PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO …...base un proyecto pedagógico que valora las...
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Carolina Tavares da Silva Louback
Entre a tradição e a tradução:
um estudo de caso de uma associação de pais imigrantes brasileiros na Espanha
DOUTORADO EM PSICOLOGIA CLÍNICA
São Paulo
2017
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
Carolina Tavares da Silva Louback
Entre a tradição e a tradução:
um estudo de caso de uma associação de pais imigrantes brasileiros na Espanha
Tese apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para a obtenção do título
de doutor em Psicologia Clínica, sob orientação da
Profa. Dra. Rosane Mantilla de Souza.
São Paulo
2017
Sistema para Geração Automática de Ficha Catalográfica para Teses e Dissertações com dados fornecidos pelo autor
CDD 157.9
L886LOUBACK, CAROLINA TAVARES DA SILVA ENTRE A TRADIÇÃO E A TRADUÇÃO: UM ESTUDO DE CASODE UMA ASSOCIAÇÃO DE PAIS IMIGRANTES BRASILEIROS NAESPANHA / CAROLINA TAVARES DA SILVA LOUBACK. --São Paulo: [s.n.], 2017. 97p. il. ; 30 cm.
Orientador: ROSANE MANTILLA DE SOUZA.Tese (Doutorado em Psicologia Clínica)-- PontifíciaUniversidade Católica de São Paulo, Programa deEstudos Pós-Graduados em Psicologia Clínica, 2017.
1. Família Intercultural. 2. Identidade Cultural.3. Migração. 4. Internet. I. SOUZA, ROSANE MANTILLADE. II. Pontifícia Universidade Católica de SãoPaulo, Programa de Estudos Pós-Graduados emPsicologia Clínica. III. Título.
Banca Examinadora
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Agradecimento especial ao Conselho Nacional
de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq) pelo incentivo financeiro para a realização
desta pesquisa.
AGRADECIMENTOS
Esta tese é a realização de um sonho e me sinto muito feliz em conquistá-lo.
Primeiramente, agradeço a Deus por ter me permitido realizar este sonho e por ter me
dado forças para continuar nos momentos mais difíceis.
Agradeço a todos que generosamente contribuíram para feitura deste sonho, seja direta
ou indiretamente.
À Profa. Dra. Rosane Mantilla de Souza, minha orientadora, que tornou toda essa
trajetória uma experiência enriquecedora, inspirando-me a buscar o conhecimento e a refletir com
mais profundidade, minha profunda gratidão e admiração. Sem a sua firmeza, competência,
sensibilidade e objetividade, esta tese não teria acontecido. Desejo que muitos outros projetos
possam ser construídos em conjunto.
A todos os participantes desta pesquisa que anonimamente se dispuseram a contribuir de
forma generosa, compartilhando suas histórias migratórias em terras distantes. À Associação
de pais que apoiou e acolheu a pesquisa, principalmente a presidente que com simpatia e
prontidão estabeleceu contatos, o meu muito obrigada.
Aos meus pais pelo exemplo de vida e valores transmitidos. – Pai, como eu sinto você não
estar aqui para celebrar comigo esta conquista!
Ao meu marido, por ser meu porto seguro, esperando-me durante as idas e vindas entre
Rio e São Paulo. Pelo apoio e incentivo sempre presente, mostrando que companheirismo é algo
muito além do que eu imaginava ser.
A minha filha que me inspira e me motiva pelo fato de simplesmente existir. – Amo-te,
minha bonequinha.
Ao Leonardo, meu futuro genro, obrigada pelos esclarecimentos em Direito
Constitucional, acerca do Direito da Nacionalidade, pelo apoio e torcida afetuosa sempre
presentes.
Aos amigos de sempre, os de longe, os recentes, os que oram, torcem, os que perguntam:
– e a tese? Os que querem saber quando é que acaba e aqueles que estão ansiosos para
comemorar, vocês também são partes desta história.
Aos meus pacientes que estimulam o meu aprendizado e crescimento profissional.
A Priscila, minha filha, pelo belo trabalho gráfico das figuras e tabela desta tese.
Aos professores de toda minha vida, e especialmente aos professores Arthur Tavares,
Zaccharias Eduardo Carboni (in memorian), Profa. Dra. Lucília de Almeida Elias, Dr. Fábio
Damasceno Barreto, Profa. Dra. Andrea Soutto Mayor, Ma. Juliane Dominoni Gomes Oliveira,
que serviram de exemplo e me impulsionaram a chegar aqui.
À Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, pelo acolhimento e por abarcar uma
diversidade de áreas da Psicologia Clínica, que serve de atrativo para muitos alunos, assim como
eu, levando-nos a sair de nossas cidades e Estados, migrando de diversas partes do Brasil para
aprender e desenvolver nossas pesquisas nesta casa.
Aos professores da PUC-SP que durante os 8 anos de mestrado e doutorado foram
importantes para o conhecimento adquirido ao longo das disciplinas realizadas, Profa. Dra. Rosa
Maria Stefanini Macedo, Profa. Dra. Maria Helena Pereira Franco, Profa. Dra. Ceneide Maria
de Oliveira Cerveny, Profa. Dra. Edna Maria Severino Peters Kahhale e Profa. Dra. Ida
Kublikowski.
À Profa. Dra. Maria Thereza de Alencar Lima e Profa. Dra. Cíntia Gemmo Vilani, que
fizeram parte da banca de qualificação, pelos direcionamentos apontados.
Agradeço aos professores participantes da banca examinadora que dividiram comigo este
momento tão importante e esperado: Profa. Dra. Maria Thereza de Alencar Lima, Prof. Dr. Plínio
de Almeida Maciel Júnior, Profa. Dra. Valéria Maria Meirelles e Profa. Dra. Cíntia Gemmo
Vilani.
Aos colegas de pós-graduação, mestrado e doutorado, que estiveram ao meu lado nestes
anos de PUC-SP, pela alegria, sofrimento, conquistas e experiências compartilhadas, vocês
fizeram diferença, tornando a minha jornada mais suave.
À Catia, pelo suporte na administração da casa, em que eu pude descansar e confiar
cuidados.
A todos os funcionários desta Universidade que, de alguma maneira, contribuíram para
este momento.
À Paula, pela paciência e cuidado na revisão. Ao Diego, à Dolores e à Irene, pelo apoio
com as traduções.
Finalizo como tudo começou, agradecendo a Deus e celebrando a vida.
Contar seguido, alinhavado, só mesmo sendo coisas
de rasa importância (...) Talvez então, a melhor coisa
seria contar a infância não como um filme em que a
vida acontece no tempo, uma coisa depois da outra,
na ordem certa, sendo essa conexão que lhe dá
sentido, princípio, meio e fim, mas como um álbum
de retratos, cada um completo em si mesmo, cada um
contendo o sentido inteiro. Talvez seja esse o jeito de
escrever sobre a alma em cuja memória se encontram
as coisas eternas, que permanecem...
Guimarães Rosa
RESUMO
LOUBACK, Carolina Tavares da Silva. Entre a tradição e a tradução: um estudo de caso de
uma associação de pais imigrantes brasileiros na Espanha. 97 p. Tese de Doutorado em
Psicologia Clínica. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC-SP. São Paulo, 2017.
Sabemos que o homem não é um ser isolado e que desde seus primórdios sobrevive em grupos,
necessitando sempre de apoio para que possa se sentir integrado, orientado e protegido.
O mesmo acontece na vida daqueles que migram, utilizando-se da internet como meio de
conectar-se com outros imigrantes, organizando comunidades e associações para conviverem
e se auxiliarem mutuamente, atuando de forma presencial e on-line. Esta pesquisa teve como
objetivo compreender o funcionamento de uma associação de pais imigrantes brasileiros
na Espanha, e como objetivos específicos: compreender a formação, o funcionamento e a
manutenção de uma associação de pais imigrantes brasileiros domiciliados na Espanha,
compreender como o imigrante se relaciona com a associação e qual o significado desta para
sua família e identificar como a associação de pais imigrantes brasileiros atua na manutenção da
relação com a cultura brasileira. Tratou-se de uma pesquisa qualitativa, de abordagem sistêmica,
cujos acesso e realização se deram por meio da internet, tendo como estratégia metodológica
o estudo de caso instrumental. Foram realizadas entrevistas não-diretivas com três membros
da diretoria da Associação e com o idealizador do projeto, além de 20 questionários respondidos
por pais imigrantes brasileiros e observações netnográficas do site e da fanpage do Facebook.
Os resultados mostraram que a ação comunitária dos pais é centrada em torno de um objetivo em
comum: o aprendizado da língua e a transmissão da cultura, e tem como base um projeto
pedagógico que valoriza as práticas interculturais, o desenvolvimento de uma identidade cultural
afetiva, a convivência com falantes de português, sendo estes os meios encontrados pela
Associação para manutenção da relação com a cultura brasileira. A participação do imigrante e
seus filhos juntamente com outras famílias imigrantes brasileiras na Associação proporcionam
aos pais pertinência, informação, apoio emocional e convívio social.
Palavras-chave: Família Intercultural. Identidade Cultural. Comunidade. Migração. Internet.
.
ABSTRACT
LOUBACK, Carolina Tavares da Silva. Between tradition and translation: a case study of an
association of Brazilian immigrant parents in Spain. 97 p. Doctoral Thesis on Clinical
Psychology. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC-SP. São Paulo, 2017.
We know man is not an isolated being and that since his beginnings he survives in groups, always
in need of support in order to feel integrated, oriented and protected. The same happens in the
lives of those who migrate, recurring to internet as a mean to connect themselves to other
immigrants, organizing communities and associations to live with and help themselves mutually,
acting in person and online. This research aimed to comprehend the functioning of an association
of Brazilian immigrant parents residing in Spain, and had as specific aims: comprehend the
formation, functioning and maintenance of an association of Brazilian immigrant parents residing
in Spain, comprehend how the immigrant relates with the association and its meaning for his
family and identify how the association of Brazilian immigrant parents acts on the maintenance
of the relation with Brazilian culture. This was a qualitative research, of systemic approach,
whose access and making were made through the internet, having as methodological strategy an
instrumental case study. Non-directive interviews were made with three members of the
Association's direction and with the project's mastermind, in addition to 20 questionnaires
answered by Brazilian immigrant parents and netnographic observations about the association's
site and Facebook fanpage. The results showed that the parents communitary action is centered
on a common aim: language learning and transmission of culture, and has as basis a pedagogical
project that values intercultural practices, the development of an affective cultural identity and
the interaction with Portuguese speakers, those being the means found by the Association to
maintain its relation with Brazilian culture. Participation of the immigrant and his sons in the
Association, together with other Brazilian immigrant families, provides parents with a sense of
belonging, information, emotional support and social interaction.
Keywords: Intercultural Family. Cultural Identity. Community. Migration. Internet.
RESUMEN
LOUBACK, Carolina Tavares da Silva. Entre la tradición y la traducción: un estudio de caso
de una asociación de padres inmigrantes brasileños en España. 97 p. Tesis de Doctorado en
Psicología Clínica. Pontificia Universidade Católica de São Paulo, PUC-SP. São Paulo, 2017.
Sabemos que el hombre no es un ser aislado y que desde sus orígenes sobrevive en grupos,
necesitando siempre apoyo para que pueda sentirse integrado, orientado y protegido. Lo mismo
sucede en la vida de aquellos que migran, utilizando internet como medio de conectarse con otros
inmigrantes, organizando comunidades y asociaciones para convivir y ayudarse mutuamente,
actuando de forma presencial y on-line. Esta investigación tuvo como objetivo comprender el
funcionamiento de una asociación de padres inmigrantes brasileños en España, y como objetivos
específicos: comprender la formación, el funcionamiento y el mantenimiento de una asociación
de padres inmigrantes brasileños domiciliados en España, comprender cómo el inmigrante se
relaciona con la asociación y cuál es el significado de esta para su familia e identificar cómo
la asociación de padres inmigrantes brasileños actúa en el mantenimiento de la relación con la
cultura brasileña. Se trató de una investigación cualitativa, de abordaje sistémico, cuyo acceso
y realización se dieron a través de internet, teniendo como estrategia metodológica el estudio
de caso instrumental. Se realizaron entrevistas no directivas con tres miembros del directorio
de la Asociación y con el idealizador del proyecto, además de 20 cuestionarios respondidos
por padres inmigrantes brasileños y observaciones netnográficas del sitio y de la fanpage
de Facebook. Los resultados mostraron que la acción comunitaria de los padres se centra en torno
a un objetivo en común: el aprendizaje de la lengua y la transmisión de la cultura, y tiene como
base un proyecto pedagógico que valora las prácticas interculturales, el desarrollo de una
identidad cultural afectiva, la convivencia con hablantes de portugués, siendo estos los medios
encontrados por la Asociación para mantener la relación con la cultura brasileña. La participación
del inmigrante y sus hijos junto con otras familias inmigrantes brasileñas en la Asociación
proporcionan a los padres pertinencia, información, apoyo emocional y convivencia social.
Palabras claves: Familia Intercultural. Identidad Cultural. Comunidad. Migración. Internet.
RESUMÉ
LOUBACK, Carolina Tavares da Silva. Entre la tradition et la traduction: une étude de cas
d’une association de parents immigrés en Espagne. 97 p. Thèse de Doctorat en Psychologie.
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC-SP. São Paulo, 2017.
Nous savons que l’homme n’est pas un être isolé et que dès ses origines, il survit en groupes,
en ayant toujours besoin d’appui pour qu’il se sente intégré, orienté et protégé. Le même se passe
dans la vie de ceux qui immigrent, en utilisant l’internet comme moyen de se connecter
avec d’autres immigrés, en organisant des communautés, et des associations pour avoir une
convivialité et s’entraider, en agissant de façon présentielle et en ligne. Cette recherche a eu
comme but de comprendre le fonctionnement d’une association de parents immigrés brésiliens
résidants en Espagne et comme objectifs spécifiques: comprendre la formation, le
fonctionnement et l’entretien d’une association de parents immigrés brésiliens résidants
en Espagne; comprendre aussi comment l’immigré se rapporte avec une association et la
signification de celle-ci pour sa famille; identifier comment cette association de parents
immigrés brésiliens agit dans l’entretien du rapport avec la culture brésilienne. Il s’est agi d’une
recherche qualifiée d’approche systématique dont l’accès et la réalisation se sont construits
à travers l’internet, en ayant comme stratégie méthodologique l’étude de cas instrumental.
On a réalisé des interviews non directives avec trois membres de la direction de l’Association
et aussi avec le créateur du projet. En plus, vingt questionnaires ont été répondus par des parents
d’immigrés brésiliens et des observations netnographiques du site et de la fanpage du Facebook
ont été faites. Les résultats ont démontré que l’action communautaire des parents est centrée
autour d’un but comme: l’apprentissage de la langue et la transmission de la culture en ayant
comme base un projet pédagogique qui met en valeur les pratiques interculturelles,
le développement d’une identité affective, la convivialité avec ceux qui parlent portugais, bref,
ce sont ces moyens trouvés par l’Association pour maintenir un rapport avec la culture
brésilienne. La participation de l’immigré et ses enfants conjointement avec d’autres familles
brésiliennes d’immigrés dans l’Association offrent aux parents pertinence, information, soutien
émotionnel et la convivialité sociale.
Mots clés: Famille Interculturelle. Identité Culturelle. Communauté. Migration. Internet.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.............................................................................................................. 13
CAPÍTULO I – FAMÍLIA IMIGRANTE................................................................ 19
1.1 CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE CULTURAL............................................. 28
CAPÍTULO II – ASSOCIAÇÕES DE IMIGRANTES.......................................... 38
2.1 COMUNIDADE E REDE SOCIAL PESSOAL................................................. 39
2.2 AS COMUNIDADES: O QUE SÃO E COMO FUNCIONAM........................... 42
2.3 COMUNIDADES VIRTUAIS.......................................................................... 46
2.4 REDES SOCIAIS NA INTERNET.................................................................... 49
OBJETIVO.......................................................................................................... 55
3.1 OBJETIVO GERAL......................................................................................... 55
3.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS........................................................................... 55
MÉTODO............................................................................................................ 56
CONTEXTO.......................................................................................................... 57
PARTICIPANTES.................................................................................................. 57
PROCEDIMENTO................................................................................................. 58
INSTRUMENTOS................................................................................................. 60
ANÁLISE DE DADOS........................................................................................... 60
RESULTADOS E DISCUSSÃO........................................................................... 61
A. A Associação pesquisada: formação, funcionamento e manutenção.................. 61
A.1. A FORMAÇÃO DA ASSOCIAÇÃO................................................................ 61
A.2. FUNCIONAMENTO E MANUTENÇÃO......................................................... 65
A.3. MANUTENÇÃO............................................................................................ 68
B. O imigrante: a relação com a Associação e o significado para sua família......... 71
C. Identificar como a Associação de pais imigrantes brasileiros atua na
manutenção da relação com a cultura brasileira.......................................................
77
CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................ 80
REFERÊNCIAS............................................................................................................... 84
APÊNDICE A – Questionário........................................................................................... 94
13
INTRODUÇÃO
A casa do homem é onde ele pousa seu amor, é onde
encontra paz e pertencimento.
(Desconhecido)
A presente pesquisa tem como objetivo compreender a formação, o funcionamento e a
manutenção de uma associação de pais imigrantes brasileiros.
O interesse pelo assunto foi desperto durante o processo de coleta de dados para a
Dissertação A conjugalidade intercultural de brasileiras: uma análise sistêmica de posts em
blogs (LOUBACK, 2012), quando realizei um levantamento dos blogs de imigrantes
brasileiros e tive acesso às comunidades on-line constituídas por pais imigrantes brasileiros,
desejando, com isso, saber o impacto e o significado dessas associações na vida da família.
Sendo descente de imigrantes, passei boa parte de minha infância ouvindo de meu pai as
histórias sobre as origens suíça e italiana de nossa família, dos imigrantes que vieram para o
Brasil, do apoio que receberam dos amigos durante a viagem e da comunidade que formaram
quando chegaram em nossa terra.
Bem sabemos que, atualmente, os contextos de imigração diferem significativamente
daqueles do passado, o que muito se deve ao impacto causado pela Tecnologia de Informação e
Comunicação (TIC), que veio transformar a vida dos imigrantes encurtando a distância entre
o país de recebimento e o país de origem, tornando possível ver, falar e ouvir em tempo real, e
assim acompanhar de perto os acontecimentos da vida diária de seus amigos e familiares,
propiciando a experiência de estar aqui e lá ao mesmo tempo. Além desse uso, que já se tornou
costumeiro na vida dos imigrantes, a internet tem facilitado o contato com as comunidades
on-line de imigrantes e, por meio destas, vem possibilitando a formação de redes sociais e de
apoio estabelecidas entre eles.
As comunidades on-line podem abranger uma gama de interesses sociais e culturais,
desde grupos de mães, de estilo de vida, luto, imigrantes, e muitos outros, com a vantagem de
acolher pessoas de todo o mundo. Essas comunidades propiciam aos seus participantes
pertinência, informação, apoio emocional e convívio social.
14
As comunidades de imigrantes são iniciativas organizadas em torno de um ou mais
elementos culturais (língua, etnia, religião), atuando de forma presencial e on-line através de
blogs e fanpage no Facebook, divulgando o seu trabalho e promovendo encontros entre seus
participantes. Quando organizadas juridicamente, transformam-se em associações e possuem um
estatuto e uma diretoria eleita pelos seus membros.
Objetivando pesquisar as associações de pais brasileiros imigrantes, catalogamos
34 comunidades situadas na Europa, por se tratar do continente onde se identifica o maior
número de associações de imigrantes brasileiros. Identificamos o maior número de comunidades
(7) na Espanha e procuramos encontrar mais dados sobre elas.
Os movimentos migratórios1 perpassam a história do Brasil desde a época da colonização.
No final do século XIX e início do XX, o Brasil teve um importante papel como país receptor de
imigrantes, mas, a partir de meados da década de 1980, este quadro se altera e o Brasil se
converte em um país de envio de emigrantes (CAMPOS, 2011). Paralelamente, durante a década
de 1980, inicia-se na Espanha um processo contrário a essas mudanças de fluxo migratório que se
deram no Brasil, convertendo-se em um dos principais destinos de imigração na Europa. É nesse
contexto que se dá a chegada dos imigrantes2 brasileiros na Espanha.
No decorrer do século XXI, segundo Solé, Cavalcanti e Parella (2011), o número de
imigrantes brasileiros com autorização de residência na Espanha aumentou progressivamente,
tendo como marco desse incremento o período que compreende os anos de 2005 e 2006, em que
o número de residentes de 17.524 passou para 26.868, chegando a 47.229 em 2009. Com base em
informações contidas no site Brasileiros no Mundo, do Ministério das Relações Exteriores
(BRASIL, 2017), atualizada em 29/11/2016, estima-se que cerca de 86.691 brasileiros imigrantes
em Espanha, conforme as avaliações contidas nos relatórios consulares (RCNs) enviados
anualmente pelo Consulado-Geral do Brasil em Madrid e pelo Consulado-Geral do Brasil, em
Barcelona. De acordo com esses dados, na última década, a Espanha se converteu em um dos
mais importantes destinos da imigração brasileira no exterior.
1 Por migração, entende-se o movimento de entrada ou saída de indivíduos em países diferentes ou dentro de um
mesmo país (OIM, 2009). Acessível em: <https://publications.iom.int/system/files/pdf/iml22.pdf.>. 2 A imigração é o movimento de pessoas ou grupos humanos que entram em um determinado país que não o seu de
origem a fim de ali se estabelecerem (OIM, 2009). Adotaremos em nossa pesquisa a perspectiva do país de
recebimento, ou seja, na Espanha, os brasileiros são imigrantes. Acessível em: <https://publications.iom.int/
system/files/pdf/iml22.pdf>.
15
Um dos efeitos da crescente população estrangeira na Espanha foi o aumento do número
de casamentos mistos ou binacionais (RODRÍGUEZ GARCÍA, 2004), também chamados de
biculturais, que são constituídos por cônjuges que possuem nacionalidades distintas, língua
materna distinta e famílias de origem pertencentes a diferentes países (LIND, 2008). Segundo os
dados da pesquisa realizada em 2007 por Solé, Cavalcanti e Parella (2011), 2.588 mulheres e 560
homens brasileiros contraíram matrimônio na Espanha naquele ano. Desses casamentos, 2.193
uniões foram oficializadas entre mulheres brasileiras e homens espanhóis, e 344 homens
brasileiros casaram com mulheres espanholas; levando os autores à conclusão de que os
brasileiros residentes na Espanha, tanto mulheres quanto homens, casam-se preferencialmente
com espanhóis, constituindo uniões biculturais. Já com relação ao número de nascimento de
filhos de mães brasileiras, a pesquisa aponta um total de 2.625 crianças, posicionando o Brasil em
sétimo lugar, aproximadamente 3% do total de nascimentos de mães estrangeiras em Espanha,
considerando que em termos absolutos é um dos coletivos que mais têm filhos em Espanha.
