Politica Saude GS Miolo Online 2ed Nacional

84
POLÍTICAS DE SAÚDE: FUNDAMENTOS E DIRETRIZES DO SUS 2012 2ª edição Antônio Ivo de Carvalho Pedro Ribeiro Barbosa Ministério da Educação – MEC Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES Diretoria de Educação a Distância – DED Universidade Aberta do Brasil – UAB Programa Nacional de Formação em Administração Pública – PNAP Especialização em Gestão em Saúde

Transcript of Politica Saude GS Miolo Online 2ed Nacional

  • POLTICAS DE SADE:

    FUNDAMENTOS E DIRETRIZES DO SUS

    2012

    2 edio

    Antnio Ivo de CarvalhoPedro Ribeiro Barbosa

    Ministrio da Educao MEC

    Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior CAPES

    Diretoria de Educao a Distncia DED

    Universidade Aberta do Brasil UAB

    Programa Nacional de Formao em Administrao Pblica PNAP

    Especializao em Gesto em Sade

  • 2012. Universidade Federal de Santa Catarina UFSC. Todos os direitos reservados.

    A responsabilidade pelo contedo e imagens desta obra do(s) respectivo(s) autor(es). O contedo desta obra foi licenciado temporria e

    gratuitamente para utilizao no mbito do Sistema Universidade Aberta do Brasil, atravs da UFSC. O leitor se compromete a utilizar o

    contedo desta obra para aprendizado pessoal, sendo que a reproduo e distribuio ficaro limitadas ao mbito interno dos cursos.

    A citao desta obra em trabalhos acadmicos e/ou profissionais poder ser feita com indicao da fonte. A cpia desta obra sem autorizao

    expressa ou com intuito de lucro constitui crime contra a propriedade intelectual, com sanes previstas no Cdigo Penal, artigo 184, Pargrafos

    1 ao 3, sem prejuzo das sanes cveis cabveis espcie.

    1 edio 2010

    C331p Carvalho, Antnio Ivo dePolticas de sade : fundamentos e diretrizes do SUS / Antnio Ivo de Carvalho, Pedro

    Ribeiro Barbosa. 2. ed. reimp. Florianpolis : Departamento de Cincias da Administrao/ UFSC; [Braslia] : CAPES : UAB, 2012.

    84p.

    Inclui bibliografiaEspecializao em Gesto em SadeISBN: 978-85-7988-059-9

    1. SPolticas de Sade Brasil Histria. 2. Sistema nico de Sade (Brasil).3. Sade Pblica. 4. Educao a distncia.I. Barbosa, Pedro Ribeiro. II. Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior(Brasil). III. Universidade Aberta do Brasil. IV. Ttulo.

    CDU: 614:35

    Catalogao na publicao por: Onlia Silva Guimares CRB-14/071

  • DESENVOLVIMENTO DE RECURSOS DIDTICOSUniversidade Federal de Santa Catarina

    METODOLOGIA PARA EDUCAO A DISTNCIAUniversidade Federal de Mato Grosso

    AUTORES DO CONTEDOAntnio Ivo de CarvalhoPedro Ribeiro Barbosa

    PRESIDNCIA DA REPBLICA

    MINISTRIO DA EDUCAO

    COORDENAO DE APERFEIOAMENTO DE PESSOAL DE NVEL SUPERIOR CAPES

    DIRETORIA DE EDUCAO A DISTNCIA

    EQUIPE TCNICACoordenador do Projeto Alexandre Marino Costa

    Coordenao de Produo de Recursos Didticos Denise Aparecida Bunn

    Capa Alexandre Noronha

    Ilustrao Igor Baranenko

    Projeto Grfico e Finalizao Annye Cristiny Tessaro

    Editorao Rita Castelan

    Reviso Textual Barbara da Silveira VieiraClaudia Leal Estevo Brites Ramos

    Mara Aparecida A. R. Siqueira

    Crditos da imagem da capa: extrada do banco de imagens Stock.xchng sob direitos livres para uso de imagem.

  • SUMRIO

    Apresentao.................................................................................................... 7

    Unidade 1 Antecedentes do SUS: breve trajetria

    Introduo............................................................................................... 13

    As Origens da medicina previdenciria................................................ 15

    Anos de 1970: expanso e crise do modelo mdico-assistencial privatista..... 17

    Anos de 1980: a transio para a seguridade social................................... 20

    Unidade 2 Configurao Legal e Tcnica do SUS

    Introduo..................................................................................................... 31

    O SUS como um novo pacto social.................................................................... 34

    O SUS como um novo desenho poltico-institucional................................... 37

    O SUS como um novo modelo tcnico-assistencial............................... 41

    Unidade 3 Os Anos de 1990 e a Implantao do SUS: desafios e inovaes

    Introduo................................................................................................ 49

    NOB-SUS 91 e NOB-SUS 93 descentralizao e gesto pblica............. 51

    NOB-SUS 96 reorganizao do modelo de oferta de servios................. 57

    Concepo ampliada de sade................................................................ 58

    O fortalecimento das instncias colegiadas e da gesto pactuada e descen-

    tralizada................................................................................. 59

  • 6Especializao em Gesto em Sade

    Polticas de Sade: Fundamentos e Diretrizes do SUS

    Unidade 4 O SUS Atual e Perspectivas para o Futuro

    A Norma Operacional de Ateno Sade NOAS-SUS 2002................ 65

    As estratgias da NOAS-SUS 02............................................................... 66

    A regionalizao das aes em sade................................................... 67

    O fortalecimento da capacidade de gesto do SUS.................................. 69

    Financiamento................................................................................. 70

    Consideraes finais.......................................................................................... 77

    Referncias.................................................................................................... 80

    Minicurrculo.................................................................................................... 84

  • Apresentao

    7Mdulo Especfico

    APRESENTAO

    Caro estudante,

    Estamos iniciando a disciplina Polticas de Sade:Fundamentos e Diretrizes do SUS, na qual discutiremos o sistemade sade vigente no Pas. O atual sistema de sade brasileiro foimodelado h relativamente pouco tempo, a partir de um processo demudanas que remonta dcada de 1970 e que acelerou o passo aolongo dos anos de 1980 adquirindo estatuto institucional naConstituio Federal do Brasil, de 5 de outubro de 1988, eregulamentao por meio da Lei n. 8.080, de 19 de setembro de1990, e pela Lei n. 8.142, de 28 de dezembro de 1990. Embora resultede um processo interno de forte densidade poltica e social, tambmfoi influenciado por diversos modelos externos, em particular poraqueles vigentes no welfares states (Estado-Providncia).

    Esse sistema ficou conhecido como Sistema nico deSade (SUS), e assim denominado justamente porque suaformulao corresponde unificao dos vrios subsistemas atento existentes, superando a fragmentao institucional quepreva lec ia tanto no in ter ior da es fera federa l ( sadeprevidenciria, sade pblica etc.) quanto entre as diferentesesferas governamentais ( federal , estadual , municipal) , edistinguindo o setor estatal do setor privado.

    Ao estabelecer os princpios de universal idade, deequidade e de integral idade da ateno como diretr izesorganizacionais da descentral izao e da part icipao dasociedade, o SUS rompeu com o sistema anterior e fundou novasbases institucionais, gerenciais e assistenciais para o provimentodas aes e dos servios de sade no Pas, considerados como

  • 8Especializao em Gesto em Sade

    Polticas de Sade: Fundamentos e Diretrizes do SUS

    direito universal do cidado e dever do Estado. O SUS foidesenhado e institucionalizado na contramo de uma tendnciaque, no plano internacional, apontava para uma revalorizaodo mercado como alternativa ao modelo clssico do welfare state,tido como invivel em razo da crise fiscal e da legitimidade doEstado poca.

    Enquanto o mundo discut ia o ajuste estrutural daeconomia, a diminuio do aparelho do Estado e a contenodos gastos pblicos; no Brasil, expandiam-se os direitos sociaise ampliava-se a responsabilidade estatal com o seu provimento.Por i s so, se naquele momento a conjuntura in terna dereconstruo democrtica e resgate da dvida social legada pelosanos de ditadura dava suporte expanso de direitos sociais,ent re os quais os da sade, era inev i tve l que, ao serimplementado, o SUS se visse diante das limitaes materiais eideolgicas impostas pela agenda da reforma do Estado,introduzida no Pas no incio dos anos de 1990, que ameaavavetos s generosidades universalistas da Constituio de 1988.

    Sendo assim, veremos nesta disciplina que o atual sistemade sade no Brasil no nem a aplicao literal do desenholegal do SUS, nem o resultado de prescries estipuladas forado processo social que o originou. Para evidenciar tal situao,estudaremos as principais caractersticas desse sistema, nocomo um retrato esttico de suas regras e preceitos, mas como oprocesso de construo de um modelo brasileiro de sistema desade ainda em curso e chamado a dar resposta efetiva aosdesafios sanitrios do Pas.

    O SUS tambm no foi constitudo numa proveta social,como fruto da mente criativa de planejadores e polticos. Aocontrrio, sua arquitetura institucional altamente inovadoracorresponde a um processo social rico, no qual se chocaraminteresses e valores sociais diversos que suscitaram a renovaode crenas cognitivas relevantes, algumas delas inditas natradio de polticas pblicas no Brasil.

    Buscando no passado a origem e as explicaes para asua configurao inovadora, possvel discriminarmos na

  • Apresentao

    9Mdulo Especfico

    genealogia do SUS dois movimentos tendenciais fortes quepresidiram a evoluo das polticas de sade nos ltimos 30 anos:

    o primeiro, de carter geral ao campo das polticas deproteo social, apontou em direo suauniversalizao, ou seja, ao reconhecimento de direitossociais vinculados cidadania plena. Resultou namigrao do modelo de seguro social quecaracterizou, desde sua origem, o sistema previdenciriobrasileiro, para o modelo de seguridade social,finalmente adotado na Constituio de 1988; e

    o segundo, de carter especfico ao setor da Sade,em busca de uma maior efetividade sanitria, envolveua adoo para si de uma concepo mais ampla.Apontou para a transio de um modelo de atenocurativa demanda para um modelo de atenointegral populao.

    Para organizarmos este material e facilitarmos o seuestudo, dividimos o livro-texto em quatro Unidades que objetivamdesenvolver sua capacidade profissional, como gestor pblicoem sade, de forma a situ-lo diante do sistema de sade emseu contexto socioeconmico, cultural e poltico brasileiro, bemcomo possibilitar o seu conhecimento acerca dos fundamentospoltico-ideolgicos e tcnicos do SUS, suas caractersticas comoum novo pacto social, como um novo modelo de gesto e umnovo arranjo tcnico-assistencial.

    No temos a pretenso de esgotar o tema desta disciplina,mas sim o de apresentar um olhar entre os inmeros que abordamos assuntos aqui discutidos, por isso dedique-se a pesquisar asindicaes de leitura que oferecemos ao longo das Unidades e,especialmente, a bibliografia referenciada ao final do livro-texto.

    Desejamos a todos uma tima leitura!

    Professores Antnio Ivo de Carvalho e Pedro Ribeiro Barbosa

  • UNIDADE 1

    OBJETIVOS ESPECFICOS DE APRENDIZAGEM

    Ao finalizar esta Unidade, voc dever ser capaz de: Identificar a sequncia histrica dos modelos de polticas de sade

    no Brasil; Debater a lgica da articulao entre polticas de sade e padres

    de organizao social; e Identificar os conflitos, interesses e necessidades sociais que

    deram origem ao SUS.

