PONTES, Walace Tarcisio. Armas Não Letais

73
ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA DEPARTAMENTO DE ESTUDOS CAEPE 2015 MONOGRAFIA (CAEPE) ARMAS NÃO LETAIS: OPÇÃO LEGAL OU DESRESPEITO AO DIREITO A UMA SEGURANÇA CIDADÃ Código do Tema: 07 Delegado de Polícia Federal Walace Tarcisio Pontes

Transcript of PONTES, Walace Tarcisio. Armas Não Letais

Page 1: PONTES, Walace Tarcisio. Armas Não Letais

ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA

DEPARTAMENTO DE ESTUDOS CAEPE 2015

MONOGRAFIA (CAEPE)

ARMAS NÃO LETAIS:

OPÇÃO LEGAL OU DESRESPEITO AO DIREITO A UMA SEGURANÇA

CIDADÃ

Código do Tema: 07

Delegado de Polícia Federal Walace Tarcisio Pontes

Page 2: PONTES, Walace Tarcisio. Armas Não Letais

ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA

WALACE TARCISIO PONTES

ARMAS NÃO LETAIS: Opção legal ou negligência ao direito a uma segurança cidadã

Trabalho de Conclusão de Curso - Monografia apresentada ao Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos em Política e Estratégia. Orientador: Cel./R1 Luiz Cláudio de Souza Gomes

Rio de Janeiro 2015

Page 3: PONTES, Walace Tarcisio. Armas Não Letais

C2015 ESG

Este trabalho, nos termos de legislação que resguarda os direitos autorais, é considerado propriedade da ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA (ESG). É permitido a transcrição parcial de textos do trabalho, ou mencioná-los, para comentários e citações, desde que sem propósitos comerciais e que seja feita a referência bibliográfica completa. Os conceitos expressos neste trabalho são de responsabilidade do autor e não expressam qualquer orientação institucional da ESG _________________________________ WALACE TARCISIO PONTES

Biblioteca General Cordeiro de Farias

Pontes, Walace Tarcisio. Armas Não Letais: Opção legal ou negligência ao direito a uma segurança cidadã. Delegado de Polícia Federal Walace Tarcisio Pontes. Rio de Janeiro. ESG, 2015.

71 f.

Orientador: Cel. R/1 Luiz Claudio de Souza Gomes Trabalho de Conclusão de Curso – Monografia apresentada ao

Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia (CAEPE), 2015.

1. Armas Não Letais. 2. Segurança cidadã. 3. Direitos Humanos.

4. Direito Internacional Humanitário. 5. Lei Federal n.º 13.060/2014. I. Título.

Page 4: PONTES, Walace Tarcisio. Armas Não Letais

Ao Grande Arquiteto Do Universo, por me

permitir uma vida prazerosa e abundante;

Aos valorosos amigos com os quais tive a

felicidade de conviver durante o período em

que cursei a Escola Superior de Guerra, e,

especialmente, aos meus familiares,

incansáveis e anônimos colaboradores de

minha jornada.

Page 5: PONTES, Walace Tarcisio. Armas Não Letais

AGRADECIMENTOS

Aos estagiários da melhor turma do CAEPE pelo convívio fraterno e

proveitoso sob todos os aspectos.

Ao Corpo Permanente da ESG pelo tempo dispendido em prol dos

estagiários, tendo cumprido da melhor maneira a sua missão de ensinar e servir.

Ao estimado Cel. Luiz Cláudio de Souza Gomes, orientador deste trabalho

acadêmico e amigo que tive o prazer de conhecer logo nos primeiros dias naquele

centro de ensino, pela atenção que sempre me dispensou, pela gentil cessão do

material didático sobre o qual me debrucei, e pelo grande apoio na confecção e

revisão destas pesquisas.

Page 6: PONTES, Walace Tarcisio. Armas Não Letais

"O que me preocupa não é o grito dos maus. É o silêncio dos bons" Martin Luther King

Page 7: PONTES, Walace Tarcisio. Armas Não Letais

RESUMO

Esta monografia tem por objetivo conhecer o universo das principais armas não

letais em uso pelas forças de segurança no Brasil e no mundo, discorrendo sobre

suas peculiaridades e efeitos provocados quando utilizadas contra pessoas e

instalações. Apurar as fundamentações legais e os princípios jurídicos que justificam

o seu emprego pelo Estado em ações de segurança pública. Comentar sobre a

razoabilidade e a proporcionalidade que devem pautar a ação estatal, bem como a

necessidade do emprego progressivo da força como forma de graduar o poder

legítimo do Estado no controle social. Ao final, discorrer sobre o moderno

entendimento da comunidade internacional e sobre a legislação brasileira, em

especial a lei federal n.º 13.060/2014 e sua adequação Às orientações emanadas

das Nações Unidas em face do tema, verificando em que medida o emprego de

artefatos de baixa letalidade por forças de segurança pode afetar a promoção da

cidadania ao comprometer o pleno exercício dos Direitos Humanos e do Direito

Internacional Humanitário.

Palavras chaves: Armas não letais. Segurança Cidadã. Direitos Humanos. Direito

Internacional Humanitário. Lei Federal n.º 13.060/2014.

Page 8: PONTES, Walace Tarcisio. Armas Não Letais

ABSTRACT

The purpose of this monograph is to describe the main non-lethal weapons used by

police and other security forces in Brazil and the world, describing their peculiarities

and effects when used against people and installations. The text also covers the

legal grounds and principles that justify their employment by the State in public

security actions and comments on the reasonableness and proportionality of this

action, as well as the need to use progressive force levels to graduate the legitimate

power of the State in social control. At the end, it discusses the modern interpretation

by the international community of Brazilian legislation, in particular Federal Law

13.060/2014 and its adequacy. The orientations issued by the United Nations on the

theme are also examined, to verify to what extent the use of these devices by

security forces can affect the promotion of citizenship and the full exercise of human

rights and international humanitarian law.

Keywords: Non Lethal Guns. Citizen Public Safety. International Humanitarian Law.

Human Rights. Federal Law n.º 13.060/2014.

Page 9: PONTES, Walace Tarcisio. Armas Não Letais

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 8

2 UM PANORAMA SOBRE ARMAS NÃO LETAIS: PRINCIPAIS CRÍTICAS ... 12

2.1 CONCEITUANDO E HISTORIANDO AS ARMAS NÃO LETAIS ...................... 16

2.2 O MONOPÓLIO DO USO DA VIOLÊNCIA PELO ESTADO ............................ 21

2.3 O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE NAS AÇÕES DO ESTADO ......... 23

2.4 RAZÕES QUE PODEM RECOMENDAR O USO DE ARMAS NÃO LETAIS ... 25

2.5 USO PROGRESSIVO DA FORÇA ................................................................... 27

3 ARMAS NÃO LETAIS: CARACTERÍSTICAS DAS PRINCIPAIS

TECNOLOGIAS DISPONÍVEIS ....................................................................... 30

3.1 ARMAS DE BAIXA ENERGIA CINÉTICA ......................................................... 31

3.1.1 Canhões D'Água ............................................................................................. 31

3.1.2 Armas Contundentes, Cassetetes, Tonfas e Similares ............................... 32

3.1.2 Projéteis de Baixo Impacto (ou de Impacto Controlado) ............................ 34

3.1.3 Granadas Explosivas ..................................................................................... 37

3.2 ARMAS NÃO CINÉTICAS ................................................................................ 38

3.2.1 Armas Químicas ............................................................................................. 38

3.2.2 Armas de Eletrochoque ................................................................................. 41

4 A ATUAÇÃO DO ESTADO NA SEGURANÇA PÚBLICA E O AMPARO

LEGAL PARA O EMPREGO DE ARMAS NÃO LETAIS ................................. 45

4.1 O DIREITO INTERNACIONAL APLICÁVEL ..................................................... 45

4.2 A LEGISLAÇÃO NACIONAL E AS DIRETRIZES SOBRE O USO DA FORÇA

PELOS AGENTES DE SEGURANÇA PÚBLICA .............................................. 49

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. 53

REFERÊNCIAS ................................................................................................ 56

ANEXO A – PORTARIA INTERMINISTERIAL Nº 4.226 ................................. 59

ANEXO B - RESOLUÇÃO Nº. 34/169 ............................................................. 65

ANEXO C - PRINCÍPIOS BÁSICOS SOBRE A UTILIZAÇÃO DA FORÇA E

DE ARMAS DE FOGO PELOS FUNCIONÁRIOS RESPONSÁVEIS PELA

APLICAÇÃO DA LEI ........................................................................................ 66

ANEXO D - LEI 13.060/2014, DE 22 DE DEZEMBRO DE 2014 ..................... 70

ANEXO E - PORTARIA Nº. 20 - D LOG DE 27 DE DEZEMBRO DE 2006 ..... 71

Page 10: PONTES, Walace Tarcisio. Armas Não Letais

8

1 INTRODUÇÃO

Trataremos neste trabalho acadêmico de conhecer o universo das principais

armas não letais em uso pelas forças de segurança no Brasil e no mundo. Uma nova

concepção de armamentos desenvolvidos para atuarem com baixa letalidade, os

quais vêm sendo utilizados como forma de graduar o poder legítimo do Estado no

controle social, ou seja no combate à criminalidade e na contenção de distúrbios

sociais.

O uso da força pelo Estado deve ser dosado a um limite que assegure a

execução de sua vontade legítima sem, igualmente, descurar-se da necessidade de

reduzir ou eliminar danos humanos e materiais. A comunidade internacional, cada

vez mais, preconiza que instituições voltadas à segurança pública devem sempre

pautar suas ações operacionais pela utilização da força mínima necessária ao

domínio dos “infratores” - ou daqueles que ponham em risco sua própria integridade

física ou a de terceiros. Fomenta-se assim o desenvolvimento e a utilização de

dispositivos e armamentos especialmente projetados para conter, debilitar ou

incapacitar temporariamente, com o menor dano possível.

Tais artefatos – cuja denominação técnica segue imprecisa e controversa –

vem sendo adquiridos no Brasil por órgãos públicos civis e militares envolvidos em

ações de segurança pública, a despeito da insuficiência de pesquisas e estudos

científicos sobre o tema. Poucos também têm sido os debates envolvendo a

sociedade nas questões relacionadas ao desenvolvimento e utilização dessas novas

tecnologias, inicialmente concebidas para uso militar, mas modernamente

destinadas tanto ao combate à criminalidade quanto à manutenção da ordem e no

controle dos distúrbios sociais.

Recentemente, foi sancionada a Lei Federal n. 13060/2014 determinando

aos órgãos de segurança pública que priorizem o uso de instrumentos de menor

potencial ofensivo em suas ações operacionais. Contudo, não faltam críticas e

dúvidas quanto ao emprego regular dessa nova categoria de armamentos, então

rotulados como de “baixa letalidade”.

As opiniões contrárias se sustentam principalmente em face dos incessantes

casos de mal-uso e abusos, bem como nas recentes notícias de desmandos na

utilização desses dispositivos na violenta repressão policial contra os manifestantes

que protestavam contra os aumentos das passagens de ônibus em SP, em junho de

Page 11: PONTES, Walace Tarcisio. Armas Não Letais

9

2013. Na oportunidade os policiais foram acusados de usar indevidamente bombas

e sprays de gás lacrimogênio, ferindo dezenas de pessoas dentre manifestantes e

jornalistas, como registrou em seu sítio virtual a Organização Não Governamental

Human Rights Watch 1.

Poderíamos ainda citar dezenas de outros casos, tanto no Brasil quanto no

exterior, nos quais as evidências lançam sérias dúvidas sobre a legitimidade do uso

da força, bem como sobre a proporcionalidade dos meios empregados,

especialmente em face de abusos no uso de artifícios não letais contra

manifestantes e jornalistas.

As críticas decorreram ainda da falta de regulamentação da Lei n.º

13060/2014 – sem a qual, o texto legislativo aprovado repousa quase inerte - e da

pouca transparência nas aquisições e no uso daqueles dispositivos por órgãos das

três esferas federativas. Restou evidenciado que a introdução dos novos dispositivos

nas forças de segurança vem ocorrendo de forma maciça e abrangente, mesmo

quando ainda não estão regulamentados métodos eficazes e seguros para seu

emprego, sendo também insuficientemente conhecidas pela sociedade as

circunstâncias que justificariam o seu emprego.

Assim, buscaremos no primeiro capítulo comentar os conceitos das novas

tecnologias – os quais ainda apresentam interpretações controversas e variadas –

para em seguida abordarmos as implicações relacionadas à fabricação,

comercialização e utilização desses novos dispositivos por forças de segurança –

pública e privada – ao redor do mundo. Arguiremos desde aspectos práticos

decorrentes do uso da moderna tecnologia à compreensão das razões e motivos

que têm levado governos de várias partes do mundo a uma verdadeira corrida em

busca da aquisição de tais equipamentos2, o fazendo a despeito de enfrentarem

problemas financeiros ou mesmo em meio à adoção de políticas austeridade.

Veremos também no primeiro capítulo que as armas não letais foram

inicialmente idealizadas e concebidas para o uso exclusivo em ações militares, mas 1 “Em diversos incidentes, policiais aparentemente usaram força excessiva, agredindo pessoas que

não resistiam à prisão, e utilizando spray de pimenta e gás lacrimogênio”. Disponível em <http://www.hrw.org/pt/news/2014/06/25/brasil-investigue-resposta-policial-protestos-durante-copa> em 21 abr. 2015.

2 “Protestos impulsionam indústria do gás lacrimogênio” em meio aos protestos de junho de 2013, a empresa jornalística BBC destacava que a despeito das medidas de austeridade adotadas por vários governos ocidentais, o setor industrial responsável pela defesa interna (fabricação de gás lacrimogênio e outros) apresentava um aumento de vendas na ordem de 18%. <http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2013/06/130619_gas_lacrimogeneo_mj_cc> Pesquisado em 23.05.2015

Page 12: PONTES, Walace Tarcisio. Armas Não Letais

10

têm sido cada vez mais empregadas em ações de segurança interna, conferindo

uma dose de militarização dos costumes e práticas policiais.

Percebendo o enorme campo que se abriu ao uso daqueles dispositivos em

ações de segurança pública, a indústria bélica mundial, atenta às mudanças dos

paradigmas de controle social, não tardou a conferir um uso dual para aquelas

novas tecnologias, aperfeiçoando conceitos e tecnologias tipicamente militares para

introduzi-los, com retumbante sucesso comercial, em armas e dispositivos para uso

em ações de natureza policial e de segurança privada.

Ainda dentro do capítulo inicial veremos que a baixa letalidade implícita na

concepção dos novos dispositivos não pode nos levar a confundir a utilização

daquela tecnologia com ideais humanistas ou movimentos pacifistas em busca de

sociedades plácidas e ordeiras, mas, por outro lado, compreenderemos tratar-se de

uma aplicação pragmática do poder impositivo do Estado, decorrente do monopólio

legítimo do uso da força, para o qual dedicamos um tópico em particular.

Abordaremos o uso das prerrogativas do poder estatal, analisando o

emprego de armamentos de baixa letalidade não como aumento de sua capacidade

legítima de punir - inerente aos governos legítimos -, mas sim como mais uma opção

racional colocada à disposição das forças de segurança, que nas últimas décadas

passaram a contar com novas tecnologias tanto para o controle social das massas,

como para o combate direto à criminalidade. Aumentaram-se com elas o leque de

graduação do qual dispõe o Estado para fazer uso coerente e progressivo de sua

força, a qual deve sempre estar pautada no princípio constitucional da

proporcionalidade dos meios empregados.

Após conhecermos as razões legais que tutelam o uso e a aplicação da

força pelo Estado, bem como os princípios constitucionais que os limitam, trataremos

no capítulo seguinte das principais armas de baixa letalidade em uso (ou disponíveis

para aplicação) na sociedade 3.

Trata-se assim de uma pesquisa acadêmica que não pretende esgotar os

estudos acerca dos arsenais disponíveis para controle social, mas sim fazer uso

exemplificativo dos principais dispositivos de baixa letalidade existentes no mercado

para, a partir do conhecimento dos respectivos funcionamentos e das críticas

3 Ressalvamos que por serem dezenas os artefatos já existentes, e inúmeros os que ainda se

encontram em desenvolvimento, não esgotaremos o extenso rol disponível no mercado. Logo, a fim de conferir certo grau de concisão e objetividade às pesquisas, optamos por limitar o foco dos estudos aos principais dispositivos em uso pelas forças de segurança pública brasileiras.

Page 13: PONTES, Walace Tarcisio. Armas Não Letais

11

registradas, tecer comentários sobre seus efeitos contra instalações e pessoas, bem

como da potencial fragilização de direitos e das consequências do emprego contra a

população civil. Entendemos assim que a limitação dos estudos aos dispositivos

mais comumente utilizados nos tempos atuais permitirá uma compreensão mais

ampla de suas respectivas concepções técnicas, bem como uma análise pontual da

extensão dos danos humanos e materiais que cada um deles pode provocar.

Chegando ao ponto central de nossas pesquisas, discutiremos ainda dentro

do segundo capítulo – par e passo com cada dispositivo analisado – aspectos do

direito humanitário atingidos pelo uso de cada um daqueles dispositivos,

discorrendo sobre as principais implicações físicas e psicológicas que a sua

utilização pode produzir nas pessoas contra as quais são aplicadas, ilustrando com

exemplos reais colhidos em matérias jornalísticas veiculadas pela mídia local e

mundial, de forma a abrir espaço para discorrermos, no terceiro e último capítulo,

sobre os aspectos do direito humanitário que entendemos fragilizados em sua

concepção primária pelas ações de força do Estado em face do uso de tecnologias

bélicas de baixa letalidade. Conheceremos o arcabouço jurídico nacional e as

respectivas teorias e razões de direito que se sustentam a regulação da

comercialização e do uso desses dispositivos em território nacional.

Ao término do trabalho, externaremos nossas impressões conclusivas,

avaliando se os textos legais e as providências normativas adotadas por órgãos de

segurança pública conferem a necessária regulação ao uso daquelas novas

tecnologias, esclarecendo igualmente quando e em que medida seu uso podem

potencialmente ofender direitos globalmente reconhecidos, para ao final concluir se

os benefícios de seu uso comprometem ou não o direito a uma segurança pública

com cidadania.

Page 14: PONTES, Walace Tarcisio. Armas Não Letais

12

2 UM PANORAMA SOBRE ARMAS NÃO LETAIS: PRINCIPAIS CRÍTICAS

A partir da década de 1960, governos de várias nações começaram a

despender enormes esforços a fim de pesquisar e desenvolver modernas

tecnologias voltadas à criação de uma nova classe de armamentos, idealizados não

para matar ou para destruir, mas para incapacitar o adversário, limitando ou

impedindo sua reação. Trata-se de dispositivos que buscam aumentar e aprimorar a

capacidade do Estado para o enfrentamento das questões de segurança pública,

incluído não apenas o combate à criminalidade, mas também para a contenção de

conflitos e convulsões sociais.

Inicialmente as armas de baixa letalidade foram concebidas para serem

usadas em situação de combates militares, visando limitar ou conter conflitos nos

quais o emprego de armas convencionais não era desejado, ou onde razões

políticas proibissem sua utilização4. Contudo, essa tecnologia vem também sendo

paulatinamente assimilada – e introduzida – por órgãos de segurança pública em

todo o país, os quais, vendo na “baixa letalidade” uma opção de controle social

menos traumático, não tardaram para levar às ruas e logradouros públicos os novos

artefatos.

Para o coronel John B. Alexander5, autor da obra “Armas não letais”, os

agentes da lei passaram a se interessar por tecnologia não letal há algum tempo.

Alexander cita a reunião convocada em 1986 pelo Procurador Geral Edwin Meese,

com o apoio do Diretor do FBI Willian Webster, para tratar de tecnologia não letal. A

reunião ocorrida na academia do FBI, em Quântico, na Virginia/USA, foi conduzida

pelo diretor do Instituto Nacional de Justiça norte-americano e “desde então, tem

havido um grande interesse nesse campo”. (ALEXANDER, 2003, fl. 76).

