POLÍTICAS DE DIVULGAÇÃO DA LÍNGUA PORTUGUESA · 2010-12-05 · linguísticas mais consistentes...

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POLÍTICAS DE DIVULGAÇÃO DA LÍNGUA PORTUGUESA EM EMBAIXADAS BRASILEIRAS Regina Cláudia PINHEIRO 1 Maria Erotildes Moreira e SILVA 2 LÍNGUA-MAR A língua em que navego, marinheiro, na proa das vogais e consoantes, é a que me chega em ondas incessantes à praia deste poema aventureiro. É a língua portuguesa, a que primeiro transpôs o abismo e as dores velejantes, no mistério das águas mais distantes, e que agora me banha por inteiro. (...) Ó língua-mar , viajando em todos nós. No teu sal, singra errante a minha voz (ESPÍNOLA, 2001) RESUMO Este trabalho pretende descrever e analisar ações provenientes de algumas embaixadas brasileiras no tocante à divulgação da língua portuguesa em países não-lusófonos. Para tanto, selecionamos embaixadas de países de língua inglesa, tais como Estados Unidos da América, Inglaterra, Austrália, Nova Zelândia e Canadá, e buscamos, nos sites oficias destas instituições, inicialmente, observar em que línguas estes sites estão escritos. Posteriormente, analisamos as ações voltadas a informações sobre a língua falada no Brasil, bem como informações sobre cursos de português, a fim de analisar aspectos relacionados a metodologias, preços, duração dos cursos etc. A divulgação da cultura brasileira também foi observada como estratégia de difusão da língua. Os resultados mostram que apesar de haver ações voltadas para divulgação do português, elas ainda são muito incipientes e isoladas. Necessitamos, portanto, de políticas linguísticas mais consistentes e de um planejamento conjunto dos órgãos governamentais. PALAVRAS-CHAVE: políticas lingüísticas; língua portuguesa; embaixadas brasileiras INTRODUÇÃO A epígrafe que inicia este artigo reafirma um desejo de difusão da língua portuguesa no passado, manifesta pelos portugueses, através de suas conquistas marítimas, no presente, através de muitas ações, como o acordo ortográfico, e no futuro, 1 Doutoranda pela Universidade Federal do Ceará (UFC) no Programa de Pós-Graduação em Linguística (PPGL) e professora da Universidade Estadual do Ceará (UECE). 2 Mestre em Linguística pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e professora de Língua Portuguesa no Instituto de Educação do Ceará pela Secretaria de Educação do Estado do Ceará – SEDUC.

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POLÍTICAS DE DIVULGAÇÃO DA LÍNGUA PORTUGUESAEM EMBAIXADAS BRASILEIRAS

Regina Cláudia PINHEIRO1 Maria Erotildes Moreira e SILVA2

LÍNGUA-MAR

A língua em que navego, marinheiro,na proa das vogais e consoantes,

é a que me chega em ondas incessantesà praia deste poema aventureiro.

É a língua portuguesa, a que primeirotranspôs o abismo e as dores velejantes,

no mistério das águas mais distantes,e que agora me banha por inteiro. (...)Ó língua-mar , viajando em todos nós.No teu sal, singra errante a minha voz

(ESPÍNOLA, 2001)

RESUMO

Este trabalho pretende descrever e analisar ações provenientes de algumas embaixadas brasileiras no tocante à divulgação da língua portuguesa em países não-lusófonos. Para tanto, selecionamos embaixadas de países de língua inglesa, tais como Estados Unidos da América, Inglaterra, Austrália, Nova Zelândia e Canadá, e buscamos, nos sites oficias destas instituições, inicialmente, observar em que línguas estes sites estão escritos. Posteriormente, analisamos as ações voltadas a informações sobre a língua falada no Brasil, bem como informações sobre cursos de português, a fim de analisar aspectos relacionados a metodologias, preços, duração dos cursos etc. A divulgação da cultura brasileira também foi observada como estratégia de difusão da língua. Os resultados mostram que apesar de haver ações voltadas para divulgação do português, elas ainda são muito incipientes e isoladas. Necessitamos, portanto, de políticas linguísticas mais consistentes e de um planejamento conjunto dos órgãos governamentais.

