Ponte de Lima tem um verdadeiro caminho de peregrinos de Santiago

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Textos: JoséCarlosFerreira FranciscodeAssis Fotos: FranciscodeAssis 9 DE MAIODE 2011 Diário do Minho Este suplemento faz parte da edição n. o 29218 de 9 de Maio de 2011, do jornal Diário do Minho, não podendo ser vendido separadamente. CAMINHO DE SANTIAGO Ponte de LIma Textos e Fotos: FranciscodeAssis Pat rimonio

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Hoje, o suplemento “património” do Diário do Minho é algo diferente. O tema é o Caminho de Santiago, de Ponte de Lima, um troço imensamente rico, a nível de património material e imaterial. No entanto, é impossível falar do Caminho de Ponte de Lima, sem fazer o seu enquadramento nacional e internacional, nomeadamente a origem da devoção e a sua importância em termos europeus. O Caminho de Ponte de Lima tem cerca de 30 quilómetros, quase exclusivamente por campos. Ou seja, enquadra-se na perfeição na origem da palavra peregrino, isto é, aquele que atravessa os campos [Per Agros]. O Caminho de Santiago está mais vivo do que nunca. O Diário do Minho foi testemunha disso mesmo, pela quantidade de peregrinos, das mais diversas proveniências, que nesse dia faziam o percurso. Até ao fi m do ano, o caminho será geo-referenciado. O albergue de Ponte de Lima, aberto em 2009, está a ser uma mais-valia não só para o caminho como para o município.

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Textos:

JoséCarlosFerr

eira

FranciscodeAss

is

Fotos:

FranciscodeAss

is

9DEMAIODE2011 Diário do Minho

Este suplemento faz parte da edição n.o 29218de 9 de Maio de 2011, do jornal Diário do Minho, não podendo ser vendido separadamente.

CAMINHO DE SANTIAGO

P o n t e d e L I m a

Textos e Fotos:

FranciscodeAss

is

Patrimonio

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9DEMAIODE2011II Diário do MinhoPatrimonioIntrodução

Hoje, o suplemento “património”

do Diário do Minho é algo dife-

rente. O tema é o Caminho de

Santiago, de Ponte de Lima, um

troço imensamente rico, a nível

de património material e ima-

terial. No entanto, é impossível

falar do Caminho de Ponte de

Lima, sem fazer o seu enquadra-

mento nacional e internacional,

nomeadamente a origem da

devoção e a sua importância em

termos europeus.

O Caminho de Ponte de Lima

tem cerca de 30 quilómetros,

quase exclusivamente por cam-

pos. Ou seja, enquadra-se na

perfeição na origem da palavra

peregrino, isto é, aquele que

atravessa os campos [Per Agros].

Uma das diferenças deste suple-

mento em relação aos outros é

que aborda não um monumen-

to, mas várias estruturas com

interesse patrimonial e imaterial:

capelas, cruzeiros, fontenários,

pontes, alminhas, entre outros

elementos, além de contos, estó-

rias e lendas.

O Caminho de Santiago está

mais vivo do que nunca. O Diário do Minho foi testemunha disso

mesmo, pela quantidade de pe-

regrinos, das mais diversas pro-

veniências, que nesse dia faziam

o percurso. Até ao fi m do ano, o

caminho será geo-referenciado.

O albergue de Ponte de Lima,

aberto em 2009, está a ser uma

mais-valia não só para o cami-

nho como para o município.

> Na Facha, a paisagem foi enfeitada com vieiras, símbolos do Caminho de Santiago

> Além da sinalética, a Câmara de Ponte de Lima vai geo-referenciar o Caminho> Peregrinos sul-africanos junto às alminhas de Santiago, próximas da capela de S. Sebastião,

PEREGRINAÇÃO A COMPOSTELA GANHOU FORÇA A PARTIR DO SÉCULO XI, COM A CONSTRUÇÃO DA CATEDRAL

Fazer o Caminho de Santiagoé uma «plástica para a alma»

