Politica para o planejamento e gerenciamento dos recursos hidricos da bacia do Rio São Francisco

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DOCUMENTO APRESENTADO NA REUNIÃO WORLD WATER COUNCIL LATIN AMERICAN WATER FORUM Política para o planejamento e gerenciamento dos Recursos Hídricos da bacia do Rio São Francisco Eduardo Alfonso Cadavid Garcia Pesquisador em Economia de Recursos Hídricos SÃO PAULO - Brasil Janeiro de 1997 MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, DOS RECURSOS HÍDRICOS E DA AMAZÔNIA LEGAL - MMARHAL Secretaria de Recursos Hídricos - SRH

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Desde a colonização, o rio São Francisco tem desempenhado importante papel na ocupação e no desenvolvimento de parte densamente ocupada (15,6% da população total) do território brasileiro (7,5% da área total), sendo denominado “rio da unidade nacional”. Nos últimos cinquenta anos o Vale tem sido motivo de intervenções do Governo visando iniciar e conduzir um processo de desenvolvimento regional. Estas intervenções, de modo geral, foram setorizadas (principalmente para geração de energia e irrigação) e não integradas, temporalmente descontínuas e institucionalmente instáveis, não trazendo os resultados propostos e motivando conflitos de uso da água entre setores, gerarando novos problemas e configurando ameaças e riscos ao meio ambiente e às comunidades da bacia. Grande parte desses resultados pode ser atribuída a falta de uma política de planejamento e gestão integrada de seus recursos naturais, a falta de um comprometimento efetivo e possível de planos e gestões dos recursos hídricos com as soluções socialmente eficientes e ecologicamente sustentáveis, e a falta de vontade política o suficiente para promover esse desenvolvimento. O Plano Diretor para o Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Planvasf), instituído por lei e na espera de sua implementação há 8 anos, constitui um esforço para integrar setores, ações e estratégias orientadas para o desenvolvimento. O propósito deste documento é apresentar uma síntese de uma proposta fundada e que complementa o Planvasf, colocando em evidência aspectos conceituais da metodologia, baseada em uma análise numérica a ser complementada pela análise cartográfica de bases amostrais robustas e suficientes, a partir de modernas e disponíveis técnicas de domínio relativo brasileiro (SIG). Esta visão que atualiza, em alguns aspectos, o Plano da Codevasf, procura a inserção da política de planejamento e gestão dos recursos hídricos do Vale nas propostas do Plano Plurianual 1996-1999 e da Política Nacional de Recursos Hídricos, contempladas em seus correspondentes Projetos de Leis. Objetiva, também, incluir novos paradigmas da modernização da administração e recomendações de organismos internacionais, entre outros da ONU/ECO-92-Agenda 21, procurando efetivar a integração entre órgãos públicos e entre os setores público e privado, bem como destacar a importância do compartilhamento responsável e comprometido de ações e estratégias entre os setores público e privados e entre estes e a comunidade organizada e preparada para participar em processos como os de planejamento e gestão. A síntese da descrição da área e dos conceitos de tratamento e análise da informação foi destacada no documento. Diversos aspectos de um plano como cronogramas, orçamentos, equipe multidisciplinar, estratégias, resultados esperados e outros, ainda que pertinentes, foram propositadamente omitidos do documento.

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  • DOCUMENTO APRESENTADO NA REUNIO

    WORLD WATER COUNCIL

    LATIN AMERICAN WATER FORUM

    Poltica para o planejamento e gerenciamento dos Recursos Hdricos da bacia do Rio So Francisco

    Eduardo Alfonso Cadavid Garcia

    Pesquisador em Economia de Recursos Hdricos

    SO PAULO - Brasil Janeiro de 1997

    MINISTRIO DO MEIO AMBIENTE, DOS RECURSOS

    HDRICOS E DA AMAZNIA LEGAL - MMARHAL

    Secretaria de Recursos Hdricos - SRH

  • Eduardo A. Cadavid G

    SUMRIO

    1 INTRODUO 1

    PRIMEIRA PARTE

    1 PROBLEMAS

    4

    2 OBJETIVOS 14

    3 METODOLOGIA 19

    3.1 Descrio Geral da Bacia do So Francisco 20

    3.1.1 Caractersticas fisiogrficas 20

    3.1.2 Clima 21

    3.1.3 Hidrologia 23

    3.1.4 Solos 28

    3.1.5 Demografia 29

    3.1.6 Aspectos scioeconmicos 31

    3.2 Tcnicas e Mtodos de Sntese e Anlise de Dados 34

    3.3 Tcnicas e Mtodos de Planejamento: Conceitos 36

    SEGUNDA PARTE

    4 MARCO INSTITUCIONAL E LEGAL PARA O DESENVOLVIMENTO DO VALE DO SO FRANCISCO

    40

    4.1 Programas de Desenvolvimento do Vale do So Francisco 40

    4.2 Princpios, Diretrizes e Instrumentos da Poltica Nacional de Recursos Hdricos

    45

    4.3 Aes e Diretrizes Esperadas do Plano Plurianual 1996-1999 50

    TERCEIRA PARTE

    5 PLANEJAMENTO E GESTO

    52

    5.1 Recursos hdricos 55

  • Poltica para o planejamento e gerenciamento dos recursos hdricos

    da Bacia do Rio So Francisco

    5.2 Meio ambiente 58

    5.3 Saneamento bsico 59

    5.4 Energia 60

    5.5 Transporte

    5.6 Agricultura e irrigao

    5.7 Eduacao

    5.8 Pesquisa e desenvolvimento, e cincia e tecnologia

    5.9 Organizao social

    6 CONCLUSES E RECOMENDAES 62

    7 BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 64

  • Eduardo A. Cadavid G

    LISTA DE ILUSTAES

    FIGURA 1 Linhas de produo de sedimentos em vrios postos de registros do rio So Francisco

    8

    FIGURA 2 Regies fisiogrficas do Vale do So Francisco 12

    FIGURA 3 Principais tributrios e sub-balios do rio So Francisco 25

    FIGURA 4 Perfil longitudinal do rio So Francisco destacando os trechos navegveis

    26

    FIGURA 5 Desenvolvimento sustentvel regional como um produto de conciliao de interesses, de negociao e de compartilhamento orientado pela anlise multicritrio

    37

    FIGURA 6

    Sntese do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hdricos proposto no Projeto de Lei no. 2.249 da Poltica nacional de Recursos Hdricos

    50

    TABELA 1 Produo de sedimentos, degradao do solo mdia anual e outras informaes registradas em postos sedimentomtricos do Vale do rio So Francisco

    8

    TABELA 2 Situao dos municpios do Vale do So Francisco, por Estado, segundo os maiores ndices de indigncia

    11

    TABELA 3 Caractersticas fsicas regionais do Vale do So Francisco 23

    TABELA 4 Principais caractersticas da rede hidrogrfica do Vale do So Francisco

    24

    TABELA 5 Estimativa dos perodos de retorno de cheias dirias, em m3/s, do rio So Francisco

    27

    TABELA 6 rea e populao dos municpios das Unidades da Federao que compem a bacia do rio So Francisco

    30

    TABELA 7 Estimativa de indicadores bsicos de um cenrio tendencial para o Nordeste no horizonte 1994-2020

    30

    TABELA 8 Aptido dos solos para a agricultura irrigada no Vale do So Francisco

    31

    TABELA 9 Evoluo e tendncia da rea irrigada (no perodo 1960/94 32

  • Poltica para o planejamento e gerenciamento dos recursos hdricos

    da Bacia do Rio So Francisco

    TABELA 10 rea mdia e ndice de desigualdade da distribuio de posse da terra no Brasil e Nordeste no perodo 1975/85

    34

    QUADRO 1 Trechos e caractersticas das guas do rio So Francisco 9

    QUADRO 2- Principal potencial hidrogeolgico do Vale do So Francisco 27

    QUADRO 3 Aptido dos solos para a agricultura irrigada no Vale do So Francisco

  • Eduardo A. Cadavid G

    RESUMO

    Desde a colonizao, o rio So Francisco tem desempenhado importante papel na ocupao e no

    desenvolvimento de parte densamente ocupada (15,6% da populao total) do territrio brasileiro (7,5% da

    rea total), sendo denominado rio da unidade nacional. Nos ltimos cinquenta anos o Vale tem sido motivo

    de intervenes do Governo visando iniciar e conduzir um processo de desenvolvimento regional. Estas

    intervenes, de modo geral, foram setorizadas (principalmente para gerao de energia e irrigao) e no

    integradas, temporalmente descontnuas e institucionalmente instveis, no trazendo os resultados propostos

    e motivando conflitos de uso da gua entre setores, gerarando novos problemas e configurando ameaas e

    riscos ao meio ambiente e s comunidades da bacia. Grande parte desses resultados pode ser atribuda a falta

    de uma poltica de planejamento e gesto integrada de seus recursos naturais, a falta de um comprometimento

    efetivo e possvel de planos e gestes dos recursos hdricos com as solues socialmente eficientes e

    ecologicamente sustentveis, e a falta de vontade poltica o suficiente para promover esse desenvolvimento.

    O Plano Diretor para o Desenvolvimento do Vale do So Francisco (Planvasf), institudo por lei e na espera

    de sua implementao h 8 anos, constitui um esforo para integrar setores, aes e estratgias orientadas

    para o desenvolvimento. O propsito deste documento apresentar uma sntese de uma proposta fundada e

    que complementa o Planvasf, colocando em evidncia aspectos conceituais da metodologia, baseada em uma

    anlise numrica a ser complementada pela anlise cartogrfica de bases amostrais robustas e suficientes, a

    partir de modernas e disponveis tcnicas de domnio relativo brasileiro (SIG). Esta viso que atualiza, em

    alguns aspectos, o Plano da Codevasf, procura a insero da poltica de planejamento e gesto dos recursos

    hdricos do Vale nas propostas do Plano Plurianual 1996-1999 e da Poltica Nacional de Recursos Hdricos,

    contempladas em seus correspondentes Projetos de Leis. Objetiva, tambm, incluir novos paradigmas da

    modernizao da administrao e recomendaes de organismos internacionais, entre outros da ONU/ECO-

    92-Agenda 21, procurando efetivar a integrao entre rgos pblicos e entre os setores pblico e privado,

    bem como destacar a importncia do compartilhamento responsvel e comprometido de aes e estratgias

    entre os setores pblico e privados e entre estes e a comunidade organizada e preparada para participar em

    processos como os de planejamento e gesto. A sntese da descrio da rea e dos conceitos de tratamento e

    anlise da informao foi destacada no documento. Diversos aspectos de um plano como cronogramas,

    oramentos, equipe multidisciplinar, estratgias, resultados esperados e outros, ainda que pertinentes, foram

    propositadamente omitidos do documento.

    Termos para indexao: desenvolvimento sustentvel, planejamento regional, economia de recursos

    naturais, anlise numrica, planejamento estratgico, gesto integrada e compartilhamentada

    ABSTRACT

    Since the colonization, the So Francisco River has played an important role in the occupation and

    development of densely occupied part (15.6% of the total population) of the Brazilian territory (7.5% of the

    total area), being named "River of national unity". Over the last fifty years the Valley has been cause for

    government interventions aiming to initiate and conduct a process of regional development. These

    interventions, in General, were specialized (mainly for power generation and irrigation) and non-integrated,

    temporally discontinuous and institutionally unstable, not bringing the results proposed and motivating water

    use conflicts between sectors, gerarando new problems and threats and risks setting the environment and to

    the communities of the basin. A large part of these results can be attributed to lack of a policy of integrated

    planning and management of their natural resources, the lack of an effective compromise and possible plans

    and resources managements hybr

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    da Bacia do Rio So Francisco

  • Eduardo A. Cadavid G

    INTRODUO

    , reconhecida desde cedo, como via de comunicao e transporte interligando diferentes regies do

    Pas. Por isso tem sido cognominado de Rio da Unidade Nacional.

