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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Clara Freire Filgueiras Faro
GOSTO POPULAR NA PROPAGANDA TELEVISIVA
Mestrado em Ciências Sociais
São Paulo 2014
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP
Clara Freire Filgueiras Faro
GOSTO POPULAR NA PROPAGANDA TELEVISIVA
Mestrado em Ciências Sociais
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Ciências Sociais, sob a orientação da Profa. Dra. Maria Celeste Mira.
São Paulo 2014
1
ERRATA
FARO, Clara. Gosto Popular na Propaganda Televisiva. 2014. 153 f. Dissertação
(Mestrado em Ciências Sociais) – PUC SP, São Paulo, 2014.
Folha Linha Onde se lê Leia-se
28
12
Não só a estética e forma, mas
também, cores, linguagem e
música foram analisadas.
Foram analisadas a estética e a
forma: cores, linguagem e
música.
82
6
E o que antes era a distinção –
“Padrão Globo de Qualidade” –
agora é uso e apropriação (...)
Ou seja, é observada a
apropriação (...)
150
1
FONTENELLE, I. A. O nome da
marca. São Paulo: Boitempo
editoria, 2002.
FONTENELLE, I. A. O nome da
marca: McDonald's,
fetichismo e cultura
descartável. São Paulo:
Boitempo editoria, 2002.
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________
___________________________________________
___________________________________________
A Luiz Fernando.
AGRADECIMENTO
Luiz Fernando, meu esposo e meu melhor amigo. Meu maior alicerce, meu
chão, minha paz. Obrigada por me esperar pacientemente tantos finais de semana e
feriados, por me escutar, incentivar, torcer, consolar. Agradeço, sobretudo, por me
apoiar cega e incondicionalmente.
Tereza, Sergio e Pedro, minha família e minha inspiração. Meu norte, minha
estrela guia. Obrigada pelas lições da paixão pelo que se faz e da curiosidade de
buscar sempre o próximo projeto. Agradeço, sobretudo, por não me deixarem
desistir.
Cecília, Fernando e Alexandre, minha segunda família. Um ombro pra
desabafar, um almoço de domingo pra esquecer. Obrigada pelo apoio a cada
mudança, a cada novo projeto de vida. Agradeço, sobretudo, pelo carinho
aconchegante.
Bernardo, meu colega e amigo. Um incentivo, uma torcida, uma troca, uma
boa discussão. Agradeço, sobretudo, pela companhia na caminhada solitária do
conhecimento.
Celeste, minha orientadora e mestre. Obrigada por me acolher, me ensinar e
me desafiar a fazer melhor. Agradeço, sobretudo, por acreditar.
A todos os outros amigos queridos. Obrigada por, compreensivamente, me
esperarem terminar o mestrado para ter de volta minha companhia integral.
RESUMO
O presente trabalho é estimulado pela reflexão sobre o impacto na televisão e na propaganda causado pelo crescimento da importância econômica e aumento do consumo da camada média da população brasileira, chamada de classe C. Em busca de indícios do uso do gosto popular na propaganda, o estudo se concentra na televisão como principal meio. Os dados coletados neste trabalho permitem evidenciar que as empresas estudam o gosto popular e o utilizam em seus comerciais com o objetivo de gerar identificação da classe C com suas marcas e, em última instância, conquistá-la. Apesar do crescente esforço da Rede Globo de se aproximar desse público, o estudo conclui que o SBT mantém sua posição de referência quando se trata de audiência popular. A Rede Globo tem uma audiência mais abrangente e, portanto, não se destaca no que tange à veiculação específica de comerciais com características populares.
Palavras-chave: Consumo; publicidade; televisão; classe C; gosto popular.
ABSTRACT
This dissertation is inspired by the potential impact on Brazilian television and advertising caused by the middle class rising economic power and consumption increase. Seeking signs of the popular taste usage on advertising, this study is concentrated on the television and key medium. Researched data evidences that corporations study popular taste and apply it inside its advertising pieces pursuing middle class identification towards their brands. Despite growing Rede Globo efforts to approach this group, this dissertation concludes that SBT remains positioned as main reference when it comes to popular audience. Rede Globo has a bigger therefore broader audience; hence not a noticeable broadcaster of popular taste embedded advertisement.
Keywords: Consumption; advertising; television; C Class; taste; popular.
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Programas de maior audiência por emissora
Tabela 2: Importância de diferentes fontes para composição e crescimento da renda
Tabela 3: Número de pontos acumulados por quantidade de bens e grau de instrução do chefe de família
Tabela 4: Cortes do critério Brasil
Tabela 5: Renda familiar média mensal segundo diferentes critérios
Tabela 6: Composição da classe C segundo nível de escolaridade do chefe de família, taxa de ocupação e formalização do trabalho
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1: Programas escolhidos do SBT e seu perfil de audiência
Gráfico 2: Evolução da inflação anual, índice IPCA Gráfico 3: Evolução do Produto Interno Bruto do Brasil Gráfico 4: Evolução da renda média domiciliar per capita (R$ de 2009) Gráfico 5: Evolução das transferências para o Programa Bolsa Família Gráfico 6: Evolução do salário mínimo mensal Gráfico 7: Variação per capita da renda média por décimos de renda
(2001/2009) Gráfico 8: Desigualdade Índice de Gini Gráfico 9: Evolução das classes econômicas segundo critério CPS/FGV Gráfico 10: Evolução das classes econômicas em número de indivíduos Gráfico 11: Proporção das mulheres de 10 anos ou mais de idade ocupadas,
segundo os grupos de idade Gráfico 12: Representatividade das famílias que têm mulheres como principal
responsável Gráfico 13: Porcentagem de mulheres que são principais provedoras da
família Gráfico 14: Importância do trabalho mulher por setor Gráfico 15: Presença de computador com internet Gráfico 16: Presença de máquina de lavar Gráfico 17: Presença de diferentes bens de consumo, por classe, em 2005 e
2009 Gráfico 18: População com acesso a rede de esgoto Gráfico 19: Lixo coletado diretamente Gráfico 20: Utilização de serviços privados
Gráfico 21: Porcentagem de pessoas que avaliam o ensino na escola pública como bom ou ótimo
Gráfico 22: Porcentagem de pessoas que concordam totalmente que
hospitais privados são melhores que hospitais públicos Gráfico 23: Evolução dos índices de renda per capita nacional e do grau de
desigualdade de renda pessoal (Gini) (1960=100) Gráfico 24: Penetração de televisores em lares brasileiros Gráfico 25: Numero de assinantes de TV por assinatura (em milhões) Gráfico 26: Lares com TV por assinatura, por classe Gráfico 27: Importância de cada classe na população brasileira Gráfico 28: Importância de cada classe na audiência do SBT e da Rede
Globo Gráfico 29: Importância da classe C na audiência de cada gênero Gráfico 30: Importância da classe C na audiência de cada programa Gráfico 31: Importância da classe C na audiência de cada programa Gráfico 32: Importância da classe C na audiência de cada programa Gráfico 33: Mercado de celulares por classe
LISTA DE FIGURA
Figura 1: Principais ocupações da classe média Figura 2: Comercial Apracur Figura 3: Comercial Apracur Figura 4: Comercial Apracur Figura 5: Comercial Assolan Figura 6: Comercial Assolan Figura 7: Comercial Assolan Figura 8: Comercial Assolan Figura 9: Comercial Assolan Figura 10: Comercial Telesena de São João Figura 11: Comercial Telesena de São João Figura 12: Comercial Telesena de São João Figura 13: Comercial Telesena de São João Figura 14: Comercial Telesena de São João Figura 15: Comercial Casas Bahia Figura 16: Comercial Casas Bahia Figura 17: Comercial Casas Bahia Figura 18: Comercial Casas Bahia Figura 19: Comercial Extra Figura 20: Comercial Extra Figura 21: Comercial Extra Figura 22: Comercial Extra Figura 23: Comercial Extra
Figura 24: Comercial Extra Figura 25: Comercial Chevrolet Figura 26: Comercial Chevrolet Figura 27: Comercial Chevrolet Figura 28: Comercial Chevrolet Figura 29: Comercial Chevrolet Figura 30: Comercial Chevrolet Figura 31: Comercial Walmart Figura 32: Comercial Walmart Figura 33: Comercial Vivo Figura 34: Comercial Vivo Figura 35: Comercial Vivo Figura 36: Comercial Vivo Figura 37: Comercial Sonho de Valsa Figura 38: Comercial Claro Figura 39: Comercial Claro Figura 40: Comercial Claro Figura 41: Comercial Claro Figura 42: Comercial Claro Figura 43: Comercial Pinho Bril Figura 44: Comercial Pinho Bril Figura 45: Comercial Coca-Cola 2013 Figura 46: Comercial Coca-Cola 2013 Figura 47: Comercial Coca-Cola 2013 Figura 48: Comercial Coca-Cola 2013
Figura 49: Comercial Coca-Cola 2013 Figura 50: Comercial Coca-Cola 2013 Figura 51: Comercial Coca-Cola 2013 Figura 52: Comercial Coca-Cola 1989 Figura 53: Comercial Coca-Cola 1989 Figura 54: Comercial Coca-Cola 1989 Figura 55: Comercial Vanish 1 Figura 56: Comercial Vanish 1 Figura 57: Comercial Vanish 2 Figura 58: Comercial Vanish 2 Figura 59: Comercial Vanish 2 Figura 60: Comercial Brilhante Figura 61: Comercial Brilhante Figura 62: Comercial Brilhante Figura 63: Comercial Brilhante Figura 64: Comercial Brilhante Figura 65: Comercial Brilhante Figura 66: Comercial Jequiti 2 Figura 67: Comercial Jequiti 2 Figura 68: Comercial Jequiti 2 Figura 69: Comercial Jequiti 2 Figura 70: Comercial Coristina D Figura 71: Comercial Anhanguera Figura 72: Comercial Anhanguera Figura 73: Comercial Anhanguera
Figura 74: Comercial Anhanguera Figura 75: Comercial Uninove Figura 76: Comercial Uninove Figura 77: Comercial Uninove Figura 78: Comercial Uninove Figura 79: Comercial Uninove Figura 80: Comercial Anhembi-Morumbi
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................ 17
Problema de pesquisa ................................................................................. 19
Conceitos que nomeiam este trabalho ........................................................ 21
Metodologia ................................................................................................. 25
CAPÍTULO 1 – UMA BREVE DISCUSSÃO SOBRE O FENÔMENO
“CLASSE C” ................................................................................................... 29
1.1. Razões para o aumento da renda média e outros indicadores de
desigualdade ................................................................................................ 31
1.2. As manchetes da “ascensão da nova classe média” ...................... 34
1.3. Definições de classe C ou classe média ......................................... 36
1.4. Um breve perfil da classe C ............................................................ 42
1.5. Classe C e o consumo .................................................................... 46
1.6. Acesso e “consumo” de serviços públicos ...................................... 51
1.7. Ponto e contraponto: um diálogo entre autores contemporâneos
brasileiros ..................................................................................................... 54
CAPÍTULO 2 – PUBLICIDADE: A INTERSEÇÃO ENTRE TELEVISÃO E
CONSUMO ...................................................................................................... 58
2.1. Consumo: berço do nascimento da publicidade .............................. 58
2.2. Cultura de massa e consumo de imagens ...................................... 63
2.3. Identidade na sociedade contemporânea: o papel do consumo e da
publicidade ................................................................................................... 65
2.4. A publicidade se transforma com o consumo: de anúncio a sistema
simbólico ....................................................................................................... 68
2.5. Por fim, desejos e sonhos são explorados ou construídos? ........... 71
CAPÍTULO 3 – TRANSFORMAÇÕES NA TELEVISÃO BRASILEIRA APÓS
O PLANO REAL .............................................................................................. 73
3.1. Década de 1990 e a perda de audiência da Globo ......................... 74
3.2. A busca pela audiência e reconquista do público ........................... 77
3.3. A audiência e a importância da classe C ........................................ 82
3.4. Novos anunciantes para audiência popular .................................... 87
CAPÍTULO 4 – A ANÁLISE DA PUBLICIDADE ............................................ 90
4.1. O uso da música sertaneja na propaganda .................................... 91
4.2. Cores primárias e a lógica simples da repetição ........................... 100
4.3. A festa e a comicidade popular ..................................................... 112
4.4. Elenco, figurino e locação como geradores de identificação......... 117
4.5. A brancura e sua importância na autoestima ................................ 125
4.6. Batalhadores: a narrativa de vida e a luta por um futuro melhor ... 130
CONCLUSÃO ................................................................................................ 142
BIBLIOGRAFIA ............................................................................................. 146
17
INTRODUÇÃO
A curiosidade foi o marco zero deste trabalho. Por que as casas sem reboco
têm dentro uma televisão com a mais nova tecnologia? Por que as marcas líderes,
de maior preço, parecem estar presentes na vida dos mais pobres? Por que o garoto
propaganda das Casas Bahia e o Sílvio Santos repetem tantas vezes a mesma
mensagem? Todas essas perguntas somadas à experiência prévia da autora com
pesquisa de mercado direcionada à “classe C” pediam um aprofundamento que só o
mestrado proporcionaria.
Quando a curiosidade se transformou em um projeto de pesquisa, todas as
perguntas culminaram em uma questão central, que se trata do gosto popular
aparecendo nos espaços onde não era bem-vindo até então na indústria cultural,
mas especialmente na propaganda.
Artistas de sucesso nacional recente trazem consigo traços característicos do
gosto popular. A banda Calypso com suas cores e a extravagante vocalista Joelma,
bem como a cantora Gabi Amarantos são exemplos desse gosto que vem ocupando
cada vez mais espaço no mundo da música e da televisão.
A televisão tem papel central nesta transformação. A Rede Globo, emissora
de maior audiência atualmente no Brasil, traz cada vez mais ao ar programas com
características populares. Suas novelas passam a possuir um núcleo central
localizado na periferia, atores e atrizes de primeira linha desempenham papéis antes
considerados secundários, tais como empregada doméstica ou garçom, e os
personagens principais passam a estar fora do mundo da elite rica da zona sul do
Rio de Janeiro como antes era de praxe. Novos programas e novos quadros são
constantemente inseridos em programas antigos, e assim vão transformando a
televisão brasileira.
Além da Rede Globo, canais da TV fechada também apresentam mudanças
nos últimos anos. O aumento do número de filmes dublados e a sincronização de
seus horários com os da TV aberta são sinais importantes de que um novo público
se integra à sua audiência. Essas evidências mostram um interesse crescente pelo
público popular e uma apropriação e uso do seu gosto na programação e enredo
dos programas de televisão.
18
Entretanto parece existir uma apropriação desse gosto popular não só na
televisão como também na publicidade,1 o gosto popular aparece cada vez mais nos
anúncios televisivos. Marcas de produtos mais caros estão anunciando em
programas populares. Ou mesmo marcas líderes de mercado assimilando nos seus
comerciais elementos que são claramente do gosto popular, como música, cores e
outros elementos estéticos e de linguagem. Por esse motivo, a publicidade se
mostra cada vez mais uma maneira importante de se entender o que as empresas
anunciantes querem dizer e com quem querem se comunicar. Através da análise
dos comerciais veiculados na televisão, este trabalho irá abordar a questão da
apropriação nos dias de hoje, de elementos populares antes inexistentes na
publicidade. Mostrando dessa forma que é o reconhecimento desse gosto pelos
anunciantes e pelas agências de publicidade que emerge através da propaganda
televisiva.
A temática do consumo é de extrema importância neste trabalho, nela está a
origem e a razão de existir da publicidade. E se o consumo no Brasil sofre
transformações nas últimas décadas com a “ascensão da nova classe C”,2 a
propaganda também muda. O uso do gosto popular na propaganda ganha
importância econômica devido ao aumento do consumo da classe C. Logo, este
trabalho discute essas transformações e as suas possíveis causas e consequências.
Sem dúvida uma das consequências é o aumento do acesso ao crédito e ao
consumo que faz com que o mercado no Brasil se expanda, a partir do surgimento
dessa nova faixa de consumidores. Seria esse fato o responsável pelo interesse dos
anunciantes no gosto popular?
Certamente para vender seus produtos para esse novo grupo de
consumidores, as empresas anunciantes precisam fazer com que sua publicidade
seja relevante a ponto de chamar sua atenção, o que pode significar a apropriação
de sua linguagem e gosto. Este trabalho, então, discutirá não só a questão da
“ascensão da nova classe C”, como também a questão do consumo e da publicidade
1 Os termos propaganda e publicidade são usados neste trabalho como sinônimos. Embora existam autores da área de marketing que os diferenciem explicando que, ao contrário da publicidade, a propaganda é sempre patrocinada pelo anunciante (BENNET, 1995). O CONAR – Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária não pressupõe essa distinção. Segundo o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, artigo 8º: “O principal objetivo deste Código é a regulamentação das normas éticas aplicáveis à publicidade e propaganda, assim entendidas como atividades destinadas a estimular o consumo de bens e serviços, bem como promover instituições, conceitos ou ideais”. 2 Termo está entre aspas porque será discutido mais adiante dentro do capítulo 1.
19
à luz da bibliografia das ciências sociais. Por fim, como problema central, abordar-
se-á a análise da publicidade em si e a apropriação do gosto popular pelos
anunciantes.
Além de tudo que já foi abordado, um fator que muito contribuiu para a
escolha da publicidade como objeto de análise precisa ser acrescentado: a
experiência anterior da autora em desenvolvimento e análise da publicidade já
previamente realizada, em empresas, como experiência profissional.
Problema de pesquisa
Desde 1994. com a implantação do Plano Real, o Brasil passou por
transformações econômicas consideráveis que possibilitaram o crescimento da
economia. Além disso, diversas políticas públicas de transferência de renda, bem
como a geração de milhões de empregos e o aumento considerável do valor do
salário mínimo mensal tiveram consequências diretas no aumento da renda média
mensal das famílias.
O aumento da renda se transformou em consumo. Através de incentivos do
governo ao consumo e do interesse das próprias empresas, o consumo se torna um
tema central da discussão sobre a classe C. A Secretaria de Assuntos Estratégicos
do Governo Federal, o Instituto Datapopular e uma lista de outras instituições
ganham relevância na mídia tratando desse tema. Um dos argumentos é que essa
classe C já não quer copiar aquilo que vem da elite, mas sim ter seu próprio gosto,
de origem popular da base da pirâmide, de onde ascendem as famílias de “classe D”
para classe C, engordando esse grupo de consumidores.
É natural, portanto, que o gosto e comportamento da classe C se tornem
objeto de interesse daqueles grupos que produzem o que é consumido, desde
sabonete até novela. Empresas de bens de consumo, agências de publicidade e
emissoras de televisão passam a estudar esse grupo de consumidores com novos
olhos, dando origem a uma série de mudanças na televisão brasileira e na
propaganda.
Nos últimos anos foi observado o fenômeno de apropriação do gosto da
classe C pela indústria cultural. Este trabalho visa estudar uma dessas
manifestações, que é o reconhecimento desse gosto pelos anunciantes e pelas
20
agências de publicidade, que emerge através da propaganda. Entender as
mudanças sofridas pela televisão brasileira nas últimas décadas é, contudo,
fundamental para a compreensão do contexto maior onde a propaganda se situa.
Na medida em que a renda da classe C aumenta, seu gosto e estética se
tornam mais relevantes no cenário nacional. Esse grupo passa a representar um
público relevante para a indústria cultural que procura agradá-lo com programas de
televisão e músicas direcionados a ele. A classe C também ganha importância como
grupo consumidor e, consequentemente, como audiência publicitária, sendo a
publicidade o meio através do qual as empresas anunciantes comunicam seus
produtos. Fontenelle nos ajuda a compreender que a propaganda nada mais é do
que a integração entre a indústria cultural e a produção de mercadorias; que visa
diferenciar a mercadoria através do desenvolvimento de signos.
Foi nesse momento [surgimento da publicidade] que a produção da cultura começou a ser integrada à produção de mercadorias em geral, pois a concorrência entre as empresas passou a ocorrer no plano da produção e veiculação das imagens, quando o capitalismo passou a se voltar para a importância do desenvolvimento de signos por meio do forte investimento em propaganda e publicidade. (FONTENELE, 2002, p. 145)
Fica claro que, a propaganda surge integrando a indústria cultural e a
produção de mercadorias, criando e desenvolvendo signos que passaram a
representar a mercadoria através das imagens. A partir do momento em que a
classe C ganha importância como mercado consumidor, passa a existir interesse
das empresas anunciantes em construir seus anúncios publicitários voltados para
ela, logo os signos e imagens precisam fazer sentido para essa audiência. Dessa
forma ocorre o uso e apropriação do gosto da classe C pelas empresas anunciantes
e agências, através da propaganda. Tal fenômeno é resultado do aumento da renda
e consequentemente do consumo da “nova classe C”, o que a torna um público
relevante para as empresas anunciantes.
Emerge, portanto, o problema de pesquisa desta dissertação de mestrado: a
apropriação do gosto popular é o que acontece quando as empresas, interessadas
na “classe C” como consumidora, adotam o discurso, a simbologia e a estética
desse grupo, fazendo uso deles na propaganda e, dessa forma, buscando gerar
identificação com seus produtos.
21
Conceitos que nomeiam este trabalho
Dois conceitos que dão nome a este trabalho serão tratados aqui: gosto e
popular. A compreensão do popular e seu gosto são de extrema importância para o
entendimento da própria televisão e seus fenômenos, como cita Canclini a respeito
da obra de Martín-Barbero:
Até a obra de Martín-Barbero quase nenhum especialista em comunicação da América Latina havia se dado conta de que para interpretar o rádio ou a televisão teria primeiro que averiguar como se manifestava a cultura popular na igreja, nas bruxas, nos anarquistas e movimentos proletários. (CANCLINI, 1998, p. 3)
Por isso, os autores usados como base são Bourdieu, pelo gosto, e Martín-
Barbero, pelo popular, embora outros autores brasileiros ajudem a explicar o popular
no Brasil: Mira e Martins. Naturalmente outros autores de extrema importância
aparecerão ao longo do trabalho, desde a bibliografia sobre consumo, como Ortiz,
Featherstone, Campbell e Baudrillard, até sociólogos críticos da contemporaneidade
como Giddens e Bauman, passando pela bibliografia da propaganda nas ciências
sociais como Almeida, Rocha, Fontenelle, entre outros autores que surgirão nesta
dissertação como arcabouço teórico. Contudo os dois conceitos que nomeiam o
trabalho e norteiam o fio condutor da pesquisa são: gosto e gosto popular.
O gosto é a propensão à apropriação de determinadas práticas e tem como
determinantes a estrutura e o montante de capital cultural acumulado. Uma prática
cultural pode ser entendida como consequência de determinadas condições de
existência. Segundo Bourdieu (1983), uma prática é resultado de um habitus,
“sistema de disposições (...) que exprime, sob a forma de preferências sistemáticas,
as necessidades objetivas das quais ele é produto”. Sendo assim, observa-se uma
correspondência entre posições sociais e estilos de vida,3 que resultam em habitus
semelhantes e, portanto, práticas encerradas nos limites das próprias condições de
existência.
3 Segundo Bourdieu, estilos de vida são “sistemas de desvios diferenciais que são a retradução simbólica de diferenças objetivamente inscritas nas condições de existência” (BOURDIEU, 1983, p. 1).
22
O gosto, propensão e aptidão à apropriação (material e/ou simbólica) de uma determinada categoria de objetos ou práticas classificadas e classificadoras, é a fórmula generativa que está no princípio do estilo de vida. O estilo de vida é um conjunto unitário de preferências distintivas que exprimem, na lógica específica de cada um dos subespaços simbólicos, mobília, vestimentas, linguagem ou hexis corporal. (BOURDIEU, 1983, p. 2)
Sendo assim, cada dimensão do estilo de vida simboliza todas as outras. E as
oposições entre diferentes condições de existência se expressam, por exemplo, no
uso da fotografia, na escolha de uma bebida e nas preferências artísticas. Dessa
forma o gosto surge como forma de expressão e diferenciação. A trajetória de uma
classe proporciona certo capital – cultural, social. Ao se formar o habitus de classe,
forma-se também o capital que lhe proporciona um determinado julgamento estético.
Se esse julgamento chegar a um nível de entendimento da arte pela arte, ele
chegará ao gosto legítimo. Bourdieu se inspira em Kant para definir o julgamento
estético legítimo. Para ele, o julgamento estético não se submete às questões
morais e não está ligado ao prazer sensorial imediato, não subordinando, assim, a
forma à função.
Esse julgamento estético é ditado pela classe dominante. O gosto legítimo é o
gosto pelas obras legítimas – obras clássicas, óperas, pinturas, etc. Existe também o
gosto médio, o gosto pelas obras menores das artes maiores, e as obras mais
importantes das artes menores. E, por fim, o gosto popular: o gosto pela música
ligeira ou pela música culta desvalorizada pela divulgação, mas, sobretudo, o gosto
pelas canções totalmente desprovidas de ambições ou pretensões artísticas.
Segundo Bourdieu, o gosto popular ou gosto bárbaro é a negação do gosto legítimo,
é a recusa da experiência formal.
Bourdieu analisa o gosto popular do ponto de vista da luta simbólica entre as
classes sociais. Porém, de acordo com Jesus Martín-Barbero, para compreender
melhor o gosto popular, é preciso buscar nas suas matrizes culturais suas formas de
expressão, bem como, os elementos que as compõem, como o melodrama, a festa,
o espetáculo, a mistura, as cores, a repetição, além da lógica da cultura oral. O
popular na cultura é também algo moderno, ligado à mestiçagem e ao urbano. Por
isso, Martín-Barbero indica a
23
necessidade de incluir no estudo popular não só aquilo que culturalmente produzem as massas, mas também o que consomem, aquilo de que se alimentam; e a de pensar o popular na cultura não como algo limitado ao que se relaciona com o passado – e um passado rural – mas também e principalmente como algo ligado à modernidade, à mestiçagem e à complexidade do urbano. (MARTIN-BARBERO, 2009, p. 70)
Nesse sentido, o autor discute alguns elementos que formam a base do gosto
popular. São eles: a espontaneidade, manifestada através dos eixos grotesco-
cômico, expressivos da cultura popular, além de uma forte valorização do círculo
familiar, com uma grande permeabilidade às relações de grupo, especialmente as de
vizinhança. O gosto popular é baseado em um “moralismo que mistura o gosto do
concreto com certo cinismo ostentatório, uma religiosidade elementar e um saber
viver o dia, que é a capacidade de improvisação e sentido de prazer” (ibid., p. 117).
