Ponta_Sol

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Actas do III Colóquio Internacional de História da Madeira PONTA DO SOL: UM SÉCULO DE VIDA MUNICIPAL (1594-1700) Alberto Vieira e Victor Rodrigues A vila da Ponta do Sol foi a segunda a ser criada na jurisdição da capitania do Funchal, tendo estado na base da sua criação, por um lado, as dificuldades de acesso às terras da vertente sul, conhecidas como "partes do sul", que provocavam o isolamento das suas gentes, e, por outro, a importância socio-económica atingida por essa área em resultado da cultura dos canaviais. De acordo com o alvará de 2 de Dezembro de 1501 (1) o novo município passou a englobar toda a jurisdição da área situada entre a ribeira da vila e a ponta do Tristão, sendo excluídas apenas as terras de João Esmeraldo, que continuavam como termo da municipalidade do Funchal. Todavia, esta situação foi alterada logo no ano seguinte com a constituição, a 1 de Julho de 1502 (2), de uma nova vila, sediada no lugar da Calheta, e que tomou o nome de Vila Nova da Calheta. Estranhamente, o articulado do documento afirma que estas terras pertenciam ao termo da vila do Funchal, quando sabemos que, de acordo com o referido alvará de criação do concelho da Ponta do Sol, de 2 de Dezembro de 1501, toda essa área ficara englobada no novo concelho. Dando continuidade aos estudos que de há alguns anos a esta parte temos vindo a realizar sobre a vida municipal madeirense, decidimo-nos agora a proceder à abordagem da realidade histórica deste município criado dentro da área da capitania do Funchal. Para o efeito tivemos que cingir o âmbito cronológico do trabalho aos livros de actas disponíveis, que cobrem apenas alguns anos do período de 1594 a 1700 (3), isto é, de pouco mais de um século, ficando assim por analisar praticamente todo o século XVI. A ruralidade da Ponta do Sol está bem patente na redobrada atenção dada ao termo da vila através da necessidade de manutenção das águas, dos cuidados com os moinhos e moenda, e na importância da acção do rendeiro do verde. Ao contrário que ocorria no Funchal, e ___________________________ (1) ARM, RGCMF, t. I, fls. 96vº.-97vº, publicado em AHM, vol. XVII, Funchal, 1973, pp. 424-425. (2) ANTT, Chancelaria de D. Manuel, livro 6, fl. 76, publicado em Gaspar Frutuoso, Livro segundo das Saudades da Terra, edição de Damião Peres, Porto, 1925, pp. 118-229. (3) Ainda assim faltam os livros das vereações para os anos de 1601 a 1606; 1613 a 1625; 1628 a 1630; 1634 a 1640; 1643 a 1672.

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Alberto Vieira e Victor Rodrigues ___________________________ (1) ARM, RGCMF, t. I, fls. 96vº.-97vº, publicado em AHM, vol. XVII, Funchal, 1973, pp. 424-425. (2) ANTT, Chancelaria de D. Manuel, livro 6, fl. 76, publicado em Gaspar Frutuoso, Livro segundo das Saudades da Terra, edição de Damião Peres, Porto, 1925, pp. 118-229. (3) Ainda assim faltam os livros das vereações para os anos de 1601 a 1606; 1613 a 1625; 1628 a 1630; 1634 a 1640; 1643 a 1672.

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Actas do III Colóquio Internacional de História da Madeira

PONTA DO SOL: UM SÉCULO DE VIDA

MUNICIPAL (1594-1700)

Alberto Vieira e Victor Rodrigues A vila da Ponta do Sol foi a segunda a ser criada na jurisdição da capitania do Funchal, tendo estado na base da sua criação, por um lado, as dificuldades de acesso às terras da vertente sul, conhecidas como "partes do sul", que provocavam o isolamento das suas gentes, e, por outro, a importância socio-económica atingida por essa área em resultado da cultura dos canaviais. De acordo com o alvará de 2 de Dezembro de 1501 (1) o novo município passou a englobar toda a jurisdição da área situada entre a ribeira da vila e a ponta do Tristão, sendo excluídas apenas as terras de João Esmeraldo, que continuavam como termo da municipalidade do Funchal. Todavia, esta situação foi alterada logo no ano seguinte com a constituição, a 1 de Julho de 1502 (2), de uma nova vila, sediada no lugar da Calheta, e que tomou o nome de Vila Nova da Calheta. Estranhamente, o articulado do documento afirma que estas terras pertenciam ao termo da vila do Funchal, quando sabemos que, de acordo com o referido alvará de criação do concelho da Ponta do Sol, de 2 de Dezembro de 1501, toda essa área ficara englobada no novo concelho. Dando continuidade aos estudos que de há alguns anos a esta parte temos vindo a realizar sobre a vida municipal madeirense, decidimo-nos agora a proceder à abordagem da realidade histórica deste município criado dentro da área da capitania do Funchal. Para o efeito tivemos que cingir o âmbito cronológico do trabalho aos livros de actas disponíveis, que cobrem apenas alguns anos do período de 1594 a 1700 (3), isto é, de pouco mais de um século, ficando assim por analisar praticamente todo o século XVI. A ruralidade da Ponta do Sol está bem patente na redobrada atenção dada ao termo da vila através da necessidade de manutenção das águas, dos cuidados com os moinhos e moenda, e na importância da acção do rendeiro do verde. Ao contrário que ocorria no Funchal, e ___________________________ (1) ARM, RGCMF, t. I, fls. 96vº.-97vº, publicado em AHM, vol. XVII, Funchal, 1973, pp. 424-425. (2) ANTT, Chancelaria de D. Manuel, livro 6, fl. 76, publicado em Gaspar Frutuoso, Livro segundo das Saudades da Terra, edição de Damião Peres, Porto, 1925, pp. 118-229. (3) Ainda assim faltam os livros das vereações para os anos de 1601 a 1606; 1613 a 1625; 1628 a 1630; 1634 a 1640; 1643 a 1672.

compreensivelmente, as questões relacionadas com o asseio e cuidado do limitado espaço da vila, bem como com as actividades oficinais, não são aqui preocupações dominantes dos oficiais da Câmara. Para além disso, o ritmo a que surgem e se desenvolvem as várias iniciativas do seu mercado interno ou externo não é tão intenso como no Funchal, pelo que assistimos a um comportamento diverso do ali registado, que se traduziu pela menor frequência das reuniões camarárias ao longo de todo o ano. Os homens da vereação, menos solicitados e menos disponíveis em virtude dos seus afazeres, ou porque viviam fora da vila (situação que se registava com muito menor acuidade no Funchal), compareciam, em regra, apenas uma ou duas vezes por mês na Câmara, sendo raros os casos em que se juntavam em vereação todos os seus elementos. Em geral, apenas nos dois primeiros meses do ano deparamos com mais do que duas reuniões mensais, resultantes da necessidade de dar juramento aos novos oficiais. Anos como os de 1609, em que apurámos uma média mensal de quatro reuniões; de 1626, em que apenas se registaram oito reuniões ao longo dos doze meses; ou de 1633, em que a vereação funcionou quase sempre com um vereador e o procurador do concelho, são a excepção e resultam, em última análise, de conflitos surgidos por altura da eleição dos pelouros, fenómeno que teremos oportunidade de analisar. 1. A estrutura administrativa. A vereação da vila da Ponta do Sol era composta, a exemplo da do Funchal, por dois juízes ordinários, três vereadores e um procurador do concelho. Na prática, no entanto, a vereação funcionava apenas com três elementos, um de cada categoria. Os primeiros e segundos revezavam-se nesse serviço, comparecendo habitualmente apenas um às sessões. Excepção foi o ano de 1633 em que a vereação funcionou quase todo o ano apenas com um vereador e o procurador do concelho. Aqui, ao contrário do Funchal, não tinham assento os procuradores dos mesteres devido ao seu reduzido número na vila. Relativamente ao conjunto das gentes disponíveis para o exercício destes cargos encontramo-nos perante um grupo muito reduzido de elegíveis, facto que, associado à dispersão geográfica destes e sua permanente mobilidade para fora do concelho, colocava inúmeras dificuldades ao início do mandato e ao normal funcionamento da vereação, sendo comum fazerem-se eleições de novos oficiais por tal motivo. A eleição dos pelouros bienais efectuava-se no final do ano em que cessava o último mandato, sendo o acto presidido pelo juiz mais velho, na presença dos homens bons do concelho, chamados por pregões ou "campa tangida". Depois, nos primeiros dias de Janeiro, procedia-se abertura do pelouro com a mesma formalidade. A ambos os actos poderia presidir o desembargador (1) ou o ouvidor do capitão (2) e, na sua ausência, o juiz mais velho do concelho. Por vezes o desembargador autorizava que se fizesse o referido acto sem a sua presença, como sucedeu em 5 de Janeiro de 1597 e 1598 (3). No entanto, a eleição dos pelouros do biénio imediato tardou em virtude da ausência do desembargador ou de mandado seu para que se procedesse à sua realização. Por isso o desembargador André Lobo comunicou ______________________________ (1) O desembargador Bernaldo Francisco presidiu à sessão de 1 de Janeiro de 1596; André Lobo à de 5 de Setembro de 1599. (2) Com a presença do ouvidor às sessões de 27 de Dezembro de 1608, 29 de Setembro de 1610, 9 de Outubro de 1611,15 de Maio de 1673,13 de Junho de 1675, 3 de Dezembro de 1680. (3) ARM, Câmara Municipal da Ponta de Sol, nº. 489, fls. 29-29vº.