    O Vale sempre esteve presente no cenrio poltico, econmico, sociocultural e ecolgico no s da regio mas do Pas, despertando, h mais de 50, anos as atenes do governo, quer pelo seu enorme potencial

    hidreltrico quer pelos problemas decorrentes de secas, enchentes e recentemente, do meio ambiente. No

    obstante, nunca teve uma poltica de desenvolvimento harmonioso e sustentvel, e de conservao e manejo

    integrados e racionais de seus recursos naturais.

    Nas ltimas cinco dcadas, desde que o Vale do So Francisco foi includo no texto da Carta

    Constitucional de 1946 ficando determinada (no ato das Disposies Transitrias) como atribuio do

    Governo Federal traar e executar um plano geral de aproveitamento de seu potencial econmico, a ocupao

    tem-se caracterizado por diversas intervenes, principalmente do Governo Federal, visando iniciar e

    conduzir seu processo de desenvolvimento.

    Entretanto, essas intervenes no foram devidamente orientadas nem suficientes para provocar o

    desenvolvimento, melhorar as condies de vida das comunidades e modificar o perfil socioeconmico da

    Regio, a despeito de condicionantes favorveis, como a localizao privilegiada da bacia circundada por

    grandes centros consumidores e o fato desse Vale constituir importante fronteira de expanso agrcola

    (Brasil, 1995, p. 11).

    As intervenes do Governo tm ocorridos, em geral, setorizadas e no integradas dentro de cada

    setor, descontnuas no tempo e no espao, e institucionalmente instveis, marcada pela ausncia de

    planejamento e gestes adequada s condies e s exigncias da Regio, persistindo problemas bsicos,

    sociais e econmicos, e surgindo novos problemas afetando o meio ambiente. Dessa ocupao econmica

    setorial e por vezes predatria, se destacam os seguintes problemas:

    a) A gerao de energia, sem grandes resultados positivos sociais nas mediaes das faixas litorneas do

    rio, uma vez que, de forma paradoxal, grande parte da irrigao privada existente, uma das

    perspectivas e potenciais do Vale, ainda movida a leo (Brasil, 1995).

    b) A navegao tem sido desativada pela generalizada ausncia de aes orientadas para superar a

    precariedade da navegabilidade.

    c) A agricultura irrigada, com diversos problemas e alguns efeitos negativos sobre o meio ambiente.

    Historicamente, se relacionam como fatores de retardamento, erros administrativos no planejamento e

    na execuo (Planvasf, 1989, p. 10), sendo que a carncia de planos trouxe diversas consequncias ou esteve

    relacionada com intervenes deletrias, tais como:

    a) Propostas e execuo de obras mal projetadas e demora excessiva na execuo dessas obras que, alm

    do prejuzo, encarceram os custos das mesmas.

    b) Interferncias perturbadoras de ordem poltica.

    c) Erros legislativos na pulverizao de recursos financeiros e na multiplicidade excessiva de obras

    autorizadas (DNOCS, 1959).

    A resposta da insuficincia e da ineficincia das intervenes governamentais no Vale pode estar

    relacionada, tambm, com a falta de prioridade e deciso poltica e de um compromisso nacional para

    com a Regio.

  • Poltica para o planejamento e gerenciamento dos recursos hdricos

    da Bacia do Rio So Francisco

    Essas insuficincia e ineficincia se acusam de vrias formas. H claros sinais e algumas estimativas

    do processo de perdas, riscos e ameaas de degradao do patrimnio natural do Vale. Assim, os efeitos

    perversos das intervenes no planejadas e executadas sem adequados critrios, bem como as externalidades

    dos modelos utilizados e das intervenes que aprofundaram as diferenas sociais, no incorporaram ao

    processo produtivo tecnologias adequadas, possveis e almejadas pela sociedade e no conservaram os

    recursos naturais.

    O processo de decadncia socioeconmica e de progressiva eroso e degradao do patrimnio

    natural, atrelado organizao de atividades produtivas sem adequada considerao com a proteo

    ambiental (provvel raiz da decadncia da economia rural de grande parte da Regio), e a irracionalidade de

    posturas e atitudes nesse processo, d contedo a expresso de Freire em Casa Grande e Senzala: a

    sociedade rural do Nordeste se caracteriza por avs ricos, filhos burgueses e netos pobres.

    O compromisso da Unio para com o Vale dever ser orientado para reverter as tendncias de

    agravamento dessa decadncia, restaurar ambientes comprometidos e resgatar o patrimnio natural e

    sociocultural da Regio, a partir da retomada do planejamento no mbito federal, destacando a consistncia, a

    integrao e o compartilhamento de aes e estratgias numa viso holstica e interdisdisciplinar.

    Nessa abordagem buscar-se- a compatibilizao de demandas hdricas s disponibilidades e s

    possibilidades (potencialidades, perspectivas, restries, oportunidades de financiamento para aumentar a

    oferta hdrica etc.), com a formao de capital social (aumento da capacidade da sociedade para organizar-se

    e procurar as mudanas exigidas e legtimas dentro da capacidade de suporte do meio ambiente e suas

    perspectivas).

    Trata-se de um novo modelo com efeitos positivos sustentveis capaz de substituir, com vantagem e

    exequibilidade tcnica e operacional, o atual modelo, permitindo a explotao dentro da necessria proteo

    dos recursos naturais.

    Este novo modelo dever ter como base do compromisso, o conhecimento da potencialidade e das

    limitaes; como estrutura do processo produtivo, a qualidade, a diversificao e a sustentabilidade; como

    princpio de ao e estratgia, a parceria, a cooperao, a descentralizao, o compartilhamento de

    intervenes com responsabilidade, e os novos paradigmas da globalizao, da competitividade, e das

    vantagens da associao e integrao. Tais bases so reconhecidas e privilegiadas no processo de

    coordenao da Poltica de Recursos Hdricos promovida pela Secretaria de Recursos Hdricos do Ministrio

    do Meio Ambiente, dos Recursos Hdricos e da Amaznia legal - SRH/MMA.

    Outro compromisso para fundamentar o desenvolvimento sustentvel a conciliao da proteo e

    preservao de estados de qualidade do meio ambiente com o crescimento econmico. Trata-se de uma

    tarefa difcil, pois a preservao da natureza poder tender a inibir o crescimento, enquanto este tende a

    agredir a natureza e com isto, compromete-lo. Esses compromissos e as novas posturas da sociedade e do

    Governo devero ser definidas no contexto do meio ambiente fsico, socioeconmico e poltico-institucional,

    com base em diagnsticos realistas, profundos e integrados. Parte dessas aes e das estratgias se define no

    clculo que precede e preside as aes, projetos e estudos integrados, constitudo pelo planejamento.

    Esta abordagem de polticas de planejamento para o gerenciamento integrado dos recursos da bacia do

    rio So Francisco apresentada em trs partes:

    A primeira sintetiza os principais problemas do Vale no setor de recursos hdricos, suas causas e

    consequncias. Estabelecem-se os objetivos e se relacionam aspectos conceituais gerais da metodologia. A

    nfase para a conceitualizao de determinados aspectos da anlise numrica que integra/relaciona

    atributos de um componente e componentes de um sistema.

  • Eduardo A. Cadavid G

    A segunda parte apresenta uma sntese do marco institucional e legal para o desenvolvimento do

    Vale, relacionando os principais programas de desenvolvimento com os princpios, diretrizes e instrumentos

    da Poltica Nacional de Recursos Hdricos e com diretrizes propostas no Plano Plurianual 1996-1999.

    A terceira parte apresenta breve descrio dos setores componentes das propostas de planejamento e

    gesto dos recursos hdricos. Nesta parte se apresentam concluses e recomendaes, procurando resgatar e

    aplicar/adequar consideraes/recomendaes de conferncias e compromissos assinados pelo Brasil, com

    destaque para alguns contemplados na Agenda 21 da Conferncia das Naes Unidades realizada no Rio de

    Janeiro, em 1992.

    O documento ilustrado com mapas, figuras, tabelas e quadros, com a sntese de dados apresentada

    por estatsticas e indicadores prprios.

  • Poltica para o planejamento e gerenciamento dos recursos hdricos

    da Bacia do Rio So Francisco

    P R I M E I R A P A R T E

    Esta parte trata da caraterizao do Vale mediante a relao de problemas como referncias

    necessrias para a proposio de planejamentos temticos e setoriais integrados no Plano Diretor para a

    gesto descentralizada e participativa dessa bacia. A partir dessa relao se definem os objetivos e a

    metodologia para realizar os estudos e gerar os critrios sobre os quais se projetam as aes e se estabelecem

    as estratgias do novo modelo de planejamento e de gesto, dentro do conceito de desenvolvimento

    sustentvel.

    1 PROBLEMAS

    A ocupao, a forma de estruturao e organizao de processos produtivos e seus produtos e

    servios, e a gesto de empresas nos processos desenvolvidos no Vale geraram diversos problemas,

    configuram ameaas e riscos cada vez maiores ao meio ambiente e a sociedade, motivaram conflitos de uso

    e so responsveis por diversos problemas ambientais.

    At pouco tempo atrs propriedades localizadas no Vale (Carinhanha, Xique-Xique, Pilo Arcado,

    Remanso etc.), foram cenrios de sangrentas lutas entre famlias, por questes de terra, gado e poltica,

    promovidas pelos coronis, sendo que a interveno do homem era caracterizada, em muitos casos, pela

    despreocupao, destruindo as reservas naturais sem cogitar a sorte das futuras geraes (Nou e Costa, 1994).

    Parte dos problemas no Vale podem ser atribudos s intervenes do Governo nos ltimos cinquenta

    anos, realizadas em geral, de forma setorizada, sem consulta sociedade, no integradas ou harmonizadas

    com outras e sem continuidade espacial e temporal, em virtude do escopo do curto prazo em que foram

    propostas tais intervenes.

    O aumento de aes privadas e governamentais foram e continuam sendo direcionadas para/por

    objetivos setoriais e regionais especficos, muitas vezes conflitantes e com efeitos negativos sobre o meio

    ambiente e as comunidades locais.

    A gerao de energia, a captao de gua para consumo industrial e domstico, a pesca, a navegao e

    a irrigao so exemplos de usos setoriais da gua que no foram convenientemente coordenados e

    adequadamente implementados no Vale. A explotao de outros recursos naturais como os minerais, solo e

    vegetao foi e continua sendo realizada, tambm, sem a necessria considerao de princpios modernos e

    adequveis de planejamento e de gerenciamento.

    A explorao das guas do Vale deu-se fundamentalmente para a gerao de energia. Paradoxalmente,

    contudo, as populaes de suas margens no foram atendidas o suficiente. Com efeito, grande parte da rea

    de irrigao privada (1.917ha do Mdio So Francisco; Arajo, 1996) e em torno de 75,0% dos permetros

    (Brasil, 1995a), em muitas sub-bacias do Vale, utilizam energia da hidreletricidade em apenas 10,0% (1,8 mil

    KW) nos permetros de irrigao, enquanto que em torno de 16,0 mil KW (90,0%) corresponde a energia

    gerado por motores a Diesel. A prpria irrigao no foi estimulada adequadamente, como preciso, visto que

    apenas um em quatro hectares irrigados no Vale so de iniciativa pblica. E mesmo a iniciativa particular no

    contou com linhas de crdito e outros meios adequados para o desenvolvimento desse setor (Brasil, 1995a).