Segundo Mira, o popular dentro da indústria cultural é feito da exacerbação
das emoções que se manifestam através do sensacionalismo, da comicidade e do
melodrama como três elementos básicos. A inspiração vem de Martin-Barbero, que
sumariza a estrutura da narrativa popular numa matriz de quatro sentimentos
básicos, o quais dão origem a quatro tipos e situações, vividas por quatro tipos de
personagens, em quatro gêneros distintos de narrativas dentro do melodrama:
Tendo como eixo principal os quatro sentimentos básicos – medo, entusiasmo, dor e riso – a eles correspondem quatro tipos de situações – terríveis, excitantes, ternas e burlescas – personificadas ou vividas por quatro personagens – o traidor, o justiceiro, a vítima e o bobo – que ao se juntarem realizam a mistura de quatro gêneros – romance de ação, epopeia, tragédia e comédia. Essa estrutura nos revela no melodrama essa tal pretensão de intensidade que só se pode alcançar às custas da complexidade. (Ibid., p. 115)
A importância do melodrama como matriz popular, que dá origem ao massivo,
também é explicada por Martín-Barbero: no melodrama, fundem-se, pela primeira
vez, a memória narrativa, que vem dos romances e da literatura de cordel, e a
memória gestual, que vem dos espetáculos populares, do circo e da festa. Dessa
forma, dando origem ao “melo-teatro”, primeira manifestação do massivo. No
melodrama, manifestam-se alguns sinais da identidade popular, como ver e sentir a
realidade através das relações familiares (MARTIN-BARBERO, 1988).
24
Além do melodrama, o ethos da festa está fortemente presente. Nele está o
fundamento da estética popular. O espetáculo, o jogo, ócio, música, dança, bebida,
desperdício são elementos da festa que compõem a ética e estética popular (MIRA,
1995). Mira, em O Circo Eletrônico (ibid.), faz uma análise do programa de auditório
relacionando-o ao circo popular, caracterizado por um apresentador que traz ao
palco palhaços, animais e outras atrações como dramas, comédias, chanchadas, os
quais, de forma pouco ordenada, montam o entretenimento popular. Eles – tanto o
circo quanto o programa de auditório – carregam em si a lógica da festa, que,
deslocada do tempo das colheitas, situa-se agora no novo eixo da organização da
temporalidade social. Segundo Martin-Barbero (2009), a festa é transformada em
espetáculo, algo que não é para ser vivido, mas para ser visto e admirado.
Convertida em espetáculo, a festa que no mundo popular constituía o tempo e o espaço de máxima fusão do sagrado e do profano, passará a ser o tempo e o espaço em que se fará especialmente visível o alcance de sua separação: opondo festa e vida cotidiana como separação nítida do ócio e do trabalho. (Ibid., p. 137)
O grotesco também é um elemento-base da estética popular. Segundo
Martin-Barbero (ibid.), o grotesco é uma linguagem na qual predominam, no
vocabulário e nos gestos, expressões ambíguas e ambivalentes, que dão vazão ao
proibido. E também, ao operar como paródia, como degradação-regeneração,
grosserias, injúrias e blasfêmias condensam as imagens da vida material e corporal,
liberam o grotesco e o cômico, os dois eixos expressivos da cultura popular. O
humor surge então como par do grotesco, o riso popular, segundo Bakhtin (apud
MARTIN_BARBERO, 2009), é uma vitória sobre o medo. Nesse sentido, o riso se
relaciona com liberdade.
Featherstone, em sua obra Cultura de Consumo e Pós-modernismo, também
aborda algumas origens do popular, como, por exemplo, o carnavalesco e as feiras.
Segundo ele, as feiras proporcionavam um imaginário espetacular, justaposições
bizarras, confusão de fronteiras e um mergulho numa mistura de sons estranhos,
gestos, imagens e pessoas, animais e coisas (FEATHERSTONE, 1995). As feiras
eram, portanto, espaços de mistura, não apenas guardiãs das tradições locais, mas
espaços de transformação da tradição popular mediante a intersecção de diferentes
culturas, espaços de “hibridização”, agências de pluralismo cultural.
25
Já o carnaval envolve a celebração do “corpo grotesco”, comida farta,
embriaguez e promiscuidade sexual. Esse autor também se inspira no Rebelais de
Bakhtin para explicar como o popular faz uso de símbolos de transgressão para
causar escândalos e se opor ao controle das emoções pregado pelos costumes. Os
carnavais, festivais e feiras são transgressões simbólicas, nas quais as distinções
superior/inferior, erudito/popular e clássico/grotesco são mutuamente construídas e
deformadas. O carnaval envolve a celebração do “corpo grotesco” – comida farta,
embriaguez, promiscuidade sexual. “O corpo grotesco do carnaval é o corpo inferior
da impureza, desproporção, imediatez, dos orifícios, o corpo material que é oposto
ao ‘corpo clássico’ belo, simétrico, superior”. (FEATHERSTONE, 1995, p. 113).
De forma que as matrizes do popular, que se manifestam na televisão
contemporânea e, portanto, serão estudadas na publicidade ao longo deste trabalho,
são o sensacionalismo, a comicidade e o melodrama, além da festa como elemento
principal do exagero, do sentido de prazer e da espontaneidade.
Metodologia
O caminho metodológico escolhido para a realização deste estudo passa por
três etapas: pesquisa bibliográfica, hemerográfica e análise da publicidade em si.
A pesquisa bibliográfica deu-se desde os críticos da contemporaneidade,
como Bauman, Baudrillard e Giddens; passando pela bibliografia do consumo e da
publicidade dentro das ciências sociais, como Ortiz, Featherstone, Fontenelle,
Campbell e Arruda; pelos autores que escrevem sobre a questão popular e suas
origens, como Martin-Barbero; pela bibliografia que aborda transformações da
televisão brasileira, como Mira e Borelli; até o autor que trabalha especificamente
com o conceito que nomeia este trabalho, Bourdieu.
Durante o processo, um caminho adicional se somou à metodologia: a
hemerografia. Foram adicionados à análise mais de cinquenta reportagens de
jornais e revistas, publicadas nos anos de 2010 a 2013, além, claro, de outros
documentos encontrados na internet, como publicações da Secretaria de Assuntos
Estratégicos do Governo Federal sobre “classe média”, publicações do Ibope e do
Instituto Datapopular.
26
Para a análise da publicidade, foram gravados mais de 30 h de programas de
televisão, durante o mês de junho de 2013, para que os anúncios veiculados nos
intervalos fossem analisados.
A escolha dos programas a serem gravados passou por algumas etapas.
Inicialmente foi coletado, da página do Ibope na internet, o dado dos programas de
maior audiência por emissora na cidade de São Paulo. Dados semanais, de outubro
de 2012 a maio de 2013, foram compilados com o fim de encontrar os programas de
maior audiência no período. Dentre esse grupo das maiores audiências, os 17
primeiros da lista eram da Rede Globo. Em seguida, SBT e Record se intercalavam
até a posição 60ª, onde começaram a surgir TV Band, Rede TV! e TV Gazeta,
totalizando 127 programas de televisão mais assistidos de outubro a maio em São
Paulo.
A segunda etapa foi a escolha dos programas dentro desde grupo de 127
programas. Para encontrar o popular em meio a tantas opções, o critério foi buscado
na bibliografia. Mira, inspirada em Martin Barbero, chega a três elementos básicos
do gosto popular que busca fortes emoções: sensacionalismo, comicidade e
melodrama. Além disso, a festa é elemento fundamental no tempo de descanso do
trabalhador e suas características se remetem ao circo: a música, o grotesco, a
espontaneidade, a continuidade entre a arte e a vida.
Os quatro elementos básicos do gosto popular, festa, sensacionalismo,
comicidade e melodrama foram traduzidos nos termos da televisão de hoje em
programas de auditório, jornalismo sensacionalista, humorísticos e as novelas.
Utilizando-se dos programas listados da maior para a menor audiência, foram
escolhidos aqueles que se enquadravam em um dos quatro gêneros descritos, por
exemplo: o primeiro humorístico que aparece percorrendo a lista da maior para a
menor audiência é Zorra Total, este foi escolhido. Outros programas humorísticos da
Rede Globo aparecem depois, como A Grande Família e Tapas e beijos, porém
estes não foram gravados, pois Zorra Total era o de maior audiência e, portanto, foi
o humorístico da Globo escolhido para esta análise.
É importante ressaltar que embora a Record também aparecesse com
audiência relevante após a 17ª colocação, nenhum programa dessa emissora foi
gravado para evitar viés religioso na veiculação dos comerciais. A tabela abaixo
(Tabela) mostra a escolha dos programas, listados por audiência média.
27
Tabela 1: Programas de maior audiência por emissora
Fonte: Dados semanais Ibope, Grande São Paulo, de outubro de 2012 a maio de 2013. *O Fantástico e o Jornal Nacional foram acrescentados com o propósito de investigação. Foi levantada a questão se esses programas teriam adicionado à sua pauta elementos do jornalismo sensacionalista.
Posteriormente o Jornal Nacional foi acrescentado à lista dos programas
gravados com o objetivo de buscar o contraponto – encontraríamos também
publicidade destinada ao público de classe C em um programa historicamente
destinado às elites? Sendo assim, os seguintes programas foram gravados: no SBT,
Programa Silvio Santos, Carrossel, Ratinho, Conexão Repórter e A praça é Nossa;
na Rede Globo, novela Amor à vida, Zorra Total, Fantástico e Jornal Nacional.
ProgramaMedia audiência Out/12
a Maio/13Emissora Gênero
NOVELA III 35 Globo melodrama
GLOBO REPORTER 28 Globo
ZORRA TOTAL 27 Globo humorístico
VEM AI 26 Globo
JORNAL NACIONAL 25 Globo *
SHOW DE TERCA FEIRA 1 - TAPAS E BEIJOS 25 Globo
FANTASTICO 25 Globo *
A GRANDE FAMILIA 24 Globo
BIG BROTHER BRASIL 24 Globo
VIDEO SHOW RETROSPECTIVA 24 Globo
NOVELA IV - GABRIELA 24 Globo
TELA QUENTE 24 Globo
NOVELA II 24 Globo
PREMIERE NACIONAL 23 Globo
CINEMA ESPECIAL NOT 22 Globo
SPTV 2A EDICAO 22 Globo
FESTIVAL NACIONAL 20 Globo
NOVELA NOITE 1 - CARROSSEL 12 SBT melodrama
PROGRAMA SILVIO SANTOS 10 SBT auditório
VAMOS BRINCAR FORCA 9 SBT
A PRACA E NOSSA NOT 9 SBT humorístico
PROGRAMA DO RATINHO 9 SBT auditório/sensacionalista
CINE ESPETACULAR 9 SBT
RODA A RODA JEQUITI 8 SBT
ELIANA 8 SBT
AMIGOS DA ONCA 8 SBT
TELA DE SUCESSOS 8 SBT
TELETON NOT 8 SBT
ASTROS 8 SBT
REALITY SHOW 8 SBT
CANTE SE PUDER NOT 8 SBT
CONEXAO REPORTER 8 SBT Sensacionalismo
28
Em seguida, os dados de perfil de audiência, segundo a classe social (critério
Ibope), foram incorporados ao trabalho. Com eles, as novelas vespertinas do SBT,
Rubi e Cuidado com o Anjo, surgiram como programas de maior participação da
classe C e também foram gravadas.
Gráfico 1: Programas escolhidos do SBT e seu perfil de audiência
Fonte: Dados Ibope cidade de São Paulo, cedidos pelo SBT, maio 2013,
Os comerciais veiculados nesses programas foram o objeto de estudo, dando
origem à análise desta dissertação de mestrado. A escolha dos comerciais a serem
analisados ocorreu à luz da bibliografia estudada e deu origem ao capítulo 4. Não só
a estética e forma, mas também, cores, linguagem e música foram analisadas. O
conteúdo do comercial também foi levado em conta para a compreensão completa
da mensagem. E por fim surgiram outras questões, tais como, a presença de
produtos que apresentam versões mais sofisticadas e mais caras do que as suas
versões básicas, como, por exemplo, o sabão líquido, sendo anunciado em
programas de audiência popular.
29
CAPÍTULO 1 – UMA BREVE DISCUSSÃO SOBRE O FENÔMENO
“CLASSE C”
Até 1994, o Brasil sofreu com a hiperinflação por algumas décadas, num
círculo vicioso extremamente prejudicial à economia. Além de diminuir o valor real
dos salários, a inflação fazia com que os produtos básicos, como alimentos e
combustíveis, tornassem-se mais caros, prejudicando o poder de compra das
famílias e consequentemente o crescimento econômico.
Após 1994, com a implantação do Plano Real, o Brasil passou por profundas
transformações econômicas, como redução e estabilização da inflação, conforme
ilustra a Gráfico 2.
Gráfico 2: Evolução da Inflação Anual, índice IPCA
Fonte: Elaborado pela autora a partir de dados disponíveis no site do IBGE.
Com a estabilização da inflação, iniciou-se então um novo ciclo econômico. A
credibilidade da moeda aos poucos se reestabeleceu. O preço dos alimentos e
combustíveis, por exemplo, adquiriu certa estabilidade. O aumento do poder de
compra da população permitiu o crescimento da economia como um todo.
Para avaliar esse fenômeno, existe um indicador importante que é o Produto
Interno Bruto. Após o plano real, a curva de aceleração de crescimento do PIB
30
brasileiro mudou, como é possível observar na Gráfico 3. Depois, novamente, em
2002, houve uma nova aceleração.
Gráfico 3: Evolução do Produto Interno Bruto do Brasil
Fonte: IBGE.
Com o fim da hiperinflação, o surgimento de uma moeda estável e uma
economia que cresce e se solidifica entre as dez maiores economias do mundo, as
famílias se beneficiaram com o aumento da renda média per capita, conforme
mostra a Gráfico 4.
Gráfico 4: Evolução da Renda média domiciliar per capita (R$ de 2009)
Fonte: Neri (2010b), a partir dos dados PNAD/IBGE.
31
1.1. Razões para o aumento da renda média e outros
indicadores de desigualdade
Não é só o cenário macroeconômico positivo do Brasil que fez com que a
renda familiar aumentasse nesse período. Existe uma série de outros fatores que
influenciaram direta ou indiretamente o aumento da renda média domiciliar per
capta. Após a posse do presidente Lula, em 2003, as políticas de distribuição de
renda e o incentivo ao crescimento da economia se intensificaram com a
implantação de programas sociais como o Fome Zero e, em 2004, o Bolsa Família,
ambos os programas de transferência de renda (Error! Reference source not
found.).
Gráfico 5: Evolução das Transferências para o Programa Bolsa Família
Fonte: Controladoria Geral da União.
Já, em 2007, surgiu o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) com o
objetivo de intensificar os investimentos do governo em infraestrutura social, urbana,
logística e energética do país. O PAC, até abril de 2013, havia investido quase R$
390 bilhões, com meta de R$ 557 bilhões até 2014 (BRASIL, s/d.c). Dentro do
escopo do PAC, desenvolveu-se o programa Minha casa Minha vida, que oferece
juros subsidiados para famílias de baixa renda no financiamento da casa própria. Até
2014, esse programa tem como meta entregar mais de 2,4 milhões de moradias
urbanas (ibid.).
Outros fatores também mudaram o cenário do trabalho na última década,
influenciando o aumento da renda média. Segundo o Ministério do Trabalho, mais de
32
15 milhões de postos de trabalho foram criados nesse período, aumentando em 20%
o número de vagas formais existentes no mercado (BRASIL, 2013a). O salário
mínimo mensal teve um aumento em média de 12% ao ano, acima do crescimento
da economia ou da inflação, o que significou um aumento da renda real e
consequentemente do poder de compra do brasileiro (Gráfico 6).
Gráfico 6: Evolução do salário Mínimo Mensal
Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego (BRASIL, s/d.d.).
O aumento da renda média tem sua causalidade em diversos fatores tanto
microeconômicos como de incentivos do governo, conforme análise anterior. Mas,
qual foi o fator que mais contribuiu? A Tabela, apresentada por Neri (2010b) mostra
nas colunas as diversas fontes que compõem a renda total domiciliar: a renda vinda
do trabalho, outras rendas privadas, renda vinda de programas de transferência de
renda do governo, renda vinda de previdência vinculada ao salário mínimo
(aposentadorias) e previdência acima do salário mínimo. Nota-se que a fonte de
renda que mais cresceu de 2003 a 2009 foram as transferências públicas (12,93%).
Porém na última linha, que mostra a contribuição de cada tipo de renda para o
aumento da renda total, fica claro que o trabalho é o fator que mais contribui para o
aumento da renda domiciliar como um todo. Isso pode ser devido tanto ao aumento
do número de postos de trabalho, quanto ao aumento do salário mínimo em si.
33
Tabela 2: Importância de diferentes fontes para composição e crescimento da renda
Fonte: Neri (2010b, p. 52) a partir dos dados PNAD/IBGE.
O aumento da renda não foi uniforme para todas as camadas da sociedade,
pelo contrário, ele aconteceu de forma mais intensa naquelas que possuíam a
menor renda como se pode ver na Gráfico 7.
Gráfico 7: Variação per capita da renda média por décimos de renda (2001/2009)
Fonte: Neri (ibid., p. 56) a partir dos dados PNAD/IBGE.
O índice de Gini4 também apresentou melhorias, nas últimas décadas,
decorrentes da maior distribuição de renda e das mudanças no mundo do trabalho
conforme a Gráfico 8.
4 O índice de Gini mede a desigualdade na distribuição de renda – quanto mais próximo de um mais desigual.
34
Gráfico 8: Desigualdade Índice de Gini
Fonte: Neri (ibid., p. 11) a partir dos dados PNAD/IBGE.
Enfim, mudanças consideráveis aconteceram no Brasil nas últimas décadas,
desde o Plano Real, que possibilitaram o crescimento da economia e, mais
intensamente, durante o governo Lula, com os programas de distribuição de renda e
principalmente com o aumento no salário mínimo aliado ao aumento no número de
postos de trabalho. Tudo isso culminou no aumento da renda média que acontece
mais intensamente nas camadas mais pobres da sociedade, diminuindo a
desigualdade na distribuição da renda no país. Com uma renda média maior e uma
inflação estável, há um aumento no poder de compra das camadas em questão.
1.2. As manchetes da “ascensão da nova classe média”
Por volta dos anos 2008-2009, emergiu uma nova discussão relacionada ao
aumento da renda e do poder de compra, o aumento da chamada classe C ou
classe média. Em 2011, em seu discurso de posse, Dilma Roussef mencionou o
momento econômico vivido pelo Brasil que culminou no “resgate de milhões de
brasileiros da miséria e ajudando outros milhões a alcançarem a classe média”.
Vivemos um dos melhores períodos da vida nacional: milhões de empregos estão sendo criados; nossa taxa de crescimento mais que dobrou e encerramos um longo período de dependência do FMI, ao mesmo tempo em que superamos nossa dívida externa. Reduzimos, sobretudo, a nossa histórica dívida social, resgatando milhões de brasileiros da tragédia da miséria e ajudando outros milhões a alcançarem a classe média. 5
5 Trecho do discurso de posse da presidente Dilma Roussef.
35
O tema da “ascensão da classe média” ganhou importância no cenário
nacional. Em 2011, foi criada a Comissão para Definição da Classe Média pela
Secretaria de Assuntos Estratégicos do Governo Federal. Essa comissão é formada
por intelectuais de diversas áreas, de dentro ou de fora do governo, e tem como
objetivo entender e definir a classe média no Brasil de forma a ajudar a estruturar
políticas públicas direcionadas a ela. Essa comissão não só publicou um relatório
definindo estatisticamente o que é classe média, como também apresentou outras
seis publicações sobre o tema, que são: Perguntas e Repostas sobre a definição da
Classe média, 45 curiosidades sobre a nova classe média e quatro versões do
Caderno Vozes da classe média, com dados demográficos e de comportamento
acerca desse grupo.
Outros fatos além das prioridades da Secretaria de Assuntos Estratégicos
evidenciam o ganho de importância do tema no Brasil. O instituto Datapopular, de
Renato Meirelles, ganhou importância na mídia e no cenário político. Renato
Meirelles faz parte da Comissão para Definição da Classe Média do governo federal.
No dia 31 de maio de 2009, a Folha de São Paulo publicou um caderno
especial na Revista da Folha, em parceria com o Instituto Datapopular, o qual trouxe
na capa e contracapa os seguintes textos: “Fator c: Com renda de R$1.500 Daniella
Reis faz parte de uma clientela que dita novos valores de consumo em SP” e “De
olho neles. Como a classe C virou a grande vedete do consumo de tecnologia e de
moda e provocou a expansão de serviços na área de educação e lazer”
(BALSEMÃO e BARMANT, 2009). Ficou claro não só na reportagem da Folha, como
também em dezenas de matérias de jornais e revistas a temática do consumo
presente nas manchetes da “ascensão da classe C”.
A discussão ao redor desse tema é complexa e intensa. Tanto do ponto de
vista de definições quanto da crítica em relação ao projeto político e ao fato de a
temática mercadológica do consumo estar tão presente. Existem definições e
críticas de diversas correntes de pensamento e a cada dia um novo livro é lançado
com esse tema.
A seguir, este trabalho procurará iluminar alguns dados e pontos de vista
sobre a definição de classe C.
36
1.3. Definições de classe C ou classe média
Antes de iniciar a jornada pelas definições de classe C, ou classe média ou
qualquer que seja o nome desse grupo, é importante esclarecer que não existe hoje
uma única definição aceita nem um consenso sobre os melhores critérios, não existe
sequer consenso sobre o nome do grupo. Em algumas publicações, ele é chamado
de classe C, em outras de classe média, em outras de nova classe de trabalhadores.
Algumas publicações chamam essa estratificação da sociedade, com base na renda
ou no consumo, de classes sociais, outras chamam de classes econômicas e ainda
outras de classe de renda. Portanto, este trabalho não tem a pretensão de esgotar
essa polêmica, somente de trazer à tona suas diferentes facetas e apresentar dados
e argumentos para melhor compreensão da discussão.
A tentativa de definir essa camada da sociedade brasileira, que chamaremos
aqui de classe C, com o propósito único de nomeá-la e não de concordar ou criticar
as definições, não pode ser iniciada sem esclarecer que a chamada classe C não é
de fato uma classe, segundo a definição sociológica clássica marxista, que entende
classe social em termos referentes ao seu papel no processo de produção e posse
do capital.
Existem hoje diversos critérios para segmentação da sociedade brasileira,
sendo dois deles mais usados: pela renda e pela aquisição de bens.
O critério de estratificação pela renda tem como base os dados da Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios. O Centro de Políticas Sociais da FGV,
coordenado por Marcelo Neri, apresenta seu cálculo de estratificação da sociedade
brasileira. Segundo Neri, algumas considerações devem ser tomadas em conta no
uso da renda “seja na definição de classe ou da sua tradução no potencial de
consumo e de capacidade de geração (e manutenção) de renda” (NERI, 2010a). Em
primeiro lugar, a unidade considerada é sempre a família, não os indivíduos.
Entretanto, é necessário usar a renda per capita para distinguir famílias que
possuem a mesma renda e diferente número de indivíduos.
Tendo o micro dado de renda domiciliar per capita em mãos, cada família ou
parcela da sociedade é posicionada sobre um eixo de renda. Uma vez que está
sobre esse eixo, a faixa central fica definida como classe C. Esse eixo não está,
contudo, dividido em faixas de mesmo tamanho em número de famílias, e sim de
37
forma a maximizar a distância entre as faixas e minimizar a distância dentro delas.
Depois disso, os dados são ajustados com base na POF – Pesquisa de Orçamento
Familiar do IBGE – que, embora feita a cada cinco anos, tem dados detalhados
sobre renda total e informal, muito importantes principalmente para os mais pobres.
Dessa forma a classe C, segundo Neri, está imediatamente acima dos 50%
mais pobres e abaixo dos 10% mais ricos. “A classe C aufere em média a renda
média da sociedade, ou seja, é a classe média no sentido estatístico. A classe C é a
imagem mais próxima da média da sociedade brasileira” (NERI, 2010b, p. 24).
Usando esse critério, de fato, é possível observar um aumento da importância
da classe C ou camada média nos últimos anos, conforme Gráfico 9.
Gráfico 9: Evolução das classes econômicas segundo critério CPS/FGV
Fonte: Neri (ibid.) a partir dos dados PNAD/IBGE
Em número de pessoas, é possível observar que a classe C incorporou quase
30 milhões de indivíduos, além do fato de que as classes D e E perderam 23
milhões de indivíduos, que ascenderam nessa mesma pirâmide (Gráfico 10).
38
Gráfico 10: Evolução das classes econômicas em número de indivíduos
Fonte: Neri (ibid., p. 33) a partir dos dados PNAD/IBGE.
A Comissão para definição da classe média, em seu relatório de definição da
classe média no Brasil, publicado em outubro de 2012, também utiliza dados de
renda do IBGE para o cálculo e estratificação da sociedade brasileira. Um dos
argumentos que se apresenta para escolha desse critério é:
Embora estejamos longe de um mundo com mercados completos, boa parte do que as pessoas mais valorizam (inclusive saúde e educação) pode ser obtida no mercado. Nesse ambiente, apesar de a renda não ser o indicador sintético perfeito, dentre os indicadores unidimensionais disponíveis ela tende a ser o mais próximo do ideal. (BRASIL, 2012a, p. 16)
Da mesma forma que Neri, esse relatório defende que a renda deve ser
familiar, per capita, total e bruta. O relatório reconhece que mesmo não sendo um
critério perfeito, dentre os critérios unidimensionais possíveis, é o mais completo.
Uma vez escolhida a renda como critério, o relatório discute como dividir a
sociedade em grupos. Uma forma de fazê-lo é dividir a população em percentis de
renda, de forma que a classe média sempre esteja entre o percentil 25 e 75,
ocupando 50% da população. O critério que prevaleceu, porém, foi aquele mesmo
usado por Neri, onde se busca similaridades e se procura dividir, de forma a
minimizar a desigualdade interna do grupo e maximizar a desigualdade entre
grupos.
Dessa forma, o Relatório para Definição da Classe Média, da SAE, chegou à
conclusão que a classe C, que representava 38% da população em 2001, passou a
representar 49% da população em 2009 (ibid., p. 29).
39
Além da estratificação pela renda, o critério mais utilizado no Brasil hoje é o
padrão de aquisição de bens, chamado de “Critério Brasil”. Esse cálculo foi criado
pela Abep – Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa – e é usado pelo Ibope
e outras instituições de pesquisa de mercado como, Ipsos, Nielsen e Datafolha.