à vereação em 28 de Maio de 1599 (1), que no dia 5 de Setembro se deslocaria em correição, aí procedendo à eleição (2). No século seguinte deparamos com uma disputa entre os homens da governança e o ouvidor da capitania do Funchal acerca da alçada sobre a eleição e abertura dos pelouros. Com efeito, porque a vereação de 1609 tivesse sido suspensa pelo ouvidor a 16 de Agosto desse ano (3), de imediato apelou para o Rei, como o confirma a carta de 24 de Setembro (4) e o envio de um procurador ao Reino para a manifestar os agravos sofridos pelos oficiais e os prejuízos de tal atitude para o povo. Admitidos os pelouros para os dois anos seguintes em 20 de Dezembro (5), depois de no dia anterior terem escrito ao ouvidor para que viesse proceder à eleição para o ano de 1610 (6) - situação a que não eram obrigados, uma vez que disso os dispensara uma ordem do Geral Manuel Pereira, de 27 de Dezembro (7) - reuniram-se os homens da governança a 30 de Dezembro, constatando então que o ouvidor não aparecera (8). Porque a sua ausência não fora justificada e o tempo se encontrasse bom "com o mar a parecer um rio", resolveram os presentes, em número de 35 (9), proceder à eleição. Entretanto, dois dias mais tarde, a 1 de Janeiro de 1610 (10), compareceu finalmente o ouvidor, tendo-lhe sido afirmado na altura que, por não ter vindo no dia aprazado, haviam realizado a eleição sem a sua presença. Do auto então lavrado pudemos apurar a gravidade dos acidentes ocorridos na reunião anterior, onde os distúrbios entretanto eclodidos haviam provocado algumas mortes. Ainda assim o ouvidor insistiu na realização das eleições, tendo-se manifestado contrários os homens da governança que deixaram lavrado um protesto através de um instrumento datado de 18 de Janeiro de 1610 (11). Em Setembro desse ano chegou, finalmente, de Lisboa a sentença que determinava ser válida a eleição feita em 1609 pelos homens da governança, pelo que o Ouvidor se apresentou em 29 de Setembro para cumprir as formalidades (12). Em 1633 de novo surgiram dificuldades com a vereação eleita, decorrendo os problemas do facto de à data da abertura do pelouro - 1 de Janeiro - apenas estar presente o vereador Baltasar de Abreu Soto Maior que, por via disso, recebeu a vara de juiz até que os demais fossem chamados a prestar o juramento devido (13). Entretanto, porque o Governador tardasse também com a carta de confirmação, o processo foi-se arrastando (14) em razão das _______________________________ (1) Ibidem, fls. 79-79vº. (2) Ibidem, fls. 80-80v°. (3) Ibidem, n°. 490, fls. 72-73. (4) Ibidem, fl. 78vº. (5) Ibidem, fls. 84vº.-85vº. (6) Ibidem, fl. 83v9. (7) Ibidem, fls. 86-87. Nesse documento eram autorizados a proceder ao acto referido sem que para o efeito fosse necessária a presença do ouvidor. (8) Ibidem, fls. 89-90. (9) Este número foi o maior que encontrámos em reuniões desta natureza ao longo de todo o período estudado. (10) Ibidem, nº. 490, fls. 92-93v°. (11) Ibidem, fls. 96-97v°. (12) ibidem, fl. 120. (13) ibidem, nº. 492, fls. 63v°.-64v°, 1 de Janeiro de 1633. (14) Ibidem, fl. 65-68 c 90v°, 2 e 29 de Janeiro.

sucessivas escusas apresentadas pelos oficiais eleitos (1). Esta situação manteve-se por longo tempo, sendo o serviço da vereação assegurado apenas pela presença de um vereador e do procurador do concelho. Somente em Julho, com a eleição do último juiz a vereação ficou completa (2), depois de uma enorme pressão exercida pelo procurador que alegava encontrarem-se em risco as rendas do concelho e os seus caminhos e pontes, em virtude de não haver quem tomasse as medidas necessárias boa condução da coisa pública. A razão para o arrastamento do processo, que à primeira vista parecia residir na recusa do referido vereador-juiz em estar presente nas reuniões da Câmara, o que inviabilizava qualquer possibilidade de se proceder à substituição dos oficiais impedidos, radicava afinal num conflito antigo, que remontava já ao ano anterior (3) e que envolvia presses feitas por sectores anteriormente não ligados à gestão municipal e que agora pretendiam desapossar o antigo grupo possidente tradicional desses cargos. A exemplo do que então sucedera, também agora o vereador, quando interpelado sobre a sua não aceitação da realização de eleições, afirmava que assim o decidira "por ser notório aver nesta dita villa sobornos he dissensões sobre quererem ser juizes pessoas que seus pães e avós nunca serviram os ditos careguos he juntamente outras que servem de capitães não ho podendo ser" (4). A partir desta altura, e por um largo período, os ânimos serenaram passando a ser normal a frequência das eleições pelo ouvidor, ou o seu aviso para, na sua ausência, se proceder à eleição. Só em 1675 e 1677 a situação se repetiu, acontecendo que, no primeiro ano os oficiais se recusaram, em 13 de Junho, ao acto eleitoral alegando ser tarde e fora de tempo, embora a lei permitisse ao corregedor fazê-la em qualquer altura (5). Em relação a 1677 foi o ouvidor que considerou nula a eleição feita a 27 de Dezembro, por não haver contado com a sua presença (6). Remetida a questão ao Geral este acabou por dar razão à vereação considerando válido o acto. Ainda assim, o ouvidor apresentou-se em vereação a 19 de Março com o intuito de prender o juiz mais velho do ano anterior Manuel Fernandes Pita, a quem valeu a desobediência de toda a vereação e do próprio escrivão da Câmara para que a detenção não se efectuasse (7). Um ano passado, a 21 de Abril de 1679, deu entrada na Câmara uma sentença de agravo contra o ouvidor Manuel da Rocha Freire, a propósito deste incidente, que foi apresentada em Lisboa a 30 de Dezembro (8). Para além deste habitual conflito de alçadas a vereação deparava ainda com outras dificuldades que entravavam o seu normal funcionamento, resultantes da demora na confirmação dos oficiais pelo ouvidor ou governador. Um caso flagrante ocorreu, por exemplo, em 1626 quando, em fins de Fevereiro, essa confirmação não havia ainda chegado, o que impedia o normal funcionamento da edilidade. Pressionadas, as autoridades competentes alegaram então que a razão da demora se ficara a dever ao facto "de meter ____________________________ (1) António Francisco Barreto escusava-se com o facto de se encontrar a contas com a justiça, enquanto Gaspar de Mendonça se escusava alegando possuir negócios no Funchal. Cf. ibidem, fls. 71-7lvº, 5 de Fevereiro. (2) A 21 de Junho foi eleito António de Abreu (cf. ibidem, fl. 88vº). No entanto, a 6 de Julho o procurador recomendava a eleição de outro oficial (cf. ibidem, fl. 88vº). (3) Ibidem, fls. 45-46vQ. Em 16 de Fevereiro de 1632, para impedir os "subornos" que corriam entre a população fora provido António de Abreu, antigo juiz, sem que tivesse havido eleição. (4) Ibidem, fls. 76vQ-77 e 81, 2 de Março e 16 de Abril de 1632. (5) Ibidem, ne. 494, fls70vº-71. (6) Ibidem, fls. 121vº-123. (7) Ibidem, fls. 126-127vº, 26 de Março de 1678. (8) Ibidem, nº. 495, fls. 18vº-25.

