

consciecircncia engendrada pelas relaccedilotildees que os seres humanos estabelecem nocom o

mundo tendo como eixo mediador a linguagem Nas duas perspectivas teoacutericas a

interaccedilatildeo com o outro atravessada pela linguagem tem um papel fundamental Isso

porque ldquosem ele (o outro) o homem natildeo mergulha no mundo siacutegnico natildeo penetra na

corrente da linguagem natildeo se desenvolve natildeo realiza aprendizagens natildeo ascende agraves

funccedilotildees psiacutequicas superiores natildeo forma a consciecircncia enfim natildeo se constitui como

sujeitordquo (ibid p 320)

Rojo (2000 p 2) assim como Freitas explica que a teoria da enunciaccedilatildeo

bakhtiniana funda-se em ldquouma boa elaboraccedilatildeo para as questotildees da linguagem e do

discurso crucialmente envolvidas na aprendizagemrdquo relacionando assim com a visatildeo

vygotskyana de que aquilo que eacute propriamente humano eacute constituiacutedo por meio das

relaccedilotildees interpessoais Dito de outro modo eacute no encontro com o outro nos discursos

alheios que constituiacutemos e internalizamos os nossos proacuteprios discursos

Encontramos tanto em Bakhtin e seu Ciacuterculo quanto em Vygotsky um

constante esforccedilo de compreensatildeo da tensatildeo dialeacutetico-ideoloacutegica que se funda na

relaccedilatildeo entre o eu e o outro por intermeacutedio da linguagem Ambos com diferentes

recortes destacaram o valor da palavra e da interaccedilatildeo com o outro no mundo na

formaccedilatildeo da consciecircncia humana

Tais relaccedilotildees como disse acima satildeo tecidas a partir de uma visatildeo de totalidade

circunscrita em uma realidade histoacuterica Vygotsky (19342004 p 149) ressalta isso

quando diz que a tarefa principal da psicologia dialeacutetica ldquoconsiste precisamente em

descobrir a conexatildeo significativa entre as partes e o todo em saber considerar o

processo psiacutequico em conexatildeo orgacircnica nos limites de um processo mais complexordquo Eacute

na perspectiva da totalidade que fazemos uma aproximaccedilatildeo entre Vygotsky Bakhtin e

tambeacutem Spinoza

As incursotildees teoacutericas de Spinoza nesta investigaccedilatildeo e no GP EFoPI estatildeo

relacionadas aos diaacutelogos tecidos com o GP LACE no interior de um projeto

interinstitucional como disse anteriormente que busca nas construccedilotildees teoacutericas

spinozanas reforccedilar a ideia de um trabalho sob a eacutegide da totalidade A gecircnese dessa

busca no grupo de pesquisa se deu pela reincidecircncia das citaccedilotildees de Spinoza na obra

de Vygotsky em especial a afirmativa no prefaacutecio de seu livro Psicologia da Arte ldquomeu

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 30

ILKA SCHAPPER SANTOS

pensamento constitui-se sob o signo das palavras de Spinozardquo (Vygotsky 19342000)

O vieacutes spinozano amplia o quadro de entendimento na praacutetica de pesquisa da noccedilatildeo de

totalidade a partir de seu tratado sobre a Eacutetica (Spinoza 1677)

Assim este capiacutetulo teoacuterico em siacutentese possibilita nas malhas das discussotildees

elaboradas por Bakhtin Vygotsky e Spinoza a reflexatildeo da totalidade na praacutetica de

pesquisa do GP EFoPI em especial as reflexotildees sobre o brincar nas creches com

crianccedilas de 2 e 3 anos de idade Isso indica que este trabalho trata de forma monista a

relaccedilatildeo entre teoria e praacutetica na busca de uma praacutexis revolucionaacuteria

Na proacutexima seccedilatildeo abordo as categorias teoacutericas a partir do movimento da CC

Isso porque eacute no seu movimento que o leitor poderaacute compreender o princiacutepio norteador

da praacutetica de pesquisa dos GP LACE e GP EFoPI bem como desta investigaccedilatildeo

11 ndash O movimento da Cadeia Criativa linguagem e produccedilatildeo de conhecimento

Esta seccedilatildeo estaacute centrada na compreensatildeo criacutetica da produccedilatildeo e

compartilhamento dos significados dos integrantes do GP EFoPI Para isso

entrecruzarei os conceitos bakhtinianos vygotskyanos e spinozanos para

compreendermos o movimento da Cadeia Criativa (CC) na produccedilatildeo de conhecimentos

dos participantes do grupo de pesquisa

O sintagma Cadeia Criativa (CC) criado por Liberali (2009) diz de um processo

que tem sua gecircnese na indissociabilidade entre teoria e praacutetica com ecircnfase ldquona vida que

se viverdquo (Marx amp Engels 1945-1946) implica ldquoesforccedilos em parceria em uma atividade

produzindo significados que seratildeo posteriormente compartilhados com novos

parceiros atraveacutes dos sentidos (Vygotsky 1934) que aqueles os trazem para uma nova

atividaderdquo (Liberali 2009 p 102) Assim novos significados podem ser criativamente

produzidos carregando alguns aspectos dos sentidos compartilhados na primeira

atividade Da mesma forma alguns dos parceiros da segunda atividade quando

envolvidos em uma terceira vivenciam o mesmo processo formando uma Cadeia

Criativa (ibid)

A expressatildeo ldquocadeiardquo explica Liberali (informaccedilatildeo verbal)5 natildeo deve ser

relacionada a um significado pejorativo mas como um conjunto de fatos ou fenocircmenos

5 Explicaccedilatildeo dada por Liberali em exposiccedilatildeo oral em 2009

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 31

ILKA SCHAPPER SANTOS

linguiacutestico-discursivos que ocorrem sucessivamente no tempo-espaccedilo demarcados

historicamente pelos parceiros em interaccedilatildeo social Dito de outro modo a CC

considera por exemplo que dadas ldquoas atividades (a) (b) e (c) no tempo a atividade

(b) pode criar significados novos para os sentidos levados de volta (no tempo) para a

atividade (a) e para outra atividade da rede (c)rdquo (Fuga 2009 p 47)

A CC estaacute fundada na perspectiva SHC e sob a oacutetica da totalidade constituindo-

se em uma categoria teoacuterico-metodoloacutegica que traz a unidade dialeacutetica dos conceitos

bakhtinianos vygotskyanos e spinozanos O processo da CC possibilita pensar que o ser

humano constitui sua consciecircncia nas relaccedilotildees sociais que se concretizam no

movimento dialeacutetico entre as pessoas do discurso ldquoeurdquo ldquoturdquo ldquonoacutesrdquo Nesse movimento

das ldquopessoas do discursordquo o compartilhamento de sentidos possibilita a produccedilatildeo de

significados temporariamente estaacuteveis para um determinado grupo social isto eacute

possibilita alcanccedilar em um dado momento histoacuterico as ideias adequadas

Vejamos entatildeo como os conceitos de Bakhtin Vygotsky e Spinoza se articulam

no movimento da cadeia criativa

111 ndash A Cadeia Criativa entre o compartilhamento de sentidos e de significados

Ao contraacuterio do que em geral se crecirc sentido e

significado nunca foram a mesma coisa o

significado fica-se logo por aiacute eacute direto literal

expliacutecito fechado em si mesmo uniacutevoco por assim

dizer ao passo que o sentido natildeo eacute capaz de

permanecer quieto fervilha de sentidos segundos

terceiros e quartos de direccedilotildees irradiantes que se

vatildeo dividindo em ramos e ramilhos ateacute se perderem

de vista o sentido de cada palavra parece-se com

uma estrela quando se potildee a projetar mareacutes vivas

pelo espaccedilo fora ventos coacutesmicos perturbaccedilotildees

magneacuteticas afliccedilotildees

(Joseacute Saramago)

- Mamatildee o que significa significar

Joatildeo Pedro (5 anos)

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 32

ILKA SCHAPPER SANTOS

Para Stam (1992) as discussotildees sobre a linguagem se constituem como um

campo importante do pensamento contemporacircneo configurando-se como objeto de

estudo de diferentes pensadores Bakhtin e Vygotsky inserem-se nesse cenaacuterio

contemporacircneo e de maneira distinta mas partindo da mesma raiz teoacuterica elaboram

uma teoria sobre o papel dos signos na constituiccedilatildeo da consciecircncia do sujeito

A questatildeo central da perspectiva soacutecio-histoacuterico-cultural eacute a concepccedilatildeo de

linguagem como uma construccedilatildeo que se processa no campo da intersubjetividade nas

relaccedilotildees ldquointerrdquo sujeitos marcadas pelas contradiccedilotildees sociais e pelos diferentes lugares

que estes ocupam na esfera social

Na epiacutegrafe desta seccedilatildeo aproprio-me da poeacutetica de Saramago do livro intitulado

Todos os Nomes para iniciar a discussatildeo Saramago no texto literaacuterio nos possibilita

pensar sentido e significado de uma maneira similar agrave discussatildeo teoacuterica de Bakhtin e

Vygotsky Para o poeta portuguecircs o significado eacute algo ldquofechado em si mesmo

uniacutevocordquo jaacute o sentido ldquofervilha de sentidos segundos terceiros e quartos de direccedilotildees

irradiantes que se vatildeo dividindo em ramos e ramilhosrdquo Eacute com este fragmento literaacuterio

e com a inquietaccedilatildeo de uma crianccedila de 5 anos (que tambeacutem se faz nossa) que comeccedilarei

a discorrer sobre o binocircmio sentido-significado

- O que significa significar

Para BakhtinVolochinov (1988) o problema da significaccedilatildeo eacute um dos mais

complexos da linguiacutestica Segundo os autores as buscas de resoluccedilatildeo dessa questatildeo tecircm

mostrado o estreito monoacutelogo da ciecircncia linguiacutestica que estaacute alicerccedilada sobre uma

compreensatildeo passiva da significaccedilatildeo

Para auxiliar na soluccedilatildeo desse debate os teoacutericos russos fazem uma distinccedilatildeo

entre significado (significaccedilatildeo) e sentido (tema) Este seria individual e natildeo reiteraacutevel

assim como a proacutepria enunciaccedilatildeo Jaacute aquele estaacute fundado sobre uma convenccedilatildeo

reiteraacutevel e idecircntica natildeo tendo uma existecircncia concreta e independente A significaccedilatildeo eacute

ldquoum estaacutegio inferior da capacidade de significar e o tema um estaacutegio superior da

mesma capacidade A significaccedilatildeo existe como potencial de construir sentido proacutepria

dos signos linguiacutesticos e das formas gramaticais da liacutenguardquo (Cereja 2005 p 202)

Assim natildeo diz nada em si mesma ela eacute apenas uma ldquopotecircnciardquo uma possibilidade

BakhtinVolochinov (1988 p 129) explicam que diferente da significaccedilatildeo o

sentido da enunciaccedilatildeo eacute concreto similar ao instante histoacuterico ao qual pertence posto

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 33

ILKA SCHAPPER SANTOS

que ldquosomente a enunciaccedilatildeo tomada em toda a sua amplitude concreta como fenocircmeno

histoacuterico possui um tema isto eacute o que se entende por tema da enunciaccedilatildeordquo

Assim o sentido eacute determinado natildeo apenas pelas formas linguiacutesticas (as

palavras as formas morfoloacutegicas e sintaacuteticas os sons as entonaccedilotildees) como ocorre na

significaccedilatildeo mas tambeacutem pelos elementos extraverbais da cena discursiva

Eacute no processo da compreensatildeo ativa6 que podemos entender a distinccedilatildeo entre

sentido e significaccedilatildeo jaacute que esta compreensatildeo eacute uma forma de diaacutelogo que possibilita

ao locutor-ouvinte espaccedilos de oposiccedilatildeo na contrapalavra na reacuteplica

Vimos ateacute agora os aspectos que distinguem significaccedilatildeo e sentido mas assim

como Bakhtin fiz isso como recurso didaacutetico do texto para a explanaccedilatildeo Pois em uma

perspectiva monista sentido e significado formam um binocircmio indissociaacutevel Os

sujeitos na interaccedilatildeo trazem as marcas de interaccedilotildees anteriores com diferentes

comunidades semioacuteticas que por sua vez jaacute alteraram os sentidos das palavras que

vinham construindo Essa alteraccedilatildeo pela qual passa a palavra se na comunidade

semioacutetica criar certa estabilidade pode ficar em um espaccedilo inferior da capacidade de

significar e atingir o status de significaccedilatildeo Nesse movimento paradoxalmente a

palavra volta a se desestabilizar agrave medida que entra no fluxo da enunciaccedilatildeo concreta

trazendo as marcas do signo ideoloacutegico e voltando ao status de tema (sentido) da

enunciaccedilatildeo

Eacute no interior da comunidade semioacutetica que o signo linguiacutestico e por

conseguinte a indissociabilidade entre sentido e significado pode ser compreendida

pois o signo reflete e refrata a realidade e muitas outras No lugar onde o signo se

encontra se materializa encontra-se tambeacutem a ideologia pois ldquotudo que eacute ideoloacutegico

possui um valor semioacutetico () cada signo ideoloacutegico eacute natildeo apenas um reflexo uma

sombra da realidade mas tambeacutem um fragmento material dessa realidaderdquo

(BakhtinVolochinov 1988 p 32-33)

6 Segundo BakhtinVolochinov (1988 p 132) ldquoqualquer tipo de compreensatildeo deve ser ativo deve conter

jaacute o germe de uma resposta Soacute a compreensatildeo ativa nos permite apreender o tema pois a evoluccedilatildeo natildeo

pode ser apreendida senatildeo com a ajuda de um outro processo evolutivo Compreender a enunciaccedilatildeo de

outrem significa orientar-se em relaccedilatildeo a ela encontrar o seu lugar adequado no contexto correspondente

A cada palavra da enunciaccedilatildeo que estamos em processo de compreender fazemos corresponder uma seacuterie

de palavras nossas formando uma reacuteplica Quanto mais numerosas e substanciais forem mais profunda e

real eacute a nossa compreensatildeordquo

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 34

ILKA SCHAPPER SANTOS

Para compreendermos melhor essa discussatildeo utilizarei um fragmento de uma das

sessotildees reflexivas realizadas no GP EFoPI com as educadoras das creches

Teresa7 Teve um tempo que a gente ateacute era chamada

crecheira assim quanto tempo jaacute mudou o termo Agora

eacute recreadora educadora e tem pessoas que falam ldquoVocecirc

trabalha laacute Ah Vocecirc eacute crecheira Vocecirc toma conta de

crianccedila o dia inteirordquo A gente sempre escuta isso

(Sessatildeo reflexiva ndeg1 ndash 07082006)

No dicionaacuterio Houaiss o verbete crecheiro (a) eacute relativo a ou o que trabalha em

creche (creche+eiro) O significado dicionarizado da palavra natildeo eacute diferente

aparentemente do sentido da enunciaccedilatildeo que indaga ldquovocecirc trabalha laacute Ah vocecirc eacute

crecheirardquo mas na comunidade semioacutetica dessas educadoras a adjetivaccedilatildeo presente

no sufixo ldquo-eirordquo traz a marca pejorativa para aquele que trabalha na creche Isso

porque no interior dessa enunciaccedilatildeo haacute a desvalorizaccedilatildeo e o natildeo reconhecimento

profissional das educadoras por parte da sociedade uma vez que na instituiccedilatildeo natildeo satildeo

reconhecidas como profissionais que cuidam e educam e sim como crecheiras que

ldquotomam conta de crianccedilardquo Aleacutem disso natildeo haacute poliacuteticas puacuteblicas de valorizaccedilatildeo

profissional em consonacircncia com as necessidades das educadoras das crianccedilas e das

instituiccedilotildees de Educaccedilatildeo Infantil A contrataccedilatildeo dos educadores das creches

investigadas havia sido feita pelo oacutergatildeo de assistecircncia (AMAC)8 atraveacutes de seleccedilatildeo

com exigecircncia de no miacutenimo niacutevel meacutedio de formaccedilatildeo Caso fossem aprovadas as

funcionaacuterias das creches eram contratadas como recreadoras para o berccedilaacuterio e crianccedilas

de ateacute 2 anos Jaacute para crianccedilas de 3 anos a denominaccedilatildeo no contrato eacute de educadora

social havendo uma diferenccedila na remuneraccedilatildeo salarial para uma jornada diaacuteria de 8

horas de trabalho com aproximadamente quinze crianccedilas

Ao contraacuterio do que ocorre com as profissionais das creches as educadoras da

preacute-escola do municiacutepio de Juiz de Fora que trabalham com crianccedilas de 4 e 5 anos

recebem maior salaacuterio uma jornada de trabalho de 15 horas semanais atenccedilatildeo e

respeito uma vez que lhes satildeo atribuiacutedas as tarefas de educar e cuidar Elas satildeo

consideradas professoras recebendo maior reconhecimento por parte da sociedade

7 Os nomes das educadoras satildeo fictiacutecios

8 Atualmente a partir de 2009 estaacute sendo realizada a transiccedilatildeo das creches do oacutergatildeo de assistecircncia para a

Secretaria de Educaccedilatildeo do Municiacutepio de Juiz de Fora

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 35

ILKA SCHAPPER SANTOS

Diante do exposto podemos inferir que o sentido da enunciaccedilatildeo crecheira eacute

determinado pelos elementos extraverbais do instante histoacuterico ao qual pertence Esses

elementos se materializam na luta dos profissionais da creche para emergirem desse

contexto de indefiniccedilotildees no qual se encontram em especial os profissionais que

trabalham com a infacircncia de 0 a 3 anos

Vygotsky tambeacutem se preocupou em resolver o problema da significaccedilatildeo Mas

diferente de Bakhtin que tinha como objeto de anaacutelise a linguagem travando uma luta

teoacuterica com a linguiacutestica de seu tempo Vygotsky tambeacutem numa perspectiva soacutecio-

histoacuterica e cultural buscou formular uma psicologia historicamente fundamentada

tecendo um debate com as teorias psicoloacutegicas de sua eacutepoca Para alcanccedilar seus

objetivos os autores russos buscaram o meacutetodo dialeacutetico pautado nas construccedilotildees

teoacutericas de Karl Marx e Frederic Engels

Apesar da similaridade dos conceitos de sentido e significado nas perspectivas

teoacutericas de Bakhtin e Vygotsky como disse anteriormente este se fundamenta nos

construtos teoacutericos da Psicologia9 para explicar como se processa a relaccedilatildeo do homem

com o mundo em constantes transformaccedilotildees e mudanccedilas

Vygotsky explica que o significado eacute um fenocircmeno da fala e do pensamento Da

fala porque a palavra sem significado eacute meramente um som vazio e do pensamento

porque o significado de cada palavra eacute um conceito uma generalizaccedilatildeo que materializa

os atos do pensamento Desse modo como sintetiza Freitas (1997 p 323) ldquoo

significado da palavra eacute a chave da compreensatildeo dialeacutetica entre pensamento e

linguagemrdquo Nesse sentido a linguagem natildeo eacute apenas uma materializaccedilatildeo do

pensamento pois o ldquopensamento natildeo eacute simplesmente expresso em palavras eacute por meio

delas que ele passa a existirrdquo (Vygotsky 19341993 p 108)

O significado na perspectiva vygotskyana eacute uma generalizaccedilatildeo um conceito que

caracteriza um fenocircmeno do pensamento e ao mesmo tempo um fenocircmeno da fala da

linguagem Tanto a fala interfere no pensamento quanto este na linguagem verbal

A evoluccedilatildeo do significado da palavra possibilita ao sujeito soacutecio-histoacuterico-

cultural o desenvolvimento do conceito entendido como um sistema de generalizaccedilotildees

expresso nas palavras que se modificam ao longo das vivecircncias e experiecircncias do

9 Para sistematizar uma Psicologia Marxista Vygotsky se opocircs agraves principais correntes que dicotomizaram

a relaccedilatildeo entre pensamento e linguagem

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 36

ILKA SCHAPPER SANTOS

sujeito da linguagem Essas transformaccedilotildees e mudanccedilas na vida do homem promovem

as transformaccedilotildees ldquointerrdquo consciecircncias e por conseguinte mudanccedila na capacidade de

significar

O sentido para Vygotsky (19341993 p 125) pode ser assim explicado como

a soma de todos os eventos psicoloacutegicos que a palavra desperta em

nossa consciecircncia Eacute um todo complexo fluido e dinacircmico que tem

vaacuterias zonas de estabilidade desigual O significado eacute apenas uma das

zonas do sentido a mais estaacutevel e precisa Uma palavra adquire o seu

sentido no contexto em que surge em contextos diferentes altera o

sentido O significado permanece estaacutevel ao longo de todas as

alteraccedilotildees do sentido O significado dicionarizado de uma palavra

nada mais eacute do que uma pedra no edifiacutecio do sentido natildeo passa de

uma potencialidade que se realiza de formas diversas na fala

Eacute interessante refletir como o sentido permite vislumbrar a dinamicidade o

movimento da linguagem pois possibilita que vejamos o reverso da significaccedilatildeo ou

seja seu caraacuteter dinacircmico complexo e instaacutevel Eacute sob a eacutegide dos sentidos que os

significados deixam de ser tatildeo-somente zonas estaacuteveis jaacute que os sentidos datildeo

dinamicidade ao significado das palavras

Na perspectiva vygotskyana o significado foi demarcado como sendo o proacuteprio

signo e o sentido eacute mais amplo Aquele eacute convencional e dicionarizado portanto mais

preciso e estaacutevel Este ldquoeacute um fenocircmeno complexo moacutevel que muda constantemente ateacute

certo ponto em conformidade com as consciecircncias isoladas para uma mesma

consciecircnciardquo (Vygotsky 19342001 p 466)

Como disse no iniacutecio desta seccedilatildeo sentido e significado satildeo dois movimentos

indissociaacuteveis pois

os significados satildeo produccedilotildees histoacutericas e sociais Satildeo eles que

permitem a comunicaccedilatildeo a socializaccedilatildeo de nossas experiecircncias

Muito embora sejam estaacuteveis ldquodicionarizadosrdquo eles tambeacutem se

transformam no movimento histoacuterico momento em que sua natureza

interior se modifica alterando em consequecircncia a relaccedilatildeo que

mantecircm com o pensamento entendido como processo Os significados

referem-se assim aos conteuacutedos instituiacutedos mais fixos

compartilhados que satildeo apropriados pelos sujeitos a partir de suas

proacuteprias subjetividades (Aguiar amp Ozella 2006 p 226)

Em siacutentese eacute no interior desse movimento da significaccedilatildeo que dialeticamente

os sentidos vatildeo se constituindo pois se aproximam mais da subjetividade do sujeito

criando zonas de sentido que desestabilizam a significaccedilatildeo Essa desestabilizaccedilatildeo posta

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 37

ILKA SCHAPPER SANTOS

nos muacuteltiplos movimentos do significado que constituem os diversos sentidos

possibilita a uma determinada comunidade semioacutetica alcanccedilar novamente um

significado mais ou menos estaacutevel Isso porque segundo Vygotsky (19342001 p 465-

466)

esse enriquecimento das palavras que o sentido lhes confere a partir

do contexto eacute a lei fundamental da dinacircmica do significado das

palavras A palavra incorpora absorve de todo o contexto com que

estaacute entrelaccedilada os conteuacutedos intelectuais e afetivos e comeccedila a

significar mais e menos do que conteacutem o seu significado quando a

tomamos isoladamente e fora do contexto mais porque o ciacuterculo dos

seus significados se amplia adquirindo adicionalmente toda uma

variedade de zonas preenchidas por um novo conteuacutedo menos porque

o significado abstrato da palavra se limita e se restringe agravequilo que ela

significa apenas em um determinado contexto

Feitas as discussotildees teoacutericas do binocircmio sentido-significado para Vygotsky e

tema-significaccedilatildeo para Bakhtin passemos agora para a discussatildeo dessas categorias

teoacutericas no movimento da CC

Liberali (2009) para explicar o compartilhamento de sentidos e significados na

produccedilatildeo de significados na CC tece uma aproximaccedilatildeo entre tema e significaccedilatildeo para

Bakhtin e sentido e significado para Vygotsky assim como busquei fazer na discussatildeo

acima A autora explica que em russo as palavras ldquosmyslrdquo e ldquoznachnierdquo satildeo usadas por

ambos os autores O verbete russo ldquoznachnierdquo traduzido para o inglecircs como ldquomeaningrdquo

eacute usado nas elaboraccedilotildees teoacutericas de Bakhtin e Vygotsky para discorrerem sobre os

elementos de generalizaccedilatildeo de uma palavra A distinccedilatildeo soacute existe no portuguecircs em que

ldquoznachnierdquo eacute entendido como ldquosignificadordquo e ldquosignificaccedilatildeordquo para Vygotsky e

BakhtinVolochinov respectivamente Jaacute ldquosmyslrdquo que foi traduzida para o inglecircs como

ldquosenserdquo nos escritos de Vygotsky em portuguecircs foi entendida como ldquosentidordquo a

traduccedilatildeo do termo ldquosmyslrdquo para Bakhtin ficou como ldquothemerdquo em inglecircs e no portuguecircs

ldquotemardquo

Eacute interessante notar que ldquoznachnierdquo e ldquosmyslrdquo satildeo verbetes utilizados pelos dois

teoacutericos russos Aquele eacute usado tanto por Bakhtin como por Vygotsky para discutir os

elementos de generalizaccedilatildeo historicamente estabelecidos por uma palavra e este

expressa a subjetividade do indiviacuteduo

Na realidade histoacuterica ldquosmyslrdquo eacute ldquopotencialmente infinito e soacute se atualiza no

contato com outro sentidordquo (Bakhtin 1997 p 386) posto de outro modo o sentido natildeo

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 38

ILKA SCHAPPER SANTOS

existe nem se ressignifica de forma isolada sua potencialidade infinita adveacutem do

encontro entre sentidos que formam elos na cadeia Esses elos se renovam

dialogicamente por meio da interaccedilatildeo verbal e tornam a cadeia tambeacutem potencialmente

infinita

A discussatildeo dos conceitos ldquosmyslrdquo e ldquoznachnierdquo auxilia a pensar a questatildeo das

relaccedilotildees dialoacutegicas entre os sujeitos gerando algo mais estaacutevel que os aproxima

ldquoZnachnierdquo pode natildeo ser ldquopotencialmente infinitardquo nem abrigar a amplitude de ldquosmyslrdquo

entretanto para encontrar os pontos em comum que tornam o significado partilhaacutevel na

interaccedilatildeo verbal o ser humano precisa assumir alguns pontos dos sentidos e excluir

outros para em um movimento dialeacutetico-dialoacutegico realizar algo em comum (Liberali e

Fuga 2007)

Liberali em seu texto intitulado ldquoCreative Chain in the Process of Becoming a

Totalityrdquo10

afirma que na CC o ser humano criativo atraveacutes de seu trabalho e

experiecircncia subjetiva amplia os sentidos de um objeto palavra ou siacutembolo trazendo

um novo sentido para o significado social do fenocircmeno Posto de outro modo o sujeito

cria novas relaccedilotildees entre o significado e o sentido do fenocircmeno Na gecircnese desse

movimento estaacute a possibilidade de transformaccedilatildeo no interior da vida social

No entanto a instauraccedilatildeo do novo sentido soacute eacute possiacutevel quando existe o

compartilhamento de ldquosmyslrdquo o que possibilita a evoluccedilatildeo de significados em uma dada

comunidade semioacutetica Esse movimento promove a transformaccedilatildeo do sujeito do outro

do contexto social imediato e do conhecimento Sob essa oacutetica de transformaccedilatildeo das

relaccedilotildees (inter)sujeitos podemos pensar a produccedilatildeo do conhecimento humano a partir da

luta discursivo-ideoloacutegica entre significados cristalizados e sentidos subjetivos

Essa discussatildeo dos conceitos de sentido e significado numa perspectiva soacutecio-

histoacuterico-cultural vai ao encontro de uma modalidade de pesquisa criacutetico-colaborativa

pois possibilita compreender como se processa o compartilhamento de sentidos na

formulaccedilatildeo de novos significados mais ou menos estaacuteveis para a comunidade semioacutetica

(no nosso caso o grupo de pesquisa EFoPI) em que as intervenccedilotildees do grupo de

pesquisa se materializam em atividades historicamente concretas na esfera da educaccedilatildeo

infantil em especial na crianccedila de 2 e 3 anos de idade Por conta disso o planejamento

da pesquisa colaborativa eacute sistematizado a partir do diaacutelogo com os participantes da

10 Traduccedilatildeo A Cadeia Criativa no Processo de Tornar-se Totalidade

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 39

ILKA SCHAPPER SANTOS

investigaccedilatildeo Nessa perspectiva os participantes ao desvelarem e compartilharem seus

sentidos auxiliam na construccedilatildeo e ampliaccedilatildeo de significados que se tornam mais ou

menos estaacuteveis para o grupo e paradoxalmente ao serem novamente partilhados criam

outros sentidos singulares para cada membro que vivencia a intervenccedilatildeo escapando aos

tradicionalmente determinados

O desafio desta tese eacute buscar apreender os sentidos e compreender criticamente

como os significados foram se estabilizando nos espaccedilos discursivos travados entre os

professores pesquisadores e seus interlocutores na praacutetica de pesquisa para entender

como ocorre a produccedilatildeo de conhecimento sobre o brincar no processo de investigaccedilatildeo

No Ciacuterculo de Bakhtin ldquosmyslrdquo pode ser compreendido tambeacutem como ldquouma

reaccedilatildeo da consciecircncia em devir ao ser em devirrdquo (BakhtinVolochinov 1988 p 129)

Isso vai ao encontro de uma citaccedilatildeo de Vygotsky para quem a ldquocooperaccedilatildeo entre

consciecircnciasrdquo eacute uma instacircncia que possibilita a transformaccedilatildeo de ldquoznachnierdquo (Vygotsky

2004 p 187)

Essa instacircncia da ldquoconsciecircncia em devir ao ser em devirrdquo e o espaccedilo de

ldquocooperaccedilatildeo entre consciecircnciasrdquo eacute um movimento dialoacutegico-dialeacutetico que nos remete

neste trabalho ao conceito vygotskyano de Zona Proximal de Desenvolvimento a ZPD

instacircncia instauradora da produccedilatildeo do conhecimento

Passemos entatildeo no proacuteximo toacutepico deste capiacutetulo para a discussatildeo de ZPD no

movimento da CC

112 ndash A Cadeia Criativa e a ZPD interregno de conflitos tensotildees e possibilidades

na produccedilatildeo de conhecimento

Dois meninos de dois anos brincavam no paacutetio da

creche em um brinquedo grande de plaacutestico em

forma de castelo No brinquedo havia uma escada

que dava acesso a um platocirc onde havia um

escorregador Um dos meninos que estava no alto

chamou - ldquoVem soberdquo Ao que outro respondeu

ldquoEu natildeo seirdquo O menino insistiu -ldquosoberdquo O menino

que estava embaixo pediu ajuda para a professora

ela se aproximou e estimulou a crianccedila atraveacutes da

fala a superar o obstaacuteculo da subida Apoacutes o

encontro dentro do castelo escorregaram e voltaram

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 40

ILKA SCHAPPER SANTOS

imediatamente para a escada para subir novamente

A cena se repete -ldquoVem soberdquo - ldquoEu natildeo seirdquo -

ldquoMas vocecirc jaacute subiu Vocecirc sabe simrdquo O menino vai

entatildeo refazendo o caminho anterior pondo a matildeo

equilibrando o corpo ateacute chegar ao ponto onde

alcanccedila a outra crianccedila que lhe estende a matildeo e o

ajuda (narrativa de um dos participantes da

pesquisa do GP EFoPI no encontro com as

coordenadoras das 23 creches ndash 03 de junho de

2009)

Em seu texto inaugural ldquoInteraccedilatildeo entre aprendizado e desenvolvimentordquo

publicado no livro A Formaccedilatildeo Social da Mente Vygotsky tece criacuteticas significativas agrave

Psicologia do seu tempo em especial no que concerne agrave diacuteade

desenvolvimentoaprendizado Ao lado disso propotildee uma nova categoria teoacutericopraacutetica

para estudar esse binocircmio a Zona Proximal de Desenvolvimento (ZPD) O autor

explica nesse trabalho que a zona de desenvolvimento proximal eacute a distacircncia entre o

niacutevel de desenvolvimento real que seria determinado pela soluccedilatildeo independente de

problemas e o niacutevel de desenvolvimento potencial determinado pela capacidade do

sujeito em resolver problemas com o auxiacutelio do outro (Vygotsky 19301991 p 91)

O autor expotildee que a ZPD eacute um instrumento atraveacutes do qual psicoacutelogos e

educadores podem compreender o curso interno do desenvolvimento humano Diz

ainda que esse meacutetodo possibilita natildeo soacute entender os ciclos e processos de maturaccedilatildeo jaacute

completados como tambeacutem os processos que estatildeo em estado de formaccedilatildeo que estatildeo

comeccedilando a amadurecer e a se desenvolver (ibid p 97-98) Essa abertura em

considerar natildeo soacute os processos de maturaccedilatildeo jaacute completados mas tambeacutem os processos

que estatildeo em formaccedilatildeo em devir mediante a interaccedilatildeo com o outro funda a categoria

ZPD como um instrumento de intervenccedilatildeo revolucionaacuterio

No campo acadecircmico e no processo educativo essa discussatildeo sobre ZPD e sua

relaccedilatildeo com o aprendizado teve por parte de muitos pesquisadores e educadores uma

apropriaccedilatildeo dualista Tal apropriaccedilatildeo (mais literal) manteve a ecircnfase ldquona diferenccedila entre

o que se pode fazer bdquocom outros‟ e o que se pode fazer bdquosozinho‟ ndash como instrumento

para a compreensatildeo de processos mentais individuaisrdquo (Magalhatildees 2009 p 57) e na

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 41

ILKA SCHAPPER SANTOS

internalizaccedilatildeo11

do conhecimento com a colaboraccedilatildeo do outro mais experiente

Magalhatildees afirma que essa compreensatildeo como discutem Holzman (1997 2002) John-

Steiner Weber e Minis (1998) e Jantzen (2005) vai ao encontro de toda discussatildeo do

meacutetodo dialeacutetico vygotskyano que ldquoeacute ao mesmo tempo preacute-requisito e produto o

instrumento e o resultado do estudordquo (Vygotsky 19301991 p 74)

Como dito acima a apropriaccedilatildeo do conceito de ZPD no contexto de pesquisa e

no contexto escolar foi feita de forma dualista O foco estava em identificar espaccedilos de

interaccedilatildeo em que as crianccedilas pudessem aprender mediante a ajuda com a colaboraccedilatildeo

de algueacutem mais experiente Essa dicotomia fez com que muitos profissionais da

educaccedilatildeo ficassem preocupados em promover espaccedilos de aprendizagens em que aqueles

mais capazes auxiliassem os julgados menos capazes A ecircnfase continuava no

indiviacuteduo O outro par mais experiente criaria ZPDs para que os menos experientes

pudessem atingir uma reflexatildeo mais elevada sobre a natureza mais abstrata das coisas

(Bruner 1986)

Eacute esse ponto que nos interessa analisar

O excerto que utilizei como epiacutegrafe para iniciar esta seccedilatildeo seraacute nosso

companheiro de viagem nas palavras de Sartre para ilustrar a maneira como dialogarei

com o leitor sobre o conceito de ZPD no movimento da CC bem como suas

implicaccedilotildees na praacutetica de pesquisa

Na cena narrada as falas ldquo-Vem soberdquo -ldquoEu natildeo seirdquo - ldquoMas vocecirc jaacute subiu

Vocecirc sabe simrdquo ilustram como o auxiacutelio do outro em uma relaccedilatildeo colaborativa

possibilita a realizaccedilatildeo da atividade O problema eacute que tradicionalmente o foco se

manteve na busca de superaccedilatildeo das dificuldades do sujeito considerado menos capaz O

presumido eacute que o companheiro mais experiente influencia com seu ponto vista o

menos experiente levando-o agrave internalizaccedilatildeo de conhecimentos de que antes natildeo

dispunha

Chamo atenccedilatildeo para a dicotomizaccedilatildeo no interior da discussatildeo de ZPD

relacionada agrave aprendizagem escolar O que nos instiga pensar eacute o reverso da moeda se

estamos tratando de aprendizagem colaborativa se consideramos que as accedilotildees dos

11 Vygotsky (19301991 p 63) nomeia de internalizaccedilatildeo a reconstruccedilatildeo interna de uma operaccedilatildeo externa

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 42

ILKA SCHAPPER SANTOS

indiviacuteduos satildeo instigadas pelas accedilotildees do outro e produzidas socialmente por que aquele

que eacute dito como mais capaz e mais experiente fica agrave margem do processo

Esse dualismo em considerar que no processo de colaboraccedilatildeo o par mais

experiente seraacute o mediador entre a passagem do niacutevel de desenvolvimento potencial

para o desenvolvimento real simplifica sobremaneira a relaccedilatildeo aprendizado-

desenvolvimento o que natildeo faz jus agrave proposta de Vygotsky Pois ao discutir a

internalizaccedilatildeo das funccedilotildees psicoloacutegicas superiores o autor russo explica que ldquoo

desenvolvimento se daacute natildeo em ciacuterculo mas em espiral passando por um mesmo ponto

a cada nova resoluccedilatildeo enquanto avanccedila para um niacutevel superiorrdquo (Vygotsky

19301991 p 62) Com essa explanaccedilatildeo ele nos possibilita pensar a existecircncia de

conflitos tensotildees na ZPD Assim a demarcaccedilatildeo de que o par mais experiente ldquopuxardquo o

aprendizado do outro eacute unilateral natildeo trazendo o movimento de transformaccedilotildees e

mudanccedilas ocorridas no companheiro tido como mais capaz O desenvolvimento em

espiral em que o sujeito passa por um mesmo ponto a cada nova resoluccedilatildeo eacute um

movimento dialeacutetico Assim em cada espaccedilo de interaccedilatildeo vivenciamos transformaccedilotildees

e mudanccedilas independentemente de na cena enunciativa sermos considerados mais ou

menos experientes

No GP LACE e GP EFoPI trabalhamos com a concepccedilatildeo de que a ZPD eacute uma

zona de conflito de tensatildeo um espaccedilo de produccedilatildeo de conhecimento A interlocuccedilatildeo

com os educadores sociais e as coordenadoras das creches no caso do GP EFoPI e deste

trabalho de tese transita na unidade dialeacutetica teoria-praacutetica buscando superar o fosso

entre saber-pensar e fazer-agir materializado entre o dito e o feito O desenvolvimento e

aprendizado dos participantes se concretizam em ZPDs em que o status de mais

experiente natildeo estaacute fixado em um participante mas no processo coletivo de produccedilatildeo do

conhecimento mediado pela linguagem

No interior do processo de pesquisa os participantes criam espaccedilos de

aprendizagem e reflexatildeo sobrena accedilatildeo significativa A preocupaccedilatildeo dos pesquisadores

do EFoPI natildeo eacute em atuar no intervalo entre aquilo que os professores educadores e

pesquisadores externos eram e aquilo que eles se tornaram (ou tornaratildeo) mediante a

colaboraccedilatildeo do grupo de pesquisa com as questotildees levantadas no processo criacutetico

reflexivo Os investigadores buscam criar espaccedilos discursivos em que a linguagem eacute

entendida como um produto da atividade humana coletiva constituindo-se portanto

ldquolugar de interaccedilatildeo mateacuteria e instrumento do trabalho em que sujeitos e linguagem se

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 43

ILKA SCHAPPER SANTOS

constituem produzindo sentidos que se inscrevem no processo discursivo de cada

formaccedilatildeo histoacuterico-socialrdquo (Barreto 2002 p 18) Nesse sentido o elemento mediador

natildeo se fixa nos sujeitos que podem propiciar aprendizados mas na mediaccedilatildeo constituiacuteda

por praacuteticas de linguagem discursivo-simboacutelicas nas relaccedilotildees entre todos os sujeitos

Nesse movimento as tensotildees conflitos confrontos e possibilidades entre os

saberes escolares e os saberes do grupo de pesquisa satildeo elementos de transformaccedilotildees e

mudanccedilas tanto para os professores que participaram da pesquisa quanto para os

pesquisadores Assim a ZPD se constitui um espaccedilo de compartilhamento de sentidos

na produccedilatildeo de novos significados transformando-se em ldquopalco para batalhas

ideoloacutegicasrdquo (Bernstein 19931998 p 14)

A ZPD no movimento da CC se institui como instacircncia de possibilidades de

uma aprendizagem conduzindo o desenvolvimento (Newman e Holzman 19932002)

Essa instacircncia na siacutentese do vir-a-ser eacute palco de produccedilatildeo e transformaccedilatildeo do

conhecimento do ser humano no interior da coletividade porque em um contexto

colaborativo a ZPD inaugura um espaccedilo em que os participantes tecircm a possibilidade de

tornar seus processos mentais mais claros podendo demonstrar e explicar esses

processos no fluxo da interaccedilatildeo verbal Isso cria para os outros participantes

possibilidades de questionar expandir argumentar e recolocar o que foi posto em

negociaccedilatildeo (Magalhatildees 2004)

113 ndash Cronotopia e exotopia uma diacuteade no movimento da Cadeia Criativa

Dois conceitos bakhtinianos que tratam da relaccedilatildeo tempo-espaccedilo podem ser

resgatados para pensarmos a cadeia criativa a partir do movimento que imprime

dinacircmica ao compartilhamento-produccedilatildeo de sentidos e de significados exotopia e

cronotopia O primeiro tem sua gecircnese no acircmbito do texto literaacuterio o segundo sintetiza

a atividade criadora em geral Neste trabalho a interseccedilatildeo entre esses dois conceitos

possibilita pensar os encadeamentos da CC a partir dos diferentes pontos espaccedilo-

temporais em que se situam as praacuteticas de linguagem dos participantes em elos que vatildeo

compondo e recompondo o movimento discursivo Eacute nesse espaccedilo-tempo constituiacutedo

como uma zona de tensatildeo conflitos e possibilidades que a produccedilatildeo do conhecimento

se institui

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 44

ILKA SCHAPPER SANTOS

A discussatildeo que envolve a categoria exotopia na obra bakhtiniana estaacute presente

no texto O Autor e o Heroacutei Vale lembrar que esta categoria natildeo pode ser dissociada de

outras do Ciacuterculo de Bakhtin em especial o plurilinguismo social (as outras vozes

sociais que se presentificam na formaccedilatildeo e constituiccedilatildeo do sujeito) o presumido

(extraverbal) e a natureza dialoacutegica da linguagem

Etimologicamente a palavra exotopia eacute formada pelo prefixo ex que significa

fora e topos que significa lugar Assim exotopia simboliza um lugar afastado mas

natildeo distante da situaccedilatildeo Designa o ldquoexcedente de visatildeordquo a ldquoextraposiccedilatildeordquo ldquoo estar de

forardquo uma posiccedilatildeo a partir da qual o sujeito vecirc o mundo com certo distanciamento de

sua proacutepria condiccedilatildeo nele o que lhe permite perceber elementos que a proximidade natildeo

lhe permitiria Conforme Bakhtin (1987 p 43) ldquoquando contemplo um homem situado

fora de mim e agrave minha frente nossos horizontes concretos tais como satildeo efetivamente

vividos por noacutes dois natildeo coincidemrdquo No movimento do seu ldquoexcedente de visatildeordquo o

sujeito percebe no outro elementos que soacute ele pode perceber pelo lugar que eacute o uacutenico

a ocupar (e pelos sentidos e significados que foi construindo a partir desse lugar que

ocupa) O autor reforccedila ainda que o ldquoexcedente de minha visatildeordquo com relaccedilatildeo ao outro

instaura uma esfera particular da minha atividade isto eacute um conjunto de atos internos

ou externos que soacute posso preacute-formar a respeito desse outro e que o completam

justamente onde ele natildeo pode se completar (ibid p 44)

Neste processo dialoacutegico podemos perceber a efetivaccedilatildeo da empatia ldquover o

mundo atraveacutes dos valores do outrordquo notando coisas que soacute estatildeo no campo de visatildeo de

um dos interlocutores para depois retornar (atraveacutes da contemplaccedilatildeo) agrave posiccedilatildeo inicial

que permite elaborar o acabamento proacuteprio e o do outro pois de acordo com Bakhtin

ldquoo heroacutei natildeo faz seu acabamento proacutepriordquo (ibid p 202)

A posiccedilatildeo exotoacutepica do autor se define como aquela que lhe permite criar a obra

sendo firmada por seu distanciamento dela o que lhe permite ter uma visatildeo global do

enunciado da enunciaccedilatildeo O autor situa-se assim numa fronteira entre o mundo

concreto e o discurso que cria Nas palavras de Bakhtin (1987 p 43)

Por mais perto de mim que possa estar esse outro sempre verei e

saberei algo que ele proacuteprio na posiccedilatildeo que ocupa e que o situa fora

de mim e agrave minha frente natildeo pode ver () toda uma seacuterie de objetos

e de relaccedilotildees que em funccedilatildeo da respectiva relaccedilatildeo em que podemos

situar-nos satildeo acessiacuteveis a mim e inacessiacuteveis a ele

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 45

ILKA SCHAPPER SANTOS

Amorim (2004 p 96) corrobora com este entendimento quando explicita que

somente aquele que estaacute de fora pode dar uma imagem acabada de mim pois ldquonatildeo

posso me ver como totalidade natildeo posso ter uma visatildeo completa de mim mesmo e

somente um outro pode construir o todo que me definerdquo Nesse sentido eacute importante

esclarecer que a ideia de acabamento natildeo estaacute associada agrave perspectiva de

aprisionamento mas assume uma leitura de ato generoso posiccedilatildeo que permite ver e

compreender a partir de uma dimensatildeo ativo-responsiva Assim para a autora a

categoria teoacuterico-metodoloacutegica exotopia tece uma relaccedilatildeo de tensatildeo entre pelo menos

dois lugares o sujeito que na vida que se vive (no dizer de Karl Marx) olha de onde

vive ldquoe daquele que estando de fora da experiecircncia do primeiro tenta mostrar o que

vecirc do olhar do outrordquo (ibid 101)

Pensemos agora na categoria cronotopia A palavra cronotopia em sua

etimologia sintetiza as dimensotildees indissociaacuteveis do tempo e do espaccedilo Neste trabalho

essas dimensotildees tomam o sentido dado por Bakhtin (1987) de um lado para expressar a

grande temporalidade demarcada em um tempo histoacuterico estendido pois mostra a

instacircncia do movimento no campo das transformaccedilotildees e dos acontecimentos De outro

o espaccedilo que possibilita escreverinscrever as marcas dessa grande temporalidade O

conceito de cronotopo designa portanto uma produccedilatildeo da histoacuteria diz de um loacutecus

coletivo ldquoespeacutecie de matriz espaccedilo-temporal de onde as vaacuterias histoacuterias se contam e se

escrevemrdquo (Amorim 2004 p105) Ou seja

No cronotopo artiacutestico-literaacuterio ocorre a fusatildeo dos indiacutecios espaciais e

temporais num todo compreensivo e concreto Aqui o tempo

condensa-se comprime-se torna-se artisticamente visiacutevel o proacuteprio

espaccedilo intensifica-se penetra no movimento do tempo do enredo e da

histoacuteria Os iacutendices do tempo transparecem no espaccedilo e o espaccedilo

reveste-se de sentido e eacute medido com o tempo (Bakhtin 1983 p 211)

Mas de que maneira os conceitos de exotopia e cronotopia auxiliam na

compreensatildeo do movimento da Cadeia Criativa Revisitando a definiccedilatildeo dada por

Liberali (2009) encontro importantes interseccedilotildees entre a ideia de produccedilatildeo

compartilhada de conhecimento e a de construccedilatildeo de significados que possibilitam

novos sentidos atribuiacutedos em outras atividades pelos participantes da CC Em siacutentese

cria-se uma loacutegica que traduz um fluxo dialoacutegico entre as atividades que se instituem

em diferentes tempos e espaccedilos Haacute um duplo movimento no intervalo das atividades

pesquisadores e participantes da pesquisa em posiccedilatildeo extraposta podem enxergar

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 46

ILKA SCHAPPER SANTOS

elementos que ateacute entatildeo sua implicaccedilatildeo direta na atividade natildeo lhes permitia perceber

ao passo que quando retornam em uma nova atividade por terem se distanciado da

situaccedilatildeo anterior podem usufruir da reflexatildeo feita a partir da posiccedilatildeo exotoacutepica

No GP EFoPI esse processo exotoacutepico ocorreu entre os pesquisadores e entre os

educadores sociais e coordenadores das creches A crenccedila na perspectiva exotoacutepica fez

com que os pesquisadores e participantes tomassem um distanciamento de seu trabalho

rotinizado e pudessem refletir sobre o cotidiano das creches em especial sobre os

momentos destinados agrave brincadeira O olhar exotoacutepico dos pesquisadores e participantes

da pesquisa (educadores sociais e coordenadores) lhes possibilitou dialogar com o outro

no campo argumentativo circunscrito agraves atividades propostas expressando a diferenccedila e

a tensatildeo existente entre dois (ou mais) olhares entre dois (ou mais) pontos de vista

Uma atitude dialoacutegica nas sessotildees reflexivas e no curso de extensatildeo auxiliou na

compreensatildeo dos enunciados tecidos no interior dos diferentes discursos No caso da

pesquisa em questatildeo houve uma tentativa de captar o olhar do outro de buscar uma

compreensatildeo ativa do modo como veem para que as intervenccedilotildees e modos de

aproximaccedilatildeo e diaacutelogo com o grupo permitissem aos participantes da pesquisa (e aos

proacuteprios pesquisadores) um movimento de compartilhamento de sentidos e de

significados

Nesse lugar coletivo os cronotopos constituem-se como elos da cadeia criativa

materializando-se nas atividades que se configuram como instacircncias discursivas em que

o tempoespaccedilo eacute demarcado historicamente pelos sujeitos participantes da interaccedilatildeo

verbal Isso significa dizer que cada atividade neste trabalho de tese eacute percebida a

partir de um determinado tempo entre atividades da Cadeia Criativa (cada atividade um

cronotopo) espaccedilo que se inscreve na temporalidade do movimento de transformaccedilatildeo

dos sentidos e dos sujeitos

114 ndash A Cadeia Criativa sob a eacutegide da totalidade spinozana

A filosofia de Baruch de Spinoza tem tido vaacuterias interpretaccedilotildees No campo da

academia haacute controveacutersias e convergecircncias quando agraves suas formulaccedilotildees teoacutericas Muitos

o classificam como filoacutesofo racionalista por conta da sua tese de que ldquoa verdadeira

sabedoria soacute pode ser alcanccedilada com uma criacutetica racional das noccedilotildees que se

apresentam como evidentes ou reveladasrdquo (Marccedilon 2009 p 25) outros o consideraram

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 47

ILKA SCHAPPER SANTOS

como um materialista ortodoxo Mas concordo com Pierre Macherey (1979) quando

aponta que os construtos teoacutericos de Spinoza possibilitam eles proacuteprios uma filosofia

da imanecircncia Para aleacutem da imanecircncia uma filosofia da totalidade

Considero que a obra spinozana atravessa a grande temporalidade histoacuterico-

cultural que pode ser observada nas batalhas (ideo)loacutegicas do livro sobre Eacutetica a partir

das (re)construccedilotildees teoacutericas em torno da metafiacutesica medieval no confronto agrave

perspectiva dualista e linear cartesiana das relaccedilotildees entre corpomente na filosofia da

totalidade na concepccedilatildeo de imaginaccedilatildeo como regime de signos que expressam as

paixotildees coletivas na tentativa de mostrar quais satildeo nossos afetos como afetamos e

somos afetados na defesa da liberdade de pensamento O autor holandecircs traz na sua

obra provocaccedilotildees instigantes para pensar os valores e crenccedilas da sociedade circunscrita

na sua eacutepoca e tambeacutem por conta de um confronto transtemporal na sociedade

contemporacircnea

Para Spinoza (na primeira parte do tratado sobre Eacutetica) os seres humanos

constituem parte dos modos12

da substacircncia O que significa para o humano constituir-

se parte da substacircncia O autor explica que substacircncia eacute aquilo que existe em si mesmo

e por si mesmo eacute concebido dito de outro modo aquilo cuja conceituaccedilatildeo natildeo exige a

conceituaccedilatildeo de outra coisa do qual deva ser formado (Spinoza 16772005 I III p

62) A substacircncia possui assim autossuficiecircncia loacutegico-conceitual mas haacute no interior

dela uma derivaccedilatildeo que o teoacuterico chamou de modos isto eacute os elementos dependentes

finitos e suscetiacuteveis agraves causas externas

Segundo o autor holandecircs o ser humano integraria modos da substacircncia no

monismo entre corpo e mente Mas se a substacircncia eacute o uno infinito e ilimitado da

existecircncia eacute causa de si e expressa a totalidade como pode comportar na sua gecircnese a

relaccedilatildeo entre corpo e mente A resposta de Spinoza eacute que apesar de haver apenas uma

substacircncia uma soacute natureza eacute ldquoconstituiacuteda por uma infinidade de atributos13

que

expressam de formas distintas sua uacutenica essecircncia eterna e infinitardquo (Marccedilon 2009 p

38)

12 A substacircncia para Spinoza eacute constituiacuteda de infinitos modos mas os modos em si natildeo satildeo infinitos O

modo natildeo possui infinitos atributos mas o ser humano percebe atraveacutes dos modos os mesmo atributos

que vecirc na substacircncia Assim atraveacutes dos modos o ser humano identifica os atributos de pensamento e

extensatildeo (I Definiccedilatildeo V II Proposiccedilatildeo XIII) 13

Para Spinoza um atributo eacute um modo de se ver a substacircncia

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 48

ILKA SCHAPPER SANTOS

Respondendo a questatildeo do paraacutegrafo anterior de outro modo pode-se afirmar

que a substacircncia possui infinitos atributos Ou seja a substacircncia tem infinitas

possibilidades de ser vista sendo essas possibilidades concebidas como fundadas agrave sua

essecircncia (Spinoza 16772005 Proposiccedilotildees X e XI) Apesar de possuir infinitos

atributos e dessa maneira possuir infinitos modos de ser visto o ser humano soacute tem

capacidade de identificar dois desses atributos o pensamento e a extensatildeo

Com respeito ao binocircmio corpomente como modos da substacircncia natildeo tecircm uma

relaccedilatildeo hieraacuterquica natildeo haacute supremacia de um sobre o outro isso porque corpo e mente

constituem uma mesma coisa em um soacute Haacute nesse binocircmio uma correspondecircncia que

Spinoza intitulou de paralelismo14

o que o atributo extensatildeo (os corpos como modos

finitos da extensatildeo) realiza o atributo pensamento compreende (Spinoza 16772005

III II p 199) Extensatildeo e pensamento satildeo indissociaacuteveis e imbricados pois formam

uma totalidade satildeo o verso e o reverso de uma mesma e uacutenica substacircncia multifacetada

Eacute no interior da siacutentese desse paralelismo entre corpo-mente (ideia do corpo) que temos

a gecircnese da explicaccedilatildeo do monismo spinozano

Segundo Marilena Chauiacute (1999) o pensamento de Spinoza inova natildeo apenas

pelo fato de compreender o ser humano como instacircncia dos modos finitos da substacircncia

que nele se expressa mas tambeacutem por trazer para o debate a concepccedilatildeo do modo finito

impresso no humano que carrega as marcas da imanecircncia infinita da substacircncia

Podemos inferir que os seres humanos constituem-se parte da substacircncia em

seus modos dependentes finitos e sujeitos a causas externas Por conta dessa finitude

sua liberdade eacute parcial e por mais que tenha o livre arbiacutetrio ldquonunca chega a ser

totalidade livre na ordem do universordquo (Fuga 2009 p 51) Isso porque o modo

manteacutem relaccedilotildees com o que eacute externo a ele que configura outro modo A (inter-)relaccedilatildeo

dos modos eacute nomeada por Spinoza (16772005 II Proposiccedilotildees XIII p 143) de

ldquoafecccedilatildeordquo Assim um modo ldquoafectardquo e eacute ldquoafectadordquo por outro modo natildeo podendo pela

vontade evitar a ldquoafecccedilatildeordquo Nessa (inter-)relaccedilatildeo pode ocorrer um aumento ou uma

diminuiccedilatildeo do poder de expressatildeo da potecircncia do agir ou do seu conatus que

etimologicamente significa ldquoesforccedilordquo em latim

14 Para Spinoza a tese do paralelismo entre corpomente diz de uma espeacutecie de correspondecircncia ou

isonomia entre os dois modos ou atributos ldquoum modo da extensatildeo e a ideia desse modo satildeo uma soacute e

mesma coisa que se exprime entretanto de duas maneirasrdquo (II Proposiccedilatildeo VII Escoacutelio 2005 p 136)

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 49

ILKA SCHAPPER SANTOS

Segundo Deleuze (2002 p 62-63) para Spinoza o conhecimento natildeo eacute a

operaccedilatildeo de um sujeito mas a afirmaccedilatildeo de uma ideia Ele se constitui como modos da

existecircncia porque no movimento de conhecer prolonga-se nos tipos de consciecircncia e

de afetos que lhe correspondem de modo que todo poder de ser afetado seja preenchido

(ibid p 64) O conhecimento verdadeiro eacute aquele que expressa uma essecircncia singular

Para ele haacute trecircs gecircneros de conhecimentos a) o primeiro gecircnero foi nomeado pelo autor

por ideias inadequadas que exprimem as condiccedilotildees naturais de nossa existecircncia

enquanto natildeo temos as noccedilotildees comuns nem as ideias adequadas As ideias

inadequadas se definem por signos indicativos e signos imperativos Estes como sendo

os signos que envolvem o conhecimento inadequado das leis e aqueles signos que

envolvem o conhecimento inadequado das coisas b) o segundo gecircnero do

conhecimento satildeo as noccedilotildees comuns que satildeo as ideias que podem ser aplicadas a

diversas essecircncias singulares mas que natildeo conseguem expressar adequadamente

nenhuma dessas ideias c) o terceiro gecircnero tratado pelo autor foi intitulado de ideias

adequadas que expressam conhecimento verdadeiro pois possibilitam conhecer a

essecircncia singular como ela eacute

A relaccedilatildeo de conveniecircncia ou composiccedilatildeo entre os seres (Spinoza 16772005

II Lema II) permite pensar a relaccedilatildeo entre os trecircs gecircneros do pensamento as ideias

inadequadas podem se transformar em noccedilotildees comuns deixando de ser ldquoideias

confusas ou vagasrdquo para compor algo que eacute o mesmo tanto nas partes quanto no todo

mas natildeo idecircnticas nas partes Por sua vez as noccedilotildees comuns por trazerem partes da

totalidade se aproximam mais do terceiro gecircnero as ideias adequadas Eacute a concepccedilatildeo

de totalidade que nos faz passar do segundo para o terceiro gecircnero pois estaacute de certa

forma vinculada agraves noccedilotildees comuns ldquoo que eacute comum a todas as coisas e se acha

igualmente na parte e no todo natildeo pode ser concebido senatildeo adequadamenterdquo

(Spinoza 16772005 p 171) por conta de agregar mais partes da substacircncia a noccedilatildeo

comum nos possibilita sob esse aspecto passar para as ideias adequadas que

exprimem a essecircncia da natureza

Segundo Deleuze no interregno entre o primeiro e o segundo gecircnero existe uma

relaccedilatildeo ocasional que viabiliza o salto de um para outro O autor explica que

Por um lado quando encontramos corpos que convecircm com o nosso

ainda natildeo temos a ideia adequada desses outros corpos nem de noacutes

mesmos mas sentimos paixotildees alegres (aumento de nossa potecircncia de

agir) que pertencem ainda ao primeiro gecircnero mas nos induzem a

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 50

ILKA SCHAPPER SANTOS

formar a ideia adequada do que eacute comum entre tais corpos e o nosso

Por outro lado a noccedilatildeo comum em si mesma estabelece harmonias

complexas com as imagens confusas do primeiro gecircnero e apoia-se em

certas caracteriacutesticas da imaginaccedilatildeo (Deleuze 2002 p 55)

Isso pode ser sintetizado no que Spinoza chamou de relaccedilatildeo de conveniecircncia ou

composiccedilatildeo entre os seres Nessa relaccedilatildeo o ser humano pode aumentar ou diminuir seu

conatus expresso na sua potecircncia de agir Para Spinoza o conatus eacute uma potecircncia de um

modo finito natural de autoconservaccedilatildeo que se manifesta no nosso esforccedilo para

preservar a existecircncia Isso natildeo significa uma preservaccedilatildeo estaacutetica ou inerte ao

contraacuterio ldquoesse esforccedilo requer uma dinacircmica que evolui por meio dos encontros com

outros modos ao longo de toda existecircnciardquo (Fuga 2009 p 51)

O conatus natildeo eacute caracteriacutestica exclusiva do ser humano Todos os seres possuem

conatus inclusive os seres do reino mineral que tendem involuntariamente a preservar

na existecircncia pois como modo da substacircncia eacute determinado a existir por um tempo

indefinido No entanto um ser do reino mineral ldquonatildeo tem a ideia da ideia de seu corpordquo

(Spinoza 16772005 III VIII demonstraccedilatildeo p 206) posto que natildeo tem consciecircncia de

si A manifestaccedilatildeo de um diferente conatus depende do grau de complexidade de seu

corpo No caso do ser humano devido a seu elevado grau de complexidade aleacutem da

constante busca em se preservar na existecircncia procura uma autoexpansatildeo na (inter-)

relaccedilatildeo com outros seres podendo aumentar ou diminuir sua potecircncia de agir

Para Spinoza ao encontrar um outro corpo que lhe conveacutem o ser humano pode

experimentar sentimentos de alegria ou de tristeza No primeiro sentimento haacute o

aumento do conatus e no segundo uma diminuiccedilatildeo da potecircncia do agir Nesse

movimento de interaccedilatildeo entre corpos ou de composiccedilotildees nas palavras de Spinoza os

seres humanos vatildeo se constituindo afetando e sendo afetados As composiccedilotildees e

decomposiccedilotildees de corpos quando estatildeo sob a eacutegide da alegria possibilitam que o ser

humano se aproxime das ideias adequadas Assim a atividade de nossa mente

corresponde agraves alteraccedilotildees que decorrem do contato do nosso corpo com outros corpos

nessa relaccedilatildeo com outros corpos distintos pensamentos ou conhecimentos satildeo gerados

Dependendo do grau de composiccedilatildeo esses pensamentos ou conhecimentos se fundam

ora nas ideias inadequadas ora nas noccedilotildees comuns ora nas ideias adequadas

Quais as relaccedilotildees entre esses construtos teoacutericos spinozanos tratados acima

com a CC

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 51

ILKA SCHAPPER SANTOS

Como vimos o ser humano eacute parte da substacircncia que conteacutem a totalidade e

sendo finito e parcialmente livre tem tambeacutem possibilidade parcial de criar ideias

adequadas que propiciam a liberdade Assim por conta dessa finitude o humano

observa as coisas de forma inadequada No entanto quando em contato com outros

seres humanos em um fluxo de composiccedilatildeo as ideias inadequadas e as noccedilotildees comuns

de cada sujeito satildeo confrontadas gerando tensotildees e conflitos que desestabilizam as

dicotomias e ideias simplistas que satildeo elementos da inadequaccedilatildeo do conhecimento

Nesse movimento de compartilhamento de pensamentos e conhecimentos de ideias

inadequadas os sujeitos podem criar novas ideias ainda parciais e insuficientes mas

muito mais proacuteximas das noccedilotildees comuns dos aspectos infinitos e adequados dos modos

da substacircncia que conteacutem elementos da totalidade (Liberali 2009)

O entendimento do processo de composiccedilatildeo entre os corpos para formar uma

noccedilatildeo comum e se aproximar das ideias adequadas eacute fundamental para a compreensatildeo

da produccedilatildeo de conhecimento no caso desta tese a produccedilatildeo de conhecimento do GP

EFoPI Essa interaccedilatildeo entre os participantes do grupo pode gerar um aumento na

potecircncia do agir (o conatus) de cada participante bem como no conatus do grupo e

possibilitar a todos estarem parcialmente nas partes e completamente no todo se

aproximando cada vez mais da substacircncia Isso porque ldquose dois indiviacuteduos se aliam um

ao outro formam um indiviacuteduo duas vezes mais poderoso do que cada um deles tomado

separadamenterdquo (Spinoza 16772005 IV XVIII escoacutelio p 303) Assim nesse fluxo

interacional os participantes ldquoimprimem por assim dizer certos vestiacutegiosrdquo (Spinoza

Postulado V p 151) nos sujeitos afetados melhor dizendo que afetam e satildeo afetados

Esses vestiacutegios marcam a gecircnese da transformaccedilatildeo do pensamento e do conhecimento

dos membros do GP EFoPI e dos participantes desta pesquisa

Esse movimento da busca de produccedilatildeo de ideias adequadas no interior da CC

encontra eco quando refletimos sobre o compartilhamento de sentidos e a produccedilatildeo de

significados na perspectiva soacutecio-histoacuterico-cultural Em especial nas construccedilotildees

teoacutericas de Bakhtin e seu ciacuterculo e nas de Vygotsky que foram tecidas neste capiacutetulo da

tese As obras de ambos os autores trazem na sua gecircnese uma visatildeo de totalidade

muito proacutexima agrave presente nas discussotildees do monismo spinozano que nos auxilia a

refletir sobre a indissociabilidade entre znacheniesmysl corpomente ideias

adequadasideias inadequadas aprendizadodesenvolvimento internoexterno

teoriapraacuteticas sociais entre outros

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 52

ILKA SCHAPPER SANTOS

No proacuteximo toacutepico discorrerei sobre aspectos importantes no movimento da

ldquovelhardquo e da ldquonovardquo retoacuterica para fundamentar a discussatildeo sobre a argumentaccedilatildeo no

interior deste trabalho de tese

115 ndash Breve retomada da ldquovelhardquo e da ldquonovardquo retoacuterica um encontro com a

argumentaccedilatildeo na cadeia criativa

Considerando ser o foco desta investigaccedilatildeo a argumentaccedilatildeo desenvolvida entre

pesquisadores e educadores participantes do GP EFoPI sobre a brincadeira esta seccedilatildeo

pretende tecer uma discussatildeo sobre o argumentar movimento considerado nesta tese

como elemento dialoacutegico manifesto nas accedilotildees de linguagem no fluxo da Cadeia

Criativa

Desde a antiguidade claacutessica a argumentaccedilatildeo tem se constituiacutedo como objeto de

estudo de pensadores e teoacutericos fato expresso nos estudos sobre a retoacuterica Assim

apresento uma breve siacutentese dos construtos sobre a argumentaccedilatildeo tendo como eixo A

Arte Retoacuterica de Aristoacuteteles (350 aC 2005) e o estudo da Nova Retoacuterica de Perelman

amp Olbrechts-Tyteca (19702005) este uacuteltimo resultante da releitura da tradiccedilatildeo claacutessica

Os estudos sobre argumentaccedilatildeo tecircm suas raiacutezes na arte retoacuterica Eacute consenso que

esta eacute a arte de argumentar e no interior disso a argumentaccedilatildeo estaacute sob a eacutegide da arte

de persuadir e de convencer No dicionaacuterio Houaiss da Liacutengua Portuguesa os verbetes

persuadir e convencer tecircm proximidades semacircnticas Aquele eacute definido como ldquolevar ou

convencer (algueacutem ou a si mesmo) a acreditar ou convencer (-se)rdquo (Houaiss 2001 p

2197) e este como ldquopersuadir (algueacutem ou a si mesmo) a aceitar uma ideia ou admitir

um fato por meio de razotildees ou argumentos bem fundadosrdquo (ibid p 826) No entanto

as sutilezas semacircnticas mostram que persuadir estaacute mais relacionado ao campo do

sentimento da emoccedilatildeo enquanto o convencer transita no terreno das ideias sob o signo

da razatildeo pois postula que o convencimento se daacute por meio de razotildees ou argumentos

bem fundados Esses dois verbetes satildeo indissociaacuteveis na praacutetica argumentativa

Segundo Abreu (1999 p 25) ldquoconvencer eacute construir algo no campo das ideiasrdquo

e ldquopersuadir eacute construir no terreno das emoccedilotildees eacute sensibilizar o outro para o agirrdquo A

capacidade de argumentar em uma perspectiva monista seria o verso e o reverso dessas

duas construccedilotildees Reboul (2004) explica que a retoacuterica eacute a ldquoa arte de persuadir pelo

discursordquo Para o autor persuadir eacute levar algueacutem a crer em algo no campo da discussatildeo

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 53

ILKA SCHAPPER SANTOS

Entretanto refuta a tese que distingue convencer e persuadir por consideraacute-la

ldquoexcessivamente dualistardquo ao dicotomizar crenccedila e inteligecircncia razatildeo e emoccedilatildeo

Essa mesma discussatildeo eacute apresentada por Koch (19922004) que discorre sobre o

ato de convencer e persuadir Para a autora este tem como foco os sentimentos dos

interlocutores o auditoacuterio particular e os argumentos pautados no verossiacutemil Jaacute aquele

estaacute direcionado ao auditoacuterio universal sob o eixo da razatildeo

A argumentaccedilatildeo estaacute relacionada ao conjunto das accedilotildees humanas cuja finalidade

eacute a adesatildeo do outro ora na adoccedilatildeo de um comportamento ora na adoccedilatildeo de um ponto

de vista Isso pode ocorrer em uma audiecircncia formada por um uacutenico sujeito (auditoacuterio

interno) ou em uma audiecircncia coletiva mais ampla (auditoacuterio universal) O ato de

argumentar fundado nas accedilotildees humanas estaacute imbricado agraves accedilotildees semiotizadas pela

linguagem em situaccedilatildeo de interaccedilatildeo verbal e extraverbal que procura a

indissociabilidade entre o convencer e o persuadir como jaacute disse Desde que ldquoa espeacutecie

humana se distingue da primata por sua capacidade de construir cultura como agente

mental e intencional e por utilizar intencionalmente e intersubjetivamente instrumentos

semioacuteticos para interagir com o outro atribui agrave linguagem um caraacuteter argumentativordquo

(Santos 2006 p 85) Isto implica afirmar que desde muito cedo o ser humano domina

mesmo que de maneira assistemaacutetica e espontacircnea modos e maneiras de argumentar

Eacute precisamente na antiguidade claacutessica grega que nasce um saber estruturado e

sistematizado sobre a argumentaccedilatildeo esse modo de agir sobre o outro fundado napela

linguagem cuja intencionalidade eacute convencer-persuadir manipular pontos de vista

consciecircncia-espiacuterito sob a eacutegide da arte denominada retoacuterica

A argumentaccedilatildeo desde sua origem tem tido diferentes acepccedilotildees o que nos

remete a uma bifurcaccedilatildeo ora ligada aacute retoacuterica ora relacionada agrave loacutegica Compreender

sua significaccedilatildeo na contemporaneidade requer iniciar o diaacutelogo com o pensamento

aristoteacutelico que constitui um marco nos estudos sobre raciocinar a partir de um campo

argumentativo

Para discutir a argumentaccedilatildeo e suas relaccedilotildees com a antiga retoacuterica neste

trabalho tratarei de algumas definiccedilotildees Apesar de ser a definiccedilatildeo de retoacuterica de

Quintiliano (ldquoarte de falar bemrdquo) do seacutec I da nossa era que atravessou tempos e

espaccedilos e a que ficou mais conhecida eacute importante destacar que a gecircnese da

conceituaccedilatildeo aristoteacutelica (seacutec IV aC) na obra Arte Retoacuterica como ldquoa faculdade de ver

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 54

ILKA SCHAPPER SANTOS

teoricamente o que em cada caso pode ser capaz de gerar a persuasatildeordquo (I 1355 apud

Pistori 2009 p 25) eacute a base epistemoloacutegica para todas as discussotildees posteriores

A questatildeo fundamental do corpus epistemoloacutegico aristoteacutelico na Retoacuterica estaacute

posta nos conhecimentos passiacuteveis de serem provados as crenccedilas e opiniotildees que se

estruturam no confronto das ideias tendo como origem os pontos controversos uma vez

que ldquodeliberamos sobre as questotildees suscetiacuteveis de comportar duas soluccedilotildees opostasrdquo

(ibid)

O texto A Retoacuterica de Aristoacuteteles (350 aC2005) eacute composto por trecircs livros No

livro I o autor discorre sobre os trecircs gecircneros retoacutericos (a) o deliberativo que tem como

eixo discursivo a persuasatildeo e a dissuasatildeo (b) o judiciaacuterio que tem como objetivo

defender ou acusar o epidiacutectico que se funda no elogio ou na censura Ainda neste

primeiro livro o teoacuterico apresenta argumentos na defesa da utilidade da retoacuterica e tece

uma anaacutelise da natureza da prova retoacuterica intitulada de entimema uma espeacutecie de

silogismo derivado No Livro II Aristoacuteteles faz uma anaacutelise de dois elementos inter-

relacionados no campo retoacuterico o plano emocional e a recepccedilatildeo do discurso retoacuterico

Para isso destaca sentimentos que se manifestam no entremeio da argumentaccedilatildeo tais

como ira amizade confianccedila vergonha e seus contraacuterios Tambeacutem apresenta as formas

em que se materializa a argumentaccedilatildeo em especial os toacutepicos argumentativos o uso de

maacuteximas e de entimemas Por fim no livro III satildeo analisados o estilo e a composiccedilatildeo

do discurso retoacuterico No movimento explicativo desses dois pontos traz para a cena da

discussatildeo elementos como clareza correccedilatildeo gramatical e ritmo o uso de metaacuteforas e as

partes imprescindiacuteveis a um discurso (Aristoacuteteles 350 aC 2005 p 22) Nas

discussotildees que datildeo corpo a essa obra Aristoacuteteles promulga as bases da retoacuterica

ocidental Bases que assumidamente se sustentam ao longo dos seacuteculos pois no campo

da evoluccedilatildeo retoacuterica o que se acrescentou representa muito mais um aperfeiccediloamento

sobre a temaacutetica do que construccedilotildees que rompam com o campo epistemoloacutegico

aristoteacutelico

Na tradiccedilatildeo aristoteacutelica a retoacuterica visa agrave descoberta e escolha dos meios que

possam levar um determinado auditoacuterio agrave persuasatildeo Segundo o filoacutesofo satildeo

necessaacuterios trecircs tipos de provas teacutecnicas o ethos que estaacute ligado agrave moral do orador e eacute

concebido como a imagem que este projeta de si atraveacutes de sua maneira de falar com o

intuito de conquistar a confianccedila de seu puacuteblico assegurando e tornando criacutevel o seu

discurso o pathos visto como o modo de recepccedilatildeo do discurso ou seja os sentimentos

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 55

ILKA SCHAPPER SANTOS

que o auditoacuterio experimenta ao ser confrontado com o que eacute dito podendo ter adesatildeo ou

natildeo agrave tese e finalmente o logos entendido como o proacuteprio discurso ou seja as

escolhas linguiacutesticas e estiliacutesticas que contribuem para dar credibilidade ao discurso

tendo como base o raciociacutenio Eacute no interior desses elementos da retoacuterica que se tece um

viacutenculo intersubjetivo entre orador e audiecircncia e que vai determinar a forccedila persuasiva

dos argumentos

Nos estudos mais recentes dois aspectos relacionados agrave argumentaccedilatildeo satildeo

destacados (1) a intenccedilatildeo persuasiva do orador materializada em uma fala convincente

que possibilita mudanccedila de atitude na audiecircncia e (2) a organizaccedilatildeo estrutural do

discurso O primeiro aspecto estaacute relacionado agraves estrateacutegias discursivas de

convencimento utilizadas pelo orador e retomadas por Perelman amp Olbrechts-Tyteca

(19702005) na releitura criacutetica que fizeram da Arte Retoacuterica de Aristoacuteteles (350 aC

2005) Jaacute o segundo aspecto diz respeito agrave infraestrutura textual da argumentaccedilatildeo

retomada por Toulmin (1974)

No entremeio desses dois elementos constitutivos da argumentaccedilatildeo satildeo tecidos

dois modos baacutesicos de raciociacutenio que estruturam o argumentar (1) o que ficou

conhecido como silogismo ndash demonstraccedilatildeo analiacutetica que se refere agrave demonstraccedilatildeo

pautada em proposiccedilotildees evidentes (provas vaacutelidas decorrentes de premissas universais)

fundadas na loacutegica formal e (2) a argumentaccedilatildeo dialeacutetica que se manifesta a partir de

argumentos com base em enunciados possiacuteveis no campo de conclusotildees verossiacutemeis

(Aristoacuteteles 350 aC 2005)

Neste trabalho de tese privilegiarei o segundo modo de raciociacutenio para o

argumentar qual seja a argumentaccedilatildeo dialeacutetica que tem sua gecircnese no pensamento

aristoteacutelico e na contemporaneidade foi retomado de forma criacutetica por Perelman e

Olbrechts-Tyteca (19702005)

O movimento da argumentaccedilatildeo dialeacutetica funda-se em enunciados provaacuteveis dos

quais se pode chegar a conclusotildees apenas verossiacutemeis natildeo tendo o estatuto de verdade

absoluta mas que promovem diversos modos de raciocinar

A dialeacutetica de Aristoacuteteles constitui-se em um jogo cujo objetivo eacute vencer mas

sem burlar as regras inerentes agrave loacutegica Na maioria das vezes esse jogo tem o fim em si

mesmo Eacute estruturado por silogismo demonstrativo que parte das premissas evidentes e

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 56

ILKA SCHAPPER SANTOS

por silogismo dialeacutetico que se funda nas premissas provaacuteveis (aquilo que pode ser

verdadeiro)15

Eacute importante dizer que a argumentaccedilatildeo dialeacutetica de Aristoacuteteles ao longo dos

seacuteculos foi perdendo espaccedilo na comunidade dos filoacutesofos para a demonstraccedilatildeo

analiacutetica Isso por conta da rigidez do racionalismo e do cristianismo sendo percebida

como uma forma menos confiaacutevel por estar sob a eacutegide do verossiacutemil e natildeo do estatuto

de verdade Esse momento da histoacuteria corresponde ao Renascimento

Opondo-se a essa visatildeo vejo que a arquitetura aristoteacutelica da retoacuterica traz

importantes elementos para pensarmos a argumentaccedilatildeo Na sua obra magna o pensador

da antiguidade claacutessica afirma que todo ser humano resguardadas as limitaccedilotildees de cada

um eacute capaz de argumentar porque no interior de sua interlocuccedilatildeo no mundo se propotildee

a partir de uma tese defender ou refutar algo Dito de outro modo a retoacuterica se constitui

como elemento fundante da competecircncia argumentativa dos sujeitos Eacute na praacutetica

discursiva que persuadimos convencemos sempre que buscamos demonstrar o

verossiacutemil

Pautados nas noccedilotildees de Aristoacuteteles podemos provar o verossiacutemil atraveacutes dos trecircs

elementos constituintes do movimento discursivo de que tratei anteriormente ethos

pathos e logos Esses trecircs elementos estatildeo presentes nos trecircs gecircneros retoacutericos da

argumentaccedilatildeo o retoacuterico judiciaacuterio o retoacuterico deliberativo e o retoacuterico epidiacutectico A

determinaccedilatildeo desses gecircneros ou tipos demarca o protagonismo do papel do orador na

construccedilatildeo retoacuterica de seu discurso ldquoagrave medida que eacute capaz de se orientar pela

accedilatildeoreaccedilatildeo da audiecircncia quer seja em termos de cooperaccedilatildeo quer seja em termos de

conflitordquo (Santos 2006 p 88)

A seguir apresento de forma sintetizada os gecircneros retoacutericos do discurso16

tal

como foram elaborados por Aristoacuteteles e sistematizados no trabalho de Santos (ibid p

88-90)

A gecircnese da retoacuterica deliberativa encontra-se na assembleia democraacutetica tem

por objetivo apresentar projeccedilotildees de futuro para que a audiecircncia aprecie e avalie os

15 Reboul (2004 p 28) define silogismo como ldquodiscurso argumentativo baseado na causa contendo trecircs

proposiccedilotildees sendo duas premissas e a conclusatildeordquo 16

Eacute importante esclarecer que o gecircnero do discurso em Aristoacuteteles difere da discussatildeo de gecircneros de

Bakhtin Para este uacuteltimo grosso modo os gecircneros do discurso constituem-se como tipos de enunciados

relativamente estaacuteveis que estatildeo intrinsecamente relacionados a contextos tiacutepicos da comunicaccedilatildeo social

em situaccedilotildees sociais de interaccedilatildeo no interior de uma determinada comunidade semioacutetica

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 57

ILKA SCHAPPER SANTOS

possiacuteveis desdobramentos de uma tomada de decisatildeo tendo como referente a promoccedilatildeo

de lucros ou prejuiacutezos para a partir daiacute posicionar-se frente aos argumentos O uso de

argumentos de exemplo eacute a principal estrateacutegia argumentativa em que se pauta o orador

Isso porque eacute este argumento que facilita o raciociacutenio indutivo em especial quando se

trata de grandes audiecircncias

A retoacuterica judiciaacuteria pauta-se na existecircncia de uma questatildeo polecircmica em

evidecircncia e teses que se contrapotildeem A estrutura desse gecircnero estaacute sob a eacutegide das

dicotomias justoinjusto aceitaccedilatildeotransgressatildeo de normas e leis posto que tem como

auditoacuterio o tribunal que ora acusa (acusaccedilatildeo) ora defende (defesa) Assim ldquoprovar a

adequaccedilatildeo e inadequaccedilatildeo normativa de uma accedilatildeo ocorrida eacute o tipo ideal de situaccedilatildeo

em que se potildee o modo judiciaacuteriordquo (Magalhatildees17

R F 2002 p 44) Cabe ao orador

com(provar) baseado em leis e regras compartilhadas com a audiecircncia a adequaccedilatildeo ou

inadequaccedilatildeo dos episoacutedios narrados ldquona medida em que reconstroacutei persuasivamente os

fatos do passado em rede causal e os apresenta agrave audiecircncia como juiacutezes das accedilotildees

cabe julgar os fatos conforme a cadeia que se pode deles inferirrdquo (Santos 2006 p 89)

Jaacute a retoacuterica epidiacutectica tem objetivos diferentes dos dois gecircneros citados

anteriormente natildeo busca travar combate entre adversaacuterios seja para aconselhar ou

deliberar o melhor para a audiecircncia ou advogar sobre o justo Este gecircnero tem a funccedilatildeo

de construir a esteacutetica do discurso Para isso sua linguagem se estrutura na eloquecircncia

procurando construir uma cena discursiva que exprima a trageacutedia a comeacutedia o destaque

a valores como o viacutecio e a virtude (ibid p 89) Magalhatildees R F (2002 p 45) explica

que ldquoo discurso epidiacutectico natildeo discute o objeto mas toma-o como dado e trata de

engrandececirc-lo ou denegri-lordquo o papel do auditoacuterio nesse contexto portanto eacute de

espectador aquele que aprecia e aplaude o discurso do orador como se fosse

apresentaccedilatildeo cecircnica ou uma obra de arte No quadro abaixo mostrarei a siacutentese desses

gecircneros retoacutericos do discurso

17 Quando me referir ao artigo ldquoA reconstruccedilatildeo da racionalidade no paradigma da linguagem a

contribuiccedilatildeo retoacutericardquo utilizarei Magalhatildees R F (2002) Nas demais citaccedilotildees de Magalhatildees estarei me

referindo agrave Profordf Drordf Maria Ceciacutelia Camargo de Magalhatildees

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 58

ILKA SCHAPPER SANTOS

Quadro 01- Os trecircs gecircneros do discurso na Retoacuterica com base em Rebul (200447)

Gecircneros do

Discurso

Auditoacuterio Situaccedilatildeo Tempo Ato Valor

es

Argument

o-tipo

Judiciaacuterio Juiacutezes Aceitaccedilatildeo ou

transgressatildeo de leis e

normas

Passado

(fatos

por

julgar)

Acusar

Defender

Justo

Injust

o

Etinema

(dedutivo)

Deliberativo Assembleia

democraacutetica

Consulta a lucros ou

prejuiacutezos

Futuro Aconselhar

Desaconselhar

Uacutetil

Nociv

o

Exemplo

(indutivo)

Epidiacutectico Espectador Exprimir a trageacutedia a

comeacutedia a exaltaccedilatildeo

a valores

Presente Louvar

Censurar

Nobre

vil

Ampliaccedilatildeo

Para Perelman e Olbrechts-Tyteca a ausecircncia de um juiacutezo de valor e de

intensidade da adesatildeo e a ecircnfase na esteacutetica do discurso caracteriacutesticas da retoacuterica

epidiacutectica acabaram por criar uma compreensatildeo equivocada sobre o loacutecus desse gecircnero

na retoacuterica persuasiva Em decorrecircncia disso historicamente ele foi mais ldquoenquadradordquo

agrave literatura do que agrave argumentaccedilatildeo ldquoa distinccedilatildeo dos gecircneros contribuiu para a

posterior desagregaccedilatildeo da retoacuterica pois os dois primeiros gecircneros (deliberativo e

judiciaacuterio) foram anexados pela filosofia e pela dialeacutetica tendo sido o terceiro (o

epidiacutectico) englobado na prosa literaacuteriardquo (Perelman e Olbrechts-Tyteca 19702005 p

54)

Magalhatildees R F (2002 p 43) discorre sobre a triacuteade claacutessica desses trecircs

gecircneros e propotildee ainda a discussatildeo do quarto gecircnero que aparece mais diluiacutedo na obra

de Aristoacuteteles (350 aC 2005) o analiacutetico A retoacuterica analiacutetica se presentifica no

universo do raciociacutenio loacutegico-cientiacutefico fundada na maneira de guiar e fundamentar os

argumentos cujo objetivo eacute explicar as razotildees de fenocircmeno O loacutecus desse gecircnero eacute o

da ciecircncia e assim como os espaccedilos de opiniatildeo de debate e de persuasatildeo ldquoexpressa um

tipo de retoacuterica que atende hoje agraves demandas de um mundo moderno no qual se

discutem e se explicam com relativo desembaraccedilo mesmo que atraveacutes de jargotildees mais

simplificados questotildees de natureza cientiacuteficardquo (Santos 2006 p 90)

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 59

ILKA SCHAPPER SANTOS

Apesar desta exposiccedilatildeo didaacutetica de cada gecircnero do discurso separadamente

quero registrar que natildeo os vejo como dissociados Pautada em Magalhatildees R F (2002)

defendo que haacute um entrelaccedilamento entre eles o que possibilita percebecirc-los imbricados

promovendo uma configuraccedilatildeo variada do debate retoacuterico Desse modo encontramos

na estrutura da retoacuterica judiciaacuteria elementos da retoacuterica deliberativa quanto agraves

consequecircncias de uma condenaccedilatildeo ou de uma absolviccedilatildeo o inverso tambeacutem eacute

verdadeiro Eacute tambeacutem possiacutevel perceber na retoacuterica deliberativa uma estrutura

discursiva que se pauta na reconstruccedilatildeo de narrativas caracteriacutesticas da retoacuterica

judiciaacuteria para validar as projeccedilotildees de futuro e promover as deliberaccedilotildees pretendidas

pela audiecircncia o que pode ser exemplificado com o gecircnero propaganda poliacutetica

Para se conseguir a adesatildeo do eleitor o candidato apresenta uma

relaccedilatildeo retrospectiva de realizaccedilotildees de sua vida puacuteblica para que

entatildeo o eleitor delibere por votar no candidato com base em

projeccedilotildees futuras de continuidade desses feitos e os possiacuteveis lucros

de sua vitoacuteria Do mesmo modo como observa o autor a fala sobre a

moralidade dificilmente pode ser alcanccedilada usando-se apenas os

silogismos ou a induccedilatildeo que caracterizam os modos deliberativo e

judiciaacuterio (Santos 2006 p 90)

A discussatildeo que teci dos gecircneros da argumentaccedilatildeo presentes desde a retoacuterica

claacutessica juntamente com a discussatildeo sobre sua estrutura variada no debate retoacuterico

servem de alicerce para os estudos modernos sobre argumentaccedilatildeo em dois importantes

aspectos (1) a consideraccedilatildeo do caraacuteter heterogecircneo dos gecircneros discursivos e de seus

diferentes modos e maneiras de realizaccedilatildeo na prerrogativa de atender intenccedilotildees

comunicativas diversas (2) a heranccedila claacutessica nos estudos modernos sobre a

argumentaccedilatildeo no que se refere agrave relevacircncia dada agrave estrutura e ao planejamento do

discurso argumentativo (ibid p 91) Este uacuteltimo aspecto eacute o que nos interessa neste

trabalho pois auxilia na reflexatildeo sobre o discurso argumentativo na arte retoacuterica e sua

influecircncia na contemporaneidade destacando trecircs aspectos importantes da composiccedilatildeo

verbal do discurso na arte retoacuterica da antiguidade grega quais sejam taxis heuresis e

lexis

A taxis (lat Dispositio) corresponde ao plano de organizaccedilatildeo do

discurso que pode ser alterado em curso agrave medida em que se atendam

as demandas comunicativas como a reaccedilatildeo da audiecircncia frente ao

exposto A taacutexis reconhece os seguintes componentes de uma

argumentaccedilatildeo conforme nos apresenta Nach (1989 p 6-9) heuresis

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 60

ILKA SCHAPPER SANTOS

(lat Inventio) que diz respeito agrave capacidade do orador de utilizar

dentro de seu repertoacuterio de conhecimentos aquele(s) necessaacuterios(s) agrave

introduccedilatildeo ou ao desenvolvimento do assunto e que funciona(m)

como ferramenta(s) oratoacuteria(s) para a abordagem do conteuacutedo uma

pergunta retoacuterica uma anedota uma definiccedilatildeo uma comparaccedilatildeo e

lexis (lat elocutio) que corresponde agraves escolhas linguiacutesticas

(discursivas) que semiotizam as intenccedilotildees comunicativas de

persuasatildeo e convencimento (ibid p 91)

Perelman e Olbrechts-Tyteca propotildeem uma ruptura das concepccedilotildees de razatildeo e

raciociacutenio cartesiano defendendo a tese de que um raciociacutenio pode convencer sem

necessariamente ser um caacutelculo e pode ter o estatuto cientiacutefico tatildeo riacutegido e ter a precisatildeo

matemaacutetica No interregno entre as discussotildees aristoteacutelicas e o raciociacutenio cartesiano

temos em Perelman e Olbrechts-Tyteca (19702005) uma nova visatildeo de argumentaccedilatildeo

(1) estudo de teacutecnicas discursivas que permitem provocar ou aumentar a adesatildeo das

pessoas agraves teses que satildeo apresentadas (p 5) e

(2) provocar ou aumentar a adesatildeo dos espiacuteritos agraves teses que se apresentam a seu

assentimento uma argumentaccedilatildeo eficaz eacute a que consegue aumentar essa

intensidade de adesatildeo de forma que se desencadeie nos ouvintes a accedilatildeo

pretendida (accedilatildeo positiva ou abstenccedilatildeo) ou pelo menos crie neles uma

disposiccedilatildeo para a accedilatildeo que se manifestaraacute no momento oportuno (p 50)

Eacute importante dizer que nesse interregno a obra de Perelman e Olbrechts-Tyteca

resgata da doutrina aristoteacutelica a retoacuterica a partir dos conhecimentos provaacuteveis do

verossiacutemil e natildeo das certezas e verdades absolutas A delineaccedilatildeo de seu campo era o da

controveacutersia da crenccedila do mundo da opiniatildeo que se movimenta dialeticamente pelo

confronto de ideias e pela habilidade na praacutetica discursiva Foi no interior desse resgate

que surgiram as ldquonovas retoacutericasrdquo estruturadas nas loacutegicas natildeo formais e nas loacutegicas

naturais (Mosca 2004 p 20)

Esse novo movimento da retoacuterica estaacute fundado na inter-relaccedilatildeo das ciecircncias

humanas com as ciecircncias dos discursos tendo como referente a loacutegica e as evidecircncias

As teorias da argumentaccedilatildeo passam a se desenvolver sobre postulados democraacuteticos

lidando necessariamente com elementos que a loacutegica cartesiana natildeo permitiria tais

como crenccedilas valores preferecircncias e decisotildees Desse modo aceitam a existecircncia de

limitaccedilotildees e imperfeiccedilotildees uma vez que a argumentaccedilatildeo natildeo pretende se estruturar como

verdade absoluta e sim sob a perspectiva do provaacutevel do verossiacutemil e do criacutevel Nesse

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 61

ILKA SCHAPPER SANTOS

contexto cabe ao auditoacuterio (universal ou particular) decisatildeo de aderir ou natildeo agraves teses e

aos argumentos da cena enunciativa

Na perspectiva da nova retoacuterica eacute importante ter preocupaccedilatildeo com a adesatildeo do

auditoacuterio Desse modo possibilita-se que no espaccedilo de interaccedilatildeo o interlocutor

apresente uma accedilatildeo imediata ou futura diante das proposiccedilotildees e das perguntas

levantadas (Perelman e Olbrechts-Tyteca 19702005 p16) Isso porque como

discutido anteriormente o objetivo da retoacuterica eacute ldquoproduzir ou aumentar a adesatildeo de um

determinado auditoacuterio a certas teses e seu ponto inicial seraacute a adesatildeo desse auditoacuterio a

outras tesesrdquo (Perelman e Olbrechts-Tyteca 19702005 p70)

O ponto de intersecccedilatildeo entre a retoacuterica aristoteacutelica (350 aC 2005) e a Nova

Retoacuterica (Perelman e Olbrechts-Tyteca 19702005) eacute a crenccedila de que os interlocutores

no campo da enunciaccedilatildeo e no campo da intencionalidade se influenciam de alguma

maneira (Mosca 2004)

Segundo Osakabe (1999) Perelman e Olbrechts-Tyteca (19702005) trazem

algumas distinccedilotildees em relaccedilatildeo ao trabalho sobre a retoacuterica de Aristoacuteteles em especial

no que se refere ao gecircnero epidiacutectico e agrave questatildeo do loacutecus do qual se extraem as

premissas Em relaccedilatildeo ao gecircnero epidiacutectico acrescentam que eacute necessaacuterio que o orador

leve em consideraccedilatildeo a complexidade do contexto em que estaacute inserido complexidade

que pode ser desvelada pela linguagem no interior das praacuteticas sociais Jaacute a questatildeo do

ldquolugarrdquo do qual se retiram as premissas os autores discutem a necessidade de

simplificaacute-las em quantidade e qualidade

Eacute importante dizer que os estudos da Retoacuterica Claacutessica Aristoteacutelica bem como

da Nova Retoacuterica de Perelman e Olbrechts-Tyteca influenciaram sobremaneira a

reconstruccedilatildeo epistemoloacutegica e as releituras criacuteticas da abordagem retoacuterica dos estudos

literaacuterios e mais recentemente os estudos da linguagem desenvolvidos pela Linguiacutestica

Aplicada em especial os trabalhos desenvolvidos e orientados por Liberali no LAEL

da PUC-SP no seu projeto de produtividade do CNPq (Liberali 2008) do qual esta tese

faz parte

Nesse sentido o diaacutelogo tecido ateacute aqui entre a ldquovelhardquo e a ldquonovardquo retoacuterica tem

como objetivo refletir sobre a argumentaccedilatildeo a partir desses paracircmetros e daqueles

construiacutedos e discutidos por Liberali (2006 p 7) ldquouma argumentaccedilatildeo colaborativa que

permite a restriccedilatildeo e expansatildeo dos significados que saciaratildeo natildeo (somente) a

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 62

ILKA SCHAPPER SANTOS

necessidade individual mas aquela necessidade que permite perceber que somos parte

de uma totalidade que existe nas partesrdquo Nessa perspectiva a argumentaccedilatildeo eacute um

dispositivo que permite aos sujeitos interagirem no campo das ideias concepccedilotildees

valores e crenccedilas colocando-os em contato ora conflitantes ora em concordacircncia

Diante do exposto neste trabalho defino argumentaccedilatildeo como um dispositivo

enunciativo que a partir dos tipos de argumentos discutidos (que satildeo explicitados no

capiacutetulo 2) especialmente os propostos por Perelman e Olbrechts-Tyteca (19702005)

permite descrever informar confrontar e transformar os sentidos produzidos pelos

sujeitos nos espaccedilos discursivos da praacutetica de pesquisa Um movimento que revela

sentidos e significados compartilhados em outros espaccedilos criando em um loacutecus

especiacutefico particular uma instacircncia nova de significaccedilatildeo no movimento da CC

Na proacutexima seccedilatildeo discutirei esse movimento argumentativo no fluxo da

interaccedilatildeo verbal tendo como horizonte de visatildeo as categorias teoacutericas bakhtinianas

dialogismo discurso autoritaacuterio e discurso internamente persuasivo

116 ndash Fluxo da Interaccedilatildeo verbal por uma argumentaccedilatildeo dialoacutegica na Cadeia

Criativa

A interaccedilatildeo social por intermeacutedio da liacutengua caracteriza-se

fundamentalmente pela argumentatividade () o ato linguiacutestico

fundamental eacute o ato de argumentar

(Ingedore Koch)

No cenaacuterio dos estudos e pesquisas em Linguiacutestica Aplicada (LA) o tema

argumentaccedilatildeo tem sido importante ponto de discussatildeo Isso porque o campo de

investigaccedilatildeo da LA estabelece uma interface com diferentes domiacutenios do conhecimento

numa perspectiva transdisciplinar que tem como eixo a linguagem E como aponta a

epiacutegrafe desta seccedilatildeo o ato linguiacutestico fundamental eacute o ato de argumentar Dito isto o

binocircmio linguagem-argumentaccedilatildeo eacute elemento indissociaacutevel para trabalhos que buscam

investigar as interaccedilotildees sociais Nesta seccedilatildeo do capiacutetulo este binocircmio seraacute analisado no

fluxo da interaccedilatildeo verbal a partir das contribuiccedilotildees teoacutericas do Ciacuterculo de Bakhtin

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 63

ILKA SCHAPPER SANTOS

Ateacute agora discuti sobre as condiccedilotildees sociais histoacutericas e culturais que

determinam a existecircncia do ser humano e como focalizo neste trabalho a produccedilatildeo de

seu conhecimento Discorri tambeacutem a partir da perspectiva soacutecio-histoacuterico-cultural que

essa produccedilatildeo se processa no entremeio da realidade material e imaterial mediada por

representaccedilotildees siacutegnicas que constituem a essecircncia para a formaccedilatildeo da consciecircncia do

sujeito no interior da linguagem discursivo-simboacutelica Esse processo de internalizaccedilatildeo

do mundo exterior atraveacutes das representaccedilotildees siacutegnicas eacute dialeacutetico-ideoloacutegico o que

possibilita a transformaccedilatildeo do homem no mundo e a transformaccedilatildeo do mundo pelo

homem E por fim teci relaccedilotildees entre a ldquovelhardquo e a ldquonovardquo retoacuterica Passemos entatildeo a

discutir a argumentaccedilatildeo na Cadeia Criativa tendo como eixo a dialogia de Bakhtin

O ciacuterculo de Bakhtin traz uma nova perspectiva para a linguiacutestica moderna em

especial com os estudos sobre enunciaccedilatildeo interaccedilatildeo verbal e nas relaccedilotildees que tece sobre

linguagem-histoacuteria linguagem-sociedade e linguagem-dialogia

Bakhtin e seus colaboradores tecircm uma visatildeo da enunciaccedilatildeo como ldquomateacuteria

linguiacutestica e como contexto enunciativo e afirma ser o enunciado assim entendido o

objeto de estudos da linguagem O texto enunciativo recupera estatuto pleno de objeto

discursivo social e histoacutericordquo (Barros 1994 p 1) Sob a anaacutelise bakhtiniana a

enunciaccedilatildeo se processa no interior da interaccedilatildeo verbal presente nas mais variadas

interaccedilotildees do indiviacuteduo Nesse contexto podemos compreender a linguagem como um

sistema simboacutelico discursivo que enfatiza a interaccedilatildeo entre os sujeitos em todas as

dimensotildees da enunciaccedilatildeo pois o contexto soacutecio-histoacuterico-cultural no qual estamos

inseridos eacute um rico conjunto de significaccedilotildees

Eacute no interior desse contexto por meio da internalizaccedilatildeo e do revozeamento dos

discursos alheios que a liacutengua materna se funda

a liacutengua materna ndash a constituiccedilatildeo do seu leacutexico e sua estrutura

gramatical ndash natildeo a aprendemos nos dicionaacuterios e nas gramaacuteticas noacutes

a adquirimos mediante enunciados concretos que ouvimos e

reproduzimos durante a comunicaccedilatildeo verbal viva que se efetua com

indiviacuteduos que nos rodeiam (Bakhtin 1987 p 301-302)

Para Bakhtin internalizaccedilatildeo e revozeamento dos enunciados alheios

materializam-se no movimento dialoacutegico e heterogloacutessico da linguagem O dialogismo

expressa a natureza interdiscursiva da linguagem nem sempre consensual pois expressa

o ldquopermanente diaacutelogo nem sempre simeacutetrico e harmonioso existente entre os

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 64

ILKA SCHAPPER SANTOS

diferentes discursos que configuram uma comunidade uma cultura uma sociedaderdquo

(Brait 1997 p 98)

No dialogismo o discurso natildeo se constroacutei sobre ele mesmo mas se materializa

em vista do outro enquanto esse outro perpassa atravessa o discurso do ldquoeurdquo Esses

enunciados alheios e proacuteprios possibilitam a transformaccedilatildeo dos sujeitos em autores que

organizam suas praacuteticas discursivas a partir da interaccedilatildeo verbal A coluna vertebral da

interlocuccedilatildeo eacute pois a palavra

na realidade toda palavra comporta duas faces Ela eacute determinada

tanto pelo fato de que procede de algueacutem como pelo fato de que se

dirige para algueacutem Ela constitui justamente o produto da interaccedilatildeo do

locutor e do ouvinte Toda palavra serve de expressatildeo a um em

relaccedilatildeo ao outro atraveacutes da palavra defino-me em relaccedilatildeo ao outro

isto eacute em uacuteltima anaacutelise em relaccedilatildeo agrave coletividade A palavra eacute uma

espeacutecie de ponte lanccedilada entre mim e os outros Se ela se apoia sobre

mim numa extremidade na outra apoia-se sobre o meu interlocutor

(BakhtinVolochinov 1988 p 113)

Na perspectiva bakhtiniana a palavra existe para o enunciataacuterio em trecircs formas

diferentes

palavra neutra da liacutengua e que natildeo pertence a ningueacutem como

palavra do outro pertence aos outros e que preenche os ecos dos

enunciados alheios e finalmente palavra minha pois na medida em

que uso essa palavra numa determinada situaccedilatildeo com intenccedilatildeo

discursiva ela jaacute se impregnou de minha expressividade (Bakhtin

1987 p 388)

A palavra eacute o elemento em que se confrontam os valores sociais contraditoacuterios

materializando as crenccedilas e os antagonismos sociais produzindo muitas vezes discursos

ideologicamente opostos na luta pelo poder e pela primazia de um modelo econocircmico

pode ocorrer o mascaramento do dialogismo inerente ao sujeito social sobrepondo-se o

discurso oficial Por isso Bakhtin afirmou que o ldquosigno se torna a arena onde se

desenvolvem as lutas de classesrdquo (BakhtinVolochinov 1988) Nesse espaccedilo de luta

ideoloacutegica o signo linguiacutestico reflete e refrata a possibilidade de transformaccedilotildees sociais

pois

as palavras satildeo tecidas a partir de uma multidatildeo de fios ideoloacutegicos e

servem de trama a todas as relaccedilotildees sociais em todos os domiacutenios ()

A palavra constitui o meio no qual se produzem lentas acumulaccedilotildees

quantitativas de mudanccedilas que ainda natildeo tiveram tempo de adquirir

uma nova qualidade ideoloacutegica () A palavra eacute capaz de registrar as

fases transitoacuterias mais iacutentimas mais efecircmeras das mudanccedilas sociais

(BakhtinVolochinov 1988 p 41)

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 65

ILKA SCHAPPER SANTOS

O discurso expresso na palavra eacute dialoacutegico pois a dialeacutetica nasce do diaacutelogo e

nele se prolonga colocando pessoas e textos em um permanente processo dialoacutegico

(Freitas 1994 p 131) A compreensatildeo do discurso de outrem no diaacutelogo entre os

professores-pesquisadores e os demais participantes desta investigaccedilatildeo eacute fundamental

na medida em que possibilita entender o processo de reflexatildeo desencadeado no interior

do espaccedilo de pesquisa

A materializaccedilatildeo do discurso de outrem ocorre principalmente no discurso

citado que BakhtinVolochinov (1988) definem como o ldquodiscurso no discurso a

enunciaccedilatildeo na enunciaccedilatildeordquo e tambeacutem ldquoo discurso sobre o discurso e a enunciaccedilatildeo

sobre a enunciaccedilatildeordquo As questotildees fundamentais para a discussatildeo da temaacutetica

desenvolvida neste trabalho satildeo a) como esse discurso se materializa na praacutetica da

investigaccedilatildeo e b) como o discurso de outrem atravessa o diaacutelogo entre os professores-

pesquisadores e os demais participantes da pesquisa

Para Bakhtin haacute dois tipos de palavra do outro que adquirem um sentido ainda

mais denso e mais importante no processo de formaccedilatildeo ideoloacutegica do homem no

mundo a palavra de autoridade e a palavra internamente persuasiva O discurso citado

que se concretiza na palavra de autoridade tem o estatuto de verdade absoluta natildeo

havendo espaccedilo para argumentaccedilatildeo refutaccedilatildeo contestaccedilatildeo e reflexatildeo posto que a ldquoa

palavra autoritaacuteria natildeo se representa ndash ela apenas eacute transmitidardquo (Bakhtin 1983 p

144) Jaacute a palavra internamente persuasiva eacute identificada pelo autor como revelando

possibilidades bastante diferentes Esta palavra eacute determinante para o

processo de transformaccedilatildeo ideoloacutegica da consciecircncia individual para

uma vida ideoloacutegica independente a consciecircncia desperta num mundo

onde as palavras de outrem a rodeiam e onde logo de iniacutecio ela se

destaca () No fluxo de nossa consciecircncia a palavra persuasiva

anterior eacute comumente metade nossa metade de outrem (ibid p 145)

Para Bakhtin (ibid p 143) ldquoa palavra autoritaacuteria exige de noacutes o

reconhecimento e a assimilaccedilatildeo ela se impotildee a noacutes independentemente do grau de sua

persuasatildeo interior no que nos diz respeitordquo No movimento do discurso autoritaacuterio fica

difiacutecil para o interlocutor tecer modificaccedilotildees de sentido no interior do contexto em que

o discurso aparece Um enunciado que toma contornos de uma palavra autoritaacuteria que

tem o poder de colocar-se por si soacute natildeo promove variaccedilotildees criativas uma vez que tal

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 66

ILKA SCHAPPER SANTOS

palavra ldquonatildeo eacute circundada de diaacutelogos vivos e em muacuteltiplas ressonacircncias em volta

dela morre o contexto as palavras secamrdquo (ibid p 144)

Diferente do discurso autoritaacuterio o discurso internamente persuasivo se

configura como autocircnomo com mobilidade e abertura discursiva em um

desenvolvimento livre que se adapta aos novos contextos e circunstacircncias enunciativas

da palavra Assim nesse tipo de discurso o sentido fica sempre em aberto

possibilitando prosseguir com criatividade no contexto de nossa consciecircncia ideoloacutegica

ldquonoacutes o introduzimos em novos contextos o aplicamos em novo material noacutes o

colocamos numa nova posiccedilatildeo a fim de obter dele novas respostas novos

esclarecimentos sobre seu sentido e novas palavras para noacutesrdquo (ibid p 146) Isso

porque ldquoa palavra persuasiva interior eacute comumente metade nossa metade de outremrdquo

(ibid 145) Essa palavra eacute produzida criativamente e possibilita espaccedilo para o

surgimento de outras palavras em nossa consciecircncia desvelando novas possibilidades

semacircnticas em cada contexto em que eacute pronunciada Ela nasce em uma ldquozona de

contato com o presente inacabadordquo (Bakhtin 1983 p 146)

Neste trabalho a argumentaccedilatildeo configura-se como um movimento dialoacutegico

pois a partir das construccedilotildees teoacutericas de Bakhtin podemos pensar os enunciados

(materializados nos excertos do capiacutetulo de anaacutelise) como textos e observar se se

configuram como discurso autoritaacuterio que carece de persuasatildeo interior para a

consciecircncia ou se satildeo constituiacutedos por discurso internamente persuasivo Dito de outro

modo eacute a oportunidade de observar as palavras internamente persuasivas para

compreender como elas se relacionam no fluxo argumentativo como se entrelaccedilam ao

discurso do outro para criar espaccedilos de possibilidades de na palavra proacutepria trazer a

palavra do outro e na palavra do outro produzir a palavra proacutepria Eacute nesse fluxo da

interaccedilatildeo verbal tendo a argumentaccedilatildeo como dispositivo que os discursos de

autoridade e internamente persuasivo se atravessam Esse movimento discursivo

promove o encontro-confronto de vozes em que no seu interior emergem os sentidos e

os significados dos sujeitos em interaccedilatildeo

No proacuteximo capiacutetulo discutirei o brincar em especial a brincadeira de faz de

conta Isso porque um dos eixos de discussatildeo teoacuterico-praacutetica do GP EFoPI e tambeacutem

desta investigaccedilatildeo eacute a brincadeira na infacircncia de 2 e 3 anos

ILKA SCHAPPER SANTOS

CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI

21 - Uma breve histoacuteria sobre o brincar

Jogos Infantis ndash Pieter Bruegel 1560

Nesta seccedilatildeo seraacute feita uma breve exposiccedilatildeo sobre como as crianccedilas brincavam

em diferentes tempos as relaccedilotildees entre suas brincadeiras e o contexto soacutecio-histoacuterico e

o papel das atividades luacutedicas no interior da educaccedilatildeo infantil

Antes de tecer essas relaccedilotildees discutirei sobre a interface dos jogos e brincadeiras

no processo civilizatoacuterio O estudo de Huizinga (1938) constitui exemplo claacutessico desse

vieacutes Apesar de o teoacuterico reconhecer que haacute elementos imbricados entre o jogo da

crianccedila e o do adulto sua literatura estaacute mais voltada para o jogo do adulto

classificando-o como qualitativamente diferente Na sua teoria partindo da ideia de que

mesmo as mais seacuterias accedilotildees do homem tecircm elementos que se fundam no jogo este tem

caracteriacutestica agoniacutestica gecircnese da disposiccedilatildeo inata do homem para a competiccedilatildeo Isso

pode ser percebido nas atividades institucionalizadas tais como o direito a guerra o

conhecimento a poesia a filosofia a arte e a religiatildeo (Szundy 2005)

Johan Huizinga importante historiador holandecircs explica em sua obra intitulada

Homo Ludens que foi editada pela primeira vez em 1938 suas ideias sobre o luacutedico

apontando o jogo como a origem das mais seacuterias atividades humanas O autor esclarece

CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 68

ILKA SCHAPPER SANTOS

que ldquonatildeo vecirc razatildeo alguma para abandonar a noccedilatildeo de jogo como um fator distintivo e

fundamental presente em tudo o que acontece no mundordquo explicitando sua ldquoconvicccedilatildeo

de que eacute no jogo e pelo jogo que a civilizaccedilatildeo surge e se desenvolverdquo (Huizinga

19381996 prefaacutecio) Seria extremamente radical afirmarmos que toda e qualquer

atividade humana se constitui a partir do jogo mas como defende o autor eacute inegaacutevel o

papel dele no processo civilizatoacuterio Assim sua obra tem como objeto de estudo o jogo

como forma especiacutefica de atividade destacando sua funccedilatildeo social uma funccedilatildeo de

significante e que encerra um determinado sentido (Silva 2003) Essa funccedilatildeo estaacute

imbricada em todas as manifestaccedilotildees humanas como a linguagem o mito e os ritos

sagrados Diante do exposto Huizinga (19381996 p 4) afirma que ldquoseja qual for a

maneira como o considerem o simples fato de o jogo encerrar um sentido implica a

presenccedila de elemento natildeo material em sua proacutepria essecircnciardquo A funccedilatildeo de significante

encerrando um sentido eacute explicada a partir de um paralelo que o autor faz entre o jogo e

a capacidade humana de nomear de designar as coisas por meio da linguagem Assim

sugere que eacute jogando e brincando que as mais diversas metaacuteforas satildeo produzidas

No campo histoacuterico e cultural o jogo tem um papel fundamental nas diversas

atividades das civilizaccedilotildees antigas de cuja influecircncia tanto o mito quanto o culto satildeo

expoentes Szundy (2005 p 38) explica que ldquoao criar um jogo entre realidade e

fantasia o homem primitivo procurava atraveacutes da linguagem dar conta dos fenocircmenos

do mundordquo De algum modo isso ocorria tambeacutem com o culto jaacute que os rituais

sagrados das civilizaccedilotildees antigas eram realizados sob a eacutegide do jogo no sentido literal

da palavra um jogo entre as forccedilas do bem e as forccedilas do mal Em muitas civilizaccedilotildees

esse movimento subscrito no mito e no culto ainda se faz presente pois transcende as

geraccedilotildees e retorna a elas por meio das narrativas vivecircncias e experiecircncias de seus

membros mais velhos

Huizinga mostra como o jogo eacute ldquouma evasatildeo da vida bdquoreal‟ para uma esfera de

orientaccedilatildeo proacutepriardquo (19381996 p 6) jaacute que nessa atividade o jogador mergulha no

universo do secreto em que de algum modo se sente protegido das leis da realidade

externa e do cotidiano da vida Dito de outra maneira essa evasatildeo natildeo carrega as leis da

vida real mas eacute desenvolvida com toda a seriedade pois se trata apenas de fazer de

conta Mas nesse movimento as atividades luacutedicas criam uma ordem e

paradoxalmente constituem a proacutepria ordem ou leis proacuteprias No fluir do jogo vemos a

confusatildeo e a imperfeiccedilatildeo do mundo mas paradoxalmente haacute no ato luacutedico elementos

CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 69

ILKA SCHAPPER SANTOS

da esteacutetica da beleza e da harmonia (Silva 2003 p 18) Esses elementos levam o ser

humano a se envolver freneticamente na atividade luacutedica gerando pontos de tensatildeo

produzidos pela incerteza e pelo acaso que obriga aquele que joga a colocar ldquoagrave prova a

criatividade tenacidade virilidade capacidades espirituais e lealdaderdquo (ibid)

Apesar de afirmar ser a seriedade um dos elementos fundantes do jogo Huizinga

admite que ao jogar podemos nos situar abaixo do niacutevel da seriedade atingindo os

espaccedilos do belo e do sagrado Apesar de natildeo deixar de lado a seriedade da brincadeira o

historiador afirma que nela temos gradaccedilotildees Nas gradaccedilotildees estatildeo presentes duas

funccedilotildees inerentes ao jogo ldquode ser uma luta por alguma coisa e de ser a representaccedilatildeo

de alguma coisardquo (Huizinga 19381996 p 16)

Mesmo natildeo focalizando seu interesse no jogo infantil o autor discorre sobre o

jogo representativo que tambeacutem eacute conhecido como dramaacutetico protagonizado ou de faz

de conta dizendo que as representaccedilotildees das crianccedilas satildeo estruturadas a partir de uma

elevada capacidade de imaginar posto que ldquomais do que uma realidade falsa eacute a

realizaccedilatildeo de uma aparecircncia eacute bdquoimaginaccedilatildeo‟ no sentido original do termordquo (ibid p

17)

Essas tessituras teoacutericas de Huizinga sobre a funccedilatildeo social do jogo e seus

aspectos fundamentais em especial ldquode ser uma luta por alguma coisa e de ser a

representaccedilatildeo de alguma coisardquo auxiliam-nos a refletir e a problematizar a) esses

elementos estatildeo presentes nas concepccedilotildees sobre jogos e brincadeiras infantis e b)

como isso foi se constituindo ao longo do processo educativo

Silva (2003) aqui em siacutentese faz um interessante esboccedilo sobre as diversas

concepccedilotildees da infacircncia em diferentes tempos histoacutericos possibilitando-nos

compreender o quanto o debate nessa aacuterea tem sinalizado conquistas significativas em

contextos mais recentes em especial na brincadeira de faz de conta

A autora encontrou informaccedilotildees significativas em um trabalho de Rosamilha

(1979) outro importante estudo bibliograacutefico que investigou a vida quotidiana de

vaacuterias culturas e sociedades que estiveram mais proacuteximas da mentalidade ocidental no

que diz respeito agraves concepccedilotildees sobre o brincar mostrando como essas influecircncias

interferiram sobremaneira em nossas praacuteticas educativas

Rosamilha (1979) em sua pesquisa encontrou natildeo soacute referecircncias ao luacutedico no

texto biacuteblico e no cristianismo primitivo mas tambeacutem registros de posturas negativas

CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 70

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por parte da igreja quanto a brinquedos e brincadeiras no seacuteculo XVIII Embora haja

registros mais recentes de alguns autores seguidores do cristianismo que adotaram

postura diferente a posiccedilatildeo negativa dita anteriormente trouxe impactos para o

desenvolvimento de atividades luacutedicas na educaccedilatildeo escolar Haacute registros importantes

sobre essa interferecircncia Em Portugal e na Alemanha no final do seacuteculo XVIII e iniacutecio

do seacuteculo XIX a instituiccedilatildeo escolar natildeo era um espaccedilo agradaacutevel os estudantes tinham

castigos corporais e natildeo aparece nenhum registro sobre o espaccedilo de brinquedos e

brincadeiras no contexto educacional Em muitas outras sociedades o quadro eacute similar

Na Ruacutessia por exemplo a brincadeira era afastada do ambiente escolar (Silva 2003 p

12)

No iniacutecio do seacuteculo XX o contraponto a essas posturas foi feito a partir das

ideias de Rousseau Pestalozzi e Froebel e ldquomuitas afirmaccedilotildees desses escritores e

educadores foram incorporadas aos poucos no movimento da chamada educaccedilatildeo

nova nos meacutetodos ativosrdquo (Rosamilha 1979 p 19) As elaboraccedilotildees teoacutericas desses

pensadores e educadores influenciaram a Psicologia do seacuteculo XX como as

referendadas na obra de John Dewey (1859-1952) filoacutesofo norte-americano e um dos

principais teoacutericos a influenciar o movimento escolanovista O autor eacute responsaacutevel pelos

primeiros trabalhos que enfatizam a importacircncia dos jogos dos brinquedos e das

brincadeiras no processo educativo A tese de Dewey eacute de que por meio da brincadeira

a crianccedila aprende a respeito do mundo que a cerca Na brincadeira de papeacuteis (como a

nomeia Vygotsky e seus colaboradores) a crianccedila representa o mundo da famiacutelia Na

brincadeira de casinha por exemplo imita o contexto social em que estaacute circunscrita e

representa as diferentes situaccedilotildees que vivencia em seu cotidiano

No Brasil as ideias do movimento da Escola Nova foram trazidas inicialmente

por Rui Barbosa (1849-1923) em 1882 Sob a influecircncia desse movimento Aniacutesio

Teixeira (1900-1971) Lourenccedilo Filho (1897-1970) e o poeta Maacuterio de Andrade (1893-

1945) mentor da idealizaccedilatildeo dos parques infantis na cidade de Satildeo Paulo iniciaram um

movimento em defesa da presenccedila de jogos e de brincadeiras na educaccedilatildeo das crianccedilas

pequenas Para esses autores os jogos e as brincadeiras deveriam ser atividades livres

que seriam um meio de manifestaccedilatildeo das forccedilas criadoras do homem (Kuhlman Jr

2000) Isso porque os escolanovistas iam de encontro agrave tese de que a educaccedilatildeo deve ser

uma preparaccedilatildeo para a vida uma educaccedilatildeo do devir ao contraacuterio para eles a escola

deve se pautar na proacutepria vida O eixo norteador do processo educativo deveria ser a

CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 71

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diacuteade vida-experiecircncia e em decorrecircncia disso a funccedilatildeo da escola seria a de possibilitar

um entrecruzamento de vivecircncias experiecircncias e aprendizagens construiacutedas no interior

da vida

Podemos inferir que as mudanccedilas histoacutericas e sociais sobre os jogos as

brincadeiras e os brinquedos infantis tecircm uma interface com o fazer pedagoacutegico nas

creches e preacute-escolas Nesse movimento as raiacutezes histoacutericas culturais e sociais a

respeito dos jogos e brincadeiras trazem concepccedilotildees sobre as crianccedilas e suas infacircncias

em uma unidade dialeacutetica ao longo de diferentes tempos e espaccedilos sociais No

interregno de diferentes tempos e espaccedilos soacutecio-culturais coexistem concepccedilotildees que

ora enfatizam a relevacircncia dos jogos e brincadeiras livres ora dizem da importacircncia de

se suprimir aquilo que desvia a atenccedilatildeo das crianccedilas Neste sentido o luacutedico manifesto

em atividades serve apenas para ocupar um tempo livre ao final da aula ou no uacuteltimo

dia da semana (Silva 2003)

Silva (2003) alerta que ldquoao observar de um modo geral como esteve

distribuiacutedo o espaccedilo fiacutesico nas escolas percebe-se que sempre haacute ao lado das salas de

aula um paacutetio para recreaccedilatildeordquo (ibid p 14) Em funccedilatildeo disso discute como as

atividades das crianccedilas na escola estatildeo divididas entre o luacutedico e o trabalho de ordem

intelectual A arquitetura e a organizaccedilatildeo dos espaccedilos de creches e preacute-escolas mostram

o fosso que desde a tenra infacircncia nossas crianccedilas vivenciam o dualismo entre o

brincar e o trabalho intelectual revelando talvez uma transposiccedilatildeo dos conteuacutedos

curriculares do ensino fundamental para a educaccedilatildeo infantil Muito embora as

concepccedilotildees sobre jogos e brincadeiras e em decorrecircncia disso as proacuteprias concepccedilotildees

sobre crianccedilas e suas infacircncias tenham avanccedilado especialmente nas deacutecadas de 1970 e

1980 a separaccedilatildeo do trabalho intelectual e do luacutedico ainda se faz presente nas

instituiccedilotildees de educaccedilatildeo infantil

A respeito dessa dicotomia Kuhlmann Jr (1998) e Kishimoto (1999) explicam

que as propostas para a educaccedilatildeo infantil em diversas localidades do paiacutes desconsideram

o universo histoacuterico cultural das crianccedilas da educaccedilatildeo infantil antecipando praacuteticas

inerentes ao periacuteodo de escolarizaccedilatildeo e deixando agrave margem do processo os jogos as

brincadeiras e os brinquedos Cria-se assim um fosso entre conteuacutedos escolares e o

movimento luacutedico

A gecircnese desse pensamento encontra-se na visatildeo de uma educaccedilatildeo infantil

ldquopreparatoacuteriardquo para construir os pilares necessaacuterios agraves primeiras seacuteries do ensino

CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 72

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fundamental Em um artigo no Jornal Folha de Satildeo Paulo de 11012010 intitulado

ldquoEstudo aponta que aluno da rede puacuteblica jaacute chega pior agrave 1ordf seacuterierdquo haacute uma

discussatildeo que nos auxilia compreender como cada vez mais a sociedade relaciona as

dificuldades das crianccedilas das primeiras seacuteries do ensino fundamental agrave educaccedilatildeo infantil

e por conseguinte tenta sanar essas dificuldades em um trabalho ldquoantecipadordquo na

infacircncia de 0 a 6 anos O artigo inicia-se afirmando

Os alunos que ingressam nas escolas particulares chegam agrave primeira

seacuterie jaacute com larga vantagem em relaccedilatildeo agraves crianccedilas de escolas

puacuteblicas E essa desigualdade nas meacutedias pouco se altera ateacute o final da

quarta seacuterie do ensino fundamental

Esta eacute uma das conclusotildees de um estudo pioneiro no Brasil o Projeto

Geres que acompanhou de 2005 a 2008 20 mil alunos de Belo

Horizonte Rio de Janeiro Campinas Campo Grande e Salvador

() Para Faacutetima Alves pesquisadora da PUC-Rio e uma das

coordenadoras do projeto eacute preciso investir mais em educaccedilatildeo infantil

(creches e preacute-escolas) para diminuir essa desigualdade inicial

Pensemos se o Projeto Geres (Projeto Geraccedilatildeo Escolar) eacute um estudo

longitudinal que focaliza a aprendizagem dos alunos nos primeiros anos do ensino

fundamental e uma de suas conclusotildees eacute a de que os alunos da rede puacuteblica em relaccedilatildeo

aos alunos da rede privada jaacute chegam em defasagem nesse grau de ensino a premissa eacute

que o loacutecus do problema esteja tambeacutem na educaccedilatildeo infantil Essa inferecircncia leva a

pesquisadora Faacutetima Alves a dizer que se faz necessaacuterio investir mais na educaccedilatildeo

infantil (creches e preacute-escolas) para diminuir essa desigualdade inicial Mas qual seria a

natureza desse investimento A preparaccedilatildeo para ler escrever e contar Como ficaria o

espaccedilo para as brincadeiras tatildeo necessaacuterias ao desenvolvimento infantil

Fiz essa digressatildeo para ilustrar os paradoxos que permeiam as orientaccedilotildees

pedagoacutegicas para a educaccedilatildeo infantil Mas a histoacuteria das ideias e das praacuteticas no campo

da infacircncia mostra que muitos autores jaacute pensaram no reverso dessa moeda Iniciamos

nosso debate com as influecircncias de Dewey no movimento da Escola Nova no Brasil

(1932) Passemos entatildeo a outras concepccedilotildees com outros autores

Friedrich Froebel (1782-1852) foi um dos primeiros educadores a discutir sobre

a importacircncia da accedilatildeo do brincar no trabalho educativo A perspectiva do autor alematildeo

estava pautada na crenccedila em uma educaccedilatildeo infantil que valorizasse a natureza infantil a

partir das brincadeiras livres e espontacircneas (Kishimoto 1998) Essa visatildeo influenciou

vaacuterias propostas de trabalho pedagoacutegico na educaccedilatildeo infantil e incentivou a introduccedilatildeo

de jogos e brincadeiras nas instituiccedilotildees de creches e preacute-escolas do paiacutes

CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 73

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Paradoxalmente a propagaccedilatildeo do brincar nas instituiccedilotildees infantis brasileiras natildeo

teve uma inserccedilatildeo uniforme Pelo contraacuterio ancorou-se em crenccedilas e valores proacuteprios

ao contexto histoacuterico-cultural dessas instituiccedilotildees infantis (Silva 2003) Froebel foi o

primeiro a discorrer sobre o valor das brincadeiras como elemento essencial no trabalho

pedagoacutegico com as crianccedilas pequenas ao fundar o jardim de infacircncia entendendo ldquoo

jogo como objeto e accedilatildeo do brincar que se caracteriza pela liberdade e

espontaneidaderdquo (ibid p 15) Froebel atribuiacutea um duplo sentido agrave ideia do brincar e agrave

educaccedilatildeo infantil (os jardins de infacircncia) de um lado via como material educativo

necessaacuterio agrave aquisiccedilatildeo de conhecimentos de outro notava que o brincar tinha um fim em

si mesmo quando se fundava na liberdade e espontaneidade Nesse movimento as

concepccedilotildees e praacuteticas pedagoacutegicas transitavam entre a primeira e segunda premissa do

autor

Na verdade esse dualismo em relaccedilatildeo aos jogos e brincadeiras ndash ora como

recurso auxiliar na aquisiccedilatildeo do conhecimento meio de ensino ora como um fim em si

mesmo ndash eacute bem antigo Desde a antiguidade claacutessica com Platatildeo e Aristoacuteteles passando

pelo Renascimento e teacutermino da Revoluccedilatildeo Francesa haacute diferentes interpretaccedilotildees sobre

a cultura do jogo infantil e seus desdobramentos na praacutetica pedagoacutegica Nesse

interregno histoacuterico surge a polecircmica da utilizaccedilatildeo pedagoacutegica dos jogos e brincadeiras

no interior da educaccedilatildeo infantil Eacute interessante refletir sobre a natureza do movimento

luacutedico que permite o desenvolvimento do imaginaacuterio infantil por meio de objetos

simboacutelicos disponibilizados intencionalmente pelo educador para subsidiar o

desenvolvimento integral da crianccedila (Silva 2003) que sintetiza o fim em si mesmo

No interior das pesquisas do GP EFoPI pudemos observar que muitas vezes haacute

uma disparidade entre o espaccedilo que deveria ser dado aos jogos e brincadeiras e o que se

observa nas creches e preacute-escolas Haacute muitas contradiccedilotildees a respeito da relaccedilatildeo entre

jogos e brincadeiras e a educaccedilatildeo das crianccedilas pequenas Silva explica que satildeo poucas

as atividades que possibilitam o desenvolvimento do imaginaacuterio infantil pela mediaccedilatildeo

de objetos simboacutelicos disponibilizados intencionalmente pelo educador A autora

esclarece ainda que para muitos educadores e pais prevalece a ideia de que os jogos e

brincadeiras constituem um momento de oacutecio de perda de tempo nas instituiccedilotildees de

educaccedilatildeo infantil e que devem ocupar o periacuteodo de laser e de descanso Aleacutem disso as

pesquisas do GP EFoPI apontam o uso de jogos e brincadeiras como um meio de se

trabalhar conteuacutedos relativos ao ler escrever e contar (Silva 2008-2009)

CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 74

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A posiccedilatildeo do GP EFoPI eacute de que os brinquedos objetos mediadores dos jogos e

brincadeiras possibilitam agraves crianccedilas (re)inventarem a realidade despertando

curiosidade e desejo de aprender e apreender o mundo O grupo de pesquisa parte do

pressuposto de que satildeo muitas as contribuiccedilotildees do brincar para o desenvolvimento

infantil a) os jogos e brincadeiras proporcionam diversatildeo e satisfaccedilatildeo agraves crianccedilas

quando elas dominam suas caracteriacutesticas e entendem sua funccedilatildeo social b) a crianccedila vai

sofisticando seus modos e maneiras de brincar c) a crianccedila ao brincar desenvolve sua

imaginaccedilatildeo (ideias inadequadas) e agrave medida que vai entrando em contato com outras

crianccedilas e com outros adultos constroacutei uma noccedilatildeo comum sobre os modos e maneiras de

brincar Essas noccedilotildees prenhas de significaccedilotildees vatildeo sendo incorporadas pela crianccedila

aos brinquedos que subsidiam as brincadeiras de papeacuteis as representaccedilotildees do contexto

social imediato

Essa perspectiva do GP EFoPI estaacute pautada nos estudos da teoria Soacutecio-

Histoacuterico-Cultural tendo como referecircncia baacutesica as construccedilotildees teoacutericas de Vygotsky

Leontiev e Elkonin Assim na proacutexima seccedilatildeo discutirei o desenvolvimento infantil sob

a eacutegide da imaginaccedilatildeo e a brincadeira de faz de conta

211 ndash A imaginaccedilatildeo e a brincadeira de faz de conta

Um refuacutegio

Uma barriga

Um abrigo onde esconder quando estiver se

afogando da chuva ou sendo quebrado pelo

frio ou sendo revirado pelo vento

Temos um esplecircndido

passado pela frente

Para os navegantes com desejo de vento a

memoacuteria eacute o porto de partida

(Eduardo Galeano)

Nesta seccedilatildeo da tese a discussatildeo do desenvolvimento da imaginaccedilatildeo tendo como

eixo a brincadeira de faz de conta seraacute tecida a partir das elaboraccedilotildees teoacutericas e

intervenccedilotildees do GP EFoPI sob a oacutetica da perspectiva soacutecio-histoacuterico-cultural Para isso

discorro primeiro sobre como Vygotsky concebe a imaginaccedilatildeo criadora depois discuto

a relaccedilatildeo entre imaginaccedilatildeo e as brincadeiras de faz de conta a partir de alguns

CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 75

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pensadores ao longo da histoacuteria Por fim teccedilo as relaccedilotildees produzidas pelo teoacuterico russo

e seus colaboradores em especial Leontiev e Elkonin

A infacircncia e a crianccedila se transformaram em temas que a partir das uacuteltimas

deacutecadas passaram a representar um dos grandes eixos de preocupaccedilatildeo no cenaacuterio

acadecircmico nas instituiccedilotildees de educaccedilatildeo infantil e tambeacutem nas poliacuteticas puacuteblicas Mas o

campo da imaginaccedilatildeo e seu desenvolvimento na infacircncia tendo como eixo da

brincadeira de faz de conta tecircm sido ainda pouco discutidos no panorama educacional

brasileiro Isso pode ser constado nos proacuteprios documentos oficiais Tanto o Referencial

Curricular para Educaccedilatildeo Infantil (BRASIL 1998a b c) como as Diretrizes

Curriculares para a Educaccedilatildeo Infantil (BRASIL 1999) tecircm prescrito que a brincadeira

deva ser um dos eixos para o trabalho nessa fase da educaccedilatildeo baacutesica

Nesses documentos estaacute previsto que as propostas pedagoacutegicas das instituiccedilotildees

de educaccedilatildeo infantil devem incluir o luacutedico a criatividade e praacuteticas de educar e cuidar

que possibilitem a inter-relaccedilatildeo entre aspectos fiacutesicos emocionais afetivos

cognitivolinguiacutesticos e sociais da crianccedila (BRASIL 1999) Aleacutem disso a brincadeira eacute

considerada como base da linguagem da infacircncia destacando a relevacircncia do brincar

tanto em situaccedilotildees formais como informais (BRASIL 1998a) Entretanto apesar de nos

documentos oficiais a brincadeira aparecer como eixo do trabalho pedagoacutegico na

educaccedilatildeo infantil natildeo haacute clareza sobre os pressupostos teoacutericos em que esse elemento

estaacute pautado

Assim o desenvolvimento da imaginaccedilatildeo infantil acionado pela brincadeira de

faz de conta pode configurar um espaccedilo de discussatildeo muito interessante tanto do ponto

de vista teoacuterico quanto do ponto de vista da praacutetica pedagoacutegica Em especial o que se

refere agrave possibilidade de estudo sobre suas relaccedilotildees com o desenvolvimento da crianccedila

no interior dos processos de socializaccedilatildeo de (re)construccedilatildeo do real e da internalizaccedilatildeo

de modos valores e costumes da produccedilatildeo cultural

Cada periacuteodo histoacuterico constroacutei simultaneamente suas indagaccedilotildees e inquietaccedilotildees

e os modos pelos quais busca refleti-las e resolvecirc-las Assim quando relacionamos a

questatildeo da imaginaccedilatildeo e seu desenvolvimento na infacircncia alguns caminhos se

apresentaram tais como a) a imaginaccedilatildeo eacute sinocircnimo de memoacuteria b) seria a memoacuteria

um caso particular da imaginaccedilatildeo c) podemos no interior da teoria soacutecio-histoacuterico-

cultural caracterizar a imaginaccedilatildeo como funccedilatildeo psicoloacutegica superior d) como a

CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 76

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brincadeira de faz de conta possibilita o desenvolvimento da imaginaccedilatildeo e em

decorrecircncia disso o desenvolvimento do processo de criaccedilatildeo

Minha crenccedila materializada nas discussotildees do GP EFoPI e respaldada na

perspectiva soacutecio-histoacuterico-cultural eacute que a imaginaccedilatildeo se constitui como um somatoacuterio

de duas imagens (a pregressa e a atual) somatoacuterio este que possibilita a criaccedilatildeo de uma

nova imagem totalmente distinta em cada mente humana Numa equaccedilatildeo simples

diriacuteamos que a cena da imaginaccedilatildeo se estrutura com a combinaccedilatildeo de dois elementos

que resultando num terceiro constitui-se como algo totalmente novo O primeiro

elemento seria configurado por estilhaccedilos e fragmentos da memoacuteria de vivecircncias e

experiecircncias sociais que se materializam na imitaccedilatildeo o segundo seria a vivecircncia do

sujeito no momento em que decide reconstruir essa imagem e o somatoacuterio desses dois

elementos seria uma nova imagem criada pelo humano

Segundo Vygotsky (19321998) a imaginaccedilatildeo devia se constituir como uma

incoacutegnita para a psicologia associacionista jaacute que tal corrente considerava qualquer

atividade como uma combinaccedilatildeo de elementos e imagens que jaacute existiam na

consciecircncia Entretanto essa vertente teoacuterica procurou evitar esse enigma e estabeleceu

uma relaccedilatildeo de sinoniacutemia entre a imaginaccedilatildeo e as outras funccedilotildees psiacutequicas

Ao tratar da imaginaccedilatildeo os teoacutericos da velha psicologia a consideraram em duas

categorias a reprodutora e a criadora ou reconstrutiva A primeira era sinocircnimo da

proacutepria memoacuteria pois segundo a psicologia comportamental natildeo existe outro caminho

para explicar a atividade da imaginaccedilatildeo a natildeo ser supor que certa existecircncia de imagens

provoca outras associadas a ela Assim como jaacute foi destacado diante de tal

formulaccedilatildeo o problema da imaginaccedilatildeo fundia-se totalmente com o da memoacuteria sendo

por conta disso considerada como uma de suas funccedilotildees dentre muitas outras Jaacute na

segunda ndash imaginaccedilatildeo criadora ou reconstrutiva ndash a questatildeo se colocava de forma mais

complicada Isso porque a perspectiva comportamental explicava o surgimento de novas

imagens criativas como resultado de combinaccedilotildees singulares e causais de elementos Na

imaginaccedilatildeo criativa aparecem novas combinaccedilotildees desses elementos que natildeo satildeo novos

em si (Vygotsky 19321998 p 108)

Para o teoacuterico soacutecio-histoacuterico-cultural o trabalho desses psicoacutelogos foi em parte

muito importante jaacute que mostrava que os processos da imaginaccedilatildeo eram condicionados

pelos sentimentos Em outras palavras eles descobriram o substrato real da imaginaccedilatildeo

sua conexatildeo com a experiecircncia anterior com as impressotildees acumuladas No entanto o

CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 77

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outro aspecto do problema qual seja demonstrar o que constitui na imaginaccedilatildeo a base

da atividade que permite representar de forma totalmente nova em uma nova

combinaccedilatildeo todas as impressotildees acumuladas natildeo foi resolvido por eles tendo sido

apenas apresentado (Vygotsky 19321998 p 110) A psicologia associacionista

mostrou-se impotente para explicar como surge a imaginaccedilatildeo criativa Seus construtos

teoacutericos encerram contradiccedilotildees que mostram um caminho feacutertil para a necessidade de

estudo e aprofundamento sobre o tema

Vygotsky (19321998) tambeacutem questionou como os idealistas buscaram discutir

a questatildeo da imaginaccedilatildeo Para os psicoacutelogos intuitivistas toda atividade da consciecircncia

humana estaacute impregnada de um princiacutepio criativo Grosso modo se a psicologia

associacionista estabelecia uma relaccedilatildeo de sinoniacutemia entre a imaginaccedilatildeo e a memoacuteria o

idealismo procurou mostrar que a proacutepria memoacuteria nada mais eacute do que um caso

particular da imaginaccedilatildeo Partindo desse princiacutepio os subjetivistas consideraram a

percepccedilatildeo como um nuacutecleo da imaginaccedilatildeo (ibid p 112)

Em siacutentese explicar a imaginaccedilatildeo tanto do ponto de vista objetivista quanto do

ponto de vista subjetivista consiste no seguinte ambos resumiam a questatildeo de um

modo igualmente metafiacutesico uma vez que ao tomar como original a atividade

reprodutora da consciecircncia fechavam o caminho para explicar como surge a atividade

criativa no processo de desenvolvimento

O idealismo mostrou-se impotente no sentido de que atribuiacutea agrave consciecircncia uma

propriedade criativa primaacuteria incluindo assim a imaginaccedilatildeo no ciacuterculo das atividades

primaacuterias da consciecircncia que segundo os comentaacuterios dos subjetivistas satildeo proacuteprias da

consciecircncia desde o seu nascimento Um uacuteltimo aspecto para a formulaccedilatildeo do problema

da imaginaccedilatildeo de acordo com a psicologia idealista refere-se agrave questatildeo da sua natureza

que por ser muito importante foi transportada para o plano geneacutetico e reduzida agrave

questatildeo de sua prioridade (ibid p 114)

Jaacute a perspectiva psicanaliacutetica para Vygotsky (1932) traz a ideia de que a

imaginaccedilatildeo eacute primaacuteria estando presente desde o princiacutepio na consciecircncia infantil da

qual procede todo o resto da personalidade A crianccedila eacute o uacutenico ser segundo Freud que

estaacute completamente emancipado da realidade Eacute um ser que se acha submerso no prazer

cuja consciecircncia tem como funccedilatildeo principal natildeo a de refletir a realidade em que vive

mas apenas a de servir aos seus desejos e agraves suas tendecircncias sensoriais

CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 78

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Eacute interessante notar que Vygotsky (1932) tambeacutem identificou essa ideia nos

trabalhos de Piaget cujo ponto de partida para o autor soacutecio-histoacuterico consiste em que

o primaacuterio eacute a atividade da imaginaccedilatildeo ou do pensamento que natildeo se dirige pela

realidade Entretanto para o teoacuterico da Epistemologia Geneacutetica existem formas

transitoacuterias ou intermediaacuterias entre a imaginaccedilatildeo e o pensamento realista Isso se

materializa no egocentrismo infantil que representa a escala de transiccedilatildeo entre esses

dois processos Atraveacutes das formas intermediaacuterias do egocentrismo inicia-se o

desenvolvimento do pensamento loacutegico e realista movimento de transiccedilatildeo para o

estaacutegio das operaccedilotildees formais Piaget explica que o egocentrismo eacute o puro estado da

consciecircncia da pessoa que vivendo num mundo de criaccedilotildees proacuteprias natildeo conhece outra

realidade a natildeo ser a de si mesma

Assim para a perspectiva soacutecio-histoacuterico-cultural tanto a psicanaacutelise quanto a

epistemologia geneacutetica satildeo construtos teoacutericos que natildeo consideram a imaginaccedilatildeo como

uma atividade que possibilita construccedilatildeo do conhecimento e transformaccedilatildeo da realidade

por se tratar de uma funccedilatildeo psiacutequica natildeo social de caraacuteter natildeo comunicaacutevel

