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Pontes ENTRE O COMÉRCIO E O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL Abril 2010 Vol.6 No.1 ISSN: 1813-4378 Para receber o PONTES via e-mail, favor escrever uma mensagem para [email protected], informando seu nome e profissão. PONTES está disponível on-line em: www.ictsd.org/news/pontes/ Você sabia? 1 O ano da biodiversidade: um panorama dos principais temas 4 A implementação da retaliação brasileira no caso do algodão Ben Cote e Fabio Weinberg Crocco 6 Riscos e oportunidades na retaliação cruzada em propriedade intelectual Pedro Paranaguá 7 Procurado: novo modelo para o multilateralismo Guy de Jonquières 8 A OMC é o canário na mina Juliana Peixoto Batista 9 Depois de Copenhague: próximos passos em agricultura Marie Chamay 11 Tratado de Lisboa: efeitos da reforma institucional na UE 13 As eleições nos EUA e as negociações da Rodada Doha Trineesh Biswas 14 Cooperação Brasil-Angola na produção de etanol Rafael Vaisman O ano da biodiversidade: um panorama dos principais temas Entre os males provocados ao meio ambiente pela atividade humana, a perda da diversidade de vida no planeta revela-se uma ameaça cada vez mais preocupante. No ano da biodiversidade, o Pontes apresentará uma série de artigos sobre os principais tópicos relacionados ao tema, com destaque para a interface deste com o comércio. Neste artigo – o primeiro da série – é apresentado um panorama da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), suas metas e desafios para 2010. Em 2009, os esforços para avançar na agenda ambiental internacional concentraram-se no tema das mudanças climáticas (MCs) – uma agenda que se estende em 2010. E, aliada a essa difícil agenda, ainda teremos outra frente de negociações: biodiversidade no mundo. O conceito de biodiversidade inclui não apenas a multiplicidade de espécies existentes no planeta, como também as variações genéti- cas verificadas dentro de cada espécie. Esta variedade determina tanto a riqueza quanto a singularidade dos organismos. Outro aspecto da biodiversidade encontra-se na variedade de ecossistemas, como oceanos, florestas, desertos e pântanos. A rede formada por cada um desses sistemas possui um equilíbrio particular, dentro do qual a vida de cada organismo depende de sua interação com o ecossistema. Atualmente, cerca de 17 mil espécies (de aproximadamente 47 mil identificadas) estão ameaçadas de extinção. No que toca às classes, a situação engloba 21% dos mamíferos, 30% dos anfíbios, 12% das aves, 28% dos répteis, 37% dos peixes e 70% das plantas já catalogadas. A abundância de espécies foi reduzida em 40% entre 1970 e 2000. A população de peixes no norte do Atlântico diminuiu em 66% nas últimas cinco décadas. A cobertura de corais da região do Caribe foi reduzida de 50% para 10% em trinta anos. Estima-se que 99% desta ameaça resulte da ação humana, sendo a degradação do meio ambiente o principal elemento causador: desde 2000, aproximadamente 6 milhões de hectares de floresta nativa foram eliminados a cada ano 1 . As MCs também contribuem de forma significa- tiva para esse cenário. O aquecimento global representa um fator importante de modificação dos habitats, o que pode causar danos irrever- síveis, mesmo que as metas estabelecidas na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, sigla em inglês) sejam alcançadas. Segundo previsões científi- cas, a elevação de apenas 1ºC na temperatura atmosférica pode causar o desaparecimento de diversas espécies que se encontram no limiar Quantas espécies estão ameaçadas de extinção atualmente? Fonte: IUCN

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PontesENTRE O COMÉRCIO E O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

Abril 2010

Vol.6 No.1

ISSN: 1813-4378

Para receber o PONTES via e-mail, favor escrever uma mensagem para [email protected], informando seu nome e profissão. PONTES está disponível on-line em: www.ictsd.org/news/pontes/

Você sabia?

1 O ano da biodiversidade: um panorama dos principais temas

4 A implementação da retaliação brasileira no caso do algodão Ben Cote e Fabio Weinberg Crocco

6 Riscos e oportunidades na retaliação cruzada em propriedade intelectual Pedro Paranaguá

7 Procurado: novo modelo para o multilateralismo Guy de Jonquières

8 A OMC é o canário na mina Juliana Peixoto Batista

9 Depois de Copenhague: próximos passos em agricultura

Marie Chamay

11 Tratado de Lisboa: efeitos da reforma institucional na UE

13 As eleições nos EUA e as negociações da Rodada Doha

Trineesh Biswas

14 Cooperação Brasil-Angola na produção de etanol

Rafael Vaisman

O ano da biodiversidade:um panorama dos principais temasEntre os males provocados ao meio ambiente pela atividade humana, a perda da diversidade de vida no planeta revela-se uma ameaça cada vez mais preocupante. No ano da biodiversidade, o Pontes apresentará uma série de artigos sobre os principais tópicos relacionados ao tema, com destaque para a interface deste com o comércio. Neste artigo – o primeiro da série – é apresentado um panorama da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), suas metas e desafios para 2010.

Em 2009, os esforços para avançar na agenda ambiental internacional concentraram-se no tema das mudanças climáticas (MCs) – uma agenda que se estende em 2010. E, aliada a essa difícil agenda, ainda teremos outra frente de negociações: biodiversidade no mundo.

O conceito de biodiversidade inclui não apenas a multiplicidade de espécies existentes no planeta, como também as variações genéti-cas verificadas dentro de cada espécie. Esta variedade determina tanto a riqueza quanto a singularidade dos organismos. Outro aspecto da biodiversidade encontra-se na variedade de ecossistemas, como oceanos, florestas, desertos e pântanos. A rede formada por cada um desses sistemas possui um equilíbrio particular, dentro do qual a vida de cada organismo depende de sua interação com o ecossistema.

Atualmente, cerca de 17 mil espécies (de aproximadamente 47 mil identificadas) estão ameaçadas de extinção. No que toca às classes, a situação engloba 21% dos mamíferos, 30% dos

anfíbios, 12% das aves, 28% dos répteis, 37% dos peixes e 70% das plantas já catalogadas. A abundância de espécies foi reduzida em 40% entre 1970 e 2000. A população de peixes no norte do Atlântico diminuiu em 66% nas últimas cinco décadas. A cobertura de corais da região do Caribe foi reduzida de 50% para 10% em trinta anos. Estima-se que 99% desta ameaça resulte da ação humana, sendo a degradação do meio ambiente o principal elemento causador: desde 2000, aproximadamente 6 milhões de hectares de floresta nativa foram eliminados a cada ano1.

As MCs também contribuem de forma significa-tiva para esse cenário. O aquecimento global representa um fator importante de modificação dos habitats, o que pode causar danos irrever-síveis, mesmo que as metas estabelecidas na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, sigla em inglês) sejam alcançadas. Segundo previsões científi-cas, a elevação de apenas 1ºC na temperatura atmosférica pode causar o desaparecimento de diversas espécies que se encontram no limiar

Quantas espécies estão ameaçadas de extinção atualmente?

Fonte: IUCN

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Pontes Abril 2010 Vol.6 No.1

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Espaço aberto

EditorialEstimado(a) leitor(a),

Ao final do primeiro trimestre de 2010, podemos observar a busca dos diversos atores em avaliar os frutos do ano anterior e retomar os esforços para avançar nos temas definidos como priori-dade. Nesta pauta, a questão da ameaça à di-versidade biológica do planeta foi posta no topo da agenda, na medida em que as Nações Unidas apontaram 2010 como o ano da biodiversidade.

Neste sentido, diversas instâncias de debate e negociação têm promovido eventos com o in-tuito de reverter o quadro de crescente veloci-dade do desaparecimento de espécies e degra-dação dos ecossistemas. Frente a este cenário, o artigo de abertura desta edição apresenta os desafios e metas da Convenção sobre Diversi-dade Biológica (CDB), principal marco jurídico e esfera multilateral para regulamentação do tema. Este será o primeiro de uma série de ar-tigos que procurarão abordar a interface entre a biodiversidade e o comércio.

No âmbito da Organização Mundial do Comér-cio (OMC), aproveitou-se o momento para a realização de um balanço sobre o avanço das negociações após a Conferência Ministerial re-alizada em novembro passado, em Genebra. Nesse sentido, o artigo de Juliana Peixoto abor-da a relação entre os entraves na Rodada Doha e as alterações no equilíbrio de poder entre os países. Também o texto de Guy de Jonquières discute o impasse nas negociações multilate-rais – e sua relação com a nova configuração mundial de poder –, sob o enfoque do modelo proposto por Robert Howse, em artigo publica-do na edição anterior do Pontes.

Enquanto a Rodada permanece adormecida, o sistema de solução de controvérsias continua a se desenvolver. Nas últimas semanas, uma das disputas paradigmáticas caminhou para o desfecho - o contencioso iniciado pelo Brasil contra os subsídios concedidos pelos Estados Unidos da América (EUA) ao setor de algodão. A iniciativa do Brasil em impor medidas reta-liatórias contra bens e direitos de propriedade intelectual dos EUA foi abordada em dois arti-gos desta edição. O texto de Pedro Paranaguá analisa em mais detalhe as implicações da op-ção pela retaliação cruzada, recurso polêmico ainda não implementado na história da OMC.

A partir deste mês, as atenções voltam-se para a corrida eleitoral no plano nacional – com as eleições presidenciais no Brasil – e internacio-nal – em vista da disputa por assentos no Con-gresso dos EUA. O Pontes buscará analisar como as agendas de comércio e meio ambiente têm-se inserido nas plataformas dos candidatos, bem como o impacto recíproco das nomeações e dos arranjos formados entre os diferentes braços do governo para as negociações interna-cionais. O artigo de Trineesh Biswas apresenta esta última perspectiva em relação aos EUA, ao discutir os principais fatores da política eleito-ral estadunidense que influenciaram o avanço nas discussões da Rodada Doha.

Esta edição traz ainda uma análise sobre a re-forma nas instituições comunitárias da União Europeia implementada por meio do Tratado de Lisboa, com enfoque em sua repercussão para a condução das relações exteriores e da políti-ca comercial do bloco. Outro assunto abordado foi o prosseguimento da agenda das mudanças climáticas, com um artigo sobre os avanços do tema para a agricultura.

Esperamos que aprecie a leitura.

Equipe Pontes

da extinção. A produção alimentar também pode sofrer sérios prejuízos pela perda de organismos que contribuem para o processo produtivo.

Diante dessa realidade, a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) declarou 2010 como o ano da biodiversidade. A iniciativa tem como propósito engajar todos os setores da comunidade internacional na luta contra essa ameaça ao meio ambiente. Segundo a declaração emitida pela Assembleia Geral, o primeiro passo nesse sentido consiste em elevar a consciência sobre a importância da biodiversidade, demonstrando o custo humano representado por sua perda. O mesmo documento confere ao Secretariado da CDB a tarefa de elaborar e gerir um programa de eventos ao longo do ano2. Destes, um dos principais encontros ocorrerá entre 18 e 29 de outubro deste ano, em Nagoya (Japão): a 10ª Conferência das Partes (COP, sigla em inglês) da CDB.

O regime internacional da biodiversidadeA preocupação com as consequências do quadro mencionado acima deu origem à criação do regime internacional para a conservação da biodiversidade. Em 1973, um grupo de 21 países assinou a Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Flora e da Fauna Selvagens em Perigo de Extinção (Cites, sigla em inglês). Atualmente, o documento conta com a adesão de 175 países.

