POLÍTICAS LINGUÍSTICAS E DEFINIÇÃO DE PARÂMETROS PARA O ENSINO DE PORTUGUÊS COMO LÍNGUA...

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    ReVEL, v. 14, n. 26, 2016 ISSN 1678-8931 271

    SCHOFFEN, J. R.; MARTINS, A. F. Polticas lingusticas e definio de parmetros para o ensino

    de portugus como lngua adicional: perspectivas portuguesa e brasileira. ReVEL,v. 14, n. 26, 2016.

    [www.revel.inf.br].

    POLTICAS LINGUSTICAS E DEFINIO DE PARMETROS PARA O

    ENSINO DE PORTUGUS COMO LNGUA ADICIONAL:PERSPECTIVAS

    PORTUGUESA E BRASILEIRA

    Juliana Roquele Schoffen1

    Alexandre Ferreira Martins2

    [email protected]

    [email protected]

    RESUMO: Este artigo se prope a apresentar as perspectivas portuguesa e brasileira para o ensino de portuguscomo lngua adicional, a fim de apontar os contrastes existentes entre essas duas orientaes tericas.Descrevemos, para isso, os contextos de expanso da rea de PLA em Portugal e no Brasil, e os documentos queorientam as abordagens de ensino adotadas pelos dois pases. Do contexto portugus, so apresentados os trsdocumentos elaborados por Portugal para o ensino de PLA (Portugus Lngua No Materna no CurrculoNacional: Documento Orientador; Orientaes Programticasde Portugus Lngua No Materna (PLNM):

    Ensino Secundrio e o Quadro de Referncia para o Ensino Portugus no Estrangeiro). Do contextobrasileiro, j que no existem parmetros para o ensino de PLA, tomamos por base os documentos oficiais doExame Celpe-Bras, importante instrumento de poltica lingustica brasileiro e responsvel pelo(re)direcionamento do ensino de PLA no Brasil e no exterior, e os Parmetros Curriculares Nacionais para oensino de lngua portuguesa, cuja orientao terica se assemelha em muitos aspectos ao construto terico doCelpe-Bras. A partir desses documentos, contrastamos as perspectivas portuguesa e brasileira, mostrando que,embora Portugal possua um documento orientador para o ensino de PLA, as diferenas entre as duasperspectivas dificultam o uso desse documento em contexto brasileiro. Enfatizamos, dessa forma, a importnciada redao de parmetros curriculares brasileiros para o ensino de PLA, a fim de consolidar a perspectivabrasileira e servir de base para a definio de currculos, a elaborao de materiais didticos e a formao deprofessores.PALAVRAS-CHAVE: Portugus como Lngua Adicional; Parmetros para o Ensino de PLA; Exame Celpe-Bras.

    INTRODUO

    A rea de ensino de Portugus como Lngua Adicional3(PLA) tem crescido muito no

    Brasil nos ltimos anos, devido, entre outras motivaes, a questes polticas e econmicas

    1

    Doutora em Lingustica Aplicada e professora da Universidade Federal do Rio Grande do SulUFRGS.2 Licenciando em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e licenciado em Portugus pelaUniversidade de Coimbra.

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    que colocaram o pas em um patamar diferente no cenrio internacional. Tambm o crescente

    processo de internacionalizao das universidades brasileiras e os recentes fluxos migratrios

    para o Brasil tm exigido esforos da rea para atender com qualidade todas as necessidades

    advindas dessa nova realidade. A crescente demanda pelo ensino de PLA contrasta, no

    entanto, com a falta de polticas lingusticas que estabeleam parmetros orientadores para

    esse ensino.

    No Brasil, os Parmetros Curriculares Nacionais para o ensino de Lngua

    Portuguesa, publicados em 1997, existem para orientar o ensino da lngua nas escolas de

    educao bsica. Esses parmetros apresentam uma perspectiva terica coerente com o que

    apontado na Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (lei n 9.394, de 20 de dezembro

    de 1996) e com outras orientaes posteriores para o ensino de lngua portuguesa, presentes

    nas Orientaes Curriculares para o Ensino Mdio, publicadas em 2006, nas Diretrizes

    Curriculares Nacionais, publicadas em 2013, e na nova Base Nacional Comum Curricular

    para a Educao Bsica, que teve sua primeira verso apresentada em 2015 e se encontra em

    fase de discusso e elaborao da verso final aps contribuies da sociedade. Nenhum

    desses documentos, no entanto, menciona as especificidades do ensino de Portugus como

    Lngua Adicional, em que pese a necessidade cada vez maior sentida pelos profissionais da

    rea de orientaes oficiais para o balizamento do ensino, o desenvolvimento de material

    didtico e o estabelecimento de progresso curricular4.

    A falta de parmetros brasileiros para o ensino de PLA e a demanda por ensinar para

    atender s necessidades dos alunos faz com que os professores acabem buscando orientaes

    para o ensino em outras aes da rea. Nesse sentido, h j vrias pesquisas que mostram a

    importncia que o Exame Celpe-Bras vem exercendo como elemento direcionador dos

    processos educacionais de PLA no Brasil e no exterior (como exemplo dessas pesquisas,

    podemos mencionar Costa (2013), Mittelstadt (2013), Ohlweiler (2006), Yan (2008), Li

    (2009), Bortolini (2006), entre outras).Ao contrrio do Brasil, Portugal possui documentos que se propem a orientar o

    ensino de PLA tanto em contextos escolares quanto em contextos extraescolares, a saber, os

    documentos intitulados Portugus Lngua No Materna no Currculo Nacional: Documento

    Orientador; Orientaes Programticas de Portugus Lngua No Materna (PLNM): Ensino

    Secundrio; e o Quadro de Referncia para o Ensino Portugus no Estrangeiro

    3Optamos por usar o termo lngua adicional, ao invs de lngua estrangeira, em virtude do carter inclusivo

    que o termo apresenta, com nfase no acrscimo ou adio a outras lnguas que o indivduo j fale. O uso dotermo discutido com mais relevncia em Schlatter e Garcez (2009) e Judd et al. (2001).4Sobre a carncia na definio de parmetros para o ensino de PLA, ver Kraemer (2012) e Mittelstadt (2013).

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    (QuaREPE), com alcance nacional e internacional. Esses documentos, no entanto, parecem

    apresentar uma perspectiva terica diferente da perspectiva apresentada pelos PCN de lngua

    portuguesa e pelo Exame Celpe-Bras, dificultando o estabelecimento de relaes entre as

    orientaes portuguesas e o que est sendo realizado no ensino de PLA em contexto

    brasileiro.

    Assim, temos por objetivo neste artigo apresentar os documentos orientadores do

    ensino de PLA em Portugal e as aes que tm norteado a rea de PLA no Brasil,

    contrastando as perspectivas tericas s quais as orientaes de ambos os pases se filiam.

    Para contemplar esse objetivo, apresentamos os documentos portugueses orientadores do

    ensino de PLA, de modo a contextualizar o seu surgimento a partir das necessidades de ensino

    em contexto portugus e suas relaes com o Quadro Europeu Comum de Referncia para as

    Lnguas (QECR). A seguir, tecemos um panorama da rea de PLA no Brasil, a fim de

    apresentar as especificidades das demandas do ensino e ressaltar a carncia de documentos

    oficiais que determinem parmetros para esse ensino.

    Uma vez que no existem parmetros especficos para o ensino de PLA no Brasil,

    traamos um panorama terico-metodolgico das orientaes para o ensino de lngua

    portuguesa no pas a partir dos Parmetros Curriculares Nacionais para a educao bsica,

    visto que essas orientaes esto em muito relacionadas com o que tem sido feito na rea de

    PLA nos ltimos anos. Apresentamos, tambm, o construto terico do Exame Celpe-Bras e

    trazemos para a discusso os resultados de algumas pesquisas que mostram como esse exame

    tem se constitudo na grande ao de poltica lingustica brasileira de orientao do ensino de

    PLA. Por fim, procuramos estabelecer as consonncias e dissonncias entre as perspectivas

    tericas adotadas pelas vertentes portuguesa e brasileira para o ensino de PLA, a fim de

    ressaltar a necessidade de o Brasil investir na redao de parmetros para esse contexto de

    ensino que deem conta das concepes de lngua, linguagem, aprendizagem e proficincia

    revelados pela perspectiva terica adotada no Exame Celpe-Bras e por pesquisas realizadas nopas.

    1. OCONTEXTO PORTUGUS

    A institucionalizao do Portugus Lngua No Materna (PLNM) em Portugal

    relativamente recente nos diferentes contextos educacionais e esteve ligada a necessidades de

    natureza social, cultural e poltica, tendo surgido no pas de forma sistemtica, como rea deestudo, em meados dos anos oitenta, sob a denominao de Portugus Lngua Estrangeira ou

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    de Portugus Lngua Segunda (Pinto, 2007). Por meio do Decreto-Lei n. 74/2004, o

    Ministrio da Educao de Portugal vinculou, pela primeira vez, as medidas educacionais

    tomadas com a implementao do primeiro documento oficial voltado ao ensino de PLA, em

    contexto de educao bsica, heterogeneidade lingustica pela qual o pas e os contextos

    escolares passaram ao longo de trs dcadas.

    Na esteira das polticas lingusticas portuguesas que focalizaram o contexto de ensino

    de PLA, o acolhimento de filhos de imigrantes nas escolas pblicas portuguesas foi uma

    prioridade governamental. Por essa razo, na sequncia das disposies do Decreto-Lei n.

    6/2001, que incumbe s escolas portuguesas a tarefa de dar acesso a atividades de ensino

    relativas aprendizagem de portugus como lngua estrangeira, d-se a publicao, em Julho

    de 2005, do documento Portugus Lngua No Materna no Currculo Nacional: Documento

    Orientador, o qual representou a integrao de um novo alunado, composto por imigrantes

    que tinham a urgente necessidade de aprender a lngua portuguesa.

    Entre os sculos XX e XXI, uma unificao curricular, que possua como mote a

    definio dos novos perfis lingusticos5e a garantia do acolhimento nos diferentes contextos,

    foi instituda como projeto governamental, visando formao de uma mentalidade curricular

    por parte dos atores educacionais (Leite, 2014). Novas diretrizes para o ensino de PLA

    institucionalizaram gradativamente essa modalidade nos ensinos bsico e secundrio

    portugueses6com a publicao do Documento Orientador, em 2005, e, dois anos mais tarde,

    com a implementao das Orientaes Programticas de Portugus Lngua No Materna

    (PLNM): Ensino Secundrio e deram tambm vazo para a definio do ensino de

    portugus em contextos outros, extraterritoriais, com a construo e experimentao, entre

    2002 e 2007, do Quadro de Referncia para o Ensino Portugus no Estrangeiro (QuaREPE).