Devemos acrescentar que os demais 611 brasileiros que se casaram na Espanha, fizeram-no com
não espanhóis, gerando igualmente uma situação de casamento bicultural, em que ambos os
cônjuges são imigrantes, com o diferencial de que os filhos dessas uniões viverão em um
contexto de tríplice influência cultural.
Existem muitas definições de família e diferentes tipos de família. Para McGoldrick et al.
(2012), família é constituída por aqueles que estão ligados pela mesma história emocional,
biológica, legal e cultural, e pela história que possivelmente construirão no futuro juntos.
A criança compreende e constrói sua história a partir da história de sua família materna e
de sua família paterna. Nesse sentido, concordamos com Théry (1996) e Hurstel (1999) quando
dizem que é preciso que a história familiar seja transmitida à criança, para que ela se identifique e
consolide sua identidade, construindo seu lugar na rede de parentesco.
Além da família, o grupo social representa um aspecto significativo de reforço
identitário e suporte na transmissão cultural. Daure (2010) e Daure, Reveyrand-Coulon
e Forzan (2014) consideram que o contato frequente, a observação e a participação do
imigrante e de seus filhos em encontros com famílias da mesma origem cultural e
de origem cultural diferentes atuam como ponto de referência para que o desenvolvimento de
seus filhos se dê em uma atmosfera familiar e em um ambiente semelhante ao país de origem.
16
No entanto, devemos considerar que, ao longo de seu desenvolvimento, a relação com outras
crianças torna os filhos cada vez mais participantes da cultura local.
Quase todas as famílias de imigrantes pesquisadas por Daure e Reveyrand-Coulon (2009)
relataram que o contato com outras pessoas da mesma cultura proporcionou satisfação, segurança,
além de oferecer suporte na transmissão cultural. Os autores afirmam a importância do apoio do
grupo social no exercício da parentalidade, salientando que no processo de migração o grupo
de compatriotas pode representar um aspecto significativo de reforço identitário para o imigrante
e seus filhos, contribuindo para a organização da família intercultural.
Tanto a família quanto as associações funcionam como fonte de apoio no processo de
imigração, como demonstra o estudo realizado por Dominguez e Hombrados (2010), que ao
analisar a relação existente entre o apoio social e o sentimento de felicidade em mulheres
imigrantes residentes em Málaga, Espanha, mostrou que a família é a fonte de apoio emocional
e material mais importante em relação ao nível de felicidade, e as associações de ajuda ao
imigrante apareceram como fonte de apoio informacional.
Outro estudo que teve como objetivo analisar o impacto dos serviços sociais públicos e
dos comunitários sobre a vida das famílias interculturais residentes em Espanha foi realizado por
Moscato (2012). O resultado apontou a insatisfação dessas famílias em relação às fontes formais
de apoio social por serem incapazes de compreender seus problemas e acolherem suas demandas.
Além do fato de que as mulheres que participaram da pesquisa manifestaram a necessidade da
formação de grupos de discussão e de apoio como forma de obter ajuda para enfrentar e resolver
os problemas relacionados com a diferença cultural nas famílias interculturais. A autora pontua a
importância de se criar programas de redes de apoio informal às famílias interculturais, além de
programas de formação técnica a psicólogos, educadores, juristas e assistentes sociais, a fim
de que disponham de todas as ferramentas necessárias para que possam compreender e intervir
sobre as famílias interculturais de forma efetiva e integral.
Diante da necessidade de ajuda para lidar com questões relacionadas à adaptação no novo
país e a fim de obter suporte para o desafio de educar filhos longe da família de origem, dos
amigos, da comunidade e do próprio país, os brasileiros residentes no exterior vêm se
mobilizando e organizando comunidades e associações. Foi em resposta a essas demandas que
as comunidades brasileiras no exterior se multiplicaram pelo mundo, e até 2009 já tinham sido
17
identificadas 352 associações e organizações de brasileiros em 45 países, além de 216
veículos de mídia a eles dirigidos, segundo o relatório do III Encontro Europeu da Rede de
Brasileiras e Brasileiros no Exterior, realizado em 2009 na cidade de Barcelona, Espanha
(CARVALHO, 2009).
Frente à complexidade da situação, em 2008, o Ministério de Relações Exteriores realizou
no Rio de Janeiro a I Conferência das Comunidades Brasileiras no Mundo (CBM), reunindo
representantes das principais comunidades brasileiras nos EUA, América do Sul, Europa
Ocidental, Japão, Austrália, África e no Oriente Médio, tendo como finalidade debater de forma
aberta e abrangente assuntos referentes à emigração brasileira e sobre as políticas públicas para
brasileiros no exterior. E não parou por aí, outras cinco edições das CBM foram realizadas
(2009, 2010, 2013 e 2016), o que demonstra a importância e a necessidade do evento. Como
resultado dessas interlocuções entre representantes das comunidades e representantes de
diferentes Ministérios sobre os problemas e desafios enfrentados pelas comunidades brasileiras
no mundo, foram criadas uma via de diálogo e representação entre o governo e as comunidades
da diáspora e traçadas algumas políticas públicas para os brasileiros emigrados (BRASIL, 2012;
MORONI, 2015).
Outras iniciativas foram tomadas como a de alguns autores que realizaram, segundo relato
de Moroni (2015), um mapeamento nos cinco continentes e encontraram pelo menos 25 projetos
preocupados com a transmissão da língua de herança e da cultura brasileira junto às comunidades
locais, envolvendo associações, ONGs, iniciativas individuais de pais, professores e membros da
comunidade. Essas iniciativas surgiram antes de 2010 aproximadamente, através das redes sociais
que possibilitaram o encontro de pessoas geograficamente próximas, atuando inicialmente de
modo isolado. Já organizados, por volta dos anos 2010-2014, estes grupos criaram comunidades
virtuais (blogs, sites, fanpages no Facebook) que deram visibilidade ao projeto, possibilitando a
articulação com outras iniciativas geograficamente distantes, e que por terem as mesmas
necessidades e desejos, passaram a trabalhar conjuntamente por seus objetivos.
Um terceiro momento pontuado por Moroni (2015) se deu aproximadamente
a partir de 2013, em que foram promovidos cursos de formação para professores e
Conferências envolvendo participantes de diferentes continentes e países, gerando uma
rede de discussão, troca e difusão de conhecimento, e uma pauta de assuntos abordando
questões como currículo, planejamento, capacitação, pesquisa, políticas linguísticas.
18
E continuaram a surgir, desde 2010 e não pararam, mostrando o interesse considerável dos
brasileiros imigrantes em transmitir sua língua e cultura (MORONI, 2015) a seus filhos, bem
como a importância de se realizar pesquisas sobre o tema.
Realizando a revisão de literatura não encontramos ainda estudos dentro da Psicologia
Clínica que busquem compreender esses novos equipamentos sociais, que parecem ser
mobilizados pela transmissão da cultura brasileira junto aos imigrantes. Como não conhecemos
outras demandas de apoio, nem o seu funcionamento, cogitamos que essas associações possam
ser dispositivos importantes na manutenção da saúde mental dos imigrantes brasileiros, como
meio dos pais de brasileirinhos gerarem suas próprias estratégias para formação e manutenção de
vínculos, e consideramos relevante estudar o assunto.
Tendo em vista o exposto, decidimos realizar uma pesquisa qualitativa optando por
desenvolver um estudo de caso tendo como objetivo geral compreender o funcionamento de uma
associação de pais imigrantes brasileiros domiciliados na Espanha. E como objetivos específicos:
a) compreender a formação, o funcionamento e a manutenção de uma associação de pais
imigrantes brasileiros domiciliados na Espanha; b) compreender como o imigrante se relaciona
com a associação e qual o significado desta para a família e c) identificar como a associação de
pais imigrantes brasileiros atua na manutenção da relação com a cultura brasileira.
Este trabalho foi estruturado da seguinte maneira: no primeiro capítulo, apresentamos
algumas considerações sobre a Família Imigrante frente aos desafios do contexto migratório,
acerca do funcionamento da família em termos da dinâmica relacionada à mudança e à
continuidade, e da construção da identidade familiar e cultural.
No capítulo dois, discorremos sobre os temas referentes à Associação de Imigrantes e o
seu funcionamento, o papel das redes sociais e das comunidades virtuais na imigração.
Posteriormente, apresentaremos a proposta de pesquisa, seu objetivo geral e específico.
A seguir, apresentamos o Método. E, sucessivamente, os Resultados e Discussão. Por fim,
delineamos algumas Considerações Finais.
19
CAPÍTULO I – FAMÍLIA IMIGRANTE
Os cientistas dizem que somos feitos de átomos,
mas um passarinho me contou que somos feitos
de histórias.
(Eduardo Galeano)
Ao pensar nas famílias frente aos desafios do processo migratório, devemos considerar a
existência de um contexto multifacetado com inúmeros atravessamentos, mas que, em nossa
pesquisa, resolvemos abordar as implicações concernentes às etapas do ciclo de vida e aos tipos
de constituição familiar.
Nesse sentido, é importante ponderar, primeiramente, o estágio do ciclo de vida em que o
imigrante se encontra, levando em consideração que a vivência do processo de migração será
influenciada pela composição familiar do imigrante. Assim sendo, migrar solteiro é diferente de
migrar com uma família com filhos pequenos, e será também diferente de migrar com filhos
adolescentes, pois as demandas adaptativas no novo país serão distintas para cada uma dessas
configurações familiares.
Se, por um lado, a composição familiar repercute na vivência do processo migratório, por
outro lado, a migração atravessará a configuração da família na sua formação inicial e durante a
sua continuação ao longo do ciclo vital. E, assim, tomando como base a inferência da migração
na constituição da família, os casais parentais poderão ser formados a partir de conjugalidades
monoculturais ou biculturais.
Os casais monoculturais tendem a se constituir no país de origem, onde são frequentes as uniões
entre pessoas pertencentes à mesma nacionalidade, enquanto os casais biculturais se originam em
contexto migratório em que pelo menos um dos cônjuges é imigrante. Os cônjuges de mesma
nacionalidade vivenciarão, certamente, o processo migratório de modo diferenciado daqueles que são
biculturais, ou seja, que pertencem a nacionalidades distintas, com língua materna distinta e famílias de
origem pertencentes a diferentes países.
É importante considerar também a época no ciclo vital em que a família vivencia
o processo migratório, porque este fator determinará a nacionalidade dos seus membros.
Desse modo, a família formada a partir de uniões monoculturais poderá ter filhos da mesma
20
nacionalidade que seus pais no país de origem antes de migrarem e/ou ter filhos de outra
nacionalidade se a gestação ocorrer durante o período migratório. Já os filhos nascidos de casais
biculturais, fruto de união realizada no período de migração, terão a nacionalidade de apenas um
dos pais ou poderão pertencer a uma terceira nacionalidade nos casos em que ambos os pais são
migrantes, sendo denominadas de crianças de terceira cultura3 (REKEN; BETHEL, 2005).
Os casais biculturais terão que lidar com duas culturas distintas na formação da família
que constituíram, demandando deles a escolha de englobarem ou não ambas as culturas
de origem. Tal decisão resultará na construção de um sistema relacional familiar que valoriza
a interculturalidade.
A fim de entendermos o processo vivenciado na construção desse tipo de família,
partimos da definição de Walsh (2005) sobre interculturalidade e a adaptamos. Assim, definimos
família intercultural como aquela cujos pais buscam propiciar, no convívio familiar com seus
filhos, um intercâmbio equitativo entre ambas as culturas de suas famílias de origem,
favorecendo entre seus membros um processo permanente de relacionamento, aprendizagem
e comunicação que englobe as duas culturas, seus valores, tradições e conhecimentos, buscando
desenvolver um novo sentido de convivência em que duas ou mais culturas familiares se
encontram (no caso de terem filhos que pertençam a uma terceira cultura).
Com relação aos desafios enfrentados durante os estágios do ciclo de vida familiar
em contexto migratório, engendramos um quadro (Tabela 1) inspirado no modelo elaborado
por Carter e McGoldrick (2001), contendo alguns dos desafios enfrentados especificamente por
imigrantes nas seguintes etapas e/ou configurações do ciclo vital familiar, jovem adulto solteiro,
família monocultural e família intercultural, com intuito de melhor explicitar a complexidade
de tal evento. Quanto à interferência da migração no ciclo de vida familiar, McGoldrick
(2001, p. 77) enfatiza que a ¨migração é tão disruptiva em si mesma que acrescenta um estágio
extra ao ciclo vital, prolongando o processo desenvolvimental de ajustamento que afetará cada
membro da família de forma diferente, dependendo da fase do ciclo vital em que se encontram.
3 Crianças de Terceira Cultura (Third Culture Kids – TCK) são crianças que enfrentam ao crescer múltiplos mundos
culturais, como os filhos de expatriados, de casais biculturais, de imigrantes, de emigrantes, de refugiados, de
minorias étnicas e quando adotivos internacionais (REKEN; BETHEL, 2005).
21
Estágio do ciclo de
vida familiar durante
a migração
Desafios
Jovem adulto solteiro
Adaptação e/ou inserção ao novo projeto de vida: estudo ou trabalho no país de
migração.
Domínio da língua do país de migração.
Adaptação à cultura e ao modo de vida do novo país.
Relacionamento com pessoas de outras culturas.
Adaptação à vida em comunidade, nova rede de apoio (trabalho, vizinhos,
clube).
Manutenção do vínculo com a família e amigos no país de origem via internet.
Família monocultural Domínio da língua do país de migração.
Adaptação e/ou inserção no mercado de trabalho.
Formada por casais de
mesma nacionalidade,
cujos filhos podem
pertencer a uma
nacionalidade diferente
de seus pais devido à
migração.
Adaptação à cultura e ao modo de vida do novo país.
Adaptação à vida em comunidade, nova rede de apoio (escola, associações de
pais, igreja, etc.).
Adaptação dos filhos ao sistema de ensino.
Integrar a língua falada em casa com a língua falada na escola e na comunidade.
Relacionamento com pessoas de outras culturas.
Adoção de novos rituais culturais inerentes ao país de migração.
Construção da identidade cultural através dos elementos de transmissão da
cultura, os rituais e a língua de herança, dentro de um país de cultura diferente.
Manutenção do vínculo com a família de origem (principalmente os
intergeracionais, com avós) e os amigos no país de origem via internet, através
de viagens ao país de origem, etc.
Família intercultural Domínio da língua do país de nascimento do cônjuge e/ou do país de migração.
Adaptação e/ou inserção no mercado de trabalho.
Formada por casais
biculturais, em que ao
menos um dos cônjuges é
imigrante e cujos filhos
podem pertencer à mesma
nacionalidade de um dos
pais ou a uma terceira
nacionalidade (TCK).
Adaptação à cultura e ao modo de vida do novo país.
Adaptação à vida em comunidade, nova rede de apoio (escola, associações de
pais, igreja, vizinhos, etc.).
Adaptação dos filhos ao sistema de ensino (mesmo para as crianças que
nasceram no país de migração, pois os pais pertencem a outra cultura).
Integrar as muitas línguas faladas em casa com a língua falada na escola e na
comunidade.
Relacionamento com pessoas de outras culturas.
Escolha e adoção de rituais e rotinas que a família tomará para si, frente à sua
multiplicidade de culturas.
Adoção de novos rituais culturais referentes ao país de migração.
Construção da identidade cultural através dos elementos de transmissão da
cultura, os rituais e a língua de herança de ambas as famílias, materna e paterna.
Manutenção do vínculo com a família de origem de ambos os cônjuges
(principalmente os intergeracionais, com avós) e os amigos no país de origem
de ambos os cônjuges via internet, através de viagens ao país de origem de
ambos os cônjuges.
Tabela 1- Ciclo vital familiar e migração (elaborada pela autora).
22
Dentro desse contexto multifacetado, além dos pontos já mencionados, outros fatores
repercutem no processo de imigração e incidem sobre a família. Falicov (2016) enumera alguns
aspectos que podem ser vivenciados pelo imigrante tanto na qualidade de recurso quanto como
obstáculo antes da imigração, dentre eles estão os tipos de migração (se voluntária ou
involuntária); a situação em que ocorre a migração (documentada ou não documentada);
a proximidade entre a terra natal e a nova terra; gênero e a geração, (relativo às questões
desenvolvimentais); a composição familiar na época da migração; e, por último, o país de
acolhimento e a inserção na comunidade. Podemos acrescentar a inferência do contexto
histórico mundial e de cada país na época da migração (guerras, conflitos, economia, etc.)
e a relação política entre os países de origem e de migração.
Com o intuito de clarificar esse contexto diferenciado relativo à formação e à
continuidade das famílias em situação migratória, elaboramos um esquema gráfico de
forma a tornar mais fácil a sua compreensão (Figura 1). Ressaltamos que este resumo
não pretende abarcar toda a complexidade inerente ao tema. Em nosso esquema,
por exemplo, não foram incluídas as famílias transculturais (FALICOV, 2007, 2009),
que são aquelas que se dividem ao migrarem, permanecendo parte da família no país de
origem, tendo como uma de suas características a remessa de dinheiro para sustentação
econômica de seus parentes (o que acontece com a maioria dos imigrantes mexicanos nos
Estados Unidos)4
. Deteremo-nos, no entanto, em dois tipos de família: a família
intercultural, que é formada por casais biculturais e cujos filhos podem ter a mesma
nacionalidade de um dos pais ou uma terceira nacionalidade diferente da de seus pais;
e a família monocultural, formada por casais que possuem a mesma nacionalidade e
cujos filhos podem pertencer à mesma nacionalidade dos pais e/ou devido à migração
possuem uma nacionalidade diferente da de seus progenitores. As famílias monoculturais
imigrantes5
são atravessadas pela migração e transformadas por ela. Nesse processo,
elas se tornarão diferentes das famílias monoculturais não imigrantes ou por terem filhos
e educá-los em outra cultura ou pela influência do contexto migratório. Por essa razão,
4 O filme La Misma Luna (2007) conta a história de Rosário, que sai de sua terra no México e migra para os Estados
Unidos, deixando o seu filho aos cuidados de sua mãe. 5 O filme Nome de Família, (The Namesake, 2006) conta a história de um casal indiano que migra para os EUA e lá
tem um filho que durante a adolescência desenvolve conflitos com as duas culturas, a do país de origem dos pais e a
do país de migração, enquanto seus pais buscam um ponto de equilíbrio entre as antigas tradições e as necessidades
do cotidiano para viabilizar a convivência familiar.
23
em nosso esquema gráfico a designamos como família “[inter] cultural”, a fim de sublinhar
o atravessamento causado por uma nova cultura e diferenciá-la das famílias interculturais
por formação conjugal.
Figura 1 – A formação da família em contexto migratório (elaborada pela autora).
Não podemos deixar de ressaltar, frente ao processo que descrevemos, a importância do
vínculo que o imigrante possui com sua família de origem e com o seu país, bem como o vínculo
que estabelecerá com o país de destino. Considerando que a manutenção do vínculo com a
família de origem e a transmissão da língua e cultura do país de origem para seus filhos
dependerão da qualidade do vínculo dessas relações, nos casos em que o processo de migração é
vivenciado com esses vínculos rompidos, dificilmente interessará ao imigrante transmitir a seus
filhos a identidade familiar e os elementos de transmissão que sustentam a construção da
identidade cultural na família, a saber, os rituais e a língua.
24
Chamamos atenção para o fato de que esse cenário multifacetado inerente
ao processo de migração aponta a complexidade do tema que pretendemos abordar,
para seus dilemas e múltiplos desafios. A fim de que possamos discorrer sobre esse assunto,
é preciso antes de tudo entender o que vem a ser identidade familiar e identidade cultural.
Ao longo do ciclo vital, a família impulsiona o crescimento de seus membros através
do manuseio da dinâmica entre as constantes transformações suscetíveis (a migração pode
ser uma delas), e a continuidade do sistema familiar (MINUCHIN, 1982). No entanto,
para que ocorra crescimento de seus membros, é necessário que haja uma estrutura familiar
viável que possa promover apoio para a individuação ao mesmo tempo em que proporciona
sentido de pertinência (MINUCHIN; FISHMAN, 1990). O sentido de pertencimento de cada
membro está relacionado à idéia de pertencer a uma família específica, e o sentido de
individuação é adquirido através da participação do indivíduo em diferentes subsistemas
familiares, nos mais diferentes contextos, além de sua interação com outros grupos,
proporcionando-lhe autonomia. Esses dois elementos, individuação e pertencimento, fazem
parte da identidade do ser humano, que é formada dentro da família, a “matriz da identidade”.
(MINUCHIN, 1982, p. 53).
A identidade familiar, segundo Bennett, Wolin e McAvity (1988), é o sentido
subjetivo da família, é a situação atual e a continuidade da família ao longo do tempo, é o
seu caráter, as qualidades e os atributos que a torna particular e que a diferencia das
outras famílias.
A maioria das pessoas é influenciada por duas identidades familiares: a da família de
origem, em que foram criados, e da família nuclear, constituída através do casamento
(BENNETT; WOLIN; MCAVITY, 1988). Na constituição de uma nova família, o casal
levará consigo as atitudes, os valores, os padrões de comportamento de cada família de
origem e deverão elaborar a sua própria identidade familiar. É na formação do novo casal
que a identidade familiar é formada; no entanto, é no decorrer dos anos de educação dos
filhos, nas rotinas cotidianas e nas interações familiares que será construída na família
“a maneira como fazemos as coisas” (BENNETT, WOLIN; MCAVITY, 1988, p. 214),
e assim será consolidada a identidade familiar.
É necessário, no entanto, considerarmos que, caso a estrutura da família não seja
propícia ao estabelecimento de um efetivo processo de pertencimento e individuação de seus
25
membros, o afastamento geográfico acarretado pela migração reforçará o distanciamento
emocional já existente e, consequentemente, uma futura cisão na relação entre avós e netos,
comprometendo a continuidade do que possa vir a ser transmitido intergeracionalmente.
Tanto o caminho da construção da identidade familiar em contexto migratório como o
referente às questões acerca da identidade cultural possuem suas complexidades. Para
abordarmos o tema da identidade cultural, lançamos mão da concepção de Hall (2006) sobre
identidade do sujeito pós-moderno, caracterizado por não possuir uma identidade permanente,
mas uma identidade formada e transformada continuamente, sendo influenciada pelos diferentes
sistemas culturais de que participa.
Segundo Hall (2006), que toma o conceito de Robins (1991) sobre a oscilação existente
entre tradição e tradução para elucidar o tema, as identidades possuem um efeito contraditório.