Para Vygotsky a imaginaccedilatildeo ndash que caracteriza uma funccedilatildeo superior ndash depende

da experiecircncia que na crianccedila vai se acumulando e aumentando paulatinamente com

peculiaridades que a diferenciam da experiecircncia dos adultos A proacutepria experiecircncia

com sua complexidade com suas (con)tradiccedilotildees e influecircncias estimula o processo

criativo visto que a atividade criadora se encontra intimamente relacionada com a

riqueza e a variedade das vivecircncias acumuladas pelo homem no interior das suas

interaccedilotildees com o mundo Como jaacute fora anteriormente mencionado a experiecircncia eacute o

material com o qual o homem ergue seus princiacutepios para a (re)construccedilatildeo e

transformaccedilatildeo do real

A simplicidade e a espontaneidade da imaginaccedilatildeo infantil que jaacute natildeo eacute livre e

tatildeo espontacircnea no jovem podem possibilitar a inferecircncia de que haacute maior riqueza na

capacidade de imaginar na infacircncia do que na idade adulta No entanto natildeo podemos

dizer que a imaginaccedilatildeo na infacircncia seja mais rica do que na adolescecircncia Ao contraacuterio

no decurso de crescimento da crianccedila a imaginaccedilatildeo tambeacutem se desenvolve alcanccedilando

seu processo criativo na idade adulta

Eacute interessante percebermos que a crianccedila ao imaginar acredita mais no fruto de

sua criaccedilatildeo controlando-a menos o que faz com que a imaginaccedilatildeo na infacircncia tenha seu

processo criativo vinculado agraves vivecircncias e experiecircncias imediatas da crianccedila Nesse

CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 79

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sentido seria mais interessante dizer que na idade adulta a imaginaccedilatildeo e o

desenvolvimento da razatildeo se tornam movimentos paralelos desaparecendo desse

modo a fantasia incondicionada da infacircncia Assim agrave medida que a crianccedila vai

crescendo sua capacidade de imaginar estaacute mais relacionada com o raciociacutenio com o

qual caminha no mesmo passo A funccedilatildeo imaginativa prossegue adaptando-se agraves

condiccedilotildees racionais subsidiando o processo de criaccedilatildeo do humano

Essa distinccedilatildeo que Vygotsky (1932) estabelece entre as caracteriacutesticas da

imaginaccedilatildeo na infacircncia e na idade adulta pode ser exemplificada na relaccedilatildeo existente

entre a produccedilatildeo literaacuteria de Monteiro Lobato e seus pequenos leitores O autor na

capacidade imaginativa criou ldquoo mundo do faz de contardquo Nessa criaccedilatildeo ndash em que

realidade e fantasia natildeo tinham fronteira definida ndash Lobato criticava a realidade de seu

tempo no qual em uma sociedade extremamente conservadora reacionaacuteria e

preconceituosa Tia Nastaacutecia a cozinheira negra tinha presenccedila direta nas decisotildees do

grupo Dona Benta com toda sua clareza e pensamento livre socializadora de

conhecimentos e representante de uma nova ordem familiar matriarcal eacute quem delibera

e encaminha as decisotildees familiares Assim o criador do Siacutetio do Pica-Pau-Amarelo em

um movimento de combinar realidade e imaginaccedilatildeo utilizou a sua obra para pensar sua

eacutepoca seu tempo Jaacute a crianccedila leitora com seus sonhos fantasias e imaginaccedilatildeo ingressa

no mundo do faz de conta de Lobato e a partir de sua imaginaccedilatildeo criadora continua a

histoacuteria da velha boneca de pano e da espiga de milho ndash a Emiacutelia e o Visconde de

Sabugosa respectivamente ndash personagens em permanente construccedilatildeo de um espaccedilo

inacabado em que a forccedila criadora ganha significado Em siacutentese enquanto em

Monteiro Lobato temos a imaginaccedilatildeo criadora caracteriacutestica da idade adulta na crianccedila

leitora de sua obra temos a imaginaccedilatildeo criadora infantil que reconstroacutei o real pelas

imagens que lhes satildeo oferecidas na tecitura da obra do autor

Um outro exemplo interessante para ilustrar o conceito vygotskyano de

imaginaccedilatildeo criadora na idade adulta pode ser materializado no pensamento do poeta e

criacutetico de arte Ferreira Gullar ldquouma das coisas que a arte eacute parece eacute a transformaccedilatildeo

simboacutelica no mundo Quer dizer o artista cria um mundo outro ndash mais bonito ou mais

intenso ou mais significativo ou mais ordenado ndash a partir da realidade imediatardquo

(Ferreira Gullar apud Nicola 1998 p11) Nesse ponto o pensamento de Gullar se

aproxima da acepccedilatildeo da criaccedilatildeo artiacutestica de Vygotsky (19301987) para quem a

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imaginaccedilatildeo criativa no campo da arte exige em alto grau a participaccedilatildeo do

pensamento realista no processo da imaginaccedilatildeo

Nessa perspectiva se a atividade criadora depende do talento pode-se

questionar se ela seria apenas prerrogativa dos que o possuem considerados escolhidos

para exercer tal atividade Entretanto se considerarmos que a criaccedilatildeo no sentido

psicoloacutegico consiste em fazer algo novo a partir das experiecircncias do meio em que o

sujeito estaacute circunscrito das fantasias dos reflexos de algum objeto do mundo exterior

de determinadas construccedilotildees do ceacuterebro ou dos sentimentos que vivem e se manifestam

somente no homem chegaremos agrave conclusatildeo de que todos podem criar em maior ou

menor grau Assim a criaccedilatildeo eacute acompanhante natural e permanente do desenvolvimento

humano da infacircncia agrave idade adulta Obviamente que esse processo estaraacute intimamente

relacionado agrave cultura na qual o sujeito estaacute inserido agraves suas experiecircncias de vida e a

partir daiacute ao modo como foi construindo suas relaccedilotildees nocom o mundo que o cerca

Aleacutem disso natildeo podemos esquecer que a imaginaccedilatildeo conforme a perspectiva

soacutecio-histoacuterico-cultural natildeo repete em formas e combinaccedilotildees iguais impressotildees

acumuladas isoladas mas (re)constroacutei (re)cria o novo a partir das impressotildees

anteriormente vivenciadas Embora imaginaccedilatildeo criadora natildeo seja sinocircnimo de memoacuteria

nela se apoia jaacute que as novas imagens soacute surgem a partir das reminiscecircncias do vivido

Por isso acreditamos como Eduardo Galeano cujo pensamento se constitui como

epiacutegrafe desta seccedilatildeo que a memoacuteria eacute o porto de partida para os navegantes com

desejo de vento ndash considerando-se aqui o vento como metaacutefora da imaginaccedilatildeo

criadora

No mundo que nos cerca existem todas as condiccedilotildees necessaacuterias para criar

Tudo que excede a rotina encerrando uma miacutenima parte de novidade tem sua origem

no processo criativo do ser humano Ao entendermos dessa forma a imaginaccedilatildeo

criadora concluiacutemos que os processos criativos se apresentam desde a mais tenra idade

contribuindo para o desenvolvimento infantil e em geral para a maturidade Por conta

disso encontramos jaacute nos primeiros anos de vida da crianccedila processos criadores que se

concretizam nos jogos e brincadeiras

Na proacutexima seccedilatildeo relacionarei aspectos sobre o desenvolvimento da imaginaccedilatildeo

a partir da brincadeira de faz de conta e os impactos dessa discussatildeo no interior do GP

EFoPI e desta tese

CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 81

ILKA SCHAPPER SANTOS

212 ndash O desenvolvimento da imaginaccedilatildeo loacutecus da brincadeira de faz de conta e

da (re)invenccedilatildeo do real

As coisas natildeo querem mais ser

vistas por pessoas razoaacuteveis

Elas desejam ser olhadas de azul

ndashQue nem uma crianccedila que vocecirc

olha de ave

Manoel de Barros

O brincar de faz de conta eacute uma atividade inerente ao humano Nele a

imaginaccedilatildeo eacute exercida e desenvolvida atraveacutes do brinquedo da brincadeira e das

histoacuterias que o compotildeem Nas brincadeiras de faz de conta satildeo recuperados os mitos os

modos os costumes e os ritos da civilizaccedilatildeo como afirma Huizinga (19381996)

Muitos foram os pensadores que discutiram o brincar relacionando-o ao

desenvolvimento da imaginaccedilatildeo Passemos agora a fiar e a tecer um diaacutelogo com eles

para depois chegarmos agrave discussatildeo dessa relaccedilatildeo na teoria soacutecio-histoacuterico-cultural

Piaget (1978) classificou os jogos em trecircs categorias jogo de exerciacutecio jogo de

regra e jogo simboacutelico ou de faz de conta Este ldquoestaacute entre os tipos de representaccedilatildeo de

objetos e eventos cuja capacidade se desenvolve no estaacutegio preacute-operacionalrdquo (Silva

2003 p 25) O autor define o jogo como atividade em que haacute uma supremacia da

assimilaccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave acomodaccedilatildeo o objeto eacute assimilado a um esquema mental jaacute

existente sem haver a acomodaccedilatildeo Isso ocorre quando a crianccedila daacute significado ao

objeto ampliando as caracteriacutesticas desse objeto sem contudo mudar os esquemas

mentais referentes a ele Ao contraacuterio do que veremos na perspectiva de Vygotsky e

seus colaboradores para Piaget a imaginaccedilatildeo natildeo eacute uma funccedilatildeo psicoloacutegica mas um

dos poacutelos do pensamento

Em siacutentese para o teoacuterico da Epistemologia Geneacutetica o jogo simboacutelico auxilia

na construccedilatildeo do pensamento como um todo transformando-se a partir da imaginaccedilatildeo

ldquocom o processo duplo de interiorizaccedilatildeo do siacutembolo na direccedilatildeo da construccedilatildeo

representativa e de um alargamento do pensamento sob a forma de imaginaccedilatildeo

criadorardquo (Silva 2003 p 119) Como disse esse movimento se daacute a partir dos

processos assimilativos

CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 82

ILKA SCHAPPER SANTOS

Tanto Piaget quanto Vygotsky concordam com a concepccedilatildeo de que a brincadeira

se estrutura a partir da accedilatildeo No entanto a diferenccedila entre os dois autores estaacute no que

caracteriza a atividade luacutedica e no conteuacutedo que se deseja representar nos jogos e

brincadeiras Na obra do autor suiacuteccedilo encontramos a ideia de que eacute da maneira como as

accedilotildees se organizam que emerge o jogo simboacutelico Jaacute para o autor russo a gecircnese da

brincadeira de faz de conta estaacute no sentido social da accedilatildeo (e na interferecircncia das suas

raiacutezes histoacutericas) que tem uma orientaccedilatildeo externa para depois ser internalizada

(Vygotsky 19301991)

O psicoacutelogo cognitivista das inteligecircncias muacuteltiplas Howard Gardner tambeacutem

discorreu sobre a relaccedilatildeo entre a brincadeira de faz de conta e a imaginaccedilatildeo Gardner

(1994 p 64) explica que essa modalidade de brincadeira eacute uma ldquometarrepresentaccedilatildeordquo

uma forma de tratar o objeto como se fosse outro Para esse autor no brincar de faz de

conta a crianccedila cria ordens representacionais em que trata nada como se fosse algo

trata algo como se fosse nada ou distorce uma propriedade de modo a trataacute-la como

propriedade Assim o sujeito que brinca ldquoestaacute operando uma recogniccedilatildeo de que o que

aparentemente eacute o estado das coisas pode ser intencionalmente posto entre parecircnteses

de modo a criar outro estado de coisas que o autor (da brincadeira) queria evocarrdquo

(ibid p 65)

O autor mostra que a capacidade de ldquometarrepresentaccedilatildeordquo manifesta no faz de

conta possibilita agravequele que brinca um movimento que transcende a habilidade direta

do pensar o mundo circunscrito na experiecircncia pois esse movimento eacute prenho de

imaginaccedilatildeo Nessa perspectiva ao imaginar as crianccedilas ldquoestatildeo aptas a visualizar um

estado de coisas contraacuterio agravequele que eacute apreendido em seus sentidos a captar aquela

atividade imaginaacuteria em formas simboacutelicas puacuteblicas e a continuar a elaborar sobre

aquela capacidade imaginaacuteriardquo (Gardner 1994 p 65)

Assim como Piaget Gardner tambeacutem relaciona o brincar de faz de conta e o

desenvolvimento da imaginaccedilatildeo No entanto tanto um quanto outro focalizam esse

desenvolvimento a partir das construccedilotildees individuais de cada sujeito desconsiderando

as questotildees sociais culturais e histoacutericas

Walter Benjamin teoacuterico da escola de Frankfurt acredita que o brincar significa

sempre libertaccedilatildeo O autor ressalta que apesar de na modernidade a crianccedila estar cada

vez mais imbricada no universo do mundo do adulto atraveacutes das brincadeiras que

envolvem o faz de conta ela cria um mundo proacuteprio manifesto pela imaginaccedilatildeo Ainda

CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 83

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que os brinquedos e brincadeiras sejam muitas vezes impostos pelos adultos o filoacutesofo

frankfurtiano adverte que a crianccedila subverte a ordem posta e transforma esse universo

da brincadeira com os elementos da imaginaccedilatildeo ldquoa crianccedila quer puxar alguma coisa e

torna-se um cavalo quer brincar com areia e torna-se padeiro quer esconder-se e

torna-se ladratildeo ou guardardquo (Benjamin 1984 p 70)

Nesse movimento mimeacutetico a crianccedila por meio da imitaccedilatildeo de outros seres

animados ou inanimados representa o real acreditando ser verdadeiramente aquilo que

sua imaginaccedilatildeo deseja Para Benjamin essas representaccedilotildees que aquele que brinca daacute

aos brinquedos na brincadeira expressam fragmentos e estilhaccedilos da cultura na qual a

crianccedila estaacute inserida Nesse ponto o filoacutesofo aproxima-se da perspectiva soacutecio-

histoacuterico-cultural de Vygotsky

Ateacute agora apresentei um panorama de algumas discussotildees sobre a imaginaccedilatildeo e

seu papel no desenvolvimento infantil a partir de alguns pensadores Para delinear

melhor os estudos teoacutericos do GP EFoPI sobre o tema discorrerei sobre as relaccedilotildees

teoacutericas que o GP teceu entre a importacircncia do desenvolvimento da imaginaccedilatildeo no

contexto da brincadeira de faz de conta a partir da perspectiva soacutecio-histoacuterico-cultural

de Vygotsky Leontiev e Elkonin

Segundo Vygotsky (19301991) a crianccedila menor tem sua accedilatildeo sobre o mundo

determinada pelo contexto perceptual e pelos objetos nele contidos Entretanto quando

ingressa na creche ou na preacute-escola vivencia por meio do universo da brincadeira de

faz de conta a possibilidade do desenvolvimento de uma importante funccedilatildeo psicoloacutegica

superior ndash a imaginaccedilatildeo ndash que lhe permite desprender-se das restriccedilotildees impostas pelo

ambiente imediato possibilitando-lhe transgredir e subverter as regras impostas por ele

Essa crianccedila agora eacute capaz de transformar o significado dos objetos modificando um

elemento da realidade em outro

Esse formato que a crianccedila atribui aos objetos representados tem implicaccedilotildees

importantes em seu desenvolvimento em especial para a (re)construccedilatildeo de sentidos e

significados sobre o mundo material em que vive Ao montar suas brincadeiras de faz

de conta a partir do contexto soacutecio-histoacuterico-cultural em que estaacute inserida ela traz

elementos novos que natildeo estavam postos nas experiecircncias passadas A criaccedilatildeo de novas

imagens no interior das imagens e vivecircncias passadas satildeo elementos importantes para

que ela possa inaugurar novas maneiras de compreender e (re)inventar a realidade que a

cerca configurando-se tambeacutem como a base da atividade criadora do homem Na

CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 84

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brincadeira de faz de conta temos o pilar do desenvolvimento da imaginaccedilatildeo que se

constitui como a base para o desenvolvimento do sujeito criativo

O processo de criaccedilatildeo humana tem sua gecircnese na imaginaccedilatildeo na capacidade que

o sujeito tem de combinar variaacuteveis e fazer uma nova leitura da realidade Para

Vygotsky (19301987) na atividade criadora a imaginaccedilatildeo e a realidade imbricando-

se estabelecem uma relaccedilatildeo dialeacutetica que possibilita a transformaccedilatildeo do homem na sua

relaccedilatildeo nocom o mundo Daiacute a importacircncia de possibilitarmos agraves crianccedilas

espaccedilostempos de brincadeiras uma vez que quanto mais elas desenvolverem sua

capacidade de imaginar mais desenvolveratildeo processos criativos

Como vimos para Vygotsky a brincadeira de faz de conta eacute caracterizada pelo

elemento da imaginaccedilatildeo Entretanto paradoxalmente essa dimensatildeo imaginaacuteria

manteacutem uma relaccedilatildeo de subordinaccedilatildeo agraves regras impostas pela realidade circundante do

sujeito O autor russo diz

Sempre que haacute uma situaccedilatildeo imaginaacuteria no brinquedo haacute regras ndash natildeo

as regras previamente formuladas e que mudam durante o jogo mas

aquelas que tecircm sua origem na proacutepria situaccedilatildeo imaginaacuteria (Vygotsky

19301991 p 108)

A crianccedila obedece agraves regras do comportamento que estaacute representando Se ela

estiver representando o papel de pai por exemplo obedeceraacute agraves regras do

comportamento paterno A relaccedilatildeo que a crianccedila estabelece com o papel representado eacute

que define as regras que utiliza para encenaacute-lo

Nesse sentido a brincadeira de faz de conta eacute o loacutecus em que a imaginaccedilatildeo na

infacircncia se manifesta e se desenvolve possibilitando agrave crianccedila tornar-se aquilo que natildeo

eacute e permitindo-lhe ultrapassar os limites postos pela realidade Um espaccedilo de

construccedilatildeo de sentidos e de significados no campo da produccedilatildeo dos saberes Esses

saberes satildeo produzidos porque a brincadeira impulsiona a crianccedila a conhecer e a

dominar os objetos e as representaccedilotildees humanas uma vez que as situaccedilotildees de

brincadeiras das crianccedilas satildeo construiacutedas a partir do contexto social que a circunda

Vygotsky (19321998 p 132) explica que

uma crianccedila natildeo se comporta de forma puramente simboacutelica no

brinquedo ao inveacutes disso ela quer e realiza seus desejos permitindo

que as categorias baacutesicas da realidade passem atraveacutes da experiecircncia

A crianccedila ao querer realiza seus desejos Ao pensar ela age As accedilotildees

internas e externas satildeo inseparaacuteveis a imaginaccedilatildeo a interpretaccedilatildeo e a

vontade satildeo processos internos conduzidos pela accedilatildeo externa

CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 85

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Procurando fundamentar a importacircncia da brincadeira de faz de conta para o

desenvolvimento infantil continuarei o diaacutelogo com outros autores que tambeacutem

trabalharam na perspectiva soacutecio-histoacuterico-cultural e que tecem importantes

contribuiccedilotildees como Leontiev e Elkonin

Aleacutexis N Leontiev foi um importante psicoacutelogo russo que trabalhou com

Vygotsky e colaborou na criaccedilatildeo da psicologia sovieacutetica que se tornou conhecida por

psicologia soacutecio-histoacuterico-cultural O autor tambeacutem pesquisou sobre os princiacutepios

psicoloacutegicos da brincadeira no desenvolvimento infantil Para o teoacuterico a brincadeira eacute

uma atividade inerente ao humano fundada a partir da percepccedilatildeo que a crianccedila tem do

seu contexto histoacuterico e cultural

Para esse autor a brincadeira eacute a principal atividade da crianccedila atividade que a

desafia a operar com os objetos e situaccedilotildees do universo do adulto que ela ainda natildeo

domina Ao antecipar accedilotildees inerentes ao mundo do adulto a crianccedila procura uma

relaccedilatildeo ativa natildeo apenas com os objetos circunscritos ao seu contexto mas tambeacutem

com o mundo mais amplo Para solucionar a contradiccedilatildeo existente entre a necessidade

de (inter)agir e a impossibilidade de realizar operaccedilotildees exigidas pelas accedilotildees a crianccedila

busca no movimento da brincadeira uma maneira de resolver tal contradiccedilatildeo

Para que possamos compreender a assertiva de Leontiev (1998) que a

brincadeira eacute a principal atividade da crianccedila faz-se necessaacuterio entender a definiccedilatildeo do

autor de atividade principal Para isso retomo a definiccedilatildeo explicitada por Arauacutejo (2008

p 37)

aquela em que eacute possibilitada a realizaccedilatildeo de conexotildees importantes

que trazem mudanccedilas no desenvolvimento psiacutequico da crianccedila e

dentro da qual se desenvolvem processos que preparam o caminho da

transiccedilatildeo da crianccedila para um novo e mais elevado niacutevel de

desenvolvimento

Assim a brincadeira de faz de conta como atividade principal do universo

infantil se constitui como um importante mecanismo do desenvolvimento global dos

processos psiacutequicos das crianccedilas no interior de suas infacircncias Segundo Leontiev

(1998) na medida em que a crianccedila se depara com uma progressiva expansatildeo da

quantidade de objetos humanos circunscritos agrave sua realidade mais o brincar torna-se sua

atividade principal pela necessidade de se apropriar do universo do mundo adulto Dito

de outro modo esse movimento impulsiona a crianccedila a dominar esse universo que se

CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 86

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configura em constante expansatildeo uma aacuterea mais ampla da realidade que soacute se torna

acessiacutevel a ela por meio da brincadeira

Em seus estudos e pesquisas Leontiev (1998) aponta que a maneira de brincar

evolui de acordo com a idade da crianccedila sendo necessaacuterio considerar as especificidades

de cada fase18

do desenvolvimento infantil Para o autor a passagem de uma etapa de

desenvolvimento para uma outra ocorre no decorrer do desenvolvimento da crianccedila

quando ela percebe que as suas (inter)relaccedilotildees com seu mundo imediato natildeo

correspondem mais agraves suas potencialidades Dessa tensatildeo haacute uma mudanccedila na

motivaccedilatildeo da atividade principal da crianccedila por conseguinte essa mudanccedila deixa a

atividade principal antes desempenhada em um segundo plano surgindo uma nova

atividade principal e propiciando um novo estaacutegio do desenvolvimento As

transformaccedilotildees que acontecem no desenvolvimento infantil em cada estaacutegio tecircm uma

relaccedilatildeo de interdependecircncia Eacute importante dizer que embora o desenvolvimento de uma

atividade principal natildeo elimine a que existia antes sua importacircncia muda na relaccedilatildeo da

crianccedila com a realidade (Arauacutejo 2008 p 38)

Leontiev (1998) assim como Vygotsky tambeacutem discorreu sobre a relaccedilatildeo entre

a imaginaccedilatildeo e o desenvolvimento infantil a partir da brincadeira de faz de conta Em

suas investigaccedilotildees o autor chegou agraves mesmas inferecircncias que Vygotsky quais sejam as

crianccedilas na brincadeira natildeo expressam o improvaacutevel ou fantaacutestico mas pautam-se em

elementos da realidade para evocar uma situaccedilatildeo luacutedica imaginaacuteria Nesse movimento

as condiccedilotildees das accedilotildees no interior do brincar em especial do brincar de faz de conta

tornam imprescindiacutevel a imaginaccedilatildeo e datildeo origem a ela (Arauacutejo 2008 p 38)

Eacute interessante notar que segundo Leontiev (1998) os objetos na situaccedilatildeo

imaginaacuteria da brincadeira mantecircm o mesmo campo de significaccedilatildeo da vida real no

entanto ganham contornos luacutedicos Nesse fluxo de significaccedilatildeo do real os sentidos e

significados compartilhados no brincar tecircm sua gecircnese na realidade circunscrita agrave vida

da crianccedila Desse modo o autor acredita que as brincadeiras das crianccedilas satildeo operaccedilotildees

reais e sociais fundadas nas atividades humanas que promovem uma melhor

compreensatildeo da realidade material

18 Eacute importante dizer que os verbetes ldquoetapardquo ldquofaserdquo e ldquoestaacutegiordquo em um vieacutes soacutecio-histoacuterico-cultural natildeo

satildeo relacionados a um desenvolvimento maturacional mas dependem das condiccedilotildees concretas em que

ocorre o desenvolvimento

CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 87

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Elkonin (1998) do mesmo modo que Vygotsky e Leontiev tambeacutem desenvolveu

estudos e pesquisas a respeito da brincadeira de faz de conta aprofundando as questotildees

referentes agrave psicologia do jogo Por conta disso tornou-se uma referecircncia para esse

campo de discussatildeo no interior da teoria soacutecio-hitoacuterico-cultural Em seu principal

trabalho Psicologia do jogo deu ecircnfase ao que intitulou de jogo protagonizado Seus

estudos tecircm como base os trabalhos de Vygotsky em especial a premissa de que a

gecircnese do jogo natildeo estaacute relacionada a uma essecircncia natural e bioloacutegica mas social

histoacuterica e cultural

Para Elkonin (1998) o jogo protagonizado (ou brincadeira de papeacuteis) tem sua

gecircnese na realidade histoacuterica e cultural natildeo se constituindo uma atividade espontacircnea

para a crianccedila mas sim uma atividade principal no dizer de Leontiev (1998) Essa

atividade principal possibilita o desenvolvimento das accedilotildees mentais tais como o

pensamento generalizante e a descontextualizaccedilatildeo Em uma brincadeira de faz de conta

a crianccedila ao interpretar determinado papel orienta sua accedilatildeo a partir dos elementos que

identifica na ldquopersonagem realrdquo O processo de descontextualizaccedilatildeo possibilita ao

sujeito no faz de conta ldquodiscriminar abstrair e isolar informaccedilotildees de sua realidade

concreta e utilizaacute-las nos contextos luacutedicos criados estabelecendo novas relaccedilotildees e

combinaccedilotildeesrdquo (Arauacutejo 2008 p 41) O desenvolvimento da conduta voluntaacuteria

constitui-se de regras que satildeo abstraiacutedas da realidade material e na brincadeira tornam-

se arbitraacuterias e voluntaacuterias possibilitando o envolvimento da crianccedila na atividade Esse

eacute um importante ponto das discussotildees de Elkonin (1998) pois ldquosubordinar-se aacutes regras

faz parte do universo da brincadeira que se mantecircm desde que todos estejam de acordo

com as regras construiacutedasrdquo (Arauacutejo 2008 p 41)

As reflexotildees que teci ateacute agora sobre a brincadeira de faz de conta podem

indicar ao leitor que elas se distinguem das brincadeiras de regras No entanto uma se

desenvolve a partir da outra Na brincadeira de faz de conta a subordinaccedilatildeo agraves regras

dos papeacuteis protagonizados pelas crianccedilas satildeo a base para que mais tarde elas possam

compreender os jogos com regras que tecircm objetivos definidos Eacute importante dizer que

nos jogos com regras os objetivos e as regras prevalecem mas o desempenho de um

papel e a situaccedilatildeo luacutedica tecircm ainda que de forma secundarizada seu lugar no

desenvolvimento da brincadeira No entanto neste trabalho os jogos de regras natildeo

seratildeo aprofundados pois o foco da discussatildeo centra-se na brincadeira de faz de conta

com crianccedilas de dois e trecircs anos de idade

CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 88

ILKA SCHAPPER SANTOS

Nas discussotildees que foram explicitadas ateacute agora fica claro que o grupo

sovieacutetico em especial Vygotsky Leontiev e Elkonin trata da questatildeo da brincadeira de

faz de conta em um vieacutes soacutecio-histoacuterico-cultural como uma siacutentese dialeacutetica das

relaccedilotildees sociais e da vida concreta das crianccedilas

As contribuiccedilotildees desses autores da teoria soacutecio-histoacuterico-cultural satildeo

fundamentais para as pesquisas do GP EFoPI e para este trabalho de tese pois nos

possibilitam pensar o desenvolvimento infantil na corrente da histoacuteria e da cultura na

qual a crianccedila estaacute inserida Aleacutem disso oportuniza refletir sobre as crianccedilas e suas

infacircncias em um espaccedilo circunscrito e compatiacutevel aos seus desejos motivaccedilotildees e

indagaccedilotildees sobre a realidade concreta Esse interregno de confluecircncias cria zonas de

conflitos e tensotildees ZPDs que propiciam agrave crianccedila aprendizagens significativas

Retomemos entatildeo o percurso A infacircncia o desenvolvimento da imaginaccedilatildeo e a

brincadeira de faz de conta foram questotildees ponderadas nesta seccedilatildeo tendo como eixo as

discussotildees teoacutericas tecidas no interior do grupo de pesquisa EFoPI e neste trabalho E o

que estas discussotildees anunciaram Anunciaram uma possibilidade de tratarmos a questatildeo

da crianccedila e suas infacircncias a partir do prisma de algo que eacute inerente ao seu

desenvolvimento a internalizaccedilatildeo e (re)construccedilatildeo do real sob a oacutetica da imaginaccedilatildeo e

da brincadeira de faz de conta

Aleacutem disso a criaccedilatildeo de uma situaccedilatildeo imaginaacuteria na brincadeira de faz de

conta no dizer de Newman e Holzman (19932002 p 119) eacute uma atividade

revolucionaacuteria que possibilita a criaccedilatildeo de ZPDs ldquoaquela distacircncia emergente e

contiacutenua entre o ser e o tornar-serdquo pois se configura como uma atividade propiciadora

de aprendizado e por conseguinte impulsionadora do desenvolvimento da crianccedila Isso

ocorre porque a crianccedila na brincadeira age de modo mais avanccedilado que o esperado

para o seu niacutevel de desenvolvimento Nesse contexto os brinquedos satildeo os artefatos do

contexto social imediato elementos mediadores que transformam o brincar em uma

atividade circunscrita agrave sua realidade social histoacuterica e cultural

Relacionando agrave concepccedilatildeo de instrumento-e-resultado e natildeo instrumento-para-

resultado de Vygotsky Newman e Holzman (19932002 p 119) fazem uma analogia e

distinguem as brincadeiras por regras-para-resultados daquelas orientadas por regras-e-

resultados ldquoo resultado imaginaacuterio informa o modo de desempenho (do brincar) tanto

quanto o desempenho informa o modo imaginaacuteriordquo Na atividade de brincar a crianccedila

encontra no brinquedo e na interaccedilatildeo com seus pares elementos que geram conflitos

CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 89

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tensotildees e transformaccedilatildeo da situaccedilatildeo imaginada indo aleacutem das suas proacuteprias

possibilidades e produzindo novos conhecimentos sobre o mundo que a cerca

Eacute importante dizer que diante desse compromisso o grupo de pesquisa decidiu

continuar o diaacutelogo e com a crenccedila de que poderia colaborar criticamente com os

profissionais da educaccedilatildeo infantil resolveu criar um espaccedilo de interlocuccedilatildeo de reflexatildeo

criacutetico-colaborativa Assim iniciou o trabalho de campo da pesquisa com sessotildees

reflexivas com 4 educadoras de uma creche municipal e com as 23 coordenadoras de

todas as creches municipais da cidade de Juiz de Fora O diaacutelogo teve como um dos

eixos as discussotildees sobre os espaccedilos que a brincadeira de faz de conta ocupava nas

creches

Isso porque os participantes do grupo de pesquisa acreditam poder contribuir

para as discussotildees das propostas pedagoacutegicas e tambeacutem para as discussotildees das praacuteticas

no interior das creches e preacute-escolas O eixo da reflexatildeo foi a brincadeira de faz de

conta como um espaccedilo feacutertil para o desenvolvimento da crianccedila que possibilita a

formaccedilatildeo de sujeitos que podem natildeo soacute descrever a partir dos esteacutereis conteuacutedos e

programas a realidade que os cerca mas tambeacutem criar novas imagens de transformaccedilatildeo

das experiecircncias cotidianas da cultura e da produccedilatildeo cientiacutefica do conhecimento

ILKA SCHAPPER SANTOS

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E

(DES)CAMINHOS TRILHADOS

Veio me dizer que eu desestruturo a linguagem Eu desestruturo

a linguagem Vejamos eu estou bem sentado num lugar Vem

uma palavra e tira o lugar de debaixo de mim Tira o lugar em

que eu estava sentado Eu natildeo fazia nada para que a palavra me

desalojasse daquele lugar E eu nem atrapalhava a passagem de

ningueacutem Ao retirar de debaixo de mim o lugar eu desaprumei

Ali soacute havia um grilo com a sua flauta de couro O grilo

feridava o silecircncio Os moradores do lugar se queixavam do

grilo Veio uma palavra e retirou o grilo da flauta Agora eu

pergunto quem desestruturou a linguagem Fui eu ou foram as

palavras E o lugar que retiraram de debaixo de mim Natildeo era

para terem retirado a mim de lugar Foram as palavras pois

que desestruturam a linguagem E natildeo eu

Manoel de Barros

Eacute Manuel de Barros que ilumina o caminho deste capiacutetulo E se me aproprio de

parte de seu corpus literaacuterio eacute porque o poeta brasileiro nos auxilia (a mim e ao leitor) a

compreender que os lugares jaacute natildeo estatildeo ldquodebaixo de noacutesrdquo Se admitimos que se faz

necessaacuterio romper com esquemas de pensamento que legitimam apenas uma forma de

fazer ciecircncia precisamos tambeacutem encontrar outros lugares para pensar sobre a

materialidade das coisas no loacutecus da pesquisa Nesse sentido como podemos pensar a

Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo nos espaccedilos das creches Como esta modalidade de

pesquisa pode auxiliar na ressignificaccedilatildeo da praacutetica pedagoacutegica dos profissionais que

atuam na educaccedilatildeo infantil na educaccedilatildeo baacutesica

Refletindo sobre essas questotildees teccedilo neste capiacutetulo o percurso metodoloacutegico da

realizaccedilatildeo deste estudo Primeiro esclareccedilo o que eacute uma Pesquisa Criacutetica de

Colaboraccedilatildeo e como ela aconteceu no interior do GP LACE e do GP EFoPI Por se

tratar de um contexto amplo explicito seus vaacuterios focos de atuaccedilatildeo ilustrando com

quadros que trazem resumidamente seus espaccedilos de produccedilotildees Apresento logo em

seguida a descriccedilatildeo dos participantes do GP EFoPI e dos colaboradores externos em

quadros ilustrativos e depois destaco como procedi na coletaproduccedilatildeo e organizaccedilatildeo

dos dados Essas informaccedilotildees tambeacutem estatildeo distribuiacutedas em quadros para melhor

visualizaccedilatildeo e compreensatildeo do leitor em relaccedilatildeo ao que foi feito no processo

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 91

ILKA SCHAPPER SANTOS

Continuo o caminho esclarecendo ao leitor sobre os procedimentos de anaacutelise e

interpretaccedilatildeo dos resultados me respaldando em categorias linguiacutestico-discursivas e de

interpretaccedilatildeo para discutir os possiacuteveis resultados do estudo Por fim mostro ao leitor os

vaacuterios momentos em que este trabalho foi avaliado No proacuteximo item apresento o

fluxograma e o desenho da pesquisa em que sintetizo as etapas realizadas nesta

investigaccedilatildeo

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 92

ILKA SCHAPPER SANTOS

Figura 01 ndash Fluxograma da Pesquisa

GRUPO DE PESQUISA LACE

PROJETO DE PESQUISA

ARGUMENTOS NA PRODUCcedilAtildeO CRIATIVA DE SIGNIFICADOS

EM CONTEXTOS ESCOLARES DE

FORMACcedilAtildeO DE EDUCADORES

O FLUXO DO SIGNIFICADO DO

BRINCAR NA CADEIA CRITATIVA ARGUMENTACcedilAtildeO E

FORMACcedilAtildeO DE EDUCADORES E PESQUISADORES

PESQUISA

GRUPO DE PESQUISA

EFoPI

EXTENSAtildeO

3 SESSOtildeES REFLEXIVAS

EDUCADORAS SOCIAIS

DAS CRECHES

1 SESSAtildeO REFLEXIVA

COORDENADORAS

CRECHE

2 ENCONTROS DO CURSO

DE EXTENSAtildeO

COORDENADORAS

CRECHES

ANAacuteLISE E

INTERPRETACcedilAtildeO DOS

DADOS

PRODUCcedilAtildeO DO

CONHECIMENTO

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 93

ILKA SCHAPPER SANTOS

Quadro 02 ndash Desenho da Pesquisa (inspirado em Fuga 2009)

Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo

Macro Contexto Argumentos na Produccedilatildeo Criativa de Significados em Contextos

Escolares de Formaccedilatildeo de Educadores

Contexto desta pesquisa GP EFoPI

Subcontextos

Creche Municipal Curso de Extensatildeo FACEDUFJF

Participantes 4 Professores de uma Creche Municipal da AMAC + Coordenadores das 23

creches da AMAC + Pesquisadores do GP EFoPI

Perguntas de

Pesquisa

Enfoque

Teoacuterico

Instrumentos

para discussatildeo

Participantes Procedimentos de

anaacuteliseinterpreta-

ccedilatildeo dos dados

Como o

processo da

argumentaccedilatildeo

desenvolvido entre

pesquisadoras e

educadoras

permite expor

sentidos e

significados sobre

a brincadeira no

movimento da

cadeia

Quais

argumentos

contribuiacuteram para

a produccedilatildeo de

significado sobre

o brincar no

movimento da

Cadeia Criativa

A Teoria

Soacutecio-Histoacuterico-

Cultural A

Cadeia Criativa

Argumentaccedilatildeo

na Retoacuterica e na

Nova Retoacuterica

Argumentaccedilatildeo

Dialoacutegica

Discussotildees

sobre o brincar

nas creches nas

sessotildees

reflexivas ndash

2006 a 2009

Discussotildees

sobre o brincar

no Curso de

Extensatildeo

Pesquisadores

do GP EFoPI e

quatro

professores de

uma creche

puacuteblica

municipal

Pesquisadores

do GP EFoPI e

vinte e trecircs

Coordenadoras

das creches

municipais

Marcas da

interaccedilatildeo

Questionamento

Instruccedilatildeo

Explicaccedilatildeo

Retomada de vozes

anteriores

Colocaccedilatildeo e

recolocaccedilatildeo de

problemas

Marcas

Argumentativas 1

Ponto de vista

Contra-argumento

Questatildeo controversa

e Acordo

Marcas

Argumentativas 2

Tipos de argumentos

ndash teoacuterico

autoridade fonte

exemplo definiccedilatildeo

comparaccedilatildeo

pragmaacutetico

Marcas

Linguiacutesticas

Decirciticos e

Operadores

argumentativos

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 94

ILKA SCHAPPER SANTOS

31 ndash A Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo no Grupo de Pesquisa Linguagem em

Atividades no Contexto Escolar (GP LACE)

Esta investigaccedilatildeo como jaacute mencionado tem como contexto o GP EFoPI em

especial as intervenccedilotildees de pesquisa e extensatildeo do grupo no periacuteodo de 2006 a 2009 Eacute

importante esclarecer que em 2006 junto com o meu ingresso no doutorado de

Linguiacutestica Aplica e Estudos da Linguagem (LAEL) o EFoPI inicia um trabalho

interinstitucional com o GP LACE em que o elo de interlocuccedilatildeo eacute a Pesquisa Criacutetica de

Colaboraccedilatildeo (Smyth 1992 John-Steiner 2000 Engestroumlm 2002 Magalhatildees 2002

2004 2006 2007 2009 Magalhatildees amp Fidalgo 2007 Liberali 2004 2006 2007

Schapper amp Silva 2009) Isto implica dizer que o GP EFoPI e por conseguinte este

trabalho de tese estatildeo estruturados sob a oacutetica do paradigma criacutetico e tecircm na

colaboraccedilatildeo seu meacutetodo de trabalho

Mas o que significa ser pesquisa criacutetica de colaboraccedilatildeo Para que o leitor possa

entender melhor a inserccedilatildeo do GP LACE do GP EFoPI bem como esta investigaccedilatildeo

na perspectiva do sintagma Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo eacute necessaacuterio fazer uma

incursatildeo sobre o que significa criacutetico e o que significa colaboraccedilatildeo

No modelo de investigaccedilatildeo da Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo o verbete criacutetica

estaacute alicerccedilado no paradigma19

criacutetico de pesquisa que emerge a partir dos anos 70 e

ganha forccedila sobretudo nos anos 80 Grosso modo este paradigma busca no

movimento de pesquisa a transformaccedilatildeo da realidade por meio da reflexatildeo fundada na

indissociabilidade entre teoria e praacutetica intersecccedilatildeo fundamental para a efetivaccedilatildeo de

mudanccedilas nos contextos pesquisados e para a produccedilatildeo do conhecimento Isso ocorre

porque a investigaccedilatildeo se estrutura a partir das necessidades reais dos participantes e do

proacuteprio grupo de pesquisa O pesquisador em um movimento de compreensatildeo ativa

19 Para Kuhn (1992) um paradigma se funda a partir de realizaccedilotildees cientiacuteficas universalmente

reconhecidas que por um certo tempo fornecem problemas e soluccedilotildees-modelo para uma comunidade de

profissionais Na contemporaneidade defende-se no universo investigativo educacional a existecircncia de

trecircs paradigmas (1) o positivista ndash fundado nos meacutetodos quantitativos e de verificaccedilatildeo de hipoacuteteses

proacuteprios das ciecircncias naturais e exatas cujo objetivo eacute controlar predizer prever explicar as formulaccedilotildees

de leis gerais a realidade material eacute uacutenica vista de forma universal e busca reproduzir os eventos

investigados (2) o interpretativo ndash baseado na ciecircncia hermenecircutica tem a convicccedilatildeo de que o real natildeo eacute

apreensiacutevel diretamente seus objetivos satildeo compreender e interpretar a realidade vista como muacuteltipla

intangiacutevel e holiacutestica o movimento investigativo eacute atravessado pela influecircncia do investigador que se

torna um construtor da realidade pesquisada e por ser passiacutevel de interpretaccedilatildeo entendida como uma

criaccedilatildeo subjetiva dos participantes envolvidos nos eventos do trabalho de campo que trazem para a cena

da pesquisa seus valores para a seleccedilatildeo do problema teoria e meacutetodos de anaacutelise e (3) o paradigma

criacutetico no qual esta pesquisa se funda e que eacute exposto no corpo do texto

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 95

ILKA SCHAPPER SANTOS

interveacutem no campo pesquisado no sentido de propiciar espaccedilos de transformaccedilotildees e

mudanccedilas Subjaz a este paradigma a inexistecircncia de verdades prontas e generalizaccedilotildees

a respeito dos contextos investigados uma vez que as verdades satildeo verossiacutemeis fiadas e

tecidas no fluxo do diaacutelogo em um contexto circunscrito agrave realidade histoacuterica e

material O processo de investigaccedilatildeo parte das reais necessidades de um dado contexto

e nesse movimento busca promover as mudanccedilas por meio de atitudes de intervenccedilatildeo

No Paradigma Criacutetico temos anaacutelises contextualizadas qualitativas imbricadas

no processo soacutecio-histoacuterico-cultural A ciecircncia sob a oacutetica desse paradigma procura

promover a transformaccedilatildeo da realidade e a investigaccedilatildeo descortina possibilidades de os

participantes analisarem os contextos nos quais estatildeo inseridos por meio da reflexatildeo

teoria-praacutetica (Freitas 2007) A dinacircmica inicial de refletir sobrena accedilatildeo possibilita

outros olhares outros posicionamentos que antes natildeo eram vislumbrados criando uma

siacutentese dialeacutetica que ganha novos contornos na triacuteade accedilatildeo-reflexatildeo-nova accedilatildeo Isso

ocorre porque haacute no movimento de investigaccedilatildeo um interesse intriacutenseco pelo

conhecimento que traz agrave tona os aspectos de alienaccedilatildeo e de dominaccedilatildeo de grupos sociais

ou de indiviacuteduos sobre outros (Fuga 2009)

Nesse contexto do Paradigma Criacutetico o verbete colaboraccedilatildeo ganha novos

contornos e institui a PCCol (Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo) criada pela Professora

Dra Maria Ceciacutelia Camargo Magalhatildees (2002 2004 2006 2007 2009) no interior do

GP LACE Nas palavras de Magalhatildees (2009 p 55)

a pesquisa criacutetica de colaboraccedilatildeo estaacute inserida em um paradigma

criacutetico que tem como objetivo intervir e transformar contextos de

modo a propiciar que os participantes aprendam por meio da

participaccedilatildeo coletiva na conduccedilatildeo da pesquisa Dessa forma a

pesquisa realiza-se como um processo de questionamento de sentidos-

significados rotinizados bem como de produccedilatildeo conjunta de novos

significados

A autora destaca que na praacutetica de pesquisa essa colaboraccedilatildeo e esse

questionamento criacutetico natildeo devem ser polarizados Por outro lado se o pesquisador

focar apenas o questionamento (sem colaboraccedilatildeo) tenderaacute agrave imposiccedilatildeo de ideias a partir

de sua autoridade afastando qualquer possibilidade de compartilhamento de sentidos e

de significados na produccedilatildeo-construccedilatildeo do conhecimento

Para a pesquisadora haacute a ideia de coautoria e de coconstruccedilatildeoproduccedilatildeo de

conhecimento entre pesquisadores e participantes no processo de transformaccedilatildeo

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 96

ILKA SCHAPPER SANTOS

circunscrito ao momento histoacuterico em que a accedilatildeo de pesquisa foi desenvolvida Isso

mostra como explicita Liberali (2008) a essecircncia da colaboraccedilatildeo como uma categoria

teoacuterico-metodoloacutegica que possibilita aos pesquisadores e participantes se posicionarem

como aprendizes no percurso investigativo Aleacutem disso materializa um meacutetodo de

pesquisa como instrumento-e-resultado e natildeo instrumento-para-resultado (Vygotsky

19301991)

Segundo Magalhatildees (2009) a colaboraccedilatildeo se estrutura em coautoria e

coconstruccedilatildeoproduccedilatildeo de pesquisadores e participantes como disse anteriormente

Contudo isso natildeo significa estabelecer uma relaccedilatildeo de simetria de conhecimento eou

semelhanccedilas de ideias representaccedilotildees sociais e valores ao contraacuterio implica tensotildees e

contradiccedilotildees (Engestroumlm 1999b) as quais geram conflitos questionamentos pontos de

vista distintos que satildeo elementos fundantes do processo criacutetico-reflexivo e por

conseguinte desencadeadores das possiacuteveis transformaccedilotildees dana praacutetica Para lidar

com essas tensotildees e conflitos a autora explica que se torna imprescindiacutevel estruturar a

linguagem pela argumentaccedilatildeo elemento tratado nesta tese Poderemos entender melhor

essa discussatildeo por suas proacuteprias palavras

eacute fundamental que sejam reconhecidas e questionadas as contradiccedilotildees

entre o objeto da atividade instrumentos e accedilotildees dos participantes

regras que embasam as relaccedilotildees e a qualidade da divisatildeo do trabalho

que conflitos sejam enfocados e trabalhados Assim eacute necessaacuterio que

a colaboraccedilatildeo organize uma linguagem que se estruture pela

argumentaccedilatildeo (Magalhatildees 2009 p 64)

A colaboraccedilatildeo eacute uma categoria que tece-fia uma estreita relaccedilatildeo com os

conceitos bakhtinianos de dialogismo exotopia e cronotopia Os desdobramentos dos

diaacutelogos tecidos entre pesquisadores e participantes no interior da praacutetica de pesquisa a

partir de um distanciamento no tempo e no espaccedilo (lugares e tempos exteriores ao

instante do processo de investigaccedilatildeo) permitem que se vejam elementos dos ldquooutrosrdquo e

do proacuteprio processo que os sujeitos no momento de construccedilatildeo-produccedilatildeo nunca

poderiam ver Nesse movimento os diversos olhares diante de um mesmo evento

possibilitam um ldquodelineamento de quadros interpretativos mais abrangentes de uma

realidade o que pode evitar conclusotildees unilaterais na produccedilatildeo e leitura dos dadosrdquo

(Fuga 2009) Aleacutem disso promove no jogo dialoacutegico uma compreensatildeo ativa-

responsiva entre sujeitos que transformam a realidade e por ela satildeo transformados

Na proacutexima seccedilatildeo discutirei como essa referecircncia paradigmaacutetica da PCCol tem

orientado de forma geral as accedilotildees do GP EFoPI

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 97

ILKA SCHAPPER SANTOS

32 ndash A Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo no Grupo de Pesquisa Educaccedilatildeo

Formaccedilatildeo de professores e Infacircncia (GP EFoPI)

O GP EFoPI iniciou o trabalho de investigaccedilatildeo com accedilotildees fundadas na Pesquisa

Criacutetica de Colaboraccedilatildeo (PCCol) em 2006 a partir de um projeto interinstitucional com

o GP LACE Assim a tocircnica das pesquisas passou a ser no pesquisador que natildeo soacute

interveacutem mas tambeacutem sofre influecircncia no processo de intervenccedilatildeo entendendo que ele

pesquisa porque pergunta questiona e na compreensatildeo do grupo satildeo as perguntas que

o fazem avanccedilar no processo de produccedilatildeo do conhecimento cientiacutefico

A perspectiva criacutetica possibilita aos participantes espaccedilos de reflexatildeo-

transformaccedilatildeo e elementos para a (re)construccedilatildeo de seus discursos e de suas accedilotildees com

base no diaacutelogo nas praacuteticas discursivas formando uma Cadeia Criativa na qual um

texto entrecruzado com outros criam novos textos em novas praacuteticas discursivas que

se configuram em novas accedilotildees

No processo de colaboraccedilatildeo todos os participantes da pesquisa podem dizer

sobre suas vivecircncias e experiecircncias suas compreensotildees suas concordacircncias e

discordacircncias em relaccedilatildeo a seu proacuteprio discurso e dos outros participantes (Magalhatildees

1994) Aleacutem disso essa perspectiva possibilita problematizar as accedilotildees cotidianas

repensar e ressignificar o que eacute familiar o conhecido o realizado sob a oacutetica dos

conceitos do cotidiano criando espaccedilo para a compreensatildeo ativa dos conceitos

cientiacuteficos

A ecircnfase estaacute na participaccedilatildeo de cada um dos envolvidos e na contribuiccedilatildeo de

reciprocidade para o grupo No caso da formaccedilatildeo dos profissionais da creche a

diversidade de conhecimentos formaccedilatildeo possibilidades quanto ao tempo disponiacutevel

tem levado agrave diversidade de atuaccedilatildeo na pesquisa A accedilatildeo dos pesquisadores da

universidade e dos profissionais das creches na investigaccedilatildeo das proacuteprias accedilotildees eacute

compreendida e examinada como um processo de colaboraccedilatildeo criacutetica Nesse contexto

os participantes analisam praacuteticas refutam refletem e argumentam para tecer e fiar as

accedilotildees cotidianas e compreender os interesses que embasam suas praacuteticas pedagoacutegicas

Aleacutem disso tecircm sido respeitadas nesse processo colaborativo as negociaccedilotildees

desenvolvidas por parte dos pesquisadores e dos profissionais dessas instituiccedilotildees por

meio do dispositivo da argumentaccedilatildeo

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 98

ILKA SCHAPPER SANTOS

A opccedilatildeo do GP EFoPI por este modelo de investigaccedilatildeo deve-se agrave crenccedila de que a

formaccedilatildeo profissional natildeo pode mais se restringir aos espaccedilos formais e escolarizados

organizados com esse fim Ela precisa ser concebida como algo que pode se dar antes

durante e depois do processo formal como espaccedilos de reflexatildeo sobre o proacuteprio trabalho

em seu proacuteprio contexto de produccedilatildeo

A Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo no GP EFoPI e nesta tese se insere na

abordagem qualitativa com enfoque soacutecio-histoacuterico-cultural uma vez que

() aceptamos la naturaleza diferenciada del objeto de investigacioacuten

de las ciencias sociales y humanas el cual es un sujeto interactivo

motivado e intencional que assume una posicioacuten frente a las tareas

que enfrenta La investigacioacuten sobre este sujeto no puede ignorar estas

caracteriacutesticas generales La investigacioacuten en las ciencias humanas es

entre otras cosas un proceso de comunicacioacuten entre investigador e

investigado un diaacutelogo permanente que toma diferentes formas en el

curso de este proceso (Rey 1999 p 57)

Essa perspectiva eacute marcada como sinaliza Rey pela interaccedilatildeo pelo diaacutelogo e

pelo compromisso de mudanccedila e transformaccedilatildeo estabelecido entre os participantes da

investigaccedilatildeo que se comprometem com o processo e natildeo somente com os resultados da

pesquisa Nesse enfoque mais do que compreender a realidade os participantes tecircm

principalmente preocupaccedilatildeo em transformaacute-la

Freitas (2003) a partir de um diaacutelogo com Bogdan amp Biklen (1994) diz que a

pesquisa qualitativa de base histoacuterico-cultural se caracteriza pelos seguintes aspectos

A fonte dos dados eacute o texto (contexto) no qual o acontecimento emerge focalizando o

particular enquanto instacircncia de uma totalidade social Procura-se portanto

compreender os sujeitos envolvidos na investigaccedilatildeo para atraveacutes deles compreender

tambeacutem o seu contexto

As questotildees formuladas para a pesquisa natildeo satildeo estabelecidas a partir da

operacionalizaccedilatildeo de variaacuteveis mas se orientam para a compreensatildeo dos fenocircmenos

em toda a sua complexidade e em seu acontecer histoacuterico Isto eacute natildeo se cria

artificialmente uma situaccedilatildeo para ser pesquisada mas vai-se ao encontro da situaccedilatildeo

no seu acontecer no seu processo de desenvolvimento

A ecircnfase da atividade do pesquisador situa-se no processo de transformaccedilatildeo e

mudanccedila em que se desenrolam os fenocircmenos humanos procurando reconstruir a

histoacuteria de sua origem e de seu desenvolvimento

O pesquisador eacute um dos principais instrumentos da pesquisa porque sendo parte

integrante da investigaccedilatildeo sua compreensatildeo se constroacutei a partir do lugar soacutecio-

histoacuterico no qual se situa e depende das relaccedilotildees intersubjetivas que estabelece com

os sujeitos com quem pesquisa

O criteacuterio que se busca numa pesquisa natildeo eacute a precisatildeo do conhecimento mas a

profundidade da penetraccedilatildeo e a participaccedilatildeo ativa tanto do investigador quanto do

investigado Disso resulta que pesquisador e pesquisado tecircm oportunidade para

refletir aprender e ressignificar-se no processo de pesquisa (Freitas 2003 p 27-28)

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 99

ILKA SCHAPPER SANTOS

Dentro desse quadro de caracteriacutesticas natildeo poderia deixar de relacionaacute-lo como

o faz Freitas agrave teoria enunciativa da linguagem de Mikhail Bakhtin Para Bakhtin

(1987 p 403) as ciecircncias exatas que tecircm o paradigma positivista como referente de

pesquisa se constituem como forma monoloacutegica do conhecimento pois a compreensatildeo

do fenocircmeno pesquisado daacute-se no movimento de o intelecto contemplar uma coisa e

pronunciar-se sobre o objeto analisado Este eacute ldquocoisa mudardquo no dizer do autor e

produz o conhecimento monoloacutegico Numa leitura bakhtiniana podemos inferir (eu e o

leitor) que o sujeito sendo da linguagem natildeo pode permanecer emudecido pois como

sujeito da enunciaccedilatildeo estabelece nocom o mundo uma relaccedilatildeo dialoacutegica Essa relaccedilatildeo

se materializa na comunicaccedilatildeo verbal posto que um enunciado eacute sempre acompanhado

de uma atitude responsiva ativa Ou seja ldquotoda compreensatildeo eacute prenha de resposta e de

uma forma ou de outra forccedilosamente a produz o ouvinte torna-se locutorrdquo (Bakhtin

1987 p 290)

O processo de pesquisa nessa perspectiva eacute dialeacutetico Os participantes se

revezam nos posicionamentos ora de ouvinte ora de locutor no fluxo dialoacutegico da

linguagem Eacute nesse movimento dialeacutetico de ouvinte-locutor que o enunciado no

(con)texto de produccedilatildeo da investigaccedilatildeo ganha novas formas de expressatildeo e novas

construccedilotildees coletivas

Contreras (2002) explica que o professor natildeo se constitui como um profissional

reflexivo sozinho de maneira isolada pois a reflexatildeo eacute um processo coletivo e

acrescentamos dialoacutegico Nessa perspectiva refletir criticamente possibilita que o

educador analise de forma problematizadora as condiccedilotildees sociais histoacutericas e materiais

nas quais se estruturaram sua praacutetica educativa

Smyth (1992) propotildee aos professores questotildees que auxiliam nesse processo

criacutetico-reflexivo

De onde procedem historicamente as ideias que eu incorporo em minha praacutetica de

ensino

Como cheguei a apropriar-me delas

Por que ainda continuo respaldando o meu trabalho nelas

A que interesses servem

Que relaccedilotildees de poder estatildeo imbricadas

Como estas ideias influem no meu relacionamento com os alunos

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 100

ILKA SCHAPPER SANTOS

Nesta pesquisa tais consideraccedilotildees e questionamentos reforccedilaram a compreensatildeo

dos participantes de que a colaboraccedilatildeo visa ao desenvolvimento de novos

conhecimentos novas compreensotildees e possibilidades de accedilatildeo para todos os sujeitos nela

envolvidos

Para Smyth (1992) o processo reflexivo abarca quatro accedilotildees indissociaacuteveis que

estatildeo ligadas a certos tipos de perguntas que possibilitam refletir criticamente Ao

descrever suas accedilotildees em resposta a uma pergunta ndash o que faccedilo ndash o participante se

distancia delas e passa a se questionar sobre as razotildees das escolhas feitas Isto contribui

inicialmente para o favorecimento de um diaacutelogo com os professores promovendo o

reconhecimento e a anaacutelise dos fatores que limitam a sua atuaccedilatildeo e a possibilidade de

verem a si mesmos como capazes de levar a cabo a transformaccedilatildeo da praacutetica e dos

valores educativos Natildeo basta criticar a realidade mas mudaacute-la Para isso o autor

organizou como apontado acima um ciclo de quatro fases que representam as accedilotildees que

os docentes deveriam adotar descrever informar confrontar e reconstruir Eacute

importante esclarecer que essas fases natildeo satildeo etapas hierarquizadas podendo ocorrer

concomitantemente

Quadro 03 Accedilotildees e questotildees relativas ao processo reflexivo (Smyth 1992)20

Actions Questions

Describe What do I do

Inform What does this mean

Confront How did I come to be like this

Reconstruct How might I do things differently

20 Descrever O que faccedilo

Informar O que isso significa

Confrontar Como eu cheguei a ser assim

Reconstruir Como eu poderia fazer as coisas diferentemente

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 101

ILKA SCHAPPER SANTOS

Quadro 04 - Accedilotildees e questotildees relativas ao processo reflexivo construiacutedas pelo EFoPI a

partir de Smyth (1992)

Siacutentese do Processo de Reflexatildeo do Grupo de Pesquisa EFoPI

Accedilotildees Questotildees

Descrever O que faccedilo

Informar Qual o significado das minhas accedilotildees

Confrontar A que interesses minha praacutetica estaacute servindo

Reconstruir Como vocecirc organizaria essa atividade de

outra maneira Por quecirc

Segundo Liberali (2004) o descrever estaacute relacionado agrave descriccedilatildeo da accedilatildeo para

que esta fique clara aos participantes Esta forma de accedilatildeo estaacute relacionada ao

questionamento ldquoo que faccedilordquo Na descriccedilatildeo concreta das accedilotildees eacute possiacutevel tornar

evidente o que estaacute por traacutes de cada uma delas e abrir caminho para o informar Nesta

accedilatildeo haacute uma revisita ao descrever para compreender as teorias que foram sendo

construiacutedas pelo professor ao longo da vida e que influenciaram as suas praacuteticas O

educador procura responder sobre ldquoqual o significado de suas accedilotildeesrdquo A resposta abre

caminho para o confrontar das accedilotildees com base na compreensatildeo delas e natildeo na sugestatildeo

de novos procedimentos e modelos de atividades Envolve natildeo somente a busca das

inconsistecircncias da praacutetica entre preferecircncias pessoais e modos de agir como tambeacutem

remete a questotildees poliacuteticas como por exemplo ldquoa que interesses minha praacutetica estaacute

servindordquo Eacute no confrontar que eacute possiacutevel perceber como os discursos e as praacuteticas que

ocorrem fora das creches influenciam o modo de agir dentro delas Essa postura abre as

portas para o reconstruir no qual buscamos alternativas para a praacutetica educativa na

reflexatildeo de cada accedilatildeo com base nos diaacutelogos e informaccedilotildees ocorridos nas sessotildees

reflexivas a partir de questotildees do tipo de ldquoComo vocecirc organizaria essa atividade de

outra maneira Por quecircrdquo entre outras (Liberali 2004)

Atentando e concordando com essas premissas os procedimentos para a

consecuccedilatildeo dos objetivos da pesquisa em questatildeo pautaram-se inicialmente no

desenvolvimento de sessotildees reflexivas21

com a participaccedilatildeo dos pesquisadores externos

21 As sessotildees reflexivas satildeo pensadas como contextos em que satildeo criadas oportunidades para a construccedilatildeo de

significados sobre a praacutetica docente em colaboraccedilatildeo com um pesquisador externo caracterizando-se como sessotildees de

discussatildeo (Szundy 2005 p 90)

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 102

ILKA SCHAPPER SANTOS

(professores da universidade mestrandos e bolsistas de iniciaccedilatildeo cientiacutefica) e quatro

educadoras de uma creche puacuteblica do Municiacutepio de Juiz de Fora no ano de 2006 Aleacutem

disso as 23 coordenadoras das 23 creches puacuteblicas da cidade mineira participaram de

um curso de extensatildeo e sessotildees reflexivas no periacuteodo de 2007 a 2009

O enfoque metodoloacutegico possibilitou que o grupo elaborasse uma proposta que

pudesse dar subsiacutedios para o trabalho de pesquisa com os 4 professores de uma creche e

as 23 coordenadores no periacuteodo de 2006 a 2009 A proposta abrangeu as seguintes

accedilotildees (1) 12 sessotildees reflexivas com 4 professores de uma das creches municipais da

AMAC em 2006 (2) 10 encontros com os 23 coordenadores da AMAC no curso de

extensatildeo intitulado ldquoEspaccedilo de Reflexatildeo Teoacuterico-Praacutetico em Contexto de

Colaboraccedilatildeordquo em 2007 (3) 8 sessotildees reflexivas com os 23 coordenadores da AMAC

nos anos de 2008 e 2009

Voltando agrave discussatildeo que Magalhatildees (2002 2004 2009) tece sobre coautoria e

coconstruccedilatildeo entre participantes e pesquisadores no processo de construccedilatildeo-produccedilatildeo

de conhecimento no GP EFoPI estes atuaram para a formaccedilatildeo buscando trazer

subsiacutedios agrave transformaccedilatildeo da praacutetica daqueles envolvidos nas pesquisas Jaacute os

professores e coordenadores participantes trouxeram respostas (e muitas vezes

perguntas) para o grupo de pesquisadores Tal processo de argumentaccedilatildeo dialoacutegica

possibilitou a reflexatildeo na siacutentese dialeacutetica teoria-praacutetica enriquecendo a ldquoarquiteturardquo

do fazer-pensar pedagoacutegico em ambas as comunidades Esse movimento imbricado nas

contribuiccedilotildees dessas duas comunidades incidiu de maneira positiva na produccedilatildeo de

conhecimento Em siacutentese um movimento que possibilitou a todos a aprendizagem-

desenvolvimento isto eacute um contexto de empoderamento (Magalhatildees amp Fidalgo 2007)

Segundo Magalhatildees (2009) na colaboraccedilatildeo existem diferentes modos e niacuteveis

de participaccedilatildeo dos envolvidos que nem sempre participam de todos os momentos da

conduccedilatildeo da pesquisa por motivos diversos Minha participaccedilatildeo nas duas uacuteltimas

pesquisas do GP EFoPi ocorreu por volta de fevereiro de 2006 momento em que a

equipe firmava o compromisso de realizar o trabalho com as 4 educadoras de uma das

creches puacuteblicas municipais de Juiz de Fora O fluxo do trabalho nesse periacuteodo foi

intenso pois o grupo iniciava a parceria com GP LACE e aprofundava seus estudos na

metodologia de Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo

Participei de todas as reuniotildees de planejamento das 12 sessotildees reflexivas no

acircmbito da UFJF Nessa etapa os pesquisadores jaacute tinham organizado o material de

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 103

ILKA SCHAPPER SANTOS

estudos As discussotildees se pautavam em torno de investigar as atividades que envolviam

a brincadeira no contexto da creche analisada

Como abordado por Liberali (2008) para alguns pesquisadores juniores no caso

Patriacutecia Cestaro22

e para mim a tarefa de conduzir as sessotildees reflexivas soacute foi

consolidada por conta da ausecircncia da coordenadora do grupo de pesquisa em funccedilatildeo de

problemas de sauacutede na famiacutelia Essa situaccedilatildeo tornou as duas pesquisadoras mais

responsaacuteveis e mais engajadas nas intervenccedilotildees seguintes do GP EFoPI criando para

noacutes possibilidades de ter uma compreensatildeo ativa na praacutetica de pesquisa

Minha funccedilatildeo naquele momento centrava-se em responder as duacutevidas

metodoloacutegicas relacionadas agrave Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo Isso porque jaacute

participava ativamente das discussotildees do GP LACE na PUC e tambeacutem porque cursava

uma disciplina com a Profa Dra Maria Ceciacutelia Magalhatildees cujo principal conteuacutedo eram

as discussotildees da PCCol

No ano de 2007 realizamos o curso de extensatildeo intitulado ldquoEspaccedilo de Reflexatildeo

Teoacuterico-Praacutetico em Contexto de Colaboraccedilatildeordquo para as 23 coordenadoras das 23

creches municipais Jaacute em 2008 e 2009 centramos nossas accedilotildees em 8 sessotildees

reflexivas com as mesmas coordenadoras Nesse periacuteodo participei ativamente tanto no

curso quanto nas sessotildees em reuniotildees de estudos teoacutericos e planejamento de todas as

atividades do grupo realizadas com as coordenadoras Assim minha observaccedilatildeo e

intervenccedilatildeo aconteceram de forma direta e depois de forma indireta por meio das

gravaccedilotildees em viacutedeo a mim repassadas para tecer as anaacutelises e interpretaccedilotildees que datildeo

subsiacutedios agraves discussotildees desta tese As discussotildees deste trabalho estatildeo portanto

pautadas em uma investigaccedilatildeo longitudinal que fiz a partir das intervenccedilotildees do GP

EFoPI com educadores e coordenadores das creches municipais de Juiz de Fora

Acredito que minha accedilatildeo colaborativa com o GP EFoPI ficou circunscrita a

vaacuterios contextos (1) discussotildees teoacuterico-metodoloacutegicas com o grupo que resultaram em

apresentaccedilotildees de trabalho e escrita de vaacuterios artigos publicados no acircmbito nacional e

internacional em coautoria com a coordenadora do grupo o que possibilitou repensar as

nossas accedilotildees nas pesquisas do GP EFoPI (2) planejamento e execuccedilatildeo do curso de

extensatildeo e das sessotildees reflexivas com os professores e os coordenadores da creches (3)

22 Eacute mestre em educaccedilatildeo pesquisadora do GP EFoPI e professora da rede municipal do municiacutepio de Juiz

de Fora Atualmente trabalha na Secretaria de Educaccedilatildeo no Departamento de Educaccedilatildeo Infantil

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 104

ILKA SCHAPPER SANTOS

participaccedilatildeo em bancas de trabalhos de bacharelado de algumas bolsistas de iniciaccedilatildeo

cientiacutefica integrantes do grupo de pesquisa (4) elo de intersecccedilatildeo materializado

principalmente nesta tese entre os GP EFoPI e o GP LACE

Os caminhos do GP EFoPI demandaram a inserccedilatildeo em diferentes espaccedilos fiacutesicos

para que o trabalho pudesse ser realizado espaccedilos esses que estiveram interligados ndash

acircmbito da UFJF e da AMAC ndash natildeo havendo possibilidade de discorrer apenas sobre um

deles jaacute que o GP EFoPI era pensado em cada parte para se constituir como totalidade

Desse modo no proacuteximo item apresento os diversos contextos que configuram o GP

EFoPI no periacuteodo de 2006 a 2009 em especial os contextos e as atividades que estatildeo

circunscritas a este trabalho

33 ndash Espaccedilos-tempo de uma construccedilatildeo coletiva caracterizaccedilatildeo do(s) contexto(s)

de pesquisa

Nesta pesquisa discuto como jaacute disse anteriormente como a argumentaccedilatildeo

desenvolvida entre pesquisadores e professores do GP EFoPI permite expor sentidos e

significados sobre a brincadeira no movimento da Cadeia Criativa Aleacutem disso procuro

identificar quais argumentos satildeo utilizados no espaccedilo discursivo e investigar se eles

possibilitam o compartilhamento de sentidos e de significados sobre o brincar

Para que o leitor possa melhor compreender o contexto de produccedilatildeo apresento a

seguir os dois projetos do GP EFoPI que configuram o material de anaacutelise deste

trabalho (1) A verticalizaccedilatildeo e a horizontalizaccedilatildeo do espaccedilo da sala de educaccedilatildeo

infantil ndash 2006-2007 e (2) Espaccedilo de reflexatildeo criacutetica em contexto de colaboraccedilatildeo

reconstruindo os sentidos e os significados da praacutetica educativa na creche Essa

descriccedilatildeo seraacute realizada porque acredito que como explica BakhtinVolochinov (1988

p 129) eacute imprescindiacutevel agrave anaacutelise da linguagem a compreensatildeo ldquodas formas e dos tipos

de interaccedilatildeo verbal em ligaccedilatildeo com as condiccedilotildees concretas em que se realizardquo

331 ndash Projeto de 2006-2007 A verticalizaccedilatildeo e a horizontalizaccedilatildeo do espaccedilo da sala

de educaccedilatildeo infantil

Este projeto buscou estudar o espaccedilo das creches bem como as vivecircncias e

saberes que se estabelecem nas salas de atividades23

de educaccedilatildeo infantil em especial

23 Usaremos a expressatildeo sala de atividades em substituiccedilatildeo agrave sala de aula por ser um termo comumente

utilizado quando se trata de crianccedilas de 0-6 anos

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 105

ILKA SCHAPPER SANTOS

aqueles relacionados agraves brincadeiras A questatildeo investigada foi assim delineada O que

dizem os limites da sala de atividades de educaccedilatildeo infantil tanto do ponto de vista

vertical ndash as paredes ndash quanto do ponto de vista horizontalizado ndash o chatildeo

O processo de reflexatildeo sobre esses aspectos nos levou ao desdobramento da

questatildeo central

- Observar o desenvolvimento das experiecircncias infantis orientadas pelo

educadorprofessor na sala de atividades da creche em especial aquelas relacionadas

agraves brincadeiras

- Conhecer como satildeo organizadas e documentadas essas experiecircncias infantis pelo

educadorprofessor e pelas proacuteprias crianccedilas Quais atividades satildeo selecionadas para

serem desenvolvidas no chatildeo da sala e quais satildeo escolhidas para serem afixadas nas

paredes

- Desencadear a reflexatildeo do educadorprofessor acerca das experiecircncias infantis por

ele orientadas e o significado que o pensar sobre elas tem para o desenvolvimento

infantil e para a ressignificaccedilatildeo24

de sua praacutetica educativa

O interesse do GP EFoPI pelo tema em questatildeo origina-se dos resultados das

pesquisas anteriormente desenvolvidas em escolas de educaccedilatildeo infantil dentre as quais

ldquoO brincar de faz-de-conta e a imaginaccedilatildeo infantil concepccedilotildees e praacuteticas do professorrdquo

e ldquoConcepccedilatildeo de qualidade em educaccedilatildeo infantil um estudo de casordquo A primeira estaacute

documentada na tese de doutorado da coordenadora do GP EFoPI professora Dra Leacutea

S P Silva e a uacuteltima encontra-se registrada no livro ldquoUma experiecircncia de pesquisa

formaccedilatildeo e intervenccedilatildeo em educaccedilatildeo infantilrdquo lanccedilado no mecircs de junho de 2005 pela

editora FEME ndash UFJF

Objetivos

Pretendiacuteamos investigar o que revelavam os limites da sala de atividades de

educaccedilatildeo infantil tanto do ponto de vista vertical ndash as paredes ndash quanto do ponto de

vista horizontalizado ndash o chatildeo ndash sobre as vivecircncias e saberes que se estabelecem nas

salas de atividades de educaccedilatildeo infantil em especial aqueles relacionados agraves

brincadeiras

24 O termo ressignificaccedilatildeo vem de re + significar que pode ser entendido como significar outra vez dar

outra vez significado tornar a significar conferir novo significado

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 106

ILKA SCHAPPER SANTOS

Objetivos especiacuteficos

- Compreender como estaacute organizada a documentaccedilatildeo das experiecircncias educativas

realizadas

- Observar em que medida as informaccedilotildees visuais realizadas e apresentadas nas paredes

valorizam o ato autocircnomo e criativo na apropriaccedilatildeo do espaccedilo-ambiente

- Investigar qual a concepccedilatildeo de linguagem revelada no espaccedilo-ambiente da sala de

atividades nos eixos de trabalho e nos aspectos que estatildeo sendo trabalhados com a

crianccedila no acircmbito do brincar

EstrateacutegiasMetodologia

A escolha de uma metodologia de pesquisa na maioria das vezes natildeo eacute faacutecil

para o pesquisador Destaca-se na instacircncia da decisatildeo a importacircncia dos pressupostos

teoacutericos adotados e o tipo de fenocircmeno que se pretende estudarintervir Ao

desconsiderar tais aspectos podemos correr o risco de ganhar em rigor e perder a

interlocuccedilatildeo e vice-versa Portanto entendemos no GP EFoPI que os caminhos satildeo

demarcados pela questatildeo investigada embora eles possam ser (re)construiacutedos pelo

pesquisador com a colaboraccedilatildeo do referencial teoacuterico abordado e na interaccedilatildeo com os

participantes da pesquisa

Eacute sabido que cada pesquisador ao elaborar um projeto de pesquisa tem as suas

convicccedilotildees influenciadas pela quantidade e qualidade de informaccedilotildees que tem sobre

uma aacuterea do conhecimento Portanto as suas crenccedilas satildeo resultado das informaccedilotildees de

que dispotildee sobre um determinado assunto ou tema somadas agraves suas experiecircncias de

vida

Para subsidiar esta pesquisa contamos com a literatura que aborda o tema

espaccedilo-ambiente como um dos elementos fundamentais para uma pedagogia da

educaccedilatildeo infantil dentre as quais se destacam Zabalza (1998) e Vintildeao Frago amp

Escolano (1999) A leitura de trabalhos de Vygotsky Leontiev e Elkonin sobre o

desenvolvimento da imaginaccedilatildeo infantil e a brincadeira possibilitaram a compreensatildeo

das vivecircncias e saberes que se estabelecem nas salas de atividades de educaccedilatildeo infantil

atraveacutes das interaccedilotildees crianccedila-crianccedila e crianccedila-adulto-crianccedila no espaccedilo-ambiente

escolar no acircmbito das brincadeiras

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 107

ILKA SCHAPPER SANTOS

Para desenvolver o estudo de forma criacutetica e reflexiva optamos pela Pesquisa

Criacutetica de Colaboraccedilatildeo

Os sujeitos da investigaccedilatildeo foram 04 professoras e seus alunos no contexto da

sala de atividades de escolas puacuteblicas de educaccedilatildeo infantil da cidade de Juiz de Fora As

estrateacutegias adotadas foram

Procedimentos metodoloacutegicos

a) Instrumentos

- Sessotildees Reflexivas com os professores

- Observaccedilatildeo do dia a dia escolar nas salas de atividades

b) Organizaccedilatildeo e planejamento

- Visita agraves escolas visando agrave apresentaccedilatildeo dos objetivos da pesquisa por meio de

entrevista com os professores e coordenador pedagoacutegico

- Organizaccedilatildeo planejamento e construccedilatildeo dos roteiros das sessotildees reflexivas e das

observaccedilotildees

- Montagem do cronograma das observaccedilotildees do dia a dia escolar e das sessotildees

reflexivas com os professores

O quadro abaixo apresenta o cronograma do planejamento das accedilotildees do ano de

2006 e 2007

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 108

ILKA SCHAPPER SANTOS

Quadro 05 - Cronograma do planejamento das accedilotildees do GP EFoPI nos anos de 2006 e

2007

Accedilotildees 2006 2006 2007 2007

Estudo da literatura X X X X

Apresentaccedilatildeo da proposta de

pesquisa agraves creches de educaccedilatildeo

infantil e professores

X

Organizaccedilatildeo planejamento e

construccedilatildeo das sessotildees reflexivas e

das observaccedilotildees

X

Montagem do cronograma das

observaccedilotildees do dia a dia escolar e

das sessotildees reflexivas com os

professores

X

Realizaccedilatildeo das 12 sessotildees reflexivas

com os educadores

X

X

Observaccedilatildeo do dia a dia escolar das

crianccedilas na sala de atividades com

registro

X X

Realizaccedilatildeo do Curso de Extensatildeo

intitulado ldquoEspaccedilo de reflexatildeo

Teoacuterico-Praacutetico em Contexto de

Colaboraccedilatildeo nas Crechesrdquo

X X

Transcriccedilatildeo das sessotildees reflexivas X X

Anaacutelise dos dados X X

Relatoacuterio Final X X

Publicaccedilatildeo X X

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 109

ILKA SCHAPPER SANTOS

332 ndash Projeto de 2008-2009 Espaccedilo de reflexatildeo criacutetica em contexto de colaboraccedilatildeo

reconstruindo os sentidos e os significados da praacutetica educativa na creche

A origem do interesse pelo tema deste projeto de pesquisa encontrou-se nos

resultados da pesquisa anterior desenvolvida pelo GP EFoPI em espaccedilos de educaccedilatildeo

infantil em um das creches municipais sob o tiacutetulo ldquoA verticalizaccedilatildeo e a

horizontalizaccedilatildeo do espaccedilo da sala de educaccedilatildeo infantilrdquo desenvolvida com a

aprovaccedilatildeo dos programas PIBIC e BIC da UFJF em 2006-2007 descrita anteriormente

Os resultados dessa pesquisa jaacute foram apresentados em relatoacuterio enviado agrave Proacute-

Reitoria de Pesquisa da UFJF e tambeacutem nas publicaccedilotildees de eventos de natureza

cientiacutefica e em perioacutedicos25

Tais resultados apontaram para a urgecircncia de pesquisas que

possibilitassem a reflexatildeo criacutetica dos participantes e consequentemente a formaccedilatildeo de

todos os profissionais comprometidos com a educaccedilatildeo de crianccedilas pequenas Por essa

razatildeo o principal objetivo desta investigaccedilatildeo foi desencadear a reflexatildeo criacutetica e a accedilatildeo

colaborativa entre coordenadoras de 23 creches municipais e pesquisadores externos

representados pelos integrantes do GP EFoPI sobre as atividades educativas que se

apresentavam na rotina da creche

Objetivos

- Desencadear a reflexatildeo criacutetica e a accedilatildeo colaborativa dos coordenadores de creche

responsaacuteveis pelo planejamento e execuccedilatildeo das accedilotildees administrativas e pedagoacutegicas e

dos pesquisadores externos26

no espaccedilo da creche acerca das experiecircncias infantis e do

sentido que o pensar sobre elas tem para o desenvolvimento infantil e para a

(re)construccedilatildeo da accedilatildeo na praacutetica educativa em especial aquelas relacionadas agraves

brincadeiras

- Promover espaccedilos de reflexatildeo criacutetica e accedilatildeo colaborativa sobre as atividades

educativas que se apresentam na rotina da creche com a participaccedilatildeo dos coordenadores

da creche e dos pesquisadores externos

- Construir propostas alternativas para a orientaccedilatildeo das experiecircncias infantis na creche

num processo de coparticipaccedilatildeo ativa e colaborativa entre coordenadores da creche e

pesquisadores externos

25 Cf EDUCACcedilAtildeO EM FOCO vol 13 nordm2 - set 2008fev 2009

26 Estatildeo sendo considerados como pesquisadores externos os integrantes do grupo de pesquisa EFoPI

(cadastrado no CNPq ) coordenado pelas autoras deste projeto de pesquisa Profa Dra Leacutea S P Silva e

Profa Ilka Schapper Santos

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 110

ILKA SCHAPPER SANTOS

A preocupaccedilatildeo em realizar pesquisas nos contextos educativos de modo a

contribuir com seus profissionais na compreensatildeo e no encaminhamento de respostas agraves

dificuldades nelas inerentes levou-nos agrave certeza de que queriacuteamos realizar pesquisas

com os profissionais no contexto da creche e natildeo sobre eles Essa certeza se consolidou

com sua aprovaccedilatildeo no programa PIBIC e BICUFJF 2008-2009

As accedilotildees realizadas no 2ordm semestre de 2008 e 1ordm semestre de 2009 foram

- Inserccedilatildeo no campo com os coordenadores das 24 creches do programa de creches da

AMAC em transiccedilatildeo para a Secretaria de Educaccedilatildeo do Municiacutepio de Juiz de Fora

- Descriccedilatildeo por escrito dos viacutedeos que gravaram as accedilotildees de inserccedilatildeo no campo ou seja

das sessotildees reflexivas e do curso de extensatildeo realizados durante o semestre com a

presenccedila dos profissionais da creche e dos pesquisadores externos

- Anaacutelise dos dados obtidos no campo e descritos a partir dos viacutedeos obtidos no 2ordm

semestre de 2008

- Retorno ao campo com os coordenadores das 23 creches

- Redaccedilatildeo de textos que foram publicados e apresentados em eventos

- Construccedilatildeo de um livro (no prelo pela editora UFF)

EstrateacutegiasMetodologia

Nesta pesquisa continuamos a utilizar os preceitos da Pesquisa Criacutetica de

Colaboraccedilatildeo Eacute necessaacuterio reforccedilar que a ecircnfase desta investigaccedilatildeo recai sobre a

participaccedilatildeo de cada um dos envolvidos e a contribuiccedilatildeo de reciprocidade para o grupo

envolvendo portanto uma situaccedilatildeo de colaboraccedilatildeo entre os participantes O foco estaacute

em uma maneira de refletir criticamente e relacionar teoria e praacutetica a partir do diaacutelogo

entre pesquisadores e coordenadores da creche e a consequente produccedilatildeo de

conhecimento novo Com isso foi necessaacuterio compreendermos o processo de

colaboraccedilatildeo que possibilitava examinar praacuteticas refletir criticamente e argumentar para

assim podermos (des)construir accedilotildees cotidianas e interesses que realmente embasavam

as praacuteticas no espaccedilo da creche Aleacutem disso foram respeitadas nesse processo

colaborativo as negociaccedilotildees envolvidas por parte dos pesquisadores e dos profissionais

da creche

Os procedimentos para a consecuccedilatildeo dos objetivos deste projeto de pesquisa

continuaram a se pautar no desenvolvimento de sessotildees reflexivas com a participaccedilatildeo

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 111

ILKA SCHAPPER SANTOS

dos pesquisadores externos (professores da UFJF e do municiacutepio mestrandos e bolsistas

de iniciaccedilatildeo cientiacutefica) e os coordenadores das creches da Prefeitura de Juiz de Fora

Entendemos como Szundy (2005 p 90) que ldquoas sessotildees reflexivas satildeo pensadas como

contextos em que satildeo criadas oportunidades para a construccedilatildeo de significados sobre a

praacutetica docente em colaboraccedilatildeo com um pesquisador externo caracterizando-se como

sessotildees de discussatildeordquo

Nas sessotildees reflexivas os profissionais da creche e os pesquisadores em

processo de reflexatildeo criacutetica colaborativa fizeram a anaacutelise de accedilotildees desenvolvidas

comumente no cotidiano das creches utilizando o ciclo de quatro accedilotildees proposto por

Smyth (1992) descrever informar confrontar e reconstruir

A partir dos dados de campo obtidos no projeto anterior estabeleceu-se como

prioridade para este projeto a discussatildeo das sessotildees reflexivas que tiveram os seguintes

temas a) o desenvolvimento infantil (neste caso mais especificamente sobre a questatildeo

do choro na creche como condiccedilatildeo da crianccedila tendo como subsiacutedio as consideraccedilotildees de

Henri Wallon (1975 1995) b) a atividade da roda de conversa como espaccedilo de

investigaccedilatildeo c) o desenvolvimento da imaginaccedilatildeo infantil e o brincar e d) as relaccedilotildees

de poder na creche

Foi realizado um relatoacuterio detalhado trazendo a contribuiccedilatildeo dos pesquisadores

e profissionais da creche construiacutedo e publicado ao teacutermino da pesquisa sob a forma de

um livro que estaacute no prelo pela editora da UFF

Aleacutem disso continuamos estabelecendo uma importante parceria com as

professoras Drordf Maria Ceciacutelia C Magalhatildees e Drordf Fernanda C Liberali do grupo de

pesquisa do LAEL ndash Programa de Estudos Poacutes-graduados em Linguiacutestica Aplicada e

Estudos da Linguagem da PUC-SP A interlocuccedilatildeo com as referidas pesquisadoras

possibilitoupossibilita o aprofundamento teoacuterico na metodologia de Pesquisa Criacutetica de

Colaboraccedilatildeo

Pelo fato de fomentar discussotildees acerca dos saberes construiacutedos no espaccedilo das

creches por meio da reflexatildeo criacutetica dos educadores e dos coordenadores das creches

puacuteblicas de Juiz de Fora e dos pesquisadores este estudo propiciou o surgimento de

novas questotildees que puderam se desdobrar em novos projetos de pesquisa aleacutem de

motivar investigaccedilotildees desenvolvidas por alunos do programa de Poacutes-

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 112

ILKA SCHAPPER SANTOS

graduaccedilatildeoMestrado em Educaccedilatildeo da Faculdade de Educaccedilatildeo e por alunos dos cursos de

especializaccedilatildeo e de graduaccedilatildeo

O quadro abaixo apresenta o cronograma do planejamento das accedilotildees dos anos de

2008 e 2009

Quadro 06 ndash Cronograma do planejamento das accedilotildees do GP EFoPI nos anos de 2008 e

2009

Accedilotildees 2006 2006 2007 2007

Estudo da literatura X X X X

Apresentaccedilatildeo da proposta de

pesquisa agraves creches de educaccedilatildeo

infantil e professores

X

Organizaccedilatildeo planejamento e

construccedilatildeo das sessotildees reflexivas e

das observaccedilotildees

X

Montagem do cronograma das

observaccedilotildees do dia a dia escolar e

das sessotildees reflexivas com os

professores

X

Realizaccedilatildeo das 12 sessotildees reflexivas

com os educadores

X

X

Observaccedilatildeo do dia a dia escolar das

crianccedilas na sala de atividades com

registro

X X

Realizaccedilatildeo do Curso de Extensatildeo

intitulado ldquoEspaccedilo de reflexatildeo

Teoacuterico-Praacutetico em Contexto de

Colaboraccedilatildeo nas Crechesrdquo

X X

Transcriccedilatildeo das sessotildees reflexivas X X

Anaacutelise dos dados X X

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 113

ILKA SCHAPPER SANTOS

Relatoacuterio Final X X

Publicaccedilatildeo X X

Assim analiso em uma perspectiva longitudinal as accedilotildeesintervenccedilotildees do GP

EFoPI sobre o brincar na formaccedilatildeo dos profissionais da educaccedilatildeo infantil no municiacutepio

de Juiz de Fora a partir dos dois projetos supra citados com foco no brincar A seleccedilatildeo

dos dados ficou assim organizada (a) 3 sessotildees reflexivas com a participaccedilatildeo de 2

pesquisadores da Universidade Federal de Juiz de Fora em uma creche municipal da

AMAC no ano de 2006 ndash 1ordm cronotopo (b) 2 encontros do curso de extensatildeo intitulado

ldquoEspaccedilo de Reflexatildeo Teoacuterico-Praacutetico em Contexto de Colaboraccedilatildeordquo ministrado por 3

pesquisadores para as 23 coordenadoras das creches municipais da AMAC no ano de

2007 ndash 2ordm cronotopo (c) 1 sessatildeo reflexiva com 4 pesquisadores do GP EFoPI e as 23

coordenadoras das creches municipais da AMAC no periacuteodo entre 2008 e 2009 ndash 3ordm

cronotopo da Cadeia Criativa

3 3 3 ndash Espaccedilos de Atuaccedilatildeo do GP EFoPI

Nesta seccedilatildeo discorro sobre os espaccedilos de atuaccedilatildeo do GP EFoPi em especial

aqueles que estatildeo diretamente relacionados a este trabalho de tese as creches da AMAC

e o curso de extensatildeo na UFJF

3331 ndash A Entidade Civil que manteacutem as creches no Municiacutepio de Juiz de Fora

uma breve incursatildeo na AMAC

A Associaccedilatildeo Municipal de Apoio Comunitaacuterio (AMAC) eacute uma associaccedilatildeo

civil sem fins lucrativos criada no ano de 1984 e implantada em 1985 Essa associaccedilatildeo

segue as diretrizes da Loas ndash Lei Orgacircnica de Assistecircncia Social (Brasil 1993) a

Poliacutetica Nacional de Assistecircncia Social (Brasil 2004) e a Norma de Operacional Baacutesica

da Assistecircncia Social (Brasil 2005) Assim eacute responsaacutevel pela execuccedilatildeo de accedilotildees da

Prefeitura de Juiz de Fora na aacuterea da assistecircncia social desenvolvendo vaacuterios programas

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 114

ILKA SCHAPPER SANTOS

para atender aos mais diferentes segmentos27

Dentre os programas desenvolvidos pela

AMAC estaacute o de creches que atende as crianccedilas de 0 a 3 anos e 11 meses

Destaque-se que em Juiz de Fora no periacuteodo em que esta pesquisa se

desenvolveu a educaccedilatildeo de crianccedilas de 0 a 3 anos estaacute sob a responsabilidade da

Assistecircncia Social e natildeo da Secretaria de Educaccedilatildeo28

O Programa de Creches configurou-se inicialmente com 1 coordenadora geral

uma equipe teacutecnica que atendia todas as creches e era composta por 1 administrador 2

psicoacutelogos 1 assistente social 1 nutricionista 1 meacutedico 1 acadecircmico de Medicina 4

estagiaacuterias de Serviccedilo Social e 5 pedagogas aleacutem de uma equipe que exercia atividades

administrativas (abastecimento almoxarifado acompanhamento de doaccedilotildees) Para atuar

diretamente com as crianccedilas foram contratadas 7 auxiliares por creche nuacutemero

considerado insuficiente tendo em vista a proporccedilatildeo adultocrianccedila Diante dessa

situaccedilatildeo as mesmas ldquoredobravam seu trabalho a tiacutetulo de voluntariado bem como os

esforccedilos para mobilizar a proacutepria comunidaderdquo No decorrer do tempo esses

funcionaacuterios passaram a compor o quadro de servidores da AMAC (Costa 2006 p 41)

Os profissionais das creches possuem uma condiccedilatildeo de trabalho distinta

daqueles que atuam nas escolas administradas pela Secretaria de Educaccedilatildeo Sua

atividade eacute regida pela CLT-Consolidaccedilatildeo das Leis do Trabalho exigindo o

cumprimento de uma jornada de oito horas diaacuterias natildeo tendo sido construiacuteda uma

carreira que valorize sua formaccedilatildeo o que gera uma distinccedilatildeo salarial discrepante em

relaccedilatildeo aos docentes da rede municipal Essa situaccedilatildeo tornou-se comum na realidade

brasileira pois historicamente a assistecircncia social e a educaccedilatildeo foram campos que

disputaram e compartilharam atribuiccedilotildees e recursos da educaccedilatildeo infantil

arregimentando para isso pessoas com status diferentes e diferentes qualificaccedilotildees

(Vieira 2007 apud Zanetti 2010)

Os profissionais que atuam junto agraves crianccedilas nas creches municipais dividiam-

se ateacute o ano de 2008 em duas categorias ndash uma denominada recreadora e outra

denominada educadora social Durante a campanha salarial de 2009 houve uma

27 Maiores informaccedilotildees sobre os diferentes programas desenvolvidos em Juiz de Fora se encontram

disponiacuteveis no site oficial do municiacutepio lt wwwpjfmggovbrgt 28

Em 2010 iniciou-se o processo de transiccedilatildeo das creches da AMAC para a Secretaria Municipal de

Educaccedilatildeo de Juiz de Fora

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 115

ILKA SCHAPPER SANTOS

equiparaccedilatildeo das funccedilotildees e salaacuterios

Essas informaccedilotildees sobre os profissionais das creches sinalizam o quadro de

(natildeo) valorizaccedilatildeo em que se encontram esses profissionais que tecircm a tarefa de cuidar e

de educar as crianccedilas de 0 a 3 anos de idade Mostram o desprestiacutegio que a educaccedilatildeo

infantil sofre perante os oacutergatildeos governamentais Revelam um espaccedilo de ldquomenos valiardquo

com relaccedilatildeo agraves crianccedilas e suas infacircncias e aos profissionais que as atendem

O grupamento das crianccedilas nos espaccedilos das creches eacute feito por faixa etaacuteria

levando-se em conta o espaccedilo fiacutesico e a proporccedilatildeo adultocrianccedila Segundo Patriacutecia

Cestaro pesquisadora do GP EFoPI em comunicaccedilatildeo oral ateacute o ano de 2009 as

crianccedilas eram agrupadas conforme quadro abaixo

Quadro 07 ndash Relaccedilatildeo AdultoCrianccedila nas Creches Comunitaacuterias da AMAC2009

Grupamentos Nordm de crianccedilas Educadoras

3 meses a 1 ano e dois meses 04 01

1 ano e trecircs meses a 1 ano e onze

meses 06 01

2 anos 12 01

3 anos 18 01

Jaacute a resoluccedilatildeo Municipal No 12000 de Juiz de Fora (apud Costa 2006)

promulga que a proporccedilatildeo adultocrianccedila nas turmas das instituiccedilotildees de educaccedilatildeo

infantil deve se pautar no quadro seguinte

Quadro 08 ndash Proporccedilatildeo AdultoCrianccedila nas Turmas das Instituiccedilotildees de Educaccedilatildeo

Infantil segundo a Resoluccedilatildeo Municipal nordm 12000

Grupamentos Nordm de crianccedilas Professor

0 a 1 ano 06 01

1 ano a 2 anos 08 01

2 anos a 3 anos 12 a 15 01

Fonte Costa (2006 p52)

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 116

ILKA SCHAPPER SANTOS

Comparando o nuacutemero de crianccedilas por educadores(as) e professores(as) haacute entre

as crianccedilas menores de 0 a 2 anos de idade uma proporccedilatildeo menor ou igual nas salas de

atividades das creches em relaccedilatildeo ao estipulado na Resoluccedilatildeo Municipal No 12000 Jaacute

para as crianccedilas de 3 anos o nuacutemero eacute acima da meacutedia do recomendado na relaccedilatildeo

adultocrianccedilas

O primeiro aspecto relacionado mostra-se abaixo da meacutedia estabelecida pela

resoluccedilatildeo Esse aspecto mostra-se muito positivo pois os educadores podem

disponibilizar mais atenccedilatildeo e cuidados agraves crianccedilas no desenvolvimento das atividades

propostas O segundo ponto relacionado jaacute natildeo possibilita aos educadores a mesma

disponibilidade pois a proporccedilatildeo crianccedilasadulto eacute maior do que a recomendada

Cada creche da AMAC conta com uma coordenadora totalizando 23

coordenadoras em 23 creches

Eacute neste contexto de organizaccedilatildeo das creches no Municiacutepio de Juiz de Fora que

se insere esta pesquisa Apesar de o meu diaacutelogo ser com as produccedilotildees do grupo de

pesquisa EFoPI as investigaccedilotildeesintervenccedilotildees do grupo estatildeo inseridas no contexto das

creches municipais O primeiro momento da pesquisa do GP EFoPI foi com 4

educadoras de uma creche municipal por meio de sessotildees reflexivas Depois em um

segundo momento foi realizado o curso de extensatildeo na UFJF Assim no proacuteximo item

teccedilo uma breve discussatildeo sobre a extensatildeo universitaacuteria e faccedilo a descriccedilatildeo do curso de

que participaram as 23 coordenadoras das 23 creches municipais

3332 - A Extensatildeo Universitaacuteria e o Curso de Extensatildeo na Universidade Federal

de Juiz de Fora

No cenaacuterio das universidades brasileiras as temaacuteticas acerca da extensatildeo vecircm

sendo bastante debatidas e essa discussatildeo tem peculiaridades inerentes ao movimento de

cada eacutepoca

Os primeiros documentos oficiais de que temos notiacutecia sobre a extensatildeo

universitaacuteria satildeo as reformas de Francisco Campos e o Manifesto dos Pioneiros da

Educaccedilatildeo Nova (1932) Nesse periacuteodo cabia agrave extensatildeo universitaacuteria a vulgarizaccedilatildeo ou

popularizaccedilatildeo das ciecircncias e das artes Temos entretanto que ter claro que natildeo se

tratava da popularizaccedilatildeo total a qualquer puacuteblico mas que a socializaccedilatildeo se restringia agrave

classe burguesa da eacutepoca

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 117

ILKA SCHAPPER SANTOS

Depois em 1961 temos a Lei 4024 que faz pouca referecircncia agrave extensatildeo

limitando-a aos ldquocursos de especializaccedilatildeo aperfeiccediloamento e extensatildeo ou quaisquer

outrosrdquo Ainda nos anos 60 do seacuteculo passado a extensatildeo eacute retomada nas discussotildees

oficiais dos governos militares Isso foi materializado em 1968 na Lei 554068 que

promulga que as atividades de ensino e pesquisa realizadas nas universidades devem ser

estendidas agrave comunidade A extensatildeo eacute compreendida como uma maneira singular de

materializar as funccedilotildees puras de ensino e pesquisa e natildeo como uma terceira funccedilatildeo

concebida como um canal encarregado de conduzir o ensino e a pesquisa para aleacutem das

torres universitaacuterias

Nesse periacuteodo a ideia de discutir os grandes problemas nacionais e a dimensatildeo

transformadora da realidade foi apropriada pelos militares como elemento de garantia

do desenvolvimento e da seguranccedila nacional adquirindo a perspectiva assistencialista e

redentora da sociedade Desse modo a extensatildeo assumia o papel de articuladora entre

ensino e pesquisa e responsaacutevel por estabelecer os viacutenculos entre universidade e

sociedade Isso se afirma na lei 569271

Na atualidade temos na nova LDB (Brasil 1996) a caracterizaccedilatildeo da extensatildeo

como terceira atividade ao lado das outras duas de ensino e pesquisa retornando agrave

chamada perspectiva do tripeacute ensino pesquisa e extensatildeo

Diante do breve histoacuterico esboccedilado podemos perceber que a extensatildeo nas

universidades brasileiras natildeo tem uma caracterizaccedilatildeo bem delineada jaacute que ora aparece

como desdobramento da atividade de ensino e pesquisa ora aparece como uma terceira

atividade universitaacuteria inter-relacionada a essas duas

A tarefa de mapeamento do papel e das atribuiccedilotildees da extensatildeo eacute bem difiacutecil jaacute

que para isso devemos entrecruzar concepccedilotildees com tarefas a serem realizadas Dentro

desse quadro acredito que natildeo podemos cometer o erro histoacuterico de manter para a

extensatildeo o papel de materializar os elementos essenciais da ordem vigente como vimos

claramente nos anos 30 e 60 do seacuteculo passado

A extensatildeo universitaacuteria tem um espaccedilo bastante demarcado jaacute que a

universidade desde o seacuteculo XX busca ser o loacutecus por excelecircncia da produccedilatildeo do

conhecimento cientiacutefico e sua produtividade eacute mensurada a partir de um amplo domiacutenio

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 118

ILKA SCHAPPER SANTOS

no campo da investigaccedilatildeo Nesse contexto os professores satildeo considerados docentes-

investigadores que produzem e socializam seus conhecimentos

Assim na atualidade cada vez mais as universidades buscam estabelecer uma

interface entre pesquisa ensino e extensatildeo Como Proacute-Reitora Adjunta de Extensatildeo na

Universidade Federal de Juiz de Fora no periacuteodo de setembro de 2002 a marccedilo de 2006

pude junto com a Proacute-Reitora criar programas e projetos em parceria com a Proacute-

Reitoria de Graduaccedilatildeo e Proacute-Reitoria de Pesquisa Assim buscaacutevamos desatar os noacutes de

distanciamento entre pesquisa ensino e extensatildeo

Nossa poliacutetica era associar as atividades de extensatildeo agraves de pesquisa e ensino natildeo

se identificando como praacuteticas pontuais isoladas e desvinculadas do processo de

construccedilatildeo e produccedilatildeo de conhecimento Em razatildeo da pluralidade de suas interfaces

com o ensino e a pesquisa a extensatildeo agregava no seu conjunto de accedilotildees projetos

cursos eventos produccedilotildees serviccedilos entre outras

Com esse encaminhamento elaboramos uma poliacutetica de extensatildeo que visava

contribuir com o projeto poliacutetico pedagoacutegico da Universidade Federal de Juiz de Fora

Buscamos horizontalizar aquilo que historicamente foi verticalizado nas universidades

assegurando os princiacutepios da transversalidade e da interdisciplinaridade para as praacuteticas

de extensatildeo as praacuteticas de pesquisa e as praacuteticas de ensino

Foi a partir das experiecircncias como Proacute-Reitora Adjunta que passei a acreditar

como professora e como pesquisadora que a praacutetica de extensatildeo deveria atravessar

minhas praacuteticas de ensino e de pesquisa Por conta disso busquei um programa de

doutorado que tivesse essa tradiccedilatildeo Ingressei no doutorado do LAELPUC-SP e no GP

LACE podendo nesse contexto vivenciar a praacutetica de pesquisa que emerge de

intervenccedilotildees extensionistas Diante da oportunidade sugeri para o GP EFoPI do qual jaacute

participava que delineasse suas intervenccedilotildees nas creches sob o eixo da pesquisa-

extensatildeo de cunho criacutetico colaborativo

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 119

ILKA SCHAPPER SANTOS

O GP EFoPI assumiu essa visatildeo mais ampla da responsabilidade social de

participaccedilatildeo nas comunidades em que realiza suas praacuteticas de pesquisa e da perspectiva

de intervenccedilatildeo nos problemas sociais que circundam o universo das creches Buscou

uma produccedilatildeo de pesquisa extensionista que dialogou com os profissionais das creches

procurando contribuir para a formaccedilatildeo de um profissional criacutetico que reflete sobre suas

intervenccedilotildees no interior da instituiccedilatildeo O desenho abaixo sintetiza os princiacutepios

interdisciplinares entre ensino pesquisa e extensatildeo em que o GP EFoPI acredita

Figura 02 ndash Accedilotildees para materializar interdisciplinaridade e transversalidade na triacuteade

ensino-pesquisa-extensatildeo

Assim acreditando na indissociabilidade entre ensino-pesquisa-extensatildeo o GP

EFoPI montou um curso de extensatildeo em 2007 para as coordenadores das creches

municipais tendo dois objetivos (1) resgatar as discussotildees tecidas com as 4 professoras

da creche municipal e (2) promover espaccedilos de reflexatildeo e accedilatildeo colaborativa sobre as

atividades educativas que se apresentam na rotina das creches

O curso foi estruturado em 10 encontros com os seguintes temas

respectivamente (1) Oficina de Roda resgatando as memoacuterias (2) Oficina O dia-a-dia

na Creche (3) A Dimensatildeo Luacutedica na Crianccedila e na Creche (4) A Dimensatildeo Luacutedica no

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 120

ILKA SCHAPPER SANTOS

Espaccedilo-Ambiente da Creche reflexotildees sobre o brincar (5) Encontro ndash Conflitos na

Infacircncia e a Rotina na Creche (6) ndash Estaacutetua Se Mexer Natildeo Vale O Conhecimento

do Movimento Corporal (7) A Sistematizaccedilatildeo de Propostas Pedagoacutegicas nas Creches

(8) Narrativas Orais e o Desenvolvimento da Imaginaccedilatildeo Infantil (9) Vivecircncias

Artiacutesticas pensando nos pequenos e (10) Espaccedilo de ReflexatildeoAvaliaccedilatildeo

Eacute preciso esclarecer ao leitor que dos 10 encontros do curso de extensatildeo 2 satildeo

focos de anaacutelise desta tese (1) o terceiro encontro ldquoA Dimensatildeo Luacutedica na Crianccedila e

na Crecherdquo e (2) o quarto encontro ldquoA Dimensatildeo Luacutedica no Espaccedilo-Ambiente da

Creche reflexotildees sobre o brincarrdquo Isso porque nesses encontros foram discutidas as

relaccedilotildees que podemos estabelecer entre o desenvolvimento da imaginaccedilatildeo e a

brincadeira elementos que satildeo objetos de estudo desta investigaccedilatildeo

O curso de extensatildeo foi planejado e ministrado pelos participantes do GP EFoPI

com a intenccedilatildeo de ampliar no movimento da Cadeia Criativa a interlocuccedilatildeo criacutetica de

colaboraccedilatildeo com os profissionais das creches ateacute entatildeo tecidas com 4 educadoras de

uma das creches Finalizado o curso os pesquisadores pautaram suas intervenccedilotildees em 8

sessotildees reflexivas com os 23 coordenadores das 23 creches municipais nos anos de

2008 e de 2009

334 ndash Equipe de pesquisadores participantes do GP EFoPI no Periacuteodo 2006-2009

Como apresentado o grupo de pesquisa EFoPI tem como objetivo realizar

pesquisas nos contextos educativos de modo a contribuir com seus profissionais na

compreensatildeo e no encaminhamento de respostas agraves dificuldades inerentes ao cotidiano

educacional em especial naqueles que abrigam crianccedilas de 0 a 6 anos Por isso o

grupo realiza investigaccedilotildees com os profissionais no contexto da creche e natildeo sobre eles

De 2006 a 2009 o grupo contou com uma equipe de pesquisadores que incluiacutea

doutores doutorandos mestres mestrandos alunos de iniciaccedilatildeo cientiacutefica professores e

coordenadores aleacutem de pesquisadores colaboradores externos

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 121

ILKA SCHAPPER SANTOS

Quadro 09 ndash Coordenadores do GP EFoPI

2006

Equipe UFJF

Coordenaccedilatildeo do

Projeto

2007

Equipe UFJF

Coordenaccedilatildeo do

Projeto

2008

Equipe UFJF

Coordenaccedilatildeo do

Projeto

2009

Equipe UFJF

Coordenaccedilatildeo do

Projeto

Profa Dra Leacutea

Stahlschmidt P

Silva

Profa Ilka

Schapper Santos

Profa Dra Leacutea

Stahlschmidt P

Silva

Profa Ilka

Schapper Santos

Profa Dra Leacutea

Stahlschmidt P

Silva

Profa Ilka

Schapper Santos

Profa Dra Leacutea

Stahlschmidt P

Silva

Profa Ilka

Schapper Santos

Quadro 10 ndash Pesquisadores Doutores Doutorandos Mestres e Mestrandos

2006

Pesquisadores

Mestres e

Mestrandos

2007

Pesquisadores

Mestres e

Mestrandos

2008

Pesquisadores

Doutores

Doutorandos

Mestres e

Mestrandos

2009

Pesquisadores

Doutores

Doutorandos

Mestres e

Mestrandos

Profa Patriacutecia

Cestaro

Profa Nathalye

Nallon

Profa Ana Cristina

Costa

Profa Aretusa

Santos

Prof Pedro Gabriel

Profa Raquel

Lusardo

Profa Viviam

Arauacutejo

Profa Patriacutecia

Cestaro

Profa Nathalye

Nallon

Profa Ana Cristina

Costa

Profa Aretusa

Santos

Prof Pedro Gabriel

Profa Raquel

Lusardo

Profa Viviam

Arauacutejo

Profa Dra Hilda

Micarello

Profa Patriacutecia

Cestaro

Profa Ana Cristina

Costa

Profa Aretusa

Santos

Profa Raquel

Lusardo

Profa Viviam

Arauacutejo

Profa Nuacutebia

Schaper

Profa Alexsandra

Zanetti

Profa Nilceacuteia

Braga

Profa Maria

Cristina Amaral

Profa Claacuteudia

Bonfatti

Profa Luciana

Oliveira

Profa Denise

Rangel

Profa Dra Hilda

Micarello

Profa Patriacutecia

Cestaro

Profa Aretusa

Santos

Profa Raquel

Lusardo

Profa Viviam

Arauacutejo

Profa Nuacutebia

Schaper

Profa Alexsandra

Profa Marisley

Pereira

Profa Maritza

Abreu

Profa Luciana

Oliveira

Profa Denise

Rangel

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 122

ILKA SCHAPPER SANTOS

Quadro 11 ndash Alunos de Iniciaccedilatildeo Cientiacutefica

2006

2007

2008

2009

Celina Salgado

Flaacutevia Almeida

Michele Filgueiras

Carolina Arauacutejo

Ana Claacuteudia Santos

Celina Salgado

Flaacutevia Almeida

Michele Filgueiras

Carolina Arauacutejo

Ana Claacuteudia Santos

Marisley Pereira

Maritza Abreu

Michele Cardoso

Carolina Arauacutejo

Mariacutelia Almeida

Nataacutelia Martins

Michele Cardoso

Carolina Arauacutejo

Mariacutelia Almeida

Nataacutelia Martins

Mislene Nascimento

Quadro 12 ndash Pesquisadores Colaboradores

2006

2007

2008

2009

Profa Dra Fernanda

Coelho Liberali ndash

PUC-SP

Profa Dra Maria

Ceciacutelia Magalhatildees ndash

PUC-SP

Profa Dra Fernanda

Coelho Liberali

Profa Dra Maria

Ceciacutelia Magalhatildees

Profa Gisela

Pelizzoni ndash UFJF

Profa Dra Hilda

Micarello ndash UFJF

Profa Dra Alzira

Shimoura ndash PUC-SP

Profa Dra Fernanda

Coelho Liberali

Profa Dra Maria

Ceciacutelia Magalhatildees

Profa Dra Alzira

Shimoura

Profa Dra Fernanda

Coelho Liberali

Profa Dra Maria

Ceciacutelia Magalhatildees

Profa Dra Alzira

Shimoura

34 ndash Pesquisadores Focais do trabalho de Tese

Como consta nos quadros dos itens acima muitos pesquisadores marcaram

presenccedila nas intervenccedilotildees do GP EFoPI No entanto na discussatildeo dos resultados

analiso o discurso dos pesquisadores abaixo relacionados Os professores autorizaram

sua identificaccedilatildeo

Leacutea Stahlschmidt Pinto Silva mestre em Educaccedilatildeo pela Universidade Federal

do Rio de Janeiro e doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela

Universidade de Satildeo Paulo Eacute professora Associada I da Universidade Federal de Juiz

de Fora e coordena o GP EFoPI No momento seu objeto de estudo eacute a educaccedilatildeo

infantil com imersatildeo nas creches municipais de Juiz de Fora onde desenvolve um

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 123

ILKA SCHAPPER SANTOS

trabalho criacutetico reflexivo com os professores e educadores tendo como foco a

organizaccedilatildeo dos tempos e espaccedilos das creches para o desenvolvimento do brincar

Patriacutecia Maria Reis Cestaro mestre em Educaccedilatildeo pela Universidade Catoacutelica

de Petroacutepolis Tem cargo efetivo de professora da Prefeitura de Juiz de Fora tendo uma

vasta experiecircncia em gestatildeo escolar Atualmente compotildee o quadro de profissionais da

Secretaria de Educaccedilatildeo do Municiacutepio de Juiz de Fora atuando no Departamento de

Educaccedilatildeo Infantil Eacute pesquisadora desde 2005 do GP EFoPI tendo conduzido o

trabalho de quatro das doze sessotildees reflexivas realizadas no ano de 2006 Seu foco de

interesse no processo de pesquisa eacute a formaccedilatildeo em contexto

Hilda Aparecida Linhares da Silva Micarello mestre em Educaccedilatildeo pela

Universidade Federal de Juiz de Fora e doutora pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do

Rio de Janeiro Eacute professora Adjunta da Universidade Federal de Juiz de Fora e

Coordenadora de Linguagem do Centro de Poliacuteticas Puacuteblicas e Avaliaccedilatildeo da Educaccedilatildeo

(CAED) Participa do GP EFoPI tendo uma vasta experiecircncia em educaccedilatildeo infantil e

formaccedilatildeo de professores

Ilka Schapper mestre em Educaccedilatildeo pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do

Rio de Janeiro e doutoranda em Linguiacutestica Aplicada pelo Programa de Linguiacutestica

Aplicada e Estudos da Linguagem (LAEL ndash PUC-SP) Sou professora Adjunta II da

Universidade Federal de Juiz de Fora fui Proacute-Reitora Adjunta de Extensatildeo dessa

Universidade no periacuteodo de setembro de 2002 a marccedilo de 2006 Atuo como

Coordenadora do GP EfoPI tendo como aacutereas de interesse linguagem e argumentaccedilatildeo

formaccedilatildeo de professores e educaccedilatildeo infantil Uma apresentaccedilatildeo mais detalhada

encontra-se na introduccedilatildeo deste trabalho

35 ndash Procedimentos de produccedilatildeo-geraccedilatildeo coleta organizaccedilatildeo e armazenamento

dos dados

Nesta pesquisa os procedimentos de coleta produccedilatildeo organizaccedilatildeo e

armazenamento de dados seguem os preceitos do Comitecirc de Eacutetica da PUC-SP O leitor

pode ter certo estranhamento sobre as diferenccedilas dos termos usados Refiro-me agrave coleta

porque utilizo o banco de dados do GP EFoPI para proceder a investigaccedilatildeo Eacute

importante esclarecer que todas as informaccedilotildees que busquei no banco de dados tiveram

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 124

ILKA SCHAPPER SANTOS

minha participaccedilatildeo no momento em que foram produzidas Participei ativamente das

discussotildees teoacutericas dos planejamentos e dos encontros em todos os momentos das

investigaccedilotildees desenvolvidas pelo grupo de pesquisa no periacuteodo de 2006 a 2009 natildeo soacute

para contribuir nos trabalhos de pesquisa do GP EFoPI mas tambeacutem para construir o

meu trabalho de tese

O sintagma ldquoproduccedilatildeo-geraccedilatildeo de dadosrdquo estaacute ldquorelacionado agrave produccedilatildeo de

conhecimento cientiacutefico na acepccedilatildeo marxista desvinculado da ideia taylorista de

mecanizaccedilatildeordquo (Fuga 2009 p 111) Seu uso se deve ao fato de este trabalho estar

filiado ao paradigma criacutetico como mencionado na introduccedilatildeo deste capiacutetulo pois a

pesquisa aqui desenvolvida ldquoestaacute relacionada agrave compreensatildeo transformaccedilatildeo da

realidade por meio da reflexatildeo teoria e praacutetica ainda pelo vieacutes bakhtiniano de

linguagem ao dizer que o ser humano e sua palavra constituem o objeto fundamental

do conhecimentordquo (ibid)

O corpus utilizado foi pois construiacutedo-produzido por meio de gravaccedilotildees e

viacutedeos das sessotildees reflexivas e do curso de extensatildeo no acircmbito de uma das creches

puacuteblicas municipais e da UFJF Devido agrave riqueza e ao volume de registros produzidos

nos vaacuterios contextos da pesquisa selecionei alguns momentos em forma de excertos

que pudessem ilustrar e responder as questotildees deste trabalho no momento da anaacutelise e

interpretaccedilatildeo dos dados

O procedimento de produccedilatildeo e geraccedilatildeo dos dados da presente investigaccedilatildeo

ocorreu de marccedilo a dezembro de 2006 e de marccedilo a dezembro de 2009 por meio de trecircs

instrumentos 3 sessotildees reflexivas com 4 professoras de uma creche municipal da

AMAC 2 encontros do curso de extensatildeo e 1 sessatildeo reflexiva com as coordenadoras

das 23 creches do municiacutepio de Juiz de Fora Assim no proacuteximo quadro apresento uma

siacutentese dos instrumentos usados para a discussatildeo

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 125

ILKA SCHAPPER SANTOS

Quadro 13 ndash Siacutentese dos instrumentos usados para a discussatildeo

Para responder as questotildees de pesquisa constam nesses instrumentos dados relevantes para a

compreensatildeo do compartilhamento de sentidos e significados por meio da argumentaccedilatildeo no

movimento da Cadeia Criativa

Questotildees da Pesquisa

Como o processo da argumentaccedilatildeo desenvolvido entre pesquisadoras e educadoras

permite expor sentidos e significados sobre a brincadeira no movimento da cadeia

Quais argumentos contribuiacuteram para a produccedilatildeo de significado sobre o brincar no

movimento da Cadeia Criativa

Instrumentos Local de

ColetaProduccedilatildeo

3 sessotildees reflexivas com 4 professoras Uma creche municipal ndash

2006

2 encontros do curso de extensatildeo intitulado ldquoEspaccedilo de Reflexatildeo

Teoacuterico-Praacutetico em Contexto de Colaboraccedilatildeordquo com 23 as

coordenadoras das 23 creches municipais

Universidade Federal de

Juiz de Fora ndash 2007

1 sessatildeo reflexiva com as 23 coordenadoras das 23 creches

municipais

Universidade Federal de

Juiz de Fora ndash 2009

36 ndash Procedimentos de Anaacutelise e Interpretaccedilatildeo de Resultados

Nesta sessatildeo esclareccedilo ao leitor como procedi para analisar e interpretar os

dados desta tese Primeiro apresento as Categorias Linguiacutestico-Discursivas e as

Categorias de Interpretaccedilatildeo que seratildeo utilizadas para responder as perguntas da

pesquisa Para melhor compreensatildeo do leitor faccedilo uso de quadros que sintetizam os

elementos constitutivos de cada categoria

No campo das Ciecircncias Humanas o ser humano e sua palavra constituem objeto

fundante do conhecimento Suas ideias seus pontos de vista seus questionamentos e

explicaccedilotildees se concretizam por meio de enunciados verbais e extraverbais e em um

movimento dialeacutetico ao mesmo tempo em que produz esses enunciados eacute tambeacutem por

eles representados Na ausecircncia dos enunciados alheios e proacuteprios temos a ausecircncia do

objeto de estudo e do proacuteprio pensamento Pois como explica Amorim (2004 p 188)

ldquoo objeto de estudos torna-se sujeito sujeito falante autor do mesmo modo que aquele

que estudardquo

Bakhtin (1987) por meio de sua teoria enunciativa da linguagem permite pensar

a pesquisa em Ciecircncias Humanas numa perspectiva dialoacutegica Para ele ldquoo objeto das

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 126

ILKA SCHAPPER SANTOS

ciecircncias humanas eacute o ser expressivo e falanterdquo (p 395) Este natildeo deve ser portanto

concebido como objeto mas como um sujeito coparticipante coautor no processo de

pesquisa a qual deve se pautar na reflexatildeo-compreensatildeo com o sujeito da pesquisa e

natildeo sobre ele

Segundo Fuga (2009 p 115) ldquoos dados bdquofalam‟ ou seja apontam o caminho

para a compreensatildeo do problema investigado e por conseguinte uma possibilidade de

interferecircncia e transformaccedilatildeo na questatildeo abordadardquo Assim ldquoouvir os dadosrdquo na

perspectiva da LA implica sobremaneira a criaccedilatildeo de duas classes de categorias a

linguiacutestico-discursiva e a interpretativa Refletir sobre a linguagem no interior do

processo de pesquisa requer tecer um diaacutelogo entre esses dois tipos de categorias o que

possibilita identificar o movimento discursivo dos pesquisadores e participantes da

pesquisa na construccedilatildeo-produccedilatildeo do conhecimento Assim no proacuteximo item apresento

as categorias de anaacutelise

361 ndash Categorias de Anaacutelise

Para responder as questotildees desta pesquisa foram analisados como jaacute disse

anteriormente 3 sessotildees reflexivas com professores de uma creche municipal 2

encontros de um curso de extensatildeo e 1 sessatildeo reflexiva com os 23 coordenadores das

23 creches municipais Cada atividade selecionada foi nomeada na anaacutelise de

cronotopo da Cadeia Criativa (BakhtinVolochinov 1988) Dito de outro modo o

tempo e o espaccedilo em que ocorreu cada atividade constituem-se como elos no

movimento de anaacutelise da Cadeia Criativa Esse movimento foi fundamental para que

pudesse compreender a situaccedilatildeo de interaccedilatildeo bem como os aspectos que influenciaram

os enunciados produzidos

Na busca de compreender como ocorreu o compartilhamento de sentidos e

significados entre os professores e os demais participantes e para entender o papel da

argumentaccedilatildeo na construccedilatildeo-produccedilatildeo de conhecimento dos sujeitos nas atividades que

compotildeem o corpus desta tese apoacutes a seleccedilatildeo dos excertos foram identificados os

elementos que constituem a estrutura argumentativa (Liberali 2009) Esse levantamento

auxiliou na compreensatildeo do desenvolvimento do raciociacutenio por meio da apresentaccedilatildeo

de argumentoscontra-argumentos pontos de vista mediante uma questatildeo controversa

ou uma busca de se chegar a um acordo Esses elementos foram intitulados no quadro

das categorias de anaacutelise linguiacutestico-discursivas de marcas argumentativas I

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 127

ILKA SCHAPPER SANTOS

Jaacute as marcas da interaccedilatildeo (Liberali e Shimoura 2007) ndash questionamentos

instruccedilotildees explicaccedilotildees retomadas de vozes anteriores e colocaccedilatildeo e recolocaccedilatildeo de

problemas tambeacutem satildeo categorias linguiacutestico-discursivas que datildeo movimento agraves

interaccedilotildees verbais e possibilitam a continuidade do fluxo discursivo

Por fim nas marcas argumentativas 2 busco por meio dos tipos de argumentos

(Perelman amp Olbrechts-Tyteca 19702005) apreender os sentidos e os significados

compartilhados pelos pesquisadores e participantes Os tipos de argumentos satildeo

elementos discursivos utilizados pelos interlocutores na busca de compartilhamento de

um ponto de vista Assim eacute importante que levantemos o que chamei de marcas

linguiacutesticas materializadas nos operadores argumentativos e nos decirciticos pois por meio

delas podemos mapear os tipos de argumentos

Grosso modo os operadores argumentativos tecircm no texto a finalidade de

designar ldquocertos elementos da gramaacutetica de uma liacutengua que tecircm por funccedilatildeo indicar a

forccedila argumentativa dos enunciados a direccedilatildeo (o sentido) para o qual apontamrdquo

(Koch 19922004 p 30) Esses elementos argumentativos se materializam em

conjunccedilotildees conectivos e adveacuterbios A anaacutelise dos operadores argumentativos possibilita

mostrar a forccedila argumentativa dos enunciados dito de outro modo possibilita

compreender o sentido para o qual apontam pois eles introduzem nos enunciados

novos conteuacutedos semacircnticos

Jaacute os decirciticos tecircm no movimento textual a funccedilatildeo de ldquoapontarrdquo para o contexto

situacional Constituem-se como marcas linguiacutesticas que permitem inscrever no

enunciado as marcas da interaccedilatildeo que se materializam como uacutenicas e irrepetiacuteveis

Desse modo os decirciticos assinalam o sujeito que enuncia e o seu interlocutor (decircixis

pessoal) aleacutem de ldquoapontarrdquo qual eacute o tempo (decircixis temporal) e o espaccedilo (decircixis

espacial) da enunciaccedilatildeo Gramaticalmente os decirciticos de pessoa satildeo denominados

pronomes pessoais pronomes possessivos sufixos flexionais de pessoa-nuacutemero

vocativos os decirciticos temporais satildeo conhecidos na gramaacutetica como adveacuterbios

locuccedilotildees adverbiais ou expressotildees de tempo por fim os decirciticos espaciais satildeo

representados gramaticalmente pelos adveacuterbios ou locuccedilotildees adverbiais de lugar

Analisar no fluxo da interaccedilatildeo verbal a funccedilatildeo decircitica possibilita sinalizar para o

contexto situacional e para loacutecus argumentativo possibilitando uma reflexatildeo sobre as

pessoas do discurso e os tempos e espaccedilos da interlocuccedilatildeo

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 128

ILKA SCHAPPER SANTOS

Retomo a seguir as categorias linguiacutestico-discursivas que subsidiam a anaacutelise

desta tese sintetizando-as em quadros ilustrativos

3611 ndash Marcas da Interaccedilatildeo

As marcas da interaccedilatildeo estatildeo presentes nos mecanismos enunciativos e nos tipos

de interaccedilotildees apresentadas nas sessotildees reflexivas e nos encontros do curso de extensatildeo

questionamentos instruccedilotildees explicaccedilotildees retomadas de vozes e colocaccedilatildeo e recolocaccedilatildeo

de problemas A anaacutelise do movimento dessas marcas pode revelar como se estabeleceu

a relaccedilatildeo entre os participantes

Quadro 14 ndash Marcas da interaccedilatildeo

Marcas da Interaccedilatildeo

Elementos discursivos que possibilitam

a interaccedilatildeo Definiccedilatildeo

Questionamento Levanta e apresenta questotildees contidas ou

natildeo nas discussotildees Esta marca possibilita

fomentar a discussatildeo

Instruccedilatildeo Apresenta as orientaccedilotildees as diretrizes

presentes em momentos da discussatildeo que

pode ser seguidas ou natildeo dependendo da

credibilidade do orador

Explicaccedilatildeo Apresenta elementos que possibilitam

elucidar pontos ou questotildees natildeo

compreendidas pelo auditoacuterio

Retomada de vozes Pauta-se no uso de enunciados anteriores

de pessoas presentes ou no momento da

discussatildeo para dar credibilidade ao orador

Colocaccedilatildeo e recolocaccedilatildeo de problemas Apresenta ou resgata os elementos contidos

nas discussotildees em forma de situaccedilotildees-

problema que possibilitam geralmente a

ampliaccedilatildeo do debate Sua eficaacutecia depende

da credibilidade do orador diante da

audiecircncia

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 129

ILKA SCHAPPER SANTOS

3612 ndash Marcas Argumentativas 1

Focalizando a anaacutelise argumentativa Liberali (2009) explica que o movimento

argumentativo apresenta elementos caracteriacutesticos no interior de sua estrutura Com

base nessa reflexatildeo apresento no quadro a seguir os itens que compotildeem o fluxo da

argumentatividade

Quadro 15 ndash Marcas Argumentativas 1

Marcas Argumentativas 1

Movimento Argumentativo Definiccedilatildeo

Ponto de vista Modo como os interlocutores se

posicionam diante das questotildees e

discussotildees apresentadas Geralmente

possibilita aos interlocutores ampliarem

seus sentidos

Contra-argumento Pautado na contraposiccedilatildeo agrave tese

apresentada ou nos argumentos utilizados

para defendecirc-la

Questatildeo controversa Geralmente eacute uma questatildeo que coloca em

duacutevida a tese apresentada Esse

movimento fomenta a reflexatildeo criacutetica

pois abre para possibilidades outras

diferentes das apresentadas nas

discussotildees

Acordo Em uma avaliaccedilatildeo dos diferentes pontos

de vista apresenta a possibilidade de

resoluccedilatildeo das situaccedilotildees de conflitos e

tensotildees

3613 ndash Marcas Argumentativas 2

As marcas argumentativas 2 nesta tese estatildeo fundamentadas na releitura que fiz de

alguns tipos de argumentos tratados por Perelman e Olbrechts-Tyteka (19702005) na

obra Tratado da Argumentaccedilatildeo ndash a nova retoacuterica abordados na terceira parte do livro

A releitura se fez necessaacuteria por conta de historicamente essas teacutecnicas argumentativas

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 130

ILKA SCHAPPER SANTOS

estarem no loacutecus da argumentaccedilatildeo juriacutedica Busquei portanto inseri-las nas

especificidades do contexto da educaccedilatildeo infantil no interior das creches

Quadro 16 ndash Marcas Argumentativas 2

Marcas Argumentativas 2

Tipos de Argumentos que respaldam

o movimento argumentativo Definiccedilatildeo

Citaccedilatildeo

Teoacuterico Pode reforccedilar ou refutar a tese

defendida Sua forccedila argumentativa soacute

existe se tiver credibilidade

Autoridade A voz do outro pode ser seguida ou

natildeo pois depende da posiccedilatildeo que

ocupa

Fonte Precisa ser considerada coerente e

fidedigna pelo auditoacuterio

Definiccedilatildeo

Indica o sentidosignificado de algo a partir de suas

caracteriacutesticas observaacuteveis ou subjetivas Pode pautar-se

ainda em uma convenccedilatildeo estando assim isento de

julgamentos

Comparaccedilatildeo Confronta dois (ou mais) acontecimentos para estabelecer

distinccedilotildees oposiccedilotildees entre si

Pragmaacutetico

Possibilita apreciar um acontecimento ou um ato por meio de

suas consequecircncias presentes ou futuras tendo relevacircncia

direta para a accedilatildeo Este argumento geralmente estaacute pautado no

senso comum

Exemplo Quando accedilotildees ou acontecimentos passados satildeo retomados para

sustentar uma explicaccedilatildeo

3614 ndash Marcas Linguiacutesticas

As marcas linguiacutesticas satildeo aqui representadas por decirciticos espaciais temporais

e de pessoas e por operadores argumentativos como elementos que possibilitam apontar

o loacutecus do contexto situacional da interlocuccedilatildeo e a forccedila dos enunciados tecidos entre

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 131

ILKA SCHAPPER SANTOS

pesquisadores e participantes da pesquisa como jaacute mencionado Promovem um ingresso

no movimento argumentativo no fluxo da interaccedilatildeo verbal

Quadro 17 ndash Marcas Linguiacutesticas

Marcas Linguiacutesticas

Decirciticos espacial temporal e de pessoa

Operadores argumentativos

362 ndash Categorias de Interpretaccedilatildeo

As categorias de interpretaccedilatildeo foram criadas a partir dos conceitos de sentido e

significado (BakhtinVolochinov 1988 Vygotsky 19301991 19342001) ZPD como

zona de conflitos de criticidade e de colaboraccedilatildeo (Magalhatildees 2009 p 61) discurso

internamente persuasivo e discurso de autoridade (Bakhtin 1983) cronotopia e

exotopia (Bakhtin 1987) A seleccedilatildeo dessas categorias decorre da possibilidade de se

perceber por meio de sua anaacutelise como se processa o compartilhamento de sentidos e

significados na produccedilatildeo-construccedilatildeo do conhecimento no movimento da Cadeia

Criativa

Quadro 18 ndash Categorias de Interpretaccedilatildeo

Categorias de Interpretaccedilatildeo

Sentidos e significados

ZPD ndash zona de conflitos criticidade e colaboraccedilatildeo

Discurso internamente persuasivo e Discurso de autoridade

Cronotopia e Exotopia

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 132

ILKA SCHAPPER SANTOS

37 ndash Credibilidade neste Processo de Pesquisa

Eacute importante que qualquer pesquisa cientiacutefica seja submetida natildeo soacute agrave criacutetica dos

pares mas tambeacutem daqueles que tecircm posiccedilotildees contraacuterias agraves discussotildees debatidas no

interior da investigaccedilatildeo Diferentes olhares embates argumentativos que possibilitam

rever o trabalho revisitar posicionamentos e posturas e principalmente permitir o

levantamento de questotildees que geram inquietaccedilotildees quanto ao motivo de uma dada

escolha Essas posturas diante do processo de pesquisa conferem credibilidade ao

trabalho do pesquisador (Fuga 2009 p 122)

Segundo Fuga (2009) um dos processos necessaacuterios agrave confiabilidade no

processo de pesquisa eacute o engajamento prolongado do pesquisador no contexto de

pesquisa necessaacuterio para alcanccedilar os objetivos traccedilados Como jaacute explicitado estive

presente em todos os contextos em que esta pesquisa se insere nas sessotildees reflexivas

com as 4 professoras de uma das creches puacuteblicas municipais (2006) no planejamento e

execuccedilatildeo dos 10 encontros do curso de extensatildeo (2007) e das 8 sessotildees reflexivas

realizadas com as 23 coordenadoras das 23 creches municipais (2008-2009)

Esta pesquisa tambeacutem passou por discussotildees nos seminaacuterios de orientaccedilatildeo

principalmente discussotildees sobre dos aspectos teoacutericos metodoloacutegicos e sobre a anaacutelise

dos resultados Nesse espaccedilo os colegas mestrandos e doutorandos fizeram

questionamentos e deram contribuiccedilotildees para a estruturaccedilatildeo textual Tive ainda

orientaccedilatildeo e acompanhamento individual da minha orientadora em todos os momentos

da feitura desta tese

Aleacutem disso os dados produzidos no GP EFoPI material de anaacutelise deste

trabalho geraram textos acadecircmicos que foram apresentados em vaacuterios congressos

nacionais e internacionais e no acircmbito da PUC-SP e da UFJF o que desdobrou na

publicaccedilatildeo de artigos em importantes perioacutedicos de circulaccedilatildeo nacional No acircmbito do

LAEL ndash PUC-SP este estudo foi submetido a trecircs bancas de qualificaccedilatildeo cujas

sugestotildees e questionamentos permitiram mudanccedilas reorganizaccedilotildees e redefiniccedilatildeo de

questotildees Nos periacuteodos das qualificaccedilotildees pude discutir a abordagem teoacuterica a opccedilatildeo

metodoloacutegica e os procedimentos de anaacutelise e interpretaccedilatildeo dos dados Esse processo

permitiu que repensasse o percurso desta pesquisa em uma interlocuccedilatildeo calorosa com as

professoras doutoras que compuseram as bancas Alzira Shimoura Maria Ceciacutelia

Magalhatildees Maria Helena Pistori Mona Hawi e Wanda Aguiar Junqueira

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 133

ILKA SCHAPPER SANTOS

Por fim em 31 de agosto de 2009 a pesquisa foi aprovada pelo Comitecirc de Eacutetica

da PUC-SP Esse oacutergatildeo da PUC tem por objetivo resguardar os direitos e as imagens

dos participantes da investigaccedilatildeo A autorizaccedilatildeo desse Comitecirc foi registrada sob o

protocolo no 1942009 em anexo no final deste trabalho

Assim depois de ter tecido discussotildees que atravessam esta pesquisa referentes agrave

metodologia apresentarei no proacuteximo capiacutetulo a discussatildeo dos resultados por meio da

anaacutelise e interpretaccedilatildeo dos dados

ILKA SCHAPPER SANTOS

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO

Este capiacutetulo objetiva apresentar e discutir os resultados da pesquisa dialogando

com eles agrave luz dos fundamentos teoacuterico-metodoloacutegicos que sustentam esta tese para

responder as questotildees que orientam este trabalho a saber

Como o processo da argumentaccedilatildeo desenvolvido entre pesquisadores e educadores

permite expor sentidos e significados sobre a brincadeira no movimento da Cadeia

Criativa

Quais argumentos contribuiacuteram para a produccedilatildeo de significado sobre o brincar no

movimento da Cadeia Criativa

O capiacutetulo estaacute estruturado em trecircs partes tendo em vista a sequecircncia dos

cronotopos (Bakhtin 1983) no movimento da Cadeia Criativa A divisatildeo das partes em

cronotopos se justifica neste trabalho pela tentativa de situar o tempo-espaccedilo da

produccedilatildeo discursiva no interior das discussotildees tecidas entre pesquisadoras e educadoras

do GP EFoPI selecionada para a anaacutelise

Na primeira seccedilatildeo a discussatildeo se fixa nos excertos de 3 sessotildees reflexivas para

analisar a partir das perguntas da tese o processo reflexivo construiacutedo entre duas

pesquisadoras do GP EFoPI e quatro professoras participantes de uma das 23 creches do

municiacutepio de Juiz de Fora realizadas ao longo do ano de 2006 configurando o primeiro

cronotopo da Cadeia Criativa Estas sessotildees tiveram o objetivo de discutir o brincar

como eixo do trabalho docente com crianccedilas de dois e trecircs anos de idade

Em seguida abordo as interlocuccedilotildees tecidas entre o GP EFoPI e as 23

coordenadoras das 23 creches da AMAC do municiacutepio de Juiz de Fora no interior de

dois encontros do curso de extensatildeo intitulado ldquoEspaccedilo de Reflexatildeo Teoacuterico-Praacutetico em

Contexto de Colaboraccedilatildeordquo que expressam o segundo cronotopo Eacute importante

esclarecer que a escolha desses dois encontros se deu por conta da relaccedilatildeo dos temas

com este estudo (1) o terceiro encontro ldquoA Dimensatildeo Luacutedica na Crianccedila e na

Crecherdquo e (2) o quarto encontro ldquoA Dimensatildeo Luacutedica no Espaccedilo-Ambiente da Creche

reflexotildees sobre o brincarrdquo Por fim continuo o diaacutelogo entre as pesquisadoras e as

referidas coordenadoras por meio de uma nova sessatildeo reflexiva

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 135

ILKA SCHAPPER SANTOS

Em todos os cronotopos haacute subseccedilotildees que traduzem um agrupamento de

excertos circunscritos a uma mesma temaacutetica Os tiacutetulos dessas subseccedilotildees satildeo nomeados

a partir da atividade desenvolvida no interior das interaccedilotildees vivenciadas pelo grupo

41 ndash 1ordm Cronotopo da Cadeia Criativa ndash Sessotildees reflexivas com pesquisadoras do

GP EFoPI e educadoras da creche

As sessotildees reflexivas com as pesquisadoras do GP EFoPI e educadoras de uma

das 23 creches do municiacutepio de Juiz de Fora foram planejadas no interior das reuniotildees

de pesquisa para compreender criticamente o lugar das brincadeiras de faz de conta no

universo da creche buscando observar o desenvolvimento das experiecircncias infantis

orientadas pelo educadorprofessor O diaacutelogo nas sessotildees foi tecido a partir da

observaccedilatildeo de atividades filmadas de outras educadoras e das proacuteprias professoras que

tiveram como eixo a brincadeira de faz de conta Os encontros com as educadoras

subsidiaram as discussotildees tecidas no curso de extensatildeo e nas sessotildees reflexivas com as

coordenadoras das 23 creches do municiacutepio (cronotopos 2 e 3 da cadeia criativa)

Em todo o movimento da cadeia criativa formada pelas pesquisadoras e

profissionais das creches as participantes buscavam discutir como a disposiccedilatildeo dos

brinquedos e as brincadeiras desenvolvidas podiam ser elementos de aprendizagens

relevantes e de reconstruccedilatildeo do real pela crianccedila

411 ndash 1ordf Sessatildeo Reflexiva Analisada ndash dia 14 de agosto de 2006

Os trecircs primeiros excertos selecionados para este capiacutetulo de anaacutelise foram

retirados da segunda sessatildeo reflexiva com as quatro professoras de uma das creches

municipais que trabalham com crianccedilas de dois e trecircs anos de idade e duas

pesquisadoras do GP EFoPI em 14 de agosto de 2006 na sala de reuniotildees da creche O

objetivo da sessatildeo era discutir o lugar do luacutedico na educaccedilatildeo infantil tendo como

referente um viacutedeo em que uma professora desenvolve duas atividades luacutedicas com

crianccedilas de quatro anos de idade

Na primeira atividade do viacutedeo a professora pega uma caixa de blocos loacutegicos29

e vai mostrando o material para as crianccedilas enquanto solicita que o grupo de alunos

29 Constitui-se de 48 peccedilas que combinam quatro atributos em cada uma sendo

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 136

ILKA SCHAPPER SANTOS

responda quais as formas (quadrado ciacuterculo triacircngulo e retacircngulo) as cores (vermelho

amarelo e azul) os tamanhos (grande pequeno) e as espessuras (grosso e fino) Na

segunda atividade a professora entrega pedaccedilos de papeizinhos com as formas

geomeacutetricas dos blocos loacutegicos e solicita agraves crianccedilas que montem desenhos a partir

delas mas com um referente definido com o ciacuterculo fazer um sol por exemplo

Vejamos o 1ordm fragmento em que a pesquisadora solicita agraves professoras a

descriccedilatildeo de uma atividade

1ordm Excerto

(1) Leacutea Noacutes vamos assistir agora agrave atividade e vocecircs descrevam a atividade Sabe o

que que eacute descrever neacute Eacute escrever o que viu na atividade Eu queria uma atividade de

brincadeira com as crianccedilas certo Eu vou dar uma sugestatildeo de como escrever o que

que vocecircs viram vocecircs vatildeo descrever o que que a professora fez o que que o aluno

fez o que que vocecircs viram no viacutedeo Vamos Eacute soacute vocecircs descreverem