Entretanto o fato de ser usado pelo Ibope expande a importância para este trabalho,
uma vez que o Ibope é quem mede audiências, logo, os espaços comprados pelos
anunciantes para veiculação de seus comerciais são segmentados de acordo com o
Critério Brasil. Como consequência, as empresas em si acabam usando esse
mesmo critério.
A Abep usa o sistema de pontos baseados em posse de bens e nível de
escolaridade do chefe de família, ou da pessoa de referência na família. Quanto
mais bens a família possui, e quanto maior o grau de escolaridade da pessoa de
referência, mais pontos a família possui. Posteriormente o número de pontos dará
origem à “classe”. As Tabelas 3 e 4 compõem o critério Abep.
Tabela 3: Número de pontos acumulados por quantidade de bens e grau de instrução do chefe de família
Fonte: Abep Critério Brasil (ibid.).
Ao final, as “classes” são encontradas conforme número de pontos
acumulados, como mostra a Tabela.
40
Tabela 4: cortes do critério Brasil
Fonte: Abep Critério Brasil (ibid.).
Nesse sistema de pontos, baseado em posse de bens, a renda se torna um
produto da pesquisa, uma vez agrupadas as famílias dentro do sistema de pontos e
assim é possível chegar à sua renda média.
É importante, entretanto, observar as diferenças entre a renda média das
classes definidas por diferentes critérios. A Tabela mostra dados de diferentes
fontes, comparando os dados provenientes da Abep, critério usado pelo Ibope e
pelas empresas para definição de classe média e dados da Secretaria de Assuntos
Estratégicos do Governo Federal retirados do relatório para definição da classe
média no Brasil. A Tabela mostra comparação entre a renda média de cada classe,
segundo esses dois critérios.
Tabela 5: Renda familiar média mensal segundo diferentes critérios
Fonte: Tabela da autora, fonte dos dados SAE e O Observador.
coluna
critério
alta classe alta 12998
baixa classe
alta4845
alta classe
média2813
média classe
média1925
baixa classe
média1540
vulnerável 1030
pobre 648
extretamente
pobre227
renda
familiar
média
mensal
DE 792
C 1450
AB 2907
A B
SAE ABEP
41
A coluna A mostra a renda média familiar, segundo o relatório para definição
da classe média da SAE, publicado em 2012, com valores expressos em reais de
abril de 2012. A coluna B mostra a renda familiar média segundo o relatório O
Observador 2012, do instituto Ipsos, que utiliza o critério Abep para definição de
classe, com dados de 2011. Apesar das diferenças entre número de faixas – a SAE
subdivide a população em mais grupos – e da diferença de período – dados de 2011
versus dados de abril de 2012, a diferença observada é grande.
Segundo os dados que usam o critério Abep, a renda da classe C é de R$
1.450 mensais, menos que a renda da baixa classe média segundo a SAE. As
classes A e B da Abep têm renda mensal de R$ 2.907, quase a metade da renda
mensal da baixa classe alta da SAE. Dessa forma é possível observar que, em
linhas gerais, a renda para cada grupo é menor que a renda apresentada pela SAE.
Isso significa que o corte feito pela Abep na pirâmide social está “mais abaixo”, em
relação à SAE: a classe C (ou média) começa e termina em um determinado nível
de renda menor no critério Abep, ou seja, classe C da Abep é mais pobre que a
classe média do Governo Federal.
Da mesma forma, as classes A e B (ou alta), segundo a Abep começa em
uma faixa de renda menor, se comparado ao critério SAE. Logo, é possível concluir
também que, se a Abep faz o corte na pirâmide de renda mais abaixo, a classe AB é
maior em número de indivíduos no seu critério. Ou seja, nesse critério usado pelo
Ibope e anunciantes, a classe C é mais pobre e as classes A e B, mais abrangente.
É importante esclarecer que, para a análise de comerciais, o critério utilizado
para este trabalho será o Critério Brasil, vigente em 2013, da Abep pela razão
simples de que esse é o critério usado pela televisão e seus anunciantes para
veicular comerciais direcionados à classe C. Entretanto, para efeito de entendimento
do fenômeno “classe C” como um todo, é importante levar em consideração também
os demais critérios descritos acima e as análises decorrentes deles, pois não existe
ainda um entendimento de qual é o critério final e o conhecimento que se constrói
sobre esse fenômeno é recente e complementar, não permitindo o descarte de
análises relevantes que utilizem um ou outro critério.
42
1.4. Um breve perfil da classe C
Para compreensão mais profunda desse grupo, foi preciso trazer para análise
alguns dados sociais, demográficos e comportamentais que dão mais cor a esse
retrato.
Segundo o Vozes da Classe média, Edição Marco Zero, publicado pela
Secretaria de Assuntos Estratégicos do Governo Federal, a classe C tem 53% de
população negra e se concentra no sudeste (45%), nordeste (24%) e sul (16%).
Ainda, 88% da classe C se encontra em área urbana e 51% dos chefes de família
não completaram o ensino fundamental ou não tem nenhuma escolaridade. Já a
população em idade ativa dentro desse estrato está 61% ocupada, 56% de maneira
formal, como ilustra a Tabela 6 (BRASIL, 2012b, p. 20).
Tabela 6: Composição da classe C segundo nível de escolaridade do chefe de família, taxa de ocupação e formalização do trabalho
Fonte: SAE (ibid., p. 20).
Embora a escolaridade dos chefes de família seja ainda muito baixa, segundo
o Datapopular, dados indicam que esse grupo valoriza a educação dos filhos,
“Enquanto na classe alta os filhos estudaram 20% a mais que seus pais, na Classe
C, essa média fica em 68%” (ibid.).
43
Uma evidência do aumento da escolaridade das camadas mais jovens da
classe C é a mudança na lista das ocupações mais comuns, como se pode ver na
figura a seguir. Ocupação com “serviços domésticos” e “serviços de conservação e
limpeza” continuam na lista, porém perdem importância. A ocupação “vendedor(a) e
atendente em lojas e mercados” ganha importância, tornando-se a primeira da lista.
Além dela, uma ocupação que não estava na lista passou a aparecer: o cargo de
Auxiliar Administrativo. Claramente ganham importância ocupações de maior nível e
perdem importância, embora continuem presentes, as mais simples como serviço
doméstico e de limpeza (Figura 1).
Figura 1: Principais ocupações da classe média Fonte: Datapopular a partir de cruzamentos PNAD e POF6
A mulher tem participação ativa nas transformações analisadas neste estudo:
redução do desemprego, aumento da renda do trabalho, aumento do estrato médio
da sociedade ou classe C. Aumenta também, a porcentagem de mulheres ocupadas
no Brasil, como é possível observar no Gráfico 11.
6 Classe média brasileira está mais escolarizada do que há 20 anos, diz estudo. Revista Carta capital. 18 de março de 2013. Disponível em: <http://www.cartacapital.com.br/sociedade/classe-media-brasileira-esta-mais-escolarizada-do-que-ha-20-anos-diz-estudo/>.
44
Gráfico 11: Proporção das mulheres de 10 anos ou mais de idade, ocupadas, segundo os grupos de idade
Fonte: IBGE / PNAD 1998/ 2008 (BRASIL, 2009, p. 203).
Uma consequência direta da maior participação da mulher no mercado de
trabalho é a porcentagem das famílias que tem mulheres como principal
responsável, ou seja, onde as mulheres tem a renda mais importante da família
conforme mostra o Gráfico 12.
Gráfico 12: Representatividade das famílias que têm mulheres como principal responsável
Fonte: Ibope (2010).
Segundo o Ibope, na classe C, esse número é maior que nas classes A e B.
De acordo com a matéria publicada pela revista Exame, “As mulheres comandam
32% das famílias de classe C no Brasil, (...). Nas camadas mais altas da população,
o porcentual de mulheres que são chefes de famílias é menor: nas classes A e B,
apenas 25% delas estão à frente das famílias” (ibid.).
45
Gráfico 13: Porcentagem de mulheres que são principal provedor da família
Fonte: Ibope (2010).
As mulheres de classe C estão presentes principalmente no comércio e nos
setores de serviços pessoais como artesãos, empregados domésticos, etc.
Gráfico 14: Importância do trabalho mulher por setor
Fonte: Ibope (2010).
Ocupação formal, jovens mais instruídos que seus pais e mulheres
contribuindo mais para a renda da família são, portanto, três das características mais
importantes desse grupo, capaz de transformá-lo economicamente e socialmente.
46
1.5. Classe C e o consumo
Um aspecto fundamental nessa análise é a questão do consumo. Segundo a
publicação da Secretaria de Assuntos Estratégicos do Governo Federal, “45
curiosidades sobre a nova classe média”, em 2009, a classe C foi responsável por
881 bilhões de reais dos gastos com consumo no país (BRASIL, s/d.b.).
Essa nova classe social cresce cerca de 4% ao ano. Mais da metade da população brasileira se enquadra nesta nova classe média de ex-pobres que estão a cada dia que passa melhorando de vida e agora vivendo na classe média C. As pessoas que formam essa nova classe média são aquelas que antes não tinham conta em banco e só consumiam o que realmente era necessário, mas que hoje compram o primeiro carro zero e constroem a sua casa própria. Isso está acontecendo por causa do aumento de emprego e também por causa dos reajustes nos salários que também contribuem para o crescimento dessa nova classe. (Ibid.)
O próprio governo lançou uma série de medidas, em setembro de 2011, para
estimular o consumo, reduzindo o IPI dos móveis e da chamada linha branca de
eletrodomésticos. O fogão teve o IPI reduzido de 4% para 0%, a geladeira de 15%
para 5% e a máquina de lavar roupas semiautomática (tanquinho), de 10% para 0%.
Essa medida, que inicialmente seria válida até 31 de março de 2012, foi prorrogada
e teve validade até 31 de dezembro de 2012. Também foi reduzido o IOF sobre o
financiamento ao consumo de 3% para 2,5%, facilitando o acesso ao crédito.
A temática do consumo é central na mídia quando noticia a classe C. O
consumo parece ser o cerne do “subir na vida”, e sempre é trazido como exemplo
quando se fala sobre o aumento da renda ou melhoria em padrão de vida na
imprensa. Isso faz sentido ao analisar o consumo como significado de melhoria de
vida à luz de autores contemporâneos como Bauman e Campbell. Bauman faz uma
crítica à sociedade contemporânea que tem o consumo como verdadeiro propósito
de existência.
Na sociedade do consumo, as pessoas viram mercadorias, e as mercadorias,
pessoas. O consumismo chega quando o consumo assume o papel-chave na
sociedade de produtores que antes era exercido pelo trabalho, tornando-se o centro
e a mola propulsora da sociedade (BAUMAN, 2007). Campbell também discute o
47
tema da centralidade do consumo na sociedade e vai além. Para ele, o consumo se
transformou em indicativo de sucesso e felicidade.
Isso significa não só que a sociedade está estruturada ao redor da venda e promoção de bens e não ao redor da produção desses bens; mas também que os membros dessa sociedade tratam alto nível de consumo como um indicativo de sucesso social e felicidade pessoal e por isso escolhem consumir como o objetivo diário de suas vidas. (CAMPBELL, 2005, p. 99)
Alguns dados encontrados em matérias de jornais e revistas, publicações da
SAE e também nos resultados na PNAD são importantes, pois ilustram como a
temática do consumo faz parte desse processo chamado de melhoria de vida.
Neri analisa dados de consumo da PNAD através da presença de alguns itens
dentro dos lares brasileiros. O computador com internet, por exemplo, que, em 2001,
era exclusividade de 8% dos domicílios, na PNAD de 2009 já aparece em mais de
28% dos lares do país, como ilustra o Gráfico 15.
Gráfico 15: Presença de computador com internet
Fonte: Neri (2010b, p. 60), a partir dos dados PNAD/IBGE
A máquina de lavar roupa foi outro item que aumentou sua presença em
lares, de 23% para mais de 44%, de acordo com o Gráfico 16.
48
Gráfico 16: Presença de máquina de lavar
Fonte: Neri (ibid.), a partir dos dados PNAD/IBGE.
O Ibope Mídia, em parceria com Target Group Index, disponibiliza dados
interessantes sobre a evolução do consumo por classe. O gráfico abaixa compara a
presença de diferentes itens nos lares em 2005 e em 2009. É possível observar que
tanto as classes A e B quanto a C adquirem DVDs, computadores e fornos de micro-
ondas, sendo o DVD o item que mais cresceu na classe C. Telefone celular é um
item que avança tanto na classe C quanto na DE.
Gráfico 17: Presença de diferentes bens de consumo, por classe, em 2005 e 2009
Fonte: Ibope (2010)
49
A imprensa caracteriza esse aumento do consumo de itens que não são
básicos na cesta como qualificação do consumo. Essa chamada qualificação do
consumo também se reflete nas marcas preferidas desse grupo. Entre essas marcas
são encontradas empresas e produtos líderes de mercado, que muitas vezes são
mais caros que seus concorrentes de marcas menos conhecidas.
Entre os homens, a marca preferida é a Adidas (5,8%), seguida da Nike (5,1%) e da Samsung (4,9%). Para as mulheres, a Nestlé repete a liderança (6,3%), em segundo lugar está O Boticário (4,2%) e em terceiro, a Hering (3,1%). Em relação às faixas etárias, os “maduros” preferem também a Nestlé (4,9%), depois a Sony (4,2%) e a Samsung (3,8%). Já entre os jovens, a “marca do coração” é a Nike (4,2%), seguida da Samsung (3,6%) e da Apple (3,2%). (STECANELLA, 2012)
Na mesma matéria, Renato Meirelles critica esses índices de preferência de
marca. Segundo ele, os números são muito baixos, pois nenhuma dessas marcas
conseguiu corresponder ao crescimento da classe C. Segundo o Datapopular, em
matéria do Estado de Minas, é preciso entender os hábitos da classe DE que
ascenderam à classe C para conquistar essa fatia do mercado.
Xirley, cantora de periferia, coloca seus CDs para vender em um camelô e vira popstar – com direito a neon na Imagem de Nossa Senhora Aparecida que ela mantém em cima do criado-mudo. A reluzente Nossa Senhora Aparecida no criado-mudo de Xirley é a metáfora de hábitos que vêm da base da antiga pirâmide e dão o tom desse novo consumo. “Muitas vezes há bolso de C, mas hábitos de D/E, algo que, quanto mais cedo as empresas perceberem, melhor encontrarão formas de ganhar dinheiro com esse mercado, sem preconceitos”, diz Wagner Sarnelli, diretor do Instituto Data Popular. (BOTTREL, 2012)
Um caso clássico, porém, na análise do consumo popular, é a Casas Bahia.
Luciana Aguiar analisa, em matéria da revista Consumidor Moderno, em 2009, que
“muito antes das empresas descobrirem o potencial da classe C, as Casas Bahia já
conheciam o DNA desse público e desenvolveram uma estratégia alinhada com
seus valores e sonhos, cujo slogan afirmava Aqui você pode” (AGUIAR, 2009, p.
114).
Uma série de fatores contribui para essa relevância da rede varejista para
esse público, tais como a localização das lojas na periferia, e a oferta de
50
financiamento com prestações acessíveis, embora o valor total do produto não seja
mais barato. A Casas Bahia foi pioneira em oferecer esse tipo de financiamento que
tornasse possível a compra de itens antes inacessíveis. Meirelles completa essa
análise com a questão do sentido de pertencimento, “enquanto a classe A busca
exclusividade, a classe C compra para fazer parte, se sentir incluída” (apud
BALSEMÃO e BARMANT, 2012).
A estabilidade dos preços combinada com o aumento da renda média teve
um efeito, sobretudo, nos gastos da classe C. Encontrando juros mais baixos no
mercado, essa faixa de consumidores passou a gastar mais e teve acesso,
principalmente através de financiamento e crédito disponível, a uma nova
perspectiva de consumo.
A classe C que ascendeu da base da pirâmide passa a fazer parte, então, do
universo do consumo. Com ela, emergem seus hábitos, gosto e estilo de vida. Essa
grande massa consumidora que se forma no Brasil sempre existiu como um grupo
de indivíduos que se expressa e se manifesta culturalmente de forma criativa e rica
na música, estética, arte. Um grupo que tem agora acesso ao mundo do consumo e
do entretenimento, acesso permitido pelo aumento da renda, aumento do crédito, e
da disponibilidade de informação.
Certamente seus valores do cotidiano, seus sistemas simbólicos, padrões
culturais há muito tempo expressos através de arte, música e linguagem, somados
aos seus medos, anseios e busca por identidade, passam a expressar-se também
através do consumo. O pensamento crítico de Canclini nos ajuda a refletir sobre o
papel do consumo nessa nova configuração socioeconômica da sociedade
brasileira:
Comprar objetos, pendurá-los ou distribuí-los pela casa, assinalar-lhes um lugar em uma ordem, atribuir-lhes funções na comunicação com os outros, são os recursos para se pensar o próprio corpo, a instável ordem social e as interações incertas com os demais. (GARCIA-CANCLINI, 1997, pp. 51-70)
51
1.6. Acesso e “consumo” de serviços públicos
Entretanto não é só com consumo que se constrói melhoria nos padrões de
vida. Outros aspectos precisam ser levados em conta como acesso a serviços
públicos básicos, como rede de esgoto, coleta de lixo, saúde e educação.
Neri (2010b) analisa dados da PNAD para mostrar que houve aumento de
acesso à rede de esgoto e coleta de lixo no país nas últimas décadas. O acesso à
rede de esgoto subiu de 36% para 51% e a coleta direta de lixo, de 58% para 82%
como se pode ver pelos gráficos abaixo.
Gráfico 18: População com acesso a rede de esgoto
Fonte: Neri (ibid.) a partir dos dados PNAD/IBGE
Gráfico 19: Lixo coletado diretamente
Fonte: Neri (ibid.) a partir dos dados PNAD/IBGE.
Embora de fato exista um aumento significativo no acesso desses serviços
básicos, a crítica precisa ser feita. Esses mesmos dados mostram que metade dos
domicílios do Brasil ainda não tem acesso à rede de esgoto e quase 20% ainda não
52
tem seu lixo coletado diretamente. Esses não são dados específicos de classe C,
mas sim do total da população, contudo se ela representa hoje quase a metade
dessa população, é possível estimar que parte da classe C ainda hoje não tem
acesso à rede de esgoto.
Já a saúde e educação são serviços públicos que podem ser adquiridos no
setor privado. O Gráfico 20 mostra a utilização de serviços privados de saúde e
educação, ou seja, “tem plano de saúde” e “frequenta escola particular”. É possível
observar que a classe C já tem certa representatividade dentre aqueles que
possuem planos de saúde, porém a representatividade desse grupo é bem menor
dentre aqueles que frequentam escola particular.
Figura 21: Utilização de serviços privados
Fonte: SAE (BRASIL, 2012b, p. 34).
Esse fato provavelmente está relacionado à percepção de que esse grupo
tem dos serviços públicos e a importância dada a cada um deles. Essa análise já
mostrou anteriormente que os jovens de classe C têm nível de escolaridade mais
alto que a média desse grupo. Entretanto, esse índice ainda é baixo. E a percepção
da classe C em relação às escolas públicas ainda é relativamente boa se
comparada às A e B: cerca de 48% da classe C avalia o ensino em escolas públicas
como bom ou ótimo. Não tem sentido pagar uma escola particular para aqueles que
veem na escola pública uma boa opção (Gráfico 21).
53
Gráfico 21: Porcentagem de pessoas que avaliam o ensino na escola pública como bom ou ótimo
Fonte: SAE (ibid., p. 43).
Já quando se trata de hospitais públicos ou privados, a percepção é outra. O
Gráfico 22 mostra a porcentagem de pessoas que concordam totalmente que
hospitais privados são melhores que hospitais públicos. O primeiro fato que chama
atenção é a similaridade de percepção entre as classes. Os três estratos, que são
chamados pela SAE de Classes Alta, Média e Baixa, apresentam dados
semelhantes: cerca de 60% concordam que hospitais particulares são melhores. Os
planos de saúde, que dão acesso aos serviços desses hospitais privados, ganham
importância então no gasto das famílias que podem pagar por ele.
Gráfico 22: Porcentagem de pessoas que concordam totalmente que hospitais privados são melhores que hospitais públicos
Fonte: SAE (ibid. p. 44).
54
Comparando essa percepção dos hospitais com a percepção em relação às
escolas públicas, fica claro porque a classe C aparece mais entre o grupo que “tem
plano de saúde” e não tanto no grupo “frequenta escola particular”. Na medida em
que há alguma renda disponível, o serviço privado procurado primeiro é aquele onde
existe maior discrepância de qualidade entre o público e o privado, a saúde.
1.7. Ponto e contraponto: um diálogo entre autores
contemporâneos brasileiros
Há quem diga que a nova classe média não é nova nem é classe nem é
média.
Os indicadores econômicos que apontam para uma melhoria de vida são
inegáveis. Neri, em A nova classe média: o lado brilhante dos pobres, leva-nos pela
jornada dos indicadores econômicos de crescimento do PIB, do emprego e da
renda, crescimento do salário mínimo e consequentemente do aumento da renda
média proveniente do trabalho. A renda dos mais pobres cresce de forma mais
acelerada que a renda dos mais ricos. Esse fato também é destacado no caderno
Vozes da Classe média, da SAE. Tudo isso faz com que a renda aumente e o
número de pessoas desse estrato médio da sociedade aumente, estatisticamente
falando. Esse estrato médio, segundo Neri, representa 50,5% da população e detém
46% do poder de compra do país (2010b, p. 86).
Com esses dados em mãos, a chamada classe C parece ser um grupo de
grande relevância tanto para governo, do ponto de vista eleitoral, quanto para
empresas, do ponto de vista do consumo. E não há como negar que esse grupo de
fato exista e sua renda média tenha aumentado, bem como seu consumo. Em
entrevista à Folha de São Paulo, Neri fala sobre o padrão adquirido da classe C e a
redução da desigualdade.
A nova classe média constrói seu futuro em bases sólidas que sustentem o novo padrão adquirido. Isso é o que chamamos de lado brilhante dos pobres. (...) A nova classe média nasce a partir da recuperação de atrasos tupiniquins. Ela é filha da volta do crescimento com a redução da desigualdade. (2012, p. 86)
55
O que é discutível, no entanto, é o argumento de que esse fenômeno
representa a ascensão de uma nova classe média. Autores brasileiros
contemporâneos como Jessé de Sousa e Marcio Pochmann fazem o contraponto.
Pochmann (2012, p. 8) começa seu livro Nova Classe Média: o Trabalho na Base da
Pirâmide Social Brasileira dizendo que não se trata da emergência de uma nova
classe média, e muito menos de uma classe média, mas sim que “o que há, de fato,
é uma orientação alienante sem fim, orquestrada para o sequestro do debate sobre
a natureza e a dinâmica das mudanças econômicas e sociais” (ibid.).
Seu argumento é de que existe sim um aumento nos postos de trabalho
oferecidos e, apesar da baixa escolaridade, o grupo que antes estava numa
condição de pobreza passa por um processo de ascensão social inegável, “embora
ainda distante de qualquer configuração que não a da classe trabalhadora” (ibid., p.
10). Segundo o mesmo autor, existem características nesse grupo que não se
encaixam em critérios objetivos do que é identificado como classe média, seja pela
renda, pelo tipo de ocupação ou perfil pessoal. Essas características se assemelham
àquelas das “classes populares” 7 que, uma vez que não poupam, gastam tudo o que
ganham e, ao aumentar a renda, aumentam imediatamente o padrão de consumo.
Souza, em entrevista para a Folha, também discorda que esse grupo deva ser
chamado de classe média. Ele argumenta que já existe uma classe média
estabelecida, detentora do capital cultural.
A classe média estabelecida é uma classe dominante porque se forma pela apropriação privilegiada de capital cultural, seja técnico e especializado, seja literário e especulativo, o qual é indispensável para o funcionamento do mercado e do Estado. Ainda que não exista acesso privilegiado a volume significativo de capital econômico, como nas classes altas, o acesso a este conhecimento altamente valorizado socialmente cria toda uma “condução da vida” em todas as dimensões que permite, quase sempre, manter o privilégio para as gerações seguintes. (SOUZA, 2011)
Souza é autor de dois livros usados neste trabalho: Ralé Brasileira (2009) e
Os Batalhadores Brasileiros (2012), trazendo um ponto de vista sobre as classes
sociais brasileiras de forma “não economicista e quantitativa”. Segundo ele, tanto
estudos baseados em renda e consumo quanto as descrições marxistas, fundadas
7 Termo usado por Pochmann.
56
em uma única dimensão da realidade, oferecem um ponto de partida, porém não
uma leitura sociocultural da realidade.
Para que possamos explicar e compreender uma realidade social complexa é necessário penetrar na dimensão mais recôndita das motivações profundas do comportamento social e nos dramas, sonhos, angústias e sofrimentos humanos que elas implicam. (Ibid.)
Tanto Souza quanto Pochmann aprofundam suas análises na questão do
trabalho. Pochmann, através de um olhar de economista, e Souza, de um olhar
sociológico com pitadas de influência bourdiana.
Segundo Pochmann, a expansão do setor de serviços foi o principal fator que
levou ao fortalecimento do mercado de trabalho. O setor de serviços detém 90% das
novas ocupações com remuneração de até 1,5 salário mínimo. Esse fato somado às
políticas públicas de transferência de renda e aumento acelerado do valor real do
salário mínimo significou o “fortalecimento das classes populares assentadas no
trabalho” (POCHMANN, 2012, p. 10).
Souza dialoga com Pochmann nesse argumento. Segundo Souza, esse grupo
que ascendeu na pirâmide social através da renda e do trabalho se sustenta sobre
uma espécie de ethos do trabalho, foi o trabalho que trouxe o aumento da renda e
do consumo; seu próprio trabalho, com seus próprios braços, sua batalha, a batalha
do feirante, da empregada doméstica, do microcrédito; batalha que é motivo de
orgulho e dignidade. Logo, esse grupo é mais adequadamente chamado de “nova
classe trabalhadora” ou simplesmente de “batalhadores” (SOUZA, 2012).
Para os batalhadores, o trabalho árduo e esforço individual são protagonistas
na trajetória que os levou pelo caminho da luta a uma “vida melhor”. Por esse motivo
se torna tão importante à narrativa de vida de cada indivíduo. A religião é, na análise
de Souza, a estrutura que ajuda a consolidar essa nova classe trabalhadora. Uma
das possíveis razões estaria na doutrina das religiões neopentecostais, que se
expandiram nas últimas décadas, onde a salvação divina se dá pelo trabalho
realizado na Terra.
