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5 TEORIA DOS PLOS, REGIES INTELIGENTES E SISTEMAS REGIONAIS DE INOVAONali de Jesus de Souza*

Resumo: Este artigo estuda a teoria dos plos de crescimento, envolvendo as noes de: indstria motriz, formas de polarizao, economias e deseconomias de aglomerao, separatismo ou renncia de soberania e despolarizao, com exemplos de sua aplicao regional. Liga-se a teoria dos plos com a abordagem schumpeteriana do desenvolvimento, a teoria do crescimento endgeno e os conceitos de meios inovadores, regies inteligentes e sistemas regionais de inovao. A idia a que a prpria teoria dos plos possui uma abordagem endgena, noo realada pelos conceitos de meios inovadores e afins. Estes so os ncleos das regies inteligentes, que pressupe uma periferia. A idia bsica a de que a interao entre os agentes locais, formados por empresrios, pesquisadores de universidades, tcnicos de agncias pblicas e privadas de pesquisa, entre outros, fundamental para alavancar a pesquisa tecnolgica e a sua aplicao produtiva. Os sistemas de inovao centram-se na idia de difuso das inovaes dos centros nacionais para os regionais, assim como na interao entre todos os agentes envolvidos. Tornam-se imprescindveis ao desenvolvimento regional instituies eficientes, economias de aglomerao e criao e difuso de novas tecnologias. Isso implica intensa interao e cooperao entre os atores locais do desenvolvimento econmico regional. Palavras-chave: Plos de crescimento. Meios inovadores. Regies inteligentes. Sistemas regionais de inovao. Abstract: This paper studies the growth poles theory, dealing with the notions of the growth-inducing industries, forms of economic polarization, economies and diseconomies of agglomeration, separation or regional integration and economic depolarization, as well as examples of regional application of the growth

* Professor do Mestrado em Economia do Desenvolvimento da PUCRS. Doutor em Economia pela USP E-mail: [email protected] . Anlise Porto Alegre v. 16 n. 1 p. 87-112 jan./jul. 2005

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poles theory. This theory is related to the Schumpeterian approach of economic development, to the endogenous growth theory and to the concepts of the innovative ambiences, learning regions and regional innovation systems. The idea is that growth poles theory has a endogenous approach, with is emphasized by notions of innovative ambiences, and related issues. Those are the core of the learning regions, which has a periphery. The basic idea is that the interaction between the local agents is fundamental to promote the technological research and its productive application. The local agents are the entrepreneurs, university researchers, technicians of the public and private agencies, among others. The systems of innovation focus the idea that innovations spreads from the national to the regional centers, as well as on the interaction among all the agents involved. Essential to the regional development are the efficiency of local institutions, economies of agglomeration and new technologies. This implies an intensive interaction between all the local actors of the regional economic development. Key words: Growth poles. Networks and innovative ambiences. Learning regions. Regional innovation systems. Jel Classification: R11 Regional economic activity: growth, development, and changes.

1 Introduo A teoria dos plos de crescimento foi desenvolvida por Franois Perroux, em 1955, ao observar a concentrao industrial na Frana, em torno de Paris, e na Alemanha, ao longo do Vale da Ruhr (Perroux, 1977). Os plos industriais de crescimento surgem em torno de uma aglomerao urbana importante (Paris), ao longo das grandes fontes de matriasprimas (Vale da Ruhr), assim como nos locais de passagem de fluxos comerciais significativos e em torno de uma grande rea agrcola dependente (So Paulo). O plo de crescimento tem uma forte identificao geogrfica, porque ele produto das economias de aglomerao geradas pelos complexos industriais, que so liderados pelas indstrias motrizes. Um complexo industrial um conjunto de atividades ligadas por relaes de insumo-produto. Ele forma um plo de crescimento quando for liderado por uma ou mais indstrias motrizes; e ele se tornar um plo de desenvolvimento quando provocar transformaes estruturais e expandir o produto e o emprego no meio em que est inserido (Souza, 1993, p. 33).Anlise, Porto Alegre, v. 16, n. 1, p. 87-112, jan./jul. 2005

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2 Noo de indstria motriz A indstria motriz, lder do complexo de atividades, formando o plo industrial, apresenta as seguintes caractersticas: (a) cresce a uma taxa superior mdia da indstria nacional; (b) possui inmeras ligaes locais de insumo-produto, atravs das compras e vendas de insumos; (c) apresenta-se como uma atividade inovadora, geralmente de grande dimenso e de estrutura oligopolista; (d) possui grande poder de mercado, influenciando os preos dos produtos e dos insumos e, portanto, a taxa de crescimento das atividades satlites a ela ligadas; (e) produz geralmente para o mercado nacional e, mesmo, para o mercado externo. O conceito de indstria motriz mostra-se, portanto, mais amplo do que o de indstria-chave1. Toda indstria motriz uma indstria-chave, mas nem sempre toda indstria-chave uma indstria motriz. Esta ltima, alm de possuir efeitos de encadeamento superiores unidade, do ponto de vista da matriz de insumo-produto, caracteriza-se pela efetiva dimenso de seus efeitos de encadeamento, exercendo, portanto, impulsos motores significativos sobre o crescimento local e regional. No ocorrendo induo significativa do crescimento no interior do complexo, a atividade-chave no ser motora. A noo de crescimento polarizado dominou o planejamento regional em vrios pases; para no enfraquecer os efeitos de encadeamento, com a pulverizao dos investimentos em todo o territrio nacional, a estratgia consistia em concentr-los em pontos especficos estrategicamente distribudos no espao. Na Frana surgiu o programa das oito metrpoles nacionais de equilbrio (em relao capital) e cinco cidades novas foram implantadas em torno da regio parisiense; da mesma forma, 14 cidades novas foram criadas na Inglaterra para contrabalanar a influncia excessiva de Londres. No Brasil, os investimentos do Plano de Metas foram concentrados em torno das cidades de So Paulo e Rio de Janeiro, para o aproveitamento das economias externas existentes nessas reas urbanas (Campos, 1952).1 Conforme a seo 8.3.3 de Souza (2005), indstria-chave aquela com efeitos de encadeamento pela compra e venda de insumos acima da mdia da economia.