    A navegao que existiu quando no haviam cargas geradas na prpria regio, na atualidade, quando o

    Vale do So Francisco comea a se transformar em importante celeiro da produo de gros (1,7 milhes de

    toneladas), frutas (promissoras perspectivas no mercado internacional) e outros produtos, est desativada

    (Brasil, op. cit.), tanto por falta de incentivos iniciativa privada, quanto pelas condies precrias de

  • Eduardo A. Cadavid G

    navegabilidade nos principais estires: entre Pirapora (MG) e Juazeiro (BA) / Petrolina (PE) com extenso de

    1.312km, e entre Piranhas (AL) e a foz do rio, com extenso de 208km.

    O Baixo So Francisco, devido a baixa velocidade e reduo da vazo pela cascata de CHESF, tem

    interceptada a navegao. No rio principal, apesar de apresentar corredeiras e grandes desnveis que

    fragmentam seu curso para a navegao, h grandes trechos em condies propcias para a navegao de

    comboios de at 1.000 toneladas nas ligaes inter-regional Nordeste/Sudeste, com vantagens de

    aproveitamento, se levada em conta a posio estratgica do rio (Brasil, 1995b).

    A foz do So Francisco vem sofrendo grande assoreamento em consequncia das obras sem adequado

    planejamento. Furtado Portugal, em relatrio ao DNPVN em 1943, (citado por Alves, 1996) advertia que a

    pretenso de construir grandes obras no Mdio e Baixo So Francisco para a gerao de fora hidrulica e

    irrigao, no podiam receber tratamento parcial sob pena de prejudicar as reas de jusante. Ao executar

    essas obras sem o atendimento s condies relacionadas naquele relatrio, registram-se mudanas da

    qualidade da gua com impactos negativos no meio ambiente e graves repercusses na foz e no esturio.

    Anterior interveno, o rio realizava a auto dragagem, sendo que a acumulao de material nas pocas de

    menos vazo, espalhava-se no mar nos meses de cheias. Esse fenmeno foi alterado pela contnua conteno

    de sedimentos favorecida por oito barramentos a que est submetido o rio.

    Numa perspectiva de mudana, necessrio considerar que a condio bsica para que o

    planejamento e o gerenciamento racional dos recursos naturais se torne impositivo a escassez relativa dos

    recursos. Esta condio, aliada ao fato desses recursos apresentarem opes de alocao alternativa entre fins

    competitivos, determina que a imposio seja definida, tambm, como um problema econmico, com as

    demandas hdricas dos diversos setores e nos mltiplos usos da gua, atuais e projetados, se aproximando s

    disponibilidades hidrolgicas.

    Os dois componentes da relao necessidades hdricas disponibilidades hidrolgicas, a serem mantidios dentro de certas condies propiciadoras ou consistentes com a sustentabilidade dos processos ali

    desenvolvidos, apresentam caractersticas que tornam impositiva e inadivel as aes e estratgias dos

    planejamentos setoriais integrados em um Plano Diretor e da implementao/implantao dessas medidas na

    administrao dos recursos ba caia, vistas como problemas simultaneamente tecnolgicos, poltico-

    administrativos e econmico-ecolgicos.

    No Alto So Francisco, principalmente na Regio Metropolitana de Belo Horizonte, onde ocorre

    concentrao da populao humana e de atividades dos setores primrio, secundrio e tercirio da economia,

    se geram e acumulam impactos negativos sobre o meio ambiente, alguns irreversveis. Segundo resultados

    laboratoriais da CETEC, o trecho do Rio das Velhas, jusante da Regio Metropolitana de Belo Horizonte,

    por exemplo, apresenta altos teores de sulfatos, cloretos, sdio e potssio, com elevadas concentraes de

    coliformes fecais, turbidez e slidos totais nessas guas avaliadas pelo IQA como muito ruim.

    Outros impactos so os produzidos pelas atividades de garimpo e minerao, e os decorrentes dos

    subprodutos nocivos das indstrias qumicas, alimentcias, siderrgicas e metalrgicas (Codevasf, 1992).

    Nesse trecho so destacados os conflitos de uso da gua dentro setores, principalmente de irrigao, e entre

    setores, com problemas sociais e econmicos graves que se acusam a jusante desse trecho.

    Os desmatamentos progressivos para a implantao de atividades agropecurias e de carvoarias

    destinadas a abastecer siderrgicas, olarias e cermicas (Silva 1985) tambm geram notveis impactos

    negativos sobre o meio ambiente no Alto So Francisco. Um desses efeitos, traduzido na reduo da vida til

    econmica dos solos (perda do patrimnio natural) e de obras hidrulicas (perdas do patrimnio construdo),

    a degradao do solo estimada em 0,17mm/ano dos rios contribuintes ao reservatrio de Trs Marias, com

    registros, em Pirapora (MG), de 0,08mm/ano associados a uma vazo mdia de 8,4 milhes de t/ano

    (Codevasf, 1989a).

  • Poltica para o planejamento e gerenciamento dos recursos hdricos

    da Bacia do Rio So Francisco

    Na rea da bacia localizada no Estado da Bahia, os principais problemas se referem aos impactos

    negativos de grandes barragens, de desmatamentos para a pecuria extensiva, de esgotos sanitrios sem

    sistemas de tratamento lanados ao rio pelas populaes ribeirinhas e de focos de desertificao provocados

    por:

    a) a explotao agrcola desenvolvida sem os devidos cuidados com o meio ambiente: mecanizao

    inapropriada, uso intensivo e sem o devido controle de fertilizantes e agrotxicos etc., no compatvel

    com as condies fsicas de tolerncia (danos a resilincia) desse meio ambiente;

    b) atividades de garimpo, minerao e indstrias, com efluentes sendo lanados diretamente nos

    mananciais (Codevasf, 1992).

    Nesse trecho do rio So Francisco tambm se acusam conflitos de uso da gua no setor de irrigao

    como no rio Salitre, a jusante de Sobradinho, quando numerosos pequenos irrigantes foram afetados por

    grandes obras jusante (Arajo, 1996).

    Nou e Costa (1994), indicam que os agricultores que trabalham nas margens do reservatrio de

    Sobradinho vivem o drama de assistir ao secamento do lago sem condies de acompanhar o caminho das

    guas. Em determinadas pocas do ano a taxa de evaporao mdia de 200m3/s, o que representa uma baixa

    no p da barragem em torno de 0,5cm3/dia ou um secamento de 1 a 2 km na plancie. Este fenmeno sazonal

    est relacionado com a chamada Indstria da Seca aproveitada por poucos para obter vantagens ao divulg-

    la de forma dramtica.

    Na rea do Vale do Estado de Pernambuco so relacionados os problemas da desertificao agravados

    em consequncia do desmatamento do uso intensivo e do manejo inadequado dos solos, e o problema da

    salinizao de reservatrios que comprometem o abastecimento de gua s populaes ribeirinhas.

    Na rea do Vale do Estado do Alagoas, os problemas se concentram, principalmente, na Regio da

    Mata, que possui o maior nmero de habitantes e de atividades dos setores primrio e secundrio e onde

    cerca de 95,0% de sua rea encontra-se desmatada. Os problemas so agravados pelas grandes destilarias de

    lcool, queima de cana-de-acar e utilizao de agrotxicos. Na Zona do Serto, os desmatamentos do

    origem eroso dos solos e a focos de desertificao.

    No Vale do Estado de Sergipe, destacam-se os problemas de esgotos sanitrios em quase todos os

    municpios localizados s margens do rio, com efeitos na sade pblica.

    Os mapas da FAO/Codevasf apresentam uma viso geral do problema da eroso na bacia, definindo

    reas crticas para os valores de perdas do solo superiores a 10t/ha/ano. Essas reas representam em torno de

    13,0% da rea total (aproximadamente 83 mil km2) localizadas no Alto So Francisco (regies de Belo

    Horizonte, Serra do Espinhao e Vale do rio Abaet, de reas com declividades mdias superiores a 4,0%);

    Mdio So Francisco (Serra da Mangabeira e regio sul/sudeste do reservatrio de Sobradinho na Bahia),

    Sub-mdio So Francisco (vale do rio Paje,) e pontos isolados do Baixo So Francisco (Codevasf, 1996).

    Ao longo do rio, em funo de caractersticas geomorfolgicas e, principalmente, de uso e manejo dos

    solos, so registrados ndices de degradao do solo (decrescentes das cabeceiras do rio So Francisco at a

    foz) com nveis mdios de produo de sedimentos de 0,08mm/ano (posto de Pirapora, com vazo slida de

    8,4 milhes de t/ano) at 0,04mm/ano (Posto de Morpar, com vazo slida de 32 milhes de t/ano),

    passando por 0,07mm/ano (Manga, 32 milhes de t/ano). Em termos econmicos as perdas totais so

    incalculveis e irreparveis.

    A comparao dos valores estimados de produo de sedimentos no Vale (TABELA 1) com os resultados de Khosla, citado por Carvalho (1994) e considerados como referncia neste caso, indicam,

    entretanto, que a maioria dos nveis de produo se encontram abaixo dos ndices normais, com exceo dos

  • Eduardo A. Cadavid G

    registros de alguns postos do Alto So Francisco (Indai, Paraopeba e das Velhas) (FIGURA 1). Em mdia, a

    degradao do solo de 0,8 m/1.000 anos (Posto de Pirapora) a 0,07 m/1.000 anos (Manga),

    significativamente inferior aos ndices registrados em rios como os do Lo, Chiang e Amarelo (China) de

    4,18, 4,09 e 1,60 m/1.000 anos, respectivamente.

    TABELA 1 - Produo de sedimentos, degradao do solo mdia anual e outras informaes registradas em postos sedimentomtricos do Vale do rio So Francisco

    a

    CURSO DGUA

    POSTO

    PERODO

    REA DE

    DRENAGEM

    (km2)

    DESCARG

    A LQUIDA

    (m3/s)

    PRODUO

    DE

    SEDIMENTO

    MDIA

    ANUAL

    (t/km2/ano)

    DEGRADAO

    DO SOLO

    MDIA ANUAL

    (mm/ano))

    - Rio So Francisco Andorinhas

    Out. 1972 a dez. 1985

    13.300 248 228,0 0,14

    - Rio Par Porto Par

    Jul. 1960 a jun. 1961

    11.300 145,0 44,0 0,03

    - Rio Paraopeba Belo Vale

    Set. 1972 a dez. 1981

    2.690 43,7 582,4 0,36

    - Rio Indai Porto Indai

    Out. 1977 a ago. 1985

    2.260 52,1 1.031,9 0,64

    - Rio So Francisco Pirapora em Barreiro

    Dez. 1975 a nov. 1982

    61.880 775,0 116,0 0,07

    - Rio das Velhas Jequitib (Ponte Raul

    Soares)

    Dez. 1975 a nov. 1982

    6.292

    (4.780)

    75,1

    (74,4)

    312,1

    (661,9)

    0,20

    (0,41)

    - Rio das Velhas

    Honrio Bicalho

    Mar. 1975 a dez. 1982

    1.642 32,7 705,21 0,44

    - Rio Paracatu

    Santa Rosa (Porto

    Alegre)

    Abr. 1976 a nov. 1982 (1966/74)

    12.915

    (42.120)

    171,0

    (441,0)

    154,4

    (123,4)

    0,10

    (0,08)

    - Rio So Francisco

    So Romo (Pedras de Maria da C.)

    Dez. 1968 a mar. 1975

    (1972/75)

    154.870

    (191.063)

    1.727,0

    (1.981,0)

    128,2

    (92,6)

    0,08

    (0,06)

    - Rio Correntes

    Santa Maria da V.