muito tempo em meio por causa das embarcasoens e distancia do mar"(1). Os motivos terão sido, naturalmente, de ordem diversa, uma vez que noutras ocasiões, como em 1695, por exemplo, a confirmação demorou apenas 24 horas (2). Facto estranho ocorreu em 1611, uma vez que no momento de abertura do cofre foi confirmada a inexistência do pelouro (3). Este acontecimento não surgiu, no entanto, como um acto isolado, na medida em que no auto de abertura do pelouro se refere expressamente que o mesmo sucedera já no tempo de João Roiz, aí se recordando também os desacatos em que haviam morrido alguns homens. Por ordem do ouvidor foram então chamados os eleitores do pelouro para que se recordassem das pessoas que haviam elegido, após o que, mais tarde, a 8 de Janeiro de 1612 (4), se deu juramento aos oficiais pelo juiz ordinário Francisco de Freitas da Silva, mandatado para o efeito pelo ouvidor. Curiosamente, a 4 de Junho desse ano o procurador do concelho solicitou que se fizesse uma devassa para apurar responsabilidades (5). Num município como o da Ponta de Sol, onde era manifesta a dispersão geográfica dos sítios povoados e pouco habitados, não era fácil reunir um conjunto adequado de homens da governança, razão pela qual eram constantes as escusas. Para além disso, o reduzido número destes implicava que, com alguma frequência, muitos se mantivessem em funções durante vários anos. Tendo em conta que os oficiais de um ano deveriam servir, de acordo com o estipulado nas Ordenações, como almotacéis no ano seguinte, mais se agravava ainda o problema, uma vez que se reduzia drasticamente o número de potenciais elegíveis. Foi, aliás, o que sucedeu em 1631, quando o Bispo, que se encontrava na condição de Governador e ouvidor, se viu forçado a coagir os oficiais eleitos a servirem o cargo, não obstante os motivos alegados para as suas escusas fossem mais do que justificados (6). Dessas alegações apresentadas constavam, por exemplo, o parentesco existente entre eles, a ausência do concelho, o estar preso ou andar em demandas com a justiça e, finalmente, a ausência por motivos de saúde. Na primeira situação, muito vulgar, encontrámos os casos de Ambrósio Beringel, Cristóvão Esmeraldo, João Bento Cintra, António Francisco Barreto e Manuel Fernandes Pita, respectivamente em 1595, 1626, 1631, 1632 e 1681, cujos pedidos não foram aceites (7). Diferente foi, no entanto, a posição assumida pelo juiz mais velho que ao dar juramento a António Francisco Barreto, sabendo que era parente do procurador do concelho, Gonçalo Gomes Jardim, deu como procedente o pedido de escusa (8). No segundo caso, em que os elementos escolhidos se encontravam a residir fora do concelho as escusas eram sempre aceites, sendo isso justificável pela mobilidade dos vizinhos do concelho e também pelo facto de alguns terem propriedades em jurisdições distintas. Na maioria dos casos que apurámos, a sua residência estava fixada no Funchal, como sucedia com João Rodrigues de Freitas (9), Henrique Moniz (10) Gaspar (1) Ibidem, nº. 491, fls. l-3v°. (2) Ibidem, nº. 497, fls. 167-169v°. A abertura foi a 27 de Dezembro e a confirmação no dia imediato. (3) Ibidem, nº. 490, fl. 137vº, 1 de Janeiro. (4) Ibidem, nº. 490, fls. 139-142ve. (5) Ibidem, fls. 154-155vQ e nº. 491, fls. 2-3v°. (6) Ibidem, nº. 492, fls. 13vQ-17, 9 e 14 de Janeiro de 1631. (7) Ibidem, nº. 489, fl. 9vQ; ne.492, fls. 14-14vQ, 37v°-39, 41v°-42; ne.696, fl. 18. (8) Ibidem, nº. 492, fls. 37vº-39, 1 de Janeiro de 1632. (9) Ibidem, nº. 489, fls. 30-31, 6 de Janeiro de 1597. (10) Ibidem, nº. 492, fls. 23-23v°, 29 de Março de 1631.

Mendonça (1) e João Rodrigues da Câmara (2), que aí tinham também os seus negócios. Em 1627, dos oficiais eleitos saíram Gonçalo Barreto de Freitas e Sebastião Barreto, encontrando-se este ausente na Calheta e o primeiro a residir há já algum tempo em S. Vicente (3). Igualmente atendidos eram os casos de pedidos de escusa motivados por razões de querelas com a justiça, de que nos surgem oito casos - cinco juízes e três vereadores -a demonstrar a ocorrência de alguns conflitos no seio dos homens da governança ao longo deste período (4). Quando se tratava de impedimentos motivados por razões de saúde procedia-se sua substituição temporária enquanto a doença durasse: em 29 de Junho de 1611 João Garcês foi substituído por Lourenço Dias (5) enquanto em 1676 o capitão Martinho da Silva Menezes foi contemporizador relativamente à data do juramento do juiz, por aquele se encontrar enfermo.(6) Mas, para além de todas estas situações, que causavam embaraços e transtornos evidentes à decorrência do funcionamento normal da vereação, há ainda a considerar a dificuldade permanente em reunir todos os elementos saídos no pelouro. O facto de não haver um espaço urbano alargado, como existia no Funchal, causou no município da Ponta de Sol algumas dificuldades às reuniões periódicas. Com efeito, a dispersão dos homens da governança provocava inúmeras dificuldades na sua convocação anual para a eleição ou abertura dos pelouros e, mais ainda, das reuniões extraordinárias. Por via disso o trabalho do porteiro era aqui redobrado. Por outro lado, os oficiais concelhios, em virtude de serem indivíduos muito directamente ligados com os afazeres das suas terras, nem sempre estavam disponíveis para as duas reuniões semanais da vereação, sucedendo que quase nunca encontramos uma vereação onde estivessem presentes todos os oficiais. Por norma estavam presentes apenas um juiz, um vereador e o procurador do concelho, o mais assíduo de todos os elementos das múltiplas vereações estudadas ao longo do século. Um caso bem elucidativo do que afirmamos ocorreu a 6 de Julho de 1596, quando, na ausência de qualquer juiz, foi o porteiro notificado para os chamar à vereação, em virtude de haver assuntos de grande importância que necessitavam de ser tratados (7). Notificado Rui Valdavesso Gomes, um dos juizes, afirmou de imediato a sua indisponibilidade por "andar prantando com a sua gente"; António Bringel, o outro juiz da vereação, mandara dizer pelo porteiro que fosse o colega.... Face à recusa continuada de Rui Gomes em comparecer, viria a ser substituído por Rafael Catanho de Vivaldo em 13 de Outubro de 1596. Eleito no ano seguinte para novo mandato, uma vez mais justitficou a sua não comparência à reunião de Fevereiro,"por andar em sementeira" (8). Noutros casos, como o do vereador Agostinho César, as razões apresentadas para a fraca assiduidade ou mesmo para a não comparência em Câmara prendiam-se com a distância a __________________________________ (1) Ibidem, fls. 71-71v9, 5 de Fevereiro de 1633. (2) Ibidem, nº. 495, fls. 16v9-17vº, 17 de Março de 1679. (3) Ibidem, nº. 491, fls. 18vM9, 1 de Janeiro de 1627. (4) Ibidem, nº. 490, fls. 103-104, 2 de Fevereiro; fl. 144, 12 de Janeiro de 1611; fls. 163-164, 7 de Janeiro de 1612; nº. 491, fls. 2-3vº, 22 de Fevereiro de 1626; nº. 495, fl. 8vº, 9 de Junho de 1678. (5) Ibidem, nº. 490, fls.l55-156vº, 29 de Junho. (6) Ibidem, nº. 495, fl. 85, 1 de Fevereiro. Tomou posse a 20 de Fevereiro (fls. 88vº-89). (7) Ibidem, nº. 489, fls. 20vº-21. (8) Ibidem, fl. 32, 1 de Fevereiro de 1597.

