POLÍTICAS PARA A EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL: DESELITIZAÇÃO E DESPRIVATIZAÇÃO

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1 POLÍTICAS PARA A EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL: DESELITIZAÇÃO E DESPRIVATIZAÇÃO Dilvo I. Ristoff * “Mas a sua afluência, prestígio e poder provou ser a sua ruína. Tamanha era a capacidade da Universidade de colocar recursos humanos à disposição da sociedade que os seus professores e alunos se tornaram vítimas da terrível doença da mente a que os antigos gregos chamavam húbris. Húbris é orgu- lho arrogante, orgulho que precisa constantemente de auto-confirmação através da busca de novas glórias, que precisa, como Fausto, buscar o ilimi- tado e o infinito. Se nobre, por que a universidade não poderia ser também importante? Se importante, por que não poderia ser rica e politicamente poderosa? Por que não poderia ser, a um só tempo, filósofo-rei, filósofo- Croesus, filósofo-soldado, filósofo-estadista, filósofo-curandeiro, filósofo-as- sistente social, ou mesmo filósofo-revolucionário. É o que Fausto sonharia. Mas não foi isso o que aconteceu! Quanto mais importante a universidade se tornava, tanto menos nobre se tornava o seu propósito e a sua postura. Quanto maior o seu poder externo, tanto menor a sua autoridade interna. ... De um gigante da auto-estima, a universidade passou a ter a estatura de um pigmeu, para, rapidamente, tornar-se objeto de desdém, escárnio e ódio”. (Robert A. Nisbet- em A Degradação do Dogma Acadêmico) Resumo Neste texto procuramos analisar a situação peculiar existente no Brasil em relação às fontes de financiamento que levam as Universidades Federais a ter no seu interior a coexistência de três tipos de universidades. A Universi- dade do MEC (UNIMEC), a Universidade da CAPES e do CNPq (UNICC), e a Universidade das fundações de apoio (UFA). A UNIMEC é a universidade do ensino de graduação,com todos os seus problemas. Ao seu lado está a UNICC, uma instituição pouco dada à graduação Os seus interesses estão nos mestrados e doutorados, nas bolsas de produtividade em pesquisa, nos es- tudos avançados. Com igual força se expressa a Universidade das Funda- ções de Apoio-UFA! Através dela proliferamas especializações, os mestrados * Diretor do Centro de Comunicação e Expressão da Universidade Federal de Santa Catarina e Editor-Adjunto da Revista Avaliação, da Rede de Avaliação Institucional da Educação Superior. Email: [email protected] Revista Diálogo Educacional, Curitiba, v. 4, n.9, p.29-42, maio/ago. 2003. Políticas para a Educação Superior no Brasil: Deselitização e desprivatização

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  • 1POLTICAS PARA A EDUCAO SUPERIOR NOBRASIL: DESELITIZAO E DESPRIVATIZAO

    Dilvo I. Ristoff *

    Mas a sua afluncia, prestgio e poder provou ser a sua runa. Tamanha eraa capacidade da Universidade de colocar recursos humanos disposio dasociedade que os seus professores e alunos se tornaram vtimas da terrveldoena da mente a que os antigos gregos chamavam hbris. Hbris orgu-lho arrogante, orgulho que precisa constantemente de auto-confirmaoatravs da busca de novas glrias, que precisa, como Fausto, buscar o ilimi-tado e o infinito. Se nobre, por que a universidade no poderia ser tambmimportante? Se importante, por que no poderia ser rica e politicamentepoderosa? Por que no poderia ser, a um s tempo, filsofo-rei, filsofo-Croesus, filsofo-soldado, filsofo-estadista, filsofo-curandeiro, filsofo-as-sistente social, ou mesmo filsofo-revolucionrio. o que Fausto sonharia.Mas no foi isso o que aconteceu! Quanto mais importante a universidadese tornava, tanto menos nobre se tornava o seu propsito e a sua postura.Quanto maior o seu poder externo, tanto menor a sua autoridade interna. ...De um gigante da auto-estima, a universidade passou a ter a estatura de umpigmeu, para, rapidamente, tornar-se objeto de desdm, escrnio e dio.

    (Robert A. Nisbet- em A Degradao do Dogma Acadmico)

    Resumo

    Neste texto procuramos analisar a situao peculiar existente no Brasil emrelao s fontes de financiamento que levam as Universidades Federais ater no seu interior a coexistncia de trs tipos de universidades. A Universi-dade do MEC (UNIMEC), a Universidade da CAPES e do CNPq (UNICC), e aUniversidade das fundaes de apoio (UFA). A UNIMEC a universidade doensino de graduao,com todos os seus problemas. Ao seu lado est a UNICC,uma instituio pouco dada graduao Os seus interesses esto nosmestrados e doutorados, nas bolsas de produtividade em pesquisa, nos es-tudos avanados. Com igual fora se expressa a Universidade das Funda-es de Apoio-UFA! Atravs dela proliferamas especializaes, os mestrados

    * Diretor do Centro de Comunicao e Expresso da Universidade Federal de Santa Catarina eEditor-Adjunto da Revista Avaliao, da Rede de Avaliao Institucional da Educao Superior.Email: [email protected]

    Revista Dilogo Educacional, Curitiba, v. 4, n.9, p.29-42, maio/ago. 2003.