    (Porto Novo) Maio 1967 a abr. 1975

    (1972/75)

    28.720

    (31.121)

    214,0

    (216,0)

    18,7

    (29,2)

    0,01

    (0,02)

  • Poltica para o planejamento e gerenciamento dos recursos hdricos

    da Bacia do Rio So Francisco

    Continuao

    TABELA 1 - Produo de sedimentos, degradao do solo mdia anual e outras informaes

    registradas em postos sedimentomtricos do Vale do rio So Francisco a

    CURSO DGUA

    POSTO

    PERODO

    REA DE

    DRENAGEM

    (km2)

    DESCARG

    A

    LQUIDA

    (m3/s)

    PRODUO

    DE

    SEDIMENTO

    MDIA

    ANUAL

    (t/km2/ano)

    DEGRADA

    O DO SOLO

    MDIA

    ANUAL

    (mm/ano))

    - Rio So Francisco

    Gameleira (Morpar)

    Abr. 1972 a fev. 1975

    (1978/84)

    309.540

    (344.800)

    2.582,0

    (2.929,0)

    84,5

    (62,3)

    0,05

    (0,04)

    - Rio So Francisco

    Pilo Arcado

    (Juazeiro) Dez. 1968 a dez. 1973

    (1967/75)

    443.100

    (510.800)

    2.703,0

    (2.666,0)

    41,5

    (48,6)

    0,03

    (0,03)

    - Rio So Francisco Petrolndia (Traipu)

    Ago. 1980 a dez 1984

    (1968/74)

    590.790 (622.520)

    3.454,0 (2.905,0)

    32,6 (30,4)

    0,02 (0,02)

    a Fonte: Carvalho (1994, p. 245-247, simplificado).

    Algumas estimativas preliminares, considerando o deflvio slido anual de 32 milhes de toneladas e

    uma camada arvel de 20cm de solo, chegam a um desgaste mdio de 10.000ha agricultveis ou

    aproximadamente mil toneladas de solo arrastada anualmente pela calha principal do rio (Fonseca, citado por

    Alves, 1996, complementado).

    Esta perda do patrimnio natural pode ser traduzida, em parte, em termos econmicos, pelo

    equivalente da fertilidade dos solos em nutrientes a ser reposto pela fertilizao, com uma estimativa

    preliminar em torno de US$ 1,0 bilho por ano. A perda poder ser ainda maior se contabilizado o prejuzo

    do assoreamento do leito do rio, canais e reservatrios, os prejuzos sobre a ictiofauna, a reduo da

    navegabilidade do rio e o rigor das enchentes para equivalentes nveis de vazo que se contrapem aos

    efeitos de regularizao das correspondentes obras hidrulicas.

    Outro componente da degradao do meio ambiente a perda da vegetao nativa, provocada pelo

    desmatamento sem controle (uso e ocupao dos solos sem estudos prvios da aptido ou potencialidade e

    das limitaes, e sem propostas de proteo/preservao ambiental; falta de cumprimento da legislao

    pertinente; falta de fiscalizao/monitoramento e ainda falta de legislao apropriada) e pela baixa

    capacidade de suporte vegetal (Codevasf, op. cit.) que favorece a perda gradual da vegetao nativa.

    A legislao brasileira dispe sobre a proteo da fauna, proibindo a caa de animais. No entanto,

    normas que no consideram as situaes e condies regionais e que so desprovidas dos mecanismos

    operacionais e administrativos necessrios e suficientes para sua efetivao, resultam ineficientes,

    responsveis por outros problemas.

  • Eduardo A. Cadavid G

    Conforme a Portaria no. 715/89-P, de 20 de set. de 1989 do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e

    dos Recursos Naturais Renovveis (Ibama) que enquadrou os cursos de guas federais das bacias, o rio So

    Francisco teve, h quase dez anos atrs, os resultados apresentados no QUADRO 1, registrando-se, nos

    trechos Submdio e Baixo, problemas que j exigiam, na poca, tratamento da gua para fins de consumo

    domstico.

    QUADRO 1 - Trechos e caractersticas qualitativas das guas do rio So Francisco a

    TRECHO CLASSE CARACTERSTICAS

    Das nascentes at a confluncia

    com o ribeiro das Capivaras

    Especial - Abastecimento domstico sem prvia ou com simples desinfeo

    - Preservao do equilbrio natural das comunidades aquticas

    Da confluncia com o ribeiro

    das Capivaras at a confluncia

    com o rio Mombaa

    1 - Abastecimento domstico aps tratamento simplificado

    - Proteo das comunidades aquticas

    - Recreao de contato primrio

    - Irrigao de hortalias que so consumidas cruas e de frutas que se

    desenvolvem rentes ao solo

    - Criao natural ou intensiva (aquicultura) de espcies destinadas

    alimentao humana

    Da confluncia com o rio

    Mombaa at a sua foz

    2 - Abastecimento domstico aps tratamento convencional

    - Proteo das comunidades aquticas

    - Recreao de contato primrio

    - Irrigao de hortalias e plantas fruteiras

    - Criao natural ou intensiva (aquicultura) de espcies destinadas

    alimentao humana

    a Fonte: Souza e Motta (1994)

    Logaritmos dos valores das reas

    das sub-bacias do Vale (km2)

    Logartmos dos

    valores de

    produo de

    sedimentos

    (t/km2/ano)

    Alto So

    Francisco

    Mdio So

    Francisco Baixo So Francisco

    FIGURA 1 Linhas de produo de sedimentos em vrios postos de registros do rio So Francisco a

    a Fonte: Carvalho, 1994

    Valores Considerados como Normais

    e referncias ( Khosla, Carvalho, 1994)

  • Poltica para o planejamento e gerenciamento dos recursos hdricos

    da Bacia do Rio So Francisco

    Apesar das disposies orientadas para a preservao e proteo de estados de qualidade desejveis

    e possveis do meio ambiente e dos recursos hdricos, tais como as contempladas em portarias do Ibama para

    serem aplicadas s indstrias canavieiras1, tem-se registrados graves problemas, havendo necessidade,

    portanto, de que sejam implementadas (em alguns casos atualiz-las e/ou adequ-las s condies da regio)

    pelos rgos competentes (em muitos casos tais rgos devem ser modernizados e adequados as condies e

    exigncias locais).

    _________________

    1 Entre estas disposies se relacionam a Portaria no. 323/78, proibindo o lanamento do vinhoto em colees hdricas e a Portaria no. 158/80, estabelecendo a obrigatoriedade de se implantar o tratamento e destino final para as guas residuais de usinas de acar e lcool

    Parte desses problemas resultam/favorecem a sobreposio de funes e a indefinio de competncia

    dos rgos e instituies dos recursos hdricos, em complicados arcabouos jurdico e institucional, na falta

    de continuidade temporal ou na fragmentao espacial de aes e obras (algumas inacabadas), responsveis

    por conflitos ao desagregar a unidade de planejamento.

    Ao considerar a bacia hidrogrfica como a unidade de planejamento e de gesto surgem conflitos

    uma vez que a bacia no a mesma unidade geopoltica constituda pela Unio, os Estados e os municpios,

    os mapas de guas superficiais nem sempre correspondem aos mapas de gua subterrneas e os fenmenos

    do ciclo hidrolgico so globais.

    Com o agravamento dos problemas ambientais acima relacionados se coloca em evidncia a escassez

    relativa dos recursos hdricos pelo comprometimento de atributos qualitativos, para a maior parte da bacia

    (56,0% de sua rea correspondente ao Polgono das Secas que se estende no Vale; Souza & Mota, 1994). Os

    problemas do meio ambiente, por sua vez, se traduzem em problemas econmicos, jurdicos, legais,

    institucionais e administrativos.

    A gua deve ser reconhecida como um bem econmico, com custos crescentes para a sua obteno em

    quantidade, critrios de qualidade e oportunidade espacial e temporal apropriados para todos os usos e

    usurios, das atuais e futuras geraes. Entretanto, no se dispe da necessria informao e dos meios para

    efetivar este reconhecimento e colocar em evidncia o valor econmico-social-ecolgico intrnseco, de

    mercado e inter-temporal desses recursos, com vista a sua conservao e seu manejo integrado.

    No Polgono das Secas, de maneira particular, a gua potvel um recurso natural escasso e bastante

    vulnervel, com disponibilidades, principalmente de seus atributos qualitativos, limitadas e/ou crticas, o que

    contrasta com os elevados ndices de perdas nas grandes cidades do Nordeste, entre 30 a 40% de gua tratada

    (Projeto ARIDAS 1995, p.112), alimentado pela falsa cultura da abundncia. Desta forma os conflitos

    potenciais e mesmo atuais, so realidades estimadas com base em indicadores de vulnerabilidade da maioria

    dos rios temporrios, e mesmo em trechos do rio So Francisco (Campos, 1994).

    A proposta de um modelo de planejamento e gesto se depara com fatores geopolticos desagregados

    e com interesses setoriais e regionais, pblicos e privados, atuais e com possvel agravamento no futuro, de

    encontro sustentabilidade.

    A coordenao do processo de integrao e a conciliao desses interesses pressupe princpios,

    diretrizes e critrios consistentes e flexveis no existentes (em fase de definio). Por outro lado, no novo

    modelo de planejamento e gesto devero considerar os problemas estruturais e os instrumentos propostos

    nas polticas2.

    ___________________________

    2 Foras desintegradoras e de encontro entre elas, a serem reorientadas na coordenao dos rgos setoriais que tratam dos recursos hdricos; vcios da cultura da administrao pblica (tais como o documento tem mais importncia que o fato; a dimenso humana perde-

    se na relao Estado-cidado o que gera o descompromisso pela coisa pblica; ausncia de diretrizes e de princpios de longo prazo etc.

  • Eduardo A. Cadavid G

    a superar, em parte, com informaes, programas de educao e novas posturas do Governo e da sociedade; cultura do desperdcio e do

    manejo irresponsveis dos recursos naturais a ser mudada por um processo permanente de conscientizao social para a conservao;

    falta de informaes sobre o valor dos recursos hdricos para alicerar programas de conservao; descoordenao ou falta de meios para

    definir, adequar e implantar instrumentos como o direito de outorga de uso da gua, o cadastro usurios, o levantamento de

    disponibilidades hdricas.

    Da situao atual se relacionam e destacam os conflitos de uso dgua no mbito da sustentabilidade

    e no campo da vulnerabilidade (semi-rido localizado no Vale).

    No Plano de Aproveitamento Integrado dos Recursos Hdricos do Nordeste (Plirhine) foram

    estabelecidas categorias de conflitos e ordenamento prioritrio no atendimento das demandas hdricas, cujas

    consideraes so pertinentes na formulao de polticas para o planejamento e gesto dos recursos hdricos

    de grande parte da bacia.

    No caso da sustentabilidade, os problemas surgem, em geral, pelo no atendimento de necessidades

    hdricas (algumas aparentemente legtimas ou legitimadas por determinados setores e/ou usurios) a partir de

    certa disponibilidade hidrolgica. Em outros casos, os problemas podero referir-se ao descontrole sazonal

    dessa disponibilidade como ocorre com as enchentes (regularizao de vazes pelas barragens), a drenagem

    de reas rurais e urbanas, e os problemas de eroso dos solos e de transporte de sedimentos. No campo da

    vulnerabilidade os problemas surgem em determinados perodos como os de estiagens prolongadas; para isto

    contribui a falta de conhecimento da distribuio espacial das secas (Campos 1995).

