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POLTICAS PBLICAS DE CULTURA PARA OS MEGAEVENTOS NO RIO

DE JANEIRO

Clarissa Alexandra Guajardo Semensato1

RESUMO: A cidade do Rio de Janeiro passa atualmente por um momento peculiar, em que

se prepara para abrigar eventos de grande relevncia mundial, como a Copa do Mundo e as

Olimpadas. Nesse contexto, avaliam-se algumas das Polticas Culturais uma vez que a

cultura tomada como ponto-chave nas transformaes urbanas da cidade, seja para

promover o turismo, seja para promover a marca Rio, na finalidade de lanar a imagem da

cidade no mercado competitivo global. Transparece nas aes polticas uma tendncia

denominada Culturalizao da cidade. Neste artigo, busca-se confrontar as polticas culturais

planejadas pelo poder pblico com esta finalidade e os impactos que outros tipos de pblicas

exercem na cultura local j existente.

PALAVRAS-CHAVE: Megaeventos, Polticas Culturais, Rio de Janeiro.

O presente trabalho aborda as polticas culturais no momento peculiar em que se

encontra o municpio do Rio de Janeiro. A cidade se prepara para sediar megaeventos de

relevncia mundial, como: a Conferncia Rio + 20 em 2012, a Copa das Confederaes em

2013, a Copa do Mundo de Futebol em 2014, e as Olimpadas em 2016. Nessa preparao, a

cidade vem sendo alvo de grandes investimentos e permeada por intervenes arquitetnicas

e urbansticas, que alteram a lgica poltica, social, cultural e econmica vigentes. Nesse

processo, a cultura tomada como um ponto estratgico nas aes governamentais para levar

a cabo as transformaes da cidade, servindo tanto como atrativo turstico, quanto para

promover a marca Rio, na finalidade de lanar a imagem da cidade no mercado competitivo

global.

As polticas pblicas de variados setores se voltam para o mesmo objetivo: preparar a

cidade para os megaeventos. Os argumentos do poder pblico e da grande mdia giram em

torno do desenvolvimento econmico que as obras e o turismo podero desencadear, isto ,

defendem o legado. O legado frequentemente encarado como os benefcios ocasionados

pelas obras infraestruturais e pelos investimentos trazidos, que em teoria podero ser

1 Mestre em Polticas Sociais e bolsista da Fundao Casa de Rui Barbosa. clarissaalexandra@gmail.com.

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desfrutados pela populao para alm da ocasio. Entretanto, essas transformaes tm

acarretado reflexes e crticas de pesquisadores e outros atores da sociedade civil2.

Assume-se neste trabalho, que a postura do governo municipal em utilizar os

megaeventos como estratgia para a revitalizao do espao e para o desenvolvimento

econmico, trata-se da adoo de um modelo de planejamento urbano conhecido como

planejamento estratgico. Esse tipo de estratgia com frequncia tem sido adotado pelos

governos locais uma vez que as cidades no mundo global esto submetidas s mesmas

condies e desafios que as empresas, isto , elas tambm esto inseridas num ambiente de

competitividade. Elas necessitam competir pelo investimento de capital e de tecnologia; na

atrao de novas indstrias e negcios; na atrao de fora de trabalho qualificada; e ser

competitiva no preo e na qualidade dos servios (Vainer, 2000).

Abrigar megaeventos com essa perspectiva enquadra-se em uma mescla de tendncias

apontadas por Lilian Fessler Vaz (2004): um misto de planejamento empresarial, projeto

urbano, estratgia cultural e marketing. Esse tipo de interveno nasce nos anos 1980/90, e se

insere num planejamento estratgico e se utiliza de projetos arquitetnicos de griffe, que

contribuem para formao de uma nova imagem urbana, como aconteceu no caso de

Barcelona, nas olimpadas de 1992. A autora diz que essas transformaes urbanas buscam

reverter os efeitos das mudanas econmicas ps-fordistas e adequar o ambiente construdo

nova economia. Para tanto, as novas zonas sofrem intervenes a fim de oferecer condies

para a produo e consumo da cultura e para o turismo. Nesse caso, as polticas culturais

desempenham uma funo chave.

As tendncias mencionadas acima alteram o pensamento urbanstico modernista, em

que a cidade era construda numa lgica racional e funcional destinada produo.

Entretanto, com as transformaes ps-fordistas, alguns espaos, como as zonas industriais

abandonadas, portos, ferrovias e at mesmo o centro da cidade, perderam sua funcionalidade.