A discussão sobre nova classe média, sobre nomenclaturas, origens,
questões políticas e, ainda, sobre veracidade ou ilusão da melhoria de vida dessa
população, é complexa e tem muitas facetas. Porém, não é possível negar que, de
fato, houve um aumento da renda média e redução da desigualdade nas últimas
57
décadas. O dado novo que Pochmann traz e que ilumina essa discussão para um
prazo mais longo é a renda média e o índice de Gini desde 1960. Nessa curva, fica
clara a melhoria que as últimas décadas apresentam.
Entretanto, também fica claro que o Brasil apenas se recuperou de décadas
de aumento da desigualdade, período que se iniciou em 1964 e foi até 2001, quando
a curva do índice de Gini de fato começou a cair e chegar novamente aos patamares
da década de 1960, e a renda média voltou a crescer após décadas de estagnação,
conforme apresenta o Gráfico 23.
Gráfico 23: Evolução dos índices de renda per capita nacional e do grau de desigualdade de renda pessoal (Gini) (1960=100)
Fonte: POCHMANN (2012, p. 17).
Por fim, é importante encerrar com a crítica de Pochmann em entrevista para
a revista Caros Amigos. A melhoria de renda e consequentemente de vida das
camadas sociais menos favorecidas foi sem dúvida um fato de extrema relevância
para o país nas últimas décadas. Mas para onde vamos agora?
A inteligência da política pública desde o início do governo Lula foi de viabilizar maior renda para esses segmentos da base da pirâmide social para ampliar o consumo, e ao ampliar o consumo nós fomos gradualmente ocupando a capacidade ociosa das empresas sem a necessidade de grandes investimentos. Agora estamos em condições mais difíceis para viabilizar essa perspectiva porque já há certa saturação da capacidade ociosa, e o grande desafio colocado é o do investimento, da ampliação da capacidade produtiva para atender as possibilidades de incorporação de novos segmentos. (POCHMANN, 2013)
58
CAPÍTULO 2 – PUBLICIDADE: A INTERSEÇÃO ENTRE TELEVISÃO
E CONSUMO
É lugar comum nas ciências sociais dizer que vivemos numa sociedade de
imagens. A questão aqui é que, hoje, vivemos também numa sociedade de
consumo, e não basta entender a imagem sem entender sua relação com o
consumo. Neste capítulo, será aprofundada a relação entre a televisão, como
principal manifestação da cultura de massas, e sociedade de consumo, para
entender que a publicidade é o ponto fundamental dessa relação e por isso é objeto
de pesquisa deste trabalho.
2.1. Consumo: berço do nascimento da publicidade
Definir consumo não é uma tarefa fácil, afinal é difícil superar o já aceito
conceito de que consumo é exclusivamente uma atividade econômica. “Consumo
pode ser definido como a seleção, compra, uso, manutenção e descarte de qualquer
produto ou serviço” (CAMPBELL, 2005).
Mas seria realmente só isso? Definições utilitaristas vêm sendo criticadas
pelos cientistas sociais nos últimos anos, numa tentativa de encontrar as
verdadeiras razões do consumo.
Slater é um sociólogo inglês que se contrapõe à teoria utilitarista8 e que
defende que o consumo é sempre cultural e os significados envolvidos são
necessariamente significados partilhados. As preferências individuais são, elas
mesmas, formadas no interior de culturas. “A cultura não influencia o consumo, nem
dá formas específicas a uma necessidade básica, mas sim a cultura constitui as
necessidades, os objetos e as práticas de que se compõe o consumo” (SLATER,
2002, p. 132).
Campbell também critica o utilitarismo na medida em que ele
8 Utilitarismo ou explicação utilitarista clássica para o consumo, no qual este nada mais é do que o meio para satisfação das necessidades. O consumidor nesse caso busca a maximização da satisfação da sua necessidade ao menor custo possível. Os primeiros filósofos e economistas explicavam dessa forma o fenômeno do consumo que surgia no início da sociedade capitalista. Ainda hoje a maximização da utilidade é estudada na microeconomia.
59
não oferece perspectiva para origem das necessidades ou dos gostos. Embora ofereça prognósticos do grau de interesse que o consumidor tem por um produto, não oferece explicação para as diferenças preferenciais que um consumidor pode ter para satisfação das necessidades. Portanto sob essa ótica todas as necessidades tem a mesma urgência. (CAMPBELL, 2001, p. 63)
Esse autor busca no “instinto que visa aquietar carências biológicas” um dos
componentes do pensamento sobre a origem das necessidades do consumidor.
Tendo como fato que o instinto de suprir carências biológicas acompanha o ser
humano desde o primeiro dia de sua existência, pode-se dizer que o consumo, de
certa forma, sempre existiu. O alimento que mata a fome e o abrigo que protege do
frio são providos pela natureza que é consumida com o objetivo da manutenção da
existência. Já nessa explicação simplista do consumo da sobrevivência, emerge a
questão cultural como ponto central.
No entanto o problema central desses argumentos em favor das necessidades básicas é seu pressuposto de que podemos identificar as necessidades básicas, como a fome, independente das formas culturais que assumem (...). Vivenciamos todas as nossas necessidades (inclusive as físicas) no interior de uma cultura. (SLATER, 2002, p. 133)
Entretanto, essa sociedade que era preocupada somente com as
necessidades biológicas não se estruturava ao redor do consumo, e o consumo não
constituía o principal motor de seu funcionamento e sua economia. A questão que
permanece aqui é quando teve inicio o consumo como conhecemos hoje.
A Revolução Industrial é sem dúvida uma das origens do consumo, ou ainda
um pré-requisito, sem ela o consumo em larga escala não seria possível. Segundo
Campbell, a Revolução Industrial se firmou na venda de artigos da vida diária para o
mercado interno, para a parcela da sociedade que não era nem muito pobre, nem
muito rica. Isso possibilitou o ganho de escala em número de artigos vendidos. “Em
outras palavras, um mercado de renda mediana, uma burguesia nascente composta
por comerciantes, artesãos, agricultores com mais recursos, engenheiros e
funcionários públicos” (ibid., p. 41). O ganho de escala e novos meios de produção
passam a ser então a centralidade da sociedade na época, que ganhava capacidade
de produzir e vender artigos em grande escala, para uma população que apenas
aprendia a consumir.
60
Ortiz (1991) analisa esse fenômeno na história europeia para compreender a
origem do consumo. O autor busca no luxo e, em seguida, em sua expansão,
através da Revolução Industrial e produção em massa de objetos, o surgimento do
consumo no sentido moderno do termo. Segundo ele, na sociedade medieval, as
procissões e rituais dos cavaleiros estampavam o luxo. A emergência do poder
monárquico, entretanto, e o ganho de poder dos príncipes e reis em detrimento dos
cavaleiros, além da erosão do monopólio da Igreja Católica na Europa, fazem com
que esse luxo impessoal se individualize e se torne privado, inicialmente exclusivo
da nobreza, e em seguida da burguesia (ibid., p. 121).
Essa privatização do luxo começa a se manifestar em vários âmbitos da vida
doméstica, como móveis, decorações, a maneira de por a comida sobre a mesa e de
se sentar à mesa. Todas essas mudanças implicam num processo de refinamento
do gosto do qual deriva o conceito de civilidade que emerge na sociedade da época.
“Os novos hábitos como: se portar à mesa, caminhar, se vestir, não decorrem de
uma mera vontade pessoal, o conceito de civilização rege a multiplicidade das ações
do mundo aristocrático” (ibid., p. 122).
Ao longo do século XIX, houve um aumento no consumo de vários gêneros
alimentícios; vinho, batata, carne, etc. Produtos como chocolates, açúcar, banana e
chá passaram a ser correntes. Isso foi proporcionado não só pelo aumento da
produção, como também da capacidade de transporte, crescimento de redes
ferroviárias e distribuição, além de profundas mudanças no varejo comerciante. A
família francesa adquiriu o hábito de se abastecer nesses comerciantes.
O surgimento dos Grand Magazin, na França do século XIX, fundou um novo
modelo cujos volumes de negócios eram infinitamente maiores, o número de itens
negociados se multiplicou e a experiência da compra se modificou, tornando-se mais
autônoma, sem balcões. As vitrines se embelezaram e os templos do consumo9
surgiram grandiosos em Paris.
Os Grand Magazin passaram a comercializar todo tipo de mercadoria,
inclusive aqueles “luxos” que proporcionam conforto à vida cotidiana. Ortiz discute,
então, a diferenciação entre luxos. Surge a questão da utilidade ou inutilidade do
luxo. Instaura-se o debate entre necessidades legítimas e fictícias. Sendo o luxo útil
e sua história contada a partir da noção de conforto, seja ele privado, através do
9 Termo usado por Ortiz.
61
consumo, ou público, com os novos serviços de saneamento oferecidos pelos
municípios.
Sendo o “luxo” parte da essência da origem do consumo, é fundamental
entender como caminhou esse conceito até os dias de hoje. Campbell apresenta
uma perspectiva distinta e mais contemporânea de “luxo”, no qual este pode ter dois
significados. Primeiro refere-se ao consumo supérfluo, desejado, indo além da
carência, “o luxo é qualquer despesa maior que o necessário” (CAMPBELL, 2001, p.
88). Já o segundo remete a uma experiência sensorial e agradável: desfrutar a
dimensão agradável de uma experiência. A partir dessa perspectiva, o luxo é tudo
aquilo que proporciona prazer, uma experiência agradável, um estímulo, o inicio da
compreensão da função do hedonismo para o consumo.
De acordo com Campbell, o hedonismo moderno, diferentemente do
tradicional, baseia-se não nas sensações causadas por estímulos externos, mas sim
na maximização emocional de uma experiência. Dessa forma as emoções podem
ser criadas dentro de um individuo a partir de pouco ou nenhum estímulo externo,
através de devaneios ou ilusões. “É esta forma altamente racionalizada de
hedonismo autoilusivo que caracteriza a moderna procura do prazer” (ibid., p. 112).
Ele é autocontrolado e permite a cada individuo provocar estímulos na ausência de
qualquer fator externo. Nesse sentido, é o próprio devaneio, a expectativa de um
futuro prazeroso que nunca chega. Essa expectativa é chamada, por Campbell, de
anseio. É a expectativa do prazer que detona o desejo de realizá-lo, mas, ao realizá-
lo, provoca uma frustração, pois o prazer está justamente na expectativa.
A consumação do desejo é portanto uma experiência necessariamente desencantadora, uma vez que põe o devaneio à prova quando encontra a realidade. (...) É mais provável portanto que o sonho seja levado adiante e ligado a um novo objeto de desejo de tal modo que os prazeres ilusórios possam, uma vez mais, serem re-experimentados. (CAMPBELL, 2001, p. 126)
Dessa forma, dá-se o ciclo de consumo que parece infinito, que mostra
consumidores eternamente insatisfeitos. Cada novo produto é visto como se
oferecesse a possibilidade de concretizar essa ambição. Porém cada compra leva à
desilusão. O anseio fundamental permanece.
62
O discernimento essencial que se exige é a compreensão que os indivíduos não procuram tanta satisfação dos produtos quanto do prazer das experiências autoilusivas que constroem com suas significações associadas. A atividade fundamental do consumo, portanto, não é a verdadeira seleção, compra ou uso dos produtos, mas a procura do prazer imaginativo a que a imagem do produto se empresta sendo o consumo verdadeiro, em grande parte, resultante desse hedonismo “mentalistico”. Encarada dessa maneira, a ênfase tanto na novidade quanto na insaciabilidade se torna compreensível. (CAMPBELL, 2005, p. 130)
Assim, Campbell conclui que o espírito do consumismo moderno é tudo
menos materialista. Nesse sentido, o autor conclui também que as imagens dos
produtos são mais importantes que os próprios produtos, pois são elas que fazem
parte do hedonismo imaginativo, do devaneio prazeroso de um dia possuir. A
imagem é consumida antes do próprio produto.
Baudrillard é o primeiro autor que entende o consumo além da mercadoria em
si, atribuindo a ela um significado não material. Ele argumenta que o consumo é um
fenômeno onde os signos relacionados aos bens são consumidos, portanto a
mercadoria não é valorizada pelo seu uso ou seu atributo físico, material, mas sim
pelo significado que ela carrega, determinado pela sua posição em um sistema de
significados autorreferenciados. Para o autor, na sociedade de consumo, cuja
centralidade é a manipulação ativa de signos, a infinita reprodução de imagens e
signos apagou toda a distinção entre o real e a imagem.
Não se trata pois dos objetos definidos segundo sua função, ou segundo as classes em que se poderia subdividi-los para comodidade de análise, mas dos processos pelos quais as pessoas entram em relação com eles e da sistemática das condutas e das relações humanas que disso resulta. (BAUDRILLARD, 2006, p. 11)
Sendo assim, a mercadoria se transforma em signo, e o consumo é a
atividade de manipulação sistemática de signos cuja lógica reside na ambiguidade
onde o sistema de signos é um código criado pela sociedade capitalista e, ao
mesmo tempo, manipulado pelos indivíduos ao consumir.
O consumo como manipulação ativa de signos se torna central na sociedade
contemporânea, onde o signo e a mercadoria se juntam para produzir a mercadoria
signo. “A autonomia do significante, mediante a manipulação dos signos na mídia e
na publicidade, por exemplo, significa que os signos podem ficar independentes dos
63
objetos e estar disponíveis para uso numa multiplicidade de relações associativas”
(FEATHERSTONE, 1995, p. 33).
Dessa forma, Baudrillard apresenta o conceito de sociedade de consumo
(BAUDRILLARD, 1981). Uma sociedade que está estruturada ao redor da venda e
promoção de bens e não ao redor da produção desses bens, mas também que seus
membros tratam alto nível de consumo como um indicativo de sucesso social e
felicidade pessoal e por isso escolhem consumir como o objetivo diário de suas
vidas.
Nos anos recentes, Bauman aprofunda a crítica a essa sociedade que se
estrutura ao redor do consumo, tendo este como sua força motriz, sua economia e
dos indivíduos que a compõem.
Os encontros dos potenciais consumidores com os potenciais objetos de consumo tendem a se tornar as principais unidades na rede peculiar de interações humanas conhecida, de maneira abreviada, como “sociedade de consumidores”. Ou melhor, o ambiente existencial que se tornou conhecido como “sociedade de consumidores” se distingue por uma reconstrução das relações humanas a partir do padrão, e à semelhança, das relações entre os consumidores e os objetos de consumo. (BAUMAN, 2007, p. 19)
Segundo o autor, numa sociedade de consumidores, consumir parece,
portanto, ser o investimento e “vendabilidade” de si próprio para obter qualidades
para as quais já existe uma demanda no mercado. O indivíduo é o produto, ao
mesmo tempo que a mercadoria ganha personalidade. Bauman diz ainda que o
consumismo “é um tipo de arranjo social resultante da reciclagem de vontade,
desejos e anseios humanos rotineiros, permanentes, e assim dizer ‘neutros quanto
ao regime’, transformando-os na principal força propulsora e operativa da sociedade”
(ibid., p. 99).
O consumo se tornou, portanto, não só o cerne e centro da sociedade
contemporânea, como também a razão de viver dos indivíduos e objetivo de suas
vidas.
2.2. Cultura de massa e consumo de imagens
O consumo é essencialmente cultural. Se o consumo “é um sistema de
significação e a verdadeira necessidade que supre é a necessidade simbólica”
64
(DOUGLAS e ISHERWOOD, 2009, p. 16), os bens se tornam parte integrante e
fundamental da rede de signos culturais, e a função essencial do consumo é fazer
sentido, construindo um universo inteligível (ibid.).
Segundo Douglas e Isherwood, o consumo é um sistema de significação, é
um código através do qual são traduzidas muitas de nossas relações sociais. Os
bens são, portanto, parte visível da cultura e são arranjados em um código, em
perspectivas e hierarquias de significação. Sendo assim, a publicidade, através da
comunicação de massa, amplifica esse código cultural criando necessidades
simbólicas semelhantes.
Cultura, segundo Morin, constitui um complexo sistema de normas e símbolos
que estrutura e orienta os instintos e emoções dos indivíduos. “Uma cultura oferece
pontos de apoio imaginários à vida prática e também pontos de apoio práticos à vida
imaginária” (MORIN, 1994, p. 15). Dessa forma, a cultura de massas é alimentada
pela via de mão dupla onde o imaginário imita o real e vice-versa, sempre
veiculando valores do consumo, em busca de maximizá-lo.
A cultura de massas nasce nos Estados Unidos após a Segunda Guerra
Mundial num complexo contexto de reafirmação do capitalismo, democratização do
consumo, formação e desenvolvimento de um novo grupo assalariado. Nesse
sentido, cultura de massas é o produto de um diálogo entre produção e consumo.
Para entender a cultura de massas, é necessário voltar até onde Edgar Morin
inicialmente traz uma perspectiva sobre a origem do lazer. Lazer surge a partir do
momento em que o tempo do trabalho é enquadrado em horários fixos,
independente das estações, diferentemente dos tempos das festas do modo antigo
de vida quando trabalhavam no verão para se resguardar no inverno ou
descansavam nas festas dos solstícios, ou ainda, quando o descanso celebrava
comunhões coletivas e ritos sagrados.
No sentido moderno, o lazer é o tempo ganho sobre o trabalho. O
desenvolvimento do lazer tende a diminuir a intensidade afetiva ligada ao trabalho.
“O trabalho em migalhas faz com que a seiva da vida encontre novas irrigações fora
do trabalho. (...) [os trabalhadores] se refugiam no lazer e no movimento no sentido
da vida privada” (ibid., p. 42).
Na ética do lazer, abrem-se horizontes para a cultura de consumo, do bem-
estar e do entretenimento. Com o advento dos meios de comunicação eletrônicos na
65
sociedade norte-americana, inicia-se uma nova fase de expansão da cultura de
massas, a qual se irradia a partir dos Estados Unidos para todas as partes do
mundo. Para Morin (ibid., 42), ela pode ser considerada a propagadora de uma
gigantesca ética do lazer.
A cultura de massas se desenvolve principalmente com o advento e
massificação da televisão. Produzida industrialmente e distribuída no mercado de
consumo, a cultura de massas se apresenta particularmente sob a forma do
espetáculo transmitido pela TV. Ou seja, a cultura de massas emerge dentro do
contexto do lazer e entretenimento e transforma-os em consumo, veiculando filmes,
novelas, músicas e comerciais de acordo com as necessidades culturais que
emergem do público. Alimentando, assim, a dialética entre o sistema de produção
cultural e as necessidades do público, de forma a fortalecer a vida privada nas
imagens, modelos e aspirações.
Assim como a Revolução Industrial proporcionou a produção e oferta em
massa de mercadorias, a cultura de massas produz e entrega de forma massificada
o conteúdo do lazer e as propagandas. No pós-guerra norte-americano emergiu
essa cultura de massas, ao mesmo tempo que a televisão ganhou espaço dentro
dos lares e o consumo se tornou a mola propulsora da sociedade. Nesse momento a
produção da cultura começou a ser integrada à produção de mercadorias e a
publicidade se sofisticou (ibid.). Esta se torna, então, parte integrante da cultura de
massas numa via de mão dupla. A cultura de massas é, de certa forma, a
publicidade do desenvolvimento do consumo e do capitalismo, ao mesmo tempo que
a publicidade é um prolongamento da cultura de massas, trabalhando a favor do
mesmo consumo (ibid.).
2.3. Identidade na sociedade contemporânea: o papel do
consumo e da publicidade
Uma questão adicional deve ser acrescentada ao bojo da complexidade do
consumo e da publicidade: o seu papel na construção da identidade do indivíduo na
sociedade contemporânea. Autores como Bauman e Giddens abordam as questões
contextuais da sociedade, no início do século XXI, os quais têm profundas
implicações sobre o indivíduo e consequentemente sobre a questão identitária.
66
Zygmunt Bauman, em Modernidade Líquida, argumenta que na sociedade
contemporânea os riscos e as contradições produzidas socialmente recaem cada
vez mais sobre os ombros do indivíduo que passa a ter, sozinho, a carga de
enfrentá-los. A própria ideia de modernização, antes considerada uma tarefa coletiva
para a razão humana, é individualizada e “juntamente, o que é importante, com o
peso da responsabilidade, se transladou decisivamente para a autoafirmação do
indivíduo” (BAUMAN, 2001, p 38). Quando a responsabilidade e o risco das
decisões recaem unicamente sobre o indivíduo, uma das consequências é a busca
pela certeza num ambiente de incertezas e dúvidas.
Quando “cada indivíduo deve ir em frente e tentar sua sorte”, quando “ele tem que nadar ou afundar” – “a busca compulsiva da certeza” se instala, começa a desesperada busca por “soluções” capazes de “eliminar a consciência da dúvida” – o que quer que prometa “assumir a responsabilidade pela ‘certeza” é bem-vindo. (ibid., p. 28)
Anthony Giddens, em Modernidade e Identidade, dialoga com Bauman,
mostrando que a alta modernidade10 introduz riscos que as gerações anteriores não
tinham que enfrentar, colocando o indivíduo diante de uma complexa variedade de
escolhas e ao mesmo tempo oferecendo pouca ajuda sobre as opções que devem
ser selecionadas (GIDDENS, p. 2002, p. 79). Nesse contexto o indivíduo se sente só
e privado de referências, num mundo onde falta sentido de segurança, culminando
numa insegurança ontológica onde o eu é visto como um projeto reflexivo, uma
interrogação contínua, pela qual o indivíduo é responsável.
Assim, os indivíduos partem em busca de sua autoidentidade,11 construindo
narrativas na tentativa de dar sentido à vida, que são concretizadas através do estilo
de vida e do consumo de produtos que lhes proporcionam a ilusão de afirmação
identitária.
Os regimes [alimentares] têm uma importância central para a autoidentidade precisamente porque ligam os hábitos a aspectos
10 O conceito de alta modernidade de Giddens será usado somente no contexto do pensamento desse autor. O objetivo deste trabalho não é discutir conceitos de modernidade tardia ou pós-modernidade, apenas entender as consequências para o indivíduo no contexto do consumo. Por isso, usa-se, neste trabalho, sempre o termo mais geral sociedade contemporânea. 11 Da mesma forma, o conceito de autoidentidade do Giddens é usado aqui somente no contexto do pensamento desse autor. Já que não é objetivo discutir a questão da identidade autorreferenciada ou identidade inserida no grupo ou sociedade. Somente mostrar como o consumo e a propaganda podem ter um papel fundamental na crise identitária da sociedade contemporânea.
67
visíveis da aparência do corpo. Regimes de autoenfeite são também ligados a dinâmicas centrais da personalidade. A roupa é um meio de autoexibição, mas também se relaciona diretamente à ocultação / revelação a respeito das biografias pessoais – liga as convenções a aspectos básicos de identidade. (ibid.)
Na alta-modernidade, o estilo de vida adquire primazia, não nos termos do
consumismo superficial, mas no sentido de que o indivíduo é obrigado a escolher um
estilo de vida, o qual Giddens define como: “um conjunto mais ou menos integrado
de práticas que o indivíduo abraça não só porque essas práticas preenchem
necessidades utilitárias, mas porque dão forma material a uma narrativa particular
de autoidentidade” (ibid., p. 79), tais como hábitos de vestir, comer e agir.
Campbell também sugere que o próprio consumo pode propiciar a
significância e a identidade que os indivíduos modernos tanto desejam e que é em
grande parte através desse ato de consumir que eles combatem seu senso de
insegurança ontológica. Ele mostra como os indivíduos se autodefinem em função
do seu gosto, seus desejos e hábitos de consumo, como comidas e bebidas, lazer,
etc.
Dessa forma, inevitavelmente, chegamos à conclusão de que as atividades dos consumidores devem ser entendidas como uma resposta à postulada “crise de identidade”, e também como uma atividade que, na verdade, só serve para intensificar essa crise (...) eu compro a fim de descobrir quem eu sou. (CAMPELL, 2007, p. 49)
Maria Eduarda Mota Rocha aprofunda essa discussão ao analisar o consumo
em São Miguel dos Milagres, mostrando que, na pobreza, o consumo assume o
papel de reelaboração das identidades sociais, na medida em que é a partir dele que
o estigma da pobreza é deixado de lado. O consumo surge como atestado de
integração mais favorável dessas populações à sociedade brasileira, ou seja, de
pertencimento. Rocha traz também a importância do discurso publicitário na questão
da reelaboração das identidades sociais. “De modo rápido, ele traduz e promove
códigos através dos quais o consumo de produtos é acionado na construção de uma
imagem adequada à identidade pretendida” (ROCHA, 2002, p. 141).
Logo, se a publicidade codifica a questão do consumo como significado de
pertencimento, a marca é o signo que carrega o código. Ela não só representa o
produto na publicidade, como também é elemento fundamental nesse processo de
68
busca da identidade, por portar uma carga imagética com a qual o consumidor
identifica-se.
A marca pode não ter nenhuma relação com o produto ou serviço por ela representado. Melhor dizendo, sua intenção não é refletir uma “realidade objetiva” e, sim, ser capaz de falar de como “os consumidores veem a si mesmos ou da maneira como gostariam de ver a si mesmos”. (...) A marca é um símbolo complexo onde as diferentes imagens que opera precisam ser coerentes entre si, cuidadosamente remetidas à imagética principal com a qual a marca quer se ver identificada. (FONTENELLE, 2002, p. 177; grifos meus)
As necessidades simbólicas do indivíduo na sociedade contemporânea estão
na busca por sua identidade. Se essa é uma das questões centrais da sociedade
hoje e essa mesma sociedade tem como cerne e centro o consumo, é lógico que
este tende a ser uma das possíveis saídas para essa busca simbólica. Sendo assim,
a propaganda passa então a compor uma rede de signos e atua como código, dando
sentido ao consumo na jornada da construção identitária.
2.4. A publicidade se transforma com o consumo: de
anúncio a sistema simbólico
Voltando um pouco na história da publicidade, antes de se tornar detentora
dos signos do capitalismo, ela surgiu como facilitadora de circulação das
mercadorias. “A publicidade, juntamente com os sistemas de crédito, contribuem
para abreviar o tempo de circulação das mercadorias, acelerar a rotação do capital e
reforçar as necessidades de consumo” (ARRUDA, 2004, p. 72). Segundo Arruda, a
publicidade nos Estados Unidos se desenvolveu em três fases. A primeira fase foi a
publicidade artesanal, os anúncios “classificados”. Em seguida, surgiram os agentes
que separavam os produtores dos veículos que anunciavam. Depois, na terceira
etapa, as agências se configuraram como empresa. As mensagens se tornaram
sofisticadas e adquiriram nova roupagem, tornando-se mais sutis, mais elaboradas,
abandonando o conteúdo enumerativo, buscando influenciar as pessoas.