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  • 2fora da sede, os cursos distncia, as consultorias, as prestaes de servi-os, etc. -todos regiamente remunerados. Estas trs universidades, emboraresidam no mesmo campus, vivem em mundos totalmente distintos. A pri-meira imagina-se pblica, grande e gratuita; a segunda imagina-se de elite,pequena, e catedrtica; a terceira s pensa no uso da coisa pblica paratomar-se cada vez mais privada e lucrativa.Palavras-chave: Educao Superior, Polticas Educacionais, Avaliao eFinanciamento.

    Rsum

    Dans ce texte nous cherchons danalyser Ia situation tout fait spciale dssources de financement des universits fdrales qui permet de coexister Iintrieur de chaque instution unversitaire trois types dunversit : Iuniversitdu Ministere de lducation(UNIMEC), Iuniversit de Ia CAPES et celle duCNPq(UNICC)etfinalementluniversit des fondations dappui(UFA). LUNIMECcest Iuniversit de Ienseignement de licence, avec ses problmes. sonct, nous trouvons IUNICC, une institution que na presque rien voiravec Ia licence, car elle sintrsse au post-grade, aux bourses de productionde Ia recherche, aux tuds avances. II y a aussi, avec Ia mme vigueur,Iuniversit des fondations dappui- UFA Elle se charge des spcialisations,des certificats, des metrises hors du siege central, des cours Ia distance,laprestation de service, etc. trs bien pays. Ces trois universits, malgr lefait de se situer dans le mme campus, vivent dans de mondes compltementdifrents. La premiere, se croit publique, grande et gratuite; Ia deuxieme, secroit de Ilite, petite et fonde sur Iide de Ia chaire; Ia troisieme, ne penseque de faire usage de Ia chose publique pour devenir chaque fois plusproche du priv pour garantir le gain, le profit.MOTS-CLEFs: ducation suprieure, Politiques ducatives, valuation,Universit financement.

    Agora que se aproxima o day-after do atual governo, o custo FHCcomea aser computado e, por muitos, quantificado. Em todos os clculospercebe-se que o custo alto. Quando pensamos na descapitalizao do Esta-do, na venda, por exemplo, das empresas telefnicas por 8.8 bilhes, depoisde investir 21 bilhes de reais no setor, ou na venda do BANERJ, por 330milhes, depois de gastar 3,3bilhes para deixar tudo em dia, ou na venda daCompanhia Siderrgica Nacional, comprada por 1,05 bilho de reais, dos quais1,01 bilho pago com moedas podres, quando pensamos, enfim, no des-monte do patrimnio pblico, ou na dvida de mais da metade do PIB -dvidaque nos aguarda e que ter que ser paga ou, pelo menos, negociada, ou seja,quando pensamos em termos exclusivamente econmico-financeiros, FHC

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  • 3dever passar para a histria como o mais caro dos presidentes. E caroaqui no quer dizer querido, ou estimado,mas simplesmente o que envol-ve grandes despesas.

    E no estamos falando ainda de questes menos mensurveis emtermos de valores monetrios, questes que, no entanto, tm consequnciasconcretas, como desemprego, insegurana, e a crescente descrena na capaci-dade das instituies pblicas de enfrentarem os problemas que nos afligem.Estas so certamente coisas de custo bastante alto, mas bem mais difceis decolocar em nmeros.

    Na rea da educao, h quem diga que Paulo Renato passar para ahistria como o pai da avaliao educacional. um equvoco: Talvez passepara a histria como pai do provo -um instrumento que no mximo serlembrado como pseudo-avaliao de cursos, nunca como avaliao de suaqualidade. Lembrado ou no, o custo de Paulo Renato para a educao supe-rior tambm ser alto.

    Para entendermos melhor o porqu, preciso destacar que a educa-o superior na Repblica dos Professores Fernando Henrique Cardoso e Pau-lo Renato adquire sua fineza de definio nos seguintes quesitos:.

    Crescente vulgarizao do sentido de universidade; Agressiva privatizao do sistema;. Desinvestimento programado e gradativo nas Instituies Fede-

    rais de Ensino Superior (IFES) 1;. Desvalorizao programada das carreiras dos docentes e dos tc-

    nico-administrativos nas IFES;. Crescimento vertiginoso da excluso no acesso s IES pblicas 2; Desrespeito repetido constituio no que se refere autonomia

    das Universidades, democracia interna e indissociabilidade entreensino, pesquisa e extenso;

    Desestmulo financeiro pesquisa 3. Expanso desigual e sem controle de qualidade da ps-gradua-

    o, com crescimento desenfreado de cursos endognicos 4; Privatizao crescente do espao pblico, atravs de cursos

    regulares,especializaes, mestrados e doutorados, assessorias,consultorias, etc.oferecidos, como mercadorias, atravs das funda-es de apoio;.