    No despacho n. 200/2005, no qual o QuaREPE institudo como o documento de base para

    uma modalidade especial de ensino, o Ensino de Portugus no Estrangeiro (EPE), so

    indicados os instrumentos e as polticas que serviram de referncia para a construo dodocumento, dentre as quais se destacam o Quadro Europeu Comum de Referncia para as

    Lnguas: Aprendizagem, Ensino, Avaliao(QECR) e o Portflio Europeu das Lnguas.

    5De acordo com dados fornecidos em Portugal (2006), entre esses perfis lingusticos esto os dos emigrados dasex-colnias portuguesas africanas (dentre os quais uma parcela era composta por falantes de lnguas autctonesafricanas ou de crioulos de base lexical portuguesa), os dos contingentes provenientes da Europa Central e doLeste, com predominncia de populaes provenientes da Ucrnia, Rssia, Romnia e Moldvia, e os doscidados portugueses com condies socioeconmicas desfavorecidas, que, pela falta de escolarizao,distanciavam-se substancialmente da norma-padro do portugus.6

    O Portugus Lngua No Materna ganha o estatuto de disciplina integrante do currculo dos ensinos bsico esecundrio, passvel de oferta por parte das escolas, a partir das disposies dos artigos 10. e 18. do Decreto-Lei n. 139/2012, de 5 de Julho de 2012.

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    Para a compreenso desses textos como aes de poltica lingustica e, portanto, de

    difuso da lngua portuguesa , neste trabalho, sero descritas as propostas das principais

    orientaes curriculares portuguesas em nvel nacional, a saber, o Documento Orientador, por

    se constituir como um documento que busca a delimitao de medidas de acolhimento, as

    Orientaes Programticas de PLNM, texto que situa terico-metodologicamente o ensino de

    portugus lngua no materna e define nveis de proficincia, e, em nvel internacional, o

    QuaREPE, separado em um documento orientador e em um conjunto de tarefas, atividades,

    exerccios e recursos para a avaliao.

    1.1 PORTUGUS LNGUA NO MATERNA NO CURRCULO NACIONAL: DOCUMENTO

    ORIENTADOR

    Elaborado a partir de 2003 pela Direco-Geral de Inovao e de Desenvolvimento

    Curricular entidade ministerial responsvel pela constituio de documentos normativos e

    pedaggicos , em virtude de uma srie de modificaes sociais e lingusticas pelas quais

    Portugal passara ao longo de trs dcadas, o Portugus Lngua No Materna no Currculo

    Nacional: Documento Orientador foi homologado e divulgado publicamente em julho de

    2005. Assumindo-se como uma poltica de integrao social, cultural e profissional de

    crianas e jovens filhos de imigrantes que em Portugal encontraram residncia na passagem

    do sculo XX para o sculo XXI, o texto focaliza a escola como o ambiente propcio de

    acesso cidadania. O documento prev, desse modo, atitudes a serem tomadas por parte das

    instituies escolares e de seus atores no tocante s modificaes socioculturais. Com a

    criao de condies de acolhimento e de acompanhamento escolar, incluindo a flexibilizao

    das prticas de ensinoa partir das quais a iniciao lngua forneceria progressivamente o

    acesso ao currculo comum e prpria cidadania , seria dado suporte para a formao de

    uma cultura escolar que abarcasse os novos perfis e contextos locais.Para tal feito, o documento elenca os objetivos do ensino de PLNM, perspectivando a

    importncia do cumprimento do Decreto-Lei n 6/2001: com a aprovao de uma

    reorganizao curricular do ensino bsico, o Artigo 8. determina como dever das escolas

    portuguesas proporcionar actividades curriculares especficas para a aprendizagem da lngua

    portuguesa como segunda lngua aos alunos cuja lngua materna no seja o portugus

    (Portugal, 2001); a lngua segunda, portanto, concebida como a lngua veicular, isto , como

    o suporte por meio do qual se tem acesso aos saberes escolares. Assim sendo, passam a serobrigatrias as atividades pedaggicas que contemplem o contato do aluno com a lngua

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    portuguesa para o acesso ao currculo nacional em quaisquer nveis de ensino (bsico ou

    secundrio) ou modalidades de ensino (cursos cientfico-humansticos, cursos tecnolgicos,

    cursos do ensino artstico especializado, etc., cuja oferta d-se conforme o nvel de ensino),

    embora ainda no existisse a disciplina especfica de PLNM no currculo da educao bsica

    do pas.

    A primeira medida de acolhimento diz respeito, assim, organizao do processo

    individual e escolar do aluno, o que engloba a parte administrativa, de sua inscrio, e um

    elenco de aspectos a serem considerados por umaequipe multidisciplinar e multilngueque

    tem a misso de lidar com estratgias para a melhor adaptao dos alunos estrangeiros ao

    novo ambiente escolar no processo individual dos estudantes. Para isso, so levados em

    conta uma srie de critrios relevantes para a integrao, que podem ser resumidos em duas

    atitudes complementares: importa a definio de um perfil lingustico e escolar do aluno,

    havendo a delimitao de sua lngua materna, das demais lnguas de seu domnio e do nvel

    de proficincia em lngua portuguesa, assim como uma recolha de informaes acerca das

    situaes de escolarizao anteriores. Em complementariedade ao diagnstico dos novos

    pblicos escolares, a adoo do Portflio Europeu de Lnguas, concebido pelo Conselho da

    Europa (organizao internacional que visa garantia da estabilidade social em contexto

    europeu), estabelece-se como um instrumento de autoavaliao para controle sistemtico de

    aprendizagem, cujas qualificaes formais so obtidas a partir dos nveis de referncia do

    QECR.

    As duas medidas de acolhimento subsequentes relacionam-se s atitudes

    complementares da primeira medida, pois determinam a criao de uma equipe

    multidisciplinar e multilngue para cada escola e indicam a possibilidade de aplicao das

    medidas avaliativas propostas pelo Centro de Avaliao de Portugus Lngua Estrangeira

    (CAPLE), respectivamente. Com a segunda medida, em especial, pressupe-se uma

    mobilizao escolar para a efetivao da poltica de acolhimento, visto que so indicadas asconfiguraes de equipes, que correspondem, pois, s finalidades do instrumento de

    orientao, uma vez que, por meio do trabalho cooperativo dos atores educacionais, os

    princpios e os objetivos previstos no documento passam a ser articulados para a integrao

    dos novos alunos.

    At ento, o PLNM no havia se constitudo como uma disciplina do currculo da

    educao bsica; nessa medida, as orientaes dadas pelo documento em suas pginas finais

    aludem possibilidade de a escola introduzir disciplinas voltadas aprendizagem da lnguado pas de acolhimento ou mesmo introduo s culturas portuguesas como atividades

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    curriculares ou extraclasse. O documento refere-se tambm possibilidade da criao de

    cursos livres das lnguas faladas pelos aprendizes, de maneira a efetivar, portanto, a relao

    entre a comunidade e as famlias que em Portugal buscam construir uma nova vida.

    O Documento Orientador parece se originar na necessidade de gerar orientaes gerais

    de acolhimento de filhos de imigrantes no sistema escolar portugus, de modo a inseri-los, da

    forma mais bem-sucedida possvel, na sociedade portuguesa, mas deixa para os prximos

    documentos a tarefa de realmente orientar o ensino de PLA no contexto portugus.

    1.2AS ORIENTAES PROGRAMTICAS DE PORTUGUS LNGUA NO MATERNA (PLNM):

    ENSINO SECUNDRIO

    Em 2008, as Orientaes Programticas de Portugus Lngua No Materna (PLNM):

    Ensino Secundrio surgem na sequncia de uma parcial institucionalizao disciplinar do

    PLNM na educao bsica portuguesa. Ainda que o Documento Orientador (2005) estivesse

    calcado na difuso dos princpios necessrios elaborao de um referencial que visasse ao

    ensino de portugus para aprendizes falantes de outra lngua materna que no fosse o

    portugus, as Orientaes Programticas so homologadas pelo Estado com o intuito de a)

    definir as especificidades do ensino do PLNM, b) refletir sobre as especificidades da prtica

    pedaggica, c) definir o domnio da competncia comunicativa como fator responsvel pelo

    uso adequado de quaisquer lnguas, d) fornecer orientaes metodolgicas para o ensino de

    PLNM, e) sugerir atividades conforme os diferentes nveis de proficincia, f) apresentar os

    contedos e aprendizagens dos diferentes nveis para cada macrocompetncia (ouvir,

    interagir, falar, ler e escrever), alm de sugestes de formatos textuais(entrevistas, pequena

    biografia, verbete de dicionrio, slogan publicitrio, etc.) e, por fim, g) de estabelecer

    orientaes para a avaliao dos grupos de nvel.

    No site da Direo-Geral de Educao, do Ministrio da Educao de Portugal, asOrientaes Programticas so apresentadas no ttulo Princpios orientadores do ensino do

    PLNM como um documento de referncia para toda a escolarizao bsica portuguesa,

    mesmo que esteja voltado ao nvel secundrio de ensino, com o salvaguardo da possibilidade

    de adaptao de suas orientaes por parte de atores educacionais. Por esse motivo, verifica-

    se que a medida de elaborao de orientaes nacionais para o ensino de PLNM, tal como

    pressupunha em 2005 o Documento Orientador, no se efetiva com a proposta contida nas

    Orientaes Programticas, visto que estas, em primeiro lugar, no contemplam todos os

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    nveis de ensino previstos no documento de base e, em segundo lugar, no apresentam

    concretamente sugestes de atividades didticas.