As novas formas de pensamento urbano buscam utilizar esses espaos esquecidos com uma

nova abordagem, adaptando lgica da sociedade do consumo. Na sociedade fordista, o

espao essencialmente para produo, e a rua para circulao; na sociedade ps-industrial,

os espaos se tornam lugares de consumo, de espetculos e de festa. E ainda de turismo e

sociabilidade (VAZ, 2004).

2 Alguns atores da sociedade civil que tm contribudo com reflexes e aes acerca dos megaeventos so:

Observatrio de Conflitos Urbanos (UFRJ); GPDU (UFF), Universidade Nmade, Conselho Popular Rio 2016;

Comit Popular Rio Copa e Olimpadas; e, Frum Comunitrio do Porto.

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Boa parte do que tem acontecido na cidade do Rio de Janeiro, e em outras no pas,

condiz com esse tipo de tendncia, que vai do planejamento estratgico, ao uso de espaos

subutilizados com a adequao da economia ao perodo ps-fordista. A adoo de eventos

grandiosos para propagandear a cidade no mercado competitivo, visando atrao de

empresas e turistas, fato cada vez mais evidente nos ltimos anos.

Embora os megaeventos sejam de cunho esportivo, e visem um planejamento urbano

para este fim, possvel compreender, como j foi dito, o acolhimento desses eventos como

estratgia para o lanamento da cidade no mercado competitivo global. Para tanto, utiliza-se a

visibilidade dada ao evento para promover a imagem da cidade. Tal imagem cunhada como

um marketing para a venda da cidade, que promove a cena de um ambiente produtivo,

harmonioso e cultural.

Vaz (2004) identifica que com a associao entre planejamento empresarial, projeto

urbano e estratgia cultural como marketing, verifica-se um culturalismo de mercado, em

que tudo o que se refere cultura se torna mercadoria. No culturalismo de mercado a cultura

se torna o grande negcio da cidade-mercadoria, e esta se torna cada vez mais espetacular.

Verifica-se que na reestruturao do espao no Rio de Janeiro, algo semelhante tem

acontecido.

Essa tendncia urbanstica tende a transformar espaos no mais funcionais, como

fragmentos urbanos convertidos em problemas os vazios fabris, porturios e ferrovirios

em espaos funcionais. Num contexto ps-industrial que segue a lgica do consumo, e no da

produo, para evitar a degradao dos centros urbanos tradicionais, procura-se promover

um mix de usos e desenvolve-los como centros culturalizados (VAZ, 2004).

Vaz identifica que o discurso que visa promover a cidade como imagem defendido

por empreendedores e polticos, que buscam aumentar a receita da cidade com turismo e

convenes, para o que se recorre ao marketing e a prticas urbansticas tidas como bem

sucedidas (Vaz, 2004). A isso podemos enquadrar as polticas urbanas do Rio de Janeiro.

Esse movimento de planejamento estratgico visando reestruturao das cidades para

a realidade ps-industrial apontado por Poyter (2008), como forte nos EUA a partir dos anos

1970. Naquele pas, com economia industrial em crise, as mais empreendedoras cidades

adotaram uma poltica de desenvolvimento baseada no consumo e servio. Cidades como

Nova York e So Francisco edificaram complexos de arte e entretenimento, outras como

Miami e Orlando criaram cidades fantasias temticas.

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O autor constatou que o nmero de cidades candidatas a sede de megaeventos tem

crescido desde os anos 90. A isso ele atribui o fato de as cidades desejarem utilizar os

megaeventos para o planejamento estratgico.

As Olimpadas assumiram um crescente significado para cidades empreendedoras que procuram estimular a abordagem norte-americana para

regenerao urbana e desenvolvimento, atravs do que os economistas tm

denominado de desenvolvimento econmico com base no consumo

(consumption led). O apelo desta abordagem para renovao urbana tem sido

corroborado no somente pela elevada demanda decorrente de reestruturao

econmica domstica e de mudanas de modelos de consumo, mas tambm

pelas correspondentes mudanas na economia internacional e, em particular,

em setores como indstrias de mdia, telecomunicaes, lazer, viagens e

turismo. (...) a cidade que recebe as Olimpadas procura enaltecer sua

imagem como uma metrpole adiantada,uma cidade global e um centro internacional para comrcio e negocios. (POYTER 2008, p. 127)

No Rio de Janeiro, o governo local parece ter adotado os megaeventos esportivos

como estratgia de se adaptar economia ps-industrial, isto , baseada no consumo e

servio. Com os megaeventos, visa-se atrair empresas e negcios e regenerar o espao urbano,

com um padro de organizao em funo do consumo. Tal perspectiva passvel de critica,

uma vez que o Rio de Janeiro pode vir a ser transformado em algo semelhante s cidades

fantasias descritas por Poyter (2008). Nesse tipo de cidade, as polticas se voltam mais para

o visitante do que para o atendimento das necessidades locais.