A pesquisadora espera as professoras finalizarem as descriccedilotildees da cena vista no

viacutedeo e depois solicita que elas iniciem a descriccedilatildeo

(2) Leacutea Entatildeo vamos laacute quem gostaria de comeccedilar e estar comentando e descrevendo

o que que viu nessa atividade que vocecircs assistiram no viacutedeo

(3) Claacuteudia Eu percebi que a professora trabalhou de forma luacutedica diversos

conteuacutedos como a matemaacutetica atraveacutes dos alunos manipularem blocos loacutegicos

observando formas e cores a linguagem oral e escrita onde cada um procurou criar

variados objetos deixando transparecer a importacircncia do brincar na educaccedilatildeo infantil

(4) Leacutea Vamos laacute Vocecirc professora Mirela

(5) Mirela eacute eu tambeacutem observei que a professora deixou as crianccedilas muito livres

naquela hora que ela estaacute trabalhando as figuras geomeacutetricas aiacute trabalhou as cores

trabalhou assim deixou as crianccedilas falarem oralmente livremente cada transformaccedilatildeo

ali que eles estavam transformando E eu achei interessante tambeacutem na hora em que a

menina falou - Isso daqui eacute um papagaio Aiacute ela (a professora) falou assim - Natildeo

Tamanho (grande e pequeno)

Cor (amarelo azul e vermelho)

Forma (ciacuterculo quadrado triacircngulo e retacircngulo)

Espessura (grosso e fino)

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 137

ILKA SCHAPPER SANTOS

parece uma casa natildeo Aiacute vocecirc vecirc assim que interessante a crianccedila quando ela fala que

eacute uma coisa como que ela visualiza aquilo

(6) Fabiana Eacute eu tambeacutem vi que ela trabalhou as cores as formas dentro da

linguagem matemaacutetica tambeacutem A liberdade que ela deu agraves crianccedilas cada um com as

suas formas geomeacutetricas elas criaram tiveram a criatividade foi um momento de

desenvolver a criatividade deles natildeo foi aquela coisa presa eles fizeram livremente

No exoacuterdio30

(introduccedilatildeo do discurso que tem como objetivo conquistar a

simpatia do auditoacuterio) do excerto acima a pesquisadora (1) faz a apresentaccedilatildeo do

partitio ndash o plano a seguir a) Noacutes vamos assistir agora a atividade e vocecircs descrevam a

atividade e b) depois expotildee como deve ser feita a descriccedilatildeo da cena analisada Eu vou

dar uma sugestatildeo de como escrever o que que vocecircs viram vocecircs vatildeo descrever o

que que a professora fez o que que o aluno fez o que que vocecircs viram no viacutedeo

Vamos gente Eacute soacute vocecircs descreverem Aleacutem da apresentaccedilatildeo do discurso o exoacuterdio

tem a funccedilatildeo segundo Reboul (2004 p 55) de apresentar o assunto e projetar o ethos

do orador Isso eacute feito com o uso da funccedilatildeo faacutetica que busca uma adesatildeo inicial por

parte do auditoacuterio

O fragmento (1) ldquoNoacutes vamos assistir agora a atividaderdquo sinaliza o grau de

implicaccedilatildeo que a oradora deseja imprimir ao discurso expresso com o uso do pronome

pessoal na primeira pessoal do plural ldquonoacutesrdquo Depois a pesquisadora continua o turno

dizendo ldquoe vocecircs descrevam a atividaderdquo Para solicitar a tarefa ao auditoacuterio a

pesquisadora faz uso do pronome ldquovocecircsrdquo e tambeacutem faz uso do verbo descrever no

imperativo afirmativo (ldquodescrevamrdquo) que exprime uma solicitaccedilatildeo uma ordem Fica

claro assim que a descriccedilatildeo seraacute feita pelas professoras participantes

Eacute interessante notar que a pesquisadora no exoacuterdio pede agraves professoras para

assistirem e descreverem o que viram na cena depois anuncia que daraacute uma sugestatildeo de

como elas devem descrever Para isso solicita exemplos ldquoo que que a professora fez

o que que o aluno fezrdquo No entanto natildeo satildeo levantados questionamentos sobre a

estrutura do que seja descriccedilatildeo de uma atividade envolvendo a brincadeira Ao contraacuterio

disso a pesquisadora levanta questotildees geneacutericas sem formular questionamentos ou

fornecer exemplos que possam orientar as professoras na realizaccedilatildeo da tarefa

30 Do latim exordire (ldquocomeccedilarrdquo)

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 138

ILKA SCHAPPER SANTOS

Em seguida a oradora finaliza o turno dizendo ldquoEacute soacute vocecircs descreveremrdquo Esse

argumento tem para o auditoacuterio um efeito de hierarquia pois a orientaccedilatildeo eacute algo a ser

seguido Na cena enunciativa isso se presentifica com o uso do adjetivo ldquosoacuterdquo

mostrando que as professoras tecircm que fazer apenas isso uma descriccedilatildeo

Em siacutentese o turno (1) mostra que a pesquisadora pretende fazer com que as

educadoras a partir da descriccedilatildeo da cena na sessatildeo reflexiva consigam ter elementos

para refletir sobre o lugar do luacutedico da brincadeira na educaccedilatildeo infantil Essa mediaccedilatildeo

revela a interpretaccedilatildeo da pesquisadora das etapas do processo criacutetico reflexivo propostas

por Smyth (1992) e a busca de trazer para o diaacutelogo com as professoras questotildees

relacionadas ao momento do descrever Apesar de estar relacionada com essa etapa do

processo criacutetico reflexivo natildeo haacute desdobramentos de questotildees que possibilitem agraves

professoras participantes fazerem um detalhamento do que viram no viacutedeo

Segundo Liberali (2008) o levantamento de alguns elementos auxilia na

elaboraccedilatildeo de uma descriccedilatildeo detalhada do contexto de produccedilatildeo e pode servir de base

para um futuro confrontar Neste caso poderiam se constituir recursos para confrontar

as praacuteticas das salas de atividades de educaccedilatildeo infantil apresentaccedilatildeo do contexto de

produccedilatildeo da atividade mapeamento de quem satildeo os envolvidos na cena analisada o

tipo de atividade desenvolvida faixa etaacuteria e nuacutemero de crianccedilas assunto abordado

interaccedilatildeo crianccedilacrianccedila e adultocrianccedila caracteriacutesticas da sala de atividade como e

em que periacuteodo a atividade foi desenvolvida como a atividade se processou

apresentaccedilatildeo do tema a ser desenvolvido que tipo de trabalho foi desenvolvido ndash em

grupo em dupla individualmente ndash como os alunos atuaram durante a atividade como

os alunos responderam as questotildees levantadas pela professora e demais colegas e o que

os alunos e a professora disseramfizeram no decorrer da atividade Essas seriam

algumas das questotildees que a pesquisadora poderia levantar para orientar as professoras

na descriccedilatildeo da cena do viacutedeo

Apesar de natildeo especificar a tarefa a pesquisadora tem o intuito de que as

professoras descrevam a cena para promover o debate sobre as estrateacutegias que a

educadora do viacutedeo utilizou para promover a atividade luacutedica com crianccedilas pequenas

No turno (3) a professora Claacuteudia inicia seu discurso dizendo ldquoEu percebi que a

professora trabalhou de forma luacutedica diversos conteuacutedosrdquo com isso anuncia que seu

discurso estaraacute pautado na sua percepccedilatildeo do que foi visto e natildeo na descriccedilatildeo da

atividade Desse modo a educadora apenas menciona o que notou na cena de modo

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 139

ILKA SCHAPPER SANTOS

mais superficial sem respaldar seus argumentos em um detalhamento do contexto de

produccedilatildeo da atividade desenvolvida no viacutedeo

A professora Mirela por sua vez inicia seu turno dizendo (5) ldquoEacute observei

tambeacutemrdquo mostrando a partir do adveacuterbio ldquotambeacutemrdquo que percebeu da mesma forma que

a professora Claacuteudia depois amplia especificando seu argumento Na explicaccedilatildeo a

educadora insere mais um dado para o que entende sobre a importacircncia do brincar na

educaccedilatildeo infantil Com o adjetivo ldquolivresrdquo e a expressatildeo ldquotrabalhou de forma luacutedica

diversos conteuacutedosrdquo procura sinalizar que a educadora do viacutedeo priorizou o trabalho

com o luacutedico No entanto faz uso do argumento pragmaacutetico relacionando o movimento

da ludicidade com os conteuacutedos da matemaacutetica e da linguagem oral e escrita ldquocomo a

matemaacutetica atraveacutes dos alunos manipularem blocos loacutegicos observando formas e

cores a linguagem oral e escrita onde cada um procurou criar variados objetosrdquo O

uso desse recurso argumentativo permitiu agrave educadora apreciar acontecimentos segundo

suas consequecircncias buscando mostrar sua importacircncia direta na accedilatildeo da cena analisada

No entanto a forma como tece as relaccedilotildees entre os acontecimentos e suas

consequecircncias sinaliza para uma concepccedilatildeo de brincar estruturada sob a oacutetica do

conhecimento sistematizado desenvolvimento loacutegico matemaacutetico e linguagem

destacando formas e cores e linguagem oral e escrita respectivamente Nesse momento

a professora compartilha um significado cristalizado do brincar qual seja aquele

vinculado a um atividade escolarizada com o vistas agrave aprendizagem de conteuacutedos

especiacuteficos

Depois Mirela explica que ao manipularem os materiais como por exemplo os

blocos loacutegicos as crianccedilas estavam em processo de transformaccedilatildeo ldquodeixou as crianccedilas

falarem oralmente livremente cada transformaccedilatildeo ali neacute que eles estavam

transformandordquo Para explicar esse processo de transformaccedilatildeo na atividade que julgou

luacutedica a professora usa outro argumento de exemplo agora pautado em uma cena do

viacutedeo ldquoE eu achei interessante tambeacutem na hora em que a menina falou - Como que

eacute Isso daqui eacute um papagaio Aiacute ela (a professora do viacutedeo) falou assim - Natildeo parece

uma casa natildeo Aiacute vocecirc vecirc assim que interessante a crianccedila quando ela fala que eacute

uma coisa como que ela visualiza aquilordquo Na explicaccedilatildeo a partir do argumento de

exemplo a professora exemplifica com a afirmativa da crianccedila ldquoIsso daqui eacute um

papagaiordquo depois explica que ldquointeressante a crianccedila quando ela fala que eacute uma

coisa como que ela visualiza aquilordquo Ao usar o qualificativo ldquointeressanterdquo em dois

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 140

ILKA SCHAPPER SANTOS

momentos do argumento de exemplo a professora em um primeiro movimento avalia o

exemplo antes mesmo de relataacute-lo e depois reforccedila sua avaliaccedilatildeo para concluir que a

crianccedila a partir de um dado objeto o transforma em outro Mas natildeo se posiciona diante

da assertiva da professora do viacutedeo que questiona ldquoNatildeo parece uma casa natildeordquo

Eacute sim interessante perceber que a professora Mirela havia dito no fragmento

ldquopercebi que a professora deixou as crianccedilas muito livresrdquo e paradoxalmente o

exemplo que ela utilizou contradiz sua fala pois a professora do viacutedeo natildeo considera o

enunciado da crianccedila ldquoIsso daqui eacute um papagaiordquo mas reforccedila sua proacutepria

compreensatildeo do objeto representado ou seja uma casa No fluxo discursivo da

educadora notamos que sua fala vai de encontro ao processo da descriccedilatildeo

No turno (6) a professora Fabiana enuncia ldquoEacute eu tambeacutem vi que ela

trabalhou as cores as formas dentro da linguagem matemaacutetica tambeacutem A liberdade

que ela deu agraves crianccedilas cada um com as suas formas geomeacutetricas eles criaram

tiveram a criatividade foi um momento de desenvolver a criatividade deles natildeo foi

aquela coisa presa eles fizeram livrementerdquo Na fala de Fabiana reaparece o adveacuterbio

ldquotambeacutemrdquo para confirmar as observaccedilotildees das duas outras professoras retomando a

assertiva com o argumento de exemplo que a professora trabalhou os conhecimentos

matemaacuteticos Mas Fabiana introduz no seu argumento o substantivo ldquocriatividaderdquo

para explicar que a atividade foi desenvolvida pela professora do viacutedeo de forma

criativa No entanto natildeo faz uso de elementos discursivos que esclareccedilam os sentidos-

significados que ela professora atribui agrave criatividade

O 1ordm excerto revela uma contradiccedilatildeo latente na fala das professoras participantes

nas relaccedilotildees que estabelecem entre os binocircmios luacutedicolivre luacutedicocriatividade e

luacutedicoconteuacutedos diversos (em especial os conteuacutedos de linguagem e da matemaacutetica)

Os dois primeiros estatildeo atrelados ao luacutedico como reconstruccedilatildeo do real como

possibilidade de as crianccedilas anteciparem papeacuteis sociais e o terceiro ao luacutedico como

instrumento de aprendizagem dos conteuacutedos escolares

Embora na sessatildeo reflexiva haja um espaccedilo para que todos se coloquem a partir

da indagaccedilatildeo da pesquisadora cria-se um fosso entre os diaacutelogos tecidos pelas

coordenadoras e o silecircncio da pesquisadora sobre suas concepccedilotildees em relaccedilatildeo ao luacutedico

e ao brincar Esse silecircncio inviabilizou trazer para o espaccedilo enunciativo elementos de

tensatildeo conflitos e possibilidade de transformaccedilatildeo dos significados rotinizados que as

educadoras compartilharam sobre a temaacutetica Assim a ausecircncia de contrapalavras de

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 141

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reacuteplicas das pesquisadoras (BakhtinVolochinov 1988) em relaccedilatildeo aos significados que

as coordenadoras trouxeram na sessatildeo impossibilitou que a atividade fosse

desenvolvida por meio da colaboraccedilatildeo criacutetica (Magalhatildees 2009)

Nas cenas discursivas natildeo se chega a uma base de sustentaccedilatildeo comum Em

outras palavras podemos inferir que as relaccedilotildees tecidas nesses turnos estatildeo pautadas nas

praacuteticas rotinizadas das professoras sem que se produzam questotildees de fundo teoacuterico ou

a argumentaccedilatildeo para a formaccedilatildeo de conceitos Podemos perceber no movimento

discursivo uma dificuldade das pesquisadoras em levantarem a partir dos sentidos

trazidos pelas professoras naquela comunidade semioacutetica questionamentos que

pudessem gerar duacutevidas polecircmicas em relaccedilatildeo ao estabelecido e ao rotinizado

Isso fica expliacutecito quando as educadoras lanccedilam matildeo de argumentos de exemplo

e argumentos pragmaacuteticos estruturados a partir do que assistiram no viacutedeo e de suas

experiecircncias profissionais (ie por trecircs vezes destacaram que a professora do viacutedeo

estava trabalhando a matemaacutetica ndash cores formas ndash e em dois momentos do discurso

disseram que a atividade possibilitava o desenvolvimento da linguagem) A reincidecircncia

desses argumentos nas falas sinaliza que os sentidos das professoras sobre o luacutedico e

sua materializaccedilatildeo na sala de atividade de educaccedilatildeo infantil satildeo muito parecidos Aleacutem

disso a circularidade argumentativa sem intervenccedilatildeo das pesquisadoras inviabiliza que

significados outros possam emergir no fluxo da interaccedilatildeo verbal

Em resumo neste excerto a pesquisadora faz questionamentos para fomentar a

tarefa no entanto natildeo especifica o que deve ser descrito e natildeo usa argumentos de

exemplo para esclarecer sobre o que deve ser feito Com isso as professoras tecem

descriccedilotildees e narrativas geneacutericas

Passemos agora para a anaacutelise do 2ordm trecho selecionado da mesma sessatildeo

reflexiva momento em que as pesquisadoras procuram possibilitar um espaccedilo de

compartilhamento dos significados trazidos pelas professoras sobre o brincar em

especial a relaccedilatildeo entre material concreto e o desenvolvimento de atividades luacutedicas

2ordm Excerto

(7) Patriacutecia Entatildeo vocecircs jaacute falaram mais ou menos o descrever E aiacute qual eacute o foco da

apresentaccedilatildeo do conteuacutedo da atividade Assim o que que ela quis estar mostrando

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 142

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com essa atividade ali (do viacutedeo)

(8) Mirela De forma luacutedica as cores e as formas geomeacutetricas mesmo e aiacute associou

cores com formas

(9) Claacuteudia E tambeacutem expressatildeo oral jaacute que ela foi nas mesas perguntando

(10) Leacutea Esperem aiacute um minutinho Vocecircs concordam com a Mirela Com o que a

Mirela disse Que eacute de forma luacutedica

(11) Claacuteudia Eu concordo porque as crianccedilas estavam aprendendo e brincando ao

mesmo tempo elas brincaram com brinquedos loacutegicos que eacute um recurso brincar com

brinquedos loacutegicos que motiva bastante a imaginaccedilatildeo delas

(12) Leacutea O que que te levou a dizer que motiva bastante a imaginaccedilatildeo deles O que

que no viacutedeo Claacuteudia te mostra que as crianccedilas estatildeo imaginando

(13) Claacuteudia O brincar com o material que a professora deixou que eles fossem

manipulando de acordo com o que iam manipulando

(14) Leacutea Qual material vocecirc estaacute falando

(15) Claacuteudia Os blocos loacutegicos

(16) Leacutea O que faz com que vocecirc ache que a atividade foi uma atividade luacutedica

(17) Claacuteudia Por manipular o concreto por estarem manipulando o concreto

(18) Leacutea Entatildeo vocecirc pensa que toda vez que as pessoas pensam que toda vez que

vocecirc trabalha com material concreto eacute luacutedico

(19) Mirela Eacute porque a gente trabalha assim

(20) Leacutea Toda vez que vocecircs trabalham com material concreto eacute luacutedico

(21) Mirela Eacute luacutedico

(22) Leacutea O trabalhar com material concreto eacute luacutedico para vocecircs

(23) Mirela eacute pra a gente aqui eacute

No primeiro fragmento do turno (7) a pesquisadora Patriacutecia inicia o enunciado

dizendo ldquoentatildeo vocecircs jaacute falaram mais ou menos o descrever rdquo Com a locuccedilatildeo

adverbial ldquomais ou menosrdquo avalia de forma modalizada que as professoras natildeo

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 143

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conseguiram estruturar a descriccedilatildeo da cena assistida Apesar de sinalizar que

descreveram ldquomais ou menosrdquo a cena do viacutedeo a pesquisadora natildeo mostra

discursivamente o que entatildeo as professoras fizeram aleacutem disso natildeo daacute indicativos de

como fazer

Depois a pesquisadora centraliza seus questionamentos com perguntas para a

explicaccedilatildeo ldquoE aiacute qual eacute o foco da apresentaccedilatildeo do conteuacutedo da atividade Assim o

que que ela quis estar mostrando com essa atividade alirdquo Assim as professoras satildeo

chamadas a refletirem sobre o conteuacutedo da atividade e a pensarem sobre os objetivos

que a professora do viacutedeo desejava alcanccedilar As professoras participantes retomam os

argumentos do recorte anterior e reafirmam a tese de que a professora trabalhou de

forma luacutedica usando os mesmos argumentos de exemplo e pragmaacutetico Isso se revela

nos turnos (8) e (9) quando voltam a relacionar o luacutedico com os conteuacutedos matemaacuteticos

e os conteuacutedos de linguagem

Para as pesquisadoras a definiccedilatildeo de um campo comum sobre o que as

professoras entendem como um trabalho pautado na atividade luacutedica eacute essencial para a

discussatildeo que pretendem tecer com as educadoras Por isso no turno (10) Leacutea levanta

os questionamentos ldquoVocecircs concordam com a Mirela Com o que a Mirela disse que

eacute de forma luacutedicardquo O que estaacute em jogo eacute a busca de um significado compartilhado

sobre o brincar mas como as pesquisadoras natildeo se posicionaram no campo

argumentativo sobre as concepccedilotildees do GP EFoPI relativas agrave brincadeira na educaccedilatildeo

infantil a discussatildeo fica fundada apenas na retomada da fala anterior de Mirela Mais

uma vez natildeo se cria um espaccedilo de polecircmica com contra-argumentos que possam gerar

uma crise nos significados estratificados

No turno (16) a pesquisadora faz um questionamento que exige

explicaccedilatildeoraciociacutenio ldquoo que faz com que vocecirc ache que a atividade foi uma atividade

luacutedicardquo Ao tecer esse questionamento a pesquisadora busca propiciar um espaccedilo de

ampliaccedilatildeo dos argumentos das professoras procurando fazer emergir outros sentidos e

conhecimentos cotidianos que elas possam vir a ter sobre o luacutedico A professora Claacuteudia

(17) explica que ldquopor manipular o concreto por estarem manipulando o concretordquo a

atividade pode ser considerada luacutedica Essa explicaccedilatildeo leva a pesquisadora a retomar o

enunciado da professora (18) ldquoentatildeo vocecirc pensa que toda vez que as pessoas

pensam que toda vez que vocecirc trabalha com material concreto eacute luacutedicordquo Essa

retomada por meio de um questionamento tem a funccedilatildeo de produzir uma definiccedilatildeo

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 144

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sobre os saberes das educadoras em relaccedilatildeo agrave diacuteade luacutedicoconcreto mas como natildeo estaacute

elaborado para tal soacute alcanccedila confirmaccedilatildeo e natildeo uma definiccedilatildeo Isso ocorreu porque

natildeo foi solicitado diretamente agraves participantes o conceito de luacutedico adotado natildeo

promovendo um espaccedilo em que elas pudessem tecer consideraccedilotildees sobre a ludicidade

Aleacutem disso as proacuteprias pesquisadoras natildeo trazem seus sentidos-significados sobre a

temaacutetica

Na sua resposta Mirela (19) usa o sintagma nominal ldquoa genterdquo (no lugar do

pronome de primeira pessoa do plural ldquonoacutesrdquo) ressaltando o grau de implicaccedilatildeo de todas

as professoras da creche em um trabalho que veicula o luacutedico ao material concreto

Aqui os significados referem-se aos conteuacutedos instituiacutedos (Aguiar e Ozella 2006) que

foram sendo apropriados pelas professoras a partir de suas praacuteticas docentes na

interlocuccedilatildeo com os demais profissionais da creche

Diante da assertiva da professora a pesquisadora repete o questionamento nos

turnos (20) ldquotoda vez que vocecircs trabalham com material concreto eacute luacutedicordquo e (22)

ldquotrabalhar com material concreto eacute luacutedico para vocecircsrdquo deixando transparecer seu

estranhamento com a tese da educadora da creche Em resposta a educadora reafirma a

tese de que o trabalho com o material concreto eacute um trabalho luacutedico ndash (23) ldquoeacute pra a

gente aqui eacuterdquo ndash sinalizando por meio do uso do adveacuterbio de lugar ldquoaquirdquo como decircitico

espacial que na creche essa concepccedilatildeo prevalece Haacute uma revelaccedilatildeo de cisatildeo em seu

discurso que separa ldquoa gente aqui rdquo remetendo-se agraves professoras da creche e excluindo

as pesquisadoras do seu discurso Essa cisatildeo desvela um distanciamento entre os saberes

das professoras no cotidiano da creche e os saberes da universidade natildeo criando zonas

de sentido que pudessem desestabilizar as significaccedilotildees apresentadas

Apesar de a pesquisadora questionar a concepccedilatildeo de que todo trabalho com

material concreto eacute luacutedico a reincidecircncia de seus questionamentos natildeo traz para cena

discursiva neste excerto argumentos baseados na teoria para refutar a tese das

professoras Isso porque as pesquisadoras natildeo esclarecem natildeo compartilham seus

proacuteprios significados sobre o luacutedico construiacutedos-produzidos no GP EFoPI aleacutem de natildeo

criarem contra-argumentos a partir dos pontos de vista das professoras Mais uma vez

natildeo se cria uma zona de conflitos tensotildees e por conseguinte uma zona de colaboraccedilatildeo

criacutetica (Magalhatildees 2009) entre os participantes que pudesse promover um

compartilhamento de significados e produccedilatildeo-construccedilatildeo de conhecimentos gerados na

siacutentese dialeacutetica entre teoria e praacutetica

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 145

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A ausecircncia de um contexto colaborativo inviabilizou inaugurar um espaccedilo em

que os participantes tivessem a possibilidade de tornar seus processos mentais mais

claros em que pudessem demonstrar e explicar esses processos no fluxo da interaccedilatildeo

verbal Assim natildeo houve ruptura nos sentidos-significados trazidos pelas professoras

ficando estes inscritos agraves esferas anteriores em que foram produzidos

Vejamos entatildeo na sequecircncia da sessatildeo reflexiva em anaacutelise um trecho em que

a discussatildeo se volta para a forma como a professora interveacutem nas accedilotildees das crianccedilas

3ordm Excerto

(24) Leacutea Agora pensando mais na atividade seguinte e natildeo naquela dos blocos

loacutegicos eacute vamos pensar mais um pouquinho pensando neacute descrevendo analisando o

que a professora fez Vocecircs disseram que as crianccedilas estavam livres para imaginarem o

que quisessem

(25) Fabiana eacute dos papeizinhos Porque a partir do momento em que ela colocou as

formas geomeacutetricas em cima da mesa antes dela intervir eles poderiam mostrar o que

eles quisessem eles estavam livres para mostrar o que eles quisessem Eu soacute achei

assim que na hora em que ela comeccedilou a intervir em que ele (o aluno) ia montar a

casa nem eacute assim uma criacutetica porque agraves vezes eu faccedilo isso tambeacutem por querer que

seja o sol sem deixar que seja uma casa ou palhaccedilo

(26) Mirela mas eu acho que de toda forma mesmo com ela intervindo a crianccedila ela

estava brincando em uma atividade luacutedica porque ateacute o momento em que eles (os

alunos) estavam manipulando o papel eles estavam do jeito deles colocavam ali

colocavam aqui na hora em que ela (a professora) chegou fez a intervenccedilatildeo da forma

que ela achava que era o melhor Por quecirc Porque fica muito abstrato vocecirc colar uma

coisa que a crianccedila fez no caderno sem um contexto fica fora de esteacutetica vocecirc colar no

caderno uma obra da crianccedila na visatildeo da professora com o quadrado aqui o ciacuterculo ali

(27) Leacutea na visatildeo da esteacutetica

(28) Leacutea deixa eu ver se eu entendi entatildeo Mirela Vocecirc disse entatildeo que a orientaccedilatildeo

da professora eacute de que fizessem alguma coisa que depois fossem colar no caderno

vocecirc fala nessa questatildeo da esteacutetica que vocecirc acha que a professora fez bem que a

professora agiu corretamente em estar orientando o lugar de pocircr o sol perguntando se

depois fazia alguma coisa porque depois na hora de colar no caderno precisaria ter

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 146

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uma certa esteacutetica

(29) Mirela natildeo vocecirc entendeu errado Eu disse que ela agiu deixando as crianccedilas

brincarem ludicamente deixando fazer o que queriam soacute que na hora de colar no

caderno ela se preocupou com a esteacutetica de quem vai ver Porque quem vai ver vai

olhar e falar assim ldquonossa por que vocecirc colou um ciacuterculo aqui e um triacircngulo alirdquo

Agora se ela juntasse colocasse um sol em cima um triacircngulo e um quadrado

embaixo esteticamente estaacute mais bonito O pai quando olhar vai dizer ldquonossa meu

filho que bonito vocecirc realmente fez uma casardquo Agora tudo separado o que que o pai

vai ver em casa ldquonossa filho vocecirc colou assim por que vocecirc natildeo juntourdquo Eu acho

que a preocupaccedilatildeo da professora foi isso

(30) Leacutea e a preocupaccedilatildeo sua qual seria Como vocecirc faria

Neste excerto a pesquisadora procura ampliar o debate a partir das atividades

analisadas Para isso faz uso principalmente de argumento de comparaccedilatildeo Jaacute as

educadoras continuam a fazer uso do argumento pragmaacutetico que pouco promove a

ampliaccedilatildeo do debate sobre o jaacute estabelecido

No turno (24) com o operador argumentativo ldquoagorardquo a pesquisadora introduz

no enunciado conteuacutedos pressupostos O pressuposto eacute desvelado com a continuidade

do discurso em que a oradora usa um argumento de comparaccedilatildeo ldquopensando mais na

atividade seguinte e natildeo naquela dos blocos loacutegicosrdquo para sinalizar que as professoras

participantes ateacute entatildeo estavam focando mais a primeira atividade do viacutedeo do que a

segunda Assim convida o auditoacuterio a se ater agrave segunda atividade a partir da

explicaccedilatildeo ldquovamos pensar mais um pouquinho pensando neacute descrevendo

analisando o que a professora fezrdquo Depois finaliza o enunciado retomando a tese das

professoras ndash ldquoas crianccedilas estavam livres para imaginarem o que quisessemrdquo ndash como

estrateacutegia de reflexatildeo abrindo espaccedilo para confirmaccedilotildees ou refutaccedilotildees

Em (25) a educadora da creche Fabiana busca sustentar a tese de que na

atividade ldquoas crianccedilas estavam livres para imaginarem o que quisessemrdquo atraveacutes de

argumento pragmaacutetico isso se evidencia na explicaccedilatildeo ldquoa partir do momento em que

ela colocou as formas geomeacutetricas em cima da mesa antes dela intervir eles

poderiam mostrar o que eles quisessem eles estavam livres para mostrar o que eles

quisessem rdquo

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 147

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No entanto ao continuar o diaacutelogo refuta a tese usando outro argumento

pragmaacutetico ldquoEu soacute achei assim que na hora em que ela comeccedilou a intervir em que

ele (o aluno) ia montar a casa nem eacute assim uma criacutetica porque agraves vezes eu faccedilo isso

tambeacutem por querer que seja o sol sem deixar que seja uma casa ou palhaccedilordquo

Eacute interessante notar que Mirela em (26) inicia seu enunciado com um operador

argumentativo para contrapor o uacuteltimo argumento pragmaacutetico de Fabiana ldquomas eu acho

que de toda forma mesmo com ela intervindo a crianccedila ela estava brincando em

uma atividade luacutedicardquo Na continuaccedilatildeo do diaacutelogo faz uso de outro operador ldquomesmordquo

para assinalar o argumento mais forte de uma escala orientada para uma determinada

conclusatildeo (Koch 19922004) ldquoela estava brincando em uma atividade luacutedicardquo

Depois termina o turno fazendo uso mais uma vez do argumento pragmaacutetico

ldquochegou fez a intervenccedilatildeo da forma que ela achava que era o melhor Por quecirc

Porque fica muito abstrato vocecirc colar uma coisa que a crianccedila fez no caderno sem

um contexto fica fora de esteacutetica vocecirc colar no caderno uma obra da crianccedila na

visatildeo da professora com o quadrado aqui o ciacuterculo alirdquo Com esse argumento

pretende mostrar o motivo pelo qual a professora do viacutedeo fez uma intervenccedilatildeo que natildeo

estava pautada em uma atividade de brincadeira livre Isso fica claro na explicaccedilatildeo ldquofica

fora de esteacuteticardquo

Leacutea em (28) com a expressatildeo ldquodeixa eu ver se eu entendi entatildeo Mirelardquo

busca confrontar o que a educadora havia dito Ao retomar a fala de Mirela a

pesquisadora apresenta uma siacutentese do que foi dito buscando aparentemente confrontar

a fala da educadora ldquoVocecirc disse entatildeo que a orientaccedilatildeo da professora eacute de que

fizessem alguma coisa que depois fossem colar no caderno vocecirc fala nessa questatildeo

da esteacutetica que vocecirc acha que a professora fez bem que a professora agiu

corretamente em estar orientando o lugar de pocircr o sol perguntando se depois fazia

alguma coisa porque depois na hora de colar no caderno precisaria ter uma certa

esteacuteticardquo No entanto o confrontar ficou pautado no senso comum sem que houvesse

compartilhamento de sentidos sobre a relaccedilatildeo entre a atividade luacutedica e a esteacutetica

declarado por Mirela

Diante da retomada de sua fala pela pesquisadora Mirela contra-argumenta

linguisticamente com o decircitico de pessoa ldquovocecircrdquo que sua fala foi entendida errada

logo em seguida faz a retificaccedilatildeo ldquoEu disse que ela (a professora do viacutedeo) agiu

deixando as crianccedilas brincarem ludicamente deixando fazer o que queriam soacute que

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 148

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na hora de colar no caderno ela se preocupou com a esteacutetica de quem vai verrdquo Nesse

movimento a professora continua sua explicaccedilatildeo usando um argumento pragmaacutetico

ldquoagiu deixando as crianccedilas brincarem ludicamente deixando fazer o que queriamrdquo

Depois faz uso do operador ldquosoacuterdquo para indicar a restriccedilatildeo no interior da sua

argumentaccedilatildeo orientando seu discurso para a negaccedilatildeo da totalidade jaacute que reforccedila a

preocupaccedilatildeo com a esteacutetica em relaccedilatildeo a quem vai ver a atividade no caderno das

crianccedilas Na verdade a educadora na sua explicaccedilatildeo utiliza argumentos de autoridade

ldquoo pai quando olhar vai dizer - nossa meu filho que bonito Vocecirc realmente fez

uma casardquo e ldquoo pai vai ver em casa - nossa filho vocecirc colou assim por que vocecirc natildeo

juntourdquo

No movimento discursivo entre argumentos pragmaacuteticos e argumentos de

autoridade a educadora busca justificar sua tese de que foi necessaacuterio a professora

considerar os aspectos esteacuteticos Os elementos argumentativos continuam circunscritos

ao senso comum sem um aporte teoacuterico que possa subsidiar a educadora na definiccedilatildeo

do que seja atividade luacutedica e na restriccedilatildeo em se priorizar o que estaacute chamando de

ldquoesteacuteticardquo

No turno seguinte (30) a pesquisadora faz dois questionamentos ldquoe a

preocupaccedilatildeo sua qual seria Como vocecirc fariardquo Com estas indagaccedilotildees Leacutea natildeo

retoma os argumentos anteriores passando para o que Smyth (1992) intitula de

reconstruir com isso tem a intenccedilatildeo de promover novas possibilidades de se pensar

atividades sobre o brincar No entanto como natildeo compartilhou no interior da sessatildeo o

significado do brincar adotado no GP EFoPI e pautado em explicaccedilotildees fundamentadas

e coerentes natildeo cria tambeacutem espaccedilos de ZPD (Vygotsky 19301991 Magalhatildees

2009) que possam gerar no dizer de BakhtinVolochinov (1988) uma compreensatildeo

ativa uma reacuteplica uma contrapalavra materializada em uma mudanccedila de postura das

educadoras Podemos pensar que nesse momento do turno a pesquisadora poderia

antes de levantar questionamentos para promover o reconstruir usar argumentos de

citaccedilatildeo respaldados em argumentos teoacutericos argumentos de autoridade e argumentos

de fontes que subsidiassem agraves educadoras elementos para refletirem sobre possiacuteveis

reconstruccedilotildees

De modo geral a anaacutelise do conjunto dos trecircs excertos da primeira sessatildeo

reflexiva do primeiro cronotopo aponta para algumas reflexotildees no interior do elo da

Cadeia Criativa Em especial no que se refere de um lado ao modo como as

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 149

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pesquisadoras se posicionaram em suas intervenccedilotildees e de outro como as educadoras

foram desvelando seus sentidos e compartilhando seus significados sobre o brincar no

interior do movimento enunciativo-argumentativo

No fluxo da interlocuccedilatildeo das pesquisadoras e educadoras ateacute aqui pode-se notar

um distanciamento entre o que se pretendia na sessatildeo e o que de fato ocorreu A

circularidade argumentativa das educadoras em relacionar o brincar a atividades

sistematizadas em reafirmar a tese de que ldquotudo que eacute concreto eacute luacutedicordquo em dizer

que as atividades dirigidas assistidas no viacutedeo se constituem como atividades livres que

promovem o desenvolvimento da imaginaccedilatildeo natildeo foram ressignificadas por meio de

intervenccedilotildees colaborativas das pesquisadoras O que prevaleceu foram exemplificaccedilotildees

ancoradas nas proacuteprias experiecircncias pessoais das professoras por meio de exposiccedilotildees

espontacircneas As pesquisadoras por sua vez ingressaram nos enunciados das professoras

tecendo alguns questionamentos mas sem criar questotildees controversas que pudessem

gerar conflitos duacutevidas e polecircmicas em relaccedilatildeo aos significados instituiacutedos

Aleacutem disso as pesquisadoras tiveram dificuldades em diminuir as marcas do

distanciamento dos mundos universidade-creche Desse modo quando a educadora

Mirela diz ldquoeacute pra gente aqui eacuterdquo mostra linguisticamente por meio dos decirciticos de

pessoa e espacial ldquoa genterdquo e ldquoaquirdquo respectivamente o interregno de distacircncia entre

seus saberes e os saberes da universidade Com isso ficou difiacutecil promover um espaccedilo

em que pesquisadoras e demais participantes pudessem ter um aumento de seu conatus

(potecircncia de agir) e tivessem elementos para chegar mais proacuteximo da ideia adequada

(Spinoza 16772005) sobre o tema tratado

A produccedilatildeo de significado sobre o brincar neste primeiro elo da Cadeia

Criativa ficou comprometida por conta de uma argumentaccedilatildeo circular e reincidente

entre pesquisadoras e educadoras como disse acima

412 ndash 2ordf Sessatildeo Reflexiva Analisada ndash dia 21 de agosto de 2006

Os excertos que se seguem foram recortados da terceira sessatildeo reflexiva com as

quatro educadoras da creche e as duas pesquisadoras do GP EFoPI no dia 21 de agosto

de 2006 O objetivo da sessatildeo era continuar discutindo o lugar do luacutedico na educaccedilatildeo

infantil tendo como referente um viacutedeo em que uma outra professora desenvolveu uma

atividade luacutedica com crianccedilas de quatro anos de idade O viacutedeo inicia com a educadora

arrumando as mesas para organizar as crianccedilas em quatro grupos diferentes nesse

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 150

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movimento a professora solicita que as crianccedilas a ajudem na disposiccedilatildeo dos brinquedos

em quatro cantinhos a) o da casinha b) o dos carrinhos e bonequinhos c) o dos

fantoches e d) o do desenho e colagem No decorrer da atividade as crianccedilas se dirigem

aos brinquedos de suas preferecircncias visitando as mesinhas dos outros colegas

compartilhando as brincadeiras A professora observa as brincadeiras das crianccedilas com

os brinquedos e participa quando eacute solicitada

Vejamos como se desenvolve o iniacutecio da sessatildeo reflexiva

1ordm Excerto

(1) Leacutea Quem quer comeccedilar gente a descrever Vamos ver quem gostaria de

comeccedilar a descrever

(2) Mirela Eu A atividade aplicada pela professora de educaccedilatildeo infantil na turma de 4

anos foi de faz de conta Ela comeccedilou a atividade com a organizaccedilatildeo da sala junto com

as crianccedilas depois ela organiza a sala em cantinhos cantinho do brinquedo o cantinho

dos fantoches e um de revistas canetas papel ofiacutecio e pincel atocircmico Observei que o

tempo todo ela participou das atividades junto com as crianccedilas e mediou o trabalho

junto com elas laacute Eu observei tambeacutem que as crianccedilas estavam gostando das

brincadeiras porque elas estavam todas interagindo e elas podiam todas transitar pela

sala natildeo tinha aquela coisa ldquovocecirc vai ficar sentada aqui vai ficar sentada ali natildeordquo

Elas puderam fazer tudo livremente

(3) Leacutea vai vai laacute Claacuteudia

(4) Claacuteudia bom isso tudo que a Mirela jaacute falou eu anotei para natildeo repetir eu vou

falar outra coisa

(5) Leacutea Natildeo natildeo Eacute importante que vocecirc coloque tudo que vocecirc escreveu mesmo que

repita

(6) Fabiana eu notei que era um faz de conta mas um faz de conta em que elas

retratavam o dia-a-dia delas porque tem o neneacutem que ela fez mingau para a

bonequinha O neneacutem vocecirc estaacute fazendo o quecirc O mingau ela deve vivenciar isso no

dia-a-dia A outra quis cozinhar fez cafeacute fez suco entatildeo aquilo eacute um retrato do dia-a-

dia o que eles vivenciavam e tambeacutem um momento da professora estar conhecendo

eles que era o que ela estava fazendo Aiacute ela perguntava fazia perguntas e a crianccedila

falava Nessas brincadeiras a gente conhece muito as crianccedilas Nossa aqui as crianccedilas

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 151

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brincam demais a gente faz recreaccedilatildeo com elas externa e laacute fora com a areia vira

tudo vira suco vira comida vira bolo elas viram personagens elas viram pessoas da

creche elas falam - eu sou a tia fulana E outros satildeo cozinheiras aiacute elas vatildeo fazem

bolo e cantam parabeacutens eles vivenciam isso mesmo realmente aqui E os bichinhos

eles retrataram bem o momento em que retratavam os bichinhos elas falavam ldquoonde

estaacute tua matildeerdquo ldquoa tua matildee ‟taacute em tal lugarrdquo Foi muito bom eu gostei muito da atividade

dela Porque as crianccedilas estavam todas organizadas cada um escolheu tiveram

liberdade para escolher qual cantinho eles queriam e natildeo houve aquela desorganizaccedilatildeo

Eu achei que foi organizada a atividade dela

(7) Mirela Eu tambeacutem percebi que a professora distribui a sala em cantinho deixou as

crianccedilas escolherem livremente com o que queriam brincar interagiu o tempo todo

com as crianccedilas e deixou as crianccedilas se expressarem usarem a criatividade e a

imaginaccedilatildeo

O questionamento da pesquisadora no turno (1) tem a finalidade de instigar as

professoras a iniciarem as descriccedilotildees A professora Mirela se prontifica a descrever a

cena ressaltando que a atividade desenvolvida pela professora do viacutedeo era de faz de

conta Para respaldar sua assertiva usa o argumento de exemplo (2) ldquoela (a professora)

comeccedilou a atividade com a organizaccedilatildeo da sala junto com as crianccedilas depois ela

organiza a sala em cantinhos cantinho do brinquedo o cantinho dos fantoches e um

de revistas canetas papel oficio e pincel atocircmicordquo Ao exemplificar os recursos

utilizados pela professora do viacutedeo em especial a organizaccedilatildeo da sala de atividades em

cantinhos a educadora compartilha no grupo um significado importante sobre como a

organizaccedilatildeo do espaccedilo pode propiciar o brincar de faz de conta No argumento em que

baseia sua descriccedilatildeo fica expliacutecito como a diversidade dos cantinhos pode ser elemento

fundante para as crianccedilas transitarem no universo do faz de conta

Na continuidade de seu turno a professora destaca ldquoObservei que o tempo todo

ela participou das atividades junto com as crianccedilas e mediou o trabalho junto com

elas laacuterdquo Aqui a educadora diz que a professora do viacutedeo ldquomediou o trabalhordquo apesar

de trazer para cena enunciativa uma palavra que faz parte do campo epistemoloacutegico da

perspectiva vygotskyana a educadora natildeo discorre sobre quais accedilotildees realizadas pela

professora do viacutedeo indicam o processo de mediaccedilatildeo Assim parece natildeo ter claro que

esse processo segundo Vygotsky (19301991 p 33) estaria relacionado a uma

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 152

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intervenccedilatildeo de um elemento intermediaacuterio em uma accedilatildeo deixando de ser direta e

passando a ser mediada por esse elemento

Ainda em seu turno a professora diz ldquoEu observei tambeacutem que as crianccedilas

estavam gostando das brincadeiras porque elas estavam todas interagindordquo na

afirmativa justifica a sua fala com o operador argumentativo ldquoporquerdquo para mostrar

que houve um processo de interaccedilatildeo na cena No entanto apesar de mais uma vez usar

um verbete importante da teoria soacutecio-histoacuterico-cultural ndash ldquointeraccedilatildeordquo ndash novamente natildeo

explicita como isso se materializou

No turno da professora podemos notar dois pontos importantes para

compartilhamento de sentidos sobre a brincadeira de faz de conta a formaccedilatildeo dos

cantinhos na sala de atividade e o processo de interaccedilatildeo das crianccedilas No entanto as

descriccedilotildees tecidas mostram explicaccedilotildees geneacutericas e julgamentos das professoras isso

tampona a possibilidade de as educadoras de fato refletirem sobre a atividade analisada

e tambeacutem sobre as teorias que a embasam

Em (3) a pesquisadora convoca mais uma professora a expor sua descriccedilatildeo ldquovai

vai laacute Claacuteudiardquo quando a professora anuncia (4) ldquobom isso tudo que a Mirela jaacute falou

eu anotei para natildeo repetir eu vou falar outra coisardquo a pesquisadora diz (5) ldquonatildeo

natildeo Eacute importante que vocecirc coloque tudo que vocecirc escreveu mesmo que repitardquo a

ecircnfase da pesquisadora ao usar duas vezes o adveacuterbio de negaccedilatildeo ldquonatildeordquo busca garantir

a todas as professoras o espaccedilo para descriccedilatildeo ainda que sejam descriccedilotildees reincidentes

Isso porque para ela eacute importante que todas revejam a accedilatildeo descrita de forma

informada para criar um espaccedilo em que todas as educadoras apresentem as impressotildees

ocorridas na cena para uma visualizaccedilatildeo coletiva das accedilotildees realizadas Segundo

Liberali (2008) esse momento de visualizaccedilatildeo coletiva eacute importante para que o

professor possa entender o que foi feito a partir do detalhamento do evento analisado

para em uma compreensatildeo ativa refletir sobre as praacuteticas rotinizadas no cotidiano das

creches e preacute-escolas

Diante da explicaccedilatildeo da pesquisadora ldquoEacute importante que vocecirc coloque tudo que

vocecirc escreveu mesmo que repitardquo Fabiana define a brincadeira assim como Mirela

como de faz de conta mas traz outros elementos para a cena enunciativa Com o

operador argumentativo ldquomasrdquo orienta para uma conclusatildeo aparentemente contraacuteria ao

que ateacute entatildeo foi dito ldquomas um faz de conta em que elas retratavam o dia-a-dia

delas porque tem o neneacutem que ela fez mingau para a bonequinha O neneacutem vocecirc

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 153

ILKA SCHAPPER SANTOS

estaacute fazendo o quecirc O mingau ela deve vivenciar isso no dia-a-dia A outra quis

cozinhar fez cafeacute fez suco entatildeo aquilo eacute um retrato do dia-a-diardquo Nesse

movimento a professora explica que as crianccedilas pautaram a brincadeira de faz de conta

nas suas experiecircncias cotidianas Aqui a educadora relaciona o brincar de faz de conta agrave

atividade humana mostrando como a crianccedila recupera os modos costumes e

comportamentos do grupo social em que estaacute inserida (Vygotsky 19301991)

Depois de relatar como a professora do viacutedeo propiciou o desenvolvimento da

brincadeira de faz de conta Fabiana tece uma aproximaccedilatildeo a partir do argumento de

exemplo com o trabalho realizado na creche ldquoaqui as crianccedilas brincam demais a

gente faz recreaccedilatildeo com elas externa e laacute fora com a areia vira tudo vira suco vira

comida vira bolo elas viram personagens elas viram pessoas da creche elas falam

eu sou a tia fulana e outros satildeo cozinheiras aiacute elas vatildeo fazem bolo e cantam

parabeacutens eles vivenciam isso mesmo realmente aquirdquo Ao iniciar sua declarativa com

o adveacuterbio ldquoaquirdquo funcionando como decircitico espacial a educadora marca que no

espaccedilo da creche em que atua as crianccedilas vivenciam o brincar de faz de conta

mostrando como essa vivecircncia estaacute pautada na reconstruccedilatildeo do real e na antecipaccedilatildeo de

papeacuteis sociais Apesar de no enunciado Fabiana natildeo usar nenhum argumento teoacuterico

busca no argumento de exemplo afirmar que seu trabalho tambeacutem estaacute pautado em

brincadeiras que possibilitem o desenvolvimento de situaccedilotildees imaginaacuterias de faz de

conta

No final de sua fala a professora declara com o uso do pronome pessoal na

primeira pessoa do singular ldquoeu gostei muito da atividade delardquo para avaliar

positivamente a atividade desenvolvida pela professora do viacutedeo Essa declarativa

reforccedila a identificaccedilatildeo da educadora com as accedilotildees analisadas

Em (7) Mirela destaca tambeacutem o trabalho realizado pela professora do viacutedeo a

partir dos cantinhos ldquoEu tambeacutem percebi que a professora distribui a sala em

cantinhosrdquo reforccedilando a organizaccedilatildeo da sala de aula em cantinhos dado que jaacute tinha

sido ressaltado pelas outras educadoras Depois traz trecircs argumentos que avaliou como

importantes a) ldquodeixou as crianccedilas escolherem livremente com o que queriam

brincar b) interagiu o tempo todo com as crianccedilas e c) deixou as crianccedilas se

expressarem usarem a criatividade e a imaginaccedilatildeordquo Ao destacar esses argumentos a

professora daacute a entender que o trabalho pautado na organizaccedilatildeo da sala de atividades

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 154

ILKA SCHAPPER SANTOS

em cantinhos possibilita agraves crianccedilas um brincar mais livre uma interaccedilatildeo

crianccedilaprofessora e o desenvolvimento da criatividade e da imaginaccedilatildeo

Neste excerto haacute um movimento diferente em relaccedilatildeo aos excertos ateacute agora

analisados Aqui as professoras demonstram ter percebido outros elementos

importantes no desenvolvimento de atividades pautadas na brincadeira como a

organizaccedilatildeo do espaccedilo das salas de atividades em cantinhos e por conseguinte como

isso possibilita agrave crianccedila ingressar na imaginaccedilatildeo no faz de conta Apesar de tecerem

essas consideraccedilotildees as educadoras continuam pautando suas consideraccedilotildees em

argumentos de exemplo fundados na proacutepria atividade analisada e em suas experiecircncias

na creche

No fluxo discursivo novamente as pesquisadoras natildeo interferem nas

interlocuccedilotildees de modo a possibilitar a expansatildeo dos significados trazidos pelas

educadoras como por exemplo questionando como a professora do viacutedeo analisado

ldquomediourdquo a atividade desenvolvida A ausecircncia de questionamentos dessa ordem

impede que as educadoras ampliem seus campos de reflexotildees que possam ter uma

compreensatildeo ativa (BakhtinVolochinov 1988) do processo vivenciado e por

conseguinte que tenham uma atitude responsiva ativa diante da cena analisada

Por conta disso as professoras continuam transitando em ideias inadequadas

confusas (Spinoza 16772005) em relaccedilatildeo ao brincar de faz de conta Essa teria sido

uma oportunidade interessante para as pesquisadoras ingressarem no fluxo

argumentativo das professoras por meio de argumentos teoacuterico-praacuteticos que

promovessem um (re)pensar dos significados sobre a brincadeira

No proacuteximo recorte as pesquisadoras tecem questionamentos sobre como a

professora do viacutedeo analisado orientou a atividade e tambeacutem como desenvolveu o

trabalho com as crianccedilas Vejamos

2ordm Excerto

(8) Leacutea Muito bem Que tipo de trabalho foi desenvolvido Foi em grupo foi em

dupla foi individual O que vocecircs conseguiram observar

(9) Fabiana Elas mesmas (as crianccedilas) formaram o proacuteprio grupo delas elas foram

formando seus grupinhos um queria brincar com a boneca entatildeo ela estava ali dentro

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 155

ILKA SCHAPPER SANTOS

do grupo da casinha ela estava dentro daquele grupinho ningueacutem ficou disperso

assim separado pelo que deu para ver natildeo

(10) Mirela foi um trabalho em grupo

(11) Fabiana pelo menos o que deu para a gente ver foi um trabalho em grupo as

crianccedilas mesmo se organizaram elas se organizaram

(12) Leacutea Isso E qual que foi o foco de apresentaccedilatildeo da atividade da professora Qual

que foi o objetivo o foco O que que vocecircs acham que essa professora tinha por

objetivo por foco para estar trabalhando ali com as crianccedilas Eu estou perguntando

isso porque na primeira atividade vocecircs lembram da primeira atividade (da sessatildeo

reflexiva anterior) Eu tambeacutem fiz o mesmo pedido para a professora eu fiz o mesmo

pedido que eu gostaria que ela ‟tivesse trabalhando com uma brincadeira livre A

mesma coisa que eu pedi para a primeira professora na uacuteltima sessatildeo eu pedi para essa

Entatildeo eu pergunto assim qual o objetivo da professora que vocecircs acham que a

professora tinha aleacutem do que a Fabiana disse tinha falado qual seria o conteuacutedo

objetivo dela estar trabalhando daquela forma Haveria uma outra forma de estar

trabalhando com as crianccedilas a partir do meu pedido

(13) Mirela Eacute se tivesse mais espaccedilo teria porque ela natildeo utilizaria as mesas

entendeu Ela podia usar o espaccedilo no chatildeo mais espaccedilo sem estar presa nas mesinhas

(14) Fabiana elas (as crianccedilas) ficariam mais agrave vontade o espaccedilo da sala eacute sempre

melhor se elas estivessem no chatildeo pelo chatildeo da sala se tivesse uma sala mais

espaccedilosa afastar as carteiras elas ateacute organizaram as mesas mas mesmo assim a gente

sabe que se fosse outra escola outra escola todas as escolas municipais tecircm a sala

geralmente pequena quando tem espaccedilo eacute loacutegico que a proacutepria crianccedila cria mais tem

oportunidade de criaccedilatildeo porque a gente sente isso porque eles brincam muito porque a

gente aqui (na creche) daacute muito essa recreaccedilatildeo mas no espaccedilo externo como eu te falei

elas vatildeo em um canto elas vatildeo no outro elas mexem aqui natildeo tem aquela preocupaccedilatildeo

de sujar porque a gente ensina para elas que natildeo pode sujar essas coisas Entatildeo se ela

tivesse um espaccedilo mais amplo talvez natildeo foi ruim mas talvez fosse melhor ainda

(15) Patriacutecia Como vocecircs organizariam essas atividades

(16) Mirela porque aqui a gente jaacute tem jaacute trabalha com as oficinas

(17) Fabiana eacute a gente tem as oficinas

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 156

ILKA SCHAPPER SANTOS

No segundo excerto a pesquisadora inicia sua intervenccedilatildeo com trecircs

questionamentos a) Que tipo de trabalho foi desenvolvido b) Foi em grupo foi em

dupla foi individual c) O que vocecircs conseguiram observar Com estes questotildees Leacutea

busca ampliar o campo das descriccedilotildees elaboradas pelas educadoras da atividade

desenvolvida pela professora do viacutedeo Fabiana (9) e (11) e Mirela (10) respondem aos

questionamentos dizendo que o trabalho desenvolvido foi em grupo e que foram as

crianccedilas que se agruparam em conformidade ao interesse A pesquisadora levanta os

questionamentos sobre como as crianccedilas se organizaram nas brincadeiras se em grupo

dupla ou individualmente porque procura investigar se na descriccedilatildeo as educadoras

atentaram para tais questotildees Isso porque no interior da discussatildeo do GP EFoPI haacute uma

ecircnfase sobre a importacircncia de as professoras no contexto das salas de atividades de

educaccedilatildeo infantil fomentarem a interaccedilatildeo crianccedilacrianccedila e crianccedilaadultocrianccedila

Apesar da ecircnfase dada pela pesquisadora nos questionamentos sobre a formaccedilatildeo

dos grupos natildeo haacute uma retomada de fala para explicar a relevacircncia de um trabalho sob

a oacutetica da interaccedilatildeo ao contraacuterio no iniacutecio do seu turno (12) Leacutea faz uso do decircitico

ldquoissordquo para fechar a discussatildeo mostrando concordacircncia com as respostas anteriores das

educadoras Desse modo natildeo haacute expansatildeo de significados sobre os questionamentos

relativos ao trabalho realizado

Aqui a pesquisadora estabelece uma relaccedilatildeo de simetria de conhecimento e

ideias natildeo levantando questotildees que pudessem gerar conflitos contradiccedilotildees (Engestroumlm

1999) pontos de vistas distintos que satildeo elementos imprescindiacuteveis ao processo criacutetico-

reflexivo e por conseguinte desencadeadores das possiacuteveis transformaccedilotildees dana

praacutetica (Magalhatildees 2009)

Dito isso a pesquisadora passa a questionamentos que segundo sua

compreensatildeo de Smyth (1992) e Liberali (2008) se configuraria no informar

procurando propiciar um espaccedilo em que as educadoras pudessem retomar conceitos

sobre questotildees relacionadas ao brincar ldquoE qual que foi o foco de apresentaccedilatildeo da

atividade da professora Qual que foi o objetivo o foco O que que vocecircs acham que

essa professora tinha por objetivo por foco para estar trabalhando ali com as

crianccedilas Eu estou perguntando isso porque na primeira atividade vocecircs lembram da

primeira atividade (da sessatildeo reflexiva anterior)rdquo

Essas questotildees foram elaboradas no periacuteodo de planejamento da sessatildeo Para

realizar tal elaboraccedilatildeo as pesquisadoras se pautaram na terceira parte do livro de

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 157

ILKA SCHAPPER SANTOS

Liberali Formaccedilatildeo Criacutetica de educadores questotildees fundamentais (2008b p 61) em

que a autora formula alguns questionamentos para cada etapa do processo reflexivo

segundo Smyth (1992) Nessa obra as duas primeiras questotildees relativas ao informar

satildeo ldquoqual o foco da apresentaccedilatildeo do conteuacutedordquo ldquoque objetosconteuacutedos foram

trabalhadosrdquo Como o leitor pode observar haacute uma semelhanccedila muito grande entre as

questotildees levantadas pela pesquisadora e aquelas formuladas por Liberali No entanto

como nas discussotildees tecidas a partir das descriccedilotildees feitas pelas educadoras o grupo natildeo

compartilhou os significados referentes ao brincar o movimento do informar ficou

circunscrito a elementos pautados no senso comum nos saberes construiacutedos a partir da

praacutetica diaacuteria das professoras

Nas discussotildees do excerto natildeo aparecem argumentos respaldados em teorias que

auxiliem reflexotildees mas sim explicaccedilotildees generalizantes de conceitos presentes nas accedilotildees

cotidianas Isso fica expliacutecito nas falas de Mirela e de Fabiana (13) e (14)

respectivamente a) ldquoEacute se tivesse mais espaccedilo teria porque ela natildeo utilizaria as mesas

entendeu Ela podia usar o espaccedilo no chatildeo mais espaccedilo sem estar presa nas

mesinhasrdquo b) ldquoelas (as crianccedilas) ficariam mais agrave vontade o espaccedilo da sala eacute sempre

melhor se elas estivessem no chatildeordquo Mais uma vez as professoras usam argumentos

pragmaacuteticos para discutirem natildeo trazendo respaldo teoacuterico

Natildeo atentando para isso as pesquisadoras tecircm a pretensatildeo de trabalhar o

reconstruir (Smyth 1992) levantando o seguinte questionamento (15) Como vocecircs

organizariam essas atividades Novamente a pesquisadora segue as orientaccedilotildees de

Liberali (2008b p 82) na obra citada em que o questionar sobre como o educador

organizaria a aula de outra maneira eacute um ponto interessante para auxiliar no reconstruir

Mas como os pontos de vista levantados no descrever e no informar natildeo propiciaram

espaccedilos de uma compreensatildeo ativa dos princiacutepios que embasaram as accedilotildees das

atividades analisadas o grupo natildeo consegue ateacute entatildeo tecer uma inter-relaccedilatildeo entre as

accedilotildees e os possiacuteveis significados que poderiam ser compartilhados sobre as praacuteticas

cotidianas do brincar nas salas de atividades da educaccedilatildeo infantil

O reconstruir natildeo se configurou como um momento em que os participantes

pudessem repensar como fariam as atividades desenvolvidas no viacutedeo (e suas proacuteprias

atividades no cotidiano da creche) pois natildeo chegaram a descrever detalhadamente as

atividades nem foram confrontados por meio de questionamentos que pudessem

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 158

ILKA SCHAPPER SANTOS

elucidar os valores que subsidiam o agir e o pensar dos participantes das sessotildees

reflexivas (Liberali 2008b)

Assim o excerto acima natildeo se configurou como um momento em que as

educadoras pudessem refletir sobre as accedilotildees analisadas por meio de sustentaccedilatildeo

refutaccedilatildeo e negociaccedilatildeo de posiccedilotildees pautadas em um discurso mais teoacuterico Dito de outro

modo os enunciados ficaram circunscritos a argumentos de exemplo e pragmaacuteticos natildeo

sendo destacados valores concepccedilotildees sobre aprendizagem e ficando suas enunciaccedilotildees

alicerccediladas sobre as praacuteticas cotidianas como podemos notar nos turnos (16) e (17) de

Mirela e Fabiana respectivamente ldquoporque aqui a gente jaacute tem jaacute trabalha com as

oficinasrdquo e ldquoeacute a gente jaacute tem as oficinasrdquo Mirela inicia seu turno com o uso do

ldquoporquerdquo sinalizando que vai dar uma explicaccedilatildeo e depois faz uso dos decirciticos ldquoaquirdquo

(espacial) e ldquoa genterdquo (pessoal) para demarcar que na creche elas jaacute trabalham com as

oficinas Fabiana por sua vez inicia concordando com Mirela ldquoeacuterdquo e revozeia a sua fala

reforccedilando o posicionamento da creche em que trabalham com o decircitico de pessoa ldquoa

genterdquo

No excerto abaixo as participantes focalizam na atividade analisada a postura

da professora com as crianccedilas destacando que houve mediaccedilatildeo e interaccedilatildeo

3ordm Excerto

(18) Patriacutecia Voltando agrave atividade Qual que foi a postura da professora nessa

atividade o que que vocecircs acham

(19) Mirela ela mediou o trabalho ela se envolveu ela brincou porque isso faz parte

ela natildeo distribuiu e ficou laacute parada natildeo ela interagiu ela perguntou entatildeo eu achei isso

muito interessante porque agraves vezes o professor noacutes vamos fazer isso dar distribuir as

atividades e estar laacute (Mirela cruza os braccedilos) olhando o que que a crianccedila estaacute fazendo

ela estava junto ali eu achei muito interessante a postura dela

(20) Fabiana A professora estava junto com elas nas brincadeiras no momento

daquela atividade quando vocecirc senta na cadeirinha junto com as crianccedilas na mesinha

com elas estaacute ali brincando junto aiacute elas se envolvem mais

(21) Patriacutecia E aiacute na atividade vocecirc acha que houve esse envolvimento crianccedila-

crianccedila e professora-crianccedila

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 159

ILKA SCHAPPER SANTOS

(22) Fabiana natildeo acho que ela se envolveu sim elas (as crianccedilas) ofereceram a

comidinha para ela o cafezinho e tudo ela aceitou ela se envolveu

(23) Mirela teve uma hora em que ela falou - tem que pocircr mais accediluacutecar Mostra que

ela estava participando tambeacutem envolvida na brincadeira

Neste terceiro excerto temos a retomada da pesquisadora Patriacutecia com um

questionamento que busca fazer com que as educadoras reflitam sobre a postura da

professora do viacutedeo em relaccedilatildeo ao desenvolvimento da atividade (18) ldquoVoltando agrave

atividade Qual que foi a postura da professora nessa atividade o que que vocecircs

achamrdquo Nesse momento Mirela defende a tese respaldada teoricamente no conceito

de mediaccedilatildeo de Vygotsky de que a professora atua como mediadora no

desenvolvimento da brincadeira de faz de conta com as crianccedilas destacando ldquoela

mediou o trabalhordquo Para defender seu ponto de vista usa argumentos de exemplos a)

ldquoela se envolveurdquo b) ldquoela brincourdquo c) ldquoela estava junto alirdquo Apesar de a professora

ter identificado o processo de mediaccedilatildeo na sua argumentaccedilatildeo por exemplos natildeo fez um

detalhamento das accedilotildees relacionando-as com o construto teoacuterico que menciona na tese

O mesmo ocorre com o campo argumentativo de Fabiana que fica circunscrito a

argumentos de exemplo A professora estava junto com elas nas brincadeiras

(porque) no momento daquela atividade quando vocecirc senta na cadeirinha junto com

as crianccedilas na mesinha com elas estaacute ali brincando junto aiacute elas se envolvem mais

O ldquoporquerdquo impliacutecito objetiva a tomada de posiccedilatildeo no primeiro segmento do

enunciado sendo assim um argumento para a defesa da tese de que a professora do

viacutedeo estava mediando a brincadeira entre as crianccedilas No entanto como disse

anteriormente a defesa a partir de argumentos de exemplos natildeo possibilita ingressar em

um fluxo de transformaccedilotildees e mudanccedilas das educadoras jaacute que a argumentaccedilatildeo se

estrutura apenas na citaccedilatildeo dos acontecimentos anteriores Faltam nesse contexto

argumentos de definiccedilatildeo que pudessem promover o compartilhamento de sentidos e de

significados

A partir dos enunciados das educadoras a pesquisadora busca aprofundar a

questatildeo da mediaccedilatildeo procurando trazer os elementos teoacutericos para a pauta de discussatildeo

Desse modo tece o seguinte questionamento (21) ldquoE aiacute na atividade vocecirc acha que

houve esse envolvimento crianccedila-crianccedila e professora-crianccedilardquo A pergunta de

Patriacutecia sugere que as professoras aprofundem seus enunciados sobre a mediaccedilatildeo Mais

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 160

ILKA SCHAPPER SANTOS

uma vez as professoras fundamentam suas respostas com as situaccedilotildees que observaram

na atividade mostrando de novo com argumentos de exemplo como a educadora do

viacutedeo participou das atividades com as crianccedilas Assim descrevem as accedilotildees em que

para elas estavam pautadas em um processo de mediaccedilatildeo (22) ldquonatildeo acho que ela se

envolveu sim elas (as crianccedilas) ofereceram a comidinha para ela o cafezinho e tudo

ela aceitou ela se envolveurdquo e (23) ldquoteve uma hora em que ela falou - tem que pocircr

mais accediluacutecar Mostra que ela estava participando tambeacutem envolvida na brincadeirardquo

No entanto mais uma vez fazem uso de exemplificaccedilotildees sem trazer para o cenaacuterio

discursivo argumento por definiccedilatildeo Deste modo natildeo discutem sobre os sentidos e

significados que atribuem aos dois verbetes que podem ser considerados conceitos

cientiacuteficos ndash mediaccedilatildeo e interaccedilatildeo

O objetivo desse encontro era promover um espaccedilo de conflitos mediados pelas

duas atividades analisadas Portanto no proacuteximo fragmento discursivo a pesquisadora

busca tecer um confronto entre a atividade da sessatildeo com a da sessatildeo anterior

4ordm Excerto

(23) Leacutea confrontando com a outra atividade que a gente assistiu que vocecircs acham

Confrontando isso que vocecircs estatildeo falando dessa atividade lembrando da atividade da

semana passada Dos papeizinhos entenderam o que eu estou perguntando

(24) Fabiana fazendo uma relaccedilatildeo com a outra atividade

(25) Leacutea eacute fazendo uma relaccedilatildeo entre as duas atividades (dessa semana e da semana

passada) porque nessa vocecircs estatildeo achando que por trabalhar dessa forma por isso as

coisas aconteceram de forma bem natural sem muita confusatildeo

(26) Mirela A atividade dessa semana foi mais luacutedica

(27) Leacutea Confrontando com a atividade anterior que a gente viu semana passada o

que que a gente pode deduzir daquela atividade que foi feita semana passada

(28) Fabiana eu acho que a de hoje assim era o mundinho delas eram brinquedos

eram coisas que elas estatildeo acostumadas entatildeo era mais o mundo delas do cotidiano

de faz de conta ali que elas vivenciaram

(29) Leacutea o que que vocecirc pensa Claacuteudia

(30) Claacuteudia eu penso o mesmo que ela que a atividade da semana passada eu acho

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 161

ILKA SCHAPPER SANTOS

que a professora se colocou natildeo impocircs mais o que seria feito eu jaacute achei que na de

hoje as crianccedilas ficaram mais livremente brincando

(31) Leacutea entatildeo a gente pode dizer que as crianccedilas estavam construindo o

conhecimento de forma mais interativa mais rica

(32) Claacuteudia isso isso mesmo

(33) Leacutea e vocecirc Mirela o que vocecirc observa da primeira atividade da semana passada

dessa semana o que te chamou mais atenccedilatildeo

(34) Mirela como a Claacuteudia disse ela impocircs muito menos hoje aliaacutes ela natildeo impocircs

em momento algum ela deixou as crianccedilas construiacuterem e na semana passada ela (a

outra professora) estava interagindo soacute que impondo os valores que ela acreditava que

era legal como eu disse na semana passada a de hoje natildeo estava preocupada em algo

para fora ela estava preocupada com a construccedilatildeo do desenvolvimento deles ali e da

semana passada tinha a preocupaccedilatildeo de levar algo para casa para os pais verem o

produto entatildeo algo a levar quando se leva alguma atividade ela ficou preocupada com

a esteacutetica e hoje natildeo aconteceu isso Eles estavam construindo entendeu

(35) Leacutea quando vocecirc diz preocupada com a esteacutetica vocecirc pode explicar para noacutes

melhor o que que eacute isso

(36) Mirela posso igual eu te falei semana passada a construccedilatildeo a visualizaccedilatildeo que a

crianccedila faz igual ela deu as formas geomeacutetricas para elas fazerem qualquer coisa com

as crianccedilas algumas colocaram aleatoriamente ela olhando ela olhava e falava assim

- Meu Deus que seraacute isso o que que a matildee vai ver em casa

(37) Patriacutecia e aiacute voltando nesse confronto de uma atividade com a outra qual

atividade vocecircs acham que contribuiu para a construccedilatildeo da autonomia da crianccedila

(38) Todas as professoras juntas a de hoje sem sombra de duacutevida a de hoje

(39) Leacutea daacute para vocecircs citarem situaccedilotildees especiacuteficas onde vocecircs observaram essa

construccedilatildeo da autonomia

(40) Mirela desde o momento em que ela deixou elas escolherem os cantinhos isso jaacute

eacute a autonomia deles porque eacute aonde eles se sentem mais agrave vontade para que o faz de

conta se desenvolva

Neste excerto Leacutea procura tecer uma relaccedilatildeo entre a atividade observada na

sessatildeo anterior e a atividade da sessatildeo atual A pesquisadora procura pautar a reflexatildeo a

partir de trecircs perspectivas a) discussotildees tecidas na sessatildeo anterior b) atividade

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 162

ILKA SCHAPPER SANTOS

assistida na sessatildeo e c) os pontos de interregno entre esses dois momentos que

poderia instaurar na perspectiva da pesquisadora o processo de transformaccedilatildeo e

mudanccedila do grupo Eacute interessante notar que na sua pergunta a pesquisadora busca

relacionar atividades analisadas em duas sessotildees reflexivas possibilitando que as

professoras possam em um olhar exotoacutepico afastado mas natildeo distante da situaccedilatildeo

compreender elementos que a proximidade natildeo permitiria A partir desse ldquoexcedente de

visatildeordquo as pesquisadoras do GP EFoPI procuram propiciar um espaccedilo em que os

participantes possam trazer os sentidos sobre o brincar de uma atividade anterior para a

atividade atual podendo ser ressignificados Esse pensamento vai ao encontro da

concepccedilatildeo de Cadeia Criativa (Liberali 2009) em que o grupo busca se pautar

Diante da questatildeo formulada pela pesquisadora Fabiana faz uma pergunta no

turno (24) que tem a finalidade de clarificar o questionamento da pesquisadora fazendo

uma relaccedilatildeo com a outra atividade O tipo de intervenccedilatildeo da professora tem o efeito

esperado Pois a pesquisadora retoma a fala (25) ldquoeacute fazendo uma relaccedilatildeo entre as

duas atividades porque nessa vocecircs estatildeo achando que por trabalhar dessa forma

por isso as coisas aconteceram de forma bem natural sem muita confusatildeordquo O uso do

ldquoporquerdquo mostra que a pesquisadora vai acrescentar elementos agrave explicaccedilatildeo anterior

Na continuidade da explicaccedilatildeo Leacutea traz elementos novos sintetizando o que o grupo

percebeu da atividade atual para fomentar a discussatildeo a partir da atividade anterior

Linguisticamente isso se materializa com o uso do pronome de segunda pessoa do

plural ldquovocecircsrdquo seguido do tempo verbal

Em (26) Mirela declara que a atividade atual foi mais luacutedica A pesquisadora

natildeo explora a declarativa e retoma seu questionamento em relaccedilatildeo agrave atividade da sessatildeo

anterior no turno (28) ldquoConfrontando com a atividade anterior que a gente viu

semana passada o que que a gente pode deduzir daquela atividade que foi feita

semana passadardquo Ao retomar o questionamento a pesquisadora mostra que deseja

aprofundar o debate entre as duas atividades no interior das duas sessotildees reflexivas No

entanto quando Mirela se posiciona dizendo que a atividade atual foi mais luacutedica a

pesquisadora natildeo entra no fluxo discursivo da educadora para compreender o que a faz

pensar isso

Fabiana (28) diz ldquoeu acho que a de hoje assim era o mundinho delas eram

brinquedos eram coisas que elas estatildeo acostumadas entatildeo era mais o mundo delas

do cotidiano de faz de conta ali que elas vivenciaramrdquo A professora inicia seu

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 163

ILKA SCHAPPER SANTOS

discurso de forma modalizada ldquoeu achordquo para discorrer sobre sua percepccedilatildeo depois usa

o decircitico temporal ldquohojerdquo para demarcar que vai tecer consideraccedilotildees sobre a atividade

atual Para isso faz uso de argumentos de exemplo fundados ora na sua experiecircncia ldquoera

o mundinho delasrdquo ldquoeram coisas que elas estatildeo acostumadasrdquo ldquodo cotidianordquo ora na

atividade desenvolvida pela professora do viacutedeo ldquode faz de conta ali que elas

vivenciaramrdquo Esse movimento discursivo mostra que a professora se identificou mais

com a atividade da segunda sessatildeo reflexiva pois estava circunscrita agrave brincadeira de

faz de conta mais proacutexima da realidade das crianccedilas No entanto as educadoras

continuam se posicionando a partir de dois elementos ndash as experiecircncias circunscritas ao

trabalho desenvolvido na creche e a atividade analisada

Claacuteudia ingressa no fluxo argumentativo de Fabiana e declara ldquoeu penso o

mesmo que elardquo fazendo uso do pronome ldquomesmordquo e do pronome pessoal de terceira

pessoa do singular ldquoelardquo para mostrar que sua anaacutelise vai ao encontro da perspectiva de

Fabiana Ao produzir seu enunciado a partir da voz da outra a professora concede agrave

mesma poder maior do que teria como representaccedilatildeo proacutepria em uma tentativa de dar

maior credibilidade ao que vai anunciar Apesar de ancorar seu enunciado na palavra

alheia a educadora traz outros elementos para a cena enunciativa (30) ldquoeu acho que a

professora se colocou natildeo impocircs mais o que seria feito eu jaacute achei que na de hoje as

crianccedilas ficaram mais livremente brincandordquo No seu turno faz uso duas vezes do

modalizador ldquoeu acho eu jaacute acheirdquo para dizer sobre a atividade analisada destacando

que a professora do viacutedeo se ldquocolocou natildeo impocircsrdquo e que ldquoas crianccedilas ficaram mais

livremente brincandordquo

Baseada nos enunciados das professoras Leacutea (31) faz um questionamento que

tem efeito conclusivo que pode ser notado linguisticamente com o uso no iniacutecio da

questatildeo do operador ldquoentatildeordquo ldquoentatildeo a gente pode dizer que as crianccedilas estavam

construindo o conhecimento de forma mais interativa mais ricardquo A pesquisadora

faz tambeacutem uso do decircitico pessoal ldquoa genterdquo e da expressatildeo ldquopode dizerrdquo (pode +

infinitivo) modalizando e aproximando sua conclusatildeo agraves das professoras O relato

interativo ressalta o grau de implicaccedilatildeo que Leacutea deseja imprimir entre participantes

compartilhando a crenccedila de que a atividade possibilitou a produccedilatildeo de conhecimentos

para as crianccedilas porque foi mais interativa Claacuteudia em seu turno (32) sinaliza que a

pesquisadora conseguiu a adesatildeo do grupo quando diz ldquoisso isso mesmordquo

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 164

ILKA SCHAPPER SANTOS

Depois disso a pesquisadora procurando tecer uma relaccedilatildeo entre os elos da

Cadeia Criativa pergunta (33) ldquoo que vocecirc observa da primeira atividade da semana

passada dessa semana o que te chamou mais atenccedilatildeordquo Tal questionamento poderia

possibilitar agraves participantes refletirem sobre diferentes atividades que tecircm como

referente o mesmo tema poreacutem no caso tratado natildeo consegue alcanccedilar seu objetivo

Diante da questatildeo levantada Mirela (36) enfatiza que a professora do viacutedeo da

sessatildeo anterior priorizou o trabalho das formas geomeacutetricas desfocando a produccedilatildeo do

conhecimento da crianccedila para o que a matildee iria pensar sobre o produto da atividade isso

se explicita no enunciado ldquoigual ela deu as formas geomeacutetricas para elas fazerem

qualquer coisa com as crianccedilas algumas colocaram aleatoriamente ela olhando ela

olhava e falava assim - Meu Deus que seraacute isso o que que a matildee vai ver em

casardquo Ao verbalizar sua fala interior (ldquoMeu Deus que seraacute isso o que que a matildee vai

ver em casardquo) Mirela expressa o conflito entre dois tipos de discurso o de autoridade e

o internamente persuasivo Para Bakhtin (1983 p 344) ldquoos discursos de autoridade

podem contemplar vaacuterios conteuacutedos a autoridade como tal ou a autoridade da

tradiccedilatildeo das verdades genericamente aceitas da linha oficial e outras autoridades

similaresrdquo Grosso modo o discurso de autoridade pode ser anaacutelogo agrave terceira voz ou a

uma terceira pessoa que na discussatildeo bakhtiniana (citado em Cheyne e Tarulli 2004 p

6) ldquoeacute um tipo de autoridade cuja compreensatildeo responsiva idealizada assume vaacuterias

expressotildees ideoloacutegicas tais como Deus a verdade absoluta o mundo da consciecircncia

racional as pessoas a histoacuteria a ciecircncia e assim por dianterdquo Na avaliaccedilatildeo de Mirela

a referecircncia agrave matildee aparece como outra voz de autoridade que deve ser considerada

Mirela parece pois reconhecer um conflito vivenciado pela professora do viacutedeo da

sessatildeo anterior entre os seus objetivos pedagoacutegicos e a avaliaccedilatildeo da atividade apoiada

sobre sua obrigaccedilatildeo social que se funda em ldquoo que a matildee vai ver em casardquo

No turno seguinte (37) a pesquisadora Patriacutecia levanta uma questatildeo que

pretende novamente relacionar duas atividades no interior da Cadeia Criativa ldquoe aiacute

voltando nesse confronto de uma atividade com a outra qual atividade vocecircs acham

que contribuiu para a construccedilatildeo da autonomia da crianccedilardquo A retomada do

questionamento sinaliza a preocupaccedilatildeo da pesquisadora em possibilitar um espaccedilo de

reflexatildeo fundada nas duas atividades Em uma univocidade de vozes todas as

professoras concordam que a segunda atividade analisada propiciou um espaccedilo de

desenvolvimento da autonomia das crianccedilas (38) ldquoa de hoje sem sombra de duacutevida a

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 165

ILKA SCHAPPER SANTOS

de hojerdquo A reincidecircncia da escolha lexical ldquohojerdquo como decircitico temporal demarca

essa posiccedilatildeo No entanto natildeo foram compartilhados os sentidos-significados de

autonomia no interior do grupo

Em (39) Leacutea levanta uma questatildeo que procura a partir de exemplos

materializar a assertiva de que a atividade do dia foi a que oportunizou o

desenvolvimento da autonomia das crianccedilas ldquodaacute para vocecircs citarem situaccedilotildees

especiacuteficas onde vocecircs observaram essa construccedilatildeo da autonomiardquo A explicaccedilatildeo de

Mirela em (40) ldquodesde o momento em que ela deixou elas escolherem os cantinhosrdquo

demarca que a livre escolha dos cantinhos sem a imposiccedilatildeo da professora eacute um

importante dado para a defesa da tese de que houve o desenvolvimento da autonomia

Aleacutem disso a participante traz outra explicaccedilatildeo a partir do operador ldquoporquerdquo agora

sob a oacutetica do faz de conta ldquoporque eacute aonde eles se sentem mais agrave vontade para que o

faz de conta se desenvolvardquo

Neste excerto observamos a busca das pesquisadoras em relacionar as

atividades no interior dos elos da Cadeia Criativa A estrateacutegia principal das

pesquisadoras foi promover um espaccedilo em que as professoras pudessem por meio da

relaccedilatildeo entre duas atividades nos elos da Cadeia Criativa produzir-compartilhar novos

significados em relaccedilatildeo ao tema tratado

De alguma maneira a anaacutelise do excerto mostra que as pesquisadoras natildeo

levantam questotildees que possam desestabilizar os significados rotinizados apresentados

pelas professoras Isso pode ter ocorrido por conta de uma dificuldade em compreender

que a intersecccedilatildeo entre os elos da cadeia soacute se materializa diante de uma argumentaccedilatildeo

colaborativa (Liberali 2004) Nesse episoacutedio daacute para inferir que assim como as

professoras na suas argumentaccedilotildees sobre o tema tratado as pesquisadoras trazem uma

apropriaccedilatildeo muito incipiente do que seria uma colaboraccedilatildeo criacutetica mediada pelos

significados que emergem no interior do grupo Em uma Pesquisa Criacutetica de

Colaboraccedilatildeo (Magalhatildees 2002 2006 2009) teoricamente fundamentada e com os

conceitos devidamente apropriados os pesquisadores levantariam questionamentos do

sentido-significado cristalizado (Magalhatildees 2009 p 55) para possibilitar a produccedilatildeo

conjunta de novos significados

Em siacutentese a argumentaccedilatildeo desenvolvida entre pesquisadoras e professoras natildeo

permitiu a ressignificaccedilatildeo dos sentidos e significados sobre a temaacutetica no interior da

Cadeia Criativa pois natildeo houve uma ampliaccedilatildeo do campo argumentativo de ambas

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 166

ILKA SCHAPPER SANTOS

sobre o assunto Os argumentos natildeo chegam a ser explorados continuam transitando em

sentidos e significados conhecidos haacute muito pelo grupo Mais uma vez faltam

intervenccedilotildees que tragam a siacutentese dialeacutetica entre perspectivas teoacutericas relacionadas agraves

accedilotildees descritas e que possibilitariam aprofundar as visotildees de mundo acerca da temaacutetica

tratada

413 ndash 3ordf Sessatildeo Reflexiva Analisada ndash dia 04 de setembro de 2006

Os excertos que se seguem foram recortados da quinta sessatildeo reflexiva com as

quatro educadoras da creche e uma pesquisadora do GP EFoPI a Patriacutecia no dia 04 de

setembro de 2006 A coordenadora da pesquisa Leacutea natildeo pocircde participar do encontro

por conta de doenccedila em famiacutelia

O viacutedeo analisado trata de uma atividade desenvolvida numa escola de educaccedilatildeo

infantil de Portugal O viacutedeo foi disponibilizado pela professora Juacutelia Formosinho da

Universidade do Minho Doutora em Estudos da Crianccedila com tese sobre o

desenvolvimento profissional das educadoras da infacircncia Nesse periacuteodo a professora

havia dado uma consultoria ao GP EFoPI jaacute que o referido grupo de pesquisa fazia

parte junto com a professora Dra Kishimoto da Universidade de Satildeo Paulo (USP) de

uma rede de pesquisadores sob a orientaccedilatildeo da professora Juacutelia Formosinho O objetivo

da sessatildeo era mostrar agraves educadoras das creches outras possibilidades de organizaccedilatildeo

dos espaccedilos para as brincadeiras Aleacutem disso pretendia possibilitar que elas refletissem

sobre modos e maneiras de o educador intervir na brincadeira livre Tomemos o 1ordm

recorte

1ordm excerto

(1) Patriacutecia Essa eacute uma escola laacute de Portugal ateacute aqueles pesquisadores estiveram

aqui Lembram que a Leacutea falou com vocecircs que eles vinham para o foacuterum de educaccedilatildeo

infantil

Todas as professoras respondem que lembram

(2) Patriacutecia Pois eacute eacute a Juacutelia Formosinho e essa escola eacute uma escola que eles fazem

um trabalho laacute que fazem a formaccedilatildeo em contexto com os professores das creches E

essa escola tambeacutem pertence a uma rede de formaccedilatildeo em contexto que tem aqui no

Brasil tambeacutem na USP com a Tizuko e a Leacutea tambeacutem participa dessa rede Entatildeo eacute

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 167

ILKA SCHAPPER SANTOS

uma filmagem bem interessante e acho que vocecircs vatildeo gostar (abre um sorriso)

Depois de as professoras assistirem agrave filmagem a pesquisadora retoma a fala

(3) Patriacutecia E aiacute vamos descrever o que vocecircs viram na filmagem Quem quer

comeccedilar falar sobre o que escreveu

(4) Mirela Nossa eacute uma escola de sonho neacute

(5) Claacuteudia Ai Podia ser aqui Entatildeo eacute eu coloquei assim Eu percebi que eacute uma

escola onde as crianccedilas interagiam o tempo todo com o meio Que elas iam

experimentando coisas novas o tempo todo E que os trabalhos eram feitos em

oficinas bem estruturadas que permitiam agraves crianccedilas exteriorizarem suas vivecircncias A

professora mediava quando lhe era conveniente e cada crianccedila podia escolher o seu

brinquedo pois havia uma grande diversidade destes (Ela balanccedila a cabeccedila de forma

positiva sorrindo e olhando para a Patriacutecia) O que natildeo acontece aqui com a gente

(6) Mirela Aiacute fica muito faacutecil neacute

(7) Claacuteudia Eacute

(8) Fabiana O nosso projeto da creche com a nossa oficina que noacutes temos quando

noacutes explicamos para vocecircs que noacutes trabalhaacutevamos com oficinas era mais ou menos

eu acho que a ideia seria ser mais ou menos daquele tipo as oficinas Porque noacutes

temos aqui a oficina de casinha que laacute seria a oficina do faz de conta Soacute que o nosso

espaccedilo natildeo eacute tatildeo adequado natildeo se tem um espaccedilo como se tem laacute Eu acho ateacute que de

repente pelo fato cultural que a gente vive que natildeo daacute aquele sonho todo que tem ali

A nossa realidade eacute bem diferente Noacutes natildeo temos tantos brinquedos como passa ali

natildeo tem condiccedilotildees de ter A oficina de jogos nossa nossa sala de jogo eacute satildeo poucos

brinquedos quando a crianccedila vai chegando certa fase do ano a crianccedila jaacute estaacute cansada

de ver aqueles jogos jaacute natildeo estatildeo se interessando mais com aqueles jogos Mas eu

acho que eacute o que se sonhou aqui para dentro da creche com as nossas oficinas

(9) Claacuteudia No nosso caso assim o que acontece no nosso caso Eacute que trabalhar

com a oficina quer dizer eu gosto natildeo sei vocecircs eu gosto porque muda mas o que

nos barra eacute agraves vezes o espaccedilo fiacutesico que se tem nas unidades num daacute conta Se

precisar de uma biblioteca para eles ficarem mais agrave vontade para trabalhar com a

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 168

ILKA SCHAPPER SANTOS

leitura com os livrinhos

Neste recorte as educadoras da creche comentam um viacutedeo de uma escola em

Portugal O objetivo era retomar a discussatildeo da organizaccedilatildeo das salas de atividades de

educaccedilatildeo infantil por meio dos cantinhos

A pesquisadora Patriacutecia inicia seu turno contextualizando a origem da atividade

a ser analisada Para isso faz referecircncia ao lugar fiacutesico onde ocorreu (1) ldquoEssa eacute uma

escola laacute de Portugalrdquo fazendo uso de dois decirciticos espaciais o pronome

demonstrativo ldquoessardquo e o adveacuterbio de lugar ldquolaacuterdquo Aleacutem disso utiliza o argumento de

autoridade para tecer seu questionamento ldquolembram que a Leacutea falou com vocecircs que

eles vinham para o foacuterum de educaccedilatildeo infantilrdquo Nesse movimento a pesquisadora

busca no exoacuterdio apresentar o contexto de produccedilatildeo em que a atividade foi

desenvolvida e as diferentes interlocuccedilotildees em que o GP EFoPI estaacute inserido Patriacutecia

retoma o turno em (2) para aprofundar o contexto de produccedilatildeo e no seu discurso faz

uso de duas marcas de interaccedilatildeo a retomada de vozes anteriores por meio de

explicaccedilatildeo ldquoPois eacute eacute a Juacutelia Formosinho e essa escola eacute uma escola que eles fazem

um trabalho laacute que fazem a formaccedilatildeo em contexto com os professores das creches E

essa escola tambeacutem pertence a uma rede de formaccedilatildeo em contexto que tem aqui no

Brasil tambeacutem na USP com a Tizuko e a Leacutea tambeacutem participa dessa rede Entatildeo eacute

uma filmagem bem interessante e acho que vocecircs vatildeo gostar (abre um sorriso)rdquo

Depois no turno seguinte Patriacutecia (3) pergunta quem gostaria de descrever a

atividade da filmagem Mirela responde (4) que ldquoeacute uma escola de sonhordquo Com essa

resposta a professora sinaliza para a pesquisadora a distacircncia entre a realidade da

creche em que atua e a realidade circunscrita agrave atividade analisada Mostra tambeacutem

com a expressatildeo como o contexto analisado estaacute no campo do idealizado

Claacuteudia continua a interlocuccedilatildeo na esfera do desejado com a expressatildeo (5) ldquoAi

Podia ser aquirdquo Ao usar o verbo poder no preteacuterito imperfeito do modo indicativo

mostra na enunciaccedilatildeo um fato do qual natildeo tem certeza quanto agraves probabilidades de

realizaccedilotildees futuras Desse modo se isenta de compartilhar com o grupo possibilidades

de no futuro desenvolver um trabalho na creche que traga esses novos significados

compartilhados por meio das atividades assistidas no viacutedeo

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 169

ILKA SCHAPPER SANTOS

Na continuidade de seu turno Claacuteudia destaca outros elementos que jaacute haviam

sido tratados em interlocuccedilotildees anteriores a) interaccedilatildeo entre as crianccedilas (ldquoeu percebi

que eacute uma escola onde as crianccedilas interagiam o tempo todordquo) b) mediaccedilatildeo da

professora (ldquoA professora mediava quando lhe era convenienterdquo) c) escolha livre dos

brinquedos pelas crianccedilas (ldquocada crianccedila podia escolher o seu brinquedordquo) A

professora retoma nessa sessatildeo expressotildees que satildeo proacuteprias do campo lexical da

perspectiva teoacuterica soacutecio-histoacuterico-cultural ndash ldquomediarrdquo e ldquointeragirrdquo No entanto mais

uma vez parece natildeo compartilhar com a pesquisadora segundo a perspectiva teoacuterica

mencionada os significados desses verbetes Aqui tambeacutem a pesquisadora natildeo fez

intervenccedilotildees em que esses elementos pudessem ser questionados e por conseguinte

pudessem ter os seus significados esclarecidos para a professora Ou seja natildeo criou

espaccedilo para que as professoras internalizassem os significados dos verbetes

mencionados sob a oacutetica da perspectiva soacutecio-histoacuterico-cultural

Aleacutem disso a pesquisadora natildeo promoveu o confronto entre os sentidos trazidos

que no quadro enunciativo se configuram como ideias inadequadas para se aproximar

das ideias adequadas e aumentar a potecircncia de pensaragir das professoras (conatus)

(Spinoza 16772005) no contexto da discussatildeo

Outro ponto que chama atenccedilatildeo na fala de Claacuteudia eacute que ela destaca a

diversidade de brinquedos na creche onde a atividade foi desenvolvida marcando em

seu discurso que isso natildeo ocorre na creche em que atua (ldquoo que natildeo acontece aqui com

a genterdquo) O adveacuterbio de negaccedilatildeo ldquonatildeordquo o decircitico espacial e o decircitico de pessoa ldquoaquirdquo

e ldquoa genterdquo respectivamente demarcam linguisticamente essa inferecircncia Se pensarmos

que a crianccedila na brincadeira no vieacutes histoacuterico-cultural reinventa o real por meio de

objetos em que seus significados satildeo modificados natildeo procede a justificativa da

professora de que na creche natildeo haacute muitos brinquedos Como explica Vygotsky

(19301991) um cabo de vassoura na situaccedilatildeo imaginaacuteria vira um cavalo Ou seja na

situaccedilatildeo do faz de conta a crianccedila atribui a um mesmo brinquedo diferentes

significados e diferentes papeacuteis

Fabiana em (8) continua explicando as relaccedilotildees entre a oficina desenvolvida na

atividade analisada e as que costumam realizar na creche concluindo que na esfera do

idealizado as propostas satildeo muito proacuteximas ldquoquando noacutes explicamos para vocecircs que

noacutes trabalhaacutevamos com oficinas era mais ou menos eu acho que a ideia seria ser

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 170

ILKA SCHAPPER SANTOS

mais ou menos daquele tipo as oficinasrdquo A professora usa a estrutura modalizada ldquoeu

achordquo assim como a expressatildeo ldquomais ou menosrdquo para tecer essas aproximaccedilotildees

Esse movimento discursivo pautado na intersecccedilatildeo entre a oficina desenvolvida

no viacutedeo e aquelas realizadas pelas educadoras no cotidiano das creches mostra que no

campo do idealizado natildeo haacute grandes diferenccedilas quanto agrave estrutura do trabalho No

entanto as professoras trazem algumas restriccedilotildees quanto agraves aproximaccedilotildees declaradas

isso fica expliacutecito linguiacutesticamente com o uso do operador ldquosoacuterdquo e do decircitico espacial

ldquolaacuterdquo ldquosoacute que o nosso espaccedilo natildeo eacute tatildeo adequado natildeo se tem um espaccedilo como se tem

laacuterdquo Para ampliar sua argumentaccedilatildeo Fabiana utiliza um argumento pragmaacutetico ldquoa

nossa realidade eacute bem diferente Noacutes natildeo temos tantos brinquedos como passa ali

natildeo tem condiccedilotildees de terrdquo explicando que a diferenccedila entre a oficina assistida no viacutedeo

e as que realizam na creche estaacute na escassez de brinquedos tendo isso uma

consequecircncia direta para as accedilotildees que perpassam as atividades desenvolvidas nas

oficinas Aqui a professora na justificativa alia a escassez dos brinquedos ao espaccedilo

inadequado Ocorre que a creche tem espaccedilos internos e externos amplos e isso natildeo foi

explicitado como um questionamento a elas

Seguindo seu movimento argumentativo a professora usa novamente o

argumento pragmaacutetico fechando ainda mais a argumentaccedilatildeo ldquosatildeo poucos brinquedos

quando a crianccedila vai chegando certa fase do ano a crianccedila jaacute estaacute cansada de ver

aqueles jogos jaacute natildeo estatildeo se interessando mais com aqueles jogosrdquo Mais uma vez a

questatildeo da escassez dos brinquedos eacute usada como justificativa para as professoras natildeo

realizarem atividades similares agraves assistidas no viacutedeo Nesse contexto a pesquisadora

natildeo levantou questotildees sobre quais os tipos de brinquedos satildeo disponibilizados na

creche nem promoveu reflexotildees sobre como as professoras poderiam desenvolver

atividades por meio desses brinquedos

Finalizando seu enunciado a professora volta a pautar seu discurso no campo do

idealizado Usa o operador argumentativo ldquomasrdquo e o modalizador ldquoeu achordquo para dizer

que as educadoras da creche ldquosonharamrdquo com a organizaccedilatildeo das oficinas de modo

similar agrave que foi apresentada no viacutedeo pelo GP EFoPI ldquomas eu acho que eacute o que se

sonhou aqui para dentro da creche com as nossas oficinasrdquo Ao pautar novamente

seu discurso no campo do idealizado a professora rompe com a possibilidade de refletir

sobre o que se ldquosonhourdquo e o que elas poderiam realizar a partir do idealizado

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 171

ILKA SCHAPPER SANTOS

Claacuteudia no turno seguinte (9) continua a interlocuccedilatildeo fazendo uso tambeacutem do

argumento pragmaacutetico ldquoeacute que trabalhar com a oficina quer dizer eu gosto natildeo sei

vocecircs eu gosto porque muda mas o que nos barra eacute agraves vezes o espaccedilo fiacutesico que se

tem nas unidades num daacute contardquo e do argumento de exemplo ldquose precisar de uma

biblioteca para eles ficarem mais agrave vontade para trabalhar com a leitura com os

livrinhosrdquo

Neste excerto os recursos argumentativos utilizados pelas professoras em

especial os argumentos pragmaacuteticos e de exemplos promovem pouco espaccedilo de

discussatildeo uma vez que as educadoras expressam ideias concluiacutedas sobre os empecilhos

de se realizar na creche atividades similares agraves apresentadas no viacutedeo Assim natildeo foi

possiacutevel estabelecer um espaccedilo de criticidade em que os sentidos dos participantes

pudessem ser apresentados e por conseguinte novos significados produzidos

Na sequecircncia a pesquisadora Patriacutecia continua trabalhando com a organizaccedilatildeo

dos espaccedilos das salas de atividades buscando criar um espaccedilo de reflexatildeo sobre as

possibilidades de reestruturar os espaccedilos instituiacutedos na creche em especial aqueles

destinados agraves brincadeiras

2ordm Excerto

(10) Patriacutecia Na semana passada a gente trabalhou com a organizaccedilatildeo da sala A gente

tambeacutem escolheu essa fita para a gente ‟tar mais uma vez trabalhando mais uma vez

com a questatildeo dessa organizaccedilatildeo Vocecircs viram que tinha brinquedos aqueles de

construccedilotildees que satildeo de madeira que isso a gente pode ‟tar conseguindo sim

(11) Fabiana Eacute meu incocircmodo eacute como as meninas falaram eacute que tem umas questotildees

dessas transformaccedilotildees que muitas vezes a gente esbarra eacute no outro processo que natildeo

depende soacute de noacutes mesmas entendeu Eu natildeo acredito que seja soacute aqui que seja em

qualquer escola ou creche Que se esbarra muitas vezes a professora na sala ela quer

ateacute fazer esses cantinhos da leitura mas tem os outros processos Igual noacutes nossas

salas agraves vezes viram sala de repouso natildeo pode se ocupar o espaccedilo todo porque tem os

repousos porque tem que deixar esses espaccedilos para isso entendeu Entatildeo natildeo daacute

(12) Patriacutecia Entatildeo isso eacute uma determinaccedilatildeo da AMAC

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 172

ILKA SCHAPPER SANTOS

(13) Fabiana Agraves vezes a gente pode ateacute pensar em modificar mas aiacute com certeza natildeo

seria uma decisatildeo somente da professora da sala tem que ser uma decisatildeo em conjunto

com todas as unidades de todas as creches

(14) Patriacutecia Mas como vocecircs pensam sobre a organizaccedilatildeo da sala o que vocecircs

pensam sobre isso Como que deveria ser feita essa organizaccedilatildeo

(15) Mirela Eu acho que deveria ter mais brinquedos mais uma sala para a televisatildeo

porque do jeito que ‟taacute cada oficina em uma sala natildeo eacute ruim porque se colocar tudo

igual ali ali eacute porque o espaccedilo eacute enorme agora imagina a sua sala com jogos com

televisatildeo como que seria no nosso pequeno espaccedilo Assim casinha jogos teria que ter

assim mais salas para poder ‟tar dividindo a televisatildeo ter assim uma biblioteca

(16) Patriacutecia Entatildeo assim o que vocecircs colocam como dificuldades de estar fazendo

essas aacutereas na sala

(17) Claacuteudia O espaccedilo

(18) Mirela E a gente esbarra tambeacutem que aqui na creche tudo eacute padronizado entatildeo se

fizer aqui a gente tem que tem que fazer em todas

(19) Fabiana Eacute tem que ‟tar comunicando porque eacute a instituiccedilatildeo e a instituiccedilatildeo tem

vaacuterias unidades e aiacute natildeo depende somente da gente depende de toda uma poliacutetica

(20) Mirela Tanto que hoje eu percebo que o pedagogo tinha que fazer parte dessas

reuniotildees (as sessotildees reflexivas) para ele poder ‟tar vendo as mudanccedilas necessaacuterias

(21) Mirela Ela (a coordenadora) teria que estar aqui para ver as mudanccedilas para ver

uma fita dessas para poder ‟tar levando para o programa Seria muito interessante

(22) Patriacutecia O pedagogo aqui

(23) Patriacutecia Por que os projetos satildeo feitos pelas pedagogas E aiacute encaminham para

vocecircs

(24) Mirela Uma vez por mecircs eacute feito as reuniotildees para elaboraccedilatildeo desse projeto soacute que

desce vai uma funcionaacuteria de cada creche vai laacute embaixo na AMAC e se reuacutene para

fazer a construccedilatildeo desse projeto Aiacute o que se decide laacute eacute impresso e mandado para todas

as unidades Soacute que aiacute satildeo datas fechadas os temas que definem os projetos satildeo

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 173

ILKA SCHAPPER SANTOS

fechados os temas satildeo enviados Muitas vezes acaba fugindo do que a gente gostaria de

‟tar trabalhando aqui da forma que a gente gostaria que fosse e tem que complementar

com o projeto que foi feito Natildeo eacute que a gente natildeo possa ‟tar trabalhando o que a gente

gostaria mas talvez se fechasse o tema e a gente pudesse elaborar do nosso jeito com a

nossa realidade ficaria melhor

Patriacutecia inicia seu turno (10) retomando o trabalho da sessatildeo anterior em que o

assunto era a organizaccedilatildeo da sala de atividades da educaccedilatildeo infantil ldquona semana

passada a gente trabalhou com a organizaccedilatildeo da salardquo Eacute interessante notar que a

oradora busca com o uso do decircitico de pessoa ldquoa genterdquo implicar os interlocutores no

trabalho de reflexatildeo usando a marca de interaccedilatildeo intitulada neste trabalho de retomada

de vozes anteriores Esse movimento eacute interessante pois sinaliza a preocupaccedilatildeo da

pesquisadora em ser coerente com o trabalho colaborativo Depois faz um

questionamento que visa a promover uma reflexatildeo sobre as possibilidades de se

conseguir realizar um trabalho de reorganizaccedilatildeo do espaccedilo e de se conseguir aumentar o

nuacutemero de brinquedos na creche ldquovocecircs viram que tinha brinquedos aqueles de

construccedilotildees que satildeo de madeira que isso a gente pode ‟tar conseguindordquo Para isso

faz uso do decircitico espacial ldquoaquelesrdquo procurando indicar que os brinquedos de

construccedilotildees natildeo satildeo difiacuteceis de serem adquiridos

Esse movimento argumentativo da pesquisadora eacute importante jaacute que traz

alternativas para a justificativa das professoras em relaccedilatildeo agrave escassez dos brinquedos

procurando instigar as professoras a refletirem sobre outras possibilidades de aquisiccedilatildeo

de mais brinquedos para a creche No entanto apesar da provocaccedilatildeo da oradora as

professoras retomam os argumentos pautados na impossibilidade e falta de autonomia

delas em transformar os espaccedilos instituiacutedos na creche

Mais uma vez as professoras estruturam seu corpus argumentativo em

argumento pragmaacutetico e de exemplo O argumento pragmaacutetico se materializa no

discurso de Fabiana (11) quando ela diz ldquomeu incocircmodo eacute como as meninas falaram

eacute que tem umas questotildees dessas transformaccedilotildees que muitas vezes a gente esbarra eacute no

outro processo que natildeo depende soacute de noacutes mesmas entendeurdquo Nesse movimento

argumentativo a professora faz uso da marca de interaccedilatildeo retomada de vozes anteriores

(ldquocomo as meninas falaramrdquo) fechando mais uma vez seu discurso O fluxo

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 174

ILKA SCHAPPER SANTOS

argumentativo fica circunscrito a um discurso da impossibilidade de delegar a outras

instacircncias o poder de transformar os espaccedilos instituiacutedos ldquonatildeo depende soacute de noacutes

mesmasrdquo

A educadora continua seu enunciado com o argumento de exemplo ldquonossas

salas agraves vezes viram sala de repouso natildeo pode se ocupar o espaccedilo todo porque tem

os repousos porque tem que deixar esses espaccedilos para issordquo Os dois tipos de

argumentos utilizados pela professora tecircm um efeito de ineacutercia no grupo que emudece

pois traz uma ideia concluiacuteda (argumento pragmaacutetico) apresentando um argumento de

exemplo que daacute agrave situaccedilatildeo o estatuto de fato inquestionaacutevel

A pesquisadora percebe a rotativa discursiva das educadoras e formula uma

questatildeo controversa para o grupo (12) ldquoentatildeo isso eacute uma determinaccedilatildeo da AMACrdquo

Com o uso do decircitico espacial ldquoissordquo busca assinalar na enunciaccedilatildeo da professora o

ponto de referecircncia em que seus argumentos estatildeo pautados Traz uma questatildeo

controversa para o grupo desvelando a gecircnese dos impedimentos prescritos qual seja

ldquouma determinaccedilatildeo da AMACrdquo Subjaz a essa questatildeo controversa uma outra ldquoum

impedimento de transformaccedilatildeo do espaccedilo por conta da AMACrdquo Desse modo a

pesquisadora procura promover no grupo uma zona de colaboraccedilatildeo e criticidade

buscando possibilitar um espaccedilo de reflexatildeo criacutetica em que todos possam tecer

comentaacuterios e discussotildees Isso porque no interior das discussotildees as educadoras jaacute

haviam mencionado sobre como o oacutergatildeo ao qual satildeo vinculados procura padronizar os

espaccedilos as accedilotildees pedagoacutegicas e os horaacuterios de todas as 23 creches do municiacutepio

Diante da questatildeo formulada pela pesquisadora Fabiana (13) usa a marca de

interaccedilatildeo colocaccedilatildeo de problema ldquoagraves vezes a gente pode ateacute pensar em modificar mas

aiacute com certeza natildeo seria uma decisatildeo somente da professora da sala tem que ser

uma decisatildeo em conjunto com todas as unidades de todas as crechesrdquo O uso do ldquoa

genterdquo como decircitico pessoal inclusivo mostra que a professora envolve o grupo de

educadoras na sua argumentaccedilatildeo Depois usa o operador argumentativo ldquoateacuterdquo (ateacute

mesmo inclusive) assinalando um argumento mais forte dentro da perspectiva da

mudanccedila na organizaccedilatildeo das salas de atividades da creche e por fim haacute no seu

discurso a reincidecircncia do operador ldquotodasrdquo na tentativa de fazer uma afirmaccedilatildeo plena

A professora parece escolher tais operadores para indicar a partir da forccedila

argumentativa do seu enunciado uma direccedilatildeo uma explicaccedilatildeo plausiacutevel que justifique a

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 175

ILKA SCHAPPER SANTOS

dificuldade de transformaccedilatildeo dos espaccedilos disponibilizados para o desenvolvimento da

brincadeira na creche

Atenta ao processo criacuteticondashreflexivo a pesquisadora Patriacutecia (14) tece o seguinte

questionamento ldquoMas como vocecircs pensam sobre a organizaccedilatildeo da sala o que vocecircs

pensam sobre isso Como que deveria ser feita essa organizaccedilatildeordquo Assim pretende

fazer com que as professoras a partir dos questionamentos que formula pensem em

possiacuteveis mudanccedilas relativas agrave organizaccedilatildeo das salas de atividades e por conseguinte

transformaccedilotildees dos espaccedilos para as brincadeiras A intervenccedilatildeo revela a preocupaccedilatildeo da

pesquisadora em compreender os pontos de vista que sustentam o modo como as

professoras veem a questatildeo buscando identificar as possiacuteveis teorias que embasam suas

reflexotildees e os possiacuteveis valores que estatildeo por traacutes delas O movimento discursivo estaacute

pautado segundo Smyth (1992) no informar pois possibilita promover explicaccedilotildees que

mostrem as bases teoacutericas sobre o tema em debate Eacute no interior desse fluxo

argumentativo que se pode abrir caminhos para o confrontar (Liberali 2008a p 60)

Assim mais uma vez as professoras destacam elementos de mudanccedilas na esfera

do idealizado e em accedilotildees que transcendem as possibilidades que lhes competem Isso

fica expliacutecito no turno (15) de Mirela ldquoeu acho que deveria ter mais brinquedos mais

uma sala para a televisatildeo porque do jeito que ‟taacute cada oficina em uma sala natildeo eacute

ruim porque se colocar tudo igual ali ali eacute porque o espaccedilo eacute enorme agora imagina

a sua sala com jogos com televisatildeo como que seria no nosso pequeno espaccedilo Assim

casinha jogos teria que ter assim mais salas para poder ‟tar dividindo a televisatildeo

ter assim uma bibliotecardquo No movimento discursivo a professora destaca os objetos

que deveriam ser adquiridos e os espaccedilos que deveriam ser criados para que se pudesse

pensar em alguma mudanccedila Desse modo natildeo consegue vislumbrar mudanccedilas no

interior das condiccedilotildees materiais em que se encontra Linguiacutesticamente isso fica

demarcado no iniacutecio do turno quando usa a locuccedilatildeo verbal ldquodeveria terrdquo

A rotatividade discursiva se reapresenta na retomada de turno da pesquisadora

(16) que tece mais uma questatildeo controversa com ecircnfase nas dificuldades e natildeo nas

possibilidades ldquoentatildeo assim o que vocecircs colocam como dificuldades de estar fazendo

essas aacutereas na salardquo Diante do questionamento a educadora reponde (17) ldquoo espaccedilordquo

Eacute interessante notar que as professoras escapam do movimento de compartilhar

seus significados sobre a questatildeo discutida e como poderiam refletir sobre o que fazer

focando as impossibilidades na poliacutetica de padronizaccedilatildeo das creches e na necessidade da

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 176

ILKA SCHAPPER SANTOS

participaccedilatildeo dos pedagogos da AMAC nas sessotildees reflexivas Isso pode ser percebido

nos turnos (18) (19) (20) e (21) das educadoras Mirela e Fabiana

Nos turnos citados as professoras usam o argumento de exemplo para

discorrerem sobre a padronizaccedilatildeo das atividades e dos espaccedilos das creches e a

importacircncia de a equipe pedagoacutegica participar das sessotildees reflexivas (18) ldquoa gente

esbarra tambeacutem que aqui na creche tudo eacute padronizado entatildeo se fizer aqui a gente

tem que tem que fazer em todasrdquo Primeiro a professora explica que ldquotudo eacute

padronizadordquo depois faz uso do ldquoentatildeordquo para concluir que ldquotem que fazer em todasrdquo

(as 23 creches do municiacutepio) (19) ldquotem que ‟tar comunicando porque eacute a instituiccedilatildeo

e a instituiccedilatildeo tem vaacuterias unidades e aiacute natildeo depende somente da gente depende de

toda uma poliacuteticardquo (20) ldquotanto que hoje eu percebo que o pedagogo tinha que fazer

parte dessas reuniotildees (as sessotildees reflexivas) para ele poder ‟tar vendo as mudanccedilas

necessaacuteriasrdquo (21) ldquoela (a coordenadora) teria que estar aqui para ver as mudanccedilas

para ver uma fita dessas para poder ‟tar levando para o programa Seria muito

interessanterdquo

O enunciado da educadora traz as marcas do discurso oficial monologizante

Como definiu Bakhtin (apud Nystrand et al 1997 p 12) ldquoo monologismo em seu

extremo nega a existecircncia de outra consciecircncia fora de si com direitos e

responsabilidades iguais O monoacutelogo eacute finalizador e surdo agrave resposta do outro ()

deseja ser a uacuteltima palavrardquo Assim usam as vozes oficiais da instituiccedilatildeo como

subterfuacutegio de explicar suas impossibilidades de transformaccedilotildees e mudanccedilas Apesar de

o oacutergatildeo governamental tentar controlar as accedilotildees no interior das creches seria importante

as educadoras perceberem que podem superar a imposiccedilatildeo e alienaccedilatildeo em seus modos e

maneiras de transformar aquilo que estaacute dentro de seu campo de accedilatildeo

Mirela explica em (24) por meio do argumento de exemplo que os projetos satildeo

elaborados mensalmente com uma representante de cada creche ldquouma vez por mecircs eacute

feito as reuniotildees para elaboraccedilatildeo desse projeto soacute que vai uma funcionaacuteria de cada

creche vai laacute pra baixo na AMAC e se reuacutene para fazer a construccedilatildeo desse projeto

Aiacute o que se decide laacute eacute impresso e mandado para todas as unidades Soacute que aiacute eacute satildeo

datas fechadas os temas que definem os projetos satildeo fechados os projetos satildeo

enviados para as crechesrdquo Com o argumento de que os projetos chegam prontos e satildeo

unificados para as 23 creches a explicaccedilatildeo da educadora serve mais uma vez para

tamponar o (re)pensar de sua praacutetica no interior das creches Esse movimento

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 177

ILKA SCHAPPER SANTOS

enunciativo impossibilita compartilhar em quais sentidos-significados estatildeo ancoradas

as suas accedilotildees

Apesar de neste excerto a pesquisadora formular questionamentos que busquem

promover um espaccedilo de reflexatildeo sobre possiacuteveis mudanccedilas relativas agrave organizaccedilatildeo das

salas de atividades na creche e em consequecircncia a transformaccedilotildees dos espaccedilos para as

brincadeiras com questotildees relativas ao processo reflexivo (Smyth 1992 Liberali

2008) as enunciaccedilotildees das professoras vatildeo de encontro a esse movimento

As educadoras trazem prioritariamente o discurso autoritaacuterio imposto pela

instituiccedilatildeo agrave qual pertencem para justificar a dificuldade que tecircm em transformar suas

praacuteticas cotidianas Segundo Bakhtin (1983) esse tipo de discurso tem o estatuto de

verdade absoluta natildeo propiciando espaccedilo para a argumentaccedilatildeo refutaccedilatildeo contestaccedilatildeo e

reflexatildeo jaacute que ldquoa palavra autoritaacuteria natildeo se representa ndash ela apenas eacute transmitidardquo

(Bakhtin 1983 p 144) A apropriaccedilatildeo da palavra autoritaacuteria aqui teve a funccedilatildeo de

justificar o jaacute instituiacutedo e os motivos que impossibilitam (re)pensar sobre novos modos

de se trabalhar sobre as praacuteticas cristalizadas Em decorrecircncia disso os significados

compartilhados ficaram inscritos em argumentos sobre o ldquojaacute-feitordquo e natildeo em novas

maneiras em se pensar o ldquopor-fazerrdquo

No fragmento abaixo mais uma vez a pesquisadora Patriacutecia retoma a discussatildeo

sobre a organizaccedilatildeo dos espaccedilos No entanto o foco recai agora sobre a construccedilatildeo de

espaccedilos que promovam a construccedilatildeo do conhecimento

3ordm Excerto

(25) Patriacutecia Como que a gente pode ‟tar organizando a nossa sala de maneira que

haja esses conhecimentos essa coisa da crianccedila ‟tar brincando e ‟tar experimentando e

‟tar pesquisando

(26) Fabiana Eacute aquilo que eu te falei no iniacutecio que a organizaccedilatildeo das nossas salas

tem todo um padratildeo que tem que ser seguido da instituiccedilatildeo

(27) Patriacutecia Mesmo assim vocecircs querendo propondo

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 178

ILKA SCHAPPER SANTOS

(28) Fabiana Seria um processo assim de ‟tar discutindo falando expondo e ter a

aceitaccedilatildeo da unidade da pedagoga e tudo Porque como eu te falei minha sala eacute

oficina eu tenho dentro da minha sala (faz um sinal negativo com a boca virando para

um lado) mesa as cadeiras um armaacuterio que eu coloco as colchonetes eu tenho um

outro armaacuterio uma outra estante que coloco os jogos com a televisatildeo e o aparelho de

viacutedeo de DVD Entatildeo eu natildeo posso ocupar aquele espaccedilo todo porque eu tenho uma

oficina de jogos e uma oficina de viacutedeo dentro do meu espaccedilo entendeu Entatildeo eu natildeo

posso ocupar aquilo tudo sem deixar o espaccedilo da oficina de jogos e de viacutedeo entendeu

(29) Patriacutecia Isso eacute complicado para as crianccedilas

(30) Fabiana E outra tem que ter o espaccedilo para elas brincarem Entatildeo eu tenho que

estar respeitando aquele espaccedilo todo de maneira que fique organizado entendeu Entatildeo

eu posso na hora das minhas atividades eu viro mesa eu ponho para brincar no chatildeo

que eacute mais faacutecil Pois eu acho assim que o espaccedilo do chatildeo eacute melhor do que o das

mesas para eles montarem os jogos e tudo na hora da pintura eu forro as mesas todas

eu junto as mesas para ficar um espaccedilo maior Isso eu faccedilo porque eu posso Agora

uma questatildeo de eu ficar fazendo um cantinho de leitura um cantinho de faz de conta

Aiacute eu natildeo posso porque tem uma outra oficina de casinha que seria a sala dela (olha

para Mirela) e tem uma outra oficina de artes cecircnicas que eacute na do berccedilaacuterio Aiacute a gente

tem que passar para outra sala

(31) Claacuteudia minha sala natildeo tem condiccedilotildees porque natildeo tem muito espaccedilo porque eacute

muito pequena soacute cabem quatro mesinhas e natildeo cabe mais nada Aiacute agraves vezes eu tenho

que fazer o que ela faz tambeacutem colocar as mesas para um canto e deixar eles

brincarem no chatildeo onde o espaccedilo tambeacutem eacute bem restrito

As professoras mais uma vez fixam seus argumentos no campo das

impossibilidades Para isso usam argumentos de autoridade ndash a AMAC e sua

padronizaccedilatildeo

A pesquisadora (25) retoma o questionamento anterior sobre a organizaccedilatildeo das

salas de atividades nas creches agora pautado na construccedilatildeo e produccedilatildeo do

conhecimento das crianccedilas a partir de trecircs pontos (a) a brincadeira (b) a vivecircncia e (c)

a pesquisa Assim levanta a seguinte pergunta ldquocomo que a gente pode ‟tar

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 179

ILKA SCHAPPER SANTOS

organizando a nossa sala de maneira que haja esses conhecimentos essa coisa da

crianccedila ‟tar brincando e ‟tar experimentando e ‟tar pesquisandordquo Ao utilizar a

expressatildeo ldquoa genterdquo (no lugar do pronome da 1ordf pessoa do plural ldquonoacutesrdquo) Patriacutecia

sinaliza de maneira impliacutecita alguns elementos do trabalho colaborativo entre eles a

necessidade de se mostrar implicada estabelecendo uma interdependecircncia entre o

questionamento feito e as buscas de elementos argumentativos para a soluccedilatildeo do

conflito Aleacutem disso faz uso dos decirciticos ldquoessesrdquo e ldquoessardquo para sinalizar o ponto de

referecircncia de seu questionamento e auxiliar as educadoras na construccedilatildeo de seus

discursos e partilhar seus sentidos sobre o que foi focado

Ao ingressar no fluxo do questionamento da pesquisadora Fabiana (26) retoma

vozes anteriores ldquoeacute aquilo que eu te falei no iniacutecio que a organizaccedilatildeo das nossas

salas tem todo um padratildeo que tem que ser seguido da instituiccedilatildeordquo Ao dizer isso a

professora retoma seu ponto de vista de que haacute ldquoum padratildeo que tem que ser seguido da

instituiccedilatildeordquo Isso mostra uma circularidade discursiva em que natildeo aparecem novos

elementos argumentativos para tratar a questatildeo e por conseguinte o grupo natildeo

consegue criar zonas de confluecircncias de ideias para refletir sobre o jaacute estruturado

conhecido e realizado Como a argumentaccedilatildeo se funda em argumentos de exemplos e

pragmaacuteticos a possibilidade de reflexatildeo fica circunscrita agraves questotildees que transcendem o

espaccedilo da sala de atividades Aqui natildeo se trata como na reflexatildeo tecida do excerto

anterior de dizer de uma compreensatildeo dos aspectos poliacuteticos o questionamento estaacute

pautado em pensar a organizaccedilatildeo dos espaccedilos da creche para a produccedilatildeo do

conhecimento do desenvolvimento da pesquisa no universo das crianccedilas

Percebendo a circularidade discursiva das professoras a pesquisadora retoma o

turno e diz (27) ldquomesmo assim vocecircs querendo propondordquo A escolha da expressatildeo

ldquomesmo assimrdquo mostra que a pesquisadora busca transpor essa circularidade e provocar

as educadoras a refletirem Isso se evidencia quando ela enuncia ldquovocecircs querendo

propondordquo

Em (28) Fabiana daacute instruccedilotildees de como o grupo poderia fazer para romper com

o padratildeo impresso pela AMAC na organizaccedilatildeo dos espaccedilos das creches ldquoseria um

processo assim de ‟tar discutindo falando expondo e ter a aceitaccedilatildeo da unidade da

pedagoga e tudordquo Depois a professora tece uma explicaccedilatildeo a partir da retomada de

uma fala anterior ldquoPorque como eu te falei minha sala eacute oficina eu tenho dentro da

minha sala (faz um sinal negativo com a boca virando para um lado) mesa as cadeiras

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 180

ILKA SCHAPPER SANTOS

um armaacuterio que eu coloco as colchonetes eu tenho um outro armaacuterio uma outra

estante que coloco os jogos com a televisatildeo e o aparelho de viacutedeo de DVDrdquo

Eacute possiacutevel perceber que o movimento argumentativo tanto por parte da

pesquisadora quanto das educadoras se fixa em argumentos pautados nos exemplos de

situaccedilotildees e organizaccedilotildees dos espaccedilos instituiacutedos na creche As marcas de interaccedilatildeo que

datildeo movimento a esses argumentos satildeo as explicaccedilotildees e retomadas de vozes anteriores

As professoras natildeo se implicam nas accedilotildees que determinam o instituiacutedo na creche como

em excertos analisados anteriormente Os conflitos as contradiccedilotildees que satildeo

ldquodenunciadasrdquo se configuram como algo externo distante e impossiacutevel de ser

transformado As educadoras mostram os significados cristalizados fixos e natildeo

reiteraacuteveis da organizaccedilatildeo dos espaccedilos natildeo buscando compartilhar seus sentidos para a

possibilidade de romper com essa estrutura Desse modo natildeo compartilham sentidos e

natildeo criam outros significados diferentes desses instituiacutedos pela AMAC Novamente

prevalece o discurso autoritaacuterio (Bakhtin 1983)

Nessa discussatildeo sobre a organizaccedilatildeo dos espaccedilos instituiacutedos nas creches haacute uma

dificuldade de o grupo perceber as possibilidades de transformaccedilotildees e mudanccedilas desta

organizaccedilatildeo O historiador espanhol Vintildeao Frago (1998) discorre sobre a natildeo

neutralidade do espaccedilo posto que este produz sentidos em um movimento dinacircmico

demarcando relaccedilotildees de poder e de escolhas ldquoa arquitetura escolar eacute tambeacutem por si

mesma um programa uma espeacutecie de discurso que institui na sua materialidade um

sistema de valoresrdquo (p 26)

A compreensatildeo do espaccedilo e sua organizaccedilatildeo eacute assim um(a) processoproduccedilatildeo

cultural Para o autor esta compreensatildeo na verdade estaacute pautada na percepccedilatildeo que

temos dos lugares (espaccedilos construiacutedos) Dito de outro modo eacute no lugar que o espaccedilo

ganha significado e corporeidade O espaccedilo vai se corporificando (se transformando em

lugar) na medida em que vai tendo significado para os sujeitos que o ocupamconstroem

cotidianamente

A ocupaccedilatildeo do espaccedilo sua utilizaccedilatildeo supotildee sua constituiccedilatildeo como

lugar O ldquosalto qualitativordquo que leva do espaccedilo ao lugar eacute pois uma

construccedilatildeo O espaccedilo se projeta ou se imagina o lugar se constroacutei

Constroacutei-se ldquoa partir do fluir da vidardquo e a partir do espaccedilo como

suporte o espaccedilo portanto estaacute sempre disponiacutevel e disposto para

converter-se em lugar para ser construiacutedo (Vintildeao Frago 1998 p 61)

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 181

ILKA SCHAPPER SANTOS

O espaccedilo eacute processoproduto de inter-relaccedilotildees ldquoeacute o produto das dificuldades e

complexidades dos entrelaccedilamentos e dos natildeo entrelaccedilamentos de relaccedilotildeesrdquo (Massey

2004 p 17) A organizaccedilatildeo em espaccedilos universalizantes que desconsidera essa

complexidade gera tambeacutem rotinas universais e padronizadas materializadas em

praacuteticas homogecircneas que tamponam as diferenccedilas criam um discurso uacutenico

desconsiderando o contexto social histoacuterico e as praacuteticas culturais presentes em cada

instituiccedilatildeo (Silva 2009)

Como toda realidade social o espaccedilo precisa ser pensado no campo

metodoloacutegico e teoacuterico a partir de trecircs conceitos indissociaacuteveis forma estrutura e

funccedilatildeo (Santos 1997) Ao contraacuterio disso os excertos analisados mostram que a

definiccedilatildeo de organizaccedilatildeo do espaccedilo nas creches municipais de Juiz de Fora eacute

estruturada de maneira uniforme desconsiderando o contexto de produccedilatildeo de cada uma

e suas especificidades Mas principalmente natildeo configura um ambiente no qual

crianccedilas e adultos possam construir interaccedilotildees que promovam diversas formas de

expressatildeo dos saberes cotidianos que traduzam os saberes infantis

Apesar de trazer ateacute entatildeo a discussatildeo do espaccedilo instituiacutedo por meio do

discurso autoritaacuterio (ldquoseria um processo assim de ‟tar discutindo falando expondo ter

a aceitaccedilatildeo da unidade da pedagoga e tudordquo) as professoras nos turnos que se

seguem comeccedilam a sinalizar para algumas possibilidades mostrando uma outra faceta

Sinalizam que buscam na contradiccedilatildeo reorganizar os lugares para as brincadeiras

infantis Isto fica claro no turno de Fabiana (29) ldquoE outra tem que ter o espaccedilo para

elas brincarem Entatildeo eu tenho que estar respeitando aquele espaccedilo todo de maneira

que fique organizado entendeu Entatildeo eu posso na hora das minhas atividades eu

viro mesa eu ponho para brincar no chatildeo que eacute mais faacutecilrdquo Ao iniciar sua enunciaccedilatildeo

com a expressatildeo ldquoe outrardquo indica que traraacute um outro elemento para a discussatildeo isso

ocorre por meio de uma explicaccedilatildeo ldquotem que ter o espaccedilo para elas (as crianccedilas)

brincaremrdquo Esta explicaccedilatildeo traz para a cena discursiva um importante sentido da

professora partilhado com o grupo sobre a relaccedilatildeo que estabeleceu entre a organizaccedilatildeo

do espaccedilo na creche e o desenvolvimento da brincadeira com as crianccedilas No entanto

apesar de compartilhar tal significado ainda mostra o peso da imposiccedilatildeo institucional

ldquoeu tenho que estar respeitando aquele espaccedilo todo de maneira que fique

organizadordquo

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 182

ILKA SCHAPPER SANTOS

Na continuidade do seu turno a educadora tece uma explicaccedilatildeo pautada no

argumento de exemplo para mostrar como dentro de um contexto de espaccedilo

padronizado rompe com o instituiacutedo ldquona hora das minhas atividades eu viro mesa

eu ponho para brincar no chatildeo que eacute mais faacutecilrdquo ldquoo espaccedilo do chatildeo eacute melhor do que

o das mesas para eles montarem os jogos e tudo na hora da pintura eu forro as

mesas todas eu junto as mesas para ficar um espaccedilo maiorrdquo Ao dizer ldquoviro as

mesasrdquo ldquoponho para brincar no chatildeordquo compartilha com todos os participantes seus

sentidos-significados sobre a necessidade de transformar os espaccedilos circunscritos das

creches Isso tambeacutem se apresenta quando discorre a partir do argumento de

comparaccedilatildeo ldquoo espaccedilo do chatildeo eacute melhor do que o das mesas para eles montarem os

jogos e tudordquo

Neste excerto foi possiacutevel perceber em um primeiro momento a reincidecircncia de

argumentos sobre a impossibilidade sinalizada pelas professoras de se (re)pensar a

organizaccedilatildeo dos espaccedilos das creches Nesse sentido haacute ainda uma circularidade

enunciativa em torno do discurso autoritaacuterio (Bakhtin 1983) Depois as professoras

comeccedilam a compartilhar um outro significado em que destacam que viram e juntam as

mesas fazem atividades no chatildeo mostrando que de algum modo reestruturam os

espaccedilos instituiacutedos Nesse momento pode-se perceber que foi importante o

questionamento da pesquisadora sobre como o espaccedilo poderia ser organizado Essa

marca da interaccedilatildeo propiciou que as professoras revisitassem seus sentidos-significados

sobre a temaacutetica proposta

Como aponta Magalhatildees (2004) e Liberali (2006) para colocar em praacutetica o

processo criacutetico-reflexivo (Smyth 1992) a presenccedila do pesquisador como formador eacute

imprescindiacutevel pois eacute por meio de suas intervenccedilotildees que se instaura um espaccedilo

colaborativo de modo que ocorram autoquestionamentos e a reflexatildeo criacutetica Segundo

Magalhatildees (2004) o papel do formador implica criar possibilidades de construccedilatildeo-

produccedilatildeo de significados com base na argumentaccedilatildeo e no questionamento

Na proacutexima seccedilatildeo seratildeo analisados os excertos do segundo cronotopo da Cadeia

Criativa referente a dois encontros do curso de extensatildeo que estavam interligados

ldquoEspaccedilo de Reflexatildeo Teoacuterico-Praacutetico em Contexto de Colaboraccedilatildeordquo (1) o terceiro

encontro ndash ldquoA Dimensatildeo Luacutedica na Crianccedila e na Crecherdquo e (2) o quarto encontro ndash ldquoA

Dimensatildeo Luacutedica no Espaccedilo-Ambiente da Creche reflexotildees sobre o brincarrdquo

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 183

ILKA SCHAPPER SANTOS

42 ndash 2ordm Cronotopo da Cadeia Criativa ndash Curso de Extensatildeo

O curso de extensatildeo com as 23 coordenadoras das creches puacuteblicas municipais

como explicitado no terceiro capiacutetulo desta tese foi estruturado em 10 encontros com

os seguintes temas respectivamente (1) Oficina de Roda resgatando as memoacuterias (2)

Oficina O dia-a-dia na Creche (3) A Dimensatildeo Luacutedica na Crianccedila e na Creche (4) A

Dimensatildeo Luacutedica no Espaccedilo-Ambiente da Creche reflexotildees sobre o brincar (5)

Encontro ndash Conflitos na Infacircncia e a Rotina na Creche (6) ndash Estaacutetua Se Mexer Natildeo

Vale O Conhecimento do Movimento Corporal (7) A Sistematizaccedilatildeo de Propostas

Pedagoacutegicas nas Creches (8) Narrativas Orais e o Desenvolvimento da Imaginaccedilatildeo

Infantil (9) Vivecircncias Artiacutesticas pensando nos pequenos e (10) Espaccedilo de

ReflexatildeoAvaliaccedilatildeo

O curso foi planejado e ministrado pelas pesquisadoras do GP EFoPI com a

intenccedilatildeo de ampliar no movimento da Cadeia Criativa a interlocuccedilatildeo criacutetica de

colaboraccedilatildeo com os profissionais das creches municipais de Juiz de Fora ateacute entatildeo

tecidas com 4 educadoras de uma das instituiccedilotildees Isso porque na interlocuccedilatildeo com as

professoras chegou-se agrave conclusatildeo de que seria imprescindiacutevel abrir um espaccedilo para um

trabalho criacutetico-reflexivo com todas as coordenadoras das 23 creches puacuteblicas

municipais

Neste 2ordm cronotopo seratildeo analisados dois encontros do curso (1) o terceiro

encontro ldquoA Dimensatildeo Luacutedica na Crianccedila e na Crecherdquo e (2) o quarto encontro ldquoA

Dimensatildeo Luacutedica no Espaccedilo-Ambiente da Creche reflexotildees sobre o brincarrdquo Nesses

encontros foram discutidas as relaccedilotildees que podem se estabelecer entre o

desenvolvimento da imaginaccedilatildeo e a brincadeira elementos que satildeo objetos de estudo

desta investigaccedilatildeo

421 ndash Encontros do Curso de Extensatildeo Analisados ldquoA Dimensatildeo Luacutedica na

Crianccedila e na Crecherdquo e ldquoA Dimensatildeo Luacutedica no Espaccedilo-Ambiente da Creche

reflexotildees sobre o brincarrdquo ndash dias 05 e 12 de novembro de 2007

Para a anaacutelise deste cronotopo foram selecionados trecircs excertos dos dois

encontros do curso de extensatildeo mencionados anteriormente referentes agraves discussotildees

sobre a brincadeira nas creches com as 23 coordenadoras das creches municipais de

Juiz de Fora e duas pesquisadoras do GP EFoPI desenvolvido na Faculdade de

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 184

ILKA SCHAPPER SANTOS

Educaccedilatildeo na Universidade Federal de Juiz de Fora O objetivo dos encontros era

promover um espaccedilo criacutetico-reflexivo sobre o brincar no interior da educaccedilatildeo infantil

As pesquisadoras no primeiro encontro discutiram sobre a dimensatildeo luacutedica na

crianccedila e na creche destacando o brincar como processo Na introduccedilatildeo da temaacutetica

Leacutea pergunta agraves coordenadoras o que significava brincar para elas e imediatamente

tece o comentaacuterio de que essa era uma questatildeo de difiacutecil definiccedilatildeo Desse modo para

respaldar seu comentaacuterio traz para a cena discursiva o posicionamento de alguns

autores que atribuem diferentes significaccedilotildees aos jogos brinquedos e brincadeiras

destacando as contribuiccedilotildees da autora Kishimoto (1996) professora e pesquisadora da

Universidade de Satildeo Paulo que faz alusatildeo aos brinquedos e agraves brincadeiras em

diferentes contextos sociais

Depois as discussotildees ficam circunscritas a temas como (1) o brincar e a cultura

(2) brincar se aprende Para ilustrar o debate teoacuterico-praacutetico acerca desses temas as

pesquisadoras trazem as imagens do livro ldquoQuando as crianccedilas dizem agora chegardquo em

que Tonucci (2003) por meio de charges mostra por exemplo como as crianccedilas satildeo

vistas de cima para baixo

No segundo encontro continuam as discussotildees sobre a dimensatildeo luacutedica mas

agora inscrita no espaccedilo-ambiente da creche As pesquisadoras apresentam os pilares

da perspectiva soacutecio-histoacuterico-cultural em especial as categorias teoacutericas que podem

auxiliar na compreensatildeo do brincar como processo e como atividade cultural Assim

destacam as funccedilotildees psicoloacutegicas o funcionamento psicoloacutegico fundado nas relaccedilotildees

sociais a mediaccedilatildeo simboacutelica zona proximal de desenvolvimento Nesse entremeio

reforccedilam a ideia de que brincar se aprende A partir disso enfatizam as contribuiccedilotildees

teoacutericas de Vygotsky e seus colaboradores para a compreensatildeo da brincadeira de faz de

conta e os diferentes significados que a crianccedila atribui aos objetos no movimento do

brincar

Como o leitor poderaacute perceber esse cronotopo estaacute recheado de incursotildees

teoacutericas e traz os significados do brincar do GP EFoPI fato que natildeo ocorreu no elo

anterior da Cadeia Criativa Assim os argumentos das pesquisadoras estatildeo respaldados

tambeacutem em construtos teoacutericos que medeiam a interlocuccedilatildeo

No excerto a seguir a pesquisadora Leacutea discute junto com as coordenadoras a

dificuldade em se definir o brincar Depois promove um debate sobre a brincadeira

livre e a brincadeira dirigida Para isso estrutura seu campo argumentativo

prioritariamente no argumento baseado em citaccedilotildees

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 185

ILKA SCHAPPER SANTOS

1ordm excerto

(1) Leacutea Vamos falar hoje das questotildees sobre o brincar Entatildeo como vocecircs viram no

proacuteprio folder (do curso de extensatildeo) a gente vai ‟tar falando da questatildeo do brincar

hoje e na proacutexima segunda-feira continuaremos essas questotildees que se referem ao

brincar Eu achei interessante que uma pessoa que trabalha aqui na Prefeitura ela

entrou e disse assim - Leacutea a gente fala muito no brincar mas eacute difiacutecil a gente saber

como pratica isso neacute Entatildeo eu disse assim pra ela - Olha isso eacute realmente um

desafio eu ‟tou aqui hoje conversando com o pessoal o pessoal que trabalha nas

creches que estaacute muito pertinho das crianccedilas de zero a trecircs anos Noacutes vamos estar com

esse curso aqui ele tem o nome de ldquoReflexatildeo teoacuterico-praacuteticardquo noacutes estamos fazendo

aqui uma troca Realmente eacute uma troca eacute uma discussatildeo como eacute que eacute o que natildeo eacute eu

penso que assim bdquotaacute trazendo o estudo dos teoacutericos as ideias que eles trouxeram pra

noacutes o que isso tem a ver com a nossa realidade com o nosso tempo de hoje Certo

Tem um livro do Tonucci que chama ldquoCom os olhos da crianccedilardquo ele eacute todo de

caricaturas Entatildeo ele traz essas caricaturas que eu acho muito interessante Entatildeo o

que acontece O adulto ali dizendo ldquome ensina a brincar que eu natildeo me lembro maisrdquo

Isso eacute uma coisa assim bastante interessante pra gente estar refletindo aqui eacute porque se

vocecirc for brincar com a crianccedila vocecirc precisa se despir ou da sua categoria vamos

dizer assim de adulto e vocecirc realmente se colocar na categoria de crianccedila vamos dizer

assim porque se vocecirc natildeo faz isso realmente a coisa natildeo funciona e a gente pode

perceber muito isso quando agraves vezes a crianccedila estaacute laacute brincando numa boa e tal e vocecirc

chega vocecirc quer interferir A primeira coisa que vocecirc fala eacute ldquode que vocecirc estaacute

brincandordquo Ou entatildeo vocecirc pergunta ldquode que cor eacute issordquo ldquode que forma eacute aquilordquo

Quer dizer entatildeo vocecirc jaacute puxa para alguma questatildeo eacute eacute de conceitos

(sistematizados) alguma questatildeo que vocecirc tenha que estar ensinando Quer dizer

entatildeo se vocecirc realmente natildeo se coloca no lugar de crianccedila fica difiacutecil o brincar

realmente acontecer Entatildeo aiacute eu pergunto pra vocecircs afinal de contas o quecirc que eacute

brincar hein Bem rapidinho (vocecircs) vatildeo tentar definir em uma palavra o quecirc que eacute

brincar pra cada uma de vocecircs

(2) Coordenadora que a cacircmera natildeo focaliza Fazer o que quiser

(3) Coordenadora que a cacircmera natildeo focaliza Imaginar

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 186

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(4) Leacutea Imaginar Mais o quecirc

(5) Coordenadora que a cacircmera natildeo focaliza Concentraccedilatildeo

(6) Leacutea Concentraccedilatildeo

(7) Diva Desenvolvimento

(8) Leacutea Desenvolvimento Mais o quecirc O que eacute o brincar

(9) Coordenadora que a cacircmera natildeo focaliza Maacutegica

(10) Leacutea Maacutegica Que mais eacute o brincar

(11) Coordenadora que a cacircmera natildeo focaliza Fazer de conta

(12) Leacutea Fazer de conta Que mais eacute brincar (Faz gesto com as matildeos pedindo mais

opiniotildees) Que mais Difiacutecil neacute Se a gente pensar que tem que escrever uma definiccedilatildeo

para o brincar a gente jaacute vai tendo uma certa dificuldade A professora Tizuco eu acho

que muitas de vocecircs jaacute devem ter lido ou conhecido os livros dela Ela fala que o

brincar ele eacute muito difiacutecil de definir porque ele eacute uma coisa muito contraditoacuteria Entatildeo

ela vem dizendo que o brincar ele eacute visto ora como uma accedilatildeo livre ora eacute uma atividade

supervisionada pelo adulto E aiacute ela ateacute vai mais longe e vai dizendo que muitas

vezes na escola o quecirc que vocecirc faz Por exemplo - Vamos brincar E aiacute o adulto diz

- Vamos agora brincar eacute de casinha Isso eacute supervisionado ou tambeacutem - Agora noacutes

vamos brincar disso ou vocecirc faz a sugestatildeo todas as crianccedilas ou todas as pessoas que

estatildeo ali tecircm que brincar da mesma coisa entatildeo ela acaba sendo uma atividade dirigida