No Brasil, entretanto, o mercado publicitário já nasceu organizado em termos
empresariais, copiando o modelo americano. Em 1914, surgiu a primeira agência no
Brasil, A Eclética, que começou representando o jornal Estado de São Paulo para
69
anúncios classificados (ibid.). Mas somente na década de 1970 ficou estabelecida a
primazia da televisão diante dos demais veículos escolhidos pela publicidade, que,
além de alcançar mais lares com apenas uma veiculação,12 produz uma
remuneração maior para as agências.13
No meio publicitário, considera-se que a televisão é a maior mídia do Brasil e capaz de vender uma ampla gama de produtos. Ao se espalhar pelo país em quase toda sua extensão e pela sua penetração em lares brasileiros, torna-se a mídia mais usada pela publicidade. (ALMEIDA, 2007, p 180)
Utilizando meios de grande penetração em lares, como principalmente a
televisão e sob o intermédio das agências, as empresas produtoras investem em
publicidade com a finalidade de tornarem conhecidas suas mercadorias, facilitando
sua circulação. Logo, a tarefa de relacionar essas duas esferas, produção e
consumo, aparece como algo fundamental no anúncio (ROCHA, 2006, p 17).
Na medida em que os meios se sofisticaram, passaram de impressos a
eletrônicos, unindo assim o som à imagem, as produções dos comerciais também se
sofisticaram, a publicidade também se transformou , tornando-se mais complexa em
relação aos anúncios classificados no início do século XX (ARRUDA, 2004, p. 18). A
publicidade começou então a transbordar sua função básica de conectar produção e
consumo, ela tornou-se mais elaborada e complexa.
Ao apresentar um produto com nome, identidade própria, história, posição específica diante de outros produtos, ao acentuar cores, forma, estilo, gosto, visual, o anúncio humaniza, por assim dizer, algo possuído em série, impessoal, múltiplo e anônimo. Nessa operação ele relaciona elementos intrínsecos à vida social e ao universo psicológico, fazendo com que o produto transite na direção de um domínio específico do humano, do social, do cultural. (ROCHA, 2006, p. 18)
No entanto não é apenas o desenvolvimento dos meios, da indústria cultural e
das agências que transforma a publicidade. Na medida em que ela media produtores
12 Embora o rádio ainda seja naquele momento o meio de maior penetração, sua atuação é pulverizada enquanto uma emissora de TV como a Rede Globo sozinha alcança todo o país. (ARRUDA, 2004). 13 Uma porcentagem da verba publicitária das empresas cabe às agências, o que explica a concentração dos investimentos em TV, cujo preço de veiculação é superior em relação aos demais veículos, garantindo às agencias uma remuneração absolutamente maior.
70
e consumidores, também se transforma com as mudanças no universo do consumo,
já analisados neste capítulo. o consumo como ponto-chave na sociedade que antes
era exercido pela produção, tornando-se o centro e a mola propulsora da sociedade.
Nesse contexto, a publicidade torna-se mais complexa não somente pelos novos
meios de veiculação, mas também porque se torna símbolo que carrega e divulga o
significado da mercadoria.
No mundo onde mercadoria é signo, Fontenelle contribui com o conceito de
marca como condensador do significado de uma mercadoria, “A marca publicitária
seria por essência o lugar da ‘alma das coisas’. É a marca que define, particulariza,
diferencia um produto dos outros além de seu aspecto físico, material.”
(FONTENELLE, 2002, p 177). A autora faz uma análise profunda da construção da
marca McDonalds, e como a publicidade se situa nesse contexto. Ela compreende o
capitalismo imagético através da análise da própria marca e o papel que ela
desempenha no interior do capitalismo contemporâneo.
E é através da publicidade que o consumo é capaz de adquirir esse tom
cultural, por meio dela que são construídas as marcas, os signos e códigos de
imagem.
Nesta perspectiva, o discurso publicitário seria uma expressão importante da “cultura de consumo”, o conjunto de práticas e representações que promove uma nova relação com os bens. Então, o papel da publicidade (...) seria a promoção de uma cultura de consumo que, por sua vez, sustenta uma expansão e diversificação do consumo entre os diversos segmentos sociais. (ARRUDA, 2004, p. 18)
O consumo se torna, então, um sistema cultural onde a publicidade tem papel
fundamental. A publicidade é a narrativa que dá sentido ao consumo e está,
seguramente, entre as principais produtoras de sistemas simbólicos presentes em
nosso tempo (ROCHA, 2006, p. 12).
Até agora a publicidade foi apresentada em sua historicidade, além da
evolução em relação à complexidade técnica e complexidade de signos. Ela evoluiu
com os meios de comunicação e se tornou um sistema simbólico que traduz as
relações sociais na sociedade de consumo, mas, sobretudo ela se tornou uma
complexa rede de signos que tem como objetivo conectar o consumo com a
construção de identidade da sociedade contemporânea. Sendo esta também uma
71
sociedade de consumo, tendo este como cerne e centro, o consumo passa a ser,
então, um possível recurso para a busca da identidade do sujeito.
2.5. Por fim, desejos e sonhos são explorados ou
construídos?
Existe uma questão final, porém fundamental, na construção da
argumentação deste trabalho. Até aqui a publicidade foi tratada como articuladora de
signos que geram identificação com o indivíduo, com o objetivo de promover o
consumo.
Se a insegurança ontológica e busca por identidade são inerentes à
sociedade contemporânea e à sociedade de consumo, a publicidade precisa
entendê-las para que as marcas respondam a elas e tenham sentido simbólico para
o indivíduo como consumidor. O que a publicidade faz é entender as inseguranças
no mundo contemporâneo e fazer uso delas, modificando a mensagem relacionada
ao seu produto. Assim, a publicidade não transforma as inseguranças do indivíduo,
pois estas já são parte integrante da sociedade contemporânea. “Percebendo o
vácuo na orientação das relações pessoais, (os publicitários) começaram a oferecer
seus produtos como resposta ao descontentamento moderno. A publicidade adquiriu
assim um valor compensatório e pedagógico. Ela é modelo de referência” (ORTIZ,
2003, p. 120). Portanto, ela ultrapassou a intenção simples do ato promocional e
criou referências e valores.
Campbell é quem formula esse argumento em “A ética romântica e o espírito
do consumismo moderno”. Ele começa admitindo que “para uma pessoa ser bem
sucedida em fazer as outras agirem conforme seu desejo é necessário, portanto,
que conheça algo sobre seus motivos” (CAMPBELL, 2001, p 72). Logo, na
publicidade, não é a motivação individual que está sendo modificada, ao contrário, é
a essa motivação que a publicidade está sendo adaptada. Assim é possível
sustentar que os desejos e sonhos são explorados, mas não construídos pelos
anunciantes (ibid.). O que os produtores realmente modificam em primeiro lugar são
os significados simbólicos vinculados aos seus produtos.
É completamente possível aceitar, por exemplo, que os agentes dos produtores, na forma de publicitários, façam realmente a tentativa de
72
manipular os significados simbólicos das “mensagens” que são ligadas aos produtos, num esforço para induzir os consumidores a terem necessidades deles, e que procurem fazer isso tentando identificar seu produto com os desejos mais comuns das pessoas. (Ibid.)
Pode-se dizer, portanto, que os desejos são estudados, explorados e até
aumentados pela publicidade, bem como aquilo que está numa camada mais
profunda que os desejos, os anseios inerentes à vida do indivíduo, sua crise e busca
por identificação e pertencimento intrínsecos ao modo como a sociedade
contemporânea se organiza. O que os anunciantes fazem, em busca da preferência
do indivíduo como consumidor e indubitavelmente para convencê-lo a comprar, é:
estudar, entender, analisar, dissecar esses anseios; compreender o gosto estético, o
estilo de vida, o grupo onde o indivíduo está inserido; e, por fim, associar seu
produto a esse universo e modificar a imagem de sua marca, para enfim acender no
indivíduo a centelha do desejo e do prazer associado ao consumo daquele produto
especificamente.
Esse argumento é fundamental para compreensão da questão da apropriação
do gosto popular pelos detentores do capital.
Se é a “classe C” que agora detém poder de consumo, ela carrega consigo o
gosto e a simbologia de suas origens em suas escolhas de consumo. As empresas,
buscando ampliar seu mercado consumidor, estudam esse gosto e simbologia
próprios da “classe C”. Não só estudam o gosto, como tentam entender seus
valores, anseios e inseguranças para adotá-los em sua publicidade, associando-os
aos produtos e marcas que comunicam para que se tornem objetos desejados por
esse grupo. Isso de modo que suas marcas anunciadas, e seus produtos, tenham
significado na vida desse grupo e, portanto, passem a ser consumidas por ele.
Por isso, a apropriação do gosto popular é o que acontece quando as
empresas, interessadas na “classe C” como consumidora, adotam o discurso, a
simbologia e a estética desse grupo, fazendo uso deles na propaganda, e dessa
forma, buscando gerar identificação desse grupo com seus produtos. Essa análise
será feita nos capítulos seguintes desta dissertação.
73
CAPÍTULO 3 – TRANSFORMAÇÕES NA TELEVISÃO BRASILEIRA
APÓS O PLANO REAL
Surpreendente número de antenas parabólicas indica que a casa incompleta e precária e a mesa pobre não entram a tecnologia sofisticada do satélite e o imaginário luxuoso e manipulável da televisão. É como se as pessoas morassem no interior das imagens e comessem as imagens. A imagem tornou-se, no imaginário da modernidade, um nutriente tão ou mais fundamental do que o pão, a água e o livro. (MARTINS, 2000, p. 42)
A citação de José de Souza Martins é escolhida para abrir este capítulo por
apresentar emblematicamente a centralidade tomada pelo consumo e pela imagem
– sobretudo pelo consumo da imagem – na vida de cada indivíduo e as mudanças
que essa centralidade provoca no todo da sociedade. “O ‘império das imagens’ é um
sintoma de nossa época, podendo ser o ponto de partida para que possamos pensar
uma nova forma de representação da realidade” (ADORNO apud FONTENELLE,
2002, p. 19). Nossa sociedade hoje é permeada pelo predomínio da imagem e
substituição das coisas pela própria imagem.
No império das imagens, que se construiu durante o século XX, a televisão se
tornou o principal meio de comunicação e de manifestação da indústria cultural, não
só por sua altíssima penetração em lares, como também pela capacidade de
combinar imagem e som, o que permite a emissão de mensagens mais complexas
que o rádio e publicações impressas (Gráfico 24).
Gráfico 24: Penetração de televisores em lares brasileiros
Fonte: IBGE, PNAD 1992/2007.
74
Em 1992, a penetração de televisores nos lares brasileiros já era de 74%,
aumentando para 96% até 2009. Isso significa que quase todos os domicílios do
país, do mais rico ao mais pobre, tem pelo menos um aparelho televisor. Significa
também que ele está estabelecido há muitas décadas como parte integrante dos
lares brasileiros.
3.1. Década de 1990 e a perda de audiência da Globo
Na década de 1990 esse boom de vendas de televisores após o Plano Real
significou a compra do primeiro aparelho pelas classes D e E, provavelmente do
segundo aparelho da classe C e do terceiro ou quarto das classes A e B (BORELLI,
2000, p. 115). Nesse mesmo momento que o número de televisores por domicílio
cresceu e provavelmente as crianças passaram a ter seu próprio aparelho,
começaram a surgir no horário nobre opções para o público infanto-juvenil, como
Castelo Ra-tim-bum, na TV Cultura, e Carrossel, no SBT. Na década de 1990, a
Rede Globo perdeu audiência e essa é uma das possíveis razões, na análise
apresentada no livro de Borelli.
Outra hipótese para a perda de audiência da Rede Globo, na década de
1990, foi o aumento da importância do público adolescente / jovem na audiência da
televisão. Esse público, em busca de emoções fortes, não se prende a uma grade
de programação, ao invés de assistirem uma emissora, zapeiam por diversos
programas. Em 1991, surgiu o Programa Livre, no SBT, que, até o ano 2000, foi o
programa direcionado ao público jovem mais bem sucedido da televisão brasileira.
Seu dinamismo, rapidez das entrevistas, em meio à música e diversão, além do
comando de Serginho Groisman pareciam ser sua fórmula de sucesso. Houve
também um aumento de audiência do público jovem em programas como Ratinho
Livre, que exploram o grotesco popular. Em 1999, 36% do público desse programa
tinham menos de 24 anos de idade (Ibid., p. 112).
Houve ainda as mudanças ocorridas no horário vespertino que minaram a
audiência do horário nobre da Rede Globo através de programas em horários
próximos. Um exemplo disso foi a apresentadora Ana Maria Braga que, antes de se
mudar para a Rede Globo, apresentava o programa Note e Anote na Rede Record.
75
Seu programa ganhou audiência ao longo da década de 1990 e possivelmente
ajudou a aumentar a audiência do jornal local que era veiculado em seguida na
Record (ibid.).
Canais como a Record ganharam audiência vespertina com o Note e Anote, o
SBT ganhou audiência do público jovem com o Programa Livre. A Rede Globo, que
antes reinava sozinha, começou a ter concorrência. A CNT e a Gazeta se fundiram
no início dos anos 1990. Em 1995, a Record inaugurou novos estúdios após a
entrada do capital do bispo Edir Macedo. A Rede Bandeirantes passou a segmentar
como o canal do esporte com foco no público masculino. Surgiram os canais UHF
que iniciaram suas operações no Brasil em 1990: MTV, Rede Mulher, Redevida,
Rede Gospel e Shoptour são alguns dos canais segmentados veiculados através do
UHF. O aumento da concorrência certamente contribuiu para a perda da audiência
da Rede Globo nesse período (ibid.).
A TV a cabo também ganhou mercado, na década de 1990, e principalmente
nos anos 2000, tirando audiência da TV aberta. Dados da Associação Brasileira de
Televisão por Assinatura mostram número de assinantes quintuplicando do início
dos anos 2000 até o ano de 2013.
Gráfico 25: Numero de assinantes de TV por assinatura (em milhões)
Fonte: Associação Brasileira de Televisão por assinatura.
76
Segundo a Anatel (2013), em março de 2013, 28% dos lares brasileiros
possuíam algum tipo de TV por assinatura. Nos últimos anos, o crescimento é ainda
mais acentuado nas classes C, D e E, como mostra o Gráfico 26.
Gráfico 26: Lares com TV por assinatura, por classe
Fonte: Associação Brasileira de Televisão por Assinatura.
Mira em sua análise acerca do SBT e suas influências nas mudanças
ocorridas na televisão na década de 1990, apresenta um panorama da emissora que
surgiu, no início da década de 1980, ancorada em programas popularescos, e com
isso ganhando audiência. No início da sua operação no SBT, Silvio Santos procurou
compor seu quadro de funcionários, produtores e diretores com profissionais de
dentro do seu grupo de origem, ou seja, vindos de funções mais simples, isso fez
com que sua programação, linguagem e estética sempre agradassem ao público
mais popular (MIRA, 1995).
Já o padrão Globo de Qualidade começou a ser construído no final da década
de 1960 e início da década de 1970 e na época conferiu uma mudança importante
na televisão brasileira.
O salto qualitativo da Globo, no final dos anos 60 e começo dos anos 70, ancorou o posterior desenvolvimento da emissora. Técnicas e técnicos formados pelos campos do cinema foram gradativamente sendo incorporados à produção. Da mesma forma, atores e autores provenientes dos campos da literatura, cinema e teatro foram
75%
46%
17%
5%
78%
51%
24%
8%
88%
63%
31%
10%
Classe A Classe B Classe C Classes D e E
2010 2011 2012
77
constituindo o maior e melhor elenco da TV brasileira, oferecendo também, nesse sentido, um alto padrão de qualidade. (Ibid., p. 85)
A construção de cenários e cidades cenográficas e a posterior eliminação de
programas de cunho popularesco14 transformaram a Rede Globo em uma emissora
direcionada ao público médio. Enquanto, nos anos 1980, o SBT se estabeleceu
como emissora direcionada ao público popular com boa penetração nos lares de
classe CD nos grandes centros. Dessa forma, criou-se uma bipolaridade, entre o
gosto médio e gosto popular, na televisão brasileira. E, com o aumento do número
de televisores e perda da audiência da Globo na década de 1990, o SBT aumentou
sua importância como canal de televisão (MIRA, 1995).
Também na década de 1990, após o Plano Real, ocorreu o aumento da renda
média das famílias brasileiras e consequentemente o aumento do poder de consumo
das classes C e D. Isso fez com que as empresas de bens de consumo passassem
a se interessar por esse público como consumidor e como audiência publicitária para
os comerciais dos seus produtos.
Embora ainda líder absoluta de audiência, a perda de telespectadores fez
com que o preço cobrado dos anunciantes pelo espaço de veiculação na Rede
Globo fosse questionado. Assim, o SBT ganhou participação no bolo da verba
publicitária, subindo de 15% para 19%. Enquanto isso a Globo de 60% para 45% de
participação (BORELLI, 2000, p. 112).
Isso acabou obrigando a própria Globo a se adaptar à nova realidade, em um
processo que se iniciou nos anos 1990 e se estende até hoje, como nos fatos
observados e colocados a seguir.
3.2. A busca pela audiência e reconquista do público
A partir do momento em que a perda da audiência começa a prejudicar o
investimento publicitário, a Globo começa a fazer mudanças em sua programação
para se adaptar ao novo cenário.
O Jornal Nacional foi o primeiro a sofrer mudanças profundas na década de
1990, após perder audiência para os telejornais sensacionalistas de outras
14 Ocorre após intervenção governamental nos anos 70 que visava tirar do ar aquilo que considerava de baixo nível cultural. (BORELLI, 2000).
78
emissoras. Para recuperar seu público, o telejornal inseriu em sua programação
diária regras próprias do melodrama popular: o conflito entre o bem e o mal, a
presença da “moral da história” e do tom emocional, que substituiu o tom racional
anterior.
No lugar da política, entraram as imagens da emoção, câmeras ocultas, a
violência (ibid.). No lugar de Cid Moreira, o casal William Bonner e Fátima Bernardes
são escolhidos para conquistar o público. O Fantástico também passou por
transformações semelhantes na busca da audiência perdida, incorporando pitadas
de sensacionalismo velado em sua pauta, simplificando os temas e priorizando o
tom emocional, como foi feito no Jornal Nacional.
Os programas de auditório haviam sido tirados do ar pela Rede Globo na
década de 1970 com o objetivo de manter o Padrão Globo de Qualidade. Entretanto
já na década de 1980, novas versões voltam à programação. Em 1989, o Domingão
do Faustão entra no ar e, em seguida, variações infantis como Xuxa e Sérgio
Malandro (MIRA, 1995). Em 1999, o humorístico Zorra Total passa a fazer parte da
programação, mostrando a intenção da emissora de atingir o público popular, apesar
da falta de espontaneidade e improviso, característicos do universo popular.
No início dos anos 2000, mais um programa de auditório é adicionado à
programação da Rede Globo: o Caldeirão do Hulk, liderado por Luciano Hulk que,
até 1998, estava à frente do Programa H, dirigido ao público jovem, na TV
Bandeirantes e que havia lançado personagens de sucesso como Tiazinha e
Feiticeira. Como uma versão renovada do clássico programa de auditório, o
programa mistura humor, música, participação do público, jogo e câmeras
escondidas.
Além de Luciano Hulk, a Rede Globo contratou outros profissionais que
faziam sucesso em outras emissoras e roubavam sua audiência. Serginho
Groisman, que ganhava audiência do público jovem no SBT foi para a Rede Globo
no ano 2000, além de Ana Maria Braga que apresentava o programa Note e Anote
na Record e que, em 1999, mudou-se para a Globo.
Uma década após a estreia de Caldeirão do Hulk, em 2011, duas novas
atrações entram no ar: o TV Xuxa, um programa de auditório para toda a família, e o
Esquenta, liderado por Regina Casé cuja identificação com a periferia é a marca
79
registrada, segundo a própria Rede Globo.15 O Esquenta tem como característica
principal, dar voz ao público, trazendo a música e a cultura da periferia para a
televisão de forma extravagante e colorida. Além disso, o programa discute de forma
leve e divertida questões de desigualdade social.
Essa mudança da Rede Globo pode ser observada, sobretudo, nas novelas.
Em 2012, foi ao ar a novela Cheias de charme, sobre a vida de três empregadas
domésticas que, nas horas vagas, eram cantoras. Penha, Rosário e Cida são as três
personagens principais desse enredo. Elas trabalham muito, são bonitas e
admiradas e, para conseguir pagar as contas, decidem cantar no trio “Empreguetes”,
que acaba fazendo um grande sucesso e mudando a vida das empregadas
domésticas. A vilã é Chayene, cantora de lambada, Techno forró e brega pop
piauiense, que atribui sua má fase na indústria fonográfica ao sucesso das
Empreguetes. As cores e os exageros confirmam a tentativa de atribuir uma “origem
popular” à novela.
Nesse mesmo período, começaram a surgir, em outras novelas, empregadas
domésticas, mecânicos e outros personagens populares como núcleos centrais da
história. Atores e atrizes do primeiro escalão passaram a fazer papéis antes
deixados para atores menos conhecidos. Um exemplo disso é Malu Mader que
interpretou Rosemere, garçonete em um bar da zona Norte e mãe solteira na novela
Sangue Bom. O núcleo central da própria novela Sangue Bom se localizava na
periferia da cidade de São Paulo.
Também a novela Avenida Brasil trouxe sinais claros de que a Rede Globo
estava interessada em ganhar a audiência de classes C e D. Tufão, personagem do
núcleo central da novela, ficou rico, mas não saiu da periferia, e tinha orgulho de sua
história e sua origem (CARNEIRO, 2012). A novela tinha “79% de seus
personagens, entre jogadores de futebol e cabeleireiras, com os pés firmemente
plantados no cotidiano da classe C” (ZYLBERKAN, 2012).
A questão mais importante é a mudança da centralidade dos enredos e
personagens principais das zonas centrais para a periferia, do rico para o pobre, em
busca da identificação da audiência. Segundo o sociólogo Helder Rodrigues, a
idealização das classes C e D não ocorre somente mostrando o lado bom da
periferia. Segundo ele, a intenção das emissoras é criar uma “possibilidade utópica”
15 REDE GLOBO, Página da Rede Globo para o público. Disponível em: <http://tvg.globo.com>. Acesso em: 25 dez. 2013.
80
de representar essa audiência. “Dos nomes dos personagens à trilha sonora, tudo
busca fazer referência aos subúrbios. Este compromisso com a realidade fica por
conta do cenário, do figurino, e principalmente das atitudes e do cotidiano tanto dos
protagonistas quanto dos coadjuvantes” (MEDEIROS, 2013, p. 8).
É importante ressaltar que este trabalho não tem como objetivo avaliar a
efetividade dessa adaptação da Rede Globo, muitas vezes criticada por continuar
sendo produzida sob o olhar preconceituoso das classes A e B. A intenção aqui é
somente verificar o fato de que, para manter seus níveis de audiência, ela passou a
apropriar-se do popular em sua programação e em suas escolhas.
A televisão paga, a cabo ou por satélite, também apresenta mudanças que
podem ser interpretadas como interesse na audiência mais popular que passa a ter
acesso a esse serviço. Canais de filmes como TNT e Megapix passam a apresentar
a versão dublada como padrão, disponibilizando o áudio original como alternativa. O
canal Megapix, do grupo Globosat, anuncia “todos os dias, depois da novela, um
grande filme pra você”.
Outro fenômeno que evidencia essa apropriação e uso do gosto e cultura das
classes populares pela indústria cultural é a ascensão de músicos e gêneros
musicais de preferência popular, que são contratados por grandes gravadoras,
ganhando espaço na televisão e eventos antes restritos ao gosto da elite. Um bom
exemplo disso foi a indicação de Michel Teló às categorias melhor álbum sertanejo e
melhor canção brasileira do ano no prêmio Grammy Latino, em 2012. Além de
receber duas indicações, Teló encerrou a festa. Gaby Amarantos, que canta o brega
paraense, já tem seu contrato assinado pela Som Livre. A novidade. no entanto. é
que Gaby foi capa da Revista da TAM. em outubro de 2013. e diz em entrevista: “A
periferia me ensinou tudo que sei”. Outros artistas e gêneros musicais emergem
desse mesmo fenômeno, como: funkanejo, pagonejo e outras misturas populares.
São apenas exemplos do gosto popular que ganhou importância com o aumento da
renda da classe C.
Valorização do gosto popular e diferenciação são faces do consumo que
aparecem em reportagens recentes de jornais e revistas. Segundo reportagem da
revista Exame, de 3 de setembro de 2012, houve um tempo em que o consumo
representava a busca pela elitização, atualmente os consumidores que emergem da
base da pirâmide sabem o que querem.
81
No passado, o aumento da renda fazia com que essas pessoas assumissem padrões que não eram de sua classe. Um exemplo claro é daqueles que ‘enricavam’ e para mostrar status, saíam de seus bairros. Hoje, além do consumidor ficar na periferia, ele faz questão de lembrar suas raízes e usar suas referências. (BOTTREL, 2012)
Bottrel, em seu artigo no jornal O Estado de Minas, de 5 de fevereiro de 2013,
mostra Xirley, cantora de periferia, que colocou seus CDs para vender em um
camelô – com direito a neon na Imagem de Nossa Senhora Aparecida, que ela
mantém em cima do criado-mudo (ibid.).
A curiosidade que surge é: o fenômeno de valorização da cultura da periferia
e apropriação dessa cultura pela televisão pela indústria cultural vai na contramão
da lógica bourdiana da distinção?