Adevoção a Santiago é anti-quíssima, podendo ter ori-gem na Alta Idade Média. O fenómeno, ainda que

numa junção de lendas, estórias, história, fé e política, tornou-se qua-se universal, dando origem a gran-des peregrinações pelos Caminhos de Santiago de Compostela.A investigação e o debate à volta dos caminhos de Santiago, na Galiza, já produziu uma enorme quantidade de bibliografi a. Por isso, até porque o nosso espaço é limita-díssimo, vamos apenas deixar pistas sobre a origem do fenómeno, pin-celadas sobre o contexto europeu e português e concentrando-nos no Caminho de Ponte de Lima.Apesar das controvérsias, é dado como certo que S. Tiago terá evan-gelizado na Hispânia, mais precisa-mente em Iria Flavia, actual Padrón, Galiza. Depois de martirizado, o corpo é trazido pelos discípulos e sepultado num “Campus Stellae”, Compostela, perto de Padrón.Segundo Arlindo de Magalhães Ri-beiro da Cunha, autor da publicação “Santiago em Portugal — a devo-ção e a peregrinação”, o fenómeno terse-á afi rmado no contexto do reino das Astúrias, cobiçado pelos muçulmanos. Nessa época, tropas cristãs de Ramiro I, das Astúrias, der-rotaram as muçulmanas. A partir de então, o apóstolo tornou-se patrono

todos aqueles que possam fazer o Caminho que o façam. E justifi ca: «o Caminho de Santiago é a plástica para a alma». Faz questão de dizer que a frase não é dele, mas de uma peregrina de Lisboa, da associação de peregrinos “Via Lusitana”. «Eu acho que ela tem razão. É, de facto, uma plástica para a alma», concorda Ovídio Vieira.

Introspecção e féAinda sobre a importância de se fazer o Caminho, este peregrino reconhece que, quando começou,

não era o melhor exemplo de pere-grino, mas hoje não dispensa uma ida anual a Santiago. E não é tanto por razões de fé. «O Caminho de Santiago é um espaço de introspec-ção e de procura de nós mesmos. Um espaço de busca interior. Se isto é fé ou não, não sei. Também não sei onde termina a busca interior e começa a fé. A única coisa que sei é todos os anos faço o Caminho, por-que preciso dele para me encontrar comigo mesmo. Mas eu vi a fé dos outros e comecei a ter fé na fé dos outros. Não sei se isto já é ter algu-

ma fé. E enquanto puder, vou lá dar um abraço ao apóstolo Santiago. Ele pode contar isso», refere Ovídio Vieira, em tom de brincadeira.A importância do Caminho ultrapas-sa as fronteiras da fé. É também um espaço de património e cultura. Em 1987, foi declarado Primeiro Itine-rário Cultural Europeu. Em 1993, o Caminho Espanhol foi classifi cado como Património da Humanidade.Outros caminhos esperam a mesma classifi cação. O agora beato João Paulo II, como peregrino, também ajudou a revitalizar o Caminho.

da luta contra os infi éis. Não é por acaso que Santiago aparece repre-sentado como o “mata-mouros”.A construção, no século XI, da gran-de catedral de Compostela, foi o início de uma época de ouro das peregrinações. Desde sempre, reis, papas, religiosos e as mais variadas autoridades civis e militares fi zeram o Caminho. Mas também os pobres, movidos sobretudo pela fé, fi zeram questão de fazer o percurso. E terão sido estes que, atravessando os campos a pé, deram origem à pala-vra peregrino, do latim “per agros”, aquele que atravessa os campos. Estes peregrinos distinguiam-se dos que iam por estradas romanas ou outras em carros de bois, a cavalo ou ainda em liteiras.As peregrinações transformaram-se num fenómeno quase universal, mormente na Eurora, e surgiram vários caminhos. É por isso que a Santiago chegam peregrinos por mil caminhos diferentes e de mil maneiras diferentes. E é também por isso que, ao longo do percurso, foram construídas alminhas, cru-zeiros, fontenários e albergues para apoiar os peregrinos. O Diário do Minho conversou com Ovídio Vieira, duplamente responsá-vel pelo Albergue de Peregrinos de Ponte de Lima. Como funcionário da Câmara Municipal é responsável pela instituição; e como peregrino, também é o gestor do espaço, em regime de voluntariado. Já fez o Caminho por diversas vezes. Explica que nem sempre o fez por fé, mas recomenda vivamente a

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> A Vila de Ponte de Lima agrada aos peregrinos e desperta o desejo de regressar