    ANTECEDENTES DO SUS:BREVE TRAJETRIA

  • 12Especializao em Gesto em Sade

    Polticas de Sade: Fundamentos e Diretrizes do SUS

  • Unidade 1 Antecedentes do SUS: breve trajetria

    13Mdulo Especfico

    INTRODUO

    Caro estudante,Vamos iniciar o nosso estudo tratando das origens damedicina previdenciria fazendo uma sntese da expansoe da crise do modelo mdico-assistencial privatista dos anosde 1970 e tambm da sua transio para a seguridade socialocorrida nos anos de 1980.Faa uma leitura cuidadosa desta Unidade, anote suasreflexes, visite o AVEA do curso e, em caso de dvida,consulte seu tutor. Lembre-se de que estamos aqui paraauxili-lo. Bons estudos!

    conhecido o fato de que, at o final da dcada de 1980, adefinio de direitos sociais estava restrita sua vinculao aosistema previdencirio, sendo definidos como cidados osindivduos pertencentes s categorias ocupacionais reconhecidaspelo Estado e que contribuam para a Previdncia Social. Issoporque, desde as dcadas de 1930 e 1940, no perodo populista deGetlio Vargas, o desenvolvimento das polticas sociais se constituiuem uma estratgia de incorporao de segmentos da classe mdiae dos trabalhadores urbanos ao projeto poltico de industrializaoe modernizao do Pas. Esse projeto teve grande visibilidade eimpacto poltico, embora no tenha conseguido, de fato, eliminar apobreza ou implementar uma redistribuio significativa de renda.

    Nesse contexto, as categorias mais impor tantes detrabalhadores lograram, desde cedo (anos de 1930), formar osprimeiros Institutos de Aposentadorias e Penses (IAPs) que,contando com financiamento parcial do Poder Executivo,constituram as principais organizaes de poltica social no Pas.

  • 14Especializao em Gesto em Sade

    Polticas de Sade: Fundamentos e Diretrizes do SUS

    Entretanto, o acesso a elas e s suas sucessoras estava limitadoapenas aos membros da comunidade, localizados nas ocupaesdefinidas em lei e que contribuam para a Previdncia Social.

    A extenso da cidadania foi feita mediante essavinculao profissional, e no pelo reconhecimento dacondio de membro da comunidade nacional.No bastava ser brasileiro para gozar de direitos decidadania social; antes era necessrio ter carteira detrabalho assinada e contribuir financeiramente paraa Previdncia Social, mediante uma modalidade deseguro (recebem benefcios somente aqueles quepagam por eles).

    Havia, de fato, o estabelecimento de uma cidadania regulada,de carter parcial e concedida por meio da articulao entre apoltica de governo e o movimento sindical. Dessa forma, acabaramexcludos da cidadania todos os indivduos que no possuamocupao reconhecida por lei, como os trabalhadores da rea rurale os trabalhadores urbanos cujas ocupaes no estavam reguladas.

    Contudo, a tenso entre a manuteno de uma estrutura deprivilgios e a necessidade de extenso dos chamados direitossociais foi expressiva no Brasil. Essa tenso ocorreu no apenasentre as categorias profissionais privilegiadas bancrios,comercirios, industririos e funcionrios pblicos, que mostravammarcantes diferenas de acesso entre si como entre elas e orestante da populao.

    Vamos ver agora como esse processo ocorreu na rea dasade, em que a mesma lgica modelou o carter mdico-assistencialprivatista que prevaleceu at os anos 1980.

  • Unidade 1 Antecedentes do SUS: breve trajetria

    15Mdulo Especfico

    AS ORIGENS DA MEDICINAPREVIDENCIRIA

    A partir de 1945, com a industrializao crescente e com aliberao da participao poltica dos trabalhadores, ocorreu umaumento significativo e progressivo da demanda por ateno sade, incidindo sobre todos os institutos.

    Tal processo de expanso culminou com a promulgao daLei Orgnica da Previdncia Social (LOPS), em 1960, quepromoveu a uniformizao dos benefcios, ou seja, padronizou ocardpio de servios de sade a que todos os segurados teriamdireito, independentemente do instituto a que estivessem filiados.Como a uniformizao dos benefcios no foi seguida da unificaodos institutos e nem significou a universalizao da ateno sadepara toda populao, o resultado foi o aumento da irracionalidadena prestao de servios, ao mesmo tempo que a populao noprevidenciria continuava discriminada, no podendo ser atendidana rede da Previdncia Social.

    Por fora de uma resposta demanda crescente por serviosde ateno individual, a poltica previdenciria de sade, poca,j apresentava como caractersticas marcantes uma elevadaconcentrao de rede prpria nas grandes cidades do Pas e o carterexclusivamente curativo do modelo de ateno mdica.

    A criao do Instituto Nacional de Previdncia Social (INPS),em 1966, pelo governo militar, unificando todas as instituiesprevidencirias setoriais, significou para a sade previdenciria aconsolidao da tendncia contratao de produtores privadosde servios de sade, como estratgia dominante para a expanso

    vConhea a Lei n. 3.807,de 26 de agosto de 1960,que dispe sobre a LeiOrgnica da Previdncia

    Social, disponvel em:

    .

  • 16Especializao em Gesto em Sade

    Polticas de Sade: Fundamentos e Diretrizes do SUS

    da oferta de servios. Progressivamente, foram sendo desativadose/ou sucateados os servios hospitalares prprios da PrevidnciaSocial, ao mesmo tempo que era ampliado o nmero de serviosprivados credenciados e/ou conveniados. No entanto, o atendimentoambulatorial continuou como rede de servios prprios e expandiu-se nesse perodo.

    As consequncias dessa poltica privatizante apareceramrapidamente, corroendo a capacidade gestora do sistema ereforando a sua irracionalidade:

    de um lado, a baixa capacidade de controle sobre osprestadores de servio contratados ou conveniados,j que cada paciente era considerado como umcheque em branco, tendo a Previdncia Social depagar as faturas enviadas aps a prestao dosservios; e

    de outro, era quase impossvel um planejamentoracional, j que os credenciamentos no obedeciam acritrios tcnicos, e sim a exigncias polticas.

    Ao lado dessa situao, explodiam os custos do sistema, tantoem razo da opo pela medicina curativa, cujos custos eramcrescentes em funo do alto ritmo de incorporao tecnolgica,quanto em razo da forma de compra de servios pela PrevidnciaSocial, realizada por meio das chamadas unidades de servios (US),que, alm de valorizarem os procedimentos mais especializados esofisticados, eram especialmente suscetveis a fraudes, cujo controleapresentava enorme dificuldade tcnica.

  • Unidade 1 Antecedentes do SUS: breve trajetria

    17Mdulo Especfico

    ANOS DE 1970: EXPANSO E CRISE DOMODELO MDICO-ASSISTENCIAL

    PRIVATISTA

    A dcada de 1970 foi marcada por uma ampliao constanteda cobertura do sistema, o que levou ao aumento da oferta deservios mdico-hospitalares e, consequentemente, a uma pressopor aumento nos gastos. Ao mesmo tempo, foram intensificados osesforos de racionalizao tcnica e financeira do sistema.

    A expanso da cobertura adveio tanto pela incorporao denovos grupos ocupacionais ao sistema previdencirio (empregadasdomsticas, trabalhadores autnomos, trabalhadores rurais) quantopela extenso da oferta de servios populao no previdenciria.O aumento da demanda por servios de sade ocorreu no bojo deum processo poltico de busca de legitimao do regime militar que,principalmente a partir de 1974 com o II Plano Nacional deDesenvolvimento, implementou umesforo de incorporao da dimensosocial em seu projeto dedesenvolvimento econmico.

    As tentativas de disciplinar aoferta de servios de sade, por meiode mecanismos de planejamentonormativo, como o Plano de ProntaAo de 1974 e a Lei do SistemaNacional de Sade de 1975, noforam capazes de fazer frente aos

    Plano de Pronta Ao

    O Plano de Pronta Ao foi formulado em 1974 com o

    objetivo de universalizar o atendimento mdico, princi-

    palmente o atendimento de emergncia. A Previdncia

    Social comprometia-se a pagar esse atendimento tanto

    rede pblica quanto rede privada, independente-

    mente do vnculo previdencirio do paciente, Fonte:

    . Acesso em: 14 jul. 2010.

    Saiba mais

  • 18Especializao em Gesto em Sade

    Polticas de Sade: Fundamentos e Diretrizes do SUS

    vConhea a Lei n. 6.439,de 1 de setembro de1977, que institui o

    Sistema Nacional de

    Previdncia e Assistncia

    Social, disponvel em:

    .

    problemas apontados, j que se restringiam a delimitar os camposde ao dos vrios rgos provedores.

    Curiosamente, tais tentativas disciplinadoras, alm deterem apresentado baixo impacto em termos deracionalizao da oferta, causaram o efeito paradoxalde expandi-la, j que propunham a remoo debarreiras burocrticas para o atendimento mdico, oque na prtica viabilizou o atendimento a clientelasno previdencirias, representando uma espcie deuniversalizao informal do acesso.

    A criao do Instituto Nacional de Assistncia Mdica daPrevidncia Social (Inamps), em 1977, deu-se em um contexto deaguamento de contradies do sistema previdencirio, cada vezmais pressionado pela crescente ampliao da cobertura e pelasdificuldades de reduzir os custos da ateno mdica no modeloprivatista e curativo vigente.

    A nova autarquia representou, assim como o conjunto doSistema Nacional de Previdncia e Assistncia Social (Sinpas), umprojeto modernizante, racionalizador, de reformatao institucionalde polticas pblicas. Sob a orientao de uma lgica sistmica, oInamps pretendeu simultaneamente articular as aes de sade entresi e elas com o conjunto das polticas de proteo social. No primeirocaso, por meio do Sistema Nacional de Sade (SNS); no segundocaso, por meio do Sinpas. Como componente simultneo do SNS edo Sinpas, esperava-se do Inamps o cumprimento do papel de braoassistencial do sistema de sade e de brao da sade do sistema deproteo social. O SNS foi criado pela Lei n. 6.229, de 17 de julhode 1975, visando a superar a descoordenao imperante no campodas aes de sade.

    O SNS foi constitudo pelo [...] complexo de servios, dosetor pblico e do setor privado, voltados para aes de interesseda sade [...] organizados e disciplinados nos termos desta lei [...].

  • Unidade 1 Antecedentes do SUS: breve trajetria

    19Mdulo Especfico

    (BRASIL, 1975, Art. 1) Em relao poltica pblica de sade,essa lei atribuiu ao Ministrio da Sade (MS) a sua formulao,bem como a promoo ou execuo de aes voltadas para oatendimento de interesse coletivo, enquanto o Ministrio daPrevidncia e Assistncia Social (MPAS), por meio do INPS (depoisInamps), foi responsabilizado, principalmente, pelas aes mdico-assistenciais individualizadas.

    Malgrado sua pretensa racionalidade sistmica, tal projetojamais chegou a ter importncia significativa na soluo ou napreveno da crise que se avizinhou. O SNS, de fato, foi mais umprotocolo de especializao de funes do que um mecanismo deintegrao dos dois principais rgos responsveis pela poltica desade. Embora fosse atribuda ao MS a funo reitora naformulao da poltica de sade, na prtica, foi o MPAS que, pordeter a maior parte dos recursos pblicos destinados rea desade, predominou na definio da linha poltica setorial.