Segundo a lógica bourdiana, as elites detentoras do capital cultural usam o
gosto puro e práticas culturais inerentes a ele como forma de distinção. A origem do
gosto puro estaria na estética erudita que é a recusa de tudo aquilo que é “humano”:
emoções e sentimentos que homens comuns experimentam. Nesse sentido, a
estética popular, ou gosto bárbaro, é a negação da negação, ou seja, a recusa da
estética erudita, remetendo ao humano, aos sentimentos e à diversão pura: “O
desejo de entrar na representação, identificando-se com as alegrias ou sofrimentos
dos personagens, interessando-se por seu destino, desposando suas esperanças e
causas” (BOURDIEU, 2007, p. 36). A distinção acontece na aversão pelos estilos de
vida diferentes e sem dúvida é uma das maiores barreiras entre classes. “A
hierarquia socialmente reconhecida das artes (...) dos gêneros, escolas ou épocas,
corresponde à hierarquia social dos consumidores. Eis o que predispõe os gostos a
funcionar como marcadores privilegiados da ‘classe’” (ibid., p 9).
No Brasil, a Rede Globo ditou por décadas as regras da televisão, com o
“Padrão Globo de Qualidade”, o “bom gosto”, as cenas ensaiadas e cidades
cenográficas, produzidas pelos detentores do capital cultural. Os programas de
auditório e de natureza popularesca foram retirados de sua programação.
No entanto, desde a década de1990, ela – e indústria cultural, em parte de
suas produções – traz de volta o gosto popular. Os programas de auditório voltam
ao ar e as matrizes populares voltam a ser valorizadas. Esse fenômeno tem
claramente cunho econômico, já que a chamada classe C é agora maioria de
82
audiência e público. Fica pendente a questão se existe de fato uma legitimação
dessa cultura da periferia, dessa estética extravagante, colorida e enfeitada que
domina a televisão, a música, as revistas.
Este trabalho não encontra evidencias de legitimação, mas sim de
apropriação com fins econômicos de retomada de audiência e conquista do público
de classe C. E o que antes era a distinção – “Padrão Globo de Qualidade” – agora é
uso e apropriação do gosto popular para sobrevivência e reconquista da audiência.
A apropriação dos elementos do popular com fins econômicos pode ser
comprovada com a análise das audiências atuais das duas maiores emissoras de
televisão do país: a Rede Globo e o SBT.
3.3. A audiência e a importância da classe C
Não é possível falar em presença da classe C na audiência dos veículos sem
antes entender como esse grupo cresceu relativamente à população brasileira. O
gráfico abaixo tem como fonte os dados da pesquisa O Observador, conduzida pelo
instituto de pesquisa Ipsos em parceria com a Cetelem, o qual usa o CCEB (Critério
de Classificação Econômica Brasil), o mesmo utilizado pelo Ibope, para definição de
classes. É possível observar como a classe C que, em 2005, representava 35% da
população, hoje representa 54%, como é possível observar no Gráfico 27.
Gráfico 27: Importância de cada classe na população brasileira
Fonte: Cetelem e Ipsos - O Observador 2012 .
83
E dado que a televisão é um meio de comunicação de presença em quase
100% dos lares, o perfil de sua audiência se assemelha ao da população. É natural
que a classe C represente cerca de metade da audiência. Entretanto, nos gráficos
abaixo, fica claro que no SBT tem mais peso as classes C e DE, enquanto na Globo
tem mais peso as classes A e B.
Gráfico 28: Importância de cada classe na audiência do SBT e da Rede Globo
Fonte: Cálculo ponderado com base nos dados IBOPE de audiência e perfil dos programas, disponibilizados pelas emissoras.
Apesar das diferenças entre emissoras, os dados não deixam dúvidas que a
classe C é a audiência preponderante na televisão brasileira hoje e, , tanto as
emissoras com sua programação, quanto os anunciantes com sua propaganda,
precisam atender e agradar a esse público.
Por outro lado, ao analisar a importância da classe C para cada um dos
gêneros da televisão brasileira, utilizando dados da Globo e do SBT, algumas
conclusões importantes surgem.
84
Gráfico 29: Importância da classe C na audiência de cada gênero
Fonte: Cálculo ponderado com base nos dados Ibope de audiência e perfil dos programas, disponibilizados pelas emissoras. * No período analisado a Rede Globo não estava transmitindo nenhum programa do gênero reality show.
Inicialmente chama a atenção o fato de, em ambas as emissoras, o gênero de
maior importância da classe C ser o de programas Infantis. O crescimento da TV por
assinatura e a importância dos canais infantis dentro dela podem ser as causas
desse fenômeno. Segundo reportagem da Folha de São Paulo (FELTRIN, 2011),
com base nos dados Ibope, dentre os dez canais mais assistidos da TV por
assinatura, cinco são da TV aberta, um é de esportes e os outros quatro são infantis.
Ou seja, com o crescimento da TV por assinatura e seus canais infantis, a audiência
infantil da TV aberta é composta pelo público que não tem TV por assinatura.
Continuando a análise dos gêneros de maior público de classe C (Gráfico 30),
as novelas vespertinas, séries e filmes estão entre os gêneros com maior publico de
classe C em ambas as emissoras. As novelas vespertinas têm um público
majoritariamente feminino e infantil. Já as séries e filmes podem representar o
entretenimento familiar daqueles que não têm acesso a TV paga, cinema ou teatro.
É importante observar que as emissoras pouco se diferenciam quando se
trata da audiência de classe C no gênero filmes.
*
85
Figura 30: Importância da classe C na audiência de cada programa
Fonte: Dados Ibope disponibilizados pelas emissoras.
O gênero humorístico é onde as duas emissoras mais se assemelham em
importância da classe C para a audiência, um indício de que a Globo foi capaz de
adequar sua programação humorística para esse público, dado o perfil mais popular
que o SBT historicamente tem. Nesse gênero, a Globo tem 54% de classe C e o
SBT, 53%.
Em outro extremo estão os gêneros jornalístico (49% classe C, na Globo,
versus 58% no SBT) e esportivo ( 49%, na Globo, e 61% no SBT). Apesar das
mudanças de pauta e tom da Rede Globo, analisados neste capítulo, que buscaram
gerar identificação com o público popular, seus programas jornalísticos ainda
apresentam baixa participação de classe C na audiência em relação à média. Todos
os programas do gênero jornalístico do SBT se destacam em relação à Globo no
que tange a importância da classe C para a audiência, exceto o Profissão Repórter,
da rede Globo, que se aproxima do sensacionalismo, este apresenta 53% da
audiência na classe C, mesmo índice do Conexão Repórter, do SBT.
86
Figura 31: Importância da classe C na audiência de cada programa
Fonte: Dados IBOPE disponibilizados pelas emissoras.
Os dados dos programas de auditório, um gênero historicamente popular,
também mostram que, apesar dos esforços da Globo, o SBT ainda se destaca pela
importância da classe C em sua audiência. O Altas Horas, comandado por Serginho
Groismann, é o único programa da Rede Globo que se diferencia, com 54% de
audiência de classe C. O apresentador faz parte da Rede Globo desde 2000, até
então, ele era parte do SBT e estava a frente do Programa Livre.
Figura 32: Importância da classe C na audiência de cada programa
Fonte: Dados IBOPE disponibilizados pelas emissoras.
87
As novelas noturnas merecem menção nessa análise, uma vez que a novela
Carrossel tem 58% da sua audiência de classe C. Já a Avenida Brasil tinha 52%
desses telespectadores. Isso não significa, porém, uma relativa importância ou
relevância da novela para a classe C. A questão aqui é que, com mais de 40 pontos
de audiência, qualquer programa tende a se aproximar da média da população, que
foi o que aconteceu com a novela Avenida Brasil, com 41 pontos de audiência.
Após a análise dos dados de perfil de audiência, é possível concluir que,
apesar dos esforços nas últimas décadas em trazer elementos do gosto popular
para sua programação e torná-la mais próxima da classe C, a Rede Globo ainda não
atinge os mesmos patamares que o SBT em relação à participação da classe C na
audiência. A Globo não só tem participação da classe C semelhante à média da
população, como também maior peso das classes A e B em comparação com o
SBT, que ainda tem maior audiência de classe C em todos os gêneros, além de
maior participação das classes D e E.
3.4. Novos anunciantes para audiência popular
ALMEIDA (2003) em Telenovela, Consumo e Gênero, apresenta entrevistas
feitas com profissionais de agências de publicidade. Em sua análise, a autora
conclui que a qualidade da audiência é um fator de grande importância para os
anunciantes. Essa qualidade da audiência é dada tanto por seu poder de consumo,
quanto pelo conteúdo do programa em si. Existe uma percepção comum entre as
entrevistadas de que somente produtos direcionados especificamente para as
classes populares ou produtos de empresas menores, sem condições financeiras de
anunciar em programas “de mais qualidade”, anunciariam em programas de menor
prestígio como, por exemplo, o Programa do Ratinho.
Programas de “segunda classe”, feitos para camadas populares, então, parecem atingir anunciantes de segunda classe. O problema de programas como Ratinho, ou alguns de auditório no SBT estaria no fato de gerarem grande público, mas não o qualificado. É o público aparentemente de menor poder aquisitivo. No entanto, nos dados que consegui, o perfil de audiência em termos de classe social não parece ser tão diferente do que o da novela das oito na Globo. (Ibid., p. 138)
88
No entanto, passados dez anos após a publicação do livro de Almeida, parece
existir um maior interesse por parte dos anunciantes em programas de “segunda
classe”. Programas de cunho popularesco como o do Ratinho ou outros de
audiência majoritariamente de classes CDE agora vendem espaço para anunciantes
de grandes empresas, grandes marcas, inclusive anunciando as versões mais caras
de duas marcas, como Omo Líquido, da Unilever, e Vanish, da Reckitt Benckiser.
O SBT cobra hoje por um anúncio de 30 segundos, no Programa Ratinho, R$
131.307,16 mais caro, por exemplo, do que no Caldeirão do Hulk, da Rede Globo,
que custa R$ 109.700 por 30 segundos anunciados. Se dividido pelo número de
pontos de audiência, o Programa do Ratinho é mais caro que todos os espaços da
Rede Globo, custando R$ 23.668 por ponto de audiência. Esse programa tem 57%
de sua audiência de classe C e 18% de classe DE. Durante a pesquisa para este
trabalho, foi anunciado, no intervalo comercial desse programa, o produto Diet
Shake, alimento para dietas de emagrecimento, cujo preço pode variar de R$ 15 a
R$ 35. Outras marcas que anunciaram, durante essa pesquisa, foram: Bom Bril,
Vivo, Omo Liquido, Vanish e Ultrafarma.
O Programa Sílvio Santos também se destacou pelo custo do anúncio e
presença de anunciantes de grande porte. Com perfil semelhante ao Programa
Ratinho: 57% de audiência de classe C e 19% DE, o custo de 30 segundos no
intervalo comercial é de R$ 351.674, ou R$40.206 por ponto de audiência. A título
de comparação, um anúncio no Globo Repórter tem custo semelhante R$ 319.400,
custo por ponto de audiência substancialmente menor, R$12.285, porém não
entrega o mesmo perfil de audiência popular. O Globo Repórter tem apenas 50% da
audiência de classe C e 11% DE, 15 pontos percentuais a menos que o Silvio
Santos, somando as classes CDE.
No Programa Silvio Santos, durante a pesquisa, foram vistos anúncios dos
seguintes produtos: CIF cremoso, Ninho fases 1+ e Knorr meu frango assado. É
chave observar que nenhum desses produtos é a versão mais comum de suas
marcas. Todos eles têm algo a mais, uma versão diferente, mais premium, que
atribui a cada um deles um valor de mercado superior a suas versões mais
corriqueiras: saponáceo em pó, leite em pó tradicional ou caldo de galinha em
cubos.
16JOVEDATA – tabelas de preços de mídia no Brasil. Disponível em http://www.jovedata.com.br/. Acesso em 26 dez 2013.
89
Também da novela Carrossel, de audiência 58% de classe C e 19% DE,
alguns produtos de maior valor ou de marcas mais caras apareceram como
anunciantes nesta pesquisa. Sabonete Lifebuoy e creme dental Sensodyne são
produtos reconhecidamente mais caros que outras marcas comuns (sabonete ou
creme dental comuns) por apresentarem um beneficio adicional, ativo antibacteriano
ou cuidado com os dentes sensíveis. Ambos anunciaram na novela Carrossel
durante esta pesquisa. Ketchup HEINZ e OMO Líquido também apareceram nos
intervalos comerciais dessa novela, mostrando o interesse das empresas pelo
público popular e não somente com versões mais baratas de seus produtos. Muito
pelo contrário, os produtos anunciados são de alto valor e, na maioria das vezes,
mais caros que suas versões tradicionais ou de seus concorrentes.
O interesse de grandes anunciantes pelo público de classe C sem dúvida faz
parte do bojo das transformações sofridas pela televisão brasileira nas últimas duas
décadas. A audiência se transformou e as emissoras passaram por mudanças para
reconquistar essa audiência, principalmente a Rede Globo que, apesar do esforço,
ainda mostra distância do SBT em alguns gêneros, como, por exemplo, o jornalismo,
no que tange à importância da audiência de classe C. O poder econômico dessa
classe parece se sobrepor à tradicional distinção imposta por aqueles que produzem
o conteúdo, trazendo destaque e importância ao gosto de raízes populares na
indústria cultural brasileira. Esse gosto também aparece na propaganda, como será
discutido no próximo capítulo.
90
CAPÍTULO 4 – A ANÁLISE DA PUBLICIDADE
Este capítulo aprofunda a análise da publicidade em si. Para a realização da
pesquisa, foram gravados cerca de 30 horas de programas de televisão com a
finalidade de se analisar os comerciais veiculados nos espaços destinados à
publicidade, existentes entre as programações exibidas. A escolha dos programas a
serem gravados se deu inicialmente por meio das matrizes do gosto popular
descritos por Mira: a festa, o sensacionalismo, a comicidade e o melodrama,
traduzidos nos termos da televisão de hoje em programas de auditório, jornalismo
sensacionalista, humorísticos e novela. Dentro dessas características, foram
escolhidos os programas de maior audiência (audiência média de outubro de 2012 a
maio de 2013, dados do Ibope de audiência semanal, na cidade de São Paulo,
exibidos em junho de 2013). Sendo assim, os seguintes programas foram gravados:
no SBT, Programa Silvio Santos, Carrossel, Ratinho, Conexão Repórter e A praça é
Nossa; na Rede Globo, novela Amor à Vida, Zorra Total, Fantástico e Jornal
Nacional. Sendo os dois últimos escolhidos para fins de investigação, uma vez que
apresentam, nos últimos anos, alguns indícios de jornalismo sensacionalista.
Em seguida, os dados de perfil de audiência segundo a classe social (critério
Ibope) foram incorporados ao trabalho. Com eles, as novelas vespertinas do SBT,
Rubi e Cuidado com o Anjo, surgiram como programas de maior participação da
classe C e também foram gravadas.
Os comerciais veiculados nesse conjunto de programas foram o objeto de
estudo, dando origem à análise que se segue. Não só a estética e forma, mas
também, cores, linguagem e música foram analisadas. O conteúdo do comercial
também foi levado em conta para a compreensão completa da mensagem. Portanto,
este capítulo analisa os comerciais tanto sob a perspectiva da forma e da linguagem
usada para comunicação com a classe C, tais como cores, locação da gravação,
elenco, etc.; como também sob a perspectiva da mensagem e conteúdo direcionado
a esse público.
Depois de gravados, assistidos e escolhidos, os comerciais foram agrupados
de acordo com o elemento do gosto popular que se sobressai em sua composição, e
que se repete em outros comerciais. Foram estes que deram origem aos grupos de
91
comerciais: a música sertaneja, as cores primárias e a repetição, a festa e a
comicidade popular, elenco, figurino e locação, a questão da autoestima,
relacionada à brancura, e a construção da narrativa de vida na busca por um futuro
melhor. Esses elementos são claramente estratégias de comunicabilidade17 usadas
pelos anunciantes, onde eles absorvem e reciclam as demandas do público usando
as referências do próprio grupo social (ou público que o comercial pretende atingir)
com o objetivo de se fazer entender, de estabelecer uma comunicação clara entre
emissor e receptor.
Em seguida, analisados os comerciais agrupados de acordo com o elemento
do gosto popular preponderante.
4.1. O uso da música sertaneja na propaganda
Música sertaneja hoje abarca uma ampla gama de artistas e ritmos que vai
desde clássicos da música caipira, como a dupla Tonico e Tinoco, que mantém a
linguagem caipira e uso do violão, passando por duplas mais jovens como Fernando
e Sorocaba, que usam recursos eletrônicos, até cantores solo, como Paula
Fernandes e Gustavo Lima, os quais animam grandes plateias.
Segundo Martins, a música sertaneja é um gênero de origem urbana que
surge em São Paulo, no final dos anos 1920, em meio à industrialização e às
vésperas da revolução de 30. Embora esse gênero musical tenha mudado muito
desde então, algumas características que remetem à vida no campo permanecem
importantes para um determinado grupo de artistas (alguns deles presentes neste
trabalho), como o chapéu, a roupa e a viola.
A música sertaneja, um gênero musical aparentemente de origem rural, mas de fato urbana, inspirada nas tradições musicais caipiras, que surgiu em São Paulo ao final dos anos vinte, às vésperas da revolução de 30, uma revolução modernizante, foi, desde o início, uma ácida critica aos elementos mais expressivos da modernidade na cidade e ao mesmo tempo um meio de compreendê-la. Um gênero de música que combinava as possibilidades discrepantes do antigo circo itinerante e as novas possibilidades modernas do disco e do rádio. Portanto um gênero que emerge no momento de melhor e
17 Estratégias de Comunicabilidade é um conceito de Martin-Barbero: “maneiras como se fazem reconhecíveis e organizam a competência comunicativa os produtores e os destinatários” (2009, p. 240).
92
mais completa definição dos contornos da modernidade no Brasil no contraste com o mundo rural e tradicional que estava ruindo. (MARTINS, 2000, p. 31)
Um gênero musical, como prática cultural, pode ser entendido, portanto, como
consequência de determinado habitus e condições de existência, conforme
destacado anteriormente. Sendo assim, observa-se uma correspondência entre
posições sociais e estilos de vida18 que resultam em habitus semelhantes e,
portanto, práticas encerradas nos limites das próprias condições de existência.
Portanto, cada dimensão do estilo de vida simboliza todas as outras e as oposições
entre diferentes condições de existência se expressam, por exemplo, no uso da
fotografia, na escolha de uma bebida e nas preferências artísticas. Dessa forma, o
gosto surge como forma de expressão e diferenciação.
A música sertaneja, portanto, é uma manifestação importante do gosto
popular urbano brasileiro e, por isso, é utilizada pelas agências e pelos anunciantes
em sua propaganda com o objetivo de chamar a atenção e buscar a identificação do
público popular. Esse gênero musical surge como elemento fundamental de
diferenciação e geração de identificação com o público de classe C nos comerciais
selecionados.
Três comerciais veiculados nos programas selecionados usam a música
sertaneja e seus representantes como recurso estético para passar suas
mensagens: Telesena de São João, Apracur e Assolan, descritos abaixo.
O comercial de Apracur, veiculado no SBT, nos intervalos da novela Carrossel
e do Programa Ratinho, é estrelado pelo cantor Leonardo: “Apracur, vortei. Eu tava
com saudade, rapaiz“.
18 Segundo Bourdieu, estilos de vida são “sistemas de desvios diferenciais que são a retradução simbólica de diferenças objetivamente inscritas nas condições de existência” (BOURDIEU, 1983, p 1).
93
Figura 2: Comercial Apracur
E canta em ritmo de música sertaneja: “Tá gripado? Tá resfriado? Tomou,
apracurou, tá apracurado”.
Figura 3: Comercial Apracur
Um locutor surge ao fundo: “Apracur. Tomou, apracurou”.
Figura 4: Comercial Apracur
94
Por fim, a mensagem exigida pelo Ministério da Saúde fica dois segundos no
ar, em silêncio.
Alguns elementos podem ser ressaltados como características que fogem à
estética erudita e aproximam a mensagem do público popular e mais precisamente
do migrante vindo da zona rural. Além do gênero musical e da presença do cantor
famoso, são percebidos erros deliberados que ferem a norma culta da língua
portuguesa, como a palavra “vortei” e a pronúncia da palavra “rapaiz” equivocada. A
presença do próprio instrumento musical remete à origem caipira do gênero musical:
“entre os tropeiros, geralmente mestiços oriundos da escravidão indígena, os
verdadeiros caipiras, era frequente a presença de violeiros tangendo a viola nos
ranchos de estrada” (MARTINS, 2013).
Outro anunciante que usa a música sertaneja em seu comercial é Assolan,
veiculado no SBT durante a novela Carrossel. Estrelado pela humorista Heloísa
Pérrissé, o comercial tem como trilha sonora a música Pega eu da dupla sertaneja
Fernando e Sorocaba. Heloisa abre a peça: “Gente, Assolan agora é da Ypê!”.
Figura 5: Comercial Assolan
Heloísa toca o personagem que representa o produto, colando nele um selo
da marca Ypê. Imediatamente o cenário muda para um palco que aparentemente se
situa numa cozinha e três personagens – um, à frente, masculino e dois, atrás,
femininos – cantam e dançam ao som da música de Fernando e Sorocaba: “Cê tá
querendo eu, eu também to te querendo. Pega eu, leva eu, chama eu que eu vou
correndo. Cê tá querendo brilho, eu também quero ir brilhando. Pega eu, usa eu,
passa eu que eu vou limpando. ô ô ô...”.
95
Figura 6: Comercial Assolan
Figura 7: Comercial Assolan
Heloísa entra em cena novamente e confidencia em tom de segredo, ao
telespectador: “Pega o seu, leva o seu. Mais qualidade, preço justo e respeito pela
natureza”.
Figura 8: Comercial Assolan
“Duvidar porquê? Assolan é da Ypê”.
96
Figura 9: Comercial Assolan
A música Pega eu é cantada inicialmente com seus versos originais, em
seguida com novos versos que remetem ao produto, na tentativa de associá-lo ao
ritmo já conhecido. Além disso, a humorista certamente não é escolhida por acaso.
Sua voz característica e credibilidade apresentam a mensagem do produto. Heloisa
representa a comicidade e aproximação com o público.
As ciências sociais procuram entender o uso de artistas e principalmente da
música popular na propaganda. Adorno analisa e explica porque a publicidade
sempre utilizou o recurso da musica popular e pessoas famosas para passar sua
mensagem. A musica popular, ao contrário da erudita, é padronizada
estruturalmente e manipulada de maneira que, ao ouvi-la, os ouvintes a coloquem
em estruturas subjetivas estereotipadas, preexistentes, facilitando a compreensão e
consequente aceitação (ADORNO, 1998). Se a forma facilita a compreensão e a
aceitação, a publicidade lança mão de recursos como pessoas famosas, a música e
a comicidade para que, em poucos segundos, o telespectador tenha absorvido sua
mensagem.
Outro comercial, o da Telesena de São João, veiculado no SBT durante o
Programa Ratinho, também conta com a participação da dupla sertaneja Fernando e
Sorocaba. Eles se aproximam de um pipoqueiro na porta do que parece ser uma
escola.
“- E aí pipoqueiro tá de olho em alguma gatinha da faculdade, né?
- Nada, eu to precisando estudar.
- Olha que eu posso te dar a chance de ganhar uma bolsa de estudos”.
97
Figura 10: Comercial Telesena de São João
E entrega para o pipoqueiro um bilhete da Telesena.
“- Serve?
- Claro que serve!”.
Figura 11: Comercial Telesena de São João
Imediatamente o pipoqueiro se transforma e aparece vestido de outra forma,
como um estudante.
98
Figura 12: Comercial Telesena de São João
Fernando e Sorocaba voltam à tela para traduzir de forma simples a
mensagem do comercial. “A Telesena tem tantos prêmios que certamente um deles
serve pra você. Tem bolsas de estudo pra você crescer na vida e ainda casa, carro,
apartamento, pagamento de aluguel e um ano de salário extra de seis mil reais por
mês. Telesena de São João: compre já a sua!”.
Figura 13: Comercial Telesena de São João
Enquanto a dupla declara a lista de prêmios, cada um desses prêmios
aparece escrito em um quadro negro de sala de aula, remendo à bolsa de estudos,
porém tendo a cor verde como fundo.
99
Figura 14: Comercial Telesena de São João
Além do uso de figuras da música sertaneja, outras simbologias são extraídas
da análise desse comercial. “Uma bolsa de estudos pra você crescer na vida” é o
prêmio que aparece em destaque por servir de contexto para toda a peça analisada,
isso mostra a importância que a educação, como caminho para uma vida melhor,
ganhou para os jovens desse grupo.
Esta dissertação passou pela análise do grupo que hoje é chamado de classe
C e um dos dados encontrados nos documentos da Secretaria de Assuntos
Estratégicos do Governo Federal, Vozes da Classe Média (BRASIL, 2012a), é que
os jovens dessa classe apresentam nível de escolaridade superior aos de seus pais.
Além disso, reportagens de jornais e revistas mostraram que o perfil dos tipos de
trabalho mais comuns está se profissionalizando: auxiliar administrativo ganha
espaço enquanto serviço de limpeza perde importância dentre as ocupações mais
comuns da classe C. Esse fato comprova que esse grupo está buscando educação
como forma de ocupar posições mais qualificadas no mercado de trabalho.
O fato de envolver sorte e representar um jogo em si também adiciona outros
elementos do universo popular à Telesena. O jogo é esperança, ilusão, evasão à
vida real. “O jogo provoca emoções, gera incertezas, cria tensões. Envolve
sensações de perigo, sorte, risco, desafio” (MIRA, 1996, p. 64). Esses elementos
fazem do jogo um elemento próprio do universo popular. Além disso, a escolha da
cor verde para compor a estética do comercial certamente é deliberada. Ela não só
remete à escola, como também faz parte do universo do jogo, representando a
fortuna e a esperança por uma vida melhor que é depositada no jogo (GUIMARÃES,
2004, p. 116).
100
4.2. Cores primárias e a lógica simples da repetição
É possível observar que se destacam, dentre as estratégias de
comunicabilidade usadas pelos anunciantes, as especificidades estéticas como
veículo da mensagem. Desde a música, até as cores, a escolha do elenco, a
repetição e a comicidade como maneiras de se comunicar. José de Souza Martins,
em A sociabilidade do homem simples, mostra como as formas e cores podem atrair
o público da periferia das grandes cidades:
Por toda parte, na zona rural ou na periferia pobre das grandes cidades é possível ver frases e palavras em inglês que chegam aí com a globalização como signos da modernidade: chega a palavra mas não chega a língua nem chega o significado. (...) porque o que atrai o usuário é a forma e cor das letras, embora ignore completamente o significado das palavras. (MARTINS, 2000. P. 40)
Além do verde da fortuna e da esperança, as cores primárias fazem parte do
universo da estética popular. O vermelho e o amarelo são comumente encontrados
principalmente no mundo da publicidade. Um exemplo disso é o comercial de
Assolan analisado anteriormente, cujo cenário é amarelo e vermelho. Amarelo e
vermelho são cores do espectro “quente”. A ideia de temperatura da cor está
relacionada ao comprimento da onda, cores quentes, por exemplo, derivam do
alaranjado. Segundo Guimarães, a cor vermelha está no limite do espectro visível
ao olho humano e aí reside sua agressividade e carga emocional (2004, p. 114).