    Em suas pginas iniciais, as Orientaes Programticas indicam prioridades

    concernentes a trs grupos de nvel, contemplando os nveis previstos no QECR, sob trs

    divises, a saber, Iniciante (A1, A2), Intermedirio (B1) e Avanado (B2, C1), de acordo com

    as especificidades geradas pelos diferentes perfis lingusticos. Para todos os nveis, considera-

    se como centro das atividades pedaggicas o desenvolvimento de competncias, com nfase

    inicial nas competncias lexicais e gramaticais (no fornecimento de vocabulrios base e de

    estruturas que possibilitem a compreenso mnima de cada uma das disciplinas do currculo) e

    o progressivo desenvolvimento, no nvel intermedirio, das demais competncias, com nfase

    no desenvolvimento metadiscursivo e metalingustico, aliadas ao trabalho com os mesmos

    objetivos e contedos do ensino de portugus como lngua materna. No nvel avanado, por

    fim, tem-se uma descrio pouco esclarecedora e que se aplicaria, igualmente, aos dois nveis

    anteriores: atenta-se necessidade de se possibilitar o acompanhamento do currculo nacional

    objetivo que, a princpio, j garantido, mesmo que no em sua totalidade, nos nveis

    anteriores, o desenvolvimento lingustico e o contato com a literatura portuguesa. Nota-se

    uma tentativa do texto de suprir, posteriormente, as lacunas deixadas pela generalidade das

    orientaes iniciais; no entanto, por apresentar orientaes de carter mais terico que

    operacionalizado, fica, portanto, a critrio do leitor do documento a sistematizao e a

    aplicabilidade dessas orientaes.

    Excetua-se, contudo, a heterogeneidade lingustica, uma vez que ela associada a uma

    srie de aspectos a partir dos quais se pode inferir o suporte ou a transposio de aspectos da

    lngua materna para aprendizagem da lngua-alvo, j que as peculiaridades de processamento

    e de produo das lnguas de socializao dos sujeitos importam de tal maneira que so

    explicitadas como fatores intervenientes na aprendizagem da lngua-alvo, nomeadamente na

    aquisio e produo por parte do aprendiz. A heterogeneidade lingustica no est aliada,portanto, cultural, pois no h relaes entre lngua e cultura ou entre lngua e sociedade,

    embora o texto ressalte que a considerao da associao existente entre ambas

    determinante no processo de aprendizagem.

    Considerando a lngua como um sistema combinatrio, esse documento ressalta que,

    para a aprendizagem da lngua-alvo, no que compete heterogeneidade lingustica, estariam

    implicados uma srie de fatores estritamente lingusticos, relacionados lngua materna dos

    alunos, tais como a dificuldade ou no de distino entre o sistema fonolgico do portugus eo de sua lngua maternaisto , nas implicaturas das diferentes capacidades de produo e de

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    discriminao de sons , pelo desconhecimento das unidades semnticas, que pressupe um

    desconhecimento da segmentao das palavras, e pela diferena entre o sistema alfabtico, do

    qual faz uso o portugus, e outros sistemas, o que implica na capacidade ou incapacidade de

    associao som/grafia pelos alunos.

    Concernente a todos esses aspectos entrelaados noo de lngua, explicita-se a

    concepo de uso da lngua, subjacente s reflexes empreendidas no documento, como o

    domnio progressivo da competncia comunicativa, compreendo seis dimenses gerais de

    comunicao: competncia lexical; competncia gramatical; competncia sociolingustica,

    competncia pragmtica; competncia discursiva; e competncia estratgica. As duas

    primeiras, que, como se ver a seguir, ganham destaque no documento, explicitam uma

    concepo de lngua como sistema de associaes, combinaes e de encaixes de estruturas; a

    aquisio de lngua concebida como o conhecimento de palavras e suas propriedades e de

    unidades de sentido, as quais subsidiariam a construo de uma gramtica pelo falante,

    proporcionando, progressivamente, uma aproximao em relao gramtica dos falantes

    nativos da lngua-alvo.

    Para o contexto de ensino, portanto, o documento prope a separao dos nveis de

    anlise lingustica, ainda que ressalte a dificuldade de se fazer isso em sala de aula, e

    considera, nesse sentido, esses aspectos estruturais como contedos a serem privilegiados no

    ensino e na aprendizagem de PLNM. Desse modo, os quadros das pginas finais do

    documento o de atividades e o de distribuio de contedos por nveis , nos quais so

    vinculados os contedos e as competncias, trazem uma noo de atividade no como prtica

    de insero na escola e em sociedade, mas, predominantemente, como reconhecimento de

    estruturas lingusticas, que, seguindo a linha de raciocnio apresentada pelo documento,

    forneceriam o necessrio para a insero nestes contextos.

    Mesmo que esses quadros prevejam o trabalho com diferentes gneros textuais7,

    desconsidera-se qualquer reflexo sobre relaes de interlocuo a partir dos gnerossugeridos. A competncia discursiva de que trata o texto, com efeito, serve como pretexto

    para o estudo do que, de fato, pelo que se pode depreender, estaria no centro da aula e

    proporcionaria a capacidade de se comunicar: atividades de fixao de estruturas gramaticais,

    em qualquer um dos nveis de proficincia. A prpria competncia estratgica, mencionada no

    texto como capacidade para usar o conhecimento lingustico e regular o discurso (Portugal,

    7

    Os documentos portugueses utilizam gnero textual, ao passo que os documentos brasileiros utilizamgneros do discurso. Apesar de sabermos que h diferena conceitual e de filiao terica entre as duasterminologias, essa diferena no ser discutida aqui, visto no ser este o objetivo do artigo.

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    2008), pouco esclarecida do ponto de vista metodolgicoficando restrita a dois exemplos,

    um acerca da reteno de informaes por meio de exerccios de completar lacunas de textos,

    e outro, sobre interao controlada e tambm desconsiderada na sistematizao dos

    referidos quadros, mesmo no de atividades, que se constitui como a sugesto aparentemente

    concreta de trabalho em sala de aula.

    Aps essas explicaes, que se resumem nas competncias lexical e gramatical, a

    competncia sociolingustica ganha seu espao de descrio, mas no includa nem no

    quadro de sugesto de atividades, nem no de contedos e competncias. Tal fato

    problemtico, tendo em vista o espao reservado pelo documento considerao da

    heterogeneidade cultural dos alunos estrangeiros e dos filhos de estrangeiros no ensino de

    PLNM. Tendo isso em conta, esperava-se que ambos os quadros, ao elencarem atividades e

    gneros textuais, abrissem espao, de igual maneira, reflexo sobre aspectos culturais que

    compreendem comportamentos, hbitos sociais, organizao poltica, etc. , inerentes

    competncia em questo. No entanto, v-se um elenco, por exemplo, na interface lxico e

    semntica8, de assuntos que no esto vinculados a aspectos concretos, apesar de ser possvel

    inferir que o educador pode, a partir destes, selecionar os aspectos culturais a serem

    trabalhados.

    Com vistas atualizao da competncia sociolingustica em situaes reais de

    comunicao, a competncia pragmtica proporcionaria ao aprendiz lanar mo dos recursos

    lingusticos necessrios para se comunicar, alm dos conhecimentos inerentes prpria

    pragmtica, engendrada pelo conhecimento lingustico e pelos contextos situacionais, entre os

    quais esto considerados a mensagem veiculada, o modo de veiculao e as intenes. Porm,

    os quadros de atividades e de competncias e contedos novamente no introduzem sua

    proposta orientadora a discusso terica empreendida pelo texto: a relao descrita, que

    introduz ao documento a preocupao com o contexto de comunicao, que, at ento no

    havia sido considerado, no est presente no principal suporte de sistematizao de queprofessores de PLNM dispem ao lidarem com as Orientaes Programticas.

    Para a transposio didtica das orientaes tericas, so apresentadas, no documento,

    orientaes metodolgicas que giram em torno da conscientizao do professor para com o

    desenvolvimento da competncia lingustica do aluno, progressivamente e por estgios,

    8As interfaces propostas pelo quadro no qual os contedos de aprendizagem so distribudos pelos grupos denvel so a nica integrao de competncias neste caso, de dimenses da competncia comunicativa

    apresentadas pelo documento oficial. Quanto integrao das macrocompetncias, sublinhada no segundocaptulo do documento, evidencia-se que ela no contemplada nem no quadro de distribuio de competncias,nem no de sugesto de atividades.

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    dependendo do docente a preparao para a realizao de atividades pedaggicas que estejam

    em conformidade com a capacidade dos alunos. Para isso, assumido que tanto na oralidade

    quanto na escrita existem erros, cuja correo no pode ser sistemtica, que podem servir de

    diagnstico de aspectos a serem considerados na elaborao de estratgias que proporcionem

    a realizao de atividades.

    Ademais, ainda no que compete s orientaes metodolgicas, o documento faz uma

    importante observao sobre o nvel de proficincia lingustica dos alunos de PLNM: h de se

    ter em conta um planejamento por parte do professor para que sejam articulados

    coerentemente os nveis de escolaridade e de proficincia. Contudo, para a efetivao de tal

    plano de desenvolvimento das aprendizagens dos alunos, as prticas de uso da lngua so

    limitadas pelo documento, uma vez que, em nveis iniciais, por exemplo, os alunos deveriam

    necessariamente ser expostos a exerccios de completar, de associar ou de preencher, pois

    demandariam um grau menor de exigncia. Assim sendo, progressivamente, passar-se-ia ao

    acesso a prticas de uso que exigiriam a exposio oral ou por escrito de ideias pessoais, no

    contemplada, para os nveis A1 e A2, no quadro de contedos e competncias, no qual as

    prticas orais restringem-se realizao de actos discursivos ou funes comunicativas,

    desconsiderando-se, assim, a competncia pragmtica anteriormente descrita pelo documento.

    Inserida tambm nas orientaes metodolgicas est a discusso sobre a introduo de

    termos metalingusticos do domnio de cada um dos nveis de anlise lingustica, haja vista os

    alunos terem de lidar com o currculo escolar, no que tange, especialmente, disciplina de

    Portugus. A explicitao, j apresentada nesta anlise, de que h uma tendncia do

    documento em realar a aquisio de estruturas da lngua, fato esse evidenciado na nfase

    dada pelo texto s competncias lexical e gramatical ambas predominantemente

    sistematizadas nos quadros/tabelas de atividades e de contedos e competncias coerente,

    na medida em que o texto reserva um subttulo especfico para a necessidade de introduo da

    metalinguagem por parte do professor.