A Cites busca regulamentar, por meio de sistemas de certificados, o comércio de espécies ameaçadas de extinção, ou que correm o risco de chegar a esta situação. Os objetos de controle são definidos por acordos renovados periodicamente, e encontram-se listados nos anexos do documento da seguinte forma: Anexo I – espécies ameaçadas de extinção, cujo comércio é autorizado apenas em casos excepcionais; Anexo II – espécies não necessariamente ameaçadas de extinção, cujo comércio é regulado para evitar utilização incompatível com a sobrevivência desse grupo; e Anexo III – espécies protegidas por ao menos um país, que exigem a cooperação das demais Partes para controlar sua comercialização.

À exceção do Anexo III, que pode ser alterado unilateralmente por qualquer uma das Partes, a inclusão de espécies nos Anexos I e II ocorre por decisão da COP, órgão composto por todos os membros da Cites. A cada reunião da COP, os países apresentam propostas para alteração das listas, as quais são submetidas a discussão e votação.

O marco regulatório internacional foi expandido com a assinatura da CDB, que se tor-nou o principal instrumento jurídico para a biodiversidade. A adoção dessa Convenção foi oficializada durante a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento – conhecida como ECO-92 –, realizada em junho de 1992, no Rio de Janeiro. A CDB constituiu um dos acordos-chave do encontro, no qual os líderes mun-diais concordaram em buscar o desenvolvimento de forma sustentável, preservando os recursos do planeta para as gerações futuras.

A CDB possui três objetivos principais: conservação da diversidade biológica; uso susten-tável de seus elementos; e repartição equitativa dos benefícios decorrentes do uso de recursos genéticos. Na 6ª COP, realizada em 2002, as Partes da Convenção assumiram o compromisso de reduzir significativamente, até 2010, a taxa de perda de biodiversidade em âmbito global, regional e nacional. Contudo, ainda não foram definidas obrigações específicas ou metas quantificadas a serem cumpridas pelas Partes.

A exemplo do que ocorre com a UNFCCC e a Cites, o processo decisório concentra-se na COP, órgão máximo da CDB. Esta instância possui competência para revisar os progressos alcançados, identificar novas prioridades, criar órgãos subsidiários e alterar o conteúdo da Convenção.

Por sua vez, o Secretariado desempenha as atribuições operacionais e burocráticas. Ligado ao Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e sediado em Montreal, o Secretariado organiza as reuniões e elabora os textos-base para as negociações, além de assistir aos Membros na implementação de seu programa de trabalho. Existe também o Órgão de Apoio Científico, Técnico e Tecnológico (Sbstta, sigla em inglês). Ainda, foram criados quatro grupos de trabalho, voltados aos seguintes temas: i) negociação do regime de acesso e repartição de benefícios (ABS, sigla em inglês); ii) proteção do conhecimento tradicional; iii) áreas protegidas; e iv) estratégias e planos de ação nacional.

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Espaço aberto

Ponto sensível: temas de viés econômicoDe maneira semelhante ao que ocorre no âmbito da UNFCCC, a interface de alguns aspectos do mandato da CDB com a seara econômica representa um obstáculo ao avanço das negociações sobre biodiversidade. Um destes pontos constitui o Access and Benefit Sharing (ABS, sigla em inglês) - os benefícios decorrentes da utilização de recursos genéticos. Enquanto a maior parte da diversidade genética encontra-se em países em desenvolvimento (PEDs), tais recursos são geralmente explorados por pesquisadores e empresas de países desen-volvidos (PDs). Os benefícios oriundos da comercialização de produtos desenvolvidos a partir destes recursos muitas vezes não são compartilhados com os países de origem.

Embora diversos países tenham avançado em relação ao ABS por meio de legislações que disciplinam o acesso a seus recursos genéticos (como Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela), as Partes da CDB ainda não lograram alcançar um acordo sobre o tema. Apesar das iniciativas do grupo de países megadiversos3 no sentido de instituir um acordo vinculante sobre ABS, as negociações durante a última COP não alcançaram este objetivo. Os representantes de diversos PDs insistiram em concentrar a discussão nos aspectos procedimentais das negociações, o que impediu avanços nas questões substanciais.

Outro tópico que apresenta progresso tímido consiste na proteção das formas de conhecimento tradicional como fonte de acesso aos recursos genéticos. A CDB reconhece o direito de populações indígenas e outras comunidades tradicionais a receber informação acerca da exploração de seus recursos. Igualmente, confere a esses grupos o direito de autorizar ou não a exploração, bem como de receber uma parcela de eventuais benefícios decorrentes desta. Contudo, a disciplina deste propósito ainda não adquiriu contornos mais definidos, o que se reflete em uma situação prática de implementação deficitária destes dispositivos.

Sob a disciplina da Cites, as discussões para inclusão de novas espécies na lista do Anexo I, assim como para a definição de exceções de autorização ao comércio, têm sido marca-das por divergências e impasses. Exemplo disso foram os debates sobre a inserção do atum rabilho neste rol, espécie cuja população sofreu acentuada redução nos últimos anos. Apesar do apoio da União Europeia (UE) e dos Estados Unidos da América (EUA), a proposta foi derrotada por iniciativa do Japão, maior importador no mundo desse peixe.

Também causou debates acirrados o recente pedido de autoriza-ção feito por Tanzânia e Zâmbia para a venda de seus estoques de marfim. Os países buscavam uma exceção à proibição do comércio do produto – já que os elefantes são classificados como espécie ameaçada sob a Cites. Apesar da alegação de que os estoques teriam origem legal, as Partes reunidas decidiram pela rejeição do pedido, sob o argumento de que a abertura do comércio estimularia a caça ilegal e predatória.

Desafios à frenteO ano da biodiversidade foi lançado oficialmente em 11 de janeiro, com o objetivo de relembrar o compromisso de reduzir significativamente a perda de biodiversidade até 2010 – prin-cipalmente, diante da falta de evidências que apontem para

avanços nesse sentido. Na abertura do evento, a anfitriã Angela Merkel, primeira-ministra alemã, sustentou que o tema da biodiversidade possui relevância equiparável àquela das MCs. Para tanto, os esforços pela conservação precisam acarretar uma reversão da tendência atual, tão urgente quanto aquela necessária para combater o aquecimento global.

Merkel reconheceu que o regime jurídico da biodiversidade terá que ser aprimorado no que toca aos acordos e sua imple-mentação, bem como em termos de estrutura institucional. O regime também carece de uma base científica mais sólida e sistematizada para embasar as negociações e decisões políticas. Nesse sentido, a chanceler recomendou a criação de um órgão nos moldes do Painel Intergovernamental sobre a Mudança do Clima (IPCC, sigla em inglês), a fim de prover bases técnicas para a tomada de decisões.

Avançar na definição de obrigações específicas e no detalha-mento dos acordos constitui desafio ainda maior para a CDB, na medida em que implica passos árduos do ponto de vista político, como no caso do ABS.

Até o momento, os progressos mais significativos têm sido alcançados em âmbito nacional. Dentre os exemplos de política pública bem-sucedida, destaca-se o programa adotado por Uganda para a proteção de áreas de vida sel-vagem, com base no qual parte da renda arrecadada com o turismo é revertida para a conservação pela população local. Ressalta-se, ainda, a legislação florestal editada pela Costa Rica, em 1996, que inclui provisões para compensar os proprietários que preservarem a mata nativa dentro de suas propriedades. Iniciativas como essas contribuíram para reduzir o ritmo do desaparecimento de espécies ou o avanço da ameaça à sua sobrevivência.

Contudo, a reversão da tendência exigirá muito além destes esforços. O modelo de desenvolvimento da maior parte dos países continua fortemente fundamentado na lógica eco-nômica de extração de recursos de forma negligente à sua preservação. Um aspecto agravante no caso da biodiversidade consiste no caráter muitas vezes irreversível do dano. Além dos impactos negativos já identificados – como no caso da produtividade agrícola – a perda incontornável da variedade genética possui consequências não plenamente conhecidas.

A despeito desse quadro, a ameaça da extinção parece distante no consciente de boa parte da população mundial. Assim, as iniciativas programadas para o ano da biodiversidade são bem-vindas, já que a disseminação de informação e o aumento da consciência acerca da magnitude do problema podem contribuir para a reversão desse cenário. Contudo, o avanço no quadro jurídico e na formulação de políticas requererá maior mobilização de esforços e vontade política, tanto por parte das lideranças mundiais quanto dos demais atores no âmbito nacional.

1 Dados do relatório International Union for Conservation of Nature Red List 2009, disponível em: <http://www.iucnredlist.org>.

2 Ver: <http://www.CDB.int/2010/welcome/>.

3 O grupo, formado pelos principais países detentores de biodiversidade, busca a celebração de um protocolo vinculante para a repartição de benefícios, nos moldes do Protocolo de Cartagena sobre biossegurança, que disciplina o comércio e a disseminação de organismos geneticamente modificados (OGMs) no âmbito da CDB. Ver: <http://ictsd.org/i/news/pontesquinzenal/72730/>.

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OMC em foco

A implementação da retaliação brasileira no caso do algodão

A retaliação brasileira à não retirada dos subsídios indevidos concedidos pelos Estados Unidos da América (EUA) a seus produ-tores de algodão materializou-se, em março, com a publicação das listas de bens estadunidenses que terão sua importação sobretaxada. O potencial impacto das medidas retaliatórias contribuíram para a reabertura do diálogo entre autoridades brasileiras e estadunidenses. Enquanto os termos do acordo estão sendo negociados, a vigência das medidas foi postergada.

O desenrolar do contencioso do algodão observou uma guinada ao longo dos últimos meses, na medida em que o Brasil tomou iniciativas para consumar o direito de reta-liação reconhecido pelo Órgão de Solução de Controvérsias (OSC). O governo brasileiro divulgou, em março, duas listas que englobam medidas de retaliação1 contra os EUA. O processo de implementação da retaliação marca uma nova etapa no litígio que se prolonga há oito anos. Vale lembrar que, em 2005, o OSC entendeu que os subsídios concedidos pelo governo estadunidense a produtores e exportadores de algodão violavam a normativa multilateral de comércio. Diante da falha dos EUA em adequar sua política interna, o OSC autorizou o Brasil a adotar contramedidas até o limite de US$ 829 milhões, o segundo maior valor em retaliação já autorizado na história da Organização.

Em 8 de março, o governo brasileiro publicou a lista final dos bens estadunidenses que terão as alíquotas de Imposto de Importação elevadas. A medida, introduzida no orde-namento nacional pela Resolução No. 15 da Câmara de Comércio Exterior (Camex), deveria entrar em vigor 30 dias após a publicação. Dentre os 102 produtos contidos no rol, encontram-se: pneus, automóveis, cosméticos, artigos de higiene e alimentos. A majoração tarifária é variável e inclui aumento de 14% para produtos farmacêuticos e 100% para produtos de algodão. Segundo estimativas brasilei-ras, o prejuízo aos exportadores dos EUA corresponderá a US$ 591 milhões. Para Carlos Márcio Cozendey2, diretor do Departamento Econômico do Ministério das Relações Exteriores (MRE), ao selecionar tão ampla lista de bens, o Brasil pretende maximizar a pressão exercida sobre o governo dos EUA pelos diferentes setores afetados pela retaliação.