Ponte de Lima tem um verdadeiro caminho de peregrinos de Santiago

> Conjunto muito interessante em Correlhã, com peregrinos, capela e cruzeiro > Encontramos peregrinos nos locais simbólicos do Caminho, como na capela de Labruja

O troço do Caminho de Santiago, no território de Ponte de Lima, faz parte do chamado Caminho

Central que começa no Porto e aca-ba em Santiago de Compostela.Sem descortesia pelos restantes troços, o que se pode dizer é que Ponte de Lima tem um verdadeiro caminho de peregrinos de Santiago, onde não falta nenhum ingrediente; ou seja, tem um bom percurso por campos, [per agros], fora do rebuli-ço e dos perigos das estradas nacio-nais, tem alminhas, capelas e igrejas, cruzeiros, pontes, fontanários, casas com histórias, além das indispensá-veis lendas e ditos populares, que ajudam a apimentar o troço.O Caminho entra no concelho de Ponte de Lima, proveniente de Barcelos, entre Balugães e Poiares. Depois passa por freguesias como Navió, Vitorino dos Piães, Facha, Se-ara, Correlhã e Ponte de Lima, onde está o albergue, à saída da Ponte.Depois do albergue, os peregrinos passam por Arcozelo, Cepões e La-bruja, até ao Alto da Portela, que é o local mais emblemático do Cami-nho, pela dureza da subida da Serra da Labruja. «Costumo dizer aos pe-regrinos que quem subir a Serra da Labruja chega a Santiago», disse. Dentro do concelho, o Caminho é uma conjugação de ruralidade e património diverso. «Felizmente, não coincide com as estradas nacio-nais, com excepção de meia dúzia de metros. Este caminho permite que o peregrino encontre a paz e a introspecção que procura. O pere-grino pode andar à vontade, porque apenas é “incomodado”, de vez em quando, por um tractor ou uma mo-torizada», analisa.Por pura e feliz coincidência, no dia em que o Diário do Minho fez o troço, constatou que o Caminho continua a ser percorrido por muita gente de todo o lado. Encontrámos peregrinos nos locais mais simbóli-cos como na capela da Senhora das Neves, com um cruzeiro e uma pon-te; junto ao cruzeiro do lugar de Pe-drosa, também em Correlhâ; junto à capela de S. Sebastião e alminhas de Santiago, na Facha; na capela da Senhora das Neves, em Labruja; na Ponte da vila, entre outros locais, além do próprio albergue. Encontramos peregrinos portugue-ses, italianos, alemães, sul-africanos, além de outras proveniências. «A vegetação, a água, as pedras do caminho e o silêncio são a melhor companhia do peregrino. Porque o peregrino está à procura da paz e do silêncio. E só consegue esta paz, esta introspecção, se tiver tranqui-lidade e segurança. Só neste con-texto consegue a tal plástica para a

alma. É melhor fazer o Caminho do que ir a um psiquiatra», garante. Mas o troço vai fi car melhor ainda. A autarquia de Ponte de Lima está a preparar uma boa geo-referencia-ção do Caminho. A ideia é facilitar a utilização de GPS. «O caminho está bem marcado com setas amarelas para Santiago e azuis para Fátima. Gostaríamos que, até ao fi nal do ano, o Caminho estivesse marcado com sinalização defi nitiva, tanto na direcção de Santiago como na direc-ção de Fátima. O objectivo é colocar as setas, que já estão prontas, em casas, com a devida autorização dos

proprietário, por forma a estarem menos sujeitas a vandalismos e roubos. Queremos ser o primeiro concelho do país a ter sinalização defi nitiva», desejou Ovídio Vieira.

Caminho ensina a viver feliz com pouco Segundo este responsável, o Ca-minho de Santiago ensina outras lições aos peregrinos. Porque a dureza do percurso e o cansaço obrigam-nos a refl ectir sobre a vida. «Há muitas coisas que podemos associar ao caminho. O despren-dimento, por exemplo. Porque, na

mochila temos que transportar ape-nas o que precisamos, o estritamen-te necessário. Ou seja, temos que nos desprender de muitas coisas que não fazem falta. Chegamos à conclusão que podemos viver com pouco, e sermos felizes». Mas o Caminho traz ainda outras vantagens, como o conhecimento da natureza humana e outras cul-turas. Porque o peregrino cultiva o companheirismo, a partilha e a entreajuda. «Costuma-se dizer que dentro de um albergue de peregri-nos nunca falta nada. Se alguém está doente há sempre uma aspi-