    Por sua vez, o Inamps, como o brao da Sade do Sinpas,teve suas aes condicionadas ou limitadas pela disponibilidadedos recursos existentes, j que os benefcios previdencirios(aposentadorias, penses e outros benefcios), por sua naturezacontratual, tinham primazia na alocao dos recursos do sistema.As despesas do Inamps, que em 1976 correspondiam a 30% dooramento da Previdncia Social, em 1982 atingiram apenas 20%do total, o que correspondeu a perda de um tero da participaonos gastos.

    Perceba que os anos de 1970 marcaram a glria e a runado sistema de sade brasileiro, tal como foi desenhado em meadosdos anos de 1960, no bojo do processo de modernizaoconservadora experimentada pelo Estado brasileiro sob a vignciado regime autoritrio.

    Voc sabe como naqueles anos a crise financeira brasileira

    abriu caminho para a reforma do sistema? Vamos verificar?

  • 20Especializao em Gesto em Sade

    Polticas de Sade: Fundamentos e Diretrizes do SUS

    ANOS DE 1980: A TRANSIOPARA A SEGURIDADE SOCIAL

    O Inamps entra na dcada de 1980 vivendo o agravamentoda crise f inanceira no Pas e tendo de equacion-la nosimplesmente como o gestor da assistncia mdica aos seguradosda Previdncia Social, mas como o responsvel pela assistnciamdica individual ao conjunto da populao. Ou seja, a crisedeveria ser enfrentada em um contexto no apenas de extenso debenefcios a alguns setores, mas de universalizao progressiva dodireito e do acesso aos servios de sade.

    O aumento de servios e gastos, decorrentes dessa ampliaode cobertura, teria de ser enfrentado em um quadro de reduo dasreceitas previdencirias, provocado pela poltica econmicarecessiva que, desde 1977, reduzia a oferta de empregos, a massasalarial e levava ao esgotamento as fontes de financiamentobaseadas na incorporao de contingentes de contribuintes.

    Nesse quadro, a estratgia racionalizadora privilegiou de umlado o controle de gastos via combate a fraudes e outras evases e,de outro, a conteno da expanso dos contratos com prestadoresprivados, passando a privilegiar o setor pblico das trs esferasgovernamentais:

    para o combate s fraudes, j havia sido criada noMPAS a Empresa de Processamento de Dados daPrevidncia (Dataprev), encarregada de processartambm as contas hospitalares. Com instrumentoscada vez mais sofisticados de controle, a Dataprevvisava a reduzir o volume de fraudes, ainda que tais

  • Unidade 1 Antecedentes do SUS: breve trajetria

    21Mdulo Especfico

    mecanismos fossem incapazes de reduzir o custo daateno prestada; e

    na rea da assistncia mdica, o esforo de adequaroferta e demanda, sem aumentar o dficit financeiroda Previdncia Social, foi direcionado aoestabelecimento de convnios com outros rgospblicos de sade, pertencentes ou s secretarias desade, ou ao MS, ou s universidades pblicas. Almde prestarem os servios a um custo inferior ao darede privada, a forma de repasse de recursos doInamps para os servios pblicos conveniados, viaoramento global, permit ia maior controle eplanejamento dos gastos.

    Dessa forma, o Inamps iniciava um processo de integraoda rede pblica que viria a culminar com a dissoluo dasdiferenas entre a clientela segurada e a no segurada.

    Em 1981, o agravamento da crise financeira da PrevidnciaSocial provocou uma intensificao do esforo de racionalizar aoferta de servios, o que acentuou a tendncia anterior de integraoda rede pblica de ateno sade.

    Nesse sentido, o marco inicial desse perodo foi a criaodo Conselho Consultivo de Administrao de Sade Previdenciria(CONASP), por meio do Decreto n. 86.329/81. Composto denotveis da medicina, de representantes de vrios ministrios e derepresentantes dos trabalhadores e dos empresrios recebeu amisso de reorganizar a assistncia mdica, sugerir critrios dealocao de recursos no sistema de sade, estabelecer mecanismosde controle de custos e reavaliar o financiamento da assistnciamdico-hospitalar. Estabeleceu um conjunto de medidasracionalizadoras, fixou parmetros de cobertura assistencial e deconcentrao de consultas e hospitalizaes por habitante, almde medidas para conter o credenciamento indiscriminado demdicos e hospitais (Portaria n. 3.046, de 20 de julho de 1982).

    Os dois programas mais importantes do CONASP foram ode implantao do Sistema de Ateno Mdico-Hospitalar

    vPara conhecer o Decreton. 86.329, de 2 desetembro de 1981,acesse ao endereo

    eletrnico: .

  • 22Especializao em Gesto em Sade

    Polticas de Sade: Fundamentos e Diretrizes do SUS

    da Previdncia Social (SAMHPS) e o de implantao das AesIntegradas de Sade (AIS). O primeiro voltado a disciplinar ofinanciamento e o controle da rede assistencial privada contratada;e o segundo, com a finalidade de revitalizar e racionalizar a ofertado setor pblico, estabelecendo mecanismos de regionalizao ehierarquizao da rede pblica das trs esferas governamentais,at ento completamente desarticuladas.

    Enquanto o SAMHPS permitia melhorar os controlesinstitucionais sobre os gastos hospitalares, viabilizando maiorracionalidade para planejar, as AIS constituam o principal caminhode mudana estratgica do sistema. A partir desse ltimo programa,o sistema caminhou progressivamente para a universalizao declientelas, para a integrao/unificao operacional das diversasinstncias do sistema pblico e para a descentralizao dos serviose aes em direo aos municpios.

    Sob a presso da crise financeira foi gestado, nointerior da Previdncia Social e do Inamps, um processode reforma que, embora inicialmente movido pelanecessidade de conteno financeira, terminouampliando e incorporando elementos crticos sobre aestrutura do sistema, fosse pelo seu carter privatista,fosse pelo seu carter mdico-hospitalocntrico.

    Isso aconteceu em um quadro de perda crescente delegitimidade social e poltica do sistema, em razo de suaineficincia e de sua baixa efetividade, e foi viabilizado pelapresena de tcnicos e intelectuais progressistas no interior damquina burocrtica, inspirados nas propostas de equidade eexpanso do direito sade, ento sintetizados no lemainternacional Sade para Todos at o Ano 2000.

    Embora as AIS fossem financeiramente um programa marginaldo Inamps em 1984, representavam 6,2% do oramento, enquanto

  • Unidade 1 Antecedentes do SUS: breve trajetria

    23Mdulo Especfico

    a rede privada contratada recebia em torno de 58,3% , por meiodelas foi construda a base tcnica e foram formulados os princpiosestratgicos que resultaram nas mudanas institucionais ocorridasno final da dcada. Na Secretaria de Planejamento do Inamps,encarregada de cuidar dos recursos financeiros e legais da relaocom os Estados e os municpios, foram elaborados os instrumentosprecursores do que seria um planejamento nacional integrado dasaes de sade, pactuado entre as trs esferas governamentais.

    A chamada Programao e Oramentao Integradas(POI) desempenhou um papel pioneiro na considerao dos Estadose municpios como cogestores do sistema de sade, e no simplesmentecomo vendedores de servios ao sistema federal. Emborafrequentemente atropelado pelas limitaes oramentrias e pelasinjunes da poltica clientelista, esse instrumento de programaomuito contribuiu para a mudana da cultura tcnica institucional.

    As AIS demarcaram, tambm, o incio de um processo decoordenao interinstitucional e de gesto colegiada entre as esferasde governo e entre os rgos setoriais do governo federal. A partirda Comisso Interministerial de Planejamento e Coordenao(CIPLAN), composta dos Ministrios da Previdncia, da Sade, daEducao e, mais tarde, do Trabalho, e das ComissesInterinstitucionais Estaduais, Regionais e Municipais (CIS, CRIS,CIMS etc.), foi consolidado um espao institucional de pactuaode polticas, metas e recursos dos gestores entre si e desses com osprestadores, e at mesmo com os usurios, visto que, em algumasdessas comisses, houve a participao de associaes deprofissionais e de moradores.

    Alm do fato de que os representantes institucionais no

    dispunham de autonomia decisria (a descentralizao

    administrativa ainda era incipiente), havia uma evidente

    assimetria de poder entre os parceiros, voc imagina o porqu?

  • 24Especializao em Gesto em Sade

    Polticas de Sade: Fundamentos e Diretrizes do SUS

    Porque o financiamento dos servios era dado por meio derepasses financeiros do Inamps aos Estados e municpios convenentes,com base na sua produo de servios, dentro de tetos oramentriospreestabelecidos de acordo com a capacidade instalada.

    O advento da Nova Repblica, em 1985, representou aderrota da soluo ortodoxa privatista para a crise da PrevidnciaSocial e o predomnio de uma viso publicista, comprometida coma reforma sanitria. O comando do Inamps foi assumido pelo grupoprogressista, que disseminou os convnios das AIS por todo o Pas,aprofundando seus aspectos mais inovadores. Os 130 municpiossignatrios em maro de 1985 passaram para 644 em dezembro epara 2.500 no final de 1986.

    Esse movimento de expanso das AIS, no binio 1985/1986,correspondeu ao perodo de maior efervescncia dos debates sobreas formas de organizao das polticas sociais na Nova Repblica,que terminaram por fazer prevalecer a estratgia da descentralizaode competncias, de recursos e de gerncia relativos aos diversosprogramas setoriais. Expresso no I Plano Nacional deDesenvolvimento da Nova Repblica, o princpio da descentralizao,cuja implementao foi liderada pela Sade, ao mesmo tempo queimpulsionou e fortaleceu o modelo de reorganizao da assistnciaexpresso pelas AIS, comeou a colocar em xeque o prprio Inamps,uma vez que nele permaneceu concentrado um amplo poder baseadoprincipalmente no monoplio do relacionamento com o setor privado,que continuava representando a maior parte tanto da oferta hospitalarquanto dos recursos financeiros.

    A VIII Conferncia Nacional de Sade, realizada em marode 1986, alcanou grande representatividade e cumpriu o papel desistematizar tecnicamente e de disseminar politicamente um projetodemocrtico de reforma sanitria voltado universalizaodo acesso, equidade no atendimento, integral idadeda ateno, unif icao inst i tucional do sistema, descentralizao, regionalizao, hierarquizao da rede deservios e participao da comunidade.

  • Unidade 1 Antecedentes do SUS: breve trajetria

    25Mdulo Especfico

    Em 20 de julho de1987, foi criado o Pro-grama de Desenvolvi-mento de Sistemas Uni-ficados e Descentraliza-dos de Sade (SUDS),por meio do Decreto n.94.657. Os debates e asiniciativas de reorganiza-o do pacto federativono Pas, assim como os resultados eleitorais de novembro de 1986,criaram o clima favorvel a essa medida que apontava os Estadose os municpios como os gestores do futuro sistema de sade.

    O programa dos SUDS representou a extino legal da ideiade assistncia mdica previdenciria, redefinindo as funes eatribuies das trs esferas gestoras no campo da sade, reforandoa descentralizao e restringindo o nvel federal apenas s funesde coordenao poltica, planejamento, superviso, normatizaoe regulamentao do relacionamento com o setor privado. Quantoao Inamps, o programa estabeleceu a progressiva transferncia aosEstados e aos municpios de suas unidades; de recursos humanose financeiros; das atribuies de gesto direta, de convnios e decontratos assistenciais; e de sua completa reestruturao paracumprir as funes de planejamento, oramentao eacompanhamento.

    A nova Constituio Federal de 1988 instituiu o SUS,cuja formatao final e regulamentao ocorrerammais tarde, em 1990, com a aprovao da Lei n. 8.080e da Lei n. 8.142.