    Privatizao branca do espao pblico atravs de mestradosprofissionalizantes pagos e de cursos seqenciais pagos;

    Desmantelamento dos processos de avaliao institucional 5; Desmantelamento de programas acadmicos (e.g. PET), com cor-

    tes de bolsas,na graduao e na ps-graduao;.

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  • 4 aligeiramento da graduao atravs de cursos seqenciais, coloca-dos no mesmo patamar valorativo dos cursos de graduao, ou depropostas de encurtamento da graduao;.aligeiramento dosmestrados atravs da proliferao de cursos profissionalizantespagos, mesmo em IES pblicas e gratuitas, e da burocraciaprodutivista instituda pela CAPES;.

    perda de qualidade acadmica atravs da substituio de profes-sores efetivos por estagirios de docncia.

    possvel que haja discordncia em alguns aspectos deste diagnsti-co, mas a justificativa para a incluso de cada um dos itens acima pode serencontrada nos nmeros produzidos pelo prprio governo. No este opropsito central desta exposio. Alm disso, a maioria destes dados j foramapresentados e discutido sem outros estudos, alguns inclusive de minha auto-ria e, outros, de autoria de pessoas presentes a este seminrio. O que preten-do insinuar apenas que {1)propostas de polticas para a educao superiorbrasileira tero que,necessariamente, considerar este quadro que nos est sen-do deixado e {2) que precisamos nos aprofundar em alguns aspectos destacrise, para ver como ela se derrama sobre, e encarde o tecido dos campi dasuniversidades pblicas.

    Em momentos de greve, como o recentemente vivido pelas Universi-dades Federais, por exemplo, estas revelam mais abertamente a sua crise deidentidade,deixando evidente que h, no uma, mas trs universidades noscampi destas instituies. A julgar pelas fontes financiadoras, poderamos di-zer que nas Universidades Federais co-existem hoje a Universidade do MEC{UNIMEC), a Universidade da CAPES e do CNPq {UNICC), e a Universidadedas Fundaes de Apoio {UFA).

    A UNIMEC a universidade do ensino de graduao, dos cerca de500 mil alunos que freqentam o sistema federal. Suas salas de aula soespartanas,seus laboratrios didticos esto desatualizados, e suas bibliotecasesto paradas no tempo. Mais e mais, as suas aulas so ministradas por profes-sores substitutos ou por estagirios de docncia da prpria instituio. Seusprofessores e servidores esto, h sete anos, com os salrios virtualmentecongelados. Esta a Universidade que, recentemente, esteve em greve por108 dias.

    Ao seu lado est a UNICC, uma instituio pouco dada graduao.Para grande parte dela, a graduao coisa menor, um mal necessrio. Osseus interesses esto nos mestrados e doutorados, nas bolsas de produtivida-de em pesquisa, nos laboratrios, nas bolsas de ps-doutorado, nos estudosavanados.os vencimentos de seus professores so pagos pelo MEC; ascomplementaes vm das bolsas do CNPq, dos projetos de extenso e das

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  • 5consultorias. Eles so especialistas em suas reas e em geral so requisitadosno pas inteiro. Por isso,viajam muito, participando de bancas de concursos,comisses ministeriais, etc. A avaliao de seus Programas est atrelada distribuio de recursos, e o que recebem garante bibliotecas prprias, emgeral clandestinas e privatizadas, alm de oramentos por vezes maiores doque o da prpria Unidade de Ensino a que pertencem. Na UNICC mais oumenos assim: quanto mais alunos se formam e quanto maior o nmero depublicaes tanto maiores os recursos, as bolsas, averba para gastar em equi-pamentos, acervo, etc. Portanto, proibido parar! Esta universidade, excetopor rarssimas excees, no esteve em greve, nunca entrou em greve e nopretende faz-Io no futuro. No geral, ela vai bem, obrigado!

    Com igual fora se expressa a Universidade das Fundaes de Apoio-UFA! Atravs dela proliferam as especializaes, os mestrados fora da sede,os cursos distncia, as consultorias, as prestaes de servios, etc. todosregiamente remunerados. Para se ter uma idia da dimenso destauniversidade,basta uma olhada no que ocorre hoje numa das universidadesfederais do sul,freqentemente citada como modelo de universidade exitosa.Dos 112 mestrados oferecidos, 70 so oferecidos fora da sede, todos, claro,pagos. Oferece, alm disso, 98 programas de especializao, todos pagos. Nosurpreende, portanto,que s no ltimo ano, a ps-graduao desta instituiotenha crescido 65.5%enquanto a sua graduao, como de resto a da maioriadas universidades federais do pas, tenha parado no tempo. A UFA complementao salrio dos professores de tal maneira que por vezes o salrio se torna ocomplemento. Os professores desta universidade, portanto, esto satisfeitos.Indiferentes crise, justificam as suas aes com o argumento de que a UNIMECpaga pouco e de que a UNICC d mais status que dinheiro. A UFA tambmno participou da ltima grande greve e no pretende faz-Io no futuro. Paraos seus professores surpreendente que outros possam estar insatisfeitos.Para eles, com tanta liberdade e demanda, s um tolo poderia estar em dificul-dades!