Propriedade intelectual: o próximo passo

Além da divulgação da lista de retaliação em bens, vale destacar que o governo brasileiro também foi autorizado a impor medidas de suspensão de concessões ou obriga-ções relativas adireitos de propriedade intelectual e a serviços. As autoridades de comércio do país já deram os primeiros passos nessa direção.

De acordo com o artigo 22 do Entendimento Relativo a Normas e Procedimentos sobre Soluções de Controvérsia (DSU, sigla em inglês) da Organização Mundial do Comércio (OMC), caso

a retaliação contra o mesmo setor – ou relativa ao Acordo da OMC – em que a violação ocorreu não seja “prática” ou “efetiva” para o país ofendido, este poderá, mediante autorização, adotar medidas retaliatórias em outro setor. Tal prática é conhecida como “retaliação cruzada”. Com base nessa prerrogativa, em agosto de 2009, um painel arbitral da OMC autorizou o Brasil a retaliar os EUA nas áreas de serviços e de propriedade intelectual. De acordo com a decisão, a aplicação de contramedidas nessas áreas poderá alcançar o montante de US$ 238 milhões, ao longo de um ano.

A fim de adaptar a legislação brasileira de modo a pos-sibilitar o uso da prerrogativa, o governo editou, em 10 de fevereiro passado, a Medida Provisória (MP) n. 482. O instrumento regulamenta a aplicação de medidas que suspendam vantagens relativas aos direitos de propriedade intelectual, em caso de descumprimento de obrigações decorrentes dos Acordos da OMC.

A MP enumera as medidas que podem ser adotadas, bem como o procedimento necessário à sua imposição. Seis tipos de medida são contemplados: i) suspensão de direitos de pro-priedade intelectual; ii) limitação de direitos de propriedade intelectual; iii) alteração de medidas para a aplicação de normas de proteção de direitos de propriedade intelectual; iv) alteração de medidas para obtenção e manutenção de direitos de propriedade intelectual; v) bloqueio temporário de remessa de royalties ou remuneração relativa ao exer-cício de direitos de propriedade intelectual; e vi) aplicação de direitos de natureza comercial sobre a remuneração do titular de direitos de propriedade intelectual.

Em relação ao procedimento necessário à imposição das medidas acima mencionadas, a MP estabeleceu que a etapa inicial consistirá na apresentação, pela Camex, de um relatório preliminar contendo uma minuta das medidas e sua respectiva fundamentação. Em seguida, deve ser aberto prazo de 20 dias para manifestações acerca do relatório preliminar. Após a consulta pública, a Camex emitirá o parecer final. Caso seja sugerida a aplicação de medida que não esteja contida no relatório preliminar, todo o procedimento deverá ser repetido.

Com a alteração legislativa necessária, o governo deu o pri-meiro passo para implementar a retaliação cruzada. Editada em 12 de março passado, a Resolução Camex n. 16 instaurou

Ben Cote*Fabio Weinberg Crocco**

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OMC em foco

o procedimento de consulta pública com vistas à aplicação de medidas relacionadas a direitos de propriedade intelectual.

No que se refere aos direitos de patentes, as medidas previstas na última lista incluem quatro formas de sanção: o governo brasileiro poderá retaliar na produção, comercialização, importação e licenciamento de produtos. A lista contém, ainda, restrições a direitos autorais, tais como o licenciamento de direitos sobre obras literárias e sobre a exibição pública de obras audiovisuais. Também, prevê a aplicação de direitos de natureza comercial sobre a remuneração decorrente de direitos de autor relativos a programas de computador.

Caso qualquer medida prevista na Resolução Camex n. 16 seja implementada, o Brasil será o primeiro membro da OMC a aplicar retaliação cruzada em propriedade inte-lectual. O OSC já autorizou este tipo de retaliação em outras oportunidades, porém os países reclamantes não chegaram a implementar as medidas cabíveis.

A instauração do processo de consulta pública deve estimular empresas estadunidenses potencialmente afetadas pelas medidas brasileiras a pressionar o governo dos EUA pela adequação do programa de subsídios às regras da OMC. Na prática, a pressão dos representantes do setor algodoeiro pela manutenção do apoio será contrabalanceada pelas indústrias cinematográfica e farmacêutica.

Em contrapartida, as ameaças de represália dos EUA, embora proferidas em tom diplomático, incentivam parcela da indústria brasileira a refutar a imposição de medidas de retaliação, principalmente na área de propriedade intelectual. Este quadro demonstra como os atores influem em diferentes sentidos, em cada esfera de negociação. A coexistência desses focos de pressão torna o processo de retaliação e negociação bastante complexo, para ambos os lados.

Estratégias e consequências

A opção pela via retaliatória pode acarretar novos atritos com Washington e, por conseguinte, impactar negativamente o fluxo comercial entre os dois países. Agentes do governo brasileiro receosos acerca das consequências negativas da medida afirmam que o Escritório de Representação Comercial dos EUA poderá, por exemplo, recolocar o Brasil na lista de observação prioritária – que inclui os países que não resguar-dam direitos de propriedade intelectual.

Outra possível forma de represália apontada consiste na suspensão de benefícios concedidos pelos EUA ao Brasil pelo Sistema Geral de Preferências (SGP). Os benefícios do programa, que alcança 10% das exportações brasileiras aos EUA, correspondem a US$ 2,8 bilhões.

Segundo John Murphy, vice-presidente pra assuntos inter-nacionais da Câmara de Comércio dos EUA (Amcham, sigla em inglês), “suspender a proteção ao direito à propriedade intelectual de empresas americanas seria um ‘gol contra’, afastando investimentos e prejudicando interesses de forma

profunda e duradoura”3. No entanto, alguns analistas acre-

ditam que os EUA – país que recentemente deixou de ser o

principal parceiro comercial do Brasil – não deverão tomar

medidas drásticas, já que o país temeria perder a influência

econômica na América do Sul.

Primeiros passos rumo à solução negociada

Paralelamente aos anúncios das sanções, o governo brasileiro

continuou a reiterar a sua preferência por uma solução ami-

gável da controvérsia. Antes da aplicação efetiva da primeira

leva de sanções, esta disposição rendeu frutos. Diante da

iminência da aplicação das sobretaxas a seus produtos, os

EUA apresentaram uma proposta de compensações, a fim de

evitar a concretização da retaliação.

A proposta concentra-se em três concessões: (i) a criação

de um fundo para financiar a cotonicultura brasileira, no

valor de U$ 147 milhões anuais; (ii) a negociação bilateral

de novos termos para o funcionamento do programa de

garantia de crédito à exportação GSM-102, que subsidia

compradores estrangeiros do algodão estadunidense; (iii)

medidas de cooperação na área de saúde animal, especial-

mente nos setores de carne, o que pode facilitar o acesso

da carne brasileira ao mercado dos EUA.

Diante da oferta estadunidense, o Brasil aceitou engajar-

se em novas negociações. Enquanto os representantes dos

países discutem os termos do acordo, a data de vigência

das medidas foi adiada por um período de 20 dias, que

pode ser prorrogado se os resultados das conversas forem

considerados satisfatórios.

Apesar dessa alteração nos rumos da disputa, governo e setor

privado no Brasil reconhecem que as soluções apresentadas

são temporárias. A resposta esperada pelo país só poderá ser

alcançada por meio da revisão da Lei Agrícola dos EUA, em 2012.

Como esta atribuição pertence ao Congresso – onde o lobby

agrícola é muito influente –, os negociadores estadunidenses

não podem garantir que a reforma no esquema de subsídios

será aprovada. Contudo, o Brasil espera que a ameaça de

retaliação funcione como contrapeso às pressões internas,

permitindo que os programas de apoio sejam, afinal, trazidos

à conformidade com as regras do comércio multilateral.

* Doutorando em Direito na Universidade de Michigan e integrante do programa de Solução de Controvérsias do ICTSD.

1 Essa decisão insere-se no contexto do contencioso “EUA – Subsídios ao Algodão” (DS267) e foi autorizada pelo Órgão de Solução de Controvérsias da OMC, em novembro de 2009.

2 Reuters. Brazil details US cotton retaliation, wants accord. (08/03/2010). Disponível em: <http://www.reuters.com/article/idUSN0810219620100308>.

3 Folha de São Paulo. EUA pressionam para manter subsídios. (17/03/2010).

** Aluno do nono semestre da graduação da Escola de Direito de São Paulo da FGV, membro do Instituto de Analistas Brasileiros de Comércio Internacional (ABCI Institute) e assistente jurídico do escritório Lilla, Huck, Otranto e Camargo Advogados.

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OMC em foco

Riscos e oportunidades na retaliação cruzada em propriedade intelectual

Diante do descumprimento da decisão do Órgão de Solução de Controvérsias (OSC) por parte dos Estados Unidos da América (EUA) no caso do algodão, este órgão da Organização Mundial do Comércio (OMC) autorizou a aplicação da retaliação cruzada pelo Brasil. Nesse sentido, a Câmara de Comércio Exterior (Camex) abriu recentemente consulta pública sobre as medidas que o Brasil poderá tomar na área de propriedade intelectual. Esse quadro representa um teste para a OMC, que pode ver sua legitimidade ameaçada caso os EUA ignorem suas regras e incentivos para o cumprimento destas.

A retaliação cruzada pode – e deve – ser feita quando se estabelece que a suspensão de concessões no mesmo setor não será eficaz ou quando for mais prejudicial ao país autorizado a estabelecer tais normas1. Se o aumento do imposto de importação de alguns bens oriundos dos EUA for mais desfavorável do que positivo para o Brasil, este país tem o direito de suspender concessões e obrigações no setor de propriedade intelectual, isto é, deixar de pagar por direitos de patentes e direitos autorais.

No caso do algodão, a retaliação cruzada visa a incentivar que os EUA cumpram a decisão da OMC, ou seja, que retirem os subsídios ilícitos a seus produtores de algodão. Tal medida não é permanente: dura apenas enquanto os EUA não obedecerem à OMC2. Qual é a lógica desse incentivo? Ora, setores como de entretenimento, biotecnologia, informática e químico-farmacêutico dos EUA logicamente não ficarão satisfeitos com tal medida. Justamente porque tais indústrias possuem tamanho poder econômico e político – e porque dependem de pagamentos provenientes de propriedade intelectual –, pres-sionarão o governo dos EUA para que este retire os subsídios contrários às regras da OMC. O Brasil está tomando a melhor medida possível, dentro das regras da OMC, para incentivar que os EUA passem a respeitar as regras do comércio mundial.

Se utilizada com inteligência, a retaliação cruzada pode benefi-ciar: i) os consumidores brasileiros, que pagarão menos ou não precisarão pagar nada para comprar ou utilizar, por exemplo, livros didáticos, softwares ou medicamentos patenteados de empresas estadunidenses; ii) a indústria local, que poderá lançar medicamentos genéricos; iii) o setor privado nacional afetado pelas medidas ilegais dos EUA, que compensará as perdas sofridas; iv) o governo, que fará com que as regras internacionais sejam cumpridas por todos – a principal van-tagem do multilateralismo; e v) a comunidade internacional, uma vez que um dos países mais poderosos será obrigado a cumprir as regras que acordou com os demais membros da OMC.