que aqueles residiam, ou com as dificuldades de acesso, motivos invocados por Agostinho César em 1597 (1). Perante todos estes contratempos, difícil se tornava à vereação pontassolense cumprir com os regimentos régios que determinavam a realização de reuniões anuais. Aliás, essa foi uma pecha contra a qual jamais os diferentes procuradores do concelho deixaram de protestar, verberando os seus colegas por estes prejudicarem o bem comum. Em termos globais, a média de presenças apurada ficou-se pelas duas reuniões mensais, bastante baixa afinal, mesmo se tivermos em conta as particularidades de um concelho rural como era o da Ponta de Sol. Uma das peças imprescindíveis no funcionamento das vereações foi o procurador do concelho. Competindo-lhe representar os interesses do povo, razão que o impedia de poder faltar às reuniões sob pena de ter de pagar 5 tostões (2), afirmou-se como o mais importante elemento da vereação ao longo de todo o século XVII, não só pelos inúmeros problemas que foi levando a Câmara mas, e fundamentalmente, por nos momentos de crise ter desenvolvido sempre uma acção dinâmica e esclarecida na resolução dos conflitos tendo em vista um eficaz funcionamento da vereação. Igualmente indispensável ao normal funcionamento da vereação se revelou o porteiro da Câmara, considerado o porta-voz das decisões dos oficiais, e que, por isso mesmo, devia ser pessoa idónea, de confiança e obediente. Alguns casos houve, no entanto, em que práticas menos correctas ou condutas pouco apreciáveis conduziram ao afastamento dos detentores do ofício, como aconteceu com Manuel Gomes, afastado em 1609 (3) por beber muito vinho, ou André Gonalves que, por haver desobedecido às ordens dos oficiais em 1673, foi preso na cadeia "com grilhões nos pés” (4). Outra peça-chave da vida municipal era o alcaide. A ele competia cumprir os mandados da vereação e zelar pela segurança do burgo, para além de ter a seu cargo a cadeia da vila. Era escolhido pelos oficiais de uma lista de três nomes apresentada pelo ouvidor (5). Em 1597, no entanto, foi o desembargador quem indicou Diogo do Campo para servir o cargo, o que naturalmente não estava conforme com as Ordenações e os usos e costumes da terra (6). Para exercer o cargo o pretendente deveria preencher alguns requisitos: residir obrigatoriamente na vila (7), ser homem de posses (8) e apresentar fiança após haver sido escolhido. Na sua acção era coadjuvado pelos quadrilheiros, em número de 4 para a vila, e um ou dois para as diversas localidades sob jurisdição do concelho. Ao lado do alcaide surgem os almotacéis que detinham uma função fiscalizadora muito importante no burgo, nomeadamente dos açougues e vendas (9). A sua ausência era, por via disso, motivo de grande preocupação, como sucedeu em Janeiro de 1632, quando por falta de quorum os almotacéis não foram eleitos. Segundo o testemunho do próprio juiz da vereação a inexistência dos ditos oficiais transformara-se, de imediato, em prejuízo para o povo" por as _______________________________ (1) Ibidem, n°. 489, fl. 35, 29 de Abril de 1597. (2) Ibidem, nº. 490, n. 38, 30 de Agosto de 1608. (3) Ibidem, fls. 57-57v°. (4) Ibidem, nº. 494, fl. 20, 27 de Setembro de 1673. (5) Ibidem, nº. 489, fl. 66, 20 de Novembro de 1598; fl. 107v°, 2 de Abril de 1600; nº. 490, fls. 119-120, 16 de Setembro de 1610. (6) Ibidem, n°. 489, fl. 36v°, 8 de Maio de 1597. (7) Ibidem, n°. 489, fl. 41v°-42v9,9 de Agosto de 1597; fls. 105vº-106, 26 de Fevereiro 1600. (8) Por essa razão foi destituído Manuel Fernandes, cf. ibidem, nº. 490, fl. 64,14 Maio de 1609. (9) Ibidem, n°. 496, fls. 73vº-74.

padeiras e taverneiras fazerem o que querem" (1). O cargo era semestral e devia ser exercido pelos oficiais da vereação do ano anterior. Todavia, face às constantes escusas apresentadas por aqueles era, muitas vezes, necessário proceder à eleição de outras pessoas. O perfil dos candidatos estava bem definido: deveriam residir na vila (2), serem casados e pertencerem à gente da governança (3). Tais requisitos, que restringiam o número de potenciais elegíveis, estavam na base da recusa de muitos deles servirem o ofício, uma vez que a rotação não se chegava a fazer. Aliás, temos conhecimento de alguns casos de indivíduos que não puderam aceitar o lugar de almotacé por haverem sido eleitos de novo para a vereação em substituição de oficiais saídos nos pelouros, mas que haviam pedido escusa. Deparámos igualmente com várias escusas para o desempenho dessas funções sob a alegação de que se encontravam enfermos (4) ou que possuíam antecedentes criminais (5). Em qualquer dos caso a vereação intimava-os a apresentarem os documentos comprovativos de tais pretensões, recusando-lhes os pedidos quando entendiam não haver cabimento para a escusa (6). Casos houve, como o de João Baptista da Câmara, em 1681, que por se haver recusado a servir o cargo foi demitido domiciliarmente primeiro, e, mais tarde, porque se tivesse ausentado para o campo sem autorização, acabou mesmo por ser preso na cadeia, aí permanecendo até aceitar o cargo (7). Atitude diferente teve no entanto a vereação perante a recusa de Cristóvão Esmeraldo de Atouguia, o velho, em Outubro de 1608, uma vez que então o motivo invocado foi o de ser rendeiro dos moinhos e, por isso, não poder compatibilizar as duas funções (8). 2. Ponta de Sol. Um concelho pobre Eram duas as fontes de receitas do município: os foros das terras que lhe pertenciam e a parte correspondente das rendas cobradas no concelho. Nestas últimas incluíam-se a imposição do vinho, que onerava a venda do vinho nas tabernas; metade da meia maquia dos moinhos que era um direito do senhorio; e a metade da renda do verde, contribuição cobrada aos ___________________________ (1) Ibidem, n°. 492, fls. 40-4lvº, 10 de Fevereiro de 1632. (2) Detectámos várias escusas por não residirem na vila: Francisco Lopes, a 3 de Fevereiro de 1610 (nº. 490, fl. 190); Brás Andrade, a 6 de Fevereiro de 1610 (nº. 490, fls. 101-102); Manuel Andrada Espíndola a 2 de Maio de 1681 (n9. 496, fls. 43v°-44) e a 4 de Outubro de 1681 (fls. 57ve-58). A 24 de Julho de 1677 foi admoestado Manuel de Andrada por não residir na vila (nº.494, fl. 118ve). (3) Em 3 de Fevereiro de 1610 foi escuso Francisco Lopes por ser solteiro. Cf. ibidem, nº. 490, fl. 190. (4) Em 11 de Fevereiro de 1596 João Rodrigues Mondragão alegou "má disposição" (cf. ibidem, nº. 489, fls. 21vº-22); a 21 de Julho de 1598 Agostinho César foi substituído por estar doente (ibidem, nº. 489, fls. 59vº-60). (5) Assim sucedeu com Martins Orneias (nº. 490, fl. 79, vereação de 26 de Setembro de 1629). Cristóvão Esmeraldo de Atouguia (nº. 490, fls. 114vº-l 15ve, de 17 de Julho de 1610), e Luís Telles de Menezes (nº. 491, fl. 32vº, 22 de Maio de 1627). (6) Ibidem, nº. 490, fls. 114vº-l 15vs, 17 de Julho de 1610, e nº. 491, fl. 32vº, 22 de Maio de 1627). (7) Ibidem, nº. 491, fls. 44-45. (8) Ibidem, nº. 490, fls. 38vº-39.