    Estas trs universidades, embora residam no mesmo campus, vivemem mundos totalmente distintos. A primeira imagina-se pblica, grande e gra-tuita; a segunda imagina-se de elite, pequena, e catedrtica; a terceira s pensano prprio umbigo e usa o pblico para tornar-se cada vez mais privada elucrativa.

    Em muitos casos, tornou-se um poderoso oramento paralelo -umacriatura to forte que capaz de solapar a vida de quem a criou. A menos queestas contradies sejam resolvidas, a universidade continuar em crise, divi-dida e sem rumo.

    O que ocorre nas universidades federais observa-se tambm em muitasuniversidades estaduais e, especialmente, nas grandes universidades estaduais

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  • 6paulistas, como a Universidade de So Paulo (USP) e a Universidade de Cam-pinas (UNICAMP). Vejam a recente e crescente crise entre as fundaes deapoio da USP e a prpria USP -crise que provavelmente ter ainda muitoscaptulos antes que chegue a seu denoument e seja resolvida a contento.

    O que esta crise de identidade est a revelar, no entanto, parece serapenas a ponta do iceberg -um iceberg que surge submerso e traioeiro nooceano universitrio como parte de uma crise maior que poderia ser definidacomo crise de elitismo, crise de modelo e crise financeira vivida pelo sistemauniversitrio nacional pblico como um todo.

    Sobre estas crises j escrevi anteriormente em textos publicados noslivros Universidade em Runas na Repblica dos Professores e Universidadeem Foco:Reflexes sobre a Educao Superior. Pretendo aqui retomar algunsaspectos da questo para destacar o que percebo como o fio que une as vriascontas descolar fio este que nos diz que o colar s um colar porque o fioexiste.

    A crise do elitismo, por exemplo, nos remete perguntaUNIVERSIDADEPARA QUEM? Com relao a isto eu gostaria de dizer que oque sempre me impressionou a respeito de Thomas Jefferson -o homem queescreveu que todos os seres humanos nascem iguais e com os direitosinalienveis vida, liberdade, e busca da felicidade - a universidade queconstruiu. A Universidade de Thomas Jefferson est em Charlottesville, noestado da Virgnia. Ela um emblema a nos dizer o que devemos evitar e oque devemos valorizar na educao superior de um pas. O campus imagina-do por Jefferson diz tudo: um enorme retngulo, com a moradia estudantil,as salas de aula e as residncias dos professores construdas, lado a lado, emsuas linhas externas, ficando a parte interna -um gramado capaz de abrigarum campo de futebol -reservada para os encontros informais, festas, conver-sas e lazer. Quem visita o campus no pode deixar de observar que as mora-dias estudantis concebidas por Jefferson so, .quartos individuais, cada quartocom o seu prprio poro. E estarrecedor descobrir que o poro est ali sim-plesmente porque os alunos da universidade de Jefferson no conseguiamviver sem os seus escravos. Ou seja, o poro era o espao da poca destinadoao estacionamento do escravo de cada um dos alunos.

    Em retrospectiva fica claro que Jefferson criou uma instituio queno apenas reproduzia uma sociedade racista, mas que escancaradamentebuscava atender aos interesses da aristocracia agrria de seu tempo, tomandoo domnio do saber uma mera forma de instrumentalizar as novas geraespara que estas pudessem assim melhor preservar a sua posio hegemnica.

    claro que hoje os tempos so outros. Os Estados Unidos, ao contr-rio do que possa parecer, percebeu cedo que a educao um elementofundamental para a soberania nacional e para a melhoria da qualidade de vida

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  • 7da populao e, neste sentido, em especial desde meados do sculo passado,tm buscado inclu-Ia na sua agenda de polticas pblicas. Em funo desteesforo, os Estados Unidos so hoje um pas com 55% da populao, na faixaetria entre 18 e 24anos, na educao superior. Dizer que os tempos sooutros nos Estados Unidos,portanto, no figura de retrica.

    No Brasil, nem tanto. Apenas a ttulo de comparao convm assina-lar que o Brasil possui atualmente cerca de 2 milhes e 500 mil universitrios.Se fossem mantidas aqui as propores americanas, para a faixa etria apro-priada, o Brasil deveria ter hoje um nmero de alunos bem maior, no mnimo8 milhes de estudantes -uma constatao que apenas uma vez mais refora atese de que o Brasil clama por um grande projeto nacional de democratizaodo acesso educao superior.

    A verdade que o Brasil continua concebendo a universidade comocoisa para um pequeno e seleto grupo -um espao onde alguns poucos privi-legiados tm a oportunidade de acessar o ltimo conhecimento. Que a univer-sidade deve servir sociedade que a criou parece no haver dvidas. Resta,no entanto, saber a que sociedade deve servir. E neste sentido, parece eviden-te que num pas democrtico, ou que se queira democrtico, a universidadeprecisa romper com o elitismo que a concebeu e engajar-se num projeto naci-onal que promova o acesso das populaes hoje excludas e transforme asuniversidades brasileiras em universidades do povo, para o povo e pelo povo.