Cabe ressaltar que a ideia de retaliação é estadunidense. De acordo com alguns analistas3, ao longo dos anos, os EUA utilizaram recorrentemente esse sistema de forma unilateral e contrária às regras da OMC4. Agora, o governo e o setor privado dos EUA estão receosos de provar da própria fórmula. Ainda que se sugira que o Brasil não está respeitando os direitos de propriedade intelectual dos EUA5, é certo que as medidas aplicadas pelo Brasil estão em conformidade às regras da OMC e foram autorizadas por seu sistema de solução de controvérsias.

O funcionamento do sistema da OMC está sob escrutínio. Seu sistema de enforcement parece estar sob xeque-mate. Se países poderosos ignorarem as regras, o sistema multilateral de comércio pode começar a perder legitimidade.

Se um acordo diplomático não for alcançado – e o Brasil seguir adiante com as contramedidas autorizadas –, será interessante observar como o Brasil implementará a reta-liação cruzada. Certamente, não será uma tarefa fácil. Por exemplo, produtores locais de medicamentos podem não ser incentivados por um possível licenciamento com-pulsório: é difícil investir em um produto que poderá ser retirado do mercado em poucos meses. O Brasil terá de ser prudente na escolha de quais direitos de propriedade intelectual devem ser suspensos e como isso será feito.

Independentemente da decisão, em recente discurso no Banco de Exportação e Importação dos EUA, o presidente estadunidense Barack Obama afirmou que seu governo utilizará seu “arsenal completo” para combater “práticas que descaradamente prejudicam” a indústria dos EUA, e isso inclui “fazer valer os tratados [internacionais] existentes”6. Nesse caso, a questão que remanescerá é: será que finalmente os EUA respeitarão suas obrigações multilaterais perante a OMC, no setor de algodão?

1 Ver: Abbott, Frederick. Cross-Retaliation in TRIPS: Options for Developing Countries. ICTSD Dispute Settlement and Legal Aspects of International Trade Series, Issue Paper 8, p. 9.

2 Conforme artigos 22.1 e 22.8 do Entendimento Relativo a Normas e Procedimentos sobre Soluções de Controvérsia (DSU, sigla em inglês).

3 Ver: Drahos, Peter; Braithwaite, John. Information Feudalism, The New Press, 2002; Sell, Susan. Private Power, Public Law: The Globalization of Intellectual Property Rights, Cambridge, 2003; e Sell, Susan. Power and Ideas: North-South Politics of Intellectual Property and Antitrust, State University NY Press, 1998.

4 Conforme artigos 3(2) e 3(2)(a) do DSU. Ver: United States — Section 110(5) of US Copyright Act (DS160), painel da OMC ressaltou que as medidas unilaterais tomadas pelos EUA podem não ser compatíveis com o sistema multilateral de solução de conflitos.

5 Ver: Dantas, Iuri. Brazil Said to Target U.S. Movies in Trade Dispute (Update1), March 09, 2010, BusinessWeek. Disponível em: <http://www.businessweek.com/news/2010-03-09/brazil-said-to-target-u-s-movies-in-trade-dispute-update1-.html>.

6 Ver: The White House, Office of the Press Secretary, Remarks by the President at the Export-Import Bank’s Annual Conference, 11 mar. 2010. Disponível em: <http://www.whitehouse.gov/the-press-office/remarks-president-export-import-banks-annual-conference>.

* Mestre (cum laude) em direito da propriedade intelectual pela Universidade de Londres e doutorando na mesma área na Universidade de Duke. É professor da FGV-Rio e consultor.

Pedro Paranaguá*

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OMC em foco

Procurado: novo modelo para o multilateralismo

Na edição de novembro de 2009 do Pontes Bimestral, Robert Howse apresentou algumas propostas com vistas à retomada da Rodada Doha. Contudo, duvido que estas sejam suficientes para acelerar as negociações. Pelo contrário: a concretização de tais propostas poderia reduzir ainda mais o ritmo da Rodada – se isso for possível. Isso porque as recomendações de Howse se concentram nos sintomas, ao invés de abordar as causas básicas da inércia.

Em seu artigo, o professor Howse sugere que poderia haver progresso se os temas mais controversos da agenda fossem deixados de lado. No entanto, Howse não menciona – e isso tampouco é obvio – os temas que considera menos controver-sos, sobre os quais já seria possível a obtenção de consenso entre os membros da Organização Mundial do Comércio (OMC).

Se agricultura, o tema mais polêmico de todos, estivesse fora da mesa de negociações, o G-20 seria mais flexível em relação a tarifas industriais? Se acesso a mercado de bens não-agrícolas (NAMA, sigla em inglês) fosse colocado em segundo plano, estariam os Estados Unidos da América (EUA) e a União Europeia (UE) preparados para reduzir subsídios agrícolas e barreiras comerciais? Poderia algum destes cenários tornar mais provável um acordo em serviços? Não é difícil imaginar a resposta para estas perguntas.

É também otimista supor que “coalizões de países dispostos a negociar” possam resolver o impasse. Que países exatamente são estes, e em torno de que temas se unem? Entusiastas do plurilateralismo apontam para o sucesso das negociações em telecomunicações, tarifas sobre tecnologia da informação (TI) e serviços financeiros na OMC, na década de 1990. Todavia, esse ponto de vista confunde a carroça com o cavalo.

O Acordo de Telecomunicações foi selado porque as transfor-mações tecnológicas minaram o modelo tradicional de negó-cios da indústria; o Acordo de Tecnologia da Informação foi possível, porque as economias asiáticas em desenvolvimento, dependentes das cadeias globais de produção de eletrônicos constataram que era ilógica a taxação de insumos essenciais importados; e as negociações de serviços financeiros estavam destinadas ao sucesso, porque seu fracasso poderia ter pio-rado ainda mais a confiança no mercado asiático durante a crise econômica naquela região. Mas em que outras áreas é possível identificar contextos tão favoráveis a acordos na OMC?

Para adquirir credibilidade e força, seria necessário que qualquer coalizão plurilateral incluísse, no mínimo, EUA, UE, China, Índia, Brasil e Japão, além de outros países em desen-volvimento (PEDs) menores. Contudo, são mais abundantes os itens em torno dos quais as prioridades nacionais e interesses desses membros divergem do que aqueles que os aproximam.

Isso nos leva ao centro do problema. Não se trata somente de falta de atenção política à OMC – afinal, esta foi a tendência predominante na última década. O problema tampouco seria a desatualização da agenda da Organização e de sua mecânica de negociações. A verdade é que a OMC – e o multilateralismo de forma geral – ainda precisa se adaptar às transformações geopolíticas e econômicas.

Constitui um curioso paradoxo o fato de que a hegemonia dos EUA, necessária para criar e manter o sistema multilateral de comércio, esteja enfraquecida desde o fim da Guerra Fria. Enquanto isto, a Europa, o Japão e, mais recentemente, os chamados BRICs (sigla para Brasil, Rússia, Índia e China) surgiram para desafiar a supremacia estadunidense.

Até agora, entretanto, nenhum outro país conseguiu subs-tituir a liderança global dos EUA; tampouco é provável que isso ocorra em um futuro próximo. A UE carece da coesão e influência políticas necessárias para tanto. Por sua vez, a China e a Índia, preocupadas com pressões no âmbito nacional, não desejam os custos e as responsabi-lidades decorrentes da liderança internacional. O Japão é igualmente reticente a esse respeito.

Como resultado, a influência política foi diluída em diferen-tes centros de poder; e nenhum deles é capaz de impor sua vontade sobre os demais. Isso colocou uma tensão incômoda entre a legitimidade de instituições globais e sua eficácia na tomada de decisão. Até mesmo atores relativamente menores podem agora se fortalecer e impedir o consenso nessas instituições. Ademais, se, por um lado, os países estão cada vez mais seguros de seus direitos, por outro, parecem cautelosos em aceitar novas regras impostas externamente. Anteriormente, a determinação de regras cabia aos EUA; atualmente, constitui uma prerrogativa global.

Essas tendências são poderosas. A ausência de uma liderança global clara, a divergência entre prioridades nacionais, a rivalidade internacional e, em algumas partes, uma crescente antipatia à globalização são exemplos de fenômenos que não podem ser resolvidos por alterações, promovidas por diplomatas, na agenda e nos procedimentos empregados em Genebra. Para que o multilateralismo funcione melhor, as soluções devem ser buscadas nas capitais dos países e entre elas.

Este é um dos argumentos mais fortes para a conclusão da Rodada Doha, ainda que o melhor que se possa esperar seja um resultado modesto. Quanto mais tempo a Rodada durar, maior será a tentação de os governos utilizarem isso como uma justificativa para não confrontar o fundamento dos pro-blemas que atormentam a OMC. Somente quando a Rodada for concluída é que saberemos se tais problemas realmente possuem força para abalar a Organização.

* Fellow sênior do Centro Europeu para Economia Política Internacional e ex-editor para comércio internacional do Financial Times.

Guy de Jonquières*

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OMC em foco

A OMC é o canário na mina

Há muitas especulações acerca da dificuldade de obtenção de consenso na Rodada Doha de negociações comerciais da Organização Mundial do Comércio (OMC). Independentemente disso, este artigo sustenta que o entrave na OMC reflete as mudanças ocorridas na configuração de poder no mundo.

Muitos negociadores afirmam que o maior obstáculo para a conclusão da Rodada Doha já não é o impasse entre países em desenvolvimento (PEDs) e desenvolvidos (PDs) em temas agrícolas e industriais, mas a ausência de um mandato nego-ciador dos Estados Unidos da América (EUA). Outros opinam que a principal dificuldade é a falta de acordo entre este país e a União Europeia (UE) quanto à diminuição da ajuda interna e ao aumento do acesso a mercado. De forma mais pragmá-tica, outros defendem que a Rodada será concluída quando os custos de não finalizá-la superarem os de sua conclusão.

Antes de Doha, a Rodada Uruguai constituía um exemplo emblemático no que se refere a obstáculos para o consenso em torno de temas como agricultura, serviços ou propriedade intelectual. Naquela ocasião, as negociações estenderam-se por oito anos e foram concluídas com um resultado excelente do ponto de vista institucional: a criação da OMC.

Da mesma forma que na Rodada Uruguai, agricultura e acesso a produtos não-agrícolas (NAMA, sigla em inglês) consti-tuem grandes obstáculos ao acordo de Doha. Novamente, a grandeza das mudanças nos campos econômico e polí-tico internacional, a multiplicação de temas tratados e de atores envolvidos reflete-se na extrapolação de todos os prazos e exige uma análise das questões diretamente relacionadas à governança global do comércio.

Seja qual for o motivo ou o momento para a conclusão da Rodada Doha, é certo que a OMC está refletindo as mudanças ocorridas na configuração de poder no mundo. Atualmente, assistimos a um reposicionamento das economias emergentes, que desempenham um papel cada vez mais destacado no cenário mundial. Em decorrência disso, alguns limites estão sendo postos aos EUA e à UE, que antes definiam a agenda e tomavam as principais decisões no sistema multilateral de comércio. Esses limites resultam, em grande parte, de dois fenômenos: as coalizões de PEDs e o crescente uso do sistema de solução de controvérsias por parte dos países, cada vez mais especializados em matéria de litígio.

No que toca às coalizões, o G-20, o NAMA 11, o G-33 são exem-plos de como os PEDs podem se unir para ser interlocutores de peso nas negociações. Nesse sentido, é fundamental manter a coesão, principalmente quando se observa que seu poder se reflete mais na capacidade de bloquear iniciativas de PDs (poder negativo) do que de criar novas regras.