    Devido falta da informao e do conhecimento relevante da vulnerabilidade s secas em grande

    parte da Bacia, ao nordeste, no possvel a definio de uma poltica eficiente e eficaz de uso e de manejo

    dos recursos hdricos e da convivncia de mitigao desse fenmeno. Isto poderia explicar (hiptese) as

    limitadas repercusses sociais e econmicas de diversos programas propostos para a soluo da seca,

    apontadas por Campello Netto (1995), o elevado nmero de obras hidrulicas sem concluir, com presumvel

    elevado custo social e o fracasso de aes e estratgias linearizadas ou homogeneizadas para problemas

    diferenciados entre reas e dentre setores com resultados ecolgicos, econmicos e polticos desastrosos.

    Na rea econmica, o problema est na no-sustentabilidade e na pouca atratividade financeira de

    atividades, gerando, em decorrncia, poucos investimentos do setor privado. Nas poucas sub-regies, onde

    ocorreram mudanas (como as tecnolgicas) para atenuar esses fatores negativos, por exemplo no plo

    Juazeiro/Petrolina do Submdio So Francisco3, os problemas foram reduzidos e esses locais passaram a

    constituir-se em plos de atrao.

    Os ndices de produtividade agrcola no Vale, em geral, so baixos, traduzindo os elevados riscos da

    agricultura de sequeiro no semi-rido, de fenmenos como os veranicos que ocorrem na poca de chuvas, e

    de insuficincias tecnolgicas apropriadas s condies do Vale. A observao quanto absoro de novas

    tecnologias apontam que esta se tem processado de forma muito lenta, principalmente por parte dos pequenos

    produtores.

    O rio So Francisco ainda apresenta grande potencial para a produo de pescado, porm sob forte

    ameaa ou risco de perda. A explorao e explotao crescente e sem controle de mais de 41 mil pescadores

    artesanais (Souza, 1996), aliada ao manejo inadequado desses recursos e s intervenes (construo de

    barragens, desmatamento de matas ciliares, poluio industrial e domstica, subprodutos de agrotxicos e de

    garimpo etc.), tm provocado mudanas na composio e no comportamento da ictiofauna, especialmente

    sobre as espcies migratrias, apresentando baixo ndices de produtividade e com algumas espcies de peixe

    ameaadas de extino, como consequncia da destruio de seus habitats.

    _______________

    3 Este plo era composto por 70 municpios, ocupava uma rea de aproximadamente 138mil km2 e tinha em 1992 mais de dois milhes

    de habitantes (SUDENE, 1995)

  • Poltica para o planejamento e gerenciamento dos recursos hdricos

    da Bacia do Rio So Francisco

    A construo de grandes barragens ao longo do rio So Francisco provocou o surgimento de

    obstculos migrao reprodutiva dos peixes, ao transformarem ambientes de caractersticas lticas em

    ambientes lnticos a montante dos barramentos, e reduzirem as cheias a jusante das barragens, impedindo a

    inundao das lagoas marginais na poca das chuvas, e com isto, alterando (destruindo) o ciclo biolgico de

    muitas espcies de peixes.

    Alm destes problemas, importante mencionar benefcios sociais das barragens que regulariza os

    caudais (reduzindo os riscos de enchentes catastrficas) e pagam compensaes financeiras (royalties) sobre

    a gerao hidrulica conforme definido pelo Decreto no. 1/11/91, beneficiando 40 municpios de seis Estados:

    Alagoas (12,5% dos municpios e 3,1% da compensao), Bahia (47,5% e 77,8%), Maranho (10,0% e

    2,3%), Pernambuco (15,0% e 12,0%), Piau (10,0% e 2,4%) e Sergipe (5,0% e 2,5%) com R$63,7 milhes

    (US$60,3 milhes) no perodo de 04/12/1995 (Informao da CHEST 1996).

    No que tange a energia eltrica e a despeito do grande potencial hidreltrico do So Francisco de

    10.379,2 MW/ano de energia firme, dos quais 5.840,0 MW/ano se encontram em operao ou em fase de

    construo (IBGE, 1994), o consumo por habitante muito baixo, devido a problemas de abastecimento, ao

    baixo nvel de renda de grande parte da populao e a falta de fornecimento, ou fornecimento precrio de

    energia eltrica nas reas de ocupao econmica recente.

    Como resumo dos principais problemas do setor de transporte (modalidades rodovirio, ferrovirio,

    hidrovirio e aerovirio) destacam-se: a ausncia de conservao e baixo padro da rede rodoviria e, em

    menor escala, da rede ferroviria, a falta de estradas nas reas de fronteira agrcola, o elevado custo do

    transporte e uma malha desarticulada e bastante deteriorada.

    O sistema de educao no Vale insatisfatrio, obsoleto e inadequado realidade, com graves

    carncias e distores no ensino bsico, com infra-estrutura precria e incapacidade de atendimento, tanto nas

    zonas urbanas quanto maior nas zonas rurais (Codevasf, 1994).

    O abastecimento de gua e o saneamento bsico so precrios, sendo a populao ribeirinha atingida,

    com freqncia, por doenas veiculadas pela gua e em decorrncia de inundaes. O atendimento as

    necessidades de sade no Vale insuficiente e desprovido de infra-estrutura adequada e oportuna. Isto, aliado

    aos precrios servios de saneamento so responsveis pelo elevado ndice de mortalidade infantil,

    constituindo-se uma das causas de emigrao da populao para centros urbanos (Codevasf, op. cit.).

    Conforme dados levantados pelo estudo Mapa da Fome III (Pelicano 1993), a situao dos municpios do

    Vale, por Estado, segundo os maiores ndices de indigncia, grave, sendo sintetizado na TABELA 2.

    Grande parte dos planos aplicados no Vale, em geral, alm de desarticulados entre as sub-regies e

    sem continuidade temporal, foram implantados parcialmente, por erros de concepo ou por inadequao aos

    condicionantes polticos, institucionais, sociais, econmicos, financeiros e do meio ambiente, caractersticos

    de cada sub-regio e determinantes da execuo, do acompanhamento e da avaliao desses planos.

    Acrescenta-se as limitaes advindas da falta de um marco terico-cientfico e tecnolgico adequado s

    condies da regio e exequvel, com os recursos e condicionantes socioeconmicos, para induzir o processo

    de desenvolvimento sustentvel dessa bacia.

    Relacionado com os problemas acima mencionados, a Codevasf (1989, p. 21) indicou outros aspectos

    problemticos no menos graves, os quais devero ser considerados numa proposta de polticas de

    planejamento e gerenciamento dos recursos hdricos do So Francisco:

    a) desvinculao do processo de planejamento do processo decisrio;

  • Eduardo A. Cadavid G

    TABELA 2 - Situao dos municpios do Vale do So Francisco, por Estado,

    segundo os maiores ndices de indigncia a

    ESTADO

    DE 40 A 50% DE FAMLIAS

    INDIGENTES

    MAIS DE 50% DE FAMLIAS

    INDIGENTES

    No. MUNICPIOS % N

    o. MUNICPIOS %

    Minas Gerais 15 7,6 0 0

    Bahia 46 40,3 65 57,6

    Pernambuco 26 44,0 28 47,6

    Sergipe 23 88,5 21 75,5

    Alagoas 22 46,8 24 51,1

    a Fonte: Peliano (1993) citado por Arajo (1996)

    b) tendncia a confundir sistemas de planejamento com elaborao de planos;

    c concentrao de esforos na preparao de planos muito detalhados e, portanto, pouco flexveis.

    Neste documento so relacionados, tambm, como problemas graves, os seguintes:

    a) a falta de dados e informaes hidrometeorolgicas consistidas e abrangentes, em diferentes setores e para

    diversos perodos, em um sistema de coordenao central para alimentar uma rede de subsistemas integrados;

    b) a falta de um sistema integrado (alimentado) e integrvel (alimentador de uma rede) de dados e informaes

    permanentemente atualizadas, com procedimentos sistematizados (porm flexveis e adequados s condies

    e possibilidades de cada sub-regio do Vale) de coleta normatizada, com tratamento de consistncia e

    armazenamento/ gerenciamento de dados, e de anlise, sntese, integrao e difuso oportuna de informaes

    hidrometeorolgicas georeferenciadas.

    Esse sistema tecnicamente possvel e socialmente almejado dever incorporar os procedimentos e as tcnicas

    modernas de domnio brasileiro (informtica, sensoriamento remoto, Sistemas de Informaes Geogrficas -

    SIG etc.) e alimentar os processos de tomada de decises, de formulao das polticas e de socializao da

    informao aplicada em servios como os de alerta de fenmenos de interesse social.

    2 OBJETIVOS

    A poltica de planejamento e gesto dos recursos hdricos dever estar devidamente inserida,

    harmonizada, integrada e complementada, de forma sinrgica, no modelo de desenvolvimento sustentvel.

    Particularmente esta integrao dever ocorrer nos planos regionais e em planos nacionais como o Plano

  • Poltica para o planejamento e gerenciamento dos recursos hdricos

    da Bacia do Rio So Francisco

    Plurianual 1966-69 e a Poltica Nacional de Recursos Hdricos, quando implementados, com objetivos,

    aes, projetos, metas e estratgias claras e definidas. Parrte desses objetivos se orientaro para:

    a) Criar as condies legais, institucionais e tcnicas para adequar o uso mltiplo das guas,

    considerando-se a realidade econmica, social e ecolgica de cada regio do Pas e a crescente

    escassez dgua. Este objetivo geral pressupe a concepo e aplicao de um novo modelo de

    gerenciamento de recursos hdricos. Nesta linha de ao foram propostas, como metas para 1996/99:

    - a elaborao de cinco planos de integrao de bacias hidrogrficas do rio So Francisco com outras

    bacias,

    - a implementao de um sistema de gerenciamento de mananciais subterrneos,

    - a implementao de um cadastro nacional de informao de usurios da gua,

    - a capacitao de recursos humanos,

    - a promoo de trs campanhas educativas,

    - a ampliao e manuteno da rede hidromtrica;

    b) Aumentar a oferta de gua potvel s populaes rurais, a partir do aproveitamento integrado e

    sustentvel das potencialidades hdricas [respeitando as restries e condies locais], principalmente

    no semirido, com aes e projetos como os de fortalecimento da infraestrutura hdrica do Nordeste

    (Prohidro), pela construo de cisternas comunitrias, poos rasos, barragens subterrneas, tanques, e

    perfurao, instalao e recuperao de poos profundos;

    c) Promover investimentos regionais e setoriais que valorizem a fora de trabalho pelo conhecimento de

    seu potencial;

    d) Conduzir os processos de organizao e negociao pela capacitao (formao do capital social) e

    descentralizao, com base em informaes dos cenrios e dos condicionantes desse desenvolvimento.

    As questes dos recursos hdricos devero ser tratadas em contextos mais abrangentes (integrados,

    harmonizados e balanceados) com as questes, objetivos, aes e projetos de setores como os do meio

    ambiente, pesquisa e desenvolvimento, cincia e tecnologia, saneamento bsico, agricultura, educao,

    transporte e energia e, principalmente na rea social.

    Nesta sntese no possvel relacionar todos esses objetivos, ainda que pertinentes no documento,

    destacando-se apenas alguns deles:

    a) Conservar e preservar a bacia hidrogrfica, contemplando diversas aes e projetos integrados de

    conservao e de proteo de sub-bacias, e de conservao e revitalizao de microbacias;

    b) A conservao, proteo e recuperao de solos, reconhecendo que nessa desarmonia est, em parte, a

    causa da reduo da gua que alimenta reservatrios;

    c) A proteo, recuperao ou recomposio de matas ciliares e dos topos de morros, bem como das

    cabeceiras dos rios;

    d) Outras aes e projetos se orientaro para incentivar as prticas sustentveis de conservao dos

    recursos naturais, bem como para promover o controle das fontes de poluio dos solos e das guas.

    Neste contexto o Plano Plurianual 1996-1999 (Rodrigues, 1996) define como meta possvel

    preservar 10 afluentes do rio So Francisco.