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Essas cidades-plos da Frana e Inglaterra foram concebidas como lugar central do desenvolvimento, tendo a indstria e os eixos de transporte como base. Elas foram ligadas entre si e com a metrpole nacional por vias rpidas de transporte (ferrovias, auto-estradas); a idia era a de que a integrao espacial resultaria da prpria integrao interna desses plos. A noo de plo, no entanto, ultrapassa a anlise weberiana da minimizao dos custos de transportes, englobando a anlise das relaes interindustriais, tendo o modelo de Leontief como fundamento terico. Assim, as empresas ligadas tecnologicamente por relaes de insumo-produto (polarizao tcnica) precisariam ficar localizadas junto umas das outras. Elas economizariam com os custos de transporte de insumos, gerando a polarizao geogrfica. A aglomerao de empresas em uma dada localidade passa a produzir economias externas, que so ganhos gerados externamente firma, independentemente de sua ao. Segue-se tambm, por fim, uma polarizao humana pela concentrao de trabalhadores, tcnicos e capacidade empresarial na mesma localidade (Boudeville, 1972). As indstrias motrizes atraem as empresas satlites, fornecedoras de insumos ou utilizadoras dos produtos das primeiras como insumos, desencadeamento o crescimento local e regional. Assim, os governos tm atrado empresas, como montadoras de automveis que formam complexos industriais aglomerando em um mesmo local mais de 20 empresas prestadoras. Utilizam-se incentivos fiscais, emprstimos subsidiados, treinamento de mo-de-obra e instalao de infraestruturas para motivar a vinda de grandes empresas para determinadas reas. Em certos pases pode surgir uma verdadeira guerra fiscal entre regies, o que prejudica as finanas pblicas pela renncia fiscal. Em certas regies, no entanto, os incentivos concedidos s empresas motrizes nem sempre geram os resultados esperados. Citam-se casos na Frana e Canad (Polse, 1994, p. 95) em que as novas empresas no provocaram o desenvolvimento local, porque suas relaes de insumo-produto se deram mais com a economia nacional e com o exterior. Pior do que isso so os enclaves, ou complexos industriais implantados em cartas regies, em que os efeitos de encadeamentoAnlise, Porto Alegre, v. 16, n. 1, p. 87-112, jan./jul. 2005

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da produo e de multiplicao de renda ocorreram com o exterior e no com as economias nacionais2. 3 Economias e deseconomias de aglomerao O surgimento de deseconomias de aglomerao nos grandes centros urbanos tem levado as empresas a se relocalizarem na periferia das regies metropolitanas e em outras regies, em busca de mo-de-obra mais barata e incentivos fiscais. Essas deseconomias se manifestam pelo encarecimento do fator trabalho, elevao dos preos dos terrenos e dos aluguis, falta de espao para expanso das empresas, poluio e congestionamento urbano. Essas deseconomias externas atingem mais as empresas industriais, particularmente aquelas que necessitam de muito espao para movimentar materiais e as que utilizam mo-de-obra menos qualificada e em maiores quantidades. Pelo contrrio, os servios mais especializados e atividades tecnologicamente avanadas continuam preferindo localizar-se nos centros nacionais principais3. A idia de um plo, motor do crescimento, e de uma periferia agrcola e subdesenvolvida, a ser polarizada, corresponde a uma simplificao errnea da teoria do crescimento polarizado de Franois Perroux. Na verdade, ele sups a existncia de alguns plos principais, com porte semelhante, e de vrios plos secundrios, de menor dimenso, hierarquizados, servindo de ponte e de filtragem aos efeitos de encadeamento emanados dos plos superiores. As noes de plo e de regio polarizada esto intimamente associadas com as idias de urbanizao e de industrializao. A regio polarizada contm vrios centros urbanos e industriais2 Complexos de minerao no interior de regies, ou mesmo, junto a portos de exportao, podem constituir exemplos de enclaves industriais implantados em regies subdesenvolvidas. Em muitos casos, o enclave inevitvel pela ausncia de mercados locais. A soluo diversificar paulatinamente a estrutura produtiva local, implantando-se atividades integradas ao plo principal. 3 Para explicar a atrao de novas indstrias, em regies especficas Krugman (1995, p. 319) sugere a existncia de economias externas generalizadas, e no economias externas especficas interessando a uma indstria particular. As primeiras derivam das infra-estruturas em geral, da disponibilidade de pessoal especializado, universidades, centros de pesquisa e de apoio empresarial, entre outros.

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secundrios relacionando-se com o plo central dinmico. Esto presentes, portanto, as noes de funcionalidade, hierarquia e heterogeneidade nas relaes do plo no interior da regio polarizada. Existe uma hierarquia no poder de encadeamento dos setores de atividades, como existe uma hierarquia na irradiao das cidades. Essas duas hierarquias, uma tcnica, outra geogrfica, so independentes e formam duas dimenses distintas (Boudeville, 1972, p. 32). A viso da polarizao, com um plo urbano e industrial constituindo o centro e uma rea polarizada agrcola formando a periferia, no est, portanto, de acordo com as idias de Perroux e de Boudeville, seu principal discpulo. Pelo menos, a polarizao no constitui uma concepo esttica, mas dinmica. No incio do processo de industrializao e de urbanizao de uma regio o sistema , de fato, mais dual do que em fases mais evoludas, quando a tendncia a de se formar regies menos polarizadas e, portanto, mais homogneas. A concentrao tende a aumentar com o crescimento acelerado, porm chega um ponto em que ocorre um processo natural de desconcentrao ou de despolarizao, pela ao do mercado, ou em decorrncia de polticas pblicas. Seguindo a concepo dinmica da polarizao, Richardson (1980, p. 77) afirma que o modelo centro-periferia apresenta quatro estgios de evoluo. No primeiro, o padro de localizao bastante disperso, pr-industrial, com a populao difusa no interior da regio. No segundo, o crescimento econmico concentra-se ligeiramente no centro principal, em detrimento da periferia que continua predominantemente agrcola. No terceiro, passa a ocorrer certa disperso espacial do crescimento em alguns centros secundrios, no interior da regio polarizada. Finalmente, no quarto estgio, intensificase a integrao espacial de subespaos interdependentes, englobando outras regies no mesmo estgio de desenvolvimento, como nos pases europeus. Ocorre posteriormente a descentralizao do crescimento econmico, com o desenvolvimento dos diferentes centros e a reduo das desigualdades regionais. Em termos de poltica regional de desenvolvimento, a idia de considerar a hierarquia dos plos urbanos e industriais de crescimento, no interior das regies, para evitar a concenAnlise, Porto Alegre, v. 16, n. 1, p. 87-112, jan./jul. 2005