Ainda de acordo com o autor, as pessoas que foram dispersadas para sempre de sua terra natal
retêm forte vínculo com suas tradições, com seus lugares de origem, com os traços das culturas,
das linguagens e das próprias histórias que foram marcadas, sendo, no entanto, obrigadas a
negociar com as novas culturas em que vivem, mas sem perderem as suas identidades e sem que
possam viver qualquer tipo de pureza cultural. Para ele, essas pessoas passam a ser traduzidas, ou
seja, são transportadas através do mundo e, por isso, precisam aprender a habitar no mínimo duas
identidades, a falar duas línguas, a negociar e traduzir entre elas, pois pertencem a dois mundos
ao mesmo tempo (HALL, 2006).
Assim, como sucedem com os pais imigrantes, os filhos de casais biculturais também
devem escolher se querem incorporar certas características de tradições culturais das quais são
herdeiros, tendo em vista que estão inseridos em um contexto de pluralidade de identidades
culturais.
Etimologicamente, a palavra cultura vem do latim cultura-ae, cognato do verbo
colo-colui-cultum-colére, que significa cultivar o solo, cuidar (ANDRADE; SOARES; HUCK,
1999). A cultura é um tema bastante amplo, pois engloba tudo o que é relativo ao homem e à
sociedade. Segundo Homem (2005), a cultura não é herdada geneticamente, mas, sim, aprendida,
e deriva do ambiente social de um indivíduo, afetando fortemente suas normas e seus
comportamentos, condicionando seu modo de interação e ação, influenciando o indivíduo como
um todo. A cultura é constituída por vários tipos de determinantes, como a cultura familiar,
a cultura do bairro, da região, da cidade, da sua religião e, principalmente, a cultura de uma nação.
26
Nessa direção, Falicov (1995, 2001a, 2001b) utiliza uma metáfora botânica que faz alusão
ao significado da palavra cultura, que vem de cultivar o solo, cuidar, para explicar o processo de
erradicação vivenciado pelos migrantes. A metáfora consiste na ação do jardineiro que ao
replantar uma planta em outro solo não remove a terra que a planta trás junto às raízes por causa
dos nutrientes que aquela possui, tornando possível minimizar o choque e garantir o sucesso do
transplante. O solo com nutrientes junto às raízes simboliza, segundo a autora, o tipo de família
que o imigrante venha criar, as tradições e identidades que transmite aos filhos, as amizades
estabelecidas, as conexões com o país de origem, os alimentos que serve a mesa, a língua que fala
e os rituais sociais e familiares que o imigrante desenvolve com o passar do tempo. Sendo assim,
parece plausível para autora que as famílias migrantes consigam desenvolver bases culturais e
familiares mais sólidas durante o processo de adaptação ao novo país, a partir do que trouxeram
consigo do país de origem, podendo dessa forma contribuir para que as gerações futuras tenham
um crescimento sadio (FALICOV, 2016). Porém devemos considerar que haverá sempre um
duplo desafio para as famílias imigrantes, o de preservar e o de mudar, para que possam se inserir
no novo cotidiano.
Não podemos deixar de atentar para o fato de que o imigrante vive a dicotomia de um
duplo pertencimento. Entre a terra de sua origem e a terra para a qual migrou, existe um mar de
perdas e ganhos. Falicov (2001b, 2016) utiliza o conceito de “perda ambígua”, proposto por
Pauline Boss (1999) para explicar a perda ocorrida com a migração.
Boss (1999) descreve dois tipos de perda ambígua: no primeiro tipo, os membros
da família estão fisicamente ausentes, mas psicologicamente presentes, e no segundo tipo,
os membros da família estão fisicamente presentes, mas psicologicamente ausentes.
Na migração, segundo Falicov (2001b, 2016), há uma intersecção de ambos os tipos de
perda ambígua que se apresentam simultaneamente. Assim, se, por um lado, as pessoas e lugares
queridos foram deixados para trás, ao mesmo tempo se fazem presentes na mente do imigrante,
por outro lado, a saudade de casa e o estresse da adaptação podem deixar alguns membros da
família psicologicamente ausentes, sem que consigam dar apoio aos outros, mesmo estando
presentes fisicamente.
As famílias sempre trabalham com algum grau de presença e ausência, perdas e
restituições, tristezas e alegrias (BOSS, 1999). Se na migração há perdas ambíguas, podemos
também considerar a possibilidade de ocorrência de ganhos ambíguos em alguns casos.
27
Para Lloyd e Stirling (2011), o ganho ambíguo é um suposto benefício que pode resultar em
aumento da incerteza, mesmo que não intencionalmente, levando à redução do bem-estar no nível
pessoal ou coletivo.
Com base nesses estudos, consideramos a incidência de três forças na vida do imigrante:
os sentimentos ambíguos, a perda ambígua (presença-ausência) e o ganho ambíguo (perda-ganho).
A primeira força diz respeito ao grau de ambiguidade de sentimentos existente no
processo de migração, entre perdas e restituições, tristezas e alegrias, que acompanha todo o
percurso migratório desde a partida, a chegada, até a adaptação e a “vida que segue” em outro
país. Digamos que esses sentimentos ambíguos são considerados como inerentes às transições do
ciclo vital, mas, no processo migratório, tendem a acompanhar o dia a dia daqueles que fantasiam
“viver o melhor de dois mundos”. À medida que a identidade dual vai sendo construída,
a migração deixará de ser a causa do desencadear de tais emoções.
A segunda força que salientamos é a referente à perda ambígua, já explicitada
anteriormente. Segundo Falicov (2001b, 2016), o processo de migração implica em perda, pesar e
luto. No entanto, para a autora, a perda na migração é maior que a na morte porque abarca muitos
tipos de perdas relacionadas à família e aos amigos que ficaram no país de origem, aos costumes
e rituais, à comunidade que ficou no país de nascimento, a língua familiar, a música, a comida,
além da perda da sensação confortante de identificação com a própria terra. As perdas para o
migrante não são completas, irremediáveis e claras, o que torna o luto incompleto, adiado e
ambíguo. Assim, a reprodução de lembranças que ficaram na memória, dos cheiros e gostos do
país de origem por intermédio dos eventos culturais nas comunidades de imigrantes e nos bairros
étnicos no país de destino, aliados à constante ausência dos amigos e parentes que estão vivos,
mas não se encontram imediatamente presentes, provoca no imigrante uma mistura de presença-
ausência (FALICOV, 2001b, 2016).
A terceira força por nós considerada é o ganho ambíguo, em que qualquer suposto
benefício em decorrência da migração pode provocar no imigrante dúvida e incertezas quanto à
sua tomada de decisão em relação à própria migração. A figura mitológica romana de Jano, que
contém duas faces, uma voltada para o futuro e a outra voltada para o passado (FALICOV, 2016),
metaforiza o imigrante que vivencia o ganho ambíguo, significando que o imigrante necessitará
arcar emocionalmente com sua escolha, reafirmando a todo tempo a sua decisão, um processo de
amadurecimento que implica levar em sua bagagem o pacote perda-ganho.
28
Essas forças ambivalentes – os sentimentos ambíguos, a perda ambígua (BOSS, 2006) e o
ganho ambíguo – podem imobilizar o imigrante, mas também podem provocar mudança em sua
vida, tornando-se propulsores de amadurecimento, levando-se em consideração o duplo desafio
que o imigrante e sua família possuem, ou seja, o de preservar e o de mudar, para que possam se
inserir no novo cotidiano.
1.1 CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE CULTURAL
Em nossa pesquisa destacamos dois importantes elementos de transmissão que sustentam
a construção da identidade cultural na família, a saber: os rituais e a língua.
Os rituais são importantes transmissores da cultura familiar e foram classificados por
Bennett, Wolin e McAvity (1988) em três grupos: celebrações, tradições e rotinas padronizadas.
Compreendemos que as celebrações e as tradições familiares fazem parte da cultura de
um país e que esses rituais ganham força e expressão quando motivados e comemorados por toda
uma comunidade, que os celebra conjuntamente, mesmo que cada família os realize em sua casa.
No caso das famílias de imigrantes, que estão longe de seu país de origem, é nos bairros típicos
de imigrantes ou nas associações de imigrantes que esses rituais podem ser celebrados
conjuntamente, oferecendo não somente cenário, mas pertinência aos imigrantes e às suas
famílias.
Assim, os rituais do tipo celebrações familiares englobam os feriados culturais
e as ocasiões consideradas especiais, como as celebrações religiosas (Natal, Páscoa) e os ritos
de passagem (casamentos, batismos, funerais), caracterizando-se pela sua relativa padronização
na maioria das famílias e pela universalidade dos seus símbolos, dentro daquela cultura.
Há, no entanto, variações culturais na prática dos rituais que nos ajudam a entender como as
famílias são semelhantes e diferentes em todas as culturas (FIESE et al., 2002). Os rituais de
celebração têm o poder de: a) afirmar a identidade do grupo familiar; b) esclarecer o status dos
membros dentro da família; c) manifestar a identificação da família com uma comunidade cultural,
étnica ou religiosa mais ampla; d) transmitir a identidade étnica ao longo das gerações (BENNETT,
WOLIN; MCAVITY, 1988).
29
Já nos rituais de tradição, mesmo havendo influência da cultura na forma de expressão
desses rituais, é a própria família que escolhe a ocasião que adotará, por exemplo, as refeições
especiais, as férias de verão, os costumes referentes à data de aniversário, a participação em
reuniões familiares, as visitas de membros da família alargada, as festas de vários tipos, a
participação em eventos comunitários, etc. (BENNETT, WOLIN; MCAVITY, 1988).
O terceiro grupo de rituais são as rotinas padronizadas, tidas como sendo as mais
características de cada família, por se tratar “da maneira como fazemos as coisas” e por serem
elas que ajudam a organizar a vida diária e a definir os papéis e responsabilidades dos membros
da família (BENNETT; WOLIN; MCAVITY, 1988). Como exemplos desses tipos de rituais
estão as práticas referentes à hora regular do jantar em família, ao tratamento para com as visitas,
às rotinas com as crianças, às atividades de lazer nos fins de semana e aquelas de fim do dia, à
hora de dormir, às saudações diárias ao despertar, ao sair, ao retornar à casa e na hora de dormir
(BENNETT; WOLIN; MCAVITY, 1988). Para os autores, as práticas de rotinas regulares podem
ser consideradas como uma indicação da organização familiar e são importantes para o bem-estar
e para a saúde psicológica dos seus membros.
Um elemento das rotinas que muito contribui para a manutenção da cultura é a
culinária, que sustenta o sensorial, as lembranças dos aromas e os sabores. Nessa direção,
é interessante mencionar o projeto de Seiffert et al. (2015) “Receitas da imigração: língua
e memória na preservação da arte culinária” que reuniu receitas culinárias utilizadas e
transmitidas de geração em geração como fio condutor para (re)contar a história e as
memórias do estabelecimento de comunidades linguísticas de imigrantes, falantes
de alemão, italiano e polonês, no Vale do Itajaí, em Santa Catarina. Os autores destacam
que as receitas selecionadas pelos imigrantes eram dotadas de significações afetivas do
convívio familiar, carregadas da memória de infância, da cozinha, dos cheiros e sabores,
e também marcadas pelas dificuldades vividas na migração. Seiffert et al. (2015)
consideram que a promoção e a manutenção de uma tradição culinária funciona
como resistência cultural e como estratégia de socialização, enfatizando que a culinária
é um importante elemento de coesão de grupos sociais e de distinção social e cultural
entre os grupos. Para os autores, as festas com comidas típicas dos imigrantes carregam
consigo uma forte marca ritualística e identitária, expressada não apenas através dos pratos
típicos, mas na maneira como faziam, nos registros em suas línguas e memórias.
30
No entanto, diante da singularidade desses relatos, é importante lembrar que os pais
imigrantes enfrentam o delicado desafio de equilibrar a preservação da cultura de origem e
a pertinência à cultura local.
Resultados semelhantes aos de Seiffet et al. (2015) foram encontrados na pesquisa
realizada por Silva (2013) com imigrantes brasileiros em Barcelona sobre o processo de
adaptação alimentar, passando por questões como identidade e memória. Para a autora, a comida
aparece ligada à memória pelas lembranças e saudades que os imigrantes brasileiros evocam nos
rituais em volta da mesa, momento em que a memória atualiza a identidade e o pertencimento e
funciona como um marcador identitário, além de mitigar a dor da saudade.
A riqueza do tema levou, recentemente, o Museu da Imigração do Estado de São Paulo a
realizar uma exposição temporária “Migrações à Mesa”6 (novembro de 2016 a junho de 2017),
usando receitas tradicionais de famílias de imigrantes. A mostra foi desenvolvida juntamente com
a colaboração do público, que foi incentivado a enviar informações e fotos de cadernos familiares
que pertenceram a imigrantes e, posteriormente, foram selecionados os dez mais representativos,
além de contar com as famílias participantes que narraram a história do objeto. E, por uma dessas
coincidências que a vida não explica, por esses dias me chegou às mãos um caderno de receitas
da minha avó paterna. O caderno de mais de cem anos, uma preciosidade, e as receitas para
lá de sugestivas, de um tempo que já se foi: “beijinhos de amor”, “noivo arrependido”, “pudim
amarra marido”.
Gostaríamos de salientar que a prática dos rituais descritos por Bennett, Wolin e McAvity
(1988) será diferenciada na família intercultural, que por ser constituída por casais biculturais terá
que lidar com as múltiplas maneiras com que cada cônjuge celebra esses rituais, além de sofrer
influência da cultura local, que poderá vir a ser uma terceira cultura. O contexto da nossa
pesquisa é formado por pais imigrantes brasileiros residentes em Espanha, cujos cônjuges podem
ser brasileiros, espanhóis ou estrangeiros, mas que muito provavelmente no Natal terão que
responder à pergunta que as pessoas fazem umas as outras por lá: “De que lado você está, dos 3
Reis Magos ou do Papai Noel?” Isso porque, em boa parte da Espanha, no dia 24 de dezembro,
na “Nochebuena”, não é costume dar e receber presentes, pois a maioria das pessoas só abre os
seus presentes no dia 6 de janeiro, quando os 3 Reis Magos já os terão deixado embaixo da árvore
6 Exposição temporária “Migração à Mesa” - Museu da Imigração do Estado de São Paulo. Acessível em:
<http://museudaimigracao.org.br/migracoes-a-mesa/>.
31
de Natal. Vivendo essas diferenças no processo migratório, nossos brasileirinhos receberão
múltiplas influências culturais, e a família intercultural deverá optar pela maneira como será feita
em suas casas as celebrações, as tradições e as rotinas, e é nesse contexto que, provavelmente, as
associações de imigrantes podem atuar como fonte de apoio.
Outro importante elemento de preservação e transmissão da identidade cultural é a língua.
A língua atua: 1) na preservação das conexões com a cultura do país de origem; 2) na preservação
do vínculo com os familiares afastados pela migração; e 3) na transmissão das histórias vividas
no país de origem pelos imigrantes aos seus filhos, fazendo ponte entre as duas culturas: a de
origem e a do país de migração. A língua, portanto, é mais do que a fala, é o meio afetivo de
construção de significados.
A língua faz parte do patrimônio cultural de um povo, que é por sua vez definido como
conjunto de bens materiais e imateriais herdados de gerações que antecedem.
A Constituição de 1988 estabelece no seu art. 216 que
Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial,
tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação,
à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se
incluem: I) as formas de expressão; II) os modos de criar, fazer e viver; III) as criações
científicas, artísticas e tecnológicas; IV) as obras, objetos, documentos, edificações e
demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V) os conjuntos urbanos
e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico
e científico. (BRASIL, 1988).
Para Perini (2010) “cada língua é profundamente enraizada na cultura que serve”
(PERINI, 2010, p. 2). Assim, os vínculos entre língua e cultura existem e são evidenciados nas
manifestações, nas quais se incluem a cultura, que é marcada por expressões linguísticas
especiais, como os rituais (nascimento, casamento, funeral, etc.), a literatura, o humor e a poesia.
De acordo com o Ethnologue: Languages of the World (LEWIS et al., 2016),
o Português ocupa o sexto lugar das línguas mais faladas do mundo, com 202 milhões de falantes,
sendo a língua oficial em quatro continentes, em nove países: Brasil, Moçambique, Angola,
Portugal, Guiné-Bissau, Timor-Leste, Guiné-Equatorial, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, além
da região administrativa de Macau, na China.
32
A língua pode ser classificada de diferentes maneiras, segundo Pupp Spinassé (2006),
Língua Materna, Segunda Língua, Língua Estrangeira. Para nossa pesquisa, interessa-nos a
definição de Storvik (2015) e Moroni (2015) sobre Língua de Herança, dada a sua ligação com as
famílias imigrantes e a transmissão e preservação da identidade familiar e cultural. Conforme
Storvik (2015), “o termo “língua de herança” é usado para descrever a língua ancestral de uma
família de imigrantes, aprendida em casa, e distinta de uma língua estrangeira aprendida em
ambiente escolar.” (STORVIK, 2015, p. 253). Em se tratando da nossa língua, o Português como
Língua de Herança (PLH) expressa o legado cultural do Brasil e vem a ser a língua falada por
famílias de brasileiros que residem fora do Brasil (os emigrantes) e por eles transmitida aos filhos
nas interações diárias (MORONI, 2015).
A transmissão da Língua de Herança (LH) se dá por uma questão emocional, porque é
através dela que o filho formará laços com o(s) pai(s) falante(s) da língua em questão, na qual a
criança poderá se comunicar com seus avós e parentes distantes e por meio do qual ela entrará em
contato com a cultura (ROCHA, 2015).
Quando pensamos em aprendizagem, é importante ressaltar que o maior potencial de
desenvolvimento das crianças reside na interação entre pais e filhos, em que o afeto atua abrindo
caminho para a aprendizagem. Por isso é importante que os pais não percam a oportunidade de
contar para os seus filhos o que eles faziam quando eram crianças, de cantar para eles as músicas
que aprenderam na infância, de contar o que comiam quando tinham a mesma idade que os filhos,
de como era ir para a escola no Brasil e do que brincavam na hora do recreio. É no cotidiano, no
convívio com seus filhos, que os pais levam aspectos culturais típicos do Brasil para a vida
familiar e, assim, aos poucos, essas práticas passam a estabelecer sentido e significado na vida
das crianças (LICO, 2015).
Na imigração, lembrança e transmissão estão associadas, pois lembrar, falar de si e
transmitir é uma maneira de revigorar sua história, uma parte de si mesmo e de sua cultura. É
contando a história da imigração, da família que ficou e do país de origem, que o imigrante
estabelece uma ponte intergeracional, entre seus filhos e avós (CHORON-BAIX, 2002;
FALICOV, 2001b).
33
E foi contando as histórias ouvidas durante a infância sobre a migração de sua família do
Líbano para o Brasil, na peça teatral Brimas7 (2016), que a atriz Simone Kalil fala do vínculo que
estabeleceu com os avós através da língua.
Eu me sinto libanesa, mesmo tendo nascido aqui e não lá. Fui alimentando isso aos
poucos de tanto ouvir sobre a vida no Líbano pela minha mãe e pelas minhas tias. Tenho
saudade sem conhecer. Saudade de uma avó que quase não conheci. Quando minha siite
morreu, a família parou de falar o árabe em casa, de ouvir as músicas... porque tudo
lembrava um vazio enorme que ela deixou. Eu fui aprender o árabe pra chegar mais
perto. É um idioma ríspido, mesmo para falar de mágoa ou de amor. Através da língua
eu entendi um pouco mais da cultura e da sabedoria dos meus avós. (KALIL, 2016).
Segundo Shikako-Thomas (2013), as conversas entre pais e filhos criam conexões
neuronais através do afetivo e conexões diretas, as quais levam a criança a comparar a sua
infância com aquela vivenciada pelos pais, trazendo o Brasil e a cultura brasileira para mais perto
de si. Nas famílias interculturais, em que a mãe é brasileira e o pai pertence à outra nacionalidade
(ou vice-versa), é comum que os pais falem com os filhos no seu idioma natal, aquele em que faz
sentido transmitir o afeto ou contar histórias e compartilhar memórias.
É possível, conforme Lico (2015), manter de forma criativa e atuante a conexão com a
identidade brasileira dos pais e entre os pais e filhos de diversas maneiras, reunindo a família em
torno dos álbuns de fotografias, em viagens ao Brasil, através de festas e conversas nos grupos
comunitários que falam a mesma língua (destacamos o papel das associações de pais imigrantes),
por meio das histórias de família contadas ou registradas de forma escrita pelos avôs e parentes,
entre tantas outras possibilidades. No entanto, não podemos nos esquecer de que os pais também
enfrentam o desafio de não isolar os filhos da cultura do país de residência, além de garantir-lhes
a socialização com as crianças locais, para que possam deles se diferenciar, gerando, assim, sua
própria identidade social.
Daure e Reveyrand-Coulon (2009) realizaram uma pesquisa com nove famílias imigrantes
de origem brasileira, portuguesa e italiana, com a finalidade de verificar de que maneira a cultura
de origem dos pais integra o cotidiano dos filhos na França, analisando o impacto dessa
transmissão cultural na construção identitária dos filhos. A pesquisa aponta como resultado que,
7 “Brimas” (“primas” pronunciada com sotaque árabe) é uma peça teatral encenada e escrita pelas atrizes Beth
Zalcman e Simone Kalil, inspira-se na história real de suas avós e retrata o encontro de duas imigrantes vindas do
Egito e do Líbano para o Rio de Janeiro no século XX.
34
nas famílias em que os pais falam da história migratória e das suas histórias no país de origem, as
crianças se sentem mais enraizadas e em segurança para se inscreverem mais facilmente na vida
do país de imigração, podendo circular entre as duas culturas (a do país de origem e a do país
de imigração), pois se reconhecem fazendo parte das duas, vivenciando seu duplo pertencimento
de forma positiva, ou, podemos acrescentar, mesmo o triplo pertencimento, quando ambos os pais
são imigrantes.
Para que o duplo pertencimento seja vivenciado, segundo Daure e Reveyrand-Coulon
(2009), é importante que as escolas, os grupos compatriotas, as instâncias sociais, o universo
médico-social e a família que ficou no país de origem se constituam em unidades que favoreçam
a criação e a transmissão de um espaço intermediário dentro e fora da família, propiciando a sua
expressão. O apoio do grupo de compatriotas no cotidiano das famílias imigrantes atua como
ponto de referência e de reforço identitário facilitador do processo de transmissão da cultura.
O contato com a família de origem, por meio de visitas familiares ou de viagens ao país
de origem, contribui para o sentimento de pertencimento, para a construção identitária, para o
desenvolvimento do duplo pertencimento cultural, através do compartilhamento da história
familiar (DAURE, 2010).