PALAVRAS-CHAVE: políticas lingüísticas; língua portuguesa; embaixadas brasileiras

INTRODUÇÃO

A epígrafe que inicia este artigo reafirma um desejo de difusão da língua

portuguesa no passado, manifesta pelos portugueses, através de suas conquistas

marítimas, no presente, através de muitas ações, como o acordo ortográfico, e no futuro,

1 Doutoranda pela Universidade Federal do Ceará (UFC) no Programa de Pós-Graduação em Linguística (PPGL) e professora da Universidade Estadual do Ceará (UECE).2 Mestre em Linguística pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e professora de Língua Portuguesa no Instituto de Educação do Ceará pela Secretaria de Educação do Estado do Ceará – SEDUC.

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que se manifestará por meio de ações em prol de uma língua que se pretende

internacionalizar. Nesse sentido, o conteúdo a ser apresentado neste artigo nasceu de um

programa voltado a um estudo sobre políticas linguísticas para o ensino de Português

como língua estrangeira (PLE), realizado pela Universidade Federal do Ceará.

Estabelecer o estado da arte dos estudos em política linguística no Brasil e sugerir ações

institucionais que propiciem a promoção da língua portuguesa em países não lusófonos

são duas metas do Programa de Internacionalização da Língua Portuguesa (PLIP), entre

outras também voltadas ao ensino do português como língua não materna.

O PLIP desenvolve suas atividades por meio de três projetos voltados à

implementação de políticas linguísticas que venham a contribuir para a

internacionalização da língua portuguesa, em comparação às políticas desenvolvidas em

outros países.

A busca por essas ações acendeu a necessidade de conhecer o modo como

as embaixadas brasileiras em países não-lusófonos contribuem para a difusão da língua

portuguesa em países anglófonos.

Assim, descrever e analisar ações provenientes de embaixadas brasileiras

em relação à difusão da língua portuguesa em países que adotaram o inglês como língua

oficial é o objetivo deste trabalho. Devido à limitação de espaço e de tempo, apresenta-

se, neste artigo, somente os resultados encontrados em cinco embaixadas brasileiras,

com sede em Londres (Inglaterra), Washington (Estados Unidos da América), Ottawa

(Canadá), Camberra (Austrália) e Wellington (Nova Zelândia).

Antes de apresentar essas ações, optou-se por ressaltar a riqueza linguística

resultante do nascimento de diferentes variantes do português lusitano, nos países em

que Portugal teve o papel de língua protovariante, no dizer de Elia (2000), ao discorrer

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sobre a inserção da língua portuguesa no mundo e, posteriormente, fazer um breve

histórico da inserção do Português como segunda língua, em diferentes países.

1. A LÍNGUA PORTUGUESA EM PAÍSES LUSÓFONOS

Elia (2000) situa a língua portuguesa, desde o século XVI como a língua das

grandes navegações e, consequentemente, como meio de difusão da cultura européia nas

terras descobertas por este país d’além mar. Neste contexto, aparece o Brasil, a que o

autor denomina de Lusitânia Nova, ao explicar a língua em seus aspectos

sociolingüísticos.

Inicialmente, o português do Brasil é o resultado de uma língua

“transplantada” (Elia, 2000, p. 21) que, por imposição política e comercial, predomina

sobre a língua indígena, fazendo nascer a Língua Geral. Essa mesma imposição levou as

línguas gerais3 características do norte e do sul do Brasil, ainda no século VIII a serem

substituídas pelo português, uma vez que este povo era “portador de cultura mais

adiantada” (p. 24). Assim, as línguas africanas também foram absorvidas pela língua

portuguesa e o predomínio da língua portuguesa, pontuada de variantes, tornou-se mais

acentuado a partir do século XVIII. Embora tenha recebido influência de outros povos,

com a migração de europeus, o português do Brasil adquiriu outros traços

sociolingüísticos e, além de língua transplantada, tornou-se o padrão linguístico do país,

adquirindo, assim, o status de língua nacional, materna, oficial, comercial e cultural do

país.