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trao demogrfica e econmica excessiva no plo hegemnico, em detrimento da periferia rural e subdesenvolvida. A hierarquia dos plos segue a idia da hierarquia urbana da teoria do lugar central de Christaller (Souza, 1999, cap. 2). A diferena fundamental dessa teoria, em relao teoria dos plos de crescimento, est na nfase prestao de servios, por parte dos centros urbanos, e no na funo indutora da indstria motriz do plo de crescimento e nas interdependncias que ela gera entre firmas compradoras e vendedoras de insumos na regio polarizada ou no interior do prprio centro principal. 4 Formas do desenvolvimento polarizado A relao entre a noo de plo de crescimento e a teoria da localizao encontra-se nas economias de aglomerao geradas nos centros urbanos e industriais. Elas resultam da interdependncia entre as atividades, as indstrias motrizes e as indstrias satlites, fornecedoras ou compradoras de insumos. Elas derivam, tambm, das economias externas geradas pelas infra-estruturas existentes nos centros urbanos, pela concentrao dos consumidores e de mo-de-obra especializada, bem como pela disponibilidade de servios os mais variados. Essas economias explicam, portanto, a concentrao das empresas, formando complexos industriais localizados. Do ponto de vista geogrfico, os plos de crescimento podem ser locais, regionais, nacionais e internacionais. Os plos internacionais de crescimento podem ter sua rea de influncia bloqueada pelas fronteiras poltico-administrativas, gerando um conflito entre os espaos econmicos das grandes unidades econmicas (firmas, indstrias ou plos) e os espaos politicamente organizados dos Estados nacionais (Perroux, 1977, p. 155). Esse entrave ao desenvolvimento est sendo abolido em algumas reas internacionais, pela integrao comercial entre blocos de pases. Plos de integrao podem ser implantados junto s reas fronteirias. No Rio Grande do Sul constitui exemplo, ainda que modesto, o projeto de instalao de uma laminadora e de uma usina reconversora de energia naAnlise, Porto Alegre, v. 16, n. 1, p. 87-112, jan./jul. 2005

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cidade de Uruguaiana, na fronteira com a Argentina. A construo de outra ponte internacional, interligando So Borja com a cidade argentina de San Tom, formando um canal adicional de integrao espacial do Mercosul, constitui outro elemento de mudana estrutural. A teoria do crescimento polarizado distingue, ainda, os eixos de desenvolvimento, que so constitudos por uma via de transporte e por centros de crescimento, com infra-estruturas para atividades industriais e de prestao de servios. Constitui um exemplo o eixo Porto Alegre-Novo Hamburgo, ao longo da BR-116, com indstrias importantes localizadas em Porto Alegre, Canoas, So Leopoldo e Novo Hamburgo. Outros exemplos podem ser citados ao longo das grandes rodovias que passam por importantes plos urbano-industriais, como So Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Um plo de crescimento pode constituir um plo de desenvolvimento apenas em relao regio onde est implantado. Em conseqncia, ele poder exercer efeitos nocivos ao desenvolvimento de outras regies, atravs da troca desigual e pela drenagem de capitais financeiros, mo-de-obra especializada e atividades produtivas. Essas diversas formas de drenagem de valores e fatores podem esgotar a vitalidade econmica das demais regies e aumentar as disparidades regionais do pas. A regio central, onde se localiza o plo, pode exercer, portanto, efeitos propulsores e efeitos regressivos sobre outras regies (Myrdal, 1968; Hirschman, 1974). Os efeitos propulsores so os efeitos de encadeamento da produo e do emprego sobre atividades induzidas de regies vizinhas. Quando as indstrias motrizes do plo urbano-industrial central realizam inovaes tecnolgicas e expandem a sua produo, elas aumentam suas compras de outras regies e ampliam a oferta de produtos, em alguns casos com preos menores. Os efeitos regressivos correspondem drenagem referida. Adotando novas tcnicas e produzindo novos bens, as indstrias motrizes do plo aumentam a demanda de fatores, elevando seus preos, o que provoca destruio criadora nas regies perifricas. Atravs do sistema bancrio, elas demandam crdito para inovaes e drenam recursos financeiAnlise, Porto Alegre, v. 16, n. 1, p. 87-112, jan./jul. 2005

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ros de outras reas. O plo urbano/industrial ser de desenvolvimento, em relao economia regional, quando os efeitos propulsores excederem os efeitos regressivos. medida que a regio tiver sucesso na neutralizao de parte dos efeitos regressivos e internalizar, de alguma forma, os efeitos propulsores provenientes de outras reas, ela estar passando por um processo acumulativo de desenvolvimento (Myrdal, 1968, p. 62). 5 Separatismo ou renncia de soberania Para Hirschman, igualmente, a concentrao dos investimentos no plo de crescimento poder exercer efeitos favorveis e desfavorveis no resto do pas. Mesmo assim, ele mostrou-se contrrio disperso dos recursos pblicos em todas as regies. Seu argumento o de que a disperso dos recursos, para manter o crescimento equilibrado, enfraquece os efeitos de encadeamento no interior do plo, anulando qualquer propagao espacial do crescimento econmico entre regies. Sua estratgia a de escolher alguns projetos-chave para concentrar o esforo do crescimento. Ele advertiu, no entanto, que a difuso sistemtica de efeitos desfavorveis ao desenvolvimento sobre as regies mais pobres pode reforar os argumentos em favor do separatismo. Regies pobres poderiam ter vantagens de se separar de regies-plo, formando um pas independente. Permanecendo integradas, elas no teriam autonomia para formular polticas econmicas. A ausncia de soberania econmica para temas como emisso de moeda ou a determinao da taxa de cmbio pode prejudicar consideravelmente o desenvolvimento de uma regio (Hirschman, 1974, p. 219 e 223). A idia de separatismo a anttese dos argumentos em favor do abandono da soberania nacional, quando dois pases se fundem ou se integram em blocos econmicos. Neste caso, a suposio a de que os efeitos propulsores provenientes dos pases-membros superam os efeitos regressivos. No Brasil, acredita-se que a regio Sudeste exerceu efeitos regressivos significativos sobre a Regio Nordeste. Eles teriam sido mais importantes nos perodos em que foram adotadas polticas restritivas s importaes, para favorecer o desenvolviAnlise, Porto Alegre, v. 16, n. 1, p. 87-112, jan./jul. 2005