No que se refere ao sistema de solução de controvérsias, os PEDs vêm aprimorando capacidades para litigar – embora as disputas na OMC ainda sejam demasiado onerosas para muitos destes países, carentes de recursos humanos especializados. Cabe ressaltar disputas memoráveis, como a reclamação do Equador no caso das bananas, a defesa da Guatemala no caso do cimento e o caso do Brasil contra os subsídios ao algodão nos EUA.

Assim, os PEDs condicionam cada vez mais o comércio a preocupações relativas ao desenvolvimento. De forma paralela, os PDs condicionam as normas do comércio a questões que extrapolam o âmbito meramente comercial como as mudanças climáticas e as migrações. Parece que todos estão menos dispostos a continuar aportando ao sistema multilateral nas atuais condições.

Outros desafios subjazem às dificuldades enfrentadas pela OMC. Em primeiro lugar, a assimetria entre o controle das medidas aplicadas na fronteira e a falta de controle das medidas internas, como os subsídios. Em segundo lugar, encontram-se os desafios institucionais. Para enfrentá-los, muitos estudos sobre a necessidade de reforma da OMC têm sido elaborados – principalmente após o Relatório Sutherland–, com o objetivo de oferecer melhores respostas ao atual contexto e ajudar a OMC a se adaptar à nova realidade.

Também é necessário ressaltar que a OMC é somente um dos pilares do sistema multilateral. A crise, os desequilíbrios e as mudanças na configuração de poder não podem ser enfrentados somente com reformas nas normas do sistema multilateral de comércio. Além disso, a principal contribuição da OMC é a existência de normas consensuadas, de uma maior transpa-rência no âmbito do comércio internacional e de um sistema de solução de controvérsias exitoso, porque sua importância no fluxo real do comércio internacional é apenas marginal.

Nesse sentido, a OMC é somente o canário que anuncia a falta de oxigênio em uma mina: mostra como uma série de organizações se encontram obsoletas no novo cenário global. O sistema de cotas do Fundo Monetário Internacional (FMI) ou do Banco Mundial e o poder de veto das potências no Conselho de Segurança das Nações Unidas são anacrônicos. Ao mesmo tempo, é difícil modificar essas estruturas tão arraigadas. Na OMC, por outro lado, não há voto qualificado ou sistema de cotas: é a mais transparente dentre as organizações multi-laterais com poder vinculante; é também a mais fiscalizada (accountable) por seus membros – daí sua maior sensibilidade às mudanças ocorridas na comunidade internacional.

Uma reforma mais abrangente deveria englobar as dimensões comercial, financeira e monetária do sistema multilateral, assim como repensar a relação de todo o sistema com temas complexos, como as mudanças climáticas e as migrações. Pode ser que essa reforma não ocorra agora, ou nem seja conclu-ída, mas a situação atual bem parece uma fase de transição, na qual as organizações multilaterais buscam se adaptar às mudanças ineludíveis que começaram a mostrar seu talante.

* Coordenadora da Rede Latino-Americana de Política Comercial (LATN), pesquisadora na FLACSO/Argentina. A autora agradece o valioso apoio de Mariana Merlo na revisão deste artigo.

Juliana Peixoto Batista*

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Outros temas multi laterais

Depois de Copenhague: próximos passos em agriculturaSe a Conferência de Copenhague evidenciou a dificuldade em obter consenso em torno de alguns temas, é possível iden-tificar avanços nas negociações sobre mitigação das mudanças climáticas (MCs) no setor de agricultura. O tema constitui objeto central de propostas submetidas ao Secretariado da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, sigla em inglês) por países em desenvolvimento (PEDs). Além disso, esforços de cooperação científica nessa matéria podem contribuir para as negociações na próxima Conferência das Partes (COP, sigla em inglês), a ser realizada em novembro de 2010 no México.

Diferentemente de muitos outros temas – em torno dos quais divergiram os esforços para alcançar um novo acordo global nas negociações climáticas –, a agricultura acabou por unir interesses em diversas esferas. Mais precisamente, diversas Partes avançaram no desenvolvimento de uma linguagem específica em matéria de agricultura no âmbito do Grupo de Trabalho Ad Hoc sobre Medidas de Cooperação de Longo Prazo (AWG-LCA, sigla em inglês), ao tratarem do tópico de abordagens setoriais com vistas à mitigação. A versão atual do texto – incluída em um documento extra-oficial que continuará a ser negociado em 2010 – reconhece a impor-tância da segurança alimentar quando se trata de desafios relacionados às MCs, bem como o elo entre agricultura e segurança alimentar e a estreita relação entre adaptação e mitigação no contexto da agricultura. O documento também solicita ao Órgão Subsidiário de Assessoramento Científico e Tecnológico que estabeleça um programa de trabalho específico para o setor. Embora Copenhague não tenha sido bem-sucedida em concluir as negociações no AWG-LCA, os países decidiram dar continuidade aos diálogos, com o objetivo de chegar a um acordo na 16ª COP, a ser realizada em Cancun (México), no final de 2010.

Agricultura e mudança no uso da terraAinda que o tema de agricultura não seja mencionado de forma explícita no Protocolo de Quioto, é tratado indiretamente nas negociações sobre uso do solo, mudança no uso do solo e florestas, no âmbito do Grupo de Trabalho Ad Hoc sobre o Protocolo de Quioto (AWG-KP, sigla em inglês). Com vistas a atingir suas metas, os países que compõem o Anexo I do referido Protocolo devem reportar e quantificar as emissões e o armazenamento de gás carbônico no solo por práticas relacionadas à mudança no uso do solo e florestas. Entre as atividades discutidas nas mesas de negociação voltadas a este aspecto, está a ação voluntária para reduzir emissões de gases de efeito estufa (GEEs) dos solos agrícolas.

Em Copenhague, as discussões não progrediram no que se refere à inclusão de medidas para além do manejo das áreas florestais e das pastagens. Ademais, os países não decidiram se adotarão abordagens voluntárias ou manda-tórias no que toca à redução de emissões com base no uso da terra. No entanto, um programa de trabalho dotado de perspectiva mais abrangente – que incluiria a quantificação de redução de emissões relacionada ao uso do solo – pode ser futuramente apresentado. Por fim, as discussões acerca

do escopo do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) não avançaram, de modo que o mecanismo permanecerá restrito às atividades de reflorestamento.

Ação agrícola de mitigação sob o Acordo de CopenhagueO Acordo de Copenhague, apoiado por grande parte dos países membros da UNFCCC, não menciona o setor agrícola ou a segurança alimentar. O documento pede aos países desenvolvidos (PDs) que submetam ao Secretariado da Convenção suas metas de mitigação e aos PEDs, que infor-mem e detalhem as medidas adotadas para cumprir suas metas. Dos 32 relatórios elaborados por PEDs em resposta ao documento, 12 mencionaram especificamente o setor agrícola entre suas ações de mitigação.

As propostas dos PEDs apresentadas ao Secretariado da UNFCCC refletem diferentes capacidades, condições e perspectivas nacionais. Tais medidas incluem algumas das tecnologias e práticas centrais à mitigação atualmente disponíveis para comércio no setor agrícola. Estas consistem em: i) melho-ria no manejo das áreas florestais e das pastagens, com o objetivo de aumentar o armazenamento de carbono no solo; ii) restauração de solos degradados; iii) aprimoramento de técnicas de cultivo de arroz e manejo da agropecuária e do esterco, com vistas à redução das emissões de metano; iv) melhoria nas técnicas de aplicação de fertilizante nitrogenado para reduzir as emissões de óxido nitroso; v) cultivos destinados à produção de biocombustíveis de base agrícola, a fim de substituir o uso de combustíveis fósseis; e vi) melhoria da eficiência energética.

Brasil, Costa do Marfim, Etiópia, Indonésia, Jordânia, Madagascar, Marrocos, Mongólia, Papua Nova Guiné, Macedônia, República do Congo e Serra Leoa constituem exemplos de países que enviaram ao Secretariado relatórios e propostas relacionadas ao setor agrícola.

O Brasil apresentou estimativas quantificadas de metas voluntárias de redução de emissões e, com base nestas, propôs ações relacionadas ao manejo de pastagens, áreas florestais e pecuária. Mais precisamente, o Brasil afirma que buscará restaurar as pastagens e integrar sistemas de cultivo e pecuária, bem como promoverá o uso de espécies biológicas fixadoras de nitrogênio e técnicas de plantio direto [ver glossário]. Ainda, o país empreende esforços para aumentar o consumo de biocombustíveis.

Marie Chamay*

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Outros temas multi laterais

A Indonésia está finalizando um Plano de Ação Nacional para materializar a redução de 26 a 41% nas emissões de CO2 equivalente do país [ver glossário]. Para atingir essa meta até 2020, a Indonésia propõe ações em diferentes setores, incluindo o agrícola. Neste, o país busca implementar práticas sustentáveis de manejo das florestas de turfas e desenvolver projetos de sequestro de carbono [ver glossário], entre outras atividades. Ademais, a Indonésia considera o desenvolvimento de fontes alternativas e renováveis de energia.

A Etiópia, por sua vez, submeteu ao Secretariado um conjunto de Ações de Mitigação Nacionalmente Apropriadas (NAMAs, sigla em inglês) de caráter voluntário, na esperança de que estas recebam o apoio financeiro e tecnológico mencionado no Acordo de Copenhague. No que tange ao setor agrícola, o país propõe aumentar o sequestro de carbono no solo por meio do desenvolvimento de compostagens para adubar terras agrícolas de comunidades rurais locais, assim como mediante a implementação de práticas e sistemas agro-florestais. Ademais, a Etiópia buscará produzir etanol e biodiesel suficiente para abastecer o setor de transporte rodoviário e o consumo doméstico.

A Jordânia propõe o cultivo de forragens perenes na Região de Badia e a implementação de melhores práticas quanto à aplicação por irrigação de fertilizantes agrícolas e ao uso de metano emitido pela pecuária, avicultura e matadouros.

Mais de 80% do Produto Interno Bruto (PIB) do setor agrícola da Mongólia deriva do sub-setor da pecuária. Como NAMA, o país sugere controlar o aumento da pecuária, por meio do incremento da produtividade de cada tipo de animal, em especial o gado. Marrocos, diferentemente, sugere aumentar a produtividade de suas terras agrícolas.

O documento elaborado por Papua Nova Guiné expressa dispo-sição em reduzir as emissões de GEEs em pelo menos 50% até 2030 e, mais especificamente, diminuir as emissões agrícolas em 15-27 Mt de CO2 por ano – embora o país não especifique as ações por meio das quais pretende cumprir tal meta.

Serra Leoa propõe introduzir a agricultura conservacionista [ver glossário] e promover o uso de outras práticas agrícolas sustentáveis em setores como o agrícola e o florestal.

A Macedônia criará pré-condições favoráveis à redução de emissões de GEEs mediante, por exemplo, a implementação da legislação da Política Agrícola Comum da União Europeia (UE); a finalização das reformas institucionais e legais em matéria de irrigação; o desenvolvimento de um sistema para a aplicação de Boas Práticas em Agricultura; e a promoção do apoio financeiro com vistas a motivar os produtores agrícolas a empregar tecnologias de mitigação de emissões de GEEs. No que diz respeito a estas últimas, destaca-se o aprimoramento do manejo de resíduos resultantes de cultivos vegetais e da criação de animais.