    As questes no setor dos recursos hdricos do Vale, que responde por cerca de 70,0% da

    disponibilidade hdrica total existente no Nordeste (Brasil, 1995), colocam-se como fundamentais e

  • Eduardo A. Cadavid G

    estratgicas para o desenvolvimento da regio. Estas questes definidas em um plano diretor, passam pelo

    tratamento dos problemas dado, em parte, pelas organizaes do Vale, e pelas agncias, conselhos e comits

    de bacias (resoluo dos assuntos prticos e imediatos), estes ltimos vistos pela SRH/MMA como fruns

    adequados para a avaliao do balano disponibilidades/necessidades de gua, planejamento do uso mltiplo,

    assessoria tcnica-econmica e gesto financeira-econmica. Tanto a elaborao do plano como a formao

    de agncias, conselhos e comits devero ser orientadas e incentivadas conforme princpios, diretrizes,

    critrios e instrumentos da Poltica Nacional de Recursos Hdricos, da SRH/MMA e de organizaes

    regionais como a CEEIVASF.

    Parte da poltica de recursos hdricos do Vale considerada no documento Compromisso pela Vida do

    So Francisco (SUDENE, 1995), coloca, de forma explcita, vrios objetivos, que constituem tambm

    objetivos para a poltica de planejamento e gesto, com destaque para:

    a) Definir um modelo institucional para a gesto integrada da bacia do So Francisco, que envolva a

    participao definida (conforme a incumbncia de cada ator) e oportuna (conforme as exigncias e

    possibilidades de cada um) dos governos federal, estaduais e municipais;

    b) Elaborar, em conjunto com as diferentes instncias da administrao e de forma integrada e

    complementar dos setores pblico, privado e da sociedade civil organizada, um diagnstico dos

    problemas que afetam o rio e seus afluentes;

    c) Elaborar, em conjunto, um plano diretor para a bacia e seus afluentes, dentro da perspectiva de

    integrao com bacias de outras regies;

    d) Dar continuidade aos estudos relativos ao projeto de transposio das guas do rio So Francisco, de

    acordo com critrios de sustentabilidade para o uso mltiplo e dos diversos usurios dos recursos

    hdricos.

    Diversas propostas e compromissos assinados pelo Brasil em conferncias internacionais,

    principalmente, na Conferncia das Naes Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD,

    1995/ Agenda 21), auxiliam na definio de um marco de referncia para especificar os objetivos de uma

    poltica de planejamento e gesto de recursos hdricos do Vale, entre as quais se relacionam as seguintes:

    a) Elaborao de polticas para o desenvolvimento sustentvel, mediante a integrao entre meio

    ambiente e desenvolvimento na tomada de decises nos planos poltico, de planejamento e de manejo

    dos recursos naturais, com a utilizao eficaz de instrumentos econmicos e de incentivos de mercado

    (Captulo 8 da Agenda 21). Nesta proposta, a responsabilidade de planejamento e administrao deve

    ser delegada s organizaes regionais, e os mtodos [tcnicas] nativos de administrao de recursos

    naturais devem ser considerados sempre que possvel. Um dos meios de implantao o

    fortalecimento institucional.

    b) Promover regionalmente o combate pobreza, o incentivo dos processos de gerao de emprego e a

    melhoria de renda para setores da populao pobre, assim como o treinamento profissional e o

    aprimoramento dos sistemas adequados de sade e educao (Captulo 3). A capacitao dos pobres

    para a obteno de meios de subsistncia sustentveis uma rea prioritria, com diversas atividades,

    uma delas a delegao de poder s comunidades.

    c) Promover padres de consumo e produo que reduzam as presses ambientais e atendam s

    necessidades bsicas da comunidade. Diversas atividades propostas no Captulo 4, como o estmulo a

    uma maior eficincia no uso dos recursos, reduo ao mnimo da gerao de resduos, estmulo

    reciclagem e reduo do desperdcio dos recursos naturais, entre outras, contribuiro para a mudana

    dos padres perdulrios de consumo.

  • Poltica para o planejamento e gerenciamento dos recursos hdricos

    da Bacia do Rio So Francisco

    d) Mitigar os impactos negativos das atividades humanas sobre o meio ambiente e os impactos negativos

    das mudanas do meio ambiente sobre as populaes humanas, fazem parte da sustentabilidade, com

    atividades como as pesquisas sobre a interao entre tendncias, fatores demogrficos e

    desenvolvimento sustentvel (Captulo 5).

    e) Proteger e administrar os recursos de gua doce. Neste sentido, o Captulo 18 dessa Agenda traz

    referncias conceituais para a produo sustentvel de alimentos e para o desenvolvimento rural

    integrado, bem como para o manejo integrado dos recursos hdricos. Estas devero ser consideradas

    no planejamento e gesto, prvios os testes e as adequaes do caso, quando necessrio.

    f) Deter a expanso dos processos de desertificao. As propostas contidas no Captulo 12 dessa Agenda

    defendem a erradicao da pobreza e a promoo de meios de subsistncia alternativos, como a

    gerao de empregos em regies ridas e semiridas, onde os modos tradicionais de sobrevivncia so

    frequentemente inadequados e insustentveis por causa da seca e da presso demogrfica.

    f) No Captulo 10 se sugere uma abordagem integrada do uso de recursos do solo, onde as questes do

    meio ambiente, sociais e econmicas devem ser consideradas simultaneamente. Nessa abordagem se

    destaca o papel da pesquisa para avaliar os impactos e riscos, bem como os custos e benefcios

    associados aos diversos usos dos recursos naturais.

    Com esta sntese de objetivos e com base na identificao sumria de problemas acima apresentados,

    se definem os objetivos de polticas para o planejamento e gesto:

    a) Elaborar um conjunto de diagnsticos integrados dos problemas fsicos que afetam o rio, seus

    afluentes e a bacia, dos problemas sociais e econmicos das comunidades que se relacionam com a

    problemtica dos recursos hdricos dessa bacia, e dos aspectos legais e jurdicos que se relacionam

    com a estrutura, uso, posse e manejo desses ambientes e recursos, entre outros aspectos relacionados,

    para fundamentar os cenrios sobre os quais se estabelecero as aes e as estratgias do planejamento

    e da administrao desses recursos. Dentre tais estudos possvel destacar alguns como:

    - ordenamento e zoneamento dos recursos naturais e socioeconmicos, visando definir os critrios para

    orientar a conservao e o manejo integrado dos recursos naturais;

    - anlise da problemtica migratria sazonal luz dos fatores determinantes e condicionantes, com vistas

    a identificar e caracterizar as reas de expulso atual e as reas de atrao potencial, gerando os

    critrios necessrios para definir polticas dinamizadoras nas reas deprimidas e de fortalecimento nas

    reas receptoras e/ou potenciais.

    b) Elaborar, em parceria com os setores pblico e privado e dentro da competncia individual e coletiva, e

    com a participao efetiva dos principais rgos e instituies atuantes na regio, um Plano Diretor

    para a bacia e seus afluentes, abrangendo perodos de mdio e longo prazos, dentro da perspectiva de

    integrao com bacias de outras regies. Este Plano dever ser a sntese e a integrao dos

    diagnsticos, dos cenrios atuais e prospectivos e dos planejamentos setoriais integrados que

    assegurem, na fase que se segue gesto, a necessria coordenao e controle na alocao ordenada

    dos recursos hdricos nos diversos setores usurios. Dever incluir, tambm, os mecanismos de

    permanente atualizao e adequao s novas realidades e exigncias do Vale.

    O Plano pressupe negociaes e acordos alicerados em sistemas de informaes, bases tcnicas e

    tecnolgicas para orientar esses acordos, a organizao e a formao do capital social para assumir os

    compromissos da descentralizao e outros e, principalmente, vontade poltica para dinamizar os

    processos de planejamento, integr-los no Plano e implement-los na gesto.

  • Eduardo A. Cadavid G

    c) Definir um modelo institucional para a implementao e implantao do Plano de gesto dos recursos

    naturais da bacia que envolva a participao efetiva, definida e integrada na negociao dos governos

    federal, estaduais e municipais, da sociedade civil organizada em conselhos, comits e outras, e das

    instituies atuantes na regio, respeitando as caractersticas e as reas de atuao ou de competncia

    de cada um dos interessados. Este modelo tem entre seus objetivos mediatos:

    - a conservao dos recursos naturais da bacia, isto , o se aproveitamento sustentvel e a proteo de

    reservatrios que perpetuem/renovem os fluxos hdricos,

    - a recuperao de sistemas degradados com base em critrios tcnicos, tecnolgicos, econmicos e

    ambientais prprios; este objetivo pressupe a formao de equipes multidisciplinares afins, atuaes

    interdisciplinares balanceadas/integradas e orientadas, e resultados transdisciplinares integrados para a

    soluo desejada e possvel,

    - o crescimento econmico compatvel com os potenciais, as limitaes e as perspectivas das sub-regies

    componentes da bacia, bem como, consistente com as formas de organizao e estruturao dos

    processos de crescimento, e de uso e manejo adequado s condies das sub-regies; este objetivo

    mediato poder ser auxiliado pela P&D e pela C&T que evidenciam os potenciais, minimizam as

    restries, modernizam os sistemas, orientam a organizao social e administrativa e definem o

    manejo integrado dos recursos naturais,

    - o aumento da oferta de emprego e melhoria do nvel de renda e da qualidade de vida da populao do

    Vale, em conseqncia do crescimento econmico sustentvel e distribudo, de mudanas na estrutura

    produtiva que garantem a sustentabilidade do processo, e de ampliao ou melhoria da cobertura ou da

    infra-estrutura dos servios sociais bsicos das comunidades na Regio,

    - como objetivos dependentes da melhoria das condies sociais e econmicas, especificamente da

    gerao de emprego, do aumento da renda e de melhoria/aumento de servios sociais no Vale, se tm

    a diminuio da emigrao do setor rural e de pequenas comunidades para os grandes centros urbanos,

    a reduo das disparidades intra-regionais e a incorporao de sub-regies economia regional e do

    Pas.

    O objetivo apresentar elementos de polticas para o planejamento e gesto dos recursos hdricos no

    Vale, destacando elementos de um novo modelo de desenvolvimento, procurando obter subsdios do Latin

    Ameriacan Water Forum para aperfeioar essa proposta.

    Os subsdios podero orientar-se na forma de crticas, sugestes e novas referncias ou experincias

    para realizar as mudanas ou para o aperfeioamento de tcnicas e mtodos considerados nesse novo modelo

    de gesto, ou ainda para apontar inconsistncias, erros ou omisses dos instrumentos propostos, e para obter

    o apoio financeiro s propostas futuras.

    3 METODOLOGIA

    Em termos gerais, o modelo proposto pauta-se na eficincia e eficcia, possveis e desejveis, dos

    processos econmicos, com qualidade e sustentabilidade, dependentes dos recursos hdricos, consultando

    para tal, as caractersticas, potencialidades e limitaes do meio ambiente, socioeconmicas e poltico-

    institucionais do Vale, de suas comunidades e do entorno. Nesses processos se incorporam novos paradigmas da reestruturao do Estado, com a estratgia pautada pela insero da dimenso ambiental nas atividades

    econmica, social e poltica.

  • Poltica para o planejamento e gerenciamento dos recursos hdricos

    da Bacia do Rio So Francisco

    O Estado visto no mais como principal produtor e investidor na maioria dos setores mas sim, como

    coordenador e formulador de princpios, diretrizes e critrios flexveis e adequveis para induzir e conduzir o

    processo (investidor apenas em determinados setores de sua incumbncia) de forma otimizada e sustentvel,

    em parcerias com as associaes comunitrias e com a iniciativa privada, com aes descentralizadas e

    compartilhadas dos setores pblico e privado, e com estratgias acordadas de associaes com vantagens

    para todos.