Seguindo os mesmos padrões sociolingüísticos, Elia (2000) caracteriza

países como Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe

3 Elia (2000) denomina de “Língua gerais” os falares característicos do norte e do sul do Brasil, resultado da mistura entre a língua indígena, os dialetos africanos e o português de Portugal.

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como a Lusitânia Novíssima, pois, embora as ligações históricas e raciais entre Portugal

e estes países tenham se estabelecido principalmente pela força, a língua portuguesa se

difundiu nesses países como língua veicular, por ser adotada como um meio de

intercomunicação, e como língua de cultura.

Confirmando essa difusão, Angola, em 1975, passa a utilizar o português

como língua oficial, para garantir sua soberania política e alargar as relações

comerciais com outros países. A partir de então, a língua portuguesa alça a posição de

língua materna, veicular e de escolaridade em Angola e passar a ter o estatuto de

instrumento de unificação entre os falantes de várias línguas nacionais.

Em Moçambique, o português também é o “denominador comum entre a

multiplicidade de idiomas falados no país, além de “ser mais apto para transmissão do

conhecimento científico” (Elia, 2000, p. 35), passando de uma língua transplantada para

a língua oficial e de cultura do país.

A Guiné-Bissau também utiliza o português para o registro escrito e na

escolarização. Desse modo, esta língua passa a ter o status de língua transplantada,

oficial e de cultura, ainda na perspectiva de Elia (2000), desenhando-se uma situação de

diglossia, em que o português foi definido como a variedade alta e o crioulo será visto

como variedade baixa.

Cabo Verde também utiliza o português como língua oficial, língua de

instrução e de cultura, ao lado do crioulo e serviu como meio de interação entre o país e

outros países. Em São Tomé e Príncipe, segundo o autor, a língua portuguesa adquire os

mesmos traços sociolingüísticos partilhados por Cabo Verde.

Em Timor-Leste, a língua portuguesa é vista como um instrumento de

libertação do poderio indonésio. Essa liberdade linguística vem se tornando real, pois

Brito (2008, s/p.) afirma que

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Com a independência e a constituição da República Democrática de Timor-Leste, em maio de 2002, a língua portuguesa assume o estatuto de oficial, ao lado da língua tétum. Acrescente-se a esse painel, as outras dezenas de línguas locais ali faladas. Esta breve descrição permite delinear a situação multilingüística que é comum presenciarmos em Timor-Leste.

Em Macau, pode-se dizer que, diferentemente do que se esperava em função

dos pontos anteriores, no contexto contemporâneo, o status do português vem mudando. Na

última década, cada vez mais pessoas, especialmente da China Continental, têm mostrado

interesse em aprender nossa língua. Segundo Espadinha e Silva (2008), “a razão

fundamental é o interesse econômico: avolumam-se os negócios entre a China Continental e

os países de língua portuguesa. E Macau é vista como “uma plataforma” para estas

negociações”.

Mira Mateus (2008, s/p.) reforça esta posição quando situa a língua

portuguesa (doravante LP) como um veículo de difusão, em diferentes países lusófonos

e defende o ensino do português como língua estrangeira:

Assim, e se quisermos acentuar a importância de valorizar a língua portuguesa, entendendo-a como uma riqueza das sociedades que a falam, o português encontra-se bem posicionado para se tornar uma escolha possível de quem queira alargar a sua competência linguística: é uma língua materna de largos milhões de pessoas, uma língua com ligações históricas a algumas das mais expandidas línguas de comunicação, uma língua que utiliza o alfabeto latino comum a grande número de línguas europeias e, por fim, uma língua que é falada por milhares de emigrantes. Além disso, como também já se fez notar, o português pode constituir uma mais-valia no campo das interacções econômicas.

Enfim, Elia (2000) já sinalizava a importância política dos países lusófonos

que já denotavam “suficientes recursos para respaldar o prestígio da língua portuguesa”

(p. 65). Corroborando suas idéias, a criação da Comunidade dos Países de Língua

Portuguesa (Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, Timor-

Leste e São Tomé e Príncipe) é um dos indícios que comprova essa importância,

embora seja necessário considerar outros fatores, tais como vontade política, interesses

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econômicos e localização geográfica, na operacionalização de projetos voltados à

difusão na língua portuguesa, como segunda língua ou língua não-materna.