    O que est acontecendo entre ns o contrrio: as j elitizadas eexcludentes universidades pblicas elitizam-se ainda mais e foram popula-es inteiras de jovens a buscarem nas universidades privadas e pagas o seunico refgios 6. Hoje duas vezes mais difcil ingressar em um curso degraduao de uma universidade pblica do que h 5 anos atrs. Estamos hojeentre os pases com um dos sistemas de educao superior mais privatizadosdo planeta. Na Amrica Latina perdemos apenas para a Repblica Dominicanae EI Salvador.

    Alm disso, importante observar que, na IES pblicas, os cursos degraduao tiveram, em qualquer comparao com o crescimento da demanda,assuas vagas praticamente congeladas nos ltimos anos. Em compensao, oscursos de especializao (pagos) e os cursos de mestrado (j em sua maioriapagos em algumas universidades pblicas) e de doutorado, que abrem muitasoutras oportunidades, vantagens e complementaes salariais, tiveram umanos ltimos sete anos um crescimento vertiginoso. Nas IFES, por exemplo, aPs-Graduao como um todo (a tambm includos os cursos pagos e fora dasede)experimentou um crescimento de 154%.

    Outro detalhe: sob outra forma, estamos novamente diante da pragados excedentes, que tanto transtorno causaram nos anos 60 e 70. A previso de que, mantida a atual relao candidato/vaga de 10/1, nas universidades

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  • 8pblicas,teremos produzido at 2009 em torno de 15.200.000 excedentes. Muitosiro para a Universidade da Esquina, onde pagaro o olho da cara e recebe-ro uma educao, muitas vezes, de qualidade questionvel; outros, maisaquinhoados,iro estudar na Europa, como nos tempos coloniais; e outrossimplesmente abandonaro a idia de continuar os seus estudos, conforman-do-se de forma relutante com a educao de nvel mdio que receberam.para atender a este crescente contingente de excludos, que um grupo deparlamentares do PT prope que o setor pblico quintuplique o nmero dealunos das instituies pblicas e gratuitas nos prximos cinco anos. Em do-cumento chamado Universidade Pblica para Todos do Sonho Realidade,estes parlamentares, liderados pelo Padre Roque, apresentam vrias sugestespara alavancar os R$11 bilhes a mais necessrios para o feito.

    Embora, em alguns aspectos, questionveis na sua forma de buscarrecursos, estas alternativas resultam da percepo do bvio: a universidadepblica est excessivamente elitizada e urgente que algo seja feito parademocratiz-la. Nenhum governo seriamente preocupado com o avano dacincia e da arte ou com a soberania nacional pode dar-se ao luxo de manterverdadeiros exrcitos de excludos e de decretar como suficiente a educaorecebida ao final do nvel mdio.

    Quem, no entanto, conhece a poltica oficial brasileira dos ltimossete anos e quem conhece o interior dos campi das universidades federais notem a menor dvida de que isto tarefa que exigir uma alterao radical naspolticas pblicas para a educao superior e um esforo hercleo para mudara cultura dentro dos campi.

    H algumas semanas atrs participei de um debate com a ProfessoraMaria Helena Guimares Castro, vice-ministra da Educao, na PUC-Campi-nas. Pude ouvir de viva voz, por exemplo, que o provo, construdo segundoos ditames de uma lgica avaliativa controladora, foi concebido pela atualequipe do Ministrio como um instrumento para melhorar os nmeros daeducao superior brasileira.Como sabido, o Brasil at h poucos dias, tinhaapenas 11.7% da populao da faixa etria de 18 a 24 anos na educaosuperior, contra 20% da Bolvia, 39% da Argentina e mais de 50% da maioriadas naes desenvolvidas. Criar o provo nestas circunstncias significou, purae simplesmente, poder dizer aos empresrios da educao: podem abrir asescolas que quiserem, mas saibam que ns vamos aplicar o provo aosgraduandos ou, como prefere a vice-ministra:ns vamos aplicar o provopara fomentar a expanso com qualidade.

    Desnecessrio dizer que melhores nmeros, especialmente se gera-dos sem a utilizao de recursos pblicos, caem bem junto ao Banco Mundial.

    Ocorre que, como sabemos, o provo no prova nada, e a democra-tizao pela via privada perversa, pois enquanto assegura o acesso univer-

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  • 9sidade inviabiliza a permanncia no campus para a maioria. E mais: as univer-sidades pblicas, como j ressaltamos, tm dado estmulo apenas para expan-dir a ps-graduao e, mesmo esta, em sua forma regular e contnua, vemsendo vitimada pela poltica escancarada de privatizao branca que se insta-lou nos campi.

    E aqui preciso destacar que a privatizao branca do espaopblico,capitaneada pelas fundaes de apoio, mas materializada por um sem-nmero de outros estratagemas desenvolvidos por pessoas inteligentes e quevem seus salrios arrochados (extenses regiamente pagas; consultorias quecolocam o pblico abertamente a servio do privado; projetos do CNPq quejogam nas mos de indivduos recursos para projetos de frgil ou nenhumrespaldo institucional;cursos de fundaes que competem com, e substituemos oferecidos pela instituio pblica; arquitetos que fazem projetos para omundo mas que no tm tempo para os projetos da universidade; servidoresliberados para continuarem os seus estudos, mas que usam o tempo paratrabalhar e complementar os seus salrios; etc. etc. etc.), resulta em grandeparte da poltica de privatizao do sistema nacional de educao superior e, claro, da poltica de elitizao da universidade pblica. No fundo, no fundo,no entanto, ela resultado de uma concepo de modelo de educao supe-rior privilegiado pela atual equipe do MEC. Fundamentalmente, est em ques-to a resposta que damos pergunta:QUE UNIVERSIDADE QUEREMOS?