Embora aquele autor tenha citado a década de 70 do século passado como

importante momento para os debates sobre o uso da nova tecnologia em ações de

4 Segundo Edward P. O Connell, militar da Força Aérea dos EUA e pesquisador da Rand Corporation,

localizada na Califórnia-USA, “tecnologias emergentes que apoiem o desenvolvimento de armamento não letal estão espalhadas em diversas áreas, com muitos usuários em potencial. ” (Conceitos Não letais: implicações para a inteligência na Força Aérea. Artigo publicado na edição brasileira da Airpower Journal. 4º trimestre. 1995)

5 O Cel. John B. Alexander possui vasta experiência na área de pesquisas e desenvolvimento de armas de alta tecnologia. Desenvolveu o conceito de Defesa Não Letal no Laboratório Nacional de Los Alamos, nos EUA, onde foi pesquisador. É Diretor de Ciências para uma organização privada de pesquisas em Las Vegas e consultor do CIN, Centro de Operações Especiais e membro do Comitê Nacional de Pesquisas para o desenvolvimento de Tecnologias Não letais, ambos nos EUA. É autor das vários artigos científicos e obras.

Page 15: PONTES, Walace Tarcisio. Armas Não Letais

13

natureza civil, ele próprio faz, ao longo de sua obra, menção a inúmeras passagens

anteriores, nas quais as armas não letais foram utilizadas em ações diversas das

tipicamente militares, como, por exemplo, a utilização de bombas de gás

lacrimogênio para contenção de tumultos na Irlanda do Norte, dentre outros.

Em uma análise superficial, um observador pouco informado poderia ser

levado a crer que a nova tecnologia traz implícita uma abordagem mais humanística

do uso da força pelo Estado, visto que não foi concebida com intento destrutivo e

letal, ao contrário, busca provocar o menor dano possível, tanto no ambiente físico

onde é utilizado quanto nas pessoas contra as quais é empregada. Porém, não

foram exatamente valores altruísticos que levaram à criação de tais dispositivos,

ainda que, ao contrário das armas de fogo (concebidas com propósitos

inegavelmente letais), esses novos dispositivos não sejam projetados para matar,

mas sim para produzir o menor dano possível, seja material ou pessoal, suficiente

apenas para incapacitar o opositor, reduzindo-lhe ou eliminando as possibilidades de

insurgência, de forma a submetê-lo à vontade do Estado.

O que se busca em um enfrentamento físico é o enfraquecimento da força

adversária (venha ela de um soldado ou de um civil em descumprimento da lei), e

para tanto o Estado deve adequar o uso de sua força coercitiva, selecionando de

forma apropriada e proporcional, dentre todas as opções de que dispõe, qual a mais

apropriada, escalonando os níveis de seu aparato bélico conforme a gravidade do

delito e o grau de resistência ou reação do transgressor, sob pena de, não o

fazendo, violar direitos fundamentais da pessoa humana.

A importância do tema no seio social é de tal relevância que demanda

estudos aprofundados e debates abertos com a sociedade. Para entidades

científicas dedicadas a pesquisas sobre o uso de equipamentos de baixa letalidade

contra a população civil, como a britânica Britsh Society for Social Responsability in

Science, os governos já não mais se utilizam de metralhadoras quando ameaçados

dentro de sua própria casa. Eles agora dispõem de balas de plástico que matam

apenas ocasionalmente (WRIGHT, 1998).

No Brasil, apenas recentemente, após a maciça introdução dos novos

artefatos nas diversas forças de segurança pública, com a ocorrência de inúmeros

casos de mal-uso e abusos na sua utilização, os políticos e especialistas (e os

próprios cidadãos) perceberam a necessidade de regular, com urgência, o uso

daqueles dispositivos, dando início a discussões e debates parlamentares nos três

Page 16: PONTES, Walace Tarcisio. Armas Não Letais

14

níveis de governo, demonstrando a preocupação em disciplinar a fabricação,

comercialização e o uso desse armamento 6.

O principal objetivo do desenvolvimento dessa tecnologia é permitir - ao

agente encarregado da aplicação da lei - ter níveis de resposta adequados à

situação que se deseja resolver, fornecendo-lhe novas opções ao lidar com as

transgressões e tumultos sociais. Porém, ainda que desenvolvidas para provocar

menor dano potencial, não são incomuns queixas de cidadãos e ocorrências

policiais noticiando ocorrências trágicas em face do emprego (ou do mal-uso e

abuso) de armamentos tidos como não letais.

Tanto no Brasil 7 quanto no exterior avolumam-se casos de incidentes de

lesão grave ou morte envolvendo forças de segurança e cidadãos atingidos por

dispositivos pretensamente não letais. Por vezes, em apurações posteriores,

evidencia-se que as vítimas de tais dispositivos não chegaram a atentar contra a

segurança pública, conquanto tenham sido alvejadas pelo Estado.

No Brasil, recentemente a imprensa noticiou o caso de um fotógrafo que

perdeu a visão de um dos olhos após ser atingido por balas de borracha quando

cobria manifestações na cidade de São Paulo 8. Parece ficar evidente que mesmo

sendo denominados “não letais”, tais dispositivos estão causando mortes ou lesões

em inúmeras ações policiais.

6 - No Estado de São Paulo, um projeto de lei (PL 871/2009) proposto pelo deputado Samuel Moreira

dispondo sobre o uso preferencial de arma não letal por agentes das policias civil e militar, tem gerado acaloradas discussões, especialmente após a violenta repressão policial às manifestações ocorridas em meados de 2013 sobre o aumento das tarifas de ônibus. Disponível em <http://www.ibccrim.org.br/noticia/13844-Uso-de-armas-no-letais-por-policiais>. Em 28 abr. 2015. - Desde 2012 tramita na Câmara Municipal do Rio de Janeiro o Projeto de Lei n.º 1373/2012, que tem por finalidade regulamentar a utilização pela Guarda Municipal “de armas e munições não letais [...] em consonância com os Direitos Humanos”. Disponível em <http://mail.camara.rj.gov.br/APL/Legislativos/scpro1316.nsf/b63581b044c6fb760325775900523a41/03257ad1004cc81c032579eb0067c17d?OpenDocument>. Acesso em 21 ago. 2015. - Em março deste ano, o prefeito de Juiz de Fora/MG vetou o projeto de lei n.º 191 da Câmara municipal, o qual autorizava a guarda municipal a utilizar armas não letais. Disponível em <www.g1.globo.com/mg/zona-da-mata/noticia/2015/03/guarda-municipal-e-proibida-de-usar-armas-não letais-em-juiz-de-fora.html>. Acesso em 25 abr. 2015.

7 Em junho de 2013, durante a tramitação de um projeto de lei estadual (PL 871/2009) que dispunha sobre o uso preferencial de armas não letais por agentes do Estado, a Comissão de Defesa de Direitos da Assembleia Legislativa de São Paulo promoveu audiência pública na qual representantes de movimentos sociais deram depoimentos sobre suas experiências pessoais em que teriam sofrido ferimentos graves provenientes de armas não letais. Para eles os movimentos sociais seriam discriminados no Brasil “como na época da repressão militar”. Disponível em <http://www.ibccrim.org.br/noticia/13844-Uso-de-armas-no-letais-por-policiais> em 03 mai. 2015.

8 Disponível em <http://www.camara.sp.gov.br/blog/fotografo-que-ficou-cego-quer-homenagem-para-vitimas-da-policia/>. Acesso em 03 mai. 2015.

Page 17: PONTES, Walace Tarcisio. Armas Não Letais

15

São vários os exemplos que ilustram o mal uso dessa nova tecnologia no

Brasil e em nações com baixo índice de desenvolvimento humano. O extenso rol de

abusos das forças do estado na utilização de dispositivos de baixa letalidade

também abrange países com elevado grau de desenvolvimento social, como pode

ser observado no incidente envolvendo a morte do estudante brasileiro Roberto

Lausidio Curti, em março de 2012. O caso ganhou as manchetes dos jornais no

Brasil e no exterior. Roberto foi confundido com um suspeito que havia acabado de

furtar um biscoito em uma loja de conveniência e morto por policiais da cidade de

Sidney, na Austrália 9.

O estudante, com apenas 21 anos de idade, foi brutalmente dominado e

abatido com vários disparos de arma de choque, embora não estivesse armado e

tão pouco houvesse atentado contra a vida dos policiais ou de terceiros. Sua morte

causou grandes debates sobre a alegada não letalidade dos modernos dispositivos

que estavam sendo utilizados para conter agressores. Teria sido uma fatalidade, um

fato superveniente ao qual ninguém deu causa, ou a suposta não letalidade

informada pelos fabricantes – e alardeada pela polícia – estaria contribuindo para

um uso desmedido dos dispositivos “não letais”?

Ante a repetição de incidentes semelhantes envolvendo forças de segurança

em todo o país, e até no exterior, parece existir inegáveis razões para considerarmos

o risco potencial de perda das liberdades civis ante aos avanços tecnológicos

desses novos dispositivos, mormente quando esses “progressos” visam conferir ao

Estado um maior controle do social e político da população.

Segundo especialistas no assunto, a comunidade internacional, melhor

compreendida pela atuação da ONU - Organização das Nações Unidas, tem cada

vez mais firmado entendimento de que armas não podem provocar sofrimento

desnecessário, e tão pouco acarretar efeitos indiscriminados (COOK III; FIELY, J.

David e MCGOWAN, Maura T. 1995), podendo, contudo, ser empregadas tão

somente quando estritamente necessário, e na medida exigida para a satisfação da

legítima vontade do Estado, devendo os responsáveis pela aplicação da lei respeitar

e proteger os direitos de todos os cidadãos, zelando pela dignidade da pessoa

9 Brasileiro morto na Austrália não roubou pacote de biscoitos, diz rádio. Disponível em

<http://veja.abril.com.br/noticia/mundo/brasileiro-morto-na-australia-nao-roubou-biscoitos-diz-radio/> em 08 de mai. 2015.

Page 18: PONTES, Walace Tarcisio. Armas Não Letais

16

humana (Código de Conduta para Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei.

Adotado em 17/12/1979 pela Assembleia da ONU, através da resolução nº 34/169).

Mesmo subscrevendo as orientações as quais chegaram das Nações Unidas

– formuladas no 8º Congresso sobre a prevenção do crime, realizado em Havana no

ano de 1999 – a reação efetiva do governo brasileiro aos inúmeros registros

jornalísticos que noticiavam ocorrências de abusos policiais no Brasil, só teve início

em dezembro de 2010. Isso ocorreu com a edição da Portaria Interministerial nº

4226 fixando diretrizes sobre o uso da força pelos agentes de segurança pública,

alçando ao status de política pública nacional as orientações da ONU acerca do

tema. Mais recentemente, em dezembro de 2014, o governo brasileiro editou a Lei

nº 13.060, reforçando o princípio constitucional de um direito à segurança pública

com cidadania. Para que seus dispositivos comecem a valer, essa lei ainda precisa

ser regulamentada por decreto do governo federal.

2.1 CONCEITUANDO E HISTORIANDO AS ARMAS NÃO LETAIS

Para um adequado entendimento do tema é relevante que abordemos

inicialmente a conceituação dos dispositivos técnicos sobre os quais essa pesquisa

acadêmica se debruçará, esclarecendo ao leitor as principais características e

qualidades que os definem, possibilitando assim entender sua eficiência e

dimensionar os efeitos potenciais que pode acarretar, facilitando tecer juízos de valor

sobre sua aplicabilidade, em especial, o uso em situações de comprometimento da

ordem e da segurança pública.

A preocupação com a redução do potencial de destruição e da capacidade

letal de armas, de uma forma geral, não é fato novo em nossa história. Elas quase

sempre estiveram presentes, às vezes até mesmo em momentos de guerra.

Diferentemente da crença popular majoritária, a guerra sempre representou o uso

controlado da força. Via de regra, emprega-se a força, ou ameaça-se fazê-lo,

quando as divergências não podem ser solucionadas pela via pacífica da

diplomacia. Tenta-se inicialmente dissuadir o oponente ao enfrentamento bélico,

seja para não envidar esforços e custos desnecessários, seja por conta do interesse

do eventual vencedor em não inutilizar o espaço que deseja conquistar, destruindo

ou danificando bens materiais dos quais poderá se apropriar.

Page 19: PONTES, Walace Tarcisio. Armas Não Letais

17

Há dois mil anos, o famoso militar chinês Sun Tzu já alertava que a guerra

deveria ser vencida antes mesmo de desembainharem-se as espadas. Na visão

daquele grande estrategista, o inimigo deveria preferencialmente ser vencido

quando seus domínios ainda estivessem intatos, evitando-se perdas

desnecessárias: “Deves almejar como aquilo que há de mais perfeito, conservar

intatos os domínios dos inimigos. Só deves destruí-las em caso de extrema

necessidade [...] a melhor política guerreira é tomar um Estado intato; uma política

inferior consiste em arruiná-lo”. (TZU, Sun. A arte da Guerra, 2000, fls. 19).

Em 1868, o governo Russo, preocupado com a utilização contra pessoas de

alguns explosivos e projéteis inflamáveis, convidou a Comissão Militar Internacional

para “examinar a viabilidade de se proibir o uso de certos projéteis em tempo de

guerra entre nações civilizadas”. É que quando utilizados contra seres humanos,

aqueles tipos de projéteis alcançavam efeitos semelhantes ao de uma bala de fuzil,

porém causavam ferimentos maiores que agravavam o padecimento da vítima.

Daquela iniciativa resultou a Declaração de São Petersburgo, primeiro tratado

internacional impondo restrições à guerra e proibindo o uso de projéteis explosivos

cujo peso superasse 400 gramas.

Aquelas abstrações humanitárias não tiveram início na Rússia do século

XIX, eis que foram antes observadas também nos tempos da civilização Romana,

com a proibição de flechas envenenadas, ou nas Leis de Manu, da índia antiga, que

igualmente proibiam o uso de flechas com rebarbas para que não aumentassem os

ferimentos ao serem removidas dos corpos das vítimas. (COOK III, FIELY e

MCGOWAN, 1995)

Há registros também que durante a idade média o Papa proibiu o uso de

bestas em decorrência dos horríveis ferimentos por elas causados, contudo a

importância da Declaração de São Petersburgo é bastante significativa, eis que

reavivou na civilização recente uma linha de raciocínio e debates na comunidade

internacional que levou grupos e governos de distintas partes do globo a começar a

questionar a legalidade do uso de determinadas armas e tecnologias de guerra,

surgindo daí parte dos argumentos e princípios que hoje fornecem fundamentações

para a fabricação e o uso de armas com menor potencial lesivo 10.

10 “Considerando que o progresso da civilização deve ter o efeito de aliviar tanto quanto possível as

calamidades da guerra o único objeto legítimo que os estados devem diligenciar em obter durante a guerra é o enfraquecimento das forças militares do inimigo. É suficiente incapacitar o maior número possível de homens, e esse objetivo seria sobrexcedido pelo emprego de armas que agravassem

Page 20: PONTES, Walace Tarcisio. Armas Não Letais

18

À Declaração de São Petersburgo se seguiram a Convenção de Haia de

1899 e os regulamentos a ela posteriormente anexados – que codificaram as “leis e

costumes da guerra terrestre” –, como o Protocolo de Genebra de 1925, que proibiu

do uso de gases asfixiantes e/ou venenosos e de métodos bacteriológicos de

guerra, bem como as convenções de Genebra de 1929 e 1949, que trataram das

melhorias das condições de civis, prisioneiros de guerra, doentes e feridos, e alguns

outros tratados versando sobre a legitimidade de utilização de algumas armas em

específico. (COOK III, FIELY e MCGOWAN. 1995)

A despeito do lapso temporal centenário transcorrido desde aquelas

medidas iniciais externando o desejo comum da comunidade internacional em limitar

o uso da força e não contrariar as leis da humanidade, a conceituação de um termo

específico para definir este tipo de armamento ainda continua controversa, pois

várias expressões têm sido usadas para designá-lo.

Parte dos estudiosos preferem se referir a esses armamentos pelo termo

“não letal”, outros porém usam expressões do tipo “menos-letais” ou “sub-letais”, ou

ainda “menos-que-letal”. Tem-se também denominações do tipo “baixo dano

colateral”, “incapacitante”, “perturbador” dentre outros.

Para John B. Alexander, estudioso do assunto que durante algum tempo

chegou a utilizar a expressão “destruição suave” em artigos sobre as técnicas e

armamentos de baixa letalidade11, a discussão é de extrema importância ao debate.

Aquele especialista logo percebeu o contrassenso de utilizar a expressão

“destruição suave”, afinal “as coisas são destruídas com violência, e não com

suavidade”, contudo não deixou de alertar para a necessidade de forjar um termo

adequado para a descrição dos novos armamentos, pacificando o quanto antes a

celeuma, eis que tem permitido, aos que não são favoráveis à idéia, criticar o uso de

armas de baixa letalidade mascarando suas verdadeiras intenções. (ALEXANDER.

2003. Pag. 32/33)

A cada evento com mortes ou danos físicos consideráveis provocados por

armas não letais, os críticos se apressam em guiar sua ira e tecer críticas à

inutilmente os sofrimentos dos homens neutralizados, ou que tornassem inevitável sua morte. O uso de tais armas seria contrário, portanto, às leis da humanidade”. Preâmbulo da Declaração de São Petersburgo.

11 Lembrando que aquele termo ainda pode ser encontrado em diversos livros e artigos populares (citou dois artigos: “matando-os suavemente”; “Bang – você está vivo”), Alexander informa que o próprio presidente George Bush combinou aquela expressão com referências sociais, levando algumas pessoas a falar em guerra “mais suave e piedosa”.

Page 21: PONTES, Walace Tarcisio. Armas Não Letais

19

expressão semântica que define o novo armamento, afastando-se das premissas

centrais que recomendam a não utilização de armamento convencional e o uso

ponderado da força, desvirtuando e tumultuando os debates.

Para Alexander, o uso de expressões como “menos-letal” ou “menos-que-

letal” exige o reconhecimento de que certa dose de ação letal irá ocorrer, ainda que

danos colaterais possam ser minimizados, porém elas não têm a mesma conotação

restritiva que o termo “não letal”, que nos traz uma ideia de que nada será destruído.

Essa é de fato a intenção, embora dificilmente se possa garantir que esse efeito

jamais venha a ocorrer. Aquele autor nos lembra, ainda, que os primeiros

debatedores do assunto advogavam que, em alguns casos, a melhor expressão

deveria ser “piores-que-letais”, dado à possibilidade que apresentam de cegar ou

causar danos terríveis e irreversíveis. Por vezes os argumentos de parte da crítica

parecem carregar mais emoção do que razão.

Reconhecendo a extensão dos debates semânticos e a procedência de

parte das controvérsias, ALEXANDER confirma que a expressão “não letal”

apresenta desvantagens, pois sempre que se faz uso da força é possível ocorrerem

mortes ou lesões. Esses efeitos indesejados vêm aumentando sua probabilidade de

ocorrência à medida que os novos dispositivos passaram a ser usados largamente

em todo o país.

Quando afetadas por armas não letais, partes diferentes do corpo humano

estão sujeitas a vulnerabilidades igualmente diferentes, estando, portanto, passíveis

de sofrerem lesões diversas provocadas pela mesma arma ou objeto. Essa

diversidade de efeitos sofre ainda alterações em face das variações de peso e

complexão física.

Sob esta ótica, qualquer arma poderosa o suficiente para incapacitar pode,

em determinadas circunstâncias, matar ou ferir gravemente. Um golpe de cacete no

tórax não tem o mesmo efeito que na região craniana. Uma pessoa adulta pode

suportar uma descarga elétrica maior do que uma criança, ou uma pessoa com

problemas cardíacos. Nesse contexto, até o uso da força não letal oferece certo

risco de morte, e nesse contexto, não letal significa apenas “sem a intenção de

matar”.

Em 1996, o Departamento de Defesa norte-americano passou a designar

oficialmente tais sistemas de armas pelo termo “não letal”, baixando a diretriz nº

3000.3, que assim os definiu: "Armas Não Letais. São aquelas armas

Page 22: PONTES, Walace Tarcisio. Armas Não Letais

20

especificamente projetadas e empregadas para incapacitar pessoas ou materiais, ao

mesmo tempo em que minimizam fatalidades, ferimentos graves em pessoas e

danos indesejados a propriedades e ao meio ambiente." (EUA. Departamento de

Defesa. Diretriz 3000.3, tradução nossa 12).

Embora não exista consenso acerca da melhor definição daqueles

dispositivos, a OTAN – Organização do Tratado do Atlântico Norte assim as define;

“armas que são especificamente projetadas e desenvolvidas para repelir ou

incapacitar pessoas, com baixa probabilidade de ferimentos graves ou fatais, ou

para desativar equipamentos com um mínimo de danos físicos e impactos ao meio

ambiente." (Casey-Maslen, 2010, tradução nossa 13).