Esse tipo de estratgia foi fortemente priorizado no atual governo tendo como prefeito

Eduardo Paes, com a candidatura e eleio da cidade para sediar a copa e as olimpadas. Essa

perspectiva est claramente disposta no Plano Estratgico da Prefeitura do Rio de Janeiro

2009-2012, intitulado Ps 2016: O Rio mais Integrado e Competitivo. Nele o prefeito

Eduardo Paes declara que A expectativa de ser a capital da Copa 2014 e a conquista dos

Jogos Olmpicos de 2016 estabelecem um momento oportuno para transformar esses sonhos

em ideais, projetos, realizaes. Essa perspectiva mantida pelo poder pblico tambm no

segundo plano estratgico, lanado em 2012 Plano Estratgico da Prefeitura do Rio de

Janeiro 2013-2016. Sobre a ocasio de seu lanamento declarou-se que mais do que orgulho,

pairavam no ambiente as expectativas e esperanas de uma cidade que, alm de maravilhosa,

se tornar olmpica e com a responsabilidade de deixar verdadeiros legados para seus

moradores 3 (Site Cidade Olmpica, 2012).

3 Extrado do site www.cidadeolmpica.com , cuja responsabilidade da Empresa Olmpica Municipal, criada

pela lei 5.272 de 2011 e regulamentada pelo decreto 34.045 de 2011. rgo da prefeitura.

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Na sesso a seguir deste trabalho, analisa-se o que vem sendo feito com relao ao

setor cultural no Rio de Janeiro para os eventos, j que a Culturalizao das cidades pea

chave nas tendncias de planejamento urbano e sociedade ps-industrial. Utilizam-se as

publicaes oficiais do poder pblico que dizem respeito ao planejamento, isto o primeiro

plano estratgico de 2009-2012 e o segundo, de 2013-2016. Expe-se que muitas so as aes

neste setor, aproveitando-se da ocasio dos jogos. Entretanto, atenta-se para o fato de que, ao

mesmo tempo em que o poder pblico municipal planeja aes no campo da cultura, outros

setores das polticas pblicas impactam diretamente nas prticas culturais j existentes, que

pertencem a muitos grupos sociais. Dessa forma, busca-se a seguir, trao um contraponto

entre as polticas culturais para os megaeventos e os impactos que a cultura vem sofrendo

com os megaeventos.

POLTICAS CULTURAIS X IMPACTOS CULTURAIS

Uma das reas reconhecidas pelo Comit Olmpico Internacional a disponibilidade

de lazer, cultura e equipamentos de entretenimento. Assim sendo, tal setor visado quando

na escolha de uma cidade candidata pelo comit, bem como na preparao desta cidade para

os jogos. poca da candidatura, a exposio de uma imagem de cidade com grande

diversidade cultural e ao mesmo tempo harmoniosa e acolhedor foi um dos pontos chaves. O

"Rio envolve todo visitante com a alegria de seu povo multitnico, criativo e hospitaleiro.

uma capital cosmopolita, presente como poucas na memria afetiva internacional. Bero da

fluncia musical da bossa-nova e do samba, fonte do carnaval mais colorido e espetacular

(CADERNO DE LEGADO BRASIL, 2009).

As polticas planejadas pelo municpio esto estabelecidas pelos Planos Estratgicos

da cidade, e pelos projetos Porto Cultural e Porto Cidado, estes, compreendidos pelo

megaprojeto Porto Maravilha. Essa obra de grande porte objetiva revitalizar a regio porturia

da cidade a fim de torn-la uma porta de entrada do turista e recolocar o centro do Rio de

Janeiro como ponta do cenrio cultural da cidade (SITE CIDADE OLMPICA, 2012).