    O ano de 1989, entretanto, junto com o retrocesso polticoocasionado pelo fracasso de sucessivos planos econmicos de

    Sistemas Unificados e Descentralizados de Sade (SUDS)

    Na prtica, o SUDS promoveu a celebrao de convnios entre o Inamps

    e os governos estaduais, mas no era uma ao obrigatria. A partici-

    pao da Secretaria Estadual de Sade ou do Governo do Estado, era

    opcional. Se o Estado no concordasse em participar do SUDS, era o

    INAMPS que continuaria executando suas funes. Fonte: . Acesso em:

    2 ago. 2010.

    Saiba mais

  • 26Especializao em Gesto em Sade

    Polticas de Sade: Fundamentos e Diretrizes do SUS

    combate inflao assistiu ao recrudescimento das resistncias dosetor privado e da burocracia federal e dissoluo das atribuiese dos recursos do Inamps nas esferas estadual e municipal. Porconseguinte, o grupo progressista foi deslocado do comando dorgo por grupos conservadores que tentavam estabelecer umaltima trincheira pela preservao de sua estrutura e de suasfunes. A ausncia de um projeto claro de restaurao do sistemaanterior, assim como o crescente peso poltico de novos atores naarena setorial, como os secretrios municipais e estaduais de sade,organizados em entidades nacionais, como o Conselho Nacionalde Secretrios Estaduais de Sade (Conass) e o Conselho Nacionalde Secretrios Municipais de Sade (Conasems), fizeram com quetais resistncias tivessem pouco flego.

    Em 7 de maro de 1990, na ltima semana do governoSarney, o Inamps foi finalmente transferido do Ministrio daPrevidncia e Assistncia Social para o Ministrio da Sade, pormeio do Decreto n. 99.060. A partir da, a presidncia da autarquiapassou a ser exercida pelo Secretrio de Assistncia Sade doMinistrio da Sade, em uma progressiva diluio de suaident idade inst i tucional . O processo de formatao eoperacionalizao do SUS nos Estados e municpios, por meioda Norma Operacional Bsica 1991 (NOB-SUS 91) e da NormaOperacional Bsica de 1993 (NOB-SUS 93), formalizou atransferncia da gesto da sade a essas esferas governamentais,tendo nas Comisses Intergestores Tripartites e Bipartites o espaoinstitucional de distribuio pactuada de recursos e atribuiesentre os nveis federal, estadual e municipal.

    A extino legal do Inamps, em julho de 1993, ocorreude forma quase natural, como consequncia de seudesaparecimento orgnico e funcional no emergente SUS.

  • Unidade 1 Antecedentes do SUS: breve trajetria

    27Mdulo Especfico

    ResumindoNesta Unidade descrevemos a sequncia histrica dos

    modelos de polticas de sade no Brasil entre 1900 e 2010.

    Apontamos e discutimos ainda a lgica que articula esses

    modelos aos sucessivos padres de organizao social, as-

    sim como identificamos os interesses, conflitos e necessi-

    dades sociais que deram origem ao SUS.

  • 28Especializao em Gesto em Sade

    Polticas de Sade: Fundamentos e Diretrizes do SUS

    Atividades de aprendizagemAgora sua vez. Amplie sua reflexo sobre os temas aquidiscutidos realizando a atividade a seguir.

    1. Assista ao vdeo sobre o SUS: Marilu, disponvel no Ambiente Vir-

    tual de Ensino-Aprendizagem (AVEA). Interrompa o filme a cada

    perodo e tente lembrar o que voc sabe sobre ele. Na sequencia

    discuta com seus colegas as informaes relevantes sobre o per-

    odo e sobre os acontecimentos que marcaram a construo do

    SUS em nosso Pas.

  • Unidade 2 Configurao Legal e Tcnica do SUS

    29Mdulo Especfico

    UNIDADE 2

    OBJETIVOS ESPECFICOS DE APRENDIZAGEM

    Ao finalizar esta Unidade, voc dever ser capaz de: Descrever as dimenses tcnicas e poltico-institucionais do SUS; Debater o arcabouo constitucional e infraconstitucional; e Discutir os aspectos inovadores do SUS como poltica pblica.

    CONFIGURAO LEGALE TCNICA DO SUS

  • 30Especializao em Gesto em Sade

    Polticas de Sade: Fundamentos e Diretrizes do SUS

  • Unidade 2 Configurao Legal e Tcnica do SUS

    31Mdulo Especfico

    INTRODUO

    Caro estudante,Queremos convid-lo a dar mais um passo em nossoaprendizado sobre Polticas de Sade: Fundamentos eDiretrizes do SUS . Nesta Unidade, voc vai conhecer ou rever,caso j conhea, a configurao legal e tcnica do SUS. Paracompreender a importncia bsica do tema fundamentalque voc reflita sobre os tempos em que vivemos.Bons estudos!

    A nova institucionalidade do setor Sade comeou a serdesenhada em 1986, por ocasio da VIII Conferncia Nacional deSade realizada em Braslia, com cerca de trs mil participantes, dosquais mil deles eram delegados votantes, representando diversossegmentos da sociedade. Nessa conferncia, precedida de sesses nosEstados, foram estabelecidos os fundamentos do futuro SUS.

    Realizada em meio a amplos debates na imprensa, nossindicatos, nos partidos polticos de oposio, nas instituies deensino e pesquisa, em movimentos populares, a Confernciacontribuiu decisivamente para formar consensos quanto aodiagnstico crtico sobre o sistema de sade vigente e quanto auma agenda de mudanas, que ficou conhecida como a Agendada Reforma Sanitria. Seu relatrio geral resultou de discussesem plenria e em grupos de trabalho. Consagrou a sade comodireito universal e como dever do Estado, tendo como fundamentoa noo de cidadania. No plano das relaes entre os nveis degoverno, a estratgica das AIS, seguida pelos SUDS, prevaleceucomo diretriz bsica para assegurar a descentralizao e a mudanade nfase no financiamento ao setor. O amplo consenso entoformado foi a base do futuro texto constitucional.

  • 32Especializao em Gesto em Sade

    Polticas de Sade: Fundamentos e Diretrizes do SUS

    Todo esse processo possibilitou que o debate na AssembleiaNacional Constituinte sobre sade fosse pautado por uma propostade mudanas mais orgnicas e articuladas do que a maioria dosoutros setores de polticas pblicas. Com a Constituio de 1988foi fundado o arcabouo jurdico-institucional do SUS, consagrandoem grande parte os preceitos acordados por ocasio da VIIIConferncia Nacional de Sade. Tal arcabouo est estabelecidono captulo sobre a Seguridade Social da Constituio Federal de1988 e detalhado na Lei n. 8.080/90, que dispe sobre a organizaodos servios, e na Lei n. 8.142/90, que dispe sobrea participao comunitria e o financiamento do sistema.

    Diversas portarias ministeriais regulamentaram o SUS,especialmente as que originaram as NOBs de 1991,1993 e 1996. A implantao do SUS no conjunto doPas passa a acontecer de forma gradual ao longo dosanos 1990.

    A Constituio de 1988 apresenta, na sua Seo II,os preceitos que governaram a poltica setorial nos anos seguintes.Sob o lema Sade: direito de todos, dever do Estado, seusprincpios podem ser resumidos em alguns pontos bsicos:

    as necessidades individuais e colet ivas soconsideradas de interesse pblico e seu atendimentoum dever do Estado;

    a assistncia mdico-sanitria integral passa a tercarter universal e destina-se a assegurar a todos oacesso aos servios;

    esses servios devem ser hierarquizados segundoparmetros tcnicos; e

    a sua gesto deve ser descentralizada.

  • Unidade 2 Configurao Legal e Tcnica do SUS

    33Mdulo Especfico

    E, alm disso, o sistema dever ser custeado, essencialmente,por recursos governamentais originrios da Unio, Estados emunicpios. Os servios de carter empresarial comprados devemser complementares e devem estar subordinados s estratgias maisgerais da poltica setorial. As aes governamentais serosubmetidas a organismos colegiados oficiais, como os Conselhosde Sade (representao paritria entre usurios e prestadoresdos servios) e sero consagradas descentralizao poltico-administrativa e a participao social.

    A Lei n. 8.080/90 Dispe sobre as condies para apromoo, proteo e recuperao da sade, a organizao e ofuncionamento dos servios correspondentes e d outrasprovidncias., ou seja, detalha o contedo constitucional. Essa leidefine os papis insti tucionais de cada esferagovernamental no plano da gesto, a estrutura definanciamento e as regras de transferncia de recursosentre os diferentes nveis de governo, por meio dosFundos de Sade. Com relao ao modelo proposto,o carter automtico e imediato das transfernciasentre os diferentes Fundos de Sade ficou prejudicadoem funo de veto governamental, sendo retomadopela Lei n. 8.142/90, que instituiu os Conselhos deSade e conferiu status pblico aos organismos derepresentao de governos estaduais e municipais,como o Conass e o Conasems.

    Falaremos dessas entidades mais adiante, e tambm dasComisses Intergestores, mas lembre-se de que as articulaes entreas esferas de governo j vinham sendo realizadas desde os anos de1980, poca das AIS.

    Podemos dizer, para fins analticos, que o conjunto dos

    princpios polticos e tcnicos do SUS, assim como suas

    diretrizes operacionais, podem ser agrupados como um novo

    pacto social, um novo desenho poltico-institucional e um

    novo modelo tcnico-assistencial, voc concorda?

    Lei n. 8.142/90

    A Lei n. 8.142/90 Dispe sobre a par-

    ticipao da comunidade na gesto

    do SUS e sobre as transferncias

    intergovernamentais de recursos fi-

    nanceiros na rea da sade e d ou-

    tras providncias. Fonte: . Acesso em: 16 jul. 2010.

    Saiba mais

  • 34Especializao em Gesto em Sade

    Polticas de Sade: Fundamentos e Diretrizes do SUS

    O SUS COMO UM NOVO PACTO SOCIAL

    O novo pacto social envolve o duplo sentido de que a sadepassa a ser definida como um direito de todos, integrante dacondio de cidadania social, e a ser considerada um dever doEstado, o que implica na responsabilidade e na solidariedade doconjunto da sociedade. Distingue-se do modelo anterior, que sebaseava na ideia de seguro social, em que o direito estava restrito sclientelas envolvidas diretamente com o financiamento do sistemapor meio das contribuies sociais previdencirias, por configurar omodelo da Seguridade Social, em que as clientelas so beneficiadasindependentemente de sua contribuio ao financiamento do sistemaporque ele assumido pelo conjunto da sociedade.

    O SUS corresponde a uma requalificao do direito sade, que deixa de ser privilgio dos contribuintesda Previdncia Social e passa a ser de todos oscidados, e a uma requalificao da responsabilidadedo Estado, que deixa de ser uma mera agncia doseguro social em sade e passa a ser o responsvelpela sua garantia a todos os cidados.

    No plano do arcabouo legal, o direito de todos manifestadona garantia do acesso universal e igualitrio aos servios de sade,isto , nos preceitos de universalidade e de equidade. O deverdo Estado se expressa em um pacto de solidariedade do conjuntoda sociedade e funda-se em um novo modelo de financiamento.

  • Unidade 2 Configurao Legal e Tcnica do SUS

    35Mdulo Especfico

    A Constituio Federal estabelece:

    [...] Art. 196. A sade direito de todos e dever do Estado,garantido mediante polticas sociais e econmicas que vi-sem reduo do risco de doena e de outros agravos e aoacesso universal e igualitrio s aes e servios para suapromoo, proteo e recuperao.