Sem fugir das controvérsias relacionadas à designação mais adequada dos

novos dispositivos, ALEXANDER entende embora o termo “não letal” não seja o

ideal, ele é capaz de proporcionar uma ideia satisfatória ao nos referimos aos

assuntos relacionados à redução dos danos colaterais, razão pela qual passou a

adotá-lo, alertando, contudo, para a necessidade de nos atentarmos para diferenças

importantes entre esses novos dispositivos e as armas convencionais.

As armas não letais são projetadas para apresentar efeitos relativamente

reversíveis sobre pessoas e materiais, bem como para afetar de forma diferenciada

os objetos que estiverem em seu raio de ação. Para aquele autor basta a ocorrência

de ao menos um dos efeitos, ou ambos, para que classifiquemos o armamento como

“não letal”.

É também importante destacar, dentro do contexto histórico relacionado ao

surgimento das armas não letais, o “Código de conduta para os funcionários

responsáveis pela aplicação da lei”, publicado em dezembro de 1979 através da

resolução nº 34/169-ONU, que passou a impor àquela categoria de servidores

públicos a necessidade de respeitar a proteger a dignidade da pessoa humana,

somente empregando a força quando estritamente necessária e na medida exigida

para o cumprimento do dever.

12 “Non-Lethal Weapons. Weapons that are explicitly designed and primarily employed so as to

incapacitate personal or materiel, while minimizing fatalities, permanent injury to personel, and undesired damage to property and the environment”. (USA. Departament Of Defense. Diretriz nº 3000.3)

13 "Weapons which are explicitly designed and develooped to incapacitate or repel personnel, with a low probability of fatlity or permanente injury, or to disable equipment, with minimal undesired damage or impacto on the envirenment.” (Casey-Maslen, 2010)

Page 23: PONTES, Walace Tarcisio. Armas Não Letais

21

Àquela resolução seguiram-se as diretrizes emanadas do 7º Congresso da

ONU sobre prevenção do Crime, ocorrido na Itália em novembro de 1985, no qual

restaram pontuados elementos sobre o uso da força que deveriam ser considerados

no Congresso seguinte.

No ano de 1990, por ocasião do 8º Congresso das Nações Unidas sobre

prevenção do crime e tratamento dos delinquentes, forjaram-se os princípios básicos

sobre o uso da força e armas de fogo pelos funcionários responsáveis pela

aplicação da lei, que passou a recomendar aos Estados membros que adotassem

uma série de providências, de forma a equipar os servidores com uma variedade de

tipos de armas e munições que permitissem o uso diferenciado da força. Tais

providências incluíam o aperfeiçoamento e uso de armas não letais, definidas

naquele evento como armas incapacitantes para uso em situações apropriadas, com

o propósito de gradualmente aumentar a restrição de aplicações capazes de causar

morte ou ferimentos aos indivíduos. Comentários mais detalhados sobre aqueles

princípios internacionais serão apresentados no capítulo 3 deste trabalho.

Recentemente, seguindo o caminho pautado pelos princípios orientadores

internacionais destacados pela ONU, o governo brasileiro editou, em dezembro do

ano passado, uma legislação que disciplina em todo o território nacional o uso dos

dispositivos aqui estudados. Para os efeitos daquela lei são considerados

“instrumentos de menor potencial ofensivo, aqueles projetados especificamente

para, com baixa probabilidade de causar mortes ou lesões permanentes, conter,

debilitar ou incapacitar temporariamente pessoas”. É essa a definição dada pelo

artigo 4º da Lei nº 13.060/2014.

Em busca de uma apresentação mais didática do tema, no capítulo 3º serão

comentados os principais aspectos legislativos que regulam o tema.

2.2 O MONOPÓLIO DO USO DA VIOLÊNCIA PELO ESTADO

Nas precisas palavras de Carlos Ari SUNDFELD: (SUNDFELD, 1992, p. 19)

“a vida humana é, essencialmente, uma experiência compartilhada”, impondo a

formação dos grupos sociais e a convivência dos indivíduos no interior desses

grupos (ou de cada grupo com os demais), a qual depende da existência de regras

Page 24: PONTES, Walace Tarcisio. Armas Não Letais

22

que estabeleçam como devem ser a relação entre todos . E para existir tais regras

alguma força há de produzi-las. Essa força chama-se Poder.

A história demonstra que até mesmo no interior dos primitivos Clãs, onde

não existia nem o direito e nem a justiça, prevalecia um “governo doméstico”

tendente a regular as relações interpessoais.

Dessas mesmas relações convêm, neste trabalho de pesquisa, destacar

apenas aqueles comportamentos que ofendem sentimentos e valores comuns

arraigados em dada sociedade, pois é desta consciência coletiva que se originou o

Direito Penal (e, gerindo sua efetivação, o Processual Penal). E para que o penal

realmente apareça, o político deverá adquirir estabilidade e autonomia suficientes –

é o que se chama de Estado – para tratar das controvérsias privadas que atentam

contra a governabilidade do grupo14.

O Estado, entendido além dos limites da Tribo, do Clã, da reunião de alguns

grupos, mas, aqui considerado do ponto de vista puramente jurídico, ou seja, como

uma comunidade criada por uma ordem jurídica nacional – aparece como um poder

de mando, como governo e dominação. As normas por ele editadas possuem um

poder coativo geral, obrigando a todos que habitam o seu território.

Elevado à categoria de depositário da identidade social e suporte

permanente de poder, passa a ter, como principal característica, a possibilidade do

uso da força material, da “violência física”, contra aqueles que não se adequem às

regras por ele impostas, encarnando o princípio de ordem e de coerência sobre o

qual repousa a própria existência da sociedade15.

É assim, um dos elementos fundamentais do Estado, o seu poder de

coerção, para o exercício do qual se vale da existência de órgãos especializados,

investidos da capacidade de comando e dotados do privilégio do recurso da força.

Este poder coercitivo se destina a manutenção da própria ordem social e é refletido

principalmente na prerrogativa do Estado de elaborar as normas jurídicas e impô-las

a seus cidadãos, zelando ainda pelo seu cumprimento através do estabelecimento

de sanções, previamente organizadas.

14 ALLDRIDGE, Peter et al. “Dicionário Enciclopédico de Teoria e Sociologia do Direito”. Renovar.

Edição Brasileira. 1999. Tradução dirigida por BARRETO, Vicente de Paula (pág. 176, 177). Na expressão de Darcy AZAMBUJA, a obrigatoriedade dos laços que envolvem o indivíduo caracteriza a sociedade política, o Estado. Teoria Geral do Estado. Ed. Globo. 37ª edição (pág. 01 e 02).

15 ALLDRIDGGE, Peter et al. Obra citada (pág. 312).

Page 25: PONTES, Walace Tarcisio. Armas Não Letais

23

A norma jurídica se faz cumprir sob a eminência e certeza da sanção,

aplicada por monopólio exclusivo da coerção. Ocorre que o uso da força apenas

pode se dar nas circunstâncias e limites fixados pela própria ordem jurídica, o que

lhe confere um caráter de excepcionalidade.

Impõe-se assim ao próprio Estado o dever de certificar se os meios por si

empregados (ainda que no legítimo exercício do poder) amoldam-se aos contornos

jurídicos, não contrariando normas ou princípios do direito vigente. É a vinculação

indissolúvel do uso da força à norma jurídica, princípio de observação imperiosa e ao

qual todos devem se submeter, especialmente aqueles que defendem o uso de

armamentos - de natureza letal ou não - contra a população civil.

O Direito vincula certas condições para o uso da força nas relações entre os

homens, autorizando o emprego da força apenas por certos indivíduos e sob certas

circunstâncias”. KELSEN, ressaltando à aparente antinomia do Direito conclui: “o

Direito autoriza certas condutas que, sob todas as outras circunstancias, deve ser

considerada ”proibida”; ser considerada proibida significa ser a própria condição que

tal ato coercitivo atue como sanção. [...] E, precisamente por fazê-lo, o Direito

pacifica a comunidade”. (KELSEN, 1998, p. 29-30).

2.3 O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE NAS AÇÕES DO ESTADO

As raízes do princípio da proporcionalidade encontram-se intrinsecamente

ligadas à evolução dos direitos e garantias individuais da pessoa humana. Nasceu

no âmbito do direito administrativo como princípio geral do poder de polícia e se

desenvolveu como evolução do princípio da legalidade, criando mecanismos

capazes de controlar o Estado no exercício de suas funções, de modo a evitar o

arbítrio e o abuso de poder, limitando a atuação do monarca face aos súditos.

Assim, durante a passagem do Estado Absolutista – no qual o governante tinha

poderes plenos – para o Estado de Direito, que pela primeira vez emprega-se o

princípio da proporcionalidade. (CANOTILHO, 2000, p. 256)

No século XVII, durante o período iluminista, as tentativas burguesas de

limitar o poder Estatal tomaram corpo. A doutrina iluminista apegava-se à crença da

intangibilidade do homem e da necessidade incondicionada de respeito a sua

dignidade, firmando-se a idéia de que a limitação da liberdade individual só se

Page 26: PONTES, Walace Tarcisio. Armas Não Letais

24

justificaria se atuasse no sentido de buscar a concretização de interesses coletivos

superiores. Quanto ao exercício do poder de polícia, já no plano do direito

administrativo, esse somente estaria legitimado caso não fosse empregado com

excesso de restrição aos direitos individuais. (FERNANDES, 2005, p. 54)

Foi após a 2ª Guerra Mundial, na Alemanha - onde também é conhecido

com princípio da proibição do excesso - que o princípio da proporcionalidade passou

a ser aceito por um Tribunal Constitucional. Em seguida também o Tribunal Europeu

de Direitos Humanos passou a destacá-lo em sua jurisprudência. Seria um princípio

que obrigaria o operador jurídico a tratar de alcançar o justo equilíbrio entre os

interesses em conflito, e em sentido mais estrito, tratar-se-ia de princípio de garantia

do indivíduo contra os abusos no exercício do poder. (FERNANDES, 2005, p. 55)

Na Constituição brasileira não houve previsão expressa ao princípio da

proporcionalidade, entretanto, a presença de seus comandos pode ser detectada,

ainda que implicitamente, em várias normas contidas na carta maior. Está inserido

no contexto normativo dos direitos fundamentais e de seus mecanismos de

proteção16, o que não subtrai do princípio sua característica de garantia especial, a

qual exige que toda e qualquer intervenção na esfera dos direitos fundamentais se

dê por necessidade, de forma adequada e na justa medida.

O princípio da proporcionalidade busca tornar claro o ajuste necessário entre

o fim de uma norma e os meios que esta prevê para atingi-lo, ou ainda, entre a

norma elaborada e o uso que dela foi feito (ou será) pelo Estado, e é exatamente

esta adequação que deve pautar o uso de dispositivos de controle e armamentos

pelas forças de segurança, especialmente pela possibilidade de virem a ser

empregados contra cidadãos em geral.

Assim, ao se cogitar a utilização de novas opções de armamentos

destinados ao controle social, mesmo aqueles tecnicamente de baixa letalidade, há

que se fazer um juízo de ponderação entre a adoção da medida e as eventuais

lesões que a utilização daquela opção poderá trazer aos direitos constitucionalmente

protegidos. Mormente, na área da segurança pública, há de se fazer uma criteriosa

avaliação entre os bens juridicamente tutelados que serão postos em questão com a

16 Nossa Corte Suprema tem adotado a denominação clássica de princípio da proporcionalidade, a

qual vem sendo reiteradamente utilizada desde o primeiro acórdão proferido em sede de controle da constitucionalidade.

Page 27: PONTES, Walace Tarcisio. Armas Não Letais

25

adoção da medida e os benefícios que serão obtidos, de modo a adequar essa

medida ao dano efetivamente causado a sociedade.

2.4 RAZÕES QUE PODEM RECOMENDAR O USO DE ARMAS NÃO LETAIS

Ainda que o uso de dispositivos não letais siga controverso para alguns, a

capacidade de se valer com exclusividade do uso da força legítima, aliado ao

princípio da proporcionalidade – cuja observação o Estado está constitucionalmente

obrigado – por si só, já nos forneceria alguns elementos teóricos adequados a

propor o uso daquela tecnologia em ações de controle da ordem e da segurança

urbana.

A necessidade de mais opções ao Estado para lidar com questões

relacionadas ao combate à criminalidade e ao controle de distúrbios civis, aliado ao

anseio de reduzir o uso da força ao mínimo necessário sem expor a riscos os

próprios agentes do Estado, têm sido as principais razões a impulsionarem a

utilização dessas novas tecnologias, na visão de Mark R. Thomas, militar da força

aérea norte-americana e estudioso dos armamentos não letais (THOMAS, Mark R.

1998).

Em um trabalho acadêmico apresentado ao Air Command and Staff College,

dos Estados Unidos da América, intitulado “Armamento Não Letal. Um panorama

para a futura integração"17, aquele estudioso faz uma oportuna abordagem acerca

daquelas razões, destacando questões importantes relativas ao uso de armamentos

não letais, como o histórico de eventos de não letalidade, os motivos que os

conduzem, os cenários em que são empregados e os critérios de avaliação para a

adequação daquele armamento.

Embora aquele autor tenha como base instrumental de suas pesquisas os

conflitos militares, as ideias por ele levantadas, especialmente os motivos que levam

à utilização de armas não letais em determinadas batalhas, emprestam-nos

subsídios para o entendimento das razões que conduzem distintos governos a

empregar dispositivos concebidos para fins militares também em confrontos na

17 "Non-Lethal Weaponry: A framework for future integration”. THOMAS, Mark. Air Comand and Staff College. 1998

Page 28: PONTES, Walace Tarcisio. Armas Não Letais

26

segurança pública. E na visão daquele autor a redução de danos e de incidentes

indesejáveis, como lesões graves ou mortes, constitui o motivo mais assinalado a

recomendar o uso pelo Estado de armas com menor potencial lesivo.

Neste aspecto, trazendo um exemplo pertinente e bem próximo de nós,

lembramos o evento ocorrido no município paraense de Eldorado dos Carajás, fato

que despertou no Brasil o interesse pelo uso adequado e proporcional de armas não

letais em distúrbios civis. Em 17 de abril de 1996, 19 sem-terra foram mortos pela

Polícia Militar e 50 saíram feridos. Naquela oportunidade, uma força policial foi

deslocada para a região rural de Eldorado dos Carajás na tentativa de desobstruir a

rodovia BR-155 que liga a capital paraense ao município, ocupada por centenas de

trabalhadores sem-terra que protestavam contra a demora na desapropriação de

terras para reforma agrária.

A PM havia sido autorizada pelo Secretário de Segurança Pública a “usar a

força necessária, inclusive atirar”. Foi o que ocorreu. Após o uso inicial de algumas

bombas de gás lacrimogênio, ante a violenta reação da turba, a polícia logo fez uso

de armas de fogo, e embora imagens gravadas mostrassem o uso de paus, pedras e

até de armas de fogo por parte dos sem-terra, um morticínio se concretizou sem que

houvessem feridos do lado policial. Mais tarde, chamou a atenção de especialistas, a

desproporção de armas utilizadas pela Polícia Militar: 02 escopetas, 04

metralhadoras e 50 fuzis e revólveres. (“Sangue em Eldorado”. Publicado na revista

VEJA, edição n.º 1141. Ano 29. Nº 17. 24/04/1996).

Embora os policiais contassem com bombas de gás lacrimogênio, essas

foram usadas inadequadamente, acirrando os ânimos dos sem-terra e levando a

polícia militar a lançar mão de armas letais. As cenas da carnificina, mostradas ao

vivo pela TV, contribuíram para jogar a opinião pública contra o Governador,

principal responsável pela ordem. O despreparo dos policiais e o uso inapropriado

dos meios disponíveis restaram evidentes, dando azo a críticas de inegável

procedência. Nem a comprovação de uso de armas de fogo pelos sem-terra

minimizou as críticas contra a atuação da polícia paraense.

A minimização dos danos em instalações e infraestruturas também

recomenda o uso de armas não letais. Não se deseja em uma ação do Estado a

destruição de coisas, sejam elas pertencentes ao patrimônio público ou privado. De

um lado cabe ao governo promover um estado de paz, e uma ação destrutiva

Page 29: PONTES, Walace Tarcisio. Armas Não Letais

27

mostra-se incoerente. Por outro, caberá ao Estado o custo da reconstrução daquilo

que danificou.

2.5 USO PROGRESSIVO DA FORÇA

Vimos no item 2.3 que cabe ao Estado o monopólio do uso da força, o qual é

exercido no âmbito interno pelas forças de segurança pública. Porém, temos que

destacar que embora legítima em sua sustentação ideológica, reconhecida em

textos e princípios legais, até mesmo aquela violência quando posta em prática pode

resultar em lesões e mortes de cidadãos.

Para minimizar os riscos da ocorrência de eventos indesejáveis que resultem

em destruição desnecessária ou lesões graves e mortes, o Estado, através dos

agentes legalmente capacitados, pode e deve se valer do uso de sua força, contudo

o fazendo de forma progressiva, ou seja, com crescimento paulatino e gradual, indo

de um nível mais baixo, caracterizado pela simples presença física, até o uso de

dispositivos letais, os quais agora passam a ser utilizados tão somente após o uso

das armas não letais, em um encadeamento lógico e progressivo dos meios

disponíveis de dissuasão. Trata-se de uma rotina de procedimentos derivados regras

de engajamento militares, metodologia que recentemente tem inspirado técnicas das

forças de segurança pública.18

Para Tania Pinc, policial militar do Estado de São Paulo e doutora em

Ciências Políticas pela Universidade de São Paulo, o foco demasiado na ideia de

violência legal contribui para formar uma percepção distorcida do trabalho policial,

levando alguns a crer que a polícia saia às ruas usando apenas a força física e letal,

e desta forma a ação policial tende a ser percebida como violadora dos direitos da

18 O próprio “disparo” de advertência, muito utilizado pelas sentinelas militares, é uma forma menos

gravosa de advertência que antecede o disparo contra o invasor. Mas Alexander nos apresenta um exemplo melhor de uso progressivo da força relembrando que desde o atentado terrorista ao destroier norte-americano USS COLE no Porto de Aden, no dia 12/12/2000, o Departamento de Defesa recomendou procedimentos de segurança de todas as embarcações ancoradas em portos estrangeiros que envolvem o uso de armas letais e não letais. A arquitetura dessa defesa contempla camadas ou zonas relacionadas com a natureza de uma ameaça potencial. Qualquer embarcação que se aproxime caracteriza a ameaça ao chegar a uma determinada distância, ou seja, se penetrar na zona 1, ou bolha externa de defesa, composta de três dimensões. Ao invadir a zona 2, as regras de engajamento especificam que o comandante tem o direito de defender o navio usando meios letais se necessário, porém antecedendo-os está programado “um conjunto claramente definido de ações relacionadas ao nível crescente de letalidade: (1) avaliar, (2) alertar, (3) ameaçar, (4) intimidar, (5) incapacitar (pessoal ou material) (6) desconjuntar, (7) infligir dano material e, finalmente, (8) destruir.” ALEXANDER. 2005. P. 135 e 136.

Page 30: PONTES, Walace Tarcisio. Armas Não Letais

28

pessoa humana. PINC traz uma importante contribuição acadêmica ao debate

acerca do uso de armas não letais ao discorrer sobre o uso escalonado da força,

recorrendo a autores de renome que se destacaram no estudo daquela parcela da

atuação das forças públicas no controle social. Relembra que o uso da força pelo

Estado pressupõe a existência de graus diferentes daquela ação. De forma

semelhante, a violência da qual pode lançar mão o agente do Estado implica numa

legalidade apenas relativa da ação, ou seja, o policial não poderá exceder os limites

do uso da força (PINC, 2007).

Ora, não se afiguraria razoável que dispondo de armamentos não letais

como opção de uso, uma equipe policial sacasse suas armas de fogo para conter,

por exemplo, um deficiente mental que estive ameaçando transeuntes com uma

pedra, deixando intocados em seus coldres armas de eletrochoque ou cassetetes

que estivessem portando. Ou ainda que essa mesma equipe, em superioridade

numérica, utilizasse demasiadamente a força física e a violência contra o deficiente

sem ao menos tentar dialogar com o pretenso agressor. (PINC, Tania. 2007.