No iniacutecio do turno (1) Leacutea explica ao grupo de coordenadoras que vai no curso

de extensatildeo discutir as questotildees referentes ao brincar Eacute interessante notar que para

dizer da dificuldade da temaacutetica a pesquisadora narra uma conversa que teve com uma

profissional da prefeitura referecircncia na aacuterea de educaccedilatildeo infantil no municiacutepio de Juiz

de Fora Com isso a pesquisadora faz uso de um argumento de autoridade para

defender a tese sobre a dificuldade de se trabalhar (praticar) o brincar na educaccedilatildeo

infantil ela (a profissional) entrou e disse assim - Leacutea a gente fala muito no brincar

mas eacute difiacutecil a gente saber como pratica isso As escolhas lexicais da pesquisadora na

narrativa por meio do pronome pessoal da terceira pessoa do singular ldquoelardquo mostram a

necessidade de pautar sua enunciaccedilatildeo no discurso citado para buscar a adesatildeo do

auditoacuterio Haacute ainda no discurso citado uma questatildeo controversa importante ldquoa gente

fala muito no brincar mas eacute difiacutecil a gente saber como pratica issordquo As marcas

linguiacutesticas que sinalizam a controversa satildeo (1) a reincidecircncia do sintagma nominal ldquoa

genterdquo (no lugar do pronome de primeira pessoal do plural ldquonoacutesrdquo) e o operador

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 187

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argumentativo ldquomasrdquo que contrapotildee elementos anteriores levando a uma conclusatildeo

contraacuteria Depois a pesquisadora diz ldquoEntatildeo eu disse assim pra ela - Olha isso eacute

realmente um desafiordquo A utilizaccedilatildeo do operador argumentativo ldquoentatildeordquo pressupotildee a

conclusatildeo que Leacutea daraacute agrave enunciaccedilatildeo anterior que se materializa no uso do decircitico

espacial ldquoissordquo Implicitamente esse movimento discursivo inicial sinaliza a

preocupaccedilatildeo da pesquisadora em desvelar as possiacuteveis dificuldades da temaacutetica a ser

tratada no curso e procura de alguma maneira implicar o grupo nesse desafio

A continuidade do turno funda-se em um discurso interativo cujos

interlocutores satildeo envolvidos pela pesquisadora nas suas escolhas lexicais Nessa

relaccedilatildeo a decircixis referencial permite a localizaccedilatildeo o momento e a identificaccedilatildeo das

pessoas ldquoNoacutes vamos estar com esse curso aqui ele tem o nome de ldquoReflexatildeo teoacuterico-

praacuteticardquo noacutes estamos fazendo aqui uma troca Realmente eacute uma troca eacute uma

discussatildeo como eacute que eacute o que natildeo eacute eu penso que assim ‟taacute trazendo o estudo dos

teoacutericos as ideias que eles trouxeram pra noacutes o que isso tem a ver com a nossa

realidade com o nosso tempo de hoje Certordquo Essa interaccedilatildeo ainda que esteja

calcada no interior do movimento discursivo da pesquisa promove um espaccedilo de

colaboraccedilatildeo pois todos acabam sendo implicados nas accedilotildees que seratildeo desenvolvidas

Refletindo sobre o movimento linguiacutestico-discursivo a pesquisadora vale-se do

pronome de primeira pessoal do plural para interagir com o auditoacuterio Esse recurso de

escolha da 1ordf pessoa do discurso gera um espaccedilo de confianccedila compromisso e respeito

que deve existir em um trabalho colaborativo Esse comprometimento destaca tambeacutem

de maneira impliacutecita outros aspectos do trabalho colaborativo entre eles a necessidade

de se estabelecerem objetivos comuns e uma relaccedilatildeo de interdependecircncia pois eacute nessa

relaccedilatildeo que os participantes podem desenvolver a ldquoresponsividaderdquo (Sobral 2005 p

20) em processo de trabalho coletivo

Depois de buscar envolver colaborativamente o grupo de coordenadoras das

creches Leacutea mostra o seguinte slide

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 188

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(Tonucci 2003)

Assim a partir de um argumento de citaccedilatildeo pautado em argumento de

autoridade e de fonte explica ldquotem um livro do Tonucci que chama ldquoCom os olhos da

crianccedilardquo ele eacute todo de caricaturas Entatildeo ele traz essas caricaturas que eu acho

muito interessanterdquo Ao concluir com o operador argumentativo ldquoentatildeordquo e continuar

dizendo ldquoele traz essas caricaturas que eu acho muito interessanterdquo a pesquisadora

compartilha da crenccedila do autor e obra citados de que eacute importante que o adulto se dispa

da sua categoria de adulto e se coloque na categoria de crianccedila Isso se explicita na

continuidade de seu turno ldquoEntatildeo o que acontece O adulto ali dizendo bdquome ensina a

brincar que eu natildeo me lembro mais‟ Isso eacute uma coisa assim bastante interessante

pra gente estar refletindo aqui eacute porque se vocecirc for brincar com a crianccedila vocecirc

precisa se despir da sua categoria vamos dizer assim de adulto e vocecirc realmente se

colocar na categoria de crianccedila ()rdquo O uso do decircitico ldquoissordquo acompanhado do

adjunto intensificador ldquobastanterdquo sinaliza a crenccedila da pesquisadora da necessidade de

se compreender o brincar sob a oacutetica da crianccedila

Depois de tecer explicaccedilotildees sobre a relevacircncia de compreendermos a brincadeira

sob a oacutetica da crianccedila por meio do argumento de citaccedilatildeo (referenciado em uma fonte)

Leacutea continua sua argumentaccedilatildeo a partir de argumentos de exemplos ldquoporque se vocecirc

natildeo faz isso realmente a coisa natildeo funciona e a gente pode perceber muito isso

quando agraves vezes a crianccedila estaacute laacute brincando numa boa e tal e vocecirc chega vocecirc quer

interferir A primeira coisa que vocecirc fala eacute bdquode que vocecirc estaacute brincando‟ Ou entatildeo

vocecirc pergunta bdquode que cor eacute isso‟ bdquode que forma eacute aquilo‟rdquo A pesquisadora usa o

argumento de exemplo para chegar a uma conclusatildeo Quer dizer entatildeo vocecirc jaacute puxa

para alguma questatildeo eacute eacute de conceitos (sistematizados) alguma questatildeo que vocecirc

tenha que estar ensinando Nesse momento Leacutea compartilha com o grupo de

coordenadoras um importante significado que tem sobre o lugar que o brincar ocupa na

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 189

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educaccedilatildeo infantil preacute-texto para ensinar conceitos sistematizados Em seguida a

pesquisadora conclui o seu turno com um questionamento ldquoEntatildeo aiacute eu pergunto pra

vocecircs afinal de contas o quecirc que eacute brincar hein Bem rapidinho (vocecircs) vatildeo tentar

definir em uma palavra o quecirc que eacute brincar pra cada uma de vocecircsrdquo

Feito isso a pesquisadora a partir da marca de interaccedilatildeo questionamento indaga

ldquoEntatildeo aiacute eu pergunto para vocecircs afinal de contas o quecirc que eacute brincar (vocecircs) vatildeo

tentar definir em uma palavra o quecirc que eacute brincar pra cada uma de vocecircsrdquo Eacute

interessante notar que esse questionamento veio depois de a pesquisadora compartilhar

significados circunscritos a como o brincar eacute visto pelo adulto como estaacute relacionado agrave

aquisiccedilatildeo de conhecimentos Assim sua pergunta traz em si pontos que satildeo geradores

de respostas Na verdade a oradora primeiro procura compartilhar seus significados e

com a questatildeo busca criar um espaccedilo para que os significados das coordenadoras sobre

o assunto sejam tambeacutem explicitados No entanto o modo como tece a instruccedilatildeo

ldquoBem rapidinho (vocecircs) vatildeo tentar definir em uma palavra o quecirc que eacute brincar pra

cada uma de vocecircsrdquo acaba por restringir o compartilhamento de significados

Discursivamente isso fica expresso nos enunciados ldquobem rapidinhordquo e ldquodefinir em

uma palavrardquo como podemos perceber nos turnos seguintes das coordenadoras (2)

ldquofazer o que quiserrdquo (3) ldquoimaginarrdquo (5) ldquoconcentraccedilatildeordquo (7) ldquodesenvolvimentordquo (9)

ldquomaacutegicardquo (11) ldquofazer de contardquo Assim observamos que nos enunciados das

participantes natildeo fica claro em quais elementos seus significados sobre o brincar estatildeo

fundados pois elas seguiram a instruccedilatildeo da pesquisadora ndash que elas fizessem isso ldquobem

rapidinhordquo e ldquoem uma palavrardquo (ou em uma expressatildeo) ndash exigindo uma resposta

objetiva do grupo Essa instruccedilatildeo inviabilizou que as participantes compartilhassem

com o grupo um significado mais amplo e detalhado sobre o brincar

Como vimos os recursos argumentativos que a pesquisadora lanccedila matildeo em seu

turno (1) promovem pouco espaccedilo para a discussatildeo e expansatildeo da reflexatildeo e por

conseguinte para a produccedilatildeo do conhecimento sobre o brincar pois a oradora apresenta

uma ideia jaacute concluiacuteda O movimento enunciativo se funda em significados

compartilhados com o grupo por meio de um discurso autoritaacuterio (Bakhtin 1983) uma

vez que buscou o reconhecimento e a assimilaccedilatildeo do que foi verbalizado O foco da

discussatildeo para Leacutea era que as coordenadoras precisariam compreender (1) que

trabalhar o brincar na educaccedilatildeo infantil natildeo eacute tarefa faacutecil e (2) a necessidade de

trabalhar o brincar sob a oacutetica das crianccedilas

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 190

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No uacuteltimo turno do excerto Leacutea (12) usa as marcas de interaccedilatildeo recolocaccedilatildeo de

problema e questionamento ldquoQue mais eacute brincar (Faz gesto com as matildeos pedindo

mais opiniotildees) Que maisrdquo Na verdade a pesquisadora aparentemente retoma o

questionamento para o grupo pois a questatildeo funciona mais como recurso discursivo

para continuar a defender a sua tese de que eacute difiacutecil definir o brincar ldquose a gente pensar

que tem que escrever uma definiccedilatildeo para o brincar a gente jaacute vai tendo uma certa

dificuldaderdquo Ao retomar sua tese a pesquisadora natildeo utiliza pronomes de primeira

pessoa do singular mas usa reincidentemente o sintagma ldquoa genterdquo no lugar do

pronome de primeira pessoa do plural procurando envolver o grupo e reafirmar sua

explicaccedilatildeo aproximando assim os participantes para quem fala daquilo que busca

defender Aleacutem disso mostra o tipo de relaccedilatildeo que deseja imprimir no fluxo de sua

interaccedilatildeo verbal

Na continuidade do turno a pesquisadora continua a interlocuccedilatildeo fazendo um

questionamento ldquoPor que isso acontecerdquo A questatildeo tem a finalidade de introduzir a

explicaccedilatildeo sobre os elementos que geram a dificuldade em se definir o brincar Desse

modo a pesquisadora no entremeio de seu discurso usa argumento de autoridade e

argumento de exemplo para tecer sua explicaccedilatildeo ldquoA professora Tizuco eu acho que

muitas de vocecircs jaacute devem ter lido ou conhecido os livros dela Ela fala que o brincar

ele eacute muito difiacutecil de definir porque ele eacute uma coisa muito contraditoacuteria Entatildeo ela

vem dizendo que o brincar ele eacute visto ora como uma accedilatildeo livre ora eacute uma atividade

supervisionada pelo adulto E aiacute ela ateacute vai mais longe e vai dizendo que muitas

vezes na escola o quecirc que vocecirc faz Por exemplo - Vamos brincar E aiacute o adulto diz

- Vamos agora brincar eacute de casinha Isso eacute supervisionado ou tambeacutem - Agora

noacutes vamos brincar disso ou vocecirc faz a sugestatildeo todas as crianccedilas ou todas as pessoas

que estatildeo ali tecircm que brincar da mesma coisa entatildeo ela acaba sendo uma atividade

dirigidardquo Esses recursos argumentativos possibilitam agrave pesquisadora respaldar seu

ponto de vista sobre a questatildeo levantada a partir do discurso de outrem Na visatildeo

bakhtiniana um discurso se constroacutei por meio de outros discursos se dirigindo para

outros mantendo com eles uma interaccedilatildeo viva e tensa (Bakhtin 1983) Ao trazer para a

cena enunciativa outras vozes que vatildeo ao encontro de seu ponto de vista Leacutea promove

um espaccedilo de ampliaccedilatildeo de significados sobre o brincar livre e o brincar dirigido

criando uma zona de colaboraccedilatildeo (Magalhatildees 2009) no interior do debate

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 191

ILKA SCHAPPER SANTOS

Na sequecircncia a pesquisadora levanta questionamentos sobre o brincar livre e o

brincar dirigido levantando questotildees sobre os motivos que levam os educadores de um

modo geral a abdicarem de uma situaccedilatildeo livre em funccedilatildeo do brincar dirigido

2ordm excerto

(13) Leacutea Muitas vezes a gente acredita em algumas situaccedilotildees de brincar livre em

funccedilatildeo de outra atividade dirigida por que hein gente Por que a gente abdica de uma

situaccedilatildeo livre de fazer uma sugestatildeo numa hora em que pode escolher aquilo que e

acaba fazendo uma opccedilatildeo por alguma coisa dirigida por alguma tarefa Por que a

gente faz isso

(14) Coordenadora que a cacircmera natildeo focaliza Vocecirc tem maior controle

(15) Leacutea Isso pode ser tambeacutem Vocecirc tem maior controle Mas por que mais gente

(16) Gabriela Teme a desorganizaccedilatildeo

(17) Leacutea Teme a desorganizaccedilatildeo Tambeacutem pode ser a questatildeo da disciplina e pensa -

sei laacute o que a diretora vai falar se ela passar aqui na porta da minha sala que a faxineira

vai dizer vai pegar no meu peacute depois porque eu tirei as mesas do lugar e deixei

encostadas

(18) Diva Eacute pelo compromisso tambeacutem que a gente tem de cumprir as tarefas

pedagoacutegicas

(19) Leacutea O compromisso de cumprir as tarefas pedagoacutegicas

(20) Isabela A preocupaccedilatildeo de vencer o conteuacutedo que agraves vezes eacute mais importante isso

do que o brincar

(21) Algumas coordenadoras trabalha com os conteuacutedos de 1ordf agrave 4ordf

(22) Joana Quando vocecirc (Leacutea) colocou ali a opiniatildeo a fala ali daquela autora do

brincar livre e do brincar dirigido Entatildeo a gente divide muito esse tempo no luacutedico na

fantasia nesse estiacutemulo a essas brincadeiras com as oficinas de contar histoacuterias deles

mesmos traduzir a histoacuteria deles Eu acho assim que a proposta pedagoacutegica que hoje a

gente estaacute trabalhando com ela eacute muito com o brincar Mas muitas vezes a professora

a recreadora ela mesmo tem a tendecircncia em querer dar atividade dirigida o

trabalhinho na folha como forma dela mostrar dela garantir para ela mesma - eu estou

trabalhando

(23) Leacutea Eu concordo com vocecirc seria uma forma talvez de garantir que aquela

crianccedila aprendeu ela sabe as cores ela sabe sei laacute as formas

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 192

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A pesquisadora inicia seu turno (13) dizendo ldquoMuitas vezes a gente acredita

em algumas situaccedilotildees de brincar livre em funccedilatildeo de outra atividade dirigida Por que

hein genterdquo Leacutea no seu enunciado retoma implicitamente o argumento de

autoridade expresso na explicaccedilatildeo da professora Tizuko sobre o brincar livre e a

atividade dirigida O fato de retomar o enunciado do outro tem o objetivo de mostrar a

importacircncia de se refletir sobre o tema Logo em seguida a pesquisadora faz um

questionamento por meio da pergunta ldquoPor que hein genterdquo a fim de recolocar um

ponto relevante que havia sido discutido anteriormente Assim faz uso da marca de

interaccedilatildeo questionamento ldquoPor que a gente abdica de uma situaccedilatildeo livre de fazer

uma sugestatildeo numa hora em que pode escolher aquilo e acaba fazendo uma opccedilatildeo

por alguma coisa dirigida por alguma tarefardquo demarcada linguisticamente a partir do

operador argumentativo ldquopor querdquo

Depois da explicaccedilatildeo a pesquisadora retoma o questionamento indagando

ldquoPor que a gente faz issordquo Esse movimento de levantamento de questotildees contribui

como aponta Magalhatildees (2009) para a discussatildeo de sentidos-significados rotinizados

bem como de produccedilatildeo conjunta de novos significados entre coordenadoras e

pesquisadoras Esse movimento argumentativo da pesquisadora promove um espaccedilo de

socializaccedilatildeo de motivos que levam os profissionais da creche a priorizarem o brincar a

partir de atividades dirigidas Podemos perceber isso nas explicaccedilotildees que as

coordenadoras datildeo em seus turnos (14) ldquovocecirc tem maior controlerdquo (16) ldquoteme a

desorganizaccedilatildeordquo (18) ldquoeacute pelo compromisso tambeacutem que a gente tem de cumprir as

tarefas pedagoacutegicasrdquo (20) ldquoa preocupaccedilatildeo de vencer o conteuacutedo que agraves vezes eacute mais

importante isso do que o brincarrdquo e (21) ldquotrabalha com os conteuacutedos de 1ordf agrave 4ordfrdquo

Dizer que muitas vezes os profissionais das creches priorizam o brincar dirigido por

conta do controle falar do temor agrave desorganizaccedilatildeo da necessidade de cumprir as tarefas

pedagoacutegicas da preocupaccedilatildeo em vencer o conteuacutedo e trabalhar com os conteuacutedos das

primeiras seacuteries do ensino fundamental revelam significados compartilhados em outros

espaccedilos e nesse espaccedilo particular do curso criam uma instacircncia nova em que esses

significados ganham outros contornos

Em seu turno (22) a coordenadora Joana usa de argumento de autoridade para

expor seu ponto de vista sobre a questatildeo tratada ldquoquando vocecirc (Leacutea) colocou ali a

opiniatildeo a fala ali daquela autora do brincar livre e do brincar dirigidordquo Esse

movimento argumentativo daacute respaldo de antematildeo ao que a participante vai dizer Joana

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 193

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utiliza o operador argumentativo ldquoentatildeordquo que prepara o interlocutor para a conclusatildeo

que teceraacute ao enunciado anterior ldquoEntatildeo a gente divide muito esse tempo no luacutedico

na fantasia nesse estiacutemulo a essas brincadeiras com as oficinas de contar histoacuterias

deles mesmo traduzir a histoacuteria delesrdquo Aleacutem disso usa o sintagma nominal ldquoa genterdquo

para sinalizar que todo o grupo da coordenaccedilatildeo jaacute faz esse trabalho Faz uso ainda do

argumento de exemplo para ilustrar quais atividades realizam a partir da brincadeira

livre ldquocom as oficinas de contar histoacuterias deles mesmos traduzir a histoacuteria delesrdquo

A coordenadora continua a interlocuccedilatildeo por meio do operador argumentativo

ldquomasrdquo mostrando que vai discorrer para uma conclusatildeo contraacuteria ao que vinha dizendo

ldquoMas muitas vezes a professora a recreadora ela mesmo tem a tendecircncia em querer

dar atividade dirigida o trabalhinho na folha como forma dela mostrar dela

garantir para ela mesma - eu estou trabalhandordquo Essa conclusatildeo contraacuteria ao que

havia sido dito anteriormente pela coordenadora recupera a voz das professoras que tecircm

uma tendecircncia a dar atividade dirigida fato sintetizado no exemplo ldquoo trabalhinho na

folhardquo Por fim conclui seu turno ldquocomo forma dela mostrar dela garantir para ela

mesma - eu estou trabalhandordquo Nesse momento a coordenadora compartilha com o

grupo um importante significado da atividade dirigida e o brincar livre por meio do

discurso citado (da professora) ldquo- eu estou trabalhandordquo Assim a coordenadora na

voz da professora sinaliza para a ldquovelhardquo dicotomia entre a atividade dirigida e a

brincadeira livre Aquela se pauta em um trabalho efetivo da professora possibilitando

mostrar a concretude de suas accedilotildees com as crianccedilas que natildeo seria possiacutevel com o

brincar

A pesquisadora retoma o turno (23) e chega a um acordo em relaccedilatildeo ao que a

coordenadora havia dito ldquoEu concordo com vocecirc seria uma forma talvez de garantir

que aquela crianccedila aprendeu ela sabe as cores ela sabe sei laacute as formasrdquo Nesse

momento ambas revelam seus sentidos compartilhados em outros espaccedilos que ganham

novos contornos na discussatildeo Esse movimento propicia o compartilhamento de

significados sustentados pelos recursos argumentativos da enunciaccedilatildeo no caso da

pesquisadora seu discurso estaacute pautado prioritariamente no argumento de autoridade e

o da coordenadora fundado em argumentos de exemplo fundados na citaccedilatildeo Os

recursos argumentativos utilizados sinalizam para um embate de vozes que culmina em

um acordo Segundo Bakhtin (1983 p 139) ldquoqualquer conversa eacute repleta de

transmissotildees e interpretaccedilotildees das palavras dos outrosrdquo Isso implica pensar que nossa

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 194

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enunciaccedilatildeo apresenta citaccedilotildees ou referecircncia agravequilo que uma determinada pessoa disse

sobre um dado assunto Na visatildeo bakhtiniana em um diaacutelogo metade de todas as

palavras proacuteprias satildeo objetos de transmissatildeo de outra pessoa

No excerto acima vimos a produccedilatildeo de significados compartilhados por meio da

colaboraccedilatildeo Segundo Magalhatildees (2009) colaborar implica tensotildees e contradiccedilotildees que

trazem conflitos A pesquisadora aqui natildeo hesitou em utilizar questionamentos que

promovessem o levantamento de duacutevida e de polecircmica elementos fundamentais para a

reflexatildeo criacutetica e o aprofundamento de questotildees problemaacuteticas em foco que

propiciaram a expansatildeo da discussatildeo por meio de uma zona de conflito e tensotildees

chegando a um acordo e promovendo a produccedilatildeo-construccedilatildeo do conhecimento para

todo o grupo

No proacuteximo excerto as pesquisadoras Leacutea e Viviam tecem explicaccedilotildees teoacutericas

sobre a importacircncia do brincar no desenvolvimento infantil Depois as pesquisadoras

fazem questionamentos buscando relacionar os construtos teoacutericos e as accedilotildees das

coordenadoras em relaccedilatildeo agrave temaacutetica

3ordm Excerto

(24) Leacutea Eu acho que vocecircs podem estar colocando essas questotildees que a gente trouxe

hoje Como que vocecircs veem isso relacionando com a creche de vocecircs Vocecircs

poderiam estar pensando na forma de estar mudando alguma coisa Natildeo que aqui a

gente esteja dizendo que a sua posiccedilatildeo seja errada natildeo eacute nesse sentido eacute naquele

sentido que a gente procurou aqui na fala desse encontro como a crianccedila ao brincar

ela daacute saltos qualitativos no proacuteprio desenvolvimento E como eu acho que noacutes adultos

fazemos isso diariamente agrave medida que noacutes interagimos e dialogamos com os outros

porque aqui noacutes estamos dialogando com essas coisas que vocecircs tecircm falado noacutes temos

tido grandes contribuiccedilotildees nessa troca Eu acho que a gente pode sair daqui dizendo

que valeu a pena eu natildeo tinha pensado nisso eu posso estar pensando nisso de outra

forma Agraves vezes vocecirc olha um viacutedeo com a sensaccedilatildeo de que natildeo eacute creche puacuteblica aiacute

pensa - ah natildeo daacute para fazer ndash Ah porque o espaccedilo que eu tenho eacute pequeno Entatildeo a

minha questatildeo para vocecircs agora que a gente estaacute encerrando eacute que cada uma pensasse

na sua creche do tamanho que for com os recursos que tem o que jaacute faz e o que

poderia acrescentar a partir das nossas conversas a partir dessas questotildees que a Viviam

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 195

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trouxe e como bateu para cada uma Eu acho que essas questotildees tecircm que ser colocadas

exatamente para que a gente possa estar reelaborando porque conforme a Viviam

colocou ali no conceito do Vygotsky num primeiro momento da aprendizagem ela

acontece na minha troca com o outro somente depois dessa troca que eu reelaboro que

eu discuto eacute que eu internalizo Quando eu digo que internalizo eacute o que ficou comigo

natildeo entrou aqui e saiu aqui (Leacutea faz gestos apontando para os ouvidos) Natildeo eacute soacute mais

um curso e natildeo eacute realmente esse o nosso objetivo o nosso objetivo eacute de troca de

colaboraccedilatildeo o quecirc que daacute para fazer a partir do que eu tenho o que isso aiacute me

despertou o quecirc que eu jaacute relacionei com o que eu tenho que posso ateacute estar

contribuindo chegando laacute (na creche) mudando seraacute que a gente tem que ter a mesma

organizaccedilatildeo nas salas sempre Eu posso mudar um pouquinho Posso mudar aquela

rotina Como eu posso estar fazendo isso Entatildeo eu acho que seria importante que

cada pessoa pudesse colocar pode ter certeza de que vocecircs tecircm grandes contribuiccedilotildees

E quando eu natildeo falo agraves vezes eu deixo de colaborar com o meu colega Porque agraves

vezes eu natildeo me coloco

(25) Marina Eu acho que a visatildeo que a gente hoje na creche tem desse faz de conta eacute

bem diferente do que foi apresentado aqui Natildeo no sentido da crianccedila e do faz de conta

mas o proacuteprio espaccedilo fiacutesico Eu acho que as nossas meninas por exemplo elas datildeo

muito mais ecircnfase agrave questatildeo pedagoacutegica mesmo por exemplo ainda do papel do

trabalhinho elas natildeo acompanham as crianccedilas no faz de conta igual aparece aqui natildeo

elas natildeo tecircm essa visatildeo Porque eacute tudo muito corrido eu acho assim que a importacircncia

que elas datildeo ao pedagoacutegico ao fazer eacute muito maior que esse momento tatildeo legal que a

gente viu aqui e que a gente natildeo faz natildeo faz

(26) Leacutea Isso que vocecirc viu aqui vocecirc acha que natildeo eacute pedagoacutegico

(27) Marina Natildeo natildeo que natildeo seja o pedagoacutegico Mas assim a gente trabalhando

essas questotildees da forma como foi discutida

(28) Isabela de uma forma mais luacutedica

(29) Joana Eu acho que isso eacute o que precisa na creche esse outro olhar que vocecircs

colocaram aqui para o brincar para o faz de conta Natildeo tem um quadro com cartaz do

tempo quantos somos que dia eacute hoje nada disso E isso a gente faz todo dia A crianccedila

pode vivenciar esses conhecimentos a partir da brincadeira por exemplo vendo como

‟taacute o dia laacute fora brincando mesmo

(30) Isabela Eu acho que o que a gente estaacute oferecendo natildeo eacute o melhor natildeo eacute o legal

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 196

ILKA SCHAPPER SANTOS

entendeu Natildeo que a gente faccedila errado eu acho que estaacute na hora de repensar sim para

a gente poder trabalhar o brincar desse modo que vocecircs ‟tatildeo dizendo

No excerto acima a pesquisadora inicia seu turno (24) com a marca de interaccedilatildeo

instruccedilatildeo e para isso entremeia sua fala com outra marca o questionamento ldquoeu acho

que vocecircs podem estar colocando essas questotildees que a gente trouxe hoje Como que

vocecircs veem isso relacionando com a creche de vocecircsrdquo A instruccedilatildeo e o

questionamento satildeo usados como recursos discursivos para que as coordenadoras

reflitam sobre as possiacuteveis contribuiccedilotildees das discussotildees tecidas no encontro para o

trabalho nas creches Linguisticamente isso fica demarcado quando Leacutea faz uso do

pronome ldquoissordquo o qual se refere agraves questotildees propostas aliado ao decircitico temporal

ldquohojerdquo referindo-se ao periacuteodo em que elas ocorreram

No turno a pesquisadora continua discursivamente usando a marca de interaccedilatildeo

instruccedilatildeo de forma bastante modalizada ldquopoderiam pensando mudando alguma

coisardquo Desse modo busca promover a construccedilatildeo de um novo percurso para o tema

tratado que poderia subsidiar elementos para as coordenadoras reconstruiacuterem suas

percepccedilotildees e accedilotildees diante do que foi apresentado Para ilustrar suas colocaccedilotildees a

pesquisadora usa um argumento teoacuterico ldquoeacute naquele sentido que a gente procurou aqui

na fala desse encontro como a crianccedila ao brincar ela daacute saltos qualitativos no

proacuteprio desenvolvimentordquo as marcas linguiacutesticas que sinalizam satildeo o decirciticos espacial

ldquoaquirdquo demarcando o lugar fiacutesico da interlocuccedilatildeo e o pronome ldquonaquelerdquo apontando

para o significado compartilhado do brincar como possibilidade de propiciar agrave crianccedila

ldquosaltos qualitativos no proacuteprio desenvolvimentordquo

Na continuidade de seu turno a pesquisadora utiliza argumento pragmaacutetico para

apreciar um ato ou acontecimento segundo suas consequecircncias presentes ou futuras

tendo importacircncia direta para a reflexatildeo esse fluxo argumentativo se funda tambeacutem

em um discurso internamente persuasivo (Bakhtin 1983 p 144) que pretende trazer as

diversas vozes envolvidas na interaccedilatildeo ldquoe como eu acho que noacutes adultos fazemos isso

diariamente agrave medida que noacutes interagimos e dialogamos com os outros porque aqui

noacutes estamos dialogando com essas coisas que vocecircs tecircm falado noacutes temos tido

grandes contribuiccedilotildees nessa troca Eu acho que a gente pode sair daqui dizendo que

- valeu a pena eu natildeo tinha pensado nisso eu posso estar pensando nisso de outra

formardquo O uso do argumento pragmaacutetico neste contexto indica que o papel do

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 197

ILKA SCHAPPER SANTOS

pesquisador-formador natildeo eacute apenas o de trocar informaccedilotildees e sintetizar compreensotildees

compartilhadas mas tambeacutem o de criar um espaccedilo de construccedilatildeo-produccedilatildeo do

conhecimento por meio de uma reflexatildeo criacutetica com base na argumentaccedilatildeo permitindo

que os participantes repensem sobre as questotildees tratadas e os impactos que elas tecircm no

seu trabalho na creche

No campo linguiacutestico o discurso internamente persuasivo se materializou nas

escolhas dos decirciticos pessoais utilizados pela pesquisadora em especial a reincidecircncia

do uso do pronome de primeira pessoa do plural ldquonoacutesrdquo sendo que nas duas primeiras

ocorrecircncias (ldquonoacutes adultosrdquo e ldquonoacutes interagimosrdquo) a pesquisadora se inclui e nas duas

seguintes estabelece uma diferenccedila entre pesquisadoras formadoras e educadoras em

formaccedilatildeo quando tambeacutem introduz a segunda pessoal do plural ldquovocecircsrdquo ldquonoacutes

[pesquisadoras-formadoras] estamos dialogando com essas coisas que vocecircs

[educadoras em formaccedilatildeo] tecircm falado noacutes [pesquisadoras-formadoras] temos tido

grandes contribuiccedilotildees nessa trocardquo Em seguida recorre ao pronome de primeira

pessoal do singular para se posicionar ldquoEu acho querdquo mas se inclui novamente nas

accedilotildees em colaboraccedilatildeo utilizando o sintagma nominal ldquoa genterdquo (no lugar do ldquonoacutesrdquo)

Depois completa com uma avaliaccedilatildeo geneacuterica ldquovaleu a penardquo jaacute introduzindo uma voz

social que tanto pode se referir agrave educadora como tambeacutem agrave pesquisadora materializada

pelo decircitico pessoal de primeira pessoa ldquoeurdquo no sentido expandido (ldquoeu natildeo tinha

pensado nisso eu posso estar pensando nisso de outra formardquo)

Prosseguindo o turno a pesquisadora vale-se das vozes sociais das

coordenadoras enunciadas em outros momentos da interlocuccedilatildeo para dizer da

resistecircncia delas em transformar os espaccedilos da sala de atividades em espaccedilos que

propiciem a brincadeira ldquoagraves vezes vocecirc olha um viacutedeo com a sensaccedilatildeo de que natildeo eacute

creche puacuteblica aiacute pensa - ah natildeo daacute para fazer ndash Ah porque o espaccedilo que eu tenho

eacute pequenordquo Ao introduzir em seu discurso as vozes do outro por meio do discurso

direto a pesquisadora busca estabelecer um sentido de aceitaccedilatildeo geral e reconhecimento

comprovado do conflito Wertsch (1991) explica que o contexto social determina que

vozes sejam privilegiadas em funccedilatildeo de serem mais apropriadas e mais eficazes Ao

(re)produzir um enunciado pautado na voz social dos proacuteprios participantes a

pesquisadora investe na crenccedila de que ela tem poder maior do que a sua proacutepria voz

representaria Assim faz uso da marca de interaccedilatildeo retomada de vozes anteriores para

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 198

ILKA SCHAPPER SANTOS

evitar que as coordenadoras usem os mesmos argumentos para dizer da inviabilidade de

transformar o contexto da sala de atividade no interior da creche

No momento seguinte a pesquisadora continua utilizando a marca de interaccedilatildeo

instruccedilatildeo para orientar sobre as reflexotildees que as coordenadoras deveratildeo tecer ldquoentatildeo a

minha questatildeo para vocecircs agora que a gente estaacute encerrando eacute que cada uma

pensasse na sua creche do tamanho que for com os recursos que tem o que jaacute faz e o

que poderia acrescentar a partir das nossas conversas a partir dessas questotildees que a

Viviam trouxe e como bateu para cada umardquo No interior da instruccedilatildeo Leacutea faz uso do

argumento de autoridade citando a pesquisadora do GP EFoPI Viviam Carvalho

referecircncia nas discussotildees teoacuterico-praacuteticas sobre o brincar para deixar claro em qual

perspectiva elas devem se apoiar no processo de reflexatildeo

A pesquisadora daacute seguimento ainda por meio do argumento de autoridade e

introduzindo um argumento teoacuterico para retomar conceituaccedilotildees anteriores que

poderiam subsidiar a reflexatildeo sobre o tema e criar um espaccedilo de ressignificaccedilatildeo de

significados ldquoEu acho que essas questotildees tecircm que ser colocadas exatamente para que

a gente possa estar reelaborando porque conforme a Viviam colocou ali no conceito

do Vygotsky num primeiro momento da aprendizagem ela acontece na minha troca

com o outro somente depois dessa troca que eu reelaboro que eu discuto eacute que eu

internalizordquo Como argumento de autoridade Leacutea cita novamente a pesquisadora

Viviam e o autor estudado Vygotsky para se referir ao processo de reelaboraccedilatildeo das

participantes Para reforccedilar a perspectiva que deve ser adotada aleacutem de autoridade a

pesquisadora traz no interior da enunciaccedilatildeo o argumento teoacuterico ldquonum primeiro

momento da aprendizagem ela acontece na minha troca com o outro somente depois

dessa troca que eu reelaboro que eu discuto eacute que eu internalizordquo Traz assim uma

importante discussatildeo vygotskyana que foi tecida com as coordenadoras no

desenvolvimento do curso o processo de internalizaccedilatildeo que segundo o autor

possibilita mudanccedilas qualitativas no ser humano Dito de outro modo o indiviacuteduo

reconstroacutei internamente uma operaccedilatildeo externa elaborando uma seacuterie de

transformaccedilotildees (Vygotsky 19301991 p 75) Retomando o que diz o autor russo a esse

respeito as transformaccedilotildees que ocorrem nesse processo satildeo as seguintes (1) uma

operaccedilatildeo que a princiacutepio representa uma atividade externa eacute reconstruiacuteda e comeccedila a

ocorrer internamente (2) um processo interpessoal (niacutevel social) eacute transformado em um

processo intrapessoal (niacutevel individual) e (3) a siacutentese do processo de internalizaccedilatildeo eacute

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 199

ILKA SCHAPPER SANTOS

resultado de uma seacuterie de eventos ocorridos ao longo das relaccedilotildees reais entre as pessoas

no interior de seu contexto soacutecio-histoacuterico-pessoal

Nesse movimento discursivo a pesquisadora procura mostrar a relevacircncia das

interaccedilotildees desenvolvidas nos encontros do curso para as participantes na siacutentese das

relaccedilotildees inter e intrapessoais No fluxo de intervenccedilotildees Leacutea finaliza seu turno com

questionamentos que possam promover um momento para as coordenadoras repensarem

seus significados instituiacutedos que muitas vezes impedem a reorganizaccedilatildeo dos espaccedilos

das creches e por conseguinte diferentes espaccedilos para o brincar ldquoseraacute que a gente tem

que ter a mesma organizaccedilatildeo nas salas sempre Eu posso mudar um pouquinho

Posso mudar aquela rotina Como eu posso estar fazendo issordquo

Os questionamentos formulados por Leacutea procuram fomentar o estabelecimento

de possiacuteveis bases para a produccedilatildeo de (novos) significados construiacutedos

colaborativamente sobre o trabalho realizado e sobre a teoria em estudo Ao colocar na

cena discursiva os elementos teoacutericos retomados e os questionamentos levantados a

pesquisadora busca criar um espaccedilo argumentativo-colaborativo em que seja possiacutevel

refletir sobre o instituiacutedo bem como possibilitar a recolocaccedilatildeo dos significados trazidos

pelas coordenadoras propiciando expandir o significado coletivo daquela comunidade

semioacutetica

No turno seguinte (25) Marina traz uma interessante reflexatildeo ldquoEu acho que a

visatildeo que a gente hoje na creche tem desse faz de conta eacute bem diferente do que foi

apresentado aquirdquo A declarativa sinaliza o conflito vivenciado pela coordenadora entre

o significado trazido pelas professoras sobre a brincadeira de faz de conta e aqueles

compartilhados pelas pesquisadoras Leacutea e Viviam Ao fazer essa afirmaccedilatildeo Marina cria

um espaccedilo de tensatildeo de confronto entre o instituiacutedo cristalizado nos espaccedilos das

creches e o que foi discutido no encontro Esse momento eacute muito importante pois

possibilita a todos os participantes refletirem entre o ditofeito o instituiacutedopossiacutevel e

aleacutem disso promove um espaccedilo de compartilhamento de novos significados marcados

pela siacutentese dialeacutetica entre os significados anteriores e aqueles compartilhados pelas

pesquisadoras

Para confirmar sua tese de que ldquovisatildeo que a gente hoje na creche tem desse faz

de conta eacute bem diferente do que foi apresentado aquirdquo a coordenadora continua o

turno usando o argumento de exemplo como marca de interaccedilatildeo explicaccedilatildeo ldquoEu acho

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 200

ILKA SCHAPPER SANTOS

que as nossas meninas (professoras das creches) elas datildeo muito mais ecircnfase agrave

questatildeo pedagoacutegica mesmo por exemplo ainda do papel do trabalhinho elas natildeo

acompanham as crianccedilas no faz de conta igual aparece aqui natildeo elas natildeo tecircm essa

visatildeordquo Por fim Marina diz ldquoa gente natildeo faz natildeo fazrdquo mostrando com o sintagma

nominal ldquoa genterdquo (no lugar do ldquonoacutesrdquo) que a brincadeira na creche natildeo estaacute sob a oacutetica

do faz de conta mas sob a perspectiva de um conteuacutedo sistematizado

Diante da marca de interaccedilatildeo explicaccedilatildeo da coordenadora Leacutea (26) levanta o

questionamento por meio de uma questatildeo controversa ldquoIsso que vocecirc viu aqui vocecirc

acha que natildeo eacute pedagoacutegicordquo Tal questatildeo exigiu das coordenadoras um

posicionamento sobre o que estava sendo discutido e portanto criou espaccedilo para o

argumentar Com isso Marina (27) por meio de um contra-argumento diz ldquoNatildeo natildeo

que natildeo seja o pedagoacutegico Mas assim a gente trabalhando essas questotildees da forma

como foi discutidardquo Nesse movimento discursivo a coordenadora explicita que na

verdade natildeo queria dizer que a brincadeira de faz de conta natildeo fazia parte do

pedagoacutegico mas sim que nas creches as educadoras natildeo trabalhavam o brincar do

modo como estava sendo discutido no curso

Dando continuidade ao debate duas coordenadoras Joana e Isabela nos turnos

(29) e (30) respectivamente mostram por meio do acordo compartilhar o novo

significado manifesto pelas pesquisadoras sobre o trabalho do brincar de faz de conta

nas creches (29) ldquoEu acho que isso eacute o que precisa na creche esse outro olhar que

vocecircs colocaram aqui para o brincar para o faz de contardquoe (30) ldquoeu acho que estaacute

na hora de repensar sim para a gente poder trabalhar o brincar desse modo que

vocecircs ‟tatildeo dizendordquo Linguisticamente isso se faz com o uso dos decirciticos de pessoa e de

espaccedilo ldquovocecircsrdquo e ldquoaquirdquo mostrando que as coordenadoras estatildeo se referindo ao que foi

tratado pelas pesquisadoras no interior do curso de extensatildeo

Nas interaccedilotildees tecidas neste elo da Cadeia Criativa podemos indicar tentativas

indiacutecios e pistas de estabelecimento de uma zona de colaboraccedilatildeo e criticidade na

medida em que o dispositivo argumentativo foi sendo utilizado como instrumento para a

produccedilatildeo de significados compartilhados nas discussotildees estabelecidas Dito de outro

modo a argumentaccedilatildeo possibilitou o estabelecimento de um processo de

questionamento de sentidos-significados rotinizados bem como a produccedilatildeo conjunta de

novos significados por meio de um espaccedilo em que todos os envolvidos puderam se

colocar questionar a si e aos outros mas apoiando suas discussotildees em estudos teoacutericos

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 201

ILKA SCHAPPER SANTOS

43 ndash 3ordm Cronotopo da Cadeia Criativa ndash Sessatildeo Reflexiva com as Coordenadoras

das Creches da AMAC

Os quatro excertos selecionados para esta seccedilatildeo de anaacutelise foram retirados da

quarta sessatildeo reflexiva com as coordenadoras das creches municipais que trabalham

com crianccedilas de dois e trecircs anos de idade e trecircs pesquisadoras do GP EFoPI realizada

em 11 de novembro de 2009 em uma das salas de aula da Faculdade de Educaccedilatildeo da

Universidade Federal de Juiz de Fora O objetivo da sessatildeo foi discutir como as

coordenadoras desenvolveram junto com as professoras das creches e as crianccedilas o

projeto de accedilatildeo sobre a brincadeira elaborado em sessatildeo anterior

431 ndash 4ordf Sessatildeo Reflexiva Analisada ndash dia 11 de novembro de 2009

No primeiro fragmento as pesquisadoras e as coordenadoras discutem os

impactos dos debates tecidos ao longo das sessotildees reflexivas sobre o brincar No fluxo

da interaccedilatildeo o grupo (re)pensa as intervenccedilotildees didatizadas em torno do brincar

1ordm Excerto

(1) Isabela Esse espaccedilo aqui possibilita pensar nas accedilotildees do dia a dia Esses dias eu

observei o seguinte uma crianccedila virou e falou assim ldquoTia ‟tou fazendo um peixerdquo A

professora pegou a cadeira puxou pra perto da crianccedila e falou assim ldquoVamos fazer o

peixe igual a gente faz na salardquo Quer dizer ela cortou a criatividade da crianccedila ela (a

crianccedila) ‟tava assim eufoacuterica mostrando o peixe e ela puxou a cadeira e falou -

ldquoVamos fazer o peixe igual a gente faz na salardquo

(2) Leacutea A que vocecirc atribui isso Essa entrada dela

(3) Bruna Acho que falta interesse

(4) Isabela Eu acho tambeacutem Falta de interesse

(5) Ilka A questatildeo eacute outra eu acho Porque ela pode ter interesse enfim todos os

adjetivos que a gente pode pensar por conta de uma pessoa que falta algum

compromisso mas o que a Leacutea ‟taacute perguntando eacute outra coisa

(6) Assunccedilatildeo Ela vecirc mais o cuidar do que o educar

(7) Ilka Entatildeo mas o que a Leacutea ‟taacute perguntando eacute assim a fala dela (da professora)

ela teve um movimento entatildeo natildeo me parece desinteresse ela ‟tava laacute Mas por que

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 202

ILKA SCHAPPER SANTOS

ela disse ldquovamos fazer o peixe que a gente faz na salardquo Por que ao inveacutes dela falar

assim ldquoque peixe eacute esserdquo Mas por que vocecirc acha que no lugar dela ingressar nesse

universo da crianccedila ela trouxe para esse movimento do real daquilo que se faz na

sala Porque a questatildeo eacute essa A questatildeo agora natildeo eacute culpar o comportamento dela a

questatildeo eu acho eacute O que leva ela a pensar que tem que trazer o menino para o campo

do real e tirar do imaginaacuterio da fantasia Porque a intenccedilatildeo era essa vamos fazer com

que ele descreva o peixe que existe o real

(8) Isabela Aiacute eacute que ‟taacute ela ainda natildeo incorporou essa questatildeo do trabalho com a

imaginaccedilatildeo esse entrar no mundo da imaginaccedilatildeo ela natildeo eacute assim

(9) Ilka Vocecirc acha que ela desconhece

(10) Isabela Natildeo eacute que ela desconhece ela conhece teoricamente mas natildeo

incorporou Ela natildeo se envolve porque ela natildeo internalizou ainda

(11) Ilka Eu ‟tou pensando alto Vocecirc natildeo acha que ela acredita que essa intervenccedilatildeo

que eacute correta

(12) Hilda Porque eu acho que eacute muito isso eu acho que professor da Educaccedilatildeo

Infantil ele tem muito esse conflito se eu embarco na fantasia da crianccedila eu deixo ela

onde ela ‟taacute e aiacute eu natildeo cumpro a minha funccedilatildeo de professor Eu tenho que ensinar

alguma coisa pra ela Eu lembro direitinho uma vez uma cena na sala da minha filha

ela propocircs uma contaccedilatildeo de histoacuteria e aiacute as crianccedilas foram contando a histoacuteria do

tubaratildeo aiacute uma crianccedila falou assim ldquoe aiacute o tubaratildeo saiu voandordquo e a uacutenica

intervenccedilatildeo da professora foi ldquoopa tubaratildeo voardquo Ela cortou a cena totalmente para

ela na narrativa dela o tubaratildeo voava e era isso que tinha graccedila mas ao mesmo

tempo a intervenccedilatildeo dela foi assim ela achou que ela tinha que falar aquilo como ela

ia deixar aquela crianccedila achando que tubaratildeo voava

(13) Marina Para falar a verdade eu acho que ela quis mostrar ali que ela trabalha

com os conteuacutedos em sala de aula

(14) Sirlaine Exatamente aquela visatildeo didatizada do brincar que a gente viu aqui

que tem que ter um conteuacutedo escolar

A coordenadora (1) inicia seu turno dizendo ldquoEsse espaccedilo aqui possibilita

pensar nas accedilotildees do dia a diardquo Com essa declaraccedilatildeo Isabela sinaliza que os encontros

com as pesquisadoras estatildeo possibilitando refletir sobre as accedilotildees que ocorrem no

cotidiano da creche Isso fica demarcado linguisticamente pelo uso dos decirciticos

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 203

ILKA SCHAPPER SANTOS

espaciais ldquoesserdquo e ldquoaquirdquo Depois usa o argumento de exemplo para explicitar sobre o

que vem refletindo Esses dias eu observei o seguinte uma crianccedila virou e falou

assim ldquoTia ‟tou fazendo um peixerdquo A professora pegou a cadeira puxou pra perto

da crianccedila e falou assim ldquoVamos fazer o peixe igual a gente faz na salardquo Quer

dizer ela cortou a criatividade da crianccedila ela (a crianccedila) ‟tava assim eufoacuterica

mostrando o peixe e ela (a professora) puxou a cadeira e falou - ldquoVamos fazer o

peixe igual a gente faz na salardquo Nesse momento a coordenadora compartilha um

importante significado do brincar trazido pelas pesquisadoras qual seja a capacidade da

crianccedila segundo Vygotsky (19301991) de transformar o significado dos objetos

modificando um elemento da realidade em outro Mostra ainda a compreensatildeo de que

esse formato que a crianccedila atribui aos objetos tem implicaccedilotildees importantes para seu

desenvolvimento principalmente no que se refere agrave (re)construccedilatildeo de sentidos e

significados sobre a realidade material em que vive Assim Isabela passa a refletir sobre

as accedilotildees relacionadas ao brincar por meio desse novo significado compartilhado nas

discussotildees do GP EFoPI

Diante da declaraccedilatildeo da professora Leacutea (2) formula uma questatildeo controversa

ldquoA que vocecirc atribui isso Essa entrada delardquo Tal questatildeo exige das coordenadoras

um posicionamento isto eacute a apresentaccedilatildeo dos seus sentidos-significados sobre o que

Isabela havia dito No entanto apesar de a pesquisadora buscar no seu questionamento

que as coordenadoras relacionem a partir da reflexatildeo tecida os significados trazidos

por Isabela agraves discussotildees travadas no segundo cronotopo relativo ao curso de extensatildeo

os pontos de vista que emergem estatildeo pautados no senso comum Discursivamente isso

pode ser visto nas respostas das coordenadoras nos turnos (3) e (4) respectivamente

ldquoAcho que falta interesserdquo e ldquoeu acho tambeacutem Falta de interesserdquo

Diante dos pontos de vista declarados apresento como pesquisadora do GP

EFoPI um contra-argumento nos turnos (5) e (7) respectivamente ldquoA questatildeo eacute

outra eu acho Porque ela pode ter interesse enfim todos os adjetivos que a gente

pode pensar por conta de uma pessoa que falta algum compromisso mas o que a Leacutea

‟taacute perguntando eacute outra coisardquo e ldquoEntatildeo mas o que a Leacutea ‟taacute perguntando eacute assim

a fala dela (da professora) ela teve um movimento entatildeo natildeo me parece

desinteresse ela ‟tava laacute Mas por que ela disse acutevamos fazer o peixe que a gente faz

na sala` Por que ao inveacutes dela falar assim acuteque peixe eacute esse` Mas por que vocecirc

acha que no lugar dela ingressar nesse universo da crianccedila ela trouxe para esse

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 204

ILKA SCHAPPER SANTOS

movimento do real daquilo que se faz na sala Porque a questatildeo eacute essa A questatildeo

agora natildeo eacute culpar o comportamento dela a questatildeo eu acho eacute O que leva ela a

pensar que tem que trazer o menino para o campo do real e tirar do imaginaacuterio da

fantasia Porque a intenccedilatildeo era essa vamos fazer com que ele descreva o peixe que

existe o realrdquo O uso desse recurso argumentativo que estaacute relacionado agrave dissociaccedilatildeo

emerge como contraponto aos argumentos apresentados buscando desencadear uma

situaccedilatildeo de conflito exigindo do grupo um posicionamento diante da questatildeo

apresentada pela pesquisadora Leacutea

A utilizaccedilatildeo desse dispositivo argumentativo na maioria das vezes possibilita o

estabelecimento de conflito e de crise em relaccedilatildeo ao instituiacutedo provocando respostas

que propiciam rever o dito e o estabelecido Assim nesse movimento discursivo

procuro no interior do conflito instaurado e no embate entre os sentidos propiciar

elementos para a produccedilatildeo-construccedilatildeo de significados Isso pode ser percebido no

enunciado de Isabela que antes tinha atribuiacutedo a intervenccedilatildeo da professora agrave ldquofalta de

interesserdquo e agora diz (8) ldquoAiacute eacute que ‟taacute ela ainda natildeo incorporou essa questatildeo do

trabalho com a imaginaccedilatildeo esse entrar no mundo da imaginaccedilatildeo ela natildeo eacute assimrdquo

mostrando que a referida professora desconhece o trabalho pautado no desenvolvimento

da imaginaccedilatildeo (Vygotsky 19301991) tal como tratado nas discussotildees do grupo

No turno (12) a pesquisadora Hilda apresenta uma reflexatildeo que vai ao encontro

do novo significado construiacutedo sobre o trabalho com o brincar e para isso faz uso do

argumento pragmaacutetico ldquoPorque eu acho que eacute muito isso eu acho que professor da

Educaccedilatildeo Infantil ele tem muito esse conflito se eu embarco na fantasia da crianccedila

eu deixo ela onde ela ‟taacute e aiacute eu natildeo cumpro a minha funccedilatildeo de professor Eu tenho

que ensinar alguma coisa pra elardquo Com isso a pesquisadora faz uma apreciaccedilatildeo do

que fora discutido segundo suas possiacuteveis consequecircncias presentes e futuras tendo

relevacircncia direta para a accedilatildeo O argumento funciona como um dispositivo para discutir

os novos significados que estatildeo sendo compartilhados Para ilustrar o que havia dito

anteriormente a pesquisadora continua sua interlocuccedilatildeo por meio de um argumento de

exemplo Eu lembro direitinho uma vez uma cena na sala da minha filha ela (a

professora) propocircs uma contaccedilatildeo de histoacuteria e aiacute as crianccedilas foram contando a

histoacuteria do tubaratildeo aiacute uma crianccedila falou assim ldquoe aiacute o tubaratildeo saiu voandordquo e a

uacutenica intervenccedilatildeo da professora foi ldquoopa tubaratildeo voardquo

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 205

ILKA SCHAPPER SANTOS

Depois Hilda finaliza seu turno usando um contra-argumento por meio do

discurso citado ou seja procura recuperar o que a professora do exemplo pode ter

pensado quando fez a intervenccedilatildeo com a crianccedila ldquoa intervenccedilatildeo dela (da professora)

foi assim ela achou que ela tinha que falar aquilo como ela ia deixar aquela crianccedila

achando que tubaratildeo voavardquo No movimento argumentativo Hilda traz por meio de

argumento pragmaacutetico argumento de exemplo e contra-argumento os sentidos e

significados compartilhados sobre a temaacutetica criando uma zona de criticidade e

colaboraccedilatildeo (Magalhatildees 2009) que veio se instaurando no fluxo da interaccedilatildeo verbal

entre as pesquisadoras e as coordenadoras e que culminou em sua intervenccedilatildeo

Isso se concretiza nos turnos seguintes das coordenadoras Marina (13) e

Sirlaine(14) respectivamente quando recuperam significados compartilhados no 2ordm

cronotopo relativo ao curso de extensatildeo ldquoPara falar a verdade eu acho que ela quis

mostrar ali que ela trabalha com os conteuacutedos em sala de aulardquo e ldquoExatamente

aquela visatildeo didatizada do brincar que a gente viu aqui que tem que ter um

conteuacutedo escolarrdquo Nesse sentido chegam a um acordo de que muitas vezes o brincar

na creche estaacute pautado em uma visatildeo didatizada que prioriza conteuacutedos escolares

Na sequecircncia da sessatildeo reflexiva as pesquisadoras e as coordenadoras

conversam e refletem sobre a forma como estas apresentaram nas creches a proposta

do projeto de accedilatildeo a respeito da brincadeira

2ordm Excerto

(15) Leacutea Aiacute outra questatildeo que a gente gostaria que vocecircs refletissem A pergunta

seria A expectativa que vocecircs tinham com relaccedilatildeo agrave acolhida e ao desenvolvimento da

atividade pela educadora foi atingido Quer dizer as expectativas que vocecircs tinham

quando foram propor para educadora essa acolhida delas com relaccedilatildeo agrave proposta de

vocecircs e do proacuteprio desenvolvimento a forma que elas desenvolveram a atividade ela

foi atingida

(16) Assunccedilatildeo Eu acho que ateacute superou porque assim era para duas educadoras e aiacute o

grupo todo acolheu e assim trecircs dias que eu estava presente no desenvolvimento da

atividade eu fiquei assim taacute (faz expressatildeo boquiaberta) porque laacute na creche natildeo tem

mais aquele horaacuterio riacutegido ldquoAh eacute hora de ir laacute pra fora e natildeo sei o quecircrdquo Entatildeo elas

falavam ldquoOh vamos se natildeo natildeo vai dar tempordquo Foi uma chamando a outra ldquoVem

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 206

ILKA SCHAPPER SANTOS

para gente fazer a brincadeira se natildeo natildeo vai dar tempo da gente fazer legalrdquo Entatildeo

elas estavam envolvidas e elas se envolveram e depois elas vinham me contar ldquoOh

Assunccedilatildeo vamos laacute para vocecirc tirar foto ‟taacute tatildeo legalrdquo Sabem entatildeo assim elas

mesmas foram se envolvendo e participando

(17) Leacutea Elas tinham consciecircncia que isso era um pedido dessa reuniatildeo

(18) Assunccedilatildeo Tinham Porque quando a gente foi apresentar as meninas tinham

falado para gente apresentar falar o porquecirc como que eacute o projeto aqui

(19) Elisa Noacutes colocamos neacute Assunccedilatildeo Apresentamos o grupo EFoPI qual que eacute o

objetivo o que a gente faz aqui nesse grupo elas ficaram ateacute assim muito curiosas

ldquoAh que legalrdquo A gente colocou sucintamente para elas qual eacute o objetivo do grupo

que eacute o trabalho com a parceria que a gente aprende com vocecircs vocecircs aprendem com

a gente que a gente ‟taacute ali socializando com elas com vocecircs a experiecircncia que a gente

vivencia laacute dentro da creche

(20) Ilka O que eu achei interessante no relato de vocecircs eacute que apareceu pelo menos

umas duas ou trecircs vezes a palavra reflexatildeo vocecircs falam assim ldquoAh pensamos em

refletir com elasrdquo Vocecircs veem alguma proximidade nessas reflexotildees postas aqui com

os modos e maneiras que vocecircs atuaram nessa atividade com elas com a sua

orientaccedilatildeo Vocecircs sentem alguma proximidade com esse movimento aqui e o

movimento que vocecircs fizeram laacute Eacute que apareceu falando do campo do significado das

palavras eu achei muito interessante achei muito interessante o desenvolvimento da

atividade mais que isso a forma como vocecircs concretizaram materializaram a

proposta o diaacutelogo com elas eu queria saber um pouco como eacute que isso foi para vocecircs

o que vocecircs pensaram quando solicitaram essa reflexatildeo de pensar sobre as brincadeiras

as antigas brincadeiras a presenccedila da educadora na creche esse espaccedilo que vocecircs

propuseram de reflexatildeo sobre a brincadeira porque apareceu um pouco isso neacute

(21) Assunccedilatildeo Eu acho bacana assim porque o que a gente conversa aqui nos faz

refletir e isso vai claro ter algum efeito no nosso trabalho do dia a dia Entatildeo quando

a gente leva uma proposta que foi discutida aqui para as nossas educadoras a gente

tambeacutem vai com essa coisa de cutucar para que elas reflitam natildeo simplesmente atuem

para que elas observem e em cima disso avaliem o trabalho delas e o desenvolvimento

da crianccedila Entatildeo acho que isso eacute um reflexo do nosso trabalho aqui e do envolvimento

de todo mundo e com isso vai contaminando vocecircs contaminam a gente a gente

contamina elas e elas contaminam as crianccedilas as crianccedilas os pais e assim neacute

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 207

ILKA SCHAPPER SANTOS

(22) Ilka Muito bom Gostei Eacute uma cadeia

(23) Leacutea Eacute uma cadeia

(24) Ilka Uma Cadeia Criativa

Neste excerto Leacutea formula dois questionamentos para identificar os impactos

dos projetos de accedilatildeo elaborados na sessatildeo reflexiva anterior e desenvolvidos com as

professoras (1) ldquoA expectativa que vocecircs tinham com relaccedilatildeo agrave acolhida e ao

desenvolvimento da atividade pela educadora foi atingidordquo e (2) ldquoQuer dizer as

expectativas que vocecircs tinham quando foram propor para educadora essa acolhida

delas com relaccedilatildeo agrave proposta de vocecircs e do proacuteprio desenvolvimento a forma que elas

desenvolveram a atividade ela foi atingidardquo Esses questionamentos propiciam um

espaccedilo para que as coordenadoras avaliem o processo de interaccedilatildeo estabelecido entre as

coordenadoras e as educadoras das creches

A partir dos questionamentos da pesquisadora Assunccedilatildeo (16) diz que o

desenvolvimento da atividade superou as expectativas ldquoEu acho que ateacute superourdquo Em

seguida faz uso em dois momentos no enunciado do operador argumentativo (Koch

19922004) ldquoporquerdquo buscando introduzir uma justificativa ou explicaccedilatildeo relativa ao

enunciado anterior Porque assim era para duas educadoras e aiacute o grupo todo

acolheu e assim trecircs dias que eu estava presente no desenvolvimento da atividade eu

fiquei assim taacute (faz expressatildeo boquiaberta) porque laacute na creche natildeo tem mais

aquele horaacuterio riacutegido ldquoAh eacute hora de ir laacute pra fora e natildeo sei o quecircrdquo Neste fragmento

a coordenadora mostra com a expressatildeo extraverbal (gesto com a boca) sua admiraccedilatildeo

pela transformaccedilatildeo ocorrida na creche pois agora natildeo se tem mais horaacuterio riacutegido em

relaccedilatildeo agraves atividades desenvolvidas Com esse enunciado Assunccedilatildeo compartilha um

significado que foi construiacutedo no cronotopo relativo ao curso de extensatildeo em que as

pesquisadoras discutiram sobre a importacircncia de se considerar o tempo das crianccedilas nas

brincadeiras de faz de conta Dito de outro modo nesse cronotopo do curso de extensatildeo

foi discutido como os alunos estabelecem regras vivenciam conflitos e (re)constroem o

real no brincar de faz de conta (Vygotsky 19301987) e a relevacircncia de sabermos como

interferir nesse processo sem por exemplo cortar abruptamente a cena criada pelas

crianccedilas por conta dos horaacuterios riacutegidos da instituiccedilatildeo

Depois a coordenadora usa o argumento de exemplo para ilustrar sua tese de

que o trabalho desenvolvido superou as expectativas Para isso faz uso em seu turno

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 208

ILKA SCHAPPER SANTOS

do operador argumentativo ldquoentatildeo em dois momentos o que lhe possibilita introduzir

conclusotildees relativas ao que foi apresentado anteriormente ldquoEntatildeo elas falavam ldquoOh

vamos se natildeo natildeo vai dar tempordquo Foi uma chamando a outra ldquoVem para gente

fazer a brincadeira se natildeo natildeo vai dar tempo da gente fazer legalrdquo Entatildeo elas

estavam envolvidas e elas se envolveram e depois elas vinham me contar ldquoOh

Assunccedilatildeo vamos laacute para vocecirc tirar foto ‟taacute tatildeo legal Sabem entatildeo assim elas

mesmas foram se envolvendo e participandordquo Em seu turno a coordenadora mostra

como as professoras estavam envolvidas nas atividades e como ela pocircde compartilhar

com elas em uma outra atividade significados construiacutedos no interior dos encontros

com o GP EFoPI Dessa forma eacute possiacutevel perceber o movimento da Cadeia Criativa

(Liberali 2009) em que a participaccedilatildeo do indiviacuteduo nas atividades (a) (b) e (c) evolui

no tempo a atividade (b) por exemplo pode criar significados novos para os sentidos

levados de volta (no tempo) para atividade (a) e para outra atividade da Cadeia (Fuga

2009 p 47)

No entremeio da discussatildeo trazida por Assunccedilatildeo Leacutea (17) faz o seguinte

questionamento ldquoElas tinham consciecircncia que isso era um pedido dessa reuniatildeordquo O

questionamento da pesquisadora tem a intenccedilatildeo de perceber se as atividades estavam

interligadas num movimento em cadeia Diante do questionamento Assunccedilatildeo (18)

responde por meio de um argumento de exemplo ldquoTinham Porque quando a gente

foi apresentar as meninas tinham falado para a gente apresentar falar o porquecirc

como que eacute o projeto aquirdquo Este recurso argumentativo mostra para o grupo como esse

cronotopo da cadeia se relaciona com outras atividades desenvolvidas pelas

coordenadoras a partir das discussotildees fiadas no interior das sessotildees reflexivas

Depois outra coordenadora Elisa continua especificando em seu turno (19)

utilizando tambeacutem o argumento de exemplo para dizer como apresentou o trabalho

desenvolvido entre pesquisadoras e coordenadoras no GP EFoPI ldquoApresentamos o

grupo EFoPI qual que eacute o objetivo o que a gente faz aqui nesse grupo elas ficaram

ateacute assim muito curiosas acuteAh que legal`rdquo A gente colocou sucintamente para elas

qual eacute o objetivo do grupo que eacute o trabalho com a parceria que a gente aprende com

vocecircs vocecircs aprendem com a gente que a gente ‟taacute ali socializando com elas com

vocecircs a experiecircncia que a gente vivencia laacute dentro da crecherdquo Em seu turno a

coordenadora mostra mais uma vez como o trabalho desenvolvido estaacute interligado no

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 209

ILKA SCHAPPER SANTOS

fluxo da cadeia (Liberali 2009) pois destaca a parceria ldquoque a gente aprende com

vocecircs vocecircs aprendem com a gente que a gente ‟taacute ali socializando com elasrdquo

No turno (19) eacute possiacutevel captar os sentidos que Elisa atribui ao trabalho

desenvolvido no GP EFoPI bem como os impactos dele na interlocuccedilatildeo com as

professoras da creche A coordenadora demarca em seu discurso que ldquoaprenderdquo com o

grupo de pesquisa e as pesquisadoras ldquoaprendemrdquo com as coordenadoras e por

conseguinte isso eacute ldquosocializadordquo com as professoras por meio das intervenccedilotildees no

brincar Tal fala mostra segundo uma visatildeo bakhtiniana sua compreensatildeo ainda que

implicitamente de que a produccedilatildeo de sentidos eacute potencialmente infinita revigorando-se

no contato com outros sentidos dito de outro modo em outros contextos mas

carregando as marcas dos contextos anteriores (Bakhtin 1987)

Diante do exposto nos enunciados anteriores no turno (20) busco entrelaccedilar os

elos da cadeia e compreender os impactos das intervenccedilotildees do GP EFoPI nos diferentes

contextos em que as coordenadoras transitam em especial nos contextos com as

professoras das creches Isso porque procuro ldquocapturarrdquo quais sentidos-significados satildeo

compartilhados com as respectivas professoras Para tanto uso as marcas de interaccedilatildeo

retomada de vozes anteriores ldquoO que eu achei interessante no relato de vocecircs eacute que

apareceu pelo menos umas duas ou trecircs vezes a palavra reflexatildeo ldquovocecircs falam assim

acuteAh pensamos em refletir com elas`rdquo Para sustentar minha avaliaccedilatildeo valho-me do

discurso das coordenadoras Na perspectiva bakhtiniana essa eacute uma relaccedilatildeo de sentido

construiacuteda por meio da palavra de outrem no caso aqui eacute identificado como discurso

representado ou objetivado o discurso direto (Bakhtin 1987) Esse eco de vozes

anteriores pode ser compreendido ainda em Bakhtin sob a oacutetica do plurilinguismo

dialogizado considerado o verdadeiro elemento da enunciaccedilatildeo (Bakhtin 1983) Meu

enunciado traz reminiscecircncias de outros enunciados dentro da comunidade semioacutetica em

que estou inserida como dispositivo para continuar o diaacutelogo Isso se concretiza nos

questionamentos que levanto logo depois ldquoVocecircs veem alguma proximidade nessas

reflexotildees postas aqui com os modos e maneiras que vocecircs atuaram nessa atividade

com elas com a sua orientaccedilatildeo Vocecircs sentem alguma proximidade com esse

movimento aqui e o movimento que vocecircs fizeram laacuterdquo

No fluxo da interaccedilatildeo verbal os questionamentos levantados tecircm a finalidade de

identificar se os esforccedilos em parceria em uma atividade produziram significados que

foram posteriormente compartilhados com outros parceiros atraveacutes dos sentidos que

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 210

ILKA SCHAPPER SANTOS

aqueles trouxeram para uma nova atividade (Liberali 2009) Esse movimento fica

explicitado no turno de Assunccedilatildeo (21) por meio de argumento pragmaacutetico ldquoquando a

gente leva uma proposta que foi discutida aqui para as nossas educadoras a gente

tambeacutem vai com essa coisa de cutucar para que elas reflitam natildeo simplesmente

atuem para que elas observem e em cima disso avaliem o trabalho delas e o

desenvolvimento da crianccedilardquo O uso desse recurso argumentativo como disse

anteriormente permite agrave coordenadora apreciar o trabalhado reflexivo que desenvolveu

com as professoras segundo suas consequecircncias presentes-futuras tendo relevacircncia

direta na accedilatildeo Dito de outro modo Assunccedilatildeo consegue mostrar os impactos das

interaccedilotildees tecidas entre pesquisadoras e coordenadoras no interior de outros contextos

de produccedilatildeo destacando elementos similares aos que foram enunciados por Elisa

Assim finaliza seu turno com argumentos que reforccedilam a ideia do movimento

da Cadeia Criativa na produccedilatildeo de novos significados ldquoEntatildeo acho que isso eacute um

reflexo do nosso trabalho aqui e do envolvimento de todo mundo e com isso vai

contaminando vocecircs contaminam a gente a gente contamina elas e elas contaminam

as crianccedilas as crianccedilas os pais e assim neacuterdquo A metaacutefora da ldquocontaminaccedilatildeordquo utilizada

pela coordenadora eacute a siacutentese desse pensamento Um movimento que inicia com o GP

EFoPI ldquocontaminandordquo as coordenadoras que ldquocontaminamrdquo as professoras que por

sua vez ldquocontaminamrdquo as crianccedilas que por sua vez ldquocontaminamrdquo os pais Diante da

reflexatildeo da coordenadora tanto Leacutea quanto eu nos turnos (22) (23) e (24) sintetizamos

seu pensamento como em ldquocadeiardquo na siacutentese dialeacutetica da Cadeia Criativa (Liberali

2009)

No excerto a seguir duas coordenadoras discutem sobre o trabalho

desenvolvido a partir do projeto de accedilatildeo sobre as brincadeiras nas creches apontando os

impactos e a relevacircncia do trabalho desenvolvido

3ordm Excerto

(25) Elisa O que a gente se pautou O que eu propus para as meninas Conforme foi

a proposta do grupo aqui tambeacutem De que a gente natildeo focasse somente - ah vamos

trabalhar tal brincadeira em funccedilatildeo de desenvolvimento da coordenaccedilatildeo motora fina

coordenaccedilatildeo motora grossa e psicomotor A gente focou o brincar da crianccedila mesmo

a observaccedilatildeo na brincadeira trazer o que esse momento proporciona para a crianccedila o

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 211

ILKA SCHAPPER SANTOS

que essa brincadeira traz de positivo pra essa crianccedila Aiacute colocamos as nossas

reflexotildees O desenvolvimento do plano de accedilatildeo foi pautado em reflexotildees como qual a

importacircncia da brincadeira para as nossas crianccedilas o que a brincadeira proporciona

aos pequenos o que se ganha brincando como brincam Qual o papel que a

brincadeira tem ocupado na vida de nossas crianccedilas e qual o papel do educador neste

processo Como a gente se posiciona frente a esse processo Entatildeo diante das

brincadeiras a gente foi fazendo essa reflexatildeo E eu coloquei algumas citaccedilotildees que a

gente veio discutindo no decorrer dos encontros no final do projeto junto com a

Cibele Entatildeo a gente foi fazendo uma anaacutelise do significado daquela brincadeira para

determinada crianccedila e o significado que ela daacute agrave brincadeira o imaginaacuterio dela O

fundamento de brincar eacute criar uma relaccedilatildeo entre o pensamento e realidade A gente

fala que a crianccedila ela mostra o ambiente que ela vive a realidade que ela vivencia a

famiacutelia tudo atraveacutes da brincadeira Entatildeo satildeo focos que a gente pegou como

reflexatildeo

(26) Joana Entatildeo o objetivo foi alcanccedilado visto que ao enfatizarmos mais as

brincadeiras atraveacutes do plano de accedilatildeo essas passaram a fazer parte mais intensamente

do cotidiano da nossa creche de modo a contagiar todas as demais turmas As

educadoras pediram que a brincadeira fosse desenvolvida nas demais turmas Entatildeo

assim todo mundo passou a brincar natildeo soacute a turminha que ‟tava sendo alvo do projeto

E a gente ‟taacute trabalhando com os cantinhos nas turmas de trecircs anos

Em seu turno Elisa (25) retoma os questionamentos que foram levantados em

momentos anteriores pela pesquisadora Leacutea ldquoO que a gente se pautou O que eu

propus para as meninasrdquo Esse movimento de retomada dos questionamentos auxilia

a coordenadora a organizar seu discurso em funccedilatildeo do que foi solicitado

Na continuidade de seu turno Elisa compartilha um importante significado

referente ao brincar ldquoConforme foi a proposta do grupo aqui tambeacutem De que a

gente natildeo focasse somente - ah vamos trabalhar tal brincadeira em funccedilatildeo de

desenvolvimento da coordenaccedilatildeo motora fina coordenaccedilatildeo motora grossa e

psicomotorrdquo Ao trazer esse discurso citado como um exemplo do que se deve evitar a

coordenadora mostra compreender que o desenvolvimento da brincadeira transcende o

trabalho estruturado em especial aquele relativo ao desenvolvimento ldquopsicomotorrdquo

Em seguida explica que o desenvolvimento do plano de accedilatildeo sobre o tema foi

pautado em alguns questionamentos que levantou junto agraves professoras (1) qual a

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 212

ILKA SCHAPPER SANTOS

importacircncia da brincadeira para as nossas crianccedilas (2) O que a brincadeira

proporciona aos pequenos o que se ganha brincando como brincam (3) Qual o papel

que a brincadeira tem ocupado na vida de nossas crianccedilas e qual o papel do educador

neste processo (4) Como a gente se posiciona frente a esse processo

Eacute interessante notar que Elisa mostra seu aprendizado sobre a importacircncia de no

processo reflexivo levantar questotildees que possam propiciar o (re)pensar da praacutetica

educativa e tambeacutem o (re)pensar da teorias que as embasam Neste turno temos

explicitado um importante movimento do compartilhamento de significados nos elos da

Cadeia Criativa pois a coordenadora passa a agir com o grupo de professoras que

coordena de forma similar agraves experiecircncias vivenciadas no GP EFoPI

Aleacutem de levantar questionamentos a coordenadora busca identificar os

significados que as professoras atribuem ao brincar e ao desenvolvimento da

imaginaccedilatildeo ldquoa gente foi fazendo uma anaacutelise do significado daquela brincadeira

para determinada crianccedila e o significado que ela daacute agrave brincadeira o imaginaacuterio

delardquo mostrando mais uma vez que compreendeu a discussatildeo sobre sentidos e

significados tecidas no interior do grupo de pesquisa Por fim a pesquisadora sinaliza

para outro significado sobre o brincar compartilhado no GP EFoPI ldquoO fundamento de

brincar eacute criar uma relaccedilatildeo entre o pensamento e realidaderdquo

Em (26) Joana inicia seu turno fazendo uso do ldquoentatildeordquo sinalizando que vai

tecer uma conclusatildeo sobre o que estava sendo dito demonstrando compartilhar

significados da discussatildeo anterior Desta forma sua reflexatildeo responde um

questionamento levantado no 2ordm excerto desta seccedilatildeo ldquoo objetivo foi alcanccedilado visto

que ao enfatizarmos mais as brincadeiras atraveacutes do plano de accedilatildeo essas passaram a

fazer parte mais intensamente do cotidiano da nossa creche de modo a contagiar

todas as demais turmasrdquo Aleacutem disso compartilha com o grupo que agora na creche

as salas de atividades estatildeo organizadas a partir dos cantinhos ldquoE a gente ‟taacute

trabalhando com os cantinhos nas turmas de trecircs anosrdquo tema que perpassou as

discussotildees dos dois cronotopos anteriores ao qual de iniacutecio tanto as 4 professoras

quanto as coordenadoras haviam mostrado resistecircncia

No proacuteximo fragmento trecircs coordenadoras compartilham os significados que

foram construindo nos encontros do GP EFoPI com as pesquisadoras em diferentes

elos da Cadeia Criativa (Liberali 2009) bem como a influecircncia dessas construccedilotildees no

trabalho com as professoras e no trabalho destas com as crianccedilas

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 213

ILKA SCHAPPER SANTOS

4ordm Excerto

(27) Bernadete () Entatildeo assim quando a gente apresentou o que vocecirc falou assim

quando disse ldquoapareceu muito essa palavra reflexatildeordquo Entatildeo tudo eacute um processo de

reflexatildeo que a gente estaacute passando ultimamente aqui E isso eacute muito rico porque hoje

agraves vezes quando a gente no dia a dia senta aqui e vai ouvindo talvez assim o nosso

rosto natildeo demonstra o tanto que a gente vem absorvendo tudo que ‟taacute sendo falado

Mas depois aquilo tudo que foi discutido por exemplo no curso de extensatildeo nas

sessotildees as teorias que embasam nossa praacutetica como trabalhar o brincar na creche foi

muito importante

(28) Yara Falado e internalizado

(29) Marina Com essa nova forma de ver o brincar com essa nova concepccedilatildeo que a

gente tem do brincar observamos como as relaccedilotildees satildeo construiacutedas de forma mais

dinacircmica como eacute que o aproveitamento do brincar eacute melhor Isso de que ningueacutem

aprende nada sozinho brincar eacute uma questatildeo social Vocecirc aprende a brincar vocecirc natildeo

nasce sabendo brincar e como eacute que eacute importante mesmo que o educador ensine a

crianccedila a brincar que ele faccedila parte da brincadeira que ele esteja junto Entatildeo a gente

colheu bastante coisa bastante observaccedilatildeo com isso tudo apresentado por vocecircs Como

eacute que vocecirc muda a sua postura e a concepccedilatildeo de certas coisas que satildeo tatildeo simples que

fazem com que vocecirc observe mais o cotidiano que a crianccedila interaja e se solte como

que possibilita trabalhar a autonomia da crianccedila

Neste excerto Bernadete (27) usa a marca de interaccedilatildeo retomada de vozes

anteriores para iniciar sua reflexatildeo ldquoquando disse bdquoapareceu muito essa palavra

reflexatildeo‟ A coordenadora faz uso da retomada de vozes para explicar ldquoEntatildeo tudo eacute

um processo de reflexatildeo que a gente estaacute passando ultimamente aquirdquo Por meio do

operador argumentativo ldquoentatildeordquo sinaliza para uma conclusatildeo em relaccedilatildeo ao que havia

enunciado antes explicando que a palavra ldquoreflexatildeordquo apareceu muitas vezes porque diz

de algo que elas estatildeo vivenciando nos encontros com o GP EFoPI Linguisticamente

isso pode ser observado a partir do decircitico espacial ldquoaquirdquo

Depois a coordenadora usa o argumento de exemplo para mostrar em que estaacute

pautada essa reflexatildeo ldquodepois aquilo tudo que foi discutido por exemplo no curso de

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 214

ILKA SCHAPPER SANTOS

extensatildeo nas sessotildees as teorias que embasam nossa praacutetica como trabalhar o

brincar na creche foi muito importanterdquo

Em (28) Yara tambeacutem faz uso da marca de interaccedilatildeo retomada de vozes

anteriores ldquofalado e internalizadordquo mostrando sinteticamente sua compreensatildeo do

processo de internalizaccedilatildeo pois o verbete ldquofaladordquo expressa o processo interpsicoloacutegico

(as discussotildees nos encontros) e o verbete ldquointernalizadordquo diz do processo

intrapsicoloacutegico apontando as bases para seus olhares entre o plano social e individual

No turno (29) Marina faz uma siacutentese dos significados que foram

compartilhados durante o trabalho desenvolvido entre as pesquisadoras e as

coordenadoras no interior das discussotildees do GP EFoPi ldquoCom essa nova forma de ver

o brincar com essa nova concepccedilatildeo que a gente tem do brincar observamos como as

relaccedilotildees satildeo construiacutedas de forma mais dinacircmica como eacute que o aproveitamento do

brincar eacute melhorrdquo A coordenadora usa por duas vezes o pronome ldquoessardquo para se

referir as concepccedilotildees discutidas sobre o brincar Eacute interessante que ao fazer isso traz

para a cena enunciativa concepccedilotildees tratadas em outro cronotopo da Cadeia Criativa o

curso de extensatildeo ldquoIsso de que ningueacutem aprende nada sozinho brincar eacute uma

questatildeo social Vocecirc aprende a brincar vocecirc natildeo nasce sabendo brincar e como eacute

importante mesmo que o educador ensine a crianccedila a brincar que ele faccedila parte da

brincadeira que ele esteja juntordquo Aqui vemos como a atividade do segundo

cronotopo interferiu na atividade atual e possibilitou criar novos significados para

sentidos que ateacute entatildeo estavam circunscritos agrave atividade anterior pois como ensina

Bakhtin (1987 p 393) ldquonatildeo existe nada morto de maneira absoluta cada sentido teraacute

sua festa de ressurreiccedilatildeordquo

Depois a coordenadora destaca como as discussotildees do GP EFoPI contribuiacuteram

para transformar suas posturas e concepccedilotildees em relaccedilatildeo ao trabalho realizado com a

crianccedila na creche ldquoEntatildeo a gente colheu bastante coisa bastante observaccedilatildeo com

isso tudo apresentado por vocecircs Como eacute que vocecirc muda a sua postura e a concepccedilatildeo

de certas coisas que satildeo tatildeo simples que fazem com que vocecirc observe mais o

cotidiano que a crianccedila interaja e se solte como que possibilita trabalhar a

autonomia da crianccedilardquo Nesse movimento discursivo a coordenadora revela

transformaccedilotildees em suas concepccedilotildees sobre o desenvolvimento infantil Eacute interessante

notar tambeacutem como Marina no interior do grupo aumentou seu conatus sua potecircncia

de agir Expressa como foi ldquoafetadardquo no sentido spinozano pelas intervenccedilotildees do

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 215

ILKA SCHAPPER SANTOS

grupo sinalizando para uma importante definiccedilatildeo de Spinoza (16772005 p 303) ldquose

dois indiviacuteduos inteiramente da mesma natureza se aliam um ao outro formam um

indiviacuteduo duas vezes mais poderoso do que cada um deles tomado separadamenterdquo

44 ndash Consideraccedilotildees Parciais

Neste ponto seratildeo retomadas as questotildees de pesquisa na busca de respondecirc-las

a partir da anaacutelise e das discussotildees tecidas

Como o processo da argumentaccedilatildeo desenvolvido entre pesquisadores e educadores

permite expor sentidos e significados sobre a brincadeira no movimento da Cadeia

Criativa

Quais argumentos contribuiacuteram para a produccedilatildeo de significado sobre o brincar no

movimento da Cadeia Criativa

Para neste espaccedilo refletir se o processo da argumentaccedilatildeo desenvolvido entre

pesquisadoras e educadoras de creche permitiu expor sentidos e significados sobre a

brincadeira no movimento da Cadeia Criativa e ainda pensar sobre quais argumentos

contribuiacuteram para a produccedilatildeo de significado sobre o brincar precisamos rememorar o

movimento discursivo no interior dos excertos nos trecircs cronotopos da Cadeia Criativa

No fluxo da interaccedilatildeo verbal diria que no primeiro cronotopo referente ao

diaacutelogo entre 4 professoras e duas pesquisadoras do GP EFoPI o processo

argumentativo ficou prioritariamente circunscrito agrave reincidecircncia de argumentos de

exemplo e de argumentos pragmaacuteticos calcados ora nas atividades dos viacutedeos

assistidas pelas professoras ora nas suas experiecircncias profissionais imediatas

ancoradas em exposiccedilotildees espontacircneas A recorrecircncia desses argumentos sinaliza que os

sentidos das educadoras sobre a brincadeira e sua materializaccedilatildeo na sala de atividades

de educaccedilatildeo infantil satildeo muito parecidos agravequeles assistidos nas atividades do viacutedeo em

especial os que relacionavam o brincar com atividades conteudistas

As pesquisadoras nesse primeiro momento mantiveram-se muitas vezes em

silecircncio diante das exposiccedilotildees das professoras Esse silecircncio inviabilizou trazer para o

espaccedilo enunciativo contrapalavras (BakhtinVolochinov 1988) que pudessem

desestabilizar os significados rotinizados que as educadoras compartilhavam sobre a

temaacutetica da brincadeira Assim a ausecircncia do embate do conflito e de tensotildees por

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 216

ILKA SCHAPPER SANTOS

meio de questotildees controversas por exemplo sobre os significados cristalizados e

instituiacutedos impossibilitou que as atividades do primeiro cronotopo fossem

desenvolvidas na perspectiva da colaboraccedilatildeo criacutetica (Magalhatildees 2009) Por

conseguinte as pesquisadoras natildeo promoveram um espaccedilo de interlocuccedilatildeo em que os

participantes pudessem tornar seus processos mentais mais claros no fluxo

enunciativo Aleacutem disso natildeo fizeram uso de argumentos teoacutericos que poderiam

funcionar como contraponto agraves ldquoideias inadequadasrdquo (Spinoza 16772005)

Em siacutentese no primeiro cronotopo a construccedilatildeo-produccedilatildeo de novos

significados sobre o brincar ficou comprometida por conta de uma circularidade e

reincidecircncia argumentativa entre pesquisadoras e professoras De um lado as

professoras ancoravam seus argumentos no senso comum e de outro as pesquisadoras

natildeo ingressavam na corrente enunciativa da linguagem com elementos que pudessem

promover para o grupo uma ldquocriserdquo em relaccedilatildeo aos significados estaacuteveis e mais

estratificados Esse movimento fez com que as educadoras continuassem tendo ldquoideias

inadequadasrdquo no sentido spinozano em relaccedilatildeo agrave brincadeira

A argumentaccedilatildeo no primeiro cronotopo da Cadeia Criativa natildeo se configurou

como um tempoespaccedilo em que os participantes pudessem refletir criticamente sobre o

instituiacutedo por meio de sustentaccedilatildeo refutaccedilatildeo e negociaccedilatildeo de posturas pautadas em

uma base argumentativa comum construiacuteda por meio do compartilhamento e produccedilatildeo

de significados

Por fim como foi dito no item 412 da anaacutelise e discussatildeo dos dados a

argumentaccedilatildeo empreendida no primeiro cronotopo natildeo funcionou como um dispositivo

que permitisse a ressignificaccedilatildeo dos conceitos em relaccedilatildeo ao brincar no movimento da

Cadeia Criativa Isso porque natildeo houve uma ampliaccedilatildeo dos sentidos-significados

trazidos pelas professoras e tambeacutem porque natildeo houve intervenccedilotildees das pesquisadoras

que trouxessem a siacutentese dialeacutetica entre construtos teoacutericos relacionados aos pontos de

vista compartilhados a ponto de possibilitar o aprofundamento das visotildees de mundo

circunscritas agrave temaacutetica

No segundo cronotopo referente a dois encontros do curso de extensatildeo

observa-se uma mudanccedila interessante as pesquisadoras iniciaram o trabalho

apresentando categorias teoacutericas da perspectiva soacutecio-histoacuterico-cultural que auxiliam a

pensar o brincar como atividade cultural inscrita na realidade material da crianccedila

Enfatizaram o desenvolvimento das funccedilotildees psicoloacutegicas fundadas nas relaccedilotildees

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 217

ILKA SCHAPPER SANTOS

sociais a mediaccedilatildeo simboacutelica a zona proximal de desenvolvimento reforccedilando desse

modo as contribuiccedilotildees de Vygotsky para a compreensatildeo do brincar de faz de conta O

dispositivo argumentativo sob eixo do argumento teoacuterico eacute um elemento que natildeo

apareceu no cronotopo anterior mas neste segundo momento forneceu mais dados

para o (re)pensar concepccedilotildees e visotildees de mundo alicerccediladas no senso comum e na

experiecircncia imediata

Ao introduzir nas cenas discursivas recursos argumentativos alicerccedilados no

discurso de outrem no caso no discurso teoacuterico houve a construccedilatildeo de um espaccedilo que

possibilitou o compartilhamento e a ampliaccedilatildeo de significados sobre o brincar criando

uma zona de colaboraccedilatildeo criacutetica (Magalhatildees 2009) no interior do fluxo da interaccedilatildeo

verbal

Eacute interessante notar que no cronotopo anterior houve tambeacutem referecircncia ao

discurso citado No entanto este estava pautado na voz do discurso oficial da

instituiccedilatildeo agrave qual as professores estavam vinculadas servindo como acircncora para

justificar a impossibilidade em se (re)pensar a organizaccedilatildeo dos espaccedilos da creche para

um melhor desenvolvimento da brincadeira de faz de conta Esse discurso autoritaacuterio

(Bakhtin 1983) foi apropriado pelas professoras possivelmente como estrateacutegia para

se eximirem de participar de uma discussatildeo que promovesse transformaccedilotildees e

mudanccedilas do haacute muito rotinizado comum e conhecido

Aleacutem de introduzir o argumento teoacuterico no segundo cronotopo houve um

nuacutemero maior de questionamentos que promovessem a produccedilatildeo de significados

compartilhados por meio da colaboraccedilatildeo Ao lado do questionamento houve

levantamento de questotildees polecircmicas as quais geraram a expansatildeo da discussatildeo

culminado em acordos que sinalizaram para uma base de construccedilatildeo de novos

significados que em seguida se tornaram comuns ao grupo

Nas interaccedilotildees neste elo da Cadeia Criativa haacute indiacutecios de que se estabeleceu

uma zona de colaboraccedilatildeo e criticidade cujo dispositivo argumentativo foi se

estruturando como um elemento desencadeador de compartilhamentos de novos

significados do brincar Nele a argumentaccedilatildeo ganhou novos contornos em relaccedilatildeo ao

cronotopo anterior Por meio desse processo argumentativo as pesquisadoras saiacuteram de

sua ldquozona de silecircnciordquo e passaram a socializar significados construiacutedos em outras

atividades do grupo de pesquisa tais como reuniotildees de estudo e escrita de textos

referentes ao assunto tratado

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 218

ILKA SCHAPPER SANTOS

No terceiro e uacuteltimo cronotopo da Cadeia Criativa referente a uma sessatildeo

reflexiva entre pesquisadoras e coordenadoras as participantes discutiram o projeto de

accedilatildeo sobre a brincadeira na creche elaborado em uma sessatildeo anterior

Os dispositivos argumentativos neste elo ficaram circunscritos a argumentos

de exemplo argumentos pragmaacuteticos como no primeiro cronotopo da cadeia Criativa

No entanto natildeo foram utilizados como recursos para reforccedilar experiecircncias do senso

comum e experiecircncias imediatas do trabalho desenvolvido na creche uma vez que ao

lado deles o grupo utilizou contra-argumentos e muitos questionamentos Assim o

movimento discursivo ganhou contornos que possibilitaram o confronto de ideias

valores e crenccedilas sobre a brincadeira se configurando como um espaccedilo de

compartilhamento de novos significados sobre o brincar

As coordenadoras trouxeram marcas enunciativas do cronotopo anterior

referindo-se aos encontros do curso de extensatildeo Dessa forma recuperaram sentidos

que como jaacute foi mencionado tiveram ldquosua festa de ressurreiccedilatildeordquo no dizer de Bakhtin

(1987 p 393) Nesse fluxo discursivo temos nitidamente as marcas do movimento da

Cadeia Criativa pois satildeo evidenciados os esforccedilos que em parceria em uma atividade

produzem significados que seratildeo posteriormente compartilhados por meio dos

sentidos que os sujeitos da interaccedilatildeo trazem para a nova atividade (Liberali 2009 p

102)

Eacute importante dizer que o processo argumentativo desenvolvido entre

pesquisadoras e educadoras (professoras e coordenadoras das creches puacuteblicas

municipais de Juiz de Fora) sobre a brincadeira passou por uma evoluccedilatildeo no interior

dos cronotopos da Cadeia Criativa Podemos pois inferir que houve transformaccedilotildees e

mudanccedilas tanto para as pesquisadoras quanto para as demais participantes Estas no

campo da ressignificaccedilatildeo de concepccedilotildees e praacuteticas sobre o brincar aquelas no desafio

de desenvolver uma metodologia de investigaccedilatildeo inscrita na Pesquisa Criacutetica de

Colaboraccedilatildeo sendo a argumentaccedilatildeo colaborativa seu eixo de interlocuccedilatildeo

Refletir sobre quais argumentos contribuiacuteram para a produccedilatildeo de significados

no interior do processo argumentativo sobre o brincar no movimento da Cadeia

Criativa tambeacutem se faz importante Pocircde-se constatar que os argumentos que

contribuem para essa produccedilatildeo de significados satildeo aqueles que trazem as marcas dos

pontos de vista contra-argumentos questotildees controversas e os que possibilitam chegar

a um acordo sendo que neste uacuteltimo ficam mais evidentes a produccedilatildeo e o

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 219

ILKA SCHAPPER SANTOS

compartilhamento de significados No entanto esse movimento argumentativo se

constitui por meio de marcas de interaccedilatildeo questionamento instruccedilatildeo explicaccedilatildeo

retomada de vozes anteriores colocaccedilatildeo e recolocaccedilatildeo de problemas Aleacutem disso se

estrutura tambeacutem a partir de determinados tipos de argumentos de citaccedilatildeo de

definiccedilatildeo de comparaccedilatildeo pragmaacutetico e de exemplo

O fluxo argumentativo analisado neste trabalho de tese mostra que a

argumentaccedilatildeo quando usada de forma circular e reincidente calcada no senso comum e

nas experiecircncias imediatas dos sujeitos em interaccedilatildeo pouco colabora para a criaccedilatildeo de

conflitos e tensotildees que poderiam desestabilizar os significados estratificados e apontar

para a construccedilatildeo de novos significados Assim ao lado de descriccedilotildees de accedilotildees eacute

importante se ter por exemplo o argumento teoacuterico que possibilita (re)pensar as teorias

nas quais as praacuteticas descritas pelos participantes estatildeo embasadas

Refletir sobre o inverso tambeacutem eacute importante ou seja os argumentos teoacutericos

precisam se articular agrave leitura da realidade material e imaterial em argumentos

estruturados sob a oacutetica do exemplo da accedilatildeo e suas consequecircncias da comparaccedilatildeo entre

accedilotildees

ILKA SCHAPPER SANTOS

CONSIDERACcedilOtildeES E REFLEXOtildeES ABERTAS

No ano de 1998 finalizei o meu mestrado Naquele periacuteodo senti-me insatisfeita

quanto aos desdobramentos de minha dissertaccedilatildeo Talvez porque continuasse com as

mesmas inquietaccedilotildees a respeito das discussotildees sobre a linguagem no periacuteodo de

ingresso no curso Por conta disso comecei a fazer disciplina isolada no Programa de

Mestrado do Curso de Letras da Universidade Federal de Juiz mas as inquietaccedilotildees

persistiram o curso era pautado prioritariamente nos estudos da Linguiacutestica Teoacuterica

Desisti de participar do processo de seleccedilatildeo ao inveacutes disso fiz minha inscriccedilatildeo para o

vestibular do Curso de Letras Aprovada no vestibular comecei o meu segundo curso de

graduaccedilatildeo Muitas foram as minhas descobertas acadecircmicas entre elas a Linguiacutestica

Aplicada

Terminada a graduaccedilatildeo decidi que faria o doutorado na aacuterea da LA Mas

precisei adiar um pouco meu projeto por conta de ter sido convidada a ocupar o cargo

de Coordenadora de Extensatildeo como mencionei na introduccedilatildeo deste estudo

Paradoxalmente foi a experiecircncia na Proacute-Reitoria que potencializou meu desejo de

fazer o doutorado em uma aacuterea aplicada pois coordenava programas e projetos de

extensatildeo que tinham um estreito compromisso teoacuterico-praacutetico com diferentes

comunidades circunvizinhas ao campus da Universidade E aqui estou eu finalizando

um trabalho que me daacute o tiacutetulo de Linguista Aplicada Voltemos ao comeccedilo

A partir do primeiro semestre de 2006 iniciei meus estudos em dois campos que

foram essenciais para este trabalho de tese a Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo

(Magalhatildees 2002 2006 2009) e a argumentaccedilatildeo em um vieacutes colaborativo

Paralelamente propus ao GP EFoPI grupo de pesquisa cuja coordenaccedilatildeo partilhava

com a Profa Dra Leacutea S P Silva que fizeacutessemos nossas investigaccedilotildees a partir da

PCCol Depois de conseguir a adesatildeo do grupo quanto agrave proposta iniciamos um longo

caminho de estudos e intervenccedilotildees de 2006 ateacute hoje

Envolvi-me intensamente nos trabalhos de investigaccedilatildeo do grupo Junto com a

profa Dra Leacutea P S Silva fazia levantamento de referecircncias bibliograacuteficas para

subsidiar as reuniotildees de pesquisa montava projetos para as agecircncias de fomenta

planejava as sessotildees reflexivas e os encontros do curso de extensatildeo para os professores

e coordenadores das creches e escrevia textos sobre a metodologia de pesquisa Como jaacute

mencionei no capiacutetulo metodoloacutegico foram quatro anos de intenso trabalho Esse

trabalho levou-me a refletir sobre a importacircncia de se fazer um estudo longitudinal na

CONSIDERACcedilOtildeES E REFLEXOtildeES ABERTAS 221

ILKA SCHAPPER SANTOS

tese de doutorado sobre as produccedilotildees do grupo Assim ao lado de todas as atividades

mencionadas fiz um mergulho intenso no banco de dados do GP EFoPI leitura das atas

de pesquisa e leitura das transcriccedilotildees das reuniotildees de estudo e das notas expandidas do

trabalho de campo Laacute encontrei um material riquiacutessimo mas entrei em conflito ao

refletir que natildeo desejava apenas investigar as produccedilotildees do grupo e os impactos delas

na formaccedilatildeo dos profissionais das creches puacuteblicas municipais Isso ia de encontro com

a perspectiva metodoloacutegica que estaacutevamos construindo no grupo de pesquisa Assim

resolvi focalizar meu trabalho nas interlocuccedilotildees tecidas entre os pesquisadores e os

participantes do GP EFoPI e natildeo mais nas produccedilotildees isoladas do grupo

Tomada essa primeira decisatildeo faltava outra de igual importacircncia dentre os

temas trabalhados no grupo com os participantes qual poderia focar Mais uma vez fiz

uma imersatildeo no banco de dados para tentar apreender o tema que era tratado com maior

forccedila no interior das interlocuccedilotildees tecidas e apoacutes um cuidadoso estudo deparei-me com

a brincadeira de faz de conta Decidi ampliar meu campo de estudos agora tambeacutem no

brincar Na verdade natildeo foi uma decisatildeo difiacutecil pois jaacute haviacuteamos realizado vaacuterias

intervenccedilotildees nesse campo e mapeado vaacuterias estrateacutegias de trabalho do brincar na creche

Nesse contexto iniciei a minha pesquisa que teve como propoacutesito compreender

criticamente a formaccedilatildeo do professor pesquisador e dos educadores participantes em

especial investigar como se processou o compartilhamento de sentidos e de

significados sobre o brincar As perguntas de pesquisa concentraram-se entatildeo no

processo de desenvolvimento da argumentaccedilatildeo entre pesquisadores e professores como

possibilidade de expor sentidos sobre a brincadeira e nos argumentos que contribuiacuteram

para a produccedilatildeo de significado novo sobre o brincar no movimento da Cadeia Criativa

Como jaacute fiz menccedilatildeo nas consideraccedilotildees parciais do capiacutetulo de anaacutelise as

interaccedilotildees tecidas pelas pesquisadoras e demais participantes do GP EFoPI foram

evoluindo No primeiro cronotopo da cadeia em trecircs sessotildees reflexivas com as

professoras de uma das creches municipais pude perceber que o fluxo da interaccedilatildeo

verbal entre as educadoras e as pesquisadoras foi estruturado por meio de argumentos

de exemplo pragmaacuteticos e de comparaccedilatildeo Ao focar a estrutura de tais argumentos

notei um movimento discursivo circunscrito agraves vivecircncias e experiecircncias do que eacute

familiar conhecido rotineiro e principalmente aos saberes que vatildeo se instituiacutedo no

fazer do dia a dia da creche Interessante que as pesquisadoras ingressaram nesse fluxo

argumentativo sem trazer por exemplo tipos de argumentos estruturados na citaccedilatildeo

CONSIDERACcedilOtildeES E REFLEXOtildeES ABERTAS 222

ILKA SCHAPPER SANTOS

com ecircnfase em teorias Essa circularidade argumentativa impediu o compartilhamento

de novos significados sobre o brincar Eacute interessante dizer que as sessotildees reflexivas

aconteceram na sala de reuniotildees da creche em que as professoras atuavam Refletirei

sobre essa informaccedilatildeo a seguir

O segundo cronotopo dois encontros do curso de extensatildeo com as

coordenadoras das creches aconteceu em espaccedilos de formaccedilatildeo ocupados pelos

profissionais da Universidade O movimento argumentativo muda consideravelmente

Agora para argumentos baseados na citaccedilatildeo na autoridade e na relaccedilatildeo teoria-praacutetica

mostrando nesse elo da cadeia o fortalecimento da contrapalavra das pesquisadoras do

GP EFoPI

Assim as pesquisadoras saem da ldquozona de silecircnciordquo criada no cronotopo

anterior e passam a compartilhar os significados do GP EFoPI sobre o brincar Os

elementos discursivos transitam em explicaccedilotildees teoacutericas e em definiccedilotildees Temos nesse

contexto duas questotildees importantes (1) os espaccedilos fiacutesicos que ocupamos interferem

nas relaccedilotildees discursivas que construiacutemos (2) os gecircneros discursivos que nos satildeo mais

familiares (no caso da academia cursos aulas palestras) dificultam o ingresso em

outros gecircneros

De todo modo essas demarcaccedilotildees argumentativas a partir da relaccedilatildeo

tempoespaccedilo e dos gecircneros que nos satildeo familiares sinalizam para uma ldquovelhardquo e

conhecida discussatildeo o fosso entre universidade e escola de ensino fundamental No

caso desta pesquisa entre universidade e creche No entanto agrave medida que

pesquisadoras e demais participantes comeccedilam a transitar em territoacuterios ateacute entatildeo

desconhecidos passam a refletir sobre os coacutedigos que circulam neles e comeccedilam

tambeacutem a partilhar nesses novos contextos de produccedilatildeo novos significados

Assim no terceiro cronotopo da Cadeia vejo jaacute aproximaccedilotildees entre as

pesquisadoras e as demais participantes da pesquisa Aquelas buscando conhecer mais

as praacuteticas cotidianas das creches e estas procurando ter uma compreensatildeo ativa dos

processos de construccedilatildeoproduccedilatildeo dos saberes acadecircmicos Tanto que em dezembro de

2009 as coordenadoras das creches apresentaram o trabalho intitulado ldquoA brincadeira

de faz de conta na crecherdquo no III SIAC na PUC-SP Viajaram mais de 1000 km ndash Juiz

de ForaSatildeo PauloJuiz de Fora ndash para realizar essa tarefa Das 23 coordenadoras 15

compareceram ao SIAC Na apresentaccedilatildeo mostraram desenvoltura com o espaccedilo

acadecircmico instituiacutedo bem como com a argumentaccedilatildeo sob o eixo do argumento teoacuterico

CONSIDERACcedilOtildeES E REFLEXOtildeES ABERTAS 223

ILKA SCHAPPER SANTOS

Na perspectiva spinozana diria que o GP EFoPI construiu ao longo de sua

interlocuccedilatildeo principalmente com as coordenadoras relaccedilotildees de composiccedilatildeo interaccedilotildees

que possibilitaram aos sujeitos se aproximarem das ideias adequadas pautadas no

desenvolvimento de ldquoafecccedilotildeesrdquo o que gerou noccedilotildees comuns entre os envolvidos

Lembremos que as noccedilotildees comuns podem ser mais proacuteximas das ideias adequadas da

Substacircncia uma vez que tecircm mais partes da totalidade

A produccedilatildeo acadecircmica dos pesquisadores tambeacutem passou a ser mais intensa

Nesse contexto destaco (1) a realizaccedilatildeo do I Seminaacuterio de Grupos de Pesquisa sobre

Crianccedilas e Infacircncias (I Grupeci) entre os dias 25 26 e 27 de setembro de 2008

promovido pelo GP EFoPI e pela Faculdade de Educaccedilatildeo da Universidade Federal de

Juiz de Fora com a participaccedilatildeo de mais de 350 participantes inscritos sendo muitos de

diversas instituiccedilotildees de ensino superior do Brasil como Fundaccedilatildeo Joaquim Nabuco

(PE) PUC-MG PUC-SP Universidade Catoacutelica de Petroacutepolis (RJ) Universidade

Catoacutelica Dom Bosco (MS) UNEB (BA) UERJ UESC (BA) UFES UFMG UFSC

UFSCar (SP) UFV (MG) UFMA UFMS UFSJ (MG) e UFF (RJ) (2) a escrita de sete

artigos no v13 da Revista Educaccedilatildeo em Foco Editora UFJF em setembro de 2008 (3)

a participaccedilatildeo no livro ldquoTrajetoacuterias caminhos na pesquisa em educaccedilatildeordquo (tambeacutem pela

Editora da UFJF) com o artigo intitulado A creche como espaccedilo de reflexatildeo entre

diaacutelogos experiecircncias e colaboraccedilatildeo criacutetica lanccedilado em 2009 (4) a escrita de artigos

para o livro ldquoDiaacutelogos de Pesquisardquo organizado pela Profa Dra Leacutea S P Silva e pelo

Prof Dr Jader Jane Moreira Lopes (no prelo pela Editora da UFF) com vaacuterios artigos

do GP LACE e do GP EFoPI Aleacutem da produccedilatildeo escrita deve-se registrar apresentaccedilatildeo

de trabalhos dos pesquisadores em vaacuterios congressos encontros e simpoacutesios nacionais e

internacionais Aqui nesse movimento de intensa produccedilatildeo cientiacutefica os pesquisadores

mostram ter aumentado o conatus de cada um (Spinoza 16772005) ampliando

tambeacutem o conatus coletivo do grupo

Agora peccedilo licenccedila ao leitor para quebrar o protocolo da escrita que o gecircnero

conclusatildeo de uma tese encerra e continuar a interlocuccedilatildeo com duas cenas discursivas

que ilustram bem como o movimento da Cadeia Criativa transcende os espaccedilos das

atividades desenvolvidas atravessando vida formaccedilatildeo e trabalho

Cena discursiva 1

ldquoEstava fazendo compras em um supermercado quando a Diva uma das

coordenadoras das creches e participante do GP EFoPI chegou ateacute mim e perguntou se

CONSIDERACcedilOtildeES E REFLEXOtildeES ABERTAS 224

ILKA SCHAPPER SANTOS

poderia me incomodar um pouquinho pois gostaria de falar algo muito importante

Prontamente respondo que sim Ela entatildeo comeccedila a contar como estatildeo organizados os

espaccedilos e horaacuterios na creche em que trabalha Relata que muita coisa havia mudado

desde o curso de extensatildeo Diz que o trabalho com os cantinhos nas salas de atividades

estava dando muito certo Continua dizendo que eu nem reconheceria mais Depois

finaliza - Sabe agora as crianccedilas transformam as cadeirinhas em trens que partem para

os lugares que eles jaacute conheceram e aqueles que nunca saiacuteram de Juiz de Fora passam a

vivenciar isso de conhecer outros lugares pelo coleguinha Estamos fazendo aquelas

cabanas de pano que vocecircs ensinaram para as crianccedilas brincarem de casinha Ah

tambeacutem mudamos a roda de conversa As crianccedilas natildeo ficam soacute contando o que

aconteceu no dia anterior a gente canta brinca de cantiga de roda tem parlendas e

trava-liacutenguas E termina dizendo - Senti falta de vocecirc menina no uacuteltimo encontro

Despedi-me dela e tambeacutem das minhas compras e corri para o carro atraacutes de caneta e

papel para tentar transcrever a cena rdquo

Cena discursiva 2-

ldquoEstava na banca de monografia da Nataacutelia Toledo ex-bolsista de iniciaccedilatildeo

cientiacutefica do GP EFoPI da UFJF O trabalho versava sobre os sentidos e significados da

ldquoroda de conversardquo (rodinha) na creche O texto estava muito bem estruturado as

categorias teoacutericas metodoloacutegicas e a interpretaccedilatildeo foram construiacutedas a partir da

perspectiva soacutecio-histoacuterico-cultural no interior do GP EFoPI Ao final da apresentaccedilatildeo

a aluna pediu licenccedila para agradecer o tempo de conviacutevio no grupo e disse que agora

trabalha como professora em uma das creches puacuteblicas municipais Continuou dizendo

da importacircncia do grupo para sua formaccedilatildeo E como seu tema de investigaccedilatildeo era a

ldquoroda de conversardquo e seu trabalho um sub-eixo do projeto de pesquisa do GP EFoPI

disse que gostaria dizer que estava fazendo um trabalho muito interessante na

ldquorodinhardquo enfatizou que natildeo ficava pedindo agraves crianccedilas para falarem sobre fatos

referentes ao dia anterior mas que elas cantavam cantigas de roda faziam teatrinho na

proacutepria rodinha que era muito bom Na mesma hora lembrei de Diva e fiquei pensando

como tanto ela quase aposentando quanto a Nataacutelia terminando a formaccedilatildeo inicial e

comeccedilando seu percurso de professora compartilharam significados tatildeo similares

relativos principalmente a acuteroda de conversa`rdquo

As duas cenas discursivas recuperadas acima nos auxiliam a compreender o

movimento da Cadeia Criativa natildeo soacute entre atividades mas como disse na vida no

CONSIDERACcedilOtildeES E REFLEXOtildeES ABERTAS 225

ILKA SCHAPPER SANTOS

trabalho na formaccedilatildeo e na praacutetica docente Aleacutem disso as cenas mostram o trabalho de

colaboraccedilatildeo criacutetica que efetivamente o GP EFoPI desenvolveu Relatei os dois

episoacutedios em uma reuniatildeo do grupo de pesquisa e chegamos agrave conclusatildeo de que nosso

objeto idealizado sobre o brincar de faz de conta nas creches e preacute-escolas estava mais

concreto pois nos depoimentos acima tanto Diva quanto Nataacutelia demonstram

compreender um importante significado de brincar para o GP EFoPI o processo

ensino-aprendizagem segue o fluxo e o ritmo das experiecircncias das crianccedilas no interior

de suas infacircncias com ecircnfase no fazer buscando o (re)construir criativo por meio da

brincadeira

A sala de atividades na educaccedilatildeo infantil para o grupo precisa ter o aconchego

e o movimento da infacircncia trens de partida carros que chegam cavalos montados

casas construiacutedas Alunos que possibilitados de reconstruiacuterem o real transmutam-se em

reis rainhas fadas duendes cavaleiros matildees pais filhos E no universo do

maravilhoso cozinham costuram fazem biscoitos Satildeo situaccedilotildees em que as crianccedilas

podem representar o real ldquocom olhos de crianccedilardquo Ciacuterculos de vivecircncias e experiecircncias

Na roda cantam danccedilam rodopiam giram e veem a vida sob a oacutetica da infacircncia

Infacircncia que emerge do ldquovir a serrdquo mas toma o rumo do ldquoeu sou agorardquo Esse era um

importante significado que gostaria ao final do trabalho compartilhar com vocecirc leitor

ILKA SCHAPPER SANTOS

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ANEXOS 236

ILKA SCHAPPER SANTOS

Anexo 1

ANEXOS 237

ILKA SCHAPPER SANTOS

Anexo 2

PONTIFIacuteCIA UNIVERSIDADE CATOacuteLICA DE SAtildeO PAULO

SETOR DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO

COMITEcirc DE EacuteTICA EM PESQUISA

Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Linguumliacutestica Aplicada e Estudos da Linguagem

DECLARACcedilAtildeO DE CONCORDAcircNCIA DO PARTICIPANTE

De acordo com a descriccedilatildeo da pesquisa e dos compromissos firmados pela

pesquisadora eu ________________________________ assumo aqui a minha

concordacircncia em participar da pesquisa intitulada ldquoO Fluxo do Significado do Brincar

na Cadeia Criativa argumentaccedilatildeo e formaccedilatildeo de pesquisadores e educadoresrdquo

Assumo ainda que permito a divulgaccedilatildeo de seus resultados em Tese de Doutorado

Entretanto declaro que minha concordacircncia estaacute condicionada aos seguintes

requisitos

a) Anonimamente isto eacute que a divulgaccedilatildeo dos resultados seja feita sem mencionar os nomes dos participantes envolvidos ( )

b) Sem anonimato ( ) c) Que se possa ter acesso aos dados coletados ( ) d) Que tenha acesso aos produtos finais da anaacutelise e de sua interpretaccedilatildeo antes

de sua divulgaccedilatildeo puacuteblica ( ) e) Que caso necessaacuterio minha reaccedilatildeo diante dessas interpretaccedilotildees sejam

incorporadas antes de sua divulgaccedilatildeo puacuteblica ( )

Satildeo Paulo ___ ___ 2006

Assinatura ____________________________

Tendo em vista a declaraccedilatildeo do participante acima assinado eu Ilka Schapper Santos

assumo a responsabilidade total de cumprir as condiccedilotildees de pesquisa descritas

atendendo aos requisitos demandados pelos participantes

Satildeo Paulo ___ ___ 2006

Assinatura da pesquisadora _____________________________________

Livros Graacutetis( httpwwwlivrosgratiscombr )

Milhares de Livros para Download Baixar livros de AdministraccedilatildeoBaixar livros de AgronomiaBaixar livros de ArquiteturaBaixar livros de ArtesBaixar livros de AstronomiaBaixar livros de Biologia GeralBaixar livros de Ciecircncia da ComputaccedilatildeoBaixar livros de Ciecircncia da InformaccedilatildeoBaixar livros de Ciecircncia PoliacuteticaBaixar livros de Ciecircncias da SauacutedeBaixar livros de ComunicaccedilatildeoBaixar livros do Conselho Nacional de Educaccedilatildeo - CNEBaixar livros de Defesa civilBaixar livros de DireitoBaixar livros de Direitos humanosBaixar livros de EconomiaBaixar livros de Economia DomeacutesticaBaixar livros de EducaccedilatildeoBaixar livros de Educaccedilatildeo - TracircnsitoBaixar livros de Educaccedilatildeo FiacutesicaBaixar livros de Engenharia AeroespacialBaixar livros de FarmaacuteciaBaixar livros de FilosofiaBaixar livros de FiacutesicaBaixar livros de GeociecircnciasBaixar livros de GeografiaBaixar livros de HistoacuteriaBaixar livros de Liacutenguas

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Page 3: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO ...livros01.livrosgratis.com.br/cp154582.pdfO Fluxo do Significado do Brincar na Cadeia Criativa: argumentação e formação de pesquisadores

PONTIFIacuteCIA UNIVERSIDADE CATOacuteLICA DE SAtildeO PAULO

PUC-SP

ILKA SCHAPPER SANTOS

O Fluxo do Significado do Brincar na Cadeia Criativa argumentaccedilatildeo e

formaccedilatildeo de pesquisadores e educadores

Tese apresentada agrave Banca Examinadora

da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de

Satildeo Paulo como exigecircncia parcial para

obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Doutora em

Linguiacutestica Aplicada e Estudos da

Linguagem na Pontifiacutecia Universidade

Catoacutelica de Satildeo Paulo sob a orientaccedilatildeo

da Professora Doutora Fernanda Coelho

Liberali

Satildeo Paulo 2010

FICHA CATALOGRAacuteFICA

SANTOS Ilka Schapper O Fluxo do Significado do Brincar na Cadeia Criativa

argumentaccedilatildeo e formaccedilatildeo de pesquisadores e educadores Satildeo Paulo 237 p2010

Tese (Doutorado em Linguiacutestica Aplicada e Estudos da Linguagem) - Pontifiacutecia

Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo 2010

Aacuterea de Concentraccedilatildeo Linguiacutestica Aplicada e Estudos da Linguagem

Orientadora Professora Doutora Fernanda Coelho Liberali

Palavras-chave Sentido Significado Cadeia Criativa Argumentaccedilatildeo Brincar

Autorizo exclusivamente para fins acadecircmicos e cientiacuteficos a reproduccedilatildeo total ou

parcial desta tese por processos fotocopiadores ou eletrocircnicos

Banca Examinadora

_________________________________________________

_________________________________________________

_________________________________________________

_________________________________________________

_________________________________________________

Aos queridos Ricardo e Joatildeo Pedro

frutos bons

Para Solenio que na nossa relaccedilatildeo

trouxe muitos sentidos para o verbete

pai indo muito aleacutem do significado

estratificado e estaacutevel da palavra Muito

obrigada por ser na minha vida

referecircncia paterna

Agrave Profa Dra Fernanda Coelho Liberali

minha orientadora pelas palavras que

iluminaram este trabalho por acreditar

sempre no outro pelo seu desejo

contagiante em transformar o mundo de

forma criativa Mas principalmente

pelo exerciacutecio do confronto produtivo de

ideias valores e crenccedilas

AGRADECIMENTOS

Aos meus pais Solenio e Zeacutelia por serem sempre referecircncia de lutas e conquistas e

porto seguro para mim e para o Joatildeo Pedro Aacutervores boas

Agrave Leacutea que na nossa relaccedilatildeo traz outros sentidos para o verbete sogra

Ao Luiz Fernando por estar sempre proacuteximo e ser um aconchego para mim para o

Ricardo e em especial para o Joatildeo Pedro

Ao Ricardo meu companheiro de vida por sua colaboraccedilatildeo na feitura das figuras e dos

quadros presentes neste trabalho

Ao Joatildeo Pedro meu filho por partilhar comigo o exerciacutecio da relaccedilatildeo materna e

tambeacutem por seu brilho expresso em sua interlocuccedilatildeo com o mundo

Aos meus irmatildeos Joatildeo Nuacutebia Maacutercio Poliana e Pablo por serem imprescindiacuteveis Em

especial agrave Nuacutebia e agrave Poliana irmatildes-amigas por suas presenccedilas e por nossa interlocuccedilatildeo

acadecircmica que transcende os espaccedilos da famiacutelia

Aacute Profa Dra Leacutea Stahlschmidt Pinto Silva por possibilitar um espaccedilo no GP EFoPI

para a construccedilatildeo de uma metodologia de pesquisa revolucionaacuteria e transformadora e

por sua luta incansaacutevel pelas crianccedilas e suas infacircncias

Aos professores e coordenadores das creches do municiacutepio de Juiz de Fora por

possibilitarem a minha incursatildeo na reflexatildeo da praacutetica e na praacutetica da reflexatildeo no

universo da infacircncia de crianccedilas de 2 e 3 anos

Aos participantes dos grupos de pesquisa EFoPI LACE e LIC pelas interlocuccedilotildees

acadecircmicas que atravessam esta tese

Agrave Tida nossa querida funcionaacuteria que cuidou do Ricardo e principalmente do Joatildeo

Pedro nos momentos em que estava viajando para Satildeo Paulo ou imersa na escrita da

tese

Agrave Profa Dra Maria Ceciacutelia Magalhatildees (Ciccedila) pelas significativas contribuiccedilotildees para o

meu desenvolvimento como aluna e professora-pesquisadora e por suas caracteriacutesticas

que se revelam em palavras e atos sensibilidade solidariedade inteligecircncia e

compromisso com a transformaccedilatildeo de si do outro e do mundo

Agrave amiga Elvira Aranha pelo seu acolhimento por nossos diaacutelogos que transcendem os

espaccedilos desta tese e principalmente por ser algueacutem em quem posso confiar Por mais

que ela natildeo goste que diga uma profissional-acadecircmica brilhante

Agraves professores doutoras que participaram das bancas de qualificaccedilatildeo Alzira Shimoura

Maria Ceciacutelia Magalhatildees Maria Helena Pistori Mona Hawi e Wanda Aguiar Junqueira

porpromoverem uma interlocuccedilatildeo calorosa permitindo que eu repensasse o percurso

desta pesquisa

Aacute Profa Dra Maria Teresa de Assunccedilatildeo Freitas por seu compromisso com a produccedilatildeo

do conhecimento na praacutetica de pesquisa por suas contribuiccedilotildees teoacutericas e por nosso

diaacutelogo que transcende o universo acadecircmico e invade os espaccedilos da afetividade

Agrave Profa Dra Mona Hawi pelas inuacutemeras contribuiccedilotildees neste trabalho no periacuteodo da

segunda qualificaccedilatildeo e ao longo de todo doutorado Por nossos diaacutelogos vivecircncias e

principalmente por ter se tornado referecircncia para mim na cidade de Satildeo Paulo

Agrave Fernanda Cardoso por nossa intensa interlocuccedilatildeo no periacuteodo de revisatildeo deste

trabalho e principalmente por ter demonstrado ser coerente agrave categoria colaboraccedilatildeo

Agrave Lena por nossos diaacutelogos acadecircmicos e afetivos que muito contribuiacuteram para este

trabalho final

Agrave Alexsandra amiga-irmatilde de longa data por estar sempre por perto Nossa interlocuccedilatildeo

e nosso afeto atravessam tempos e espaccedilos

Agrave amiga Bruna por ter sempre uma enunciaccedilatildeo recheada de afeto disponibilidade e

muitas inquietaccedilotildees instigantes e por se tornar uma interlocutora imprescindiacutevel Haacute

muito de Bruna Sola Ramos nesta tese

Agrave Mocircnica (Mamu) comadre amiga-irmatilde por nossa interlocuccedilatildeo que supera as

adversidades da vida e pelas aprendizagens que partilhamos Por meio de nossos

diaacutelogos pude aprimorar minha capacidade argumentativa

Agrave querida Claacuteudia Bonfatti por ter sido uma referecircncia para o Joatildeo Pedro no periacuteodo

de ingresso na educaccedilatildeo infantil e por ter se tornado amiga da famiacutelia Sua experiecircncia

posturas e atitudes como professora dos pequenos sinalizam o compromisso que tem

com as crianccedilas e suas infacircncias

Agrave Rose por trazer beliacutessimas imagens para o Joatildeo Pedro transmutadas por meio do

maravilhoso e por ter enriquecido sua infacircncia com movimentos de expansatildeo e

contraccedilatildeo no momento em que natildeo pude estar

Agrave Hilda amiga querida pela presenccedila colaborativa e por me ensinar a objetivar as accedilotildees

e tarefas do cotidiano acadecircmicoprofissional

A todos os amigos do LAEL especialmente aos colegas do Seminaacuterio de Orientaccedilatildeo

colaboradores no processo de construccedilatildeo desta pesquisa

Agrave Maria Luacutecia e agrave Maacutercia por suas accedilotildees generosas em periacuteodos como Matriacutecula Prova

de Francecircs e Exame de Aacuterea Complementar

Agrave Universidade Federal de Juiz de Fora em especial ao Departamento de Educaccedilatildeo

pelo afastamento concedido e agrave CAPES pelo apoio financeiro que tornou possiacutevel

meus estudos no LAEL

SUMAacuteRIO

COMECcedilANDO O DIAacuteLOGO 18

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO

DOS ldquoNOacuteSrdquo

27

11 ndash O Movimento da Cadeia Criativa linguagem e produccedilatildeo de

conhecimento

30

111 ndash A Cadeia Criativa entre o compartilhamento de sentidos e de

significados

31

112 ndash A Cadeia Criativa e a ZPD interregno de conflitos tensotildees e

possibilidades na produccedilatildeo de conhecimento

39

113 ndash Cronotopia e exotopia uma diacuteade no movimento da Cadeia

Criativa

43

114 ndash A Cadeia Criativa sob a eacutegide da totalidade spinozana 46

115 ndash Breve retomada da ldquovelhardquo e da ldquonovardquo retoacuterica um encontro com

a argumentaccedilatildeo na cadeia criativa

52

116 ndash Fluxo da Interaccedilatildeo verbal por uma argumentaccedilatildeo dialoacutegica na

Cadeia Criativa

62

CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFOPI 67

21 ndash Uma breve histoacuteria sobre o brincar 69

211 ndash A imaginaccedilatildeo e a brincadeira de faz de conta 74

212 ndash O desenvolvimento da imaginaccedilatildeo loacutecus da brincadeira de faz de

conta e da (re)invenccedilatildeo do real

81

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E

(DES)CAMINHOS TRILHADOS

90

31 ndash A Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo no Grupo de Pesquisa Linguagem em

Atividades no Contexto Escolar (GP LACE)

94

32 ndash A Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo no Grupo de Pesquisa Educaccedilatildeo

Formaccedilatildeo de professores e Infacircncia (GP EFoPI)

97

33 ndash Espaccedilos-tempo de uma construccedilatildeo coletiva caracterizaccedilatildeo do(s)

contexto(s) de pesquisa

104

331 ndash Projeto de 2006-2007 A verticalizaccedilatildeo e a horizontalizaccedilatildeo do

espaccedilo da sala de educaccedilatildeo infantil

104

332 ndash Projeto de 2008-2009 Espaccedilo de reflexatildeo criacutetica em contexto de

colaboraccedilatildeo reconstruindo os sentidos e os significados da praacutetica

educativa na creche

109

333 ndash Espaccedilos de Atuaccedilatildeo do GP EFoPI 113

3331 ndash A Entidade Civil que manteacutem as creches no Municiacutepio de

Juiz de Fora uma breve incursatildeo na AMAC

113

3332 ndash A Extensatildeo Universitaacuteria e o Curso de Extensatildeo na

Universidade Federal de Juiz de Fora

116

334 ndash Equipe de pesquisadores participantes do GP EFoPI no Periacuteodo

2006-2009

120

34 ndash Pesquisadores Focais do trabalho de Tese 122

35 ndash Procedimentos de produccedilatildeo-geraccedilatildeo coleta organizaccedilatildeo e

armazenamento dos dados

123

36 ndash Procedimentos de Anaacutelise e Interpretaccedilatildeo de Resultados 125

361 ndash Categorias de Anaacutelise 126

3611 ndash Marcas da Interaccedilatildeo 128

3612 ndash Marcas Argumentativas 1 129

3613 ndash Marcas Argumentativas 2 129

3614 ndash Marcas Linguiacutesticas 130

362 ndash Categorias de Interpretaccedilatildeo 131

37 ndash Credibilidade neste Processo de Pesquisa 132

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 134

41 ndash 1ordm Cronotopo da Cadeia Criativa ndash Sessotildees reflexivas com pesquisadoras

do GP EFoPI e educadoras da creche

135

411 ndash 1ordf Sessatildeo Reflexiva Analisada ndash dia 14 de agosto de 2006 135

412 ndash 2ordf Sessatildeo Reflexiva Analisada ndash dia 21 de agosto de 2006 149

413 ndash 3ordf Sessatildeo Reflexiva Analisada ndash dia 04 de setembro de 2006 166

42 ndash 2ordm Cronotopo da Cadeia Criativa ndash Curso de Extensatildeo 183

421 ndash Encontros do Curso de Extensatildeo Analisados ldquoA Dimensatildeo Luacutedica

na Crianccedila e na Crecherdquo e ldquoA Dimensatildeo Luacutedica no Espaccedilo-Ambiente

da Creche reflexotildees sobre o brincarrdquo ndash dias 05 e 12 de novembro de

2007

183

43 ndash 3ordm Cronotopo da Cadeia Criativa ndash Sessatildeo Reflexiva com as

Coordenadoras das Creches da AMAC

201

431 ndash 4ordf Sessatildeo Reflexiva Analisada ndash dia 11 de novembro de 2009 201

44 ndash Consideraccedilotildees Parciais 215

CONSIDERACcedilOtildeES E REFLEXOtildeES ABERTAS 220

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 226

ANEXOS 236

Anexo 1 236

Anexo 2 237

IacuteNDICE DE QUADROS

Quadro 01 ndash Os trecircs gecircneros do discurso na Retoacuterica com base em Reboul 58

Quadro 02 ndash Desenho da Pesquisa 93

Quadro 03 ndash Accedilotildees e questotildees relativas ao processo reflexivo 100

Quadro 04 ndash Accedilotildees e questotildees relativas ao processo reflexivo construiacutedas pelo

EFoPI a partir de Smyth

101

Quadro 05 ndash Cronograma do planejamento das accedilotildees do GP EFoPI nos anos

de 2006 e 2007

108

Quadro 06 ndash Cronograma do planejamento das accedilotildees do GP EFoPI nos anos

de 2008 e 2009

112

Quadro 07 ndash Relaccedilatildeo AdultoCrianccedila nas Creches Comunitaacuterias da

AMAC2009

115

Quadro 08 ndash Proporccedilatildeo AdultoCrianccedila nas Turmas das Instituiccedilotildees de

Educaccedilatildeo Infantil segundo a Resoluccedilatildeo Municipal No 12000

115

Quadro 09 ndash Coordenadores do GP EFoPI 121

Quadro 10 ndash Pesquisadores Doutores Doutorandos Mestres e Mestrandos 121

Quadro 11 ndash Alunos de Iniciaccedilatildeo Cientiacutefica 122

Quadro 12 ndash Pesquisadores Colaboradores 122

Quadro 13 ndash Siacutentese dos instrumentos usados para a discussatildeo 125

Quadro 14 ndash Marcas da interaccedilatildeo 128

Quadro 15 ndash Marcas Argumentativas 1 129

Quadro 16 ndash Marcas Argumentativas 2 130

Quadro 17 ndash Marcas Linguiacutesticas 131

Quadro 18 ndash Categorias de Interpretaccedilatildeo 131

IacuteNDICE DE FIGURAS

Figura 01 ndash Fluxograma da Pesquisa 92

Figura 02 ndash Accedilotildees para materializar interdisciplinaridade e transversalidade

na triacuteade ensino-pesquisa-extensatildeo

119

RESUMO

Esta pesquisa se insere na aacuterea da Linguiacutestica Aplicada na linha Educaccedilatildeo e

Linguagem da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica ndash Satildeo Paulo tendo como objetivo

investigar o fluxo do significado do brincar na Cadeia Criativa no interior do Grupo de

Pesquisa Educaccedilatildeo Formaccedilatildeo de Professores e Infacircncia (EFoPI) Apresenta como

aporte teoacuterico as referecircncias da Teoria Soacutecio-Histoacuterico-Cultural em especial as

contribuiccedilotildees de Vygotsky do Ciacuterculo de Bakhtin e de seus respectivos seguidores

Adota tambeacutem a perspectiva monista spinozana (Spinoza 16772005) para tecer uma

discussatildeo sobre o movimento da Cadeia Criativa (Liberali 2006 2009) A linguagem

nesse movimento eacute vista sob a perspectiva bakhtiniana e de seu ciacuterculo bem como sob

a oacutetica dos elementos da ldquovelhardquo e da ldquonovardquo retoacuterica (Aristoacuteteles 350 aC2005

Perelman e Olbrechts-Tyteca 19702005) que fundam neste trabalho um significativo

debate sobre a argumentaccedilatildeo Nesse contexto a linguagem eacute vista como possibilitadora

de traduzir-realizar os eventos do existir humano atravessados pelas (inter-)relaccedilotildees nos

vaacuterios contextos do GP EFoPI por meio de intervenccedilotildees com os educadores das creches

puacuteblicas municipais da cidade de Juiz de Fora O referencial metodoloacutegico eacute norteado

pelos princiacutepios da Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo (Magalhatildees 2002 2004 2006

2009) entendida como um processo que possibilita a todos os participantes da pesquisa

a construccedilatildeo-produccedilatildeo do conhecimento com ecircnfase no papel da colaboraccedilatildeo como

espaccedilo de aprendizado e desenvolvimento a todos os envolvidos no processo A

discussatildeo dos resultados estaacute pautada em categorias de anaacutelise argumentativas

desenvolvidas com base em Perelman e Olbrechts-Tyteca (19702005) e Liberali e

Shimoura (2007) bem como de interpretaccedilatildeo embasadas no referencial teoacuterico deste

trabalho em especial as categorias teoacutericas da perspectiva Soacutecio-Histoacuterico-Cultural no

interior do movimento da Cadeia Criativa Os resultados indicam que a praacutexis do GP

EFoPI nos cronotopos da Cadeia Criativa foi gradativamente assumindo os princiacutepios

epistemoloacutegicos e praacuteticos da colaboraccedilatildeo Os educadores das creches junto com os

pesquisadores foram se tornando protagonistas nas discussotildees teoacuterico-praacuteticas sobre o

brincar bem como na ressignificaccedilatildeo das praacuteticas que circundam essa atividade Para

estes as transformaccedilotildees ficaram circunscritas aos modos e agraves maneiras de intervir jaacute

para os educadores notaram-se mudanccedilas nos proacuteprios sentidos e significados acerca da

temaacutetica

Palavras-chave Sentido Significado Cadeia Criativa Argumentaccedilatildeo Brincar

ABSTRACT

This research is inserted in the area of Applied Linguistics in the line of Education and

Language of Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica ndash Satildeo Paulo having as its goal to

investigate the flow of the meaning of playing in the Creative Chain inside the

Education Research Group Teacher Formation and Childhood (EFoPI) It is presented

as theoretic foundation the references from the Social-Historical-Cultural Theory

especially the contributions from Vygotsky Bakhtinrsquos Circle and their respective

followers It is also adopted the monist Spinozan perspective (Spinoza 16772005) to

weave a discussion on the movement of the Creative Chain (Liberali 2006 2009) The

language in this movement is seen under the Bakhtinian perspective and his circle as

well as under the optic of the elements from ldquooldrdquo and ldquonewrdquo rhetoric (Aristotle 350

aC2005 Perelman and Olbrechts-Tyteca 19702005) which found in this paper a

significant debate on the argumentation In this context the language is seen as able to

translate-realize the events of being human through the (inter)relationships in many

contexts of GP EFoPI by means of interventions with the educators of the cityrsquos public

daycare centers in the city of Juiz de Fora The methodological reference is guided by

the principles of Critic Research of Collaboration (Magalhatildees 2002 2004 2006 2009)

understood as a process that allows to all the participants of the research the

construction-production of the knowledge with emphasis on the role of collaboration as

a space of learning and developing to all those involved in the process The discussion

of the results is based on categories of argumentative analysis developed over Perelman

and Olbrechts-Tyteca (19702005) Liberali and Shimoura (2007) as well as

interpretation based on the theoretical reference from this paper especially the

theoretical categories of the Social-Historical-Cultural perspective inside the Creative

Chain movement The results indicate that the praxis used on GP EFoPi in the

chronotopes of the Creative Chain gradually has been taking over the epistemological

and practical principals of collaboration The daycare center educators along with the

researchers were becoming protagonists in the theoretical-practical discussions on

playing as well as the resignification of the practices that circle this activity For these

the transformations were circumscribed to the ways and manners of intervening as for

the educators changes were noticed in their own senses and meanings about the theme

Key-words Sense Meaning Creative Chain Argumentation Playing

ILKA SCHAPPER SANTOS

COMECcedilANDO O DIAacuteLOGO

Neste trabalho busco compreender criticamente a formaccedilatildeo das professoras

pesquisadoras e das educadoras1 participantes de um grupo de pesquisa que investiga a

formaccedilatildeo dos profissionais da educaccedilatildeo infantil Em especial investigo como se

processa o compartilhamento de sentidos e de significados sobre o brincar Um dos

focos da investigaccedilatildeo eacute discutir as concepccedilotildees sobre o brincar no espaccedilo de pesquisa ndash

que se materializa nas reuniotildees de discussatildeo teoacuterica de definiccedilatildeo de metodologia e de

instrumentos de ingresso no campo e de anaacutelise criacutetica de dados ndash em um grupo que

estuda a crianccedila e suas infacircncias nas creches puacuteblicas municipais de Juiz de Fora O

Grupo de Pesquisa (GP) em questatildeo eacute o EFoPI (Educaccedilatildeo Formaccedilatildeo de Professores e

Infacircncia) Na realidade investigo o que estou intitulando de metapesquisa2

O prefixo meta- indica transcendecircncia ldquopara aleacutemrdquo da pesquisa Num

movimento dialeacutetico as reuniotildees do grupo de pesquisa e os diaacutelogos com os

participantes sistematizam e organizam as pesquisas em si mas tambeacutem criam espaccedilos

de investigaccedilatildeo cientiacutefica que transcendem as discussotildees das definiccedilotildees de questotildees de

estudos de objetivos de fundamentaccedilatildeo teoacuterica de anaacutelise de dados objetivando a

transformaccedilatildeo da realidade

Os professores pesquisadores e os participantes da pesquisa na apropriaccedilatildeo de

concepccedilotildees teoacutericas e no ingresso das discussotildees acadecircmicas e trabalho de campo

reescrevem ressignificam sua praacutexis continuando a tecer e a fiar nas dobras das suas

construccedilotildees a produccedilatildeo do conhecimento Isso porque entrecruzam as formulaccedilotildees

teoacutericas com outras leituras e outras vivecircncias que tiveram no campo da academia e no

diaacutelogo com seus interlocutores Aleacutem disso quando estudam um construto teoacuterico e o

relacionam com o trabalho cotidiano no interior de uma pesquisa as professoras-

pesquisadoras e as educadoras participantes da pesquisa trazem para a cena da

investigaccedilatildeo cientiacutefica atores diferentes daqueles que os proacuteprios teoacutericos elegeram

Mas na modernidade ndash ou poacutes-modernidade ndash a tarefa de pensar de estabelecer

relaccedilotildees e proposiccedilotildees de reconstruir como muitas outras sofre com a pressa e a

brevidade do tempo

1 Neste trabalho de tese o verbete ldquoeducadorasrdquo se refere tanto agraves professoras quanto agraves coordenadoras

pedagoacutegicas das creches puacuteblicas municipais de Juiz de Fora 2 A terminologia metapesquisa foi criada por mim para definir o processo de investigar a praacutetica de

pesquisa

COMECcedilANDO O DIAacuteLOGO 19

ILKA SCHAPPER SANTOS

O homem contemporacircneo estaacute de fato marcado pela pressa e pela falta de

tempo Falta de tempo para a reflexatildeo cientiacutefica que requer dialogar e digerir a ldquoideia do

outrordquo ndash no caso da pesquisa aprofundar nos autores selecionados ndash para no

entrecruzamento da ldquoideia proacutepriardquo ndash a questatildeo a ser investigada ndash criar a ldquoideia novardquo

com novas significaccedilotildees Esse terceiro elemento que diz da originalidade da criaccedilatildeo

estaacute se esvaziando na atualidade Soacute se tem tempo de analisar a ldquoideia do outrordquo e a

ldquoideia proacutepriardquo Muitas vezes natildeo se tem tempo para originalidade e criatividade que

requerem a interlocuccedilatildeo das trecircs ideias citadas Nesse contexto estamos perdendo no

campo da produccedilatildeo cientiacutefica da construccedilatildeo de conhecimento a capacidade de transitar

na terceira margem do rio

A dificuldade de criaccedilatildeo estaacute posta no excesso de informaccedilatildeo na tentativa de se

dar conta de tudo dos prazos achatados das agecircncias de fomento Natildeo sobra tempo para

o processo criativo no interior do processo de pesquisa Isso porque na busca de se

achar a melhor definiccedilatildeo na palavra do outro haacute uma reproduccedilatildeo do texto do outro

inserido no contexto da investigaccedilatildeo Mas com isso muitas vezes se esvazia a palavra

do pesquisador ndash que seria a tocircnica da diferenccedila entre argumentar analisar e transformar

a realidade

Para investigar o processo de produccedilatildeo de conhecimento sobre o brincar com

as professoras-investigadoras e as demais participantes da pesquisa analisei

longitudinalmente a produccedilatildeo dos dados do GP EFoPI ao longo de quatro anos de

intervenccedilatildeo do iniacutecio de 2006 ateacute o final de 2009 Isso foi feito a partir das sessotildees

reflexivas realizadas com as educadoras das creches dos encontros do curso de

extensatildeo e das sessotildees reflexivas que o grupo ofereceu para as coordenadoras das 23

creches da cidade de Juiz de Fora

O meu interesse pelo tema estaacute relacionado agrave minha preocupaccedilatildeo como

professora de uma universidade puacuteblica de compreender como o processo de pesquisa

numa perspectiva soacutecio-histoacuterico-cultural de colaboraccedilatildeo possibilita aos participantes a

transformaccedilatildeo e a reconstruccedilatildeo do mundo que os cercam Aleacutem disso na minha

trajetoacuteria acadecircmica o binocircmio professora-pesquisadora sempre esteve presente

Em 1990 concluiacute o curso de magisteacuterio de niacutevel meacutedio em uma escola puacuteblica

estadual na cidade de Satildeo Gonccedilalo do Sapucaiacute em Minas Gerais Nesse periacuteodo

trabalhei dois anos na APAE da cidade

No ano seguinte mudei-me para o Municiacutepio Juiz de Fora por conta da

aprovaccedilatildeo no vestibular Em 1991 apoacutes aprovaccedilatildeo em concurso puacuteblico comecei

COMECcedilANDO O DIAacuteLOGO 20

ILKA SCHAPPER SANTOS

minha carreira como professora alfabetizadora da SME (Secretaria Municipal de

Educaccedilatildeo) da cidade Paralela a essa atividade era estudante do curso de Pedagogia da

Universidade Federal de Juiz de Fora onde tambeacutem participava de projetos de pesquisa

de extensatildeo e de monitoria que investigavam e atendiam crianccedilas que vivenciaram anos

de fracasso na alfabetizaccedilatildeo inicial

Terminada a graduaccedilatildeo em 1994 no ano subsequente ingressei no mestrado em

educaccedilatildeo na PUC-Rio sob a orientaccedilatildeo da professora Dra Socircnia Kramer Nesse

periacuteodo desejava continuar minhas investigaccedilotildees no campo da alfabetizaccedilatildeo leitura e

escrita Inscrevi-me entatildeo no segundo periacuteodo do curso na pesquisa intitulada Cultura