    E quanto a isto no h como no lembrar que em 6 de novembro de1994,um dos ento futuros assessores do Ministro Paulo Renato iniciava umareunio preparatria do grupo da educao de FHC, exibindo um livro quelevava o ttulo de The One-Hundred Best American Colleges.

    Para entender melhor o que so os colleges a que se referia o ex-assessordo Ministro preciso ir matriz, pois college, ao contrrio do queparece, no nem colgio nem universidade. A julgar por textos produzidospor assessores do Ministro, a educao superior pblica brasileira deveriaseguir o master plancalifomiano. A proposta, em linhas gerais, era e, de certaforma, continua sendo construir um sistema com trs tipos de instituies:Universidades, Instituies de Ensino e Colleges. Cada uma destas instituiesteria uma identidade prpria,claramente definida, devendo limitar-se a exer-cer as funes que lhe fossem atribudas.

    No plano mestre da Califmia, estes grupos so conhecidos como (1)o Sistema UC (University of Califomia), a includos UC Los Angeles, UC SantaBrbara, etc; (2) o Sistema Cal State (California State ), com uma instituio emcada cidade de grande porte; e (3) o Sistema dos Colleges, com pelo menosum em cada cidade de porte mdio.

    A criao dos colleges foi um dos grandes projetos populares deFranklin Delano Roosevelt (FDR), o Presidente criticado pela Direita e que,

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    nos anos da Grande Depresso, dividiu e desmantelou a Esquerda americanacom as suas polticas sociais, entre elas a de, atravs dos colleges, adiar oingresso de milhares de jovens no mercado de trabalho.

    O plano mestre da Califrnia, no entanto, mais recente, de 1960, efaz parte de um audacioso programa de democratizao do acesso aoconhecimento.Com relao a este exitoso plano, bom saber que uma Comis-so supra-partidria do Senado da Califrnia concluiu, h meia dzia de anosatrs, que a grande meta da democratizao do acesso ao conhecimento foiatingida. O problema passou a ser de qualidade. Neste sentido, o relatrio fazuma ressalva importante: a diviso tripartite do sistema excessivamente rgi-da e arbitrria,prejudicando a qualidade do ensino. Embora a Comisso tenhatido o cuidado de propor que a pesquisa de ponta permanea funo exclusi-va das Universidades do sistema UC, recomenda que todas as instituies,inclusive os colleges, faam algum tipo de pesquisa, ou pelo menos scholarship:pois todo bom ensino depende diretamente da atividade de pesquisa a eleassociada.

    Em uma poca em que, no Brasil, indissociabilidade entre ensino,pesquisa e extenso virou palavro, mesmo que faa parte do texto constitu-cional, o relatrio dos senadores da Califrnia ressurge como um alerta. Aexperinciados colleges tem sido, de fato, positiva e adquire um significadosocial que precisa ser considerado. Colleges, no entanto, no substituem e nopretendem substituir universidades, e no podem servir de pretexto paradesprestigi-Ias e desqualific-las. Por mais importantes que os colleges pos-sam ser para a economia do pas, uma nao soberana no pode prescindir deuma educao universitria desatrelada do imediatismo do mercado. Uma gran-de nao precisa,e muito, de Universidades preocupadas no s com o pre-sente e o existente mas tambm com o futuro e o que ainda no existe, algode que os colleges, pela suanatureza eminentemente operacional, so incapa-zes.

    O projeto dos colleges, no xerox mal feito pelo Brasil, mostra um ladoperigoso e pernicioso: gera, permitam-me o neologismo, a collegificao dasuniversidades. Eu explico: Enquanto na matriz do capitalismo os colleges tmefetivamente um poder democratizante, pois permitem que a populao emgeral continua e os seus estudos aps deixar o ensino mdio (o que, eviden-temente, desejvel), no Brasil, na verso assumida de cursos seqenciais dedois anos de durao, eles se tomam um caa-nqueis a mais do setor privado.Por serem iniciativas mais eficientes (assim reza o imediatismo neoliberal),produzem um diploma de curso superior, com menos recursos em menostempo e, quando aceitas nas IES estaduais e federais, ameaam privatizar devez o espao pblico e minar a base dos padres de qualidade acadmica dasuniversidades de verdade.

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    Neste contexto, no surpreende a deciso do Conselho Nacional deEducao do ltimo dia 27 de maio, propondo a criao dos cursos nanicosnas universidades. Refiro-me ao parecer de uma conselheira propondo dimi-nuir a durao dos cursos universitrios de graduao para trs anos, comexceo dos cursos da rea mdica e das engenharias. Paulo Renato Souzano homologou o parecer. Resolveu devolv-lo para reexame do Conselho.Mesmo assim, bom ficar atento: a proposta do Conselho Nacional de Educa-o interessa diretamente aos empresrios da educao, que j fizeram osclculos: As estimativas so de que a reduo dos cursos para trs anos ampli-aria o rendimento das instalaes das escolas e do tempo dos professores emcerca de 40%. Como o gosto pelos nmeros e o lucro tendem a andar de mosdadas, a combinao um prato cheio para qualquer poltico.