“Abordagem policial: um encontro (des)concertante entre a polícia e o público”. Em

Revista Brasileira de Segurança Pública. Ano 1. Edição 2)

A fim de ilustrar a demonstração de uso contínuo da força, PINC recorta os

ensinamentos de Alpert e Dunham (2000) apresentando um quadro de escala de

força contínua que tem sido incorporada por várias instituições policiais:

Quadro I Uso de força contínua pela polícia

1. Nenhuma força;

2. Ação da presença do policial uniformizado;

3. Comunicação verbal;

4. Condução de preso (uso de algemas e outras técnicas de imobilização);

5. Uso de agentes químicos;

6. Táticas físicas e uso de armas diferentes de substâncias químicas e de

arma de fogo;

7. Uso de arma de fogo e da força letal.

Fonte: Alpert e Dunham (2000). Apud PINC, Tania. 2007.

Analisando o quadro acima é possível perceber que a estruturação

metodológica do uso controlado da força recomenda que a ação tenha início sem

Page 31: PONTES, Walace Tarcisio. Armas Não Letais

29

uso de qualquer constrangimento, ou seja, parte-se da não utilização de qualquer

ato de força iniciando a ação coercitiva com a simples presença do policial

uniformizado e atingindo-se o ponto máximo com o uso da arma de fogo, não sem

antes passar pela comunicação verbal seguida do uso de armas não letais, cuja

aplicação também há de observar não apenas a proporcionalidade da ação, mas

também um escalonamento dos dispositivos não letais disponíveis, a depender de

suas características (itens 4, 5 e 6).

PINC faz ainda uma outra observação muito interessante acerca da

inexistência de textos legais específicos definindo em que momento e conjunturas os

agentes do estado deveriam ou poderiam fazer uso da força, creditando a ausência

dessas normas à incapacidade dos legisladores de preverem tais circunstâncias.

Para aquela autora, o grau da força a ser utilizado é determinado pelo agente policial

no momento do evento, devendo ele agir com regular discricionariedade. Ressalva,

contudo, que a discricionariedade da qual dispõe o policial deve estar pautada por

procedimentos operacionais estabelecedores de parâmetros que proporcionem uma

decisão adequada pelo policial, por vezes escolhida em curto espaço de tempo

dentre um conjunto de alternativas legais disponíveis. (PINC, 2007)

Em um cenário onde as tensões estão em alta e o estado psicológico do

policial encontra-se presumivelmente alterado pelo estresse da ação, não é

improvável que venham a ocorrer casos de uso inadequado da força, em

intensidade superior à necessária, dos quais resultem lesões graves ou mortes

indesejadas. As armas não letais apresentam-se como formas alternativas,

fornecendo aos policiais a opção para uma abordagem adequada e proporcional ao

perigo enfrentado.

Page 32: PONTES, Walace Tarcisio. Armas Não Letais

30

3 ARMAS NÃO LETAIS: CARACTERÍSTICAS DAS PRINCIPAIS TECNOLOGIAS

DISPONÍVEIS

Para a Anistia Internacional, organização não governamental com

expressiva atuação em quase todo o planeta, desde a veiculação pela ONU dos

“Princípios Básicos sobre o Uso da Força e Armas de Fogo pelos Funcionários

Responsáveis pela aplicação da Lei”, em setembro de 1990, os Estados vêm se

sentindo encorajados a desenvolverem e permitirem que seus agentes façam uso de

armas não letais (designadas por aquela ONG pela expressão “menos-letal”) como

forma de resposta gradual no uso da força, fomentando ao redor do mundo o

surgimento e crescimento de um grande número de empresas e equipamentos, mas

nem tudo o que se tem produzido nesse campo é positivo.

Certos tipos de equipamentos são inerentemente mais prejudiciais que

outros, aumentando os riscos ao invés de diminuí-los. Alguns podem até permitir que

os agentes da lei alcancem determinados objetivos com o uso reduzido de força,

mas também podem causar mortes e lesões graves quando utilizados de maneira

inadequada ou abusiva, referindo-se, em particular, aos equipamentos usualmente

classificados como “dispositivos de controle de distúrbios” como canhões de água,

cassetetes, armas de impacto cinético (uso de balas de plástico ou borracha) e

irritantes químicos como spray de pimenta e bombas de gás lacrimogêneo 19.

Às críticas elaboradas por aquela ONG acerca da utilização de armas não

letais parecem cristalizar as principais reclamações populares em desfavor dessas

novas tecnologias de controle social. São inúmeras as tecnologias disponíveis,

porém, por questões didáticas, abordaremos nesse trabalho apenas os dispositivos

mais comumente utilizados pelas forças de segurança pública no Brasil, deixando de

comentar um extenso rol de equipamentos não letais por não serem eles

habitualmente empregados em ações daquela natureza. Para tanto, pesquisamos e

identificamos as principais tecnologias em uso (ressalvadas algumas exceções

apontadas em caráter didático) tanto nas matérias jornalísticas com as quais

trabalhamos como nas informações colhidas em questionamentos previamente

enviados às Secretarias de Segurança Pública dos Estados do Rio de Janeiro,

Espírito Santo, Minas Gerais, Mato Grosso e Amapá, não havendo, portanto,

19 The Human Rights Impact of less lethal weapon and other Law enforcement equipament. Anistia

Internacional 2015.

Page 33: PONTES, Walace Tarcisio. Armas Não Letais

31

nenhuma praticidade técnica para a classificação que abaixo projetada, que atende

tão somente os interesses deste trabalho acadêmico.

3.1 ARMAS DE BAIXA ENERGIA CINÉTICA

Nesse tópico serão explorados os principais dispositivos de impacto cinético,

incluindo aqueles considerados os precursores das armas não letais para uso em

ações de segurança pública, os conhecidos cassetetes de uso policial (e suas

variações), abordando ainda os projéteis de lançamento, como as munições

marcadoras e as "balas de borracha" e suas variações em materiais semi-rígidos

como o plástico ou polietileno.

3.1.1 Canhões D'Água

Canhões d'água consistem basicamente de um sistema de bombeamento

de água em alta pressão geralmente montados sobre caminhões com a finalidade

de disparar jatos de água contra pessoas e multidões. Inspirados em dispositivos

utilizados em embarcações e viaturas de Corpos de Bombeiros, foram adaptados

pelas forças de segurança pública para emprego em ações de controle de distúrbios.

Os canhões d'água são considerados artefatos de baixo potencial lesivo e governos,

de várias partes do mundo, os vem utilizando para equipar seus aparatos

repressivos.

Os mecanismos modernos dispõem de controles de pressão que permitem

dimensionar a força dos jatos da água lançados, sendo capaz de empurrar uma

pessoa para trás, lançá-la ao chão. Os canhões d'água, contudo, são alvo de fortes

críticas em face dos traumas que podem causar a pessoas, às vezes de natureza

grave20, especialmente quando usados indiscriminadamente contra aglomerações.

Teme-se ainda que a pressão da água possa lançar objetos soltos ou empurrar uma

20 O uso de canhões de água em contextos antimotim pode levar a ferimentos ou morte, com registros

de vítimas mortais na Indonésia (em 1996, quando a carga útil do canhão continha amônia); no Zimbabwe, em 2007, quando o uso de canhões em uma multidão pacífica pânico causado; Em 2013 estavam presentes em quase todos os protestos na Turquia; na Ucrânia, em 2014, com a morte do ativista e empresário Bogdan Kalynyak, supostamente pegando pneumonia depois de ter sido pulverizada por canhões de água em temperaturas de congelamento. Tradução nossa. Disponível em < https://en.wikipedia.org/wiki/Water_cannon#cite_note-1> em 15 jul. 2015.

Page 34: PONTES, Walace Tarcisio. Armas Não Letais

32

pessoa contra outros que possam feri-la. A alta pressão dos jatos torna, os olhos,

áreas do corpo vulneráveis ao impacto direto21.

Para a organização não governamental Anistia Internacional, que

recentemente produziu e veiculou um artigo sobre os efeitos provocados em seres

humanos por uma seleção de armas não letais utilizados pelas forças policiais22,

especialistas médicos, cientistas e órgãos independentes deveriam estudar e

debater os efeitos do emprego dos canhões d'água contra pessoas, ainda que se

admita seu uso quando legalmente autorizado, proporcional ao perigo representado

pelo evento, e aplicado com o empenho mínimo e estritamente necessário para

conter ou dispersar indivíduos ou grupos que representem ameaça social. Somente

devendo ser usado quando o grau de violência atingir um nível em que os agentes

da lei não mais consigam conter a ameaça pela adoção de artefatos e rotinas

operacionais menos gravosas. (Anistia Internacional. 2015. Pág. 26)

3.1.2 Armas Contundentes, Cassetetes, Tonfas e Similares

Instrumento portátil, de características contundentes, muito utilizado por

forças de segurança pública e privada em várias partes do mundo. Quando

operados por profissionais mediante a aplicação de técnicas e procedimentos

especiais, e por profissionais capacitados, apresentam-se como uma opção prática

para a intimidação de suspeitos, ou mesmo para defesa pessoal e imobilização de

eventuais agressores.

A palavra "cassetete" é de origem francesa - "casse-tete"23 - que,

literalmente, significa "quebra-cabeça". São habitualmente fabricados em madeira ou

em borracha. Algumas variações do mesmo dispositivo também são observadas,

como os longos e intimidatórios bastões de madeira, que chegam a alcançar um

21 Em 30 de setembro de 2010, durante uma manifestação de protesto contra o projeto Stuttgart 21

na Alemanha, um manifestante foi atingido no rosto por um canhão de água, sofrendo com os danos a suas pálpebras, uma fratura de uma parte do osso da retina e danos às retinas. As lesões oculares assim infligidas resultou na perda quase completa da visão. O evento provocou um debate nacional sobre a brutalidade da polícia e a proporcionalidade no uso da força estatal. Disponível em < https://en.wikipedia.org/wiki/Water_cannon#cite_note-1> em 15 jul. 2015.

22 The human rights impact of less lethal weapons and other law enforcement equipament. Anistia Internacional. 2015.

23 Disponível em <http://www.portuguesnarede.com/2009/02/cacetete-ou-cassetete.html> em 25 mai. 2015.

Page 35: PONTES, Walace Tarcisio. Armas Não Letais

33

metro de comprimento e são utilizados por várias instituições policiais militares, tanto

em ações de manutenção da ordem pública quanto por guarnições montadas a

cavalo (quando a distância entre o policial e o provável agressor é maior, tornando-

se necessário uma arma mais longa).

Ainda nesse mesmo grupo de dispositivos portáteis podemos incluir os

"bastões retráteis" - rígidos ou flexíveis - bem como a "tonfa", artefato de origem

asiática, inicialmente idealizado como instrumento agrícola para a colheita e

moagem do arroz e posteriormente utilizado como arma de defesa e ataque em lutas

marciais. A tonfa constitui-se de uma vara com uma alça perpendicular anexada a

cerca de um terço de seu comprimento, normalmente entre 25 e 40 cm. Difundiu-se

inicialmente entre as polícias norte-americanas, após o que migrou para vários

países, dentre eles o Brasil, onde algumas corporações policiais passaram a utilizá-

la em substituição ao tradicional cassetete. Por sua ação igualmente contundente, a

tonfa é concebida para causar dores e lesões físicas – que podem incluir contusões

e lacerações. Sua utilização abusiva pode ocasionar lesões graves, como ossos

quebrados ou até eventos letais, quando, por exemplo, utilizado contra a região

craniana.

Para a Anistia Internacional, tais dispositivos estariam sendo amplamente

utilizados de maneira abusiva por agentes da lei, não raramente contra áreas

sensíveis do corpo, causando lesões físicas injustificadas, o que levou aquela ONG

a recomendar, como formas de mitigar o risco de uso excessivo da força, um

controle efetivo do uso daquelas armas, e treinamentos rigorosos para os agentes

da lei em disciplinas de Direitos Humanos, tornando-se não apenas necessário

controlar rigorosamente o uso de armas contundentes, mas também prover uma

rigorosa formação dos agentes em Direitos Humanos, a fim a mitigar

adequadamente o risco do uso excessivo e desnecessário da força. (Anistia

Internacional, 2015. Pág. 16).

A formação dos agentes responsáveis pela aplicação da lei é, sem dúvidas,

um elemento óbvio nos esforços para incutir boas práticas no uso de armas não

letais, e o treinamento inadequado ajuda a explicar a razão da ocorrência de lesões

desnecessárias. Nesse sentido também a ONU – Organização das Nações Unidas

apregoa a necessidade de treinamentos específicos para aqueles profissionais,

devendo os governos e as respectivas instituições responsáveis pela aplicação da

Page 36: PONTES, Walace Tarcisio. Armas Não Letais

34

lei dar atenção especial às questões de ética policial e de direitos humanos24, tendo

o governo brasileiro passado a adotar aquela providência, da qual falaremos no

capítulo seguinte, ao abordarmos o direito internacional e a legislação interna.

3.1.2 Projéteis de Baixo Impacto (ou de Impacto Controlado)

Semelhantes às munições convencionais são também chamados projéteis

de baixa energia cinética, de impacto controlado, ou mais popularmente “balas de

borracha”. Tratam-se de uma família de munições não letais concebidas para

provocar impactos não penetrantes, constituindo-se em uma alternativa ao uso de

munições tradicionais. Ao lado dos cassetetes, bastões e tonfas, vem sendo

largamente utilizados por forças policias do mundo inteiro. Podem ser disparados a

partir de uma vasta gama de lançadores, não raramente, a partir das próprias armas

convencionais utilizadas pelas forças de segurança.

Produzidos em plástico, borracha ou espuma de alta densidade, são

fabricadas em diversos calibres sendo de 12, 38.1 e 40 milímetros os mais comuns.

São de extrema importância nas operações de controle de distúrbios e no combate à

criminalidade, equipando as tropas de choque e de operações especiais com

recursos eficazes, resultantes da ação explosiva associada aos efeitos

complementares dos diversos tipos de munições desta linha. Podem ser lançados a

distâncias médias de 100m quando disparadas a partir de um lançador especial,

evitando que seu usuário seja atingido por objetos atirados por manifestantes.

Em suas pesquisas sobre as armas não letais, ALEXANDER destacou que

as primeiras munições dessa espécie eram projetis feitos de bastonetes de madeira

de teca, utilizados na década de 1960 contra grevistas e manifestantes antibritânicos

na então colônia inglesa de Hong Kong, tornando-se um modelo para as futuras

armas cinéticas com capacidade dissuasória suficiente para dispersar multidões.

Naqueles anos as armas concebidas para disparar projéteis de baixa

energia cinética eram apontadas para o chão, visando assim atingir apenas as

pernas dos manifestantes, evitando ferimentos graves. Por essa razão, os primeiros

projetis de madeira ficaram conhecidos como knee-knockers, denominação que em

24 Princípios Básicos sobre o Uso da Força e Armas de Fogo pelos Funcionários Responsáveis pela

Aplicação da Lei. Oitavo Congresso das Nações Unidas para Prevenção do Crime e Tratamento dos Delinquentes, realizado em Havana, Cuba, em 27/08/1999.

Page 37: PONTES, Walace Tarcisio. Armas Não Letais

35

tradução livre poderíamos chamar de “espancadores de joelhos”. Mesmo em tempos

atuais, especialistas advertem para o forte impacto provocado por projetis daquela

natureza, que deixam o cano da arma a velocidades que superam 300 km/h,

mostrando-se seguras apenas quando disparadas a uma distância mínima de 23

metros do alvo, e direcionadas à parte inferior do corpo ou aos membros.

(ALEXANDER, 2003, fls. 128/129).

Nos Estados Unidos, as munições de baixo-impacto foram utilizadas pela

primeira vez contra agitadores estudantis na Universidade de Berkeley, em 1971,

com projetis ainda confeccionados em madeira. Foi apenas em meados daquela

década que os ingleses começaram a desenvolver munições com projetis de plástico

ou borracha, atualmente empregados em várias partes do mundo. Mesmo após o

desenvolvimento de uma versão “mais segura” na Irlanda do Norte, a utilização de

munições de baixo-impacto no Reino Unido só ocorreu em 1985 (WRITE, 1998, fl.

22).

Apontando para o perigo do uso daqueles dispositivos, um relatório

produzido por cirurgiões que trabalhavam no Victoria Hospital, em Belfast, à época

das sangrentas manifestações ocorridas nos finais dos anos 60 e início dos anos 70,

aponta que 90 pacientes deram entrada nas enfermarias após serem atingidos por

balas de borracha. Dentre aqueles feridos, 41 precisaram de tratamentos médicos

especiais. As enfermidades contabilizavam 32 fraturas de ossos da face (nariz,

mandíbula, bochecha e etc.) – 08 com rompimento de globos oculares que

resultaram em cegueira e 03 casos de danos cerebrais graves – 07 casos de lesão

pulmonar e um caso de danos graves ao fígado, baço e intestino (WRITE, fl. 31).

Em 1998, um estudo desenvolvido em 1998 pela Omega Foundation para o

Parlamento Europeu destacou o perigo da utilização daquelas munições contra

multidões. Mas a despeito das críticas e das preocupações despertadas desde o

início de sua utilização contra a população civil, o sucesso das munições de baixo-

impacto foi tão grande que no final do século passado existiam 856 companhias em

47 países produzindo aqueles dispositivos.

Diante das evidências sobre os efeitos indesejados provocados por aquelas

armas não letais, o estudo desenvolvido para o Parlamento europeu criticou ainda a

forma indevida como cientistas, militares e chefes de polícia abordavam o assunto

sobre o uso de munições de baixo-impacto na Irlanda do Norte, levando o público a

acreditar que aqueles dispositivos eram inofensivos e haviam sido projetados por

Page 38: PONTES, Walace Tarcisio. Armas Não Letais

36

razões humanitárias. A percepção equivocada dos efeitos nocivos daqueles

armamentos estava sendo reforçada por relatos de laboratórios e fabricantes, que

defendiam o seu uso e asseguravam a não letalidade, ainda que não houvesse

estudos científicos suficientes sobre seus efeitos.

O próprio Secretário de Estado de Defesa, seis anos após o encerramento

daquelas manifestações, ainda não sabia esclarecer absolutamente nada quando

questionado sobre as investigações e conclusões relacionadas às mortes e

ferimentos apontados no relatório elaborado pelos cirurgiões irlandeses.

Propugnando pela necessidade de um aprofundamento nos estudos sobre os efeitos

da nova tecnologia, uma comissão internacional de investigação patrocinada pela

Association of Legal Justice havia constatado em 1981 que as autoridades da

Irlanda do Norte teriam conscientemente permitido a utilização generalizada e

indiscriminada de uma arma cujo potencial letal era bem conhecido. (WRITE, fl. 32).

Também em Israel, há estudos demonstrando que 152 pessoas foram

admitidas em hospitais, no início de outubro de 2000, com ferimentos de balas de

borracha. 19% foram considerados como "ferimentos graves", e três pessoas

ficaram permanentemente cegas, levando os pesquisadores a afirmarem que

aquelas armas podem até ser menos letais, mas são extremamente prejudiciais,

podendo levar a eventos letais especialmente quando o ferimento for a à queima

roupa, ou atingir o pescoço ou o rosto. Relatórios de autópsias de mortes de civis

palestinos entre 1987 e 1993 concluiu que as balas de borracha mataram ao menos

20 pessoas 25.

Para Alexander todas as munições daquela natureza devem trazer gravadas

advertências sobre os riscos decorrentes da utilização inadequada. Ao recordar as

vítimas fatais dos eventos em Belfast, o especialista destacou que “em nenhum lugar

esse aviso [advertências] foi mais justificável do que na Irlanda do Norte, onde 17

pessoas foram mortas acidentalmente por balas de plástico ou de borracha”. Cabe

aqui destacar que embora aquele especialista reconheça a possibilidade de

munições de baixo-impacto causarem ferimentos graves – e até morte – também

defende, com ênfase, o seu uso sob a alegação de que os eventos graves seriam

proporcionalmente raros e passíveis de serem reduzidos mediante o uso adequado.

25 What the Police's 'Non Lethal Weapons' can do to human bodies. Disponível em

<http://thinkprogress.org/health/2014/08/18/3472348/non-lethal-weapons-health-effects/> em 23 abr. 2015.