2 PORTUGUÊS COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA

Almeida Filho (2009) também chama a atenção para o fato de que a língua

portuguesa “está entre as dez línguas mais faladas no mundo”, (p. 01) mas ressalta que

ainda há desafios no ensino do idioma para estrangeiros, tanto em relação à formação de

profissionais como em relação à ausência de políticas lingüísticas que viabilizem esta

ação, apesar de muitas ações institucionais favorecerem a valorização do português

como língua de aproximação política e econômica. Para o autor,

um degrau ainda mais elevado de civilização começa a ser galgado quando uma sociedade, através de suas instituições, começa a se preparar para pesquisar e ensinar como língua estrangeira (LE) e/ou segunda língua (L2) a sua própria língua primeira, materna, escolar e, muitas vezes, nacional ou pátria (p. 02).

No entanto, ao analisar o ensino de Língua Portuguesa como língua

estrangeira (PLE), Almeida Filho (2009) o considera mediano, embora ressalte ações

implementadas por universidades e ou pela iniciativa privada e, em menor escala, por

órgãos oficiais, como o Ministério das Relações Exteriores, via Itamaraty (p. 14), com a

implantação do Exame Nacional de Proficiência – CELPE-Bras, que, segundo o autor,

produziu alguns “sinais de incremento” para o ensino do Português como língua

estrangeira.

Nesse sentido, compreendemos que as ações implementadas por órgãos

governamentais, dentro ou fora do país, possam impulsionar o ensino e a divulgação da

língua portuguesa, visando a sua internacionalização. No sub-item seguinte,

procedemos uma descrição e análise dessas ações realizadas por embaixadas brasileiras

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que podem representar um avanço nesse cenário que se impõe para a

internacionalização da língua portuguesa.

2.1. POLÍTICAS DE DIVULGAÇÃO DA LÍNGUA PORTUGUESA EM

EMBAIXADAS BRASILEIRAS

Este trabalho pretende descrever e analisar ações provenientes de algumas

embaixadas brasileiras no tocante à divulgação da língua portuguesa em países não-

lusófonos. Para tanto, procedemos da seguinte forma: inicialmente, decidimos verificar

ações de embaixadas brasileiras situadas em países de língua inglesa, selecionando

aleatoriamente aquelas localizadas em Washington (Estados Unidos da América),

Londres (Reino Unido), Camberra (Austrália), Wellington (Nova Zelândia) e Ottawa

(Canadá). A seguir, resolvemos pesquisar, nos referidos sites das instituições,

informações relacionadas à divulgação da língua portuguesa no que diz respeito aos

seguintes aspectos: idioma em que os sites foram escritos, informações sobre a língua

portuguesa, divulgação de cursos de português e atividades culturais para a divulgação

da língua falada no Brasil. Os dados aqui analisados foram coletados, inicialmente, no

mês de maio e atualizados entre os dias 23 e 25 de setembro de 2009.

Iniciamos nossa pesquisa verificando em que línguas estavam escritas os

sites pesquisados por considerarmos que a difusão da língua é fortemente influenciada

pelas ações das autoridades governamentais, neste caso, representadas pelas embaixadas

brasileiras. Nesse sentido, constatamos que, das instituições pesquisadas, somente as

embaixadas em Ottawa (Canadá), Wellington (Nova Zelândia) e Camberra (Austrália)

são escritas em português e inglês; no entanto os dois últimos sites trazem mais

informações em inglês do que em português. As demais embaixadas, localizadas em

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Washington (EUA) e Londres (Reino Unido), têm o site publicado na língua inglesa,

com poucas informações traduzidas para o português, o que demonstra uma

preocupação ínfima com a divulgação da língua oficial do Brasil. Este quadro pode

revelar que a difusão da língua não é uma ação prioritária para estas embaixadas, pois,

para Mira-Mateus (2008, s/p.):

Deve dizer-se, antes de tudo, que o esforço para difundir uma língua ou uma cultura exige, por um lado, que se desenhe uma política clara em termos das acções prioritárias e secundárias e dos actores que as devem levar a efeito e, por outro lado, que se aplique essa política de modo firme e constante.