    O potencial de crescimento econmico no mais sustentado em vantagens comparativas e vantagens

    decorrentes da extenso territorial e da dotao qualificada de recursos naturais, mas sim em aes e

    estratgias, aliadas s vantagens relativas da dotao e qualificao de recursos naturais e da territorialidade,

    para evidenciar as vantagens da conservao e proteo, das medidas preventivas e educativas, do capital

    social e da informao acurada e oportuna, bem como para destacar as novas vantagens da associao, do

    compartilhamento de aes e responsabilidades e da integrao com a economia regional, nacional e

    mundial. Esse potencial derivado de/para as funes do rio, segundo a sinopse que segue, deve ser acrescido

    e incorporado ao processo de crescimento, exigindo para tal que os planejamentos setoriais sejam

    integrados/balanceados em um Plano Diretor.

    A definio de polticas de planejamento e gesto deve ser realizada com base em amostras

    consistentes da realidade, analisadas e integradas em cenrios estratgicos. No atual estado da arte, em

    geral, esses cenrios no se encontram adequadamente caracterizados para os propsitos de tomada de

    decises na gesto. necessrio, por tanto, complementar a atual base de dados e informaes utilizando

    tcnicas e mtodos modernos e exeqveis, entre outros, as dos sistemas de informao geogrfica (SIG).

    FUNES do Rio

    rio

    Abastecimento de gua

    Drenagem da bacia

    Gerao de energia

    Agricultura (41,6%); Irrigao

    (4,2%)

    Piscicultura

    Ecoturismo

    Paisagismo

    Navegao

    Ecolgica:

    Suporte vida ( biota)

    Regulador de processos

    - Controle de Enchentes (barragens, audes..)

    - Combinao e otimizao de fontes hdricas

    - Fontes alternativas de energia/comunidade

    Melhoria da Navegao

    Integrao intermodal

    Tecnologias para irrigao/agricultura

    Manejo Integrado de recursos naturais

    Unidades de conservao e proteo

    Tecnologia para a piscicultura

    Diagnsticos para os planejamentos

    Planejamentos integrados no Plano

    Plano Diretor para a gesto

    Gesto para a conservao

    Conservao para o bem coletivo

    CONHECE-LAS PARA; Conserva-las

    Proteg-las Preserv-las

    Valoriz-las Fortalece-las

  • Eduardo A. Cadavid G

    No levantamento e consulta das caractersticas, condicionantes e possibilidades para se definir

    polticas e um novo modelo de planejamento e gesto dos recursos naturais mister relacionar e caracterizar

    os fatores componentes dos cenrios, tais como: fsicos (climticos, hidrolgicos, solos, geomofolgicos,

    hidrogeolgicos, topogrficos etc.), scio-econmicos (demogrficos, socio-culturais, sistemas de produo,

    plos industriais, agroindustrias, agrcolas, hidreltricos, irrigao, pesqueiros, tursticos etc.), ambientais

    (potenciais, aptides, limitaes, vulnerabilidades etc.), pesquisa e desenvolvimento (P&D) e cincia e

    tecnologia (C&T) para incorporar com eficincia e sustentabilidade os potenciais e debelar/mitigar as

    restries e limitaes de uso e manejo dos ambientes e recursos naturais, e poltico-institucionais-financeiros

    para conduzir e viabilizar todos este processo de desenvolvimento.

    3.1 Descrio Geral da Bacia do So Francisco

    A bacia do rio So Francisco se encontra entre os paralelos 7o. e 21

    o. de latitude sul, o que determina

    caractersticas climticas variadas, com chuvas que vo de 350 a 1.600mm e temperaturas mdias de 18 a

    27o.C.

    A rea total de drenagem de 645.067km2 (IBGE, 1994) ou 631.133km

    2, (Projeto ARIDAS, 1995),

    corresponde a aproximadamente a 7,5% do territrio brasileiro, sendo que 61,8% ou 389.900km2 se localiza

    no Nordeste, 237.045km2 (37,5%) no Sudeste e 4.188km

    2 (0,7%) no Centro-Oeste (Gois e Distrito Federal)

    (Souza & Mota, 1994). Da rea da bacia situada no Nordeste, 300.263km2 (47,6% do total ou 77,0% da rea

    do Nordeste) se situa no Estado da Bahia e cerca de 14,0% nos Estados de Pernambuco, Alagoas e Sergipe

    (TABELA 3).

    3.1.1 Caractersticas fsiogrficas

    O Vale uma rea diferenciada no espao do Nordeste, com mais da metade de seu territrio, em

    torno de 56%, inserida no Polgono das Secas. O Polgono4, reconhecido pela legislao como sujeito a

    repetidas crises climticas e que deveria ser objeto de providncias especiais por parte dos Governos, tem

    uma rea de 353.435km2 (Projeto ARIDAS, 1995).

    __________________

    4 A rea circunscrevia-se, at 1933, a parte dos Estados de Cear, da Paraba e do Rio Grande do Norte, excludas at mesmo as respectivas capitais,(Secas do Cear). Por fora do art. 177 da Constituinte de 1934, a rea de atuao do Governo Federal foi ampliada.

    A Lei no. 175 de 07/01/36 ampliou o campo de aplicao de recursos com a definio do Polgono das Secas com uma rea de

    1.150.662km2. Os constituintes de 1946 modificaram a Carta de 1934, com a introduo do conceito Secas do Nordeste. Outras

    disposies, tais como os decretos-lei nos. 8.486 e 2.284 (28/12/45), e 9.857 (13/09/46), as leis nos. 1.348 (10/10/51), 3.692 (15/12/59),

    4.239 (27/06/63), 4.762 (30/08/68), 5.508 (11/10/68) e 61.544 (17/10/67), os decretos nos. 52779 (29/10/63), 57.427 (14/12/65), 62.214

    (1/02/68) e 46.237 (12/06/59), e as portarias ministeriais no. 27 (9/02/68) e no. 23 (01/01/69), modificaram a rea estendendo os

    benefcios a um maior nmero de habitantes. O Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste (FNE) (27/09/89) elegeu a isoieta

    mdia anual de 800mm com fator de delimitao do semi-rido; este fator tem-se revelado insuficiente e de aplicao inadequada (Souza

    et al., 1994).

    Ao longo do perodo 1933/96 o Polgono tem experimentado significativas mudanas por fora de

    legislaes acomodadas a interesses circunstanciais e orientadas, aparentemente, para a luta contra a seca em

    lugar da procura do convvio e da harmonia do homem com ela5, assimilando, com base no conhecimento

    dessa realidade, essas crises. Nesse Vale possvel diferenciar quatro sub-regies fisiogrficas sumariamente

    delimitadas e descritas na FIGURA 2.

  • Poltica para o planejamento e gerenciamento dos recursos hdricos

    da Bacia do Rio So Francisco

    A seguir se apresentam dados e informaes de aspectos fsiogrfico, climtico, hidrolgico, do solo,

    demogrfico e socioeconmico.

    3.1.2 Clima

    As caractersticas climticas do Vale so determinadas por vrios fatores, entre eles:

    a) A configurao orogrfica, com efeito visvel na distribuio das temperaturas mdias, coincidindo os

    maiores ndices na calha do rio So Francisco; para uma e outra margens, as temperaturas diminuem

    por efeito da altitude (Codevasf, 1989).

    - o Alto So Francisco, da nascente at Pirapora, com altitude de 600 a 1.600m, apresenta clima mido e

    submido, com chuvas no vero e inverno seco; as precipitaes mdias anuais variam entre 1.200 e

    1.500mm e a temperatura mdia situa-se em torno de 23,0o C.

    - o Mdio So Francisco, entre Pirapora e Remanso, com altitude de 400 a 1.000m, apresenta um clima

    submido seco e semirido, com chuvas de vero e precipitaes mdias anuais que variam de 600 -

    800mm, na plancie oriental, a 1.400mm no limite oeste da bacia ao longo Serra Geral de Gois, sendo

    a temperatura mdia anual de 24,0o C.

    - o Submdio So Francisco, entre Remanso e Paulo Afonso, com altitude de 300 a 400m; o clima

    apresenta-se rido e semirido, com regime de chuvas muito irregular variando entre 350 e 800mm,

    conforme a altitude. A temperatura mdia anual de 26,5o C.

    - o Baixo So Francisco, entre Paulo Afonso e a foz, com altitude de 0 a 300m e precipitao entre 400 a

    1.300mm; o clima semirido no interior, modificando-se para sub-midomido em direo foz do

    rio.

    b) Diferentes massas de ar com movimentaes orientadas NE - SW na primavera e vero e E - W no

    outono e inverno. A regio apresenta baixo ndice de nebulosidade, permitindo a alta incidncia de

    radiao solar (Codevasf, 1994).

    Em funo das elevadas temperaturas mdias anuais, da localizao geogrfica intertropical e da

    reduzida nebulosidade na maior parte do ano, a evapotranspirao potencial muito alta acompanhando as

    variaes de temperatura, com os maiores ndices (2.140mm) no Submido So Francisco, descendo para

    1.300mm na zona alta do limite norte do Vale.

    _________________

    5 Jos Guimares Duque (Queiroz, 1980) conhecedor da zona semi-rida nordestina, no conseguiu ser ouvido na sua advertncia de que mais fcil aprender a conviver com a seca, do que lutar contra ela, procurando frutos da aridez da harmonia com a natureza (DNOCS,

    1959)

  • Eduardo A. Cadavid G

    FIGURA 2 - Regies fisiogrficas do Vale do So Francisco a

    a Fonte: Informao primria obtida da Codevasf (1994)

    REGIES FISIOGRFICAS DO VALE DO SO FRANCISCO a

    1 - O Alto So Francisco. Desde as cabeceiras no municpio de So

    Roque, Serra da Canastra (MG), at a cidade de Pirapora (MG), com o relevo mais acidentado e com altitudes que atingem os 1.600

    msnm (600 a 1.600 msnm), com declividades que oscilam entre 0,2 a 0,7 m/km; a evaporao mdia de 2.300mm, umidade relativa de

    76% e luminosidade de 2.400h. O regime pluvial intensivo com chuvas variando de 1.200 a 1.900 mm/ano. A vegetao de

    floresta e cerrado e o clima tropical-mido, com temperaturas mdias de 23,0o.C. Compreende a regio de maior densidade

    populacional do Estado de Minas Gerais das sub-bacias dos rios das Velhas, Par, Indai Abaet e Jequita.

    2 - O Mdio So Francisco, entre as cidades de Pirapora e Remanso

    (BA). As altitudes variam entre 500 (nas plancies) e 1.000 msnm,

    com fortes variaes de nvel e com potencial de aproveitamento

    hidreltrico e declividades mdias entre 0,2 a 0,1 m/km; evaporao mdia de 2.900mm, umidade relativa de 60% e luminosidade de

    3.300h. A precipitao oscila entre 400 a 1.600mm. A vegetao de cerrado-caatinga e o clima tropical semi-rido. Neste trecho se

    encontram as sub-bacias dos afluentes Pillo Arcado, Jacar, Paracatu, Carinhanha, Correntes, Grande, Verde Grande e

    Paramirim.

    3 - O Submdio So Francisco compreendido no trecho entre as cidades de Remanso e Paulo Afonso, abrangendo, portanto, reas dos

    Estados da Bahia e Pernambuco. As altitudes variam entre 200 a 500 msnm e declividades entre 0,10 a 0,3 m/km; a evaporao

    mdia de 3.000 mm, umidade relativa de 60% e luminosidade de

    2.700h, com precipitao pluvial de 350 a 800 mm/ano. A

    vegetao de caatinga e o clima tropical semi-rido. Inclui as sub-bacias dos rios Paje, Touro, Vargem e Moxot.