Page 39: PONTES, Walace Tarcisio. Armas Não Letais

37

Reforça ainda seu entendimento ao afirmar que se necessário e autorizado o uso da

força, “essas injúrias podem ser aceitáveis, se comparadas com o dano causado por

um projétil padrão”. (ALEXANDER, 2003, fls. 132/134)

Na interpretação da ONG Anistia Internacional, mesmo quando utilizados de

acordo com as instruções do fabricante, os projetis de baixo impacto podem causar

traumatismos graves e até fatais, sendo elevado o risco de lesões especialmente na

região dos olhos. Tais riscos se agravam quando utilizados a curta distância,

podendo impactar o corpo com energia excessiva, ou em manifestações, quando

disparos indiscriminados contra aglomerações de pessoas tendem a atingir inclusive

espectadores alheios aos riscos. (Anistia Internacional, 2015, fl. 17)

A preocupação com o uso de munições de baixo impacto também encontra

eco aqui no Brasil. Atualmente tramita no Senado Federal um projeto de lei, de

autoria do senador Lindbergh Farias, objetivando limitar o uso da força em

operações policiais durante manifestações públicas. Entre as medidas propostas

está a proibição da “utilização de armas equipadas com balas de borracha, festim e

afins”. (PL n.º 300/20113).

3.1.3 Granadas Explosivas

Embora propelidos de forma diversa das balas de borracha, também

assemelham-se às munições de baixo impacto aquelas propelidas por granadas de

mão ou lançadas através de artefatos especiais. Tratam-se de granadas de explosão

múltiplas ou de múltiplos impactos, concebidas para serem utilizadas no combate à

criminalidade ou em operações de controle de distúrbios civis graves, quando

infratores ou manifestantes encontrem-se protegidos por edificações ou barricadas.

Apresentam efeito atordoante provocado pela detonação de carga explosiva

associada ao impacto de múltiplos projéteis de borracha (ou de agentes

lacrimogêneos ou de pimenta, como veremos mais adiante). Ante às características

dos objetos propelidos pela explosão das granadas, e por sua própria fragmentação,

seus efeitos assemelham-se àqueles provocados pelas balas de borracha, podendo

provocar lesões e traumas, com o agravante de seus projéteis serem lançados

aleatoriamente em diversas direções, aumentando-se a possibilidade de atingirem

Page 40: PONTES, Walace Tarcisio. Armas Não Letais

38

partes sensíveis das pessoas contra as quais forem lançadas, ou até inocentes que

se encontrem nas proximidades.

Podem também ser utilizadas em ambientes fechados ("granadas explosivas

indoor"), provocando surpresa e atordoamento, criando condições favoráveis para

uma rápida intervenção policial, especialmente quando associados a efeitos sonoros

e/ou luminosos intensos, bem como à formação de nuvens de fumaça (essas

inócuas). Habitualmente equipam as tropas de choque e de operações especiais,

que nelas reconhecem grande eficácia, a despeito dos riscos dos quais falamos.

3.2 ARMAS NÃO CINÉTICAS

A definição de armas não letais tem seu ponto focal mais no objetivo do que

na descrição do sistema. Elas incorporam uma extensa variedade de tecnologias,

que vão desde aquelas destinadas a provocar impactos contra o corpo humano,

vistas nos tópicos antecedentes, como outras que, por efeitos diversos, também

buscam provocar desconfortos e dores.

Passamos agora a analisar as tecnologias químicas, acústicas e

eletromagnéticas utilizadas na concepção de algumas das armas não letais em uso

por forças de segurança no Brasil e no mundo, bem como suas principais

características e os efeitos provocados sobre o corpo humano.

3.2.1 Armas Químicas

Como nos pontua o pesquisador John Alexander, existe atualmente uma

grande variedade de opções químicas não letais para emprego militar e policial, mas

a simples menção do termo "químicas" provoca uma resposta emocional, não

importa se os seres humanos sejam afetados ou não. Para além dos temores

subjetivos, tem-se como certo que as reações do corpo a este ou aquele agente

químico decorrem de fatores complexos, como idade, peso corporal, condições

físicas, problemas de saúde pré-existentes etc., sendo, portanto, necessário termos

em mente a dimensão dessa relatividade ao abordarmos os efeitos das armas

químicas não letais utilizadas pelas forças de segurança. "A dose necessária para

Page 41: PONTES, Walace Tarcisio. Armas Não Letais

39

um homem normal pode matar uma criança. Uma dose menor pode falhar".

(ALEXANDER, 2003, fl. 111)

Entre as principais armas químicas utilizadas pelas forças policiais podemos

destacar os gás lacrimogêneo e o spray de pimenta, ambos com alta capacidade

irritante e cada vez mais utilizados tanto por forças especiais em combate à

criminalidade quanto em ações de controles de distúrbios civis.

Os compostos irritantes contidos naqueles gases podem ser liberados por

meio de granadas ou em forma de aerossóis, afetando especialmente os olhos, nariz

e garganta, causando lacrimação, náuseas, vômitos e sensação de queimação na

pele. O gás ativa os receptores de dor do organismo, e em resposta à agressão do

organismo, as vítimas engasgam e tossem compulsivamente, seus olhos lacrimejam

em excesso numa tentativa do organismo de expulsar o produto químico. Há tantos

receptores de dor na córnea que geralmente é impossível manter os olhos abertos,

chegando alguns a relatarem cegueira temporária. Pessoas que sofrem de asma ou

foram atingidas pelo gás em espaços confinados têm muita dificuldade de respirar. O

efeito é persistente e devido a sua dipersão em micropartículas sua remoção é difícil

Até a década de noventa apenas quatro agentes químicos foram utilizados

para esses fins, ou seja o CS (Ortoclorobenzalmalonitrilo, mais comum entre as

forças de segurança, onde também é conhecido como gás lacrimogêneo), o CN

(Cloroacetophenone), o CR (Dibenzoxazepine) e, recentemente, o OC (Oleoresin

Capsicum, ou gás de pimenta, também muito utilizado aqui no Brasil). Isso se deve à

dificuldade de se conciliar um agente de baixa toxidade, mas alta eficácia. O CN e o

CS foram muito utilizados na Guerra do Vietnam para desalojar vietnamitas dos

túneis, e centenas de mortes foram a eles atribuídas.

A polêmica acerca do uso de tais produtos químicos é acentuada.

Especialistas que defendem seu uso, como John Alexander, alegam que "embora

[os gases] sejam tóxicos, não se acredita que possam causar riscos a saúde em

limitadas aplicações de pouca persistência. Os sintomas normalmente desaparecem

dentro de 24 horas da exposição" (ALEXANDER, 2003, fl. 112). Porém há várias

opiniões contrárias não desprezáveis, o que nos alerta para a necessidade de

atenção aos distintos pontos de vista defendidos.

Um gás semelhante aos que acima mencionamos foi empregado em 2002,

na Rússia, contra rebeldes chechenos que haviam invadido um teatro e feito quase

800 reféns. Durante a reação das forças especiais foi empregado um gás derivado

Page 42: PONTES, Walace Tarcisio. Armas Não Letais

40

de Fentanil - opiáceo utilizado como anestésico - causando a morte de mais de cem

pessoas, muitos devido aos efeitos do gás. Não se conhece os efeitos, a longo

prazo, na saúde dos sobreviventes do teatro. Embora os produtos químicos

sintéticos, tais quais os derivados de fentanil, em tese devam ser classificados como

produtos tóxicos, e portanto abrangidos pela Convenção de Armas Químicas de

1993, os limites imprecisos entre as categorias existentes (especialmente os

análogos químicos sintéticos, ou seja, medicamentos) acabam abrindo brechas para

interpretações conflitantes, viabilizando a utilização de tais produtos em destinações

diversas, que incluem a fabricação de armas de baixa letalidade (CASEY-MASLEN,

2010, fls. 39-45)

Estudos desenvolvidos pela Omega Foundation para o Parlamento Europeu

destacam os malefícios do gás CS. Trata-se de um agente químico sintético que, em

doses relativamente baixas, pode provocar danos pulmonares permanentes, ainda

que não letais, além de queimaduras de segundo grau com formação de fístulas e

dermatites graves. Para aquele centro de pesquisas, a exposição a altas doses de

CS pode levar à insuficiência cardíaca e danos nas células do fígado, já tendo sido

registrado casos de morte.

Verificou-se que a simples exposição a elevados níveis de irritantes

respiratórios, semelhantes ao CS, levou ao desenvolvimento de doenças

respiratórias, caracterizadas por falta de ar e tosses prolongadas. Vendo perigo nos

modernos procedimentos de atuação policial, a entidade destaca o alerta de alguns

estudiosos para quem as "novas táticas de imobilização aliadas ao uso de sprays de

gás são uma receita potencial para fatalidades" (WRITE, 1998, fl. 34).

Reforçando o tom de alerta, o estudo ilustra a preocupação, trazendo

exemplos práticos ao citar a visão de dirigentes da força policial Gendarmerie, da

França, que embora sequer mantenham registros e estatísticas sobre o uso do CS,

sugerem que seu uso seja plenamente seguro. Esse ponto de vista "oficial", embora

possa parecer tranquilizador, é na verdade contestado por aqueles que lidam

corriqueiramente com as consequências do uso de tais artefatos, como o professor

Jean Claud Roujeau, do Hospital Henri Mondor, de Paris: "Eu tenho que discordar

porque temos visto, nos últimos anos, vários casos de pacientes que sofrem reações

cutâneas graves com esses sprays". (WRITE, 1998, fl. 35).

O CS é um agente químico sintético de ação lacrimogênea cujos efeitos se

iniciam de 3 a 10 segundos após o contato inicial, causando lacrimejamento intenso,

Page 43: PONTES, Walace Tarcisio. Armas Não Letais

41

espirros e irritações na pele e mucosas do sistema respiratório, e embora seja

inócuo para a maioria dos animais, sua ação contra seres humanos perdura por

cerca de 10 minutos, sendo potencializada quando em contato com pele molhada ou

em ambientes úmidos, quando os efeitos perduram por tempo maior. (CEARÁ, 2013,

fl. 24)

No Brasil, ao lado do CS observa-se também um grande uso do gás OC,

produzido a partir de uma substância natural extraída de pimentas do gênero

capsicum, razão pela qual é também conhecido como gás pimenta. É igualmente

irritante e causa grande desconforto e enormes dificuldades para respirar,

impossibilitando ainda a abertura dos olhos e causando uma forte ardência nas

áreas afetadas. Seus efeitos perduram por cerca de 40 minutos, sendo também

eficaz quando utilizado contra animais. (CEARÁ, 2013, fl. 25)

Os opositores desses agentes químicos salientam que não há estudos

conclusivos e suficientes sobre os efeitos potenciais na saúde a longo prazo. A

Anistia Internacional mantém uma postura contrária à utilização desses esses

equipamentos em manifestações públicas, sob a argumentação de que podem ser

utilizados de forma arbitrária e indiscriminada, espalhando o pânico e provocando

lesões em decorrência dos tumultos. Para aquela ONG, a utilização daqueles gases

deve ser rigorosamente controlada e os responsáveis pelo seu uso, adequadamente

treinados, a fim de mitigar riscos. Propugna, ainda, que essa só deve ocorrer em

áreas abertas e quando o nível de violência alcança um patamar no qual os

responsáveis pela segurança não puderem contê-la apenas pela segmentação das

pessoas violentas. (Anistia Internacional, 2015, fl. 18)

3.2.2 Armas de Eletrochoque

Como o próprio nome sugere, as armas elétricas usam a aplicação de

eletricidade para afetar as funções sensoriais e motoras do sistema nervoso central,

causando dor e incapacitando seus alvos. Para uso por forças de segurança, essas

armas são normalmente projetadas em forma de pistolas lançadoras de dardos

eletrificados ou, para aplicações mais limitadas, as armas de choque de contato,

fabricada em pequenas dimensões para caberem os bolsos, ou em formato de

Page 44: PONTES, Walace Tarcisio. Armas Não Letais

42

bastões, sendo ambos igualmente eletrificados, devendo ser encostados aos corpos

que irão receber a descarga elétrica.

Entre nós, a mais conhecida e utilizada arma elétrica é a TASER, produzida

pela TASER International Inc.,26 sediada nos EUA, país onde, na maioria dos

estados, as pistolas de eletrochoque estão disponíveis para o público em geral, tal

qual em 22 outros países dos distintos continentes27. Trata-se de um

aperfeiçoamento de uma versão de ar comprimido que disparava dardos elétricos.

Alexander lembra que a TASER foi inicialmente projetada em 1960, não sendo

inicialmente aceita pelo Departamento de Polícia de Los Angeles, o que só ocorreu

em 1980. É uma arma de alta voltagem e baixa amperagem, alimentada por bateria

própria produz um choque de cerca de 25.000 volts, provocando perda do controle

neuromuscular. Para garantir que o sujeito continue subjugado, novos choques

podem ser aplicados de forma contínua e prolongada. Alguns especialistas vêm

grandes vantagens em seu uso, alegando que "com ela, um policial pode,

rapidamente e com segurança, incapacitar um indivíduo agressivo (ALEXANDER.

2003. Pág. 97/98).

Porém, já se avoluma o número de eventos letais causados após o uso de

armas elétricas em distintas partes do mundo. Muito lembrado pelo próprio John B.

Alexander, o caso Rodney King foi emblemático nos EUA. Sua morte por policiais de

Los Angeles em 1991, vitimado após disparos de arma taser, é sempre lembrada

quando o assunto são armas de eletrochoque. Destaca-se também entre as mortes

por uso de armas taser o estudante brasileiro Roberto Lausidio, em março de 2012,

na Austrália, conforme mencionamos no 2.º capítulo deste trabalho.

E não é por menos que para a Anistia Internacional há riscos à integridade

física das pessoas quando utilizadas de forma repetitiva e prolongada. A ONG

acredita que aquelas armas são inerentemente suscetíveis a usos abusivos, por

serem fácil de transportar e de usar, provocando dor extrema sem deixar marcas

substanciais, podendo ainda serem usadas como "touch stun", transmitindo choques

por contato direto com o corpo, opinião que encontra eco dentro de integrantes da

26 Recentemente a empresa brasileira especializada na produção de armas não letais CONDOR-

WELSER começou a comercializar aqui no Brasil a spark,. Porém, por se tratar de armamento bastante similar às tasers, ainda pouco disponível nas forças de segurança, restando parcas as informações acerca de sua operacionalidade, nossos comentários tomaram por base apenas as tasers.

27 Até junho de 2010, a TASER International Inc. havia vendido aproximadamente 499.000 pistolas para mais de 15.500 forças policiais e militares em mais de 45 países. Somem-se a essas as mais de 221.000 pistolas vendidas a particulares para autoproteção. (CASEY-MASLEN. 2010. Pág. 50)

Page 45: PONTES, Walace Tarcisio. Armas Não Letais

43

própria Organização das Nações Unidas, que acusa denúncias de uso de armas de

eletrochoque para torturar e matar pessoas nas prisões, centros de detenção ou em

Departamentos de polícia.

A Anistia Internacional levanta ainda preocupações com as lesões

secundárias decorrentes do descontrole provocado pelo colapso nervoso gerado -

como quedas que podem ser fatais-, e com a intensidade dos choques e seus

efeitos, que variam a depender da potência do dispositivo, das condições físicas e

de saúde da pessoa-alvo - uma criança ou uma pessoa cardíaca - e até de fatores

ambientais, como umidade, por exemplo. Seus dardos podem ainda causar lesões

na pele, inclusive graves, caso atinjam os olhos. (Anistia Internacional. 2015. Pág.

21)

O fabricante das famosas pistolas tasers contrapõe parte das críticas

argumentando ser um mito dizer que a alta voltagem é perigosa. Sustenta que a

taser não é considerada arma de fogo segundo critérios do órgão responsável pela

fiscalização da produção e comercialização de armas e explosivos norte-americano,

o U.S. Bureau of Alcohol, Tobaco, Firearms anda Explosives, embora essa

interpretação possa ser diferente em outros países. Estima ainda que as tasers já

foram usadas mais de dois milhões de vezes, tanto em campo quanto em

treinamento ou com voluntários, citando ainda resultados de estudos favoráveis

divulgados em junho de 2008 pelo National Institute of Justice, dos EUA, utilizando

esses dados para sustentar sua opinião acerca da segurança do seu uso. (CASSEY-

MASLEN. 2010. Pág. 51/54)

Embora persistam infindáveis queixas de uso indevido daquelas armas28, a

própria Anistia Internacional, por intermédio de seus membros na Inglaterra, já

assegurou não se opor à implantação de pistolas de eletrochoque como uma

alternativa ao uso da força letal, nem buscar a proibição total do dispositivo,

assegurando ser em tese evidente que a utilização de armas de eletrochoque é

28 Embora as pesquisas realizadas por Stuart Casey-Maslen sobre as implicações da legislação

humanitária internacional e dos direitos humanos em face das armas não letais não tragam estatísticas de abusos ou de mal uso de armas taser , inúmeros exemplos são citados naquele trabalho, como um estudo de 2004 sobre o uso de tasers em um condado do Colorado, apontando que um terço das 112 vítimas daquela arma haviam alegado estarem algemadas quando foram atingidas; Em Junho de 2009, uma bisavó de 72 anos no Texas ameaçou processar o oficial que a alvejou com um taser após ter sido parada por excesso de velocidade em Austin e resistir a prisão; Em 2010 um homem de 85 anos de idade foi alvejado por uma taser em sua casa. Ele sofria de demência e não foi violento. (Non-kinetic-energy weaons termed 'non-lethal'. A Preliminary Assessment under International Humanitarian Law and International Human Rights Law. Geneva academy of international humanitarian and human rights. Outubro 2010. Stuart Casey-Maslen)

Page 46: PONTES, Walace Tarcisio. Armas Não Letais

44

preferível à implantação de uma arma de fogo como uma alternativa para o uso da

força. (CASSEY-MASLEN. 2010. Pág. 60)

Diversas outras tecnologias estão sendo incorporadas às armas não letais,

como as espumas pegajosas, feitas em polímero e de alta aderência, literalmente

colando as pessoas ao que estiver próximo; os marcadores, compostos químicos

usados para marcar e identificar suspeitos em meio à multidão; luzes de alta

intensidade, ou bombas sinalizadoras unidirecional, lasers de baixa energia usados

para cegar pessoas ou sensores eletrônicos; a acústica, com sons de alta

intensidade, provocando desconforto e desequilíbrio, e diversas outras que ainda

não ganharam maciçamente as ruas, ou seja, ainda não têm sido utilizadas em larga

escala por instituições de segurança, em especial no Brasil.

Page 47: PONTES, Walace Tarcisio. Armas Não Letais

45

4 A ATUAÇÃO DO ESTADO NA SEGURANÇA PÚBLICA E O AMPARO LEGAL

PARA O EMPREGO DE ARMAS NÃO LETAIS

Conforme visto acima, as armas não letais não se enquadram dentre as

categorias de armas convencionais, ou seja, aquelas concebidas com finalidades de

destruição, o que confere certa complexidade quando seu emprego é analisado à luz

do Direito internacional, ramo das ciências jurídicas da qual o Direito brasileiro

extraiu os principais fundamentos que legitimam a utilização destas novas

tecnologias em ações de segurança pública em nosso país.

Como princípio geral tem-se que o desenvolvimento, a fabricação e o

emprego de armas não letais - tais quais as convencionais - devem respeitar não

apenas o direito internacional, mas em especial a legislação interna, devendo essa,

contudo, manter estrita coerência com os Tratados e Convenções aos quais o país

houver aderido, bem como assim com os princípios internacionais do direito. É

nesse contexto que estão sendo editadas as leis e normas que regem o tema no

Brasil, conforme a seguir se expõe.

4.1 O DIREITO INTERNACIONAL APLICÁVEL

As regras do direito internacional não proíbem especificamente o uso de

nenhum tipo de arma, porém, atualmente esse se encontra condicionado pelos

princípios relacionados aos Direitos Humanos e às regras do direito internacional

humanitário, também conhecido como direito internacional dos conflitos armados, o

qual abrange, dentre outros, o uso de armas tanto pelos Estados quanto por atores

não estatais (a depender do nível de organização interna). As regras gerais que

veremos a seguir são, portanto, aplicáveis ao uso de qualquer tipo de armas.