agricultores para disporem de um olheiro das terras, que evitasse os danos provocados pelo gado. Todos os anos em Janeiro o procurador do ano anterior, a quem estava incumbida a guarda destes créditos arrecadados apresentava as contas à vereação, enquanto o seu substituto recomendava a arrematação das rendas para o ano novo (1). A sua arrematação era feita num dia determinado pela vereação e discutida em lanços (2). Quem a arrematasse deveria, no imediato, proceder ao juramento ou prestação de fiança (3) e ter posses (4). A renda da imposição do vinho era estabelecida a partir de um rol de vinho disponível nas tabernas, feito pelo escrivão da Câmara no início do ano. Essa vitória marcava igualmente o momento a partir do qual os vendeiros (as) podiam iniciar a venda do vinho novo (5). Esta imposição fora criada em 1485 para que as suas receitas fossem usadas no "nobrecimento" e defesa da vila do Funchal, razão pela qual, em 1610, uma pane da mesma continuava a ser utilizada para defesa da dita cidade (6). O rendeiro do verde, para além da imprescindível missão de salvaguarda das terras dos danos do gado solto, deveria proceder ainda à arrecadação da renda. (7) Na ausência deste a Câmara nomeava um olheiro para o serviço de vigilância nos campos, que recebia metade do dinheiro das condenações (8). Após a eleição, o rendeiro deveria prestar juramento e apresentar um fiador, comprometendo-se este a cumprir a soma estabelecida pela renda. Assim, quando o rendeiro se ausentava ele podia assumir a dita arrecadação para não perder todo o dinheiro. Foi exactamente o que sucedeu em 1630 com Lucas Delgado, que aceitara ser fiador do rendeiro Manuel Roiz, e que, posto perante a fuga daquele, se propôs a arrecadar a renda (9). Ao rendeiro do verde competiam, ainda, outras obrigações: varrer a praça todos os dias, em especial nos dias festivos, dar os ramos para o dia de Ramos e no dia de Páscoa, para além de apresentar uma dança das espadas e sete dançantes com seis tangeres (10). A parte das rendas pertencentes à Câmara era utilizada no pagamento das despesas correntes e obras públicas correntes e obras públicas. Todavia, em 1597, porque o seu valor fosse muito baixo a Câmara não pôde dispor de meios para reparar a cadeia e casa da câmara, uma vez que a pane restante pouco mais dava do que para pagar as ordinárias e enfeitados (11). _______________________________ (1) Ibidem, nº. 494, fl. 26ve, 29 de Dezembro de 1673; n°. 496, fls. 62-63, 14 de Janeiro de 1682; nº. 496, fl. 74vº, 13 de Maio de 1682. Existe um livro de contas para os anos de 1609 a 1615 com o nº. 115. (2) Existe um livro de arrematações para os anos de 1691 a 1731. Cf. ARM, CM. da Ponta de Sol, nº. 182. (3) Ibidem, nº. 497, fl. 58v°, 2 de Fevereiro: prisão de António da Silva Jardim, arrematador da meia maquia, por não ter dado fiança. (4) Ibidem, fls. 54v°-55vº, 25 de Fevereiro de 1609. Nessa altura foi feito trespasse da renda do verde de Simão de Araújo, por ser pobre. (5) Em 1678 Breites Rodrigues reclamou precisamente contra a venda do vinho novo pelo pelas vendeiras (os) sem que a referida vistoria tivesse sido efectuada. Cf. ibidem, nº.494, fl. 127, 28 de Março de 1678. (6) Ibidem, nº. 490, fls. 98vº-99, s.d.. (7) Ibidem, n°. 489, fls. 23-23v°, 11 de Julho de 1596. (8) Ibidem, n5. 494, fls. 31-32v°, 17 de Fevereiro de 1674; fls. 64vB-65v°, 6 de Maio de 1679; n°. 497, fl. 157,27 de Fevereiro de 1695. (9) Ibidem, nº. 492, fl. Lvº, 26 de Setembro de 1630. (10) Ibidem, n°. 491, fl. 1, 12 de Fevereiro de 1626. (11) Ibidem, nº. 489, fls. 82v-85vº, 27 de Agosto de 1597.

Por via disso, o desembargador Bernaldo Fernandes ordenou em correição que usassem metade da imposição que estava destinada à fortificação do Funchal, visto as obras terem terminado. Outra não menos importante fonte de receita do município eram os foros das terras que lhe pertenciam, em especial os que detinha no espaço da ribeira da vila. Contudo, este era um espaço vulnerável às enchentes da ribeira, pelo que o município perdia esta receita quando tal sucedia (1). Esta situação, aliada ao facto de, por vezes, terem de proceder a demarcações de terras para novos foreiros, ou à necessidade de impedir o uso abusivo dessas terras, obrigavam os oficiais camarários a terem de se deslocar com frequência à ribeira da vila (2). Em 1599, por recomendação do desembargador André Lobo, e com o objectivo de melhor controlar a arrecadação das receitas, foi feito o tombo dos foros que recebia a Câmara (3). Contudo, em 1609 o referido encontrava-se perdido (4), sabendo-se apenas em 1610 que estava em poder do escrivão Jorge Martins (5). De acordo com as relações de 1674 (6) e 1684 (7) pudemos apurar a existência, em toda a jurisdição do concelho, de 31 foreiros, que rendiam cerca de 9.000 réis. Cabia ao porteiro proceder à cobrança das rendas dos foreiros; no entanto, quando surgiam alguns pagadores mais renitentes a decisão cabia à vereação, que mandava proceder contra os devedores. Foi, por exemplo, o que sucedeu com D. João de Herédia que, em 1681, devia ao concelho 32.700 réis (8), tendo sido intimado a pagá-los pelos oficiais camarários. 3. Estrutura Sócio-económicos Como afirmámos atrás, o município de Ponta de Sol era, no essencial, uma circunscrição administrativa fortemente marcada pela ruralidade e nem mesmo o facto de se situar no litoral motivou uma grande apetência pela vida do mar. Com efeito, os pescadores eram poucos e a sua safra era, muitas vezes, desviada para outros locais, o que causava a apreensão dos munícipes (9). A composição sócio-profissional era, por outro lado, muito pouco variada, facto que não permitia uma representação dos procuradores dos mesteres na Câmara. Todos estes oficiais mecânicos estavam sob o controlo da vereação, pois deviam ser examinados pela edilidade e alguns, como as vendedeiras, boieiros e arrais, eram obrigados a apresentar fiança anualmente. O exercício de uma qualquer actividade só era permitido com a carta de examinação e licença camarária, conduzindo o incumprimento destas infracções à _______________________________ (1) Ibidem, nº. 494, fl. 23, 22 de Novembro de 1673; nº. 494, fl. 117vº, 27 de Julho de 1677. (2) Ibidem, nº. 490, fl. 125, 26 de Outubro de 1610; nº. 491, fls. 10vº-12, 29 de Julho de 1626; nº. 492, fls. 28, 82vº, 26 de Abril de 1631 e 29 de Abril de 1633; nº. 496, fls. 51-56, 20 de Agosto de 1681. (3) Ibidem, nº. 489, fls. 86-88, 4 de Setembro de 1599. (4) Ibidem, nº. 490, fl. 61, 30 de Abril de 1609. (5) Ibidem, fl. 127vº,13 de Novembro de 1610. (6) Ibidem, nº. 494, fl. 128v9, 15 de Dezembro de 1674. (7) Ibidem, nº. 497, fls. 228-229, 28 de Junho de 1684. (8) Ibidem, nº. 494, fl. 47, 5 de Setembro de 1674; nº. 495, fl. 32v9, 7 de Setembro de 1677; nº. 496, fl. 46vº, 26 de Julho de 1681; nº. 496, fl. 56vº,4 de Agosto de 1681. (9) Ibidem, nº. 495, fl. 18vº, 17 de Abril de 1679.