    1.3OQUADRO DE REFERNCIA PARA O ENSINO PORTUGUS NO ESTRANGEIRO

    Com a publicao da Portaria n. 914/2009, o governo portugus tornou integralmente

    pblico o Quadro de Referncia para o Ensino Portugus no Estrangeiro (QuaREPE),

    documento que toma como referncia instrumentos outros produzidos no mbito do projeto

    Polticas Lingusticas para uma Europa Multilngue e Multicultural, da Diviso de ProjectosLingusticos do Conselho da Europa, nomeadamente o Quadro Europeu Comum de

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    Referncia para as Lnguas: Aprendizagem, Ensino, Avaliao (QECR) e o Portflio Europeu

    das Lnguas. Esse projeto buscava materializar o interesse que advinha da formao da Unio

    Europeia, em 1992, atravs do Tratado de Maastricht: uma harmonizao do ensino e da

    aprendizagem de lnguas (QECR, 2001) que possibilitasse a circulao de pessoas no

    continente europeu.

    A poltica lingustica de difuso da lngua portuguesa representada pelo QuaREPE

    remonta s primeiras demandas internacionais por cursos de lngua e cultura portuguesas,

    cujo contexto scio-histrico descreve-se em funo de manuteno identitria de crianas e

    de jovens filhos dos emigrados portugueses, os quais, por volta de 1960, deslocaram-se em

    direo a diferentes pases do globo. Dessa poca em diante, realidade representada pelo

    ensino a filhos de emigrantes de Portugal em pases onde o portugus no lngua oficial

    acresce-se uma nova, que exigiu do pas polticas lingusticas que proporcionassem o ensino

    do portugus como lngua de escolarizao nos cinco pases africanos de lngua portuguesa,

    tendo em conta a realidade plurilngue desses pases (Pinto, 2014). Para as duas realidades

    descritas, anteriores e posteriores dcada de 70, tem-se organizado o Ensino Portugus no

    Estrangeiro (EPE), modalidade especial de ensino que abrange, nas disposies do Despacho

    n. 200/2005, a rede de cursos de lngua e cultura portuguesas fora de Portugal e o ensino de

    portugus que representaria uma extenso do ensino pblico do pas no exterior, bem como o

    ensino circunscrito em reas disciplinares outras, cujo foco no o ensino da lngua, mas,

    sim, o ensino feito por meio dela (Portugal, 2005).

    De modo a abarcar esses contextos outros de ensino de portugus para estrangeiros,

    em coexistncia com as constantes mudanas da legislao, que traduzem as polticas

    lingusticas implementadas em razo do ensino do Portugus Lngua No Materna, o

    QuaREPE institudo como um instrumento de poltica lingustica de difuso internacional da

    lngua portuguesa promovido por Portugal, o qual busca estabelecer diretrizes terico-

    metodolgicas e fornecer sugestes de trabalho para o ensino de portugus para estrangeiros ecultura portuguesa no exterior. No mbito do EPE, o QuaREPE elenca as situaes

    diferenciadas dos contextos de ensino de portugus e da cultura portuguesa para estrangeiros

    ou para cidados portugueses que residam fora de Portugal, que compreendem, em suma, o

    ensino de portugus para emigrados de Portugal, para lusodescendentes e para falantes de

    outras lnguas. Para alm disso, o documento faz meno perspectiva de ensino da lngua

    portuguesa em alguns pases do Mercosul sem descrever se representaria uma oposio em

    relao proposta apresentada pelo QuaREPE, embora a leitura que se tenda a fazer,considerando o aspecto elencado como uma situao diferenciada, aponte para isso. Pode-se

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    depreender, nesse sentido, um reconhecimento da existncia de perspectivas de ensino de

    PLA que se diferenciam da apresentada pelo documento portugus; nesse meandro, como h

    de se supor, o protagonista da discusso seria, certamente, o Brasil.

    Devido s aes de continuidade das polticas lingusticas implementadas em contexto

    europeu, o propsito de se constituir uma base para a elaborao de programas, definio de

    linhas de orientao curriculares, construo de materiais pedaggico-didticos e de

    instrumentos de avaliao (Portugal, 2009: 7) serve de fundamento para o QuaREPE, que

    busca, ento, abarcar tanto os contextos anteriormente contemplados pela rede de cursos de

    Lngua e Cultura Portuguesas, quanto contextos da rede de Ensino Portugus no Estrangeiro

    (EPE). Em vias de se contemplar esses direcionamentos de base, o documento, voltado,

    especialmente, para professores, organizadores de cursos (e de currculos), autores de

    materiais didticos e demais atores educacionais, organizado em duas partes: uma primeira,

    representando orientaes sobre competncias a serem desenvolvidas e sobre nveis de

    proficincia e seus respectivos descritores, e uma segunda, que apresenta um conjunto de

    tarefas, atividades, exerccios e recursos para avaliao.

    O QuaREPE composto por trs captulos: no primeiro, delineado o papel que o

    documento, com a sua homologao, passa a exercer no mbito do EPE, a sua

    fundamentao, os seus princpios e as suas finalidades. A partir do segundo captulo, so

    descritas as competncias gerais e as competncias relacionadas com outras reas curriculares

    para serem desenvolvidas em nveis Iniciante e Intermedirio (A1, A2, B1) e nveis mais

    avanados de referncia (B2, C1) , a conscincia intercultural, as competncias

    comunicativas (entre as quais o documento opta por explorar apenas a lexical e a gramatical)

    e demais noes envolvidas no desenvolvimento das competncias, tais como uso da lngua,

    temas, tarefase textos. No ltimo captulo, entram em pauta a avaliao e a proficincia em

    portugus; nessa medida, a seleo de contedos d-se a partir de descritores de desempenho

    para o desenvolvimento de competncias as quais esto, pois, no centro do processo deensino-aprendizagem.

    O documento elenca trs princpios que estariam ligados concepo e ao

    desenvolvimento de competncias, por ele posteriormente descritas a partir de descritores,

    bem como suas finalidades no mbito do EPE: o QuaREPE a) aproxima-se dos documentos

    portugueses voltados ao acolhimento de estrangeiros, uma vez que pontua a incluso como

    fator a ser reconhecido pelos agentes educacionais; para isso, o documento b) serve como

    base para a legitimao de perspectivas de ensino transparentes, que sejam coerentes paraaqueles que ensinam. Alm disso, esse instrumento c) pressupe um ensino no qual a

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    participao do aluno, como agente do seu processo de desenvolvimento de competncias,

    abrange a conscientizao da utilizao da lngua em outros contextos que no escolares, que

    se daria pela avaliao e pela possibilidade de certificao de proficincia.

    No que diz respeito s suas finalidades, esse documento de difuso da lngua

    portuguesa sintetiza o que j mencionado em sua prpria contextualizao: tem como foco o

    fornecimento de recursos terico-metodolgicos que possibilitem aos professores da rede EPE

    desenvolverem em seus alunos competncias gerais em portugus. Por representar um

    instrumento de poltica lingustica de amplo alcance, h a nfase no desenvolvimento da

    identidade plurilngue e pluricultural de seus pblicos-alvo e na cidadania, cujo sentido no

    descrito no texto, embora esteja pressuposta a difuso da cidadania portuguesa.

    Essa nfase nos aspectos culturais de uma sociedade remonta discusso transversal

    que ancora os documentos nacionais de ensino do PLNM, de Portugal, acerca da

    interculturalidade, noo que est ligada s polticas europeias que preveem a livre circulao

    de pessoas e a garantia do respeito s diversidades tnicas e s identidades individuais e

    coletivas. No mbito do EPE, a conscientizao intercultural estaria em benefcio de uma

    descentralizao cultural, visto a necessidade de se conscientizar o aprendiz de que a cultura

    onde ele est imerso no exclusiva nem mais importante que outras. Associados

    conscincia intercultural, esto tambm o conhecimento do mundo e o conhecimento

    sociocultural, compondo o que o documento denomina como conhecimento declarativo. Por

    essa razo, a primeira subseo do documento, dedicada aos denominadores implicados no

    referido conhecimentoque se constituem competncias gerais, ou transversais , descreve a

    importncia da associao entre lngua, cultura e sociedade, embora no deixe claro como

    essa relao se estabeleceria. O que se depreende da leitura dessa seo uma noo de que

    aprender lngua portuguesa tendo como base terico-metodolgica o QuaREPE conhecer

    aspectos relativos apenas a Portugal e sociedade portuguesa.

    As competncias relacionadas com outras reas curriculares, que englobariam aspectosda cultura e da sociedade portuguesa, so introduzidas por uma srie de aes (localizar,

    identificar, relacionar, observar etc.) que inter-relacionariam elementos simblicos do pas,

    mas que no apontam para o fomento do posicionamento crtico a respeito do tpico

    abordado, independente do grupo de nvel almejado. Por esse ngulo, importante ressaltar,

    quanto relao entre lngua e sociedade, e mesmo entre aquisio de lngua estrangeira e

    conscincia intercultural, a maneira como, no QuaREPE: Tarefas, Atividades, Exerccios e

    Recursos para Avaliao, so contemplados aspectos ou elementos culturais dasociedade portuguesa. Nessa segunda parte orientadora, depreende-se o reflexo de uma viso

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    dissociada de cultura e sociedade: a cultura ou os conhecimentos diversos a respeito do pas

    so tomados, ao longo de todas as propostas didticas, como pretextos para o uso

    descontextualizado da lngua.

    A certa altura de sua abordagem sobre as competncias comunicativas, o QuaREPE

    opta pela descrio das competncias lexical e gramatical, ambas componentes das

    competncias lingusticas, sem especificar as razes prticas para tal escolha. Essa opo do

    documento de alcance internacional aproxima-se do que se pde inferir com base nas

    Orientaes Programticas, documento de acolhimento do contexto escolar portugus.

    evidente que ambos os instrumentos apresentam um distanciamento em relao s propostas

    organizacionais de competncias e ao alcance a nvel geolingustico, mas, como foi visto em

    seo anterior, a leitura contrastiva das orientaes terico-metodolgicas e das atividades

    propostas pelas Orientaes Programticas indicavam uma vinculao a apenas duas das

    cinco competncias s quais o texto destinava o desenvolvimento, a saber, a lexical e a

    gramatical.