    Art. 197. So de relevncia pblica as aes e servios desade, cabendo ao Poder Pblico dispor, nos termos dalei, sobre sua regulamentao, fiscalizao e controle, de-vendo sua execuo ser feita diretamente ou atravs deterceiros e, tambm, por pessoa fsica ou jurdica de direitoprivado. (BRASIL, 1988).

    Quanto ao novo modelo de financiamento, a ConstituioFederal de 1988 estabelece que a responsabil idade pelofinanciamento do SUS

    [...] das trs esferas de governo, e cada uma deve assegu-rar o aporte regular de recursos ao respectivo Fundo deSade. Conforme determina o Artigo 194 da ConstituioFederal, a Sade integra a Seguridade Social, juntamentecom a Previdncia e a Assistncia Social. No inciso VI dopargrafo nico desse mesmo Artigo, est determinado quea Seguridade Social ser organizada pelo poder pblico,observada a diversidade da base de financiamento.

    J o Artigo 195 determina que a Seguridade Social serfinanciada com recursos provenientes dos oramentos daUnio, dos Estados, do Distrito Federal e dos municpios, ede Contribuies Sociais.

    As principais fontes especficas da Seguridade Socialincidem sobre a Folha de Salrios (Fonte 154), oFaturamento (Fonte 153 Cofins) e o Lucro (Fonte 151 Lucro Lquido).

    At 1992, todas essas fontes integravam o oramento doMS e ainda havia aporte significativo de fontes fiscais (Fonte100 Recursos Ordinrios, provenientes principalmente da

  • 36Especializao em Gesto em Sade

    Polticas de Sade: Fundamentos e Diretrizes do SUS

    receita de impostos e taxas). A partir de 1993, deixou deser repassada ao MS a parcela da Contribuio sobre aFolha de Salrios (Fonte 154, arrecadada pelo INSS).

    Atualmente, as fontes que asseguram o maior aporte derecursos ao MS so a Contribuio sobre o Faturamento(Fonte 153 Cofins) e a Contribuio sobre o Lucro Lqui-do (Fonte 151), sendo que os aportes provenientes de Fon-tes Fiscais so destinados praticamente cobertura de des-pesas com pessoal e encargos sociais.

    Dentro da previsibilidade das contribuies sociais na esfe-ra federal, no mbito da Seguridade Social, criada, ain-da que em carter provisrio, uma fonte especfica parafinanciamento do SUS a Contribuio Provisria sobreMovimentaes Financeiras. A soluo definitiva dependede uma reforma tributria que reveja essa e todas asdemais bases tributrias e financeiras do governo,da Seguridade e, portanto, da Sade.

    Nas esferas estadual e municipal, alm dos recursos oriun-dos do respectivo tesouro, o financiamento do SUS contacom recursos transferidos pela Unio aos Estados e pelaUnio e Estados aos municpios. (BRASIL, 1997, p. 16-17).

    Alguns autores relacionam a universalizao da atenopblica com a expanso de clientela dos planos e seguros privados,apontando que a deteriorao dos servios de sade, decorrentedo desinvestimento na rede pblica, sobrecarregada com usuriosat ento excludos, teria pressionado setores de classe mdia e ostrabalhadores especializados a buscarem melhor qualidade deatendimento na esfera privada. A isso chamaram universalizaoexcludente (FAVERET; OLIVEIRA, 1990). Na verdade, a expansodos planos foi muito facilitada por incentivos governamentais, comoo abatimento do Imposto de Renda de pessoas fsicas e jurdicas.

  • Unidade 2 Configurao Legal e Tcnica do SUS

    37Mdulo Especfico

    O SUS COMO NOVO DESENHOPOLTICO-INSTITUCIONAL

    O novo desenho poltico-institucional faz referncia ideiade que a implantao do novo sistema de sade, agora universal,deveria se dar de forma inovadora, com estruturas geis ecompatveis com as novas tarefas e os novos compromissos dosistema. Deveria superar, do modelo anterior, a fragmentaoinstitucional, o centralismo gerencial, o padro burocrtico dedeciso e a execuo de aes. A remodelao institucionalproposta foi concebida sob a inspirao de um novo padro derelao Estado-sociedade, de forma a viabilizar a responsabilidadepblica sobre a sade.

    Ao desenhar uma nova forma de exercer a gesto pblicada sade buscando melhorar o desempenho do Estado, podemosdizer que a Reforma Sanitria antecipou alguns dos preceitosque mais tarde estariam presentes na Agenda de Reforma doEstado, pelo menos nas suas prescries mais voltadas a melhoraro desempenho estatal no exerccio da responsabilidade pblica.E buscou um novo formato de Estado, de modo a favorecer suaagilidade e permeabilidade sociedade.

    Alm da unificao dos comandos institucionais, as categoriasque deram eixo ao novo desenho foram a descentralizao e aparticipao. Os marcos aqui so dados pela Lei n. 8.080/90 e pelaLei n. 8.142/90, que detalham o desenho e estabelecem os mecanismosoperacionais para a descentralizao poltico-administrativa e para aparticipao da comunidade por meio dos Conselhos de Sade.Quanto unificao/descentralizao, a legislao bastante

  • 38Especializao em Gesto em Sade

    Polticas de Sade: Fundamentos e Diretrizes do SUS

    vNa prxima Unidadeveremos com maisdetalhes, como se

    desenvolveu o processo

    de descentralizao na

    Sade.

    clara ao definir a situao-objetivo da direo nica em cada esferade governo. A Lei n. 8.080/90 define em seu artigo 7 diversosprincpios, entre os quais:

    [...] IX descentralizao poltico-administrativa, comdireo nica em cada esfera de governo:

    a) nfase na descentralizao dos servios para os municpios;

    b) regionalizao e hierarquizao da rede de servios desade.

    Na sua operacionalizao que, como vimos, j sedesenvolvia desde os SUDS, o processo de descentralizaoengendrou, para resolver o problema das relaes entre as esferasgovernamentais, novos espaos institucionais que foram chamadosde Comisses Intergestores: uma no plano federal, chamadaTripartite (reunindo em igual nmero representantes do Ministrioda Sade, do Conass e do Conasems); e uma no mbito de cadaunidade federada, chamada Bipartite (reunindo em igual nmerorepresentantes da Secretaria Estadual de Sade e do COSEMS decada unidade federada).

    A participao manifestada na obrigatoriedadeda constituio de Conselhos de Sade em todos os nveis degoverno e na sua definio como membros do Poder Executivo.A Lei n. 8.142/90, como vimos, Dispe sobre a participao dacomunidade na gesto do SUS e sobre as transfernciasintergovernamentais de recursos financeiros na rea da sade e d outrasprovidncias. Em seu artigo 1, pargrafo 2, constatamos que

    O Conselho de Sade, em carter permanente e deliberativo,rgo colegiado composto por representantes do governo,prestadores de servio, profissionais de sade e usurios,atua na formulao de estratgias e no controle da execu-o da poltica de sade na instncia correspondente, in-clusive nos aspectos econmicos e financeiros, cujas deci-ses sero homologadas pelo chefe do poder legalmenteconstitudo em cada esfera de governo.

  • Unidade 2 Configurao Legal e Tcnica do SUS

    39Mdulo Especfico

    Sendo assim, podemos afirmar que o Conselho de Sade um organismo oficial do Poder Executivo. O chamado carterparitrio decorre de regras de composio dos Conselhos: a metadedo conselho deve ser constitudo de representantes dos usurios ea outra, de setores que oferecem e executam os servios, ou seja,um conjunto composto pelos profissionais, pelos prestadores deservios e pelos representantes governamentais.

    Vejamos alguns aspectos da natureza e do funcionamentodo Conselho de Sade.

    Quanto sua competncia, a legislao clara sobreseu carter deliberativo em relao poltica de sade.Alguns temas, como o aumento salarial de servidores ea realizao de obras, podem envolver outras polticasde governo, nesse caso, as propostas do Conselho tmcarter indicativo. Por isso, em muitas cidades do Pasfoi institudo o oramento participativo para dar contado conjunto das polticas pblicas.

    Quanto sua identidade, ela claramente a de umorganismo do Poder Executivo, o que a difere dacmara dos vereadores (Poder Legislativo), doMinistrio Pblico e do Poder Judicirio. Como aquesto sade passa comumente por esses trs nveisde poder, so esperados conflitos, mas tambm reforomtuo entre as iniciativas dessas esferas.

    Quanto sua dinmica, ela compreendida naimplementao desses organismos e na construogradual de relaes mais firmes entre os governoseleitos e os representantes de segmentos sociais.As Conferncias de Sade, cuja realizao prevista pelalegislao a cada dois anos, representam um momentoprivilegiado nessa construo, tanto no tocante legitimidade das polticas quanto no que diz respeito representatividade dos conselheiros. Um grande nmerode municpios brasileiros j realizou pelo menos duasConferncias de Sade e alguns esto marcando a sexta.

  • 40Especializao em Gesto em Sade

    Polticas de Sade: Fundamentos e Diretrizes do SUS

    Como tem sido o desempenho dos Conselhos de Sade no

    Brasil, considerando o que discutimos at aqui?

    No temos nmeros exatos, mas como existem muitaspesquisas em andamento, alguma coisa j pode ser apontada.Os Conselhos de Sade, apesar de sua rpida multiplicao peloPas, tm tido desempenhos diferenciados: alguns se concentram emdisputar acirradamente espaos polticos com os prefeitos esecretrios de Sade, outros so assimilados politicamente pelaAdministrao Pblica Municipal. Porm, muitos Conselhos de Sadefuncionam como interlocutores privilegiados da AdministraoPblica Municipal e da sociedade. Como tais, tm sido capazes deimpulsionar com xito aes e polticas em sua regio. Algunsobstculos so muitas vezes apontados para a efetiva participaodos Conselhos Sade no processo decisrio da poltica de sade:resistncias do Executivo, renncia de grupos sociais participaocotidiana, falta de informaes para um funcionamento adequadoou insuficincia de capacitao dos conselheiros.

    Alm dos Conselhos de Sade, temos tambm o ConselhoNacional de Sade (CNS) que, em seus quase dez anos de existncia,firmou-se como um frum privilegiado no processo decisrio do setor.O incio dos anos 1990 marcou a proliferao veloz de Conselhos,os quais vem se disseminando rapidamente pelo Pas.

    Entre 1991 e 1993 foram constitudos cerca de dois milConselhos de Sade, o que significa um ritmo de praticamente doisnovos Conselhos de Sade por dia. Em julho de 1996 uma estimativabaseada no nmero de municpios j habilitados municipalizaoda Sade apontou que cerca de 65% deles dispunham de Conselhosde Sade, correspondendo a mais de 80% da populao brasileira.

    Hoje, esses organismos encontram-se largamentedisseminados no Pas e estimamos que j existam em mais de quatromil municpios, envolvendo algo em torno de 80 a 100 mil postosde conselheiros de Sade, nmero equivalente ao de vereadores noconjunto do Pas. Somemos a isso a existncia de ConselhosEstaduais de Sade em todas as unidades da Federao.

  • Unidade 2 Configurao Legal e Tcnica do SUS

    41Mdulo Especfico

    O SUS COMO NOVO MODELOTCNICO-ASSISTENCIAL

    O novo modelo tcnico-assistencial baseado em umaconcepo ampliada do processo sade-doena, em que o acessoa bens e aos servios de sade apenas um dos componentes deum processo que depende essencialmente de polticas pblicas maisamplas, capazes de prover qualidade de vida.