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mento da indstria nacional, que estava concentrada no eixo Rio-So Paulo. As populaes das regies perifricas, sobretudo a nordestina, foram obrigadas a pagar mais caro por produtos de pior qualidade oriundos da regio central, antes fornecidos pelo exterior4. Constata-se, dessa forma, que nem todo plo de crescimento constitui um plo de desenvolvimento. De outra parte, como salientou Aydalot (1985a, p. 132), uma grande empresa, um complexo siderrgico, por exemplo, no constitui um plo, a menos que gere em sua volta um amplo conjunto de outras empresas. Um plo compreende um conjunto de atividades fortemente conectadas, lideradas por uma indstria motriz, que gera efeitos adicionais na economia; a noo de plo no se confunde, portanto, com a idia de ataque frontal (big push) de Rosenstein-Rodan (1969), que diz respeito ao crescimento de inmeras atividades ao mesmo tempo, sem necessariamente formarem complexos industriais e muito menos plos. A difuso dos efeitos de encadeamento a partir do plo de crescimento exige a presena de canais de transmisso, compreendendo atividades ligadas, meios de transporte e de comunicaes desenvolvidos, bem como uma rede urbana fortemente conectada. As novas atividades implantadas em determinada rea, para difundirem o crescimento no espao, precisam mostrar-se adequadas ao seu meio, tanto em termos da estrutura produtiva existente, como da tecnologia e dos recursos naturais e humanos. Uma poltica de desenvolvimento com base em plos de crescimento no deve centrar-se apenas na implantao da indstria motriz em determinada regio, mas precisa incentivar tambm o surgimento de atividades satlites, fornecedoras de insumos para a atividade principal. A possibilidade de absorver os produtos das empresas motrizes outro fator importante de integrao e de ampliao do plo. Como exemplos, podem ser citadas as empresas de segunda e terceira4 Ver Souza (2005, Captulo 1, seo 1.4). Da mesma forma, o crescimento da regio de Atenas, na Grcia, teria exercido fortes efeitos regressivos sobre as reas prximas, em um raio de 200 km, desindustrializando-as aps o incio dos anos de 1950 (Aydalot, 1985a, p. 130).

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gerao de um plo petroqumico; pequenas e mdias empresas transformadoras de plsticos so fundamentais para a gerao de maior volume de valor agregado e de emprego no interior do plo principal. Infra-estruturas de apoio, como energia, estradas e portos, constitui canais que favorecem a difuso dos efeitos de encadeamento entre o plo as empresas da regio. A melhoria da navegao fluvial, reduzindo os custos de transportes, atrai novas empresas. A expanso da renda constitui um novo fator de dinamismo dos servios, ampliando o mercado local e capacitando-o a atrair novas empresas, como bebidas e produtos alimentcios. Constitui tambm instrumentos para o aumento da integrao setorial e espacial uma legislao favorvel ao desenvolvimento, como a que permite a concesso de servios de utilidade pblica pelo setor privado. Os investimentos em infra-estruturas aumentam substancialmente, o que gera novos patamares de crescimento econmico. A privatizao de empresas pblicas libera o governo para a realizao de outras atividades, como o planejamento indicativo do desenvolvimento, o que orienta a realizao de investimentos estratgicos do ponto de vista do desenvolvimento econmico, como aqueles que aumentam a integrao entre os plos, indstrias e regies. 6 Despolarizao do crescimento econmico No processo de crescimento da economia nacional, h uma fase de concentrao setorial e espacial da indstria (polarizao), com o aumento das desigualdades regionais at um ponto de mximo; posteriormente, ocorre a reverso dessa tendncia: as regies perifricas crescem mais rpido, o que reduz as desigualdades regionais (despolarizao). Franois Perroux havia apontado em parte esse fenmeno, ao salientar a concentrao do crescimento em plos e a sua difuso posterior no conjunto da economia (Perroux, 1977, p. 146). Nessa observao ficam implcitas as idias de polarizao e de despolarizao, ou seja, a noo da difuso espacial do crescimento econmico. Deixando-se o mercado agir livremente, alguns pontos do espao tenderiam a constituir plos de crescimento, ocorrenAnlise, Porto Alegre, v. 16, n. 1, p. 87-112, jan./jul. 2005

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do, enquanto isso, efeitos propulsores e efeitos regressivos desses plos principais em direo dos plos secundrios e de suas reas de influncia. Tanto os efeitos propulsores, como os efeitos regressivos ficam bloqueados pelo isolamento das diferentes reas, em relao ao plo principal. A adoo de uma poltica de crescimento menos polarizado, ao favorecer a descentralizao das indstrias para as reas perifricas, poderia acelerar as tendncias naturais do mercado, promovendo a difuso dos efeitos propulsores a partir dos plos. Tal poltica implicaria o aumento da integrao de espaos desconectados, acelerando um processo que, ao contrrio, levaria muito tempo para a sua efetivao. A idia bsica do crescimento por plos, a partir do centro principal, envolvendo centros secundrios, fundamentase na maximizao dos efeitos de induo dos investimentos, em contraposio a uma poltica de disperso dos recursos em todo o espao: o volume dos investimentos em cada rea e setor seria to pequeno que seus efeitos no possuiriam a fora suficiente para desencadear um processo de induo do crescimento entre setores e regies. O grande problema das polticas de crescimento desequilibrado e polarizado so os desvios polticos, que se traduzem na excessiva concentrao dos recursos em certos setores e regies, em benefcio de determinados grupos, em detrimento do conjunto da populao5 . Porm, a teoria da polarizao no postula, necessariamente, a concentrao dos recursos em um ou dois plos principais, mas se traduz, de preferncia, no incentivo ao desenvolvimento de plos secundrios, com base em empresas suscetveis de se tornarem polarizadas, na criao de canais de difuso dos efeitos de encadeamento em toda a rede urbana e nas reas rurais. A indstria motriz e o prprio plo no se desenvolvem se no houver atividades polarizadas nos centros inferiores da hierarquia urbana e nas reas perifricas, a menos que tais atividades motrizes possam produzir exclusivamente para a exportao. Seus efeitos sobre o desenvolvimento de atividades de mercado interno5

Ver a noo de rent-seeking em Souza (2005, Captulo 10).