    No por acaso, o mesmo movimento de contradio terico-metodolgica,

    evidenciado nas atividades sugeridas pelo documento nacional, percebido na srie de

    sugestes didticas apresentadas pelo QuaREPE: de um lado, as orientaes terico-

    metodolgicas centram-se, de igual maneira, na competncia comunicativa, considerando os

    contextos de uso da lngua e o desempenho de atividades lingusticas como fator do qual ela

    depende e fator a partir do qual ela se realiza, respectivamente; de outro, contrariamente, esse

    motor de dependncia do uso da lngua pouco ou nada relevante para a realizao de grande

    parte das tarefas, dos exerccios e das atividades. Como concepo de uso da lngua,

    consequentemente, tem-se a seleo e o uso de recursos gramaticais, a partir de propostas

    didticas que no parecem exigir um exerccio de reflexo lingustica, para a execuo de

    funes comunicativas. No obstante, o QuaREPE, a despeito das mesmas competncias

    lexical e gramatical, engloba tambm outras, maneira do que proposto pelas Orientaes,em vias de especificar de que forma, para o instrumento, o uso da lngua seria concebido,

    mesmo que, como se percebeu, no o seja tal como descrito.

    2.OCONTEXTO BRASILEIRO

    A rea de ensino de Portugus como Lngua Adicional ainda bastante recente no

    Brasil. A partir do favorecimento da posio econmica do pas no cenrio internacional, oconhecimento da lngua portuguesa passou a ser importante para estudantes e profissionais de

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    diversas reas, interessados em contatos acadmicos e profissionais com instituies

    brasileiras. Sendo um pas muito populoso, um grande mercado consumidor, com poder

    aquisitivo crescente, apesar da crise, o Brasil passou a ser interessante estrategicamente para

    vrias empresas, o que resultou em um incentivo procura por cursos de lngua portuguesa.

    Tambm em termos educacionais o Brasil passou a assumir um novo papel no cenrio

    mundial nos ltimos anos. Grande parte das universidades brasileiras tm investido em

    programas de internacionalizao, buscando realizar parcerias com instituies de outros

    pases, tendo em vista o intercmbio de estudantes, professores e a realizao de pesquisas e

    trabalhos conjuntos. H, atualmente, vrias polticas do estado brasileiro que visam

    internacionalizao dos estudantes e das instituies de ensino superior do pas, com vrios

    convnios e acordos assinados visando ao intercmbio de conhecimento entre o Brasil e

    outros pases9. Esses intercmbios acabam por fomentar o ensino de lngua portuguesa, seja

    trazendo estrangeiros para o Brasil (e, consequentemente, aumentando o ensino de PLA

    dentro do pas), seja levando brasileiros para o exterior. O Programa Leitorado, do Ministrio

    das Relaes Exteriores, que leva professores universitrios brasileiros para atuar em

    instituies estrangeiras de ensino superior, a fim de promover a lngua e a cultura

    brasileiras10, tambm tem recebido um forte incentivo do governo nos ltimos anos e tem

    levado vrios professores brasileiros para universidades no exterior, fomentando muito o

    ensino de PLA.

    A flexibilizao da concesso de vistos de trabalho, alm de vistos humanitrios, em

    territrio brasileiro, tem aumentado ano a ano em virtude, majoritariamente, dos fluxos

    migratrios que tm o Brasil como destino, oriundos de pases africanos, latino-americanos e

    centro-americanos (Uebel, 2015). No possuindo conhecimentos em lngua portuguesa, esses

    novos contingentes populacionais vm ao Brasil em busca de trabalho, passando a representar

    um novo desafio para a rea de PLA, que, agora, tem se deparado com a necessidade de

    ensinar esses profissionais de maneira a tambm capacit-los para o mercado de trabalho epara o exerccio da cidadania no pas de acolhimento. Tornam-se tambm pblico-alvo de

    novas demandas da rea os filhos desses imigrantes, que chegam escola brasileira sem

    conhecimentos mnimos de lngua portuguesa, ficando, assim, desprovidos do acesso pleno ao

    currculo escolar, uma vez que no h polticas de Estado que visem ao acolhimento de

    9 Como exemplo dessas polticas de internacionalizao, podemos mencionar o programa Cincias semFronteiras, que enviou mais de cem mil estudantes brasileiros de graduao, mestrado, doutorado e psdoutorado para estudar em universidades estrangeiras entre os anos de 2011 e 2015.10

    Maiores informaes sobre o Programa Leitorado podem ser obtidas nas pginas da Capeshttp://www.capes.gov.br/cooperacao-internacional/multinacional/programa-leitorado e do Itamaratyhttp://redebrasilcultural.itamaraty.gov.br/menu-a-rede/menu-leitorados

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    estrangeiros nas escolas pblicas brasileirascom a promoo de formaes de professores,

    de introduo de disciplinas especficas, etc.

    A busca por oportunidades de estudo e trabalho no Brasil implica, tambm, muitas

    vezes, a necessidade e o interesse de comprovar certificao de proficincia em lngua

    portuguesa. O crescimento do nmero de examinandos inscritos no Exame Celpe-Bras um

    bom ndice do crescimento da rea de PLA no Brasil e no mundo. No ano de 2015, somadas

    as duas edies, o Celpe-Bras contou com 10.343 examinandos inscritos. O grfico abaixo

    apresenta o crescimento na demanda pelo Exame Celpe-Bras desde sua primeira aplicao,

    em 1998.

    Grfico 1: crescimento do nmero de examinandos11

    Junto com a crescente demanda de alunos de PLA, tem aumentado tambm a demanda

    por formao de professores especializados no ensino de portugus para estrangeiros. Esse

    desafio grande, visto que existem ainda no Brasil hoje somente trs licenciaturas de

    formao especfica em PLA, na UFBA, na UNB e na Unicamp. Vrias universidades

    brasileiras j possuem programas de ensino e de formao de professores de portugus como

    lngua adicional, alguns bastante antigos e slidos, caso do Programa de Portugus para

    Estrangeiros da UFRGS12, mas ainda so poucas as universidades que tm a rea de PLA

    institucionalizada. Apesar disso, perceptvel o crescimento da rea dentro das universidades,

    11As informaes constantes neste grfico referentes aos anos de 1998 a 2012 foram extradas de Damazo(2012). A partir da, o grfico vem sendo semestralmente atualizado com dados fornecidos pelo Inep e estdisponvel em http://www.ufrgs.br/acervocelpebras/estatisticas/numero-de-examinandos-1/view12 O Programa de Portugus para Estrangeiros da UFRGS, iniciado em 1994, conta atualmente com 35

    professores estagirios e atende a cerca de 300 alunos por semestre, que escolhem entre mais de 30 cursosoferecidos. O programa tambm mantm o Seminrio de Formao de Professores de Portugus como LnguaAdicional, que acontece semestralmente h 21 anos.

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    devido crescente procura de alunos estrangeiros por cursos de portugus. Alm dos

    programas de extenso, que contemplam a maior parte das aulas ofertadas a estrangeiros,

    possvel verificar um crescente interesse pela pesquisa nessa rea, fato que pode ser

    comprovado pelo nmero de Trabalhos de Concluso de Curso, dissertaes de mestrado e

    teses de doutorado defendidas sobre o assunto.13

    3.APERSPECTIVA BRASILEIRA PARA O ENSINO DE PLA:OS PCNDE LNGUA PORTUGUESA E

    O EXAME CELPE-BRAS COMO ORIENTADORES DO ENSINO

    Como j vimos, no existem, no Brasil, parmetros oficiais orientadores do ensino de

    PLA. Apesar disso, no possvel dizer que no existe uma perspectiva terica brasileira que

    oriente o ensino e as pesquisas na rea. Na falta de parmetros para o ensino, a rea de PLA

    tem se servido, ao longo dos anos, das perspectivas tericas subjacentes ao Exame Celpe-Bras

    para nortear o ensino. Essas perspectivas coincidem em muito com a proposta dos PCN de

    lngua portuguesa para a educao bsica, e tm orientado o ensino e as pesquisas na rea de

    PLA no Brasil e no exterior, como veremos a seguir.

    3.1OS PARMETROS CURRICULARES NACIONAIS

    Os parmetros orientadores da educao bsica brasileira foram publicados

    inicialmente em 1997, sob o ttulo de Parmetros Curriculares Nacionais (PCN),

    estabelecendo as orientaes terico-metodolgicas a serem seguidas no ensino de todas as

    reas do conhecimento, inclusive de lngua portuguesa. Em 1998, foi publicado o texto

    atualizado dos PCN direcionados ao terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental (5 a 8

    sries) e, no ano 2000, foram publicados os Parmetros Curriculares Nacionais do Ensino

    Mdio (PCNEM), que elencam as competncias e as habilidades em torno das quais devemgirar os processos educacionais no Ensino Mdio. Neste artigo, vamos centrar a discusso

    sobre o documento de lngua portuguesa publicado em 1998, por se tratar de um texto

    atualizado, em relao ao de 1997, e que busca fornecer novas bases para a constituio, nas

    diferentes regies e estados do pas, de documentos de referncia adequados s realidades

    13 Apenas na UFRGS, nos ltimos dez anos, foram defendidos 25 Trabalhos de Concluso de Curso deGraduao, 20 dissertaes de mestrado e 6 teses de doutorado relacionados rea de PLA.

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    mundo que os cerca, de modo que a disciplina de lngua portuguesa, nesse sentido, teria o

    papel de dar aos sujeitos a possibilidade de acessar os diferentes meios sociais. Nessa medida,

    a linguagem, em primeiro lugar, definida pelo documento como

    ao interindividual orientada por uma finalidade especfica, um processo deinterlocuo que se realiza nas prticas sociais existentes nos diferentes grupos deuma sociedade, nos distintos momentos de sua histria. Os homens e as mulheresinteragem pela linguagem tanto numa conversa informal, entre amigos, ou naredao de uma carta pessoal, quanto na produo de uma crnica, uma novela, umpoema, um relatrio profissional. (Brasil, 1997:20)

    Observa-se, assim, que o documento traa uma concepo de uso da linguagem como

    interlocuo entre diferentes grupos de uma sociedade nos diferentes momentos histricos, o

    que significa, em outras palavras, a interao de um eu, enunciador, em relao a um outro,seu interlocutor, ambos sujeitos que produzem linguagem por meio de gneros do discurso

    mais ou menos formais, cujos formatos esto condicionados ao contexto histrico e

    sociedade que deles faz uso. Com base em tal concepo de linguagem, a lngua, para os

    PCN, um

    sistema de signos especfico, histrico e social, que possibilita a homens e mulheressignificar o mundo e a sociedade. Aprend-la aprender no somente palavras esaber combin-las em expresses complexas, mas apreender pragmaticamente seussignificados culturais e, com eles, os modos pelos quais as pessoas entendem einterpretam a realidade e a si mesmas. (Brasil, 1997: 20)