De acordo com a Organização para Agricultura e Alimentação (FAO, sigla em inglês), a proporção de relatórios submetidos por PEDs ao Secretariado da UNFCCC que incluem agricultura pode constituir um indicador de que o setor provavelmente se tornará um componente importante das NAMAs de países que não constam do Anexo I do Protocolo de Quioto.

Próximos passos em agriculturaCabe ressaltar que, no âmbito externo às negociações da UNFCCC, 21 países assinaram recentemente uma declaração ministerial por meio da qual criaram a Aliança Global de Pesquisa sobre GEEs emitidos pela Agricultura. De acordo com o documento, os participantes desta aliança compartilharão seu conhecimento e esforços de pesquisa, identificarão lacunas no leque temático abrangido pelas pesquisas e movimentarão novos recursos para projetos de cooperação. Na primeira reunião deste grupo, realizada em 9 e 10 de abril na Nova Zelândia, foram deba-tidos temas relacionados a governança e focos de pesquisa. Essa aliança pode facilitar o entendimento comum acerca dos desafios relacionados à mitigação de emissões na agricultura.

Qual será o próximo passo mais provável em matéria de agri-cultura, nas negociações climáticas? Os diálogos no âmbito do AWG-LCA e do AWG-KP serão retomados, conforme definido pelas Partes em Copenhague, e as decisões sobre o escopo e conteúdo do programa de trabalho do Órgão Subsidiário de Assessoramento Científico e Tecnológico em agricultura ainda devem ser tomadas nas próximas reuniões da UNFCCC. Esse programa de trabalho pode facilitar e dotar de conteúdo um futuro acordo climático pautado em metodologias científicas e tecnológicas, com vistas à mitigação das MCs no setor agrícola.

Glossário

Agricultura conservacionista: compreende diversas formas e técnicas de manejo, mas tem por princípios gerais a cobertura permanente e o revolvimento mínimo do solo e a rotação de culturas. Tais práticas visam à conservação ou recuperação das propriedades químicas e físicas do solo, de modo a evitar a erosão e conservar a matéria orgânica e a umidade do solo. O plantio direto e a redução no uso de agroquímicos são práticas de manejo conservacionista difundidas atualmente. (Fonte: Icone)

Carbono equivalente: parâmetro que expressa o potencial de aquecimento global (PAG) de um GEE em termos do PAG do CO2, ou seja, a quantidade de CO2 que causa a mesma retenção de calor na atmosfera que determinada quantidade de outro gás. (Fonte: Observatório do Clima)

Plantio direto: conjunto de técnicas de produção agrícola que atende a três requisitos principais: não-revolvimento do solo, rotação de culturas e uso dos resíduos agrícolas para formação de palhada, o que pode inclusive contribuir para minimização dos custos de produção. O principal benefício do plantio direto é a conservação das propriedades físicas do solo, além da conservação de sua umidade e a diminuição da erosão. (Fonte: Icone)

Sequestro de carbono: processo natural de armazenamento de gás carbônico no solo devido principalmente à dinâmica dos ocea-nos, florestas e outros organismos que, por meio da fotossíntese, capturam o carbono e lançam oxigênio na atmosfera. É a captura e estocagem segura de gás carbônico (CO2), que evita sua emis-são e permanência na atmosfera terrestre. Na agricultura, essa captação é realizada por meio de técnicas de manejo do solo, como as adotadas no plantio direto. (Fonte: Icone)

* Diretora da Plataforma Global sobre Mudanças Climáticas, Comércio e Energia Sustentável do ICTSD.

Tradução e adaptação de texto originalmente publicado em Bridges Trade BioRes Review, Vol. 4, No. 1 - mar. 2010.

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Análises regionais

Tratado de Lisboa: efeitos da reforma institucional na UEEntrou em vigor em 1º de dezembro de 2009 o Tratado de Lisboa1, que conclui o processo de reforma iniciado com os acordos de Amsterdã (1999) e Nice (2001), com vistas a facilitar a condução das relações exteriores da União Europeia (UE), reduzir a complexidade de procedimentos decisórios e reforçar a legitimidade democrática de suas instituições deliberativas.

“Para quem telefono, se eu quiser falar com a Europa?”. A pergunta atribuída a Henry Kissinger durante sua gestão como secretário de Estado dos Estados Unidos da América (EUA) ilustrava o ceticismo estadunidense diante dos rumos da integração europeia. Mais do que isso, o questionamento parecia desnudar o caráter incompleto das instituições euro-peias em meados dos anos 70, expondo a falta de unidade do Velho Continente na condução de suas relações externas.

As dúvidas quanto ao rumo da integração foram dissipadas nas décadas seguintes. Nesse período, o bloco foi submetido a um vertiginoso alargamento, passando de 9 para 27 Estados membros – acumulando peso demográfico e poderio político-econômico. Ao mesmo tempo, houve um aprofundamento das matérias atribuídas à competência das instâncias europeias. De uma abordagem essencialmente econômica, avançou-se para a cooperação política, política externa de segurança comum e política europeia de segurança e defesa – em um bloco rebatizado, fortalecido internacionalmente e cultuado como o exemplo mais bem sucedido de regionalismo supranacional.

A despeito de tamanhas realizações, a relativa incapacidade em responder de maneira uníssona aos problemas internacio-nais permaneceu entre as principais debilidades do bloco. De maneira paradoxal, o sucesso na integração da UE – com seu alargamento e aprofundamento – significou o agravamento da complexidade, burocratização e baixa representatividade democrática de suas instâncias decisórias. Tais contradições ensejaram o início de um processo de reformas institucionais, cujos pontos referenciais são as alterações em matéria de governança introduzidas pelos tratados de Amsterdã (1997) e Nice (2001), e cujo ponto culminante foi a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, em dezembro de 2009.

Os fundamentos deste tratado foram lançados a partir de 2001, quando foi negociado um projeto de Constituição para a Europa, com o objetivo de aprimorar o funcionamento da UE e simplificar o Direito Comunitário por meio da consolidação do emaranhado de tratados em um único texto. Com isso, buscava-se possibilitar o alargamento do bloco para a Europa do Leste. O projeto fracassou em 2005, diante da rejeição de franceses e holandeses, consultados em referendo popular.

Posteriormente, decidiu-se optar por uma proposta refor-madora menos ambiciosa. As negociações foram novamente retomadas em 2007, mas, desta vez, adotou-se a estratégia de eliminar a nomenclatura constitucional do documento. Segundo a nova fórmula, seriam mantidos em vigor os tratados de Roma (1957) e Maastricht (1992), cujos dispo-sitivos seriam emendados. Diferente na forma, o Tratado de Lisboa, foi concebido para abarcar a maior parte dos

elementos substanciais que compunham o fracassado projeto de Constituição para a Europa. Após a assinatura do docu-mento em Lisboa, ao final de 2007, durante o exercício da Presidência do Conselho da UE por Portugal, teve sequência um conturbado processo de ratificação. Novas rejeições em consultas populares – desta vez na Irlanda – retardaram a conclusão das ratificações a novembro de 2009.

Dentre as alterações previstas no Tratado de Lisboa, destacam-se: i) a criação de uma presidência estável para o Conselho Europeu, a ser exercida em um mandato de 30 meses, com uma recondução autorizada; ii) a criação do cargo de alto representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança; iii) a inclusão da integração do comércio mundial como um dos objetivos da ação externa da UE e da política comercial como matéria de competência exclusiva da União; iv) a extensão do procedimento de “codecisão”, com consequente aumento da participação do Parlamento Europeu no processo legislativo; v) a adoção da maioria qua-lificada para a votação no Conselho da União Europeia; vi) a atribuição de personalidade jurídica internacional à UE; vii) a eliminação dos “três pilares da UE”, cujas competências serão fundidas e incorporadas à União; e viii) a criação de um serviço europeu de ação externa, corpo diplomático do bloco.

Os números de telefone da EuropaTendo por objetivo tornar o funcionamento da UE mais eficaz, em especial em sua ação externa, dois cargos executivos de grande visibilidade foram criados pelo Tratado de Lisboa: o presidente do Conselho Europeu e a alta representante da UE para os Negócios Estrangeiros. Seriam os dois “números de telefone da Europa”, em resposta à pergunta de Kissinger. Contudo, a ação externa do bloco permanecerá descentralizada, sob a responsabilidade de diferentes atores – na verdade, ainda são muitos os números de telefone da UE.

Até o momento, o Conselho Europeu – instância executiva que reúne os chefes de Estado e de governo dos países do bloco – era presidido rotativamente pelas lideranças do país a ocupar a presidência pro tempore. Diante da ampliação da UE a 27 membros, a manutenção da regra antiga – segundo a qual o mandato era alternado a cada seis meses –, implicaria o retorno de cada Estado membro à Presidência do Conselho após 14 anos. A fim de garantir maior continuidade aos traba-lhos do Conselho Europeu, o Tratado de Lisboa configurou o posto de presidente do Conselho Europeu como cargo eletivo, a ser ocupado durante um mandato de 30 meses, admitida uma recondução. O primeiro a ocupá-lo será Herman Von Rompoy, antigo primeiro-ministro belga.

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Análises regionais

O fracassado Projeto de Constituição para a Europa contem-plava a criação do cargo de ministro de relações exteriores da UE – nomenclatura considerada excessivamente ambiciosa, em seu caráter quase estatal. Em seu lugar, o Tratado de Lisboa propõe o posto de alto representante para Assuntos Externos e para a Política de Segurança, mantidas todas as atribuições da proposta anterior. O alto representante – para o qual foi nomeada Catherine Ashton, antiga comissária europeia para o Comércio – deverá acumular as atribuições de duas outras funções existentes: a do alto representante para a Política Externa e Segurança Comum, exercida desde 1999 por Javier Solana; e a de comissário europeu para as Relações Exteriores, exercida até o momento por Benita Ferrero-Waldner.

Não se trata, desse modo, da criação de uma representação externa unificada para a União: a alta representante deverá coordenar as políticas dos Estados membros em uma base intergo-vernamental, com decisões tomadas sob a regra da unanimidade, de modo que persiste o espaço para divergências entre Estados membros em matéria de política externa. Contudo, a alta representante também será encarregada da direção do recém criado Serviço Europeu de Ação Externa, o corpo diplomático da UE, composto por funcionários da Comissão, do Secretariado do Conselho e de diplomatas a serviço dos Estados membros.

A representação externa da UE permanecerá compartilhada por múltiplos atores, com destaque para o presidente do Conselho Europeu (Herman Von Rompoy), o presidente da Comissão Europeia (José Manuel Durão Barroso) e a alta representante (Catherine Ashton). A presidência rotativa da União perderá suas prerrogativas de representação externa durante as reuniões de cúpula em que participem terceiros países. A UE será representada pelo presidente do Conselho Europeu, que deverá manifestar-se sobre assuntos políticos, e pelo presidente da Comissão Europeia, encarregado de temas comunitários. Nestas reuniões, em que chefes de Estado são comumente acompanhados por ministros, deverão também participar a alta representante e os comissários das pastas envolvidas. A UE será representada em reuniões ministeriais pela alta representante, ao passo que as delegações diplo-máticas da União a representarão perante terceiros Estados.

Aspectos de governançaO aprimoramento dos aspectos de governança da UE foi mais uma área enfatizada na reforma promovida pelo Tratado de Lisboa. Foram tomadas medidas para garantir o aumento da transparência e da participação democrática nas instâncias decisórias do bloco. Ao mesmo tempo, buscou-se promover a simplificação dos procedimentos decisórios, com alteração dos critérios de votação no processo legislativo.