O instrumento primordial por meio do qual delimitamos os contornos do que

vem a ser a expressão "Direitos Humanos" é, sem dúvida, a Declaração Universal

dos Direitos Humanos, elaborada por representantes de diferentes origens jurídicas

e culturais de todas as regiões do mundo e proclamada pela Assembléia Geral da

ONU - Organização das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948, como uma

norma comum a ser alcançada por todos os povos e nações. Aquela declaração, em

conjunto com o Pacto Internacional dos Direitos Civis e o Pacto Internacional dos

Direitos econômicos, Sociais e Culturais formam a chamada Carta Internacional dos

Page 48: PONTES, Walace Tarcisio. Armas Não Letais

46

Direitos Humanos.29 Porém, uma série de tratados internacionais relacionados aos

direitos humanos foram adotados desde então, expandindo o corpo do Direito

Internacional e dos Direitos Humanos

A Declaração Universal dos Direitos Humanos veda, em seu artigo 5º, a

submissão de qualquer pessoa a tortura ou a tratamento cruel, desumano ou

degradante e desde sua adoção pela ONU não há um só instrumento de direitos

humanos que tenha sido elaborado sem que estivesse baseado em suas

disposições (ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos .1948), e foi nesse

sentido que, em 1984, as Nações Unidas definiram que "o termo 'tortura' designa

qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são

infligidos intencionalmente a uma pessoa com o fim de obter, dela ou de uma

terceira pessoa, informações ou confissões; de castigá-la por um ato cometido; de

intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer outro motivo

baseado em discriminação de qualquer natureza; quando tais dores ou sofrimento

são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções

públicas" (grifei) 30. Tal mandamento deixa evidente que a nenhuma Nação, ainda

que imbuída de soberania plena, é defeso causar dor ou sofrimento desnecessário

ao ser humano, não sendo igualmente permitido que nenhum de seus cidadãos

assim o façam. E nesse contexto, por óbvio, também se inserem as armas não

letais.

Com o advento daquelas normas evidencia-se a indisfarçável intenção da

comunidade internacional de conter eventuais abusos de poder por parte dos

agentes Estatais, ficando esse anseio humanitário patente quando analisamos os

diplomas legais que se seguiram.

Ainda em 1979, em sua 106ª sessão plenária, a Assembléia Geral da ONU

reuniu-se para debater e aprovar o "Código de Conduta para os Funcionários

Responsáveis pela Aplicação da Lei" (vide ANEXO B), o qual, em seu artigo 2º,

estabeleceu que todos os funcionários responsáveis pela aplicação da lei, sejam

eles nomeados ou eleitos, devem respeitar e proteger a dignidade humana no

exercício de suas funções, mantendo e apoiando os direitos humanos. Estabeleceu

ainda, no artigo 3º, que aqueles somente podem empregar a força quando

29 Disponível em <www.dudh.org.br/declaração> em 28 jun. 2015. 30 Artigo 1º da Convenção Contra Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes. Resolução nº. 39/46. ONU. 1984.

Page 49: PONTES, Walace Tarcisio. Armas Não Letais

47

estritamente necessário, e na medida exigida para o cumprimento do dever. (ONU.

1979. Resolução 34/169).

Verifica-se, pois, que embora aquele diploma legal admita que agentes

responsáveis pela aplicação da lei, de acordo com as circunstâncias, possam fazer

uso legítimo da força, também deixou claro que de nenhuma maneira esse poder

estatal poderá ser empregado de maneira desproporcional ou desarrazoada.

Como salvaguarda de direitos civis internacionalmente consagrados, a

comunidade internacional fez ainda constar dentre os princípios básicos a garantia

ao direito de participação em reuniões lícitas e pacíficas, de acordo com os

princípios enunciados na Declaração Universal dos Direitos do Homem e no Pacto

Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, compelindo os Governos e as

organizações policiais a reconhecerem que a força e as armas de fogo só podem ser

utilizadas quando não for possível recorrer a meios menos perigosos, mesmo assim

somente no limite necessário.

A preocupação da comunidade internacional com a desigualdade na reação

do Estado a eventuais problemas de segurança pública e do uso da força foi

novamente tratada em 1985 por ocasião do "Sétimo Congresso das Nações Unidas

para a Prevenção ao Crime e Tratamento de Infratores", ocorrido na cidade de

Milão, oportunidade em que restou enfatizado que o uso da força por agentes

responsáveis pela aplicação da lei deveria ser empregado de forma proporcional,

respeitando-se os Direitos Humanos. E nesse sentido, ante a indispensabilidade da

proporcionalidade da ação, o uso de armas de fogo passa a ser considerado medida

extrema, o que obriga as forças estatais a se valerem de meios e procedimentos

operacionais que reduzam o risco de lesões físicas e danos materiais indesejados.

Passa a ser imperiosa e imprescindível a mitigação do risco de letalidade em todas

as ações do Estado.

Acerca da vedação para que o agente do Estado não aplique, instigue ou

tolere atos cruéis e desumanos, cabe também destacar que não se lhe facultou

sequer invocar ordens superiores ou quaisquer circunstâncias excepcionais como

escusa ao cumprimento da norma proibitiva, devendo, ao contrário, "opor-se com

rigor a quaisquer violações da lei", nos termos do artigo 8º do Código de Conduta

dos Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei. (ONU . 1979. Resolução n.º

34/169)

Page 50: PONTES, Walace Tarcisio. Armas Não Letais

48

Ante os avanços do entendimento internacional acerca do uso da força e da

inevitabilidade de regular o seu exercício por parte dos agentes do Estado, em

setembro de 1990, as Nações Unidas adotaram, por consenso, os "Princípios

Básicos sobre o uso da Força e Armas de Fogo pelos Funcionários Responsáveis

pela aplicação da Lei" (vide ANEXO C). Aquele documento, portador de vários

apelos e recomendações aos países membros, elencou medidas visando tornar

mais efetivo o já citado Código de Conduta.

Os Princípios Básicos foram formulados a fim de assistir os Estados

membros na tarefa de assegurar e promover a adequada missão de seus agentes.

Desde então, por força de recomendações internacionais discutidas e

unanimemente aceitas, aqueles princípios começaram a ser considerados e

respeitados pelos governos no âmbito de suas respectivas legislações e práticas

nacionais, os quais incumbiram-se ainda de transmiti-los às autoridades

responsáveis pela aplicação da lei, como policiais, juízes, agentes do Ministério

Público, advogados, membros do Executivo e do Legislativo, bem como do público

em geral.

As disposições gerais dos princípios enunciados pelas Nações Unidas

passaram a compelir os distintos governos a equipar seus agentes com meios que

permitissem "o uso diferenciado da força e de armas de fogo". As providências

estatais passaram também a incluir "o aperfeiçoamento de armas incapacitantes não

letais, para uso nas situações adequadas, com o propósito de limitar cada vez mais

a aplicação de meios capazes de causar morte ou ferimentos às pessoas"

(Princípios Básicos sobre o Uso da Força e Armas de Fogo pelos Funcionários

Responsáveis pela Aplicação da Lei. Disposições gerais, item 2)

Passaram ainda a balizar a conduta dos agentes do Estado, compelindo-os

a aplicar, na medida do possível, meios não violentos antes de lançar mão de suas

armas de fogo, conduta que tornou-se tolerável apenas quando todos os outros

meios disponíveis se mostrassem ineficazes. E ainda assim, utilizados com

"moderação e sempre "na proporção da gravidade da infração e do objetivo legítimo

a ser alcançado". (Princípios Básicos sobre o Uso da Força e Armas de Fogo pelos

Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei. Disposições gerais)

Quase duas décadas após, aqueles e outros princípios que regulam o uso

da força legítima não apenas foram recepcionados pelo Estado Brasileiro, mas

também positivados em textos legais, como veremos no tópico a seguir.

Page 51: PONTES, Walace Tarcisio. Armas Não Letais

49

4.2 A LEGISLAÇÃO NACIONAL E AS DIRETRIZES SOBRE O USO DA FORÇA

PELOS AGENTES DE SEGURANÇA PÚBLICA

Em consonância com as diretrizes emanadas das Nações Unidas, o Brasil

editou no início de 2011 a Portaria Interministerial n.º 4.226 disciplinando o emprego

da força pelos efetivos policiais de todo o pais, particularmente no que diz respeito

ao uso de armas de fogo e dos dispositivos de baixa letalidade (ANEXO A). A

norma, que teve por referência o Código de Conduta, os Princípios Básicos sobre o

Uso da Força e a Convenção Contra a Tortura (abordados no tópico anterior) foi

redigida buscando evitar lesões ou mortes desnecessárias, perpetrados por

funcionários responsáveis pela aplicação da lei.

Com aquela medida interministerial, o governo federal incorporou à

legislação pátria as já citadas orientações internacionais, introduzindo legalmente o

uso de artefatos de menor potencial ofensivo nas forças policiais e dando início à

sedimentação de uma política pública de segurança pautada pelo respeito aos

direitos humanos. Buscou assim, o governo brasileiro, alcançar o que ele próprio

denominou ser uma política de "segurança pública com cidadania", a qual prevê a

necessidade de orientação aos seus agentes de segurança e a padronização dos

procedimentos de atuação ao nível dos princípios adotados internacionalmente.

Ao enumerar, em seu anexo I, as diretrizes para o uso da força, a Portaria

Interministerial determinou critérios para o recrutamento e treinamento dos

profissionais de segurança pública, vedando o uso das recém-introduzidas armas

não letais por agentes que não estiverem devidamente habilitados. Impôs também a

necessidade de treinamento específico, toda vez que um novo dispositivo de menor

potencial ofensivo for introduzido na respectiva instituição, estimulando e priorizando

o uso de técnicas apropriadas. O conjunto daquelas diretrizes reflete o anseio da

sociedade por uma atuação policial devidamente adequada aos princípios legais e

humanitários.

Embora demorasse a dar efetividade aos princípios internacionais que

passaram a dispor sobre o uso moderado e proporcional da força estatal nas ações

de segurança pública, a aparente confiança do governo federal no acerto das novas

posturas fez com que também determinasse, no texto anexado à Portaria, que todo

Page 52: PONTES, Walace Tarcisio. Armas Não Letais

50

agente passasse a portar no mínimo dois instrumentos de menor potencial

ofensivo31.

Contudo, em que pese ter sido a primeira providência legal a disciplinar o

uso da força e de instrumentos de menor potencial ofensivo pelos funcionários

responsáveis pela aplicação da lei, sua aplicabilidade não abrangia a totalidade das

forças de segurança pública do país, tendo em vista tratar-se de uma Portaria de

cunho Federal, sem o condão de impor observância aos demais entes federados,

ficando fora do seu alcance as polícias estaduais e as guardas municipais.

Mais recentemente, em dezembro de 2014, objetivando atingir a totalidade

dos agentes de segurança pública no território nacional e implementar ações para a

efetivação das diretrizes traçadas pela Portaria Interministerial, o governo federal

sancionou a Lei n.º 13.060/14, disciplinando pela primeira vez no Brasil o uso dos

"instrumentos de menor potencial ofensivo" (vide ANEXO D).

Com o advento daquele diploma legal, o uso de armas não letais passou a

ter prioridade na ação policial em todo o país, configurando uma alternativa à

utilização das armas convencionais, as quais, por óbvio, deixariam de ser

empregadas apenas quando tal procedimento não colocasse em risco a vida dos

próprios agentes da lei. Proibiu-se o uso de armas de fogo nos casos de abordagens

de pessoas desarmadas ou em fuga, ou contra veículo que desobedecesse bloqueio

policial.

Debatida por nove anos no Congresso Nacional, no dia de sua aprovação

vários parlamentares destacaram a importância daquela lei, levando em conta os

altos índices de lesões e mortes, muitos deles decorrentes de ações policiais

legítimas. A proibição do excesso, princípio constitucional básico, passou a

prevalecer, impondo aos profissionais de segurança uma reação cautelosa e

proporcional à ameaça efetivamente enfrentada. Restou textualmente vedado o

abuso da prerrogativa de utilização de armas de fogo por parte dos agentes

responsáveis pela aplicação da lei, alguns dos quais, equivocadamente, parecem 31 Tal postura desagradou alguns setores da segurança afetados pela medida, que nela observaram

certa dose de exagero e de distanciamento das particularidades da atividade policial. Tendo em mente o policiamento ostensivo, passaremos a ter policiais necessariamente (e não por opção técnica- operacional) incumbidos de portar não apenas suas armas convencionais e demais acessórios - tais quais municiadores, algemas, rádios de comunicação e outros -, mas também dois outros dispositivos não letais, o que pode constituir um problema operacional. Esse transtorno pode se agravar ainda mais nas ações de polícia investigativa, cuja natureza operacional impõe posturas profissionais veladas, com roupas e adereços que não permitam a identificação funcional do agente, que por conta dessa característica terá que dissimular o porte de sua arma convencional e, agora, também daqueles artefatos.

Page 53: PONTES, Walace Tarcisio. Armas Não Letais

51

crer que um descumprimento de qualquer espécie de comando legal, por si só,

legitima o enfrentamento armado e a detenção do infrator a todo custo.

Art. 2º Os órgãos de segurança pública deverão priorizar a utilização dos instrumentos de menor potencial ofensivo, desde que o seu uso não coloque em risco a integridade física ou psíquica dos policiais, e deverão obedecer aos seguintes princípios:

I - legalidade; II - necessidade; III - razoabilidade e proporcionalidade. Parágrafo único. Não é legítimo o uso de arma de

fogo: I - contra pessoa em fuga que esteja desarmada ou

que não represente risco imediato de morte ou de lesão aos agentes de segurança pública ou a terceiros; e

II - contra veículo que desrespeite bloqueio policial em via pública, exceto quando o ato represente risco de morte ou lesão aos agentes de segurança pública ou a terceiros. (Lei Federal n.º 13.060/2014. Grifos inexistentes no original)

O legislador pátrio, ao redigir o texto da lei n.º 13.060/2014, silenciou-se

quanto ao uso de armas não letais por particulares, não abordando a possibilidade

do cidadão comum delas fazer uso em defesa de seu patrimônio, nem mesmo de

sua proteção pessoal ou de terceiros. Trata-se de lamentável omissão de nossos

legisladores. Em tempos onde a falta de segurança provoca grande insatisfação na

sociedade, a discussão e regulamentação do tema no bojo daquela legislação teria

sido oportuna. Diante da falta de previsão que regulamente a comercialização do

produto - e de uma fiscalização eficiente - florescem nas grandes cidades a venda

clandestina à particulares de dispositivos e armas não letais cujas características e

padrões de qualidade não são sequer ser conhecidas.

Por outro lado, preenchendo lacunas da lei 13.060/2014 e buscando

alcançar uma parcela de atores não governamentais também envolvida na

segurança pública (ainda que indiretamente), o Exército Brasileiro, instituição

encarregada de controlar a fabricação, importação e comercialização de "produtos

controlados", dentre os quais se incluem as armas convencionais e as não letais -

autorizou em dezembro de 2006, através da Portaria n.º 20 - D Log (vide ANEXO

E), a aquisição, por empresas que atuam na segurança privada, de armamento e

munição não letal para uso exclusivamente naquelas atividades. Para tanto listou o

rol de artefatos não letais passíveis de serem adquiridos (gás de pimenta, armas de

choque elétrico, granadas lacrimogêneas e fumígenas, dentre outros), esclarecendo

permanecer ao encargo do Departamento de Polícia Federal a atribuição de definir

Page 54: PONTES, Walace Tarcisio. Armas Não Letais

52

os quantitativos a serem adquiridos por cada empresa, bem como de estabelecer

normas de utilização, armazenamento e destruição - quando vencidos os prazos de

validade. (Portaria n.º 20 - D Log, de dezembro de 2006)

A inovação no sistema de segurança privada brasileiro trouxe também às

empresas a obrigatoriedade de treinar seus funcionários e incluir no currículo de

formação e capacitação dos profissionais de vigilância privada matérias sobre o uso

progressivo da força e de equipamentos não letais, estando tal comando previsto no

artigo 3º da Lei 13.060/2014.

Em que pese o avanço na tratativa da questão, dando início à normatização

do uso de armas não letais no Brasil, os dispositivos da Lei n.º 13.060/2014 ainda

não possuem pleno vigor, fazendo-se necessário a edição de decreto

regulamentador para que se lhes dê a eficácia necessária. É o que prevê o artigo 7º

da Lei n.º 13.060/2014 quando dispõe que "o Poder Executivo editará regulamento

classificando e disciplinando a utilização dos instrumentos não letais". Ou seja, resta

ainda ao Poder Executivo conceber uma classificação das armas não letais,

dividindo e ordenando-as em categorias que melhor facilitem a compreensão de

suas principais características e, especialmente, dos efeitos que podem provocar.

Tal providência, de iniciativa do próprio governo federal, não pode tardar, sob pena

de retardar a implementação - ou tornar inócuo - de princípios humanitários

internacionais aos quais o Brasil se faz seguidor.

Cabe aqui também destacar que apesar da intenção do governo brasileiro

em regular o emprego de armas não letais, ainda persistem severas críticas32 aos

dispositivos da Lei 13.060/2014, visando sempre impedir ou limitar sua utilização.

Logo após a lei haver sido sancionada, o Partido Social Liberal (PSL) ajuizou no

Supremo Tribunal Federal uma Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADI 5243.

Sem atacar diretamente o mérito daquela norma, mas usando um argumento

procedimental da técnica legislativa, o PSL argüiu invasão de competência,

alegando que a iniciativa da lei não foi da Presidência da República - ainda que

aquela a tenha sancionado. A legenda requer uma liminar para suspender os efeitos

da lei. (Supremo Tribunal Federal, ADI 5243)

32 Nesse sentido também os comentários que lançamos no item 3.2.1 acerca do projeto de Lei n.º

300/2013 visando proibir o uso de balas de borracha em manifestações.

Page 55: PONTES, Walace Tarcisio. Armas Não Letais

53

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Paralelamente ao expressivo desenvolvimento da indústria de armamentos

de baixa letalidade nos últimos anos, decorrência de uma demanda crescente pelo

uso de tais artefatos, a imprensa vem registrando seguidos eventos de uso

inadequado ou abusivo de armas não letais, o que tem provocado críticas contra o

emprego daquelas novas tecnologias contra os cidadãos.

Esse quadro pode ser constatado até mesmo em nações de maior

desenvolvimento tecnológico e de elaborada organização social. A despeito dos

diversos registros de ocorrência de eventos indesejados, e das críticas que os

acompanham, a contínua evolução tecnológica tem levado à produção de artefatos

cada vez mais inovadores e potentes. Tal paradoxo justifica a preocupação em se

dispensar uma atenção especial ao desenvolvimento das tecnologias ditas de menor

potencial ofensivo.

Os críticos argumentam que muitos dos artefatos de menor potencial

ofensivo estão, na realidade, longe de poder ser rotulados como não letais,

consistindo seu uso em considerável perigo para a população. Eles não apenas

podem como estão de fato mutilando, cegando e matando pessoas, algumas delas

espectadores inocentes.

Reforça igualmente o coro dos críticos, a possibilidade do uso das armas de

menor potencial ofensivo não atingir o objetivo dissuasório pretendido, até mesmo

por conta da alegada não letalidade, e contribuir para aumentar a escalada da

violência, enfurecendo multidões e retro impulsionando sua agressividade.

Teme-se que os conflitos possam se tornar mais letais à medida que se

aumente o uso da força, especialmente em situações de graves distúrbios civis,

onde ações policiais não raramente transcorrem de forma generalizada e difusa,

aumentando a possibilidade de atingirem transeuntes apanhados pelo desenrolar

dos fatos. Esses, diante da injusta agressão pela ação atabalhoada do Estado,

poderiam se postar contra as forças legais e reforçar as críticas de manifestantes,

independentemente de estarem contra ou a favor de seus pleitos.

As poucas pesquisas acadêmicas desenvolvidas nesse campo

(especialmente no Brasil) e as insuficientes informações levadas ao conhecimento

público contribuem para aumentar as desconfianças e o preconceito contra a

utilização de tais artefatos.

Page 56: PONTES, Walace Tarcisio. Armas Não Letais

54

Preocupam-se também os críticos com o risco de governos autoritários, ou

instituições policiais mal preparadas, sentirem-se tentados a lançar mão de tais

artefatos com o argumento de conter supostos excessos ou ilegalidades em

manifestações que, em verdade, não lhes agradem.

Mas os desafios da criminalidade moderna e o aumento da complexidade

dinâmica das grandes conturbações urbanas estão forçando as autoridades a

buscarem formas de controle social que respeitem os limites impostos pelas normas

reconhecidas internacionalmente, em especial a salvaguarda dos Direitos Humanos.