condenação do infractor. No primeiro caso temos, por exemplo, o magarefe António Silva que em 1673 sangrava sem ter carta, pelo que foi ameaçada com o pagamento de 600 réis e 2 anos de cadeia, caso continuasse a exercer (1). Mais tarde, em 1679, Madalena Furtada foi obrigada a pagar 500 réis e a fechar a venda até que "desse fiança em Câmara"(2). Dois ofícios mereceram a atenção redobrada das actividades camarárias ao longo do período estudado: o das regateiras ou vendedeiras, e o dos barbeiros ou sangradores. No primeiro caso tal preocupação resultava, em geral, da sua actividade especulativa, ou das condições do local onde vendiam os produtos. Assim, em 1697 Amónia Moniz foi admoestada por vender numa loja pequena, retorquindo que não possuía outra; mesmo assim foi punida em 400 réis-(3). Quanto aos barbeiros e sangradores a preocupação resultava do mau exercício da profissão, o que causava algumas mortes injustificadas(4), e também do preço excessivo que cobravam nas saídas para fora da vila. Em resultado das muitas queixas apresentadas foram estabelecidas, em 1675, taxas fixas para as sangrias dentro e fora da vila (5). Outro grupo a ser alvo da atenção dos vereadores foi o dos ofícios ligados ao fabrico das farinhas e pão. Aos moleiros, providos pelo rendeiro dos moinhos, uma vez que este era um direito do capitão do donatário, cumpria apresentar fiança e prestar juramento perante a vereação, responsabilizando-se pelo bom serviço das moendas (6). Pelo desempenho do cargo tinham direito a 800 réis e um alqueire de pão por semana, pagos pelo rendeiro dos moinhos (7). Eram obrigados a fazer toda a sua vida no moinho, aí devendo permanecer dia e noite. Mesmo ao sábado era obrigatória a sua presença para receber o trigo até à meia-noite e fazer boas farinhas e pouco farelo (8). A sua ausência do moinho era punida com a multa de 200 cruzados (9). Ainda, de acordo com as posturas, o moleiro estava proibido de dar alimento a quem quer que fosse e as mulheres não podiam recolher farinha".(10) A nomeação do moleiro para os dois moinhos da vila (11) e o da Madalena era feita pela vereação, dependendo a sua permanência no cargo do bom ou mau serviço prestado. Assim, João Figueira por servir mal e ser prepotente foi destituído do cargo (12). Em 1681, porque as queixas do povo contra os moleiros se avolumassem, acusando-os de roubo e dano nas farinhas, foi-lhes dada ordem de prisão, sendo substituídos por outros (13). ____________________________ (1) Ibidem, nº. 494, fi. 9, 10 de Maio de 1673. (2) Ibidem, nº. 495, fl. 10vº, 17 de Abril de 1679. (3) Ibidem, n°. 497, fl. 186, 6 de Novembro de 1697. (4) Ibidem, nº. 494, fl. 116, 25 de Maio de 1677. (5) Ibidem, n°. 494, ti. 56, 11 de Janeiro de 1675; nº.497, fl 43, 1 de Outubro de 1687. (6) Ibidem, n°. 489, fl. 91, 23 de Outubro de 1599; nº. 489, fl. 108, 8 de Abril de 1600. (7) Ibidem, nº. 489, fl. 8, 27 de Janeiro de 1596. (8) Ibidem, nº. 489, fls. 33vy-34, 8 de Fevereiro de 1597; nº. 490, fl. 165v°, 28 de Janeiro de 1612. (9) Ibidem, nº. 489, fl. 54, 4 de Fevereiro de 1598; ri3. 490, fl. 13lve, 24 de Novembro de 1610. (10) Ibidem, n°. 490, fl. 59, 13 de Abril de 1609. (11) Em 1597 havia apenas um moinho. Cf. ibidem, n°. 189, fl. 33vº, 8 de Fevereiro de 1597. (12) Ibidem, n°. 490, fls.35-36, 2 de Agosto de 1608 (13) Ibidem, nº. 496, fl. 24, 17 de Fevereiro de 1681. As mesmas queixas repetem-se em 6 de Julho de 1697; cf. ibidem, nº. 497, fl 185v°.