    Antes que possa ficar a impresso de que sou contra os colleges oucursos seqenciais, quero deixar bem claro o seguinte: os colleges, no modeloamericano, so socialmente importantes. Conheci dois deles com profundida-de e sei o que representam para a massa dos que, sem esta oportunidade,estariam impedidos de continuar os seus estudos. Outro dado: dos cerca de 15milhes de universitrios americanos, 5 milhes esto em colleges pblicos,onde o ensino virtualmente gratuito. Ou seja, por mais que se possa criticara qualidade destas instituies a partir de padres das universidades de elite, impossvel negar que elas desempenham um importante papel social e queabrem possibilidades concretas para a continuidade dos estudos e para oincremento da mobilidade social.

    No Brasil, no entanto, na forma em que foram imaginados, isto ,como cursos seqenciais, eles servem quase que exclusivamente para ampliaro mercado para as instituies privadas, para aligeirar o ensino e para serparte integrante de instituies universitrias j existentes, collegificando avida acadmica do campus e privatizando o espao pblico. A iniciativa talqual est posta , pois, desastrosa e precisa ser cuidadosamente e revista.

    Diante deste quadro, a um s tempo privatizante e elitista, cabe apergunta bvia: o que fazer? No pretendo aqui expor um projeto de polticaspblicas, as parece-me impossvel no considerar pelo menos os dez princpi-os abaixo para o estabelecimento de polticas que redirecionem a educaosuperior brasileira:

    1. Expanso agressiva das vagas no ensino superior pblico, com aconseqente gradual desprivatizao do sistema como um todo,permitindo a incluso do enorme contingente de excludos;

    2. Ampliao significativa do financiamento pblico;3. Manuteno e melhoria dos padres pblicos de qualidade;4. Gratuidade do ensino nas instituies pblicas;

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    Polticas para a Educao Superior no Brasil: Deselitizao e desprivatizao

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    5. Autonomia universitria para promover o avano das artes e dascincias,desatreladas do imediatismo do mercado, tendo semprecomo fim ltimo a melhoria da qualidade da vida;

    6. Compromisso com projetos de desenvolvimento nacional;7. Redefinio da educao superior para desbanalizar o conceito de

    Universidade;8. Administrao do sistema de forma democrtica e participativa;9. Avaliao institucional permanente de carter formativo, que te-

    nha como principal objetivo a melhoria da gesto institucional eda qualidade acadmica;

    10.Valorizao dos profissionais da educao;

    Como estes princpios sero transformados em propostas, no atacadoe no varejo, tarefa que cabe, parece-me, aos responsveis pela conduo daeducao nacional nos prximos anos e a todos ns que temos anos assumidoum compromisso inarredvel com a educao superior. A tarefa evidente-mente rdua, mas urgente e necessria.

    Disse-me um dia desses uma professora Cearense que estava muitodesgostosa com os rumos intermos de sua universidade que, para ela, grandeparte dos problemas da instituio tinha a ver com o quadro interno e, emespecial, com o corpo docente. Quando pedi a ela que me explicasse o quequeria dizer, ela foi categrica: H, hoje, disse-me ela, trs tipos de profes-sores nas universidades pblicas: os gua, os pai dgua e os filhos de umagua. Como eu demonstrasse que no estava entendendo, ela explicou: ogua trabalha feito um condenado; quando surgem problemas, ele parte doprincpio de que trabalhar mais a soluo, e ento trabalha para alm dosseus limites; o pai dgua no faz nada, sempre aparece depois que a festa estorganizada, elogia o esforo alheio e lamenta no ter podido ajudar. Em geral,sorridente, para o pai dgua tudo est sempre muito bem e, assim, ele leva avida numa boa. Para ele, de uma forma ou de outra, tudo acabar se resolven-do e algum, no ele, claro, far o trabalho que tem que ser feito; e o filhode uma gua nunca est presente para emitir um parecer, para construir umcurrculo, para montar um programa, para estruturar uma poltica. Ele temuma incrvel habilidade para no ser encontrado,nem no campus, nem emcasa. Costuma chegar depois que tudo est resolvido e,para azar dos outros,insiste que tem as melhores opinies e que no foi ouvido,que foi excludo. o tipo que no vem dar as suas aulas e ainda reclama por no ter sido avisadode que no era feriado. Em suma, o tipo que no s no faz nada, mas queainda por cima reclama de tudo e de todos.