Surge assim a necessidade de dispositivos que incapacitem agressores de forma

temporária, mas que não necessariamente os lesionem inutilmente, ou até

provoquem mortes dispensáveis. O custo político do uso de armas letais contra civis

desarmados justifica o desenvolvimento de novas opções de uso da força legítima, e

os sistemas não letais podem se adaptar ao controle de diferentes cenários de

conturbações urbanas.

Apesar dos registros de mal-uso dos equipamentos de baixa letalidade e de

lesões indesejadas provocadas pelos agentes de segurança, não se pode deixar de

considerar que as armas não letais têm sido comumente empregadas em grandes

conturbações sociais, e nessas circunstâncias contra expressivo número de

manifestantes (às vezes contados aos milhares), o que relativiza substancialmente a

proporção das lesões que têm sido registradas.

Cremos que a ocorrência de eventos graves e letais em face do uso desses

artefatos não se mostra tão expressiva quando se tem em conta seu largo emprego

em distintas partes do globo. As armas não letais são concebidas para conter e

incapacitar temporariamente, e não para ocasionar lesões graves ou mortes. Essas,

a depender das circunstâncias, podem decorrer inclusive por intermédio de uma

substância inócua ou de um objeto inofensivo, como um coco seco que chacoalhado

pelo vento despenque do pé atingindo mortalmente um distraído transeunte. O

evento letal não há que ser atribuído ao vento. E nem ao coco.

Convém destacar que até mesmo a Anistia Internacional, organismo com

atuação global de reconhecida eficiência na vigilância e defesa dos Direitos

Humanos, não se posiciona indistintamente de forma contrária à fabricação e uso de

armas não letais, conquanto faça limitações para o emprego de algumas espécie, e

teça recomendações para o uso de outras.

Page 57: PONTES, Walace Tarcisio. Armas Não Letais

55

Reforçando o coro dos defensores das armas não letais, há ainda um

argumento derradeiro que nos parece imbatível, até mesmo por sua simplicidade e

obviedade: o uso das armas não letais, quando possível o seu emprego, é sempre

preferível ao uso das armas convencionais, especialmente quando por profissionais

em rotinas de uso preparados.

Diante da imperiosa necessidade de combate a criminalidade e de

manutenção da ordem e do controle social, não se afigura apropriada a utilização de

armamentos convencionais quando dispositivos outros podem ser empregados de

forma a atingir os mesmos objetivos, porém com riscos mínimos de lesões ou mortes

indesejadas.

O cenário tangível com o qual a sociedade se depara, impõe, contudo, ao

Estado, o dever de também regular e fiscalizar todo o processo de desenvolvimento

de armas não letais, certificando-se de que a concepção de novas tecnologias não

venha a anular direitos internacionalmente aceitos e que a humanidade a séculos

tenta consolidar.

Não é por outra razão que a Organização das Nações Unidas tem

recomendado aos Estados membros que equipem suas forças de segurança com

uma variedade de dispositivos que lhes permita o uso diferenciado e gradual da

força, defendendo ainda a necessidade de um contínuo aperfeiçoamento dos

artefatos de baixa letalidade e das rotinas de atuação policial, visando dessa forma

limitar cada vez mais a aplicação de meios capazes de causar lesões ou mortes

desnecessárias.

Percebe-se, portanto, que as armas não letais trouxeram consideráveis

promessas, mas também tremendos desafios, incumbindo ao Estado não apenas

regular seu uso, mas também seu desenvolvimento, fabricação e comercialização,

impondo-lhes limites legais e éticos.

No horizonte nacional sobressaem-se as recentes medidas adotadas pelo

Brasil, ainda que não suficientemente abrangentes, à medida que não contempla

integralmente o rol de orientações internacionais, que deu importante passo no

regramento do uso da força estatal ao editar a Lei 13.060/2014, disciplinando o uso

de instrumentos de menor potencial ofensivo pelos agentes públicos. À toda prova,

configura uma indispensável medida rumo à almejada segurança com cidadania.

Mas o exercício daquele direito social ainda se vê distante, especialmente diante da

lentidão do próprio governo federal na regulamentação daquele diploma legal.

Page 58: PONTES, Walace Tarcisio. Armas Não Letais

56

REFERÊNCIAS

ACADEMIA ESTADUAL DE SEGURANÇA PÚBLICA DO CEARÁ. Armamento, munição e equipamento letal e menos letal. Ceará, 2013. [Apostila do] Curso de Formação para a carreira de Praças Policiais Militares ao cargo de Soldado da Polícia Militar do Ceará. ALLDRIDGE, Peter et al. Dicionário enciclopédico de teoria e sociologia do direito. Tradução Vicente de Paula Barreto. [S.l.]: Renovar, 1999. ALPERT, G. P.; DUNHAM, R. G. Analysis of policie use-of-force. US: Department of Justice, 2000. BRASIL. Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Projeto de Lei n.º 1.373/2012. Dispõe sobre o uso de armas não letais pela Guarda Municipal do Rio de Janeiro e dá outras providências. Publicado no DCM em 10.05.2012. Disponível em: <http://mail.camara.rj.gov.br/APL/Legislativos/scpro1316.nsf/b63581b044c6fb760325775900523a41/03257ad1004cc81c032579eb0067c17d?OpenDocument> Acesso em: 21 ago. 2015. ______. Lei n. 13.060, de 22 de dezembro de 2014. Disciplina o uso dos instrumentos de menor potencial ofensivo pelos agentes de segurança pública, em todo o território nacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 2014. ______. Ministério da Defesa. Comando do Exército. Portaria nº 20, D Log, de 27 de dezembro de 2006. Autoriza a aquisição diretamente no fabricante de armamento e munição não-letais, classificadas como de uso restrito, para as atividades de segurança privada, praticada por empresas especializadas ou por aquelas que possuem serviço orgânico de segurança. Diário Oficial da União, Brasília, DF. 2006. ______. Ministério da Justiça. Portaria Interministerial n.º 4.226, de 31 de dezembro de 2010. Estabelece diretrizes sobre o uso da força pelos agentes de segurança pública. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 3 jan. 2010. ______. Supremo Tribunal Federal. Ação Declaratória de Inconstitucionalidade n.º 5243 DF, Relator Min. TEORI ZAVASCKI, data de julgamento: 24/02/2015, data de publicação: DJe-039. DIVULG 27/02/2015, PUBLIC 02/03/2015. BRASIL: Investigue resposta policial a protestos durante a copa. Human Rights Watch. Disponível em: <http://www.hrw.org/pt/news/2014/06/25/brasil-investigue-resposta-policial-protestos-durante-copa>. Acesso em: 21 ago. 2015. BRASILEIRO morto na Austrália não roubou biscoitos, diz rádio: funcionário da loja de conveniência disse ser um caso de identidade errada. Veja, Rio de Janeiro, 22 mar. 2012. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/noticia/mundo/brasileiro-morto-na-australia-nao-roubou-biscoitos-diz-radio> Acesso em: 21 ago. 2015.

Page 59: PONTES, Walace Tarcisio. Armas Não Letais

57

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional – 4ª Edição. Ed.

Almedina, 2000.

CASEY-MASLEN, Stuart. Non-kinetic-energy weapons termed ‘non-lethal: a preliminary assessment under International Humanitarian Law and Human Rights Law. Geneva: Academy of international humanitarian law and human rights, 2010. COOK III, Joseph W; FIELY, David P; MCGOWAN, Maura T. Armas não-letais: tecnologias, aspectos legais e políticas em potencial. Air & Space Power Journal, [S.l.], 1995. Disponível em: <http://www.airpower.maxwell.af.mil/apjinternational/apj-p/1995/4tri95/pmcgowan.html> Acesso em: 12 abr. 2015. DECLARAÇÃO Universal dos Direitos Humanos. ONU Brasil. Disponível em: <http://www.dudh.org.br/declaracao>. Acesso em 28 jun. 2015. FEIN, Geoff S. Non-lethal weapons find their niche in urban combat. National Defense, [S.l., mar. 2004]. Disponível em: <http://www.nationaldefensemagazine.org/archive/2004/March/Pages/Non-Lethal3625.aspx/PF=1>. Acesso em: 25 mai. 2015. FERNANDES, Antonio Scarange. Processo penal constitucional. 4. ed. São Paulo: Ed. dos Tribunais, 2005. KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do Estado. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Genebra, 1948. ______. Código de Conduta para Funcionários responsáveis pela Aplicação da Lei. Genebra, 1979. Resolução n.º 34/169. ______. Convenção Contra Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes. Genebra, 1984. Resolução nº. 39/46. ______. Princípios básicos sobre o uso da força e armas de fogo pelos funcionários responsáveis pela aplicação da lei. Havana, 1999. Oitavo Congresso das Nações Unidas para Prevenção do Crime e Tratamento dos Delinqüentes. PINC, Tania. Abordagem policial: um encontro (des)concertante entre a polícia e o público. Revista Brasileira de Segurança Pública. Ano 1. Edição 2. 2007. PROTESTOS impulsionam a indústria do gás lacrimogêneo. BBC Brasil, 20 de junho de 2013. Disponível em: <http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2013/06/130619_gas_lacrimogeneo_mj_cc>. Acesso em: 21 ago. 2015. SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de direito público. [S.l.]: Malheiros, 1992.

Page 60: PONTES, Walace Tarcisio. Armas Não Letais

58

THE HUMAN rigths impact of less lethal weapons and other law enforcement equipment. London: Anistia Internacional, Apr. 12, 2015. Disponível em: <http://www.amnestyusa.org/research/reports/the-human-rights-impact-of-less-lethal-weapons-and-other-law-enforcement-equipment>. Acesso em: 19 ago. 2015. TZU, Sun. A arte da Guerra. Tradução Sueli Barros Casal. [S.l.]: L&PM Ed., 2000. USO de armas não-letais por policiais. IBCCRIM. Disponível em: <http://www.ibccrim.org.br/noticia/13844-Uso-de-armas-no-letais-por-policiais>. Acesso em : 21 ago. 2015. THOMAS, Mark. Non-lethal weaponry: a framework for future integration. [S.l.]: Air Comand and Staff College, 1998. SANGUE em Eldorado. Veja, 24 abr. 1996. Ed. Abril, ano 29, ed. 1.141, n. 17. WATER Cannon. Wikipedia. Disponível em: <https://en.wikipedia.org/wiki/Water_cannon>. Acesso em 15 jul. 2015. WHAT The Police's 'Non Lethal Weapons' Can Do to Human Bodies. ThinkProgress, 18 ago. 2014. Disponível em: <http://thinkprogress.org/health/2014/08/18/3472348/non-lethal-weapons-health-effects/>. Acesso em 23 abr. 2015. WRITE, Steve. An appraisal of technologies for political control. Revista Airpower Journal, [S.l.], 4. trimestre, 1995.

Page 61: PONTES, Walace Tarcisio. Armas Não Letais

59

ANEXO A - PORTARIA INTERMINISTERIAL nº 4.226

PORTARIA INTERMINISTERIAL Nº 4.226, DE 31 DE DEZEMBRO DE 2010

Estabelece Diretrizes sobre o Uso da Força pelos Agentes de Segurança Pública.

O MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA E O MINISTRO DE ESTADO CHEFE DA SECRETARIA DE DIREITOS HUMANOS DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, no uso das atribuições que lhes conferem os incisos I e II, do parágrafo único, do art. 87, da Constituição Federal e, considerando que a concepção do direito à segurança pública com cidadania demanda a sedimentação de políticas públicas de segurança pautadas no respeito aos direitos humanos;

Considerando o disposto no Código de Conduta para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei, adotado pela Assembléia Geral das Nações Unidas na sua Resolução 34/169, de 17 de dezembro de 1979, nos Princípios Básicos sobre o Uso da Força e Armas de Fogo pelos Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei, adotados pelo Oitavo Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinqüentes, realizado em Havana, Cuba, de 27 de agosto a 7 de setembro de 1999, nos Princípios orientadores para a Aplicação Efetiva do Código de Conduta para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei, adotados pelo Conselho Econômico e Social das Nações Unidas na sua Resolução 1.989/61, de 24 de maio de 1989 e na Convenção Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, adotado pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em sua XL Sessão, realizada em Nova York em 10 de dezembro de 1984 e promulgada pelo Decreto nº 40, de 15 de fevereiro de 1991 (1);

Considerando a necessidade de orientação e padronização dos procedimentos da atuação dos agentes de segurança pública aos princípios internacionais sobre o uso da força;

Considerando o objetivo de reduzir paulatinamente os índices de letalidade resultantes de ações envolvendo agentes de segurança pública; e,

Considerando as conclusões do Grupo de Trabalho, criado para elaborar proposta de Diretrizes sobre Uso da Força, composto por representantes das Polícias Federais, Estaduais e Guardas Municipais, bem como com representantes da sociedade civil, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e do Ministério da Justiça, resolvem:

Art. 1º - Ficam estabelecidas Diretrizes sobre o Uso da Força pelos Agentes de Segurança Pública, na forma do Anexo I desta Portaria.

Parágrafo único - Aplicam-se às Diretrizes estabelecidas no Anexo I, as definições constantes no Anexo II desta Portaria.

Page 62: PONTES, Walace Tarcisio. Armas Não Letais

60

Art. 2º - A observância das diretrizes mencionadas no artigo anterior passa a ser obrigatória pelo Departamento de Polícia Federal, pelo Departamento de Polícia Rodoviária Federal, pelo Departamento Penitenciário Nacional e pela Força Nacional de Segurança Pública.

§ 1º - As unidades citadas no caput deste artigo terão 90 dias, contados a partir da publicação desta Portaria, para adequar seus procedimentos operacionais e seu processo de formação e treinamento às diretrizes supramencionadas.

§ 2º - As unidades citadas no caput deste artigo terão 60 dias, contados a partir da publicação desta Portaria, para fixar a normatização mencionada na diretriz nº 9 e para criar a comissão mencionada na diretriz nº 23.

§ 3º - As unidades citadas no caput deste artigo terão 60 dias, contados a partir da publicação desta Portaria, para instituir Comissão responsável por avaliar sua situação interna em relação às diretrizes não mencionadas nos parágrafos anteriores e propor medidas para assegurar as adequações necessárias.

Art. 3º - A Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e o Ministério da Justiça estabelecerão mecanismos para estimular e monitorar iniciativas que visem à implementação de ações para efetivação das diretrizes tratadas nesta Portaria pelos entes federados, respeitada a repartição de competências prevista no art. 144 da Constituição Federal.

Art. 4º - A Secretaria Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça levará em consideração a observância das diretrizes tratadas nesta Portaria no repasse de recursos aos entes federados.

Art. 5º - Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.

LUIZ PAULO BARRETO - Ministro de Estado da Justiça PAULO DE TARSO VANNUCHI - Ministro de Estado Chefe da

Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República

(Anexo II da Portaria Interministerial n.º 4226)

DIRETRIZES SOBRE O USO DA FORÇA E ARMAS DE FOGO PELOS AGENTES DE SEGURANÇA PÚBLICA

1. O uso da força pelos agentes de segurança pública deverá se pautar nos documentos internacionais de proteção aos direitos humanos e deverá considerar, primordialmente:

a) ao Código de Conduta para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei, adotado pela Assembléia Geral das Nações Unidas na sua Resolução 34/169, de 17 de dezembro de 1979;

Page 63: PONTES, Walace Tarcisio. Armas Não Letais

61

b) os Princípios orientadores para a Aplicação Efetiva do Código de Conduta para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei, adotados pelo Conselho Econômico e Social das Nações Unidas na sua Resolução 1.989/61, de 24 de maio de 1989;

c) os Princípios Básicos sobre o Uso da Força e Armas de Fogo pelos Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei, adotados pelo Oitavo Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinqüentes, realizado em Havana, Cuba, de 27 de agosto a 7 de setembro de 1999;

d) a Convenção Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em sua XL Sessão, realizada em Nova York em 10 de dezembro de 1984 e promulgada pelo Decreto nº 40, de 15 de fevereiro de 1991.

2. O uso da força por agentes de segurança pública deverá obedecer aos princípios da legalidade, necessidade, proporcionalidade, moderação e conveniência.

3. Os agentes de segurança pública não deverão disparar armas de fogo contra pessoas, exceto em casos de legítima defesa própria ou de terceiro contra perigo iminente de morte ou lesão grave.

4. Não é legítimo o uso de armas de fogo contra pessoa em fuga que esteja desarmada ou que, mesmo na posse de algum tipo de arma, não represente risco imediato de morte ou de lesão grave aos agentes de segurança pública ou terceiros.

5. Não é legítimo o uso de armas de fogo contra veículo que desrespeite bloqueio policial em via pública, a não ser que o ato represente um risco imediato de morte ou lesão grave aos agentes de segurança pública ou terceiros.

6. Os chamados "disparos de advertência" não são considerados prática aceitável, por não atenderem aos princípios elencados na Diretriz nº 2 e em razão da imprevisibilidade de seus efeitos.

7. O ato de apontar arma de fogo contra pessoas durante os procedimentos de abordagem não deverá ser uma prática rotineira e indiscriminada.

8. Todo agente de segurança pública que, em razão da sua função, possa vir a se envolver em situações de uso da força, deverá portar no mínimo 2 (dois) instrumentos de menor potencial ofensivo e equipamentos de proteção necessários à atuação específica, independentemente de portar ou não arma de fogo.

9. Os órgãos de segurança pública deverão editar atos normativos disciplinando o uso da força por seus agentes, definindo objetivamente:

a) os tipos de instrumentos e técnicas autorizadas;

b) as circunstâncias técnicas adequadas à sua utilização, ao ambiente/entorno e ao risco potencial a terceiros não envolvidos no evento;

Page 64: PONTES, Walace Tarcisio. Armas Não Letais

62

c) o conteúdo e a carga horária mínima para habilitação e atualização periódica ao uso de cada tipo de instrumento;

d) a proibição de uso de armas de fogo e munições que provoquem lesões desnecessárias e risco injustificado; e

e) o controle sobre a guarda e utilização de armas e munições pelo agente de segurança pública.

10. Quando o uso da força causar lesão ou morte de pessoa(s), o agente de segurança pública envolvido deverá realizar as seguintes ações:

a) facilitar a prestação de socorro ou assistência médica aos feridos;

b) promover a correta preservação do local da ocorrência;

c) comunicar o fato ao seu superior imediato e à autoridade competente; e

d) preencher o relatório individual correspondente sobre o uso da força, disciplinado na Diretriz nº 22.

11. Quando o uso da força causar lesão ou morte de pessoa(s), o órgão de segurança pública deverá realizar as seguintes ações:

a) facilitar a assistência e/ou auxílio médico dos feridos;

b) recolher e identificar as armas e munições de todos os envolvidos, vinculando-as aos seus respectivos portadores no momento da ocorrência;

c) solicitar perícia criminalística para o exame de local e objetos bem como exames médico-legais;

d) comunicar os fatos aos familiares ou amigos da(s) pessoa(s) ferida(s) ou morta(s);

e) iniciar, por meio da Corregedoria da instituição, ou órgão equivalente, investigação imediata dos fatos e circunstâncias do emprego da força;

f) promover a assistência médica às pessoas feridas em decorrência da intervenção, incluindo atenção às possíveis seqüelas;

g) promover o devido acompanhamento psicológico aos agentes de segurança pública envolvidos, permitindo-lhes superar ou minimizar os efeitos decorrentes do fato ocorrido; e

h) afastar temporariamente do serviço operacional, para avaliação psicológica e redução do estresse, os agentes de segurança pública envolvidos diretamente em ocorrências com resultado letal.

Page 65: PONTES, Walace Tarcisio. Armas Não Letais

63

12. Os critérios de recrutamento e seleção para os agentes de segurança pública deverão levar em consideração o perfil psicológico necessário para lidar com situações de estresse e uso da força e arma de fogo.

13. Os processos seletivos para ingresso nas instituições de segurança pública e os cursos de formação e especialização dos agentes de segurança pública devem incluir conteúdos relativos a direitos humanos.

14. As atividades de treinamento fazem parte do trabalho rotineiro do agente de segurança pública e não deverão ser realizadas em seu horário de folga, de maneira a serem preservados os períodos de descanso, lazer e convivência sócio-familiar.