As cores vermelha e amarela são amplamente usadas pelas redes de varejo
para chamar atenção do telespectador e destacar os números que mostram preço.
Os comerciais da Casas Bahia são um exemplo disso. Veiculados no SBT e na
Globo no horário nobre, foram gravadas quatro versões de comerciais desse mesmo
anunciante no mês de junho de 2013. Todos tinham a mesma estrutura, porém cada
um anunciava uma mercadoria diferente: lavadoras, televisores, geladeiras ou
móveis. Para ilustrar a análise será usada a versão que anuncia móveis. Começa
com um garoto propaganda anunciando o saldão de móveis dessa rede varejista.
“Móveis Casas Bahia. Você leva muito mais qualidade e design pelo melhor preço
do Brasil”. As palavras destacadas estão sempre na cor amarela.
101
Figura 15: Comercial Casas Bahia
Figura 16: Comercial Casas Bahia
Em seguida, os produtos são mostrados e seu preço anunciado e escrito na
tela em amarelo. “Amanhã você vai comprar beliches grandes marcas a partir de
299 a vista cada. Tem também cama box de casal Inducol por apenas 89 mensais e
cama box de casal medida especial com molas ensacadas a partir de 149 mensais,
só 149 mensais”.
102
Figura 17: Comercial Casas Bahia
O apresentador volta à tela com a mesma frase que abriu o comercial,
destacada em amarelo novamente. “Saldão de móveis casas Bahia. É amanhã, não
perca”.
Figura 18: Comercial Casas Bahia
Outra rede varejista que usa cores como artifício em seus anúncios é o Extra.
Neste comercial, veiculado na Globo durante a novela Amor à Vida, o fundo
vermelho está sempre presente. A abertura do comercial é o próprio slogan da rede:
“Extra. Mais barato, mais barato”.
103
Figura 19: Comercial Extra
Um locutor surge com a mensagem: “Ganha ganha Brasil.A sua família ganha
muito mais no Extra”.
Figura 20: Comercial Extra
“Ganha vantagens, descontos, produtos grátis”.
Figura 21: Comercial Extra
104
Figura 22: Comercial Extra
Figura 23: Comercial Extra
Então as ofertas são anunciadas: “Só nesta quarta extra. Sacolão é no Extra.
Alface unidade ou laranja quilo e muitos outros produtos por 98 centavos. Cebola ou
cenoura, um e 98 o quilo. Ovos dúzia dois e 78. Uva 500 gramas ou kiwi quilo dois e
98. Maçã ou ameixa três e 98 o quilo. Alcatra 12 e 90 o quilo. Frango dois e 99 o
quilo”.
Figura 24: Comercial Extra
105
Para cada produto anunciado, aparece a foto do produto e novamente a
imagem que diz “ganha ganha Brasil”. A palavra “ganha” surge mais de dez vezes
ao longo de 30 segundos, entre os momentos em que foi pronunciada ou escrita na
tela. Não só as cores amarela e vermelha aparecem como artifício de comunicação,
mas fica claro um elemento importante: a repetição. A repetição e os números
mostrados grandes e sozinhos na tela, para garantir a compreensão, são lugar
comum entre comerciais de redes de varejo, como Extra e Casas Bahia.
A repetição característica da narrativa popular está claramente presente na
publicidade direcionada à classe C. Martin-Barbero em sua análise da retórica
popular aponta para a lógica da repetição, própria da tradição oral: cordel, canções
populares, repente, hip hop.
Em lugar de inovar, estereotipa. Mas na qual essa mesma estereotipia da linguagem ou dos argumentos não vem só das imposições cerradas pela comercialização e adaptação do gosto a alguns formatos, mas também do dispositivo da repetição e dos modos de narrar popular. (MARTIN-BARBERO, 2009, p. 151)
A simplicidade da repetição aparece também nos números, formas de mostrar
preços e condições de pagamento. Segundo o Instituto Datapopular, 77% dos
brasileiros não possuem habilidades matemáticas básicas, tais como capacidade de
ler gráficos e tabelas. Isso ajuda a explicar a forma com que os números são
mostrados nos comerciais, além de deixar clara a necessidade da repetição para
que a mensagem seja compreendida pelo telespectador.
No comercial da Chevrolet, veiculado no SBT durante a novela Carrossel, a
frase “taxa zero, 36x” é colocada na tela e repetida quatro vezes ao longo dos 30
segundos de comercial. “Os imperdíveis Chevrolet. Taxa zero e trinta e seis vezes,
juntos”.
106
Figura 25: Comercial Chevrolet
“Classic 2014, o sedan mais vendido do Brasil, com taxa zero em trinta e seis
vezes”.
Figura 26: Comercial Chevrolet
“Agile completo. Com taxa zero em trinta e seis vezes”.
Figura 27: Comercial Chevrolet
“Ator convidado. Rodrigo Faro. Agora você vai fechar negócio”.
107
Figura 28: Comercial Chevrolet
“Os imperdíveis Chevrolet. Taxa zero e trinta e seis vezes na mesma
condição. São só poucos dias”.
Figura 29: Comercial Chevrolet
O comercial termina com uma tela preta que mostra a logomarca da Chevrolet
e um enorme texto – que provavelmente explica as restrições das condições
financeiras anunciadas. Esse texto certamente não é compreendido.
Figura 30: Comercial Chevrolet
108
Como contraponto, um exemplo de comercial de varejo que não é destinado à
“classe C” é do Wal-Mart.com, veiculado na Globo durante o Jornal Nacional. O
anúncio não mostra ou pronuncia palavras a respeito dos produtos anunciados, não
mostra preços ou menciona parcelas.
Em uma tela azul, mostra uma série de figuras ilustradas como bicicleta,
geladeira, fogão, celular, etc.
Figura 31: Comercial Walmart
Ao final, mostra na tela: “10% de desconto”. “Estes e outros milhares de
produtos estão com dez por cento de desconto no Wal-Mart ponto com. Todo o site
em promoção. Acesse e aproveite.”
Figura 32: Comercial Wal-Mart
Exceto pela cor amarela, esse comercial não apresenta nenhum dos
elementos citados como características da estética popular. Inclusive, a cor amarela
é mostrada sobre fundo azul, uma cor fria não associada a emoções fortes. Se 77%
109
dos brasileiros não entende gráficos ou tabelas, certamente uma porcentagem de
desconto não é algo amplamente compreendido.
Números absolutos, reinando na tela como protagonistas, são também um
recurso utilizado pelas empresas de telefonia de celular, cada vez mais interessadas
na classe C, para anunciar seus preços. A figura abaixo mostra que a classe C
representa quase 55% do mercado de celulares e mais de 56% dos celulares pré-
pagos.
Gráfico 33: Mercado de celulares por classe
Fonte: Cruz (2010).
O comercial da Vivo, veiculado no SBT durante o Programa Ratinho, mostra
duas domésticas conversando ao telefone celular sobre como conseguiram um
aumento. “Quitéria?”
Figura 33: Comercial Vivo
“Oi, Eulália. E aí conseguiu o aumento?”
110
Figura 34: Comercial Vivo
“- Ai foi chorado, viu! O moço é bonzinho, mas aquilo num abre a mão nem pa
dá tchau.
- E quê que cê feiz?
- Busquei na internet. Cada estória que ele me contava eu pá, abria um site.
- Poxa Eulália cê sabe tudo viu.
- Eu tô conectada, Quitéria. Ocê conecta aí tamém.
- Ah, eu tô conectano!”
Locutor ao fundo: “Essa ligação foi só cinco centavos”.
Figura 35: Comercial Vivo
“E a internet só nove e noventa por mês. Vivo Sempre, ligue asterisco nove
mil e três e cadastre-se”.
111
Figura 36: Comercial Vivo
Outro comercial da Vivo que também apresenta o mesmo plano Vivo Sempre,
destaca-se pelo mesmo recurso de números grandes pronunciados e mostrados na
tela. Ao invés de mostrar as personagens, o anúncio gasta mais tempo com
explicações mais detalhadas para facilitar a compreensão: “cada ligação é 5
centavos, se você fizer 10 ligações, só gasta 50 centavos” e “a internet é 9,90 por
mês, 33 centavos por dia”.
Outras empresas fazem uso da importância do celular para a classe C. Sonho
de Valsa apresenta a promoção Mais crédito mais amor, que dá como prêmio
créditos para celular pré-pago. Um locutor apresenta a promoção: “Todo romance
precisa de crédito. Promoção Sonho de Valsa mais crédito mais amor. São mais de
um milhão de prêmios em bônus de celular de até cem reais. Basta encontrar o
código na embalagem e enviar o sms grátis. Quanto mais Sonho de Valsa, mais
chance de ganhar, participe!”.
Figura 37: Comercial Sonho de Valsa
112
Com assuntos relevantes para o público, poucas palavras, números absolutos
de fácil compreensão e utilizando o recurso da repetição, muitas empresas que
fazem comerciais destinados à classe C esperam ter mais chances de que sua
mensagem seja compreendida ao final.
4.3. A festa e a comicidade popular
Assim como a repetição tem origem na cultura popular, na narrativa, tradição
oral e cordel, outros elementos usados atualmente na televisão se aproximam do
universo popular de distintas maneiras. Um exemplo são os programas de auditório,
comparado anteriormente com o circo (MIRA, 1995). Ambos – tanto o circo quanto o
programa de auditório – carregam em si a lógica da festa.
Segundo Mira (ibid.), nos programas de auditório não há sofisticação da
produção, “o que se valoriza na verdade é a descontração, animação, intimidade,
proximidade, espontaneidade, improvisação” (p. 187). Praticamente não há edição,
apenas uma colagem das cenas gravadas. Os erros e imperfeições fazem parte da
veracidade do espontâneo, como se o programa fosse exibido ao vivo. Quanto mais
editado, mais frio e distante. “Tudo se passa como se a ‘estética popular’ (...)
estivesse baseada na afirmação da continuidade entre a arte e a vida que implica a
subordinação da forma à função” (BOURDIEU, 2007, p. 12).
A publicidade usa esse formato como cenário para passar sua mensagem e
buscar identificação com o público. No comercial da Claro, veiculado na Globo
durante a novela Amor à Vida, o humorista Marco Lucci se transforma em
apresentador de programa de auditório. O palco se situa na rua, a plateia está
próxima do apresentador, o que também é uma característica dos programas de
auditório. Segundo Mira, a relação de proximidade palco/público se estreita para
possibilitar a relação público/artistas e incentivar assim a participação do público nos
quadros.
No comercial da operadora de celulares Claro, o humorista Marco Lucci
apresenta uma brincadeira clássica dos programas de auditório, onde a audiência
participa para ganhar um prêmio. Nesse caso, os participantes deveriam acertar qual
a menor tarifa por chamada do Brasil para ganhar um beijo da atriz Fernanda Lima.
Marco Lucci começa perguntando ao participante:
113
“- O negócio é o seguinte: quer ganhar um beijo da Fernanda Lima?
- Pô, com certeza!”
Figura 38: Comercial Claro
“Então responde essa pergunta: qual pré-pago tem a tarifa mais barata por
chamada?”
Figura 39: Comercial Claro
Após cinco respostas censuradas através de um ruído sobreposto à resposta
dos participantes, para esconder nomes de outras operadoras, um finalmente acerta:
“- A Claro.
- E a tarifa?
- Vinte e um centavos”.
114
Figura 40: Comercial Claro
“Ah garoto! Muito bem!” Então a festa enche o cenário, com música, fogos de
artifício e confetes.
Figura 41: Comercial Claro
O participante, então, ganha seu prêmio. Enquanto o apresentador anima e
narra: “Olha olha... ah rapaz! Vem você também pra Claro. A tarifa por chamada
mais barata do Brasil”.
Figura 42: Comercial Claro
Além da repetição, que tem origem na narrativa popular, e da festa, no “circo
contemporâneo”, traduzido em programa auditório, mais um elemento fundamental
115
do universo popular é usado pela publicidade para chamar atenção para sua
mensagem: a comicidade popular.
Baseada no grotesco-cômico como eixo expressivo da cultura popular, a
comicidade nesse caso encontra o humor como par do grotesco. O humor está
presente em grosserias, injúrias, paródia e expressões ambíguas e ambivalentes
que dão vazão àquilo que é proibido. “Carnaval é o tempo em que a linguagem da
praça alcança sua plenitude – a afirmação do corpo do povo e seu humor” (MARTIN-
BARBERO, 2009, p. 102).
A partir do Carnaval, é possível compreender o humor popular em seus
aspectos fundamentais. Primeiro, que ele tem dois dispositivos básicos: o riso e a
máscara. O riso popular representa uma vitória sobre o medo, já a máscara oculta,
dissimula, é o engano da autoridade (ibid.). Segundo, que o carnaval, assim como
festivais e feiras, envolve a celebração do “corpo grotesco” – a comida farta, a
embriaguez, a promiscuidade sexual. Sendo assim, o humor popular se relaciona
intimamente com a comicidade ligada ao baixo corporal.
Para exemplificar a linguagem cômica popular, destacamos o comercial da
marca Bombril, veiculado no SBT durante o Programa Ratinho, que anuncia o
produto Pinho Bril Acept. A humorista Dani Calabresa, como garota propaganda,
atua como se houvesse o seguinte diálogo com a telespectadora: “Amiga, cê sabe
que tem tudo que é tipo de homem, só não tem homem Pinho Bril Acept, já
pensou?”
Figura 43: Comercial Pinho Bril
“Um homem que mira na privada, não mija fora e ainda deixa o banheiro
limpo e perfumado. Nossa, mas os homens têm muito pra evoluir! Pô...”
116
Figura 44: Comercial Pinho Bril
O uso do verbo “mijar” chama atenção, é um verbo de uso popular, mas não
comumente usado na televisão – principalmente em comerciais que representam
produtos e empresas. Seu uso para promover o produto chama atenção para uma
função corporal dita sem rodeios ou escrúpulos e ainda de forma bem-humorada,
uma apropriação da forma popular de se referir a essa função corporal.
É surpreendente, entretanto, que um anunciante de grande porte lance mão
desse artifício. Heloisa Buarque de Almeida, em Telenovela, Consumo e Gênero,
analisa como a publicidade evita abordar questões delicadas ou polêmicas. Ao
entrevistar publicitários, ela aprende que “a publicidade deve sempre agradar e que,
idealmente, não deve gerar polêmica” (ALMEIDA, 2003, p 112). Almeida ressalta
também a aversão que ainda existia em relação ao popularesco. Apenas
anunciantes de pequeno porte ou produtos específicos para classe C anunciavam
em programas como Ratinho, conforme visto no capítulo anterior.
Entretanto, hoje, outros anunciantes não só estão presentes nos intervalos
desse tipo de programa como também empregam sua linguagem. Reforçando o
vocabulário e a estética populares em seus comerciais, os anunciantes mostram
julga-los adequados pelo público não só para programas como também para
comerciais de televisão, revelando uma mudança nos paradigmas anteriores. Nesse
ciclo, a publicidade utiliza valores que julga serem aqueles aceitos pela sociedade e,
numa via de mão dupla, acaba reforçando-os e naturalizando-os.
Para acoplar imagens e significados aos produtos, a publicidade recorre aos valores sociais em questão, pelo menos aqueles que julga serem os dos prováveis consumidores do produto (...). Porém, isso não significa que a publicidade apenas reflete tais construções
117
simbólicas, pois trata-se de uma via de mão dupla: não só o anúncio utiliza de certa ideologia, mas certamente também aceita estes valores e, ao representa-los, os naturaliza e reforça. (Ibid.)
4.4. Elenco, figurino e locação como geradores de
identificação
Da mesma forma que elementos do universo popular como o circo e o
grotesco são apropriados pela publicidade de forma a falar a mesma língua do
público de classe C, potencial consumidor de seu produto, a escolha das imagens
que compõem o anúncio passa pelo mesmo processo: a escolha da locação das
cenas, do elenco, do figurino, dos objetos que irão compor as cenas, todos os
detalhes são deliberadamente e detalhadamente escolhidos para se aproximar do
público que se pretende atingir.
O comercial da Coca-Cola, por exemplo, veiculado no SBT durante a novela
Carrossel, começa mostrando a paisagem de uma cidade grande como São Paulo.
A cena se fecha na varanda de um prédio, onde um rapaz grita “Vai Brasil!”. Nessa
tomada já é possível observar, ao fundo, as antenas de TV em outro edifício, que
tem sua fachada manchada e descascada. Esse tipo de “imperfeição”, que na
verdade retrata a realidade, não era aceitável na publicidade em décadas passadas.
Figura 45: Comercial Coca-Cola 2013
Em seguida, a câmera se fecha numa rua estreita, como o beco de uma
favela com paredes descascadas, um menino negro corre por essa ruela, ora
levando uma bandeira do Brasil, ora levando uma pipa ou um skate. Outro menino,
dessa vez branco, leva uma bicicleta.
118
Figura 46: Comercial Coca-Cola 2013
Figura 47: Comercial Coca-Cola 2013
Os meninos se unem numa nuvem verde e amarela e começam a pintar: a
bola, os pneus das bicicletas. Fazem parte da cena objetos simples do cotidiano. A
bola é cinza, o balde é dos mais simples e baratos que se pode encontrar.
Figura 48: Comercial Coca-Cola 2013
119
Suas bicicletas colorem a pista, os paralelepípedos da rua são pintados de
verde e amarelo. A bola pintada suja o muro com as cores da bandeira do Brasil.
Figura 49: Comercial Coca-Cola 2013
Figura 50: Comercial Coca-Cola 2013
Novamente podemos ver as imperfeições da realidade raramente vistas na
propagada. O muro sujo, descascado e imperfeito vira o mural para as cores verde e
amarela.
A cena se transforma numa festa cheia de jovens. “A Coca-Cola coloriu as
latas. Agora, vamos juntos colorir o Brasil na Copa das Confederações da FIFA”. E
encerra o comercial com os jovens se abraçando em comemoração e o slogan
aparece escrito “Abra a felicidade”.
120
Figura 51: Comercial Coca-Cola 2013
Alguns detalhes desse anúncio são relevantes na análise. A presença das
imperfeições da realidade é uma característica marcante e contemporânea. Ao
comparar esse comercial com outro da mesma marca, porém de mais de vinte anos
atrás, é possível notar que essa aproximação da realidade não era permitida. A peça
de 1989, que era assinada com o slogan “Emoção pra valer”, mostrava tomadas
cinematográficas de praia e calor, amigos se divertindo, num verão perfeito.
Algumas cenas se distanciam da realidade através de técnicas de pós-produção que
dão a ilusão de um mundo sem imperfeições.
Figura 52: Comercial Coca-Cola 1989
121
Figura 53: Comercial Coca-Cola 1989
Figura 54: Comercial Coca-Cola 1989
O comercial de 1989 foi escolhido deliberadamente para mostrar o outro
extremo das escolhas de locação, elenco, figurino e tratamento de imagens: aquela
que se distanciava da realidade e mostrava pessoas excessivamente felizes em
cenas perfeitas e imagens trabalhadas, o que contrasta com a propaganda dos dias
de hoje, que tenta se aproximar da realidade do público ao mostrar imperfeições
sem maquiagem ou pós-produção.
Almeida, ainda em seu livro Telenovela, Consumo e Gênero, faz uma análise
semelhante da novela O Rei do Gado. “A pobreza é um estado comparativo
reforçado pela riqueza que se vê na televisão” (ALMEIDA, 2003, p. 172). Segundo a
pesquisa da autora, a novela é um luxo danado, e as imagens são tratadas para
mostrar cenas “melhoradas” que acabam se afastando da realidade. Esse luxo é ao
mesmo tempo motivo de crítica e de admiração do público. Fato é que o
distanciamento da realidade é percebido.
122
Os personagens Donana e Zé do Araguaia acima citados levam uma vida simples num cenário maravilhoso de casa de fazenda, com fogão à lenha sempre funcionando, cercados pela natureza do pantanal. As cenas em que aparecem mostram um belo tratamento de imagens, sempre com cores amareladas. (Ibid., p 176)
E é justamente nas imagens tratadas que está o distanciamento da realidade
que o comercial da Coca-Cola busca diminuir ao mostrar o balde barato, o muro
descascado, a fachada manchada, o beco estreito da favela. O afastamento do “luxo
danado” e das imagens tratadas, presentes no comercial dos anos 1980. aproxima o
produto da realidade das favelas e da realidade urbana da própria classe C.
Pesquisa divulgada pelo Instituto Datapopular mostrou que, em 2013, 65%
dos moradores das favelas são de classe C, enquanto dez anos antes esse mesmo
percentual era de 33%. Ou seja, hoje, 11,7 milhões de brasileiros moram nas
favelas, o que poderia representar o quinto maior estado do país (QUAINO, 2013).
Outro detalhe importante é a presença da moça negra nas cenas finais do
comercial. Iara Beleli, em seu artigo “Cenários marcados pela cor, a inclusão do
negro na publicidade brasileira” (2006), faz uma crítica não só à ausência de atores
negros na publicidade brasileira, como também às formas de uso quando eles estão
presentes. Em 848 peças analisadas pela autora de 1973 a 2003, apenas sete
usaram atores negros e em todas elas (exceto as que mostravam Pelé) associavam
esses atores ou modelos a situações de pobreza e violência.
Embora reconheça que os publicitários contratam atores negros para gerar
identificação com a “classe media negra”, que adquire poder de compra, sua
questão central é que a abertura de espaço para atores e modelos negros não
modifica, mas acentua as diferenças sociais.
A utilização de imagens de “pretos, pardos, mulatos, crioulos, morenos” agrega alguns quesitos ao padrão estético hegemônico há tempos promovido pela propaganda, mas não o modifica. A ascensão de classe não significa que a “cor” desapareça como um fator de distinção social. (Ibid.)
Almeida também analisa a questão da presença de atores negros na
publicidade brasileira, especificamente. Na opinião da autora os negros estão mais
presentes em anúncios que buscam certa representação do Brasil, como por
123
exemplo: em anúncios de varejo ou de cerveja, ou ligados à elementos de
“brasilidade” como carnaval, verão, futebol, praias (ALMEIDA, 2003).
Embora a Coca-Cola seja uma das poucas marcas que historicamente usou
atores negros (bem como orientais, ruivos, morenos, loiros) em sua publicidade, o
caso do comercial analisado, veiculado em junho de 2013, é bem explicado por
ambas as autoras, Beleli e Almeida: aqui a atriz negra é colocada num cenário
urbano que se aproxima da pobreza das favelas e também no contexto de
brasilidade ligada ao futebol.
Outros casos de escolha do elenco podem ser colocados nessa análise.
Sotaques antes ausentes na publicidade começam a aparecer. No comercial de
Vanish, por exemplo, veiculado no SBT durante a novela Carrossel, a escolha de
uma atriz com um sotaque tipicamente paraibano chama atenção. Como grande
parte das empresas e agências de publicidade estão localizadas no eixo Rio-São
Paulo, dificilmente encontra-se na publicidade um sotaque de região diferente do
país.
O comercial começa com um depoimento de um personagem apresentado
como Claudia Louize. Além do nome, também faz parte da apresentação da
personagem sua origem – Paraíba.
A escolha desse Estado certamente não se deve ao acaso. Segundo a
publicação do Governo Federal Vozes da Classe Média (BRASIL, 2012a), o
Nordeste foi a região onde mais cresceu a população de classe C. Em 2002, esse
grupo representava 22% da população da região, em 2012, passou a representar
42%.
Claudia Louize, da Paraíba, conta sua experiência com clareamento de
roupas brancas. “Quando você bota água sanitária na roupa branca, ela fica
amarela. E quando você cheira assim, a pessoa sabe logo, cê usou água sanitária
né. Foi muito fácil pra mim depois do Vanish lavar roupa. Menina, aquele grosso sai
todo assim ó. E além de ficar branco, ele conserva a roupa”.
124
Figura 55: Comercial Vanish 1
As cenas seguintes mostram a personagem utilizando o produto: “Dou uma
esfregadinha, deixo a roupinha de molho lá, ponho na máquina, e aí faz o ciclo
normal. Uma boa roupa branca é a melhor aparência que a pessoa pode dá”.
Uma voz diferente encerra a peça: “Vanish Crystal White. O branco até três
tons mais branco”.
Figura 56: Comercial Vanish 1
Todos os detalhes de uma peça publicitária são escolhidos deliberadamente
com o objetivo de capturar a atenção do seu público-alvo, gerando identificação.
Desde os cenários, a locação da filmagem, até o elenco, seu sotaque, maquiagem,
penteado e figurino. Após a filmagem, o tratamento das imagens também cumpre
um papel de acordo com o objetivo daquele comercial, podendo esconder
imperfeições ou valorizá-las, criar uma atmosfera de fantasia ou limpeza. Nesta
sessão foi possível analisar comerciais que lançam mão desse tipo de artifício para
atrair o público de classe C.
125
4.5. A brancura e sua importância na autoestima
O comercial de Vanish aborda outro aspecto importante: a questão da
brancura como sinal de limpeza. Barbosa (2006) analisa as relações entre cultura,
consumo e identidade a partir da estrutura simbólica e prática da higiene e limpeza
no Brasil, focando, especificamente, no processo da lavagem de roupa. Este está
historicamente ligado ao reconhecimento do bom trabalho da mulher como dona de
casa.
Os dados sugerem também que, além da maciez, a brancura e o brilho serem importantes ingredientes nas identidades dessas mulheres como mães, donas de casa e “pessoas limpas”, também têm aspecto estético e de bem estar muito valorizado por todas. Aqui entramos numa dimensão do processo identitário na qual este não se encontra ligado unicamente à exposição e à apreciação do self por terceiros, mas tem a ver com sua dimensão cognitiva e emocional/subjetiva de gostos, preferências e sensações com os quais essas mulheres se identificam. Maciez, brancura, cheiro gostoso, roupa bem lavada são, assim, fontes tanto de oportunidades de apreciação de si mesmas pelo dever cumprido quanto de prazer sensorial e emocional. (Ibid., p. 117)
A lavagem de roupa, bem como higiene pessoal e higiene doméstica,
funcionam assim como um código moral, que orienta a restringe o comportamento
dos indivíduos na área de higiene e limpeza.