Como resultado de sua pesquisa, Daure (2010) destaca seis fatores que potencializam e
que são indispensáveis à transmissão cultural entre pais e filhos, e que valorizam a utilização do
duplo pertencimento na vida cotidiana do imigrante. São eles: as motivações que levaram a
imigração, a recepção no país de migração, o reconhecimento das representações de sua cultura,
a possibilidade de se expressar na língua de origem, o apoio do grupo de compatriotas no país
de migração e o contato com a família de origem. Os três primeiros fazem referência ao imigrante,
e os três últimos, à transmissão da cultura entre pais e filhos.
As famílias imigrantes enfrentam múltiplos desafios no sentido de manter a conexão com
a cultura do país de origem e favorecem a integração de seus membros com a cultura local.
Veremos a seguir estudos neste sentido que apontam alguns desafios e as estratégias adotadas
pela família para enfrentá-los.
Em seu artigo, Pauwels (2005) lista alguns tipos de desafios enfrentados pelas famílias
imigrantes australianas que desejam transmitir e manter a LH, lembrando que os desafios são
suscetíveis a variância, pois dependem das circunstâncias particulares de cada família. O primeiro
desafio é o da proficiência na língua de herança, em que os pais checam os próprios níveis de
35
proficiência, principalmente, se são eles que fornecem o único insumo para o desenvolvimento da
LH nos filhos. O segundo desafio se refere à quantidade significativa de esforço que os pais
necessitam fazer ao longo do tempo para manutenção da LH, como despesas com livros, vídeos,
filmes, jogos e atividades extracurriculares para apoiar a manutenção da LH, além dos gastos
com viagem para o país de origem. O terceiro desafio está relacionado às atitudes da comunidade
(parentes e amigos), que vão desde a aceitação absoluta até a rejeição total, afetando positiva ou
adversamente os esforços da família em relação à LH. O quarto desafio está relacionado ao grau
de familiaridade dos pais com ambientes bilíngues antes da imigração, pois, dependendo do que
foi vivenciado por eles, conseguirão lidar melhor com esses desafios.
Os estudos realizados por Pauwels (2005) identificaram três estratégias bem-sucedidas para
manutenção da LH. A primeira estratégia é a persistência de uso da língua de herança que leva os pais
a serem bem-sucedidos quando estes não abandonam ou diminuem seu uso em face aos desafios
encontrados e não forçam indevidamente os seus filhos a falar. A segunda estratégia é a consistência
na interação dos pais com seus filhos no uso da LH, principalmente nos primeiros estágios
de aquisição da linguagem. Finalizando, a terceira estratégia remete ao uso parental de técnicas de
ensino-aprendizagem de línguas que incluem a apresentação de um modelo, o ensaio da linguagem,
elicitação e os jogos com palavras, podendo, dessa forma, compensar a exposição limitada que as
crianças têm da LH, a fim de melhorar o processo de aprendizagem.
Outras estratégias para o desenvolvimento bilíngue dos filhos foram apontadas por
Schwartz, Moin e Leikin (2011), que constituem em ações internas e ações externas. Segundo os
autores, as ações internas são aquelas realizadas pelos pais para o desenvolvimento bilíngue dos
filhos dentro da família e incluem a escolha da linguagem para as interações entre pais e filhos,
os padrões de reação aos erros linguísticos das crianças e o uso de rituais e tradições culturais
familiares que são associados à língua nativa. Já as ações externas advêm de um esforço dos pais
para garantir o ambiente sociolinguístico fora da família através da escolha da educação
pré-escolar, da inclusão dos filhos em instituições étnico-religiosas que veiculem a língua e ao
optarem por estabelecer moradia em bairros com maior concentração de imigrantes.
Lico (2011, 2015) destaca em seu artigo o tripé em que atuam a família, a comunidade e o
professor de LH, fazendo um somatório de forças, papéis e contribuições frente ao processo de ensino
e aprendizagem do PLH. Segundo a autora, esse trabalho deve ser contínuo e integrado, e tem como
objetivo principal o fortalecimento do vínculo identitário dos filhos de imigrantes (Figura 2).
36
Figura 2 – Pilares de atuação das escolas comunitárias de herança (LICO, 2011, p. 225)
A autora destaca o importante papel das escolas comunitárias no processo de ensino e
aprendizagem, relacionando-o à criação de oportunidades de comunicação e de interação, bem
como no incentivo que se dá às crianças para que se sintam motivadas a participar mais
ativamente. Lico (2011) entende que o professor de PLH possui um grande desafio: o de levar o
aluno a viver a língua de forma que ele possa atribuir sentido de comunidade e que aos poucos
consiga construir seu senso de identidade.
Outro desafio para os professores e educadores é o de proporcionar uma educação
intercultural cujo alicerce ultrapassa os distintos conteúdos ou experiências culturais vivenciadas
pelas crianças, mas, para atender tal objetivo, necessitarão fomentar processos de interação social
na construção do conhecimento, requerendo, para isso, uma importante inovação tanto pedagógica
quanto curricular que valorize o respeito, o reconhecimento, as diferenças e a diversidade cultural
em todos os níveis (WALSH, 2005).
37
No transcurso para difundir e consolidar o PLH, Moroni (2015) destaca três fatores que
atuam simultaneamente, quais sejam: as políticas públicas para diáspora; as iniciativas locais e
em diferentes partes do mundo (associações e comunidades de pais imigrantes, entre outras); e a
utilização da internet e das redes sociais como veículos facilitadores e promotores. É sobre as
associações e comunidades de imigrantes em diferentes partes do mundo e a utilização que os
imigrantes fazem das redes sociais na internet como rede de apoio que falaremos a seguir.
38
CAPÍTULO II – ASSOCIAÇÕES DE IMIGRANTES
Ninguém vai a nenhum lugar sozinho, mesmo aqueles que
chegaram fisicamente sozinhos... Carregamos conosco a
memória de muitas tramas, um self impregnado em nossa
história e cultura.
(Paulo Freire)
Para compreender o funcionamento de uma associação de pais imigrantes brasileiros na
Espanha, propomo-nos a discutir o que vem a ser uma associação de imigrantes e como ela se
configura de um modo geral.
As associações de imigrantes são organizadas a partir de comunidades formadas por
imigrantes que se reúnem em torno de um ou mais elementos culturais de interesse em comum
(língua, etnia, religião), cujo funcionamento se dá através de encontros presenciais e das redes
sociais virtuais (blogs e fanpage no Facebook), que se encarregam da divulgação das atividades
do grupo. Quando as comunidades são organizadas juridicamente, transformam-se em
associações e possuem um estatuto e uma diretoria eleita pelos seus membros.
Vale lembrar que os imigrantes buscam apoio tanto nas diferentes redes sociais
comunitárias no país de migração em que estão inseridos, como também se utilizam da
Tecnologia de Informação e Comunicação (TIC) para manterem a rede social de apoio que
deixaram no país de origem (família e amigos) e para tecerem novas redes, aqui ou lá. A internet
vem a ser um dos meios mais eficazes de comunicação e manutenção de vínculos dentro do
contexto migratório, já que os imigrantes se encontram longe do país de nascimento, da família e
dos amigos e estão buscando integrar-se à nova realidade no país de migração, tendo pela frente
desafios a enfrentar em relação a uma nova cultura e língua, e frequentemente com poucos
recursos para coisas muitas vezes simples, mas significativas, como, por exemplo, onde encontrar
um mercado que possa vender um feijãozinho com arroz para alegrar o dia. É através da internet
que tudo se encaixa, ou quase tudo, e é por meio dela que as comunidades ou associações
de imigrantes se fazem achar. Sem dúvida, um apoio potencialmente inestimável para a vida dos
que migram.
39
Embora os indivíduos pertençam a configurações amplas como um país, uma sociedade
urbana ou uma comunidade territorial específica, o seu dia a dia ocorre em torno de uma rede de
relações pessoais que sustentam seu sentido de pertinência e ao mesmo tempo permitem, em
maior ou menor escala, sua demanda de diferenciação.
O contexto de nosso trabalho exige lidar com termos semelhantes como “redes sociais”,
com significados diversos (rede pessoal e rede virtual), comunidades e associações com
elementos de conexão tanto pessoal quanto virtual, dado que provêm de proposições teóricas e
disciplinares diversas. Assim, tomamos a liberdade de diferenciá-las didaticamente para facilitar
a leitura. Utilizamos “redes sociais pessoais” quando tratamos das redes sociais que implicam
primordialmente vínculos de proximidade interpessoal, mesmo que se possa fazer uso de
mediação tecnológica e “redes sociais” (sem qualificativo) quando tratamos das redes de natureza
virtual. Ressaltamos, no entanto, que tal diferenciação não é simples e foi usada apenas em
sentido didático. Além disso, tomamos o cuidado de não alterar os termos usados em citações de
autores primários.
Assim, para entender como se organizam as redes sociais pessoais, recorremos aos
estudos de Sluzki (1997) e Dabas (2006, 2011), e para compreender como se organizam as redes
sociais na internet, aos estudos de Barcelos, Passerino e Behar (2010), que apresentam os
diferentes tipos de redes sociais virtuais e de comunidades virtuais.
E, por fim, interessa-nos explanar um pouco sobre o funcionamento do Facebook, um tipo
de rede social virtual, por ser um meio muito utilizado pelas comunidades de imigrantes no
sentido de se fazer achar pelos que migram, por ser uma forma de construírem conexões com
outras comunidades de imigrantes no mundo e por ser um importante meio de divulgação das
atividades presenciais desenvolvidas pela comunidade.
2.1 COMUNIDADE E REDE SOCIAL PESSOAL
Sabemos que o homem não é um ser isolado. Dos seus primórdios até os dias de hoje,
sobrevive em grupos, necessitando desde sempre de apoio para que possa se sentir integrado,
orientado e protegido. O mesmo acontece na vida daqueles que migram, os quais, além disso,
necessitam encontrar um lugar que os faça sentir “como se estivessem em casa”. Embora a
família seja, como afirmamos, no capítulo anterior, a estrutura primária de apoio do indivíduo,
40
seus vínculos e demandas se dirigem para além dela e, nessa circunstância que se contextualiza,
em uma perspectiva sistêmica: as redes sociais pessoais.
Para compreendermos a organização e o funcionamento de uma rede social pessoal,
precisamos, primeiramente, conceituá-la, e para isso lançamos mão dos conceitos utilizados por
Ross von Speck, referendado por Elkaïm (2000), Sluzki (1997) e Rizo García (2004).
Ross von Speck (apud ELKAÏM, 2000), define rede social como um grupo de pessoas,
amigos, membros da família, vizinhos e outras pessoas que fornecem ao indivíduo, ou à família,
apoio e ajuda reais e duráveis.
Sluzki (1997, p. 41) define rede pessoal “(...) como a soma de todas as relações que um
indivíduo percebe como significativas ou define como diferenciadas da massa anônima da
sociedade”.
E Rizo García (2004) conceitua nestes termos:
As redes são, acima de tudo, formas de interação social, espaços sociais de convivência e
conectividade. Elas são definidas fundamentalmente pelo intercâmbio dinâmico entre os
sujeitos que as formam. As redes são sistemas abertos e horizontais, e reúnem um
conjunto de pessoas que se identificam com as mesmas necessidades e problemas. As
redes, portanto, são erguidas como forma de organização social que permite a um grupo
de pessoas potencializar seus recursos e contribuir para a resolução de problemas. (RIZO
GARCÍA, 2004, p. 1).
Parece-nos que a definição de Ross von Speck (apud ELKAÏM, 2000) de rede social e o
conceito de Sluzki (1997) de rede pessoal são complementares e não apresentam muita diferença,
enquanto que a definição apresentada por Rizo García (2004) demonstra a influencia das TIC na
“conectividade” de como a interação social é feita.
No estudo sobre redes sociais pessoais, é importante considerar, primeiramente, que sem
vínculos não há redes, pois são as conexões interpessoais que determinam as redes, além de
cumprir função predominante dentro delas (RIZO GARCÍA, 2004). Nesse sentido, as redes
fazem parte do mesmo processo da vida, elas são dinâmicas, não se constroem, mas se visualizam
(DABAS; NAJMANOVICH, 1995; DABAS, 2011).
A autora acima mencionada metaforiza a relação existente entre rede e vida: “Se formos
capazes de visualizar redes, vemos vida. Se cortarmos ou diminuirmos as redes, restringimos
as possibilidades de vinculação, diminui a possibilidade de vida” (DABAS, 2011, p. 48).
41
Assim, uma vez que as redes são visualizadas, é possível fortalecê-las, potencializá-las e
desenvolvê-las ou debilitá-las, quando o seu fluxo dinâmico é detido (DABAS, 2011).
Outro ponto necessário que merece destaque é que a rede pessoal é ativada por
problemas, tornando-se o que determina a emergência de uma rede (DABAS, 2011). Assim
sendo, a característica fundamental de uma rede pessoal “é a construção de interações para
resoluções de problemas e satisfação de necessidades” (RIZO GARCÍA, 2004, p. 1).
As redes se organizam para os mais diferentes fins, como, por exemplo, dentro do
campo da educação, saúde, arte, investigação, pesquisa acadêmica, etc. (DABAS;
PERRONE, 1999), algumas se destacam por impulsionar o crescimento profissional, outras
são mais importantes do ponto de vista dos cuidados, utilizando-se muitas vezes da internet
para o seu funcionamento.
Tanto Sluzki (1997) como Rizo García (2004) destacam funções semelhantes
desempenhadas pelas redes sociais pessoais, tais como companhia, apoio social e emocional,
guia cognitivo, serviço comunitário, sendo que, além dessas funções, Sluzki (1997) salienta
também os conselhos, a regulação social, a ajuda material e o acesso a novos contatos.
Em geral, uma rede social pessoal exerce várias funções ao mesmo tempo, dependendo da
relação que a pessoa estabelece com a rede maior (FEIJÓ, 2002).
As principais características das redes, segundo Dabas (2011), são: hierarquia,
assimetria produtiva, fluxo dinâmico, associativismo, flexibilidade, reciprocidade, ativação
causada por problemas e multidimensionalidade. Quanto ao tamanho, é prat icamente
impossível delimitar e representar totalmente uma rede, pois estão interligadas, são móveis
e complexas (FEIJÓ, 2002).
Devemos considerar que, quando há um processo migratório, o papel exercido pelos
elementos proximais da rede pessoal tendem a estar afastados, mesmo que atualmente possam ser
acessados por meio das TIC, o indivíduo terá que construir uma nova rede pessoal que favoreça
seu processo de adaptação à nova cultura e que lhe dê apoio nos desafios amplos no novo
ambiente tanto quanto na transmissão de sua cultura de origem a seus descendentes.
Nesse sentido, a análise de Rizo García (2004) se torna relevante. Para a autora,
a função exercida determinará o tipo de rede e distingue seis tipos diferentes de redes sociais,
sendo: 1) redes pessoais; 2) redes categoriais; 3) redes estruturais; 4) redes formais e redes
funcionais; 5) redes de iniciativas ou redes associativas; e 6) redes mistas intersistêmicas.
42
Conforme a autora, as redes pessoais são aquelas em que se encontram mais sentido de
pertencimento, como as redes familiares, de amigos, vizinhos, etc. As redes categoriais são
aquelas que se formam a partir de ideais comuns, que são delimitadas por características culturais,
étnicas, socioeconômicas, sociodemográficas, etc. O terceiro tipo são as redes estruturais, que são
formadas por pessoas do mesmo âmbito profissional ou laboral. Já as redes formais e as redes
funcionais são aquelas que estão ligadas a práticas voluntárias de ação social, sendo que as redes
formais possuem um grau de dependência institucional maior do que as redes funcionais, que são
mais independentes (RIZO GARCÍA, 2004).
Outro tipo de rede considerado por Rizo García (2004) são as redes de iniciativas ou redes
associativas que se desenvolvem quando as organizações sociais e as associações possuem uma
grande vinculação formal e informal. E, por último, as redes mistas intersistêmicas que advêm da
produção de múltiplas relações entre as redes institucionais, redes associativas e redes informais,
e que são baseadas em princípios de cooperação e reciprocidade em diferentes escalas territoriais,
sendo considerado pela autora o mais complexo de todos os tipos de rede.
2.2 AS COMUNIDADES: O QUE SÃO E COMO FUNCIONAM
Sob a análise de Rizo García (2004), devemos considerar que as associações de
imigrantes seriam do tipo redes sociais categoriais à medida que são formadas em torno de ideais
comuns e que são delimitados por características culturais, étnicas, socioeconômicas,
sociodemográficas, etc.
Na literatura, proveniente de outro contexto teórico, elas não são denominadas redes
sociais categoriais e, sim, “comunidades de imigrantes” ou “associações de imigrantes” (cuja
diferenciação, já apresentada ao início do capítulo, refere-se ao seu estatuto informal ou legal).
Propõem-se, de uma forma geral, a ser um lugar de refúgio para as pessoas que pertencem a uma
mesma cultura, a um mesmo território ou que possuem a mesma religião, mas que se encontram
longe de seu país de origem, de sua família e de seus amigos (ROSSI, 2012).
As bases essenciais do funcionamento de uma comunidade de imigrantes orientadas para
suprir essa demanda são as de socialização, solidariedade, identidade e participação (ROSSI,
2012). Nesse sentido, as associações oferecem assistência ao imigrante de diferentes formas,
acompanhando-o em seu percurso de integração, agindo em sua defesa na sociedade de acolhida,
43
além de proporcionar um espaço onde as tradições e os valores de sua cultura são afirmados. As
comunidades também são para os imigrantes um local de participação, onde eles podem realizar
projetos de serviços, e de representação de sua cultura de origem, tornando-se um importante
meio de estabelecer, desenvolver e dar visibilidade à sua identidade cultural (ROSSI, 2012).
É, portanto, por meio das práticas realizadas em conjunto que as associações de imigrantes
permitem a conservação dos vínculos estreitos com o país de origem, mesmo que remodelados e à
distância. É assim que em seu percurso elas deixam de ser um lugar de encontro de pessoas saudosas
e se torna organizações mobilizadas em torno de projetos comuns, cuja finalidade principal é a
vontade de promover, proteger e reconstruir a identidade cultural, por meio de um canal comum a
todos, que é a língua (ROSSI, 2012).
Embora se possa considerar que as associações de imigrantes dificultam a integração com a
sociedade de acolhimento, diferentes autores argumentam em seu favor. Para Sipi (2000),
as associações são espaços que fomentam, constituem e unificam as negociações que promovem a
integração social. Seguindo essa mesma linha de pensamento no estudo realizado por Furlanetto
(2011), as práticas associativas corroboram, demonstrando a importância do imigrante perante a
sociedade local ao atuarem como estratégias de construção e autoafirmação da identidade.
Portanto, as associações ocupam um espaço fundamental no processo de negociação do imigrante na
sociedade de chegada, no qual a visibilidade e o reconhecimento são valorizados pelos migrantes
(ROSSI, 2012).
É importante pensar o que motiva então os imigrantes integrarem-se às associações.
De acordo com Masanet Ripoll e Santacreu Fernández (2010), há diferentes posicionamentos
sobre o que motiva os imigrantes a participarem de associações, articulados em duas lógicas
opostas denominadas de “dimensão instrumental” e de “dimensão expressiva” da participação
(MASANET RIPOLL; SANTACREU FERNÁNDEZ, 2010, p. 75). Os autores chamam de
“dimensão instrumental” aquela em que os imigrantes são levados a participar das associações
por interesses individuais, por não serem capazes de satisfazer determinados tipos de
necessidades sozinhos. A outra posição, que é a “dimensão expressiva” da participação,
apregoa que o motivo pelo qual os imigrantes vinculam-se às associações baseia-se no fato
de estas proporcionarem espaços de encontros, que valorizam a subjetividade do indivíduo
nas inter-relações.
44
As associações de imigrantes foram classificadas por Morell Blanch (2005) e por Masanet
Ripoll e Santacreu Fernández (2010) de uma maneira muito semelhante, contudo, com algumas
diferenças que merecem destaque. Esses últimos (MASANET RIPOLL; SANTACREU
FERNÁNDEZ, 2010) classificam as associações em quatro tipos, conforme a sua finalidade:
social, político, cultural-recreativo e transnacional. Já Morell Blanch (2005) classifica as
associações em social, política e cultural, a partir das atividades realizadas, com o objetivo de
determinar se os interesses e as finalidades dessas atividades são orientados para o país de origem
ou se são direcionadas para o país de destino, sendo este o principal diferencial entre os autores,
além do fato de Masanet Ripoll e Santacreu Fernández (2010) agregarem um quarto tipo de
associação, a transnacional.
Preferimos adotar em nosso estudo a classificação legada por Morell Blanch (2005)
quanto às atividades promovidas pelas associações de imigrantes, cujo interesse e finalidade
valorizam as oportunidades e os desafios que os diferentes contextos nacionais, o de origem e o
de acolhida, têm para oferecer, por a considerarmos mais operacional aos nossos propósitos.
Assim, as atividades sociais desenvolvidas pelas associações de imigrantes, orientadas
para o país de origem, segundo Morell Blanch (2005), fazem parte de projetos impulsionados
pelas comunidades de origem, tem como objetivo apoiar o processo migratório, ajudar aos
imigrantes que não têm recurso para retornar a seu país, e dar ajuda e suporte aos familiares e
amigos que residem no país de origem do imigrante. Já as atividades sociais orientadas para o
país de destino são aquelas de ajuda mútua e solidária entre os membros da associação, as que
fazem parte do acompanhamento ao imigrante no processo de imersão na sociedade de acolhida,
que visam o fomento das relações sociais, que promovem o assessoramento administrativo e legal,
a capacitação profissional e a inserção no mercado de trabalho (MORELL BLANCH, 2005).
As atividades políticas orientadas para o país de origem são consideradas pelo autor
(MORELL BLANCH, 2005) como aquelas que prestam solidariedade para com as vítimas políticas,
que atuam na promoção de campanhas de sensibilização da opinião pública e as que denunciam e
criticam as políticas governamentais do país de origem. Quanto às atividades políticas orientadas para
o país de destino, atuam realizando denúncias à discriminação e à xenofobia, e reivindicam os direitos
sociais e políticos dos imigrantes.
As associações que possuem fins transnacionais, descrita por Masanet Ripoll e Santacreu
Fernández (2010), atuam de modo semelhante às associações que exercem atividades políticas
45
conforme Morell Blanch (2005), mas se diferenciam por participarem de projetos que visam a
auxiliar o retorno dos imigrantes ao país de origem, tendo em vista que a migração transnacional
é aquela em que somente alguns membros da família migram, resultando em grande sofrimento
para todos, pois divide a família nos que vão e nos que ficam (FALICOV, 2007, 2009).