A principal das medidas nesta área foi a expansão da par-ticipação do Parlamento Europeu no processo legislativo da UE. Isto se seu pela ampliação das matérias cobertas pelo chamado procedimento de “codecisão”, ou seja, a aprovação concomitante do Conselho da UE e do Parlamento de propostas de legislação europeia. Note-se que esta medida reveste de maior legitimidade democrática o processo legislativo da UE, uma vez que o Parlamento é composto por representantes eleitos diretamente pelos cidadãos. A codecisão passa a ser o procedimento ordinário no processo legislativo da União, abarcando matérias como agricultura e comércio.

O Tratado de Lisboa alarga a utilização do voto por maioria qualificada, estendendo de 36 para 87 o número de matérias submetidas a este, que passa a ser o procedimento normal de votação. Como exceção, determinadas matérias permanecem sob a exigência da unanimidade, em especial defesa, tributação e os principais aspectos relacionados à política externa. A partir de 2014, entrará formalmente em vigor o critério da dupla maioria, agora fixado na exigência de apro-vação de 55% dos Estados membros, o que abrange 65% da população contida no bloco.

Aspectos comerciaisAs reformas introduzidas pelo Tratado de Lisboa deverão produzir efeitos sobre as relações comerciais europeias. Ao reformular a esfera de competências da União, o tratado transfere o conjunto de temas relacionados à política comercial – o que inclui comércio de serviços, investimen-tos estrangeiros diretos (IEDs) e direitos de propriedade intelectual – à competência exclusiva da UE. Passam a ser proscritos os acordos comerciais mistos, em que tanto a União quanto os Estados membros tomam parte.

Avalia-se que as mudanças nos critérios de votação também deverão afetar as relações comerciais da UE. A expansão da votação por maioria qualificada no Conselho da UE, por exemplo, poderá favorecer a aprovação de acordos comerciais naquele órgão. Não haverá mais a possibilidade de bloqueio de acordos pelo veto indivi-dual de um membro.

A expansão do procedimento de codecisão, por outro lado, poderá dificultar a aprovação de acordos comerciais sobre temas socialmente controvertidos. O Parlamento, órgão mais sensível às pressões populares, passará a ter o poder de vetar a aprovação de acordos. Em casos de divergência entre o voto do Parlamento e aquele do Conselho da UE, um complicado procedimento de reconciliação política terá início, com o envolvimento da Comissão Europeia, e inevitáveis atrasos à aprovação do acordo.

A entrada em vigor do Tratado de Lisboa constitui um importante marco do aprimoramento institucional da UE, na medida em que foram garantidas a eficiência e a legitimidade democrática do bloco. De todos os avanços obtidos, o que tem o maior potencial de produzir fru-tos duradouros é o aprimoramento da ação externa do bloco. Se, por um lado, manter intactas as soberanias estatais para a livre formulação de política externa parece uma opção politicamente sensata, por outro, não se pode garantir êxito aos objetivos nacionais caso a ação externa dos países europeus seja contraditória. Em certa medida, o principal legado desta reforma é submeter a política externa europeia a mecanismos institucionais de harmonização, em detrimento de soluções do tipo estatal, de caráter centralizador. Mais do que um número de telefone, os europeus necessitam de uma voz única.

1 Disponível em <http://eur-lex.europa.eu/JOHtml.do?uri=OJ:C:2007:306:SOM:PT:HTML>. Acesso em 27 jan. 09.

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Análises regionais

As eleições nos EUA e as negociações da Rodada DohaNo contexto de eleições presidenciais em diversos países no mundo, o Pontes inaugura uma série de artigos a respeito da influência desse pleito sobre a definição da política comercial. Neste artigo inaugural, são analisados os principais fatores da política eleitoral dos Estados Unidos da América (EUA) que influenciam as negociações multilaterais de comércio.

Nas negociações da Organização Mundial do Comércio (OMC), todos os membros buscam maximizar o acesso de suas expor-tações ao mercado estrangeiro e, ao mesmo tempo, minimizar a concorrência dos produtos importados no mercado interno. Dessa forma, os setores-chave da indústria doméstica fre-quentemente logram proteger seus interesses. Os EUA não constituem exceção a essa regra.

Em grande parte das democracias, o poder Executivo pode negociar acordos comerciais e, posteriormente, submetê-los à votação no Legislativo. Diferentemente, nos EUA, os legisladores não somente devem autorizar a administração presidencial a conduzir negociações desses tratados, como também não possuem competência para modificar o acordo negociado pelo Executivo – podem apenas votar contra ou a favor, sem possibilidade de emenda. Na ausência de tais garantias, apenas um governo extremamente ingênuo nego-ciaria e ratificaria um acordo comercial com Washington.

Isso significa que o presidente dos EUA que desejar concluir negociações comerciais precisa manter o Congresso alinhado com sua agenda. É importante lembrar, ainda, que os grupos atuan-tes no setor agrícola estão super-representados no Congresso dos EUA – comparativamente à população estadunidense dependente deste setor. Isso ocorre em especial no Senado.

Isso pode explicar por que a administração de George W. Bush, apesar de sua retórica favorável ao livre mercado, fracassou em conter os subsídios previstos na Farm Bill, bem como a imposição, em 2002, de tarifas protecionistas sobre as importações de aço. Alguns analistas sugeriram que a Casa Branca reproduziu o movimento de grupos de interesse influentes não por ter cedido às pressões destes, mas porque enfrentá-los colocaria em risco as chances de aprovação da Autoridade para Promoção Comercial (TPA, sigla em inglês) no Congresso. A derrota significaria o fim da política comercial da administração Bush antes mesmo desta começar. Com a aprovação da TPA, Washington deu continuidade à negociação de uma série de acordos bilaterais de comércio, paralelamente à Rodada Doha.

Durante muitos anos, a expiração, em meados de 2007, do mandato da TPA, foi utilizada pela gestão de Bush como um prazo informal para a conclusão do acordo de Doha. No entanto, a paralisação da Rodada, em julho de 2006 e junho de 2007, significou que esse prazo – como tantos outros – seria extrapolado.

Enquanto isso, nos EUA, o apoio público ao livre comércio – e aos acordos de livre comércio, em particular – estava em declínio, devido a preocupações com relação à China e à percepção de que os ganhos do comércio não eram amplamente compartilhados. Isso se refletiu nas eleições

de 2006 para o Congresso. À época, um número conside-rável de representantes eleitos pelo Partido Democrata apresentou campanhas altamente críticas à agenda de comércio da administração Bush.

O foco de suas críticas incidia sobre os acordos bilaterais de comércio com países em desenvolvimento (PEDs), tais como o Tratado de Livre Comércio da América Central (Cafta, sigla em inglês), criticado por carecer de disposi-tivos voltados à proteção do meio ambiente e dos direitos trabalhistas. Um acordo com a Casa Branca em matéria de política comercial, obtido no início de 2007, sugeriu que a predominância democrata no Congresso apoiaria a negociação, pela gestão Bush, de um acordo na Rodada Doha. Em 2008, entretanto, o acordo continuava distante, com o fracasso de mais uma reunião mini-ministerial.

O comércio permaneceu como tema controverso da campanha eleitoral de 2008 para a presidência nos EUA. Durante a primeira campanha para a nomeação do Partido Democrata, Barack Obama criticou o Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (Nafta, sigla em inglês), prometendo renegociar as provisões que tratavam de direitos trabalhistas e preser-vação do meio ambiente. É comum candidatos democratas utilizarem um tom severo acerca de temas comerciais nas eleições primárias, quando necessitam do apoio de sindicatos trabalhistas que se opõem ao livre comércio; mas, uma vez garantida a nomeação, abandonam essa retórica. Obama enquadra-se nesse padrão.

As posições de Obama em temas comerciais perma-neceram nebulosas após sua posse, em meio à crise econômica, mas era notório que o tempo e o capital político seriam direcionados aos pacotes de estímulo econômico e à reforma do sistema de saúde dos EUA, ou seja, o comércio não constituiria uma prioridade.

Alguns dos temas da agenda doméstica de Obama podem, no longo prazo, contribuir para a recuperação do apoio ao livre comércio. Para os trabalhadores estadunidenses, o desemprego implica perder benefícios como seguro-saúde e aposentadoria. Nesse sentido, a reforma no sistema de saúde buscou fortalecer a rede de segurança social do país, de modo a atenuar a sensibilidade do desemprego.

No entanto, diante da atual taxa de desemprego e do elevado déficit comercial – particularmente com a China–, as relações comerciais devem permanecer como objeto de controvérsia no futuro próximo.

* Conselheiro do Diretor-executivo do ICTSD.

Trineesh Biswas*

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Brasil

Cooperação Brasil-Angolana produção de etanolGraças à transferência de tecnologia do Brasil, Angola está começando a produzir biocombustíveis. Os objetivos da iniciativa incluem a criação de empregos em áreas rurais, a diversificação da matriz energética e a promoção das exportações. No entanto, se mal planejada, a transferência de tecnologia nesta área pode não trazer os benefícios pretendidos.

Rafael Vaisman*

O setor de bioenergia tornou-se um dos mais dinâmicos da economia, devido a três fatores principais. Primeiramente, a dependência do petróleo importado de regiões politicamente instáveis e a possibilidade de escassez na oferta deste com-bustível levaram ao aumento do interesse por alternativas energéticas. Em segundo lugar, os governos têm buscado reduzir as emissões de carbono, como forma de mitigação das mudanças climáticas – os biocombustíveis podem colaborar nesse sentido. Por fim, a perspectiva de criação de empregos nas zonas rurais constitui um elemento atrativo para os governos.

Contudo, por não possuírem a tecnologia necessária para a produção de biocombustíveis, muitos países dependem da transferência de tecnologia para transpor esse obstáculo. De acordo com a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a transferência de tecnologia envolve dois processos distintos: “[a] transmissão de capacidades de pro-dução industrial e a transferência de capacidades de domínio, adaptação e posterior aprimoramento da tecnologia recebida”.

Este artigo concentra-se em uma experiência recente de transferência de tecnologia, realizada entre Brasil e Angola. Os dois países têm cooperado com vistas à diversificação no setor de energia e à impulsão da produtividade agrícola em Angola.

Produção de etanol em AngolaO país enfrenta adversidades econômicas decorrentes da guerra civil que assolou o país por 27 anos, pacificada em 2002. Desde então, a economia angolana tem crescido, e o país tornou-se o segundo maior exportador de petróleo na África. O gasto público quadruplicou entre 2002 e 2004. Neste mesmo perí-odo, a concentração de renda no país foi ampliada, segundo dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Diante desse quadro, a produção de etanol em Angola foi concebida como forma de contribuir para a diversifica-ção da economia e a criação de empregos na área rural.