    Posto esse quadro, representado pelos quatro conceitos-chave, o documento apresenta

    os dois principais eixos norteadores do ensino de lngua portuguesa: o eixo do uso,

    representado pela escuta, a leitura e a produo de textos orais e escritos, e o eixo da reflexo

    sobre lngua e linguagem (tambm chamado de eixo de anlise lingustica). Essa relao

    pressupe como ponto de partida e de chegada do ensino de lngua portuguesa a produo e a

    recepo de discursos para a compreenso dos modos de organizao desses discursos

    (gneros textuais), da organizao dos enunciados (textos), do lxico e das redes semnticas

    imbricadas no processo de construo de significao, alm da variao lingustica, tpico de

    grande relevncia, haja vista a necessidade de conscientizao dos aprendizes da situao

    lingustica do pas, evitando prticas de discriminao lingustica.Essa relao entre uso e

    reflexo lingustica explica o fato de os PCN se afastarem de uma tradio de orientaes

    curriculares que relegava ao texto um carter secundrio e que buscava estabelecer contedos

    gramaticais a serem contemplados. Pelo contrrio, segundo o documento e a teoria subjacentea ele, o mero conhecimento de aspectos lingusticos no possibilita ao sujeito fazer uso

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    efetivo da lngua e da linguagem em sua realidade fundamental, de interao;

    consequentemente, o exerccio da cidadania, que se d nas relaes interindividuais, no seria

    alcanado de forma plena, visto que viver em sociedade fazer uso proficiente, nas diferentes

    esferas sociais, dos discursos que nela circulam, e para tanto necessrio mais do que apenas

    o conhecimento de regras e nomenclaturas gramaticais.

    3.2OEXAME CELPE-BRAS

    O Celpe-Bras o Certificado de Proficincia em Lngua Portuguesa para

    Estrangeiros, aplicado duas vezes ao ano em 90 postos aplicadores credenciados, sendo 25

    postos no Brasil e 65 postos espalhados por outros 35 pases16. Segundo o Manual do

    Examinando (Brasil, 2012), o Celpe-Bras o nico certificado de proficincia em portugus

    como lngua estrangeira aceito oficialmente pelo governo brasileiro. Por ser um exame de

    proficincia, o Celpe-Bras visa a avaliar o desempenho do examinando em Lngua Portuguesa

    independentemente de onde, quando ou como essa lngua foi adquirida (Brasil, 2012: 4).

    No objetivo do exame avaliar a aprendizagem em um determinado curso, nem tampouco

    certificar professores de Lngua Portuguesa.

    O Exame Celpe-Bras certifica quatro nveis de proficincia: Intermedirio,

    Intermedirio Superior, Avanado e Avanado Superior. A avaliao feita a partir de uma

    nica prova, que contm uma Parte Escrita, composta de tarefas integradas de compreenso

    oral e escrita e produo escrita, com durao de 3 horas, e uma Parte Oral, que engloba

    compreenso e produo oral e tem durao de 20 minutos. Na Parte Escrita, o Celpe-Bras

    avalia compreenso oral, leitura e produo escrita por meio de tarefas. Segundo o Manual do

    Examinando (2012: 5), a tarefa um convite para interagir com o mundo, usando a

    linguagem com um propsito social, em outras palavras, uma tarefa envolve basicamente uma

    ao, com umpropsito, direcionada a um ou mais interlocutores.O Celpe-Bras um exame de desempenho que testa, de forma direta, a proficincia do

    examinando para realizar aes em lngua portuguesa17. So caractersticas do Celpe-Bras a

    nfase no uso da lngua, o uso de textos autnticos e a avaliao integrada de compreenso e

    produo (oral e escrita) (Brasil, 2012: 5)

    16 Para ver a lista completa de postos aplicadores credenciados para aplicar o Celpe-Bras,acessehttp://download.inep.gov.br/outras_acoes/celpe_bras/postos_aplicadores/2015/postos_aplicadores_CelpeBras_2015.pdf17

    Segundo Schlatter et al.(2005), um teste de desempenho um instrumento de avaliao em que oscandidatos precisam usar seu conhecimento de maneira direta e semelhante ao que faria m em situaes reais(Schlatter et al., 2005: 14).

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    Para Scaramucci (1995), uma avaliao com essas caractersticas requer muito mais do

    que a manipulao de formas e de regras lingusticas, mas o conhecimento tambm de regras

    de comunicao, de forma que sejam no apenas gramaticalmente corretas, mas socialmente

    adequadas. O Celpe-Bras se prope, ento, a avaliar a proficincia em lngua portuguesa no

    atravs da medio de conhecimento gramatical ou de vocabulrio, mas atravs da capacidade

    de agir no mundo em situaes similares s reais, possveis de acontecer com pessoas que

    utilizam a lngua portuguesa para se comunicar (Schoffen, 2009: 35-36).

    De acordo com o Manual do Examinando, com base em uma viso de linguagem

    como ao conjunta de participantes com um propsito social, e considerando lngua e cultura

    como indissociveis, o conceito de proficincia que fundamenta o Exame consiste no uso

    adequado da lngua para desempenhar aes no mundo (Brasil, 2012:5). Essa definio de

    proficincia pressupe que ser proficiente implica compreender e produzir enunciados. O

    Celpe-Bras avalia, ento, compreenso e produo de forma integrada, entendendo a

    compreenso como parte ativa da produo (Schoffen, 2009:103).

    Avaliar as habilidades integrando compreenso e produo aproxima a avaliao do

    uso da lngua em outros contextos da vida, visto que, em situaes reais de uso da linguagem,

    compreenso e produo aparecem interligadas, pois lemos ou ouvimos algo com

    determinado propsito, e a partir desse propsito que nos posicionamos frente ao que

    estamos compreendendo. Ao se propor a avaliar de forma integrada compreenso e produo

    oral e escrita, o Celpe-Bras se distancia de outros exames de proficincia, que no s avaliam

    as habilidades separadamente mas tambm determinam a priori o que um examinando em

    cada nvel de proficincia capaz de fazer. A escolha por avaliar diferentes nveis de

    proficincia a partir de uma nica prova revela uma opo terica e poltica, relacionada ao

    construto do exame:

    A deciso de se elaborar uma nica prova para certificar diferentes nveis deproficincia, contrariamente ao que ocorre em outros exames, baseia-se na premissade que examinandos de todos os nveis so capazes de desempenhar aes em lnguaportuguesa. O que pode variar a qualidade desse desempenho, dependendo donvel de proficincia do examinando. (Brasil, 2013: 5)

    Alm de avaliar vrios nveis de proficincia por meio de uma nica prova, no Celpe-

    Bras avalia-se a lngua em uso, ou seja, o quanto as estruturas da lngua esto a servio do

    uso que est sendo feito da lngua, por determinado enunciador, para determinados

    interlocutores, com determinado propsito e dentro de determinado contexto. (Brasil, 2013:

    9). Pode-se depreender, a partir do que exposto nos manuais e guias do exame, que o Celpe-

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    Bras afilia-se teoricamente ao conceito de uso da linguagem como uma ao conjunta dos

    participantes com um propsito social (Brasil, 2006) e noo de gnero do discurso

    (Bakhtin, 2011). Apesar de a afiliao ao Crculo de Bakhtin no estar explcita nos

    documentos oficiais do exame, essa aproximao possvel, visto que esses documentos18

    fazem referncia ao gnero como elemento central dos parmetros de avaliao da Parte

    Escrita e as especificaes do exame mencionam diferentes gneros do discurso. Essa tambm

    a compreenso de Schlatter et al. (2009), que afirmam que

    Embora no explicitado nos manuais, as especificaes e o formato das tarefas doexame, bem como as orientaes relativas correo, apresentam caractersticascompatveis com a viso bakhtiniana de que cada enunciado nico e individual,mas cada domnio de uso de linguagem cria tipos relativamente estveis deenunciados, que so chamados de gneros de discurso (Bakhtin, 2003, p. 262).

    (SCHLATTER et al, 2009: 105)

    Ainda segundo Schlatter et al. (2009), a viso de desenvolvimento da linguagem

    subjacente ao Celpe-Bras

    a perspectiva vygotskiana, na qual a aprendizagem e o desenvolvimento humanoesto inerentemente vinculados prtica social (Vygotsky, 1984; Lantolf, 2000;Schlatter, Garcez e Scaramucci, 2004): isso significa que a avaliao dodesempenho deve levar em conta a natureza coletiva, co-construda do uso da

    linguagem, instanciada atravs de interaes sociais (Schlatter et al, 2009: 106).

    A partir dessa concepo de linguagem e de aprendizagem, a avaliao no Celpe-Bras

    est centrada na demonstrao do examinando de proficincia no uso da lngua para agir e

    interagir em diversos contextos, oralmente e por escrito. Percebemos, portanto, que

    Essa perspectiva se alinha a uma proposta de educao lingustica (Bagno e Rangel,2005; Garcez, 2003, ver tambm Orientaes Curriculares para o Ensino Mdio,2006, embora no utilize o termo), segundo a qual o objetivo de ensino de lnguas

    deve ser criar condies para que o indivduo ou o grupo possa exercer a leitura e aescrita de maneira a se inserir do modo mais pleno e participativo na sociedadetipicamente letrada que a nossa (...).(Bagno e Rangel, 2005: 69). (Schlatter et al.,2009:106)

    Pode-se dizer, a partir dessa reflexo, que a avaliao do Exame Celpe-Bras contempla

    uma avaliao de letramento, entendendo letramento como o estado ou condio de quem

    nos sabe ler e escrever, mas exerce as prticas sociais de leitura e de escrita que circulam

    na sociedade (...), conjugando-as com as prticas sociais de interao oral (Soares,1999: 3),

    18 Ver Brasil (2006), Brasil (2013).

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    visto que percebemos que o Celpe-Bras no se preocupa apenas em avaliar se o examinando

    consegue compreender ou produzir sentenas em lngua portuguesa, mas se consegue

    compreender e produzir enunciados, que, diferentemente de sentenas, so produzidos em

    uma situao comunicativa especfica, por algum com um papel especfico nessa situao, e

    so endereados a interlocutores com propsitos especficos e tambm produzidos em um

    contexto, que tambm produz sentido (Schlatteret al., 2009: 105-106). Em ltima anlise,

    a capacidade de agir por meio da lngua que avaliada, no apenas o conhecimento de

    gramtica e vocabulrio dessa lngua.