Essa lógica popular do “sou pobre mas sou limpinho” aparece em outros
comerciais de produtos para lavagem e roupas, um do próprio Vanish e outro da
marca Brilhante.
Outro comercial de Vanish, veiculado também no SBT durante a novela
Carrossel, no mesmo modelo do anterior, começa com um depoimento de uma
mulher, dessa vez apresentada como Theca, de São Paulo. “A mais nova é um
molequinho, assim, ela chega da escola com marca de bola assim na blusa, preta. E
depois do Vanish eu não esfrego mais nada”.
126
Figura 57: Comercial Vanish 2
“O Vanish, cê deixa agir sozinho. Cê só dá aquela espalhada no produto aí
depois cê lava normalmente e sai. E o detergente não, cê tinha que esfregar até
sair”.
Figura 58: Comercial Vanish 2
“Porque eu vejo ela entrando lá com os coleguinhas, né, toda lá branquinha,
toda arrumadinha, nossa, é um orgulho, né.”
Figura 59: Comercial Vanish 2
127
Ambos os comerciais de Vanish apresentam elementos relevantes como o
depoimento em discurso coloquial com termos típicos de uma conversa entre
amigos, além de erros comuns em relação à norma culta da língua portuguesa, que
aproximam a testemunha do telespectador. Outro elemento importante de ambos
são as cenas de uso do produto. Mostram não só a mágica da roupa saindo branca
da lavadora, como é comum em anúncios desse tipo, como também o processo de
uso do produto nos seus detalhes que não são tão bonitos, mas fazem parte da
tarefa, como esfregar o produto com uma escova de dente.
O comercial da marca Brilhante, veiculado no SBT durante o Programa do
Ratinho, vai ainda mais fundo na questão da limpeza como parte do processo
identitário e de autoestima da mulher. A ambientação acontece numa rua de bairro,
a imagem tem um tratamento quase preto-e-branco. “Brilhante apresenta Mulheres
Brilhantes”. Na tela está escrito também “uma história real”.
Figura 60: Comercial Brilhante
A personagem se apresenta e conta sua história: “Meu nome é Cátia. Quando
comecei a vender Quindins, não foi fácil. Até que eu percebi que as vendas
melhoravam quando eu tava confiante, com as minhas roupas brilhando como
novas”.
128
Figura 61: Comercial Brilhante
Entra em cena a voz do locutor e imagens do produto limpando as fibras do
tecido. “O novo brilhante com tecnologia brilho ativo elimina a sujeita impregnada
devolvendo o brilho original das roupas. E quem brilha é você”.
Figura 62: Comercial Brilhante
A personagem volta à cena, caminhando pela rua. Na medida em que ela
passa, as casas vão colorindo-se. “Esse foi o primeiro passo pra eu conquistar meu
sonho. Hoje eu sou dona de uma doceria”.
Figura 63: Comercial Brilhante
129
Então, Cátia é identificada na tela como “Cátia Farias. Dona da doceria
Bendito Quindim”.
Figura 64: Comercial Brilhante
O locutor volta, sobre a imagem do produto. “Só com brilhante você brilha
ainda mais”.
Figura 65: Comercial Brilhante
Essa peça é relevante por diversas razões. O código moral da higiene e
limpeza, da roupa branca, apresentado anteriormente, tem aqui marcas mais
profundas no processo identitário e chega a afetar a autoestima da personagem. Ela
só se sentiu confiante para vender seu produto depois que sua roupa foi lavada com
Brilhante e ficou branca como nova. Com mais autoconfiança, as portas pararam de
se fechar para Cátia e seu negócio prosperou.
Dentro da análise do comercial de Brilhante, um aspecto adicional pode ser
destacado: a importância do “brilhante como novo”. Esse atributo do produto é citado
em dois momentos ao longo dos 30 segundos. Primeiro a personagem diz que ficou
130
mais confiante com as roupas brilhando como novas, em seguida o locutor explica o
funcionamento do produto e diz que tecnologia brilho ativo elimina a sujeira
impregnada e devolve o brilho original das roupas. Martins chama atenção para a
importância do signo do novo: um rapaz num ônibus no interior do Paraná limpava
os óculos escuros com todo o cuidado para que não saísse o selo indicando que era
novo. “Indicação de que nessa periferia do mundo moderno artifícios são usados
para prolongar o estado de novo. (...) Mais do que o estado de novo, o signo do
estado de novo” (MARTINS, 2000, p. 39).
4.6. Batalhadores: a narrativa de vida e a luta por um futuro
melhor
A análise do comercial de Brilhante traz outros aspectos importantes,
presentes também em outro grupo de comerciais.
De maneira geral, a forma narrativa dos comerciais que apresentam um
testemunho de sucesso se assemelha ao relato popular. Da tradição oral, o relato
popular conta uma história com sentido moral, onde a repetição e a inovação
convivem (Martin-Barbero, 1988). É também uma das bases de origem do
melodrama, juntamente com os espetáculos populares.
Porque historicamente no melodrama (…) se fundem pela primeira vez a memória narrativa e a gestual, as duas grandes tradições populares: a dos relatos, que vem dos romances e da literatura de cordel, e das narrações de terror da novela gótica, por um lado; e por outro, a dos espetáculos populares que vem da pantomima e do circo, do teatro de feira e dos ritos de festa. (Ibid., p. 5; tradução nossa)
O melodrama, por sua vez, dá origem ao gênero de mesmo nome no teatro,
chamado por Barbero de melo-teatro, que dá origem à melo-novela, ou folhetim,
através do crescimento da imprensa. Com o desenvolvimento do rádio e do cinema,
o folhetim se transforma em radionovela e melodrama cinematográfico, como
herdeiros “naturais” da melo-novela. As técnicas de produção do cinema e o advento
da televisão, fusionados aos mecanismos do relato popular presentes na
radionovela, transformam-se na telenovela. A telenovela latino-americana é onde o
melodrama “profundamente original reencontra as massas” (ibid., p. 20).
131
Borelli analisa a telenovela da Rede Globo, encontrando alguns elementos
que compõem uma produção de sucesso: atores e personagens admirados, ídolos,
pares românticos, paisagens, ficção acrescentada à realidade de maneira plausível.
Além de dramas familiares, humanos e político-sociais relevantes à época.
É possível encontrar diversas semelhanças entre a telenovela – e sua origem
no relato popular e no melodrama – e os comerciais analisados aqui. O drama
pessoal, a solução encontrada, o clímax da história, o ator famoso, o personagem
que se transforma em herói. Assim os anunciantes se apropriam de uma matriz
popular com o objetivo de se aproximar desse público.
Além da forma narrativa, relação entre autoestima e êxito profissional
aproxima esse comercial do gênero autoajuda, muito presente nas revistas
femininas. Mira, em O leitor e a banca de revistas, analisa as revistas femininas
como Claudia e Nova. Segundo a autora, o reforço da autoestima e o fortalecimento
do ego são os objetivos alegados das matérias sobre comportamento nesse tipo de
revista que buscam acompanhar a mulher após a emancipação feminina, em sua
jornada de ser independente financeiramente e tomar suas próprias decisões
independentemente de tradições. Assim essas revistas se assemelham à autoajuda
(MIRA, 1997).
Só através da autoestima é que se podem operar mudanças. A nova mulher é alguém que pode fazer compras para si, exercer sua sexualidade sem timidez, descobrir o seu próprio valor. (...) Ao tentar ajudar a leitora a enfrentar essa nova realidade, seus métodos são em tudo semelhantes aos manuais de autoajuda. É típico da revista, antes de mais nada, o abuso dos advérbios “como” e “onde”. “Como abrir um negócio em segurança”, “Onde encontrar homens interessantes” e outros. (Ibid., p. 212)
A autoajuda comumente usa o depoimento alheio para gerar aprendizado
emocional. É através das histórias de vida de outras pessoas que as leitoras
aprendem como agir numa situação semelhante, ou seja, “[as histórias] elas são
lidas como algo que ‘poderá acontecer comigo’ e, se acontecer, ‘saberei como agir’”
(ibid., p. 171). Fica clara a semelhança entre as histórias de vida presentes nas
matérias de autoajuda e os depoimentos usados nos comerciais para gerar o
interesse do público feminino e oferecer soluções práticas para o problema da
brancura na autoestima: “agora sei como agir”.
132
Outro aspecto a ser analisado na narrativa da vendedora de quindim, são
“estratégias de viração”, apresentadas por Sciré: diversos artifícios tanto de
obtenção de renda quanto de maximização do consumo, que fazem o dinheiro
render.
A organização da vida cotidiana dentre as camadas populares sempre passou pelas mais diversas estratégias de fazer o dinheiro render. Dentro desse contexto, principalmente as mulheres exercem papel ativo, realizando uma série de pequenas atividades que, somadas à “renda oficial”, permitem ampliar os ganhos dentro de casa. Trata-se de atividades que vão desde a venda de bijuterias e outros produtos, bicos durante os finais de semana, além da execução de pequenos serviços para vizinhos – geralmente homens e solteiros – como lavar e passar roupas, olhar crianças, etc. (SCIRÉ, 2012, p. 94)
A figura do micro e pequeno empreendedor, como a doceira da periferia que
multiplica o tamanho de sua confeitaria, é, segundo a publicação Vozes da Classe
Média – caderno três (BRASIL, 2013b), uma realidade. Essa publicação mostra que
os pequenos empreendedores representam hoje 40% dos postos de trabalho
disponíveis e por 32% do crescimento do montante de remunerações do trabalho.
Meirelles, nessa mesma publicação, faz uma análise qualitativa desse fenômeno e
mostra como o otimismo, que faz parte dos valores da classe C, contribui não só
para o aumento do consumo, como também para o empreendedorismo em busca de
um futuro melhor.
Segundo ele, o otimista estuda mais e empreende mais. E a estabilidade
econômica, além de um ambiente mais favorável ao empreendedor, foi o gatilho que
faltava para que esse sonho se transformasse em realidade. “O resgate da
autoestima foi primordial para que este brasileiro pudesse tirar do papel as suas
metas e concretizar sonhos que pareciam inalcançáveis há anos” (MEIRELLES in
BRASIL, 2013b, p. 98).
A narrativa do sucesso é importante porque ilustra como o trabalho árduo e
esforço individual protagonizaram essa trajetória que os levou pelo caminho da luta
a uma “vida melhor”. Segundo Jessé Souza, o grupo denominado por ele de “nova
classe trabalhadora” ou simplesmente de “batalhadores” (SOUZA, 2012), ascendeu
na pirâmide social através da renda e do trabalho e se sustenta sobre uma espécie
de ethos do trabalho, foi o trabalho que trouxe o aumento da renda e do consumo;
133
batalha que é motivo de orgulho e dignidade. Logo, a narrativa de vida se torna
central e aparece nos comerciais como exemplo de sucesso a ser seguido.
Outros comerciais também se destacam pela forma narrativa, pela
semelhança com o gênero autoajuda e pela importância do esforço individual do
batalhador para seu sucesso.
A marca de cosméticos Jequiti, do grupo Silvio Santos, também se apropria
dessa narrativa do microempreendedor como estratégia de “viração” financeira.
Veiculados em diversos horários e programas na emissora, os comerciais de Jequiti
convidam o telespectador a fazer parte desse sucesso, através da figura de Patricia
Abravanel, além de mostrar casos reais de consultoras Jequiti bem-sucedidas.
O comercial traz o depoimento da consultora Alene, Serra Talhada – PE. A
personagem conta como começou a vender Jequiti e como esse fato a ajudou a
realizar conquistas pessoais e de consumo, discurso carregado de um forte sotaque
pernambucano. “Era um sonho vender Jequiti, eu vi na tevê, eu digo eu quero isso
pra mim”.
Figura 66: Comercial Jequiti 2
“Tava divulgano na minha cidade que ia ter uma reunião, vou lá, e daí pra cá
conclui minha faculdade...”.
134
Figura 67: Comercial Jequiti 2
“...comprei meu carro. Você tem um sonho, conquista, aumenta a clientela,
busca outro sonho, e assim sucessivamente”.
Figura 68: Comercial Jequiti 2
Ao final, a garota propaganda da marca, Patricia Abravanel, encerra o
comercial convidando o telespectador realizar seus sonhos através de Jequiti. “Tá
esperando o que pra realizar teus sonhos? Seja um consultor ou uma consultora da
Jequiti”.
Figura 69: Comercial Jequiti 2
135
Jequiti é apresentada como a ferramenta para a realização pessoal e
profissional do herói que, através do esforço individual, atingiu seus objetivos.
O comercial de 15 segundos do medicamento Coristina D, veiculado no SBT
no Programa do Ratinho, também ilustra o esforço individual, a batalha do dia a dia,
que não pode ser interrompida por uma gripe. Nele, a garota propaganda Giovana
Antonelli passa pelo ambiente de trabalho, da família, até terminar num ambiente
branco ao lado do produto. “Eu sou como você, batalho e não paro por uma gripe.
Eu sou Coristina D, e você? Coristina D, cuida de você”.
Figura 70: Comercial Coristina D
Novamente aparece a temática da batalha do dia a dia e da importância do
esforço individual que não pode ser abatido por qualquer motivo, nem por uma gripe.
Por esse motivo se torna tão importante à narrativa de vida de cada indivíduo. Para
os batalhadores, o trabalho árduo e esforço individual são protagonistas na trajetória
que os levou pelo caminho da luta a uma “vida melhor”.
A questão da educação faz parte do sonho e do esforço em busca dessa
“vida melhor”. No capítulo “Uma breve discussão sobre o fenômeno da classe C”,
este trabalho trouxe alguns fatos relevantes sobre a questão da educação na classe
C. Na maioria das famílias, o chefe ou pessoa de referência no núcleo familiar
apenas concluiu o ensino médio. Porém os jovens tendem a frequentar mais a
escola que seus pais: “Enquanto na classe alta os filhos estudaram 20% a mais que
seus pais, na Classe C, essa média fica em 68%” (BRASIL, s/b).
Instituições de ensino passam então a falar diretamente com esse público em
seus anúncios, explorando o desejo da ascensão através da educação. O comercial
136
das Faculdades Anhanguera, veiculado no SBT, traz Teresinha, Augusto e Kelly
como personagens, estudantes da Anhanguera, contam como Leandro se esforça
para estudar e como a Anhanguera oferece todas as ferramentas e facilidades para
que seu esforço tenha resultado, ou seja, para que ele possa concluir o curso com
tranquilidade e conseguir um emprego. O slogan ao final resume essa mensagem.
“Anhanguera. Aqui o seu esforço ganha força”.
“Mesmo trabalhando muito, Leandro nunca falta às aulas. Os professores são
muito bons, e ele diz que tem que aproveitar”.
Figura 71: Comercial Anhanguera
“Estudar não é fácil, mas Leandro sabe que vale a pena. E como as
mensalidades não pesam muito, fica mais tranquilo”.
Figura 72: Comercial Anhanguera
“E a Anhanguera até ajudou a conseguir um emprego novo”.
137
Figura 73: Comercial Anhanguera
Um locutor entra em cena: “Agora é a vez do Leandro e a sua vez também.
Uma das maiores instituições de ensino do mundo dá a maior força pra você
estudar. Inscreva-se já. www.vestibulares.br. Anhanguera. Aqui o seu esforço ganha
força”.
Figura 74: Comercial Anhanguera
Outro exemplo importante é o comercial da Uninove, veiculado durante o
Fantástico. Ele traz como características principais a localização e mensalidades
que cabem no bolso, além da qualidade do ensino.
O comercial é composto do depoimento de diversos jovens. “Qualidade é ter
tradição de mais de meio século. E ser uma das maiores universidades de São
Paulo”.
138
Figura 75: Comercial Uninove
“Qualidade é ter cursos dinâmicos e atualizados. Bibliotecas constantemente
renovadas e modernos laboratórios”.
Figura 76: Comercial Uninove
“Qualidade é ter um excelente conceito no MEC. Com mestrado e doutorado
recomendados pela Capes”.
Figura 77: Comercial Uninove
139
“Qualidade é ter um campus sempre perto de você”.
Figura 78: Comercial Uninove
“Qualidade é ter um preço justo que cabe no meu bolso. É por isso que a
Uninove vai ser a sua universidade. É por isso que a Uninove é sempre dez”.
Figura 79: Comercial Uninove
O argumento da mensalidade que cabe no bolso, ou que não pesa no bolso, é
o mais importante para identificar o público a quem o comercial se destina. Para um
jovem de classe A não faz sentido dizer que a mensalidade tem preço justo ou que
cabe no seu bolso, afinal não é o próprio aluno que paga, e sim seus pais. Para
fazer o contraponto, é apresentado abaixo um anúncio da Anhembi-Morumbi. Ela
tem o comediante Marcelo Tas como garoto propaganda, ao contrário da Uninove e
Anhanguera, que mostram jovens comuns. Aparece no fim o argumento da
mensalidade – que seria paga pelos pais do aluno.
140
“Mais uma vez a Anhebi-Morumbi está inovando e lança o vestibular Top 50.
Se você for aprovado, entra numa das universidades mais conceituadas do país. E
se estiver entre os cinquenta primeiros, ganha uma bolsa integral. É a Anhembi-
Morumbi valorizando o seu talento e convidando você a fazer diferença no mundo.
Prepare-se pra comemorar se passar. E se passar entre os cinquenta primeiros,
quem vai comemorar é o seu pai. Anhembi-Morumbi, uma universidade de fronteiras
e mentes abertas”.
Figura 80: Comercial Anhembi-Morumbi
Não existem dados neste trabalho que provam se quem paga o ensino
superior na classe C é o próprio jovem ou seus pais. Porem não há dúvidas que os
anúncios da Uninove e da Anhanguera trazem mais elementos que geram
identificação com jovens da classe C. Além da mensalidade que cabe no bolso, a
localização acessada através de transporte público aparece como elemento
principal. O trabalho concomitante ao estudo e o esforço de frequentar a faculdade,
porque estudar não é fácil, valem a pena pelo emprego novo que aparece logo
adiante. E a própria faculdade ajuda esse jovem a encontrar o caminho do emprego
novo. A mensagem da porta de entrada para uma vida melhor é sem dúvida parece
ser mais relevante para jovens batalhadores de classe C muito mais do que “estar
entre os cinquenta primeiros”.
Os comerciais descritos e analisados neste capítulo foram apenas alguns
exemplos, os mais relevantes e característicos, dentre muitos anúncios nos
intervalos da programação escolhida que pareciam ser direcionados para classe C.
Eles provam como as empresas anunciantes, junto com as agências de publicidade,
estudam esse público e procuram entender seus valores, seus sonhos, suas
141
preferências estéticas. Ao associá-los a seus produtos, buscam a atenção da classe
C que ganha importância como mercado consumidor. A finalidade é a influência na
escolha do consumidor quando for comprar produtos de limpeza ou se matricular um
curso superior, e essa tentativa é feita ao imprimir dentre os atributos identitários da
marca aqueles com os quais o público se identifica.
142
CONCLUSÃO
Após 1994, o Plano Real trouxe a estabilização da inflação e um ciclo virtuoso
para a economia como um todo, que voltou a crescer. O crescimento da renda
média, no início dos anos 2000, veio do aumento do emprego, do salário mínimo e
dos programas governamentais de repasse de renda. Isso fez com que milhões de
brasileiros tivessem renda disponível e ganhassem importância no mercado
consumidor. As manchetes sobre a classe C começaram a se espalhar por jornais e
revistas, destacando características desse grupo: têm orgulho de sua origem e não
querem copiar as classes A e B, gostam de marcas líderes e tem cartão de crédito,
jovens buscam educação por um futuro melhor.
Institutos de pesquisa especializados prosperaram ajudando as empresas e o
governo a entender esse grupo. O Governo Federal cria a “Comissão para Definição
da Classe Média no Brasil”, subordinada à Secretaria de Assuntos Estratégicos,
deixando evidente a importância dada pelo governo a esse tema. Essa comissão
publicou quatro edições do caderno Vozes da Classe Média, aprofundando-se no
perfil socioeconômico, demográfico e comportamental desse grupo.
Tal fenômeno mudou a dinâmica não só do mercado consumidor, que se
expandiu, como também da indústria cultural e da televisão. A audiência popular
passou a ser muito mais significante do ponto de vista econômico e cresceu o
número de empresas anunciantes dispostas a veicular seus comerciais para esse
público. As empresas e agências de publicidade passaram a estudar suas
preferências, entendê-las, dissecá-las.
Ao tratar de temas de seu interesse, organizar o enredo dos comerciais
segundo sua lógica de pensamento, falar sua língua, usar suas palavras, suas
preferências de cores e gosto musical, os anunciantes produzem anúncios mais
adequados às necessidades e motivações da classe C que emerge do universo
popular.
Ficou claro que os anunciantes se apropriam do gosto popular, de suas
matrizes culturais e questões identitárias, em busca de se aproximar desse público e
fazer com que seus produtos se tornem desejados e, em última instância, sejam
comprados por ele. Elementos semelhantes encontrados em diversos comerciais
143
mostram que as empresas e agências de publicidade fizeram seu dever de casa e
estudaram sua nova audiência.
Desde o uso da música sertaneja, das cores primárias, da festa, traduzida em
programa de auditório, da comicidade popular, até a seleção do elenco, do seu
sotaque, do figurino, da locação, dos objetos cenográficos, da pós-produção e a
escolha das imperfeições a serem editadas, tudo é deliberadamente e
detalhadamente produzido para gerar identificação com a classe C. Outros assuntos
de relevância identitária também aparecem, como a questão da autoestima,
relacionada à brancura, as estratégias de “viração” financeira do dia a dia e a
construção da narrativa de vida na busca por um futuro melhor.
Ao contrário dos comerciais mais cultos, onde muitas vezes sequer existem
palavras, apenas uma sequência de imagens e sons, a forma narrativa está
presente de maneira geral nos comerciais para a classe C. A presença de elementos
como o drama pessoal, o herói e o clímax da história, aproxima-os do relato popular.
São também usados como artifícios a fim de facilitar a compreensão da mensagem:
a repetição, característica da tradição oral, bem como a utilização do testemunho
pessoal que remete ao gênero autoajuda.
Marcas líderes e grandes empresas já não hesitam em veicular seus
comerciais no intervalo de programas como Ratinho. Anunciam inclusive as versões
mais elaboradas e mais caras de seus produtos, como sabonete antibacteriano,
creme dental para dentes sensíveis e sabão líquido, pagando o altíssimo custo pelo
espaço de 30 segundos cobrado pelo SBT, muitas vezes, mais caro que em
programas da Rede Globo.
Até a década de 1990, o domínio da Rede Globo sobre a televisão e a
primazia da televisão sobre os demais meios fez com que o “padrão Globo de
qualidade” fosse sinônimo da indústria cultural brasileira. Após a década de 1990, a
emissora passou por mudanças para se adequar ao gosto da nova audiência que
ganhava poder econômico, contratando quem antes roubava sua audiência em
outras emissoras e fazendo modificações em sua programação ao inserir novos
programas humorísticos e de auditório. Também moveu a centralidade das novelas
das zonas ricas para a periferia, colocando atrizes e atores de primeiro escalão em
papéis antes considerados secundários como garçonetes ou empregadas
domésticas. Algumas mudanças foram reconhecidamente de sucesso, como a
144
novela Amor à Vida, outras um tanto quanto caricaturais como a novela Cheias de
Charme. Entretanto, apesar dos seus esforços, a Globo mantém sua audiência
através das classes A e B e não se aproxima do SBT em preferência das classes
CDE.
Também devido ao tamanho de sua audiência, composta por todas as
classes, os anunciantes veem a Globo como meio para divulgação de seus produtos
de forma mais abrangente, ou seja, não focalizada no público popular. Talvez isso
explique o fato de que dos 18 comerciais escolhidos e analisados por apresentarem
características do gosto popular, apenas três foram extraídos da Rede Globo: Extra
e Claro, veiculados durante a novela Amor à Vida, e Uninove, veiculado durante o
Fantástico. Todos os demais comerciais foram veiculados no SBT.
De fato, a discussão sobre o gosto popular, presente na propaganda, ganha
força na medida em que se entende o tamanho do grupo que ganha importância no
mundo do consumo. A chamada classe C é hoje mais da metade da população do
Brasil. Ela ascendeu nas últimas décadas das classes D e E com o aumento da
renda, trazendo consigo o gosto popular, as matrizes culturais populares e suas
práticas culturais traduzidas em consumo. Consumo este que, sem dúvida,
contribuiu para a melhora na qualidade de vida do grupo.
O aumento da renda disponível possibilitou o acesso à internet, permitiu a
compra de planos de saúde, acesso à universidade privada, além, é claro, de
eletrodomésticos novos. Seja ele chamado de nova classe trabalhadora,
batalhadores, classe C ou classe média, o fato é que esse grupo passou a ter
acesso ao consumo e a ver na propaganda mensagens que compreendem melhor,
signos com os quais se identifica, bem como seu gosto e suas preferências
associados às marcas líderes de mercado.
Entretanto, a crítica precisa ser colocada. O aumento da renda vem do
trabalho e esforço individual, em busca da construção de uma narrativa de vida com
futuro melhor. Parte da população das classes CDE ainda não tem acesso às redes
de água e esgoto, ou à coleta de lixo. Ainda faltam detalhes importantes nesse
retrato. Um retrato do povo que mora longe, em Parelheiros, por exemplo, que passa
uma hora na fila para pegar o trem na marginal, que frequentou escola pública até a
quarta série, mas “o filho vai sê dotô”. É o porteiro, marido da faxineira, cunhado da
vendedora Avon, que é esposa do pedreiro, que faz churrasco na laje no fim de
145
semana, de calça jeans justa e top cor-de-rosa, escutando McDaleste no telefone
novo.
“A Televisão de 42 polegadas na parede sem reboco da sala reflete a jarra
em forma de abacaxi em cima da mesa com toalha florida. Tevê ligada no Domingo
Legal, onde um novo cantor sertanejo se apresenta. Sabão em pó da melhor
qualidade lava a roupa na máquina nova. E ‘vamo comemorá’ que agora tem Amil,
não precisa ir mais no posto de Guarapiranga. Coca-Cola na mesa porque é
domingo, a moto na garagem é só 150 a parcela. A fatura do cartão do Magazine
Luiza vence amanhã, mas dá para pagar só o mínimo. Vai dar tudo certo. ‘Vamo que
vamo que dá!’”.
146
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