    Distingue-se do modelo anterior por associar inteiramenteas aes preventivas s aes curativas e a sade coletiva atenoindividual e por no centrar o atendimento demanda porassistncia mdica.

    Alm do artigo 196, que vincula o direito sade implementaode [...] polticas sociais e econmicas que visem reduo dorisco de doenas e outros agravos (BRASIL, 1988), a Constituioestabelece:

    Art. 198. As aes e servios pblicos de sade integramuma rede regionalizada e hierarquizada e constituemum sistema nico, organizado de acordo com as seguintesdiretrizes:

    I descentralizao, com direo nica em cada esfera degoverno;

    II atendimento integral, com prioridade para as ativida-des preventivas, sem prejuzo dos servios assistenciais;

    III participao da comunidade. (BRASIL, 1988).

  • 42Especializao em Gesto em Sade

    Polticas de Sade: Fundamentos e Diretrizes do SUS

    A Lei n. 8.080/90, em diversas passagens, especifica o queentendemos por ateno integral:

    Art. 7. As aes e servios pblicos de sade e os serviosprivados contratados ou conveniados que integram o Sis-tema nico de Sade (SUS) so desenvolvidos de acordocom as diretrizes previstas no art. 198 da Constituio Fe-deral, obedecendo ainda aos seguintes princpios:

    I universalidade de acesso aos servios de sade em to-dos os nveis de assistncia;

    II integralidade de assistncia, entendida como conjuntoarticulado e contnuo das aes e servios preventivos e cu-rativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso emtodos os nveis de complexidade do sistema. (BRASIL, 1990).

    O segundo princpio citado no artigo 7 da Lei n. 8.080/90

    nos fala de integralidade de assistncia, mas o que seria

    integralidade? Como voc entende esse termo?

    A integralidade da assistncia em sade inclui quatro aes:

    A articulao entre os nveis de ateno, garantindo aprimazia das aes de promoo e preveno etambm as de assistncia a doentes.

    A articulao entre as unidades de uma rede, das maisbsicas s mais complexas tecnologicamente, seguindouma distr ibuio e um ordenamento espacialcompatvel com a demanda populacional de cadaterritrio (regionalizao e hierarquizao), garantindoa referncia e a contrarreferncia.

    A articulao em cada unidade (entre os servios) eem cada servio (entre as diversas aes), visando auma ao integrada para cada problema e para cadaindivduo ou coletividade coberta.

  • Unidade 2 Configurao Legal e Tcnica do SUS

    43Mdulo Especfico

    A oferta de servios cuja organizao atenda demanda espontnea e programao de aes paraproblemas prioritrios.

    A integralidade importa, assim, em uma oferta adequada eoportuna de recursos tecnolgicos necessrios para prevenir ou pararesolver problemas de sade, dos indivduos ou das coletividades.No entanto, esse talvez tenha sido o aspecto menos desenvolvidono SUS. Nem a legislao exaustiva a respeito, nem as sucessivasNOBs lograram enfrentar a questo da reformatao dos processosde trabalho no interior do SUS, haja vista a grande pressoprovocada tanto pela tradio assistencial dos profissionais quantopela demanda reprimida por assistncia mdica.

  • 44Especializao em Gesto em Sade

    Polticas de Sade: Fundamentos e Diretrizes do SUS

    ResumindoNesta Unidade descrevemos as caractersticas tcni-

    cas e poltico-institucionais do SUS, assim como o seu

    arcabouo constitucional e infra-constitucional. Tambm

    destacamos e discutimos os aspectos inovadores do SUS

    como poltica pblica.

  • Unidade 2 Configurao Legal e Tcnica do SUS

    45Mdulo Especfico

    Atividade de aprendizagemVamos verificar como foi seu entendimento at aqui? Umaforma simples de faz-lo voc realizar a atividadeproposta a seguir.

    1. Qual a diferena entre o SUS e o modelo anterior de sistema de

    sade? Elabore uma sntese com base na sua leitura desta Unida-

    de e a envie ao seu tutor.

  • UNIDADE 3

    OBJETIVOS ESPECFICOS DE APRENDIZAGEM

    Ao finalizar esta Unidade, voc dever ser capaz de: Compreender a dinmica sinuosa e contraditria do processo

    de implantao do SUS; Discutir os aspectos conflitivos entre as agendas da reforma

    sanitria (publicista) e da reforma do Estado (mercado); e Identificar os ajustes programticos e institucionais ocorridos.

    OS ANOS DE 1990 E A IMPLANTA-O DO SUS: DESAFIOS E INOVAES

  • 48Especializao em Gesto em Sade

    Polticas de Sade: Fundamentos e Diretrizes do SUS

  • Unidade 3 Os Anos de 1990 e a Implantao do SUS: desafios e inovaes

    49Mdulo Especfico

    INTRODUO

    Caro estudante,Estamos iniciando a Unidade 3, nossa preocupao agora a de mostrar a voc os desafios e as inovaes que cercarama implantao do SUS nos anos 1990.No perca tempo, inicie sua leitura e lembre-se de que vocno est sozinho nessa caminhada.Bom estudo!

    Os anos de 1990 so aqueles em que o modelo de sistemade sade proposto enfrenta o teste da realidade. interessantenotarmos que o processo de regulamentao do SUS, feito por meiode NOBs, foi gerando efeitos sobre sua configurao institucional,ora confirmando e reforando aspectos previstos, ora desvirtuandoseu desenho original e, muitas vezes, apontando para mudanasimportantes em sua lgica. claro que isso sempre ocorre naspolticas pblicas, j que elas incidem e geram efeitos sobre indivduose grupos sociais que tm interesses e valores prprios e lutam poreles, mesmo que no o faam de forma organizada ou ativa.

    A implantao do SUS foi desenvolvida em uma conjunturamuito diferente daquela em que se deu a sua concepo einstitucionalizao. Em funo disso, nos primeiros anos da dcadade 1990, o SUS viveu momentos paradoxais, resultado das tensessuscitadas por sua implementao.

    Nascido no ambiente democratizante da Nova Repblica,caracterstico do final dos anos de 1980, sua operacionalizaoteve de enfrentar os ventos desfavorveis do ajuste estrutural daeconomia, da crise fiscal e de legitimidade do Estado que, j halguns anos, estava situado no epicentro das sociedades europeiae americana, manifestando-se na mar do pensamento e dasprticas do neoliberalismo.

  • 50Especializao em Gesto em Sade

    Polticas de Sade: Fundamentos e Diretrizes do SUS

    Os movimentos nesse perodo foram presididos pordois instrumentos legais editados pelo Ministrio daSade, a saber: as NOBs 01/91 e 01/93, chamadasrespectivamente de NOB-SUS 91 e NOB-SUS 93.

  • Unidade 3 Os Anos de 1990 e a Implantao do SUS: desafios e inovaes

    51Mdulo Especfico

    NOB-SUS 91 E NOB-SUS 93 DESCENTRALIZAO E GESTO PBLICA

    A NOB-SUS 91, publicada em janeiro de 1991, expressavao novo clima poltico nacional caracterizado pela eleio parapresidente da Repblica de Fernando Collor, em fins de 1989. Foicriada com a finalidade de disciplinar e padronizar os fluxosfinanceiros entre as esferas de governo e de combater a propaladaineficincia das redes pblicas federal, estadual e municipal,acusadas de ociosas e caras. Para tanto, universalizou nas relaesintergovernamentais o pagamento por produo de servios emsubstituio ao pagamento por oramento, at ento vigente pormeio de convnios. As unidades prprias de Estados e municpios,inclusive as transferidas, passaram a ser financiadas de acordo coma sua produo, com a mesma sistemtica e as mesmas tabelas deprocedimentos vigentes para a rede privada contratada econveniada ao SUS.

    A NOB-SUS 91 foi o primeiro ato normativo de envergaduranacional no mbito do SUS e teve impacto significativo sobre ofuncionamento do SUS. De um lado, representou um retrocesso namedida em que voltou a centralizar o sistema para o plano federal,retirando a pouca autonomia dos gestores estaduais e municipais,submetendo-os, como meros prestadores de servio, aos preceitose tabelas federais de remunerao dos servios, o que fez com queperdessem sua condio de cogestores ou parceiros na gesto doSUS; e estimulou um produtivismo mdico-assistencial em que,junto com eventuais melhorias de produtividade, foram embutidosos aumentos de exames negativos, procedimentos desnecessrios eat mesmo atitudes fraudulentas de faturamento.

  • 52Especializao em Gesto em Sade

    Polticas de Sade: Fundamentos e Diretrizes do SUS

    De outro, impulsionou a capacitao municipal para agesto, medida que criou a configurao do municpio e do Estadode forma a estarem habilitados gesto descentralizada, exigindopara o acesso aos recursos financeiros federais o cumprimento depontos considerados fundamentais para a implantao do SUS,como a gesto municipalizada de unidades federais e estaduais, ofuncionamento do Conselho de Sade e do Fundo de Sade e odesenvolvimento de uma estrutura tcnica de gesto, tais como ossistemas de informao e de vigilncia epidemiolgica.

    A adeso NOB-SUS 91 foi lenta e os incentivos financeirosinconstantes, mas os passos rumo efetiva descentralizao dosistema estavam dados e, aps dois anos de vigncia, mais de milmunicpios brasileiros encontravam-se habilitados a formar a basedas condies de uma gesto progressiva, a partir de 1993.

    Podem ser considerados os seguintes efeitos positivos nesseperodo:

    um enorme incremento, sobretudo na esfera municipal,de capacidade institucional e tcnica para a gestoda Sade, indita na histria e na cultura municipaldo Pas; e

    a emergncia de novos atores sociais na arena da Sadecom peso crescente no processo decisrio, como ossecretrios municipais e os diversos grupos de usurios,por meio dos Conselhos Municipais de Sade.

    A NOB-SUS 93, editada em maio de 1993, foi publicadaem um contexto poltico bastante diferente do da NOB-SUS 91,visto que o governo Itamar Franco, por intermdio do Ministro JamilHaddad, procurava restaurar o compromisso com a implementaodo SUS, tal como originalmente tinha sido desenhado. Assim, asresolues da IX Conferncia Nacional de Sade, realizada em1992, s vsperas do impeachment de Fernando Collor e com olema Municipalizao o caminho, representaram a base polticae tcnica para a nova NOB.

  • Unidade 3 Os Anos de 1990 e a Implantao do SUS: desafios e inovaes

    53Mdulo Especfico

    Partindo da premissa de que era preciso reunir vontadepoltica para a implementao do SUS, o Ministrio da Sade emitiua Portaria n. 545, de 20 de maio de 1993, originando a NOB-SUS93, que instituiu os nveis progressivos de gesto local do SUS erepresentou um divisor de guas nos anos de 1990. Partindo dodocumento Descentralizao das Aes e Servios de Sade: aousadia de cumprir e fazer cumprir a lei, do Conselho Nacional deSade, de abril de 1993, a NOB-SUS 93 introduziu um conjuntode estratgias que consagraram a descentralizao poltico-administrativa na Sade.

    A NOB-SUS 93 estabeleceu uma municipal izaoprogressiva e gradual, em estgios, de forma a contemplar osdiversos graus de preparao institucional e tcnica dos municpiospara assumir a gesto da Sade. A cada estgio correspondia certonmero de requisitos gerenciais a serem cumpridos pelo municpio,ao qual cabia uma autonomia crescente na gesto dos recursos,incluindo os da rede privada contratada.