Assim, consideramos necessário que as autoridades responsáveis pelas

embaixadas tenham consciência da necessidade de difusão da língua portuguesa como

estratégia de divulgação do Brasil no cenário internacional.

Para que uma língua seja internacionalizada, os usuários, nativos ou

estrangeiros, geralmente buscam informações sobre o idioma. Com o intuito de

verificamos se havia, nas referidas embaixadas, informações relativas à língua

portuguesa, buscamos também dados relacionados a esse assunto. Descobrimos que

todas as instituições fornecem as mesmas informações quando se referem à língua

oficial falada no Brasil, bem como aos outros países onde o português é língua oficial. É

importante ressaltar que as embaixadas mencionam que a língua faz parte da União

Européia com a entrada de Portugal nessa comunidade. Nessa esteira, a posição

geográfica de Portugal e sua importância histórica beneficiam a internacionalização da

língua portuguesa, pois como já defendia Elia (2000), “Portugal possui um peso

histórico nada negligenciável. Incorporou ao Mundo Novos Mundos, descobrindo-os e

colonizando-os. A sua presença na América e em África é indelével” (p. 64). Outra

informação detectada foi a criação da CPLP (Comunidade dos Países de Língua

Portuguesa), cuja recente criação possibilitará aos países lusófonos organizar-se no

sentido de implementar políticas linguísticas que ampliem a difusão da LP no mundo.

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Porém, uma informação sobre a língua, encontrada no site da embaixada em Ottawa

(Canadá), chamou-nos a atenção, ao afirmar que “não existem dialetos regionais” no

Brasil. Essa afirmação é criticada por Oliveira (2007) ao chamar a atenção para o fato

de que “muitos quadros universitários, comprometidos com a ideologia da língua única”

defendem que “todos os brasileiros se entendem de norte a sul do país porque falam

português” (p. 7-8). Para o autor, até a sociolinguística praticada no país “é uma

sociolingüística do monolingüismo” por se pautar “nas variáveis e variantes do

português”. Em contrapartida, considerando os estudos sociolinguísticos mais recentes,

como os de Labov (2003), Tarrallo (2001) e Camacho (2001), a variação linguística é

um fato inegável nas sociedades e precisa ser considerada no planejamento de uma

política linguística. Também para Elia (2000), o binômio unidade/variedade é próprio

da língua como instituição, porém, esses termos são relativos. Para exemplificar, o autor

afirma que “o dialeto é variedade em relação a língua que o especifica (...), mas é

unidade em função das variedades que o comporta” (p. 6). Explica ainda que “A

conclusão é que estruturalmente não há nenhuma inferioridade do dialeto em relação à

língua e sim equivalência. O que distingue um de outro é a função históricossocial de

que estão investidos (p. 13).

Ainda para investigar as ações das embaixadas com relação à divulgação da

língua portuguesa, procuramos informações sobre cursos de português, promovidos ou

divulgados por estas instituições. Nesse sentido, verificamos que somente aquelas

situadas em Londres e Wellington praticam essa ação. A primeira divulga dois institutos

que oferecem cursos de português para adultos e crianças e uma relação de

universidades da Inglaterra, Escócia e País de Gales nas quais se estuda português, além

de mencionar organizações que promovem estudos, projetos e pesquisas sobre língua

portuguesa. As iniciativas citadas acima não são da embaixada, porém há uma

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preocupação em divulgar informações a respeito do ensino de português para

estrangeiro. A embaixada em Wellington, sendo mais específica, orienta os interessados

em aprender português, informa endereços eletrônicos de cursos de português no Brasil

e apresenta uma instituição, "Brazilian Cultural Education" que oferece aulas gratuitas

destinadas a filhos de brasileiros (de dois a nove anos) e a adultos (brasileiros e

estrangeiros), que pretendem aprender português.