Já as atividades culturais orientadas para o país de origem do imigrante, segundo Morell
Blanch (2005), são aquelas relativas à divulgação e à transmissão da cultura, da língua, do
folclore, da religião e da gastronomia, que se dá entre o coletivo de imigrantes e seus
descendentes e familiares. Quando as atividades culturais são orientadas para o país de destino,
elas buscam incentivar o aprendizado da língua e da cultura do país de acolhimento, além de
divulgar as manifestações culturais dos imigrantes, fomentando um clima de interculturalidade a
fim promover a tolerância e prevenir os conflitos.
Falicov (2016) chama atenção para o grande desafio que se constitui para aqueles que
tramitam em “zonas de fronteira cultural” (FALICOV, 2016, p. 305), entre a cultura de origem e
a cultura do país de migração. Chamamos atenção também para aqueles que constituíram famílias
interculturais, que apresentam na formação do casal a presença de mais de uma cultura, além
daquela do país de nascimento dos filhos.
Esse clima de interculturalidade e de “identificação dual” nas associações é denominada
por Sardinha (2010) de “associações hifenizadas”, tomando como base o estudo de Bhabha
(1998).
As “associações hifenizadas” (SARDINHA, 2010, p. 65), por serem representantes de
mais de uma nacionalidade, promovem uma “identificação dual”, “recolhendo os melhores frutos
que ambos os mundos têm para oferecer” (SARDINHA, 2010, p. 70), situação esta caracterizada
pelas oportunidades que os diferentes contextos, o de origem e o de migração, têm para lhes
proporcionar.
As hifenações híbridas enfatizam os elementos incomensuráveis - os pedaços teimosos –
como a base das identificações culturais. O que está em questão é a natureza
performativa das identidades diferenciais: a regulação e negociação daqueles espaços
que estão continuamente, contingencialmente, se abrindo, retraçando as fronteiras,
expondo os limites de qualquer alegação de um signo singular ou autônomo de diferença
– seja ele classe, gênero ou raça. (BHABHA, 1998, p. 301).
46
A interculturalidade não pode ser reduzida, segundo Walsh (2005), a uma simples fusão
ou combinação híbrida de elementos, características, tradições ou práticas culturalmente distintas.
Em vez disso, a interculturalidade deve ser entendida como um intercâmbio que se constrói entre
pessoas, conhecimentos, saberes e práticas culturalmente diferentes, em processos permanentes e
dinâmicos de comunicação, relacionamento e aprendizagem entre culturas em termos de
legitimidade mútua, respeito, simetria e igualdade. Para a autora, essa articulação que se interpõe
não busca valorizar ou eliminar as diferenças culturais nem tão pouco procura formar identidades
mescladas, mas é nesse espaço fronteriço de negociação e relação que se objetiva o diálogo entre
inclusão e exclusão, pertinência e diferença, controle e resistência, que se constroem e emergem
novas estratégias, sentidos e práticas “[inter]” culturais que desafiam o controle cultural,
a homogeneidade e a hegemonia da cultura dominante (WALSH, 2005, p. 9).
Consideramos que a compreensão dessas múltiplas possibilidades de propósitos
identificadas pelos autores possam ser fundamento importante para a compreensão da
organização e funcionamento das comunidades. Mas é importante compreender também como as
TIC as favorecem e consolidam à medida que é principalmente por meio delas que as conexões
se tornam possíveis.
2.3 COMUNIDADES VIRTUAIS
Através da História observamos que o homem sempre viveu em comunidade. Nessas
comunidades, os laços eram estabelecidos com base na proximidade espacial, isto é, entre
pessoas que viviam na mesma área, onde a maioria dos indivíduos não tinha escolha quanto à
comunidade a que pertenciam, e invariavelmente nasciam, viviam e morriam no mesmo lugar
(PALACIOS, 1996).
Até que se deu o advento da internet, marco que revolucionou e reconfigurou as relações
humanas, facilitando a formação de grupos de pessoas com vínculos não formalizados
territorialmente, tornando cada vez mais comum as pessoas fazerem parte de uma variedade de
comunidades virtuais, de acordo com seu interesse.
As comunidades on-line podem abranger uma gama de interesses sociais e culturais,
desde grupos de mães, estilo de vida, luto, imigrantes, e muitos outros, com a vantagem de
47
acolher pessoas do mundo todo. Essas comunidades propiciam aos seus participantes pertinência,
informação, apoio emocional e convívio social.
Objetivando um maior entendimento das comunidades virtuais, consideramos que seja
importante a compreensão da sua estrutura e de seu funcionamento. Para entender os elementos
constituintes de uma comunidade virtual, Palacios (1996) contrapõe com os elementos
constituintes de uma comunidade clássica. Os elementos constituintes de uma comunidade
clássica são: “a) sentimento de pertencimento; b) territorialidade; c) permanência; d) sentimento
de comunidade, caráter cooperativo e emergência de um projeto comum; e) formas próprias de
comunicação; f) tendência à institucionalização.” (PALACIOS, 1996, p. 98)
Já os elementos constituintes de uma comunidade virtual não seguem a mesma lógica
espaço-tempo dos elementos constituintes de uma comunidade clássica. O sentimento de
pertencimento, por exemplo, não está vinculado à localização, o pertencimento em uma
comunidade virtual é sempre à distância, além do que, nas comunidades virtuais, ele é sempre
eletivo, possibilitando ao indivíduo pertencer à comunidade somente durante o tempo em que
estiver interessado. A territorialidade nas comunidades virtuais é simbólica, já que não existe uma
territorialidade física como nas comunidades clássicas.
Para Palacios (1996), um dos pontos mais difíceis de avaliar nas comunidades virtuais é a
permanência, devido à intensa prática de ativação e a desativação de grupos virtuais, sem falar
nas participações de caráter efêmero, com circulação de indivíduos de acordo com seus interesses.
Em se tratando da ligação entre sentimento de comunidade, caráter cooperativo e emergência de
um projeto comum, nas comunidades virtuais se observa o sentimento de cooperação e
solidariedade na troca de informação e intervenções, com objetivo de ajudar outros membros da
comunidade por meio de projetos pontuais. Quanto às formas de comunicação, é importante
considerar que não há separação entre a comunidade virtual e o meio de comunicação que a
origina, sendo este a razão de existir da comunidade (PALACIOS, 1996).
Sáez Soro (2006), por sua vez, classifica a comunidade virtual em cinco características
principais: 1) uma finalidade claramente identificada; 2) permanência no tempo; 3) existência de
produtos de interação; 4) canais de comunicação facilmente reconhecíveis; e 5) uma atividade e
um número mínimo de interlocutores interativos.
48
No entanto, comparando as duas perspectivas, observamos que tanto Palacios (1996)
como Saéz Soro (2006) apresentam em seus estudos sobre comunidade virtual uma descrição das
características gerais que a compõe, destacando basicamente os mesmos pontos relevantes, que
são: finalidade, permanência, interação, comunicação e atividade.
Diferentemente desses autores, Castells (2003) ressalta duas características que
consideramos fundamentais em relação às comunidades virtuais, por se tratar de recursos que são
formadores e alimentadores das redes virtuais. A primeira é a comunicação livre, de muitos para
muitos. A segunda é a formação autônoma de redes, onde qualquer pessoa tem a possibilidade de
criar e divulgar sua própria informação e, dessa forma, induzir a formação de uma rede. Para o
autor, as pessoas estão cada vez mais organizadas em redes sociais mediadas por computador, e a
interação social virtual possui um papel crescente e abrangente na organização social.
Gostaríamos de ressaltar que, desde o início dos anos 2000, as TIC – web e telefonia
móvel – desempenham um papel cada vez mais importante no dia a dia das pessoas em geral e
dos migrantes, em particular. No entanto, é importante considerar que o uso da internet por esses
últimos representa muito mais do que está contido na expressão “imigrantes conectados”, como é
ressaltado por Scopsi (2009). Em seu artigo Les sites web diasporiques: un nouveau genre
médiatique?, a autora apresenta a definição do termo Webdiáspora (“diáspora digital”)8
,
pontuando se tratar de um conceito mais abrangente do que uma simples conexão, fazendo alusão
à importante contribuição das comunidades de imigrantes que atuam em prol da consciência
identitária de seus membros, a favor de ações reivindicatórias, desejando alcançar afirmação
pública, entre outras ações.
(...) sites diaspóricos são sites produzidos pelas comunidades transnacionais a partir dos
lugares da dispersão, organizados em torno de um ou mais elementos culturais
compartilhados (língua, religião, etnia), destinado explicitamente a membros da
comunidade espalhados pelo mundo pela migração e, possivelmente, a população que se
manteve na terra natal, contribuindo para a consciência de uma ligação identitária, para a
sua afirmação pública e a sua realização por ações de reivindicação, de representação ou
de desenvolvimento econômico e cultural de seus membros. (SCOPOSI, 2009, p. 92).
8 O termo “diáspora”, originalmente atribuído à “dispersão dos judeus ao longo dos séculos”, passou a ser utilizado,
segundo o Glossário sobre Migração, da Organização Internacional para as Migrações (2009), de uma forma mais
abrangente para traduzir a realidade política, cultural e social de “qualquer pessoa ou população étnica que abandona
a pátria tradicional da sua etnia, estando dispersa por outras partes do mundo.” (OIM, 2009, p. 18).
49
O conceito de webdiáspora está relacionado, segundo Brignol e Costa (2016), com a
criação de múltiplos ambientes de comunicação na internet, que são criados, mantidos,
atualizados e acessados por migrantes que se apropriam de tal facilidade para suprir seus
objetivos e demandas. Como exemplo de “webdiaspóricos” (BRIGNOL; COSTA, 2016) estão, os
sites temáticos sobre migração, os weblogs, os sites das associações e ONGs, os perfis e páginas
em redes sociais (Facebook).
A pesquisa de Barth e Cogo (2009) sobre o uso da internet (Skype, MSN e chat UOL)
por imigrantes brasileiros na Espanha pontua como sendo fundamental a utilização das TIC na
preservação da relação afetiva com familiares e amigos distantes, reiterando essa perspectiva. Os autores
destacaram a contribuição das associações e dos coletivos de brasileiros que atuam na prestação de
assistência e orientação aos imigrantes, na obtenção de informação sobre oportunidades de emprego,
na regularização jurídica, no aprendizado linguístico, no lazer e na saúde, que se dão por meio de
práticas on-line combinadas com iniciativas off-line.
Podemos deduzir que, com ajuda da nova tecnologia de comunicação, os indivíduos estão
construindo novos padrões de interação social, ou seja, dando origem a uma nova forma social –
“a sociedade de rede” (CASTELLS, 2003, p. 111), em que tudo se encontra interligado, não
havendo distinção entre as comunidades presenciais e as comunidades virtuais, um mundo sem
fronteiras, bem na palma da mão. E, para vida do imigrante, tudo isso é particularmente relevante.
2.4 REDES SOCIAIS NA INTERNET
A constante evolução da internet tem nos propiciado nos últimos anos um uso cada vez mais
interativo e colaborativo da web. Conforme O‟Reilly (2005), na primeira geração da Web, a ênfase
era dada na publicação de informações e, posteriormente, na segunda geração, a Web 2.0, passa a ser
dada na participação, interação e compartilhamento dos participantes, que pode ser percebida no
Facebook (através dos comentários, curtidas e compartilhamento dos usuários), na Wikipédia,
(enciclopédia on-line, cujos verbetes são escritos de forma colaborativa), nos blogs etc. As redes
sociais on-line representam essa nova tendência de partilhar informações, conhecimentos e contatos.
Em seu artigo Barcelos, Passerino e Behar (2010) apresentam, de maneira esquemática,
diferentes tipos de redes sociais e comunidades (Figura 3), que consideramos particularmente
ilustrativa e apresentamos a seguir. Para conceituar e descrever estes elementos eles recorreram
50
a diversos autores. Segundo estes autores as redes sociais (escola, associação de imigrantes)
são compostas por diferentes tipos de comunidades, dentre elas estão às comunidades de prática
(CP), as comunidades de aprendizagem (CA) e as comunidades virtuais (CV). Como parte
das comunidades virtuais (CV) há as comunidades virtuais de participação (CVP), as
comunidades virtuais de interesse (CVI) e as comunidades virtuais de aprendizagem (CVA).
Essas comunidades virtuais integram as redes sociais na internet (RSI).
Figura 3 – Redes e comunidades. (BARCELOS; PASSERINO; BEHAR, 2010, s/p)
Descreveremos cada um dos tipos de comunidades, não virtuais e virtuais, para que
possamos melhor compreende-las. As comunidades de prática (CP), conforme Wenger (2010)
envolvem um conjunto de indivíduos com interesse comum na aprendizagem, e, sobretudo, na
aplicação do aprendido.
As comunidades de aprendizagem (CA), segundo Coll (2004), referem-se a grupos
de pessoas com diferentes níveis de conhecimento, perícia e experiência, que, por meio de
colaboração e ajuda mútua, produzem aprendizado e construção de conhecimento coletivo.
As comunidades virtuais (CV) foram conceituadas por Rheingold (1995) como
“agregados sociais que surgem na Rede, quando uma quantidade suficiente de gente leva adiante
essas discussões públicas durante um tempo suficiente, com suficientes sentimentos humanos,
para formar redes de relações pessoais no ciberespaço” (RHEINGOLD, 1995, p. 20).
51
Conforme Recuero (2009), os elementos formadores da comunidade virtual destacados na
definição de Rheingold são: as pessoas, as discussões públicas, o tempo e o sentimento,
combinados no ciberespaço9.
De acordo com Coll, Bustos e Engel (2010) há três tipos de comunidades virtuais:
comunidades virtuais de participação (CVP), comunidades virtuais de interesse (CVI) e
comunidades virtuais de aprendizagem (CVA). Os autores chamam a atenção para o caráter
heterogêneo das comunidades virtuais que está relacionado aos objetivos de seus participantes,
fazendo com que as CVs não se limitem a essas três categorias. Além disso, conforme os autores,
as comunidades virtuais são dinâmicas e sujeitas a contínuos processos de transformação e
mudança, sendo assim, as fronteiras entre os três tipos de comunidades virtuais não podem ser
delimitadas com exatidão. Nesse processo dinâmico, uma CVI pode evoluir e se transformar em
CVP ou em uma CVA; e o processo também pode ser inverso: uma CVA pode evoluir e se
transformar em CVP ou CVI.
As comunidades virtuais de interesse (CVI), segundo Coll, Bustos e Engel (2010), são
baseadas no interesse e se caracterizam pelo acesso à informação a qualquer hora e lugar; pelo
acesso a outros indivíduos com grau de envolvimento afetivo e social; pelo senso de
pertencimento e por manter o participante atualizado.
Já as comunidades virtuais de participação (CVP) caracterizam-se por terem acesso
à informação e à experiência a qualquer hora e lugar; pelo acesso a outros indivíduos a partir de
um envolvimento mental; por questionarem e avaliarem as contribuições; por terem
responsabilidades coletivas, e por objetivarem a melhoria do resultado do grupo. A tópica que
permeia as CVP é o envolvimento (COLL, BUSTOS; ENGEL, 2010).
Para Coll, Bustos e Engel (2010), as comunidades virtuais de aprendizagem (CVA) são as
que possuem um conteúdo de aprendizagem específico; as que têm novas e dinâmicas propostas
de aprendizagem; as que inovam diante dos problemas; as que oferecem oportunidade de
aprender e colaborar com outros indivíduos e por auxiliarem aos seus membros no processo
de aprendizagem. As CVA se caracterizam pelo duplo uso das TIC, como instrumento facilitador
9 O ciberespaço segundo Lemos (1996, s/p) pode ser entendido sob duas perspectivas: “como o lugar onde estamos
quando entramos num ambiente virtual (realidade virtual), e como o conjunto de redes de computadores, interligadas
ou não, em todo o planeta (BBS, videotextos, internet...).” Acessível em: <http://www.facom.ufba.br/ciberpesquisa/
lemos/estrcy1.html>.
52
da comunicação e do intercâmbio entre seus membros e como recurso na promoção de
aprendizagem (COLL, 2004).
Tomando como base a classificação de Barcelos, Passerino e Behar (2010),
bem como dos demais autores apresentados, podemos dizer que o imigrante possui
uma rede social (RS) localizada em mais de um país, o seu de origem e o de migração.
A nova rede social formada no país de imigração integra diferentes tipos de comunidades ou
associações, como a escola, o trabalho, a igreja, os vizinhos e grupos de imigrantes organizados
em associações, como a que nos propusemos a pesquisar. Já a rede que ficou no país de origem,
composta pela família e amigos, é acessada através da internet pelo Skype, WhatsApp e outras
mídias sociais que integram o grupo de comunidade virtual (CV).
Além dos diferentes tipos de redes sociais e de comunidades apresentadas por Barcelos,
Passerino e Behar (2010), as redes sociais podem ser classificadas quanto à referência tempo-
espaço e ao tipo de comunicação. Quanto à referência tempo-espaço, as redes sociais podem ser
analógicas ou digitais (CAMARERO CANO, 2015). As redes sociais analógicas são aquelas em
que as pessoas se encontram no mesmo espaço e tempo, como, por exemplo, uma associação
de pais de alunos de uma determinada escola. Já nas redes sociais digitais, as pessoas não se
encontram necessariamente próximas uma das outras, elas podem estar geograficamente distantes.
Quanto ao tipo de comunicação, as redes sociais digitais podem ter uma comunicação sincrônica
(simultânea) ou uma comunicação assincrônica (não simultânea), sabendo que, para que a
comunicação se estabeleça, necessitam de um computador ou dispositivo móvel (smartphone)
com acesso à internet (CAMARERO CANO, 2015).
Um exemplo de rede social digital é o Facebook. Além do Facebook, as associações
de imigrantes, em geral, fazem uso de outras mídias sociais, como o seu próprio site, blogs e
aplicativos, por exemplo, o WhatsApp, e do e-mail, a fim de dar visibilidade a sua proposta,
divulgar o seu serviço e se comunicar com os seus participantes.
Achamos relevante apresentar o modo de funcionamento do Facebook por se tratar da
rede social digital mais utilizada e por meio da qual encontramos as associações que deram
origem a nosso interesse e selecionamos aquela que analisaremos posteriormente.
Desde que foi criado, em 2004, o Facebook não para de crescer. Tendo como missão dar
às pessoas o poder de compartilhar e tornar o mundo mais conectado, o Facebook tornou-se uma
das redes sociais mais utilizadas em todo mundo. Segundo dados atuais do próprio Facebook,
53
em julho de 2016, a rede social contava com 1,13 bilhões de usuários ativos em média por dia
(FACEBOOK, 2016).
Em sua plataforma, o Facebook agrega recursos que permitem ações interativas como:
bate-papo, criar textos com a participação de outras pessoas, exibir fotos, filiar-se a grupos, criar
e divulgar eventos, realizar enquetes de pesquisa, etc. Segundo Keiserman (2012), o Facebook é
uma plataforma viva, presente na vida cotidiana dos usuários, que integra a rede virtual à sua vida
social. Funciona através de perfis e comunidades, além do perfil pessoal, possibilita a montagem
de fanpage para empresas, associações, serviços, que poderá ter ou não um cunho comercial.
O fácil acesso permite que o usuário compartilhe e disponibilize conteúdos com os seus
amigos conectados no “Face” a partir dos comandos “comentar”, “compartilhar” e “curtir”, com
apenas um click. Ao “compartilhar”, o usuário participa da distribuição de conteúdo com outros
integrantes através de um link de compartilhamento, cuja utilidade é de dar-lhe a possibilidade e
a facilidade de conectar com outros links, podendo integrar conteúdo de outras redes sociais,
como Twitter, YouTube, blogs, etc. O “comentar” indica uma participação mais ativa, mais
solidária da rede de amigos, em que os usuários podem opinar sobre os posts, as fotos e demais
conteúdos; expressando seus sentimentos e opiniões através da linguagem escrita (WIKIPÉDIA).
Há também os ícones que expressam emoções, as reactions, que foram criadas como
forma de ampliar a opção de reação emocional do usuário frente a uma postagem, que antes era
função exclusiva do botão “curtir” (like), são eles: “amei” (love), “haha”, “uau” (wow), “triste”
(sad) e “grr” (angry). Com esses botões, o usuário poderá demonstrar que gostou da publicação,
que amou ou está muito feliz, que achou divertido, que ficou surpreso ou triste e com raiva
(TEEHAN, 2016).
No caso das páginas das comunidades de imigrantes, a partilha de conteúdo pode ser
muito rica, pois, através de uma única página, várias comunidades dispersas pelo mundo podem
estar conectadas e ser acessadas. Para essas comunidades de imigrante, é interessante saber o que
a outra comunidade está articulando e, assim, poder trocar ideias, compartilhar aprendizagem,
além de servir de estímulo mútuo, havendo a possibilidade de formar uma rede de apoio
muito profícua.
Com foco mais individual, o imigrante poderá partilhar informações e obter acesso a
conteúdos que ajudarão tanto ele como sua família no processo de adaptação e de integração
na nova cultura. No caso das comunidades de pais imigrantes, cujo interesse é a transmissão da
54
cultura do país de origem aos filhos, as informações partilhadas estarão relacionadas à língua e à
cultura do país de origem, a divulgação do ensino da língua e da cultura, bem como dos eventos
culturais presenciais.
A interação realizada pelos participantes da rede social digital através de troca de
mensagens pode ocorrer de forma pública, no mural do usuário, ou de forma particular, através
do “Messenger” (aplicativo de mensagem do Facebook), por meio do qual é possível agregar um
grupo de pessoas partilhando da mesma conversa. Essas mensagens podem ser feitas de forma
instantânea, basta que a pessoa esteja conectada à rede (WIKIPÉDIA).
Existe a possibilidade da criação de grupos dentro do Facebook, que podem ser restritos
ou não. Ali se estabelece conversação e intercâmbio entre pares, privilegiando o debate, a troca
de informações e ideias, e a produção de conhecimento (WIKIPÉDIA). Os grupos temáticos
possuem diferentes critérios de privacidade, a saber, público, fechado ou secreto (MANNARA,
2016).
No mês de setembro de 2016, ao efetivar a busca no Google por “comunidades no
Facebook”, obtive como resultado 40.500.000 comunidades. Já a busca por “comunidades de
imigrantes brasileiros no Facebook”, resultou em 927.000 comunidades, demonstrando a força
que essas iniciativas possuem e a necessidade de pesquisas sobre o tema.
55
OBJETIVO
3.1 OBJETIVO GERAL
A presente pesquisa tem como objetivo compreender o funcionamento de uma associação
de pais imigrantes brasileiros domiciliados na Espanha.
3.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS
a) Compreender a formação, o funcionamento e a manutenção de uma associação
de pais imigrantes brasileiros domiciliados na Espanha.
b) Compreender como o imigrante se relaciona com a associação e qual o significado
desta para sua família.
c) Identificar como a associação de pais imigrantes brasileiros atua na manutenção
da relação com a cultura brasileira.