Modernidade e Linguagem Leitura e Escrita de Professores em suas Histoacuterias de Vida

e Formaccedilatildeo Foi nesse projeto interinstitucional que vivenciei minhas primeiras

experiecircncias de pesquisa numa abordagem histoacuterica e cultural sob a orientaccedilatildeo das

professoras doutoras Socircnia Kramer e Solange Jobim e Souza Foi tambeacutem no interior

desse projeto que minha dissertaccedilatildeo se originou

Ao lado disso fui aprovada em uma seleccedilatildeo para professor substituto no

Departamento de Psicologia da Educaccedilatildeo e Orientaccedilatildeo Educacional da Faculdade de

Educaccedilatildeo da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)

Finalizado o mestrado fui aprovada em um concurso puacuteblico de coordenaccedilatildeo

pedagoacutegica da Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo (SME) do municiacutepio de Juiz de Fora

Na convocaccedilatildeo escolhi trabalhar com a educaccedilatildeo infantil e as quatro primeiras seacuteries do

ensino fundamental Na escola defini junto agrave direccedilatildeo que minha tarefa seria a de

orientaccedilatildeo-formaccedilatildeo pedagoacutegica de professores da educaccedilatildeo infantil e professores

alfabetizadores Nessa coordenaccedilatildeo realizei junto aos outros profissionais da escola

vaacuterios trabalhos de pesquisa-intervenccedilatildeo com as professoras alfabetizadoras Nesse

periacuteodo terminava o curso de letras na UFJF

Trecircs anos depois de estar na coordenaccedilatildeo pedagoacutegica de uma escola puacuteblica

municipal fui aprovada em concurso puacuteblico na UFJF Desde entatildeo participo de dois

grupos de pesquisa Linguagem Interaccedilatildeo e Conhecimento (LIC) e Educaccedilatildeo

Formaccedilatildeo de Professores e Infacircncia (EFoPI) coordenados pelas professoras doutoras

Maria Teresa de Assunccedilatildeo Freitas e Leacutea S P Silva respectivamente No interior dos

grupos de pesquisa interessei-me pela discussatildeo da formaccedilatildeo contiacutenua do professor da

educaccedilatildeo infantil e do ensino fundamental Nesse entremeio fui Coordenadora de

Extensatildeo cargo que me levou a assumir os programas e projetos de extensatildeo da UFJF

COMECcedilANDO O DIAacuteLOGO 21

ILKA SCHAPPER SANTOS

A experiecircncia na proacute-reitoria mostrou-me a relevacircncia da interface do binocircmio

pesquisa-extensatildeo Percebi que muitas aacutereas do conhecimento trabalhavam com esse

binocircmio de forma indissociaacutevel Foi isso que me levou agrave PUC-SP a querer ingressar no

fluxo de uma aacuterea do conhecimento que tivesse essa caracteriacutestica a Linguiacutestica

Aplicada

No ano de 2006 ingressei no Programa de Doutorado em Linguiacutestica Aplicada e

Estudos da Linguagem (LAEL) na PUC-SP sob a orientaccedilatildeo da profa Dra Fernanda

Coelho Liberali Comecei entatildeo a participar do Grupo de Pesquisa Linguagem em

Atividade no Contexto Escolar (LACE) liderado pelas professoras doutoras Fernanda

Coelho Liberali e Maria Ceciacutelia Magalhatildees

A participaccedilatildeo nos trecircs grupos de pesquisa LIC EFoPI e LACE foi

especialmente importante para a minha formaccedilatildeo de professora pesquisadora e para o

levantamento de questotildees que me levaram agrave construccedilatildeo desta tese Os trecircs grupos tecircm

em comum o referencial soacutecio-histoacuterico-cultural e a busca de transformaccedilatildeo da

realidade circunscrita nos espaccedilos acadecircmicos e escolares

Minha busca em compreender criticamente esse processo de transformaccedilatildeo

levou-me a optar por desenvolver minha tese de doutoramento em um programa de

Linguiacutestica Aplicada e Estudos da Linguagem como disse anteriormente

Nesse movimento dois motivos especiacuteficos me impulsionaram a estar em um

doutorado ligado agrave LA O primeiro deles seria uma formulaccedilatildeo mesticcedila e nocircmade

(Moita Lopes 2006) da LA e da minha proacutepria formaccedilatildeo e praacutetica docente jaacute que no

hibridismo da minha formaccedilatildeo inicial em Pedagogia e Letras ndash desdobrados em

Educaccedilatildeo e Linguagem ndash atuo como professora de uma universidade puacuteblica na aacuterea da

Psicologia e Educaccedilatildeo O segundo indissociaacutevel do primeiro estaacute pautado na crenccedila

que tenho na produccedilatildeo do conhecimento sob a eacutegide da pesquisa aplicada na qual a

investigaccedilatildeo eacute fundamentalmente centrada no contexto igualmente aplicado (ibid

p21) Um processo que possibilita transitar entre a praacutetica da reflexatildeo e a reflexatildeo da

praacutetica esboccedilando a procura da pretensa totalidade

A LA se configura como um campo de pesquisa que estuda a linguagem em uso

e como explica Marx (1945-19462002 p 24) ldquoeacute tatildeo velha como a consciecircncia ()

aparece com a necessidade dos intercacircmbios com os outros homensrdquo A linguagem

nesse contexto de investigaccedilatildeo eacute concebida como elemento indispensaacutevel entre o ser

humano e o mundo que o cerca A consciecircncia humana se constitui por meio da

linguagem em um movimento circunscrito agrave realidade material e imaterial Em um

COMECcedilANDO O DIAacuteLOGO 22

ILKA SCHAPPER SANTOS

movimento dialeacutetico os seres humanos satildeo constituiacutedos napela linguagem e tambeacutem a

constitui e por conta disso natildeo podem dela dissociar-se para compreender a realidade

transformado-a e sendo por ela transformado

Nessa perspectiva o estudo da LA amplia seu campo de accedilatildeo e deixa de ser

percebida apenas como aacuterea que permite solucionar os problemas concernentes agrave

linguagem em uso As pesquisas em LA na contemporaneidade procuram investigar

situaccedilotildees concretas de maneira que possam responder agraves demandas sociais do contexto

pesquisado (Moita Lopes 2006 p 20) No movimento de pesquisa esse eacute um ponto

fundamental uma vez que permite um estreitamento com a comunidade investigada

propiciando espaccedilo para a construccedilatildeo-produccedilatildeo do conhecimento responsivo ativo agrave

vida social dos sujeitos envolvidos

Em uma leitura bakhtiniana podemos inferir (o leitor e eu) que a pesquisa

aplicada materializada em praacuteticas de linguagem natildeo permanece silenciada pois como

praacutetica discursiva se faz em uma praacutexis3 dialoacutegica e ideoloacutegica Esse movimento estaacute

fundado na comunicaccedilatildeo verbal posto que um enunciado seja sempre acompanhado de

uma atitude responsiva ativa No dizer de Bakhtin (1997 p 290) toda compreensatildeo eacute

prenha de resposta e de uma forma ou de outra forccedilosamente a produz o ouvinte

torna-se locutor

Foi por meio dos diaacutelogos tecidos no GP LACE no GP EFoPI na participaccedilatildeo

dos seminaacuterios de pesquisa dos seminaacuterios de orientaccedilatildeo e nas discussotildees das

disciplinas4 do doutorado que inicio um novo campo de investigaccedilatildeo compreender o

fluxo do significado sobre o brincar entre pesquisadores e educadores do GP EFoPI no

interior da argumentaccedilatildeo colaborativa Isso foi fomentado principalmente nos debates

tecidos sobre a Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo com a Profa Dra Maria Ceciacutelia

Magalhatildees e na participaccedilatildeo do projeto de produtividade teacutecnica do CNPq sob a

coordenaccedilatildeo da Profa Dra Fernanda Coelho Liberali ldquoArgumentos na Produccedilatildeo

Criativa de Significados em Contextos Escolares de Formaccedilatildeo de Educadoresrdquo em que

esta tese eacute um sub-eixo

3 O conceito de Praacutexis de Karl Marx diz da articulaccedilatildeo entre teoria e praacutetica uma praacutetica desenvolvida

compelaatraveacutes de reflexotildees Uma busca de compreensatildeo ativa no dizer de Bakhtin (1997) da atividade

praacutetica Eacute a atividade praacutetica imbricada de teoria 4 Disciplinas (a) Teorias da Linguagem II teorias e praacuteticas da argumentaccedilatildeo ndash perspectiva enunciativo-

discursivo (b) Argumentaccedilatildeo em Contexto Escolar (c) Linguiacutestica Aplicada II - linguagem e produccedilatildeo

do conhecimento (d) Toacutepicos em Linguiacutestica Aplicada II formaccedilatildeo de professores e reflexatildeo

COMECcedilANDO O DIAacuteLOGO 23

ILKA SCHAPPER SANTOS

No interior do GP LACE e do GP EFoPI vaacuterias pesquisas foram concluiacutedas e

outras estatildeo em desenvolvimento Destacarei aqui aquelas que tecircm relaccedilatildeo com o tema

desta tese ou seja as que discutem a brincadeira na infacircncia de 0 a 6 anos (GP EFoPI) e

as que tratam da argumentaccedilatildeo no interior da formaccedilatildeo de educadores criacuteticos (GP

LACE)

No GP EFoPI temos os trabalhos de bacharelado de Fabrino (2005) cuja

temaacutetica gira em torno das concepccedilotildees de educaccedilatildeo infantil e infacircncia nos projetos

poliacutetico-pedagoacutegicos das creches da AMAC de Salgado (2007) em que a autora

discute a construccedilatildeo da identidade da profissional recreadora de creche de Abreu

(2008) que investiga o brincar de faz de conta e o letramento na educaccedilatildeo infantil

Em niacutevel de mestrado temos as pesquisas de Santos (2005) que investigou o

processo de construccedilatildeo da identidade negra tendo como contexto de anaacutelise a

brincadeira de faz de conta de Ribeiro (2006) cujo tema era compreender a concepccedilatildeo

de educaccedilatildeo infantil presente nas escolas puacuteblicas municipais de Juiz de Fora de Costa

(2007) que procurou analisar a compreensatildeo de educadores de creches acerca do

movimento corporal no desenvolvimento infantil de Arauacutejo (2008) que pesquisou o

lugar do brincar na instituiccedilatildeo de educaccedilatildeo infantil em tempo integral E no doutorado

a pesquisa em andamento de Santos que busca compreender os significados atribuiacutedos

ao choro na creche

No GP LACE destaco as pesquisas de iniciaccedilatildeo cientiacutefica de Silva (2004) e

Olivetti (2004) cujas temaacuteticas estatildeo circunscritas ao campo da argumentaccedilatildeo e

formaccedilatildeo da cidadania Em niacutevel de mestrado temos o trabalho de Aranha (2009) que

procura compreender criticamente o papel da argumentaccedilatildeo na construccedilatildeo de

significados compartilhados por formadores e participantes em contextos de formaccedilatildeo

continuada de Meaney (2009) que investiga a argumentaccedilatildeo na formaccedilatildeo do professor

na escola biliacutengue e de Rodrigues (2010) que analisa o papel da argumentaccedilatildeo na

formaccedilatildeo criacutetica de professores em uma creche

Ainda no campo do mestrado temos pesquisas em andamento de Oliveira que

investiga como a argumentaccedilatildeo e o pensamento criacutetico valorizado em diaacutelogos

organizados em um grupo de teatro de uma escola podem configurar como espaccedilos de

mediaccedilatildeo impliacutecita do aluno e de Santos que investiga a produccedilatildeo criacutetica

argumentativa no espaccedilo da sala de aula

No doutorado outras investigaccedilotildees em curso de Guerra que procura

compreender criticamente como a argumentaccedilatildeo presente nas negociaccedilotildees das

COMECcedilANDO O DIAacuteLOGO 24

ILKA SCHAPPER SANTOS

atividades do Projeto Aprender Brincando possibilita a produccedilatildeo de significados

compartilhados de Vendramini-Zanella que objetiva desenvolver um trabalho de

formaccedilatildeo criacutetica dos alunos de cursos de licenciatura por meio da argumentaccedilatildeo na

atividade de contar histoacuterias para crianccedilas com cacircncer em hospital especializado

Todos os trabalhos aqui destacados tanto do GP EFoPI quanto do GP LACE

satildeo de suma importacircncia pois em cada grupo de pesquisa essas investigaccedilotildees tecem

intersecccedilotildees gerando dados que estabelecem uma rede de diaacutelogos que tornam possiacutevel

sua avaliaccedilatildeo pelos pesquisadores dos grupos e por conseguinte sua reconstruccedilatildeo em

outros contextos de produccedilatildeo Com igual relevacircncia este trabalho de tese aconteceu no

interregno de confluecircncias entre os dois grupos de pesquisa anteriormente citados

Agora narrarei como se processou a construccedilatildeo desta pesquisa no interior do GP

EFoPI Depois de ter demarcado o campo de estudos teoacuterico-metodoloacutegico do trabalho

de tese em diaacutelogos sistematizados com minha orientadora fiz a proposta para a Profa

Dra Leacutea S P Silva coordenadora do GP EFoPI de iniciarmos um trabalho de

investigaccedilatildeo por meio da Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo sob a oacutetica da perspectiva

soacutecio-histoacuterica-cultural Assim do ano de 2006 ateacute agora desenvolvemos duas

pesquisas intituladas ldquoA verticalizaccedilatildeo e a horizontalizaccedilatildeo do espaccedilo da sala de

atividades da educaccedilatildeo infantilrdquo e ldquoEspaccedilo de reflexatildeo criacutetica em contexto de

colaboraccedilatildeo reconstruindo os sentidos e os significados da praacutetica educativa na

crecherdquo no periacuteodo de 2006 ndash 2007 e 2008-2009 respectivamente

Desde entatildeo meu trabalho de campo ficou circunscrito agraves intervenccedilotildees

desenvolvidas nesse periacuteodo e acabou por se configurar em um trabalho longitudinal

Envolvi-me assim ativamente no desenvolvimento de todas as atividades do grupo

desde o planejamento ateacute as intervenccedilotildees no campo no periacuteodo de 2006 a 2009

A princiacutepio desejava investigar o movimento da produccedilatildeo de sentidos-

significados no processo de pesquisa Dito de outro modo procurava compreender a

formaccedilatildeo do professor-pesquisador por meio do dispositivo argumentativo no interior

do processo de pesquisa do GP EFoPI Por conta disso naquele periacuteodo delimitei que

analisaria as transcriccedilotildees das reuniotildees de pesquisa e das intervenccedilotildees nas sessotildees

reflexivas e no curso de extensatildeo com as professoras e coordenadoras das creches as

notas de campo e as atas produzidas pelo grupo Mas parafraseando Drummond no

meio do caminho tinha uma pedra Deparei-me com a inquietaccedilatildeo de que desenvolveria

uma anaacutelise unilateral apenas a perspectiva de um lado da moeda as produccedilotildees-

construccedilotildees do conhecimento das pesquisadoras E o reverso da moeda A interlocuccedilatildeo

COMECcedilANDO O DIAacuteLOGO 25

ILKA SCHAPPER SANTOS

com os participantes da pesquisa Como poderia trabalhar sob a oacutetica da colaboraccedilatildeo se

estava focando de modo dualista apenas a produccedilatildeo das pesquisadoras

Foram esses questionamentos que me fizeram refletir e tomar a decisatildeo de focar

minha ldquolenterdquo no possiacutevel movimento de colaboraccedilatildeo desenvolvida entre as

pesquisadoras e as educadoras participantes do GP EFoPI No entanto como disse jaacute

estava no meio do caminho Deparei-me com um grande volume de material no banco

de dados do grupo de pesquisa pois jaacute haviacuteamos feito sessotildees reflexivas com 4

professoras de uma das creches puacuteblicas municipais de Juiz de Fora e jaacute estaacutevamos

trabalhando com as coordenadoras pedagoacutegicas Depois de uma longa imersatildeo nos

dados ateacute entatildeo gerados-produzidos pude perceber o principal eixo de discussatildeo e a

ldquovocaccedilatildeordquo do GP EFoPI o debate sobre a brincadeira em especial a brincadeira de faz

de conta A partir dessa ldquodescobertardquo resolvi investigar o fluxo do significado sobre o

brincar na cadeia criativa entre pesquisadoras e educadores tendo como eixo a

argumentaccedilatildeo Para tal defini como norte para a investigaccedilatildeo os seguintes

questionamentos

Como o processo da argumentaccedilatildeo desenvolvido entre pesquisadoras e educadoras

permite expor sentidos e significados sobre a brincadeira no movimento da cadeia

Quais argumentos contribuiacuteram para a produccedilatildeo de significado sobre o brincar no

movimento da Cadeia Criativa

Foi influenciada pelas discussotildees de dois campos epistemoloacutegicos ndash a teoria

soacutecio-histoacuterico-cultural e os estudos sobre argumentaccedilatildeo ndash que inicio este trabalho

Assim no primeiro capiacutetulo intitulado No meio do caminho eu tu eles no encontro

dosbdquo noacutes‟ abordo a fundamentaccedilatildeo teoacuterica deste estudo Nele haacute uma macrocategoria

teoacuterica a Cadeia Criativa (doravante CC) No movimento da Cadeia as abordagens

teoacutericas de Bakhtin Vygotsky e Spinoza ganham contornos de uma (inter)confluecircncia

Nesse entremeio a argumentaccedilatildeo atravessa a discussatildeo configurando-se como um

dispositivo inerente ao fluxo da interaccedilatildeo verbal Ainda no campo do debate teoacuterico

tambeacutem sob a oacutetica da teoria soacutecio-histoacuterico-cultural trago no segundo capiacutetulo uma

discussatildeo sobre o brincar intitulado O lugar do Brincar no GP EFoPI Isso porque

nesta investigaccedilatildeo ele eacute o objeto das cenas discursivas analisadas

No terceiro capiacutetulo Movimentos de um percurso caminhos e (des)caminhos

trilhados o leitor perceberaacute como procedi nesta investigaccedilatildeo Abordo em um primeiro

momento as bases teoacutericas da Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo (PCCol) (Magalhatildees

2002 2004 2006 2009) que de igual forma sustenta o GP EFoPI Laacute detalho os

COMECcedilANDO O DIAacuteLOGO 26

ILKA SCHAPPER SANTOS

vaacuterios contextos em que o GP EFoPI se desenvolve as pesquisadoras e as demais

participantes Para discutir os dados enfoco os procedimentos de coleta e produccedilatildeo de

dados as categorias de anaacutelise linguiacutestico-discursivas e de interpretaccedilatildeo Por fim

abordo os aspectos relativos agrave credibilidade da pesquisa

No quarto capiacutetulo Diaacutelogos em construccedilatildeo apresento a discussatildeo e a anaacutelise

dos dados Nesse capiacutetulo mostro as relaccedilotildees entre o movimento da Cadeia Criativa nos

trecircs cronotopos (3 sessotildees reflexivas com 4 professoras de uma das creches do

Municiacutepio de Juiz de Fora e as pesquisadoras do GP EFoPI 2 encontros do curso de

extensatildeo e 1 sessatildeo reflexiva com as 23 coordenadoras das creches) a partir dos

objetivos e questotildees de pesquisa Trilho uma ordem cronoloacutegica tendo em vista o

movimento da Cadeia Criativa Apoacutes discussatildeo e anaacutelise dos dados teccedilo as

consideraccedilotildees parciais no conjunto dos cronotopos Por fim apresento as reflexotildees e

consideraccedilotildees do trabalho como um todo As Referecircncias Bibliograacuteficas utilizadas na

elaboraccedilatildeo deste trabalho e os Anexos compotildeem a uacuteltima parte deste estudo

Para finalizar este capiacutetulo introdutoacuterio gostaria de dizer que este texto eacute

redigido em primeira pessoa do singular porque sou participante ativa do processo de

investigaccedilatildeo no entanto haacute muitos momentos em que uso a primeira pessoa do plural

quando me reporto aos grupos de pesquisa a que pertenccedilo bem como quando partilho

com o leitor ideias e inferecircncias relativas agraves discussotildees teoacuterico-metodoloacutegicas e agrave

anaacutelise e discussatildeo dos dados

ILKA SCHAPPER SANTOS

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO

DOS ldquoNOacuteSrdquo

Mas a essecircncia humana natildeo eacute uma abstraccedilatildeo

inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade eacute

o conjunto das relaccedilotildees sociais

(Karl Marx)

Neste trabalho de tese busco compreender criticamente as formas de

apresentaccedilatildeo questionamento e contraposiccedilatildeo de argumentos que podem oferecer

elementos para a produccedilatildeo do conhecimento na praacutetica de pesquisa do GP EFoPI em

especial as praacuteticas relacionadas agraves brincadeiras na infacircncia de 2 e 3 anos

Para realizar tal empreitada apresento no presente capiacutetulo o aporte teoacuterico em

que esta pesquisa estaacute fundada Como o leitor pode perceber na introduccedilatildeo deste

trabalho a temaacutetica que busco desenvolver estaacute imbricada em um projeto

interinstitucional entre os grupos de pesquisa LACE e EFoPI da PUC-SP e da UFJF

respectivamente Refletindo sobre essa intersecccedilatildeo em que o elemento de ligaccedilatildeo eacute esta

tese refaccedilo os caminhos teoacuterico-metodoloacutegicos que embasam o interregno de

confluecircncias entre os dois grupos de pesquisa fazendo um mergulho maior nas questotildees

que satildeo relevantes a esta investigaccedilatildeo Desse modo procuro nas discussotildees teoacuterico-

praacuteticas um diaacutelogo que teccedila intersecccedilotildees com a teoria soacutecio-histoacuterico-cultural (SHC)

entremeado agrave perspectiva filosoacutefica spinozana com foco na argumentaccedilatildeo

A opccedilatildeo por tais referenciais estaacute pautada na busca de compreender o

movimento dialoacutegico na produccedilatildeo do conhecimento como elemento para uma praacutexis

revolucionaacuteria que possibilita uma autotransformaccedilatildeo do sujeito e uma transformaccedilatildeo

do seu espaccedilo de accedilatildeo nocom o mundo (Marx e Engels apud Labica 19871990 p

30) Assim este trabalho de tese em consonacircncia com o GP LACE e o GP EFoPI

busca no espaccedilo de pesquisa propiciar elementos em que os participantes possam ter

uma compreensatildeo criacutetica de que tanto as circunstacircncias fazem os homens como os

homens fazem as circunstacircncias

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 28

ILKA SCHAPPER SANTOS

A preocupaccedilatildeo eacute entender a atividade de pesquisa e de extensatildeo em um

movimento que possibilita a transformaccedilatildeo da realidade social dos sujeitos envolvidos

nos processos de pesquisa um movimento que procura ldquoa transformaccedilatildeo do estado de

coisas existentes ou a transformaccedilatildeo da totalidade do que haacuterdquo (Newman amp Holzman

19932002 p 25)

Segundo Konder (1988) eacute importante que noacutes indaguemos se estamos de fato

trabalhando com a totalidade correta se a totalizaccedilatildeo eacute adequada agrave situaccedilatildeo em que nos

encontramos O autor explica que

natildeo haacute no plano puramente teoacuterico soluccedilatildeo para o problema A teoria

eacute necessaacuteria e nos ajuda muito mas por si soacute natildeo fornece os criteacuterios

suficientes para noacutes estarmos seguros de agir com acerto Nenhuma

teoria pode ser tatildeo boa a ponto de nos evitar erros A gente depende

em uacuteltima anaacutelise da praacutetica ndash especialmente da praacutetica social ndash para

verificar o maior ou menor acerto do nosso trabalho com os conceitos

(e com as totalizaccedilotildees) (Konder 1988 p 43) (grifos do autor)

Nesse sentido a teoria nos auxilia subsidiando a formulaccedilatildeo de indicadores No

campo da totalidade dialeacutetico-dialoacutegica eacute importante prestar atenccedilatildeo ao ldquorecheiordquo de

cada siacutentese (op cit p 44) presente no singular monadoloacutegico no dizer de Benjamin

(1984) que traz os fragmentos e estilhaccedilos da totalidade Implica refletirmos sobre as

contradiccedilotildees e mediaccedilotildees concretas que a siacutentese encerra Isso se torna possiacutevel por

conta da unidade dialeacutetico-monista posta nas relaccedilotildees entre teoria-praacutetica e pensar-agir

As concepccedilotildees teoacutericas do Ciacuterculo de Bakhtin e de Vygotsky conforme explica

Freitas (1997) tecircm intersecccedilotildees em muitos aspectos Apesar de aquele ter se

preocupado com a construccedilatildeo de uma filosofia histoacuterica e social da linguagem e este ter

desenvolvido uma psicologia historicamente fundamentada os dois pensadores

formularam seus construtos teoacutericos a partir de uma visatildeo totalizante da realidade

fundada em uma compreensatildeo do humano como um conjunto de relaccedilotildees sociais

Segundo a autora os dois teoacutericos russos foram contraacuterios

agraves dicotomias presentes nas concepccedilotildees de linguagem e de psicologia

de seu tempo por oscilarem entre os poacutelos subjetivo e objetivo

arquitetaram suas teorias em um entrelaccedilamento entre sujeito e objeto

propondo uma siacutentese dialeacutetica imersa na cultura e na histoacuteria (Freitas

1997 p 316)

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 29

ILKA SCHAPPER SANTOS

Encontramos no Ciacuterculo Bakhtiniano e em Vygotsky uma concepccedilatildeo de

consciecircncia engendrada pelas relaccedilotildees que os seres humanos estabelecem nocom o

mundo tendo como eixo mediador a linguagem Nas duas perspectivas teoacutericas a

interaccedilatildeo com o outro atravessada pela linguagem tem um papel fundamental Isso

porque ldquosem ele (o outro) o homem natildeo mergulha no mundo siacutegnico natildeo penetra na

corrente da linguagem natildeo se desenvolve natildeo realiza aprendizagens natildeo ascende agraves

funccedilotildees psiacutequicas superiores natildeo forma a consciecircncia enfim natildeo se constitui como

sujeitordquo (ibid p 320)

Rojo (2000 p 2) assim como Freitas explica que a teoria da enunciaccedilatildeo

bakhtiniana funda-se em ldquouma boa elaboraccedilatildeo para as questotildees da linguagem e do

discurso crucialmente envolvidas na aprendizagemrdquo relacionando assim com a visatildeo

vygotskyana de que aquilo que eacute propriamente humano eacute constituiacutedo por meio das

relaccedilotildees interpessoais Dito de outro modo eacute no encontro com o outro nos discursos

alheios que constituiacutemos e internalizamos os nossos proacuteprios discursos

Encontramos tanto em Bakhtin e seu Ciacuterculo quanto em Vygotsky um

constante esforccedilo de compreensatildeo da tensatildeo dialeacutetico-ideoloacutegica que se funda na

relaccedilatildeo entre o eu e o outro por intermeacutedio da linguagem Ambos com diferentes

recortes destacaram o valor da palavra e da interaccedilatildeo com o outro no mundo na

formaccedilatildeo da consciecircncia humana

Tais relaccedilotildees como disse acima satildeo tecidas a partir de uma visatildeo de totalidade

circunscrita em uma realidade histoacuterica Vygotsky (19342004 p 149) ressalta isso

quando diz que a tarefa principal da psicologia dialeacutetica ldquoconsiste precisamente em

descobrir a conexatildeo significativa entre as partes e o todo em saber considerar o

processo psiacutequico em conexatildeo orgacircnica nos limites de um processo mais complexordquo Eacute

na perspectiva da totalidade que fazemos uma aproximaccedilatildeo entre Vygotsky Bakhtin e

tambeacutem Spinoza

As incursotildees teoacutericas de Spinoza nesta investigaccedilatildeo e no GP EFoPI estatildeo

relacionadas aos diaacutelogos tecidos com o GP LACE no interior de um projeto

interinstitucional como disse anteriormente que busca nas construccedilotildees teoacutericas

spinozanas reforccedilar a ideia de um trabalho sob a eacutegide da totalidade A gecircnese dessa

busca no grupo de pesquisa se deu pela reincidecircncia das citaccedilotildees de Spinoza na obra

de Vygotsky em especial a afirmativa no prefaacutecio de seu livro Psicologia da Arte ldquomeu

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 30

ILKA SCHAPPER SANTOS

pensamento constitui-se sob o signo das palavras de Spinozardquo (Vygotsky 19342000)

O vieacutes spinozano amplia o quadro de entendimento na praacutetica de pesquisa da noccedilatildeo de

totalidade a partir de seu tratado sobre a Eacutetica (Spinoza 1677)

Assim este capiacutetulo teoacuterico em siacutentese possibilita nas malhas das discussotildees

elaboradas por Bakhtin Vygotsky e Spinoza a reflexatildeo da totalidade na praacutetica de

pesquisa do GP EFoPI em especial as reflexotildees sobre o brincar nas creches com

crianccedilas de 2 e 3 anos de idade Isso indica que este trabalho trata de forma monista a

relaccedilatildeo entre teoria e praacutetica na busca de uma praacutexis revolucionaacuteria

Na proacutexima seccedilatildeo abordo as categorias teoacutericas a partir do movimento da CC

Isso porque eacute no seu movimento que o leitor poderaacute compreender o princiacutepio norteador

da praacutetica de pesquisa dos GP LACE e GP EFoPI bem como desta investigaccedilatildeo

11 ndash O movimento da Cadeia Criativa linguagem e produccedilatildeo de conhecimento

Esta seccedilatildeo estaacute centrada na compreensatildeo criacutetica da produccedilatildeo e

compartilhamento dos significados dos integrantes do GP EFoPI Para isso

entrecruzarei os conceitos bakhtinianos vygotskyanos e spinozanos para

compreendermos o movimento da Cadeia Criativa (CC) na produccedilatildeo de conhecimentos

dos participantes do grupo de pesquisa

O sintagma Cadeia Criativa (CC) criado por Liberali (2009) diz de um processo

que tem sua gecircnese na indissociabilidade entre teoria e praacutetica com ecircnfase ldquona vida que

se viverdquo (Marx amp Engels 1945-1946) implica ldquoesforccedilos em parceria em uma atividade

produzindo significados que seratildeo posteriormente compartilhados com novos

parceiros atraveacutes dos sentidos (Vygotsky 1934) que aqueles os trazem para uma nova

atividaderdquo (Liberali 2009 p 102) Assim novos significados podem ser criativamente

produzidos carregando alguns aspectos dos sentidos compartilhados na primeira

atividade Da mesma forma alguns dos parceiros da segunda atividade quando

envolvidos em uma terceira vivenciam o mesmo processo formando uma Cadeia

Criativa (ibid)

A expressatildeo ldquocadeiardquo explica Liberali (informaccedilatildeo verbal)5 natildeo deve ser

relacionada a um significado pejorativo mas como um conjunto de fatos ou fenocircmenos

5 Explicaccedilatildeo dada por Liberali em exposiccedilatildeo oral em 2009

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 31

ILKA SCHAPPER SANTOS

linguiacutestico-discursivos que ocorrem sucessivamente no tempo-espaccedilo demarcados

historicamente pelos parceiros em interaccedilatildeo social Dito de outro modo a CC

considera por exemplo que dadas ldquoas atividades (a) (b) e (c) no tempo a atividade

(b) pode criar significados novos para os sentidos levados de volta (no tempo) para a

atividade (a) e para outra atividade da rede (c)rdquo (Fuga 2009 p 47)

A CC estaacute fundada na perspectiva SHC e sob a oacutetica da totalidade constituindo-

se em uma categoria teoacuterico-metodoloacutegica que traz a unidade dialeacutetica dos conceitos

bakhtinianos vygotskyanos e spinozanos O processo da CC possibilita pensar que o ser

humano constitui sua consciecircncia nas relaccedilotildees sociais que se concretizam no

movimento dialeacutetico entre as pessoas do discurso ldquoeurdquo ldquoturdquo ldquonoacutesrdquo Nesse movimento

das ldquopessoas do discursordquo o compartilhamento de sentidos possibilita a produccedilatildeo de

significados temporariamente estaacuteveis para um determinado grupo social isto eacute

possibilita alcanccedilar em um dado momento histoacuterico as ideias adequadas

Vejamos entatildeo como os conceitos de Bakhtin Vygotsky e Spinoza se articulam

no movimento da cadeia criativa

111 ndash A Cadeia Criativa entre o compartilhamento de sentidos e de significados

Ao contraacuterio do que em geral se crecirc sentido e

significado nunca foram a mesma coisa o

significado fica-se logo por aiacute eacute direto literal

expliacutecito fechado em si mesmo uniacutevoco por assim

dizer ao passo que o sentido natildeo eacute capaz de

permanecer quieto fervilha de sentidos segundos

terceiros e quartos de direccedilotildees irradiantes que se

vatildeo dividindo em ramos e ramilhos ateacute se perderem

de vista o sentido de cada palavra parece-se com

uma estrela quando se potildee a projetar mareacutes vivas

pelo espaccedilo fora ventos coacutesmicos perturbaccedilotildees

magneacuteticas afliccedilotildees

(Joseacute Saramago)

- Mamatildee o que significa significar

Joatildeo Pedro (5 anos)

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 32

ILKA SCHAPPER SANTOS

Para Stam (1992) as discussotildees sobre a linguagem se constituem como um

campo importante do pensamento contemporacircneo configurando-se como objeto de

estudo de diferentes pensadores Bakhtin e Vygotsky inserem-se nesse cenaacuterio

contemporacircneo e de maneira distinta mas partindo da mesma raiz teoacuterica elaboram

uma teoria sobre o papel dos signos na constituiccedilatildeo da consciecircncia do sujeito

A questatildeo central da perspectiva soacutecio-histoacuterico-cultural eacute a concepccedilatildeo de

linguagem como uma construccedilatildeo que se processa no campo da intersubjetividade nas

relaccedilotildees ldquointerrdquo sujeitos marcadas pelas contradiccedilotildees sociais e pelos diferentes lugares

que estes ocupam na esfera social

Na epiacutegrafe desta seccedilatildeo aproprio-me da poeacutetica de Saramago do livro intitulado

Todos os Nomes para iniciar a discussatildeo Saramago no texto literaacuterio nos possibilita

pensar sentido e significado de uma maneira similar agrave discussatildeo teoacuterica de Bakhtin e

Vygotsky Para o poeta portuguecircs o significado eacute algo ldquofechado em si mesmo

uniacutevocordquo jaacute o sentido ldquofervilha de sentidos segundos terceiros e quartos de direccedilotildees

irradiantes que se vatildeo dividindo em ramos e ramilhosrdquo Eacute com este fragmento literaacuterio

e com a inquietaccedilatildeo de uma crianccedila de 5 anos (que tambeacutem se faz nossa) que comeccedilarei

a discorrer sobre o binocircmio sentido-significado

- O que significa significar

Para BakhtinVolochinov (1988) o problema da significaccedilatildeo eacute um dos mais

complexos da linguiacutestica Segundo os autores as buscas de resoluccedilatildeo dessa questatildeo tecircm

mostrado o estreito monoacutelogo da ciecircncia linguiacutestica que estaacute alicerccedilada sobre uma

compreensatildeo passiva da significaccedilatildeo

Para auxiliar na soluccedilatildeo desse debate os teoacutericos russos fazem uma distinccedilatildeo

entre significado (significaccedilatildeo) e sentido (tema) Este seria individual e natildeo reiteraacutevel

assim como a proacutepria enunciaccedilatildeo Jaacute aquele estaacute fundado sobre uma convenccedilatildeo

reiteraacutevel e idecircntica natildeo tendo uma existecircncia concreta e independente A significaccedilatildeo eacute

ldquoum estaacutegio inferior da capacidade de significar e o tema um estaacutegio superior da

mesma capacidade A significaccedilatildeo existe como potencial de construir sentido proacutepria

dos signos linguiacutesticos e das formas gramaticais da liacutenguardquo (Cereja 2005 p 202)

Assim natildeo diz nada em si mesma ela eacute apenas uma ldquopotecircnciardquo uma possibilidade

BakhtinVolochinov (1988 p 129) explicam que diferente da significaccedilatildeo o

sentido da enunciaccedilatildeo eacute concreto similar ao instante histoacuterico ao qual pertence posto

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 33

ILKA SCHAPPER SANTOS

que ldquosomente a enunciaccedilatildeo tomada em toda a sua amplitude concreta como fenocircmeno

histoacuterico possui um tema isto eacute o que se entende por tema da enunciaccedilatildeordquo

Assim o sentido eacute determinado natildeo apenas pelas formas linguiacutesticas (as

palavras as formas morfoloacutegicas e sintaacuteticas os sons as entonaccedilotildees) como ocorre na

significaccedilatildeo mas tambeacutem pelos elementos extraverbais da cena discursiva

Eacute no processo da compreensatildeo ativa6 que podemos entender a distinccedilatildeo entre

sentido e significaccedilatildeo jaacute que esta compreensatildeo eacute uma forma de diaacutelogo que possibilita

ao locutor-ouvinte espaccedilos de oposiccedilatildeo na contrapalavra na reacuteplica

Vimos ateacute agora os aspectos que distinguem significaccedilatildeo e sentido mas assim

como Bakhtin fiz isso como recurso didaacutetico do texto para a explanaccedilatildeo Pois em uma

perspectiva monista sentido e significado formam um binocircmio indissociaacutevel Os

sujeitos na interaccedilatildeo trazem as marcas de interaccedilotildees anteriores com diferentes

comunidades semioacuteticas que por sua vez jaacute alteraram os sentidos das palavras que

vinham construindo Essa alteraccedilatildeo pela qual passa a palavra se na comunidade

semioacutetica criar certa estabilidade pode ficar em um espaccedilo inferior da capacidade de

significar e atingir o status de significaccedilatildeo Nesse movimento paradoxalmente a

palavra volta a se desestabilizar agrave medida que entra no fluxo da enunciaccedilatildeo concreta

trazendo as marcas do signo ideoloacutegico e voltando ao status de tema (sentido) da

enunciaccedilatildeo

Eacute no interior da comunidade semioacutetica que o signo linguiacutestico e por

conseguinte a indissociabilidade entre sentido e significado pode ser compreendida

pois o signo reflete e refrata a realidade e muitas outras No lugar onde o signo se

encontra se materializa encontra-se tambeacutem a ideologia pois ldquotudo que eacute ideoloacutegico

possui um valor semioacutetico () cada signo ideoloacutegico eacute natildeo apenas um reflexo uma

sombra da realidade mas tambeacutem um fragmento material dessa realidaderdquo

(BakhtinVolochinov 1988 p 32-33)

6 Segundo BakhtinVolochinov (1988 p 132) ldquoqualquer tipo de compreensatildeo deve ser ativo deve conter

jaacute o germe de uma resposta Soacute a compreensatildeo ativa nos permite apreender o tema pois a evoluccedilatildeo natildeo

pode ser apreendida senatildeo com a ajuda de um outro processo evolutivo Compreender a enunciaccedilatildeo de

outrem significa orientar-se em relaccedilatildeo a ela encontrar o seu lugar adequado no contexto correspondente

A cada palavra da enunciaccedilatildeo que estamos em processo de compreender fazemos corresponder uma seacuterie

de palavras nossas formando uma reacuteplica Quanto mais numerosas e substanciais forem mais profunda e

real eacute a nossa compreensatildeordquo

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 34

ILKA SCHAPPER SANTOS

Para compreendermos melhor essa discussatildeo utilizarei um fragmento de uma das

sessotildees reflexivas realizadas no GP EFoPI com as educadoras das creches

Teresa7 Teve um tempo que a gente ateacute era chamada

crecheira assim quanto tempo jaacute mudou o termo Agora

eacute recreadora educadora e tem pessoas que falam ldquoVocecirc

trabalha laacute Ah Vocecirc eacute crecheira Vocecirc toma conta de

crianccedila o dia inteirordquo A gente sempre escuta isso

(Sessatildeo reflexiva ndeg1 ndash 07082006)

No dicionaacuterio Houaiss o verbete crecheiro (a) eacute relativo a ou o que trabalha em

creche (creche+eiro) O significado dicionarizado da palavra natildeo eacute diferente

aparentemente do sentido da enunciaccedilatildeo que indaga ldquovocecirc trabalha laacute Ah vocecirc eacute

crecheirardquo mas na comunidade semioacutetica dessas educadoras a adjetivaccedilatildeo presente

no sufixo ldquo-eirordquo traz a marca pejorativa para aquele que trabalha na creche Isso

porque no interior dessa enunciaccedilatildeo haacute a desvalorizaccedilatildeo e o natildeo reconhecimento

profissional das educadoras por parte da sociedade uma vez que na instituiccedilatildeo natildeo satildeo

reconhecidas como profissionais que cuidam e educam e sim como crecheiras que

ldquotomam conta de crianccedilardquo Aleacutem disso natildeo haacute poliacuteticas puacuteblicas de valorizaccedilatildeo

profissional em consonacircncia com as necessidades das educadoras das crianccedilas e das

instituiccedilotildees de Educaccedilatildeo Infantil A contrataccedilatildeo dos educadores das creches

investigadas havia sido feita pelo oacutergatildeo de assistecircncia (AMAC)8 atraveacutes de seleccedilatildeo

com exigecircncia de no miacutenimo niacutevel meacutedio de formaccedilatildeo Caso fossem aprovadas as

funcionaacuterias das creches eram contratadas como recreadoras para o berccedilaacuterio e crianccedilas

de ateacute 2 anos Jaacute para crianccedilas de 3 anos a denominaccedilatildeo no contrato eacute de educadora

social havendo uma diferenccedila na remuneraccedilatildeo salarial para uma jornada diaacuteria de 8

horas de trabalho com aproximadamente quinze crianccedilas

Ao contraacuterio do que ocorre com as profissionais das creches as educadoras da

preacute-escola do municiacutepio de Juiz de Fora que trabalham com crianccedilas de 4 e 5 anos

recebem maior salaacuterio uma jornada de trabalho de 15 horas semanais atenccedilatildeo e

respeito uma vez que lhes satildeo atribuiacutedas as tarefas de educar e cuidar Elas satildeo

consideradas professoras recebendo maior reconhecimento por parte da sociedade

7 Os nomes das educadoras satildeo fictiacutecios

8 Atualmente a partir de 2009 estaacute sendo realizada a transiccedilatildeo das creches do oacutergatildeo de assistecircncia para a

Secretaria de Educaccedilatildeo do Municiacutepio de Juiz de Fora

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 35

ILKA SCHAPPER SANTOS

Diante do exposto podemos inferir que o sentido da enunciaccedilatildeo crecheira eacute

determinado pelos elementos extraverbais do instante histoacuterico ao qual pertence Esses

elementos se materializam na luta dos profissionais da creche para emergirem desse

contexto de indefiniccedilotildees no qual se encontram em especial os profissionais que

trabalham com a infacircncia de 0 a 3 anos

Vygotsky tambeacutem se preocupou em resolver o problema da significaccedilatildeo Mas

diferente de Bakhtin que tinha como objeto de anaacutelise a linguagem travando uma luta

teoacuterica com a linguiacutestica de seu tempo Vygotsky tambeacutem numa perspectiva soacutecio-

histoacuterica e cultural buscou formular uma psicologia historicamente fundamentada

tecendo um debate com as teorias psicoloacutegicas de sua eacutepoca Para alcanccedilar seus

objetivos os autores russos buscaram o meacutetodo dialeacutetico pautado nas construccedilotildees

teoacutericas de Karl Marx e Frederic Engels

Apesar da similaridade dos conceitos de sentido e significado nas perspectivas

teoacutericas de Bakhtin e Vygotsky como disse anteriormente este se fundamenta nos

construtos teoacutericos da Psicologia9 para explicar como se processa a relaccedilatildeo do homem

com o mundo em constantes transformaccedilotildees e mudanccedilas

Vygotsky explica que o significado eacute um fenocircmeno da fala e do pensamento Da

fala porque a palavra sem significado eacute meramente um som vazio e do pensamento

porque o significado de cada palavra eacute um conceito uma generalizaccedilatildeo que materializa

os atos do pensamento Desse modo como sintetiza Freitas (1997 p 323) ldquoo

significado da palavra eacute a chave da compreensatildeo dialeacutetica entre pensamento e

linguagemrdquo Nesse sentido a linguagem natildeo eacute apenas uma materializaccedilatildeo do

pensamento pois o ldquopensamento natildeo eacute simplesmente expresso em palavras eacute por meio

delas que ele passa a existirrdquo (Vygotsky 19341993 p 108)

O significado na perspectiva vygotskyana eacute uma generalizaccedilatildeo um conceito que

caracteriza um fenocircmeno do pensamento e ao mesmo tempo um fenocircmeno da fala da

linguagem Tanto a fala interfere no pensamento quanto este na linguagem verbal

A evoluccedilatildeo do significado da palavra possibilita ao sujeito soacutecio-histoacuterico-

cultural o desenvolvimento do conceito entendido como um sistema de generalizaccedilotildees

expresso nas palavras que se modificam ao longo das vivecircncias e experiecircncias do

9 Para sistematizar uma Psicologia Marxista Vygotsky se opocircs agraves principais correntes que dicotomizaram

a relaccedilatildeo entre pensamento e linguagem

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 36

ILKA SCHAPPER SANTOS

sujeito da linguagem Essas transformaccedilotildees e mudanccedilas na vida do homem promovem

as transformaccedilotildees ldquointerrdquo consciecircncias e por conseguinte mudanccedila na capacidade de

significar

O sentido para Vygotsky (19341993 p 125) pode ser assim explicado como

a soma de todos os eventos psicoloacutegicos que a palavra desperta em

nossa consciecircncia Eacute um todo complexo fluido e dinacircmico que tem

vaacuterias zonas de estabilidade desigual O significado eacute apenas uma das

zonas do sentido a mais estaacutevel e precisa Uma palavra adquire o seu

sentido no contexto em que surge em contextos diferentes altera o

sentido O significado permanece estaacutevel ao longo de todas as

alteraccedilotildees do sentido O significado dicionarizado de uma palavra

nada mais eacute do que uma pedra no edifiacutecio do sentido natildeo passa de

uma potencialidade que se realiza de formas diversas na fala

Eacute interessante refletir como o sentido permite vislumbrar a dinamicidade o

movimento da linguagem pois possibilita que vejamos o reverso da significaccedilatildeo ou

seja seu caraacuteter dinacircmico complexo e instaacutevel Eacute sob a eacutegide dos sentidos que os

significados deixam de ser tatildeo-somente zonas estaacuteveis jaacute que os sentidos datildeo

dinamicidade ao significado das palavras

Na perspectiva vygotskyana o significado foi demarcado como sendo o proacuteprio

signo e o sentido eacute mais amplo Aquele eacute convencional e dicionarizado portanto mais

preciso e estaacutevel Este ldquoeacute um fenocircmeno complexo moacutevel que muda constantemente ateacute

certo ponto em conformidade com as consciecircncias isoladas para uma mesma

consciecircnciardquo (Vygotsky 19342001 p 466)

Como disse no iniacutecio desta seccedilatildeo sentido e significado satildeo dois movimentos

indissociaacuteveis pois

os significados satildeo produccedilotildees histoacutericas e sociais Satildeo eles que

permitem a comunicaccedilatildeo a socializaccedilatildeo de nossas experiecircncias

Muito embora sejam estaacuteveis ldquodicionarizadosrdquo eles tambeacutem se

transformam no movimento histoacuterico momento em que sua natureza

interior se modifica alterando em consequecircncia a relaccedilatildeo que

mantecircm com o pensamento entendido como processo Os significados

referem-se assim aos conteuacutedos instituiacutedos mais fixos

compartilhados que satildeo apropriados pelos sujeitos a partir de suas

proacuteprias subjetividades (Aguiar amp Ozella 2006 p 226)

Em siacutentese eacute no interior desse movimento da significaccedilatildeo que dialeticamente

os sentidos vatildeo se constituindo pois se aproximam mais da subjetividade do sujeito

criando zonas de sentido que desestabilizam a significaccedilatildeo Essa desestabilizaccedilatildeo posta

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 37

ILKA SCHAPPER SANTOS

nos muacuteltiplos movimentos do significado que constituem os diversos sentidos

possibilita a uma determinada comunidade semioacutetica alcanccedilar novamente um

significado mais ou menos estaacutevel Isso porque segundo Vygotsky (19342001 p 465-

466)

esse enriquecimento das palavras que o sentido lhes confere a partir

do contexto eacute a lei fundamental da dinacircmica do significado das

palavras A palavra incorpora absorve de todo o contexto com que

estaacute entrelaccedilada os conteuacutedos intelectuais e afetivos e comeccedila a

significar mais e menos do que conteacutem o seu significado quando a

tomamos isoladamente e fora do contexto mais porque o ciacuterculo dos

seus significados se amplia adquirindo adicionalmente toda uma

variedade de zonas preenchidas por um novo conteuacutedo menos porque

o significado abstrato da palavra se limita e se restringe agravequilo que ela

significa apenas em um determinado contexto

Feitas as discussotildees teoacutericas do binocircmio sentido-significado para Vygotsky e

tema-significaccedilatildeo para Bakhtin passemos agora para a discussatildeo dessas categorias

teoacutericas no movimento da CC

Liberali (2009) para explicar o compartilhamento de sentidos e significados na

produccedilatildeo de significados na CC tece uma aproximaccedilatildeo entre tema e significaccedilatildeo para

Bakhtin e sentido e significado para Vygotsky assim como busquei fazer na discussatildeo

acima A autora explica que em russo as palavras ldquosmyslrdquo e ldquoznachnierdquo satildeo usadas por

ambos os autores O verbete russo ldquoznachnierdquo traduzido para o inglecircs como ldquomeaningrdquo

eacute usado nas elaboraccedilotildees teoacutericas de Bakhtin e Vygotsky para discorrerem sobre os

elementos de generalizaccedilatildeo de uma palavra A distinccedilatildeo soacute existe no portuguecircs em que

ldquoznachnierdquo eacute entendido como ldquosignificadordquo e ldquosignificaccedilatildeordquo para Vygotsky e

BakhtinVolochinov respectivamente Jaacute ldquosmyslrdquo que foi traduzida para o inglecircs como

ldquosenserdquo nos escritos de Vygotsky em portuguecircs foi entendida como ldquosentidordquo a

traduccedilatildeo do termo ldquosmyslrdquo para Bakhtin ficou como ldquothemerdquo em inglecircs e no portuguecircs

ldquotemardquo

Eacute interessante notar que ldquoznachnierdquo e ldquosmyslrdquo satildeo verbetes utilizados pelos dois

teoacutericos russos Aquele eacute usado tanto por Bakhtin como por Vygotsky para discutir os

elementos de generalizaccedilatildeo historicamente estabelecidos por uma palavra e este

expressa a subjetividade do indiviacuteduo

Na realidade histoacuterica ldquosmyslrdquo eacute ldquopotencialmente infinito e soacute se atualiza no

contato com outro sentidordquo (Bakhtin 1997 p 386) posto de outro modo o sentido natildeo

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 38

ILKA SCHAPPER SANTOS

existe nem se ressignifica de forma isolada sua potencialidade infinita adveacutem do

encontro entre sentidos que formam elos na cadeia Esses elos se renovam

dialogicamente por meio da interaccedilatildeo verbal e tornam a cadeia tambeacutem potencialmente

infinita

A discussatildeo dos conceitos ldquosmyslrdquo e ldquoznachnierdquo auxilia a pensar a questatildeo das

relaccedilotildees dialoacutegicas entre os sujeitos gerando algo mais estaacutevel que os aproxima

ldquoZnachnierdquo pode natildeo ser ldquopotencialmente infinitardquo nem abrigar a amplitude de ldquosmyslrdquo

entretanto para encontrar os pontos em comum que tornam o significado partilhaacutevel na

interaccedilatildeo verbal o ser humano precisa assumir alguns pontos dos sentidos e excluir

outros para em um movimento dialeacutetico-dialoacutegico realizar algo em comum (Liberali e

Fuga 2007)

Liberali em seu texto intitulado ldquoCreative Chain in the Process of Becoming a

Totalityrdquo10

afirma que na CC o ser humano criativo atraveacutes de seu trabalho e

experiecircncia subjetiva amplia os sentidos de um objeto palavra ou siacutembolo trazendo

um novo sentido para o significado social do fenocircmeno Posto de outro modo o sujeito

cria novas relaccedilotildees entre o significado e o sentido do fenocircmeno Na gecircnese desse

movimento estaacute a possibilidade de transformaccedilatildeo no interior da vida social

No entanto a instauraccedilatildeo do novo sentido soacute eacute possiacutevel quando existe o

compartilhamento de ldquosmyslrdquo o que possibilita a evoluccedilatildeo de significados em uma dada

comunidade semioacutetica Esse movimento promove a transformaccedilatildeo do sujeito do outro

do contexto social imediato e do conhecimento Sob essa oacutetica de transformaccedilatildeo das

relaccedilotildees (inter)sujeitos podemos pensar a produccedilatildeo do conhecimento humano a partir da

luta discursivo-ideoloacutegica entre significados cristalizados e sentidos subjetivos

Essa discussatildeo dos conceitos de sentido e significado numa perspectiva soacutecio-

histoacuterico-cultural vai ao encontro de uma modalidade de pesquisa criacutetico-colaborativa

pois possibilita compreender como se processa o compartilhamento de sentidos na

formulaccedilatildeo de novos significados mais ou menos estaacuteveis para a comunidade semioacutetica

(no nosso caso o grupo de pesquisa EFoPI) em que as intervenccedilotildees do grupo de

pesquisa se materializam em atividades historicamente concretas na esfera da educaccedilatildeo

infantil em especial na crianccedila de 2 e 3 anos de idade Por conta disso o planejamento

da pesquisa colaborativa eacute sistematizado a partir do diaacutelogo com os participantes da

10 Traduccedilatildeo A Cadeia Criativa no Processo de Tornar-se Totalidade

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 39

ILKA SCHAPPER SANTOS

investigaccedilatildeo Nessa perspectiva os participantes ao desvelarem e compartilharem seus

sentidos auxiliam na construccedilatildeo e ampliaccedilatildeo de significados que se tornam mais ou

menos estaacuteveis para o grupo e paradoxalmente ao serem novamente partilhados criam

outros sentidos singulares para cada membro que vivencia a intervenccedilatildeo escapando aos

tradicionalmente determinados

O desafio desta tese eacute buscar apreender os sentidos e compreender criticamente

como os significados foram se estabilizando nos espaccedilos discursivos travados entre os

professores pesquisadores e seus interlocutores na praacutetica de pesquisa para entender

como ocorre a produccedilatildeo de conhecimento sobre o brincar no processo de investigaccedilatildeo

No Ciacuterculo de Bakhtin ldquosmyslrdquo pode ser compreendido tambeacutem como ldquouma

reaccedilatildeo da consciecircncia em devir ao ser em devirrdquo (BakhtinVolochinov 1988 p 129)

Isso vai ao encontro de uma citaccedilatildeo de Vygotsky para quem a ldquocooperaccedilatildeo entre

consciecircnciasrdquo eacute uma instacircncia que possibilita a transformaccedilatildeo de ldquoznachnierdquo (Vygotsky

2004 p 187)

Essa instacircncia da ldquoconsciecircncia em devir ao ser em devirrdquo e o espaccedilo de

ldquocooperaccedilatildeo entre consciecircnciasrdquo eacute um movimento dialoacutegico-dialeacutetico que nos remete

neste trabalho ao conceito vygotskyano de Zona Proximal de Desenvolvimento a ZPD

instacircncia instauradora da produccedilatildeo do conhecimento

Passemos entatildeo no proacuteximo toacutepico deste capiacutetulo para a discussatildeo de ZPD no

movimento da CC

112 ndash A Cadeia Criativa e a ZPD interregno de conflitos tensotildees e possibilidades

na produccedilatildeo de conhecimento

Dois meninos de dois anos brincavam no paacutetio da

creche em um brinquedo grande de plaacutestico em

forma de castelo No brinquedo havia uma escada

que dava acesso a um platocirc onde havia um

escorregador Um dos meninos que estava no alto

chamou - ldquoVem soberdquo Ao que outro respondeu

ldquoEu natildeo seirdquo O menino insistiu -ldquosoberdquo O menino

que estava embaixo pediu ajuda para a professora

ela se aproximou e estimulou a crianccedila atraveacutes da

fala a superar o obstaacuteculo da subida Apoacutes o

encontro dentro do castelo escorregaram e voltaram

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 40

ILKA SCHAPPER SANTOS

imediatamente para a escada para subir novamente

A cena se repete -ldquoVem soberdquo - ldquoEu natildeo seirdquo -

ldquoMas vocecirc jaacute subiu Vocecirc sabe simrdquo O menino vai

entatildeo refazendo o caminho anterior pondo a matildeo

equilibrando o corpo ateacute chegar ao ponto onde

alcanccedila a outra crianccedila que lhe estende a matildeo e o

ajuda (narrativa de um dos participantes da

pesquisa do GP EFoPI no encontro com as

coordenadoras das 23 creches ndash 03 de junho de

2009)

Em seu texto inaugural ldquoInteraccedilatildeo entre aprendizado e desenvolvimentordquo

publicado no livro A Formaccedilatildeo Social da Mente Vygotsky tece criacuteticas significativas agrave

Psicologia do seu tempo em especial no que concerne agrave diacuteade

desenvolvimentoaprendizado Ao lado disso propotildee uma nova categoria teoacutericopraacutetica

para estudar esse binocircmio a Zona Proximal de Desenvolvimento (ZPD) O autor

explica nesse trabalho que a zona de desenvolvimento proximal eacute a distacircncia entre o

niacutevel de desenvolvimento real que seria determinado pela soluccedilatildeo independente de

problemas e o niacutevel de desenvolvimento potencial determinado pela capacidade do

sujeito em resolver problemas com o auxiacutelio do outro (Vygotsky 19301991 p 91)

O autor expotildee que a ZPD eacute um instrumento atraveacutes do qual psicoacutelogos e

educadores podem compreender o curso interno do desenvolvimento humano Diz

ainda que esse meacutetodo possibilita natildeo soacute entender os ciclos e processos de maturaccedilatildeo jaacute

completados como tambeacutem os processos que estatildeo em estado de formaccedilatildeo que estatildeo

comeccedilando a amadurecer e a se desenvolver (ibid p 97-98) Essa abertura em

considerar natildeo soacute os processos de maturaccedilatildeo jaacute completados mas tambeacutem os processos

que estatildeo em formaccedilatildeo em devir mediante a interaccedilatildeo com o outro funda a categoria

ZPD como um instrumento de intervenccedilatildeo revolucionaacuterio

No campo acadecircmico e no processo educativo essa discussatildeo sobre ZPD e sua

relaccedilatildeo com o aprendizado teve por parte de muitos pesquisadores e educadores uma

apropriaccedilatildeo dualista Tal apropriaccedilatildeo (mais literal) manteve a ecircnfase ldquona diferenccedila entre

o que se pode fazer bdquocom outros‟ e o que se pode fazer bdquosozinho‟ ndash como instrumento

para a compreensatildeo de processos mentais individuaisrdquo (Magalhatildees 2009 p 57) e na

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 41

ILKA SCHAPPER SANTOS

internalizaccedilatildeo11

do conhecimento com a colaboraccedilatildeo do outro mais experiente

Magalhatildees afirma que essa compreensatildeo como discutem Holzman (1997 2002) John-

Steiner Weber e Minis (1998) e Jantzen (2005) vai ao encontro de toda discussatildeo do

meacutetodo dialeacutetico vygotskyano que ldquoeacute ao mesmo tempo preacute-requisito e produto o

instrumento e o resultado do estudordquo (Vygotsky 19301991 p 74)

Como dito acima a apropriaccedilatildeo do conceito de ZPD no contexto de pesquisa e

no contexto escolar foi feita de forma dualista O foco estava em identificar espaccedilos de

interaccedilatildeo em que as crianccedilas pudessem aprender mediante a ajuda com a colaboraccedilatildeo

de algueacutem mais experiente Essa dicotomia fez com que muitos profissionais da

educaccedilatildeo ficassem preocupados em promover espaccedilos de aprendizagens em que aqueles

mais capazes auxiliassem os julgados menos capazes A ecircnfase continuava no

indiviacuteduo O outro par mais experiente criaria ZPDs para que os menos experientes

pudessem atingir uma reflexatildeo mais elevada sobre a natureza mais abstrata das coisas

(Bruner 1986)

Eacute esse ponto que nos interessa analisar

O excerto que utilizei como epiacutegrafe para iniciar esta seccedilatildeo seraacute nosso

companheiro de viagem nas palavras de Sartre para ilustrar a maneira como dialogarei

com o leitor sobre o conceito de ZPD no movimento da CC bem como suas

implicaccedilotildees na praacutetica de pesquisa

Na cena narrada as falas ldquo-Vem soberdquo -ldquoEu natildeo seirdquo - ldquoMas vocecirc jaacute subiu

Vocecirc sabe simrdquo ilustram como o auxiacutelio do outro em uma relaccedilatildeo colaborativa

possibilita a realizaccedilatildeo da atividade O problema eacute que tradicionalmente o foco se

manteve na busca de superaccedilatildeo das dificuldades do sujeito considerado menos capaz O

presumido eacute que o companheiro mais experiente influencia com seu ponto vista o

menos experiente levando-o agrave internalizaccedilatildeo de conhecimentos de que antes natildeo

dispunha

Chamo atenccedilatildeo para a dicotomizaccedilatildeo no interior da discussatildeo de ZPD

relacionada agrave aprendizagem escolar O que nos instiga pensar eacute o reverso da moeda se

estamos tratando de aprendizagem colaborativa se consideramos que as accedilotildees dos

11 Vygotsky (19301991 p 63) nomeia de internalizaccedilatildeo a reconstruccedilatildeo interna de uma operaccedilatildeo externa

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 42

ILKA SCHAPPER SANTOS

indiviacuteduos satildeo instigadas pelas accedilotildees do outro e produzidas socialmente por que aquele

que eacute dito como mais capaz e mais experiente fica agrave margem do processo

Esse dualismo em considerar que no processo de colaboraccedilatildeo o par mais

experiente seraacute o mediador entre a passagem do niacutevel de desenvolvimento potencial

para o desenvolvimento real simplifica sobremaneira a relaccedilatildeo aprendizado-

desenvolvimento o que natildeo faz jus agrave proposta de Vygotsky Pois ao discutir a

internalizaccedilatildeo das funccedilotildees psicoloacutegicas superiores o autor russo explica que ldquoo

desenvolvimento se daacute natildeo em ciacuterculo mas em espiral passando por um mesmo ponto

a cada nova resoluccedilatildeo enquanto avanccedila para um niacutevel superiorrdquo (Vygotsky

19301991 p 62) Com essa explanaccedilatildeo ele nos possibilita pensar a existecircncia de

conflitos tensotildees na ZPD Assim a demarcaccedilatildeo de que o par mais experiente ldquopuxardquo o

aprendizado do outro eacute unilateral natildeo trazendo o movimento de transformaccedilotildees e

mudanccedilas ocorridas no companheiro tido como mais capaz O desenvolvimento em

espiral em que o sujeito passa por um mesmo ponto a cada nova resoluccedilatildeo eacute um

movimento dialeacutetico Assim em cada espaccedilo de interaccedilatildeo vivenciamos transformaccedilotildees

e mudanccedilas independentemente de na cena enunciativa sermos considerados mais ou

menos experientes

No GP LACE e GP EFoPI trabalhamos com a concepccedilatildeo de que a ZPD eacute uma

zona de conflito de tensatildeo um espaccedilo de produccedilatildeo de conhecimento A interlocuccedilatildeo

com os educadores sociais e as coordenadoras das creches no caso do GP EFoPI e deste

trabalho de tese transita na unidade dialeacutetica teoria-praacutetica buscando superar o fosso

entre saber-pensar e fazer-agir materializado entre o dito e o feito O desenvolvimento e

aprendizado dos participantes se concretizam em ZPDs em que o status de mais

experiente natildeo estaacute fixado em um participante mas no processo coletivo de produccedilatildeo do

conhecimento mediado pela linguagem

No interior do processo de pesquisa os participantes criam espaccedilos de

aprendizagem e reflexatildeo sobrena accedilatildeo significativa A preocupaccedilatildeo dos pesquisadores

do EFoPI natildeo eacute em atuar no intervalo entre aquilo que os professores educadores e

pesquisadores externos eram e aquilo que eles se tornaram (ou tornaratildeo) mediante a

colaboraccedilatildeo do grupo de pesquisa com as questotildees levantadas no processo criacutetico

reflexivo Os investigadores buscam criar espaccedilos discursivos em que a linguagem eacute

entendida como um produto da atividade humana coletiva constituindo-se portanto

ldquolugar de interaccedilatildeo mateacuteria e instrumento do trabalho em que sujeitos e linguagem se

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 43

ILKA SCHAPPER SANTOS

constituem produzindo sentidos que se inscrevem no processo discursivo de cada

formaccedilatildeo histoacuterico-socialrdquo (Barreto 2002 p 18) Nesse sentido o elemento mediador

natildeo se fixa nos sujeitos que podem propiciar aprendizados mas na mediaccedilatildeo constituiacuteda

por praacuteticas de linguagem discursivo-simboacutelicas nas relaccedilotildees entre todos os sujeitos

Nesse movimento as tensotildees conflitos confrontos e possibilidades entre os

saberes escolares e os saberes do grupo de pesquisa satildeo elementos de transformaccedilotildees e

mudanccedilas tanto para os professores que participaram da pesquisa quanto para os

pesquisadores Assim a ZPD se constitui um espaccedilo de compartilhamento de sentidos

na produccedilatildeo de novos significados transformando-se em ldquopalco para batalhas

ideoloacutegicasrdquo (Bernstein 19931998 p 14)

A ZPD no movimento da CC se institui como instacircncia de possibilidades de

uma aprendizagem conduzindo o desenvolvimento (Newman e Holzman 19932002)

Essa instacircncia na siacutentese do vir-a-ser eacute palco de produccedilatildeo e transformaccedilatildeo do

conhecimento do ser humano no interior da coletividade porque em um contexto

colaborativo a ZPD inaugura um espaccedilo em que os participantes tecircm a possibilidade de

tornar seus processos mentais mais claros podendo demonstrar e explicar esses

processos no fluxo da interaccedilatildeo verbal Isso cria para os outros participantes

possibilidades de questionar expandir argumentar e recolocar o que foi posto em

negociaccedilatildeo (Magalhatildees 2004)

113 ndash Cronotopia e exotopia uma diacuteade no movimento da Cadeia Criativa

Dois conceitos bakhtinianos que tratam da relaccedilatildeo tempo-espaccedilo podem ser

resgatados para pensarmos a cadeia criativa a partir do movimento que imprime

dinacircmica ao compartilhamento-produccedilatildeo de sentidos e de significados exotopia e

cronotopia O primeiro tem sua gecircnese no acircmbito do texto literaacuterio o segundo sintetiza

a atividade criadora em geral Neste trabalho a interseccedilatildeo entre esses dois conceitos

possibilita pensar os encadeamentos da CC a partir dos diferentes pontos espaccedilo-

temporais em que se situam as praacuteticas de linguagem dos participantes em elos que vatildeo

compondo e recompondo o movimento discursivo Eacute nesse espaccedilo-tempo constituiacutedo

como uma zona de tensatildeo conflitos e possibilidades que a produccedilatildeo do conhecimento

se institui

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 44

ILKA SCHAPPER SANTOS

A discussatildeo que envolve a categoria exotopia na obra bakhtiniana estaacute presente

no texto O Autor e o Heroacutei Vale lembrar que esta categoria natildeo pode ser dissociada de

outras do Ciacuterculo de Bakhtin em especial o plurilinguismo social (as outras vozes

sociais que se presentificam na formaccedilatildeo e constituiccedilatildeo do sujeito) o presumido

(extraverbal) e a natureza dialoacutegica da linguagem

Etimologicamente a palavra exotopia eacute formada pelo prefixo ex que significa

fora e topos que significa lugar Assim exotopia simboliza um lugar afastado mas

natildeo distante da situaccedilatildeo Designa o ldquoexcedente de visatildeordquo a ldquoextraposiccedilatildeordquo ldquoo estar de

forardquo uma posiccedilatildeo a partir da qual o sujeito vecirc o mundo com certo distanciamento de

sua proacutepria condiccedilatildeo nele o que lhe permite perceber elementos que a proximidade natildeo

lhe permitiria Conforme Bakhtin (1987 p 43) ldquoquando contemplo um homem situado

fora de mim e agrave minha frente nossos horizontes concretos tais como satildeo efetivamente

vividos por noacutes dois natildeo coincidemrdquo No movimento do seu ldquoexcedente de visatildeordquo o

sujeito percebe no outro elementos que soacute ele pode perceber pelo lugar que eacute o uacutenico

a ocupar (e pelos sentidos e significados que foi construindo a partir desse lugar que

ocupa) O autor reforccedila ainda que o ldquoexcedente de minha visatildeordquo com relaccedilatildeo ao outro

instaura uma esfera particular da minha atividade isto eacute um conjunto de atos internos

ou externos que soacute posso preacute-formar a respeito desse outro e que o completam

justamente onde ele natildeo pode se completar (ibid p 44)

Neste processo dialoacutegico podemos perceber a efetivaccedilatildeo da empatia ldquover o

mundo atraveacutes dos valores do outrordquo notando coisas que soacute estatildeo no campo de visatildeo de

um dos interlocutores para depois retornar (atraveacutes da contemplaccedilatildeo) agrave posiccedilatildeo inicial

que permite elaborar o acabamento proacuteprio e o do outro pois de acordo com Bakhtin

ldquoo heroacutei natildeo faz seu acabamento proacutepriordquo (ibid p 202)

A posiccedilatildeo exotoacutepica do autor se define como aquela que lhe permite criar a obra

sendo firmada por seu distanciamento dela o que lhe permite ter uma visatildeo global do

enunciado da enunciaccedilatildeo O autor situa-se assim numa fronteira entre o mundo

concreto e o discurso que cria Nas palavras de Bakhtin (1987 p 43)

Por mais perto de mim que possa estar esse outro sempre verei e

saberei algo que ele proacuteprio na posiccedilatildeo que ocupa e que o situa fora

de mim e agrave minha frente natildeo pode ver () toda uma seacuterie de objetos

e de relaccedilotildees que em funccedilatildeo da respectiva relaccedilatildeo em que podemos

situar-nos satildeo acessiacuteveis a mim e inacessiacuteveis a ele

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 45

ILKA SCHAPPER SANTOS

Amorim (2004 p 96) corrobora com este entendimento quando explicita que

somente aquele que estaacute de fora pode dar uma imagem acabada de mim pois ldquonatildeo

posso me ver como totalidade natildeo posso ter uma visatildeo completa de mim mesmo e

somente um outro pode construir o todo que me definerdquo Nesse sentido eacute importante

esclarecer que a ideia de acabamento natildeo estaacute associada agrave perspectiva de

aprisionamento mas assume uma leitura de ato generoso posiccedilatildeo que permite ver e

compreender a partir de uma dimensatildeo ativo-responsiva Assim para a autora a

categoria teoacuterico-metodoloacutegica exotopia tece uma relaccedilatildeo de tensatildeo entre pelo menos

dois lugares o sujeito que na vida que se vive (no dizer de Karl Marx) olha de onde

vive ldquoe daquele que estando de fora da experiecircncia do primeiro tenta mostrar o que

vecirc do olhar do outrordquo (ibid 101)

Pensemos agora na categoria cronotopia A palavra cronotopia em sua

etimologia sintetiza as dimensotildees indissociaacuteveis do tempo e do espaccedilo Neste trabalho

essas dimensotildees tomam o sentido dado por Bakhtin (1987) de um lado para expressar a

grande temporalidade demarcada em um tempo histoacuterico estendido pois mostra a

instacircncia do movimento no campo das transformaccedilotildees e dos acontecimentos De outro

o espaccedilo que possibilita escreverinscrever as marcas dessa grande temporalidade O

conceito de cronotopo designa portanto uma produccedilatildeo da histoacuteria diz de um loacutecus

coletivo ldquoespeacutecie de matriz espaccedilo-temporal de onde as vaacuterias histoacuterias se contam e se

escrevemrdquo (Amorim 2004 p105) Ou seja

No cronotopo artiacutestico-literaacuterio ocorre a fusatildeo dos indiacutecios espaciais e

temporais num todo compreensivo e concreto Aqui o tempo

condensa-se comprime-se torna-se artisticamente visiacutevel o proacuteprio

espaccedilo intensifica-se penetra no movimento do tempo do enredo e da

histoacuteria Os iacutendices do tempo transparecem no espaccedilo e o espaccedilo

reveste-se de sentido e eacute medido com o tempo (Bakhtin 1983 p 211)

Mas de que maneira os conceitos de exotopia e cronotopia auxiliam na

compreensatildeo do movimento da Cadeia Criativa Revisitando a definiccedilatildeo dada por

Liberali (2009) encontro importantes interseccedilotildees entre a ideia de produccedilatildeo

compartilhada de conhecimento e a de construccedilatildeo de significados que possibilitam

novos sentidos atribuiacutedos em outras atividades pelos participantes da CC Em siacutentese

cria-se uma loacutegica que traduz um fluxo dialoacutegico entre as atividades que se instituem

em diferentes tempos e espaccedilos Haacute um duplo movimento no intervalo das atividades

pesquisadores e participantes da pesquisa em posiccedilatildeo extraposta podem enxergar

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 46

ILKA SCHAPPER SANTOS

elementos que ateacute entatildeo sua implicaccedilatildeo direta na atividade natildeo lhes permitia perceber

ao passo que quando retornam em uma nova atividade por terem se distanciado da

situaccedilatildeo anterior podem usufruir da reflexatildeo feita a partir da posiccedilatildeo exotoacutepica

No GP EFoPI esse processo exotoacutepico ocorreu entre os pesquisadores e entre os

educadores sociais e coordenadores das creches A crenccedila na perspectiva exotoacutepica fez

com que os pesquisadores e participantes tomassem um distanciamento de seu trabalho

rotinizado e pudessem refletir sobre o cotidiano das creches em especial sobre os

momentos destinados agrave brincadeira O olhar exotoacutepico dos pesquisadores e participantes

da pesquisa (educadores sociais e coordenadores) lhes possibilitou dialogar com o outro

no campo argumentativo circunscrito agraves atividades propostas expressando a diferenccedila e

a tensatildeo existente entre dois (ou mais) olhares entre dois (ou mais) pontos de vista

Uma atitude dialoacutegica nas sessotildees reflexivas e no curso de extensatildeo auxiliou na

compreensatildeo dos enunciados tecidos no interior dos diferentes discursos No caso da

pesquisa em questatildeo houve uma tentativa de captar o olhar do outro de buscar uma

compreensatildeo ativa do modo como veem para que as intervenccedilotildees e modos de

aproximaccedilatildeo e diaacutelogo com o grupo permitissem aos participantes da pesquisa (e aos

proacuteprios pesquisadores) um movimento de compartilhamento de sentidos e de

significados

Nesse lugar coletivo os cronotopos constituem-se como elos da cadeia criativa

materializando-se nas atividades que se configuram como instacircncias discursivas em que

o tempoespaccedilo eacute demarcado historicamente pelos sujeitos participantes da interaccedilatildeo

verbal Isso significa dizer que cada atividade neste trabalho de tese eacute percebida a

partir de um determinado tempo entre atividades da Cadeia Criativa (cada atividade um

cronotopo) espaccedilo que se inscreve na temporalidade do movimento de transformaccedilatildeo

dos sentidos e dos sujeitos

114 ndash A Cadeia Criativa sob a eacutegide da totalidade spinozana

A filosofia de Baruch de Spinoza tem tido vaacuterias interpretaccedilotildees No campo da

academia haacute controveacutersias e convergecircncias quando agraves suas formulaccedilotildees teoacutericas Muitos

o classificam como filoacutesofo racionalista por conta da sua tese de que ldquoa verdadeira

sabedoria soacute pode ser alcanccedilada com uma criacutetica racional das noccedilotildees que se

apresentam como evidentes ou reveladasrdquo (Marccedilon 2009 p 25) outros o consideraram

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 47

ILKA SCHAPPER SANTOS

como um materialista ortodoxo Mas concordo com Pierre Macherey (1979) quando

aponta que os construtos teoacutericos de Spinoza possibilitam eles proacuteprios uma filosofia

da imanecircncia Para aleacutem da imanecircncia uma filosofia da totalidade

Considero que a obra spinozana atravessa a grande temporalidade histoacuterico-

cultural que pode ser observada nas batalhas (ideo)loacutegicas do livro sobre Eacutetica a partir

das (re)construccedilotildees teoacutericas em torno da metafiacutesica medieval no confronto agrave

perspectiva dualista e linear cartesiana das relaccedilotildees entre corpomente na filosofia da

totalidade na concepccedilatildeo de imaginaccedilatildeo como regime de signos que expressam as

paixotildees coletivas na tentativa de mostrar quais satildeo nossos afetos como afetamos e

somos afetados na defesa da liberdade de pensamento O autor holandecircs traz na sua

obra provocaccedilotildees instigantes para pensar os valores e crenccedilas da sociedade circunscrita

na sua eacutepoca e tambeacutem por conta de um confronto transtemporal na sociedade

contemporacircnea

Para Spinoza (na primeira parte do tratado sobre Eacutetica) os seres humanos

constituem parte dos modos12

da substacircncia O que significa para o humano constituir-

se parte da substacircncia O autor explica que substacircncia eacute aquilo que existe em si mesmo

e por si mesmo eacute concebido dito de outro modo aquilo cuja conceituaccedilatildeo natildeo exige a

conceituaccedilatildeo de outra coisa do qual deva ser formado (Spinoza 16772005 I III p

62) A substacircncia possui assim autossuficiecircncia loacutegico-conceitual mas haacute no interior

dela uma derivaccedilatildeo que o teoacuterico chamou de modos isto eacute os elementos dependentes

finitos e suscetiacuteveis agraves causas externas

Segundo o autor holandecircs o ser humano integraria modos da substacircncia no

monismo entre corpo e mente Mas se a substacircncia eacute o uno infinito e ilimitado da

existecircncia eacute causa de si e expressa a totalidade como pode comportar na sua gecircnese a

relaccedilatildeo entre corpo e mente A resposta de Spinoza eacute que apesar de haver apenas uma

substacircncia uma soacute natureza eacute ldquoconstituiacuteda por uma infinidade de atributos13

que

expressam de formas distintas sua uacutenica essecircncia eterna e infinitardquo (Marccedilon 2009 p

38)

12 A substacircncia para Spinoza eacute constituiacuteda de infinitos modos mas os modos em si natildeo satildeo infinitos O

modo natildeo possui infinitos atributos mas o ser humano percebe atraveacutes dos modos os mesmo atributos

que vecirc na substacircncia Assim atraveacutes dos modos o ser humano identifica os atributos de pensamento e

extensatildeo (I Definiccedilatildeo V II Proposiccedilatildeo XIII) 13

Para Spinoza um atributo eacute um modo de se ver a substacircncia

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 48

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Respondendo a questatildeo do paraacutegrafo anterior de outro modo pode-se afirmar

que a substacircncia possui infinitos atributos Ou seja a substacircncia tem infinitas

possibilidades de ser vista sendo essas possibilidades concebidas como fundadas agrave sua

essecircncia (Spinoza 16772005 Proposiccedilotildees X e XI) Apesar de possuir infinitos

atributos e dessa maneira possuir infinitos modos de ser visto o ser humano soacute tem

capacidade de identificar dois desses atributos o pensamento e a extensatildeo

Com respeito ao binocircmio corpomente como modos da substacircncia natildeo tecircm uma

relaccedilatildeo hieraacuterquica natildeo haacute supremacia de um sobre o outro isso porque corpo e mente

constituem uma mesma coisa em um soacute Haacute nesse binocircmio uma correspondecircncia que

Spinoza intitulou de paralelismo14

o que o atributo extensatildeo (os corpos como modos

finitos da extensatildeo) realiza o atributo pensamento compreende (Spinoza 16772005

III II p 199) Extensatildeo e pensamento satildeo indissociaacuteveis e imbricados pois formam

uma totalidade satildeo o verso e o reverso de uma mesma e uacutenica substacircncia multifacetada

Eacute no interior da siacutentese desse paralelismo entre corpo-mente (ideia do corpo) que temos

a gecircnese da explicaccedilatildeo do monismo spinozano

Segundo Marilena Chauiacute (1999) o pensamento de Spinoza inova natildeo apenas

pelo fato de compreender o ser humano como instacircncia dos modos finitos da substacircncia

que nele se expressa mas tambeacutem por trazer para o debate a concepccedilatildeo do modo finito

impresso no humano que carrega as marcas da imanecircncia infinita da substacircncia

Podemos inferir que os seres humanos constituem-se parte da substacircncia em

seus modos dependentes finitos e sujeitos a causas externas Por conta dessa finitude

sua liberdade eacute parcial e por mais que tenha o livre arbiacutetrio ldquonunca chega a ser

totalidade livre na ordem do universordquo (Fuga 2009 p 51) Isso porque o modo

manteacutem relaccedilotildees com o que eacute externo a ele que configura outro modo A (inter-)relaccedilatildeo

dos modos eacute nomeada por Spinoza (16772005 II Proposiccedilotildees XIII p 143) de

ldquoafecccedilatildeordquo Assim um modo ldquoafectardquo e eacute ldquoafectadordquo por outro modo natildeo podendo pela

vontade evitar a ldquoafecccedilatildeordquo Nessa (inter-)relaccedilatildeo pode ocorrer um aumento ou uma

diminuiccedilatildeo do poder de expressatildeo da potecircncia do agir ou do seu conatus que

etimologicamente significa ldquoesforccedilordquo em latim

14 Para Spinoza a tese do paralelismo entre corpomente diz de uma espeacutecie de correspondecircncia ou

isonomia entre os dois modos ou atributos ldquoum modo da extensatildeo e a ideia desse modo satildeo uma soacute e

mesma coisa que se exprime entretanto de duas maneirasrdquo (II Proposiccedilatildeo VII Escoacutelio 2005 p 136)

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 49

ILKA SCHAPPER SANTOS

Segundo Deleuze (2002 p 62-63) para Spinoza o conhecimento natildeo eacute a

operaccedilatildeo de um sujeito mas a afirmaccedilatildeo de uma ideia Ele se constitui como modos da

existecircncia porque no movimento de conhecer prolonga-se nos tipos de consciecircncia e

de afetos que lhe correspondem de modo que todo poder de ser afetado seja preenchido

(ibid p 64) O conhecimento verdadeiro eacute aquele que expressa uma essecircncia singular

Para ele haacute trecircs gecircneros de conhecimentos a) o primeiro gecircnero foi nomeado pelo autor

por ideias inadequadas que exprimem as condiccedilotildees naturais de nossa existecircncia

enquanto natildeo temos as noccedilotildees comuns nem as ideias adequadas As ideias

inadequadas se definem por signos indicativos e signos imperativos Estes como sendo

os signos que envolvem o conhecimento inadequado das leis e aqueles signos que

envolvem o conhecimento inadequado das coisas b) o segundo gecircnero do

conhecimento satildeo as noccedilotildees comuns que satildeo as ideias que podem ser aplicadas a

diversas essecircncias singulares mas que natildeo conseguem expressar adequadamente

nenhuma dessas ideias c) o terceiro gecircnero tratado pelo autor foi intitulado de ideias

adequadas que expressam conhecimento verdadeiro pois possibilitam conhecer a

essecircncia singular como ela eacute

A relaccedilatildeo de conveniecircncia ou composiccedilatildeo entre os seres (Spinoza 16772005

II Lema II) permite pensar a relaccedilatildeo entre os trecircs gecircneros do pensamento as ideias

inadequadas podem se transformar em noccedilotildees comuns deixando de ser ldquoideias

confusas ou vagasrdquo para compor algo que eacute o mesmo tanto nas partes quanto no todo

mas natildeo idecircnticas nas partes Por sua vez as noccedilotildees comuns por trazerem partes da

totalidade se aproximam mais do terceiro gecircnero as ideias adequadas Eacute a concepccedilatildeo

de totalidade que nos faz passar do segundo para o terceiro gecircnero pois estaacute de certa

forma vinculada agraves noccedilotildees comuns ldquoo que eacute comum a todas as coisas e se acha

igualmente na parte e no todo natildeo pode ser concebido senatildeo adequadamenterdquo

(Spinoza 16772005 p 171) por conta de agregar mais partes da substacircncia a noccedilatildeo

comum nos possibilita sob esse aspecto passar para as ideias adequadas que

exprimem a essecircncia da natureza

Segundo Deleuze no interregno entre o primeiro e o segundo gecircnero existe uma

relaccedilatildeo ocasional que viabiliza o salto de um para outro O autor explica que

Por um lado quando encontramos corpos que convecircm com o nosso

ainda natildeo temos a ideia adequada desses outros corpos nem de noacutes

mesmos mas sentimos paixotildees alegres (aumento de nossa potecircncia de

agir) que pertencem ainda ao primeiro gecircnero mas nos induzem a

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 50

ILKA SCHAPPER SANTOS

formar a ideia adequada do que eacute comum entre tais corpos e o nosso

Por outro lado a noccedilatildeo comum em si mesma estabelece harmonias

complexas com as imagens confusas do primeiro gecircnero e apoia-se em

certas caracteriacutesticas da imaginaccedilatildeo (Deleuze 2002 p 55)

Isso pode ser sintetizado no que Spinoza chamou de relaccedilatildeo de conveniecircncia ou

composiccedilatildeo entre os seres Nessa relaccedilatildeo o ser humano pode aumentar ou diminuir seu

conatus expresso na sua potecircncia de agir Para Spinoza o conatus eacute uma potecircncia de um

modo finito natural de autoconservaccedilatildeo que se manifesta no nosso esforccedilo para

preservar a existecircncia Isso natildeo significa uma preservaccedilatildeo estaacutetica ou inerte ao

contraacuterio ldquoesse esforccedilo requer uma dinacircmica que evolui por meio dos encontros com

outros modos ao longo de toda existecircnciardquo (Fuga 2009 p 51)

O conatus natildeo eacute caracteriacutestica exclusiva do ser humano Todos os seres possuem

conatus inclusive os seres do reino mineral que tendem involuntariamente a preservar

na existecircncia pois como modo da substacircncia eacute determinado a existir por um tempo

indefinido No entanto um ser do reino mineral ldquonatildeo tem a ideia da ideia de seu corpordquo

(Spinoza 16772005 III VIII demonstraccedilatildeo p 206) posto que natildeo tem consciecircncia de

si A manifestaccedilatildeo de um diferente conatus depende do grau de complexidade de seu

corpo No caso do ser humano devido a seu elevado grau de complexidade aleacutem da

constante busca em se preservar na existecircncia procura uma autoexpansatildeo na (inter-)

relaccedilatildeo com outros seres podendo aumentar ou diminuir sua potecircncia de agir

Para Spinoza ao encontrar um outro corpo que lhe conveacutem o ser humano pode

experimentar sentimentos de alegria ou de tristeza No primeiro sentimento haacute o

aumento do conatus e no segundo uma diminuiccedilatildeo da potecircncia do agir Nesse

movimento de interaccedilatildeo entre corpos ou de composiccedilotildees nas palavras de Spinoza os

seres humanos vatildeo se constituindo afetando e sendo afetados As composiccedilotildees e

decomposiccedilotildees de corpos quando estatildeo sob a eacutegide da alegria possibilitam que o ser

humano se aproxime das ideias adequadas Assim a atividade de nossa mente

corresponde agraves alteraccedilotildees que decorrem do contato do nosso corpo com outros corpos

nessa relaccedilatildeo com outros corpos distintos pensamentos ou conhecimentos satildeo gerados

Dependendo do grau de composiccedilatildeo esses pensamentos ou conhecimentos se fundam

ora nas ideias inadequadas ora nas noccedilotildees comuns ora nas ideias adequadas

Quais as relaccedilotildees entre esses construtos teoacutericos spinozanos tratados acima

com a CC

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 51

ILKA SCHAPPER SANTOS

Como vimos o ser humano eacute parte da substacircncia que conteacutem a totalidade e

sendo finito e parcialmente livre tem tambeacutem possibilidade parcial de criar ideias

adequadas que propiciam a liberdade Assim por conta dessa finitude o humano

observa as coisas de forma inadequada No entanto quando em contato com outros

seres humanos em um fluxo de composiccedilatildeo as ideias inadequadas e as noccedilotildees comuns

de cada sujeito satildeo confrontadas gerando tensotildees e conflitos que desestabilizam as

dicotomias e ideias simplistas que satildeo elementos da inadequaccedilatildeo do conhecimento

Nesse movimento de compartilhamento de pensamentos e conhecimentos de ideias

inadequadas os sujeitos podem criar novas ideias ainda parciais e insuficientes mas

muito mais proacuteximas das noccedilotildees comuns dos aspectos infinitos e adequados dos modos

da substacircncia que conteacutem elementos da totalidade (Liberali 2009)

O entendimento do processo de composiccedilatildeo entre os corpos para formar uma

noccedilatildeo comum e se aproximar das ideias adequadas eacute fundamental para a compreensatildeo

da produccedilatildeo de conhecimento no caso desta tese a produccedilatildeo de conhecimento do GP

EFoPI Essa interaccedilatildeo entre os participantes do grupo pode gerar um aumento na

potecircncia do agir (o conatus) de cada participante bem como no conatus do grupo e

possibilitar a todos estarem parcialmente nas partes e completamente no todo se

aproximando cada vez mais da substacircncia Isso porque ldquose dois indiviacuteduos se aliam um

ao outro formam um indiviacuteduo duas vezes mais poderoso do que cada um deles tomado

separadamenterdquo (Spinoza 16772005 IV XVIII escoacutelio p 303) Assim nesse fluxo

interacional os participantes ldquoimprimem por assim dizer certos vestiacutegiosrdquo (Spinoza

Postulado V p 151) nos sujeitos afetados melhor dizendo que afetam e satildeo afetados

Esses vestiacutegios marcam a gecircnese da transformaccedilatildeo do pensamento e do conhecimento

dos membros do GP EFoPI e dos participantes desta pesquisa

Esse movimento da busca de produccedilatildeo de ideias adequadas no interior da CC

encontra eco quando refletimos sobre o compartilhamento de sentidos e a produccedilatildeo de

significados na perspectiva soacutecio-histoacuterico-cultural Em especial nas construccedilotildees

teoacutericas de Bakhtin e seu ciacuterculo e nas de Vygotsky que foram tecidas neste capiacutetulo da

tese As obras de ambos os autores trazem na sua gecircnese uma visatildeo de totalidade

muito proacutexima agrave presente nas discussotildees do monismo spinozano que nos auxilia a

refletir sobre a indissociabilidade entre znacheniesmysl corpomente ideias

adequadasideias inadequadas aprendizadodesenvolvimento internoexterno

teoriapraacuteticas sociais entre outros

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 52

ILKA SCHAPPER SANTOS

No proacuteximo toacutepico discorrerei sobre aspectos importantes no movimento da

ldquovelhardquo e da ldquonovardquo retoacuterica para fundamentar a discussatildeo sobre a argumentaccedilatildeo no

interior deste trabalho de tese

115 ndash Breve retomada da ldquovelhardquo e da ldquonovardquo retoacuterica um encontro com a

argumentaccedilatildeo na cadeia criativa

Considerando ser o foco desta investigaccedilatildeo a argumentaccedilatildeo desenvolvida entre

pesquisadores e educadores participantes do GP EFoPI sobre a brincadeira esta seccedilatildeo

pretende tecer uma discussatildeo sobre o argumentar movimento considerado nesta tese

como elemento dialoacutegico manifesto nas accedilotildees de linguagem no fluxo da Cadeia

Criativa

Desde a antiguidade claacutessica a argumentaccedilatildeo tem se constituiacutedo como objeto de

estudo de pensadores e teoacutericos fato expresso nos estudos sobre a retoacuterica Assim

apresento uma breve siacutentese dos construtos sobre a argumentaccedilatildeo tendo como eixo A

Arte Retoacuterica de Aristoacuteteles (350 aC 2005) e o estudo da Nova Retoacuterica de Perelman

amp Olbrechts-Tyteca (19702005) este uacuteltimo resultante da releitura da tradiccedilatildeo claacutessica

Os estudos sobre argumentaccedilatildeo tecircm suas raiacutezes na arte retoacuterica Eacute consenso que

esta eacute a arte de argumentar e no interior disso a argumentaccedilatildeo estaacute sob a eacutegide da arte

de persuadir e de convencer No dicionaacuterio Houaiss da Liacutengua Portuguesa os verbetes

persuadir e convencer tecircm proximidades semacircnticas Aquele eacute definido como ldquolevar ou

convencer (algueacutem ou a si mesmo) a acreditar ou convencer (-se)rdquo (Houaiss 2001 p

2197) e este como ldquopersuadir (algueacutem ou a si mesmo) a aceitar uma ideia ou admitir

um fato por meio de razotildees ou argumentos bem fundadosrdquo (ibid p 826) No entanto

as sutilezas semacircnticas mostram que persuadir estaacute mais relacionado ao campo do

sentimento da emoccedilatildeo enquanto o convencer transita no terreno das ideias sob o signo

da razatildeo pois postula que o convencimento se daacute por meio de razotildees ou argumentos

bem fundados Esses dois verbetes satildeo indissociaacuteveis na praacutetica argumentativa

Segundo Abreu (1999 p 25) ldquoconvencer eacute construir algo no campo das ideiasrdquo

e ldquopersuadir eacute construir no terreno das emoccedilotildees eacute sensibilizar o outro para o agirrdquo A

capacidade de argumentar em uma perspectiva monista seria o verso e o reverso dessas

duas construccedilotildees Reboul (2004) explica que a retoacuterica eacute a ldquoa arte de persuadir pelo

discursordquo Para o autor persuadir eacute levar algueacutem a crer em algo no campo da discussatildeo

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 53

ILKA SCHAPPER SANTOS

Entretanto refuta a tese que distingue convencer e persuadir por consideraacute-la

ldquoexcessivamente dualistardquo ao dicotomizar crenccedila e inteligecircncia razatildeo e emoccedilatildeo

Essa mesma discussatildeo eacute apresentada por Koch (19922004) que discorre sobre o

ato de convencer e persuadir Para a autora este tem como foco os sentimentos dos

interlocutores o auditoacuterio particular e os argumentos pautados no verossiacutemil Jaacute aquele

estaacute direcionado ao auditoacuterio universal sob o eixo da razatildeo

A argumentaccedilatildeo estaacute relacionada ao conjunto das accedilotildees humanas cuja finalidade

eacute a adesatildeo do outro ora na adoccedilatildeo de um comportamento ora na adoccedilatildeo de um ponto

de vista Isso pode ocorrer em uma audiecircncia formada por um uacutenico sujeito (auditoacuterio

interno) ou em uma audiecircncia coletiva mais ampla (auditoacuterio universal) O ato de

argumentar fundado nas accedilotildees humanas estaacute imbricado agraves accedilotildees semiotizadas pela

linguagem em situaccedilatildeo de interaccedilatildeo verbal e extraverbal que procura a

indissociabilidade entre o convencer e o persuadir como jaacute disse Desde que ldquoa espeacutecie

humana se distingue da primata por sua capacidade de construir cultura como agente

mental e intencional e por utilizar intencionalmente e intersubjetivamente instrumentos

semioacuteticos para interagir com o outro atribui agrave linguagem um caraacuteter argumentativordquo

(Santos 2006 p 85) Isto implica afirmar que desde muito cedo o ser humano domina

mesmo que de maneira assistemaacutetica e espontacircnea modos e maneiras de argumentar

Eacute precisamente na antiguidade claacutessica grega que nasce um saber estruturado e

sistematizado sobre a argumentaccedilatildeo esse modo de agir sobre o outro fundado napela

linguagem cuja intencionalidade eacute convencer-persuadir manipular pontos de vista

consciecircncia-espiacuterito sob a eacutegide da arte denominada retoacuterica

A argumentaccedilatildeo desde sua origem tem tido diferentes acepccedilotildees o que nos

remete a uma bifurcaccedilatildeo ora ligada aacute retoacuterica ora relacionada agrave loacutegica Compreender

sua significaccedilatildeo na contemporaneidade requer iniciar o diaacutelogo com o pensamento

aristoteacutelico que constitui um marco nos estudos sobre raciocinar a partir de um campo

argumentativo

Para discutir a argumentaccedilatildeo e suas relaccedilotildees com a antiga retoacuterica neste

trabalho tratarei de algumas definiccedilotildees Apesar de ser a definiccedilatildeo de retoacuterica de

Quintiliano (ldquoarte de falar bemrdquo) do seacutec I da nossa era que atravessou tempos e

espaccedilos e a que ficou mais conhecida eacute importante destacar que a gecircnese da

conceituaccedilatildeo aristoteacutelica (seacutec IV aC) na obra Arte Retoacuterica como ldquoa faculdade de ver

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 54

ILKA SCHAPPER SANTOS

teoricamente o que em cada caso pode ser capaz de gerar a persuasatildeordquo (I 1355 apud

Pistori 2009 p 25) eacute a base epistemoloacutegica para todas as discussotildees posteriores

A questatildeo fundamental do corpus epistemoloacutegico aristoteacutelico na Retoacuterica estaacute

posta nos conhecimentos passiacuteveis de serem provados as crenccedilas e opiniotildees que se

estruturam no confronto das ideias tendo como origem os pontos controversos uma vez

que ldquodeliberamos sobre as questotildees suscetiacuteveis de comportar duas soluccedilotildees opostasrdquo

(ibid)

O texto A Retoacuterica de Aristoacuteteles (350 aC2005) eacute composto por trecircs livros No

livro I o autor discorre sobre os trecircs gecircneros retoacutericos (a) o deliberativo que tem como

eixo discursivo a persuasatildeo e a dissuasatildeo (b) o judiciaacuterio que tem como objetivo

defender ou acusar o epidiacutectico que se funda no elogio ou na censura Ainda neste

primeiro livro o teoacuterico apresenta argumentos na defesa da utilidade da retoacuterica e tece

uma anaacutelise da natureza da prova retoacuterica intitulada de entimema uma espeacutecie de

silogismo derivado No Livro II Aristoacuteteles faz uma anaacutelise de dois elementos inter-

relacionados no campo retoacuterico o plano emocional e a recepccedilatildeo do discurso retoacuterico

Para isso destaca sentimentos que se manifestam no entremeio da argumentaccedilatildeo tais

como ira amizade confianccedila vergonha e seus contraacuterios Tambeacutem apresenta as formas

em que se materializa a argumentaccedilatildeo em especial os toacutepicos argumentativos o uso de

maacuteximas e de entimemas Por fim no livro III satildeo analisados o estilo e a composiccedilatildeo

do discurso retoacuterico No movimento explicativo desses dois pontos traz para a cena da

discussatildeo elementos como clareza correccedilatildeo gramatical e ritmo o uso de metaacuteforas e as

partes imprescindiacuteveis a um discurso (Aristoacuteteles 350 aC 2005 p 22) Nas

discussotildees que datildeo corpo a essa obra Aristoacuteteles promulga as bases da retoacuterica

ocidental Bases que assumidamente se sustentam ao longo dos seacuteculos pois no campo

da evoluccedilatildeo retoacuterica o que se acrescentou representa muito mais um aperfeiccediloamento

sobre a temaacutetica do que construccedilotildees que rompam com o campo epistemoloacutegico

aristoteacutelico

Na tradiccedilatildeo aristoteacutelica a retoacuterica visa agrave descoberta e escolha dos meios que

possam levar um determinado auditoacuterio agrave persuasatildeo Segundo o filoacutesofo satildeo

necessaacuterios trecircs tipos de provas teacutecnicas o ethos que estaacute ligado agrave moral do orador e eacute

concebido como a imagem que este projeta de si atraveacutes de sua maneira de falar com o

intuito de conquistar a confianccedila de seu puacuteblico assegurando e tornando criacutevel o seu

discurso o pathos visto como o modo de recepccedilatildeo do discurso ou seja os sentimentos

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 55

ILKA SCHAPPER SANTOS

que o auditoacuterio experimenta ao ser confrontado com o que eacute dito podendo ter adesatildeo ou

natildeo agrave tese e finalmente o logos entendido como o proacuteprio discurso ou seja as

escolhas linguiacutesticas e estiliacutesticas que contribuem para dar credibilidade ao discurso

tendo como base o raciociacutenio Eacute no interior desses elementos da retoacuterica que se tece um

viacutenculo intersubjetivo entre orador e audiecircncia e que vai determinar a forccedila persuasiva

dos argumentos

Nos estudos mais recentes dois aspectos relacionados agrave argumentaccedilatildeo satildeo

destacados (1) a intenccedilatildeo persuasiva do orador materializada em uma fala convincente

que possibilita mudanccedila de atitude na audiecircncia e (2) a organizaccedilatildeo estrutural do

discurso O primeiro aspecto estaacute relacionado agraves estrateacutegias discursivas de

convencimento utilizadas pelo orador e retomadas por Perelman amp Olbrechts-Tyteca

(19702005) na releitura criacutetica que fizeram da Arte Retoacuterica de Aristoacuteteles (350 aC

2005) Jaacute o segundo aspecto diz respeito agrave infraestrutura textual da argumentaccedilatildeo

retomada por Toulmin (1974)

No entremeio desses dois elementos constitutivos da argumentaccedilatildeo satildeo tecidos

dois modos baacutesicos de raciociacutenio que estruturam o argumentar (1) o que ficou

conhecido como silogismo ndash demonstraccedilatildeo analiacutetica que se refere agrave demonstraccedilatildeo

pautada em proposiccedilotildees evidentes (provas vaacutelidas decorrentes de premissas universais)

fundadas na loacutegica formal e (2) a argumentaccedilatildeo dialeacutetica que se manifesta a partir de

argumentos com base em enunciados possiacuteveis no campo de conclusotildees verossiacutemeis

(Aristoacuteteles 350 aC 2005)

Neste trabalho de tese privilegiarei o segundo modo de raciociacutenio para o

argumentar qual seja a argumentaccedilatildeo dialeacutetica que tem sua gecircnese no pensamento

aristoteacutelico e na contemporaneidade foi retomado de forma criacutetica por Perelman e

Olbrechts-Tyteca (19702005)

O movimento da argumentaccedilatildeo dialeacutetica funda-se em enunciados provaacuteveis dos

quais se pode chegar a conclusotildees apenas verossiacutemeis natildeo tendo o estatuto de verdade

absoluta mas que promovem diversos modos de raciocinar

A dialeacutetica de Aristoacuteteles constitui-se em um jogo cujo objetivo eacute vencer mas

sem burlar as regras inerentes agrave loacutegica Na maioria das vezes esse jogo tem o fim em si

mesmo Eacute estruturado por silogismo demonstrativo que parte das premissas evidentes e

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 56

ILKA SCHAPPER SANTOS

por silogismo dialeacutetico que se funda nas premissas provaacuteveis (aquilo que pode ser

verdadeiro)15

Eacute importante dizer que a argumentaccedilatildeo dialeacutetica de Aristoacuteteles ao longo dos

seacuteculos foi perdendo espaccedilo na comunidade dos filoacutesofos para a demonstraccedilatildeo

analiacutetica Isso por conta da rigidez do racionalismo e do cristianismo sendo percebida

como uma forma menos confiaacutevel por estar sob a eacutegide do verossiacutemil e natildeo do estatuto

de verdade Esse momento da histoacuteria corresponde ao Renascimento

Opondo-se a essa visatildeo vejo que a arquitetura aristoteacutelica da retoacuterica traz

importantes elementos para pensarmos a argumentaccedilatildeo Na sua obra magna o pensador

da antiguidade claacutessica afirma que todo ser humano resguardadas as limitaccedilotildees de cada

um eacute capaz de argumentar porque no interior de sua interlocuccedilatildeo no mundo se propotildee

a partir de uma tese defender ou refutar algo Dito de outro modo a retoacuterica se constitui

como elemento fundante da competecircncia argumentativa dos sujeitos Eacute na praacutetica

discursiva que persuadimos convencemos sempre que buscamos demonstrar o

verossiacutemil

Pautados nas noccedilotildees de Aristoacuteteles podemos provar o verossiacutemil atraveacutes dos trecircs

elementos constituintes do movimento discursivo de que tratei anteriormente ethos

pathos e logos Esses trecircs elementos estatildeo presentes nos trecircs gecircneros retoacutericos da

argumentaccedilatildeo o retoacuterico judiciaacuterio o retoacuterico deliberativo e o retoacuterico epidiacutectico A

determinaccedilatildeo desses gecircneros ou tipos demarca o protagonismo do papel do orador na

construccedilatildeo retoacuterica de seu discurso ldquoagrave medida que eacute capaz de se orientar pela

accedilatildeoreaccedilatildeo da audiecircncia quer seja em termos de cooperaccedilatildeo quer seja em termos de

conflitordquo (Santos 2006 p 88)

A seguir apresento de forma sintetizada os gecircneros retoacutericos do discurso16

tal

como foram elaborados por Aristoacuteteles e sistematizados no trabalho de Santos (ibid p

88-90)

A gecircnese da retoacuterica deliberativa encontra-se na assembleia democraacutetica tem

por objetivo apresentar projeccedilotildees de futuro para que a audiecircncia aprecie e avalie os

15 Reboul (2004 p 28) define silogismo como ldquodiscurso argumentativo baseado na causa contendo trecircs

proposiccedilotildees sendo duas premissas e a conclusatildeordquo 16

Eacute importante esclarecer que o gecircnero do discurso em Aristoacuteteles difere da discussatildeo de gecircneros de

Bakhtin Para este uacuteltimo grosso modo os gecircneros do discurso constituem-se como tipos de enunciados

relativamente estaacuteveis que estatildeo intrinsecamente relacionados a contextos tiacutepicos da comunicaccedilatildeo social

em situaccedilotildees sociais de interaccedilatildeo no interior de uma determinada comunidade semioacutetica

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 57

ILKA SCHAPPER SANTOS

possiacuteveis desdobramentos de uma tomada de decisatildeo tendo como referente a promoccedilatildeo

de lucros ou prejuiacutezos para a partir daiacute posicionar-se frente aos argumentos O uso de

argumentos de exemplo eacute a principal estrateacutegia argumentativa em que se pauta o orador

Isso porque eacute este argumento que facilita o raciociacutenio indutivo em especial quando se

trata de grandes audiecircncias

A retoacuterica judiciaacuteria pauta-se na existecircncia de uma questatildeo polecircmica em

evidecircncia e teses que se contrapotildeem A estrutura desse gecircnero estaacute sob a eacutegide das

dicotomias justoinjusto aceitaccedilatildeotransgressatildeo de normas e leis posto que tem como

auditoacuterio o tribunal que ora acusa (acusaccedilatildeo) ora defende (defesa) Assim ldquoprovar a

adequaccedilatildeo e inadequaccedilatildeo normativa de uma accedilatildeo ocorrida eacute o tipo ideal de situaccedilatildeo

em que se potildee o modo judiciaacuteriordquo (Magalhatildees17

R F 2002 p 44) Cabe ao orador

com(provar) baseado em leis e regras compartilhadas com a audiecircncia a adequaccedilatildeo ou

inadequaccedilatildeo dos episoacutedios narrados ldquona medida em que reconstroacutei persuasivamente os

fatos do passado em rede causal e os apresenta agrave audiecircncia como juiacutezes das accedilotildees

cabe julgar os fatos conforme a cadeia que se pode deles inferirrdquo (Santos 2006 p 89)

Jaacute a retoacuterica epidiacutectica tem objetivos diferentes dos dois gecircneros citados

anteriormente natildeo busca travar combate entre adversaacuterios seja para aconselhar ou

deliberar o melhor para a audiecircncia ou advogar sobre o justo Este gecircnero tem a funccedilatildeo

de construir a esteacutetica do discurso Para isso sua linguagem se estrutura na eloquecircncia

procurando construir uma cena discursiva que exprima a trageacutedia a comeacutedia o destaque

a valores como o viacutecio e a virtude (ibid p 89) Magalhatildees R F (2002 p 45) explica

que ldquoo discurso epidiacutectico natildeo discute o objeto mas toma-o como dado e trata de

engrandececirc-lo ou denegri-lordquo o papel do auditoacuterio nesse contexto portanto eacute de

espectador aquele que aprecia e aplaude o discurso do orador como se fosse

apresentaccedilatildeo cecircnica ou uma obra de arte No quadro abaixo mostrarei a siacutentese desses

gecircneros retoacutericos do discurso

17 Quando me referir ao artigo ldquoA reconstruccedilatildeo da racionalidade no paradigma da linguagem a

contribuiccedilatildeo retoacutericardquo utilizarei Magalhatildees R F (2002) Nas demais citaccedilotildees de Magalhatildees estarei me

referindo agrave Profordf Drordf Maria Ceciacutelia Camargo de Magalhatildees

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 58

ILKA SCHAPPER SANTOS

Quadro 01- Os trecircs gecircneros do discurso na Retoacuterica com base em Rebul (200447)

Gecircneros do

Discurso

Auditoacuterio Situaccedilatildeo Tempo Ato Valor

es

Argument

o-tipo

Judiciaacuterio Juiacutezes Aceitaccedilatildeo ou

transgressatildeo de leis e

normas

Passado

(fatos

por

julgar)

Acusar

Defender

Justo

Injust

o

Etinema

(dedutivo)

Deliberativo Assembleia

democraacutetica

Consulta a lucros ou

prejuiacutezos

Futuro Aconselhar

Desaconselhar

Uacutetil

Nociv

o

Exemplo

(indutivo)

Epidiacutectico Espectador Exprimir a trageacutedia a

comeacutedia a exaltaccedilatildeo

a valores

Presente Louvar

Censurar

Nobre

vil

Ampliaccedilatildeo

Para Perelman e Olbrechts-Tyteca a ausecircncia de um juiacutezo de valor e de

intensidade da adesatildeo e a ecircnfase na esteacutetica do discurso caracteriacutesticas da retoacuterica

epidiacutectica acabaram por criar uma compreensatildeo equivocada sobre o loacutecus desse gecircnero

na retoacuterica persuasiva Em decorrecircncia disso historicamente ele foi mais ldquoenquadradordquo

agrave literatura do que agrave argumentaccedilatildeo ldquoa distinccedilatildeo dos gecircneros contribuiu para a

posterior desagregaccedilatildeo da retoacuterica pois os dois primeiros gecircneros (deliberativo e

judiciaacuterio) foram anexados pela filosofia e pela dialeacutetica tendo sido o terceiro (o

epidiacutectico) englobado na prosa literaacuteriardquo (Perelman e Olbrechts-Tyteca 19702005 p

54)

Magalhatildees R F (2002 p 43) discorre sobre a triacuteade claacutessica desses trecircs

gecircneros e propotildee ainda a discussatildeo do quarto gecircnero que aparece mais diluiacutedo na obra

de Aristoacuteteles (350 aC 2005) o analiacutetico A retoacuterica analiacutetica se presentifica no

universo do raciociacutenio loacutegico-cientiacutefico fundada na maneira de guiar e fundamentar os

argumentos cujo objetivo eacute explicar as razotildees de fenocircmeno O loacutecus desse gecircnero eacute o

da ciecircncia e assim como os espaccedilos de opiniatildeo de debate e de persuasatildeo ldquoexpressa um

tipo de retoacuterica que atende hoje agraves demandas de um mundo moderno no qual se

discutem e se explicam com relativo desembaraccedilo mesmo que atraveacutes de jargotildees mais

simplificados questotildees de natureza cientiacuteficardquo (Santos 2006 p 90)

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 59

ILKA SCHAPPER SANTOS

Apesar desta exposiccedilatildeo didaacutetica de cada gecircnero do discurso separadamente

quero registrar que natildeo os vejo como dissociados Pautada em Magalhatildees R F (2002)

defendo que haacute um entrelaccedilamento entre eles o que possibilita percebecirc-los imbricados

promovendo uma configuraccedilatildeo variada do debate retoacuterico Desse modo encontramos

na estrutura da retoacuterica judiciaacuteria elementos da retoacuterica deliberativa quanto agraves

consequecircncias de uma condenaccedilatildeo ou de uma absolviccedilatildeo o inverso tambeacutem eacute

verdadeiro Eacute tambeacutem possiacutevel perceber na retoacuterica deliberativa uma estrutura

discursiva que se pauta na reconstruccedilatildeo de narrativas caracteriacutesticas da retoacuterica

judiciaacuteria para validar as projeccedilotildees de futuro e promover as deliberaccedilotildees pretendidas

pela audiecircncia o que pode ser exemplificado com o gecircnero propaganda poliacutetica

Para se conseguir a adesatildeo do eleitor o candidato apresenta uma

relaccedilatildeo retrospectiva de realizaccedilotildees de sua vida puacuteblica para que

entatildeo o eleitor delibere por votar no candidato com base em

projeccedilotildees futuras de continuidade desses feitos e os possiacuteveis lucros

de sua vitoacuteria Do mesmo modo como observa o autor a fala sobre a

moralidade dificilmente pode ser alcanccedilada usando-se apenas os

silogismos ou a induccedilatildeo que caracterizam os modos deliberativo e

judiciaacuterio (Santos 2006 p 90)

A discussatildeo que teci dos gecircneros da argumentaccedilatildeo presentes desde a retoacuterica

claacutessica juntamente com a discussatildeo sobre sua estrutura variada no debate retoacuterico

servem de alicerce para os estudos modernos sobre argumentaccedilatildeo em dois importantes

aspectos (1) a consideraccedilatildeo do caraacuteter heterogecircneo dos gecircneros discursivos e de seus

diferentes modos e maneiras de realizaccedilatildeo na prerrogativa de atender intenccedilotildees

comunicativas diversas (2) a heranccedila claacutessica nos estudos modernos sobre a

argumentaccedilatildeo no que se refere agrave relevacircncia dada agrave estrutura e ao planejamento do

discurso argumentativo (ibid p 91) Este uacuteltimo aspecto eacute o que nos interessa neste

trabalho pois auxilia na reflexatildeo sobre o discurso argumentativo na arte retoacuterica e sua

influecircncia na contemporaneidade destacando trecircs aspectos importantes da composiccedilatildeo

verbal do discurso na arte retoacuterica da antiguidade grega quais sejam taxis heuresis e

lexis

A taxis (lat Dispositio) corresponde ao plano de organizaccedilatildeo do

discurso que pode ser alterado em curso agrave medida em que se atendam

as demandas comunicativas como a reaccedilatildeo da audiecircncia frente ao

exposto A taacutexis reconhece os seguintes componentes de uma

argumentaccedilatildeo conforme nos apresenta Nach (1989 p 6-9) heuresis

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 60

ILKA SCHAPPER SANTOS

(lat Inventio) que diz respeito agrave capacidade do orador de utilizar

dentro de seu repertoacuterio de conhecimentos aquele(s) necessaacuterios(s) agrave

introduccedilatildeo ou ao desenvolvimento do assunto e que funciona(m)

como ferramenta(s) oratoacuteria(s) para a abordagem do conteuacutedo uma

pergunta retoacuterica uma anedota uma definiccedilatildeo uma comparaccedilatildeo e

lexis (lat elocutio) que corresponde agraves escolhas linguiacutesticas

(discursivas) que semiotizam as intenccedilotildees comunicativas de

persuasatildeo e convencimento (ibid p 91)

Perelman e Olbrechts-Tyteca propotildeem uma ruptura das concepccedilotildees de razatildeo e

raciociacutenio cartesiano defendendo a tese de que um raciociacutenio pode convencer sem

necessariamente ser um caacutelculo e pode ter o estatuto cientiacutefico tatildeo riacutegido e ter a precisatildeo

matemaacutetica No interregno entre as discussotildees aristoteacutelicas e o raciociacutenio cartesiano

temos em Perelman e Olbrechts-Tyteca (19702005) uma nova visatildeo de argumentaccedilatildeo

(1) estudo de teacutecnicas discursivas que permitem provocar ou aumentar a adesatildeo das

pessoas agraves teses que satildeo apresentadas (p 5) e

(2) provocar ou aumentar a adesatildeo dos espiacuteritos agraves teses que se apresentam a seu

assentimento uma argumentaccedilatildeo eficaz eacute a que consegue aumentar essa

intensidade de adesatildeo de forma que se desencadeie nos ouvintes a accedilatildeo

pretendida (accedilatildeo positiva ou abstenccedilatildeo) ou pelo menos crie neles uma

disposiccedilatildeo para a accedilatildeo que se manifestaraacute no momento oportuno (p 50)

Eacute importante dizer que nesse interregno a obra de Perelman e Olbrechts-Tyteca

resgata da doutrina aristoteacutelica a retoacuterica a partir dos conhecimentos provaacuteveis do

verossiacutemil e natildeo das certezas e verdades absolutas A delineaccedilatildeo de seu campo era o da

controveacutersia da crenccedila do mundo da opiniatildeo que se movimenta dialeticamente pelo

confronto de ideias e pela habilidade na praacutetica discursiva Foi no interior desse resgate

que surgiram as ldquonovas retoacutericasrdquo estruturadas nas loacutegicas natildeo formais e nas loacutegicas

naturais (Mosca 2004 p 20)

Esse novo movimento da retoacuterica estaacute fundado na inter-relaccedilatildeo das ciecircncias

humanas com as ciecircncias dos discursos tendo como referente a loacutegica e as evidecircncias

As teorias da argumentaccedilatildeo passam a se desenvolver sobre postulados democraacuteticos

lidando necessariamente com elementos que a loacutegica cartesiana natildeo permitiria tais

como crenccedilas valores preferecircncias e decisotildees Desse modo aceitam a existecircncia de

limitaccedilotildees e imperfeiccedilotildees uma vez que a argumentaccedilatildeo natildeo pretende se estruturar como

verdade absoluta e sim sob a perspectiva do provaacutevel do verossiacutemil e do criacutevel Nesse

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 61

ILKA SCHAPPER SANTOS

contexto cabe ao auditoacuterio (universal ou particular) decisatildeo de aderir ou natildeo agraves teses e

aos argumentos da cena enunciativa

Na perspectiva da nova retoacuterica eacute importante ter preocupaccedilatildeo com a adesatildeo do

auditoacuterio Desse modo possibilita-se que no espaccedilo de interaccedilatildeo o interlocutor

apresente uma accedilatildeo imediata ou futura diante das proposiccedilotildees e das perguntas

levantadas (Perelman e Olbrechts-Tyteca 19702005 p16) Isso porque como

discutido anteriormente o objetivo da retoacuterica eacute ldquoproduzir ou aumentar a adesatildeo de um

determinado auditoacuterio a certas teses e seu ponto inicial seraacute a adesatildeo desse auditoacuterio a

outras tesesrdquo (Perelman e Olbrechts-Tyteca 19702005 p70)

O ponto de intersecccedilatildeo entre a retoacuterica aristoteacutelica (350 aC 2005) e a Nova

Retoacuterica (Perelman e Olbrechts-Tyteca 19702005) eacute a crenccedila de que os interlocutores

no campo da enunciaccedilatildeo e no campo da intencionalidade se influenciam de alguma

maneira (Mosca 2004)

Segundo Osakabe (1999) Perelman e Olbrechts-Tyteca (19702005) trazem

algumas distinccedilotildees em relaccedilatildeo ao trabalho sobre a retoacuterica de Aristoacuteteles em especial

no que se refere ao gecircnero epidiacutectico e agrave questatildeo do loacutecus do qual se extraem as

premissas Em relaccedilatildeo ao gecircnero epidiacutectico acrescentam que eacute necessaacuterio que o orador

leve em consideraccedilatildeo a complexidade do contexto em que estaacute inserido complexidade

que pode ser desvelada pela linguagem no interior das praacuteticas sociais Jaacute a questatildeo do

ldquolugarrdquo do qual se retiram as premissas os autores discutem a necessidade de

simplificaacute-las em quantidade e qualidade

Eacute importante dizer que os estudos da Retoacuterica Claacutessica Aristoteacutelica bem como

da Nova Retoacuterica de Perelman e Olbrechts-Tyteca influenciaram sobremaneira a

reconstruccedilatildeo epistemoloacutegica e as releituras criacuteticas da abordagem retoacuterica dos estudos

literaacuterios e mais recentemente os estudos da linguagem desenvolvidos pela Linguiacutestica

Aplicada em especial os trabalhos desenvolvidos e orientados por Liberali no LAEL

da PUC-SP no seu projeto de produtividade do CNPq (Liberali 2008) do qual esta tese

faz parte

Nesse sentido o diaacutelogo tecido ateacute aqui entre a ldquovelhardquo e a ldquonovardquo retoacuterica tem

como objetivo refletir sobre a argumentaccedilatildeo a partir desses paracircmetros e daqueles

construiacutedos e discutidos por Liberali (2006 p 7) ldquouma argumentaccedilatildeo colaborativa que

permite a restriccedilatildeo e expansatildeo dos significados que saciaratildeo natildeo (somente) a

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 62

ILKA SCHAPPER SANTOS

necessidade individual mas aquela necessidade que permite perceber que somos parte

de uma totalidade que existe nas partesrdquo Nessa perspectiva a argumentaccedilatildeo eacute um

dispositivo que permite aos sujeitos interagirem no campo das ideias concepccedilotildees

valores e crenccedilas colocando-os em contato ora conflitantes ora em concordacircncia

Diante do exposto neste trabalho defino argumentaccedilatildeo como um dispositivo

enunciativo que a partir dos tipos de argumentos discutidos (que satildeo explicitados no

capiacutetulo 2) especialmente os propostos por Perelman e Olbrechts-Tyteca (19702005)

permite descrever informar confrontar e transformar os sentidos produzidos pelos

sujeitos nos espaccedilos discursivos da praacutetica de pesquisa Um movimento que revela

sentidos e significados compartilhados em outros espaccedilos criando em um loacutecus

especiacutefico particular uma instacircncia nova de significaccedilatildeo no movimento da CC

Na proacutexima seccedilatildeo discutirei esse movimento argumentativo no fluxo da

interaccedilatildeo verbal tendo como horizonte de visatildeo as categorias teoacutericas bakhtinianas

dialogismo discurso autoritaacuterio e discurso internamente persuasivo

116 ndash Fluxo da Interaccedilatildeo verbal por uma argumentaccedilatildeo dialoacutegica na Cadeia

Criativa

A interaccedilatildeo social por intermeacutedio da liacutengua caracteriza-se

fundamentalmente pela argumentatividade () o ato linguiacutestico

fundamental eacute o ato de argumentar

(Ingedore Koch)

No cenaacuterio dos estudos e pesquisas em Linguiacutestica Aplicada (LA) o tema

argumentaccedilatildeo tem sido importante ponto de discussatildeo Isso porque o campo de

investigaccedilatildeo da LA estabelece uma interface com diferentes domiacutenios do conhecimento

numa perspectiva transdisciplinar que tem como eixo a linguagem E como aponta a

epiacutegrafe desta seccedilatildeo o ato linguiacutestico fundamental eacute o ato de argumentar Dito isto o

binocircmio linguagem-argumentaccedilatildeo eacute elemento indissociaacutevel para trabalhos que buscam

investigar as interaccedilotildees sociais Nesta seccedilatildeo do capiacutetulo este binocircmio seraacute analisado no

fluxo da interaccedilatildeo verbal a partir das contribuiccedilotildees teoacutericas do Ciacuterculo de Bakhtin

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 63

ILKA SCHAPPER SANTOS

Ateacute agora discuti sobre as condiccedilotildees sociais histoacutericas e culturais que

determinam a existecircncia do ser humano e como focalizo neste trabalho a produccedilatildeo de

seu conhecimento Discorri tambeacutem a partir da perspectiva soacutecio-histoacuterico-cultural que

essa produccedilatildeo se processa no entremeio da realidade material e imaterial mediada por

representaccedilotildees siacutegnicas que constituem a essecircncia para a formaccedilatildeo da consciecircncia do

sujeito no interior da linguagem discursivo-simboacutelica Esse processo de internalizaccedilatildeo

do mundo exterior atraveacutes das representaccedilotildees siacutegnicas eacute dialeacutetico-ideoloacutegico o que

possibilita a transformaccedilatildeo do homem no mundo e a transformaccedilatildeo do mundo pelo

homem E por fim teci relaccedilotildees entre a ldquovelhardquo e a ldquonovardquo retoacuterica Passemos entatildeo a

discutir a argumentaccedilatildeo na Cadeia Criativa tendo como eixo a dialogia de Bakhtin

O ciacuterculo de Bakhtin traz uma nova perspectiva para a linguiacutestica moderna em

especial com os estudos sobre enunciaccedilatildeo interaccedilatildeo verbal e nas relaccedilotildees que tece sobre

linguagem-histoacuteria linguagem-sociedade e linguagem-dialogia

Bakhtin e seus colaboradores tecircm uma visatildeo da enunciaccedilatildeo como ldquomateacuteria

linguiacutestica e como contexto enunciativo e afirma ser o enunciado assim entendido o

objeto de estudos da linguagem O texto enunciativo recupera estatuto pleno de objeto

discursivo social e histoacutericordquo (Barros 1994 p 1) Sob a anaacutelise bakhtiniana a

enunciaccedilatildeo se processa no interior da interaccedilatildeo verbal presente nas mais variadas

interaccedilotildees do indiviacuteduo Nesse contexto podemos compreender a linguagem como um

sistema simboacutelico discursivo que enfatiza a interaccedilatildeo entre os sujeitos em todas as

dimensotildees da enunciaccedilatildeo pois o contexto soacutecio-histoacuterico-cultural no qual estamos

inseridos eacute um rico conjunto de significaccedilotildees

Eacute no interior desse contexto por meio da internalizaccedilatildeo e do revozeamento dos

discursos alheios que a liacutengua materna se funda

a liacutengua materna ndash a constituiccedilatildeo do seu leacutexico e sua estrutura

gramatical ndash natildeo a aprendemos nos dicionaacuterios e nas gramaacuteticas noacutes

a adquirimos mediante enunciados concretos que ouvimos e

reproduzimos durante a comunicaccedilatildeo verbal viva que se efetua com

indiviacuteduos que nos rodeiam (Bakhtin 1987 p 301-302)

Para Bakhtin internalizaccedilatildeo e revozeamento dos enunciados alheios

materializam-se no movimento dialoacutegico e heterogloacutessico da linguagem O dialogismo

expressa a natureza interdiscursiva da linguagem nem sempre consensual pois expressa

o ldquopermanente diaacutelogo nem sempre simeacutetrico e harmonioso existente entre os

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 64

ILKA SCHAPPER SANTOS

diferentes discursos que configuram uma comunidade uma cultura uma sociedaderdquo

(Brait 1997 p 98)

No dialogismo o discurso natildeo se constroacutei sobre ele mesmo mas se materializa

em vista do outro enquanto esse outro perpassa atravessa o discurso do ldquoeurdquo Esses

enunciados alheios e proacuteprios possibilitam a transformaccedilatildeo dos sujeitos em autores que

organizam suas praacuteticas discursivas a partir da interaccedilatildeo verbal A coluna vertebral da

interlocuccedilatildeo eacute pois a palavra

na realidade toda palavra comporta duas faces Ela eacute determinada

tanto pelo fato de que procede de algueacutem como pelo fato de que se

dirige para algueacutem Ela constitui justamente o produto da interaccedilatildeo do

locutor e do ouvinte Toda palavra serve de expressatildeo a um em

relaccedilatildeo ao outro atraveacutes da palavra defino-me em relaccedilatildeo ao outro

isto eacute em uacuteltima anaacutelise em relaccedilatildeo agrave coletividade A palavra eacute uma

espeacutecie de ponte lanccedilada entre mim e os outros Se ela se apoia sobre

mim numa extremidade na outra apoia-se sobre o meu interlocutor

(BakhtinVolochinov 1988 p 113)

Na perspectiva bakhtiniana a palavra existe para o enunciataacuterio em trecircs formas

diferentes

palavra neutra da liacutengua e que natildeo pertence a ningueacutem como

palavra do outro pertence aos outros e que preenche os ecos dos

enunciados alheios e finalmente palavra minha pois na medida em

que uso essa palavra numa determinada situaccedilatildeo com intenccedilatildeo

discursiva ela jaacute se impregnou de minha expressividade (Bakhtin

1987 p 388)

A palavra eacute o elemento em que se confrontam os valores sociais contraditoacuterios

materializando as crenccedilas e os antagonismos sociais produzindo muitas vezes discursos

ideologicamente opostos na luta pelo poder e pela primazia de um modelo econocircmico

pode ocorrer o mascaramento do dialogismo inerente ao sujeito social sobrepondo-se o

discurso oficial Por isso Bakhtin afirmou que o ldquosigno se torna a arena onde se

desenvolvem as lutas de classesrdquo (BakhtinVolochinov 1988) Nesse espaccedilo de luta

ideoloacutegica o signo linguiacutestico reflete e refrata a possibilidade de transformaccedilotildees sociais

pois

as palavras satildeo tecidas a partir de uma multidatildeo de fios ideoloacutegicos e

servem de trama a todas as relaccedilotildees sociais em todos os domiacutenios ()

A palavra constitui o meio no qual se produzem lentas acumulaccedilotildees

quantitativas de mudanccedilas que ainda natildeo tiveram tempo de adquirir

uma nova qualidade ideoloacutegica () A palavra eacute capaz de registrar as

fases transitoacuterias mais iacutentimas mais efecircmeras das mudanccedilas sociais

(BakhtinVolochinov 1988 p 41)

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 65

ILKA SCHAPPER SANTOS

O discurso expresso na palavra eacute dialoacutegico pois a dialeacutetica nasce do diaacutelogo e

nele se prolonga colocando pessoas e textos em um permanente processo dialoacutegico

(Freitas 1994 p 131) A compreensatildeo do discurso de outrem no diaacutelogo entre os

professores-pesquisadores e os demais participantes desta investigaccedilatildeo eacute fundamental

na medida em que possibilita entender o processo de reflexatildeo desencadeado no interior

do espaccedilo de pesquisa

A materializaccedilatildeo do discurso de outrem ocorre principalmente no discurso

citado que BakhtinVolochinov (1988) definem como o ldquodiscurso no discurso a

enunciaccedilatildeo na enunciaccedilatildeordquo e tambeacutem ldquoo discurso sobre o discurso e a enunciaccedilatildeo

sobre a enunciaccedilatildeordquo As questotildees fundamentais para a discussatildeo da temaacutetica

desenvolvida neste trabalho satildeo a) como esse discurso se materializa na praacutetica da

investigaccedilatildeo e b) como o discurso de outrem atravessa o diaacutelogo entre os professores-

pesquisadores e os demais participantes da pesquisa

Para Bakhtin haacute dois tipos de palavra do outro que adquirem um sentido ainda

mais denso e mais importante no processo de formaccedilatildeo ideoloacutegica do homem no

mundo a palavra de autoridade e a palavra internamente persuasiva O discurso citado

que se concretiza na palavra de autoridade tem o estatuto de verdade absoluta natildeo

havendo espaccedilo para argumentaccedilatildeo refutaccedilatildeo contestaccedilatildeo e reflexatildeo posto que a ldquoa

palavra autoritaacuteria natildeo se representa ndash ela apenas eacute transmitidardquo (Bakhtin 1983 p

144) Jaacute a palavra internamente persuasiva eacute identificada pelo autor como revelando

possibilidades bastante diferentes Esta palavra eacute determinante para o

processo de transformaccedilatildeo ideoloacutegica da consciecircncia individual para

uma vida ideoloacutegica independente a consciecircncia desperta num mundo

onde as palavras de outrem a rodeiam e onde logo de iniacutecio ela se

destaca () No fluxo de nossa consciecircncia a palavra persuasiva

anterior eacute comumente metade nossa metade de outrem (ibid p 145)

Para Bakhtin (ibid p 143) ldquoa palavra autoritaacuteria exige de noacutes o

reconhecimento e a assimilaccedilatildeo ela se impotildee a noacutes independentemente do grau de sua

persuasatildeo interior no que nos diz respeitordquo No movimento do discurso autoritaacuterio fica

difiacutecil para o interlocutor tecer modificaccedilotildees de sentido no interior do contexto em que

o discurso aparece Um enunciado que toma contornos de uma palavra autoritaacuteria que

tem o poder de colocar-se por si soacute natildeo promove variaccedilotildees criativas uma vez que tal

CAPIacuteTULO 1 ndash NO MEIO DO CAMINHO EU TU ELES NO ENCONTRO DOS ldquoNOacuteSrdquo 66

ILKA SCHAPPER SANTOS

palavra ldquonatildeo eacute circundada de diaacutelogos vivos e em muacuteltiplas ressonacircncias em volta

dela morre o contexto as palavras secamrdquo (ibid p 144)

Diferente do discurso autoritaacuterio o discurso internamente persuasivo se

configura como autocircnomo com mobilidade e abertura discursiva em um

desenvolvimento livre que se adapta aos novos contextos e circunstacircncias enunciativas

da palavra Assim nesse tipo de discurso o sentido fica sempre em aberto

possibilitando prosseguir com criatividade no contexto de nossa consciecircncia ideoloacutegica

ldquonoacutes o introduzimos em novos contextos o aplicamos em novo material noacutes o

colocamos numa nova posiccedilatildeo a fim de obter dele novas respostas novos

esclarecimentos sobre seu sentido e novas palavras para noacutesrdquo (ibid p 146) Isso

porque ldquoa palavra persuasiva interior eacute comumente metade nossa metade de outremrdquo

(ibid 145) Essa palavra eacute produzida criativamente e possibilita espaccedilo para o

surgimento de outras palavras em nossa consciecircncia desvelando novas possibilidades

semacircnticas em cada contexto em que eacute pronunciada Ela nasce em uma ldquozona de

contato com o presente inacabadordquo (Bakhtin 1983 p 146)

Neste trabalho a argumentaccedilatildeo configura-se como um movimento dialoacutegico

pois a partir das construccedilotildees teoacutericas de Bakhtin podemos pensar os enunciados

(materializados nos excertos do capiacutetulo de anaacutelise) como textos e observar se se

configuram como discurso autoritaacuterio que carece de persuasatildeo interior para a

consciecircncia ou se satildeo constituiacutedos por discurso internamente persuasivo Dito de outro

modo eacute a oportunidade de observar as palavras internamente persuasivas para

compreender como elas se relacionam no fluxo argumentativo como se entrelaccedilam ao

discurso do outro para criar espaccedilos de possibilidades de na palavra proacutepria trazer a

palavra do outro e na palavra do outro produzir a palavra proacutepria Eacute nesse fluxo da

interaccedilatildeo verbal tendo a argumentaccedilatildeo como dispositivo que os discursos de

autoridade e internamente persuasivo se atravessam Esse movimento discursivo

promove o encontro-confronto de vozes em que no seu interior emergem os sentidos e

os significados dos sujeitos em interaccedilatildeo

No proacuteximo capiacutetulo discutirei o brincar em especial a brincadeira de faz de

conta Isso porque um dos eixos de discussatildeo teoacuterico-praacutetica do GP EFoPI e tambeacutem

desta investigaccedilatildeo eacute a brincadeira na infacircncia de 2 e 3 anos

ILKA SCHAPPER SANTOS

CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI

21 - Uma breve histoacuteria sobre o brincar

Jogos Infantis ndash Pieter Bruegel 1560

Nesta seccedilatildeo seraacute feita uma breve exposiccedilatildeo sobre como as crianccedilas brincavam

em diferentes tempos as relaccedilotildees entre suas brincadeiras e o contexto soacutecio-histoacuterico e

o papel das atividades luacutedicas no interior da educaccedilatildeo infantil

Antes de tecer essas relaccedilotildees discutirei sobre a interface dos jogos e brincadeiras

no processo civilizatoacuterio O estudo de Huizinga (1938) constitui exemplo claacutessico desse

vieacutes Apesar de o teoacuterico reconhecer que haacute elementos imbricados entre o jogo da

crianccedila e o do adulto sua literatura estaacute mais voltada para o jogo do adulto

classificando-o como qualitativamente diferente Na sua teoria partindo da ideia de que

mesmo as mais seacuterias accedilotildees do homem tecircm elementos que se fundam no jogo este tem

caracteriacutestica agoniacutestica gecircnese da disposiccedilatildeo inata do homem para a competiccedilatildeo Isso

pode ser percebido nas atividades institucionalizadas tais como o direito a guerra o

conhecimento a poesia a filosofia a arte e a religiatildeo (Szundy 2005)

Johan Huizinga importante historiador holandecircs explica em sua obra intitulada

Homo Ludens que foi editada pela primeira vez em 1938 suas ideias sobre o luacutedico

apontando o jogo como a origem das mais seacuterias atividades humanas O autor esclarece

CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 68

ILKA SCHAPPER SANTOS

que ldquonatildeo vecirc razatildeo alguma para abandonar a noccedilatildeo de jogo como um fator distintivo e

fundamental presente em tudo o que acontece no mundordquo explicitando sua ldquoconvicccedilatildeo

de que eacute no jogo e pelo jogo que a civilizaccedilatildeo surge e se desenvolverdquo (Huizinga

19381996 prefaacutecio) Seria extremamente radical afirmarmos que toda e qualquer

atividade humana se constitui a partir do jogo mas como defende o autor eacute inegaacutevel o

papel dele no processo civilizatoacuterio Assim sua obra tem como objeto de estudo o jogo

como forma especiacutefica de atividade destacando sua funccedilatildeo social uma funccedilatildeo de

significante e que encerra um determinado sentido (Silva 2003) Essa funccedilatildeo estaacute

imbricada em todas as manifestaccedilotildees humanas como a linguagem o mito e os ritos

sagrados Diante do exposto Huizinga (19381996 p 4) afirma que ldquoseja qual for a

maneira como o considerem o simples fato de o jogo encerrar um sentido implica a

presenccedila de elemento natildeo material em sua proacutepria essecircnciardquo A funccedilatildeo de significante

encerrando um sentido eacute explicada a partir de um paralelo que o autor faz entre o jogo e

a capacidade humana de nomear de designar as coisas por meio da linguagem Assim

sugere que eacute jogando e brincando que as mais diversas metaacuteforas satildeo produzidas

No campo histoacuterico e cultural o jogo tem um papel fundamental nas diversas

atividades das civilizaccedilotildees antigas de cuja influecircncia tanto o mito quanto o culto satildeo

expoentes Szundy (2005 p 38) explica que ldquoao criar um jogo entre realidade e

fantasia o homem primitivo procurava atraveacutes da linguagem dar conta dos fenocircmenos

do mundordquo De algum modo isso ocorria tambeacutem com o culto jaacute que os rituais

sagrados das civilizaccedilotildees antigas eram realizados sob a eacutegide do jogo no sentido literal

da palavra um jogo entre as forccedilas do bem e as forccedilas do mal Em muitas civilizaccedilotildees

esse movimento subscrito no mito e no culto ainda se faz presente pois transcende as

geraccedilotildees e retorna a elas por meio das narrativas vivecircncias e experiecircncias de seus

membros mais velhos

Huizinga mostra como o jogo eacute ldquouma evasatildeo da vida bdquoreal‟ para uma esfera de

orientaccedilatildeo proacutepriardquo (19381996 p 6) jaacute que nessa atividade o jogador mergulha no

universo do secreto em que de algum modo se sente protegido das leis da realidade

externa e do cotidiano da vida Dito de outra maneira essa evasatildeo natildeo carrega as leis da

vida real mas eacute desenvolvida com toda a seriedade pois se trata apenas de fazer de

conta Mas nesse movimento as atividades luacutedicas criam uma ordem e

paradoxalmente constituem a proacutepria ordem ou leis proacuteprias No fluir do jogo vemos a

confusatildeo e a imperfeiccedilatildeo do mundo mas paradoxalmente haacute no ato luacutedico elementos

CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 69

ILKA SCHAPPER SANTOS

da esteacutetica da beleza e da harmonia (Silva 2003 p 18) Esses elementos levam o ser

humano a se envolver freneticamente na atividade luacutedica gerando pontos de tensatildeo

produzidos pela incerteza e pelo acaso que obriga aquele que joga a colocar ldquoagrave prova a

criatividade tenacidade virilidade capacidades espirituais e lealdaderdquo (ibid)

Apesar de afirmar ser a seriedade um dos elementos fundantes do jogo Huizinga

admite que ao jogar podemos nos situar abaixo do niacutevel da seriedade atingindo os

espaccedilos do belo e do sagrado Apesar de natildeo deixar de lado a seriedade da brincadeira o

historiador afirma que nela temos gradaccedilotildees Nas gradaccedilotildees estatildeo presentes duas

funccedilotildees inerentes ao jogo ldquode ser uma luta por alguma coisa e de ser a representaccedilatildeo

de alguma coisardquo (Huizinga 19381996 p 16)

Mesmo natildeo focalizando seu interesse no jogo infantil o autor discorre sobre o

jogo representativo que tambeacutem eacute conhecido como dramaacutetico protagonizado ou de faz

de conta dizendo que as representaccedilotildees das crianccedilas satildeo estruturadas a partir de uma

elevada capacidade de imaginar posto que ldquomais do que uma realidade falsa eacute a

realizaccedilatildeo de uma aparecircncia eacute bdquoimaginaccedilatildeo‟ no sentido original do termordquo (ibid p

17)

Essas tessituras teoacutericas de Huizinga sobre a funccedilatildeo social do jogo e seus

aspectos fundamentais em especial ldquode ser uma luta por alguma coisa e de ser a

representaccedilatildeo de alguma coisardquo auxiliam-nos a refletir e a problematizar a) esses

elementos estatildeo presentes nas concepccedilotildees sobre jogos e brincadeiras infantis e b)

como isso foi se constituindo ao longo do processo educativo

Silva (2003) aqui em siacutentese faz um interessante esboccedilo sobre as diversas

concepccedilotildees da infacircncia em diferentes tempos histoacutericos possibilitando-nos

compreender o quanto o debate nessa aacuterea tem sinalizado conquistas significativas em

contextos mais recentes em especial na brincadeira de faz de conta

A autora encontrou informaccedilotildees significativas em um trabalho de Rosamilha