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sero fracos ou nulos na ausncia de atividades induzidas e de canais de integrao apropriados. A obteno de crescimento menos polarizado passa pelo desenvolvimento das redes urbanas, articuladas aos centros principais por canais de transporte e de comunicao. Isso favorece os contatos entre as empresas polarizadas, situadas nos centros menores, com as empresas motrizes dos centros de maior porte. As atividades motrizes existentes nos centros mdios exercem, igualmente, seus efeitos sobre as firmas polarizadas localizadas em seu prprio meio, bem como sobre aquelas atividades situadas em centros urbanos menores em todos os pontos da periferia. Os estmulos agricultura e criao de atividades agroindustriais promovem o desenvolvimento das reas agrcolas e de pequenas cidades na sua proximidade (ver Souza, 2005, Captulo 9), o que induz ao crescimento inclusive das atividades motrizes localizadas nos plos industriais mais importantes. Com o objetivo de se obter resultados imediatos, a ateno tem-se voltado para a expanso das exportaes e da agricultura como um todo, pelos efeitos significativos que esses setores exercem sobre o emprego e a renda. Os benefcios sociais do desenvolvimento agrcola se elevam ainda mais se houver investimentos no desenvolvimento dos servios rurais, como eletrificao, oferta de gua, silos, armazns, transporte, sade, educao, assistncia tcnica e extenso rural, alm de crdito e preos mnimos, o que repercute no desenvolvimento de pequenas cidades do interior. Investimentos em comunidades agrcolas podem ser mais eficientes no desenvolvimento regional, do que a sustentao de um crescimento baseado somente em um pequeno nmero de centros urbanos (Richardson and Townroe, 1986, p. 672). H experincias pouco satisfatrias resultantes da transferncia integral de polticas de crescimento por plos de pases desenvolvidos para pases subdesenvolvidos. Complexos industriais pesados tm constitudo enclaves em regies subdesenvolvidas ao gerar fracos encadeamentos sobre a produo e o emprego. Uma estratgia alternativa pode ser a localizao de complexos agroindustriais em regies rurais. Tais plos interligam as pequenas localidades ao camAnlise, Porto Alegre, v. 16, n. 1, p. 87-112, jan./jul. 2005

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po e a cidades maiores, onde se localizam as demais indstrias. A expanso da produtividade e da renda dinamizaria as indstrias dos centros urbanos principais, induzindo a implantao posterior, via mercado, de indstrias pesadas e atividades de tecnologia mais sofisticada. Em resumo, a indstria motriz no constitui o nico elemento do desenvolvimento regional. Cada regio precisa basear o seu crescimento econmico tanto na agricultura, como em atividades industriais mais tradicionais, produtoras de bens de consumo final, como as vinculadas ao vesturio, alimentao e bebidas. As indstrias induzidas so to indispensveis ao plo como as indstrias motrizes. Alm disso, nenhuma indstria sobrevive sem infra-estruturas, mo-deobra com bons nveis de instruo e servios bsicos para o atendimento da populao, como saneamento bsico, habitao, segurana e sade. 7 Teoria dos plos e a abordagem schumpeteriana A teoria dos plos tem pontos de contato com a abordagem schumpeteriana do desenvolvimento. Em primeiro lugar, ela se baseia no dinamismo da indstria motriz, atividade inovadora e de grande dimenso, que exerce importantes efeitos de encadeamento no interior do plo. Em Schumpeter, a atividade inovadora rompe o fluxo circular estacionrio e promove o crescimento de seu meio e leva outras empresas a inovarem em um processo de imitao. As empresas que no adaptam desaparecem (destruio criadora), liberando fatores produtivos a serem empregados pelas empresas inovadoras. Em Perroux, fica implcita a ao do empresrio inovador, que conduz a atividade motriz rumo ao sucesso, desencadeando em seu meio a motricidade que impulsiona a economia ao crescimento econmico. Novas firmas so criadas para abastecer a unidade motriz, ou para aproveitar como insumos os produtos que ela lanou no mercado. Novos investimentos so realizados atravs das polarizaes tecnolgica, geogrfica e pelas rendas. Essas aes, nos pases em desenvolvimento, geralmente so induzidas pelo Estado, com o objetivo de evitar a concentrao no plo principal e provocar aAnlise, Porto Alegre, v. 16, n. 1, p. 87-112, jan./jul. 2005

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despolarizao. Porm, como salientou Aydalot, essa tentativa pode resultar em fracasso, tendo em vista que as novas empresas implantadas podem no encontrar no local os trabalhadores qualificados, fontes de abastecimento fcil, contatos tcnicos e matrias-primas baratas (Aydalot, 1985b, p. 177). Assim, a criao de novos plos na periferia gera a necessidade de, simultaneamente, melhorar a rede de transportes e comunicaes, desenvolver a educao tcnica e profissional, criando uma fora de trabalho mais bem qualificada. Muitas vezes essas aes no bastam para atrair indstrias motrizes, levando os formuladores de poltica regional concluso de que os recursos seriam mais eficientemente alocados se fossem destinados melhoria da competitividade das empresas locais existentes, atravs da pesquisa tecnolgica visando novos produtos e processos, ou ao treinamento de executivos e trabalhadores. Nesse contexto, surgiram os programas de apoio s pequenas e mdias empresas e a criao de incubadoras empresariais, tendo na formao de novos empresrios a preocupao essencial. 8 Meios inovadores, regies inteligentes e sistemas regionais de inovao Percebe-se que nem todas as regies conseguem atrair indstrias motrizes, inovadoras e de grande dimenso. preciso a existncia de uma rede interindustrial relativamente integrada para que a unidade motriz encontre na rea os insumos de que necessita, caso contrrio os custos de transporte sobre produtos e insumos lhe retirariam competitividade. Por outro lado, os incentivos fiscais nem sempre so suficientes para atrair as empresas e criar novos empregos. Em tempos de globalizao, preciso que as comunidades locais e regionais se organizem em torno do objetivo do desenvolvimento econmico. Destaca-se, assim, o papel dos atores locais no desenvolvimento: universidades, centros de pesquisa, prefeituras, agncias de fomento pesquisa, associaes comerciais e industriais, entre outros. Esses atores tm como papel estimular as inovaes, reduzir os custos de produo das empresas locais e estimular a ao das empreAnlise, Porto Alegre, v. 16, n. 1, p. 87-112, jan./jul. 2005