    4 - O Baixo So Francisco compreendido no trecho de Paulo Afonso at

    a foz na divisa. Apresenta uma rea montanhosa e ondulada com elevaes de at 200 m, e uma plancie costeira tambm dominada

    por ondulaes; a evaporao mdia de 2.300mm e o regime de precipitao pluvial varia de 500 a 1.200mm. A vegetao de

    caatinga e mata e o clima tropical semi-rido.

    Ao longo do percurso do rio de 2.700km registra-se uma diferena de altitude de aproximadamente 1.000m que se distribui de forma

    desigual por sete Estados, com influncia varivel no meio ambiente

    Baixo

    So Francisco

    Submdio

    So Francisco

    Mdio

    So Francisco

    Alto

    So Francisco

    Juazeiro

    Petrolina

    Barreiras

    Bom Jesus

    da Lapa

    Belo

    Horizonte

    C e a r

    S e r g i p e

    B a h i a

    P i a u

    G o i s

    DF

    M i n a s

    G e r a i s

  • Poltica para o planejamento e gerenciamento dos recursos hdricos

    da Bacia do Rio So Francisco

    TABELA 3 - Caractersticas fsicas regionais do Vale do So Francisco a

    CARACTERSTICA

    S

    ALTO

    (Canastra-

    Pirapora)

    MDIO

    (Pirapora-Sobradinho)

    SUBMDIO

    (Sobradinho-P.Afonso)

    BAIXO

    (P.Afonso-O.Atlntico)

    Altitude 1.600-600 1.000-500 500-200 200-0

    Vento (m/s) SE - 3 NE - 4 SE - 4 SE 4

    Umidade (%) 76 60 60 73

    Luminosidade (h) 2.400 3.300 2.700 2.400

    Nebulosidade (0 a 10) 5 4 4 5

    Evaporao (mm) 2.300 2.900 3.000 2.300

    Precipitao (mm) 1.900 a 1.200 1.600 a 400 600 a 350 1.200 a 500

    Estao chuvosa Nov. a abr. Nov. a abr. Nov. a abr. Mar. a set.

    Vegetao Floresta e Cerrado Cerrado e Caatinga Caatinga Caatinga e Mata

    Clima Tropical mido Tropical Semi-rido Tropical Semi-rido Tropical Semi-rido

    Declividade (m/km) 0,70 a 0,20 0,20 a 0,10 0,10 a 0,30 3,10 a 0,10

    a Fonte: Codevasf (1989) complementado com dados de Portobrs, citadas por Arajo (1996)

    Esta elevada evapotranspirao no compensada pelas chuvas determina o dficit do balano hdrico

    do solo durante todo o ano na regio rida. Esse dficit diminui com o afastamento da zona rida, no sendo

    inferior a trs meses, mesmo no extremo sul da bacia.

    Desta forma, as culturas anuais na poca seca s so possveis com irrigao.

    Os valores mdios anuais de umidade relativa se situam entre 60 e 80%, com os valores mais altos nas

    proximidades da foz. Para o caso do semi-rido, o clima , por vezes, mido, outras, desrtico e algumas

    vezes o meio termo.

    Na sub-regio do Baixo So Francisco o clima tem sido caracterizado pela insuficincia e evidente

    irregularidade temporal e espacial das chuvas, temperaturas elevadas, fortes taxas de evaporao e dominante

    dficit no balano hdrico.

  • Eduardo A. Cadavid G

    3.1.3 Hidrologia

    O rio So Francisco tem 36 tributrios, dos quais 19 so perenes, com uma descarga mdia anual no

    oceano Atlntico em torno de 90 bilhes de m3 de guas drenadas de extensas e distintas regies

    hidrogrficas do Vale.

    As principais caractersticas dessa rede so apresentadas na TABELA 4 e FIGURA 3, enquanto que a

    FIGURA 4 apresenta o perfil longitudinal do rio So Francisco.

    As reas de drenagem destes afluentes, com exceco do rio Verde Grande, esto situadas na regio

    no abrangida pelo Polgono das Secas que, apesar de representar cerca de 44,0% da rea total da bacia, so

    responsveis por 85,0% dos deflvios de estiagem e 74,0% dos deflvios da bacia, que ocorrem na seo de

    Traipu (Silva, 1996).

    A distribuio irregular das disponibilidades hidrolgicas superficiais obedece a um conjunto de

    fatores, tais como: extrema variabilidade de ocorrncia de chuvas no tempo e no espao; condies climticas

    severas nas regies semi-ridas, com uma evaporao muito intensa durante todo o ano; fatores

    geomorfolgicos, em particular a impermeabilidade dos solos cristalinos que, junto a fatores de vegetao

    promovem o escoamento superficial.

    TABELA 4 - Principais caractersticas da rede hidrogrfica do Vale do So Francisco a

    RIOS ESTAES

    REAS DRENAGENS (km2)

    b

    VAZES MDIAS ANUAIS (m3/s)

    Rendimentos Especficos (l/s/km2)

    - So Francisco

    (De montante a jusante)

    Trs Marias e Pirapora

    49.750 e 61.880

    707 e 768

    14,21 e 12,41

    Barra do Jequita e Cach. Manteira

    90.990 e 107.070

    1.015 e 1.132

    11.16 e 10,57

    So Romo e So Francisco

    153.702 e 182.537

    1.520 e 2.082

    9,89 e 11,41

    Januria e Manga

    191.700 e 200.789

    2.168 e 2.050

    11,31 e 10,21

    Carinhanha e Morpar

    251.209 e 344.800

    2.207 e 2.421

    8,79 e 7,02

    Barra e Juazeiro

    421.400 e 510.800

    2.652 e 2.731

    6,29 e 5,35

    Po de Acar e Traipu

    608.900 e 622.600

    2.847 e 2.980

    4,68 e 4,79

  • Poltica para o planejamento e gerenciamento dos recursos hdricos

    da Bacia do Rio So Francisco

    Margem esquerda:

    - Paracatu e Urucua

    Porto Alegre e Barra do Escuro

    41.709 e 24.658

    436 e 251

    10,45 e 10,18

    - Carinhanha e Corrente Junenlia e Porto Novo

    15.832 e 31.120

    150 e 251

    9,47 e 8,07

    - Grande Boqueiro

    61.900

    262

    4,23

    Margem direita:

    - Paraopeba e Das Velas

    Porto Mesquita e Vrzea da Palma

    10.300 e 25.940

    140 e 292

    13,59 e 11,26

    - Jequita e Verde Grande Jequita e Boca da Caatinga

    6.811 e 30.174

    46 e 19

    6,75 e 0,63

    a Fonte: DENAEE citada pela Codevasf (1989) b rea de drenagem controlada pela estao

    Um balano preliminar das guas metericas indica que dos volumes precipitados na bacia, em mdia,

    84,0% so consumidos pela evaporao e evapotranspirao, 11,0% se escoam atravs dos cursos de gua e

    5,0% realimentam os aquferos.

    Analisando os coeficientes de escoamento das reas de drenagem dos principais tributrios, se

    observam variaes entre 11,0% a 32,0%, com os seguintes valores: Paracatu (32,0%), Carinhanha (29,0%),

    Rio das Velhas (29,0%), Corrente (25,0%), Jequita (17,0%) e Grande (11,0%).

    O regime anual das enchentes caracteriza-se por apresentar cheias no vero e estiagens no inverno,

    sendo que as enchentes do rio so oriundas, basicamente, de grandes contribuies das regies do Alto e

    Mdio cursos, provenientes de reas de drenagem montante de Pirapora (29,0%), dos rios das Velhas

    (18,0%), do Paracatu (19,0%) e do Urucuia (11,0%), as quais totalizam 77,0% da vazo total do rio. Os

    23,0% restantes so aportados pelos rios Jequita, Correntes, Carinhanha, Grande, Verde Grande e

    escoamentos de reas no controladas (Codevasf, 1989, p. 141-144).

    Registros de vazes afluentes Juazeiro, durante o perodo de 1930 a 1980, indicam que em 35,0%

    desse perodo os registros foram superiores a 2.800 m3/s, enquanto que em 65,0%, as vazes foram inferiores

    a 2.800m3/s. Esta informao importante para definir nveis de comprometimento da vazo em horizontes

    de planejamento de longo prazo.

  • Eduardo A. Cadavid G

    Principais tributrios e sub-bacias de drenagem

    do rio So Francisco 1 = Rio So Francisco; 2 = Rio Paraopeba ; 3 = Rio das Velhas; 4 = Rio Paracatu ; 5 = Rio Preto ; 6 = Rio Verde Grande; 7 = Rio

    Carinhanha ; 8 = Rio Correntes ; 9 = Rio do Meio ; 10 = Rio Grande; 11 = Rio Preto ; 12 = Rio Verde ; 13 = RioJacar; 14 = Rio Salitre ;15 = Rio

    Paje; 16 = Rio Moxot; 18 = Reservatrio Trs Marias; 19 = Reservatrio de Sobradinho; 20 = Reservatrio de Paulo Afonso; 21 = Reservatrio de

    Moxot

    Disponibilidade Hdrica Superficial

    QM Q7,10 QR

    (m3/s) (m3/s) (m3/s) A = Pirapora B = So Francisco C = Morpar

    D = Barra E = Juazeiro 2.250

    F = Traipu

    C e a r

    S e r g i p e

    B a h i a

    P i a u

    G o i s

    DF

    M i n a s

    G e r a i s A

    B

    C

    D

    E

    F

    1 2

    3

    4

    5

    6

    7

    8

    9

    10

    11

    12

    13

    14

    15

    16

    18

    19 20

    21

    785

    1.845 2.430

    2610

    2.742

    2.945

    125

    292 585

    718

    754

    810

    VALE DO SO FRANCISCO E PRINCIPAIS SUB-BACIAS DE DRENAGEM POR

    TRECHOS

    Trecho Sub-bacia rea Regime Sub-bacia rea Regime

    1o. So Franc. 26.621 Perene Par 12058 Perene Paraopeba 13549 Perene das Velhas 27900 Perene

    Indai 2981 Perene Borrachudo 1727 Perene

    Abaet 6435 Perene Jequita 8697 Perene

    2o. Paracat 47764 Perene Pacu 16273 Perene

    Urucuia 24107 Perene Pandeiros 10568 Perene Verde Grande 40955 Perene Carinhanha 27108 Perene

    das Rs 16057 Intermit. Corrente 42179 Perene S.Onofre 6034 Intermit. Grande 82902 Perene

    Paramirim 19604 Intermit. Verde 20611 Intermit. Jacar 20642 Intermit. Pilo Arc. 16468 Intermit.

    3o. Jibia 14238 Intermit. Salitre 16818 Intermit.

    Garas-Pontal 13991 Intermit. Cura 12480 Intermit. Macurur 10465 Intermit. Brgida 13816 Intermit.

    Ouricuri 7227 Intermit. Paje 17229 Intermit.

    Moxot 12243 Intermit.

    4o. Do Sal 8125 Intermit. Capia 5572 Intermit.

    Ipanema 8162 Perene Traipu 5972 Perene Betume 5006 Perene

  • Poltica para o planejamento e gerenciamento dos recursos hdricos

    da Bacia do Rio So Francisco

    a Fonte: Informao primria obtida da Codevasf (1994) e DNAEE (1985)

    ALTITUDE (m)

    250

    500

    750

    1.000

    FIGURA 3 - Principais tributrios e sub-bacias de drenagem do rio So Francisco e a

    P

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    T r e c h o N a v e g v e l

    Trecho

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  • Eduardo A. Ca