(1979) outro importante estudo bibliograacutefico que investigou a vida quotidiana de

vaacuterias culturas e sociedades que estiveram mais proacuteximas da mentalidade ocidental no

que diz respeito agraves concepccedilotildees sobre o brincar mostrando como essas influecircncias

interferiram sobremaneira em nossas praacuteticas educativas

Rosamilha (1979) em sua pesquisa encontrou natildeo soacute referecircncias ao luacutedico no

texto biacuteblico e no cristianismo primitivo mas tambeacutem registros de posturas negativas

CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 70

ILKA SCHAPPER SANTOS

por parte da igreja quanto a brinquedos e brincadeiras no seacuteculo XVIII Embora haja

registros mais recentes de alguns autores seguidores do cristianismo que adotaram

postura diferente a posiccedilatildeo negativa dita anteriormente trouxe impactos para o

desenvolvimento de atividades luacutedicas na educaccedilatildeo escolar Haacute registros importantes

sobre essa interferecircncia Em Portugal e na Alemanha no final do seacuteculo XVIII e iniacutecio

do seacuteculo XIX a instituiccedilatildeo escolar natildeo era um espaccedilo agradaacutevel os estudantes tinham

castigos corporais e natildeo aparece nenhum registro sobre o espaccedilo de brinquedos e

brincadeiras no contexto educacional Em muitas outras sociedades o quadro eacute similar

Na Ruacutessia por exemplo a brincadeira era afastada do ambiente escolar (Silva 2003 p

12)

No iniacutecio do seacuteculo XX o contraponto a essas posturas foi feito a partir das

ideias de Rousseau Pestalozzi e Froebel e ldquomuitas afirmaccedilotildees desses escritores e

educadores foram incorporadas aos poucos no movimento da chamada educaccedilatildeo

nova nos meacutetodos ativosrdquo (Rosamilha 1979 p 19) As elaboraccedilotildees teoacutericas desses

pensadores e educadores influenciaram a Psicologia do seacuteculo XX como as

referendadas na obra de John Dewey (1859-1952) filoacutesofo norte-americano e um dos

principais teoacutericos a influenciar o movimento escolanovista O autor eacute responsaacutevel pelos

primeiros trabalhos que enfatizam a importacircncia dos jogos dos brinquedos e das

brincadeiras no processo educativo A tese de Dewey eacute de que por meio da brincadeira

a crianccedila aprende a respeito do mundo que a cerca Na brincadeira de papeacuteis (como a

nomeia Vygotsky e seus colaboradores) a crianccedila representa o mundo da famiacutelia Na

brincadeira de casinha por exemplo imita o contexto social em que estaacute circunscrita e

representa as diferentes situaccedilotildees que vivencia em seu cotidiano

No Brasil as ideias do movimento da Escola Nova foram trazidas inicialmente

por Rui Barbosa (1849-1923) em 1882 Sob a influecircncia desse movimento Aniacutesio

Teixeira (1900-1971) Lourenccedilo Filho (1897-1970) e o poeta Maacuterio de Andrade (1893-

1945) mentor da idealizaccedilatildeo dos parques infantis na cidade de Satildeo Paulo iniciaram um

movimento em defesa da presenccedila de jogos e de brincadeiras na educaccedilatildeo das crianccedilas

pequenas Para esses autores os jogos e as brincadeiras deveriam ser atividades livres

que seriam um meio de manifestaccedilatildeo das forccedilas criadoras do homem (Kuhlman Jr

2000) Isso porque os escolanovistas iam de encontro agrave tese de que a educaccedilatildeo deve ser

uma preparaccedilatildeo para a vida uma educaccedilatildeo do devir ao contraacuterio para eles a escola

deve se pautar na proacutepria vida O eixo norteador do processo educativo deveria ser a

CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 71

ILKA SCHAPPER SANTOS

diacuteade vida-experiecircncia e em decorrecircncia disso a funccedilatildeo da escola seria a de possibilitar

um entrecruzamento de vivecircncias experiecircncias e aprendizagens construiacutedas no interior

da vida

Podemos inferir que as mudanccedilas histoacutericas e sociais sobre os jogos as

brincadeiras e os brinquedos infantis tecircm uma interface com o fazer pedagoacutegico nas

creches e preacute-escolas Nesse movimento as raiacutezes histoacutericas culturais e sociais a

respeito dos jogos e brincadeiras trazem concepccedilotildees sobre as crianccedilas e suas infacircncias

em uma unidade dialeacutetica ao longo de diferentes tempos e espaccedilos sociais No

interregno de diferentes tempos e espaccedilos soacutecio-culturais coexistem concepccedilotildees que

ora enfatizam a relevacircncia dos jogos e brincadeiras livres ora dizem da importacircncia de

se suprimir aquilo que desvia a atenccedilatildeo das crianccedilas Neste sentido o luacutedico manifesto

em atividades serve apenas para ocupar um tempo livre ao final da aula ou no uacuteltimo

dia da semana (Silva 2003)

Silva (2003) alerta que ldquoao observar de um modo geral como esteve

distribuiacutedo o espaccedilo fiacutesico nas escolas percebe-se que sempre haacute ao lado das salas de

aula um paacutetio para recreaccedilatildeordquo (ibid p 14) Em funccedilatildeo disso discute como as

atividades das crianccedilas na escola estatildeo divididas entre o luacutedico e o trabalho de ordem

intelectual A arquitetura e a organizaccedilatildeo dos espaccedilos de creches e preacute-escolas mostram

o fosso que desde a tenra infacircncia nossas crianccedilas vivenciam o dualismo entre o

brincar e o trabalho intelectual revelando talvez uma transposiccedilatildeo dos conteuacutedos

curriculares do ensino fundamental para a educaccedilatildeo infantil Muito embora as

concepccedilotildees sobre jogos e brincadeiras e em decorrecircncia disso as proacuteprias concepccedilotildees

sobre crianccedilas e suas infacircncias tenham avanccedilado especialmente nas deacutecadas de 1970 e

1980 a separaccedilatildeo do trabalho intelectual e do luacutedico ainda se faz presente nas

instituiccedilotildees de educaccedilatildeo infantil

A respeito dessa dicotomia Kuhlmann Jr (1998) e Kishimoto (1999) explicam

que as propostas para a educaccedilatildeo infantil em diversas localidades do paiacutes desconsideram

o universo histoacuterico cultural das crianccedilas da educaccedilatildeo infantil antecipando praacuteticas

inerentes ao periacuteodo de escolarizaccedilatildeo e deixando agrave margem do processo os jogos as

brincadeiras e os brinquedos Cria-se assim um fosso entre conteuacutedos escolares e o

movimento luacutedico

A gecircnese desse pensamento encontra-se na visatildeo de uma educaccedilatildeo infantil

ldquopreparatoacuteriardquo para construir os pilares necessaacuterios agraves primeiras seacuteries do ensino

CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 72

ILKA SCHAPPER SANTOS

fundamental Em um artigo no Jornal Folha de Satildeo Paulo de 11012010 intitulado

ldquoEstudo aponta que aluno da rede puacuteblica jaacute chega pior agrave 1ordf seacuterierdquo haacute uma

discussatildeo que nos auxilia compreender como cada vez mais a sociedade relaciona as

dificuldades das crianccedilas das primeiras seacuteries do ensino fundamental agrave educaccedilatildeo infantil

e por conseguinte tenta sanar essas dificuldades em um trabalho ldquoantecipadordquo na

infacircncia de 0 a 6 anos O artigo inicia-se afirmando

Os alunos que ingressam nas escolas particulares chegam agrave primeira

seacuterie jaacute com larga vantagem em relaccedilatildeo agraves crianccedilas de escolas

puacuteblicas E essa desigualdade nas meacutedias pouco se altera ateacute o final da

quarta seacuterie do ensino fundamental

Esta eacute uma das conclusotildees de um estudo pioneiro no Brasil o Projeto

Geres que acompanhou de 2005 a 2008 20 mil alunos de Belo

Horizonte Rio de Janeiro Campinas Campo Grande e Salvador

() Para Faacutetima Alves pesquisadora da PUC-Rio e uma das

coordenadoras do projeto eacute preciso investir mais em educaccedilatildeo infantil

(creches e preacute-escolas) para diminuir essa desigualdade inicial

Pensemos se o Projeto Geres (Projeto Geraccedilatildeo Escolar) eacute um estudo

longitudinal que focaliza a aprendizagem dos alunos nos primeiros anos do ensino

fundamental e uma de suas conclusotildees eacute a de que os alunos da rede puacuteblica em relaccedilatildeo

aos alunos da rede privada jaacute chegam em defasagem nesse grau de ensino a premissa eacute

que o loacutecus do problema esteja tambeacutem na educaccedilatildeo infantil Essa inferecircncia leva a

pesquisadora Faacutetima Alves a dizer que se faz necessaacuterio investir mais na educaccedilatildeo

infantil (creches e preacute-escolas) para diminuir essa desigualdade inicial Mas qual seria a

natureza desse investimento A preparaccedilatildeo para ler escrever e contar Como ficaria o

espaccedilo para as brincadeiras tatildeo necessaacuterias ao desenvolvimento infantil

Fiz essa digressatildeo para ilustrar os paradoxos que permeiam as orientaccedilotildees

pedagoacutegicas para a educaccedilatildeo infantil Mas a histoacuteria das ideias e das praacuteticas no campo

da infacircncia mostra que muitos autores jaacute pensaram no reverso dessa moeda Iniciamos

nosso debate com as influecircncias de Dewey no movimento da Escola Nova no Brasil

(1932) Passemos entatildeo a outras concepccedilotildees com outros autores

Friedrich Froebel (1782-1852) foi um dos primeiros educadores a discutir sobre

a importacircncia da accedilatildeo do brincar no trabalho educativo A perspectiva do autor alematildeo

estava pautada na crenccedila em uma educaccedilatildeo infantil que valorizasse a natureza infantil a

partir das brincadeiras livres e espontacircneas (Kishimoto 1998) Essa visatildeo influenciou

vaacuterias propostas de trabalho pedagoacutegico na educaccedilatildeo infantil e incentivou a introduccedilatildeo

de jogos e brincadeiras nas instituiccedilotildees de creches e preacute-escolas do paiacutes

CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 73

ILKA SCHAPPER SANTOS

Paradoxalmente a propagaccedilatildeo do brincar nas instituiccedilotildees infantis brasileiras natildeo

teve uma inserccedilatildeo uniforme Pelo contraacuterio ancorou-se em crenccedilas e valores proacuteprios

ao contexto histoacuterico-cultural dessas instituiccedilotildees infantis (Silva 2003) Froebel foi o

primeiro a discorrer sobre o valor das brincadeiras como elemento essencial no trabalho

pedagoacutegico com as crianccedilas pequenas ao fundar o jardim de infacircncia entendendo ldquoo

jogo como objeto e accedilatildeo do brincar que se caracteriza pela liberdade e

espontaneidaderdquo (ibid p 15) Froebel atribuiacutea um duplo sentido agrave ideia do brincar e agrave

educaccedilatildeo infantil (os jardins de infacircncia) de um lado via como material educativo

necessaacuterio agrave aquisiccedilatildeo de conhecimentos de outro notava que o brincar tinha um fim em

si mesmo quando se fundava na liberdade e espontaneidade Nesse movimento as

concepccedilotildees e praacuteticas pedagoacutegicas transitavam entre a primeira e segunda premissa do

autor

Na verdade esse dualismo em relaccedilatildeo aos jogos e brincadeiras ndash ora como

recurso auxiliar na aquisiccedilatildeo do conhecimento meio de ensino ora como um fim em si

mesmo ndash eacute bem antigo Desde a antiguidade claacutessica com Platatildeo e Aristoacuteteles passando

pelo Renascimento e teacutermino da Revoluccedilatildeo Francesa haacute diferentes interpretaccedilotildees sobre

a cultura do jogo infantil e seus desdobramentos na praacutetica pedagoacutegica Nesse

interregno histoacuterico surge a polecircmica da utilizaccedilatildeo pedagoacutegica dos jogos e brincadeiras

no interior da educaccedilatildeo infantil Eacute interessante refletir sobre a natureza do movimento

luacutedico que permite o desenvolvimento do imaginaacuterio infantil por meio de objetos

simboacutelicos disponibilizados intencionalmente pelo educador para subsidiar o

desenvolvimento integral da crianccedila (Silva 2003) que sintetiza o fim em si mesmo

No interior das pesquisas do GP EFoPI pudemos observar que muitas vezes haacute

uma disparidade entre o espaccedilo que deveria ser dado aos jogos e brincadeiras e o que se

observa nas creches e preacute-escolas Haacute muitas contradiccedilotildees a respeito da relaccedilatildeo entre

jogos e brincadeiras e a educaccedilatildeo das crianccedilas pequenas Silva explica que satildeo poucas

as atividades que possibilitam o desenvolvimento do imaginaacuterio infantil pela mediaccedilatildeo

de objetos simboacutelicos disponibilizados intencionalmente pelo educador A autora

esclarece ainda que para muitos educadores e pais prevalece a ideia de que os jogos e

brincadeiras constituem um momento de oacutecio de perda de tempo nas instituiccedilotildees de

educaccedilatildeo infantil e que devem ocupar o periacuteodo de laser e de descanso Aleacutem disso as

pesquisas do GP EFoPI apontam o uso de jogos e brincadeiras como um meio de se

trabalhar conteuacutedos relativos ao ler escrever e contar (Silva 2008-2009)

CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 74

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A posiccedilatildeo do GP EFoPI eacute de que os brinquedos objetos mediadores dos jogos e

brincadeiras possibilitam agraves crianccedilas (re)inventarem a realidade despertando

curiosidade e desejo de aprender e apreender o mundo O grupo de pesquisa parte do

pressuposto de que satildeo muitas as contribuiccedilotildees do brincar para o desenvolvimento

infantil a) os jogos e brincadeiras proporcionam diversatildeo e satisfaccedilatildeo agraves crianccedilas

quando elas dominam suas caracteriacutesticas e entendem sua funccedilatildeo social b) a crianccedila vai

sofisticando seus modos e maneiras de brincar c) a crianccedila ao brincar desenvolve sua

imaginaccedilatildeo (ideias inadequadas) e agrave medida que vai entrando em contato com outras

crianccedilas e com outros adultos constroacutei uma noccedilatildeo comum sobre os modos e maneiras de

brincar Essas noccedilotildees prenhas de significaccedilotildees vatildeo sendo incorporadas pela crianccedila

aos brinquedos que subsidiam as brincadeiras de papeacuteis as representaccedilotildees do contexto

social imediato

Essa perspectiva do GP EFoPI estaacute pautada nos estudos da teoria Soacutecio-

Histoacuterico-Cultural tendo como referecircncia baacutesica as construccedilotildees teoacutericas de Vygotsky

Leontiev e Elkonin Assim na proacutexima seccedilatildeo discutirei o desenvolvimento infantil sob

a eacutegide da imaginaccedilatildeo e a brincadeira de faz de conta

211 ndash A imaginaccedilatildeo e a brincadeira de faz de conta

Um refuacutegio

Uma barriga

Um abrigo onde esconder quando estiver se

afogando da chuva ou sendo quebrado pelo

frio ou sendo revirado pelo vento

Temos um esplecircndido

passado pela frente

Para os navegantes com desejo de vento a

memoacuteria eacute o porto de partida

(Eduardo Galeano)

Nesta seccedilatildeo da tese a discussatildeo do desenvolvimento da imaginaccedilatildeo tendo como

eixo a brincadeira de faz de conta seraacute tecida a partir das elaboraccedilotildees teoacutericas e

intervenccedilotildees do GP EFoPI sob a oacutetica da perspectiva soacutecio-histoacuterico-cultural Para isso

discorro primeiro sobre como Vygotsky concebe a imaginaccedilatildeo criadora depois discuto

a relaccedilatildeo entre imaginaccedilatildeo e as brincadeiras de faz de conta a partir de alguns

CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 75

ILKA SCHAPPER SANTOS

pensadores ao longo da histoacuteria Por fim teccedilo as relaccedilotildees produzidas pelo teoacuterico russo

e seus colaboradores em especial Leontiev e Elkonin

A infacircncia e a crianccedila se transformaram em temas que a partir das uacuteltimas

deacutecadas passaram a representar um dos grandes eixos de preocupaccedilatildeo no cenaacuterio

acadecircmico nas instituiccedilotildees de educaccedilatildeo infantil e tambeacutem nas poliacuteticas puacuteblicas Mas o

campo da imaginaccedilatildeo e seu desenvolvimento na infacircncia tendo como eixo da

brincadeira de faz de conta tecircm sido ainda pouco discutidos no panorama educacional

brasileiro Isso pode ser constado nos proacuteprios documentos oficiais Tanto o Referencial

Curricular para Educaccedilatildeo Infantil (BRASIL 1998a b c) como as Diretrizes

Curriculares para a Educaccedilatildeo Infantil (BRASIL 1999) tecircm prescrito que a brincadeira

deva ser um dos eixos para o trabalho nessa fase da educaccedilatildeo baacutesica

Nesses documentos estaacute previsto que as propostas pedagoacutegicas das instituiccedilotildees

de educaccedilatildeo infantil devem incluir o luacutedico a criatividade e praacuteticas de educar e cuidar

que possibilitem a inter-relaccedilatildeo entre aspectos fiacutesicos emocionais afetivos

cognitivolinguiacutesticos e sociais da crianccedila (BRASIL 1999) Aleacutem disso a brincadeira eacute

considerada como base da linguagem da infacircncia destacando a relevacircncia do brincar

tanto em situaccedilotildees formais como informais (BRASIL 1998a) Entretanto apesar de nos

documentos oficiais a brincadeira aparecer como eixo do trabalho pedagoacutegico na

educaccedilatildeo infantil natildeo haacute clareza sobre os pressupostos teoacutericos em que esse elemento

estaacute pautado

Assim o desenvolvimento da imaginaccedilatildeo infantil acionado pela brincadeira de

faz de conta pode configurar um espaccedilo de discussatildeo muito interessante tanto do ponto

de vista teoacuterico quanto do ponto de vista da praacutetica pedagoacutegica Em especial o que se

refere agrave possibilidade de estudo sobre suas relaccedilotildees com o desenvolvimento da crianccedila

no interior dos processos de socializaccedilatildeo de (re)construccedilatildeo do real e da internalizaccedilatildeo

de modos valores e costumes da produccedilatildeo cultural

Cada periacuteodo histoacuterico constroacutei simultaneamente suas indagaccedilotildees e inquietaccedilotildees

e os modos pelos quais busca refleti-las e resolvecirc-las Assim quando relacionamos a

questatildeo da imaginaccedilatildeo e seu desenvolvimento na infacircncia alguns caminhos se

apresentaram tais como a) a imaginaccedilatildeo eacute sinocircnimo de memoacuteria b) seria a memoacuteria

um caso particular da imaginaccedilatildeo c) podemos no interior da teoria soacutecio-histoacuterico-

cultural caracterizar a imaginaccedilatildeo como funccedilatildeo psicoloacutegica superior d) como a

CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 76

ILKA SCHAPPER SANTOS

brincadeira de faz de conta possibilita o desenvolvimento da imaginaccedilatildeo e em

decorrecircncia disso o desenvolvimento do processo de criaccedilatildeo

Minha crenccedila materializada nas discussotildees do GP EFoPI e respaldada na

perspectiva soacutecio-histoacuterico-cultural eacute que a imaginaccedilatildeo se constitui como um somatoacuterio

de duas imagens (a pregressa e a atual) somatoacuterio este que possibilita a criaccedilatildeo de uma

nova imagem totalmente distinta em cada mente humana Numa equaccedilatildeo simples

diriacuteamos que a cena da imaginaccedilatildeo se estrutura com a combinaccedilatildeo de dois elementos

que resultando num terceiro constitui-se como algo totalmente novo O primeiro

elemento seria configurado por estilhaccedilos e fragmentos da memoacuteria de vivecircncias e

experiecircncias sociais que se materializam na imitaccedilatildeo o segundo seria a vivecircncia do

sujeito no momento em que decide reconstruir essa imagem e o somatoacuterio desses dois

elementos seria uma nova imagem criada pelo humano

Segundo Vygotsky (19321998) a imaginaccedilatildeo devia se constituir como uma

incoacutegnita para a psicologia associacionista jaacute que tal corrente considerava qualquer

atividade como uma combinaccedilatildeo de elementos e imagens que jaacute existiam na

consciecircncia Entretanto essa vertente teoacuterica procurou evitar esse enigma e estabeleceu

uma relaccedilatildeo de sinoniacutemia entre a imaginaccedilatildeo e as outras funccedilotildees psiacutequicas

Ao tratar da imaginaccedilatildeo os teoacutericos da velha psicologia a consideraram em duas

categorias a reprodutora e a criadora ou reconstrutiva A primeira era sinocircnimo da

proacutepria memoacuteria pois segundo a psicologia comportamental natildeo existe outro caminho

para explicar a atividade da imaginaccedilatildeo a natildeo ser supor que certa existecircncia de imagens

provoca outras associadas a ela Assim como jaacute foi destacado diante de tal

formulaccedilatildeo o problema da imaginaccedilatildeo fundia-se totalmente com o da memoacuteria sendo

por conta disso considerada como uma de suas funccedilotildees dentre muitas outras Jaacute na

segunda ndash imaginaccedilatildeo criadora ou reconstrutiva ndash a questatildeo se colocava de forma mais

complicada Isso porque a perspectiva comportamental explicava o surgimento de novas

imagens criativas como resultado de combinaccedilotildees singulares e causais de elementos Na

imaginaccedilatildeo criativa aparecem novas combinaccedilotildees desses elementos que natildeo satildeo novos

em si (Vygotsky 19321998 p 108)

Para o teoacuterico soacutecio-histoacuterico-cultural o trabalho desses psicoacutelogos foi em parte

muito importante jaacute que mostrava que os processos da imaginaccedilatildeo eram condicionados

pelos sentimentos Em outras palavras eles descobriram o substrato real da imaginaccedilatildeo

sua conexatildeo com a experiecircncia anterior com as impressotildees acumuladas No entanto o

CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 77

ILKA SCHAPPER SANTOS

outro aspecto do problema qual seja demonstrar o que constitui na imaginaccedilatildeo a base

da atividade que permite representar de forma totalmente nova em uma nova

combinaccedilatildeo todas as impressotildees acumuladas natildeo foi resolvido por eles tendo sido

apenas apresentado (Vygotsky 19321998 p 110) A psicologia associacionista

mostrou-se impotente para explicar como surge a imaginaccedilatildeo criativa Seus construtos

teoacutericos encerram contradiccedilotildees que mostram um caminho feacutertil para a necessidade de

estudo e aprofundamento sobre o tema

Vygotsky (19321998) tambeacutem questionou como os idealistas buscaram discutir

a questatildeo da imaginaccedilatildeo Para os psicoacutelogos intuitivistas toda atividade da consciecircncia

humana estaacute impregnada de um princiacutepio criativo Grosso modo se a psicologia

associacionista estabelecia uma relaccedilatildeo de sinoniacutemia entre a imaginaccedilatildeo e a memoacuteria o

idealismo procurou mostrar que a proacutepria memoacuteria nada mais eacute do que um caso

particular da imaginaccedilatildeo Partindo desse princiacutepio os subjetivistas consideraram a

percepccedilatildeo como um nuacutecleo da imaginaccedilatildeo (ibid p 112)

Em siacutentese explicar a imaginaccedilatildeo tanto do ponto de vista objetivista quanto do

ponto de vista subjetivista consiste no seguinte ambos resumiam a questatildeo de um

modo igualmente metafiacutesico uma vez que ao tomar como original a atividade

reprodutora da consciecircncia fechavam o caminho para explicar como surge a atividade

criativa no processo de desenvolvimento

O idealismo mostrou-se impotente no sentido de que atribuiacutea agrave consciecircncia uma

propriedade criativa primaacuteria incluindo assim a imaginaccedilatildeo no ciacuterculo das atividades

primaacuterias da consciecircncia que segundo os comentaacuterios dos subjetivistas satildeo proacuteprias da

consciecircncia desde o seu nascimento Um uacuteltimo aspecto para a formulaccedilatildeo do problema

da imaginaccedilatildeo de acordo com a psicologia idealista refere-se agrave questatildeo da sua natureza

que por ser muito importante foi transportada para o plano geneacutetico e reduzida agrave

questatildeo de sua prioridade (ibid p 114)

Jaacute a perspectiva psicanaliacutetica para Vygotsky (1932) traz a ideia de que a

imaginaccedilatildeo eacute primaacuteria estando presente desde o princiacutepio na consciecircncia infantil da

qual procede todo o resto da personalidade A crianccedila eacute o uacutenico ser segundo Freud que

estaacute completamente emancipado da realidade Eacute um ser que se acha submerso no prazer

cuja consciecircncia tem como funccedilatildeo principal natildeo a de refletir a realidade em que vive

mas apenas a de servir aos seus desejos e agraves suas tendecircncias sensoriais

CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 78

ILKA SCHAPPER SANTOS

Eacute interessante notar que Vygotsky (1932) tambeacutem identificou essa ideia nos

trabalhos de Piaget cujo ponto de partida para o autor soacutecio-histoacuterico consiste em que

o primaacuterio eacute a atividade da imaginaccedilatildeo ou do pensamento que natildeo se dirige pela

realidade Entretanto para o teoacuterico da Epistemologia Geneacutetica existem formas

transitoacuterias ou intermediaacuterias entre a imaginaccedilatildeo e o pensamento realista Isso se

materializa no egocentrismo infantil que representa a escala de transiccedilatildeo entre esses

dois processos Atraveacutes das formas intermediaacuterias do egocentrismo inicia-se o

desenvolvimento do pensamento loacutegico e realista movimento de transiccedilatildeo para o

estaacutegio das operaccedilotildees formais Piaget explica que o egocentrismo eacute o puro estado da

consciecircncia da pessoa que vivendo num mundo de criaccedilotildees proacuteprias natildeo conhece outra

realidade a natildeo ser a de si mesma

Assim para a perspectiva soacutecio-histoacuterico-cultural tanto a psicanaacutelise quanto a

epistemologia geneacutetica satildeo construtos teoacutericos que natildeo consideram a imaginaccedilatildeo como

uma atividade que possibilita construccedilatildeo do conhecimento e transformaccedilatildeo da realidade

por se tratar de uma funccedilatildeo psiacutequica natildeo social de caraacuteter natildeo comunicaacutevel

Para Vygotsky a imaginaccedilatildeo ndash que caracteriza uma funccedilatildeo superior ndash depende

da experiecircncia que na crianccedila vai se acumulando e aumentando paulatinamente com

peculiaridades que a diferenciam da experiecircncia dos adultos A proacutepria experiecircncia

com sua complexidade com suas (con)tradiccedilotildees e influecircncias estimula o processo

criativo visto que a atividade criadora se encontra intimamente relacionada com a

riqueza e a variedade das vivecircncias acumuladas pelo homem no interior das suas

interaccedilotildees com o mundo Como jaacute fora anteriormente mencionado a experiecircncia eacute o

material com o qual o homem ergue seus princiacutepios para a (re)construccedilatildeo e

transformaccedilatildeo do real

A simplicidade e a espontaneidade da imaginaccedilatildeo infantil que jaacute natildeo eacute livre e

tatildeo espontacircnea no jovem podem possibilitar a inferecircncia de que haacute maior riqueza na

capacidade de imaginar na infacircncia do que na idade adulta No entanto natildeo podemos

dizer que a imaginaccedilatildeo na infacircncia seja mais rica do que na adolescecircncia Ao contraacuterio

no decurso de crescimento da crianccedila a imaginaccedilatildeo tambeacutem se desenvolve alcanccedilando

seu processo criativo na idade adulta

Eacute interessante percebermos que a crianccedila ao imaginar acredita mais no fruto de

sua criaccedilatildeo controlando-a menos o que faz com que a imaginaccedilatildeo na infacircncia tenha seu

processo criativo vinculado agraves vivecircncias e experiecircncias imediatas da crianccedila Nesse

CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 79

ILKA SCHAPPER SANTOS

sentido seria mais interessante dizer que na idade adulta a imaginaccedilatildeo e o

desenvolvimento da razatildeo se tornam movimentos paralelos desaparecendo desse

modo a fantasia incondicionada da infacircncia Assim agrave medida que a crianccedila vai

crescendo sua capacidade de imaginar estaacute mais relacionada com o raciociacutenio com o

qual caminha no mesmo passo A funccedilatildeo imaginativa prossegue adaptando-se agraves

condiccedilotildees racionais subsidiando o processo de criaccedilatildeo do humano

Essa distinccedilatildeo que Vygotsky (1932) estabelece entre as caracteriacutesticas da

imaginaccedilatildeo na infacircncia e na idade adulta pode ser exemplificada na relaccedilatildeo existente

entre a produccedilatildeo literaacuteria de Monteiro Lobato e seus pequenos leitores O autor na

capacidade imaginativa criou ldquoo mundo do faz de contardquo Nessa criaccedilatildeo ndash em que

realidade e fantasia natildeo tinham fronteira definida ndash Lobato criticava a realidade de seu

tempo no qual em uma sociedade extremamente conservadora reacionaacuteria e

preconceituosa Tia Nastaacutecia a cozinheira negra tinha presenccedila direta nas decisotildees do

grupo Dona Benta com toda sua clareza e pensamento livre socializadora de

conhecimentos e representante de uma nova ordem familiar matriarcal eacute quem delibera

e encaminha as decisotildees familiares Assim o criador do Siacutetio do Pica-Pau-Amarelo em

um movimento de combinar realidade e imaginaccedilatildeo utilizou a sua obra para pensar sua

eacutepoca seu tempo Jaacute a crianccedila leitora com seus sonhos fantasias e imaginaccedilatildeo ingressa

no mundo do faz de conta de Lobato e a partir de sua imaginaccedilatildeo criadora continua a

histoacuteria da velha boneca de pano e da espiga de milho ndash a Emiacutelia e o Visconde de

Sabugosa respectivamente ndash personagens em permanente construccedilatildeo de um espaccedilo

inacabado em que a forccedila criadora ganha significado Em siacutentese enquanto em

Monteiro Lobato temos a imaginaccedilatildeo criadora caracteriacutestica da idade adulta na crianccedila

leitora de sua obra temos a imaginaccedilatildeo criadora infantil que reconstroacutei o real pelas

imagens que lhes satildeo oferecidas na tecitura da obra do autor

Um outro exemplo interessante para ilustrar o conceito vygotskyano de

imaginaccedilatildeo criadora na idade adulta pode ser materializado no pensamento do poeta e

criacutetico de arte Ferreira Gullar ldquouma das coisas que a arte eacute parece eacute a transformaccedilatildeo

simboacutelica no mundo Quer dizer o artista cria um mundo outro ndash mais bonito ou mais

intenso ou mais significativo ou mais ordenado ndash a partir da realidade imediatardquo

(Ferreira Gullar apud Nicola 1998 p11) Nesse ponto o pensamento de Gullar se

aproxima da acepccedilatildeo da criaccedilatildeo artiacutestica de Vygotsky (19301987) para quem a

CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 80

ILKA SCHAPPER SANTOS

imaginaccedilatildeo criativa no campo da arte exige em alto grau a participaccedilatildeo do

pensamento realista no processo da imaginaccedilatildeo

Nessa perspectiva se a atividade criadora depende do talento pode-se

questionar se ela seria apenas prerrogativa dos que o possuem considerados escolhidos

para exercer tal atividade Entretanto se considerarmos que a criaccedilatildeo no sentido

psicoloacutegico consiste em fazer algo novo a partir das experiecircncias do meio em que o

sujeito estaacute circunscrito das fantasias dos reflexos de algum objeto do mundo exterior

de determinadas construccedilotildees do ceacuterebro ou dos sentimentos que vivem e se manifestam

somente no homem chegaremos agrave conclusatildeo de que todos podem criar em maior ou

menor grau Assim a criaccedilatildeo eacute acompanhante natural e permanente do desenvolvimento

humano da infacircncia agrave idade adulta Obviamente que esse processo estaraacute intimamente

relacionado agrave cultura na qual o sujeito estaacute inserido agraves suas experiecircncias de vida e a

partir daiacute ao modo como foi construindo suas relaccedilotildees nocom o mundo que o cerca

Aleacutem disso natildeo podemos esquecer que a imaginaccedilatildeo conforme a perspectiva

soacutecio-histoacuterico-cultural natildeo repete em formas e combinaccedilotildees iguais impressotildees

acumuladas isoladas mas (re)constroacutei (re)cria o novo a partir das impressotildees

anteriormente vivenciadas Embora imaginaccedilatildeo criadora natildeo seja sinocircnimo de memoacuteria

nela se apoia jaacute que as novas imagens soacute surgem a partir das reminiscecircncias do vivido

Por isso acreditamos como Eduardo Galeano cujo pensamento se constitui como

epiacutegrafe desta seccedilatildeo que a memoacuteria eacute o porto de partida para os navegantes com

desejo de vento ndash considerando-se aqui o vento como metaacutefora da imaginaccedilatildeo

criadora

No mundo que nos cerca existem todas as condiccedilotildees necessaacuterias para criar

Tudo que excede a rotina encerrando uma miacutenima parte de novidade tem sua origem

no processo criativo do ser humano Ao entendermos dessa forma a imaginaccedilatildeo

criadora concluiacutemos que os processos criativos se apresentam desde a mais tenra idade

contribuindo para o desenvolvimento infantil e em geral para a maturidade Por conta

disso encontramos jaacute nos primeiros anos de vida da crianccedila processos criadores que se

concretizam nos jogos e brincadeiras

Na proacutexima seccedilatildeo relacionarei aspectos sobre o desenvolvimento da imaginaccedilatildeo

a partir da brincadeira de faz de conta e os impactos dessa discussatildeo no interior do GP

EFoPI e desta tese

CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 81

ILKA SCHAPPER SANTOS

212 ndash O desenvolvimento da imaginaccedilatildeo loacutecus da brincadeira de faz de conta e

da (re)invenccedilatildeo do real

As coisas natildeo querem mais ser

vistas por pessoas razoaacuteveis

Elas desejam ser olhadas de azul

ndashQue nem uma crianccedila que vocecirc

olha de ave

Manoel de Barros

O brincar de faz de conta eacute uma atividade inerente ao humano Nele a

imaginaccedilatildeo eacute exercida e desenvolvida atraveacutes do brinquedo da brincadeira e das

histoacuterias que o compotildeem Nas brincadeiras de faz de conta satildeo recuperados os mitos os

modos os costumes e os ritos da civilizaccedilatildeo como afirma Huizinga (19381996)

Muitos foram os pensadores que discutiram o brincar relacionando-o ao

desenvolvimento da imaginaccedilatildeo Passemos agora a fiar e a tecer um diaacutelogo com eles

para depois chegarmos agrave discussatildeo dessa relaccedilatildeo na teoria soacutecio-histoacuterico-cultural

Piaget (1978) classificou os jogos em trecircs categorias jogo de exerciacutecio jogo de

regra e jogo simboacutelico ou de faz de conta Este ldquoestaacute entre os tipos de representaccedilatildeo de

objetos e eventos cuja capacidade se desenvolve no estaacutegio preacute-operacionalrdquo (Silva

2003 p 25) O autor define o jogo como atividade em que haacute uma supremacia da

assimilaccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave acomodaccedilatildeo o objeto eacute assimilado a um esquema mental jaacute

existente sem haver a acomodaccedilatildeo Isso ocorre quando a crianccedila daacute significado ao

objeto ampliando as caracteriacutesticas desse objeto sem contudo mudar os esquemas

mentais referentes a ele Ao contraacuterio do que veremos na perspectiva de Vygotsky e

seus colaboradores para Piaget a imaginaccedilatildeo natildeo eacute uma funccedilatildeo psicoloacutegica mas um

dos poacutelos do pensamento

Em siacutentese para o teoacuterico da Epistemologia Geneacutetica o jogo simboacutelico auxilia

na construccedilatildeo do pensamento como um todo transformando-se a partir da imaginaccedilatildeo

ldquocom o processo duplo de interiorizaccedilatildeo do siacutembolo na direccedilatildeo da construccedilatildeo

representativa e de um alargamento do pensamento sob a forma de imaginaccedilatildeo

criadorardquo (Silva 2003 p 119) Como disse esse movimento se daacute a partir dos

processos assimilativos

CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 82

ILKA SCHAPPER SANTOS

Tanto Piaget quanto Vygotsky concordam com a concepccedilatildeo de que a brincadeira

se estrutura a partir da accedilatildeo No entanto a diferenccedila entre os dois autores estaacute no que

caracteriza a atividade luacutedica e no conteuacutedo que se deseja representar nos jogos e

brincadeiras Na obra do autor suiacuteccedilo encontramos a ideia de que eacute da maneira como as

accedilotildees se organizam que emerge o jogo simboacutelico Jaacute para o autor russo a gecircnese da

brincadeira de faz de conta estaacute no sentido social da accedilatildeo (e na interferecircncia das suas

raiacutezes histoacutericas) que tem uma orientaccedilatildeo externa para depois ser internalizada

(Vygotsky 19301991)

O psicoacutelogo cognitivista das inteligecircncias muacuteltiplas Howard Gardner tambeacutem

discorreu sobre a relaccedilatildeo entre a brincadeira de faz de conta e a imaginaccedilatildeo Gardner

(1994 p 64) explica que essa modalidade de brincadeira eacute uma ldquometarrepresentaccedilatildeordquo

uma forma de tratar o objeto como se fosse outro Para esse autor no brincar de faz de

conta a crianccedila cria ordens representacionais em que trata nada como se fosse algo

trata algo como se fosse nada ou distorce uma propriedade de modo a trataacute-la como

propriedade Assim o sujeito que brinca ldquoestaacute operando uma recogniccedilatildeo de que o que

aparentemente eacute o estado das coisas pode ser intencionalmente posto entre parecircnteses

de modo a criar outro estado de coisas que o autor (da brincadeira) queria evocarrdquo

(ibid p 65)

O autor mostra que a capacidade de ldquometarrepresentaccedilatildeordquo manifesta no faz de

conta possibilita agravequele que brinca um movimento que transcende a habilidade direta

do pensar o mundo circunscrito na experiecircncia pois esse movimento eacute prenho de

imaginaccedilatildeo Nessa perspectiva ao imaginar as crianccedilas ldquoestatildeo aptas a visualizar um

estado de coisas contraacuterio agravequele que eacute apreendido em seus sentidos a captar aquela

atividade imaginaacuteria em formas simboacutelicas puacuteblicas e a continuar a elaborar sobre

aquela capacidade imaginaacuteriardquo (Gardner 1994 p 65)

Assim como Piaget Gardner tambeacutem relaciona o brincar de faz de conta e o

desenvolvimento da imaginaccedilatildeo No entanto tanto um quanto outro focalizam esse

desenvolvimento a partir das construccedilotildees individuais de cada sujeito desconsiderando

as questotildees sociais culturais e histoacutericas

Walter Benjamin teoacuterico da escola de Frankfurt acredita que o brincar significa

sempre libertaccedilatildeo O autor ressalta que apesar de na modernidade a crianccedila estar cada

vez mais imbricada no universo do mundo do adulto atraveacutes das brincadeiras que

envolvem o faz de conta ela cria um mundo proacuteprio manifesto pela imaginaccedilatildeo Ainda

CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 83

ILKA SCHAPPER SANTOS

que os brinquedos e brincadeiras sejam muitas vezes impostos pelos adultos o filoacutesofo

frankfurtiano adverte que a crianccedila subverte a ordem posta e transforma esse universo

da brincadeira com os elementos da imaginaccedilatildeo ldquoa crianccedila quer puxar alguma coisa e

torna-se um cavalo quer brincar com areia e torna-se padeiro quer esconder-se e

torna-se ladratildeo ou guardardquo (Benjamin 1984 p 70)

Nesse movimento mimeacutetico a crianccedila por meio da imitaccedilatildeo de outros seres

animados ou inanimados representa o real acreditando ser verdadeiramente aquilo que

sua imaginaccedilatildeo deseja Para Benjamin essas representaccedilotildees que aquele que brinca daacute

aos brinquedos na brincadeira expressam fragmentos e estilhaccedilos da cultura na qual a

crianccedila estaacute inserida Nesse ponto o filoacutesofo aproxima-se da perspectiva soacutecio-

histoacuterico-cultural de Vygotsky

Ateacute agora apresentei um panorama de algumas discussotildees sobre a imaginaccedilatildeo e

seu papel no desenvolvimento infantil a partir de alguns pensadores Para delinear

melhor os estudos teoacutericos do GP EFoPI sobre o tema discorrerei sobre as relaccedilotildees

teoacutericas que o GP teceu entre a importacircncia do desenvolvimento da imaginaccedilatildeo no

contexto da brincadeira de faz de conta a partir da perspectiva soacutecio-histoacuterico-cultural

de Vygotsky Leontiev e Elkonin

Segundo Vygotsky (19301991) a crianccedila menor tem sua accedilatildeo sobre o mundo

determinada pelo contexto perceptual e pelos objetos nele contidos Entretanto quando

ingressa na creche ou na preacute-escola vivencia por meio do universo da brincadeira de

faz de conta a possibilidade do desenvolvimento de uma importante funccedilatildeo psicoloacutegica

superior ndash a imaginaccedilatildeo ndash que lhe permite desprender-se das restriccedilotildees impostas pelo

ambiente imediato possibilitando-lhe transgredir e subverter as regras impostas por ele

Essa crianccedila agora eacute capaz de transformar o significado dos objetos modificando um

elemento da realidade em outro

Esse formato que a crianccedila atribui aos objetos representados tem implicaccedilotildees

importantes em seu desenvolvimento em especial para a (re)construccedilatildeo de sentidos e

significados sobre o mundo material em que vive Ao montar suas brincadeiras de faz

de conta a partir do contexto soacutecio-histoacuterico-cultural em que estaacute inserida ela traz

elementos novos que natildeo estavam postos nas experiecircncias passadas A criaccedilatildeo de novas

imagens no interior das imagens e vivecircncias passadas satildeo elementos importantes para

que ela possa inaugurar novas maneiras de compreender e (re)inventar a realidade que a

cerca configurando-se tambeacutem como a base da atividade criadora do homem Na

CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 84

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brincadeira de faz de conta temos o pilar do desenvolvimento da imaginaccedilatildeo que se

constitui como a base para o desenvolvimento do sujeito criativo

O processo de criaccedilatildeo humana tem sua gecircnese na imaginaccedilatildeo na capacidade que

o sujeito tem de combinar variaacuteveis e fazer uma nova leitura da realidade Para

Vygotsky (19301987) na atividade criadora a imaginaccedilatildeo e a realidade imbricando-

se estabelecem uma relaccedilatildeo dialeacutetica que possibilita a transformaccedilatildeo do homem na sua

relaccedilatildeo nocom o mundo Daiacute a importacircncia de possibilitarmos agraves crianccedilas

espaccedilostempos de brincadeiras uma vez que quanto mais elas desenvolverem sua

capacidade de imaginar mais desenvolveratildeo processos criativos

Como vimos para Vygotsky a brincadeira de faz de conta eacute caracterizada pelo

elemento da imaginaccedilatildeo Entretanto paradoxalmente essa dimensatildeo imaginaacuteria

manteacutem uma relaccedilatildeo de subordinaccedilatildeo agraves regras impostas pela realidade circundante do

sujeito O autor russo diz

Sempre que haacute uma situaccedilatildeo imaginaacuteria no brinquedo haacute regras ndash natildeo

as regras previamente formuladas e que mudam durante o jogo mas

aquelas que tecircm sua origem na proacutepria situaccedilatildeo imaginaacuteria (Vygotsky

19301991 p 108)

A crianccedila obedece agraves regras do comportamento que estaacute representando Se ela

estiver representando o papel de pai por exemplo obedeceraacute agraves regras do

comportamento paterno A relaccedilatildeo que a crianccedila estabelece com o papel representado eacute

que define as regras que utiliza para encenaacute-lo

Nesse sentido a brincadeira de faz de conta eacute o loacutecus em que a imaginaccedilatildeo na

infacircncia se manifesta e se desenvolve possibilitando agrave crianccedila tornar-se aquilo que natildeo

eacute e permitindo-lhe ultrapassar os limites postos pela realidade Um espaccedilo de

construccedilatildeo de sentidos e de significados no campo da produccedilatildeo dos saberes Esses

saberes satildeo produzidos porque a brincadeira impulsiona a crianccedila a conhecer e a

dominar os objetos e as representaccedilotildees humanas uma vez que as situaccedilotildees de

brincadeiras das crianccedilas satildeo construiacutedas a partir do contexto social que a circunda

Vygotsky (19321998 p 132) explica que

uma crianccedila natildeo se comporta de forma puramente simboacutelica no

brinquedo ao inveacutes disso ela quer e realiza seus desejos permitindo

que as categorias baacutesicas da realidade passem atraveacutes da experiecircncia

A crianccedila ao querer realiza seus desejos Ao pensar ela age As accedilotildees

internas e externas satildeo inseparaacuteveis a imaginaccedilatildeo a interpretaccedilatildeo e a

vontade satildeo processos internos conduzidos pela accedilatildeo externa

CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 85

ILKA SCHAPPER SANTOS

Procurando fundamentar a importacircncia da brincadeira de faz de conta para o

desenvolvimento infantil continuarei o diaacutelogo com outros autores que tambeacutem

trabalharam na perspectiva soacutecio-histoacuterico-cultural e que tecem importantes

contribuiccedilotildees como Leontiev e Elkonin

Aleacutexis N Leontiev foi um importante psicoacutelogo russo que trabalhou com

Vygotsky e colaborou na criaccedilatildeo da psicologia sovieacutetica que se tornou conhecida por

psicologia soacutecio-histoacuterico-cultural O autor tambeacutem pesquisou sobre os princiacutepios

psicoloacutegicos da brincadeira no desenvolvimento infantil Para o teoacuterico a brincadeira eacute

uma atividade inerente ao humano fundada a partir da percepccedilatildeo que a crianccedila tem do

seu contexto histoacuterico e cultural

Para esse autor a brincadeira eacute a principal atividade da crianccedila atividade que a

desafia a operar com os objetos e situaccedilotildees do universo do adulto que ela ainda natildeo

domina Ao antecipar accedilotildees inerentes ao mundo do adulto a crianccedila procura uma

relaccedilatildeo ativa natildeo apenas com os objetos circunscritos ao seu contexto mas tambeacutem

com o mundo mais amplo Para solucionar a contradiccedilatildeo existente entre a necessidade

de (inter)agir e a impossibilidade de realizar operaccedilotildees exigidas pelas accedilotildees a crianccedila

busca no movimento da brincadeira uma maneira de resolver tal contradiccedilatildeo

Para que possamos compreender a assertiva de Leontiev (1998) que a

brincadeira eacute a principal atividade da crianccedila faz-se necessaacuterio entender a definiccedilatildeo do

autor de atividade principal Para isso retomo a definiccedilatildeo explicitada por Arauacutejo (2008

p 37)

aquela em que eacute possibilitada a realizaccedilatildeo de conexotildees importantes

que trazem mudanccedilas no desenvolvimento psiacutequico da crianccedila e

dentro da qual se desenvolvem processos que preparam o caminho da

transiccedilatildeo da crianccedila para um novo e mais elevado niacutevel de

desenvolvimento

Assim a brincadeira de faz de conta como atividade principal do universo

infantil se constitui como um importante mecanismo do desenvolvimento global dos

processos psiacutequicos das crianccedilas no interior de suas infacircncias Segundo Leontiev

(1998) na medida em que a crianccedila se depara com uma progressiva expansatildeo da

quantidade de objetos humanos circunscritos agrave sua realidade mais o brincar torna-se sua

atividade principal pela necessidade de se apropriar do universo do mundo adulto Dito

de outro modo esse movimento impulsiona a crianccedila a dominar esse universo que se

CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 86

ILKA SCHAPPER SANTOS

configura em constante expansatildeo uma aacuterea mais ampla da realidade que soacute se torna

acessiacutevel a ela por meio da brincadeira

Em seus estudos e pesquisas Leontiev (1998) aponta que a maneira de brincar

evolui de acordo com a idade da crianccedila sendo necessaacuterio considerar as especificidades

de cada fase18

do desenvolvimento infantil Para o autor a passagem de uma etapa de

desenvolvimento para uma outra ocorre no decorrer do desenvolvimento da crianccedila

quando ela percebe que as suas (inter)relaccedilotildees com seu mundo imediato natildeo

correspondem mais agraves suas potencialidades Dessa tensatildeo haacute uma mudanccedila na

motivaccedilatildeo da atividade principal da crianccedila por conseguinte essa mudanccedila deixa a

atividade principal antes desempenhada em um segundo plano surgindo uma nova

atividade principal e propiciando um novo estaacutegio do desenvolvimento As

transformaccedilotildees que acontecem no desenvolvimento infantil em cada estaacutegio tecircm uma

relaccedilatildeo de interdependecircncia Eacute importante dizer que embora o desenvolvimento de uma

atividade principal natildeo elimine a que existia antes sua importacircncia muda na relaccedilatildeo da

crianccedila com a realidade (Arauacutejo 2008 p 38)

Leontiev (1998) assim como Vygotsky tambeacutem discorreu sobre a relaccedilatildeo entre

a imaginaccedilatildeo e o desenvolvimento infantil a partir da brincadeira de faz de conta Em

suas investigaccedilotildees o autor chegou agraves mesmas inferecircncias que Vygotsky quais sejam as

crianccedilas na brincadeira natildeo expressam o improvaacutevel ou fantaacutestico mas pautam-se em

elementos da realidade para evocar uma situaccedilatildeo luacutedica imaginaacuteria Nesse movimento

as condiccedilotildees das accedilotildees no interior do brincar em especial do brincar de faz de conta

tornam imprescindiacutevel a imaginaccedilatildeo e datildeo origem a ela (Arauacutejo 2008 p 38)

Eacute interessante notar que segundo Leontiev (1998) os objetos na situaccedilatildeo

imaginaacuteria da brincadeira mantecircm o mesmo campo de significaccedilatildeo da vida real no

entanto ganham contornos luacutedicos Nesse fluxo de significaccedilatildeo do real os sentidos e

significados compartilhados no brincar tecircm sua gecircnese na realidade circunscrita agrave vida

da crianccedila Desse modo o autor acredita que as brincadeiras das crianccedilas satildeo operaccedilotildees

reais e sociais fundadas nas atividades humanas que promovem uma melhor

compreensatildeo da realidade material

18 Eacute importante dizer que os verbetes ldquoetapardquo ldquofaserdquo e ldquoestaacutegiordquo em um vieacutes soacutecio-histoacuterico-cultural natildeo

satildeo relacionados a um desenvolvimento maturacional mas dependem das condiccedilotildees concretas em que

ocorre o desenvolvimento

CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 87

ILKA SCHAPPER SANTOS

Elkonin (1998) do mesmo modo que Vygotsky e Leontiev tambeacutem desenvolveu

estudos e pesquisas a respeito da brincadeira de faz de conta aprofundando as questotildees

referentes agrave psicologia do jogo Por conta disso tornou-se uma referecircncia para esse

campo de discussatildeo no interior da teoria soacutecio-hitoacuterico-cultural Em seu principal

trabalho Psicologia do jogo deu ecircnfase ao que intitulou de jogo protagonizado Seus

estudos tecircm como base os trabalhos de Vygotsky em especial a premissa de que a

gecircnese do jogo natildeo estaacute relacionada a uma essecircncia natural e bioloacutegica mas social

histoacuterica e cultural

Para Elkonin (1998) o jogo protagonizado (ou brincadeira de papeacuteis) tem sua

gecircnese na realidade histoacuterica e cultural natildeo se constituindo uma atividade espontacircnea

para a crianccedila mas sim uma atividade principal no dizer de Leontiev (1998) Essa

atividade principal possibilita o desenvolvimento das accedilotildees mentais tais como o

pensamento generalizante e a descontextualizaccedilatildeo Em uma brincadeira de faz de conta

a crianccedila ao interpretar determinado papel orienta sua accedilatildeo a partir dos elementos que

identifica na ldquopersonagem realrdquo O processo de descontextualizaccedilatildeo possibilita ao

sujeito no faz de conta ldquodiscriminar abstrair e isolar informaccedilotildees de sua realidade

concreta e utilizaacute-las nos contextos luacutedicos criados estabelecendo novas relaccedilotildees e

combinaccedilotildeesrdquo (Arauacutejo 2008 p 41) O desenvolvimento da conduta voluntaacuteria

constitui-se de regras que satildeo abstraiacutedas da realidade material e na brincadeira tornam-

se arbitraacuterias e voluntaacuterias possibilitando o envolvimento da crianccedila na atividade Esse

eacute um importante ponto das discussotildees de Elkonin (1998) pois ldquosubordinar-se aacutes regras

faz parte do universo da brincadeira que se mantecircm desde que todos estejam de acordo

com as regras construiacutedasrdquo (Arauacutejo 2008 p 41)

As reflexotildees que teci ateacute agora sobre a brincadeira de faz de conta podem

indicar ao leitor que elas se distinguem das brincadeiras de regras No entanto uma se

desenvolve a partir da outra Na brincadeira de faz de conta a subordinaccedilatildeo agraves regras

dos papeacuteis protagonizados pelas crianccedilas satildeo a base para que mais tarde elas possam

compreender os jogos com regras que tecircm objetivos definidos Eacute importante dizer que

nos jogos com regras os objetivos e as regras prevalecem mas o desempenho de um

papel e a situaccedilatildeo luacutedica tecircm ainda que de forma secundarizada seu lugar no

desenvolvimento da brincadeira No entanto neste trabalho os jogos de regras natildeo

seratildeo aprofundados pois o foco da discussatildeo centra-se na brincadeira de faz de conta

com crianccedilas de dois e trecircs anos de idade

CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 88

ILKA SCHAPPER SANTOS

Nas discussotildees que foram explicitadas ateacute agora fica claro que o grupo

sovieacutetico em especial Vygotsky Leontiev e Elkonin trata da questatildeo da brincadeira de

faz de conta em um vieacutes soacutecio-histoacuterico-cultural como uma siacutentese dialeacutetica das

relaccedilotildees sociais e da vida concreta das crianccedilas

As contribuiccedilotildees desses autores da teoria soacutecio-histoacuterico-cultural satildeo

fundamentais para as pesquisas do GP EFoPI e para este trabalho de tese pois nos

possibilitam pensar o desenvolvimento infantil na corrente da histoacuteria e da cultura na

qual a crianccedila estaacute inserida Aleacutem disso oportuniza refletir sobre as crianccedilas e suas

infacircncias em um espaccedilo circunscrito e compatiacutevel aos seus desejos motivaccedilotildees e

indagaccedilotildees sobre a realidade concreta Esse interregno de confluecircncias cria zonas de

conflitos e tensotildees ZPDs que propiciam agrave crianccedila aprendizagens significativas

Retomemos entatildeo o percurso A infacircncia o desenvolvimento da imaginaccedilatildeo e a

brincadeira de faz de conta foram questotildees ponderadas nesta seccedilatildeo tendo como eixo as

discussotildees teoacutericas tecidas no interior do grupo de pesquisa EFoPI e neste trabalho E o

que estas discussotildees anunciaram Anunciaram uma possibilidade de tratarmos a questatildeo

da crianccedila e suas infacircncias a partir do prisma de algo que eacute inerente ao seu

desenvolvimento a internalizaccedilatildeo e (re)construccedilatildeo do real sob a oacutetica da imaginaccedilatildeo e

da brincadeira de faz de conta

Aleacutem disso a criaccedilatildeo de uma situaccedilatildeo imaginaacuteria na brincadeira de faz de

conta no dizer de Newman e Holzman (19932002 p 119) eacute uma atividade

revolucionaacuteria que possibilita a criaccedilatildeo de ZPDs ldquoaquela distacircncia emergente e

contiacutenua entre o ser e o tornar-serdquo pois se configura como uma atividade propiciadora

de aprendizado e por conseguinte impulsionadora do desenvolvimento da crianccedila Isso

ocorre porque a crianccedila na brincadeira age de modo mais avanccedilado que o esperado

para o seu niacutevel de desenvolvimento Nesse contexto os brinquedos satildeo os artefatos do

contexto social imediato elementos mediadores que transformam o brincar em uma

atividade circunscrita agrave sua realidade social histoacuterica e cultural

Relacionando agrave concepccedilatildeo de instrumento-e-resultado e natildeo instrumento-para-

resultado de Vygotsky Newman e Holzman (19932002 p 119) fazem uma analogia e

distinguem as brincadeiras por regras-para-resultados daquelas orientadas por regras-e-

resultados ldquoo resultado imaginaacuterio informa o modo de desempenho (do brincar) tanto

quanto o desempenho informa o modo imaginaacuteriordquo Na atividade de brincar a crianccedila

encontra no brinquedo e na interaccedilatildeo com seus pares elementos que geram conflitos

CAPIacuteTULO 2 ndash O LUGAR DA BRINCADEIRA NO GP EFoPI 89

ILKA SCHAPPER SANTOS

tensotildees e transformaccedilatildeo da situaccedilatildeo imaginada indo aleacutem das suas proacuteprias

possibilidades e produzindo novos conhecimentos sobre o mundo que a cerca

Eacute importante dizer que diante desse compromisso o grupo de pesquisa decidiu

continuar o diaacutelogo e com a crenccedila de que poderia colaborar criticamente com os

profissionais da educaccedilatildeo infantil resolveu criar um espaccedilo de interlocuccedilatildeo de reflexatildeo

criacutetico-colaborativa Assim iniciou o trabalho de campo da pesquisa com sessotildees

reflexivas com 4 educadoras de uma creche municipal e com as 23 coordenadoras de

todas as creches municipais da cidade de Juiz de Fora O diaacutelogo teve como um dos

eixos as discussotildees sobre os espaccedilos que a brincadeira de faz de conta ocupava nas

creches

Isso porque os participantes do grupo de pesquisa acreditam poder contribuir

para as discussotildees das propostas pedagoacutegicas e tambeacutem para as discussotildees das praacuteticas

no interior das creches e preacute-escolas O eixo da reflexatildeo foi a brincadeira de faz de

conta como um espaccedilo feacutertil para o desenvolvimento da crianccedila que possibilita a

formaccedilatildeo de sujeitos que podem natildeo soacute descrever a partir dos esteacutereis conteuacutedos e

programas a realidade que os cerca mas tambeacutem criar novas imagens de transformaccedilatildeo

das experiecircncias cotidianas da cultura e da produccedilatildeo cientiacutefica do conhecimento

ILKA SCHAPPER SANTOS

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E

(DES)CAMINHOS TRILHADOS

Veio me dizer que eu desestruturo a linguagem Eu desestruturo

a linguagem Vejamos eu estou bem sentado num lugar Vem

uma palavra e tira o lugar de debaixo de mim Tira o lugar em

que eu estava sentado Eu natildeo fazia nada para que a palavra me

desalojasse daquele lugar E eu nem atrapalhava a passagem de

ningueacutem Ao retirar de debaixo de mim o lugar eu desaprumei

Ali soacute havia um grilo com a sua flauta de couro O grilo

feridava o silecircncio Os moradores do lugar se queixavam do

grilo Veio uma palavra e retirou o grilo da flauta Agora eu

pergunto quem desestruturou a linguagem Fui eu ou foram as

palavras E o lugar que retiraram de debaixo de mim Natildeo era

para terem retirado a mim de lugar Foram as palavras pois

que desestruturam a linguagem E natildeo eu

Manoel de Barros

Eacute Manuel de Barros que ilumina o caminho deste capiacutetulo E se me aproprio de

parte de seu corpus literaacuterio eacute porque o poeta brasileiro nos auxilia (a mim e ao leitor) a

compreender que os lugares jaacute natildeo estatildeo ldquodebaixo de noacutesrdquo Se admitimos que se faz

necessaacuterio romper com esquemas de pensamento que legitimam apenas uma forma de

fazer ciecircncia precisamos tambeacutem encontrar outros lugares para pensar sobre a

materialidade das coisas no loacutecus da pesquisa Nesse sentido como podemos pensar a

Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo nos espaccedilos das creches Como esta modalidade de

pesquisa pode auxiliar na ressignificaccedilatildeo da praacutetica pedagoacutegica dos profissionais que

atuam na educaccedilatildeo infantil na educaccedilatildeo baacutesica

Refletindo sobre essas questotildees teccedilo neste capiacutetulo o percurso metodoloacutegico da

realizaccedilatildeo deste estudo Primeiro esclareccedilo o que eacute uma Pesquisa Criacutetica de

Colaboraccedilatildeo e como ela aconteceu no interior do GP LACE e do GP EFoPI Por se

tratar de um contexto amplo explicito seus vaacuterios focos de atuaccedilatildeo ilustrando com

quadros que trazem resumidamente seus espaccedilos de produccedilotildees Apresento logo em

seguida a descriccedilatildeo dos participantes do GP EFoPI e dos colaboradores externos em

quadros ilustrativos e depois destaco como procedi na coletaproduccedilatildeo e organizaccedilatildeo

dos dados Essas informaccedilotildees tambeacutem estatildeo distribuiacutedas em quadros para melhor

visualizaccedilatildeo e compreensatildeo do leitor em relaccedilatildeo ao que foi feito no processo

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 91

ILKA SCHAPPER SANTOS

Continuo o caminho esclarecendo ao leitor sobre os procedimentos de anaacutelise e

interpretaccedilatildeo dos resultados me respaldando em categorias linguiacutestico-discursivas e de

interpretaccedilatildeo para discutir os possiacuteveis resultados do estudo Por fim mostro ao leitor os

vaacuterios momentos em que este trabalho foi avaliado No proacuteximo item apresento o

fluxograma e o desenho da pesquisa em que sintetizo as etapas realizadas nesta

investigaccedilatildeo

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 92

ILKA SCHAPPER SANTOS

Figura 01 ndash Fluxograma da Pesquisa

GRUPO DE PESQUISA LACE

PROJETO DE PESQUISA

ARGUMENTOS NA PRODUCcedilAtildeO CRIATIVA DE SIGNIFICADOS

EM CONTEXTOS ESCOLARES DE

FORMACcedilAtildeO DE EDUCADORES

O FLUXO DO SIGNIFICADO DO

BRINCAR NA CADEIA CRITATIVA ARGUMENTACcedilAtildeO E

FORMACcedilAtildeO DE EDUCADORES E PESQUISADORES

PESQUISA

GRUPO DE PESQUISA

EFoPI

EXTENSAtildeO

3 SESSOtildeES REFLEXIVAS

EDUCADORAS SOCIAIS

DAS CRECHES

1 SESSAtildeO REFLEXIVA

COORDENADORAS

CRECHE

2 ENCONTROS DO CURSO

DE EXTENSAtildeO

COORDENADORAS

CRECHES

ANAacuteLISE E

INTERPRETACcedilAtildeO DOS

DADOS

PRODUCcedilAtildeO DO

CONHECIMENTO

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 93

ILKA SCHAPPER SANTOS

Quadro 02 ndash Desenho da Pesquisa (inspirado em Fuga 2009)

Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo

Macro Contexto Argumentos na Produccedilatildeo Criativa de Significados em Contextos

Escolares de Formaccedilatildeo de Educadores

Contexto desta pesquisa GP EFoPI

Subcontextos

Creche Municipal Curso de Extensatildeo FACEDUFJF

Participantes 4 Professores de uma Creche Municipal da AMAC + Coordenadores das 23

creches da AMAC + Pesquisadores do GP EFoPI

Perguntas de

Pesquisa

Enfoque

Teoacuterico

Instrumentos

para discussatildeo

Participantes Procedimentos de

anaacuteliseinterpreta-

ccedilatildeo dos dados

Como o

processo da

argumentaccedilatildeo

desenvolvido entre

pesquisadoras e

educadoras

permite expor

sentidos e

significados sobre

a brincadeira no

movimento da

cadeia

Quais

argumentos

contribuiacuteram para

a produccedilatildeo de

significado sobre

o brincar no

movimento da

Cadeia Criativa

A Teoria

Soacutecio-Histoacuterico-

Cultural A

Cadeia Criativa

Argumentaccedilatildeo

na Retoacuterica e na

Nova Retoacuterica

Argumentaccedilatildeo

Dialoacutegica

Discussotildees

sobre o brincar

nas creches nas

sessotildees

reflexivas ndash

2006 a 2009

Discussotildees

sobre o brincar

no Curso de

Extensatildeo

Pesquisadores

do GP EFoPI e

quatro

professores de

uma creche

puacuteblica

municipal

Pesquisadores

do GP EFoPI e

vinte e trecircs

Coordenadoras

das creches

municipais

Marcas da

interaccedilatildeo

Questionamento

Instruccedilatildeo

Explicaccedilatildeo

Retomada de vozes

anteriores

Colocaccedilatildeo e

recolocaccedilatildeo de

problemas

Marcas

Argumentativas 1

Ponto de vista

Contra-argumento

Questatildeo controversa

e Acordo

Marcas

Argumentativas 2

Tipos de argumentos

ndash teoacuterico

autoridade fonte

exemplo definiccedilatildeo

comparaccedilatildeo

pragmaacutetico

Marcas

Linguiacutesticas

Decirciticos e

Operadores

argumentativos

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 94

ILKA SCHAPPER SANTOS

31 ndash A Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo no Grupo de Pesquisa Linguagem em

Atividades no Contexto Escolar (GP LACE)

Esta investigaccedilatildeo como jaacute mencionado tem como contexto o GP EFoPI em

especial as intervenccedilotildees de pesquisa e extensatildeo do grupo no periacuteodo de 2006 a 2009 Eacute

importante esclarecer que em 2006 junto com o meu ingresso no doutorado de

Linguiacutestica Aplica e Estudos da Linguagem (LAEL) o EFoPI inicia um trabalho

interinstitucional com o GP LACE em que o elo de interlocuccedilatildeo eacute a Pesquisa Criacutetica de

Colaboraccedilatildeo (Smyth 1992 John-Steiner 2000 Engestroumlm 2002 Magalhatildees 2002

2004 2006 2007 2009 Magalhatildees amp Fidalgo 2007 Liberali 2004 2006 2007

Schapper amp Silva 2009) Isto implica dizer que o GP EFoPI e por conseguinte este

trabalho de tese estatildeo estruturados sob a oacutetica do paradigma criacutetico e tecircm na

colaboraccedilatildeo seu meacutetodo de trabalho

Mas o que significa ser pesquisa criacutetica de colaboraccedilatildeo Para que o leitor possa

entender melhor a inserccedilatildeo do GP LACE do GP EFoPI bem como esta investigaccedilatildeo

na perspectiva do sintagma Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo eacute necessaacuterio fazer uma

incursatildeo sobre o que significa criacutetico e o que significa colaboraccedilatildeo

No modelo de investigaccedilatildeo da Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo o verbete criacutetica

estaacute alicerccedilado no paradigma19

criacutetico de pesquisa que emerge a partir dos anos 70 e

ganha forccedila sobretudo nos anos 80 Grosso modo este paradigma busca no

movimento de pesquisa a transformaccedilatildeo da realidade por meio da reflexatildeo fundada na

indissociabilidade entre teoria e praacutetica intersecccedilatildeo fundamental para a efetivaccedilatildeo de

mudanccedilas nos contextos pesquisados e para a produccedilatildeo do conhecimento Isso ocorre

porque a investigaccedilatildeo se estrutura a partir das necessidades reais dos participantes e do

proacuteprio grupo de pesquisa O pesquisador em um movimento de compreensatildeo ativa

19 Para Kuhn (1992) um paradigma se funda a partir de realizaccedilotildees cientiacuteficas universalmente

reconhecidas que por um certo tempo fornecem problemas e soluccedilotildees-modelo para uma comunidade de

profissionais Na contemporaneidade defende-se no universo investigativo educacional a existecircncia de

trecircs paradigmas (1) o positivista ndash fundado nos meacutetodos quantitativos e de verificaccedilatildeo de hipoacuteteses

proacuteprios das ciecircncias naturais e exatas cujo objetivo eacute controlar predizer prever explicar as formulaccedilotildees

de leis gerais a realidade material eacute uacutenica vista de forma universal e busca reproduzir os eventos

investigados (2) o interpretativo ndash baseado na ciecircncia hermenecircutica tem a convicccedilatildeo de que o real natildeo eacute

apreensiacutevel diretamente seus objetivos satildeo compreender e interpretar a realidade vista como muacuteltipla

intangiacutevel e holiacutestica o movimento investigativo eacute atravessado pela influecircncia do investigador que se

torna um construtor da realidade pesquisada e por ser passiacutevel de interpretaccedilatildeo entendida como uma

criaccedilatildeo subjetiva dos participantes envolvidos nos eventos do trabalho de campo que trazem para a cena

da pesquisa seus valores para a seleccedilatildeo do problema teoria e meacutetodos de anaacutelise e (3) o paradigma

criacutetico no qual esta pesquisa se funda e que eacute exposto no corpo do texto

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 95

ILKA SCHAPPER SANTOS

interveacutem no campo pesquisado no sentido de propiciar espaccedilos de transformaccedilotildees e

mudanccedilas Subjaz a este paradigma a inexistecircncia de verdades prontas e generalizaccedilotildees

a respeito dos contextos investigados uma vez que as verdades satildeo verossiacutemeis fiadas e

tecidas no fluxo do diaacutelogo em um contexto circunscrito agrave realidade histoacuterica e

material O processo de investigaccedilatildeo parte das reais necessidades de um dado contexto

e nesse movimento busca promover as mudanccedilas por meio de atitudes de intervenccedilatildeo

No Paradigma Criacutetico temos anaacutelises contextualizadas qualitativas imbricadas

no processo soacutecio-histoacuterico-cultural A ciecircncia sob a oacutetica desse paradigma procura

promover a transformaccedilatildeo da realidade e a investigaccedilatildeo descortina possibilidades de os

participantes analisarem os contextos nos quais estatildeo inseridos por meio da reflexatildeo

teoria-praacutetica (Freitas 2007) A dinacircmica inicial de refletir sobrena accedilatildeo possibilita

outros olhares outros posicionamentos que antes natildeo eram vislumbrados criando uma

siacutentese dialeacutetica que ganha novos contornos na triacuteade accedilatildeo-reflexatildeo-nova accedilatildeo Isso

ocorre porque haacute no movimento de investigaccedilatildeo um interesse intriacutenseco pelo

conhecimento que traz agrave tona os aspectos de alienaccedilatildeo e de dominaccedilatildeo de grupos sociais

ou de indiviacuteduos sobre outros (Fuga 2009)

Nesse contexto do Paradigma Criacutetico o verbete colaboraccedilatildeo ganha novos

contornos e institui a PCCol (Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo) criada pela Professora

Dra Maria Ceciacutelia Camargo Magalhatildees (2002 2004 2006 2007 2009) no interior do

GP LACE Nas palavras de Magalhatildees (2009 p 55)

a pesquisa criacutetica de colaboraccedilatildeo estaacute inserida em um paradigma

criacutetico que tem como objetivo intervir e transformar contextos de

modo a propiciar que os participantes aprendam por meio da

participaccedilatildeo coletiva na conduccedilatildeo da pesquisa Dessa forma a

pesquisa realiza-se como um processo de questionamento de sentidos-

significados rotinizados bem como de produccedilatildeo conjunta de novos

significados

A autora destaca que na praacutetica de pesquisa essa colaboraccedilatildeo e esse

questionamento criacutetico natildeo devem ser polarizados Por outro lado se o pesquisador

focar apenas o questionamento (sem colaboraccedilatildeo) tenderaacute agrave imposiccedilatildeo de ideias a partir

de sua autoridade afastando qualquer possibilidade de compartilhamento de sentidos e

de significados na produccedilatildeo-construccedilatildeo do conhecimento

Para a pesquisadora haacute a ideia de coautoria e de coconstruccedilatildeoproduccedilatildeo de

conhecimento entre pesquisadores e participantes no processo de transformaccedilatildeo

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 96

ILKA SCHAPPER SANTOS

circunscrito ao momento histoacuterico em que a accedilatildeo de pesquisa foi desenvolvida Isso

mostra como explicita Liberali (2008) a essecircncia da colaboraccedilatildeo como uma categoria

teoacuterico-metodoloacutegica que possibilita aos pesquisadores e participantes se posicionarem

como aprendizes no percurso investigativo Aleacutem disso materializa um meacutetodo de

pesquisa como instrumento-e-resultado e natildeo instrumento-para-resultado (Vygotsky

19301991)

Segundo Magalhatildees (2009) a colaboraccedilatildeo se estrutura em coautoria e

coconstruccedilatildeoproduccedilatildeo de pesquisadores e participantes como disse anteriormente

Contudo isso natildeo significa estabelecer uma relaccedilatildeo de simetria de conhecimento eou

semelhanccedilas de ideias representaccedilotildees sociais e valores ao contraacuterio implica tensotildees e

contradiccedilotildees (Engestroumlm 1999b) as quais geram conflitos questionamentos pontos de

vista distintos que satildeo elementos fundantes do processo criacutetico-reflexivo e por

conseguinte desencadeadores das possiacuteveis transformaccedilotildees dana praacutetica Para lidar

com essas tensotildees e conflitos a autora explica que se torna imprescindiacutevel estruturar a

linguagem pela argumentaccedilatildeo elemento tratado nesta tese Poderemos entender melhor

essa discussatildeo por suas proacuteprias palavras

eacute fundamental que sejam reconhecidas e questionadas as contradiccedilotildees

entre o objeto da atividade instrumentos e accedilotildees dos participantes

regras que embasam as relaccedilotildees e a qualidade da divisatildeo do trabalho

que conflitos sejam enfocados e trabalhados Assim eacute necessaacuterio que

a colaboraccedilatildeo organize uma linguagem que se estruture pela

argumentaccedilatildeo (Magalhatildees 2009 p 64)

A colaboraccedilatildeo eacute uma categoria que tece-fia uma estreita relaccedilatildeo com os

conceitos bakhtinianos de dialogismo exotopia e cronotopia Os desdobramentos dos

diaacutelogos tecidos entre pesquisadores e participantes no interior da praacutetica de pesquisa a

partir de um distanciamento no tempo e no espaccedilo (lugares e tempos exteriores ao

instante do processo de investigaccedilatildeo) permitem que se vejam elementos dos ldquooutrosrdquo e

do proacuteprio processo que os sujeitos no momento de construccedilatildeo-produccedilatildeo nunca

poderiam ver Nesse movimento os diversos olhares diante de um mesmo evento

possibilitam um ldquodelineamento de quadros interpretativos mais abrangentes de uma

realidade o que pode evitar conclusotildees unilaterais na produccedilatildeo e leitura dos dadosrdquo

(Fuga 2009) Aleacutem disso promove no jogo dialoacutegico uma compreensatildeo ativa-

responsiva entre sujeitos que transformam a realidade e por ela satildeo transformados

Na proacutexima seccedilatildeo discutirei como essa referecircncia paradigmaacutetica da PCCol tem

orientado de forma geral as accedilotildees do GP EFoPI

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 97

ILKA SCHAPPER SANTOS

32 ndash A Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo no Grupo de Pesquisa Educaccedilatildeo

Formaccedilatildeo de professores e Infacircncia (GP EFoPI)

O GP EFoPI iniciou o trabalho de investigaccedilatildeo com accedilotildees fundadas na Pesquisa

Criacutetica de Colaboraccedilatildeo (PCCol) em 2006 a partir de um projeto interinstitucional com

o GP LACE Assim a tocircnica das pesquisas passou a ser no pesquisador que natildeo soacute

interveacutem mas tambeacutem sofre influecircncia no processo de intervenccedilatildeo entendendo que ele

pesquisa porque pergunta questiona e na compreensatildeo do grupo satildeo as perguntas que

o fazem avanccedilar no processo de produccedilatildeo do conhecimento cientiacutefico

A perspectiva criacutetica possibilita aos participantes espaccedilos de reflexatildeo-

transformaccedilatildeo e elementos para a (re)construccedilatildeo de seus discursos e de suas accedilotildees com

base no diaacutelogo nas praacuteticas discursivas formando uma Cadeia Criativa na qual um

texto entrecruzado com outros criam novos textos em novas praacuteticas discursivas que

se configuram em novas accedilotildees

No processo de colaboraccedilatildeo todos os participantes da pesquisa podem dizer

sobre suas vivecircncias e experiecircncias suas compreensotildees suas concordacircncias e

discordacircncias em relaccedilatildeo a seu proacuteprio discurso e dos outros participantes (Magalhatildees

1994) Aleacutem disso essa perspectiva possibilita problematizar as accedilotildees cotidianas

repensar e ressignificar o que eacute familiar o conhecido o realizado sob a oacutetica dos

conceitos do cotidiano criando espaccedilo para a compreensatildeo ativa dos conceitos

cientiacuteficos

A ecircnfase estaacute na participaccedilatildeo de cada um dos envolvidos e na contribuiccedilatildeo de

reciprocidade para o grupo No caso da formaccedilatildeo dos profissionais da creche a

diversidade de conhecimentos formaccedilatildeo possibilidades quanto ao tempo disponiacutevel

tem levado agrave diversidade de atuaccedilatildeo na pesquisa A accedilatildeo dos pesquisadores da

universidade e dos profissionais das creches na investigaccedilatildeo das proacuteprias accedilotildees eacute

compreendida e examinada como um processo de colaboraccedilatildeo criacutetica Nesse contexto

os participantes analisam praacuteticas refutam refletem e argumentam para tecer e fiar as

accedilotildees cotidianas e compreender os interesses que embasam suas praacuteticas pedagoacutegicas

Aleacutem disso tecircm sido respeitadas nesse processo colaborativo as negociaccedilotildees

desenvolvidas por parte dos pesquisadores e dos profissionais dessas instituiccedilotildees por

meio do dispositivo da argumentaccedilatildeo

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 98

ILKA SCHAPPER SANTOS

A opccedilatildeo do GP EFoPI por este modelo de investigaccedilatildeo deve-se agrave crenccedila de que a

formaccedilatildeo profissional natildeo pode mais se restringir aos espaccedilos formais e escolarizados

organizados com esse fim Ela precisa ser concebida como algo que pode se dar antes

durante e depois do processo formal como espaccedilos de reflexatildeo sobre o proacuteprio trabalho

em seu proacuteprio contexto de produccedilatildeo

A Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo no GP EFoPI e nesta tese se insere na

abordagem qualitativa com enfoque soacutecio-histoacuterico-cultural uma vez que

() aceptamos la naturaleza diferenciada del objeto de investigacioacuten

de las ciencias sociales y humanas el cual es un sujeto interactivo

motivado e intencional que assume una posicioacuten frente a las tareas

que enfrenta La investigacioacuten sobre este sujeto no puede ignorar estas

caracteriacutesticas generales La investigacioacuten en las ciencias humanas es

entre otras cosas un proceso de comunicacioacuten entre investigador e

investigado un diaacutelogo permanente que toma diferentes formas en el

curso de este proceso (Rey 1999 p 57)

Essa perspectiva eacute marcada como sinaliza Rey pela interaccedilatildeo pelo diaacutelogo e

pelo compromisso de mudanccedila e transformaccedilatildeo estabelecido entre os participantes da

investigaccedilatildeo que se comprometem com o processo e natildeo somente com os resultados da

pesquisa Nesse enfoque mais do que compreender a realidade os participantes tecircm

principalmente preocupaccedilatildeo em transformaacute-la

Freitas (2003) a partir de um diaacutelogo com Bogdan amp Biklen (1994) diz que a

pesquisa qualitativa de base histoacuterico-cultural se caracteriza pelos seguintes aspectos

A fonte dos dados eacute o texto (contexto) no qual o acontecimento emerge focalizando o

particular enquanto instacircncia de uma totalidade social Procura-se portanto

compreender os sujeitos envolvidos na investigaccedilatildeo para atraveacutes deles compreender

tambeacutem o seu contexto

As questotildees formuladas para a pesquisa natildeo satildeo estabelecidas a partir da

operacionalizaccedilatildeo de variaacuteveis mas se orientam para a compreensatildeo dos fenocircmenos

em toda a sua complexidade e em seu acontecer histoacuterico Isto eacute natildeo se cria

artificialmente uma situaccedilatildeo para ser pesquisada mas vai-se ao encontro da situaccedilatildeo

no seu acontecer no seu processo de desenvolvimento

A ecircnfase da atividade do pesquisador situa-se no processo de transformaccedilatildeo e

mudanccedila em que se desenrolam os fenocircmenos humanos procurando reconstruir a

histoacuteria de sua origem e de seu desenvolvimento

O pesquisador eacute um dos principais instrumentos da pesquisa porque sendo parte

integrante da investigaccedilatildeo sua compreensatildeo se constroacutei a partir do lugar soacutecio-

histoacuterico no qual se situa e depende das relaccedilotildees intersubjetivas que estabelece com

os sujeitos com quem pesquisa

O criteacuterio que se busca numa pesquisa natildeo eacute a precisatildeo do conhecimento mas a

profundidade da penetraccedilatildeo e a participaccedilatildeo ativa tanto do investigador quanto do

investigado Disso resulta que pesquisador e pesquisado tecircm oportunidade para

refletir aprender e ressignificar-se no processo de pesquisa (Freitas 2003 p 27-28)

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 99

ILKA SCHAPPER SANTOS

Dentro desse quadro de caracteriacutesticas natildeo poderia deixar de relacionaacute-lo como

o faz Freitas agrave teoria enunciativa da linguagem de Mikhail Bakhtin Para Bakhtin

(1987 p 403) as ciecircncias exatas que tecircm o paradigma positivista como referente de

pesquisa se constituem como forma monoloacutegica do conhecimento pois a compreensatildeo

do fenocircmeno pesquisado daacute-se no movimento de o intelecto contemplar uma coisa e

pronunciar-se sobre o objeto analisado Este eacute ldquocoisa mudardquo no dizer do autor e

produz o conhecimento monoloacutegico Numa leitura bakhtiniana podemos inferir (eu e o

leitor) que o sujeito sendo da linguagem natildeo pode permanecer emudecido pois como

sujeito da enunciaccedilatildeo estabelece nocom o mundo uma relaccedilatildeo dialoacutegica Essa relaccedilatildeo

se materializa na comunicaccedilatildeo verbal posto que um enunciado eacute sempre acompanhado

de uma atitude responsiva ativa Ou seja ldquotoda compreensatildeo eacute prenha de resposta e de

uma forma ou de outra forccedilosamente a produz o ouvinte torna-se locutorrdquo (Bakhtin

1987 p 290)

O processo de pesquisa nessa perspectiva eacute dialeacutetico Os participantes se

revezam nos posicionamentos ora de ouvinte ora de locutor no fluxo dialoacutegico da

linguagem Eacute nesse movimento dialeacutetico de ouvinte-locutor que o enunciado no

(con)texto de produccedilatildeo da investigaccedilatildeo ganha novas formas de expressatildeo e novas

construccedilotildees coletivas

Contreras (2002) explica que o professor natildeo se constitui como um profissional

reflexivo sozinho de maneira isolada pois a reflexatildeo eacute um processo coletivo e

acrescentamos dialoacutegico Nessa perspectiva refletir criticamente possibilita que o

educador analise de forma problematizadora as condiccedilotildees sociais histoacutericas e materiais

nas quais se estruturaram sua praacutetica educativa

Smyth (1992) propotildee aos professores questotildees que auxiliam nesse processo

criacutetico-reflexivo

De onde procedem historicamente as ideias que eu incorporo em minha praacutetica de

ensino

Como cheguei a apropriar-me delas

Por que ainda continuo respaldando o meu trabalho nelas

A que interesses servem

Que relaccedilotildees de poder estatildeo imbricadas

Como estas ideias influem no meu relacionamento com os alunos

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 100

ILKA SCHAPPER SANTOS

Nesta pesquisa tais consideraccedilotildees e questionamentos reforccedilaram a compreensatildeo

dos participantes de que a colaboraccedilatildeo visa ao desenvolvimento de novos

conhecimentos novas compreensotildees e possibilidades de accedilatildeo para todos os sujeitos nela

envolvidos

Para Smyth (1992) o processo reflexivo abarca quatro accedilotildees indissociaacuteveis que

estatildeo ligadas a certos tipos de perguntas que possibilitam refletir criticamente Ao

descrever suas accedilotildees em resposta a uma pergunta ndash o que faccedilo ndash o participante se

distancia delas e passa a se questionar sobre as razotildees das escolhas feitas Isto contribui

inicialmente para o favorecimento de um diaacutelogo com os professores promovendo o

reconhecimento e a anaacutelise dos fatores que limitam a sua atuaccedilatildeo e a possibilidade de

verem a si mesmos como capazes de levar a cabo a transformaccedilatildeo da praacutetica e dos

valores educativos Natildeo basta criticar a realidade mas mudaacute-la Para isso o autor

organizou como apontado acima um ciclo de quatro fases que representam as accedilotildees que

os docentes deveriam adotar descrever informar confrontar e reconstruir Eacute

importante esclarecer que essas fases natildeo satildeo etapas hierarquizadas podendo ocorrer

concomitantemente

Quadro 03 Accedilotildees e questotildees relativas ao processo reflexivo (Smyth 1992)20

Actions Questions

Describe What do I do

Inform What does this mean

Confront How did I come to be like this

Reconstruct How might I do things differently

20 Descrever O que faccedilo

Informar O que isso significa

Confrontar Como eu cheguei a ser assim

Reconstruir Como eu poderia fazer as coisas diferentemente

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 101

ILKA SCHAPPER SANTOS

Quadro 04 - Accedilotildees e questotildees relativas ao processo reflexivo construiacutedas pelo EFoPI a

partir de Smyth (1992)

Siacutentese do Processo de Reflexatildeo do Grupo de Pesquisa EFoPI

Accedilotildees Questotildees

Descrever O que faccedilo

Informar Qual o significado das minhas accedilotildees

Confrontar A que interesses minha praacutetica estaacute servindo

Reconstruir Como vocecirc organizaria essa atividade de

outra maneira Por quecirc

Segundo Liberali (2004) o descrever estaacute relacionado agrave descriccedilatildeo da accedilatildeo para

que esta fique clara aos participantes Esta forma de accedilatildeo estaacute relacionada ao

questionamento ldquoo que faccedilordquo Na descriccedilatildeo concreta das accedilotildees eacute possiacutevel tornar

evidente o que estaacute por traacutes de cada uma delas e abrir caminho para o informar Nesta

accedilatildeo haacute uma revisita ao descrever para compreender as teorias que foram sendo

construiacutedas pelo professor ao longo da vida e que influenciaram as suas praacuteticas O

educador procura responder sobre ldquoqual o significado de suas accedilotildeesrdquo A resposta abre

caminho para o confrontar das accedilotildees com base na compreensatildeo delas e natildeo na sugestatildeo

de novos procedimentos e modelos de atividades Envolve natildeo somente a busca das

inconsistecircncias da praacutetica entre preferecircncias pessoais e modos de agir como tambeacutem

remete a questotildees poliacuteticas como por exemplo ldquoa que interesses minha praacutetica estaacute

servindordquo Eacute no confrontar que eacute possiacutevel perceber como os discursos e as praacuteticas que

ocorrem fora das creches influenciam o modo de agir dentro delas Essa postura abre as

portas para o reconstruir no qual buscamos alternativas para a praacutetica educativa na

reflexatildeo de cada accedilatildeo com base nos diaacutelogos e informaccedilotildees ocorridos nas sessotildees

reflexivas a partir de questotildees do tipo de ldquoComo vocecirc organizaria essa atividade de

outra maneira Por quecircrdquo entre outras (Liberali 2004)

Atentando e concordando com essas premissas os procedimentos para a

consecuccedilatildeo dos objetivos da pesquisa em questatildeo pautaram-se inicialmente no

desenvolvimento de sessotildees reflexivas21

com a participaccedilatildeo dos pesquisadores externos

21 As sessotildees reflexivas satildeo pensadas como contextos em que satildeo criadas oportunidades para a construccedilatildeo de

significados sobre a praacutetica docente em colaboraccedilatildeo com um pesquisador externo caracterizando-se como sessotildees de

discussatildeo (Szundy 2005 p 90)

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 102

ILKA SCHAPPER SANTOS

(professores da universidade mestrandos e bolsistas de iniciaccedilatildeo cientiacutefica) e quatro

educadoras de uma creche puacuteblica do Municiacutepio de Juiz de Fora no ano de 2006 Aleacutem

disso as 23 coordenadoras das 23 creches puacuteblicas da cidade mineira participaram de

um curso de extensatildeo e sessotildees reflexivas no periacuteodo de 2007 a 2009

O enfoque metodoloacutegico possibilitou que o grupo elaborasse uma proposta que

pudesse dar subsiacutedios para o trabalho de pesquisa com os 4 professores de uma creche e

as 23 coordenadores no periacuteodo de 2006 a 2009 A proposta abrangeu as seguintes

accedilotildees (1) 12 sessotildees reflexivas com 4 professores de uma das creches municipais da

AMAC em 2006 (2) 10 encontros com os 23 coordenadores da AMAC no curso de

extensatildeo intitulado ldquoEspaccedilo de Reflexatildeo Teoacuterico-Praacutetico em Contexto de

Colaboraccedilatildeordquo em 2007 (3) 8 sessotildees reflexivas com os 23 coordenadores da AMAC

nos anos de 2008 e 2009

Voltando agrave discussatildeo que Magalhatildees (2002 2004 2009) tece sobre coautoria e

coconstruccedilatildeo entre participantes e pesquisadores no processo de construccedilatildeo-produccedilatildeo

de conhecimento no GP EFoPI estes atuaram para a formaccedilatildeo buscando trazer

subsiacutedios agrave transformaccedilatildeo da praacutetica daqueles envolvidos nas pesquisas Jaacute os

professores e coordenadores participantes trouxeram respostas (e muitas vezes

perguntas) para o grupo de pesquisadores Tal processo de argumentaccedilatildeo dialoacutegica

possibilitou a reflexatildeo na siacutentese dialeacutetica teoria-praacutetica enriquecendo a ldquoarquiteturardquo

do fazer-pensar pedagoacutegico em ambas as comunidades Esse movimento imbricado nas

contribuiccedilotildees dessas duas comunidades incidiu de maneira positiva na produccedilatildeo de

conhecimento Em siacutentese um movimento que possibilitou a todos a aprendizagem-

desenvolvimento isto eacute um contexto de empoderamento (Magalhatildees amp Fidalgo 2007)

Segundo Magalhatildees (2009) na colaboraccedilatildeo existem diferentes modos e niacuteveis

de participaccedilatildeo dos envolvidos que nem sempre participam de todos os momentos da

conduccedilatildeo da pesquisa por motivos diversos Minha participaccedilatildeo nas duas uacuteltimas

pesquisas do GP EFoPi ocorreu por volta de fevereiro de 2006 momento em que a

equipe firmava o compromisso de realizar o trabalho com as 4 educadoras de uma das

creches puacuteblicas municipais de Juiz de Fora O fluxo do trabalho nesse periacuteodo foi

intenso pois o grupo iniciava a parceria com GP LACE e aprofundava seus estudos na

metodologia de Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo

Participei de todas as reuniotildees de planejamento das 12 sessotildees reflexivas no

acircmbito da UFJF Nessa etapa os pesquisadores jaacute tinham organizado o material de

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 103

ILKA SCHAPPER SANTOS

estudos As discussotildees se pautavam em torno de investigar as atividades que envolviam

a brincadeira no contexto da creche analisada

Como abordado por Liberali (2008) para alguns pesquisadores juniores no caso

Patriacutecia Cestaro22

e para mim a tarefa de conduzir as sessotildees reflexivas soacute foi

consolidada por conta da ausecircncia da coordenadora do grupo de pesquisa em funccedilatildeo de

problemas de sauacutede na famiacutelia Essa situaccedilatildeo tornou as duas pesquisadoras mais

responsaacuteveis e mais engajadas nas intervenccedilotildees seguintes do GP EFoPI criando para

noacutes possibilidades de ter uma compreensatildeo ativa na praacutetica de pesquisa

Minha funccedilatildeo naquele momento centrava-se em responder as duacutevidas

metodoloacutegicas relacionadas agrave Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo Isso porque jaacute

participava ativamente das discussotildees do GP LACE na PUC e tambeacutem porque cursava

uma disciplina com a Profa Dra Maria Ceciacutelia Magalhatildees cujo principal conteuacutedo eram

as discussotildees da PCCol

No ano de 2007 realizamos o curso de extensatildeo intitulado ldquoEspaccedilo de Reflexatildeo

Teoacuterico-Praacutetico em Contexto de Colaboraccedilatildeordquo para as 23 coordenadoras das 23

creches municipais Jaacute em 2008 e 2009 centramos nossas accedilotildees em 8 sessotildees

reflexivas com as mesmas coordenadoras Nesse periacuteodo participei ativamente tanto no

curso quanto nas sessotildees em reuniotildees de estudos teoacutericos e planejamento de todas as

atividades do grupo realizadas com as coordenadoras Assim minha observaccedilatildeo e

intervenccedilatildeo aconteceram de forma direta e depois de forma indireta por meio das

gravaccedilotildees em viacutedeo a mim repassadas para tecer as anaacutelises e interpretaccedilotildees que datildeo

subsiacutedios agraves discussotildees desta tese As discussotildees deste trabalho estatildeo portanto

pautadas em uma investigaccedilatildeo longitudinal que fiz a partir das intervenccedilotildees do GP

EFoPI com educadores e coordenadores das creches municipais de Juiz de Fora

Acredito que minha accedilatildeo colaborativa com o GP EFoPI ficou circunscrita a

vaacuterios contextos (1) discussotildees teoacuterico-metodoloacutegicas com o grupo que resultaram em

apresentaccedilotildees de trabalho e escrita de vaacuterios artigos publicados no acircmbito nacional e

internacional em coautoria com a coordenadora do grupo o que possibilitou repensar as

nossas accedilotildees nas pesquisas do GP EFoPI (2) planejamento e execuccedilatildeo do curso de

extensatildeo e das sessotildees reflexivas com os professores e os coordenadores da creches (3)

22 Eacute mestre em educaccedilatildeo pesquisadora do GP EFoPI e professora da rede municipal do municiacutepio de Juiz

de Fora Atualmente trabalha na Secretaria de Educaccedilatildeo no Departamento de Educaccedilatildeo Infantil

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 104

ILKA SCHAPPER SANTOS

participaccedilatildeo em bancas de trabalhos de bacharelado de algumas bolsistas de iniciaccedilatildeo

cientiacutefica integrantes do grupo de pesquisa (4) elo de intersecccedilatildeo materializado

principalmente nesta tese entre os GP EFoPI e o GP LACE

Os caminhos do GP EFoPI demandaram a inserccedilatildeo em diferentes espaccedilos fiacutesicos

para que o trabalho pudesse ser realizado espaccedilos esses que estiveram interligados ndash

acircmbito da UFJF e da AMAC ndash natildeo havendo possibilidade de discorrer apenas sobre um

deles jaacute que o GP EFoPI era pensado em cada parte para se constituir como totalidade

Desse modo no proacuteximo item apresento os diversos contextos que configuram o GP

EFoPI no periacuteodo de 2006 a 2009 em especial os contextos e as atividades que estatildeo

circunscritas a este trabalho

33 ndash Espaccedilos-tempo de uma construccedilatildeo coletiva caracterizaccedilatildeo do(s) contexto(s)

de pesquisa

Nesta pesquisa discuto como jaacute disse anteriormente como a argumentaccedilatildeo

desenvolvida entre pesquisadores e professores do GP EFoPI permite expor sentidos e

significados sobre a brincadeira no movimento da Cadeia Criativa Aleacutem disso procuro

identificar quais argumentos satildeo utilizados no espaccedilo discursivo e investigar se eles

possibilitam o compartilhamento de sentidos e de significados sobre o brincar

Para que o leitor possa melhor compreender o contexto de produccedilatildeo apresento a

seguir os dois projetos do GP EFoPI que configuram o material de anaacutelise deste

trabalho (1) A verticalizaccedilatildeo e a horizontalizaccedilatildeo do espaccedilo da sala de educaccedilatildeo

infantil ndash 2006-2007 e (2) Espaccedilo de reflexatildeo criacutetica em contexto de colaboraccedilatildeo

reconstruindo os sentidos e os significados da praacutetica educativa na creche Essa

descriccedilatildeo seraacute realizada porque acredito que como explica BakhtinVolochinov (1988

p 129) eacute imprescindiacutevel agrave anaacutelise da linguagem a compreensatildeo ldquodas formas e dos tipos

de interaccedilatildeo verbal em ligaccedilatildeo com as condiccedilotildees concretas em que se realizardquo

331 ndash Projeto de 2006-2007 A verticalizaccedilatildeo e a horizontalizaccedilatildeo do espaccedilo da sala

de educaccedilatildeo infantil

Este projeto buscou estudar o espaccedilo das creches bem como as vivecircncias e

saberes que se estabelecem nas salas de atividades23

de educaccedilatildeo infantil em especial

23 Usaremos a expressatildeo sala de atividades em substituiccedilatildeo agrave sala de aula por ser um termo comumente

utilizado quando se trata de crianccedilas de 0-6 anos

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 105

ILKA SCHAPPER SANTOS

aqueles relacionados agraves brincadeiras A questatildeo investigada foi assim delineada O que

dizem os limites da sala de atividades de educaccedilatildeo infantil tanto do ponto de vista

vertical ndash as paredes ndash quanto do ponto de vista horizontalizado ndash o chatildeo

O processo de reflexatildeo sobre esses aspectos nos levou ao desdobramento da

questatildeo central

- Observar o desenvolvimento das experiecircncias infantis orientadas pelo

educadorprofessor na sala de atividades da creche em especial aquelas relacionadas

agraves brincadeiras

- Conhecer como satildeo organizadas e documentadas essas experiecircncias infantis pelo

educadorprofessor e pelas proacuteprias crianccedilas Quais atividades satildeo selecionadas para

serem desenvolvidas no chatildeo da sala e quais satildeo escolhidas para serem afixadas nas

paredes

- Desencadear a reflexatildeo do educadorprofessor acerca das experiecircncias infantis por

ele orientadas e o significado que o pensar sobre elas tem para o desenvolvimento

infantil e para a ressignificaccedilatildeo24

de sua praacutetica educativa

O interesse do GP EFoPI pelo tema em questatildeo origina-se dos resultados das

pesquisas anteriormente desenvolvidas em escolas de educaccedilatildeo infantil dentre as quais

ldquoO brincar de faz-de-conta e a imaginaccedilatildeo infantil concepccedilotildees e praacuteticas do professorrdquo

e ldquoConcepccedilatildeo de qualidade em educaccedilatildeo infantil um estudo de casordquo A primeira estaacute

documentada na tese de doutorado da coordenadora do GP EFoPI professora Dra Leacutea

S P Silva e a uacuteltima encontra-se registrada no livro ldquoUma experiecircncia de pesquisa

formaccedilatildeo e intervenccedilatildeo em educaccedilatildeo infantilrdquo lanccedilado no mecircs de junho de 2005 pela

editora FEME ndash UFJF

Objetivos

Pretendiacuteamos investigar o que revelavam os limites da sala de atividades de

educaccedilatildeo infantil tanto do ponto de vista vertical ndash as paredes ndash quanto do ponto de

vista horizontalizado ndash o chatildeo ndash sobre as vivecircncias e saberes que se estabelecem nas

salas de atividades de educaccedilatildeo infantil em especial aqueles relacionados agraves

brincadeiras

24 O termo ressignificaccedilatildeo vem de re + significar que pode ser entendido como significar outra vez dar

outra vez significado tornar a significar conferir novo significado

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 106

ILKA SCHAPPER SANTOS

Objetivos especiacuteficos

- Compreender como estaacute organizada a documentaccedilatildeo das experiecircncias educativas

realizadas

- Observar em que medida as informaccedilotildees visuais realizadas e apresentadas nas paredes

valorizam o ato autocircnomo e criativo na apropriaccedilatildeo do espaccedilo-ambiente

- Investigar qual a concepccedilatildeo de linguagem revelada no espaccedilo-ambiente da sala de

atividades nos eixos de trabalho e nos aspectos que estatildeo sendo trabalhados com a

crianccedila no acircmbito do brincar

EstrateacutegiasMetodologia

A escolha de uma metodologia de pesquisa na maioria das vezes natildeo eacute faacutecil

para o pesquisador Destaca-se na instacircncia da decisatildeo a importacircncia dos pressupostos

teoacutericos adotados e o tipo de fenocircmeno que se pretende estudarintervir Ao

desconsiderar tais aspectos podemos correr o risco de ganhar em rigor e perder a

interlocuccedilatildeo e vice-versa Portanto entendemos no GP EFoPI que os caminhos satildeo

demarcados pela questatildeo investigada embora eles possam ser (re)construiacutedos pelo

pesquisador com a colaboraccedilatildeo do referencial teoacuterico abordado e na interaccedilatildeo com os

participantes da pesquisa

Eacute sabido que cada pesquisador ao elaborar um projeto de pesquisa tem as suas

convicccedilotildees influenciadas pela quantidade e qualidade de informaccedilotildees que tem sobre

uma aacuterea do conhecimento Portanto as suas crenccedilas satildeo resultado das informaccedilotildees de

que dispotildee sobre um determinado assunto ou tema somadas agraves suas experiecircncias de

vida

Para subsidiar esta pesquisa contamos com a literatura que aborda o tema

espaccedilo-ambiente como um dos elementos fundamentais para uma pedagogia da

educaccedilatildeo infantil dentre as quais se destacam Zabalza (1998) e Vintildeao Frago amp

Escolano (1999) A leitura de trabalhos de Vygotsky Leontiev e Elkonin sobre o

desenvolvimento da imaginaccedilatildeo infantil e a brincadeira possibilitaram a compreensatildeo

das vivecircncias e saberes que se estabelecem nas salas de atividades de educaccedilatildeo infantil

atraveacutes das interaccedilotildees crianccedila-crianccedila e crianccedila-adulto-crianccedila no espaccedilo-ambiente

escolar no acircmbito das brincadeiras

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 107

ILKA SCHAPPER SANTOS

Para desenvolver o estudo de forma criacutetica e reflexiva optamos pela Pesquisa

Criacutetica de Colaboraccedilatildeo

Os sujeitos da investigaccedilatildeo foram 04 professoras e seus alunos no contexto da

sala de atividades de escolas puacuteblicas de educaccedilatildeo infantil da cidade de Juiz de Fora As

estrateacutegias adotadas foram

Procedimentos metodoloacutegicos

a) Instrumentos

- Sessotildees Reflexivas com os professores

- Observaccedilatildeo do dia a dia escolar nas salas de atividades

b) Organizaccedilatildeo e planejamento

- Visita agraves escolas visando agrave apresentaccedilatildeo dos objetivos da pesquisa por meio de

entrevista com os professores e coordenador pedagoacutegico

- Organizaccedilatildeo planejamento e construccedilatildeo dos roteiros das sessotildees reflexivas e das

observaccedilotildees

- Montagem do cronograma das observaccedilotildees do dia a dia escolar e das sessotildees

reflexivas com os professores

O quadro abaixo apresenta o cronograma do planejamento das accedilotildees do ano de

2006 e 2007

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 108

ILKA SCHAPPER SANTOS

Quadro 05 - Cronograma do planejamento das accedilotildees do GP EFoPI nos anos de 2006 e

2007

Accedilotildees 2006 2006 2007 2007

Estudo da literatura X X X X

Apresentaccedilatildeo da proposta de

pesquisa agraves creches de educaccedilatildeo

infantil e professores

X

Organizaccedilatildeo planejamento e

construccedilatildeo das sessotildees reflexivas e

das observaccedilotildees

X

Montagem do cronograma das

observaccedilotildees do dia a dia escolar e

das sessotildees reflexivas com os

professores

X

Realizaccedilatildeo das 12 sessotildees reflexivas

com os educadores

X

X

Observaccedilatildeo do dia a dia escolar das

crianccedilas na sala de atividades com

registro

X X

Realizaccedilatildeo do Curso de Extensatildeo

intitulado ldquoEspaccedilo de reflexatildeo

Teoacuterico-Praacutetico em Contexto de

Colaboraccedilatildeo nas Crechesrdquo

X X

Transcriccedilatildeo das sessotildees reflexivas X X

Anaacutelise dos dados X X

Relatoacuterio Final X X

Publicaccedilatildeo X X

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 109

ILKA SCHAPPER SANTOS

332 ndash Projeto de 2008-2009 Espaccedilo de reflexatildeo criacutetica em contexto de colaboraccedilatildeo

reconstruindo os sentidos e os significados da praacutetica educativa na creche

A origem do interesse pelo tema deste projeto de pesquisa encontrou-se nos

resultados da pesquisa anterior desenvolvida pelo GP EFoPI em espaccedilos de educaccedilatildeo

infantil em um das creches municipais sob o tiacutetulo ldquoA verticalizaccedilatildeo e a

horizontalizaccedilatildeo do espaccedilo da sala de educaccedilatildeo infantilrdquo desenvolvida com a

aprovaccedilatildeo dos programas PIBIC e BIC da UFJF em 2006-2007 descrita anteriormente

Os resultados dessa pesquisa jaacute foram apresentados em relatoacuterio enviado agrave Proacute-

Reitoria de Pesquisa da UFJF e tambeacutem nas publicaccedilotildees de eventos de natureza

cientiacutefica e em perioacutedicos25

Tais resultados apontaram para a urgecircncia de pesquisas que

possibilitassem a reflexatildeo criacutetica dos participantes e consequentemente a formaccedilatildeo de

todos os profissionais comprometidos com a educaccedilatildeo de crianccedilas pequenas Por essa

razatildeo o principal objetivo desta investigaccedilatildeo foi desencadear a reflexatildeo criacutetica e a accedilatildeo

colaborativa entre coordenadoras de 23 creches municipais e pesquisadores externos

representados pelos integrantes do GP EFoPI sobre as atividades educativas que se

apresentavam na rotina da creche

Objetivos

- Desencadear a reflexatildeo criacutetica e a accedilatildeo colaborativa dos coordenadores de creche

responsaacuteveis pelo planejamento e execuccedilatildeo das accedilotildees administrativas e pedagoacutegicas e

dos pesquisadores externos26

no espaccedilo da creche acerca das experiecircncias infantis e do

sentido que o pensar sobre elas tem para o desenvolvimento infantil e para a

(re)construccedilatildeo da accedilatildeo na praacutetica educativa em especial aquelas relacionadas agraves

brincadeiras

- Promover espaccedilos de reflexatildeo criacutetica e accedilatildeo colaborativa sobre as atividades

educativas que se apresentam na rotina da creche com a participaccedilatildeo dos coordenadores

da creche e dos pesquisadores externos

- Construir propostas alternativas para a orientaccedilatildeo das experiecircncias infantis na creche

num processo de coparticipaccedilatildeo ativa e colaborativa entre coordenadores da creche e

pesquisadores externos

25 Cf EDUCACcedilAtildeO EM FOCO vol 13 nordm2 - set 2008fev 2009

26 Estatildeo sendo considerados como pesquisadores externos os integrantes do grupo de pesquisa EFoPI

(cadastrado no CNPq ) coordenado pelas autoras deste projeto de pesquisa Profa Dra Leacutea S P Silva e

Profa Ilka Schapper Santos

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 110

ILKA SCHAPPER SANTOS

A preocupaccedilatildeo em realizar pesquisas nos contextos educativos de modo a

contribuir com seus profissionais na compreensatildeo e no encaminhamento de respostas agraves

dificuldades nelas inerentes levou-nos agrave certeza de que queriacuteamos realizar pesquisas

com os profissionais no contexto da creche e natildeo sobre eles Essa certeza se consolidou

com sua aprovaccedilatildeo no programa PIBIC e BICUFJF 2008-2009

As accedilotildees realizadas no 2ordm semestre de 2008 e 1ordm semestre de 2009 foram

- Inserccedilatildeo no campo com os coordenadores das 24 creches do programa de creches da

AMAC em transiccedilatildeo para a Secretaria de Educaccedilatildeo do Municiacutepio de Juiz de Fora

- Descriccedilatildeo por escrito dos viacutedeos que gravaram as accedilotildees de inserccedilatildeo no campo ou seja

das sessotildees reflexivas e do curso de extensatildeo realizados durante o semestre com a

presenccedila dos profissionais da creche e dos pesquisadores externos

- Anaacutelise dos dados obtidos no campo e descritos a partir dos viacutedeos obtidos no 2ordm

semestre de 2008

- Retorno ao campo com os coordenadores das 23 creches

- Redaccedilatildeo de textos que foram publicados e apresentados em eventos

- Construccedilatildeo de um livro (no prelo pela editora UFF)

EstrateacutegiasMetodologia

Nesta pesquisa continuamos a utilizar os preceitos da Pesquisa Criacutetica de

Colaboraccedilatildeo Eacute necessaacuterio reforccedilar que a ecircnfase desta investigaccedilatildeo recai sobre a

participaccedilatildeo de cada um dos envolvidos e a contribuiccedilatildeo de reciprocidade para o grupo

envolvendo portanto uma situaccedilatildeo de colaboraccedilatildeo entre os participantes O foco estaacute

em uma maneira de refletir criticamente e relacionar teoria e praacutetica a partir do diaacutelogo

entre pesquisadores e coordenadores da creche e a consequente produccedilatildeo de

conhecimento novo Com isso foi necessaacuterio compreendermos o processo de

colaboraccedilatildeo que possibilitava examinar praacuteticas refletir criticamente e argumentar para

assim podermos (des)construir accedilotildees cotidianas e interesses que realmente embasavam

as praacuteticas no espaccedilo da creche Aleacutem disso foram respeitadas nesse processo

colaborativo as negociaccedilotildees envolvidas por parte dos pesquisadores e dos profissionais

da creche

Os procedimentos para a consecuccedilatildeo dos objetivos deste projeto de pesquisa

continuaram a se pautar no desenvolvimento de sessotildees reflexivas com a participaccedilatildeo

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 111

ILKA SCHAPPER SANTOS

dos pesquisadores externos (professores da UFJF e do municiacutepio mestrandos e bolsistas

de iniciaccedilatildeo cientiacutefica) e os coordenadores das creches da Prefeitura de Juiz de Fora

Entendemos como Szundy (2005 p 90) que ldquoas sessotildees reflexivas satildeo pensadas como

contextos em que satildeo criadas oportunidades para a construccedilatildeo de significados sobre a

praacutetica docente em colaboraccedilatildeo com um pesquisador externo caracterizando-se como

sessotildees de discussatildeordquo

Nas sessotildees reflexivas os profissionais da creche e os pesquisadores em

processo de reflexatildeo criacutetica colaborativa fizeram a anaacutelise de accedilotildees desenvolvidas

comumente no cotidiano das creches utilizando o ciclo de quatro accedilotildees proposto por

Smyth (1992) descrever informar confrontar e reconstruir

A partir dos dados de campo obtidos no projeto anterior estabeleceu-se como

prioridade para este projeto a discussatildeo das sessotildees reflexivas que tiveram os seguintes

temas a) o desenvolvimento infantil (neste caso mais especificamente sobre a questatildeo

do choro na creche como condiccedilatildeo da crianccedila tendo como subsiacutedio as consideraccedilotildees de

Henri Wallon (1975 1995) b) a atividade da roda de conversa como espaccedilo de

investigaccedilatildeo c) o desenvolvimento da imaginaccedilatildeo infantil e o brincar e d) as relaccedilotildees

de poder na creche

Foi realizado um relatoacuterio detalhado trazendo a contribuiccedilatildeo dos pesquisadores

e profissionais da creche construiacutedo e publicado ao teacutermino da pesquisa sob a forma de

um livro que estaacute no prelo pela editora da UFF

Aleacutem disso continuamos estabelecendo uma importante parceria com as

professoras Drordf Maria Ceciacutelia C Magalhatildees e Drordf Fernanda C Liberali do grupo de

pesquisa do LAEL ndash Programa de Estudos Poacutes-graduados em Linguiacutestica Aplicada e

Estudos da Linguagem da PUC-SP A interlocuccedilatildeo com as referidas pesquisadoras

possibilitoupossibilita o aprofundamento teoacuterico na metodologia de Pesquisa Criacutetica de

Colaboraccedilatildeo

Pelo fato de fomentar discussotildees acerca dos saberes construiacutedos no espaccedilo das

creches por meio da reflexatildeo criacutetica dos educadores e dos coordenadores das creches

puacuteblicas de Juiz de Fora e dos pesquisadores este estudo propiciou o surgimento de

novas questotildees que puderam se desdobrar em novos projetos de pesquisa aleacutem de

motivar investigaccedilotildees desenvolvidas por alunos do programa de Poacutes-

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 112

ILKA SCHAPPER SANTOS

graduaccedilatildeoMestrado em Educaccedilatildeo da Faculdade de Educaccedilatildeo e por alunos dos cursos de

especializaccedilatildeo e de graduaccedilatildeo

O quadro abaixo apresenta o cronograma do planejamento das accedilotildees dos anos de

2008 e 2009

Quadro 06 ndash Cronograma do planejamento das accedilotildees do GP EFoPI nos anos de 2008 e

2009

Accedilotildees 2006 2006 2007 2007

Estudo da literatura X X X X

Apresentaccedilatildeo da proposta de

pesquisa agraves creches de educaccedilatildeo

infantil e professores

X

Organizaccedilatildeo planejamento e

construccedilatildeo das sessotildees reflexivas e

das observaccedilotildees

X

Montagem do cronograma das

observaccedilotildees do dia a dia escolar e

das sessotildees reflexivas com os

professores

X

Realizaccedilatildeo das 12 sessotildees reflexivas

com os educadores

X

X

Observaccedilatildeo do dia a dia escolar das

crianccedilas na sala de atividades com

registro

X X

Realizaccedilatildeo do Curso de Extensatildeo

intitulado ldquoEspaccedilo de reflexatildeo

Teoacuterico-Praacutetico em Contexto de

Colaboraccedilatildeo nas Crechesrdquo

X X

Transcriccedilatildeo das sessotildees reflexivas X X

Anaacutelise dos dados X X

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 113

ILKA SCHAPPER SANTOS

Relatoacuterio Final X X

Publicaccedilatildeo X X

Assim analiso em uma perspectiva longitudinal as accedilotildeesintervenccedilotildees do GP

EFoPI sobre o brincar na formaccedilatildeo dos profissionais da educaccedilatildeo infantil no municiacutepio

de Juiz de Fora a partir dos dois projetos supra citados com foco no brincar A seleccedilatildeo

dos dados ficou assim organizada (a) 3 sessotildees reflexivas com a participaccedilatildeo de 2

pesquisadores da Universidade Federal de Juiz de Fora em uma creche municipal da

AMAC no ano de 2006 ndash 1ordm cronotopo (b) 2 encontros do curso de extensatildeo intitulado

ldquoEspaccedilo de Reflexatildeo Teoacuterico-Praacutetico em Contexto de Colaboraccedilatildeordquo ministrado por 3

pesquisadores para as 23 coordenadoras das creches municipais da AMAC no ano de

2007 ndash 2ordm cronotopo (c) 1 sessatildeo reflexiva com 4 pesquisadores do GP EFoPI e as 23

coordenadoras das creches municipais da AMAC no periacuteodo entre 2008 e 2009 ndash 3ordm

cronotopo da Cadeia Criativa

3 3 3 ndash Espaccedilos de Atuaccedilatildeo do GP EFoPI

Nesta seccedilatildeo discorro sobre os espaccedilos de atuaccedilatildeo do GP EFoPi em especial

aqueles que estatildeo diretamente relacionados a este trabalho de tese as creches da AMAC

e o curso de extensatildeo na UFJF

3331 ndash A Entidade Civil que manteacutem as creches no Municiacutepio de Juiz de Fora

uma breve incursatildeo na AMAC

A Associaccedilatildeo Municipal de Apoio Comunitaacuterio (AMAC) eacute uma associaccedilatildeo

civil sem fins lucrativos criada no ano de 1984 e implantada em 1985 Essa associaccedilatildeo

segue as diretrizes da Loas ndash Lei Orgacircnica de Assistecircncia Social (Brasil 1993) a

Poliacutetica Nacional de Assistecircncia Social (Brasil 2004) e a Norma de Operacional Baacutesica

da Assistecircncia Social (Brasil 2005) Assim eacute responsaacutevel pela execuccedilatildeo de accedilotildees da

Prefeitura de Juiz de Fora na aacuterea da assistecircncia social desenvolvendo vaacuterios programas

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 114

ILKA SCHAPPER SANTOS

para atender aos mais diferentes segmentos27

Dentre os programas desenvolvidos pela

AMAC estaacute o de creches que atende as crianccedilas de 0 a 3 anos e 11 meses

Destaque-se que em Juiz de Fora no periacuteodo em que esta pesquisa se

desenvolveu a educaccedilatildeo de crianccedilas de 0 a 3 anos estaacute sob a responsabilidade da

Assistecircncia Social e natildeo da Secretaria de Educaccedilatildeo28

O Programa de Creches configurou-se inicialmente com 1 coordenadora geral

uma equipe teacutecnica que atendia todas as creches e era composta por 1 administrador 2

psicoacutelogos 1 assistente social 1 nutricionista 1 meacutedico 1 acadecircmico de Medicina 4

estagiaacuterias de Serviccedilo Social e 5 pedagogas aleacutem de uma equipe que exercia atividades

administrativas (abastecimento almoxarifado acompanhamento de doaccedilotildees) Para atuar

diretamente com as crianccedilas foram contratadas 7 auxiliares por creche nuacutemero

considerado insuficiente tendo em vista a proporccedilatildeo adultocrianccedila Diante dessa

situaccedilatildeo as mesmas ldquoredobravam seu trabalho a tiacutetulo de voluntariado bem como os

esforccedilos para mobilizar a proacutepria comunidaderdquo No decorrer do tempo esses

funcionaacuterios passaram a compor o quadro de servidores da AMAC (Costa 2006 p 41)

Os profissionais das creches possuem uma condiccedilatildeo de trabalho distinta

daqueles que atuam nas escolas administradas pela Secretaria de Educaccedilatildeo Sua

atividade eacute regida pela CLT-Consolidaccedilatildeo das Leis do Trabalho exigindo o

cumprimento de uma jornada de oito horas diaacuterias natildeo tendo sido construiacuteda uma

carreira que valorize sua formaccedilatildeo o que gera uma distinccedilatildeo salarial discrepante em

relaccedilatildeo aos docentes da rede municipal Essa situaccedilatildeo tornou-se comum na realidade

brasileira pois historicamente a assistecircncia social e a educaccedilatildeo foram campos que

disputaram e compartilharam atribuiccedilotildees e recursos da educaccedilatildeo infantil

arregimentando para isso pessoas com status diferentes e diferentes qualificaccedilotildees

(Vieira 2007 apud Zanetti 2010)

Os profissionais que atuam junto agraves crianccedilas nas creches municipais dividiam-

se ateacute o ano de 2008 em duas categorias ndash uma denominada recreadora e outra

denominada educadora social Durante a campanha salarial de 2009 houve uma

27 Maiores informaccedilotildees sobre os diferentes programas desenvolvidos em Juiz de Fora se encontram

disponiacuteveis no site oficial do municiacutepio lt wwwpjfmggovbrgt 28

Em 2010 iniciou-se o processo de transiccedilatildeo das creches da AMAC para a Secretaria Municipal de

Educaccedilatildeo de Juiz de Fora

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 115

ILKA SCHAPPER SANTOS

equiparaccedilatildeo das funccedilotildees e salaacuterios

Essas informaccedilotildees sobre os profissionais das creches sinalizam o quadro de

(natildeo) valorizaccedilatildeo em que se encontram esses profissionais que tecircm a tarefa de cuidar e

de educar as crianccedilas de 0 a 3 anos de idade Mostram o desprestiacutegio que a educaccedilatildeo

infantil sofre perante os oacutergatildeos governamentais Revelam um espaccedilo de ldquomenos valiardquo

com relaccedilatildeo agraves crianccedilas e suas infacircncias e aos profissionais que as atendem

O grupamento das crianccedilas nos espaccedilos das creches eacute feito por faixa etaacuteria

levando-se em conta o espaccedilo fiacutesico e a proporccedilatildeo adultocrianccedila Segundo Patriacutecia

Cestaro pesquisadora do GP EFoPI em comunicaccedilatildeo oral ateacute o ano de 2009 as

crianccedilas eram agrupadas conforme quadro abaixo

Quadro 07 ndash Relaccedilatildeo AdultoCrianccedila nas Creches Comunitaacuterias da AMAC2009

Grupamentos Nordm de crianccedilas Educadoras

3 meses a 1 ano e dois meses 04 01

1 ano e trecircs meses a 1 ano e onze

meses 06 01

2 anos 12 01

3 anos 18 01

Jaacute a resoluccedilatildeo Municipal No 12000 de Juiz de Fora (apud Costa 2006)

promulga que a proporccedilatildeo adultocrianccedila nas turmas das instituiccedilotildees de educaccedilatildeo

infantil deve se pautar no quadro seguinte

Quadro 08 ndash Proporccedilatildeo AdultoCrianccedila nas Turmas das Instituiccedilotildees de Educaccedilatildeo

Infantil segundo a Resoluccedilatildeo Municipal nordm 12000

Grupamentos Nordm de crianccedilas Professor

0 a 1 ano 06 01

1 ano a 2 anos 08 01

2 anos a 3 anos 12 a 15 01

Fonte Costa (2006 p52)

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 116

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Comparando o nuacutemero de crianccedilas por educadores(as) e professores(as) haacute entre

as crianccedilas menores de 0 a 2 anos de idade uma proporccedilatildeo menor ou igual nas salas de

atividades das creches em relaccedilatildeo ao estipulado na Resoluccedilatildeo Municipal No 12000 Jaacute

para as crianccedilas de 3 anos o nuacutemero eacute acima da meacutedia do recomendado na relaccedilatildeo

adultocrianccedilas

O primeiro aspecto relacionado mostra-se abaixo da meacutedia estabelecida pela

resoluccedilatildeo Esse aspecto mostra-se muito positivo pois os educadores podem

disponibilizar mais atenccedilatildeo e cuidados agraves crianccedilas no desenvolvimento das atividades

propostas O segundo ponto relacionado jaacute natildeo possibilita aos educadores a mesma

disponibilidade pois a proporccedilatildeo crianccedilasadulto eacute maior do que a recomendada

Cada creche da AMAC conta com uma coordenadora totalizando 23

coordenadoras em 23 creches

Eacute neste contexto de organizaccedilatildeo das creches no Municiacutepio de Juiz de Fora que

se insere esta pesquisa Apesar de o meu diaacutelogo ser com as produccedilotildees do grupo de

pesquisa EFoPI as investigaccedilotildeesintervenccedilotildees do grupo estatildeo inseridas no contexto das

creches municipais O primeiro momento da pesquisa do GP EFoPI foi com 4

educadoras de uma creche municipal por meio de sessotildees reflexivas Depois em um

segundo momento foi realizado o curso de extensatildeo na UFJF Assim no proacuteximo item

teccedilo uma breve discussatildeo sobre a extensatildeo universitaacuteria e faccedilo a descriccedilatildeo do curso de

que participaram as 23 coordenadoras das 23 creches municipais

3332 - A Extensatildeo Universitaacuteria e o Curso de Extensatildeo na Universidade Federal

de Juiz de Fora

No cenaacuterio das universidades brasileiras as temaacuteticas acerca da extensatildeo vecircm

sendo bastante debatidas e essa discussatildeo tem peculiaridades inerentes ao movimento de

cada eacutepoca

Os primeiros documentos oficiais de que temos notiacutecia sobre a extensatildeo

universitaacuteria satildeo as reformas de Francisco Campos e o Manifesto dos Pioneiros da

Educaccedilatildeo Nova (1932) Nesse periacuteodo cabia agrave extensatildeo universitaacuteria a vulgarizaccedilatildeo ou

popularizaccedilatildeo das ciecircncias e das artes Temos entretanto que ter claro que natildeo se

tratava da popularizaccedilatildeo total a qualquer puacuteblico mas que a socializaccedilatildeo se restringia agrave

classe burguesa da eacutepoca

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 117

ILKA SCHAPPER SANTOS

Depois em 1961 temos a Lei 4024 que faz pouca referecircncia agrave extensatildeo

limitando-a aos ldquocursos de especializaccedilatildeo aperfeiccediloamento e extensatildeo ou quaisquer

outrosrdquo Ainda nos anos 60 do seacuteculo passado a extensatildeo eacute retomada nas discussotildees

oficiais dos governos militares Isso foi materializado em 1968 na Lei 554068 que

promulga que as atividades de ensino e pesquisa realizadas nas universidades devem ser

estendidas agrave comunidade A extensatildeo eacute compreendida como uma maneira singular de

materializar as funccedilotildees puras de ensino e pesquisa e natildeo como uma terceira funccedilatildeo

concebida como um canal encarregado de conduzir o ensino e a pesquisa para aleacutem das

torres universitaacuterias

Nesse periacuteodo a ideia de discutir os grandes problemas nacionais e a dimensatildeo

transformadora da realidade foi apropriada pelos militares como elemento de garantia

do desenvolvimento e da seguranccedila nacional adquirindo a perspectiva assistencialista e

redentora da sociedade Desse modo a extensatildeo assumia o papel de articuladora entre

ensino e pesquisa e responsaacutevel por estabelecer os viacutenculos entre universidade e

sociedade Isso se afirma na lei 569271

Na atualidade temos na nova LDB (Brasil 1996) a caracterizaccedilatildeo da extensatildeo

como terceira atividade ao lado das outras duas de ensino e pesquisa retornando agrave

chamada perspectiva do tripeacute ensino pesquisa e extensatildeo

Diante do breve histoacuterico esboccedilado podemos perceber que a extensatildeo nas

universidades brasileiras natildeo tem uma caracterizaccedilatildeo bem delineada jaacute que ora aparece

como desdobramento da atividade de ensino e pesquisa ora aparece como uma terceira

atividade universitaacuteria inter-relacionada a essas duas

A tarefa de mapeamento do papel e das atribuiccedilotildees da extensatildeo eacute bem difiacutecil jaacute

que para isso devemos entrecruzar concepccedilotildees com tarefas a serem realizadas Dentro

desse quadro acredito que natildeo podemos cometer o erro histoacuterico de manter para a

extensatildeo o papel de materializar os elementos essenciais da ordem vigente como vimos

claramente nos anos 30 e 60 do seacuteculo passado

A extensatildeo universitaacuteria tem um espaccedilo bastante demarcado jaacute que a

universidade desde o seacuteculo XX busca ser o loacutecus por excelecircncia da produccedilatildeo do

conhecimento cientiacutefico e sua produtividade eacute mensurada a partir de um amplo domiacutenio

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 118

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no campo da investigaccedilatildeo Nesse contexto os professores satildeo considerados docentes-

investigadores que produzem e socializam seus conhecimentos

Assim na atualidade cada vez mais as universidades buscam estabelecer uma

interface entre pesquisa ensino e extensatildeo Como Proacute-Reitora Adjunta de Extensatildeo na

Universidade Federal de Juiz de Fora no periacuteodo de setembro de 2002 a marccedilo de 2006

pude junto com a Proacute-Reitora criar programas e projetos em parceria com a Proacute-

Reitoria de Graduaccedilatildeo e Proacute-Reitoria de Pesquisa Assim buscaacutevamos desatar os noacutes de

distanciamento entre pesquisa ensino e extensatildeo

Nossa poliacutetica era associar as atividades de extensatildeo agraves de pesquisa e ensino natildeo

se identificando como praacuteticas pontuais isoladas e desvinculadas do processo de

construccedilatildeo e produccedilatildeo de conhecimento Em razatildeo da pluralidade de suas interfaces

com o ensino e a pesquisa a extensatildeo agregava no seu conjunto de accedilotildees projetos

cursos eventos produccedilotildees serviccedilos entre outras

Com esse encaminhamento elaboramos uma poliacutetica de extensatildeo que visava

contribuir com o projeto poliacutetico pedagoacutegico da Universidade Federal de Juiz de Fora

Buscamos horizontalizar aquilo que historicamente foi verticalizado nas universidades

assegurando os princiacutepios da transversalidade e da interdisciplinaridade para as praacuteticas

de extensatildeo as praacuteticas de pesquisa e as praacuteticas de ensino

Foi a partir das experiecircncias como Proacute-Reitora Adjunta que passei a acreditar

como professora e como pesquisadora que a praacutetica de extensatildeo deveria atravessar

minhas praacuteticas de ensino e de pesquisa Por conta disso busquei um programa de

doutorado que tivesse essa tradiccedilatildeo Ingressei no doutorado do LAELPUC-SP e no GP

LACE podendo nesse contexto vivenciar a praacutetica de pesquisa que emerge de

intervenccedilotildees extensionistas Diante da oportunidade sugeri para o GP EFoPI do qual jaacute

participava que delineasse suas intervenccedilotildees nas creches sob o eixo da pesquisa-

extensatildeo de cunho criacutetico colaborativo

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 119

ILKA SCHAPPER SANTOS

O GP EFoPI assumiu essa visatildeo mais ampla da responsabilidade social de

participaccedilatildeo nas comunidades em que realiza suas praacuteticas de pesquisa e da perspectiva

de intervenccedilatildeo nos problemas sociais que circundam o universo das creches Buscou

uma produccedilatildeo de pesquisa extensionista que dialogou com os profissionais das creches

procurando contribuir para a formaccedilatildeo de um profissional criacutetico que reflete sobre suas

intervenccedilotildees no interior da instituiccedilatildeo O desenho abaixo sintetiza os princiacutepios

interdisciplinares entre ensino pesquisa e extensatildeo em que o GP EFoPI acredita

Figura 02 ndash Accedilotildees para materializar interdisciplinaridade e transversalidade na triacuteade

ensino-pesquisa-extensatildeo

Assim acreditando na indissociabilidade entre ensino-pesquisa-extensatildeo o GP

EFoPI montou um curso de extensatildeo em 2007 para as coordenadores das creches

municipais tendo dois objetivos (1) resgatar as discussotildees tecidas com as 4 professoras

da creche municipal e (2) promover espaccedilos de reflexatildeo e accedilatildeo colaborativa sobre as

atividades educativas que se apresentam na rotina das creches

O curso foi estruturado em 10 encontros com os seguintes temas

respectivamente (1) Oficina de Roda resgatando as memoacuterias (2) Oficina O dia-a-dia

na Creche (3) A Dimensatildeo Luacutedica na Crianccedila e na Creche (4) A Dimensatildeo Luacutedica no

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 120

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Espaccedilo-Ambiente da Creche reflexotildees sobre o brincar (5) Encontro ndash Conflitos na

Infacircncia e a Rotina na Creche (6) ndash Estaacutetua Se Mexer Natildeo Vale O Conhecimento

do Movimento Corporal (7) A Sistematizaccedilatildeo de Propostas Pedagoacutegicas nas Creches

(8) Narrativas Orais e o Desenvolvimento da Imaginaccedilatildeo Infantil (9) Vivecircncias

Artiacutesticas pensando nos pequenos e (10) Espaccedilo de ReflexatildeoAvaliaccedilatildeo

Eacute preciso esclarecer ao leitor que dos 10 encontros do curso de extensatildeo 2 satildeo

focos de anaacutelise desta tese (1) o terceiro encontro ldquoA Dimensatildeo Luacutedica na Crianccedila e

na Crecherdquo e (2) o quarto encontro ldquoA Dimensatildeo Luacutedica no Espaccedilo-Ambiente da

Creche reflexotildees sobre o brincarrdquo Isso porque nesses encontros foram discutidas as

relaccedilotildees que podemos estabelecer entre o desenvolvimento da imaginaccedilatildeo e a

brincadeira elementos que satildeo objetos de estudo desta investigaccedilatildeo

O curso de extensatildeo foi planejado e ministrado pelos participantes do GP EFoPI

com a intenccedilatildeo de ampliar no movimento da Cadeia Criativa a interlocuccedilatildeo criacutetica de

colaboraccedilatildeo com os profissionais das creches ateacute entatildeo tecidas com 4 educadoras de

uma das creches Finalizado o curso os pesquisadores pautaram suas intervenccedilotildees em 8

sessotildees reflexivas com os 23 coordenadores das 23 creches municipais nos anos de

2008 e de 2009

334 ndash Equipe de pesquisadores participantes do GP EFoPI no Periacuteodo 2006-2009

Como apresentado o grupo de pesquisa EFoPI tem como objetivo realizar

pesquisas nos contextos educativos de modo a contribuir com seus profissionais na

compreensatildeo e no encaminhamento de respostas agraves dificuldades inerentes ao cotidiano

educacional em especial naqueles que abrigam crianccedilas de 0 a 6 anos Por isso o

grupo realiza investigaccedilotildees com os profissionais no contexto da creche e natildeo sobre eles

De 2006 a 2009 o grupo contou com uma equipe de pesquisadores que incluiacutea

doutores doutorandos mestres mestrandos alunos de iniciaccedilatildeo cientiacutefica professores e

coordenadores aleacutem de pesquisadores colaboradores externos

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 121

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Quadro 09 ndash Coordenadores do GP EFoPI

2006

Equipe UFJF

Coordenaccedilatildeo do

Projeto

2007

Equipe UFJF

Coordenaccedilatildeo do

Projeto

2008

Equipe UFJF

Coordenaccedilatildeo do

Projeto

2009

Equipe UFJF

Coordenaccedilatildeo do

Projeto

Profa Dra Leacutea

Stahlschmidt P

Silva

Profa Ilka

Schapper Santos

Profa Dra Leacutea

Stahlschmidt P

Silva

Profa Ilka

Schapper Santos

Profa Dra Leacutea

Stahlschmidt P

Silva

Profa Ilka

Schapper Santos

Profa Dra Leacutea

Stahlschmidt P

Silva

Profa Ilka

Schapper Santos

Quadro 10 ndash Pesquisadores Doutores Doutorandos Mestres e Mestrandos

2006

Pesquisadores

Mestres e

Mestrandos

2007

Pesquisadores

Mestres e

Mestrandos

2008

Pesquisadores

Doutores

Doutorandos

Mestres e

Mestrandos

2009

Pesquisadores

Doutores

Doutorandos

Mestres e

Mestrandos

Profa Patriacutecia

Cestaro

Profa Nathalye

Nallon

Profa Ana Cristina

Costa

Profa Aretusa

Santos

Prof Pedro Gabriel

Profa Raquel

Lusardo

Profa Viviam

Arauacutejo

Profa Patriacutecia

Cestaro

Profa Nathalye

Nallon

Profa Ana Cristina

Costa

Profa Aretusa

Santos

Prof Pedro Gabriel

Profa Raquel

Lusardo

Profa Viviam

Arauacutejo

Profa Dra Hilda

Micarello

Profa Patriacutecia

Cestaro

Profa Ana Cristina

Costa

Profa Aretusa

Santos

Profa Raquel

Lusardo

Profa Viviam

Arauacutejo

Profa Nuacutebia

Schaper

Profa Alexsandra

Zanetti

Profa Nilceacuteia

Braga

Profa Maria

Cristina Amaral

Profa Claacuteudia

Bonfatti

Profa Luciana

Oliveira

Profa Denise

Rangel

Profa Dra Hilda

Micarello

Profa Patriacutecia

Cestaro

Profa Aretusa

Santos

Profa Raquel

Lusardo

Profa Viviam

Arauacutejo

Profa Nuacutebia

Schaper

Profa Alexsandra

Profa Marisley

Pereira

Profa Maritza

Abreu

Profa Luciana

Oliveira

Profa Denise

Rangel

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 122

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Quadro 11 ndash Alunos de Iniciaccedilatildeo Cientiacutefica

2006

2007

2008

2009

Celina Salgado

Flaacutevia Almeida

Michele Filgueiras

Carolina Arauacutejo

Ana Claacuteudia Santos

Celina Salgado

Flaacutevia Almeida

Michele Filgueiras

Carolina Arauacutejo

Ana Claacuteudia Santos

Marisley Pereira

Maritza Abreu

Michele Cardoso

Carolina Arauacutejo

Mariacutelia Almeida

Nataacutelia Martins

Michele Cardoso

Carolina Arauacutejo

Mariacutelia Almeida

Nataacutelia Martins

Mislene Nascimento

Quadro 12 ndash Pesquisadores Colaboradores

2006

2007

2008

2009

Profa Dra Fernanda

Coelho Liberali ndash

PUC-SP

Profa Dra Maria

Ceciacutelia Magalhatildees ndash

PUC-SP

Profa Dra Fernanda

Coelho Liberali

Profa Dra Maria

Ceciacutelia Magalhatildees

Profa Gisela

Pelizzoni ndash UFJF

Profa Dra Hilda

Micarello ndash UFJF

Profa Dra Alzira

Shimoura ndash PUC-SP

Profa Dra Fernanda

Coelho Liberali

Profa Dra Maria

Ceciacutelia Magalhatildees

Profa Dra Alzira

Shimoura

Profa Dra Fernanda

Coelho Liberali

Profa Dra Maria

Ceciacutelia Magalhatildees

Profa Dra Alzira

Shimoura

34 ndash Pesquisadores Focais do trabalho de Tese

Como consta nos quadros dos itens acima muitos pesquisadores marcaram

presenccedila nas intervenccedilotildees do GP EFoPI No entanto na discussatildeo dos resultados

analiso o discurso dos pesquisadores abaixo relacionados Os professores autorizaram

sua identificaccedilatildeo

Leacutea Stahlschmidt Pinto Silva mestre em Educaccedilatildeo pela Universidade Federal

do Rio de Janeiro e doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela

Universidade de Satildeo Paulo Eacute professora Associada I da Universidade Federal de Juiz

de Fora e coordena o GP EFoPI No momento seu objeto de estudo eacute a educaccedilatildeo

infantil com imersatildeo nas creches municipais de Juiz de Fora onde desenvolve um

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 123

ILKA SCHAPPER SANTOS

trabalho criacutetico reflexivo com os professores e educadores tendo como foco a

organizaccedilatildeo dos tempos e espaccedilos das creches para o desenvolvimento do brincar

Patriacutecia Maria Reis Cestaro mestre em Educaccedilatildeo pela Universidade Catoacutelica

de Petroacutepolis Tem cargo efetivo de professora da Prefeitura de Juiz de Fora tendo uma

vasta experiecircncia em gestatildeo escolar Atualmente compotildee o quadro de profissionais da

Secretaria de Educaccedilatildeo do Municiacutepio de Juiz de Fora atuando no Departamento de

Educaccedilatildeo Infantil Eacute pesquisadora desde 2005 do GP EFoPI tendo conduzido o

trabalho de quatro das doze sessotildees reflexivas realizadas no ano de 2006 Seu foco de

interesse no processo de pesquisa eacute a formaccedilatildeo em contexto

Hilda Aparecida Linhares da Silva Micarello mestre em Educaccedilatildeo pela

Universidade Federal de Juiz de Fora e doutora pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do

Rio de Janeiro Eacute professora Adjunta da Universidade Federal de Juiz de Fora e

Coordenadora de Linguagem do Centro de Poliacuteticas Puacuteblicas e Avaliaccedilatildeo da Educaccedilatildeo

(CAED) Participa do GP EFoPI tendo uma vasta experiecircncia em educaccedilatildeo infantil e

formaccedilatildeo de professores

Ilka Schapper mestre em Educaccedilatildeo pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do

Rio de Janeiro e doutoranda em Linguiacutestica Aplicada pelo Programa de Linguiacutestica

Aplicada e Estudos da Linguagem (LAEL ndash PUC-SP) Sou professora Adjunta II da

Universidade Federal de Juiz de Fora fui Proacute-Reitora Adjunta de Extensatildeo dessa

Universidade no periacuteodo de setembro de 2002 a marccedilo de 2006 Atuo como

Coordenadora do GP EfoPI tendo como aacutereas de interesse linguagem e argumentaccedilatildeo

formaccedilatildeo de professores e educaccedilatildeo infantil Uma apresentaccedilatildeo mais detalhada

encontra-se na introduccedilatildeo deste trabalho

35 ndash Procedimentos de produccedilatildeo-geraccedilatildeo coleta organizaccedilatildeo e armazenamento

dos dados

Nesta pesquisa os procedimentos de coleta produccedilatildeo organizaccedilatildeo e

armazenamento de dados seguem os preceitos do Comitecirc de Eacutetica da PUC-SP O leitor

pode ter certo estranhamento sobre as diferenccedilas dos termos usados Refiro-me agrave coleta

porque utilizo o banco de dados do GP EFoPI para proceder a investigaccedilatildeo Eacute

importante esclarecer que todas as informaccedilotildees que busquei no banco de dados tiveram

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 124

ILKA SCHAPPER SANTOS

minha participaccedilatildeo no momento em que foram produzidas Participei ativamente das

discussotildees teoacutericas dos planejamentos e dos encontros em todos os momentos das

investigaccedilotildees desenvolvidas pelo grupo de pesquisa no periacuteodo de 2006 a 2009 natildeo soacute

para contribuir nos trabalhos de pesquisa do GP EFoPI mas tambeacutem para construir o

meu trabalho de tese

O sintagma ldquoproduccedilatildeo-geraccedilatildeo de dadosrdquo estaacute ldquorelacionado agrave produccedilatildeo de

conhecimento cientiacutefico na acepccedilatildeo marxista desvinculado da ideia taylorista de

mecanizaccedilatildeordquo (Fuga 2009 p 111) Seu uso se deve ao fato de este trabalho estar

filiado ao paradigma criacutetico como mencionado na introduccedilatildeo deste capiacutetulo pois a

pesquisa aqui desenvolvida ldquoestaacute relacionada agrave compreensatildeo transformaccedilatildeo da

realidade por meio da reflexatildeo teoria e praacutetica ainda pelo vieacutes bakhtiniano de

linguagem ao dizer que o ser humano e sua palavra constituem o objeto fundamental

do conhecimentordquo (ibid)