Deparámos ainda com vários conflitos surgidos entre o rendeiro dos moinhos, nomeado pelo capitão para superintender a arrecadação dos seus direitos, e os vereadores, em virtude de aquele procurar intervir nos moinhos pondo e dispondo dos moleiros a seu bel-prazer. Em 1600, por exemplo, foi o dito rendeiro surpreendido pela vereação e intimado a não frequentar os moinhos mais do que uma vez por dia, entendendo-se a sua presença como prejudicial ao povo (1). Alguns anos mais tarde, em 1627, foi uma vez mais admoestado, mas agora porque retirara do moindo de baixo o moleiro, o que era prejudicial aos interesses do concelho (2). A exemplo do que se passava com os moleiros também as padeiras e forneiras mereceram ao longo do período uma assídua atenção do município. Na verdade, os cereais eram a base da alimentação dos pontassolenses e todos os cuidados eram poucos para assegurar a normalidade destes serviços. Aquelas eram obrigadas a prestar juramento na Câmara e só elas estavam autorizadas a fazer pão para venda ao público (3), para o que recebiam cada uma diariamente dois alqueires de farinha (4). Em 1610 eram seis as amassadeiras que existiam na vila para os dois fornos em funcionamento (5) cabendo a sua manutenção a um forneiro que também os acendia (6). No ano seguinte, sabe-se que a casa onde eles funcionavam estava caída, tendo reclamado para a Câmara, a quem competia a sua reparação (7). Outro dos cuidados dos oficiais da vereação prendia-se com a salvaguarda do direito de posse das águas das levadas que serviam as terras de regadio.. Eram duas as levadas que serviam a freguesia da Ponta de Sol: da ribeira de Água d'Alto e Corujeira. Todos os anos os heréus eram chamados pela Vereação para proceder à limpeza da levada e à eleição do levadeiro (8). Este, por seu turno, deveria vir à Câmara prestar juramento (9) para proceder à distribuição das águas e assegurar a limpeza das levadas. 4. O município e o quotidiano O quotidiano que transparece das decisões exaradas em vereação é marcado pela ruralidade do município, razão pela qual as questões relacionadas com a vida agrícola têm aí um excepcional interesse. Note-se, por outro lado, que esta característica se encontra expressa também numa das suas principais receitas - os foros, que preocupavam com frequência os vereadores. Como já atrás referimos era na vereação que se fazia a nomeação dos levadeiros, a distribuição da água de giro entre os heréus e a resolução dos conflitos daí decorrentes. ____________________________ (1) Ibidem, nº. 489, fl. 105, 26 de Fevereiro. (2) Ibidem, nº. 491, fl. 36vº, 28 de Agosto de 1627. (3) Ibidem, nº.489, fls.l9-19vº, 24 de Fevereiro de 1596; nº. 489, fl. 63, 19 de Setembro de 1598. (4) Ibidem, nº. 489, fl. 113vº, 17 de Agosto de 1600; nº. 490, fl. 112v9, 19 de Junho de 1610. (5) Ibidem, nº. 490, fl. 112vº, 19 de Junho de 1610. (6) Ibidem, nº. 489, fl. 73vº, 21 de Abril de 1599, nº. 490, fl. 59ve, 13 de Abril de 1609, nº. 490, fl. 80vº, 10 de Outubro de 1609; nº. 490, fl. 123V9, 9 de Outubro de 1610. (7) Ibidem, nº.490, fl. 145, 12 de Janeiro de 1611. (8) Ibidem, nº. 496, fl. 48vº, 19 de Julho de 1681; n9. 497, fl. 51, 29 de Maio de 1668. (9) Ibidem, nº. 490, fls. 33vº-34v9, 2 de Julho de 1608: nº. 494, fls. 7vº-8, 9 de Maio de 1673; nº. 495, fl. 7, 16 de Maio de 1678; nº. 497, fl. 25, de 7 de Julho de 1685; nº. 497, fl. 24vº, 26 de Junho de 1700.

À regulamentação do sistema de regadio e preservação das levadas sucedia outro ponto de interesse e não menos importante para a vida municipal. As levadas faziam chegar a água aos poios, enquanto os caminhos ligavam as habitações ou ao ponto de saída da vila para outras paragens e freguesias do concelho. Mas a preservação destas vias públicas era um problema constante para a vereação. Os danos provocados pelas invernias ou pelo transporte da lenha pelos boieiros, e as valetas feitas pelos agricultores para passar as águas de regadio tornavam-nos, por vezes intransitáveis. Por isso, duas ou mais vezes no ano a vereação ia vistoriar os principais caminhos e ordenava por pregão o seu conserto pelos moradores (1). Todos deveriam responder à chamada e os faltosos eram anotados em rol, estando sujeitos a uma pena de 2.000 réis (2). Por vezes a maioria dos moradores era aliviada desse encargo, recaindo a obrigação apenas sobre os devedores da Câmara (3). Em Junho de 1678 havia redobrados motivos para reparar os caminhos, uma vez que se apresentavam grandemente degradados e se aguardava a visita do Bispo (4). Ao que parece, boa parte dos problemas haviam surgido pelo facto de alguns lavradores tomarem o caminho para as suas culturas, como sucedera, por exemplo, no caminho que ligava a vila à Madalena (5) e noutro que comunicava entre a Água d'Alto e o Forno da Cal (6). Maio era, todavia, a preocupação do município em assegurar o abastecimento regular das populações em cereal. Esta intenção alargava-se na vila a uma permanente intervenção no funcionamento dos moinhos e dos fornos de amassar pão. Quanto ao primeiro quase todas as recomendações feitas ao rendeiro da meia maquia iam no sentido da manutenção das suas instalações e das pedras, de modo a que a farinha tirada não fosse em prejuízo do povo. Os avisos eram assíduos mas mudo e surdo o rendeiro. Assim, em 1596 (7), a vereação decidiu fazer as reparações necessárias, descontando as despesas das maquias ao rendeiro. Para que a farinha corresse no tabuleiro e o pão crescesse no forno havia necessidade de cereal; este, no entanto, era quase sempre escasso, razão pela qual havia necessidade de controlar os seus circuitos de distribuição interna e as possíveis fugas para o exterior. A política cerealífera do município não é nova, orientando-se de acordo com a prática corrente noutros municípios. As más colheitas(como sucedeu em 1599 e 1607) preludiavam momentos de dificuldades no normal abastecimento do cereal, pelo que implicavam um redobrar da atenção dos vereadores (8). Proíbia-se a saída de todo e qualquer cereal e com o _____________________________ (1) Ibidem, ne. 489, fls. 23 e 47, 11 de Julho de 1596 e 13 de Outubro de 1597; n°. 490, fls. 109-109v° e 126-126v°, 15 de Maio de 1610 c 10 de Novembro de 1610; n°. 491, fls. 7-8 e 33, 1 de Julho de 1626 e 29 de Maio de 1627; nº. 494, fls. 15ve, 66, 72ve, 17 de Julho de 1673, 13 de Maio e 8 de Julho de 1675; n°. 496, fls. 104v9-105v°, l09v°-l 10, 24 de Maio e 26 de Junho de 1683; n9. 497, fl. 42, 21 de Junho de 1687. (2) Ibidem, nº. 489, fl. 26ve, 5 de Outubro de 1596; n°. 494, fls.2-3, 4 de Fevereiro de 1673; nº. 494, fls. 2-2v°, 4 de Fevereiro. (3) Ibidem, nº. 489, fls. 38, 60v°, 14 de Junho e 12 de Agosto de 1597. (4) Ibidem, n°. 495, fl. 8, 4 de Junho de 1678. (5) Ibidem, n°. 494, fls. 118vg-l 19, 24 de Julho e 4 de Setembro de 1677. (6) Ibidem, n°. 494, fls. 2-2v°, 4 de Fevereiro de 1673. (7) Ibidem, n°. 498, fl. 28, 8 de Outubro. (8) Ibidem, nº. 489, fls. 77vº-78, 7 de Agosto de 1599; nº. 490, fl. 2, 17 de Fevereiro de 1607.