    Com a NOB-SUS 93 o SUS teve a sua execuo descentralizadapor nveis de gesto, comeando progressivamente pela incipiente,seguida pela parcial e culminando com a semiplena. Essa progressodecorreu do comprometimento de Estados e municpios com aorganizao da ateno sade, com a sua adequao a parmetrosde programao e refletiu em maior autonomia local para dispor derecursos. Na prtica, a gesto parcial no gerou maiores consequncias.A semiplena, ao final de 1996, havia sido alcanada por quase 150municpios, abrangendo cerca de 20% da populao brasileira, erepresentou a transferncia direta de recursos para esses municpios,com maior autonomia na sua utilizao.

    Alm disso, foram consagradosos organismos colegiados, no espritodas AIS, porm com um grau bem maiselevado de autonomia, as ComissesIntergestores, que se firmaram comoinstncias fundamentais de pactuao.Essas comisses existem hoje em todosos Estados.

    Comisses Intergestores

    O gerenciamento do processo de descentralizao

    no SUS [...] tem como eixo a prtica do planejamento

    integrado em cada esfera de governo e como foros

    de negociao e deliberao as Comisses

    Intergestores e os Conselhos de Sade [...]. Fonte:

    MS (1993).

    Saiba mais

  • 54Especializao em Gesto em Sade

    Polticas de Sade: Fundamentos e Diretrizes do SUS

    A Comisso Intergestores Tripartite (CIT) tem carterparitrio, nela esto representados o Ministrio da Sade, o Conasse o Conasems, tendo

    [...] por finalidade assistir o Ministrio da Sade na elabo-rao de propostas para a implantao e operacionalizaodo SUS, submetendo-se ao poder deliberativo e fiscalizadordo Conselho Nacional de Sade. (MS, 1993).

    como consta da NOB-SUS 93.

    No mbito estadual, as Comisses IntergestoresBipartite (CIB) so formadas paritariamente de dirigentes daSecretaria Estadual de Sade e do rgo de representao dossecretrios municipais de Sade do Estado,

    [...] sendo a instncia privilegiada de negociao e decisoquanto aos aspectos operacionais do SUS [...] cujas defi-nies e propostas devero ser referendadas ou aprovadaspelo respectivo Conselho Estadual. (MS, 1993).

    Em suas reunies, as CITs e as CIBs tm tratado de temasdiversos que passam pelo enquadramento de municpios, pelaelaborao de portarias; pela apresentao de projetos e programasdo MS; pelas sucessivas revises da tabela de pagamentos do SUS;pela formao de grupos tcnicos de trabalho para temas especficos,como no caso da criao do Sistema Nacional de Auditoria; pelainterveno em conflitos no mbito regional e municipal; entre outros.

    Essas reunies so sistemticas e mensais, realizadas emBraslia e organizadas pelo Ministrio da Sade. Muitos itenstratados so remetidos ao CNS ou decorrem de deliberaes ousolicitaes desse organismo. Em geral, as decises adotadas pelaCIT resultam em portarias do MS e servem para regular o sistemasanitrio, refletindo uma dinmica que muitas vezes entra em conflitocom o CNS. Nas atas de reunies do CNS podemos verificarprotestos que incluem algumas propostas de extino da CIT

    vA CIT tem servido deprincipal espao para adefinio de polticas no

    mbito do SUS.

  • Unidade 3 Os Anos de 1990 e a Implantao do SUS: desafios e inovaes

    55Mdulo Especfico

    colocadas em discusso, mas no aprovadas, como ocorrido na XConferncia Nacional de Sade.

    A NOB-SUS 93, quando criou as Comisses Intergestores,previu que as representaes municipais teriam uma atuao destacadapor reconhecerem nelas a oportunidade nica de equilibrar as relaesdos municpios com os mecanismos de deciso concentrados noMinistrio da Sade e nas secretarias estaduais.

    Diante do exposto, podemos dizer que, em meados dadcada de 1990, o SUS apresentou um balano positivo do seuprocesso de implantao, apesar de as opinies serem muitodiversas e refletirem o crescimento de estudos sobre ela. Alm disso,as discusses sobre a sade extrapolam o limite acadmico eaparecem nos meios de comunicao, pois interessam aos polticos,s lideranas sociais, aos mdicos, aos enfermeiros, aos socilogos,aos economistas e a muitos outros. Podemos tentar, apesar dessadiversidade, apontar algumas constataes, se no unnimes, aomenos consistentes e muito comuns.

    A ameaa da crise ronda o SUS desde o seu nascedouroe reflete aspiraes sociais no contempladas. Por um lado, ao longodos anos de 1990, o SUS sem dvida contabilizou alguns pontosfavorveis:

    a grande extenso de programas de sade pblica e deservios assistenciais para o conjunto da populao,incorporando itens de alta complexidade que outroraestavam restritos aos contribuintes da previdncia social;

    o desencadeamento de um efetivo processo dedescentralizao poltica e administrativa, que podeser observado pela progressiva municipalizao dosistema e pelo desenvolvimento de organismoscolegiados intergovernamentais;

    a incorporao de usurios ao processo decisrio,especialmente a partir da disseminao de Conselhosde Sade; e

    a imensa ampliao das discusses sobre sade nasociedade.

  • 56Especializao em Gesto em Sade

    Polticas de Sade: Fundamentos e Diretrizes do SUS

    Por outro lado, precisamos reconhecer os problemas que eleainda no conseguiu resolver. Dentre os principais esto a falta demecanismos mais eficientes para a transferncia financeira derecursos; a necessidade de mais clareza nas regras para ocomprometimento dos oramentos da Unio, dos Estados e dosmunicpios com as polticas de sade; a desigualdade da qualidadedos servios prestados; e o que funciona adequadamente dissolvido em um mar de irregularidades, na falta de serviosessenciais e nas dificuldades encontradas pelos usurios em sedeslocarem no interior do SUS, principalmente quando necessitamde tratamentos mais complexos.

    As falhas do SUS repercutem, portanto, em seus mais visveispontos fracos o acesso e a utilizao dos servios formando umconsenso entre os atores relevantes a respeito da:

    questo do financiamento, tanto na definio demontantes e fontes quanto na diviso deresponsabilidades entre as esferas de poder e entre osdiversos segmentos da sociedade. sabido que acomposio das fontes que sustentam a Sade aindafortemente regressiva, refletindo as distores dosistema fiscal brasi leiro. Hoje, os recursos soinsuficientes; e

    questo da oferta, que deveria ser reorientada nosentido de garantir ou de facilitar o acesso daspopulaes mais necessitadas aos servios e propiciartanto a resolutividade quanto o acesso dos segmentosmais necessitados aos servios de maior complexidade.

  • Unidade 3 Os Anos de 1990 e a Implantao do SUS: desafios e inovaes

    57Mdulo Especfico

    NOB-SUS 96 REORGANIZAODO MODELO DE OFERTA DE SERVIOS

    Fruto do processo de implementao e dos progressosanteriores do SUS, expressos na cultura e na prtica da gestodescentralizada e pactuada, a NOB-SUS 96 foi exaustivamentedebatida na CIT, aprovada no Conselho Nacional de Sade,submetida X Conferncia Nacional de Sade e, finalmente,publicada em 11 de novembro de 1996.

    A NOB-SUS 96 apareceu na base do consenso sobre anecessidade de consolidar o modelo da gesto descentralizada epactuada, de avanar na autonomia municipal, reforando asinstncias colegiadas (tripartites e bipartites), e de induzir, em escalanacional, mudanas na lgica do modelo assistencial e naorganizao da oferta de servios.

    A NOB-SUS 96 acelerou a descentralizao dos recursosfederais em direo aos Estados e municpios, consolidando atendncia autonomia de gesto das esferas descentralizadas ecriou incentivos explcitos s mudanas na lgica assistencial,rompendo com o produtivismo e implementando incentivos aosprogramas dirigidos s populaes mais carentes, como o PACS, es prticas fundadas em uma nova lgica assistencial, como o PSF.

    A NOB-SUS 96 fixou como finalidade primordial promovere consolidar o pleno exerccio, por parte do Poder Pblico Municipale do Distrito Federal, da funo de gestor da ateno sade dosseus muncipes (Artigo 30, Incisos V e VII; e Artigo 32, Pargrafo1, da Constituio Federal de 1988), com a consequente redefiniodas responsabilidades dos Estados, do Distrito Federal e da Unio,avanando na consolidao dos princpios do SUS.

  • 58Especializao em Gesto em Sade

    Polticas de Sade: Fundamentos e Diretrizes do SUS

    O municpio passou a ser, de fato, o responsvelimediato pelo atendimento das necessidades e dasdemandas de sade da sua populao e das exignciasde intervenes saneadoras em seu territrio.

    O NOB-SUS 96 buscou, dessa forma, a plenaresponsabilidade do Poder Pblico Municipal, que tanto seresponsabiliza como pode ser responsabilizado, ainda que noisoladamente. Os poderes pblicos estadual e federal aparecemsempre como corresponsveis na respectiva competncia ouausncia da funo municipal (inciso II, artigo 23 da ConstituioFederal de 1988). Essa responsabilidade, no entanto, no exclui opapel da famlia, da comunidade e dos prprios indivduos napromoo, proteo e recuperao da sade.

    CONCEPO AMPLIADA DE SADE

    De forma indita, a NOB-SUS 96 incorporou a concepode sade consti tucionalmente estabelecida, mas jamaisoperacionalizada, ao considerar que a ateno sade encerratodo o conjunto de aes levadas a efeito pelo SUS, em todos osnveis de governo, para o atendimento das demandas pessoais edas exigncias ambientais, compreendendo trs grandes campos:

    o da assistncia, em que as atividades so dirigidass pessoas, individual ou coletivamente, e que soprestadas nos mbitos ambulatorial e hospitalar, bemcomo em outros espaos, especialmente no domiciliar;

    o das intervenes ambientais, no seu sentido maisamplo, incluindo as relaes e as condies sanitriasnos ambientes de vida e de trabalho, o controle de

  • Unidade 3 Os Anos de 1990 e a Implantao do SUS: desafios e inovaes

    59Mdulo Especfico

    vetores e de hospedeiros e a operao de sistemas desaneamento ambiental (mediante o pacto de interesses,as normalizaes, as fiscalizaes e outros); e

    o das polticas externas ao setor Sade, que interferemnos determinantes sociais do processo sade-doenadas coletividades, de que so partes importantes asquestes relativas s polticas macroeconmicas, aoemprego, habitao, educao, ao lazer e disponibilidade e qualidade dos alimentos. A NOB-SUS 96 acrescentou as aes de poltica setorial emsade, bem como as administrativas planejamento,comando e controle , como inerentes e integrantesao contexto daquelas envolvidas na assistncia e nasintervenes ambientais.

    Nessa perspectiva, as aes de comunicao e de educaotambm compem, obrigatria e permanentemente, a ateno sade. importante assinalarmos que existem, da mesma forma,conjuntos de aes que configuram campos clssicos de atividadesna rea da sade pblica, constitudos pela agregao simultneade aes prprias do campo da assistncia e de outras prprias docampo das intervenes ambientais, de que so partes importantesas atividades de vigilncia epidemiolgica e de vigilncia sanitria.

    O FORTALECIMENTO DAS INSTNCIAS COLEGIADASE DA GESTO PACTUADA E DESCENTRALIZADA

    A NOB-SUS 96 estabeleceu uma diviso e umcompartilhamento formal de responsabilidades entre as esferas degoverno, reforando o esquema decisrio criado pela NOB-SUS 93 econsagrado na prtica Comisses Intergestores e Conselhos de Sade.