O corpus utilizado foi pois construiacutedo-produzido por meio de gravaccedilotildees e

viacutedeos das sessotildees reflexivas e do curso de extensatildeo no acircmbito de uma das creches

puacuteblicas municipais e da UFJF Devido agrave riqueza e ao volume de registros produzidos

nos vaacuterios contextos da pesquisa selecionei alguns momentos em forma de excertos

que pudessem ilustrar e responder as questotildees deste trabalho no momento da anaacutelise e

interpretaccedilatildeo dos dados

O procedimento de produccedilatildeo e geraccedilatildeo dos dados da presente investigaccedilatildeo

ocorreu de marccedilo a dezembro de 2006 e de marccedilo a dezembro de 2009 por meio de trecircs

instrumentos 3 sessotildees reflexivas com 4 professoras de uma creche municipal da

AMAC 2 encontros do curso de extensatildeo e 1 sessatildeo reflexiva com as coordenadoras

das 23 creches do municiacutepio de Juiz de Fora Assim no proacuteximo quadro apresento uma

siacutentese dos instrumentos usados para a discussatildeo

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 125

ILKA SCHAPPER SANTOS

Quadro 13 ndash Siacutentese dos instrumentos usados para a discussatildeo

Para responder as questotildees de pesquisa constam nesses instrumentos dados relevantes para a

compreensatildeo do compartilhamento de sentidos e significados por meio da argumentaccedilatildeo no

movimento da Cadeia Criativa

Questotildees da Pesquisa

Como o processo da argumentaccedilatildeo desenvolvido entre pesquisadoras e educadoras

permite expor sentidos e significados sobre a brincadeira no movimento da cadeia

Quais argumentos contribuiacuteram para a produccedilatildeo de significado sobre o brincar no

movimento da Cadeia Criativa

Instrumentos Local de

ColetaProduccedilatildeo

3 sessotildees reflexivas com 4 professoras Uma creche municipal ndash

2006

2 encontros do curso de extensatildeo intitulado ldquoEspaccedilo de Reflexatildeo

Teoacuterico-Praacutetico em Contexto de Colaboraccedilatildeordquo com 23 as

coordenadoras das 23 creches municipais

Universidade Federal de

Juiz de Fora ndash 2007

1 sessatildeo reflexiva com as 23 coordenadoras das 23 creches

municipais

Universidade Federal de

Juiz de Fora ndash 2009

36 ndash Procedimentos de Anaacutelise e Interpretaccedilatildeo de Resultados

Nesta sessatildeo esclareccedilo ao leitor como procedi para analisar e interpretar os

dados desta tese Primeiro apresento as Categorias Linguiacutestico-Discursivas e as

Categorias de Interpretaccedilatildeo que seratildeo utilizadas para responder as perguntas da

pesquisa Para melhor compreensatildeo do leitor faccedilo uso de quadros que sintetizam os

elementos constitutivos de cada categoria

No campo das Ciecircncias Humanas o ser humano e sua palavra constituem objeto

fundante do conhecimento Suas ideias seus pontos de vista seus questionamentos e

explicaccedilotildees se concretizam por meio de enunciados verbais e extraverbais e em um

movimento dialeacutetico ao mesmo tempo em que produz esses enunciados eacute tambeacutem por

eles representados Na ausecircncia dos enunciados alheios e proacuteprios temos a ausecircncia do

objeto de estudo e do proacuteprio pensamento Pois como explica Amorim (2004 p 188)

ldquoo objeto de estudos torna-se sujeito sujeito falante autor do mesmo modo que aquele

que estudardquo

Bakhtin (1987) por meio de sua teoria enunciativa da linguagem permite pensar

a pesquisa em Ciecircncias Humanas numa perspectiva dialoacutegica Para ele ldquoo objeto das

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 126

ILKA SCHAPPER SANTOS

ciecircncias humanas eacute o ser expressivo e falanterdquo (p 395) Este natildeo deve ser portanto

concebido como objeto mas como um sujeito coparticipante coautor no processo de

pesquisa a qual deve se pautar na reflexatildeo-compreensatildeo com o sujeito da pesquisa e

natildeo sobre ele

Segundo Fuga (2009 p 115) ldquoos dados bdquofalam‟ ou seja apontam o caminho

para a compreensatildeo do problema investigado e por conseguinte uma possibilidade de

interferecircncia e transformaccedilatildeo na questatildeo abordadardquo Assim ldquoouvir os dadosrdquo na

perspectiva da LA implica sobremaneira a criaccedilatildeo de duas classes de categorias a

linguiacutestico-discursiva e a interpretativa Refletir sobre a linguagem no interior do

processo de pesquisa requer tecer um diaacutelogo entre esses dois tipos de categorias o que

possibilita identificar o movimento discursivo dos pesquisadores e participantes da

pesquisa na construccedilatildeo-produccedilatildeo do conhecimento Assim no proacuteximo item apresento

as categorias de anaacutelise

361 ndash Categorias de Anaacutelise

Para responder as questotildees desta pesquisa foram analisados como jaacute disse

anteriormente 3 sessotildees reflexivas com professores de uma creche municipal 2

encontros de um curso de extensatildeo e 1 sessatildeo reflexiva com os 23 coordenadores das

23 creches municipais Cada atividade selecionada foi nomeada na anaacutelise de

cronotopo da Cadeia Criativa (BakhtinVolochinov 1988) Dito de outro modo o

tempo e o espaccedilo em que ocorreu cada atividade constituem-se como elos no

movimento de anaacutelise da Cadeia Criativa Esse movimento foi fundamental para que

pudesse compreender a situaccedilatildeo de interaccedilatildeo bem como os aspectos que influenciaram

os enunciados produzidos

Na busca de compreender como ocorreu o compartilhamento de sentidos e

significados entre os professores e os demais participantes e para entender o papel da

argumentaccedilatildeo na construccedilatildeo-produccedilatildeo de conhecimento dos sujeitos nas atividades que

compotildeem o corpus desta tese apoacutes a seleccedilatildeo dos excertos foram identificados os

elementos que constituem a estrutura argumentativa (Liberali 2009) Esse levantamento

auxiliou na compreensatildeo do desenvolvimento do raciociacutenio por meio da apresentaccedilatildeo

de argumentoscontra-argumentos pontos de vista mediante uma questatildeo controversa

ou uma busca de se chegar a um acordo Esses elementos foram intitulados no quadro

das categorias de anaacutelise linguiacutestico-discursivas de marcas argumentativas I

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 127

ILKA SCHAPPER SANTOS

Jaacute as marcas da interaccedilatildeo (Liberali e Shimoura 2007) ndash questionamentos

instruccedilotildees explicaccedilotildees retomadas de vozes anteriores e colocaccedilatildeo e recolocaccedilatildeo de

problemas tambeacutem satildeo categorias linguiacutestico-discursivas que datildeo movimento agraves

interaccedilotildees verbais e possibilitam a continuidade do fluxo discursivo

Por fim nas marcas argumentativas 2 busco por meio dos tipos de argumentos

(Perelman amp Olbrechts-Tyteca 19702005) apreender os sentidos e os significados

compartilhados pelos pesquisadores e participantes Os tipos de argumentos satildeo

elementos discursivos utilizados pelos interlocutores na busca de compartilhamento de

um ponto de vista Assim eacute importante que levantemos o que chamei de marcas

linguiacutesticas materializadas nos operadores argumentativos e nos decirciticos pois por meio

delas podemos mapear os tipos de argumentos

Grosso modo os operadores argumentativos tecircm no texto a finalidade de

designar ldquocertos elementos da gramaacutetica de uma liacutengua que tecircm por funccedilatildeo indicar a

forccedila argumentativa dos enunciados a direccedilatildeo (o sentido) para o qual apontamrdquo

(Koch 19922004 p 30) Esses elementos argumentativos se materializam em

conjunccedilotildees conectivos e adveacuterbios A anaacutelise dos operadores argumentativos possibilita

mostrar a forccedila argumentativa dos enunciados dito de outro modo possibilita

compreender o sentido para o qual apontam pois eles introduzem nos enunciados

novos conteuacutedos semacircnticos

Jaacute os decirciticos tecircm no movimento textual a funccedilatildeo de ldquoapontarrdquo para o contexto

situacional Constituem-se como marcas linguiacutesticas que permitem inscrever no

enunciado as marcas da interaccedilatildeo que se materializam como uacutenicas e irrepetiacuteveis

Desse modo os decirciticos assinalam o sujeito que enuncia e o seu interlocutor (decircixis

pessoal) aleacutem de ldquoapontarrdquo qual eacute o tempo (decircixis temporal) e o espaccedilo (decircixis

espacial) da enunciaccedilatildeo Gramaticalmente os decirciticos de pessoa satildeo denominados

pronomes pessoais pronomes possessivos sufixos flexionais de pessoa-nuacutemero

vocativos os decirciticos temporais satildeo conhecidos na gramaacutetica como adveacuterbios

locuccedilotildees adverbiais ou expressotildees de tempo por fim os decirciticos espaciais satildeo

representados gramaticalmente pelos adveacuterbios ou locuccedilotildees adverbiais de lugar

Analisar no fluxo da interaccedilatildeo verbal a funccedilatildeo decircitica possibilita sinalizar para o

contexto situacional e para loacutecus argumentativo possibilitando uma reflexatildeo sobre as

pessoas do discurso e os tempos e espaccedilos da interlocuccedilatildeo

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 128

ILKA SCHAPPER SANTOS

Retomo a seguir as categorias linguiacutestico-discursivas que subsidiam a anaacutelise

desta tese sintetizando-as em quadros ilustrativos

3611 ndash Marcas da Interaccedilatildeo

As marcas da interaccedilatildeo estatildeo presentes nos mecanismos enunciativos e nos tipos

de interaccedilotildees apresentadas nas sessotildees reflexivas e nos encontros do curso de extensatildeo

questionamentos instruccedilotildees explicaccedilotildees retomadas de vozes e colocaccedilatildeo e recolocaccedilatildeo

de problemas A anaacutelise do movimento dessas marcas pode revelar como se estabeleceu

a relaccedilatildeo entre os participantes

Quadro 14 ndash Marcas da interaccedilatildeo

Marcas da Interaccedilatildeo

Elementos discursivos que possibilitam

a interaccedilatildeo Definiccedilatildeo

Questionamento Levanta e apresenta questotildees contidas ou

natildeo nas discussotildees Esta marca possibilita

fomentar a discussatildeo

Instruccedilatildeo Apresenta as orientaccedilotildees as diretrizes

presentes em momentos da discussatildeo que

pode ser seguidas ou natildeo dependendo da

credibilidade do orador

Explicaccedilatildeo Apresenta elementos que possibilitam

elucidar pontos ou questotildees natildeo

compreendidas pelo auditoacuterio

Retomada de vozes Pauta-se no uso de enunciados anteriores

de pessoas presentes ou no momento da

discussatildeo para dar credibilidade ao orador

Colocaccedilatildeo e recolocaccedilatildeo de problemas Apresenta ou resgata os elementos contidos

nas discussotildees em forma de situaccedilotildees-

problema que possibilitam geralmente a

ampliaccedilatildeo do debate Sua eficaacutecia depende

da credibilidade do orador diante da

audiecircncia

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 129

ILKA SCHAPPER SANTOS

3612 ndash Marcas Argumentativas 1

Focalizando a anaacutelise argumentativa Liberali (2009) explica que o movimento

argumentativo apresenta elementos caracteriacutesticos no interior de sua estrutura Com

base nessa reflexatildeo apresento no quadro a seguir os itens que compotildeem o fluxo da

argumentatividade

Quadro 15 ndash Marcas Argumentativas 1

Marcas Argumentativas 1

Movimento Argumentativo Definiccedilatildeo

Ponto de vista Modo como os interlocutores se

posicionam diante das questotildees e

discussotildees apresentadas Geralmente

possibilita aos interlocutores ampliarem

seus sentidos

Contra-argumento Pautado na contraposiccedilatildeo agrave tese

apresentada ou nos argumentos utilizados

para defendecirc-la

Questatildeo controversa Geralmente eacute uma questatildeo que coloca em

duacutevida a tese apresentada Esse

movimento fomenta a reflexatildeo criacutetica

pois abre para possibilidades outras

diferentes das apresentadas nas

discussotildees

Acordo Em uma avaliaccedilatildeo dos diferentes pontos

de vista apresenta a possibilidade de

resoluccedilatildeo das situaccedilotildees de conflitos e

tensotildees

3613 ndash Marcas Argumentativas 2

As marcas argumentativas 2 nesta tese estatildeo fundamentadas na releitura que fiz de

alguns tipos de argumentos tratados por Perelman e Olbrechts-Tyteka (19702005) na

obra Tratado da Argumentaccedilatildeo ndash a nova retoacuterica abordados na terceira parte do livro

A releitura se fez necessaacuteria por conta de historicamente essas teacutecnicas argumentativas

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 130

ILKA SCHAPPER SANTOS

estarem no loacutecus da argumentaccedilatildeo juriacutedica Busquei portanto inseri-las nas

especificidades do contexto da educaccedilatildeo infantil no interior das creches

Quadro 16 ndash Marcas Argumentativas 2

Marcas Argumentativas 2

Tipos de Argumentos que respaldam

o movimento argumentativo Definiccedilatildeo

Citaccedilatildeo

Teoacuterico Pode reforccedilar ou refutar a tese

defendida Sua forccedila argumentativa soacute

existe se tiver credibilidade

Autoridade A voz do outro pode ser seguida ou

natildeo pois depende da posiccedilatildeo que

ocupa

Fonte Precisa ser considerada coerente e

fidedigna pelo auditoacuterio

Definiccedilatildeo

Indica o sentidosignificado de algo a partir de suas

caracteriacutesticas observaacuteveis ou subjetivas Pode pautar-se

ainda em uma convenccedilatildeo estando assim isento de

julgamentos

Comparaccedilatildeo Confronta dois (ou mais) acontecimentos para estabelecer

distinccedilotildees oposiccedilotildees entre si

Pragmaacutetico

Possibilita apreciar um acontecimento ou um ato por meio de

suas consequecircncias presentes ou futuras tendo relevacircncia

direta para a accedilatildeo Este argumento geralmente estaacute pautado no

senso comum

Exemplo Quando accedilotildees ou acontecimentos passados satildeo retomados para

sustentar uma explicaccedilatildeo

3614 ndash Marcas Linguiacutesticas

As marcas linguiacutesticas satildeo aqui representadas por decirciticos espaciais temporais

e de pessoas e por operadores argumentativos como elementos que possibilitam apontar

o loacutecus do contexto situacional da interlocuccedilatildeo e a forccedila dos enunciados tecidos entre

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 131

ILKA SCHAPPER SANTOS

pesquisadores e participantes da pesquisa como jaacute mencionado Promovem um ingresso

no movimento argumentativo no fluxo da interaccedilatildeo verbal

Quadro 17 ndash Marcas Linguiacutesticas

Marcas Linguiacutesticas

Decirciticos espacial temporal e de pessoa

Operadores argumentativos

362 ndash Categorias de Interpretaccedilatildeo

As categorias de interpretaccedilatildeo foram criadas a partir dos conceitos de sentido e

significado (BakhtinVolochinov 1988 Vygotsky 19301991 19342001) ZPD como

zona de conflitos de criticidade e de colaboraccedilatildeo (Magalhatildees 2009 p 61) discurso

internamente persuasivo e discurso de autoridade (Bakhtin 1983) cronotopia e

exotopia (Bakhtin 1987) A seleccedilatildeo dessas categorias decorre da possibilidade de se

perceber por meio de sua anaacutelise como se processa o compartilhamento de sentidos e

significados na produccedilatildeo-construccedilatildeo do conhecimento no movimento da Cadeia

Criativa

Quadro 18 ndash Categorias de Interpretaccedilatildeo

Categorias de Interpretaccedilatildeo

Sentidos e significados

ZPD ndash zona de conflitos criticidade e colaboraccedilatildeo

Discurso internamente persuasivo e Discurso de autoridade

Cronotopia e Exotopia

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 132

ILKA SCHAPPER SANTOS

37 ndash Credibilidade neste Processo de Pesquisa

Eacute importante que qualquer pesquisa cientiacutefica seja submetida natildeo soacute agrave criacutetica dos

pares mas tambeacutem daqueles que tecircm posiccedilotildees contraacuterias agraves discussotildees debatidas no

interior da investigaccedilatildeo Diferentes olhares embates argumentativos que possibilitam

rever o trabalho revisitar posicionamentos e posturas e principalmente permitir o

levantamento de questotildees que geram inquietaccedilotildees quanto ao motivo de uma dada

escolha Essas posturas diante do processo de pesquisa conferem credibilidade ao

trabalho do pesquisador (Fuga 2009 p 122)

Segundo Fuga (2009) um dos processos necessaacuterios agrave confiabilidade no

processo de pesquisa eacute o engajamento prolongado do pesquisador no contexto de

pesquisa necessaacuterio para alcanccedilar os objetivos traccedilados Como jaacute explicitado estive

presente em todos os contextos em que esta pesquisa se insere nas sessotildees reflexivas

com as 4 professoras de uma das creches puacuteblicas municipais (2006) no planejamento e

execuccedilatildeo dos 10 encontros do curso de extensatildeo (2007) e das 8 sessotildees reflexivas

realizadas com as 23 coordenadoras das 23 creches municipais (2008-2009)

Esta pesquisa tambeacutem passou por discussotildees nos seminaacuterios de orientaccedilatildeo

principalmente discussotildees sobre dos aspectos teoacutericos metodoloacutegicos e sobre a anaacutelise

dos resultados Nesse espaccedilo os colegas mestrandos e doutorandos fizeram

questionamentos e deram contribuiccedilotildees para a estruturaccedilatildeo textual Tive ainda

orientaccedilatildeo e acompanhamento individual da minha orientadora em todos os momentos

da feitura desta tese

Aleacutem disso os dados produzidos no GP EFoPI material de anaacutelise deste

trabalho geraram textos acadecircmicos que foram apresentados em vaacuterios congressos

nacionais e internacionais e no acircmbito da PUC-SP e da UFJF o que desdobrou na

publicaccedilatildeo de artigos em importantes perioacutedicos de circulaccedilatildeo nacional No acircmbito do

LAEL ndash PUC-SP este estudo foi submetido a trecircs bancas de qualificaccedilatildeo cujas

sugestotildees e questionamentos permitiram mudanccedilas reorganizaccedilotildees e redefiniccedilatildeo de

questotildees Nos periacuteodos das qualificaccedilotildees pude discutir a abordagem teoacuterica a opccedilatildeo

metodoloacutegica e os procedimentos de anaacutelise e interpretaccedilatildeo dos dados Esse processo

permitiu que repensasse o percurso desta pesquisa em uma interlocuccedilatildeo calorosa com as

professoras doutoras que compuseram as bancas Alzira Shimoura Maria Ceciacutelia

Magalhatildees Maria Helena Pistori Mona Hawi e Wanda Aguiar Junqueira

CAPIacuteTULO 3 ndash MOVIMENTOS DE UM PERCURSO CAMINHOS E (DES)CAMINHOS TRILHADOS 133

ILKA SCHAPPER SANTOS

Por fim em 31 de agosto de 2009 a pesquisa foi aprovada pelo Comitecirc de Eacutetica

da PUC-SP Esse oacutergatildeo da PUC tem por objetivo resguardar os direitos e as imagens

dos participantes da investigaccedilatildeo A autorizaccedilatildeo desse Comitecirc foi registrada sob o

protocolo no 1942009 em anexo no final deste trabalho

Assim depois de ter tecido discussotildees que atravessam esta pesquisa referentes agrave

metodologia apresentarei no proacuteximo capiacutetulo a discussatildeo dos resultados por meio da

anaacutelise e interpretaccedilatildeo dos dados

ILKA SCHAPPER SANTOS

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO

Este capiacutetulo objetiva apresentar e discutir os resultados da pesquisa dialogando

com eles agrave luz dos fundamentos teoacuterico-metodoloacutegicos que sustentam esta tese para

responder as questotildees que orientam este trabalho a saber

Como o processo da argumentaccedilatildeo desenvolvido entre pesquisadores e educadores

permite expor sentidos e significados sobre a brincadeira no movimento da Cadeia

Criativa

Quais argumentos contribuiacuteram para a produccedilatildeo de significado sobre o brincar no

movimento da Cadeia Criativa

O capiacutetulo estaacute estruturado em trecircs partes tendo em vista a sequecircncia dos

cronotopos (Bakhtin 1983) no movimento da Cadeia Criativa A divisatildeo das partes em

cronotopos se justifica neste trabalho pela tentativa de situar o tempo-espaccedilo da

produccedilatildeo discursiva no interior das discussotildees tecidas entre pesquisadoras e educadoras

do GP EFoPI selecionada para a anaacutelise

Na primeira seccedilatildeo a discussatildeo se fixa nos excertos de 3 sessotildees reflexivas para

analisar a partir das perguntas da tese o processo reflexivo construiacutedo entre duas

pesquisadoras do GP EFoPI e quatro professoras participantes de uma das 23 creches do

municiacutepio de Juiz de Fora realizadas ao longo do ano de 2006 configurando o primeiro

cronotopo da Cadeia Criativa Estas sessotildees tiveram o objetivo de discutir o brincar

como eixo do trabalho docente com crianccedilas de dois e trecircs anos de idade

Em seguida abordo as interlocuccedilotildees tecidas entre o GP EFoPI e as 23

coordenadoras das 23 creches da AMAC do municiacutepio de Juiz de Fora no interior de

dois encontros do curso de extensatildeo intitulado ldquoEspaccedilo de Reflexatildeo Teoacuterico-Praacutetico em

Contexto de Colaboraccedilatildeordquo que expressam o segundo cronotopo Eacute importante

esclarecer que a escolha desses dois encontros se deu por conta da relaccedilatildeo dos temas

com este estudo (1) o terceiro encontro ldquoA Dimensatildeo Luacutedica na Crianccedila e na

Crecherdquo e (2) o quarto encontro ldquoA Dimensatildeo Luacutedica no Espaccedilo-Ambiente da Creche

reflexotildees sobre o brincarrdquo Por fim continuo o diaacutelogo entre as pesquisadoras e as

referidas coordenadoras por meio de uma nova sessatildeo reflexiva

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 135

ILKA SCHAPPER SANTOS

Em todos os cronotopos haacute subseccedilotildees que traduzem um agrupamento de

excertos circunscritos a uma mesma temaacutetica Os tiacutetulos dessas subseccedilotildees satildeo nomeados

a partir da atividade desenvolvida no interior das interaccedilotildees vivenciadas pelo grupo

41 ndash 1ordm Cronotopo da Cadeia Criativa ndash Sessotildees reflexivas com pesquisadoras do

GP EFoPI e educadoras da creche

As sessotildees reflexivas com as pesquisadoras do GP EFoPI e educadoras de uma

das 23 creches do municiacutepio de Juiz de Fora foram planejadas no interior das reuniotildees

de pesquisa para compreender criticamente o lugar das brincadeiras de faz de conta no

universo da creche buscando observar o desenvolvimento das experiecircncias infantis

orientadas pelo educadorprofessor O diaacutelogo nas sessotildees foi tecido a partir da

observaccedilatildeo de atividades filmadas de outras educadoras e das proacuteprias professoras que

tiveram como eixo a brincadeira de faz de conta Os encontros com as educadoras

subsidiaram as discussotildees tecidas no curso de extensatildeo e nas sessotildees reflexivas com as

coordenadoras das 23 creches do municiacutepio (cronotopos 2 e 3 da cadeia criativa)

Em todo o movimento da cadeia criativa formada pelas pesquisadoras e

profissionais das creches as participantes buscavam discutir como a disposiccedilatildeo dos

brinquedos e as brincadeiras desenvolvidas podiam ser elementos de aprendizagens

relevantes e de reconstruccedilatildeo do real pela crianccedila

411 ndash 1ordf Sessatildeo Reflexiva Analisada ndash dia 14 de agosto de 2006

Os trecircs primeiros excertos selecionados para este capiacutetulo de anaacutelise foram

retirados da segunda sessatildeo reflexiva com as quatro professoras de uma das creches

municipais que trabalham com crianccedilas de dois e trecircs anos de idade e duas

pesquisadoras do GP EFoPI em 14 de agosto de 2006 na sala de reuniotildees da creche O

objetivo da sessatildeo era discutir o lugar do luacutedico na educaccedilatildeo infantil tendo como

referente um viacutedeo em que uma professora desenvolve duas atividades luacutedicas com

crianccedilas de quatro anos de idade

Na primeira atividade do viacutedeo a professora pega uma caixa de blocos loacutegicos29

e vai mostrando o material para as crianccedilas enquanto solicita que o grupo de alunos

29 Constitui-se de 48 peccedilas que combinam quatro atributos em cada uma sendo

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 136

ILKA SCHAPPER SANTOS

responda quais as formas (quadrado ciacuterculo triacircngulo e retacircngulo) as cores (vermelho

amarelo e azul) os tamanhos (grande pequeno) e as espessuras (grosso e fino) Na

segunda atividade a professora entrega pedaccedilos de papeizinhos com as formas

geomeacutetricas dos blocos loacutegicos e solicita agraves crianccedilas que montem desenhos a partir

delas mas com um referente definido com o ciacuterculo fazer um sol por exemplo

Vejamos o 1ordm fragmento em que a pesquisadora solicita agraves professoras a

descriccedilatildeo de uma atividade

1ordm Excerto

(1) Leacutea Noacutes vamos assistir agora agrave atividade e vocecircs descrevam a atividade Sabe o

que que eacute descrever neacute Eacute escrever o que viu na atividade Eu queria uma atividade de

brincadeira com as crianccedilas certo Eu vou dar uma sugestatildeo de como escrever o que

que vocecircs viram vocecircs vatildeo descrever o que que a professora fez o que que o aluno

fez o que que vocecircs viram no viacutedeo Vamos Eacute soacute vocecircs descreverem

A pesquisadora espera as professoras finalizarem as descriccedilotildees da cena vista no

viacutedeo e depois solicita que elas iniciem a descriccedilatildeo

(2) Leacutea Entatildeo vamos laacute quem gostaria de comeccedilar e estar comentando e descrevendo

o que que viu nessa atividade que vocecircs assistiram no viacutedeo

(3) Claacuteudia Eu percebi que a professora trabalhou de forma luacutedica diversos

conteuacutedos como a matemaacutetica atraveacutes dos alunos manipularem blocos loacutegicos

observando formas e cores a linguagem oral e escrita onde cada um procurou criar

variados objetos deixando transparecer a importacircncia do brincar na educaccedilatildeo infantil

(4) Leacutea Vamos laacute Vocecirc professora Mirela

(5) Mirela eacute eu tambeacutem observei que a professora deixou as crianccedilas muito livres

naquela hora que ela estaacute trabalhando as figuras geomeacutetricas aiacute trabalhou as cores

trabalhou assim deixou as crianccedilas falarem oralmente livremente cada transformaccedilatildeo

ali que eles estavam transformando E eu achei interessante tambeacutem na hora em que a

menina falou - Isso daqui eacute um papagaio Aiacute ela (a professora) falou assim - Natildeo

Tamanho (grande e pequeno)

Cor (amarelo azul e vermelho)

Forma (ciacuterculo quadrado triacircngulo e retacircngulo)

Espessura (grosso e fino)

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 137

ILKA SCHAPPER SANTOS

parece uma casa natildeo Aiacute vocecirc vecirc assim que interessante a crianccedila quando ela fala que

eacute uma coisa como que ela visualiza aquilo

(6) Fabiana Eacute eu tambeacutem vi que ela trabalhou as cores as formas dentro da

linguagem matemaacutetica tambeacutem A liberdade que ela deu agraves crianccedilas cada um com as

suas formas geomeacutetricas elas criaram tiveram a criatividade foi um momento de

desenvolver a criatividade deles natildeo foi aquela coisa presa eles fizeram livremente

No exoacuterdio30

(introduccedilatildeo do discurso que tem como objetivo conquistar a

simpatia do auditoacuterio) do excerto acima a pesquisadora (1) faz a apresentaccedilatildeo do

partitio ndash o plano a seguir a) Noacutes vamos assistir agora a atividade e vocecircs descrevam a

atividade e b) depois expotildee como deve ser feita a descriccedilatildeo da cena analisada Eu vou

dar uma sugestatildeo de como escrever o que que vocecircs viram vocecircs vatildeo descrever o

que que a professora fez o que que o aluno fez o que que vocecircs viram no viacutedeo

Vamos gente Eacute soacute vocecircs descreverem Aleacutem da apresentaccedilatildeo do discurso o exoacuterdio

tem a funccedilatildeo segundo Reboul (2004 p 55) de apresentar o assunto e projetar o ethos

do orador Isso eacute feito com o uso da funccedilatildeo faacutetica que busca uma adesatildeo inicial por

parte do auditoacuterio

O fragmento (1) ldquoNoacutes vamos assistir agora a atividaderdquo sinaliza o grau de

implicaccedilatildeo que a oradora deseja imprimir ao discurso expresso com o uso do pronome

pessoal na primeira pessoal do plural ldquonoacutesrdquo Depois a pesquisadora continua o turno

dizendo ldquoe vocecircs descrevam a atividaderdquo Para solicitar a tarefa ao auditoacuterio a

pesquisadora faz uso do pronome ldquovocecircsrdquo e tambeacutem faz uso do verbo descrever no

imperativo afirmativo (ldquodescrevamrdquo) que exprime uma solicitaccedilatildeo uma ordem Fica

claro assim que a descriccedilatildeo seraacute feita pelas professoras participantes

Eacute interessante notar que a pesquisadora no exoacuterdio pede agraves professoras para

assistirem e descreverem o que viram na cena depois anuncia que daraacute uma sugestatildeo de

como elas devem descrever Para isso solicita exemplos ldquoo que que a professora fez

o que que o aluno fezrdquo No entanto natildeo satildeo levantados questionamentos sobre a

estrutura do que seja descriccedilatildeo de uma atividade envolvendo a brincadeira Ao contraacuterio

disso a pesquisadora levanta questotildees geneacutericas sem formular questionamentos ou

fornecer exemplos que possam orientar as professoras na realizaccedilatildeo da tarefa

30 Do latim exordire (ldquocomeccedilarrdquo)

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 138

ILKA SCHAPPER SANTOS

Em seguida a oradora finaliza o turno dizendo ldquoEacute soacute vocecircs descreveremrdquo Esse

argumento tem para o auditoacuterio um efeito de hierarquia pois a orientaccedilatildeo eacute algo a ser

seguido Na cena enunciativa isso se presentifica com o uso do adjetivo ldquosoacuterdquo

mostrando que as professoras tecircm que fazer apenas isso uma descriccedilatildeo

Em siacutentese o turno (1) mostra que a pesquisadora pretende fazer com que as

educadoras a partir da descriccedilatildeo da cena na sessatildeo reflexiva consigam ter elementos

para refletir sobre o lugar do luacutedico da brincadeira na educaccedilatildeo infantil Essa mediaccedilatildeo

revela a interpretaccedilatildeo da pesquisadora das etapas do processo criacutetico reflexivo propostas

por Smyth (1992) e a busca de trazer para o diaacutelogo com as professoras questotildees

relacionadas ao momento do descrever Apesar de estar relacionada com essa etapa do

processo criacutetico reflexivo natildeo haacute desdobramentos de questotildees que possibilitem agraves

professoras participantes fazerem um detalhamento do que viram no viacutedeo

Segundo Liberali (2008) o levantamento de alguns elementos auxilia na

elaboraccedilatildeo de uma descriccedilatildeo detalhada do contexto de produccedilatildeo e pode servir de base

para um futuro confrontar Neste caso poderiam se constituir recursos para confrontar

as praacuteticas das salas de atividades de educaccedilatildeo infantil apresentaccedilatildeo do contexto de

produccedilatildeo da atividade mapeamento de quem satildeo os envolvidos na cena analisada o

tipo de atividade desenvolvida faixa etaacuteria e nuacutemero de crianccedilas assunto abordado

interaccedilatildeo crianccedilacrianccedila e adultocrianccedila caracteriacutesticas da sala de atividade como e

em que periacuteodo a atividade foi desenvolvida como a atividade se processou

apresentaccedilatildeo do tema a ser desenvolvido que tipo de trabalho foi desenvolvido ndash em

grupo em dupla individualmente ndash como os alunos atuaram durante a atividade como

os alunos responderam as questotildees levantadas pela professora e demais colegas e o que

os alunos e a professora disseramfizeram no decorrer da atividade Essas seriam

algumas das questotildees que a pesquisadora poderia levantar para orientar as professoras

na descriccedilatildeo da cena do viacutedeo

Apesar de natildeo especificar a tarefa a pesquisadora tem o intuito de que as

professoras descrevam a cena para promover o debate sobre as estrateacutegias que a

educadora do viacutedeo utilizou para promover a atividade luacutedica com crianccedilas pequenas

No turno (3) a professora Claacuteudia inicia seu discurso dizendo ldquoEu percebi que a

professora trabalhou de forma luacutedica diversos conteuacutedosrdquo com isso anuncia que seu

discurso estaraacute pautado na sua percepccedilatildeo do que foi visto e natildeo na descriccedilatildeo da

atividade Desse modo a educadora apenas menciona o que notou na cena de modo

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 139

ILKA SCHAPPER SANTOS

mais superficial sem respaldar seus argumentos em um detalhamento do contexto de

produccedilatildeo da atividade desenvolvida no viacutedeo

A professora Mirela por sua vez inicia seu turno dizendo (5) ldquoEacute observei

tambeacutemrdquo mostrando a partir do adveacuterbio ldquotambeacutemrdquo que percebeu da mesma forma que

a professora Claacuteudia depois amplia especificando seu argumento Na explicaccedilatildeo a

educadora insere mais um dado para o que entende sobre a importacircncia do brincar na

educaccedilatildeo infantil Com o adjetivo ldquolivresrdquo e a expressatildeo ldquotrabalhou de forma luacutedica

diversos conteuacutedosrdquo procura sinalizar que a educadora do viacutedeo priorizou o trabalho

com o luacutedico No entanto faz uso do argumento pragmaacutetico relacionando o movimento

da ludicidade com os conteuacutedos da matemaacutetica e da linguagem oral e escrita ldquocomo a

matemaacutetica atraveacutes dos alunos manipularem blocos loacutegicos observando formas e

cores a linguagem oral e escrita onde cada um procurou criar variados objetosrdquo O

uso desse recurso argumentativo permitiu agrave educadora apreciar acontecimentos segundo

suas consequecircncias buscando mostrar sua importacircncia direta na accedilatildeo da cena analisada

No entanto a forma como tece as relaccedilotildees entre os acontecimentos e suas

consequecircncias sinaliza para uma concepccedilatildeo de brincar estruturada sob a oacutetica do

conhecimento sistematizado desenvolvimento loacutegico matemaacutetico e linguagem

destacando formas e cores e linguagem oral e escrita respectivamente Nesse momento

a professora compartilha um significado cristalizado do brincar qual seja aquele

vinculado a um atividade escolarizada com o vistas agrave aprendizagem de conteuacutedos

especiacuteficos

Depois Mirela explica que ao manipularem os materiais como por exemplo os

blocos loacutegicos as crianccedilas estavam em processo de transformaccedilatildeo ldquodeixou as crianccedilas

falarem oralmente livremente cada transformaccedilatildeo ali neacute que eles estavam

transformandordquo Para explicar esse processo de transformaccedilatildeo na atividade que julgou

luacutedica a professora usa outro argumento de exemplo agora pautado em uma cena do

viacutedeo ldquoE eu achei interessante tambeacutem na hora em que a menina falou - Como que

eacute Isso daqui eacute um papagaio Aiacute ela (a professora do viacutedeo) falou assim - Natildeo parece

uma casa natildeo Aiacute vocecirc vecirc assim que interessante a crianccedila quando ela fala que eacute

uma coisa como que ela visualiza aquilordquo Na explicaccedilatildeo a partir do argumento de

exemplo a professora exemplifica com a afirmativa da crianccedila ldquoIsso daqui eacute um

papagaiordquo depois explica que ldquointeressante a crianccedila quando ela fala que eacute uma

coisa como que ela visualiza aquilordquo Ao usar o qualificativo ldquointeressanterdquo em dois

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 140

ILKA SCHAPPER SANTOS

momentos do argumento de exemplo a professora em um primeiro movimento avalia o

exemplo antes mesmo de relataacute-lo e depois reforccedila sua avaliaccedilatildeo para concluir que a

crianccedila a partir de um dado objeto o transforma em outro Mas natildeo se posiciona diante

da assertiva da professora do viacutedeo que questiona ldquoNatildeo parece uma casa natildeordquo

Eacute sim interessante perceber que a professora Mirela havia dito no fragmento

ldquopercebi que a professora deixou as crianccedilas muito livresrdquo e paradoxalmente o

exemplo que ela utilizou contradiz sua fala pois a professora do viacutedeo natildeo considera o

enunciado da crianccedila ldquoIsso daqui eacute um papagaiordquo mas reforccedila sua proacutepria

compreensatildeo do objeto representado ou seja uma casa No fluxo discursivo da

educadora notamos que sua fala vai de encontro ao processo da descriccedilatildeo

No turno (6) a professora Fabiana enuncia ldquoEacute eu tambeacutem vi que ela

trabalhou as cores as formas dentro da linguagem matemaacutetica tambeacutem A liberdade

que ela deu agraves crianccedilas cada um com as suas formas geomeacutetricas eles criaram

tiveram a criatividade foi um momento de desenvolver a criatividade deles natildeo foi

aquela coisa presa eles fizeram livrementerdquo Na fala de Fabiana reaparece o adveacuterbio

ldquotambeacutemrdquo para confirmar as observaccedilotildees das duas outras professoras retomando a

assertiva com o argumento de exemplo que a professora trabalhou os conhecimentos

matemaacuteticos Mas Fabiana introduz no seu argumento o substantivo ldquocriatividaderdquo

para explicar que a atividade foi desenvolvida pela professora do viacutedeo de forma

criativa No entanto natildeo faz uso de elementos discursivos que esclareccedilam os sentidos-

significados que ela professora atribui agrave criatividade

O 1ordm excerto revela uma contradiccedilatildeo latente na fala das professoras participantes

nas relaccedilotildees que estabelecem entre os binocircmios luacutedicolivre luacutedicocriatividade e

luacutedicoconteuacutedos diversos (em especial os conteuacutedos de linguagem e da matemaacutetica)

Os dois primeiros estatildeo atrelados ao luacutedico como reconstruccedilatildeo do real como

possibilidade de as crianccedilas anteciparem papeacuteis sociais e o terceiro ao luacutedico como

instrumento de aprendizagem dos conteuacutedos escolares

Embora na sessatildeo reflexiva haja um espaccedilo para que todos se coloquem a partir

da indagaccedilatildeo da pesquisadora cria-se um fosso entre os diaacutelogos tecidos pelas

coordenadoras e o silecircncio da pesquisadora sobre suas concepccedilotildees em relaccedilatildeo ao luacutedico

e ao brincar Esse silecircncio inviabilizou trazer para o espaccedilo enunciativo elementos de

tensatildeo conflitos e possibilidade de transformaccedilatildeo dos significados rotinizados que as

educadoras compartilharam sobre a temaacutetica Assim a ausecircncia de contrapalavras de

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 141

ILKA SCHAPPER SANTOS

reacuteplicas das pesquisadoras (BakhtinVolochinov 1988) em relaccedilatildeo aos significados que

as coordenadoras trouxeram na sessatildeo impossibilitou que a atividade fosse

desenvolvida por meio da colaboraccedilatildeo criacutetica (Magalhatildees 2009)

Nas cenas discursivas natildeo se chega a uma base de sustentaccedilatildeo comum Em

outras palavras podemos inferir que as relaccedilotildees tecidas nesses turnos estatildeo pautadas nas

praacuteticas rotinizadas das professoras sem que se produzam questotildees de fundo teoacuterico ou

a argumentaccedilatildeo para a formaccedilatildeo de conceitos Podemos perceber no movimento

discursivo uma dificuldade das pesquisadoras em levantarem a partir dos sentidos

trazidos pelas professoras naquela comunidade semioacutetica questionamentos que

pudessem gerar duacutevidas polecircmicas em relaccedilatildeo ao estabelecido e ao rotinizado

Isso fica expliacutecito quando as educadoras lanccedilam matildeo de argumentos de exemplo

e argumentos pragmaacuteticos estruturados a partir do que assistiram no viacutedeo e de suas

experiecircncias profissionais (ie por trecircs vezes destacaram que a professora do viacutedeo

estava trabalhando a matemaacutetica ndash cores formas ndash e em dois momentos do discurso

disseram que a atividade possibilitava o desenvolvimento da linguagem) A reincidecircncia

desses argumentos nas falas sinaliza que os sentidos das professoras sobre o luacutedico e

sua materializaccedilatildeo na sala de atividade de educaccedilatildeo infantil satildeo muito parecidos Aleacutem

disso a circularidade argumentativa sem intervenccedilatildeo das pesquisadoras inviabiliza que

significados outros possam emergir no fluxo da interaccedilatildeo verbal

Em resumo neste excerto a pesquisadora faz questionamentos para fomentar a

tarefa no entanto natildeo especifica o que deve ser descrito e natildeo usa argumentos de

exemplo para esclarecer sobre o que deve ser feito Com isso as professoras tecem

descriccedilotildees e narrativas geneacutericas

Passemos agora para a anaacutelise do 2ordm trecho selecionado da mesma sessatildeo

reflexiva momento em que as pesquisadoras procuram possibilitar um espaccedilo de

compartilhamento dos significados trazidos pelas professoras sobre o brincar em

especial a relaccedilatildeo entre material concreto e o desenvolvimento de atividades luacutedicas

2ordm Excerto

(7) Patriacutecia Entatildeo vocecircs jaacute falaram mais ou menos o descrever E aiacute qual eacute o foco da

apresentaccedilatildeo do conteuacutedo da atividade Assim o que que ela quis estar mostrando

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 142

ILKA SCHAPPER SANTOS

com essa atividade ali (do viacutedeo)

(8) Mirela De forma luacutedica as cores e as formas geomeacutetricas mesmo e aiacute associou

cores com formas

(9) Claacuteudia E tambeacutem expressatildeo oral jaacute que ela foi nas mesas perguntando

(10) Leacutea Esperem aiacute um minutinho Vocecircs concordam com a Mirela Com o que a

Mirela disse Que eacute de forma luacutedica

(11) Claacuteudia Eu concordo porque as crianccedilas estavam aprendendo e brincando ao

mesmo tempo elas brincaram com brinquedos loacutegicos que eacute um recurso brincar com

brinquedos loacutegicos que motiva bastante a imaginaccedilatildeo delas

(12) Leacutea O que que te levou a dizer que motiva bastante a imaginaccedilatildeo deles O que

que no viacutedeo Claacuteudia te mostra que as crianccedilas estatildeo imaginando

(13) Claacuteudia O brincar com o material que a professora deixou que eles fossem

manipulando de acordo com o que iam manipulando

(14) Leacutea Qual material vocecirc estaacute falando

(15) Claacuteudia Os blocos loacutegicos

(16) Leacutea O que faz com que vocecirc ache que a atividade foi uma atividade luacutedica

(17) Claacuteudia Por manipular o concreto por estarem manipulando o concreto

(18) Leacutea Entatildeo vocecirc pensa que toda vez que as pessoas pensam que toda vez que

vocecirc trabalha com material concreto eacute luacutedico

(19) Mirela Eacute porque a gente trabalha assim

(20) Leacutea Toda vez que vocecircs trabalham com material concreto eacute luacutedico

(21) Mirela Eacute luacutedico

(22) Leacutea O trabalhar com material concreto eacute luacutedico para vocecircs

(23) Mirela eacute pra a gente aqui eacute

No primeiro fragmento do turno (7) a pesquisadora Patriacutecia inicia o enunciado

dizendo ldquoentatildeo vocecircs jaacute falaram mais ou menos o descrever rdquo Com a locuccedilatildeo

adverbial ldquomais ou menosrdquo avalia de forma modalizada que as professoras natildeo

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 143

ILKA SCHAPPER SANTOS

conseguiram estruturar a descriccedilatildeo da cena assistida Apesar de sinalizar que

descreveram ldquomais ou menosrdquo a cena do viacutedeo a pesquisadora natildeo mostra

discursivamente o que entatildeo as professoras fizeram aleacutem disso natildeo daacute indicativos de

como fazer

Depois a pesquisadora centraliza seus questionamentos com perguntas para a

explicaccedilatildeo ldquoE aiacute qual eacute o foco da apresentaccedilatildeo do conteuacutedo da atividade Assim o

que que ela quis estar mostrando com essa atividade alirdquo Assim as professoras satildeo

chamadas a refletirem sobre o conteuacutedo da atividade e a pensarem sobre os objetivos

que a professora do viacutedeo desejava alcanccedilar As professoras participantes retomam os

argumentos do recorte anterior e reafirmam a tese de que a professora trabalhou de

forma luacutedica usando os mesmos argumentos de exemplo e pragmaacutetico Isso se revela

nos turnos (8) e (9) quando voltam a relacionar o luacutedico com os conteuacutedos matemaacuteticos

e os conteuacutedos de linguagem

Para as pesquisadoras a definiccedilatildeo de um campo comum sobre o que as

professoras entendem como um trabalho pautado na atividade luacutedica eacute essencial para a

discussatildeo que pretendem tecer com as educadoras Por isso no turno (10) Leacutea levanta

os questionamentos ldquoVocecircs concordam com a Mirela Com o que a Mirela disse que

eacute de forma luacutedicardquo O que estaacute em jogo eacute a busca de um significado compartilhado

sobre o brincar mas como as pesquisadoras natildeo se posicionaram no campo

argumentativo sobre as concepccedilotildees do GP EFoPI relativas agrave brincadeira na educaccedilatildeo

infantil a discussatildeo fica fundada apenas na retomada da fala anterior de Mirela Mais

uma vez natildeo se cria um espaccedilo de polecircmica com contra-argumentos que possam gerar

uma crise nos significados estratificados

No turno (16) a pesquisadora faz um questionamento que exige

explicaccedilatildeoraciociacutenio ldquoo que faz com que vocecirc ache que a atividade foi uma atividade

luacutedicardquo Ao tecer esse questionamento a pesquisadora busca propiciar um espaccedilo de

ampliaccedilatildeo dos argumentos das professoras procurando fazer emergir outros sentidos e

conhecimentos cotidianos que elas possam vir a ter sobre o luacutedico A professora Claacuteudia

(17) explica que ldquopor manipular o concreto por estarem manipulando o concretordquo a

atividade pode ser considerada luacutedica Essa explicaccedilatildeo leva a pesquisadora a retomar o

enunciado da professora (18) ldquoentatildeo vocecirc pensa que toda vez que as pessoas

pensam que toda vez que vocecirc trabalha com material concreto eacute luacutedicordquo Essa

retomada por meio de um questionamento tem a funccedilatildeo de produzir uma definiccedilatildeo

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 144

ILKA SCHAPPER SANTOS

sobre os saberes das educadoras em relaccedilatildeo agrave diacuteade luacutedicoconcreto mas como natildeo estaacute

elaborado para tal soacute alcanccedila confirmaccedilatildeo e natildeo uma definiccedilatildeo Isso ocorreu porque

natildeo foi solicitado diretamente agraves participantes o conceito de luacutedico adotado natildeo

promovendo um espaccedilo em que elas pudessem tecer consideraccedilotildees sobre a ludicidade

Aleacutem disso as proacuteprias pesquisadoras natildeo trazem seus sentidos-significados sobre a

temaacutetica

Na sua resposta Mirela (19) usa o sintagma nominal ldquoa genterdquo (no lugar do

pronome de primeira pessoa do plural ldquonoacutesrdquo) ressaltando o grau de implicaccedilatildeo de todas

as professoras da creche em um trabalho que veicula o luacutedico ao material concreto

Aqui os significados referem-se aos conteuacutedos instituiacutedos (Aguiar e Ozella 2006) que

foram sendo apropriados pelas professoras a partir de suas praacuteticas docentes na

interlocuccedilatildeo com os demais profissionais da creche

Diante da assertiva da professora a pesquisadora repete o questionamento nos

turnos (20) ldquotoda vez que vocecircs trabalham com material concreto eacute luacutedicordquo e (22)

ldquotrabalhar com material concreto eacute luacutedico para vocecircsrdquo deixando transparecer seu

estranhamento com a tese da educadora da creche Em resposta a educadora reafirma a

tese de que o trabalho com o material concreto eacute um trabalho luacutedico ndash (23) ldquoeacute pra a

gente aqui eacuterdquo ndash sinalizando por meio do uso do adveacuterbio de lugar ldquoaquirdquo como decircitico

espacial que na creche essa concepccedilatildeo prevalece Haacute uma revelaccedilatildeo de cisatildeo em seu

discurso que separa ldquoa gente aqui rdquo remetendo-se agraves professoras da creche e excluindo

as pesquisadoras do seu discurso Essa cisatildeo desvela um distanciamento entre os saberes

das professoras no cotidiano da creche e os saberes da universidade natildeo criando zonas

de sentido que pudessem desestabilizar as significaccedilotildees apresentadas

Apesar de a pesquisadora questionar a concepccedilatildeo de que todo trabalho com

material concreto eacute luacutedico a reincidecircncia de seus questionamentos natildeo traz para cena

discursiva neste excerto argumentos baseados na teoria para refutar a tese das

professoras Isso porque as pesquisadoras natildeo esclarecem natildeo compartilham seus

proacuteprios significados sobre o luacutedico construiacutedos-produzidos no GP EFoPI aleacutem de natildeo

criarem contra-argumentos a partir dos pontos de vista das professoras Mais uma vez

natildeo se cria uma zona de conflitos tensotildees e por conseguinte uma zona de colaboraccedilatildeo

criacutetica (Magalhatildees 2009) entre os participantes que pudesse promover um

compartilhamento de significados e produccedilatildeo-construccedilatildeo de conhecimentos gerados na

siacutentese dialeacutetica entre teoria e praacutetica

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 145

ILKA SCHAPPER SANTOS

A ausecircncia de um contexto colaborativo inviabilizou inaugurar um espaccedilo em

que os participantes tivessem a possibilidade de tornar seus processos mentais mais

claros em que pudessem demonstrar e explicar esses processos no fluxo da interaccedilatildeo

verbal Assim natildeo houve ruptura nos sentidos-significados trazidos pelas professoras

ficando estes inscritos agraves esferas anteriores em que foram produzidos

Vejamos entatildeo na sequecircncia da sessatildeo reflexiva em anaacutelise um trecho em que

a discussatildeo se volta para a forma como a professora interveacutem nas accedilotildees das crianccedilas

3ordm Excerto

(24) Leacutea Agora pensando mais na atividade seguinte e natildeo naquela dos blocos

loacutegicos eacute vamos pensar mais um pouquinho pensando neacute descrevendo analisando o

que a professora fez Vocecircs disseram que as crianccedilas estavam livres para imaginarem o

que quisessem

(25) Fabiana eacute dos papeizinhos Porque a partir do momento em que ela colocou as

formas geomeacutetricas em cima da mesa antes dela intervir eles poderiam mostrar o que

eles quisessem eles estavam livres para mostrar o que eles quisessem Eu soacute achei

assim que na hora em que ela comeccedilou a intervir em que ele (o aluno) ia montar a

casa nem eacute assim uma criacutetica porque agraves vezes eu faccedilo isso tambeacutem por querer que

seja o sol sem deixar que seja uma casa ou palhaccedilo

(26) Mirela mas eu acho que de toda forma mesmo com ela intervindo a crianccedila ela

estava brincando em uma atividade luacutedica porque ateacute o momento em que eles (os

alunos) estavam manipulando o papel eles estavam do jeito deles colocavam ali

colocavam aqui na hora em que ela (a professora) chegou fez a intervenccedilatildeo da forma

que ela achava que era o melhor Por quecirc Porque fica muito abstrato vocecirc colar uma

coisa que a crianccedila fez no caderno sem um contexto fica fora de esteacutetica vocecirc colar no

caderno uma obra da crianccedila na visatildeo da professora com o quadrado aqui o ciacuterculo ali

(27) Leacutea na visatildeo da esteacutetica

(28) Leacutea deixa eu ver se eu entendi entatildeo Mirela Vocecirc disse entatildeo que a orientaccedilatildeo

da professora eacute de que fizessem alguma coisa que depois fossem colar no caderno

vocecirc fala nessa questatildeo da esteacutetica que vocecirc acha que a professora fez bem que a

professora agiu corretamente em estar orientando o lugar de pocircr o sol perguntando se

depois fazia alguma coisa porque depois na hora de colar no caderno precisaria ter

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 146

ILKA SCHAPPER SANTOS

uma certa esteacutetica

(29) Mirela natildeo vocecirc entendeu errado Eu disse que ela agiu deixando as crianccedilas

brincarem ludicamente deixando fazer o que queriam soacute que na hora de colar no

caderno ela se preocupou com a esteacutetica de quem vai ver Porque quem vai ver vai

olhar e falar assim ldquonossa por que vocecirc colou um ciacuterculo aqui e um triacircngulo alirdquo

Agora se ela juntasse colocasse um sol em cima um triacircngulo e um quadrado

embaixo esteticamente estaacute mais bonito O pai quando olhar vai dizer ldquonossa meu

filho que bonito vocecirc realmente fez uma casardquo Agora tudo separado o que que o pai

vai ver em casa ldquonossa filho vocecirc colou assim por que vocecirc natildeo juntourdquo Eu acho

que a preocupaccedilatildeo da professora foi isso

(30) Leacutea e a preocupaccedilatildeo sua qual seria Como vocecirc faria

Neste excerto a pesquisadora procura ampliar o debate a partir das atividades

analisadas Para isso faz uso principalmente de argumento de comparaccedilatildeo Jaacute as

educadoras continuam a fazer uso do argumento pragmaacutetico que pouco promove a

ampliaccedilatildeo do debate sobre o jaacute estabelecido

No turno (24) com o operador argumentativo ldquoagorardquo a pesquisadora introduz

no enunciado conteuacutedos pressupostos O pressuposto eacute desvelado com a continuidade

do discurso em que a oradora usa um argumento de comparaccedilatildeo ldquopensando mais na

atividade seguinte e natildeo naquela dos blocos loacutegicosrdquo para sinalizar que as professoras

participantes ateacute entatildeo estavam focando mais a primeira atividade do viacutedeo do que a

segunda Assim convida o auditoacuterio a se ater agrave segunda atividade a partir da

explicaccedilatildeo ldquovamos pensar mais um pouquinho pensando neacute descrevendo

analisando o que a professora fezrdquo Depois finaliza o enunciado retomando a tese das

professoras ndash ldquoas crianccedilas estavam livres para imaginarem o que quisessemrdquo ndash como

estrateacutegia de reflexatildeo abrindo espaccedilo para confirmaccedilotildees ou refutaccedilotildees

Em (25) a educadora da creche Fabiana busca sustentar a tese de que na

atividade ldquoas crianccedilas estavam livres para imaginarem o que quisessemrdquo atraveacutes de

argumento pragmaacutetico isso se evidencia na explicaccedilatildeo ldquoa partir do momento em que

ela colocou as formas geomeacutetricas em cima da mesa antes dela intervir eles

poderiam mostrar o que eles quisessem eles estavam livres para mostrar o que eles

quisessem rdquo

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 147

ILKA SCHAPPER SANTOS

No entanto ao continuar o diaacutelogo refuta a tese usando outro argumento

pragmaacutetico ldquoEu soacute achei assim que na hora em que ela comeccedilou a intervir em que

ele (o aluno) ia montar a casa nem eacute assim uma criacutetica porque agraves vezes eu faccedilo isso

tambeacutem por querer que seja o sol sem deixar que seja uma casa ou palhaccedilordquo

Eacute interessante notar que Mirela em (26) inicia seu enunciado com um operador

argumentativo para contrapor o uacuteltimo argumento pragmaacutetico de Fabiana ldquomas eu acho

que de toda forma mesmo com ela intervindo a crianccedila ela estava brincando em

uma atividade luacutedicardquo Na continuaccedilatildeo do diaacutelogo faz uso de outro operador ldquomesmordquo

para assinalar o argumento mais forte de uma escala orientada para uma determinada

conclusatildeo (Koch 19922004) ldquoela estava brincando em uma atividade luacutedicardquo

Depois termina o turno fazendo uso mais uma vez do argumento pragmaacutetico

ldquochegou fez a intervenccedilatildeo da forma que ela achava que era o melhor Por quecirc

Porque fica muito abstrato vocecirc colar uma coisa que a crianccedila fez no caderno sem

um contexto fica fora de esteacutetica vocecirc colar no caderno uma obra da crianccedila na

visatildeo da professora com o quadrado aqui o ciacuterculo alirdquo Com esse argumento

pretende mostrar o motivo pelo qual a professora do viacutedeo fez uma intervenccedilatildeo que natildeo

estava pautada em uma atividade de brincadeira livre Isso fica claro na explicaccedilatildeo ldquofica

fora de esteacuteticardquo

Leacutea em (28) com a expressatildeo ldquodeixa eu ver se eu entendi entatildeo Mirelardquo

busca confrontar o que a educadora havia dito Ao retomar a fala de Mirela a

pesquisadora apresenta uma siacutentese do que foi dito buscando aparentemente confrontar

a fala da educadora ldquoVocecirc disse entatildeo que a orientaccedilatildeo da professora eacute de que

fizessem alguma coisa que depois fossem colar no caderno vocecirc fala nessa questatildeo

da esteacutetica que vocecirc acha que a professora fez bem que a professora agiu

corretamente em estar orientando o lugar de pocircr o sol perguntando se depois fazia

alguma coisa porque depois na hora de colar no caderno precisaria ter uma certa

esteacuteticardquo No entanto o confrontar ficou pautado no senso comum sem que houvesse

compartilhamento de sentidos sobre a relaccedilatildeo entre a atividade luacutedica e a esteacutetica

declarado por Mirela

Diante da retomada de sua fala pela pesquisadora Mirela contra-argumenta

linguisticamente com o decircitico de pessoa ldquovocecircrdquo que sua fala foi entendida errada

logo em seguida faz a retificaccedilatildeo ldquoEu disse que ela (a professora do viacutedeo) agiu

deixando as crianccedilas brincarem ludicamente deixando fazer o que queriam soacute que

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 148

ILKA SCHAPPER SANTOS

na hora de colar no caderno ela se preocupou com a esteacutetica de quem vai verrdquo Nesse

movimento a professora continua sua explicaccedilatildeo usando um argumento pragmaacutetico

ldquoagiu deixando as crianccedilas brincarem ludicamente deixando fazer o que queriamrdquo

Depois faz uso do operador ldquosoacuterdquo para indicar a restriccedilatildeo no interior da sua

argumentaccedilatildeo orientando seu discurso para a negaccedilatildeo da totalidade jaacute que reforccedila a

preocupaccedilatildeo com a esteacutetica em relaccedilatildeo a quem vai ver a atividade no caderno das

crianccedilas Na verdade a educadora na sua explicaccedilatildeo utiliza argumentos de autoridade

ldquoo pai quando olhar vai dizer - nossa meu filho que bonito Vocecirc realmente fez

uma casardquo e ldquoo pai vai ver em casa - nossa filho vocecirc colou assim por que vocecirc natildeo

juntourdquo

No movimento discursivo entre argumentos pragmaacuteticos e argumentos de

autoridade a educadora busca justificar sua tese de que foi necessaacuterio a professora

considerar os aspectos esteacuteticos Os elementos argumentativos continuam circunscritos

ao senso comum sem um aporte teoacuterico que possa subsidiar a educadora na definiccedilatildeo

do que seja atividade luacutedica e na restriccedilatildeo em se priorizar o que estaacute chamando de

ldquoesteacuteticardquo

No turno seguinte (30) a pesquisadora faz dois questionamentos ldquoe a

preocupaccedilatildeo sua qual seria Como vocecirc fariardquo Com estas indagaccedilotildees Leacutea natildeo

retoma os argumentos anteriores passando para o que Smyth (1992) intitula de

reconstruir com isso tem a intenccedilatildeo de promover novas possibilidades de se pensar

atividades sobre o brincar No entanto como natildeo compartilhou no interior da sessatildeo o

significado do brincar adotado no GP EFoPI e pautado em explicaccedilotildees fundamentadas

e coerentes natildeo cria tambeacutem espaccedilos de ZPD (Vygotsky 19301991 Magalhatildees

2009) que possam gerar no dizer de BakhtinVolochinov (1988) uma compreensatildeo

ativa uma reacuteplica uma contrapalavra materializada em uma mudanccedila de postura das

educadoras Podemos pensar que nesse momento do turno a pesquisadora poderia

antes de levantar questionamentos para promover o reconstruir usar argumentos de

citaccedilatildeo respaldados em argumentos teoacutericos argumentos de autoridade e argumentos

de fontes que subsidiassem agraves educadoras elementos para refletirem sobre possiacuteveis

reconstruccedilotildees

De modo geral a anaacutelise do conjunto dos trecircs excertos da primeira sessatildeo

reflexiva do primeiro cronotopo aponta para algumas reflexotildees no interior do elo da

Cadeia Criativa Em especial no que se refere de um lado ao modo como as

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 149

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pesquisadoras se posicionaram em suas intervenccedilotildees e de outro como as educadoras

foram desvelando seus sentidos e compartilhando seus significados sobre o brincar no

interior do movimento enunciativo-argumentativo

No fluxo da interlocuccedilatildeo das pesquisadoras e educadoras ateacute aqui pode-se notar

um distanciamento entre o que se pretendia na sessatildeo e o que de fato ocorreu A

circularidade argumentativa das educadoras em relacionar o brincar a atividades

sistematizadas em reafirmar a tese de que ldquotudo que eacute concreto eacute luacutedicordquo em dizer

que as atividades dirigidas assistidas no viacutedeo se constituem como atividades livres que

promovem o desenvolvimento da imaginaccedilatildeo natildeo foram ressignificadas por meio de

intervenccedilotildees colaborativas das pesquisadoras O que prevaleceu foram exemplificaccedilotildees

ancoradas nas proacuteprias experiecircncias pessoais das professoras por meio de exposiccedilotildees

espontacircneas As pesquisadoras por sua vez ingressaram nos enunciados das professoras

tecendo alguns questionamentos mas sem criar questotildees controversas que pudessem

gerar conflitos duacutevidas e polecircmicas em relaccedilatildeo aos significados instituiacutedos

Aleacutem disso as pesquisadoras tiveram dificuldades em diminuir as marcas do

distanciamento dos mundos universidade-creche Desse modo quando a educadora

Mirela diz ldquoeacute pra gente aqui eacuterdquo mostra linguisticamente por meio dos decirciticos de

pessoa e espacial ldquoa genterdquo e ldquoaquirdquo respectivamente o interregno de distacircncia entre

seus saberes e os saberes da universidade Com isso ficou difiacutecil promover um espaccedilo

em que pesquisadoras e demais participantes pudessem ter um aumento de seu conatus

(potecircncia de agir) e tivessem elementos para chegar mais proacuteximo da ideia adequada

(Spinoza 16772005) sobre o tema tratado

A produccedilatildeo de significado sobre o brincar neste primeiro elo da Cadeia

Criativa ficou comprometida por conta de uma argumentaccedilatildeo circular e reincidente

entre pesquisadoras e educadoras como disse acima

412 ndash 2ordf Sessatildeo Reflexiva Analisada ndash dia 21 de agosto de 2006

Os excertos que se seguem foram recortados da terceira sessatildeo reflexiva com as

quatro educadoras da creche e as duas pesquisadoras do GP EFoPI no dia 21 de agosto

de 2006 O objetivo da sessatildeo era continuar discutindo o lugar do luacutedico na educaccedilatildeo

infantil tendo como referente um viacutedeo em que uma outra professora desenvolveu uma

atividade luacutedica com crianccedilas de quatro anos de idade O viacutedeo inicia com a educadora

arrumando as mesas para organizar as crianccedilas em quatro grupos diferentes nesse

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 150

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movimento a professora solicita que as crianccedilas a ajudem na disposiccedilatildeo dos brinquedos

em quatro cantinhos a) o da casinha b) o dos carrinhos e bonequinhos c) o dos

fantoches e d) o do desenho e colagem No decorrer da atividade as crianccedilas se dirigem

aos brinquedos de suas preferecircncias visitando as mesinhas dos outros colegas

compartilhando as brincadeiras A professora observa as brincadeiras das crianccedilas com

os brinquedos e participa quando eacute solicitada

Vejamos como se desenvolve o iniacutecio da sessatildeo reflexiva

1ordm Excerto

(1) Leacutea Quem quer comeccedilar gente a descrever Vamos ver quem gostaria de

comeccedilar a descrever

(2) Mirela Eu A atividade aplicada pela professora de educaccedilatildeo infantil na turma de 4

anos foi de faz de conta Ela comeccedilou a atividade com a organizaccedilatildeo da sala junto com

as crianccedilas depois ela organiza a sala em cantinhos cantinho do brinquedo o cantinho

dos fantoches e um de revistas canetas papel ofiacutecio e pincel atocircmico Observei que o

tempo todo ela participou das atividades junto com as crianccedilas e mediou o trabalho

junto com elas laacute Eu observei tambeacutem que as crianccedilas estavam gostando das

brincadeiras porque elas estavam todas interagindo e elas podiam todas transitar pela

sala natildeo tinha aquela coisa ldquovocecirc vai ficar sentada aqui vai ficar sentada ali natildeordquo

Elas puderam fazer tudo livremente

(3) Leacutea vai vai laacute Claacuteudia

(4) Claacuteudia bom isso tudo que a Mirela jaacute falou eu anotei para natildeo repetir eu vou

falar outra coisa

(5) Leacutea Natildeo natildeo Eacute importante que vocecirc coloque tudo que vocecirc escreveu mesmo que

repita

(6) Fabiana eu notei que era um faz de conta mas um faz de conta em que elas

retratavam o dia-a-dia delas porque tem o neneacutem que ela fez mingau para a

bonequinha O neneacutem vocecirc estaacute fazendo o quecirc O mingau ela deve vivenciar isso no

dia-a-dia A outra quis cozinhar fez cafeacute fez suco entatildeo aquilo eacute um retrato do dia-a-

dia o que eles vivenciavam e tambeacutem um momento da professora estar conhecendo

eles que era o que ela estava fazendo Aiacute ela perguntava fazia perguntas e a crianccedila

falava Nessas brincadeiras a gente conhece muito as crianccedilas Nossa aqui as crianccedilas

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 151

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brincam demais a gente faz recreaccedilatildeo com elas externa e laacute fora com a areia vira

tudo vira suco vira comida vira bolo elas viram personagens elas viram pessoas da

creche elas falam - eu sou a tia fulana E outros satildeo cozinheiras aiacute elas vatildeo fazem

bolo e cantam parabeacutens eles vivenciam isso mesmo realmente aqui E os bichinhos

eles retrataram bem o momento em que retratavam os bichinhos elas falavam ldquoonde

estaacute tua matildeerdquo ldquoa tua matildee ‟taacute em tal lugarrdquo Foi muito bom eu gostei muito da atividade

dela Porque as crianccedilas estavam todas organizadas cada um escolheu tiveram

liberdade para escolher qual cantinho eles queriam e natildeo houve aquela desorganizaccedilatildeo

Eu achei que foi organizada a atividade dela

(7) Mirela Eu tambeacutem percebi que a professora distribui a sala em cantinho deixou as

crianccedilas escolherem livremente com o que queriam brincar interagiu o tempo todo

com as crianccedilas e deixou as crianccedilas se expressarem usarem a criatividade e a

imaginaccedilatildeo

O questionamento da pesquisadora no turno (1) tem a finalidade de instigar as

professoras a iniciarem as descriccedilotildees A professora Mirela se prontifica a descrever a

cena ressaltando que a atividade desenvolvida pela professora do viacutedeo era de faz de

conta Para respaldar sua assertiva usa o argumento de exemplo (2) ldquoela (a professora)

comeccedilou a atividade com a organizaccedilatildeo da sala junto com as crianccedilas depois ela

organiza a sala em cantinhos cantinho do brinquedo o cantinho dos fantoches e um

de revistas canetas papel oficio e pincel atocircmicordquo Ao exemplificar os recursos

utilizados pela professora do viacutedeo em especial a organizaccedilatildeo da sala de atividades em

cantinhos a educadora compartilha no grupo um significado importante sobre como a

organizaccedilatildeo do espaccedilo pode propiciar o brincar de faz de conta No argumento em que

baseia sua descriccedilatildeo fica expliacutecito como a diversidade dos cantinhos pode ser elemento

fundante para as crianccedilas transitarem no universo do faz de conta

Na continuidade de seu turno a professora destaca ldquoObservei que o tempo todo

ela participou das atividades junto com as crianccedilas e mediou o trabalho junto com

elas laacuterdquo Aqui a educadora diz que a professora do viacutedeo ldquomediou o trabalhordquo apesar

de trazer para cena enunciativa uma palavra que faz parte do campo epistemoloacutegico da

perspectiva vygotskyana a educadora natildeo discorre sobre quais accedilotildees realizadas pela

professora do viacutedeo indicam o processo de mediaccedilatildeo Assim parece natildeo ter claro que

esse processo segundo Vygotsky (19301991 p 33) estaria relacionado a uma

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 152

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intervenccedilatildeo de um elemento intermediaacuterio em uma accedilatildeo deixando de ser direta e

passando a ser mediada por esse elemento

Ainda em seu turno a professora diz ldquoEu observei tambeacutem que as crianccedilas

estavam gostando das brincadeiras porque elas estavam todas interagindordquo na

afirmativa justifica a sua fala com o operador argumentativo ldquoporquerdquo para mostrar

que houve um processo de interaccedilatildeo na cena No entanto apesar de mais uma vez usar

um verbete importante da teoria soacutecio-histoacuterico-cultural ndash ldquointeraccedilatildeordquo ndash novamente natildeo

explicita como isso se materializou

No turno da professora podemos notar dois pontos importantes para

compartilhamento de sentidos sobre a brincadeira de faz de conta a formaccedilatildeo dos

cantinhos na sala de atividade e o processo de interaccedilatildeo das crianccedilas No entanto as

descriccedilotildees tecidas mostram explicaccedilotildees geneacutericas e julgamentos das professoras isso

tampona a possibilidade de as educadoras de fato refletirem sobre a atividade analisada

e tambeacutem sobre as teorias que a embasam

Em (3) a pesquisadora convoca mais uma professora a expor sua descriccedilatildeo ldquovai

vai laacute Claacuteudiardquo quando a professora anuncia (4) ldquobom isso tudo que a Mirela jaacute falou

eu anotei para natildeo repetir eu vou falar outra coisardquo a pesquisadora diz (5) ldquonatildeo

natildeo Eacute importante que vocecirc coloque tudo que vocecirc escreveu mesmo que repitardquo a

ecircnfase da pesquisadora ao usar duas vezes o adveacuterbio de negaccedilatildeo ldquonatildeordquo busca garantir

a todas as professoras o espaccedilo para descriccedilatildeo ainda que sejam descriccedilotildees reincidentes

Isso porque para ela eacute importante que todas revejam a accedilatildeo descrita de forma

informada para criar um espaccedilo em que todas as educadoras apresentem as impressotildees

ocorridas na cena para uma visualizaccedilatildeo coletiva das accedilotildees realizadas Segundo

Liberali (2008) esse momento de visualizaccedilatildeo coletiva eacute importante para que o

professor possa entender o que foi feito a partir do detalhamento do evento analisado

para em uma compreensatildeo ativa refletir sobre as praacuteticas rotinizadas no cotidiano das

creches e preacute-escolas

Diante da explicaccedilatildeo da pesquisadora ldquoEacute importante que vocecirc coloque tudo que

vocecirc escreveu mesmo que repitardquo Fabiana define a brincadeira assim como Mirela

como de faz de conta mas traz outros elementos para a cena enunciativa Com o

operador argumentativo ldquomasrdquo orienta para uma conclusatildeo aparentemente contraacuteria ao

que ateacute entatildeo foi dito ldquomas um faz de conta em que elas retratavam o dia-a-dia

delas porque tem o neneacutem que ela fez mingau para a bonequinha O neneacutem vocecirc

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 153

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estaacute fazendo o quecirc O mingau ela deve vivenciar isso no dia-a-dia A outra quis

cozinhar fez cafeacute fez suco entatildeo aquilo eacute um retrato do dia-a-diardquo Nesse

movimento a professora explica que as crianccedilas pautaram a brincadeira de faz de conta

nas suas experiecircncias cotidianas Aqui a educadora relaciona o brincar de faz de conta agrave

atividade humana mostrando como a crianccedila recupera os modos costumes e

comportamentos do grupo social em que estaacute inserida (Vygotsky 19301991)

Depois de relatar como a professora do viacutedeo propiciou o desenvolvimento da

brincadeira de faz de conta Fabiana tece uma aproximaccedilatildeo a partir do argumento de

exemplo com o trabalho realizado na creche ldquoaqui as crianccedilas brincam demais a

gente faz recreaccedilatildeo com elas externa e laacute fora com a areia vira tudo vira suco vira

comida vira bolo elas viram personagens elas viram pessoas da creche elas falam

eu sou a tia fulana e outros satildeo cozinheiras aiacute elas vatildeo fazem bolo e cantam

parabeacutens eles vivenciam isso mesmo realmente aquirdquo Ao iniciar sua declarativa com

o adveacuterbio ldquoaquirdquo funcionando como decircitico espacial a educadora marca que no

espaccedilo da creche em que atua as crianccedilas vivenciam o brincar de faz de conta

mostrando como essa vivecircncia estaacute pautada na reconstruccedilatildeo do real e na antecipaccedilatildeo de

papeacuteis sociais Apesar de no enunciado Fabiana natildeo usar nenhum argumento teoacuterico

busca no argumento de exemplo afirmar que seu trabalho tambeacutem estaacute pautado em

brincadeiras que possibilitem o desenvolvimento de situaccedilotildees imaginaacuterias de faz de

conta

No final de sua fala a professora declara com o uso do pronome pessoal na

primeira pessoa do singular ldquoeu gostei muito da atividade delardquo para avaliar

positivamente a atividade desenvolvida pela professora do viacutedeo Essa declarativa

reforccedila a identificaccedilatildeo da educadora com as accedilotildees analisadas

Em (7) Mirela destaca tambeacutem o trabalho realizado pela professora do viacutedeo a

partir dos cantinhos ldquoEu tambeacutem percebi que a professora distribui a sala em

cantinhosrdquo reforccedilando a organizaccedilatildeo da sala de aula em cantinhos dado que jaacute tinha

sido ressaltado pelas outras educadoras Depois traz trecircs argumentos que avaliou como

importantes a) ldquodeixou as crianccedilas escolherem livremente com o que queriam

brincar b) interagiu o tempo todo com as crianccedilas e c) deixou as crianccedilas se

expressarem usarem a criatividade e a imaginaccedilatildeordquo Ao destacar esses argumentos a

professora daacute a entender que o trabalho pautado na organizaccedilatildeo da sala de atividades

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 154

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em cantinhos possibilita agraves crianccedilas um brincar mais livre uma interaccedilatildeo

crianccedilaprofessora e o desenvolvimento da criatividade e da imaginaccedilatildeo

Neste excerto haacute um movimento diferente em relaccedilatildeo aos excertos ateacute agora

analisados Aqui as professoras demonstram ter percebido outros elementos

importantes no desenvolvimento de atividades pautadas na brincadeira como a

organizaccedilatildeo do espaccedilo das salas de atividades em cantinhos e por conseguinte como

isso possibilita agrave crianccedila ingressar na imaginaccedilatildeo no faz de conta Apesar de tecerem

essas consideraccedilotildees as educadoras continuam pautando suas consideraccedilotildees em

argumentos de exemplo fundados na proacutepria atividade analisada e em suas experiecircncias

na creche

No fluxo discursivo novamente as pesquisadoras natildeo interferem nas

interlocuccedilotildees de modo a possibilitar a expansatildeo dos significados trazidos pelas

educadoras como por exemplo questionando como a professora do viacutedeo analisado

ldquomediourdquo a atividade desenvolvida A ausecircncia de questionamentos dessa ordem

impede que as educadoras ampliem seus campos de reflexotildees que possam ter uma

compreensatildeo ativa (BakhtinVolochinov 1988) do processo vivenciado e por

conseguinte que tenham uma atitude responsiva ativa diante da cena analisada

Por conta disso as professoras continuam transitando em ideias inadequadas

confusas (Spinoza 16772005) em relaccedilatildeo ao brincar de faz de conta Essa teria sido

uma oportunidade interessante para as pesquisadoras ingressarem no fluxo

argumentativo das professoras por meio de argumentos teoacuterico-praacuteticos que

promovessem um (re)pensar dos significados sobre a brincadeira

No proacuteximo recorte as pesquisadoras tecem questionamentos sobre como a

professora do viacutedeo analisado orientou a atividade e tambeacutem como desenvolveu o

trabalho com as crianccedilas Vejamos

2ordm Excerto

(8) Leacutea Muito bem Que tipo de trabalho foi desenvolvido Foi em grupo foi em

dupla foi individual O que vocecircs conseguiram observar

(9) Fabiana Elas mesmas (as crianccedilas) formaram o proacuteprio grupo delas elas foram

formando seus grupinhos um queria brincar com a boneca entatildeo ela estava ali dentro

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 155

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do grupo da casinha ela estava dentro daquele grupinho ningueacutem ficou disperso

assim separado pelo que deu para ver natildeo

(10) Mirela foi um trabalho em grupo

(11) Fabiana pelo menos o que deu para a gente ver foi um trabalho em grupo as

crianccedilas mesmo se organizaram elas se organizaram

(12) Leacutea Isso E qual que foi o foco de apresentaccedilatildeo da atividade da professora Qual

que foi o objetivo o foco O que que vocecircs acham que essa professora tinha por

objetivo por foco para estar trabalhando ali com as crianccedilas Eu estou perguntando

isso porque na primeira atividade vocecircs lembram da primeira atividade (da sessatildeo

reflexiva anterior) Eu tambeacutem fiz o mesmo pedido para a professora eu fiz o mesmo

pedido que eu gostaria que ela ‟tivesse trabalhando com uma brincadeira livre A

mesma coisa que eu pedi para a primeira professora na uacuteltima sessatildeo eu pedi para essa

Entatildeo eu pergunto assim qual o objetivo da professora que vocecircs acham que a

professora tinha aleacutem do que a Fabiana disse tinha falado qual seria o conteuacutedo

objetivo dela estar trabalhando daquela forma Haveria uma outra forma de estar

trabalhando com as crianccedilas a partir do meu pedido

(13) Mirela Eacute se tivesse mais espaccedilo teria porque ela natildeo utilizaria as mesas

entendeu Ela podia usar o espaccedilo no chatildeo mais espaccedilo sem estar presa nas mesinhas

(14) Fabiana elas (as crianccedilas) ficariam mais agrave vontade o espaccedilo da sala eacute sempre

melhor se elas estivessem no chatildeo pelo chatildeo da sala se tivesse uma sala mais

espaccedilosa afastar as carteiras elas ateacute organizaram as mesas mas mesmo assim a gente

sabe que se fosse outra escola outra escola todas as escolas municipais tecircm a sala

geralmente pequena quando tem espaccedilo eacute loacutegico que a proacutepria crianccedila cria mais tem

oportunidade de criaccedilatildeo porque a gente sente isso porque eles brincam muito porque a

gente aqui (na creche) daacute muito essa recreaccedilatildeo mas no espaccedilo externo como eu te falei

elas vatildeo em um canto elas vatildeo no outro elas mexem aqui natildeo tem aquela preocupaccedilatildeo

de sujar porque a gente ensina para elas que natildeo pode sujar essas coisas Entatildeo se ela

tivesse um espaccedilo mais amplo talvez natildeo foi ruim mas talvez fosse melhor ainda

(15) Patriacutecia Como vocecircs organizariam essas atividades

(16) Mirela porque aqui a gente jaacute tem jaacute trabalha com as oficinas

(17) Fabiana eacute a gente tem as oficinas

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 156

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No segundo excerto a pesquisadora inicia sua intervenccedilatildeo com trecircs

questionamentos a) Que tipo de trabalho foi desenvolvido b) Foi em grupo foi em

dupla foi individual c) O que vocecircs conseguiram observar Com estes questotildees Leacutea

busca ampliar o campo das descriccedilotildees elaboradas pelas educadoras da atividade

desenvolvida pela professora do viacutedeo Fabiana (9) e (11) e Mirela (10) respondem aos

questionamentos dizendo que o trabalho desenvolvido foi em grupo e que foram as

crianccedilas que se agruparam em conformidade ao interesse A pesquisadora levanta os

questionamentos sobre como as crianccedilas se organizaram nas brincadeiras se em grupo

dupla ou individualmente porque procura investigar se na descriccedilatildeo as educadoras

atentaram para tais questotildees Isso porque no interior da discussatildeo do GP EFoPI haacute uma

ecircnfase sobre a importacircncia de as professoras no contexto das salas de atividades de

educaccedilatildeo infantil fomentarem a interaccedilatildeo crianccedilacrianccedila e crianccedilaadultocrianccedila

Apesar da ecircnfase dada pela pesquisadora nos questionamentos sobre a formaccedilatildeo

dos grupos natildeo haacute uma retomada de fala para explicar a relevacircncia de um trabalho sob

a oacutetica da interaccedilatildeo ao contraacuterio no iniacutecio do seu turno (12) Leacutea faz uso do decircitico

ldquoissordquo para fechar a discussatildeo mostrando concordacircncia com as respostas anteriores das

educadoras Desse modo natildeo haacute expansatildeo de significados sobre os questionamentos

relativos ao trabalho realizado

Aqui a pesquisadora estabelece uma relaccedilatildeo de simetria de conhecimento e

ideias natildeo levantando questotildees que pudessem gerar conflitos contradiccedilotildees (Engestroumlm

1999) pontos de vistas distintos que satildeo elementos imprescindiacuteveis ao processo criacutetico-

reflexivo e por conseguinte desencadeadores das possiacuteveis transformaccedilotildees dana

praacutetica (Magalhatildees 2009)

Dito isso a pesquisadora passa a questionamentos que segundo sua

compreensatildeo de Smyth (1992) e Liberali (2008) se configuraria no informar

procurando propiciar um espaccedilo em que as educadoras pudessem retomar conceitos

sobre questotildees relacionadas ao brincar ldquoE qual que foi o foco de apresentaccedilatildeo da

atividade da professora Qual que foi o objetivo o foco O que que vocecircs acham que

essa professora tinha por objetivo por foco para estar trabalhando ali com as

crianccedilas Eu estou perguntando isso porque na primeira atividade vocecircs lembram da

primeira atividade (da sessatildeo reflexiva anterior)rdquo

Essas questotildees foram elaboradas no periacuteodo de planejamento da sessatildeo Para

realizar tal elaboraccedilatildeo as pesquisadoras se pautaram na terceira parte do livro de

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 157

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Liberali Formaccedilatildeo Criacutetica de educadores questotildees fundamentais (2008b p 61) em

que a autora formula alguns questionamentos para cada etapa do processo reflexivo

segundo Smyth (1992) Nessa obra as duas primeiras questotildees relativas ao informar

satildeo ldquoqual o foco da apresentaccedilatildeo do conteuacutedordquo ldquoque objetosconteuacutedos foram

trabalhadosrdquo Como o leitor pode observar haacute uma semelhanccedila muito grande entre as

questotildees levantadas pela pesquisadora e aquelas formuladas por Liberali No entanto

como nas discussotildees tecidas a partir das descriccedilotildees feitas pelas educadoras o grupo natildeo

compartilhou os significados referentes ao brincar o movimento do informar ficou

circunscrito a elementos pautados no senso comum nos saberes construiacutedos a partir da

praacutetica diaacuteria das professoras

Nas discussotildees do excerto natildeo aparecem argumentos respaldados em teorias que

auxiliem reflexotildees mas sim explicaccedilotildees generalizantes de conceitos presentes nas accedilotildees

cotidianas Isso fica expliacutecito nas falas de Mirela e de Fabiana (13) e (14)

respectivamente a) ldquoEacute se tivesse mais espaccedilo teria porque ela natildeo utilizaria as mesas

entendeu Ela podia usar o espaccedilo no chatildeo mais espaccedilo sem estar presa nas

mesinhasrdquo b) ldquoelas (as crianccedilas) ficariam mais agrave vontade o espaccedilo da sala eacute sempre

melhor se elas estivessem no chatildeordquo Mais uma vez as professoras usam argumentos

pragmaacuteticos para discutirem natildeo trazendo respaldo teoacuterico

Natildeo atentando para isso as pesquisadoras tecircm a pretensatildeo de trabalhar o

reconstruir (Smyth 1992) levantando o seguinte questionamento (15) Como vocecircs

organizariam essas atividades Novamente a pesquisadora segue as orientaccedilotildees de

Liberali (2008b p 82) na obra citada em que o questionar sobre como o educador

organizaria a aula de outra maneira eacute um ponto interessante para auxiliar no reconstruir

Mas como os pontos de vista levantados no descrever e no informar natildeo propiciaram

espaccedilos de uma compreensatildeo ativa dos princiacutepios que embasaram as accedilotildees das

atividades analisadas o grupo natildeo consegue ateacute entatildeo tecer uma inter-relaccedilatildeo entre as

accedilotildees e os possiacuteveis significados que poderiam ser compartilhados sobre as praacuteticas

cotidianas do brincar nas salas de atividades da educaccedilatildeo infantil

O reconstruir natildeo se configurou como um momento em que os participantes

pudessem repensar como fariam as atividades desenvolvidas no viacutedeo (e suas proacuteprias

atividades no cotidiano da creche) pois natildeo chegaram a descrever detalhadamente as

atividades nem foram confrontados por meio de questionamentos que pudessem

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 158

ILKA SCHAPPER SANTOS

elucidar os valores que subsidiam o agir e o pensar dos participantes das sessotildees

reflexivas (Liberali 2008b)

Assim o excerto acima natildeo se configurou como um momento em que as

educadoras pudessem refletir sobre as accedilotildees analisadas por meio de sustentaccedilatildeo

refutaccedilatildeo e negociaccedilatildeo de posiccedilotildees pautadas em um discurso mais teoacuterico Dito de outro

modo os enunciados ficaram circunscritos a argumentos de exemplo e pragmaacuteticos natildeo

sendo destacados valores concepccedilotildees sobre aprendizagem e ficando suas enunciaccedilotildees

alicerccediladas sobre as praacuteticas cotidianas como podemos notar nos turnos (16) e (17) de

Mirela e Fabiana respectivamente ldquoporque aqui a gente jaacute tem jaacute trabalha com as

oficinasrdquo e ldquoeacute a gente jaacute tem as oficinasrdquo Mirela inicia seu turno com o uso do

ldquoporquerdquo sinalizando que vai dar uma explicaccedilatildeo e depois faz uso dos decirciticos ldquoaquirdquo

(espacial) e ldquoa genterdquo (pessoal) para demarcar que na creche elas jaacute trabalham com as

oficinas Fabiana por sua vez inicia concordando com Mirela ldquoeacuterdquo e revozeia a sua fala

reforccedilando o posicionamento da creche em que trabalham com o decircitico de pessoa ldquoa

genterdquo

No excerto abaixo as participantes focalizam na atividade analisada a postura

da professora com as crianccedilas destacando que houve mediaccedilatildeo e interaccedilatildeo

3ordm Excerto

(18) Patriacutecia Voltando agrave atividade Qual que foi a postura da professora nessa

atividade o que que vocecircs acham

(19) Mirela ela mediou o trabalho ela se envolveu ela brincou porque isso faz parte

ela natildeo distribuiu e ficou laacute parada natildeo ela interagiu ela perguntou entatildeo eu achei isso

muito interessante porque agraves vezes o professor noacutes vamos fazer isso dar distribuir as

atividades e estar laacute (Mirela cruza os braccedilos) olhando o que que a crianccedila estaacute fazendo

ela estava junto ali eu achei muito interessante a postura dela

(20) Fabiana A professora estava junto com elas nas brincadeiras no momento

daquela atividade quando vocecirc senta na cadeirinha junto com as crianccedilas na mesinha

com elas estaacute ali brincando junto aiacute elas se envolvem mais

(21) Patriacutecia E aiacute na atividade vocecirc acha que houve esse envolvimento crianccedila-

crianccedila e professora-crianccedila

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 159

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(22) Fabiana natildeo acho que ela se envolveu sim elas (as crianccedilas) ofereceram a

comidinha para ela o cafezinho e tudo ela aceitou ela se envolveu

(23) Mirela teve uma hora em que ela falou - tem que pocircr mais accediluacutecar Mostra que

ela estava participando tambeacutem envolvida na brincadeira

Neste terceiro excerto temos a retomada da pesquisadora Patriacutecia com um

questionamento que busca fazer com que as educadoras reflitam sobre a postura da

professora do viacutedeo em relaccedilatildeo ao desenvolvimento da atividade (18) ldquoVoltando agrave

atividade Qual que foi a postura da professora nessa atividade o que que vocecircs

achamrdquo Nesse momento Mirela defende a tese respaldada teoricamente no conceito

de mediaccedilatildeo de Vygotsky de que a professora atua como mediadora no

desenvolvimento da brincadeira de faz de conta com as crianccedilas destacando ldquoela

mediou o trabalhordquo Para defender seu ponto de vista usa argumentos de exemplos a)

ldquoela se envolveurdquo b) ldquoela brincourdquo c) ldquoela estava junto alirdquo Apesar de a professora

ter identificado o processo de mediaccedilatildeo na sua argumentaccedilatildeo por exemplos natildeo fez um

detalhamento das accedilotildees relacionando-as com o construto teoacuterico que menciona na tese

O mesmo ocorre com o campo argumentativo de Fabiana que fica circunscrito a

argumentos de exemplo A professora estava junto com elas nas brincadeiras

(porque) no momento daquela atividade quando vocecirc senta na cadeirinha junto com

as crianccedilas na mesinha com elas estaacute ali brincando junto aiacute elas se envolvem mais

O ldquoporquerdquo impliacutecito objetiva a tomada de posiccedilatildeo no primeiro segmento do

enunciado sendo assim um argumento para a defesa da tese de que a professora do

viacutedeo estava mediando a brincadeira entre as crianccedilas No entanto como disse

anteriormente a defesa a partir de argumentos de exemplos natildeo possibilita ingressar em

um fluxo de transformaccedilotildees e mudanccedilas das educadoras jaacute que a argumentaccedilatildeo se

estrutura apenas na citaccedilatildeo dos acontecimentos anteriores Faltam nesse contexto

argumentos de definiccedilatildeo que pudessem promover o compartilhamento de sentidos e de

significados

A partir dos enunciados das educadoras a pesquisadora busca aprofundar a

questatildeo da mediaccedilatildeo procurando trazer os elementos teoacutericos para a pauta de discussatildeo

Desse modo tece o seguinte questionamento (21) ldquoE aiacute na atividade vocecirc acha que

houve esse envolvimento crianccedila-crianccedila e professora-crianccedilardquo A pergunta de

Patriacutecia sugere que as professoras aprofundem seus enunciados sobre a mediaccedilatildeo Mais

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 160

ILKA SCHAPPER SANTOS

uma vez as professoras fundamentam suas respostas com as situaccedilotildees que observaram

na atividade mostrando de novo com argumentos de exemplo como a educadora do

viacutedeo participou das atividades com as crianccedilas Assim descrevem as accedilotildees em que

para elas estavam pautadas em um processo de mediaccedilatildeo (22) ldquonatildeo acho que ela se

envolveu sim elas (as crianccedilas) ofereceram a comidinha para ela o cafezinho e tudo

ela aceitou ela se envolveurdquo e (23) ldquoteve uma hora em que ela falou - tem que pocircr

mais accediluacutecar Mostra que ela estava participando tambeacutem envolvida na brincadeirardquo

No entanto mais uma vez fazem uso de exemplificaccedilotildees sem trazer para o cenaacuterio

discursivo argumento por definiccedilatildeo Deste modo natildeo discutem sobre os sentidos e

significados que atribuem aos dois verbetes que podem ser considerados conceitos

cientiacuteficos ndash mediaccedilatildeo e interaccedilatildeo

O objetivo desse encontro era promover um espaccedilo de conflitos mediados pelas

duas atividades analisadas Portanto no proacuteximo fragmento discursivo a pesquisadora

busca tecer um confronto entre a atividade da sessatildeo com a da sessatildeo anterior

4ordm Excerto

(23) Leacutea confrontando com a outra atividade que a gente assistiu que vocecircs acham

Confrontando isso que vocecircs estatildeo falando dessa atividade lembrando da atividade da

semana passada Dos papeizinhos entenderam o que eu estou perguntando

(24) Fabiana fazendo uma relaccedilatildeo com a outra atividade

(25) Leacutea eacute fazendo uma relaccedilatildeo entre as duas atividades (dessa semana e da semana

passada) porque nessa vocecircs estatildeo achando que por trabalhar dessa forma por isso as

coisas aconteceram de forma bem natural sem muita confusatildeo

(26) Mirela A atividade dessa semana foi mais luacutedica

(27) Leacutea Confrontando com a atividade anterior que a gente viu semana passada o

que que a gente pode deduzir daquela atividade que foi feita semana passada

(28) Fabiana eu acho que a de hoje assim era o mundinho delas eram brinquedos

eram coisas que elas estatildeo acostumadas entatildeo era mais o mundo delas do cotidiano

de faz de conta ali que elas vivenciaram

(29) Leacutea o que que vocecirc pensa Claacuteudia

(30) Claacuteudia eu penso o mesmo que ela que a atividade da semana passada eu acho

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 161

ILKA SCHAPPER SANTOS

que a professora se colocou natildeo impocircs mais o que seria feito eu jaacute achei que na de

hoje as crianccedilas ficaram mais livremente brincando

(31) Leacutea entatildeo a gente pode dizer que as crianccedilas estavam construindo o

conhecimento de forma mais interativa mais rica

(32) Claacuteudia isso isso mesmo

(33) Leacutea e vocecirc Mirela o que vocecirc observa da primeira atividade da semana passada

dessa semana o que te chamou mais atenccedilatildeo

(34) Mirela como a Claacuteudia disse ela impocircs muito menos hoje aliaacutes ela natildeo impocircs

em momento algum ela deixou as crianccedilas construiacuterem e na semana passada ela (a

outra professora) estava interagindo soacute que impondo os valores que ela acreditava que

era legal como eu disse na semana passada a de hoje natildeo estava preocupada em algo

para fora ela estava preocupada com a construccedilatildeo do desenvolvimento deles ali e da

semana passada tinha a preocupaccedilatildeo de levar algo para casa para os pais verem o

produto entatildeo algo a levar quando se leva alguma atividade ela ficou preocupada com

a esteacutetica e hoje natildeo aconteceu isso Eles estavam construindo entendeu

(35) Leacutea quando vocecirc diz preocupada com a esteacutetica vocecirc pode explicar para noacutes

melhor o que que eacute isso

(36) Mirela posso igual eu te falei semana passada a construccedilatildeo a visualizaccedilatildeo que a

crianccedila faz igual ela deu as formas geomeacutetricas para elas fazerem qualquer coisa com

as crianccedilas algumas colocaram aleatoriamente ela olhando ela olhava e falava assim

- Meu Deus que seraacute isso o que que a matildee vai ver em casa

(37) Patriacutecia e aiacute voltando nesse confronto de uma atividade com a outra qual

atividade vocecircs acham que contribuiu para a construccedilatildeo da autonomia da crianccedila

(38) Todas as professoras juntas a de hoje sem sombra de duacutevida a de hoje

(39) Leacutea daacute para vocecircs citarem situaccedilotildees especiacuteficas onde vocecircs observaram essa

construccedilatildeo da autonomia

(40) Mirela desde o momento em que ela deixou elas escolherem os cantinhos isso jaacute

eacute a autonomia deles porque eacute aonde eles se sentem mais agrave vontade para que o faz de

conta se desenvolva

Neste excerto Leacutea procura tecer uma relaccedilatildeo entre a atividade observada na

sessatildeo anterior e a atividade da sessatildeo atual A pesquisadora procura pautar a reflexatildeo a

partir de trecircs perspectivas a) discussotildees tecidas na sessatildeo anterior b) atividade

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 162

ILKA SCHAPPER SANTOS

assistida na sessatildeo e c) os pontos de interregno entre esses dois momentos que

poderia instaurar na perspectiva da pesquisadora o processo de transformaccedilatildeo e

mudanccedila do grupo Eacute interessante notar que na sua pergunta a pesquisadora busca

relacionar atividades analisadas em duas sessotildees reflexivas possibilitando que as

professoras possam em um olhar exotoacutepico afastado mas natildeo distante da situaccedilatildeo

compreender elementos que a proximidade natildeo permitiria A partir desse ldquoexcedente de

visatildeordquo as pesquisadoras do GP EFoPI procuram propiciar um espaccedilo em que os

participantes possam trazer os sentidos sobre o brincar de uma atividade anterior para a

atividade atual podendo ser ressignificados Esse pensamento vai ao encontro da

concepccedilatildeo de Cadeia Criativa (Liberali 2009) em que o grupo busca se pautar

Diante da questatildeo formulada pela pesquisadora Fabiana faz uma pergunta no

turno (24) que tem a finalidade de clarificar o questionamento da pesquisadora fazendo

uma relaccedilatildeo com a outra atividade O tipo de intervenccedilatildeo da professora tem o efeito

esperado Pois a pesquisadora retoma a fala (25) ldquoeacute fazendo uma relaccedilatildeo entre as

duas atividades porque nessa vocecircs estatildeo achando que por trabalhar dessa forma

por isso as coisas aconteceram de forma bem natural sem muita confusatildeordquo O uso do

ldquoporquerdquo mostra que a pesquisadora vai acrescentar elementos agrave explicaccedilatildeo anterior

Na continuidade da explicaccedilatildeo Leacutea traz elementos novos sintetizando o que o grupo

percebeu da atividade atual para fomentar a discussatildeo a partir da atividade anterior

Linguisticamente isso se materializa com o uso do pronome de segunda pessoa do

plural ldquovocecircsrdquo seguido do tempo verbal

Em (26) Mirela declara que a atividade atual foi mais luacutedica A pesquisadora

natildeo explora a declarativa e retoma seu questionamento em relaccedilatildeo agrave atividade da sessatildeo

anterior no turno (28) ldquoConfrontando com a atividade anterior que a gente viu

semana passada o que que a gente pode deduzir daquela atividade que foi feita

semana passadardquo Ao retomar o questionamento a pesquisadora mostra que deseja

aprofundar o debate entre as duas atividades no interior das duas sessotildees reflexivas No

entanto quando Mirela se posiciona dizendo que a atividade atual foi mais luacutedica a

pesquisadora natildeo entra no fluxo discursivo da educadora para compreender o que a faz

pensar isso

Fabiana (28) diz ldquoeu acho que a de hoje assim era o mundinho delas eram

brinquedos eram coisas que elas estatildeo acostumadas entatildeo era mais o mundo delas

do cotidiano de faz de conta ali que elas vivenciaramrdquo A professora inicia seu

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 163

ILKA SCHAPPER SANTOS

discurso de forma modalizada ldquoeu achordquo para discorrer sobre sua percepccedilatildeo depois usa

o decircitico temporal ldquohojerdquo para demarcar que vai tecer consideraccedilotildees sobre a atividade

atual Para isso faz uso de argumentos de exemplo fundados ora na sua experiecircncia ldquoera

o mundinho delasrdquo ldquoeram coisas que elas estatildeo acostumadasrdquo ldquodo cotidianordquo ora na

atividade desenvolvida pela professora do viacutedeo ldquode faz de conta ali que elas

vivenciaramrdquo Esse movimento discursivo mostra que a professora se identificou mais

com a atividade da segunda sessatildeo reflexiva pois estava circunscrita agrave brincadeira de

faz de conta mais proacutexima da realidade das crianccedilas No entanto as educadoras

continuam se posicionando a partir de dois elementos ndash as experiecircncias circunscritas ao

trabalho desenvolvido na creche e a atividade analisada

Claacuteudia ingressa no fluxo argumentativo de Fabiana e declara ldquoeu penso o

mesmo que elardquo fazendo uso do pronome ldquomesmordquo e do pronome pessoal de terceira

pessoa do singular ldquoelardquo para mostrar que sua anaacutelise vai ao encontro da perspectiva de

Fabiana Ao produzir seu enunciado a partir da voz da outra a professora concede agrave

mesma poder maior do que teria como representaccedilatildeo proacutepria em uma tentativa de dar

maior credibilidade ao que vai anunciar Apesar de ancorar seu enunciado na palavra

alheia a educadora traz outros elementos para a cena enunciativa (30) ldquoeu acho que a

professora se colocou natildeo impocircs mais o que seria feito eu jaacute achei que na de hoje as

crianccedilas ficaram mais livremente brincandordquo No seu turno faz uso duas vezes do

modalizador ldquoeu acho eu jaacute acheirdquo para dizer sobre a atividade analisada destacando

que a professora do viacutedeo se ldquocolocou natildeo impocircsrdquo e que ldquoas crianccedilas ficaram mais

livremente brincandordquo

Baseada nos enunciados das professoras Leacutea (31) faz um questionamento que

tem efeito conclusivo que pode ser notado linguisticamente com o uso no iniacutecio da

questatildeo do operador ldquoentatildeordquo ldquoentatildeo a gente pode dizer que as crianccedilas estavam

construindo o conhecimento de forma mais interativa mais ricardquo A pesquisadora

faz tambeacutem uso do decircitico pessoal ldquoa genterdquo e da expressatildeo ldquopode dizerrdquo (pode +

infinitivo) modalizando e aproximando sua conclusatildeo agraves das professoras O relato

interativo ressalta o grau de implicaccedilatildeo que Leacutea deseja imprimir entre participantes

compartilhando a crenccedila de que a atividade possibilitou a produccedilatildeo de conhecimentos

para as crianccedilas porque foi mais interativa Claacuteudia em seu turno (32) sinaliza que a

pesquisadora conseguiu a adesatildeo do grupo quando diz ldquoisso isso mesmordquo

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 164

ILKA SCHAPPER SANTOS

Depois disso a pesquisadora procurando tecer uma relaccedilatildeo entre os elos da

Cadeia Criativa pergunta (33) ldquoo que vocecirc observa da primeira atividade da semana

passada dessa semana o que te chamou mais atenccedilatildeordquo Tal questionamento poderia

possibilitar agraves participantes refletirem sobre diferentes atividades que tecircm como

referente o mesmo tema poreacutem no caso tratado natildeo consegue alcanccedilar seu objetivo

Diante da questatildeo levantada Mirela (36) enfatiza que a professora do viacutedeo da

sessatildeo anterior priorizou o trabalho das formas geomeacutetricas desfocando a produccedilatildeo do

conhecimento da crianccedila para o que a matildee iria pensar sobre o produto da atividade isso

se explicita no enunciado ldquoigual ela deu as formas geomeacutetricas para elas fazerem

qualquer coisa com as crianccedilas algumas colocaram aleatoriamente ela olhando ela

olhava e falava assim - Meu Deus que seraacute isso o que que a matildee vai ver em

casardquo Ao verbalizar sua fala interior (ldquoMeu Deus que seraacute isso o que que a matildee vai

ver em casardquo) Mirela expressa o conflito entre dois tipos de discurso o de autoridade e

o internamente persuasivo Para Bakhtin (1983 p 344) ldquoos discursos de autoridade

podem contemplar vaacuterios conteuacutedos a autoridade como tal ou a autoridade da

tradiccedilatildeo das verdades genericamente aceitas da linha oficial e outras autoridades

similaresrdquo Grosso modo o discurso de autoridade pode ser anaacutelogo agrave terceira voz ou a

uma terceira pessoa que na discussatildeo bakhtiniana (citado em Cheyne e Tarulli 2004 p

6) ldquoeacute um tipo de autoridade cuja compreensatildeo responsiva idealizada assume vaacuterias

expressotildees ideoloacutegicas tais como Deus a verdade absoluta o mundo da consciecircncia

racional as pessoas a histoacuteria a ciecircncia e assim por dianterdquo Na avaliaccedilatildeo de Mirela

a referecircncia agrave matildee aparece como outra voz de autoridade que deve ser considerada

Mirela parece pois reconhecer um conflito vivenciado pela professora do viacutedeo da

sessatildeo anterior entre os seus objetivos pedagoacutegicos e a avaliaccedilatildeo da atividade apoiada

sobre sua obrigaccedilatildeo social que se funda em ldquoo que a matildee vai ver em casardquo

No turno seguinte (37) a pesquisadora Patriacutecia levanta uma questatildeo que

pretende novamente relacionar duas atividades no interior da Cadeia Criativa ldquoe aiacute

voltando nesse confronto de uma atividade com a outra qual atividade vocecircs acham

que contribuiu para a construccedilatildeo da autonomia da crianccedilardquo A retomada do

questionamento sinaliza a preocupaccedilatildeo da pesquisadora em possibilitar um espaccedilo de

reflexatildeo fundada nas duas atividades Em uma univocidade de vozes todas as

professoras concordam que a segunda atividade analisada propiciou um espaccedilo de

desenvolvimento da autonomia das crianccedilas (38) ldquoa de hoje sem sombra de duacutevida a

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 165

ILKA SCHAPPER SANTOS

de hojerdquo A reincidecircncia da escolha lexical ldquohojerdquo como decircitico temporal demarca

essa posiccedilatildeo No entanto natildeo foram compartilhados os sentidos-significados de

autonomia no interior do grupo

Em (39) Leacutea levanta uma questatildeo que procura a partir de exemplos

materializar a assertiva de que a atividade do dia foi a que oportunizou o

desenvolvimento da autonomia das crianccedilas ldquodaacute para vocecircs citarem situaccedilotildees

especiacuteficas onde vocecircs observaram essa construccedilatildeo da autonomiardquo A explicaccedilatildeo de

Mirela em (40) ldquodesde o momento em que ela deixou elas escolherem os cantinhosrdquo

demarca que a livre escolha dos cantinhos sem a imposiccedilatildeo da professora eacute um

importante dado para a defesa da tese de que houve o desenvolvimento da autonomia

Aleacutem disso a participante traz outra explicaccedilatildeo a partir do operador ldquoporquerdquo agora

sob a oacutetica do faz de conta ldquoporque eacute aonde eles se sentem mais agrave vontade para que o

faz de conta se desenvolvardquo

Neste excerto observamos a busca das pesquisadoras em relacionar as

atividades no interior dos elos da Cadeia Criativa A estrateacutegia principal das

pesquisadoras foi promover um espaccedilo em que as professoras pudessem por meio da

relaccedilatildeo entre duas atividades nos elos da Cadeia Criativa produzir-compartilhar novos

significados em relaccedilatildeo ao tema tratado

De alguma maneira a anaacutelise do excerto mostra que as pesquisadoras natildeo

levantam questotildees que possam desestabilizar os significados rotinizados apresentados

pelas professoras Isso pode ter ocorrido por conta de uma dificuldade em compreender

que a intersecccedilatildeo entre os elos da cadeia soacute se materializa diante de uma argumentaccedilatildeo

colaborativa (Liberali 2004) Nesse episoacutedio daacute para inferir que assim como as

professoras na suas argumentaccedilotildees sobre o tema tratado as pesquisadoras trazem uma

apropriaccedilatildeo muito incipiente do que seria uma colaboraccedilatildeo criacutetica mediada pelos

significados que emergem no interior do grupo Em uma Pesquisa Criacutetica de

Colaboraccedilatildeo (Magalhatildees 2002 2006 2009) teoricamente fundamentada e com os

conceitos devidamente apropriados os pesquisadores levantariam questionamentos do

sentido-significado cristalizado (Magalhatildees 2009 p 55) para possibilitar a produccedilatildeo

conjunta de novos significados

Em siacutentese a argumentaccedilatildeo desenvolvida entre pesquisadoras e professoras natildeo

permitiu a ressignificaccedilatildeo dos sentidos e significados sobre a temaacutetica no interior da

Cadeia Criativa pois natildeo houve uma ampliaccedilatildeo do campo argumentativo de ambas

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 166

ILKA SCHAPPER SANTOS

sobre o assunto Os argumentos natildeo chegam a ser explorados continuam transitando em

sentidos e significados conhecidos haacute muito pelo grupo Mais uma vez faltam

intervenccedilotildees que tragam a siacutentese dialeacutetica entre perspectivas teoacutericas relacionadas agraves

accedilotildees descritas e que possibilitariam aprofundar as visotildees de mundo acerca da temaacutetica

tratada

413 ndash 3ordf Sessatildeo Reflexiva Analisada ndash dia 04 de setembro de 2006

Os excertos que se seguem foram recortados da quinta sessatildeo reflexiva com as

quatro educadoras da creche e uma pesquisadora do GP EFoPI a Patriacutecia no dia 04 de

setembro de 2006 A coordenadora da pesquisa Leacutea natildeo pocircde participar do encontro

por conta de doenccedila em famiacutelia

O viacutedeo analisado trata de uma atividade desenvolvida numa escola de educaccedilatildeo

infantil de Portugal O viacutedeo foi disponibilizado pela professora Juacutelia Formosinho da

Universidade do Minho Doutora em Estudos da Crianccedila com tese sobre o

desenvolvimento profissional das educadoras da infacircncia Nesse periacuteodo a professora

havia dado uma consultoria ao GP EFoPI jaacute que o referido grupo de pesquisa fazia

parte junto com a professora Dra Kishimoto da Universidade de Satildeo Paulo (USP) de

uma rede de pesquisadores sob a orientaccedilatildeo da professora Juacutelia Formosinho O objetivo

da sessatildeo era mostrar agraves educadoras das creches outras possibilidades de organizaccedilatildeo

dos espaccedilos para as brincadeiras Aleacutem disso pretendia possibilitar que elas refletissem

sobre modos e maneiras de o educador intervir na brincadeira livre Tomemos o 1ordm

recorte

1ordm excerto

(1) Patriacutecia Essa eacute uma escola laacute de Portugal ateacute aqueles pesquisadores estiveram

aqui Lembram que a Leacutea falou com vocecircs que eles vinham para o foacuterum de educaccedilatildeo

infantil

Todas as professoras respondem que lembram

(2) Patriacutecia Pois eacute eacute a Juacutelia Formosinho e essa escola eacute uma escola que eles fazem

um trabalho laacute que fazem a formaccedilatildeo em contexto com os professores das creches E

essa escola tambeacutem pertence a uma rede de formaccedilatildeo em contexto que tem aqui no

Brasil tambeacutem na USP com a Tizuko e a Leacutea tambeacutem participa dessa rede Entatildeo eacute

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 167

ILKA SCHAPPER SANTOS

uma filmagem bem interessante e acho que vocecircs vatildeo gostar (abre um sorriso)

Depois de as professoras assistirem agrave filmagem a pesquisadora retoma a fala

(3) Patriacutecia E aiacute vamos descrever o que vocecircs viram na filmagem Quem quer

comeccedilar falar sobre o que escreveu

(4) Mirela Nossa eacute uma escola de sonho neacute

(5) Claacuteudia Ai Podia ser aqui Entatildeo eacute eu coloquei assim Eu percebi que eacute uma

escola onde as crianccedilas interagiam o tempo todo com o meio Que elas iam

experimentando coisas novas o tempo todo E que os trabalhos eram feitos em

oficinas bem estruturadas que permitiam agraves crianccedilas exteriorizarem suas vivecircncias A

professora mediava quando lhe era conveniente e cada crianccedila podia escolher o seu

brinquedo pois havia uma grande diversidade destes (Ela balanccedila a cabeccedila de forma

positiva sorrindo e olhando para a Patriacutecia) O que natildeo acontece aqui com a gente

(6) Mirela Aiacute fica muito faacutecil neacute

(7) Claacuteudia Eacute

(8) Fabiana O nosso projeto da creche com a nossa oficina que noacutes temos quando

noacutes explicamos para vocecircs que noacutes trabalhaacutevamos com oficinas era mais ou menos

eu acho que a ideia seria ser mais ou menos daquele tipo as oficinas Porque noacutes

temos aqui a oficina de casinha que laacute seria a oficina do faz de conta Soacute que o nosso

espaccedilo natildeo eacute tatildeo adequado natildeo se tem um espaccedilo como se tem laacute Eu acho ateacute que de

repente pelo fato cultural que a gente vive que natildeo daacute aquele sonho todo que tem ali

A nossa realidade eacute bem diferente Noacutes natildeo temos tantos brinquedos como passa ali

natildeo tem condiccedilotildees de ter A oficina de jogos nossa nossa sala de jogo eacute satildeo poucos

brinquedos quando a crianccedila vai chegando certa fase do ano a crianccedila jaacute estaacute cansada

de ver aqueles jogos jaacute natildeo estatildeo se interessando mais com aqueles jogos Mas eu

acho que eacute o que se sonhou aqui para dentro da creche com as nossas oficinas

(9) Claacuteudia No nosso caso assim o que acontece no nosso caso Eacute que trabalhar

com a oficina quer dizer eu gosto natildeo sei vocecircs eu gosto porque muda mas o que

nos barra eacute agraves vezes o espaccedilo fiacutesico que se tem nas unidades num daacute conta Se

precisar de uma biblioteca para eles ficarem mais agrave vontade para trabalhar com a

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 168

ILKA SCHAPPER SANTOS

leitura com os livrinhos

Neste recorte as educadoras da creche comentam um viacutedeo de uma escola em

Portugal O objetivo era retomar a discussatildeo da organizaccedilatildeo das salas de atividades de

educaccedilatildeo infantil por meio dos cantinhos

A pesquisadora Patriacutecia inicia seu turno contextualizando a origem da atividade

a ser analisada Para isso faz referecircncia ao lugar fiacutesico onde ocorreu (1) ldquoEssa eacute uma

escola laacute de Portugalrdquo fazendo uso de dois decirciticos espaciais o pronome

demonstrativo ldquoessardquo e o adveacuterbio de lugar ldquolaacuterdquo Aleacutem disso utiliza o argumento de

autoridade para tecer seu questionamento ldquolembram que a Leacutea falou com vocecircs que

eles vinham para o foacuterum de educaccedilatildeo infantilrdquo Nesse movimento a pesquisadora

busca no exoacuterdio apresentar o contexto de produccedilatildeo em que a atividade foi

desenvolvida e as diferentes interlocuccedilotildees em que o GP EFoPI estaacute inserido Patriacutecia

retoma o turno em (2) para aprofundar o contexto de produccedilatildeo e no seu discurso faz

uso de duas marcas de interaccedilatildeo a retomada de vozes anteriores por meio de

explicaccedilatildeo ldquoPois eacute eacute a Juacutelia Formosinho e essa escola eacute uma escola que eles fazem

um trabalho laacute que fazem a formaccedilatildeo em contexto com os professores das creches E

essa escola tambeacutem pertence a uma rede de formaccedilatildeo em contexto que tem aqui no

Brasil tambeacutem na USP com a Tizuko e a Leacutea tambeacutem participa dessa rede Entatildeo eacute

uma filmagem bem interessante e acho que vocecircs vatildeo gostar (abre um sorriso)rdquo

Depois no turno seguinte Patriacutecia (3) pergunta quem gostaria de descrever a

atividade da filmagem Mirela responde (4) que ldquoeacute uma escola de sonhordquo Com essa

resposta a professora sinaliza para a pesquisadora a distacircncia entre a realidade da

creche em que atua e a realidade circunscrita agrave atividade analisada Mostra tambeacutem

com a expressatildeo como o contexto analisado estaacute no campo do idealizado

Claacuteudia continua a interlocuccedilatildeo na esfera do desejado com a expressatildeo (5) ldquoAi

Podia ser aquirdquo Ao usar o verbo poder no preteacuterito imperfeito do modo indicativo

mostra na enunciaccedilatildeo um fato do qual natildeo tem certeza quanto agraves probabilidades de

realizaccedilotildees futuras Desse modo se isenta de compartilhar com o grupo possibilidades

de no futuro desenvolver um trabalho na creche que traga esses novos significados

compartilhados por meio das atividades assistidas no viacutedeo

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 169

ILKA SCHAPPER SANTOS

Na continuidade de seu turno Claacuteudia destaca outros elementos que jaacute haviam

sido tratados em interlocuccedilotildees anteriores a) interaccedilatildeo entre as crianccedilas (ldquoeu percebi

que eacute uma escola onde as crianccedilas interagiam o tempo todordquo) b) mediaccedilatildeo da

professora (ldquoA professora mediava quando lhe era convenienterdquo) c) escolha livre dos

brinquedos pelas crianccedilas (ldquocada crianccedila podia escolher o seu brinquedordquo) A

professora retoma nessa sessatildeo expressotildees que satildeo proacuteprias do campo lexical da

perspectiva teoacuterica soacutecio-histoacuterico-cultural ndash ldquomediarrdquo e ldquointeragirrdquo No entanto mais

uma vez parece natildeo compartilhar com a pesquisadora segundo a perspectiva teoacuterica

mencionada os significados desses verbetes Aqui tambeacutem a pesquisadora natildeo fez

intervenccedilotildees em que esses elementos pudessem ser questionados e por conseguinte

pudessem ter os seus significados esclarecidos para a professora Ou seja natildeo criou

espaccedilo para que as professoras internalizassem os significados dos verbetes

mencionados sob a oacutetica da perspectiva soacutecio-histoacuterico-cultural

Aleacutem disso a pesquisadora natildeo promoveu o confronto entre os sentidos trazidos

que no quadro enunciativo se configuram como ideias inadequadas para se aproximar

das ideias adequadas e aumentar a potecircncia de pensaragir das professoras (conatus)

(Spinoza 16772005) no contexto da discussatildeo

Outro ponto que chama atenccedilatildeo na fala de Claacuteudia eacute que ela destaca a

diversidade de brinquedos na creche onde a atividade foi desenvolvida marcando em

seu discurso que isso natildeo ocorre na creche em que atua (ldquoo que natildeo acontece aqui com

a genterdquo) O adveacuterbio de negaccedilatildeo ldquonatildeordquo o decircitico espacial e o decircitico de pessoa ldquoaquirdquo

e ldquoa genterdquo respectivamente demarcam linguisticamente essa inferecircncia Se pensarmos

que a crianccedila na brincadeira no vieacutes histoacuterico-cultural reinventa o real por meio de

objetos em que seus significados satildeo modificados natildeo procede a justificativa da

professora de que na creche natildeo haacute muitos brinquedos Como explica Vygotsky

(19301991) um cabo de vassoura na situaccedilatildeo imaginaacuteria vira um cavalo Ou seja na

situaccedilatildeo do faz de conta a crianccedila atribui a um mesmo brinquedo diferentes

significados e diferentes papeacuteis

Fabiana em (8) continua explicando as relaccedilotildees entre a oficina desenvolvida na

atividade analisada e as que costumam realizar na creche concluindo que na esfera do

idealizado as propostas satildeo muito proacuteximas ldquoquando noacutes explicamos para vocecircs que

noacutes trabalhaacutevamos com oficinas era mais ou menos eu acho que a ideia seria ser

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 170

ILKA SCHAPPER SANTOS

mais ou menos daquele tipo as oficinasrdquo A professora usa a estrutura modalizada ldquoeu

achordquo assim como a expressatildeo ldquomais ou menosrdquo para tecer essas aproximaccedilotildees

Esse movimento discursivo pautado na intersecccedilatildeo entre a oficina desenvolvida

no viacutedeo e aquelas realizadas pelas educadoras no cotidiano das creches mostra que no

campo do idealizado natildeo haacute grandes diferenccedilas quanto agrave estrutura do trabalho No

entanto as professoras trazem algumas restriccedilotildees quanto agraves aproximaccedilotildees declaradas

isso fica expliacutecito linguiacutesticamente com o uso do operador ldquosoacuterdquo e do decircitico espacial

ldquolaacuterdquo ldquosoacute que o nosso espaccedilo natildeo eacute tatildeo adequado natildeo se tem um espaccedilo como se tem

laacuterdquo Para ampliar sua argumentaccedilatildeo Fabiana utiliza um argumento pragmaacutetico ldquoa

nossa realidade eacute bem diferente Noacutes natildeo temos tantos brinquedos como passa ali

natildeo tem condiccedilotildees de terrdquo explicando que a diferenccedila entre a oficina assistida no viacutedeo

e as que realizam na creche estaacute na escassez de brinquedos tendo isso uma

consequecircncia direta para as accedilotildees que perpassam as atividades desenvolvidas nas

oficinas Aqui a professora na justificativa alia a escassez dos brinquedos ao espaccedilo

inadequado Ocorre que a creche tem espaccedilos internos e externos amplos e isso natildeo foi

explicitado como um questionamento a elas

Seguindo seu movimento argumentativo a professora usa novamente o

argumento pragmaacutetico fechando ainda mais a argumentaccedilatildeo ldquosatildeo poucos brinquedos

quando a crianccedila vai chegando certa fase do ano a crianccedila jaacute estaacute cansada de ver

aqueles jogos jaacute natildeo estatildeo se interessando mais com aqueles jogosrdquo Mais uma vez a

questatildeo da escassez dos brinquedos eacute usada como justificativa para as professoras natildeo

realizarem atividades similares agraves assistidas no viacutedeo Nesse contexto a pesquisadora

natildeo levantou questotildees sobre quais os tipos de brinquedos satildeo disponibilizados na

creche nem promoveu reflexotildees sobre como as professoras poderiam desenvolver

atividades por meio desses brinquedos

Finalizando seu enunciado a professora volta a pautar seu discurso no campo do

idealizado Usa o operador argumentativo ldquomasrdquo e o modalizador ldquoeu achordquo para dizer

que as educadoras da creche ldquosonharamrdquo com a organizaccedilatildeo das oficinas de modo

similar agrave que foi apresentada no viacutedeo pelo GP EFoPI ldquomas eu acho que eacute o que se

sonhou aqui para dentro da creche com as nossas oficinasrdquo Ao pautar novamente

seu discurso no campo do idealizado a professora rompe com a possibilidade de refletir

sobre o que se ldquosonhourdquo e o que elas poderiam realizar a partir do idealizado

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 171

ILKA SCHAPPER SANTOS

Claacuteudia no turno seguinte (9) continua a interlocuccedilatildeo fazendo uso tambeacutem do

argumento pragmaacutetico ldquoeacute que trabalhar com a oficina quer dizer eu gosto natildeo sei

vocecircs eu gosto porque muda mas o que nos barra eacute agraves vezes o espaccedilo fiacutesico que se

tem nas unidades num daacute contardquo e do argumento de exemplo ldquose precisar de uma

biblioteca para eles ficarem mais agrave vontade para trabalhar com a leitura com os

livrinhosrdquo

Neste excerto os recursos argumentativos utilizados pelas professoras em

especial os argumentos pragmaacuteticos e de exemplos promovem pouco espaccedilo de

discussatildeo uma vez que as educadoras expressam ideias concluiacutedas sobre os empecilhos

de se realizar na creche atividades similares agraves apresentadas no viacutedeo Assim natildeo foi

possiacutevel estabelecer um espaccedilo de criticidade em que os sentidos dos participantes

pudessem ser apresentados e por conseguinte novos significados produzidos

Na sequecircncia a pesquisadora Patriacutecia continua trabalhando com a organizaccedilatildeo

dos espaccedilos das salas de atividades buscando criar um espaccedilo de reflexatildeo sobre as

possibilidades de reestruturar os espaccedilos instituiacutedos na creche em especial aqueles

destinados agraves brincadeiras

2ordm Excerto

(10) Patriacutecia Na semana passada a gente trabalhou com a organizaccedilatildeo da sala A gente

tambeacutem escolheu essa fita para a gente ‟tar mais uma vez trabalhando mais uma vez

com a questatildeo dessa organizaccedilatildeo Vocecircs viram que tinha brinquedos aqueles de

construccedilotildees que satildeo de madeira que isso a gente pode ‟tar conseguindo sim

(11) Fabiana Eacute meu incocircmodo eacute como as meninas falaram eacute que tem umas questotildees

dessas transformaccedilotildees que muitas vezes a gente esbarra eacute no outro processo que natildeo

depende soacute de noacutes mesmas entendeu Eu natildeo acredito que seja soacute aqui que seja em

qualquer escola ou creche Que se esbarra muitas vezes a professora na sala ela quer

ateacute fazer esses cantinhos da leitura mas tem os outros processos Igual noacutes nossas

salas agraves vezes viram sala de repouso natildeo pode se ocupar o espaccedilo todo porque tem os

repousos porque tem que deixar esses espaccedilos para isso entendeu Entatildeo natildeo daacute

(12) Patriacutecia Entatildeo isso eacute uma determinaccedilatildeo da AMAC

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 172

ILKA SCHAPPER SANTOS

(13) Fabiana Agraves vezes a gente pode ateacute pensar em modificar mas aiacute com certeza natildeo

seria uma decisatildeo somente da professora da sala tem que ser uma decisatildeo em conjunto

com todas as unidades de todas as creches

(14) Patriacutecia Mas como vocecircs pensam sobre a organizaccedilatildeo da sala o que vocecircs

pensam sobre isso Como que deveria ser feita essa organizaccedilatildeo

(15) Mirela Eu acho que deveria ter mais brinquedos mais uma sala para a televisatildeo

porque do jeito que ‟taacute cada oficina em uma sala natildeo eacute ruim porque se colocar tudo

igual ali ali eacute porque o espaccedilo eacute enorme agora imagina a sua sala com jogos com

televisatildeo como que seria no nosso pequeno espaccedilo Assim casinha jogos teria que ter

assim mais salas para poder ‟tar dividindo a televisatildeo ter assim uma biblioteca

(16) Patriacutecia Entatildeo assim o que vocecircs colocam como dificuldades de estar fazendo

essas aacutereas na sala

(17) Claacuteudia O espaccedilo

(18) Mirela E a gente esbarra tambeacutem que aqui na creche tudo eacute padronizado entatildeo se

fizer aqui a gente tem que tem que fazer em todas

(19) Fabiana Eacute tem que ‟tar comunicando porque eacute a instituiccedilatildeo e a instituiccedilatildeo tem

vaacuterias unidades e aiacute natildeo depende somente da gente depende de toda uma poliacutetica

(20) Mirela Tanto que hoje eu percebo que o pedagogo tinha que fazer parte dessas

reuniotildees (as sessotildees reflexivas) para ele poder ‟tar vendo as mudanccedilas necessaacuterias

(21) Mirela Ela (a coordenadora) teria que estar aqui para ver as mudanccedilas para ver

uma fita dessas para poder ‟tar levando para o programa Seria muito interessante

(22) Patriacutecia O pedagogo aqui

(23) Patriacutecia Por que os projetos satildeo feitos pelas pedagogas E aiacute encaminham para

vocecircs

(24) Mirela Uma vez por mecircs eacute feito as reuniotildees para elaboraccedilatildeo desse projeto soacute que

desce vai uma funcionaacuteria de cada creche vai laacute embaixo na AMAC e se reuacutene para

fazer a construccedilatildeo desse projeto Aiacute o que se decide laacute eacute impresso e mandado para todas

as unidades Soacute que aiacute satildeo datas fechadas os temas que definem os projetos satildeo

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 173

ILKA SCHAPPER SANTOS

fechados os temas satildeo enviados Muitas vezes acaba fugindo do que a gente gostaria de

‟tar trabalhando aqui da forma que a gente gostaria que fosse e tem que complementar

com o projeto que foi feito Natildeo eacute que a gente natildeo possa ‟tar trabalhando o que a gente

gostaria mas talvez se fechasse o tema e a gente pudesse elaborar do nosso jeito com a

nossa realidade ficaria melhor

Patriacutecia inicia seu turno (10) retomando o trabalho da sessatildeo anterior em que o

assunto era a organizaccedilatildeo da sala de atividades da educaccedilatildeo infantil ldquona semana

passada a gente trabalhou com a organizaccedilatildeo da salardquo Eacute interessante notar que a

oradora busca com o uso do decircitico de pessoa ldquoa genterdquo implicar os interlocutores no

trabalho de reflexatildeo usando a marca de interaccedilatildeo intitulada neste trabalho de retomada

de vozes anteriores Esse movimento eacute interessante pois sinaliza a preocupaccedilatildeo da

pesquisadora em ser coerente com o trabalho colaborativo Depois faz um

questionamento que visa a promover uma reflexatildeo sobre as possibilidades de se

conseguir realizar um trabalho de reorganizaccedilatildeo do espaccedilo e de se conseguir aumentar o

nuacutemero de brinquedos na creche ldquovocecircs viram que tinha brinquedos aqueles de

construccedilotildees que satildeo de madeira que isso a gente pode ‟tar conseguindordquo Para isso

faz uso do decircitico espacial ldquoaquelesrdquo procurando indicar que os brinquedos de

construccedilotildees natildeo satildeo difiacuteceis de serem adquiridos

Esse movimento argumentativo da pesquisadora eacute importante jaacute que traz

alternativas para a justificativa das professoras em relaccedilatildeo agrave escassez dos brinquedos

procurando instigar as professoras a refletirem sobre outras possibilidades de aquisiccedilatildeo

de mais brinquedos para a creche No entanto apesar da provocaccedilatildeo da oradora as

professoras retomam os argumentos pautados na impossibilidade e falta de autonomia

delas em transformar os espaccedilos instituiacutedos na creche

Mais uma vez as professoras estruturam seu corpus argumentativo em

argumento pragmaacutetico e de exemplo O argumento pragmaacutetico se materializa no

discurso de Fabiana (11) quando ela diz ldquomeu incocircmodo eacute como as meninas falaram

eacute que tem umas questotildees dessas transformaccedilotildees que muitas vezes a gente esbarra eacute no

outro processo que natildeo depende soacute de noacutes mesmas entendeurdquo Nesse movimento

argumentativo a professora faz uso da marca de interaccedilatildeo retomada de vozes anteriores

(ldquocomo as meninas falaramrdquo) fechando mais uma vez seu discurso O fluxo

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 174

ILKA SCHAPPER SANTOS

argumentativo fica circunscrito a um discurso da impossibilidade de delegar a outras

instacircncias o poder de transformar os espaccedilos instituiacutedos ldquonatildeo depende soacute de noacutes

mesmasrdquo

A educadora continua seu enunciado com o argumento de exemplo ldquonossas

salas agraves vezes viram sala de repouso natildeo pode se ocupar o espaccedilo todo porque tem

os repousos porque tem que deixar esses espaccedilos para issordquo Os dois tipos de

argumentos utilizados pela professora tecircm um efeito de ineacutercia no grupo que emudece

pois traz uma ideia concluiacuteda (argumento pragmaacutetico) apresentando um argumento de

exemplo que daacute agrave situaccedilatildeo o estatuto de fato inquestionaacutevel

A pesquisadora percebe a rotativa discursiva das educadoras e formula uma

questatildeo controversa para o grupo (12) ldquoentatildeo isso eacute uma determinaccedilatildeo da AMACrdquo

Com o uso do decircitico espacial ldquoissordquo busca assinalar na enunciaccedilatildeo da professora o

ponto de referecircncia em que seus argumentos estatildeo pautados Traz uma questatildeo

controversa para o grupo desvelando a gecircnese dos impedimentos prescritos qual seja

ldquouma determinaccedilatildeo da AMACrdquo Subjaz a essa questatildeo controversa uma outra ldquoum

impedimento de transformaccedilatildeo do espaccedilo por conta da AMACrdquo Desse modo a

pesquisadora procura promover no grupo uma zona de colaboraccedilatildeo e criticidade

buscando possibilitar um espaccedilo de reflexatildeo criacutetica em que todos possam tecer

comentaacuterios e discussotildees Isso porque no interior das discussotildees as educadoras jaacute

haviam mencionado sobre como o oacutergatildeo ao qual satildeo vinculados procura padronizar os

espaccedilos as accedilotildees pedagoacutegicas e os horaacuterios de todas as 23 creches do municiacutepio

Diante da questatildeo formulada pela pesquisadora Fabiana (13) usa a marca de

interaccedilatildeo colocaccedilatildeo de problema ldquoagraves vezes a gente pode ateacute pensar em modificar mas

aiacute com certeza natildeo seria uma decisatildeo somente da professora da sala tem que ser

uma decisatildeo em conjunto com todas as unidades de todas as crechesrdquo O uso do ldquoa

genterdquo como decircitico pessoal inclusivo mostra que a professora envolve o grupo de

educadoras na sua argumentaccedilatildeo Depois usa o operador argumentativo ldquoateacuterdquo (ateacute

mesmo inclusive) assinalando um argumento mais forte dentro da perspectiva da

mudanccedila na organizaccedilatildeo das salas de atividades da creche e por fim haacute no seu

discurso a reincidecircncia do operador ldquotodasrdquo na tentativa de fazer uma afirmaccedilatildeo plena

A professora parece escolher tais operadores para indicar a partir da forccedila

argumentativa do seu enunciado uma direccedilatildeo uma explicaccedilatildeo plausiacutevel que justifique a

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 175

ILKA SCHAPPER SANTOS

dificuldade de transformaccedilatildeo dos espaccedilos disponibilizados para o desenvolvimento da

brincadeira na creche

Atenta ao processo criacuteticondashreflexivo a pesquisadora Patriacutecia (14) tece o seguinte

questionamento ldquoMas como vocecircs pensam sobre a organizaccedilatildeo da sala o que vocecircs

pensam sobre isso Como que deveria ser feita essa organizaccedilatildeordquo Assim pretende

fazer com que as professoras a partir dos questionamentos que formula pensem em

possiacuteveis mudanccedilas relativas agrave organizaccedilatildeo das salas de atividades e por conseguinte

transformaccedilotildees dos espaccedilos para as brincadeiras A intervenccedilatildeo revela a preocupaccedilatildeo da

pesquisadora em compreender os pontos de vista que sustentam o modo como as

professoras veem a questatildeo buscando identificar as possiacuteveis teorias que embasam suas

reflexotildees e os possiacuteveis valores que estatildeo por traacutes delas O movimento discursivo estaacute

pautado segundo Smyth (1992) no informar pois possibilita promover explicaccedilotildees que

mostrem as bases teoacutericas sobre o tema em debate Eacute no interior desse fluxo

argumentativo que se pode abrir caminhos para o confrontar (Liberali 2008a p 60)

Assim mais uma vez as professoras destacam elementos de mudanccedilas na esfera

do idealizado e em accedilotildees que transcendem as possibilidades que lhes competem Isso

fica expliacutecito no turno (15) de Mirela ldquoeu acho que deveria ter mais brinquedos mais

uma sala para a televisatildeo porque do jeito que ‟taacute cada oficina em uma sala natildeo eacute

ruim porque se colocar tudo igual ali ali eacute porque o espaccedilo eacute enorme agora imagina

a sua sala com jogos com televisatildeo como que seria no nosso pequeno espaccedilo Assim

casinha jogos teria que ter assim mais salas para poder ‟tar dividindo a televisatildeo

ter assim uma bibliotecardquo No movimento discursivo a professora destaca os objetos

que deveriam ser adquiridos e os espaccedilos que deveriam ser criados para que se pudesse

pensar em alguma mudanccedila Desse modo natildeo consegue vislumbrar mudanccedilas no

interior das condiccedilotildees materiais em que se encontra Linguiacutesticamente isso fica

demarcado no iniacutecio do turno quando usa a locuccedilatildeo verbal ldquodeveria terrdquo

A rotatividade discursiva se reapresenta na retomada de turno da pesquisadora

(16) que tece mais uma questatildeo controversa com ecircnfase nas dificuldades e natildeo nas

possibilidades ldquoentatildeo assim o que vocecircs colocam como dificuldades de estar fazendo

essas aacutereas na salardquo Diante do questionamento a educadora reponde (17) ldquoo espaccedilordquo

Eacute interessante notar que as professoras escapam do movimento de compartilhar

seus significados sobre a questatildeo discutida e como poderiam refletir sobre o que fazer

focando as impossibilidades na poliacutetica de padronizaccedilatildeo das creches e na necessidade da

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 176

ILKA SCHAPPER SANTOS

participaccedilatildeo dos pedagogos da AMAC nas sessotildees reflexivas Isso pode ser percebido

nos turnos (18) (19) (20) e (21) das educadoras Mirela e Fabiana

Nos turnos citados as professoras usam o argumento de exemplo para

discorrerem sobre a padronizaccedilatildeo das atividades e dos espaccedilos das creches e a

importacircncia de a equipe pedagoacutegica participar das sessotildees reflexivas (18) ldquoa gente

esbarra tambeacutem que aqui na creche tudo eacute padronizado entatildeo se fizer aqui a gente

tem que tem que fazer em todasrdquo Primeiro a professora explica que ldquotudo eacute

padronizadordquo depois faz uso do ldquoentatildeordquo para concluir que ldquotem que fazer em todasrdquo

(as 23 creches do municiacutepio) (19) ldquotem que ‟tar comunicando porque eacute a instituiccedilatildeo

e a instituiccedilatildeo tem vaacuterias unidades e aiacute natildeo depende somente da gente depende de

toda uma poliacuteticardquo (20) ldquotanto que hoje eu percebo que o pedagogo tinha que fazer

parte dessas reuniotildees (as sessotildees reflexivas) para ele poder ‟tar vendo as mudanccedilas

necessaacuteriasrdquo (21) ldquoela (a coordenadora) teria que estar aqui para ver as mudanccedilas

para ver uma fita dessas para poder ‟tar levando para o programa Seria muito

interessanterdquo

O enunciado da educadora traz as marcas do discurso oficial monologizante

Como definiu Bakhtin (apud Nystrand et al 1997 p 12) ldquoo monologismo em seu

extremo nega a existecircncia de outra consciecircncia fora de si com direitos e

responsabilidades iguais O monoacutelogo eacute finalizador e surdo agrave resposta do outro ()

deseja ser a uacuteltima palavrardquo Assim usam as vozes oficiais da instituiccedilatildeo como

subterfuacutegio de explicar suas impossibilidades de transformaccedilotildees e mudanccedilas Apesar de

o oacutergatildeo governamental tentar controlar as accedilotildees no interior das creches seria importante

as educadoras perceberem que podem superar a imposiccedilatildeo e alienaccedilatildeo em seus modos e

maneiras de transformar aquilo que estaacute dentro de seu campo de accedilatildeo

Mirela explica em (24) por meio do argumento de exemplo que os projetos satildeo

elaborados mensalmente com uma representante de cada creche ldquouma vez por mecircs eacute

feito as reuniotildees para elaboraccedilatildeo desse projeto soacute que vai uma funcionaacuteria de cada

creche vai laacute pra baixo na AMAC e se reuacutene para fazer a construccedilatildeo desse projeto

Aiacute o que se decide laacute eacute impresso e mandado para todas as unidades Soacute que aiacute eacute satildeo

datas fechadas os temas que definem os projetos satildeo fechados os projetos satildeo

enviados para as crechesrdquo Com o argumento de que os projetos chegam prontos e satildeo

unificados para as 23 creches a explicaccedilatildeo da educadora serve mais uma vez para

tamponar o (re)pensar de sua praacutetica no interior das creches Esse movimento

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 177

ILKA SCHAPPER SANTOS

enunciativo impossibilita compartilhar em quais sentidos-significados estatildeo ancoradas

as suas accedilotildees

Apesar de neste excerto a pesquisadora formular questionamentos que busquem

promover um espaccedilo de reflexatildeo sobre possiacuteveis mudanccedilas relativas agrave organizaccedilatildeo das

salas de atividades na creche e em consequecircncia a transformaccedilotildees dos espaccedilos para as

brincadeiras com questotildees relativas ao processo reflexivo (Smyth 1992 Liberali

2008) as enunciaccedilotildees das professoras vatildeo de encontro a esse movimento

As educadoras trazem prioritariamente o discurso autoritaacuterio imposto pela

instituiccedilatildeo agrave qual pertencem para justificar a dificuldade que tecircm em transformar suas

praacuteticas cotidianas Segundo Bakhtin (1983) esse tipo de discurso tem o estatuto de

verdade absoluta natildeo propiciando espaccedilo para a argumentaccedilatildeo refutaccedilatildeo contestaccedilatildeo e

reflexatildeo jaacute que ldquoa palavra autoritaacuteria natildeo se representa ndash ela apenas eacute transmitidardquo

(Bakhtin 1983 p 144) A apropriaccedilatildeo da palavra autoritaacuteria aqui teve a funccedilatildeo de

justificar o jaacute instituiacutedo e os motivos que impossibilitam (re)pensar sobre novos modos

de se trabalhar sobre as praacuteticas cristalizadas Em decorrecircncia disso os significados

compartilhados ficaram inscritos em argumentos sobre o ldquojaacute-feitordquo e natildeo em novas

maneiras em se pensar o ldquopor-fazerrdquo

No fragmento abaixo mais uma vez a pesquisadora Patriacutecia retoma a discussatildeo

sobre a organizaccedilatildeo dos espaccedilos No entanto o foco recai agora sobre a construccedilatildeo de

espaccedilos que promovam a construccedilatildeo do conhecimento

3ordm Excerto

(25) Patriacutecia Como que a gente pode ‟tar organizando a nossa sala de maneira que

haja esses conhecimentos essa coisa da crianccedila ‟tar brincando e ‟tar experimentando e