O Plano Estratgico 2009-1012 deixa clara a importncia da cultura na reestruturao

da cidade e no preparo do ambiente para as Olimpadas e para a Copa. O documento

estabelece como principal diretriz para orientao das polticas culturais, o fortalecimento da

regio da cidade como referncia cultural do pas atravs da revitalizao patrimonial,

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requalificao urbana e promoo da diversidade. Alm disso, tambm citado como

diretriz, a ampliao do acesso da populao aos variados bens e valores culturais atravs da

expanso da estrutura pblica de equipamentos e atividades culturais. Metas tambm expostas

no segundo Plano.

Como poltica cultural, o plano de 2009 apresenta duas linhas de ao. A primeira a

manuteno das lonas culturais e a construo de mais quatro. A segunda o projeto cultura

na rua, este, especificamente citado no preparo da cidade aos megaeventos. Ao reconhecer a

natural vocao da cidade e do cidado carioca para ocupar as ruas e praas e desenvolver

atividades culturais ao ar livre, o plano defende que as Olimpadas de 2016 so uma

oportunidade sem precedentes para incorporar a prtica cultural ao cotidiano carioca (PLANO

ESTRATGICO, 2009).

O argumento do projeto consiste em estabelecer um calendrio anual de eventos

culturais gratuitos, com programaes de diferentes linguagens artsticas. E espera resgatar o

hbito carioca de utilizar o espao pblico como rea de convivncia, aumentar o acesso da

populao aos produtos culturais, ampliar o mercado de trabalho em diverses e preparar a

classe artstica e a populao para que em 2016 no sejamos apenas uma capital esportiva,

mas tambm cultural (PLANO ESTRATGICO, 2009). O plano de 2013 enaltece essas

medidas do plano anterior, afirmando que a prefeitura tm apoiado a revitalizao da vida

cultural da cidade, o que se revelou no grande nmero de shows internacionais, entre eles o

Rock in Rio, na revitalizao da Lapa e no sucesso de carnaval de rua (PLANO

ESTRATGICO, 2012).

A forma de argumentao utilizada pelo governo passvel de crtica, pois, embora o

governo reconhea a prtica de uma cultura espontnea e de rua, ao dizer que a populao

tem se distanciado dessa prtica, ele exclui muitas modalidades de cultura que ocorrem em

ambientes pblicos. E ao estabelecer as estratgias do Cultura na Rua, como o Virado

Carioca, o calendrio de festas populares, as contrataes de apoio cultural a espetculos,

artistas e festivais, a licitao para contratao de Produo para atividades de rua, o governo

inibe atividades espontneas, permitindo apenas aquelas estabelecidas pelo poder pblico.

Outras polticas de preparo urbanstico aos megaeventos esto impactando diretamente

em atividades culturais j existentes, que no so reconhecidas pelo poder pblico. Para

ilustrar essa ideia, expe-se aqui um exemplo sintomtico. No Morro da Providncia, h um

projeto de construo de um telefrico, cujo caminho foi decidido sem a consulta dos

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habitantes locais. Para dar lugar a uma das futuras estaes do telefrico, a Praa Amrico

Brum foi demolida. Em julho de 2011 os moradores do morro organizaram um caf da manh

em protesto contra a demolio. A praa um lugar pblico de convivncia e de lazer, o nico

gratuito e prximo, que estava sendo reivindicado pelos moradores. Como resposta ao

protesto, policiais da UPP (Unidade de Polcia Pacificadora) reprimiram a manifestao para

dar espao ao incio das obras (CILENTE & TARIN, 2012). Ou seja, o espao propenso

gerao de cultura dos habitantes locais, reconhecido por eles como tal, e demandado por eles,

foi inibido.

Bruno Tarin (2012) narra que cerca de 200 a 300 casas esto sendo ameaadas de

serem demolidas, s no Morro da Providncia e no Morro da Conceio, para dar lugar aos

projetos de revitalizao do espao e sero reassentadas em locais distantes do que

ocupavam. A relao afetiva e os vnculos que as famlias criaram no espao onde vivem h

geraes so totalmente ignoradas pelo poder pblico. Nesse contexto, quando a populao

nativa produtora de cultura no expulsa, inibida. Os prprios moradores que

reinvidicavam a manuteno da Praa Amrico Brum temem que aps a demolio desse

espao, outras casas tambm sejam demolidas.

A comunidade moradora do Morro da Providncia, que vem sendo desestruturada por

aes daquele tipo, detentora de elementos culturais e histricos importantes para a cidade.