disponível intervinha-se na sua distribuição (1). Para isso existia um granel público, onde se guardava o trigo resultante dos exames (2). Ao longo do período em análise detectámos alguns momentos em que a carestia de cereais se fez sentir com forte intensidade, caso, por exemplo, dos anos de 1596 a 1609, 1627 a 1633 e de 1683 a 1684. Quando isso sucedia era norma deparar nos meses de Dezembro a Fevereiro com múltiplas referências, feitas pela vereação, à possibilidade de ocorrerem graves fomes entre a população, em virtude do pouco cereal produzido. Nessas alturas proibia-se toda e qualquer saída de cereais para o Funchal (3), medida alargada mesmo ao pão proveniente das rendas (4) ou àquele que já se encontrava pronto para ser exportado (5), que depois era distribuído pela população. Em 1626 viveram-se momentos difíceis. Logo em finais de Julho se notava a falta de cereais po não haverem sido acautelados os interesses do concelho permitindo-se, pelo contrário, grandes exportações. Assim, não obstante tivessem determinado, por essa altura, medidas que interditavam a saída do pão (6), as preocupações dos oficiais cresceram por volta de Dezembro, porque nas vésperas das sementeiras havia apenas sete moios. Salvou a situação Bernardino de Freitas que tinha na Madalena entre 12 a 15 moios (7). No entanto, durante os meses que se lhe seguiram, os problemas foram sempre em crescendo, até que em Abril atingiram o seu pior momento, com as populações a serem afectadas pela fome (8). A partir do último quartel do século XVII surgem assíduas referências ao inhame como importante cultura de subsistência dos pobres. Os seus produtores teimavam em vendê-lo ao saco, o que provocava danos aos potenciais compradores, pelo que se ordenou a sua venda a peso em 1697 (9). A medida, mal recebida por aqueles, acabou por provocar alguns conflitos no seio da sociedade pontassolense, tendo mesmo nalguns casos, como os de Francisco Rodrigues e Pedro, filho de Pedro da Silva Azevedo, terminado com a prisão (10). A venda de carnes completava o leque das medidas do município para assegurar a subsistência. Assi, a sua venda só poderia ser feita nos açougues, estando interdita para fora (11). Uma das poucas fontes de riqueza do concelho, para além dos cereais, era a cultura da vinha. Note-se que em 1597 (12) a sua produção era ainda reduzida e pouco dava para as necessidades do município, mas passados 13 anos havia já excedentes em abundância, que _____________________________ 1) Ibidem, nº. 489, fls. 55-55v9, 56-56vº, 2 e 11 de Março de 1598 e 1589; nº. 492, fls. 25-26, 2 de Abril de 1631. (2) Ibidem, nº. 489, fl. 56, 7 de Março de 1598; nº. 491, fls. 29vº-31, 27 de Abril de 1627. (3) Ibidem, n°. 489, fl. 1 lvº, 7 de Outubro de 1595. Determina uma pena de 20 cruzados e um ano de degredo. (4) Ibidem, nº. 489, fls. 58vº-59, 74vº, 1 de Julho de 1598 e 15 de Maio de 1599; nº. 490, fl. 2vº, 17 de Fevereiro de 1607. (5) Ibidem, nº. 489, fls. 28vº, 9 de Outubro de 1596. (6) Ibidem, nº. 491, fl. 8vM0, 29 de Julho de 1626. (7) Ibidem, nº. 491, fls. 15vº-17, 19 de Dezembro de 1626. (8) Ibidem, nº. 491, fls. 23-25 e 29v9-31, 27 de Janeiro e 27 de Abril de 1627. (9) Ibidem, nº. 497, fl. 183, 13 de Abril de 1697. (10) Ibidem, nº. 494, fl. 102vº, 4 de Dezembro de 1676; nº. 497, fl. 22vº, 14 de Abril de 1685; nº.497, fl. 148-148vº, 22 de Abril de 1694. (11) Ibidem, nº. 494, fl. 19, 92, 116, 117, 23 de Setembro de 1673, 16 de Abril de 1676, 25 de Maio e 17 de Julho de 1677. (12) Ibidem, nº. 489, fl. 46, 12 de Outubro de 1597. 278

seriam enviados para o Brasil (1). Por isso, a partir de 1626 passou a proceder-se à abertura dos preços de venda do mosto (2), sendo esta medida justificada pelo facto de haver um bom mercado para o seu comércio (3). A sua abertura era feita no mês de Setembro em vereação, estando presentes os lavradores e mercadores, servindo a vereação de mediadora. Em 1631 os oficiais tiveram mesmo de intervir a favor dos lavradores, obrigando os mercadores a pagar o dobro do que pretendiam pela pipa de vinho à bica do lagar, porque a colheita tinha sido reduzida e aquele era, no seu dizer, a única fonte de rendimentos daqueles (4). 5. Obras Públicas O conjunto das obras públicas realizadas ou recomendadas pelo município situavam-se no recinto da vila, sendo de destacar as de correcção e amuralhamento da defesa da ribeira; os sucessivos e constantes arranjos da ponte; as obras de manutenção da torre da igreja e as reparações efectuadas na cadeia. Esta, embora fosse um encargo do capitão do donatário do Funchal, viria a passar para a responsabilidade da Câmara em 1597, por assim o haver ordenado em correição o desembargador Bernardo Fernandes, que justificou a sua iniciativa com o facto de nessa altura se haver registado mais uma fuga de um preso (5). Todavia, no século seguinte a reparação foi feita com o dinheiro retirado das rendas do capitão, comprovando-se que aquela medida fora apenas um acto sem continuidade (6). Com o correr dos anos a degradação das suas instalações acentuou-se a tal ponto que o alcaide se recusou a servir de carcereiro, alegando que a casa da cadeia não tinha os requesitos mínimos para que pudesse servir o ofício (7). A ribeira, que dividia a vila a meio, era outro motivo de preocupação, na medida em que todos os anos tinham de proceder à sua limpeza por forma a que com a tempestade não fosse destruída a ponte e não houvesse qualquer dano nas casas da Câmara e igreja (8). Este serviço era feito obrigatoriamente por todos os moradores, devendo pagar, aqueles que se escusassem, 100 réis destinados a custear as despesas com mão-de-obra, ou, no caso de se recusarem, à pena de 2000 réis (9). A finalizar, apenas um breve referência à ponte da ribeira da vila, que fazia a ligação entre as suas duas metades, e que em 1597 viu reforçado o seu muro com pedra1^. Essa reparação não impediu, todavia, que uns anos mais tarde, em Dezembro ____________________________ (1) Ibidem, nº. 490, fl. 117. (2) Ibidem, nº. 491, fls. Llvº-12vº, 16 de Setembro de 1626. (3) Ibidem, nº. 491,11. 37vº, 23 de Setembro de 1627. (4) Ibidem, nº. 492, fls. 32-33, 17 de Setembro. (5) Ibidem, n°. 489, lis. 82vº-85vº, 27 de Agosto de 1597. (6) Ibidem nº 490 fl 127vy, 13 de Novembro de 1610; n9. 494, fls. 60v°-61, 11 de Fevereiro de 1675, fl. 65v-66, 13 de Maio de 1675; n9. 497, fl. 51ve, 3 de Julho de 1688; n9. 496, fl. 129vº, 26 de Janeiro de 1684. (7) Ibidem, nº. 496, tis. 130vM31,26 de Janeiro de 1684. (8) Ibidem nº 489, lis. 13v°, 43vº-44v9, 1 de Novembro de 1595, 9 de Setembro de 1597; nº. 490, fl. 82, 7 de Novembro de 1609; n9. 491, fl. 15, 7 de Novembro de 1626; nº. 497, fl. 93, 25 de Outubro de 1691. (9) Ibidem, nº. 489, fls. 43vº-44v°, 9 de Setembro de 1597; n9. 490, fl. 117, 1 de Setembro de 1610. (10) Ibidem, nº. 489, fls. 39v°-40,12 de Julho de 1597.

de 1627 (1), as cheias a tivessem levado. Coube então aos munícipes proceder à sua reconstrução em virtude de a Câmara não ter meios para proceder às obras necessárias. Em finais do século XVII encontramos, por outro lado, referências a duas pontes na vila, sendo uma delas obra de Manuel Fernandes Pita do Funchal (2). Geminada com a muralha da ribeira estava a igreja paroquial, cuja torre em 1600 ameaçava cair (3). A vereação, confrontada com a situação, decidiu atribuir 10.000 réis ao vigário para que se procedesse ao seu conserto. Oito anos mais tarde em 1608, porque aquelas obras não tivessem resolvido os problemas, foi necessário nova reparação, efectuada pelo pedreiro Manuel Brás (4). Esse mesmo problema haveria ainda de afligir os oficiais camarários na última década do século e, a exemplo do que antes sucedera, também então a vereação deparou com grandes dificuldades financeiras para proceder às reparações, uma constante, aliás, ao longo do período estudado e que resultava, em última análise dos parcos recursos económicos do concelho (5). _________________________ (1) Ibidem, n°. 491, fl. 10vº, 7 de Dezembro. (2) Ibidem, nº. 497, fl.92, 1 de Setembro de 1691. (3) Ibidem, nº. 489, fl. 100vº, 22 de Janeiro de 1600. (4) Ibidem, nº. 490, fls. 32-37vº. (5) Ibidem, nº. 497, fl. 100-102vº, 152vº, 5 c 10 de Março de 1691; fl. 152vº, 5 de Setembro de 1694.