‟tar pesquisando

(26) Fabiana Eacute aquilo que eu te falei no iniacutecio que a organizaccedilatildeo das nossas salas

tem todo um padratildeo que tem que ser seguido da instituiccedilatildeo

(27) Patriacutecia Mesmo assim vocecircs querendo propondo

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 178

ILKA SCHAPPER SANTOS

(28) Fabiana Seria um processo assim de ‟tar discutindo falando expondo e ter a

aceitaccedilatildeo da unidade da pedagoga e tudo Porque como eu te falei minha sala eacute

oficina eu tenho dentro da minha sala (faz um sinal negativo com a boca virando para

um lado) mesa as cadeiras um armaacuterio que eu coloco as colchonetes eu tenho um

outro armaacuterio uma outra estante que coloco os jogos com a televisatildeo e o aparelho de

viacutedeo de DVD Entatildeo eu natildeo posso ocupar aquele espaccedilo todo porque eu tenho uma

oficina de jogos e uma oficina de viacutedeo dentro do meu espaccedilo entendeu Entatildeo eu natildeo

posso ocupar aquilo tudo sem deixar o espaccedilo da oficina de jogos e de viacutedeo entendeu

(29) Patriacutecia Isso eacute complicado para as crianccedilas

(30) Fabiana E outra tem que ter o espaccedilo para elas brincarem Entatildeo eu tenho que

estar respeitando aquele espaccedilo todo de maneira que fique organizado entendeu Entatildeo

eu posso na hora das minhas atividades eu viro mesa eu ponho para brincar no chatildeo

que eacute mais faacutecil Pois eu acho assim que o espaccedilo do chatildeo eacute melhor do que o das

mesas para eles montarem os jogos e tudo na hora da pintura eu forro as mesas todas

eu junto as mesas para ficar um espaccedilo maior Isso eu faccedilo porque eu posso Agora

uma questatildeo de eu ficar fazendo um cantinho de leitura um cantinho de faz de conta

Aiacute eu natildeo posso porque tem uma outra oficina de casinha que seria a sala dela (olha

para Mirela) e tem uma outra oficina de artes cecircnicas que eacute na do berccedilaacuterio Aiacute a gente

tem que passar para outra sala

(31) Claacuteudia minha sala natildeo tem condiccedilotildees porque natildeo tem muito espaccedilo porque eacute

muito pequena soacute cabem quatro mesinhas e natildeo cabe mais nada Aiacute agraves vezes eu tenho

que fazer o que ela faz tambeacutem colocar as mesas para um canto e deixar eles

brincarem no chatildeo onde o espaccedilo tambeacutem eacute bem restrito

As professoras mais uma vez fixam seus argumentos no campo das

impossibilidades Para isso usam argumentos de autoridade ndash a AMAC e sua

padronizaccedilatildeo

A pesquisadora (25) retoma o questionamento anterior sobre a organizaccedilatildeo das

salas de atividades nas creches agora pautado na construccedilatildeo e produccedilatildeo do

conhecimento das crianccedilas a partir de trecircs pontos (a) a brincadeira (b) a vivecircncia e (c)

a pesquisa Assim levanta a seguinte pergunta ldquocomo que a gente pode ‟tar

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 179

ILKA SCHAPPER SANTOS

organizando a nossa sala de maneira que haja esses conhecimentos essa coisa da

crianccedila ‟tar brincando e ‟tar experimentando e ‟tar pesquisandordquo Ao utilizar a

expressatildeo ldquoa genterdquo (no lugar do pronome da 1ordf pessoa do plural ldquonoacutesrdquo) Patriacutecia

sinaliza de maneira impliacutecita alguns elementos do trabalho colaborativo entre eles a

necessidade de se mostrar implicada estabelecendo uma interdependecircncia entre o

questionamento feito e as buscas de elementos argumentativos para a soluccedilatildeo do

conflito Aleacutem disso faz uso dos decirciticos ldquoessesrdquo e ldquoessardquo para sinalizar o ponto de

referecircncia de seu questionamento e auxiliar as educadoras na construccedilatildeo de seus

discursos e partilhar seus sentidos sobre o que foi focado

Ao ingressar no fluxo do questionamento da pesquisadora Fabiana (26) retoma

vozes anteriores ldquoeacute aquilo que eu te falei no iniacutecio que a organizaccedilatildeo das nossas

salas tem todo um padratildeo que tem que ser seguido da instituiccedilatildeordquo Ao dizer isso a

professora retoma seu ponto de vista de que haacute ldquoum padratildeo que tem que ser seguido da

instituiccedilatildeordquo Isso mostra uma circularidade discursiva em que natildeo aparecem novos

elementos argumentativos para tratar a questatildeo e por conseguinte o grupo natildeo

consegue criar zonas de confluecircncias de ideias para refletir sobre o jaacute estruturado

conhecido e realizado Como a argumentaccedilatildeo se funda em argumentos de exemplos e

pragmaacuteticos a possibilidade de reflexatildeo fica circunscrita agraves questotildees que transcendem o

espaccedilo da sala de atividades Aqui natildeo se trata como na reflexatildeo tecida do excerto

anterior de dizer de uma compreensatildeo dos aspectos poliacuteticos o questionamento estaacute

pautado em pensar a organizaccedilatildeo dos espaccedilos da creche para a produccedilatildeo do

conhecimento do desenvolvimento da pesquisa no universo das crianccedilas

Percebendo a circularidade discursiva das professoras a pesquisadora retoma o

turno e diz (27) ldquomesmo assim vocecircs querendo propondordquo A escolha da expressatildeo

ldquomesmo assimrdquo mostra que a pesquisadora busca transpor essa circularidade e provocar

as educadoras a refletirem Isso se evidencia quando ela enuncia ldquovocecircs querendo

propondordquo

Em (28) Fabiana daacute instruccedilotildees de como o grupo poderia fazer para romper com

o padratildeo impresso pela AMAC na organizaccedilatildeo dos espaccedilos das creches ldquoseria um

processo assim de ‟tar discutindo falando expondo e ter a aceitaccedilatildeo da unidade da

pedagoga e tudordquo Depois a professora tece uma explicaccedilatildeo a partir da retomada de

uma fala anterior ldquoPorque como eu te falei minha sala eacute oficina eu tenho dentro da

minha sala (faz um sinal negativo com a boca virando para um lado) mesa as cadeiras

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 180

ILKA SCHAPPER SANTOS

um armaacuterio que eu coloco as colchonetes eu tenho um outro armaacuterio uma outra

estante que coloco os jogos com a televisatildeo e o aparelho de viacutedeo de DVDrdquo

Eacute possiacutevel perceber que o movimento argumentativo tanto por parte da

pesquisadora quanto das educadoras se fixa em argumentos pautados nos exemplos de

situaccedilotildees e organizaccedilotildees dos espaccedilos instituiacutedos na creche As marcas de interaccedilatildeo que

datildeo movimento a esses argumentos satildeo as explicaccedilotildees e retomadas de vozes anteriores

As professoras natildeo se implicam nas accedilotildees que determinam o instituiacutedo na creche como

em excertos analisados anteriormente Os conflitos as contradiccedilotildees que satildeo

ldquodenunciadasrdquo se configuram como algo externo distante e impossiacutevel de ser

transformado As educadoras mostram os significados cristalizados fixos e natildeo

reiteraacuteveis da organizaccedilatildeo dos espaccedilos natildeo buscando compartilhar seus sentidos para a

possibilidade de romper com essa estrutura Desse modo natildeo compartilham sentidos e

natildeo criam outros significados diferentes desses instituiacutedos pela AMAC Novamente

prevalece o discurso autoritaacuterio (Bakhtin 1983)

Nessa discussatildeo sobre a organizaccedilatildeo dos espaccedilos instituiacutedos nas creches haacute uma

dificuldade de o grupo perceber as possibilidades de transformaccedilotildees e mudanccedilas desta

organizaccedilatildeo O historiador espanhol Vintildeao Frago (1998) discorre sobre a natildeo

neutralidade do espaccedilo posto que este produz sentidos em um movimento dinacircmico

demarcando relaccedilotildees de poder e de escolhas ldquoa arquitetura escolar eacute tambeacutem por si

mesma um programa uma espeacutecie de discurso que institui na sua materialidade um

sistema de valoresrdquo (p 26)

A compreensatildeo do espaccedilo e sua organizaccedilatildeo eacute assim um(a) processoproduccedilatildeo

cultural Para o autor esta compreensatildeo na verdade estaacute pautada na percepccedilatildeo que

temos dos lugares (espaccedilos construiacutedos) Dito de outro modo eacute no lugar que o espaccedilo

ganha significado e corporeidade O espaccedilo vai se corporificando (se transformando em

lugar) na medida em que vai tendo significado para os sujeitos que o ocupamconstroem

cotidianamente

A ocupaccedilatildeo do espaccedilo sua utilizaccedilatildeo supotildee sua constituiccedilatildeo como

lugar O ldquosalto qualitativordquo que leva do espaccedilo ao lugar eacute pois uma

construccedilatildeo O espaccedilo se projeta ou se imagina o lugar se constroacutei

Constroacutei-se ldquoa partir do fluir da vidardquo e a partir do espaccedilo como

suporte o espaccedilo portanto estaacute sempre disponiacutevel e disposto para

converter-se em lugar para ser construiacutedo (Vintildeao Frago 1998 p 61)

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 181

ILKA SCHAPPER SANTOS

O espaccedilo eacute processoproduto de inter-relaccedilotildees ldquoeacute o produto das dificuldades e

complexidades dos entrelaccedilamentos e dos natildeo entrelaccedilamentos de relaccedilotildeesrdquo (Massey

2004 p 17) A organizaccedilatildeo em espaccedilos universalizantes que desconsidera essa

complexidade gera tambeacutem rotinas universais e padronizadas materializadas em

praacuteticas homogecircneas que tamponam as diferenccedilas criam um discurso uacutenico

desconsiderando o contexto social histoacuterico e as praacuteticas culturais presentes em cada

instituiccedilatildeo (Silva 2009)

Como toda realidade social o espaccedilo precisa ser pensado no campo

metodoloacutegico e teoacuterico a partir de trecircs conceitos indissociaacuteveis forma estrutura e

funccedilatildeo (Santos 1997) Ao contraacuterio disso os excertos analisados mostram que a

definiccedilatildeo de organizaccedilatildeo do espaccedilo nas creches municipais de Juiz de Fora eacute

estruturada de maneira uniforme desconsiderando o contexto de produccedilatildeo de cada uma

e suas especificidades Mas principalmente natildeo configura um ambiente no qual

crianccedilas e adultos possam construir interaccedilotildees que promovam diversas formas de

expressatildeo dos saberes cotidianos que traduzam os saberes infantis

Apesar de trazer ateacute entatildeo a discussatildeo do espaccedilo instituiacutedo por meio do

discurso autoritaacuterio (ldquoseria um processo assim de ‟tar discutindo falando expondo ter

a aceitaccedilatildeo da unidade da pedagoga e tudordquo) as professoras nos turnos que se

seguem comeccedilam a sinalizar para algumas possibilidades mostrando uma outra faceta

Sinalizam que buscam na contradiccedilatildeo reorganizar os lugares para as brincadeiras

infantis Isto fica claro no turno de Fabiana (29) ldquoE outra tem que ter o espaccedilo para

elas brincarem Entatildeo eu tenho que estar respeitando aquele espaccedilo todo de maneira

que fique organizado entendeu Entatildeo eu posso na hora das minhas atividades eu

viro mesa eu ponho para brincar no chatildeo que eacute mais faacutecilrdquo Ao iniciar sua enunciaccedilatildeo

com a expressatildeo ldquoe outrardquo indica que traraacute um outro elemento para a discussatildeo isso

ocorre por meio de uma explicaccedilatildeo ldquotem que ter o espaccedilo para elas (as crianccedilas)

brincaremrdquo Esta explicaccedilatildeo traz para a cena discursiva um importante sentido da

professora partilhado com o grupo sobre a relaccedilatildeo que estabeleceu entre a organizaccedilatildeo

do espaccedilo na creche e o desenvolvimento da brincadeira com as crianccedilas No entanto

apesar de compartilhar tal significado ainda mostra o peso da imposiccedilatildeo institucional

ldquoeu tenho que estar respeitando aquele espaccedilo todo de maneira que fique

organizadordquo

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 182

ILKA SCHAPPER SANTOS

Na continuidade do seu turno a educadora tece uma explicaccedilatildeo pautada no

argumento de exemplo para mostrar como dentro de um contexto de espaccedilo

padronizado rompe com o instituiacutedo ldquona hora das minhas atividades eu viro mesa

eu ponho para brincar no chatildeo que eacute mais faacutecilrdquo ldquoo espaccedilo do chatildeo eacute melhor do que

o das mesas para eles montarem os jogos e tudo na hora da pintura eu forro as

mesas todas eu junto as mesas para ficar um espaccedilo maiorrdquo Ao dizer ldquoviro as

mesasrdquo ldquoponho para brincar no chatildeordquo compartilha com todos os participantes seus

sentidos-significados sobre a necessidade de transformar os espaccedilos circunscritos das

creches Isso tambeacutem se apresenta quando discorre a partir do argumento de

comparaccedilatildeo ldquoo espaccedilo do chatildeo eacute melhor do que o das mesas para eles montarem os

jogos e tudordquo

Neste excerto foi possiacutevel perceber em um primeiro momento a reincidecircncia de

argumentos sobre a impossibilidade sinalizada pelas professoras de se (re)pensar a

organizaccedilatildeo dos espaccedilos das creches Nesse sentido haacute ainda uma circularidade

enunciativa em torno do discurso autoritaacuterio (Bakhtin 1983) Depois as professoras

comeccedilam a compartilhar um outro significado em que destacam que viram e juntam as

mesas fazem atividades no chatildeo mostrando que de algum modo reestruturam os

espaccedilos instituiacutedos Nesse momento pode-se perceber que foi importante o

questionamento da pesquisadora sobre como o espaccedilo poderia ser organizado Essa

marca da interaccedilatildeo propiciou que as professoras revisitassem seus sentidos-significados

sobre a temaacutetica proposta

Como aponta Magalhatildees (2004) e Liberali (2006) para colocar em praacutetica o

processo criacutetico-reflexivo (Smyth 1992) a presenccedila do pesquisador como formador eacute

imprescindiacutevel pois eacute por meio de suas intervenccedilotildees que se instaura um espaccedilo

colaborativo de modo que ocorram autoquestionamentos e a reflexatildeo criacutetica Segundo

Magalhatildees (2004) o papel do formador implica criar possibilidades de construccedilatildeo-

produccedilatildeo de significados com base na argumentaccedilatildeo e no questionamento

Na proacutexima seccedilatildeo seratildeo analisados os excertos do segundo cronotopo da Cadeia

Criativa referente a dois encontros do curso de extensatildeo que estavam interligados

ldquoEspaccedilo de Reflexatildeo Teoacuterico-Praacutetico em Contexto de Colaboraccedilatildeordquo (1) o terceiro

encontro ndash ldquoA Dimensatildeo Luacutedica na Crianccedila e na Crecherdquo e (2) o quarto encontro ndash ldquoA

Dimensatildeo Luacutedica no Espaccedilo-Ambiente da Creche reflexotildees sobre o brincarrdquo

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 183

ILKA SCHAPPER SANTOS

42 ndash 2ordm Cronotopo da Cadeia Criativa ndash Curso de Extensatildeo

O curso de extensatildeo com as 23 coordenadoras das creches puacuteblicas municipais

como explicitado no terceiro capiacutetulo desta tese foi estruturado em 10 encontros com

os seguintes temas respectivamente (1) Oficina de Roda resgatando as memoacuterias (2)

Oficina O dia-a-dia na Creche (3) A Dimensatildeo Luacutedica na Crianccedila e na Creche (4) A

Dimensatildeo Luacutedica no Espaccedilo-Ambiente da Creche reflexotildees sobre o brincar (5)

Encontro ndash Conflitos na Infacircncia e a Rotina na Creche (6) ndash Estaacutetua Se Mexer Natildeo

Vale O Conhecimento do Movimento Corporal (7) A Sistematizaccedilatildeo de Propostas

Pedagoacutegicas nas Creches (8) Narrativas Orais e o Desenvolvimento da Imaginaccedilatildeo

Infantil (9) Vivecircncias Artiacutesticas pensando nos pequenos e (10) Espaccedilo de

ReflexatildeoAvaliaccedilatildeo

O curso foi planejado e ministrado pelas pesquisadoras do GP EFoPI com a

intenccedilatildeo de ampliar no movimento da Cadeia Criativa a interlocuccedilatildeo criacutetica de

colaboraccedilatildeo com os profissionais das creches municipais de Juiz de Fora ateacute entatildeo

tecidas com 4 educadoras de uma das instituiccedilotildees Isso porque na interlocuccedilatildeo com as

professoras chegou-se agrave conclusatildeo de que seria imprescindiacutevel abrir um espaccedilo para um

trabalho criacutetico-reflexivo com todas as coordenadoras das 23 creches puacuteblicas

municipais

Neste 2ordm cronotopo seratildeo analisados dois encontros do curso (1) o terceiro

encontro ldquoA Dimensatildeo Luacutedica na Crianccedila e na Crecherdquo e (2) o quarto encontro ldquoA

Dimensatildeo Luacutedica no Espaccedilo-Ambiente da Creche reflexotildees sobre o brincarrdquo Nesses

encontros foram discutidas as relaccedilotildees que podem se estabelecer entre o

desenvolvimento da imaginaccedilatildeo e a brincadeira elementos que satildeo objetos de estudo

desta investigaccedilatildeo

421 ndash Encontros do Curso de Extensatildeo Analisados ldquoA Dimensatildeo Luacutedica na

Crianccedila e na Crecherdquo e ldquoA Dimensatildeo Luacutedica no Espaccedilo-Ambiente da Creche

reflexotildees sobre o brincarrdquo ndash dias 05 e 12 de novembro de 2007

Para a anaacutelise deste cronotopo foram selecionados trecircs excertos dos dois

encontros do curso de extensatildeo mencionados anteriormente referentes agraves discussotildees

sobre a brincadeira nas creches com as 23 coordenadoras das creches municipais de

Juiz de Fora e duas pesquisadoras do GP EFoPI desenvolvido na Faculdade de

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 184

ILKA SCHAPPER SANTOS

Educaccedilatildeo na Universidade Federal de Juiz de Fora O objetivo dos encontros era

promover um espaccedilo criacutetico-reflexivo sobre o brincar no interior da educaccedilatildeo infantil

As pesquisadoras no primeiro encontro discutiram sobre a dimensatildeo luacutedica na

crianccedila e na creche destacando o brincar como processo Na introduccedilatildeo da temaacutetica

Leacutea pergunta agraves coordenadoras o que significava brincar para elas e imediatamente

tece o comentaacuterio de que essa era uma questatildeo de difiacutecil definiccedilatildeo Desse modo para

respaldar seu comentaacuterio traz para a cena discursiva o posicionamento de alguns

autores que atribuem diferentes significaccedilotildees aos jogos brinquedos e brincadeiras

destacando as contribuiccedilotildees da autora Kishimoto (1996) professora e pesquisadora da

Universidade de Satildeo Paulo que faz alusatildeo aos brinquedos e agraves brincadeiras em

diferentes contextos sociais

Depois as discussotildees ficam circunscritas a temas como (1) o brincar e a cultura

(2) brincar se aprende Para ilustrar o debate teoacuterico-praacutetico acerca desses temas as

pesquisadoras trazem as imagens do livro ldquoQuando as crianccedilas dizem agora chegardquo em

que Tonucci (2003) por meio de charges mostra por exemplo como as crianccedilas satildeo

vistas de cima para baixo

No segundo encontro continuam as discussotildees sobre a dimensatildeo luacutedica mas

agora inscrita no espaccedilo-ambiente da creche As pesquisadoras apresentam os pilares

da perspectiva soacutecio-histoacuterico-cultural em especial as categorias teoacutericas que podem

auxiliar na compreensatildeo do brincar como processo e como atividade cultural Assim

destacam as funccedilotildees psicoloacutegicas o funcionamento psicoloacutegico fundado nas relaccedilotildees

sociais a mediaccedilatildeo simboacutelica zona proximal de desenvolvimento Nesse entremeio

reforccedilam a ideia de que brincar se aprende A partir disso enfatizam as contribuiccedilotildees

teoacutericas de Vygotsky e seus colaboradores para a compreensatildeo da brincadeira de faz de

conta e os diferentes significados que a crianccedila atribui aos objetos no movimento do

brincar

Como o leitor poderaacute perceber esse cronotopo estaacute recheado de incursotildees

teoacutericas e traz os significados do brincar do GP EFoPI fato que natildeo ocorreu no elo

anterior da Cadeia Criativa Assim os argumentos das pesquisadoras estatildeo respaldados

tambeacutem em construtos teoacutericos que medeiam a interlocuccedilatildeo

No excerto a seguir a pesquisadora Leacutea discute junto com as coordenadoras a

dificuldade em se definir o brincar Depois promove um debate sobre a brincadeira

livre e a brincadeira dirigida Para isso estrutura seu campo argumentativo

prioritariamente no argumento baseado em citaccedilotildees

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 185

ILKA SCHAPPER SANTOS

1ordm excerto

(1) Leacutea Vamos falar hoje das questotildees sobre o brincar Entatildeo como vocecircs viram no

proacuteprio folder (do curso de extensatildeo) a gente vai ‟tar falando da questatildeo do brincar

hoje e na proacutexima segunda-feira continuaremos essas questotildees que se referem ao

brincar Eu achei interessante que uma pessoa que trabalha aqui na Prefeitura ela

entrou e disse assim - Leacutea a gente fala muito no brincar mas eacute difiacutecil a gente saber

como pratica isso neacute Entatildeo eu disse assim pra ela - Olha isso eacute realmente um

desafio eu ‟tou aqui hoje conversando com o pessoal o pessoal que trabalha nas

creches que estaacute muito pertinho das crianccedilas de zero a trecircs anos Noacutes vamos estar com

esse curso aqui ele tem o nome de ldquoReflexatildeo teoacuterico-praacuteticardquo noacutes estamos fazendo

aqui uma troca Realmente eacute uma troca eacute uma discussatildeo como eacute que eacute o que natildeo eacute eu

penso que assim bdquotaacute trazendo o estudo dos teoacutericos as ideias que eles trouxeram pra

noacutes o que isso tem a ver com a nossa realidade com o nosso tempo de hoje Certo

Tem um livro do Tonucci que chama ldquoCom os olhos da crianccedilardquo ele eacute todo de

caricaturas Entatildeo ele traz essas caricaturas que eu acho muito interessante Entatildeo o

que acontece O adulto ali dizendo ldquome ensina a brincar que eu natildeo me lembro maisrdquo

Isso eacute uma coisa assim bastante interessante pra gente estar refletindo aqui eacute porque se

vocecirc for brincar com a crianccedila vocecirc precisa se despir ou da sua categoria vamos

dizer assim de adulto e vocecirc realmente se colocar na categoria de crianccedila vamos dizer

assim porque se vocecirc natildeo faz isso realmente a coisa natildeo funciona e a gente pode

perceber muito isso quando agraves vezes a crianccedila estaacute laacute brincando numa boa e tal e vocecirc

chega vocecirc quer interferir A primeira coisa que vocecirc fala eacute ldquode que vocecirc estaacute

brincandordquo Ou entatildeo vocecirc pergunta ldquode que cor eacute issordquo ldquode que forma eacute aquilordquo

Quer dizer entatildeo vocecirc jaacute puxa para alguma questatildeo eacute eacute de conceitos

(sistematizados) alguma questatildeo que vocecirc tenha que estar ensinando Quer dizer

entatildeo se vocecirc realmente natildeo se coloca no lugar de crianccedila fica difiacutecil o brincar

realmente acontecer Entatildeo aiacute eu pergunto pra vocecircs afinal de contas o quecirc que eacute

brincar hein Bem rapidinho (vocecircs) vatildeo tentar definir em uma palavra o quecirc que eacute

brincar pra cada uma de vocecircs

(2) Coordenadora que a cacircmera natildeo focaliza Fazer o que quiser

(3) Coordenadora que a cacircmera natildeo focaliza Imaginar

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 186

ILKA SCHAPPER SANTOS

(4) Leacutea Imaginar Mais o quecirc

(5) Coordenadora que a cacircmera natildeo focaliza Concentraccedilatildeo

(6) Leacutea Concentraccedilatildeo

(7) Diva Desenvolvimento

(8) Leacutea Desenvolvimento Mais o quecirc O que eacute o brincar

(9) Coordenadora que a cacircmera natildeo focaliza Maacutegica

(10) Leacutea Maacutegica Que mais eacute o brincar

(11) Coordenadora que a cacircmera natildeo focaliza Fazer de conta

(12) Leacutea Fazer de conta Que mais eacute brincar (Faz gesto com as matildeos pedindo mais

opiniotildees) Que mais Difiacutecil neacute Se a gente pensar que tem que escrever uma definiccedilatildeo

para o brincar a gente jaacute vai tendo uma certa dificuldade A professora Tizuco eu acho

que muitas de vocecircs jaacute devem ter lido ou conhecido os livros dela Ela fala que o

brincar ele eacute muito difiacutecil de definir porque ele eacute uma coisa muito contraditoacuteria Entatildeo

ela vem dizendo que o brincar ele eacute visto ora como uma accedilatildeo livre ora eacute uma atividade

supervisionada pelo adulto E aiacute ela ateacute vai mais longe e vai dizendo que muitas

vezes na escola o quecirc que vocecirc faz Por exemplo - Vamos brincar E aiacute o adulto diz

- Vamos agora brincar eacute de casinha Isso eacute supervisionado ou tambeacutem - Agora noacutes

vamos brincar disso ou vocecirc faz a sugestatildeo todas as crianccedilas ou todas as pessoas que

estatildeo ali tecircm que brincar da mesma coisa entatildeo ela acaba sendo uma atividade dirigida

No iniacutecio do turno (1) Leacutea explica ao grupo de coordenadoras que vai no curso

de extensatildeo discutir as questotildees referentes ao brincar Eacute interessante notar que para

dizer da dificuldade da temaacutetica a pesquisadora narra uma conversa que teve com uma

profissional da prefeitura referecircncia na aacuterea de educaccedilatildeo infantil no municiacutepio de Juiz

de Fora Com isso a pesquisadora faz uso de um argumento de autoridade para

defender a tese sobre a dificuldade de se trabalhar (praticar) o brincar na educaccedilatildeo

infantil ela (a profissional) entrou e disse assim - Leacutea a gente fala muito no brincar

mas eacute difiacutecil a gente saber como pratica isso As escolhas lexicais da pesquisadora na

narrativa por meio do pronome pessoal da terceira pessoa do singular ldquoelardquo mostram a

necessidade de pautar sua enunciaccedilatildeo no discurso citado para buscar a adesatildeo do

auditoacuterio Haacute ainda no discurso citado uma questatildeo controversa importante ldquoa gente

fala muito no brincar mas eacute difiacutecil a gente saber como pratica issordquo As marcas

linguiacutesticas que sinalizam a controversa satildeo (1) a reincidecircncia do sintagma nominal ldquoa

genterdquo (no lugar do pronome de primeira pessoal do plural ldquonoacutesrdquo) e o operador

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 187

ILKA SCHAPPER SANTOS

argumentativo ldquomasrdquo que contrapotildee elementos anteriores levando a uma conclusatildeo

contraacuteria Depois a pesquisadora diz ldquoEntatildeo eu disse assim pra ela - Olha isso eacute

realmente um desafiordquo A utilizaccedilatildeo do operador argumentativo ldquoentatildeordquo pressupotildee a

conclusatildeo que Leacutea daraacute agrave enunciaccedilatildeo anterior que se materializa no uso do decircitico

espacial ldquoissordquo Implicitamente esse movimento discursivo inicial sinaliza a

preocupaccedilatildeo da pesquisadora em desvelar as possiacuteveis dificuldades da temaacutetica a ser

tratada no curso e procura de alguma maneira implicar o grupo nesse desafio

A continuidade do turno funda-se em um discurso interativo cujos

interlocutores satildeo envolvidos pela pesquisadora nas suas escolhas lexicais Nessa

relaccedilatildeo a decircixis referencial permite a localizaccedilatildeo o momento e a identificaccedilatildeo das

pessoas ldquoNoacutes vamos estar com esse curso aqui ele tem o nome de ldquoReflexatildeo teoacuterico-

praacuteticardquo noacutes estamos fazendo aqui uma troca Realmente eacute uma troca eacute uma

discussatildeo como eacute que eacute o que natildeo eacute eu penso que assim ‟taacute trazendo o estudo dos

teoacutericos as ideias que eles trouxeram pra noacutes o que isso tem a ver com a nossa

realidade com o nosso tempo de hoje Certordquo Essa interaccedilatildeo ainda que esteja

calcada no interior do movimento discursivo da pesquisa promove um espaccedilo de

colaboraccedilatildeo pois todos acabam sendo implicados nas accedilotildees que seratildeo desenvolvidas

Refletindo sobre o movimento linguiacutestico-discursivo a pesquisadora vale-se do

pronome de primeira pessoal do plural para interagir com o auditoacuterio Esse recurso de

escolha da 1ordf pessoa do discurso gera um espaccedilo de confianccedila compromisso e respeito

que deve existir em um trabalho colaborativo Esse comprometimento destaca tambeacutem

de maneira impliacutecita outros aspectos do trabalho colaborativo entre eles a necessidade

de se estabelecerem objetivos comuns e uma relaccedilatildeo de interdependecircncia pois eacute nessa

relaccedilatildeo que os participantes podem desenvolver a ldquoresponsividaderdquo (Sobral 2005 p

20) em processo de trabalho coletivo

Depois de buscar envolver colaborativamente o grupo de coordenadoras das

creches Leacutea mostra o seguinte slide

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 188

ILKA SCHAPPER SANTOS

(Tonucci 2003)

Assim a partir de um argumento de citaccedilatildeo pautado em argumento de

autoridade e de fonte explica ldquotem um livro do Tonucci que chama ldquoCom os olhos da

crianccedilardquo ele eacute todo de caricaturas Entatildeo ele traz essas caricaturas que eu acho

muito interessanterdquo Ao concluir com o operador argumentativo ldquoentatildeordquo e continuar

dizendo ldquoele traz essas caricaturas que eu acho muito interessanterdquo a pesquisadora

compartilha da crenccedila do autor e obra citados de que eacute importante que o adulto se dispa

da sua categoria de adulto e se coloque na categoria de crianccedila Isso se explicita na

continuidade de seu turno ldquoEntatildeo o que acontece O adulto ali dizendo bdquome ensina a

brincar que eu natildeo me lembro mais‟ Isso eacute uma coisa assim bastante interessante

pra gente estar refletindo aqui eacute porque se vocecirc for brincar com a crianccedila vocecirc

precisa se despir da sua categoria vamos dizer assim de adulto e vocecirc realmente se

colocar na categoria de crianccedila ()rdquo O uso do decircitico ldquoissordquo acompanhado do

adjunto intensificador ldquobastanterdquo sinaliza a crenccedila da pesquisadora da necessidade de

se compreender o brincar sob a oacutetica da crianccedila

Depois de tecer explicaccedilotildees sobre a relevacircncia de compreendermos a brincadeira

sob a oacutetica da crianccedila por meio do argumento de citaccedilatildeo (referenciado em uma fonte)

Leacutea continua sua argumentaccedilatildeo a partir de argumentos de exemplos ldquoporque se vocecirc

natildeo faz isso realmente a coisa natildeo funciona e a gente pode perceber muito isso

quando agraves vezes a crianccedila estaacute laacute brincando numa boa e tal e vocecirc chega vocecirc quer

interferir A primeira coisa que vocecirc fala eacute bdquode que vocecirc estaacute brincando‟ Ou entatildeo

vocecirc pergunta bdquode que cor eacute isso‟ bdquode que forma eacute aquilo‟rdquo A pesquisadora usa o

argumento de exemplo para chegar a uma conclusatildeo Quer dizer entatildeo vocecirc jaacute puxa

para alguma questatildeo eacute eacute de conceitos (sistematizados) alguma questatildeo que vocecirc

tenha que estar ensinando Nesse momento Leacutea compartilha com o grupo de

coordenadoras um importante significado que tem sobre o lugar que o brincar ocupa na

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 189

ILKA SCHAPPER SANTOS

educaccedilatildeo infantil preacute-texto para ensinar conceitos sistematizados Em seguida a

pesquisadora conclui o seu turno com um questionamento ldquoEntatildeo aiacute eu pergunto pra

vocecircs afinal de contas o quecirc que eacute brincar hein Bem rapidinho (vocecircs) vatildeo tentar

definir em uma palavra o quecirc que eacute brincar pra cada uma de vocecircsrdquo

Feito isso a pesquisadora a partir da marca de interaccedilatildeo questionamento indaga

ldquoEntatildeo aiacute eu pergunto para vocecircs afinal de contas o quecirc que eacute brincar (vocecircs) vatildeo

tentar definir em uma palavra o quecirc que eacute brincar pra cada uma de vocecircsrdquo Eacute

interessante notar que esse questionamento veio depois de a pesquisadora compartilhar

significados circunscritos a como o brincar eacute visto pelo adulto como estaacute relacionado agrave

aquisiccedilatildeo de conhecimentos Assim sua pergunta traz em si pontos que satildeo geradores

de respostas Na verdade a oradora primeiro procura compartilhar seus significados e

com a questatildeo busca criar um espaccedilo para que os significados das coordenadoras sobre

o assunto sejam tambeacutem explicitados No entanto o modo como tece a instruccedilatildeo

ldquoBem rapidinho (vocecircs) vatildeo tentar definir em uma palavra o quecirc que eacute brincar pra

cada uma de vocecircsrdquo acaba por restringir o compartilhamento de significados

Discursivamente isso fica expresso nos enunciados ldquobem rapidinhordquo e ldquodefinir em

uma palavrardquo como podemos perceber nos turnos seguintes das coordenadoras (2)

ldquofazer o que quiserrdquo (3) ldquoimaginarrdquo (5) ldquoconcentraccedilatildeordquo (7) ldquodesenvolvimentordquo (9)

ldquomaacutegicardquo (11) ldquofazer de contardquo Assim observamos que nos enunciados das

participantes natildeo fica claro em quais elementos seus significados sobre o brincar estatildeo

fundados pois elas seguiram a instruccedilatildeo da pesquisadora ndash que elas fizessem isso ldquobem

rapidinhordquo e ldquoem uma palavrardquo (ou em uma expressatildeo) ndash exigindo uma resposta

objetiva do grupo Essa instruccedilatildeo inviabilizou que as participantes compartilhassem

com o grupo um significado mais amplo e detalhado sobre o brincar

Como vimos os recursos argumentativos que a pesquisadora lanccedila matildeo em seu

turno (1) promovem pouco espaccedilo para a discussatildeo e expansatildeo da reflexatildeo e por

conseguinte para a produccedilatildeo do conhecimento sobre o brincar pois a oradora apresenta

uma ideia jaacute concluiacuteda O movimento enunciativo se funda em significados

compartilhados com o grupo por meio de um discurso autoritaacuterio (Bakhtin 1983) uma

vez que buscou o reconhecimento e a assimilaccedilatildeo do que foi verbalizado O foco da

discussatildeo para Leacutea era que as coordenadoras precisariam compreender (1) que

trabalhar o brincar na educaccedilatildeo infantil natildeo eacute tarefa faacutecil e (2) a necessidade de

trabalhar o brincar sob a oacutetica das crianccedilas

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 190

ILKA SCHAPPER SANTOS

No uacuteltimo turno do excerto Leacutea (12) usa as marcas de interaccedilatildeo recolocaccedilatildeo de

problema e questionamento ldquoQue mais eacute brincar (Faz gesto com as matildeos pedindo

mais opiniotildees) Que maisrdquo Na verdade a pesquisadora aparentemente retoma o

questionamento para o grupo pois a questatildeo funciona mais como recurso discursivo

para continuar a defender a sua tese de que eacute difiacutecil definir o brincar ldquose a gente pensar

que tem que escrever uma definiccedilatildeo para o brincar a gente jaacute vai tendo uma certa

dificuldaderdquo Ao retomar sua tese a pesquisadora natildeo utiliza pronomes de primeira

pessoa do singular mas usa reincidentemente o sintagma ldquoa genterdquo no lugar do

pronome de primeira pessoa do plural procurando envolver o grupo e reafirmar sua

explicaccedilatildeo aproximando assim os participantes para quem fala daquilo que busca

defender Aleacutem disso mostra o tipo de relaccedilatildeo que deseja imprimir no fluxo de sua

interaccedilatildeo verbal

Na continuidade do turno a pesquisadora continua a interlocuccedilatildeo fazendo um

questionamento ldquoPor que isso acontecerdquo A questatildeo tem a finalidade de introduzir a

explicaccedilatildeo sobre os elementos que geram a dificuldade em se definir o brincar Desse

modo a pesquisadora no entremeio de seu discurso usa argumento de autoridade e

argumento de exemplo para tecer sua explicaccedilatildeo ldquoA professora Tizuco eu acho que

muitas de vocecircs jaacute devem ter lido ou conhecido os livros dela Ela fala que o brincar

ele eacute muito difiacutecil de definir porque ele eacute uma coisa muito contraditoacuteria Entatildeo ela

vem dizendo que o brincar ele eacute visto ora como uma accedilatildeo livre ora eacute uma atividade

supervisionada pelo adulto E aiacute ela ateacute vai mais longe e vai dizendo que muitas

vezes na escola o quecirc que vocecirc faz Por exemplo - Vamos brincar E aiacute o adulto diz

- Vamos agora brincar eacute de casinha Isso eacute supervisionado ou tambeacutem - Agora

noacutes vamos brincar disso ou vocecirc faz a sugestatildeo todas as crianccedilas ou todas as pessoas

que estatildeo ali tecircm que brincar da mesma coisa entatildeo ela acaba sendo uma atividade

dirigidardquo Esses recursos argumentativos possibilitam agrave pesquisadora respaldar seu

ponto de vista sobre a questatildeo levantada a partir do discurso de outrem Na visatildeo

bakhtiniana um discurso se constroacutei por meio de outros discursos se dirigindo para

outros mantendo com eles uma interaccedilatildeo viva e tensa (Bakhtin 1983) Ao trazer para a

cena enunciativa outras vozes que vatildeo ao encontro de seu ponto de vista Leacutea promove

um espaccedilo de ampliaccedilatildeo de significados sobre o brincar livre e o brincar dirigido

criando uma zona de colaboraccedilatildeo (Magalhatildees 2009) no interior do debate

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 191

ILKA SCHAPPER SANTOS

Na sequecircncia a pesquisadora levanta questionamentos sobre o brincar livre e o

brincar dirigido levantando questotildees sobre os motivos que levam os educadores de um

modo geral a abdicarem de uma situaccedilatildeo livre em funccedilatildeo do brincar dirigido

2ordm excerto

(13) Leacutea Muitas vezes a gente acredita em algumas situaccedilotildees de brincar livre em

funccedilatildeo de outra atividade dirigida por que hein gente Por que a gente abdica de uma

situaccedilatildeo livre de fazer uma sugestatildeo numa hora em que pode escolher aquilo que e

acaba fazendo uma opccedilatildeo por alguma coisa dirigida por alguma tarefa Por que a

gente faz isso

(14) Coordenadora que a cacircmera natildeo focaliza Vocecirc tem maior controle

(15) Leacutea Isso pode ser tambeacutem Vocecirc tem maior controle Mas por que mais gente

(16) Gabriela Teme a desorganizaccedilatildeo

(17) Leacutea Teme a desorganizaccedilatildeo Tambeacutem pode ser a questatildeo da disciplina e pensa -

sei laacute o que a diretora vai falar se ela passar aqui na porta da minha sala que a faxineira

vai dizer vai pegar no meu peacute depois porque eu tirei as mesas do lugar e deixei

encostadas

(18) Diva Eacute pelo compromisso tambeacutem que a gente tem de cumprir as tarefas

pedagoacutegicas

(19) Leacutea O compromisso de cumprir as tarefas pedagoacutegicas

(20) Isabela A preocupaccedilatildeo de vencer o conteuacutedo que agraves vezes eacute mais importante isso

do que o brincar

(21) Algumas coordenadoras trabalha com os conteuacutedos de 1ordf agrave 4ordf

(22) Joana Quando vocecirc (Leacutea) colocou ali a opiniatildeo a fala ali daquela autora do

brincar livre e do brincar dirigido Entatildeo a gente divide muito esse tempo no luacutedico na

fantasia nesse estiacutemulo a essas brincadeiras com as oficinas de contar histoacuterias deles

mesmos traduzir a histoacuteria deles Eu acho assim que a proposta pedagoacutegica que hoje a

gente estaacute trabalhando com ela eacute muito com o brincar Mas muitas vezes a professora

a recreadora ela mesmo tem a tendecircncia em querer dar atividade dirigida o

trabalhinho na folha como forma dela mostrar dela garantir para ela mesma - eu estou

trabalhando

(23) Leacutea Eu concordo com vocecirc seria uma forma talvez de garantir que aquela

crianccedila aprendeu ela sabe as cores ela sabe sei laacute as formas

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 192

ILKA SCHAPPER SANTOS

A pesquisadora inicia seu turno (13) dizendo ldquoMuitas vezes a gente acredita

em algumas situaccedilotildees de brincar livre em funccedilatildeo de outra atividade dirigida Por que

hein genterdquo Leacutea no seu enunciado retoma implicitamente o argumento de

autoridade expresso na explicaccedilatildeo da professora Tizuko sobre o brincar livre e a

atividade dirigida O fato de retomar o enunciado do outro tem o objetivo de mostrar a

importacircncia de se refletir sobre o tema Logo em seguida a pesquisadora faz um

questionamento por meio da pergunta ldquoPor que hein genterdquo a fim de recolocar um

ponto relevante que havia sido discutido anteriormente Assim faz uso da marca de

interaccedilatildeo questionamento ldquoPor que a gente abdica de uma situaccedilatildeo livre de fazer

uma sugestatildeo numa hora em que pode escolher aquilo e acaba fazendo uma opccedilatildeo

por alguma coisa dirigida por alguma tarefardquo demarcada linguisticamente a partir do

operador argumentativo ldquopor querdquo

Depois da explicaccedilatildeo a pesquisadora retoma o questionamento indagando

ldquoPor que a gente faz issordquo Esse movimento de levantamento de questotildees contribui

como aponta Magalhatildees (2009) para a discussatildeo de sentidos-significados rotinizados

bem como de produccedilatildeo conjunta de novos significados entre coordenadoras e

pesquisadoras Esse movimento argumentativo da pesquisadora promove um espaccedilo de

socializaccedilatildeo de motivos que levam os profissionais da creche a priorizarem o brincar a

partir de atividades dirigidas Podemos perceber isso nas explicaccedilotildees que as

coordenadoras datildeo em seus turnos (14) ldquovocecirc tem maior controlerdquo (16) ldquoteme a

desorganizaccedilatildeordquo (18) ldquoeacute pelo compromisso tambeacutem que a gente tem de cumprir as

tarefas pedagoacutegicasrdquo (20) ldquoa preocupaccedilatildeo de vencer o conteuacutedo que agraves vezes eacute mais

importante isso do que o brincarrdquo e (21) ldquotrabalha com os conteuacutedos de 1ordf agrave 4ordfrdquo

Dizer que muitas vezes os profissionais das creches priorizam o brincar dirigido por

conta do controle falar do temor agrave desorganizaccedilatildeo da necessidade de cumprir as tarefas

pedagoacutegicas da preocupaccedilatildeo em vencer o conteuacutedo e trabalhar com os conteuacutedos das

primeiras seacuteries do ensino fundamental revelam significados compartilhados em outros

espaccedilos e nesse espaccedilo particular do curso criam uma instacircncia nova em que esses

significados ganham outros contornos

Em seu turno (22) a coordenadora Joana usa de argumento de autoridade para

expor seu ponto de vista sobre a questatildeo tratada ldquoquando vocecirc (Leacutea) colocou ali a

opiniatildeo a fala ali daquela autora do brincar livre e do brincar dirigidordquo Esse

movimento argumentativo daacute respaldo de antematildeo ao que a participante vai dizer Joana

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 193

ILKA SCHAPPER SANTOS

utiliza o operador argumentativo ldquoentatildeordquo que prepara o interlocutor para a conclusatildeo

que teceraacute ao enunciado anterior ldquoEntatildeo a gente divide muito esse tempo no luacutedico

na fantasia nesse estiacutemulo a essas brincadeiras com as oficinas de contar histoacuterias

deles mesmo traduzir a histoacuteria delesrdquo Aleacutem disso usa o sintagma nominal ldquoa genterdquo

para sinalizar que todo o grupo da coordenaccedilatildeo jaacute faz esse trabalho Faz uso ainda do

argumento de exemplo para ilustrar quais atividades realizam a partir da brincadeira

livre ldquocom as oficinas de contar histoacuterias deles mesmos traduzir a histoacuteria delesrdquo

A coordenadora continua a interlocuccedilatildeo por meio do operador argumentativo

ldquomasrdquo mostrando que vai discorrer para uma conclusatildeo contraacuteria ao que vinha dizendo

ldquoMas muitas vezes a professora a recreadora ela mesmo tem a tendecircncia em querer

dar atividade dirigida o trabalhinho na folha como forma dela mostrar dela

garantir para ela mesma - eu estou trabalhandordquo Essa conclusatildeo contraacuteria ao que

havia sido dito anteriormente pela coordenadora recupera a voz das professoras que tecircm

uma tendecircncia a dar atividade dirigida fato sintetizado no exemplo ldquoo trabalhinho na

folhardquo Por fim conclui seu turno ldquocomo forma dela mostrar dela garantir para ela

mesma - eu estou trabalhandordquo Nesse momento a coordenadora compartilha com o

grupo um importante significado da atividade dirigida e o brincar livre por meio do

discurso citado (da professora) ldquo- eu estou trabalhandordquo Assim a coordenadora na

voz da professora sinaliza para a ldquovelhardquo dicotomia entre a atividade dirigida e a

brincadeira livre Aquela se pauta em um trabalho efetivo da professora possibilitando

mostrar a concretude de suas accedilotildees com as crianccedilas que natildeo seria possiacutevel com o

brincar

A pesquisadora retoma o turno (23) e chega a um acordo em relaccedilatildeo ao que a

coordenadora havia dito ldquoEu concordo com vocecirc seria uma forma talvez de garantir

que aquela crianccedila aprendeu ela sabe as cores ela sabe sei laacute as formasrdquo Nesse

momento ambas revelam seus sentidos compartilhados em outros espaccedilos que ganham

novos contornos na discussatildeo Esse movimento propicia o compartilhamento de

significados sustentados pelos recursos argumentativos da enunciaccedilatildeo no caso da

pesquisadora seu discurso estaacute pautado prioritariamente no argumento de autoridade e

o da coordenadora fundado em argumentos de exemplo fundados na citaccedilatildeo Os

recursos argumentativos utilizados sinalizam para um embate de vozes que culmina em

um acordo Segundo Bakhtin (1983 p 139) ldquoqualquer conversa eacute repleta de

transmissotildees e interpretaccedilotildees das palavras dos outrosrdquo Isso implica pensar que nossa

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 194

ILKA SCHAPPER SANTOS

enunciaccedilatildeo apresenta citaccedilotildees ou referecircncia agravequilo que uma determinada pessoa disse

sobre um dado assunto Na visatildeo bakhtiniana em um diaacutelogo metade de todas as

palavras proacuteprias satildeo objetos de transmissatildeo de outra pessoa

No excerto acima vimos a produccedilatildeo de significados compartilhados por meio da

colaboraccedilatildeo Segundo Magalhatildees (2009) colaborar implica tensotildees e contradiccedilotildees que

trazem conflitos A pesquisadora aqui natildeo hesitou em utilizar questionamentos que

promovessem o levantamento de duacutevida e de polecircmica elementos fundamentais para a

reflexatildeo criacutetica e o aprofundamento de questotildees problemaacuteticas em foco que

propiciaram a expansatildeo da discussatildeo por meio de uma zona de conflito e tensotildees

chegando a um acordo e promovendo a produccedilatildeo-construccedilatildeo do conhecimento para

todo o grupo

No proacuteximo excerto as pesquisadoras Leacutea e Viviam tecem explicaccedilotildees teoacutericas

sobre a importacircncia do brincar no desenvolvimento infantil Depois as pesquisadoras

fazem questionamentos buscando relacionar os construtos teoacutericos e as accedilotildees das

coordenadoras em relaccedilatildeo agrave temaacutetica

3ordm Excerto

(24) Leacutea Eu acho que vocecircs podem estar colocando essas questotildees que a gente trouxe

hoje Como que vocecircs veem isso relacionando com a creche de vocecircs Vocecircs

poderiam estar pensando na forma de estar mudando alguma coisa Natildeo que aqui a

gente esteja dizendo que a sua posiccedilatildeo seja errada natildeo eacute nesse sentido eacute naquele

sentido que a gente procurou aqui na fala desse encontro como a crianccedila ao brincar

ela daacute saltos qualitativos no proacuteprio desenvolvimento E como eu acho que noacutes adultos

fazemos isso diariamente agrave medida que noacutes interagimos e dialogamos com os outros

porque aqui noacutes estamos dialogando com essas coisas que vocecircs tecircm falado noacutes temos

tido grandes contribuiccedilotildees nessa troca Eu acho que a gente pode sair daqui dizendo

que valeu a pena eu natildeo tinha pensado nisso eu posso estar pensando nisso de outra

forma Agraves vezes vocecirc olha um viacutedeo com a sensaccedilatildeo de que natildeo eacute creche puacuteblica aiacute

pensa - ah natildeo daacute para fazer ndash Ah porque o espaccedilo que eu tenho eacute pequeno Entatildeo a

minha questatildeo para vocecircs agora que a gente estaacute encerrando eacute que cada uma pensasse

na sua creche do tamanho que for com os recursos que tem o que jaacute faz e o que

poderia acrescentar a partir das nossas conversas a partir dessas questotildees que a Viviam

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 195

ILKA SCHAPPER SANTOS

trouxe e como bateu para cada uma Eu acho que essas questotildees tecircm que ser colocadas

exatamente para que a gente possa estar reelaborando porque conforme a Viviam

colocou ali no conceito do Vygotsky num primeiro momento da aprendizagem ela

acontece na minha troca com o outro somente depois dessa troca que eu reelaboro que

eu discuto eacute que eu internalizo Quando eu digo que internalizo eacute o que ficou comigo

natildeo entrou aqui e saiu aqui (Leacutea faz gestos apontando para os ouvidos) Natildeo eacute soacute mais

um curso e natildeo eacute realmente esse o nosso objetivo o nosso objetivo eacute de troca de

colaboraccedilatildeo o quecirc que daacute para fazer a partir do que eu tenho o que isso aiacute me

despertou o quecirc que eu jaacute relacionei com o que eu tenho que posso ateacute estar

contribuindo chegando laacute (na creche) mudando seraacute que a gente tem que ter a mesma

organizaccedilatildeo nas salas sempre Eu posso mudar um pouquinho Posso mudar aquela

rotina Como eu posso estar fazendo isso Entatildeo eu acho que seria importante que

cada pessoa pudesse colocar pode ter certeza de que vocecircs tecircm grandes contribuiccedilotildees

E quando eu natildeo falo agraves vezes eu deixo de colaborar com o meu colega Porque agraves

vezes eu natildeo me coloco

(25) Marina Eu acho que a visatildeo que a gente hoje na creche tem desse faz de conta eacute

bem diferente do que foi apresentado aqui Natildeo no sentido da crianccedila e do faz de conta

mas o proacuteprio espaccedilo fiacutesico Eu acho que as nossas meninas por exemplo elas datildeo

muito mais ecircnfase agrave questatildeo pedagoacutegica mesmo por exemplo ainda do papel do

trabalhinho elas natildeo acompanham as crianccedilas no faz de conta igual aparece aqui natildeo

elas natildeo tecircm essa visatildeo Porque eacute tudo muito corrido eu acho assim que a importacircncia

que elas datildeo ao pedagoacutegico ao fazer eacute muito maior que esse momento tatildeo legal que a

gente viu aqui e que a gente natildeo faz natildeo faz

(26) Leacutea Isso que vocecirc viu aqui vocecirc acha que natildeo eacute pedagoacutegico

(27) Marina Natildeo natildeo que natildeo seja o pedagoacutegico Mas assim a gente trabalhando

essas questotildees da forma como foi discutida

(28) Isabela de uma forma mais luacutedica

(29) Joana Eu acho que isso eacute o que precisa na creche esse outro olhar que vocecircs

colocaram aqui para o brincar para o faz de conta Natildeo tem um quadro com cartaz do

tempo quantos somos que dia eacute hoje nada disso E isso a gente faz todo dia A crianccedila

pode vivenciar esses conhecimentos a partir da brincadeira por exemplo vendo como

‟taacute o dia laacute fora brincando mesmo

(30) Isabela Eu acho que o que a gente estaacute oferecendo natildeo eacute o melhor natildeo eacute o legal

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 196

ILKA SCHAPPER SANTOS

entendeu Natildeo que a gente faccedila errado eu acho que estaacute na hora de repensar sim para

a gente poder trabalhar o brincar desse modo que vocecircs ‟tatildeo dizendo

No excerto acima a pesquisadora inicia seu turno (24) com a marca de interaccedilatildeo

instruccedilatildeo e para isso entremeia sua fala com outra marca o questionamento ldquoeu acho

que vocecircs podem estar colocando essas questotildees que a gente trouxe hoje Como que

vocecircs veem isso relacionando com a creche de vocecircsrdquo A instruccedilatildeo e o

questionamento satildeo usados como recursos discursivos para que as coordenadoras

reflitam sobre as possiacuteveis contribuiccedilotildees das discussotildees tecidas no encontro para o

trabalho nas creches Linguisticamente isso fica demarcado quando Leacutea faz uso do

pronome ldquoissordquo o qual se refere agraves questotildees propostas aliado ao decircitico temporal

ldquohojerdquo referindo-se ao periacuteodo em que elas ocorreram

No turno a pesquisadora continua discursivamente usando a marca de interaccedilatildeo

instruccedilatildeo de forma bastante modalizada ldquopoderiam pensando mudando alguma

coisardquo Desse modo busca promover a construccedilatildeo de um novo percurso para o tema

tratado que poderia subsidiar elementos para as coordenadoras reconstruiacuterem suas

percepccedilotildees e accedilotildees diante do que foi apresentado Para ilustrar suas colocaccedilotildees a

pesquisadora usa um argumento teoacuterico ldquoeacute naquele sentido que a gente procurou aqui

na fala desse encontro como a crianccedila ao brincar ela daacute saltos qualitativos no

proacuteprio desenvolvimentordquo as marcas linguiacutesticas que sinalizam satildeo o decirciticos espacial

ldquoaquirdquo demarcando o lugar fiacutesico da interlocuccedilatildeo e o pronome ldquonaquelerdquo apontando

para o significado compartilhado do brincar como possibilidade de propiciar agrave crianccedila

ldquosaltos qualitativos no proacuteprio desenvolvimentordquo

Na continuidade de seu turno a pesquisadora utiliza argumento pragmaacutetico para

apreciar um ato ou acontecimento segundo suas consequecircncias presentes ou futuras

tendo importacircncia direta para a reflexatildeo esse fluxo argumentativo se funda tambeacutem

em um discurso internamente persuasivo (Bakhtin 1983 p 144) que pretende trazer as

diversas vozes envolvidas na interaccedilatildeo ldquoe como eu acho que noacutes adultos fazemos isso

diariamente agrave medida que noacutes interagimos e dialogamos com os outros porque aqui

noacutes estamos dialogando com essas coisas que vocecircs tecircm falado noacutes temos tido

grandes contribuiccedilotildees nessa troca Eu acho que a gente pode sair daqui dizendo que

- valeu a pena eu natildeo tinha pensado nisso eu posso estar pensando nisso de outra

formardquo O uso do argumento pragmaacutetico neste contexto indica que o papel do

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 197

ILKA SCHAPPER SANTOS

pesquisador-formador natildeo eacute apenas o de trocar informaccedilotildees e sintetizar compreensotildees

compartilhadas mas tambeacutem o de criar um espaccedilo de construccedilatildeo-produccedilatildeo do

conhecimento por meio de uma reflexatildeo criacutetica com base na argumentaccedilatildeo permitindo

que os participantes repensem sobre as questotildees tratadas e os impactos que elas tecircm no

seu trabalho na creche

No campo linguiacutestico o discurso internamente persuasivo se materializou nas

escolhas dos decirciticos pessoais utilizados pela pesquisadora em especial a reincidecircncia

do uso do pronome de primeira pessoa do plural ldquonoacutesrdquo sendo que nas duas primeiras

ocorrecircncias (ldquonoacutes adultosrdquo e ldquonoacutes interagimosrdquo) a pesquisadora se inclui e nas duas

seguintes estabelece uma diferenccedila entre pesquisadoras formadoras e educadoras em

formaccedilatildeo quando tambeacutem introduz a segunda pessoal do plural ldquovocecircsrdquo ldquonoacutes

[pesquisadoras-formadoras] estamos dialogando com essas coisas que vocecircs

[educadoras em formaccedilatildeo] tecircm falado noacutes [pesquisadoras-formadoras] temos tido

grandes contribuiccedilotildees nessa trocardquo Em seguida recorre ao pronome de primeira

pessoal do singular para se posicionar ldquoEu acho querdquo mas se inclui novamente nas

accedilotildees em colaboraccedilatildeo utilizando o sintagma nominal ldquoa genterdquo (no lugar do ldquonoacutesrdquo)

Depois completa com uma avaliaccedilatildeo geneacuterica ldquovaleu a penardquo jaacute introduzindo uma voz

social que tanto pode se referir agrave educadora como tambeacutem agrave pesquisadora materializada

pelo decircitico pessoal de primeira pessoa ldquoeurdquo no sentido expandido (ldquoeu natildeo tinha

pensado nisso eu posso estar pensando nisso de outra formardquo)

Prosseguindo o turno a pesquisadora vale-se das vozes sociais das

coordenadoras enunciadas em outros momentos da interlocuccedilatildeo para dizer da

resistecircncia delas em transformar os espaccedilos da sala de atividades em espaccedilos que

propiciem a brincadeira ldquoagraves vezes vocecirc olha um viacutedeo com a sensaccedilatildeo de que natildeo eacute

creche puacuteblica aiacute pensa - ah natildeo daacute para fazer ndash Ah porque o espaccedilo que eu tenho

eacute pequenordquo Ao introduzir em seu discurso as vozes do outro por meio do discurso

direto a pesquisadora busca estabelecer um sentido de aceitaccedilatildeo geral e reconhecimento

comprovado do conflito Wertsch (1991) explica que o contexto social determina que

vozes sejam privilegiadas em funccedilatildeo de serem mais apropriadas e mais eficazes Ao

(re)produzir um enunciado pautado na voz social dos proacuteprios participantes a

pesquisadora investe na crenccedila de que ela tem poder maior do que a sua proacutepria voz

representaria Assim faz uso da marca de interaccedilatildeo retomada de vozes anteriores para

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 198

ILKA SCHAPPER SANTOS

evitar que as coordenadoras usem os mesmos argumentos para dizer da inviabilidade de

transformar o contexto da sala de atividade no interior da creche

No momento seguinte a pesquisadora continua utilizando a marca de interaccedilatildeo

instruccedilatildeo para orientar sobre as reflexotildees que as coordenadoras deveratildeo tecer ldquoentatildeo a

minha questatildeo para vocecircs agora que a gente estaacute encerrando eacute que cada uma

pensasse na sua creche do tamanho que for com os recursos que tem o que jaacute faz e o

que poderia acrescentar a partir das nossas conversas a partir dessas questotildees que a

Viviam trouxe e como bateu para cada umardquo No interior da instruccedilatildeo Leacutea faz uso do

argumento de autoridade citando a pesquisadora do GP EFoPI Viviam Carvalho

referecircncia nas discussotildees teoacuterico-praacuteticas sobre o brincar para deixar claro em qual

perspectiva elas devem se apoiar no processo de reflexatildeo

A pesquisadora daacute seguimento ainda por meio do argumento de autoridade e

introduzindo um argumento teoacuterico para retomar conceituaccedilotildees anteriores que

poderiam subsidiar a reflexatildeo sobre o tema e criar um espaccedilo de ressignificaccedilatildeo de

significados ldquoEu acho que essas questotildees tecircm que ser colocadas exatamente para que

a gente possa estar reelaborando porque conforme a Viviam colocou ali no conceito

do Vygotsky num primeiro momento da aprendizagem ela acontece na minha troca

com o outro somente depois dessa troca que eu reelaboro que eu discuto eacute que eu

internalizordquo Como argumento de autoridade Leacutea cita novamente a pesquisadora

Viviam e o autor estudado Vygotsky para se referir ao processo de reelaboraccedilatildeo das

participantes Para reforccedilar a perspectiva que deve ser adotada aleacutem de autoridade a

pesquisadora traz no interior da enunciaccedilatildeo o argumento teoacuterico ldquonum primeiro

momento da aprendizagem ela acontece na minha troca com o outro somente depois

dessa troca que eu reelaboro que eu discuto eacute que eu internalizordquo Traz assim uma

importante discussatildeo vygotskyana que foi tecida com as coordenadoras no

desenvolvimento do curso o processo de internalizaccedilatildeo que segundo o autor

possibilita mudanccedilas qualitativas no ser humano Dito de outro modo o indiviacuteduo

reconstroacutei internamente uma operaccedilatildeo externa elaborando uma seacuterie de

transformaccedilotildees (Vygotsky 19301991 p 75) Retomando o que diz o autor russo a esse

respeito as transformaccedilotildees que ocorrem nesse processo satildeo as seguintes (1) uma

operaccedilatildeo que a princiacutepio representa uma atividade externa eacute reconstruiacuteda e comeccedila a

ocorrer internamente (2) um processo interpessoal (niacutevel social) eacute transformado em um

processo intrapessoal (niacutevel individual) e (3) a siacutentese do processo de internalizaccedilatildeo eacute

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 199

ILKA SCHAPPER SANTOS

resultado de uma seacuterie de eventos ocorridos ao longo das relaccedilotildees reais entre as pessoas

no interior de seu contexto soacutecio-histoacuterico-pessoal

Nesse movimento discursivo a pesquisadora procura mostrar a relevacircncia das

interaccedilotildees desenvolvidas nos encontros do curso para as participantes na siacutentese das

relaccedilotildees inter e intrapessoais No fluxo de intervenccedilotildees Leacutea finaliza seu turno com

questionamentos que possam promover um momento para as coordenadoras repensarem

seus significados instituiacutedos que muitas vezes impedem a reorganizaccedilatildeo dos espaccedilos

das creches e por conseguinte diferentes espaccedilos para o brincar ldquoseraacute que a gente tem

que ter a mesma organizaccedilatildeo nas salas sempre Eu posso mudar um pouquinho

Posso mudar aquela rotina Como eu posso estar fazendo issordquo

Os questionamentos formulados por Leacutea procuram fomentar o estabelecimento

de possiacuteveis bases para a produccedilatildeo de (novos) significados construiacutedos

colaborativamente sobre o trabalho realizado e sobre a teoria em estudo Ao colocar na

cena discursiva os elementos teoacutericos retomados e os questionamentos levantados a

pesquisadora busca criar um espaccedilo argumentativo-colaborativo em que seja possiacutevel

refletir sobre o instituiacutedo bem como possibilitar a recolocaccedilatildeo dos significados trazidos

pelas coordenadoras propiciando expandir o significado coletivo daquela comunidade

semioacutetica

No turno seguinte (25) Marina traz uma interessante reflexatildeo ldquoEu acho que a

visatildeo que a gente hoje na creche tem desse faz de conta eacute bem diferente do que foi

apresentado aquirdquo A declarativa sinaliza o conflito vivenciado pela coordenadora entre

o significado trazido pelas professoras sobre a brincadeira de faz de conta e aqueles

compartilhados pelas pesquisadoras Leacutea e Viviam Ao fazer essa afirmaccedilatildeo Marina cria

um espaccedilo de tensatildeo de confronto entre o instituiacutedo cristalizado nos espaccedilos das

creches e o que foi discutido no encontro Esse momento eacute muito importante pois

possibilita a todos os participantes refletirem entre o ditofeito o instituiacutedopossiacutevel e

aleacutem disso promove um espaccedilo de compartilhamento de novos significados marcados

pela siacutentese dialeacutetica entre os significados anteriores e aqueles compartilhados pelas

pesquisadoras

Para confirmar sua tese de que ldquovisatildeo que a gente hoje na creche tem desse faz

de conta eacute bem diferente do que foi apresentado aquirdquo a coordenadora continua o

turno usando o argumento de exemplo como marca de interaccedilatildeo explicaccedilatildeo ldquoEu acho

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 200

ILKA SCHAPPER SANTOS

que as nossas meninas (professoras das creches) elas datildeo muito mais ecircnfase agrave

questatildeo pedagoacutegica mesmo por exemplo ainda do papel do trabalhinho elas natildeo

acompanham as crianccedilas no faz de conta igual aparece aqui natildeo elas natildeo tecircm essa

visatildeordquo Por fim Marina diz ldquoa gente natildeo faz natildeo fazrdquo mostrando com o sintagma

nominal ldquoa genterdquo (no lugar do ldquonoacutesrdquo) que a brincadeira na creche natildeo estaacute sob a oacutetica

do faz de conta mas sob a perspectiva de um conteuacutedo sistematizado

Diante da marca de interaccedilatildeo explicaccedilatildeo da coordenadora Leacutea (26) levanta o

questionamento por meio de uma questatildeo controversa ldquoIsso que vocecirc viu aqui vocecirc

acha que natildeo eacute pedagoacutegicordquo Tal questatildeo exigiu das coordenadoras um

posicionamento sobre o que estava sendo discutido e portanto criou espaccedilo para o

argumentar Com isso Marina (27) por meio de um contra-argumento diz ldquoNatildeo natildeo

que natildeo seja o pedagoacutegico Mas assim a gente trabalhando essas questotildees da forma

como foi discutidardquo Nesse movimento discursivo a coordenadora explicita que na

verdade natildeo queria dizer que a brincadeira de faz de conta natildeo fazia parte do

pedagoacutegico mas sim que nas creches as educadoras natildeo trabalhavam o brincar do

modo como estava sendo discutido no curso

Dando continuidade ao debate duas coordenadoras Joana e Isabela nos turnos

(29) e (30) respectivamente mostram por meio do acordo compartilhar o novo

significado manifesto pelas pesquisadoras sobre o trabalho do brincar de faz de conta

nas creches (29) ldquoEu acho que isso eacute o que precisa na creche esse outro olhar que

vocecircs colocaram aqui para o brincar para o faz de contardquoe (30) ldquoeu acho que estaacute

na hora de repensar sim para a gente poder trabalhar o brincar desse modo que

vocecircs ‟tatildeo dizendordquo Linguisticamente isso se faz com o uso dos decirciticos de pessoa e de

espaccedilo ldquovocecircsrdquo e ldquoaquirdquo mostrando que as coordenadoras estatildeo se referindo ao que foi

tratado pelas pesquisadoras no interior do curso de extensatildeo

Nas interaccedilotildees tecidas neste elo da Cadeia Criativa podemos indicar tentativas

indiacutecios e pistas de estabelecimento de uma zona de colaboraccedilatildeo e criticidade na

medida em que o dispositivo argumentativo foi sendo utilizado como instrumento para a

produccedilatildeo de significados compartilhados nas discussotildees estabelecidas Dito de outro

modo a argumentaccedilatildeo possibilitou o estabelecimento de um processo de

questionamento de sentidos-significados rotinizados bem como a produccedilatildeo conjunta de

novos significados por meio de um espaccedilo em que todos os envolvidos puderam se

colocar questionar a si e aos outros mas apoiando suas discussotildees em estudos teoacutericos

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 201

ILKA SCHAPPER SANTOS

43 ndash 3ordm Cronotopo da Cadeia Criativa ndash Sessatildeo Reflexiva com as Coordenadoras

das Creches da AMAC

Os quatro excertos selecionados para esta seccedilatildeo de anaacutelise foram retirados da

quarta sessatildeo reflexiva com as coordenadoras das creches municipais que trabalham

com crianccedilas de dois e trecircs anos de idade e trecircs pesquisadoras do GP EFoPI realizada

em 11 de novembro de 2009 em uma das salas de aula da Faculdade de Educaccedilatildeo da

Universidade Federal de Juiz de Fora O objetivo da sessatildeo foi discutir como as

coordenadoras desenvolveram junto com as professoras das creches e as crianccedilas o

projeto de accedilatildeo sobre a brincadeira elaborado em sessatildeo anterior

431 ndash 4ordf Sessatildeo Reflexiva Analisada ndash dia 11 de novembro de 2009

No primeiro fragmento as pesquisadoras e as coordenadoras discutem os

impactos dos debates tecidos ao longo das sessotildees reflexivas sobre o brincar No fluxo

da interaccedilatildeo o grupo (re)pensa as intervenccedilotildees didatizadas em torno do brincar

1ordm Excerto

(1) Isabela Esse espaccedilo aqui possibilita pensar nas accedilotildees do dia a dia Esses dias eu

observei o seguinte uma crianccedila virou e falou assim ldquoTia ‟tou fazendo um peixerdquo A

professora pegou a cadeira puxou pra perto da crianccedila e falou assim ldquoVamos fazer o

peixe igual a gente faz na salardquo Quer dizer ela cortou a criatividade da crianccedila ela (a

crianccedila) ‟tava assim eufoacuterica mostrando o peixe e ela puxou a cadeira e falou -

ldquoVamos fazer o peixe igual a gente faz na salardquo

(2) Leacutea A que vocecirc atribui isso Essa entrada dela

(3) Bruna Acho que falta interesse

(4) Isabela Eu acho tambeacutem Falta de interesse

(5) Ilka A questatildeo eacute outra eu acho Porque ela pode ter interesse enfim todos os

adjetivos que a gente pode pensar por conta de uma pessoa que falta algum

compromisso mas o que a Leacutea ‟taacute perguntando eacute outra coisa

(6) Assunccedilatildeo Ela vecirc mais o cuidar do que o educar

(7) Ilka Entatildeo mas o que a Leacutea ‟taacute perguntando eacute assim a fala dela (da professora)

ela teve um movimento entatildeo natildeo me parece desinteresse ela ‟tava laacute Mas por que

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 202

ILKA SCHAPPER SANTOS

ela disse ldquovamos fazer o peixe que a gente faz na salardquo Por que ao inveacutes dela falar

assim ldquoque peixe eacute esserdquo Mas por que vocecirc acha que no lugar dela ingressar nesse

universo da crianccedila ela trouxe para esse movimento do real daquilo que se faz na

sala Porque a questatildeo eacute essa A questatildeo agora natildeo eacute culpar o comportamento dela a

questatildeo eu acho eacute O que leva ela a pensar que tem que trazer o menino para o campo

do real e tirar do imaginaacuterio da fantasia Porque a intenccedilatildeo era essa vamos fazer com

que ele descreva o peixe que existe o real

(8) Isabela Aiacute eacute que ‟taacute ela ainda natildeo incorporou essa questatildeo do trabalho com a

imaginaccedilatildeo esse entrar no mundo da imaginaccedilatildeo ela natildeo eacute assim

(9) Ilka Vocecirc acha que ela desconhece

(10) Isabela Natildeo eacute que ela desconhece ela conhece teoricamente mas natildeo

incorporou Ela natildeo se envolve porque ela natildeo internalizou ainda

(11) Ilka Eu ‟tou pensando alto Vocecirc natildeo acha que ela acredita que essa intervenccedilatildeo

que eacute correta

(12) Hilda Porque eu acho que eacute muito isso eu acho que professor da Educaccedilatildeo

Infantil ele tem muito esse conflito se eu embarco na fantasia da crianccedila eu deixo ela

onde ela ‟taacute e aiacute eu natildeo cumpro a minha funccedilatildeo de professor Eu tenho que ensinar

alguma coisa pra ela Eu lembro direitinho uma vez uma cena na sala da minha filha

ela propocircs uma contaccedilatildeo de histoacuteria e aiacute as crianccedilas foram contando a histoacuteria do

tubaratildeo aiacute uma crianccedila falou assim ldquoe aiacute o tubaratildeo saiu voandordquo e a uacutenica

intervenccedilatildeo da professora foi ldquoopa tubaratildeo voardquo Ela cortou a cena totalmente para

ela na narrativa dela o tubaratildeo voava e era isso que tinha graccedila mas ao mesmo

tempo a intervenccedilatildeo dela foi assim ela achou que ela tinha que falar aquilo como ela

ia deixar aquela crianccedila achando que tubaratildeo voava

(13) Marina Para falar a verdade eu acho que ela quis mostrar ali que ela trabalha

com os conteuacutedos em sala de aula

(14) Sirlaine Exatamente aquela visatildeo didatizada do brincar que a gente viu aqui

que tem que ter um conteuacutedo escolar

A coordenadora (1) inicia seu turno dizendo ldquoEsse espaccedilo aqui possibilita

pensar nas accedilotildees do dia a diardquo Com essa declaraccedilatildeo Isabela sinaliza que os encontros

com as pesquisadoras estatildeo possibilitando refletir sobre as accedilotildees que ocorrem no

cotidiano da creche Isso fica demarcado linguisticamente pelo uso dos decirciticos

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 203

ILKA SCHAPPER SANTOS

espaciais ldquoesserdquo e ldquoaquirdquo Depois usa o argumento de exemplo para explicitar sobre o

que vem refletindo Esses dias eu observei o seguinte uma crianccedila virou e falou

assim ldquoTia ‟tou fazendo um peixerdquo A professora pegou a cadeira puxou pra perto

da crianccedila e falou assim ldquoVamos fazer o peixe igual a gente faz na salardquo Quer

dizer ela cortou a criatividade da crianccedila ela (a crianccedila) ‟tava assim eufoacuterica

mostrando o peixe e ela (a professora) puxou a cadeira e falou - ldquoVamos fazer o

peixe igual a gente faz na salardquo Nesse momento a coordenadora compartilha um

importante significado do brincar trazido pelas pesquisadoras qual seja a capacidade da

crianccedila segundo Vygotsky (19301991) de transformar o significado dos objetos

modificando um elemento da realidade em outro Mostra ainda a compreensatildeo de que

esse formato que a crianccedila atribui aos objetos tem implicaccedilotildees importantes para seu

desenvolvimento principalmente no que se refere agrave (re)construccedilatildeo de sentidos e

significados sobre a realidade material em que vive Assim Isabela passa a refletir sobre

as accedilotildees relacionadas ao brincar por meio desse novo significado compartilhado nas

discussotildees do GP EFoPI

Diante da declaraccedilatildeo da professora Leacutea (2) formula uma questatildeo controversa

ldquoA que vocecirc atribui isso Essa entrada delardquo Tal questatildeo exige das coordenadoras

um posicionamento isto eacute a apresentaccedilatildeo dos seus sentidos-significados sobre o que

Isabela havia dito No entanto apesar de a pesquisadora buscar no seu questionamento

que as coordenadoras relacionem a partir da reflexatildeo tecida os significados trazidos

por Isabela agraves discussotildees travadas no segundo cronotopo relativo ao curso de extensatildeo

os pontos de vista que emergem estatildeo pautados no senso comum Discursivamente isso

pode ser visto nas respostas das coordenadoras nos turnos (3) e (4) respectivamente

ldquoAcho que falta interesserdquo e ldquoeu acho tambeacutem Falta de interesserdquo

Diante dos pontos de vista declarados apresento como pesquisadora do GP

EFoPI um contra-argumento nos turnos (5) e (7) respectivamente ldquoA questatildeo eacute

outra eu acho Porque ela pode ter interesse enfim todos os adjetivos que a gente

pode pensar por conta de uma pessoa que falta algum compromisso mas o que a Leacutea

‟taacute perguntando eacute outra coisardquo e ldquoEntatildeo mas o que a Leacutea ‟taacute perguntando eacute assim

a fala dela (da professora) ela teve um movimento entatildeo natildeo me parece

desinteresse ela ‟tava laacute Mas por que ela disse acutevamos fazer o peixe que a gente faz

na sala` Por que ao inveacutes dela falar assim acuteque peixe eacute esse` Mas por que vocecirc

acha que no lugar dela ingressar nesse universo da crianccedila ela trouxe para esse

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 204

ILKA SCHAPPER SANTOS

movimento do real daquilo que se faz na sala Porque a questatildeo eacute essa A questatildeo

agora natildeo eacute culpar o comportamento dela a questatildeo eu acho eacute O que leva ela a

pensar que tem que trazer o menino para o campo do real e tirar do imaginaacuterio da

fantasia Porque a intenccedilatildeo era essa vamos fazer com que ele descreva o peixe que

existe o realrdquo O uso desse recurso argumentativo que estaacute relacionado agrave dissociaccedilatildeo

emerge como contraponto aos argumentos apresentados buscando desencadear uma

situaccedilatildeo de conflito exigindo do grupo um posicionamento diante da questatildeo

apresentada pela pesquisadora Leacutea

A utilizaccedilatildeo desse dispositivo argumentativo na maioria das vezes possibilita o

estabelecimento de conflito e de crise em relaccedilatildeo ao instituiacutedo provocando respostas

que propiciam rever o dito e o estabelecido Assim nesse movimento discursivo

procuro no interior do conflito instaurado e no embate entre os sentidos propiciar

elementos para a produccedilatildeo-construccedilatildeo de significados Isso pode ser percebido no

enunciado de Isabela que antes tinha atribuiacutedo a intervenccedilatildeo da professora agrave ldquofalta de

interesserdquo e agora diz (8) ldquoAiacute eacute que ‟taacute ela ainda natildeo incorporou essa questatildeo do

trabalho com a imaginaccedilatildeo esse entrar no mundo da imaginaccedilatildeo ela natildeo eacute assimrdquo

mostrando que a referida professora desconhece o trabalho pautado no desenvolvimento

da imaginaccedilatildeo (Vygotsky 19301991) tal como tratado nas discussotildees do grupo

No turno (12) a pesquisadora Hilda apresenta uma reflexatildeo que vai ao encontro

do novo significado construiacutedo sobre o trabalho com o brincar e para isso faz uso do

argumento pragmaacutetico ldquoPorque eu acho que eacute muito isso eu acho que professor da

Educaccedilatildeo Infantil ele tem muito esse conflito se eu embarco na fantasia da crianccedila

eu deixo ela onde ela ‟taacute e aiacute eu natildeo cumpro a minha funccedilatildeo de professor Eu tenho

que ensinar alguma coisa pra elardquo Com isso a pesquisadora faz uma apreciaccedilatildeo do

que fora discutido segundo suas possiacuteveis consequecircncias presentes e futuras tendo

relevacircncia direta para a accedilatildeo O argumento funciona como um dispositivo para discutir

os novos significados que estatildeo sendo compartilhados Para ilustrar o que havia dito

anteriormente a pesquisadora continua sua interlocuccedilatildeo por meio de um argumento de

exemplo Eu lembro direitinho uma vez uma cena na sala da minha filha ela (a

professora) propocircs uma contaccedilatildeo de histoacuteria e aiacute as crianccedilas foram contando a

histoacuteria do tubaratildeo aiacute uma crianccedila falou assim ldquoe aiacute o tubaratildeo saiu voandordquo e a

uacutenica intervenccedilatildeo da professora foi ldquoopa tubaratildeo voardquo

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 205

ILKA SCHAPPER SANTOS

Depois Hilda finaliza seu turno usando um contra-argumento por meio do

discurso citado ou seja procura recuperar o que a professora do exemplo pode ter

pensado quando fez a intervenccedilatildeo com a crianccedila ldquoa intervenccedilatildeo dela (da professora)

foi assim ela achou que ela tinha que falar aquilo como ela ia deixar aquela crianccedila

achando que tubaratildeo voavardquo No movimento argumentativo Hilda traz por meio de

argumento pragmaacutetico argumento de exemplo e contra-argumento os sentidos e

significados compartilhados sobre a temaacutetica criando uma zona de criticidade e

colaboraccedilatildeo (Magalhatildees 2009) que veio se instaurando no fluxo da interaccedilatildeo verbal

entre as pesquisadoras e as coordenadoras e que culminou em sua intervenccedilatildeo

Isso se concretiza nos turnos seguintes das coordenadoras Marina (13) e

Sirlaine(14) respectivamente quando recuperam significados compartilhados no 2ordm

cronotopo relativo ao curso de extensatildeo ldquoPara falar a verdade eu acho que ela quis

mostrar ali que ela trabalha com os conteuacutedos em sala de aulardquo e ldquoExatamente

aquela visatildeo didatizada do brincar que a gente viu aqui que tem que ter um

conteuacutedo escolarrdquo Nesse sentido chegam a um acordo de que muitas vezes o brincar

na creche estaacute pautado em uma visatildeo didatizada que prioriza conteuacutedos escolares

Na sequecircncia da sessatildeo reflexiva as pesquisadoras e as coordenadoras

conversam e refletem sobre a forma como estas apresentaram nas creches a proposta

do projeto de accedilatildeo a respeito da brincadeira

2ordm Excerto

(15) Leacutea Aiacute outra questatildeo que a gente gostaria que vocecircs refletissem A pergunta

seria A expectativa que vocecircs tinham com relaccedilatildeo agrave acolhida e ao desenvolvimento da

atividade pela educadora foi atingido Quer dizer as expectativas que vocecircs tinham

quando foram propor para educadora essa acolhida delas com relaccedilatildeo agrave proposta de

vocecircs e do proacuteprio desenvolvimento a forma que elas desenvolveram a atividade ela

foi atingida

(16) Assunccedilatildeo Eu acho que ateacute superou porque assim era para duas educadoras e aiacute o

grupo todo acolheu e assim trecircs dias que eu estava presente no desenvolvimento da

atividade eu fiquei assim taacute (faz expressatildeo boquiaberta) porque laacute na creche natildeo tem

mais aquele horaacuterio riacutegido ldquoAh eacute hora de ir laacute pra fora e natildeo sei o quecircrdquo Entatildeo elas

falavam ldquoOh vamos se natildeo natildeo vai dar tempordquo Foi uma chamando a outra ldquoVem

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 206

ILKA SCHAPPER SANTOS

para gente fazer a brincadeira se natildeo natildeo vai dar tempo da gente fazer legalrdquo Entatildeo

elas estavam envolvidas e elas se envolveram e depois elas vinham me contar ldquoOh

Assunccedilatildeo vamos laacute para vocecirc tirar foto ‟taacute tatildeo legalrdquo Sabem entatildeo assim elas

mesmas foram se envolvendo e participando

(17) Leacutea Elas tinham consciecircncia que isso era um pedido dessa reuniatildeo

(18) Assunccedilatildeo Tinham Porque quando a gente foi apresentar as meninas tinham

falado para gente apresentar falar o porquecirc como que eacute o projeto aqui

(19) Elisa Noacutes colocamos neacute Assunccedilatildeo Apresentamos o grupo EFoPI qual que eacute o

objetivo o que a gente faz aqui nesse grupo elas ficaram ateacute assim muito curiosas

ldquoAh que legalrdquo A gente colocou sucintamente para elas qual eacute o objetivo do grupo

que eacute o trabalho com a parceria que a gente aprende com vocecircs vocecircs aprendem com

a gente que a gente ‟taacute ali socializando com elas com vocecircs a experiecircncia que a gente

vivencia laacute dentro da creche

(20) Ilka O que eu achei interessante no relato de vocecircs eacute que apareceu pelo menos

umas duas ou trecircs vezes a palavra reflexatildeo vocecircs falam assim ldquoAh pensamos em

refletir com elasrdquo Vocecircs veem alguma proximidade nessas reflexotildees postas aqui com

os modos e maneiras que vocecircs atuaram nessa atividade com elas com a sua

orientaccedilatildeo Vocecircs sentem alguma proximidade com esse movimento aqui e o

movimento que vocecircs fizeram laacute Eacute que apareceu falando do campo do significado das

palavras eu achei muito interessante achei muito interessante o desenvolvimento da

atividade mais que isso a forma como vocecircs concretizaram materializaram a

proposta o diaacutelogo com elas eu queria saber um pouco como eacute que isso foi para vocecircs

o que vocecircs pensaram quando solicitaram essa reflexatildeo de pensar sobre as brincadeiras

as antigas brincadeiras a presenccedila da educadora na creche esse espaccedilo que vocecircs

propuseram de reflexatildeo sobre a brincadeira porque apareceu um pouco isso neacute

(21) Assunccedilatildeo Eu acho bacana assim porque o que a gente conversa aqui nos faz

refletir e isso vai claro ter algum efeito no nosso trabalho do dia a dia Entatildeo quando

a gente leva uma proposta que foi discutida aqui para as nossas educadoras a gente

tambeacutem vai com essa coisa de cutucar para que elas reflitam natildeo simplesmente atuem

para que elas observem e em cima disso avaliem o trabalho delas e o desenvolvimento

da crianccedila Entatildeo acho que isso eacute um reflexo do nosso trabalho aqui e do envolvimento

de todo mundo e com isso vai contaminando vocecircs contaminam a gente a gente

contamina elas e elas contaminam as crianccedilas as crianccedilas os pais e assim neacute

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 207

ILKA SCHAPPER SANTOS

(22) Ilka Muito bom Gostei Eacute uma cadeia

(23) Leacutea Eacute uma cadeia

(24) Ilka Uma Cadeia Criativa

Neste excerto Leacutea formula dois questionamentos para identificar os impactos

dos projetos de accedilatildeo elaborados na sessatildeo reflexiva anterior e desenvolvidos com as

professoras (1) ldquoA expectativa que vocecircs tinham com relaccedilatildeo agrave acolhida e ao

desenvolvimento da atividade pela educadora foi atingidordquo e (2) ldquoQuer dizer as

expectativas que vocecircs tinham quando foram propor para educadora essa acolhida

delas com relaccedilatildeo agrave proposta de vocecircs e do proacuteprio desenvolvimento a forma que elas

desenvolveram a atividade ela foi atingidardquo Esses questionamentos propiciam um

espaccedilo para que as coordenadoras avaliem o processo de interaccedilatildeo estabelecido entre as

coordenadoras e as educadoras das creches

A partir dos questionamentos da pesquisadora Assunccedilatildeo (16) diz que o

desenvolvimento da atividade superou as expectativas ldquoEu acho que ateacute superourdquo Em

seguida faz uso em dois momentos no enunciado do operador argumentativo (Koch

19922004) ldquoporquerdquo buscando introduzir uma justificativa ou explicaccedilatildeo relativa ao

enunciado anterior Porque assim era para duas educadoras e aiacute o grupo todo

acolheu e assim trecircs dias que eu estava presente no desenvolvimento da atividade eu

fiquei assim taacute (faz expressatildeo boquiaberta) porque laacute na creche natildeo tem mais

aquele horaacuterio riacutegido ldquoAh eacute hora de ir laacute pra fora e natildeo sei o quecircrdquo Neste fragmento

a coordenadora mostra com a expressatildeo extraverbal (gesto com a boca) sua admiraccedilatildeo

pela transformaccedilatildeo ocorrida na creche pois agora natildeo se tem mais horaacuterio riacutegido em

relaccedilatildeo agraves atividades desenvolvidas Com esse enunciado Assunccedilatildeo compartilha um

significado que foi construiacutedo no cronotopo relativo ao curso de extensatildeo em que as

pesquisadoras discutiram sobre a importacircncia de se considerar o tempo das crianccedilas nas

brincadeiras de faz de conta Dito de outro modo nesse cronotopo do curso de extensatildeo

foi discutido como os alunos estabelecem regras vivenciam conflitos e (re)constroem o

real no brincar de faz de conta (Vygotsky 19301987) e a relevacircncia de sabermos como

interferir nesse processo sem por exemplo cortar abruptamente a cena criada pelas

crianccedilas por conta dos horaacuterios riacutegidos da instituiccedilatildeo

Depois a coordenadora usa o argumento de exemplo para ilustrar sua tese de

que o trabalho desenvolvido superou as expectativas Para isso faz uso em seu turno

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 208

ILKA SCHAPPER SANTOS

do operador argumentativo ldquoentatildeo em dois momentos o que lhe possibilita introduzir

conclusotildees relativas ao que foi apresentado anteriormente ldquoEntatildeo elas falavam ldquoOh

vamos se natildeo natildeo vai dar tempordquo Foi uma chamando a outra ldquoVem para gente

fazer a brincadeira se natildeo natildeo vai dar tempo da gente fazer legalrdquo Entatildeo elas

estavam envolvidas e elas se envolveram e depois elas vinham me contar ldquoOh

Assunccedilatildeo vamos laacute para vocecirc tirar foto ‟taacute tatildeo legal Sabem entatildeo assim elas

mesmas foram se envolvendo e participandordquo Em seu turno a coordenadora mostra

como as professoras estavam envolvidas nas atividades e como ela pocircde compartilhar

com elas em uma outra atividade significados construiacutedos no interior dos encontros

com o GP EFoPI Dessa forma eacute possiacutevel perceber o movimento da Cadeia Criativa

(Liberali 2009) em que a participaccedilatildeo do indiviacuteduo nas atividades (a) (b) e (c) evolui

no tempo a atividade (b) por exemplo pode criar significados novos para os sentidos

levados de volta (no tempo) para atividade (a) e para outra atividade da Cadeia (Fuga

2009 p 47)

No entremeio da discussatildeo trazida por Assunccedilatildeo Leacutea (17) faz o seguinte

questionamento ldquoElas tinham consciecircncia que isso era um pedido dessa reuniatildeordquo O

questionamento da pesquisadora tem a intenccedilatildeo de perceber se as atividades estavam

interligadas num movimento em cadeia Diante do questionamento Assunccedilatildeo (18)

responde por meio de um argumento de exemplo ldquoTinham Porque quando a gente

foi apresentar as meninas tinham falado para a gente apresentar falar o porquecirc

como que eacute o projeto aquirdquo Este recurso argumentativo mostra para o grupo como esse

cronotopo da cadeia se relaciona com outras atividades desenvolvidas pelas

coordenadoras a partir das discussotildees fiadas no interior das sessotildees reflexivas

Depois outra coordenadora Elisa continua especificando em seu turno (19)

utilizando tambeacutem o argumento de exemplo para dizer como apresentou o trabalho

desenvolvido entre pesquisadoras e coordenadoras no GP EFoPI ldquoApresentamos o

grupo EFoPI qual que eacute o objetivo o que a gente faz aqui nesse grupo elas ficaram

ateacute assim muito curiosas acuteAh que legal`rdquo A gente colocou sucintamente para elas

qual eacute o objetivo do grupo que eacute o trabalho com a parceria que a gente aprende com

vocecircs vocecircs aprendem com a gente que a gente ‟taacute ali socializando com elas com

vocecircs a experiecircncia que a gente vivencia laacute dentro da crecherdquo Em seu turno a

coordenadora mostra mais uma vez como o trabalho desenvolvido estaacute interligado no

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 209

ILKA SCHAPPER SANTOS

fluxo da cadeia (Liberali 2009) pois destaca a parceria ldquoque a gente aprende com

vocecircs vocecircs aprendem com a gente que a gente ‟taacute ali socializando com elasrdquo

No turno (19) eacute possiacutevel captar os sentidos que Elisa atribui ao trabalho

desenvolvido no GP EFoPI bem como os impactos dele na interlocuccedilatildeo com as

professoras da creche A coordenadora demarca em seu discurso que ldquoaprenderdquo com o

grupo de pesquisa e as pesquisadoras ldquoaprendemrdquo com as coordenadoras e por

conseguinte isso eacute ldquosocializadordquo com as professoras por meio das intervenccedilotildees no

brincar Tal fala mostra segundo uma visatildeo bakhtiniana sua compreensatildeo ainda que

implicitamente de que a produccedilatildeo de sentidos eacute potencialmente infinita revigorando-se

no contato com outros sentidos dito de outro modo em outros contextos mas

carregando as marcas dos contextos anteriores (Bakhtin 1987)

Diante do exposto nos enunciados anteriores no turno (20) busco entrelaccedilar os

elos da cadeia e compreender os impactos das intervenccedilotildees do GP EFoPI nos diferentes

contextos em que as coordenadoras transitam em especial nos contextos com as

professoras das creches Isso porque procuro ldquocapturarrdquo quais sentidos-significados satildeo

compartilhados com as respectivas professoras Para tanto uso as marcas de interaccedilatildeo

retomada de vozes anteriores ldquoO que eu achei interessante no relato de vocecircs eacute que

apareceu pelo menos umas duas ou trecircs vezes a palavra reflexatildeo ldquovocecircs falam assim

acuteAh pensamos em refletir com elas`rdquo Para sustentar minha avaliaccedilatildeo valho-me do

discurso das coordenadoras Na perspectiva bakhtiniana essa eacute uma relaccedilatildeo de sentido

construiacuteda por meio da palavra de outrem no caso aqui eacute identificado como discurso

representado ou objetivado o discurso direto (Bakhtin 1987) Esse eco de vozes

anteriores pode ser compreendido ainda em Bakhtin sob a oacutetica do plurilinguismo

dialogizado considerado o verdadeiro elemento da enunciaccedilatildeo (Bakhtin 1983) Meu

enunciado traz reminiscecircncias de outros enunciados dentro da comunidade semioacutetica em

que estou inserida como dispositivo para continuar o diaacutelogo Isso se concretiza nos

questionamentos que levanto logo depois ldquoVocecircs veem alguma proximidade nessas

reflexotildees postas aqui com os modos e maneiras que vocecircs atuaram nessa atividade

com elas com a sua orientaccedilatildeo Vocecircs sentem alguma proximidade com esse

movimento aqui e o movimento que vocecircs fizeram laacuterdquo

No fluxo da interaccedilatildeo verbal os questionamentos levantados tecircm a finalidade de

identificar se os esforccedilos em parceria em uma atividade produziram significados que

foram posteriormente compartilhados com outros parceiros atraveacutes dos sentidos que

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 210

ILKA SCHAPPER SANTOS

aqueles trouxeram para uma nova atividade (Liberali 2009) Esse movimento fica

explicitado no turno de Assunccedilatildeo (21) por meio de argumento pragmaacutetico ldquoquando a

gente leva uma proposta que foi discutida aqui para as nossas educadoras a gente

tambeacutem vai com essa coisa de cutucar para que elas reflitam natildeo simplesmente

atuem para que elas observem e em cima disso avaliem o trabalho delas e o

desenvolvimento da crianccedilardquo O uso desse recurso argumentativo como disse

anteriormente permite agrave coordenadora apreciar o trabalhado reflexivo que desenvolveu

com as professoras segundo suas consequecircncias presentes-futuras tendo relevacircncia

direta na accedilatildeo Dito de outro modo Assunccedilatildeo consegue mostrar os impactos das

interaccedilotildees tecidas entre pesquisadoras e coordenadoras no interior de outros contextos

de produccedilatildeo destacando elementos similares aos que foram enunciados por Elisa

Assim finaliza seu turno com argumentos que reforccedilam a ideia do movimento

da Cadeia Criativa na produccedilatildeo de novos significados ldquoEntatildeo acho que isso eacute um

reflexo do nosso trabalho aqui e do envolvimento de todo mundo e com isso vai

contaminando vocecircs contaminam a gente a gente contamina elas e elas contaminam

as crianccedilas as crianccedilas os pais e assim neacuterdquo A metaacutefora da ldquocontaminaccedilatildeordquo utilizada

pela coordenadora eacute a siacutentese desse pensamento Um movimento que inicia com o GP

EFoPI ldquocontaminandordquo as coordenadoras que ldquocontaminamrdquo as professoras que por

sua vez ldquocontaminamrdquo as crianccedilas que por sua vez ldquocontaminamrdquo os pais Diante da

reflexatildeo da coordenadora tanto Leacutea quanto eu nos turnos (22) (23) e (24) sintetizamos

seu pensamento como em ldquocadeiardquo na siacutentese dialeacutetica da Cadeia Criativa (Liberali

2009)

No excerto a seguir duas coordenadoras discutem sobre o trabalho

desenvolvido a partir do projeto de accedilatildeo sobre as brincadeiras nas creches apontando os

impactos e a relevacircncia do trabalho desenvolvido

3ordm Excerto

(25) Elisa O que a gente se pautou O que eu propus para as meninas Conforme foi

a proposta do grupo aqui tambeacutem De que a gente natildeo focasse somente - ah vamos

trabalhar tal brincadeira em funccedilatildeo de desenvolvimento da coordenaccedilatildeo motora fina

coordenaccedilatildeo motora grossa e psicomotor A gente focou o brincar da crianccedila mesmo

a observaccedilatildeo na brincadeira trazer o que esse momento proporciona para a crianccedila o

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 211

ILKA SCHAPPER SANTOS

que essa brincadeira traz de positivo pra essa crianccedila Aiacute colocamos as nossas

reflexotildees O desenvolvimento do plano de accedilatildeo foi pautado em reflexotildees como qual a

importacircncia da brincadeira para as nossas crianccedilas o que a brincadeira proporciona

aos pequenos o que se ganha brincando como brincam Qual o papel que a

brincadeira tem ocupado na vida de nossas crianccedilas e qual o papel do educador neste

processo Como a gente se posiciona frente a esse processo Entatildeo diante das

brincadeiras a gente foi fazendo essa reflexatildeo E eu coloquei algumas citaccedilotildees que a

gente veio discutindo no decorrer dos encontros no final do projeto junto com a

Cibele Entatildeo a gente foi fazendo uma anaacutelise do significado daquela brincadeira para

determinada crianccedila e o significado que ela daacute agrave brincadeira o imaginaacuterio dela O

fundamento de brincar eacute criar uma relaccedilatildeo entre o pensamento e realidade A gente

fala que a crianccedila ela mostra o ambiente que ela vive a realidade que ela vivencia a

famiacutelia tudo atraveacutes da brincadeira Entatildeo satildeo focos que a gente pegou como

reflexatildeo

(26) Joana Entatildeo o objetivo foi alcanccedilado visto que ao enfatizarmos mais as

brincadeiras atraveacutes do plano de accedilatildeo essas passaram a fazer parte mais intensamente

do cotidiano da nossa creche de modo a contagiar todas as demais turmas As

educadoras pediram que a brincadeira fosse desenvolvida nas demais turmas Entatildeo

assim todo mundo passou a brincar natildeo soacute a turminha que ‟tava sendo alvo do projeto

E a gente ‟taacute trabalhando com os cantinhos nas turmas de trecircs anos

Em seu turno Elisa (25) retoma os questionamentos que foram levantados em

momentos anteriores pela pesquisadora Leacutea ldquoO que a gente se pautou O que eu

propus para as meninasrdquo Esse movimento de retomada dos questionamentos auxilia

a coordenadora a organizar seu discurso em funccedilatildeo do que foi solicitado

Na continuidade de seu turno Elisa compartilha um importante significado

referente ao brincar ldquoConforme foi a proposta do grupo aqui tambeacutem De que a

gente natildeo focasse somente - ah vamos trabalhar tal brincadeira em funccedilatildeo de

desenvolvimento da coordenaccedilatildeo motora fina coordenaccedilatildeo motora grossa e

psicomotorrdquo Ao trazer esse discurso citado como um exemplo do que se deve evitar a

coordenadora mostra compreender que o desenvolvimento da brincadeira transcende o

trabalho estruturado em especial aquele relativo ao desenvolvimento ldquopsicomotorrdquo

Em seguida explica que o desenvolvimento do plano de accedilatildeo sobre o tema foi

pautado em alguns questionamentos que levantou junto agraves professoras (1) qual a

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 212

ILKA SCHAPPER SANTOS

importacircncia da brincadeira para as nossas crianccedilas (2) O que a brincadeira

proporciona aos pequenos o que se ganha brincando como brincam (3) Qual o papel

que a brincadeira tem ocupado na vida de nossas crianccedilas e qual o papel do educador

neste processo (4) Como a gente se posiciona frente a esse processo

Eacute interessante notar que Elisa mostra seu aprendizado sobre a importacircncia de no

processo reflexivo levantar questotildees que possam propiciar o (re)pensar da praacutetica

educativa e tambeacutem o (re)pensar da teorias que as embasam Neste turno temos

explicitado um importante movimento do compartilhamento de significados nos elos da

Cadeia Criativa pois a coordenadora passa a agir com o grupo de professoras que

coordena de forma similar agraves experiecircncias vivenciadas no GP EFoPI

Aleacutem de levantar questionamentos a coordenadora busca identificar os

significados que as professoras atribuem ao brincar e ao desenvolvimento da

imaginaccedilatildeo ldquoa gente foi fazendo uma anaacutelise do significado daquela brincadeira

para determinada crianccedila e o significado que ela daacute agrave brincadeira o imaginaacuterio

delardquo mostrando mais uma vez que compreendeu a discussatildeo sobre sentidos e

significados tecidas no interior do grupo de pesquisa Por fim a pesquisadora sinaliza

para outro significado sobre o brincar compartilhado no GP EFoPI ldquoO fundamento de

brincar eacute criar uma relaccedilatildeo entre o pensamento e realidaderdquo

Em (26) Joana inicia seu turno fazendo uso do ldquoentatildeordquo sinalizando que vai

tecer uma conclusatildeo sobre o que estava sendo dito demonstrando compartilhar

significados da discussatildeo anterior Desta forma sua reflexatildeo responde um

questionamento levantado no 2ordm excerto desta seccedilatildeo ldquoo objetivo foi alcanccedilado visto

que ao enfatizarmos mais as brincadeiras atraveacutes do plano de accedilatildeo essas passaram a

fazer parte mais intensamente do cotidiano da nossa creche de modo a contagiar

todas as demais turmasrdquo Aleacutem disso compartilha com o grupo que agora na creche

as salas de atividades estatildeo organizadas a partir dos cantinhos ldquoE a gente ‟taacute

trabalhando com os cantinhos nas turmas de trecircs anosrdquo tema que perpassou as

discussotildees dos dois cronotopos anteriores ao qual de iniacutecio tanto as 4 professoras

quanto as coordenadoras haviam mostrado resistecircncia

No proacuteximo fragmento trecircs coordenadoras compartilham os significados que

foram construindo nos encontros do GP EFoPI com as pesquisadoras em diferentes

elos da Cadeia Criativa (Liberali 2009) bem como a influecircncia dessas construccedilotildees no

trabalho com as professoras e no trabalho destas com as crianccedilas

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 213

ILKA SCHAPPER SANTOS

4ordm Excerto

(27) Bernadete () Entatildeo assim quando a gente apresentou o que vocecirc falou assim

quando disse ldquoapareceu muito essa palavra reflexatildeordquo Entatildeo tudo eacute um processo de

reflexatildeo que a gente estaacute passando ultimamente aqui E isso eacute muito rico porque hoje

agraves vezes quando a gente no dia a dia senta aqui e vai ouvindo talvez assim o nosso

rosto natildeo demonstra o tanto que a gente vem absorvendo tudo que ‟taacute sendo falado

Mas depois aquilo tudo que foi discutido por exemplo no curso de extensatildeo nas

sessotildees as teorias que embasam nossa praacutetica como trabalhar o brincar na creche foi

muito importante

(28) Yara Falado e internalizado

(29) Marina Com essa nova forma de ver o brincar com essa nova concepccedilatildeo que a

gente tem do brincar observamos como as relaccedilotildees satildeo construiacutedas de forma mais

dinacircmica como eacute que o aproveitamento do brincar eacute melhor Isso de que ningueacutem

aprende nada sozinho brincar eacute uma questatildeo social Vocecirc aprende a brincar vocecirc natildeo

nasce sabendo brincar e como eacute que eacute importante mesmo que o educador ensine a

crianccedila a brincar que ele faccedila parte da brincadeira que ele esteja junto Entatildeo a gente

colheu bastante coisa bastante observaccedilatildeo com isso tudo apresentado por vocecircs Como

eacute que vocecirc muda a sua postura e a concepccedilatildeo de certas coisas que satildeo tatildeo simples que

fazem com que vocecirc observe mais o cotidiano que a crianccedila interaja e se solte como

que possibilita trabalhar a autonomia da crianccedila

Neste excerto Bernadete (27) usa a marca de interaccedilatildeo retomada de vozes

anteriores para iniciar sua reflexatildeo ldquoquando disse bdquoapareceu muito essa palavra

reflexatildeo‟ A coordenadora faz uso da retomada de vozes para explicar ldquoEntatildeo tudo eacute

um processo de reflexatildeo que a gente estaacute passando ultimamente aquirdquo Por meio do

operador argumentativo ldquoentatildeordquo sinaliza para uma conclusatildeo em relaccedilatildeo ao que havia

enunciado antes explicando que a palavra ldquoreflexatildeordquo apareceu muitas vezes porque diz

de algo que elas estatildeo vivenciando nos encontros com o GP EFoPI Linguisticamente

isso pode ser observado a partir do decircitico espacial ldquoaquirdquo

Depois a coordenadora usa o argumento de exemplo para mostrar em que estaacute

pautada essa reflexatildeo ldquodepois aquilo tudo que foi discutido por exemplo no curso de

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 214

ILKA SCHAPPER SANTOS

extensatildeo nas sessotildees as teorias que embasam nossa praacutetica como trabalhar o

brincar na creche foi muito importanterdquo

Em (28) Yara tambeacutem faz uso da marca de interaccedilatildeo retomada de vozes

anteriores ldquofalado e internalizadordquo mostrando sinteticamente sua compreensatildeo do

processo de internalizaccedilatildeo pois o verbete ldquofaladordquo expressa o processo interpsicoloacutegico

(as discussotildees nos encontros) e o verbete ldquointernalizadordquo diz do processo

intrapsicoloacutegico apontando as bases para seus olhares entre o plano social e individual

No turno (29) Marina faz uma siacutentese dos significados que foram

compartilhados durante o trabalho desenvolvido entre as pesquisadoras e as

coordenadoras no interior das discussotildees do GP EFoPi ldquoCom essa nova forma de ver

o brincar com essa nova concepccedilatildeo que a gente tem do brincar observamos como as

relaccedilotildees satildeo construiacutedas de forma mais dinacircmica como eacute que o aproveitamento do

brincar eacute melhorrdquo A coordenadora usa por duas vezes o pronome ldquoessardquo para se

referir as concepccedilotildees discutidas sobre o brincar Eacute interessante que ao fazer isso traz

para a cena enunciativa concepccedilotildees tratadas em outro cronotopo da Cadeia Criativa o

curso de extensatildeo ldquoIsso de que ningueacutem aprende nada sozinho brincar eacute uma

questatildeo social Vocecirc aprende a brincar vocecirc natildeo nasce sabendo brincar e como eacute

importante mesmo que o educador ensine a crianccedila a brincar que ele faccedila parte da

brincadeira que ele esteja juntordquo Aqui vemos como a atividade do segundo

cronotopo interferiu na atividade atual e possibilitou criar novos significados para

sentidos que ateacute entatildeo estavam circunscritos agrave atividade anterior pois como ensina

Bakhtin (1987 p 393) ldquonatildeo existe nada morto de maneira absoluta cada sentido teraacute

sua festa de ressurreiccedilatildeordquo

Depois a coordenadora destaca como as discussotildees do GP EFoPI contribuiacuteram

para transformar suas posturas e concepccedilotildees em relaccedilatildeo ao trabalho realizado com a

crianccedila na creche ldquoEntatildeo a gente colheu bastante coisa bastante observaccedilatildeo com

isso tudo apresentado por vocecircs Como eacute que vocecirc muda a sua postura e a concepccedilatildeo

de certas coisas que satildeo tatildeo simples que fazem com que vocecirc observe mais o

cotidiano que a crianccedila interaja e se solte como que possibilita trabalhar a

autonomia da crianccedilardquo Nesse movimento discursivo a coordenadora revela

transformaccedilotildees em suas concepccedilotildees sobre o desenvolvimento infantil Eacute interessante

notar tambeacutem como Marina no interior do grupo aumentou seu conatus sua potecircncia

de agir Expressa como foi ldquoafetadardquo no sentido spinozano pelas intervenccedilotildees do

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 215

ILKA SCHAPPER SANTOS

grupo sinalizando para uma importante definiccedilatildeo de Spinoza (16772005 p 303) ldquose

dois indiviacuteduos inteiramente da mesma natureza se aliam um ao outro formam um

indiviacuteduo duas vezes mais poderoso do que cada um deles tomado separadamenterdquo

44 ndash Consideraccedilotildees Parciais

Neste ponto seratildeo retomadas as questotildees de pesquisa na busca de respondecirc-las

a partir da anaacutelise e das discussotildees tecidas

Como o processo da argumentaccedilatildeo desenvolvido entre pesquisadores e educadores

permite expor sentidos e significados sobre a brincadeira no movimento da Cadeia

Criativa

Quais argumentos contribuiacuteram para a produccedilatildeo de significado sobre o brincar no

movimento da Cadeia Criativa

Para neste espaccedilo refletir se o processo da argumentaccedilatildeo desenvolvido entre

pesquisadoras e educadoras de creche permitiu expor sentidos e significados sobre a

brincadeira no movimento da Cadeia Criativa e ainda pensar sobre quais argumentos

contribuiacuteram para a produccedilatildeo de significado sobre o brincar precisamos rememorar o

movimento discursivo no interior dos excertos nos trecircs cronotopos da Cadeia Criativa

No fluxo da interaccedilatildeo verbal diria que no primeiro cronotopo referente ao

diaacutelogo entre 4 professoras e duas pesquisadoras do GP EFoPI o processo

argumentativo ficou prioritariamente circunscrito agrave reincidecircncia de argumentos de

exemplo e de argumentos pragmaacuteticos calcados ora nas atividades dos viacutedeos

assistidas pelas professoras ora nas suas experiecircncias profissionais imediatas

ancoradas em exposiccedilotildees espontacircneas A recorrecircncia desses argumentos sinaliza que os

sentidos das educadoras sobre a brincadeira e sua materializaccedilatildeo na sala de atividades

de educaccedilatildeo infantil satildeo muito parecidos agravequeles assistidos nas atividades do viacutedeo em

especial os que relacionavam o brincar com atividades conteudistas

As pesquisadoras nesse primeiro momento mantiveram-se muitas vezes em

silecircncio diante das exposiccedilotildees das professoras Esse silecircncio inviabilizou trazer para o

espaccedilo enunciativo contrapalavras (BakhtinVolochinov 1988) que pudessem

desestabilizar os significados rotinizados que as educadoras compartilhavam sobre a

temaacutetica da brincadeira Assim a ausecircncia do embate do conflito e de tensotildees por

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 216

ILKA SCHAPPER SANTOS

meio de questotildees controversas por exemplo sobre os significados cristalizados e

instituiacutedos impossibilitou que as atividades do primeiro cronotopo fossem

desenvolvidas na perspectiva da colaboraccedilatildeo criacutetica (Magalhatildees 2009) Por

conseguinte as pesquisadoras natildeo promoveram um espaccedilo de interlocuccedilatildeo em que os

participantes pudessem tornar seus processos mentais mais claros no fluxo

enunciativo Aleacutem disso natildeo fizeram uso de argumentos teoacutericos que poderiam

funcionar como contraponto agraves ldquoideias inadequadasrdquo (Spinoza 16772005)

Em siacutentese no primeiro cronotopo a construccedilatildeo-produccedilatildeo de novos

significados sobre o brincar ficou comprometida por conta de uma circularidade e

reincidecircncia argumentativa entre pesquisadoras e professoras De um lado as

professoras ancoravam seus argumentos no senso comum e de outro as pesquisadoras

natildeo ingressavam na corrente enunciativa da linguagem com elementos que pudessem

promover para o grupo uma ldquocriserdquo em relaccedilatildeo aos significados estaacuteveis e mais

estratificados Esse movimento fez com que as educadoras continuassem tendo ldquoideias

inadequadasrdquo no sentido spinozano em relaccedilatildeo agrave brincadeira

A argumentaccedilatildeo no primeiro cronotopo da Cadeia Criativa natildeo se configurou

como um tempoespaccedilo em que os participantes pudessem refletir criticamente sobre o

instituiacutedo por meio de sustentaccedilatildeo refutaccedilatildeo e negociaccedilatildeo de posturas pautadas em

uma base argumentativa comum construiacuteda por meio do compartilhamento e produccedilatildeo

de significados

Por fim como foi dito no item 412 da anaacutelise e discussatildeo dos dados a

argumentaccedilatildeo empreendida no primeiro cronotopo natildeo funcionou como um dispositivo

que permitisse a ressignificaccedilatildeo dos conceitos em relaccedilatildeo ao brincar no movimento da

Cadeia Criativa Isso porque natildeo houve uma ampliaccedilatildeo dos sentidos-significados

trazidos pelas professoras e tambeacutem porque natildeo houve intervenccedilotildees das pesquisadoras

que trouxessem a siacutentese dialeacutetica entre construtos teoacutericos relacionados aos pontos de

vista compartilhados a ponto de possibilitar o aprofundamento das visotildees de mundo

circunscritas agrave temaacutetica

No segundo cronotopo referente a dois encontros do curso de extensatildeo

observa-se uma mudanccedila interessante as pesquisadoras iniciaram o trabalho

apresentando categorias teoacutericas da perspectiva soacutecio-histoacuterico-cultural que auxiliam a

pensar o brincar como atividade cultural inscrita na realidade material da crianccedila

Enfatizaram o desenvolvimento das funccedilotildees psicoloacutegicas fundadas nas relaccedilotildees

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 217

ILKA SCHAPPER SANTOS

sociais a mediaccedilatildeo simboacutelica a zona proximal de desenvolvimento reforccedilando desse

modo as contribuiccedilotildees de Vygotsky para a compreensatildeo do brincar de faz de conta O

dispositivo argumentativo sob eixo do argumento teoacuterico eacute um elemento que natildeo

apareceu no cronotopo anterior mas neste segundo momento forneceu mais dados

para o (re)pensar concepccedilotildees e visotildees de mundo alicerccediladas no senso comum e na

experiecircncia imediata

Ao introduzir nas cenas discursivas recursos argumentativos alicerccedilados no

discurso de outrem no caso no discurso teoacuterico houve a construccedilatildeo de um espaccedilo que

possibilitou o compartilhamento e a ampliaccedilatildeo de significados sobre o brincar criando

uma zona de colaboraccedilatildeo criacutetica (Magalhatildees 2009) no interior do fluxo da interaccedilatildeo

verbal

Eacute interessante notar que no cronotopo anterior houve tambeacutem referecircncia ao

discurso citado No entanto este estava pautado na voz do discurso oficial da

instituiccedilatildeo agrave qual as professores estavam vinculadas servindo como acircncora para

justificar a impossibilidade em se (re)pensar a organizaccedilatildeo dos espaccedilos da creche para

um melhor desenvolvimento da brincadeira de faz de conta Esse discurso autoritaacuterio

(Bakhtin 1983) foi apropriado pelas professoras possivelmente como estrateacutegia para

se eximirem de participar de uma discussatildeo que promovesse transformaccedilotildees e

mudanccedilas do haacute muito rotinizado comum e conhecido

Aleacutem de introduzir o argumento teoacuterico no segundo cronotopo houve um

nuacutemero maior de questionamentos que promovessem a produccedilatildeo de significados

compartilhados por meio da colaboraccedilatildeo Ao lado do questionamento houve

levantamento de questotildees polecircmicas as quais geraram a expansatildeo da discussatildeo

culminado em acordos que sinalizaram para uma base de construccedilatildeo de novos

significados que em seguida se tornaram comuns ao grupo

Nas interaccedilotildees neste elo da Cadeia Criativa haacute indiacutecios de que se estabeleceu

uma zona de colaboraccedilatildeo e criticidade cujo dispositivo argumentativo foi se

estruturando como um elemento desencadeador de compartilhamentos de novos

significados do brincar Nele a argumentaccedilatildeo ganhou novos contornos em relaccedilatildeo ao

cronotopo anterior Por meio desse processo argumentativo as pesquisadoras saiacuteram de

sua ldquozona de silecircnciordquo e passaram a socializar significados construiacutedos em outras

atividades do grupo de pesquisa tais como reuniotildees de estudo e escrita de textos

referentes ao assunto tratado

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 218

ILKA SCHAPPER SANTOS

No terceiro e uacuteltimo cronotopo da Cadeia Criativa referente a uma sessatildeo

reflexiva entre pesquisadoras e coordenadoras as participantes discutiram o projeto de

accedilatildeo sobre a brincadeira na creche elaborado em uma sessatildeo anterior

Os dispositivos argumentativos neste elo ficaram circunscritos a argumentos

de exemplo argumentos pragmaacuteticos como no primeiro cronotopo da cadeia Criativa

No entanto natildeo foram utilizados como recursos para reforccedilar experiecircncias do senso

comum e experiecircncias imediatas do trabalho desenvolvido na creche uma vez que ao

lado deles o grupo utilizou contra-argumentos e muitos questionamentos Assim o

movimento discursivo ganhou contornos que possibilitaram o confronto de ideias

valores e crenccedilas sobre a brincadeira se configurando como um espaccedilo de

compartilhamento de novos significados sobre o brincar

As coordenadoras trouxeram marcas enunciativas do cronotopo anterior

referindo-se aos encontros do curso de extensatildeo Dessa forma recuperaram sentidos

que como jaacute foi mencionado tiveram ldquosua festa de ressurreiccedilatildeordquo no dizer de Bakhtin

(1987 p 393) Nesse fluxo discursivo temos nitidamente as marcas do movimento da

Cadeia Criativa pois satildeo evidenciados os esforccedilos que em parceria em uma atividade

produzem significados que seratildeo posteriormente compartilhados por meio dos

sentidos que os sujeitos da interaccedilatildeo trazem para a nova atividade (Liberali 2009 p

102)

Eacute importante dizer que o processo argumentativo desenvolvido entre

pesquisadoras e educadoras (professoras e coordenadoras das creches puacuteblicas

municipais de Juiz de Fora) sobre a brincadeira passou por uma evoluccedilatildeo no interior

dos cronotopos da Cadeia Criativa Podemos pois inferir que houve transformaccedilotildees e

mudanccedilas tanto para as pesquisadoras quanto para as demais participantes Estas no

campo da ressignificaccedilatildeo de concepccedilotildees e praacuteticas sobre o brincar aquelas no desafio

de desenvolver uma metodologia de investigaccedilatildeo inscrita na Pesquisa Criacutetica de

Colaboraccedilatildeo sendo a argumentaccedilatildeo colaborativa seu eixo de interlocuccedilatildeo

Refletir sobre quais argumentos contribuiacuteram para a produccedilatildeo de significados

no interior do processo argumentativo sobre o brincar no movimento da Cadeia

Criativa tambeacutem se faz importante Pocircde-se constatar que os argumentos que

contribuem para essa produccedilatildeo de significados satildeo aqueles que trazem as marcas dos

pontos de vista contra-argumentos questotildees controversas e os que possibilitam chegar

a um acordo sendo que neste uacuteltimo ficam mais evidentes a produccedilatildeo e o

CAPIacuteTULO 4 ndash DIAacuteLOGOS EM CONSTRUCcedilAtildeO 219

ILKA SCHAPPER SANTOS

compartilhamento de significados No entanto esse movimento argumentativo se

constitui por meio de marcas de interaccedilatildeo questionamento instruccedilatildeo explicaccedilatildeo

retomada de vozes anteriores colocaccedilatildeo e recolocaccedilatildeo de problemas Aleacutem disso se

estrutura tambeacutem a partir de determinados tipos de argumentos de citaccedilatildeo de

definiccedilatildeo de comparaccedilatildeo pragmaacutetico e de exemplo

O fluxo argumentativo analisado neste trabalho de tese mostra que a

argumentaccedilatildeo quando usada de forma circular e reincidente calcada no senso comum e

nas experiecircncias imediatas dos sujeitos em interaccedilatildeo pouco colabora para a criaccedilatildeo de

conflitos e tensotildees que poderiam desestabilizar os significados estratificados e apontar

para a construccedilatildeo de novos significados Assim ao lado de descriccedilotildees de accedilotildees eacute

importante se ter por exemplo o argumento teoacuterico que possibilita (re)pensar as teorias

nas quais as praacuteticas descritas pelos participantes estatildeo embasadas

Refletir sobre o inverso tambeacutem eacute importante ou seja os argumentos teoacutericos

precisam se articular agrave leitura da realidade material e imaterial em argumentos

estruturados sob a oacutetica do exemplo da accedilatildeo e suas consequecircncias da comparaccedilatildeo entre

accedilotildees

ILKA SCHAPPER SANTOS

CONSIDERACcedilOtildeES E REFLEXOtildeES ABERTAS

No ano de 1998 finalizei o meu mestrado Naquele periacuteodo senti-me insatisfeita

quanto aos desdobramentos de minha dissertaccedilatildeo Talvez porque continuasse com as

mesmas inquietaccedilotildees a respeito das discussotildees sobre a linguagem no periacuteodo de

ingresso no curso Por conta disso comecei a fazer disciplina isolada no Programa de

Mestrado do Curso de Letras da Universidade Federal de Juiz mas as inquietaccedilotildees

persistiram o curso era pautado prioritariamente nos estudos da Linguiacutestica Teoacuterica

Desisti de participar do processo de seleccedilatildeo ao inveacutes disso fiz minha inscriccedilatildeo para o

vestibular do Curso de Letras Aprovada no vestibular comecei o meu segundo curso de

graduaccedilatildeo Muitas foram as minhas descobertas acadecircmicas entre elas a Linguiacutestica

Aplicada

Terminada a graduaccedilatildeo decidi que faria o doutorado na aacuterea da LA Mas

precisei adiar um pouco meu projeto por conta de ter sido convidada a ocupar o cargo

de Coordenadora de Extensatildeo como mencionei na introduccedilatildeo deste estudo

Paradoxalmente foi a experiecircncia na Proacute-Reitoria que potencializou meu desejo de

fazer o doutorado em uma aacuterea aplicada pois coordenava programas e projetos de

extensatildeo que tinham um estreito compromisso teoacuterico-praacutetico com diferentes

comunidades circunvizinhas ao campus da Universidade E aqui estou eu finalizando

um trabalho que me daacute o tiacutetulo de Linguista Aplicada Voltemos ao comeccedilo

A partir do primeiro semestre de 2006 iniciei meus estudos em dois campos que

foram essenciais para este trabalho de tese a Pesquisa Criacutetica de Colaboraccedilatildeo

(Magalhatildees 2002 2006 2009) e a argumentaccedilatildeo em um vieacutes colaborativo

Paralelamente propus ao GP EFoPI grupo de pesquisa cuja coordenaccedilatildeo partilhava

com a Profa Dra Leacutea S P Silva que fizeacutessemos nossas investigaccedilotildees a partir da

PCCol Depois de conseguir a adesatildeo do grupo quanto agrave proposta iniciamos um longo

caminho de estudos e intervenccedilotildees de 2006 ateacute hoje

Envolvi-me intensamente nos trabalhos de investigaccedilatildeo do grupo Junto com a

profa Dra Leacutea P S Silva fazia levantamento de referecircncias bibliograacuteficas para

subsidiar as reuniotildees de pesquisa montava projetos para as agecircncias de fomenta

planejava as sessotildees reflexivas e os encontros do curso de extensatildeo para os professores

e coordenadores das creches e escrevia textos sobre a metodologia de pesquisa Como jaacute

mencionei no capiacutetulo metodoloacutegico foram quatro anos de intenso trabalho Esse

trabalho levou-me a refletir sobre a importacircncia de se fazer um estudo longitudinal na

CONSIDERACcedilOtildeES E REFLEXOtildeES ABERTAS 221

ILKA SCHAPPER SANTOS

tese de doutorado sobre as produccedilotildees do grupo Assim ao lado de todas as atividades

mencionadas fiz um mergulho intenso no banco de dados do GP EFoPI leitura das atas

de pesquisa e leitura das transcriccedilotildees das reuniotildees de estudo e das notas expandidas do

trabalho de campo Laacute encontrei um material riquiacutessimo mas entrei em conflito ao

refletir que natildeo desejava apenas investigar as produccedilotildees do grupo e os impactos delas

na formaccedilatildeo dos profissionais das creches puacuteblicas municipais Isso ia de encontro com

a perspectiva metodoloacutegica que estaacutevamos construindo no grupo de pesquisa Assim

resolvi focalizar meu trabalho nas interlocuccedilotildees tecidas entre os pesquisadores e os

participantes do GP EFoPI e natildeo mais nas produccedilotildees isoladas do grupo

Tomada essa primeira decisatildeo faltava outra de igual importacircncia dentre os

temas trabalhados no grupo com os participantes qual poderia focar Mais uma vez fiz

uma imersatildeo no banco de dados para tentar apreender o tema que era tratado com maior

forccedila no interior das interlocuccedilotildees tecidas e apoacutes um cuidadoso estudo deparei-me com

a brincadeira de faz de conta Decidi ampliar meu campo de estudos agora tambeacutem no

brincar Na verdade natildeo foi uma decisatildeo difiacutecil pois jaacute haviacuteamos realizado vaacuterias

intervenccedilotildees nesse campo e mapeado vaacuterias estrateacutegias de trabalho do brincar na creche

Nesse contexto iniciei a minha pesquisa que teve como propoacutesito compreender

criticamente a formaccedilatildeo do professor pesquisador e dos educadores participantes em

especial investigar como se processou o compartilhamento de sentidos e de

significados sobre o brincar As perguntas de pesquisa concentraram-se entatildeo no

processo de desenvolvimento da argumentaccedilatildeo entre pesquisadores e professores como

possibilidade de expor sentidos sobre a brincadeira e nos argumentos que contribuiacuteram

para a produccedilatildeo de significado novo sobre o brincar no movimento da Cadeia Criativa

Como jaacute fiz menccedilatildeo nas consideraccedilotildees parciais do capiacutetulo de anaacutelise as

interaccedilotildees tecidas pelas pesquisadoras e demais participantes do GP EFoPI foram

evoluindo No primeiro cronotopo da cadeia em trecircs sessotildees reflexivas com as

professoras de uma das creches municipais pude perceber que o fluxo da interaccedilatildeo

verbal entre as educadoras e as pesquisadoras foi estruturado por meio de argumentos

de exemplo pragmaacuteticos e de comparaccedilatildeo Ao focar a estrutura de tais argumentos

notei um movimento discursivo circunscrito agraves vivecircncias e experiecircncias do que eacute

familiar conhecido rotineiro e principalmente aos saberes que vatildeo se instituiacutedo no

fazer do dia a dia da creche Interessante que as pesquisadoras ingressaram nesse fluxo

argumentativo sem trazer por exemplo tipos de argumentos estruturados na citaccedilatildeo

CONSIDERACcedilOtildeES E REFLEXOtildeES ABERTAS 222

ILKA SCHAPPER SANTOS

com ecircnfase em teorias Essa circularidade argumentativa impediu o compartilhamento

de novos significados sobre o brincar Eacute interessante dizer que as sessotildees reflexivas

aconteceram na sala de reuniotildees da creche em que as professoras atuavam Refletirei

sobre essa informaccedilatildeo a seguir

O segundo cronotopo dois encontros do curso de extensatildeo com as

coordenadoras das creches aconteceu em espaccedilos de formaccedilatildeo ocupados pelos

profissionais da Universidade O movimento argumentativo muda consideravelmente

Agora para argumentos baseados na citaccedilatildeo na autoridade e na relaccedilatildeo teoria-praacutetica

mostrando nesse elo da cadeia o fortalecimento da contrapalavra das pesquisadoras do

GP EFoPI

Assim as pesquisadoras saem da ldquozona de silecircnciordquo criada no cronotopo

anterior e passam a compartilhar os significados do GP EFoPI sobre o brincar Os

elementos discursivos transitam em explicaccedilotildees teoacutericas e em definiccedilotildees Temos nesse

contexto duas questotildees importantes (1) os espaccedilos fiacutesicos que ocupamos interferem

nas relaccedilotildees discursivas que construiacutemos (2) os gecircneros discursivos que nos satildeo mais

familiares (no caso da academia cursos aulas palestras) dificultam o ingresso em

outros gecircneros

De todo modo essas demarcaccedilotildees argumentativas a partir da relaccedilatildeo

tempoespaccedilo e dos gecircneros que nos satildeo familiares sinalizam para uma ldquovelhardquo e

conhecida discussatildeo o fosso entre universidade e escola de ensino fundamental No

caso desta pesquisa entre universidade e creche No entanto agrave medida que

pesquisadoras e demais participantes comeccedilam a transitar em territoacuterios ateacute entatildeo

desconhecidos passam a refletir sobre os coacutedigos que circulam neles e comeccedilam

tambeacutem a partilhar nesses novos contextos de produccedilatildeo novos significados

Assim no terceiro cronotopo da Cadeia vejo jaacute aproximaccedilotildees entre as

pesquisadoras e as demais participantes da pesquisa Aquelas buscando conhecer mais

as praacuteticas cotidianas das creches e estas procurando ter uma compreensatildeo ativa dos

processos de construccedilatildeoproduccedilatildeo dos saberes acadecircmicos Tanto que em dezembro de

2009 as coordenadoras das creches apresentaram o trabalho intitulado ldquoA brincadeira

de faz de conta na crecherdquo no III SIAC na PUC-SP Viajaram mais de 1000 km ndash Juiz

de ForaSatildeo PauloJuiz de Fora ndash para realizar essa tarefa Das 23 coordenadoras 15

compareceram ao SIAC Na apresentaccedilatildeo mostraram desenvoltura com o espaccedilo

acadecircmico instituiacutedo bem como com a argumentaccedilatildeo sob o eixo do argumento teoacuterico

CONSIDERACcedilOtildeES E REFLEXOtildeES ABERTAS 223

ILKA SCHAPPER SANTOS

Na perspectiva spinozana diria que o GP EFoPI construiu ao longo de sua

interlocuccedilatildeo principalmente com as coordenadoras relaccedilotildees de composiccedilatildeo interaccedilotildees

que possibilitaram aos sujeitos se aproximarem das ideias adequadas pautadas no

desenvolvimento de ldquoafecccedilotildeesrdquo o que gerou noccedilotildees comuns entre os envolvidos

Lembremos que as noccedilotildees comuns podem ser mais proacuteximas das ideias adequadas da

Substacircncia uma vez que tecircm mais partes da totalidade

A produccedilatildeo acadecircmica dos pesquisadores tambeacutem passou a ser mais intensa

Nesse contexto destaco (1) a realizaccedilatildeo do I Seminaacuterio de Grupos de Pesquisa sobre

Crianccedilas e Infacircncias (I Grupeci) entre os dias 25 26 e 27 de setembro de 2008

promovido pelo GP EFoPI e pela Faculdade de Educaccedilatildeo da Universidade Federal de

Juiz de Fora com a participaccedilatildeo de mais de 350 participantes inscritos sendo muitos de

diversas instituiccedilotildees de ensino superior do Brasil como Fundaccedilatildeo Joaquim Nabuco

(PE) PUC-MG PUC-SP Universidade Catoacutelica de Petroacutepolis (RJ) Universidade

Catoacutelica Dom Bosco (MS) UNEB (BA) UERJ UESC (BA) UFES UFMG UFSC

UFSCar (SP) UFV (MG) UFMA UFMS UFSJ (MG) e UFF (RJ) (2) a escrita de sete

artigos no v13 da Revista Educaccedilatildeo em Foco Editora UFJF em setembro de 2008 (3)

a participaccedilatildeo no livro ldquoTrajetoacuterias caminhos na pesquisa em educaccedilatildeordquo (tambeacutem pela

Editora da UFJF) com o artigo intitulado A creche como espaccedilo de reflexatildeo entre

diaacutelogos experiecircncias e colaboraccedilatildeo criacutetica lanccedilado em 2009 (4) a escrita de artigos

para o livro ldquoDiaacutelogos de Pesquisardquo organizado pela Profa Dra Leacutea S P Silva e pelo

Prof Dr Jader Jane Moreira Lopes (no prelo pela Editora da UFF) com vaacuterios artigos

do GP LACE e do GP EFoPI Aleacutem da produccedilatildeo escrita deve-se registrar apresentaccedilatildeo

de trabalhos dos pesquisadores em vaacuterios congressos encontros e simpoacutesios nacionais e

internacionais Aqui nesse movimento de intensa produccedilatildeo cientiacutefica os pesquisadores

mostram ter aumentado o conatus de cada um (Spinoza 16772005) ampliando

tambeacutem o conatus coletivo do grupo

Agora peccedilo licenccedila ao leitor para quebrar o protocolo da escrita que o gecircnero

conclusatildeo de uma tese encerra e continuar a interlocuccedilatildeo com duas cenas discursivas

que ilustram bem como o movimento da Cadeia Criativa transcende os espaccedilos das

atividades desenvolvidas atravessando vida formaccedilatildeo e trabalho

Cena discursiva 1

ldquoEstava fazendo compras em um supermercado quando a Diva uma das

coordenadoras das creches e participante do GP EFoPI chegou ateacute mim e perguntou se

CONSIDERACcedilOtildeES E REFLEXOtildeES ABERTAS 224

ILKA SCHAPPER SANTOS

poderia me incomodar um pouquinho pois gostaria de falar algo muito importante

Prontamente respondo que sim Ela entatildeo comeccedila a contar como estatildeo organizados os

espaccedilos e horaacuterios na creche em que trabalha Relata que muita coisa havia mudado

desde o curso de extensatildeo Diz que o trabalho com os cantinhos nas salas de atividades

estava dando muito certo Continua dizendo que eu nem reconheceria mais Depois

finaliza - Sabe agora as crianccedilas transformam as cadeirinhas em trens que partem para

os lugares que eles jaacute conheceram e aqueles que nunca saiacuteram de Juiz de Fora passam a

vivenciar isso de conhecer outros lugares pelo coleguinha Estamos fazendo aquelas

cabanas de pano que vocecircs ensinaram para as crianccedilas brincarem de casinha Ah

tambeacutem mudamos a roda de conversa As crianccedilas natildeo ficam soacute contando o que

aconteceu no dia anterior a gente canta brinca de cantiga de roda tem parlendas e

trava-liacutenguas E termina dizendo - Senti falta de vocecirc menina no uacuteltimo encontro

Despedi-me dela e tambeacutem das minhas compras e corri para o carro atraacutes de caneta e

papel para tentar transcrever a cena rdquo

Cena discursiva 2-

ldquoEstava na banca de monografia da Nataacutelia Toledo ex-bolsista de iniciaccedilatildeo

cientiacutefica do GP EFoPI da UFJF O trabalho versava sobre os sentidos e significados da

ldquoroda de conversardquo (rodinha) na creche O texto estava muito bem estruturado as

categorias teoacutericas metodoloacutegicas e a interpretaccedilatildeo foram construiacutedas a partir da

perspectiva soacutecio-histoacuterico-cultural no interior do GP EFoPI Ao final da apresentaccedilatildeo

a aluna pediu licenccedila para agradecer o tempo de conviacutevio no grupo e disse que agora

trabalha como professora em uma das creches puacuteblicas municipais Continuou dizendo

da importacircncia do grupo para sua formaccedilatildeo E como seu tema de investigaccedilatildeo era a

ldquoroda de conversardquo e seu trabalho um sub-eixo do projeto de pesquisa do GP EFoPI

disse que gostaria dizer que estava fazendo um trabalho muito interessante na

ldquorodinhardquo enfatizou que natildeo ficava pedindo agraves crianccedilas para falarem sobre fatos

referentes ao dia anterior mas que elas cantavam cantigas de roda faziam teatrinho na

proacutepria rodinha que era muito bom Na mesma hora lembrei de Diva e fiquei pensando

como tanto ela quase aposentando quanto a Nataacutelia terminando a formaccedilatildeo inicial e

comeccedilando seu percurso de professora compartilharam significados tatildeo similares

relativos principalmente a acuteroda de conversa`rdquo

As duas cenas discursivas recuperadas acima nos auxiliam a compreender o

movimento da Cadeia Criativa natildeo soacute entre atividades mas como disse na vida no

CONSIDERACcedilOtildeES E REFLEXOtildeES ABERTAS 225

ILKA SCHAPPER SANTOS

trabalho na formaccedilatildeo e na praacutetica docente Aleacutem disso as cenas mostram o trabalho de

colaboraccedilatildeo criacutetica que efetivamente o GP EFoPI desenvolveu Relatei os dois

episoacutedios em uma reuniatildeo do grupo de pesquisa e chegamos agrave conclusatildeo de que nosso

objeto idealizado sobre o brincar de faz de conta nas creches e preacute-escolas estava mais

concreto pois nos depoimentos acima tanto Diva quanto Nataacutelia demonstram

compreender um importante significado de brincar para o GP EFoPI o processo

ensino-aprendizagem segue o fluxo e o ritmo das experiecircncias das crianccedilas no interior

de suas infacircncias com ecircnfase no fazer buscando o (re)construir criativo por meio da

brincadeira

A sala de atividades na educaccedilatildeo infantil para o grupo precisa ter o aconchego

e o movimento da infacircncia trens de partida carros que chegam cavalos montados

casas construiacutedas Alunos que possibilitados de reconstruiacuterem o real transmutam-se em

reis rainhas fadas duendes cavaleiros matildees pais filhos E no universo do

maravilhoso cozinham costuram fazem biscoitos Satildeo situaccedilotildees em que as crianccedilas

podem representar o real ldquocom olhos de crianccedilardquo Ciacuterculos de vivecircncias e experiecircncias

Na roda cantam danccedilam rodopiam giram e veem a vida sob a oacutetica da infacircncia

Infacircncia que emerge do ldquovir a serrdquo mas toma o rumo do ldquoeu sou agorardquo Esse era um

importante significado que gostaria ao final do trabalho compartilhar com vocecirc leitor

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(Org) Contemporaneidade e educaccedilatildeo Temas de Histoacuteria da educaccedilatildeo Rio de Janeiro

Instituto de Estudos da Cultura e Educaccedilatildeo 2000

VYGOTSKY L S (1930) Imaginacioacuten y el arte na infacircncia Cidade do Meacutexico

Hispacircnicas 1987

_______ (1930) A formaccedilatildeo social da mente Satildeo Paulo Martins Fontes 1991

_______ (1934) Pensamento e linguagem Satildeo Paulo Martins Fontes 1993

_______ (1932) O desenvolvimento psicoloacutegico na infacircncia Satildeo Paulo Martins

Fontes 1998

_______ (1934) Psicologia da arte Satildeo Paulo Martins Fontes 2000

_______ (1934) A construccedilatildeo do pensamento e linguagem 4ordf ed Satildeo Paulo Martins

Fontes 2001

_______ (1934) Teoria e meacutetodo em psicologia 3ordf ed Trad Claudia Berliner Satildeo

Paulo Martins Fontes 2004

WALLON H Psicologia da educaccedilatildeo e da infacircncia Lisboa Portugal Editorial

Estampa 1975

_______ A evoluccedilatildeo psicoloacutegica da crianccedila Lisboa Portugal Ediccedilotildees 70 1995

WERTSCH J VVoices of the Mind a Sociocultural Approach to Mediated Action

Cambridge M A Harvard University Press 1991

WERTSCH J V SMOLKA A L B Continuando o diaacutelogo Vygotsky Bakhtin e

Lotman IN DANIELS H Vygotsky em foco pressupostos e desdobramentos

Campinas Papirus 19941999

ZABALZA M A Qualidade em educaccedilatildeo infantil Editora Artes Meacutedicas Porto

Alegre 1998

ZANETTI A Entre a histoacuteria e seu desafios por um contexto de pesquisa In LOPES

J M SILVA L S P S (Orgs) Diaacutelogos de Pesquisa Editora UFF Rio de Janeiro no

prelo

ZEICHNER K M A formaccedilatildeo reflexiva de professores ideacuteias e praacuteticas Lisboa

Educa1993

ANEXOS 236

ILKA SCHAPPER SANTOS

Anexo 1

ANEXOS 237

ILKA SCHAPPER SANTOS

Anexo 2

PONTIFIacuteCIA UNIVERSIDADE CATOacuteLICA DE SAtildeO PAULO

SETOR DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO

COMITEcirc DE EacuteTICA EM PESQUISA

Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Linguumliacutestica Aplicada e Estudos da Linguagem

DECLARACcedilAtildeO DE CONCORDAcircNCIA DO PARTICIPANTE

De acordo com a descriccedilatildeo da pesquisa e dos compromissos firmados pela

pesquisadora eu ________________________________ assumo aqui a minha

concordacircncia em participar da pesquisa intitulada ldquoO Fluxo do Significado do Brincar

na Cadeia Criativa argumentaccedilatildeo e formaccedilatildeo de pesquisadores e educadoresrdquo

Assumo ainda que permito a divulgaccedilatildeo de seus resultados em Tese de Doutorado

Entretanto declaro que minha concordacircncia estaacute condicionada aos seguintes

requisitos

a) Anonimamente isto eacute que a divulgaccedilatildeo dos resultados seja feita sem mencionar os nomes dos participantes envolvidos ( )

b) Sem anonimato ( ) c) Que se possa ter acesso aos dados coletados ( ) d) Que tenha acesso aos produtos finais da anaacutelise e de sua interpretaccedilatildeo antes

de sua divulgaccedilatildeo puacuteblica ( ) e) Que caso necessaacuterio minha reaccedilatildeo diante dessas interpretaccedilotildees sejam

incorporadas antes de sua divulgaccedilatildeo puacuteblica ( )

Satildeo Paulo ___ ___ 2006

Assinatura ____________________________

Tendo em vista a declaraccedilatildeo do participante acima assinado eu Ilka Schapper Santos

assumo a responsabilidade total de cumprir as condiccedilotildees de pesquisa descritas

atendendo aos requisitos demandados pelos participantes

Satildeo Paulo ___ ___ 2006

Assinatura da pesquisadora _____________________________________

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