Possui mais de 110 anos de histria, tendo em sua origem da ocupao do morro

remanescentes da Guerra de Canudos e considerado uma das primeiras favelas do Rio de

Janeiro. Possui ainda stios histricos e simbolicamente importantes para a comunidade: a

escadaria, a Igreja, o Centro de Cultura (DOSSI DO COMIT POPULAR DA COPA RIO

DE JANEIRO, 2012).

Como agravante, o governo exps neste mesmo Plano Estratgico, e est colocando

em prtica, o Choque de Ordem, que se constitui em aes que visam inibir a ilegalidade e

a desordem urbana. Mas, segundo relatos4, o choque de ordem impe a gentrificao e o

medo da populao local, e, no os reconhece como produtores de cultura:

En esta lnea se ha criticado que un proyecto que pretende mejorar la calidad

de vida de la zona portuaria, est provocando expulsiones de sus moradores

4 Alguns relatos podem ser encontrados no Dossi Megaeventos e Violaes dos Direitos Humanos no Rio de

Janeiro (2012) e no Dossi da Articulao Nacional dos Comits Populares da Copa (2011): Megaeventos e Violao dos Direitos Humanos no Brasil; na Revista Global Brasil e em sites dos movimentos sociais

mencionados anteriormente. Eventos como Seminrio Revoluo 2.0 (2011) e Laboratrio de Cartografias Insurgentes (2011) tambm relataram e debateram fatos relacionados.

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actuales y violentas intervenciones reflejadas en el conjunto de acciones

denominado "Choque de Ordem" contra el trabajo informal y la venta

callejera para luchar contra la "indisciplina urbana" como va de

regeneracin moral, higienizacin y revanchismo contra los pobres (COMA,

2011).

Dessa forma, as estratgias do poder pblico at aqui apresentadas so inconsistentes,

principalmente no que se propem: incentivar artistas de rua. Aparenta ser uma poltica

restrita a um calendrio de eventos a serem apresentados por artistas famosos, e a uma

grandiosa quantidade de expectadores. No incentiva, portanto, a produo cultural

espontnea, e sim o consumo de uma cultura mais interessante ao mercado.

Outro caso ilustrativo bastante ilustrativo no que se refere inibio da cultura pelo

Choque de Ordem o caso da proibio ao trabalho informal. A Prefeitura Municipal aprovou

na Cmara dos Vereadores uma legislao, em 2009, que probe qualquer camel de trabalhar

em um raio de 2 km dos estdios e outras localizaes de competies, de hospedagem dos

atletas e de eventos relacionados. Est proibida a comercializao de material que faa

referncia aos smbolos dos eventos, mesmo que sejam souvenirs produzidos pelos prprios

trabalhadores informais. Manifestaes no autorizadas tambm estaro restritas (DOSSI

DO COMIT POPULAR DA COPA RIO DE JANEIRO, 2012).

Em outubro de 2011, por exemplo, uma das operaes do Choque de Ordem fez

apreenses em uma tradicional feira turstica em Copacabana. Os agentes apreenderam roupas

e instrumentos musicais de percusso dos feirantes que estavam sem autorizao5. O poder

pblico, em outra ao relacionada ao Choque de Ordem, o poder pblico proibiu que as

feiras livres, que j possuem autorizao para funcionamento, se estendam para alm das 13

horas. Aps esse horrio hbito que os feirantes passem a vender seus produtos com preos

mais baratos, a tradicional xepa (DOSSI DA ARTICULAO NACIONAL DOS

MOVIMENTOS DA COPA, 2011). Em um pas onde a qualificao profissional e a oferta de

empregos so restritas o comrcio informal uma das principais estratgias de sobrevivncia

da populao de baixa renda. Alm disso, inegvel a contribuio dos trabalhadores

informais economia e cultura dos ambientes urbanos. Restringir o trabalho informal

prejudicar a renda de muitas famlias e possivelmente alterar os hbitos culturais da

populao. Caberia ao poder publico uma poltica de regularizao dos informais e apoio ao

5 Notcia extrada do http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2011/10/choque-de-ordem-faz-apreensao-em-

feira-turistica-de-copacabana-no-rj.html.

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seu potencial criativo, ainda mais quando a demanda pelo consumo de seus produtos aumenta,

visto a tendncia do crescimento do turismo.

Ribeiro (2004) diz que os marginalizados, embora ultimamente tenham sido

metamorfoseados em objetos de curiosidade e negcio, so afastados de lugares onde

acontecem as polticas de patrimnio, cultura e lazer que ela denomina lugares luminosos.