rina. Se for preciso, juntam-se um coreano, um brasileiro, um alemão e um americano, cada um faz o seu prato e consegue-se um jantar inter-nacional. Pega-se numa guitarra e cada um canta músicas da sua terra. O albergue só recebe peregrinos a pé, de bicicleta ou a cavalo. Não é uma casa de turistas. Tem andar com a sua credencial de peregrinos. Paga uma taxa de três euros, com direito a descanso numa cama, água para se refrescar, lavar a roupa e secar, além de uma vista fantástica proporcionada pela varanda do albergue.

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> O albergue proporciona uma vista deslumbrante

AEROPORTO SÁ CARNEIRO ESTARÁ A AJUDAR NO CRESCIMENTO DE PEREGRINOS QUE PASSAM POR PONTE DE LIMA

Albergue com números extraordinários é mais-valia turística para o concelho

OAlbergue de Peregrinos de Ponte de Lima, aberto em Julho de 2009, está com números extraordi-

nários. O início de 2011 está a deixar os responsáveis muito optimistas em relação ao próximo Verão. Ovídio Oliveira, rosto do albergue, não tem dúvidas de que a estrutura já é , e vai continuar a ser, uma mais--valia turística.«Estou muito satisfeito com o tra-balho que está a ser feito. Foi uma mais-valia para Ponte de Lima. A es-trutura é uma mais-valia em termos turísticos, porque toda a gente gosta de Ponte de Lima, que é uma sur-presa. Os peregrinos não esperam encontrar uma vila tão harmoniosa, com património e com tudo o que precisam, além de um bom albergue à sua espera. Em resumo, Ponte de Lima agrada-lhes», explicou Ovídio Vieira, que acrescenta ainda outro factor: os pontelimenses estão a gostar dos peregrinos, prestam--lhes apoio e oferecem sorrisos que abrem portas e corações.O crescimento do número de pere-grinos em 2011 está a ser surpreen-dente, pela positiva. Desde o início do ano tem havido um aumento, mensal. «Só em Abril tivemos um aumento superior a 82 por cento. Em 2010, acolhemos 323 peregrinos e este ano foram 590. Ou seja, mais 267 peregrinos. Por isso, estamos com grande expectativa para o Verão», disse o responsável do al-bergue.O ano de 2009 foi de arranque, logo, era desconhecido e só funcionou a partir de Julho. Faltava a divulgação. Esperava-se que 2010, por ser Ano Santo Jacobeu, seria a explosão. Foi

bom, mas não como se esperava. «2011 está a ser surpreendentemen-te muito bom em termos de peregri-nos», garante Ovídio Vieira, que tem a seguinte interpretação: por um lado, porque o Caminho Português é cada vez mais procurado; por outro lado, a própria publicidade à volta do Ano Jacobeu deu a entender que os albergues estariam esgotados. O que não foi verdade. Mas fez com que muitos peregrinos decidissem adiar a viagem para um ano mais calmo, neste caso 2011. «É que o pe-regrino procura paz e introspecção e não rebuliço», lembrou. Mas Ovídio Vieira avança com outra explicação, também ela com lógica. Trata-se do «fenómeno alemão», que está a ser mais uma surpresa, com muitos peregrinos. «A abertura do aeroporto Francisco Sá Carneiro a voos de baixo custo foi positiva. É uma grande vantagem ter um aeroporto internacional, no início de um Caminho muito bem marcado. O que faz fl uir peregrinos de todo o mundo. As pessoas chegam aqui por uma bagatela e entram logo no Caminho. Depois, em Santiago, tam-bém facilmente regressam a casa de avião», justifi cou. No ano passado, por duas ocasiões, o albergue esteve à beira de esgotar a lotação, com 58 peregrinos. Este ano já estiveram 56 numa só dia, no início da Semana Santa. De resto, os alemães lideram nas dormidas. No entanto, em termos de peregrinos que passam no albergue para carimbar a caderneta, a lista ainda é liderada por portugueses. Os peregrinos que passam pelo alber-gue não devem chegar aos 50 por cento dos que fazem o caminho.

> Albergue está a ter uma procura extraordinária em 2011 > Os peregrinos têm boas condições para o descanso no albergue de Ponte de Lima