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sas nos mercados. O sucesso dessa ao no ser alcanado se o sistema institucional no estimula a interao entre os atores e o aprendizado coletivo atravs da cooperao e dos acordos entre empresas e organizaes (Barquero, 2002, p. 31). A teoria do crescimento endgeno, similarmente teoria dos plos, afirma que a regio tem dentro de si as fontes de seu prprio crescimento. o meio que cria as condies para a atrao de capitais de outras reas e isso se torna ainda mais importante em tempos de globalizao, como afirmou Barquero (2002). A ao cooperativa desses agentes contribui com a formao do capital ao gerar economias externas e de escala, reduzindo os custos de transao e criando condies para a atrao de empresas de maior porte. Pequenas empresas podem surgir no interior de incubadoras empresariais e por iniciativas locais, quando empresrios potenciais forem incentivados por sistemas baratos de crdito e pela constante interao com outros empresrios experiente e tcnicos envolvidos em programas de estmulo ao empreendedorismo. Nesse sistema, as pequenas e mdias empresas aprendem desce cedo a inserirem-se nos mercados regionais, nacionais e, mesmo internacionais, tendo em vista que, se no forem eficientes, perdem mesmo o mercado local nestes tempos de globalizao mais acirrada6.Em resumo, a poltica econmica local est associada a uma abordagem de baixo para cima da poltica de desenvolvimento, na qual so os atores locais que desempenham o papel central em sua definio, execuo e controle. Em suas formas mais avanadas, os atores locais organizam-se formando redes, que servem de instrumento para conhecer e entender a dinmica do sistema produtivo e das instituies, bem como para conjugar iniciativas e executar as aes que compem a estratgia de desenvolvimento local (Barquero, 2002, p. 29).

As interdependncias intersetoriais, formando complexos industriais regionalmente localizados concentram-se em tor6 Percebem-se, aqui, pontos de contato tanto com a abordagem schumpeteriana (o surgimento de inovaes e de novos empresrios sendo provocado pele ao dos atores locais), como com a teoria da base exportadora (ver Souza, 2005, p. 273-278).

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no da indstria motriz inovadora. Essa noo, que veio de Marshall (1982), passando por Perroux e Schumpeter, desembocou nas modernas teorias de crescimento endgeno, meios inovadores e regies inteligentes. A idia central a de que a inovao no mais produto exclusivo do empresrio individual, mas de um conjunto de atores ligados ao setor produtivo e ao meio local, envolvendo os diferentes agentes ligados s diferentes instituies. A inovao encontra-se ancorada territorialmente. O sistema de produo flexvel e o empreendedorismo vincula-se a uma matriz endgena; as economias externas e de aglomerao aparecem como elementos vitais do desenvolvimento local, assim como as inovaes e os meios de acesso s informaes e ao conhecimento. As empresas desenvolvem amplas redes de subcontratao e interagem com o meio; as inovaes surgem de modo endgeno e predominantemente de forma incremental, no necessariamente na forma revolucionria schumpeteriana, o que permite a sobrevivncia e o dinamismo das pequenas e mdias empresas, habilitando-as a competirem no mercado globalizado. As modificaes dos padres produtivos em todo o mundo e a globalizao da economia mundial passaram a exigir novas formas de difuso tecnolgica e de interveno do Estado, assim como novas formas de organizar as instituies econmicas, tais como: estratgias de redes, associaes estratgicas entre empresas e instituies de pesquisa e associaes entre governos e empresas, para no deixar a difuso de novas tecnologias a merc do mercado (Moreira e Souza, 2003, p. 297-298). Os meios inovadores geram inovaes a partir de um conjunto de elementos que interagem no local7: empresas interligadas, comprando e vendendo insumos e retransmitindo o conhecimento, agncias de fomento, financiamento e pesquisa, universidades, rgos governamentais, etc. O sucesso nas trajetrias de desenvolvimento de certas regies ser7 A anlise das relaes entre a inovao e o territrio tomou corpo a partir das pesquisas do Groupe de Recherche sur les Milieux Innovateurs (GREMI), reunindo a partir de 1985 economistas regionais principalmente da Frana, Blgica e Itlia. Ver, por exemplo, Aydalot (1986), Maillat (1995), Camagni (1995).

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devido s suas capacidades intrnsecas de fabricar novos produtos, adotar novos processos produtivos, bem como configuraes organizacionais e institucionais inovadoras (Santos, 2002, p. 293).Por meio inovador, compreende-se o conjunto de relaes que unem um sistema local de produo, um conjunto de atores, de representaes e uma cultura industrial, gerando um processo dinmico localizado de aprendizagem coletiva. O conceito se inscreve na contexto das reflexes sobre o processo de desenvolvimento enggeno, ou a partir de baixo, ou os locais de produo (Camagni, 1995, p. 193).

Esses meios inovadores so abertos economia nacional e internacional, gerando processos coletivos de aprendizagem. O meio inovador envolve os seguintes elementos: (a) uma componente espacial, com suas externalidades, proximidades e custos de transporte; (b) um conjunto de atores conscientes da realidade econmico-social do local, da regio e do resto do mundo; (c) elementos materiais, envolvendo empresas, infra-estruturas, normas, valores, fluxo de informaes, instituies e a sociedade civil; (d) uma lgica de interao, regulando o comportamento dos atores e promovendo dinmicas locais; (e) uma lgica de aprendizagem, produzindo conhecimentos e redefinindo comportamentos (Santos, 2002, p. 294). O meio est no centro do sistema produtivo local, implicando o surgimento e a manuteno de uma lgica de interao dinmica, facilitando a aprendizagem socialmente ampliada dos atores locais. Nesse sentido, a inovao tornase um processo coletivo, o qual provocado, complexo e interativo. O sucesso dessa dinmica explica porque algumas reas inovam outras no. As regies que conseguem inovar, de criar projetos inovadores, desenvolvendo novos processos produtivos e novos produtos, que provocam a cooperao entre as firmas e demais agentes locais, promovendo a investigao, a criao e a difuso do conhecimento, crescero mais do que as outras A interao entre os agentes locais, com o apoio das autoridades locais e regionais, reduz a incerteza e os riscos associados inovao. Desse modo, os meios s tm sucesso, se:Anlise, Porto Alegre, v. 16, n. 1, p. 87-112, jan./jul. 2005

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seus diferentes elementos mantiverem entre eles uma coerncia interna. Esta coerncia depende do grau de solidariedade (cooperao) que os atores manifestam na realizao de novos projetos e de novos objetivos. Tambm importante que eles tenham uma viso comum do futuro, em particular, que suas antecipaes os levem a agir de comum acordo (Maillat, 1995, p. 228).