Essas polticas que transformam o lugar em iluminado ocultam os aspectos de luta e

desigualdade presentes ali, principalmente quando esses espaos sofrem mutao mercantil,

em que o tnico e o tpico so transformados em objetos.

Tal mutao decorre de prticas classificatrias de costumes e de elementos

da cultura material orientadas pelo olhar do consumidor e do vendedor de

servios e, no daquele que o verdadeiro desbravador de oportunidades

criativas, insubordinadas e disruptivas. Porm, dele e dos seus espaos

inorgnicos que advm as inovaes realmente radicais, capazes de

impulsionar um grande espectro de novos e atraentes bens culturais, de

especial relevncia para a juventude, como demonstram o funk e o hip hop

(RIBEIRO 2004, p. 101).

A autora defende que o potencial cultural criativo proveniente dos espaos no

iluminados, fruto do convvio dos atores com suas dificuldades e suas memrias. E no, da

poltica gerencial, que os expulsa e deforma a memria local numa lgica puramente

mercantilista, direcionada ao consumo cultural de atores externos.

Nesse sentido, ainda tomando como exemplo o caso do Telefrico, pode-se questionar

o fato daquela obra ser primordialmente construda para o benefcio dos que ali vivem, j que

sua rota e o local das estaes foram decididos sem consulta popular (CILENTE & TARIN,

2012). bem provvel que o telefrico venha servir APENAS como atrativo turstico, neste

caso, um tipo turismo que utilizar o tpico e o tico como chamariz, mas que, ao mesmo

tempo foi construdo sobre o ocultamento da memria e da cultura locais.

O projeto Porto Maravilha, que em suas obras revitalizao apontado por

promover a gentrificao, compreende em sua pauta dois programas que se relacionam s

polticas culturais: os Programas Porto Maravilha Cidado e Porto Maravilha Cultural.

Atravs deles feita a articulao entre poder pblico e setor privado na inteno de apoiar

iniciativas que promovam o desenvolvimento socioeconmico e a valorizao do patrimnio

histrico e cultural.

Em teoria, as linhas de atuao do projeto Porto Cultural so bem abrangentes, pois

incluem: a recuperao e restaurao material do patrimnio artstico e /ou arquitetnico; a

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valorizao do Patrimnio Cultural Imaterial; a preservao, valorizao da memria e

manifestaes culturais; a explorao econmica do patrimnio material e imaterial, a

produo de conhecimento sobre a memria da regio e inovao na sua explorao

sustentvel. Ainda assim estratgias de implantao de aes que incluam essas linhas de ao

no so apresentadas no documento.

Na perspectiva da CDURP6, o desenvolvimento da regio envolve o aproveitamento

dos novos empreendimentos econmicos que surgiro, voltados para o atendimento ao

visitante. Assim, ela declara que temos o desafio de preparar as pessoas para as novas

oportunidades de emprego e negcios que vo surgir. Inclusive aqueles relacionados ao

patrimnio cultural e artstico que sem dvida contribui para aumentar a atratividade da

regio (BOLETIM PORTO MARAVILHA, 2011). Dessa forma, as aes que privilegiam o

mercado e o patrimnio arquitetnico esto sendo priorizadas, em detrimento do patrimnio

imaterial proveniente dos atores locais. O patrimnio.

Alm dessas polticas referentes cultura j destacadas, mais duas aes que recebem

o apoio do poder pblico merecem destaque. Na regio porturia, dois museus esto em

construo, o Museu do Amanh e o Museu de Arte do Rio, apontados pelo Plano Estratgico

2013-2016 como importantes equipamentos culturais fomentados pelo poder pblico. Embora

as aes e as polticas estejam voltadas para revitalizao de um espao e promoo da

cultura; os museus, juntamente com a valorizao econmica promovida pelo poder pblico,

tem provocado a expulso dos moradores locais, seja na forma de remoo, seja por

especulao imobiliria. No Plano Estratgico 2013-2016 as aes revitalizao da zona

porturia e do patrimnio arquitetnico do centro recebem destaque: valorizar a paisagem

urbana e o patrimnio cultural do centro histrico atravs da recuperao e requalificao de

reas relevantes como a Praa Tiradentes e a Lapa (PLANO ESTRATGICO, 2012). Mas

tais aes esto concentradas, e objetivam primordialmente a criao de atrativos tursticos.