    O desempenho dos papis que cabem aos gestoresfoi concretizado mediante um conjunto de responsabilidades que

  • 60Especializao em Gesto em Sade

    Polticas de Sade: Fundamentos e Diretrizes do SUS

    caracterizaram a palavra-chave do novo modelo: a responsabilizaode cada gestor, de cada instncia de governo.

    Esse novo paradigma de gesto configurou um instrumentoaltamente favorecedor na implantao de um novo modelo deateno sade, at ento centrado na doena. Nessatransformao, destacamos a ateno integral, uma vez que omodelo abarca o conjunto das aes e dos servios de promoo,de proteo e de recuperao da sade. Esse foi um diferencialentre a NOB-SUS 96 e as anteriores, nas quais foco era aassistncia.

    Entre os novos conceitos introduzidos pela NOB-SUS 96,podemos ressaltar os relat ivos gesto e gerncia .Pois, assumir a gesto significa apropriar-se do comando do sistema,o que de exclusiva competncia do Poder Pblico.

    So gestores do SUS o prefeito e o secretrio municipal deSade, o governador e o secretrio estadual de Sade e o presidenteda Repblica e o ministro da Sade, que representam,respectivamente, os governos municipais, estaduais e federal.

    No que se refere gerncia, assumi-la signif icaresponsabilizar-se pela administrao de uma unidade ou rgoprestador de servios de sade ambulatrio, hospital, instituto,fundao etc. que presta servios ao sistema. Dessa forma, agerncia de estabelecimentos prestadores de servios pode ser estatalou privada, essa ltima desde que seja conveniada ou contratadapor um gestor do SUS.

  • Unidade 3 Os Anos de 1990 e a Implantao do SUS: desafios e inovaes

    61Mdulo Especfico

    ResumindoNesta Unidade apresentamos e discutimos a dinmica

    sinuosa e contraditria do processo de implantao do SUS.

    Identificamos ainda os aspectos conflitivos entre as agen-

    das da reforma sanitria ( publicista) e da reforma do Estado

    (mercado). E por fim apresentamos os ajustes programticos

    e institucionais ocorridos no perodo.

  • 62Especializao em Gesto em Sade

    Polticas de Sade: Fundamentos e Diretrizes do SUS

    Atividades de aprendizagem

    Chegamos ao final de nossa Unidade, para verificar o seuentendimento sobre o que abordamos nela faa a atividadeproposta e em caso de dvidas consulte seu tutor por meiodo AVEA.

    1. Considerando as definies contidas na Constituio de 1988 e

    nas leis orgnicas 8080 e 8142, identifique e discuta as principais

    inovaes ocorridas no processo de implantao do SUS, ao longo

    da dcada dos anos de 1990.

  • Unidade 3 Os Anos de 1990 e a Implantao do SUS: desafios e inovaes

    63Mdulo Especfico

    UNIDADE 4

    OBJETIVOS ESPECFICOS DE APRENDIZAGEM

    Ao finalizar esta Unidade, voc dever ser capaz de: Descrever as diretrizes vigentes de regionalizao das aes

    e de fortalecimento da capacidade das instncias gestoras; Conhecer e discutir as inovaes no modelo de financiamento

    e transferncias de recursos entre gestores; Identificar as diretrizes e as prioridades contidas no Pacto pela

    Vida, no Pacto em Defesa do SUS e no Pacto de Gesto; e Discutir os novos desafios de desenvolvimento do SUS.

    O SUS ATUAL E PERSPECTIVASPARA O FUTURO

  • 64Especializao em Gesto em Sade

    Polticas de Sade: Fundamentos e Diretrizes do SUS

  • Unidade 4 O SUS Atual e Perspectivas para o Futuro

    65Mdulo Especfico

    A NORMA OPERACIONAL DE ATENO SADE NOAS-SUS 2002

    Um novo instrumento normativo de assistncia sade foieditado em janeiro de 2001 e reeditado em janeiro de 2002,substituindo a ento vigente NOB-SUS 96. O atual instrumentonormativo do SUS a Norma Operacional da Assistncia Sade(NOAS-SUS 02).

    A NOAS-SUS 02 surgiu a partir da avaliao, realizada pelaCIT e pelo CNS, do processo de descentralizao, implementadopor meio da municipalizao das aes em sade em todo o Pas,induzido pela NOB-SUS 96. Essa norma, por um lado, foi importantepara o aumento da capacidade gerencial dos municpios e para amelhoria no acesso s aes de sade, que se tornaram maisdescentralizadas, promovendo a expanso do SUS e, por outro,obteve pouca funcionalidade nos pactos entre Estados e municpiosna diviso de responsabilidades e de gesto das unidades naorganizao dos sistemas municipais/microrregionais.

    A pouca funcionalidade dos pactos produziu umaatomizao* dos servios e tambm a limitao do acesso dosusurios aos nveis de mdia e alta complexidade, uma vez quepoucos so os municpios brasileiros capazes de ofertar todas asaes em sade. A maioria dos municpios no Pas responsabiliza-se somente pela ateno primria. Alm disso, a NOB-SUS 96, aoinduzir a municipalizao e os repasses de recursos diretamenteentre o governo federal e o governo municipal, provocou adesarticulao e a perda de autoridade das Secretarias Estaduaisde Sade.

    *Atomizao diviso de

    algo em fraes meno-

    res, pulverizao. Fonte:

    Houaiss (2009).

  • 66Especializao em Gesto em Sade

    Polticas de Sade: Fundamentos e Diretrizes do SUS

    Se no perodo em que foi criada a NOB-SUS 96 eraimportante a expanso do SUS para todos os municpios, nomomento em que foi criada a NOAS-SUS 02 era necessrioaglutinar municpios vizinhos, em sistemas microrregionais de sade,para garantir a oferta de todos os servios e produzir a economiade escala, resgatando o papel de articulao das SecretariasEstaduais de Sade.

    Nesse contexto, aps consenso da CIT e do CNS, foi editadaa NOAS-SUS 02 com o objetivo de definir o papel do gestor estadualcomo articulador de uma poltica de integrao entre sistemasmunicipais de Sade.

    Essa integrao deve ocorrer no processo deregionalizao, com a reafirmao da necessidadede referncias e contrarreferncias pactuadas entreos municpios que ofertam todos os servios e aquelesque ofertam somente a ateno primria, de modo apromover uma melhor resolutividade e integralidadeda ateno.

    O financiamento e os critrios de alocao de recursos devemser orientados pelas necessidades da populao, evitando apulverizao dos servios de sade com a economia de escala e agarantia de acesso em todos os nveis de ateno.

    AS ESTRATGIAS DA NOAS-SUS 02

    O objetivo geral dessa nova norma o de promover maiorequidade na alocao de recursos e no acesso da populao saes de sade em todos os nveis de ateno. As estratgiasdefinidas na NOAS-SUS 02 para alcanar tais objetivos so:

  • Unidade 4 O SUS Atual e Perspectivas para o Futuro

    67Mdulo Especfico

    ampliar as responsabilidades dos municpios quanto ateno bsica: a condio mnima de habilitaopassa a ser a Gesto da Ateno Bsica Ampliada(GABA), incorporando algumas aes de mdiacomplexidade a serem ofertadas pelos municpios;

    lanar os fundamentos da regionalizao, comomacroestratgia de reorganizao assistencial;

    criar mecanismos para o fortalecimento da gesto doSUS; e

    atualizar os critrios de habilitao de Estados emunicpios.

    A REGIONALIZAO DAS AES EM SADE

    A regionalizao entendida como estratgia dehierarquizao dos servios de sade e de busca de maior equidade.Alguns instrumentos devem ser utilizados para sua implementao:

    Plano Diretor de Regionalizao (PDR): dividee organiza os Estados em regies/microrregies emdulos assistenciais, com definio de municpios-polo e municpios-sede e fluxos de referncia econtrarreferncia intermunicipais, de acordo com acapacidade instalada e as necessidades da populao.Para a definio desses nveis de complexidade, fundamental que sejam estabelecidos os recursosassistenciais j existentes, as perspectivas deimplantao de servios (a ampliao de oferta deservios dever ser condicionada a um Plano Diretorde Investimentos, com cronograma e fonte de recursos)e as caractersticas geogrficas, populacionais,assistenciais e polticas dos Estados. O PDR deve

  • 68Especializao em Gesto em Sade

    Polticas de Sade: Fundamentos e Diretrizes do SUS

    contemplar a perspectiva de redistribuio geogrficade recursos tecnolgicos e humanos, explicitando odesenho futuro e desejado da regionalizao estadualcom a definio de fluxos de referncia para todos osnveis de assistncia sade, por meio de umaProgramao Pactuada e Integrada (PPI) e demecanismos de relacionamento intermunicipal.

    Ampliao da ateno bsica: a NOAS-SUS 02institui como categoria de habilitao mnima em cadamunicpio a Gesto Plena da Ateno BsicaAmpliada (GPAB), que dever garantir pelo menos asaes de controle da tuberculose, da hipertensoarterial e da diabetes; de eliminao da hansenase;de sade da criana, de sade da mulher e de sadebucal; e as aes mnimas de mdia complexidade,como as dos mdulos assistenciais (ambulatoriais eleitos hospitalares para atendimento em clnicamdica, peditrica e obstetrcia). As demais podemser realizadas no mbito microrregional, regional ouestadual. A PPI, coordenada pelo gestor estadual,representa o principal instrumento para garantia deacesso dos usurios aos servios no disponveis emseu municpio de residncia. A alocao de recursosdecorre da PPI e do estabelecimento de Termo deCompromisso de Garantia de Acesso, com separaoda parcela correspondente s referncias no limitefinanceiro do municpio.

    Qualificao das microrregies na assistncia sade : define um conjunto mnimo deprocedimentos de mdia complexidade com refernciaintermunicipal, ofertado em um ou mais mdulosassistenciais. As atividades ambulatoriais de apoiodiagnstico e teraputico sero financiadas por umvalor per capita nacional mnimo; e as internaeshospitalares, sero financiadas por intermdio de um

  • Unidade 4 O SUS Atual e Perspectivas para o Futuro

    69Mdulo Especfico

    acordo estabelecido na PPI, com exceo dasmicrorregies no qualificadas (ou habilitadas), ondeo pagamento se far por produo. A PPI umimportante mecanismo de articulao dos gestoresmunicipais para a negociao e pactuao dereferncias intermunicipais.

    Poltica de alta complexidade/alto custo: o MStem como atribuio a definio de normas e dediretrizes nacionais e de mecanismos de garantia deacesso para as referncias interestaduais, porintermdio da Central Nacional de Regulao paraProcedimentos de Alta Complexidade. O gestorestadual responsvel pela poltica estadual e o gestormunicipal, com gesto plena do sistema, organizaros servios em seu territrio, assegurando o comandonico sobre os prestadores.

    O FORTALECIMENTO DA CAPACIDADEDE GESTO DO SUS

    Para o seu fortalecimento, o SUS conta com as secretariasEstaduais de Sade que so responsveis pela coordenao da PPI;pela operacionalizao do PDR e pelas estratgias de regulao dosistema intermunicipal; pela alocao de recursos baseada nasnecessidades da populao e no nos interesses dos prestadoresde servios; e pela garantia de acesso da populao referenciadaaos servios.

    E, ainda, com as secretarias municipais responsveis pormelhorar o comando sobre os prestadores de servios, por participarda PPI e por promover a articulao com outros municpios.Mas esse fortalecimento no para por a, todos os nveis de governo