    3.2.1OCELPE-BRAS COMO DIRECIONADOR DO ENSINO DE PLA

    Segundo Schlatter et al. (2009), como consequncia das aes polticas paralelas

    implementao do Celpe-Bras, o exame passou a oferecer um parmetro de referncia para o

    desenvolvimento de currculos de PLA. Para as autoras, uma das principais motivaes para

    as caractersticas e o formato do Celpe-Bras foi justamente o seu potencial de impacto no

    ensino de portugus para falantes de outras lnguas (Schlatter et al., 2009).

    Esse intuito de redirecionar o ensino aparece j no primeiro Manual do Candidato do

    Exame Celpe-Bras, publicado em 2003, na seo Como sepreparar para o exame? (Brasil,

    2003: 8). Ao dizer como deve ser feita a preparao para o Exame, o Celpe-Bras j prope

    alguns parmetros para o ensino de PLA. Conforme explicitado no Manual do Examinando, a

    preparao para o exame deve se dar por meio de aes na lngua ou de cursos em que essas

    aes sejam possibilitadas:

    O examinando pode preparar-se sozinho lendo jornais e revistas, posicionando-se arespeito dos assuntos encontrados, escrevendo textos, assistindo a filmes eprogramas de televiso, interagindo com outros falantes de portugus. Ou, ainda,pode procurar cursos que ofeream oportunidades para a criao de textos orais ouescritos com propsitos diversos em diferentes contextos e dirigidos a interlocutoresvariados (colegas, amigos, autoridades, diferentes sees de jornais ou revistas, entreoutros) e que promovam a discusso de aspectos textuais e discursivos que poderoauxiliar a compreenso e a produo textual. Uma preparao voltada nica eexclusivamente para questes gramaticais e para o contraste de estruturaslingusticas, cuja meta mais importante seja a superao de problemas deinterferncia lingustica, no ser suficiente. (Brasil, 2012: 8)

    Ao explicitar as formas de preparao que podem tornar o examinando melhor

    sucedido no exame, mencionando cursos que ofeream oportunidades para a criao de textos

    contextualizados e com propsito e interlocuo definidos, e que promovam a discusso deaspectos textuais e discursivos, o Celpe-Bras orienta para um ensino contextualizado, no qual

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    o texto ocupe papel central na aula e o gnero seja entendido como o processo pelo qual o

    usurio da lngua pode agir no mundo, visto que o exame no busca aferir conhecimentos

    sobre gramtica ou vocabulrio, mas sim avaliar a capacidade de uso da lngua, a partir da

    seleo de recursos lexicais e gramaticais adequados ao gnero do texto produzido (Brasil,

    2013: 9). Ao dizer que no suficiente uma preparao voltada apenas para questes

    gramaticais e focada no contraste de estruturas lingusticas, o Celpe-Bras diz, explicitamente,

    que o ensino baseado em um mtodo estrutural, que no relaciona as formas da lngua s

    aes realizadas por meio dessas formas, no est de acordo com as orientaes do exame e,

    portanto, acabar por no levar o aluno a ter sucesso na avaliao.

    Ao divulgar o que considerado nos parmetros de avaliao, o Celpe-Bras tambm

    indica que o ensino deve se pautar pelos gneros do discurso para formar alunos que tenham

    maior possibilidade de sucesso no exame. No Celpe-Bras, Avalia-se a lngua em uso, ou

    seja, o quanto as estruturas da lngua esto a servio do uso que est sendo feito da lngua, por

    determinado enunciador, para determinados interlocutores, com determinado propsito e

    dentro de determinado contexto (Brasil, 2013: 9). Dentro dessa perspectiva, portanto, mais

    adequado um ensino que priorize sensibilizar os alunos s diferentes necessidades de uso da

    lngua do que um ensino que privilegie a apresentao de regras imutveis, visto que as

    exigncias no exame

    [...] no so sempre estveis; ao contrrio, variam de acordo com a tarefa e com otexto avaliado. Quando usamos a lngua, mudamos a forma como falamos ouescrevemos de acordo com o gnero, com a situao comunicativa, com osinterlocutores envolvidos e com o propsito que temos. (Brasil, 2013: 9)

    O ensino coerente com os pressupostos do Exame Celpe-Bras deve, ento, procurar

    analisar e mostrar aos alunos todas as relaes estabelecidas entre os interlocutores e os

    enunciados dentro de um determinado contexto de produo. Nesse sentido, entendemos que

    um ensino que considere a linguagem em uma perspectiva bakhtiniana, em consonncia com

    a avaliao proposta pelo Celpe-Bras, deva fazer o percurso proposto por Rojo (2005) para a

    anlise dos gneros, segundo o qual

    [...] aqueles que adotam a perspectiva dos gneros do discurso partiro sempre deuma anlise em detalhe dos aspectos scio-histricos da situao enunciativa,privilegiando, sobretudo, a vontade enunciativa do locutor isto , sua finalidade,mas tambm e principalmente sua apreciao valorativa sobre seu(s)interlocutor(es) e tema(s) discursivose, a partir desta anlise, buscaro as marcas

    lingusticas (formas do texto/enunciado/ e da lngua composio e estilo) querefletem, no enunciado/texto, esses aspectos da situao. Isso configura no umaanlise exaustiva das propriedades do texto e de suas formas de composio

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    (gramtica) buscando as invariantes do gnero , mas uma descrio dotexto/enunciado pertencente ao gnero ligada sobretudo s maneiras (inclusivelingusticas) de configurar a significao. (Rojo, 2005: 199)

    Alm das especificaes e caractersticas do Celpe-Bras, tambm o fato de o exame

    envolver um grande nmero de profissionais de PLA em seu processo de avaliao tem

    contribudo para o direcionamento do ensino e do currculo, ainda que no haja documentos

    oficiais que orientem os professores nesse sentido.

    A avaliao da Parte Oral do Celpe-Bras realizada nos postos aplicadores

    credenciados. Cada interao oral avaliada por dois avaliadores, preferencialmente

    professores de portugus como lngua adicional, que recebem formao especfica para essa

    tarefa. Essa formao, aliada experincia com o ensino de cursos preparatrios para o

    Celpe-Bras, acaba levando os professores a buscar prticas que se aproximem da concepoterica do exame, de modo a melhor preparar seus alunos para serem bem sucedidos no

    Celpe-Bras.

    A avaliao da Parte Escrita do exame acontece de forma centralizada, em Braslia,

    durante uma oficina de correo que rene cerca de 70 professores de portugus como lngua

    adicional credenciados pelo Inep por meio de chamada pblica19. Esses professores recebem

    formao especfica antes e durante o processo de avaliao dos textos, formao essa que

    tem por objetivo esclarecer e solidificar os parmetros de avaliao do exame, que, comovimos, entendem proficincia como uso adequado da lngua para desempenhar aes no

    mundo (Brasil, 2012: 4). Esse envolvimento dos professores com o exame como avaliadores

    tanto da Parte Escrita quanto da Parte Oral tem sido um importante investimento do Brasil em

    formao continuada de professores de PLA (Schlatter et al., 2009), e acaba por aumentar a

    fora do exame como balizador de parmetros para o ensino.

    4.OCONTRASTE ENTRE AS PERSPECTIVAS BRASILEIRA E PORTUGUESA

    Como instrumento de poltica lingustica, o Exame Celpe-Bras produz novos

    encaminhamentos a respeito da lngua portuguesa em diferentes contextos de ensino dentro e

    fora do Brasil, como pudemos ver. No por acaso, Ohlweiler (2006) e Ye (2009) discutem o

    redimensionamento do ensino de PLA no exterior e, direta ou indiretamente, ressaltam uma

    mudana de posicionamento relativamente s prticas de ensino e aos materiais didticos,

    19

    Essa oficina era realizada de forma presencial entre os anos de 1998 e 2014 (foram realizadas avaliaes distncia nas edies de 2007-2, 2008-1, 2008-2 e 2009-1). A partir de 2015, a oficina de avaliao do Celpe-Bras acontece distncia, mas a capacitao dos avaliadores continua ocorrendo presencialmente.

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    fazendo cursos que eram de cunho majoritariamente estruturalista se aproximarem da viso de

    uso da linguagem subjacente ao Exame Celpe-Bras, relacionada, consequentemente, noo

    de gneros do discurso de Bakhtin (2011). Os PCN de lngua portuguesa, por sua vez,

    voltados ao ensino de portugus como lngua materna, tambm calcados na perspectiva

    dialgica da linguagem, acabam por fornecer caminhos para que diferentes atores

    educacionais se engajem na constituio de orientaes curriculares, nas diferentes regies do

    pas, que reflitam a perspectiva terico-metodolgica proposta, condizente com a demanda

    pelo direito cidadania.

    Ainda que de natureza to distinta, em virtude de um constituir-se em uma avaliao

    de proficincia e o outro em uma proposta de parmetros, podemos perceber que o Exame

    Celpe-Bras e os PCN de Lngua Portuguesa aproximam-se terico-metodologicamente: o

    Celpe-Bras busca que o examinando demonstre desempenho que possibilite reconhecer a

    prtica social mediada pelo uso integrado da lngua em situaes de interao fomentadas por

    tarefas, enquanto os PCN indicam que a prtica social concretiza-se no fenmeno da interao

    verbal, realizada atravs da enunciao ou das enunciaes, por meio de gneros do discurso.

    Essa relao de proximidade traz tona uma concepo de ensino de lngua

    portuguesa prpria do contexto brasileiro ou dos contextos que por essa perspectiva so

    influenciados, como visto nas pesquisas supracitadas. Essas concepes brasileiras de ensino

    de lngua portuguesa so reconhecidas pelo QuaREPE, na medida em que o documento faz

    referncia s concepes de ensino de lngua em voga nos pases do Mercosul em suas

    pginas iniciais, ao estabelecer as situaes com as quais a rede de ensino EPE teria de lidar.

    compreensvel, portanto, que os instrumentos de poltica lingustica voltados ao ensino de

    lngua portuguesa, seja ela materna, seja ela adicional, em ambos os pases, acabem por

    refletir as diferentes perspectivas de ensino.