Paralelamente, a transformao desses locais influenciam na rotina do local, seja com relao

especulao imobiliria, seja com as aes promovidas pelo Choque de Ordem. Cristina

Laranja (2011) fornece contribuies acerca do que esse tipo de ao poderia impactar

diretamente na produo cultural j existente na regio.

Percebe-se que no contexto atual do Rio de Janeiro, a cultura tem sido utilizada nos

discursos como ferramenta de apaziguamento de diferenas e como atrativo de

6 Companhia de Desenvolvimento Urbano da Regio do Porto do Rio de Janeiro: empresa em forma de aliana

Pblico-Privada, criada para administrar a regio porturia.

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empreendimentos econmicos. Como agravante, tem sido utilizada para compor argumentos

que subsidiam as aes do governo que no reconhecem a produo cultural j existente no

local. Cristina Laranja (2011) aponta que

Precisamos compreender melhor o que se tem por produo cultural, e aqui aportamos um conceito que abarca a diversidade social e cultural de um

territrio (os modos de vida, os costumes, as falas, as msicas, o modo de

construir as ladeiras), aquele mesmo que seria foco de interesse dos promotores do turismo na regio. Ou seja, por cultura no se compreende s os produtos culturais ou equipamentos culturais existentes, nem aqueles

que se pretende ofertar aos turistas, mas aquilo que se compreende por

patrimnio imaterial (LARANJA, 2011).

Da forma como esto sendo feitas, as aes inibem prticas sociais e culturais locais

caractersticas da regio. A perspectiva do poder pblico entende os atuais moradores como a

causa da degradao do espao. Ao invs de reconhec-los como produtores de cultura e alvos

de investimentos diretos, o governo municipal investe na instalao de equipamentos culturais

e na revitalizao do espao (l-se: adequao do espao para o turismo de lazer e de

negcios).

Contraditoriamente, as polticas atuais adotam e propagandeiam a cultura local e

afirmam um valor de consumo, embora na realidade exeram um poder inibidor da cultura

espontnea e caracterstica da regio. Tal fato pode ser claramente exemplificado nos casos de

expulso dos moradores e de construo do telefrico do Morro da Conceio.

Outro exemplo pode ser observado, quando doze escolas de samba do grupo de acesso

foram removidas do terreno da antiga REF (Rede Ferroviria Federal) para abrir espao

construo do Porto Olmpico. O terreno pertence Unio que entrou com um pedido de

integrao de posse, evidenciando a agilidade do poder pblico e judicirio quando se trata de

garantir a infraestrutura para os megaeventos (CILENTE & TARIN, 2012). Dessa forma, a

despeito da propaganda de pas da diversidade e cidade do samba e do carnaval expostos

nos Cadernos de Legado, mais uma vez, o poder pblico ignora a cultura local existente para

construir as obras sobre elas. Contraditoriamente, o poder pblico continuar usando a

imagem e a memria fornecidas pela cultura local, na divulgao da cidade.

Nesse sentido, Cristina Laranja destaca (2011):

Tais planos tambm apagaram qualquer vestgio dessas vidas, ainda que afirmem seu valor de consumo sobre a tradio destas histrias e prticas. Nesse jogo de produzir produtos para consumo no pacote da regenerao, o

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modo de viver do estivador se torna a flexibilidade do yuppie do trabalho

imaterial contemporneo como em Londres. (LARANJA, 2011).

A autora ainda faz um paralelo com as polticas culturais federais. Enquanto estas se

apresentavam de maneira mais democrtica e distribuidora de renda (como os Pontos de

Cultura) os projetos do Rio de Janeiro seguem uma linha de apoio lgica do consumo para

poucos. O Museu de Arte do Rio (MAR), e o Museu do Amanh somam cerca de 170

milhes investidos por renncia fiscal. Um valor discrepante frente a qualquer investimento

na regio que efetivamente colabore na manuteno do cotidiano das comunidades afetadas

tambm na rea da cultura considerando a diversidade de iniciativas e produtores culturais

que polinizam a regio. Sustenta-se aqui, atravs do comparativo feito pela autora, que as

polticas culturais tal como vem sido feitas do municpio tendem a ser mais concentradoras do

que distributivas.