O conceito de regio inteligente uma noo ampliada de meio inovador e est atrelado tambm s discusses acerca das relaes entre inovaes e territrio e nas dinmicas interativas de aprendizagem coletiva. Essa noo refere-se aos territrios capazes de funcionarem como coletores e repositrios de conhecimentos e idias, e de proporcionarem o ambiente e as infra-estruturas facilitadoras dos fluxos de conhecimento, idias e prticas de aprendizagem (Florida, 1995, apud Santos, 2002, p. 300). Com essa abordagem, atribui-se uma centralidade ainda maior ao papel da aprendizagem coletiva permanente sobre o desenvolvimento regional. Assim, so as configuraes territoriais e as aes coletivas dos agentes que favorecem a produo e a difuso do conhecimento no meio empresarial local.As regies inteligentes constituem territrios especialmente vocacionados e direcionados para reproduzir um conjunto de condies favorveis recriao de uma cultura de relao e de uma dinmica coletiva de aprendizagem, tendo por referencial estratgico a produo de conhecimento e inovao, no se diferenciando, por esses aspectos especficos, do conceito j mais trabalhado de meio inovador (Santos, 2002, p. 301).

Embora possa parecer uma questo de semntica, o meio constitui o core ou plo da regio inteligente, esta envolvendo uma noo mais ampla, ou seja, um centro e uma periferia. Desse ponto de vista, as regies inteligentes aparecem em uma hierarquia superior na organizao do territrio, dispondo tambm de um setor agropecurio, de empresas interligadas s empresas motrizes e s demais empresas dinmicas do meio inovador, podendo competir com as empresas globalizadas de outras regies ou pases. So as peculiaridades locais, os espaos territoriais e a dinmica do meio inovador e de sua rea subordinada que conferem s empresasAnlise, Porto Alegre, v. 16, n. 1, p. 87-112, jan./jul. 2005

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da regio inteligente o poder de enfrentar a concorrncia de grandes empresas multinacionais. Percebe-se que a inovao no se limita ao ato empresarial isolado, mas assume contornos espaciais importantes, resultante dos atos coletivos interativos entre os atores locais. A noo de sistema regional de inovao coloca menos nfase nas questes geogrficas e locacionais clssicas, mas centra-se na utilizao de fluxos estratgicos de informao e criao de conhecimento. H um sistema nacional de inovao que se difunde para o sistema regional de inovao, por meio de canais eficientes de difuso do conhecimento tecnolgico. A palavra chave do conceito de sistema regional de inovao interao, que se verifica entre empresas e instituies de pesquisa e de apoio, bem como na organizao social para promover a inovao e o desenvolvimento econmico. Nessa tica, os sistemas regionais de inovao seriam constitudos por dois subsistemas: um de gerao e difuso do conhecimento (instituies de P&D, escolas tcnicas, universidades, centros tecnolgicos); outro de aplicao e explorao do conhecimento (empresas industrias, comerciais e de prestao de servios, sobretudo de pequena e mdia dimenso) (Autio, 1998, apud Santos, 2002, p. 305-306)8.

8 Os Coredes foram criados no RS para ser um espao plural e aberto de construo de parcerias sociais e econmicas, em nvel regional, atravs da articulao poltica dos interesses locais e setoriais em torno de estratgias prprias e especficas de desenvolvimento para as regies do RS. Com eles, esperava-se articular os atores sociais, polticos e econmicos das regies, inclusive colaborando para organizar os segmentos desorganizados, transformando-os em sujeitos coletivos capazes de formular suas prprias estratgias de desenvolvimento e, assim, serem construtores de seu prprio modelo de desenvolvimento regional. Seus objetivos so: (a) Formular e executar estratgias regionais, consolidando-as em planos estratgicos de desenvolvimento regional; (b) avanar a participao social e cidad...; (c) constituir-se em instncia de regionalizao das estratgias e das aes do Executivo, Legislativo e Judicirio do RS, conforme estabelece a Constituio do Estado; (d) avanar na construo de espaos pblicos de controle social dos mercados e dos mais diversos aparelhos do Estado; (e) conquistar e estimular a crescente participao social e cidad na definio dos rumos do processo de desenvolvimento gacho; (f) intensificar o processo de construo de uma organizao social pr-desenvolvimento regional; (g) difundir a filosofia e a prtica cooperativa de se pensar e fazer o desenvolvimento regional em parceria. (http://www.gvg.rs.gov.br/gvg/jsp/coredes/coredes_01.jsp).

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Essas noes tm sido aplicadas no Rio Grande do Sul, Estado subdividido em 24 Conselhos Regionais de Desenvolvimento (Coredes), que tm constitudo o frum privilegiado dos debates acerca do desenvolvimento regional. Cada Corede constitui uma regio formada por determinado nmero de municpios e a maioria deles tem estabelecido aes concretas de desenvolvimento local e regional, sob a liderana do governo estadual. Dois programas podem ser destacados: (a) o Programa dos Plos de Modernizao Tecnolgica da Secretaria de Cincia e Tecnologia; e (b) o Programa das Redes de Cooperao da Secretaria do Desenvolvimento e dos Assuntos Internacionais. O Plo de Modernizao Tecnolgica do Corede do Vale do Rio Pardo executado pela Universidade de Santa Cruz do Sul. Em maio de 2005 eram 19 projetos, destacando-se fruticultura, resduos plsticos, embalagens de alimentos, resduos slidos urbanos, agroindstria de embutidos, leos vegetais, anlise de solos e de guas (http://www.sct.rs.gov.br/ polos/projeto /projeto_regiao_dtml?id_reg=r21). Observa-se, nesse plo, a interao entre pesquisadores da Universidade, tcnicos das Prefeituras da regio e da Secretaria da Cincia e Tecnologia do Governo do Estado do RS, empresrios locais e rgos de fomento. Constata-se que noo pioneira de plo de crescimento de Perroux foi ampliada, passando a ser aplicada a toda idia de ao pontual, tendo-se as inovaes tecnolgicas e a interao entre os diferentes agentes locais como elementos principais. A Secretaria do Desenvolvimento e dos Assuntos Internacionais do Governo do RS mantm o Programa Redes de Cooperao, criado pelo Decreto Lei 42.950 de 17/3/2004, para desenvolver o associativismo entre pequenas empresas. A idia incentivar a cooperao entre pequenos empresrios, fornecer assessoria especializada e difundir o conhecimento tecnolgico, melhorando a competitividade para facilitar o crescimento das empresas. A associao de empresas em redes de cooperao permite a realizao de aes conjuntas, facilitando a soluo de problemas comuns e viabilizando novas oportunidades que isoladamente no seriam possveis. As empresas integradas conseguem reduzir e dividir custos e riscos, conquistar novos mercados, qualificarAnlise, Porto Alegre, v. 16, n. 1, p. 87-112, jan./jul. 2005