56
MÉTODO
Trata-se de uma pesquisa na abordagem qualitativa que, conforme Denzin e Lincoln
(2006), consiste em um conjunto de práticas interpretativas interligadas, que busca entender os
fenômenos a partir do significado atribuído pelas pessoas. A pesquisa qualitativa, portanto,
preocupa-se com aspectos da realidade que não podem ser quantificados, centrando-se na
compreensão e na explicação da dinâmica das relações sociais.
Por estarmos interessadas na formação, o funcionamento e a manutenção de associações
de pais imigrantes brasileiros domiciliados na Espanha, ou seja, o estudo de uma comunidade
específica, esta pesquisa se caracterizaria como um estudo etnográfico que, de acordo com
Severino (2013, p. 119), “visa compreender, na sua cotidianidade, os processos do dia-a-dia em
suas diversas modalidades. Trata-se de um mergulho no microssocial, olhado com lentes de
aumento...” sendo na sua natureza, “descritivo por excelência”.
Mas, considerando que a existência, o acesso e a realização da pesquisa se fez por meio
de TIC, de fato, o estudo pode ser denominado netnográfico. A definição de netnografia remonta
à década de 1990, mais voltada ao estudo das características de consumo de comunidades on-line.
Atualmente, é considerada uma adaptação da etnografia ao estudo de comunidades on-line em
geral, sendo a netnografia considerada sinônimo de “etnografia na internet” (KOZINETS, 2002,
p. 61) ou, ainda, mais atualmente, como a “prática on-line da etnografia” (KOZINETS, 2006,
p. 279), cuja principal diferença entre ambas é que a netnografia parte da observação do discurso
textual no contexto on-line.
Neste contexto, a estratégia metodológica seria o estudo de caso que, segundo Yin (2001),
é o mais adequado para a investigação de um fenômeno contemporâneo dentro de um contexto
real, no nosso caso, virtual, em que os limites entre o fenômeno e o contexto não são claramente
percebidos. Para o autor, o estudo de caso tem como intuito compreender fenômenos sociais
complexos, e poderá levar à identificação de categorias de observação ou gerar hipóteses para
novos estudos, exigindo o recurso a técnicas variadas de coletas de dados.
Outro autor que nos norteia no uso desta estratégia é Stake (1994), que destaca dois
critérios essenciais para definir um estudo de caso, a saber: um caso é um sistema delimitado
cujas partes são integradas e é uma investigação que focaliza um fenômeno original. Segundo o
mesmo autor, tratamos de um estudo de caso instrumental na medida em que o interesse no caso
57
se deve à crença de que ele poderá facilitar a compreensão de algo mais amplo, uma vez que pode
servir para fornecer insights sobre um assunto.
CONTEXTO
Nosso interesse recaiu em comunidades ou associações de pais imigrantes brasileiros
domiciliados na Espanha. Os critérios de inclusão delimitados para a escolha foram: estar ativa
nos últimos 6 meses, utilizar-se prioritariamente da língua portuguesa; autoidentificar-se como
uma associação de brasileiros, imigrantes e domiciliados na Espanha, dado que se trata de um
país onde se identifica um grande número de associações de imigrantes brasileiros.
Para identificar as comunidades e associações possíveis, foram feitas buscas no Facebook,
com uma análise prévia da fanpage, para relacioná-las aos objetivos e critérios de inclusão.
Selecionamos algumas possibilidades, entramos em contato por e-mail e, dentre as opções,
escolhemos a que pareceu mais dinâmica.
Para compreender a associação, foi feita a análise da fanpage no Facebook, em que se
observou sua dinâmica e o conteúdo das postagens, além da análise de documentos postados,
bem como entrevistas e coleta de questionários com participantes.
PARTICIPANTES
Quanto às pessoas que colaboraram com a pesquisa, foram acessadas a presidente da
Associação, a secretária, que vem a ser também uma das professoras, a coordenadora da
comissão de eventos, que vem a ser uma das administradoras da fanpage no Facebook, e o pai
idealizador deste projeto, escolhidas por propciarem o acesso a uma visão geral da comunidade e
poderem intermediar o contato com os membros da Associação.
No caso dos participantes convidados a responder ao procedimento individual, os critérios
de inclusão foram: ser de nacionalidade brasileira e ser imigrante domiciliado na Espanha;
ter pelo menos um filho de mais de 2 anos e menos de 12 anos (faixa etária na qual a necessidade
de transmissão da cultura é mais impactante); participar da Associação há pelo menos 6 meses.
Não foram critérios de exclusão: idade, sexo, estado civil do participante, número total de filhos
ou seu país de nascimento.
58
PROCEDIMENTO
A pesquisa foi realizada via mediação virtual, tendo em vista se tratar de uma associação
de pais imigrantes domiciliados na Espanha, após a aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.10
Primeiramente, entramos em contato com a presidente da Associação através de e-mail,
com objetivo de explicitar o interesse pelo tema, apresentar a pesquisadora, a instituição de
ensino e solicitar a colaboração para a pesquisa.
Depois do recebimento da resposta positiva, foi enviado outro e-mail contendo o Termo
de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) em duas cópias, uma assinada pelo pesquisador e
outra que foi assinado pela presidente da Associação e reenviada. A pesquisa foi explicada de
modo a aclarar possíveis dúvidas e foram realizados três encontros on-line, via Skype com o
objetivo de: a) conhecer a história de vida da presidente; b) conhecer a história da Associação;
c) conhecer o funcionamento da Associação a partir de sua perspectiva. Foram realizadas
entrevistas não-diretivas apenas com a introdução de tema e inclusão de perguntas de
esclarecimento. Os encontros foram gravados e transcritos.
A partir da intermediação da presidente da Associação (indicação e/ou facilitação de
convite por e-mail, Facebook e no grupo fechado da Associação), foram convidados a participar
da pesquisa os participantes da Associação que correspondam aos critérios de inclusão. Foi
enviado outro TCLE e um questionário (Apêndice A) o qual foi solicitado que fosse respondido e
enviado por e-mail para a pesquisadora.
A presidente da Associação indicou que realizássemos entrevistas não-diretivas com dois
membros da diretoria da Associação, com a secretária, que vem a ser também uma das
professoras, e a coordenadora da comissão de eventos que vem a ser uma das administradoras da
fanpage no Facebook, além do pai iniciador do projeto. Foi enviado ainda outro TCLE e,
posteriormente, agendamos um encontro on-line, via Skype e WhatsApp, em horário adequado ao
participante, recomendando-lhe a escolha de momento e local com privacidade e não interrupção,
com objetivo de conhecer o funcionamento da Associação a partir de sua perspectiva.
10
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo sob o
número CAAE 56306516.4.0000.5482.
59
Realizamos uma observação netnográfica do funcionamento da fanpage da Associação no
Facebook, percorrendo todas as publicações realizadas, desde a mais recente à mais antiga, que
vem a ser a primeira publicação, no período que compreende os meses de outubro a novembro de
2016 e janeiro a julho de 2017. Por indicação da presidente, fomos adicionadas ao grupo fechado
da Associação no Facebook em novembro de 2016. Naquele momento, fizemos uma observação
participativa e pudemos falar desta pesquisa, convidando os pais para responderem o questionário.
Posteriormente, realizamos a análise dos documentos postados, todos relacionados ao Brasil e à
cultura brasileira, publicados em sua maioria em língua portuguesa, com exceção das atividades
junto ao Centro Cívico e aquelas referentes à cultura local, que, além do português, empregam o
espanhol. As temáticas abordadas nas postagens referem-se à divulgação de atividades realizadas
ou relacionadas à Associação e à divulgação de publicações (links para outras páginas) referentes
aos temas: a) Educação – aprendizado da língua portuguesa e da cultura brasileira; b) Família –
caráter informativo (empoderamento) e integrativo das famílias associadas; c) Político-cultural –
abarca ações político-culturais de ambos os países, de origem e migração, pertinentes à
Associação, à imigração, à cidadania, etc. e d) Comunidades de pais imigrantes e outras
organizações afins – compreende na divulgação, no estabelecimento de rede de apoio e na
integração com outras associações e organizações de pais imigrantes brasileiros.
INSTRUMENTOS
Foram realizadas entrevistas não-diretivas e construído um questionário (Apêndice A).
As entrevistas não-diretivas com a presidente da Associação e com os outros membros da
diretoria versaram sobre: a) conhecer a história da Associação; b) conhecer o funcionamento da
Associação a partir de sua perspectiva. Quanto à presidente, focou-se, ainda, em sua história de
vida e intersecção com a construção da Associação.
Quanto aos pais, elaboramos um questionário dividido em duas partes. A primeira traz
dados sociodemográficos para serem preenchidos pelos participantes, como sexo, idade,
nacionalidade, nacionalidade do cônjuge, nacionalidade dos filhos, tempo de migração, a língua
falada em casa, a língua falada entre o casal, a língua falada entre pai e filhos e entre mãe e filhos,
como soube da Associação e desde quando participa da Associação. As informações específicas
compõem a segunda parte do questionário, nela estão contidas perguntas sobre a relação do
60
participante com a Associação, a motivação para participar, a razão para manter-se participando e
uma escala por meio da qual ele define seu tipo de participação, se presencial e/ou on-line,
através do Facebook. Indagamos também a relação com a cultura brasileira, o que considera
importante preservar e os hábitos e os costumes relacionados com a cultura que são mantidos pela
família. Concluímos com uma pergunta em aberto de forma que o participante pudesse ter um
espaço de livre expressão.
ANÁLISE DE DADOS
Para Stake (1994), ao se desenvolver um estudo de caso, busca-se o que é comum e
ordinário em um fenômeno, de forma que este possa ser entendido em sua especificidade e
complexidade, aproveitando o rico material das vivências e experiências de cada participante.
Um caso é uma unidade específica, um sistema delimitado cujas partes são integradas, sendo o
mais importante otimizar a compreensão do caso em vez de privilegiar a generalização para além
deste.
Para analisar o material obtido, seguiremos sua orientação no sentido de buscar tanto
o que é comum quanto o que é particular, de modo a retratar a natureza do caso , seu
histórico, o contexto (físico, econômico, político, legal, estético etc.) e as múltiplas
informações a seu respeito, gerando um estudo aprofundado do material coletado e levando
em conta o conteúdo das informações articulado ao arcabouço teórico. (STAKE, 1994).
De modo mais específico, seguiremos as orientações de Alves e Silva (1992), iniciando o
trabalho de sistematização das informações obtidas, relativas às questões advindas do problema
de pesquisa em um movimento constante em várias direções: das questões para a realidade das
informações obtidas e destas para a abordagem conceitual, até que a análise atinja pontos de
“desenho significativo de um quadro”, multifacetado, sim, mas passível de visões compreensíveis.
61
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os resultados desta pesquisa serão apresentados obedecendo à sequência proposta pelos
objetivos específicos, com o intuito de compreender o funcionamento de uma associação de pais
imigrantes brasileiros na Espanha.
Os objetivos específicos os quais nos propusemos a discutir são: a) compreender a
formação, o funcionamento e a manutenção de uma associação de pais imigrantes brasileiros
domiciliados na Espanha; b) compreender como o imigrante se relaciona com a associação e qual
o significado desta para sua família; c) identificar como a associação de pais imigrantes
brasileiros atua na manutenção da relação com a cultura brasileira.
A. A Associação pesquisada: formação, funcionamento e manutenção
As informações de que dispusemos sobre a Associação foram coletadas a partir
de entrevistas on-line realizadas através do Skype com a presidente, a secretária, que vem a ser
também uma das professoras, a coordenadora da comissão de eventos, que vem a ser uma das
administradoras da fanpage no Facebook, e uma conversa por WhatsApp com o pai idealizador
da Associação. Além das entrevistas realizadas, recebemos por e-mail a cópia de um documento
contendo uma breve apresentação da Associação e de um relatório com o histórico da Associação
enviado pela presidente. Utilizamos igualmente as informações colhidas através do questionário
respondido por pais participantes da Associação. Trabalhamos também com observação
netnográfica e coleta de dados em mídias sociais, compreendendo a fan page no Facebook, o
grupo fechado do Facebook (no qual fomos inseridos), o blog e o site da Associação.
A.1. A FORMAÇÃO DA ASSOCIAÇÃO
Segundo dados fornecidos pela presidente, por volta dos anos 2006-2008,
os usuários do Orkut constituíam comunidades on-line de interesse em comum e, dentre elas,
haviam as destinadas a imigrantes, que buscavam agregar pessoas geograficamente próximas.
Em uma dessas comunidades de imigrantes residentes na mesma cidade na Espanha, além dos
62
conteúdos publicados com temas de interesse migratório, eram postados assuntos relacionados
à família, incitando-lhes o desejo, a partir deste convívio virtual, de estabelecerem contato real.
Foi assim que no ano de 2007 um pai, imigrante brasileiro, pertencente a esta comunidade
do Orkut, com o intuito de agregar famílias que desejassem contratar uma professora para dar
aulas de português para sua filha de seis anos, além das demais crianças filhas dessas famílias,
organizou, através da comunidade do Orkut, um churrasco reunindo um grupo de 80 pessoas.
Depois desse evento, uma série de sete encontros informais com almoço para famílias de
brasileiros se sucederam em 2007 e 2008, possibilitando a troca de ideias em meio as dúvidas que
tinham de como fazer para que os filhos aprendessem a falar português e soubessem mais sobre a
cultura do Brasil. Essas inquietações ainda sem respostas os levaram a formação de uma
comunidade específica no Orkut, a das famílias imigrantes brasileiras com filhos residentes nesta
localidade. Vemos aqui como o meio virtual possibilitou o encontro desses pais imigrantes
geograficamente próximos, conectando-os e propiciando a formação de uma rede de apoio no
país de migração, iniciada a partir do uso da web.
Paralelamente, o pai idealizador da Associação mantinha seu desejo de organizar aulas de
português para crianças a um preço mais acessível do que se cobrava por aulas particulares,
projetando também a formação de uma associação em que fosse mais fácil conseguir apoio
institucional para essas atividades.
Objetivando esclarecer o que motivou a formação da Associação de pais e a sua
formalização legal obtivemos uma entrevista por WhatsApp com o pai idealizador da Associação.
O desejo de formar um grupo de pais voltado para o ensino do português e para a transmissão da
cultura foi despertado a partir da observação do vocabulário empobrecido utilizado por
imigrantes brasileiros de seu conhecimento, que migraram de áreas carentes do Brasil,
transmitindo a seus filhos uma mistura de português com espanhol, segundo ele “um portunhol
horroroso”, como língua de herança. Incomodava a possibilidade de que o convívio de sua filha
com essas crianças lhe acarretasse a perda da língua. No mais, como pai, sempre falava português
com a filha e, dentro do possível, alfabetizava a criança, mas via a necessidade de que ela tivesse
uma professora para poder lhe transmitir a língua portuguesa e a cultura brasileira.
Havia, no entanto, uma insistência no ensino formal do português, de acordo
com a responsável pela comissão de eventos, devido a uma preocupação de se manter
um contato regular com a língua portuguesa e a cultura brasileira através de atividades frequentes.
63
Enquanto os pais se ocupariam da parte informal do aprendizado, colocando os filhos para falar
com os avós por Skype, articulando encontros com outros pais cujos filhos são amigos dos seus,
indo a eventos da cultura brasileira na cidade local, etc. Assim, os filhos teriam acesso a uma
educação formal que atuaria como apoio para a educação informal recebida em casa. Lembrando
que, conforme dados em entrevista on-line com o pai que iniciou o projeto, há dez anos, quando o
grupo começou a se reunir e formou a Associação, não havia a facilidade de contato por internet
em cidades do interior do Brasil, muito menos os avós estavam inseridos no uso das TIC e,
mesmo ainda hoje, precisam de auxílio para se conectar e falar com os netos. Por isso, segundo
ele, a necessidade de se pensar em um ensino formal da língua de herança e da cultura brasileira,
e mesmo dada a sua complexidade, não poderia ser feito mediante o uso da internet.
Ainda em entrevista com ele fomos informados que a ideia de transformar logo de início o
grupo de pais em associação foi baseada na necessidade de trabalhar seguindo o caminho
institucional, para que o grupo de pais pudesse abrir portas e obtivessem apoio financeiro, tanto
da parte do país de migração quanto da parte do governo brasileiro, e assim conseguir aceder os
espaços que facilitassem a entrada de professores e alunos, já que de início não tinham nem corpo
de alunos e não podiam contar com recursos dos pais.
Dando prosseguimento ao processo de formação da associação, segundo nos informou
a presidente, por iniciativa de alguns pais que também faziam parte de uma associação de
pesquisadores e estudantes brasileiros na mesma cidade, com o intuito de dar início ao projeto,
foram procurar apoio da direção do grupo. E foi assim que, em 2009, a partir da troca de e-mails
que a diretoria dessa Associação de pesquisadores e estudantes acolheu em sua reunião mensal
um grupo de pais interessados na criação de aulas de português e cultura brasileira para seus
filhos, para que pudessem juntos discutir o assunto, propiciando que uma mãe manifestasse o
interesse em ser a educadora do grupo.
Nesse momento, eles foram procurar a ajuda do Centro de Cultura Brasileira naquela
cidade, por ser um órgão vinculado ao Consulado Brasileiro, onde já funcionava um curso regular
de português para adultos, que os aconselhou a iniciar um projeto-piloto para que, uma vez
estabelecido, fosse encaminhado um pedido ao Ministério das Relações Exteriores (MRE)
pleiteando ajuda financeira.
Para que eles pudessem alcançar seus objetivos, alguns desafios iniciais tiveram que ser
transpassados, dentre eles, a necessidade de um espaço para o funcionamento do grupo.
64
A presidente conta que foi através de empenho próprio que encontraram uma garagem onde
funcionava uma biblioteca particular que lhes cedeu o lugar de forma gratuita e, com isso, deram
início ao projeto nas manhãs de sábado em janeiro de 2010. Para cobrir os custos com materiais e
professores, as famílias participantes concordaram em arcar com uma mensalidade.
Conforme informações colhidas no documento contendo uma breve apresentação da
Associação, o grupo, seguindo as ideias de quem idealizou o projeto de se constituir uma
associação sem fins lucrativos, registrou-se junto à prefeitura da cidade local como pessoa
jurídica, valendo-se de um Estatuto e uma Diretoria composta por três membros, um presidente,
um tesoureiro e um secretário.
Nesse documento, constam as intenções que regem a Associação. São elas: “fomentar a
integração entre as famílias com crianças de origem brasileira; promover atividades
socioculturais entre famílias associadas; promover o ensino da língua portuguesa entre as
crianças e o conhecimento da identidade e da cultura brasileira, através do Projeto Educativo-
Cultural (...); promover a extensão, integração e intercâmbio cultural entre Brasil e “Espanha”11
.
A Associação, conforme dados que colhemos junto à presidente, ocupou, primeiramente,
o espaço cedido pela biblioteca particular, depois foi acolhida durante um ano e meio pelo Centro
de Cultura Brasileira da cidade. Posteriormente, passou a funcionar dentro de um Centro Cívico
vinculado à prefeitura local, onde se mantém em funcionamento e com o qual estabeleceram um
convênio que implica uma troca de favores. Da parte do Centro Cívico, ocorre a concessão do
espaço de três salas e um escritório para manter suas atividades administrativas e guardar seu
patrimônio material; da parte da Associação, o envolvimento colaborativo na organização de
eventos culturais do Centro Cívico, bem como a divulgação destas atividades.
Segundo a presidente, as atividades sociais e culturais da Associação foram organizadas e
efetivadas durante esses anos, muitas delas em parceria com outros grupos locais, além dos
eventos que promoviam a convivência das famílias associadas, fortalecendo os laços entre elas
em torno de um mesmo objetivo, o de transmitir o português como língua de herança e o legado
cultural da brasilidade para seus filhos.
Atualmente, conforme dados colhidos nas entrevistas realizadas junto à presidente, a
Associação é composta por uma diretoria de 5 membros, 2 comissões de trabalho,
de eventos e de biblioteca, 4 professoras, 40 famílias e 50 crianças. Segundo a presidente, há uma
11
Omitimos o nome da cidade de modo a preservar a identidade e o substituímos pelo país: Espanha
65
predominância feminina na liderança da Associação e nas educadoras, mantendo o padrão de
maior presença de mulheres na educação infantil.
Ainda de acordo com os dados colhidos na entrevista com a presidente e a professora, a
Associação é composta por famílias interculturais, cujos filhos frequentam mais de uma
associação educativo-cultural de nacionalidades diferentes ou estão matriculadas em uma escola
internacional (francesa, italiana, alemã), sendo que as poucas famílias monoculturais de pais
brasileiros que passam pela Associação gostam de frequentar as atividades culturais e festivas,
mas geralmente não aderem à frequência das aulas.
Das 40 famílias associadas, 20 pais responderam ao nosso questionário, o que pode
representar um grupo razoavelmente indicador de suas características. Tomando como base o
resultado do levantamento sociodemográfico que realizamos, o imigrante brasileiro pesquisado
está em média há 11 anos fora do Brasil, com uma variância de 4 a 18 anos, e as suas famílias
frequentam a Associação uma média de quatro anos e meio, uma variância de 1 a 8 anos.
De acordo com estas narrativas e a descrição dos objetivos, bem como das atividades
realizadas pela Associação, partindo da classificação empregada por Masanet Ripoll e Santacreu
Fernández (2010), podemos dizer que a Associação é do tipo cultural-recreativo ou pode ser
entendida como uma rede social categorial, pelas suas características culturais, conforme Rizo
(2004), organizada a partir de um ideal comum de pais imigrantes brasileiros, com finalidade de
promover encontros socioculturais e de ensino da língua portuguesa para seus filhos, além de
fomentar um clima de interculturalidade entre o coletivo de imigrantes, seus descendentes e o
país de acolhimento. Isso indica que a manutenção da identidade cultural é um valor central na
vida destas famílias e aponta para um tipo de migração menos focada na completa absorção à
realidade local e/ou motivada pelas diferentes nacionalidades dos pais.
A.2. FUNCIONAMENTO E MANUTENÇÃO
Analisando os documentos e as entrevistas, fica evidente que a Associação permanece ao
longo do tempo tendo como foco a manutenção da língua portuguesa e da cultura brasileira.
Conforme informações colhidas no documento contendo uma breve apresentação da Associação,
a fim de efetivar seus objetivos, ela oferece um curso de língua portuguesa e cultura do Brasil aos
sábados pela manhã, para crianças de 2 a 12 anos, além de promover uma série de eventos
66
vinculados ao calendário cultural brasileiro somada a eventos da tradição da cultura local.
A Associação possui quatro turmas de curso de língua portuguesa e cultura brasileira, uma para
cada faixa etária: de 2 a 4 anos, de 4 a 5 anos, de 5 a 7 anos e de 7 a 12 anos.