CONCLUSO

Constatou-se que as polticas culturais cumprem um papel piv nas novas tendncias

de planejamento urbano e nas adaptaes da sociedade economia ps-industrial. Dentre

muitas cidades que seguem essa tendncia, est o Rio de Janeiro, que se utilizou da estratgia

de sediar os megaeventos Copa do Mundo 2014 e Olimpadas 2016, para dar a cabo

revitalizao de espaos subutilizados e vigorar a economia ps-industrial. Para tanto,

esta cidade adqua seu espao ao lazer e consumo, numa tendncia conhecida como

Culturalizao da Cidade. Assim, polticas culturais que cumpram essa funo so

priorizadas.

Conclui-se que, embora as polticas culturais sejam um ponto chave nos megaeventos,

aparentemente, o governo municipal carioca tem se restringido instalao de equipamentos

culturais, eventos pontuais e criao de espaos de lazer. A perspectiva de poltica cultural do

poder pblico volta-se para um modelo padro de consumidor de cultura, e no compreende a

produo cultural e os atores j existentes. Paradoxalmente, aproveita-se do tpico e do tnico

para promover a cidade, os espaos redesenhados e a cultura recriada. Os investimentos tm

privilegiado o turismo e o vis econmico da cultura, mas no a produo cultural local e o

patrimnio imaterial.

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Nesse contexto de insero tendncia de revitalizao no Rio de Janeiro,

problematiza-se a perspectiva de poltica cultural que tem sido adotada pelo poder pblico. A

reflexo de Cilente & Tarin (2012) ajudam a entender o porqu:

Como trazer de volta vida para um espao j habitado por cerca de 22 mil pessoas... vivas? No estaria esse maravilhoso megaprojeto negando a

existncia deste j ento habitantes? na contramo de uma proposta

inclusiva, que a idia de revitalizao pode soar perigosa ao negar a j

existente ocupao do espao por determinados grupos sociais (CILENTE & TARIN, 2012, p.2).

A partir dessas constataes constroem-se duas crticas. A primeira refere-se criao

de uma cidade comparvel a uma Cidade Fantasia (POYTER, 2008), onde o cenrio

artificialmente preparado para receber turistas, que so parte essencial da economia local.

Para isso, so feitas alianas pblico privadas, em que d espao lgica de mercado e foras

das empresas privadas. Alm disso, a demanda da populao local no prioridade no que

tange elaborao de polticas pblicas.

A segunda se refere a uma forma de equalizao do espao que cidades do tipo

fantasia sofrem. Segundo Ribeiro (2004), a criao de um cenrio urbano adaptado ao

consumo cultural poda a criatividade existente e equaliza lugares. Os atores locais, potencial

de trocas simblicas, aprendizado e criao, so afastados dos lugares iluminados, e o

processo de construo verdadeiramente produtivo, ao invs de ser estimulado por polticas

pblicas, rompido.

Sem dvida, o estmulo contemplao, que to presente nos arranjos estetizantes dos acervos histricos e na cenarizao clean ajustada ao tipo

mdio do consumidor de cultura, equaliza lugares e desconstri

possibilidades de aprendizado (...) Tais trocas encontram-se limitadas,

entretanto, quando a mutiplicidade dos objetos e das alternativas de percurso

atordoa o processo de reflexo do passado, confundido o conhecimento

necessrio com o lazer ansioso, ininterrupto e sempre fugaz (RIBEIRO, 2004, p. 98).

As polticas expostas neste trabalho foram planejadas a partir do ano de 2009 e a

perspectiva de suas polticas culturais no necessariamente corresponde s demandas dos

atores locais. Hoje, pesquisadores e outros segmentos da sociedade civil organizada tecem

inmeras crticas s aes do governo, que muitas vezes no so levadas em conta pelo poder

pblico e so ignoradas pela grande mdia. Caberia ao poder pblico integrar a sociedade civil

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organizada na elaborao das polticas, que a sim deixariam um real legado para a cidade. A

sociedade civil tem demonstrado que est disposta e preparada a participar ativamente.

Com relao s polticas culturais, aponta-se que para que sejam eficientes devem

dialogar com outros setores das polticas pblicas. Para que os impactos negativos dos

megaeventos sobre a cultura j existente no sejam maiores do que o legado, h a

necessidade que o setor pblico responsvel pelo planejamento das polticas culturais se

integre com setores de outras polticas pblicas, principalmente de habitao. Mas antes disso,

preciso que de fato a diversidade cultural da cidade seja reconhecida, em suas variadas

formas. Assim, as polticas pblicas, de uma maneira geral, iro colaborar com a manuteno

e fomento das manifestaes culturais j existentes, e, com a promoo de novas atividades.

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