A ação deste centro educacional contempla um públicoalvo elencado por

Almeida Filho (2009, p. 10) ao se referir ao ensino de uma língua estrangeira ou de uma

segunda língua. Dentre outros grupos, o autor destaca “jovens falantes de uma língua

nativa majoritária ou nacional em seu próprio país, para quem seus pais escolhem o

aprendizado de outra língua”. O autor apresenta outros públicos, mas o fato de a

embaixada na Nova Zelândia divulgar este centro já pode configurar uma ação para

difundir a Língua Portuguesa em um país anglófono.

Percebemos que as embaixadas em Londres e Wellington têm, portanto, um

compromisso maior com a divulgação da LP no que diz respeito ao seu ensino,

proporcionando a divulgação de cursos para aqueles que se interessam em aprender a

língua. Sabemos que a internacionalização de uma língua passa por estratégias que

envolvem vários fatores, sejam eles culturais, econômicos, sociais, políticos etc e que os

fatores educacionais perpassam todos os outros. Nesse sentido, concordamos com Mira-

Mateus (2008, s/p.) quando afirma que é necessário “incrementar o intercâmbio de

instituições nacionais e estrangeiras que tenham responsabilidade sobre o ensino do

Português língua estrangeira e estabelecer acordos com Universidades de modo a

valorizar institucionalmente o ensino do português”.

Finalmente, ao percebermos que uma estratégia bastante eficiente de

divulgação da língua é a promoção da cultura, buscamos ações das embaixadas no que

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diz respeito a este aspecto. Verificamos que, no momento da pesquisa, somente as

embaixadas em Wellington, Londres e Ottawa promoviam, ou pelo menos divulgavam

no site, atividades culturais brasileiras. Dentre essas ações, podemos destacar festival de

cinema, divulgação de livros de autores brasileiros e apresentação de manifestações

folclóricas. Porém, cabe aqui ressaltarmos que as atividades culturais promovidas pelas

embaixadas em Londres e Ottawa são divulgadas somente na língua inglesa, tendo-se

como exemplo a promoção de livros traduzidos para o inglês pela instituição sediada em

Londres. Acreditamos que seria relevante para o processo de internacionalização da

língua a divulgação de livros em português, permitindo a estrangeiros ou brasileiros

residentes em outros países o contato com a língua portuguesa, através de literatura

especializada. Por outro lado, a embaixada em Wellington, configurando a preocupação

de divulgar a cultura brasileira, possui um setor encarregado em promover eventos. O

site possui ainda links que remetem a diversos jornais e revistas brasileiras e a um

boletim cultural (bilíngüe) que divulga os eventos. Todos os meses, esta instituição

exibe filmes brasileiros com legenda em inglês. A cada dois meses, um especialista é

convidado para falar de assuntos diversos relacionados ao Brasil, no contexto do

programa "Temas Brasileiros na Embaixada”.

Além disso, as embaixadas em Londres e Camberra possuem uma estratégia

bastante interessante de divulgação do Brasil. Em uma página animada pela “Turma da

Mônica”, personagens do cartunista Maurício de Sousa, o site convida os visitantes a

conhecerem algumas peculiaridades brasileiras. Esta página apresenta as cinco regiões

do país, mostrando manifestações culturais existentes em cada uma delas. Essa

estratégia, bem criativa e elaborada, dá ao visitante da página uma noção geográfica e

cultural que o aproxima de alguns traços típicos do país, conforme ilustração na figura

1, com acesso pelo endereço eletrônico www.monica.com.br/viajando.

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Figura 1 – Página da turma da Mônica divulgada pelas embaixadas brasileiras em Londres e Camberra.

No entanto, mais uma vez, verificamos que as informações desta página

também estão escritas, apenas, na língua inglesa. Este fato, também, pode ser

considerado como mais um indício da despreocupação da divulgação da Língua

Portuguesa por parte das embaixadas, pois, conforme afirma Mira-Mateus (2008, s/p.),

(...) ”A política linguística (tal como a política cultural ou qualquer política, geral ou

sectorial, de uma sociedade) tem que ser construída pelas entidades governativas e tem

que associar todos os elementos com responsabilidades no sector em causa”.