O acordo de transferência de tecnologia entre Angola e Brasil levou à criação da Companhia de Bionergia de Angola Ltda. (BioCom), voltada à produção de açúcar e etanol na região de Cacuso. Com sede em Angola, a empresa caracteriza-se como uma joint venture entre as angolanas Sonangol (20%) e Damer (40%) e a brasileira Odebrecht (40%). O projeto será instalado em uma área de 30 mil hectares, no município de Malange. As atividades deverão ser iniciadas em 2012, com um orçamento inicial de US$ 258 milhões e uma produção esperada de 30 milhões de litros de etanol, 250 toneladas de açúcar e 160 mil megawatts-hora de eletricidade ao ano. O financiamento inicial contou com o auxílio da Agência Nacional para Investimento Privado (ANIP) na captação de verbas junto ao Banco Angolano de Fomento (BAF) e ao Banco do Espírito Santo (BES), com participação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Transferência de tecnologiaA experiência brasileira nas áreas de práticas agrícolas, manipulação genética e maquinário contribuiu para garantir a eficiência, sustentabilidade e o estado da arte na produção. O projeto de cooperação entre Brasil e Angola, que tem na transferência dessas tecnologias seu principal objeto, também enfatizará a gestão da água e de resíduos (incluindo a reci-clagem de lixo), bem como o uso eficiente de fertilizantes.

A maior parte da tecnologia transferida para a BioCom já se encontra em domínio público, porém parte dela está protegida por direitos de propriedade intelectual. Em dezembro de 2009, 62 funcionários da BioCom completa-ram o treinamento industrial e agrícola no complexo de Eldorado, em Mato Grosso do Sul.

Contudo, o processo de adaptação tecnológica é lento – segundo especialistas, pode levar de três a cinco anos. No caso de sistemas biológicos, como a produção agrícola, os ciclos naturais devem ser respeitados. O ciclo da cana é de um ano, de modo que os resultados devem ser avaliados e modificados após três anos de trabalho.

Esperanças e realidadeOs diversos atores envolvidos no processo de transferência de tecnologia, assim como seus beneficiários, estipularam objetivos que incluem a diminuição da dependência das importações – atualmente, Angola importa todo o açúcar que consome – e o incremento da possibilidade de exportação para o mercado europeu de etanol. Agnaldo Jaime, coordenador da Comissão de Reestruturação da ANIP, enfatizou que o papel do investimento privado consiste em financiar a criação de empregos, promover a redução de importações e estimular a expansão do comércio exterior angolano.

A geração de empregos industriais na área rural, com os espe-rados benefícios sociais e econômicos, constitui um objetivo central do projeto. A iniciativa poderá também contribuir para a expansão dos serviços de eletricidade na área rural, uma vez que o processo industrial – cuja energia será originada do bagaço de cana – deve gerar excedente de eletricidade.

A BioCom e seus parceiros também identificam benefícios potenciais do projeto em matéria ambiental, já que a produção de etanol em Angola permitirá a adoção de um patamar de mistura do biocombustível à gasolina, no setor de transporte. Caso adotada, essa medida contribuirá para a redução das emissões de dióxido de carbono e, consequentemente, para uma menor poluição do ar. Ainda, isso permitirá a geração de lucros por meio do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, sigla em inglês).

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Pontes

PONTES tem por fim reforçar a capacidade dos agentes na área de comércio internacional e desenvolvimento sustentável, por meio da disponibilização de informações e análises relevantes para uma reflexão mais aprofun-dada sobre esses temas. É também um instrumento de comunicação e de geração de idéias que pretende influenciar todos aqueles envolvidos nos processos de formulação de políticas públicas e de estratégias para as negociações internacionais.

PONTES foi publicado pelo Centro Internacional para o Comércio e o Desenvolvimento Sustentável (ICTSD).

Equipe editorial

Michelle Ratton Sanchez Adriana VerdierManuela Trindade VianaDaniela Helena Oliveira Godoy

ICTSD

Diretor executivo: Ricardo Meléndez-Ortiz7, chemin de Balexert1219, Genebra, Suíç[email protected]

As opiniões expressadas nos artigos assinados em PONTES são exclusivamente dos autores e não refletem necessariamente as opiniões do ICTSD, ou das instituições por ele representadas.

Desenvolvimento tecnológico como redutor de pobreza?Os objetivos ambiciosos do projeto de transferência de tecnologia levantam algumas questões. Que atores serão beneficiados? Que oportunidades e dificuldades a população de Cacuso poderá enfrentar? O projeto ajudará a reduzir a pobreza e a desigualdade? Que potenciais impactos terá sobre a segurança alimentar? Diante destas indagações, o projeto tem sido alvo de críticas, especialmente em relação aos benefícios que as comunidades rurais poderão receber.

Em entrevistas conduzidas dentro do escopo deste estudo, uma série de riscos sócio-econô-micos foi identificada. Em termos de trabalho, o projeto criará cerca de 500 empregos para angolanos e brasileiros. Todavia, a maior parte da população de Cacuso não possui as habilida-des necessárias para preenchê-los e, dessa forma, ficará à margem dos benefícios produzidos. De acordo com a BioCom, 31 membros da população local foram empregados até o momento.

Outro entrevistado expressou preocupações relacionadas à segurança alimentar, ao declarar que os moradores da região carecem de alimento. Nesse sentido, a produção de combustível e açúcar não preenche suas necessidades básicas.

No que toca ao acesso à terra, alguns entrevistados afirmaram temer que a expansão da monocultura de cana em larga escala cause pressão sobre a população pobre. Tal apreensão persistiu mesmo após a BioCom ter ressalvado que a produção dos pequenos agricultores não seria prejudicada. A empresa argumentou que não apropriou terras da comunidade e que o abastecimento de água não sofreria pressão, já que a plantação de cana não é irrigada.

A Associação para o Desenvolvimento Rural e Ambiental, organização não-governamental sediada em Angola, propôs que três questões centrais fossem tratadas. Primeiramente, as famílias locais deveriam ser envolvidas no processo decisório, a fim de avaliar os possíveis riscos e benefícios do projeto. Isso contribuiria para mitigar os problemas e compensar os indivíduos que fossem prejudicados. Em segundo lugar, deveria ser desenvolvido um plano com vistas à otimização do uso da mão-de-obra local. Por fim, as empresas deveriam engajar-se em projetos de responsabilidade social e ambiental na região.

De forma geral, os entrevistados revelaram preocupações quanto às fragilidades ins-titucionais e sociais do projeto, na medida em que Angola ainda enfrenta dificuldades associadas à instabilidade política e a governança. Ademais, a participação pública e o debate na formulação de projetos como o da BioCom ainda é pouco expressiva.

Esse quadro tem mudado, ainda que lentamente. Um recente apelo postulado por repre-sentantes da sociedade civil angolana – intitulado “Declaração Benguela” – pede ao governo que reavalie a atual política, a fim de evitar que os investimentos provoquem a saída da população de suas terras. O documento não condena os investimentos, mas destaca os perigos das políticas empresariais sem qualquer controle. Os postulantes desejam evitar as consequências negativas, tais como a pressão latifundiária sobre os pobres. Buscam também garantir que os mais necessitados sejam incluídos na repartição de benefícios. Os argumentos levantados na Declaração também poderiam ser aplicados ao setor de bioetanol.

Considerações finaisA transferência de tecnologia deve ser elaborada e executada com cautela, especial-mente em países marcados por instituições frágeis. Isso é necessário para garantir que os benefícios alcancem a população mais carente. Caso contrário, o caráter sustentável do etanol produzido será ameaçado, cenário desfavorável a todos os atores envolvidos – governo, empresários e comunidade local.

O presente artigo sugere a concepção de arranjos entre empresas e comunidade, a fim de alcançar a sustentabilidade desejada por todas as partes interessadas. Em um balanço geral, é preciso compreender profundamente a dinâmica da transferência de tecnologia no que toca aos projetos agrícolas de larga escala. Tal entendimento poderia contribuir para a elaboração de políticas importantes de apoio à atividade econômica, bem como à qualidade de vida nas zonas rurais. O resultado final poderia ser verificado na melhoria do índice de desenvolvimento humano (IDH) do país.

* Mestrando da Universidade Lund, na Suécia. Sua linha de pesquisa inclui sustentabilidade, governança e políticas.

Tradução e adaptação de texto originalmente publicado em Bridges Trade BioRes Review, Vol. 4, No. 1 - mar. 2010.

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PontesENTRE O COMÉRCIO E O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

EVENTOS PUBLICAÇÕES

ABRIL

26-30 FAO - Conferência Regional para América Latina

e Caribe (31ª reunião). Cidade do Panamá,

Panamá.

27 CEPAL - Conferência “A reinvenção das Nações

Unidas”. Santiago, Chile.

27-28 OCDE - Conferência Global sobre a Água 2010:

“Transformando o Mundo da Água”.Paris, França

MAIO

1 Abertura da Exposição Universal em Xangai,

China.

3-7 FAO - Comissão Florestal para América do Norte

(25ª reunião). Chiapas, México.

5-6 OMC – Reunião do Conselho Geral. Genebra,

Suíça

6-7 BID - RemesAméricas 2010. Cidade do México,

México.

11 BID – Parcerias Público-Privadas no Brasil e na

América Latina. Salvador, Brasil.

17-21 FAO – Conselho Geral (139ª sessão). Roma,

Itália.

18-19 Cúpula de Chefes de Estado e de Governo

UE-ALC. Madrid, Espanha.

26-27 OCDE - Fórum anual da OCDE. Paris, França.

30 CEPAL - XXXIII Período de Sessões da CEPAL.

Brasília, Brasil.

30 WEF – Cúpula “Global Redesign Summit”.

Doha, Qatar.

Banco Mundial. Relatório sobre o desenvolvimento mundial 2010: Desenvolvimento e Mudanças Climáticas. Washington, D.C., 2010. Disponível em: <http://siteresources.worldbank.org/INTWDR2010/Resources/5287678-1226014527953/WDR10-Full-Text.pdf>.

Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe, CEPAL. Mudanças climáticas: uma perspectiva regional. Santiago, 2010. Disponível em: <http://www.eclac.cl/publicaciones/xml/9/38539/2010-109-Cambio_climatico-una_perspectiva_regional.pdf>.

Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe, CEPAL. Objetivos de Desenvolvimento do Milênio: Avanços na sustentabilidade ambiental do desenvolvimento na América Latina e no Caribe. Santiago, jan. 2010. Disponível em: <http://www.cepal.org/publicaciones/xml/6/38496/2009-696-ODM-7-completo.pdf>.

Gallagher, K. & Chudnovsky, D. Rethinking Foreign Investment for Sustainable Development: Lessons from Latin America. Medford, 2010. Disponível em: <http://www.ase.tufts.edu/gdae/Pubs/rp/RethinkForInv.html>.

Meléndez, R. & Roffe, P. Intellectual Property and Sustainable Development: Development Agendas in a Changing World. Londres: EE Publishing, 2010. Disponível em: <http://ictsd.org/i/trade-and-sustainable-development-agenda/71019/>.

Nelson, G., Palazzo, A., Ringler, C. & Sulser, T. The Role of International Trade in Climate Change Adaptation. Genebra: ICTSD, 2010. Disponível em: <http://ictsd.org/i/publications/66988/>.

Strachan, J. Sell, M. & Kamal, M. Trade, Climate Change and Sustainable Development: Key Issues for Small States, Least Developed Countries and Vulnerable Economies. Londres: Commonwealth Secretariat and ICTSD, 2010. Disponível em: <http://ictsd.org/i/publications/68995/>.

United Nations Conference on Trade and Development, UNCTAD. Trade and Environment Review 2009/2010. Genebra, 2010. Disponível em: <http://www.unctad.org/en/docs/ditcted20092_en.pdf>.

Banco Mundial. Doing Business 2010. Washington, D.C., 2010. Disponível em: <http://www.doingbusiness.org/documents/fullreport/2010/DB10-full-report.pdf>.