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produtos e servios e acessar novas tecnologias. Desde o incio do programa, foram constitudas 45 redes de cooperao com mais de mil empresas integradas, gerando e/ou mantendo mais de 10 mil empregos diretos e alcanando em conjunto um faturamento anual de 411 milhes de reais (www.sedai.rs.gov.br/programas21.html). A Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul mantm 21 redes de cooperao, envolvendo cerca de 300 empresas dos Coredes Metropolitano e Litoral Norte. Esse programa trabalha em quatro grandes reas de cooperao: marketing, gesto/inovao tecnolgica, negociao e expanso das redes. 9 Consideraes finais A teoria dos plos de crescimento, derivada da noo marshalliana de complexos industriais (Marshall, 1982), apresenta semelhanas com a teoria schumpeteriana de desenvolvimento econmico (Schumpeter, 1982): presena da indstria motriz inovadora, de grande dimenso, assimetria do plo em relao s unidades interligadas, presena implcita de um comandante, que faz a unidade motora crescer acima da mdia da economia, e crescimento descontnuo e desequilibrado. A polarizao setorial e territorial aparece como uma tendncia natural no crescimento econmico das regies e pases, gerando concentrao da renda e da riqueza. Paralelamente a isso, as polticas pblicas tm seguido essa tendncia concentradora, com o propsito de maximizar os efeitos de encadeamento do crescimento das atividades motrizes e a taxa do crescimento econmico da economia como um todo. Na prtica, os investimentos pblicos tendem a se concentrarem em infra-estruturas e em atividades diretamente produtivas em determinadas regies, criando ou reforando os plos existentes. O crescimento tm sido desigual no espao, provocando fortes migraes inter-regionais, com o empobrecimento das regies perifricas. No Brasil, mesmo na distribuio do Imposto de Circulao de Mercadorias e Servios entre os municpios percebe-se essa concentrao, pois os mais ricos so os que recebem as maiores proporAnlise, Porto Alegre, v. 16, n. 1, p. 87-112, jan./jul. 2005

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es. Estes municpios tm maior representatividade nas Assemblias Legislativas e, portanto, maior fora poltica. Alm disso, h uma predisposio dos governos em legislar em favor da indstria, com nfase para as grandes unidades, que acabam se concentrando nas grandes cidades. Para as regies perifricas, polticas que estimulassem a agricultura e a agroindstria, bem como a pequena e mdia empresa, certamente seriam mais favorveis para o desenvolvimento. Municpios industriais, de menor porte, de sua parte, tambm seriam beneficiados por polticas que visassem a desconcentrao industrial. Muitos deles tm agido por conta prpria, sem esperar que os Governos Estadual e Federal estabeleam iniciativas que lhes favoream. Com a difuso da indstria para reas mais distantes e a adoo de programas governamentais de pesquisa e desenvolvimento, passam-se dos conceitos de complexo industrial e de plo de crescimento, noes mais concretas e mais bem definidas, aos conceitos de meios inovadores, regies inteligentes e sistemas locais de inovao, que so conceitos menos amadurecidos e menos respaldados teoricamente. Estas ltimas noes diferenciam-se mais semanticamente do que de fato, dependendo da origem de seus formuladores. A idia comum entre elas a de que a inovao torna-se endgena ao sistema produtivo, que possui um contexto regional. Polticas pblicas e a cooperao local entre empresas, pesquisadores e outros agentes tornam-se fundamentais para o desenvolvimento local pela induo inovao. Meios inovadores, regies inteligentes e sistemas regionais de inovao so conceitos que dependem, portanto, do aparato institucional local, das economias de aglomerao e das interligaes tecnolgicas, que geram os complexos de atividades; eles necessitam das proximidades espaciais e tecnolgicas; o seu sucesso baseia-se na cooperao entre os agentes, na aquisio de novos conhecimentos, nas possibilidades de obteno de crdito abundante e barato, bem como no acesso aos mercados, o que significa novos conhecimentos e capacidade de aumento constante de competitividade e acesso a novas tecnologias.Anlise, Porto Alegre, v. 16, n. 1, p. 87-112, jan./jul. 2005

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Percebe-se que o desenvolvimento das pequenas regies passa por sua organizao interna, pela mobilizao das foras locais, formada pelos empresrios existentes e potenciais, pelas universidades, prefeituras, secretarias de estado e demais rgos pblicos vinculados com a questo regional. Somente a presena das grandes empresas motrizes e dos investimentos do governo federal no basta para promover o desenvolvimento regional. preciso, antes, que as aes desenvolvimentistas partam de baixo para cima, com a criao de pequenas e mdias unidades inovadoras, vinculadas com a realidade de cada espao sub-regional. Posteriormente, com o passar do tempo, de se esperar que a presena de uma rede local de atividades industriais fortemente conectadas entre si, seja capaz de atrair unidades empresariais maiores, produzindo para os mercados nacional e internacional. 10 RefernciasAUTIO, Erkko. Evaluation of RTD in regional systems of innovation. European Planning Studies, v. 6, n. 2, p. 131-140. AYDALOT, Philippe. conomie rgionale et urbaine. Paris: Econmica, 1985a. _____. (Ed.). Millieu innovateur en Europe. Paris: GREMI, 1986. _____. La poltica regional y la estrategia especial de las grandes organizaciones. In: KUKLINSKI, Antoni. Desarrollo polarizado y politicas regionales. En homenje a Jacques Boudeville. Mxico: Fondo de Cultura Econmica, 1985b. p. 176-187. BARQUERO, Antnio Vzquez. Desenvolvimento endgeno em tempos de globalizao. Porto Alegre: Editora da UFRGS e FEE Fundao de Economia e Estatstica (Governo do RS), 2002. BOUDEVILLE, Jacques R. Amnagement du territoire et polarisation. Paris: M.Th. Gnin, 1972. CAMAGNI, R. Espace et temps dans le concept de milieu innovateur. In: RALLET, A.; TORRE, A. (Ed.). conomie industrielle et conomie spatiale. Paris: Econmica, 1995. p. 193-210. CAMPOS, Roberto de O. Planejamento do desenvolvimento econmico de pases subdesenvolvidos. Digesto Econmico. So Paulo, n. 89, abr. 1952; n. 90, maio 1952. FLORIDA, Richard. Toward the learning region. Future, v. 27, n. 5, 1995. p. 527-536.Anlise, Porto Alegre, v. 16, n. 1, p. 87-112, jan./jul. 2005

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