Conforme percebemos, através dos dados apresentados anteriormente, para

a internacionalização da LP, faz-se necessário uma política linguística mais pontual a

ser implementada pelas autoridades governamentais, associando diferentes elementos

inseridos neste contexto, com responsabilidades iguais, envolvendo diversas esferas no

campo educacional, cultural, social, econômico, entre outros.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados encontrados neste trabalho nos remetem à necessidade de uma

política linguística voltada à difusão da língua portuguesa, como já ocorre em países

francófonos, anglófonos, hispanofonos etc. Dentre os aspectos analisados nas

embaixadas, vale pontuar as ações voltadas à divulgação da cultura brasileira, pois

consideramos o momento propício para essa ação já que os países da CPLP estão em

pleno desenvolvimento social, econômico, cultural etc.

Diante deste quadro, cumpre-nos questionar, parafraseando Elia (2000),

qual a situação da língua portuguesa, nessa guerra ecumênica dos ares? A resistência ou

a difusão da língua se faz por ações isoladas em cada embaixada? Pode-se dizer que já

se afigura um ensaio para uma política linguística que se preocupa com o resgate do

idioma e respeita sua posição de língua falada em sete países, no mínimo, de acordo

com dados apresentados em documentos apresentados na página da CPLP?

Todas estas questões nos encaminham a uma medida mais consistente, pois,

embora as ações pontuais que se preocupam em divulgar a língua portuguesa em suas

diferentes vertentes, notadamente a cultural, sejam relevantes, vale ressaltar que tais

ações são pontuais e não refletem uma política linguística propriamente dita que, na

definição de Calvet (2007, p. 11) exige “determinação de grandes decisões referentes às

relações entre língua e sociedade” e um planejamento de ações que não pareçam com

uma tentativa de “defensão da língua” (Elia, 200, p. 64), mas resultem na elaboração de

estratégias de difusão da língua portuguesa em cadeia, com ações a curto, médio e longo

prazo, além de uma ampla divulgação desse planejamento aos usuários da língua, para

que possam conhecer tais ações e valorizar a língua em diferentes instâncias

comunicativas, dentro e fora de seu país de origem.

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Tais ações devem partir, concomitantemente, das autoridades competentes e

as embaixadas do Brasil, no mundo, podem ser a ponte para a execução deste

planejamento, pois, pelas informações consultadas para este artigo, ainda não há

uma política lingüística institucionalizada pelos órgãos governamentais ou por

instituições educacionais, com raras exceções, que denotem uma política voltada à

difusão da língua portuguesa, mesmo com a entrada de Portugal na União Européia.

Há muito tempo, Elia (2000) defende a difusão da língua portuguesa em

países em que ela é oficial, com a valorização do idioma em seus diferentes dialetos

e variações. Mira Mateus (2008) também sugere a necessidade da implantação

dessas estratégias em países em que esta língua é o idioma oficial, além da

implementação de políticas governativas e da ampliação do ensino do português

como língua estrangeira e a “constituição da língua portuguesa como elemento de

mais-valia no campo das interações econômicas”. Almeida Filho (2008) também

aponta desafios no ensino do idioma para estrangeiros com a formação de

profissionais para atuarem, especificamente, nesta área, atribuindo a pouca

valorização do ensino do português como língua estrangeira à ausência de políticas

lingüísticas. Todos estes autores, entre outros, alertam, enfim, para a necessidade

dessas ações serem institucionais, ou seja, serem implementadas por órgãos oficiais

(Ministério das Relações Exteriores e MEC), pelas universidades públicas e pela

iniciativa privada como uma política linguística que deve ser desenvolvida em

associação com os diferentes elementos inseridos neste contexto, com

responsabilidades iguais, envolvendo diferentes esferas, semelhante a qualquer ação

política, considerando-se não só os aspectos políticos e econômicos, mas,

prioritariamente, a constituição de uma identidade nacional, através da voz de cada

falante da língua portuguesa.

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Referências

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