    A partir da aproximao das duas perspectivas apresentadas por meio das descries

    dos documentos e da apreciao crtica de seus componentes terico-metodolgicos,depreendemos algumas oposies entre as orientaes portuguesa e brasileira para o ensino de

    PLA, apresentadas no quadro a seguir:

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    Programticas, de distribuio de contedos e competncias por nvel de proficincia,

    preveem a identificao/reconhecimento de tpicos discursivos e de objetivos ou propsitos

    comunicacionais por parte dos alunos. Do mesmo modo, as sugestes didticas apresentadas

    pelo QuaREPE no propem a reflexo sobre o uso, uma vez que o foco est nas

    competncias a serem desenvolvidas ou nas funes comunicativas solicitadas pelos

    enunciados das proposies didticas.

    A ttulo exemplificativo, o QuaREPE pressupe uma relao entre competncia

    lingustica e aspectos culturais para a tomada da conscincia intercultural, o que suporia

    prticas de uso da linguagem vinculadas a propsitos que tomassem os aspectos culturais ou

    os conhecimentos diversos a respeito da sociedade portuguesa como eixos norteadores da

    aprendizagem da lngua, culminando, assim, na sensibilizao do aprendiz com relao

    cultura do outro. Nesse sentido, a maioria das tarefas de ensino tm como centro o trabalho

    com funes comunicativas (adivinhar, preencher, reorganizar, completar etc.), sob trs eixos

    temticos (Eu e a Escola, Tempos Livres e Higiene e Sade), para cinco nveis (A1, A2, B1,

    B2, C1), colocando em segundo plano quaisquer apreciaes valorativas de aspectos culturais

    de uma ou de outra sociedade.

    A meno a elementos culturais portugueses por meio de gneros do discurso

    produzidos em momentos scio histricos distintos, tais como a cano e a cantiga, ou, ainda,

    fotografias sobre pontos-tursticos de Portugal, todos presentes no documento, no tem como

    foco a aproximao do aluno do significado de tal aspecto para a formao da sociedade da

    lngua-alvo. As proposies de atividades sugeridas restringem-se a funes comunicativas,

    como a de apresentar informaes recolhidas sobre locais em especfico, a de fazer planos ou

    a de escrever postais, e no tm propsitos comunicativos definidos ou interlocutores

    previstos, alm de no oportunizarem ao aluno o contato com textos autnticos. De um modo

    geral, todas as sistematizaes didticas das orientaes do documento, portanto, no parecem

    traduzir a reflexo sobre integrao cultural, por meio da aprendizagem da lngua-alvo, queintenta o QuaREPE. As tarefas de ensino, entendidas no documento como a realizao de

    atividades ou de exerccios, no apresentam, portanto, o foco na explicitao de situaes de

    interlocuo, o que implica uma secundarizao do desenvolvimento da competncia

    discursiva.

    A perspectiva brasileira, orientada pelo Exame Celpe-Bras, entende tarefa como um

    convite para agir no mundo, um convite para o uso da linguagem com um propsito social.

    Em outras palavras, uma tarefa deve envolver basicamente uma ao, com um propsito,direcionada a um ou mais interlocutores (Brasil, 2006:5). Dessa perspectiva, entendemos

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    que as tarefas para o ensino e avaliao de lnguas devam considerar o propsito social do uso

    da linguagem e o contexto scio histrico em que esse uso acontece, refletindo assim a ideia

    de que aprender uma lngua adicional significa tambm aprender a usar essa lngua em

    diversos contextos e com diversos interlocutores, adaptando a seleo de recursos lingusticos

    a cada situao de uso (Schoffen, Gomes e Schlatter, 2013).

    Percebe-se, nesse sentido, que as orientaes portuguesas se afastam, quanto

    organizao e seleo de contedos, das brasileiras, visto que estas, embora no apresentem

    proposies didticas concretas, delineiam orientaes cujo objeto de ensino, o gnero do

    discurso, aponta para o trabalho que associa dois eixos: o do uso, que engloba aspectos de

    interlocuo a serem considerados pelo professor, tais como enunciador, interlocutor,

    propsito e contexto, e o eixo da reflexo, que, desenvolvido sobre o uso, incide sobre os

    aspectos lingusticos a serem considerados na construo de significao em contexto. Assim,

    no h espao, no documento brasileiro, para a predominncia de uma competncia em

    detrimento de outra, tal como aparece nos documentos portugueses, em que se observa uma

    concentrao, por um lado, sobre as competncias lexical e gramatical, e a omisso, por outro,

    das demais competncias comunicativas. Tal como prevista nos documentos brasileiros, a

    competncia discursiva, concebida a partir da teoria dialgica da linguagem, teria

    protagonismo, mas no relegaria as outras competncias a um status secundrio, pois, por si

    s, essa competncia amalgamaria as demais a partir dos eixos do uso e da reflexo.

    O conceito de proficincia apresentado pelas orientaes portuguesas e brasileiras

    tambm difere em vrios aspectos. Por a perspectiva brasileira estar centrada na interao e

    tomar como central a noo de gnero do discurso, pode-se afirmar que ser proficiente, desta

    perspectiva, est mais relacionado adequao da configurao da interlocuo dentro do

    gnero em questo do que s marcas formais e lingusticas presentes no texto (Schoffen,

    2009: 103). Ser proficiente, dessa forma, pode ser definido como ser membro competente de

    uma comunidade lingustica, capaz de construir gneros adequados para participar desituaes de enunciao em diferentes esferas de uso da linguagem (Schoffen, 2009: 106).

    A perspectiva portuguesa, no entanto, apesar de dizer que os descritores de

    proficincia apresentados contm uma descrio do que o utilizador capaz de fazer na

    competncia visada (Portugal, 2011: 20) e de mencionar atividades que o indivduo

    proficiente seria capaz de fazer em cada competncia, no apresenta em nenhum momento os

    possveis contextos de uso da lngua em que essa competncia seria acionada, nem tampouco

    prev interlocutores possveis para essas atividades. Percebemos que a perspectiva portuguesaapresenta uma progresso de proficincia que est mais relacionada ao domnio do uso da

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    linguagem ser mais prximo ou mais distante do indivduo (no nvel A2, por exemplo, um dos

    descritores diz que estar neste nvel ser capaz de usar expresses e frases simples, ligadas

    por conectores simples tais como e, mas e porque, sobre assuntos relativos ao seu

    cotidiano, enquanto estar no nvel C1 significa ser capaz de escrever textos estruturados, de

    forma clara, sobre assuntos fora da sua rea de interesse (Portugal, 2011: 29). As orientaes

    brasileiras, ao contrrio, parecem pensar a progresso da proficincia relacionada maior

    consistncia da relao de interlocuo configurada no texto, o que implica, necessariamente,

    a adequao maior ou menor de contedos e de recursos lingusticos acionados para compor o

    texto oral ou escrito, independentemente do assunto ser prximo ou distante do aluno ou do

    examinando.

    CONSIDERAES FINAIS

    Como pudemos constatar, Portugal, a partir da necessidade gerada pela realidade

    social, e tambm em conformidade com os tratados selados no mbito da Unio Europeia, que

    legitimaram a construo do QECR para o ensino de lnguas, redigiu documentos oficiais

    orientadores do ensino de PLA que se propem a balizar esse ensino dentro e fora do pas,

    tendo como foco tanto o acolhimento em territrio nacional quanto internacional. As

    perspectivas tericas adotadas pelos documentos portugueses, no entanto, em muitos aspectos

    se diferenciam das perspectivas brasileiras que tm sido adotadas pela rea de PLA,

    dificultando, dessa forma, o dilogo entre esses documentos e o contexto brasileiro de ensino.

    No Brasil, apesar de a rea de PLA, ainda que recentemente, j estar se consolidando

    em mbito acadmico, no h ainda um movimento governamental no sentido de redigir

    parmetros para o ensino de PLA que atendam no apenas s demandas pelo ensino da lngua

    que j existiam h mais tempo, mas tambm s recentes demandas surgidas com os novos

    movimentos migratrios que tm o Brasil como destino. Essas demandas englobam o ensinode PLA na escola para os filhos desses imigrantes, a fim de inclu-los como cidados na

    prtica escolar, que no Brasil ocorre majoritariamente em portugus.

    A partir da apresentao e do contraste das perspectivas portuguesa e brasileira para o

    ensino de PLA, esperamos, com este artigo, ter contribudo para a reflexo da rea acerca da

    importncia e da necessidade da publicao de um documento orientador brasileiro, alinhado

    perspectiva em voga hoje no pas, que possa colaborar para a consolidao da rea e

    fomentar o ensino de PLA no Brasil e no exterior. Esses parmetros seriam uma importanteao de poltica lingustica brasileira, que caminharia no sentido de fornecer as bases para os

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    processos educacionais, orientando a progresso curricular, a elaborao de materiais

    didticos e a formao de professores de PLA.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    1. BAKHTIN, Mikhail.Esttica da criao verbal. So Paulo: Martins Fontes, 2011.

    2. BORTOLINI, Letcia S. Os conceitos de uso de lngua, identidade e aprendizagem

    subjacentes ao material didtico para o ensino de portugus em Leticia (Colmbia).

    2006. Monografia (Licenciatura em Letras)Instituto de Letras, Universidade Federal do

    Rio Grande do Sul, Porto Alegre.

    3. BRASIL. Congresso Nacional. Lei n 9394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as

    diretrizes e bases da educao nacional. Dirio Oficial da Repblica Federativa do

    Brasil, Braslia, 17 dez. 1996.

    4. ______. Ministrio da Educao e Cultura. Secretaria de Educao Bsica. Secretaria de

    Educao Continuada, Alfabetizao, Diversidade e Incluso. Secretaria de Educao

    Profissional e Tecnolgica. Conselho Nacional da Educao. Cmara Nacional de

    Educao Bsica.Diretrizes curriculares nacionais gerais da educao bsica. Braslia,

    2013. 565 p.

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    ______. Ministrio da Educao e Cultura. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas

    Educacionais Ansio Teixeira. Guia do participante: tarefas comentadas que compem a

    edio de abril de 2013 do exame.Braslia, 2013. 36 p.

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    candidato do Exame Celpe-Bras. Braslia, 2010. 33 p.

    7. ______. Ministrio da Educao e Cultura. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas

    Educacionais Ansio Teixeira. Manual do examinando: verso eletrnica simplificada.

    Braslia, 2012. 12 p.8. ______. Ministrio da Educao e Cultura. Secretaria de Educao Bsica. Orientaes

    curriculares para o ensino mdio: linguagens, cdigos e suas tecnologias. Braslia, 2006.

    239 p.

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    Tecnolgica.Parmetros Curriculares Nacionais: ensino mdio. Braslia, 2000. 109 p.

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    11.CLARK, Herber