Segundo dados colhidos na entrevista on-line com uma das professoras, as atividades
propostas em sala para as crianças menores, através do contar histórias, brincadeiras populares,
cantigas de roda, dispondo muitas vezes da participação dos pais, remetem à cultura. Já com as
crianças maiores, as professoras exploram a produção de conteúdos através da leitura e da escrita.
A cada novo programa elaborado por semestre, a Associação trabalha um projeto educativo-
cultural com um único eixo temático para todas as faixas etárias, como, por exemplo, Regiões do
Brasil (eleito por eles como melhor projeto), Ciências, Olimpíadas, Teatro (Saltimbancos) e Artes
(Tarsila e Portinari), entre outros.
As três entrevistas on-line que realizamos junto à presidente, uma das professoras, e a
coordenadora da comissão de eventos, descreveram os encontros culturais e de lazer mensal
realizados na Associação de acordo com o calendário do Brasil, a saber: Festa Junina, Dia do
Índio, Dia do Brasil, Dia da Consciência Negra, Dia do Livro, Carnaval, Dia do Português como
Língua de Herança (16 de Maio), Dia das Crianças, Páscoa, Natal com almoço de
confraternização, amigo secreto para as crianças e amigo da onça para os adultos, além de festas
de aniversário, aula de capoeira, piqueniques, oficinas de artesanato, narração de histórias, idas a
espetáculos, e das celebrações locais como o Halloween, entre outras organizadas conjuntamente
com o Centro Cívico. Alguns desses eventos são abertos à comunidade e outros são exclusivos
para os associados, oportunizando as famílias associadas um maior convívio, e às crianças, uma
maior exposição à língua portuguesa e à cultura brasileira.
Conforme informações colhidas no documento contendo dados sobre a Associação,
ocasionalmente são realizadas atividades voltadas para os pais, como palestras com advogados
especialistas sobre imigração, ou com psicólogos, ou bate-papo com adultos que cresceram tendo
o português como língua de herança.
Um dos temas enfocados durante a entrevista on-line com a professora foi a preocupação
da parte das docentes no sentido de não possuírem nenhum conhecimento formalizado quanto a
didática educativa relacionada ao ensino do PLH. Frente a essa inquietação, a Associação procura
inteirar-se sobre o que as demais associações de pais imigrantes brasileiros pelo mundo planejam
e têm executado junto às crianças e, dessa forma, procuram não funcionar isoladamente,
67
mantendo entre elas um diálogo. Um desses projetos construído conjuntamente envolveu
associações de pais imigrantes na Alemanha, Áustria, Emirados Árabes, Espanha, Inglaterra e
Irlanda, e promoveu a troca de cartas e desenhos entre brasileirinhos destes países a partir de uma
temática comum, “Como é o Natal em...?”, com objetivo de que as crianças pudessem expressar a
diversidade das tradições culturais nestes países com um toque brasileiro.
Nessa mesma direção, segundo informações obtidas junto à professora, outra iniciativa
agregadora voltada para o ensino do PLH foi inspirada no I Simpósio Europeu sobre o Ensino de
Português como Língua de Herança (SEPOLH)12
, que se deu em Londres, em 2013, quando quatro
educadores com intuito de unir forças e mobilizar professores, educadores e atuantes de PLH em
toda a Europa, criaram naquele mesmo ano o Elo Europeu de Educadores de Português como
Língua de Herança (Elo Europeu)13
, englobando associações na Alemanha, Suíça, Noruega, França,
Espanha e outros países. Um dos objetivos do Elo Europeu é promover um espaço de troca entre
associações, visando a apoiar os professores quanto à programação curricular e de eventos culturais.
Essas associações e iniciativas funcionam em parceria como redes de iniciativas ou redes
associativas (RIZO GARCÍA, 2004), mantendo entre elas um vínculo formal ou informal. É por
meio dessas práticas realizadas em conjunto em torno de projetos em comum que as associações de
pais imigrantes protegem, promovem e reconstroem a identidade cultural brasileira, através de um
canal peculiar a todas, que é a língua portuguesa (ROSSI, 2012).
O documento contendo dados sobre a Associação sintetiza quatro âmbitos
diretos de atuação, qual sejam: cultural, social, econômico (relacionado à geração de renda para as
educadoras e para os artistas brasileiros a partir de produtos e atividades culturais realizadas com a
Associação) e acadêmico (condizentes às quatro pesquisas de doutorado que a Associação abriga
no momento, uma em Linguística Aplicada, outra na área de Didática e Organização Educativa,
uma terceira em Antropologia e a nossa pesquisa em Psicologia Clínica).
Além do modus operandi por meio do qual a Associação se encontra vinculada,
o que significa ter um endereço fixo, uma estrutura administrativa, um programa educativo-cultural,
está também inserida no universo das comunidades virtuais (CV), no qual possui uma fanpage
no Facebook.
12
O III Simpósio Europeu sobre o Ensino de Português como Língua de Herança acontecerá em Outubro de 2017,
em Genebra. 13
Elo Europeu de Educadores de Português como Língua de Herança (Elo Europeu). Disponível em:
<https://www.eloeuropeu.org>.
68
A.3. MANUTENÇÃO
Segundo informações obtidas em entrevista on-line com a administradora
da fanpage do Facebook, o perfil dos seguidores engloba, além de alguns associados, outros
imigrantes brasileiros interessados em obter informações sobre as atividades realizadas pela
Associação, bem como de informações sobre o melhor bairro para se morar, acerca da escola
mais aconselhável para colocar os filhos, referentes ao processo de migração, etc. Nesse sentido,
a Associação atua como rede de apoio para com os pais imigrantes, respondendo as mensagens
enviadas por inBox para a responsável pela administração da página.
Como observamos, a Associação exerce entre seus membros múltiplas funções, atuando
efetivamente nos encontros presenciais, sendo que algumas funções também são desempenhadas
em ambiente virtual. Segundo Sluzky (1997), o tipo de intercâmbio interpessoal entre os
membros da rede social determinará suas funções, são elas: companhia social, apoio social, apoio
emocional, guia cognitivo e conselhos, regulação social, ajuda material e de serviços, acesso a
novos contatos e todos podem ser observados.
A administradora do grupo fechado nos informou que sua composição comporta membros
associados e não associados (444 participantes), todos acionados mediante autorização prévia de
quem gerencia o grupo (5 administradores). Por meio de observação netnográfica, constatamos
que as informações postadas sobre as atividades a serem realizadas pela Associação possuem um
caráter mais pessoal, não só na forma como são postadas, mas na forma como são comentadas,
dando a entender que as pessoas se conhecem pessoalmente. Algumas postagens vêm
acompanhadas de fotos pós-evento, e há também publicações de assuntos relevantes para os pais,
como a educação de filhos bilíngues e interculturais. Todos os inscritos no grupo podem postar,
no entanto, necessitam de autorização prévia da parte de quem administra o grupo fechado.
O ambiente virtual possibilita ao imigrante o aporte de guia cognitivo e de conselhos, a
ajuda de serviços e o acesso a novos contatos (SLUZKI, 1997), além fornecer meios de
estabelecer contato com a família e os amigos, possibilitando estar presente na vida deles, mesmo
que estejam ausentes fisicamente, amenizando a perda ambígua presente na imigração (BOSS,
1999; FALICOV, 2001b, 2016).
69
Conforme a administradora da fanpage, o Facebook possibilita que o administrador tenha
acesso ao número de pessoas que visualizaram cada postagem, porém não se pode precisar este
tipo de informação na medida em que não apresenta maiores dados a respeito, como, por exemplo,
não indica se o que foi postado foi lido ou simplesmente visto.
Com base em observações netnográficas à página da Associação no Facebook, apuramos,
no mês de julho de 2017, a presença de 791 seguidores e 807 curtidas no total desde que a
fanpage foi formada. Consideramos que as postagens na fanpage do Facebook podem ser tidas
como dinâmicas, tendo em vista que as programações são sempre veiculadas. No mês de
fevereiro de 2017, por exemplo, houve 17 publicações atribuídas ao evento “Associação, Família
e Língua de Herança”, promovido pela associação junto à Universidade local e que envolveu pais,
professoras, avós e outras associações. E mesmo que, normalmente, se observe um número
menor de postagens, como sucedeu no mês de novembro de 2016, com nove publicações, elas
sempre abarcam toda a programação mensal.
No entanto, não podemos considerar que seja uma fanpage participativa. Tomando
como base os mesmos meses que mencionamos acima, no mês de fevereiro 2017, a
publicação mais admirada recebeu 38 curti (like) e 13 amei (love); e a segunda mais
pontuada recebeu 13 comentários e 13 compartilhamentos, o que vem a ser um número
pequeno para as redes socais virtuais frente ao número de seguidores que possui.
Observando os comentários publicados, constatamos que ou eles demandavam informação,
sendo respondidos pelos responsáveis, ou eram comentários elogiosos quanto ao t rabalho
desenvolvido. Quanto aos compartilhamentos efetivados pelos usuários da página,
indicam a existência de divulgação do material postado, o que significa uma valorização
do conteúdo através de sua propagação, mas cujo alcance na rede das redes, no entanto,
não é possível mensurar. Em relação ao mês de novembro de 2016, das nove postagens, a
que obteve maior participação contou com 13 curti (likes), dois compartilhamentos e um
comentário, sendo que em todas as postagens do mês havia pelo menos um curti (like).
Consideramos que o “curtir uma postagem” é uma forma simples de dizer que gostou, mas
que em si não expressa grande emoções, e que foi a partir do desejo de poder exprimir
mais amplamente suas emoções, reivindicado pelos usuários nas fanpages pessoais, que
levou o Facebook a disponibilizar outros botões, as assim chamadas reactions, abrindo o
leque de expressões emocionais (TEEHAN, 2016).
70
Tomando como base as respostas no questionário com relação à participação
nas comunidades on-line (Facebook e blog), todos os pais concordaram que o mais importante
são as atividades presenciais na Associação e o que elas proporcionam. Para eles, as redes sociais
na web exercem um papel importante na divulgação da cultura brasileira e das atividades
realizadas pela Associação, no contato inicial, que em muitos casos é estabelecido por este meio,
na troca de experiências e por seu caráter informativo, podendo atingir um público mais amplo,
mas que não atende à demanda de transmissão da língua e da cultura para seus filhos.
Segundo a administradora da página, muitos usuários conseguem as informações que
desejam e desaparecem, além de considerar o fato de que o público-alvo da fanpage da
Associação é formado por pais de crianças em uma faixa etária que demanda cuidado, não
disponibilizando de tempo livre para ficar lendo e comentando, ou como é possível conjecturar,
fecham-se no objetivo de ensino.
Conforme dados obtidos pela administradora da fanpage no Facebook, a Associação
manteve durante todos estes anos de funcionamento um blog que, além da divulgação das
atividades e dos eventos promovidos, fazia postagem sobre assuntos referentes à língua de
herança, bilinguismo, etc. Segundo a opinião dela, uma das funções importantes do blog durante
esse tempo foi a de manter um histórico contendo registro de tudo o que já foi feito na
Associação, com fotos, relatos, vídeos.
Acessando o blog recentemente, pudemos observar que há uma nota direcionando para o
novo site que a Associação lançou em substituição ao blog, e embora estejam ambos disponíveis,
somente o site tem sido atualizado.
O fato é que, conforme dados fornecidos pela presidente e por nossa observação
netnográfica, os pais recebem as informações das atividades e dos eventos, bem como
as comunicações enviadas pela diretoria da Associação, através de mais de um meio eletrônico,
por e-mail, através do grupo fechado no Facebook, no site e pelo WhatsApp, fora os avisos que
são dados presencialmente na Associação. A partir disso, podemos concluir a importância dos
múltiplos usos das TIC na vida do imigrante ao longo de todo o processo, desde as informações
iniciais sobre o país de migração até aquelas que no seu dia a dia lhe facilita a vida e economiza
tempo em um país em que ele não conhece nada, sem falar da importante função que exerce na
manutenção do vínculo com a família e amigos distantes, amenizando as perdas e diminuindo as
agruras decorrentes do processo migratório.
71
Assim, podemos dizer que a Associação em seu funcionamento e manutenção
se caracteriza em uma comunidade de prática (CP) envolvendo pais, filhos, professores e
colaboradores em torno de um interesse comum (WENGER, 2010), a aprendizagem
do português e a transmissão da cultura brasileira. Também pode ser entendida como uma
comunidade de aprendizagem (CA) que, por meio da colaboração e ajuda mútua dos pais e
professoras, produz a aprendizagem das crianças, instigando as professoras a buscarem métodos
novos de ensino do PLH, ou seja, aprendendo igualmente (COLL, 2004).
Além do que, se analisarmos a Associação dentro de uma proposta maior, ao estabelecer parceria
junto a outras associações e ao Elo Europeu, poderemos igualmente classificá-la como uma
comunidade de aprendizagem (CA), por envolver um grupo de pessoas com diferentes níveis de
conhecimento e experiência, que por ajuda mútua e colaboração, produzem aprendizado e
construção de conhecimento coletivo.
Essa efetividade regular presente no funcionamento da Associação, com hora e local
determinado, traduz-se na expressão maior de compromisso dos pais associados, seus filhos e
suas professoras, ou seja, é por meio de uma variedade de ações presenciais sistemáticas, formais
e informais (em casa), que a transmissão da língua e da cultura se dá. E um projeto com a
complexidade já explicada não poderia ser sistematizado através do meio on-line.
De acordo com a observação netnográfica que realizamos, podemos dizer que a fanpage
da Associação no Facebook se caracteriza por ser uma comunidade virtual de interesse (CVI),
por ser o meio pelo qual os pais imigrantes brasileiros realizam um primeiro contato, obtêm
informação sobre o funcionamento da Associação, entre outras questões inerentes ao processo
migratório, e ainda sobre diversos temas de interesse (COLL, BUSTOS; ENGEL, 2010), como
bilinguismo e educação intercultural, além de terem acesso a outros pais, membros da Associação.
Embora tal envolvimento lhes proporcione senso de pertencimento, não se traduz em substituto
do contato presencial que demanda o aprendizado da língua e da cultura.
B. O imigrante: a relação com a Associação e o significado para sua família
Considerando nosso interesse baseado na Psicologia Clínica voltado para conhecer como
imigrantes brasileiros criam e mantêm novos equipamentos sociais, como as comunidades e
associações, tendo como objetivo preservar a cultura brasileira para seus filhos que vivem no
72
estrangeiro, procuramos investigar como o imigrante se relaciona com a Associação e qual o
significado desta para a família. Para tanto, propusemos um questionário (Apêndice A) com 15
perguntas, 7 contendo informações gerais e 8 trazendo informações específicas sobre a
Associação e a relação do imigrante e de sua família com a cultura brasileira.
Das 40 famílias associadas, 20 pais imigrantes brasileiros responderam ao nosso
questionário, 15 são mulheres e 5 são homens. A média de idade dos participantes é de 40
anos, o mais novo tem 34 anos e o mais velho está com 46 anos, e todos têm filhos com idade
que compreende dos 2 aos 10 anos. Quanto à cidadania, 9 tem dupla cidadania, sendo que 6,
além da nacionalidade brasileira, possuem a cidadania espanhola e 3 a cidadania portuguesa.
Todos os participantes da pesquisa constituíram conjugalidades interculturais formadas por
15 brasileiros casados com espanhóis, 2 casados com imigrantes franceses, 1 com imigrante
belga, 1 com imigrante alemão e 1 com imigrante argentino. Essas 5 famílias diferenciadas
são compostas por terem ambos os membros dos pares conjugais como imigrantes
na Espanha e por conviverem em casa com pelo menos três diferentes culturas. Dos 20
participantes, 4 são separados ou divorciados.
Em relação à língua falada no lar, 12 famílias falam 2 línguas em casa, 7 famílias
falam 3 línguas em casa, e 1 família fala somente 1 língua em casa, o português. A língua
mais falada nestas famílias é o português, sendo falado na totalidade dessas casas, seguido do
espanhol, que é falado em 18 casas. Dos 20 pais brasileiros que responderam ao questionário,
16 pais falam somente em português com seus filhos e 4 pais falam em português e espanhol
com seus filhos.
Quanto à nacionalidade dos filhos desses casais, 13 famílias possuem filhos pertencentes
à nacionalidade brasileira e espanhola, 1 família tem filho brasileiro e português, e em 1 família
os filhos, além de brasileiros, são franceses; 2 famílias possuem filhos pertencentes a três
nacionalidades diferentes, na primeira, há filhos de nacionalidades brasileira, francesa e
espanhola, enquanto na segunda, há filhos de nacionalidade brasileira, alemã e espanhola,
além de 3 famílias com filhos de nacionalidade unicamente espanhola, o que nos leva a crer que
a mãe ou o pai brasileiro não requereu a cidadania brasileira do filho após o nascimento,
73
e por isso essas crianças não são consideradas brasileiras14
(para tanto, deverão residir no Brasil e
somente após ter completado a maior idade poderão optar pela nacionalidade brasileira).
Embora os equipamentos sociais como um todo (em nosso caso, a Associação e as mídias
sociais como Facebook, site, blog, WhatsApp) tenham finalidade e missões específicas, os
indivíduos que fazem parte deles o fazem de modo a ir ao encontro de suas demandas. Por isso,
é importante retomar os objetivos da Associação, conforme indicado no item A.1. – “fomentar a
integração entre as famílias com crianças de origem brasileira; promover atividades
socioculturais entre famílias associadas; promover o ensino da língua portuguesa entre as
crianças e o conhecimento da identidade e da cultura brasileira através do Projeto Educativo-
Cultural (...); promover a extensão, integração e intercâmbio cultural entre Brasil e „Espanha‟” –
e compará-los com as respostas dos participantes no que se refere a suas motivações para fazer
parte dela. O que observamos nos dados colhidos expande e restringe esses objetivos.
Tematizando as respostas obtidas nas perguntas “Cite as razões que o/a motivaram a
associar-se” e “O que o/a mantém participando?”, identificamos quatro motivos principais, que
não necessariamente são estanques: aprendizado da língua, convivência com falantes de
português, apoio aos pais para manterem a língua e a cultura, orgulho da cultura brasileira.
Embora a Associação tenha um projeto formal de aprendizado do português, o aspecto
de convivência com outras crianças “brasileiras”, que promovam sociabilidade entre iguais e
por decorrência do vínculo com a cultura brasileira, é o que mais se depreende das respostas
dos participantes, conforme pode ser obtido das respostas abaixo:
(...) Possibilidade de ter contato e conhecer outras famílias de brasileiros. (...) Mas um
dos objetivos de pais imigrantes ao participar desses grupos é que seus filhos, que
também tem a nacionalidade brasileira, mas não tem o vinculo social continuo, criem
esse vinculo social e cultural. Para conseguir alcançar esse objetivo as crianças
necessitam um contato “físico” com outros brasileiros para sentir-se parte de uma
comunidade. (M4)15
14
Segundo o art. 12, inc. I, "c" da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, “os nascidos no
estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira competente ou
venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade,
pela nacionalidade brasileira.” Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/
constituicaocompilado.htm>. 15
Optamos por identificar as mães brasileiras participantes da pesquisa pela letra M seguida de um numeral e os pais
pela letra P seguida de um numeral.
74
Procurar atividades para meus filhos junto com outras crianças brasileiras, para que não
se sentissem tão isolados. (P4)
O fato dela poder manter um maior contato com brasileiros e aprender sobre a cultura
do Brasil. (M1)
Tendo em vista que esses pais e essas mães provêm de casamentos interculturais, fica
evidente a demanda da manutenção da identidade cultural brasileira e da manutenção de um
vínculo positivo com o Brasil. Assim, o contato frequente e a participação do imigrante e seus
filhos juntamente com outras famílias imigrantes brasileiras na Associação atua como ponto de
referência e rede de apoio, tanto no processo de adaptação à nova cultura como na transmissão da
cultura de origem a seus descendentes, oferecendo um apoio significativo no exercício da
parentalidade para o imigrante e seus filhos, contribuindo para organização da família
intercultural (DAURE, 2010).
Manter uma relação com outras pessoas que passam as mesmas dificuldades e buscam os
mesmos objetivos para os seus filhos. (M10)
Reforçar o português do meu filho e o meu, já que não tenho família aqui, manter o
vínculo com a cultura brasileira, criar relações estáveis com pessoas brasileiras. (M3)
Enquanto a presidente e a professora entrevistadas afirmam o esforço dos pais
em levarem seus filhos todos os sábados para as aulas e investirem esse tempo de
suas agendas nesse projeto comunitário, e sublinham as ações realizadas por eles em casa desde
a falar com os filhos predominantemente em português, as viagens que fazem anualmente para o
Brasil, os parentes que recebem em casa, a comida brasileira que vai para a mesa, as historinhas
contadas, a música brasileira colocada no CD do carro, os almoços compartilhados com os avós
no Brasil via Skype, a comunicação com a família pela web, se cotejarmos as respostas anteriores
dos pais com essas afirmações e com a pergunta de nosso questionário – “Você mantém hábitos e
costumes da cultura brasileira em sua família? Quais?” – constatamos que os pais se esforçam
para trazer um pouco da cultura brasileira para seus filhos dentro de casa, mas, de um modo geral,
relatam pouco, e na maioria das respostas predomina a música e a comida brasileira como parte
da rotina destas famílias, dando a entender que dependem ou transferem para a comunidade de
associados esta tarefa, o que pode ser atribuído ao fato de buscarem apoio entre iguais para
lidarem com o desafio de manejar em suas casas múltiplas culturas.
75
O idioma principalmente. Escuto muita música brasileira. Sempre dou livros de
português a eles dois. Quando tenho filmes infantis em português, assistimos juntos.
Buscamos culturas populares quando vamos ao Brasil, nas poucas vezes que fomos. E
sempre que houver algo possível de participar, onde moramos, estaremos juntos
assistindo ou participando. (P2)
Considero importante que ele conheça elementos gerais da cultura brasileira, tais como
músicas, festas, brincadeiras, instrumentos, comidas, animais, regiões, personagens
conhecidos, etc. Mas, de forma especial, considero fundamental compartilhar com ele os
elementos que fazem parte da minha própria formação como brasileira. O meu objetivo é
que coisas que são tão importantes e que sinto tão parte de mim não sejam consideradas
estranhas por ele. (M2)
Abrir a porta quando a visita vai embora é sagrado, ensino a rezar, leio algumas historias
para ela, as lendas folclóricas encantam a minha filha, a cuca, o lobisomem, saci-pererê,
bicho-papão etc. Conservo algumas brincadeiras, sobretudo aquelas que se brinca com
muita gente e ao ar livre, músicas e danças e ensino o respeito pelos outros à parte de
falar em português com ela. (M10)
No geral, acho importante que vivenciem como são as festas/comemorações e a forma
de comemorá-las, o que sempre acaba envolvendo música e comida. No particular, isto é,
coisas relacionadas ao “meu lugar” (interior de São Paulo), preocupo-me em transmitir
certos costumes da minha região. (M11)
Quanto ao aprendizado da língua, observamos entre alguns a importância da relação entre
língua e cultura.