15. A seleção de instrutores para ministrarem aula em qualquer assunto que englobe o uso da força deverá levar em conta análise rigorosa de seu currículo formal e tempo de serviço, áreas de atuação, experiências anteriores em atividades fim, registros funcionais, formação em direitos humanos e nivelamento em ensino. Os instrutores deverão ser submetidos à aferição de conhecimentos teóricos e práticos e sua atuação deve ser avaliada.

16. Deverão ser elaborados procedimentos de habilitação para o uso de cada tipo de arma de fogo e instrumento de menor potencial ofensivo que incluam avaliação técnica, psicológica, física e treinamento específico, com previsão de revisão periódica mínima.

17. Nenhum agente de segurança pública deverá portar armas de fogo ou instrumento de menor potencial ofensivo para o qual não esteja devidamente habilitado e sempre que um novo tipo de arma ou instrumento de menor potencial ofensivo for introduzido na instituição deverá ser estabelecido um módulo de treinamento específico com vistas à habilitação do agente.

18. A renovação da habilitação para uso de armas de fogo em serviço deve ser feita com periodicidade mínima de 1 (um) ano.

19. Deverá ser estimulado e priorizado, sempre que possível, o uso de técnicas e instrumentos de menor potencial ofensivo pelos agentes de segurança pública, de acordo com a especificidade da função operacional e sem se restringir às unidades especializadas. 20. Deverão ser incluídos nos currículos dos cursos de formação e programas de educação continuada conteúdos sobre técnicas e instrumentos de menor potencial ofensivo. 21. As armas de menor potencial ofensivo deverão ser separadas e identificadas de forma diferenciada, conforme a necessidade operacional.

22. O uso de técnicas de menor potencial ofensivo deve ser constantemente avaliado.

Page 66: PONTES, Walace Tarcisio. Armas Não Letais

64

23. Os órgãos de segurança pública deverão criar comissões internas de controle e acompanhamento da letalidade, com o objetivo de monitorar o uso efetivo da força pelos seus agentes.

24. Os agentes de segurança pública deverão preencher um relatório individual todas as vezes que dispararem arma de fogo e/ou fizerem uso de instrumentos de menor potencial ofensivo, ocasionando lesões ou mortes. O relatório deverá ser encaminhado à comissão interna mencionada na Diretriz nº 23 e deverá conter no mínimo as seguintes informações:

a) circunstâncias e justificativa que levaram o uso da força ou de arma de fogo por parte do agente de segurança pública;

b) medidas adotadas antes de efetuar os disparos/usar instrumentos de menor potencial ofensivo, ou as razões pelas quais elas não puderam ser contempladas;

c) tipo de arma e de munição, quantidade de disparos efetuados, distância e pessoa contra a qual foi disparada a arma;

d) instrumento(s) de menor potencial ofensivo utilizado(s), especificando a freqüência, a distância e a pessoa contra a qual foi utilizado o instrumento;

e) quantidade de agentes de segurança pública feridos ou mortos na ocorrência, meio e natureza da lesão;

f) quantidade de feridos e/ou mortos atingidos pelos disparos efetuados pelo(s) agente(s) de segurança pública;

g) número de feridos e/ou mortos atingidos pelos instrumentos de menor potencial ofensivo utilizados pelo(s) agente(s) de segurança pública;

h) número total de feridos e/ou mortos durante a missão;

i) quantidade de projéteis disparados que atingiram pessoas e as respectivas regiões corporais atingidas;

j) quantidade de pessoas atingidas pelos instrumentos de menor potencial ofensivo e as respectivas regiões corporais atingidas;

k) ações realizadas para facilitar a assistência e/ou auxílio médico, quando for o caso; e

l) se houve preservação do local e, em caso negativo, apresentar justificativa.

25. Os órgãos de segurança pública deverão, observada a legislação pertinente, oferecer possibilidades de reabilitação e reintegração ao trabalho aos agentes de segurança pública que adquirirem deficiência física em decorrência do desempenho de suas atividades.

Page 67: PONTES, Walace Tarcisio. Armas Não Letais

65

ANEXO B - RESOLUÇÃO Nº. 34/169

Resolução n.º 34/169 ONU, de 17/12/1979

CÓDIGO DE CONDUTA PARA OS FUNCIONÁRIOS RESPONSÁVEIS PELA APLICAÇÃO DA LEI.

ARTIGO 1.º Os policiais devem cumprir, a todo o momento, o dever que a lei lhes impõe, servindo a comunidade e protegendo todas as pessoas contra atos ilegais, em conformidade com o elevado grau de responsabilidade que a sua profissão requer.

ARTIGO 2.º No cumprimento do seu dever, os policiais devem respeitar e proteger a dignidade humana, manter e apoiar os direitos fundamentais de todas as pessoas.

ARTIGO 3.º Os policiais só podem empregar a força quando tal se apresente estritamente necessário, e na medida exigida para o cumprimento do seu dever.

ARTIGO 4.º As informações de natureza confidencial em poder dos policiais devem ser mantidas em segredo, a não ser que o cumprimento do dever ou as necessidades da justiça estritamente exijam outro comportamento.

ARTIGO 5.º Nenhum funcionário responsável pela aplicação da lei pode infligir, instigar ou tolerar qualquer ato de tortura ou qualquer outra pena ou tratamento cruel, desumano ou degradante, nem invocar ordens superiores ou circunstâncias excepcionais, tais como o estado de guerra ou uma ameaça à segurança nacional, instabilidade política interna ou qualquer outra emergência pública como justificação para torturas ou outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes.

ARTIGO 6.º Os policiais devem assegurar a proteção da saúde das pessoas à sua guarda e, em especial, devem tomar medidas imediatas para assegurar a prestação de cuidados médicos sempre que tal seja necessário.

ARTIGO 7.º Os policiais não devem cometer qualquer ato de corrupção. Devem, igualmente, opor-se rigorosamente a eles, e combater todos os atos desta índole.

ARTIGO 8.º Os policiais devem respeitar a lei e o presente Código. Devem, também, na medida das suas possibilidades, evitar e opor-se vigorosamente a quaisquer violações da lei ou do Código. Os policiais que tiverem motivos para acreditar que se produziu ou irá produzir uma violação deste Código, devem comunicar o fato aos seus superiores e, se necessário, a outras autoridades com poderes de controle ou de reparação competentes.

Page 68: PONTES, Walace Tarcisio. Armas Não Letais

66

ANEXO C - PRINCÍPIOS BÁSICOS SOBRE A UTILIZAÇÃO DA FORÇA E DE

ARMAS DE FOGO PELOS FUNCIONÁRIOS RESPONSÁVEIS PELA APLICAÇÃO

DA LEI

1. Os Governos e os organismos de aplicação da lei devem adotar e aplicar regras sobre a utilização da força e de armas de fogo contra as pessoas, por parte dos policiais. Ao elaborarem essas regras, os Governos e os organismos de aplicação da lei devem manter sob permanente avaliação as questões éticas ligadas à utilização da força e de armas de fogo.

2. Os Governos e os organismos de aplicação da lei devem desenvolver um leque de meios tão amplo quanto possível e habilitar os policiais com diversos tipos de armas e de munições, que permitam uma utilização diferenciada da força e das armas de fogo. Para o efeito, deveriam ser desenvolvidas armas neutralizadoras não letais, para uso nas situações apropriadas, tendo em vista limitar de modo crescente o recurso a meios que possam causar a morte ou lesões corporais. Para o mesmo efeito, deveria também ser possível dotar os policiais de equipamentos defensivos, tais como escudos, viseiras, coletes anti-balísticos e veículos blindados, a fim de se reduzir a necessidade de utilização de qualquer tipo de armas.

3. O desenvolvimento e utilização de armas neutralizadoras não letais deveria ser objeto de uma avaliação cuidadosa, a fim de reduzir ao mínimo os riscos com relação a terceiros, e a utilização dessas armas deveria ser submetida a um controlo estrito.

4. Os policiais, no exercício das suas funções, devem, na medida do possível, recorrer a meios não violentos antes de utilizarem a força ou armas de fogo. Só poderão recorrer à força ou a armas de fogo se outros meios se mostrarem ineficazes ou não permitirem alcançar o resultado desejado.

5. Sempre que o uso legítimo da força ou de armas de fogo seja indispensável, os policiais devem:

a) Utilizá-las com moderação e a sua ação deve ser proporcional à gravidade da infração e ao objetivo legítimo a alcançar;

b) Esforçar-se por reduzirem ao mínimo os danos e lesões e respeitarem e preservarem a vida humana;

c) Assegurar a prestação de assistência e socorros médicos às pessoas feridas ou afetadas, tão rapidamente quanto possível;

d) Assegurar a comunicação da ocorrência à família ou pessoas próximas da pessoa ferida ou afetada, tão rapidamente quanto possível.

6. Sempre que da utilização da força ou de armas de fogo pelos policiais resultem lesões ou a morte, os responsáveis farão um relatório da ocorrência aos seus superiores, de acordo com o princípio 22.

Page 69: PONTES, Walace Tarcisio. Armas Não Letais

67

7. Os Governos devem garantir que a utilização arbitrária ou abusiva da força ou de armas de fogo pelos policiais seja punida como infração penal, nos termos da legislação nacional.

8. Nenhuma circunstância excepcional, tal como a instabilidade política interna ou o estado de emergência, pode ser invocada para justificar uma derrogação dos presentes Princípios Básicos.

9. Policiais não devem usar armas contra pessoas, exceto para se defender ou defender terceiros contra iminente ameaça de morte ou lesão grave, para evitar a perpetração de um crime envolvendo grave ameaça à vida, para prender pessoa que represente tal perigo e que resista à autoridade, ou para evitar sua fuga, e apenas quando meios menos extremos forem insuficientes para atingir tais objetivos. Nesses casos, o uso intencionalmente letal de arma só poderá ser feito quando estritamente necessário para proteger a vida.

10. Nas circunstâncias referidas no princípio 9, os policiais devem identificar-se como tal e fazer uma advertência clara da sua intenção de utilizarem armas de fogo, deixando um prazo suficiente para que o aviso possa ser respeitado, exceto se esse modo de proceder colocar indevidamente em risco a segurança daqueles responsáveis, implicar um perigo de morte ou lesão grave para outras pessoas ou se se mostrar manifestamente inadequado ou inútil, tendo em conta as circunstâncias do caso.

11. As normas e regulamentações relativas à utilização de armas de fogo pelos policiais devem incluir diretrizes que:

a) Especifiquem as circunstâncias nas quais os policiais sejam autorizados a transportar armas de fogo e prescrevam os tipos de armas de fogo e munições autorizados;

b) Garantam que as armas de fogo sejam utilizadas apenas nas circunstâncias adequadas e de modo a reduzir ao mínimo o risco de danos inúteis;

c) Proíbam a utilização de armas de fogo e de munições que provoquem lesões desnecessárias ou representem um risco injustificado;

d) Regulamentem o controle, armazenamento e distribuição de armas de fogo e prevejam procedimentos de acordo com os quais os policiais devam prestar contas de todas as armas e munições que lhes sejam distribuídas;

e) Prevejam as advertências a serem efetuadas, se for o caso, quando armas de fogo forem utilizadas;

f) Prevejam um sistema de relatórios de ocorrência, sempre que os policiais utilizem armas de fogo no exercício das suas funções.

12. Sendo a todos garantido o direito de participação em reuniões lícitas e pacíficas, de acordo com os princípios enunciados na Declaração Universal dos Direitos do Homem e no Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, os Governos e

Page 70: PONTES, Walace Tarcisio. Armas Não Letais

68

as organizações policiais devem reconhecer que a força e as armas de fogo só podem ser utilizadas de acordo com os princípios 13 e 14.

13. Os policiais devem esforçar-se por dispersar as reuniões ilegais mas não violentas sem recorrer à força e, quando isso não for possível, devem limitar a utilização da força ao estritamente necessário.

14. Os policiais só podem utilizar armas de fogo para dispersar reuniões violentas se não for possível recorrer a meios menos perigosos, e somente nos limites do estritamente necessário. Os policiais não devem utilizar armas de fogo nesses casos, salvo nas condições estipuladas no princípio 9.

15. Os policiais não devem utilizar a força na relação com pessoas detidas ou presas, exceto se isso for indispensável para a manutenção da segurança e da ordem dentro dos estabelecimentos prisionais, ou quando a segurança das pessoas esteja ameaçada.

16. Os policiais, em suas relações com pessoas detidas ou presas, não deverão utilizar armas de fogo, exceto em caso de defesa própria ou para defesa de terceiros contra perigo iminente de morte ou lesão grave, ou quando essa utilização for indispensável para impedir a evasão de pessoa detida ou presa representando o risco referido no princípio 9.

17. Os princípios precedentes não prejudicam os direitos, deveres e responsabilidades dos funcionários dos estabelecimentos penitenciários, estabelecidos nas Regras Mínimas para o Tratamento de Presos, particularmente as regras 33, 34 e 54.

18. Os Governos e os organismos de aplicação da lei devem garantir que todos os policiais sejam selecionados de acordo com procedimentos adequados, possuam as qualidades morais e aptidões psicológicas e físicas exigidas para o bom desempenho das suas funções e recebam uma formação profissional contínua e completa. Deve ser submetida a reapreciação periódica a sua capacidade para continuarem a desempenhar essas funções.

19. Os Governos e os organismos de aplicação da lei devem garantir que todos os policiais recebam formação e sejam submetidos a testes de acordo com normas de avaliação adequadas sobre a utilização da força. O porte de armas de fogo por policiais só deveria ser autorizado após completada formação especial para a sua utilização.

20. Na formação dos policiais, os Governos e os organismos de aplicação da lei devem conceder uma atenção particular às questões de ética policial e de direitos do homem, em particular no âmbito da investigação, às alternativas para o uso da força ou de armas de fogo, incluindo a resolução pacífica de conflitos, ao conhecimento do comportamento de multidões e aos métodos de persuasão, de negociação e mediação, bem como aos meios técnicos, visando limitar a utilização da força ou de armas de fogo. Os organismos de aplicação da lei deveriam rever o seu programa de formação e procedimentos operacionais à luz de casos concretos.

Page 71: PONTES, Walace Tarcisio. Armas Não Letais

69

21. Os Governos e os organismos de aplicação da lei devem disponibilizar aconselhamento psicológico aos policiais envolvidos em situações em que tenham sido utilizadas a força e armas de fogo.

22. Os Governos e os organismos de aplicação da lei devem estabelecer procedimentos adequados de comunicação hierárquica e de inquérito para os incidentes referidos nos princípios 6 e 11-f. Para os incidentes que sejam objeto de relatório por força dos presentes Princípios, os Governos e os organismos de aplicação da lei devem garantir a possibilidade de um efetivo procedimento de controle, e que autoridades independentes (administrativas ou do Ministério Público), possam exercer a sua jurisdição nas condições adequadas. Em caso de morte, lesão grave, ou outra conseqüência grave, deve ser enviado de imediato um relatório detalhado às autoridades competentes encarregadas do inquérito administrativo ou do controle judiciário.

23. As pessoas contra as quais sejam utilizadas a força ou armas de fogo ou os seus representantes autorizados devem ter acesso a um processo independente, incluindo um processo judicial. Em caso de morte dessas pessoas, a presente disposição aplica-se aos seus dependentes.

24. Os Governos e organismos de aplicação da lei devem garantir que os funcionários superiores sejam responsabilizados se, sabendo ou devendo saber que os funcionários sob as suas ordens utilizam ou utilizaram ilicitamente a força ou armas de fogo, não tomaram as medidas ao seu alcance para impedir, fazer cessar ou comunicar este abuso.

25. Os Governos e organismos responsáveis pela aplicação da lei devem garantir que nenhuma sanção penal ou disciplinar seja tomada contra policiais que, de acordo como o Código de Conduta para os Policiais e com os presentes Princípios Básicos, se recusem a cumprir uma ordem de utilização da força ou armas de fogo ou denunciem essa utilização por outros policiais.

26. A obediência a ordens superiores não pode ser invocada como meio de defesa se os policiais sabiam que a ordem de utilização da força ou de armas de fogo de que resultaram a morte ou lesões graves era manifestamente ilegal e se tinham uma possibilidade razoável de recusar-se a cumpri-la. Em qualquer caso, também será responsabilizado o superior que proferiu a ordem ilegal.

Page 72: PONTES, Walace Tarcisio. Armas Não Letais

70

ANEXO D - LEI 13.060/2014, DE 22 DE DEZEMBRO DE 2014

Disciplina o uso dos instrumentos de menor potencial ofensivo pelos agentes

de segurança pública, em todo o território nacional.

A PRESIDENTA DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional

decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1º Esta Lei disciplina o uso dos instrumentos de menor potencial

ofensivo pelos agentes de segurança pública em todo o território nacional. Art. 2º Os órgãos de segurança pública deverão priorizar a utilização dos

instrumentos de menor potencial ofensivo, desde que o seu uso não coloque em risco a integridade física ou psíquica dos policiais, e deverão obedecer aos seguintes princípios:

I - legalidade; II - necessidade; III - razoabilidade e proporcionalidade. Parágrafo único. Não é legítimo o uso de arma de fogo: I - contra pessoa em fuga que esteja desarmada ou que não represente

risco imediato de morte ou de lesão aos agentes de segurança pública ou a terceiros; e

II - contra veículo que desrespeite bloqueio policial em via pública, exceto quando o ato represente risco de morte ou lesão aos agentes de segurança pública ou a terceiros.

Art. 3º Os cursos de formação e capacitação dos agentes de segurança pública deverão incluir conteúdo programático que os habilite ao uso dos instrumentos não letais.

Art. 4º Para os efeitos desta Lei, consideram-se instrumentos de menor potencial ofensivo aqueles projetados especificamente para, com baixa probabilidade de causar mortes ou lesões permanentes, conter, debilitar ou incapacitar temporariamente pessoas.

Art. 5º O poder público tem o dever de fornecer a todo agente de segurança pública instrumentos de menor potencial ofensivo para o uso racional da força.

Art. 6º Sempre que do uso da força praticada pelos agentes de segurança pública decorrerem ferimentos em pessoas, deverá ser assegurada a imediata prestação de assistência e socorro médico aos feridos, bem como a comunicação do ocorrido à família ou à pessoa por eles indicada.

Art. 7º O Poder Executivo editará regulamento classificando e disciplinando a utilização dos instrumentos não letais.

Art. 8º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 22 de dezembro de 2014; 193º da Independência e 126º da República.

Dilma Rousseff José Eduardo Cardozo Claudinei do Nascimento

Page 73: PONTES, Walace Tarcisio. Armas Não Letais

71

ANEXO E - PORTARIA Nº. 20 - D LOG DE 27 DE DEZEMBRO DE 2006

PORTARIA Nº 20 - D Log, DE 27 DE DEZEMBRO 2006.

Autoriza a aquisição diretamente no fabricante de armamento e munição não letais, classificadas como de uso restrito, para as atividades de segurança privada, praticada por empresas especializadas ou por aquelas que possuem serviço orgânico de segurança.

O CHEFE DO DEPARTAMENTO LOGÍSTICO, no uso das atribuições

constantes do inciso IX do art. 11 do Regulamento do Departamento Logístico (R-128) aprovado pela Portaria n° 201, de 2 de maio de 2001, de acordo com o inciso I do art. 50 do Decreto n° 5.123, de 1° de julho de 2004 e por proposta da Diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados (DFPC), resolve:

Art. 1° Autorizar a aquisição, diretamente no fabricante, do armamento e

munição não letais, a seguir listados, classificados como de uso restrito, para uso nas atividades de segurança privada, praticada por empresas especializadas ou por aquelas que possuem serviço orgânico de segurança:

I - borrifador (“spray”) de gás pimenta; II - arma de choque elétrico (“air taser”); III - granadas lacrimogêneas (OC ou CS) e fumígenas; IV - munições lacrimogêneas (OC ou CS) e fumígenas; V - munições calibre 12 com balins de borracha ou plástico; VI - cartucho calibre 12 para lançamento de munição não letal; VII - lançador de munição não letal no calibre 12; e VIII - máscara contra gases lacrimogêneos (OC ou CS) e fumígenos. Art. 2° Compete ao Departamento de Polícia Federal definir as dotações

em armamento e munição não letais, classificadas como de uso restrito, para cada empresa, e estabelecer as normas de utilização, armazenamento e destruição das munições com prazos de validade vencidos.

Art. 3° Determinar que esta Portaria entre em vigor na data de sua

publicação. Gen. Ex. Francisco José da Silva Fernandes Chefe do Departamento Logístico