    Pessoalmente, estou convencido de que esta sabedoria cearense,embora seja uma interessante caricatura dos tipos com quem convivemos, no

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    explica as verdadeiras causas da crise. Quem vive no campus sabe que ocorpo docente consiste principalmente do primeiro grupo, um grupo de abne-gados (guas), para quem a universidade , parodiando Cruz e Souza, umorgulho, um tormento e um vinho. A verdadeira explicao para a crise deidentidade, para a crise de elitismo e para a crise financeira da educaosuperior pblica no atitudinal, mas poltica. As solues, portanto, nopodem ser buscadas em abordagens behavioristas ou na crena de que setodos desenvolvermos certas virtudes a excluso desaparecer como num passede mgica, a autonomia estar garantida e a vida na universidade ser umcolrio para os nossos olhos. Embora as virtudes no devam nunca ser descar-tadas em nome de estruturalismos cegos, a histria educacional est repleta deexemplos de que a estrutura das polticas pblicas desenvolvidas pelos nossosgovernantes fundamental na definio dos rumos que sero tomados e dosprprios comportamentos adotados pela comunidade.Embora seja verdade,como dizia Lichtenberg, que ns, a cauda do universo, no sabemos o que acabea est tramando, tambm verdade que, em ambientes democrticos,quando os rumos escolhidos pelos nossos governantes no so do nossoagrado, resta a certeza de que as suas polticas no so eternas e de que,porserem feitas por seres humanos, podem tambm ser por eles desfeitas e refei-tas.

    Notas

    1 Nos ltimos sete anos as 52 instituies de ensino superior federais viram seus recursos reduzidos aapenas 0,61% do PIB (ano 2001). Em 1994, este percentual era de 0,91% 00 PIB (fonte:www,ipeadata,gov,br).

    2 Em 2000, 79,8% das vagas no ensino superior estavam no setor privado. Enquanto a relao global foide 3,3 candidatos/vaga, na universidade pblica esta relao chegou 8,7 candidato/vaga (Fonte: lpea).

    3 (valeria registrar o que recentemente disse GLACI ZANCAN, presidente da Sociedade Brasileira para oProgresso da Cincia. a sociedade precisa tomar conhecimento dos riscos das medidas tomadas peIarea econmica do governo federal, cortando em aproximadamente 45% o oramento do Ministrio daCincia e Tecnologia. O risco real. O oramento do CNPq tem se mantido no mesmo patamar, apesarda incluso de novos programas e da desvalorizao do real. A execuo oramentria dos primeirosquatro meses deste ano mostra que praticamente apenas os recursos de bolsas vm sendo liberados...O contingenciamento anunciado, retirando quase a metade do oramento do Ministrio da Cincia eTecnologia, ser catastrfico. Estar colocando em risco todo o sistema de C&T, alm de anular todo oesforo feito na reformulao da rea, conclui. Fonte Agenda do CCE (CCE/UFSC, 17 de junho de2002).

    4 Chega a ser escandaloso, por exemplo, o que vem ocorrendo pelo pas, com os cursos de mestrado eespecializao, encomendados por levas de quase-aposentados que buscam maior titulao antes de seaposentarem em instituies pblicas. escandaloso ver tambm a absoluta ausncia de controle dequalidade acadmica. A bem da verdade, no ltimo ano a CAPES, tardiamente, vem atuando para inibira proliferao a qualquer custo.

    Revista Dilogo Educacional, Curitiba, v. 4, n.9, p.29-42, maio/ago. 2003.

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    5 0 Programa de Avaliao institucional das Universidades Brasileiras (PAIUB), gestado na comunidadeuniversitria sob a coordenao do MEC durante a administrao de Murilio Hingel, foi simplesmentemarginalizado peIo Ministro Paulo Renato. Embora o MEC tenha caprichosamente substitudo todos osantigos membros da Comisso Nacional por pessoas mais simpticas s polticas do atual governo e,embora tenha feito tentativas para reavivar o Programa em 2000, a iniciativa no logrou xito.

    6 Para os alunos mais aquinhoados acaba de ser criada, em vrias universidades pblicas, a possibilidadede os candidatos excludos pelo no nosso vestibular estudarem na Espanha e na Alemanha, onde estespagaro pelos seus estudos mas,acreditam os institudores do Programa, recebero educao de boaqualidade. As elites descontentes com a baixa qualidade da educao superior privada no Brasil e acrise econmico financeira das universidades europias parecem ter descoberto um negcio que bene-ficia a ambos. claro que de democratizante o projeto no tem nada.

    Referncias

    BIONOI, A. O Brasil privatizado. So Paulo: Fundao Perseu Abramo, 2001.

    SOBRINHO, J. O., RISTOFF, O. Avaliao democrtica para uma universi-dade cidad. Florianpolis: Insular, 2002.

    Joint Committee for Review of The Master Plan in Higher Education. CalifoniaFaces Califomias Future: Education for Citizenship in a Multicultural Democracy.Sacramento, California: 1995.

    RISTOFF, O. Universidade em foco: reflexes sobre a educaosuperior.Florianpolis: Insular, 1999.

    TRINDADE, Hlgio, (Org.). Universidade em runas na/repblica dos pro-fessores. Petrpolis: Vozes, 1999.

    Recebido em 10/9/02Aprovado em 25/3/03

    Dilvo I. Ristoff

    Revista Dilogo Educacional, Curitiba, v. 4, n.9, p.29-42, maio/ago. 2003.