Como está acostumado a falar português só comigo, achei importante criar outros
momentos em que ele fosse estimulado a falar português com outras pessoas, além de ter
a oportunidade de conhecer elementos da cultura brasileira que, por alguma razão, eu
não pudesse ou não tivesse a ocasião de apresentá-lo. (M2)
A preocupação que minha filha falasse bem o meu idioma e conhecesse a minha
cultura. (M11)
Embora o aprendizado da língua apareça como importante e o pai idealizador do projeto
que levou à criação da Associação se preocupe com a qualidade do português falado por sua filha,
a atitude da maioria dos pais parece mais instrumental ou subsidiária aos seus próprios limites em
manter a língua portuguesa em casa. Assim, observamos:
Reforçar o aprendizado do português para minha filha, já que em diversas situações
ela tem vergonha de falar o português porque se sente diferente em respeito ao seu
entorno. (M10)
Para mim é um pouco difícil manter o uso do português em casa, já que passo todo o
dia falando espanhol, e acabo falando espanhol também em casa. As atividades na
Associação ajudam a que as crianças aprendam um pouco mais o idioma. (P1)
76
Além obviamente da língua, tudo aquilo que transmita os valores de acordo com a
educação, por exemplo coisas da infāncia que inspiren doçura, contacto com a natureza,
alegría, musicalidad, etc. (M13)
A língua e a cultura para os pais tende a ser o meio de manter o apego à sua própria
identidade cultural quando provavelmente a adaptação ao país de acolhimento já o tornou
bastante aculturado, como observamos no registro em “portunhol” da M13. Assim, a Associação
torna-se um espaço de preservação, onde se pode manter algo perdido, mesmo que de modo
ambíguo, pois se por um lado a família, os amigos e os lugares queridos foram deixados para trás
no Brasil, por outro eles se fazem presente na mente do imigrante, que busca através do convívio
social com os compatriotas, na Associação, manter-se conectado à sua cultura.
O apego à identidade cultural e a transmissão da cultura aos filhos estão relacionadas ao
vínculo que o imigrante mantém com a sua família de origem e ao país de nascimento, uma
afetividade que pode aproximá-lo ou distanciá-lo de suas raízes culturais. A expressão dessa
afetividade pode conter, em alguns casos, dependendo das experiências vividas, sentimentos de
orgulho e, em outros, de vergonha pela nacionalidade brasileira.
O idioma, as raízes e tudo que se refere a cultura brasileira, porque é um país com uma
imensa diversidade, o orgulho de ser brasileira, tentar transmitir o que puder às minhas
filhas, desfrutar dos gibis (Monica, Cascão, Monteiro Lobato) sem esquece da MPB.
Quero que elas desfrutem e se sintam orgulhosa falando e descobrindo as raízes e a
cultura brasileira. (M5)
Transmitir aos filhos o orgulho que sentimos pelo nosso país ao ponto de que para eles
não seja uma imposição o fato de falar português, por exemplo, mas muito mais do que
isso, uma nova possibilidade, que lhes permite ser mais abertos, mais capazes de
compreender os outros e o mundo. (M13)
Na idade que meus filhos estão, só busco que eles tenham conhecimento do idioma
mesmo. Com o tempo espero que eles entendam mais o quadro geográfico, econômico e
social do Brasil. (M7)
Consideramos que na busca por estratégias frente à demanda da transmissão
da língua e da cultura a seus filhos, os imigrantes brasileiros necessitam lidar com
os sentimentos ambíguos, com a perda ambígua e com o ganho ambíguo inerente ao processo de
migração. Assim, a convivência, o contato frequente com outros imigrantes, vem mitigar a perda
ambígua ao mesmo tempo em que fornece apoio para transmissão e manutenção da língua e da
cultura, depreendendo de si orgulho pelo país de origem muitas vezes alicerçado em sentimentos
ambíguos que o impulsionou a migrar. Olhando para o passado e suas histórias e ao mesmo
77
tempo para o futuro que deseja construir, o imigrante se vê obrigado a lidar com o ganho
ambíguo, com as suas incertezas, na esperança de colher o que plantou, fruto de investimento,
de perdas e ganhos.
C. Identificar como a Associação de pais imigrantes brasileiros atua na manutenção da
relação com a cultura brasileira
Os participantes ressaltaram cinco formas de atuação da Associação que consideram
importantes na manutenção da relação do imigrante e de sua família com a cultura brasileira, a
saber: a ação comunitária dos pais em torno de um objetivo em comum, o aprendizado da língua
e a transmissão da cultura com base em um projeto pedagógico, práticas interculturais,
desenvolvimento de uma identidade cultural afetiva e a parceria entre família e Associação na
transmissão da língua e da cultura. Lembrando que estas formas de atuar se misturam e se
complementam.
Como já vimos, as famílias participantes da nossa pesquisa são interculturais,
e um dos recursos que recorreram para preservar a identidade cultural brasileira foi se agregarem
em comunidade, possibilitando a esses pais um lugar de pertinência e reforço identitário na
educação de seus filhos entre iguais.
O simples fato de estar com pessoas do Brasil e falar português é por si só uma forma
de preservar a cultura brasileira. Uma comunidade como a “Associação” contribui
especialmente para essa preservação já que mantêm vivos aspectos muito importantes
da cultura brasileira, como a música, as comidas, as brincadeiras de criança, as
festas populares, os diferentes sotaques e maneiras de viver no Brasil, e sem dúvida
o idioma. (M1)
São de extrema ajuda e importância já que tudo que é feito compartilhado com pessoas
afins (mesma origem, cultura, etc.) gera mais satisfação e cumplicidade na hora de
expressar os costumes e apresentá-los/vivenciá-los com as crianças. (M14)
Acho que, a partir do momento em que se juntam várias pessoas com algo em comum,
nesse caso (apesar da diversidade), a cultura brasileira, as pessoas atuam, mesmo que de
forma inconsciente, tentando preservar esse bem comum. Por isso, as comunidades de
imigrantes têm um papel importante na preservação da cultura. Entendo que as
atividades presenciais são importantes para consolidar o vínculo entre as famílias de
brasileiros na “Espanha”, que acho é um dos principais objetivos da „associação‟. (M4)
78
O aprendizado da língua e a transmissão da cultura vêm a ser a questão motivacional
central dos pais ao se proporem a formação da Associação, embora tais questões apareçam
sempre articuladas com outros fatores como aqueles inerentes às famílias interculturais. Nesse
sentido, a formação de rede de apoio entre os associados é valorizada tanto quanto um projeto
pedagógico apropriado.
Penso que o objetivo de qualquer comunidade de imigrante antes de qualquer coisa,
quando surge a ideia de existência, é a conservação da sua identidade cultural,
já que, uma vez que estamos inseridos dentro de outra cultura, é muito fácil ir perdendo
facetas da nossa, sobretudo à medida que vai passando o tempo, por isso é sempre
positivo iniciativas para preservação a cultura de qualquer comunidade, e se a parte tem
um fundo pedagógico, melhor ainda. A atenção e o projeto pedagógico diferenciado,
manter uma relação com outras pessoas que passam pelas mesmas dificuldades e buscam
os mesmos objetivos para os seus filhos. (M10)
A interculturalidade vivenciada pelas famílias em seu interior, demanda da Associação
práticas que considere as múltiplas culturas que elas convivem.
Primeiro, eu acho importante preservar o idioma. É para os meus filhos uma
oportunidade poder pelo menos entender o idioma Português. Segundo, mais que
aspectos da cultura brasileira, eu acho importante que os meus filhos entendam desde
pequenos que são um pouco de aqui e um pouco de lá. Quero dizer, que eles cresçam
com a ideia de que são espanhóis mas também um pouco brasileiros. Acho que isso lhes
fará ver o mundo com mais perspectiva quando sejam maiores. Eu acho que o simples
fato de que pais e crianças se relacionem com outros pais e crianças brasileiras, é o
mecanismo mais importante de transmissão ou preservação da cultura. (P1)
É no processo de aprendizagem da língua e da cultura, nos rituais comunitários e nas
rotinas familiares, que se dá o desenvolvimento da identidade cultural. Nessas vivências
constitutivas, o valor afetivo carregado de pessoalidade, que é atribuído pelos pais à pátria, torna-
se um diferencial na construção do pertencimento.
Considero importante que ele conheça elementos gerais da cultura brasileira, tais como
músicas, festas, brincadeiras, instrumentos, comidas, animais, regiões, personagens
conhecidos, etc. Mas, de forma especial, considero fundamental compartilhar com ele os
elementos que fazem parte da minha própria formação como brasileira. O meu objetivo é
que coisas que são tão importantes e que sinto tão parte de mim não sejam consideradas
estranhas por ele. (M2)
79
Tanto o papel da Associação quanto o da família na transmissão da língua e da cultura é
considerado como importante pelos participantes. As histórias contadas da infância dos pais aos
filhos, as rotinas familiares recheadas de pessoalidade, somada as vivências em grupo de iguais
proporcionadas pela Associação dão o toque de equilíbrio necessário à jornada de pertencimento
tão necessária ao ser humano.
A questão é simples, uma comunidade que se junta para falar a língua, cantar,
fazer brincadeiras no idioma, festinhas com comidas típicas, acende a chama da cultura,
nos faz sentir em casa, pertencentes ao que já somos e um pouco satisfeitos que nossos
filhos compreendam melhor de onde viemos, por mais que em minha opinião o trabalho
mais intenso é em casa, falar com eles na língua materna, cozinhar as coisas da terra
natal, colocar para elas canções de que eu gosto, enfim, o trabalho da associação é
muito importante como reforço e também para que a criança perceba que não está em
uma bolha, que existe um mundo além da sua mãe, que compartilha com ela esta forma
de ser. (M8)
Podemos constatar nas práticas empregadas pela Associação o tripé destacado por Lico
(2011, 2015), em que atuam de forma integrada a família, a comunidade (associação) e o
professor de LH, tendo como objetivo principal o fortalecimento do vínculo identitário dos filhos
dos imigrantes.
Os resultados de nossa pesquisa mostraram que a ação comunitária dos pais é centrada
em torno de um objetivo em comum: o aprendizado da língua e a transmissão da cultura, e tem
como base um projeto pedagógico que valoriza as práticas interculturais, o desenvolvimento de
uma identidade cultural afetiva, a convivência com falantes de português, sendo esses os meios
encontrados pela Associação para manutenção da relação com a cultura brasileira. A participação
do imigrante e seus filhos juntamente com outras famílias imigrantes brasileiras na Associação
fornece aos pais pertinência, informação, apoio emocional, convívio social, proporcionando rede
de apoio e ponto de referência significativo no exercício da parentalidade, contribuindo para
organização da família intercultural.
80
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O contexto atual, em que as imigrações se dão, não é mais o mesmo do passado devido ao
processo de globalização da economia, ao aumento da facilidade de mobilidade das pessoas e a
grande transformação causada pelas Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC). Não mais
as longas esperas por notícias e informações de parentes e amigos distantes e as expectativas
carregadas de ansiedade por não saber nada ou bem pouco sobre o novo país. Através da internet,
é possível acessar o Google Maps e ver, mesmo antes de sair de seu país, as ruas, as casas e a
cidade onde passará os próximos anos de sua vida. Com apenas um click, o imigrante do século
XXI obtém informações e dicas nos diários virtuais (blogs) de compatriotas já adaptados,
amenizando a sua angústia antes de migrar, além de poder falar, ouvir e ver em tempo real seus
amigos e familiares que ficaram no país de origem.
Foi no despontar dessa nova era tecnológica, que os brasileiros participantes desta
pesquisa migraram para a Espanha. E, para aqueles que embarcaram nessa, que atravessaram suas
fronteiras, que mudaram de trabalho, de casa e de país, seja por demanda de aperfeiçoamento
acadêmico ou em busca de melhor qualidade de vida, mesmo de posse de uma gama de
informações, certamente enfrentaram muitos desafios.
Esses brasileiros migrantes conheceram uma nova cultura, novas feições e línguas. Gentes
de toda parte do planeta. Apaixonaram-se e casaram-se com parceiros pertencentes à outra
cultura (francesa, alemã, espanhola, etc.) e com eles tiveram filhos. E se já é complicada a
educação de filhos dentro da mesma cultura e língua, com ambos os pais pertencentes à mesma
nacionalidade, com rituais e rotinas semelhantes, imagine dentro de um contexto de tríplice
influência cultural?
A partir dessas inquietações e desafios, surgiu a demanda por busca de apoio através
das redes sociais virtuais. Consideramos que as redes sociais virtuais têm um papel primordial na
imigração atual ao contribuir para a manutenção do vínculo com familiares distantes e ao auxiliar
na criação de uma nova rede de apoio na medida em que conectam pessoas que possuem um
objetivo em comum e estão próximas geograficamente. Assim, a questão, motivo de preocupação
desses pais, encontra aporte em outros pais, fazendo emergir uma rede social estratégica que vem
81
atuar na manutenção da saúde mental dos imigrantes brasileiros, ajudando-os na formação e
na manutenção de vínculos identitários com a família no Brasil e com a cultura brasileira.
Encontramos resultados semelhantes à pesquisa de Daure e Reveyrand-Coulon (2009)
quanto ao apoio social oferecido pelo grupo de compatriotas aos imigrantes no exercício da
parentalidade no que tange o reforço identitário. A rede de apoio que os imigrantes formam com
outros pais na Associação é citada pelos participantes de nossa pesquisa como uma das funções
e motivo principal para formação e manutenção da mesma. Como percebemos em nosso estudo,
o grupo de compatriotas atua como apoio no exercício da parentalidade, na referência e no
suporte para a formação identitária de seus filhos. Uma identidade multifacetada em que se
amalgamam e interatuam componentes culturais diversos e onde o vínculo com o país de origem
dos pais aparece como algo a ser preservado, levando-nos a perguntar como serão no futuro esses
cidadãos multiculturais, em que viverão e que línguas falarão?
As propostas de equipamentos sociais como os que foram analisados nesta Tese têm
despertado iniciativas semelhantes nos cinco continentes, com pelo menos 25 projetos
preocupados com a transmissão da língua de herança e da cultura brasileira, o que vem ratificar a
necessidade de novas pesquisas e estudos que possam gerar diferentes formas de suporte
operacional para essas famílias.
Algumas políticas públicas do governo brasileiro têm sido empregadas com relação às
comunidades da diáspora (BRASIL, 2012), fruto de diálogos que vem sendo realizados entre as
partes. Certamente, é o início de um processo que implicará em diálogos constantes e na escuta
das novas demandas que tendem a despontar, tendo em vista se tratar de projetos com pouco
tempo de funcionamento, o que significa que os brasileirinhos inseridos nessas comunidades e
associações de pais ainda não chegaram à adolescência, etapa do ciclo vital em que ganham mais
autonomia e possuem um maior leque de convivência social com a cultura em que estão inseridos.
O imigrante brasileiro transportado para terras distantes enfrenta múltiplos desafios ao
receber a influência de diferentes sistemas culturais e ser obrigado a negociar com essas novas
culturas, a do país de migração e a do país de seu cônjuge, sem que perca a sua identidade,
necessitando aprender a falar duas ou mais línguas, a negociar e traduzir entre elas, a habitar no
mínimo duas identidades, a viver entre a tradição que buscam preservar e a tradução que são
levados a fazer de si mesmos.
82
Consideramos que um estudo longitudinal acompanhando as famílias interculturais e
seus filhos acrescentaria maior entendimento sobre todo o processo de transmissão da cultura
e da língua de herança, além da possibilidade de ampliar o conhecimento sobre os percalços
vivenciados por essas famílias, suscitando discussões que apontariam novas estratégias para a
transmissão da língua portuguesa e da cultura brasileira.
Uma questão que fica em aberto e que requer novos estudos é o quanto da motivação
depreendida pelos pais imigrantes brasileiros em relação à manutenção da língua de herança e
dos rituais da cultura brasileira está relacionado com a disputa de território entre o casal parental,
considerando a possibilidade de representar uma tentativa dos pais de dividir de igual modo a
influência que exercem sobre o filho, além do sentimento de medo que o filho venha a se
distanciar caso não seja educado dentro dos mesmos padrões culturais.
Não podemos deixar de considerar o impacto da internet não somente na migração como
na elaboração desta Tese. Só de imaginar como as pesquisas eram feitas antes de 1980 no Brasil,
demandando do pesquisador horas debulhadas em livros na biblioteca, fazendo uso das famosas
máquinas Olivetti, sem que pudessem facilmente corrigir seus textos, quanta diferença. Em nossa
pesquisa, por um lado, através da internet, pudemos acessar as comunidades virtuais de pais
imigrantes, saber de suas atividades pelo Facebook, realizar as entrevistas por meio do Skype,
receber e enviar e-mails aos participantes, comunicar-se com eles através do WhatsApp, interagir
no grupo fechado do Facebook, ter acesso a journals de diferentes partes do mundo, corrigir texto
em poucos clicks, até mesmo receber orientação para elaboração desta pesquisa, enfim, foi por
meio das TIC e através da netnografia que tornou-se possível a construção desta Tese.
Por outro lado, também traz uma das limitações de procedimento de nossa pesquisa,
pois para compreender melhor as motivações parentais e como a identidade cultural
se preserva no cotidiano familiar fora da Associação, teria sido importante trabalhar com os pais
valendo-se de entrevistas em profundidade, mas, quando tentamos, não houve adesão e a
justificativa da vida assoberbada talvez também indique limitações na motivação das pessoas
de trabalhar via Skype ou outros dispositivos tecnológicos, sem a presença e o estabelecimento de
um rapport presencial com o pesquisador.
83
Outra limitação de nosso estudo refere-se ao fato de a Associação de pais imigrantes
aqui estudada se destacar pelo nível cultural diferenciado, sem que possamos saber se as
mesmas preocupações estariam presentes entre aqueles que não dispõem de nível econômico
e cultural semelhantes ou com menos recursos para lidar com a tecnologia.
Evidenciou-se em nossa pesquisa o importante papel desempenhado pelo uso das TIC na
vida do imigrante, no entanto, consideramos que ainda há muito a ser desenvolvido e/ou utilizado
(além do que já existe no mercado). Nessa direção, sugerimos, por exemplo, o recurso de
videoaulas envolvendo toda a família e a utilização de plataformas de games interativos e
integrativos com a possibilidade de participação de familiares e amigos do país de origem, tendo
como foco uma educação cultural calcada na interculturalidade. Tais recursos maximizariam o
que já vem sendo feito através das associações de imigrantes e das famílias, além do que poderia
ser usado como aplicabilidade terapêutica.
Nesse sentido, a Psicologia Clínica caminha a passos lentos, conservando as devidas
precauções, demandando o desenvolvimento de pesquisas sobre a aplicação das TIC na saúde
mental que englobe questões pertinentes às famílias interculturais que vivem em contexto
migratório.
84
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94
APÊNDICE A – Questionário
A mobilidade humana facilitada pelo aprimoramento tecnológico dos meios de transporte e
comunicação tem levado muitas pessoas para além de suas fronteiras geográficas. No entanto,
mesmo habitando novas terras, a busca por comunidades tem sido valorizada pelo migrante.
Esta pesquisa está sendo desenvolvida pela psicóloga Carolina Tavares da Silva Louback como
parte de sua Tese de Doutorado no Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Clínica
da PUC-SP, e tem como objetivo compreender como as comunidades na web e as comunidades
presenciais de imigrantes podem atuar na preservação da cultura brasileira.
Caso você se disponha a contribuir para esta pesquisa, deverá ter nacionalidade brasileira; ser
imigrante; ter pelo menos um filho de mais de 2 anos e menos de 12 anos, nascido no exterior e
ser membro de uma comunidade de imigrantes há pelo menos 6 meses.
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)
Esta pesquisa tem como objetivo compreender como as comunidades na web e as comunidades
presenciais de imigrantes podem atuar na preservação da cultura brasileira. Foi desenvolvida pela
Carolina Tavares da Silva Louback, Psicóloga e Doutoranda do Programa de Estudos Pós-
Graduados em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob a
orientação da Profa. Dra. Rosane Mantilla de Souza.
A pesquisa consiste de 1 questionário cujo tempo aproximado de resposta tem sido de 20
minutos. Os dados serão utilizados de maneira confidencial e quando a pesquisa for publicada
não haverá possibilidade de identificação dos participantes. Esta pesquisa atende a Resolução 510
de 2016, do Conselho Nacional de Saúde do Ministério de Saúde do Brasil. Qualquer dúvida que
você tiver durante ou após ter terminado de responder, entre em contato pelo e-mail
[email protected] e responderemos assim que possível.
95
Fui suficientemente informado a respeito do objetivo e procedimento desta pesquisa.
Compreendo que a minha participação é voluntária, que não receberei compensação financeira e
poderei solicitar apoio em caso de desconforto produzido por minhas respostas. Estou ciente que
irei responder a um questionário via internet (on-line) e autorizo a divulgação dos resultados
obtidos no meio científico, sabendo que minha identidade não será revelada.
( ) Li e concordo voluntariamente em participar deste estudo.
( ) Não quero participar.
Informações gerais
1. Sexo: _____________________
2. Idade: _______anos
3. Nacionalidade: _____________________________________________________
4. Nacionalidade do cônjuge ou pai do(s) filho(s): ___________________________
5. Nacionalidade dos filhos: _____________________________________________
6. Tempo que está fora do Brasil: ________________________________________
7. Que língua é falada em casa:
a) Entre o casal (se for casado):__________________________________________
b) Entre pai e filhos: ___________________________________________________
c) Entre mãe e filhos: __________________________________________________
Informações específicas
8. Através de que meio soube da Associação ( ) amigos ( ) Internet ( ) outro, qual?
_____________________________________________________________
9. Desde quando participa da Associação _________________________________
96
10. Cite as razões que o/a motivaram a associar-se.
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
11. O que o/a mantém participando?
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
12. Avalie o seu nível de envolvimento na Associação em termos de participação off-line
(comunidade presencial) ou on-line (comunidade na web). Explique.
13. Quais as coisas que você considera importante preservar e/ou transmitir da cultura brasileira?
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
14. Você mantém hábitos e costumes da cultura brasileira em sua família? Quais?
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Off-line On-line
97
15. Outras informações que você considera importante me apontar no que se refere ao objetivo de
meu trabalho – compreender como as comunidades na web e as comunidades presenciais de
imigrantes podem atuar na preservação da cultura brasileira.
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
* Após o preenchimento, favor enviar para [email protected]
Contato da Pesquisadora:
Psicóloga Carolina Tavares da Silva Louback / +55 (21) 98878-9698 (WhatsApp)